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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


NUNCA É DEMAIS / Harold Robbins
NUNCA É DEMAIS / Harold Robbins

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                   

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

Quando o jovem Dave Shea, de Wyckoff, Bergen County, resolve que não quer ser caixeiro como o seu pai, inicia um percurso perigoso e cruel que o levará a tornar-se um dos mais perigosos homens da alta finança mundial. Da cosmopolita Nova Iorque, passando por Nassau, Zurique, Kiev ou Hong Kong, Dave não olha a meios para obter tudo aquilo que deseja. Um empolgante e sensual romance onde a fidelidade é a única coisa que não se pode comprar.

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15 de Janeiro de 2000
David Shea bebeu o último golo do Dom Pérignon da flute de cristal. Observava Marilyn Henry, uma loura alta com o corpo atlético de quem faz regularmente exercício no ginásio, e Carne Blake, também alta e com um corpo igualmente vigoroso, cabelo negro de azeviche e rosto de querubim, enquanto as duas levantavam a mesa. Ambas eram modelos. Olhou lá para fora, para além da varanda. O seu apartamento do décimo oitavo piso dava para o East River. As luzes cintilantes da cidade pintavam um panorama espectacular de Manhattan.
Voltou-se quando Marilyn encheu a flute com mais champanhe. Olhou para o homem que estava do outro lado da mesa: Ron Bryant, o seu advogado. Este parecia mergulhado em profundos pensamentos. A única coisa que contradizia o aspecto juvenil do seu rosto atraente eram as têmporas que começavam a tornar-se grisalhas. Tinha escolhido Ron Bryant depois de Cole se ter recusado a continuar a representá-lo. Tinha feito essa escolha porque Ron era aquilo a que se chama um self-made man. Tinha servido como coronel na Força Aérea antes de entrar para o curso de Direito da Universidade do Oklahoma e representara Chase Manhattan depois da queda do negócio do petróleo em Oklahoma, nos anos 80.
- Muito bem, doutor, o que é que vai nessa cabeça? Tem estado distraído desde que entrou pela porta.
Ron olhou na direcção das duas raparigas que estavam na cozinha. Levantou-se e começou a dirigir-se para a varanda, dizendo:
- Vamos lá para fora.
Tanto ele como Dave aceraram em charutos. Ron acendeu o seu cubano. Dave, que
até três meses antes nunca tinha fumado na vida, acendeu o seu cigarillo. Inspirou profundamente o fumo.
Ficaram os dois a olhar a vista.
- Giuliani quer apanhar-te! - disse Bryant, por fim.
- Não é a primeira vez que alguém me quer apanhar - disse Dave, encolhendo os ombros.
- Eu sei, mas tu és um óptimo alvo para um homem que pondera candidatar-se ao Senado. Wall Street é um alvo seguro. Viste o que ele fez a Milken e Boesky: foi implacável. Os bons apanham os maus. Para um político, é um sonho, e para mais os eleitores adoram.
- Eu sou um dos bons. Dei milhões a ganhar às pessoas. Represento o "Sonho Americano". Vim do nada, criei as minhas próprias oportunidades. Nasci com as minhas qualidades,
bom aspecto, encanto e determinação. Não tinha património, nem nome de família - disse Dave, em sua própria defesa.
- Passaste por cima de muita gente ao longo do caminho. Isso torna-te vulnerável.
- Eles não têm nada. Qualquer pessoa que lhes possa dar informações está tão metida nisto quanto eu, ninguém se quer expor. As pessoas em lugares elevados mantêm-se de boca fechada.
Dave voltou-se para dentro do apartamento. Marilyn e Carrie tinham-se instalado no sofá. Marilyn roçava a mão na perna de Carrie.
- Daqui a vista é melhor - disse Dave com um sorriso, aspirando mais uma vez o fumo do cigarillo.
Ron voltou-se para olhar para dentro da sala. A mão de Marilyn tinha subido para dentro da saia de Carrie. Carrie ergueu a saia, revelando as meias de renda negra. Não usava mais nenhuma roupa interior para além das meias. Carrie estendeu a mão e começou a brincar com os mamilos de Marilyn, que se contraíam sob a T-shirt justa de algodão.
- Conheces Tabatha Morgan? - perguntou Ron.
- A delegada do Ministério Público. Uma vez chamou a Janelle e fez-lhe perguntas acerca de mim. Mas resolvi esse problema.
- Talvez não. O nome dela foi mencionado - disse Ron, em tom distante.
Marilyn tirou a T-shirt e começou a gemer enquanto Carrie lhe roçava suavemente os dentes pelo mamilo. Dave reflectiu por instantes.
- Vamos ver o que conseguimos saber sobre este "aspirante" a senador.
Entraram no apartamento para se reunirem às duas senhoras.
Sábado à noite, 20 de Abril de 1974
Nessa noite de sábado estavam quatro rapazes juntos: Dave Shea, Cole Jennings, Bill Morris e Tony DeFelice. Os quatro possuíam alguma reputação de serem um pouco mais do que desordeiros.
Dave Shea, um rapaz atraente, alto e musculoso, era jogador de futebol americano. Todas as raparigas sonhavam andar com Dave Shea. Há dois anos que era o distribuidor da equipa da escola e, durante esses dois anos, só tinham perdido um jogo. Naquele último ano a equipa ainda não havia sofrido nenhuma derrota. Além disso era um aluno notável. No primeiro ano tinha conseguido entrar para a National Honor Society. Os seus pontos fortes eram a Matemática, a Química e a Física. Em Abril aceitara uma bolsa de futebol americano da Universidade de Rurg ers. Sem a bolsa não poderia ir para a universidade. Mas tinha a bolsa e o seu futuro parecia estar garantido.
Porém, Dave possuía um lado obscuro. Não era o álcool. O que se passava era que Dave era um batoteiro. Fazia batota no campo, onde tinha um talento excepcional para saber quando a equipa de arbitragem não estava a olhar e agarrar os adversários, agarrar-lhes as máscaras ou mesmo dar-lhes um soco no nariz. Em contacto próximo com um defesa da outra equipa começava a sua "conversa porca". Chamava-lhes nomes até que eles reagissem. com esse truque conseguia expulsar uma das estrelas da defesa contrária, enquanto Dave ficava de boca aberta e a abanar a cabeça, mostrando não compreender o que originara a falta. No laboratório de química sabia quais os resultados esperados de um problema de análise qualitativa e fingia ter obtido esses resultados, quando na realidade não os obtivera. Era na verdade um bom jogador
e um bom aluno, mas tinha os seus truques para parecer ainda melhor.
- Tu és suficientemente bom, Shea - tinha dito Cole, um dia. - Por que é que não hás-de fazer as coisas correctamente?
- Olha, Jennings. Atua família vai mandar-te para a universidade, seja como for. És inteligente, mas não precisas de uma
bolsa. Eu preciso. Tenho de me proteger... tenho de ser ainda melhor...
- Eu entendo. Mas tu és suficientemente bom!
- Ai sim? Pois bem, quero ver se asseguro isso. O filho de um representante de produtos de mercearia que anda pelo país a implorar pequenas encomendas... Ah! Eles fazem as contas aos tostõezinhos todos os meses, na esperança de terem o suficiente para pagar a prestação do carro. Não quero viver assim, Jennings!
E também não queria viver sem sexo. Tinha treze anos quando meteu pela primeira vez o seu grande pénis dentro de uma rapariga.
Ela tinha dezassete.
- Meu Deus! Os rapazes disseram que tu... hem, eu não posso com isso tudo, Shea.
- Aposto que podes - disse ele, com uma tesão que doía e pedia alívio.
Começou a entrar nela devagar até estar enterrado, bem fundo, lá dentro.
- Deus do Céu! Ah! Eu nunca teria acreditado!
A dada altura, Amy, que também tinha declarado que nunca, de modo nenhum, foi. E queixou-se de que a magoava. Mas ele nunca achava que era o bastante, e depois da primeira vez ela também não.
Cole Jennings jogava basquetebol e jogava bem. Era alto, tinha um metro e noventa e oito, e uma agilidade indefinível sobre o chão envernizado que o fazia ser reconhecido como um jogador indispensável. com o cabelo louro a cair-lhe para a testa driblava em direcção ao cesto, desviando-se para um lado e para o outro, evitando os jogadores que o tentavam marcar, até que no último momento passava a bola a um companheiro de equipa que estivesse suficientemente próximo do cesto e entrava para apanhar o ressalto e voltar a tentar se o cesto falhasse. Obtinha quase todos os seus pontos ganhando as bolas dos ressaltos e afundando-as no cesto.
Também ele era um excelente aluno. Um dos dois, Dave ou Cole, iria ser o designado para fazer o discurso de despedida da sua turma do liceu.
Como Dave insinuara, Cole não precisava de uma bolsa, atlética ou académica, para ir para a universidade. O pai dele era um dos sócios principais de uma importante firma imobiliária. A família podia e queria pagar-lhe as propinas em qualquer universidade que ele quisesse frequentar.
Mal atingiu a idade de conduzir, Cole teve o seu próprio carro. Naquela noite conduzia a sua prenda de fim do liceu, que já havia
recebido, embora ainda faltassem sete semanas para a cerimônia da formatura. Era um Pontiac TransAm preto. Os pais sempre lhe haviam dado tudo. A sua formatura não era excepção.
Cole era um jovem responsável e sério, e mesmo podendo andar a alta velocidade não o fazia. Era conservador, se o compararmos com Dave.
Dave sentiu inveja de Cole quando viu o belíssimo TransAm preto. Um dia, pensou ele... um dia... mas nem sequer podia guiar o velho Chevy do pai. O carro era demasiado importante para a profissão dele, e ele não podia permitir que o filho o guiasse.
Bill Morris jogava futebol americano e basquetebol, embora não fosse tão bom jogador como Dave e Cole. Passava a maior parte do tempo no banco. Mesmo assim, "tinha jeito" para os desportos e era considerado um atleta. Os quatro eram. Também não era tão bom aluno como os seus dois amigos; e os pais tinham passado anos a guardar dinheiro para, quando chegasse a altura, lhe poderem pagar as propinas. Bill não ia ganhar uma bolsa.
Era um jovem robusto; não era suficientemente pesado para o futebol americano nem suficientemente alto para o basquetebol. Quando jogava basquetebol usava óculos de armação plástica presos à cabeça por uma fita de borracha. No campo de futebol não usava óculos e fiava-se numa visão levemente desfocada do decorrer do jogo. Não o prejudicava muito, porque era um defesa e era quase invariavelmente bloqueado depois de ter bloqueado ou não o seu homem. Tinha cabelo escuro, e, estranhamente, já se notavam na sua testa os primeiros sinais de calvície.
Dos quatro, muitos considerariam Tony DeFelice como o que tinha mais probabilidades de ser bem sucedido. Eram todos atletas, mas Tony era-o num sentido muito diferente. Era um pugilista do Golden Gloves com um futuro promissor.
Era um peso médio, fino como uma lâmina, com músculos duros como o aço. Muitos o receavam, mas ele tinha sido treinado para se controlar e nunca se servir da sua técnica de pugilista fora do ringue. A sua ambição era ir aos Jogos Olímpicos e depois tornar-se profissional.
Era um jovem extremamente intenso, com olhos duros. Quem o conhecia bem sabia que ele tinha um sentido de humor vivo e encontrava motivo de divwsão em todo o tipo de coisas e pessoas.
A família dele possuía uma série de carrinhas de recolha de entulho e lixo numa extensa área de Bergen County. Dizia-se que tinham "ligações". Eram uma família de imigrantes italianos astutos e trabalhadores, que havia começado com uma carroça puxada por uma mula e tinha crescido gradualmente até construírem o considerável negócio que agora possuíam.
Neste húmido sábado à noite do mês de Abril era a mesma coisa de sempre: não havia nada para fazer. Escutavam em silêncio o último êxito de Bruce Springsteen. Os quatro rapazes tinham comprado montes de cerveja e entre eles haviam bebido vinte garrafas. As quatro garrafas que restavam permaneciam no chão, na parte de trás do carro de Cole. Um pouco depois das dez, Cole conduziu o carro até ao estacionamento do Pizza Palace, junto de Wyckoff.
O Palace poderia ter recebido o nome mais realista de a barraca. Tinha somente quatro pequenas mesas. Os clientes normalmente recebiam aspizzas e levavam-nas para casa. Os rapazes encomendaram duas pizzas e regressaram ao carro para esperar vinte minutos até que estivessem prontas. Abriram as últimas quatro garrafas de cerveja e falaram se deviam ou não aproveitar esse tempo de espera para ir de carro comprar mais algumas cervejas.
Estavam ali sentados, a beber as últimas cervejas e a falar de coisa nenhuma quando ao lado do carro apareceu Jim Amos.
- Olha, com que então o Slaw - disse ele, com a voz toldada pela cerveja. Slaw era uma alcunha que por vezes atribuíam a Cole. Ele não gostava, mas não dava muita importância.
- Máquina nova, Slaw? - disse Amos, em tom de provocação. Amos tinha vinte e quatro anos e havia servido durante quatro
anos na Marinha Americana. Era conhecido na cidade e por toda a região como bêbedo e desordeiro. Por vezes, abordava um rapaz franzino na rua e perguntava-lhe qual era a melhor unidade militar dos Estados Unidos. Se o rapaz não soubesse que Amos tinha estado na Marinha, podia responder que eram os Fuzileiros, ou qualquer outra coisa. Se não respondesse que era a Marinha, Amos possivelmente o mandaria ao chão. Mas também era capaz de lhe dizer:
- Atua resposta está errada, mas vou deixar que me pagues uns copos para te desculpar.
Mas fosse como fosse, Jim Amos era desordeiro. Tinha sido espancado uma ou duas vezes, por ter atacado o homem errado; mas isso não o havia desencorajado, e ele continuava a ser um bandalho de meia tigela à procura de alguém a quem intimidar.
Naquela noite sentia-se agressivo.
- Slaw e os seus três mosqueteiros. A mamã e o papá compraram isto ao menino? - disse ele, ao mesmo tempo que dava um salto e se sentava no guarda-lama.
Num instante, Dave tinha saído do lugar do pendura e dado a volta ao carro.
- Tira daí o rabo, Amos! - gritou.
- Vais obrigar-me?
- vou obrigar-te, sim.
Naquela altura, Cole saía do carro, seguido por Bill e Tony, da parte de trás.
- Oh! Vêm os quatro. Belo. Por mim, tudo bem. Quem é o primeiro?
Dave agarrou Amos pelas pernas derrubou-o do guarda-lama, atirando-o para cima da gravilha do parque de estacionamento. Amos estava embriagado, mas era rápido e forte. Levantou-se e atirou-se a Dave, dando-lhe um encontrão no peito com o ombro e fazendo com que ele caísse em cima do carro, onde ficou vulnerável ao soco que Amos lhe atirou ao queixo. Por instantes, Dave ficou atordoado.
Amos preparava-se para continuar a esmurrar o rosto de Dave para acabar com um dos adversários. Mas Cole agarrou-o por trás e afastou-o à força. Esmurrou-o com força nos rins.
Amos soltou-se de Cole e deu-lhe um soco no estômago. Cole ficou dobrado, a vomitar cerveja.
Bill atordoou Amos com um soco violento na orelha.
Dave tinha recuperado os sentidos, enfurecido. com Amos momentaneamente desorientado, Dave atingiu-o violentamente com o punho no nariz, que se afundou num jorro de sangue. Amos sacudiu a cabeça e gemeu. Os seus joelhos começaram a vergar-se. Estava acabado.
Mas a fúria de Dave não se tinha aplacado. Aproximou-se de Amos, que cambaleava, e acertou-lhe, com todo o peso e força do seu corpo, um golpe esmagador que atingiu a mandíbula de Amos. Amos caiu para trás, sobre a gravilha. A cabeça bateu no chão e abriu assustadoramente.
A Polícia chegou logo a seguir. Um dos oficiais baixou-se ao lado de Amos e examinou-o.
- Este homem está morto.
As famílias reuniram-se na Prisão de Bergen County.
Os Shea estavam assustados. A mãe de Dave chorava, os lábios do pai tremiam.
- Coitado do rapaz! Coitado do rapaz! - murmurava sem parar Mrs. Shea, lavada em lágrimas. Referia-se a Jim Amos.
A família Jennings mostrava uma compostura grave. Stuart Jennings estava preparado para enfrentar o que viesse e tinha mandado vir o seu advogado.
Os Morris pareciam não compreender o que se passava.
Tinham os rostos inexpressivos, como se estivessem em estado de choque, e de facto estavam.
Anthony DeFelice tinha uma expressão altiva. O pai, ao chegar, mandou-o ficar de boca fechada e deu-lhe uma pancada na cabeça.
As testemunhas do Pizza Palace reuniram-se para prestar depoimento. Nenhuma delas sabia ao certo o que se passara, embora todas concordassem que Tony não havia agredido Amos.
A partir desse ponto, tudo era confuso.
- Aqueles três ali bateram-lhe todos. Eu vi - declarou um velho com uma barba branca de três dias.
- Foi em legítima defesa - asseverou Dave, irritado.
- Três a defenderem-se contra um só tipo? Uma rapariga gorda afirmou:
- Jim Amos era um bêbedo e um arruaceiro. Estava sempre a provocar lutas.
- Isso sabemos nós - disse o chefe da Polícia. Era um homem musculoso, de meia-idade, com uniforme castanho. - Por outro lado... bem...
- Ele morreu - disse o velho -, e estavam três a dar-lhe pancada.
- Qual de vocês atirou o soco que lhe partiu o pescoço? perguntou o chefe da Polícia.
- Uhm!... só um momento - disse um homem de cabelo branco e rosto corado. - vou aconselhar os rapazes a não responderem a essa pergunta, nem a qualquer outra, até terem oportunidade de se aconselhar com o advogado.
O homem de cabelo branco era Lloyd Paul Strecker. Era o advogado dos Jennings e tinha chegado à esquadra antes deles. Tinha fabulosa reputação em Bergen County, não só por ser um advogado duro mas também pelas suas ligações políticas.
Chegou uma delegada do Ministério Público. Chamava-se Leia Goldish e tinha cerca de trinta anos. Era uma mulher atraente, com ancas largas e rabo proeminente. Era hiperactiva, movia-se aos safanões e falava em frases rápidas.
- Então, o que é que temos aqui? - perguntou.
O chefe da Polícia pô-la resumidamente ao corrente da situação.
- Homicídio - disse ela. - Talvez homicídio involuntário. Mas nunca homicídio agravado.
- Pronto - disse Strecker. - Acho que agora os rapazes devem ter a oportunidade de conversar entre eles. Estão todos envolvidos. Devem afinar a música.
Ninguém exprimiu desacordo. Dave, Cole, Bill e Tony foram para uma pequena sala de reuniões para conversar.
Dave pôs os cotovelos em cima da mesa e escondeu o rosto nas mãos.
- Merda... - disse. - Para mim acabou-se. Uma acusação de homicídio. Lá se vai a bolsa. Estou com a vida fodida. Mesmo que não vá para a cadeia, em Rurg ers não me vão aceitar. É o fim! - A sua expressão era lúgubre.
- Escusavas de lhe ter batido uma última vez. Já o tínhamos. Estava acabado.
- Eu estava... lixado - disse Dave. - Filho da puta...
- Nós somos testemunhas - disse Tony, com sangue-frio.
- Aquilo que nós dissermos que se passou, passou. Legítima defesa.
- Eles não vão nessa - murmurou Dave. - Éramos quatro...
- Só o tipo que lhe deu o último soco - disse Bil Morris. Ele estava acabado. O tipo que...
- Pois claro, Morris - interrompeu Dave. - Fui eu que o matei.-
- Credo, homem! - disse Cole. - Acho que eles vão ser duros contigo. Não creio que apanhes uma pena muito pesada, mas...
- Que é que essa merda interessa? - disse Dave, irritado.
- vou acabar como o meu velho. Um zé-ninguém.
- Devíamos falar com o advogado - disse Tony. Pediram a Strecker que entrasse.
- As coisas são assim - dissê-lhes ele, imediatamente. Podemos conseguir homicídio involuntário. Aquele que deu o último soco pode dar-se como culpado de homicídio involuntário. Vai ficar com pena suspensa.
- Mas vai ficar com cadastro - disse Dave, desanimado.
- Bem, na verdade, isso pode ser apagado dos registos daqui a alguns anos. Não vai impedir ninguém de entrar em Direito, por exemplo, porque o registo não existirá.
- Mas por agora - murmurou Dave, desconsolado.
- Durante algum tempo será um impedimento - disse Strecker.
- Um impedimento que...
- Lhe pode arruinar a vida inteira - disse Cole, com tristeza.
- Estou a ver o caminho que isto está a tomar - disse o advogado. - Bem,
rapazes, vou deixar-vos a conversar uns com os outros.
Depois, o advogado saiu da sala, os quatro rapazes ficaram em silêncio durante um longo minuto. Em seguida...
- Eu sou quem tem mais a perder - disse Dave. - Vocês vão para a universidade porque as vossas famílias têm dinheiro para isso. A minha não pode. A bolsa era a minha única forma de conseguir ter um curso superior. A única forma, porra!
- O que estás a tentar dizer - disse Tony - é que um de nós devia confessar que deu aquele último soco.
Dave fechou os olhos e fez um gesto afirmativo com a cabeça.
- Eu sou o único que tem a vida em risco.
- Estou só disposto a isto e mais nada... - disse Tony, friamente. - Se um deles quiser dar-se como culpado, eu não lixo tudo. Não digo a verdade.
Dave olhou para Cole:
- Tu és o que tem menos a perder. Vais para a universidade que escolheres, porque a tua família paga. Tens um advogado fabuloso. A tua família e o teu advogado têm ligações políticas. Podes sair disto tudo a cheirar a rosas. Eu saio coberto de merda.
Cole respirou fundo e disse:
- Excepto tu, Tony, todos lhe batemos. Todos nós. Dave não o teria... bem, não o teria feito se Bill e eu não tivéssemos feito o que fizemos. Quero dizer, na minha opinião nós partilhamos a responsabilidade. E... Dave tem razão. É ele quem tem mais a perder. E eu quem perde menos. - Levantou-se a abriu a porta.
- Sr. Strecker...
O advogado escutou atentamente aquilo que Cole lhe disse. Abanou a cabeça.
- Está bem. Não acredito nisso, mas se é isso que querem. Compreendo o que vocês pretendem.
Os jornais estavam furiosos
ADOLESCENTES ESPANCAM VETERANO DA MARINHA ATÉ À MORTE!
Na noite de sábado, uma turba de adolescentes enfurecidos de Wycoff, embriagados com cerveja, espancou até à morte um veterano da Marinha de guerra no parque de estacionamento do Pizza Palace.
O que começou como um normal distúrbio de sábado à noite, originado pelo facto de o veterano se ter sentado em cima do guarda-lama de um automóvel que pertencia a Cole Jennings, de 18 anos, resultou, após um bárbaro espancamento, na morte de James Amos, de 24 anos, um veterano com quatro anos de serviço na Marinha dos Estados
Unidos.
Cole Jennings declarou-se culpado de homicídio involuntário.
Os seus companheiros: David Shea, William Morris e Anthony DeFelice não foram acusados.
James Amos, pai do jovem com o mesmo nome que foi assassinado, disse que o filho tinha uma folha de serviços exemplar na Marinha e que, em casa, nunca se metia em sarilhos.
- Metade da cidade pensa isso - disse Bill Morris.
- E a outra metade sabe a besta que Amos era - disse Dave.
- Seja como for... está tudo arrumado - disse Cole. - Três anos de pena suspensa e depois o registo é apagado. Sou aceite em Princeton. E... - Voltando-se para Dave. - A tua bolsa mantém-se e tu vais para Rurg ers.
Dave baixou a cabeça.
- Nunca me esquecerei disto, Cole. Cole olhou para ele.
- Pois, claro.
No fundo, ele tinha a certeza de que Dave nunca mais se lembraria.
Num domingo à tarde, Outubro de 1976
- Não gosto disto. Não me sinto à vontade, Dave.
- Então! Vá lá, querida. Tu és linda!
Ela sabia que era linda. Era o facto que governava a sua vida. Tinha atraído rapazes que a haviam maltratado, o que fez com que passasse a desconfiar de todos eles, e Dave Shea não era excepção.
Chamava-se Sally McMillan.
Agora, com vinte e um anos, tinha sido a rainha do baile no Liceu de Ramapo havia três anos. Agora era recepcionista num hospital e seguia lentamente os estudos, esperando concluir um dia um curso superior. Era uma loura natural, com pele cremosa e um corpo espectacular que, juntamente com a sua personalidade cativante, a tinham feito ganhar o título, uma honra que ainda considerava preciosa.
- Mas não me sinto à vontade com isto - voltou a dizer. Encontravam-se na encosta isolada de uma colina arborizada,
de um cemitério abandonado no século XVIII. Dave tinha-a convencido de que posar nua por entre as antigas lápides, inclinadas, esboroadas e cobertas de musgo seria particularmente artístico, principalmente agora, com o sol baixo a projectar sombras longas e as folhas avermelhadas e amarelas.
- Olha para isto - disse ele. - Que cenário!
Ela tinha tirado toda a roupa à excepção das cuecas e do soutien, mas agora hesitava avançar.
- Diz-me lá. Que vais fazer com estas fotografias?
- Como já te disse. vou pô-las num álbum.
- Só para ti.
- Só para mim.
- Imagino que deves ter outras raparigas nesse álbum. Dave abanou a cabeça.
- Eu não conto histórias. Ela ganhou coragem.
- Promete-me que mais ninguém as verá.
- Mais ninguém as verá - garantiu ele. - Estás magnífica, querida. Pareces um póster da Playboy.
Sally deixou de sorrir e fez um gesto de assentimento com a cabeça.
- Acho que estou a fazer uma estupidez - disse ela. - Acho que estou a deixar que me convenças a ser parva. Não vais querer...? O cenário também seria perfeito para isso, não?
- O teu corpo põe-me doido - disse ele. - Claro que me apetecia. Mas tu é que decides. Não vou dizer-te que devíamos. Não vou tentar seduzir-te, querida. Além disso, ontem acertaram-me muito no jogo e nem sei se seria capaz.
- Bem... com o que era, talvez (ou talvez não) um esforço de vontade, Sally levou as mãos atrás das costas e abriu o gancho do soutien. Os seios dela eram grandes mas duros; não descaíam, mas erguiam-se como duas metades de meloa. As auréolas, brilhantes e rosadas, cobriam toda a parte dianteira de cada um dos seios e os mamilos eram escuros, enrugados e salientes.
- Deus! - murmurou Dave.
- Que é que estavas à espera?
Ela tinha tirado as cuecas. Notava-se que era mesmo loura. Os pêlos púbicos eram ralos e não obscureciam as partes carnudas que ficavam sob eles.
Dave tinha uma máquina fotográfica Nikon. Tinha-a pedido emprestada a Bill Morris, a quem havia prometido um conjunto de todas as fotografias que tirasse com ela. Fotografava com película a preto e branco, que ele e Bill poderiam revelar na câmara escura da família de Morris. Sally julgava que ele estava a tirar fotografias a cores, que mostrariam as cores do Outono.
Escondeu-se atrás de uma lápide coberta de líquenes onde se lia:
GEORGE MORRIS
1751-1809
TENENTE JRENTE DA PENSILVÂNIA
A lápide deixava ver os seios de Sally, mas ocultava-lhe a barriga e as ancas. Dave tirou várias fotografias.
- Muito bem, querida. Até agora, fantástico. Mas tens de sair de detrás da pedra.
Ela suspirou.
- Está bem. Mas ouve lá, tira umas ao meu rabo para eu me ir habituando.
Ele tirou-lhe uma fotografia por trás, depois sugeriu que ela se curvasse e fingisse pôr flores na campa. Ela fez o que ele disse, talvez apercebendo-se, talvez não, de que assim revelava as suas partes mais íntimas, por detrás.
- A hora da verdade, doçura!
Sally acenou com a cabeça. Voltou-se e apresentou-se completamente de frente.
- Sabes... não preciso de te dizer como és linda. Vês isso cada vez que te olhas ao espelho. É para mim um privilégio do caraças poder ver-te.
- Vá lá, Shea. Tira as fotografias.
Ela posou diante da lápide, e ele tirou uma dúzia de fotografias. Andaram por vários locais do cemitério, e ele fotografou-a de pé, junto de uma vedação de ferro
arruinada que supostamente os rodeava. Encorajou-a a deitar-se e a rebolar na relva.
- Ei, Shea - disse ela, passado um bocado. - O que tu queres é que eu abra as pernas. Pois é, as partes coloridas! Merda!
- Eu não estou a pedir - disse ele com ar culpado.
- Pois aqui estão elas, miúdo - disse ela, abrindo bem as pernas. - Tira uma fotografia a isto!
A sessão de fotografias tinha excitado Sally, e ela ficou deitada de costas, sobre a relva, deixando que ele a penetrasse. Ele estava dorido e cheio de nódoas negras, mas a rapariga não era nada má; fazia-lhe uma tesão dos diabos; e o desempenho dele foi melhor do que supunha ser capaz.
Vendeu quarenta e três colecções dos nus da rainha do Liceu de Ramapo a dez dólares cada conjunto de cinco fotografias. Vendeu em separado a fotografia dela com
as pernas abertas (cinco dólares por uma fotografia brilhante, a preto e branco, de
13 em x 18 em) e houve dezanove rapazes que a compraram também. Depois de ter pago a Bill Morris a película, o papel e os produtos da revelação, e de lhe ter dado
a sua parte, teve um lucro de cerca de duzentos e setenta e cinco dólares. Iria dar-lhe para pizza e cerveja durante bastante tempo.
Ele era assim. Precisava sempre de dinheiro, e tinha sempre de o ganhar com esquemas. A universidade dava o ensino, as aulas de laboratório, os livros, o alojamento e a alimentação. A
suafraternity1 prescindiu das cotas para poder ter como membro um atleta como ele. O pai enviava-lhe vinte dólares por mês.
Quando Dave foi jantar com Julian Musgrave, duas semanas depois de ter tirado as fotografias no cemitério que ainda andava a vender, chegou ao restaurante com a
sensação de que era possível que algo importante estivesse para acontecer.
Musgrave tinha quatro lojas de automóveis na cidade de Nova Jérsia. Era um homem extravagante, que aparecia nos seus próprios anúncios na televisão ("Ei! Venham
ver! Vejam-nos todos! Se algum dos meus vendedores especializados não lhe conseguir arranjar o melhor negócio, entre e venha falar comigo cara a cara. Se eu não
sou capaz de ser melhor do que qualquer outra pessoa da região, quero saber porquê. Se tem uma oportunidade que eu não consiga igualar, ou fazer melhor, compre a ele! Eu sei que venço! Por isso, entre, vá! Que é que tem a perder?")
Era espalhafatoso, mas não carismático. Um homem talvez com cinquenta anos, rijo e careca. Usava um chapéu Stetson para ocultar a careca e os astutos olhos escuros,
que desmentiam a jovialidade que ostentava.
Tinha combinado encontrar-se com Dave num bom restaurante italiano, em Patterson, onde era conhecido e lhe tinham reservado o compartimento do fundo que tinha pedido,
onde quase ninguém o veria a conversar com a estrela do futebol.
Musgrave trazia um casaco aos quadrados amarelos e castanhos, uma camisa branca, sem gravata, e não trazia chapéu. Dave, sem saber o que o esperava, vinha de casaco
azul, camisa branca e gravata de riscas.
Enquanto comentava que um atleta não devia beber bebidas fortes, Musgrave tinha pedia ao criado que trouxesse uma garrafa de um bom Chianti seco dentro de gelo.
Quando brindaram, ele abordou um assunto:
- Dave, alguma vez lhe sugeriram que perdesse um jogo de propósito?
Dave respirou fundo.
- Não, senhor - disse, enfaticamente.
- E se alguém sugerisse e oferecesse muito dinheiro?
- Se calhar não devia ter vindo encontrar-me consigo começou a mover-se na cabifraf pronto para sair.
Musgrave sorriu.
1Associações sociais existentes principalmente entre as comunidades masculinas das universidades do EUA. (N. do E.)
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- Tenha calma. Está a responder precisamente o que eu queria ouvir. Diz que não aceitaria, não é? Óptimo! Acredite, não vou sugerir tal coisa. Queria ouvi-lo dizer
que não o faria.
- Não o faria - disse Dave, em tom sombrio.
- Pois bem, você é o tipo de jovem com quem eu quero falar. Olhe, eu sou um já antigo aluno. E um grande fã da equipa de futebol da nossa universidade. Não tenho esperanças de que venhamos a ganhar um campeonato nacional, mas isso é que seria uma glória! Quero dizer, vencemos o Temple, vencemos o West Virgínia... Óptimo! Que tal uma época sem derrotas? Que tal?
- Seria óptimo - disse Dave.
- Mas há uma coisa em que penso sempre - disse Musgrave.
- Quando você está em campo. Está a pensar somente no jogo?
- Em que haveria de pensar?
- No dinheiro. Conheço um pouco da sua situação. Dou-me ao trabalho de saber essas coisas.
- Tenho de me arranjar - admitiu Dave.
- Dou-lhe cem dólares por um conjunto dessas fotografias.
- O senhor sabe?
- O meu filho comprou um conjunto... incompleto, tenho a certeza. Eu quero-as todas. Mas isso é uma ninharia. Conversemos, Dave. Podemos combinar alguma coisa.
com a vitela à Ia parmigiana a conversa abandonou o tema que Musgrave tinha começado e passou a outros assuntos: o provável resultado do jogo de sábado, os estudos de Dave, a sua família, o negócio de automóveis, as vantagens comparativas dos Buick e dos Tovota, os anúncios de televisão de Musgrave, as actividades sexuais das raparigas de Nova Jérsia, e se eram diferentes das raparigas de outros lugares, as mamas de Sally McMillan, os planos de Dave para o futuro e as suas ambições...
Então, Musgrave regressou ao assunto que lhe interessava.
- Eu queria ajudá-lo, Dave. Queria que se concentrasse apenas no jogo.
- Eu não posso aceitar dinheiro, Sr. Musgrove.
- Pois, é o que dizem. São as regras. Mas quem é que tem de saber, e que mal faz, se eu de vez em quando lhe passar algum dinheiro para a mão?
- Se descobrem...
- Por que é que haveriam de descobrir? Já ajudei muitos jogadores. Diabo... nunca ninguém descobriu. Vamos começar assim. Suponha que um dos meus homens vai ver o seu pai e lhe diz: "Olhe, homem, eu arranjo-lhe um carro novinho por..." seja lá o que for. Um belíssimo negócio.
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Dave sorriu e abanou a cabeça.
- Não sei se o meu pai teria capacidade de entender.
- Mas o meu homem diz: "Queremos fazer isto por si porque o seu filho é um grande orgulho para Rurg ers."
- Não sei...
- Quanto está o seu pai a pagar pelo carro?
- Cerca de oitenta dólares por mês, penso.
- Suponha que eu lhe dizia que lhe podia arranjar um Buick novo por cinquenta dólares por mês.
- Meu Deus...
- Não dá para recusar, Dave. Dave acenou com a cabeça.
- Não dá para recusar.
- Muito bem! Agora. Para si. Esta noite, ao sairmos daqui, vai com o meu chapéu. Vive no dormitório dos atletas, não é? Quando lá chegar, veja dentro da fita do chapéu. Tem lá uma coisa para si. Voltaremos a encontrar-nos. Terei sempre alguma coisa para si. E não tem que fazer nada a não ser jogar como um danado pela nossa escola.
- Bem, eu...
- E deixe que lhe diga mais uma coisa. Quando se formar, se não tiver mais nada à sua espera, dou-lhe emprego. Homem! Um tipo do futebol como você! Começa como vendedor. Mais dois, três anos e será... quem sabe?
Dave saiu do restaurante com o chapéu de Musgrave na cabeça e a sentir-se ridículo com ele. No seu quarto do dormitório procurou dentro da fita do chapéu e encontrou cem dólares em notas de vinte. Um atleta não devia aceitar dinheiro. Era um delito grave. Tirou o dinheiro para o cacifo e pôs o chapéu numa prateleira do armário.
- Shea! Telefonaram para ti.
- Sim?
- Um tipo chamado Bill Morris. Quer que lhe telefones. Diz que é urgente.
com uma pilha de moedas na mão, Dave ligou o número de Bill no compartimento.
- Shea! Por amor de deus! Já sabes da Sally?
- Que tem a Sally? -
- Saltou do telhado do%ílpital. Morreu!
Durante a semana que se seguiu recebeu pelo correio envelopes contendo quatro conjuntos das fotografias de Sally.
- Bolas, a culpa não é nossa - disse ele a Bill Morris.
- Céus, toda a gente a achava lindíssima! - disse Dave, sem expressão. - Ela tinha futuro.
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Tarde de domingo, 10 de Abril de 1977
O Buick é o melhor de todos os carros que alguma vez tive disse o pai de Dave. - O Sr. Musgrave é um comerciante honesto. Acho que o conheces.
- Sim, já estive com ele - disse Dave.
- Tantos anos a guiar Chevys e Plymouth... não tinha dinheiro para mais. Agora isto. Mas que sorte tive!
- Espero que não andes a contar a toda a gente - disse Dave.
- Oh, não. O Sr. Musgrave disse que eu não devia contar. Toda a gente iria querer um negócio assim. Mas, sabes, até o meu trabalho fica mais fácil. As pessoas ficam impressionadas quando eu as vou visitar num belo Buick novo.
- Ainda bem.
Estavam sentados à mesa da cozinha da família; a mesa estava cheia de queimaduras de cigarro. Os pais de Dave fumavam muito e o irmão também. O Shea mais velho era vendedor numa mercearia que também vendia tabaco, e por isso conseguia trazer vários pacotes de cigarros por semana, sem que ninguém desse por isso. Fumavam o que ele conseguia apanhar: amostras grátis, um ou outro pacote tirado de caixas partidas, etc. Muitas vezes Marlboro, os seus preferidos, mas também Kool, LM, Camel,
Lucky, Chesterftel. Dave não fumava e achava que a casa empestava.
- Esta tarde vais ver a Amy? - perguntou a mãe. Dave fez um gesto afirmativo com a cabeça.
- Trata essa rapariga com respeito, Dave - disse o pai. Vem de uma boa família.
- Eu trato todas as raparigas com respeito.
- Assim é que é. Nunca conheci um homem bem sucedido que não tratasse as mulheres com respeito.
- A chave do sucesso...?
- Uma das chaves.
- Também não faz mal jogar bem futebol - disse o irmão, sarcástico.
- Dave joga bem futebol porque se dedica. Devias pensar bem nisso.
O irmão lançou um sorriso a Dave.
- Oh, penso, penso.
A família de Amy Sclafani tinha dois carros. Dave podia guiar o mais velho, uma carrinha Chevy. Quase nunca conduzia o carro do pai. Esse carro era o ganha-pão do pai. A carrinha (era verde-
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-azeitona, não tinha madeira dos lados e estava amolgada e com a pintura desbotada) era da mãe de Amy e de Amy.
Dave e Amy gostavam de ir de carro em direcção a oeste, para as montanhas situadas entre os lagos do noroeste de Nova Jérsia. As pessoas quando pensavam no Estado só pensavam na cidade de Nova Jérsia, nem sempre se apercebiam de que havia uma Nova Jérsia rústica. Por vezes, Dave e Amy chegavam a ir até à Montanha de Kittatinny, mas o mais frequente era pararem num sítio mais próximo e fazerem um piquenique no chão, junto de um lago.
Tinham criado um hábito. Dave ficava sentado ao volante. Amy ficava despida da cintura para baixo, no lugar ao lado. Ele podia olhar e ver-lhe as partes expostas. Mais, ela usava sempre uma camisola que podia puxar para cima, desnudando os seios. Se outro carro se aproximasse deles, ela conseguia baixar a camisola e a saia num segundo.
Nes"sa tarde seguiam por estradas rurais que já conheciam (nunca pelas estradas principais) em direcção a um dos lagos.
- O meu pai diz que eu devo tratar-te com respeito.
- Oh, tu tratas, Dave. Tu tratas.
Era uma rapariga feita para o sexo e para a maternidade. Ele ia para a cama com ela muitas vezes. Ela adorava. Tomava a pílula e fazia amor sem reservas. Orgulhava-se do seu corpo e gostava de o mostrar. A ele. Era relutante em relação a todos os outros.
- Se não fosses tu, querido... não o faria. Amo-te, Dave. Céus! Era escorregadia. Estava sempre bem lubrificada.
Poderia desejar que fosse um pouco menos. Mas era fácil mergulhar nela o seu membro duro, até ao último centímetro. E ela adorava! Depois das duas primeiras vezes, em que havia gemido e dito que lhe fazia doer, ela nunca mais se queixou.
Chegaram ao lago. Ele arrumou a carrinha num sítio onde podiam sentar-se e conversar, sentavam-se na relva a comer a comida que tinham trazido e a beber os Bloody Mary que ele tinha misturado e metido num termos. Não havia mais nenhum carro estacionado a menos de cinquenta metros, mas mesmo assim não tinham privacidade suficiente para fazer amor, quer no carro quer lá fora. Ele apalpou-lhe os seios e os mamilos. Ela ergueu os ombros e arqueôuas costas para atirar os seios para a frente, mas a sua excitação não era suficiente para impedir que conversassem.
- Continuas a ser o melhor em tudo? - perguntou ela. Queria dizer se ele continuava a ser um estudante só com notas máximas.
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- Estou em vias de chegar a Phi Beta Kappa no último ano
- disse ele.
- Filho da mãe! - disse ela, abanando a cabeça.
Amy estudava na Universidade de Ramapo e não vivia no campus. Ia para as aulas na carrinha. Era um ano mais nova do que Dave e estava no segundo ano.
- Aqui não podemos fazer amor, querida - disse Dave, indicando com a cabeça automóveis estacionados demasiado perto para que eles pudessem baixar os assentos de trás da carrinha para se deitarem no espaço aberto.
- Eu sei, e sei o que tu queres - disse ela.
Ela desapertou-lhe o cinto, abriu-lhe o fecho das calças e tirou para fora o seu pénis rijo e entumecido. Olhou em redor para se certificar de que ninguém podia ver e depois baixou a cabeça para o colo dele. O problema de o fazer naquelas circunstâncias era que não lhe era fácil lamber-lhe o escroto, mas ele aceitava o que ela pudesse dar, fosse o que fosse. Ela esforçava-se. Sugou-o para dentro da boca e massajou-o com a língua. Quando ele se veio, ela engoliu. De início isso tinha sido um pouco difícil, mas ela tinha-se habituado a adorar o gosto dele.
Ela só o fizera depois de ele jurar solenemente por diversas vezes que nunca nenhuma outra rapariga lho tinha feito. Não era verdade, mas ela não tinha maneira de saber.
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Outono de 1977
Cole entrou no quarto do hospital, hesitante. Não esperava ver nem ouvir nada de bom.
- Ôlá, Shea.
- Olá, Jennings.
Ainda seguiam o hábito adolescente de se tratarem pelo apelido.
- Nem te consigo dizer como lamento.
- Nem te consigo dizer como eu lamento.
No jogo contra o West Virgínia, Dave tinha sofrido uma fractura na perna. Por muito bem que esta sarasse, a sua carreira no futebol tinha terminado. Isso teria sucedido no final da época, fosse como fosse, mas... tinha-se falado que ele poderia ser contratado como profissional. Isso agora tinha acabado. Nunca tinha sido uma primeira escolha para o contrato e agora tinha a reputação de ser "frágil".
- Bem... vais formar-te com notas espantosas. Dave encolheu os ombros.
- E o que é que ganho com isso?
- Muita coisa, raios! É a tua entrada para quase tudo o que queiras fazer.
- O Sr. Musgrave quer que eu vá vender carros.
- Acho que quanto menos falarmos dele, melhor.
- Que é que tu sabes sobre o Sr. Musgrave?
- Mais do que queria saber. Vamos esquecer o assunto.
- Que é que tu sabes stiyp o Sr. Musgrave?
- Tinha de se saber. Não és o primeiro atleta que ele...
- Vai-se saber? Vai-se...? Cole abanou a cabeça.
- Não. Não te preocupes. Mas Julian Musgrave é um vigarista. Faças o que fizeres neste mundo, não vás trabalhar para ele.
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- Pois. É fácil de dizer. E, então, o que é que eu faço?
- com a tua formação... com a tua personalidade, eras capaz de vender cubos de gelo aos esquimós. O meu pai tem um corretor que lhe trata dos investimentos. Pensa no mundo das finanças. Olha que podias escolher pior, homem.
Dave soltou um suspiro ruidoso.
- Sempre é melhor do que vender artigos de mercearia por atacado.
II
Outono de 1978
O seu primeiro ano no curso de Direito de Harvard foi o ano de maior desafio que Cole Jennings experimentou. Ele não fazia ideia, mas era assim mesmo em todas as
faculdades de Direito espalhadas pelo país. Devido aos elevados gastos, as faculdades de Medicina aceitavam somente os melhores e quase todos eles se formavam. Por outro lado, as escolas de Direito tinham tendência para dar a oportunidade a muita gente, e depois reprovar a maioria daqueles que se inscreviam. Intelectualmente, o curso não constituía um desafio assim tão terrível, mas havia uma grande quantidade de material para ser lido e compreendido.
Em Junho havia-se casado com Emily. Tinham alugado um apartamento em Cambridge.
- Espero que não te importes, mas mandei vir outra vez pizza. - disse ela. - Fiquei na biblioteca mais tempo do que pensava.
Enquanto Cole estudava Direito, Emily frequentava aulas de pós-graduação em Literatura Francesa. Falava fluentemente o francês e também um pouco de alemão.
Emily era uma loura alta e esguia: uma loura natural que não precisava de usar nada no cabelo. O único defeito do seu rosto eram os dentes: tinha os dentes proeminentes. Tinha seios pequenos, macios e em forma de pêra. Os seus pêlos púbicos eram ralos e pouco ocultavam, e ela tinha aceitado a sugestão de Cole de os rapar, e deixou fazê-lo poucos dias após o casamento. Como os lábios interiores eram visíveis, como pétalas carnudas, rosadas e brilhantes, ela sentia relutância em os mostrar e em geral usava cuecas, mesmo que não usasse mais nada.
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Era o que tinha agora vestido quando se sentaram para o jantar - a pizza que ela tinha mandado vir. Tinha os seios nus. Deixava que ele os visse sempre que estavam sozinhos em casa.
- Que é que isso me interessa? - perguntou Cole. - Se um tipo entra numa loja nos anos 20 e compra um rádio porque o vendedor lhe prometeu que ele captaria a Rádio Vaticano e poderia escutar o papa, e se depois o rádio não captou?
- E então? Tem de ter algo a ver com...
- O Direito Comercial - disse Cole.
- E então? Se vais ser advogado, tens de conhecer o Direito Comercial.
Beberam o vinho tinto que ela tinha comprado para acompanhar a pizza.
- Cole...?
- O que é, amor?
- Queres que eu fique grávida?
- Quero. Claro que quero. Mas não achas que devemos primeiro acabar o curso?
- Claro. Bem, sim, está certo. Acho que... acho que se enfiares o teu vergalho dentro de mim todas as noites não me posso queixar.
- Faço o melhor que posso.
- Que é que sabes de Dave?
- Bem... algo que já era de esperar. Amy está grávida. Vão-se casar.
Emily abanou a cabeça.
- Ela não devia casar com aquele filho da puta. Ele só pode acabar numa penitenciária.
- Dave?, não.
- Porquê?
- É esperto como a merda. Conhece todos os esquemas.
Dave estava sentado com Julian Musgrove, numa cabina de um restaurante italiano em Patterson.
- Veja as coisas desta forma - disse ele. - Eu aceitei o seu dinheiro. E não pense que não estou agradecido. Além que... cumpri a minha parte do que foi combinado
e joguei como o caraças dentro do campo, até partir a perna.
Musgrave, agora menos efusivo do que era habitualmente, acenou com a cabeça, num gesto solene.
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- Eu considerava-te como meu filho... ou quase - disse ele. Céus, homem, com a tua reputação e a tua personalidade, podias ir vender automóveis, os meus automóveis. Farias umafortuna, raios!
- Pois é, talvez. E não pense que eu desprezo isso. Mas, Julian... Musgrave fez uma careta ao ouvi-lo usar o seu nome próprio.
- ... por melhor que tenha sido a sua oferta, era limitativa. Decidi ir para onde poderei...
- Onde poderá fazer dez fortunas, se tiveres sorte.
- Bem... é um risco. Você seria o último homem do mundo a recusar um risco.
Musgrave rodou o garfo na massa e ergueu-o até à boca.
- O futebol não tem peso nenhum neste negócio.
- O futebol passou à história - disse Dave. - Joguei porque sem ele nunca poderia ir para a universidade. Você ajudou-me muito, e eu estou-lhe grato.
- Eu não... Diz-me que estas acções vão são boas.
- Não estou a sugerir que aplique nelas tudo o que tem. Acho que merecem um investimento maior. Sabe Deus que, se eu tivesse dinheiro, apostava nelas uma boa quantidade. Mas estou apenas a começar. Faço as pesquisas, Julian. Não ando a brincar. Trabalho muito. Observo as empresas. Sabe como eu sou. Sabe que me dedico sempre a cem por cento naquilo que faço.
- Então, quer que eu ponha nisto... cem mil? Duzentos?
- Aquilo que puder pôr sem causar desconforto.
- Além que a comissão na venda não lhe fará mal.
- Entendido. Mas há algo mais que tem de ser entendido. Se eu aconselhar mal apenas um ou dois clientes, estou arrumada para este trabalho. Não é uma actividade
indulgente.
Em casa, Amy, enormemente grávida, ajoelhou-se no chão e fez a Dave sexo oral. Dave estava aborrecido a pensar nos negócios, embora tivesse tesão.
- Então, ele vai alinhar? - perguntou Amy mais tarde.
- com um bolo de cento e cinquenta mil.
- E a nossa comissão?
- Dá para pagar a renda - disse Dave, e sorriu.
Dave trabalhava numa firma de nome Barnaby, Jenkins Associates. Jenkins era o sócio-gerente.
- Não está mal, Shea - disse ele a Dave. Cento e cinquenta. Para dizer a verdade, não tenho assim tanta confiança em Littleton. Mas parece-me que você tem.
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- Sim, senhor. Fiz a minha pesquisa.
Robert Jenkins era um homem um tanto extravagante, dado a usar fatos assertoados e laços coloridos. Presidia, sentado numa imponente secretária dum gabinete da antiga
cidade de Jérsia, uma esquina com vista para Manhattan... e esse era o objectivo de Dave; não tencionava ficar muito tempo em Nova Jérsia. Era lá que as coisas eram
realmente grandes, e era para lá que ele havia de ir.
Jenkins era observador. Viu Dave a olhar para as torres da parte baixa de Manhattan.
- Quando tiver ali um gabinete de esquina, vai olhar para o outro lado da água e vai ver-me. Eu ainda cá estarei.
- Terei uma grande sorte se me sair tão bem como o doutor.
- Acabe com as tretas, Shea. Nunca lhe servirá de nada. E pára de me tratar por "doutor". Sou "Bob".
- Bob...
- Nunca trate um cliente por "doutor". Nunca. Pode chamar-lhe"Senhor Sei-lá-o-quê" durante algum tempo, mas passa para os nomes próprios assim que puder. Assim ficará
estabelecida a relação entre vocês. Os advogados nunca tratam os clientes por "doutor". Os médicos não tratam os pacientes por "doutor". E você também não. Você
é um profissional, Dave. Comporte-se como tal.
- Obrigado, Bob.
Outono de 1979
- Há um limite - disse Emily a Cole. - A tua família e a minha têm... têm...
- Está bem, está bem. Mas...
- Diz-me lá - disse ela. - Afinal, qual é a tua objecção?
- O facto de a minha mulher posar nua, essa é que é a minha objecção.
- Atua mulher pode ganhar vinte dólares à hora. com muito pouco trabalho. Não vai afectar as tuas aulas nem as minhas. com cinco horas por semana, ganhamos cem
dólares.
- Emily, tu...
- Eu sei. Não gosto de mostrar a rata. Mas já pedimos às nossas famílias mais do que...
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- Eles não se importam.
- Mas importo-me eu. Cole... estamos a falar de aulas sérias de arte. Eu nunca... Estamos a construir um futuro! Deixa que eu contribua.
Janeiro de 1980
No dia 3 de Janeiro de 1980, Amy deu à luz um filho a que ela e Dave deram o nome de David Louis Shea. Amy amamentou a criança durante vários meses.
- Vá lá, fofinha. Anda. O pequenote está cheio de fome. Não é a primeira vez que Jack vê um par de mamas. Que diabo, a mulher dele tem duas, julgo. Vá lá.
Jack Silver era vice-presidente-adjunto da Stuyvesant Banking Trust, onde era conhecido como um jovem cheio de vontade. Era um pouco mais velho do que Dave e possuía um rosto rosado, tenso de entusiasmo. Estava a ficar prematuramente grisalho.
Amy deu um seio ao filho. Jack fingiu que não olhava.
- Creio que podemos falar... - disse Jack.
- Por causa de Amy? Tudo o que dissermos, eu depois conto-lhe. Ela é a minha parceira.
Amy sorriu. Encostou o bebê ao seio e deixou-o mamar. A blusa abriu-se e revelou o outro seio. Ela não o tapou.
- bom... temos aqui uma oportunidade para um grande negócio - disse Jack Silver. - Convidei alguns amigos para ele. Mas há um limite. Se se sabe que...
- Estás completamente metido nisto... - disse Dave.
- Estou bem lixado.
- Mas eu, sendo corretor, posso...
- Isso mesmo. Tens uma semana.
- Está bem.
Estavam sentados à mesa do jantar no modesto apartamento dos Shea. Tinham comido costeletas de porco com puré de batata e brócolos. Jack Silver tinha vindo directamente do escritório e vestia um fato castanho-escuro. Dave já estava em casa havia algum tempo quando Jack chegou e vestia umas calças de ganga
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e uma sweatshirt. Amy também tinha calças de ganga e uma blusa branca, aberta para o bebê mamar.
É uma coisa bastante simples - disse Jack. - Na terça-feira, a AGD Corporation vai anunciar que a FDA aprovou uma coisa a que chamaram Bioxina. Os testes clínicos demonstraram que esse comprimidozinho, tomado diariamente, reduz significativamente o risco de ataque cardíaco. Agora... o mercado vai ter uma atitude de cepticismo. Mas quando o 1FDA confirmar a sua acção... será preciso que te diga?
- Estão à venda por...?
- Quarenta e três vírgula setenta e cinco dólares.
- Daqui a duas semanas... quem sabe?
- E o que é que tenho que fazer?
- Falar delas a pessoas que não tenham nenhuma possibilidade de saber seja o que for sobre a AGD e a Bioxina. De maneira que a SEC não tenha qualquer possibilidade
de fazer uma ligação até mim.
- Concorrência desleal - disse Amy.
- É o que lhe chamam - concordou Jack.
- Compro algumas para mím - disse Dave.
- Que diabo, empresto-te o suficiente para comprares mil acções.
- E tu, como é que te safas?
- Dois ou três investidores fictícios, com nomes falsos disse Jack. - Eu sou um deles, mas tenho outros tipos. vou ter o meu lucro, não te preocupes.
Dave olhou para Amy. Amamentava o bebê em silêncio, sem se mostrar preocupada.
- É assim que se faz dinheiro, querida - dissê-lhe ele.
- Nunca pensei outra coisa - disse ela, encolhendo os ombros. Jack pegou no copo de vinho, bebeu um golo e disse:
- Ainda bem que nos entendemos. - com um sorriso, acrescentou: - Tens umas belas mamas, Amy.
Ela acenou com a cabeça:
- Eu sei. Por que é que pensas que este aqui se casou comigo?
1Food and Drug Administration - Comissão que certifica a qualidade e possibilidade de comercialização de novos produtos e medicamentos para o mercado americano. (N.
do E.)
2Securities and exchange Commission - Comissão de Controlo das Actividades Financeiras. (N. do E.)
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Junho de 1981
Cole completara o curso com a segunda melhor média da sua turma. Em Fevereiro tinha sido iniciado na Ordem de Coif, uma distinção para os estudantes de Direito. Foi a entrevistas na Hale Dorr, de Boston, e na Davis Polk Wardwell, de Nova Iorque, mas, por fim, optou por não se associar a essas firmas de prestígio, mas a uma firma menos prestigiada com o nome de Harris Pickens, que tinha escritórios no Empire State Building.
Ele e Emily alugaram um minúsculo apartamento em Midtown; e embora a HP lhe pagasse quarenta e um mil dólares por ano como salário inicial, ela continuava a servir de modelo na Art Students League.
Até que ficou grávida.
- Podes continuar até...
- Até se notar - disse ela. - Na verdade, depois também. Há um escultor bestial que pede modelos grávidas. Faz uns bronzes lindíssimos de raparigas com umas grandes barrigas e vende-os por preços astronómicos.
- Raios, Emily!
- Pronto, está bem. Assim que se notar, eu paro. , Cole beijou-a. ,
- Não imaginas como te amo.
- Eu também te amo, Cole.
Nas grandes firmas de Nova Iorque circulava uma piada segundo a qual um advogado novo passava o primeiro ano a descobrir onde ficavam as casas de banho nos tribunais e depois mais um ano a carregar as pastas dos advogados mais antigos. Por isso é que Cole se havia juntado à Harris Pickens: queria ter verdadeiras responsabilidades desde muito cedo.
- Sr. Jennings, reveja este dossier. E depois venha dizer-me o que acha que devíamos fazer.
O dossier tinha um processo movido por uma multidão de queixosos numa acção corporativa. Argumentavam que a ARZO Corporation fabricava brinquedos perigosos: objectos de plástico que as crianças poderiam engolir.
- O nosso cliente pode ser responsabilizado pelo facto de as crianças meterem coisas à boca? - disse ele ao advogado mais antigo, dias depois. - Que diabo, já não se pode fabricar bolas de golfe, berlindes, bolas de pingue-pongue...? Eu mandava-os
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para o inferno. Além disso, esta empresa faz sempre o mesmo. Não se corrigem. Na minha opinião, já é tempo de levarem uma pancada.
A HP acabou por levar a julgamento o caso. Estava acompanhado por um advogado mais antigo, mas foi Cole quem argumentou o caso perante o júri.
- E que havemos de dizer? Que não é permitido fabricar pregos, parafusos e porcas porque são demasiado pequenos e alguma criança pode resolver meter um na boca e engoli-lo? Clipes para papel, senhoras e senhores? Tachas? Haverá um limite? Berlindes. Os miúdos adoram brincar com berlindes. Mas uma criança mete um berlinde na boca e engole-o. Vamos eliminar o jogo do berlinde? E que mais?
O júri decidiu a favor da defesa.
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1982
Dave não sabia tocar música, nem nenhum instrumento. Nunca tinha ligado à música até ter decidido que estava apaixonado por uma jovem que era uma excelente pianista.
Chamava-se Greta Sorensen, tinha dezanove anos e era uma beleza de cabelo louro até aos ombros. Embora fosse uma pianista de talento, reconhecida como vencedora de importantes competições, as pessoas que a conheciam bem consideravam-na uma predadora. O seu talento e a sua carreira significavam tudo para ela, e não tinha quaisquer escrúpulos em usar as pessoas que a podiam ajudar para atingir os seus fins.
Um dos clientes de Dave tinha-lhe oferecido bilhetes para ir com Amy ao concerto de Greta. Depois do concerto, Dave pediu desculpa e deixou Amy, quando esperavam que a multidão saísse. Dave foi aos bastidores e apresentou-se a Greta. Deu-lhe o seu cartão e convidou-a para jantar na noite seguinte.
Amy estava outra vez grávida. Tinha iniciado o lento processo da perda da juventude e da figura. Era leal a Dave. Sabia que ele estava envolvido em negócios ilegais, mas ele sabia que podia confiar nela, que ela nunca revelaria nada.
Greta vivia num apartamento barato, muito pequeno, em Ridgefield, onde tinha um piano Steinway que valia tanto como o prédio. Dave adorava lingerie sensual e mantinha-a bem abastecida desses artigos. Quando ela se sentava ao piano e tocava para ele, vestia um soutien preto, cuecas, cinto de ligas e meias, tudo preto. A verdade é que, passado um bocado, ele facilmente se fartava da música, mas gostava de a ver sentada ao piano com roupas eróticas.
- Tu sabes que isto não é possível, Greta - dissê-lhe ele uma noite em que ela tinha acabado de tocar e estava ainda sentada ao piano. - Sou casado e a minha mulher está grávida do meu segundo filho.
- Eu sei - disse ela. - Sei desde o dia em que nos conhecemos
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que não temos futuro juntos. Temos apenas o presente! Nunca pedi mais do que isso.
- E na primeira oportunidade, tu...
- Claro. Pensavas que não? Dave sorriu:
- Meu Deus!
- Deus não tem nada a ver com isto, amor. Tens a maior pica que eu alguma vez vi e sabes usá-la. Além disso... - disse ela em tom de brincadeira - ... uns quantos dólares fazem-me sempre jeito.
- Raios, Dave, está descapitalizado - disse Cole.
- Eu sei. Eu sei. Mas o mundo não sabe. E quando o mundo descobrir, a BG pode já ter ganho um milhão.
- Ou pode ter lixado dez milhões... e nesse caso estamos fodidos.
- Olha para ali - disse Dave. Apontou para as torres de Manhattan. - É para ali que eu vou. Ali é que é, homem. Não é aqui, em Nova Jérsia. vou ter um escritório num daqueles edifícios. E não se chega lá, nem a lado nenhum, tendo medo de correr riscos.
- Sim? Pois vou dizer-te o que deves fazer, Dave. Pega no carro e vai até Danbury, Connecticut, e dá uma olhadela à prisão federal. O teu escritório pode ser lá. Há muitos tipos que têm lá "escritórios"... com as portas fechadas à chave.
- Porque alguém os apanhou. É preciso ser mais esperto. É preciso proteger o traseiro.
- E como o esperas proteger? Vais vender acções na BG, e, que diabo, homem, a BG não tem capital suficiente para entrar no negócio que está a pensar.
- Terá, quando as acções forem vendidas.
- E se não conseguires vender um número suficiente de acções? As pessoas que comprarem vão ficar no limbo.
- Eu protejo-as.
- com quê?
- Há-de haver alguma coisa. Há-de sempre haver alguma coisa. Ofereço-lhes outra oportunidade.
- Dave... o que vais fazer é mentir. E é isso que te pode arranjar um escritório em Danbury.
- Vamos fazer uma aposta - disse Dave. - Nunca hei-de
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ver o interior de Danbury nem de nenhuma outra prisão. Aposto contigo cem mil dólares em como daqui a dez anos não terei sido acusado, não terei corrido o risco de ser preso e terei uma conta bancária de... bom, digamos, dez milhões.
- Uma aposta para tansos. Se estiveres em Danbury, não me poderás pagar um tostão.
Dave sorriu.
- És um espertalhão, amigo. Então, entras ou não?
- Entro. Porque tu é que és um espertalhão.
in
Tony DeFelice e a sua mulher Margot estavam a jantar com Cole e Emily num restaurante chinês de Lexington Avenue. Tony e Cole continuavam amigos. Cole havia sido o padrinho de Tony quando ele se casou com Margot Donofrio. Tony tinha ganho uma medalha de ouro nos Jogos Olímpicos e vencido alguns combates importantes na categoria de peso médio, mas acabara por não ganhar nada a não ser um nariz torto. E um medalhão de ouro exposto lá em casa no lugar de honra. Tinha entrado para o negócio de família DeFelice, que tinha agora quarenta carros de lixo em Bergen County. Nos seis anos que se passaram desde a morte de Jim Amos, Tony tinha-se tornado um próspero jovem empresário. Frequentava aulas nocturnas de administração de empresas na Universidade de Ramapo e a família considerava-o como o filho que iria transformar o seu negócio num império empresarial. A medalha de ouro que ele havia ganho abria-lhe muitas portas.
A família de Tony DeFelice continuava a não ter "ligações", só os parentes é que tinham. A família de Margot - os Donofrio
- tinham-nas sem sombra de dúvida, embora as relações fossem vagas. Sempre era conveniente, embora nada mais. Os Donofrio tratavam das questões laborais dos DeFelice, era um negócio de família. Não exigiam nem recebiam percentagem, embora os DeFelice tivessem sempre o cuidado de não deixar de recompensar a sua ajuda.
- Não sei o que pensar - dizia Tony a Cole. - O tipo tem cá uma lata, não tem?
- É um tipo com esquemas, Tony. Sempre foi.
- Pois é. Tu é que levaste as culpas do que ele fez ao Amos.
- Amos estava a pedi-las - disse Cole. - Fosse como fosse...
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provavelmente, a vida de Dave teria ficado arruinada. A minha não ficou.
- Jim Amos não iria acabar bem - disse Margot em tom grave.
Era uma jovem bonita, de um gênero distintamente italiano. Os seus olhos escuros eram profundos e sábios. O cabelo negro pendia, sedoso, sobre as orelhas. Era opulenta. Tinha os seios enormes, o que lhe proporcionava um decote profundo e sombreado. Naquela noite estavam em destaque, sobressaindo do decote modesto do seu vestido negro. Quando Margot disse que Amos estava a pedi-las, essa afirmação talvez tivesse uma conotação sinistra... Ou poderia ser apenas um comentário casual.
- Que é que Dave quer agora? - perguntou Emily. Emily tinha ultrapassado confortavelmente a gravidez e o
nascimento da filha, que recebera o nome de Emily. Estava de novo esguia e graciosa, e vestia um vestido com mini-saia de cor verde-esmeralda.
- Dave está a vender umas acções que diz que vão ser um grande negócio - explicou Tony. - A empresa chama-se BG, e fala que vai dar muito dinheiro aos investidores iniciais.
- Eu não acreditava nesse filho da puta nem que ele me dissesse que amanhã vai ser dia - disse Emily.
- Bem... eu estou a ver se me aconselho - disse Tony.
- Tony... - disse Cole em voz baixa. - Se fosse a ti não investia com Dave. Pelo menos, só punha dinheiro que não pudesse perder.
- Ele é muito persuasivo - disse Tony -, talvez só uns milhares...
Como Cole esperara que sucedesse, a sua entrada para a Harris Pickens havia-o envolvido numa série de assuntos. Não fora obrigado a tornar-se um especialista.
No Outono de 1982 entregaram-lhe um dossier singular.
Sara Belle Lucas trabalfta numa padaria do Bronx. Era uma mulher de trinta e três anos, um pouco mais forte do que o normal e com feições rudes.
A sua função na padaria era deitar os ingredientes para dentro de uma grande misturadora, onde era feita a massa de pão. Num dia, na Primavera, inclinou-se sobre
a misturadora
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para limpar a farinha dos lados da tina e as lâminas prenderam-lhe a blusa e puxaram-na para dentro da máquina, fazendo com que ela gritasse de terror. Quando os colegas conseguiram desligar a misturadora, Sara Belle tinha perdido o seio esquerdo. A indemnização do trabalho e a companhia de seguros da padaria tinham-lhe pago as despesas médicas. Mas recusavam terminantemente a pagar-lhe uma pensão, argumentando que a falta de um seio não afectava a sua capacidade de trabalho. Uma mulher com um só seio podia fazer o trabalho que ela sempre fizera, misturar a massa... ou, então, vender linhas e botões, ou fosse o que fosse.
Ela estava sentada diante da secretária de Cole.
- Eles não querem reconhecer a minha perda - chorou ela.
- Quero dizer... em primeiro lugar, quem é que vai querer casar com uma rapariga que tem só uma mama?
- Infelizmente - disse ele -, a indemnização dos trabalhadores tem a ver com a capacidade de ganhar a vida. A desfiguração não tem nada a ver com isso. Se fosse uma actriz e sofresse cicatrizes irreparáveis...
- Foi o que eles disseram. Mas deixe que lhe diga uma coisa. Olhe para mim. Não sou uma beleza estonteante, mas obtinha metade do meu rendimento a dançar nua em clubes rascas.
- Então...?
- Oh, não. Não é uma forma correcta de ganhar a vida. O rendimento que perco por já não o poder fazer não conta.
Abriu a blusa e mostrou-lhe a horrível cicatriz. Case defendeu o caso dela em tribunal perante o júri.
- Cito respeitosamente o caso: Grumble contra Comissão de Indemnização dos Trabalhadores, do Tribunal de Ohio. Neste caso, uma bailarina de striptease tropeçou na instalação eléctrica dos projectores de solo de um teatro mal iluminado e caiu no fosso da orquestra, partindo uma perna. A Comissão recusou-lhe uma indemnização, alegando que o striptease não era um trabalho legítimo. O Supremo Tribunal do Ohio indeferiu por unanimidade, salientando que o que ela fazia não era ilegal, apenas não era aprovado pela grande parte da comunidade.
Os juizes olharam Cole Jennings com ar carrancudo, mas não interromperam a sua argumentação.
- Vamos supor que a minha cliente era croupier num casino
- prosseguiu. - E vamos supor que de alguma forma, durante o seu trabalho, ela lesionou a mão e já não podia trabalhar. A legislatura poderia ter decretado uma lei segundo a qual apenas certas ocupações específicas se enquadravam nos subsídios das Leis do Trabalho. Ou poderia ter decretado uma lei excluindo
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determinadas ocupações. Nesse caso, poderíamos estar perante um argumento constitucional. Mas não é assim.
- Como resultado de um acidente de trabalho, a minha cliente viu-se privada da sua capacidade de ganhar uma parte significativa do seu rendimento, proveniente de uma actividade que não é ilegal.
O tribunal decidiu a favor de Sara Belle Lucas e ordenou que lhe fosse pago um subsídio anual.
Não foi a primeira nem seria a última vez que uma cliente pedia para completar o pagamento dos honorários e oferecia uma alternativa...
- Não lhe posso pagar muito, Sr. Jennings - disse ela. Como sabe, tenho pessoas a meu cargo. Mas o que eu não puder pagar... terei muito gosto em... em pagar em broches, quero dizer... O senhor sabe... ainda pode levar muito tempo, a... digamos que a vinte dólares cada um. Tenho uma amiga que está a pagar ao advogado desta maneira. Às vezes, ele cede-a a outros tipos. Uhm... clientes. Tipos a quem ele quer agradar. Bem...
- Não, Sara - disse Cole com simpatia. - Deixe lá. Não pense nisso. Não se preocupe. Eu não vou... era capaz de ser óptimo. Mas não precisa de fazer isso.
- Ela foi a única cliente que te ofereceu sexo?
- De modo explícito. Por vezes sugerem. Lembras-te do caso da Menina Houdini?
- Era aquela prostituta que arranjou maneira de tirar as algemas - disse Emily.
- Pois... ela era tão nova, tão bonita, mostrava-se tão aflita por ter sido presa. Chorava, e convencia os polícias de que lhe tinham posto as algemas muito apertadas e que a magoavam. Eles alargavam-nas e deixavam-na sozinha no carro enquanto iam atrás de outra rapariga, e ela tirava as algemas e escapulia-se. Conseguiu safar-se assim quatro vezes. Não pude fazer nada por ela. Está a cumprir seis meses. Sugeriu que se eu a conseguisse pôr cá fora ela faria com que eu me sentisse feliz por o ter feito.
- Estás a ver uma boa amostra da humanidade, não estás?
- Antes isso do que uma amostra de uma pequena área da lei dos impostos ou dos títulos.
- Vamos ter mais um bebê, Cole. Cole ficou surpreendido.
- Mas eu julgava que tu não... Querida, isso é maravilhoso.
- Esperemos que desta vez seja um rapaz - disse ela, e sorriu.
- Esperemos apenas que seja saudável e esteja tudo bem.
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Greta estava sentada ao lado de Dave no seu sofá, diante da televisão, com uma pizza familiar e latas de cerveja. Tinha sapatos de verniz pretos, meias pretas transparentes e um cinto de ligas preto... e mais nada.
- Sabes que vou tocar naquele concerto na SUNY purchase
- disse ela.
- Pois sei. Vai ser um verdadeiro avanço para a tua carreira.
- Bem... preciso de um vestido.
- Que vai custar...?
- Talvez consiga arranjar uma coisa decente por, digamos, uns trezentos.
- Meu Deus, Greta!
- Tu queres certamente que eu esteja bem arranjada.
- Quero, sim, mas... trezentos dólares!
Ela encolheu os ombros. Ao encolher os ombros com o peito despido os seios dela saltaram, provocadores, e ela tinha plena consciência disso.
- Julgava que andava com um tipo que ganhava dez fortunas. Trezentos míseros dólares?
- São teus, querida. São teus, claro. Mas ainda não tenho as dez fortunas. Levei um grande rombo com o negócio da BG.
Greta voltou a encolher os ombros.
- Ainda me queres rapar o sexo? - perguntou ela.
- Quero.
- Bem, é isso que vais conseguir por trezentos dólares. Mas... tu é que vais rapar.
- vou querer umas fotografias - disse ele.
- Bem... só do meu sexo. Rapado. Não de mim. Até ao umbigo, mais não. E até abro as pernas. Mas têm de ser polaróides e tenho de as ver. Uma rapariga que é artista de concertos não pode ter fotografias dela por aí... tu entendes. Fotografias do meu sexo, tudo bem. Mas não com a minha cara incluída.
VI
Cole e Emily, Tony e Margot jantavam mais uma vez juntos, desta vez num restaurante checo, o que era uma novidade para todos. O vinho era de um tinto escuro como nunca nenhum deles
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havia visto. Cole avançou a ideia de que o nome em checo queria dizer sangue.
- Em parte, tinhas razão - disse Tony a Cole. - Aquelas acções da BG foram um fiasco. Empatei dez mil e só recebi mil e quinhentos. O raio da companhia nunca teve
capital suficiente para fazer o que se pensava.
- Era o que eu receava - disse Cole.
- E, então, o que é que se passou? - prosseguiu Tbny. Dave veio ter comigo e disse que tinha um negócio que poderia recuperar o que eu havia perdido, e mais, com
toda a facilidade. Eu disse que agradecia, mas não. Nesse ponto ele meteu a mão no bolso e deu-me um cheque da sua conta pessoal, no valor de oito mil e quinhentos.
- Tinha cobertura? - perguntou Emily, sardónica. Tony fez um gesto afirmativo com a cabeça.
- Tinha cobertura. E digo-vos mais. Se eu tivesse entrado no negócio que ele me ofereceu (por, digamos, outros dez mil dólares), ter-me-ia saído mais do que bem.
O filho da puta disse que tinha de proteger a sua reputação. Imagino que comprou um certo número de investidores. Depois dá a volta e consegue um enorme lucro com
outro negócio.
Cole abanou a cabeça, dizendo:
- Usando informação privilegiada, receio eu.
- É possível. O tipo é um sacana. Sempre foi, mas tem o seu código de ética. Vai acabar por comprar-nos e vender-nos a todos com só meia dúzia de tostões.
Cole interrompeu-o:
- Ou acaba numa cadeia federal.
- Há-de encontrar alguém para levar com as culpas por ele
- disse Emily em tom amargo.
- Ele tem de ter um ponto fraco - disse Margot com serena sabedoria. - As coisas são assim. Eu sei. É o mundo. Ninguém é incólume.
Dave foi ao concerto de Greta na SUNY Purchase, a filial em Westchester County da Universidade do Estado de Nova Iorque. Ela tocava um concerto pop. Ele não foi
capaz de apreciar o seu virtuosismo. Tinha a atenção concentrada no vestido, pelo qual ele havia pago seiscentos dólares. E também no pendente de
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diamante que oscilava no seu decote cavado, pelo qual havia pago o dobro.
Ela tocou uma peça de concerto que ele devia conhecer mas não conhecia: a Rhapsody in Blue, de Gershwin, que exigia um domínio do piano que ele não era capaz de apreciar.
Na manhã seguinte, o Times trazia uma crítica do concerto:
A jovem pianista Greta Sorensen, vencedora do Prémio Internacional Arthur Rubinstein, entre outras competições, apresentou-se ontem à noite no palco de SUNY Purchase, e deixou claro que poderá vir a tornar-se numa das maiores intérpretes ao vivo das próximas décadas. Executando uma obra que já foi tocada por virtuosos como o próprio Gershwin e Oscar Levant, ela demonstra o domínio e o virtuosismo de um respeitável novo talento. Mesmo quando a orquestra visitante, de Indianápolis, perdeu o ritmo, o que infelizmente sucedeu algumas vezes, ela tocava as suas notas com força e obrigava a orquestra a segui-la.
- É maravilhoso! - dissê-lhe Dave na noite seguinte.
- Muito trabalho - disse ela. - Durante muitos anos. Levantava-me às seis da manhã para poder praticar duas horas antes de ir para a escola. Um hábito de toda a vida. Levanto-me e começo a praticar às seis. É isso que é preciso.
Dave sorriu.
- Bem... e que tal tirares alguma dessa roupa que está a mais?
- Só queres saber disso - disse ela. - É a única coisa que te interessa... ficar a olhar para o meu corpo. E quando é que posso eu ficar a olhar para ti? E se desta vez fosses tu a despir-te? Desta vez, ao jantar, tu vais estar despido e eu não.
- Greta!
- Estou a falar a sério, amor. Quero ver essa pila e esses tomates a balançar entre as pernas. Vamos. Se me queres esta noite...
Ele fê-lo. Despiu-se.
- Muito bem. Anda pela casa como me mandas andar. Mexe as ancas e põe-me esse equipamento aos saltos, como gostas de ver as minhas mamas.
- Greta...
- Então! Estás a caminho. Vais ganhar vinte fortunas. Pois bem, eu vou receber os proventos do meu trabalho duro. Tu és bom naquilo que fazes. Eu sou boa naquilo que faço. Sou tão boa como tu, querido. Vamos. vou pôr essa pica dura porque ela é linda.
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1983
- Isso não é sensato, Dave - dissê-lhe a mãe. - Estás a gastar demasiado. Agora julgas que és o Rockerfellow?
- Como pode dizer que eu estou a gastar de mais se não sabe quanto é que eu tenho?
- Qualquer pessoa que pague duzentos e cinquenta mil dólares por uma casa está a pagar como o Rockerfellow.
Estavam sentados na cozinha da casa onde Dave tinha crescido a beber cerveja e a comer um pacote de batatas fritas. A mãe, que sempre usara avental, fazia uma concessão à década: usava uma T-shirt branca e calças de ganga. Era de alguma forma absurdo, numa mulher que se aproximava dos sessenta anos. O pai, que acabara de regressar da sua ronda de vendas, havia tirado o casaco de tweed castanho e desapertado a gravata.
Estavam sentados na mesa que estivera na cozinha durante toda a vida de Dave: uma mesa bizarra, redonda, com pernas robustas suportando um tampo coberto com um plástico vermelho que resistiu a todos os acidentes e estava marcado por queimaduras de cigarro. O chão da cozinha estava coberto com linóleo, a que Dave, até aos doze anos, chamava "minóleo". O linóleo estava gasto em quatro locais debaixo da mesa, onde durante vinte e cinco anos tinha sido roçado pelos sapatos.
Quando se sentava nesta cozinha, Dave não conseguia evitar mergulhar num estado eufórico de reminiscência. Era a sua origem. Era quem ele era.
- Tens alguma coisa guardada, numa poupança? - perguntou o pai, inocentemente preocupado.
- Bem, para começar, a cosa vale cada tostão que eu estou a pagar por ela. Vai ser um
património. É um investimento. Eu não fiz isto sem estudar o mercado dos bens imobiliários do norte do estado de Nova Jérsia. Daqui a dois anos vai valer trezentos mil dólares. Confiem em mim. Eu sei que sim.
- bom, deves saber alguma coisa sobre investimentos admitiu o pai.
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Dave soltou um suspiro ruidoso.
- Alguma coisa, sim.
- Itens ganho uma data de dinheiro desde há coisa de um ano para cá. Segundo tenho ouvido...
- Ooh-oh. E assim a Amy e os miúdos vão viver para uma bela casa com árvores em volta. Além disso... dá-me importância.
- Isso é bom - disse a mãe. - No teu trabalho. Dave voltou a suspirar.
- Às vezes penso que não aprova o meu trabalho... quer eu ganhe dinheiro ou não?
- Não o entendo - disse a mãe. - No trabalho dele, o teu pai vende coisas que nós podemos agarrar e tocar, a que podemos tomar o peso. No teu trabalho, vendes coisas em que ninguém pode tocar... ou entender, ou dar valor. Se eu comprar o que tu vendes, com que é que fico? com um bocado de papel que pode valer alguma coisa mas também pode não valer nada. Como é que eu sei?
- É possível saber - disse Dave. - Não posso é dar-lhe agora um curso intensivo sobre o mercado de títulos.
- Bem... é que não me parece muito honesto passar papel de um lado para o outro e receber dinheiro em troca. No fim de contas, o que é que tu podes dizer que crias? Alguma coisa?
- Capital. Riqueza. Que as pessoas investem. Que cria, entre outras coisas, empregos. Não vivemos como viviam as pessoas antigamente, no tempo em que se vendiam vacas, cavalos, chapéus, pregos... Nós...
- Ou produtos de mercearia - disse o pai.
- Ou produtos de mercearia. É um mundo novo, uma nova economia.
- Quanto é que ganhaste o ano passado, se não te importas que pergunte?
- A verdade é que não sei. Tenho contabilistas a tratar de o determinar, para poder pagar os impostos.
A mãe franziu as sobrancelhas e disse:
- Além disso, tens uma namorada, não tens. Ouvi dizer...
- Tive, de facto. Mas isso acabou. No mês passado ela tocou num recital na Sala Alice Tully. Já não precisa de mim.
- Alice Tully... - perguntou a mãe. - É...?
- É artista de concertos. E está a ter um grande sucesso. Não precisa de dormir com um corretor de bolsa.
- Isso é franco - disse o pai. - É honesto.
- Eu ajudei-a - disse Dave. - Talvez tenha contribuído um pouco para o seu sucesso. Se assim foi, orgulho-me de o ter feito.
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A mãe franziu ainda mais as sobrancelhas.
- Agora que essa rapariga saiu da tua vida, talvez te dediques a Amy. É uma rapariga maravilhosa. Uma excelente esposa para ti.
Amy tentava ser. Sabia o que ele queria e aquilo de que gostava, e tentava satisfazê-lo. Depois de os miúdos estarem na cama, andava pela casa nova em lingerie sensual,
porque sabia que ele gostava. Lia livros para aprender a tornar-se mais atraente.
Amy estava desesperada. Sabia que ele já não a amava... ou, se a amava, não era exclusivamente a ela. Sentia que estava a perdê-lo. Não tinha culpa se a barriga não tinha voltado a ser completamente plana depois das duas gravidezes. O aumento do rabo talvez fosse outra coisa.
- Não percebo bem a história do apartamento - disse ela.
- Bem, se pensas que é um ninho de amor para Greta, esquece. Isso passou à história. Só preciso de um sítio perto da acção, onde possa trabalhar desde o nascer do Sol, se for preciso. Tenho duas linhas telefônicas e, acredites ou não, um computador. É um escritório. Aparece a qualquer altura, serás bem-vinda. E não precisas de telefonar antes.
Estavam a falar sobre um minúsculo apartamento que ele tinha alugado no SoHo (que queria dizer a Sul de Houston Street, que os nova-iorquinos pronunciavam How-ston), na baixa de Manhattan.
- O que é que o Sr. Jenkins pensa dele?
- Não sabe da sua existência. Não vou estar muito tempo com a Barnaby, Jenkins... e ele sabe-o bem. Jenkins está satisfeito com aquilo que é e onde está. Eu não. Eu vou para outro lado.
- Leva-me contigo, Dave. Dave olhou para ela.
- Tu és a minha parceira querida - disse ele, e riu-se. Que mais podia ele dizer? Sentia pena dela.
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Dave passava cada vez menos tempo na casa abrigada pelas árvores de Nova Jérsia. Mergulhava no trabalho e ficava no pequeno apartamento. Fizera bem em dizer a Amy que podia vir a qualquer altura, sem avisar. Deu-lhe uma chave.
Tinha mudado de trabalho.
- Tenho estado à procura de um jovem como você.
- Tenho estado à procura de um homem como você - respondeu Dave.
Estavam sentados no luxuoso apartamento de Bob Leeman, na East 72.a Street. O apartamento ocupava dois pisos de um edifício de janelas com vista para o East River. Leeman vivia principalmente no oitavo piso e tinha o escritório no nono. O apartamento continha soalho de madeira sólida e uns quantos tapetes orientais espalhados. Leeman possuía algumas obras de arte de qualidade, incluindo um Pollock.
Tinha também duas adolescentes nuas, nenhuma delas com mais de dezassete anos. Leeman era conhecido por isto: pegava em raparigas e fazia-as suas, para seu prazer ou de outros. Tinha tornado claro que uma delas, cujo nome era Janelle Griffith, estava atribuída a Dave Shea e faria tudo o que o dinheiro de Leeman lhe pudesse pagar.
Janelle era mais madura do que a sua idade faria supor. Sentia-se à vontade no seu papel. Tinha seios flexíveis, um deles com um pequeno sinal negro, e quase não tinha pêlos púbicos, mas de bom grado deixava que os dois homens a vissem nua. A verdade é que se envaidecia por isso, sem disfarçar. Sorria, bebia só um pouco de champanhe e mantinha-se perto do homem a quem era paga para agradar.
- Podemos falar diante delas - dissera Leeman. - São demasiado burras para fazer uma ideia do que se fala.
Dave ouviu esta opinião com cepticismo, mas Leeman era quem mandava. Era um salteador de companhias. A sua empresa adquiria companhias, pilhava-as, vendendo os seus melhores bens, e deixava a minoria de accionistas na falência.
Bob Leeman era abstémio. E comia frugalmente. Toda a sua considerável energia era concentrada no trabalho e considerava o álcool e a ingestão de comidas boas como
desperdício desnecessário de força. A sua única fraqueza era as meninas.
Era baixo, não tinha mais de um metro e sessenta e três. Era careca. O pouco cabelo que tinha rapava-o. Tinha o rosto largo e aberto. O seu sorriso era contagioso. Conseguia transferir para os outros os seus entusiasmos.
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- Conhece o meu trabalho - disse ele a Dave. - Sabe o que eu faço?- É suficientemente inteligente. Investigou-me.
- Sim, senhor.
- Não me chame senhor. Meu Deus, não me chame senhor. Sou Bob, Dave, e comecemos daí.
Dave concordou com um movimento de cabeça.
- Sabe que a minha companhia-base é a Minnesota Coopers (CM). Que diabo, não produzimos nem uma tonelada de cobre por ano. Já produzimos, no passado, mas... seja como for, adquiri-a e desde então uso-a como companhia-base. A filha da puta tinha muito dinheiro. Usei esse dinheiro para comprar... Bem, já sabe como é. Uma companhia, depois mais uma companhia. Tinha um jacto da empresa. Ena, e se eu o usava! E, acredite ou não, tinha um iate no Lago Superior. Era bestial para levar as minhas meninas a fazer cruzeiros. Quero dizer... você conhece a história.
- O SEC fez barulho - disse Dave. Leeman fez um gesto afirmativo com a cabeça.
- Num ano em que a CM perdeu trinta e dois milhões, eu ganhei de salário e lucros um total de quatro milhões. Ah, sim. O Governo fez barulho. Mas não conseguiram encontrar nada de ilegal. Desisti do avião e do iate, e eles deram-se por satisfeitos e foram-se embora.
- Bem... e agora, o que sucede, Bob?
- Quero apoderar-me da McLeod. Eles sabem e vão lutar contra mim. Se eu adquirir cinco por cento ou mais das suas acções, terei de apresentar um 13-D, e revelarei a minha posição. O que procuro é investidores que possam comprar três ou quatro por cento... e cujos nomes não possam ser identificados comigo. Quando tivermos o
suficiente podemos avançar e apoderar-nos da McLeod.
- O que é que a McLeod tem de tão bom?
- Dinheiro, para começar. Além disso possui meia dúzia de subsidiárias em diferentes ramos. Posso liquidar umas quantas e fundir outras em companhias minhas.
- Uma compra hostil - disse Dave. Leeman sorriu:
- Eu não sou hostil. A direção da McLeod é que é.
- Acha que eu tenho clientes que possam investir o suficiente?
- Poderão, quando entenderem que eu é que ando com o dinheiro. Olhe. Esses investidores não vão correr nenhum risco.
1Oferta Pública de Aquisição (OPA). (N. do E.)
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Se empatarem dinheiro deles, garanto que não podem perder. McLeod está a vender a 30,87. Vamos supor que descem para
25,25. Completo-lhes a diferença. Ou... avanço eu o dinheiro e eles não arriscam nada. Apenas exijo que votem de acordo com a minha vontade.
Dave reteve a respiração.
- Sem, evidentemente, revelarem...
- Evidentemente. Um segredo que fica entre nós. Calculo que as acções subirão dez pontos imediatamente depois de eu ter adquirido a McLeod. Nesse caso, eles vendem e arrecadam os lucros. Vendem em qualquer caso. Não os quero como accionistas. Compro-lhes as acções.
Dave lançou um olhar às duas raparigas nuas. Intrigava-o que Leeman se sentisse tão seguro de que elas não entendiam e não falariam.
- Não preciso de lhe dizer como tudo isto é ilegal - disse ele. - O SEC vai ficar histérico.
- Se o SEC descobrir. E nós vamos tratar de garantir que eles não descobrem. E isso depende em grande parte de você identificar os investidores adequados. Precisamos de tipos suficientemente ambiciosos para fazerem uma coisa ilegal. Claro que... se um deles nos denunciasse, estaria metido num sarilho tão grande como eu.
Dave passou a mão pela coxa de Janelle.
- Isto faz surgir uma questão, Bob. Sabe que eu investigo. Você tem... o quê?... vinte e quatro companhias? Para a maioria delas nem sequer faz reuniões anuais de accionistas. Algumas nem sequer têm directores. Tudo bem. Mas acho que precisa de fingir um pouco.
- Vai querer ensinar-me a dirigir as minhas empresas?
- Correndo o risco de o perder como cliente potencial, vou. E, além disso, atrasa-se a apresentar os 13-D. As suas auditorias são... de meter dó. Está a caminhar para uma catástrofe. Dirige os seus negócios como se fosse um senhor feudal. Para quê agitar um pano vermelho diante do touro do SEC?
- Continue.
- Que diabo, você dirige estas companhias. Tem tipos que farão o que os mandar fazer. Faça reuniões e finja que faz tudo o que se deve fazer numa empresa. E ponha o raio dos seus contabilistas a fazer auditorias a sério, mesmo que tenha de transferir temporariamente dinheiro de uma companhia para outra.
Leeman voltou a sorrir.
- Quanto pensa que lhe vou pagar por tratar deste negócio?
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- Tenho medo de perguntar.
- Muito bem. Faça com que as coisas resultem, Dave, e sairá um milhão mais rico... deste negócio.
- Informação privilegiada. Leeman encolheu os ombros.
- Isso é sempre bom, desde que ninguém saiba de onde veio. Janelle enroscou-se em Dave e, pelo olhar dos seus jovens
olhos, ele adivinhou que ela tinha percebido cada palavra da conversa. Nem com o maior voo da imaginação poderia ter adivinhado que ela viria a ser, anos mais tarde, a sua terceira mulher.
IV
Julian Musgrave preferia a comida italiana, por isso, ele e Dave estavam a jantar juntos numa cabina na cidade de Jérsia, a beber Chianti e a comer vitela com massa.
- Por que é que vem ter comigo com este negócio, Dave?
- Porque cada um de nós sabe alguma coisa sobre o outro, Julian. Nixon disse que não era um vigarista. Mas era. E eu também sou. E você também. O que lhe estou a oferecer é uma oportunidade de ganhar um dinheirão. Sem correr riscos. Basta-lhe aceitar o negócio e ficar de boca calada.
- Ilegal?
- Foi ilegal financiar um jogador de futebol de Rurg ers. Mas você financiou, por motivos seus. E eu não fui, de modo nenhum, o único. A propósito, o meu pai ainda tem aquele Buick que lhe vendeu tão barato. Não lhe fiquei a dever favores, Julian. Nem você a mim. Estou à procura de tipos que sejam suficientemente ambiciosos
e astuciosos para aproveitar uma oportunidade que é apenas um pouco obscura.
- Quem está por detrás do negócio?
- Não me pergunte isso. Um tipo que o podia comprar a si e a mim com só meia dúzia de tostões. Ele está por detrás do negócio e garante que você não pode perder.
- Uma grande promessa.
- Você pode investir dinheiro dele. Ele transfere-o para si.
- E quanto posso ganhar?
- Quem sabe? Mas não pode perder.
- Nunca me deu más indicações.
- Depois deste negócio, pode muito bem haver outros.
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- Muito bem. Eu entro com algum. E o seu homem que ponha algum mais. ?.
Amy chegou a vir a Manhattan e a passar uma ou outra noite no pequeno apartamento. Estava tão ansiosa por lhe agradar e prendê-lo que era capaz de fazer tudo o que
ele sugerisse. Naquela noite ele tinha tomado duche e estava deitado na cama a receber um sensual banho de língua, começava na testa e ia descendo, outras vezes começando nos pés e subia. Ela deixava sempre para o fim a sua pica, cada vez mais dura. Gostava de o ver reagir ao que ela fazia.
Tinha chegado aos mamilos dele quando o telefone tocou.
- Meu Deus! - disse ele.
Era Leeman. Dave tinha aprendido havia muito que Leeman não tinha nenhuma noção das horas ou da privacidade, sendo capaz de telefonar às três da manhã.
- Olá, miúdo! Conseguimos. Ninguém teve de apresentar um
13-D, mas eu tenho as acções suficientes nas mãos de uns quantos tipos meus, mais as dos seus, para votarem a minha entrada. E é isso que vou fazer! Ouve, agora o nosso problema é negociar as acções nas subsidiárias. Julgo que posso contar consigo para isso.
- Claro.
- Nenhum dos nossos tipos vai perder nada. Hoje a McLeod fechou a 35,25. Podemos mantê-la assim até estarem resolvidos os detalhes. Depois dizemos-lhes que vendam e recebam os lucros. Os que me devem dinheiro podem pagar-me com o lucro da venda. Mas o tempo é dinheiro, como dizem os advogados.
- Logo de manhãzinha - disse Dave.
- De manhãzinha. Quando se souber que eu me apoderei da companhia, as acções vão a pique...
- Entendido.
Amy tinha ido para o quarto, para refrescar a boca com Lavoris.
- Faça uma coisa por mim, Bob.
- Além de lhe dar um milhão?
- Sim. A Janelle. Mande-a para a universidade e certifique-se de que ela recebe
uma formação. Eu pago.
- Que diabo... fiz o mesmo a muitas das minhas raparigas. Eu é que pago. Uma rapariga só tem dezassete anos uma vez na
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vida. Tem de ter um modo de vida depois de... Elas compreendem que eu tomo conta delas, Dave... Ficaria surpreendido se eu lhe contasse das mulheres que cumpriram as suas obrigações para comigo e depois subiram na vida porque eu as patrocinei, e chegaram bem alto. Há a directora de uma revista... Bem, deixe lá.
- Tudo bem.
- Eu dissê-lhe que quando este negócio fosse bem sucedido receberia um milhão. bom, agora só temos de pensar na forma de o transferir para si. Venha até minha casa, por exemplo na quarta-feira à noite, e resolvemos isso. E, Ah... a Janelle estará lá. Da outra vez não tirou pleno partido dela. Talvez pense melhor nisso.
- Muito bem. Obrigado por telefonar, Bob.
Amy voltou da casa de banho e retomou o trabalho no ponto onde o deixara.
- Que era aquilo? - perguntou.
- Era um tipo a dizer-me que um negócio que tentámos fazer não resultou.
- Perdeste muito dinheiro?
- Só o que esperava ganhar. Não tinha investido nada. Amy passou-lhe a língua pelo pénis.
- Não se pode ganhar sempre - murmurou ela. Dave olhou para o tecto.
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1984
Cole e Emily tinham vivido num apartamento nas East Sixties. com a pequenita, Emily, a gatinhar em volta do bebê Cole, no berço, o minúsculo apartamento tinha-se
tornado inadequado. Este tinha dois quartos, uma sala de estar e de jantar e uma cozinha.
As gravidezes de Emily não a tinham feito engordar. Nem sequer tinha ficado com estrias. A única alteração tinha sido nos seus belos seios em forma de pêra, que
tinham aumentado um pouco. Continuava a usar o sexo rapado e tinha perdido a relutância em deixar que Cole visse os seus lábios interiores, rosados e carnudos. Estava
a tomar a pílula. Tinham decidido que não queriam mais de dois filhos, pelo menos por enquanto. Tinha retomado o trabalho de modelo na Art Students League, mas apenas uma noite por semana. Era um dos modelos favoritos, e pediram-lhe que trabalhasse mais tempo. Ela respondeu que tinha obrigações em casa.
Cole trabalhava muito e o trabalho era difícil. Quando chegava a casa, a primeira coisa que queria era uma bebida, para descontrair.
Na verdade, a primeira coisa que ele realmente queria era brincar com a sua pequenita Emily, e acarinhar Cole, mas quando Emily deitava as crianças, Cole queria beber. Queria aliviar as tensões de ser advogado litigioso.
- Acho que estás a abusar um bocadinho disso, querido dissê-lhe Emily várias vezes. Ele tinha-se habituado a gostar de Martini, que bebia com gelo e casca de limão.
Cole soltou um suspiro sonoro.
- Há um dito sobre os advogados litigiosos - dissê-lhe ele.
- Diz-se que têm uma esperança de vida significativamente mais reduzida do que as outras pessoas, os outros advogados.
- Olha, não é a beber em excesso que a vais aumentar.
- Tens razão - disse ele. Mas acabou o seu terceiro Martini.
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- Que andas agora a fazer? - perguntou ela.
- Bem... sabes que a última coisa que qualquer advogado quer tratar é casos de divórcio. E a nossa firma não faz isso. Mas quando temos um bom cliente por outros assuntos, não podemos recusar quando ele nos pede para lhe tratarmos do divórcio. E assim estou metido num caso que vai dar que falar. Quero dizer, os tablóides vão fazer um estardalhaço.
- Quem é?
- Já ouviste falar de Jack Singer.
- O da imobiliária?
- Esse mesmo. Tem cinquenta e dois anos. Casou com uma miúda de vinte e sete anos. Ela apanhou-o em flagrante delito, como dizem os advogados. E, a acreditar no que ele diz, resolveu limpá-lo. Quer metade de tudo o que ele tem.
- Um caso desagradável.
Cole dez um gesto afirmativo com a cabeça.
- Feio, E todo cheio de emoção.
- Que vais fazer?
- Detesto ter de o admitir, mas arranjei um investigador privado.
Cinco meses depois o caso foi a tribunal, diante de um juiz (nos casos de divórcio não há júri).
A Sra. Singer testemunhou a seu próprio favor, descrevendo como uma noite tinha chegado a casa mais cedo do que o esperado, para encontrar o marido na cama com uma
prostituta negra.
Cole Jennings interrogou-a em seguida.
- Sra. Singer, foi a única vez que observou o seu marido nessas circunstâncias?
Ela era uma clássica beleza loura, estonteante, com um
discreto vestido de malha preta. Cruzou as pernas pelos tornozelos
, não deixando que a saia subisse. ;
- Uma vez é bastante, não lhe parece, Sr. Jennings?
- Mas foi ou não a única vez?
- Calculo que ele o faça constantemente. Foi apenas a única vez que o apanhei.
Cole sorriu ao juiz.
- Peço ao tribunal que não tenha em conta esta especulação.
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O juiz fez um gesto afirmativo com a cabeça.
- Limite o seu testemunho àquilo que observou e que sabe, Sra. Singer.
- Vejamos... - disse Cole. - Devemos presumir que a senhora nunca se desviou do seu casamento?
- Absolutamente. Estou casada com Jack há sete anos e nunca... Bem, o senhor sabe, entende.
- Não. Diga-nos. O que é que nunca fez?
- Nunca tive intimidade com outro homem - disse ela, lançando a Cole um olhar carregado.
- Alguma vez outro homem passou a noite consigo, enquanto o Sr. Singer se ausentava em viagem de negócios?
- Nunca! - disse ela, com veemência.
- Segundo creio, possui um apartamento nas East Thirties e uma casa em Scarsdale.
- É verdade.
- Obrigada, Sra. Singer.
Quando Cole preparou o caso para a defesa, chamou uma testemunha, um homem de sessenta anos, que era porteiro nocturno do bloco de apartamentos em que os Singer viviam.
- Posso considerar que possui um conhecimento geral dos inquilinos do edifício que estão presentes e dos que estão fora?
- De modo geral, sim.
- Saberia se o Sr. Singer estivesse fora?
- Sim, senhor.
- Como saberia?
- Quando ele desce com uma mala, parto do princípio de que ele vai a algum lado.
- E quando ele regressa com a mala, saberá que ele já está em casa.
- Sim, senhor.
- Já alguma vez observou... cavalheiros a visitar o apartamento dos Singer quando Sr. Singer está fora?
- Sim, senhor.
- E esses cavalheiros ficavam toda a noite?
A testemunha fez um gesto afirmativo com a cabeça.
- Tinham de assinar o registo. O que faziam antes de eu entrar de serviço. Eu via-os sair de manhã cedo.
- Estamos a falar de um só cavalheiro?
- Não, senhor. Creio que eram três.
O advogado da Sra. Singer levantou-se.
- Sr. Dr. Juiz, este testemunho é no mínimo tão especulativo como o da minha cliente, quando ela disse que acreditava que o acusado...
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 Se o tribunal me permite - interrompeu Cole -, nós intimámos o livro de registos de vários meses e apresentá-lo-einos. Podemos provar, e provaremos, se necessário, que estes "cavalheiros" assinaram com nomes falsos. A Sra. Singer poderá identificá-los.
Cole detestava detectives privados. Mas, na devida altura, chamou o detective a testemunhar.
- Seguindo as minhas instruções, o senhor manteve sob vigilância nocturna a casa dos Singer em Scarsdale, durante uma semana.
- Todas as noites, senhor.
- Segundo creio, tirou algumas fotografias, não é verdade?
- Tirei, sim, senhor.
- Vamos apresentar essas fotografias como provas, Sr. Dr. Juiz.
- continuou Cole. - O senhor testemunha que essas fotografias representam a verdade e não foram alteradas fosse como fosse.
- Testemunho, senhor. Foram tiradas usando lâmpadas infravermelhas e um filme de infravermelhos. As pessoas não sabiam que estavam a ser fotografadas.
Numa das fotografias, a Sra. Singer aparecia com uma camisa-de-noite transparente e curta, erguendo-se em bicos dos pés para beijar um homem. Noutra aparecia completamente nua, mais uma vez a dar um beijo, na entrada da casa de Scarsdale. O detective privado testemunhou que tinha tirado essas fotografias precisamente ao nascer do Sol, escondido numa sebe.
- Chamo a atenção do tribunal para o facto de estas fotografias não serem do mesmo homem.
á
í
ui
in
- Não sei. Não sei - dizia Cole a Emily, enquanto bebia o seu Martini. - Andar a examinar a vida privada das pessoas não é nada digno. Se eles tivessem aceitado
o acordo que eu lhes propunha antes de irmos a tribunal, ele pagava-lhe cem mil dólares por ano até ao fim da
vida dela e ninguém tinha de saber os pormenores. Assim...
ambos me odeiam pelo que tive de fazer em tribunal.
- E o que é que tem o advogado dela?
- Niente. É um advogado parvo, que acredita na palavra da cliente. Que diabo, o Singer mentiu-me, e ela mentiu ao advogado dela; nos divórcios, as pessoas mentem sempre. Eu sabia que
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ele me estava a mentir. Mas pergunto-me se o advogado dela saberia que ela estava a mentir.
Ergueu o Martini e bebeu-o até ao fim.
- Tens de largar este tipo de trabalho, querido - disse Emily.
- Vai dar cabo de ti, tu próprio o disseste. Pensa em regressar a Nova Jérsia. Lá podes vir a exercer. Achamos uma cidadezinha onde possamos viver em paz e podes abrir um escritório. Não queremos criar os nossos filhos em Manhattan.
- É onde está o mundo, Emily. .
- Mas que mundo, se temos que nos matar nele?
Em Outubro, Cole e Emily deixaram o apartamento de Manhattan e mudaram-se para uma casa pequena, em Wyckoff. Ele abriu um escritório num edifício na Franklín Avenue,
e, como dizem os advogados, pendurou a cabeleira. Para sua surpresa, na Harris Pickens pediram-lhe que não rompesse a sociedade com a firma, que se designasse nos
cabeçalhos como "consultor" da Harris Pickens. Os sócios disseram que lhe enviariam algum trabalho e que poderiam ocasionalmente chamá-lo a Nova Iorque para trabalhar
em determinado caso.
A ideia de um advogado de Nova Iorque regressar à sua terra e abrir um escritório numa cidadezinha pequena intrigou muitos, e não foi preciso esperar muito até que ele formasse uma clientela cada vez maior, atraindo clientes de toda a zona norte de Bergen County.
Amy Shea não era propriamente uma das suas clientes, mas veio consultá-lo. Estava sentada no seu escritório, onde as janelas, do segundo piso, davam para a rua. A secretária dele era uma mesa grande. Atrás dele, servindo como uma espécie de credencial, estava uma lindíssima secretária antiga, de tampo de rolar, em cerejeira. Amy pensou se Cole teria propositadamente decorado o escritório de modo a parecer-se com o de Abraham Lincoln, em Springfíeld, Illinois. Ele era muito antiquado, não se parecia nada com Dave.
- Ele envolveu-se com um homem chamado Leeman. Já ouviste falar nele?
- Sem dúvida nenhuma.
- Desconfio que é um vigarista.
- Bem, Amy... - disse Cole, com prudência. - Bob Leeman
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é um voraz salteador de empresas. Adquire companhias, apropria-se dos seus melhores bens e deixa-as vazias e insolventes. Anda sobre o fio da navalha da lei.
- E da ética - sugeriu ela.
- Pois é.
- Nesse caso, Dave faz o mesmo. Receio é que Leeman o faça arcar com as culpas dele por alguma coisa, como Dave fez contigo no caso de Amos.
- Dave é demasiado esperto para isso.
Amy fez uma pausa para olhar a sala, em redor. Numa das paredes ele tinha uma gravura emoldurada. Era um retrato de Lincoln, tendo por legenda uma citação do próprio:
O TEMPO E O CONSELHO DE UM ADVOGADO SÃO O SEU PRODUTO.
- Venhcr pedir-te um conselho profissional - disse ela com solenidade. - Podes sentir-te chocado, mas estou a pensar em divorciar-me de Dave, se o fizesse, o que poderia conseguir dele?
- Qual seria o teu fundamento, Amy?
- Ele teve uma namorada. Foi ele mesmo que me disse. Ele tinha ouvido falar da namorada de Dave.
- Que posso eu dizer? - Amy tinha lágrimas nos olhos.
- Acho que ele te iria enfrentar. com muita dureza. Imagina que ganhas. Ficas com a custódia dos miúdos... mas ele terá amplos direitos de visita. Recebes pensão para os filhos. E para ti... provavelmente. Ficas com a casa. Quanto é que achas que ele tem?
- Sabe Deus. Dantes contava-me tudo. Agora já não, sobre o trabalho, quero eu dizer. Isso é outra coisa. Eu dantes era a sua parceira, por assim dizer. Agora já não sou.
- Casaste com ele porque o amavas. Devo entender que já não o amas?
- Não sei... Acho que ele é que já não me ama... pelo menos, como antes. Seja como for, é o pai dos meus filhos. Faço tudo para lhe agradar; estou a falar de sexo. Mas... dá cabo de mim pensar que ele tem outra.
- Dizes que fazes tudo. Ele tem exigências sádicas, ou... não estou a pedir que sejas defclítiva.
- Por que não? - ela fez uma pausa. - A única coisa que se poderia considerar crueldade é que ele decidiu que é divertido amarrar-me. Também... só passa em casa duas ou três noites por semana.
- Se não gostas, já lhe pediste que não o fizesse?
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- Não posso, o que eu quero é agradar-lhe!
- Isso não é um motivo sólido para divórcio - disse Cole. Claro que se um divórcio o humilhasse...
- Humilhar-me-ia também. E mais cedo ou mais tarde os miúdos haviam de ouvir falar no assunto.
- Não te posso recomendar que o tentes.
- Não estou a pensar nisso a sério.
Quando morreu o pai de Ibny DeFelice, este foi o executor do testamento, e pediu a Cole que se encarregasse das questões legais. Os honorários da legitimação são
fixados por decreto do tribunal, por isso não estava em causa quanto Cole iria cobrar. Os bens foram avaliados em mais de um milhão de dólares, por isso, Cole recebeu uma boa quantia.
O exercício da advocacia em Bergen County não era um desafio tão grande como em Manhattan, mas também não era tão fatigante. A não ser por ser solicitado para as actividades comunitárias, o que lhe ocupava muitas noites. Foi convidado a entrar para o Rotary Club. Contavam que ele fosse membro activo da Júnior Chamber of Commerce. Foi destacado para recolher contribuições para a United Way a um sortido variado de profissionais: contabilistas, arquitectos e veterinários.
- Contribuir de acordo com os rendimentos não é facultativo
- explicou-lhe o presidente. - Sabemos quanto eles ganham e portanto quanto devem pagar. E podemos fazer a vida difícil a um homem que não contribua de acordo com isso.
Por vezes, Cole perguntava a si mesmo por que havia deixado Nova Iorque.
Dave convidou-o para almoçar. Encontraram-se num restaurante chinês com os criados sempre a fazer vénias e a perguntar se estava tudo bem ou se precisavam de mais alguma coisa. Ambos beberam saque. O restaurante tinha um enorme aquário no qual peixes grandes e coloridos deslizavam de um lado para o outro entre as bolhas do sistema de oxigenação.
- Ouvi dizer - disse Dave - que na China uma pessoa vai a um restaurante, aponta para um peixe num tanque e diz que é esse que quer na travessa do jantar. Claro que não são peixes destes.
- Não me parecem muito comestíveis - disse Cole.
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- Surpreendes-me, Cole. Aqui estou eu, a esforçar-me por vencer e chegar à Cidade, e tu, lá estabelecido, voltas para a terra.
- Talvez depois de conseguires lá chegar também voltes para
a terra.
- Não. Isso nunca.
- Pelo que oiço, estás a dar-te muito bem.
- Fiz alguns negócios bons - disse Dave com modéstia.
- Foi o que ouvi dizer.
- Estava a pensar, Cole, se estarias interessado em investir parte do dinheiro da herança do DeFelice.
- Em quê? Dave sorriu:
- Acções fictícias. Não, escuta. Pode-se ganhar muito dinheiro.
- Bem... Em primeiro lugar, Tony é o executor. É um cargo fiduciário, e a lei é muito clara. Ele não pode investir os fundos da herançaa não ser em coisas muito seguras, como papéis federais.
- Que diabo, assim não vai fazer dinheiro nenhum.
- O dever dele é preservar os bens da herança. Surpreende-me que não saibas isso, Dave. Tony não podia empregar os fundos da herança em acções fictícias, mesmo que quisesse. São muito poucas as coisas em que ele pode investir os bens da herança.
- Então e tu? Não queres arriscar, digamos por uma pequena quantia?
Cole abanou a cabeça. Sabia que Dave estava a tentar apanhá-lo. Ele sabia que a herança não poderia fazer aquele investimento.
- Acabei de fazer uma mudança cara, Dave. Voltei para a terra, comprei casa e iniciei um negócio. Não posso arriscar em coisa nenhuma.
- Compreendo. E então como estão Emily e os miúdos?
- Óptimos. E a Amy?
- Bem... não anda muito satisfeita. Não sei que diabo ela quer. Está um bocadinho mais pesada, talvez tenhas reparado, se a viste. Os miúdos estão bem.
- Tens alguma coisa extra Dave? Dave voltou a sorrir.
- Sabes, até tem piada. Não, não tenho. Tenho tido oportunidades, mas... não. E tu?
- Não.
- Monógamo ferrenho, hmmm?
- É uma opção.
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- Um dia há-de aparecer uma garota. Aparece sempre.
- Não estou num trabalho cheio de glamour como tu. Advogado de cidade pequena. É uma opção.
- Posso fazer alguma coisa por ti, Cole? Estou em dívida para contigo. Talvez te possa mandar trabalho. E quando estiveres disposto a investir, posso aconselhar-te negócios dos bons.
- Não me esquecerei.
60
Agosto de 1986
Dave gostava de bifes altos e mal passados e adorava comer no Sparks, a famosa casa de bifes de Manhattan. Era o local onde Paul Castellano tinha sido abatido na rua, quando saía da sua limusina para ir a um jantar de negócios com outras figuras da mafia. Dave gostava do modo como serviam o vinho no Sparks: em copos de 250 ml. Os criados eram bruscos mas atentos. Muita gente achava que era um restaurante para homens, embora fosse frequentado por muitas mulheres.
Bob Leeman tinha sugerido aquele local para um encontro. Leeman não comia bifes e contentar-se-ia com uma salada Caesar e um pouco de vinho, mas era muito conhecido no Sparks; era frequente trazer ali convidados para almoçar e jantar.
- Não peça ainda a comida - disse ele a Dave. - Somos três.
- A sério? Você não disse...
- Vai gostar de conhecer a outra convidada. Para além de bonita, é muito esperta.
- Uma convidada?
- No nosso ramo, mais cedo ou mais tarde (esperemos que mais tarde), vamos precisar de boas relações públicas. Alexandra Fairchild é a melhor. Saiu da obscuridade e fundou uma firma agressiva de relações públicas: Fairchild, Douglas Jones. É tida em tão boa conta que trabalhou para a campanha do Reagan, das duas vezes. A especialidade dela é o ataque! Nunca defende. Atira-se à garganta. Quem quiser ir atrás de um cliente dela, é melhor que esteja mais limpo do que sei lá o quê. Ela faz com que todos deixem de reparar naquilo que o cliente dela poderá ter feito de errado para
repassarem a reparar no que os seus acusadores fizeram.
Alexandra Fairchild chegou. Meu Deus! Era uma mulher fascinante: cabelo ruivo e brilhante por altura dos ombros, um rosto perfeito marcado por uma boca grande de
lábios cheios, um corpo espectacular, embora de modo nenhum o exibisse.
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Vestia uma camisola branca acetinada com uma saia de cerimônia cor-de-rosa.
- Já ouvi mencionar o seu nome, Sr. Shea.
- Sinto-me lisonjeado.
- E até agora o senhor nunca ouviu o meu.
- Bem... nunca surgiu.
- Expliquei a Dave o que pode fazer por nós - disse Leeman.
- Não esqueçam o velho chavão - disse ela. - Mais vale prevenir do que remediar.
- Que, no nosso caso, quer dizer o quê? - perguntou Dave.
- Começando a trabalhar mais cedo do que esperava, digo-vos que não seria mau estabelecerem-se como cidadãos de primeira, como pilares da comunidade. - Fez sinal ao criado e pediu um Glenlivet duplo com gelo, e depois voltou-se para Dave e disse:
- É melhor para a canalização do que esse gim que está a beber.
- Uma autoridade em bebidas, também... - disse Dave, com um meio sorriso.
Alexandra encolheu os ombros.
- Chacun à son gout - disse.
Leeman franziu as sobrancelhas. Aparentemente, não sabia o que ela tinha dito.
- O que sugere que façamos para nos tornarmos cidadãos de primeira? - perguntou Dave.
- Patrocinem alguma coisa - disse ela. - Uma equipa de basquetebol para os miúdos da cidade. Uma equipa dos Infantis. Vocês arranjam os uniformes e o equipamento. Não vai sair muito caro. Compram e apresentam os trofeus. Isto é apenas uma sugestão. Há milhares de coisas que podem fazer.
- Está a prever uma coisa - disse Dave.
- Que é?
- Que um dia podemos ter de comparecer diante de um júri.
- Pode acontecer. Vocês estão num negócio arriscado. Dennis Levine foi indiciado por negociar com informação privilegiada. Ivan Boesky está metido em sarilhos. A fronteira é muito fina...
- Nós sabemos que é - disse Leeman. Alexandra voltou a encolher os ombros.
- Um homem prevenido vale por dois - disse. Dave riu:
- Você parece que tem um chavão para tudo.
- O trabalho de relações públicas é assim mesmo - disse ela. - Falamos com as pessoas em termos que elas possam entender. Falamos uma linguagem que elas compreendam. Lembra-se daquele anúncio antigo de um desodorizante qualquer? A mulher passou-o na testa. Um pouco mais tarde, disse: "A minha
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testa está seca." Não falou mal, mas noventa e cinco por cento das pessoas diria "tá seca", e desinteressam-se. Truques do ofício.
- Agora fale-me um pouco de si, Menina Fairchild. Não tenho nada a ver com isso, mas...
Ela sorriu:
- Tenho trinta e dois anos, casei uma vez, divorciei-me uma vez, não tenho prole. Nasci em Kiev e vim para este país com os meus pais quando tinha onze anos. Estou naturalizada. Passei
cerca de vinte e um anos a tentar aprender a língua, e acho que ,
falo razoavelmente bem, embora me possam apanhar de vez em
quando a utilizar qualquer expressão estranha, nada idiomática.
Ron Reagan achava muita graça quando isso acontecia; matava-se
a rir quando eu dizia alguma coisa mal. Formei-me na ,
Universidade de Columbia. As minhas opiniões políticas eram,
e são, muito de direita, dado que sou uma espécie de refugiada
da União Soviética. Reagan achou curiosa a ideia de ter uma
cidadã soviética a trabalhar na sua campanha. Gostava de mim. Ajudou-me a começar o negócio. Na primeira campanha eu era pau para toda a obra: mais um chavão. Da
segunda vez escrevi discursos e criei publicidade. Ainda tenho contactos dessa época. Tenho esperança de trabalhar na campanha do Bush.
- Muitíssimo interessante - disse Dave.
- E agora, meu caro senhor. Dê-me o seu curriculum vitae.
- Não tem nem de longe o mesmo interesse. Sou de Bergen County, Nova Jérsia. O meu pai ganhava a vida a vender produtos de mercearia por atacado. Fui para Rurg ers com uma bolsa de futebol americano. Caso contrário não teria podido ir para a universidade. Sou casado. Tenho dois miúdos. A minha mulher e os miúdos vivem em Nova Jérsia, Eu vivo a maior parte do tempo num apartamento em Manhattan.
- Demasiado modesto - disse Leeman. - Este tipo sabe fazer um negócio. E ensinou-me algumas coisas sobre a prudência. Acho que tem um grande futuro pela frente. Daqui a uns anos há-de ter aprendido mais sobre o funcionamento de Wall Street do que eu aprendi em muito mais tempo.
Alexandra recostou-se na cadeira e olhou Dave com curiosidade.
- Sente-se satisfeito com a sua vida até agora, Sr. Shea?
- Sentia-me mais satisfeito me chamasse Dave. Ela concordou com um movimento da cabeça.
- Dave... e então eu Alexandra.
- Se me permite a pergunta, qual era o seu nome em Kiev?
- Alexandra Petrovna Krylov. Quer dizer Alexandra, filha de Peter Krylov. Legalmente, não o modifiquei.
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- Eu podia chamar-lhe Alex, não podia?
- Preferia que não. Mas já me chamaram coisas piores.
- Não sei... atrai-me, não sei porquê.
- Uhmm... vocês até ficavam bem juntos... espero que não levem a mal - disse Leeman. - Alexandra, ele tem mulher, mas não é lá um grande casamento.
- Ofereceu-lhe uma das suas meninas, Bob?
- Ofereci... e nada.
- Tem de acabar com isso, Bob. Se a coisa é publicitada, as suas relações públicas ficam na merda.
Dave sorriu a Alexandra:
- Gosta dos bifes altos e mal passados? - perguntou.
- Mas há lá outra maneira?
Novembro de 1986
No dia 3 de Novembro, Dave foi de avião para Nassau, nas Baamas. Ficou só três dias, o suficiente para ir até à sucursal de Nassau do Pictet Compagnie e abrir uma
conta bancária suíça, onde depositou cinquenta mil dólares, sob o nome de Joseph Windsor. Contratou um advogado das Baamas e formou uma empresa sediada lá, a que chamou Windsor Nassau Associates. O advogado encontrou uns cidadãos das Baamas para servir de administradores e funcionários da empresa.
Agora, Dave podia negociar em títulos de crédito, e seria virtualmente impossível alguém seguir o rasto do negócio e chegar até ele. A corporação compraria e venderia títulos de crédito através de diversos corretores.
Na noite de 18 de Novembro, Jack Silver chegou ao apartamento de Dave. Vestia de forma informal, com uma camisola cinzenta de gola alta. Sentou-se, e Dave preparou
Martini para ambos.
- Então, vai entrar em grande? - disse Jack.
- Preparei a máquina.
- Sugiro que corte as ligações com a Barnaby, Jenkins. É uma firma sem importância nenhuma. Não constitui uma boa apresentação.
Dave fez um gesto de concordância com a cabeça.
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- Espalhei uns currículos - disse Dave. - Tenho um belo percurso, em parte graças a si, e alguns já se mostraram tentados. Um deles é bastante promissor. Devo aceitar o do Harcourt Barnham.
- Um banco de investimentos? Não uma corretora?
- Como dizia Willie Sutton, é nos bancos que está o dinheiro.
- Bem... podemos ser muito úteis um ao outro - disse Jack.
- Você é que me foi muito útil. Hei-de retribuir-lhe o favor.
- Não se pode saber que estamos em contacto um com o outro. Temos de combinar uns códigos. Por exemplo, se eu lhe telefonar para o Harcourt, digo que quem fala é Sr. Harrelson.
- Harrelson.
- Exacto. E o Harrelson dirá coisas que você terá de ser capaz de interpretar.
- Muito bem. E quando eu lhe ligar, direi que é Kimble.
- Kimble.
- Certo.
- Quando nos encontrarmos - disse Jack -, acho preferível ser aqui. Posso entrar e sair deste edifício sem me arriscar a encontrar alguém que conheça.
- Pois é. Os investidores não vivem em lugares destes. Eu vou arranjar uma coisa melhor, mas manterei este apartamento.
- Óptimo. E agora diga-me uma coisa, Dave. Por que é que você e Leeman contrataram Alexandra Fairchild?
- O facto está assim tão espalhado?
- Fala-se disso.
- Certo. Alexandra convenceu Bob Leeman de que precisamos de parecer cidadãos exemplares.
Jack fez um gesto afirmativo com a cabeça.
- Para o caso de terem de enfrentar um júri. O que me faz lembrar outra coisa: vai ter de cortar com Leeman. Terá uma desculpa perfeita. O Harcourt Barnham vai insistir nisso. Quero dizer que Harcourt vai mesmo insistir nisso. Bob Leeman é a única falha do seu currículo. O Harcourt não vai tolerar qualquer identificação com ele.
- Graças a ele ganhei muito dinheiro.
- Você fez outro tanto por ele.
- Suponho que sim - admitiu Dave.
Jack foi até à janela e olhou para baixo, para Mercer Street.
- Julgo que o Harcourt Barnham vai sugerir que corte também com Alexandra Fairchild.
- Isso é que não vai acontecer, Jack - resmungou Dave. Jack voltou-se.
- Não me diga!
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- A relação profissional, tudo bem. Mas não a relação pessoal.
- Você... e Alexandra são um casal? Dave fez um gesto afirmativo com a cabeça.
- Meu Deus do céu!
in
Dezembro de 1986
Dave e Alexandra continuavam a preferir o Sparks, mas nessa noite tinham decidido arriscar-se e atravessado a ponte de Williamsburg para ir à Casa de Grelhados Peter Lugers, em Brooklin. Estava decorada como uma bierstube alemã; e, seguindo o código da casa, estavam sentados diante de enormes canecas de cerveja forte, não a mistela americana mas cerveja alemã com verdadeiro sabor a cerveja.
- Bem, está tudo resolvido - disse Dave a Alexandra. - No dia 1 de Janeiro, passo a fazer parte do Harcourt Barnham.
Ela ergueu a caneca.
- Parabéns, Dave. Foi uma boa opção.
- Há condições - disse ele com solenidade. - Uma delas é que quebre todas as ligações com Bob Leeman.
- Compreende-se - disse ela.
- Havia mais uma condição, e eu não a aceitei.
- Qual era?
- Que eu quebrasse todas as ligações contigo. Recusei, Alexandra. Dissê-lhes que já não serias minha agente de relações públicas, mas...
- Não vais precisar - disse ela.
- Mas dissê-lhes que tu e eu tínhamos uma amizade pessoal e que não estava disposto a prescindir dela.
- Que disseram eles a isso?
- Disseram que estavam perfeitamente dispostos a aceitar que tu e eu tivéssemos uma relação pessoal... desde que também tu cortasses com Leeman.
Ela franziu as sobrancelhas.
- Que é que...
Ele pegou-lhe na mão.
- Eu dissê-lhes que não era impossível que um dia nos casássemos. Eles disseram que tudo bem. Mas não com alguém que pudesse passar informações a Bob Leeman.
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Ela olhou-o durante longos momentos.
- Nunca falaste em casamento, Dave.
- Não estou divorciado - disse ele.
- Atua namorada de infância... - murmurou ela.
Ele fez um gesto afirmativo com a cabeça, mas ficou a olhar para ela. O seu cabelo cobreado brilhava ao cair sobre os ombros. Vestia uma camisola de lã grossa, de cor creme, que ele reconheceu como importada da Irlanda, com calças pretas justas. Tinha um colar de pérolas de uma só fiada em volta do pescoço.
- E tens filhos.
- Eles mal me conhecem.
- E a tua mulher? Ele abanou a cabeça.
- Ela também já não me conhece. Eu sei que é uma banalidade. Um homem a prometer casamento a uma mulher, prometendo livrar-se de outra mulher. Mereces melhor, Alexandra. Mas cumprirei a minha promessa.
Ela pegou-lhe na mão e levantaram-se da mesa.
Foram para o apartamento dela. Ela vivia nas West Seventies, num apartamento bastante maior e mais luxuoso do que o buraco dele em Mercer Street. Entre a decoração encontravam-se cartazes originais anunciando espectáculos do Baileis Russes de Monte Carlo, com a participação, entre outros, de Alexandra Danilova.
Ele pegou no telefone e ligou para o seu apartamento para ter a certeza de que Amy não estava lá. Ela iria atender o telefone. Não atendeu, por isso Dave e Alexandra passaram a noite juntos. O mais comum era ele ir-se embora às quatro da manhã.
Alexandra era uma ruiva genuína. Entre as suas pernas, os pêlos púbicos lembravam chamas. A primeira vez que lhe viu os seios ficou a pensar se teria implantes. Mas não tinha. Eram pesados e sólidos... e verdadeiros. Ela despia a roupa para ele, quando ele lho pedia, mas não mostrava muito entusiasmo. Naquele momento ainda tinha as cuecas, e não parecia ter pressa de as despir.
- Sabes uma coisa? - perguntou ela. - Não disseste que me amas.
- Desculpa. Devia ter dito. Mas amo.
- Amas?
- Alexandra. Faria tudo por ti. Quero dizer, para que fosses minha mulher.
67
Dave tinha convidado Cole para Jantar no Primavera, um notável restaurante italiano na First Avenue. Especificou que era só para os dois; queria falar a Cole em
particular.
- Recomendo tudo o que está no menu - disse ele. - Tudo o que escolheres, vai ser bom.
Tinha Cole reduzido drasticamente o consumo de álcool, e já uma garrafa de vinho estava diante deles.
- Que fazes no Harcourt Barnham?
- Por agora sou analista. Mas vou entrar para as Fusões e Aquisições. Isso é um dado adquirido.
Chegou um criado. Dave mandou vir vitela com massa. Cole fez um gesto de concordância com a cabeça e disse que queria o mesmo.
- Bem... disseste que querias uma conversa em privado.
- Pois é. Quero que me representes em Nova Jérsia. Um assunto de relações domésticas.
Cole ergueu bruscamente o queixo.
- Queres...?
- Já não se chama divórcio. Chama-se "cessação do contrato de casamento". Estou a pensar que não será contestado. Eu...
- Não posso ser teu advogado para esse assunto, Dave.
- Porquê?
- Amy já me consultou sobre isso.
- Ela quer sair? Óptimo!
- Não quer necessariamente sair. Perguntou-me como seriam as coisas.
- Olha. Eu dou-lhe a casa. Posso dar-lhe alguns títulos. Pago pensão para os filhos. Dou-lhe uma boa pensão, durante um tempo razoável.
- Não posso ser teu advogado - insistiu Cole.
- Não me interessa qual de nós tu representas oficialmente. Na verdade, nem sei se preciso de um advogado, se pudermos chegar a acordo em tudo. Contigo a tratar das coisas, o assunto fica em família, por assim dizer. Por que é que tu não falas com ela e lhe explicas...
- Estás a dizer que pretendes que eu lhe diga que queres terminar o casamento? Não lhe disseste ainda?
- Não quero lágrimas, Cole.
- Dave, isso é de uma insensibilidade!
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- De que lhe serviria chorar e implorar-me que não a deixe?
- Não sentes nada por ela?
- Afastámo-nos imenso - disse Dave, em tom realista. Já não há nada a fazer.
- O dinheiro há-de falar - disse Cole, secamente.
- Facilita as coisas.
U
69
Março de 1987
O telefone tocou na secretária de Dave no Harcourt Barnham.
- Está em linha um Sr. Harrelson, doutor.
- Eu atendo. - Levantou o auscultador. - bom dia, Sr. Harrelson, que posso fazer por si?
- Estou a pensar em adquirir uma pequena posição na Procter Gamble. Queria saber se tem alguma ideia sobre o assunto.
- Não investiguei essa companhia.
- Bem, eu tenho um palpite e sou capaz de arriscar na PG.
- Depois diga-me os resultados - disse Dave.
Ele compreendeu. Jack tinha de algum modo recebido alguma informação privilegiada sobre a Procter Gamble e estava a aconselhar Dave a comprar. Durante a hora do almoço levou um rolo de moedas e fez uma chamada para a Windsor Nassau Associates. Naquela altura usou os conhecimentos que tinha no Harcourt Barnham para aumentar a sua conta no Pictet Compagnie dos originais cinquenta mil para oitenta e cinco mil dólares. Deu instruções à empresa para comprar cinquenta mil dólares de acções da PG. Depois telefonou para o Pictet Compagnie, identificou-se como Joseph Windsor, deu o seu número de conta e transferiu cinquenta mil dólares para a Windsor Nassau.
Mais tarde, nessa mesma semana, a PG anunciou que tinha adquirido a Whipple, Incorporated, uma das principais fabricantes de fermentos e óleos de cozinha com um conjunto impressionante de nomes e marcas. A Whipple era uma companhia de família gerida por uns irmãos que estavam dispostos a retirar-se e passar a ser multimilionários até ao fim da vida; por isso venderam-na por um preço muito favorável à Procter Gamble. A PG anunciou que ia retirar alguns dos produtos menos lucrativos da Whipple e expandir o fabrico de outros.
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Perante esta notícia, o preço das acções da PG subiu dezoito por cento. Dave ficou com elas apenas uns dias e depois ordenou à Windsor Nassau que as vendesse. O lucro não foi grande, mas valeu a curto prazo o risco que correu.
Recompensou Jack Silver com informações sobre o Harcourt.
Abril
- Dave, isto é um esquema sem pés nem cabeça. Pode muito bem pôr fim à tua carreira.
- Também pode fazer-me ganhar meio milhão de dólares, talvez mais, se resultar. Olha, eu estudei o risco com muito cuidado. Mas acho que sozinho não consigo. Preciso
de um sócio. O tipo tem uma rotina certa. Nunca varia. Ando a observá-lo há semanas.
- Mas tem de ser mais de uma vez.
- Pois, calculo.
- E de cada vez...
- Nenhuma das vezes é mais perigosa do que a primeira. Jack abanou a cabeça.
- Não sei se me quero meter nisto, Dave.
- Bem, ou entras ou não.
- Dá-me os pormenores.
- Está bem. Theodore T. Logan IV (por vezes, chamam-lhe "Cu-arto") trabalha na Drexel Burnham Lambert, nas Fusões e Aquisições. Ainda não foi tocado pelos escândalos. Bem... é um homem de sessenta anos. As pessoas que fazem negócio com ele estão habituadas a receber telefonemas a todas as horas do dia, o que quer dizer que ele leva os documentos para casa. Sai da Drexel e Bumham precisamente às seis, todas as tardes, e vai de táxi para a baixa, para o Clube Atlético Broadway. Nós os dois somos membros. Ele despe-se e mete as roupas no cacifo... juntamente com a pasta. Vincara a sauna durante quinze minutos, depois vai para a piscina nadar durante uma hora. Nunca varia esta rotina. Eu nado com ele. Acabámos por nos conhecer.
- Ele sabe o que você faz, com quem trabalha?
- Duvido. Seja como for, quando os membros não estão a utilizar os cacifos, trancam-nos.
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- É uma regra do clube. Para ninguém poder colocar lá uma bomba.
- Ou cocaína, ou coisa assim. bom... já experimentei o trinco do meu cacifo. com um cartão de crédito abre-se o trinco em dois segundos. Basta meter o cartão na fenda e empurrar. Aqueles trincos não foram feitos para serem muito resistentes.
- E então tiras a pasta e...
- Temos uma hora e quinze minutos. As pastas são todas muito parecidas, e eu entro mais cedo, levando a minha. Saio com a dele. Ninguém vai notar a diferença. Conhece o Wakefield Hotel, que fica na mesma rua, duas portas mais acima? Alugamos lá um quarto. Eu levo a pasta para o quarto e vemos o que ele lá tem. Descobrimos o que ele anda a fazer. O hotel tem uma máquina de fotocópias que funciona com moedas. Ninguém vê o que fotocopiamos. Podemos fotocopiar o que quisermos.
- Depois levas outra vez a pasta...
- Não. Tu é que levas. Eu não posso sair do clube e voltar meia hora depois ou coisa assim. Vais para o vestiário, esperas uma oportunidade, abres o cacifo de "Cu-arto" e devolves a pasta. Despes-te e usas o meu cacifo. Eu dou-te a chave. Vais nadar um bocado. Depois voltas, abres o meu cacifo com a chave, vestes-se e tiras para fora a minha pasta, que está lá à tua espera. Entras com uma pasta e sais com uma pasta. Regressas ao hotel, onde eu estive a estudar os papéis que fotocopiámos.
- Tudo muito fácil, se não houver nenhum imprevisto - disse Jack
- O mais simples possível - disse Dave. - Se houver um imprevisto, improvisamos.
Dave entrou no vestiário, vindo da piscina, despiu os calções Speedo e tomou duche. Enquanto ele estava no duche, Theodore Logan entrou, despiu-se e meteu as roupas e a pasta no cacifo e depois saiu, em direcção à sauna e à piscina.
Dave dirigiu-se apressadamente para o seu cacifo e tirou o cartão de crédito do bolso do casaco. Venceu o trinco do cacifo de Logan mas deixou a porta fechada enquanto se vestia.
Foi então que surgiu realmente um imprevisto. Havia demasiados homens a entrar e a sair do vestiário. Precisava de ficar só por um instante para abrir o cacifo de Logan. Começou a ficar nervoso com a demora.
Até que percebeu que nenhum dos homens sabia qual era o cacifo de cada membro. Abriu o cacifo de Logan quando não havia ninguém em posição de ver as roupas lá dentro, tirou a pasta e saiu.
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No hotel, ele e Jack espalharam os papéis sobre a cama e analisaram-nos.
- Que bomba!
- Não acredito. A Mead quer adquirir a Boise Cascade (BC)!
- Faz sentido - disse Jack. - A Mead é uma companhia de papel. A BC é uma companhia de produtos florestais e de papel. A Mead diversificou imenso nos últimos vinte anos, adquirindo companhias envolvidas em actividades cuja gestão na realidade não conhece...
- Como os computadores - disse Dave. - LEXISNEXIS.
- Bem, essa tem um enorme sucesso. Empataram nela muito dinheiro, mas resulta. Temos esse sistema no banco. Aposto que também o têm no Harcourt.
- Nunca o usei, mas ouvi dizer que há pessoas que só se fiam nele.
- É incrível as coisas que uma pessoa pode descobrir. É certamenteTima das maiores bases de dados do mundo.
- Precisamos mesmo de fotocopiar alguma coisa daqui? perguntou Dave.
Jack abanou a cabeça.
- Dá para ver o que anda a fazer o "Cu-arto". A Mead vai querer um banco que subscreva a emissão de um título de crédito para financiar a sua oferta. Não vai ser o Stuyvesant.
- Não vai ser o Harcourt.
- Vamos pôr os papéis na ordem em que estavam quando os tirámos e depois você volta ao clube e devolve a pasta. - Temos de continuar a fazer isto - disse Jack. - Quando a Mead tiver a subscrição, avançará. Temos de fazer o mesmo truque todos os dias.
Jack foi para o clube, voltou a pôr a pasta de Logan no cacifo sem qualquer problema e foi nadar.
No dia seguinte fizeram outra vez o mesmo, sem qualquer obstáculo. Nesse dia fotocopiaram meia dúzia de páginas. Os pormenores do negócio da Mead começavam a tomar forma. E no dia seguinte a mesma coisa. Depois variaram a rotina: certos dias Jack ia primeiro e tirava a pasta e Dave devolvia-a. Usando a fotocopiadora do hotel, reuniram o seu próprio dossier sobre a futura proposta de aquisição daBoise Cascade.
No décimo primeiro dia ficaraSi a saber que a Citicorp subscreveria a Mead.
Dave dirigiu-se apressadamente para o clube, com a pasta. Quando chegou viu que o vestiário estava demasiado cheio para que pudesse guardar a pasta no cacifo de Logan. Meteu-a no seu próprio cacifo e, para disfarçar a sua presença, foi nadar. Quando
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regressou ao vestiário ainda lá estavam dois homens. Por isso foi tomar duche. Quando saiu não estava lá ninguém, por isso tirou logo a pasta de Logan do seu cacifo e dirigiu-se para o cacifo de Logan.
E, nesse momento, eis que entra Theodore T. Logan IV.
Dave quase entrou em pânico. Os outros poderiam não distingir a pasta de Logan da de Dave, mas bastaria que Logan lhe lançasse um olhar para a reconhecer como sua.
O momento foi salvo por uma fraqueza humana. Logan não prestou atenção à pasta, nem sequer pensou o que estaria um homem todo nu a fazer com uma pasta na mão. Fez o que fariam quase todos os homens e mulheres: olhou para o pénis de Dave. Fez um gesto de cabeça numa saudação meio amigável, e depois voltou-se e dirigiu-se para o duche. A tremer, Dave abriu rapidamente o cacifo de Logan e atirou a pasta lá para dentro.
Não contou a Jack como tinha escapado por pouco.
- Bem, encaixa tudo - disse Jack. - AMead vai fazer uma oferta de aquisição da Boise Cascade. O que vai fazer subir as acções da Boise Cascade. Céus, que oportunidade!
Dave franziu as sobrancelhas.
- Pois é... bem. O problema é que só posso investir cem mil. Não me vou sair assim tão bem.
- Está bem. Está bem, homem, você proporcionou-me um grande negócio. vou comprar meio milhão de dólares de acções. Quando as vender, o lucro de cem mil dólares é para si.
- É muita generosidade sua, Jack. Eu... parto do princípio que tem meios de se proteger.
- E eu parto do princípio de que você também tem. Dave fez um sinal afirmativo com a cabeça.
- Numa offshore.
- Eu fui directamente a Génova. Como é que comunica com a sua... bem, com a sua empresa e o seu banco?
- Nas cabinas telefônicas, com moedas.
- Olhe. Vá à companhia dos telefones. com certeza que tem um cartão de crédito com nome e morada falsos.
Dave sorriu.
- Estou a pensar em arranjar um passaporte falso. Jack abanou enfaticamente a cabeça.
- É demasiado arriscado. Qual é a morada que usa no cartão de crédito falso?
- A de Alexandra.
- E a linha do telefone é para...?
- O apartamento dela.
- Compre um fax. Pode mandar as suas ordens por escrito
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A confirmação virá por escrito. Pode continuar a usar um código. Suponho que confia na mulher?
- Vamos casar.
- Não é o mesmo que confiar nela.
- Eu confio nela. Meu Deus, homem, uma pessoa tem de confiar em alguém. Eu confio em si.
- E eu também confio em si. Corremos um risco tremendo e começámos uma coisa que nos vai dar muito dinheiro. Tenha cuidado, não ponha a sua companhia do exterior a comprar demasiadas acções da Boise Cascade. Eu vou dispersar o meu investimento. Se não parecer que há um único investidor a fazer uma fortuna, não haverá problema. Caso contrário, o SEC vai investigar.
in
- Por favor, casa comigo - disse Dave a Alexandra. Ofereceu-lhe um anel de noivado, simples, com uma enorme pedra solitária.
Estavam sentados na sala do apartamento dela, debaixo dos cartazes dos Ballets
Russos.
Pela primeira vez desde que se haviam conhecido, Dave viu lágrimas nos olhos de Alexandra. Ela disse que sim com a cabeça e deixou que ele lhe enfiasse o anel no
dedo. Beijaram-se.
- Amo-te - disse ele.
- Eu também te amo. Não costumo fazer coisas arriscadas e isto é arriscado. - Atirou a cabeça para trás e riu. - De outro modo morreríamos de aborrecimento. E acho que isso é algo que nunca vou sentir ao pé de ti, Dave Shea.
- Não serei aborrecido, Alexandra.
Foram para a cama e ficaram lá durante muito tempo, depois saíram para jantar. Desta vez, e para celebrar o noivado, foram à Russian Tea Room, mas só mais tarde, depois de os turistas já terem ido embora. Beberam Stolichnaya, tão frio que estava quase gelado e espesso, embebido em caviar. Seguiu-se um Borscht Ukralnsky e sopa de beterraba à ucraniana. Alexandra deu a provar ao Dave o blini, panquas de trigo mourisco levedado em caviar. O prato principal foi simplesmente carne à Stroganoff, acompanhado de um forte vinho tinto.
Dave esperou até que regressassem ao apartamento dela antes de abordar um assunto que era importante para ele, mas que o preocupava.
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- Como achas que Bob Leeman reagiria se eu o contactasse?
- Ele entende o motivo que te levou a romper com ele. Não está ressentido.
- Preciso de falar com ele.
Dave combinou encontrar-se com Bob Leeman no restaurante Al Cibellis, em Perth Amboy, convencido de que ali ninguém do Harcourt Barnham o veria. Mesmo assim, pediu
um compartimento pouco visível, ao fundo da sala. Quando Leeman chegou, Dave tinha diante de si um Martini. Leeman olhou a bebida com desdém e pediu um copo de vinho branco.
- Porquê, encontra-se aqui com as suas namoradas? perguntou Leeman, sarcástico. - E embebeda-se?
- Tenho um bom negócio para partilhar consigo, Bob - disse Dave. - Nenhum de nós pode correr o risco de sermos vistos juntos.
- Partilhar...? Porquê comigo?
- Por dois motivos. Acho que estou em dívida para consigo. Mais importante, é um homem que sabe encobrir um negócio de modo a que ninguém descubra.
- Em que é que se meteu?
- Não me pergunte como sei, mais vai haver uma grande proposta de compra. Quando se souber, há determinadas acções que vão subir significativamente.
- Informação privilegiada - disse Leeman. O seu rosto ficou corado: sinal de que tinha ouvido algo que lhe despertara o interesse.
- Da melhor fonte possível.
- Como é que a obteve?
- Não me pergunte isso. O tipo que ma passou não sabe que a deixou escapar. Posso dizer a coisa da seguinte maneira: ele teve pouco cuidado com os documentos.
- Você roubou-lhe os papéis?
- Levei-os emprestados. Ele não sabe que alguém lhes mexeu.
- E então, quando é que me vai dizer quais são as acções?
- Quando tivermos combinado o negócio. Quando se souber desta proposta de compra e as acções subirem, pode apostar que o SEC vai procurar muito bem para ver quem comprou e quanto,
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nas duas ou três semanas anteriores. Você tem tipos que compram e vendem para si, em contas fictícias, que na realidade são suas. Já o vi trabalhar desta forma. Esses tipos investem o seu dinheiro e recebem uma percentagem. Você pode investir uma grande quantia e dispersá-la, de modo a que nenhuma das compras individuais levante suspeitas.
- Dois motivos - disse Leeman -, mas eu estou a ver um terceiro. Você quer uma parte dos lucros.
Dave fez um gesto afirmativo com a cabeça.
- Trinta e cinco por cento.
- Quanto acha que eu vou investir nisto?
- Você diz-me depois de eu lhe dizer qual é o negócio.
- Então, conte lá.
Interromperam enquanto o empregado anotava a encomenda. Dave pediu um bife mal passado, Leeman uma salada Caesar.
Antes de ouvir a resposta, Leeman tinha outra pergunta para fazer.
- De que forma vai explicar às Finanças o modo como ganhou este dinheiro?
Dave sorriu.
- Bob... por amor de Deus! De que forma é que você comunica os seus rendimentos? Tenho um amigo que tem uma conta em Génova, outro em Belize. Não pergunto onde é a sua. Não pergunte onde é a minha. Temos contas. Temos empresas de fachada no exterior. Quando me passar um cheque, quero seis ou sete cheques passados a Joseph Windsor.
- Visados?
- Não, credo! Confio em si. Você vai confiar em mim.
- Passou para as coisas grandes, Dave. Confesso que nunca esperei outra coisa de si. Que diabo... daqui a dez anos você vai poder comprar-me e vender-me com só meia dúzia de tostões.
- Arranje maneira de tudo correr bem e eu mantenho-o abastecido de trocos. Agora vamos esclarecer muito bem uma coisa, não há nenhuma possibilidade de alguém seguir o rasto disto até mim. Absolutamente nenhuma. O modo como obtive a informação, ninguém a pode apontar. Nunca na vida! O seu papel é garantir que eu possa arrecadar o dinheiro sem que caiam sobre mim quaisquer suspeitas.
- O meu papel é garantir-lhe ninguém a possa seguir até mim, também - disse Leeman.
- vou explicar-lhe o negócio, e você diz-me quanto quer aplicar... Dentro de dez dias a Mead Corporation vai fazer uma oferta de aquisição da Boise Cascade...
- Meu Deus! Não está a lidar com pequenas empresas de nada.
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- Quanto é que vai empatar, camarada? Não se esqueça, não pode perder. Essas acções não vão descer, isso é garantido.
- Um milhão.
- Não seja medricas. Oportunidades como esta não surgem todos os dias.
- Dois... vai ser doloroso se não resultar.
- Vai ser doloroso se não tentar. Ponha três. Se a proposta de compra não for feita terá uma posição de três milhões de dólares numa companhia sólida.
- Está bem.
- vou dar-lhe mais uma segurança. Quero fazer mais uma emboscada aos papéis do meu amigo. No fim de contas, estou a investir mais dinheiro do que aquilo que posso investir. Dentro de uma semana vai receber um telefonema de um tal "Mr. Kimble". Ele vai dizer-lhe qualquer coisa como: "Você vai achar incrível, mas o Larry pediu Elena em casamento." Isso quer dizer que o negócio se faz. Se eu disser: "Elena recusou o pedido do Larry", isso quer dizer que o negócio não se faz. Se se fizer, vá em frente! E olhe, não fique agarrado a elas durante muito tempo. Você sabe avaliar essas coisas. Venda quando atingirem o valor máximo.
Dave investigou o conteúdo da pasta de Logan mais uma vez. Não precisou de a tirar. Limitou-se a examinar os documentos e a voltar a colocá-la no lugar.
Fez um telefonema a Bob Leeman:
- Larry pediu a Elena em casamento.
com os seus cem mil dólares, os cem mil dólares de Larry e a sua parte de um milhão e cinquenta mil do investimento de Leeman, tinha um milhão e duzentos e cinquenta mil dólares no negócio. com a notícia da oferta de compra as acções da Boise Cascade subiram trinta e um por cento. Ganhou trezentos e oitenta e sete mil e quinhentos dólares, que depositou no Pictet Companhie, nas Baamas.
Quem lucrou mais foi Leeman, que ganhou mais de seiscentos mil dólares. Dave não perguntou quanto mais é que Jack tinha empatado, por isso não ficou a saber os seus lucros.
Dave casou com Alexandra Petrovna Krylov (continuava a ser o seu nome oficial, nunca o mudara). Decidiram que viveriam
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durante um curto período de tempo no apartamento dela. Ele já lá tinha uma linha de telefone e um fax, com um nome
suposto e mudou para lá mais algumas coisas. Viveriam
com conforto até encontrarem o sítio que pretendiam. Não queriam
parjrtir imediatamente em viagem de núpcias, por isso instalaram.se confortavelmente, durante duas
semanas, numa vida doméstica.
Ele já sabia que ela era uma amante vigorosa e excitante. Ela adorava sexo e queria muito, mas franziu as sobrancelha e disse que ia pensar quando ele sugeriu algo que se desviava do comum. Ela satisfazia-o e ele satisfazia-a.
Uma coisa de que ela gostava era de tirar-lhe o pénis de dentro das calças e de o segurar nas mãos, acariciando-o, enquanto bebiam as bebidas da noite ou viam televisão.
Não tinha pressa de lhe provocar a ejaculação.
Numa noite, Jack Silver veio ao apartamento. Quando estavam sentados, a conversar e a beber, Alexandra começou a esfregar o sexo de Dave dentro das calças, mesmo
diante de Jack, que fÍQou a olhar. As calças de Dave estavam tensas, enquanto ele continuada a falar de negócios com Jack. Jack continuava a olhar fixamente.
No dia 10 de Junho partiram de avião para as Baamas, pra a lua-de-mel. Ele levava cheques enrolados dentro das meia e no primeiro dia, "Joseph Windsor" foi ao Pictet e depositouos. O seu saldo já se aproximava do meio milhão de dólares.
Nessa noite, na cama, ela perguntou-lhe:
- Vais contar-me o que estás a fazer?
- Queres mesmo saber?
- Não tenho bem a certeza.
- vou pôr as coisas da seguinte maneira. com toda a modésa) estou a dar-me muito bem no Harcourt Barnham.
- E muito melhor ainda por ti mesmo.
Na manhã seguinte, quando tomavam o pequeno-almOço antes de ir para a praia, ele leu o Times e ela dava uma
vista de olhos no Wall Street Journal.
- Acho que deves ver isto, meu amigo - disse ela, estendendo-lhe o jornal. Apontou para uma notícia.
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A PROPOSTA DE COMPRA DA BOISE CASCADE PELA MEAD SOB INVESTIGAÇÃO.
Por David Link redacção do jornal.
Um movimento invulgarmente forte no mercado de acções da Boise Cascade, durante a semana que antecedeu o anúncio da proposta de compra feita pela Mead, originou especulações e uma investigação da parte do SE C e do gabinete do Ministério Público de Nova Iorque.
A acentuada subida do preço das acções, ocasionada pelo anúncio da oferta, parece ter sido prevista.
"Não se trata de um caso importante [disse Ralph Eddy, porta-voz do SEC], mas há suspeitas óbvias de que pelo menos alguns dos investidores operaram com base em
informação privilegiada. Não temos nenhum motivo para crer que qualquer das duas empresas ou o subscritor deixasse escapar intencionalmente a informação. Na nossa
opinião, estarão completamente inocentes. O mais provável é que um funcionário desonesto ou imprudente tenha dado uma dica a alguns amigos, que então investiram através de delegados e provavelmente terão ganho no máximo um milhão de dólares. É coisa de pouca monta. No entanto, continuamos a acompanhar a situação, o que faremos em cooperação com o gabinete do Ministério Público de Nova Iorque."
O procurador mostrou-se mais efusivo: "Isto é déja vu novamente, como dizia o Yogi. Tfemos feito uma cruzada para erradicar este tipo de coisas e proteger os investidores honestos. Tenciono investigar isto até ter resultados."
Dave encolheu os ombros, despreocupado, e disse: - Boa sorte para o Rudy.
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Julho de 1988
No Natal de 1987, Emily tinha comprado a Cole um quadro. com o auxílio da última escola de arte onde tinha posado como modelo, conseguira localizar uma jovem pintora e comprara-lha um nu que-ela havia feito, tendo Emily como modelo. A jovem era uma excelente pintora, uma discípula do realismo, e tinha começado a ganhar a vida pintando retratos. Havia retratos dela em átrios de bancos e em salas de recepção de escritórios de advogados. Os seus estudos de crianças eram particularmente apreciados.
O quadro de Emily era um nu particularmente casto. Estava sentada sobre um tecido verde-escuro drapeado, com as pernas dobradas debaixo do corpo. Olhava para fora do quadro e tinha no rosto um leve sorriso. Os seios estavam despidos, claro, e apenas se via uma orla dos seus pêlos púbicos.
A intenção de Emily era pô-lo no quarto, mas Cole insistira em o pôr na sala da família, atrás da sala de estar e de jantar, onde os visitantes ocasionais da casa não o veriam, mas apenas os amigos.
Emily e Cole haviam explicado aos filhos que não deveriam levar os amigos para a sala de modo a não o ver. Os miúdos levavam os amigos para a sala dos brinquedos, na cave, e, na realidade, os amigos dos filhos quase nunca viam nada da casa, muito menos a sala.
Os amigos de Cole e Emily viam-no e admiravam-no sem excepção.
Entre os amigos que o hÃfÉRm visto contavam-se Dave e Alexandra. Dave trouxera Alexandra a Nova Jérsia para apresentar a noiva aos amigos. Foram lá jantar, e depois do jantar e dos brandes instalaram-se na sala da família, onde estava o quadro.
- É tão bonito! - exclamou Alexandra. - Achas que a artista me faria um?
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- Oh, com certeza que sim - disse Emily. - É assim que ela ganha a vida.
Alexandra aproximou-se do quadro e ficou a admirá-lo.
- És exactamente assim? - perguntou. - Ela pintou-te exactamente como és?
Emily sorriu e olhou alternadamente para Cole e para Dave.
- A semelhança da cara é tanta como a semelhança das mamas.
Alexandra acenou com a cabeça, pensativa.
- Posaste como modelo de nus durante algum tempo, não foi?
- É verdade.
- Sentir-te-ias muito envergonhada se... Emily olhou para Cole.
- Bem... compreendo que seria embaraçoso. Por isso... olha, Emily. Tu tiras a blusa e eu tiro a minha. Então, não serás a única...
Emily riu.
- Que se lixe. Já fui vista por centenas de pessoas.
- Não acredito nisto - murmurou Cole.
Emily tirou a camisola de caxemira cor-de-rosa por cima da cabeça, desapertou o soutien, deixando-o cair, expondo os seios brancos e pequenos, em forma de pêra, com auréolas de um rosa-vivo e mamilos de um rosa mais escuro. Alexandra teve de tirar um vestido de malha preto, depois o soutien, para revelar uns seios que tinham o triplo do tamanho dos de Emily: firmes e em forma de meios melões, com auréolas acastanhadas e mamilos escuros e enrugados.
- Estás a ver? - disse Emily. - Ela pintou as minhas mamas com tanto rigor como a minha cara.
- Não acredito nisto - repetiu Cole.
Dave sorriu e ficou a olhar para ver o que se passaria a seguir.
- Vá lá, querido - disse Emily com um sorriso. - Vá lá, então. Somos adultos - Voltou-se para Dave. - Gostas?
Ele disse que sim com a cabeça:
- Gosto.
Alexandra voltou-se para Cole e pôs a cabeça de lado.
- Gosto - disse ele.
Alexandra estava agora sentada, só com meia combinação. Puxou-a para cima, mostrando as pernas por cima do cós das meias escuras e o cinto de ligas negro que as seguravam. Emily puxou a saia para cima. Tinha collants, por isso mostrou só as pernas.
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Um dos deveres dos advogados mais novos era serem nomeados para representar os acusados indigentes. Como dizia o aviso legal: "... se não puder pagar a um advogado, ser-lhe-á nomeado um." Apenas em casos excepcionalmente difíceis, ou que exigiam um recurso, é que o jovem advogado recebia mais de cem dólares por conduzir uma defesa.
A maior parte dos acusados eram uns desgraçados que metiam dó. Cole nunca esqueceria um homem acusado de falsificar um cheque a dizer-lhe que não podia ser condenado.
- Eu não escrevi o nome do homem no cheque. Escrevi só o primeiro nome. Ela é que escreveu o apelido. Nenhum de nós escreveu o nome completo.
O homem sorria entre as grades da prisão. Recusou-se a acreditar e pediu outro advogado quando Cole lhe disse que ele e a mulher iriam para a prisão por falsificação.
Das cerca de doze defesas criminais que conduziu por nomeação, nenhuma gerou qualquer sentimento de compaixão, excepto uma.
Uma rapariga de dezoito anos chamada Rosaria Lopez, uma costureira que vivia em Lower Manhattan e trabalhava num oficina que explorava os empregados, tinha sido
acusada de roubo. Se fosse condenada enfrentaria uma pena de alguns anos de prisão. A história que contava era que o namorado a tinha levado a uma casa que dizia
ser do seu tio. Dissera-lhe que ficasse sentada no alpendre enquanto ele ia às traseiras buscar a chave, que estava debaixo de um vaso; depois entraria em casa e
abrir-lhe-ia a porta da frente. Viera de facto abrir-lhe a porta, e ambos haviam tirado e metido dentro do carro dele um aparelho portátil de televisão, uma máquina
eléctrica de café, um forno eléctrico e algumas peças de prata; tudo coisas que ele havia dito que o tio lhe queria dar. Foram mandados parar e presos a pouco mais
de um quilómetro da casa.
Cole tinha ouvido falar muito do caso, estava inclinado a acreditar na história e sugeriu ao juiz que o nomeasse para defender Rosaria Lopez: com a intenção dwrjelo
menos uma vez, ser nomeado para defender uma pessoa que poderia não ser inocente.
Foi à cadeia. Ela estava sentada sobre a cama, com ar desconsolado, a fumar um cigarro e a conversar apaticamente com uma negra de cinquenta anos, sentada noutra cama. Era uma cela com três camas, com grades em três lados; uma das duas que constituíam a prisão das mulheres.
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- Menina Lopez.
Ela esmagou o cigarro, levantou-se e aproximou-se das grades.
- Chamo-me Cole Jennings. Sou advogado e fui nomeado pelo tribunal para a defender.
- Sim?
Era um pouco gorducha, mas tirando isso era uma jovem atraente. Na cela fazia um calor de Verão, apesar das janelas abertas do outro lado das grades, e ela trazia uma T-shirt e uns calções acanhados, feitos a partir de umas calças de ganga cortadas. Ele tinha ouvido dizer que havia delegados e outros homens que vinham olhar para ela. Dois ou três tinham-lhe tirado fotografias.
- vou tentar livrá-la deste sarilho.
Ela apertou as grades com os punhos cerrados e disse que sim com a cabeça.
- Não gosto disto aqui. Detesto estar fechada. E tenho medo!
- Medo de...
- De ser condenada! Eu não quero ir para...
- Já ouvi a sua história, que o seu namorado lhe mentiu.
- E mentiu mesmo! E sabe onde é que ele vai estar esta noite?
- Aonde?
- A beber cerveja num sítio qualquer! A andar de carro por aí. Provavelmente, vai estar com outra rapariga. Saiu com fiança. E eu estou aqui fechada como um animal! A família dele também podia ter pago a minha fiança. Mas... - abanou a cabeça. - ... não quiseram.
- Está presa há... três meses.
- Três meses e qualquer coisa.
- Muito bem. Provavelmente, as coisas vão passar-se assim, Rosaria. O procurador vai querer que você deponha contra o seu namorado Darryl.
- Se eu depuser, isso faz com que eu não seja condenada? Tira-me daqui para fora?
- Não posso prometer-lhe que sim. vou fazer o possível.
- Sr. Jennings... tenho uma irmãzinha, filha do segundo casamento da minha mãe. Ela estava sempre a perguntar por mim. Acabaram por ter de lhe dizer que eu estava na prisão. Ela chorou! Manda-me desenhos que faz com os lápis de cor em papel de cartaz. Em alguns deles estou eu, atrás das grades, com grandes lágrimas na cara.
Aproximou-se da cama e tirou debaixo dela um desenho infantil feito com lápis vermelho e castanho sobre papel amarelo.
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Os olhos da rapariga encheram-se de verdadeiras lágrimas.
- Eu não fiz mal nenhum - soluçou. - Não fiz mal nenhum. Só acreditei naquele filho da puta! E cá estou eu! Cá estou eu!
Quero ir para casa!
Quando Cole se encontrou com o procurador, surgiu um
problema.
 - Não posso deixar simplesmente o caso em troca do testemunho dela, Cole. Você acredita nela. Eu não. Acho que ela sabia perfeitamente o que estava a fazer. Não
é nenhuma ingênua. No que diz respeito ao seu valor como testemunhas, as suas declarações não vão acrescentar grande coisa. Sabemos que eles estiveram na casa. Sabemos as coisas que roubaram. A história de ele ter mentido não lhe vai adiantar muito.
Enquanto falavam, o procurador fumava um charuto. A secretária dele estava coberta por um vidro pesado, sob o qual ele tinha metido uma dúzia de fotografias. Nas paredes havia fotografias .emolduradas e autografadas de políticos proeminentes, incluindo, para surpresa de Cole, uma fotografia, autografada pelo próprio, de Hubert Humphrey.
- Está a dizer que o testemunho dela... a cooperação dela... não vale nada?
- Não vale grande coisa. Pode testemunhar que estiveram dentro da casa. Temos impressões digitais que o provam. Pode testemunhar que roubaram um aparelho de televisão. Isso sabemos nós; tinham-no na sua posse quando foram presos.
- E se ela estiver a dizer a verdade? - perguntou Cole. Seria uma tragédia se a pequena fosse condenada a uma longa pena de prisão.
O procurador olhou para a cinza do cigarro durante algum tempo. Depois disse:
- O reformatório está cheio de raparigas hispânicas. Ela vai sentir-se em casa. Mas vou fazer uma coisa: em troca do testemunho dela vou deixar que se confesse culpada de arrombamento e invasão de domicílio.
Cole franziu as sobrancelhas.
- Assim ficará com cadastro.
- Se não se meter em mais nada, não a vai prejudicar muito. Não vai candidatar-se a um cargo num banco ou a professora.
- E que tipo de pena?
- Seis meses. Já cumpriu noventa e oito dias, mais de metade. Claro que pode conseguir a simpatia do júri e ser absolvida. Pode correr esse risco.
Cole tentou explicar a situação a Rosaria.
- Se se confessar culpada de arrombamento e invasão de
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domicílio, que dá uma pena reduzida, terá de passar mais oitenta e dois dias na prisão. Mas não será, como diz, condenada. Os seus lábios tremeram, e ela disse, soluçando:
- Mais oitenta e dois dias!
- Sairá em Outubro.
Ela encostou-se às grades como se pudesse passar através delas. Os seios pendiam-lhe sobre a grade horizontal.
- Eu explico - disse ele. - Pode declarar-se inocente de roubo e apanhar cinco anos se um júri a achar culpada. Mas também pode ser considerada inocente.
- O senhor não acha isso provável.
- Infelizmente, tenho de dizer que não.
Ela agarrou as sólidas grades de aço a puxou-as como se as conseguisse abanar.
- Mais oitenta e dois dias! vou perder o aniversário da minha irmãzinha!
- Mais uma coisa. Se se confessar culpada, ficará com cadastro. Acompanhá-la-á até ao fim da vida.
- E isso quer dizer?
- Quer dizer que nunca poderá ter um emprego de enfermagem ou numa escola.
Ela disse, desdenhosa:
- E quem consegue?
- Bem... a decisão é sua. Ela começou a chorar.
- Só quero ir para casa! E não é grande coisa, apenas um apartamento pequeno na Eighteenth Street, mas é a minha casa. Mais oitenta e dois dias! Jesus!
No dia em que apresentou a sua declaração, Cole encontrou-se com ela na sala do júri para ensaiar o que ela deveria fazer e dizer no tribunal. Trazia uma blusa branca muito simples e uma saia azul-escura. Só quando chegou a altura de entrar para a sala do tribunal é que a guarda lhe tirou as algemas.
- Menina Lopez - disse o juiz, com a maior simpatia possível -, foi representada por um bom advogado. Eu sei que ele lhe explicou os seus direitos. Mas precisa de entender que uma declaração de culpa é definitiva. Não poderá recorrer. compreende?
Ela olhou em redor. Para ela a sala do tribunal era sem dúvida um local muito mais assustador do que a prisão. O juiz envergava uma toga preta, muito severa. A grande sala estava forrada com painéis de madeira escura. As pessoas olhavam para ela.
- Está a compreender, Menina Lopez?
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Ela fez um sinal afirmativo com a cabeça, mantendo a boca aberta.
- Então, como se declara, relativamente à acusação de arrombamento e invasão de domicílio: culpada ou inocente? E tem de responder, Menina Lopez. Não posso aceitar somente um gesto de cabeça.
- Culpada, acho eu - murmurou ela em voz rouca. O juiz fez um sorriso tolerante.
- Tenho muita pena, mas "acho eu" não serve. Declara-se culpada ou inocente?
- Culpada - respondeu ela, com a voz a fraquejar. Começou a soluçar.
- Visto declarar-se culpada, o tribunal condena-a a uma pena de prisão na cadeia local por um período de seis meses. Os cento e sete dias que já passou presa serão reduzidas na sua pena. Dado o facto de aparentemente não possuir quaisquer bens, o tribunal não a multará e prescindirá dos custos.
A guarda aproximou-se da rapariga, que soluçava, pôs-lhe as algemas e levou-a da sala.
Cole estava sentado junto de Emily; tomavam Martini e comiam talos de aipo e cenoura. Ele estava desanimado.
- Acabei de ajudar a mandar para a prisão (de volta para a prisão, na realidade) uma rapariga de dezanove anos, ainda por cima com o peso de um cadastro, quando
ela não era culpada.
- Tens a certeza de que não era culpada? Ele encolheu os ombros.
Os juizes quando dão instruções aos jurados sobre a definição de "dúvida razoável" dizem que todos os assuntos humanos se encontram sujeitos a dúvida. Mas, neste caso, eu apostava.
- Quais eram as opções? - perguntou Emily.
- O sistema é assim. Se ela fosse a julgamento, julgo que seria condenada por um júri, dado ser ela a sua única testemunha de defesa. O namorado,
Darryl deveria
ter testemunhado que lhe tinha mentido, mas não nos podíamos fiar que ele o fizesse. Deveria achar que assim o seu caso pareceria pior.
- Se ela arriscou... por que não poderia declarar-se inocente de arrombamento e invasão de domicílio?
Cole abanou a cabeça.
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- Não era uma opção. O promotor ofereceu uma redução da pena em troca da declaração de culpa. De qualquer modo, se ela se tivesse declarado inocente de arrombamento
e invasão de domicílio e fosse condenada, apanharia pelo menos um ano em vez de seis meses.
- Porquê? Porquê uma pena maior?
- Nunca soube de nenhum juiz que não o fizesse. Dizem que a confissão faz bem à alma, é o primeiro passo para a reabilitação, creio eu. Pois bem, também é bom para
a pena. Os juizes gostam de falar em "admitir que cometeram o erro". Se uma pessoa "admite", se se declara culpada, cumpre uma pena menor do que se insistir no seu
direito a ser julgada por um júri.
- Por outras palavras, há uma penalidade para quem quer exercer os seus direitos.
- Exactamente. É assim mesmo.
- E Darryl?
- Também se declarou culpado, mas de roubo. Vai cumprir cinco anos. Está qualquer coisa muito mal num sistema que manda Rosaria Lopez para a prisão durante seis
meses por um crime que eu tenho a certeza de que ela não cometeu.
- E se fizessem um teste com o detector de mentiras? perguntou Emily.
- Um detector de mentiras é coisa que não existe - disse Cole com firmeza. - É um mito. Dizem que um detector de mentiras pode ser manipulado. Por isso é que os seus resultados não podem ser considerados como provas em tribunal. Não, Rosaria foi apanhada na armadilha do sistema. Suponho que ninguém tem a culpa, mas não vai estar presente na festa de aniversário da írmãzinha. Vai continuar na prisão até Outubro.
Emily sentia um certo desconforto quanto à relação social que se havia desenvolvido entre ela, Cole, Dave e a sua nova mulher. Ela tinha desnudado os seios na sala
da família, naquela noite, diante do quadro, mas agora parecia que, sempre que estavam juntos, Dave ou Alexandra sugeriam que fizessem o mesmo. Para Alexandra era uma coisa completamente natural. Emily, que no fim de contas tinha posado muitas horas como modelo de nus, não era exageradamente pudica mas também não se sentia totalmente descontraída.
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Cole aceitava a ideia com um entusiasmo reservado. Claro que gostava de ver os grandes seios de Alexandra e não via motivo para que Emily não deixasse Dave ver os dela.
Alexandra contratara a artista que havia pintado o nu de Emily para lhe fazer um. Este ocupava agora um lugar de destaque na sala de estar do apartamento que ainda partilhava com Dave. Era muito diferente. Ela estava de frente, com as mãos cruzadas atrás da cabeça, as ancas ligeiramente levantadas. Encarava o observador com um sorriso aberto, divertido. O quadro tinha sido pintado no apartamento. O rabo de Alexandra tocava o tampo de mármore de um antigo aparador russo, e na parede, atrás dela, via-se um dos seus cartazes de bailet; tudo meticulosamente pintado e indicando com toda a clareza o local onde o quadro havia sido feito.
O contraste entre os dois quadros não podia ser maior. O de Alexandra era flagrantemente erótico.
Tinham regressado ao apartamento depois de jantarem no Russian Tea Room, onde Emily tinha tido contacto com uma experiência culinária que desconhecia até então.
Enquanto as duas mulheres se despiram até à cintura e os dois casais bebiam champanhe, Dave disse:
- Sabes, Cole, o mundo está cheio de oportunidades maravilhosas, e eu não posso parar de pensar que estás a desperdiçar grande parte dessas oportunidades. Até compreendo que tenhas regressado a Wyckoff depois de te teres estabelecido numa firma de Manhattan. O que não entendo é que não procures maneiras de ganhar muito dinheiro.
- Como é que eu havia de ganhar muito dinheiro? - perguntou Cole. Sabia qual era a ideia de Dave, mas mesmo assim perguntou.
- Bem... eu podia dar-te umas indicações sobre o mercado. É o meu trabalho, sabes: pesquisa de investimentos.
- Tudo estritamente legal? - perguntou Emily.
- vou pôr as coisas desta maneira - disse Dave. - Estou a pensar em determinadas acções. Todos os bocadinhos de informação de que disponho vêm do NEXIS, o sistema informático de pesquisa. Uma pessoa pode receber os ficheiros do SEC. Mas também pode ter conhecimento de histórias novas. Basta somar dois e dois. Todas as informaçõesycrue tenho sobre as acções de que vou falar são públicas. Todas aspéssoas têm acesso. É preciso é saber o que se procura e como o encontrar.
- Muito bem. Em que companhia estás a pensar?
- Já ouviste falar na Mountain Gás? Investe uns dólares nela, Cole. Eu telefono-te para te dizer quando deves comprar. Juro que não te vais arrepender.
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- Mountain Gás...
- E tens de estar pronto para vender mal eu te telefone.
Cole investiu mil dólares nas acções. Estavam a vender-se a
13,25. Passadas duas semanas o preço de venda era 22,63, e Dave telefonou a aconselhar que vendesse. Livre de comissões, Cole ganhou quase setecentos dólares com a transacção.
Passara-se o seguinte: a Mountain Gás tinha anunciado a abertura de um novo e importante campo. As acções subiram. Depois, geólogos independentes vieram ver e declararam que o campo era reduzido. As acções caíram para 12,87.
Estavam mais uma vez sentados no apartamento de Manhattan.
- Perfuraram um poço - explicou Dave. - Eu sabia que eles estavam a perfurar. Era uma informação pública. O poço produziu gás. Eles entusiasmaram-se com o que tinham encontrado. A sua comunicação fez as acções subirem de modo pouco realista. Eu estava céptico. Foi por isso que te disse que estivesses pronto para vender. Entrar e sair na altura certa...
- Posso fazer-te uma pergunta?
Dave estava distraído. Alexandra acariciava-lhe o pénis.
- Uma pergunta?
- Quanto é que tu investiste?
- Eu não posso ter uma conta de investimentos - disse Dave, com a voz tensa devido ao que Alexandra fazia. - Só posso ajudar os meus amigos.
O que não tinha dito é que a Windsor Nassau Associates tinha posto cem mil dólares no negócio, saindo com um lucro de setenta mil dólares.
Alexandra olhou Emily com curiosidade.
- Não brincas com Cole? - perguntou inocentemente, envolvendo o escroto de Dave com a mão e erguendo-o, fazendo com que as calças dele ficassem esticadas.
Emily franziu as sobrancelhas, numa interrogação dirigida a Cole.
- Geralmente em privado.
- Eu não me importava - disse ele.
Emily pôs-lhe a mão entre as pernas e começou a acariciar-lhe o pénis entumecido.
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- Posso indicar-te uma série de negócios - disse Dave. Como disse, podias estar a ganhar muito dinheiro. O que fazes traz-te muita satisfação, mas não te vai tornar rico.
Cole olhou para Emily.
- Queres ficar rica, querida?
- Consigo pensar em coisas piores - disse ela. Conversar sobre acções não era de facto possível com duas
mulheres de seios nus e dois maridos com os pénis fora das calças. Bebiam champanhe. Alexandra usou o controlo remoto para ligar a televisão para as notícias das onze.
- Vocês deviam passar cá a noite - disse Dave quando as notícias acabaram. - A vossa baby-sitter...?
- Dissemos-lhe que talvez ficássemos. Podemos telefonar-lhe.
- Bem, nesse caso - disse Alexandra. - Vamos fazê-los vir, Emily. Podemos fazer o mesmo outra vez enquanto vemos o Johnny
Carson.
Estendeu a Emily um maço de lenços de papel e agarrou outro maço com a mão esquerda. Começou a masturbar Dave vigorosamente e, num minuto, ele ejaculava. Emily fez
o mesmo, e, pouco depois de Dave, Cole veio-se com força.
Emily telefonou para casa. Disse à baby-sitter que ligasse para os pais dela e dissesse que o Sr. e a Sra. Jennings passariam a noite em Nova Iorque. A rapariga tinha dezoito anos e por vezes passava a noite com os miúdos a seu cargo.
Esvaziaram a garrafa de champanhe. Sem perguntar a ninguém se queria, Alexandra foi ao frigorífico e deitou o Stolichnaya gelado para dentro de copos que também
estavam no frigorífico. Trouxe-os para a sala num tabuleiro com bolachas e uma taça de caviar preto.
O vodka era tão frio que fazia doer a cabeça. Tinha de ser bebido muito devagar. Quando acabaram os seus copos, ela trouxe outros.
Emily sabia que estava a ficar embriagada. A verdade é que estavam todos a ficar embriagados.
Chegou a meia-noite. O convidado de Carson era Jonathan Winters. Achavam-lhe sempre muita piada, mas desta vez o riso foi mais alto e prolongado. "
- Sabes que mais - disse Alexandra a Emily, com a fala arrastada. - Que tal se eu masturbasse Cole e tu masturbasses Dave?
Emily não queria, mas já não tinha força de vontade para recusar.
Os dois homens aceitaram a ideia.
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Trocaram de lugar. Emily teve de lidar com o sexo exageradamente grande de Dave entre as mãos. Aceitou os lenços de papel e começou a masturbá-lo. Foi rápido. Ele gemeu e lançou um jorro para os lenços de papel.
Dave não tentou tocar nos seios de Emily nem beijá-la. Levantou-se e regressou ao seu lugar junto da mulher.
- Se calhar um dia podemos fazer uma troca - sussurrou Alexandra ao ouvido de Dave. - Gostavas de me ver com Cole?
Dave sorriu e beijou-a.
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Abril de 1989
- Quanto é que dá? - perguntou Emily, vendo Cole calcular o total num bloco de apontamentos amarelo.
- Dá um total de 58 315,25 dólares, já sem as comissões dos corretores - disse ele.
Ela abanou a cabeça.
- Preocupa-me.
- Achas que os conselhos que ele me dá se baseiam em informação privilegiada?
- Ele acerta demasiado, o que é inquietante - disse ela. Além disso, deve estar a ganhar dez vezes mais por sua própria conta, mesmo que ele diga que não.
- Isso é fácil de entender. Tem de ter uma conta no exterior, algures. E, mais ainda, não paga impostos.
- Não me sinto à vontade em conhecer pessoas assim disse ela. - É só uma questão de tempo até sugerirem uma troca... uma troca a sério.
Cole encolheu os ombros.
- Dizemos que não. É só isso. Dizemos que não.
- Já fomos muito longe - disse ela. - Se alguém me perguntasse há seis meses, eu diria que tinha um ataque se alguém sugerisse que fizéssemos aquilo. E agora... meu Deus! Até já parece uma coisa normal.
- Não vejo como podemos deixar de nos dar com eles. Bateu com os dedos sobre os números do bloco de apontamentos amarelo. - Mas podemos
recusar...
- Pois - disse Emily, secamente. - Basta dizermos que não. O problema é que parece que nós não conseguimos dizer que não a nenhuma das sugestões deles.
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Alexandra Petrovna Krylov Shea queria regressar a Kiev, para ver a cidade onde nascera.
- Podemos ir de avião para Kiev e daí para Leninegrado disse ela.
- E Moscovo?
Ela encolheu os ombros.
- Se tu quiseres. Mas eu não estou muito interessada em Moscovo. Quero ver a velha São Petersburgo. Quero ver o Palácio de Inverno e o Hermitage.
- Bem...
Alexandra não era parva, e quando ele disse que no caminho queria passar dois dias em Zurique, nem sequer perguntou porquê. Sabia qual era o motivo.
Instalaram-se no Dolder Grand Hotel, e Alexandra foi explorar Zurique enquanto Dave ia à entrevista que tinha marcado por telefone, em Nova Iorque.
Os escritórios da Trust Management AG (que quer dizer Trust Management Aktiengesellschaft, uma companhia de acções conjuntas) eram peculiares. Embora se situassem num edifício de escritórios moderno, um arranha-céus de vidro e aço, pareciam algo do século xix. As paredes exteriores de vidros eram cobertas por cortinados de veludo castanho, como se fossem simplesmente janelas. Os soalhos eram cobertos por tapetes orientais. Não havia luzes fluorescentes a encadear a vista. Os escritórios eram iluminados por lâmpadas dentro de globos de vidro baço, e candeeiros de mesa.
Os gabinetes dos executivos tinham lareira. Dave pensou para onde iria o fumo, num edifício daquele tipo.
Como Dave viria a descobrir, era possível saber o status das pessoas dos gabinetes, desde que se conhecesse o código do vestuário. Os homens usavam fatos de três peças com camisas brancas. Os de nível superior usavam fatos azul-escuros com finas riscas. Eram os únicos que usavam gravatas de laço coloridas. As gravatas de laço e os fatos azul-escuros de finas riscas estavam interditos aos funcionários subalternos, que vestiam fatos cinzentos e pretos e gravatas clássicas de riscas. As mulheres usavam saia. As calças não eram permitidas. O status das mulheres era indicado pelo comprimento da saia. As secretárias e as escriturárias usavam mini-saia; as mulheres com alguma capacidade executiva usavam saia por altura do joelho. As mulheres de nível superior usavam casacos por cima
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de blusas brancas. As secretárias e as escriturárias usavam blusas de cores pastel, sem casaco.
Dave foi recebido no escritório de Axel Schnyder, um quadro superior da TM AG. Schnyder tinha sessenta anos ou mais. Tinha o rosto cheio de rugas e com as bochechas caídas. Os olhos azuis, por entre círculos concêntricos de rugas, eram esbugalhados. Usava um fato azul-escuro de finas riscas e uma gravata de laço vermelha e cinzenta.
A secretária de Schnyder era uma pesada antiguidade, feita de madeira de cerejeira e muito trabalhada. Tirou uma garrafa de dentro da secretária com tampo de rolar que estava atrás de si e deitou brande para dois copos pequenos.
- Segundo creio, disse ao telefone que poderá depositar um milhão de dólares para ser gerido por nós. Para ser sincero, Sr. Shea, essa quantia é o nosso mínimo.
O homem falava um inglês impecável, com pronúncia britânica.
- Talvez possa colocar mais, se vender... Schnyder ergueu a mão para o interromper.
- Um milhão será inteiramente satisfatório. Iremos analisar a sua situação para verificar o que lhe poderemos recomendar. Segundo creio, o milhão está no banco Pictet, na sucursal de Nassau.
- É verdade.
- Sob um nome diferente.
- Sob o nome de Joseph Windsor.
- Suponho que não revelou ao Pictet que Joseph Windsor é uma ficção.
Dave fez um gesto afirmativo com a cabeça.
- Mas eles sabem - disse Schnyder. - No Pictet, não são estúpidos.
- Não deram a entender que sabem.
- São também circunspectos.
- Tal como os senhores - disse Dave, com um leve sorriso.
- Convém que isso não seja exagerado - disse Schnyder. Todas as informações financeiras que recebermos do senhor serão mantidas em total confidencialidade, incluindo o nome que decidir pôr na sua conta. Se for orocessado, não revelaremos qualquer informação sobre os sewbens. Há uma excepção. Se alguém conseguir um mandato num tribunal suíço, o tribunal suíço pode ordenar-nos a revelação e teremos de obedecer. Devemos também ter em conta que, se encontrarem algum motivo, o Serviço de Finanças do seu país pode procurar obter um mandato num tribunal suíço. Seja como for, Sr. Shea, a Trust
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Managemente AG não está a trabalhar para ajudar os americanos a fugir aos impostos. Partiremos do princípio de que o senhor está a cumprir a lei americana.
Axel Schnyder ergueu o copo de brande numa saudação e bebeu um golo. Dave seguiu o seu exemplo. O brande era antigo e excelente.
Tinha encontrado aquilo que procurava. Schnyder sabia perfeitamente que Dave não pagaria impostos sobre os seus lucros: não apresentaria o documento exigido, revelando que possuía bens depositados no estrangeiro.
- Ora muito bem - disse Schnyder. - Quais são os seus objectivos de investimento?
- Quero confidencialidade - disse Dave. - Para começar.
- com certeza. No Harcourt Bambam não iam gostar nada de saber que o senhor está a fazer negócios por conta própria.
- Quero fazer negócios a nível internacional e acumular um capital que me permita exercer uma influência importante sobre as fusões e as aquisições nos Estados Unidos, onde se encontra a promessa de enormes lucros. A nossa economia é uma economia de fusões e aquisições. As companhias pequenas estão a ser eliminadas.
- Um milhão de dólares é um começo modesto - disse Schnyder.
- Eu sei ser paciente. Além disso, espero muito em breve aumentar essa quantia.
Schnyder acenou com a cabeça, pensativo.
- Muito bem. vou pedir-lhe que assine uma procuração. Ela autorizar-nos-á a abrir-lhe contas bancárias e a investir fundos de acordo com as suas instruções. Igualmente nos autorizará a investirmos conforme acharmos conveniente. O senhor investigou o nosso trabalho. Caso contrário não estaria aqui.
Tirou um documento da gaveta da secretária. Era a procuração com o nome de Dave já dactilografado.
- Leia.
O documento era curto e simples. Num dos parágrafos lia-se:
O outorgante afiança ao mandatário que não possui nenhuma dívida fiscal para com nenhum Governo e que apresentará todas as declarações legais exigidas e pagará todos os impostos a que esteja obrigado, na totalidade e atempadamente.
Dave tirou do bolso uma caneta Mont Blanc e assinou o documento com um floreado.
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- E agora - disse Schnyder - suponho que vai querer usar outro nome.
- Se é essa a sua recomendação. Schnyder fez um sorriso seco.
- É, de facto. E mais do que isso, estou pronto a sugerir um nome e uma nacionalidade. Se existe na Europa uma nação onde a confidencialidade é ainda mais respeitada do que na Suíça, essa nação é a Áustria. Infelizmente para a Áustria, sofreu situações demasiado traumáticas, ao passo que nós fomos protegidos pela nossa neutralidade. Caso contrário, os bancos austríacos poderiam ser os gestores dos fundos mundiais. Adiante... sugiro o nome de Reinhard Briining. - Encolheu os ombros. - Não sei porquê. Foi a primeira coisa que me veio à cabeça, como vocês dizem.
- Muito bem. E resido em...
- Viena. Se concordar com o nome, por favor, assine o seu novo nome nestes cartões. Guarde um, para poder praticar a assinatura. Eu vou abrir a sua conta. Vai igualmente precisar de um cofre. Eu trato disso.
- No...Pictet?
- Não. Tenho toda a confiança no Pictet Compagnie, mas é um erro colocar tudo no mesmo banco. Gostaria de lhe abrir uma conta no Deutsche Bank, onde terá também o seu cofre. Terá um número de conta, que poderá usar para aceder à sua conta ou ao seu cofre.
Dave fez um gesto de concordância com a cabeça.
- Agora, a comunicação. A TM AG tem um escritório modesto em Nova Iorque. Fica no Chrysler Building. Pode lá deixar mensagens para mim, e elas ser-me-ão enviadas pelo nosso telégrafo privado. Sugiro que o nosso escritório lhe telefone apenas para casa, deixando somente a mensagem de que o Sr. Lee telefonou. Então, poderá ir ao nosso escritório recolher a minha mensagem. Mas nunca o senhor. Não, não deve nunca ser visto perto do nosso escritório. A sua esposa... um amigo de confiança... ou alguma outra pessoa. É preferível ser sempre uma pessoa diferente. O seu mensageiro deve apenas dizer que veio buscar a mensagem do Sr. Lee.
- Parece-me bem - disse Dave.
- Como certamente entendeT os nossos serviços não são gratuitos.
- Nem eu esperava que o fossem.
- Poderá vir a constatar que a forma como investimos o seu dinheiro é a mais vantajosa para si.
- Foi por isso mesmo que vim ter convosco.
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Schnyder ergueu o copo.
- A uma longa e mutuamente lucrativa relação. Beberam ambos.
- Mais uma coisa, Sr. Shea. Recomendo, veementemente, que deixe de negociar com base em informação privilegiada.
É muito perigoso.
Alexandra gostou da sua visita a Kiev. Levou Dave a ver a casa onde nascera e vivera até os seus pais a levarem para a América. Dave não sabia quase nada sobre Kiev
ou sobre a Ucrânia. Sabia que os nazis tinham invadido a região em 1941, e esperava ver uma cidade destroçada, miseravelmente restaurada com a sinistra e quadrada arquitectura estalinista.
Bem, talvez. Mas ficaram no Hotel Ukraine, construído em
1908, que continuava a ser um hotel de que qualquer cidade do mundo se poderia orgulhar. Haviam sobrevivido grandes igrejas: St.a Sofia, construída no século xi, tendo como modelo o Hagia Sofia de Constantinopla, tinha sido dinamitada durante a guerra, mas havia sido carinhosamente restaurada;
St. André, construída no século
xviii; uma catedral católica, chamada de Catedral Gótica; o Teatro de Ópera Shevchenko; e muito mais. Alexandra explicou que a cultura do Ucrânia era diferente da
Rússia e mais antiga.
Alexandra não quis voltar a ver as enormes esculturas erigidas em memória dos mortos da guerra, por isso não foram ao Memorial.
- Consideramos os russos uns bárbaros - disse ela. - Os príncipes de Kiev construíam grandes igrejas e belas casas quando os russos ainda construíam kremlins de madeira.
Jantavam nos excelentes restaurantes do hotel, onde ela deu a conhecer a Dave os pratos ucranianos. Uma noite, os tios dela foram jantar com eles; um casal de sexagenários, felizes por serem convidados para jantar no Hotel Ukraine. Dave não percebia nada da conversa, excepto quando Alexandra interrompia para lhe explicar.
Embora não tivesse grande preferência por mini-saias, naquela noite ela usava uma, talvez para demonstrar à família quanto se havia americanizado.
- O meu tio quer saber em que é que trabalhas. A minha tia acha que és muito bonito!
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Dave sorriu.
- Diz-lhes que na próxima vez que os viermos visitar tentarei já saber falar o idioma deles.
De regresso ao quarto, Alexandra quis tomar banho com ele na grande banheira, que era o elemento principal da casa de banho.
- Podíamos andar aqui de canoa - dissera Dave ao vê-la pela primeira vez. Estavam metidos na água quente, com sabonete. Pela primeira vez, ela tocou com a boca no pénis dele. Quando a sua língua quente envolveu lentamente o seu pénis, ele voltou o corpo de modo a que a língua dele pudesse fazer o mesmo ao clitóris dela.
Não foram a Moscovo, meteram-se no avião para Leninegrado. Era um Tupolev 104 que tinha escrito "A3po)7toT".
A pintura exterior estava toda gasta, por dentro era sujo e o serviço carrancudo. Não havia voo directo de Kiev para Leninegrado, por isso tiveram de ficar uma hora
sentados dentro do avião no Aeroporto de Sheremetyevo antes de voltarem a levantar voo para o Aeroporto de Pulkovo, em Leninegrado.
Ficaram no Hotel Astoria e daí exploraram a cidade e a região, incluindo, claro está, o famoso Palácio de Inverno e o Hermitage.
Alexandra estava tão feliz como uma criança. Embora fosse de Kiev, nunca tinha visto Leninegrado. No entanto, sabia o que lá havia e o que devia ser visto. Passaram um dia inteiro no Hermitage, a ver a mais prestigiosa colecção de arte do mundo. Alexandra sabia o que havia para ver. Indicava Rembrandt, Ticiano, El Greco, Goya, Manet, Monet, Van Gogh...
O entusiasmo dela bem podia ser contagioso, mas o espírito de Dave estava demasiado concentrado noutra coisa. Esperava conseguir ocultar o seu aborrecimento e a sua ansiedade por regressar a Nova Iorque.
Setembro de 1989
David Shea não era um menino de ouro no Harcourt Barnham. Era um analista bem sucedido e tinham-lhe permitido que envolvesse o banco em diversos empreendimentos
de pouca monta; mas não jogava na primeira divisão do Harcourt, e isso
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desagradava-o. O facto de ele estar no banco havia apenas três anos não modificava a sua maneira de pensar. Via outros da classe de 1978 passarem-lhe à frente e tentava reprimir a fúria.
O problema para o banco era que ele não parecia totalmente empenhado. Não podiam adivinhar que ele negociava por meio de contas exteriores. Porém, não estava concentrado. Tinha a atenção fixa naquelas contas e, na realidade, a energia despendida para o trabalho de campo que fazia no Harcourt era limitada.
Não foi uma absoluta surpresa quando foi chamado ao gabinete de John Thomas Miley, vice-presidente executivo e chefe de operações.
Miley era um homem que gostava de ter a secretária bem organizada. Já tinha sido ouvido proferir o chavão: "Uma secretária organizada significa um espírito organizado." Sobre o tampo da secretária tinha um conjunto de lápis e canetas sobre uma pedra negra de corte quadrado, um relógio de ouro no centro de um leme de navio e uma pasta de couro simples. Estes objectos estavam dispostos de modo exactamente paralelo na parte da frente da secretária.
No móvel que estava atrás das suas costas estava um computador desktop IBM AT. Era obsoleto, mas, provavelmente, Miley não se importava. De um lado e do outro estavam fotografias de família, com um alinhamento
preciso.
- Mandei-o chamar porque tenho curiosidade em saber quais os seus objectivos, Sr. Shea.
Dave pensou, mas não disse que pretendia chegar mais longe do que John Thomas Miley, que provavelmente não levava para casa mais de meio milhão de dólares por ano. Em vez disso, murmurou com modéstia que esperava ser um homem bem sucedido.
- Connosco? - perguntou Miley, sem rodeios.
- Espero que sim.
- Pois não está a sair-se muito bem.
Miley tinha cinquenta e cinco anos, e era um homem que aos fins-de-semana, no seu barco de dois mastros, o Sally II, apanhava queimaduras de sol mas nunca se bronzeava. Naquele dia estava vermelho-brilhante. Era um homem baixo, não teria muito mais de um metro e setenta. Era careca. Os seus pequenos olhos penetrantes pareciam sempre olhar fixamente e nunca lançavam um olhar indiferente. O seu fato cinzento poderia ter melhor corte, e naquele momento estava a precisar de ser engomado.
- O que é que eu estou a fazer de errado, Sr. Miley? perguntou Dave, com humildade.
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- É difícil dizer ao certo - disse Miley. - Sentimos que lhe falta dedicação. Não sabemos se se sente realmente bem connosco.
- Eu sinto-me bem aqui - disse Dave, com vivacidade. Acho que estou pronto para responsabilidades mais sérias.
- A sua opinião a esse respeito não é importante. Será promovido quando nós o acharmos pronto para isso.
- Sim, senhor.
- Como é que teve dinheiro para passar férias na União Soviética?
- A minha mulher nasceu lá. Foi ela quem pagou.
- Não pediu permissão para se ausentar essas duas semanas. Limitou-se a comunicar que iria... e foi.
- Ter-me-iam negado a permissão? Miley ergueu o queixo.
- Suponho que não. Mas teria sido observada a formalidade do processo: a cortesia, a delicadeza. Abanca, Sr. Shea, a banca mais conservadora, tem muitas tradições. Pode considerar-se como uma cultura. Não há lugar para excêntricos.
- Individualistas... - sugeriu Dave.
- Inconformistas - disse Miley. - A sua geração admira o inconformismo como um valor. Tudo bem. Há muitos lugares onde ele é apreciado. Um banco como o Harcourt Barnham não é um desses lugares.
- Está a demitir-me? Miley abanou a cabeça.
- Uma outra tradição é dar aos jovens a oportunidade de se integrarem na cultura. Considere esta reunião como a ocasião para um conselho amigável.
Dave baixou a cabeça.
- Agradeço-lhe.
Nessa noite, Dave descreveu a reunião a Alexandra.
- O filho da puta tratou-me como se eu fosse um miúdo de escola.
- Talvez te devesses despedir. Não precisas dele.
- O problema é que preciso. Preciso de uma fachada. Preciso de dar a ideia de que sou um investidor. Preciso de apresentar declarações de impostos. Se eu não declarasse
o meu salário e os meus bónus como rendimento, devia querer saber de que é que eu vivo. Graças a Boesky e a Milken estamos todos na lista negra do IRS. Tenho
de ter cuidado.
- vou dizer-te uma coisa - disse Alexandra. - Fui contratada pela United para tratar das suas relações públicas. Vão atacar a Allegheney, e têm medo de ganhar reputação de agressores vorazes. Podes ganhar uns trocos se mandares a Windsor
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Nassau ou a TM AG pôr discretamente uns dólares na Allegheney.
- Fico-te muito grato, Alexandra, mas não vou correr o mínimo risco...
- Julgava que tinhas arranjado as coisas de maneira a não haver nenhum risco - disse ela. - Que outra coisa foste fazer a Zurique?
- Se há fuga de informação sobre o ataque à Allegheney disse ele, todas as pessoas que sabem dele se tornarão suspeitas. Incluindo tu. E estás casada com um investidor, por pouco importante que seja.
Alexandra encolheu os ombros e ergueu o copo de uísque escocês single-malt.
- Mas digo-te uma coisa - disse Dave, bebendo gim Beefeater num copo com cubos de gelo e sem vermute. - Eu hei-de tramar aquele filho da puta! vou ensinar-lhe a não me chamar para me fazer sermões como a um miúdo de escola.
John Thomas Miley era o homem conservador e apegado à tradição que havia afirmado ser. Não fazia ideia do que havia atraído sobre si ao expor-se à animosidade de
David Shea.
O primeiro piso do edifício do Harcourt era ocupado por um átrio de banco, com caixas atrás de grades. No segundo era a zona informatizada dos negócios de investimento. Era aí que Dave tinha a sua secretária. Os gabinetes dos executivos do banco ficavam no terceiro piso. O quarto era usado para armazenar ficheiros. Os dez pisos acima desse estavam alugados a escritórios de advogados, companhias de seguros e firmas semelhantes. Dave chegou ao edifício um pouco depois das três da manhã. Vestia um fato-macaco bege que tinha escrito MANUTENÇÃO, INC.
As portas estavam fechadas, mas muita gente tinha as chaves, porque havia quem trabalhasse muitas vezes até à meia-noite, e era costume irem comer qualquer coisa e depois regressar, abrindo a portas com as chaves. Abriu a porta que ficava do lado direito da porta giratória que constituía a entrada principal.
Imediatamente a seguir a esta entrada havia um átrio onde ficavam as portas dos elevadores; este átrio tinha uma secretária. O átrio do banco ficava atrás dela.
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Dave parou no átrio dos elevadores e calçou umas luvas cirúrgicas. Depois dirigiu-se para as escadas e subiu ao terceiro piso.
Estava escuro, à excepção das luzes que indicavam a saída. Explorou um pouco para se certificar de que não estava realmente ninguém nesse piso. Não estava. Aquela hora, as mulheres da limpeza já há muito tempo haviam acabado o trabalho e deixado o edifício.
Aporta de Miley não estava fechada à chave. Aquilo era mais um elemento da cultura dos bancos: a obsessão com a segurança não era uma coisa séria.
As gavetas da secretária não estavam fechadas à chave.
Dave sentou-se na cadeira de Miley, abriu uma gaveta e começou a ler os dossiers à luz de uma lanterna que tinha trazido para esse fim.
Após meia hora, levou uma das pastas à sala de fotocópias, onde fotocopiou vinte páginas de documentos, fazendo duas cópias de cada página.
A sua descoberta não podia ser mais perfeita. O Harcourt Barnham era membro de um consórcio de bancos a quem tinha sido pedido que subscrevesse um título de crédito para financiar uma tomada de posse hostil.
A companhia-alvo era nada menos do que a Texaco. E mais, os documentos revelavam que a companhia que apresentava o ataque à Texaco (a North American Investments) era apenas uma fachada. Por detrás da NAM estava a sinistra presença de Cari "Lês" Lester, um predador que havia adquirido e desmantelado muitas empresas, vendendo o que não lhe interessava por não ser lucrativo e conservando o que era.
A gestão da Texaco sabia o que se avizinhava e preparava-se para o cerco. Uma defesa contra um salteador como Lester era encontrar aquilo a que se chama arranjar um cavaleiro branco: ou seja, alguém que apresente uma oferta mas seja mais amigável e não vá desmantelar a companhia. A Texaco andava em conversações com a DuPont, que já tinha a Conoco como subsidiária de posse plena. A DuPont era um adversário dos mais importantes no negócio do marketing de petróleo, e a aquisição da Texaco reforçaria tremendamente a sua posição.
A prevista proposta de tutelaferia subir as acções da Texaco. A revelação de que Lester estava por detrás dela fá-las-ia subir mais ainda, porque se sabia que ele faria uma oferta irrealisticamente elevada, na expectativa de obter um enorme lucro com o desmantelamento da companhia.
Dave voltou a colocar a pasta na gaveta de Miley, e depois
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escondeu as fotocópias dentro do fato-macaco. Num impulso, empurrou o conjunto de caneta e lápis de modo a que deixasse de estar paralelo à beira da secretária,
mas só um pouco. Miley iria supor que uma das mulheres da limpeza lhe teria dado um encontrão ao limpar o pó da secretária, mas dar-se-ia ao trabalho de o voltar a alinhar, levaria mesmo meio minuto a pô-lo na posição exacta.
Dave saiu do banco como havia entrado, pela porta da frente. Caminhava com a maior naturalidade possível, fingindo cansaço. Passou por ele um carro da Polícia, e ele ergueu a mão numa fraca saudação.
A dois quarteirões do banco entrou num beco sem saída. No extremo deste, ao lado de uma entrada de serviço, estavam três contentores de lixo verdes. O espaço atrás deles formava um pequeno recanto. Dave trepou para a entrada de serviço e depois saltou para o tal espaço. Ninguém tinha mexido nas coisas que ali havia deixado.
Uma delas era uma pasta barata de napa, mole e sem pega, daquelas que se levam debaixo do braço. Tirou os documentos fotocopiados e guardou-os na pasta. Depois despiu
o fato-macaco e vestiu umas calças de ganga e uma sweather cinzenta. As luvas cirúrgicas estavam no bolso do fato-macaco, assim como a lanterna, que ele tivera
o cuidado de não tocar para não deixar impressões digitais. Atirou o fato-macaco para dentro de um dos contentores, depois abriu um dos outros e tirou sacos de lixo
cheios, que atirou para o primeiro contentor até que o fato-macaco ficou coberto por duas ou três camadas de sacos de lixo. Foi a pé até uma estação de metro e apanhou um comboio para a zona alta da cidade.
VI
Obedecendo a instruções suas, a Trust Management AG comprou acções da Texaco para a sua conta. Depois, os seus escritórios de Nova Iorque arranjaram maneira de os documentos fotocopiados chegarem às mãos de um jornalista do Wall Street Journal. Este, que era ético e prudente, verificou os factos e depois publicou a história.
A Texaco resistiu à tentativa de Lester. Os seus investidores não gostavam da reputação dele.
Mesmo assim, a conta de Dave no Deutsche Bank ficou duzentos
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mil dólares mais rica graças à compra e venda oportuna das acções da Texaco.
Não era uma grande quantidade de dinheiro. Mas Dave iria obter uma satisfação maior.
Chegou ao banco às oito da manhã no dia seguinte à publicação do artigo do Wall Street Journal. Outros membros da classe de 1978 vieram imediatamente ter com ele à sua secretária.
- Olha, parece que o Senhor Arrumadinho está tramado.
- A sério? Porquê?
- Parte das informações que passaram para o Journal eram coisas que só ele sabia. Se não foi ele a dá-las, na melhor das hipóteses foi descuidado. Lester quase teve um ataque. O Conselho de Administração reúne-se esta manhã. O Arrumadinho está frito. Não me admirava nada se antes de o dia acabar eleja tivesse no olho da rua
E foi o que aconteceu. John Thomas Miley foi demitido do banco.
Nessa noite, Dave sentou-se no sofá ao lado de Alexandra. Tinha na mão um Martini com gelo, e via o boletim de notícias financeiras a falar da queda de Miley.
- Eu bem disse que o lixava!
- Não fiques tão satisfeito - disse ela. - Destruir um homem não é coisa que deva dar prazer.
"
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Março de 1990
Depois de Cole ter saído para o escritório, a pequena Emily disse para a mãe, à mesa do pequeno-almoço:
- Mamã... humm... o, humm... o teu nu é tão bonito! Quero dizer... sempre o achei um bocadinho estranho.
- A mamã nuazinha... era como lhe chamavas - disse Emily com doçura.
- Bem... estou arrependida por ter dito isso.
- Não estejas. Fico contente por gostares dele.
- Expliquei a Cole que é uma obra de arte. Acho que ele não entende. Ri-se, e tapa a cara com as mãos.
- Ele ainda é muito pequenino para perceber - disse Emily.
- Tu também eras, quando eu o trouxe para casa.
- Agora sou mais crescida - disse a criança, com ar sério.
- Pois és.
- Mamã, quando for mais velha, posso ser pintada assim?
- Se quiseres.
- Podia ser pintada assim agora?
- Vamos esperar um pouco, Emily. Mais cedo do que pensas, vais ficar adulta, e sê-lo-ás para o resto da vida. Terás muito tempo para fazer coisas de gente crescida.
Nessa manhã, Cole recebeu no seu escritório Julian Musgrave, o negociante de automóveis que tinha subsidiado Dave Shea enquanto jogador de futebol americano. O homem tinha agora sessenta e quatro anos, mas estes não lhe pesavam. O pouco cabelo que lhe rodeava a careca estava agora branco, mas continuava a ser um homem enérgico e exuberante. Continuava a usar um casaco aos quadrados de cores creme e castanho, uma camisa de golfe vermelha e calças castanho-escuras.
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- Ouvi dizer que é um advogado de talento - disse ele, sem rodeios.
- Espero que o tenha ouvido de alguém que sabe o que diz.
- Foi de alguém que sabe o que diz - afirmou Musgrave. Para ir direito ao assunto, o meu advogado, que me representa há vinte anos, vai reformar-se. Preciso de um advogado novo. Para ser franco, Sr. Jennings, parece-me que o que o senhor está a fazer não é inteiramente digno dos seus talentos. Gerir pequenas heranças. Tratar de divórcios. Defender criminosos. Redigir testamentos, escrituras e contratos de arrendamento. Pode até dizer que não é da minha conta, mas gostava de saber por que é que deixou a Harris Pickens e voltou para Nova Jérsia.
- Não lhe vou dizer que não é da sua conta, porque já respondi muitas vezes a essa pergunta. A Harris Pickens tinha feito de mim um advogado litigioso. A pressão começava a afectar-me, andava a beber de mais. Por isso... não estou a ficar rico, e aquiloque faço não é espectacular; mas estou bem.
Tenho uma boa casa, mulher,
dois filhos pequenos...
Musgrave tirou um charuto do bolso do casaco, passou-o sob o nariz, cheirou-o, e depois tomou aparentemente a decisão de não o acender e voltou a guardá-lo no bolso.
- Eu possuo seis agências de automóveis - disse. - Posso vender-lhe seja o que for, desde um Lincoln Tbwn car a um Honda Civic. Não sei se o sabe, mas a Chester Motors pertence-me. E a Brunswick BMW. E a Nelson Oldsmobile-Cadillac. - Lançou um olhar ao charuto que tinha no bolso mas não o tirou para fora. - Comecei a vender carros usados em 1948. Tinha sido sargento no Exército e fui ferido, sem gravidade, na Batalha de Bulge. Nunca fui herói, mas quando voltei para casa as pessoas queriam fazer coisas por mim. Fui para Rurg ers graças à lei dos militares. Recebi um empréstimo para veteranos para comprar um armazém de carros usados. Comprei a minha primeira agência de carros novos em 1955. - Interrompeu-se e suspirou.
- Achava que os meus filhos entrariam para o negócio. Mas não entraram, nem querem entrar. Bill Nelson é meu genro. Digo-lhe isto, e dir-lhe-ei mais, prevendo que seja meu advogado.
- Deve ter algum problema legal - disse Cole.
- Tenho de facto problemas legais. O meu contabilista é que trata dos impostos. Mas tenho
problemas com as minhas empresas. Tenho muitas, e estou a pensar se deveria ou não formar um consórcio. com a Musgrove Enterprises, chamemos-lhe assim, a controlar todas as companhias, por exemplo.
- Cada agência é uma empresa independente? Se é assim, porquê?
107
- Houve uma época, que ainda não passou totalmente, em que a General Motors, digamos, não daria uma concessão a uma agência que pertencesse a um homem que possuía também uma concessão da Ford. Por isso...
- Por isso, ao formar múltiplas empresas, ocultava esse facto dos fabricantes.
- Uma coisa do gênero.
- Poderá ter problemas que eu não possa resolver.
- Será então o meu advogado-consultor na generalidade, e poderá contratar os especialistas que entender.
Cole desviou o olhar de Julían Musgrove, fixando-o para lá da janela, na rua.
- Foi Dave Shea quem o mandou vir aqui? - perguntou.
- Ninguém me manda a lado nenhum - disse Musgrave com firmeza. - Eu disse a Dave que ia precisar de um advogado, e ele disse-me que você era esperto como o diabo.
- Quem é o seu advogado, o que se vai reformar?
- Hayward Becker.
Cole fez uma careta, e Musgrave viu. Becker era um incapaz. Mas tinha carisma, e as únicas pessoas que não se deixavam enganar eram os outros advogados.
- Muito bem. Percebo o que está a pensar. Estaria disposto a aceitar o trabalho de endireitar aquilo que poderão ser os meus emaranhados assuntos legais?
- Pode não sair barato.
- Podemos acordar um preço por hora. Entretanto, para cimentar a nossa relação e garantir a sua confidencialidade, eu dou-lhe uma avença. Sugiro um automóvel.
-Eu...
- Qual é que quer? Posso arranjar-lhe um Caddy, equipado com tudo.
- Sempre quis um Porsche. Musgrave riu.
- Raios, que você é esperto! De que cor?
- Branco.
- É seu. vou demorar uns dois dias.
Duas semanas depois, Cole estava sentado com Emily diante de amendoins e cocktails.
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- É inacreditável. Sabia que o homem era incompetente, mas nunca pensei que fosse tanto. Não arquivou relatórios indispensáveis, não há livros de actas das empresas nem registos das acções. A Brunswick BMW nem sequer é uma empresa: Becker limitou-se a emitir certificados das acções e a dá-los a Musgrave. A empresa não existe. Entrega declarações de impostos como se fosse uma empresa, graças a um contabilista competente que nunca adivinhou que a empresa nunca tinha sido formada. Musgrave recebe um salário de cada uma das agências. Nunca são pagos dividendos pelas acções. Nem podiam, porque nunca houve nenhuma reunião de accionistas.
- Musgrave é o único accionista - disse ela.
- Mesmo assim, era suposto nomear um Conselho de Administração. E os administradores supostamente nomeariam gestores.
- Quem assina os cheques? - perguntou ela.
- Ele autoriza o banco a visar as assinaturas. Cada agência tem uma pessoa para assinar os cheques, mas nem sequer é um tesoureiro.
- Como é que Becker se safa?
- É uma cidade pequena - disse Cole. - Todas as manhãs vai a pé para o escritório: um homem alto, com ar distinto e cabelo branco ondulado; e todas a manhãs pára numa florista onde tem à sua espera um botão de rosa para a lapela. Conhece toda a gente. Dá os bons-dias a todos. Há seis meses representei uma família que tinha acabado de construir uma casa. Pedi a Becker uma cessação dos direitos de retenção dos mecânicos. Ele nunca tinha ouvido falar em tal coisa e tentou safar-se com sorrisos. Eu tive de preparar os documentos e ele deu-os a assinar aos empreiteiros.
- Carismático, creio que foi o que tu disseste.
- Todas as manhãs, às dez horas, vai ao Dukes Coffee Shop e senta-se na companhia de homens de negócios locais, que o aceitam pelo que aparenta valer. Uma vez por mês almoça no seu Rotary Club. Outros dias almoça em diversos lugares, onde é esperado e bem-vindo. Participa em várias campanhas de recolha de fundos. Joga golfe.
- Bem... ele foi-se embora e tu vais ser pago para resolver a confusão.
- Não vais acreditar no que ele teve o descaramento de me dizer. Disse-me que esperava que o mantivéssemos sob contrato para me poder aconselhar acerca dos negócios
de Musgrave.
- E o que é que tu lhe disseste?
- Dissê-lhe que tinha muita sorte se eu não aconselhasse Musgrave a processá-lo por negligência.
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Maio de 1990
Emily continuava a inquietar-se com a possibilidade de que os Shea, mais cedo ou mais tarde, lhes propusessem uma troca de parceiros.
Quando Dave e Alexandra regressaram de Leninegrado, trouxeram presentes: para o pequeno Cole um brinquedo animado de madeira, intrincadamente esculpido e pintado à mão, que ele podia activar puxando um fio; um conjunto de bonecas que se metem umas dentro das outras para a pequena Emily, e para Cole e Emily um par de chapéus de zibelina. Quando nessa noite Alexandra sugeriu que se deixassem de modéstias e apreciassem a nudez uns dos outros, nem Emily nem Cole conseguiram dizer não.
Dave e Alexandra fecharam o apartamento no Upper West Side e mudaram-se para um apartamento maior na East Seventy-second Street, cuja sala tinha vista para o East River.
O Harcourt Barnham tinha promovido Dave. Agora podia supervisionar contas com um pequeno número de milhões de dólares. Escolhia estratégias de investimento e investia em geral como melhor lhe parecia. Ocasionalmente, aconselhava-se com Axel Schnyder, perguntando se determinado investimento seria bom para a sua conta em Zurique. Mas não o fazia muitas vezes. Não queria que Schnyder suspeitasse que ele usava o saber da Trust Management AG para gerir as suas decisões de investimentos em Nova Iorque. Por outro lado, usava por vezes um relatório de Schnyder para sugerir um investimento seguro para os clientes do Harcourt Barnham. Schnyder investia o dinheiro da sua conta do Deutsche Bank em companhias europeias de que Dave nunca ouvira falar. Além disso, Schnyder assegurava para Dave modestas posições em capitais e obtinha lucros rápidos.
Dave abrira a sua conta em Zurique com um milhão de dólares. Agora, passado um ano, tinha um milhão e quinhentos e setenta e cinco mil dólares. Desses, duzentos mil representavam o lucro do negócio da Texaco, e cerca de cento e vinte e cinco mil provinham de sugestões de Schnyder sobre coisas que Dave tinha sabido no banco, mas o resto dos proventos representava o trabalho de Axel Schnyder e da Trust Management AG.
O facto de Dave não pagar impostos sobre esta quantia deixava-a totalmente intacta para futuros empreendimentos.
110
Naquela noite de sábado, Dave, Alexandra, Emily e Cole foram a uma exibição de Caís, e quando regressaram ao apartamento Alexandra mandou vir o mais completo aparato de comida chinesa que se pode imaginar. Comeram com os pauzinhos de marfim que Alexandra arranjou. Falaram sobre a peça.
- Esta manhã, no Times, reparei numa coisa que talvez não tenhas visto - disse Cole a Dave.
- E o que foi?
- Um antigo vice-presidente (deves tê-lo conhecido), chamado, aaa... Miley, matou-se ontem com um tiro.
- Meu Deus! - exclamou Emily. Dave franziu as sobrancelhas, dizendo:
- Lamento sabê-lo.
Emily tinha lágrimas nos olhos.
- Então, querida - disse Cole, olhando para ela -, nem sequer o conhecias.
- Era...um homem. Dave abanou a cabeça.
- Miley cometeu um grande erro - disse. - Ignorou as relações pessoais. Não se preocupava em ter amigos. Quando houve bronca, ninguém o defendeu. Um homem na posição dele devia ter sido capaz de mudar para outro banco ou para outra corretora. Mas ele não tinha feito amigos em lado nenhum. Era um tipo seco.
- Deve ter deixado mulher - murmurou Emily.
- Sim, mas não te preocupes com ela - disse Dave. - Pelo menos no aspecto financeiro. Ele tinha um pára-quedas de ouro. Nem mesmo nas circunstâncias em que deixou o banco o poderiam privar disso. Não iria precisar de viver da Segurança Social. E ela também não vai precisar.
- Mas...
- Ele foi o causador dos seus próprios problemas - disse Dave secamente, reduzindo Emily ao silêncio com o olhar.
Alexandra saiu da mesa e foi pôr a tocar o disco com a banda sonora de Caís. Depois foi fechar as cortinas. De pé, no meio da sala, começou a tirar uma peça de roupa de cada vez até ficar completamente nua.
Ficaram todos a olhá-la. Todosse sentiram excitados.
Aproximou-se de Emily e começou a desabotoar-lhe a blusa. Colocou a mão de Emily no seu seio nu. Sob o suave contacto da mão de Emily, o mamilo de Alexandra projectou-se
para a frente. A sua respiração acelerou-se, ao mesmo tempo que desapertou o soutien de Emily.
111
Os dois homens começaram a tocar em si mesmos, observando as duas mulheres.
Alexandra tinha começado a chupar o mamilo de Emily. Emily começou a sentir os fluidos a escorrer dentro de si. Alexandra pôs a mão debaixo da saia de Emily e tirou-lhe as cuecas; depois conduziu-a para o sofá. Quando ela se deitou no sofá, afastou-lhe os lábios carnudos da vagina. Começou a explorar o seu interior. Emily começou a gemer. Depois abriu-lhe as pernas e, servindo-se da língua, provocou a Emily um orgasmo vibrante.
Ninguém disse uma palavra enquanto Alexandra se aproximou de Cole o beijou profundamente na boca, fazendo com que os fluidos de Emily se misturassem com os dele. O seu pénis estava totalmente erecto e ela serviu-se rapidamente da mão para lhe provocar um orgasmo.
Quando chegou junto de Dave, viu a excitação nos seus olhos. Pôs a mão dentro de si mesma e em seguida levou os dedos aos lábios dele. Ele chupou-lhe os dedos, um por um. Então, ela pôs a mão em volta do pescoço dele e montou o seu pénis latejante. Vieram-se os dois em simultâneo.
Cole, Amy e Dave ficaram completamente impressionados com a actuação de Alexandra. Dave serviu brande para todos e ligou a televisão. Johnny Carson falava.
- Cole - disse Dave. Estavam os dois a beber café juntos, na manhã seguinte. - Gostarias de me dar três ou quatro dias do teu tempo? Não seriam realmente dados, claro. Pagaria o teu preço por hora, mais as despesas.
- Qual é a tua ideia?
- Já ouviste falar num computador chamado Sphere? Cole abanou a cabeça.
- A dada altura rivalizou com o Apple como o computador com maiores probabilidades de competir com a IBM. Continua a ter grandes capacidades, ou pelo menos é o que me dizem as pessoas que sabem do assunto. Mas precisa de ser desenvolvido. Em certos aspectos está obsoleto. O problema é que não tem dinheiro. Precisa de uma injecção de capital. Acho que lho posso conseguir. Mas há outro problema. A empresa tem uma gestão muito fechada. Pertence a um tipo chamado Tbm Malloy, de Houston.
-E...?
- Agradecia que fosses a Houston para te encontrares com ele. Tenho cá uma ideia de que alguém estaria interessado em adquirir o Sphere. O problema pode ser Malloy. Segundo me consta, ele é um gênio e um egocêntrico.
112
- E do Texas - disse Emily. Dave sorriu:
- E do Texas. com um enorme orgulho nas coisas que construiu.
Cole ficou no Hyatt Regency Hotel, no centro de Houston, e recebeu uma mensagem dizendo que falasse com Dave antes de se encontrar com Malloy. Os elevadores com
paredes de vidro subiam e desciam num átrio que ia do chão até ao telhado, proporcionando aos utilizadores uma visão de toda a zona do átrio, incluindo um salão de bebidas rebaixado e separado do resto do átrio por enormes vasos de arbustos. Reparou no restaurante envidraçado do segundo piso, onde se encontraria com tom Malloy para jantar.
Passava das seis e meia em Houston (sete e meia em Nova Iorque), e resolveu ligar para o telefone da casa de Dave e Alexandra.
- Como é a cidade? - perguntou Dave.
- Grande. O Texas é grande. Vai daqui à China e volta. O condutor do táxi tentou aldrabar-me na viagem do aeroporto para cá, mas o porteiro do hotel meteu-o na ordem. E então...?
- Há mais um possível comprador interessado no Sphere. A coisa mais estranha que possas imaginar! Já ouviste falar numa cadeia de lingerie sensual chamada Cheeks?
- Comprei uma camisa-de-noite para a Emily numa loja deles em Manhattan, no Natal.
- Bem. A cadeia pertence a uma família de nome Cooper. Diz-se que têm ligações, mas dizem isso de toda a gente, por isso não levo a sério. Jerry Cooper construiu a companhia a partir do nada, e agora está cheio de dinheiro e procura maneira de diversificar. Ele não tem muitos estudos, mas é perspicaz. O filho, Len Cooper, tem estudos e é perspicaz.
- E querem apoderar-se da Sphere ?
- vou dizer-te como devesTPfbalhar o Malloy - disse Dave.
- O computador Sphere é seu o menino. Se os Cooper se apoderarem da empresa, usarão o nome de Sphere, que é talvez o seu maior bem; e são muito capazes de mandar o computador Sphere para a sucata. Se forem os meus a apoderar-se da empresa, estão dispostos a garantir a Malloy que o seu menino fica vivo.
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- Mandaste cá o homem errado, Dave. Eu não percebo nada de computadores.
- Percebes de pessoas, meu amigo. Não te esqueças que Malloy tem um ego do tamanho de uma casa. Aproveita-te disso!
Cole teve pena que Dave não estivesse lá para conhecer tom Malloy, que não tinha nada a ver com o texano que Dave parecia imaginar. Não apareceu vestido como Gene Autry, mas com um fato cinzento-escuro, de três botões e lapelas estreitas, camisa branca e gravata clássica. Tinha cerca de um metro e noventa e cinco de altura e não era de modo nenhum ossudo e de pele curtida, como os texanos têm a fama de ser. Na verdade, tinha um pouco de peso a mais, embora o seu fato fosse feito por medida, a contar com isso. Não pedira ao barbeiro que tentasse disfarçar a calvície prematura que surgia para um homem com pouco mais de quarenta anos.
O facto de ele ser texano era comprovado pela mulher, que havia sido cheerleader dos Oilers; algo que tanto tom como Betsy se esforçaram por lhe fazer entender. Ela devia ter uns trinta e cinco anos, supôs Cole. Não usava um penteado tipo colmeia, como ele já havia visto vários desde que chegara ao Texas, mas tinha um cabelo luxuriante. Usava madeixas compridas: não era pintado, tinha madeixas. As sobrancelhas não a traíam como morena, porque quase não as tinha. Eram finas linhas arqueadas, coloridas com lápis de tom escuro. O bâton, aplicado com pincel, pareceu-lhe, era de um rosa-cintilante. O seu vestido com mini-saia de seda branca não tinha mangas e estava suspenso por duas fiadas brilhantes de pequenas pérolas. Muito decotado, era esticado nos seios que o nylon e a borracha projectavam para a frente, exagerando-os. A saia subia sobre umas pernas esguias cobertas por uns collants negros. Cole esforçava-se por manter os olhos acima da mesa e não abaixo, onde ela mostrava as ancas, e até mais acima.
tom Malloy falava sem vestígios da pronúncia texana. Betsy falava como Cole supunha que falavam todos os texanos.
- Eu adoóro geinl - disse ela, quando o empregado veio saber que bebidas queriam. - Teim calqueir couisa. Sei láh. Dizeim qui o Escoitch é só Buourbon com teintura de ioudo.
tom riu da piada da mulher.
- Na verdade - disse ele -, o Bourbon é que é uísque com licor de carvalho.
- E puor e isso é qui ieu beibo gein - disse Betsy.
O restaurante era excelente. Embora não fosse a época das ostras, comeram da concha uma dúzia cada um, com uma garrafa de Chablis bem gelado.
114
Finalmente, tom levou a conversa para os negócios:
- Segundo creio, o seu cliente está interessado em investir no Sphere. Pode dizer-me o nome do seu cliente?
- De momento, não - disse Cole. - Lamento. Mas sou obrigado a manter essa informação confidencial, por agora.
- O que sabe sobre o Sphere?
- Apenas que o senhor desenvolveu um excelente computador que já foi considerado superior às máquinas da IBM. Uma concepção altamente respeitada. O problema é que se encontra obsoleto. Para o actualizar, terá de empatar muito capital. O meu cliente pode ter acesso ao dinheiro necessário.
- Não está obsoleto - disse tom em voz calma mas de uma firmeza fria. - O problema é exactamente o oposto; o Sphere é mais avançado do que os computadores da IBM e os seus sucedâneos. O Apple poderia até ser competitivo. Mas a Apple tem o mesmo problema que nós, que é o monopólio da Microsoft. Não concebemos o Sphere para funcionar com o DOS, e a Apple também não. Agora a Apple cedeu e já poderá funcionar com o DOS como alternativa. Nós podíamos fazer o mesmo. Infelizmente, não temos outra hipótese.
- Eu percebo muito pouco de computadores - disse Cole. Dá licença que venha um perito examinar o seu?
- Muito bem - disse tom. - O seu guru não será o primeiro. E já agora... amanhã à noite vamos dar uma festa na piscina. Venha cedo, e eu mostro-lhe o Sphere. E depois... churrasco.
- Tenho de comprar um fato de banho - disse Cole.
- Nem pense nisso. Nós temos muitos, de todos os tamanhos, para homem e mulher.
Cole não conhecia a geografia de Houston, mas o seu sentido de orientação dizia-lhe que o táxi o levava para oeste, a partir do centro da cidade. Em breve o deixava
numa morada de um subúrbio elegante, caracterizada por bosques bem tratados e lotes de três ou quatro acres, todas asSSasas ficavam fora da vista das que a rodeavam. Os Malloy viviam numa casa extensa de um só piso, sombreada por carvalhos altos e antigos, excepto nas traseiras, onde a terra tinha sido desbravada e deixado um espaço ensolarado para uma grande piscina rodeada por um estrado de tábuas de madeira vermelha.
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tom veio recebê-lo à porta. Tinha sapatos de vela Top-Sider, calças de ganga justas e uma camisa de golfe. Já dentro da casa, Betsy veio cumprimentar Cole. Vestia o uniforme de cheerleader dos Õilers. Calções mínimos que se lhe colavam às ancas, muito abaixo do umbigo, um colete com franjas só até debaixo do peito e botas brancas.
A casa estava mobilada num estilo que Cole achou ser texano: mantas índias ásperas por cima dos sofás e nas paredes, sofás e cadeiras forradas de couro castanho, e duas esculturas de bronze representando cowboys que poderiam ser originais e valer uma fortuna. A sala era dominada por uma enorme lareira em pedra.
- Ainda bem que seguiu o meu conselho e veio de modo informal. Venha ao meu escritório, para lhe apresentar o meu menino.
O escritório era ao estilo do oeste. Numa das paredes estavam pendurados um crânio de vaca e um par de chifres compridos. Cole reparou em diplomas que poderiam explicar o facto de tom não falar como um texano. Tinha estudado em Amherst e depois na Universidade de Chicago, onde tirara um curso de Engenharia Electrónica.
- Apresento-lhe o Sphere.
O computador estava sobre uma mesa, debaixo dos chifres. Era diferente de todos os computadores pessoais que Cole havia visto. Não podia avaliar a sua funcionalidade, mas uma coisa era certa: parecia de facto diferente. Quase todos os computadores estão dentro de uma caixa de aço de cor bege, rectangular, funcional e sem imaginação. O Sphere estava dentro de uma caixa de plástico transparente de cor verde-escura. Os componentes (transformador, discos, drives de disquetes,
modmn e placas de circuitos) eram todos visíveis. A caixa não era de modo nenhum uma esfera, mas era suavemente arredondada. Todo o design possuía uma elegância que o distinguia de
todos os outros pequenos computadores.
- O problema, se é que de facto é um problema, é o sistema operativo - disse tom. - Achámos o DOS desajeitado, por isso criámos o nosso. Funciona lindamente, mas
não permite utilizar software comprado, como o Lotus 1-2-3, o Word, o Wordperfect, o Quicken, e outros do gênero. É preciso usar o nosso próprio software. Infelizmente, isso deixa muitas pessoas nervosas.
- O seu software é tão bom como o dos outros?
- Quando o criámos, era muito mais competente do que qualquer dos que havia na altura. Mas em cinco anos, a concepção dos outros foi totalmente revista e estão muito mais sofisticados do que eram. Nós não conseguimos rever assim tanto a concepção.
- Por falta de capital - disse Cole.
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- Isso mesmo - disse tom.
- Pode então usar investidores.
- Não vou ceder o controlo. Construi esta empresa, e prefiro vê-la fracassar e ser obrigado a encerrá-la do que ceder o controlo a outro qualquer.
- Transmitirei isso ao meu cliente - disse Cole.
- Portanto... chega de trabalho por hoje. Você nada, não é verdade?
Uns minutos mais tarde, tom entrou no quarto destinado a Cole e levou-o para a piscina. Vestiam Speedo justos, o de Cole num padrão abstracto garrido de azul-escuro e azul-vivo, castanho e branco. A licra ficava esticada sobre o seu baixo ventre, as ancas e o sexo. Puxou o elástico da cintura para evitar mostrar os pêlos púbicos mas sentia-se desconfortavelmente consciente de que não era possível puxar para baixo para cobrir minimamente as pernas ou as nádegas. Se tom não tivesse vestido uns calções iguais, mas em tons de verde e branco, Cole nunca se teria atrevido a sair pela porta.
- É estranho - disse tom. - Eu nado bastante bem, mas nunca aprendi a mergulhar. Não consigo mergulhar nem da beira da piscina sem cair de barriga.
Em breve, Cole ficaria a saber que Betsy nem mergulhava nem nadava. Se mergulhasse, poderia perder pelo menos a parte de cima do biquini branco incrivelmente minúsculo.
Tinham chegado mais convidados. Alguns deles mergulhavam da prancha alta dos Malloy.
Uma mulher mergulhou da prancha baixa. Bateu na água com um chapão e nadou vigorosamente até à beira da piscina.
- Apresento-lhe Liz McAllister - disse tom a Cole. - É vice-presidente no Departamento de Tecnologia da Gazelle, Incorporated. Perguntou se não nos importávamos que o Sphere fosse visto por um perito. É o que a Liz está a fazer.
Liz McAllister não era obesa, mas era grande; e era desajeitada. O cabelo louro-oxigenado era áspero e frisado. As suas feições eram regulares mas exageradas. O rosto grande era redondo e corado. O biquini fornecido pelos Malloy não lhe ficava bem. Sobrava-lhe demasiada carne.
tom prosseguiu:
- Liz, apresento-lhe Cole Jaings. É um advogado de Nova Jérsia que representa uns investidores que podem querer comprar acções do Sphere.
Ela passou a mão pelo cabelo para retirar alguma água.
- Muito prazer em conhecê-lo, Sr. Jennings - disse ela, com simplicidade.
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Aparentemente, Liz McAllister não fazia ideia de que o biquini era demasiado pequeno para ela... ou que ela era demasiado grande para o biquini. A opinião inicial de Cole sobre ela foi de que era a pessoa mais desinteressante e vulgar que havia conhecido.
Antes que pudesse começar a conversar com ela, tom apresentou-o a uma mulher uns dez anos mais nova: uma morena extraordinariamente atraente, com olhos azul-claros, que o eyeliner escuro tornava mais dramáticos, e uma figura espectacular; era evidente que, tal como Betsy, não tinha a mínima intenção de molhar nem o cabelo, nem
o fato de banho.
- Laura Mason - disse tom. - É a cheerleader dos Oilers. Betsy é um antiga aluna. Laura ainda é. - Puxou Cole de lado e dissê-lhe baixinho, ao ouvido: - Reservada
para si. Se a quiser, é toda sua.
Num buraco não longe da piscina, estava um espeto com um gigantesco pedaço de carne a gotejar gordura sobre carvão em brasa, fazendo subir uma apetitosa nuvem de fumo. Abria o apetite de todos os convidados (eram já uns vinte) que bebiam cerveja tirada à pressão, em enormes copos de papel, o que originava um trânsito constante para as casas de banho que se situavam num pequeno anexo afastado tanto da casa como da piscina. A
carne foi cortada e servida em grandes pratos de papel, com um bocado
de feijão cozido e salada de couve. A carne vinha afogada num molho de churrasco que tom Malloy declarou ser especialidade da casa. Cole suspeitava agora que a sua
visita era fútil, mas podia esquecer e aproveitar a hospitalidade texana, que era expansiva e exactamente o que ele esperara do Texas.
Laura Mason mantinha-se por perto, mas ele tinha decidido não aceitar quaisquer favores que ela estivesse disposta a oferecer.
Passadas umas duas horas, tom veio ter com ele.
- Gosta de Laura? - perguntou.
- É muito bonita.
- vou ser directo. vou falar sem rodeios. Quer que ela vá ao seu hotel mais tarde?
- Eu... eu acho que não, tom. Agradeço a oferta, mas...
- Entendido. Não se preocupe.
Antes de deixar a festa fez uma chamada para Emily. Já passava das dez em Houston (meia-noite em Wycoff), e ela devia estar já preocupada.
Outros dois convidados, um médico e a mulher, partiam na mesma altura que ele, e deram-lhe boleia até ao Hyatt. A mulher descreveu tom Malloy como a maior "mula" que ela conhecia, o que Cole concluiu ser sinónimo de teimoso.
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Quando Cole atravessava o átrio do hotel viu Liz McAllister sentada sozinha no salão de bebidas, segundo lhe pareceu, com um ar um pouco desamparado. Tinha pensado ir lá tomar uma bebida antes de ir para o quarto, por isso desceu os três degraus e aproximou-se dela. Ela estava a olhar fixamente para o copo e de início não o viu.
- Farta de cerveja? - perguntou, ao reparar que ela estava a beber um Martini.
Ela ergueu os olhos e a sua alegria ao vê-lo foi tão evidente que ele ficou satisfeito por se ter decidido a ir ter com ela. Não estava vestida de modo adequado para aquele local tão requintado: uma camisa de golfe branca esticada sobre os seios exorbitantes e calças de ganga justas e desbotadas.
- Fiquei farta de cerveja quando acabei o curso - disse ela.
- Foram os litros e litros que bebi que me deram cabo da figura. Sente-se.
- A cerveja faz-nos coisas estranhas. Quando tinha dezoito anos, três amigos e eu matámos um homem. Estávamos cheios de cerveja e... meu Deus! Não falava disto há anos.
- Atropelaram-no com o carro? - perguntou ela.
- Matámo-lo a soco.
- Jesus! Foram para a cadeia?
- Não. Safámo-nos. Seja como for, é uma recordação desagradável. .. desculpe tê-la mencionado. Saiu sem eu querer. Venho de uma cidade pequena. Toda a gente sabe o que aconteceu. Não preciso de falar nisso.
Ela fez sinal ao criado, e Cole mandou vir um Martini Beefeater com gelo e limão. Ela pediu novamente o mesmo.
- É verdade que tem um investidor disposto a empatar dezassete ou dezoito milhões no Sphere? - perguntou ela, com simplicidade.
- Mais do que isso.
- É o que vai ser preciso para rever a concepção do sistema operativo do Sphere de modo a torná-lo compatível com o Windows - disse ela.
- É isso que tem de ser feito?
- No mínimo - disse ela. - E é irónico que tom Malloy não tenha essa quantia.
- Vive como se tivesse. Liz encolheu os ombros.
- Dinheiro da família - disse ela. - Os Malloy estão no negócio do petróleo e da carne e desprezam a ovelha negra do filho, com o seu negócio da tecnologia. Entraram
com o dinheiro inicial, mas acabou-se.
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- E a sua companhia pode...?
- A minha companhia tem dinheiro aos montes. Feito a vender lingerie sensual em tamanhos que eu não posso usar.
Quando o criado trouxe as bebidas, trouxe também a conta, que ela agarrou,
- Ofereço eu - disse ela. - Da minha conta de despesas. Beberam os Afarfims e ficaram a olhar os elevadores a subir
e a descer.
- Cole... - disse ela, hesitante. - Vai ser uma noite longa e solitária.
Era uma proposta. Ele não sabia como recusá-la com delicadeza, mas não se imaginava a passar a noite com aquela mulher grande e deselegante.
- Bem, eu...
- Eu sei - disse ela em voz baixa. - Eu sei muito bem..melhor do que imagina. Sendo como sou, tenho de ser melhor. Não te vais esquecer de mim. Não vais esquecer
uma noite comigo.
Desde que se casara, nunca tinha estado com nenhuma mulher além de Emily. Era esse o pensamento que o dominava quando Liz pôs a sua mão sobre a dele e murmurou:
- Por favor...
- Está bem - cedeu ele. - Por que não? No teu quarto ou no meu?
- Escolhe tu.
Escolheu o seu próprio quarto. Assim que a porta estava fechada e a corrente colocada, ela despiu-se: rápida, eficiente.
Ele a tinha visto quase toda com o biquini emprestado pelos Malloy, mas vê-la nua excitou-o.
Ela ajoelhou-se diante dele e, com esforço, abriu o fecho e desceu-lhe as calças. Pegou-lhe no pénis com ambas as mãos e enfiou-o na boca. E ele ficou ali de pé:
não se tinham sentado, muito menos estendido sobre a cama, e ela lambia-o e chupava-o e metia-o todo até ao fundo, descendo pela garganta, depois tirava-o e voltava a metê-lo, usando os lábios e a língua, até o levar a profundos e violentos espasmos de êxtase.
Ela estava certa ao dizer que ele não esqueceria aquela noite. Pediu-lhe que entrasse nela e rodeou-o com as pernas para não o deixar escorregar para fora. Agachou-se por cima dele e possuiu-o, montando-o, dando a conhecer ao seu pénis profundezas que ele nunca havia sentido. Mais ainda, as coisas que ela fazia com a boca, chegando a enfiar-lhe a língua no ânus.
Perto do nascer do Sol dormiram um pouco. Acordou a ouvi-la falar para o serviço de quartos. Mandou vir quatro Bloody Mary de gim, com bacon e ovos.
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Julho de 1990
- Feng Shui - disse Leonard Cooper.
Explicava a Dave a disposição e a decoração do seu escritório, na qual a mobília não era paralela nem fazia ângulos rectos com as paredes, formando antes ângulos
invulgares. Explicava deste modo também o grande aquário e as plantas envasadas que cresciam na sala. O Feng Shui era uma filosofia chinesa que afirmava que as pessoas teriam vantagens em organizar os seus lares e os seus escritórios de forma a estarem em harmonia com a natureza; e, em geral, as linhas paralelas e os ângulos rectos não estavam em harmonia.
- Se eu acredito? - perguntou Leonard Cooper. - Suponho que não, pelo menos a sério. Mas digo-lhe que me sinto mais confortável neste escritório do que sentia.
Leonard Cooper tinha vinte e nove anos, tinha estudado em Amherst e em Yale, era advogado. Tinha substituído o seu pai Jerry como presidente da Gazelle, Incorporated, a empresa cheia de dinheiro, cujo negócio central era a venda de lingerie ousada e de uma linha de artigos eróticos associados, que não excluíam instrumentos sado-masoquistas.
Era um modo estranho de ganhar dinheiro, mas Dave sabia que rendia; tinha investigado. Era obrigado a admirar a forma como a família Cooper tinha transformado um negócio antes desprezado num império de milhões de dólares. Não teria hipótese de vencer os Cooper se eles quisessem o Sphere. A pergunta era: seria possível meter-se
de algum modo? Poderia transformar a relação num belo lucro?
- Suponho que o seu problema é o ego de tom Malloy disse Dave. - Não o conheço, mas enviei um homem para o analisar e outro para examinar a sua tecnologia.
- Os meus consultores dizem-me que o computador Sphere dele é uma maravilha - disse Len Cooper. - Ele não faz negócio
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com quem não se comprometer a manter o computador vivo e no mercado.
- Eu não percebo de tecnologia informática - disse Dave.
- Mas contratei um homem que percebe.
- Eu também... uma mulher.
- Tem a certeza de que quer fazer um investimento forte neste negócio? - perguntou Dave. - Pode-se arranjar maneira de investir o dinheiro de outras pessoas.
- Eu tenho outros investidores - disse Len Cooper. Sr. Shea...
- Dave.
- Certo. E eu, Len. Eu tenho outros investidores. Chineses. É onde está o dinheiro a sério, hoje em dia. Temos escritórios em Hong-Kong. Quer ver dinheiro? Experimente uma visita a Hong-Kong. É lá que eu vou. É onde está o dinheiro.
- Eu posso trazer dinheiro deste país - disse Dave. - Posso trazer-lhe investidores americanos.
- Terei muito gosto em falar consigo sobre isso. Entretanto, sugiro que trave conhecimento com tom Malloy.
II
Cole tinha apresentado a Dave um relatório completo da sua visita a Houston (excluindo a noite passada com Liz) e Dave podia até ter levado um par de calções de banho, para evitar ter de aparecer junto da piscina dos Malloy com uns calções iguais aos que haviam embaraçado Cole. Mas não levou. Estava até cheio de interesse em ver quão incrivelmente esticaria um par de Speedo.
Não ficou no hotel. Os Malloy tinham-no convidado a ficar num quarto de hóspedes em sua casa. Tinham-lhe pedido para vir na sexta-feira, de forma a poder assistir
sábado a um rodeo, Perguntou a si mesmo se fariam um churrasco na noite de sexta-feira. Afinal, tom, Betsy e os seus amigos (a outra amiga era Laura Mason) tinham sido convidados para uma festa em casa de um vizinho.
A festa era uma réplica daquela que Cole lhe havia descrito. Os convidados, cerca de vinte, reuniram-se em volta da piscina. Uma peça de carne de vaca gotejava sobre
o espaço permanentemente destinado aos churrascos. De tempos a tempos, o anfitrião atirava especiarias para o fogo, a fim de dar à carne um sabor especial.
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O anfitrião chamava-se Melvin Johnston, e era vice-presidente do Harris County National Bank. Era um homem anafado, mais velho do que a maioria dos homens presentes, e vestia boxers azul-escuros, em contraste com os slips de cores vivas e licra esticada usados pela maioria dos homens mais jovens. Os Speedo vermelhos de Dave eram minúsculos, como Cole avisou que poderiam ser; e Dave pensou se não seria uma partida de tom e Betsy arranjarem aos seus convidados uns fatos de banho tão minúsculos. Mas achou que não, já que os Speedo de tom não eram mais modestos, e Betsy não se teria atrevido a realmente mergulhar ou a nadar com o seu biquini amarelo-berrante.
Chegou a uma rápida e pouco caridosa conclusão: que aqueles habitantes de Houston estavam chateados até mais não e procuravam alívio nas suas festas semanais.
- Que acha de Laura? - perguntou tom a Dave, não muito tempo depois de terem chegado a casa dos Johnston.
- Apetitosa.
- Ela também gosta de si.
Tinham ido sentados ao lado um do outro no banco de trás do carro dos Malloy a caminho da festa e ele não tinha conversado com ela mais do que uns instantes. Parecia-lhe não ter mais de dezanove anos. Betsy era antigo membro do grupo de cheerleaders dos Oilers. Laura ainda o era e iria para os jogos quando a época iniciasse.
- Se você quiser, ela vai ao seu quarto durante a noite disse tom.
- Sou todo a favor. tom Malloy sorriu:
- Bem me pareceu.
tom fez saber a Laura que tudo estava combinado, e depois disso ela ficou sempre perto de Dave. O seu biquini branco era tão reduzido como todos os que estavam à beira da piscina. Ela não o molhou. Era atrevida a falar:
- Céus, estás bem servido - disse, indicando com um gesto de cabeça os Speedo esticados pelo pénis dele.
- Que é que o médico disse ao tipo do Garganta Funda? perguntou ele. - "Posso
cortar do tamanho que você quiser."
- Jeisuuus! Nem penses em tal coisa!
Dave nadou umas quantas piscinas e voltou a sair, um pouco diminuído pela água fria.
O anfitrião, Johnston, veio sentar-se junto dele.
- Disseram-me que trabalha no Harcourt Barnham - disse.
- É verdade.
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- Mas não está aqui em nome do Harcourt Barnham. Não valia a pena mentir.
- Pois não.
- Ah, bem. Não tenho nada a ver com isso. Mas não me parecia que o Harcourt Barnham estivesse interessado em investir na Sphere, Incorporated.
- Sei de quem poderia estar interessado - disse Dave.
- Que sabe acerca dos Cooper?
- Apenas um pouco. Potencialmente, têm capacidade de investir muito no Sphere. A empresa deles está cheia de dinheiro.
- E vão assumir o controlo, quer eu queira, quer não. Deve investigar os Cooper, se é que ainda não o fez. Não são pessoas que se deixem contrariar.
Quando o Sol se começou a pôr e a carne estava quase pronta; as mulheres começaram a despir as partes de cima. Dave sabia que isto não tinha sucedido na festa dos Malloy. Cole tê-lo-ia mencionado. Quando Laura deixou cair a parte de cima do seu biquini e a pôs de lado, ele viu uma coisa que nunca havia visto. Ela tinha umpiercing no mamilo esquerdo, uma argola brilhante de prata ou platina mais ou menos do tamanho de uma moeda de vinte e cinco cêntimos.
Mais tarde, quando estava nua, encorajou-o a brincar com a argola do mamilo, mesmo a puxá-la; e não mostrou desconforto. Riu com o fascínio dele pela argola e fê-la
rodar para lhe demonstrar que estava solta dentro do buraco do mamilo.
- Há umas que estão presas por fios dentro de uma bolinha. Assim uma rapariga pode tirá-las sempre que quiser. Mas esta não. Mandei-a soldar. Só a podia tirar se a cortasse.
- E isso não te queimou? A soldá-la, quero eu dizer. Ela abanou a cabeça.
- Usaram uma coisa que se chama um absorvente de calor. Um alicate de laca; uma mulher apertava a argola com ele enquanto a outra soldava. Não senti nenhuma queimadura. E queres saber uma coisa? Estou a pensar em mandar fazer o mesmo à outra. Que achas? Seria de mais?
Ela revelou-se uma amante condescendente e vigorosa: sem imaginação, mas entusiástica.
- Sabes, acho que nunca vi uma pila maior do que a tua. Nunca fiz com nenhuma desse tamanho. Vamos fazer outra vez! E amanhã à noite também, hem?
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Na tarde do dia seguinte foram ao rodeo, Dave de braço dado com Laura. Ela e Betsy envergavam o uniforme das cheerleaders dos Oilers, e antes do início do rodeo
elas e mais outras seis foram chamadas à arena para serem apresentadas a uma multidão que aplaudia.
Por momentos, sozinho nas bancadas, tom puxou um assunto:
- Os meus amigos, os Cooper, propõem meter dezenas de milhões no meu negócio. Mas mudariam toda a natureza da empresa.
- Em que aspecto?
- Os seus sócios chineses querem fabricar componentes para microprocessadores, que nós montaríamos e venderíamos nos Estados Unidos. Sabe o que isso quer dizer?
- Não exactamente.
tom Malloy voltou a cabeça e olhou em volta, acenando e sorrindo a amigos nas bancadas.
- Os microprocessadores são computadores muito pequeninos concebidos para executar tarefas específicas. Os automóveis funcionam com microprocessadores. Têm sensores
que dizem aos microprocessadores qual é a temperatura do ar, a quantidade de humidade que ele contém, etc. E o microprocessador adapta a mistura de combustível e
outros factores de modo a que o carro funcione da melhor maneira. As possibilidades são infindáveis. Dentro de uns anos, o sistema de aquecimento da sua casa, só
para lhe dar um exemplo, será controlado por um microprocessador.
- Talvez seja um óptimo novo negócio - sugeriu Dave.
- Sim. E o Sphere é comido vivo. O meu menino é comido vivo. O meu menino será gerido por um comerciante de roupa interior feminina! E o que é que eles querem? O
nome! O nome Sphere é tão bom como Apple, quase tão bom como IBM.
- Vamos supor que conseguimos um acordo. Vamos supor que os componentes do computador Sphere se transformam numa subsidiária separada e independente. Você recebe
o dinheiro dos chineses, deixa os Cooper fabricar os microprocessadores com o nome do Sphere, e a sua
subsidién" do computador Sphere segue o seu próprio caminho.
Se quiser, pode usar parte do dinheiro dos chineses para investir no computador. Eu posso conseguir financiamento para a Sphere, Incorporated.
tom fez um gesto afirmativo com a cabeça.
- É uma ideia - disse ele. - Vamos trabalhá-la.
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Betsy e Laura regressaram aos seus lugares, acenando com a cabeça e com as mãos e recebendo os aplausos dos fãs do rodeo.
Laura apertou a mão de Dave.
- Vais gostar disto - disse ela, quando a cancela se abriu para deixar sair um touro que investia e escoiceava enraivecido, tentando fazer cair o homem que o montava. Na opinião de Dave, os homens mais corajosos do rodeo eram os palhaços que corriam para desviar a atenção do touro quando este derrubava um homem e se preparava para o atacar com os chifres.
Na realidade, Dave não possuía as quantias de que falara com tom Malloy; pelo menos, não as teria sem comprometer tudo o que era seu. Tentava evitar conversas pessoais
com Alex Schnyder, mas daquela vez meteu-se num avião e foi a Zurique encontrar-se com ele
- O importante é que - disse ele ao banqueiro suíço depois de lhe ter explicado toda a situação - quem possuir o computador Sphere pode tornar-se um dos mais importantes competidores no campo dos computadores pessoais, que é um negócio importante e em expansão.
- E repleto de adversários poderosos e cheios de dinheiro disse Schnyder, calmamente. - Parece-me detectar em si uma característica que pode ser destrutiva.
- Está a falar de...?
- Do entusiasmo - disse Schnyder. - Outrora, "entusiasmo" era um termo religioso. Significava ser levado em demasia pela emoção.
- Opõe-se ao investimento?
- Não me oponho a nada. Eu nem apoio nem me oponho a investimentos. Eu analiso-os. Já analisou esta ideia? com muita atenção?
- Eu... eu acho que sim.
- Que parte dos seus bens quer arriscar? Dave sorriu.
- Estava a pensar arriscar os bens de outras pessoas.
- É prudente. Mas isso significa também que o seu entusiasmo não é tão grande que o leve à destruição.
- E então...?
- vou fazer alguma investigação e análise. Entretanto, por
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que é que não aproveita a noite, Sr. Shea? Jante. Vá, talvez, a um espectáculo. Gosta de raparigas nuas?
Dave não gostava dos lugares onde habitualmente se exibiam as raparigas nuas. Elas tentavam sentar-se com ele e levá-lo a comprar champanhe caro. Ele tinha dinheiro para o champanhe, mesmo aos preços das boítes, mas irritava-o que lho tentassem extorquir.
Afinal, Axel Schnyder tinha exactamente a mesma opinião. Levou Dave a um clube privado (na realidade, um lupanar de luxo) onde jantaram uma óptima carne assada - de vacas criadas nas pastagens dospolders holandeses -, beberam vinho de Bordéus e viram um espectáculo onde raparigas de formas generosas, nenhuma delas com mais de dezoito anos, não se despiam, mas dançavam nuas.
- Está a ver - disse Axel Schnyder -, está certo gastar dinheiro. Mas é melhor gastá-lo bem.
Regressou a Houston. Desta vez, Alexandra foi com ele. Conversaram no avião.
- Quanto mais penso na ideia de separar as operações do computador Sphere daquilo que aparentemente se vai tornar numa fábrica de microprocessadores, mais ela me agrada - disse Dave. - Segundo as informações que obtive, o Sphere é um computador pessoal de qualidade superior, e potencialmente um importante concorrente num ramo de negócios que não pode fazer outra coisa que não seja crescer.
- Eu tinha um amigo que usava um computador Radio Shack. Segundo parece era uma boa máquina, mas tinha o mesmo problema que o seu Sphere; funcionava com base no seu próprio software operativo e não podia trabalhar com programas como o VisiCalc e o WordStar. Já não é um concorrente importante.
Chegaram a Houston numa quarta-feira e não havia uma festa de churrasco. Tinham sido convidados para a casa dos Malloy e passaram o final da tfcpáe junto da piscina, onde tom servia bebidas, sem ser cerveja, e um cozinheiro de raça negra tinha disposto um bufete de frango frito, salada de batata e tomate maduro partido às fatias. Alexandra gostaria de ter dado um mergulho, mas o pequeno biquini azul que lhe tinham arranjado não o teria aguentado.
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Laura não estava lá e não se falou dela.
- Os Cooper não estão satisfeitos com a sua ideia de dividir a companhia - disse tom.
- Que é que eles vão comprar? - perguntou Dave. - Alongo prazo, o que é que eles querem?
- Querem pôr o nome de Sphere aos seus microprocessadores.
- Vão comprar o nome... e podem destruí-lo - disse Dave.
- Não seria a primeira vez que alguém comprava um nome e o colocava em algo que nunca tivesse sido a intenção do proprietário do nome - disse Alexandra.
- Eles garantem-me que fundarão o Sphere IV, que é como lhe chamaremos. Será uma combinação da elegância do Sphere com a funcionalidade do IBM, por exemplo.
- Você é quem decide, acho eu - disse Dave.
- De momento, para mim, você desempenha o papel de cavaleiro branco - disse tom. - com o tipo de financiamento que diz poder conseguir, eu poderei defender-me desses salteadores e ficar com o meu negócio e com o meu menino.
- Que seja esse o nosso objectivo.
VI
O relatório de Axel Schnyder era explícito:
É minha obrigação aventar que um investimento importante na Sphere, Incorporated pode acarretar riscos inaceitáveis.
Para começar, a companhia tem uma pesada carga de dívidas, contraídas pelo Sr. Malloy, à medida que as vendas diminuíam. O Sr. Malloy depende do dinheiro da família, que segundo parece já não se encontra à sua disposição.
Devo também alertá-lo para o facto de que a atitude de se colocar em oposição à família Cooper pode não ser das mais prudentes. Para começar, o seu ramo de negócio, um tanto excêntrico, tem vindo a revelar-se extremamente lucrativo, e eles possuem recursos de dinheiro suficientes para vencer em licitação praticamente qualquer pessoa que pudesse vir a interessar-se pelo Sphere. Mais do que isso, possuem uma reputação vagamente preocupante, envolvendo amizades com homens associados àquilo que na América é conhecido pela Mafia, a Cosa Nostra, etc.
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Em resumo, não posso aconselhá-lo a levar avante esta ideia. Há formas muito melhores de investir o dinheiro.
Dave foi convocado (não há outra palavra para o definir) a ir ao escritório de Leonard Cooper, onde se viu diante não de Len, filho, mas de Jarry Cooper, o pai.
Dave ficou sentado a observar os peixes tropicais de cores vivas que nadavam no grande aquário enquanto Cooper terminava um telefonema.
- E então... - disse Cooper quando desligou o telefone. Ele era um homem já perto dos setenta anos, que usava calças pretas e uma camisa de golfe branca. Era brusco. - A sua proposta é separar o negócio do computador pessoal Sphere do resto usando financiamento que obterá de outras fontes.
- A ideia agrada a tom Malloy.
- Dave... afinal, o que é que pretende tirar disto?
- O mesmo que o senhor, de tudo aquilo que empreende. Quero ganhar dinheiro.
- O problema, Dave, é que este negócio é nosso, não é seu. Poderíamos dizer que a minha companhia tem direitos. Encontrámo-lo primeiro.
- Chega para toda a gente.
- Chegará? O que está a dizer, Dave, é que quer uma parte daquilo que eu e o meu filho encontrámos e para a qual temos grandes planos. Por que haveríamos de lhe
dar uma parte?
- Porque, caso contrário, tom Malloy pode não aceitar nada. Ele está apaixonado pelo seu computador.
- Nós garantimos-lhe que o ajudaremos a alterar a concepção e a vender o seu computador.
- Para ser absolutamente franco consigo, Sr. Cooper, ele não confia inteiramente que o senhor cumpra o prometido,
- E o senhor, claro, não o desencorajou de pensar desta forma.
- Não acredito que esteja interessado em desenvolver a concepção do computador. Eu talvez tenha investidores que estejam.
- Seja como for, o que se trata é de lhe proporcionar uma oportunidade de o incluir nos nossos planos,
- Não podem fazer nada sem tom - disse Dave. - com dívidas ou sem elas, continua a controlar a companhia.
Jerry Cooper sorriu e percorreu a sala com o olhar, vendo os peixes e as plantas envasadas do filho.
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- Estou impressionado, parece ser um tipo inteligente. Eu poderia gostar de si. Talvez até pudesse fazer negócio consigo numa outra altura. Mas não tente meter-se à força num negócio que nós já tratámos.
- Pensa que pode somente cortar-me? - perguntou Dave com agressividade.
- E se eu lhe dissesse - disse Jerry Cooper - que posso inclusive cortar-lhe o raio do pescoço.
- Sério?
- Sério. O seu advogado de Nova Jérsia foi a Houston e acabou na cama com a nossa vice-presidente do Departamento de Tecnologia. Você foi até Houston e acabou na cama com Laura, que, a propósito, trabalha para mim. Liz até fala muito, mas na verdade não lhe contou nada. Você foi suficientemente esperto em não contar à Laura fosse o que fosse. Gostou dopiercing do mamilo dela? Adiante...
- Que é que vai fazer? - perguntou Dave. - Contar à minha mulher que eu fodi a sua rapariga?
- Não. Não, não, não, não, não... A sua mulher é demasiado inteligente para se deixar influenciar por isso. Não sei com quem você precisaria de foder para ela deixar de gostar de si, mas não será com certeza a nossa cheerleader dos Oilers. Devia apreciar melhor o valor da sua mulher.
- Então, vai foder-me a merda do pescoço. Jerry Cooper esfregou as mãos.
- Bem - disse ele -, você é investidor no Harcourt Barnham. Devo entender que o Harcourt vai subscrever o financiamento para refazer a concepção do Sphere e pô-lo no mercado?
Dave susteve a respiração.
- Há outros - disse.
- Pois, suponho que sim. Mas no Harcourt sabem desses outros? Não é verdade, Dave, que está a trabalhar independentemente do seu banco? E não é um facto que está a funcionar totalmente fora das regras há muito estabelecidas para bancos como o seu? Diga-me uma coisa, Dave. Não tem uma conta de títulos de crédito no estrangeiro? Declara as transacções dessa conta (dessas contas, talvez) ao fisco? Longe de mim querer ser um delator. Mas não se meta no meu caminho, Dave. Não se meta, rapaz. Quando eu quiser, chamo-o.
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- ... como a merda de um puto de escola!
- Bem. Não lhe podes fazer o que fizeste ao Miley - disse Alexandra, calmamente. - Achaste um oponente à tua altura, Dave. Pior do que isso...
- Desgraçadamente superior!
Ela aproximou o Martini por cima da mesa, na direcção dele.
- Um dia tinha de acontecer. Não se pode ganhar sempre.
- Mas...
- Dave... O facto de o tipo que te fez isto ser, na tua opinião, indigno de ti, não conta para nada. Nos negócios, a emoção derrota-nos.
- Mas eu...
- Esquece o Sphere! Esquece o Malloy. Não te devias sequer ter metido nisso. Escuta o que diz Axel Schnyder. E não te esqueças, Dave... És vulnerável.
- Vulnerável...
- Anima-te, fofo. Que raios, afinal, as coisas correm-nos bem. Desta vez lixaste-te a sério, mas surgirão outros negócios.
- Tenho de dizer a Cole que eu...
- Não consigo pensar em ninguém que seja mais compreensivo do que ele. E, seja como for, fez uma viagem ao Texas com todas as despesas pagas. E deu uma queca, sei-o agora por ti, com uma tipa peso-pesado. Nunca o julgaria capaz de fazer uma coisa dessas a Emily.
-Ele...
- Não vamos estar com fingimentos, fofito. Tu fazias-me o mesmo. Nunca imaginei outra coisa.
- Alexandra...
- Queres um prêmio de consolação? - perguntou ela. Falaste-me em furar um mamilo e pôr uma argola. Não sei onde foste buscar essa ideia, mas não me desagrada. Andei a informar-me. Sei de um médico que faz isso. Aos dois mamilos! Mas só se comprares argolas de platina, talvez com diamantes, talvez com esmeraldas. E... olha, ouve! As mulheres também podem pôr argolas nas... partes ocultas. E pendurar nelas pesos para esticaras...
- Eu não te havia de quereresticada, Alexandra. És perfeita assim como és.
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Janeiro de 1991
Uma vez, Cole perguntou pelo negócio do Sphere e Dave lançou-lhe um olhar que lhe disse que era melhor nunca mais falar do assunto. Tinha tido mais informações sobre os Cooper e a sua Gazelle Corporation, e apercebeu-se de que Dave brincava com o fogo. Os Cooper tinham um estranho grupo de amigos, e o Cooper mais velho, Jerry, tinha fama de ser um homem de alguma violência.
Duas semanas depois do Natal, Cole e Emily jantaram com os Shea no seu apartamento de Manhattan. Ficaram sentados na sala, diante das bebidas, a olhar para o East River. Desta vez, Alexandra sugeriu que em vez de tirarem a roupa toda, como era frequente fazerem, as duas mulheres se despissem até à cintura. Emily, a única que se sentira hesitante relativamente a este tipo de coisas, já não tinha problemas.
Ela e Cole tinham falado depois da noite do Caís. Tinha sido uma emoção erótica para ambos. Não tinha prejudicado a sua relação e Emily sempre sentira curiosidade em saber como seria estar com outra mulher. E sabiam também que não conseguiam, nem queriam, dizer que não.
Portanto, ela desnudou os seios pequenos, de pele leitosa e em forma de pêra, e apreciou o elogio de Dave, por mais prosaico que fosse:
- Não me recordo de ter visto umas maminhas tão bonitas... excepto as de Alexandra, claro.
Mas Alexandra tinha uma surpresa para ela e para Cole. Como de costume, não usava soutien, e quando tirou a camisola de caxemira cor-de-rosa por cima da cabeça, revelou os mamilos furados, com as argolas brilhantes penduradas. Eram umas argolas de platina, explicou Dave. Não disse quanto havia pago por elas, mas a conclusão é que tinham sido caras. Cada uma delas tinha uma esmeralda estonteante. Alexandra estava
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ostensivamente orgulhosa delas e empurrava os seios para a frente, para as exibir.
- Em Kiev não tínhamos coisas destas - disse ela.
- Também não tínhamos coisas destas em Wycoff, Nova Jérsia - disse Cole, secamente.
- E continuamos a não ter - acrescentou Emily.
- Talvez possamos remediar isso - disse Dave. Empurrou uma caixa em papel de embrulho para cima da
mesinha de café. Era para Emily, e ela abriu-a. Lá dentro, sobre um forro de cetim, estava um par de argolas para mamilo, feitas em ouro branco, das que têm roscas ajustáveis para que possam ser usadas sem perfurar a pele.
- Este par é para te habituares - disse Alexandra. - Pões e tiras sempre que quiseres.
- As tuas...? - perguntou Emily, timidamente.
- Soldadas com epoxy. A união é mesmo atrás das esmeraldas, por isso não se vê. Mas não as posso tirar... isto é, só se as cortar.
Puxou as argolas, devagarinho, o que fez com que os seus mamilos esticassem um pouco. Sorriu.
Para prender as argolas de rosca em Emily, Cole seguiu as instruções de Alexandra: esfregou cada mamilo entre os dedos até eles ficarem erectos e depois abriu a rosca e fechou-a sobre a ponta túrgida. Emily contraiu-se quando ele apertou cada uma das roscas o suficiente para que a argola não caísse.
- Eu também não gostei muito dessas - disse Alexandra.
- Apertam. Depois de furar dói um bocadinho quando passa o efeito da anestesia, mas passados uns dias a dor desaparece e não pensamos mais nisso. Agora, são perfeitamente confortáveis. É parecido com a habituação às lentes de contacto. A princípio, elas irritam os olhos, mas depressa deixamos de dar por elas.
- Achas que eu devia...?
- Isso é contigo. Mas olha, Cole. Não as achas sensuais? Diz a verdade. Não te dão tesão?
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Março de 1991
Amy supunha que Dave viria a Nova Jérsia visitar o filho pelo seu décimo segundo aniversário, mas não ficou surpreendida quando ele não veio. Mandou uma prenda:
uma colecção de cinquenta soldados de brincar, de Inglaterra, com as fardas garridas da Brigada Real, a cavalo e com lanças. O rapazinho ficou todo contente e pelo menos fingiu que não reparava que o pai não tinha aparecido e nem sequer havia enviado um bilhete com os soldados, entregues de forma impessoal por correio expresso da FAO Schwartz.
Os seus cheques chegavam com regularidade, vindos de um escritório de advogados de Nova Iorque, que era o único remetente que constava. Talvez o pudesse ter contactado, mas não sem dificuldade.
Estava a almoçar com Cole Jennings. Por muito pouco que Cole concordasse (tal como Emily não concordava) com a atitude de Dave Shea para com a primeira mulher e os dois filhos, Cole não podia deixar de ver o contraste entre Amy Sclafani Shea e Alexandra Krylov Shea. Alexandra era divertida. Amy não sabia o que era. Era carnuda. Era morna. O casamento havia sido um erro.
- Não faz nenhuma diferença - disse ela a Cole. - Acabou. Já não há nada entre nós.
- Ele tem muito dinheiro, Amy. Muito dinheiro.
- Isso não me admira nada.
- Uhm... eu representei-o num assunto de negócios e recebi uns belos honorários. Não posso continuar a representar-te. Mas vou dar-te um conselho, fica só entre nós. Deves fazer os possíveis por o esfolar. Quando fizemos o acordo, era na base do que ele tinha nessa altura.
- Não posso reabrir...
- Talvez possas. Se fosse a ti, falava com outro advogado para ver o que se pode fazer.
Cinco semanas depois, um advogado de Nova Iorque de nome Robert Bailey estava sentado no gabinete de Dave no Harcourt Barnham.
- Não vejo nenhum motivo para não ser franco em relação a isto - disse ele a Dave.
O advogado mostrava-se ostensivamente nada impressionado
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pelo banco e pelo gabinete de Dave. Embora não se tivesse de modo nenhum rendido ao Feng Skui, Dave tinha redecorado o seu gabinete com algumas semelhanças ao gabinete do homem que o havia vencido no negócio do Sphere. Fosse como fosse, nunca havia gostado de secretárias. Estava sentado a uma grande mesa redonda, enfrentando Bailey a uma certa distância. Havia dois monitores a distâncias convenientes: num passavam os últimos números do mercado, outro pertencia ao computador Hewlett-Packard.
Bailey era um homem alto e corpulento, com idade entre os quarenta e os quarenta e cinco anos, que semicerrava os olhos atrás de óculos castanhos de armação oval e vestia um fato de muito bom corte.
- O facto que temos de ter em conta, Sr. Shea, é que o senhor obteve o seu divórcio...
- Cessação do contrato de casamento - interrompeu Dave.
- Muito bem. Cessação do contrato de casamento. Obteve-o sem revelar à Sra. Shea a extensão dos seus bens.
- Não creio que assim seja - disse Dave, friamente. - E ainda que assim fosse, não me parece que conseguisse prová-lo.
- Eu não estaria tão certo disso, se fosse o senhor. Recorda-se que costumava dizer que a Sra. Shea era a sua parceira, a quem tudo confiava?
Dave encolheu os ombros.
- Lembra-se de Jack Silver? Lembra-se que o senhor e ele eram tão íntimos que o senhor encorajou a Sra. Shea a amamentar o vosso filho na presença dele? E lembra-se do que falaram, enquanto a Sra. Shea ficava sentada, a ouvir?
- Que é que ela pretende, fazer chantagem comigo?
- Ora, vamos, Dave. Não queremos usar palavras como essa. O facto de o advogado ter começado a chamar-lhe Dave era
de mau agouro.
- Que é que ela quer? - perguntou Dave. Bailey respirou fundo e soltou bruscamente o ar.
- Há quanto tempo não se encontra com o Sr. Silver?
- Há uns anos, creio eu.
- Sabe onde ele está?
- Não, acho que não. -
- Bem... está na prisão reíUral de Danbury, no Connecticut, onde vai passar mais cinco ou seis anos. - O advogado encolheu os ombros. - Mas isso não é relevante.
-Jack...?
- Jack. Fraude com títulos de crédito. Agora, falemos da pensão da Sra. Shea e dos filhos.
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- Que é que ela quer?
- Apenas o que é justo. Nada mais.
- E isso é... quanto? - O telefone tocou. Dave atendeu. Eu ligo-lhe depois. Daqui a meia hora, avise-o. ... O quê? Então, está bem. ... Don? Que se passa? ... O raio! ... Não, não compramos mais, por amor de Deus! ... Não, e também não podemos vender, neste momento, Don, é aguentar. Eu depois falo.
Dave desligou o telefone e disse a Bailey:
- Segundo consta, quando o general Rommel soube da invasão da Normandia, disse: "Wie Dumb von Mir!" Bem... não é fácil ganhar dinheiro neste negócio. E agora... de que estávamos a falar?
- Qual é a sua oferta? - perguntou o advogado com frieza.
- Um acordo inabalável - disse Dave, com igual frieza.. Ela nunca poderá voltar a pedir-me.
- E por isso pagará?
- Meio milhão de dólares.
- Não. Um milhão.
- Por amor de Deus, homem!
- Não creio que lhe agradasse ter de se sentar num tribunal para declarar os seus bens - insinuou Bailey. - Quanto tem, onde o tem...
- Isso é chantagem!
- Uma pessoa só pode ser alvo de chantagem se tem alguma coisa a esconder - disse ele, olhando-o por cima dos óculos. Seja como for, eu garanto-lhe que, se transferir um milhão de dólares para a Sra. Shea, esta será a sua última exigência.
- Dá-me a sua garantia pessoal? Bailey sorriu e encolheu os ombros.
- Sou advogado. Estou a representar a minha cliente. Se ela estiver satisfeita, eu estou satisfeito. Temos de ser justos para com a Sra. Shea. Ela é uma mulher honesta.
- É a segunda vez que fazem chantagem comigo, bolas! resmungou Dave. - Foda-se, nunca me tinha apercebido de como sou vulnerável!
- Já consideraste a hipótese de não seres vulnerável? perguntou Alexandra. - Cooper estava só a deitar-se a adivinhar. Só isso: a deitar-se a adivinhar. E Bailey...
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- Sabia de mais. - Dave terminou a frase dela. - Amy sabe da Windsor Nassau.
Estavam sentados na sala a comer bolachas com queijo Brie e a beber: um Martini para ele, um uísque escocês single-malt para ela. Alexandra calçava collants negros, sapatos negros com salto de agulha, e não tinha nada vestido. Admirava tanto as suas argolas que quando estavam os dois sozinhos em casa andava de seios nus a maior parte do tempo.
- Pensa... - disse ela. - Achas que a tua primeira mulher te vai denunciar em relação à Windsor Nassau? Ou a outra coisa qualquer? Ela pode querer um milhão, ou seja quanto for, mas não vai receber se te arruinar. Pensa! Se ela te prejudicar, de onde virá o milhão? De onde virá a pensão para os filhos? Ela está do teu lado. Tem de estar. Pobrezinha da Amy (como eu gostava de a ver), ela não tem por onde escolher.
- Mesmo assim... o milhão. É o raio de um contratempo. Grande merda. vou precisar de um esquema!
Alexandra abanou a cabeça.
- Não, um esquema não. Não estamos falidos, apenas precisamos de um pouco mais de dinheiro em caixa.
- Em breve, o Harcourt vai fechar a contabilidade e pagar os bónus. O meu não vai ser pequeno.
- Eu continuo a ser sócia da Fairchild, Douglas Jones. E ouço coisas. Recusaste-te a arriscar usando as minhas informações. Agora vamos ver.
- Não pode deixar rasto - disse ele.
- Pensas que sou estúpida? Tu arranjaste maneira de copiar documentos da pasta de Cu-arto. Assaltaste a secretária de Miley. Não te falta coragem, nem inteligência, esposo meu. Por isso, que tal acabarmos com esta história da piedade e começarmos a trabalhar?
- Suponho que tens alguma coisa em mente.
- Comecemos por liquidar a Windsor Nassau. Para começar, era um negócio barato. Amy conhece a sua existência. Agora, Bailey também. Axel Schnyder há-de saber de um meio de o fechar e o fazer desaparecer.
- E transferir tudo para... todos os ovos no mesmo cesto para o Deutsche Bank?
- Não, necessariamente disse ela. - O Pictet é um aliado útil. Axel Schnyder há-de concordar sobre um meio de estabelecer uma nova conta. O teu nome austríaco é, segundo me recordo, Reinhard Bruning, de Viena. Briining pode estabelecer uma conta no Pictet e Compagnie de Viena. Amy e Bailey que descubram essa. E Cooper, também. Já agora, vamos ver onde os
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Cooper guardam o dinheiro deles... e se pagam impostos. Este é um jogo que toda a gente pode jogar.
Dave inclinou-se para a frente, prendeu uma das argolas dela com os lábios e puxou-a suavemente. Alexandra gemeu. Adorava.
- Quem me dera que tu fosses a minha primeira mulher disse ele.
- Também eu.
Agosto de 1991
- É um enorme prazer conhecê-la, Sra. Shea - disse Axel Schnyder. - Conhecia-a de nome, mesmo antes de ter casado com Dave.
- Conhecia?
Ele fez um sorriso plácido.
- Compete-me saber o mais possível sobre toda a gente. A sua empresa trata das relações públicas de importantes companhias americanas. Em virtude disso, a senhora tem acesso a informações relevantes.
Dave sorriu.
- Segundo creio, recomendou-me que não trabalhasse com informação privilegiada - disse.
O gestor de bens suíço disse, untuoso:
- Isso depende globalmente da fonte de informação, do seu valor e da forma como é usada.
- Começamos a entender-nos melhor - disse Dave.
- É um jovem mais experiente do que era quando nos conhecemos.
- Fizeram-me algumas merdas. Schnyder encolheu os ombros.
- As merdas acontecem. Não é assim que vocês, americanos, dizem?
- Quero dar cabo do estafermo do Jerry Cooper.
- Que é que eu lhe disse acerca do entusiasmo?
- Emoção - disse Alexandra.
- Continuando... sabemos muito mais acerca dos Cooper e da sua empresa - disse Dave.
- Eu próprio os investiguei, depois de receber o seu relatório.
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Considerá-los-ia virtualmente invulneráveis. Têm corrido riscos bastante pesados no Extremo Oriente. Podem receber de lá bons proventos.
- Jerry casou com a irmã da sua falecida mulher - disse Dave. - Ela colaborou com os alemães durante a 2.a Grande Guerra; raparam-lhe a cabeça e fizeram-na desfilar nua pelas ruas.
- Eu sei - disse Schnyder.
- Tudo coisas que - disse Alexandra revelando alguma impaciência - nada têm a ver com a procura de um novo negócio. Eu estou a pensar numa coisa, Sr. Schnyder. Dave sabe o que é. Queria pedir a sua opinião.
- Terei muito gosto em ouvi-la.
- com certeza não preciso de lhe dizer como obtive esta informação. A United Forests contratou o meu grupo para encetar uma enorme campanha de relações públicas da companhia. Contrataram Dan Wilson, da NBC, para seu porta-voz. Querem estabelecer a reputação de serem algo melhor do que arrasadores de florestas e destruidores, que na realidade é o que eles são. Foram censurados pelo Sierra Club, para falar apenas de um.
Alex Schnyder deitou doses modestas de brande em três copinhos, fez um gesto com a cabeça, saudou com o copo e retomou a atitude solene de ouvinte atento.
- Oh, estamos a arranjar coisas óptimas para eles: United Forests, a companhia que lhe traz o calor da madeira. Se construir a sua nova casa de madeira, o mais natural é que essa madeira tenha na sua origem a UF. United Forests. Acompanhia que lhe traz a beleza e o conforto aos lares americanos.
- E essa campanha vai influenciar o preço das acções da UF? Alexandra sorriu. Entusiasmada, prosseguiu, imparável:
- "O plástico? Frio, prejudicial para o ambiente. Pense nos poluentes provenientes das fábricas de plástico. Os ramos pequenos e as folhas das árvores abatidas são queimados em centrais de energia, onde as emissões naturais de fumo da madeira são cuidadosamente controladas. Quando acender as suas luzes, no Maine, a electricidade pode ter sido gerada pelos rapazes poupados da United Forests." E por aí fora. Tudo isto dito com a melíflua influência da voz de Dan Wilson, aos domingos de manhã. - Dan Wilson está a prostituir-se - disse Dave.
- Se ele está, eu também - disse Alexandra, acerbamente.
- Ele lê por dinheiro as mentiras que eu escrevo por dinheiro.
- Continuo a perguntar - disse Axel Schnyder -, que impacte isto vai ter sobre o preço das acções da United Forest.
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- Nenhum - disse Alexandra. Bebeu um golo do brande, agradada. - É por isso que eles querem uma melhor imagem que vá ter impacte sobre o valor das acções.
- Explique isso, por favor.
- Estão a tentar construir uma reputação melhor porque vão tentar apanhar uma outra companhia de produtos florestais. APotlatch.
- Potlatch?
- A Potlatch Corporation possui um milhão e meio de acres de zonas florestais no Idaho, Arkansas e Minnesota, e tem uma reputação de eficácia na gestão dos recursos florestais. A United quer arrasar essas florestas. Receiam um pouco um processo contra o consórcio, mas acham que têm na mão o número suficiente de senadores e de congressistas da região Oeste para evitar que isso aconteça. O problema é que, quando eles fizerem a oferta, vai haver uma tempestade. Os ambientalistas de todo o lado vão fazer uma barulheira. Daí... a campanha para apresentar a UF como a companhia que fornece a madeira, quente e bela, para novas casas. Seja como for, os ambientalistas têm fama de ser chanfrados. Como se atrevem a atacar uma companhia tão maravilhosa como a United Forests?
- Uma campanha de relações públicas como essa leva tempo
- disse Schnyder. - Um ano ou mais.
- Por isso, pusemos a circular um boato - disse Alexandra.
- Diz-se que a United Forests está a pensar num ataque à Potlatch. E prematuro. A UF vai enlouquecer. Mas o mercado vai ter o boato em atenção e as acções da Potlatch vão subir. Talvez apenas um pouco, mas se Reinhard Briining comprar algumas através da agência da Pictet, em Viena... e o senhor comprar algumas e depois as vender, claro, os lucros poderão ser significativos.
- Dave não pode ser Reinhard Brúning para o Pictet de Viena. Terá de usar um nome diferente. Friederich Burger serve. Um cidadão do Luxemburgo.
- Sabemos pôr um boato a circular - disse Alexandra. Quando devemos começar?
- Vamos contar com duas semanas para fazer os preparativos necessários com o Pictet - disse Axel Schnyder.
- Muito bem.
- Já agora... ainda bem que desmembraram a Windsor Nassau. Sempre receei que lhe pudessem descobrir a origem.
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Setembro de 1991
Dave pôs o boato a circular. Serviu-se da reputação do Harcourt Barnham, uma coisa que habitualmente evitava. Bastou uma palavra em confidência aqui, outra ali:
- Mas, afinal, o que é que se passa? Há movimentações estranhas no Potlatch Corporation.
Claro que havia. Os seus associados europeus já estavam a ocupar posições pouco importantes na Potlatch: o suficiente para mostrar aos analistas e aos corretores que alguma coisa se passava.
Alexandra reforçou o boato. Teve o cuidado de não usar a sua própria relação com a United Forests. Puxava o assunto nas festas:
- O que é isso que ouvi dizer: a UF quer iniciar uma ataque à Potlatch? Eu até estou a trabalhar para a United Forests, e eles nunca me disseram nada sobre uma aquisição hostil. Acho que é um boato intencional.
Quando as pessoas com quem ela falou foram ver aos seus computadores do mercado, descobriram que de facto havia um movimento inexplicável nas acções da Potlatch. Algumas compraram modestas posições, o que fez subir um pouco mais as acções, conferindo crédito ao boato.
- Tu sabes - dissê-lhe Dave uma noite - que podemos ir parar à cadeia por manipularmos assim o mercado.
- Como poderia isso acontecer? - perguntou ela. - Nenhuma pessoa nossa conhecida comprou acções da Potlatch.
- Foi por isso que não o sugeri a Cole como forma de obter um pequeno lucro.
- Óptimo! - disse ela. - E, por amor de Deus, não lhe contes. Não contes a nenhuma pessoa nossa conhecida. Não vamos fazer nenhuma fortuna à Rockefellow com isto, mas o risco é tremendo.
- Não há risco nenhum se ficarmos de boca calada.
- Gosto desta maneira de fazer negócio - disse ela.
- Não o podemos repetir muitas vezes, querida.
Não recuperaram o milhão que ele havia pago a Amy. Deduzindo os honorários de Axel Schnyder e as despesas ganharam
347 mil dólares.
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Outubro de 1991
Dave não era homem de perdoar. Não esquecia nada, não perdoava nada. Estava a ser sincero quando dizia que lamentava que o que havia feito a John Thomas Miley o tivesse levado ao suicídio, mas não pensava muito nisso.
Não imaginava poder levar Jerry Cooper ao suicídio, mas pensava se poderia encontrar alguma forma de o prejudicar.
Axel Schnyder tinha razão ao dizer que os Cooper eram praticamente invulneráveis. Pelo que Dave conseguia descobrir, o negócio deles estava em ordem: com muito dinheiro, sólido, declarações de impostos apresentadas e impostos pagos.
Havia escândalos na família. A segunda mulher de Jerry tinha sido colaboracionista, mas isso já não tinha qualquer significado, principalmente nos Estados Unidos. A primeira mulher de Len era uma lésbica agressiva, mas era a primeira mulher. A segunda mulher de Len tinha ao mesmo tempo o nome Lichese e Castellano: mais "ligações" era impossível. Seria um erro perseguir os Cooper por esse motivo.
Mas Dave conseguiu identificar pelo menos um aspecto em que eles eram vulneráveis: alguma da mercadoria que vendiam era fabricada em oficinas que exploravam os empregados, violando a lei.
Cole tinha-lhe falado do caso de Rosaria Lopez, a rapariga que tinha passado seis meses na cadeia por um crime que provavelmente não havia cometido. Dave pensou
se Rosaria teria trabalhado para os Cooper.
Pôs um homem a investigar e, passados poucos dias, Rosaria Lopez estava sentada no gabinete de Cole Jennings, em Wycoff.
- Achei que talvez se lembrasse de mim, Sr. Jennings disse ela. - Lembra-se? Eu estava na cadeia. O senhor arranjou-me um acordo.
- Eu lembro-me de si, Rosaria - disse ele. - O seu acordo foi injusto. Foi o melhor que eu consegui, mas foi um acordo injusto.
- Preciso de um advogado - disse ela. - E lembrei-me de si. Não disse nada sobre o modo como havia aparecido ali, em
Nova Jérsia, em busca do advogado que conseguira que ela acabasse por sair da cadeia. Não disse principalmente que tinha
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viajado até Wycoff com as despesas pagas por um investidor de Nova Iorque que a fizera jurar segredo.
- Qual é o seu problema, Rosaria?
- Trabalho para um homem que nem paga o salário mínimo, num sítio sem casas de banho, em condições de escrava. Melhor do que a cadeia. Mas não muito. Trabalhamos todas assim. Não há leis sobre isto? Sim. Há leis, e eu acredito nelas.
Trabalhava para um homem chamado Charlie Han. Dave tinha-se dado ao trabalho de descobrir que Charlie Han era um dos principais fornecedores dos Cooper. Cole descobriu a relação e pensou se Dave não estaria de algum modo por detrás da queixa de Rosaria. Não lhe fazia grande diferença. A rapariga já tinha sofrido uma injustiça. Decidiu que desta vez as coisas seriam diferentes. Apresentou queixa nas autoridades responsáveis pela fiscalização das condições de trabalho da cidade e do estado de Nova Iorque, e também no Departamento do Trabalho dos Estados Unidos.
- Cole... podemos resolver isto com um acordo?
A pergunta tinha sido feita por Liz McAllister. O facto de ela a fazer confirmava a suspeita de Cole de que Dave estaria de alguma forma por detrás da queixa de Rosaria. Por outro lado, tinha verificado. A queixa da rapariga baseava-se em factos. Ela trabalhava de facto numa oficina que explorava os empregados. Costurava cuecas eróticas para as lojas Cheeks.
- Em que acordo está a pensar? - perguntou ele.
Liz fez um sorriso fraco. Estava evidentemente pouco à vontade no papel que lhe tinha sido atribuído.
- Uma boa indemnização para a cliente. Desiste do caso. Alguma coisa divertida para o advogado. Como...
- Nunca esquecerei, Liz. Mas já aconteceu, e passou à história.
Charlie Han foi impedido de trabalhar em Nova Iorque. O custo do fabrico dos produtos Cheeks de vestuário tornou-se praticamente proibitivo. Os Cooper mandaram Han para Hong-Kong, onde lhes poderia gerir o negÇfio num ambiente mais tolerante.
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Novembro de 1991
Pela primeira vez, a pequena Emily teve autorização para passar algum tempo com os Shea. Quando Dave e Alexandra vieram a Wycoff, vieram suficientemente cedo para que a pequenita pudesse estar com eles durante a hora dos aperitivos.
Alexandra tinha trazido uma boneca russa para a menina e um jogo de tabuleiro russo que não era demasiado difícil para o rapazinho. A pequena Emily ficou contente por receber um presente e já tinha idade suficiente para compreender o que era ser russo. O pequeno Cole não estava muito feliz por ver lá em casa aqueles estranhos amigos de Nova Iorque. Foi para o quarto assim que pôde. As crianças não tinham ama, mas uma babby?sitter adolescente que era suficientemente sofisticada para saber quando os seus pupilos deviam ficar lá em cima sem permissão para descer. Emily pagava-lhe o suficiente para ter a certeza disso.
- Pronto - disse Emily depois de a pequena Emily se ter ido deitar. - Converteste-me.
Abriu a blusa e mostrou as argolas.
Não eram de platina como as de Alexandra, mas de prata brilhante, instaladas por uma pessoa de Nova Jérsia, que não era médica e tinha utilizado um spray de anestesia local para lhe furar os mamilos, um num dia, o outro um mês depois.
Continuava a ter os seios pequenos, mesmo depois de ter amamentado dois filhos. Orgulhava-se com modéstia das suas argolas.
- É como tu disseste. Não apertam. Doeu um bocadinho quando ela fez os furos, e ficaram doridos durante dois ou três dias. Mas... Bem, que se lixe! Agora sinto-me bem com elas. E são...
- Lindas! - disse Dave. - E requintadas.
Emily ergueu a argola do lado esquerdo e fê-la rodar com o dedo.
- Acho que um dia vou pendurar alguma coisa numa delas. O meu anel de noivado...
- Pode comprar-se todo o tipo de ornamentos - disse Alexandra.
Dave sorriu:
- Bem, Alexandra, acho que chegou a altura de nós mostrarmos o que temos.
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Alexandra vestia uma mini-saia muito reduzida, negra, e collants cor de pele. Puxou para baixo a saia e depois as meias.
- Jesus! - disse Emily.
Estavam habituados ao facto de Alexandra não rapar o sexo, como Emily, e aos pêlos espessos e de um tom de areia-avermelhado quase tão vivo como a cabeleira dela. Dave dizia que se orgulhava dos luxuriantes pêlos púbicos dela e que não quereria que ela os rapasse, como Emily sempre fizera.
Agora, ela tinha o sexo despido. A carne pálida de ambos os lados da fenda estava completamente nua, sem qualquer vestígio dos pêlos, que haviam sido rapados.
Mas...
Suspensas no interior da fenda havia duas argolas ovais, muito maiores do que as dos mamilos. Pendiam de furos nos lábios interiores; das pétalas carnudas, avermelhadas, finas e enrugadas, no interior do seu mais privado ser. Presa a cada argola havia um pequeno peso em forma de cone. Estes esticavam os lábios, puxando-os para baixo e tornando-os mais visíveis.
- Cada um pesa cerca de duzentas e cinquenta gramas disse Dave.
- Deus do céu! - disse Cole,
- Gostas? - perguntou Alexandra, com um sorriso malicioso. Caminhou pela sala. Os pesos oscilavam, tilintando um contra
o outro e batendo-lhe no interior das coxas.
- Eu sei que não sou a única mulher da cidade com argolas nos mamilos, mas... - disse Emily, quase corando.
- Fazem-me sentir bem - disse Alexandra. - Todos os dias, o dia inteiro, sinto-os a puxar-me. E quando oscilam... meu Deus!
- A mim também me fazem sentir bem - disse Dave.
- E então...
- Para mim, não me parece - disse Emily.
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Fevereiro de 1992
Herman Reitsch estava sentado diante de Dave, do lado contrário da mesa do seu escritório no Harcourt Barnham. Era um homem que não causava grande impressão: cerca
de trinta anos, louro, mas já com pouco cabelo, com olhos azul-claros atrás de uns óculos de lentes grossas.
- Claro que é uma questão de dinheiro - disse ele. - É sempre uma questão de dinheiro, não é?
- Principalmente para quem o não tem - disse Dave, num tom quase sarcástico.
Reitsch não se mostrou abalado. A sua reacção fazia pensar que já havia ouvido aquele tom antes, provavelmente muitas vezes.
- Soube que houve outros bancos que o recusaram - disse Dave.
- Sem sequer falar comigo.
- Tem de compreender que o Harcourt Barnham é um banco conservador. Não apoiamos empreendimentos arriscados. Há bancos que o fazem. Nós não.
- Posso pedir-lhe que me faça um favor pessoal, Sr. Shea?
- Que recomende a aprovação da sua aplicação?
- Não. Peço-lhe que venha ver o que eu estou a tentar fundar. Os outros bancos recusaram-me sem ver o que eu tenho. Não estou a insinuar que o senhor tenha qualquer
obrigação para comigo, mas que alguém me devia tratar de forma justa e ver o que eu estou a tentar construir.
- Quando e onde eu o veria, Sr. Reitsch?
- Quando lhe fosse conveniente. A minha oficina fica em New Rochelle. Mostrar-lhe-ei uma coisa que vale dinheiro.
- New Rochelle?
- A viagem de comboio a partir da Grand Central é rápida e cómoda.
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Dave fez um gesto afirmativo com a cabeça. O seu cérebro trabalhava. Aquele jovem franco poderia ter algo de valioso. Um homem não tinha sucesso nos negócios se ignorasse os seus semelhantes.
- Terá de ser à noite.
- Perfeito. A minha mulher fará o jantar.
- Nesse caso, levarei a minha mulher.
Aquilo a que Reitsch chamava a sua oficina era na realidade um laboratório que ocupava toda a sala de estar de um apartamento num velho edifício de tijolo entre
os carris do comboio e o Long Island Sound. A noite estava gélida, Dave e Alexandra tiveram de apanhar um táxi da estação para o edifício. Entraram, subiram num
elevador gemebundo e lá conseguiram descobrir o apartamento.
- A minha mulher Sara - disse Reitsch, apresentando uma mulher com aparência tão indefinida como a dele: gorducha, de rosto redondo, com um vestido azul que Dave deduziu ter sido comprado na JCPenney. - É para nós uma honra receber-vos.
- Não sabemos o que gostam de beber - disse Sara Reitsch.
- Nós só bebemos vinho, mas nem toda a gente gosta. Como não sabíamos, comprámos uísque escocês. A maior parte das pessoas gosta, julgo eu.
- Nós gostamos - disse Alexandra, lançando um olhar intenso a Dave, que teria preferido gim.
- As suas roupas são lindíssimas! - disse Sara. Alexandra vestia um fato de lã negro com calças, adornado
com uma única fiada de pérolas. Tinha feito uma selecção cuidadosa. Dave tinha-lhe explicado que talvez fossem visitar pessoas que viviam em circunstâncias difíceis e por isso ela não devia ir com roupa demasiado cara, mas não tão barata que pudesse dar a ideia de condescendência.
A sala era dominada pelo equipamento de Reitsch. Fosse o que fosse que ele ia
apresentar, era evidente que se baseava na informática. O computador dele estava rodeado
por três grandes ecrãs de televisão. Enquanto Sara servia o uísque com água, ele ligou o equipamento.
- Por acaso, o senhor voa, Sr. Shea? Quero dizer, tem brevet?
- Infelizmente, não.
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- Então, vou mostrar-lhe algo que talvez seja um pouco mais fácil de entender... e guardo o espectáculo aéreo para um pouco mais tarde. Queira ter a bondade de se sentar aqui.
Dave sentou-se diante de um grande ecrã a cores, com outros dois em posição oblíqua, à esquerda e à direita. Bruscamente, surgiu nos ecrãs uma imagem a cores: uma extensão de água. Reconheceu a linha da costa de Staten Island no ecrã da esquerda, as docas de Brooklyn no da direita e os Estreitos de Verrazano mesmo diante dele. As imagens dos ecrãs mudavam muito lentamente, dando a ideia de um navio que se aproximava dos Estreitos.
- O senhor é um piloto do porto que está a guiar um enorme superpetroleiro até ao ancoradouro, em Bavonne - disse Reitsch.
- Manobra-o com o rato do computador e controla a velocidade dos seus motores com as setas, para cima e para baixo. A barra que aparece na parte de baixo do ecrã central dá-lhe a velocidade e a rota, a profundidade da água e velocidade e direcção da corrente, a velocidade e a direcção do vento. Por capricho, chamei ao petroleiro Exxon Reitsch. Tudo certo? Imagine que quer passar por baixo da ponte dos Estreitos de Verrazano, perto do centro, um pouco para a direita. Vamos a isso. Comece a manobrar.
Dave moveu o rato um pouco para direita. No ecrã, uma linha mostrava o ângulo do leme do seu navio imaginário. O Exxon Reitsch reagia com lentidão, e Dave aumentou o ângulo do leme. A proa imaginária rodou para a direita. Em breve, a linha costeira de Brooklin avolumou-se diante dele, cada vez mais próxima. Voltou o leme bruscamente para a esquerda.
- Vai bater na margem, Sr. Shea.
Dave usou as setas que apontam para baixo para inverter os motores, mas o superpetroleiro continuou a avançar inexoravelmente em direcção às docas de Brooklin, até que o ecrã ficou sem imagem.
- Bateu na margem - disse Reitsch. - Bem... estava a manobrar um navio com meio milhão de toneladas. Tem mais de duzentos e setenta metros de comprimento e quarenta e cinco metros de largura. Isto não é um jogo, Sr. Shea. Introduzi no sistema os dados verdadeiros. Quando tentou voltar o navio para a direita, a sua enorme inércia opôs-se e ele não mudou de direcção. Por isso, o senhor aumentou o movimento do leme. Quando descobriu que tinha voltado de mais, inverteu o leme e os motores. Mas, mais uma vez, a inércia de uma tão gigantesca massa de ferro e de petróleo manteve o navio na rota que lhe tinha dado... e foi bater nas docas de Brooklyn.
Alexandra tinha estado a observar atrás deles.
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- Impressionante - disse ela. - Uma catástrofe!
- Obrigado - disse Reitsch. - Ora... como é que treinamos os pilotos para guiar navios enormes em portos que nunca foram criados para eles? Ou, para dizer as coisas de outra forma, como concebemos navios capazes de suportar as exigências da navegação dos portos de mar do mundo? Ou... como treinamos os pilotos para fazerem entrar e sair os navios?
- Estou a ver. Pondo-os a manobrar os seus navios electrónicos - disse Alexandra.
- Isto tem bastante mais do que aquilo que viram - disse Reitsch. - Correntes, ventos, tráfego. E há dezenas de portos com diferentes condições. Quer tentar de novo, Sr. Shea?
- Correndo o risco de provocar um derramamento de petróleo monumental - disse Dave. - Bem... ou pelo menos de fazer má figura.
- Já aprendeu um pouco, só um pouco, sobre a forma de manobrar um superpetroleiro de meio milhão de toneladas em rota para Nova Iorque - disse Reitsch. - Vamos tentar de novo?
Dave tentou de novo. Desta vez, um pequeno navio atravessou-se à sua frente e ele abalroou-o.
- Mas com o tempo aprendia - disse Hermann Reitsch. com um superpetroleiro a sério não é possível praticar. Mas...
- com experiência suficiente no seu sistema - disse Alexandra - ... é possível manobrar em segurança.
- Exactamente. Agora vou mostrar-vos mais uma coisa. Permita que eu me sente aos comandos, Sr. Shea, por favor.
Desta vez, os ecrãs mostravam uma pista de aeroporto. O sistema fornecia o som apropriado:
- Bonanza sete-cinco-zero, livre para uma partida Gama da pista dois-nove. Atenção, há um Piper a fazer-se à pista na três-seis.
- Em marcha - disse Reitsch. - Piper à vista.
Nos ecrãs, um avião percorreu uma pista e levantou voo. O Piper apareceu num dos ecrãs laterais. O Bonanza levantou voo, recolheu o trem de aterragem (o que se via pela barra no fundo do ecrã) e ganhou altitude, afastando-se do aeroporto.
- Contacto. Partida de Nova Iorque.
- Roger, e obrigado. bom dia.
Reitsch ergueu os olhosara Dave e Alexandra.
- O mercado para isto seria imensamente maior. Podemos programar as partidas e as chegadas (as aterragens com mau tempo, muito mais difíceis) para todos os tipos de aviões, para qualquer aeroporto do mundo. Este, por acaso, é Teterboro.
- Treino de voo sem voo - disse Dave.
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- Exactamente. Incomparavelmente mais barato. E sem perigo. Claro que o equipamento pode facilmente ser tornado mais realístico. Podemos usar cinco ecrãs em vez de três, rodeando o piloto com uma imagem do seu ambiente. Passamos à mesa do jantar?
A mesa de jantar redonda, posta no outro extremo da sala, estava coberta com uma toalha branca. Havia velas acesas em dois candelabros. Diante de cada cadeira havia louça de porcelana branca e talheres pesados. O conjunto era modesto mas elegante.
- Peço desculpa - disse Sara, quando se sentaram. Baixou a cabeça e disse uma breve oração em hebreu. - Mantemos um lar kosher - explicou ela.
- Para nós, é necessário - disse Reitsch. - Nunca poderíamos abandonar as tradições.
- O avô do Hermann morreu em Auschwitz - disse Sara em voz baixa. - A avó morreu em Ravensbriick. Foi morta por um Doberrtian, atiçado por uma guarda.
- E primos, e outros... - disse Reitsch. - Os meus pais fugiram em 1933 da Áustria: Salzburgo. Havia uma organização que salvava crianças. Foram levados primeiro para Inglaterra, depois para o Canadá e, finalmente, para Long Island. Eu nasci em Levitown. Os meus pais deram-se bem. Pagaram a minha formação no MIT. Mas isso não vem ao caso.
- A minha família veio para Nova Iorque há quase cem anos
- disse Sara. - Fiquei horrorizada com as histórias do Holocausto, mas não conhecia ninguém que tivesse sido afectado por ele, até conhecer Hermann.
Serviu a comida. Era um jantar kosher: carne de vaca, batatas e salada. Sara tivera razão ao pensar que os Shea não apreciariam muito o vinho, que era adocicado. Aceitaram a segunda e a terceira dose de uísque com soda.
- Eu tive de pedir dinheiro e fazer empréstimos (uma quantia nada insignificante) para conceber e construir aquilo que viu disse Reitsch.
Dave olhou Alexandra de relance e viu o seu interesse.
- Sr. Reitsch - disse Dave -, podemos falar confidencialmente?
- Sim, claro.
- Bem... com franqueza, o senhor não está a fazer bem as coisas. Um banco como o Harcourt Barnham não vai emprestar-lhe dinheiro. Não vai subscrever uma oferta de acções. Os banqueiros não têm esse tipo de... imaginação, O que precisa é de investidores privados: indivíduos dispostos a arriscar em si.
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- Sim! Sim!
- E aqui é que começa a confidencialidade - disse Dave, falando para Alexandra e aguardando a sua reacção.
Ela concordou com um gesto de cabeça.
- Vamos supor - disse Dave - que o senhor encontra o dinheiro (digamos que nós encontramos o dinheiro) e a sua empresa tem um sucesso tremendamente lucrativo. Nesse caso, o meu banco ficará muito zangado comigo. O senhor veio ter comigo com uma maravilhosa oportunidade de negócio e eu não a aproveitei para o banco.
- A isso chama-se um conflito de interesses - disse Sara.
- Têm chamado a isto um catch-22 - disse Dave. - Se eu recomendar ao banco que invista em si e eles investirem, e você não tiver sucesso, então, eu terei levado o banco a sofrer uma grande perda. Se eu recomendo que não invista, e você for bem sucedido, então, eu perdi uma oportunidade. De uma maneira ou de outra, eu saio mal.
- E qual é a solução? - perguntou Sara.
- É isto que é confidencial - disse Alexandra. - Talvez tenhamos os recursos necessários. Talvez saibamos onde poderão obter o dinheiro. Mas, nesse caso, o Harcourt Barnham nunca deve vir a saber o que fizemos.
- Estão os dois envolvidos nisto? - perguntou Sara. Alexandra sorriu, tolerante:
- E então. Não está também envolvida no trabalho dele?
- É verdade - disse Sara.
- Muito bem - disse Dave. - Não creio que nenhuma instituição financeira vá financiar este programa. Por outro lado, pode haver investidores individuais com imaginação suficiente para o financiar. O meu trabalho será descobrir esses investidores. Não posso prometer consegui-lo, mas estou disposto a tentar... mais uma vez, na condição de que tudo isto permaneça na mais estrita confidencialidade.
- Entre nous - disse Sara.
- Entre nous - concordou Alexandra. - De quanto dinheiro acha que irão precisar?
- Bem... - arriscou Reitsch. - Suponho que primeiro vamos para o do aeroporto. Tem muito mais clientes potenciais.
- Pois tem - disse Dave -, mas também tem problemas imensamente maiores. Quantos aeroportos teria de introduzir no sistema? Uma centena, seria suficiente? E ouvi
o seu controlador falar numa partida Gama. Isso quer dizer, suponho eu, que deve haver uma partida Alfa e uma partida Beta, e, provavelmente, muitas mais. E depois há as aproximações à pista. Não
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sei quase nada sobre o voo por instrumentos, mas creio saber que existem aproximações diversas para pistas diversas. Teria de levar câmaras para cada um desses aeroportos e fazer gravações em vídeo para passar nos ecrãs. E teria de o fazer durante o dia e durante a noite, em diversas condições meteorológicas. Finalmente, tem de vender a muitas, muitas escolas de pilotagem.
- Muitos problemas - concordou Reitsch.
- Por outro lado, quantos portos de mar precisará de cobrir? Uma dúzia não seria já um começo? E se conseguisse vender a uma dúzia de companhias de navegação... Que dinheiro seria necessário para possibilitar a cobertura de dez ou doze dos portos de mar mais movimentados?
Reitsch abanou a cabeça.
- Vários milhões - disse.
- Digamos dez milhões. Pode ser que consigamos fazer um acordo.
- Já tens um negócio em mente - disse Alexandra quando regressavam de comboio a Manhattan.
- Podes crer.
- Vi logo. Vais ser o dono da coisa.
- Os donos vão ser Briining e Burger.
- Os Reitsch não são parvos.
- Não precisam de ser. Aquela coisa tem valor. Vamos fazer com que eles recebam o que lhes é devido. E nós recebemos o nosso.
Abril de 1992
A pequena Emily estava curiosa, e a mãe teve de lhe mostrar as argolas dos mamilos; caso contrário, teria de lhe explicar por que é que já não a deixava ver-lhe
os seios.
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A pequena Emily ficou muito impressionada com as argolas e ficou a pensar quando teria idade para ter umas. Estava a amadurecer rapidamente e já tinha os primeiros indícios de seios. Voltou a abordar o tema de ser pintada nua.
- Disseste que eu devia esperar. Eu esperei, e gostava de ter um quadro como o teu.
- Que farias com o quadro? - perguntou-lhe Emily.
- Pendurava-o no meu quarto.
- E, então, não terias de fechar o quarto à chave para o pequeno Cole não o ver? - Emily não tinha a certeza de estar a proceder da melhor maneira.
- Bem... por que não? E, mãe, eu gostava que me chamasse outra coisa que não fosse "Emily pequena". Quero dizer, também alguém. Gostava de ter um nome que fosse meu.
Emily fez um gesto de assentimento com a cabeça.
- Aceito. Então, agora és Emily?
- Não, mamã. Os miúdos lá na escola chamam-me Jenna. Percebes... de Jennings. É um nome crescido, mãe.
- Claro.
Naquela noite, Emily falou da pequena Emily, agora chamada Jenna, com Cole.
- Ela está a crescer. Demasiado depressa.
- Também acho. Demasiado depressa.
- Agora crescem todos muito depressa, sabes. Ela sabe coisas de que tu e eu não fazíamos ideia há vinte anos. No outro dia, fez-me perguntas sobre preservativos, a que ela chama borrachas para a pila. Quer saber com que idade pode começar a tomar a pílula. Cole... a miúda já tem mamas! Agora crescem mais rapidamente.
- Jesus Cristo!
- As amigas dela falam destas coisas. E não temos outra hipótese, Cole. Temos de falar destas coisas honestamente com ela e tentar não lhe encher a cabeça de tretas.
- Estás a referir-te à moralidade cristã?
- Estou a referir-me precisamente a isso.
- Bem... se ela souber por que é que não deve fazer certas coisas e...
- Razões válidas... nada de conversas. Eles não vão nisso. Esta geração não vai
nisso,
Cole encolheu os ombros.
- E nós, será que fomos?
- Ela quer ser pintada nua.
- Meu Deus, onde é que isto vai parar?
- Não sei - disse Emily, encolhendo os ombros.
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Tony DeFelice estava sentado no gabinete de Cole. Estava perturbado.
- Margot vai ter um ataque - disse ele.
- Que aconteceu?
- O pai dela foi preso. Saiu com fiança mas foi acusado de participar numa conspiração da Mafia.
- Uma tentativa de...
- Para controlar o monopólio da venda... acreditas numa coisa destas...? Da venda da treta do leite, vê lá tu! Por causa da venda de leite no mercado de Nova Iorque o pai da Margot pode ir parar à prisão federal até ao fim da vida!
- Que posso fazer por ti, Tony?
Tony olhou em volta. Levantou-se, foi até à janela e olhou para a rua.
- O problema... uma parte do problema, é que eles têm um famoso advogado da Mafia. Ele é capaz de oferecer em sacrifício o Papá Donofrio, para safar tipos maiores. Quero dizer, neste preciso momento, ele está a falar com o procurador de Nova Iorque, a tentar fazer um acordo em que o pai da Margot e outros mais vão dentro para salvar os maiores.
- E o que posso fazer por ti?
- Fazer com que eu tenha um advogado honesto a tratar do caso - disse Tony.
- Não estás a falar de mim.
- Sabes muito bem que estou a falar de ti!
- Eu já não trato de julgamentos, Tony.
- Não precisas. Basta-te fazer com que o cabrão desse procurador corrupto de Nova Iorque deixe em paz o Papá Donofrio. Que diabo...
suborna-o! Podemos fazer isso.
Não seria a primeira vez que ele aceitava um suborno. Não há nada mais perigoso neste mundo do que um promotor público com ambições políticas.
- Concordo contigo.
VI
Uma semana mais tarde Cole estava sentado no gabinete de Hugo Lyman, o advogado dos vários homens acusados de conspiração
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para controlar o monopólio do leite na área metropolitana de Nova Iorque.
- O que interessa - disse Lyman - é que queremos que fique afastado deste caso. Estão a ser feitas negociações delicadas, e não podemos permitir que dê cabo delas.
Lyman era um homem imponente: corpulento, com cabeça em forma de bala e umas sobrancelhas agressivas acima de uns olhos azuis muito frios. Usava um fato cinzento com riscas finas, assertoado.
- O senhor representa quem, exactamente?
- Represento todos os acusados.
- Quem o contratou para representar Louis Donofrio?
- A organização - disse Lyman. - Há uma organização envolvida.
- Óptimo. Mas eu represento Louis Donofrio. Por isso, tudo o que for negociado terá de ser aprovado por mim, em nome do meu cliente.
- Parece-me que não está a entender. Donofrio não pode ter um advogado pessoal em separado. Ele faz parte de um grupo.
- Quem fez essa regra? - perguntou Cole.
- Jennings... Lou Donofrio faz parte de uma organização.
- Que organização?
- A organização formada para controlar a venda de leite nesta região.
- Por outras palavras, existe mesmo uma conspiração. Lyman suspirou alto.
- Chamê-lhe o que quiser. Lou Donofrio faz parte dela.
- Tudo bem. Mas Louis Donofrio é representado por mim e tenho de dar o meu consentimento a tudo o que negociarem.
Lyman disse que sim com a cabeça.
- Parece-me que você se acha duro.
Isso foi numa quarta-feira. No domingo foi encontrado o cadáver de Louis Donofrio no porta-bagagens de um carro abandonado na paragem de Vince Lombardi, no Nova Jersey Turnpike.
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- Porra! - vociferou Dave. - Quando tiveres um problema desse tipo, tens de me consultar. Eu conheço processos de...
- Lidar com a Mafia?
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- Não é a Mafia. Esquece a Mafia. Nem tenho a certeza de que tal coisa exista. Mas há grupos de espertalhões que formam conspirações para...
- Por amor de Deus, para controlar a venda do leite? perguntou Emily.
- Qualquer mercado. A venda de seja o que for. Cole... eles estão a avançar para a banca e para o negócio de títulos de crédito. Não há negócio que eles não ataquem. E sabes como é que eles trabalham? Usando a violência. Ou a ameaça da violência. Esses gajos estão agora todos na linha. E também os tipos que transportam e vendem o leite. Viram o que aconteceu a Lou Donofrio, e vão andar certinhos e obedientes. É assim que as coisas se passam.
- E, então, o que é que eu podia ter feito?
- Cole... o segredo é o dinheiro. Podíamos ter negociado para livrar Donofrio do problema. Era uma questão de compra. Comprávamos os espertalhões. Comprávamos o raio do procurador. Não seria o primeiro. E para um peixe miúdo como Donofrio não teria saído assim tão caro. Tu entraste em confronto com os filhos da mãe. Era a honra deles que estava em jogo! Não... esquece a honra. Era a credibilidade deles que estava em jogo. E esse é um risco que eles não podem correr.
Alexandra abanou a cabeça.
- Cole. Não podes fazer o papel do advogado honesto de uma cidade pequena que quer jogar nesta divisão.
- Há ainda alguma divisão onde possa jogar? - perguntou Cole, amargamente.
- Há - disse ela. - As divisões mais baixas. Muito, muito mais baixas.
- Queres entrar comigo num negócio? - perguntou Dave. Alexandra e eu estamos a pensar num negócio. Pode valer um balúrdio. Cole, és um advogado demasiado bom para
te estares a desperdiçar numa cidadezinha como Wycoff, Nova Jérsia. Que tal entrares com uma parte num negócio que pode dar... bem. Pode tornar-se uma nova e muito
significativa indústria.
- Bem, já agora... - disse Cole. - A verdade é que não ajudei em nada Tony DeFelice.
- Lamento imenso que isso tenha acontecido - disse Dave.
- Tu és um bom advogado, Cole. Mas fica-te só por aquilo que sabes. Gostava que trabalhasses no negócio de uma empresa.
- Não sou especialista...
- Para mim, meu amigo, tu és um especialista.
- Mas porquê eu? Deve haver em Manhattan milhares de advogados que...
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- Quero uma pessoa em quem possa confiar. Quero um amigo.
Estavam no apartamento dos Shea, em Manhattan, onde se sentiam mais à vontade, uma vez que não havia crianças. Alexandra não tinha mandado vir comida. Tinha um bocado
de carne de porco a assar no forno. Antes do jantar estavam a beber
vodka fria. Ela mantinha o gosto dos russos por caviar, e havia uma taça de cristal com uma quantidade
generosa.
- Ttens que ver uma demonstração do software de Reitsch para veres o negócio que temos em mente - disse Alexandra. Mas... negócios. Já chega por hoje. Que tal te
sentes agora com as tuas argolas, Emily?
Emily tomou estas palavras como uma deixa, o que de facto eram, e ergueu a camisola, revelando os seios. Fez um sorriso tímido.
- O meu anel de noivado - disse.
Na verdade, tinha mandado cortar a argola do mamilo esquerdo para inserir o anel de noivado. Este estava suspenso na argola do mamilo.
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Maio de 1992
- A minha proposta - disse Dave a Hermann Reitsch - é que formemos uma Sociedade Anónima. Emitimos acções. Eu consigo encontrar investidores que as comprem. Terá então o dinheiro necessário para continuar a desenvolver e a construir o sistema que será capaz de fazer entrar navios de qualquer tamanho nos portos mais importantes, sob diversas condições de vento e de tempo.
- Quem controla essa sociedade? - perguntou Reitsch.
- Nós. Você será presidente e director-executivo. Eu não terei nenhum cargo. O meu nome não constará da empresa.
- Mas devia.
- Não. Creio que já expliquei. A posição do meu banco seria que eu estava a investir em competição com ele.
- Mas quem irá investir?
- Já despertei o interesse a alguns investidores. Parte do dinheiro virá do estrangeiro.
- Tenho a satisfação de dizer que o seu amigo, Sr. Jennings, ficou muito bem impressionado - disse Reitsch.
- E a palavra dele irá ser ouvida por pessoas muito ricas.
Uma dessas pessoas era Julian Musgrave, dono da Musgrave Enterprise, Incorporated, que agora possuía sete agências de automóveis.
Estavam a comer comida italiana num restaurante em Bavonne. Julian Musgrave já se aproximava dos setenta anos.
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Não tinha perdido a sua exuberância. Nem o seu gosto por Chianti e vitela à italiana.
- Está à querer montes de massa - disse ele.
- Estou à espera de receber dez por cento de tudo aquilo que entrar - disse Dave.
- Vocês dois estão realmente convencidos de que o raio dessa coisa...
- Nunca há certezas - interrompeu Dave. - Mas se eu acredito, e o Cole acredita, vale a pena o investimento.
- Vale a pena correr o risco - disse Cole.
- Quanto é que vocês vão empatar? - perguntou Musgrave. Dave sorriu.
- Você não nasceu ontem - disse. - Sabe bem que não posso investir publicamente numa ideia que o meu banco recusou por recomendação minha. Mas também, que raio,
eles nunca iriam subscrever o financiamento. De qualquer forma, não iriam ter isso-em conta.
Julian Musgrove investiu três milhões de dólares na ideia de Reitsch.
Quando saíram do restaurante, Dave encolheu os ombros e disse a Cole:
- Que se lixe, ele tem dinheiro que chegue.
in
Alexandra estava sentada diante de Bob Leeman, à mesa de um restaurante checo no Upper East Side. Leeman olhou para ela.
- Tudo bem. Eu sei. Compreendo que Dave não pode ser visto a falar comigo.
- Vivemos num mundo estúpido - disse ela.
A cabeça calva de Leeman (ela suspeitava que ele rapava o pouco cabelo que ainda tinha) brilhava mesmo à luz fraca das velas do restaurante. Como sempre, não bebia
álcool nem comia carne, o que não era das coisas mais fáceis num restaurante conhecido pela boa comida e
pelo bom vinho. Alexandra achava inacreditável o modo como ele
havia conseguido ao longo dos anos literalmente violar os mercados financeiros sem que nunca suspeitassem dele ou o acusassem. E a sua manada de rapariguinhas que
ele tinha usado e depois educado!
Uma delas era sócia num bom escritório de advogados de
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Manhattan. Outra era investidor. Três eram executivas de publicidade. Havia uma que era algo parecida a consultora de imagem, não há outra forma de explicar. O mundo é um sítio estranho.
- Surgiu-nos uma oportunidade - disse Alexandra. - Posso explicar-lhe o que é ou levá-lo a ver uma demonstração. Precisamos de dez milhões de dólares. Dave e eu achamos que podia investir três. Nós estamos dispostos a arriscar cinco.
Leeman sorriu.
- De Zurique?
- Seja de onde for. E eu não pergunto de onde vem o seu dinheiro.
- Nem sequer pensaria em aceitar um convite para investir tanto dinheiro se viesse de outros.
Ela sorriu.
- Demos provas, Bob.
- Que é que vamos fazer?
- Vamos assumir o controlo de uma nova e incrível tecnologia que vale, potencialmente, centenas de milhões.
- Não é o Sphere - disse ele, sarcástico.
- Não, e também não é o negócio de roupa interior de senhoras.
- Não despreze esse. Quem me ter estado incluído nele à partida.
- Tinham-no comido vivo - dissê-lhe ela.
- Acha que sim?
- Se nos podiam ter comido a nós, também o poderiam comer a si. Dave tornou-se... bastante poderoso quanto a bens desde que trabalharam os dois juntos. Ele está-lhe grato, posso dizer-lhe isso. Se não fosse a porcaria do banco, vocês os dois seriam sócios.
- Mas ele precisa do Harcourt Barnham para...
- Você sabe por que é que ele precisa do Harcourt Barnham. Mas vamos deixar-nos de rodeios, Bob. Quer que lhe fale deste negócio ou não?
Leeman quis que ela lhe falasse do negócio, mas tinha também uma outra coisa mais em mente. Convidou Dave a almoçar numa suite do Waldorf, onde disse que estariam
presentes outros investidores.
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Não estava mais ninguém. Dave não sabia bem o que pensar. Aceitou bebidas e aperitivos e ficou à janela a olhar para a rua, sem saber o que Bob Leeman pretendia. O homem não fazia nada sem uma intenção.
- Está aqui uma pessoa para o ver - disse Leeman, por fim. Abriu a porta de um quarto. Saiu uma jovem lindíssima,
vestida de negro: um vestido com uma mini-saia muito curtinha e um grande decote, collants negros transparentes e sapatos brilhantes de salto agulha. Era pequena, como ele não esquecera, mas havia amadurecido nitidamente desde a última vez que a havia visto.
- Lembra-se dela, Dave?
- Janelle...
- Tão crescida - disse ela.
Estava de facto crescida. Janelle tinha agora vinte e quatro anos e já não era a adolescente que Leeman havia oferecido a Dave em.1983; havia-se tornado uma jovem extraordinariamente bela.
Mas continuava a trabalhar para Leeman... aparentemente.
- Adivinhe o que ela faz agora - disse Leeman. - Você disse que queria que ela se formasse e que estava disposto a pagar. Eu disse que me encarregava disso, e foi o que fiz. Janelle formou-se em Matemática, no MIT. É analista de sistemas. É muito mais esperta do que eu julgava.
- Analista de sistemas...?
- Sabe qual é a diferença entre um arquitecto e um carpinteiro? - perguntou ela, servindo-se descontraidamente de uma dose de uísque, J. W. Black Label. - Pois é a mesma que existe entre um analista de sistemas informáticos e um programador.
- Saíste-te muito bem - disse Dave.
- Bem... ele pediu-me que voltasse a encontrar-me contigo. Acho que lhe devo isso.
- Ela conhece o nome de Hermann Reitsch - disse Leeman. A reunião começava a fazer sentido.
- Que sabes sobre ele? - perguntou Dave.
- Que é um excêntrico, um guru da informática - disse Janelle. - Desenvolveu o sistema no qual pretendem que Bob invista, e claro que tem uma falta desesperada de dinheiro. Pelo que sei da coisa, talvez resuftT Talvez.
- E, nesse caso, vale a pena correr o risco, segundo ela me diz - disse Leeman.
Janelle cruzou as pernas. Não se preocupava mais com a modéstia do que quando lhe tinha sido apresentada, uma adolescente completamente nua. Tinha as pernas esguias e elegantes,
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e mostrava-as até às ancas. Tirou da mala um maço de cigarros e um isqueiro para acender um cigarro.
- Apanhou um mau hábito - disse Leeman.
- Paro de fumar logo que alguém me convença - disse ela, com indiferença.
- Acha que Hermann Reitsch a deixava ver a ideia dele? perguntou Leeman.
Dave ergueu o queixo.
- Acho que se podia combinar.
- Muito bem. Então, trata disso? E... hum... tenho umas coisas para fazer. Por que é que não vão os dois desfrutar do bar e do bufete? Falo convosco mais tarde.
Leeman deixou-os repentinamente.
- Bem... - disse Janelle. - Acho que podemos reatar a nossa velha amizade.
Tirou o vestido, passando-o por cima da cabeça. Usava um soutien negro, rígido, que lhe empurrava os seios para cima num feitio pontiagudo pouco habitual e formava um decote cheio de sombras. Ela desapertou o soutien e deixou-o cair, libertando os seios grandes e firmes.
- Céus, miúda...
- Naquela altura não chegámos a ir muito longe - disse ela.
- Não me podia arriscar a engravidar uma rapariga de quinze anos.
- Tinha dezassete - disse ela.
- Quinze, eu verifiquei.
- Mas não querias? Quero dizer, não querias foder-me?
- Claro. Óbvio que queria.
- Muito bem. És tão bem servido como um cavalo. E eu já sou crescidinha e até tomo a pílula. Queres foder-me, Dave?
Ele mal podia falar. Estava hipnotizado. Disse que sim com a cabeça. Ela fez um sorriso langoroso.
- Então...
Pegou-lhe na mão e caminhou diante dele. Descalçou cada um dos sapatos dando um pontapé. Tirou as cuecas, deixando as meias com cós de renda. Deitou-se de costas e abriu as pernas.
Ele despiu-se apressadamente. Tinha uma erecção enorme, quase dolorosa. Montou a jovem sorridente e entrou para dentro dela. Os seus pêlos púbicos negros eram espessos e rijos, e a sensação de aspereza quase o fazia vir-se. Mas como ela tinha uma vagina húmida e macia, e ele conseguiu enfiar bem fundo nela antes de se vir.
Janelle deu um grande suspiro.
- Não chamas a isto foder, pois não?
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Dave riu.
- Esta foi só para mim. Mas agora vamos recomeçar a sério. Eu dou quatro ou cinco vezes.
- Acho bem - murmurou ela. - E se a seguir fosse à canzana? Não sou grande apreciadora da posição do missionário.
Quando Dave disse a Alexandra que ia regressar a New Rochelle para se voltar a encontrar com os Reitsch, ela disse que não tinha vontade de ir. Ele ficou aliviado.
Não sabia bem se ela ia gostar de Janelle. Além disso, queria passar uma hora a sós com ela. No dia em que deviam ir a New Rochelle chovia torrencialmente, por isso ele alugou um carro e foi buscá-la ao seu apartamento. Na Interestadual 95 havia muito trânsito e a chuva forte tornava a estrada perigosa. Não foi nada bom para a sua concentração o facto de Janelle lhe abrir as calças, pôr o rosto no seu colo e começar a acariciá-lo e a chupar-lhe o pénis.
Havia uma coisa que o fazia pensar: ela seria ninfomaníaca, ou pretendia destruir o seu casamento para o ter só para ela? Esta última ideia era agradável, mas tinha de se lembrar que não era apenas marido de Alexandra; eram sócios, e ela sabia muito sobre ele. E ele sabia que ela não o iria deixar em paz.
Quando chegaram a casa dos Reitsch, Sara ofereceu imediatamente um uísque a Janelle. Ela tinha ainda na boca o sabor daquilo que havia obtido do pénis dele e detestava lavá-la com uísque e soda.
Não haviam sido convidados para jantar; era demasiado tarde para isso; e Reitsch começou bruscamente a tratar do que interessava.
- Agrada-me ver a Menina Griffith - disse ele. - Mas, por favor, explique-me mais uma vez por que motivo a trouxe.
Dave fez um gesto de assentimento com a cabeça.
- A Menina Griffith formou-se no MIT e é uma respeitada analista de sistemas. Trabalha muitas vezes como consultora. Neste caso, um homem que efitéa pensar seriamente na hipótese de investir três milhões de dólares na sua ideia contratou-a para ver e recomendar se deve ou não investir.
Reitsch olhou para Janelle.
- Compreende as minhas precauções - disse.
Não era fácil acreditar que aquela mulher tão jovem, bela e
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elegante fosse uma importante consultora em análise de sistemas. Não havia feito concessões e vestia um vestido de mini-saia, vermelho e brilhante, collants negros
e sapatos da mesma cor. Janelle bebeu o uísque e sorriu com à-vontade.
- Tem medo que eu lhe roube a ideia. - disse ela. - Não é uma precaução irrealista. Mas duvido que eu conseguisse... principalmente depois de uma única demonstração.
- Eu não estava propriamente... a pensar nesses termos disse Reitsch.
- Ainda bem.
- Falei de dez milhões de dólares - disse Dave. - Disponho de seis. O homem de quem ela é consultora está disposto a investir três milhões de dólares, o que perfaz nove. Não sei onde iremos arranjar o outro milhão, mas... - encolheu os ombros.
- Havemos de conseguir.
Reitsch ligou o equipamento. Os ecrãs iluminaram-se. A entrada do Porto de Nova Iorque pelos Estreitos de Verrazano surgiu como anteriormente, e Dave apercebeu-se com alguma preocupação de que aquela era provavelmente a única entrada portuária que o homem havia programado. Isso significaria também que as características de pilotagem daquilo a que ele chamara, imaginativamente, o Exxon Reitsch eram as únicas introduzidas nos computadores.
Os dez milhões chegariam para tornar o sistema viável para o mercado?
Bem... Reitsch tinha gasto aquilo que ele julgava ser muito dinheiro para chegar até ali; mas, provavelmente, não seria mais de meio milhão de dólares, quanto muito. com dez milhões...
Janelle sentou-se diante do teclado. Reitsch pôs o navio em movimento. Ela apreendeu imediatamente o conceito, mas, mesmo assim, embateu de raspão num pontão. Na terceira tentativa, conseguiu levar o navio até ao cais, mas chocou contra ele, originando presumivelmente um derrame e um incêndio.
Perdeu o interesse pela pilotagem do navio e começou a interrogar Reitsch sobre a concepção do programa e o equipamento que usava e como o usava.
- Ofender-se-ia se eu lhe dissesse que provavelmente poderia aproveitar melhor os recursos? - perguntou ela a Reitsch. Aceitou mais um uísque de Sara. - Recentemente, houve progressos no aspecto da compressão dos dados. Podemos fazer os dados entrar no circuito mais rapidamente.
Reitsch sorriu, tolerante.
- Quando se tem dinheiro! - disse ele. - Estas coisas saem sempre caras.
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- Quanto? - perguntou Dave.
- Bem, tendo acesso a milhões, como sugere, poderemos fazer isso e muito mais.
- A grande despesa vai ser recolher os dados - disse Dave.
- Não pode gastar milhões a artilhar a máquina para depois ficar sem dinheiro suficiente para fazer os vídeos dos portos.
Reitsch olhou para Janelle, como que a pedir apoio.
- Um milhão e meio, talvez um milhão e duzentos e cinquenta mil pela máquina - disse ele.
- Não é irrealista - disse Janelle.
- Depois vai ter de mudar para umas instalações jeitosas prosseguiu Dave. - Vai ter de conceber e imprimir material de vendas. Há uma quantidade de despesas.
- Acha que talvez não seja viável? - perguntou Sara, abatida.
- Não estou a dizer isso. Estou a dizer que vai ter de aceitar o controlo de custos. O senhor é um gênio, Sr. Reitsch, não vai ter paciência para quem conta feijões. Mas vai precisar deles, e vai ter de fazer muitas das coisas que eles disserem.
- É um sonho - disse Sara, em tom lúgubre.
- Os sonhos podem ser concretizados graças ao dinheiro: ao uso cuidadoso do dinheiro.
- Estou a ver - disse Reitsch, com um misto de tristeza e desafio na voz - que não vou ter o controlo absoluto.
- Mas terá o seu negócio. Verá o seu sonho tornar-se realidade.
- Sim, Hermann - sussurrou Sara.
- A realidade é também uma questão de cooperação, trabalho de equipa - disse Dave. - Você tem um homem para tratar do dinheiro. Sou eu. Tem o seu primeiro advogado que é Cole Jennings. Tem uma consultora técnica que é Janelle. Terá contabilistas e... a cangalhada toda.
- Eu sei que tem razão, Sr. Shea - disse Reitsch com humildade. - Estou-lhe grato.
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- Quem controlar a cangalhada controla o negócio - disse Janelle no regresso a Manhattan.
A tempestade de Primavera prosseguia, e os limpa pára-brisas esforçavam-se por limpar o vidro do Oldsmobile alugado.
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Ela tinha tirado o vestido vermelho e ia sentada ao lado dele, só de collants, a fumar um cigarro.
- Bob cometeu um grande erro ao falar tanto diante de ti, partindo do princípio de que não entendias. Mas enfim... a minha pergunta é esta: é coisa que valha a pena controlar?
- É, sim. Aquilo tem verdadeiras possibilidades.
- Tu podes fazer com que resulte melhor - disse Dave.
- Não há nada neste mundo que não possamos melhorar respondeu ela.
- Sabes uma coisa? És esperta de mais para uma rapariga de vinte e quatro anos.
- Fui ensinada pelos melhores - disse Janelle.
- Nunca soube como te envolveste com Leeman e o que sucedeu a seguir.
- Foi muito simples - disse ela. - Quando eu tinha catorze anos, a minha mãe percebeu que eu nunca seria capaz de concretizar o meu potencial. Quero dizer, eu... bem, como hei-de dizer?
- Que és um verdadeiro gênio - disse Dave.
- É como o Hermann Reitsch e a sua ideia maravilhosa disse ela. - Não é possível concretizar um potencial partindo de uma base de pobreza.
- Estás a ser cínica.
- A verdade é cínica.
- Suponho que seria hipocrisia contradizer-te - disse ele.
- Eu fiz determinadas cedências para me libertar do meio em que nasci.
- A minha mãe dava aulas à terceira classe numa escola pública. Ainda dá. E o que ela ganhava não chegava para vivermos, por isso, à noite, vendia-se.
- Onde estava o teu pai?
- Vá lá saber-se! Adiante... a mãe decidiu que se podia vender o couro dela também podia vender o meu. E talvez assim eu tivesse as oportunidades que ela nunca teve. Um dos tipos dela conhecia Leeman. Quero dizer... tenho de esclarecer que a mãe nunca foi uma puta de bar. Marcava encontros com homens de negócios que conhecia, por exemplo, em reuniões de pais. Dizia em confidência a um ou dois que tinha uma filha casadoira que poderia ser comercializada para o homem certo, pelo preço certo. Pronto. O homem mandou-a falar com Leeman. Ela falou com ele e depois levou-me a conhecê-lo.
- Meu Deus!
- vou dizer-te uma coisa, Dave. Nunca em toda a minha vida senti qualquer obrigação de considerar o meu corpo como
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um templo sagrado. Sempre foi uma coisa para ganhar dinheiro.
E para me divertir.
- E tinhas miolos. Ela sorriu.
- Tu também. A ética dos negócios não significa para ti mais do que para Bob Leeman. A ética e a moral são para os tolos. Para vencer no mundo temos de ignorar as superstições das pessoas e pisar os seus cadáveres. Foi o que Bob fez. E tu também, suponho eu. Raios, eu até chupei alguns professores do MIT para receber a minha licenciatura summa cum laude.
- Jesus, Janelle!
- Diz-me que tomei uma decisão errada - disse ela, olhando-o bem de frente.
- Seja como for, eu não fui o primeiro homem a quem Bob te cedeu.
- Nem o último. Mas ele tratava bem as raparigas. Não me deu a bêbedos, nem a homens violentos. Fez-te um grande cumprimento quando me pôs à tua disposição.
- Eu ofereci-me para pagar os teus estudos.
- Eu sei. Ele na altura disse-me.
- Fiquei muito impressionado contigo.
- Eu também não te esqueci. Foste simpático para mim. E tinhas uma pica de eleição, e isso era uma coisa de que eu já percebia. Não foste o único a pensar dessa maneira. Tecnicamente, eu era virgem quando parti para a escola. Lembras-te do que disse Marilyn Monroe? Qualquer coisa como: "Agora sou uma grande estrela, não tenho de chupar mais nenhuma pila." E sabes o que disse Marlene Dietrich? Qualquer coisa como: "Prefiro chupar a foder. Assim, sou eu quem controla e não tenho um porco suado em cima de mim." Marlene era esperta. Marilyn não.
- És um compêndio de sabedoria íntima - disse Dave, secamente.
- Temos... quanto?... Uma hora até teres de ir para casa. Pronto. Já te chupei. Já fodemos. Esta noite quero sentir a tua língua dentro de mim. Já chegou a altura de eu ter isso, não achas?
- Mereceste.
Ela riu.
- Eu deito-lhe molho dénflfocolate. Ou besunto-a com compota de morango. Qual é que preferes?
Dave disse que sim com a cabeça.
- vou pensar nisso. Entretanto, temos de fazer um acordo. O que é que queres receber com esta coisa do Reitsch? Uma participação? Ou um salário?
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- As duas coisas. Havemos de combinar qualquer coisa.
- Está bem, vamos...
- D AVE! D AVE!
Ele carregou no travão com toda a sua força, para tentar parar antes de se enfiar por debaixo da traseira de um enorme camião. O Oldsmobile rodou, saiu do asfalto, deslizando de lado, virou-se e atravessou o rail de protecção. Escorregou por uma encosta abaixo e caiu dentro de água, desintegrando-se pelo caminho.
- Janelle... Como é que ela está? - perguntou ele, frenético, quando o pessoal da emergência o tirava para fora do carro transformado e amassado. A água onde tinham caído apagara o fogo que irrompia do depósito de gasolina rebentado.
- Não a deixem morrer!
Uma das socorristas limpou-lhe o sangue da cara enquanto um homem lhe injectava algo no braço.
- Vamos levá-lo para o hospital o mais depressa possível.
- Columbia Presbyterian... disse ele, soluçando. - Leve-nos para o Colum...
As últimas palavras que ouviu foram da socorrista.
- Bem... ele sabe para onde quer ir. É o melhor hospital em...
VII
Janelle não morreu. Tinha quatro costelas quebradas, um pulmão perfurado e a bacia fracturada. Dave tinha um braço quebrado, uma perna quebrada e uma fractura craniana. Ela ficou no hospital durante três meses. Ele teve alta ao fim de cinco semanas. Por ter gesso num braço, não podia andar de muletas. Punha a funcionar os auscultadores. Não podia fazer mais nada. Alexandra não lhe falava.
No Harcourt Barnham foram compreensivos. Continuaram a pagar-lhe o salário e até lhe enviaram clientes, que ele podia aconselhar e talvez assim ganhar comissões. com os computadores do apartamento, mantinha-se a par de todas as informações do mercado que vinham a público.
Mas...
- Cole, és meu advogado, não és?
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- Sou.
- Tens de te encarregar do Reitsch por mim. Põe-no na direcção certa e não o deixes desviar-se. Está bem?
- Está bem.
- Agora, vou dizer-te uma coisa, em confidência, que tens de saber, mais cedo ou mais tarde. Sigilo profissional, certo?
- Certo.
- Muito bem. Quero que vás a Zurique por mim.
Agosto de 1992
Cole estava sentado no imponente gabinete de Axel Schnyder. Já tinha reparado como na Trust Management AG o estatuto profissional se manifestava através do vestuário:
fatos, gravatas, camisas, comprimento das saias. O café era servido por uma bonita loura com uma mini-saia curtíssima. A mulher que estava sentada junto de Schnyder, a tomar apontamentos, tinha uma saia pelos joelhos. Era rígida e brusca. Cole não a ignorou, mas também não lhe prestou muita atenção.
- Tive muita pena quando soube do acidente de automóvel
- disse Schnyder. - Sei que ele está a recuperar bem, embora lentamente.
Cole fez um gesto afirmativo com a cabeça.
- Acho que é precisamente isso.
- É evidente que ele deposita completa confiança em si. Soube-o quando disse que Reinhard Briining queria falar comigo. Suponho que ele o pôs a par de todos os factos da nossa relação, incluindo, muito especialmente, a confidencialidade.
- É verdade.
Axel Schnyder fez um largo sorriso e voltou-se para a mulher que tomava notas.
- Creio, Frau Hess, que vamos precisar de apontamentos. Podemos oferecer ao Sr. Jennmgs o mesmo tipo de confiança que o nosso amigo americano evidentemente deposita
nele.
Ele fez um gesto de assentimento com a cabeça, pousou o bloco de notas, estendeu a mão para debaixo do canto da secretária dele e... Cole não percebeu, mas ela desligou
um gravador.
- com que então este tal de Sr. Reitsch. Ao longo dos anos,
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o meu respeito pelo discernimento de Dave Shea para com os negócios só tem vindo a aumentar. Ele amadureceu, tornou-se mais cauteloso. Ele acha realmente que deve arriscar investir fortemente no projecto de Reitsch?
Cole confirmou com um gesto de cabeça.
- E acha que eu devo canalizar fundos de outros clientes para este... sistema informático.
- Recomenda que o faça.
- Não é inteiramente automático - disse Schnyder.
- Tenho uma procuração - disse Cole - que me permite agir em nome de Reinhard Briining e Friederich Burger.
- Ah... a confiança que ele deposita em si é realmente completa. Nesse caso... vamos rever isto tudo. E depois, para nos conhecermos melhor, vamos jantar juntos.
Frau Hess - que era afinal Frau Hanna Hess -, acompanhou-os a jantar num clube privado. A saia que usava não era tão comprida como a que usara no escritório para indicar a sua posição hierárquica, e também não usava o casaco escuro e blusa branca que vestia no escritório; em vez disso, usava um body de seda branca que se
lhe colava ao corpo deselegante, de formas masculinas. Usava o cabelo louro tão curto que este ficava de pé e deixava ver a pele quase toda, à excepção do alto da cabeça. Usava pouca maquilhagem, embora tivesse uns belos brincos de pérolas e um colar de uma fiada, também de pérolas, em volta do pescoço. Fumava uma cigarrilha preta e bebia brande.
Cole concluiu imediatamente que ela era lésbica.
- Calculo - disse Axel Schnyder - que Dave Shea e o senhor são amigos há muito.
- Desde a infância - disse Cole. - Crescemos juntos numa cidadezinha de Nova Jérsia.
- É o advogado pessoal dele?
- Não propriamente. Sou advogado de negócios dele. A única ocasião em que me envolvi numa questão de natureza pessoal, foi a representar a mulher dele quando se divorciaram.
- O senhor sabe o que é que ele pretende, Sr. Jennings?
- Quer ser um tubarão dos grandes.
- Detecto que ele está mais interessado no poder do que no dinheiro.
Cole encolheu os ombros, dizendo:
- O dinheiro é poder.
- Ele tem-se saído muito bem. Posso dizer-lhe isto porque ele tem tanta confiança em si que lhe deu acesso às suas contas.
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Mas ele que tenha cuidado. Não é tão importante como era Milken ou Boesky. E ele que não se esqueça do que lhes aconteceu. Hanna Hess pediu licença e deixou a mesa
para ir à casa de banho.
- Ela está a dar-me uma oportunidade - disse Axel Schnyder
- de lhe explicar que ela o acha atraente e talvez o convide para ir para casa com ela, esta noite.
Cole sorriu.
- Tinha a impressão de que ela era capaz de não achar os homens atraentes.
- Todos a atraem. Homens, mulheres... até já ouvi dizer (embora não me seja possível confirmar tal coisa) que quando está sozinha até acha atraente um cão grande que tem.
- Sou um homem casado. Schnyder sorriu e disse:
- Somos todos, não somos? Mas devo dizer-lhe: se não quiser ir com ela, partindo do princípio que ela o convida, a sua recusa vai ofendê-la profundamente. Ela sente que não é uma mulher bonita e parte do princípio de que está a ser rejeitada.
- Bem...
- Acho que não se arrependerá, Sr. Jennings.
Depois do jantar e de bastante mais conversa de negócios, Hanna Hess disse baixinho a Cole, mesmo sabendo que Schnyder podia ouvir:
- Gostaria de lhe mostrar o meu apartamento. Tenho lá... coisas interessantes, incluindo
uma gilette com a qual se poderá barbear de manhã.
Cole lançou um olhar a Schnyder.
- Será uma honra, Frau Hess.
Ela tinha de facto coisas interessantes no apartamento, incluindo um enorme cão pastor alemão (um Schãferhund, como ela lhe chamava). O nome
dele era Schatzi, que
queria dizer querido. Schatzi podia ter um aspecto ameaçador, mas mostrava-se exorbitantemente amigável e feliz por receber a dona e qualquer amigo que a acompanhasse.
A noite começou com um passeio num parque próximo, levando Schatzi para que fizesse as suas necessidades. No parque encontraram-se com Trudi, uma rapariga a quem Hanna tinha
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telefonado antes de saírem. Quando regressaram ao apartamento já eram três pessoas.
Mal entraram pela porta, Hanna e Trudi despiram-se. Nenhuma delas usava collants. Usavam meias altas presas com cintos de ligas: o de Hanna era branco, o de Trudi preto. Atiraram para o lado soutiens e as cuecas. Hanna mostrava que era uma loura verdadeira; não tinha os pêlos púbicos rapados mas sim aparados, e formavam uma faixa estreita de ambos os lados da vagina. A minúscula Trudi estava toda rapada.
- E então, Sr. Jennings? Posso chamar-lhe Cole? Dispa-se também. Pelo menos, ponha-se de cuecas.
Inseguro, a perguntar a si mesmo no que se teria metido, Cole despiu-se até ficar só com as cuecas justas. Hanna disse, sorrindo:
- Trudi tem umas preferências que esperamos que ache interessantes.
Fez-lhe sinal para que as seguisse até ao quarto, no meio do qual se erguia uma armação grande e pesada, em forma de X, presa por cordas a umas argolas vindas do tecto para se manter direita.
Trudi foi imediatamente pôr-se junto da armação, com os braços estendidos ao longo da parte superior do X. Hanna sorriu a Cole e, servindo-se de umas correias de couro com fivelas, rapidamente prendeu os braços de Trudi à armação. Depois, baixou-se e prendeu os tornozelos da rapariga à parte inferior. Por fim, passou um cinto à volta do corpo de Trudi na intersecção do X, e Trudi ficou firmemente imobilizada.
Hanna tirou da cómoda um chicote de aspecto cruel.
- Não se preocupe - disse ela. - É o que ela quer. Diz ao senhor, Trudi. Queres ser chicoteada ou não?
Trudi olhou para trás, por cima do ombro, e fez a Cole um gesto afirmativo com a cabeça.
- Já - disse ela. Compreendia o inglês, mas não se sentia à vontade para o falar. - Schlagen Sie mir, bitte, Hanna... Schlagen Sie mir gut!
Hanna deu um passo para trás e deu uma chicotada nas nádegas nuas da rapariga. Trudi contraiu-se e gemeu.
Hanna abanou a cabeça. Foi à cómoda buscar uma bola de borracha vermelha atravessada por uma correia de cabedal fina. Meteu a bola na boca de Trudi e puxou a correia para a parte de trás do pescoço dela, onde prendeu a fivela. Trudi estava amordaçada.
Hanna deu-lhe uma chicotada nas nádegas, depois nos ombros. Trudi retorceu-se, puxando as correias, e começou a soluçar.
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 HUhm... Tem a certeza de que ela quer...? - perguntou
Cole.
Hanna falou ao ouvido da rapariga.
- Genug, Trudi? - perguntou.
Trudi conseguia murmurar algumas palavras através da mordaça. Abanou a cabeça e disse:
- Mire, bitte. - Mais, por favor.
- Queres que agora seja Cole?
A rapariga olhou para Cole por cima do ombro e disse que sim com a cabeça.
Ele sentia-se relutante. Mas pegou no chicote e bateu com ele nas nádegas da rapariga.
- Trudi? - perguntou Hanna.
A rapariga olhou para trás por cima do ombro e dirigiu-se a Cole.
- Schwerer, bitte - murmurou através da mordaça. com mais força.
- Sem as cuecas, se faz favor - disse Hanna. - Ela tem o direito de olhar para trás e ver o seu pénis.
Cole sentiu-se apanhado numa situação onde nunca se teria imaginado. Despiu as cuecas.
Hanna, segundo parecia, tinha uma colecção inesgotável de correias. Agarrou-lhe as partes e passou-lhe uma correia fina, de couro macio, sob o escroto e por cima da base do pénis. Quando ela a apertou e a fechou com uma fivela, o seu pénis aprisionado cresceu ainda mais. A sua erecção tornou-se tensa e palpitante. Os testículos estavam a ser puxados para cima e para a frente.
Trudi voltou-se e olhou para baixo.
- Gross - murmurou.
Hanna rodeou então o pénis dele com mais uma correia onde pendurou um pequeno sino de metal. Quando ele se movia, o seu pénis fazia soar o sino.
Hanna riu.
- Agora, nosso amigo americano. Açoite-a!
Ele agitou o chicote. Este estalou sobre as nádegas de Trudi. O grito dela foi abafado pela bola de borracha, mas era real. Hanna sorriu e mostrou a sua aprovação
com um gesto da cabeça. Ele chicoteou a rapariga nos ombros. Mais uma vez ela tentou gritar. Estremeceu, sacudindo as correias que a prendiam à armação em X. Deixou
cair a cabeça, gemendo e soluçando.
Cole atirou o chicote para o chão.
Hanna voltou a rir. Desapertou a mordaça.
- E então, Trudi... Como é que ele se saiu?
- Gut.
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Cole passou a mão pela parte de trás da cabeça dela.
- Magoei-a - disse.
- Es machts nichts aus - soluçou ela. Não é nada. - Danke, Cole. Danke!
A noite ainda estava no início. Passado muito tempo, acabou por adormecer entre as duas, na grande cama de Hanna.
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Setembro de 1992
- Já saíste do hospital! - disse Alexandra com frieza quando Dave entrou a coxear no apartamento.
Eleja conseguia andar, embora com dificuldade, apoiado numa bengala.
- A rapariguita está melhor? - perguntou Alexandra em tom acerbo.
- Está. Daqui a alguns dias já sai do hospital. Recuperação completa, na verdade.
- Suponho que vais voltar a vê-la?
- Não necessariamente. Ela estava a trabalhar no assunto de Reitsch, e agora que decidimos seguir em frente, na verdade já não precisamos dos seus serviços de consultora.
- Ah. Serviços de consultora. E que serviços é que ela oferece, afinal? Dá consultas com roupa ou sem roupa?
- Que queres dizer com isso?
- Apenas que li o relatório do acidente. - Alexandra pegou num documento que estava sobre a mesa de café. - Passo a citar: Quando o pessoal da brigada de emergência retirou a Menina Grifíith do carro, observaram que ela estava nua, à excepção das meias. O vestido estava caído atrás. Fim de citação. Que tipo de consulta fazia ela... despida?
Dave abanou a cabeça.
- O vestido deve ter saído quando o carro capotou - disse, sem muita convicção.
- Tens de arranjar uma história melhor, canalha.
- Alexandra...
- Fiz uma investigaçãozinha sobre ela. Formou-se summa cum laude no MIT. É um gênio da Matemática e uma analista de sistemas respeitada. Por isso, a pequena Janelle
não é uma prostituta que tu tenhas apanhado. Tinhas uma amante e já há algum tempo. FILHO DA PUTA! Depois de tudo o que fiz por
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ti! Depois de tudo o que parecia que significávamos um para o
outro!
- Alexandra...
- Ela é mais nova do que eu. É um gênio comprovado.
- Alexandra...
Os olhos dela mostravam-se duros e implacáveis. Dirigiu-se para o quarto e regressou com um revólver de cano curto.
-NÃO!
- Filho da puta! Fiz tudo o que podia por ti e é assim que me agradeces!
Ele levantou-se com dificuldade e caminhou para a porta, a coxear, gritando:
- ALEXANDRA!
Tropeçou na bengala e caiu.
A queda talvez lhe tenha salvo a vida. Ela disparou e a bala passou por cima dele e atravessou a porta do apartamento. Ele começou a rastejar. Mais uma vez ela disparou e não lhe acertou. Essa bala quebrou a vidraça de uma janela e os estilhaços precipitaram-se para a rua. Disparou uma terceira vez, e a bala atingiu-o de raspão, rasgando-lhe a roupa e arrancando-lhe a pele por cima das costelas, sob o braço direito.
Quando Alexandra viu o sangue ficou aterrorizada. Julgou que o tinha morto. Deixou cair a pistola e correu para o quarto para ir buscar a mala de mão. Saiu a correr do apartamento, deixando a porta aberta para trás.
Novembro de 1992
Cole foi visitar Alexandra ao Centro de Correcção para Mulheres, em Rikers Island. Tinha contactado o advogado dela e obtido o seu consentimento para falar com ela.
Ela estava sentada, numa atitude abatida, atrás da separação de rede que dividia os reclusos dos visitantes. Usava um uniforme cinzento, com a palavra PRISIONEIRA escrita a tinta preta.
- Ele não quis vir - disse ela, em voz inexpressiva.
- Não sei se o deixariam - disse Cole.
- Sabes o que me vai acontecer? - perguntou ela. - O meu
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advogado diz-me que vou passar em Bedford Hills dez a vinte anos. Isto, se for boazinha e me confessar culpada.
- O uso de arma ilegal foi uma agravante. Ela soltou um forte suspiro.
- Ouvi dizer que sim.
- Dave quer que saibas que lamenta o que aconteceu. Embora o tenhas tentado matar, ele lamenta.
- Pois vai lamentar ainda mais - disse ela. - Quando eu disser à Polícia Federal o que sei sobre ele, vai acabar como eu... na cadeia. Ele vai ver se gosta de viver como eu vivo... numa jaula.
- Vamos conversar sobre isso, Alexandra. Tens quarenta anos, e vais apanhar dez a vinte. Sais em liberdade condicional daqui a oito ou nove anos. Dave quer fazer um acordo. Tu não contas os segredos, e ele paga-te dez por cento dos seus rendimentos todos os anos, até ao fim das vossas vidas.
- Dez... Oh, que simpático!
- Pensa bem. Para onde vais não precisas de dinheiro. Sem contar com os impostos, ficarás com tudo o que restar para investir e acumular. Quando saíres, serás uma
mulher rica, talvez com cinquenta anos. Se destruíres Dave, sairás pobre.
Alexandra ergueu o queixo.
- Vinte por cento.
- Quinze. Não tenho autorização para oferecer mais.
- Como posso verificar as contas dele?
- É fácil. Sabes onde está o dinheiro. Eu e Dave somos amigos desde crianças. Sou advogado dele. Mas não vou permitir que ele te engane. E, seja como for, se receberes um milhão por ano até ao fim dos teus dias, será assim tão mau?
Ela apertou as mãos contra a grade.
- Vai ganhar assim tanto? Cole encolheu os ombros.
- Tu conheces Dave. Talvez mais. Alexandra deixou cair o queixo sobre o peito.
- Se conheço. Vai estar sentado em lugares como o Sparks, onde o conheci, a comer bifes bem altos e a beber vinho, com a puta da sua consultadorazita... enquanto eu fico sentada numa cela de prisão.
- Não devias ter tentado matá-lo, Alexandra. As coisas podiam ter-se resolvido de
outra maneira.
O rosto dela tornou-se rígido e distorcido.
- Só tenho pena de não ter conseguido - disse entre dentes.
- vou apanhar dez anos... seja o que for. Se o tivesse morto, seria prisão perpétua... Valeria a pena. Sou ucraniana. Não desculpamos coisas destas.
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Cole acenou gravemente com a cabeça.
- Aceitas o acordo? - perguntou.
- Se não aceitar...?
- Vais passar todo o tempo em Bedford Hills e quando saíres não tens com que viver - abanou a cabeça. - Nem ninguém te vai dar emprego. Queres ser criada de mesa?
Ela fez um sorriso sarcástico.
- Aconteça o que acontecer, ele tem sempre toda a gente na mão. Ganha dinheiro suficiente para comprar Deus.
- E a mim - admitiu Cole, com ar pesaroso. - E a ti. Como é que vai ser? Podes ter a tua vingança, mas vais pagar um preço terrível por ela.
- Como será formalizado o acordo? - perguntou ela. Cole suspirou.
- Bem, isso é mais uma coisa. Fará parte da ordem do tribunal incorporada no decreto do divórcio. Já discuti isso com o teu advogado.
- Divórcio?
- É automático. Uma pessoa tem direito a divorciar-se de uma pessoa presa por crime. Sem as circunstâncias de que falámos, ele podia receber o divórcio e ir-se embora.
Sendo as coisas como são, está disposto a dar-te quinze por cento.
- E assim pode casar com a putéfia.
- Ele não me fez confidências sobre os seus planos em relação a esse assunto.
Alexandra agarrou a rede com os dedos. Uma guarda berrou e abanou a cabeça.
- com que então... Janelle. Vão viver para o meu apartamento?
- Ele já se mudou de lá.
- Aposto que sim. Para um belo sítio. Enquanto eu fico sentada numa cela acanhada a cumprir a minha pena, ele vai viver como um príncipe.
- Se não tivesses tentado matá-lo, as coisas seriam diferentes. Ela suspirou.
- Diz a esse filho da puta que eu aceito o acordo. Não posso fazer outra coisa. É assim que ele faz as coisas, não é? De maneira a que as pessoas não tenham outra hipótese.
Cole fez um gesto afirmativo com a cabeça.
- Ele é esperto, Alexandra.
- Pois é... Despede-te da Emily por mim. Talvez nos deixem escrever.
- Espero que sim. E nós vamos rezar para que saias na primeira entrevista de pedido de liberdade condicional.
- Pois...
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Como o caso atraiu as atenções, os meios de comunicação deram-lhe uma cobertura bastante pormenorizada. Alexandra recusou-se a dizer por que motivo havia tentado matar Dave. Admitiu tê-lo feito. O advogado dela arranjou o melhor acordo que conseguiu e ela foi condenada a uma pena de dez a quinze anos. Os meios de comunicação salientaram que ela poderia sair em liberdade condicional dentro de cerca de oito anos.
No início de Dezembro, ela foi transferida de Rikers Island para a Prisão Feminina Estadual de Bedford Hills. As câmaras de televisão apanharam-na a caminhar aos tropeções, com grilhetas, para uma carrinha prisional, com as mãos algemadas e acorrentadas à cintura. Também apanharam as suas lágrimas, e os microfones captaram os seus soluços.
in
Fevereiro de 1993
Janelle estendeu um carta a Dave. Não estavam casados mas viviam juntos num apartamento que ele havia alugado, com vista para o East Ri ver.
- Cole Jennings veio cá e deixou esta carta. É uma carta para Emily. Podes ver de quem é. Cole e Emily querem que a leias.
O sobrescrito tinha impresso "Instituto de Correcção de Bedford Hills". Tinham autorizado Alexandra a servir-se de uma máquina de escrever, e a sua carta dizia o
seguinte:
Saudações do hotel das grades. Os meus aposentos são luxuosos. Vivo numa cela muito pequena. As minhas refeições são feitas na cantina da prisão. A mulher a quem Dave confiava a supervisão dos investimentos supervisiona agora uma vassoura e uma esfregona e faz parte de uma equipa encarregadade manter imaculadas as nossas
instalações. Estou a habituar-me gradualmente ao papel de condenada. Que remédio. É o que eu vou ser durante muito tempo.
Agradecia que dissesses ao Dave o seguinte. Estou a pagar o que suponho ser um preço adequado pelo que fiz, por muito sinistro que isto seja, por muito negro o futuro
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que me espera. Não sei se não preferiria estar morta. Seja como for, quero pedir desculpa a Dave, um profundo e sincero pedido de desculpa. Ele não se encontra na minha lista de correspondentes aprovados, por isso não posso escrever-lhe directamente. Talvez tu possas entender, talvez ele possa também, que quando descobri da Janelle fiquei louca.
Diz-lhe que não a culpo por nada. Na realidade, espero que sejam felizes os dois.
A propósito, cortaram todas as minhas argolas. Descobriram-nas na primeira vez que me revistaram nua. Aqui não são permitidas. Aqui permitem pouca coisa. Permitem-me que te escreva e receba cartas tuas. Por favor, escreve-me.
ALEXANDRA
Enquanto Dave lia a carta, Janelle tinha-lhe arranjado um Martini, que ele então aceitou e bebeu. Ela tinha deixado de fumar, por insistência dele.
Janelle já se tinha servido de um uísque e estava sentada, segurando o copo com as duas mãos, só com umas cuecas tipo biquini e um soutien transparente, uma roupa que sabia que lhe agradava. Indicou com a cabeça a carta que ele tinha pousado sobre a mesa de café, e disse:
- É triste.
- Se ela tivesse melhor pontaria, não seria somente triste.
- Tens de lhe perdoar, Dave. Espero que digas a Emily que lhe escreva a dizer que lhe perdoas. Não te custa nada dizer isso.
- No sábado à noite vamos estar com Cole e Emily. Podes dizer à Emily que diga isso da próxima vez que escrever à Alexandra. Quanto a mim, não quero pensar nela. Espero nunca mais a ver.
- Não vês de certeza, pelo menos nos próximos oito ou dez anos.
- Óptimo - disse ele, friamente.
- A propósito, de que estava ela a falar quando diz que lhe cortaram as argolas?
Dave ergueu o queixo e as sobrancelhas.
- Ela tinha mandado furar os mamilos e usava neles umas argolas. Ela...
- Ugh!
- Mais do que isso. Tinha mandado furar os lábios interiores da vagina e usava pesos pendurados nas argolas para os esticar.
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- E esticaram?
- Pareciam as barbelas dos galos, penduradas na racha dela.
- Oh, meu Deus! Devia ser uma tipa toda sensual.
- Pois era. Esperta como o diabo. Linda... e agressiva.
- Arriscaste-te comigo. Mais cedo ou mais tarde, ela acabaria por descobrir.
- Estás a subestimar-nos. Janelle acenou com a cabeça.
- Reitsch também. Acho que ele não percebeu que perdeu o controlo.
Dave sorriu.
- Navigation Simulation, Incorporated. Na próxima semana um superpetroleiro vai entrar pelos Estreitos de Verrazano comandado por um piloto que aprendeu a fazê-lo no simulador. Já fez entrar centenas de navios, mas nunca um superpetroleiro.
- Devíamos programar a coisa para atracar o QEII - disse ela.
- Não. Só há um QE II. Para isso não há mercado.
- Pensa no triunfo para as relações públicas - disse Janelle.
- Uhm... és capaz de ter razão. Neste momento, Hermann está a trabalhar em outras entradas para o porto de Nova Iorque. E... sabes qual é o próximo porto em que ele vai trabalhar? Hong-Kong. Um dos portos mais movimentados do mundo. E a seguir é Roterdão.
- E depois os aeroportos?
- Primeiro o Kennedy.
- Muito bem. Vamos sair?
- Vamos ao Sparks - disse ele. - Apetecia-me um belo bife bem alto, mal passado.
Janelle acenou com a cabeça.
- Foi lá que conheceste a Alexandra. Mas antes de irmos, faz-me sexo oral, miúdo.
Ele adorava o gosto da sua rata. Ajoelhou-se diante dela enquanto ela descia as cuecas. Tinha aprendido mais sobre anatomia feminina do que julgaria possível: todas as pregas e sabores e o modo como as cores mudavam à medida que ele a estimulava. Tinha aprendido, de uma vez por todas, o que era um clitóris e como era sensível ao contacto da língua dele. O dela era proeminente e destaífeva-se como um pénis minúsculo. Ela tinha-lhe ensinado que era nas suas partes exteriores que se encontravam os nervos sensíveis, do mesmo modo que os nervos mais sensíveis do seu pénis estavam na pele anterior; e aprendeu que enfiar profundamente a língua não era tão bom como lamber as partes exteriores visíveis. Mas ele sabia que
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isso não significava que enfiar o seu enorme órgão até ao fundo não fosse tão bom: o verdadeiro prazer era provocado pelo contacto do seu sexo rígido a entrar e a sair dela, tocando os exóticos nervos que lhe percorriam o interior. Janelle era muito educativa.
Março de 1993
Alexandra estava sentada sobre a estreita cama da sua cela, lendo pela quinta ou sexta vez a carta que havia recebido de Emily Jennings. Leu-a em voz alta:
- Dave mandou-me dizer que te perdoa completamente. Ele compreende o motivo e lamenta que estejas onde estás. Tem muita pena que as coisas não se tenham passado de outra maneira.
Alexandra soluçou em silêncio.
Estar presa era um inferno. As paredes da cela eram de betão armado, pintadas repetidamente ao longo dos anos com a tinta verde institucional. A porta era de aço, completamente sólida, à excepção de uma janela minúscula ao nível da cara. Estava fechada desde as seis horas, que era a hora em que as mulheres eram mandadas para as suas celas, para passar a noite. Abriam as portas, e as mulheres iam para a cantina tomar o pequeno-almoço às sete da manhã.
Tinha tirado o uniforme, que pendurara no pequeno canto onde tinha os vários uniformes. Um fato-macaco de mangas curtas. Hoje tinha sido verde. Amanhã seria azul. Noutro dia seria amarelo. Alexandra estava sentada na cama, com uma roupa interior de algodão de má qualidade. Todas elas faziam isso. Não usavam os uniformes repugnantes mais horas do que o necessário. Mas estava muito frio, e ela tinha o cobertor de lã em volta dos ombros.
Estava cansada. Tinha passado cinco horas de trabalho a limpar o chão. Não estava habituada a esse tipo de trabalho. Não estava habituada a nada daquilo.
A rotina era: VAI ALI; FAZ ISTO; FAZ AQUILO; NÃO FAÇAS AQUELOUTRO;
É ANDAR DEPRESSA E OBEDECER, MINHAS SENHORAS. Muitas das regras
eram mesquinhas e irracionais. Isso não fazia diferença. As infracções eram punidas. Já tinha sido castigada uma vez por
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falar com mau modo a uma funcionária. Isso tinha-lhe custado dois dias numa cela disciplinar. As celas disciplinares eram como as outras, só que tinham portas com grades e não eram permitidos livros, nem revistas, nem material para escrever. A pessoa castigada limitava-se a ficar ali sentada, vinte e quatro horas por dia, sem nada para fazer a não ser olhar para as paredes.
Na sua cela habitual ela tinha alguns livros em edições baratas, revistas semanais e mensais, aguarelas, um bloco de papel e um rádio de pilhas com auricular. Aqueles objectos eram ávida.
Tinha feito algumas amigas. Algumas cumpriam penas de prisão perpétua, outras só um ou dois anos por pequenos delitos contra a paz e a dignidade do Estado de Nova Iorque. Tinha conhecido uma senhora da alta sociedade que cumpria uma longa pena pelo assassínio do marido. Estava lá havia tanto tempo que lhe permitiam usar roupas civis, até mesmo colares de pérolas.-Mesmo assim, às seis horas, era fechada numa cela igual àquela.
Soou uma campainha. Era o sinal para a contagem. Alexandra suspirou e ergueu-se. Aproximou-se da porta e encostou a palma da mão ao vidro da pequena janela. Passou uma guarda, que deu uma pancadinha na porta com o bastão. Alexandra havia sido contada e já podia sentar-se.
Sentou-se, passou mais uma vez os olhos pela carta de Emily e limpou os olhos. A maldita porta estava fechada à chave. Mesmo que não estivesse, o portão com grades ao fundo do corredor estava fechado à chave e guardado. Aquilo não era um reformatório. Era uma prisão. Não conseguia acreditar que tinha acabado assim. Oito anos, ou nove, ou dez (talvez mesmo quinze) a viver daquela maneira. Tinha escrito na carta que talvez fosse melhor estar morta. Talvez o devesse estar.
O jornal dizia que no dia seguinte um superpetroleiro atracaria nas docas de Jérsia, manobrado por um piloto naval que tinha aprendido a técnica num simulador Reitsch. Calculava que os Reitsch sabiam onde ela estava, e o que havia feito. Toda a gente sabia.
Dave e Janelle, com Hermann e Sara Reitsch, estavam na ponte do imenso petroleiro quando ele passou sob a Ponte de
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Verrazano, a comandar estava um piloto do porto que havia aprendido a manobrar o enorme navio trabalhando com o simulador Reitsch. O piloto tinha manobrado centenas de navios na entrada para o porto de Nova Iorque, mas era a sua primeira experiência com um superpetroleiro. Tal como Dave, de início também ele tinha manobrado mal, mas acabara por aprender. Tinha acabado por aprender manobrando uma simulação altamente realista de um navio através de um ecrã, em vez de arriscar um navio real.
A experiência foi um sucesso. Havia câmaras de televisão na ponte, câmaras de televisão em helicópteros e câmaras de televisão em pequenos barcos que seguiam ao lado do navio. A cobertura noticiosa era tudo o que ele podia desejar.
Mas não havia câmaras presentes na reunião dos accionistas da Navigation Simulation, Incorporated. Hermann Reitsch presidiu à reunião. Descobriu em minutos que não possuía qualquer controlo sobre a companhia, nem sequer sobre a sua invenção. Cole Jennings detinha mandatos de uma substancial maioria das acções. Votava segundo as instruções de Dave. O conselho de directores, que controlaria a empresa, incluía o próprio Reitsch, Janelle Griffith e três outros que Reitsch nunca havia visto.
Nas reuniões de directores subsequentes, o conselho elegeu Hermann Reitsch para presidente, Cole Jennings para vice-presidente e conselheiro-geral, e os nomeados por Dave para secretário e tesoureiro. Dave não estava presente.
184
Junho de 1993
No vigésimo quinto aniversário de Janelle, que era num sábado, Dave levou-a a Wyckoff para conhecer os pais e o irmão dele. Tinha preparado uma festa de gala no
Four Seasons, para essa noite, mas o almoço seria junto da família dele, que ela ainda não conhecia.
Não tinham casado, mas estavam a planear fazê-lo antes do fim do mês. Era como se ele tivesse trazido a sua prometida para obter a aprovação da família.
- Teremos de casar numa igreja daqui - disse ele a Janelle, quando o carro entrou na cidadezinha. - Eles nunca aceitaram completamente a Alexandra porque não casámos na igreja. Devem achar que ela está no sítio certo e que deve lá ficar.
- Deve ser difícil perdoar uma mulher que tentou matar-lhes o filho.
Janelle tinha-se vestido com modéstia para a ocasião, com um fato de calça e casaco branco-sujo. Como tinha deixado de fumar, devido à insistência dele, mastigava pastilha elástica, que tirou da boca e atirou pela janela quando subiam a rua em direcção à casa onde ele havia passado a infância.
- Não te preocupes - disse ele -, eles não são abstémios. Vai haver bebidas.
- Apetecia-me uma.
A família Shea gostou dela. Era pequena, bonita e simpática. Não adivinharam, como ela sussurrou a Dave, que quando ele a conhecera ela tinha quinze anos e estava nua.
Na cozinha, a mãe falotHçm Dave a sós.
- É uma rapariga muito simpática. Espero que agora deixes de ser mulherengo. Aquela outra, a russa, devia passar o resto da vida na prisão.
- Bem...
A mãe estava a descascar batatas.
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- Acho que devias vir até cá de vez em quando para visitares os teus filhos. Tens essa obrigação.
- Não quero baralhá-los - disse ele. - Provavelmente, Amy ensinou-lhes que eu sou um bandido, e não lhe devo negar isso. Têm o dinheiro necessário para viver com conforto e receber uma boa educação.
- E não têm mais nenhuma obrigação?
- Vivemos vidas diferentes - disse ele.
Olhou em volta, para a modesta cozinha da sua casa de infância que fora outrora o motivo para querer subir na vida: o chão de linóleo, o lava-louças com duas torneiras, os armários simples, a mesa onde a família comia a maioria das refeições, o fogão de gás, o frigorífico; e comparou-a com a cozinha do apartamento que agora partilhava com Janelle. A mãe não a tinha visto, e não gostaria dela.
- Foste-te embora, David - disse a mãe -, e em vários sentidos.
- Janelle e eu gostaríamos de casar aqui, na igreja.
- Se quiseres. Mas não acho boa ideia. Seria a primeira vez que punhas os pés na igreja desde... desde há quantos anos? Não és cristão, meu filho. Acho que seria melhor que fossem casados por um juiz, algures em Nova Iorque.
Os convidados reuniram-se no apartamento de Dave e Janelle antes de irem para o Four Seasons.
Cole e Emily estavam lá. Tony e Margot DeFelice vieram. Julian Musgrave havia sido convidado e apareceu, um pouco para surpresa de Dave. Também tinha convidado Bob
Leeman, e Bob tinha vindo, trazendo consigo uma rapariga de quinze ou dezasseis anos com uma mini-saia curtíssima, que expunha o espaço entre as pernas dos collants sempre que descruzava as pernas.
Quem despertou mais o interesse de Dave foi Alicia Griffith, a mãe de Janelle: a mulher que havia vendido a filha adolescente para a escravatura social.
Era a primeira vez que se encontravam. A mulher era apenas um pouco mais velha do que Dave, teria entre quarenta e um e quarenta e dois anos. Usava o cabelo louro, curto. Tinha lentes de contacto, como Janelle havia dito a Dave. Era uma pessoa sólida,
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compacta, com uma figura que seria atraente para os homens que permitisse divertirem-se com ela (e ainda o fazia, como Janelle lhe havia confidenciado). Tinha os seios muito maiores do que os da filha, a barriga proeminente, as pernas grossas. Trazia um vestido de brocado colorido. A saia era mini, mas não exageradamente curta. Dave teve a impressão de que ela naquela noite não se mostrava como nas reuniões de pais. Ali tinha uma liberdade que não podia ter enquanto professora da terceira classe de uma escola pública.
- Janelle saiu-se bem - disse ela a Dave. - Acho que não fui assim tão má mãe.
- Acho que não - concordou ele.
- Vão convidar-me para o casamento?
- Claro. Claro que vamos.
Alicia Griffith bebeu um grande gole de uísque.
- És um capitalista, Dave. Toma conta dela.
- Tomo, sim, mas acho que ela não precisa que tomem conta dela. Janelle é muito inteligente e não depende de ninguém.
- Somos vulneráveis, Dave, todos nós. Talvez tu também.
- Eu amo Janelle, Alicia. Disso não há dúvida.
- Sei como a conheceste. Aquele tipo ali...
Bob Leeman viu que ela o indicou com a cabeça e aproximou-se.
- Estou-lhe muito grato, Alicia - disse.
Olharam os três na direcção de Janelle. Estava encantadora, com um vestidinho que Dave a tinha ajudado a escolher. Era justo, de veludo negro, com mini-saia. Quando
ela mostrava as pernas não apresentava collants, mas a parte de cima de umas meias de renda negras, presas por ligas presas a um cinto de meias. Não deixava ver a pele das pernas acima das meias sem mais nem menos, mas isso sucedia de vez em quando. Dave tinha estabelecido o costume.
Alicia afastou-se para ir falar com a filha.
- Também o apresentei a Alexandra - disse Leeman a Dave. Lamento que as coisas tenham corrido dessa forma com ela. Mas esta...
- Fico em dívida para consigo, Bob. Leeman sorriu.
- Vamos ganhar um dinheirão com esta coisa do Reitsch. Basta que mantenha o filho da puta a trabalhar.
Emily substituiu Leeman.
- Fui vê-la, Dave.
- Preferia que não tivesses ido.
- Não podes imaginar o que lhe aconteceu. Está destruída.
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- Foi ela a culpada.
- Ela não o nega. Ela sabe por que é que está na prisão. Mas... Cortaram-lhe o cabelo. Não quero dizer que o tenham rapado, mas cortaram-lho até cima das orelhas... aquele seu lindo cabelo. Aquela mulher espantosamente inteligente anda a lavar o chão!
- Emily... que queres que eu faça? Andei a rastejar pelo chão enquanto ela disparava sobre mim.
- Ela ficou grata por saber que lhe perdoas. Está disposta a pagar por isso.
- Contas voltar a vê-la?
- Sim. Não tem mais ninguém que a visite.
- Diz-lhe que conte com o dinheiro. Farei com que ela o receba. Quando a libertarem, viverá bem para o resto da vida.
- E é só isso?
- Que mais, Eniily? Que mais posso eu fazer?
- Dave, por vezes chego a pensar que não tens sentimentos. Ele devolveu-lhe o olhar, inexpressivo.
Ben Haye estava sentado à mesa com Dave Shea no Pen and Pencil, na Forty-fourth Street. Tinha mais ou menos a idade de Dave. Conheciam-se superficialmente havia
vários anos desde que Haye, que nessa altura jogava futebol americano para o West Virginia, jogara contra a equipa de Dave, foram depois beber uma cerveja juntos. Tinha ido directamente para Nova Iorque quando saíra da universidade; havia arranjado emprego no Kidder, Peabody, onde era investidor. Nos últimos anos os dois homens almoçavam juntos duas ou três vezes por ano e falavam quase sempre de futebol.
- Agora somos uma subsidiária da GE, sabe - disse Haye.
- Aquilo antes era... como dizer? Juniores? Bem, já não é. Chamaram-me para dizer o meu bónus: Dois milhões. Acredita numa coisa destas? Dois milhões, foda-se! Dei-lhes noventa e quatro milhões em negócios e eles dão-me dois milhões ?
Ben ainda falava com a pronúncia de West Virginia da sua terra-natal. Nunca tinha feito qualquer esforço para a alterar.
Dave acenou com a cabeça, compreensivo. Sabia que Ben e a família viviam em Greenwich, Connecticut, onde dois milhões de dólares não iam causar grande impacte. Embora não a conhecesse, Dave sabia também que Ben era casado com uma valiosa
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princesa de Ohio Valley, filha de um homem cuja companhia fabricava vidros que eram apreciados e comprados em todo o mundo ocidental. Ben era pai de seis filhos.
- A minha vontade foi dizer que os metessem num certo sítio e sair pela porta fora. Depois decidi...
- Não se irrite. Vingue-se! - sugeriu Dave.
- Procuro uma pessoa que possa adquirir uma posição numa companhia. Quero dizer, comprar ou vender com informação privilegiada não será suficiente. Isto tem de funcionar da seguinte maneira: eu dou-lhe informações pormenorizadas, você faz o negócio através dos seus contactos, tem um lucro danado e paga-me o bónus que não recebi do Kidder, Peabody.
- E estamos a falar de quanto... em dinheiro?
- Cem milhões.
- Não posso arranjar tanto, Ben.
- Não contava com isso. Mas conhece pessoas que podem.
- vou averiguar. Não podemos ser vistos juntos. Pode telefonar-me a dizer que é o Sr. Blivins. Se eu lhe telefonar, digo que sou também o Sr. Blivins.
- Combinado.
Bob Leeman estava sentado no apartamento de Dave e Janelle. Comiam entradas. Como ele não bebia, Janelle tinha posto diante dele uma garrafa de água Perrier com
um balde de gelo. Como ele não comia muito, não valia a pena convidá-lo para jantar, nem levá-lo a jantar fora. Tinha vindo sozinho, sem trazer nenhuma das suas rapariguinhas.
No Harcourt Barnham ficariam completamente passados se soubessem que Dave recebia Leeman em sua casa, por isso era a primeira vez que ele via o apartamento deles.
- Lindo! - disse ele, olhando em redor. - É preciso uma certa lata para expor aquilo.
Referia-se ao nu de Alexandra, que era o único objecto daquele casamento que se via no
apartamento. Janelle tinha-o exigido. Estava em lugar de destaque na sala.
Alexandra enfrentava o observador numa atitude de desafio, com um sorriso aberto e divertido, as mãos atrás da cabeça, as ancas inclinadas para a frente. Janelle
chamava-lhe a cabra e nunca deixava de a identificar perante as visitas:
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- É a mulher que tentou matar Dave. Está a cumprir uma grande pena de cadeia em Bedford Hills.
Naquela noite, Janelle estava vestida com decoro, um fato completo negro.
- Jesus, homem! Está a falar de cem milhões! - disse Leeman.
- Não tenho de lhe dizer a diferença entre isso e dez milhões.
- Noventa - disse Janelle, secamente.
- Não lidamos com insignificâncias, Dave - prosseguiu Leeman -, mas não consigo arranjar cem milhões. E você também não. Acho que conheço um tipo que pode. Mas... ele é capaz de decidir comer-nos vivos.
- Nunca ninguém ganhou nada sem arriscar. Leeman fez um gesto de concordância com a cabeça.
- vou tentar combinar uma reunião. vou tentar. Depois de Bob Leeman ter saído, Janelle tirou o fato.
- Quero sair, ir a um sítio bom - disse ela. - Como o Sparks. Como... bem, não sei onde. Mas primeiro eu faço-te sexo oral. E tu fazes-me a mim. Estou excitada. Se calhar, primeiro tu e depois eu. Está bem?
Recostou-se no sofá e abriu as pernas. Ele ajoelhou-se diante dela e começou a movimentar rapidamente a língua em redor do seu clitóris, já entumecido. Naquela noite ela tinha um gosto diferente, por qualquer motivo. Era agradável. Passou a língua por todas as suas partes. Ela contraiu-se e gemeu. O orgasmo fê-la estremecer.
Depois ela retribuiu o favor.
Dave conheceu Lawrence Doubler (a quem nunca chamavam Larry) na sua propriedade em Back Country Greenwich, onde ele tinha uma casa que se erguia numa alta colina com vista sobre o Estreito de Long Island, em mais de sete quilómetros. Estavam sentados em cadeiras de ferro forjado pintadas de branco, num terraço empedrado.
O homem era lendário. Era um privilégio conhecê-lo. Tinha substituído Ivan Boesky e Michael Milken como rei das acções e fusões fictícias. Comentava-se que ele provavelmente teria acesso a cem mil milhões de dólares.
Doubler poderia ter sido um homem discreto se não fossem os seus olhos azul-claros que eram capazes de olhar fixamente e
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com tal dureza que era rara a pessoa que não se sentia desconcertada. Apesar de ser uma tarde de Verão, ele usava um fato de três peças, camisa branca, gravata e sapatos negros engraxados. Era esguio e alto. A roupa era feita por medida e assentava-lhe perfeitamente. Era um homem com um autodomínio e uma autoconfiança completas. Era evidente que gostava da sua propriedade. Não dizia nada, mas o seu orgulho era óbvio.
Fumava um cigarro e bebia um Martini misturado com gim Bombay. Tinha oferecido o mesmo a Dave, que aceitara, embora tivesse preferido um Beefeater.
Dave não tinha vindo àquela reunião sem saber quem era aquele homem. Era um
mórmon1 de Las Vegas, embora já não mantivesse a fé, como se via pelo Martini e pelo cigarro.
- Sei quem o senhor é - disse Doubler, de súbito, após uns minutos de conversa bem educada. - Tem-se saído bem. Encontrei-me com Alexandra Fairchild algumas vezes.
Suponho que não a verei mais. Uma tragédia. Soube que agora está casado com uma das pequenas de Leeman. Estranho, esse homem. Abusa de crianças, depois faz delas
estrelas. A que casou consigo é um triunfo para ele. Um triunfo para si, suponho.
- Ela é um gênio! - disse Dave.
- Gostava de a conhecer. Vamos marcar um jantar.
- Será uma honra para nós.
- Bem... o que é que o senhor tem? Informação que pode conduzir a... quê? - Doubler lançou-lhe um olhar inquisitivo.
- Tenho um amigo que se sente muito infeliz no Kidder, Peabody. Quer usar o que sabe para ganhar o grande bónus que eles não lhe pagaram o ano passado. Não está
a falar em jogar com umas quantas acções. Está a falar em apoderar-se da companhia. Não tenho dinheiro para isso. Não tenho acesso a essa quantia.
- Então, estamos a falar de uma jogada importante. Dave disse que sim com a cabeça.
- Da qual espera obter...?
- Podemos chamar-lhe uma comissão? Eu obtenho a informação. O senhor faz o que achar melhor. Pagar-me-á... confio no seu discernimento. Daquilo que me pagar, cuidarei
do meu amigo. Posso dizer-lhe que ele está pronto a trair o Kidder, Peabody porque o seu bónus fápenas de dois milhões de dólares.
Doubler sorriu e abanou a cabeça.
1Seita protestante americana fundada em 1830. Em Portugal dá-se pelo nome de Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. (N. do E.).
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- Quando me iniciei neste negócio, um bónus de dois milhões de dólares era um sonho. Agora o seu amigo está zangado porque recebeu só isso.
- Ele gerou cem milhões.
- Ora bem. Vamos ver o que ele tem. O senhor sabe?
- Ele ainda não me disse.
- É evidente que nenhum de nós pode tomar uma decisão enquanto não soubermos do que ele está a falar.
- Quando ele souber que o senhor está interessado, dir-nos-á tudo.
- Óptimo. Teremos de ser completamente circunspectos, claro está. Quero que venha cá jantar com a sua jovem mulher. Quero conhecê-la. Mas terá de ser... confidencialmente. Oficialmente, isto é, publicamente, nunca nos encontrámos.
- É suspeito que nunca nos viremos a encontrar.
- Bem... nunca é uma palavra muito grande. Veremos.
VI
Ben Haye veio jantar ao apartamento dos Shea: comida chinesa que mandaram vir, porque Janelle não cozinhava muito. Ele não confiava na sua mulher, a valiosa princesa, no que dizia respeito a conversas de negócios, por isso não a havia trazido, embora ela tivesse sido incluída no convite.
Janelle usava o vestido preto de mini-saía e ocasionalmente mostrava a pele nua por cima das meias. Tinha decidido que era uma coisa que gostava de fazer.
Ele olhou em volta e reparou no retrato de Alexandra.
- É um homem de sorte, Dave. Será que sabe a sorte que tem? Janelle sorriu.
- Lembra-se daquela frase em Twelve OClock High, quando o general diz algo como: "Não acredito na sorte. Acho que cada homem é que faz a sua própria sorte", ou coisa do gênero. Bem... Dave não tem mais sorte do que as outras pessoas, Ben. O Dave faz a sua própria sorte.
- E para isso precisou de coragem e de vontade de correr riscos, coisa que eu nunca tive - disse Haye, em tom pesaroso.
- Está bem; talvez tenha agora. Lawrence Doubler está interessado na sua proposta, seja ela qual for. Falou em adquirir uma posição superior. Eu não posso. Ele pode. Mas não o fará sem pleno conhecimento.
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- Muito bem. O negócio é o seguinte: Não preciso de lhe dizer o que é a Otis Mining and Manufacturing (OMM). Eles têm uma empresa bem sucedida, que gera dinheiro,
mas fizeram um pesado investimento na abertura de minas na América do Sul, e estão com falta de liquidez. Os salteadores aperceberam-se do facto. A OMM quer emitir acções a foi ter com o Kidder, Peabody. O KP não se opôs. Monrg omery deu a entender que talvez compre todas as acções emitidas. Se assim fosse, a sua posição na OMM não seria de domínio, mas andaria perto. Sabes o que ele fez à TWA.
- A OMM sabe que ele poderá fazer isso?
- Não. Nem o KP. Há outros, que foram um pouco mais públicos. Mas a OMM está pronta para um ataque. Se Doubler conseguir vencer Monrg omery na licitação...
- Muito bem. O que é que nós ganhamos?
- Parto do princípio, Dave, de que Doubler lhe pagará... como lhe devemos chamar? Uma comissão? Da qual você me pagará o que o KP não pagou.
- Isso é um crime, sabe? - disse Janelle. O rosto de Haye tornou-se duro.
- Talvez o meu erro tenha sido nunca ter cometido um crime antes.
- O que dá a entender que eu cometi - disse Dave.
- Não estou a dar nada a entender, Dave. Estou a oferecer uma oportunidade.
VII
Dave alugou um Mercedes para a viagem até à propriedade de Doubler, em Greenwich. Não era a favor de ter automóvel. Vivendo em Manhattan, não precisava de carro. E, fosse como fosse, era um empate de capital que poderia ter melhor uso. Além disso, identificavam uma pessoa. Alguém podia anotar a matrícula e descobrir que ele tinha estado em determinado sítio a determinada hora. Chegaram às sete horas. Dave tinha avisado Janelle que Doubler nunca
era informal. Apareceu para jantar com um fato escuro. Ela vestia um vestido de caxemira cor-de-rosa que se colava a ela como uma camada de tinta mas com a saia suficientemente
longa para que não se visse a pele entre a parte de cima das meias e as cuecas.
Lawrence Doubler aguardava-os no terraço onde Dave o tinha
193
conhecido. com ele estava a mulher, Helen. Esta era uma obra-prima. Tudo nela havia sido feito por profissionais: o cabelo, a maquilhagem, a roupa... talvez mesmo
a postura e o tom de voz. O cabelo louro era demasiado perfeito e não podia ter saído há muito das mãos de um cabeleireiro. Era uma escultura: de comprimento médio, apenas lhe cobria as orelhas. As sobrancelhas eram depiladas, formando duas linhas finas, como se fossem desenhadas a lápis. Usava uma leve sombra de olhos de um tom arroxeado. As pestanas eram rígidas e negras. O bâton cor-de-rosa era luzidio. O vestido de noite de renda branca podia até ser um vestido de noiva, mas poucas noivas da idade dela, que já devia ter mais de quarenta anos, se casariam de mini-saia. Nem com meias de um chocante padrão floral escuro.
Ofereceu um cigarro a Janelle, que esta aceitou, mesmo sabendo que Dave não ia gostar. O cigarro era feito por encomenda, em papel de cor verdê-lima. Até tinha impresso o nome, e Janelle fumou um cigarro de Helen.
As bebidas e as entradas, e depois o jantar, foram servidos por duas mulheres novas vestidas como antigas criadas francesas: isto é, com toucas brancas, aventais de servir por cima de vestidos pretos com mini-saias curtíssimas, rodadas, com saiotes brancos por baixo, meias negras transparentes e sapatos de cerimônia negros.
Dave reflectiu que tudo em Lawrence Doubler era um anacronismo. Até a sua forma de controlar uma enorme quantidade de dinheiro, que havia adquirido por meios anacrónicos. Ouvira dizer que ele ainda tinha contactos em Las Vegas. Não era um desconhecido, mas o seu nome não surgia com frequência na imprensa financeira. Era um homem que se esforçava por não dar nas vistas.
Não havia qualquer dúvida de que ele era poderoso. As suas decisões financeiras eram conservadoras. Não dava dinheiro a políticos. Não possuía nenhum. Não pertencia a grupos de pressão. Agia como se o Governo fosse irrelevante, inútil; não precisava dele.
- Temos muito prazer em conhecê-la, Sra. Shea - disse ele.
- Posso tratá-la por Janelle? Claro que nos tratará por Lawrence e Helen.
- Lawrence... - disse Janelle - ... e Helen.
- Infelizmente, a natureza da nossa relação financeira vai obrigar a que não possamos ser identificados como demasiado próximos. Receio que não nos possamos ver muitas vezes. Mas acho que vamos lucrar bastante com o negócio que Dave me apresentou.
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Também era verdade, como Janelle depressa concluiu, que os Doubler eram uns maçadores.
- Oh, espero que as coisas se resolvam de modo a que possamos ver-nos com frequência - disse ela, mas não estava a ser sincera.
- Havemos de arranjar uma maneira - disse Helen. Durante o regresso a Manhattan, Janelle fez o que tinha feito
na noite do acidente. Pôs o rosto no colo de Dave, tirou-lhe o sexo para fora das calças e começou a chupá-lo.
- Guia com cuidado, raios! - disse ela.
Dave perdeu um pouco o controlo do volante devido à acção vigorosa dela sobre o seu pénis.
- Conheceste Doubler quando estavas com Leeman? Janelle estava ocupada; não respondeu.
Outubro de 1993
Janelle entrou no átrio do Waldorf usando o que lhe haviam dito: o vestido de caxemira cor-de-rosa que vestira na visita à propriedade dos Doubler, em Greenwich.
Olhou à sua volta e identificou imediatamente o correio: uma mulher de cinquenta e tal anos, vestida com elegância e com ar de quem vivia no Waldorf.
Os seus olhares cruzaram-se e ela aproximou-se de Janelle.
- O tempo está estranho para esta época do ano - disse ela.
- Acontece - disse Janelle.
- Eu sou do Ohio, onde as estações são mais certas.
- Eu sou do Connecticut, onde tudo se pode esperar. A mulher trazia uma mala, que entregou a Janelle.
De regresso ao apartamento, antes que Dave voltasse do banco, ela abriu a mala e contou o dinheiro. Nunca tinha visto tantas notas. Havia maços atrás de maços.
- Dave... estão aqui seis milhões de dólares.
- Três para nós e três para Ben.
195
Novembro de 1993
Axel Schnyder estava sentado diante de Dave Shea na sala de jantar de um clube de Zurique.
- Pedi-lhe que viesse cá - disse ele, porque os serviços fiscais do seu país têm andado a farejar por aqui.
- A farejar?
- Não perguntaram por si. Não fomos obrigados a dizer-lhes nada. Mas estão interessados no negócio da Otis Mining. Não preciso de lhe dizer, Dave, que o seu amigo de Greenwich, Connecticut, tem cá muito dinheiro em diversos fundos. Esses fundos fizeram um forte investimento na OMM. Estou a falar de grandes quantias, Dave. Esse homem controla muito dinheiro, de cem maneiras diferentes. Não é dele, claro, da mesma forma que aquele que você tem não é meu. Mas ele controla-o. Os amigos dele agora controlam a OMM. Não são só os dos impostos que querem saber o que sucedeu. O SEC quer saber. Não pude deixar de reparar que, pouco depois de concluído o negócio da OMM, você depositou três milhões de dólares. Esteve envolvido no caso, Dave? Se esteve, é melhor ter cuidado.
- Eu tenho sempre cuidado.
- Tenha mesmo. Isto pode tornar-se muito complicado.
- Eu tenho sempre cuidado.
- Não quero saber mais. Mas sei, infelizmente, que a segunda Sra. Shea, tão bela e inteligente, está presa.
- Tentou matar-me. Eu não queria que ela fosse condenada a uma pena tão grande. Estava disposto a mentir e a dizer que tinha sido um acidente ou coisa assim. Mas ela... Fez um buraco na porta do nosso apartamento e outro na janela. E a intenção era fazer um buraco em mim. Depois tentou fugir. Os vizinhos ficaram histéricos. Apanhou de dez a quinze anos.
- As penas americanas são duras.
- Bem... vai ter uma entrevista para pedido de liberdade condicional passados uns oito anos. Eu vou estar presente para testemunhar que lhe perdoei completamente e que gostaria que ela fosse libertada.
- E soube que voltou a casar, com uma mulher excepcionalmente bela e talentosa.
- Sim. Excepcionalmente bela e talentosa. Schnyder acenou com a cabeça.
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- É um homem de sorte. Se não tivesse tanta sorte, talvez gostasse de passar algum tempo com uma colaboradora minha, Hanna Hess. Ela reparou em si e... bem, posso prometer-lhe uma noite interessante.
Dave sorriu.
- Posso lá recusar uma noite interessante!
197
Véspera de Natal, 1993
Amy tinha a sensação de que este Natal Dave talvez viesse visitá-la e aos seus filhos. Não tinha nenhum bom motivo para pensar que isso sucedesse, mas sempre tinha
a fantasia de que ele havia de regressar. Quando os presentes chegaram, soube que ele não viria. Entregues pela UPS, eram generosos em termos de dinheiro, mas impessoais.
Na tarde da véspera de Natal, Cole foi lá a casa. Os miúdos não estavam, tinham ido a festas. Amy estava só.
- Bem, a segunda mulher dele está na prisão, segundo soube. Tentou matá-lo. Se calhar era o que eu devia ter feito. Mas... não. Os miúdos...
- Alexandra está completamente destruída. Está presa há um ano e ainda lhe faltam seis ou sete anos, no mínimo. Está que mete dó. Émily vai visitá-la todos os meses - interrompeu-se. - Desculpa, Amy, mas ela era uma mulher brilhante... bela... inteligente.
- Agora, ele casou pela terceira vez. Nunca vai deixar de magoar as pessoas... de usar as pessoas.
- Não ias gostar de conhecer Janelle. Também é bela, mas de um modo muito diferente. E é um gênio.
- Nunca fui mulher bastante para ele, pois não, Cole?
- Ninguém é o bastante para Dave. Nem homem, nem mulher. Amy encolheu os ombros. Olhou para si mesma. Era pesada.
Era assim que a descreviam em Wycoff. Não possuía elegância. As suas roupas não tinham nada de mal, mas não eram ousadas; eram o normal para uma mulher madura, mãe de dois filhos adolescentes. -Cole...
Desabotoou a camisola e tirou-a, deixando ver o soutien branco de aspecto
normal.
- Amy...
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- Quero que me dês um presente de Natal, Cole. Dave não me deu nada de jeito. Quero que me dês um.
Ela desapertou o soutien e deixou-o cair. Os seios dela eram grandes e brancos, com auréolas nitidamente rosadas e mamilos proeminentes.
- Amy!
- Quero um presente de Natal, Cole. Quero que vás comigo para a cama. Quero foder, mais do que qualquer outra coisa no mundo.
- Comigo?
- Posso confiar em mais alguém?
Despiu o resto da roupa. Caminhou pela sala, exibindo-se para ele. Cole compreendia por que é que Dave a tinha trocado por mulheres como Alexandra e Janelle. Amy, na verdade, era uma mulher um pouco flácida e pesada, mas não possuía a elegância das outras duas mulheres de Dave.
- Amy...?
- Não estou assim tão mal, pois não? Sou assim tão feia que nem podes pensar em ir para a cama comigo?
- E se eu te engravido, Amy? - Ele tentava pensar em qualquer coisa.
- Não sou parva. Sei resolver isso. Se acontecer, eu resolvo. Não te vou envergonhar. Emily nunca saberá. Quero dizer... de vez em quando, Cole. De vez em quando. Não conheço nenhum outro homem em quem possa confiar como confio em ti.
- Estás a dizer que nunca...
- Não. Mas têm sido uns filhos da puta. Só queriam um buraco em que se meter. Quero ir para a cama com um homem que me respeite. Quero-te a ti, Cole. Quero-te dentro... de mim. Quero um homem que pense em mim como um ser humano e não como um buraco. E não conheço mais ninguém.
- Amy, isso não te fará sentir melhor. Ela olhou-o, desesperada.
- Por favor... - disse em voz fraca. Relutante, ele seguiu-a até ao quarto.
- Oh, meu Deus, Cole! Oh, meu DEUS!
Teve inevitavelmente que regressar a casa, mas não sem antes a ter mais duas vezes. Por vezes, odiava realmente Dave. Outras vezes, odiava-se a si
próprio.
199
A família Jennings reuniu-se em volta da árvore de Natal. Cole sentia-se pouco à-vontade, esperando que Emily não descobrisse o que havia feito com Amy duas horas
antes. Esperava recarregar as baterias antes que ela esperasse alguma coisa dele.
Emily, fosse como fosse, já não era tão exigente. Parecia enfraquecer. Tinha ido ao médico, que não descobriu nenhum motivo para que ela sentisse a sua energia a diminuir. E nessa noite resolveram esquecer essa preocupação e celebrar.
A pequena Jenna tinha treze anos, quase catorze. Na realidade, já não era uma criança. Quando Cole serviu o champanhe, ela bebeu o seu e estava pronta para mais. O irmão bebeu um golo, engoliu-o e declarou-o "forte". Jenna riu.
Fizeram o jantar de Natal na véspera. No dia seguinte abririam os presentes. O jantar era peru com tudo o que era devido, tal como no Dia de Acção de Graças.
- Deus deve gostar de nós - disse Emily, quando começaram a comer. Não deram graças, nem nunca davam, mas mesmo assim ela disse estas palavras.
O pai e a mãe estavam um pouco preocupados com Jenna. Já usava soutien. Orgulhava-se do seu corpo, que amadurecia. Tinha crescido depressa, talvez demasiado depressa.
Por vezes, pedia à mãe que a deixasse ver as argolas dos mamilos, e insistia que queria pôr umas o mais depressa possível. Emily começava a arrepender-se de ter deixado Jenna vê-las.
Depois do jantar, sentados em volta da árvore, cantaram canções de Natal. Era uma tradição de família.
Deitaram-se cedo. Sabiam que teriam de se levantar cedo para abrir os presentes. Emily, que havia anos não usava camisa-de-dormir, tal como Cole não usava pijama, enroscou-se nele mas não pediu sexo. Adormeceu sem dizer nada.
Na noite de Natal, Janelle vestiu-se como sabia que Dave gostava: cinto de ligas negro a segurar meias de cor bege. Tinha mandado vir um jantar extraordinário: comida
chinesa, de que ambos gostavam. Beberam champanhe.
Viram os presentes de Natal. A mãe de Janelle tinha mandado
200
um grande ramo de flores. Os pais e o irmão de Dave tinham mandado um arranjo floral diferente, de flores secas. Cole e Emily tinham mandado um enorme sortido de queijos e vinhos. Bob Leeman tinha mandado uma camisa-de-noite: transparente e com rendas. Ben Haye tinha mandado uma selecção de chocolates belgas. A surpresa foi que Lawrence e Helen haviam mandado um casaco de vison.
Emocionaram-se ambos com um cartão vindo de Bedford Hills. Alexandra tinha tido autorização para enviar cartões a pessoas que não estavam na sua lista.
Saudações. Espero que tenham um feliz tfataC.
Alexandra passou a noite de Natal fechada em Bedford Hills. Pior do que isso. Estava fechada na cela disciplinar. Por muito que tentasse, não conseguia ser uma prisioneira
boa, calada e obediente. Não estava na sua natureza ser uma prisioneira. Como eles diziam, tinha-se "armado em esperta" com uma guarda, e por isso tinha sido condenada
a passar três dias em detenção disciplinar: a véspera de Natal, o dia de Natal e mais um dia. Tinham-lhe ordenado que se despisse e deram-lhe uma bata de algodão
branco com as letras NYDC1 a preto, que significavam New York Department of Corrections, e depois de a algemarem levaram-na para a ala disciplinar.
A detenção disciplinar consistia em ficar fechada numa cela com grades sem nada para ler, sem nada para fazer. Como diziam as guardas, as "senhoras" em detenção
disciplinar tinham tempo para reflectir e para se arrepender.
Pior, o facto seria registado, e poderia fazer com que "chumbasse" na primeira entrevista de liberdade condicional. Agarrou as grades e ficou a olhar o corredor,
como se lá houvesse algo mais para ver do que dentro da cela. Soluçava.
- Tem calma, Shea - disse a mulher da cela à sua direita.
- Vais ficar aqui uns tempos. Pois eu apanhei mais, por Deus. Tens de cumprir uns dez anos. Eu apanhei prisão perpétua. Não
1 Departamento de Correcção de Nova Iorque. (N. da T.).
201
te habituas. Nunca te habituarás. Mas um dia vais sair. Pensa então naquelas de nós que nunca sairão.
- Lamento, Emma.
- Não penses que podes vencer o sistema. Fica de boca calada e faz o que te dizem. Assim sairás. Um dia.
- Que raio de maneira de passar o Natal - murmurou Alexandra, entre lágrimas.
- Já cá estavas o ano passado.
- Não aqui dentro.
Alexandra deu um suspiro profundo. Supôs que Emma tivesse largado as barras e se sentasse na cama.
Trouxeram o jantar de Natal: peru e molho, tudo frio. Teve de se pôr de gatas para apanhar o tabuleiro da abertura ao fundo da porta. Comia e chorava em silêncio. Tinha de comer. Não lhe dariam mais nada até ao dia seguinte.
Que raio de maneira de passar o Natal.
Tinha recebido uma carta de Emily. Dave tinha feito um grande negócio, com qualquer coisa. Tinha recebido uma percentagem, e depois ela receberia uma percentagem. Emily escreveu em código, pois sabia que a correspondência de Alexandra era lida, mas sabia que ela compreenderia.
De bom grado, Alexandra daria a sua percentagem, ou fosse o que fosse, para não estar na prisão.
Alicia Griffith, a mãe de Janelle, ganhou duzentos e cinquenta dólares na noite de Natal. Passou-a num quarto de hotel com o recém-divorciado pai de uma das suas
alunas da terceira classe. Tinha-o conhecido na escola, na reunião dos encarregados de educação, e não fazia ideia de como é que ele sabia que ela estaria disposta a fazer sexo por dinheiro.
Como a maioria dos homens, queria que ela lho metesse na boca. Tudo bem. Estava habituada. Na verdade, até se orgulhava de o fazer bem. Passou a língua pelas partes dele e fê-lo escorregar para a frente e para trás nos lábios. Tinha passado assim muitas noites de Natal.
202
Dia de Natal, 1993
Alicia teve de sair do hotel de manhã cedo, a tempo de tomar banho e de se vestir para ir até Nova Jérsia, onde iria conhecer a família do genro. Vestiu-se com modéstia,
com um fato completo branco, como era próprio de uma sogra.
- Aposto que sei o que fizeste ontem à noite - sussurrou-lhe Janelle quando entraram no Mercedes que Dave alugara para as levar a Wyckoff.
- Fiz duzentos e cinquenta dólares - murmurou Alicia. No porta-bagagens do carro, Dave trazia os presentes que
havia comprado para a família. O principal era um forno micro-ondas. Tinha comprado um vestido de caxemira preto para a mãe e um relógio de pulso Rolex para o pai.
Alicia foi para a cozinha com a mãe de Dave, para oferecer ajuda. Sabia cozinhar. Toda a vida cozinhara.
A mãe de Dave abanou a cabeça perante o forno de micro-ondas, agora em cima do balcão.
- vou ter de aprender a usá-lo. Suponho que quase toda a gente tem um. Mas, por mais que me esforce, não consigo perceber para que é que serve.
- Leia as instruções - disse Alicia. - Arranje um livro de culinária com o micro-ondas. Daqui a pouco, vai perguntar a si mesma como é que podia viver sem ele.
A Sra. Shea sorriu e acenou com a cabeça.
- Estou muito contente... estamos todos muito contentes por Dave ter casado com a sua filha. É a mulher que ele sempre devia ter tido. A que está... presa... nunca
entendi. A primeira mulher era apenas uma rapariga de província, e Dave não é um homem de província. Amy é simpática, mas ele precisa de uma mulher que seja mais
do que simpática.
- Eu também estou satisfeita com o casamento - disse Alicia.
Na sala, Dave estava sentado um pouco afastado do pai, que falava com ele com toda a
maldade, em voz baixa, para que as outras pessoas da sala não ouvissem.
- Não sei nada do teu trabalho, o que é óbvio. Não o posso compreender. Nem saberia como começar. Mas... Dave, apresentas declarações completas e pagas os impostos,
não é?
- Claro.
203
- Há tanta gente que se deu mal. Tenho lido nos jornais. Há pessoas com o teu trabalho que estão em penitenciárias.
- Não se preocupe. Tenho contabilistas que trabalham para que tudo seja feito como deve ser.
O pai disse que sim com a cabeça, aparentemente descansado.
- Gosto da tua nova mulher - disse. - Que idade tem ela?
- Tem vinte e cinco.
- E tu tens trinta e... sete. Seu maroto! E ela não está grávida?
- Não.
- Vamos esperar que em breve esteja. Já estás um pouco velho para começar outra família.
Na tarde do dia de Natal, depois de abrirem os presentes, de terem comido mais uma refeição pesada e de terem bebido mais vinho, a família Jennings caiu num torpor.
À excepção de Jenna. Ela foi a casa de um colega do liceu, chamado Bill Morris, filho do Bill Morris que estava com Dave Shea na noite em que Jim Amos morrera. Foram para a sala de jogos da cave para jogar bilhar. Os Morris não estavam, tinham ido visitar os avós.
Também lá estava Bob Hupp, um rapaz de dezasseis anos que tinha fama de ser um excelente jogador de bilhar. Gostava de vir à sala de jogos dos Morris e jogar na mesa deles.
Jenna também jogava bem bilhar. Hupp tinha-a ensinado a jogar. Não jogavam o de oito bolas, que consideravam um jogo de crianças, nem o de nove bolas, que consideravam um jogo de azar, indigno das suas capacidades. Jogavam o jogo normal, de cinquenta bolas. Os jogadores tinham de anunciar as suas jogadas, e o primeiro que enfiasse cinquenta bolas ganhava. Hupp costumava ganhar, mas Jenna ganhava ocasionalmente, e Bill Morris raramente.
Aquele jogo era o primeiro que jogavam com uma característica especial.
Jenna estava nua.
- Ei, Jennings - havia-a desafiado Hupp. - Que tal tirares a roupa para nós vermos? Ora, já vimos o teu quadro.
Ela não devia ter mostrado o seu nu a ninguém, mas tinha deixado os dois rapazes vê-lo, por serem tão bons amigos.
204
- Oh, rapazes, vá lá! - disse ela, em tom de provocação. Vocês não estão mesmo a querer que eu dispa a roupa. Vá lá!
- Isso mesmo: vá lá. Não te fazia mal nenhum, e era um óptimo presente de Natal.
Jenna endireitou os ombros e soltou um grande suspiro.
- Bem... talvez... Vêem mas não tocam.
- Claro, com certeza - garantiu Hupp, de olhos arregalados.
- Vocês vão ficar com tesão - disse ela, com um sorriso sedutor. Morris sorriu:
- Já estamos, só de pensar. Mas não te atacamos.
- E... é um segredo nosso.
- com certeza.
Ela pensou por momentos e depois tirou a camisola. Desceu as calças de ganga e tirou-as. Neste ponto, de soutien e cuecas, parou.
- Talvez... assim? Está bem? Hupp encolheu os ombros.
- De biquini mostras mais do que isso.
- Bem... - desapertou o soutien e deixou-o cair. Depois as cuecas. Toda nua, pegou num taco e perguntou: - Então, vamos jogar bilhar ou não?
Jogaram bilhar. Jenna (treze anos, a caminho dos catorze) não experimentava mais do que um leve embaraço, e isso apenas a princípio. Orgulhava-se do seu corpo jovem e em desenvolvimento e depressa descobriu que gostava de o mostrar.
Os seus seios eram pequenos e redondos. Eram brancos, em contraste com as linhas de bronzeado do Verão.
- Meu Deus, estas têm de crescer - disse ela. Ergueu-os nas mãos. - Não me apetecia nada viver toda a vida com umas mamas assim.
Passado algum tempo, reparou que os dois rapazes se movimentavam em volta da mesa para a ver jogar. Quando se inclinava por cima da mesa, os seios, ainda que pequenos, pendiam um pouco. Quando se esticava por cima da mesa, os rapazes punham-se atrás dela. Aquela posição revelava as nádegas voltadas para cima e um pouco das partes carnudas e rosadas do seu sexo. Começou a abrir as pernas, com ar de brincadeira, cada vez que se esticava por cima da mesa.
Riu.
- Ei, querem mesmo ver?
Saltou para cima da mesa, sentou-se no rebordo e afastou totalmente as pernas. com os dedos, afastou os lábios exteriores. Agora, os rapazes viam tudo aquilo que
haviam sonhado ver e mais: os lábios interiores rosados e brilhantes, um minúsculo clitóris e a cavidade sombria que levava às suas partes interiores.
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Ficou sentada a sorrir para eles durante um longo momento e depois desceu com um salto.
- Acabou o espectáculo.
Tinham os dois visto mais do que esperavam; nem sabiam o que fazer com o que haviam visto. Apenas podiam ficar a olhar, de olhos esbugalhados.
206
Março de 1994
Alexandra foi conduzida para fora da prisão usando roupas civis: um elegante fato de calça e casaco preto. Também tinha um pouco de maquilhagem. Mas tinha igualmente umas algemas presas à- barriga por uma corrente e grilhetas nos tornozelos. Mostrava-se apática em relação ao que lhe restringia os movimentos. Era exactamente isso que esperava quando lhe haviam dito que ia a Nova Iorque testemunhar perante um júri de acusação.
Sentada na carrinha da prisão, fez a viagem de cerca de uma hora até ao tribunal federal de Manhattan. Depois de atravessar o edifício do tribunal, tiraram-lhe as correntes e fecharam-na numa cela de detenção até chegar o momento de ouvirem o seu depoimento. A cela de detenção era uma minúscula jaula de rede onde não havia nada a não ser uma prateleira onde os prisioneiros se podiam sentar. Também se mostrou apática em relação a isto. Que diferença fazia?
Um homem idoso, com a cabeça calva e de pele manchada, aproximou-se da cela e perguntou se ela queria uma chávena de café. Ela disse que sim e ele regressou passados uns minutos com uma chávena de papel cheia de café quente. Abriu o cadeado que fechava a cela, abriu a porta e entregou-lhe o café, depois voltou a fechar o cadeado.
- Não se lembra de mim, pois não? - perguntou. - Eu lembro-me de si quando era a Menina Fairchild... aliás, Menina Krylov.
- Desculpe. - Bem... eu nunca fui uma pessoa famosa. Mas a senhora foi muito boa para mim quando eles tentaram deportar-me. Foi falar a meu favor e de outros, explicou aos jornais
que nem todos os russos são comunistas e quase nenhum é espião.
Ela disse que sim com a cabeça.
207
- Lembro-me disso. ;
- Lamento imenso vê-la nesta situação.
- Também eu - disse ela.
Queriam que ela prestasse declarações sobre a questão se o ex-marido, Dave Shea, tinha ou não contas no exterior.
- Se tinha, eu não sabia - disse ela, sob juramento.
- Recordo-lhe, Sra. Shea, que a pena para o perjúrio é muito severa. Alexandra encolheu os ombros.
- Para sair da prisão era capaz de jurar qualquer coisa que quisessem.
- A senhora não está presa por evasão fiscal, nem por manipulação de títulos de crédito. Está presa por ter tentado matar o seu marido.
- Perdi a cabeça.
- Declara então que nada sabia de contas no exterior mantidas pelo seu marido?
- É essa a minha declaração. A nossa relação matrimonial era muito forte, com respeito mútuo; mas ele não me fazia grandes confidências sobre o trabalho.
E no Harcourt
Barnham.
- Por que é que tentou matá-lo?
- Porque descobri que ele andava com outra mulher.
- Sra. Shea... a senhora possui uma conta no exterior?
- Sou reclusa numa prisão do Estado, cumpro uma pena prolongada. Como podia eu ter uma conta no exterior?
- O seu ex-marido não estará a pagar o seu silêncio?
- Eu faria todas as declarações que me pedissem se isso me tirasse da prisão. Ninguém me poderia pagar o suficiente pelos anos que vou passar presa.
Dave não estava lá, nem sequer perto. Cole também não. Mas quando foi levada da sala do tribunal e lhe voltavam a pôr as algemas, Alexandra viu Emily que, sem ser reconhecida, fazia parte do pequeno grupo que assistia ao que se passava. Ambas tiveram o cuidado de não revelar qualquer indício de reconhecimento. Quando uma guarda se baixou diante dela para lhe prender as grilhetas aos tornozelos, Alexandra arriscou um sorriso, tênue e subtil.
- Raios! - disse Cole. - Estão a chegar perto. Dave abanou a cabeça.
- Não podem descobrir nada porque não sabem o que procuram.
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- Pelo que pude saber, Alexandra não lhes contou nada. Cometeu perjúrio. Se eles puderem provar que ela mentiu sob juramento, vai apanhar uma pena ajuntar à que já está a cumprir, e provavelmente passará o resto da vida numa prisão.
- Isso não vai acontecer - disse Dave. - Como poderiam eles provar que ela sabia alguma coisa? O nome dela não consta em lado nenhum. Nem o meu, sequer.
- Sentes pena dela?
- Sinto, e quero perguntar-te uma coisa. Queres tratar do caso ou devo arranjar outro advogado para preparar um pedido de comutação de pena?
- Dave...
- Está bem, eu arranjo outra pessoa. Uma pessoa que tenha influência política. Mas quando Emily for visitar Alexandra, quero que lhe diga que eu estou a tratar disso.
in
O ataque à OMM deu nas vistas. O Wall Street Journal deu a notícia:
O controlo das acções da Otis Mining and Manufacturing foi transferido para compradores anónimos, diversos consórcios europeus, cujos possuidores ninguém parece
ser capaz de descobrir. Abundam os boatos. Entre os possíveis proprietários conta-se Lawrence Doubler, que nega qualquer conhecimento sobre o assunto.
Seja quem for que detém as acções que controlam a OMM, não efectuou quaisquer alterações radicais na sua política de negócios.
O presidente, William Foster, insiste que não recebeu instruções dos novos accionistas no sentido de alterar seja o que for. Está disposto a dizer apenas que a companhia se encontra agora com bases muito mais sólidas e que está grato aos novos investidores.
O SEC e o Departanwrto de Justiça continuam decididos a descobrir quem fez o quê a quem. Os antigos donos das acções estão profundamente preocupados com a perda do controlo.
Ben Haye acabou por proporcionar mais informação privilegiada. Gostou dos três milhões que Dave lhe pagou e queria mais.
209
Convidou Dave e Janelle para jantar na sua casa em Greenwich, onde tinham de vir em segredo, porque se alguém soubesse que eles se conheciam poderia ser desastroso para ambos. Dave alugou um BMW, que naquela cidade não daria nas vistas, e foi nele que fez a viagem até à casa dos Haye, em North Street.
Era evidente o motivo por que Ben tinha de arranjar dinheiro e por que desdenhara os dois milhões que lhe tinham sido dados como bónus na Kidder, Peabody. A casa
não era de modo nenhum a mais luxuosa de Greenwich, mas estava muito além dos sonhos de um rapaz de West Virgínia, ou de um rapaz de Wyckoff. A herdeira do fabricante de vidros era uma apaixonada por antiguidades e havia mobilado a casa com uma colecção de caras antiguidades, quase todas compradas ali mesmo, em Greenwich.
- A casa foi construída em 1912 - explicou ela. - Não me parecia correcto enchê-la de coisas modernas.
- Oh, não, não. Isso não seria nada apropriado - disse Janelle, a filha de uma professora primária que continuava a praticar a prostituição.
Dave achou graça e disse:
- Janelle percebe um pouco de antiguidades.
Janelle sorriu-lhe. Não percebia absolutamente nada de antiguidades.
Deborah Haye era uma mulher corpulenta que tentava ser elegante. Nessa noite envergava um vestido vermelho decotado, que deixava ver os seus seios enormes quase
até aos mamilos, e era evidente que tanto ela como o marido se orgulhavam deles.
Ben conseguiu que ele e Dave se afastassem das duas mulheres.
- Não posso falar de certas coisas diante da Debbie - disse ele em voz baixa. - Compreende. Ela não sabe que eu recebi de si três milhões e não faz ideia do que eu fiz com eles.
- Deixe-me adivinhar - disse Dave. - Baamas.
- Bem...
- Muito bem. Mas traga-o para a Europa. Pense em Zurique, em Viena ou em Luxemburgo.
- Está bem. Mas sei de outro negócio. Este não será para controlar uma empresa, só para ter um belo lucro. Não precisamos de meter o seu amigo multimilionário. Basta-nos investir o nosso próprio dinheiro.
- E qual é o negócio? Depressa, antes que as mulheres regressem.
Ben lançou um olhar às duas mulheres. Debbie explicava a Janelle onde havia comprado, e porquê, uma mesa antiga que estava do outro lado da sala.
- AMichigan Minnesota Corporation veio ao Kidder pedir
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ajuda no financiamento da exploração de uma jazida de ilmenite de elevada qualidade que foi descoberta. Sabe o que é ilmenite?
- Não.
- Minério de titânio. A ilmenite é um mineral comum, mas este tem um teor de titânio excepcionalmente elevado e livre de substâncias contaminadoras. Querem explorá-la e construir uma fábrica para refinar o titânio. Vão receber o dinheiro. Aos preços de hoje, pode comprar-se uma acção da Mich and Minn por 18,38. Quando receberem o financiamento e anunciarem o que têm e o que vão fazer, o preço vai duplicar, no mínimo. vou aplicar nelas parte dos três milhões que tenho na minha conta exterior. Você pode fazer o mesmo. Mas não podemos ser gananciosos, temos de ter cuidado. Grandes movimentos de acções levantarão suspeitas. E será demasiado evidente que a informação veio da Kidder, Peabody.
- Podia vir de qualquer pessoa da Mich and Minn - disse Dave. - E de outros, sem dúvida.
Ben concordou com um aceno de cabeça.
- Mas grandes movimentos de acções nos próximos quinze dias vão levantar suspeitas. O SEC vai decerto investigar. O negócio tem de ser só nosso e feito com muita discrição.
- Não faça uma grande compra logo de uma vez - disse Dave. - Compre quinhentas acções amanhã e quinhentas dois dias depois; depois, cem ou duzentas na próxima semana e assim por diante, até ser feita a comunicação. Depois vendemos, um pouco de cada vez. Não vamos ganhar milhões, mas isso nem sempre é possível. Vamos supor que você compra duas mil acções e o preço duplica. Bem, ganha trinta e seis mil dólares.
- Tenho outra ideia - disse Ben. - Você tem... o quê?... múltiplas contas na Europa. Vamos supor que eu transfiro parte dos meus três milhões para as suas contas. Você pode negociar melhor do que eu. Está muito mais distante da KP e da informação. E tem outros contactos, que podem investir discretamente por eles e por nós.
- Combinado - disse Dave. - Vamos tratar dos pormenores.
Alguns dias depois, Dave chegou a casa e encontrou Janelle usando a mini-saia mais curta que jamais a havia visto usar. Usava meias e um cinto de ligas. Quando se
sentava sem cruzar
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as pernas mostrava o sexo. Mas este não estava despido, ela tinha cuecas. Mas ao olhar viu algo que o surpreendeu: as cuecas, tipo biquini, tinham uma fenda, e quando ela abriu ainda mais as pernas, as cuecas abriram-se e viu-se tudo.
- Esta tarde fui às compras - disse ela, ao mesmo tempo que lhe dava o seu Martini. - Tive curiosidade, fui ver uma das lojas Cheeks, dos Cooper. Têm umas coisas interessantes. Este vestidos, cuecas sem parte de baixo. Comprei três pares. Soutien com buracos para se verem os mamilos. Trago um vestido. Daqui a pouco mostro-te. E não ias acreditar... - baixou a mão e abriu um saco de compras. - Olha.
Mostrou-lhe um par de punhos de couro preto forrados com pêlo e presos um ao outro por uma corrente de aço brilhante com cerca de trinta centímetros de comprimento. Prendiam-se com fivelas e os ganchos das fivelas tinham uma argola onde se podiam prender uns cadeados muito pequenos para evitar que a pessoa que as usava as tirasse.
- E finalmente...
Mostrou-lhe uma coleira de couro larga, também forrada de pêlo e equipada com uma fivela e um pequeno cadeado.
Dave franziu as sobrancelhas, ao mesmo tempo que sorria.
- Que vamos fazer com isso? - perguntou ele.
- Bem... podes pô-los a mim. Talvez eu deteste os punhos e te peça logo que os tires. Mas acho a coleira gira, sensual. Por que é que não ma pões já? Os punhos ficam para mais tarde.
com cuidado, ele pôs-lhe a coleira em volta do pescoço. O couro era macio, e ele podia ver que não a magoava. Fechou-a com a fivela, sem apertar muito, e pôs o cadeado.
- Ah... sou a tua escrava do amor, querido.
- Não te imagino como escrava seja do que for.
Ela foi ver-se ao espelho. Puxou a coleira e rodou-a para que a fivela e o cadeado ficassem na parte da frente.
- Diz-me lá que não te excita... Também, tu não precisas de nada para ficares excitado.
Ele sabia que iria ficar excitado e foi o que sucedeu. Foi obrigado a recordar o hábito que tinha de amarrar Amy com cordas de roupa. Isso excitava-o. Nunca a tinha magoado, mas tinha-a obrigado a ficar sentada noites inteiras, depois de os miúdos se terem ido deitar, com os pulsos e os tornozelos amarrados. Ela, chorosa, dizia que aquilo era aviltante e humilhante. Janelle erguia o queixo e fazia poses com a coleira no pescoço. Gostava dela, sentia-se mesmo orgulhosa.
Despiu o vestido enquanto aqueciam no micro-ondas as pizzas congeladas e abriam o vinho. Usava o soutien que tinha descrito,
212
com os mamilos espetados pelos buracos. Ele passou-lhes os dedos até que ficaram erectos.
Depois de comerem, ela dissê-lhe que ele lhe podia pôr os punhos. Ele pôs.
-E então...?
Ela ficou a olhar para ele por instantes, ergueu as mãos e esticou a corrente; depois sorriu.
- Não estão mal. Não me parece que os queira usar durante muito tempo ou com frequência, mas... excitam-te, não é?
- Não vou dizer que não. Ela retorceu os ombros.
- Sexo com imaginação, hum? Estou fabulosa.
O soutien que deixava os mamilos de fora era preto. As cuecas sem parte de baixo eram pretas, tal como o cinto de ligas, as meias transparentes e os sapatos de salto de agulha. Caminhou pela sala, dando voltas e exibindo-se para ele.
- É melhor do que estar só nua, não é? Dave disse que sim com a cabeça, sorrindo.
De súbito, com um sorriso perverso, ela perguntou:
- O que é que te excitaria ainda mais?
- Bem... talvez uma marota como tu devesse apanhar uma sovazinha.
- Só podes... estar... a... brincar.
- Não podes dizer que não gostas, se nunca experimentaste. Ela arqueou os ombros.
- Talvez só uma ou duas palmadas, para experimentar murmurou ela.
- Em cima dos meus joelhos - disse ele.
Estava sentado no meio do sofá, e Janelle estendeu-se, com as ancas no colo dele. As minúsculas cuecas não lhe cobriam o rabo. Ele ergueu a mão e deu-lhe uma palmada seca na nádega direita.
-AI!
Ele voltou a fazer o mesmo na outra nádega.
- Ai! Foda-se, não com tanta força!
- Está bem. Mais seis; três em cada lado do teu lindo rabo. com menos força, pronto.
Ela respirou fundo e disse que sim com a cabeça.
Ele deu-lhe uma sova. Ela gemeu a cada palmada, mas não gritou, nem tentou rebolar
para fora do colo dele.
Dave enfiou o dedo na abertura das cuecas dela e passou-lho pelas partes.
- Estás molhada - murmurou ele. - Puta. Estás a gostar. vou espancar-te até que me implores que pare. Outra vez com mais força. Aposto que te vens.
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- Ai! Ai! - Mas não lhe pediu para parar. As suas nádegas ganharam um brilhante tom cor-de-rosa.
Por fim...
- Pronto! Ai! Oh, céus, pára! Estou a vir-me! Ah! Estou a vir-me! - gemeu e apertou a cara contra o assento do sofá.
Quando ela se descontraiu, ele voltou-a e levantou-a. Depois beijou-a. Ela tinha os olhos e as faces molhados de lágrimas e o rosto corado. Tentou apalpar o rabo quente com a mão, mas os punhos e a corrente não deixavam.
- Desce as calças - sussurrou ela. - A rapariga que acabaste de maltratar vai dar-te a maior chupadela da tua vida. Prepara-te. Vai demorar.
Começou a provocá-lo com a língua. Quando percebia que ele estava prestes a vir-se, largava-o e bebia um golo de uísque. Passado um minuto, mais ou menos, recomeçava a trabalhar nele, lambendo-o suavemente, fazendo aumentar a pouco e pouco a sua excitação. Depois: mais um intervalo. Depois continuava a lambê-lo. E por aí fora, até ele explodir num violento orgasmo que disparou para dentro da sua boca. Ela não engoliu, deixou escorrer o sémen dele da boca, pelo queixo abaixo, caindo para os seios.
Janelle ficou a sorrir enquanto Dave tentava recuperar a razão.
214
Abril de 1994
Nas duas semanas que se seguiram, Reinhard Briining e Friederich Burger investiram em acções da Michigan and Minnesota Corporation. Bob Leeman fez o mesmo.
Bob estava a jantar com Dave e Janelle num restaurantezinho italiano desconhecido, em Upper East Side. Continuavam a não querer ser vistos juntos.
Janelle usava um vestido com uma mini-saia curtíssima que tinha comprado na Cheeks. Dave usava um casaco de tweed em caxemira, com quadrados discretos em cinzento e castanho. Era um casaco que ele nunca deixava os funcionários do Harcourt Barnham verem. Leeman reparou no vestido de Janelle e no casaco de Dave e elogiou-os, embora ele usasse um fato sem nada de extraordinário, como sempre, porque não ligava nada às roupas.
Como não ligava à comida, nem ao vinho, mandou vir uma salada e água Perrier, enquanto Dave e Janelle se detinham sobre o menu para acabarem por optar pela vitela com massa primavera, acompanhada por uma garrafa de Chianti.
Bob tomou um ar pesaroso.
- É a primeira vez que me dá más indicações, Dave. Ilmenite! O mundo está cheio dessa porcaria, e a deles não é melhor do que a dos outros todos. Paguei mais de dezoito pelas acções e desceram para doze.
- Enganaram muitas pessoas inteligentes - disse Janelle.
- Querida, não há pessoas inteligentes neste mundo. Nem os professores, nem os
políticos, nem os industriais, muito menos os investidores de Nova Iorque e quem negoceia
em títulos de crédito.
- Os geólogos e os químicos de que eles se serviram foram subornados - disse Dave.
- E nós fomos enganados. Seria de mais arranjar uma investigador
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independente para analisar essa ilmenite? Mas não arranjaram. E sabe porquê? Porque esses tipos das finanças de Nova Iorque acham que são uns grandes cérebros,
praticamente infalíveis.
Dave sorriu:
- É isso que nos permite viver, não é, Bob?
- Bem, se calhar também não somos inteligentes - disse Bob, deitando água Perrier por cima do gelo. - O movimento na Mich and Minn durante aquele período de cerca de uma semana em que parecia que ia acontecer algo de grande não passou despercebido ao SEC. Empatámos dinheiro porque pensámos que o valor das acções ia duplicar. Eles querem saber por que é que nós pensámos tal coisa.
- Perguntaram-lhe?
- Tenho uma reputação. Não comprei muito, apenas cem mil; mas eles acharam que era significativo. Queriam saber por que é que eu comprei.
- E o que lhes disse?
Bob mordiscou um pouco de alface.
- Disse que achava que eram boas acções, que tinham potencial. Depois perguntaram por que é que eu não tinha investido antes. Eu não tinha uma resposta muito boa para lhes dar. Disse apenas que negociava com muitas acções diferentes.
- E depois... quem fazia as perguntas?
- Um tipo do SEC, mais um tipo do gabinete do Ministério Público de Nova Iorque.
- Que é que eles sabiam?
- Sabe-se lá! Perguntaram-me se eu conhecia uns tipos, um Reinhard Brúning e um Friederich Burger. Eu disse que nunca tinha ouvido falar deles. E, na verdade, nunca ouvi. - Interrompeu-se e sorriu. - Calculo que um deles seja você. Talvez mesmo os dois.
- Não faço ideia de quem eles possam ser - disse Dave.
- Bem... uma coisa é certa: não falei de si.
- Quanto é que esses tipos, Brúning e Burger, empataram? Não disseram. Não davam informações. Faziam as perguntas e mais nada.
Dave respirou fundo.
- Eu não lhe disse de onde vinha a informação.
- Eu não queria saber. Assim não ma podem arrancar.
- Não têm nada contra si, Bob. Comprou umas acções. Suspeitaram que teve acesso a informação privilegiada, mas você não sabe de onde ela veio; e desde que não mencione o meu nome, e eu sei que não o fará, eles nunca irão descobrir.
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- Se Dave ficar em apuros, você também ficará, Bob - disse Janelle.
- Eu sei. Mas não me agrada que eles estejam a chegar tão perto. vou passar a estar debaixo de olho.
- Precisa de arranjar uma conta no exterior - disse Dave.
- Talvez mais do que uma.
- Nunca trabalhei dessa maneira.
- Bem, pense nisso. E, se lhe serve de consolo, o tipo que forneceu a informação que se revelou errada perdeu um bom bocado de dinheiro.
- E você? Dave sorriu.
- Eu? Acha-me capaz de negociar com informação privilegiada?
Nessa noite, estavam os dois deitados e Janelle perguntou a Dave:
- Nunca te preocupas?
- Preocupo-me. Mas tento não o mostrar.
- Tens tudo previsto, não tens?
- Tenho o aspecto de um normal investidor do Harcourt Barnham, talvez um pouco extravagante, mas que não corre grandes riscos. Pago os impostos sobre o meu salário e os meus bónus. Não vivemos acima dos nossos rendimentos conjuntos, sendo tu consultora de informática. A menos que alguém arranje maneira de descobrir quem são Bríining e Burger, estamos a salvo.
- Não receias que Alexandra se vá abaixo? Emily diz que ela está completamente afastada da realidade.
- O advogado a quem pago para fazer o apelo de comutação de pena diz que ela se instalou no papel da condenada dócil. A realidade dela é uma cela, um fato-macaco azul ou amarelo e trabalhar a lavar o chão...
- E esse advogado temWfuma hipótese de a fazer sair mais cedo?
- Não. Mas desde que ela pense que sim e saiba que eu estou a pagar a tentativa, continuará do nosso lado. De qualquer forma, estaria do nosso lado. Que percentagem receberia ela se não cumprisse a sua parte do negócio? A única hipótese que ela
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tem de ter uma boa vida quando sair é o dinheiro que eu estou a pôr de parte para ela. Conheço bem Alexandra, percebes? É uma mulher inteligente e racional. Eu sou o futuro dela, e ela sabe-o.
- Não foi racional quando tentou matar-te.
- Um mau momento, que acabou por ser uma sorte para nós dois. Fundamentalmente, ela é racional: racional, fria e calculista; e é capaz de aguentar o que for preciso, principalmente porque não pode fazer outra coisa.
- E quando ela sair? Que acontece quando ela sair?
- Ainda faltam uns bons oito anos até termos de pensar nisso. Talvez mais. Entretanto, ela está presa. Está fora do nosso caminho.
Janelle abanou a cabeça.
- E dizes que ela é que é fria, calculista e racional.
in
Jenna Jennings, com catorze anos, vinha sentada no banco de trás de um automóvel, de Wyckoff para Rockaway, onde a equipa de basquete do liceu ia jogar nessa noite.
Junto dela iam Bill Morris e Bob Hupp. Nenhum deles tinha idade suficiente para conduzir, por isso iam num carro que pertencia à família de Susannah Wilkins, que tinha dezasseis anos, e já tinha carta de condução. O par de Susannah, Dick Muggrage, que também tinha dezasseis anos, ia à frente, ao lado dela. Muggrage ia sentado com o braço nas costas do assento, a observar o que se passava com Jenna e os seus dois amigos.
Jenna tinha tirado a camisola e o soutien e estava sentada com os seios à mostra.
- Tens cá uma lata, Jennings - disse Susannah, sem tirar os olhos da estrada e lançando de vez em quando um olhar rápido pelo retrovisor.
Jenna ergueu o rabo do assento e baixou as calças de ganga e as cuecas.
- Os rapazes gostam - disse. - Muggrage também gosta.
- Digo-te mais - disse Bob Hupp -, a Jennings gosta. Ela gosta mesmo de nos deixar vê-la.
- É verdade? - perguntou Susannah.
- Bem... claro. Experimenta, Wilkins. Não podes dizer que não gostas se nunca experimentaste.
- Prefiro fazer isso em privado, obrigada - disse Susannah.
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- Eu estou a fazê-lo em privado, com pessoas em quem confio. O que te inclui a ti.
Susannah olhou de novo.
- Tens pêlos na rata - disse ela. - Acho que, quando tinha catorze anos, não tinha.
- Não te lembras?
- Sim, lembro-me. Mas assim nessa quantidade, não.
- Que fazes a Muggrage? Mostras-lha?
- Faço melhor do que isso - disse Susannah.
- Por exemplo...?
- Masturbo-o. Não é, querido? Dick Muggrage sorriu.
- Lá isso é.
- Meu Deus!
- Por que é que não masturbas esses tipos? - perguntou ele.
- Os dois.
Jenna olhou para Bill Morris e para Bob Hupp. Eles falavam sobre as coisas. Ela mostrava-sê-lhes, mas continuava a estar acordado entre eles que não a podiam agarrar. Tinha-lhes mostrado muitas vezes os seios, mas eles nunca lhes haviam tocado. Tinha-lhes mostrado o sexo, mas eles nunca a tinham tentado apalpar.
- Ei - disse Susannah. - Os dois ao mesmo tempo. Vamos lá ver se és ambidestra.
- Nunca nos tocamos... - murmurou Jenna, hesitante.
- Mas, afinal, o que és tu, uma santinha? - perguntou Susannah.
Junho de 1994
Hermann Reitsch começou a queixar-se de ter perdido o domínio da sua empresa e da sua ideia. Dave havia-a transformado num negócio de
milhares de milhões de dólares,
mas Reitsch era um homem para quem as suas ideias eram mais importantes do que o dinheiro.
- Raios, homem! Há navios a entrar em Hong-Kong, Roterdão, Tóquio e São Francisco, para não falar em Nova Iorque, com base no seu programa de computador. Há aviões
a aterrar
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no aeroporto Kennedy, cujos pilotos praticaram a aproximação com o seu programa. A sua ideia é brilhante. Mas, sem dinheiro, nunca teria passado da fase experimental. Eu consegui a porcaria do dinheiro, Hermann.
- É uma questão de...
- Não me diga que é uma questão de seja o que for. Você é um homem rico. Pode mudar-se desse apartamento para uma bela casa.
- Não sei...
Por essa altura surgiu uma dúvida. Liz McAllister, que tinha trabalhado durante muito tempo para os Cooper, perguntou a Cole Jennings se ele lhe poderia arranjar um lugar nalguma empresa gerida por Cole e Dave.
Recordando o entusiasmo com que ela se tinha atirado ao seu sexo, embora não ansioso que ela o voltasse a fazê-lo, Cole sabia que ela era uma mulher competente, com bons conhecimentos sobre computadores; sugeriu a Dave que ela fosse colocada junto de Hermann Reitsch, que talvez não se sentisse ameaçado e encontrasse nela uma companheira no entusiasmo pela informática.
Janelle era igualmente competente, ou mais, mas era jovem, bela, erótica e provocante. Talvez Liz não o fosse. Talvez fosse a pessoa indicada para acalmar as apreensões de Reitsch e o manter no bom caminho.
Dave aceitou a recomendação e Liz tornou-se uma vice-presidente da empresa.
Continuava a ser a mulher exuberantemente amigável que Cole conhecera em Houston. Estava de pé, atrás de Reitsch, que estava sentado na sua cadeira, diante do teclado; estava encostada a ele, com os grandes seios a tocar-lhe no pescoço e a perturbá-lo.
- Estás a ver, querido - disse ela. - Eu sou uma mulher prática. Tu és um gênio, mas nem sempre és prático. Acho que podias fazer essa coisa funcionar com menos espaço de memória. Posso fazer uma sugestão?
Trabalhavam muito próximos e não se passou muito tempo até que Liz oferecesse os seus serviços sexuais.
- Liz... a Sara não pode nunca, mas nunca, descobrir.
- É apenas amizade, Hermann. Amizade entre duas pessoas que trabalham juntas. Não faço nenhuma exigência.
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Agosto de 1994
Ben Haye, aflito com o resultado do negócio da Mich and Minn, ofereceu nova informação. Foi uma noite ao apartamento de Dave e Janelle.
Janelle tinha mandado vir comida chinesa e estavam a comê-la, servindo-se de pauzinhos, acompanhada com Chablis gelado. Janelle usava uma camisola de caxemira cor-de-rosa
e uma saia preta curtinha que subia e mostrava as pernas nuas por cima das meias. Se subisse um pouco mais, ele veria que ela não usava cuecas. Raramente usava.
- Não pode dizer nada disto a Leeman - disse Ben. - O SEC não-o larga.
- De acordo - disse Dave.
- Muito bem. Não é uma tomada de controlo. Não podemos esperar assumir o controlo desta companhia. Só podemos negociar com as acções e obter um lucro.
Dave disse que sim com a cabeça.
- Já sabe como eu sei. Sabe como descobri. Desta vez também tenho de lhe pedir que faça o negócio através das suas contas na Europa, para que a coisa não possa ser seguida até mim.
Janelle sorriu.
- Também não pode ser seguida até nós. Dave tem tudo previsto.
- Óptimo. Ora bem. Perdi quase metade dos meus três milhões no negócio da Mich and Minn. Mas estou tão seguro quanto a este negócio que estou disposto a arriscar o restante.
- Espero que esteja certo, por Deus.
- Certíssimo. Silicon Valley.
- Muito arriscado, isso - disse Dave.
- Este não é. O que sabe sobre a Internet?
- Pouco.
- Investigue, Dave. Dentro de não mais de dois ou três anos vai ser um dos maiores negócios do mundo. Dentro de cinco anos quase todos os americanos terão acesso
à Internet ou pensarão que precisam de ter acesso. Os fornecimento de serviços de Internet vai ser um grande, grande negócio.
- Bem, de facto li umas coisas, agora que fala nisso.
- Muito bem. Há duas companhias: a US Online Services e a Eagle Internet. Vão fundir-se. Vai ser uma fusão amigável.
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A US Online Services vai comprar as acções da Eagle Internet e assumir o controlo. A companhia resultante irá ser o maior fornecedor de serviços de Internet do mundo. As duas direcções vão unir-se numa só. Os tipos da Eagle terão acções, opções e direitos de opção. A US concordou pagar as acções da Eagle a
35,53. Agora vendem-se a 20,50. Portanto... compramos a Eagle Internet. Isto é, as suas contas no exterior é que compram.
- Isso é informação privilegiada da mais óbvia, Ben.
- Estamos bem escondidos. Você sabe esconder-se,
- Eles vão andar à procura.
- Tem tudo previsto, ou não?
Dave acenou com a cabeça, ainda céptico.
- É alguma coisa, mas não é um grande golpe.
- Eu trago-lhe mais.
- Está bem. Arrisco.
Outubro de 1994
Depois de ter passado dois anos a lavar o chão, Alexandra tinha sido transferida para um trabalho de dactilógrafa e arquivista nos serviços administrativos de Bedford
Hills. Eles tinham reconhecido que ela era uma mulher culta e inteligente, cujos talentos podiam ser aproveitados de outra maneira. Já nem precisava de usar as fardas
de sarja da prisão; estava sentada à secretária com um vestido cinzento-sujo mas que não deixava de ser visivelmente um uniforme. Porém, já não era a farda aviltante, de cores vivas, que havia usado durante dois anos. No final de cada dia de trabalho tinha de se sujeitar a uma revista corporal e de cavidades, mas já se tinha habituado.
Tinha-se habituado a quase tudo. De início tinha sido atacada pelo constrangimento e mesmo pelo medo. Sentia-se insegura, sem saber o que lhe iria acontecer a seguir. Agora conhecia a rotina. Sabia como iria passar cada dia. Odiava tudo, claro, mas já não sentia medo. Estava acostumada à vida na prisão. Cada dia era somente um dia.
Dave tinha um advogado a tratar de lhe obter uma comutação da pena. Ela não contava com isso. Era uma esperança remota. Mas aquele implacável e manipulador filho da puta era capaz
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de fazer quase tudo. Fosse como fosse, se estavam a tentar, deixava-os. Era mais do que ela podia fazer.
Isso era o pior. Ali ela estava completamente incapacitada. Não tinha controlo sobre nada. Tinha sido uma mulher que fazia acontecer coisas. Agora as coisas aconteciam-lhe a ela, e ela não podia exercer qualquer influência sobre elas.
De noite, na cela, Alexandra metia os dedos dentro de si e conseguia vir-se. Era tudo o que tinha. Enquanto o fazia, enchia o cérebro com imagens de Dave a fazer sexo com ela. Ele agora fazia sexo com outra mulher. Ela devia ter entendido e aprendido a viver com isso.
Uma assistente da superintendente aproximou-se da secretária dela.
- Sra. Shea, está aqui um artigo de jornal que é capaz de lhe interessar.
Estendeu a Alexandra um exemplar do New York Times daquele dia, aberto na página do tal artigo.
O Sr. e Sra. David Shea são vistos na fotografia acima no Aeroporto Kennedy ao embarcar no Concorde para Paris. Descreveram a viagem como a lua-de-mel que não tinham tido a oportunidade de ter.
O Sr. Shea é um investidor no Harcourt Barnham. A Sra. Shea é analista e consultora de sistemas informáticos.
Antes de partirem para Paris ofereceram um jantar a cerca de quarenta amigos, que teve lugar no Four Seasons.
A Sra. Shea, Janelle, é considerada por muitos um arquétipo da moda. Raramente usa calças de qualquer tipo, já que considera que uma mulher fica muito melhor de saia. Usa meias em vez de collants, uma moda que está a regressar.
O casal tenciona passar uma semana em Paris antes de seguir viagem para Roma, depois para Veneza, Viena e finalmente Londres.
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O que o jornal não dizia, porque o cronista social não fazia ideia, era que Dave e Janelle também visitariam Zurique.
- Esta é uma coisa pequena, Dave - disse Axel Schnyder -, e arrisca-se ao negociar com informação privilegiada. Qualquer
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movimentação importante das acções vai atrair o SEC. Se quer o meu conselho, não faça isso.
Dave fez um gesto afirmativo com a cabeça.
- Muito bem. Mas tenho um sócio que vai ficar muito aborrecido.
- É um risco muito grande para lucros que não o serão. Nessa noite, no quarto do hotel, Janelle disse a Dave:
- Aquele homem é o teu mentor, Dave. Aceita o conselho dele. Segue o conselho dele.
- E que digo a Ben?
- Diz-lhe que deixe de te aparecer com ninharias. Diz-lhe que precisamos de uma coisa grande.
Ela estava a lamber-lhe o pénis. Ele arqueou as costas e tentou concentrar-se no que ela dizia. Janelle...
224
Janeiro de 1995
- Raios! - disse Janelle. - Posso ir parar ao mesmo sítio que Alexandra.
- Se Alexandra não tivesse ficado doida, não estaria onde está - disse Dave. - Está tudo previsto. Sabes isso. Achas que eu te arriscaria? Vá lá!
- Será fundamental agir no momento oportuno - disse Ben Haye.
A Sra. Haye estava na cozinha, toda satisfeita, a tratar do jantar.
- Absolutamente fundamental - concordou Dave.
Ben sentia dificuldade em se concentrar nos negócios com Janelle vestida como estava: com uma mini-saia muito curta, com meias em vez de collants. Ele tinha desistido
de fingir que não lhe olhava para as pernas.
- Podia comprar uma proposta - disse Ben.
- Não. Se eu exercesse uma opção, isso seria demasiado revelador. Vamos negociar e depressa. Eu preparo tudo. Os meus contactos na Europa...
- Alguma vez me vai dizer quem são esses contactos?
- Não. Aquilo que não sabe, não poderá dizer... caso algo corra mal. O que não vai acontecer.
- Não é como a informação privilegiada - disse Janelle. Vamos fazer a nossa própria informação.
- E eu só tenho de identificar a companhia - disse Ben, céptico.
- É essa a ideia, Ben. É essa a ideia. Estou a pensar em certas companhias. Mas você está a pensar noutras. Trabalharemos juntos. Eu negoceio por si. Você nunca
poderá ser identificado. - Dave encolheu os ombros. - E eu também não.
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- Dave quer que eu vá a Zurique - disse Cole a Emily. Tbute de suite. Basta-me receber dele certos sinais e transmiti-los. Ele vai fazer uma jogada, querida. Vai fazer uma jogada das grandes. E nós receberemos uma parte.
Emily abanou a cabeça.
- Estamos a brincar com o fogo.
- Ele tem tudo bem preparado; tem vários níveis de protecção. Dave sempre foi um manipulador. E é bom nisso.
- Meu Deus, tenho de esperar que sim.
Estavam no quarto. Emily estava nua. As argolas que Alexandra a tinha encorajado a colocar nos mamilos ainda lá estavam. Orgulhava-se delas. Orgulhava-se realmente delas. Jenna, de vez em quando, pedia para as ver e estava sempre a perguntar quando poderia mandar furar os seus. Era difícil dizer-lhe que não, uma vez que a mãe usava argolas nos dela.
Emily tinha feito uma concessão a Jenna. A rapariga já tinha quase dezasseis anos e Emily concordou em deixá-la colocar uma argola no umbigo. Era uma coisa pública. Quando Jenna ia nadar com o seu biquini, a argola do umbigo atraía as atenções. E a rapariga adorava. Tornava-a conhecida.
Emily e Cole teriam preferido que ela fosse conhecida por outra coisa, mas era conhecida por isso. Os outros quase ignoravam o facto de ela poder vir a ser a melhor aluna da classe. Era a rapariga que tinha uma argola no umbigo.
- Ao certo, que é que vai acontecer, Cole? - perguntou Emily.
- Não sei. Só sei que tenho de ir para Zurique e esperar junto do telefone. Receberei uma chamada. Telefono ao Schnyder, e depois acontecerá algo.
O que não lhe disse é que o telefonema de Dave seria feito para o apartamento de Hanna Hess. Em Zurique seria já noite, e era onde ele estaria. Axel Schnyder tinha combinado as coisas desta maneira. O número de telefone estava noutro nome.
Hanna tinha arranjado maneira de fazer com que a noite fosse, também, divertida.
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A Sociedade envolvida era a CalINet, Califórnia Internet Services. Eram acções da NASDAQ, comercializadas a 103.
À uma hora da tarde do dia 1 de Fevereiro, Janelle, que sabia com exactidão o que devia fazer, serviu-se do computador do apartamento de um amigo em Cambridge, Massachusetts.
Tinha uma chave que Ed Atkins lhe havia dado anos antes. Entrou vestindo calças de ganga e uma camisola cinzenta, para que a tomassem por uma estudante. Ele nunca soube que ela havia entrado no seu apartamento e utilizado o seu computador. Serviu-se da sua conta AOL, entrou na Internet e colocou uma notícia no website da NetWire, um serviço de notícias financeiras. Dizia o seguinte:
Á Califórnia Internet Services publicou o relatório de lucros para o último trimestre de 1994 muito abaixo das expectativas. Ao mesmo tempo, a CalINet emitiu uma declaração segundo a qual prevê uma queda dos lucros para o primeiro trimestre deste ano abaixo dos números anteriormente esperados.
O problema, segundo os representantes da CalINet, é que a companhia tem sofrido uma sangria de talentos. Pessoal de lugares essenciais tem deixado a companhia para aceitar cargos noutras empresas.
Aparentemente, esses funcionários essenciais perderam a confiança na CalINet e estavam em busca de outras oportunidades.
A NetWire distribuiu o relatório às suas centenas de subscritores. Dentro de uma hora, a CalINet tinha caído de 103 para 91 e continuou a descer aos trambolhões até 31.
Nesse ponto, Janelle ligou para o número de Zurique.
Hanna atendeu mas passou imediatamente a chamada a Cole.
- Subir o Monte McKinley - disse ela.
- Subir o Monte McKinley - repetiu ele. Ela desligou.
Ele ligou para Axel Schnyw e disse:
- Subir o Monte McKinley.
- Subir o Monte McKinley.
Através das contas de Dave, e das suas, Schnyder comprou CalINet a 31. Eram duas da tarde em Nova Iorque.
- Às duas e meia, a CalINet tinha tornado público através
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da PR Newswire um comunicado negando em absoluto a história que tinha surgido na NetWire. A companhia classificou o caso de fraude e ameaçou processar a NetWire. Às quatro horas, quando o mercado fechou, a CalINet tinha recuperado até aos 103 do início do dia, e tinha mesmo subido para 105,38.
Antes disso, Janelle tinha telefonado uma segunda vez para Zurique.
- Descer o Monte McKinley - disse ela.
- Descer o Monte McKinley.
Schnyder desfez-se de todas as acções da CalINet. Algumas por 103, outras por 104, outras mesmo por 105,38.
Era a jogada pretendida por Dave. Arriscara quatro milhões de dólares e ganhara mais de um milhão. Ben Haye havia ganho um quarto de milhão. Ninguém perguntou quanto havia ganho Axel Schnyder.
Mas tinha sido um grande risco. O SEC e o Departamento de Justiça identificaram imediatamente o negócio como uma fraude ousada e deram início a uma investigação. Tudo dependeria da capacidade de Dave e Janelle para se protegerem.
Dave foi a Zurique encontrar-se com Axel Schnyder. Passou a noite com Hanna e Trudi. Quando chegou ao apartamento, encontrou Hanna nua. Ela exigiu que ele se despisse
também. Quando Trudi chegou despiram-na a amarraram-na à armação em X. Afivelaram-lhe a mordaça com a bola de borracha sobre a boca. Hanna deu o chicote a Dave, e ele chicoteou Trudi.
Ele compreendeu logo que a rapariga gostava. Pôs-lhe um dedo entre as pernas e sentiu como ela estava molhada. Por isso chicoteou-a com força: com força suficiente para lhe provocar vergões, mas não para lhe ferir a pele e fazer sangue.
Quando acabou, ela havia deixado cair a cabeça e chorava. Deixaram-na ali, atada à armação, enquanto se serviram de bebidas e Hanna começou a fazer o jantar. Dave tirou a bola da boca da rapariga, afastou-lhe o cabelo da cara com a mão e deu-lhe um gole de brande.
- Gut. Gut, Dave. Danke. Sie schlagen mir gut.
Soltaram Trudi das correias. Ela sentou-se junto deles, comeu e bebeu vinho.
Depois ele disse:
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- Acho que chegou a altura de a Hanna ser chicoteada. Hanna abanou a cabeça, com ar duvidoso.
- A Trudi gosta - disse ela.
- A Hanna nunca foi chicoteada?
- Não, nunca.
- Tem o equipamento para isso.
- Foi um homem que mandou construir. Ele gosta de ser chicoteado.
- E você faz-lhe a vontade.
- Sim.
- E Trudi.
- Ela gosta.
- Como é que sabe que não gosta? Vamos prendê-la à armação para ver se gosta disso, pelo menos.
Trudi levou o cão para o quarto e fechou-o lá. Podia ficar nervoso se visse a dona a ser amarrada e talvez chicoteada.
Hanna submeteu-se a ser amarrada ao X. Trudi ajudou e Dave apertou-lhe bem os pulsos e os tornozelos, passando-lhe a tira de couro em volta da cintura.
- Dave - disse ela entre dentes -, você é um homem mau. Não quero ser chicoteada. Obrigue-me a ficar aqui assim, mas não me chicoteie.
- Bem... pelo menos pomos a mordaça. Precisa de ficar a saber como é.
Ela tentou resistir, mas ele meteu-lhe a bola de borracha entre os dentes e prendeu-a bem.
- O chicote não - disse ela com esforço, através da bola.
- Só um teste - disse ele.
Recuou e brandiu o chicote. Este cortou o ar com um silvo e atingiu-a com força no rabo. A carne dela estremeceu e ela sacudiu as correias.
- AAH! AAHH! NÃO! - com a bola, não conseguia gritar, mas abanava a cabeça como louca, gemendo. -
Nãão! Pare!
- Achou divertido quando a Trudi apanhou. Talvez goste mais quando se habituar um pouco.
- Não... não...
Voltou a brandir o chicote. A parte inferior das bochechas carnudas saltou sob o impacte.
- NÃO! GOTTNÀO... NÃO Dave passou o chicote a Trudi.
- Ela gosta de lhe bater. Talvez goste de lhe bater a ela. Trudi sorriu com um sorrizinho maldoso e brandiu o chicote.
A carne do rabo de Hanna saltou. Trudi repetiu o gesto. O chicote estalou contra o rabo de Hanna. Começaram a aparecer vergões.
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Hanna começou a soluçar, histérica. Trudi brandiu o chicote mais uma vez. Depois, Hanna sufocou e vomitou.
- Se calhar basta - disse Dave em voz baixa. - Parece que ela de facto não suporta. Dê-lhe brande para ela limpar a boca. Vamos deixá-la aqui até acalmar.
- É um homem mau, Dave - soluçou Hanna. - Não quero ser chicoteada. Faz doer! Dou-lhe o que quiser. Chupo-o. Mas o chicote não. Por favor. Mais, não!
Deixaram-na na armação durante uma hora, dando-lhe de vez em quando golos de brande. Ela ficou pendurada nas correias, inerte, a soluçar baixinho.
Março de 1995
A campainha da porta do apartamento de Edward Atkins tocou. Ele foi à porta. Um homem com ar sério mostrou-lhe a identificação.
-FBI.
- Entre. Que deseja?
- Determinámos a origem de uma notícia publicada na Internet. Veio do seu computador, da sua conta AOL.
Atkins abanou a cabeça.
- Não faço a mínima ideia do que está a falar.
O homem do FBI, sentado no sofá de Atkins, disse:
- É uma fraude com acções, de muitos milhões de dólares, baseada numa notícia colocada por si na NetWire.
- Não faço a mínima ideia do que está a falar.
- Pode ir parar à prisão muito em breve - disse o agente.
- Porquê? Eu não sei do que está a falar.
- Está bem. Faça-se difícil. Onde estava na tarde do dia 1 de Fevereiro? Por volta da uma hora?
Atkins abanou a cabeça.
- Não sei. Eu... bem. Está bem. Que dia da semana foi?
- Quarta-feira.
- Nas quartas-feiras, à uma hora, tenho uma aula. Ensino no MIT. Antes disso, devo ter almoçado com um ou dois amigos na cantina. Depois...
- Esses amigos podem comprovar o que disse?
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- Não sei. Quem é que se lembra do que fez no dia 1 de Fevereiro? Mas se eu tivesse faltado à aula, a universidade teria o registo.
- Mais alguém tem acesso ao seu computador?
- Não, ninguém.
- Mesmo sem o seu conhecimento?
- Não, ninguém.
- Mais alguém tem acesso ao seu apartamento?
- Bem... então. Sim, tenho uma namorada, e ela tem uma chave. Mas...
Atkins não se lembrava realmente que havia dado uma chave a Janelle Griffith anos antes.
VI
Lou Beth Simpson foi à porta quando a campainha tocou. Usava calças de ganga e uma camisola cinzenta, a descrição que uma mulher fizera da roupa da rapariga que havia entrado no apartamento de Atkins por volta do dia 1 de Fevereiro. Em breve se viu algemada e dentro de um automóvel, a caminho do gabinete do Ministério Público de Boston.
Ela chorou. Não fazia ideia do motivo por que a haviam prendido, e estava aterrorizada.
- Que é que eu fiz? - soluçou no gabinete do procurador. O que é que dizem que eu fiz? - Cobriu o rosto com as mãos algemadas e soluçou.
- Uma fraude com acções, de muitos milhões de dólares disse um delegado do Ministério Público, com ar sombrio.
- Eu não possuo acções. Não sei nada sobre acções.
A rapariga, uma loura atraente, era estudante licenciada em Matemática pelo MIT.
Quando continuou protestar a sua inocência, foi levada para a cela. Os pais vieram e contrataram um advogado. Lou Beth foi acusada, mas os papéis tinham irregularidades,
apesar dos berros do seu advogado. Passaram-se três dias até que o procurador decidiu que não podia
concluir um caso contra ela e os papéis apareceram. Saiu da
prisão a tremer, assustada.
O procurador e o FBI não tinham feito qualquer ligação a Janelle e a Dave.
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Maio de 1995
Era de noite e Alexandra estava fechada na sua cela. Tinha um bloco de papel de aguarela, tinta e pincéis e tentava pintar uma igreja em Kiev, como a recordava. Tinha de trabalhar de memória. Na biblioteca da prisão não havia livros com imagens da sua cidade-natal.
O advogado contratado por Dave tinha feito um pedido para a comutação da pena dela, mas não tinha sido bem sucedido. Ela estava resignada a continuar presa até 2002, se não mais tempo.
O advogado tinha-lhe dito, discretamente, quanto Dave havia colocado na sua conta da Suíça. Era uma mulher rica. Mas... isso não lhe abria a porta da cela.
A cela tornara-se o seu lar e o seu refúgio. Na realidade, ficava satisfeita quando a fechavam lá dentro. Fechada, estava só e não precisava de interagir com as horríveis mulheres que viviam em Bedford Hills.
Leu no jornal o relato da grande fraude perpetrada com acções da CalINet. Trazia a marca de Dave, e ela pensou se ele teria conseguido executá-la. Se tivesse, ela receberia a sua parte dos lucros. Sorriu com um sorriso sombrio e felicitou o homem manipulador que estava lá fora, em acção, enquanto ela ficava ali sentada.
Acreditava que ele tentava sinceramente libertá-la. Dave era assim. Tinha-lhe perdoado tê-lo tentado matar. O Estado de Nova Iorque não perdoaria.
Mas... chamaram para uma contagem. Ela pôs-se de pé com a mão encostada ao vidro da janelinha da porta da cela. O guarda olhou lá para dentro. Era um homem. Ela estava só de cuecas. Mas isso também não fazia diferença. Nunca nenhum lhe tinha tocado, ou dado a entender que poderia tocar. Talvez o guarda gostasse de a ver. Talvez tivesse olhado lá para dentro para ver... não interessava. Ela não ia tentar matar-se, se era isso que ele pensava. Ia cumprir a sua pena e depois sair dali.
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Janelle andava pelo apartamento com um par de meias escuras presas por um cinto de ligas preto. Usava sapatos de salto agulha.
- Não te esqueças de que vamos jantar fora - disse Dave.
- Ao Lutece - disse ela -, com os Jennings. Sabes, não são as pessoas mais interessantes do mundo.
- Cole fez o que lhe pedimos.
- Se não tivesse feito, quem terias usado?
- Não sei.
- Suponho que ele tenha os seus objectivos. E é inteiramente fiel.
- De maneiras que não conheces. E Emily... não é assim tão enfadonha. Pedê-lhe que te mostre as argolas de platina que tem nosTnamilos.
- Alexandra tinha umas. E na rata também. Não tinha?
- Tinha.
- Queres que eu mande pôr umas?
- És perfeita, amo-te tal como és.
- Ainda bem que assim pensas, porque acho que não quereria...
- Eles estão lá em baixo - disse ele, indicando com a cabeça o telefone que transmitira a mensagem do átrio. - Queres vestir-te?
Dave trazia uma pasta de diplomata. Quando entrou deu-a a Cole e dissê-lhe que visse. Cole fez o que ele disse. Quando saíram, Cole foi buscá-la. Não a abriu até ele e Emily estarem em casa, em Wyckoff. Estava cheia daquilo que Cole sabia que estaria: maços de notas de cem dólares.
- Não podes declarar isso - disse Emily.
- Nem pensar.
- Que vamos fazer com ele?
- Eu tenho a minha conta no exterior - disse Cole. - Terás de o levar para Zurique de avião. Eu digo-te com quem deves falar. Ele estará à tua espera.
ela.
- Estamos metidos nisp até às orelhas, Cole - suspirou
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Agosto de 1995
Ben Haye teve mais uma ideia e convidou Dave e Janelle a irem a Greenwich para a ouvir. Como sempre, Ben não queria falar de negócios diante de Deborah.
Debbie Haye era uma mulher convencidamente feliz. Convidou Janelle a juntar-se a ela na cozinha, onde preparava a refeição. Não era gorda, mas roliça, e naquela noite usava um vestido vermelho com mini-saia que, na realidade, não lhe ficava bem. Mostrava as suas pernas grossas, bem cavado na parte de cima, mostrava o máximo que ela julgava atrever-se a mostrar dos seus amplos seios.
- O meu pai faz coisas belas - disse ela. - Ergueu um copo de vidro com manchas leitosas. - E ensinou-me a apreciar as coisas belas.
Janelle sorriu.
- Já pensou em fazer uma taça a partir de um molde de uma das suas mamas? - perguntou.
Debbie corou. Já poucas pessoas eram capazes de corar, mas ela era.
- O meu pai nunca as viu - disse.
- Estava a pensar... Orgulha-se delas, não é?
- Bem... não sou a mulher mais bonita do mundo, mas...
- Aposto que era capaz de encontrar um artista - disse Janelle. - Quero dizer, talvez ele pudesse pôr uma delas em barro, ou em látex, ou coisa assim, para fazer um molde. Desse molde, poderia fazer... não gostaria de ter uma reprodução em bronze de uma das suas mamas? Ou das duas?
Debbie Haye riu com um riso nervoso.
- Está a divertir-se à minha custa, Janelle.
- De modo nenhum. Um dia elas ficarão... caídas. Mas agora não. Temos um quadro no nosso apartamento. Da segunda mulher de Dave. Um nu. Sabe onde ela está. Nunca mais será o
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que era quando o quadro foi pintado. Mas é uma recordação permanente do que ela era.
- Está a falar a sério?
Janelle disse que sim com a cabeça.
- Jesus!
- Na sala, Dave e Ben conversavam.
- Olhe - disse Dave. - Eles estão atentos. A dada altura até estiveram perto. Não me faça perguntas. A Polícia Federal teve uma pobre rapariga fechada três dias
numa cela, para a fazer ceder. Quando a interrogavam, punham-lhe algemas. Ela podia ter-lhes contado fosse o que fosse, mas não sabia nada. Mas isso não os deteve.
Deus nos proteja de promotores desembestados.
- Você tem vários níveis de protecção - disse Ben.
- Pois é, mas não seria de todo impossível chegar à conclusão de que as fugas vêm da Kidder, Peabody, e daí até si é só um passo. Não podemos atrever-nos a ser gananciosos,
Ben. Eu mantenho-o a par. Mas por agora temos de ficar quietos. Durante algum tempo.
com quinze anos, Jenna continuava virgem e inflexivelmente determinada a assim permanecer. Tinha, no entanto, a fama de se mostrar de bom grado. Em Wyckoff, toda
a gente sabia que Jenna Jennings podia ser persuadida a mostrar os seios, e não só, aos rapazes. Não o fazia para qualquer um. Fazia-o para amigos em quem confiava,
e esse círculo de amigos alargava-se.
A mãe e o pai suspeitavam de que algo se passava, mas não sabiam até que ponto aquilo chegara. Jenna continuava a ser uma aluna de notas máximas. Parecia não haver
motivos para a levar a um psicólogo.
Talvez a levassem, se soubessem...
Numa tarde de Verão, Jenna vinha num carro com três rapazes e disse que tinha de ir à casa de banho. Bill Morris disse:
- Para quê? Vamos ali atrás, onde podes fazer chichi. Ela riu.
- Então, malta!
- Por que não, Jennings. Já te vimos tudo. Por que é que não nos deixas ver-te a fazer chichi.
- Bem...
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Caminharam uma curta distância entre as árvores e o mato, e ela tirou as calças de ganga e as cuecas, inclinou as ancas para que a urina não lhe caísse sobre os
pés e disparou para o chão o seu regato quente enquanto os rapazes olhavam.
Depois, isso tornou-se um hábito para ela. Os rapazes viam-na sentar-se nas casas de banho, embora gostassem mais fora de casa. Ela decidira que era divertido deixar
que a vissem. Ria-se e fazia chichi. Deixava que eles tirassem fotografias polaróides dela, só do umbigo para baixo, enquanto a urina jorrava de dentro dela.
Um dia, um rapaz trouxê-lhe umas cuecas da irmã e pediu-lhe que as vestisse e as molhasse. Ela fez o que ele pediu. E também achou divertido. Depois um deles trouxe umas calças de ganga que eram dele próprio e pediu-lhe que as molhasse. Ficaram dois a bater as palmas e outros dois tiraram fotografias à medida que a mancha alastrava entre as pernas das calças.
Jenna gostava de o fazer. Sabia que era um hábito estranho, mas agradava-lhe. Pelo menos, era inofensivo. Alguns dos rapazes faziam-lhe propostas, mas sabiam que a resposta seria não. Era sempre não. "Olhem, mas não toquem."
Outubro de 1995
Alexandra tinha ganho peso na prisão e o vestido preto grosso que usara ao ser levada de Nova Iorque estava-lhe um pouco apertado. Para esta viagem tinham-lhe posto
só algemas, mais nenhuma das outras restrições, e ela ia sentada atrás de uma divisória, no banco traseiro de um Ford Corona Victoria.
Levaram-na para o gabinete do Ministério Público americano, onde uma delegada do Ministério Público a entrevistou no seu gabinete. A mulher chamava-se Tabatha Morgan. Devia ter uns quarenta e cinco anos e tinha seios enormes e proeminentes e pernas grossas.
- Sra. Shea, o que lhe quero perguntar é muito simples. Que sabe sobre a CalINet?
Alexandra abanou a cabeça.
- O que li no Times. Mais nada.
- Nunca ouvi falar dela? Do seu ex-marido?
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Alexandra ergueu as mãos e enxugou os olhos. Não lhe tinha tirado as algemas e ela teve de erguer as duas mãos.
- Li que houve uma fraude com essas acções. Mas isso aconteceu este ano. Estou na prisão desde 1992. Se o meu ex-marido teve alguma coisa a ver com isso, eu não poderia saber de nada. Julga que ele me vem visitar a Bedford Hills e conversa comigo sobre negócios? Nunca me visitou. Nem uma só vez. E não me escreve cartas.
- A Sra. Emily Jennings visita-a. Ela não lhe conta nada sobre o que Sr. Shea faz?
- Quase nada. Duvido muito que ela saiba alguma coisa. É uma mulher extraordinária. Bondosa. É a única pessoa que me visita. - Alexandra soluçou uma vez, depois aligeirou. - Aúnica...
- O marido dela foi várias vezes a Zurique. Que é que ele vai lá fazer?
- Não faço ideia.
- E a senhora não possui uma conta no exterior? Alexandra suspirou e mais uma vez enxugou os olhos.
- Como é que eu podia ter uma conta no exterior? Estou fechada numa prisão!
A mulher fez um gesto afirmativo com a cabeça.
- Será melhor que não lhe encontremos nenhuma. Ficará fechada até ao fim dos seus dias, se isso acontecer.
- Isto não me agrada nada - disse Dave a Janelle.
- Por que é que lhe foram fazer perguntas sobre a CalINet? Isto está a chegar demasiado perto.
- Que diabo lhes terá dado a ideia de que ela podia saber alguma coisa?
- Tenho uma sugestão.
- Que é?
- Vamos ficar quietos por uns tempos. Não sei ao certo quanto tens nessas contas. Mas é muito. E não posso deixar de me perguntar o que vamos
fazer com o dinheiro.
Quero dizer, esse dinheiro é como se estivesse perdido para nós. Não pagas impostos sobre ele...
- Nem pensar.
- Vivemos daquilo que ganhamos com o teu trabalho no Harcourt Barnham e o meu trabalho de consultora. Tenho a
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certeza de que o fisco nos observa para verificar se não vivemos acima dos nossos meios. Para que serve o dinheiro nas contas da Europa?
- Eu digo-te - disse ele com firmeza. - Agora sou um grande competidor. Posso fazer acontecer coisas. Foi o que sempre quis. Posso mover o dinheiro de um lado para o outro... e fazer acontecer coisas.
- vou dizer-te o que gostava de fazer. Por que é que não transferes algum dinheiro, por exemplo, para Hong-Kong? Então, podíamos ir até lá passar umas belas férias. Nem chegávamos perto de Zurique.
- Os Cooper estão lá - disse ele.
- E depois?
Dave Shea era incapaz de estar de férias. Mal haviam chegado a Hong-Kong já ele contactara Len Cooper. Convidou-o para almoçar.
Dave e Janelle estavam hospedados no Mandarin Oriental Hotel, o melhor e mais caro hotel de Hong-Kong. Dave nunca ficaria noutro sítio. O seu orgulho não lho permitiria.
Para sua surpresa, Len não veio só. Acompanhava-o o pai, Jerry, que cinco anos antes o havia ameaçado com sarilhos de todo o tipo se ele se metesse no negócio do computador Sphere. Desta vez, Jerry mostrou-se cordial. Apertou a mão a Dave e declarou-se feliz por o voltar a ver. Dave sabia porquê. Agora era um competidor maior do que quatro anos antes.
- E esta é a minha mulher... Janelle.
Ambos os Cooper lhe sorriram, agradados, reparando no cheongsam de brocado de seda verde-esmeralda que ela já havia comprado numa das lojas do hotel. A abertura
da saia ia quase até à anca.
- Você é um diabo com sorte, Dave! - disse Jerry. Dave apertou a mão de Janelle.
- A quem o diz! - disse ele.
- Peço que me desculpe por falar nisso, mas creio saber que a sua primeira mulher está...
- A minha segunda mulher. Está em Bedford Hills. Deu-me um tiro, tentou matar-me. E com uma arma ilegal. No mínimo, vai ainda lá passar vários anos.
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- Eu conheci-a, claro - disse Len. - Nessa altura você também já era um homem de sorte.
- Até ela ficar a saber de mim - disse Janelle, secamente.
- Bem... parabéns aos dois - disse Len. - Que os traz a Hong-Kong?
- Em princípio, estamos de férias - disse Janelle.
- Permitam que vos empreste um automóvel com condutor
- disse Len. - Há muito que ver em Hong-Kong.
- É muita amabilidade vossa - disse Dave.
- Que é que sabe sobre nós que não soubesse antes? perguntou Jerry, sem rodeios.
Dave encolheu os ombros.
- Pouca coisa. Casou com a irmã da sua falecida mulher. Jerry disse que sim com a cabeça.
- Proibido pela Bíblia, creio eu. Estou-me nas tintas. Ela é uma boa mulher. Eu tenho setenta e dois anos. Temos uma casa na Florida, junto de um canal por onde, se não estivesse vedado, os jacarés entrariam para a piscina, e Therese é uma esposa fantástica, carinhosa.
- Então, o senhor também é um homem com sorte - disse Dave. - Eu sei que sou. Adiante... foi você quem deitou abaixo o Charlie Chan, não foi? Você joga duro, Dave.
- E o senhor, não joga?
- Raios, tive mesmo de jogar. Quando era novo fui bem fodido. Fiz a minha sorte, tal como você, Dave. Mas... agora, temos um negócio.
- Vários negócios - disse Len. - Veio a Hong-Kong à procura de oportunidades de negócios, Dave?
- Veio passar férias; foi o que combinámos - disse Janelle.
- Muito bem. Mesmo assim, vou fazer-lhe uma sugestão. Ponha um pouco de dinheiro no Shanghai and Hong-Kong Bank. Acha que os suíços sabem guardar segredos? Não conhece os bancos de Hong-Kong.
Dave sorriu.
- Conheço um pouco. Transferi algum dinheiro para cá antes de deixarmos os Estados Unidos.
- É aqui que ele está, Dave. No Extremo Oriente. Aqui é o futuro. Posso apresentar-lhe uns quantos tipos... mas tenha cuidado. Não foi Bret Harte o.ue escreveu, "com hábitos maldosos e artimanhas fúteis, o pagão "ánês é peculiar"? com eles, é preciso estar constantemente atento.
- Então, e a devolução de Hong-Kong à China? - Os comunistas de Pequim podem ser muitas coisas, mas não são parvos. Há um dito: "Os cavalos continuarão a correr
e os clubes a dançar." Eles não querem fechar as coisas. Nós vamos ficar.
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Dois dias depois, Dave e Janelle entravam a bordo de um iate pertencente a um homem de negócios chinês de nome Chen Peng. Iam jantar no barco durante a travessia para Macau, onde poderiam visitar os casinos.
Chen Peng era um multimilionário de Hong-Kong, que vivia numa propriedade em The Peak, o ponto mais alto da ilha, onde viviam muitas famílias abastadas. Len explicou que ele mantinha na propriedade um grupo de homens armados.
Chen estava na ponte, a falar com o capitão.
- Osgangs das Tríades tentam raptar homens como ele para pedir resgate - disse Len. - É o maior crime em Hong-Kong.
- As Tríades? - perguntou Janelle.
- Organizações criminosas chinesas. A Polícia tenta desmantelá-los de tempos a tempos, mas continuam a existir. Possuem rituais complexos e vestuário também. Se a Maria tentasse estabelecer-se em Hong-Kong, as Tríades eliminavam-nos, muito simplesmente. São absolutamente implacáveis.
Janelle, com um certo nervosismo, havia reparado em quatro homens de aspecto sinistro a bordo.
- Gurkhas - explicou Len - do Tibete. Soldados ferozes. Serviram aqui no Exército Britânico, mas estão a ser desmobilizados gradualmente, à medida que se aproxima a transferência de posse. Alguns deles ficaram.
- Como é possível ter negócios num local onde...?
- As tríades ainda não entraram nos negócios da mesma forma que a Mafia. Raptam, por vezes matam, fazem contrabando e tráfico de droga; mas nunca tivemos de os enfrentar ou de lhes dar dinheiro. E quando Pequim tomar posse, vai ser muito mais difícil para eles.
Chen desceu da ponte. Era um homem baixo, de rosto redondo e pele brilhante, com um boné de capitão.
Bateu palmas e vieram duas raparigas chinesas anotar os pedidos de bebidas. Elas não entendiam o inglês e ele traduziu. Nenhuma delas tinha mais de dezassete anos, pelo que Janelle pôde avaliar. Usavam minúsculos biquinis, nada a cobrir o peito, e tinham as cabeças rapadas.
Chen sorriu e explicou:
- É para não fugirem do barco. Ninguém quer uma rapariga careca a não ser para prostituta; e estas raparigas não querem ser prostitutas. Por isso, rapamos-lhes o cabelo todas as semanas. Um dia deixar-me-ão, nos últimos meses nós deixamos que o cabelo volte a crescer.
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Janelle lançou um olhar a Dave e soube o que ele pensava: que quando a conhecera, ela era mais nova do que aquelas raparigas e estava nua.
- De onde vêm elas? - perguntou Dave.
- Da China interior - disse Chen. - Há um verdadeiro mercado para elas na parte ocidental do país. São mesmo exibidas e leiloadas. Muitas delas acabam como mulheres dos trabalhadores da indústria em Xangai e cidades do gênero. Não podem fugir e voltar para casa, porque não sabem de onde vêm. Um agente meu comprou estas duas aos pais delas. São irmãs. Mais dois ou três anos, arranjo-lhes maridos. São muito felizes, acreditem ou não. Comem como nunca sonharam comer e vivem naquilo que para elas é um luxo inimaginável.
- Fazem sexo? - perguntou Janelle sem rodeios.
- Não. São virgens. E ainda o serão quando casarem... o que é importante para certos homens.
Dave disse entre dentes a Janelle:
- O pagão chinês é peculiar. Chen sorriu.
- Conheço a citação, Sr. Shea. E nós achamos algumas das vossas práticas peculiares. O que não deverá impedir que sejamos amigos.
Dave sorriu.
- Pois não, Sr. Chen.
- Julgo saber que procura oportunidades para investir disse Chen.
- É verdade.
- Que acharia de pôr alguns fundos num novo banco?
- Aqui?
- Não. Em São Francisco.
- Sr. Chen, pelo que me foi dado entender, o senhor podia comprar-me com meia dúzia de tostões. Por que havia de querer que eu investisse no seu banco?
- Tenho uma reputação ilusória - disse Chen. - Teria dificuldade em obter as necessárias aprovações do Governo. O senhor poderia pôr dinheiro das suas contas da Europa, que eu teria enriquecido enormemente. Podia investir uma modesta quantidade do seu dinheiro e tornar-se director do novo banco.
- E então?
- Tornar-nos-íamos fiadores importantes. Assumiríamos o controlo de Sociedades. Seriamos grandes tubarões na América. Soube pelos seus amigos, os Cooper, que pretende ser um grande tubarão.
Dave disse que sim com a cabeça.
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Nessa noite, na sua cabina do iate, Janelle sussurrou ao ouvido de Dave:
- Desconfio que tudo o que fazemos está a ser filmado por uma câmara oculta. E tudo o que dizemos está a ser gravado. Portanto, vamos deixá-los pensar que somos apenas um casal apaixonado. Vamos oferecer-lhes um espectáculo, querido. Um espectáculo que nunca esquecerão, mas que não lhes vai servir de nada.
Ele concordou com um gesto de cabeça. Deitaram-se na cama, e ela encostou a língua ao pénis dele. E começou a oscilar a cabeça para cima e para baixo, lambendo, mordiscando e chupando.
Tinham visitado Macau, visto dois casinos e Dave tinha ganho dois mil dólares de Hong-Kong, menos de trezentos dólares americanos. Recolheram-se na sua cabina cerca das duas da manhã para dormirem enquanto o iate regressava à doca de Hong-Kong.
Janelle mordiscou-lhe o prepúcio e murmurou uma vez mais:
- Nem sabes como me sinto feliz por não seres circuncidado.
- Sempre me sinto grato ao meu pai, que não o consentiu. Ela percorreu-lhe a ponta do pénis com a língua, fazendo
deslizar a pele para trás apenas um pouco para poder lamber-lhe a glande, que já reluzia, pronta a ter orgasmo. Voltou a sussurrar ao ouvido dele.
- Amanhã à noite fazes-me tu a mini, amor. Por agora, vamos deixar que eles pensem que sou uma puta excitada, com quem casaste, para teres o que estás a ter agora.
Ela estava certa quanto à câmara oculta. Noutra cabina, Chen Peng e Len Cooper estavam sentados a beber brande e a olhar uma grande ecrã de televisão.
- Sou casado e feliz - disse Len. - Mas, meu Deus, olhe para aquilo!
- Ele é um homem afortunado - disse Chen. - Lamento não ter trazido nenhuma mulher que lhe possa oferecer. Como já disse, as minhas duas rapariguinhas são virgens. Talvez... talvez pudessem tratar de si à mão. Não lhes posso pedir mais do que isso.
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- Céus, olhe para ela! Está a adorar!
- É bela e talentosa. Usa a língua como uma artista.
- A minha mulher também gosta e é boa nisso. Mas...
- Acha que ele vai aceitar a minha proposta? - perguntou Chen.
- Ele vai tratar de se dar bem - disse Len. - Não é parvo. Chen apontou para o ecrã.
- Ela pode fazer dele parvo.
243
Janeiro de 1996
Tendo-se estabelecido em São Francisco, o banco havia recebido o nome de Enterprise Bank. Chen, tal como havia prometido, pusera mil milhões de dólares nas contas
europeias de Dave, e outras, sendo o dinheiro canalizado para o Enterprise Bank. O Estado da Califórnia e o Governo federal examinaram tudo. O dinheiro estava lá, em títulos federais e investimentos lucrativos. O Enterprise Bank era sólido. Os examinadores não lhe encontraram defeitos.
Era um banco de investimentos, não apenas de depósitos.
Dave viu-se como um competidor menor no Enterprise Bank. O seu investimento não era grande. Era um testa de ferro ou nem sequer isso. Sabia arranjar as pessoas capazes para agir como testas de ferro. Não utilizou Cole Jennings. Usou Ben Haye, que deixou a sua firma para se tornar director do Enterprise Bank.
- Temos um problema sério - disse Axel Schnyder. - O seu país, o meu país e outros estão a perguntar de onde veio todo este dinheiro.
- Do Extremo Oriente - dissê-lhe Dave.
- Sim. As transferências vêm de bancos de Hong-Kong, China, Japão e Singapura. É um escândalo internacional.
- Se o banco operar de forma legal e ética...
- Mesmo assim, as pessoas vão querer saber o que realmente está por detrás dele.
- Você quer saber?
- Creio que não.
- Bem... tenho de lhe dizer. Em Hong-Kong há quantidades de dinheiro como nós nunca sonhámos. Sabe Deus quanto desse dinheiro será legal. Você devia lá ir. Há um movimento de navios que faz com que o porto de Roterdão pareça pequeno. Um dia almocei num terraço que dava para um canal. Os navios entravam e saíam aos magotes. Cargueiros. Petroleiros...
244
- Empatou grande parte dos seus bens neste banco.
- As minhas contas...?
- Elas estão sólidas, mas muito diminuídas. Correu um risco enorme.
- Não se pode ter lucro sem correr riscos. Schnyder concordou com um movimento de cabeça.
- Esta noite Frau Hess está em casa, se a quiser. Ela contou-me que a chicoteou. Prometi-lhe uma mulher interessante, de facto. Ela mandou-me dizer-lhe que pode chicoteá-la de novo, se quiser.
Para grande surpresa dela, Janelle recebeu um telefonema de Chen Peng quando Dave estava na Suíça. Ele estava numa suite no Waldorf e convidou-a para almoçar com
ele.
Ela esperava ir encontrar um grupo de convidados, mas ao chegar descobriu que era só ela. Chen Peng mostrou-se cordial. Vestia um fato azul-escuro, feito por medida, com camisa branca e gravata; os sapatos eram Gucci. Ela vestia um dos seus vestidos de mini-saia favoritos, este era branco.
- A senhora é uma mulher de uma beleza rara, Sra. Shea. Gostaria que nos conhecêssemos melhor.
- Em que sentido? - perguntou ela, sem cerimônia.
- Depois de bebermos um pouco de champanhe gostaria de lhe mostrar uma cassete de vídeo.
- Acho que sei o que ela tem. Ele franziu as sobrancelhas.
- Quer dizer que sabe? Adivinhou?
- Não sou uma mulher envergonhada, Sr, Chen.
- É verdade. Conheço a sua história com o Sr. Leeman.
- Imagino que saiba tudo sobre toda a gente.
- Quem disse que o conhecimento é poder? Não me lembro da origem da citação, mas é famosa, não é? Sim. O conhecimento é mais importante do que o
dinheiro.
- Concordo consigo.
Depois de terem esvaziado as flutes de champanhe ele ligou um grande aparelho de televisão e o vídeo. A cassete era o que ela esperava.
- É um desempenho notável - disse ele. - Gostaria de o repetir?
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- Consigo?
- Sim. Comigo. Janelle suspirou.
- Não me parece, Sr. Peng. Sou fiel ao meu marido. - Confio que não se aborreça comigo por eu perguntar.
- Confio que não se aborreça comigo por lhe dizer que não. Chen acenou com a cabeça e sorriu.
- Falemos então de negócios. As contas do seu marido na Europa permitiram-me transferir fundos para o banco. Desejo transferir mais, através dele, para diversos negócios nos Estados Unidos. Aqui não posso ter uma presença. Enfrentaria resistência. O vosso Governo trataria de me impedir. Mas o Sr. Shea, através das suas contas na Europa (e talvez ele devesse estabelecer mais), pode facilitar a minha movimentação de acordo com os meus desejos. Cuidarei que ele receba generosas comparticipações. Mas... detecto alguma hesitação da parte dele. Porquê?
- Ocorrem-me dois motivos - disse ela. - Em primeiro lugar, é perigoso. O risco é grande. Além disso, Dave quer ser independente. Aquilo que o senhor propõe é que ele se torne um criado seu. Ele não consegue imaginar-se assim.
- A senhora deve exercer grande influência sobre ele. Quero dizer... vendo como a senhora... naquela gravação. Pode persuadi-lo.
Janelle sorriu e abanou a cabeça.
- Sr. Chen, que influência concederia a uma mulher que lhe fizesse aquilo? Ficaria agradecido. Talvez até a amasse. Mas seguiria os conselhos dela? Por causa disso?
- A senhora não é uma mulher qualquer. É excepcionalmente inteligente, para além de excepcionalmente bela e erótica. Acho, de facto, que pode influenciá-lo.
- Não sei - disse ela, com cepticismo.
- Eu abro uma conta especial para si no Hong-Kong and Xangai Bank. O seu marido não deverá saber de nada. Mas ela dar-lhe-á independência em relação a ele e a todas as outras pessoas.
-Se...
- Se ele fizer o que a senhora o influenciar a fazer.
246
Fevereiro de 1996
Janelle estava a jantar com Dave no Four Seasons. Usava um dos vestidos bem curtos que gostava de usar, com meias, em vez de collants, e atraía as atenções. Dave orgulhava-se dela.
- O teu amigo chinês teve uma ideia - disse ela. -Sim?
- Entraram em contacto comigo. Quando foste a Zurique, Chen Peng esteve em Nova Iorque e falou comigo. Lembras-te daquela noite no barco em que eu te disse que desconfiava que eles nos estavam a filmar? Pois estavam mesmo. Ele mostrou-me uma cópia. Foi um grande espectáculo, ainda que seja eu mesma a dizê-loMas... ele sugere que podem fazer de mim uma multimilionária. Não explicam muito bem como, mas a ideia é eu trair-te.
- Trair-me como?
- Não especificou lá muito.
- "O pagão chinês é peculiar."
- Lá isso é. Mas deixa que te diga uma coisa: não o podes enfrentar. Tem demasiado dinheiro. É demasiado poderoso. Tens de estabelecer a paz com ele.
- Julgava que estávamos em paz com ele.
- Eu nunca pensei tal coisa. Nunca confiei no Chen. Sei o que ele quer; seja o que for, temos de negociar. Não o podemos enfrentar.
Dave disse que sim com a cabeça.
- Axel Schnyder disse mais ou menos o mesmo. Não confia nos multimilionários de Hong-Kong.
- A nossa relação com eles abriu todo um novo mundo. As oportunidades são infindáveis. Os riscos também.
u
Emily deixou Jenna examinar mais uma vez as argolas que tinha nos mamilos. Mais uma vez a rapariga pediu autorização para mandar pôr também umas.
- Ela já está suficientemente crescida - disse Emily a Cole.
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- Meu Deus, ela ainda nem tem dezasseis anos. Não pode ter as maminhas do tamanho suficiente.
- Mas tem. Amadureceu muito cedo. Ele abanou a cabeça.
- Não consigo acreditar...
- Jenna! Chega aqui, se fazes favor.
A rapariga entrou, vinda da cozinha, onde estava a pôr a louça na máquina.
- Mostra as maminhas ao papá - disse Emily em voz baixa; era uma sugestão e não uma ordem.
- Não precisas de fazer isso, querida - disse apressadamente Cole.
- Não me importo - disse Jenna.
Ergueu a camisola. Era verdade. Tinha seios completamente desenvolvidos.
- Ela quer argolas - disse Emily. - É um pouco difícil dizer que não, uma vez que eu também tenho.
- com a tua idade? - perguntou ele.
Jenna, quase inconscientemente, ergueu os seios e apertou os mamilos, que imediatamente ficaram erectos. Cole pôde ver que tinham tamanho suficiente para as argolas.
- Acho que são bonitas - disse Jenna.
- Vais ser a única rapariga da tua escola com argolas. Jenna sorriu. :
- É provável - disse.
Março de 1996
Era a altura de receber os bónus no Harcourt Barnham. Dave foi ao gabinete do director para receber o seu cheque. Era de quatro milhões de dólares. Não tinha trabalhado mal, tanto para o banco como para si mesmo.
O director, Charles Emmit, era um homem de uns sessenta anos, encorpado, de pele corada, ainda sem cabelos brancos. Tinha fama de ser inteligente, competente e talvez um pouco solene.
- Lamento ter de lhe dizer uma coisa, Dave; mas temos um problema.
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- Dr. Emmit... - disse Dave. Não gostava da hierarquia, mas continuava a tratá-lo por "doutor".
- Dave... - Emmit fez uma pausa para acender um cigarro, uma coisa que fazia quando se sentia nervoso. - Tem trabalhado bem para nós e acho que também o tratámos
bem. Mas, para ser brutalmente franco, o conselho de directores decidiu demiti-lo. Esse bónus é também uma indemnização.
- Posso perguntar porquê?
- Não possuímos provas seguras de tudo isto, mas estamos convencidos de que negoceia acções por sua própria conta. Pensamos que possui pelo menos uma conta no exterior.
Achamos que foi a Hong-Kong não para passar férias mas para estabelecer uma relação com os interesses monetários de Hong-Kong. Vai frequentemente a Zurique. Tudo
isso poderia não ser... fatal para a nossa relação. Mas detectámos que está envolvido em conflitos de interesses. Pior do que isso, não acreditamos que declare esses
rendimentos exteriores aos impostos. O sucesso do Harcourt Barnham deve-se à sua reputação de limpeza absoluta. Se o senhor tiver problemas com o SEC ou o IRS, isso
seria prejudicial à nossa reputação. É um risco que não podemos correr.
- Passei aqui nove anos.
- O que significa que o seu nome e o nosso se encontram ligados. E por isso que manteremos silêncio absoluto sobre o que pensamos que tem andado a fazer. Não nos
fizeram perguntas sobre si e se fizerem nada diremos sobre as nossas suspeitas.
- Parece que tenho de vos agradecer.
- Lamento tudo isto, Dave. Pessoalmente, gosto de si.
Abril de 1996
Alexandra estava sentada do outro lado da mesa, em frente de Emily, durante a sua visita mensal. Era uma visita de contacto. Ela tinha sido revistada antes de entrar
na sala de visitantes e seria revistada quando voltasse lá para dentro. Usava o vestido de algodão cinzento-sujo que era agora o seu uniforme. Emily usava um fato
preto. Tentava não se vestir excessivamente bem quando ia visitar Alexandra, por achar que isso faria sofrer a prisioneira.
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- Eu queria ter vindo a semana passada, mas...
- Eu sei. Nessa altura eu não podia ter visitas. Estive em detenção disciplinar durante três dias.
- Porquê? Se não te importas que pergunte.
- Tirei uns lápis do escritório para levar para a minha cela para desenhar. Isso é roubo. Um desvio sem importância de material de escritório. Sabes como é. Acho que lá fora, todos o fazemos. Mas aqui não. Passei três dias numa cela com grades por causa disso. O pior é que vai ficar registado, e quando for à minha primeira entrevista de liberdade condicional vão recusar-ma. Abanou a cabeça. - Não consigo ser uma boa prisioneira. Não sei lidar com este mundo. Eu tento, mas...
- Perdeste o teu trabalho?
- Não. Foi tudo perdoado, acho eu. É como se fôssemos crianças. Recebemos o castigo e fica tudo bem. Mas deixemos isso; como estão as coisas lá fora?
- Bem, tenho notícias para ti. Dave perdeu o emprego no Harcourt Barnham. Está muito aborrecido.
Alexandra encolheu os ombros.
- Tem outras coisas.
- Recebeu quatro milhões de dólares de indemnização. Receberás a tua parte. Mas precisa de um emprego certo, para justificar o seu estilo de vida perante o fisco.
- Está à procura?
- Vai outra vez a Zurique. Cole preferia que ele não fosse lá tantas vezes. Foram essas viagens demasiado frequentes a Zurique que despertaram as suspeitas no Harcourt Barnham.
- Ele que tenha cuidado - disse Alexandra. - Acho que ele não aguentaria a vida que eu levo aqui. Eu própria não estou a sair-me muito bem. - Abanou a cabeça. - Já passou tanto tempo... parece uma eternidade. Às vezes, preferia ter morrido.
- Não é verdade.
Alexandra disse que sim com a cabeça, com expressão amarga.
- É fácil de dizer... experimenta, a ver se não sentes o mesmo.
Dave encontrou-se com Axel Schnyder em Zurique.
- Compreendo. Precisa de estar afiliado. Imagino que devo
consegui-lo com o Banque Suisse. Compreende, vão querer que
lhes dê dinheiro a ganhar.
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- Eu dei dinheiro a ganhar ao Harcourt Barnham.
- O Banque Suisse tem uma mentalidade um pouco mais liberal. Desde que dê dinheiro a ganhar ao banco...
- Eu dou dinheiro a ganhar ao banco. Também lho dei a si, não foi?
Schnyder fez um gesto afirmativo com a cabeça.
- Mas corre riscos. Dave encolheu os ombros.
- Como é que se pode ganhar dinheiro sem correr riscos? Mais tarde, estava sentado à mesa do jantar com Hanna Hess.
Ela fumava uma cigarrilha e bebia Courvoisier.
- Vai chicotear-me? - perguntou ela.
- Ele diz que você quer.
- Sim... da primeira vez fiquei aterrorizada. Acho que o medo foi pior do que a dor. Esta noite, a Trudi não vai estar connosco. Você vai chicotear-me. Talvez não com tanta força.
Dave sorriu.
- Não com tanta força - concordou. - Hanna, você é uma mulher interessante.
- Uma mulher alemã - disse ela.
- Duvido que todas queiram ser chicoteadas.
- Talvez. Não haverá muitas, agora...
Levaram Schatzi a passear no parque e depois voltaram a fechá-lo no outro quarto. Hanna tirou as roupas e encostou-se à armação em X. Ele amarrou-a bem.
Era uma mulher mais interessante do que ele se lembrava. Era masculina, com o cabelo louro cortado curto e com o corpo musculado e vigoroso. Mas tinha seios. Acariciou-os. Passou-lhe a mão entre as pernas, onde os pêlos tinham sido aparados quase até desaparecer.
Ela gemeu.
- Oh, faça isso, Dave. Gosto.
- Quer a mordaça?
- Talvez seja melhor. Se grito, podem ouvir.
Ele meteu-lhe a bola de borracha entre os dentes e prendeu-lhe a fivela atrás do pescoço.
- Já - disse ela. - Tote. Tote gut. om ouça orça, or avor. Ele recuou e fez estalar o chicote no rabo dela. -Uhh...ohh!
Depois açoitou-lhe as costas, entre os ombros, três vezes seguidas.
- Ohh! Uh! Oohh!
Era mais divertido chicotear-lhe o rabo. Gostava de ver a carne a saltar. Deu-lhe cinco chicotadas.
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Hanna deixou cair a cabeça e começou a soluçar.
- Quer que eu pare?
Ela disse que sim com a cabeça.
- Ó mais uma ou uas. E are.
Deu-lhe mais duas chicotadas no rabo. Ela chorou e ele desapertou-lhe a mordaça e deixou-a cuspir.
Dave podia ver os fluidos começarem a escorrer dela.
- Oh, meu Deus, Dave. Noutra altura, talvez outra vez. Mas agora mais não. Ohh! Dói!
- Bem... fica aí na armação um bocadinho. Apetecê-lhe brande?
- Sim, por favor.
Deitou brande para um copo e chegou-lho aos lábios. Ela bebeu com gratidão.
Ele passou-lhe a mão pelo cabelo curto. :
- Não há muitas mulheres assim no mundo - disse.
- Talvez mais do que pensa.
Pôs-lhe a mão entre as pernas e enfiou um dedo. Ela retorceu-se e gemeu. Começou a esfregar-lhe os seios. De súbito, para sua surpresa, sentiu a mão molhada. Ela deitava leite!
- Meu Deus, Hanna!
- Chupe um pouco e engula. Faz-lhe bem.
- Ele sugou o seu mamilo esquerdo. O leite morno entrou-lhe para a boca e ele engoliu. Não gostava de leite quente, mas engoliu-o. Depois limpou a boca com brande.
- Não sabia que estava grávida - disse.
Ela abanou a cabeça.
- Nunca estive. As mulheres podem produzir leite se mamarem nelas e as estimularem. Pergunte a um médico. A gravideis não é necessária. ;
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Verão de 1996
Dave e Janelle mudaram-se para um apartamento novo, uma suite de luxo com vista para o East River. Dele podiam ver o Edifício das Nações Unidas e tudo o que ficava junto do rio. Era um apartamento que havia pertencido a Truman Capote. Janelle dava muito importância ao facto. Dave nunca havia lido Capote. Nunca lia nada que não tivesse a ver com negócios.
- Bolas, devias pelo menos ler o A Sangue Frio.
- Está bem, eu leio. Está bem?
Tinha-se habituado a ser um leitor rápido e numa noite acabou o livro.
- E depois? - perguntou ele. - O homem que viveu neste apartamento escreveu aquilo.
- Está bem. Era maricas. Alcoólico. Grande coisa. Mas o livro é fantástico!
- Está bem.
- Não te emocionas com nada? Nada a não ser dinheiro e sexo?
- Bem... podias ser pior. Ela sorriu.
- Podia, não podia?
- Diz-me lá o nome de um homem capaz de te lamber como eu. Janelle suspirou.
- Dave... a vida não é só isso.
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Outubro de 1996
Jenna, com dezasseis anos, mandou colocar as argolas nos mamilos. Mostrava-se exorbitantemente orgulhosa delas. O pai tinha-lhe comprado umas de platina, muito brilhantes. Eram um pouco mais pequenas do que moedas de vinte e cinco cêntimos e pendiam-lhe dos mamilos. Ela deixava os amigos mais chegados vê-las.
Na escola correu a notícia de que as tinha. Um dia foi chamada ao gabinete do director.
- Menina Jennings, ouvimos dizer que usa argolas nos seus... seios. Diga-me que não é verdade.
- Mas é verdade.
- Acha que é uma conduta apropriada?
- A minha mãe usa argolas.
- A sua mãe é uma mulher madura. A menina tem dezasseis anos.
- E então?
- Bem... não podemos permitir que vá às aulas de Ginástica com argolas onde as tem. As outras raparigas poderiam vê-las no duche. Por isso... ou fica dispensada das aulas de Ginástica ou tira as argolas.
- Não as vou tirar.
- Muito bem. Considere-se como se estivesse de pena suspensa. O seu pai é um advogado reconhecido e suponho que deve saber disto. Pode ser que tome uma atitude.
- Não vai tomar atitude nenhuma - disse Jenny. - O meu pai pagou muito dinheiro por elas. São de platina. Aposto que há outras raparigas na escola que também têm. Por acaso, souberam de mim, é só isso.
- Muito bem, Menina Jennings. Suponho que não posso ordenar-lhe que as tire. Mas posso ordenar-lhe que deixe de frequentar as aulas de Ginástica.
Ela encolheu os ombros.
- Gosto de ir ao ginásio. Mas não preciso de ir. Pergunte à professora de Ginástica. Serei a única rapariga da escola com argolas nos mamilos?
O director suspirou.
- Não estou interessado em saber - disse, sem convicção. Nessa tarde, depois da escola, foi até ao bosque com três
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rapazes, mostrou as argolas e fez chichi para o chão coberto pelas folhas outonais. Continuava virgem.
O papel de Dave no Enterprise Bank tornou-se menos misterioso. O interesse de Chen Pengera controlar algumas Sociedades americanas. Esperava que Dave identificasse
possíveis controlos e depois facilitasse o uso do dinheiro de Hong-Kong para fazer empréstimos e obtê-las. Não era complicado, embora tivesse de continuar a ser inteiramente secreto.
Chen Peng identificou a Arizona Oil como uma companhia pronta para uma tomada de posse.
- Esta sociedade - disse ele - tem enormes bens em terras potenciais. Talvez não haja lá petróleo. Mas as minhas fontes dizem que há.
- A sua posse está muito espalhada - dissê-lhe Dave. Não vai ser questão apenas de uns quantos accionistas.
Chen Peng sorriu.
- Accionistas gananciosos. Quando virem uma oferta pelas suas acções...
- Quem vai fazer essa oferta? Não pode ser o Enterprise Bank.
- Correcto. Primeiro temos de adquirir uma companhia que possa fazê-lo. Diga-me o nome de tal companhia.
- Bem... a Petroleum of New Jersey está com problemas. Estão com falta de capital. Meteram-se em demasiados empréstimos.
- Isso é bom. Compramos as acções deles?
- Quem compra?
- Os senhores Briining e Burger.
- O que atira tudo para cima de mim.
- Será bem protegido. Preciso de lho dizer? Janelle estava céptica.
- Podemos queimar-nos. Não preciso de te dizer que Chen se está nas tintas. Ora! Ele esHt servir-se de nós.
- Os pagãos chineses não são os únicos tipos espertos do mundo.
- Bem...
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Natal de 1996
Em Bedford Hills, Alexandra tinha encontrado um novo consolo. Era proibido, mas tolerado para manter a paz.
Uma rapariga tinha dezanove anos e havia sido condenada a prisão perpétua. Era lindíssima. Inicialmente, tal como Alexandra, tinha recebido a tarefa de lavar o chão; mas passado algum tempo foram-lhe atribuídas tarefas de secretária e entrou em contacto com Alexandra. Passado pouco tempo, Alexandra, de quarenta e quatro anos, e Lucy, de dezanove, estavam apaixonadas.
Não era fácil arranjar oportunidades para fazer amor, mas elas arriscavam-se e criavam as oportunidades. Lucy foi parar à mesma fila de celas que Alexandra e as oportunidades foram surgindo.
A princípio foi um consolo, mas a dada altura Alexandra compreendeu que um dia seria libertada e Lucy não. Isso transformou o seu consolo numa nova agonia.
Janeiro de 1997
Briining e Burger foram comprando gradualmente a dívida da Petroleum New Jersey. Depois, uma sociedade recém-formada, chamada United Gás Oil, ofereceu um preço elevado
pelas acções da Arizona Oil. Os accionistas aproveitaram logo a oportunidade. A United Gás Oil assumiu o controlo da Arizona Oil.
- Não sou tão estúpido como Chen pensa - disse Dave a Janelle. - Eu é que sou o dono da United Gás Oil, não é ele.
- Cuidado. Talvez ele seja teu dono. O dinheiro é dele, afinal.
Hermann Reitsch continuava a queixar-se de que tinha perdido todo o controlo das suas invenções.
- Quanto dinheiro tem, Hermann?
- Mais do que alguma vez sonhei, tenho de o admitir.
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- E quem tornou isso possível?
- Você.
- Tudo porque, tal como você é um gênio naquilo que faz, eu sou um gênio naquilo que faço.
- Mas eu...
- Nós mandámos-lhe uma mulher - disse Dave. Liz gosta de meter o sexo de um homem na boca até ao fundo. Ela já lhe fez isso?
- Por favor!
- Temos um bom negócio, Hermann. Não vamos estragar tudo.
Chen parecia aceitar a ideia de que Dave era um sócio, não um criado. Perguntava a opinião dele. Mandou um agente de viagens de Nova Iorque entregar passagens de primeira classe para Hong-Kong na Cathay Pacific Airline e quando Dave e Janelle chegaram ao Aeroporto de Kai Tak eram esperados por uma limusina que os levou à sua casa, em The Peak, onde ficaram durante todo o tempo que permaneceram em Hong-Kong.
Chen Peng vivia numa mansão magnífica, de estilo eduardiano, que pertencera a um multimilionário britânico. Fazia parte de um complexo fortemente guardado, que tinha lá dentro várias casas.
O complexo incluía uma conjunto de cabanas voltadas para uma grande piscina. Hong-Kong tinha um clima subtropical e a família passava muito tempo na piscina. Janelle descobriu imediatamente que a mulher de Chen, as filhas e as noras, assim como as mulheres de alguns dos seus executivos, tinham o hábito de nadar nuas e de assim descansar em volta da piscina. Chen foi rápido a dizer a Janelle que ela não era obrigada a fazer o mesmo; mas se não o fizesse, tornar-se-ia notada.
Era óbvio que isso agradava a Chen Peng; e era óbvio que gostava de a ver nua. Mirava-a, olhando mais para os seus pêlos púbicos do que para os seus seios.
Falavam de negócios. Janelle participava na conversa. Era bastante estranho, especialmente em Hong-Kong, que uma mulher, ainda por cima uma mulher nua, tomasse parte em discussões de negócios, mas Dave queria que ela o fizesse. Ela não era apenas um ornamento, disse ele a Chen.
- Aprendi a entender isso - disse Chen. - As mulheres americanas... Muito diferentes. Muito diferentes. Olhe para as minhas mulheres. Bonitas, não são? Mas nem todas
elas juntas têm os miolos que esta mulher tem.
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- Talvez tivessem, se as deixassem - dissê-lhe Janelle. Chen fez um sorriso intrigado, como se não entendesse bem
o comentário dela.
- O seu amigo Haye, do Enterprise Bank, identificou uma Sociedade que ele acha que pode ser promissora. A Texas Silicon fabrica chips para computadores. Haye garante que são bons e as minhas fontes de informação confirmam-no. É possível comprar a companhia. Vai ser preciso um investimento. Não serão só uns quantos dólares. Gostaria que analisasse o caso e me desse a sua opinião.
- A alta tecnologia é arriscada - disse Dave. - E a competição é feroz.
- Eu conheço a companhia - disse Janelle.
- E a sua recomendação seria...? Ela abanou a cabeça.
- Não façam isso. As companhias de alta tecnologia têm um único património: os cérebros; e a Texas Silicon tem um problema de fuga de cérebros.
- Os funcionários...
- Perderam a confiança nela e estão a sair. Há muita procura de analistas de sistemas. Andam muito de um lado para o outro. E muitos estão a afastar-se da Texas Silicon.
Chen sorriu a Dave.
- Preciso de outra opinião?
- Eu não preciso - disse Dave.
Chen fez um gesto de assentimento com a cabeça.
- Muito bem. Tem mais alguma sugestão, Sra. Shea?
- De momento, não.
- Quer ter a bondade de procurar para ver se nos arranja alguma coisa?
- com muito gosto.
VI
A mansão eduardiana de Chen tinha a casa de banho equipada com elementos da mesma época. O espaço era suficiente para os dois.
O melhor era o duche. Era do tamanho de uma divisão pequena e o chuveiro principal era tão alto que ficava fora do alcance. Três das paredes eram de mármore. Na parte da frente não havia parede e a água que salpicava escorria por um ralo no
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chão de mosaico. As três paredes eram percorridas por tubos. Estes tinham pequenas perfurações e quando a água passava neles enviavam jactos de alta pressão contra os corpos. Um vaporizador de agulha. Era purificante e estimulante. O duche também estava equipado com um chuveiro de bidé. Este lançou um jorro de água morna para as partes privadas de Janelle. Também tinha equipamento de vapor.
- Temos de arranjar uma coisa destas, querido - dissê-lhe ela, pondo-se por cima do jacto de água. - Os canalizadores americanos conseguem...
- Claro. Mas já usaste um no hotel de Zurique.
- Mas por cima de um bacio. Quero um como este, no duche. Ele lembrou-se do bidé de Zurique. Por muito sofisticada que
fosse, ela nunca tinha visto um e não sabia se se devia sentar voltada para a parede ou para fora. Enquanto dava voltas e mais voltas ao vaporizador de agulha ela aproximou a boca do ouvido dele e disse:
- Espero que saibas que tudo o que fazemos nesta suite está a ser gravado.
- Pois deve estar. Vamos proporcionar a Chen mais um espectáculo.
No voo de regresso, onde o que dissessem não podia ser gravado, Janelle tinha uma pergunta para Dave.
- Tento mesmo arranjar alguma coisa para Chen?
- Tens alguma ideia?
- Há uma companhia na Califórnia que desenvolveu um sistema de reconhecimento de voz. Os seus técnicos continuam entusiasmados e ainda não começaram a abandonar o navio. Mas é o que acabarão por fazer, se não houver uma injecção de capital. Mas claro que o risco é muito elevado. - Ela sorriu. Podemos arriscar o capital de Chen.
- E ao mesmo tempo cobrar uma percentagem.
- Exactamente.
- Tu dás-lhe o nome da companhia. Sei o que ele vai fazer, se ainda não o fez. Vai abrir uma conta para ti, algures. Vai tornar-te independente. Independente de
mim. Talvez não independente dele. E se calhar deves começar a pensar em dar-lhe o que ele quer.
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- Estás a falar a sério? Dave abanou a cabeça.
- Ele tem um poder econômico que pode fazer ou destruir qualquer pessoa. Não estou a dizer que o faças. Estou só a dizer que penses nisso.
Três dias após o regresso de Hong-Kong, Janelle foi presa e ameaçada de ser acusada. Dois marshalls federais, um homem e uma mulher, apresentaram-lhe um mandado
e ela recusou. Algemaram-na e levaram-na para um gabinete do Ministério Público americano. No automóvel que a levou até lá, foi quase sempre a soluçar.
Foi conduzida ao gabinete de Tabatha Morgan, a mesma mulher que havia interrogado Alexandra.
- Sra. Shea... A senhora é, segundo creio, a terceira Sra. Shea. Mas fale-nos da CalINet.
Janelle perguntou, soluçando:
- Que é que quer saber?
- O que é que a senhora sabe?
Morgan estendeu a Janelle uma caixa de lenços de papel e esperou que ela limpasse os olhos. Mas não se ofereceu para lhe tirar as algemas. Tinham efeito psicológico.
Janelle suspirou:
- Sou analista de sistemas e consultora. É essa a minha formação...
- Desculpe interrompê-la, Sra. Shea. A senhora foi prostituta em adolescente, não foi?
Janelle abanou a cabeça.
- Não! Nunca fui prostituta.
- Está bem. A sua mãe é.
- Isso não sei. Foi uma boa mãe e cuidou de mim. Talvez tenha ganho algum dinheiro extra. Não sei nada disso. E o que tem isso a ver, afinal? - disse Janelle, soluçando.
- Bem... estamos a tentar descobrir o que faz o seu marido. Certos indícios levam-nos a crer na existência de enormes contas no exterior, mais recentemente em Hong-Kong, sobre as quais ele não paga impostos e com as quais investe ilegalmente na Bolsa. A segunda mulher dele está em Bedford Hills, como decerto sabe. Ela insiste que ela não possui nenhuma conta no exterior.
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Agora vem a senhora. Quer dizer-nos que ignora completamente o modo como o seu marido ganha dinheiro?
- O Harcourt Barnham pagou-lhe um bónus pelo último ano que trabalhou para eles. Deu-lhes tanto dinheiro a ganhar que lhe pagaram quatro milhões de dólares. Está na declaração de impostos dele. Têm de saber disso.
- Calculamos que ganhou dez vezes isso.
- Quarenta milhões! Eu havia de saber e não sei. Como posso provar uma negativa?
- Então, não nos vai dizer nada?
- Que quer que lhes diga?
- Por que é que não diz qualquer coisa de boa vontade? Janelle estendeu as mãos.
- Tire-me isto! Por favor! Tire-as...
A mulher fez um sinal com a cabeça ao marshall que estava atrás dela e este pegou numa chave e abriu as algemas.
- E agora, quer dizer-nos alguma coisa?
- Que quer que lhes diga?
A assistente do Ministério Público sorriu.
- É uma puta das duras, não é? Janelle abanou a cabeça.
- Não se esqueça, pequena. Andamos a observar David Shea e a si. Quando quiser ser sincera, é só dizer.
- Estás a dever-me e muito. Fiquei ali sentada, de algemas, e não disse nada.
Dave deu um suspiro sonoro.
- Se eu acabasse metido em sarilhos, tu também estarias.
- Pensei que me iam prender. Estava doida de medo. Mas não perdi a cabeça. Aquela mulher... aquela mulher do Ministério Público. Anda a ver se te trama. Disse que eu era uma cabra das duras. E falou na Alexandra, também.
- Acho que temos de usar os nossos contactos de Hong-Kong.
- Sem lá ir. As tuas viagens a Zurique levantaram suspeitas. As viagens a Hong-Kong também.
- És capaz de ter razão. Mas tu podes ir, claro.
- E meter-me na cama com Chen? É isso que queres que eu faça?
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- Quero que faças o que achares melhor.
- Céus, homem, és mesmo um cabrão!
Março de 1997
com trinta e nove anos de idade, Emily começara a preocupar-se, pensando se Cole estaria a fartar-se dela. Ele era atento. Era carinhoso. Mas ela não podia deixar
de recear que o romance deles tivesse perdido a frescura. Eleja não queria sexo tantas vezes. Não era por causa da vasectomia. Ele insistia que tinha tanto prazer como antes.
Ela tornou-se mais aventureira. Usava sapatos de salto alto e meias com cinto de ligas. Usava também cuecas sem parte de baixo e soutiens com buracos para mostrar os mamilos. com os filhos em casa, tudo isto tinha de se limitar ao quarto. Ela gostaria de poder usar aquelas coisas pela casa. Quando viajavam, levava-as consigo e usava-as no quarto do hotel.
Finalmente, sem dizer nada a Cole, voltou ao médico que tinha furado os mamilos dela e da Jenna e mandou furar os lábios interiores e colocar argolas. Em jovem envergonhava-se das suas pétalas rosadas-brilhantes, que se viam de fora. Agora decidira que elas eram eróticas.
Resolveu não usar pesos como Alexandra havia usado. Mas comprou argolas grandes; com dois centímetros e meio de diâmetro. Cole estava em S. Francisco e quando regressou a casa ela já estava sarada e pronta para as mostrar. Nada de pesos. Mas ela tinha feito outra coisa. Tinha comprado uma corrente de prata muito delicada que passava pelas argolas e lhe dava a volta por detrás das nádegas e lha passava no meio. Se isso não o excitasse, não imaginava que outra coisa poderia excitá-lo.
262
Abril de 1997
Jenna, agora com dezassete anos, era uma exibicionista inveterada. O que mais a excitava era deixar-se ver por rapazes de quem era muito amiga. Não dissera nada à mãe nem ao pai, mas queria experimentar dançar nua, ou apenas posar nua. Achava que conseguiria fazer isto se fosse para uma universidade longe de Wyckoff. Quando chegou a altura de começar a escolher universidades, interessou-se apenas pelas que ficavam a centenas de quilómetros de distância, em sítios como o Ohio e Michigan.
Não pensava fazer carreira a dançar nua ou a posar. Achava que queria ser arquitecta e tencionava estudar para isso.
Continuava virgem. E quando acabasse o liceu, seria ela a aluna da turma a fazer o discurso de despedida. No liceu não estavam satisfeitos: a rapariga tinha argolas nos mamilos e, segundo se dizia, deixava que os rapazes as vissem; mas não podiam negar que era a aluna com melhores notas.
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Julho de 1997
Quando Janelle chegou a Hong-Kong, esta já era uma cidade chinesa, pois a transferência de posse tinha-se dado no dia
1 de Julho. As bandeiras eram diferentes. Os
símbolos britânicos tinham sido retirados dos edifícios públicos. O dinheiro e os selos dos Correios já não tinham a imagem da rainha. Mas não se notava presença do Exército na cidade. Nas ruas viam-se os mesmos polícias, bem educados e prestáveis, apenas com insígnias vermelhas nos chapéus. Tinha passado na alfândega com a mesma facilidade que antes. O funcionário que lhe carimbou o passaporte falava inglês.
- Posso perguntar, Sra. Shea, se existe algum motivo no facto de visitar Hong -Kong sozinha, sem o Sr. Shea?
Estava a jantar com Chen Peng, na sala de jantar do Mandarin Oriental Hotel. Usava um cheongsam verde-esmeralda que havia comprado na sua primeira visita a Hong-Kong. Era o único que possuía, mas achara-o apropriado para aquele encontro.
- Temos uma promotora desembestada atrás de nós - disse ela. - Sabe o que é isso, Sr. Chen?
- Sei. E sei também quem é a sua promotora desembestada. Menina Tabatha Morgan. Para essa gente, a culpa ou a inocência não significam nada - sorriu. - Ela, se calhar, quer ser Mavor de Nova Iorque.
- Parece que o senhor sabe tudo - disse Janelle.
- É o meu trabalho. E, Sra. Shea, podemos deixar de nos tratar por "senhor" e "senhora"? Por que é que não me chama Peng? E eu posso chamar-lhe Janelle?
- com certeza... Peng.
- Tomei uma liberdade - disse ele. Entregou-lhe uma caderneta e um cartão de banco. - Abri-lhe uma conta no Hong-Kong and Shanghai Bank. Como pode ver, está em nome de Lily Hu. Fiz nela um depósito inicial de cem mil dólares americanos.
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Os impostos do seu país não conseguirão descobrir nada. Se vai dizer ao seu marido ou não, isso é inteiramente consigo, posso sugerir que não o faça. Se a
procuradora desembestada o conseguir apanhar, ficará para si com... Bem, veremos quanto terá. Estou a fazer outra coisa. Mandei falsificar um passaporte chinês para
si. Posso fazer o mesmo para o seu marido se ele precisar de se refugiar aqui.
- É um homem muito prático, Peng. Tenho a impressão de que todos os chineses o são. Por que é que faz isto?
- Quero que me ajude a identificar companhias americanas de alta tecnologia em que eu possa estar interessado em investir. Aventuro-me também a esperar que possamos
ser Yin e Yang.
- Yin e Yang - disse ela. - Sei o que isso significa.
- Não é uma condição. Temos uma relação de negócios.
- Ouvi dizer que os chineses transformaram o sexo em arte... fazem-no melhor do que todos no mundo.
- Bem... aprendemos aquilo a que se chama as "Gloriosas Posturas do Imperador". Aquilo a que vocês chamam a posição do missionário não é uma delas. Mas... há mesmo
algumas que requerem a agilidade de acrobatas. Infelizmente, essas não consigo fazer. Algumas exigem mobiliário especial. Tenho peças dessas na minha suite do hotel.
Sendo que... não há nenhum motivo que a obrigue a aceitar nada do gênero. Mas seria para mim uma honra se aceitasse.
- vou pensar nisso - disse ela. - Entretanto, estive a pensar em companhias que talvez lhe interesse adquirir.
Apesar das reservas e apreensões dos professores do seu liceu, Jenna tinha acabado como a melhor aluna da turma e havia feito um breve discurso de despedida, como
se esperava.
- Somos pessoas - disse ela. - Tornámo-nos o que os nossos pais fizeram de nós, o que eles nos deram... e o que os nossos professores nos deram. Mas agora seguimos
em frente. Agora assumimos a responsabilidade pelas nossas vidas. Temos o futuro nas mãos.
Não devia haver ninguém na assistência que não soubesse que a autora do discurso tinha argolas de platina nos mamilos. Havia entre a assistência outras raparigas
que também tinham argolas, a maior parte de prata. Outras estavam decididas a ter umas também.
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Jenna tinha sido aceite pela Universidade de Michigan, entre diversas outras; e havia-lhe sido concedida uma bolsa de estudos.
Em Julho, ela estava no bosque com quatro amigas, incluindo Amélia e Linda, e quatro rapazes. Estavam sentados na relva, na margem de um ribeiro de curso rápido. As três raparigas estavam nuas; as outras duas estavam um pouco acanhadas, embora de boa vontade. Comparavam os seios. Os de Amélia eram muito grandes. De vez em quando ela queixava-se de que eles a definiam, de que só a conheciam por ser a rapariga das mamas grandes.
- Irrita-me - disse Amélia - que vocês, rapazes, nos possam ver nuas e nós não os vejamos. Que tal tirarem as pilas para fora, para nós as vermos? Talvez um de vocês passe a ser conhecido como aquele que tem um grande pau.
Os quatro rapazes abriram as braguilhas, nenhum deles com grande entusiasmo, e tiraram os pénis para fora. O de Bill Morris, o favorito de Jenna, com quem ela tinha estado na marmelada e por quem se tinha deixado agarrar, era vulgar, nem muito grande nem muito pequeno.
- Muito bem, meninas. Agora estão a vê-los. Agora vamos vê-las a beijá-los.
Amélia ajoelhou-se e beijou um de cada vez. Jenna fez o mesmo. Beijou o pénis de cada um dos rapazes. Limitou-se a tocar com os lábios neles e beijá-los, como se lhes beijasse os lábios. Linda não quis tomar parte naquilo.
Bill Morris sentiu o sangue afluir-lhe às partes baixas. Pediu-lhe que lho lambesse. Ela fez o que ele lhe pedia. Passou-lhe a língua sobre a pele do tronco e sobre a glande.
- Mete-o na boca, querida - pediu ele.
- Vai sonhando, amor - disse ela, endireitando-se e pegando nas roupas.
Em Hong-Kong toda a gente tinha telemóvel, até mesmo as crianças da escola. Chen arranjou um a Janelle e ela trazia-o sempre consigo. Costumava telefonar para casa,
para Dave.
Sentada num banco, nas docas de Hong-Kong, marcou o número do apartamento. Era meio-dia em Hong-Kong, seria meia-noite em Nova Iorque.
- O interesse dele é principalmente companhias de alta tecnologia. Estou a pensar em Drake. Que sabes sobre Drake?
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- Não sei muito, mas posso tentar saber.
- Uma coisa te posso dizer - disse ela. - Drake é outro gênio. Mas é mais realista do que Reitsch, não se vai deixar levar como ele. É o tipo de que já te falei, em Silicon Valley. Reconhecimento de voz. Pode fazer um computador funcionar sem que se toque nas teclas. Basta falar com ele. Há duas coisas que se aproximam no mundo da alta tecnologia. A miniaturização, que permite que uma pessoa traga o computador dentro do bolso ou dentro da mala. Isso e os comandos de voz. O mundo vai ser todo comandado desta forma.
- Onde estás tu, querida?
- Estou sentada junto das docas. O Star Ferry acabou de partir para Kowloon. Há um grande navio de cruzeiros no porto. É lindo, Dave.
- Lembro-me de algumas coisas. Viste os Cooper?
- Ainda não. Eles sabem que eu estou cá. Fui convidada para jantar com eles.
- Chen já se atirou a ti?
- Mais ou menos.
- Que vais fazer?
- Que queres que faça?
- Quero que faças o que achares melhor, como já te disse.
- Manda-me um relatório completo sobre o Drake. Envia-o por E-mail. No hotel dão-te o endereço. Podemos confiar que o Mandarin Hotel seja confidencial. Terás de ter um certo cuidado, mas acho que podemos contar com a confidencialidade.
O relatório chegou no dia seguinte e foi-lhe entregue pelo hotel. Dizia o seguinte:
Willard Drake formou uma corporação, como calculavas: A Drake Research Services, Incorporated. Anda à procura de dinheiro. Pretende manter o controlo, mas emitiu acções para que esteja disposto a investir nele.
Se Malloy era um egocêntrico com o Sphere, não era nada que se comparasse com ele. As coisas vão ser à maneira dele ou então não são. Preferiria perder tudo a ceder
minimamente o controlo. Vai dar-nos problemas. Talvez aches melhor sugerir outra coisa a Chen.
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Janelle regressou às docas, às quais se tinha afeiçoado (na verdade, tinha aprendido a amar Hong-Kong), e ficou a pensar no que havia de fazer. Drake era o único investimento em que pensara.
Nessa noite jantou com Jerry e Len Cooper no Mozart Stubn, um requintado restaurante austríaco, não muito longe do apartamento deles.
- Esse vestido é muito bonito - dissê-lhe Jerry.
- Obrigada. É um presente do Sr. Chen.
Era um cheongsam azul, este só por altura do joelho, claro que com a saia aberta até à anca. Era bordado a fio de ouro e de prata. Por baixo não usava collants nem
meias, apenas umas cuecas de biquini brancas.
- Está a formar uma aliança com Chen, não está?
- É possível.
- Se corrêssemos esse risco, ele comia-nos vivos. Ele é um predador, Janelle.
- A vossa sorte é ele não querer a vossa companhia. Se ele a quisesse, acho que a conseguia. A quantidade de dinheiro em The Peak é impressionante.
- Bem... ele não é o único multimilionário que há há.
- Eu acho - disse Len - que nós, os americanos, temos de começar a dar muita atenção aos nossos interesses, antes que os chineses consigam dominar a economia mundial.
- Eles ainda têm um longo caminho a percorrer - disse ela.
com Janelle em Hong-Kong, Dave decidiu ver se podia fazer alguma coisa em relação a Tabatha Morgan. Mandou fazer uma pequena investigação e descobriu onde ela vivia
e onde costumava comer. Preferia um restaurante italiano em Upper East Side e jantava lá duas ou três noites por semana, sempre sozinha. Ele foi lá numa segunda-feira à noite e ela não estava lá. Deu uma nota de cinquenta dólares ao chefe de mesa e na noite de quarta-feira o homem telefonou-lhe a dizer que a Menina Morgan estava no restaurante. Ele foi até lá e o chefe de mesa dissê-lhe quem ela era.
- Oh - disse ele, quando passava pela mesa dela, ostensivamente a caminho da sua própria mesa. - Creio que a senhora é a Menina Tabatha Morgan.
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Ela ergueu os olhos. Era uma mulher corpulenta, que não era muito atraente mas também não era repelente, com um vestido verde, pelo joelho, que mostrava demasiado as suas pernas grossas. Olhou-o de sobrancelhas franzidas, com ar desconfiado.
- E o senhor é? - perguntou ela.
- Creio que conhece o meu nome. Sou Dave Shea.
- Aahh... Sr. Shea. Estava interessada em conhecê-lo, mas em circunstâncias muito diferentes.
- Foi o que me disseram. Importa-se que lhe faça companhia, para podermos conversar um pouco?
Ela encolheu os ombros.
- Suponho que não. Mas já agora?
Ela estava a tomar uma bebida, aparentemente uísque. Ele sentou-se e pediu ao empregado um Martini Beefeater com gelo.
- Já conheceu duas das minhas esposas; nessas circunstâncias muito diferentes que mencionou. Preferia que não tivesse mandado algemar Janelle. Ela ficou terrivelmente perturbada.
- Foram os marshals que fizeram isso quando apresentaram o mandado de captura. Eu não tive nada a ver com isso.
Dave sorriu.
- Espero que não se ofenda se lhe disser que isso não é muito sincero. Podia ter mandado que lhas tirassem quando ela entrou no seu gabinete.
A Menina Morgan devolveu o sorriso, sem entusiasmo.
- Bem... por vezes ajuda.
- Claro. Assusta as pessoas. Claro que não assustou Alexandra. Já quase se habituou a estar fechada e acorrentada.
- Mas adiante - prosseguiu ele -, creio que chamou a ambas as minhas mulheres de putas duras. E talvez sejam. Que outras impressões formou a senhora?
- São ambas espertas como o diabo.
- Bem, Alexandra...
- Já sei. Um ataque de ciúmes.
- É uma mulher fantástica! Ucraniana. Fomos lá e visitámos Kiev, onde ela cresceu. Deixe-me dizer-lhe que é uma tragédia que ela tenha feito o que fez e tenha ido
parar onde foi.
- Parece-me, hum, que o senhor é que é esperto.
- Oh, não sei. Faço o que tenho de fazer para evitar ser aquilo que nasci.
- Ocultou as pistas de forma admirável. Até agora não tenho conseguido sequer descobrir o que anda a fazer.
- Nunca lhe ocorreu que talvez não haja pistas a ocultar? A Menina Morgan suspirou.
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- Porquê tantas viagens a Zurique? Por que vai a Hong-Kong?
- Menina Morgan, sou banqueiro de investimentos. Aconselho as pessoas sobre a forma de investirem o seu dinheiro. Ando sempre à procura de coisas promissoras. Nem tudo se encontra nos Estados Unidos. Pode verificar no Harcourt Barnham. Recomendei muitas companhias europeias como possibilidades de investimento. Estou a fazer o mesmo no Banque Suisse. E Hong-Kong é um local muito promissor para um investimento cuidadoso.
Ele começou a estudar o menu.
- Recomendo a vitela - disse ela. - Como aqui muitas vezes.
- vou seguir a sua sugestão.
- Hong-Kong deve ser um lugar interessante - disse ela. Tinha acabado a bebida e feito sinal ao empregado para que lhe trouxesse outra.
- É fascinante - disse ele. - Devia lá ir, qualquer dia. Ela ergueu as sobrancelhas.
- Um pouco difícil, com o salário de delegada do Ministério Público.
Ele sorriu.
- Se calhar devia tornar-se banqueira de investimentos. Não é demasiado tarde para mudar de carreira. E imagino que deve ter aprendido imenso sobre o assunto durante as suas investigações.
- Seria um escândalo - disse ela. - Podia ser expulsa da Ordem, talvez mesmo levada a tribunal, por ir trabalhar num negócio que andei a investigar.
- Se pedissem a minha opinião, diria que tem coragem para isso - disse ele.
Continuou a contar-lhe histórias, a impressioná-la, a lisonjeá-la com muita subtileza. Como só Dave sabia fazer.
Duas horas mais tarde, chegaram à porta do apartamento dela. Ela tinha-o convidado para tomar uma bebida.
A partir daí as coisas foram avançando. Meia hora depois, ela estava despida e logo a seguir estavam os dois na cama. Passado algum tempo levantaram-se e regressaram à sala de estar. Ele sentou-se, descontraído, num canto do sofá, e ela encostou a cabeça no seu peito.
- Nunca nenhum homem fez isso por mim - sussurrou ela.
- Já me usaram, mas nunca fizeram amor comigo.
- É uma pena - disse ele. - Tu mereces.
- Pelas minhas enormes maminhas? - perguntou ela.
- Não. Não és uma beleza convencional, mas és uma mulher inteligente e carinhosa. Para mim, isso conta.
- Foste ao restaurante à minha procura, não foi?
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- Como é que eu podia ter ido?
- Tens de me desculpar por ser desconfiada.
- Tabby... a tua carreira é ser desconfiada.
- Voltaremos a ver-nos?
- Espero que sim.
- Até Janelle voltar para casa.
- Bem... depois disso vai ser mais difícil.
Na noite a seguir à do jantar com os Cooper, Janelle jantou com Chen Peng. Para surpresa dela, ele tinha uma suite luxuosa no Mandarin Oriental Hotel e foi lá que
a recebeu. Ela supôs ser ;.;
significativo o facto de ser a única convidada. Ele não tinha bar
na suite, apenas baldes de gelo com champanhe Dom Pérignon.
Ele serviu o champanhe e fez-lhe um brinde. Ela retribuiu.
Janelle tinha vestido o cheongsam azul que ele lhe tinha dado.
- Vêm trazer-nos o jantar - disse ele. - Mas estava a pensar se primeiro me permitiria partilhar consigo uma das "Gloriosas : Posturas".
- Tenho de confessar que me sinto intrigada.
- Repare na cadeira - disse ele, indicando um móvel de forma curiosa. - Destina-se a uma das posturas.
Ela olhou para a coisa, franzindo as sobrancelhas. Era elegantemente
estofada com seda vermelha-brilhante. De uma das pontas
erguiam-se duas varas, ou postes, de madeira.
- Como é que funciona?
- Põe as ancas sobre a extremidade e arranja uma posição confortável, com a parte superior do corpo descontraída na parte inclinada que conduz ao ninho de almofadas. Então, eu passo-lhe as pernas para o exterior dos postes. Isto deixa-a com o rabo no ar e as partes bem abertas. Nessa posição, consigo uma penetração muito profunda. Posso garantir-lhe sensações deliciosas e total satisfação.
- Não fico amarrada àquilo, nem nada?
- Claro que não. Nada que se pareça,
- Suponho que tenho de despir a roupa.
- Só as cuecas. Eu tiro-lhas antes de lhe afastar as pernas.
- Peng... Está bem. A ideia fascina-me.
Encostou as ancas à cadeira e deixou o corpo escorregar em direcção às almofadas. O dispositivo era acolchoado e não era nada desconfortável.
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Na verdade, ele perguntou-lhe:
- Sente-se confortável? Não está tensa?
- Estou bem.
- Então, tenho o seu consentimento para lhe tirar as cuecas e afastar as pernas.
- Sim... - murmurou ela.
com gentileza, ele baixou-lhe as cuecas e ajoelhou-se para lhe tirar os sapatos, para que as cuecas pudessem sair. Depois, ergueu-lhe cuidadosamente cada uma das pernas e pôs-lhe os joelhos do lado de fora dos postes.
- Está mesmo bem? Está confortável?
Ela voltou-se, olhou para ele e disse que sim com a cabeça. Ele baixava as calças. Ela fez um sorriso fraco.
- Devo ser cá uma visão - murmurou ela.
- É uma visão extremamente bela - disse ele. Penetrou-a lentamente e tivera toda a razão ao dizer que a
cadeira a colocava num ângulo que permitia que o recebesse bem fundo. Ele não avançou por ela dentro. Apenas deslizava para trás e para a frente e ela teve a impressão de que ele rodava as ancas. Ela começou a compreender que aquilo não ia acabar em poucos minutos. A "Gloriosa Postura" destinava-se a fazer o acto durar muito tempo.
A tensão aumentou. As sensações tornaram-se mais e mais intensas. Pelo som da sua respiração, ela percebeu que se passava o mesmo com ele. Ela atingiu um orgasmo, tão completo como qualquer outro que havia conhecido. Mas não tinha terminado. Ele não tinha tido o dele e aparentemente continha-se para prolongar a coisa. Ela veio-se outra vez. Os seus músculos contraíram-se sobre ele e, bem apertados, fizeram com que ele atingisse o clímax. Ele latejou e ela sentiu o seu sémen, quente e escorregadio, jorrar dentro dela. Ele gemeu. Ela também.
com muita consideração, ele pegou num molho de lenços de papel e limpou-a. Depois estendeu-lhe a mão e ajudou-a a sair da cadeira.
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Junho de 1997
Os criados serviram um magnífico jantar chinês. Ela nunca tinha ouvido falar da maioria dos pratos servidos nessa noite. Começaram com camarões frescos misturados
numa salada de frutos. Não era uma coisa assim tão invulgar, mas o prato seguinte era sopa de barbatana de tubarão, que era deliciosa. Depois disso, clara de ovo servida com ninhos de ave e carne de caranguejo. O ninho de ave não era, claro está, a palha e os raminhos, mas o forro do ninho: uma secreção macia e húmida produzida por uma ave nativa da Ásia, usada pela ave para forrar o ninho. Depois disso, comeram fatias salteadas de búzio do mar, uma espécie de caracol marinho, servidas com vieiras e brócolos. A seguir, comeram um peixe que ela não reconheceu e Peng não se ofereceu para identificar, com pedaços de membranas de pata de ganso misturados. Peng explicou que depois de matarem o ganso lhe cortavam cuidadosamente as membranas das patas. As membranas eram uma iguaria.
Tudo isto foi acompanhado de champanhe.
A refeição foi uma aventura.
- Tenho andado a analisar a sua sugestão de tentar adquirir o controlo do sistema de reconhecimento de voz de Drake - disse Peng. - Acho que me fez um grande favor.
Sei que não preciso de lhe dizer por que é que isto é tão importante.
- Potencial - disse ela. - É uma coisa que toda a gente quer fazer e Drake chegou mais perto do que todos os outros.
- A Microsoft - disse Peng. - Se nós não apanharmos Drake, a Microsoft come-o vivo. Se o apanharmos, potencialmente poderá ser um competidor tígrande nos mercados informáticos mundiais como a Microsoft.
- O meu marido diz que Drake é um gênio e um total egocêntrico. E o seu sistema está a ganhar um amplo reconhecimento, ele vai poder obter dinheiro de várias fontes. Malloy, no Texas, tinha fome de dinheiro. Isso não sucederá a Drake.
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- Os Cooper adquiriram a Malloy, não adquiriram?
- Eles e uns sócios chineses.
- O seu sucesso tem sido modesto - disse Peng. - Os seus lucros têm sido modestos. Esperavam tornar-se maiores do que a Apple, maiores do que a Hewlett-Packard, maiores do que a Dell. Pois bem, não são. Encontraram um nicho, mas não são um concorrente de primeira importância na indústria da informação.
- Eu sei - disse ela. - Os Cooper ameaçaram Dave para o manter afastado de Malloy.
Peng encolheu os ombros.
- Os Cooper não valem muito. com a vossa cooperação, sua e do seu marido, vamos apoderar-nos da Drake Research Services, Incorporated, antes que
William Drake se aperceba do que se passa.
Agosto de 1997
William Drake era um homem de quarenta e quatro anos: era culto, intenso, magro e usava sempre calças de ganga. Para resolver o problema de ter de se preocupar a
pensar no cabelo havia rapado a cabeça e agora não tinha cabelo nenhum. Tinha sido professor de Matemática e de Ciência Informática em três universidades, até à morte dos seus pais; estes haviam-lhe deixado algum dinheiro, que ele usara para equipar um laboratório e dedicar quase todo o seu tempo à pesquisa que havia iniciado nos laboratórios da universidade. Era professor-adjunto na Universidade de Stanford, mas só lá ia duas tardes por semana, para presidir a seminários de pós-graduação.
Era casado com uma mulher extraordinariamente bela, onze anos mais nova do que ele. Ele havia conhecido Julie Drake na Jamaica e casaram logo após poucas semanas.
Ela era negra e tinha uma pele de chocolate aveludado. Era mais alta do que o marido e tinha um porte erecto e digno. Não usava maquilhagem. Usava o cabelo muito
curto, com pouco mais de um centímetro.
Quando tinha vinte anos, os pais decidiram enviá-la para Londres, para casa de uns parentes; estudara na Faculdade de Economia de Londres. Falava com uma pronúncia
muito própria, um misto das pronúncias da Jamaica e de Oxford.
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Drake tinha uma personalidade inflamável, pronto a ofender-se com quem se mostrasse em desacordo com ele, a tal ponto que alguns dos seus colegas gostariam que a universidade o demitisse. Outros, no entanto, acreditavam que seria muito vantajoso para a reputação do Departamento de Matemática e de Ciências que um dos seus professores, ainda que de momento fosse apenas um professor-adjunto, desenvolvesse o primeiro software de reconhecimento de voz propriamente dito.
O seu computador, no laboratório que ele tinha fora da universidade, era capaz de reconhecer cerca de mil palavras. O que era mais impressionante era que também
as reconhecia com a pronúncia característica da Sra. Drake. Várias testemunhas haviam tentado falar com o computador, usando as suas vozes e pronúncias naturais.
Uma pessoa dizia ao computador:
- Casara.
No monitor surgia uma pergunta:
Caçara? Casará? Casara?
Usando o rato, a testemunha seleccionava "casara". Depois voltava a dizer a palavra e esta surgia no monitor: Casara.
A intenção do programa era não apenas transmitir ordens ao computador, mas também possibilitar que o utilizador ditasse documentos.
Ele mostrava o sistema a diversos visitantes que haviam viajado de outras cidades para o ver.
Um professor-visitante, da UCLA, que tinha sotaque, disse:
- Pítor é bom rapass.
Vítor? Rapaz?
O professor seleccionou estas palavras com o cursor. A sua frase surgiu então no monitor: "Vítor é bom rapaz."
- Se tivesse este programa no seu escritório e falasse com o computador algumas vezes - explicou Drake -, ele aprenderia a reconhecê-lo, e ao seu modo característico de falar, e far-lhe-ia cada vez menos perguntas. É uma capacidade que eu ainda não desenvolvi totalmente. Ma ia aprendeu a reconhecer dois oradores, eu e a minha mulher. Ela tem uma pronúncia muito própria, como já ouviu, mas o sistema aprendeu a reconhecê-la. Faz-lhe quase tão poucas perguntas como a mim, embora pronunciemos as palavras de modo muito diferente.
- É maravilhosso! - disse o professor da UCLA.
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- Bem... ainda há trabalho a fazer. Mas sei que estou no bom caminho.
in
Nessa noite, Drake jantava com Julie e os dois filhos: um rapaz de oito e uma rapariga de sete.
- Impressionados, então?
- Impressionados. Além disso, compreenderam. Vão espalhar a palavra. Amanhã ou nos dias seguintes as nossas acções vão subir, estou confiante que sim.
- Para voltarem a cair daqui a uma ou duas semanas, talvez. As acções de tecnologia são terrivelmente instáveis.
- És o meu gênio financeiro.
- E tu és só um gênio, ponto final.
- Estou preocupado com Greenleaf. Ele adoraria ver tudo ir por água abaixo.
- Inveja - desdenhou ela.
- Ele tem a sua própria ideia. Não gosta nada que eu tenha conseguido acumular dinheiro para lhe passar à frente. Não gosta nada de ter de usar os computadores da universidade em vez de usar os seus próprios computadores.
- Ele pode ir para ding-dong bell - disse ela. Era uma expressão do calão rimado em cockney, que havia aprendido em Londres. Queria dizer que ele podia ir para o inferno. As crianças assim não perceberiam o que ela havia dito.
Janelle estava em casa, depois de ter passado três semanas em Hong-Kong. Estava sentada na sala, usando o cinto de ligas preto, com meias escuras e sapatos pretos-brilhantes,
pois sabia que Dave gostava.
- Chen.
Chamava Chen Peng pelo apelido, já que o uso do seu nome
1Em inglês hell. (N. da T.)
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próprio poderia sugerir uma amizade mais desenvolvida do que queria que Dave soubesse de momento. Tinha experimentado mais duas das "Posturas Gloriosas". A sua relação
tinha dois componentes: os negócios e o erotismo.
- Chen levou-me à China. Fomos a Guangzhou. Comi uma coisa que nunca pensei comer na vida. Uma cobra. Estavam dentro de jaulas, no passeio, e Chen convidou-me a escolher uma. Estavam em três jaulas, conforme o tamanho. Eu sugeri uma de tamanho médio.
- Viva? - perguntou Dave.
- Oh, sim.
- Venenosa?
- Não sei. Duvido que fosse. Seja como for, levaram-na para a cozinha, a retorcer-se na mão do criado, e pouco depois foi servida como aperitivo. Comemos os dois.
- Ughh!
- Na verdade, era saborosa. O que eles fazem é cortar as duas extremidades, abri-la ao meio, lavar com vinho de arroz, fritá-la e cortam-na em bocadinhos. É servida com um molho. A minha única dificuldade foi apanhar os bocados com os pauzinhos.
- Parece que tiveste uma aventura e tanto.
- Pois tive. E tu, o que tens feito?
- Talvez tenha conseguido fazer com que a tua amiga Tabatha Morgan nos deixe em paz.
- Acho que não quero saber como. Deve ter sido preciso coragem.
- Ela fica tão grata!
- Deve ficar. Foi Samuel Johnson ou Winston Churchill que disse aquilo sobre as velhas gordas? Seja como for, não deves perguntar se Chen se atirou a mim. Mas... disseste que fizesse o que achasse melhor. Podemos deixar as coisas nesse pé?
Ele franziu as sobrancelhas, mas fez um gesto de assentimento com a cabeça.
- Talvez também tenhas precisado de coragem. bom, mas tirando isso passei uns tempos interessantes a investigar Drake. Vai ser um bocadinho complicado, mas acho que sei como fazer. Em primeiro lugar, as acções da Drake Research Services são negociadas em NASDAQ. Jáfcwlste falar de um professor de Ciências Informáticas de Stanford chamado Greenleaf?
- Não.
- Bem, Ben Haye agora está em S. Francisco, e eu pedi-lhe que, mantendo a confidencialidade, me arranjasse tudo o que pudesse sobre Drake. Ele descobriu muitas coisas que nós já
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sabíamos. Mas também descobriu uma coisa interessante. Parece que esse professor Greenleaf odeia Drake. Ele também é um respeitado analista de sistemas. Talvez ele possa ser convencido a publicar um relatório afirmando que o programa de Drake tem uma falha fatal. Talvez. As acções da DRS deram um ligeiro salto na segunda-feira. Passaram de 23,50 para 28,88 num só dia. Parece que isso se deve ao facto de um professor da UCLA ter afirmado que o sistema dele era "maravilhoso". Ora... se esse tal Greenleaf publicar um relatório, talvez corroborado por mais alguns dos que desprezam Drake (e parece que são bastantes), isso pode fazer baixar substancialmente as acções. E nesse ponto, Hong-Kong e Zurique saltam e compram um substancial interesse minoritário. Isso colocará alguém (Chen) em posição de aplicar pressão sobre Drake.
- Como sabes que Greenleaf vai cooperar?
- Não sei. Mas segundo consta, o ego dele é apenas ligeiramente menor do que o de Drake. Supondo que alguém financiasse uma cadeira de Ciência Informática, talvez em Stanford, talvez noutro sítio, na condição de que Greenleaf fosse o regente dessa prestigiosa cadeira. Não sei se resultaria, mas acho que é uma maneira de tentar apanhar a DRS.
- Chen acha que a Microsoft também vai tentar apanhar a DRS.
- Duvido. A Microsoft está a ser fortemente investigada pelo Departamento de Justiça. Se eles são vistos como tentando controlar mais uma tecnologia, isso pode fortalecer o caso contra eles. Também poderemos opor-nos a isso. Se a Microsoft avançar, talvez alguém possa incitar Drake a apresentar queixa. Vamos ter de pensar nisso.
Setembro de 1997
Cole e Emily alugaram uma carrinha e levaram Jenna até Ann Arbour e à Universidade de Michigan; precisavam da carrinha para transportar o cacifo e a restante bagagem. Instalaram-na no dormitório e nessa noite jantaram juntos. De manhã partiram para Nova Jérsia. Foi uma experiência dolorosa deixá-la.
Para Jenna, foi mais doloroso do que julgara. Mas estava tão
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ocupada com o processo de orientação e registo que pouco tempo tinha para pensar no assunto. Chegou à universidade uma semana antes do início das aulas. Descobriu
que tinha de fazer cadeiras com que não contava: cadeiras obrigatórias. Ficou a saber que no primeiro ano não podia escolher uma especialização, teria de passar
por uma coisa a que a universidade chamava currículo nuclear.
Viu-se inscrita numa cadeira semestral dedicada inteiramente ao estudo de Platão: um filósofo grego do qual nunca ouvira falar. Estudaram A República. Aprendeu que
a pergunta "O que é a justiça?" não era de resposta tão simples como poderia ter imaginado, se alguma vez tivesse pensado nela. Não era tão simples como: "Diz a
verdade e paga as tuas dívidas."
Quando a sua companheira de quarto viu que ela tinha os mamilos furados e usava argolas, ficou fascinada. Havia raparigas que vinham ao quarto delas para as ver.
Nem todas as suas colegas eram do interior da América, mas a maioria era; e Jenna descobriu que vinham de um meio cultural muito diferente do dela.
Mary Straughn, a sua companheira de quarto, era de uma cidade junto do rio Ohio, chamada Marietta. Para além de a fascinarem, as argolas causavam-lhe uma certa repulsa.
Mas Mary não era virgem como Jenna.
Jenna era provavelmente a única rapariga do dormitório que usava argolas nos mamilos e era, daquele piso, a que tinha menos experiência sexual.
- Ei, Jenna, gostas de lhes fazer sexo oral? - perguntou Mary uma noite, quando estavam deitadas no escuro, uma em cada uma das duas camas que havia no quarto.
- Nunca fiz isso.
- Nunca... deixas que todos entrem em ti?
- Também nunca fiz isso.
Mary rebolou para fora da cama e acendeu o candeeiro da mesa-de-cabeceira.
- Ei, estás a falar a sério? Queres que eu acredite que és virgem?
- Bem... acho que nunca encontrei um tipo com quem o quisesse fazer.
Mary sorriu. Era uma rapariga a gorducha, com cabelo e olhos escuros e dezoito anos de idade.
- Tens de o fazer, mais cedo ou mais tarde. - Sentou-se na beira da cama, nua, a abanar a cabeça.
- És capaz de ter razão.
- Acredita no que te digo, Jennings. O sexo oral é o melhor,
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enquanto não te casares e quiseres ter filhos. Para não engravidar, o melhor é chupá-lo. Ele vai adorar e não te chateia. Tive quatro tipos. No primeiro, eu não sabia do sexo oral e quase que fiquei grávida. Ele usava preservativos, mas não se pode confiar nos preservativos. Claro que agora tomo a pílula, por isso tanto faz. Os Serviços de Saúde da universidade arranjam, mas acho que é preciso uma carta de autorização do pai ou da mãe, não sei. Eu tenho a minha receita e a minha mãe manda-mas pelo correio todos os meses.
Outubro de 1997
O professor John Greenleaf era tão egocêntrico como Willard Drake. Era provavelmente inevitável que uma rivalidade entre duas personalidades como as deles se tornasse
mesquinha e azeda. Greenleaf estava sentado a tomar o pequeno-almoço com o seu companheiro, Douglas Livermore. Greenleaf tinha cinquenta e cinco anos, era um homem musculado e atlético, que todos os dias nadava e jogava ténis. Três noites por semana exercitava-se num ginásio. Havia-se formado em Harvard e era uma autoridade reconhecida em Ciência Informática. Livermore tinha vinte e quatro anos, era estudante pós-graduado, que se começava a tornar conhecido pelos engenhosos sistemas que concebia. Era alto e magro, louro, com espantosos olhos azuis, que algumas pessoas achavam inquietantes, ao ver neles uma sugestão de determinação, mesmo de crueldade. Era o último de uma série de estudantes pós-graduados que haviam vivido no apartamento de Greenleaf e partilhado a sua cama.
Naquela manhã estava nu, como era seu hábito no apartamento. Greenleaf gostava. Para o jovem, isto e o resto da relação com aquele homem famoso era um preço justo a pagar pela sua protecção.
Greenleaf espetou o dedo no jornal.
- A porcaria das acções dele subiram! Aqueles idiotas saloios vieram ver o sistema e andaram para aí a dizer que aquilo era uma maravilha, e o estúpido do mercado comprou DRS sem perceber nada do assunto.
Livermore foi servir-se de mais sumo de laranja na bancada, ao lado do lava-louças.
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- Também quer, professor? - perguntou ele.
- Obrigado.
O jovem regressou com o copo e foi buscar o de Greenleaf. O professor ergueu os olhos do jornal e observou-o. A visão das suas nádegas contraídas excitou-o. Quando Douglas se voltou e regressou para a mesa, o professor fixou os olhos no seu corpo.
- A única coisa que ele tem e nós não temos é a porcaria do dinheiro! - resmungou Greenleaf. - A herança lançou as sementes daquela coisa dele e ele fez uma emissão fraudulenta de acções. Doug... se nós arranjássemos maneira de a pôr a funcionar, a nossa ideia é superior. Tem maior economia de recursos e o funcionamento será mais barato. O sistema de Drake vai parecer desajeitado ao pé do nosso, se o conseguirmos lançar.
Sentada na cama, na sua cela, Alexandra apercebeu-se de que se haviam passado cinco anos desde que chegara a Bedford Hills. Estava a ver as notícias da noite no
seu pequeno televisor. Só apanhava os principais e tudo o que transmitiam era aborrecido.
Ainda assim, via as notícias locais e nacionais para o caso de ouvir alguma referência a Dave. Lá muito de vez em quando acontecia.
Tinha começado a interessar-se por basebol e também por futebol, via todos os jogos que eram transmitidos. Às onze horas, desligavam a electricidade das celas. A luz apagava-se, a televisão ficava escura e ela só podia deitar-se e tentar dormir.
O que não era fácil. Os seus pensamentos não eram agradáveis.
Para além da simples opressão de estar fechada, a prisão era tremendamente aborrecida. As horas e os dias arrastavam-se.
Emily vinha visitá-la fielmente todos os meses. Emily não dizia nada mas Alexandra sabia que se havia tornado gorda e desleixada. Que diferença fazia?
- Suponho que Janelle está tão bonita como sempre.
- Nunca a vejo. Passou-recentemente algum tempo em Hong-Kong e na China. Estão
a estabelecer não sei que tipo de ligações com o Extremo Oriente.
- Esperemos que façam uma fortuna.
Não podendo ter a certeza de que a conversa não estava a ser gravada, nunca mencionavam a percentagem de Alexandra.
- Se bem conhecemos Dave, podemos ter a certeza de que as fará.
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Novembro de 1997
Ben Haye continuava a ser director do Enterprise Bank. Dave dissê-lhe que observasse o professor Greenleaf e descobrisse tudo o que pudesse sobre ele. Ben não precisou
de muito tempo para descobrir a relação entre o professor e o seu estudante de pós-graduação, Douglas Livermore. Era bem conhecida na universidade, que a tolerava.
Os estudantes de pós-graduação eram explorados de muitas maneiras, esta era apenas uma. Se Livermore fosse uma mulher, o caso seria diferente. Mas este estudante de pós-graduação era um homem (um homem que estava a construir uma reputação de brilho e sucesso) e era óbvio que a relação era inteiramente consensual. Na realidade, havia quem fosse capaz de dizer que Doug Livermore explorava Greenleaf tanto quanto o professor o explorava a ele.
com base na informação obtida, Ben mandara um jovem advogado que trabalhava para o Enterprise Bank (Joseph Giannini, parente distante de A. P. Giannini, o fundador do Bank of America) contactar uma jovem chamada Sydney Toller, que também era estudante de pós-graduação e preparava o doutoramento em Matemática. Convidou-a para jantar no Top of the Mark, com o qual esperava impressioná-la. Talvez tivesse impressionado, mas ela não era uma jovem sem sofisticação; mandou vir um Glenfíddich duplo, puro.
- Suponho que terá um motivo para me convidar para jantar, Sr. Giannini.
- Tenho, sim. Mas seja como for, é um privilégio. Sydney Toller era uma jovem bonita; não possuía uma beleza
delicada, mas era atraente. Tinha cabelo castanho-brilhante, sobrancelhas espessas, olhos castanhos e uma boca grande, com os lábios um tanto finos. O seu rosto tinha força. O corpo era vigoroso. Vestia um casaco de malha preto por cima de uma blusa branca e uma saia preta, curta.
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- Posso chamar-lhe Joseph?
- Pode chamar-me Joe.
- Eu sou Sydney. Prefiro que não me chamem Sid.
Joe bebia um Martini. Dizia-se que os Martini feitos no Top of the Mark eram os melhores do mundo. Era um homem alto e esguio, com trinta anos de idade, cabelo negro e um rosto comprido e forte, sublinhado por olhos azuis penetrantes.
- Soube que está a trabalhar no seu doutoramento em Matemática - disse ele.
- Parece saber muito sobre mim. Qual é o motivo?
- Nada de sinistro. O Enterprise Bank acha que pode ter algumas informações que nos poderão ser úteis.
- Nomeadamente?
- Podemos falar confidencialmente?
- Isso depende do assunto de que vamos falar.
- Bem... como eu disse, não é nada de sinistro. Decerto sabe que o professor Greenleaf está a trabalhar num sistema de reconhecimento de voz capaz de rivalizar com o de Willard Drake. O seu principal problema é a falta de dinheiro. O Enterprise Bank poderia estar disposto a emprestar-lhe dinheiro. Mas precisamos de saber muito mais sobre o que ele está a fazer.
- E o que é que eu sei sobre isso?
- Talvez saiba muito pouco sobre o sistema dele. Mas talvez saiba muito sobre o seu carácter.
Ela respirou fundo.
- Estou a entender. Andou mesmo a bisbilhotar.
- Eu não. Passaram-me a informação. Não me agradam as pessoas que a obtiveram, nem o modo como a obtiveram. Nunca nenhum deles poderia ter autorização para a contactar.
- Uns nojentos? - perguntou ela, bebendo o uísque. Ele fez um gesto afirmativo com a cabeça.
- Os funcionários do Enterprise Bank pensaram que talvez eu pudesse falar consigo com um certo respeito mútuo. Pelo menos, a minha visão não seria ofensiva para si.
Ela riu.
- Sabe o que me interessa... isto é, o que interessa ao Enterprise Bank?
- Doug Livermore - disse ela. - Os seus nojentos andaram mesmo a ver tudo. DetectivesÇivados, suponho eu.
- Nojentos profissionais - disse ele.
- Então, por que me pergunta? Já sabe.
- Apenas os factos superficiais. Ela suspirou.
- Mandemos vir o jantar. Depois, eu conto-lhe a história toda.
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Joe chamou um empregado e fizeram o pedido.
- Muito bem - disse ela. - Doug põe a ambição acima de tudo. Greenleaf está em posição de o fazer avançar na carreira. Doug e eu vivíamos juntos. Ele saiu de casa e foi viver com o professor. Se estávamos apaixonados? Não sei. Estávamos a pensar casar? Não tínhamos falado disso. Mas ele deixou-me e foi viver com Greenleaf. É bissexual. Tinha tido outros relacionamentos dos dois tipos. O professor não. É estritamente maricas.
- Que relação possui agora com Livermore... está a entender?
- Admira-me que não soubesse; sabe tudo o resto. Claro que nunca poderia voltar a estabelecer-se nada de sério entre nós. Doug não é digno de confiança.
- Muito bem. É possível que o programa do professor Greenleaf seja de facto superior ao do professor Drake?
- Digo-lhe o que Doug me diz. Ele diz que quando Drake faz uma demonstração do seu sistema, é sempre uma demonstração enlatada. Nunca há um teste realmente aberto.
- O Enterprise Bank está interessado em Greenleaf. Está interessado num sistema de reconhecimento de voz. Se o de Greenleaf é melhor do que o de Drake, haverá investidores interessados. Poderíamos pensar em termos de o fazer criar uma empresa e subscrever uma emissão de acções.
- E onde é que eu entro nisto tudo?
- Se puder pôr-nos em contacto com Doug e através dele com Greenleaf, mostrar-nos-emos agradecidos.
- Um suborno?
- De modo nenhum. Recompensa por serviços prestados.
- Quer que eu abra as conversações entre vocês e Doug Livermore.
- Se o abordarmos directamente... Quem sabe? Talvez lhe possa dizer que tem saído com um advogado do Enterprise Bank, que demonstrou interesse naquilo que Doug e Greenleaf estão a fazer. Talvez possamos combinar um encontro com ele em qualquer sítio.
Sydney sorriu.
- Os homens de negócios são tão cheios de subterfúgios como os académicos.
Ben Haye falou ao telefone com Dave.
- Até aqui, tudo bem - disse ele. - Arapariga pôs Giannini
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em contacto com Livermore e Livermore vai pô-lo em contacto com Greenleaf.
- Depois, a coisa ultrapassa Giannini - disse Dave. - Quem vai fazer a proposta a Greenleaf?
- Quer que seja eu?
- Acho que não. Está ligado a mim. Eu preferia que fosse uma pessoa independente de nós.
- Giannini é bom rapaz.
- Pois é, mas trabalha para o Enterprise Bank.
- É verdade.
- Hum... e se o Enterprise Bank o demitisse e o enviasse para Hong-Kong? Acho que me disse que ele não é casado. Pode mudar-se. Eu posso mandar Janelle falar a Chen para ver se ele estaria disposto a estabelecer um investidor americano, um jovem inteligente, como investidor no Extremo Oriente. Depois, se a coisa se souber, ele estará longe da vista e difícil de encontrar.
- Podiam dar com ele.
- Não se tiver um passaporte de Hong-Kong, que Chen pode arranjar, estou certo. Nem sequer precisa de o falsificar. Estou certo de que ele consegue arranjar um passaporte de Hong-Kong para Giannini.
- Talvez ele não queira ir.
- Deixo-lhe a si o trabalho de o convencer.
- O caso é o seguinte, professor - disse Joe Giannini a Greenleaf poucos dias depois. - Podemos pô-lo em contacto com investidores que estarão interessados em avançar
dinheiro para custear a sua pesquisa e desenvolvimento. Mas primeiro temos de deixar Drake mal colocado.
- Drake é um vigarista! - disse Greenleaf.
Sob a mesa onde jantavam, Livermore apertou a mão de Greenleaf.
- Tem uma reputação elevada - disse Giannini. - As acções dele vendem-se bem.
- É um vigarista.
- Se isso se soubesse, ia pelo menos atrasá-lo. Greenleaf encolheu os ombros.
- Eu posso dizê-lo, mas quem é que vai ligar?
- Talvez possa recrutar algumas pessoas que se unam a si
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na sua declaração. Nós sabemos como passar palavra aos meios de comunicação. Atrasando Drake, rapidamente o seu programa pode passar ao primeiro plano... desde que
tenha dinheiro.
Uma semana depois, nos jornais de todo o país, apareceu um
artigo:
PROFESSORES CONTESTAM A VALIDADE DO PROGRAMA DE RECONHECIMENTO DE VOZ DE DRAKE.
Um grupo de professores universitários contestam a validade do famoso programa de reconhecimento de voz de Drake.
Vários professores de Ciência Informática, incluindo o professor John Greenleaf, da Universidade de Stanford, argumentam que o programa de Drake tem falhas, foi inadequadamente testado e não está preparado para uso comercial.
Um grupo de professores de diversas universidades presenciaram demonstrações do sistema de Drake e declararam-no "maravilhoso". O professor Greenleaf e os restantes argumentam que os testes são demonstrações encenadas, nas quais as testemunhas vêem apenas ilustrações "enlatadas" do sistema em utilização e não lhes é concedida a oportunidade de fazer testes independentes.
O professor Greenleaf afirma: "Se alguém pudesse sentar-se diante do terminal e fazer os seus próprios testes, as deficiências do sistema tornar-se-iam evidentes.
A mim, por exemplo, nunca foi permitido aproximar-me mais do que ficar de pé atrás das costas do professor Drake a vê-lo fazer uma demonstração. Lancei-lhe esse
desafio, mas ele não quer desafios. Não quer sujeitar-se aos padrões habituais da investigação científica.
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No dia em que foi publicado o artigo, um mensageiro bateu à porta do apartamento de Joe Giannini e entregou-lhe um embrulho. Ele sentou-se no sofá e abriu-o.
- Para mim e para ti - disse ele a Sydney Toller, entregando-lhe um passaporte de Hong-Kong em nome de Cynthia Kent.
- Isto deixa-me nervosa - disse ela.
- Não são falsificações. As nossas fotografias foram enviadas de avião para Hong-Kong e são passaportes de Hong-Kong válidos. O pedido diz que vivemos em Hong-Kong há dez anos e antes disso tínhamos nacionalidade britânica.
O embrulho continha também dois bilhetes de primeira classe da Cathay Pacific Airline. Eles iriam para Vancouver, usando os seus passaportes novos, e embarcariam num voo para Hong-Kong.
- Vai ser uma grande aventura - disse ela. - Só peço a Deus que não nos venhamos a arrepender.
- Podíamos passar aqui a vida inteira a trabalhar sem nunca conseguir ter o que vamos ter imediatamente em Hong-Kong.
- Teremos de aprender a falar chinês - disse ela. - Ouvi dizer que não é fácil.
- As nossas lições começam imediatamente. Eu vou trabalhar para o China Overseas Bank e tu vais começar a ensinar numa escola católica, onde os alunos falam inglês. Tens razão. Vai ser uma grande aventura.
Dezembro de 1997
No dia 26 de Novembro, as acções da Drake Research Services, comercializadas na NAátoA.Q, abriram a 27,75. No fim do dia estavam a 15,63. No dia seguinte caíram
para 8,50.
Reinhard Bríining, em Zurique, comprou milhares de acções. Friedrich Burger, em Viena, fez o mesmo. Axel Schnyder comprou uma quantidade para a sua própria conta. A maior parte do dinheiro usado por Bríining e Burger havia sido depositado
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nessas contas por Chen Peng. Uma conta do China Overseas Bank comprou mais algumas. Dave exultou.
- Entre nós detemos quarenta e um por cento! Os investidores de Drake fugiram quando as acções desceram. Eram especuladores. Não lhe tinham lealdade.
- Nas acções de alta tecnologia é assim - disse ela.
- Gostavas de dar mais um saltinho a Hong-Kong?
- Para fazer o quê?
- Duas coisas. A mais importante é coordenar estratégias com Chen sobre a
forma de apertar o Drake. Em segundo lugar, quero que te assegures de que não ficaram pontas soltas em relação a Giannini.
- Parto do princípio - disse ela secamente - que Greenleaf não tem razão. Quero dizer, parto do princípio de que Drake está no caminho certo.
- Tanto Chen como eu e Ben Haye mandámos investigar. Ele é um académico obsessivo. É capaz de trabalhar numa coisa, sem parar, mas nunca descobrirá nada. É como um artista que não pára de pintar, embora haja alguém disposto a pagar um preço até acertar a última pincelada.
- Cumpriu a sua finalidade.
- E bem.
- Mas Drake continua a possuir o controlo - disse ela.
- Temos de arranjar maneira de o apertar. Tenho umas ideias. Imagino que Chen também tenha.
VII
Drake e a mulher estavam sentados à mesa; tinham acabado de jantar e os filhos tinham ido jogar Nintendo até à hora de jantar.
- É uma catástrofe - lamentou-se ele. - Greenleaf... aquele filho da mãe!
- Não creio que tenha sido Greenleaf - disse Julie. - Acho que há alguém por detrás dele: um salteador tentando apoderar-se da empresa.
- Quem?
- Olha para o registo das acções. Quem avançou foram estrangeiros. Zurique, Viena, Hong-Kong.
- Continuo a ter o controlo.
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- Sim. Mas a grande queda das acções está a secar o financiamento.
- Hei-de recuperar.
- com o tempo.
- Podemos ver as coisas assim: se somos alvo de salteadores, isso quer dizer que há alguém que tem confiança no sistema. Senão, para que se dariam ao trabalho de tentar roubá-lo?
- Tens toda a razão.
- Bem... o sistema sem mim não vale nada. E eu não vou deixar que me passem por cima.
- Bem... - disse ela. - Podemos pensar nisto e falar sobre isto durante todo o serão. Mas vamos ver o Letterman na cama, como sempre; quando acabar, não quero pensar nem ouvir falar no assunto. Isto tem estragado noites que nunca poderemos recuperar.
Drake fez um gesto de concordância com a cabeça.
- Não podemos deixar que estrague as nossas vidas - disse ele.
O professor John Greenleaf estava sentado no gabinete de Ben Haye.
- Soube que o Sr. Giannini já não trabalha para o Enterprise Bank.
- É verdade - disse Haye. - Demitiu-se.
- Bem... ele assumiu comigo determinados compromissos, em nome do Enterprise Bank. Assumiu compromissos financeiros. .. quer dizer, disponibilizar determinado auxílio financeiro.
Haye fez um gesto de assentimento com a cabeça e sorriu levemente.
- Bem... Deve compreender que o banco não pode encontrar-se vinculado a quaisquer compromissos assumidos por um antigo funcionário, sejam eles quais forem.
- Ele prometeu-me.
- Mesmo assim...
- Onde está agora o Sr. Giannini?
- A verdade é que não sei. Segundo parece, deixou a cidade.
- Eu... eu tenho estado a contar com esse compromisso.
- Se pretende um empréstimo, professor Greenleaf, candidate-se a um. Analisaremos a possibilidade e tomaremos uma decisão.
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Janeiro de 1998
Janelle só partiu para Hong-Kong depois do Natal e do Ano Novo. Celebraram as festas em casa. Mais uma vez foram de carro até Wyckoff, levando Alicia Griffith, a mãe de Janelle. A família de Dave gostava de Janelle e gostava de Alicia. Não adivinhava que Alicia continuava na vida.
com Janelle fora, Dave voltou a dedicar a sua atenção a Tabatha Morgan. Tinha conseguido estar com ela algumas vezes nos últimos seis meses, mas com Janelle em casa tinha sido difícil, como ele a havia avisado.
Assim que Janelle entrou para o avião, Dave telefonou para o gabinete de Tabatha e convidou-a para jantar com ele. Levou-a ao Four Seasons.
Ela ficou impressionada. Ele mandou vir para ela um uísque single-malt.
- Bem... - disse ele. - Ainda andas à procura de alguma coisa que eu ande a fazer que seja ilegal?
Ela baixou os olhos da cara dele para a mesa. Fez um sorriso fraco e abanou a cabeça.
- Agora ando a dedicar a minha atenção a outras coisas.
- Não desististe de mini? - perguntou ele, meio a brincar.
- Talvez - murmurou ela.
- Mandei-te um presente - disse ele.
- Eu usei-o - disse ela, corando ao de leve.
Ele havia-lhe mandado um cheque-brinde de duzentos dólares de uma das lojas Cheeks dos Cooper. Tinha preferido isso a tentar comprar alguma coisa, já que não fazia ideia do que lhe serviria.
- Uma coisa bonita?
- Uma coisa para ser vista por ti - disse ela, erguendo o queixo e falando com mais ousadia. - Parti do princípio de que mo mandaste para que eu comprasse uma coisa para ser vista por ti.
- É verdade.
- Estás a lisonjear-me.
Duas horas mais tarde, no apartamento dela, ela mostrou-lhe o que havia comprado. Ele tivera razão ao supor que nem tudo o que se vendia numa loja Cheeks ou Victorias Secret lhe serviria. Ela tinha escolhido algo que lhe servia.
Saiu do quarto com uma camisa-de-noite transparente, curta
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e de cor negra, aberta na frente, exibindo com satisfação os seios pesados. Por entre as pernas usava um pequeno triângulo de tecido negro, preso por elásticos, que lhe rodeava a cintura e se juntavam e desciam, passando-lhe entre as nádegas e depois subiam até ao elástico da cintura: um fio dental. Não cobria os seus espessos pêlos púbicos. Usava meias de rede pretas e sapatos de verniz com salto agulha.
Aquela mulher grande e deselegante parecia no mínimo absurda com aquela roupa erótica. Por outro lado, o seu esforço inocente para lhe agradar apelava completamente para os sentimentos de Dave, que se sentiu levado a abraçá-la e a beijá-la.
Havia mais. Na mão esquerda, ela trazia um par de algemas de aço.
- Queixaste-te de que eu obriguei Janelle a usar algemas enquanto falava comigo - disse ela. - Por isso, agora põe-me tu as algemas. Tira a chave, guarda-a no bolso e põe-me as algemas. Para ser sincera, sempre tive vontade de saber qual é a sensação.
Ele rodeou-lhe os pulsos com as algemas e fechou-as. Desceu as mãos e começou a massajar-lhe os mamilos.
- Dave... - sussurrou ela em voz rouca. Encostou o rosto ao dele e beijou-o.
Ele segurou-lhe os braços e beijou-a intensamente na boca. Ela gemeu e disse que queria que ele a levasse para a cama.
- É só o princípio da noite - murmurou ela.
Na cama, ele afastou o fio dental para o lado e penetrou-a.
De regresso à sala, ele serviu bebidas para ambos e perguntou se ela queria que lhe tirasse as algemas.
- Não!
Ficou sentada com a cabeça sobre o peito dele, erguendo o rosto apenas para tomar um golo da bebida ou para o beijar.
- Não temos futuro juntos, pois não, Dave? - perguntou ela, suspirando.
- Ninguém consegue adivinhar, Tabby.
- Tabby... Tabby, a gata, vai dar um banho ao seu gatinho. Nos vinte minutos que se seguiram, ela lambeu-o centímetro
a centímetro, desde as orelhas às plantas dos pés.
Mais tarde, foi buscar a sua câmara Polaroide e convidou-o a tirar fotografias dela nua eem algemas. Posou, brincalhona, lisonjeada por ele querer tais fotografias. Aquilo era mais sério. Ele levou as fotografias para casa e fechou-as à chave. Mais tarde poderiam vir a ser úteis.
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Fevereiro de 1998
Chen Peng ofereceu a Janelle a sua suite no Mandarin Oriental Hotel e ela aceitou. Um dos motivos que a levou a aceitar foi o sofisticado sistema de comunicações que ele ali tinha.
-Alinha de telefone tem um sistema contra escutas - explicou-lhe ele. - O E-mail está codificado. Os faxes também. Os meus agentes em Nova Iorque já contactaram o Sr. Shea e instalaram o necessário equipamento correspondente no seu computador e nas linhas telefônicas.
Começaram a falar com Dave.
- Drake herdou dinheiro - dissê-lhes Dave. - É isso que o mantém à tona. O avô dele foi um dos fundadores da Intercontinental Petroleum e Drake herdou uma parte. Guardou-a. Não vendeu, nem diversificou. Um investimento do melhor que há. Ele sente-se seguro. Ora...
- Se a Intercontinental caísse no mercado... - disse Chen.
- Certo. Vai ser preciso dinheiro.
- Mais do que isso - disse Chen.
- Bem... a nossa especialidade - disse Dave. - Estou a investigar. A Intercontinental tem de ser vulnerável em algum aspecto.
Chen convidou Joseph Giannini e Sydney Toller (agora Bradford Smith e Cynthia Kent, segundo os seus passaportes de Hong-Kong) para jantar na sua magnífica mansão em The Peak. Janelle estava presente, persuadida por Chen a aceitar o papel temporário de anfitriã. A mulher de Chen, a filha e o genro jantaram numa sala de jantar do segundo piso e não foram convidados a descer para serem apresentados.
Era assim que podia agir um patriarca de Hong-Kong. Janelle não foi a primeira mulher jovem a ser apresentada na casa dele como se fosse a dona da casa.
Chen tinha-lhe oferecido mais um cheongsam, este branco, com bordados a fio de ouro, com uma saia pelo tornozelo aberta até à anca.
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A comida era do gênero da que Chen dera a conhecer a Janelle naquela noite no Mandarin Hotel: os ninhos de ave e a sopa de barbatana de tubarão, as membranas de
ganso, tudo servido requintadamente com champanhe.
- Soube que já está bem adaptado no banco - disse Chen a Giannini.
- Tenho muito que aprender.
- Se tivermos mais um trabalho especial para si, parto do princípio de que o aceitaria.
- Claro - disse Giannini. Ele e Sydney conversaram sobre isto. Estavam satisfeitos com a aventura, mas compreendiam que estavam completamente nas mãos de Chen Peng.
- Bem... estaremos atentos às oportunidades.
- Se me permite a pergunta, que sucedeu ao professor Greenleaf?
Chen sorriu.
- O banco limitou-se a explicar-lhe que um compromisso assumido por si já não era válido, uma vez que deixara de trabalhar lá. Convidaram-no a candidatar-se a um empréstimo, se quisesse, mas ele não o fez.
Depois do jantar, os quatro foram para junto da piscina e sentaram-se a uma mesa onde foram servidos diversos frutos com mais champanhe.
- Talvez as jovens senhoras nos queiram dar a honra de ir nadar - disse Chen com naturalidade.
- Não trouxe fato de banho - disse Sydney Toller.
- Não é preciso, querida - disse Janelle com um sorriso, despindo o cheongsam.
A relutância de Sydney era visível e dolorosa, mas despiu-se e entrou na água.
Março de 1998
A Intercontinental caiu nas mãos de Dave. Trabalhava com
um grande número de petroleiros, mas no domingo, 8 de Março, o seu mais recente e maior superpetroleiro, o IntPet Oman, abalroou um pilar da Ponte de Verrazano.
O enorme petroleiro movia-se muito devagar, quase nem se movia. A grande ponte
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estremeceu mas não sofreu danos graves. O petroleiro quase nada sofreu.
Na segunda-feira de manhã, um editorial dizia:
O acidente de domingo, em que o IntPet Oman bateu na Ponte de Verrazano, fez estremecer a ponte mas deve ter feito estremecer muito mais todos os nova-iorquinos, e de facto, todos os habitantes da Costa Leste dos Estados Unidos.
Vamos supor que o petroleiro se movia um pouco mais depressa, o que seria normal acontecer se não fosse aparentemente a falta de confiança do seu capitão. Vamos supor que a colisão derrubava a ponte. Isso poderia ser reparado, com muito tempo e custos elevadíssimos. Mas vamos supor que o petroleiro sofria uma rotura e derramava os seus milhões de toneladas de crude. As consequências econômicas e ambientais para a área metropolitana seriam incalculáveis. A maré espalharia o petróleo por todo o porto e pelo rio Hudson acima. Os nova-iorquinos podiam ter acordado esta manhã para encontrar o porto fechado e as águas cobertas por uma espessa camada de petróleo.
O risco que se faz correr nesta região é imperdoável. O navio podia ter recolhido um piloto do porto logo depois de ter passado os Estreitos, mas a Intercontinental Petroleum optou por pôr a sua própria tripulação a manobrar o navio na travessia dos Estreitos.
Devia ser posta a hipótese de banir os navios da Intercontinental do Porto de Nova Iorque, até mesmo de todos os portos dos Estados Unidos, até que a companhia abandone a sua atitude de arrogância e desprezo pelo público e adopte procedimentos de segurança adequados.
Dave telefonou a Tabatha Morgan. Convidou-a a ver uma demonstração do programa de Reitsch nos escritórios de Manhattan da Navigation Simulation, Incorporated.
- Senta-te e nós deixamos-te manobrar um superpetroleiro na travessia dos Estreitos de Verrazano.
Ela não conseguiu, claro. Nem ele. Em seguida, um representante da companhia sentou-se e manobrou um superpetroleiro simulado, fazendo-o passar sob a ponte e entrar no porto.
- É possível fazer entrar qualquer tipo de navio em Nova Iorque, Nova Jérsia, S. Francisco, Roterdão, Hong-Kong, etc. O sistema pode simular diversas condições atmosféricas, estados
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da maré, situações de tráfego... Os pilotos aprendem e praticam com o sistema, sem colocar em risco mais do que os seus egos, até ganharem competência. Se a Intercontinental tenta fazer os seus navios entrar nos portos, para os quais esta companhia possui simulações, sem usar este treino, então, trata-se da mais pura negligência.
- Por que é que não usam? - perguntou ela.
- Achei que talvez quisesses investigar o assunto. Eles estiveram muito perto de causar uma enorme catástrofe em Nova Iorque.
No dia seguinte, foi publicada uma notícia:
A Guarda Costeira comunica que o IntPet Oman, o navio que quase originou uma catástrofe nesta cidade, descarregou o conteúdo do fundo do seu porão no Atlântico, a uns oitenta quilómetros de Nova Jérsia.
O gabinete do Ministério Público anunciou que está em curso uma investigação sobre uma possível negligência que se traduziria por uma infracção à lei marítima.
Ao mesmo tempo, uma comissão do Senado dos Estados Unidos vai dar início a uma análise da segurança dos petroleiros em geral e dos petroleiros da Intercontinental em particular.
Dave pouco havia feito para orquestrar as investigações. Tabatha não tinha pensado nisso até ele a ter levado a ver o simulador. Três telefonemas a amigos do mundo da política haviam contribuído para promover a investigação do Senado.
As acções da Intercontinental começaram a cair.
Alexandra estava mais uma vez em detenção disciplinar durante três dias por se ter "armado em esperta". Agarrou-se às grades da cela e soluçou. Aquilo significava
a perda inevitável de qualquer pequena hipótese que ainda tivesse de sair em liberdade condicional na primeira entrevista.
Poderia ter tido uma entrevista para liberdade condicional em 2000. Agora, a primeira entrevista possível seria em 2002 e iam recusá-la. Não era capaz de controlar a boca. Controlava-se a si mesma, mas não conseguia controlar a boca. Meu Deus, se
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calhar teria de cumprir a sua pena máxima! Assim ficaria ali até 2012, e nessa altura teria sessenta anos!
Os melhores anos da vida dela. Os que deviam ser os melhores anos da vida dela.
O que ela não podia adivinhar era que Dave estava mesmo a tentar obter-lhe uma comutação. Tinha um advogado com ligações políticas a tratar disso. O argumento era que ela tinha agido num acesso de cólera, após toda uma vida sem ter cometido nenhum outro crime. Tinha passado seis anos na prisão por causa de uns minutos de histeria. Era uma mulher capaz e inteligente, era extremamente improvável que cometesse outro crime.
- O que é que eu lhes digo sobre o que ela vai fazer quando sair? - perguntou o advogado
- Diga-lhes que eu lhe dou emprego. Saliente que eu lhe perdoei.
Não disse ao advogado que o capital de Alexandra, em Zurique, valia mais de dez milhões de dólares, com os juros acumulados. Além disso, tinha transferido uma parte para Hong-Kong. Calculara que isso a colocaria fora do alcance de qualquer inquérito sobre o que ela poderia saber sobre os seus negócios anteriores. Tinha discutido o assunto com Chen Peng, utilizando a linha com dispositivo de segurança, e Chen concordara em arranjar para ela um passaporte de Hong-Kong. Em liberdade, Alexandra desapareceria. Na realidade, não poderia regressar aos Estados Unidos, já que as condições de qualquer comutação a obrigaria forçosamente a permanecer no Estado de Nova Iorque e a apresentar-se periodicamente a um oficial de liberdade condicional. Seria uma fugitiva. Estaria sob o controlo de Dave e de Chen.
- Diga-lhes que eu lhe darei uma posição de responsabilidade. Será capaz de se sustentar inteiramente sozinha. Diga-lhes que mantê-la na prisão será desperdiçar uma vida humana, principalmente quando o homem que foi a vítima do seu crime lhe perdoa e está disposto a ajudá-la.
- Não é impossível, Sr. Shea - disse o advogado. - Não sugira de modo nenhum um
suborno, que não resultaria. Por outro lado, não seria mau que espalhasse algum dinheiro, politicamente.
- Trate disso - disse Dave. - Diga-me para onde deve ir, pode ser o meu agente para a distribuição.
296
Abril de 1998
O pai de Da vê morreu. Tinha apenas sessenta e oito anos. Janelle estava em Hong-Kong e pediu à mãe, Alicia, que fosse com ele a Wyckoff. A mãe e o irmão dele conheciam
Alicia e gostavam dela. Era aceitável que ela o acompanhasse em substituição de Janelle.
Dave pagou o funeral, o que permitiu que este fosse mais requintado do que as posses da família o poderiam proporcionar. Ele esteve presente durante os incómodos rituais: não apenas os da igreja e do cemitério, mas também o horror de receber os convidados na agência funerária durante duas sessões de "exposição". Nada foi feito do modo simples e sucinto que ele teria preferido. Tudo teve de ser feito "devidamente", não fossem as pessoas falar. Isso incluía expor o corpo para ser visto pelo público.
- Era muito trabalhador - disse uma mulher. - Acho que isso o desgastou.
- A cidade nunca mais será a mesma sem ele.
- Nunca me esquecerei da última vez que o vi...
Dave baixava solenemente a cabeça e agradecia a cada um dos visitantes.
Dave analisou a situação financeira da mãe. A casa estava paga. Receberia todos os meses um cheque da Segurança Social. Dave foi visitar Cole Jennings e entregou-lhe um cheque de duzentos e cinquenta mil dólares. Deu-lhe instruções para estabelecer um fundo para ela receber o rendimento e entregar-lhe pessoalmente os cheques mensais.
- Diz-lhe que são de uma conta-poupança que ele tinha sem dizer nada. Diz-lhe que ele andava a depositar nela dinheiro há anos, por precaução. Diz-lhe que te tinha encarregado de a administrares. Se for preciso mais, diz-me.
- Eu trato de tudo.
- Já não estamos juntos muitas vezes. Quando Janelle regressar, tens de vir jantar connosco. A qualquer sítio. Podes ficar no nosso quarto de
hóspedes.
Alicia esteve sempre junto dele e muitas pessoas pensaram que ela era a mulher dele.
- Não há dúvida, desta vez casaste bem, Dave.
- Alicia é a minha sogra. Janelle está em Hong-Kong, em viagem de negócios.
297
- Oh...
- Teria muita sorte em ter uma mulher como Alicia, se não estivesse casado com a filha dela.
Alicia ouviu e apertou-lhe a mão.
Tinham pensado regressar a Manhattan após o funeral, mas este teve de ser seguido por uma recepção na casa e esta teve de ser seguida por um jantar de família. Quando puderam sair já eram quase dez horas e ainda tinham de ir ao Holiday Inn.
- Que se lixe! - disse Alicia quando Dave conduzia o carro de regresso ao motel. - Mais uma noite não vai fazer mal.
Sentaram-se no bar antes de irem para os quartos. Não tinham bebido nada durante todo o dia. Dave supusera que haveria bebidas na recepção, mas não houvera.
- Nem te consigo dizer como te estou grato, Alicia - disse ele.
- Era o mínimo que eu podia fazer, Dave. Aguentaste-te muito bem, mas eu percebi que estavas sob uma grande tensão. O teu pai era um excelente homem.
- Como é aquela velha expressão? "Uma vida de serena frustração."
- Que te inspirou a...
- Nunca viver daquela maneira.
- Pois bem, não vives mesmo!
- Alicia... eu disse há pouco que teria muita sorte se fosses minha mulher. Era a sério. Tens sido um tremendo consolo. Haverá alguma maneira de te convencer a consolares-me ainda mais?
- Por amor de Deus!
Ele pôs a mão sobre a dela.
- Eu sei. Há motivos contra. Mas...
- Raios, a Janelle...
- Não deve saber nunca, claro.
- Devo entender que queres uma coisa de momento, quando ela está fora?
- Não. Vamos fazer o seguinte. Eu dou-te mil dólares. Assim é outro tipo de relação. Uma noite de prazer e nada de obrigações nem para um, nem para o outro. Limpo.
Sem emoções. Sem arrependimentos. Uma vez e nunca mais.
- Para falar claramente, queres contratar-me como prostituta.
- Vamos pensar num eufemismo. Que palavra usas, afinal?
- Não uso nenhuma palavra. Tento não pensar no assunto.
- Mas os tipos não se apaixonam e vêm depois a choramingar atrás de ti, pois não?
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- Não...
- Pois eu também não. Uma relação rápida e limpa. A começar agora e a terminar amanhã de manhã, quando sairmos do motel.
Alicia abanou a cabeça, mas no seu rosto surgiu um leve sorriso.
- És mesmo um cabrão! - disse ela. - Janelle disse-me que eras. Ainda bem que ela sabe. Se não soubesse, eu arranjava maneira de fazer o que a tua segunda mulher não conseguiu.
Dave e Chen não estavam interessados em adquirir o controlo da International Petroleum, apenas em fazer baixar as acções.
Chen, através de agentes confidenciais em Washington, fornecia aos conselheiros da Comissão do Senado tanto informação como desinformação. Os executivos da companhia foram exaustivamente interrogados pela comissão e algumas das audiências passaram na televisão. Como sempre em audiências do tipo, a informação e a desinformação misturaram-se de forma inextricável e tudo passou por informação.
Chen tinha agentes no Médio Oriente. Estes deram aos fornecedores de petróleo recortes dos jornais e sugeriram que o carregamento do petróleo por meio dos navios da Intercontinental arriscava-se a ser péssimo para as relações públicas, não apenas nos Estados Unidos como também na Europa. Alguns dos fornecedores continuaram a querer vender petróleo à Intercontinental, mas insistiram para que ele fosse transportado por petroleiros de outras companhias.
As acções continuaram a cair.
Willard Drake tinha empréstimos: a hipoteca da sua casa e a dos bens do seu laboratório. O Enterprise Bank comprou essas dívidas. De momento, limitou-se a comunicar a Drake que a partir desse momento os respectivos pagamentos deveriam ser feitos ao Enterprise Bank.
- Mas que vem a ser isto? - perguntou Drake à mulher, durante o pequeno-almoço, assim que os filhos saíram da mesa.
- Estamos bem tramados - disse Julie. - Alguém decidiu apanhar-nos. E, seja quem for, é importante.
- Julgam que me vão tirar o meu sistema? Nem pensem, raios!
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- Temos de pensar muito bem em tudo isto - disse ela. Vão oferecer-te muito dinheiro. Muito dinheiro. Para trabalhares para eles. Como eu já tinha dito, considera isto como um elogio. Se estão dispostos a dar-se a tanto trabalho para adquirir a tua obra, é porque têm confiança nela.
- Eu sou um homem independente! Julie abanou a cabeça.
- Ninguém é.
A maior parte das noites, mas não sempre, Janelle e Chen dormiam juntos na suite do Mandarin Oriental. Por duas vezes ele mandou vir o jantar, mas habitualmente
levava-a a conhecer restaurantes. Uma noite jantaram num terraço em The Peak, desfrutando um panorama da cidade inteira. Outra noite foram no iate dele a uma pequena ilha onde jantaram num distinto restaurante de peixe e Chen escolheu a entrada entre os peixes que nadavam em enormes tanques, perto da porta.
Era um hábito chinês. Para os chineses da classe média e alta, peixe fresco era peixe vivo quando o comensal o escolhia. Quando mandavam vir galinha, a galinha era decapitada e preparada enquanto os clientes comiam as entradas.
Naquelas ocasiões, ela vestia sempre um cheongsam, escolhido entre a sua colecção cada vez maior. Nesta noite, na ilha, era amarelo.
Janelle tinha viva consciência dos guarda-costas, agurkhas, que andavam por perto, para onde quer que fossem. O Rolls-Royce de Chen era blindado e havia sempre pelo menos mais um carro que os precedia ou os seguia, transportando os homenzinhos de aspecto feroz. No assento ao lado do motorista ia uma espingarda automática, feia
e curta. Chen estava decidido a não se deixar raptar.
Na noite em que foram à ilha jantar peixe, Chen perguntou:
- Gostaria de experimentar mais uma das "Gloriosas Posturas" esta noite?
- Sim... Mestre Yang - respondeu ela com simplicidade. Quando regressaram a bordo ele falou com o capitão do iate.
O capitão serviu-se do telefone celular para fazer uma chamada, cuja finalidade se tornaria evidente para ela ao chegar ao quarto do hotel.
300
Ele tinha-lhe dito que tinha os móveis especiais exigidos por algumas das "Gloriosas Posturas" e enquanto eles regressavam os criados tinham preparado um.
Era uma armação formada por um robusto poste vertical em cada ponta, mais duas barras horizontais. A barra superior era uma vara arredondada normal, de madeira negra
polida. Cerca de meio metro mais abaixo havia uma tábua bem acolchoada, forrada a seda, com uns dez centímetros de largura.
- Está a ver? - perguntou ele. - Sobe a uma cadeira, agarra a barra superior com as duas mãos, e eu ajudo-a a passar os joelhos por cima da barra inferior. Fica ali suspensa. Está a ver o que a postura faz? Apresenta-a deliciosamente. E garanto-lhe que, tanto como eu, achará a experiência deliciosa.
Janelle estava céptica mas tirou o cheongsam e os sapatos e subiu para a cadeira, seguindo as instruções de Chen. Agarrou bem a barra superior com ambas as mãos. Esticou o queixo para a frente, por cima da barra, entre as mãos. Ele ajudou-a a erguer os joelhos por cima da barra inferior e a distribuir bem o seu peso. Afastou-lhe suavemente os joelhos. Ela ficou ali suspensa, de pernas abertas. A postura não era tão confortável como a primeira, mas também não era completamente incómoda. Excitava-a.
- O meu Mestre Yang vai ser rápido - sugeriu ela. - Não me agradaria permanecer nesta posição durante muito tempo.
Ele despiu-se rapidamente e colocou-se diante dela.
- Perfumada Madame Yin - murmurou ele, baixando o rosto para lhe cheirar as partes. - Nunca pensaria em lhe fazer isso, mas o habitual é as mulheres terem os pulsos amarrados à barra.
- Tornando-as indefesas.
- Sim. Mas eu nunca pensaria em lhe fazer isso.
Ele endireitou-se e penetrou-a. Não prolongou o acto como fizera com a outra "Postura Gloriosa"; foi rápido. Aquela postura originava um ângulo de penetração que proporcionou a Janelle dois orgasmos vibrantes.
"
301
Julho de 1998
Cole Jennings veio ter com Dave ao seu gabinete do Banque Suisse. Sentou-se diante dele, do outro lado da secretária, e de repente cobriu o rosto com as mãos e começou a soluçar.
- Cole! Por amor de Deus, que é que aconteceu? Durante um minuto Cole não conseguiu falar. Depois ergueu
o rosto vermelho e manchado de lágrimas e disse:
- Emily está a morrer...
- Oh, meu Deus, Cole! Como? Porquê?
- Cancro. É terminal. Está a fazer quimioterapia. Está cada vez pior. Perdeu o cabelo. Tem dois meses de vida, talvez três.
Dave voltou-se para olhar o grande aquário de água salgada que tinha perto da secretária. Tinha sido instalado por uma firma de aquários que era quem fazia a manutenção. Os peixes coloridos deslizavam placidamente de um lado para o outro e olhar para eles ajudava-o a relaxar. Por vezes, pensava se eles saberiam ou compreenderiam alguma coisa. Os seus olhos encheram-se de lágrimas.
- Posso fazer alguma coisa?
- Ninguém pode fazer nada.
- Jenna está em casa, não está? Cole disse que sim com a cabeça.
- Isto está a afectá-la terrivelmente. Para não falar no que faz a Cole. com quinze anos...
- Queres mandar os miúdos para Hong-Kong até tudo ter terminado? Seria uma grande experiência para eles. Eu vou com eles, ou vai a Janelle. Talvez os distraia de...
- Eu falo-lhes nisso. Não acredito que queiram ir.
- Para estarem longe durante o tempo de provação...
- Não. Não acredito que queiram ir.
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Setembro de 1998
Emily morreu no dia 18 de Setembro. Da vê e Janelle estiveram presentes nos últimos dias e depois durante o angustiante cerimonial que se seguiu até ela ser cremada e as cinzas enterradas. Cole não permitiu a "exposição". As pessoas falaram, mas foi assim.
Jenna não regressou a Ann Arbour nesse semestre. Aceitou o convite de Dave e foi com ele e Janelle para Hong-Kong, onde ficaram durante dez dias no Mandarin Oriental; Janelle encarregou-se de fazer com que ela visse o melhor possível aquela cidade fascinante enquanto Dave se encontrava com Chen para planearem juntos a estratégia para se apossarem da companhia e do sistema de Willard Drake.
Quando regressaram, Dave e Janelle convidaram-na a passar serões com eles em Manhattan. Era uma rapariga plenamente desenvolvida, bonita. Janelle levou-a a comprar roupas. Quando regressou a Ann Arbour depois das férias era uma jovem mais sofisticada do que antes. E marcada, para sempre, pela agonia da morte da mãe.
Dezembro de 1998
- Oh, Shea.
Alexandra havia perdido o cargo nos escritórios e estava a lavar o chão, usando um fato de sarja azul. Ergueu os olhos para o rosto da guarda que tinha participado
dela por "se armar em esperta".
- Minha senhora?
- Vai ao gabinete da superintendente - disse a guarda. Uma hora depois, após uma longa espera na sala de espera
da superintendente, deixaram Alexandra entrar no gabinete.
- Shea, hmmm?
- Sim, minha senhora.
303
- Todos os anos, no Natal, o Governador distribui um número muito limitado de perdões e comutações de pena. Não consigo imaginar porquê, mas deu-te uma. Atua sentença foi comutada para o tempo cumprido, sujeita a determinadas condições. Ficas em liberdade condicional, por assim dizer. Cumpre as condições e não terás de voltar para aqui.
O processo de libertação não foi fácil e levou uma semana. O Departamento de Liberdade Condicional arranjou-lhe um quarto modesto e um trabalho como criada de mesa num café. Deixou a prisão vestindo algo que se poderia chamar uma bata, um vestido fornecido pela prisão, porque ela havia ganho tanto peso nos últimos seis anos que as roupas com que entrara já não lhe serviam.
Mudou-se para o quarto. A casa de banho, que era comum, ficava ao fundo de um corredor. Foi trabalhar. Na verdade, não sabia bem se estava melhor assim. Algures tinha milhões de dólares, mas não se notava que lhe trouxessem nenhuma vantagem.
Então...
Janelle surgiu diante do café quando Alexandra saía do trabalho.
-Tu...?
Janelle chamou um táxi.
- Anda - disse. - Temos sítios onde ir e coisas a fazer. No seu uniforme de criada de mesa, Alexandra sentia-se a
destoar ao entrar no edifício de apartamentos e subir no elevador. Entrou no apartamento, intrigada. Tinha vista para o East River e era mais espaçoso e luxuoso do que os que ela e Dave tinham tido juntos.
Sentia-se mal arranjada. Estava de facto mal arranjada e desmazelada.
- Toma - disse Janelle. Estendeu a Alexandra um roupão de seda. Muda de roupa, veste isto. Queres tomar duche primeiro? Que é que bebes?
- Não tomo uma bebida há tanto tempo que quase não me lembro... Uísque.
- Bem... descontrai-te. Acabou-se aquela porcaria. A partir de agora és uma violadora da liberdade condicional. Mas não te preocupes com isso. Dave e eu vamos tratar de tudo. Esta noite dormes aqui. De manhã vem cá uma mulher do Saks para te vestir. Vai trazer uma cabeleireira e uma esteticista. Depois...
- Se não apareço amanhã no trabalho...
- Está tudo resolvido, Alexandra. Conheces Dave. Quando ele decide resolver alguma coisa, ela resolve-se. Quero dizer,
304
afinal uma mulher com tanto dinheiro como tu tens não vai viver num quarto e trabalhar como criada, diga o Estado de Nova Iorque o que disser. Confia em nós.
- Foi ele quem me tirou de lá?
- Bem, não pensavas que tinha sido o Pai Natal, pois não? Alexandra tomou o duche. Lavou o cabelo com champô em
vez de sabão em barra pela primeira vez desde que fora presa. Estudou a sua imagem no espelho e decidiu, hesitante, que os danos podiam ser reparados com o tempo.
Quando voltou à sala, Dave estava lá. Abraçou-a a deu-lhe um beijo na face.
- Que é que resolveste, Dave? - perguntou ela.
- Preciso de uma fotografia tua - disse ele. Tinha uma máquina fotográfica Nikon e tirou várias fotos. Um jovem, que estava à espera no átrio, levou o rolo para ser revelado.
- Para quê? - perguntou Alexandra.
- O teu passaporte caducou. A fotografia tem de ser plastificada no teu passaporte novo.
- Eu não pedi nenhum.
- Está tudo tratado. Já ouviste falar em Lucinda Harker? Alexandra abanou a cabeça.
Habitua-te ao nome: és tu. Nasceu em Londres, formou-se em Cambridge. Podes fingir essa personalidade. Sei que és capaz. Ela foi para Hong-Kong em 1979, trabalhar para o Barclays Bank. Vendo aproximar-se a transferência de posse, apresentou um pedido de cidadania de Hong-Kong. Esta foi-lhe concedida. Tem passaporte de Hong-Kong. Não precisa de autorização para trabalhar em Hong-Kong; é cidadã. Se ficares aqui em Nova Iorque, os milhões que tens de capital não te servem de muito, porque terás de trabalhar num emprego inferior e levar uma vida sórdida. Se o Ministério Público descobre que tens muito dinheiro estarás bem tramada, já que negaste veementemente a Tabatha Morgan possuíres tal coisa. Talvez isso me trame a mim também. Por isso... vais para Hong-Kong como Lucinda Harker. Transferi para lá parte do teu dinheiro. Podes viver muito bem num local exótico. Basta que te mantenhas longe dos Estados Unidos, onde podes ser vista e reconhecida por alguém. Alexandra Shea morreu. Bem-vinda, Lucinda Harker.
- Quanto dinheiro tenho?
- Mais do que alguma vez poderás gastar. Dar-te-ei uma descrição detalhada: onde se encontra e quanto.
- Uma senhora ociosa... - murmurou Alexandra, céptica.
- Arranjaremos alguma coisa em que possas participar numa das nossas empresas. Não te vais aborrecer.
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- vou fazer o que dizes, não pode ser pior do que o sítio onde estava.
- Isso não volta a acontecer. Assim que tiveres as roupas, levamos-te de carro para Boston; Lucinda Harker embarcará num voo para Vancouver, onde fará a transferência para um voo da Cathay Pacific. No aeroporto de Hong-Kong terás à tua espera uns jovens amigos americanos, que te instalarão num hotel até encontrares um apartamento e te mostrarão a cidade. Vais gostar daquele lugar. Tens jeito para línguas e hás-de aprender chinês. Uma vida nova... Lucinda.
Janeiro de 1999
Janelle sabia que Dave visitava ocasionalmente Tabatha Morgan. Aceitava-o. Aceitava a decisão dele de que aquilo era vantajoso. Ela tinha-lhe mostrado as fotografias
de Tabatha despida, apenas com algemas. Lembrava-se com ressentimento de a mulher a ter obrigado a permanecer algemada no seu gabinete e sentiu satisfação ao saber que Dave a obrigava a fazer uma figura ridícula.
Preparando a visita de Dave, Tabatha tinha posto um fio dental novo, formado apenas por um grupo de fios com contas que lhe caíam até aos joelhos e oscilavam quando ela andava, revelando e ocultando alternadamente o seu sexo. Usava meias negras de rede larga por altura da coxa, e sapatos negros de verniz com salto de agulha. Tabatha serviu as bebidas. Da cozinha, dissê-lhe:
- Suponho que sabes que Alexandra desapareceu.
- Era de esperar - disse ele, com indiferença.
Ficou a olhar para ela através da porta da cozinha. Estava de costas para ele, junto da bancada, a arranjar as bebidas. Não tinha nada que lhe cobrisse as nádegas avantajadas.
- Não sabes nada sobre isso?
- Ela nunca me contactou. Só soube que ela tinha sido libertada quando li no jornal.
- Trabalhaste para a libertar.
- É verdade, tentei ajudá-la a sair. Achei que ela já tinha cumprido uma pena suficiente e que mantê-la na prisão era um desperdício.
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- Tenho uma coisa para ti - disse ela.
Pousou as bebidas sobre a mesinha de café e depois foi ao quarto, de onde regressou, trazendo uma pasta. Entregou-a a Dave.
- Que papéis são estes? - perguntou ele, folheando umas vinte ou vinte e cinco folhas. - Meu Deus! Roubaste o ficheiro? Não te vais meter em sarilhos por causa disto?
- Só eu sabia o que tinha. O caso era meu. Se alguém herdar os meus ficheiros, não apanha isso.
- Por que é que fizeste isto, Tabby?
- Será que preciso de te dizer que estou apaixonada por ti? Nunca tinha estado apaixonada, a não ser aquelas paixões de adolescente por rapazes que me tratavam mal, quando estava no liceu. Nunca fui tratada como uma mulher. Sei que não posso ter esperança. Estás casado com uma mulher, que, além de lindíssima, é um gênio. Mas se estiveres comigo de vez em quando e deixares que te beije os pés...
Dave olhou para ela.
- Nunca terás de me beijar os pés, senhora minha. És toda mulher, esses outros não sabiam o que fazer com isso.
Fevereiro de1999
Willard e Julie Drake estavam sentados diante da secretária de Ben Haye, director do Enterprise Bank.
- É uma questão relativamente simples - disse Haye. Infelizmente, o Sr. e a Sra. Drake têm dois pagamentos das suas hipotecas em atraso. Isto é um banco. Preciso
de saber quando posso esperar o pagamento.
Drake encolheu-se.
- As minhas acções da Intercontinental, a minha herança, foi por água abaixo...
- Eu sei. Há uns meses estaríamos dispostos a deixar que hipotecasse essas acções comIWgurança adicional sobre as suas hipotecas. Agora... a Intercontinental parece ter demasiados problemas. E sem os dividendos dessas acções, não lhe vemos nenhuns rendimentos, Sr. Drake. Não queremos executar a hipoteca, mas...
Julie disse:
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- O meu marido desenvolveu e é dono do melhor programa informático do mundo.
- Que de momento não gera qualquer rendimento, que eu veja.
- Mas vai gerar. Vai gerar.
- Quando? Drake suspirou.
- Não lhe posso dizer. Haye abanou a cabeça.
- Então, que segurança temos nós perante os vossos empréstimos?
- Eu sei - disse Julie. - Eu sei o que gostariam de ter.
- E o que é isso?
- As nossas acções da Drake Research Services, que detém todos os direitos do sistema do meu marido.
- E que valem...
- Biliões, potencialmente - disse ela. - Biliões.
- Potencialmente.
- Sim - disse ela. Haye respirou fundo.
- Estariam dispostos a colocar estas acções num trust?
- Um trust, com que finalidade? - perguntou Drake.
- Ocorre-me, Sr. e Sra. Drake, que a vossa especialidade não são os negócios. O trust, controlado pelo banco, tentaria pôr a vossa ideia no mercado com uma base sólida. Os seus biliões potenciais talvez se tornassem então biliões reais.
- Quem detém o voto dessas acções? - perguntou Julie?
- O trust - disse Haye.
Março de 1999
Pouco antes dos dezoito anos, Jenna teve a experiência que havia muito desejava: dançar nua num clube. Em Detroit, num clube chamado Blue Magic.
- Uma coisa tem de ficar bem clara, pequena. As minhas raparigas não andam na vida. Eu tenho um clube de dança, não um bordel. Se o fazes, nem que seja uma vez e eu descubro, adeus.
- É assim mesmo que eu quero - disse Jenna. - E mais, não vou fazer lapdancing. Olham, mas não tocam.
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- Uma rapariga como eu gosto - disse o homem.
A partir dessa altura, todas as noites se metia num autocarro para Detroit e regressava no último autocarro, à uma da manhã.
Tinha ficado sentada no clube a observar vários espectáculos, para aprender os movimentos. Vinha para o palco usando uma mini-saia de pregas, muito curta e uma camisola justa. No cartaz vinha anunciada como "Sweet Terry Coed". Já não existia striptease. No primeiro meio minuto despia a camisola, revelando um soutien transparente, depois a saia, revelando cuecas de biquini transparentes. Passados mais dois minutos, também estes haviam desaparecido e ela fazia o seu número nua.
Havia um poste de aço polido no centro do palco. As dançarinas trepavam e agarravam-se a ele. Agarradas ao poste, podiam abrir as pernas e mostrar as partes interiores, rosadas e brilhantes. Deitavam-se no chão e, mais uma vez, abriam as pernas, mostrando cada vez mais, servindo-se dos dedos para se abrir ainda mais.
Algumas pegavam em velas grossas, acesas, e deitavam a cera quente sobre os seios. Uma delas cobria-se de natas e lambia-as dos mamilos. Entre os números, o palco tinha de ser lavado.
Jenna não recorria a esses truques. Não fingia que dançava. A música sonante era um acompanhamento, não tinha nada a ver com o desempenho dela. Ela apenas se exibia, completamente nua e sem qualquer vergonha. Tornou-se imediatamente uma das favoritas do Blue Magic. Via-se bem que era jovem. Era lindíssima. E via-se bem que gostava do que fazia. Transmitia aos homens que a observavam que gostava de se mostrar diante deles.
Os anúncios do Blue Magic nos jornais mostravam o nome e fotografias dela. Talvez seja estranho, mas nunca ninguém em Ann Arbour identificou a Sweet Terry dos anúncios como Jenna Jennings.
Recebia cinquenta dólares por cada exibição. Era costume exibir-se duas vezes por noite e regressava a Ann Arbour com cem dólares em dinheiro na mala de mão. Abriu conta num banco, contratou um contabilista para lhe tratar dos impostos, e acumulou dinheiro.
Passadas umas semanas, a motivação de Jenna para dançar nua mudou completamente. Desejara a experiência, mas o enfado instalara-se. Agora era ("dinheiro que contava. Depositava quinhentos ou seiscentos dólares por semana. Decidiu falar com o "tio" Dave sobre como investir. Quando regressou a casa para passar as férias da Primavera, transferiu a maior parte do dinheiro do banco de Michigan para o Banque Suisse.
O pai não sabia de nada.
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Abril de 1999
Obter o controlo da empresa de Drake e do seu sistema de reconhecimento de voz foi uma grande jogada para Dave e Chen Peng. O software de Drake era a propriedade mais valiosa da indústria da alta tecnologia, pelo menos potencialmente, se devidamente explorado. Tornaria a DRS uma rival da Microsoft. De súbito, os dois sócios eram competidores dos mais importantes no campo da informática. Continuavam a ser discretos, mas era óbvio quem detinha o controlo. Nomearam Willard Drake director da DRS e atribuíram-lhe um salário enorme e uma reforma dourada. Nomearam Julie Drake vice-presidente e atribuíram-lhe o mesmo.
Drake abandonou as suas ideias de ser um homem independente e dedicou a sua atenção a continuar a desenvolver o seu sistema.
- A minha mãe?! A minha mãe, por amor de Deus?! Não há limites para ti?! - gritou Janelle.
- Ela contou-te? - perguntou Dave, calmamente.
- Não. Contou-me o teu irmão.
- Porquê...? Passado um ano.
- Não o culpes a ele. Ele não me queria dizer. Descobri, foi só isso.
- Como?
- A mãe tem uma amiga. Ela tinha ficado a tomar conta do apartamento e do cão enquanto ela foi a Nova Jérsia contigo. Bem... o raio do cão morreu. Estava doente. Por isso é que a mãe pediu a esta amiga que tomasse conta dele em vez de o pôr num canil. A amiga tentou telefonar. A mãe tinha-lhe dito que ia para o Holiday Inn. Ligaram várias vezes para o quarto dela, mas ela não atendeu. Durante muito tempo ela não me disse nada. Mas é uma bisbilhoteira. E contou-me. Por isso, eu falei ao teu irmão. Perguntei-lhe onde estavam, tu e a minha mãe, na noite depois do funeral. Ele disse que vocês tinham ido à
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recepção e depois tinham ido para Nova Iorque. Liguei para o Holiday Inn. Ele mentiu para te encobrir. Sabia muito bem que tu não tinhas regressado à cidade. Só saíste do hotel na manhã seguinte.
- Fomos jantar fora.
- Às duas da manhã? Não interessa... eu telefonei-lhe outra vez. Dissê-lhe que sabia que tu não tinhas saído do motel nessa noite. Então... o teu irmão achou que tu devias ficar com uma fotografia do vosso pai, que ele se havia esquecido de te dar. Foi ao teu quarto cerca da meia-noite e bateu à porta. Não o deixaste entrar. Aceitaste a fotografia que ele te passou por debaixo da porta e agradeceste. Era evidente que tinhas uma mulher no teu quarto. Ele foi ao quarto da minha mãe e bateu à porta. Ela não respondeu. Dave... estavas na cama com a minha mãe!
- E o que diz ela sobre isso?
- Confrontada com o facto, admite que é verdade. Diz que foi só uma vez e apenas uma relação de prostituta e cliente. Mas é a minha mãe, bolas! Seu filho da puta!
- Estás a dizer que não tiveste nada com Chen Peng?
- Ele não é teu pai!
- Janelle...
- Andas com a Tabatha Morgan. Isso é trabalho. Chen Peng é trabalho. Mas a minha mãe, não!
-Eu...
- Não tens em ti uma partícula de decência. Este casamento está acabado.
- Temos muita coisa juntos.
- E eu quero a minha parte. Continuaremos a ter uma relação de negócios. Mas o casamento acabou!
Ela telefonou a Chen Peng de uma cabina para uma linha privada, onde não lhe pediriam que se identificasse. Uma recepcionista com uma suave voz oriental respondeu:
- CP Enterprise, o queTWReja?
Não importava que ela desse ou não o seu nome, a recepcionista conhecia-lhe a voz.
- Chen Peng - disse Janelle, tentando conter as lágrimas. Não sabia se chorava de raiva ou de tristeza.
A voz de Peng fez-se ouvir ao telefone.
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- Que agradável surpresa o seu telefonema, Janelle. Ela não esteve com rodeios.
- vou deixar o meu marido.
Peng ficou pensativo por momentos.
- Parece muito zangada.
- Oh, sim. Estou muito zangada, Peng...
- É uma mulher inteligente, Janelle. Por vezes, é melhor deixar a cólera seguir o seu curso e só depois tomar decisões.
Ela não conseguiu controlar-se por mais tempo.
- Ele dormiu com a minha mãe.
- Estou a ver - replicou ele.
- Quero destruí-lo - disse ela. - Pode ajudar-me?
- Se é isso que quer - respondeu ele. - Mas levará algumtempo.
Depois de desligar o telefone, ele ficou sentado em silêncio, a pensar como os americanos são peculiares.

 

 

                                                                  Harold Robbins

 

 

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