Criar um Site Grátis Fantástico
Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O ÁLIBI - p.2 / Sandra Brown
O ÁLIBI - p.2 / Sandra Brown

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

O ÁLIBI

Segunda Parte

 

A manhã estava nevoenta e quente. Às dez horas, a igreja episcopal de são Felipe já estava lotada de gente. Os famosos e infames estavam lá, assim como os que tinham ido admirar os famosos e os infames, inclusive o venerável senador dos Estados Unidos na Carolina do Sul e uma estrela de cinema que morava em Beaufort. Alguns nunca tinham conhecido Pettijohn, mas se consideravam suficientemente importantes para comparecer ao funeral de um homem importante. Praticamente todos que estavam lá tinham depreciado o falecido quando ele era vivo. No entanto, se enfileiravam na igreja, balançando a cabeça e lamentando sua morte trágica e prematura. O altar ficou pequeno para acomodar a imensa variedade de arranjos de flores. Pontualmente às dez horas, a viúva foi escoltada ao púlpito principal. Estava de preto da cabeça aos pés, sem absolutamente nada de outra cor, a não ser o colar de pérolas que era sua marca registrada. O cabelo estava puxado para trás num rabo-de-cavalo, sem enfeite algum, sobre o qual usava um chapéu de palha de aba larga que cobria seu rosto. Durante toda a cerimónia ela não tirou os óculos escuros e opacos.

  • Ela está escondendo os olhos porque estão inchados de tanto chorar? Ou porque não estão? Steffi Mundell estava sentada ao lado de Smilow. A pergunta dela fez o detetive franzir a testa. Ele estava de cabeça baixa e parecia realmente ouvir a prece inicial.
  • Desculpe – sussurrou ela. - Não sabia que você tinha esse lado religioso.

Ela permaneceu respeitosamente em silêncio todo o resto do serviço, apesar de não ter religião. Estava mais interessada nesta vida do que na outra. Queria realizar suas ambições aqui mesmo na Terra. Estrelas numa coroa celestial não eram sua imagem de realização.

Por isso ela se desligou das leituras das Escrituras e dos panegíricos e aproveitou aquela hora para meditar sobre os aspectos pertinentes ao caso, especificamente sobre como podia tirar proveito deles. Hammond tinha sido designado para cuidar do caso, mas era ela, e não ele, que tinha ligado para o procurador Mason na véspera. Tinha se desculpado por interromper o jantar dele, mas quando contou sobre a mentira de Alex Ladd em relação ao seu paradeiro sábado à noite, ele agradeceu por mantê-lo informado. Ela ficou satisfeita porque ganhou alguns pontos com aquele telefonema. Dando mais um passo, ela garantiu para o patrão deles que Hammond provavelmente daria as últimas notícias, mais tarde aquele dia... quando ele tivesse tempo... insinuando que, para Hammond, aquilo não era prioritário. Depois do que pareceu ser uma eternidade, o ministro fez sua louvação e concluiu o serviço.

  • Ora, isso não é comovente? - perguntou Steffi quando eles se levantaram.

Entre todas as pessoas reunidas em volta de Davee Pettijohn para dar os pêsames, ela notou Hammond. A viúva abraçou-o carinhosamente. Ele beijou o rosto dela.

  • Amizade antiga de família – observou Smilow.
  • Quanta amizade?
  • Por quê?
  • Parece que ele está relutando em considerá-la uma possível suspeita.

Os dois continuaram observando enquanto a sra. E o sr. Preston Cross também abraçavam Davee. Steffi tinha encontrado o casal apenas uma vez num torneio de golfe. Hammond não tinha apresentado Steffi para os pais como sua namorada, e sim como colega de trabalho. Ela admirou Preston, vendo nele uma personalidade forte e imponente. Amélia Cross, mãe de Hammond, era exatamente o oposto do marido, uma dama sulista doce e miúda, que provavelmente nunca tinha expressado qualquer opinião própria em toda a sua vida. Ela provavelmente nunca tivera nenhuma opinião própria na vida.

  • Está vendo? - disse Smilow. - Os Cross são a família substituta de Davee, já que ela não tem mais ninguém aqui.
  • Suponho que sejam.

Por causa da multidão, eles levaram alguns minutos para conseguir sair da igreja.

  • O que você tem contra a Davee? - perguntou Smilow quando caminhavam para o carro dele. -Agora que ela não está mais na sua lista de suspeitos.
  • Quem disse isso? - Steffi abriu a porta do carona e entrou no carro.

Smilow se instalou no banco do motorista.

  • Pensei que Alex Ladd fosse a sua suspeita preferida.
  • E é. Mas também não estou excluindo a viúva alegre. Será que pode ligar o ar-condicionado, por favor? - pediu ela, abanando o rosto.
  • Você já confrontou Davee com a mentira da empregada dela?
  • Um dos meus homens fez isso. Parece que as duas tinham esquecido completamente da ida de Sarah Birch ao supermercado naquele dia.

Com sinceridade exagerada, Steffi disse:

  • Ah, tenho certeza de que isso é verdade.

Rodaram vários quarteirões antes de Smilow surpreendê-la, dizendo baixinho:

  • Encontramos um fio de cabelo humano.
  • Na suíte?
  • Na manga do paletó de Pettijohn – ele olhou para ela e riu da expressão que Steffi fez. - Não se anime muito. Ele poderia ter grudado nele de algum móvel. Podia pertencer a qualquer pessoa que tivesse estado antes naquele quarto, ou a qualquer camareira, garçom de serviço de quarto. Qualquer pessoa.
  • Mas se for igual ao de Alex Ladd...
  • Estou vendo que você voltou para ela.
  • Se for igual ao cabelo dela...
  • Ainda não sabemos.
  • Nós sabemos que ela mentiu! - exclamou Steffi.
  • Pode haver uma dúzia de motivos para isso.
  • Agora você está falando como Hammond.
  • O detetive amador.

Steffi ouviu com atenção enquanto Smilow contava que tinha encontrado Hammond na suíte do hotel na noite anterior.

  • O que ele estava fazendo lá?
  • Dando uma espiada.
  • Em quê?
  • Em tudo, acho. Uma insinuação maliciosa de que eu devia ter ignorado alguma coisa.
  • E o que você estava fazendo lá?
  • Eu podia ter deixado alguma coisa passar – disse ele meio encabulado.
  • Testosterona! - zombou ela. - E o que ela faz com o Homo sapiens que costuma ser sensato. - Depois de uma breve pausa, ela acrescentou: - Por exemplo, olha só como dá cores vivas à sua opinião a respeito de Alex Ladd.
  • O que quer dizer?
  • Se Alex Ladd não fosse uma psicóloga notável com uma longa lista de credenciais, se não fosse tão bem educada, atraente e articulada, se não fosse tão elegante, se em vez disso ela fosse uma mulher sem frescuras, de cabelo eriçado e tatuagens nos seios, vocês dois hesitariam tanto em pressioná-la mais?
  • Nem vou me dar ao trabalho de responder a essa pergunta.
  • Então por que está tão devagar?
  • Porque não posso fazer uma prisão baseado apenas numa mentira sobre ter ido para a ilha Hilton Head. Preciso ter mais que isso, Steffi, e você sabe disso. Tenho de especificamente pô-la dentro daquele quarto. Preciso de provas concretas.
  • Como uma arma.
  • Estou trabalhando nisso. - Ela continuou a estudar seu perfil, e abriu um sorriso.
  • Ora, vamos, Smilow, qual é? Você está com cara de gato que comeu canário, praticamente com penas amarelas espetadas na boca.
  • Você vai saber das últimas descobertas junto com todo mundo.
  • E quando é que vai ser?
  • Esta tarde. Pedi para a dra. Ladd comparecer para responder a mais algumas perguntas. E contrariando o conselho do advogado dela, ela concordou.
  • Sem perceber que está caindo numa armadilha muito bem elaborada – animada novamente, Steffi deu uma risada. - Quando você a pegar, mal posso esperar para ver a expressão dela.

A expressão dela traduziu a mais completa surpresa, e a de Hammond também.

O que aconteceu foi uma loucura. Hammond, Steffi, Smilow e Frank Perkins estavam reunidos do lado de fora da sala de Smilow à espera de Alex. Steffi reclamou de ter deixado uma pasta no balcão do sargento-recepcionista. Sentindo claustrofobia, Hammond logo se ofereceu para ir lá embaixo pegar a pasta para ela. Ele saiu da Divisão de Investigação Criminal no segundo andar e caminhou até os elevadores. As portas se abriram. A única ocupante era Alex, obviamente a caminho da sala de Smilow. Ficaram olhando um para o outro, atordoados um segundo, então Hammond entrou no elevador e apertou o botão do primeiro andar. As portas se fecharam, confinando os dois naquele pequeno espaço. Ele sentiu o perfume dela. Notou tudo ao mesmo tempo, cabelo, rosto, corpo. O penteado meio desalinhado, a maquiagem suave e o corpo compacto davam um toque de feminilidade ao conjunto de mulher de negócios que ela estava usando. Uma blusa sem mangas. A pele parecia muito macia e lisa. A pele dela era macia e lisa. Os braços. Os seios. Atrás dos joelhos. Toda ela. Os olhos de Alex estavam tão ocupados quanto os dele, tocando cada detalhe do rosto, exatamente como tinham feito no posto de gasolina segundos antes de Hammond beijá-la. Fazia parte da sensualidade dela, aquela absorção aparentemente total de qualquer coisa em que punha os olhos. A intensidade com que ela olhava para ele fez Hammond sentir que seu rosto era o mais cativante do mundo.

  • Sábado à noite... - começou ele a dizer.
  • Por favor, não me pergunte...
  • Por que você mentiu quando disse onde esteve?
  • Você preferia que eu tivesse dito a verdade?
  • E qual é a verdade? Aquele homem viu você diante da porta da suíte de Lute Pettijohn no hotel? ««
  • Não posso comentar isso com você.
  • Não pode uma ova!

As portas se abriram no primeiro andar. Não havia ninguém à espera do elevador. Hammond saiu, mas ficou com a mão na proteção de borracha para evitar que a porta se fechasse.

  • Sargento, a srta. Mundell deixou uma pasta aqui?
  • Pasta? Eu não vi nada, sr. Cross – disse ele. - Se eu vir, mando lá para cima.
  • Obrigado.

Hammond entrou no elevador e apertou o botão para subir. As portas se fecharam.

  • Uma ova que não pode – repetiu ele num sussurro áspero.
  • Temos alguns segundos preciosos. É sobre isso que você quer conversar?
  • Não. Claro que não – ele deu um passo para perto dela e rosnou baixinho. - Quero acariciar você toda.

Ela pôs a mão na base do pescoço.

  • Não consigo respirar.
  • Foi isso que você disse na segunda vez que gozou. Ou foi na terceira?
  • Pare. Por favor, pare.
  • Isso foi uma coisa que você não disse. Nem uma vez, a noite inteira. Então, por que fugiu de mim?
  • Pelo mesmo motivo que me levou a mentir sobre ter estado com você.
  • Pettijohn? Sei que não o matou. A hora não combina. Mas de alguma forma você é culpada.
  • Tive de deixá-lo aquela manhã. E não podemos ser pegos conversando sozinhos agora.
  • Se você não estivesse envolvida de alguma forma – disse ele, dando mais um passo para perto dela -, por que precisaria estabelecer um álibi, passando a noite toda transando comigo?

A raiva cintilou nos olhos dela. Seus lábios se abriram como se ela fosse refutar o que ele tinha dito. O elevador parou. As portas se abriram. Steffi Mundell estava à espera do elevador.

  • Oh! - exclamou ela baixinho quando viu os dois juntos. Olhou bem para Alex, depois para Hammond. - Bem, eu já ia chamar você. Encontrei a pasta – disse ela, levantando a mão com o arquivo que tinha pedido para ele buscar, por engano. - Sinto muito.
  • Não tem importância.
  • com licença – disse Alex, e ficou no meio dos dois para sair do elevador.
  • O dr. Perkins já está aqui, dra. Ladd – avisou Steffi quando Alex passou por ela.

Alex agradeceu a informação muito séria e continuou pelo corredor até a porta dupla fechada.

  • Onde vocês se encontraram?

A pergunta de Steffi fez Hammond cerrar os dentes, mas ele procurou não demonstrar nada.

  • Ela estava lá embaixo, esperando o elevador – mentiu ele.
  • Ah. Ora, acho que agora está todo mundo aqui, por isso podemos começar.
  • Peça para eles esperarem só mais alguns minutos. Preciso ir ao banheiro.

Hammond foi até o banheiro e ficou feliz de ver que não havia ninguém lá. Na pia, ele se abaixou e jogou água fria no rosto, depois apoiou as mãos na porcelana fria e abaixou a cabeça, deixando a água pingar do rosto na pia. Respirou fundo várias vezes e soltava o ar rogando pragas baixinho. Tinha pedido alguns minutos, mas ia demorar mais que isso para se recuperar. Na verdade, ele provavelmente nunca mais se livraria do aperto da culpa no peito, que o impedia de respirar. O que ele podia fazer? Naquela hora, na semana anterior, nunca tinha ouvido falar daquela mulher. Agora, Alex Ladd era o olho de um furacão que ameaçava sugá-lo e afogá-lo. .Não via saída. Não havia cometido apenas uma concussão. Tinha tornado mais grave e continuava fazendo isso. Se tivesse falado assim que viu o desenho do rosto dela, talvez tivesse podido se redimir.

  • Smilow, Steffi, vocês não vão acreditar! Passei a noite com essa mulher no sábado. Agora vocês estão me dizendo que ela apagou Lute Pettijohn antes de me levar para a cama?

Ele poderia ter amainado a tempestade se tivesse admitido a sua culpa mais cedo. Afinal de contas, quando a levou para a sua cabana, ele não sabia que mais tarde ela estaria envolvida num crime. Tinha sido a vítima inocente de uma sedução cuidadosamente planejada. Poderiam tê-lo ridicularizado por ter levado uma completa desconhecida para a cama. Ele poderia ser censurado por ter sido indiscreto. Seu pai o teria acusado de ser simplesmente burro. Então ele não tinha lhe ensinado que não devia ter relação sexual com uma mulher que não conhecesse? Não o tinha avisado de todas as calamidades que podiam ocorrer com um homem nas mãos de uma mulher desonesta? Teria sido embaraçoso para ele, para sua família e para a procuradoria. Ele seria o assunto mais picante das fofocas e o alvo de milhares de piadas obscenas, mas teria sobrevivido. Mas isso era discutível. Não tinha revelado a identidade dela e não havia exposto Alex quando ela mentiu sobre uma viagem inexistente até Hilton Head. Tinha ficado lá parado, equilibrando o dever e o desejo, e o desejo venceu. Tinha consciente e deliberadamente omitido uma informação que podia ser o elemento-chave num caso de homicídio, assim como tinha omitido revelar para Monroe Mason seu encontro com Pettijohn sábado à tarde. De acordo com qualquer regulamento de promotor, a conduta dele nos últimos dias era imperdoável. E o que era ainda pior, dada a oportunidade de repensar essas decisões, ele temia fazer as mesmas escolhas erradas. Alex ficou desconfiada da maneira educada com que Smilow puxou uma cadeira para ela sentar. Ele quis saber se ela estava confortável, se gostaria de beber alguma coisa.

  • Sr. Smilow, por favor, pare de se comportar como se isso fosse uma visita social. Só estou aqui porque o senhor pediu, e achei que era o meu dever cívico atender ao seu pedido.
  • Muito louvável.
  • Vamos tratar de dispensar as amabilidades e ir direto ao assunto, está bem? - disse Frank Perkins.
  • Ótimo.

Smilow retomou sua posição da véspera, sentado no canto da mesa, um ponto vantajoso, distinto e calculado, porque obrigava Alex a olhar para cima para vê-lo. Quando ouviu a porta abrir atrás dela, ela soube que Hammond tinha chegado. A vitalidade dele movimentou o ar de uma forma especial. Ela não tinha se recuperado totalmente daquele novo encontro com ele. Aqueles momentos no elevador tinham sido curtos, mas o impacto que causaram foi muito profundo. A reação dela foi física e aparentemente visível, porque, quando encontrou Frank Perkins, ele comentou que o rosto dela estava afogueado e perguntou se estava se sentindo bem. Ela culpou o calor do lado de fora. Mas o clima não tinha deixado sua face vermelha nem provocado o formigamento nas partes erógenas do seu corpo. Aquela turbulência emocional e sexual se juntavam à sensação de culpa que alimentava por ter injustamente colocado Hammond no meio daquele dilema. Ela o comprometera deliberadamente. No início, Alex enfatizou para a sua consciência. Só no início. Então a biologia assumiu o controle. E ela sentia aquela pontada agora que ele estava na sala. Ela domou o impulso de se virar para trás e olhar para ele, com medo de Steffi Mundell detectar que alguma coisa estava acontecendo. O promotor tinha parecido avidamente inquisitivo quando ela os viu juntos no elevador. Alex tentara parecer tranquila quando desceu no andar, mas sentiu o olhar de Steffi como ferro de marcar entre suas omoplatas, quando caminhava pelo corredor. Se alguém pudesse notar os sinais que Hammond e ela tinham dado sem querer, essa pessoa seria Steffi Mundell. Não só porque tinha a fama de ser afiada como uma navalha, mas também porque, em geral, as mulheres são mais sintonizadas com as frequências românticas do que os homens. Alex voltou a prestar atenção quando Smilow ligou o gravador e disse o dia e a hora junto com os nomes de todos ali presentes. Então, ele entregou para ela um recorte de jornal.

  • Gostaria que a senhora lesse isso, dra. Ladd. Curiosa, ela passou os olhos pelo título curto. Não teve de ler mais nada para entender que tinha feito uma estupidez terrível e que ia custar-lhe muito caro.
  • Por que não lê em voz alta? - sugeriu Smilow. - Gostaria que o dr. Perkins também ouvisse.

Sabendo que o detetive estava querendo humilhá-la, ela manteve a voz neutra e sem emoção enquanto lia a história sobre a evacuação e o fechamento de Harbour Town em Hilton Head, na hora exata que ela declarara estar lá, curtindo as atrações. Quando terminou de ler, fez-se um pesado silêncio na sala. Finalmente, com a voz muito baixa, Perkins pediu para ver o recorte. Ela o entregou para ele, mas ficou encarando Smilow, sem querer se submeter ao seu olhar acusador.

  • E então?
  • E então o quê, detetive?
  • A senhora mentiu para nós, não mentiu, dra. Ladd?
  • Você não precisa responder – disse Frank Perkins para ela.
  • Onde a senhora estava no fim da tarde e na noite de sábado?
  • Não responda, Alex – o advogado dela a instruiu novamente.
  • Mas eu gostaria de responder, Frank.
  • Insisto para que não diga nada.
  • A resposta não vai me prejudicar – sem atender ao pedido dele, ela disse: - Eu tinha planejado ir para Hilton Head, mas no último minuto mudei de ideia.
  • Por quê?
  • Um capricho. Fui para uma feira na periferia de Beaufort.
  • Uma feira?
  • Sim, isto pode ser facilmente verificado, sr. Smilow. Tenho certeza de que foi divulgado. Fui para lá depois que saí de Charleston.
  • Alguém pode confirmar isso?
  • Duvido. Havia centenas de pessoas lá. É pouco provável que alguém se lembre de mim.
  • Como aquela vendedora de sorvete em Hilton Head. Smilow não gostou mais da observação de Steffi Mundell do que

Alex. Os dois olharam zangados para ela antes de Smilow continuar.

  • Se a senhora viu anúncios da feira, poderia estar inventando isso, não poderia?
  • Suponho que sim, mas não estou.
  • Por que devemos acreditar nisso se já a pegamos em uma mentira?
  • Não faz diferença nenhuma onde eu estava. Eu já disse que nem conhecia Lute Pettijohn. E certamente não sei nada do assassinato dele.
  • Ela nem sabia de que forma ele morreu – intercedeu Frank Perkins.
  • É, nós todos lembramos da reação de espanto da sua cliente quando soube que Pettijohn levou um tiro.

Alex estava queimando sob o olhar sarcástico de Smilow, mas manteve a pose.

  • Eu saí de Charleston com a intenção de ir para Hilton Head. Quando passei pela feira, tomei uma decisão naquele segundo de parar ali.
  • Se foi tão inocente, por que mentiu então?

Primeiro para me proteger. E depois para proteger Hammond Cross. Se eles queriam a verdade, era essa. Mas a obrigação de Hammond Cross de dizer a verdade era mais comprometedora do que a dela, e ele continuava em silêncio. Aborrecida depois do encontro que teve com Bobby na noite anterior, ela ficou acordada, pensando naquela situação desagradável. Depois de deliberações torturantes, ela concluiu que, se conseguisse manter Bobby a uma certa distância, ficaria bem. Não podiam encontrar nenhuma ligação dela com Lute Pettijohn. Desde que Hammond acreditasse na sua inocência, seu paradeiro no sábado à noite continuaria sendo um segredo deles dois, porque ele consideraria isso irrelevante. Mas se ele se convencesse de que ela era culpada, seria obrigação dele, como promotor... Ela não quis pensar nisso. Por enquanto ia continuar a cooperar com Smilow até ele desistir de achar que ela estava envolvida e redirecionar sua investigação.

  • Foi bobagem minha mentir, sr. Smilow. Acho que pensei que aquela viagem para Hilton Head era mais convincente do que uma parada numa feira rural.
  • Por que sentiu necessidade de nos convencer?

Frank Perkins levantou a mão, mas Alex disse: -

Porque não tenho o hábito de ser interrogada pela polícia. Eu estava nervosa.

  • Perdoe-me, dra. Ladd – disse Smilow. - Mas a senhora é a pessoa menos nervosa que já interroguei. Todos nós comentamos isso. A srta. Mundell, o dr. Cross e eu, todos concordamos que a senhora estava incrivelmente tranquila para alguém sob suspeita de ter cometido um assassinato.

Sem saber ao certo se ele pretendia com isso insultá-la ou se era um cumprimento, Alex não respondeu. Ficou aflita de saber que eles tinham conversado sobre ela. Quais teriam sido os “comentários” de Hammond a seu respeito? Ela imaginou. Ela certamente lhe deu muito assunto para comentar...

  • Você é uma fraude, sabe?
  • Como é?

Fingindo estar ofendida, ela segurou dois tufos de cabelo dele e tentou levantar sua cabeça. Mas ele não deixou.

  • Você dá a impressão de ser uma mulher calmíssima, tranquila e reservada.

A barba por fazer no queixo dele arranhou de leve a barriga dela. -Foi o que pensei quando a salvei dos fuzileiros navais. Uma gatinha na dela. Ela deu uma risada.

  • Entre uma fraude e uma gatinha, não tenho certeza do que é mais ofensivo.
  • Mas na cama – continuou ele, inabalável no seu discurso e na sua intenção – a sua participação é tudo menos contida.
  • É duro...
  • Claro que é – gemeu ele. - Mas pode esperar. Manter a pose quando...
  • Quando?
  • Quando...

Então ele encostou a língua nela, e a pose se desfez.

  • A senhora foi sozinha para essa feira?
  • O quê?

Por um momento, apavorada, ela pensou que tinha gemido em voz alta, ecoando seu orgasmo. O mais terrível é que tinha se virado sem perceber e estava olhando para Hammond. Os olhos dele expressavam excitação, como se tivesse acompanhado os seus pensamentos. Uma veia saltada latejava na têmpora dele. Ela virou a cabeça rapidamente e encarou Smilow, que repetiu a pergunta:

  • Foi sozinha para essa feira?
  • Fui. Fui sozinha. Isso mesmo.
  • E ficou sozinha a noite toda?

Olhando direto para os olhos implacáveis de Rory Smilow, era difícil mentir.

  • Fiquei.
  • Não encontrou nenhuma amiga lá? Não encontrou ninguém?
  • Como eu disse, sr. Smilow, sozinha. Ele fez uma breve pausa.
  • Que horas eram quando saiu de lá? Sozinha.
  • Quando as atrações começaram a fechar. Não me lembro da hora exata.
  • Para onde foi então?
  • Irrelevante – disse Frank Perkins. - Todo esse interrogatório é irrelevante e impróprio. Não existe base para isso, portanto não importa onde Alex estava, nem se estava ou não sozinha. Ela não precisa dar conta do seu paradeiro na noite de sábado, como você também não precisa, porque não pode colocá-la dentro da suíte de Pettijohn no hotel. Ela já disse que nem o conhecia.

“É um absurdo alguém com sua impecável reputação e posição respeitada na comunidade estar sujeita a esse interrogatório. Um cara de Macon afirma que a viu num momento em que os intestinos dele estavam prestes a explodir. Você acha sinceramente que ele é uma testemunha confiável, Smilow? Se acha, então reduziu seus padrões rígidos de investigação criminal. De qualquer maneira, você já a incomodou em tudo que tinha para incomodar.” O advogado fez um sinal para Alex se levantar.

  • Foi um bom discurso, Frank, mas ainda não terminamos. As minhas investigações pegaram a dra. Ladd em outra mentira que diz respeito à arma do crime. Irritado, mas ressabiado, Frank Perkins recuou.
  • É melhor ser bem consistente.
  • E é – Smilow virou-se para Alex. - Dra. Ladd, a senhora nos disse ontem que não possui uma arma.
  • É verdade.

De uma pasta de arquivo ele tirou um formulário de registro de posse de arma, que Alex reconheceu. Ela leu rapidamente e passou para Frank examinar.

  • Comprei uma pistola para me proteger. Como o senhor pode ver pela data, foi anos atrás. Não tenho mais essa arma.
  • O que aconteceu com ela?
  • Alex? - Frank Perkins inclinou-se para a frente, questionando Alex com os olhos.
  • Está tudo bem – ela o tranquilizou. - Fora algumas aulas rudimentares, eu nunca disparei aquela pistola. Eu a guardava num coldre embaixo do banco do motorista do meu carro e raramente me lembrava dela. Até esqueci disso quando troquei o carro por um modelo mais novo.

“Semanas depois da troca, lembrei que o revólver tinha ficado embaixo do banco. Telefonei para a revendedora e expliquei para o gerente o que tinha acontecido. Ele se ofereceu para procurá-la. Ninguém sabia dela. Supus que alguém limpando o carro, ou até quem o comprou depois, tenha encontrado a arma, e pensado: Achei, é minha, e nunca devolveu.”

  • É um revólver cujas balas têm o mesmo calibre das que mataram Lute Pettijohn.
  • É um 38, sim. Não chega a ser peça de colecionador, sr. Smilow. Ele deu o sorriso frio que ela já associava a ele.
  • Evidente – ele esfregou a testa como se estivesse preocupado. Mas aqui temos a prova de que a senhora possui uma arma, e uma história, sem provas, de como a perdeu. A senhora foi vista na cena do crime mais ou menos na hora em que o sr. Pettijohn morreu. Nós a pegamos numa mentira sobre onde esteve aquela noite. E a senhora não tem um álibi – ele sacudiu os ombros. - Veja do meu ponto de vista. Todos esses elementos circunstanciais estão começando a se

encaixar.

 

  • Para quê?
  • Para a senhora ser a nossa assassina. Alex abriu a boca para protestar, mas ficou atónita ao descobrir que não conseguia falar. Frank Perkins falou por ela.
  • Está preparado para autuá-la, Smilow?

O detetive ficou olhando um longo tempo para ela.

  • Ainda não.
  • Então nós vamos embora.

Dessa vez o advogado não deixou espaço para discussão. Não que Alex estivesse disposta a discutir. Ela estava assustada, mas procurava não demonstrar o medo que sentia. Uma parte importante do seu trabalho era ler as expressões dos seus pacientes e interpretar sua linguagem corporal para poder avaliar o que eles estavam pensando, o que muitas vezes diferia do que estavam dizendo. Como ficavam em pé, ou sentados, os movimentos frequentes contradiziam suas declarações verbais. Além disso, quando falavam, as frases que usavam e a inflexão às vezes revelavam mais que as próprias palavras. Ela aplicou a sua especialidade para entender Smilow naquele momento. O rosto dele podia ter sido esculpido em mármore. Sem nenhuma concessão à diplomacia, ele olhou diretamente para ela, olhos nos olhos, e a acusou de assassinato. Só alguém com a mais absoluta confiança no que estava fazendo podia ser tão resoluto e frio. Steffi Mundell, por outro lado, parecia pronta para dar pulinhos e bater palmas de alegria. Baseada na sua experiência de analisar as pessoas, Alex podia dizer, com certeza, que os policiais achavam que a situação estava definitivamente a favor deles. Mas as reações deles não eram tão importantes para ela quanto a de Hammond Cross. Num misto de antecipação e de medo, ela virou para a porta e olhou para ele. Um ombro estava encostado na parede. Tornozelos cruzados. Braços cruzados sobre o peito. A sobrancelha mais reta estava bem baixa, numa expressão quase de zanga. Para o olho destreinado, ele podia parecer confortável, tranquilo, até despreocupado. Mas Alex percebeu na mesma hora as emoções que borbulhavam perigosamente perto da superfície. Ele não estava nem um pouco relaxado como queria parecer. As sobrancelhas baixas, o maxilar contraído, eram sinais evidentes. Os braços e os tornozelos cruzados não eram componentes de uma pose indolente. Na verdade pareciam essenciais para Hammond manter o controle. Ele era o sonho dos diretores de elenco para o papel de nerd. A começar pelo nome dele, Harvey Knuckle. [Mocotó, dobradiça.] Era um convite explícito para o ridículo. Cabeça de Knuckle. O que comeu no almoço hoje, Harvey, sanduíche de Knuckle? Colegas de turma e depois de trabalho criaram uma variedade de trocadilhos assim e nunca tiveram piedade dele. Além do nome, Harvey Knuckle tinha o physique du role. Tudo nele combinava com o estereótipo. As lentes dos óculos eram grossas. Ele era branquelo e magricelo e tinha coriza nasal crónica. Usava gravata-borboleta todos os dias. Quando o clima ficava frio em Charleston, ele usava suéteres com desenhos de losangos e gola em V por baixo dos paletós de tweed. No verão, eram substituídos por camisas de mangas curtas e paletós de algodão listrado. A única coisa que o salvava, e que ironicamente também combinava com o estereótipo, era que Harvey era um génio do computador. Exatamente as pessoas da prefeitura que mais faziam pouco dele ficavam à sua mercê quando os computadores delas “bugavam”. O refrão mais comum era “Chame o Knuckle. Traga-o aqui.” Na noite de terça-feira ele entrou no Shady Rest Lounge sacudindo seu guarda-chuva ensopado e examinando apreensivamente o lugar cheio de fumaça de cigarro, com olhar míope. Loretta Boothe, que o esperava, sentiu pena dele. Harvey era um bobão desagradável, mas era um peixe fora d’água no Shady Rest. Ele só relaxou um pouco quando a viu caminhando na sua direção.

  • Pensei que tivesse anotado o endereço errado. Que lugar horrível! Até o nome parece o de um cemitério!
  • Obrigada por ter vindo, Harvey. É bom ver você.

Antes que ele pudesse escapar, o que parecia que estava prestes a fazer, Loretta segurou o braço dele e o arrastou para um cubículo.

  • Bem-vindo ao meu escritório.

Ainda arisco, ele pôs o guarda-chuva embaixo da mesa, ajeitou as lapelas do paletó e arrumou os óculos no nariz comprido e fino. Agora que seus olhos tinham se acostumado à escuridão, e que tinha examinado melhor os outros fregueses, ele estremeceu.

  • Você não tem medo de vir aqui sozinha? A clientela parece a escória da sociedade.
  • Harvey, eu sou a clientela.

Desconcertado, ele começou a gaguejar um pedido de desculpas. Loretta deu uma risada.

  • Isso não me ofende. Relaxe. Você está precisando de um drinque.

Ela fez um sinal para o atendente do bar. Harvey pousou as mãos delicadamente na mesa.

  • É, seria bom, obrigado. Uma dose pequena. Não posso ficar muito tempo. Sou alérgico à fumaça do cigarro dos outros.

Ela pediu para ele um uísque sauer e para ela uma club soda. Notou que ele ficou surpreso, e disse:

  • Estou na lei seca.
  • É mesmo? Ouvi dizer que você... Ouvi dizer que não estava.
  • Eu me converti recentemente.
  • Ora, bom para você.
  • Não tão bom, Harvey. Parar assim a seco é terrível. Eu detesto. A sinceridade dela fez Harvey rir.
  • Você sempre foi muito direta, Loretta, e não mudou nada. Senti sua falta. Você sente saudade da polícia?
  • Às vezes. Não das pessoas. Do trabalho. Sinto falta do trabalho.
  • Ainda está fazendo alguma investigação particular?
  • Estou. Trabalhando como autónoma – ela hesitou um pouco.
  • Foi por isso que telefonei e pedi para você vir me encontrar aqui.

Ele gemeu.

  • Eu sabia. Pensei, Harvey, você vai se arrepender de aceitar esse convite.
  • Mas não resistiu à curiosidade, não foi? - ela o provocou. - Isso, e a lembrança da minha inteligência ágil.
  • Loretta, não vá me pedir um favor.
  • Harvey, não seja um maldito hipócrita.

Oficialmente ele era funcionário do município, mas o acesso no computador também permitia que ele entrasse nos registros da prefeitura e do estado. Também tinha muita informação à sua disposição, era frequentemente procurado por pessoas dispostas a pagar muito bem para saber o salário dos colegas, coisas assim. Mas Harvey se recusava a tomar parte de qualquer coisa antiética ou ilegal. Ele era irritantemente inflexível em suas recusas para qualquer um que se aproximasse querendo um favor. Por isso, a afirmação crua de Loretta foi um choque para ele. Ele piscou rapidamente por trás das lentes grossas dos óculos.

  • Você não é o menino bonzinho que quer que todo mundo acredite.
  • É muito grosseiro você me lembrar da minha pequena e única indiscrição.
  • A única da qual fiquei sabendo – disse ela intuitivamente. Ainda acho que você puxou o tapete, por assim dizer, daquele cretino que o assediou na festa de Natal. Ora, vamos, Harvey, confesse. Você não se vingou embaralhando todos os programas dele?

Ele fez um muxoxo.

  • Deixa pra lá – riu ela. - Não o culpo por não confessar, mas seu segredo ficaria seguro comigo. Na verdade, gosto mais de você ainda por demonstrar uma fraqueza. Eu me identifico com a fragilidade humana – ela apontou o dedo para ele. - Você adora a emoção que sente quando desobedece as regras às vezes. É assim que se excita.
  • Que terminologia horrível! Além do mais, não é verdade. Apesar da imagem pública de ser abstêmio, ele emborcou seu

drinque e não reclamou quando ela pediu mais uma rodada.

Quando era policial e trabalhava horas extras nos registros municipais, certa noite Loretta tinha encontrado Harvey Knuckle na sala do superior dele, examinando seus arquivos de finanças pessoais e bebericando da sua garrafa secreta de conhaque. O homenzinho ficou mortificado por ser pego em flagrante, fazendo exatamente o que jurava que nunca faria para outra pessoa. Loretta quase não conseguiu controlar o riso, e garantiu para ele que não tinha intenção nenhuma de dar com a língua nos dentes, e desejou boa sorte na sua caça ao tesouro. Quando mais tarde ela foi pedir um favor para ele, Harvey a atendeu sem hesitar. A partir daquela noite, sempre que ela precisava de uma informação, procurava Harvey. E ele sempre colaborava. Ela passou a usar esse recurso valioso desde então.

  • Sei que posso contar com você, Harvey.
  • Não vou prometer nada – disse ele com afetação. - Você não está mais no departamento de polícia. Isso muda muito as coisas.
  • Isso é muito importante – ela chegou para a frente e cochichou no ouvido dele: - Estou trabalhando no caso do assassinato de Pettijohn.

Ele ficou boquiaberto, agradeceu distraído o atendente do bar que pôs a bebida dele na mesa, e deu um gole rápido.

  • Não me diga.
  • É muito sigiloso. Você não pode mencionar uma palavra sobre isso para ninguém.
  • Você sabe que pode confiar em mim – sussurrou ele para ela. Para quem está trabalhando?
  • Não posso dizer.
  • Eles ainda não prenderam ninguém, não é? E vão prender logo?
  • Sinto muito, Harvey. Não posso comentar nada. Violaria a confiança do meu cliente se fizesse isso.
  • Compreendo que isso tem de ser confidencial.

Ele não ficou muito desapontado. A intriga alimentava seu insaciável senso de aventura. Fazer parte de um segredo, em qualquer medida, significava participar de um círculo interno, quando ele era excluído da maioria. A consciência de Loretta ficava um pouco estremecida ao manipulá-lo daquela maneira, mas ela se dispunha a fazer praticamente qualquer coisa para agradar a Hammond e, assim, compensar seu erro do passado.

  • Estou precisando que você descubra tudo que puder sobre uma dra. Alex Ladd. Inicial do meio E. Também tenho o número do seguro social dela, número da carteira de motorista etc. E tal. Ela é uma psicóloga com consultório aqui em Charleston.
  • Uma analista? É essa a ligação dela com Pettijohn?
  • Não posso dizer.
  • Loretta – choramingou ele.
  • Porque não sei. Juro! Até agora tudo que sei sobre ela são esses dados comuns. Restituições de imposto de renda, extratos bancários, cartões de crédito. Nada fora de esquadro em nenhum deles. A casa em que mora é própria, não tem dívidas maiores. Ninguém a está processando. Não recebeu nenhuma multa de trânsito. As transcrições da faculdade e pós-graduação são impressionantes. Foi uma excelente aluna e recebeu convites para trabalhar em diversas clínicas. Mas ela preferiu montar seu próprio consultório.
  • Em começo de carreira? Ela deve ter dinheiro.
  • Ela herdou uma bolada dos pais adotivos, um tal de dr. Marion Ladd, clínico-geral em Nashville. A mulher dele, Cynthia, era professora e virou dona de casa. Não tinham outros filhos. Morreram alguns anos atrás numa queda de avião numa viagem para esquiar em Utah.
  • Suspeitaram de jogo sujo?

Loretta escondeu o sorriso bebendo um gole da sua club soda. Harvey estava pegando o espírito do projeto.

  • Não.
  • Humm. Está me parecendo que você já tem muita coisa. Loretta balançou a cabeça.
  • Não sei nada sobre a vida dela antes disso. Ela só foi adotada quando tinha quinze anos.
  • Tudo isso?
  • Estranhamente, parece que foi aí que a vida dela começou. As circunstâncias da adoção e da vida dela antes são um buraco negro. Não existe informação e não tive sorte quando procurei saber de alguma coisa.
  • Ah – disse Harvey, tomando mais um rápido gole do uísque.
  • Ela fez o segundo grau numa escola particular. As pessoas com quem falei lá, e percorri toda a cadeia de comando, foram simpáticas e educadas, mas lacónicas. Nem se comprometeram a mandar um anuário do ano em que ela se formou. Muito preocupadas em proteger a privacidade dos Ladd, não quiseram comentar nada sobre eles.

“De acordo com tudo que li sobre eles, eram muito respeitados e irrepreensíveis. Cynthia Ladd recebeu o prémio de Professora do Ano antes de largar a profissão. Os pacientes do dr. Ladd lamentaram muito sua morte. Ele era diácono da igreja. Ela... Ah, deixa pra lá, você já entendeu. Nenhum escândalo, nem nada parecido.”

  • Então, o que posso fazer?
  • Entrar nos registros do juizado de menores. Ele gemeu teatralmente mais uma vez.
  • Temia que você dissesse isso.
  • Não deve haver nada lá. Só quero que você dê uma espiada.
  • Uma espiada pode significar a minha demissão. Você sabe como é o Serviço de Proteção do Menor – choramingou ele. - Eles guardam aqueles registros como se fossem relíquias sagradas. É perigoso mexer com eles.
  • Não para um génio que não vai ser pego. Preciso dos registros do Tennessee também.
  • Pode esquecer!
  • Sei que você pode – disse ela, estendendo o braço por cima da mesa para dar um tapinha na mão dele.
  • Se o Serviço de Proteção do Menor descobrir o que estou fazendo, posso ter muitos problemas.
  • Tenho toda confiança em você, Harvey.

Ele não parava de morder o lábio, mas Loretta percebeu que sentia-se atraído pelo desafio que a missão representava.

  • Concordo em tentar, mas só isso. Vou tentar. Além do mais, uma coisa tão delicada assim não pode ser feita às pressas.
  • Eu entendo. Leve o tempo que quiser. Mas apresse-se – ela terminou sua club soda e arrotou baixinho. - E Harvey, enquanto estiver fazendo isso...

Ele fez uma careta.

  • Ai, ai, ai.
  • Quero que você verifique uma outra coisa para mim.
  • Smilow.

-Você tem de falar mais alto – disse Stefi para ele. - Estou no meu celular.

  • E eu também. Um cara do laboratório acabou de ligar. - Boa notícia?
  • Para todo mundo, menos para a dra. Ladd.
  • O que é? O que é? Diga logo!
  • Lembra da partícula não identificada que John Madison tirou do Pettijohn?
  • Você me falou disso.
  • Cravo.
  • O tempero?
  • Quando foi a última vez que você viu um cravo?
  • Na Páscoa. No presunto que a minha mãe fez.
  • Vi alguns ontem de manhã, quando estive na casa de Alex Ladd. Havia um pote de vidro com laranjas na mesa da entrada. Com cravos espetados nelas.
  • Nós a pegamos!
  • Ainda não, mas estamos chegando mais perto.
  • E quanto ao fio de cabelo?
  • É humano, não é de Pettijohn. Mas não temos outro para comparar.
  • Ainda não.

Ele deu uma risadinha.

  • Durma bem, Steffi.
  • Espere aí, você vai ligar para o Hammond para atualizá-lo?
  • Você vai?
  • Até amanhã – disse ela depois de uma pausa.

Hammond pensou seriamente em não atender o telefone. Mudou de ideia segundos antes de a secretária eletrônica atender. E lamentou na mesma hora.

  • Estava começando a pensar que você não ia responder.

O tom de voz do pai dele transformou a frase numa reprimenda.

  • Eu estava no chuveiro – mentiu Hammond. - O que houve?
  • Estou no meu carro, voltando para casa. Acabei de deixar sua mãe no jogo de bridge. Não quis que ela dirigisse com essa chuva.

Os pais dele tinham um casamento à moda antiga. Os papéis eram tradicionais, claramente definidos, e as fronteiras sempre nítidas. O pai sempre tomava as decisões mais importantes sozinho. Jamais passou pela cabeça de Amélia Cross desafiar esse esquema. Hammond não conseguia entender a devoção cega que a mãe tinha por um sistema arcaico que a privava de sua individualidade, mas ela parecia perfeitamente satisfeita com isso. Ele nunca provocaria o pai ou magoaria a mãe apontando as iniquidades do relacionamento deles. Além disso, sua opinião não tinha importância. Aquilo já funcionava para eles havia mais de quarenta anos.

  • Como vão as coisas no caso Pettijohn?
  • Bem – respondeu Hammond. Preston deu uma risadinha.
  • Será que dá para elaborar um pouco?
  • Por quê?
  • Estou curioso. Joguei nove partidas de golfe com o seu patrão esta tarde antes de começar a chover. Ele disse que Smilow interrogou uma mulher suspeita duas vezes, e que você estava presente nas duas.

O pai dele estava mais que simplesmente curioso. Ele queria saber se o filho estava sendo competente.

  • Prefiro não tratar disso num celular.
  • Não seja bobo. Quero saber o que está acontecendo.

Sem querer parecer que estava na defensiva, Hammond contou os pontos altos do interrogatório de Alex.

  • O advogado dela...
  • Frank Perkins. Um bom homem.

Preston estava bem-informado dos detalhes. Hammond sabia que não ia violar sigilo nenhum porque já tinha sido violado. A amizade de Preston com Monroe Mason datava dos tempos da escola primária. Se tinham acertado nove buracos de golfe hoje, Mason já podia ter divulgado os detalhes, e sobraria pouca coisa para Hammond revelar.

  • Perkins acha que não temos nada contra ela.
  • O que você acha?

Hammond escolheu as palavras com todo o cuidado, sem saber quando alguma coisa que dissesse poderia voltar para assombrá-lo ou comprometê-lo. Diferentemente de Alex, ele não era um bom mentiroso. Não tinha o hábito de mentir, e desprezava até a menor lorota. No entanto, já tinha cometido duas baitas mentiras por omissão. Ele descobriu que podia mentir para o pai com relativa facilidade.

  • Ela foi pega em duas mentiras, mas nas mãos hábeis de Frank elas provavelmente serão ignoradas.
  • Por quê?
  • Porque o nosso lado deixou de apresentar provas concretas para associá-la ao crime.
  • Mason disse que ela mentiu sobre onde estava aquela noite.
  • Mason não esqueceu de nada, não é? - sussurrou Hammond.
  • O quê?
  • Nada.
  • Por que ela mentiria se não tivesse nada para esconder? Hammond disse, com vileza e arrogância:
  • Talvez ela tivesse um encontro secreto aquela noite e teve de mentir para proteger o homem com que estava.
  • Pode ser. De qualquer maneira, ela mentiu, e Smilow descobriu no ato. Sei que você não gosta dele, mas tem de admitir que é um excelente detetive.
  • Não posso negar isso.
  • Ele é formado em direito, sabia?

Hammond reconheceu que era uma daquelas declarações que seu pai acertava rápido na cara. Servia para distrair você do direto no queixo que vinha em seguida.

  • Espero que ele nunca resolva mudar do departamento de polícia para a procuradoria municipal. Você pode ficar sem emprego, filho.

Hammond cerrou os dentes para evitar dizer as três palavras que lhe vieram à cabeça.

  • Eu disse para a sua mãe...
  • Você comentou o caso com a mamãe?
  • E por que não?
  • Porque... porque não é justo.
  • Para quem?
  • Para todo mundo envolvido nisso. Para a polícia, a procuradoria, a suspeita. E se essa mulher for inocente, pai? A reputação dela será prejudicada por nada.
  • Por que você está tão irritado, Hammond?
  • Espero que mamãe não espalhe no seu clube de bridge todos os detalhes picantes do caso.
  • Você está exagerando.

Talvez estivesse, mas quanto mais tempo durava aquela conversa ao telefone mais ele ficava irritado. Principalmente porque não queria que seu pai o monitorasse a cada passo daquele caso. Um julgamento de assassinato daquela magnitude consumia a vida de um advogado. As horas viravam dias, os dias, semanas, às vezes, meses. Ele daria conta. Ia adorar cuidar do caso. Mas não aceitava ser criticado no fim de cada dia. Isso seria uma desmoralização e ele começaria a modificar todas as estratégias.

  • Pai, sei o que estou fazendo.
  • Ninguém nunca questionou...
  • Besteira. Você questiona a minha capacidade toda vez que consulta Mason e pede um relatório para ele. Se ele não estivesse satisfeito com o trabalho que tenho feito, não teria me designado para este caso. Ele certamente não me trataria como sucessor dele.
  • Tudo que você disse é verdade – disse Preston com um controle de enlouquecer qualquer um. - E mais um motivo para eu temer que você possa estragar tudo.
  • E por que acha que eu posso estragar tudo?
  • Soube que a suspeita é uma bela mulher.

Hammond não tinha previsto essa. Se fosse um direto no queixo de verdade, seria um nocaute e ele estaria na lona. Cambaleou com o impacto. Cem por cento do tempo o pai parecia saber onde bater, onde ele sentiria mais.

  • Essa foi a coisa mais ofensiva que você já me disse.
  • Ouça, Hammond, eu...
  • Não, você é que vai me ouvir. Eu farei o meu trabalho. Se esse caso merecer a pena de morte, é isso que vou pedir.
  • Vai mesmo?
  • Claro que vou. Assim como vou indiciá-lo se a minha investigação mandar.

Depois de uma breve pausa, Preston disse em voz baixa:

  • Não blefe comigo, Hammond.
  • Pague para ver, pai. Veja se estou blefando.
  • Então faça isso. Mas não deixe de examinar seus motivos primeiro.
  • O que quer dizer?
  • Quero dizer que você precisa ter certeza de ter provas concretas, e não apenas uma implicância medíocre. Não cause perda de tempo, de energia nem constrangimento para nós dois só porque está furioso comigo, porque sou duro com você. Eu nunca seria condenado. Com esse seu despeito por mim você só estaria prejudicando a você mesmo.

Os dedos de Hammond tinham ficado brancos e doíam de tanto apertar o telefone.

  • Seu telefone está falhando. Adeus.

Ignorando a chuva, Alex resolveu sair para dar uma corrida. Sob o temporal, suas pernas corriam num ritmo constante. O respeito ao regime de exercício parecia essencial numa hora em que o resto da sua vida havia se precipitado no caos. Além disso, depois de atender pacientes com novas consultas marcadas até tarde da noite, era uma válvula de escape para a sobrecarga cerebral. Clareava sua cabeça e permitia que a sua mente vagasse livremente. Ela se preocupava com seus pacientes. Se e quando viesse a público que era suspeita num caso de assassinato, o que aconteceria com eles? O que eles pensariam dela? Mudaria a opinião que tinham? Naturalmente que sim. Não seria nada realista esperar que eles ignorassem seu envolvimento numa investigação de assassinato.

Talvez devesse começar, já no dia seguinte, a tentar distribuí-los entre os terapeutas interinos, para os tratamentos não terem de ser interrompidos se ela fosse presa. Por outro lado, podia nem ter o problema de encontrar substitutos. Quando os pacientes descobrissem que a psicóloga deles tinha sido acusada de assassinato, provavelmente abandonariam a terapia aos bandos. Ela passou por um carro estacionado a meio quarteirão da casa dela e notou que as janelas estavam embaçadas, o que indicava que havia alguém lá dentro. O motor estava ligado, mas as lanternas apagadas e os limpadores de pára-brisa desligados. Ela correu mais uns vinte metros antes de olhar para trás. Agora as luzes do carro estavam acesas. Ele estava entrando numa rua lateral.

Provavelmente não era nada, pensou ela. Estava apenas sendo paranóica. Mas a apreensão persistiu. Será que alguém a vigiava? A polícia, por exemplo. Smilow podia ter mandado vigiá-la. Não seria um procedimento padrão? Ou então Bobby poderia estar observando seus movimentos para garantir que ela não fugisse com o dinheiro “dele”. O carro que tinha visto não era o conversível dele, mas Bobby era engenhoso. Havia outra possibilidade. Algo muito mais perigoso. Uma possibilidade que ela não queria nem imaginar, mas sabia que seria tolice não levá-la em conta. Tinha descoberto que poderia ser alvo de interesse do assassino de Lute Pettijohn. Se a notícia de que ela tinha sido identificada na cena do crime se espalhasse, o matador teria medo de que ela pudesse ter testemunhado o homicídio. Aquela ideia fez Alex estremecer, e não só por temer o assassino. A vida dela no momento estava fora de controle. Era isso que ela mais temia, essa perda de controle. De certa forma, era uma morte mais real do que a própria morte. Estar viva mas não ter opções nem livrearbítrio podia ser ainda pior do que estar morta. Vinte anos atrás ela havia determinado que sua vida nunca mais seria administrada por outra pessoa. Tinha levado quase esse tempo todo para se convencer de que finalmente estava livre dos grilhões que a prendiam, que seria a única responsável pelo seu destino.

Então Bobby reapareceu e tudo mudou. Agora parecia que todos à sua volta interferiam na sua vida e que ela era impotente para resolver qualquer coisa. Depois de correr meia hora ela entrou em casa pela porta do pátio. Tirou a roupa encharcada na lavanderia e se enrolou numa toalha para andar pela casa. Tinha morado sozinha toda sua vida adulta, por isso quando estava em casa sem ninguém nunca sentia medo. A solidão era mais assustadora para ela do que a ameaça de um intruso. Não sentia necessidade de se proteger de ladrões, mas procurava se defender do vazio que sentia nos feriados, quando até a companhia de bons amigos não compensava a falta de uma família. A solidão não era aconchegante nem quando estava sentada diante da lareira numa noite fria. Quando despertava assustada no meio da noite, não era por causa de ruídos imaginários, e sim por causa do silêncio concreto demais de viver sozinha. O único medo que ela sentia por viver sozinha era de ficar sozinha pelo resto da vida. Mas aquela noite ela se sentiu meio ressabiada quando acendeu as luzes do andar térreo e começou a subir a escada. As tábuas rangiam sob seus pés. Estava acostumada com os protestos da madeira velha. Em geral era um som simpático, mas aquela noite parecia ameaçador. No segundo andar, ela parou para espiar a escada escura. O vestíbulo e as salas lá embaixo estavam vazios e silenciosos, exatamente como os tinha deixado quando saiu de casa para correr. Prosseguiu até seu quarto, culpando a chuva pelo nervosismo. Depois de dias de calor abafado, era um alívio, mas chegava a ser demais. Caía a cântaros, batia com força no vidro das janelas e martelava o telhado. Escorria pelas calhas e jorrava das biqueiras. Abriu a porta da varamda do segundo andar e saiu para arrastar um vaso de gardênias para baixo da proteção da projeção do telhado. Lá embaixo, no centro do jardim murado, a fonte de concreto estava transbordando. Pétalas de flores tinham sido arrancadas e a vegetação parecia nua e desamparada. Voltou para dentro da casa, trancou a porta e foi de janela em janela para fechar as venezianas. O temporal era suficiente para deixar qualquer um nervoso. A Battery estava deserta aquela noite. Sem os habituais corredores, ciclistas e pessoas passeando com seus cães, ela se sentira isolada e vulnerável. As enormes árvores dos jardins White Point tinham parecido sombrias e ameaçadoras, e normalmente ela considerava seus galhos baixos e grossos uma espécie de proteção. No banheiro, ela estendeu a toalha na barra de bronze e se abaixou ao lado da banheira para abrir as torneiras. A água quente levou algum tempo para percorrer os canos, por isso ela aproveitou esse tempo para escovar os dentes. Quando endireitou o corpo diante da pia, viu um reflexo no espelho do armarinho de remédios e deu meia-volta. Era seu roupão pendurado num gancho atrás da porta. Com os joelhos bambos, ela se apoiou na pia e pensou que tinha de parar com aquela bobagem. Ela não era assim, de ficar assustada com sombras. O que estava acontecendo com ela? Bobby, para citar uma coisa. Maldito. Maldito!Tolice ou não, ela se permitiu as mesmas fraquezas que teria aconselhado um paciente a permitir. Quando o mundo que construímos com tanto cuidado começa a desmoronar, temos o direito de ter algumas reações naturais, inclusive raiva e amargura, até fúria, e certamente um medo infantil. Ela lembrava de ter sentido medo quando criança. O bicho-papão não chegava aos pés de Bobby Trimble. Ele tinha a capacidade de destruir vidas. Tinha quase destruído a dela uma vez, e estava ameaçando destruí-la novamente. Era por isso que tinha medo dele, agora mais que antes. Era por isso que se assustava com roupões, era por isso que mentia, por isso que fazia coisas irresponsáveis como envolver um homem decente como Hammond Cross em algo sujo. Mas só no início, Hammond. Só no começo. Ela entrou na banheira e fechou a cortina. Ficou bastante tempo parada embaixo do chuveiro, com a cabeça abaixada, deixando a água quente tamborilar no seu crânio enquanto o vapor subia à sua volta. Uma noite de sábado em Harbour Town tinha parecido uma mentira bem segura. Era uma distância de Charleston que dava para acreditar com facilidade, num lugar apinhado de gente em que seria plausível ninguém se lembrar de tê-la visto. Que azar! O que tinha dito para eles sobre o revólver era verdade, mas havia pouca chance de acreditarem naquela história agora. Por ter sido pega em uma mentira, tudo que dissesse depois pareceria falso. Steffi Mundell queria que ela fosse culpada. A promotora odiava as outras mulheres. Alex tinha descoberto isso quando se viram pela primeira vez. Seus estudos incluíam personalidades como a de Mundell. Era ambiciosa, astuta e competitiva ao extremo. Indivíduos como Steffi raramente eram felizes porque nunca se satisfaziam com os outros, mas especialmente com eles mesmos. As expectativas nunca eram realizadas porque eles estavam sempre elevando as barreiras. A satisfação era inatingível. Steffi Mundell era megalomaníaca ao extremo e em detrimento dela mesma. Era mais difícil compreender Rory Smilow. Ele era frio, e Alex não tinha dúvida de que podia ser cruel. Mas também detectava nele um demónio particular com quem ele estava sempre lutando. O homem não conhecia um minuto de paz interior. Sua válvula de escape era atormentar os outros para sofrerem tanto quanto ele. Esse centro de descontentamento deixava Smilow vulnerável, mas ele o combatia violentamente e isso o tornava perigoso para os seus inimigos, como os suspeitos de assassinato. Entre os dois seria difícil escolher quem ela mais temia. E havia o Hammond. Os outros achavam que ela era uma assassina. A opinião que ele tinha dela devia ser bem mais baixa que isso. Mas não podia ficar pensando nele, senão acabaria paralisada pelo desalento e pelo remorso. Não tinha nem tempo nem energia de sobra para se dedicar a lamentar o que poderia ter sido se tivessem se conhecido em outro lugar, numa outra hora. Se existia um homem com chance de tocá-la... tocar sua mente e seu coração, aquele nicho do espírito onde vivia a verdadeira Alex Ladd... podia ser ele. Ele podia ser o homem que acabaria com a solidão e o isolamento que Alex impunha a ela mesma, que preencheria o vazio, povoaria o silêncio, compartilharia a vida com ela. Mas ideias românticas eram um luxo que ela não podia ter. Sua prioridade devia ser superar aquela provação com o seu trabalho, sua reputação e sua vida intactas. Ela espremeu um gel perfumado numa esponja de banho e usou a espuma por todo o corpo. Raspou as pernas. Lavou o cabelo. Ficou enxaguando o xampu um longo tempo, deixando a água quente amaciar seus músculos, mesmo sem aliviar sua angústia. Depois fechou as torneiras e passou as mãos pelo corpo para tirar o excesso de água, e abriu a cortina. Alex nunca gritava, mas então ela gritou. Bobby estava de volta no jogo. Considerava apenas um revés temporário ainda não ter recebido o dinheiro de Alex. Ela ia pagar. Tinha muito a perder. Mas nesse ínterim ele não estava desprovido de fundos. Graças às duas estudantes com quem tinha passado a noite, estava algumas centenas de dólares mais rico. Enquanto as duas jaziam roncando na cama dele, Bobby juntou suas coisas e saiu de fininho. A experiência devia servir de lição para elas. Ele se sentia quase altruísta. Encontrar novas acomodações era uma inconveniência menor comparada com a recompensa. Assim que se instalou em outro hotel do outro lado da cidade, num quarto com vista para o rio, ele pediu um enorme café da manhã com ovos, presunto, cereais e molho tasso, uma pequena pilha de panquecas e uma porção extra de bolinhos de chocolate, que não estava com muita vontade de comer mas que tinha pedido por estar muito animado. A próxima coisa na agenda dele foi sair para fazer compras. Roupas novas não eram extravagância nenhuma. Eram despesas de negócios. Se pagasse imposto de renda, poderia contar seu guarda-roupa como uma dedução. Na sua linha de trabalho, precisava estar bem-vestido. Havia passado o resto da tarde à beira da piscina do hotel, cuidando do seu bronzeado. E agora, com seu novo terno de linho cor creme e uma camisa de seda azul-rei por baixo, ele entrou num bar muito bem recomendado pelo motorista de táxi.

  • Onde encontro ação por aqui?
  • Ação? - o motorista avaliou Bobby pelo espelho retrovisor e disse, com a fala arrastada: - Está à procura de garotas, não é, camarada?

Lisonjeado, Bobby deu um sorriso.

  • Conheço o lugar perfeito.

No instante em que Bobby entrou no bar, ele percebeu que o motorista conhecia bem o riscado. Era um lugar para escolhas de primeira. A música era altíssima. As luzes piscavam. Os dançarinos transpiravam. As garçonetes se afobavam para atender os pedidos de bebida das pessoas numa busca desesperada de divertimento. Muitas mulheres sozinhas. Jogo limpo. Ele precisou de duas doses de bebida com água antes de avistar seu alvo. Ela estava sentada a uma mesa, sozinha. Ninguém a chamava para dançar. Ela sorria muito, para qualquer um que passasse por perto, prova de que estava insegura, sabia que estava se expondo porque precisava de alguém com quem conversar. O melhor de tudo é que tinha olhado para ele diversas vezes, enquanto ele fingia não notar. Então, ele agraciou-a caridosamente retribuindo o sorriso. Nervosa, ela desviou o olhar. Levou a mão à garganta e ficou mexendo nas contas prateadas da gola da blusa.

  • Bingo! - disse Bobby para si mesmo enquanto pagava sua conta no bar.

Ele chegou por trás dela, por isso ela não o viu até ele falar.

  • com licença. Tem alguém sentado aqui?

Ela virou a cabeça de estalo. Revelou o próprio prazer arregalando os olhos e depois tentou disfarçar, jogando charme.

  • Agora tem.

Ele sorriu e sentou com ela à pequena mesa, batendo o joelho no dela, de propósito, e depois pedindo desculpas. Perguntou se podia lhe oferecer um drinque e ela disse que seria muita gentileza dele. O nome dela era Ellen Rogers. Era de Indiana, e aquela era a primeira vez que visitava o Sul Profundo. Estava adorando tudo, menos o calor, mas até o clima tinha um certo charme. A comida era divina. Ela reclamou que tinha engordado dois quilos desde que chegara em Charleston. Ela poderia muito bem perder uns oito, mas Bobby disse galantemente:

  • Você certamente não precisa se preocupar com o peso. Quero dizer, está com um corpo ótimo.

Ela deu um tapinha na mão dele e retrucou:

  • Faço muito exercício no meu trabalho.
  • Você é professora de aeróbica? Treinadora pessoal?
  • Eu? Deus do céu, não! Sou professora primária. Dou aulas de gramática e de leitura. Devo caminhar uns vinte quilómetros por dia de um lado para outro naqueles corredores.

Ele era do Sul, ela observou corretamente. Dava para perceber pelo sotaque arrastado e pelo desenho melódico do seu jeito de falar. E os sulistas são tão simpáticos...

Sorrindo, ele inclinou o corpo para perto dela.

  • Nós procuramos ser, madame.

Ele provou isso convidando-a para dançar. Depois de rodopiar com ela algumas músicas, o DJ pôs uma música lenta. Bobby puxoua para junto dele e se desculpou por estar todo suado. Ela disse que não se importava. Suor era masculino. No fim daquela dança, a mão dele alisava a bunda dela e a srta. Ellen Rogers não tinha dúvida nenhuma de que ele estava excitado. Quando ele a soltou, Ellen tinha as maçãs do rosto esfogueadas e estava muito excitada.

  • Eu sinto muito... - gaguejou ele. - É... Deus, isso é embaraçoso. Eu não tenho uma mulher nos braços desde... Se quiser que eu a deixe em paz, eu...
  • Você não precisa se desculpar – disse a srta. Rogers gentilmente.
  • É natural. Não dá para controlar muito bem.
  • Não, eu não poderia. Não segurando seu corpo junto ao meu daquele jeito.

Ela segurou a mão dele e levou-o de volta para a mesa. Foi ela que pediu outra rodada de drinques. Enquanto bebiam, Bobby contou sua vida para ela.

  • Ela morreu de câncer. Há dois anos, em outubro. Ela ficou com os olhos cheios de lágrimas.
  • Oh, que terrível para você!

Só recentemente ele tinha começado a sair e a curtir a vida de novo, Bobby contou para ela.

  • No início eu achava bom não termos filhos. Agora gostaria de ter tido. É muito solitário, sabe, não ter ninguém no mundo. As pessoas não foram feitas para viver sozinhas. É contra a nossa natureza.

Ela esticou a mão por baixo da mesa, apertou com simpatia a coxa dele e deixou a mão lá.

Cristo, eu sou bom mesmo!, pensou Bobby.

Hammond estava parado do outro lado da cortina da banheira.

  • Que susto você me deu! - exclamou Alex, ofegante. - O que está fazendo aqui? Como foi que entrou? Há quanto tempo está aí?
  • Você também me assustou.
  • Eu? Como?
  • Descobri por que você está mentindo. Está com medo do assassino de Pettijohn.
  • Ocorreu-me que posso estar correndo perigo, sim.
  • Eu queria avisar você e não confio no telefone. Ela olhou para o quarto.
  • Grampeado?
  • Acho que Smilow seria capaz disso. Mesmo sem uma ordem judicial.
  • Acho que ele pode estar me vigiando.
  • Se está, eu não estou sabendo nada. De qualquer maneira, escalei o muro dos fundos. Não seria bom se me vissem na sua casa, não é? Fiquei batendo na porta da cozinha uns cinco minutos. Dava para ver a luz acesa no segundo andar, mas como você não atendeu, minha imaginação funcionou à toda. Achei que talvez fosse tarde demais, que alguma coisa terrível... - ele parou de falar. - Você está tremendo!
  • Estou com frio.

Ele pegou uma toalha, enrolou-a nela, fechou-a na frente mas não a soltou.

  • Por que acha que estão vigiando você?
  • Vi um carro suspeito enquanto estava correndo. Motor ligado. Faróis apagados.
  • Você foi correr agora à noite? Com esse tempo? Sozinha?
  • Estou sempre sozinha. Mas sempre tomo cuidado. Ele sorriu um pouco.
  • Desculpe tê-la assustado.
  • Eu já estava apavorada.
  • Eu não podia tocar a campainha na sua porta da frente, podia? 265
  • Acho que não.
  • Você me deixaria entrar?
  • Eu não sei – e depois ela disse, mais calma: - Deixaria.

Ele ficou olhando para uma gotinha de água que brilhava na pequena depressão na base do pescoço de Alex. Largou a toalha que a envolvia e se afastou dela, um movimento que merecia uma medalha de honra ao mérito.

  • Precisamos conversar – disse ele com a voz rouca de desejo contido.
  • Saio já.

Como um boneco, ele andou pelo quarto, sem ver nada, mas observando a marca de Alex em tudo. Cada item no quarto era um reflexo dela. Quando Alex saiu do banheiro, estava de roupão, do tipo antiquado e prático, cruzado na frente e com uma faixa na cintura, opaco como um avental de chumbo, mas mesmo assim muito sexy, porque ela estava nua e molhada por baixo.

  • A sua mão está sangrando.

Ele olhou para o corte no polegar, que não havia notado até o momento.

  • Acho que me machuquei quando arrombei sua fechadura.
  • Precisa de um curativo?
  • Não, tudo bem.

A última coisa que ele queria era conversar. Desejava tocar nela. Queria abrir o roupão e apertar o rosto na maciez dela, saborear sua pele, respirar seu perfume. Todo o corpo dele pulsava com desejo físico, mas ele resistiu. Não era responsável pelo sábado à noite. Mas sim por tudo que tinha acontecido depois.

  • Você sabia meu nome o tempo todo, não sabia? Sabia quem eu era.
  • Sabia.

Ele balançou a cabeça bem devagar, assimilando o que já sabia mas não queria aceitar.

  • Eu não quero ter essa conversa.
  • Por quê...?
  • Porque sei que vai mentir para mim. E vou ficar furioso. Não quero me zangar com você.
  • Eu também não quero que você fique zangado comigo. Então talvez seja melhor não conversarmos mesmo.
  • Mas tem uma coisa que gostaria de ouvir você dizer. Mesmo que seja mentira.
  • O que é?
  • Gostaria de ouvir você dizer que sábado à noite... que nunca foi assim para você antes.

Ela inclinou um pouco a cabeça.

  • Não só a paixão – acrescentou ele. - O... Tudo que aconteceu. Ele viu Alex engolir em seco, desalojando a gota de água que havia

notado antes. Ela escorreu por dentro da gola do roupão. A voz dela estava rouca de emoção.

  • Nunca foi assim para mim antes.

Era isso que ele esperava ouvir, mas se a expressão dele mudou foi para ficar mais triste.

  • Querendo ou não, nós temos de conversar.
  • Não temos, não.
  • Temos, sim. Quando você e eu chegamos ao pavilhão de dança mais ou menos ao mesmo tempo, não foi por acaso, foi?

Ela hesitou alguns segundos, depois balançou a cabeça indicando que não.

  • Como, em nome de Deus, você sabia que eu ia para lá? Nem eu mesmo sabia.
  • Por favor, não faça mais perguntas.
  • Você esteve com Lute Pettijohn mais cedo aquela tarde?
  • Não posso falar sobre isso com você.
  • Droga, responda.
  • Não posso.
  • É uma pergunta simples.

Com uma risada sem graça, ela balançou a cabeça.

  • Não é nada simples.
  • Então responda com uma explicação.
  • Se eu fizesse isso, ia ficar vulnerável demais.
  • Vulnerável é uma palavra estranha que você está usando, pois parece que sou eu que estou boiando.
  • Você não é suspeito de ter cometido um assassinato.
  • Não, mas você não concorda que eu é que estou numa situação constrangedora? Estou processando um caso de assassinato do cidadão mais conhecido da nossa cidade, que acontece que também era casado com a minha melhor amiga.
  • Sua melhor amiga?
  • Davee Burton, agora viúva de Lute Pettijohn. Somos amigos a nossa vida toda. Ela fez campanha para eu ser designado para esse caso. Muita gente está contando comigo, pessoas que não gostaria de decepcionar. Você tem alguma ideia do que aconteceria com a minha reputação, minha carreira, meu futuro, se alguém descobrisse que eu estive aqui com você esta noite?
  • Foi por isso que fui embora domingo de manhã. - Inquieta, ela começou a andar pelo quarto. - Eu queria continuar anónima. Não queria que você ficasse dividido, do jeito que está agora.
  • Domingo de manhã era tarde demais para preocupação ou circunspecção. Se estava tão preocupada em preservar a minha reputação, não devia ter me escolhido, para começar.

Ela virou-se e olhou para ele com incredulidade estampada no rosto.

  • Perdoe-me, mas a sua memória está um pouco fora de esquadro. Foi você que me escolheu.
  • É, está certo – resmungou ele.
  • Quem tentou ir embora? Duas vezes. Tentei ir embora duas vezes e nas duas vezes você veio atrás de mim, implorando para eu ficar com você mais um pouco. Quem seguiu quem depois da feira? Quem parou e...
  • Está bem – disse ele, cortando o ar com as mãos – Mas aquela história de mulher difícil é a maior isca que existe, e as mulheres conhecem essa tática desde a criação do mundo. Você sabia exatamente o que estava fazendo.
  • É, sabia – exclamou ela elevando a voz. Então juntou as mãos na frente do corpo e examinou o rosto dele com lágrimas nos olhos. É, eu sabia o que estava fazendo. E você tem toda a razão. No início eu só queria... fazer contato com você.
  • Por quê?
  • Segurança.
  • Em outras palavras, para estabelecer um álibi.

Ela baixou os olhos.

  • Eu não sabia que ia gostar de você – disse ela baixinho. - Não tinha contado com a química entre nós. Comecei a me sentir mal de o estar usando. Por isso tentei fugir de você. Não queria que você se comprometesse por causa de uma associação, mesmo breve, comigo.

“Mas você me procurou. Você me beijou. Depois disso... - ela ergueu os olhos para ele. - Depois daquele beijo, meus motivos iniciais para conhecê-lo perderam a importância. Naquele ponto eu só queria ficar com você. Pode acreditar ou não.

  • Por que você precisava de um álibi?
  • Você sabe que eu não matei Pettijohn. Você disse isso no elevador.
  • Certo. E eu repito, por que precisava de um álibi?
  • Não me pergunte, por favor.
  • Pode dizer.
  • Não posso.
  • Por que não?
  • Porque não quero que você pense... - ela parou de falar e respirou fundo. - Simplesmente não posso, é só isso.
  • Tem alguma coisa a ver com o homem?

Ela se assustou com a pergunta. Piscou rápido.

  • Que homem?
  • Eu segui você até aqui domingo à noite. Vi você com um homem num Mercedes conversível, mais ou menos doze horas depois de sair da minha cama.
  • Oh. Domingo à noite? Aquele era... um velho amigo. Da faculdade. Ele veio a Charleston a negócios. Ele telefonou e me convidou para tomar um drinque.
  • Você está mentindo.
  • Por que você não acredita em mim?
  • Porque parte do meu trabalho é detectar mentiras e mentirosos, e você está mentindo! Ela endireitou o corpo e cruzou os braços.
  • Nós devíamos deixar isso ser o fim. Agora. Esta noite. Essa situação é impossível. A sua carreira está em jogo, não quero a responsabilidade de destruí-la. E com certeza não quero ficar com alguém que acha que sou uma mentirosa.
  • Quem... era... ele?
  • O que importa quem era o meu amigo, se os seus amigos, Steffi e Smilow, estão loucos para me acusar de assassinato?
  • Por que se admira de eu não acreditar em você se continua a não querer responder às perguntas mais simples?
  • Não são perguntas simples – gritou ela. - Você não tem ideia de como são difíceis. Elas desenterram coisas que eu prefiro esquecer, que tentei esquecer, que têm assombrado... - Ela parou, percebendo que ia revelar coisas demais. -Você não confia em mim. É mais um motivo para sair agora e nunca mais voltar. Nunca mais.
  • Ótimo.
  • Enquanto estávamos na cama...
  • Foi maravilhoso.
  • Mas se você não confia em mim...
  • Eu confio.
  • Então...
  • Você transou com Pettijohn? As feições dela despencaram.
  • O quê?
  • Vocês eram amantes?

Hammond avançou para cima dela e a encurralou contra a parede. Era aquilo que realmente o incomodava. Era aquilo que o tinha feito agir como se tivesse perdido o juízo, dizer loucuras, delirar e se comportar com total desprezo pela sua carreira e tudo o mais que antes achava importante. O desejo de conhecer a resposta para essa pergunta era tão imperativo que o cauteloso, cuidadoso e controlado Hammond Cross vociferava feito um lunático.

  • Você foi amante de Lute Pettijohn?
  • Não! - e a voz dela diminuiu, de um berro para um sussurro. Eu juro.
  • Você o matou? - Ele apertou os ombros dela com as mãos e chegou o rosto a poucos centímetros do dela. - Diga a verdade dessa vez e eu perdoo todas as outras mentiras. Você matou Lute Pettijohn?

Ela balançou a cabeça.

  • Não. Não matei.

Ele socou a parede atrás dela com os punhos e deixou-os lá. Inclinou a cabeça para a frente e encostou o rosto no dela. A respiração dele estava áspera e ruidosa, soando mais forte que a chuva que continuava a açoitar as janelas.

  • Eu quero acreditar em você.
  • Pode acreditar nisso. - Ela virou a cabeça e falou olhando para o perfil dele. - Não me pergunte mais nada porque não posso dizer mais nada.
  • Por quê? Diga por quê.
  • Porque as respostas são muito dolorosas para mim.
  • Como dolorosas?
  • Não me faça passar por isso, por favor. Se continuar vai partir meu coração.
  • Você está partindo o meu com as suas mentiras.
  • Eu imploro, se tiver alguma consideração por mim, poupe-me de ter de decepcionar você! Prefiro nunca mais vê-lo de novo do que você ficar sabendo...
  • O quê? Conte para mim!

Ela balançou a cabeça com determinação, e ele entendeu que era inútil pressioná-la mais. Desde que o tormento pessoal dela não tivesse nada a ver com o caso Pettijohn, ele devia respeitar seu desejo de privacidade.

  • Isso não é tudo – continuou ela. - Vamos estar em lados opostos de uma crise que está se criando.
  • Então tudo isso tem relação com o caso – disse ele, desanimado.
  • Eu sabia que o nosso encontro ia resultar numa confusão, mas mesmo assim o provoquei. Eu queria que acontecesse. Até no posto de gasolina eu poderia ter dito não para você. Mas não disse.

Ele levantou a cabeça e inclinou-se para trás para ver melhor o rosto dela.

  • Sabendo o que você sabe agora, se tivesse de fazer tudo de novo...
  • Isso é injusto.
  • Você faria tudo de novo?

A resposta dela foi olhar fixo para ele um longo tempo enquanto uma lágrima escorria pelo rosto. Hammond gemeu.

  • Que Deus me ajude, eu também faria.

Um segundo depois Hammond já estava abraçando e beijando Alex. A água pingava do cabelo dela na camisa dele. Os lábios de Alex eram quentes, a língua macia, sua boca doce. Quando finalmente se separaram, disseram o nome um do outro pela primeira vez, riram deles mesmos e depois se beijaram de novo, se possível com mais paixão do que antes. Ele desamarrou a faixa na cintura dela, enfiou a mão no roupão e acariciou a pele macia do ventre, provocando gemidos suaves de Alex quando passou a ponta dos dedos no monte-de-vênus. O sangue de Hammond latejava em seus ouvidos com a força da chuva que batia no telhado. Abafou todos os outros ruídos. Os murmúrios de aviso do bom senso e da consciência não tinham a mínima chance contra aquele turbilhão. Ele a segurou no colo e levou-a para a cama. Então, num frenesi de impaciência, tirou a roupa. Quando deitou em cima dela, ele deu um suspiro que era ao mesmo tempo desejo e desespero. Alex abriu as pernas e ele logo foi envolvido pelo seu calor. Indo mais fundo, ele praguejou baixinho, com a voz entrecortada de emoção.

  • Eu não fui para a cama com você porque precisava de um álibi, Hammond.

Com as mãos nos lados da cabeça dela, ele olhou bem para ela e começou a se mexer.

  • Por que, então?

Ela arqueou as costas para acompanhar as investidas dele.

  • Por isso.

Ele afundou o rosto no pescoço dela. As sensações eram incríveis. Eram tremores que subiam pelo seu pênis, percorriam sua barriga e se espalhavam pelo peito até as extremidades, provocando um formigamento. Ele deixou que tudo o mais escapasse da consciência para poder saborear o fato de estar dentro dela. Mas o clímax estava crescendo rápido demais dentro dele, por isso parou de se mexer e sussurrou com urgência:

  • Não quero gozar ainda. Não sem você.
  • Toque em mim.

Ela guiou a mão dele entre seus corpos e a pôs onde se uniam. Ele moveu os dedos de leve, massageando por dentro e por fora ao mesmo tempo. Ela segurou um seio e o levantou até a boca dele. Ele lambeu o mamilo. O som que ela fez foi quase um soluço. Eles gozaram juntos. Os dois se cobriram. Alex chegou mais para perto e aninhou o traseiro no colo de Hammond. Foi então que ele se deu conta de que não tinha usado proteção nenhuma. Mas não se preocupou demais com isso. De que adiantaria? Agora não tinha mais jeito. Ele só queria abraçá-la. Sentir seu cheiro. Estar perto dela e sentir o calor do seu corpo. Contentava-se em olhar para o rosto dela sobre o seu braço. Pensou que Alex estava dormindo porque os olhos dela estavam fechados, mas notou que seus lábios formavam um sorriso. Ele beijou uma pálpebra.

  • Um tostão por eles.

Ela riu baixinho e olhou para ele. Traçou o formato dos lábios de Hammond com a unha.

  • Eu estava pensando como seria sair com você. Ir jantar fora. A um cinema. Sair em público para todo mundo ver.
  • Quem sabe. Um dia, talvez.
  • Talvez – murmurou ela, parecendo mais otimista que ele.
  • Eu adoraria desfilar com você em Charleston, exibi-la para todos os meus amigos.
  • Verdade?
  • Você parece surpresa.
  • E estou mesmo, um pouquinho. Para um caso clandestino...
  • Não é isso, Alex.
  • Não é? -Não.
  • De certo modo sou uma recém-chegada, mas já aprendi como as coisas funcionam aqui.
  • Que coisas?
  • Os círculos sociais.
  • Eu não me importo com essa besteira.
  • Mas a maioria dos charlestonianos se importa. Eu não tenho pedigree. A sua família praticamente inventou esse conceito.
  • Citando um famoso charlestoniano, apesar de fictício, “Francamente, minha querida, eu não dou a mínima”. Mas mesmo se me importasse, eu preferiria você a qualquer outra mulher desta cidade. Eu já escolhi você no lugar de qualquer outra.
  • No lugar de Steffi Mundell. - A expressão dele fez Alex rir. Você precisava ver a sua cara.
  • Como soube?
  • Intuição feminina. Antipatizei com ela à primeira vista. O sentimento foi mútuo e não teve nada a ver com o fato de eu ser uma suspeita e ela a promotora. Foi mais essencial do que isso. Hoje, quando ela nos pegou juntos no elevador, eu percebi. Vocês eram amantes, não eram?
  • ”Eram” é a palavra operante e importante aqui. Durou quase um ano.
  • Faz quanto tempo que vocês terminaram?
  • Dois dias.

Foi a vez de Alex demonstrar desânimo:

  • Domingo? - Ele fez que sim com a cabeça. - Por causa de sábado?
  • Não. Para mim já tinha acabado há muito tempo. Mas depois de estar com você eu tive a mais absoluta certeza de que, como um casal, Steffi e eu éramos uma causa perdida. - Ele passou os dedos no cabelo dela. - Apesar da sua tendência de mentir, você é a mulher mais desejável que já conheci. Em todos os sentidos. Vai além do físico.

Satisfeita, ela sorriu.

  • Por exemplo?
  • Você é inteligente.
  • Bondosa com os animais e com os idosos.
  • Você é engraçada.
  • Temperamento equilibrado. A maior parte do tempo.
  • Você é frugal, corajosa, limpa e reverente.
  • Eu sabia que você era um escoteiro.
  • Um escoteiro Águia. Onde é que eu estava? Ah, seus seios são perfeitos.
  • O que houve com ir além do físico?

Dispensando as frivolidades, ele a beijou com empenho. Quando finalmente afastou o rosto, a expressão confusa de Alex foi um susto.

  • O que foi?
  • Tenha cuidado, Hammond.
  • Ninguém vai saber que eu estive aqui. Ela balançou a cabeça.
  • Não é isso.
  • Então, o quê?
  • Você pode ter de me levar a julgamento. Por favor, não faça com que eu me apaixone por você antes.
  • Obrigada por me receber.

O procurador Monroe Mason ofereceu uma cadeira para Steffi na sala dele.

  • Só tenho um minuto. O que há?
  • É o caso Pettijohn.
  • Já imaginava. Alguma coisa específica?

A hesitação de Steffi era planejada e ensaiada. Como se estivesse constrangida, ela disse:

  • Detesto incomodá-lo com o que pode parecer política medíocre de trabalho.
  • É a respeito do Hammond e do detetive Smilow? Eles estão se comportando como brigões rivais em vez de profissionais?
  • Eles tiveram alguns duelos verbais, com troca de insultos. Posso cuidar disso. É outra coisa.

Ele olhou para o relógio em cima da mesa.

  • Vai ter de me desculpar, Steffi. Tenho uma reunião em dez minutos.
  • É a atitude de Hammond – revelou ela. Mason franziu a testa.
  • A atitude dele? Em relação a quê?
  • Ele parece... eu não sei bem... - Ela ficou mordendo o lábio como se procurasse a palavra certa, e finalmente disse: - Indiferente.

Mason recostou-se na cadeira e ficou olhando atentamente para ela com o queixo apoiado nas mãos postas.

  • Acho difícil acreditar. Esse caso é bem do estilo do Hammond.
  • Foi isso que pensei também. Normalmente ele estaria muito animado. Perseguindo Smilow para obter provas suficientes para levar o caso ao grande júri. Ele estaria aflito para começar a se preparar para o julgamento. Esse caso tem todos os ingredientes que, em geral, o fazem ficar com água na boca.

“É por isso que estou perdida – continuou ela. - Ele parece não se importar com a solução do mistério. Passei para ele tudo que soube do Smilow. Mantive Hammond informado das pistas quentes e das que esfriaram. Ele reage a cada informação com o mesmo grau de desinteresse.” Mason coçou o rosto, pensativo.

  • O que você acha que é?
  • Não sei o que pensar – disse ela, com a mistura certa de exasperação e confusão. - Por isso vim falar com você. Pedir sua orientação. Estou no segundo lugar nesse caso, e não quero extrapolar o meu limite. Por favor, diga o que devo fazer quanto a isso.

Monroe Mason estava chegando ao seu septuagésimo aniversário. Já estava cansado daquela amolação que era ser funcionário público. Nos últimos dois anos tinha delegado grande parte da responsabilidade para os assistentes de promotores mais jovens e ávidos, dando conselhos quando era necessário, mas em geral cedendo autonomia para eles operarem como lhes aprouvesse. Estava louco para se aposentar para poder jogar golfe e pescar o quanto quisesse e não ter de lidar com os aspectos políticos do cargo. Mas não foi por acaso que servira como procurador municipal aqueles últimos vinte e quatro anos. Era um operador muito astuto quando assumiu a posição de procurador, e não tinha perdido nem um pouco dessa qualidade. Seus instintos eram tão aguçados quanto antes. Ainda podia sentir quando alguém não estava sendo totalmente sincero com ele. Steffi tinha contado com a intuição do chefe quando planejou aquela reunião.

-Tem certeza de que não sabe o que está incomodando Hammond?

  • perguntou ele para ela, baixando a voz retumbante até soar como um rugido abafado.

Fingindo ansiedade, Steffí esticou o lábio inferior.

  • Fiquei meio sem saída, não é?
  • Você não quer falar mal de um colega.
  • É por aí.
  • Entendo o constrangimento da sua situação. Admiro a sua lealdade com o Hammond. Mas esse caso é importante demais para ficar à mercê de sensibilidades. Se ele está se furtando das suas obrigações..
  • Oh, eu não quis dizer isso – ela se apressou em explicar. - Ele nunca deixa a peteca cair. Só que não acho que ele está inteiro nisso. O coração dele não está.
  • E você sabe por quê?
  • Toda vez que abordo o assunto, ele reage como se eu tivesse pisado num calo dele. Fica todo nervoso e irritado. - Ela fez uma pausa como se raciocinasse a respeito do comportamento de Hammond. Mas se me pedisse para especular sobre o que deve estar incomodando Hammond...
  • Eu pedi.

Ela fingiu pensar com muito cuidado antes de finalmente falar.

  • Neste momento o nosso suspeito é uma mulher. Alex Ladd é uma mulher inteligente e bem-sucedida. É refinada, articulada e alguns talvez a considerem atraente.

Mason deu uma risada.

  • Você acha que Hammond está a fim dela? StefH riu com ele.
  • Claro que não.
  • Mas está dizendo que o fato de ser uma mulher está influenciando o modo que ele trata do caso.
  • Estou dizendo que é uma possibilidade. Mas o sentido disso é meio truncado. Você conhece Hammond melhor do que eu. Você o conhece a vida toda. Sabe como ele foi criado.
  • Num lar com valores muito tradicionais.
  • E certamente com papéis bem definidos – acrescentou ela. - Ele nasceu em Charleston, é sulista até os ossos. Ele cresceu bebendo uísque com menta e aprendeu cavalheirismo.

Mason pensou no que ela estava dizendo.

  • Está com medo que ele possa amolecer se tiver de pedir a pena de morte para uma mulher como a dra. Ladd.
  • É só um palpite.

Ela baixou os olhos como se estivesse aliviada de ter cumprido aquela terrível missão. Disfarçadamente, ela observou seu chefe puxar, pensativo, o lábio inferior. Alguns segundos se passaram. A teoria dela, e o jeito relutante de verbalizá-la, tinham sido perfeitos. Ela não contara para ele que Hammond tinha ido até a cena do crime na noite anterior. Mason podia considerar isso um bom sinal. Steffi não sabia bem o que achava daquela atitude. Em geral Hammond costumava deixar os detetives fazerem seu trabalho sem interferir, por isso tinha achado estranha aquela reviravolta. Devia pensar nisso, porém mais tarde. Naquele momento ela estava ansiosa para ouvir a reação de Mason ao que tinha dito para ele. Dizer qualquer outra coisa ia parecer exagero, por isso ela ficou calada e deu-lhe bastante tempo para meditar.

  • Eu discordo.
  • O quê?

Ela levantou a cabeça de estalo. Estava tão segura de ter transmitido muito bem a sua ideia que a discordância dele foi totalmente inesperada.

  • Tudo que você disse sobre a criação de Hammond está correto. Os Cross entalharam uma boa educação naquele menino. Tenho certeza de que esse aprendizado incluiu um código de comportamento com as mulheres, todas as mulheres, que remonta aos dias dos cavaleiros de armadura. Mas os pais dele, especialmente Preston, também instilaram nele um sentido inabalável de responsabilidade. Creio que este se sobrepõe ao outro.
  • Então como você explica o tédio dele? Mason deu de ombros.
  • Outros casos. Um calendário lotado no tribunal. Uma dor de dente. Alguma coisa na vida particular dele. Há muitos motivos para essa distração. Mas estamos apenas a alguns dias do assassinato. A investigação ainda está no estágio preliminar. Smilow admite que não tem provas suficientes para efetuar uma prisão. - Ele sorriu e recuperou o ânimo. - Tenho certeza de que quando Smilow acusar de fato a dra. Ladd, ou seja lá quem for, de ter praticado este crime, Hammond pisará na base, com o taco de beisebol na mão e, se o conheço bem, baterá um home run.

Steffi estava com vontade de rilhar os dentes, mas em vez disso ela deu um suspiro de alívio.

  • É bom saber que você acha isso. Fiquei indecisa se devia ou não comentar esse assunto.
  • Estou aqui para isso.

Ele deixou claro que a conversa tinha acabado, levantou-se e pegou seu paletó num cabide de pé.

Steffi seguiu atrás dele até a porta da sala, e insistiu. Tinha de dizer outras coisas para ele.

  • Tinha medo que você ficasse insatisfeito com o desempenho de Hammond e passasse o caso para outra pessoa. Então eu também não estaria mais trabalhando nele e detestaria isso, porque estou achando o caso fascinante. Estou ansiosa para a polícia nos dar logo um suspeito. Mas posso esperar para cravar os dentes na preparação do julgamento.

Achando graça no entusiasmo dela, Mason deu uma risadinha.

  • Então ficará contente de saber o que Smilow andou fazendo esta manhã.
  • Minha hora está quase acabando...

Um gemido de protesto se ouviu entre os alunos de medicina que tinham lotado o auditório à capacidade de apenas lugares em pé para ouvir a aula de Alex.

  • Obrigada – disse ela, sorrindo. -Agradeço a sua atenção. Antes de sermos forçados a terminar a aula, quero comentar como é vital que o paciente que sofre de ataques de pânico não seja ignorado como um hipocondríaco. Infelizmente isso acontece muito. Os familiares podem, e é compreensível, não tolerar mais as reclamações crónicas do paciente.

“Os sintomas às vezes são tão bizarros que parecem ridículos e, em geral, são considerados imaginários. Por isso, mesmo se o paciente estiver recebendo tratamento e aprendendo táticas para enfrentar o distúrbio de ansiedade aguda, sua família também deve ser instruída para saber como lidar com esse fenómeno. “Agora eu realmente tenho de dispensar vocês, senão seus outros instrutores vão querer a minha cabeça. Obrigada pela sua atenção.” Eles a aplaudiram com entusiasmo e depois começaram a sair. Vários alunos foram falar com ela, apertar sua mão, dizer que a palestra tinha sido muito interessante e informativa. Um deles até apresentou uma cópia de um artigo que Alex havia escrito e pediu para ela autografar. O anfitrião de Alex não se adiantou até o último aluno partir. O dr. Douglas Mann lecionava na Universidade de Medicina da Carolina do Sul. Ele e Alex tinham se conhecido na faculdade e tornaram-se amigos desde então. Ele era alto e magro, careca como uma bola de bilhar e excelente jogador de basquete, solteiro convicto por motivos que não tinha revelado para Alex.

  • Talvez eu deva organizar um fã-clube – observou ele quando a encontrou.
  • Só estou aliviada de ter conseguido mantê-los atentos.
  • Você está brincando? Eles se agarravam a cada palavra que você dizia. Você me transformou no herói da hora – disse ele com um sorriso largo. - Adoro ter amigos famosos.

Ela riu do que considerava um cumprimento não merecido.

  • Eles eram tranquilos. Uma boa plateia. Nós éramos tão inteligentes assim quando tínhamos a idade deles?
  • Quem pode saber? Vivíamos chapados!
  • Você vivia chapado.
  • Ah, é – ele sacudiu os ombros ossudos. - Isso mesmo, você não era nada divertida. Só queria saber de trabalho, nada de diversão.
  • com licença, dra. Ladd?

Alex virou e deu de cara com Bobby Trimble. O coração dela deu um pulo.

Ele segurou sua mão e apertou-a com entusiasmo.

  • Dr. Robert Trimble. Montgomery, Alabama. Estou de férias aqui em Charleston, mas vi um aviso sobre a sua palestra esta manhã e não pude deixar de vir encontrá-la.

Doug, sem perceber o mal-estar de Alex, apresentou-se e apertou a mão de Bobby.

  • Colegas são sempre bem-vindos nas nossas palestras.
  • Obrigado. - Olhando para Alex, Bobby disse: - Os seus estudos sobre a ansiedade têm sido particularmente interessantes para mim. Estou curioso de saber o que a fez se concentrar nessa síndrome específica. Alguma experiência pessoal, talvez? - Ele piscou um olho. Com medo de que os pecados do passado a alcancem?
  • Terá de me desculpar, dr. Trimble – disse ela com a voz gelada. Tenho consultas marcadas.
  • Desculpe tomar seu tempo. Foi um prazer.

Virando abruptamente, ela se dirigiu à saída. Doug resmungou uma despedida apressada para Bobby e correu para alcançá-la.

  • Um fã ardente em excesso, hein? Você está bem?
  • Claro que estou – respondeu ela alegremente.

Mas não estava nada bem. Estava qualquer coisa, menos bem. A aparição inesperada de Bobby era seu jeito de informar que ele podia se intrometer a qualquer momento. Com facilidade. Não havia uma área da vida dela que ele não pudesse invadir se quisesse.

  • Alex? - Doug perguntou se ela queria tomar café da manhã com ele. - Como agradecimento, o mínimo que posso fazer é comprar um prato de camarão e cereais.
  • Parece delicioso, Doug, mas fica para a próxima – ela não conseguiria engolir uma garfada de comida se a sua vida dependesse disso. Ver Bobby no que considerava um território seguro a deixara muito abalada e contrariada, o que certamente era a intenção dele – Tenho uma consulta marcada para daqui a quinze minutos. Mal vai dar para chegar na hora se eu for para lá direto.
  • Estamos indo.

Doug tinha insistido em pegá-la aquela manhã e dar uma carona até o Centro Médico da UMCS porque as vagas para estacionar perto do enorme complexo eram raras. A caminho do Centro da cidade, ele agradeceu mais uma vez.

  • Não tem de quê. Eu gostei muito. - Até Bobby aparecer, pensou ela.
  • Qualquer coisa que eu puder fazer para retribuir o favor, estou devendo um para você – disse ele sinceramente.
  • vou me lembrar disso.

Ela procurava esconder sua aflição mantendo a conversa superficial. Trocaram fofocas sobre amigos e colegas que tinham em comum. Ela perguntou sobre a pesquisa de AIDS em que ele estava trabalhando. Ele perguntou se havia alguma coisa nova e excitante acontecendo na vida dela. Se dissesse, ele não acreditaria. Ou talvez acreditasse, ela se corrigiu quando eles entraram na rua dela.

  • Que diabos foi isso? - perguntou Doug, - Sua casa deve ter sido assaltada! Alex soube na mesma hora, com uma sensação pesada de apreensão, que o carro de polícia parado na frente de sua casa não tinha nada a ver com assalto. Dois policiais uniformizados ladeavam a porta da frente como sentinelas. Outro, à paisana, espiava pelas janelas da frente. Smilow conversava com a paciente dela que aparentemente tinha chegado cedo para a sua consulta.

Doug parou o carro e já ia descer quando Alex o impediu:

  • Não se envolva nisso, Doug.
  • Envolver em quê? Que diabos está acontecendo?
  • Mais tarde eu explico.
  • Mas...
  • Por favor! Eu telefono!

Ela apertou o braço dele, saiu do carro, passou pelo portão e subiu quase correndo o caminho até a casa, notando que a cena na sua porta da frente tinha atraído a atenção de vários transeuntes. Um turista tirava fotografias da casa, o que não era nada incomum. A rua era incluída em todos os passeios turísticos. Apesar de semelhantes na planta, cada casa naquele quarteirão apresentava pelo menos uma faceta distinta de significado histórico. Aquela manhã, a casa dela se destacava das outras por causa do carro da polícia estacionado em frente.

  • Dra. Ladd! - a paciente correu na direção dela. - O que está acontecendo? Eu cheguei bem na hora em que esses policiais chegaram.

Alex olhou furiosa para Smilow por cima do ombro da mulher aflita.

  • Sinto muito, Evelyn, mas terei de marcar sua consulta para outra hora.

Alex pôs as mãos nos ombros da mulher, fez com que ela desse meia-volta e andou com ela até o carro. Levou alguns minutos para garantir-lhe que estava tudo bem e que sua consulta seria marcada o mais cedo possível.

  • Você está bem? - perguntou Alex gentilmente.
  • Você está, dra. Ladd?
  • Eu estou ótima. Juro. Telefono para você mais tarde, ainda hoje. Não se preocupe. ......

Só depois que o carro se afastou, Alex virou para trás. Dessa vez, enquanto seguia para a porta, não tirava os olhos de Smilow.

  • Que diabos está fazendo aqui? Eu tinha uma paciente e...
  • E eu tenho um mandado de busca.

Ele tirou o documento do bolso no peito do paletó. Alex olhou para os três outros policiais flanando na porta da casa dela, e de novo para Smilow.

  • Atendo ao meu último paciente às três horas. Isso não pode esperar até a sessão terminar?
  • Temo que não.
  • vou ligar para Frank Perkins.
  • Esteja à vontade. Mas não precisamos da permissão dele para entrar. Não precisamos nem da sua.

Sem dizer mais nada, ele acenou para seus homens entrarem. O que Alex achou mais ofensivo talvez tenham sido as luvas que eles calçaram antes de entrar, como se a casa e ela estivessem contaminadas e eles precisassem de proteção. Primeiro ela chorou. Despertar e se encontrar no pior pesadelo que uma mulher solteira pode imaginar – pelo menos para uma professora solteira de um subúrbio de Indianápolis. - Ellen Rogers sentou-se na cama, apertou o lençol na garganta e chorou convulsivamente. De ressaca. Nua. Violentada. Abandonada. Revivendo os acontecimentos da noite anterior, primeiro teve a impressão de que tinha mergulhado em uma das suas fantasias, em que um belo desconhecido a tinha escolhido em vez das meninas mais jovens, mais bonitas e mais magras da boate. Ele tinha tomado a iniciativa. Ele a tinha escolhido para dançar e para pagar os drinques. A atração foi instantânea e mútua, como sempre imaginou que seria quando “aquilo” finalmente acontecesse com ela. Além disso, ele não era insípido nem superficial. Tinha uma história. A história dele era de amor e perda e tinha partido o coração dela. Tinha amado demais a mulher. Quando ela adoeceu, ele se dedicou inteiramente a cuidar dela, até ela morrer. Apesar dos sacrifícios que isso representou na vida dele e nos seus negócios, ele cozinhava, limpava a casa e lavava a roupa. Cumpriu tarefas pessoais para a esposa, mesmo as mais desagradáveis. Nas raras ocasiões em que ela podia sair, era ele que fazia sua maquiagem. Tanto sacrifício! O amor era exatamente isso. Valia a pena conhecer aquele homem. Era um homem que merecia todo o amor que Ellen acumulava havia anos, e desejava desesperadamente partilhar. Ele também tinha sido um amante fantástico. Mesmo com a experiência dela limitada a um primo mais velho, que um dia a forçara a fazer sexo oral com ele, um namorado que falou de amor entre duas trepadas mal dadas no carro antes de acabar o namoro com ela, e um professor casado com quem ela teve um excitante mas não consumado flerte até ele ser transferido para outra escola, ela soube reconhecer que Eddie – esse era o nome dele – era excepcional na cama. Tinha feito coisas com ela que só tinha lido a respeito nos romances que colecionava em caixas etiquetadas no porão. Ele a exauriu com a sua paixão. Mas agora o brilho cor-de-rosa do romance era apagado pelo terror negro que acompanha esses programas de uma noite com um completo desconhecido. Gravidez. (Ei, podia acontecer com mulheres de mais de quarenta.) DST. AIDS. Qualquer consequência dessas arrasaria seu sonho de um dia se casar. Sua chance de chegar ao matrimónio ficava menor a cada ano que passava, mas a indiscrição da véspera tinha realmente tornado impossível esse sonho. Que homem ia querê-la agora? Um homem decente, não. Não agora que tinha um passado. A situação dela não podia piorar muito. Mas piorou. Ela foi roubada também. Descobriu isso quando finalmente saiu da cama para ir ao banheiro e avaliar os danos. Viu que a sua bolsa não estava na cadeira onde a tinha deixado na noite anterior. Lembrava-se muito bem. Não era algo que ia esquecer porque aquela tinha sido a primeira vez que um homem chegara por trás, apertando seu... sabe o quê... ne!a. Ele a abraçou, enfiou a mão no vestido e acariciou seus seios. Com os ossos praticamente derretendo, ela deixou a bolsa cair na cadeira. Tinha certeza disso, Mesmo assim, deu uma busca frenética no quarto, e se censurou por não ter dado ouvidos aos comerciais da televisão que avisavam para nunca sair de casa sem traveler’s checks. Pode ter sido por causa daquela auto-incriminação dolorosa, ou por lembrar da facilidade com que o falastrão do Eddie a convencera de todas aquelas mentiras, mas Ellen Rogers de repente parou sua busca inútil da bolsa e ficou perfeitamente imóvel no meio do quarto de hotel. Ainda nua, pôs as mãos nos quadris, desvencilhou-se da sua personalidade decorosa e xingou feito um marinheiro. Não sentia mais pena dela mesma. Estava furiosa. Era quase meio-dia quando Hammond chegou ao fórum. Ao passar pela mesa da recepcionista, pediu para ela levar uma xícara de café para ele. Não ficou feliz de ver Steffi à sua espera, dentro da sua sala. Para deixá-lo ainda mais aborrecido, ela olhou para ele e disse:

  • Noite dura?

Hammond só tinha voltado para casa quase ao amanhecer. Quando adormeceu, dormiu profundamente algumas horas. Ao acordar, maldisse a hora que viu no relógio de cabeceira. Não precisava da acusação de Steffi de que estava iniciando o dia de trabalho com muito atraso.

  • O que aconteceu com o seu polegar?

Tinham sido necessários dois Band-Aids para cobrir o corte.

  • Eu me cortei quando fazia a barba.
  • Polegares peludos?
  • O que há, Steffi?
  • Smilow enviou mais provas para o laboratório. Espera que encontrem semelhança nos fios de cabelo.

Ele ocultou sua reação espontânea interior, tratando calmamente dos seus afazeres – deixou a pasta na mesa, tirou e pendurou o paletó, folheou uma pilha de correspondência e recados telefónicos. Leu um, distraído, e perguntou:

  • De que caso?

Extremamente perturbada, Steffi cruzou os braços.

  • O caso do assassinato de Lute Pettijohn, Hammond.

Ele sentou-se à mesa dele e agradeceu à recepcionista quando ela lhe deu uma xícara de café.

  • Quer um, Steffi?
  • Não, obrigada – sem muita gentileza, ela fechou a porta depois que a recepcionista saiu. - Agora que você já se instalou e está tomando o seu café, será que podemos, por favor, conversar sobre essa última revelação?
  • Smilow encontrou um cabelo na suíte do hotel de Pettijohn?
  • Correto.
  • E está mandando compará-lo com...?
  • com o que ele tirou da escova de cabelo de Alex Ladd esta manhã, durante a busca.

Isso perturbou Hammond.

  • Busca?
  • Ele conseguiu um mandado bem cedo. Já fizeram a busca.
  • Eu nem sabia que ele ia pedir um mandado. Você sabia?
  • Não até agora há pouco.
  • Por que não ligou para mim?
  • Não achei necessário, até termos alguma coisa.
  • O caso é meu, Steffi.
  • Bem, você evidentemente não está agindo como se fosse – disse ela, levantando a voz.
  • Como é que estou agindo?
  • Trate de descobrir sozinho. Para começo de conversa, pode se perguntar por que está chegando aqui tão tarde. Não fique zangado comigo por não estar aqui quando as coisas começaram a acontecer.

Ficaram se encarando, cada um de um lado da mesa. Ele estava zangado por ser excluído do elo apertado que ela havia formado com Smilow. Estavam praticamente unidos pela cintura naquele caso. Mas por mais que detestasse admitir, os argumentos dela eram válidos. Ele estava zangado com ele mesmo e com a situação, e descontava nela.

  • Mais alguma coisa? - perguntou ele num tom mais civilizado.
  • Ele tem os cravos também.
  • Cravos? De que diabos você está falando?
  • Lembra do pedacinho de alguma coisa que foi tirado da manga de Pettijohn?
  • Vagamente.

Ela explicou que identificaram a lasquinha como cravo-da-índia e que Alex Ladd tinha laranjas com cravos num pote na entrada da casa dela.

  • A laranja com cravo perfuma o ambiente como um pot-pourri natural. Além disso, eles encontraram uma bolada de dinheiro no cofre da casa dela. Milhares de dólares.
  • Que supostamente prova o quê?
  • Ainda não sei o que isso prova, Hammond. Mas você tem de admitir que não é muito ortodoxo e bastante suspeito alguém manter essa quantidade de dinheiro num cofre doméstico.

Com um nó na garganta, Hammond perguntou:

  • E a arma?
  • Infelizmente não apareceu.

O telefone dele tocou e a recepcionista informou que era o detetive Smilow na linha.

  • Ele deve estar ligando para mim – disse Steffi e pegou o fone. Eu disse para ele que estaria aqui no seu escritório.

Ela ficou ouvindo um pouco, verificou seu relógio de pulso e depois disse alegremente:

  • Estamos a caminho.
  • Estamos a caminho de onde? - perguntou Hammond quando ela desligou.

-Acho que a dra. Ladd entendeu que está no meio da maior “você sabe o quê”. Está vindo para ser interrogada de novo.

Apesar de ter a mesa cheia de papéis intocados, minutas, memorandos e recados não respondidos, ele nem cogitou em mandar Steffi no seu lugar. Precisava estar lá para ouvir o que Alex tinha para dizer, mesmo se fosse alguma coisa que ele não quisesse ouvir. O pesadelo ao vivo continuava. O horror aumentava. Smilow era irreprimível, mas o homem não podia ser acusado de fazer o seu trabalho e fazê-lo bem. Alex... droga, ele não sabia o que pensar de Alex. Ela havia admitido tê-lo comprometido deliberadamente, indo para a cama com ele, mas se recusava a explicar por quê. Que outro motivo haveria senão algo ligado a Pettijohn e/ou ao seu assassinato? Com medo do desconhecido, Hammond se movia como se tivesse de se arrastar em areia movediça quando saíram do prédio. O sol parecia um maçarico. O ar estava pesado e parado. Nem o ar-condicionado do carro de Steffi dava conta. Ele estava transpirando quando subiram os degraus da entrada da sede da polícia. Dessa vez ele subiu no elevador com Stefí para o território de Smilow. Steffi bateu uma vez na porta da sala antes de entrar.

  • Perdemos alguma coisa?

Smilow, que tinha começado sem eles, continuou falando ao microfone do gravador.

  • Os assistentes do promotor público, Mundell e Cross, acabaram de chegar – ele disse a hora e o dia.

Alex virou-se para Hammond. Ele estava atrás de Steffi.

Quando Hammond se abaixara ao lado da cama aquela manhã para dar um beijo de despedida, Alex tinha posto a mão na nuca dele e levantado o rosto para beijá-lo demorada e profundamente. Quando o beijo finalmente terminou e ele gemeu por ter de deixá-la, ela sorriu para ele sonolenta, sensual, com olhos de sono e pálpebras pesadas. Agora Hammond lia naqueles olhos uma apreensão igual à dele.

Liquidadas as formalidades, Frank Perkins disse:

  • Antes de começar, Smilow, a minha cliente gostaria de corrigir algumas de suas afirmações anteriores.

Steffi deu um sorriso afetado. Smilow não demonstrou reação alguma e fez sinal para Alex falar. A voz firme dela ocupou o silêncio da expectativa.

  • Menti para os senhores antes, quanto a ter estado na suíte de cobertura do sr. Pettíjohn. Estive lá no sábado à tarde. Enquanto esperava que ele abrisse a porta, vi o homem de Macon entrando no quarto dele, conforme ele relatou.

Por que mentiu sobre isso?

  • Para proteger um dos meus pacientes.

Steffi bufou incrédula, mas Smilow a inibiu com um olhar muito sério.

  • Por favor, continue, dra. Ladd.
  • Fui encontrar o sr. Pettijohn a pedido de um paciente.
  • Para quê?
  • Para dar um recado verbal. Não posso revelar mais que isso.
  • Sigilo profissional é um escudo muito conveniente. Ela concordou movendo um pouco a cabeça.
  • No entanto, era isso que eu estava fazendo lá.
  • Por que não nos contou isso antes?
  • Tive medo que vocês acabassem me fazendo revelar o nome do paciente. Os interesses desse indivíduo estavam acima dos meus.

-Até agora.

  • A situação ficou insustentável. Mais ainda do que eu já previa. Fui forçada a contar o que pretendia manter em segredo pelo bem do meu paciente.

-Asenhora costuma fazer tais sacrifícios pelos seus pacientes? Dar recados e coisas assim?

  • Em geral, não. Mas teria sido muito perturbador para esse paciente encontrar-se cara a cara com o sr. Pettijohn. Foi um pequeno favor que fiz.
  • Então a senhora viu o sr. Pettijohn? - Ela fez que sim com a cabeça. - Quanto tempo ficou na suíte com ele?
  • Alguns minutos.
  • Menos de cinco? Mais de dez?
  • Menos de cinco.
  • A suíte de um hotel não é um lugar estranho para esse tipo de encontro?
  • Eu achei que era, mas foi a pedido do sr. Pettijohn que nos encontramos lá. Ele disse que o hotel seria mais conveniente para ele, já que teria um encontro com alguém lá mais tarde.
  • Quem?
  • Eu não sei. Em todo o caso, não me importei de ir até lá, porque, como já disse, tinha o resto do dia livre. Não tinha mais nenhum compromisso. Dei uma espiada nas vitrines na área do Charles Towne e depois saí da cidade.
  • E foi para a feira.
  • É. Confirmo todo o resto que eu disse.
  • Qual versão?

Frank Perkins franziu o cenho para a piadinha de mau gosto de Steffi.

  • Não precisa ser sarcástica, srta. Mundell. Agora ficou claro por que a dra. Ladd relutou em contar seu breve encontro com Pettijohn. Ela estava protegendo a privacidade de um paciente.
  • Um gesto muito nobre da parte dela.

Antes de o advogado poder chamar a atenção de Steffi de novo, Smilow continuou:

  • Como lhe pareceu o sr. Pettijohn, dra. Ladd?
  • Como me pareceu?
  • Como estava o humor dele?
  • Eu não o conhecia, por isso não tenho nada para comparar com o humor dele aquela tarde.
  • Bem, ele estava jovial ou rabugento? Alegre ou triste? Tranquilo ou irritado?
  • Nenhum desses extremos.
  • Qual era o teor da mensagem que a senhora transmitiu?
  • Não posso dizer.
  • Era provocante?
  • O senhor quer dizer se ele ficou zangado?
  • Ficou?
  • Se ficou ele não demonstrou.
  • Não foi um aborrecimento que pudesse provocar um ataque?
  • Não. De jeito nenhum.
  • Ele parecia nervoso? Ela sorriu.
  • O sr. Pettijohn não me pareceu uma pessoa que fica nervosa com facilidade. Nada que li a respeito dele sugere que fosse uma pessoa tímida.
  • Ele foi basicamente simpático com a senhora?
  • Educado. Não chego a ponto de dizer simpático. Não nos conhecíamos.
  • Educado – Smilow ponderou a informação. - Ele bancou o anfitrião? Por exemplo, ofereceu uma cadeira para a senhora sentar?
  • Ofereceu, mas eu fiquei em pé.
  • Por quê?
  • Porque sabia que não ia ficar muito tempo e preferi ficar em pé do que sentar.
  • Ele lhe ofereceu algo para beber? -Não.
  • Sexo?

Todos na sala reagiram à pergunta inesperada, mas ninguém com mais violência que Hammond. Ele deu um pulo como se tivesse levado uma mordida da parede onde estava encostado.

  • Que diabos?! - exclamou ele. - De onde saiu isso? Smilow desligou o microfone, depois virou-se para Hammond.
  • Não se meta. Esse interrogatório é meu.
  • A pergunta foi imprópria, e você sabe muito bem disso.
  • Concordo plenamente – disse Frank Perkins, e a raiva dele era quase tão intensa quanto a de Hammond. - A sua investigação não revelou nada que pudesse indicar que Pettijohn teve um encontro sexual aquela tarde.
  • Não na cama da suíte do hotel. Isso não exclui todas as atividades sexuais. Sexo oral, por exemplo.
  • Smilow...
  • A senhora fez sexo oral com o sr. Pettijohn, dra. Ladd? Ou ele com a senhora? Hammond avançou na sala congestionada e deu um empurrão forte em Smilow.
  • Seu filho-da-puta!
  • Tire suas mãos de mim – disse Smilow, empurrando Hammond para trás.
  • Hammond! Smilow! - Steffi tentou entrar no meio dos dois e levou um safanão.

Frank Perkins estava enlouquecido.

  • Isso é ultrajante!
  • Isso foi um golpe baixo, Smilow! - berrou Hammond. - Mesmo você nunca tinha se rebaixado tanto. Se vai começar a atirar às cegas desse jeito, pelo menos tenha a coragem de deixar o gravador ligado.
  • Não preciso que você me explique como conduzir um interrogatório!
  • Isso não é um interrogatório. É um assassinato moral. E sem um bom motivo.
  • Ela é suspeita, Hammond – argumentou Steffi.
  • Não de uma trapaça sexual – vociferou ele para ela.
  • E o cabelo, Smilow? - perguntou Steffi.
  • Já ia chegar lá.

Smilow e Hammond continuaram se encarando como pit-bulls presos às coleiras. Smilow foi o primeiro a se recompor. Alisou o cabelo para trás e puxou os punhos da camisa. Voltou para a sua mesa e ligou de novo o gravador.

  • Dra. Ladd, encontramos um fio de cabelo na suíte do hotel. Acabei de saber do laboratório estadual de Columbia que é igual aos fios tirados da sua escova de cabelo.
  • E daí, detetive? - Ela não parecia mais passiva diante do que estava acontecendo. Tinha manchas vermelhas no rosto e os olhos verdes cintilavam de raiva. -Admiti que estive na suíte, e expliquei por que não disse a verdade antes. Devo ter perdido um fio de cabelo, que é uma ocorrência biológica natural. Tenho certeza de que o meu não foi o único fio de cabelo que o senhor encontrou naquele quarto.
  • Não, não foi.
  • Mas fui a escolhida para ser insultada.

Hammond queria gritar Bravo, Alex! Ela tinha todo o direito de estar indignada. Smilow tinha preparado aquela pergunta para deixála abalada, desconcertada, para interromper sua concentração e poder pegá-la numa mentira. Era um velho truque usado pelos profissionais, e normalmente funcionava. Mas não dessa vez. Smilow não tinha conseguido desestruturar Alex, só a deixara furiosa.

-A senhora pode explicar como um pedaço de cravo-da-índia foi parar na manga do sr. Pettijohn? A expressão de raiva de Alex relaxou um pouco, e então ela riu.

  • Sr. Smilow, há cravos em quase todas as cozinhas do mundo. Por que resolveu isolar o meu cravo? Tenho certeza de que há cravos na cozinha do Charles Towne Plaza. O sr. Pettijohn pode ter levado o cravo da cozinha da casa dele até o quarto do hotel.

Frank Perkins sorriu e Hammond sabia o que o advogado de defesa estava pensando. No tribunal, ele seguiria aquele mesmo raciocínio até os jurados começarem a rir da alegação da promotoria de que o cravo era o cravo da dra. Ladd.

  • Acho que é melhor limitar suas perdas até este ponto, Smilow
  • disse Perkins. - Contrariando o meu conselho, a dra. Ladd já cooperou totalmente. Ela tem sido terrivelmente prejudicada e os pacientes que tiveram de desmarcar consultas também. A casa dela foi virada de cabeça para baixo e ela foi insultada de forma imperdoável. Você deve a ela muitas desculpas.

Se Smilow ouviu o que o advogado disse, nem deu mostras. O olhar cristalino não desgrudou do rosto de Alex.

  • Gostaria de saber sobre o dinheiro que encontramos no seu cofre.
  • O que tem ele?
  • Onde o conseguiu?
  • Você não precisa responder, Alex. Ela ignorou o conselho do advogado.
  • Verifique minhas declarações de renda, sr. Smilow.
  • Já verificamos.

Ela ergueu uma sobrancelha como se dissesse Então que pergunta é essa?

  • Não seria mais seguro em termos financeiros manter seu dinheiro numa conta bancária que rendesse juros do que guardá-lo num cofre de parede?
  • As economias dela e a forma que as administra são totalmente irrelevantes – disse Perkins.
  • Isso ainda vamos ver. - Antes de o advogado poder protestar de novo, Smilow levantou o dedo indicador. - Mais uma coisa, Frank, e termino.
  • Isso não está levando a lugar nenhum.
  • Quando foi que arrombaram sua casa, dra. Ladd? Hammond certamente não podia prever aquela pergunta. E

aparentemente nem Alex. Pela primeira vez a reação dela foi bem visível e reveladora.

  • A porta da cozinha?

Observando Alex bem de perto, Smilow disse:

  • A que dá para o pátio, sim.
  • Não me lembro exatamente. Acho que foi há alguns meses.
  • Roubaram alguma coisa?
  • Não, acho que deve ter sido a garotada da vizinhança num ato de vandalismo.
  • Humm. Está bem, obrigado.

Smilow desligou o gravador. Perkins puxou a cadeira para ela se levantar.

  • Isso está ficando muito velho e muito rápido, Smilow.
  • Nada de desculpas, Frank. Tenho de resolver um assassinato.
  • Você está latindo na árvore errada. Está assediando a dra. Ladd enquanto o rastro do culpado vai esfriando.

Ele empurrou sua cliente de leve para a porta. Hammond tentou não olhar para ela, mas não conseguiu. Ela deve ter sentido seu olhar porque olhou para ele ao passar. E assim eles olhavam um para o outro quando Smilow perguntou:

  • Quem é seu namorado? Ela virou depressa para o detetive. - Namorado?
  • Seu amante.

Dessa vez a farpa acertou o alvo. Alex perdeu o controle. Não usou sua cautela habitual nem deu ouvidos aos pedidos insistentes do advogado para não dizer nada. Ela reagiu automaticamente:

  • Eu não tenho amante.
  • Então o que nos diz dos lençóis que encontramos no seu roupeiro, manchados de sangue e de sémen?
  • Aquela história de proteger o paciente foi pura ficção – Steffi deu uma risadinha de desdém. - Recomendo que a acuse sem demora.

Steffi, Smilow e Hammond tinham ficado na sala depois que Frank Perkins saiu furioso com sua cliente. Mas os dois não ouviam nada que Steffi estava dizendo. Estavam se encarando como gladiadores prestes a iniciar uma luta até a morte. O último a morrer é o vencedor.

Hammond desferiu o primeiro golpe:

  • De onde diabos você...
  • Não dou a mínima para o que você acha das minhas táticas. Farei isso do meu modo.
  • Você quer que ela saia impune? - disparou Hammond de volta.
  • Se você continuar com essa besteira sobre a vida pessoal dela, Frank Perkins vai fazer uma festa! Um lençol no roupeiro da casa dela? Cristo!
  • disse ele, com um sorriso de desprezo.
  • Não esqueça do roupão! - exclamou Steffi. Essa era a parte que ela achava mais divertida. - A srta. Santa do Pau Oco transa sem tirar o roupão.

Hammond olhou para ela soltando faíscas dos olhos, mas Smilow chamou a atenção dele.

  • Por que ela mentiu sobre o namorado?
  • Como é que vou saber? - berrou Hammond. - E como é que você sabe? Ela explicou que no momento não tem ninguém. E basta.
  • Não basta, não – Steffi se intrometeu. -As manchas de sémen...
  • Não têm nada a ver com o encontro que ela teve com Pettijohn na semana passada! 297
  • Talvez não tenham – disse ela bruscamente. - Pode ser que ela tenha se cortado quando raspava a perna, conforme explicou. Tudo bem, isso resolve o sangue, apesar de eu achar que devia ser analisado. Mas esperma é esperma. Por que ela negaria ter um relacionamento pessoal com um homem se isso não tivesse alguma relação com Pettijohn?
  • Ela poderia ter milhares de motivos.
  • Cite um.

Hammond aproximou o rosto do rosto de Steffi.

  • Tudo bem, aqui vai um. Não é da sua conta com quem ela vai para a cama.

Os tendões no pescoço dele se esticaram. O rosto ficou vermelho e uma veia na testa começou a latejar. Steffi o tinha visto furioso com policiais, juizes, jurados, com ela, com ele mesmo. Mas nunca tinha visto Hammond tão furioso assim antes. Surgiram dúvidas na mente dela, perguntas que ia ruminar quando estivesse sozinha e tivesse tempo para pensar com todo o cuidado.

  • Não entendo por que você está tão irritado – disse ela.
  • Porque sei do que ele é capaz – ele apontou para Smilow. - Ele se vale de artifícios com as provas para montar seu caso.
  • Nós reunimos essas provas numa busca legal – disse Smilow, soprando as palavras entre dentes cerrados.

Hammond riu com desprezo.

  • Não me admiraria se você mesmo tivesse gozado naqueles lençóis.

Smilow parecia que ia bater em Hammond. Com esforço, ele respirou pelas narinas que estavam quase fechadas de tanta raiva. Steffi achou mais prudente entrar na conversa:

  • com que frequência você acha que a srta. Pureza Alex Ladd lava suas roupas?
  • Pelo menos a cada três ou quatro dias – disse Smilow muito tenso, olhando fixamente para Hammond.
  • Não estou acreditando nisso – Hammond recuou até a parede para se distanciar da conversa.
  • Isso significa que nos últimos três ou quatro dias Alex Ladd fez sexo e depois mentiu sobre isso – disse Steffi. - Quando você mencionou um amante ela não disse simplesmente que não queria identificá-lo ou perguntou que relação sua vida amorosa poderia ter com a nossa investigação de assassinato, ou nos mandou catar coquinho. Ela ficou branca, mentiu e depois de pega na mentira tentou explicá-la: “O que eu quis dizer é que não estou envolvida com ninguém no momento.” Os dois estavam ouvindo, ou pareciam estar. Mas como nenhum disse nada, ela continuou:
  • Pode ser uma questão de semântica. Talvez ela esteja usando a saída política. Não mentiu exatamente, mas também não disse exatamente a verdade. Talvez ela não tenha um amante fixo, mas goste de sexo recreativo, ocasional.

As sobrancelhas de Smilow se juntaram.

  • Eu acho que não. Não encontramos nenhum anticoncepcional oral no armário de remédios. Nenhum diafragma, nem camisinhas. Nada que possa sugerir atividade sexual numa base mais ou menos rotineira. Consequentemente, foi por isso que fiquei francamente surpreso quando encontramos aqueles lençóis manchados no roupeiro.
  • Mas você deve ter pensado nela com uma conotação sexual, Smilow. Senão, onde queria chegar com aquela pergunta sobre ter sexo com Pettijohn?
  • A nenhum lugar em especial – admitiu ele. - A pergunta dizia mais respeito a Lute do que a ela.
  • Foi uma tentativa torpe de passar uma rasteira nela. Steffi ignorou a observação mal-humorada de Hammond.
  • Então você não acredita realmente que ela tenha se ajoelhado naquele quarto de hotel e dado uma chupada no Pettijohn?

Smilow sorriu de orelha a orelha.

  • Talvez tenha sido isso que provocou o derrame. Hammond praticamente se jogou da parede.
  • Essa conversa sobre a vida sexual da dra. Ladd é o motivo dessa reunião? Porque, se for, tenho trabalho de verdade para fazer.

Smilow acenou para a porta.

  • Pode ir.
  • O que mais há para conversar?
  • O arrombamento da porta dos fundos da casa dela.
  • Ela explicou isso.

Steffi estava ficando cada vez mais impaciente com a estupidez de Hammond.

  • Você não acreditou naquela explicação, acreditou? É claro que ela estava mentindo sobre aquilo também. Assim como esteve mentindo o tempo todo sobre tudo. O que há com você? Você costuma farejar uma mentira a um quilómetro de distância.
  • Ela diz que o arrombamento aconteceu há meses – disse Smilow.
  • Mas a madeira quebrada não sofreu a ação do tempo. Estava fresca. E os arranhões no metal também. Além desses sinais de um arrombamento recente, por mais meticulosa que ela seja na arrumação, e por mais imaculada que a casa esteja, não a vejo esperando meses para providenciar o conserto.
  • Continua sendo uma conjetura – disse Hammond. - Tudo isso. A coisa toda.
  • Mas ignorar isso seria absurdo – argumentou Steffi.
  • Não mais absurdo do que pegar um monte de palpites sem provas e sem relação um com o outro e considerá-los fatos.
  • Alguns são fatos.
  • Por que você quer tanto que ela seja culpada?
  • E por que você quer tanto que ela não seja?

O silêncio foi tão repentino e carregado de tensão que a batida na porta soou como um tiro de canhão. Monroe Mason abriu a porta e enfiou a cabeça na sala.

  • Ouvi dizer que a dra. Ladd ia ser interrogada de novo e resolvi dar um pulo aqui para ver como estava indo. Não muito bem, imagino. Ouvi a gritaria assim que passei pelas portas de segurança.

Todos resmungaram cumprimentos e então ninguém disse nada por uns trinta segundos.

Depois Mason dirigiu-se a Steffi:

  • Você não costuma ter papas na língua. O que houve? O gato comeu sua língua? O que foi que interrompi?

Ela olhou para Hammond e para Smilow e virou-se de novo para Mason.

  • A busca na casa da dra. Ladd resultou em alguns itens interessantes. Hammond e eu estávamos avaliando a relevância deles para o caso. É opinião de Smilow, e concordo, que constituem evidências válidas contra ela.

Mason olhou para Hammond:

  • É óbvio que você não tem a mesma opinião.

Na minha opinião, nós não temos nada. Eles estão se contentando com isso, mas acontece que não são eles que têm de apresentar o caso para o grande júri.

Steffi percebeu que aqueles próximos minutos seriam a chave do seu futuro. Hammond era o protegido de Monroe Mason. Aquela manhã mesmo, quando externara suas preocupações com a aparente indiferença de Hammond quanto ao caso, Mason tinha pulado em defesa dele. Contradizer seu sagrado sucessor podia não ser a melhor coisa a fazer. Por outro lado, ela não podia deixar uma suspeita perfeita escapar só porque Hammond tinha ficado supersensível. Se ela jogasse direito, Mason poderia ver uma fraqueza no seu herdeiro necessário que não tinha visto antes. Podia notar um defeito de caráter que prejudicaria a eficiência de um promotor durão.

-Acho que o que temos da dra. Ladd é forte o suficiente para um mandado de prisão – declarou ela. - Não sei o que estamos esperando.

  • Provas – disse Hammond, asperamente. - Que tal esse conceito?
  • Nós temos provas.
  • Provas inconsistentes, circunstanciais, na melhor das hipóteses. O pior advogado de defesa do estado da Carolina do Sul poderia facilmente dar a volta em tudo que nós juntamos. Longe de ser o pior, Frank Perkins é um dos melhores. Duvido que o grande júri chegasse a indiciá-la se eu chegasse lá apenas com um fio de cabelo e um condimento.
  • Condimento? - perguntou Mason.
  • Cravo é um tempero – corrigiu Steffi, irritada.
  • Seja lá o que for! - gritou Hammond.
  • Ele tem razão – a voz suave de Smilow silenciou os outros na mesma hora.

Steffi não podia acreditar que Smilow estava concordando com Hammond, e Hammond parecia tão atónito quanto ela. Mason estava interessado no que Smilow tinha a dizer.

  • Você concorda com Hammond?
  • Em tudo, não. Acho que a dra. Ladd está envolvida. De que forma e até que ponto eu ainda não sei. Ela esteve lá com Pettijohn no sábado. Meu palpite é que não foi lá com boas intenções. Senão, por que estaria pregando mentira em cima de mentira para esconder isso?

No entanto, do ponto de vista legal, Hammond tem razão. Não temos a arma. E não temos...

  • O motivo – completou Hammond.
  • Exatamente – Smilow deu um sorriso azedo. - Se ela não tinha intimidade com Pettijohn, realmente não importa se vai para a cama com todos os outros homens de Charleston. O que nos importa se alguém realmente arrombou a casa dela aparentemente sem motivo? É estranho, mas não ilegal, guardar milhares de dólares num cofre doméstico se há diversos bancos bem próximos da casa dela.

“Pelo que pude perceber do caráter dela, creio que se submeteria à pena de morte para não trair a confiança de um paciente, mesmo se esse paciente for sua única defesa. Não que eu acredite naquela história de dar um recado de um paciente. Não acredito. E também não acredito naquela bobagem de ir à feira e todo o resto.

“Mas – disse ele enfaticamente – o fato é que não estabeleci um motivo para ela matar Lute Pettijohn. Nem fiz nenhuma conexão entre os dois, em suas vidas pessoais, nem nas profissionais. Se ele era paciente dela, nunca assinou um cheque para ela. Se ela investia em um dos negócios imobiliários dele, não há registro. Não posso nem sequer pôr os dois juntos num jantar.

“Tenho um cara investigando no Tennessee, que é de onde ela vem, mas até agora ele não descobriu grande coisa, só o currículo escolar dela. Se Pettijohn já esteve alguma vez no estado do Tennessee, não deixou nenhum rastro por lá.”

  • Então – disse Mason – ou ela está dizendo a verdade ou também cobriu seu rastro muito bem.
  • Acredito na segunda opção – disse o detetive. - Ela está escondendo alguma coisa. Só não sei o que é.
  • Mas se você tivesse... - disse Steffi.
  • Ele não tem.
  • Se você tivesse um motivo...
  • Mas ele não tem.
  • Cale a boca, Hammond, e me deixa falar! - reclamou ela. - Por favor – ele abanou a mão, dando-lhe a vez. Ela dirigiu-se a Smilow: Se você pudesse fazer essa ligação, descobrir um motivo, poderia avançar com as provas que temos?

Smilow olhou para Hammond:

  • Isso cabe a ele.

Ammond olhou bem para Smilow e depois para Steffi. Então virou-se Para Mason, que parecia ansioso para ouvir sua resposta. Finalmente ele disse:

Eu poderia trabalhar com o que temos. Mas teria de ser uma motivação danada de forte.

  • Você sabe, Davee, que isso é de muito mau gosto.
  • Muito – Davee Pettijohn estava praticamente ronronando de satisfação enquanto trocava seu copo vazio pelo cheio que o garçom tinha trazido para ela. - Como já disse antes, Hammond, eu me recuso a ser hipócrita.
  • O enterro do seu marido foi ontem.
  • Meu Deus, não precisa me lembrar. Que coisa mais lúgubre foi aquela! Você não ficou de saco cheio?

Hammond sorriu meio sem querer e agradeceu ao garçom o drinque que tinha pedido.

  • Vão ficar falando sobre isso anos e anos.
  • Essa é a ideia, querido – disse Davee. - Essa festinha foi programada para ofender todas as vadias que vão fofocar a meu respeito, não importa o que eu faça. Por que não aproveitar até o fim?

A reunião não podia ser chamada de festinha. Os salões do primeiro andar da mansão Pettijohn estavam abarrotados de amigos, conhecidos e agregados que também eram rebeldes e não davam a mínima se a viúva promovia uma festa no dia seguinte ao funeral do marido ou não. Não havia possibilidade de considerá-la uma espécie de velório. Era um bacanal fora de hora, tremendamente impróprio, mas essa era a ideia, claro.

  • Isso não deixaria Lute furioso? Ele teria um ataque.
  • Ele teve – observou Hammond.
  • Ah, é. Já ia esquecendo disso.
  • Ele teve algum aviso de um derrame iminente?
  • Pressão arterial ultrapassando os gráficos.
  • Ele não tomava remédio para a pressão?
  • Devia tomar. Mas deixava o pinto dele mole, por isso parou de tomar.
  • E você sabia disso? Ela deu uma risada.
  • O que você acha, Hammond? Que eu provoquei o ataque nele? Olha, foi culpa única e exclusivamente dele. Ele disse que se tivesse de escolher entre trepar ou explodir, ele preferia explodir.
  • O derrame não o matou, Davee.
  • Não. O filho-da-mãe levou um tiro. Nas costas. Um brinde a quem fez isso – ela levantou o copo.

Hammond não podia brindar a isso, e ficou constrangido com o fato de Davee poder. Concentrou sua atenção na festa. Eles estavam no balcão do segundo andar, um ponto excelente para observar os convivas.

  • Não vejo ninguém da velha guarda aqui.
  • Eles não foram convidados – ela bebeu um gole do seu drinque e deu um sorriso malicioso. - Por que estragar o prazer deles de ficar especulando sobre todos os pecados e toda a iniquidade que acontece aqui?

A festa daria muito material para as fofocas. Os amplificadores da banda de rock estavam no máximo. A comida servida pelo bufê era farta. O suprimento de bebidas era ainda mais abundante. Havia drogas à vontade também. Mais cedo Hammond tinha reconhecido um traficante famoso que escapara da prisão inúmeras vezes. Ele avistou um escritor de best-sellers que recentemente tinha saído do armário. Para celebrar sua decisão libertadora, ele estava namorando descaradamente seu par daquela noite. O espetáculo público, sem pejo, dos dois talvez chamasse atenção, se não fosse uma jovem deslumbrante que exibia seus seios recentemente aumentados para um grupo de admiradores ávidos que eram convidados a tocar e experimentar.

  • Ela pagou caro demais por eles – observou Davee, maldosa.
  • Você conhece um médico de seios que dê desconto?
  • Não, mas conheço um que teria feito um trabalho melhor Hammond olhou para ela de lado, e ela deu sua risada rouca e sensual.
  • Não, querido. Os meus são meus mesmo. Mas fui para a cama com ele. É um péssimo amante, mas quando se trata do trabalho dele, é o maior perfeccionista.

Hammond deu uma vista de olhos nela.

  • Desde que cheguei aqui queria perguntar. -O quê? “’”f-
  • Você anda fazendo dança do ventre?
  • Não é divino?

Davee estendeu os braços e executou uma pirueta para exibir sua roupa. Feita de seda crua vermelha, consistia de uma calça justa no cós e um top cortado logo abaixo do busto. A calça tinha o cós perigosamente baixo. Na cintura, ela usava uma corrente de ouro bem fina. Em cada braço, pelo menos uma dúzia de pulseiras de ouro.

Ela terminou o rodopio encostando o corpo com força no dele. Hammond deu uma risada.

  • Divino.

Ela abaixou os braços e franziu a testa.

  • Grande vantagem para mim você achar isso. Hammond, por que não somos amantes?
  • Eu teria de pegar uma senha.

-Vá à merda-ele riu, mas Davee só franziu mais o cenho. - Como pode dizer algo tão cruel se nem ao menos tenho um par na minha própria festa?

  • Onde está o massagista?
  • Sandro. Tive de dispensá-lo.
  • Desde domingo? Esse foi rápido.
  • Você sabe como sou quando resolvo alguma coisa.
  • Ele estava esfregando você do lado errado?

Como resposta à piada de mau gosto, ela disse sarcasticamente:

  • Ra, rá.
  • Dor de cotovelo?
  • Minha nossa, não! Ele não era um coração palpitante, só uma pélvis palpitante. O pênis dele é muito maior que o seu cérebro.
  • O homem da fantasia de toda mulher.
  • Por algum tempo, talvez. Mas acabei me entediando.
  • E o tédio é anátema para você.
  • Positivamente. - Olhando para a multidão lá embaixo, ela suspirou. - E agora estou aqui – ela segurou a mão dele. - Venha comigo. Quero te mostrar uma coisa.

Davee o levou pelo corredor até o quarto dela. Com a porta fechada, obtiveram um alívio temporário, mas abençoado, da música. Ela se recostou na porta e fechou os olhos.

  • Chega disso tudo. Eu estava começando a ficar com uma terrível dor de cabeça.
  • Você não pode abandonar a sua festa, Davee.
  • Só um punhado daquelas pessoas me conhece. Estavam só procurando uma festa, e encontraram uma. Não importa se eu fico ou não circulando e conversando com elas. Além do mais, estão todas prestes a cair bêbadas. Enquanto andava pelo quarto, ela tirou as sandálias de salto alto e deixou seu drinque na pequena mesa perto da espreguiçadeira. - Quer outro?
  • Não, obrigado.

Ela tirou o copo molhado da mão dele e pôs ao lado do dela. O que aconteceu em seguida pegou Hammond completamente de surpresa. Ela pegou a mão dele e pôs na sua cintura nua, depois ficou na ponta dos pés e o beijou, e colou de novo o corpo no dele, sem o exagero da outra vez, mas com um movimento ainda mais sugestivo. Ele reagiu como se levasse um susto, jogando a cabeça para cima e para trás.

  • O que você está fazendo?
  • Precisa perguntar?

Ela passou os braços em volta do pescoço dele e tentou beijá-lo de novo, e quando ele não reagiu, ela abaixou os calcanhares e olhou para ele evidentemente desapontada.

-Não?

  • Não, Davee.
  • Só para se divertir? Se não pode trepar com uma velha amiga, vai trepar com quê?
  • Vai trepar com quem.

Ela deu um sorriso largo e tentou beijá-lo na boca novamente, mas ele inclinou a cabeça para trás.

  • Não somos mais crianças, Davee. Já passamos da idade das experiências.
  • Seria bom – prometeu ela, sedutora. - Muito melhor que a primeira vez.
  • Não duvido – ele sorriu e apertou a cintura dela afetuosamente .antes de abaixar os braços e soltá-la -, mas não posso.
  • Você quer dizer que não quer. - Quero dizer que não quero.
  • Meu Deus! - ela gemeu, abaixou os braços, deslizando as mãos pelo peito de Hammond até o cinto e então se separou dele. - Diga que não é verdade.
  • O quê?
  • Você se apaixonou por ela.

O coração dele praticamente parou de bater.

  • Como foi que você descobriu?
  • Oh, pelo amor de Deus, Hammond! Há meses correm boatos por aí que você está levando trabalho para casa.
  • Steffi! - exclamou ele num desabafo de alívio. - Você está falando da Steffi.

Davee inclinou a cabeça, perplexa.

  • De quem mais eu poderia estar falando?

Admitir o caso com Steffi era menos prejudicial do que responder à pergunta dela.

  • Tive um relacionamento com StefE, mas já acabou.
  • Jura? - ela semicerrou os olhos, desconfiada.
  • Palavra de escoteiro.
  • bom, nem sei dizer como fico feliz de ouvir isso. Domingo à noite, quando você esteve aqui, eu lhe dei toda oportunidade para falar mal da srta. Mundell. Você não disse nada, e concluí que os boatos eram verdadeiros. Fiquei arrasada. Quero dizer, Hammond, que atração é essa? Ela não tem estilo, não tem senso de humor, não tem classe, e aposto que está tão por fora que é capaz de usar sapato branco no inverno.

Hammond deu uma risada.

  • Você é uma grande fraude. Não é tão informal como deseja que todos pensem.

Ela assumiu um ar de arrogância.

  • Certas coisas simplesmente não se faz.
  • E essa história de sapato branco é puro tabu.
  • Mas você está interessado em alguém, não está? - perguntou ela de repente. - E não me venha com aquela cara de “quem, eu?” para cima de mim, porque sei que estou certa.

Ele não admitiu, nem negou. Exasperada, ela pôs os punhos fechados nos quadris. Eu joguei isso para você – disse ela, referindo-se ao seu belo corpo. - Ofereci sem nenhum compromisso, sucesso sem preocupação, e você me desprezou. Por isso, ou você virou bicha ou está amarrado em outra mulher, ou então perdi toda a minha atração sexual e posso muito bem me matar esta noite. Qual vai ser?

  • Bem, eu não virei bicha e você não perdeu toda a sua atração sexual.

Ela não proferiu nenhuma das exclamações a que tinha direito. Nenhum “Eu sabia!”, nada de “Você não pode me enganar, Hammond Cross!”. Nada disso.

Ao contrário, ela reagiu à solenidade da resposta dele dizendo baixinho:

  • Foi o que pensei. Quando a conheceu?
  • Recentemente.
  • É uma aventura? Ou é especial?

Hammond ficou olhando para ela um tempo, resolvendo se devia tentar mentir ou não. Antes do caso com Steffi, tinha namorado muitas mulheres, mas nunca por muito tempo. Em Charleston, ele era conhecido como um bom partido, com dinheiro de família e muito promissor. Montes de mulheres solteiras disputavam atrevidamente a companhia dele. Sogras em potencial o consideravam uma presa excelente.

Até a mãe dele estava sempre querendo apresentar filhas e sobrinhas das amigas dela.

  • Ela é uma jovem adorável, de uma família maravilhosa.

-A família dela é da Georgia. Do ramo de madeireiras. Talvez seja de pneus. Alguma coisa assim.

  • Ela é simplesmente uma jóia de menina. Acho que vocês dois devem ter muita coisa em comum.

Uma resposta irreverente provavelmente convenceria Davee de que o caso atual não passava disso. Mas Davee era sua amiga mais antiga, e ele estava farto de mentir e de mentiras. Abaixou-se ao lado da espreguiçadeira e juntou as mãos entre os joelhos afastados. Inclinou um pouco os ombros para a frente.

  • Nossa! - disse ela, pegando seu drinque. - É tão ruim assim? 309
  • Ela não é uma aventura. Quanto a ser especial, eu não sei.
  • Cedo demais para dizer?
  • Complicado demais.
  • Ela é casada?
  • Não.
  • Então, por que é complicado?
  • É mais que complicado. É impossível.
  • Não estou entendendo.
  • Não posso falar sobre isso, Davee – ele disse isso com mais ênfase do que pretendia, mas o tom dele deve tê-la alertado para a seriedade do assunto.

De qualquer forma, ela recuou.

  • Tudo bem. Mas se precisar de uma amiga...
  • Obrigado – ele segurou a mão dela, empurrou as pulseiras e beijou-lhe a parte interna do pulso. Depois, distraído, passando o dedo no desenho gravado em uma das pulseiras, ele perguntou: - O que me traiu?
  • Seu modo de agir. Ele largou a mão dela.
  • Como é que estou agindo?
  • Como se houvesse uma fila para castração obrigatória e você fosse o próximo – ela foi até um carrinho do outro lado do quarto e preparou um novo drinque. - No instante em que vi você no funeral ontem, eu soube que alguma coisa estava errada. Em termos da sua carreira – em parte, graças a mim -, está tudo ótimo para você. Por isso imaginei que devia estar sofrendo de algum problema do coração.
  • Incomoda-me ser tão transparente.
  • Fique tranquilo. Provavelmente ninguém mais notou. Além de conhecê-lo tão bem, eu reconheço os sintomas. Aquele tipo especial de sofrimento só pode significar amor.

Ele ergueu as sobrancelhas.

  • Não acredito.
  • Humm.
  • Você nunca me disse.
  • Terminou mal. Eu estava começando a me recuperar naquele verão em que fomos juntos ao casamento. Um casamento – ela bufou -, exatamente o ambiente que eu precisava para ficar completamente desesperada. Foi por isso que agi como uma cretina em todas as festas antes da cerimónia. E é por isso também que eu precisava de um amigo aquela noite. Um amigo muito íntimo – disse ela com um sorriso suave, que ele retribuiu. -A nossa pequena escapada na piscina recuperou a minha autoconfiança.
  • Fico feliz de ter sido útil.
  • E foi mesmo.

Aos poucos o sorriso de Hammond se desfez.

  • Eu nunca teria adivinhado, Davee. Você disfarçou muito bem. O que aconteceu?
  • Nós nos conhecemos na universidade. Ele era filho de um pastor. Você acredita nisso? Eu com um filho de pastor! Ele era um verdadeiro cavalheiro. Inteligente. Sensível. Não me tratava como vagabunda e, por mais incrível que possa parecer, quando estava com ele eu não me comportava como uma.

Ela terminou seu drinque e serviu-se de outro.

  • Mas tinha sido assim antes, é claro. Quando o conheci, já tinha dormido por todo o campus, um dormitório inteiro, percorrendo os dois lados da rua das casas de fraternidades. Tive até uma aventura com um dos meus instrutores.

“Milagrosamente ele nem desconfiava da minha reputação. Alguns dos meus antigos parceiros acharam que seria muito engraçado contar para ele.”

Ela foi até a janela e ficou espiando através das venezianas.

  • Ele era um excelente aluno. Na lista do reitor. Muito correto. Não frequentava muitas festas. Por todos esses motivos, ninguém gostava muito dele. Os rapazes gostavam de humilhá-lo, achavam que ele é que provocava isso sendo tão superior. Não pouparam um único detalhe. Tinham até algumas fotos de uma festa em que eu era uma das atrações.

“Quando ele veio confirmar comigo tudo que tinham contado para ele, fiquei arrasada por ele ter descoberto a verdade sobre o meu comportamento. Implorei para ele me perdoar. Para procurar entender. Para acreditar que eu tinha mudado quando o conheci. Mas ele nem quis ouvir – ela inclinou a cabeça para a frente e encostou a testa nas venezianas. - Naquela mesma noite, para me humilhar, ele dormiu com outra. E ela ficou grávida.”

Ela ficou tão imóvel que nem as suas pulseiras tilintavam, - Do ponto de vista moral e religioso, um aborto estava fora de cogitação. E tampouco teria passado pela cabeça dele fazer qualquer outra coisa senão a certa. Por isso ele se casou com ela. Por mais estranho que possa parecer, Hammond, foi aí que eu o amei mais. Eu queria muito ter filhos com ele.

Hammond esperou até ter certeza de que ela terminara a história, até ela se mexer de novo, e esse movimento foi para levar o copo aos lábios.

  • Você soube o que aconteceu com ele?
  • Sim.
  • Ele ainda está casado? -Não.
  • Você o vê de vez em quando?

Ela deu as costas para a janela e olhou para ele.

  • Ontem. No funeral de Lute. Ele estava sentado atrás, com Steffi Mundell. Até hoje muita gente não gosta dele.

Quando Hammond juntou todas as pistas, seu queixo caiu. Sem emitir nenhum som, os lábios dele formaram o nome.

  • Rory Smilow?

Ela deu uma risada fria.

  • Há gosto para tudo, não é? Hammond passou a mão pelo cabelo.
  • Não admira que ele detestasse tanto o Lute. Primeiro pela irmã dele. E depois você.
  • Bem, na verdade foi ao contrário. O casamento de Lute com Margaret só aconteceu anos depois. Lembro quando Rory mudou-se para Charleston para aceitar o cargo no departamento de polícia. Li sobre isso no jornal. Queria falar com ele na época, mas o orgulho não permitiu.

“A mulher com quem ele tinha se casado morrera de parto e o bebé nasceu morto também. - Ela fez uma pausa para refletir a ironia daquilo tudo. - Os pais dele também já tinham morrido, por isso a responsabilidade pela Margaret era dele. Ela mudou-se para cá com ele. Ela conseguiu um emprego de funcionária pública no tribunal. Registros municipais, de terras, coisas assim. Foi lá que ela conheceu Lute. Não ficaria admirada se soubesse que o romance começou depois de Margaret fazer algum favor para ele, como modificar o limite de alguma propriedade ou algo assim.” A mim também não surpreenderia – observou Hammond. Ouvi dizer que aquele casamento era um pesadelo.

  • Margaret era emocionalmente frágil. Certamente não era páreo para um filho-da-mãe como o Lute – ela terminou seu drinque – De vez em quando eu me enchia de coragem, engolia meu orgulho e me punha no caminho de Rory fingindo ser um encontro acidental. Ele sempre me ignorava, como se nunca tivéssemos nos conhecido. Aquilo doía, Hammond. E também me deixava furiosa.

“Por isso, depois do suicídio de Margaret, fui atrás de Lute e não parei de persegui-lo até ele se casar comigo. Rory tinha partido meu coração. Então tentei partir o dele casando com o homem que ele mais desprezava – acrescentou ela com tristeza. - A vingança sempre acaba dando um chute no traseiro de quem se vinga, não é?”

  • Eu sinto muito, Davee.
  • Ora, não precisa – disse ela com uma leveza que Hammond sabia que era falsa. - Ainda tenho a minha beleza. Isso – disse ela, mostrando o copo alto – não destruiu a beleza da mamãe. Ela continua maravilhosa como sempre, por isso eu conto com bons genes para afastar os efeitos danosos do demónio do álcool. Tenho rios de dinheiro. Assim que o testamento de Lute for autenticado, terei mais ainda. Por falar nisso...

Ela foi até uma escrivaninha antiga e abriu a gaveta estreita da tampa.

  • Essa merda de passeio pelas lembranças quase me fez esquecer. Encontrei isso quando estava mexendo nos papéis da mesa de Lute. Está escrito com a letra dele – Ela entregou para Hammond um bilhete num papel verde-claro. - A data é do sábado passado, não é?

A visão de Hammond ficou embaçada quando ele olhou para a anotação.

  • Lute escreveu o seu nome e cinco horas. Parece um compromisso. E tenho certeza que você prefere que ninguém saiba disso.

Ele olhou para ela.

  • Não é o que você está pensando.

Ela deu uma risada.

  • Hammond, querido, seria mais fácil eu acreditar em cremes que reduzem a celulite do que acreditar que você é capaz de cometer um assassinato. Não sei o que isso significa, nem quero saber. Só achei que devia ficar com você.

Ele ficou olhando fixamente para a segunda anotação no pequeno quadrado de papel.

  • Ele anotou aqui uma outra hora. Seis horas. Sem nome. Alguma ideia?
  • Nenhuma. Não há nada na agenda oficial dele sobre qualquer compromisso no sábado, nem com você, nem com alguma outra pessoa.

Obviamente Lute pretendia se encontrar com mais alguém aquela tarde, depois da hora marcada com ele. Quem?, ele imaginou. Pensativo, Hammond dobrou o pequeno pedaço de papel e o guardou no bolso.

  • O certo seria você ter dado isso para Smilow.

-E quando foi que me viu fazer a coisa certa? - O sorriso malicioso dela ficou tristonho. - Aprendi da forma mais difícil que é perda de tempo tentar magoar Rory. Acho que ele nunca se magoa – então o sorriso desapareceu por completo. - Mas também não me sinto obrigada a fazer nenhum favor para ele.

  • Ele esteve aqui comigo a noite passada – Ellen Rogers tinha de gritar para se fazer ouvir com a música alta. - Nós nos sentamos ali e ficamos várias horas, pedimos várias rodadas de bebida. Você deve se lembrar.

O atendente do bar, um jovem corpulento, de rabo-de-cavalo e uma argola prateada na sobrancelha, olhou para ela de um jeito que dizia que ela era extraordinariamente fácil de esquecer.

  • Eu vejo muita gente. Todas as noites. Não me lembro de todos os rostos. Eles se embaralham na minha cabeça, sabe como é?

Uma loura pernalta de vestido preto justo sentou-se sinuosa num banco ao lado. O atendente do bar estendeu o braço pela frente de Ellen para acender o cigarro dela.

  • O que vai querer?
  • O que tem de bom?

Ele apoiou os cotovelos no bar e chegou mais perto dela.

  • Depende do que você está procurando.
  • com licença – Ellen interrompeu, e acabou tendo de dar um tapinha no ombro do barman para chamar a atenção dele. - Se ele voltar-o cara com quem eu estava ontem à noite -, telefona para mim. Está bem?

Com pouca esperança de que fosse adiantar alguma coisa, ela deu para ele um pedaço de papel.

  • Aqui está o número do meu hotel.
  • Está bem.

Ela viu quando ele guardou o número do telefone no bolso, sabendo que a lavanderia provavelmente encontraria o papel lá alguns dias depois. Tinha entrado no bar com passos determinados e orgulhosos de uma guerreira em cruzada. Era uma mulher encarregada de uma missão. Aquela manhã, depois que o choque inicial diminuiu e ela teve tempo de se recompor, resolveu encontrar a pista do mentiroso filho-da-mãe e entregá-lo à polícia. Quando escureceu, ela partiu determinada a vasculhar cada boate em Charleston se fosse preciso, para denunciá-lo. Aquele tipo tinha transformado suas trapaças em uma arte. Relembrando, ela compreendeu que ele estava calmo demais para ela ter sido sua primeira vítima. E também não seria a última. Impetuoso e confiante depois do sucesso da véspera, seu sedutor sairia para caçar novamente aquela noite. Mas na saída do bar o ânimo dela já estava reduzido. Reconheceu que era estupidez ficar andando por Charleston à procura de um ladrão mentiroso que só conhecia como Eddie, que muito provavelmente era um nome falso. O sapato novo de couro que tinha comprado especialmente para aquela viagem de férias estava apertando seus dedos, transformando seus passos num cambalear. Ela estava com fome, mas toda vez que tentara comer ficava nauseada por causa do consumo de bebida da noite anterior e da auto-recriminação daquela manhã. Não que pudesse se dar ao luxo de comer em qualquer restaurante decente, lembrou ela com amargura. Tinha avisado às companhias de cartão de crédito sobre o furto, mas levariam dias para mandar os novos cartões. Por sorte, tinha lembrado que pusera algum dinheiro num bolso de um blazer. Era apenas uma fração do que Eddie havia roubado, mas se economizasse ia dar.

Então, por que simplesmente não reduzia seu prejuízo e voltava para casa? Charleston estava estragada para ela. O calor abafado que enfatizara o charme romântico da cidade agora provocava irritação e dor de cabeça. Se ficasse o tempo que tinha planejado, não poderia pagar nenhum passeio ou programa. E menos noites significariam uma conta de hotel menor. O bom senso dizia que ela devia voltar para Indianápolis no dia seguinte. A companhia aérea ia cobrar para trocar sua passagem, mas valia a pena. Segura na sua casinha, com seus dois gatos e suas coisas, ela podia se retirar para lamber as feridas até o semestre do outono começar. Com o tempo, o trabalho e a rotina iam apagar o terrível incidente da memória dela. Em todo o caso, andar mancando por Charleston à procura de Eddie era perda de tempo e desperdício de energia. Por outro lado, naquele exato momento, enquanto ela mancava com seus sapatos de couro desconfortáveis que provocavam bolhas, ele provavelmente estava seduzindo outra dama solitária que acordaria na manhã seguinte sem seu talão de cheques e sem respeito próprio. O crime não seria registrado porque a vítima teria vergonha demais de revelá-lo às autoridades. Era por isso que Eddie fazia aquilo com tal arrogância, porque saía sempre impune. Bem, dessa vez ele não sairia impune.

  • Não se depender de mim – disse Ellen Rogers em voz alta. Com renovada determinação, ela entrou na boate seguinte.

Hammond deslizou no banco do cubículo de frente para Loretta.

  • O que você tem para mim?
  • Nada de oi ou como vai ?
  • Não estou para amabilidades hoje.
  • Você está com uma cara péssima.
  • Você também não deve estar disposta a trocar amabilidades. Hammond deu um sorriso triste. - Para dizer a verdade, é a segunda vez hoje que alguém observa que minha aparência está péssima. Foi assim que meu dia começou, aliás.
  • O que houve?

-Você não tem esse tempo todo. Eu mesmo estou sem tempo; por isso, tem alguma coisa para mim ou não?

  • Eu liguei para você, não liguei? - retrucou ela.

Ele não a culpou por ficar ressentida. Ele estava agindo como um grosso. A visita a Davee o tinha deixado mais desconcertado do que antes. Quando entrou no carro e usou seu celular para verificar os recados, só ficou um pouco contente de ouvir a voz de Loretta pedindo para ir encontrá-la assim que pudesse no Shady Rest Lounge. Vê-la significava alongar um dia que ele já queria encerrar. Por outro lado, ele estava ansioso para saber o que a investigação dela tinha revelado.

Ele balançou a cabeça, suspirou profundamente e se desculpou:

  • Estou com um humor de cão, Loretta, mas não devia estar descontando em você.
  • Você precisa de um drinque.
  • A sua solução para tudo.
  • Para tudo, não. De jeito nenhum. Mas pode ser um curativo de Band-Aid para mau humor.

Ela pediu para ele uísque com água.

Em menos de um minuto Hammond já estava com seu drinque na mão e tomava um gole.

  • Você parece bem.

Ela deu uma risada bebendo club soda.

  • Talvez, vista através do fundo de um copo alto.

Loretta tinha melhorado muito desde a noite de segunda-feira. Estava mais penteada, de roupas limpas e passadas. A maquiagem bem-feita suavizava as rugas do seu rosto. Os olhos estavam brilhantes e claros. Apesar de ter feito pouco do cumprimento dele, Hammond percebeu que se sentia lisonjeada.

  • Eu fiz uma pequena faxina, só isso.
  • Pintou o cabelo?
  • Ideia da Bev.
  • Boa ideia.
  • Obrigada. - Meio constrangida, ela levantou a mão e deu uma batidinha no penteado rejuvenescedor. - Ela ficou feliz de saber que eu estava trabalhando. Eu disse que era apenas temporário, mas mesmo assim ela ficou contente. Deixou eu voltar para o apartamento, sob uma condição, e ela adora condições, como você, que eu não falte a uma única reunião dos Aa.
  • E como vai indo?
  • Tenho a tremedeira matinal, mas estou me controlando.
  • Isso é bom, Loretta. Muito bom – disse ele sinceramente. Ele fez uma pausa para marcar o fim daquele assunto antes de

abordar o motivo da reunião.

  • O que você tem para mim? Ela piscou o olho.
  • O filão principal. Você provavelmente vai me indicar para algum cargo na equipe do procurador público. Pode até pedir para eu ser mãe dos seus filhos.
  • Tão bom assim?

Ele largou o copo. Aquela bebida não estava combinando bem com o que tinha bebido na festa de Davee. Além disso ele teve a impressão de que o que ia ouvir seria perturbador, por isso era melhor manter a cabeça limpa.

  • Tenho um informante que permanecerá anónimo, um verdadeiro génio do computador...
  • Knuckle.
  • Você o conhece?
  • Harvey é meu informante também. Ele é informante de todo mundo.
  • Você está me sacaneando? - perguntou ela, atónita, muito desconcertada e furiosa.
  • Você o livrou de um aperto, certo?
  • Droga! - disse ela, dando um tapa na mesa. - Não acredito que aquele pomposo filho-da-mãe fez-me sentir culpada de torcer o braço dele e de querer que ele comprometesse sua integridade.
  • Ele é totalmente corrupto. Por isso não fui a ele diretamente. Não é nada confiável.

Hammond não estava preocupado que a investigação de Harvey nos registros de Alex pudesse incriminá-lo. Acreditava em Loretta quando ela dizia que teriam de cortar sua língua antes que ela traísse a confiança dele. Mas ficou pensando se mais alguém tinha tentado apertar Knuckle com o mesmo objetivo.

  • Quando você falou com ele, Harvey sabia alguma coisa sobre o caso?
  • Não parecia saber, não. Mas agora estou desconfiada dele e dos meus instintos também. Por quê? Hammond ergueu o ombro.
  • Só estou curioso de saber se mais alguém pediu para ele investigar a dra. Ladd.
  • Como Steffi Mundell?
  • Ou Smilow.
  • Se Harvey é informante de todo mundo, acho que isso é possível. Mas, sinceramente, Hammond, ele reagiu com surpresa e prazer quando soube que eu ia incluí-lo na minha investigação.

Ele balançou a cabeça concordando, e apontou para o envelope embaixo da mão direita de Loretta.

  • Vamos aos furos de reportagem.

Ela abriu o envelope e tirou algumas folhas de papel dobradas. Pelo que Hammond podia ver, o texto estava datilografado. Àquela altura Loretta já tinha repassado as informações tantas vezes que havia praticamente decorado tudo. Só se referia aos dados datilografados para verificar datas específicas.

  • Impressionante – murmurou ele, quando ela enumerou as conquistas académicas de Alex Ladd, sendo que a maior parte já conhecia. Mas qualquer alívio que ele possa ter sentido durou pouco.
  • Espere aí. Eu ainda não cheguei na parte boa.
  • Quando diz boa, você na verdade quer dizer má?
  • Ela não tem uma história impressionante no Tennessee. - O que aconteceu lá?
  • O que não aconteceu?

Ela então contou para ele o que Harvey Knuckle tinha desenterrado dos impenetráveis registros do juizado de menores. Não era fácil ouvir aquilo. Quando Loretta terminou, meia hora tinha passado e Hammond estava desejando não ter bebido uísque aquela noite. Tinha quase certeza de que ele ia ser reciclado. Agora compreendia o que Alex tinha querido dizer na noite anterior sobre ele se decepcionar, sobre explicações dolorosas. Ela não quis contar nada, e agora ele sabia por quê.

Loretta guardou as folhas no envelope e entregou-o para ele com ar triunfante.

  • Não encontrei nenhuma ligação dela com Pettijohn. Isso continua sendo um mistério.
  • Eu acho... achava- corrigiu ele – que ela tinha classe demais para se associar com Lute. Parece que me enganei.

Ele guardou o envelope com seu conteúdo incriminador no bolso de dentro do paletó. A depressão dele não passou despercebida.

  • Você não parece muito animado.
  • Eu não podia querer uma cobertura mais detalhada. Você deve estar se sentindo muito bem por ter se recuperado e correspondido ao que eu esperava de você. Você compensou com sobra seus erros do passado. Obrigado.

Hammond deslizou apressado no banco para sair do cubículo, mas Loretta estendeu o braço por cima da mesa e segurou a mão dele. O que há com você, Hammond? Não sei do


O Álibi_Sandra Brown_III

que você está falando. Pensei que ficaria nas nuvens.

  • É um bom material, sem dúvida. - E só levei dois dias.
  • Também não tenho o que reclamar da rapidez.
  • Dá definitivamente algo com que trabalhar, não é? - Definitivamente.
  • Então por que você parece tão desanimado?
  • Acho que estou envergonhado.
  • com o quê?
  • com isso – disse ele, dando um tapinha do lado de fora do bolso do paletó. - Indica que sou péssimo para avaliar as pessoas. Sinceramente não pensei que ela fosse capaz de... - ele parou de falar e deixou a frase incompleta.
  • Você está falando de Alex Ladd? - ele concordou com a cabeça.
  • Você acha que ela é inocente? Que Smilow está latindo na árvore errada? Ela apresentou algum álibi?
  • É fraco. Ela diz que foi a uma feira rural em Beaufort. Ninguém para comprovar – agora parecia que as mentiras vinham fáceis, mesmo para amigos de confiança. - De qualquer modo, à luz dessa informação, um álibi sem provas parece académico.
  • Eu poderia...
  • Desculpe-me, Loretta. Como disse antes, tive um dia duro e estou exausto.

Ele tentou sorrir, mas sabia que tinha falhado. O interior soturno do bar era sufocante para ele. A fumaça parecia mais densa. O cheiro de desespero mais forte. A cabeça dele latejava e suas entranhas se reviravam. Os olhos de Loretta eram aguçados como facas de açougueiro. Com medo de que eles vissem demais, Hammond evitava olhar diretamente para eles.

  • Amanhã mando o seu pagamento.
  • Revirei todas as pedras que pude, Hammond.
  • Você fez um ótimo trabalho.
  • Mas você esperava mais.

Na verdade ele não esperava nada, mas certamente menos que aquilo.

  • Não, não. Com isso posso adiantar o caso. Pateticamente disposta a agradá-lo, Loretta apertou mais a mão

dele.

  • Eu podia tentar ir mais fundo ainda.
  • Dê-me algum tempo para assimilar isso primeiro. Tenho certeza de que vai bastar. Se não for suficiente, procuro você de novo.

Sem ar puro, ele ia morrer. Livrou a mão da pegada úmida de Loretta, disse para ela continuar sóbria, agradeceu mais uma vez o trabalho bem-feito e deu um até logo apressado por cima do ombro. Fora do Shady Rest o ar não estava fresco nem revigorante. Estava estagnado, denso, e quando ele inspirava parecia algodão. Mesmo horas depois do pôr-do-sol, a calçada ainda emanava um calor que queimava seus pés através da sola dos sapatos. Sua pele estava pegajosa. E como quando era criança, nauseado. Depois que a febre cedia, a mãe dele trocava o pijama molhado e os lençóis da cama, garantindo que a transpiração era um bom sinal. Queria dizer que ele estava melhorando. Mas ele não se sentia melhor. Preferia a secura da febre à umidade que saturava sua pele. A calçada estava congestionada de gente que ia de porta em porta, mas sem ter para onde ir. Procuravam alguma coisa interessante para fazer, o que podia incluir, mas não se limitava a, embebedar-se em um dos bares, furtar algo de que precisavam, destruir ou vandalizar propriedades privadas só por diversão, ou derramar sangue para executar uma vingança.

Normalmente Hammond estaria atento ao potencial de perigo que aquela vizinhança representava para alguém que obviamente não pertencia ao lugar. Tanto negros quanto brancos riam e zombavam dele com um preconceito muito palpável e um ódio bem cultivado. Ele era definitivamente alguém com posses num bairro em que ninguém possuía nada, e o ressentimento imperava. Em qualquer outro momento ele ficaria olhando para trás o tempo todo enquanto voltava para o seu carro, esperando encontrá-lo depenado. Aquela noite a preocupação gerava o descaso e a indiferença em relação aos olhares hostis que davam para ele. O relatório que Loretta tinha feito sobre Alex fez Hammond mergulhar num lodaçal moral. A informação que a incriminava era arrasadora o impacto emocional que provocava era severo. Tudo era tão devastador que ele não conseguia distinguir os aspectos individuais. Quando Smilow soubesse da história dela... e era só uma questão de tempo para um dos detetives descobrir... ele teria sonhos molhados. Steffi estouraria uma garrafa de champanhe. Mas para ele e para Alex, profissional e pessoalmente, a descoberta seria desastrosa. A revelação era como um peso morto pendurado num fio que se desenrolava bem em cima da cabeça dele. Quando ia cair? Aquela noite? No dia seguinte? No outro? Quanto tempo ele ia suportar o suspense? Quanto tempo aguentaria lutar contra a própria consciência? Mesmo que a hora da morte eliminasse Alex como a verdadeira assassina, ela devia estar envolvida de alguma maneira. Esses pensamentos eram tão sombrios, tão absorventes, que eram quase paralisantes. Ele perdeu completamente a noção de onde estava. Pensava em interdição, não em desagregação. Quando chegou à ruela onde tinha deixado o carro, ele usou a tranca sem chave e abriu a porta sem nem olhar em volta para ver se era seguro. Assustado com o súbito movimento atrás dele, reagiu rápido. Deu meia-volta muito depressa, com o braço levantado, pronto para se proteger e se defender. Quase agrediu Alex antes de interromper o movimento com o braço.

  • Que diabo! - ato reflexo, ele examinou a área em volta e só então se deu conta do ambiente escuro e ameaçador. - O que é que você está fazendo aqui nesse lugar?
  • Eu a segui até aqui.
  • Quem?

Os olhos verdes olharam zangados para ele.

  • Quem você acha, Hammond? A mulher que você contratou para me seguir.
  • Merda!
  • Exatamente o que eu sinto – disse ela, furiosa. - Achei estranho que a mesma turista fosse duas vezes no mesmo dia à minha rua para tirar fotografias da minha casa. Primeiro esta manhã, e outra vez logo depois que a tropa de Smilow foi embora. A caminho de casa, depois daquele interrogatório humilhante esta tarde, parei no supermercado.

Ela estava lá também, fingindo se interessar pelas melancias. Finalmente concluí que eu estava sob vigilância.

  • Vigilância, não.
  • É verdade. Isso implicaria profissionalismo. O que acontecia era espionagem vulgar, cruel e sem classe.

-Alex...

  • Por isso eu a enganei, dei o troco, virei a mesa e comecei a seguila. Pensei que o detetive Smilow estava por trás disso. Imagine só a minha surpresa quando você apareceu para encontrá-la aqui.
  • Não me compare com Smilow.
  • Oh, você é muito mais baixo que o sr. Smilow – disse ela, com a voz falhando de emoção crescente. - Você é mais dissimulado. Mais desleal. Você foi para a cama comigo primeiro.
  • Não é nada disso.
  • Ah, é? Então o que é? Qual parte está correta? Ela é uma policial?
  • Investigadora particular.
  • Pior ainda! Você pagou para ela me vigiar.
  • Tudo bem, você me pegou – disse ele, e a raiva dele se equiparava à dela. - Você é uma dama muito esperta, dra. Ladd.
  • Vocês dois tiveram uma conversa agradável sobre mim?
  • Não houve nada agradável nisso, mas o que ela descobriu sobre você foi muito interessante. Especialmente os registros do Tennessee.

Ela fechou os olhos e cambaleou um pouco. Mas recuperou-se rapidamente, abriu os olhos e mandou-o à merda. Ela se virou para ir embora, mas Hammond segurou-a pelo braço e puxou-a de frente para ele.

  • O que ela desenterrou sobre você não é culpa minha, Alex. Quando a contratei, achei que estava fazendo um favor para nós dois.
  • Pelo amor de Deus, como?
  • Eu esperava, foi burrice minha, que ela encontrasse alguma coisa que a desculpasse. Mas isso foi antes de você começar a mentir para a polícia a cada palavra que dizia, e a se jogar em becos sem saída.
  • Você preferia que eu dissesse a verdade para eles? Alex tinha feito a mesma pergunta para ele quando se encontraram acidentalmente no elevador. Ele não teve resposta para isso. Mas desde então Hammond tinha pensado muito nisso.
  • Não importa se passamos a noite de sábado juntos.
  • Então por que não contou para eles? Quando eu estava passando toda aquela humilhação no interrogatório sobre a minha roupa,

literalmente, por que você não disse nada? Por que não contou tudo para eles, inclusive quem invadiu a minha casa a noite passada e manchou meus lençóis?

  • Porque é irrelevante. Ela deu uma risada fria.
  • Você está delirando, promotor Cross. Mesmo com o seu brilhantismo, acho que teria muita dificuldade para convencer qualquer um dessa irrelevância. E por falar nesse assunto, expliquei o sangue. Mas só existe uma explicação para o sémen. Que não estaria lá se você tivesse usado proteção.
  • Eu não pensei nisso – ele abaixou o rosto, ficando mais perto dela, e acrescentou num sussurro irritado: - E você também não – ele soube que tinha marcado aquele ponto quando ela desviou o rosto. Além do mais, uma coisa não tem nada a ver com a outra.

Ela olhou de novo para ele.

  • Estou tendo dificuldade para seguir a sua lógica.
  • O fato de termos dormido juntos não tem nada a ver com o caso
  • se ele conseguisse convencê-la, talvez pudesse convencer outras pessoas. Podia até passar a acreditar nisso. - Andei pensando nisso. No sábado passado você poderia ter matado Pettijohn antes de sair de Charleston.

Ela sugou o ar rapidamente e cruzou os braços como se sentisse uma súbita pontada de dor.

  • Foi isso que você andou pensando? Você disse que a hora da morte não se encaixava.
  • Porque eu não queria que se encaixasse.
  • E agora quer?
  • Você o matou e depois forjou o nosso encontro para estabelecer um álibi.
  • Eu te disse ontem à noite que não matei Pettijohn.
  • Certo, certo. Como também não trepou com ele.

Mais uma vez ela deu meia-volta para ir embora. Hammond estendeu o braço. Mas dessa vez ela resistiu:

  • Vai se danar! Me larga!

Hammond virou Alex de frente para ele e prendeu-a no vão formado pela porta aberta do carro. Para escapar, ela teria de dar a volta ou passar através dele. Tinha resolvido que ela ia ouvir o que ele queria dizer primeiro.

  • Não quero pensar essas coisas, Alex.
  • Minha nossa, obrigada. Fico muito feliz de saber que você não quer pensar em mim como uma vagabunda e assassina.
  • Em que devo acreditar?
  • Acredite no que bem entender, mas deixe-me em paz.
  • Esse tempo todo, mesmo quando fugia das raias da credibilidade, eu tenho lhe dado o benefício da dúvida. Até esta noite.

Ele abriu o paletó para Alex poder ver o envelope dentro do bolso de cima.

E, de repente, ela parou de lutar. Ficou olhando fixamente para o envelope um tempo, e ele viu os lábios dela torcidos numa expressão de remorso. Mas para dar-lhe crédito, quando Alex olhou bem nos olhos dele, sua expressão era de desafio e orgulho.

  • Leitura picante?
  • Prejudicial. Muito prejudicial. Essa é a munição que eles precisam para indiciá-la.
  • Então por que você está aqui parado, conversando comigo?
  • Smilow vai pegar isso e sair correndo.
  • Então liga para ele. Dê-lhe a informação secreta. Você conseguiu o que queria, o que pagou para obter.
  • Estou lhe dando uma chance de explicar.
  • Imagino que isso dispense explicações.
  • Então devo levar em conta o significado aparente?
  • Não dou a mínima para o que você leva em conta.
  • Está bem, vou interpretar do único jeito que posso – ele encostou a parte de baixo do corpo nela – Significa que você já rodou muito, neném.

Ela perdeu a compostura e a altivez. Com as duas mãos, empurrou o peito dele com força.

  • Afaste-se de mim! Ele não se mexeu.
  • O que isso significa para mim é que aquela noite de sábado foi mais que uma simples sedução.
  • Eu não seduzi você.
  • Uma ova que não, mas já falamos sobre isso antes. Você está envolvida num crime grave, e me envolveu de propósito. Por quê, Alex? Você criou intencionalmente um conflito de interesses para mim, como promotor. Você me tornou parte disso... seja lá o que isso for.
  • Não tem isso nenhum. Nunca teve. Não até Lute Pettijohn aparecer morto.
  • Ele tinha alguma coisa a ver?
  • Você não está ouvindo? - gritou ela.
  • Eu era o alvo do último golpe dele? Ele estava planejando me derrubar quando foi assassinado?
  • Eu não sei. O fato de ele ter sido assassinado não teve nada a ver comigo.
  • Gostaria de poder acreditar nisso. Nosso encontro não foi acidental, Alex. Você já admitiu isso.

Ela tentou desviar dele, mas Hammond bloqueou o caminho e pôs as mãos nos ombros dela.

  • Você não vai sair daqui até eu chegar à verdade. Como sabia que eu ia estar naquela feira? Ela balançou a cabeça.
  • Como sabia?

Ela continuou obstinadamente muda.

  • Conte para mim, Alex. Como soube que eu ia para lá? Não podia saber. A única maneira de saber isso era...

Ele interrompeu a frase de repente. Olhou intensamente para ela e apertou seus ombros com mais força.

Os olhos de Alex se manifestaram com eloquência para ele.

  • Você me seguiu até lá – disse ele calmamente.

Ela hesitou pelo que pareceu um tempo interminável e então meneou a cabeça lentamente.

  • Sim. Eu o segui desde o Charles Towne Plaza.
  • Você sabia o tempo todo que eu estava lá?
  • Sabia!
  • com Pettijohn?
  • Acertou de novo.
  • E não disse nada? Por quê?
  • Se dissesse agora para você, não acreditaria em mim. Olhando direto para o paletó dele, era como se Alex pudesse

enxergar através do tecido e ver o envelope dentro do bolso interno. Ela estava zangada. Mas também parecia profundamente triste.

  • Esse relatório é horrível, mas não chega nem perto de como foi horrível na realidade. Você nem pode imaginar – ela olhou nos olhos dele de novo. - Serei julgada por um maldito relatório, não pelo que sou agora.
  • Eu não vou...
  • Você já fez isso – disse ela com veemência. - Vejo isso no seu olhar e ouço nas suas insinuações maldosas. É fácil julgar da sua posição elevada, não é? Você, da família rica com pedigree. Você já passou fome dias a fio, Hammond? Já sentiu frio porque a conta da luz não tinha sido paga? Já ficou sujo porque não tinha sabão para se lavar?

Ele tentou encostar a mão nela, mas ela afastou o braço dele.

  • Não, não tenha pena de mim. Às vezes fico feliz porque isso me fez forte. Fez-me ser quem sou, uma pessoa melhor, que ajuda os outros. Porque nada que digam pode me chocar. Aceito as pessoas com suas aberrações, porque se você não esteve onde a outra pessoa está ou esteve não tem o direito de julgar seu comportamento.

“Se você não passou fome, não sofreu humilhações, não odiou você mesmo por fazer o que faz... se não passou a acreditar que você é escória, que não ? merece o amor de ninguém, o amor de um homem...” Ela parou de falar, engoliu ar rapidamente e seu peito estremeceu. Então ela fungou e levantou a cabeça, desafiando as lágrimas que escorriam pelo rosto.

  • Boa leitura, Hammond.

Ela o empurrou para o lado e saiu com passos largos, virou a esquina para fora da ruela. Hammond ficou olhando Alex ir embora, sabendo que nada que dissesse agora poderia penetrar na raiva que ela sentia. Ele xingou, encostou o cotovelo na capota do carro e apoiou a cabeça no braço. Mas a pausa durou apenas alguns segundos.

Um grito abafado fez com que ele levantasse e virasse a cabeça.

Alex estava correndo de volta para o beco. Um homem a perseguia.

  • Ele tem uma faca! - gritou ela.

O atacante agarrou-a pelo cabelo e a fez parar com um tranco. Ele levantou o braço e Hammond viu o brilho do aço. Sem nem pensar, ele se jogou contra o assaltante, bateu com o ombro nas costelas do homem, que perdeu o equilíbrio. Para evitar a queda, o homem soltou Alex. Ela se afastou cambaleando. Hammond mal teve tempo de registrar que ela estava momentaneamente fora de perigo, quando viu um clarão prateado chegando horizontalmente na altura da sua barriga. Num ato reflexo, ele protegeu a barriga com o braço. A lâmina produziu um corte do cotovelo até o pulso. Desarmado, numa luta de faca, ele perderia. A única defesa que conhecia tinha aprendido jogando futebol americano. Para agradar ao pai, Hammond tinha jogado com uma competitividade sedenta de sangue. Instintivamente ele recorreu a uma tática de bloqueio que era eficiente se você conseguisse se safar com ela e não provocar a bandeirada do juiz. Ele abaixou a cabeça como se fosse dar uma chifrada na garganta do atacante, mas parou logo antes de encostar nele. O bandido reagiu como ele esperava, jogando a cabeça para trás e deixando seu pomo-de-adão vulnerável ao golpe do braço de Hammond, que funcionou como um aríete. Sabia que aquilo doía demais e que o assaltante ficaria inutilizado por alguns segundos preciosos.

  • Entre no carro! - berrou ele para Alex.

Hammond deu um chute na direção da virilha do homem, mas errou o alvo e acertou a coxa dele. O pontapé não causou nenhum dano concreto, mas garantiu mais meio segundo para correr de volta para o carro enquanto se esquivava dos golpes da faca. Alex tinha entrado pela porta aberta do lado do motorista e passado por cima do console. Hammond praticamente caiu no banco do motorista, inclinou o corpo para trás por cima do console e enfiou o calcanhar na barriga do camarada. O assaltante cambaleou para trás, mas ainda conseguiu dar mais um golpe com a lâmina. Hammond ouviu o tecido da sua calça rasgar.

Estendendo o braço para a maçaneta da porta, ele a fechou e trancou. O atacante, tendo recuperado rapidamente o equilíbrio, socou a janela e a porta, berrando obscenidades e ameaças de morte. A mão direita de Hammond estava escorregadia, coberta de sangue, mas ele conseguiu enfiar a chave na ignição e ligou o motor. Pôs o câmbio em drive e pisou no acelerador. Os pneus queimaram quando o carro saiu em disparada pelo beco e virou, derrapando de traseira na rua principal.

  • Hammond, você está ferido!
  • E você?

Ele desviou os olhos da rua tempo suficiente para olhar para Alex. Ela estava ajoelhada no banco, inclinada por cima do console para examinar o braço dele.

  • Eu estou bem. Mas você não está.

O que restava da manga direita do paletó dele estava encharcada de sangue. O sangue pingava da mão dele, deixando o volante muito escorregadio, forçando Hammond a dirigir com a mão esquerda. Mas isso não o impedia de correr demais. Ele avançou um sinal vermelho.

  • Ele deve ter amigos. Eles vão nos assaltar e roubar o carro. Precisamos sair logo desse bairro!
  • Ele não estava tentando roubar nada – disse ela com uma calma extraordinária. - Ele estava atrás de mim. Chamou o meu nome.

Hammond ficou boquiaberto olhando para ela. O carro derrapou e quase bateu num poste de telefone.

Hammond! - gritou ela. Depois que ele recuperou o controle, ela disse: - Vá direto para o pronto-socorro. Vai precisar de uns pontos aí.

Ele soltou o volante para passar a manga do braço esquerdo na testa. Estava transpirando muito. Sentia o suor no rosto, no cabelo, escorrendo pelo peito até a virilha. Agora que a descarga de adrenalina tinha cessado, ele sentia o impacto do que havia acontecido e do que podia ter acontecido. Ele e Alex tinham sorte de ainda estarem vivos. Cristo, ela podia ter morrido! Pensar em como Alex tinha chegado perto de morrer deixava Hammond muito fraco e trémulo.

No primeiro grande cruzamento ele teve de parar no sinal vermelho. Respirava fundo para tentar clarear a cabeça de um zumbido que parecia um milhão de abelhas.

-A sua perna está sangrando também, mas estou preocupada com o seu braço – disse Alex. - Acha que o corte atravessou o músculo?

Sinal verde. Hammond apertou o acelerador com força e o carro pulou para a frente como um cavalo xucro disparando. Em poucos segundos ele já ultrapassava o limite de velocidade. Dava para ver os prédios do hospital a alguns quarteirões de distância.

  • Hammond, você está bem?

A voz de Alex parecia chegar de muito longe.

  • Estou bem.
  • Consegue dirigir até lá?
  • Humm.
  • Acho que não. Pare aqui. Deixa que eu dirijo.

Ele tentou insistir que estava bem, mas não conseguia separar as palavras, e elas saíram enroladas e ininteligíveis.

  • Hammond? Hammond? Você tem de virar aqui. A emergência... -Não.
  • Você está perdendo muito sangue.
  • Você é médica – Deus, a língua dele estava grossa.
  • Não do tipo que você precisa! - exclamou ela. - Você precisa de um hospital. De uma antitetânica. Talvez até de uma transfusão.

Ele balançou a cabeça e resmungou:

  • Minha casa.
  • Por favor, seja sensato.
  • Nós dois... - ele olhou para ela e balançou a cabeça. - Estaríamos ferrados.

Ela enfrentou a indecisão alguns segundos, mas aparentemente chegou à mesma conclusão. Estendeu o braço por cima do console e assumiu o controle da direção, que estava grudenta com o sangue dele.

  • Tudo bem, mas eu vou dirigindo.

Ela conseguiu encostar o carro no meio-fio e pôr a marcha em ponto morto. Precisou fazer um certo esforço e insistir gentilmente, mas com firmeza, para Hammond trocar de lugar com ela. Desceu do carro, deu a volta e ajudou-o a sair. Ele estava com as pernas bambas. Ela o pôs sentado no lado do carona e prendeu o cinto de segurança nele. Assim que ela se instalou na direção ele inclinou a cabeça para trás e fechou os olhos.

Ela não podia deixar Hammond desmaiar.

  • Hammond, qual é o seu endereço? - Ela pegou o celular dele e começou a discar. - Hammond! Ele murmurou o endereço:
  • Em frente à marina. Logo...

Ele virou o queixo na direção certa. Felizmente Alex conhecia a rua. Ficava a poucos quarteirões de onde eles estavam. Ela o levaria para lá em alguns minutos.

Convencer o dr. Douglas Mann a dar uma consulta em casa era outra história.

Milagrosamente, Alex tinha decorado o número do telefone dele de casa. Ele atendeu no segundo toque.

  • Doug, é Alex. Graças a Deus encontrei você!

Ela explicou a situação enquanto dirigia o carro, mas não disse que não tinha sido um ataque ao acaso.

  • Acho que ele precisa é de um hospital.
  • Doug, por favor! Estou cobrando aquele favor!

Ainda relutante, ele pediu o endereço. Alex estava dando as coordenadas para ele enquanto estacionava o carro na rua da casa de Hammond.

  • Chegamos. Venha o mais depressa possível.

O controle remoto da porta da garagem da casa de Hammond estava preso no pára-sol. Ela abriu a porta da garagem e fechou-a assim que desligou o motor do carro.

Ela desceu e deu a volta pela frente do carro até a porta do passageiro. Hammond continuava de olhos fechados. Estava pálido. Quando Alex tentou acordá-lo, ele gemeu.

  • Não vai ser fácil, mas tenho de levar você para dentro. Consegue pôr suas pernas para fora? Ele se moveu como se pesasse mil quilos, mas conseguiu. Ela passou as mãos por baixo dos braços dele.
  • Fique em pé, querido, e pode se apoiar em mim.

Ele fez isso. Mas o movimento machucou o braço direito, e ele gritou de dor.

  • Desculpe! - disse ela, zelosa.

Era como carregar uma boneca de pano que pesava noventa quilos. Ele não tinha mais coordenação motora. Mas seguiu as instruções dela e assim ela conseguiu tirá-lo do carro e pô-lo em pé. Ela o sustentou e foram se arrastando até a porta dos fundos.

  • A porta está trancada? Vai disparar algum alarme? Ele balançou a cabeça indicando que não.

Alex entrou com ele na cozinha.

  • Onde fica o banheiro mais próximo?

Ele apontou com a mão esquerda. O toalete ficava num corredor curto entre a cozinha e o que ela pôde ver que era a sala de estar. Alex pôs Hammond sentado na tampa da privada e acendeu a luz. Pela primeira vez ela deu uma boa olhada nos ferimentos dele.

  • Oh, meu Deus!
  • Eu estou bem.
  • Não está, não.

A pele do braço estava toda aberta. Era difícil dizer a que profundidade ia o corte, porque o sangue escorria de toda a extensão do ferimento. Ela não perdeu mais tempo. Primeiro tirou o paletó, depois rasgou a manga da camisa até a costura do ombro. Arrancou as toalhas dos penduradores decorativos, enrolou-as em volta do braço dele e as apertou bem para formar compressas que esperava poderem estancar o sangramento. Ajoelhada na frente dele, Alex tentou rasgar a perna da calça, mas o tecido era resistente demais, por isso ela ficou impaciente e acabou puxando até passar do joelho. O corte na canela não era tão fundo quanto o do braço, mas também sangrava muito. A meia dele tinha absorvido muito sangue. Ela virou a lixeira vazia de cabeça para baixo e apoiou o pé dele em cima, depois enrolou toalhas na perna dele, como tinha feito com o braço.

Ela se levantou, passou a mão ensanguentada no cabelo e consultou seu relógio de pulso.

  • Onde é que ele está? Já devia estar aqui! Hammond segurou a mão dela.
  • Alex?

Ela controlou o nervosismo e olhou para ele.

  • Ele podia ter matado você – disse ele com a voz rascante.
  • Mas não matou. Estou aqui – ela apertou a mão dele.
  • Por que não contou para eles?
  • Que você esteve com Pettijohn? Ele fez que sim com a cabeça. - Porque da primeira vez que me interrogaram eu achava que você o tinha matado.

Ele ficou um pouco mais pálido.

  • Você pensou...
  • Não posso explicar tudo agora, Hammond. É muito confuso. No estado em que você está, duvido que possa lembrar mais tarde. Basta dizer que primeiro eu menti para me proteger. Mas quando soube que Pettijohn tinha morrido com um tiro, continuei a mentir para proteger...

Ele piscou e olhou para ela sem entender.

  • Você.

Tocaram a campainha. Ela largou a mão dele.

  • O médico chegou.

Ele acordou assustado, com o nome dela nos lábios. Precisava dizer uma coisa para ela, uma coisa urgente sobre a qual tinham de conversar.

  • Alex – sua voz era um coaxar, e Hammond ficou alarmado.

Fez um movimento para se levantar. A rigidez no braço trouxe a lembrança.

Ele abriu os olhos. Estava deitado na própria cama. O quarto estava escuro, a não ser por uma pequena luz de segurança que tinha sido trazida do corredor e ligada numa tomada na parede do quarto.

  • Estou aqui.

Ela se materializou ao lado da cama, inclinou-se sobre ele e pôs a mão no seu ombro. Enquanto ele dormia Alex tinha tomado uma ducha e lavado o cabelo. Não estava mais coberta de sangue e havia trocado a roupa que usava antes por uma das camisetas mais velhas e mais macias que ele tinha. Como na cabana.

  • É hora de mais um analgésico, se quiser.
  • Eu estou bem.
  • Quer água? Ele disse que não.
  • Então volte a dormir.

Ela arrumou o lençol sobre o peito nu de Hammond, mas, quando ia se afastar, ele cobriu a mão dela com a dele e a segurou de encontro ao peito.

  • Que horas são?
  • Duas e pouco. Você dormiu umas duas horas.
  • Quem era o médico?
  • Um amigo meu. Um bom amigo. Podemos confiar nele.
  • Tem certeza?
  • Digamos que nós trocamos favores profissionais. Ele recomendou muito que eu o levasse a um pronto-socorro, mas eu o convenci do contrário.
  • Dizendo o quê?
  • Que você não queria enfrentar toda aquela confusão de registro de crime na polícia.
  • E ele se convenceu?
  • Não, porque ele viu Smilow e a turma na minha casa esta manhã. Ele sabe que alguma coisa está errada. Mas não dei espaço para ele argumentar. Se seus ferimentos exigissem, eu seria a primeira em insistir no hospital, sem me importar com o que podia acontecer. Mas depois de limpos, eu me convenci de que ele podia tratá-los aqui mesmo. E, na verdade, você provavelmente foi melhor tratado aqui do que teria sido no hospital. E foi muito mais rápido também.
  • Não lembro dele com muita clareza.
  • Ele deu uma injeção que mais ou menos apagou você, por isso não me surpreende que não se lembre de muita coisa. Você sofreu um grande trauma. Ficou exaurido e a perda de sangue o deixou fraco - sorrindo, ela alisou a testa dele. - Foi uma trabalheira danada subir a escada com você. Devíamos ter filmado em vídeo. Podíamos mandar para Os mais engraçados da América. - vou ficar com o meu braço?

Aproveitando o humor dele, ela respondeu solenemente:

  • O doutor queria levá-lo, mas eu não deixei. Joguei meu corpo em cima para protegê-lo.
  • Obrigado.
  • De nada. O ferimento foi apenas superficial. Atingiu várias camadas da pele, mas não danificou nenhum músculo ou nervo, graças a Deus. A sua perna não precisou levar pontos. Ele disse que ia fechar sozinha em poucos dias. Ele lhe deu uma antitetânica e uma injeção enorme cheia de antibióticos. Sua bunda vai ficar doída. Ele deixou alguns comprimidos de antibiótico e Darvocet contra a dor, que você pode tomar a cada quatro horas.

O braço direito de Hammond, com o curativo, estava apoiado num travesseiro.

  • Parece chumbo, mas não dói.
  • Está cheio de anestésico local. Quando o efeito passar você vai sentir dor. Amanhã ficará contente de ter os comprimidos analgésicos. Na semana que vem poderá tirar os pontos. Até lá você deve manter o braço numa tipóia, elevá-lo sempre que puder e evitar molhá-lo.
  • Estava coberto de sangue.
  • Dei um banho em você na cama.
  • Que pena que perdi isso – ele deu um sorriso largo, mas era uma luta manter os olhos abertos.
  • Também limpei seu carro e lavei o banheiro. Estão imaculados.
  • Você é um anjo de misericórdia.
  • Só até um certo ponto. Devia estar lá embaixo agora, lavando as toalhas.
  • Jogue-as fora.
  • Imaginei que você diria isso, e foi o que eu fiz. Além do mais, preferi ficar aqui em cima, cuidando de você – ela passou os dedos no cabelo dele com ternura.

Ele se mexeu um pouco, procurando uma posição mais confortável. Mas até esse pequeno movimento provocou-lhe uma careta de dor.

  • vou te dar mais um analgésico.

Dessa vez ele não reclamou. Estava quase dormindo de novo quando ela enfiou um comprimido na boca dele, apoiou sua cabeça no braço e o fez levantar um pouco. Ela encostou um copo com água nos lábios dele. Ele engoliu o comprimido.

Enquanto Alex abaixava a cabeça dele no travesseiro, Hammond resistiu e encostou o rosto nos seios dela. Eram fartos e convidativos por baixo da malha macia da camiseta dele. Hammond fechou os lábios sobre um mamilo.

  • Você precisa dormir – sussurrou ela e empurrou delicadamente a cabeça dele para o travesseiro.

Ele suspirou um protesto, mas fechou os olhos automaticamente. Sentiu o leve beijo que ela lhe deu na testa. E outra coisa também. Abriu os olhos de novo e viu as lágrimas. E enquanto espiava, mais uma caiu no rosto dele.

Cheio de remorso, ele disse:

  • Você salvou a minha vida. Você se machucou por minha causa. Se eu não estivesse lá...
  • Psiu.

Ele passou o braço esquerdo por cima do corpo e encostou a mão no rosto dela. Ela agarrou a mão dele e a apertou no peito, e beijou sem parar os nós dos dedos.

  • Eu tive tanto medo, Hammond – ela encostou os lábios na mão dele. Ele passou as costas da mão no rosto dela, que estava molhado de lágrimas. - Você se machucou assim por minha causa. E vai continuar se machucando.

Ele lutava para ficar acordado porque aquilo era importante.

  • Alex... eu te amo.

Ela soltou a mão dele como se queimasse a dela.

  • O quê?
  • Eu amo...
  • Não, não ama, Hammond! - exclamou ela, com suavidade mas irredutível. - Não diga isso. Você nem me conhece.
  • Eu conheço você – ele fechou os olhos alguns segundos preciosos de descanso, e procurou reunir energia para dizer o que queria dizer: - Eu te amo desde... desde a noite que a conheci. Quando a vi do outro lado da pista de dança, eu a conheci imediatamente.

Ele pensou aquelas palavras, mas não sabia ao certo se as tinha pronunciado em voz alta. Ele abriu os olhos, focalizou o rosto dela e deu um sorriso triste.

  • Por que tinha de ser essa merda de confusão?

Ela lambeu uma lágrima no canto da boca. Ia dizer alguma coisa mas não encontrava as palavras. Devia ser tão confuso para ela como era para ele, que a primeira vez na vida que amava alguém de verdade, a coisa toda não podia ser mais errada.

Ele deu um tapinha na cama ao seu lado.

Ela balançou a cabeça e recusou.

  • Eu poderia machucá-lo.
  • Deite-se aqui.

Ela hesitou só mais um pouco, deu a volta na cama e deitou ao lado dele. Não encostou o corpo no dele, apenas pôs a mão no peito de Hammond.

  • Não posso chegar mais perto, senão bato na sua perna.

Ele queria dizer mais coisas e tinham muito que conversar, mas a droga estava fazendo efeito. Tê-la perto era um consolo. Ele queria aproveitar. Mas contra sua vontade, adormeceu. Algum tempo depois, ele acordou. Parcialmente. Não completamente. Não queria despertar completamente. Não sentia dor. Na verdade, o estado dele era sublime. Muito bons esses analgésicos. Ao lado dele, Alex se mexeu. Ele sentiu que ela se sentou.

  • Hammond, você está acordado?
  • Humm.
  • Quer que eu traga alguma coisa?

Ele resmungou e ela provavelmente achou que era um não, porque ela deitou de novo. Mas alguns segundos depois ele murmurou alguma coisa que nem ele conseguia distinguir.

  • O que disse? - ela levantou a cabeça de novo. Pelo menos foi isso que ele achou que ela fez. Ainda não tinha aberto os olhos. Hammond? - Preocupada, Alex pôs a mão no peito dele. - Está sentindo dor? Quer um pouco de água?

Hammond cobriu a mão dela com a dele e puxou para baixo do lençol. Então mergulhou num estado de semiconsciência que era melhor que o melhor sonho erótico. Como numa fantasia sexual, a participação dele era desnecessária. Tudo que tinha de fazer era abdicar do controle e submeter-se às sensações. Deixar acontecer. Ir com a maré. Ficar boiando à deriva nas suaves ondas da sensibilidade. O crescendo era deliciosamente lento. Não tinham horário para nada, nenhum compromisso. Não existia pressão, nem recriminação. Felizmente os sonhos não tinham consequências. Ele percebeu que ela mudou de posição, mas alguns delicados beijos preliminares não prepararam Hammond para o calor molhado que o cobriu. A massagem sensual era diferente de qualquer outra. Ele prendeu a respiração e deixou-se saturar pelas sensações. Todo o seu corpo relaxou pesadamente sobre o colchão, como se estivesse numa banheira com água quente, e se refestelou numa lassitude sexual. Instintivamente, ele mexeu a mão. Esticou o braço. Procurou. Encontrou. Maciez. Feito seda. Profundo mistério. Centro do universo. Pulsação da humanidade. Caminho para a vida. Ele precisou mover os dedos só um pouco para provocar pequenos espasmos de excitação. Seu dedo polegar estava possuído por uma antiga sabedoria. Dotado de um toque especial que se alimentava dos suaves gemidos dela. Não eram exatamente sons. Eram vibrações dentro da boca que se transmitiam de volta para ele. Esse sonho acordado, esse esquecimento, eram tão doces, que ele não o deixou, nem depois de um clímax lento e ondulante que provocou a sensação de estar se dissolvendo.

Na fronteira da consciência dele se esgueirava algo feio e ameaçador, que ele se recusava a reconhecer. Agora não. Esta noite não. Amanhã. O amanhã de Hammond começou três horas depois, com um grito explosivo:

  • Meu Deus!

Steffi continuou gritando enquanto subia a escada aos saltos. Chegou ao quarto de Hammond, entrou afobada e o encontrou sentado na cama, com as mãos na cabeça, parecendo prestes a sofrer uma parada cardíaca.

  • Pensei que você tivesse sido assassinado! Eu vi as toalhas cheias de sangue...
  • Que merda, Steffi! Você quase me fez ter um ataque do coração!
  • Você? Não, eu é que quase tive um! Você está bem? Ele olhou aflito em volta do quarto como se procurasse alguma coisa.
  • Que horas são? O que você está fazendo aqui? Como entrou?
  • Eu ainda tenho a chave. Mas deixa isso pra lá. O que aconteceu com você?
  • Eu... - ele olhou para o braço enfaixado como se o visse pela primeira vez – Eu, é... fui atacado a noite passada. - Ele apontou para a cómoda. - Quer pegar uma cueca para mim?
  • Atacado? Onde?

As cuecas dele ficavam na segunda gaveta de cima para baixo. Ela pegou uma para ele. Hammond girou as pernas para o lado da cama.

  • A sua perna está machucada também?
  • Está. Não tão grave quanto o braço.

Ele inclinou o corpo para a frente, vestiu a cueca e puxou-a até a coxa. Antes de levantar-se, ele olhou sugestivamente para ela.

  • Ah, pelo amor de Deus, Hammond! Eu já o vi!

Ele afastou o lençol, ficou de pé e puxou a cueca, depois pegou uma garrafa de água que estava na mesa-de-cabeceira e bebeu tudo.

  • Você vai me contar o que aconteceu ou não vai?
  • Eu já disse que fui...
  • Atacado. Essa parte eu entendi. E o seu braço?
  • Cortado. Minha perna também.
  • Meu Deus, podiam tê-lo matado! Onde é que você estava? Quando ele explicou, ela disse: - Então não é surpresa nenhuma. O que você estava fazendo naquela parte da cidade?
  • Lembra de Loretta Boothe?
  • A bêbada?

Ele franziu a testa, mas concordou.

  • Ela está sóbria e quer trabalhar em investigação particular de novo. Pediu para eu ir encontrá-la em um dos bares que frequenta. Quando eu estava voltando para o meu carro, um cara pulou em cima de mim. Eu resisti. Ele ficou desferindo golpes de faca a torto e a direito. Consegui lutar com ele até fugir no meu carro. Vim para casa e chamei um médico. Ele costurou meu braço.
  • Você notificou à polícia?
  • Eu não queria ser coagido pela polícia quando prestasse depoimento. Mas, de qualquer forma, estou sendo coagido. Por você.
  • Por que não foi para um hospital?
  • Pelo mesmo motivo – ele cambaleou até o banheiro, poupando a perna esquerda. - Não foi tão ruim assim.
  • Não foi tão ruim? Hammond, tem um saco de lixo cheio de toalhas ensanguentadas lá embaixo!
  • Parece muito pior do que realmente é. Só precisei de dois analgésicos a noite toda. Quer me dar licença? - Steffi tinha seguido Hammond até o banheiro. Ela saiu e ele fechou a porta. Do lado de fora ela gritou:
  • Eu também já vi você mijar antes!

Ela voltou para a cama e se sentou onde ele tinha sentado. Junto com a garrafa de água mineral vazia e um copo havia, na mesa-decabeceira, uma tipóia comum de pano e um recipiente plástico com comprimidos. Era de farmácia de manipulação. Não havia o nome do médico no rótulo. Hammond saiu do banheiro, foi mancando até ela, afastou-a da cama e puxou o edredom por cima dos lençóis.

  • Desde quando você ficou tão fresco? - perguntou ela.
  • E desde quando você ficou tão metida?

-Você não acha que tenho o direito de ser um pouco intrometida? Hamond, a primeira coisa que vi quando entrei aqui foi um saco cheio de toalhas ensanguentadas. Pode me chamar de sentimental, mas fiquei imaginando se o meu colega, para não dizer ex-namorado, por quem ainda nutro afeto e zelo, estava nas garras do assassino do machado.

Ele levantou a sobrancelha, desconfiado.

  • Que limpa tudo antes de ir embora?
  • Alguns desses caras são compulsivos. Mas você não está entendendo o que eu quero dizer.
  • Não, não estou, Steffi. Você estava preocupada com o meu bem-estar. Se a situação fosse ao contrário, eu teria reagido do mesmo jeito. Mas como pode ver, continuo respirando. Com hematomas, cortes e moído, mas respirando. Vou me sentir muito melhor depois de uma chuveirada quente e algumas xícaras de café mais quente ainda.
  • É a minha deixa para ir embora?
  • Agora você está começando a entender.

Ela olhou para a bandagem no braço direito dele.

  • Quem foi o médico?
  • Você não conhece. Velho amigo da faculdade. Devia um favor.
  • Qual é o nome dele?
  • Que diferença faz? Você não o conhece.
  • Humm.
  • O que é?
  • Nada.
  • Pode perguntar.
  • Por que não quis registrar queixa?
  • Não valeria o esforço. O assaltante não levou nada.
  • Ele te atacou com uma arma.

Parecendo muito perturbado e falando como se ela fosse retardada, ele disse:

  • Não adiantaria nada registrar. Eu não poderia identificar o cara. Sinceramente nem sei se ele era branco ou negro, ou hispânico, alto ou baixo, magro ou gordo, cabeludo ou careca. Estava escuro. O incidente terminou num segundo, e tudo que eu realmente vi foi aquela lâmina vindo para cima de mim. Foi isso que me impressionou, e por isso saí chispado de lá.

“Seria perda de tempo contar para a polícia, porque tudo que eles poderiam fazer seria arquivar esse relatório e ponto final. Eles têm coisa melhor para fazer, e eu também – Hammond fez uma careta e segurou o braço direito com o esquerdo. - Agora você quer fazer o favor de ir embora para eu poder tomar um banho e me vestir?”

  • Precisa de ajuda?
  • Obrigado, mas posso me virar.
  • Por que não tira o dia de folga? Eu posso vir para cá por volta do meio-dia, fazer o almoço para você e contar o que sabemos sobre

esse cara.

Hammond abriu a gaveta de camisetas. Ela costumava zombar da sua coleção de camisetas quase esfarrapadas, que ele adorava usar dentro de casa. Ele pegou a primeira camiseta da pilha. Devia ser a verdadeira preferida, ela pensou, porque ele sorriu e levantou a camiseta na frente do rosto para sentir o cheiro.

  • Que cara?
  • Eu não te contei! - ela deu um tapa na testa. - Quando o vi assim esqueci o que tinha vindo fazer aqui. Quando estava no meu carro, indo para o trabalho, Smilow ligou para o meu celular. Tem um cara preso na nossa delegacia municipal.

Ela não percebeu a fascinação de Hammond com a camiseta, mas ele continuava a mexer nela. Ele observou distraído:

  • Tem um monte de caras presos na nossa delegacia municipal.
  • Mas só um diz que é irmão de Alex Ladd.

Hammond virou para ela como um raio. Seu rosto ficou branco como giz. Steffi achou que a palidez era por causa da dor. Com a virada abrupta, ele tinha batido o cotovelo do braço ferido na quina da gaveta aberta. Ele estendeu o braço esquerdo para se equilibrar.

  • Acho muita maluquice sua pensar em ir ao escritório hoje, Hammond. Olha só para você! Mal consegue ficar de pé, e está branco como cera. O seu braço...
  • Esqueça a merda do meu braço!
  • Não grite comigo.
  • Então pare de bancar a minha mãe.
  • Você está ferido.
  • Estou ótimo. Qual é a desse cara?

O nome dele é Bobby Turnbull. Não, não é isso. Alguma coisa parecida.

  • Por que ele está na cadeia?
  • Smilow não chegou a explicar isso quando interrompi a ligação e vim direto para cá.

O que ele...

  • Hammond, sinceramente! E por falar em ser interrogado, só sei que esse Trimble... é isso. Bobby Trimble. Ele foi preso a noite passada e usou o único telefonema para falar com Alex Ladd. Ela não estava em casa. Um dos policiais da detenção foi suficientemente esperto para ouvir o nome dela, sabia que ela estava ligada ao assassinato de Pettijohn, e notificou a Smilow.

Hammond recolocou a camiseta na gaveta e a fechou com força.

  • Pensando bem, não vá embora. Vai ser difícil dirigir com meu braço na tipóia, por isso vou pegar uma carona com você. Dê-me alguns minutos.

Enquanto Hammond se aprontava, Steffi desceu para o primeiro andar para telefonar para Smilow e contar que ia se atrasar.

  • Atacado?
  • Foi isso que ele disse.

Depois de uma breve pausa, Smilow perguntou:

  • Você tem algum motivo para duvidar dele?
  • Não. É só que... - ela olhou pensativa para a porta do toalete, bloqueada por um saco de lixo grande cheio de toalhas ensanguentadas. - Só não parece muito típico do nosso dr. Crime e Castigo deixar passar um ataque com uma faca. Ele tentou minimizar seus ferimentos, mas parece que enfrentou quinze rounds de luta com um urso-pardo.
  • Talvez ele só esteja envergonhado de ter sido tão descuidado.
  • Pode ser. De qualquer maneira, estaremos aí em quinze minutos.

Ela não contou para Smilow a desculpa esfarrapada que Hammond deu para não ir para um hospital. O médico “velho amigo da faculdade” era uma mentira deslavada. Hammond nunca foi bom em contar mentiras. Ele devia ter umas aulas com Alex Ladd. Parecia admirar a queda que a mulher tinha para... A mente de Steffi pisou firme no freio. Olhando para o espaço próximo, com os olhos vidrados, a cabeça dela foi assaltada por pensamentos impensáveis que giravam pela sua consciência com a velocidade da luz. Agarrar aqueles pensamentos era como tentar capturar cometas. Hammond desceu a escada mancando. Ela o encontrou na porta da frente, mas antes pegou uma das toalhas encharcadas de sangue do saco de lixo e a enfiou na bolsa. Bobby Trimble estava apavorado. Mas preferia morrer do que deixar que percebessem o medo que sentia. Policiais filhos-da-puta! Devia sua situação atual a uma professora solteirona, malvestida e gorda. Era um insulto para o orgulho dele uma galinha morta provocar sua derrocada. Ela não era desafio nenhum. Seduzi-la tinha sido uma rotina entediante. Tinha lutado para se manter acordado enquanto a levava no bico. Tinha cabeceado o tempo todo. Quem teria imaginado que aquele canhão seria uma mulher fatal no mais puro sentido do termo? Na noite anterior ele estava quase conquistando uma viúva de Denver que tinha diamantes do tamanho de holofotes nas orelhas e em anéis nas duas mãos. Eles teriam financiado um estilo de vida nababesco por um longo tempo. A mulher tinha revelado logo no início possuir um senso de humor sexualmente explícito e espírito de aventura, por isso Bobby apelara para isso. Com a mão dentro da saia dela, ele descrevia a ereção que ela havia provocado, sem poupar nenhum detalhe anatómico, quando dois policiais o agarraram por baixo dos braços e o arrastaram para fora da boate. Lá fora eles o encostaram no capo de um carro e mandaram que afastasse as pernas e os braços, revistaram-no e algemaram-no como se fosse um criminoso comum e leram seus direitos. Com o canto do olho, ele avistou a professora pudica e antiquada de Indiana ali perto, com um par de sapatos de couro em uma das mãos.

  • Maldita vaca! - resmungou ele no presente, no momento em que a porta se abriu.
  • O que foi, Bobby? Disse alguma coisa?

O cara parecia vagamente familiar, mas Bobby não conseguia se lembrar de onde o conhecia. Não era alto, mas dava a impressão de ser quando entrou com passos largos na sala. Usava terno com colete, que Bobby considerou de boa qualidade. A água-de-colônia também tinha cheiro de coisa cara. Ele apertou a mão do advogado que tinham indicado para Bobby, um cara chamado “Heinz, como o ketchup”, que parecia um perdedor, e cujo conselho para Bobby até ali tinha sido para manter a boca fechada até descobrirem o que estava acontecendo. Ele então se sentou à pequena mesa e cobriu educadamente seus bocejos com a mão. Mas o homem que acabava de entrar o fez se endireitar na cadeira e adotar uma postura alerta. Ele se sentou na cadeira de frente para Bobby e se apresentou como o detetive Rory Smilow. Bobby não confiava no sorriso dele, assim como não abriria o jogo para aquele afável filho-da-mãe.

  • Estou aqui para facilitar muito a sua vida, Bobby – disse ele. Bobby também não acreditou na promessa:
  • É mesmo? Então pode começar ouvindo o meu lado dessa história. Aquela vadia está mentindo.
  • Então não a estuprou?

Os músculos da face de Bobby amoleceram. Em compensação, o esfíncter se contraiu.

  • Estupro?
  • Sr. Smilow, meu cliente e eu tivemos a impressão de que esse era um caso de furto. A queixa da srta. Rogers não menciona estupro observou Heinz, nervoso.
  • Ela está conversando com uma policial – explicou Smilow. Ficou constrangida demais de discutir os detalhes do crime com os policiais que o prenderam.
  • Se ela está alegando estupro, então preciso ter mais uma conversa com o meu cliente.

Bobby, já recuperado do choque inicial, olhou com desprezo para o advogado.

-Não temos nada que conversar. Eu não estuprei ninguém. Tudo que nós fizemos foi de comum acordo.

Smilow abriu uma pasta e deu uma olhada rápida no relatório.

  • O senhor a conheceu numa boate. Segundo a srta. Rogers, minou sua resistência com bebida alcoólica e a embebedou intencionalmente.
  • Tomamos alguns drinques. E é verdade, ela ficou meio alta. Mas nunca a forcei a beber nada.
  • Acompanhou-a de volta ao quarto do hotel em que ela estava hospedada e fez sexo com ela – ele olhou para Bobby. - Isso é verdade?

Bobby não resistiu e enfrentou o desafio do olhar do detetive.

  • Sim, é verdade. E ela adorou cada minuto. Heinz pigarreou meio constrangido.
  • Sr. Trimble, recomendo que não diga mais nada. Qualquer coisa que disser poderá ser usada contra o senhor. Lembre-se disso.
  • Estão achando que vou deixar uma mulher gorda me acusar de estupro sem me defender?
  • É para isso que serve o julgamento.
  • Que se foda o julgamento! E foda-se você também! - Bobby virou-se novamente para Smilow: - Ela está mentindo descaradamente.
  • Não fez sexo com ela enquanto ela estava sob a influência do álcool?
  • Claro que fiz! A pedido dela.

Smilow parecia compadecido dele, deu um suspiro e coçou a sobrancelha.

  • Acredito, sr. Trimble. Acredito no senhor. Mas, do ponto de vista legal, o senhor está na corda bamba. As leis mudaram. As definições foram buriladas e ficaram bem mais precisas. Dada à crescente consciência do público sobre o tratamento equivocado das vítimas de estupro, promotores e juizes adotaram uma linha dura. Eles não querem ser responsáveis pela liberação de estupradores...
  • Nunca tive de estuprar mulher nenhuma! - exclamou Bobby.
  • Na verdade, sempre foi exatamente o contrário.
  • Compreendo – disse Smilow calmamente. - Mas se a srta. Rogers alega que estava mentalmente incapacitada pelo álcool que o senhor insistiu para ela beber, então técnica e legalmente, nas mãos de um bom promotor público, existiria um caso de estupro.

Bobby cruzou os braços sobre o peito, em parte por ser uma pose despreocupada, mas principalmente porque ele estava à beira de uma crise de pânico. Quando tinha dezoito anos, tinha sido sentenciado à maldita prisão. Não gostou. Nem um pouco. Tinha jurado que nunca mais iria para lá. Com medo de que sua voz traísse o medo que sentia, ele não disse nada.

  • Portava drogas quando foi preso – continuou Smilow.
  • Alguns cigarros. Não dei nenhum para aquela Fulana. Smilow olhou muito sério para ele.
  • Não deu?
  • Não teria desperdiçado um bom fumo com ela! Ela era fácil demais!
  • Mesmo assim, ainda tem um problema. Em quem pensa que o júri ia acreditar? Numa dama simples e doce como ela? Ou num garanhão malandro como você?

Enquanto Bobby compunha uma resposta adequada, a porta abriu e uma mulher entrou. Ela era miúda, cabelo escuro e curto, olhos pretos brilhantes. Boas pernas. Seios pequenos e pontudos. Mas a maior castradora que Bobby já tinha visto.

  • Espero que o balde de merda ainda não tenha confessado – disse ela.

Smilow apresentou-a como Stefanie Mundell, do escritório do procurador público municipal. Heinz ficou meio esverdeado, e engolia em seco convulsivamente. Não era um bom sinal se o próprio advogado se engasgava diante da visão daquela vadia e desse a impressão de estar pronto para dar ao fora. Smilow ofereceu uma cadeira para ela, mas ela disse que preferia ficar de pé.

  • Não vou demorar muito. Só queria avisar ao sr. Trimble que casos de estupro são a minha especialidade, e que indico a castração para réus primários. E não é a castração química – ela pôs a palma das mãos sobre a mesa e inclinou o corpo para a frente até ficar nariz com nariz com Bobby. - Pelo que fez com a pobre Ellen Rogers, mal posso esperar para pôr seus culhões no cepo!
  • Eu não a estuprei.

A negação sincera não afetou a srta. Mundell, que riu com desprezo e disse:

  • Vejo-o no tribunal, Bobby.

Ela deu meia-volta com seus sapatos de salto alto e saiu, batendo a porta com força.

Smilow massageava o queixo e balançava a cabeça com ar de tristeza.

  • Sinto por você, Bobby. Se Steffi Mundell é a promotora, temo que você se dê muito mal.
  • Talvez o sr. Trimble prefira declarar-se culpado para obter a pena mínima.

Bobby fuzilou Heinz, que tinha sugerido aquilo, com os olhos.

  • Quem pediu a sua opinião? Não vou me declarar culpado de nada, entendeu?
  • Mas furto...
  • Cavalheiros – disse Smilow, interrompendo. - Acaba de me ocorrer que já que a srta. Mundell está envolvida, pode haver uma maneira de contornar isso.

Aparentando uma falsa tranquilidade, Bobby perguntou:

  • Qual é a sua ideia?
  • Ela está trabalhando no caso do assassinato de Pettijohn. Alerta vermelho! De repente Bobby se lembrou onde tinha visto Smilow. Na televisão, na noite seguinte ao assassinato de Pettijohn. Era ele o detetive da Homicídios encarregado da investigação. Bobby recostou-se na cadeira e procurou fingir que não começara subitamente a transpirar, como um caipira num milharal.
  • O caso do assassinato de Pettijohn?

Smilow dirigiu um olhar demorado, duro e ameaçador para Bobby. Depois suspirou e fechou a pasta.

  • Pensei que poderíamos ajudar um ao outro, Bobby. Mas se você vai se fazer de bobo, não me resta outra opção, terei de deixá-lo nas mãos da srta. Mundell.

Smilow afastou sua cadeira para trás e saiu da sala sem dizer mais uma palavra, fechando firmemente a porta.

Bobby olhou para Heinz “Como o ketchup” e levantou os ombros.

  • O que foi que eu fiz?
  • Você tentou enrolar Rory Smilow. Péssima ideia.

Smilow e Steffi ficaram meia hora se dando tapinhas nas costas pelo excelente trabalho que tinham feito manipulando Bobby Trimble. Os profusos parabéns quase esgotaram a paciência de Hammond.

  • Dei mais de uma hora para ele pensar a respeito – disse Smilow para ele pela décima vez.
  • Você já disse.
  • Logo que voltamos para a sala, ele começou a falar – disse Steffi alegremente.
  • Você deve ter feito muito bem o papel de policial má.
  • Modéstia à parte, sim – ela se vangloriou. - Bobby estava convencido de que ia enfrentar uma acusação de estupro.

Ellen Rogers jamais alegou ter sido violentada. Pelo contrário, tinha reconhecido a própria culpa pelo furto de seus cartões de crédito e seu dinheiro. Ela só queria que capturassem Bobby Trimble para pô-lo fora de ação, poupando outras mulheres de experiência tão humilhante. Tratou de providenciar sua volta para Indianápolis imediatamente, apesar de ter deixado claro que se dispunha a testemunhar contra Trimble no tribunal se o caso fosse a julgamento. Saiu da cidade sem saber que presente tinha dado para o Departamento de Polícia de Charleston.

  • Mal posso esperar para ver a cara de Alex Ladd quando ela ouvir essa gravação! Hammond, você não vai acreditar – disse Steffi, animada. - Você queria um motivo e, meu irmão, conseguiu. Numa bandeja de prata.

Ele respirou pela boca para afastar as náuseas. Era uma ameaça desde que fora informado de que o meio-irmão de Alex estava sob a custódia da polícia. Steffi e Smilow estavam muito orgulhosos com aquela gravação. Já salivavam, prevendo a reação de Hammond quando ouvisse, mas ele já conhecia o teor dela. Tinha ouvido Loretta Boothe contar a história incriminadora na noite anterior. Os simples fatos, nus e crus, pintavam uma imagem nada lisonjeira de Alex. Quando Bobby Trimble terminou de incrementar a história para atender aos próprios interesses, ela se transformou num assassinato de caráter. Como Steffi havia observado, representava o motivo que faltava ao caso. Em bandeja de prata. Hammond tinha torcido para a investigação de Smilow não ser tão completa e diligente como a de Loretta, para ele poder continuar atrasando o caso indefinidamente até determinar a natureza da conexão de Alex com Pettijohn e poder explicar para ela o encontro que ele teve com Lute. Ia sugerir que ambos jogassem limpo com Smilow. Ele devia ter contado imediatamente para o detetive seu encontro com Pettijohn. Mas era uma questão delicada e esperava poder evitar que qualquer outra pessoa ficasse sabendo. Também ia aconselhar Alex a informar Smilow do seu passado antes que ele tivesse a chance de descobrir por conta própria e tirar conclusões precipitadas sobre a relação que tinha com a investigação Pettijohn. Infelizmente tinham tirado aquela oportunidade dele. Quando Steffi invadiu a casa dele, Alex já tinha ido embora. Hammond deu graças de ela ter saído cedo, e achou que os dois tiveram muita sorte de não terem sido flagrados juntos na cama, o que teria prejudicado a credibilidade deles quando fizessem suas confissões independentes para Smilow. E agora isso. Bobby Trimble apareceu do nada, na pior hora possível. Alex não tinha ideia da armadilha que estavam armando para ela. E Hammond não tinha como avisá-la. A campainha de umpager tocou. Os três verificaram seus bipes ao mesmo tempo.

  • É o meu – disse Hammond.

Smilow empurrou o telefone da mesa para perto de Hammond.

Hammond verificou o número no mostrador.

  • vou usar meu celular, obrigado.

Ele pediu licença, saiu da sala e foi para o corredor, que oferecia alguma privacidade.

  • Loretta, o que é?
  • Ontem a nossa conversa terminou mal.
  • O que quer dizer?
  • Você estava tão desapontado quando saiu...
  • Não se preocupe com isso.
  • Mas fiquei preocupada. Queria fazer alguma coisa por você, por isso fui à prefeitura esta manhã e peguei Harvey comprando um pão de mel numa máquina.
  • Só tenho um minuto, Loretta.
  • vou chegar lá. Perguntei para ele se alguém mais tinha pedido informações sobre o caso Pettijohn.
  • Especificamente Alex Ladd?
  • Não, eu só joguei a isca para ver se ele mordia. -E aí?
  • Ele suou frio. Quase deu para ouvir os joelhos dele batendo um no outro.
  • Quem o procurou para obter informações?
  • O nerd não quis dizer.
  • Loretta...
  • Tentei tudo, Hammond. Pode acreditar. Ameacei denunciá-lo, tortura e danos físicos. Adulei, negociei e engabelei. Ofereci quantidades ilimitadas de bebida, drogas, sexo com a profissional que ele escolhesse. Nada funcionou. Quem quer que tenha procurado Harvey conseguiu assustá-lo. Mudez total. Ele não vai falar.
  • Tudo bem, obrigado.

Hammond ouviu um movimento atrás dele e virou-se para ver quem era. Frank Perkins acompanhava Alex pelo corredor.

  • Tem mais alguma coisa que você quer que eu faça? - perguntou Loretta.
  • Por enquanto, não. Obrigado. Preciso ir.

Ele desligou o celular e virou-se na hora em que Perkins e Alex chegavam à porta da sala de Smilow. Quando o advogado viu Hamond, ele arregalou os olhos.

  • O que aconteceu com você?
  • Fui atacado na rua.
  • Minha nossa! Parece pior que os assaltos comuns.
  • vou ficar bem – ele olhou para Alex. - Cuidaram bem de mim. Os olhos dos dois se encontraram por apenas um milésimo de

segundo. Hammond tentou telegrafar um aviso para ela, mas o advogado empurrou-a para dentro da sala.

  • Bem, o que foi agora, detetive?
  • Queremos que a sua cliente ouça uma gravação.
  • Gravação de quê?
  • De um depoimento que tomamos hoje cedo de um homem que está preso aqui mesmo. Pode acreditar que as declarações dele são relevantes para o caso Pettijohn.

Perkins ofereceu a única cadeira para Alex. Os outros ficaram em pé na pequena sala. Smilow se ofereceu para pedir que trouxessem uma cadeira para Hammond, mas ele não quis. Quando Alex se sentou, ela conseguiu dar uma olhada disfarçada para ele, mas Hammond não tinha como prepará-la para o que a esperava.

Smilow resumiu a experiência de Ellen Rogers para Alex e para o advogado dela.

  • Felizmente para nós, a srta. Rogers não era nenhuma violetinha frágil. Ela mesma seguiu o homem e informou à polícia.
  • Não estou vendo...
  • O nome dele é Bobby Trimble.

Hammond estava observando atentamente o rosto de Alex. Logo que Smilow começou a falar, ela percebeu o que tinha pela frente. Fechou os olhos rapidamente e respirou bem fundo para se fortalecer. Mas quando ele disse o nome de Trimble, ela não revelou reação alguma.

  • Conhece o sr. Trimble, não é, dra. Ladd? - disse Smilow.
  • Gostaria de ter uma conversa com a minha cliente – disse Frank Perkins.
  • Tudo bem, Frank – disse ela suavemente. - Infelizmente não posso negar que conheço Bobby Trimble.

Antes de Perkins poder dizer mais alguma coisa, Smilow falou: - A fita se explica sozinha, Frank. Ele apertou o botão play do gravador.

A voz de Smilow identificou as pessoas presentes no interrogatório. Disse a hora, o lugar e a data, assim como as condições sob as quais Trimble estava fazendo a sua declaração. Ele havia confessado ter seduzido a srta. Ellen Rogers com o propósito de roubá-la e, apesar de não ter garantida a clemência, foi dito por Stefanie Mundell que a procuradoria pública seria favorável a qualquer um que desse voluntariamente informações pertinentes ao caso do assassinato de Lute Pettijohn. Dito isso, Smilow fez sua primeira pergunta:

  • Bobby... posso chamá-lo de Bobby?
  • Não tenho vergonha do meu nome.
  • Bobby, você conhece a dra. Ladd?

-Alex é minha meia-irmã. Mesma mãe. Pais diferentes. Mas nunca conheci nenhum dos dois.

  • Trimble era o nome da sua mãe?
  • Carreto.
  • Você e sua meia-irmã foram criados juntos, no mesmo lar?
  • Se quer dar esse nome à nossa casa... Não era bem um lar. Nossa mãe não era nenhuma Manha Stewart, apesar de entreter muita gente.
  • Que tipo de gente?
  • Homens, detetive Smilow. Recebia homens em casa o tempo todo. E quando fazia isso, nos mandava para a rua. Se fazia calor lá fora, paciência. Se fazia frio, azar. Se estávamos com fome, que pena. Às vezes conseguíamos convencer a senhora negra que trabalhava na Dairy Queen a nos dar um hambúrguer. Ela não gostava muito de mim, mas tinha um fraco pela Alex. Mas se o chefe dela estivesse por perto, nada feito. Continuávamos famintos.
  • A sua mãe ainda está viva?
  • Quem sabe? E quem se importa? Ela foi embora quando eu tinha... humm, catorze anos. E Alex doze, acho. Ela estava apaixonada por um cara e, quando ele partiu para Reno, foi atrás dele. Não sei se ela o encontrou ou não. Foi a última vez que a vi ou que ouvi falar dela.
  • Vocês não ficaram aos cuidados dos Serviços de Proteção ao Menor depois disso?
  • Prefiro ir para a cadeia a ter um bando de burocratas intrometidos respirando no meu cangote. Por isso disse para a Alex não contar para ninguém que nossa mãe tinha ido embora. Fingimos que nada tinha acontecido. Continuamos indo à escola, fingindo que tudo estava normal.
  • ele deu uma risadinha – tudo estava normal mesmo. Acho que nossa mãe nunca chegou perto da porta da escola. Para ela a APM (Associação de Pais e Mestres) era “Associação de Porra e de Meretrizes”.
  • Não há necessidade disso – disse Smilow, irritado.
  • Desculpe, madame. Não tive a intenção de faltar com o respeito. Hammond imaginou que Bobby estivesse se desculpando com

Steffi. O pedido de desculpas não pareceu sincero. Alex deve ter achado isso também. Ela olhava fixamente para o gravador com cara de nojo.

  • Os vizinhos não notaram que sua mãe não estava mais lá? Perguntou Smilow.

-Alex e eu nos defendíamos sozinhos havia tanto tempo que não era nada incomum vê-la levando a roupa para a lavanderia automática ou eu me oferecendo para fazer alguns bicos.

  • Fazia bicos para sustentar vocês dois? Ele pigarreou.
  • Por algum tempo. - Uma pausa. - Antes de continuar... só para deixar tudo bem claro... Eu já paguei minha dívida para com a sociedade pelo que aconteceu. Isso não vai cair em cima de mim outra vez, vai? Isso tudo aconteceu há muito tempo. No Tennessee. Agora estamos na Carolina do Sul. Estou livre e limpo neste estado.
  • Diga o que sabe sobre o assassinato de Lute Pettijohn, Bobby, e sai livre daqui.
  • Parece bom.

Até aquele ponto Alex não tinha se mexido. Então virou-se para Perkins:

  • Nós precisamos ouvir isso?

O advogado pediu para Smilow desligar o gravador para ele poder conversar com Alex. Smilow atendeu educadamente ao pedido. Perkins sussurrou uma pergunta para ela. Ela respondeu baixinho. Ficaram falando assim por cerca de sessenta segundos.

  • Vocês não podem levar a sério as declarações deste homem disse Perkins. - Ele está barganhando pela retirada das acusações contra ele. É óbvio que ele disse o que vocês queriam ouvir.
  • Se ele está mentindo – disse Smilow -, então o que ele diz não importa para a dra, Ladd, não é?
  • Importa à medida que pode ser constrangedor para ela.

Sinto muito qualquer constrangimento. Mas acho que a dra. Ladd gostaria de ouvir o que está sendo dito sobre ela. Ela tem a liberdade de interromper e refutar qualquer coisa que ele diz, a qualquer momento. Perkins disse para Alex:

  • Você é que sabe.

Ela concordou com um breve movimento da cabeça.

  • Tudo bem, Smilow – disse ele. - Mas isso é uma encenação barata e você sabe muito bem disso.

A reclamação não afetou Smilow. Ele ligou o gravador no ponto em que repetia a pergunta de como Trimble sustentava a irmã e ele.

  • Nós sobrevivemos um tempo com alguns serviços que eu prestava respondeu ele. -Mas eu estava dando um duro danado para pôr comida na mesa e para vestir a Alex. Ela estava crescendo, sabe, como qualquer adolescente. Florescendo.

O tom de voz de Trimble reduziu-se a um sussurro confidencial.

  • Foi justamente quando vi Alex ganhando formas que tive a ideia pela primeira vez.
  • Que ideia?
  • vou chegar lá – disse ele, incomodado com a impaciência de Smilow. - Comecei a notar que meus amigos olhavam de uma certa forma para a minha irmãzinha. Sob uma luz completamente nova, pode-se dizer. Ouvi alguns comentários. E foi então que tive a ideia.

Hammond apoiou o cotovelo esquerdo no pulso do braço na tipóia e cobriu a boca com a mão. Queria tapar os ouvidos. Queria jogar o gravador contra a parede. Queria estapear Steffi, que sorria presunçosa para Alex. Era impotente para fazer qualquer coisa, e só podia ouvir, já que estava sendo forçado a isso.

A diferença da dicção e da sintaxe de Trimble era notável. O fato de falar sobre seu passado tinha feito com que ele retornasse ao padrão de linguagem da sua juventude. Ele parecia mais grosseiro. Mais rude. Mais indecente.

  • A primeira vez aconteceu por acaso. Quero dizer, não planejei nada. Alex e eu estávamos com um amigo meu. Ele tinha roubado umas seis latas de cerveja e fomos a um posto de gasolina abandonado para beber. Ele começou a provocar Alex e... - Ouve-se uma cadeira arrastando no chão quando Bobby se ajeita. - Ele acabou desafiando Alex a levantar a blusa para ele poder dar uma olhada.

-Alex disse: De jeito nenhum, camarada. Mas não falava a sério. Ela estava rindo, brincando com ele, vocês sabem. E acabou fazendo o que ele queria. Eu disse que em troca pela visão das tetas da minha irmãzinha

  • desculpem, seios – ele tinha de me dar o resto da cerveja. Ele disse que não ia dar porque na verdade só tinha visto o sutiã dela. Mas da próxima vez...

Hammond estendeu a mão e desligou o gravador.

  • Nós todos já entendemos, Smilow. O meio-irmão da dra. Ladd a explorava. É discutível se ela colaborava por livre e espontânea vontade. Mas de qualquer modo, é história antiga.
  • Não tão antiga.
  • Vinte, vinte e cinco anos! Por Deus, o que isso tem a ver com Lute Pettijohn?
  • Vamos chegar lá – disse Steffi. - Tudo se encaixa.
  • O resto de vocês pode ficar e ouvir essa porcaria – disse Frank Perkins, que também se levantou. - Mas não vou permitir que a minha cliente ouça isso.
  • Temo que não possa permitir a saída da dra. Ladd – disse Smilow.
  • Planeja acusá-la formalmente de um crime? - acrescentou Perkins sarcasticamente. - Um supostamente cometido nesta década?

Smilow evitou dar uma resposta direta:

  • Se não quer ouvir o resto da gravação, devo pedir que espere na outra sala até o dr. Cross terminar de ouvi-la.
  • Ótimo.
  • Não – disse Alex em voz baixa, mas com firmeza. Todos olharam para ela. - Bobby Trimble é lixo. Nos últimos vinte anos ele adquiriu algum verniz, mas continua sendo escória. Quero ouvir tudo o que ele diz. Tenho o direito de saber o que ele diz de mim. Por mais horrível que seja ouvir a voz dele, preciso saber, Frank.
  • Você nega qualquer coisa que ele disse até agora? - perguntou Steffi.
  • Não precisa responder a essa pergunta, Alex.

Ignorando o conselho do advogado, Alex olhou direto para os olhos ansiosos de Steffi.

  • Tudo isso aconteceu há muito tempo, srta. Mundell. Eu era criança.
  • Já tinha idade para ser responsável pelos seus atos.
  • Fiz algumas escolhas ruins quando minha única opção era fazer escolhas piores. As lembranças são feias. Anos atrás eu as eliminei da minha mente e segui a minha vida. Construí uma nova vida.
  • Resposta muito boa, dra. Ladd – disse Steffi. - Mas isso quer dizer não. Não nega o que ele disse até agora.

Se Frank Perkins não tivesse intercedido naquele momento e avisado para Alex não dizer mais nada, Hammond teria tomado a iniciativa. Ela acatou o conselho do advogado. Aparentando estar enojado com tudo aquilo, Perkins disse:

  • Vamos acabar logo com isso.

Smilow voltou a fita. Hammond mudou o pé de apoio para poupar a dor da perna esquerda. Na realidade estava se contendo para não fazer uma burrice muito grande, como segurar a mão de Alex e tirála dali. A noite anterior tinha provado que ela precisava de proteção. Queria protegê-la pessoalmente. Estava quase revelando tudo, abrindo o jogo, que se danassem os torpedos. Quase. Naquele momento o advérbio era um qualificativo monumental. O pior da história ainda estava por vir, e era essa parte que tinha uma semelhança inquietante com o presente. Segundo o relatório de Loretta, quando deixou a Flórida com uma condenação por furto e um tubarão da agiotagem no seu encalço, Bobby Trimble sumiu de vista. Ter reaparecido ali em Charleston, dias antes de um assassinato em que a meia-irmã estava envolvida, era uma coincidência terrivelmente incómoda. Era certamente mais que suficiente para aumentar as suspeitas de Steffi e de Smilow. Apesar de Hammond saber que era praticamente impossível Alex ter matado Pettijohn e chegado à feira na hora em que chegou, ainda havia inconsistências, e as perguntas sem respostas que o perseguiam. Especialmente à luz do passado problemático de Alex. Sem dúvida alguém a considerava uma ameaça que tinha de ser silenciada. Mas que ameaça ela representava? Como testemunha? Ou como uma conspiradora que resolveu mudar de ideia na última hora? Até ter certeza de que Alex era totalmente culpada – ou totalmente inocente – de qualquer malfeito, ele estava encurralado entre o promotor e o protetor.

Na fita, Smilow perguntava para Trimble sobre a trapaça que tinha criado para arrancar dinheiro dos seus amigos:

  • Funcionava assim: eu escolhia alguém e começava a falar de Alex para ele, que ela estava se desenvolvendo. Dizia que ela estava louca para experimentar o novo equipamento, que ela estava no cio, coisas assim. Dava algumas dicas para que ele pensasse nela e especulasse sobre as possibilidades. Às vezes levava alguns dias, às vezes era apenas uma questão de horas para ele ficar muito entusiasmado.
  • Eu tinha jeito para a coisa, um sexto sentido, de saber quando chegava a hora certa de acenar o negócio. Dava o nosso preço. Sabem de uma coisa? Nenhum daqueles babacas pechinchava o que eu cobrava disse ele, dando risada. - Eu determinava a hora e o lugar. Eles pagavam, depois cabia a Alex fazer o número dela.
  • Que número?
  • O que tivesse de fazer para eles ficarem... vocês sabem, vulneráveis.
  • Excitados?
  • Esse é um modo gentil de descrever a coisa. Quando eles estavam completamente excitados, eu chegava e exigia todo o dinheiro deles, senão...
  • Senão o quê?
  • Eu inventava alguma besteira que parecia legal sobre molestar menores. Se eles resistissem ou nos ameaçassem com a lei, eu dizia que era a nossa palavra contra a deles, e quem não ia acreditar numa virgem de doze anos? E eles não abriam a boca mesmo. Foi assim que o nosso negócio durou tanto tempo. Ninguém queria parecer Otário diante dos amigos, por isso não admitiam ter sido enganados.
  • A sua meia-irmã participava de boa vontade?
  • O que vocês acham? Que eu a forcei afazer isso? As mulheres adoram se exibir. Sem querer faltar ao respeito, srta. Mundell. Mas aposto que o sr. Smilow concorda comigo, mesmo que não abra o jogo. Todas as mulheres são exibicionistas por natureza. Elas conhecem seus atributos. Sabem que os homens babam por elas. E adoram nos atiçar com isso.
  • Obrigada por essa visão psicológica.

Ele não deixou de observar o sarcasmo de Stefíi Mundell.

  • Não fui eu que escrevi as regras, srta. Mundell. Só estou dizendo como as coisas são, e a senhorita sabe disso.

Smilow começou a perguntar de novo:

  • Vocês não ficaram sem otários?

-Atacamos outros bairros. Alexparecia tão fresca e inocente que todos os caras pensavam que eram o primeiro. Por isso eu soube que ia funcionar com homens mais velhos também.

  • Fale sobre isso.

-Alex era a isca perfeita. E ela sabia como envolvê-los também. Essa é a especialidade dela. Sabia fingir inocência e nervosismo. Em geral os homens não conseguem resistir a uma mulher coquete. Alex sabe se fazer de difícil, melhor que qualquer mulher que conheci, antes e depois disso.

Hammond passou a manga da camisa no suor que brotava da testa, depois encostou a cabeça na parede e fechou os olhos. Ouviu o clique quando apertaram o botão para parar a reprodução.

  • Você está bem?

Hammond se deu conta de que a pergunta de Smilow era para ele e abriu os olhos. Todos, exceto Alex, olhavam para ele. Os olhos dela estavam baixos, focalizando as mãos postas no colo.

  • Claro. Por quê?
  • Você está pálido demais, Hammond. Quer que eu mande buscar mais uma cadeira?
  • Eu lhe dou a minha, dr. Cross -Alex se levantou e deu um passo na direção dele.
  • Não – disse ele bruscamente. - Estou bem.
  • Quer beber alguma coisa?
  • Obrigado, Steffi. Está tudo bem.

Alex continuou em pé, olhando para ele, e Hammond sabia que ela sabia que ele não estava nada bem. Na verdade ele nunca se sentira tão mal em toda a sua vida.

  • Quanto falta? - perguntou ele.
  • Não muito – respondeu Smilow. - Dra. Ladd?

Ela se sentou novamente e ele religou o gravador. A sala ficou silenciosa, a não ser pelo ronronar suave da máquina e a voz insinuante de Bobby descrevendo de que maneira eles passaram a seduzir homens mais velhos e mais ricos que ele atraía nos saguões e bares dos hotéis. Basicamente Bobby era o cafetão de Alex. Os negócios iam bem.

  • Quando eles estavam lá com ela eu roubava suas carteiras, que eram mais gordas que as que tirava dos meninos do bairro. Muito mais gordas.
  • Parece que vocês dois formavam uma equipe e tanto.
  • Era mesmo. A melhor-A voz de Bobby ficou nostálgica. -Então apareceu aquele cara que arruinou tudo.
  • Você tentou matá-lo, Bobby.
  • Foi autodefesa! Aquele filho-da-mãe veio para cima de mim com uma faca!
  • Você estava roubando o dinheiro dele. Ele é que estava protegendo o que era dele.
  • E eu estava me protegendo! Não foi minha culpa que a faca virou para o outro lado na luta e acabou enterrada na barriga dele.
  • O juiz achou que a culpa foi sua.
  • Aquele juiz filho-da-mãe me mandou para aquele inferno!
  • Você teve sorte de o homem sobreviver. Se ele tivesse morrido, poderia ter sido muito pior para você.

Loretta tinha contado o resto da história para Hammond. Trimble foi para a prisão. Alex recebeu uma suspensão condicional da pena que incluía aconselhamento e lar de adoção obrigatórios. Ela foi para a casa dos Ladd. O casal adorou a menina. Pela primeira vez na vida Alex foi bem tratada, recebeu afeto e aprendeu com o exemplo de que maneira funcionavam os relacionamentos saudáveis. Ela floresceu sob os cuidados e a influência positiva deles. Eles acabaram adotando Alex oficialmente e ela adotou o nome deles. Não importa se o crédito pertenceu aos falecidos sr. E sra. Ladd, ou à própria Alex, o fato é que a vida dela sofreu uma reviravolta de cento e oitenta graus.

Admitido pelo próprio Bobby Trimble, ele se ressentiu com a sorte dela.

-Fui para a prisão, mas Alex saiu impunemente. Não foi justo! Não era eu que me exibia para aqueles caras.

  • Era só isso que ela fazia? Exibir-se?
  • Ora, o que vocês acham?-zombou Trimble. - No início, sim. Mas mais tarde? Droga, ela se prostituía, pura e simplesmente! Ela gostava de fazer aquilo. Algumas mulheres foram feitas para isso, e Alex é uma delas. É por isso que mesmo com essa história de ser psicóloga ela sente falta.
  • O que quer dizer, Bobby?
  • Pettijohn. Se ela não sentisse falta da prostituição, por que recomeçaria com Pettijohn? Alex ficou em pé na mesma hora e gritou:
  • Ele está mentindo!
  • Nunca ouvi nada mais ridículo – disse Frank Perkins, sinalizando para Alex se levantar. - Bobby Trimble é um ladrão imoral e mentiroso, que desavergonhadamente explorava sua meia-irmã na juventude e que agora a está utilizando para escapar de uma acusação de estupro. Por sinal, uma falsa acusação de estupro, inventada por vocês para estimular essa farsa. Não esperava isso nem de você, Smilow. Vou levar a minha cliente para casa!
  • Por favor, não saiam do prédio! - disse Smilow.
  • Está preparado para acusar a dra. Ladd agora? - disse Perkins, furioso.

Smilow olhou para Steffi e para Hammond, franzindo a testa. Mas nenhum dos dois opinou, e ele disse:

  • Ainda temos de discutir alguns pontos. Por favor, esperem lá fora.

Hammond adotou a saída do covarde e nem olhou para Alex antes de o advogado escoltá-la para fora da sala. A expressão dele não seria condizente com a precaridade da situação dela. As fichas estavam definitivamente se empilhando contra ela. Não era bom augúrio Trimble e ela terem sido parceiros no crime, e nem tinham sido crimes tão insignificantes assim. A vítima, esfaqueada, poderia ter morrido se não fosse por um milagre da medicina.

Depois de anos de separação, Trimble e Alex se reencontravam poucas semanas antes de Lute Pettijohn ser assassinado. A jovem Alex tinha sido a isca que possibilitava a Trimble depenar suas vítimas. Alex tinha um cofre em casa cheio de dinheiro. As implicações eram brutais. O efeito do analgésico que Hammond estava tomando tinha terminado havia horas. Para manter a mente mais clara, ele evitou tomar mais. Seu desconforto devia ser óbvio, porque assim que Perkins levou Alex para fora da sala, Steffi virou-se para ele:

  • Parece que você está à beira de um colapso. Está sentindo dor?
  • Dá para suportar.
  • Terei prazer em buscar qualquer coisa para você.
  • Estou bem.

Mas ele não estava nada bem. Temia ouvir Smilow analisar as declarações de Bobby Trimble e o que elas representavam para o caso deles contra Alex, mas não tinha opção, a não ser dar a palavra ao detetive e ficar ouvindo enquanto ele resumia a história.

  • Foi assim que aconteceu. Na última primavera, Bobby Trimble se meteu numa briga de bar em alguma cidadezinha do interior. Ele se saiu bem na confusão toda. Um dos caçadores de talento de Pettijohn, por assim dizer, testemunhou a luta e recomendou Trimble para o trabalho na ilha Speckle, onde precisavam de um leão-de-chácara.
  • Para espremer os proprietários de terra que não queriam vender.
  • Certo, Steffi. Pettijohn estava querendo comprar a ilha inteira, mas deparou-se com uma resistência que não esperava. Os proprietários tinham herdado as terras dos ancestrais, escravos que, por sua vez, receberam as propriedades de seus antigos donos. Gerações trabalharam naquela terra. É tudo o que conhecem. É o legado e a herança deles. É mais importante para eles que dinheiro, um conceito que Lute não era capaz de compreender. De qualquer modo, eles não queriam o “progresso” na ilha deles.
  • Pettijohn talvez nem pretendesse promover o desenvolvimento da ilha – concluiu Steffi. - Ele provavelmente queria apenas comprála, deixá-la valorizar alguns anos e depois vendê-la com um lucro excelente – ela se virou para Hammond: - Quer dar a sua opinião?
  • Vocês dois estão indo muito bem. Não discordo de nada que disseram até agora. Um inseto nojento como Trimble não está acima de pessoas violentas e trabalhadoras que só querem ficar em paz para viver suas vidas. As táticas dele provavelmente eram muito piores do que ele fazia crer.
  • E eram – disse Smilow. - Meu investigador relatou incêndios, espancamentos e outras atividades do tipo Klan. Trimble organizava os bandidos que faziam essas coisas.
  • Meu Deus! - disse Hammond, enojado.

Seria possível que seu próprio pai estivesse envolvido com tais atrocidades? Preston tinha afirmado desconhecer o terrorismo de Pettijohn. Tinha dito que, quando ficou sabendo, vendeu sua parte na sociedade. Hammond esperava que isso fosse verdade mesmo.

Referindo-se novamente a Bobby Trimble, ele zombou:

  • E essa é a nossa testemunha confiável? Ignorando aquele comentário editorial, Steffi disse:
  • Trimble afirma que compreendeu que estava agindo errado e se recusou a fazer mais trabalho sujo para Pettijohn. O mais provável é que tenha simplesmente se cansado. Aquela ilha não oferece muitas mordomias. Não podia ser nada excitante comparada com seu trabalho de mestre-de-cerimônias no clube de striptease.
  • Lute era um filho-da-mãe avarento – disse Smilow. - Não ia pagar tanto para Trimble. E também não havia muitos lugares na Speckle para Bobby usar suas roupas da moda.

Steffi consultou as anotações que havia feito:

  • E ele não se referiu aos ilhéus como pessoas teimosas? Talvez não tivesse muito sucesso dando suas chaves de braço. Pettijohn pode ter ficado insatisfeito com o desempenho dele e ameaçado demiti-lo.
  • De qualquer modo, Trimble era um empregado descontente, cujo patrão infringia a lei e que coincidentemente tinha muito dinheiro.
  • Em outras palavras, extorsão pedindo para entrar no jogo.
  • Exatamente. O esquema de chantagem fazia sentido economicamente – observou Smilow com um sorriso torto. - Trimble concluiu que estava trabalhando demais e que podia conseguir muito mais dinheiro de Pettijohn ameaçando revelar o que estava acontecendo na Speckle.
  • Você acredita que Pettijohn deu ordem para Bobby machucar aquelas pessoas? Espancá-las? Provocar incêndios? Ou será que Bobby é que estava elaborando?
  • Tenho certeza de que parte daquilo era exagero – disse Smilow.
  • Mas se está me perguntando se acho que Lute era capaz de táticas nefandas como essas, a resposta é sim. Ele fazia qualquer coisa para obter o que queria.
  • O que quer que ele estivesse fazendo, devia ser muito ruim, porque concordou em pagar cem mil dólares em dinheiro vivo para Bobby manter a boca fechada.

Smilow continuou a contar a história:

  • Mas, nas palavras de Bobby, ele “não tinha nascido ontem”. Lute capitulou quase rápido demais às suas exigências. Bobby desconfiou da pressa com que Lute concordou. Pegar o dinheiro era um negócio arriscado. Até Bobby é suficientemente esperto para saber que poderia estar caindo numa armadilha.
  • Entra a irmã dele.
  • Meia-irmã – corrigiu Hammond. - E ela não “entrou”.
  • Tudo bem, ele foi procurá-la e a recrutou.
  • Ele a encontrou por acaso. Viu a foto dela no Post and Courier. Sem dúvida Alex amaldiçoava o dia em que tinha se oferecido

como voluntária para ajudar a organizar o Worldfest, um festival de cinema que durava dez dias, que acontecia todo mês de novembro em Charleston. Um artigo aparentemente inócuo no jornal e uma foto do grupo tinha exposto Alex à sua nêmesis.

Na gravação, Trimble tinha dito: Não pude acreditar quando vi a foto de Alex no jornal. Li os nomes duas vezes antes de compreender que ela devia ter mudado o dela. Procurei o endereço na lista telefónica, fiquei vigiando a casa dela e confirmei que a dra. Ladd era mesmo a meia-irmã que eu tinha perdido havia tanto tempo.

  • Até ver aquele artigo – disse Hammond – ele nem sabia que ela morava em Charleston. Depois de anos se escondendo dele atrás da nova identidade, ela não ficou contente de vê-lo.
  • É isso que ela diz – disse Steffi.
  • Se ele fosse seu irmão, você ficaria contente se ele reaparecesse na sua vida?
  • Talvez. Se tivéssemos sido parceiros bem-sucedidos antes...
  • Parceiros uma ova! Ele usou a sexualidade dela da pior forma que se pode imaginar, Steffi.
  • Você acredita que ela era inocente?
  • Sim, acredito.
  • Hammond, ela era uma prostituta.
  • Tinha doze anos!
  • Está bem, era uma jovem prostituta.
  • Não era nada.
  • Ela fazia favores sexuais por dinheiro. Não é essa a definição de uma prostituta? , 369
  • Crianças – Smilow chamou a atenção deles e pôs fim à disputa de quem gritava mais alto. Reuniu uma pilha de material escrito na pasta do caso e passou para Hammond. - Isso é tudo que você precisa levar para o grande júri. Eles se reúnem na próxima quinta-feira.
  • Eu sei quando eles se reúnem – retrucou Hammond, irritado.
  • Tenho alguns outros casos pendentes. Isso não pode esperar mais um mês, até a próxima reunião? Para que a pressa?
  • E precisa perguntar? - disse Smilow, sarcástico. - Tenho de explicar a importância desse caso?
  • Mais um motivo para ter certeza de costurar tudo antes da audiência com o grande júri – ele tentou se agarrar a um outro argumento. -Você fez um acordo muito fácil para Trimble. O simples furto de uma bolsa. Uma noite na cadeia, no máximo. Ele deve estar morrendo de rir.
  • O que quer dizer com isso?
  • Trimble pode ter matado Pettijohn e está usando a irmã como bode expiatório.

Smilow pensou naquilo um segundo e depois balançou a cabeça.

  • Não há evidência que o situe na cena do crime enquanto que evidências físicas põem Alex Ladd no quarto com Pettijohn. A declaração de Daniel põe Alex lá na hora estimada da morte dele.
  • Frank Perkins poderia invalidar facilmente essa estimativa. E você não tem a arma.
  • Se tivéssemos a arma, acusava a dra. Ladd hoje – disse Smilow.
  • Por falar nisso, lembre ao grande júri que Charleston é cercada de água. Ela poderia ter jogado a arma fora a qualquer hora na noite de sábado.
  • Concordo – disse Steffi. - Nós podíamos procurar até o dia do Juízo Final e não encontrar aquela pistola. Você realmente não precisa dela, Hammond – afirmou ela com segurança.

Ele passou a mão pelo rosto e percebeu que não tinha se barbeado aquela manhã.

  • Vai ser difícil vender-lhes o motivo dela.
  • Vai ser moleza! - argumentou Steffi. - Você tem o testemunho de Trimble sobre o passado dela.
  • Você está viajando, Steffi – disse ele. - Aconteceu há mais de vinte anos. Mas mesmo se tivesse acontecido ontem, Frank jamais permitiria que isso fosse ventilado durante o julgamento. Ele ia argumentar que a ficha dela no juizado de menores é irrelevante, e qualquer juiz justo vai declarar inadmissível. O júri jamais ouvirá aquela merda. Se, por alguma manobra legal da minha parte, for considerado admissível, não sei bem se usaria. Poderia provocar o efeito contrário e se voltar contra nós.

Smilow olhou para Hammond com os olhos semicerrados.

  • Ora, dr. Promotor, talvez esteja representando o lado errado. Está preparado para citar todos e quaisquer obstáculos para este caso, não está?
  • Sei o que pode acontecer no tribunal, Smilow. Só estou sendo realista.
  • Ou covarde. Talvez Steffi devesse alertar Mason de que você anda com nervosismos à última hora.

Hammond engoliu uma resposta obscena. Smilow o provocava de propósito, e uma reação de zanga lhe daria exatamente o que ele queria. Em vez disso, ele disse com toda a calma:

  • Tive uma ideia. Por que você não dispensa todos os modos legais de conseguir uma condenação? Vejamos, que métodos ilícitos você poderia usar? Já sei! - ele estalou os dedos. - Você poderia omitir provas exculpatórias. É, poderia fazer isso. E nem seria a primeira vez, não é?

O maxilar bem barbeado de Smilow se enrijeceu de raiva.

  • Sobre o que você está falando? - perguntou Steffi.
  • Pergunte para ele – respondeu Hammond, sem jamais tirar os olhos de Smilow. - Pergunte a ele sobre o caso Barlow.
  • Se você não estivesse todo arrebentado...
  • Não seja por isso, Smilow!
  • Rapazes, parem com essa besteira! - disse Steffi, impaciente. Já não temos muito com que nos preocupar sem que vocês dois fiquem se estapeando com luvas de pelica? - ela se virou para Hammond: - O que você estava dizendo sobre a ficha de Ladd no juizado de menores funcionar contra nós?

Vários segundos se passaram até Hammond conseguir tirar os olhos de Smilow e se concentrar em Steffi:

  • Quando a dra. Ladd estava ouvindo a gravação de Trimble, bastava observar o seu rosto para ver o quanto ela o detesta. O júri vai observá-la também.
  • Mas talvez não tão intimamente quanto você.

Ele não teria uma reação tão exagerada se ela o tivesse ferido com um espeto em brasa.

  • Que merda é essa?
  • Nada.
  • É alguma coisa – insistiu ele furioso.
  • Apenas uma observação, Hammond – respondeu ela com uma calma enlouquecedora. - Hoje você não conseguiu tirar os olhos da nossa suspeita.
  • Está com ciúme, Steffi?
  • Dela? Nem pensar!
  • Então guarde suas observações maliciosas para você mesma-ele procurou não avançar demais por aquele caminho, com medo de não conseguir mais voltar em segurança. Retomou o assunto onde tinha deixado. - Trimble é viscoso. Chegou até a ofendê-la, e você não se ofende com facilidade. O testemunho dele vai provocar nojo nas mulheres do júri.
  • Vamos ensinar o que ele deve dizer e como deve dizer.
  • Você já viu Frank Perkins interrogando uma testemunha? Ele vai bajular Trimble até ele expor alguma de suas teorias chauvinistas. Trimble ficará vaidoso demais para enxergar a armadilha. Ele cairá nela discursando sem parar, e será a nossa ruína. Seria dureza para mim tentar convencer o júri de que a dra. Ladd, e pode apostar que Frank formará uma fila de testemunhas de defesa do caráter dela, estava mancomunada com um camarada como ele.

Stefi pensou um pouco.

  • Tudo bem, considerando essa discussão, digamos que ela é pura como a neve caindo. Quando seu meio-irmão criminoso apareceu com seu esquema de chantagem, por que ela não deu queixa dele para as autoridades imediatamente?
  • Associação – respondeu Hammond. - Ela quis proteger sua prática e sua reputação. Não queria desencavar todo aquele lixo do passado.
  • Talvez, mas ela podia pagar para ver o blefe dele e ameaçar pôr a polícia no seu encalço. Ou então podia tê-lo ignorado até ele desistir e ir embora.
  • Por algum motivo, acho que não seria tão fácil assim ignorá-lo. Ele ia infernizar a vida dela, ameaçando expô-la aos pacientes e diante da comunidade. E não seriam ameaças vazias. As pessoas estão sempre dispostas a acreditar no pior sobre qualquer pessoa. Os pacientes confiam seus problemas para ela. Será que continuariam a confiar nela se ouvissem o que Bobby tinha para contar? Não, Stefi. Ele era capaz de provocar danos muito sérios, e ela sabia disso.

“Ela construiu um nome profissional. Estabeleceu-se como especialista em angústia profunda. É admirada e respeitada. Depois de todos os anos que levou para se livrar de Deus sabe quantos traumas da infância e reconstruir sua vida, ela faria praticamente qualquer coisa para protegê-la.”

  • Mas esse é exatamente o nosso caso! - exclamou Steffi, excitada.
  • Você acabou de fechá-lo, Hammond. Bobby ameaçou expô-la se ela não compactuasse com os planos dele. Para livrar-se dele, ela concordou em coletar o dinheiro da chantagem. Alguma coisa deu errado dentro daquela suíte do hotel, e ela não teve outra escolha senão matar Pettijohn.

Hammond percebeu tarde demais que tinha escolhido muito mal as palavras. Steffi tinha razão. Ele acabava de articular seu caso.

  • Pode funcionar – resmungou ele.
  • Que outra explicação pode haver para ela ter estado naquela suíte de hotel com Lute Pettijohn? Ela definitivamente não deu nenhuma.

Aquele era o problema. Hammond podia bailar em volta dele o quanto quisesse, mas seus passos de dançarino sempre o levavam de volta. Se Alex era completa e totalmente inocente de qualquer crime, por que tinha ido se encontrar com Pettijohn aquela tarde?

Smilow caminhou para a porta.

  • vou dizer para o Perkins que o grande júri terá a audição do nosso caso na próxima quinta-feira.
  • Por que não a prende simplesmente? - perguntou Steffi.

A ideia de Alex passar algum tempo presa provocou náuseas em Hammond, mas ele achou melhor não mencionar mais nenhum protesto.

Graças a Deus Smilow fez isso por ele.

  • Porque Perkins ia protestar e nos forçar a indiciá-la antes de prendê-la. De qualquer modo, ele a soltaria sob fiança em questão de horas.
  • Ele tem razão, Steffi – disse Hammond, com a sensação de ter recebido um adiamento na sua sentença de morte. - Quando ela for indiciada, prefiro ter uma indiciação do grande júri por trás.

Smilow saiu e deixou a sala dele para os dois. Steffi olhou com simpatia para Hammond.

  • Tem certeza de que consegue preparar o caso? Quer você admita ou não, esse ataque não custou barato. Provavelmente vai se sentir ainda pior nos próximos dias, quando tudo ficar sensível. Será um prazer assumir essa responsabilidade por você.

Aparentemente, parecia um colega preocupado oferecendo um favor a outro, mas Hammond não sabia se o gesto era totalmente desinteressado. Ela queria o caso, e provavelmente se ressentia de terem dado para ele.

Além do mais, a oferta dela também podia ser uma armadilha bem montada. Depois da indireta de que ele não conseguia tirar os olhos de Alex, ele ficou desconfiado. Se Steffi estivesse tendo até a mais vaga ideia de que ele sentia atração por Alex, ela o vigiaria como um falcão. Tudo que ele dissesse e fizesse passaria pelo filtro da suspeita dela. Se ela descobrisse que a atração que ele sentia ia muito além do que ela imaginava, seria um desastre para ele e para Alex. Ele não podia deixar transparecer que favorecia a suspeita.

Por outro lado, a oferta de Steffi podia ser completamente desinteressada, sua preocupação genuína. Tinha todo o direito de estar zangada e aborrecida com ele por causa do rompimento, mas não tinha deixado que isso comprometesse a relação profissional dos dois. Era ele que tinha seus motivos ocultos. Contrariado, ele agradeceu a oferta dela:

  • Agradeço muito, mas tenho uma semana para me recuperar. Tenho certeza de que na próxima quinta-feira estarei de volta ao normal e pronto para outra.
  • Se você mudar de ideia...
  • A imprensa está lá fora? - perguntou Frank Perkins, incrédulo e irritado.
  • Foi o que me disseram-respondeu Smilow suavemente. - Achei que você devia saber.
  • Quem deixou vazar a informação?
  • Eu não sei.

O advogado bufou com desprezo:

  • Claro que não.

Ele deu meia-volta, segurou o braço de Alex e a levou até o elevador.

Steffi esgueirou-se para perto de Smilow e observou:

  • Mal posso esperar pela quinta-feira.
  • Não vai ser fácil.

Ela olhou para o detetive, surpresa com o tom desanimado de sua voz.

  • Não me diga que o pessimismo de Hammond é contagioso. Pensei que você estaria distribuindo charutos para os seus detetives.
  • Os argumentos de Hammond têm lá seus méritos – disse ele, pensativo. - Primeiro, ele tem de convencer o grande júri de que Alex Ladd é indiciável. Se eles realmente concederem um indiciamento, ele terá de provar para o júri que ela é culpada, acima de qualquer dúvida razoável. As nossas provas são circunstanciais, Steffi. O testemunho de Trimble tem o handicap do próprio Trimble. Não é grande coisa para um promotor construir seu caso.
  • Antes do julgamento começar vão aparecer mais provas.
  • Se é que existem.
  • Mas tem de haver mais.
  • Não, se não foi ela – Steffi olhou para ele com os olhos semicerrados, mas ele fingiu que não notou e se afastou. - Tenho um monte de trabalho à minha espera.

Desapontada com as observações dele, Steffi ficou fazendo hora no corredor até Hammond sair do banheiro dos homens. Entraram juntos no elevador.

  • Os repórteres estão lá fora.
  • Já soube.
  • Vai encarar? - perguntou ela, dando um tapinha amistoso no braço machucado de Hammond.

No andar térreo, eles viram através das portas de vidro a multidão de repórteres à espera nos degraus da entrada.

  • Não importa se estou disposto ou não. Preciso fazer isso. Mais tarde Steffi teve de admitir que ele se saiu bem. Apesar de menosprezar seus ferimentos, eles o fizeram parecer arrojado e corajoso, um soldado ferido, pronto para enfrentar a batalha.

Quase não se falaram na volta para o centro jurídico, ao norte de Charleston. Assim que entraram no prédio, Hammond pediu licença e se trancou na sua sala particular. Steffi, perdida em seus pensamentos, literalmente deu um encontrão em Monroe Mason quando ele dobrava afobado a esquina de um corredor. Ele levava um smoking pendurado no braço.

  • O patrão está saindo mais cedo – brincou ela. Mason franziu a testa.
  • A minha mulher inventou um daqueles chatíssimos eventos beneficentes esta noite. Um banquete em que todos que comparecerem recebem um prémio. Mas quem precisa de mim por aqui de qualquer maneira? Vocês todos estão fazendo um ótimo trabalho sem a minha ajuda. O meio-irmão da dra. Ladd forneceu o elo perdido para Hammond, não foi? Agora ele tem o motivo. Parece consistente.
  • O depoimento de Trimble fez toda a diferença.
  • Eu apostaria todo o meu dinheiro na nossa equipe.
  • Obrigada.
  • Agora chega de retórica – disse ele, sorrindo, de bom humor. O que diz o seu instinto, Steffi? Que tipo de caso você tem?

Steffi se lembrou das preocupações de Smilow e respondeu:

  • Gostaríamos de ter provas mais concretas.
  • Cite um promotor que não deseja isso. Raramente pegamos o acusado com uma arma fumegante na mão. Às vezes, e realmente costuma ser assim, temos de criar alguma coisa de muito pouco, até do nada. Hammond vai conseguir o indiciamento e, quando o caso for a julgamento, ele obterá o veredicto de culpada. Não tenho dúvida nenhuma da capacidade dele.

Apesar de todo o esforço que teve de fazer com os músculos da face, Steffi sorriu.

  • Eu também não tenho. Se ele não se deixar levar pelas emoções. Mason olhava para seu relógio de pulso.
  • Preciso ir. Vou encontrar meu treinador para malhar um pouco e fazer uma massagem antes de vestir essa fantasia. O coquetel começa às cinco. A sra. Mason me fez jurar que não ia me atrasar.
  • Divirta-se.

Ele franziu a testa.

  • Isso é uma piada, não é?
  • Sim, senhor, isso é uma piada – dando risada, ela desejou que ele tivesse uma noite agradável.

Mason tinha quase chegado ao fim do corredor quando parou e deu meia-volta.

  • Steffi?

Ela estava de costas para ele, de forma que não deu para ver o sorriso triunfante que se espalhou pelo rosto dela. Ela o desfez antes de virar-se para ele.

  • O quê?
  • O que você quis dizer com aquela observação?
  • Observação?
  • Sobre Hammond se deixar levar pelas emoções.
  • Ah – ela deu uma risada. - Eu estava brincando. Não foi nada. Ele voltou para perto dela.
  • Foi a segunda vez que você fez uma alusão ao fato de Hammond estar interessado na dra. Ladd. Não considero isso nada. E certamente não acho que é assunto para brincadeiras.

Steffi mordeu a bochecha por dentro.

  • Se não o conhecesse tão bem... - disse ela, e interrompeu a frase. Então balançou a cabeça com firmeza. - Mas conheço. Todos nós conhecemos. Hammond jamais perderia sua objetividade.

-Nunca.

  • Claro que não.
  • Bem, então... boa-noite.

O procurador municipal seguiu pelo corredor. Ao perdê-lo de vista, Steffi entrou na sua sala praticamente aos pulos. Tinha plantado a semente no início daquela semana. Hoje a tinha regado.

  • Vamos ver se a mente dele é fértil – disse para si mesma enquanto se sentava à sua mesa e folheava a pilha de recados telefónicos.

O recado que ela tanto esperava não estava lá. Irritada, ela discou um número.

  • Laboratorista Anderson falando.
  • Aqui é Steffi Mundell.
  • Sim? ???Jim Anderson trabalhava no laboratório do hospital e era um encrenqueiro de marca. Steffi sabia disso porque tinha tido atritos e confrontos com a agressividade dele antes. Ela exigia exatidão associada à rapidez, o que ele parecia incapaz de produzir.
  • Você já fez aquele teste?
  • Eu disse que ligaria assim que fizesse.
  • Ainda não fez?
  • Por acaso eu liguei?

Ele nem se incomodou de se desculpar ou de lhe dar alguma explicação.

  • Preciso do resultado desse teste para um caso muito importante
  • disse ela. - É vital. Talvez não tenha deixado isso claro para você esta manhã.

-Você deixou bem claro, sim. E eu também deixei bem claro que trabalho para o hospital, não para o departamento de polícia, e tampouco para o promotor público. Tenho outros trabalhos antes do seu que também são muito importantes.

  • Nada é tão urgente quanto isso.
  • Entre na fila, srta. Mundell. É assim que funciona.
  • Olha, não preciso de teste de DNA. Nem de HIV. Nada complicado, por enquanto. É só tipologia de sangue.
  • Eu sei.
  • Só preciso saber se o sangue naquela toalha combina com o do lençol que Smilow levou para você algumas semanas atrás.
  • Eu entendi da primeira vez que me pediu isso.
  • Qual é o problema, então? - disse ela, elevando a voz. - Você não tem de simplesmente espiar através de um microscópio ou qualquer coisa assim?
  • Terá o resultado quando eu fizer o exame. Anderson desligou o telefone na cara dela.
  • Filho-da-puta – sibilou ela, batendo o fone no gancho. Nada deixava Steffi mais furiosa do que incompetência, só

incompetência combinada com arrogância injustificada.

Merda, precisava daquele exame de sangue! Ela estava tendo um palpite muito forte, e seus palpites raramente falhavam. Desde que tinha surgido aquela manhã, a ideia passou a consumir seus pensamentos e agora tinha virado obsessão. Por mais impossível que pudesse parecer, ela achava que havia um estranho sentido no fato de haver alguma coisa entre Hammond e Alex Ladd, e que essa “coisa” era sexual. Ou pelo menos romântica. Não ousava comentar suas suspeitas com Smilow. Ele provavelmente as consideraria absurdas e, nesse caso, ela faria o papel de boba na melhor das hipóteses, e de ex-amante ciumenta na pior. Ele contaria a teoria dela para sua equipe de detetives, que faria de Steffi alvo de suas piadas. O detetive Mike Collins e os outros que não eram capazes de aceitar mulheres em postos de comando nunca mais a levariam a sério. Tudo que ela dissesse ou fizesse seria minado pela zombaria deles. E isso seria intolerável. Tinha lutado muito para conquistar a reputação de promotora durona e sensata e não ia prejudicá-la com algo tão risivelmente feminino como ver romance onde não havia nada. Mas seria quase tão ruim se Smilow acreditasse no palpite dela. Ele iria adiante com a ideia. Diferentemente de Steffi, ele tinha recursos e influência para fazer uma investigação muito séria. Faria pular os babacas como Jim Anderson, e o técnico do laboratório do hospital só perguntaria até que altura. Smilow teria o resultado daquele exame de sangue na mesma hora. Se as amostras combinassem, Smilow levaria ? crédito de fazer a conexão entre Hammond e a suspeita deles. Se ela estivesse certa não queria dividir o crédito com Smilow ou com qualquer outra pessoa. Queria tudo só para ela. Se Hammond tivesse de cair em desgraça – será que ela podia torcer pela sua expulsão da Ordem dos Advogados? - por prejudicar uma investigação de assassinato, queria ser a pessoa que ia expô-lo. Sozinha. Chega de tocar o segundo violino, chega de projetos de grupo para Steffi Mundell, muito obrigada. Seria deliciosamente divertido ver Hammond despencar do seu pedestal. E seria muito gratificante derrubá-lo pessoalmente de lá. O comportamento dele aquele dia quando ouvia a gravação de Trimble tinha reforçado suas suspeitas. Ele havia reagido como um amante ciumento. Era claro que considerava Alex Ladd uma vítima da exploração do meio-irmão. Sempre que possível ele tinha se adiantado em sua defesa, descobrindo ângulos que sugeriam inocência. Não era uma boa atitude para um promotor que tentava convencer os outros da culpa da acusada. Talvez ele só sentisse pena da inocência perdida da moça. Ou então simpatia pela profissional prestes a perder toda credibilidade e respeito. Mas, de qualquer maneira, havia alguma coisa ali. Definitivamente.

  • Eu sei – sussurrou Steffi com convicção.

Steffi era dotada de uma intuição aguçada. Sentia o cheiro de mentiras e percebia motivações que ninguém mais notava no escritório do procurador público. Essa habilidade tinha sido muito útil. Seus instintos ganhavam vida e zuniam ruidosamente toda vez que Hammond e Alex Ladd estavam próximos um do outro. Mas a certeza que tinha ia além dos seus instintos de promotora. Sua intuição feminina também alimentava essa impressão. Enquanto observava os dois se olhando, os sinais ficavam cada vez mais óbvios. Eles evitavam contato visual direto, mas sempre que efetuavam esse contato quase dava para ouvir o clique de uma ignição. Alex Ladd demonstrou ter ficado arrasada quando Trimble relatou os detalhes mais lascivos do seu passado. A maioria das suas negativas verbais tinha sido dirigida a Hammond. E ele, que tinha fama de possuir uma habilidade extraordinária de focalizar e de se concentrar no assunto em pauta, não conseguia parar quieto. Ficava se mexendo o tempo todo. As mãos não paravam. Agia como se sentisse uma coceira que não pudesse coçar. Steffi reconhecia aqueles sinais. Ele tinha se comportado daquela forma quando o caso deles começou. Ir para a cama com uma colega de trabalho deixava Hammond inquieto. Ele se preocupava com o fato de não ser apropriado. Ela o provocava, dizendo que, se não relaxasse quando estavam em público, seus tiques nervosos iam acabar denunciando os dois. Mas não sinto ciúme, pensou Steffi no presente. Não sinto ciúme dele, e certamente não a invejo. Não mesmo. Superficialmente, ela podia parecer a típica mulher desprezada. Mas não era ciúme que alimentava seu desejo de chegar ao fundo daquela questão. Era muito mais que ciúme. Muito maior. Seu futuro dependia disso. Ia continuar cavando até obter uma resposta, mesmo se o seu palpite estivesse errado. Um dia, quando a dra. Ladd estivesse curtindo a prisão, talvez contasse para Hammond essa ideia maluca que teve. E eles dariam boas risadas. Ou então podia descobrir um segredo escandaloso que arruinaria por completo a reputação de Hammond Cross e acabaria com qualquer chance de ele se tornar procurador do município. E se isso acontecesse, adivinhem quem estaria pronta e preparada para assumir o cargo? O melhor detetive de homicídio do Departamento de Polícia de Charleston estava pronto para alegar que Alex Ladd tinha matado Lute Pettijohn. A função de Hammond era argumentar e provar o caso da promotoria pública num tribunal de Justiça. Mas o caso da promotoria pública era contra uma mulher por quem ele havia se apaixonado. Além disso, ele era uma testemunha essencial nesse caso. Esses eram dois motivos muito poderosos para ele querer invalidar a alegação da promotoria. Mas havia um outro motivo ainda mais poderoso, influente e urgente. A vida de Alex corria perigo. A mídia tinha descoberto a história de terem revirado a casa dela na véspera. Ela sofrera um atentado na noite anterior. Isso não podia ser uma coincidência. O invasor provavelmente tinha sido contratado para silenciar Alex. Como tinha falhado, certamente tentaria de novo.

Smilow e seus homens tinham concentrado toda a atenção em Alex, deixando a cargo de Hammond a tarefa de encontrar outro possível suspeito, ou suspeitos. com esse objetivo, Hammond trancou-se na sua sala com o arquivo sobre o caso que Smilow tinha dado para ele. Desligou-se mentalmente do caso. Descontando seu investimento pessoal, ele se concentrou apenas nos aspectos legais e abordou o caso exclusivamente a partir desse ponto de vista. Quem queria ver Lute Pettijohn morto? Rivais nos negócios? Certamente. Mas de acordo com os arquivos de Smilow, todos os interrogados tinham álibis concretos. Até o pai dele. Hammond havia verificado pessoalmente o álibi de Preston. Davee? Mais ainda. Mas Hammond achava que, se ela tivesse matado o marido, não faria segredo nenhum disso. Seria uma produção e tanto. Era mais o estilo dela. Confiando no seu poder de concentração e capacidade de raciocínio, ele organizou e absorveu todos os dados que o arquivo do caso continha. A essa informação Hammond acrescentou os fatos que ele conhecia, e Smilow não:

  1. Que o próprio Hammond tinha estado com Lute Pettijohn logo antes do seu assassinato.
  2. Que o bilhete escrito à mão, que Davee tinha dado para ele, indicava que Hammond não era a única visita que Lute tinha marcado para aquele sábado à tarde.
  3. Que Lute Pettijohn estava sendo secretamente investigado pelo ministério da Justiça.

Isolado, nenhum desses fatos parecia relevante. Mas, juntos, aguçavam a curiosidade de Hammond como promotor e geravam perguntas... e a procura de motivos, independentemente do fato de querer que Alex fosse inocente. Mesmo se não estivesse emocionalmente envolvido com ela, Hammond não queria de jeito nenhum condenar uma pessoa inocente. Não importava quem fosse o principal suspeito, essas perguntas exigiam novas investigações. Utilizando mentalmente esses fatos não revelados, ele repassou cada conversa que teve sobre o caso. Com Smilow, Steffi, com o pai dele, Monroe Mason, Loretta. Retirou Alex da equação e fingiu que ela não existia, que o suspeito continuava um mistério. Assim ele pôde escutar cada pergunta, cada declaração e cada observação espontânea com ouvidos novos em folha. por incrível que pareça, foi uma afirmação dele mesmo que chamou sua atenção e o arrancou daquele fluxo preguiçoso de consciência: “As balas mais comuns da pistola mais comum. Há centenas de 38 só nesta cidade. Até no seu depósito de provas, Smilow.” Subitamente Hammond sentiu uma energia nova e uma determinação muito forte para justificar o próprio comportamento irracional nos últimos dias. Tudo... sua carreira, sua vida, sua paz de espírito... dependia de exonerar Alex e de provar que ele estava certo. Hammond olhou para seu relógio de mesa. Se corresse, talvez ainda pudesse começar sua investigação aquela tarde mesmo. Recolheu apressadamente o arquivo, enfiou-o na pasta e saiu da sala. Tinha acabado de sair do prédio pela porta principal e estava sentindo o bafo do calor de fornalha quando ouviu o seu nome.

  • Hammond.

Só uma pessoa tinha aquela voz imperativa. Hammond grunhiu por dentro e deu meia-volta.

  • Oi, pai.
  • Podemos voltar para a sua sala para conversar?
  • Como pode ver, estou de saída e com uma certa pressa de chegar ao Centro da cidade antes do fim do expediente. O caso Pettijohn será apresentado ao grande júri na quinta-feira.
  • É sobre isso mesmo que eu quero conversar com você. Preston Cross jamais aceitava um não como resposta. Ele guiou

Hammond até uma sombra estreita colada à fachada do edifício.

  • O que aconteceu com o seu braço?
  • Uma história muito comprida para explicar agora – respondeu ele com impaciência. - O que é tão urgente que não pode esperar?
  • Monroe Mason ligou para mim do celular quando estava a caminho da academia esta tarde. Ele está profundamente preocupado.
  • Qual é o problema?
  • Tremo só de pensar nas consequências se as especulações de Monroe estiverem corretas.
  • Especulações?
  • De que você tenha adquirido um interesse impróprio por aquela dra. Ladd.

Aquela dra. Ladd. Sempre que seu pai falava depreciativamente de alguém ele punha o pronome na frente do nome. A despersonalização era sua maneira sutil de expressar o desprezo que sentia pelo indivíduo. Procurando ganhar tempo, Hammond disse:

  • Sabe de uma coisa, estou começando a me aborrecer de verdade com essa história de o Mason ligar para você toda vez que ele tem algum problema comigo. Por que ele não vem falar diretamente comigo?
  • Porque ele é um velho amigo. Se ele acha que meu filho está prestes a arruinar seu futuro, o respeito que tem por mim faz com que ele queira me avisar. Tenho certeza de que ele queria que eu interviesse.
  • O que você faz com o maior prazer.
  • E faço mesmo!

O rosto de Preston tinha ficado vermelho até as raízes dos cabelos brancos. Havia umas gotas de saliva no canto da boca. Ele raramente perdia a calma e considerava explosões emocionais de qualquer tipo uma fraqueza reservada para mulheres e crianças. Tirou um lenço do bolso de trás da calça e secou o suor da testa com o quadrado branco de linho irlandês bem passado. Já mais calmo, ele disse:

  • Diga-me que a impressão de Monroe não tem qualquer fundamento.
  • De onde ele tirou essa ideia?
  • Primeiro da sua atitude apática em relação a este caso.
  • Eu não usaria essa palavra. Tenho ralado muito. E claro que sou cauteloso...
  • Demais.
  • Na sua opinião.
  • E parece que na de Mason também.
  • Então é ele que tem de chamar a minha atenção, não você.
  • Desde o início você vem se arrastando. Seu mentor e eu gostaríamos de saber por quê. Foi a suspeita que fez você se acovardar? Você está gostando dessa mulher?

Hammond fixou os olhos no pai, mas continuou obstinadamente calado.

As feições de Preston Cross se enrijeceram de fúria.

  • Meu Deus, Hammond! Não acredito! Você ficou louco?
  • Não.
  • Uma mulher? Você sacrificaria todas as suas ambições...
  • Você não quer dizer todas as suas ambições?
  • ... por uma mulher? Depois de chegar tão longe, como pode se comportar assim...
  • Comportar? - Hammond rosnou uma risada de desprezo. Você tem topete mesmo para me acusar de algum problema de comportamento. E o seu comportamento, pai? Que tipo de exemplo moral você deu para mim? Talvez eu tenha adaptado os meus valores para ficarem iguais aos seus. Só que eu definitivamente não chegaria a queimar cruzes.

O pai dele piscou bem rápido, e Hammond percebeu que o tinha atingido.

  • Você é da Klan?
  • Não! Claro que não!
  • Mas você sabia daquilo tudo, não sabia? Sabia muito bem o que estava acontecendo na ilha Speckle. Além do mais, você sancionou aquilo.
  • Eu pulei fora.
  • Não inteiramente. Lute está fora. Ele foi assassinado, por isso escapou da rede. Mas você ainda está vulnerável. Está se descuidando, pai. O seu nome está naqueles documentos.
  • Já compensei o que aconteceu na ilha Speckle.

Ah, os famosos jab e gancho super-rápidos de Preston! Como sempre, Hammond não foi capaz de prever.

  • Estive na ilha Speckle ontem – disse Preston calmamente. Com as vítimas do apavorante terrorismo de Lute. Expliquei para elas que fiquei mortificado quando soube o que ele estava fazendo, e que tinha deixado imediatamente de fazer parte da sociedade. Dei mil dólares para cada família para cobrir qualquer prejuízo causado às suas propriedades, pedi desculpas sinceras e fiz uma contribuição substancial para a igreja da comunidade. Também criei um fundo de bolsas escolares – ele fez uma pausa e olhou para Hammond com simpatia. -Agora, à luz desse gesto filantrópico, você realmente acha que alguém pode me processar criminalmente? Pode tentar, filho, e verá o tamanho do seu fracasso!

Hammond ficou tonto e nauseado, e não graças ao calor ou aos seus ferimentos.

  • Você os comprou.

Mais uma vez aquele sorriso beatífico.

  • com trocados.

Hammond não conseguia se lembrar de outro momento em sua vida que tivesse desejado tanto bater em alguém. Queria amassar os lábios do pai com o punho até eles ficarem arrebentados e sangrando, até não poderem mais formar aquele sorriso condescendente. Controlando aquele impulso, ele baixou o tom de voz e aproximou o rosto do rosto do pai.

  • Não seja tão convencido, pai. Vai custar bem mais que alguns trocados da caixa pequena para fazer isso ir embora. Você ainda não se livrou. Você é um filho-da-puta corrupto. Você é a definição de corrupção. Por isso não me venha com sermões sobre comportamento. Nunca mais!

Tendo dito isto, Hammond deu meia-volta e foi caminhando para o estacionamento.

Preston agarrou seu braço esquerdo e puxou-o com força.

  • Quer saber de uma coisa? Eu espero mesmo que isso venha a público. Sobre você e essa moça. Espero que alguém tenha fotos de você no meio das pernas dela. Espero que as publiquem no jornal e exibam na televisão. Estou feliz de você estar nessa enrascada. É bem feito para você, seu merdinha hipócrita! Você e seu farisaísmo de bommoço, suas atitudes de escoteiro, me dão vontade de vomitar há anos
  • disse ele num tom de deboche.

Ele cutucou com força o peito de Hammond com o dedo indicador.

  • Você é tão corruptível quanto qualquer um. Só que até agora ainda não tinha sido posto à prova. E foi ganância que fez você sair do caminho reto e estreito? Não. Foi a promessa de poder? Não.

Preston deu uma risadinha.

  • Foi por um rabo. No que me diz respeito, é isso que dói mais. Você poderia ao menos se corromper com alguma coisa mais difícil de conseguir.

Os dois homens se encararam furiosos e a animosidade entre eles borbulhava na superfície depois de cozinhar por tantos anos sob camadas espessas de ressentimentos. Hammond sabia que nada que dissesse abalaria a vontade de ferro do pai, e subitamente compreendeu que não se importava com isso. Para que se defender e a Alex de um homem que não respeitava? Ele reconheceu Preston como realmente era e não gostou. A opinião que o pai tinha dele, de qualquer coisa, não impOrtava mais, porque não havia integridade nem honra por trás. Hammond deu as costas para Preston e foi embora. Smilow teve de esperar meia hora no saguão do Charles Towne Plaza até uma das cadeiras de engraxate vagar.

  • O brilho está se mantendo muito bem, sr. Smilow.
  • Então tire apenas a poeira, Smitty.

O velho engraxate iniciou uma conversa sobre o fracasso atual do Braves de Atlanta.

Smilow interrompeu.

  • Smitty, você viu esta mulher no hotel na tarde em que o sr. Pettijohn foi assassinado? Smilow mostrou para ele a fotografia de Alex Ladd que tinha saído na edição vespertina do jornal. Tinha feito uma ampliação para definir melhor suas feições.
  • Sim, eu vi, sr. Smilow. Eu a vi na televisão esta tarde também. É ela que vocês todos acham que o matou.
  • O indiciamento dela pelo grande júri na semana que vem vai depender da força das nossas provas. Quando você a viu ela estava com alguém?
  • Não, senhor.
  • Você já viu este homem?

Smilow mostrou a foto de Bobby Trimble tirada na delegacia.

  • Só na televisão, a mesma história, essa mesma foto.
  • Nunca aqui no hotel?
  • Não, senhor.
  • Tem certeza?
  • O senhor me conhece e sabe como sou com fisionomias, sr. Smilow. Raramente esqueço uma.

O detetive balançou a cabeça distraído enquanto guardava as fotos no bolso de cima do paletó.

  • A dra. Ladd parecia zangada ou aborrecida quando você a viu?
  • Aparentemente, não, mas não fiquei olhando para ela muito tempo. Eu a notei quando chegou porque tem um cabelo muito bonito, sabe? Apesar de velho, ainda gosto de admirar moças bonitas.
  • Você vê muitas passando por aqui.
  • Muitas feias também – disse ele, dando uma risada. - De qualquer forma, essa estava sozinha e muito na dela. Passou direto pelo saguão e foi para os elevadores. Depois de pouco tempo, ela desceu. Foi até o bar. Logo depois eu a vi voltando para os elevadores.
  • Espere aí – Smilow inclinou o corpo mais perto do homem que lustrava seus sapatos. - Você está dizendo que ela subiu duas vezes?
  • Foi o que eu disse.
  • Quanto tempo ela ficou lá em cima na primeira vez?
  • Cinco minutos, talvez.
  • E na segunda?
  • Não sei. Não vi quando ela desceu de novo.

Ele deu uma última escovada nos sapatos de Smilow. O detetive desceu da cadeira e abriu os braços para Smitty passar uma escova no seu paletó.

  • Smitty, você mencionou para qualquer pessoa que eu engraxei meus sapatos aquele dia?
  • Ninguém perguntou, sr. Smilow.
  • Gostaria que não contasse para ninguém, está bem? Smilow deu meia-volta e entregou uma boa gorjeta para Smitty.
  • Claro, sr. Smilow. Claro. Sinto muito pela outra.
  • Que outra?
  • A senhora. Desculpe não tê-la visto descer a segunda vez.
  • Tenho certeza de que você estava ocupado. O engraxate sorriu.
  • Sim, senhor. Naquele sábado isso aqui estava como a Estação Central. Muita gente entrando e saindo o tempo todo – ele coçou a cabeça. - É engraçado, não é? Todos vocês aqui no mesmo dia.
  • Todos nós?
  • O senhor, aquela médica, o advogado.

A mente de Smilow funcionou como uma armadilha de aço que acabava de ser destravada.

  • Advogado?
  • Do escritório do promotor público. Aquele que apareceu na televisão.

Hammond ficou esperando no corredor até ver Harvey Knuckle sair da sala dele, às cinco horas em ponto. O génio do computador trancou conscienciosamente a porta, e quando se virou Hammond já estava em cima dele.

  • Oi, Harvey.
  • Dr. Cross! - exclamou ele, e recuou até encostar na porta da sala dele. - O que está fazendo aqui?
  • Acho que você sabe.

O proeminente pomo-de-adão de Knuckle subiu e depois desceu pelo pescoço magro. Engoliu em seco ruidosamente.

  • Sinto muito, mas não tenho a menor ideia.
  • Você mentiu para Loretta Boothe – disse Hammond, jogando verde. - Não mentiu? Harvey tentou disfarçar seu nervosismo culpado com petulância.
  • Não sei do que você está falando.
  • Estou falando de cinco a dez anos por pirataria na informática.
  • Hein?
  • Poderia condená-lo por diversos crimes sem esforço algum, Harvey. A menos que você coopere comigo agora. Quem pediu para você investigar a dra. Alex Ladd?
  • O quê?

Os olhos de Hammond praticamente empalaram Harvey à porta do escritório atrás dele.

  • Está bem. Ótimo. Trate de arrumar um bom advogado de defesa
  • disse Hammond, e já ia embora.
  • Foi a Loretta – gaguejou Harvey. Hammond voltou para perto dele.
  • E quem mais?
  • Ninguém.
  • Harveeey?
  • Ninguém!
  • Tudo bem.

Harvey relaxou, molhou os lábios com a língua grossa, mas o sorriso amarelo se desfez quando Hammond perguntou:

  • E quanto a Pettijohn?
  • Eu não sei...
  • Conte o que quero saber, Harvey.
  • Estou sempre disposto a ajudá-lo, dr. Cross, sabe muito bem disso. Não sei do que está falando.
  • Registros, Harvey – disse ele, com a paciência se esgotando. Quem pediu para você investigar os registros de Pettijohn? Contratos. Terras. Documentos de sociedades, coisas assim.
  • Foi o senhor – guinchou Harvey.
  • Usei canais legais. Quero saber quem mais estava interessado nos negócios dele. Quem pediu para você invadir os registros dele?
  • O que o faz pensar que...

Hammond avançou mais um passo para cima dele e baixou o tom de voz.

  • Quem quer que tenha sido, teve de pedir a informação para você, por isso não seja evasivo e não tente me enrolar com essa expressão falsa de inocência e confusão, senão vou acabar me zangando. A prisão pode ser muito cruel para um cara como você, você sabe
  • ele fez uma pausa para o outro entender bem o significado daquelas palavras. - Agora, quem foi?
  • Duas pessoas. Mas em épocas diferentes.
  • Recentemente? Harvey balançou a cabeça concordando com tanta pressa que os dentes bateram uns nos outros.
  • Nos últimos dois meses, por aí.
  • Quem eram essas duas pessoas?
  • O detetive Smilow.

Hammond continuou com ar imperturbável:

  • E quem mais?
  • O senhor devia saber, dr. Cross. Ela disse que o senhor tinha pedido.

Viciada em notícias, Loretta Boothe assistia aos primeiros noticiários da noite, pulando de um canal para outro e comparando as coberturas da história de Alex Ladd. Ficou consternada de ver Hammond encarando as câmeras de televisão todo estropiado, com o braço numa tipóia. Quando é que ele tinha se machucado daquele jeito? E de que maneira? Tinham se visto na véspera. Quando terminaram os telejornais e começou a Roda da Fortuna, a filha dela, Bev, passou pela sala com seu uniforme de trabalho.

  • Fiz uma macarronada para o meu almoço, mãe. Sobrou bastante na geladeira para você. E ingredientes de salada também.
  • Obrigada, querida. Não estou com fome agora, mas talvez mais tarde.

Bev hesitou quando chegou à porta.

  • Você está bem?

Loretta viu a preocupação nos olhos da filha, a desconfiança. A harmonia entre as duas ainda era experimental. Ambas queriam desesperadamente que as coisas dessem certo dessa vez. Ambas temiam que não desse. Loretta tinha prometido e quebrado promessas tantas vezes que nenhuma das duas confiava nos seus juramentos mais recentes. Tudo dependia de Loretta manter-se sóbria. Ela só precisava fazer isso. Mas era muita coisa.

  • Estou bem – ela deu um sorriso com a intenção de tranquilizar Bev. - Sabe aquele caso em que eu estava trabalhando? Vão levá-lo ao grande júri na quinta-feira.
  • com base em informações que você deu?
  • Em parte.
  • Puxa! Isso é ótimo, mãe! Você ainda leva jeito pra coisa. O cumprimento de Bev fez bem para Loretta.
  • Obrigada. Mas acho que isso significa que estou sem trabalho de novo.
  • Depois desse sucesso, tenho certeza de que vai arranjar outros.
  • Bev abriu a porta. - Tenha uma boa-noite. Vejo você de manhã.

Depois que Bev foi embora, Loretta continuou assistindo ao Programa, mas só por falta de coisa melhor para fazer. O apartamento estava claustrofóbico aquela noite, apesar dos cómodos não estarem menores do que eram ontem ou anteontem. A inquietude não era externa, ela partia de dentro. Loretta pensou em sair, mas seria arriscado. Seus amigos eram bêbados também. Os lugares que ela conhecia eram tentadores demais para quem tentava tomar um drinque só. E mesmo um único drinque significaria o fim da sua sobriedade, e ela voltaria exatamente para o ponto em que estava antes de Hammond contratá-la para trabalhar no caso Pettijohn. Ela queria que o trabalho não tivesse terminado. Não só por causa do dinheiro. Apesar do salário de Bev ser suficiente para sustentar as duas, Loretta também queria contribuir para pagar as contas da casa. Seria bom para sua auto-estima, e precisava da independência que resultava do fato de ter renda própria. Além do mais, enquanto estava trabalhando não sentiria tanta sede. O ócio era o perigo que precisava evitar. Não ter nada de construtivo para fazer é que alimentava o desejo do que não podia ter. Com tempo sobrando, ela começava a pensar que sua vida era muito trivial, que realmente não ia fazer muita diferença se bebesse até morrer, que podia facilitar as coisas para si mesma e para todas as pessoas ligadas a ela. Uma associação de ideias muito perigosa. Pensando bem, Hammond não tinha dito especificamente que não precisava mais dos serviços dela. Depois que ela lhe deu o serviço sobre a dra. Alex Ladd, ele saíra daquele bar como se a cueca estivesse pegando fogo. Parecia um pouco abatido, mas mal podia esperar para usar a informação que ela havia conseguido, e o que ele fez deve ter dado certo, porque agora ele estava apresentando seu caso de assassinato para o grande júri. Contatar Harvey Knuckle hoje provavelmente tinha sido supérfluo. Hammond parecia afobado e nada interessado quando ela revelou seu palpite de que Harvey tinha mentido para ela aquela manhã. Mas que diabos? Não tinha custado nada fazer esse esforço adicional. Apesar dos ferimentos, qualquer que fosse a causa deles a voz de Hammond tinha soado bem forte e cheia de convicção quando se dirigiu aos repórteres nos degraus da entrada da delegacia de polícia.

Ele explicou que a aparição de Bobby Trimble tinha sido a reviravolta do caso.

  • com base na força do testemunho dele, tenho confiança de que a dra. Ladd será indiciada.

Por outro lado, o advogado da dra. Ladd, que Loretta só conhecia pela reputação, tinha dito para a mídia que aquele era o erro mais gritante cometido pela polícia de Charleston e pelo assistente do promotor público, dr. Cross. Tinha certeza de que, quando todos os fatos fossem revelados, a dra. Ladd seria inocentada e as autoridades teriam de pedir perdão para ela em público. Ele já estava pensando em mover um processo de difamação. Loretta reconheceu aquele jargão típico dos advogados, apesar das afirmações de Frank Perkins terem sido particularmente veementes. Das duas, uma: ou ele era um excelente orador, ou então estava sinceramente convencido de que a sua cliente era inocente. Talvez Hammond realmente estivesse com a suspeita errada. Se fosse esse o caso, ia fazer papel de idiota no caso mais importante da sua carreira até o momento. Ele havia aludido ao álibi sem provas de Alex Ladd, mas não fora específico. Tinha a ver com... o que era mesmo?

  • Little Bo Peep Show – disse Loretta mecanicamente, resolvendo o problema Antes e Depois na Roda da Fortuna que ainda estava sem os t’s, os p’s e o w.

Uma feira na periferia de Beaufort. Era isso. Ela se levantou subitamente e foi até a cozinha onde Bev empilhava os jornais antes de conscienciosamente embrulhá-los para a reciclagem. Por sorte o dia da coleta era amanhã, por isso todos os jornais da semana estavam lá. Loretta folheou a pilha até encontrar o do último sábado. Tirou o caderno de entretenimento e examinou-o rapidamente até encontrar o que estava procurando. O anúncio de um quarto de página da feira dava a hora, o lugar, orientação de como chegar lá, preço da entrada, atrações da feira e... espere aí!

  • Toda quinta, sexta e sábado à noite, durante todo o mês de agosto – leu ela em voz alta.

Em poucos minutos Loretta estava no seu carro, saindo da cidade, indo para Beaufort. Não sabia o que ia fazer quando chegasse lá. Seguir seu faro, pensou ela. Mas se pudesse – por um golpe de sorte ou algum milagre mesmo – descobrir um buraco no álibi de Alex Ladd, Hammond seria seu eterno devedor. Ou então, se confirmasse o álibi da psicóloga, pelo menos ele poderia ser avisado com antecedência. Não teria aquela surpresa desagradável no tribunal. De qualquer maneira, Hammond ficaria devendo essa para ela. Um grande avanço na sua vida. Até ele dispensá-la oficialmente, ela continuava tecnicamente contratada. Se pudesse ajudá-lo nessa, ele ficaria eternamente grato e imaginaria como tinha sobrevivido sem ela. Podia até indicá-la para um cargo permanente na procuradoria pública. No mínimo ele teria de agradecer por Loretta ter tido a iniciativa de agir por conta própria obedecendo aos seus instintos afiadíssimos, que nem oceanos de bebida tinham anestesiado. Ele ficaria muito orgulhoso!

  • Sargento Basset?

O policial uniformizado baixou o canto do jornal que estava lendo. Quando viu Hammond diante da sua mesa, ficou imediatamente em pé.

  • Ei, doutor. Estou com aqueles dados que o senhor pediu bem aqui.

O depósito de provas do Departamento de Polícia de Charleston era domínio do sargento Glenn Basset. Ele era baixo, gordo e insignificante. Um bigode farto compensava a careca. Sem um pingo de agressividade, tinha sido um mau patrulheiro, mas servia perfeitamente para a função burocrática que desempenhava. Era um cara simpático, que não reclamava de nada, satisfeito com a sua patente, um companheiro afável, amigo de todos, sem inimigos. Hammond ligou antes para fazer seu pedido, que o sargento atenderia com muito prazer.

  • O senhor não me deu muito tempo, mas foi só uma questão de pegar os registros do mês passado e imprimir. Eu poderia ir mais para trás...
  • Ainda não – Hammond examinou a folha de papel, com a esperança de que um nome lhe saltasse aos olhos. Não aconteceu. Dispõe de um minuto, sargento?

Sentindo que Hammond queria conversar com ele em particular, o policial dirigiu-se a uma funcionária que trabalhava numa mesa ali perto.

  • Diane, será que você pode cuidar das coisas para mim um minuto? Sem tirar os olhos do seu terminal de computador, ela disse:
  • O tempo que quiser.

O policial corpulento apontou para uma pequena sala que era usada para descanso. Ofereceu para Hammond uma xícara do café viscoso de um bule opaco na cafeteira.

Hammond recusou, e então disse:

  • Trata-se de um assunto muito delicado, sargento Basset. Lamento ter de pedir isso.

Ele olhou para Hammond sem entender.

  • Pedir o quê?
  • Há alguma possibilidade... não digo probabilidade, mas possibilidade... de um policial pegar... emprestada... uma arma do depósito sem que você saiba?
  • Não, senhor.
  • Não é possível?
  • Tomo nota de tudo, dr. Cross.
  • Sim, entendo – disse ele, dando mais uma olhada rápida na folha impressa.

Basset começou a ficar nervoso.

  • Do que se trata?
  • Só uma ideia que eu tive – disse Hammond, desapontado. - Não descobri nada sobre a arma que matou Lute Pettijohn.
  • Duas balas de trinta e oito nas costas.
  • Certo.
  • Temos centenas de armas de munição calibre 38.
  • Esse é o meu problema.
  • Dr. Cross, eu me orgulho de manter tudo em ordem. Meu currículo na polícia...
  • É impecável. Eu sei disso, sargento. Não estou sugerindo nenhuma cumplicidade da sua parte. Conforme eu disse, é um assunto delicado e detesto ter de pedir. Eu simplesmente pensei que talvez um policial mais graduado pudesse inventar um motivo para tirar uma arma daqui.

Basset ficou mexendo na orelha, pensativo.

  • Acho que poderia, mas mesmo assim ele teria de assinar um recibo.

Nada.

  • Sinto tê-lo incomodado. Obrigado.

Hammond levou os registros impressos, apesar de achar que não forneceriam a pista valiosa que esperava obter. Tinha deixado Harvey Knuckle muito animado, depois de fazer o génio do computador admitir que Smilowe Steffi o forçaram adar a informação sobre Pettijohn. Mas refletindo melhor, o que isso provava? Que os dois estavam tão interessados quanto ele em saber que Lute tinha levado o castigo que merecia? Isso não era nenhuma descoberta. Nem mesmo uma surpresa. Ele queria tão desesperadamente que Alex fosse inocente que se dispunha a desconfiar de qualquer um e de todos, até de colegas que, ultimamente, faziam mais para manter a lei do que ele. Desanimado, ele entrou no seu apartamento, foi direto para a sala de estar e ligou a televisão. A âncora com lentes de contato verde-esmeralda acabava de apresentar o resumo da história. Satisfazendo uma tendência masoquista, Hammtínd ficou assistindo. A não ser pela tipóia no braço, os curativos estavam cobertos pela roupa, mas o rosto dele parecia de cera e muito abatido sob o brilho feérico das luzes sanguessugas da televisão, escurecendo ainda mais a barba por fazer. Quando perguntaram sobre seus ferimentos, ele fez pouco do ataque como se fosse algo inconsequente, e cortou o assunto. Sendo politicamente correto, ele cumprimentou a polícia de Charleston pelo excelente trabalho de investigação. Escapou de perguntas específicas sobre Alex Ladd e só disse que as declarações de Trimble tinham sido um marco na investigação, que o caso deles era sólido e que o indiciamento estava praticamente garantido. Em pé, logo atrás do seu ombro esquerdo, dando apoio, Steffi concordava, balançando a cabeça, e sorria. Era fotogênica, ele observou. As luzes brilhavam nos seus olhos escuros. A câmera capturava a vivacidade dela. Smilow também tinha sido assediado pela mídia, e recebeu o mesmo tempo nos noticiários. Mas, diferentemente de Steffi, ele estava estranhamente contido. Suas observações se diluíam com diplomacia e mais ou menos ecoavam as de Hammond. Ele se referiu à ligação de Alex com Bobby Trimble apenas em termos bem gerais, dizendo que o homem na prisão tinha sido vital para o caso contra ela. Negou-se a revelar a natureza do relacionamento dela com Lute Pettijohn. Jamais se referiu aos seus registros no juizado de menores, mas Hammond suspeitava de que essa omissão fosse calculada. Smilow não queria contaminar o grupo de jurados e dar a Frank Perkins uma base para troca de foro do julgamento ou para invalidar o julgamento, supondo que o caso chegasse a julgamento. Câmeras de vídeo capturaram um Frank Perkins com maxilar de granito saindo com Alex. Aquele foi o segmento mais difícil de assistir para Hammond, sabendo como devia ter sido humilhante para ela estar sob os holofotes como principal suspeita do caso de homicídio mais sensacionalista da história recente de Charleston. Alex foi descrita como respeitada psicóloga de trinta e cinco anos de idade, com credenciais de peso. Fora suas conquistas profissionais, ela foi elogiada por sua participação em eventos cívicos e por ser benfeitora generosa para várias organizações filantrópicas. Vizinhos e colegas procurados para comentar o caso expressaram choque, alguns pareceram escandalizados, chamaram de ridícula a ideia do envolvimento dela e de outros adjetivos sinónimos. Quando a âncora com olhos artificialmente verdes passou para outra história, Hammond desligou o aparelho, subiu a escada e preparou um banho de imersão bem quente. Entrou e deixou o braço direito pendurado para fora da banheira. O banho aliviou um pouco suas dores, mas também o deixou meio zonzo e fraco. Precisava comer, por isso desceu até a cozinha e começou a preparar uns ovos mexidos. Era muito desajeitado fazendo as coisas com a mão esquerda. E ficou ainda mais incapacitado com suas previsões lúgubres. Não queria ser lembrado na posteridade como uma piada suja. Não queria que dissessem: Ah, você se lembra de Hammond Cross? Promotor jovem e promissor. Mas sentiu o cheiro de uma xoxota e foi tudo para o inferno. E era isso que iam dizer. Talvez usando outras palavras, mas com esse sentido. Sobre as toalhas molhadas e meias suadas nos armários do vestiário, ou entre doses de uísque em algum bar da moda, colegas e conhecidos balançariam as cabeças mal disfarçando o riso, comentando a suscetibilidade de Hammond. Iam chamá-lo de idiota e Alex seria apenas o rabo que lhe havia provocado a ruína. Ele queria descontar sua raiva naquelas fofocas imaginárias por serem tão injustas. Queria punir a todos por tecerem observações maliciosas sobre ela e sobre o relacionamento dos dois. Não era o que eles pensavam. Tinha se apaixonado de verdade.

Não estava tão dopado com Darvocet na véspera para não lembrar de ter dito a ela que para ele o amor era verdadeiro, e que tinha sido desde o início. Tinha conhecido Alex havia menos de uma semana menos de uma semana -, mas nunca teve tanta certeza de alguma coisa assim na vida dele. Nunca sentiu atração física tão intensa por uma mulher. Nunca sentiu uma ligação cerebral, espiritual e emocional tão forte com ninguém. Os dois tinham conversado horas na feira, e mais tarde na cama dele, na cabana. Sobre música. Comida. Livros. Viagens e os lugares que queriam conhecer quando tivessem tempo. Filmes. Exercícios e regimes para a boa forma física. O velho Sul. O novo Sul. Os Três Patetas e por que os homens os adoravam e as mulheres detestavam. Coisas importantes. Coisas sem importância. Conversas intermináveis sobre tudo. Exceto sobre eles mesmos. Hammond não tinha dito nada de mais profundo sobre ele mesmo para Alex. E ela certamente não tinha divulgado nada sobre a vida dela, no presente ou no passado. Será que tinha sido uma prostituta? Será que ainda era? E se fosse, será que ele conseguiria deixar de amá-la com a mesma rapidez que aquele amor tinha começado? Ele temia que não. Talvez ele fosse mesmo um idiota. Mas ser um idiota não era desculpa para ser desonesto. Ele e sua consciência culpada estavam se tornando parceiros incompatíveis. Estava achando cada vez mais difícil viver com ele mesmo. Apesar de odiar ter de dar razão ao pai por qualquer coisa, Preston tinha aberto os olhos dele mais cedo, forçando-o a encarar o que ele sempre evitou reconhecer: que Hammond Cross era tão corruptível quanto qualquer um- Não era mais honesto que seu pai. Não conseguiu engolir aquela ideia, nem os ovos mexidos, por isso jogou-os na lata de lixo. Queria beber alguma coisa, mas o álcool só serviria para aumentar os resquícios do torpor na cabeça dele, fazendo com que se sentisse ainda pior. Queria que a merda do braço parasse de latejar. Queria uma solução para aquela porra de confusão que ameaçava o futuro brilhante que tinha planejado para ele mesmo. Acima de tudo, queria que Alex estivesse a salvo. A salvo. Dinheiro a salvo num cofre na casa de Alex. Um cofre vazio na suíte de Pettijohn no hotel.

Um cofre dentro do armário. O armário. O cofre. Cabides. Robe. Chinelos. Ainda embrulhados. Hammond deu um pulo como se tivesse recebido uma descarga elétrica, depois ficou completamente imóvel, procurando se acalmar, pensar, raciocinar.

Vá devagar. Não se apresse. Mas depois de alguns minutos examinando a ideia de todos os ângulos possíveis, ele não encontrou nenhuma falha. Todos os elementos se encaixavam. A conclusão não deixou Hammond feliz, mas não podia se dar ao luxo de pensar nisso agora. Precisava agir. Levantou tropeçando da cadeira e pegou o telefone sem fio mais próximo. Depois de verificar o número no serviço de auxílio à lista, ele digitou o número.

  • Charles Towne Plaza. Com quem deseja falar?
  • com o spa, por favor.
  • Sinto muito, senhor, mas o spa fica fechado durante a noite. Se o senhor quiser marcar uma hora...

Ele interrompeu a telefonista, identificou-se e disse para ela com quem queria falar.

  • E preciso falar com ele imediatamente. Enquanto procura, ponha-me em contato com o gerente do serviço de camareiras.

Loretta não levou muito tempo para concluir que ir àquela feira tinha sido uma má ideia. Quinze minutos depois de estacionar seu carro num pasto poeirento e de percorrer o resto do caminho a pé, ela estava suando como uma porca. Havia crianças por toda a parte, crianças barulhentas, briguentas e grudentas que pareciam tê-la escolhido para perturbar. Os responsáveis pelas atrações da feira estavam mal-humorados. Mas não podia culpá-los por suas atitudes ríspidas. Quem conseguia trabalhar com aquele calor todo? Ela teria vendido sua alma para estar dentro de um bom bar, escuro e fresco. O fedor da fumaça de cigarro e de cerveja seria um alívio bem-vindo para aquela mistura de algodão-doce e bosta de vaca entranhados na feira toda. A única coisa que a mantinha lá era a lembrança constante de que podia estar fazendo um favor para Hammond. Devia-lhe isso. Não só como recompensa pelo caso que ela estragou, mas por lhe dar mais uma chance quando ninguém mais se dava ao trabalho de falar com ela. Aquela fase de sobriedade podia não durar. Mas naquele momento ela estava a seco, estava trabalhando, e sua filha olhava para ela sem aquela expressão de desprezo. E Loretta tinha de agradecer a Hammond Cross por essas bênçãos. Obstinadamente, ela parava em todas as atrações.

  • Achei que o senhor podia lembrar...
  • Ficou doida, madame? Milhares de pessoas passaram por aqui. Como é que vou lembrar de uma dona?

O homem cuspiu um punhado de sumo de tabaco que quase bateu no ombro dela.

  • Obrigada pela sua atenção, e vá se foder!
  • É, é. Agora saia daí. Está atrapalhando a fila.

Toda vez que ela mostrava a fotografia de Alex Ladd para os exibidores, operadores de brinquedos e vendedores de comida, a resposta era uma variação do mesmo tema. Ou eram descaradamente grosseiros como esse último ou estavam cansados demais para prestar atenção. Balançar a cabeça e dizer um lacónico “sinto muito” era a resposta habitual às perguntas de Loretta. Ela percorreu a feira toda até bem depois de o sol se pôr e de os mosquitos atacarem com força total. Depois de horas, o único resultado de todo aquele esforço eram pés que a umidade tinha feito inchar até ficarem como duas almofadas. Analisando a pele esticada e inchada que escapava das tiras da sandália, ela achou que era uma pena que aquela feira não tivesse um show de aberrações.

  • Esses dois me dariam o direito de participar – resmungou ela.

Loretta finalmente reconheceu que aquela missão era perda de tempo, que, para começar, a dra. Ladd provavelmente tinha mentido sobre ter estado na feira, e a possibilidade de topar com alguém que tivesse estado lá naquele sábado e que também lembrasse de tê-la visto era praticamente nula. Ela deu um tapa num mosquito no braço. Ele explodiu como um balão e deixou uma mancha de sangue.

  • Devo estar, no mínimo, com meio litro de sangue a menos.

Foi então que ela resolveu reduzir as perdas e voltar para Charleston. Loretta sonhava que enfiava os pés na banheira cheia de água gelada quando passou pelo pavilhão de dança com teto cónico cheio de lâmpadas brancas de Natal. Uma banda piolhenta afinava os instrumentos. O violinista tinha uma barba toda enrolada, aliás. Dançarinos se abanavam com folhetos, rindo e conversando enquanto esperavam a banda recomeçar a tocar. Os solteiros se esgueiravam no perímetro da pista de dança, analisando suas possibilidades, avaliando a competição, procurando não parecer óbvios demais, nem desesperados demais para encontrar alguém. Loretta notou que havia muitos militares no meio da multidão. Jovens soldados, de barbas e cabelos recém-cortados, transpiravam suas águas-de-colônia, olhavam as mulheres e bebiam cerveja. Uma cerveja ia cair muito bem mesmo. Uma cerveja? Que mal poderia fazer? Não era pelo álcool. Apenas para matar a sede horrorosa que um refrigerante açucarado não afetaria. E já que estava ali podia mostrar a foto da dra. Ladd também. Talvez alguém naquele grupo lembrasse dela no fim de semana anterior. Os soldados estavam sempre à procura de mulheres bonitas. Talvez um deles tivesse se interessado por Alex Ladd. Procurando se convencer de que não estava racionalizando só para se aproximar do pessoal que bebia cerveja, e fazendo uma careta com a dor provocada pelas tiras da sandália nos pés inchados, Loretta subiu mancando os degraus do pavilhão.

Quando Frank Perkins abriu a porta da casa dele, o sorriso de boasvindas se desfez, como se o fim da piada não tivesse graça nenhuma.

  • Hammond.
  • Posso entrar?

Escolhendo as palavras com muito cuidado, Frank respondeu:

  • Eu ficaria muito constrangido com isso.
  • Precisamos conversar.
  • Eu atendo no horário normal do expediente.
  • Isso não pode esperar, Frank. Nem até amanhã. Você tem de ver isso agora.

Hammond tirou um envelope do bolso da camisa e deu-o para o advogado. Frank pegou o envelope e espiou dentro dele. O envelope continha uma nota de um dólar.

  • Ah, meu Deus...
  • Eu o estou contratando como meu advogado, Frank. Isso é o adiantamento dos seus honorários.
  • Que diabos você está tentando fazer?
  • Eu estava com Alex na noite em que Lute Pettijohn foi morto. Passamos a noite juntos. Agora posso entrar?

Como Hammond esperava, aquela declaração deixou Frank Perkins sem fala. Hammond se aproveitou daquela catatonia momentânea para passar por ele.

Frank fechou a porta da sua confortável casa de subúrbio. Rapidamente se recompôs e atacou Hammond à toda:

  • Você se dá conta de quantas regras de ética acaba de violar? E de quantas me levou a violar também?
  • Tem razão – Hammond pegou de volta a nota de um dólar. Você não pode ser meu advogado. Conflito de interesses. Mas pelo breve tempo que esteve trabalhando para mim, confidenciei uma coisa para você que deve manter em segredo por prerrogativa profissional.
  • Seu filho-da-puta – disse Frank, furioso. - Não sei o que você está pretendendo. Nem quero saber, mas quero que saia da minha casa. Agora!
  • Você não ouviu o que eu disse? Eu disse que passei...

Ele parou de falar quando o arco aberto entre as salas atrás de Frank se encheu de gente, curiosa para ver o que era aquela comoção toda. O rosto de Alex foi o único que Hammond registrou.

Frank, seguindo a direção do olhar espantado de Hammond, resmungou:

  • Maggie, você se lembra de Hammond Cross?
  • Claro que sim – disse a mulher de Frank. - Como vai, Hammond?
  • Maggie. Sinto muito invadir a casa de vocês desse jeito. Espero não ter interrompido nada.
  • Na verdade, estávamos jantando – disse Frank.

Um dos filhos gémeos de nove anos de Frank tinha uma mancha do que parecia molho de espaguete num canto da boca. Maggie era uma mulher sulista muito fina, que descendia de valentes esposas e viúvas confederadas. A situação constrangedora que se criara na entrada da casa não a perturbou:

  • Acabamos de nos sentar, Hammond. Por favor, venha jantar conosco.

Ele primeiro olhou para Frank, depois para Alex.

  • Não, obrigado, mas agradeço o convite. Só preciso de alguns minutos do tempo de Frank.
  • Foi um prazer vê-lo de novo. Meninos...

Maggie Perkins segurou os ombros dos dois meninos, deu meiavolta com eles e levou-os para o lugar de onde tinham vindo, supostamente a copa, ao lado da cozinha.

  • Eu não sabia que você estava aqui – disse Hammond para Alex.
  • Frank fez a gentileza de me convidar para jantar com a sua família.
  • Muita gentileza dele. Depois do que aconteceu hoje, você não devia estar mesmo querendo ficar sozinha. ,
  • É, não queria.

-Além do mais, é bom mesmo que esteja aqui. Você também tem de ouvir isso.

Finalmente, Frank resolveu se intrometer:

  • Já que provavelmente serei expulso da Ordem por causa disso, de qualquer maneira acho que vou tomar aquele drinque de que preciso desesperadamente. Algum de vocês se candidata?

Ele fez um sinal para os dois o acompanharem até os fundos da casa, onde ficava seu escritório doméstico. As placas e citações emolduradas, arrumadas em grupos estéticos nas paredes com painéis de madeira, atestavam o homem honrado que Frank Perkins era, pessoal e profissionalmente.

Hammond e Alex recusaram a oferta de um drinque, mas Frank serviu-se de uma dose de uísque puro e sentou-se atrás de uma mesa pesada. Alex se sentou num sofá de couro e Hammond numa poltrona. O advogado olhou para os dois e acabou fixando o olhar na sua cliente:

  • Isso é verdade? Você dormiu com o nosso estimado assistente da promotoria pública?
  • Não há necessidade de...
  • Hammond – interrompeu-o Frank bruscamente -, você não tem o direito de me corrigir. Nem de me contradizer, por falar nisso. Eu devia te chutar para fora daqui e depois contar para Monroe Mason o que você me contou. A não ser que ele já saiba.
  • Não, não sabe.
  • Você só continua aqui embaixo do meu teto porque respeito a privacidade da minha cliente. Até conhecer todos os fatos, não quero fazer nada precipitado que possa embaraçá-la ainda mais do que já foi por essa farsa.
  • Não se zangue com Hammond, Frank – disse Alex. Havia uma saturação sincera na voz dela que Hammond não tinha ouvido antes. Ou então era resignação. Talvez até alívio pelo fato de o segredo deles finalmente ter sido revelado. - Isso é tão culpa minha quanto dele. Eu devia ter contado para você logo de cara que o conhecia.
  • Intimamente? -É.

-Até onde você ia deixar isso chegar? Ia deixar Hammond indiciála, prendê-la, sujeitá-la a um julgamento, condená-la e pô-la no corredor da morte?

  • Eu não sei! - Alex levantou-se subitamente e ficou de costas para os dois, apertando os cotovelos colados ao corpo. Depois de um tempo para se recompor, ela encarou-os novamente. - Na verdade, a culpa não é nem minha nem dele. Ele não me conhecia, mas eu o conhecia, e o persegui. De propósito. Fiz o nosso encontro parecer acidental, só que não foi. Nada que aconteceu conosco foi por acaso.
  • Quando foi que esse encontro premeditado aconteceu?
  • Nesse último sábado, à noite. Mais ou menos ao entardecer. Depois do contato inicial, usei todos os artifícios femininos que conhecia para fazer Hammond passar a noite comigo. E o que fiz disse ela, com a voz meio rouca – funcionou. - Ela olhou para ele. Porque ele realmente passou a noite comigo.

Frank terminou seu drinque de um gole só. O álcool provocou lágrimas em seus olhos e o fez tossir com o punho fechado diante da boca. Depois de pigarrear, ele perguntou onde tudo aquilo tinha acontecido. Alex contou a sequência de eventos, começando com o encontro dos dois no pavilhão de dança e terminando na cabana dele.

  • Saí de mansinho na manhã seguinte, antes do sol nascer, preparada para nunca mais vê-lo.

Frank balançou a cabeça, que parecia ter ficado meio atordoada pela infusão de álcool ou pelos fatos conflitantes que achava difícil compreender.

  • Não estou entendendo. Você dormiu com ele, mas não era... você não...
  • Era o seguro dela – disse Hammond.

Ele ainda achava difícil ouvir Alex admitir que foi tudo planejado, que o encontro dos dois não tinha sido obra do destino ou do acaso romântico que ele queria que fosse. Mas tinha de superar isso. As circunstâncias exigiam que ele se concentrasse em questões muito mais importantes:

  • Se Alex achava que precisava de um álibi, eu seria esse álibi. Na verdade era o álibi perfeito. Porque eu não podia expô-la sem me envolver também.

Frank olhou para ele ainda completamente confuso.

  • Dá para explicar?
  • Alex me seguiu até a feira, quando saí do Charles Towne Plaza, onde tinha me encontrado com Lute Pettijohn.

Frank ficou olhando para Hammond alguns segundos antes de virar para Alex pedindo confirmação. Ela concordou balançando um pouco a cabeça. Frank levantou-se e foi pegar mais uísque. Enquanto ele se servia, Hammond aproveitou a oportunidade para olhar para Alex. Os olhos dela estavam molhados, mas ela não estava chorando. Ele queria abraçá-la. Também queria sacudi-la até toda a verdade escapar. Talvez não. Talvez não quisesse saber que tinha sido ingénuo como os meninos excitados e os velhos tarados que pagaram ao meio-irmão Bobby pelos favores dela. Se ele a amava, como dizia, teria de superar isso também. Frank voltou para a sua cadeira. Ficou girando seu copo no tampo de couro da mesa.

  • Quem vai falar primeiro?

-Eu tinha uma hora marcada com Pettij ohn sábado à tarde – disse Hammond. - A convite dele. Eu não queria ir, mas ele insistiu nesse nosso encontro, e garantiu que seria do meu interesse.

  • Em que sentido?

-A procuradoria-geral tinha me indicado para investigar Pettijohn e ele ficou sabendo.

  • Como?
  • Mais tarde eu explico. Por enquanto basta dizer que eu estava quase revelando as minhas descobertas ao grande júri.
  • Suponho que Pettijohn quisesse fazer um acordo.
  • Certo.
  • O que ele ofereceu em troca?
  • Se eu relatasse para o procurador-geral que não havia um caso, e deixasse Lute seguir com seus negócios como sempre, ele prometia me apoiar como sucessor de Monroe Mason, incluindo contribuições vultosas para a minha campanha. Ele também sugeriu que, quando eu conquistasse o cargo, continuaríamos a ter uma relação mutuamente benéfica. Uma aliança muito confortável por intermédio da qual ele poderia continuar infringindo as leis e eu fingiria que não via nada.
  • Imagino que você tenha recusado.
  • Sem mais nem menos. Foi então que ele exibiu sua artilharia pesada. Meu próprio pai era um dos sócios dele no projeto da ilha Speckle. Lute me mostrou documentos que provavam isso.
  • Onde estão esses documentos agora?
  • Levei-os comigo quando saí de lá.
  • Eles são válidos?
  • Temo que sim.

Frank não era nenhum idiota. Ele entendeu tudo.

  • Se você continuasse com a sua investigação sobre o Lute, seria forçado a processar criminalmente seu pai também.
  • É, essa foi a essência do aviso de Lute.

O rosto de Alex denotava compaixão. Frank disse calmamente:

  • Sinto muito, Hammond.

Ele sabia que a comiseração era sincera, mas fez um gesto com a mão como se aquilo não tivesse importância.

  • Eu disse para o Lute ir à merda, que eu pretendia cumprir o meu dever. Quando virei as costas para ele, ele começou a berrar e a fazer ameaças. Aquela crise de agressividade pode ter provocado o derrame. Eu não sei. Não me virei mais. Não fiquei lá mais de cinco minutos. No máximo.
  • A que horas foi isso?
  • Nosso encontro estava marcado para as cinco.
  • Você viu a Alex?

Os dois balançaram a cabeça ao mesmo tempo.

  • Só quando cheguei à feira. Estava furioso com Pettijohn, estava uma fera quando saí do hotel. Não notei nada.

Ele parou e respirou bem fundo.

  • Tinha planejado passar a noite na minha casa de campo. Sem mais nem menos resolvi parar naquela feira. Vi Alex no pavilhão de dança e... - ele olhou para Frank e para Alex, sentada no sofá de dois lugares, ouvindo atentamente – E... e aí tudo começou.

O escritório ficou tão quieto que o tique-taque do relógio na mesa de Frank parecia uma trovoada. Depois de um tempo, o advogado falou:

O que você esperava conseguir vindo até aqui e me contando isso?

Estava pesando demais na minha consciência.

Bem, eu não sou um padre – disse Frank, aborrecido.

Não, não é.

E estamos de lados opostos num julgamento de assassinato.

Sei disso também.

  • Então volto à minha pergunta inicial. Por que veio até aqui?
  • Porque sei quem matou Lute – disse Hammond.

Davee atendeu o telefone languidamente.

  • Davee, você sabe quem eu sou – não era uma pergunta.

Por falta de coisa melhor para fazer, ela estava deitada na espreguiçadeira no seu quarto de dormir, bebendo vodca com gelo e assistindo a um clássico em preto e branco com Joan Crawford, num canal de filmes clássicos. A urgência na voz da pessoa ao telefone fez Davee se sentar, o que provocou uma onda de tontura. Ela apertou o botão para emudecer a televisão.

  • O quê...
  • Não diga nada. Pode vir me encontrar?

Ela verificou o relógio sobre a antiga mesa de chá ao lado da espreguiçadeira.

  • Agora?

Nos anos loucos da adolescência, uma ligação tarde da noite teria representado aventura. Ela sairia de casa escondida para encontrar um namorado ou um grupo de amigas para algum programa proibido até o amanhecer, tomar banho de mar sem roupa, beber cerveja ou fumar maconha. Essas escapadas sempre deixavam seus pais revoltados. Ser pega e desafiar o castigo faziam parte da diversão. Mesmo depois do seu casamento com Lute, não era tão incomum Davee ter uma conversa unilateral ao telefone que redundava em excursões tarde da noite. Só que essas saídas jamais perturbavam a tranquilidade doméstica. Lute reagia com indiferença às suas idas e vindas, ou então estava fora em alguma farra própria. Não eram mais tão divertidas. Aquela não prometia diversão nenhuma, mas ela estava curiosa: - O que está havendo?

  • Não posso falar sobre isso ao telefone, mas é importante. Sabe onde fica o McDonalcds da avenida Rivers?
  • Eu acho.
  • Perto da esquina com a Dorchester. Logo que você puder chegar lá.
  • Mas...

Davee ficou algum tempo olhando para o telefone sem fio mudo na sua mão, então largou-o na espreguiçadeira e se levantou. Balançou-se um pouco e apoiou a mão na mesa para recuperar o equilíbrio. Foi se firmando aos poucos e seu raciocínio também despertou. Aquilo era loucura. Tinha bebido demais. Não devia dirigir. E de qualquer maneira, quem ele pensava que era para chamá-la para um McDonald’s no meio da noite? Nenhuma explicação. Nenhum por favor, nada de obrigado. Nem se preocupou se ela concordaria ou não. Por que ele não podia ir à casa dela contar o que achava tão importante? O que quer que fosse, devia ter relação com a investigação do assassinato de Lute. Já não havia deixado bem claro que não queria se envolver naquilo mais que o absolutamente necessário? Mesmo assim ela foi até o banheiro, jogou água fria no rosto e gargarejou com um anti-séptico bucal. Despiu a camisola e, sem se importar de vestir qualquer roupa de baixo, vestiu uma calça branca e uma camiseta também branca, feita de alguma microfibra sintética colante que não deixava muita coisa para a imaginação, que era bemfeito para ele. Não calçou sapato nenhum. Seu cabelo estava todo despenteado. Se alguém os visse juntos, o simples desalinho dela faria as sobrancelhas subirem. É claro que ela não dava a mínima, mas esse descuido não era característico dele. Sarah Birch assistia à televisão na sua suíte ao lado da cozinha.

  • Eu vou sair – informou Davee.
  • A essa hora da noite?
  • Quero sorvete.
  • O freezer está cheio de sorvete.
  • Mas não tem o sabor que eu quero.

A fiel governanta sempre sabia quando Davee estava mentindo, mas nunca abria o jogo. Era um dos motivos pelos quais Davee a adorava.

  • Eu terei cuidado. E volto logo.
  • E se alguém me perguntar depois...?
  • Eu estava na cama dormindo profundamente por volta das nove.

Sabendo que todos os seus segredos estavam seguros com Sarah, Davee foi para a garagem e entrou no seu BMW. As ruas residenciais estavam escuras e sonolentas. Havia pouco trânsito na auto-estrada e também nas avenidas comerciais. Apesar de ir contra sua inclinação natural e do carro também, ela manteve o BMW no limite de velocidade permitido. Dois processos por dirigir intoxicada tinham sido anulados por um juiz que devia um favor a Lute. Um terceiro seria forçar a sorte. O McDonald’s estava iluminado como um cassino de Las Vegas. Mesmo sendo tão tarde, havia uma dúzia de carros no estacionamento, de adolescentes amontoados nas mesas dentro do salão. Davee estacionou numa vaga pouco iluminada do outro lado do estacionamento, abaixou a janela do lado do motorista e depois desligou o motor. Na frente dela havia uma fileira de arbustos desiguais que serviam de cerca viva entre o estacionamento do McDonald’s e o de outra lanchonete que tinha falido. O prédio estava coberto com tapumes de madeira. Atrás dela havia a pista vazia do drive-through. De um lado e do outro, nada além da escuridão. Ele ainda não tinha chegado, e ela ficou irritada com isso. Reagindo à urgência dele, tinha largado tudo, inclusive um drinque novinho, e corrido para lá. Abaixou o pára-sol, puxou a tampa do espelho iluminado e espiou seu reflexo. Ele abriu a porta do lado do passageiro e entrou no carro.

  • Você está ótima, Davee. Como sempre.

Rory Smilow fechou rapidamente a porta do carro para apagar a luz interna. Estendeu o braço por cima da direção, empurrou a tampa do espelhinho e eliminou aquela luz também.

O cumprimento dele se espalhou por Davee como um gole de uma bebida quente e muito cara, só que ela procurou não demonstrar o efeito embriagante que provocava nela. Em vez disso, disse zangada:

  • Que negócio de capa e espada é esse, Rory? Anda sem pistas ultimamente?
  • Exatamente o contrário. Tenho pistas demais. E nenhuma esclarece nada.

O comentário dela era para ser uma piada, mas é claro que ele tinha levado a sério. Era decepcionante, mas ele ia direto ao assunto, assim como tinha feito na noite em que foi informar que o marido dela estava morto. Tinha se comportado exatamente como mandava o protocolo. Profissionalmente. Educadamente. Distante.

Nunca, nem em um milhão de anos, Steffi Mundell ia adivinhar que eles tinham sido amantes que um dia quebraram a porta de vidro do box da casa dele enquanto faziam amor. Que um piquenique num parque público tinha terminado com ele sentado num tronco de árvore e ela montada nele. Naquele fim de semana eles se alimentaram de manteiga de amendoim e sexo desde o fim das aulas na sexta-feira à tarde até o início das aulas na segunda-feira de manhã. O comportamento dele no dia em que Lute morreu não tinha traído nada da loucura romântica que tinham vivido. O fato de Rory conseguir manter um distanciamento tão grande enquanto ela queria engoli-lo com cada olhar partia seu coração. O controle dele era admirável. Ou digno de pena. Tão pouca paixão devia significar uma vida estéril e muito solitária. Davee procurou endurecer seu coração para ele.

  • Pode considerar um lapso da minha sensatez, mas aqui estou. E agora, o que você quer?
  • Fazer algumas perguntas sobre o assassinato de Lute.
  • Pensei que você já tinha arrematado o caso. Eu vi no noticiário...
  • Certo, certo. Hammond vai apresentá-lo ao grande júri na semana que vem.
  • Então, qual é o problema?
  • Antes de hoje, quando você viu a notícia na televisão, você já tinha ouvido falar da dra. Alex Ladd?
  • Não, mas Lute tinha muitas amigas. Muitas eu conhecia, mas não todas, tenho certeza disso.
  • Não acho que ela era amiga dele.
  • É mesmo?

Davee virou-se de frente para Smilow, pôs o pé no banco do carro, encostou o calcanhar na nádega e apoiou o queixo no joelho. Era uma pose provocante e vulgar que fez o detetive olhar para baixo e. Ficar assim alguns segundos antes de olhar de novo para o rosto dela.

  • Se você me procurou para obter respostas, Rory, deve estar mesmo desesperado.
  • Você é a minha última esperança.
  • Então é uma pena, porque eu já disse tudo que sabia.
  • Duvido muito disso, Davee.
  • Não estou mentindo para você sobre essa dona Ladd. Eu nunca...
  • Não é isso – disse ele, balançando a cabeça com impaciência. É uma... uma outra coisa.
  • Você acha que está atrás da pessoa errada?

Ele não respondeu, mas suas feições ficaram tensas.

  • Ah, então é isso, não é? E para você essa incerteza é um destino pior que a morte, não é? Logo você, que tem o coração gelado e a determinação férrea – sorriu ela. - Bem, tenho de desapontá-lo, querido, mas esse pequeno tête-à-tête foi uma perda de tempo para nós dois. Eu não sei quem matou Lute. Juro.
  • Você falou com ele aquele dia?
  • Quando ele saiu de casa aquela manhã, ele me disse que ia jogar golfe. Só pensei nele de novo quando você e aquela vaca da Mundell apareceram para informar que ele estava morto. As últimas palavras que ele disse para mim devem ter sido uma mentira, o que mais ou menos resume o nosso casamento. Ele era um péssimo marido, um amante apenas razoável e um ser humano desprezível. Francamente, eu não estou nem aí para quem cometeu o crime.
  • Nós pegamos sua governanta numa mentira.
  • Para me proteger.
  • Se você é inocente, por que precisava de proteção?
  • Bem pensado. Mas se eu tivesse dito que passei aquele sábado à tarde passeando nua a cavalo pela rua Broad, Sarah teria concordado. Você sabe disso.
  • Você não ficou no seu quarto o dia todo com dor de cabeça? Ela deu uma risada e passou os dedos no cabelo, penteando alguns

cachos embaraçados.

  • De certa forma, sim. Fiquei na cama o dia todo com o meu massagista, que acabou se revelando uma dor de cabeça e, mais que isso, um pé no saco. Sarah não queria sujar a minha reputação contando a verdade para você.

Smilow não deixou de notar o sarcasmo de Davee. Ele virou para frente e ficou olhando pelo pára-brisa, vendo a fileira de arbustos desalinhados. Seu maxilar estava rígido de tensão. Davee não sabia se aquilo era um bom ou um mau sinal.

  • Sou suspeita de novo, Rory?
  • Não. Você não ia matar o Lute.
  • Por que você acha isso?

Ele olhou novamente para ela.

  • Porque você gostava de me atormentar ficando casada com ele. Então ele sabia por que ela se casara com Lute. Tinha notado e, o que era melhor, se importava. Apesar de toda aquela aparente indiferença, havia sangue nas veias dele, afinal, e pelo menos um pouquinho dele ficava quente de ciúme.

O coração dela adejou animado, mas não deixou a excitação transparecer nas feições, nem na voz.

  • E além disso...?
  • E além disso você não teria esse trabalho todo. Sabendo que poderia sair impune, para que se preocupar?
  • Ou seja – disse ela -, sou rica demais para ser condenada.
  • Exatamente.
  • E um divórcio é só um pouquinho menos problemático do que um julgamento por homicídio.
  • No seu caso, um divórcio seria provavelmente bem mais problemático.

Davee estava se divertindo.

  • Além do mais, como já disse para o Hammond, o uniforme da prisão...
  • Quando foi que esteve com Hammond? - perguntou ele, interrompendo Davee.
  • Falo sempre com ele. Somos velhos amigos.
  • Sei muito bem disso. Você sabia que ele esteve com Lute no dia em que o mataram? Mais ou menos na mesma hora do crime?

Davee não estava mais relaxada, levantou imediatamente a guarda e ficou imaginando até onde Rory iria para vingar o tormento que ela criara para ele. Será que ia acusá-la de obstruir a justiça por omitir provas? Havia deixado a anotação escrita à mão de Lute com Hammond, com seus compromissos de sábado. A informação podia ser totalmente insignificante. Ou a chave para a solução do misterioso assassinato de Rory. Mas, de qualquer forma, aquela era a função do investigador, não da viúva, determinar que relação tinha com o caso. E mesmo que o encontro de Hammond com Lute não representasse um fator a mais para o assassinato, podia comprometê-lo como promotor do caso. O segundo compromisso nunca aconteceu, se é que aquela segunda anotação realmente indicava um encontro mais tarde. Não tinha nome e, pela hora especificada, Lute já estaria morto. Davee estava encurralada entre um ato desonesto e uma lealdade profunda a um velho amigo.

  • Hammond disse isso para você?
  • Ele foi visto no hotel.

Ela deu uma risada, mas não uma risada muito convincente.

  • Isso é tudo? É essa a base para a sua hipótese de que ele esteve com Lute, que foi visto no mesmo prédio? Talvez você esteja precisando de umas férias, Rory. Você está perdendo sua agudeza.
  • Insultos, Davee?
  • A conclusão à qual você chegou é um insulto à minha inteligência e à sua também. Dois homens estiveram no mesmo lugar público aproximadamente à mesma hora. O que o faz pensar que houve alguma conexão?
  • Todas as vezes que falamos sobre o hotel naquela tarde, no último sábado, Hammond não mencionou nem uma vez que esteve lá.
  • E por que deveria? Por que fazer uma tempestade em copo d’água por uma coincidência?
  • Se foi uma coincidência, não haveria motivo para ele não mencionar o fato.
  • Talvez ele tivesse um encontro secreto com alguma mulher. Quem sabe ele gosta das tortas de caranguejo do restaurante. Ele pode ter cortado caminho passando pelo saguão do hotel só para escapar do calor. Poderia haver milhões de motivos para ele estar lá.

Smilow inclinou o corpo por cima do console e chegou mais perto dela do que fazia há anos.

  • Se Hammond teve um encontro com Lute, eu preciso saber. - Não sei se eles se encontraram ou não – retrucou ela, irritada.

Até aí isso era verdade. Tudo que ela fez foi dar para Hammond a anotação de Lute. Não tinha perguntado nada e ele não tinha dito se comparecera ao encontro marcado.

  • Qual seria a natureza de tal encontro? - Como é que vou saber?
  • Lute tinha pego você e Hammond juntos?

O quê? - exclamou ela e deu uma breve risada. - Minha nossa, Rory, a sua imaginação está realmente desgarrada esta noite. De onde tirou essa ideia?

Ele olhou muito sério para ela, e não havia como interpretar errado aquele olhar. Ele furou a minúscula e frágil bolha de felicidade gerada por vê-lo de novo.

-Ah – disse ela, e seu sorriso ficou triste. - Bem, você tem razão, é claro. Certamente não estou isenta de cometer adultério. Mas você sinceramente pensa que Hammond Cross iria para a cama com a mulher de outro homem?

Depois de um breve e tenso silêncio, ele perguntou:

  • Que outro motivo eles teriam para se encontrar?
  • Nós nem sabemos se eles se encontraram.
  • Hammond mencionou ter visto mais alguém no hotel?
  • Se ele esteve lá, tenho certeza de que viu as hordas de pessoas suadas que entram e saem de lá todos os dias.
  • Alguém em particular?
  • Não, Rory! - disse ela, exasperada. - Eu já disse, ele não falou nada.
  • Há alguma coisa errada com ele.
  • com o Hammond? O quê?
  • Eu não sei, mas está me preocupando. Ele não tem sido ele mesmo ultimamente.
  • Ele está apaixonado.

O queixo dele foi para trás como se tivesse levado um soco rápido e inesperado.

  • Apaixonado? Pela Steffi?
  • Deus me livre! - respondeu ela, estremecendo um pouco. - Quase tive medo de perguntar sobre a profundidade daquele relacionamento, mas quando perguntei ele disse que tinha terminado, e eu acreditei. A mulher que ele ama não é a insossa srta. Mundell.
  • Então quem é?
  • Ele não disse. E também não parecia nada feliz com isso. Disse que não era apenas complicado, mas impossível. E não, a mulher não é casada. Eu também perguntei isso.

Rory abaixou um pouco a cabeça. Parecia que olhava fixo para os dedos dos pés de Davee enquanto ruminava o que ela havia dito. Davee teve alguns minutos para olhar para ele disfarçadamente. A testa lisa, o cenho austero, o maxilar rígido, a boca intransigente que ela sabia que era capaz de transigir. Já sentira nos seus lábios, no seu corpo, faminta e suave.

  • É uma motivação poderosa – disse ela baixinho. Ele levantou a cabeça.
  • O quê?
  • O amor – por alguns segundos significativos e intermináveis, eles olharam profundamente nos olhos um do outro. - Nos faz fazer coisas que nem pensaríamos em fazer em qualquer outra circunstância. Como casar com um homem que odiamos.
  • Ou matá-lo.

A respiração entrecortada fez os seios de Davee tremerem sob o tecido fino que os cobria.

  • Queria que você me amasse o suficiente para matá-lo – ela pôs as mãos no rosto de Smilow e passou os polegares nos lábios dele. Você me ama, Rory? - sussurrou ela, aflita. -Você me ama tanto assim? Por favor, diga que sim!

Como se saltasse sobre todos os anos de coração partido e desejo, ela se inclinou sobre o console do carro e o beijou. O primeiro toque dos lábios dela foi tão cataclísmico quanto um fósforo raspando uma lixa. A reação dele foi explosiva. A boca de Smilow devorou a dela num beijo duro e faminto que era quase selvagem de tão intenso. Mas terminou com a mesma rapidez. Ele ergueu os braços e arrancou as mãos dela do seu rosto, empurrando-a para longe.

  • Rory? - gritou ela, e estendeu a mão para ele enquanto ele abria a porta do carro.
  • Adeus, Davee. -Rory?

Mas ele passou pelo meio da sebe de arbustos e desapareceu na escuridão. O McDonald’s tinha fechado. Todos tinham ido embora. As luzes estavam apagadas. Estava escuro, e Davee estava sozinha. Ninguém ouviu seus soluços amargos.

  • Eu sei quem matou Lute.

A declaração de Hammond deixou Alex e Frank Perkins mudos de espanto, mas essa mudez só durou alguns segundos, pois logo eles começaram a disparar mais perguntas para ele. Primeiro Frank queria saber por que Hammond estava lá no seu escritório, na casa dele, em vez de ir para a delegacia de polícia.

  • Mais tarde – disse Hammond. - Antes de continuar, preciso ouvir de Alex o que aconteceu – ele virou para ela e chegou um pouco para a frente. -A verdade, Alex. Toda. Tudo. Esta noite. Agora.

-Eu...

Antes de Alex dizer qualquer coisa, Frank levantou a mão.

  • Hammond, você deve achar que eu sou um idiota. Não vou deixar a minha cliente dizer nada para você. Não quero tomar parte desse encontro clandestino que você me impôs. Você se comportou da forma mais repreensível, irresponsável, antiprofissional...
  • Tudo bem, Frank, você não é um padre, lembra? - disse Hammond. - Você não é meu professor de catecismo, nem o meu pai. Alex e eu sabemos muito bem que agimos muito mal nisso tudo.
  • Uma pérola de eufemismo-observou Frank em tom de galhofa.
  • As consequências da intimidade de vocês dois são potencialmente desastrosas. Para todos nós.
  • Como podem ser desastrosas para você? - perguntou Alex. -Alex, há menos de cinco minutos você admitiu ter feito tudo que

podia para levar Hammond para a cama com você. Se você tem alguma defesa, é ter estado com Hammond aquela noite. Mas que eficiênciaterá esse testemunho à luz da sua história, de acordo com Bobby Trimble?

  • Como isso pode ser usado contra mim? Isso é passado. Não sou mais aquela menina. Eu sou eu – ela olhou para Hammond. - É, cada detalhe horrível da declaração de Bobby é verdade. Com uma exceção. Nunca deixei que fizessem nada além de me espiar.

Ela balançou a cabeça enfaticamente.

  • Nunca. Protegi uma parte pequena e privada de mim, caso a minha esperança de ter uma vida melhor se realizasse. Havia uma linha que eu nunca cruzava. Graças a Deus tive esse instinto de autopreservação.

“Bobby me explorou da forma mais abjeta. Mas levei anos até parar de me culpar pela minha participação. Eu acreditava que era intrinsecamente má. Por meio de terapia e dos meus próprios estudos, descobri que eu era um caso clássico, uma criança que sofria abusos e que achava que era responsável por esses maus-tratos.” Ela sorriu com a ironia da coisa.

  • Fui um dos meus primeiros casos. Tinha de me curar. Tive de aprender a amar a mim mesma e a me considerar merecedora do amor dos outros. Os Ladd foram essenciais. Eles me deixaram um legado de amor incondicional. Compreendi que, se eles podiam me amar, sendo basicamente bons e decentes como eram, eu podia enterrar o passado e pelo menos me aceitar.

“Mas a terapia não terminou. Às vezes tenho lapsos. Até hoje ainda me pergunto se não havia alguma coisa que eu poderia ter feito. Será que houve algum momento em que eu poderia ter enfrentado Bobby e resistido? Tinha muito medo de que ele me abandonasse como minha mãe tinha feito, e de ficar completamente sozinha. Ele era meu provedor. Dependia dele para tudo.”

  • Você era uma criança – lembrou Frank com gentileza. Ela concordou balançando a cabeça.
  • Naquela época, sim, Frank. Mas não na noite em que me meti no caminho de Hammond com a esperança de que ele gostasse de mim... - ela virou para ele e suplicou: - Por favor, me perdoe pelos danos que causei! Tinha medo exatamente disso, do que aconteceu. Eu não matei Lute Pettijohn, mas tive medo de ser acusada disso. Medo de ser considerada culpada por causa dos meus antecedentes no juizado de menores. Fui à suíte do hotel de Pettijohn...
  • Alex, devo avisar mais uma vez para você não dizer mais nada.
  • Não, Frank. Hammond tem razão. Você tem de ouvir a minha história. E ele precisa ouvir também.

O advogado continuava com a testa franzida de preocupação, mas ela não obedeceu ao aviso silencioso.

  • vou voltar algumas semanas – Ela contou sobre o reaparecimento súbito e indesejado de Bobby na sua vida, como revelara para ela seus planos de chantagear Lute Pettijohn. - Avisei ao Bobby que isso era muita areia para o caminhão dele, que seria melhor se ele saísse de Charleston e esquecesse esse plano ridículo.

“Mas ele estava determinado a ir até o fim e também a obrigar-me a ajudá-lo. Ameaçou expor o meu passado se eu recusasse. Tenho vergonha de admitir, mas fiquei com medo dele. Se ele fosse o mesmo falastrão arrogante e grosso que tinha sido vinte e cinco anos atrás, eu teria rido das suas ameaças e chamado a polícia imediatamente. “Mas ele tinha adquirido alguma educação, ou pelo menos fingia ter bons modos e decoro social. Esse novo Bobby poderia se insinuar com mais facilidade na minha vida e arruiná-la por dentro. Ele de fato compareceu a uma palestra, se fazendo passar como um psicólogo de outro estado, e meu colega nunca questionou a autenticidade dele. “Mesmo assim, eu disse que ia pagar para ver, que era para ele me deixar em paz. Imagino que ele tenha ficado desesperado. De qualquer forma, ele entrou em contato com Pettijohn. O que quer que Bobby tenha dito para ele, deve ter causado alguma impressão, porque ele concordou em pagar cem mil dólares em troca do silêncio de Bobby.”

  • Ninguém que conhecia Lute Pettijohn vai acreditar nisso, Alex – disse Hammond calmamente.
  • Concordo com isso – acrescentou Frank.
  • Nem eu acreditei – disse Alex. - E aparentemente Bobby também não estava inteiramente convencido, porque ele me procurou de novo, e dessa vez insistiu para eu ir me encontrar com Pettijohn para pegar o dinheiro. Eu concordei.
  • Em nome de Deus, por quê? - perguntou Frank.
  • Porque vi que era uma oportunidade para me livrar de Bobby. A minha ideia era encontrar Pettijohn, mas em vez de pegar o dinheiro eu ia explicar a situação e pedir para ele dar queixa da extorsão de Bobby para a polícia.
  • Por que não foi você mesma à polícia?
  • Agora entendo que essa teria sido a melhor opção – suspirou ela.
  • Mas eu temia a associação com Bobby. Ele tinha se vangloriado de como escapara de um agiota poderoso na Flórida. Eu tinha muitos motivos para querer ficar longe dele.
  • Por isso você foi ao Charles Towne Plaza na hora marcada. -É.
  • Você não podia telefonar para o Pettijohn?
  • Queria ter feito isso, Frank. Mas achei que encontrá-lo pessoalmente ia causar uma impressão mais forte.
  • O que aconteceu quando você chegou lá?
  • Ele foi cortês. Ouviu educadamente enquanto eu expliquei a situação.

Alex se sentou na beirada do sofá e coçou a testa.

  • E daí?
  • E daí ele riu de mim – disse ela, trémula. - Eu devia saber, no minuto em que ele abriu a porta, que alguma coisa estava errada. Ele não se surpreendeu de me ver, quando devia estar esperando o Bobby. Mas só me dei conta disso mais tarde.
  • Ele sabia que era você que ia, não o Bobby, e ele riu da sua história.
  • É-disse ela, desconsolada – Bobby tinha ligado antes e dito para Pettijohn que eu ia para lá, que eu era sua cúmplice traidora, avisou que eu provavelmente ia inventar uma história dramática para ele sentir pena de mim, antes de levá-lo para a cama e criar a minha própria chance de chantageá-lo, pedindo um resgate ainda maior que o de Bobby.
  • Eu não dei crédito suficiente para aquele filho-da-mãe resmungou Hammond, furioso. - Trimble não parece tão inteligente assim.
  • Ele não é inteligente – disse Alex. - Só tem astúcia. Bobby tem mais cara de pau que bom senso, e isso o torna perigoso. Quando ele vê uma oportunidade, corre riscos que nenhuma pessoa inteligente imaginaria correr. Ele também sabe que é vantagem atacar primeiro.

“Nada que eu disse convenceu Pettijohn de que eu não fazia parte de algum plano desonesto maior que envolvia sexo e chantagem. Ele sugeriu que eu não desperdiçasse a oportunidade. E que já que estávamos lá, e como eu tinha resolvido levá-lo para a cama... Vocês entendem onde ele queria chegar.”

  • Ele tentou agarrar você? - adivinhou Frank.
  • Eu resisti, é claro. Afastei o braço dele. Tenho certeza de que foi aí que o cravo-da-índia ficou agarrado na manga da camisa dele. Eu tinha jogado os cravos nas laranjas aquela manhã. Devia haver algum ainda grudado na minha mão. De qualquer forma, eu o rejeitei, ele ficou furioso e começou a esbravejar ameaças, especificamente que ia se encontrar com um promotor da procuradoria municipal. Hammond Cross – ela olhou para ele. - Ele disse que sem dúvida você ia se interessar por aquela minha trapaça com o Bobby.

Depois de um tempo, Alex continuou seu relato.

  • Entrei em pânico. Vi a minha vida cuidadosamente reconstruída desmoronando. Os Ladd, que tinham confiado tanto em mim, cairiam em desgraça. Duvidariam da minha credibilidade e meus estudos não valeriam mais nada. Pacientes cuja confiança eu tinha conquistado se sentiriam traídos.

“Por isso eu fugi. No elevador comecei a tremer descontroladamente. Quando cheguei no andar térreo fui até o bar à procura de um lugar para sentar, porque meus joelhos iam ceder a qualquer momento. “Mas quando o pânico diminuiu, compreendi que a minha reação tinha sido completamente irracional. Em segundos eu havia regressado para onde eu estava quando Bobby controlava a minha vida. Lá no bar eu recuperei a sensatez. Meus delitos juvenis estavam décadas no passado. Sou um membro respeitado da minha comunidade. Sou aclamada na minha profissão. Do que é que eu tinha medo? Não tinha feito nada errado. Se pudesse convencer a pessoa certa de que mais uma vez meu meio-irmão estava tentando me explorar, possivelmente poderia livrar-me dele para sempre. E quem seria melhor para convencer a acreditar em mim do que...”

  • Hammond Cross, promotor assistente da procuradoria municipal.
  • Correto – Ela olhou para Frank assentindo com a cabeça. - Por isso voltei ao quarto no quinto andar. Quando cheguei lá a porta da suíte estava meio aberta. Encostei a orelha nela, mas não ouvi nenhuma conversa. Empurrei a porta e espiei lá dentro. Pettijohn estava deitado de barriga para baixo perto da mesa de centro.
  • Você percebeu que ele estava morto?
  • Não estava – disse ela, provocando uma reação de choque nos dois. - Eu não queria encostar nele, mas encostei. Senti o pulso, mas ele estava inconsciente. Não queria ser pega com ele naquela situação, ainda mais que meu antigo parceiro de crime o estava chantageando. Por isso mais uma vez praticamente saí correndo da suíte. Dessa vez desci pela escada. Devemos ter nos desencontrado por pouco – disse ela para Hammond. - Quando cheguei ao saguão, eu o vi saindo do hotel pela porta principal.
  • E como foi que me reconheceu?
  • Eu o reconheci pela sua exposição na mídia. Você parecia muito aborrecido. Eu pensei...
  • Que eu tinha atacado Pettijohn.

-Atacado, não. Pensei que você tinha dado um soco nele e deixado o homem inconsciente e que, se a sua reunião com ele tivesse sido um pouco parecida com a minha, ele bem que merecia. Foi por isso que segui você. Mais tarde, se Pettijohn desse queixa de Bobby e de mim, se eu ficasse implicada em algum crime, quem seria álibi melhor que o promotor público, que também tinha se desentendido com Pettijohn?

  • ela olhou para as mãos. - Diversas vezes naquela noite de sábado eu me senti culpada com o que estava fazendo e tentei ir embora.

Ela olhou para Hammond, que olhou com ar de culpa para Frank, que por sua vez fazia uma careta para ele que mais parecia o porteiro do inferno.

  • Na manhã de domingo eu estava muito envergonhada e saí antes de Hammond acordar – contou para o advogado. - Naquela noite Bobby veio procurar seu dinheiro, que não existia, é claro. Mas para surpresa minha, ele me deu os parabéns por ter matado nossa única “testemunha”.
  • Até então você não sabia que Pettijohn estava morto?
  • Não. Tinha ouvido alguns Cds a caminho de casa e não liguei o rádio do carro. Também não liguei a televisão. Eu estava... preocupada – depois de um breve e tenso silêncio, ela disse: - De qualquer maneira, quando soube que Pettijohn tinha sido assassinado, acreditei no pior.
  • Você pensou que eu tinha matado Lute – disse Hammond. Que ele acabou morrendo por causa do meu ataque.
  • Certo. E continuei a acreditar nisso até...
  • Até ficar sabendo que ele tinha sido morto com um tiro – disse ele, Por isso você ficou tão chocada quando soube da causa da morte.

Ela fez que sim com a cabeça.

  • Vocês dois não brigaram?
  • Não, eu só saí ventando de lá.
  • Então o ataque dele deve ter provocado a queda.
  • Foi o que pensei – disse Hammond. - A trombose cerebral fez Lute desmaiar. Ele caiu e bateu na mesa, o que provocou o ferimento na testa.
  • Que não deu para eu ver. Eu não tinha ideia de que o estado dele fosse tão ruim. Pelo resto da minha vida vou me arrepender de não ter feito alguma coisa – disse ela com remorso sincero. - Se eu tivesse pedido ajuda, provavelmente teria salvado a vida dele.
  • Mas em vez disso alguém entrou lá depois de você, viu o homem caído e atirou nele.
  • Infelizmente, Frank, foi isso mesmo – disse ela. - E em parte foi por isso que não usei o meu álibi.
  • E foi por isso que vim para cá esta noite – disse Hammond. O advogado olhou para os dois sem entender.
  • O que foi que perdi? Foi Alex que explicou:
  • Graças ao empenho de Smilow, e agora da mídia, todo mundo sabe que estive na suíte de Pettijohn naquele sábado à tarde. Mas a única pessoa que sabe com certeza absoluta que não atirei nele é a pessoa que fez isso.
  • E essa pessoa atentou contra a vida de Alex na noite passada. Frank ficou de queixo caído, sem acreditar no que estava ouvindo,

quando Hammond contou o encontro dos dois no beco.

  • Alex era o alvo dele. Ele não era nenhum assaltante comum.
  • Mas como vocês sabem que era o assassino de Pettijohn? Hammond balançou a cabeça.
  • Ele era apenas um contratado para fazer o serviço, que nem era bom para o serviço. Mas o assassino de Lute é muito competente.
  • Você acha mesmo que resolveu o mistério? - perguntou Frank.
  • Preparem-se – disse Hammond.

Ele falou sem parar mais quinze minutos. Frank demonstrou estar chocado, mas Alex não pareceu nada surpresa.

Quando ele terminou, Frank soltou o ar longamente dos pulmões.

  • Você já falou com os empregados do hotel?
  • Antes de vir para cá. As declarações deles corroboram a minha hipótese.
  • Parece plausível, Hammond. Mas, meu Deus! Não podia ser mais difícil, podia?
  • Não, não podia – admitiu Hammond.
  • Você vai se arriscar demais sozinho por aí, com uma lima nas mãos.
  • Eu sei.
  • O que vai fazer quando sair daqui?
  • bom, antes de mais nada, quero ter certeza absoluta de que estou certo – Hammond virou para Alex. - Fora eu, Pettijohn mencionou algum outro compromisso? Sei que ele tinha outro marcado para as seis horas. Só não sei com quem.
  • Não. Ele só falou da reunião com você.
  • A caminho da suíte, você viu alguém no elevador ou no corredor?
  • Ninguém, a não ser o homem de Macon, que mais tarde me identificou.
  • E quando desceu a escada, não viu ninguém também?
  • Não – ele olhou bem sério para ela, e Alex acrescentou: Hammond, você está pondo a sua carreira em jogo por mim. Eu não mentiria para você agora.
  • Acredito em você, mas o nosso culpado pode não acreditar. Se vierem a pensar que você viu alguma coisa, realmente não vai importar se você viu ou não.
  • Para o assassino, ela continua sendo uma ameaça.
  • O que seria inaceitável. Lembrem que a cena do crime estava praticamente imaculada. Essa pessoa não é de pregar prego sem estopa.
  • Então, o que você sugere? - perguntou Frank. - Segurança vinte e quatro horas para Alex?

Não – disse ela com toda a convicção.

Eu ia preferir isso sim – disse Hammond. - Mas tenho de concordar, embora com certa relutância, com a Alex. Antes de mais nada, eu a conheço suficientemente bem para saber que ela não ia querer isso e que qualquer discussão seria inútil. Em segundo lugar, guardas ou qualquer coisa fora do comum, seria como uma bandeira vermelha.

  • Quanto tempo você precisa, Hammond?
  • Quem dera eu soubesse.
  • Bem, essa indefinição de tempo me deixa muito nervoso – disse Frank. - Enquanto você está colhendo provas, Alex está correndo risco de vida. Você devia contar isso para...
  • É – disse Hammond, adivinhando o pensamento de Frank. Contar isso para quem? A essa altura, em que posso confiar? E quem acreditaria em mim? Essas alegações iam soar como uvas verdes, especialmente se alguém ficasse sabendo que Alex e eu somos amantes.
  • São? Quer dizer que vocês estão juntos desde sábado à noite? A expressão dos dois devia estar muito reveladora. - Deixem pra lá gemeu Frank. - Eu não quero saber.
  • Como eu estava dizendo – continuou Hammond -, preciso fazer isso pessoalmente, e tenho de trabalhar depressa-ele explicou seu plano para os dois.

Quando terminou, dirigiu-se primeiro a Frank:

  • Posso contar com a sua aprovação?

O advogado ponderou algum tempo a sua resposta.

  • Eu gostaria de acreditar que as pessoas associam o meu nome com integridade. De qualquer forma, foi para isso que trabalhei a vida toda. Essa é a primeira vez que me desvio da ética. Se isso terminar em desastre, se você estiver errado, provavelmente sairei dessa com nada além de uma reprimenda e uma mancha num currículo até então impecável. Mas Hammond, o que está em jogo é o seu pescoço. Tenho certeza que você sabe disso.
  • Eu sei.

-Além do mais, acho que não tem a mínima chance de funcionar.

  • Por que não?
  • Porque, para funcionar, você precisa confiar na Steffi Mundell.
  • Creio que esse é um mal necessário.
  • Exatamente a palavra que eu usaria. Então o bip de Hamonnd tocou. Ele verificou o número.
  • Não reconheço.

Hammond ignorou o bip e perguntou se Frank queria saber mais alguma coisa.

  • Está falando sério? - perguntou o advogado, brincando. Hammond deu um sorriso largo.
  • Anime-se. Você também não prefere ser enforcado como pecador do que como santo?
  • Prefiro não ser enforcado, ponto. Hammond sorriu, mas virou para Alex:
  • No que você está pensando?
  • O que posso fazer?
  • Fazer?
  • Eu quero ajudar.
  • De jeito nenhum – disse ele terminantemente.
  • Eu provoquei essa confusão toda.
  • Pettijohn teria sido assassinado naquele sábado de qualquer jeito, conhecendo você ou não. Conforme eu já expliquei, não teve nada a ver com você.
  • Mesmo assim, não posso simplesmente ficar de fora, sem fazer nada.
  • É exatamente isso que você vai fazer. Não podem perceber que estamos juntos nisso.
  • Ele tem razão, Alex – disse Frank. - Ele precisa trabalhar nisso por dentro.
  • Hammond – disse Alex com os olhos cheios de ansiedade -, não existe algum outro jeito? Você pode acabar com a sua carreira.
  • E você pode perder a sua vida. Que é mais importante para mim do que a minha carreira.

Ele estendeu a mão para ela. Ela segurou e apertou a mão dele. Ficaram se olhando nos olhos algum tempo, até o silêncio ficar pesado e desconfortável.

Frank teve a delicadeza de pigarrear. - Alex, você fica aqui esta noite. Sem discussão.

  • Concordo – disse Hammond.
  • E você vai para casa – a ordem rígida foi dirigida a Hammond.

Concordo com isso também, apesar de relutar um pouco.

  • O quarto de hóspedes está arrumado, Alex. É o segundo quarto à esquerda da escada.
  • Obrigada, Frank.
  • Já é tarde e tenho muito em que pensar – Frank foi até a porta do escritório, parou e olhou para os dois. Ia dizer alguma coisa, parou e, finalmente, disse: - Eu já ia perguntar para vocês dois se sábado à noite tinha valido a pena. Mas a resposta de vocês é evidente. Boanoite.

Depois que ficaram sozinhos, o silêncio tornou-se mais constrangedor ainda, o tique-taque do relógio na mesa de Frank mais barulhento ainda. Havia uma tensão entre os dois, e não se devia unicamente ao que poderia acontecer no dia seguinte.

Hammond foi o primeiro a falar:

  • Não tem importância, Alex.

Ela nem teve de perguntar a que ele estava se referindo.

  • É claro que tem importância, Hammond.

Ele estendeu-lhe os braços mas ela se esquivou, levantou-se e foi para o outro lado do escritório e parou diante de uma estante cheia de livros de direito.

  • Estamos nos iludindo.
  • Como assim?
  • Isso não terá um final feliz. Não pode ter.
  • Por que não?
  • Não seja ingénuo.
  • Trimble é lixo. É passado. Sabia disso tudo a noite passada quando disse que amava você – ele sorriu. - E não mudei de ideia.
  • O nosso romance teve início quando preguei um truque sujo em você.
  • Truque sujo? Não é assim que eu lembro da noite desse último sábado.
  • Menti para você desde o início. Isso ficará para sempre num cantinho da sua cabeça, Hammond. Nunca confiará completamente em mim. Não quero ficar com alguém que está sempre com um pé atrás para tudo que faço, avaliando a veracidade de tudo que digo.
  • Eu não faria isso.

Ela sorriu, mas foi uma expressão de tristeza.

  • Então não seria humano. Sou especialista em emoções e comportamento humano. Conheço o impacto duradouro que os acontecimentos nas nossas vidas provocam em nós, o modo que as outras pessoas nos ferem, às vezes de propósito, às vezes sem querer. Vejo o resultado desses ferimentos e mágoas todos os dias nas sessões com os meus pacientes. Também sofri a mesma coisa. Levei anos para recuperar minha saúde emocional, Hammond. Trabalhei duro para me livrar da influência de Bobby. E consegui. Com a ajuda de Deus eu consegui. É por isso que sou capaz de amá-lo desse jeito...
  • Então é verdade? Você me ama?

Com um gesto inconsciente, ela ergueu a mão e a pôs sobre o coração.

  • Tanto que chega a doer.

O bip dele tocou novamente. Xingando baixinho, Hammond desligou o aparelho. A distância entre eles parecia enorme e ele sabia que não seria apropriado atravessá-la aquela noite. - Quero beijar você.

Ela fez que sim com a cabeça.

  • E se beijar você, vou querer fazer amor com você.

Ela fez que sim com a cabeça de novo e eles trocaram olhares longos e cheios de significados.

  • Amo fazer amor com você – disse ele. O peito dela subiu e desceu suavemente.
  • Você tem de ir.
  • É – disse ele com a voz rouca de desejo. - Você sabe que tenho de levantar muito cedo amanhã – ele franziu as sobrancelhas e a testa.
  • Não sei o que isso vai dar, Alex. Estarei sempre me comunicando com você. Você vai ficar bem? -vou.

Ela deu um sorriso para tranquilizá-lo. Ele foi saindo do escritório de costas.

  • Durma bem.
  • Boa-noite, Hammond.
  • Droga!

Loretta Boothe olhava furiosa para o telefone de moedas como se pudesse fazê-lo tocar. Tinha mandado duas mensagens para o bip de Hammond depois de tentar em vão ligar para seu número de casa e para o celular. O telefone continuou obstinadamente mudo. Ela verificou seu relógio. Quase duas. Onde será que ele tinha se metido? Ela esperou mais sessenta segundos, depois enfiou mais uma moeda no aparelho e discou o número da casa dele de novo.

  • Olha aqui, seu cretino, não sei por que estou caçando você no meio da noite para te dar cobertura, mas pela enésima vez eu saí daquela merda de feira com uma testemunha. Por favor, entre em contato comigo o mais depressa possível. Ele é meio arisco e estou ficando sem charme.
  • Sra. Boothe?
  • Estou indo! - ela desligou o telefone e gritou para o homem que tinha forçado a ficar sentado no carro dela.

No início ele estava animado para falar sobre o caso e sobre a notícia da prisão de Alex Ladd. Depois, quando Loretta contou que ele podia ser chamado para testemunhar, ele começou a recuar bem depressa. Disse que não queria se envolver. Queria ser um bom cidadão, mas...Loretta tinha usado horas de argumentos e todos os seus poderes de persuasão para ele se comprometer a cooperar. Mas ela não confiava no compromisso dele. A qualquer momento ele poderia mudar de ideia e fugir, ou então sofrer de um conveniente bloqueio mental e esquecer tudo que lembrava do último sábado.

  • Sra. Boothe?

Apontando o dedo médio para o telefone público, ela voltou para o carro.

  • Não disse para você me chamar de Loretta? Quer mais uma cerveja?
  • Agora que tive tempo para pensar sobre isso... - as feições dele mudaram com a indecisão. - Não sei se quero me envolver. Posso estar enganado, sabe? Não dei uma boa olhada nela.

Loretta procurou tranquilizá-lo de novo, sem parar de pensar Onde é que Hammond se meteu?

Steffi parou assustada quando abriu a porta da sua sala e viu Hammond com o punho levantado, pronto para bater.

  • Tem um minutinho? ?
  • Na verdade, não tenho. Eu já ia...
  • Seja o que for, pode esperar. Isso é importante – ele a fez recuar para dentro da sala e fechou a porta.
  • O que houve?
  • Sente-se.

Mesmo confusa, ela fez o que ele pediu. Enquanto ela se sentava, Hammond começou a andar de um lado para outro. A aparência dele não estava muito melhor que na véspera. Continuava com o braço na tipóia. Parecia que tinha secado o cabelo com um ventilador. Cortara o queixo fazendo a barba e a marca de sangue a fez lembrar do relatório do laboratório que tinha recebido poucos minutos antes.

  • Você parece podre. Quanto café tomou esta manhã? - perguntou ela.
  • Nenhum.
  • E mesmo? Parece que andou tomando cafeína na veia.

De repente ele parou de andar de um lado para outro e encarou Stefi com a mesa dela entre os dois.

  • Steffi, nós temos um relacionamento especial, não temos?
  • O quê?

-Transcende o fato de sermos colegas. Quando estávamos juntos, confiei segredos meus para você. Essa intimidade do passado eleva o nosso relacionamento para um outro nível, não é – ele olhou bem para ela um tempo, depois xingou e tentou em vão amansar o cabelo. - Meu Deus, isso é complicado!

  • Hammond, o que está havendo?
  • Antes preciso acertar umas coisas.
  • Eu cansei, Hammond. Está bem? Não quero um homem que...
  • Não é isso. Não se trata de nós dois. É o Harvey Knuckle.

O nome caiu como uma pedra no peito dela. Steffi tentou disfarçar a surpresa, mas sabia que a expressão atónita devia ser um sinal bem claro. Sob o olhar penetrante de Hammond, negar seria inútil.

  • Tudo bem, então você sabe. Pedi para ele desencavar alguma informação sobre Pettijohn.
  • Por quê?

Ela brincou um pouco com um clipe de papel, avaliando a sensatez de revelar isso para Hammond. Finalmente, ela disse:

  • Pettijohn me procurou alguns meses atrás. No início parecia bem inocente. Então ele fez sua jogada. Disse que tinha pensado que seria muito confortável para nós dois se eu ficasse com o cargo de procurador público. Ele prometeu que ia providenciar isso.

-Se?

  • Se eu mantivesse olhos e ouvidos atentos e contasse para ele tudo que pudesse ser interessante. Como alguma investigação sigilosa nos negócios dele.
  • E você disse o que para ele?

-Alguma coisa não muito educada ou feminina. Recusei a oferta, mas fiquei curiosa de saber o que ele podia estar escondendo, o que ele estava tramando. Não seria uma honra para Steffi Mundell se orgulhar se ela pegasse o maior bandido do município de Charleston? Por isso fui procurar o Harvey – ela deu uma forma de S ao clipe de papel. Consegui a informação que queria e...

  • Viu o nome do meu pai nos contratos da sociedade.
  • É, Hammond – respondeu ela muito séria.
  • E não disse nada.
  • O crime era dele, não seu. Preston não podia ser punido sem que você se machucasse também. Eu não queria que isso acontecesse. Você sabe que eu adoraria ter o cargo máximo. Nunca escondi isso de ninguém.
  • Mas não se isso significasse ir para a cama com Pettijohn. Ela estremeceu.
  • Espero que tenha querido dizer isso no sentido figurado.
  • Eu quis. Obrigado por me contar a verdade.
  • Para dizer a verdade, estou feliz dessa história não ser mais segredo. Era como uma infecção – ela largou o clipe de papel. - E agora, o que está havendo?

Ele se sentou diante dela, equilibrado na beira de uma cadeira e inclinado para a frente.

  • O que vou contar para você deve ficar só entre nós – disse ele, nervoso, em voz baixa. - Posso confiar em você?
  • Está implícito.
  • Ótimo – ele respirou bem fundo. - Alex Ladd não matou Lute Pettijohn.

Era essa a grande declaração? Depois de toda aquela introdução grandiosa, ela estava esperando uma confissão de coração aberto sobre o caso deles, talvez implorando perdão. Em vez disso, toda aquela baboseira tinha servido para anunciar apenas mais um pedido patético pela inocência da amante secreta dele. A agressividade dela cresceu, mas Steffi se esforçou para recostarse na cadeira, fingindo uma posição relaxada.

  • Ontem você estava todo animado para levar o caso ao grande júri. Por que essa súbita mudança de opinião?
  • Não é súbita, e eu nunca estive animado. O tempo todo achei que era a pessoa errada. Há fatores demais que não se encaixam.
  • Trimble...
  • Trimble é um cafetão.
  • E ela era prostituta dele – disparou ela. - E parece que ainda é.
  • Não vamos começar isso de novo, está bem?
  • Está bem. É um argumento esgotado. Espero que tenha outro melhor.
  • Foi Smilow que o matou.

O queixo de Steffi caiu. Dessa vez ela não acreditava mesmo que tivesse ouvido direito.

  • Isso é uma brincadeira?
  • Não.
  • Hammond, pelo amor de Deus...
  • Preste atenção, só um minuto – disse ele, gesticulando com a mão para ela esperar. - Apenas ouça e depois, se não concordar, agradecerei o seu ponto de vista.
  • Pode poupar seu fôlego. Garanto que meu ponto de vista será diferente.
  • Por favor.

No sábado à noite, quando ela quis provocá-lo e perguntou para Smilow se ele tinha assassinado seu ex-cunhado, ela pretendia que fosse uma piada, apesar do mau gosto. Fez a pergunta só de maldade mesmo, para provocá-lo. Mas Hammond estava falando sério. Obviamente considerava Smilow um suspeito viável.

-Tudo bem – disse ela com um movimento exagerado de ombros, indicando rendição. - Pode mandar.

  • Pense só. A cena do crime estava praticamente estéril. O próprio Smilow fez diversas referências à limpeza do lugar. Quem saberia melhor evitar deixar pistas do que um detetive de homicídios que ganha a vida catando os indícios atrás dos assassinos?
  • É um bom argumento, Hammond, mas você está forçando a barra.

Ele forçava a barra para proteger sua nova amante. Era uma ofensa muito grande ele chegar a esse ponto pelo bem de Alex Ladd. Toda aquela bobagem de adolescente sobre intimidade e sobre confiar seus segredos, e de querer acertar umas coisas, e do relacionamento especial e elevado deles, tinha sido idiotice demais. Ele estava tentando usá-la para livrar a cara da namorada. Steffi queria dizer para Hammond que sabia do caso dos dois, mas essa seria uma atitude impetuosa e tola. Seria gratificante vê-lo humilhado, mas ela ia sacrificar, assim, uma vantagem a mais longo prazo. O conhecimento que tinha do caso secreto deles era um trunfo. Jogar esse trunfo cedo demais reduziria sua eficácia.

E enquanto isso, quanto mais ele falava mais munição dava para ela usar contra ele. Sem saber, ele estava dando para ela seu cargo de procuradora embrulhado para presente. Ela precisava ter muito controle para manter aquela expressão neutra.

  • Espero que você esteja baseando suas suspeitas em algo além da falta de provas – disse ela.
  • Smilow odiava Pettijohn.
  • Já ficou determinado que muita gente odiava Pettijohn.
  • Mas não como Smilow. Em diversas ocasiões ele praticamente jurou matar Lute pela infelicidade que ele causou em Margaret. Sei de fonte segura que uma vez ele atacou Lute, e teria matado o homem ali mesmo se não o segurassem.
  • Quem contou isso para você, o Garganta Profunda? Ele não gostou da brincadeira, e respondeu de mau humor:
  • De uma certa forma, sim, foi ele. Por enquanto, isso será o mais confidencial possível.
  • Hammond, você tem certeza de que não está deixando o seu conflito de personalidade com Smilow afetar seu discernimento?
  • É verdade. Não gosto dele. Mas nunca ameacei matá-lo. Não como ele ameaçou matar Lute Pettijohn.
  • No calor do momento? Num acesso de raiva? Ora, Hammond! Ninguém leva esse tipo de ameaça de morte a sério.
  • Smilow costuma tomar seus drinques no bar do saguão do Charles Towne Plaza.
  • E centenas de pessoas também fazem isso. Por falar nisso, nós também fazemos.
  • Ele engraxa os sapatos lá.

-Ah, ele engraxa os sapatos lá! - exclamou ela, dando um tapa na beirada da mesa. - Nossa, isso é praticamente um revólver fumegante!

  • Eu me recuso a reagir à ofensa, Steffi. Porque a arma era o próximo ponto.
  • A arma do crime?
  • Smilow tem acesso a armas. Provavelmente a metade delas sem registro e não identificáveis.

Aquele foi o primeiro argumento sobre o qual Steffi pensou seriamente. O sorriso provocante desapareceu lentamente. Ela se endireitou na cadeira.

  • Você está falando das armas...
  • Do depósito de provas. São confiscados em incursões contra as drogas. Tomadas quando prendem alguém. E ficam lá até a data do julgamento, ou à disposição para serem vendidas ou jogadas fora.
  • Eles mantêm registro de troca de custódia lá.
  • Smilow saberia como contornar isso. Poderia ter usado uma e depois substituído. Talvez tenha jogado fora depois de usar. Ninguém sentiria falta. Ele podia usar uma que ainda não tivesse sido registrada no depósito. Há dezenas de maneiras de fazer isso.
  • Estou entendendo o que você quer dizer – disse ela, pensativa, e depois balançou a cabeça. - Mas ainda é forçar a barra, Hammond. Assim como não temos a arma para provar que Alex Ladd atirou em Pettijohn, não temos a arma para provar que foi Smilow.

Ele deu um suspiro, olhou para o chão e olhou para ela de novo.

  • Há mais uma coisa. Um outro motivo, talvez ainda mais forte do que a vingança pelo suicídio da irmã dele.
  • E qual é?
  • Não posso falar.
  • O quê? Por que não?
  • Porque a privacidade de outra pessoa seria violada.
  • Não foi você mesmo, há menos de cinco minutos, que fez aquele discurso empolado sobre o nosso relacionamento transcendente e confiança mútua?
  • Não é que eu não confie em você, Steffi. E que outra pessoa confia em mim. Não posso trair a confiança desse indivíduo. E não vou trair, a menos que essa informação venha a ser um elemento vital no caso.
  • No caso? - repetiu ela em tom de deboche. - Não existe caso.
  • Acho que existe.
  • Você realmente pretende ir adiante com isso?
  • Sei que não vai ser fácil. Smilow não é o queridinho do pessoal da polícia de Charleston, mas é temido e respeitado. Sem dúvida vou enfrentar alguma resistência.
  • Resistência é pouco, Hammond. Se você investiga um deles, jamais terá a cooperação de outro policial do município.
  • Conheço os obstáculos. Sei o quanto isso vai me custar. Mas estou determinado a ir até o fim. E isso devia servir para você entender até que ponto acredito que estou certo.

Ou até que ponto está idiotizado com sua nova amante, pensou ela.

  • E o que vai acontecer com Alex Ladd e o caso que montamos contra ela? Não pode simplesmente jogar fora, fazer desaparecer.
  • Não. Se eu fizesse isso, Smilow ia desconfiar. Planejo continuar. Mas mesmo se o grande júri indiciá-la, não podemos ganhar esse caso que temos contra ela. Não podemos – disse ele obstinadamente ao ver que Steffi ia protestar. - Trimble é um cafajeste que fala demais. O júri não vai se deixar enganar pelo seu verniz vagabundo. Vão concluir que o testemunho dele atende aos interesses dele mesmo, e estarão certos. Não acreditarão nele nem se ele disser a verdade de vez em quando. Além disso, quantas vezes a dra. Ladd negou veementemente que foi ela?
  • Naturalmente ela vai negar que foi ela. Todos negam.
  • Mas ela é diferente – resmungou ele.

Mesmo sabendo do caso que ele tinha com a psicóloga, Steffi ficou desconsolada com a determinação inabalável de Hammond de proteger e defendê-la. Ficou olhando para ele algum tempo, sem nem tentar disfarçar sua frustração.

  • Acabou? Você já me contou tudo?
  • Sinceramente, não. Verifiquei algumas coisas ontem à noite, mas as provas não são concretas.
  • Que tipo de coisas?
  • Não quero falar disso agora, Steffi. Só quando tiver certeza, de que estou certo. Essa situação é muito precária.
  • É precária mesmo – disse ela, zangada. - Se não me conta tudo, para que contar uma parte? O que você quer de mim?

A última pessoa que Davee Pettijohn esperava receber aquela manhã era a mulher que suspeitavam que tinha feito dela uma viúva.

  • Obrigada por me receber.

Sarah Birch tinha levado a dra. Alex Ladd para a sala de estar íntima onde Davee estava tomando café. Mesmo se a governanta não tivesse anunciado Alex pelo nome, Davee a teria reconhecido. A foto dela estava na primeira página do jornal matutino e Davee tinha visto o último noticiário na véspera, antes do seu encontro clandestino e perturbador com Smilow.

  • Faço isso mais por curiosidade do que por cortesia, dra. Ladd
  • disse ela espontaneamente. - Sente-se. Quer um café?
  • Por favor.

Enquanto esperavam Sarah Birch retornar com outra xícara e pires, as duas mulheres ficaram em silêncio, avaliando uma à outra. As câmeras de televisão e as fotos dos jornais não faziam justiça a Alex Ladd, Davee concluiu.

Alex agradeceu a governanta por servir o café, deu um gole e disse: 441

  • Estive com seu marido naquele sábado à tarde na suíte do hotel
  • ela apontou para os cadernos do diário matutino espalhados pela sala. - As reportagens do jornal sugerem sutilmente que o sr. Pettijohn e eu tínhamos um relacionamento pessoal.

Davee deu um sorriso amargo.

  • Bem, ele tinha de manter a reputação.
  • Mas eu não. Não há base alguma para essa insinuação. Mas a senhora provavelmente vai achar que estou mentindo se o meu meio-irmão testemunhar contra mim.
  • Também li sobre ele. No jornal, Bobby Trimble parece um verdadeiro babaca.
  • Para ele isso é um elogio.

Davee deu uma risada mas, observando o rosto da outra mulher, percebeu que o assunto não era nada agradável para ela.

  • Sua infância foi dura, sofrida?
  • Já superei isso.

Davee fez que sim com a cabeça.

  • Acho que todos nós temos cicatrizes da infância.
  • Algumas cicatrizes são mais visíveis que outras – disse Alex, concordando. - No meu trabalho aprendi que as pessoas conseguem escondê-las muito bem. Até delas mesmas.

Davee observou Alex mais algum tempo.

  • Não imaginava que fosse assim, dra. Ladd. Pelo modo como foi retratada nas reportagens, eu pensava que era... mais empedernida. Mais durona. Dissimulada. Até malvada – riu ela novamente. -Achei que era mais parecida comigo.
  • Tenho meus defeitos. Muitos. Mas juro que só estive uma vez com seu marido. Foi naquele sábado. E acontece que foi logo antes de ele ser assassinado. Mas eu não o matei, e não fui àquela suíte do hotel para ir para a cama com ele. Para mim é importante que a senhora saiba disso.
  • E acho que acredito nisso – disse Davee. - Antes de mais nada, não ganha nada vindo até aqui para me dizer isso. E além de tudo, e não tenho intenção nenhuma de ofendê-la, não faz o tipo do meu querido falecido.

Alex sorriu com aquela observação, mas demonstrou uma curiosidade sincera quando perguntou:

  • E por que não sou do tipo que ele gosta?
  • Fisicamente até atenderia aos requisitos dele. Não se ofenda com isso também, mas Lute trepava com qualquer mulher que tivesse um corpo quente. E, quem sabe? Às vezes nem isso seria critério de qualificação.

“Mas ele gostava que as mulheres ficassem deslumbradas com ele. Que fossem submissas e burras. Que ficassem em silêncio a maior parte do tempo, exceto, talvez, na hora do orgasmo. Ele não ia se interessar porque é inteligente e segura demais.” Ela encheu sua xícara com café de uma garrafa térmica prateada, depois jogou dois cubos de açúcar, que fizeram um ruído suave ao mergulhar no café.

  • Para sua informação, dra. Ladd, algumas pessoas que a estão acusando de ter matado Lute não acreditam que é a criminosa.

Alex demonstrou surpresa e disse sem pensar:

  • A senhora conversou com Hammond?
  • Não. Não foi... - de repente Davee entendeu e parou de falar no meio da frase. - Hammond? Você está tratando o homem que conduz seu caso de assassinato pelo primeiro nome?

Claramente constrangida, Alex deixou o pires e a xícara na mesa de centro.

  • Espero que a minha vinda aqui não tenha sido uma intromissão, sra. Pettijohn. Nem sabia se a senhora ia querer me ver. Obrigada pelo...

Davee fez Alex calar estendendo o braço por cima da mesa e pondo a mão no braço dela. Depois de uma pausa Alex levantou a cabeça e encarou Davee com serena dignidade. Elas se comunicaram num nível diferente. Baixaram as defesas. Duas mulheres que se reconheciam, compreendiam e aceitavam. Olhando bem nos olhos da outra mulher, Davee disse em voz baixa:

  • É você que está numa situação não só complicada, mas impossível.

Alex abriu a boca para falar, mas Davee a impediu:

  • Não, não me diga. Seria como ler a última página de um romance ínstigante. Mas mal posso esperar para saber como vocês dois conseguiram se meter nessa confusão toda. Espero que as circunstâncias tenham sido totalmente decadentes e deliciosas. Hammond merece isso. - Então ela deu um sorriso triste. - Pobre Hammond. Isso deve estar sendo um dilema gigantesco para ele.
  • Está sim.
  • Posso fazer alguma coisa?
  • Ele deve precisar de amigos em breve. Seja amiga dele.
  • Eu sou.
  • É o que ele diz. - Alex pôs a alça da bolsa no ombro. - Preciso ir.

Davee não chamou a governanta e foi pessoalmente com Alex até a porta.

  • Você não comentou nada sobre a minha casa – observou ela quando atravessaram o hall de entrada. - A maioria das pessoas comenta quando vem aqui pela primeira vez. O que você acha?

Alex olhou em volta rapidamente.

  • Sinceramente?
  • Eu perguntei.
  • Algumas coisas são lindas. Mas, para o meu gosto, é um pouco exagerada.
  • Está brincando? - disse Davee. - É de mau gosto de uma ponta à outra. Agora que o Lute morreu, planejo redecorar tudo.

As duas mulheres sorriram uma para a outra. Aquilo era raro para Davee, sentir afinidade por outra mulher. Com sua sinceridade característica, ela disse:

  • Não me importa se você foi para a cama com Lute ou não. Gosto de você, Alex.
  • Também gosto de você.

Alex já estava na metade do caminho até a rua quando Davee a chamou. ;;r

  • Você esteve com Lute logo depois que o mataram?
  • Isso mesmo.
  • Humm. O assassino talvez ache que você está escondendo alguma coisa. Algo que viu ou ouviu. Você está? - perguntou ela sem rodeios.
  • Não devíamos deixar essa pergunta para a polícia? 444

Alex seguiu em frente e passou pelo portão. Davee fechou a porta e deu meia-volta. Sarah Birch estava logo atrás dela.

  • O que foi, meu bebé? - disse ela, estendendo a mão e alisando as rugas de preocupação na testa de Davee.
  • Nada, Sarah – murmurou ela, distraída. - Nada.

Bem cedo aquela manhã, antes de sair para o escritório e de ter uma conversa com Steffi, Hammond verificou as mensagens na secretária eletrônica. Só respondeu a um recado:

  • Loretta, aqui é o Hammond. Só recebi seu recado esta manhã. Sinto muito tê-la deixado irritada ontem à noite. Concluí erradamente que suas chamadas eram engano. Ouça, agradeço muito o que fez. Mas o fato é que não quero que apresente esse cara com quem conversou na feira. Pelo menos não agora. Tenho meus motivos, acredite em mim, e explicarei tudo isso mais tarde. Por enquanto, guarde-o na manga. Se eu precisar dele, aviso. Senão, simplesmente... acho que você pode... o que estou querendo dizer é que está livre para pegar outro trabalho. Se precisar de você, eu a procuro. Obrigado mais uma vez. Você é a melhor. Até logo. Ah, vou mandar um cheque para. Cobrir o dia e a noite de ontem. Você superou todas as expectativas. Tchau!

Bev Boothe ouviu a mensagem duas vezes, depois ficou olhando fixamente para o telefone, tamborilando de leve na etiqueta com o número enquanto pensava o que fazer com o recado... gravar ou apagar? O que ela gostaria de dizer para o dr. Cross fazer com a mensagem era anatomicamente impossível. Estava cansada e mal-humorada. Durante a noite alguém tinha amassado seu carro no estacionamento dos funcionários do hospital. E uma dor nas costas se instalava todas as manhãs depois do seu plantão de doze horas. Acima de tudo estava preocupada com a mãe, cujo quarto estava vazio e a cama arrumada. Onde é que tinha passado a noite, e onde estava naquele momento? Bev lembrou que quando saiu para o hospital na véspera Loretta parecia preocupada e deprimida. Aquele recado significava que estava lá fora fazendo o trabalho sujo do procurador público para ele, pelo menos uma parte da noite. O filho-da-mãe nem parecia dar muito valor ao esforço de Loretta. De raiva, Bev apertou o número três para apagar a mensagem. Cinco minutos depois, quando saía do chuveiro, ela ouviu a mãe chamá-la no quarto.

  • Bev, acabei de chegar!

Bev pegou uma toalha e se enrolou nela. Deixou pegadas molhadas no corredor, até o quarto da mãe. Loretta estava sentada na beira da cama, descalçando as sandálias que tinham deixado marcas vermelhas nos seus pés inchados.

  • Mãe, fiquei preocupada! - exclamou Bev, procurando não parecer surpresa e aliviada da mãe estar sóbria, apesar de abatida e desarrumada.
  • Onde você esteve?
  • É uma longa história, que pode esperar até nós duas tirarmos algumas horas de sono. Estou exausta! Você verificou os recados na secretária quando chegou? Tinha algum para mim?

Bev hesitou só um segundo:

  • Não, mãe. Nenhum.
  • Não acredito! - resmungou Loretta enquanto tirava o vestido.
  • Eu ralo a noite toda e Hammond inventa de desaparecer! Ela despiu a roupa de baixo, puxou as cobertas e deitou-se na cama. Já estava quase dormindo na hora que sua cabeça encostou no travesseiro.

Bev voltou para seu quarto, vestiu uma camisola, ligou o alarme, reajustou o termostato para uma temperatura mais fresca e foi para a cama. Dessa vez Loretta tinha voltado sóbria para casa. Mas o que aconteceria na próxima vez? Ela estava se esforçando muito para se agarrar à sobriedade. Precisava de estímulos constantes e de ânimo. Precisava sentir-se útil e produtiva. A última coisa que Bev pensou antes de adormecer foi que, se o dr. Hammond Cross ia dispensar sua mãe do trabalho que ela desesperadamente precisava para seu bem-estar presente e futuro, então ele podia muito bem dispensá-la pessoalmente, e não pela secretária eletrônica.

  • O que é isso?

Rory Smilow desviou os olhos do envelope pardo que Steffi acabava de pôr em cima da mesa coberta de papéis. Assim que Hammond saiu da sala dela, Steffi não perdeu tempo e foi até a delegacia de polícia. Encontrou o detetive na grande sala aberta de investigação criminal. Não sentia compunção nenhuma de estar informando as novidades para Smilow. Lealdade ao seu ex-amante jamais passara pela sua cabeça. E tampouco seria detida por sua promessa de guardar segredo. A partir daquele momento ela estava jogando pra valer.

  • É um exame do laboratório – ela pegou de volta o envelope e abraçou-o encostado ao peito como se o acariciasse. - Podemos conversar na sua sala?

Smilow ficou em pé e indicou a sala dele com um movimento de cabeça. Enquanto caminhavam pelo meio do labirinto de mesas, o detetive Mike Collins saudou Steffi cantarolando.

  • Bom-dia, senhorita Mundell!
  • Vai tomar no rabo, Collins.

Ignorando as risadas e assobios, ela caminhou na frente de Smilow pelo curto corredor e entrou na sala particular dele. Depois de fechar a porta, ele perguntou o que era:

  • Lembra-se das manchas de sangue nos lençóis de Alex?
  • Ela cortou a perna quando se depilava.
  • Não cortou nada. Ou talvez tenha cortado, mas não foi ela que sangrou no lençol. Mandei examinar o sangue e compará-lo com outra amostra. São da mesma pessoa.
  • E essa outra amostra é de...?
  • Hammond.

Pela primeira vez desde que se conheceram, Smilow estava completamente despreparado para a resposta que ouviu. Ele ficou sem palavras.

  • Na noite que foi atacado – explicou ela – ele perdeu sangue. Bastante sangue, acho. Fui à casa dele bem cedo na manhã seguinte para dizer que Trimble estava na nossa delegacia. Ele estava esquisito.

Atribuí suas esquisitices à noite que tinha tido e aos remédios que estava tomando.

“Mas era mais que isso. Tive a sensação de que ele estava mentindo para acobertar algum segredo vergonhoso. De qualquer forma, antes de sair, impulsivamente furtei uma toalha ensanguentada que estava no banheiro dele.”

  • Por que você fez isso? E por que comparar o sangue dele com as manchas nos lençóis da dra. Ladd?
  • Por causa do jeito que ele se comporta quando está perto dela!
  • exclamou ela baixinho, abrindo os braços. - Como se mal conseguisse controlar o desejo de devorá-la. Você também sentiu isso, Smilow. Eu sei que sentiu.

Ele passou a mão na nuca e disse a última coisa que Steffi esperava ouvir dele:

  • Meu Deus, estou constrangido.
  • Constrangido?
  • Eu devia ter chegado a essa conclusão sozinho. Há muito tempo. Você tem razão, realmente senti que havia alguma coisa entre eles. Só não conseguia determinar o que era. É tão incrível que nunca pensei em atração sexual.
  • Não se recrimine por isso, Smilow. As mulheres são mais intuitivas para essas coisas.
  • E você tinha mais outra vantagem em relação a mim. -Qual?
  • Eu nunca transei com Hammond.

Smilow deu um sorriso meio torto, mas Steffi não achou graça no que ele disse.

  • Bem, realmente não importa quem sentiu o que e quando, ou quem definiu primeiro o que está acontecendo com os dois. A questão é que Hammond está transando com Alex Ladd desde que foi indicado promotor do caso criminal no qual ela é a principal suspeita – ela ergueu o envelope como se fosse um tipo de escalpo ou algum outro trofeu de batalha. - E podemos provar.
  • com provas obtidas ilegalmente.
  • Uma tecnicalidade – disse ela dando de ombros. - Por enquanto vamos examinar o quadro geral. Hammond está numa merda profunda. Lembra-se daquela mentira fraquinha sobre quem tinha arrombado a porta dos fundos da casa dela? Estou achando que foi o Hammond. Ele invadiu a casa dela...
  • Para quê? Para roubar a prataria?

Ela franziu a testa, reprovando o fato de Smilow estar fazendo pouco de tudo aquilo.

  • Eles já se conheciam. Antes de Alex se tornar suspeita. E os dois fingiram não conhecer o outro. Tinham de se encontrar para combinar as coisas, por isso Hammond foi até lá... Vejamos, devia ser terça à noite, depois que a pegamos em diversas mentiras.

“Ele não quis aparecer na porta da frente e tocar a campainha, por isso entrou escondido. Quando arrombou a tranca, machucou o polegar. Esse foi o sangue que manchou o lençol dela. Lembro que no dia seguinte ele estava com um curativo no dedo. “E acho que ela estava com ele na noite em que ele foi atacado também. Foi evasivo quando perguntei sobre o médico que tinha tratado dos seus ferimentos, e por que ele não tinha procurado um pronto-socorro. Ele inventou umas explicações inverossímeis.” O detetive ainda olhava para ela com ceticismo.

  • Eu o conheço, Smilow – insistiu ela. - Praticamente moramos juntos. Conheço seus hábitos. Ele é relativamente organizado, mas é um homem. Deixa as coisas por fazer até ser forçado a arrumar tudo, ou então espera o dia da semana em que a faxineira vai para limpar sua bagunça. Na manhã seguinte ao ataque, quando ele se sentia péssimo, sabe com que se preocupava? Em fazer a cama dele. Agora entendo por quê. Ele não queria que eu notasse que alguém tinha dormido com ele.
  • Não sei, Steffi – disse ele, denotando dúvida nas rugas da testa.
  • Por mais que quisesse ver esse escoteiro cair alguns pontos, não acredito que Hammond Cross faria algo tão comprometedor. Você já perguntou diretamente para ele?
  • Não, mas já plantei verde. Bem de mansinho, provocante. Até esta manhã quando recebi o exame do laboratório, tudo não passava de um palpite.
  • Tipo de sangue não é conclusivo.
  • Se a questão for provar conduta ilegal, poderíamos obter um exame de DNA.
  • Se você estiver certa, e admito que a sua história tem peso, então isso explica a reação que ele teve à declaração de Bobby Trimble ontem.
  • Hammond não quis ouvir dizer que Alex Ladd é uma prostituta. -Foi.
  • O tempo do verbo ainda está em debate. De qualquer forma, foi por isso que ele não quis que usássemos o testemunho de. Trimble Smilow franziu a testa de novo. - O que foi? - disse Steffi.
  • Concordo com ele nesse caso. Os argumentos de Hammond fazem um certo sentido. Trimble é tão ofensivo que pode acabar gerando simpatia pela dra. Ladd. De um lado ela, respeitada psicóloga. Do outro lado ele, um homem que se prostitui e usa drogas e que acha que é uma dádiva divina especial para as mulheres. Ele poderia prejudicar, mais que ajudar, o nosso caso, especialmente se o júri acabar tendo mais mulheres que homens. Seria quase melhor que ele nem aparecesse.
  • Se Hammond conseguir o que quer, não haverá caso contra Alex Ladd. Pelo menos nunca irá a julgamento.
  • Essa decisão é unicamente dele. Ele planeja...
  • O que ele planeja é culpar outra pessoa pelo assassinato de Pettijohn.
  • O quê?
  • Você não estava prestando atenção, Smilow. Estou dizendo que ele fará qualquer coisa para proteger aquela mulher. Ele inspira e se nega a revelar as pistas que está seguindo, e quando solta o ar está pedindo a minha cooperação e ajuda para criar um caso contra outra pessoa. Alguém que tinha motivo e oportunidade. Alguém que ele adoraria derrubar dessa maneira – Steffi saboreou o momento antes de acrescentar: - E adivinha em quem ele está pensando.
  • Hammond, estive à sua procura a manhã toda.
  • Oi, Mason – ele tinha recebido o recado, que Mason estava à sua procura, mas tentou evitá-lo. Não tinha tempo para uma reunião, por mais curta que fosse. - Andei muito ocupado esta manhã. E agora estou de saída. Í! “$..-
  • Então não vou ocupar seu tempo. W*...,<, ,.*wi
  • Obrigado – disse Hammond, continuando na direção da saída.
  • Vejo você depois.
  • Certifique-se de estar livre esta tarde, às cinco horas. Hammond parou e virou para ele.
  • O que vai acontecer?
  • Uma coletiva de imprensa. Todas as estações locais vão transmitir ao vivo.
  • Hoje? Às cinco horas?
  • Na prefeitura. Resolvi anunciar formalmente a minha aposentadoria e indicá-lo como meu sucessor. Não há por que adiar isso. E de qualquer forma todo mundo já sabe. Na eleição de novembro, seu nome estará na cédula – Mason deu um sorriso para o seu protegido e balançou o corpo todo orgulhoso.

Hammond teve a sensação de estar sendo jogado numa cela, de cabeça.

  • Eu... não sei o que dizer – gaguejou ele.
  • Não precisa dizer nada para mim – disse Mason, animado. Guarde suas observações para hoje à tarde.
  • Mas...
  • Já avisei seu pai. Amélia e ele vão estar lá. Meu Deus!
  • Você sabe, Mason, que estou bem no meio desse negócio do Petijohn.
  • E que hora melhor? Quando você já está na berlinda com o público. Essa é uma grande oportunidade de transformar seu nome numa palavra pronunciada em todos os lares de Charleston.

Aquela declaração fex Hammond voltar a uma conversa recente. Ele fechou os olhos por um segundo e balançou a cabeça.

  • Foi papai que disse para você fazer isso, não foi? Mason deu uma risadinha.
  • Ele pagou umas rodadas no clube a noite passada. Nem preciso dizer como ele sabe ser persuasivo.
  • É, nem precisa dizer – resmungou Hammond, zangado. Preston nunca relaxava e deixava as cartas caírem naturalmente.

Ele sempre arrumava o baralho a seu favor. Sua filantropia na ilha Speckle tinha desarmado Hammond e praticamente garantido que ele não seria responsabilizado por qualquer coisa ilegal que tivesse acontecido na ilha. Mas caso Hammond pretendesse continuar investigando, Preston tinha aumentado a aposta, elevado os prémios e aumentado a pressão.

  • Olha, Mason, preciso correr. Tenho muito o que fazer hoje.
  • Tudo bem. Apenas lembre-se das cinco horas.
  • Não vou esquecer.

Loretta esfregou os pés no fundo da banheira com água fria onde os banhava havia quase meia hora. Bev andava pelo corredor, bocejando e se espreguiçando.

  • Mãe? Já acordou? Não dormiu muito.
  • Muita coisa para pensar – comentou ela distraída, olhou para Bev e disse: - Você tem certeza que verificou se não tinha nenhum recado na secretária eletrônica esta manhã? Espero que não haja nada errado com ela.
  • Não há nada errado com ela, mãe – disse Bev, virando-se para a mãe com expressão de culpada. - Tinha um recado do dr. Cross. Só que eu não quis dizer para você.
  • Por que não? O que ele disse?
  • Ele disse para esquecer o cara da feira. Loretta olhou para Bev, incrédula.
  • Você tem certeza?
  • Acho que ele disse “da feira”.
  • Não, tem certeza que ele disse para esquecer o homem?
  • Dessa parte tenho certeza. Fiquei furiosa. Depois de todo esse trabalho que você teve... Cuidado, mãe, você está molhando o chão todo.

Loretta estava em pé, com as mãos plantadas firmemente na cintura.

  • Ele enlouqueceu?

Bobby Trimble não tinha contado com a prisão. A prisão fedia. A prisão era para os perdedores. A prisão era para o velho Bobby, talvez, mas não para o Bobby que ele era agora. Tinha passado a noite dividindo a cela com um bêbado que roncara e peidara com idêntica exuberância a noite inteira. Tinham prometido que ele seria libertado de manhã bem cedo, logo que pudessem registrar sua saída. Era parte do trato que tinha feito com o detetive Smilow e com a puta da procuradoria – não mais que uma noite encarcerado. Mas já era de manhã e eles não pareciam ter pressa nenhuma. Serviram o café da manhã. Com o cheiro da comida, seu companheiro de cela rolou do beliche de cima e quase não teve tempo de chegar ao vaso sanitário aberto, onde ficou vomitando uns cinco minutos. Quando finalmente esvaziou tudo, ele subiu de novo no beliche e desmaiou outra vez, só que antes deu uma trombada em Bobby e sujou a roupa dele, de modo que ele também ficou cheirando a vómito. É claro que Bobby não sofreu todos aqueles maus-tratos em silêncio. Ele articulava suas reclamações bem alto e frequentemente. Vociferava e xingava, mas em vão. Andava de um lado para outro na cela. As horas se arrastavam e ele foi mergulhando numa depressão profunda. O pessimismo se apoderou dele com toda a força. Parecia que ele não merecia uma trégua. As coisas tinham deixado de ser moleza e estavam virando merda desde que mataram Pettijohn. Aquilo não fazia parte do plano de Bobby. Ele não era nenhum santo, mas não queria nada com uma investigação de homicídio. Se pintar uma Alex culpada- e quem sabe? Talvez fosse mesmo – pudesse livrá-lo daquilo, era isso que ia fazer. Mas enquanto isso eles o manteriam com rédea curta. Até o fim do julgamento estava à disposição da prefeitura de Charleston. Nada de festas. Nada de mulheres. Nada de drogas. Nenhum divertimento. E também não estava cem mil dólares mais rico, como esperava estar. Nunca foi lá pegar o dinheiro da chantagem. E continuava sem saber se Alex tinha ou não recebido o dinheiro vivo de Pettijohn, mas essa era uma questão secundária. O dinheiro não estava com ele. Seu futuro parecia desolado e incerto, e a única certeza era que não ia para lugar nenhum enquanto continuasse preso naquele lugar.

Ele se levantou da cama e encostou na grade.

  • Por que estão demorando tanto?

Suas perguntas eram ignoradas. Os guardas não se abalavam com os pedidos dele.

  • Vocês não compreendem. Não sou um prisioneiro comum disse ele para um guarda que passava diante da cela dele. - Eu não devia estar aqui.
  • Gostaria de ganhar um centavo cada vez que ouço isso, Bobby. Bobby virou a cabeça como um raio. Viu um recém-chegado, escoltado por outro guarda, vestindo um paletó leve de verão e gravata. Estava bem barbeado, mas mesmo assim a aparência era um pouco desmazelada, provavelmente por causa da tipóia que segurava seu braço direito. Apresentou-se como Hammond Cross.
  • Ouvi falar do senhor. É da procuradoria, não é?
  • Assistente especial do procurador do município de Charleston.
  • Estou impressionado – disse Bobby, retomando sua voz modulada. - Francamente, não dou a mínima se o senhor é a fada Sininho, desde que tenha vindo para me tirar daqui.
  • Foi esse o trato, não foi?

Cross era muito seguro e tranquilo. Bobby se ressentiu na mesma hora da sofisticação que era natural para ele.

Hammond fez sinal para o guarda abrir a cela de Bobby, mas foi levado para uma sala reservada para conversas de prisioneiros com advogados.

  • Não considero isso soltura, dr. Cross. Fiz um trato ontem. Ou vocês convenientemente esqueceram?
  • Estou a par desse trato, Bobby.
  • Que ótimo! Então faça o que tem de fazer para as coisas andarem por aqui.
  • Só depois da nossa conversa.
  • Se vou conversar com o senhor, quero um advogado presente.
  • Sou advogado.
  • Mas...
  • Senta aí e cala a boca, Bobby!

Ele estava em forma, mas não era tão corpulento, aquele Hammond Cross. Além disso, estava ferido. Arrogantemente, Bobby sacudiu os ombros.

  • Palavras duras vindas de um homem com o braço numa tipóia. Os olhos de Cross adquiriram um brilho quase tão duro e frio quanto o de Smilow. Bobby não ficou exatamente amedrontado, mas suficientemente intimidado para sentar. Ele olhou furioso para Cross.
  • Tudo bem, estou sentado. E daí?
  • Você nem imagina o quanto eu adoraria moê-lo de pancada.

Bobby olhou boquiaberto para ele, sem saber o que dizer.

Os lábios de Cross mal tinham se mexido e a voz dele era bem suave, mas a hostilidade por trás daquela afirmação fez os pelinhos na nuca de Bobby se arrepiarem todos. Isso e o fato de que cada músculo do corpo de Cross estava flexionado, como se a pele dele fosse arrebentar.

  • Olha, eu não sei qual é a sua, mas fiz um trato.
  • E eu fiz outro – disse Cross calmamente. - com um dos investidores, quero dizer, ex-investidor, no projeto da ilha Speckle.

Ele deu um tempo para Bobby entender. Bobby fez um esforço enorme para não se encolher na cadeira.

  • Esse indivíduo está disposto a testemunhar contra você em troca de clemência. Temos uma lista interminável de processos contra as suas atividades na ilha Speckle que são irrelevantes para esse acerto que você fez ontem. Você provavelmente ia se aborrecer se eu enumerasse a lista toda, mas incêndio culposo é um dos primeiros.

As palmas das mãos de Bobby estavam molhadas de suor. Ele as secou nas pernas da calça.

  • Ouça, eu conto o que vocês quiserem saber sobre a minha irmã.
  • Inútil – disse Cross, dispensando o oferecimento de Bobby com um gesto. - Não foi ela que matou Pettijohn.
  • Mas o seu pessoal...
  • Não foi ela – repetiu ele, e depois sorriu, mas não foi um sorriso amigável. -Você não tem mais fichas, Bobby. Não tem mais nada para negociar. Ficará um bom tempo em uma das nossas prisões. E quando a Carolina do Sul se cansar de abrigá-lo e alimentá-lo, as autoridades lá da Flórida estarão loucas para pôr as mãos em você.
  • Fodam-se! E vá se foder você também! - berrou Bobby, pulando da cadeira! - Quero falar com o meu advogado!

Ele deu dois passos para a frente, Cross plantou a mão esquerda espalmada no externo dele e o empurrou de volta para a cadeira com tanta força que ele quase caiu com cadeira e tudo. Então Cross chegou tão perto que Bobby teve de inclinar a cabeça para trás até o seu pescoço ficar doendo.

  • Uma última coisinha, Bobby – sussurrou Cross. - Se você chegar perto de Alex de novo, eu quebro o seu pescoço! E depois arrebento essa sua carinha bonita até ficar irreconhecível. Seus dias de conquistador de mulheres acabam. Os únicos olhares que terá delas serão de piedade e repulsa.

Bobby ficou atónito. Mas só por alguns segundos. E então entendeu tudo – a ameaça, a insistência do promotor em afirmar a inocência de Alex. Ele começou a rir.

-Agora entendi. O seu pau está enrabichado pela minha irmãzinha! Ele cutucou o peito de Hammond de brincadeira.

  • Acertei? Deixa pra lá, eu sei que acertei. Conheço os sinais. Sabe do que mais, Dr. Assistente Especial, ou seja lá como se chama. Sempre que quiser trepar com ela, procure-me. Do jeito que quiser, por trás, pela frente ou de lado, eu posso arrumar.

A cadeira caiu e Bobby foi lançado voando para trás junto com ela. Foguetes de dor decolaram do ponto de contato no osso da face. Detonaram dentro do crânio dele. Suas costelas estalaram quando um punho com a força de um pistão se chocou com elas.

  • Dr. Cross?

Bobby ouviu passos correndo e as vozes dos guardas. Os sons flutuavam até ele através de uma escuridão enorme e vazia.

  • Está tudo bem aí dentro, dr. Cross?
  • Eu estou bem, obrigado. Mas acho que o prisioneiro está precisando de cuidados.
  • Isso é interessante.

Steffi firmou o fone do telefone da mesa dela entre a orelha e o ombro.

  • Hammond? Onde você está?
  • Acabei de sair da cadeia. Bobby Trimble é nosso por algum tempo.
  • E o nosso trato com ele?
  • Os crimes dele na ilha Speckle superaram isso. Explico para você mais tarde.
  • Tudo bem. O que é interessante?
  • Basset – disse ele. - Glenn Basset? O sargento que cuida do depósito de provas?
  • É, eu o conheço vagamente. Bigode?
  • Esse mesmo. Ele tem uma filha de dezesseis anos que foi presa por posse de droga no ano passado. Sem antecedentes. Basicamente uma boa menina, mas se meteu com a turma errada na escola. Pressão dos colegas. Isolada...
  • Entendi. O que isso tem a ver com as calças?
  • Basset procurou Smilow e pediu conselhos e ajuda. Smilow interveio junto à procuradoria pela filha de Basset.
  • Eles trocaram favores.
  • É isso que acho – disse Hammond.
  • Só acha?

-Até agora não passa de boato e insinuação. Andei xeretando por aí. Os policiais relutam em falar sobre outros policiais, e ainda não conversei com Basset sobre isso.

  • Gostaria de estar presente quando conversar com ele, Hammond. O que mais? 459

-Tenho mais uma patada no caminho e depois vou até o Charles Towne.

  • Fazer o quê? ?? -í-i.*-
  • Lembra-se dos roupões?
  • Que as pessoas usam para ir e voltar do spa? Umas coisas felpudas e brancas que fazem todo mundo ficar parecido com um urso polar?
  • Onde estava o do Pettijohn? - perguntou ele.
  • O quê? Eu não estou...
  • Ele fez uma massagem mais cedo aquela tarde. Tomou uma chuveirada no spa, mas não se vestiu. Perguntei para o massagista. Ele chegou de roupão e saiu de roupão. Devia haver um roupão e um par de chinelos usados no quarto dele. Não estavam entre as provas recolhidas. O que aconteceu com eles?
  • Boa pergunta – disse ela devagar.
  • Tem uma melhor ainda. Você sabia que Smilow faz sempre as unhas no spa? Entendeu? Ninguém acharia nada de mais se o visse usando um daqueles roupões. Vou verificar a suíte de novo, para ver se deixei passar alguma coisa. Só queria que você soubesse. A propósito, você o viu hoje?
  • Smilow? - Ela hesitou e depois disse. - Não.
  • Se o vir, ocupe-o bem para eu poder operar livremente.
  • Claro. Depois me conta o que descobriu. ;
  • Será a primeira a saber.
  • Obrigada por vir me ver, Hammond.

Ele deslizou no banco do cubículo de frente para Davee.

  • O que houve? Você disse que era urgente.
  • Você quer almoçar?
  • Não, obrigado, não posso. Tenho mil coisas para fazer hoje. Vou querer uma club soda-disse ele para o garçom, que se afastou para atender o pedido. Hammond abanou fumaça do rosto. - Quando foi que você começou a fumar de novo?
  • Uma hora atrás.
  • O que está acontecendo, Davee? Você parece aborrecida.

Ela deu um gole no seu drinque, que Hammond adivinhou corretamente que não era o primeiro, e que também não era club soda. Tinha respondido ao recado dela no bip e ficara surpreso quando ela pediu para ir encontrá-la naquele restaurante no Centro da cidade. Ele já estava indo naquela direção de qualquer maneira, e foi esse o único motivo de ter concordado com aquele convite espontâneo, seu horário apertado.

  • Rory ligou para mim a noite passada. Tivemos um encontro. Mas não do tipo romântico – esclareceu ela.
  • De que tipo, então?
  • Ele fez todo o tipo de perguntas sobre você e a investigação do assassinato de Lute – ela esperou o garçom servir a club soda e depois continuou: - Ele sabe que você esteve com Lute no sábado, Hammond. Mas eu não disse nada para ele. Juro que não fui eu.
  • Acredito em você.
  • Ele disse que viram você no hotel. Ele está chutando que você se encontrou com Lute, mas nós sabemos que ele é um ótimo adivinho.
  • É um chute inofensivo.
  • Pode não ser, porque tem outra coisa que você precisa saber. A mão de Davee tremia quando ela levou o cigarro aos lábios.

Hammond tirou-o da mão dela e o apagou no cinzeiro.

  • Pode dizer.
  • Eu sei de você e Alex Ladd.

Ele pensou em se fazer de desentendido, mas Davee, mais que ninguém, saberia desmascarar sua farsa.

  • Como?

Ouviu Davee contar a visita de Alex à casa dela aquela manhã.

  • Não conheço os detalhes de como vocês se conheceram, quando ou onde. Não pedi nenhuma outra informação e ela também não revelou nenhuma. E por falar nisso, ela é adorável.
  • É – disse ele com voz rouca – É sim.
  • Tenho certeza que você sabe – continuou ela – que esse caso aconteceu numa hora péssima e é totalmente inapropriado.
  • Sei bem demais.
  • De todas as mulheres de Charleston que estão a fim de você, por que...
  • Estou com meus horários apertadíssimos hoje, Davee. Não tenho tempo para ouvir um sermão. Não planejei me apaixonar pela Alex esta semana. Simplesmente aconteceu. E, aliás, você é a mais indicada mesmo para dar sermões sobre indiscrições.
  • Só estou avisando para tomar cuidado. Eu ainda nem estive no mesmo cómodo com vocês dois, mas ficou mais que evidente para mim, só pelo jeito que ela pronunciou seu nome, que está apaixonada por você.

“E qualquer pessoa que já esteve com vocês dois juntos deve ter sentido essas correntes todas. Até alguém tão pouco romântico como Rory. Foi por isso que chamei você – os olhos dela se encheram de lágrimas, e isso assustou Hammond, porque Davee não chorava nunca. - Tenho medo por você, Hammond. E por ela.

  • Por que, Davee? Do que você tem medo?
  • Tenho medo de Rory ter matado Lute e que possa matar mais alguém para se proteger.

Ele ficou olhando para ela algum tempo, e depois sorriu. ,.;

  • Obrigado, Davee.
  • Por quê?
  • Por se preocupar comigo. Eu te amo por isso. E a amo ainda mais por se preocupar com a Alex. Espero que vocês se tornem grandes amigas – ele deslizou pelo banco para sair do cubículo, abaixou-se e beijou o topo da cabeça de Davee. - Não tem com o que se preocupar.
  • Hammond? - chamou ela quando ele foi se afastando com pressa.
  • Estou cuidando de tudo – disse ele para ela. - Juro.

Ele foi correndo do restaurante até o carro. No caminho para o hotel, ele discou o número da casa de Alex. A fechadura da porta da cozinha continuava quebrada. Era desleixo dela não ter providenciado o conserto. Ele lembrava que a cozinha era aconchegante e limpa, apesar da torneira da pia pingar um pouco. Passava ao lado do telefone quando ele tocou, e levou um susto. Ela atendeu em outro cómodo, no segundo toque. A voz dela flutuou pelo corredor e chegou até ele.

  • Hammond, você está bem?

Ela estava no consultório, de costas para a porta que dava para o corredor. Ele sentiu o cheiro das laranjas com cravos-da-índia no pote sobre a mesa de canto. Ela estava sentada numa poltrona com o que parecia ser uma pilha de fichas de pacientes na mesa, ao seu lado. Tinha uma pasta aberta no colo junto com um gravador de um palmo de comprimento. A luz do sol entrava pelas janelas altas. O cabelo dela atraía os raios como um imã.

  • Não se preocupe comigo, estou bem... E o sargento Basset?... Então você tinha razão. De certa forma sinto pena dele. Não dá para saber que tipo de ameaças foram usadas para ele cooperar... Está bem. Por favor, liga pra mim assim que puder.

Ela encerrou a conversa e pôs o telefone sem fio na mesa. Notou um movimento com o canto do olho, e virou para ele subitamente. A pasta aberta escorregou do colo dela e caiu no chão, espalhando seu conteúdo pelo tapete oriental. O gravador caiu a seus pés com um ruído surdo. Era óbvio que ela achava que estava sozinha. Ela gaguejou, meio engasgada.

  • Detetive Smilow, o senhor me assustou!

Smitty estava atendendo a um freguês quando Hammond passou por ele a caminho dos elevadores.

  • Olá, Smitty. Viu o detetive Smilow hoje?
  • Não, dr. Cross. Não vi.

Normalmente gregário, Smitty não levantou os olhos e não quebrou seu ritmo com as escovas alternadas dando brilho na ponta do sapato do freguês. Hammond não prestou muita atenção. Queria chegar à suíte de cobertura no quinto andar. A fita amarela ainda formava um X na frente da porta. Com a chave que tinha conseguido com o gerente na noite anterior, ele passou por cima da fita e entrou, deixando a porta entreaberta. As cortinas estavam fechadas, por isso o quarto estava às escuras. Deu uma verificada de rotina na sala onde a mancha de sangue no tapete estava quase preta. Pelo que a equipe de camareiras tinha dito, já estava pedido um novo tapete. Em pé sobre a mancha, ele tentou captar algum sentimento de remorso pela morte de Pettijohn, mas não encontrou nada. Ele tinha sido um filho-da-mãe em vida. E mesmo na morte continuava perturbando a vida das pessoas. Hammond foi para o quarto de dormir, e direto para o armário. Olhou para o roupão lá pendurado, com o cinto amarrado na cintura. Era par do que Lute tinha usado para ir ao spa. Ele deixara suas roupas na suíte, tomara uma chuveirada no spa e depois trocara o roupão pelas roupas na volta ao quarto.

  • Eu nunca pensaria nisso se você não tivesse mencionado aquela tarde, quando tomamos uns drinques no bar do hotel – disse ele.

Ele se virou e deu de cara com Steffi, que pensava que Hammond não tinha percebido a sua presença. Na verdade, ele estava à sua espera.

  • Retoricamente – continuou ele -, você perguntou se eu podia imaginar Lute andando por aí com um desses roupões do spa. Eu não pude. E não imaginei. Até a noite passada. E quando imaginei, não entendi como você sabia que ele tinha andado por aí com aquele roupão naquele dia. Então fiquei pensando onde estava o roupão usado. - Ele olhou para ela pensativo. - O que concluí foi que você usou aquele roupão por cima da sua roupa quando saiu da suíte.
  • Roupa de exercício. Que achei uma boa ideia. Quem vai assassinar alguém vestido desse jeito? Mas o roupão era melhor ainda.
  • Você o deixou no spa.
  • Junto com a toalha que Pettijohn deve ter levado do spa. Enrolei-a como turbante na minha cabeça. Pus óculos escuros. Eu estava praticamente não identificável. Larguei toda a parafernália no spa- tinha muita gente deixando roupões e toalhas vindas da academia e da piscina. Ninguém prestou atenção em mim. Corri alguns quilómetros e, quando voltei, o corpo tinha sido descoberto e a investigação começado.
  • Muito esperta.
  • Foi o que pensei – disse ela com um sorriso atrevido. Ele olhou para o revólver que ela apontava para ele.
  • É esse aí?
  • Claro que não. Você acha que eu seria burra de usar a mesma arma duas vezes? Quando devolvi o que usei para matar Pettijohn, surrupiei outro, por via das dúvidas.
  • Enquanto estamos aqui conversando, Basset está botando tudo para fora. Ele é um homem arrependido, com a consciência culpada.
  • Será a minha palavra contra a dele. Essas armas nunca os trarão até mim. Não assinei o registro, nem ele. Basset poderia estar inventando histórias perversas porque tem uma rixa comigo.
  • Smilow pediu para você aliviar para a filha de Basset.
  • E eu aliviei na primeira vez. Não foi culpa minha se ela foi presa de novo. A audiência dela está marcada para daqui a algumas semanas.
  • O que você prometeu para o Basset?
  • Que eu seria clemente na minha segunda recomendação para o juiz.

-Ou?

  • Ou a doce Amanda ia enfrentar toda a força da lei. A decisão era dele.
  • Sua barganha é muito dura.
  • Quando me forçam a isso.
  • E você se sentiu forçada a matar Pettijohn?
  • Ele me enganou! - exclamou ela com a voz muito aguda, que Hammond nunca ouvira antes.

Steffi tinha perdido a noção da realidade.

  • Eu espionei para ele – dizia ela. - Eu o aconselhei em manobras legais que seriam ciladas para seus rivais mas que o manteriam do lado da lei. Bem na linha, mas do lado de dentro. Ele me disse que ia usar o material sobre o Preston para arruinar vocês dois. Tirar você completamente de lá e me instalar na cadeira mais alta. Mas então ele me traiu.

Os olhos dela ficaram duros como pedras.

  • Ele viu uma utilidade melhor para o envolvimento de Preston, que era coagir você a fazer o que ele queria. Ele pensou que poderia usar esse subterfúgio para convencê-lo a aceitar as ideias dele. Agradeceu o tempo que gastei e o trabalho que tive, mas achava que não tinha de se contentar em ter o segundo melhor se podia ter o melhor advogado do lado dele.
  • Então você veio aqui aquela tarde para matá-lo.
  • Não tinha escolha, Hammond. Joguei de acordo com as regras e elas não me beneficiaram. Desde que entrei na procuradoria trabalhei demais, lutei à beça, mas era você que ia ficar com o cargo, assim como ficou com o último.

Pettijohn apareceu e me ofereceu uma vantagem. Pela primeira vez eu estaria na dianteira. Então, quando a recompensa já estava à vista, o filho-da-puta puxou o tapete embaixo de mim. “Já tinha me decepcionado antes, mas nada tão esmagador. Toda vez que olhava para ele, lembrava que otária eu tinha sido. Uma mulher ingénua, e provavelmente era assim que ele me via. Não podia suportar ser tão suscetível assim e dominada por ele. Alguma coisa lá dentro de mim se rompeu, acho. Eu simplesmente não podia deixar Pettijohn escapar impune. “Ele deu a notícia para mim pelo telefone, mas insisti numa conversa cara a cara. Apareci alguns minutos mais cedo que a hora marcada e, quando o vi estirado no chão, a primeira coisa que pensei foi que alguém tinha me furtado aquele prazer.”

  • Talvez a Alex.
  • Eu não sabia nada de Alex Ladd. Só soube depois que aquele cara, Daniels, nos deu a descrição dela... e eu estava em pânico quando o encarei naquele quarto do hospital. Tive medo de que ele me entregasse para Smilow. Não o tinha visto no hotel, mas não podia ter certeza de que ele não tinha me visto. De qualquer forma, quando ele descreveu Ladd nem acreditei na minha sorte. Havia realmente uma suspeita. E depois o Trimble apareceu e comecei a acreditar em anjos da guarda – disse ela, dando risada.
  • Foi você que encomendou o atentado contra a vida dela. -Aquilo foi um erro. Não devia ter confiado em outra pessoa para fazer o serviço.
  • Quem era ele?
  • Um cara que passou pelo sistema judicial alguns meses atrás. Eu o acusei de agressão. O advogado dele apelou. Achei que ter alguém como ele a postos poderia ser útil um dia. Talvez eu já estivesse prevendo que a minha aliança com Pettijohn ia acabar mal – ela deu de ombros.

“De qualquer maneira, deixei o cara escapar da prisão. Mas não o perdi de vista. Ele estava disposto a cortar a garganta dela por meros cem dólares. Só que estragou tudo. Fugiu da cidade com os cinquenta que paguei de entrada. Ele nem se comunicou comigo aquela noite.” Ela deu um tapa na própria testa.

  • Fui uma idiota! Não associei o seu atacante como meu assassino até descobrir que Alex Ladd estava viva e gozando de perfeita saúde.
  • Você teve medo de que ela a tivesse visto sábado à tarde na suíte de Pettijohn.

-Achei que era bem possível. Naquele primeiro depoimento senti que ela estava escondendo alguma coisa, temi que tivesse me reconhecido e que só estivesse esperando a melhor hora para dar o bote com aquela informação secreta. Devo admitir que fiquei chocada quando descobri que o segredo que ela guardava era você. Quando foi que a conheceu?

Ele se recusou a responder.

  • Ora, ora – suspirou ela baixinho. - Você está certo. Acho que não importa mesmo, apesar de ter arrasado o meu ego saber que você era capaz de passar com tanta facilidade da minha cama para a dela. E é claro que eu entendo a atração que ela sente por você. Não foi nenhum sacrifício transar com você. E eu teria transado mesmo se Pettijohn não tivesse sugerido que as conversas na cama eram boa fonte de informações.

Ela levantou um pouco a pistola.

  • Eu não odeio você, Hammond, mas não estaria sendo sincera se dissesse que não tenho nenhum ressentimento em relação às suas conquistas e à facilidade com que você as obtém. Mas agora que cheguei até aqui, você é o último obstáculo. Sinto muito.
  • Steffi...

com o revólver ela disparou no peito dele.

Steffi virou-se para trás e atravessou correndo a saleta. Ela abriu a porta. Do outro lado estavam o detetive Mike Collins e dois policiais uniformizados apontando suas pistolas para ela.

  • Entregue essa arma, srta. Mundell – disse Collins.

O tom de voz dele não era de brincadeira. Um dos policiais deu um passo para a frente e tirou a arma da mão dela.

  • Você está bem? - perguntou Collins.

Hammond observava o rosto de Steffi quando ela virou a cabeça e ficou boquiaberta, atónita. O que tinha salvado a vida dele, mas teria de conviver com um hematoma bem dolorido junto com os outros ferimentos daquela semana.

  • Você me enganou?

Collins recitava os direitos dela, mas Steffi concentrava sua atenção em Hammond.

  • Descobri a noite passada. Smilow e eu tivemos uma conversa de madrugada. Contei tudo para ele. Absolutamente tudo. Por isso encenamos isso aqui. Eu fingia reunir provas contra ele, mas, na verdade, ele e eu estávamos trabalhando juntos hoje. Foi ele que sugeriu que você podia ficar preocupada se eu revelasse as minhas pistas para você, pistas que iam apontar para você. Ele insistiu para eu usar um microfone. E o colete também. Ainda bem que segui o conselho dele nos dois casos.

Ela estava praticamente eriçada de ódio. Hammond achou difícil acreditar que um dia tinham sido namorados. Mas foi com um certo grau de tristeza que ele disse:

  • Eu sabia que você me considerava seu rival, Steffi, mas nunca pensei que tentaria me matar!
  • Você sempre me subestimou, Hammond. Nunca me deu o crédito que eu merecia. Nunca achou que eu era tão inteligente quanto você.
  • Bem, tudo indica que não é.
  • Sou suficientemente inteligente para saber do seu caso com Alex Ladd! - berrou ela. - Nem tente negar, porque tenho provas de que esteve na cama dela esta semana!

Hammond apontou o queixo para Collins, que fez Steffi dar meia-volta e a levou para fora do quarto. Ela virou a cabeça e gritou para ele:

  • É com isso que vou derrotá-lo, Hammond! O seu caso com essa mulher. Por falar em justiça poética!

Havia uma risada suave de auto-reprovação no tom de voz de Alex.

  • Sabia que viria, mas não o ouvi entrar, detetive.
  • Não sabemos quando, nem quem Steffi pode atacar. Verifiquei os fundos da casa e entrei pela porta de trás. Aquela fechadura ainda não foi consertada. Deve providenciar esse conserto imediatamente.
  • Estive preocupada com coisas mais sérias esta semana.
  • Semana infernal.
  • Para dizer o mínimo.

Ele se ajoelhou para ajudar Alex a recolher os papéis espalhados, ela agradeceu e guardou o material de volta na pasta.

  • Não pude deixar de ouvir – disse ele. - Hammond contou sobre Basset?
  • Contou.
  • Foi muita esperteza de Hammond descobrir isso.
  • Mas o senhor chegou à mesma conclusão logo depois. Ele me contou que, quando revelou de quem suspeitava hoje cedo, o senhor admitiu que tinha passado pela sua cabeça que Steffi podia estar envolvida.
  • E tinha mesmo, só que não me detive nessa suspeita. Para ser sincero, não pensei muito nisso, porque estava muito feliz com a morte de Pettijohn – ele olhou bem nos olhos de Alex. - Dra. Ladd, eu nunca pensei que a senhora era a assassina. Perdoe algumas perguntas que fiz.

Ela aceitou o pedido de perdão com um breve movimento de cabeça.

  • É difícil recuar quando assumimos uma opinião. Eu era uma suspeita viável, e o senhor não queria estar enganado.
  • Foi mais que isso. Eu não queria que Hammond estivesse certo. Fez-se um silêncio constrangedor entre os dois. Foi quebrado

quando o telefone celular dele tocou.

  • Smilow.

Ele ficou ouvindo. O rosto permaneceu inexpressivo.

  • Estou indo. - Smilow desligou o telefone. - Steffi atirou em Hammond. Ele está bem – disse ele logo. - Mas ele a fez admitir na gravação que ela matou Pettijohn. Ela está sob custódia.

Alex não tinha se dado conta de como estava angustiada, até que toda aquela tensão acumulada se esvaiu de dentro dela e ela afundou numa cadeira.

  • Hammond está bem?
  • Perfeitamente.
  • Então acabou – disse ela baixinho.
  • Ainda não. Ele fará uma coletiva de imprensa dentro de meia hora. Posso oferecer uma carona?

O prédio que abrigava temporariamente o fórum do município de Charleston possuía um espaço muito limitado, por isso Monroe Mason havia pedido para a coletiva de imprensa ser feita no prédio da prefeitura no Centro da cidade. O pedido dele foi gentilmente atendido. Por respeito ao homem que servira a comunidade por tanto tempo e tão bem, muita gente que costumava sair correndo às cinco horas das tardes de sexta-feira para aproveitar o fim de semana havia se reunido para ouvir o anúncio formal da sua aposentadoria. Era isso que eles esperavam ouvir. E receberam mais do que esperavam. Uma dianteira no fim de semana não parecia um sacrifício tão grande com os boatos que começavam a circular sobre o que tinha acontecido na mesma suíte de hotel onde Lute Pettijohn tinha aparecido morto havia menos de uma semana. Um membro da equipe do próprio promotor público tinha sido preso, acusado do assassinato. A sala já estava apinhada de gente quando Hammond entrou atrás de Mason e da infantaria da promotoria pública. Até Wallis, o segundo procurador, abatido e maltratado pela quimioterapia, tinha encontrado forças para comparecer. Só Stefanie Mundell estava ausente quando todos se sentaram em seus lugares sobre o tablado. A primeira fila de assentos para os espectadores estava ocupada pelos repórteres e operadores de câmera. Atrás deles, três filas reservadas para funcionários da prefeitura, do município e estaduais, clérigos convidados e dignitários diversos. O resto das cadeiras dobráveis era para convidados. Entre eles estavam os pais de Hammond. A mãe dele respondeu ao aceno de cabeça com um adeusinho alegre com a mão. Hammond também fez um gesto com a cabeça para o pai, mas as feições de Preston continuaram pétreas como as do monte Rushmore. Aquela manhã Hammond tinha telefonado para Preston com o acordo ao qual se referira para Bobby Trimble. Era o seguinte: ele recomendaria ao procurador-geral que não fizesse acusações contra seu pai se Preston testemunhasse contra Trimble. Claro que era crucial que Preston admitisse que tinha conhecimento das atividades terroristas que tinham ocorrido na ilha Speckle. Ele havia se distanciado do negócio, mas não a tempo de livrá-lo da responsabilidade.

  • Esse é o trato, pai. É pegar ou largar.
  • Não me venha com um ultimato.
  • Você admite que agiu contra a lei ou vai para a cadeia negando
  • declarou Hammond determinado. - Aceite o acordo.

Hammond tinha dado ao pai setenta e duas horas para pensar e discutir o assunto com o advogado dele. Apostava que o pai concordaria com seus termos, intuição que ficou mais forte ainda quando o olhar duro de Preston tremeu e desviou primeiro. Seria demais esperar que seu pai estivesse passando por uma crise de consciência? Haveria sempre os abismos que nunca poderiam transpor, mas ele esperava que conseguissem se reconciliar em algum nível. Ele queria poder chamá-lo de pai novamente. Davee também estava lá, e parecia uma estrela de cinema. Ela soprou um beijo para ele, mas quando um repórter enfiou o microfone na frente dela e pediu algum comentário, Hammond viu Davee dizer para ele se foder. Com essa palavra mesmo. Mas com um sorriso bem doce. Ele estava observando a porta dos fundos quando Smilow entrou acompanhando Alex. Os olhos dos dois se encontraram e eles ficaram se olhando, um devorando o outro. Tinham conversado através de seus telefones celulares a caminho do tribunal, mas não era tão satisfatório quanto ver com os próprios olhos que ela estava, finalmente, a salvo. Da acusação. De Steffi. De Bobby. Smilow indicou para ela uma cadeira vazia ao lado de Frank Perkins. O advogado ficou em pé e abraçou Alex carinhosamente. Smilow deixou-a com Perkins e desceu pela ala externa, a caminho do tablado. Acenou e chamou Hammond. Perplexo, Hanond pediu licença e desceu da plataforma temporária.

  • bom trabalho – disse Smilow para ele. ? Sabendo o quanto de orgulho aquele cumprimento devia ter

custado ao detetive, Hammond disse para ele:

  • Eu só apareci e fiz o que você disse para eu fazer. Se você não tivesse coordenado tudo, não teria funcionado – ele fez uma breve pausa. -Ainda não acredito que ela foi para me pegar. Eu esperava uma rendição e uma confissão primeiro.
  • Então não a conhece muito bem.
  • Foi o que acabei concluindo. Quase tarde demais. Obrigado por tudo que você fez.
  • De nada.

Smilow olhou para Davee e a pegou olhando para ele. A não ser que seus olhos o estivessem enganando, Hammond achou que o detetive enrubesceu. Ele rapidamente virou de frente para Hammond de novo.

  • Isso é para você – disse ele, estendendo um envelope pardo para Hammond.
  • O que é?
  • Um exame de laboratório. Steffi me deu isso esta manhã. Identifica seu sangue com o sangue encontrado nos lençóis da dra. Ladd – Hammond abriu a boca para falar, mas Smilow balançou a cabeça muito sério. - Não diga nada. Apenas pegue e destrua. Sem isso, quaisquer alegações que Steffi possa fazer sobre um caso com uma suspeita não poderão ser provadas. É claro que já que a dra. Ladd afinal não era a culpada, não passa de uma tecnicalidade.

Hammond olhou para o envelope que parecia tão inofensivo e não era. Se o aceitasse, teria tanta culpa quanto Smilow no caso do Estado contra VincentAnthony Barlow. Barlow era culpado até o último fio de cabelo de ter assassinado a namorada de dezessete anos e o feto que ela carregava no ventre, mas Smilow tinha manipulado alguma prova exculpatória que Hammond foi obrigado por lei a revelar. Só depois que conseguiu a condenação é que ficou sabendo da suposta manipulação de Smilow naquele caso. Jamais poderia provar que Smilow havia deliberadamente excluído a prova mitigante assim que a descobriu, de modo que jamais fizessem uma investigação de conduta ilegal. Barlow, que agora cumpria pena perpétua, tinha apelado. E ganhou. O jovem teria um novo julgamento, ao qual tinha direito, por mais culpado que fosse. Mas Hammond nunca perdoou Smilow por ter feito dele um cúmplice involuntário daquela obstrução da justiça.

  • Não seja um escoteiro – disse bem baixinho o detetive. - Já não ganhou todos os prémios de que precisava?
  • É errado.

Smilow baixou mais ainda a voz.

  • Não gostamos um do outro, e sabemos por quê. Nós operamos de modo diferente, mas trabalhamos do mesmo lado. Preciso de um promotor durão como você aqui na procuradoria pública, não de um político que fica fazendo favores como Mason. Você fará um bem muito maior a serviço deste país como o funcionário da lei mais graduado do que faria se confessasse uma conduta sexual imprópria para a qual, aliás, ninguém dá a menor bola mesmo. Pense nisso, Hammond.
  • Hammond?

Estavam chamando Hammond de volta ao tablado para poderem começar.

  • Estou indo – disse ele, sem se virar.
  • Às vezes temos de dobrar um pouco as regras para fazer um trabalho melhor – disse Smilow, sem tirar os olhos dele.

Era um argumento persuasivo. Hammond pegou o envelope.

Mason estava encerrando seu discurso. Os olhares dos repórteres já estavam começando a ficar vidrados. Alguns operadores de câmera tinham tirado as câmeras dos ombros. O relato do atentado de Steffi contra a vida de Hammond e subsequente prisão tinha deixado todo mundo hipnotizado, mas aquela parte do discurso de Mason não despertava interesse.

  • É doloroso saber que alguém da nossa equipe está neste momento sob a custódia da polícia e que em breve será acusada de um crime muito sério. Mas também sinto um orgulho muito especial ao dizer que o assistente especial do procurador municipal, dr. Hammond Cross, desempenhou um papel essencial nessa captura. Ele hoje demonstrou extraordinária bravura. E esse é apenas um dos motivos pelos quais o estou indicando como meu sucessor.

Isso mereceu uma ruidosa salva de palmas. Hammond olhava fixamente para o perfil de Mason enquanto o mentor elogiava seu talento, sua dedicação e integridade. O envelope com o exame de laboratório incriminador estava no colo dele. Imaginou que ele irradiava uma aura vermelha agressiva que ia contra os elogios de Mason.

  • Não vou aborrecê-los mais – disse Mason com seu vozeirão, do jeito simpático e direto que o tornava tão querido pela mídia. Deixem-me apresentar o herói da hora – Mason se virou e acenou para Hammond juntar-se a ele.

Os operadores de câmera reposicionaram seus gravadores de vídeo nos ombros. Os repórteres dos jornais se empertigaram e clicaram suas canetas esferográficas quase ao mesmo tempo. Hammond pôs o envelope na bandeja inclinada do atril. Ele pigarreou. E começou a falar depois de agradecer os comentários de Mason e a confiança que depositava nele.

  • Essa semana foi memorável. De diversas formas parece que muito mais tempo que isso se passou desde que soube que Lute Pettijohn tinha sido assassinado.
  • Na verdade não me considero um herói, nem tenho prazer nenhum de saber que a minha colega, Steffi Mundell, será acusada desse homicídio. Creio que as provas contra ela são definitivas. Conhecedor do caso...

Loretta Boothe entrou apressada na sala. O coração de Hammond deu um pulo. A voz dele falhou e morreu. No início, apenas quem estava perto da porta notou a chegada de Loretta. Mas quando Hammond parou de falar, todas as cabeças se viraram para ver quem tinha provocado a interrupção. Sem se importar com a comoção que causava, Loretta acenava freneticamente para Hammond ir falar com ela. Com tudo acontecendo tão depressa naquele dia, Hammond não teve tempo para telefonar e dizer para ela que Alex não era mais suspeita e que, por isso, o que tinha feito sábado à noite não tinha importância. Mas Loretta estava lá, com um dos fuzileiros navais bronzeados da feira a reboque, e não havia como evitá-la.

  • com licença.

Apesar do burburinho atónito que permeou as pessoas presentes, ele desceu do tablado e foi para o fundo da sala. Enquanto avançava, pensou em todas as pessoas que iam inevitavelmente ficar constrangidas nos próximos segundos. Monroe Mason. Smilow. Frank Perkins. Ele mesmo. Alex. Quando passou por ela, pediu perdão com os olhos pelo que estava para acontecer.

  • Você queria falar comigo, Loretta? Ela nem tentou disfarçar sua irritação:
  • Há quase vinte e quatro horas.
  • Andei ocupado.
  • Bem, eu também – ela saiu pela porta e falou com alguém que tinha ficado lá esperando em pé no corredor. - Venha aqui.

Hammond ficou esperando, aflito, imaginando como ia se explicar quando o fuzileiro olhasse para ele boquiaberto e declarasse: “É ele! Era ele que estava dançando com Alex Ladd.” Mas não foi um recruta que surgiu daquela porta. Em vez disso, muito tímido e constrangido, foi um negro bem magro, com óculos de armação metálica que entrou na sala. Hammond deu uma risada breve de puro espanto.

  • Smitty? - perguntou ele, descobrindo que nem sabia o sobrenome do homem.
  • Como vai o senhor, dr. Cross? Eu disse para ela que não devíamos interrompê-lo, mas ela não quis me ouvir.

Hammond olhou do engraxate para Loretta.

  • Pensei que você tinha ido à feira – disse ele sem pensar. - Era isso que os seus recados diziam.
  • E fui mesmo. E encontrei o Smitty aqui. Ele estava sentado sozinho no pavilhão, escutando a música. Começamos a bater papo e surgiu o assunto do caso de Pettijohn. Ele transferiu o negócio dele para o Charles Towne Plaza.
  • Eu o vi lá hoje.
  • Sinto muito não ter falado com o senhor, dr. Cross. Acho que eu estava meio envergonhado.
  • Por quê?
  • Por não ter contado sobre a troca de roupa de Steffi Mundell nesse último sábado – adiantou-se Loretta. - Primeiro ele a viu com roupa de corrida, depois com um dos roupões do hotel, depois de roupa de corrida de novo, tudo muito estranho.
  • Não concluí grande coisa daquilo, dr. Cross, até vê-la na televisão ontem, e me lembrar.
  • Ele não queria criar problemas, por isso não disse nada para ninguém, só para Smilow.
  • Smilow?

O detetive, que tinha se aproximado de Hammond, dirigiu-se a Smitty.

  • Quando você se referiu ao advogado que viu na televisão pensei que estava falando do dr. Cross.
  • Não, senhor, era a advogada – explicou o homem. - Sinto muito se causei qualquer problema.

Hammond pôs a mão no ombro de Smitty.

  • Obrigado por vir esclarecer isso agora. Pegaremos seu depoimento mais tarde. - E para Loretta ele disse: - Obrigado. Ela franziu a testa, resmungando.
  • Você a pegou sem a minha ajuda, mas ainda me deve uma massagem nos pés e um drinque. Duplo!

Hammond deu meia-volta. As câmeras ronronavam. Ficou quase cego com as luzes enquanto voltava para o tablado. Podia ir saltitando como uma criança. Os aros de tensão que prendiam seu peito estavam abertos. Ele respirava normalmente. Ninguém sabia do seu caso com Alex. Não haveria nenhuma testemunha surpresa que teria visto Alex e ele juntos naquele sábado. Ninguém sabia, só ela. Frank Perkins. Rory Smilow. Davee. Bem... e ele. Ele sabia. E de repente Hammond não sentia mais vontade de saltitar, Voltou ao seu lugar atrás do atril. Nessa hora Monroe Mason piscou o olho para ele e levantou os polegares. Hammond olhou para o pai. Preston estava concordando plenamente, balançando a cabeça, para variar. Ele concordaria com Smilow. Deixar pra lá. Aceitar o emprego. Fazer um bom trabalho e, assim, a omissão seria justificada. Ele era uma barbada. Ia vencer a eleição com a maior facilidade. Provavelmente nem teria um oponente. Mas aquele emprego, qualquer emprego, valia sacrificar seu respeito próprio? Será que ele não preferia dizer a verdade, mesmo que custasse a eleição, a guardar segredo? Quanto mais tempo aquele segredo durasse, mais sujo ficaria. Ele não queria que a lembrança da sua primeira noite com Alex ficasse manchada por aquele segredo. Os olhos dele encontraram os dela, e no mesmo instante ele soube, pela expressão suave dos olhos dela, que Alex sabia exatamente o que ele estava pensando. Ela era a única pessoa que sabia o que ele estava pensando. A única que compreendia por que ele pensava naquilo. Ela lhe deu um sorriso de estímulo intensamente privado e extremamente íntimo. Naquele momento Hammond a amou mais do que imaginava ser possível amar.

  • Antes de continuar... quero dirigir-me a uma pessoa cuja vida foi virada do avesso, de modo imperdoável, esta semana. A dra. Alex Ladd cooperou com o Departamento de Polícia de Charleston e com a procuradoria, sacrificando a prática da sua profissão, seu tempo e, o que é mais importante, a sua dignidade. Ela sofreu constrangimentos imensuráveis. Peço perdão a ela, em nome deste município.

“Também lhe devo um pedido pessoal de desculpas. Porque... porque eu sabia desde o início que ela não tinha matado Lute Pettijohn. Ela admite ter estado com ele aquela tarde, mas bem antes da hora da morte. Certos dados indicavam que ela podia ter um motivo. Mas eu sabia, mesmo quando a sujeitavam a interrogatórios humilhantes, que não podia ter matado Lute Pettijohn. Porque a dra. Alex Ladd tinha um álibi. Ninguém sabe. Na verdade não passa de uma tecnicalidade. Porque ser um escoteiro? Você fará um bem muito maior... Ninguém dá a menor bola mesmo. Hammond parou de falar, respirou bem fundo, não angustiado, mas aliviado.

  • Eu era o álibi dela.

 

                                                                                 Sandra Brown  

 

                      

O melhor da literatura para todos os gostos e idades

 

 

           Voltar à Página do Autor