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Series & Trilogias Literarias
No Outono de 1558, o toque dos sinos das igrejas divulga por toda a Inglaterra a jubilosa notícia de que Isabel I é a nova rainha. Uma mulher ouve o rebate dos sinos com pavor. Ela é Amy Dudley, a mulher de Sir Robert Dudley, e sabe que a ascensão ambiciosa de Isabel ao trono o irá arrastar, de novo, precisamente para o centro da glamorosa corte Tudor. Amy tinha esperança de que as ambições impiedosas da família Dudley tivessem sido extintas quando o pai de Robert foi decapitado e os filhos cobertos de vergonha; mas, no repicar triunfante dos sinos, percebe que, mais uma vez, estão a atrair Robert para o poder e a intriga. Conseguirá o amor fiel de Amy competir com o fascínio da nova rainha?
O triunfo emocionado de Isabel é breve. Herdou um país falido, crivado de inimizade, onde a traição é comum e uma guerra com um país estrangeiro uma certeza. O seu leal conselheiro, William Cecil, avisa-a de que só sobreviverá se casar com um príncipe poderoso, mas o único homem que Isabel deseja é o seu amigo de infância, o irresistível Robert Dudley.
Só Robert se congratula verdadeiramente com as oportunidades do novo reinado. Filho de uma família aristocrática, educado como os seus companheiros reais, Robert sabe que pode reclamar o seu destino ao lado de Isabel. À medida que, lentamente, o jovem casal se apaixona, Robert começa a pensar o impossível: poderá ele pôr de lado a sua mulher e casar com a jovem rainha? (fim da contracapa)
Outono de 1556
Todos os sinos de Norfolk tocavam por Isabel, fazendo ecoar o repique na cabeça de Amy, primeiro o sino agudo, que gritava como uma mulher louca, e depois todo o soluço agonizante, desafinado, até o sino grande ressoar, num aviso de que todo o carrilhão ia recomeçar a clamar. Tapou a cabeça com a almofada para abafar o som e, mesmo assim, este prosseguia, até as gralhas abandonarem os seus ninhos e voarem em bandos em direcção aos céus, dando voltas e voltas no vento como um estandarte de maus presságios, e os morcegos saírem do campanário como uma pluma de fumo negro, como se para avisar que, agora, o mundo estava virado do avesso, e que o dia seria para sempre noite.
Amy não precisava de perguntar a que se devia tanto alarido pois já sabia. Por fim, a pobre e doente Rainha Maria morrera, e a Princesa Isabel era a herdeira incontestada. Graças a Deus! Todos na Inglaterra deviam regozijar-se. A princesa protestante chegara ao trono e seria Rainha da Inglaterra. Por todo o país, as pessoas estariam a tocar os sinos em sinal de alegria, brindando com canecas de cerveja, dançando nas ruas e abrindo de par em par as portas das prisões. Finalmente, os Ingleses tinham a sua Isabel, e os dias repletos de receios, de Maria Tudor, podiam ser esquecidos. Todos na Inglaterra celebravam.
Todos, menos Amy.
O toque dos sinos, que mantinha Amy acordada, não lhe trazia alegria. Amy era a única pessoa que em toda a Inglaterra não celebrava a ascensão de Isabel ao trono. Os carrilhões nem sequer lhe pareciam estar afinados. Soavam como a batida do ciúme, o grito da raiva, o brado soluçado de uma mulher abandonada.
- Que Deus acabe com ela - praguejou para a almofada, enquanto a sua cabeça latejava com o repicar dos sinos de Isabel. - Que Deus a atinja na sua juventude, no seu orgulho e na sua beleza. Que Deus destrua a sua aparência, lhe faça cair o cabelo, e apodrecer os dentes, e que a deixe morrer solitária e sozinha. Solitária e sozinha, como eu.
Amy não teve notícias do marido ausente: nem esperava recebê-las. Mais um dia passou, e depois uma semana. Amy adivinhou que ele deveria ter ido a correr, de Londres, para o Palácio de Hatfield, assim que recebera a notícia da morte da Rainha Maria. Deveria ter sido o primeiro, como planeara, o primeiro a ajoelhar-se diante da princesa e a dizer-lhe que era rainha.
Amy calculou que Isabel já teria um discurso preparado, uma pose já encenada a adoptar e, por seu lado, Robert teria a sua recompensa em mente. Talvez nesse preciso momento estivesse a celebrar a sua própria ascensão à grandeza, enquanto a princesa celebrava a dela. Ao dirigir-se ao rio para recolher as vacas para ordenhar, porque o criado estava doente e não dispunham de muitos braços em Stanfield Hall, a quinta da sua família, Amy deteve-se para observar as folhas castanhas desembaraçando-se de um carvalho, revoluteando como uma tempestade de neve; para sudoeste, em direcção a Hatfield, para onde o seu marido fora levado, como o próprio vento, para junto de Isabel.
Sabia que deveria sentir-se feliz por uma rainha que iria favorecê-lo ter chegado ao trono. Sabia que devia sentir-se satisfeita pela sua família, cuja riqueza e posição ascenderiam, juntamente com a de Robert. Sabia que devia alegrar-se por ser novamente Lady Dudley: por recuperar as suas terras, por lhe ser oferecido um lugar na corte, talvez até chegasse a ser condessa.
Mas não era assim que se sentia. Preferia tê-lo tido ao seu lado como um traidor infamado, acompanhando-a na labuta diária e no silêncio morno da noite; qualquer coisa menos vê-lo enobrecido como o belo favorito na corte de outra mulher. Daqui depreendia ser uma mulher ciumenta; e o ciúme era um pecado aos olhos de Deus.
Baixou a cabeça e caminhou com dificuldade em direcção aos prados onde as vacas pastavam a erva fina, revolvendo a terra cor de sépia e as pedras, sob as patas desajeitadas.
- Como podemos ter chegado a este ponto? - murmurava para o céu tempestuoso onde se acumulava um castelo de nuvens que pairava sobre Norfolk. - Se o amo tanto, e se ele me ama? Se não existe mais ninguém para nós senão um para o outro? Como pode ter-me deixado aqui a lutar, e ter ido a correr para junto dela? Como pode ter tudo começado tão bem, com tal riqueza e glória, como começou, e terminar em tamanhas dificuldades e solidão?
LONDRES: Verão de 1557
Nos seus sonhos voltou a ver as tábuas ásperas do soalho do quarto vazio, a consola de grés por cima da grande lareira com os seus nomes gravados, e a janela de chumbo, cravada bem alto na parede de pedra. Arrastando a enorme mesa do refeitório para junto da janela, subindo para cima dela e inclinando os pescoços para olhar para baixo, os cinco homens jovens podiam ver o jardim, lá em baixo, onde o pai se dirigia lentamente para o cadafalso e subia os degraus.
Estava acompanhado por um padre da recentemente restaurada Igreja Católica Romana, arrependera-se dos seus pecados e renegara os seus princípios. Suplicara por perdão e pedira servilmente desculpa. Abandonara qualquer fidelidade por uma hipótese de perdão, e pelo voltear ansioso da sua cabeça enquanto analisava os rostos da pequena multidão, esperava a chegada do seu indulto, neste momento dramático e tão tardio.
Tinha todos os motivos para ter esperanças. A nova monarca era uma Tudor e os Tudor conheciam o poder das aparências. Era devota, e seguramente não rejeitaria um coração contrito. Mas mais do que tudo; era uma mulher, de coração mole e estúpida. Nunca teria coragem para tomar a decisão de executar um homem tão importante, nunca teria força para manter a sua resolução.
- Levantai-vos, Pai - ordenou-lhe Roger silenciosamente. - O indulto deve estar a chegar a qualquer momento; não vos rebaixeis procurando-o.
Aporta atrás de Robert abriu-se, e um carcereiro entrou, rindo-se estridentemente ao ver os cinco jovens junto da janela, protegendo os olhos do sol brilhante do meio do Verão.
- Não salteis - disse. - Não defraudeis o homem do machado, seus rapazes bem-parecidos. A seguir, sois vós os cinco, e a menina bonita.
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- vou recordar-me de vós por isto, depois de os nossos indultos chegarem e de termos sido libertados - prometera-lhe Robert, e dirigiu a sua atenção novamente para o jardim. O carcereiro verificou as grossas barras da janela, certificou-se de que os homens não tinham nada com que pudessem partir o vidro e saiu, ainda a rír-se, trancando a porta.
Lá em baixo, no cadafalso, o padre subia as escadas para junto do condenado e lia-lhe orações da sua Bíblia em latim. Robert reparou no modo como o vento atingia as suas ricas vestes e as insuflava, como às velas de uma armada invasora. Abruptamente, o padre terminou, segurou um crucifixo para o homem beijar e deu um passo atrás.
Robert apercebeu-se de que, de repente, começara a sentir frio, estava gelado, junto da janela a que encostara a testa e as palmas das mãos, como se o calor do seu corpo sangrasse de si mesmo, sugado pela cena que decorria lá em baixo. No cadafalso, o pai ajoelhava-se humildemente diante do cepo. O homem do machado deu um passo em frente e colocou-lhe a venda nos olhos, falou com ele. O prisioneiro voltou a cabeça vendada para responder. Em seguida, terrivelmente, foi como se aquele movimento o tivesse desorientado. Retirara as mãos do cepo do carrasco, e não conseguia voltar a encontrá-lo. Começou a tactear, à procura, com as mãos estendidas. O carrasco havia-se voltado, para pegar no machado, e quando se virou novamente, o prisioneiro estava quase a cair, andando às apalpadelas.
Alarmado, o carrasco encapuzado gritou com o prisioneiro que se debatia, e este puxou a venda que lhe cobria os olhos, bradando que não estava preparado, que não conseguia encontrar o cepo, que o machado teria de esperar por ele.
- Calai-vos!- gritava Robert, batendo contra o vidro espesso da janela. - Pai, calai-vos! Por amor de Deus, calai-vos!
- Ainda não!- clamava a pequena figura no jardim para o homem do machado que estava atrás dele. - Não consigo encontrar o cepo! Não estou pronto! Não estou preparado! Ainda não! Ainda não!
Rastejava na palha, com um braço estendido diante de si, tentando encontrar o cepo, a outra mão puxando a apertada venda que lhe cobria a cabeça.
- Não me toqueis! Ela perdoar-me-á! Não estou preparado! gritava, e continuava a gritar quando o executor levantou a lâmina e o machado atingiu o pescoço exposto. Uma golfada de sangue jorrou para o ar, e o homem foi atirado para o lado com o golpe.
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- Pai!- gritou Robert. - Meu pai!
O sangue continuava a jorrar da ferida, mas o homem ainda se debatia, como um porco moribundo, no meio da palha, continuando a tentar levantar-se com botas que não tinham qualquer utilidade, ainda cegamente à procura do cepo, com mãos que se tornavam cada vez mais dormentes. O executor, amaldiçoando a sua própria imprecisão, ergueu mais uma vez o machado.
- Pai!- gritou Robert em agonia, à medida que o machado era baixado. - Pai!
- Robert? Meu senhor? - uma mão abanava-o suavemente. Abriu os olhos e ali estava Amy diante de si, com o seu cabelo castanho entrançado para dormir, os seus olhos castanhos abertos, solidamente reais, à luz da vela do quarto.
- Meu Deus, meu Deus! Que pesadelo! Que sonho. Deus me proteja dele. Deus me proteja!
- Era o mesmo sonho? - perguntou ela. - O sonho com a morte do vosso pai?
Ele não suportava sequer que ela o mencionasse.
- Foi só um sonho - disse brevemente, tentando recuperar a razão. - Apenas um sonho terrível.
- Mas era o mesmo sonho? - insistiu ela. Ele encolheu os ombros.
- Não me surpreende que tenha voltado a tê-lo. Temos cerveja? Amy empurrou as cobertas para trás e levantou-se da cama,
colocando o roupão pelos ombros. Mas não tencionava mudar de assunto.
- É um presságio - disse secamente, enquanto lhe servia uma caneca de cerveja. - Quereis que a aqueça?
- Bebo-a fria - respondeu ele.
Ela passou-lhe a cerveja e ele bebeu-a de um trago, sentindo o suor nocturno arrefecer nas suas costas despidas, envergonhado do seu próprio terror.
- É um aviso - disse ela.
Tentou esboçar um sorriso de indiferença, mas o horror da morte do seu pai e todo o fracasso e a tristeza que o perseguiam desde esse dia negro eram demasiado para ele.
- Parai - disse simplesmente.
- Não devíeis ir, amanhã.
Robert bebeu um gole de cerveja, enterrando o rosto na caneca para fugir ao olhar acusador dela.
- Um pesadelo como esse é um aviso. Não devíeis navegar com o Rei Filipe.
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- Já falámos neste assunto um milhar de vezes. Sabeis que tenho de partir.
- Não, agora. Não depois de terdes sonhado com a morte do vosso pai. Que outro significado poderia ter, além de ser um aviso para vós: para não vos excederdes? Ele morreu como um traidor, depois de tentar colocar o filho no trono da Inglaterra. Agora vós voltais a partir orgulhoso.
Ele tentou sorrir.
- Não tenho muito orgulho - disse. - Tudo o que tenho é o meu cavalo e o meu irmão. Nem sequer consegui reunir o meu próprio batalhão.
- O vosso próprio pai está a avisar-vos do túmulo. Ele abanou tristemente a cabeça.
- Amy, isto é demasiado doloroso. Não mo mencioneis. Não sabeis como ele era. Ele teria querido que eu recuperasse a posição dos Dudley. Nunca me teria desincentivado de fazer algo que eu desejasse fazer. Queria sempre que crescêssemos. Sede uma boa esposa para mim, Amy, meu amor. Não me desincentiveis - ele não o faria.
- Sede vós um bom marido - retorquiu ela. - E não me deixeis. Para onde irei quando partirdes para a Holanda? O que vai ser de mim?
- Ides para a casa dos Philip, em Chichester, tal como acordámos - respondeu firmemente. - E se a campanha continuar, e eu não voltar em breve, voltais para casa da vossa madrasta, em Stanfield Hall.
- Quero ficar na minha própria casa, em Syderstone - disse ela.
- Quero que construamos uma casa juntos. Quero viver convosco como vossa mulher.
Mesmo após dois anos de vergonha, ele continuava a ter de cerrar os dentes para lhe negar fosse o que fosse.
- Sabeis que a Coroa ficou com Syderstone. Sabeis que não temos dinheiro. Sabeis que não podemos.
- Podíamos pedir à minha madrasta para alugar Syderstone à Coroa, em nosso nome - afirmou teimosamente. - Podíamos cultivar as terras. Sabeis que eu trabalharia. Não tenho medo de trabalhar arduamente. Sabeis que podíamos ascender através do trabalho árduo, não com uma jogada por um rei estrangeiro. Não correndo riscos por uma recompensa que não está garantida!
- Eu sei que trabalharíeis arduamente - admitiu Robert. - Sei que vos levantaríeis de madrugada e que estaríeis nos campos antes de o Sol nascer. Mas não quero que a minha mulher trabalhe na
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terra, como um camponês. Nasci para coisas mais grandiosas do que essas, e prometi ao vosso pai coisas mais grandiosas para vós. Não quero ter dois hectares e meio de terra e uma vaca, quero metade da Inglaterra.
- Pensarão que me deixastes por estardes farto de mim - disse ela num tom acusador. - Qualquer um pensaria desse modo. Acabastes de voltar para junto de mim e ides deixar-me novamente.
- Estive em casa convosco durante dois anos! - exclamou ele.
- Dois anos! - Depois, controlou-se, tentando eliminar a irritação da voz. - Amy, perdoai-me, mas isto não é vida para mim. Estes meses têm-me parecido uma eternidade. Tendo sido acusado de traição, não posso ser proprietário de nada, não posso vender nem comprar. Tudo o que era da minha família foi confiscado pela Coroa - eu sei!
- e tudo o que vós tínheis também: o legado do vosso pai, a fortuna da vossa mãe. Tudo o que tínheis foi perdido por mim. Tenho de recuperar tudo para vos devolver. Tenho de recuperar tudo para nós.
- Não quero nada a este preço - disse ela secamente. - Vós sempre dissestes que o fazíeis por nós, mas não é o que eu quero, não me serve de nada. Quero-vos em casa comigo. É-me indiferente se não temos nada. Não me interessa se temos de viver com a minha madrasta e depender da boa-vontade dela. Só me importa que estejamos juntos e que estejais finalmente seguro.
- Amy, não posso viver da caridade daquela mulher. É uma pedra no meu sapato, diariamente. Quando casastes comigo, eu era o filho do homem mais importante da Inglaterra. Era um plano dele, e meu, que o meu irmão fosse rei e que Jane Grey fosse rainha, e estivemos muito perto de consegui-lo. Eu teria sido membro da Família Real da Inglaterra. Era o que eu esperava, parti e lutei para o conseguir. Teria dado a minha vida para o conseguir. E porque não? Tínhamos tanto direito ao trono como os Tudor, que haviam feito exactamente o mesmo, há apenas três gerações. Os Dudley poderiam ter sido a Família Real da Inglaterra seguinte. Apesar de termos falhado e de termos sido derrotados...
- E humilhados - acrescentou ela.
- E completamente humilhados - concordou ele. - Mas continuo a ser um Dudley. Nasci para a grandeza, e tenho de reivindicá-la. Nasci para servir a minha família e o meu país. Não quereis ter um pequeno agricultor numa propriedade de quarenta hectares. Não quereis ter um marido que fica toda a tarde em casa, sentado ao borralho.
- Mas eu quero - insistiu ela. - O que não vedes, Robert, é que ser um pequeno agricultor numa propriedade de quarenta hectares
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é construir uma Inglaterra melhor e de um modo melhor do que qualquer cortesão que luta pelo seu poder na corte. Ele quase se riu.
- Talvez para vós. Mas eu nunca fui um homem desse género. Nem a derrota nem sequer o próprio medo da morte me poderiam transformar num homem desse tipo. Nasci e fui educado para ser um dos homens mais importantes do país, se não o maior. Fui criado com os filhos do rei, como seu igual. Não posso ficar a apodrecer num campo húmido, em Norfolk. Tenho de limpar o meu nome, tenho de fazer com que o Rei Filipe repare em mim, tenho de ser reabilitado pela Rainha Maria. Tenho de subir.
- Ides ser morto na batalha, e depois? Robert pestanejou.
- Querida, isto é para me amaldiçoar, na última noite que estamos juntos. Eu partirei amanhã, digais o que disserdes. Não me queirais mal.
- Tivestes um sonho! - Amy subiu para a cama e tirou-lhe a caneca vazia das mãos, pousando-a, segurando as mãos dele nas suas, como se estivesse a ensinar uma criança. - Meu senhor, é um aviso. Estou a avisar-vos. Não deveis partir.
- Tenho de ir - respondeu ele secamente. - Preferia estar morto e que o meu nome fosse limpo pela morte, do que viver assim, como um traidor que não foi absolvido, pertencendo a uma família caída em desgraça, na Inglaterra de Maria.
- Porquê? Preferíeis ter a Inglaterra de Isabel? - ela sibilou o desafio traiçoeiro num sussurro.
- com todo o meu coração - respondeu ele com sinceridade. " Abruptamente, ela soltou as mãos dele e, sem mais nenhuma
palavra, apagou a vela, puxou os cobertores para cima dos ombros e voltou-lhe as costas. Os dois permaneceram deitados, sem conseguirem adormecer, de olhos abertos na escuridão.
- Nunca vai acontecer - afirmou Amy. - Ela nunca conseguirá o trono. A rainha poderia conceber outro filho amanhã, um filho de Filipe da Espanha, um rapaz que seria Imperador da Espanha e Rei da Inglaterra, e ela será uma princesa que ninguém quer, casada com um príncipe estrangeiro e esquecida.
- Ou talvez não - respondeu ele. - Maria podia morrer sem descendência e depois a minha princesa seria Rainha da Inglaterra, e ela não se vai esquecer de mim.
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De manhã, ela não lhe dirigia a palavra. Tomaram o pequeno-almoço no bar, em silêncio e, depois, Amy voltou para cima, para o quarto de ambos na estalagem, para colocar na mala as últimas roupas de Robert.
Robert gritou do fundo das escadas que a via no cais, e saiu para o ruído e a azáfama das ruas.
A vila de Dover estava transformada num caos, porque a expedição do Rei Filipe se preparava para partir para a Holanda. Vendedores de produtos, com todo o tipo de alimentos e utensílios, apregoavam os preços no meio da algazarra. As videntes gritavam o valor dos talismãs e amuletos para os soldados que estavam de partida. Os vendedores ambulantes mostravam tabuleiros de bugigangas para presentes de despedida, barbeiros e arrancadores de dentes trabalhavam de um dos lados da rua, os homens rapavam quase totalmente o cabelo, receando apanhar piolhos. Dois padres haviam mesmo montado simulacros de confessionários para ouvir em confissão os homens que temiam ir para a morte com os pecados na consciência, e dúzias de prostitutas misturavam-se com as multidões de soldados, soltando gargalhadas, estridentes e prometendo todo o tipo de prazeres fugazes.
As mulheres aglomeravam-se no cais para se despedirem dos maridos e amantes, carroças e canhões eram içados perigosamente pelos lados e armazenados nos navios pequenos, os cavalos empancavam e resistiam na prancha de embarque, com estivadores a empurrá-los, praguejando, os moços da estrebaria a puxá-los à frente. Quando Robert saiu da porta da estalagem, o irmão mais novo segurou-lhe no braço.
- Henry! Bons olhos te vejam! - gritou Robert, envolvendo o rapaz de dezanove anos num abraço apertado. - Estava a perguntar-me como iríamos encontrar-nos. Esperava-te aqui, ontem à noite.
- Cheguei atrasado. O Ambrose não me queria deixar partir enquanto não acabasse de ferrar o meu cavalo. Sabes como ele é. De repente tornou-se um irmão mais velho muito autoritário e eu tive de praguejar para me manter em segurança, e também para te manter fora de perigo.
Robert riu-se.
- Agradeço-te por isso.
- Cheguei cá esta manhã e tenho andado à tua procura por todo o lado. - Henry deu um passo atrás e analisou o ar moreno do irmão. Ainda só tinha vinte e três anos e era extremamente bonito, mas o brilho do mimo de uma juventude privilegiada fora apagado pelo sofrimento. Estava magro, tinha o aspecto de um homem a ter
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em consideração. Sorriu para Henry e a dureza do seu rosto dissipou-se no calor do seu sorriso amoroso.
- Meu Deus! Estou contente por te ver, rapaz! Que aventura vamos ter!
- A corte já chegou - disse-lhe Henry. - O Rei Filipe já está a bordo do seu navio, e a Rainha está aqui, assim como a princesa.
- Isabel? Ela está cá? Falaste com ela?
- Estão no novo navio, o Philip and Mary - disse Henry. A Rainha estava com um ar muito azedo.
Dudley riu-se.
- Então, Isabel está feliz?
- Feliz como um homem que trabalha com o feno perante o sofrimento da irmã - respondeu alegremente Henry. - Sabes se é verdade que ela é amante do Rei Filipe?
- Ela, não - respondeu Dudley com a certeza de um amigo de infância. - Mas vai alimentar o interesse dele, porque ele lhe garante a segurança. Metade do Conselho Privado mandá-la-ia decapitar amanhã, se não fosse o favor do rei. Ela não é nenhuma tonta apaixonada. Vai usá-lo, não se vai deixar possuir por ele. É uma rapariga formidável. Gostava tanto de vê-la, se pudéssemos.
- Ela sempre teve um fraquinho por ti - sorriu Henry. - Vais eclipsar o próprio rei?
- Não enquanto não tiver nada para lhe oferecer - afirmou Robert. - Ela é calculista, Deus a abençoe. Estão prontos para que embarquemos?
- O meu cavalo já está a bordo - respondeu Henry. - Vinha buscar o teu.
- Eu levo-o contigo - disse Robert. Os dois homens transpuseram o arco de pedra em direcção ao estábulo onde o cavalo estava alojado, no pátio das traseiras da estalagem.
- Quando foi a última vez que a viste? À princesa? - perguntou Henry ao irmão.
- Quando estava no meu esplendor e ela no dela - Robert sorriu pesarosamente. - Deve ter sido no último Natal, na corte. Quando o Rei Eduardo estava em queda e o Pai era rei em tudo, salvo no nome. Ela era a princesa protestante e a irmã favorita. Éramos gémeos na presunção do nosso triunfo e Maria não estava presente. Recordas-te?
Henry franziu a testa.
- Vagamente. Sabes que nunca fui muito bom nas mudanças de favores.
- Terias aprendido - respondeu Robert secamente. - Numa família como a nossa era na altura, terias de ter aprendido.
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- Recordo-me de que ela foi enclausurada na Torre por traição, quando ainda lá estávamos - relembrou Henry.
- Fiquei satisfeito quando soube que ela tinha sido libertada afirmou Robert. - Isabel sempre teve a sorte do Diabo.
O enorme cavalo negro relinchou ao ver Robert e este deu um passo em frente e afagou-lhe o nariz macio.
- Vamos lá, meu querido - disse suavemente. - Vamos lá, Primeiro Passo.
- Como lhe chamas? - perguntou Henry.
- Primeiro Passo - disse Robert. - Quando nos libertaram da Torre e eu voltei para casa, para junto de Amy e me tornei um pobre, na casa da madrasta dela, a mulher disse-me que eu não podia comprar, nem pedir emprestado, um cavalo para montar.
Henry soltou um assobio baixo.
- Pensei que tinham uma boa casa em Stanfield?
- Não para um genro que acabava de voltar a casa como um traidor que não foi ilibado - afirmou Robert lastimosamente. - Não tinha outra escolha, senão calçar as botas de montar e dirigir-me a uma feira de cavalos, e ganhei-o numa aposta. Dei-lhe o nome de Primeiro Passo. Ele é o meu primeiro passo no regresso ao lugar que me é devido.
- E esta expedição vai ser o nosso passo seguinte - disse Henry alegremente.
Robert assentiu com a cabeça.
- Se conseguirmos o favor do Rei Filipe, podemos voltar a ser recebidos na corte - disse ele. - Qualquer coisa será perdoada ao homem que conquiste a Holanda para a Espanha.
- Dudley! Um Dudley! - Henry lançou o grito de guerra da família, e abriu a porta das baias.
Os dois levaram o cavalo agitado pela rua empedrada abaixo, até ao cais, e esperaram atrás dos outros homens que conduziam os seus cavalos para bordo. As pequenas ondas ultrapassavam as bordas do cais e o Primeiro Passo abria as narinas e movia-se inquieto. Quando chegou a sua vez de subir a prancha de embarque, colocou as patas da frente na ponte e ficou paralisado de medo.
Um dos moços da estrebaria surgiu atrás dele levantando um chicote para lhe bater.
- Nem pense! - gritou Robert, mais alto do que o ruído.
- Digo-vos que ele não entrará de outra forma - garantiu o homem.
Robert voltou as costas ao cavalo, soltou as rédeas e entrou à frente dele, na escuridão do compartimento. O cavalo relinchou,
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passando o peso de uma pata para a outra, as orelhas movendo-se para a frente e para trás, de cabeça levantada, à procura de Robert. Do porão do navio ouviu-se o assobio de Robert e o cavalo inclinou as orelhas para a frente e avançou com confiança.
Robert saiu, tendo acariciado e amarrado o cavalo, e viu Amy no cais com as suas malas.
- Tudo pronto para partir - disse-lhe ele alegremente. Pegou na mão gelada dela e levou-a aos lábios. - Perdoai-me - disse baixinho. - Fiquei perturbado pelo meu sonho da noite passada, e fez-me ficar de mau humor. Não vamos discutir mais, vamos despedir-nos como amigos.
Os seus olhos castanhos encheram-se de lágrimas.
- Oh, Robert, por favor não vades - suspirou.
- Vá lá, Amy - disse firmemente. - Sabeis que tenho de partir. E quando for, enviar-vos-ei todo o meu salário, e espero que o invistais sensatamente, e que procureis uma quinta para comprarmos. Temos de subir, minha esposa, e estou a contar convosco para gerir a nossa fortuna e nos ajudar a ascender.
Ela tentou sorrir.
- Sabeis que nunca vos desiludirei. Mas é só...
- A barcaça real! - exclamou Henry, enquanto todos os homens que se encontravam ao longo do cais tiravam os chapéus e inclinavam a cabeça.
- com a vossa licença - disse Robert apressadamente para Amy, e juntamente com Henry, dirigiu-se ao convés do navio do Rei da Espanha, para poder olhar lá para baixo e observar a barcaça real, à medida que esta se aproximava. A Rainha estava sentada na popa da barcaça, sob a canópia de Estado, mas a Princesa Isabel, de vinte e dois anos, radiante nos tons verde e branco dos Tudor, estava de pé, na proa, como uma figura em relevo, onde todos a pudessem ver, sorrindo e acenando para as pessoas.
Os remadores mantinham a barcaça firme, os navios estavam lado a lado, os dois irmãos olharam para baixo, da coberta do navio de guerra para a barcaça que avançava mais abaixo na água, ao lado deles.
Isabel olhou para cima.
- Um Dudley! - a sua voz soou claramente e o seu sorriso abria-se na direcção de Robert.
Ele fez uma vénia com a cabeça.
- Princesa! - Olhou para a rainha, que não o reconheceu. Vossa Majestade!
Friamente, ela levantou a mão. Estava envolvida em fiadas de
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pérolas, tinha diamantes nas orelhas e um toucado incrustado com esmeraldas, mas os seus olhos estavam apagados pelo sofrimento, e as rugas em volta da sua boca faziam com que parecesse que se esquecera de como sorrir.
Isabel deu um passo em frente de encontro à amurada lateral da barcaça real.
- Ides partir para a guerra, Robert? - perguntou na direcção do navio. - Ides ser um herói?
- Espero que sim! - respondeu ele claramente. - Espero servir a rainha nos domínios do marido e reconquistar o seu favor gracioso.
Os olhos de Isabel dançavam.
- Estou certa de que ela não tem nenhum soldado mais leal do que vós! - quase se ria alto.
- E nenhuma súbdita mais doce do que vós! - retribuiu ele. Ela cerrou os dentes para não desatar a rir. Ele percebeu que
ela estava a esforçar-se para se controlar.
- E vós estais bem, Princesa? - perguntou ele, num tom mais doce. Ela sabia o que ele queria dizer: - Estais de boa saúde? - Porque sabia que quando ela estava assustada contraía uma hidropisia que lhe fazia inchar os dedos e tornozelos e a obrigava a permanecer na cama. - E estais segura? - Porque ali estava ela, ao lado da rainha, na barcaça real, quando a proximidade do trono sempre significou a proximidade do cepo, e o seu único aliado no Conselho Privado, o Rei Filipe, ia partir para a guerra. E acima de tudo: - Esperais, como eu espero, tempos melhores, e rezais que cheguem em breve?
- Eu estou bem - gritou ela em resposta. - Como sempre. Determinada. E vós?
Ele devolveu-lhe o sorriso.
- Igualmente determinado.
Não precisavam de dizer mais nada.
- Deus vos abençoe e guarde, Robert Dudley - disse ela.
- E a Vós, Princesa. - E que Deus vos faça chegar depressa ao que vos pertence e que permita que eu faça. o mesmo - foi a sua resposta não proferida. Pelo brilho atrevido dos seus olhos, percebeu que ela sabia no que ele estava a pensar. Sempre souberam exactamente o que o outro estava a pensar.
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Inverno de 1557
Apenas seis meses mais tarde, Amy, acompanhada pela amiga, Lizzie Oddingsell, estava de pé, no cais de Gravesend, observando os barcos entrar lentamente no porto, homens feridos, estendidos juntamente com os mortos nos convés, as amuradas dos convés chamuscadas, as velas mestras esburacadas, todos os sobreviventes de cabeça vergada, envergonhados pela derrota.
O navio de Robert foi o último a entrar. Amy esperava há três horas, cada vez mais convicta de que não iria voltar a vê-lo. Mas lentamente, a pequena embarcação aproximou-se, foi rebocada, e içada no cais como se estivesse contrariada por voltar para a Inglaterra em desgraça.
Amy protegeu os olhos e levantou o olhar para a amurada do convés. Naquele momento, que ela temera tão intensamente, naquele momento, que ela tivera tanta certeza de que chegaria, não choramingou nem gritou, procurava Robert, firme e cuidadosamente, no convés, sabendo que, se não conseguisse vê-lo, ele teria sido feito prisioneiro ou estava morto.
Depois, viu-o. Ele estava de pé, ao lado do mastro, como se não tivesse pressa de se aproximar da amurada para obter uma primeira panorâmica da Inglaterra, para chegar à prancha para desembarcar, como se não tivesse grande urgência em vê-la. Havia alguns civis ao lado dele, e uma mulher com um bebé de cabelo escuro apoiado na anca; mas o irmão, Henry, não estava lá.
A prancha de desembarque foi encostada ao convés e ela começou a avançar nessa direcção, para correr por ela acima e abraçá-lo, mas Lizzie Oddingsell puxou-a para trás.
- Esperai - aconselhou à mulher mais jovem. - Vede primeiro como ele está.
Amy empurrou para o lado a mão da mulher que a segurava;
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mas esperou, enquanto ele descia pela prancha de desembarque, tão lentamente que ela pensou que estivesse ferido.
- Robert?
- Amy.
- Graças a Deus, estais salvo! - gritou. - Soubemos que houve um cerco terrível, e que perderam Calais. Sabíamos que não podia ser verdade, mas...
- É verdade.
- Perderam Calais?
Era inimaginável. Calais era a jóia da Inglaterra no ultramar. Falavam inglês nas ruas, pagavam impostos ingleses e comercializavam a lã valiosa e os tecidos acabados com a Inglaterra. Calais era o motivo pelo qual os reis ingleses se denominavam "Rei da Inglaterra e da França", Calais era a demonstração, no exterior, de que a Inglaterra era uma potência mundial, em território francês, era um porto tão inglês como Bristol. Era impossível imaginar que caíra em mãos francesas.
- Perdemo-la.
- E onde está o vosso irmão? - perguntou Amy a medo. Robert? Onde está Henry?
- Está morto - respondeu ele bruscamente. - Levou um tiro numa perna, em St. Quentin, e morreu mais tarde, nos meus braços.
- Deu uma gargalhada breve e amarga. - O Rei Filipe reparou em mim em St. Quentin - disse. - Recebi uma menção honrosa nos despachos para a rainha. Foi o meu primeiro passo, tal como eu esperava que seria; mas custou-me o meu irmão: a única coisa na vida que me podia dar ao luxo de perder. E agora lidero um exército derrotado e duvido que a Rainha se lembre de que" tive um desempenho bastante bom em St. Quentin, dado que em Calais foi bastante mau.
- Oh, que importância tem? - exclamou ela. - Desde que estejais salvo, e que possamos estar novamente juntos? Vinde comigo para casa, Robert, e quem se importa com a rainha ou sequer com Calais? Não precisais de Calais, agora podemos voltar a comprar Syderstone. Vinde para casa comigo e vereis quão felizes iremos ser!
Ele abanou a cabeça.
- Tenho de levar despachos à Rainha - respondeu ele teimosamente.
- Sois um tolo! - disparou ela. - Deixai que seja outra pessoa a revelar-lhe as más notícias.
Os olhos escuros dele tornaram-se muito brilhantes perante o insulto público da mulher.
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- Lamento que penseis que sou um tolo - disse friamente. - Mas o Rei Filipe ordenou-me pelo meu nome e eu tenho de cumprir o meu dever. Podeis partir e ficar com os Philip em Chichester até eu ir ter convosco. Ficar-vos-ei muito grato se levardes esta mulher e o seu bebé, para também ficar em casa deles. Ela perdeu a casa em Calais e precisa de um abrigo na Inglaterra, durante algum tempo.
- Não o farei - respondeu Amy, imediatamente ressentida. - O que é que ela me é? O que é que ela vos é?
- Em tempos, foi Bobo da Rainha - respondeu ele. - Hannah Green. E era uma criada leal e obediente para mim, e uma amiga, quando eu tinha poucos amigos. Sede simpática, Amy. Levai-a convosco para Chichester. Entretanto, terei de pedir um cavalo e ir para a corte.
- Oh, também haveis perdido o vosso cavalo, assim como o plano? - Amy estava amargamente ressentida com ele. - Regressastes a casa sem o vosso irmão, sem o vosso cavalo, não voltastes mais rico, viestes para casa mais pobre em todos os aspectos, tal como a minha madrasta, Lady Robsart, me avisou que aconteceria?
- Sim - respondeu ele firmemente. - O meu belo cavalo foi atingido, sob mim, por uma bala de canhão. Fiquei debaixo dele quando caiu, e o seu corpo protegeu-me e salvou-me a vida. Morreu ao meu serviço. Prometi-lhe que seria um dono bom para ele, e, no entanto, levei-o para a morte. Dei-lhe o nome de Primeiro Passo, mas tropecei e caí no meu primeiro passo. Perdi o meu cavalo, o dinheiro da campanha e o meu irmão, além de toda a esperança. Ficareis satisfeita de ouvir que este é o fim dos Dudley. Não consigo imaginar que possamos voltar a ascender.
Robert e Amy seguiram caminhos separados - ele foi para a corte, onde foi saudado com azedume como o arauto de más notícias, e ela para junto dos amigos, em Chichester, para uma visita longa; mas depois voltaram, contra a sua vontade, para a casa da sua madrasta em Stanfield Hall. Não tinham mais nenhum sítio para ir.
- Estamos com falta de trabalhadores na quinta - declarou bruscamente Lady Robsart na primeira noite.
Robert levantou a cabeça, desviando a atenção da contemplação da taça vazia e disse:
- O quê?
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- Estamos a arar os prados - disse ela. - Pelo pouco feno que nos dá, quase não vale a pena. E temos falta de pessoas. Podeis ajudar no campo, amanhã.
Ele olhou-a como se ela estivesse a falar grego.
- Quereis que eu trabalhe nos campos?
- Tenho a certeza de que a madrasta quer dizer que deveríeis supervisionar os trabalhadores - interveio Amy. - Não foi?
- Como pode ele supervisionar o arado? Duvido que saiba como se faz? Pensei que podia conduzir a carroça, ele, pelo menos, sabe lidar com cavalos.
Amy voltou-se para o marido.
- Isso não seria assim tão mau.
Robert não conseguia falar, de tão chocado que estava.
- Quereis que trabalhe no campo? Como um agricultor?
- Que mais podeis fazer para vos sustentar? - perguntou Lady Robsart. - Sois um lírio do campo, homem. Não sabeis colher nem ceifar.
A cor estava a desaparecer do seu rosto até este se tornar pálido como o lírio que ela lhe dissera que.parecia.
- Não posso trabalhar no campo como um homem comum disse baixinho.
- Porque deveria sustentar-vos como a um lorde? - perguntou ela secamente. - O vosso título, a vossa fortuna, e a vossa sorte, todos desapareceram.
Ele gaguejou ligeiramente.
- Porque, mesmo que eu nunca mais volte a ascender, não posso afundar-me numa posição tão baixa, não posso degradar-me.
- Estais tão baixo quanto um homem pode descer - declarou ela. - O Rei Filipe nunca voltará para casa, a rainha, Deus a proteja, voltou-se contra vós. O vosso nome está manchado, o vosso crédito desapareceu, e a única coisa que tendes a vosso favor é o amor de Amy e o meu patrocínio.
- O vosso patrocínio! - exclamou ele.
- Eu sustento-vos. A troco de nada. E ocorreu-me que talvez pudésseis trabalhar para pagar a vossa passagem por aqui. Todas as outras pessoas trabalham. A Amy tem as galinhas dela e a costura, e o trabalho em casa. Eu giro tudo, os meus filhos tratam dos animais e das colheitas.
- Eles dão ordens ao pastor e ao lavrador - explodiu ele.
- Porque sabem as ordens que têm de dar. Vós não sabeis nada, por isso tereis de receber ordens.
Lentamente, ele levantou-se da mesa.
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- Lady Robsart - disse calmamente. - Aviso-vos para não me pressionardes demasiado. Agora sinto-me derrotado, mas não deveis procurar humilhar-me ainda mais.
- Oh, porque não? - Ela estava divertida. - Nem consigo imaginar a grandeza da vossa vingança.
- Porque é baixo da vossa parte - respondeu ele com dignidade. - Estou muito no fundo, como vós diríeis. Sou um homem derrotado e estou a sofrer pela perda do meu irmão, de três irmãos adorados desaparecidos nos dois últimos anos, por minha culpa. Pensai no que isso significa para um homem! Poderíeis mostrar um pouco de caridade mesmo que não tenhais simpatia. Quando eu era Lorde Robert, não vos faltava nada, nem a vós, nem ao pai de Amy.
Ela não respondeu, e ele pôs-se de pé.
- Vamos, Amy. Amy não obedeceu.
- Irei dentro de um minuto.
Lady Robsart voltou a cabeça para esconder o sorriso.
- Vamos - disse Robert com irritação, e estendeu a mão.
- Tenho de levantar os pratos e de varrer o chão - desculpou-se Amy.
Ele não voltou a pedir-lhe. Virou as costas de imediato e saiu pela porta.
- De madrugada, estareis no pátio dos estábulos, pronto para trabalhar - gritou-lhe Lady Robsart.
Ele fechou a porta à sua voz triunfante.
Amy esperou até ouvirem os passos dele a afastar-se e depois sondou a madrasta.
, - Como fostes capaz?
- Porque não deveria ser?
- Porque ides afastá-lo daqui.
- Não o quero aqui.
- Bem, eu quero! Se o afastais, eu também partirei.
- Ah, Amy - aconselhou a madrasta. - Vede a razão. Ele é um homem derrotado, não serve para nada. Deixai-o ir. Voltará para junto de Filipe da Espanha ou partirá noutra aventura ou nalguma batalha, irá ser morto e vós sereis livre. O vosso casamento foi um engano desde o princípio ao fim, e podeis deixar que termine.
- Nunca! - afirmou Amy com veemência. - Sois louca em sequer imaginá-lo. Se ele for arar a terra, eu também farei o mesmo. Se fizerdes dele vosso inimigo, fareis de mim vossa inimiga. Eu amo-o, sou dele e ele é meu, e nada vai interpor-se entre nós.
Lady Robsart estava surpreendida.
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- Amy, isto não parece vosso.
- Não. Esta sou eu. Não posso ficar calada e ser obediente quando o tratais mal. Tentais dividir-nos porque pensais que eu amo tanto a minha casa que nunca a deixarei. Pois bem, ouvi: eu irei embora! Não há nada no mundo mais importante para mim do que Lorde Robert. Nem o meu amor pela minha casa, nem sequer o meu amor por vós. E mesmo que vós não o respeiteis por ele, deveríeis respeitá-lo por mim.
- Que exagero - afirmou Lady Robsart com uma admiração relutante. - Estais a fazer uma tempestade num copo de água.
- Não se trata de uma tempestade num copo de água - respondeu obstinadamente Amy.
- Pode ser inútil - a madrasta propôs uma trégua. - Salvaste-o dos campos, mas tereis de lhe encontrar uma ocupação. Ele tem de fazer alguma coisa, Amy.
- Vamos arranjar-lhe um cavalo - decidiu ela. - Um cavalo barato e jovem, e ele pode domá-lo e treiná-lo, vendemo-lo e pode comprar outro. Ele é especialista em cavalos, quase consegue falar com eles.
- E o que ides utilizar para lhe comprar o cavalo? - perguntou Lady Robsart. - De mim não recebereis nada.
- Venderei o medalhão do meu pai - disse Amy impermeável.
- Nunca o venderíeis!
- Por Robert, venderia.
A mulher mais velha hesitou.
- Emprestar-vos-ei o dinheiro - disse ela. - Não vendais o medalhão.
Amy sorriu pela sua vitória.
- Obrigada - disse.
Deixou Robert sozinho durante uma hora, para que se acalmasse, e depois subiu as escadas para o exíguo quarto de dormir dos fundos, esperando encontrá-lo na sua minúscula cama, cheia de vontade de lhe dizer que tinha ganho a batalha, que ele não teria de ir para o campo, e que teria um cavalo para treinar, talvez o primeiro de muitos. Mas os lençóis de linho imaculados estavam puxados para trás, a cabeceira da cama estava intocada, o quarto estava vazio. Robert fora embora.
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Verão de 1558
Robert Dudley chegou à corte com uma determinação implacável. Sofrera os maus-tratos da família da mulher, e pensou que não podia cair mais fundo. Mas agora, em Richmond, o palácio recentemente construído, que adorava como a sua própria casa, descobria o que significava ser humilhado todos os dias. Agora, fazia parte da multidão de peticionários que em tempos menosprezara, perguntando-se despreocupadamente se não podiam arranjar nada melhor para fazer do que suplicar por favores. Agora, juntava-se às filas de homens que tinham de esperar pela atenção dos seus superiores, com a esperança de serem apresentados a alguém que estivesse um degrau acima, na.escada da ambição. Tudo, na corte Tudor, provinha do trono como se este fosse a fonte do dinheiro, posição e lugar. O poder fluía para os tributários mais pequenos, das posições elevadas da corte e daí era dividido e subdividido. Torrentes de riqueza caíam em cascata do tesouro mal gerido; mas era preciso estar nos favores de um homem que já se encontrasse numa posição favorecida, para se conseguir abordar um pouco do fluxo.
Robert, que em tempos fora o homem mais importante da corte, atrás apenas do pai, que dirigia o rei, sabia demasiado bem como funcionava o sistema a partir do topo. Agora, tinha de aprender como funcionava na base.
Passava dias na corte, vivendo em casa de um amigo do seu cunhado, Henry Sidney, procurando uma nomeação: qualquer coisa, um lugar ou uma pensão, ou mesmo serviço em casa de um lorde menor. Mas ninguém queria empregá-lo. Alguns homens nem sequer queriam ser vistos a falar com ele. Possuía habilitações a mais para uma posição inferior; como se poderia pedir a um homem que falava três línguas para escrever uma lista de produtos que era necessário ir buscar a outra casa? Era desprezado pela classe gover-
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nante de lordes católicos, que o haviam visto, bem como ao pai, liderar a Reforma Protestante, nos anos do Rei Eduardo. Era demasiado glamoroso, ousado e vistoso para ser sentado num lugar inferior de uma mesa, ou para ser utilizado como um camarista júnior. Nenhum lorde menor teria algo a ganhar ao colocar o atraente Robert Dudley atrás da sua cadeira. Ninguém correria o risco de se deixar ofuscar pelo seu próprio criado. Nenhuma dama de reputação poderia admitir um homem que emanava um atractivo sexual tão forte em sua casa, nenhum homem o empregaria para estar perto da sua mulher ou filhas. Ninguém queria Robert Dudley, com o seu aspecto moreno deslumbrante e a sua inteligência aguçada, em nenhum escritório pessoal, e ninguém permitia que ele estivesse fora do seu controlo.
Ele deambulava pela corte como um leproso belo e ficou a conhecer o extremo da rejeição. Muitos homens que haviam desejado ser seus amigos e seguidores, quando era Lorde Robert, agora, negavam tê-lo conhecido. Descobriu que as memórias eram extraordinariamente curtas. Era um proscrito no seu próprio país.
O favor de Filipe da Espanha, nesse, momento, não valia de nada. Parecia ter abandonado a Inglaterra e a sua Rainha. Vivia na sua glamorosa corte, na Holanda, e dizia-se que arranjara uma bela amante. Todos afirmavam que ele nunca voltaria para a Inglaterra. A sua mulher abandonada, a Rainha Maria, confessou que se enganara uma segunda vez - não conseguira conceber um filho dele, nunca daria um herdeiro à Inglaterra. Sumia-se dentro das próprias roupas, e escondia-se nos seus aposentos privados, mais como uma viúva, do que como uma rainha governante.
Robert, cujo nome fora desonrado, não podia negociar em seu nome, nem assinar um contrato legal ou fazer parte de uma companhia de mercadores, sabia que nunca progrediria, até a mácula da traição ser limpa do seu nome, e apenas a Rainha Maria poderia restituir-lhe a sua condição. Pediu emprestado um chapéu e uma capa novos ao cunhado, Henry Sidney, e apresentou-se na antecâmara da rainha, numa manhã húmida de nevoeiro, esperando que ela saísse dos seus aposentos em direcção à capela. Meia dúzia de outros peticionários aguardavam nas imediações, e todos se aproximaram quando a porta se abriu e a rainha, de cabeça vergada e vestida de preto, saiu, acompanhada apenas por duas mulheres.
Robert temeu que ela passasse por ele sem levantar o olhar, mas ela olhou para ele, reconheceu-o e parou.
- Robert Dudley?
Ele fez uma vénia.
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- Vossa Graça.
- Quereis fazer-me um pedido? - perguntou ela sem paciência. Ele pensou que teria de ser tão directo como ela.
- Queria pedir-vos para levantardes a proscrição por traição contra o meu nome - disse francamente. - Servi o vosso marido em St. Quentin e em Calais, e isso custou-me o que me restava da minha fortuna, assim como a vida do meu irmão mais novo, Vossa Graça. com esta mácula associada ao meu nome, não posso exercer nenhuma actividade nem manter a cabeça erguida. A minha mulher perdeu a herança, uma pequena quinta em Norfolk, e vós sabeis que perdi todas as doações que o meu pai me fez. Não queria que a minha mulher fosse condenada, nem que vivesse na pobreza, por ter casado comigo.
- As mulheres partilham sempre a sorte dos maridos - disse ela secamente. - Para o bem e para o mal. E um mau marido é o desespero de uma mulher.
- Sim - disse ele. - Mas ela nunca admirou a minha sorte. Só queria viver tranquilamente no campo e, teria sido muito melhor para ela, se eu tivesse feito como ela queria. Agora nem sequer podemos viver juntos, não suporto a família dela, e não lhe posso comprar um tecto sob o qual possamos viver. Desiludi-a, Vossa Graça, e foi um erro da minha parte.
- Estivestes na queda de Calais - recordou ela.
Robert olhou-a nos olhos com um olhar que era tão frio como o dela.
- Nunca o esqueço - afirmou ele. - Foi uma operação mal gerida. Os canais deviam ter sido inundados para servir de fosso, mas"eles não abriram os portões que davam para o mar. Os fortes não estavam mantidos e tripulados como nos prometeram. Fiz o melhor que pude com as minhas tropas, mas os Franceses eram muito mais que nós. Não falhei para convosco por não tentar, Vossa Graça. O vosso marido, ele próprio enalteceu o meu combate em St. Quentin.
- Vós sempre tivestes o dom da palavra - disse ela com um assomo de sorriso. - Toda a vossa família podia abrir o seu caminho até ao Paraíso.
- Espero que sim - disse ele. - Uma vez que já lá estão demasiados. Aqueles de nós que ficaram andam muito por baixo ultimamente. Tinha sete irmãos e cinco irmãs no quarto de crianças comigo, doze crianças excelentes; e agora só restam quatro de nós.
- Eu também estou muito deprimida - confessou ela. - Quando cheguei ao trono, Robert, quando vos derrotei e ao vosso pai, pen-
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sei que todos os meus problemas haviam terminado. Mas estavam apenas a começar.
- Lamento que isso vos tenha trazido tão pouca alegria - disse ele suavemente. - A coroa não é algo leve, especialmente para uma mulher.
Para seu horror, viu os olhos dela encherem-se de lágrimas que escorreram pela pele cansada das suas bochechas.
- Especialmente uma mulher sozinha - disse ela docemente. A Isabel ainda pode descobri-lo por ela mesma, apesar de actualmente ser uma solteirona tão orgulhosa. É insuportável governar sozinha e, no entanto, como podemos partilhar um trono? A que homem poderíamos confiar um tal poder? Qual é o homem que pode chegar o trono, casar com uma mulher, e ainda assim permitir que seja ela a governar?
Ele ajoelhou-se, pegou-lhe na mão e beijou-a.
- Diante de Deus, Rainha Maria, lamento a vossa tristeza. Nunca pensei que chegaria a este ponto.
Ela deteve-se por um momento, confortada pelo toque dele.
- Obrigada, Robert.
Ele levantou o olhar e ela ficou surpreendida pela extrema beleza do jovem: tão moreno como um espanhol, mas com uma ruga profunda, recente, de sofrimento, cavada entre as suas sobrancelhas negras.
- Mas tendes tudo à vossa frente - disse ela ironicamente. Tendes a vossa juventude, e boa saúde, e a vossa beleza, e acreditais que Isabel subirá ao trono a seguir a mim, e restituirá a vossa sorte. Mas tendes de amar a vossa mulher, Robert Dudley. É muito difícil para uma mulher se o marido a negligencia.
Pôs-se de pé.
- Fá-lo-ei - prometeu despreocupadamente. Ela acenou com a cabeça.
- E não conspireis contra mim, ou contra o meu trono.
Este foi um juramento que ele fez com mais seriedade. Olhou-a nos olhos, sem pestanejar.
- Esses dias são passado - disse ele. - Sei que sois a minha rainha por direito. Ajoelho-me, Rainha Maria, arrependo-me do meu orgulho.
- Então - disse ela sem paciência. - Concedo-vos o levantamento da proscrição por traição. Podeis recuperar as terras da vossa mulher, e o vosso título. Tereis aposentos na corte. E desejo-vos sorte.
Ele teve de ocultar a dimensão da sua alegria.
- Obrigado - disse, fazendo uma vénia. - Rezarei por vós.
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- Então, vinde comigo para a minha capela agora - disse ela.
Sem hesitar, Robert Dudley, o homem cujo pai organizara a Reforma Protestante na Inglaterra, seguiu a Rainha para a missa católica e ajoelhou-se diante da luz brilhante dos ícones que estavam atrás do altar. Uma hesitação momentânea, ou até mesmo um olhar de relance, e teria sido questionado por heresia. Mas Robert não olhou de relance nem hesitou. Benzeu-se e inclinou a cabeça diante do altar, para cima e para baixo, como uma marioneta, sabendo que estava a trair a sua própria fé, bem como a do seu pai. Mas os juízos errados e a má sorte haviam acabado por deixar Robert Dudley de joelhos; e ele sabia-o.
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Outono de 1558
Todos os sinos de Hertfordshire, todos os sinos da Inglaterra, tocavam por Isabel, fazendo ecoar o repique na sua cabeça, primeiro o sino agudo, que gritava como uma mulher louca, e depois todo o soluço agonizante, desafinado, até o sino grande ressoar, num aviso de que todo o carrilhão ia recomeçar a clamar. Isabel abriu de par em par as portadas do Palácio de Hatfield, e a janela, desejando mergulhar no ruído, ensurdecida pelo seu próprio triunfo; e, no entanto, este prosseguia, até as gralhas abandonarem os seus ninhos e voarem em bandos em direcção aos céus, dando voltas e voltas no vento como um estandarte de maus presságios, e os morcegos saírem do campanário como uma pluma de fumo negro, como se para avisar que, agora, o mundo estava virado do avesso, e que o dia seria para sempre noite.
Isabel riu-se bem alto do ruído que divulgava as notícias para os indiferentes céus cinzentos: a pobre e doente Rainha Maria morrera finalmente, e a Princesa Isabel era a herdeira incontestada.
- Graças a Deus - gritou para as nuvens em remoinho. - Porque, agora, posso ser a Rainha que a minha mãe queria que eu fosse, a Rainha que Maria não podia ser, a Rainha que nasci para ser.
- E em que pensais? - perguntou Isabel maliciosamente.
O marido de Amy sorriu para o rosto jovem e provocador que tinha à altura do ombro enquanto passeavam no jardim frio do Palácio de Hatfield.
- Estava a pensar que nunca vos deveríeis casar.
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A princesa pestanejou surpreendida.
- A sério? Todos parecem pensar que eu devia casar imediatamente.
- Então, só deveríeis casar com um homem muito, muito velho
- corrigiu ele.
Ela soltou um riso encantado.
- Porquê?
- Para ele morrer logo. Porque ficais tão encantadora vestida com veludo preto. Nunca devíeis vestir outra coisa.
Era um complemento perfeito da graça, era o esboço de um cumprimento bonito. Era o que Robert Dudley sabia fazer melhor, juntamente com montar a cavalo, política e uma ambição desmedida.
Isabel estava envolvida em negro de luto, desde o nariz rosado até às botas de pele, soprando nas pontas dos dedos envolvidos pelas luvas, para os aquecer, trazia um chapéu de veludo negro num ângulo jovial sobre a massa do seu cabelo ruivo-dourado. Uma fila de peticionários enregelados seguia os dois. Apenas William Cecil, o seu conselheiro de há muito tempo, estava suficientemente seguro de ser bem-vindo para interromper a conversa íntima entre os dois amigos de infância.
- Ah, Espírito (1) - disse ela apaixonadamente para o homem mais velho que se dirigia a eles, vestido num negro clerical. - Que notícias tendes para me dar?
- Boas notícias, Vossa Graça - respondeu ele à rainha, com um aceno de cabeça para Robert Dudley. - Recebi notícias de Sir Francis Knollys. Sabia que queríeis ser avisada de imediato. Ele, a mulher e a família deixaram a Alemanha e devem estar junto de nós por volta do Ano Novo.
- Ela não vai cá estar a tempo da minha coroação? - perguntou Isabel. Sentia saudades da prima Catherine, que se encontrava num exílio auto-imposto pela sua fervorosa fé protestante.
- Lamento - disse Cecil. - Possivelmente, não conseguirão chegar cá a tempo. E nós não podemos esperar.
- Mas ela concordou ser minha dama de companhia? E a filha?
- Como é que ela se chama? - Laetitia, uma dama de honor?
- Ela vai ficar encantada - disse Cecil. - Sir Francis escreveu-me um bilhete aceitando, e a carta de Lady Knollys para vós vem a seguir. Sir Francis disse-me que havia tanta coisa que ela queria dizer-vos, que não conseguiu terminar a carta a tempo, porque o meu mensageiro tinha de sair.
(1) Spirit (Espírito) era alcunha pela qual a Rainha Isabel tratara William Cecil. (N. da T.)
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O sorriso radiante de Isabel iluminou-lhe o rosto.
- Vamos ter tanto para conversar quando a vir!
- Vamos ter de esvaziar a corte, só para as duas poderem conversar - disse Dudley. - Lembro-me de Catherine quando fazíamos campeonatos do "Jogo do Silêncio". Estais recordada? Ela perdia sempre.
- E perdia sempre quando fazíamos desafios de ver quem piscava primeiro os olhos.
- Excepto daquela vez que Ambrose pôs o rato no cesto da costura dela. Quase deitava a casa abaixo com os gritos.
- Tenho saudades dela - disse simplesmente Isabel. - Ela é praticamente toda a família que tenho.
Nenhum dos homens lhe relembrou dos seus cruéis parentes Howard que não fizeram mais do que repudiá-la quando caiu em desgraça, e agora rodeavam a sua corte emergente reclamando-a novamente como deles.
- Tendes-me a mim - disse Robert gentilmente. - E a minha irmã não podia amar-vos mais, se fosse da vossa família.
- Mas Catherine vai repreender-me pelo crucifixo e as velas na Capela Real - afirmou Isabel de mau humor, voltando ao seu modo de rodear os assuntos, quando deparava com uma dificuldade.
- A forma como escolheis prestar o culto na Capela Real não é uma escolha dela - relembrou-lhe Cecil. - É vossa.
- Não, mas ela preferiu ir embora da Inglaterra, a viver sob o domínio do Papa, e agora que ela e todos os protestantes estão a voltar a casa, esperarão encontrar um país reformado.
- Assim como todos nós, tenho a certeza.
Robert Dudley lançou-lhe um olhar irónico como se lhe sugerisse que nem todos partilhavam a clareza de visão de Cecil. Impavidamente, o homem mais velho ignorou-o. Cecil havia sido um protestante fiel desde os primeiros dias e sofrera anos de negligência da corte católica devido à sua lealdade para com a sua fé e o seu serviço à princesa protestante. Antes, servira os grandes senhores protestantes, os próprios Dudley, e aconselhara o pai de Robert relativamente ao avanço da Reforma. Robert e Cecil eram aliados antigos, apesar de nunca terem sido amigos.
- Não há nada de papista num crucifixo num altar - especificou Isabel. - Não podem opor-se a isso.
Cecil sorriu indulgentemente. Isabel adorava jóias e ouro na igreja, os padres nas suas vestes, panos de altar bordados, cores vivas nas paredes, velas e toda a panóplia da fé católica. Mas ele estava confiante de que podia mantê-la na igreja reformada, que era a sua primeira e mais antiga prática religiosa.
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- Não vou tolerar a elevação e a consagração da Hóstia Sagrada como se fosse o corpo de Cristo - disse firmemente. - Isso é que é verdadeiramente uma idolatria papista. Não vou permiti-lo, Cecil. Não admito que se faça diante de mim e não vou permitir que seja mantido, para confundir e enganar o meu povo. É um pecado, sei-o. É um ídolo forjado, é um testemunho falso, não posso tolerá-lo.
Ele assentiu com a cabeça. Metade do país concordaria com ela. Infelizmente, a outra metade discordaria com a mesma paixão. Para eles, a hóstia da comunhão era o Cristo vivo e deveria ser venerada como uma presença verdadeira; fazer qualquer coisa de diferente seria uma heresia grosseira que, apenas uma semana antes, teria sido punida com a morte na fogueira.
- Então, quem haveis encontrado para dizer a missa do funeral da Rainha Maria? - perguntou ela subitamente.
- O Bispo de Winchester, John White - respondeu Cecil. - Ele queria fazê-lo, gostava muito dela, e tem uma boa reputação - hesitou. - Qualquer um deles o teria feito. Toda a Igreja lhe era devotada.
- Tinham de ser - acrescentou Robert. - Foram nomeados por ela pelas suas simpatias católicas, ela deu-lhes licença para fazerem perseguições. Não vão acolher uma princesa protestante. Mas terão de aprender.
Cecil limitou-se a fazer uma vénia, mantendo-se diplomaticamente em silêncio, mas com a consciência dolorosa de que a Igreja estava determinada em manter a sua fé contra quaisquer reformas propostas pela princesa protestante, e metade do país apoiá-la-ia. A batalha da Igreja Suprema contra a jovem rainha era algo que ele esperava evitar.
,- Deixemos que seja Winchester a dizer a missa do funeral, então - disse ela. Mas certificai-vos de que lhe recordam que deve ser moderado. Não quero que seja proferido nada que agite as pessoas. Vamos manter a paz, antes de procedermos à reforma, Cecil.
- Ele é um católico romano convicto - relembrou-lhe Robert.
- As opiniões dele são bastante conhecidas, quer as pronuncie abertamente quer não.
Ela voltou-se contra ele.
- Então, se sabeis tanto, trazei-me outra pessoa! Dudley encolheu os ombros e emudeceu.
- Esse é o cerne da questão - disse-lhe Cecil gentilmente. Não há mais ninguém. São todos católicos romanos convictos. São todos ordenados como bispos católicos romanos, andaram a queimar protestantes na fogueira por heresia nos últimos cinco anos.
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Metade deles consideraria as vossas crenças heréticas. Não podem mudar de um dia para o outro.
Isabel teve dificuldade em controlar-se, mas Dudley sabia que ela estava a lutar contra o desejo de bater com o pé e virar as costas.
- Ninguém quer que se mude tudo de um dia para o outro disse por fim. - Tudo o que pretendo é que façam o trabalho para o qual foram chamados por Deus, tal como a rainha anterior fez o dela, segundo as crenças que tinha, assim como eu farei o meu.
- Avisarei o bispo para que seja discreto - disse Cecil com ar pessimista. - Mas não lhe posso ordenar o que deve dizer a partir do púlpito.
- Então, é melhor que aprendais a fazê-lo - disse ela desagradavelmente. - Não vou admitir que a minha própria Igreja me traga problemas.
- Elogiei mais os mortos do que os vivos - começou o Bispo de Winchester, a sua voz soando como um desafio declarado. - Este é o meu texto para hoje, por este dia trágico, o dia do funeral da nossa grande Rainha Maria. "Elogiei mais os mortos do que os vivos". Então, que lição devemos tirar desta afirmação: as palavras do próprio Deus? Certamente, um cão vivo é melhor do que um leão morto? Ou o leão, apesar de morto, continua a ser mais nobre, um ser superior, do que o cachorrinho cruzado mais espirituoso, mais enternecedor?
Inclinando-se para a frente no seu banco fechado, misericordiosamente ocultado do resto da assistência perplexa, William Cecil gemeu ligeiramente, deixou cair a cabeça nas mãos, e ouviu, de olhos fechados, o Bispo de Winchester, que se autocondenava à prisão domiciliária com o seu sermão.
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Inverno de 1558
A corte sempre celebrara o Natal no Palácio de Whitehall, e Cecil e Isabel estavam preocupados por as tradições do governo Tudor deverem ser vistas como uma continuidade. As pessoas deviam ver Isabel como um monarca, tal como Maria fora, tal como Eduardo fora, tal como seu pai: o glorioso Henrique VIII.
- Sei que deveria haver um Lorde das Folias do Natal - afirmou Cecil vagamente. - E uma mascarada de Natal, deveriam estar presentes os coristas do rei, e deveríamos organizar uma série de banquetes - interrompeu-se. Fora um administrador sénior da família Dudley e servira, assim, os seus superiores, os Tudor; mas nunca fizera parte do círculo íntimo da corte Tudor. Estivera presente em reuniões de negócios, em funções para a casa Dudley, não em festas, e nunca participara em nenhuma das organizações ou no planeamento de uma grande corte.
"- Eu vim para a corte de Eduardo quando ele estava doente afirmou Isabel preocupada. - Não havia festas nem mascaradas nessa altura. E a corte de Maria ia à missa três vezes por dia, mesmo na época do Natal, e era terrivelmente triste. Penso que celebraram um bom Natal, quando Filipe veio cá a primeira vez e ela pensou que estava grávida, mas, nessa altura, eu encontrava-me em prisão domiciliária, não vi o que foi feito.
- Teremos de criar tradições novas - disse Cecil, tentando animá-la.
- Não quero tradições novas - respondeu ela. - Tem havido demasiadas mudanças. As pessoas têm de ver que tudo foi restaurado, que a minha corte é tão boa quanto a do meu pai.
Meia dúzia de criados passaram, transportando um carrinho carregado de tapeçarias. Um grupo virou numa direcção, os outros voltaram para outra, e as tapeçarias caíram no meio dos seis. Não sabiam
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para onde deviam levá-las, os aposentos ainda não haviam sido devidamente atribuídos. Ninguém conhecia as regras de precedência nesta nova corte, ainda não fora definido onde é que os grandes senhores seriam alojados. Os lordes tradicionais católicos, que haviam estado no poder durante o reinado da Rainha Maria, mantinham-se afastados da princesa emergente; os arrivistas protestantes ainda não haviam regressado do exílio no estrangeiro; os oficiais de diligências, funcionários essenciais para gerirem as enormes questões de viagens que a corte real implicava, ainda não haviam sido contratados por um lorde camarista experiente. Tudo era confuso e novo.
Robert Dudley andava em volta das tapeçarias caídas por terra, subiu para cima delas e dirigiu uma vénia sorridente a Isabel, levantando a sua boina escarlate com o seu talento habitual.
- Vossa Graça.
- Sir Robert. Sois o estribeiro-mor. Isso não significa que vos encarregareis igualmente de todas as cerimónias e celebrações?
- Claro - disse ele facilmente. - Trar-vos-ei uma lista de entretenimentos que vos poderão agradar.
Ela hesitou.
- Tendes ideias novas para entretenimentos?
Ele encolheu os ombros, lançando uma olhadela a Cecil, como se se interrogasse acerca do significado da pergunta.
- Tenho algumas ideias novas, Vossa Graça. Sois uma princesa recém-chegada ao trono, poderíeis estar interessada em celebrações novas. Mas a mascarada de Natal normalmente faz parte da tradição. Costumamos organizar um banquete de Natal, e, se estiver suficientemente frio, uma feira no gelo. Pensei que gostásseis de uma mascarada russa, com combates de ursos e cães numa arena e danças selvagens; e, claro, todos os embaixadores comparecerão para serem apresentados, por isso, precisaremos de jantares, de caçadas e de piqueniques para os receber.
Isabel ficou surpreendida.
- E sabeis como organizar tudo isso? Ele sorriu, ainda sem perceber.
- Bem, sei como dar as ordens.
Cecil foi invadido por uma súbita sensação de desconforto, muito rara nele, ao sentir-se deslocado, perante assuntos que não dominava. Sentiu-se pobre, provinciano. Sentiu-se o filho do seu pai, um criado na corte real, alguém que enriquecera à custa da venda de mosteiros, e um homem que angariara a sua fortuna casando com uma herdeira. O fosso entre ele e Robert Dudley, que sempre fora enorme, de repente, parecia gigantesco. O avô de
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Robert Dudley havia sido um dos grandes da corte de Henrique VII, o seu filho fora o homem mais importante da corte de Henrique VIII, um braço direito do rei, chegara mesmo a ser, durante nove dias violentos, sogro da Rainha da Inglaterra.
O jovem Robert Dudley entrara e saíra dos corredores dos palácios reais da Inglaterra como se se tratasse da sua casa, enquanto Isabel caíra em desgraça, sozinha no campo. Dos três, Dudley era quem estava mais habituado ao poder e à posição social. Cecil olhou para a jovem rainha e viu, espelhada no rosto dela, a sua própria incerteza e sensação de incapacidade.
- Robert, não sei como fazer isto - disse ela numa voz sumida.
- Nem sequer me lembro de como vou dos aposentos da rainha para o grande salão. Se não for alguém à minha frente, perco-me. Não sei como chegar aos jardins a partir da galeria dos retratos, ou dos estábulos aos meus aposentos, eu... sinto-me perdida aqui.
Cecil viu, não podia estar enganado, o súbito aflorar de algo no rosto do jovem - Esperança? Ambição? - à medida que Dudley se apercebia do motivo pelo qual a jovem rainha e o seu principal conselheiro se encontravam diante do seu primeiro palácio londrino, quase com ar de quem não se atrevia a entrar.
com doçura, ele ofereceu-lhe o braço.
- Vossa Majestade, permiti que vos dê as boas-vindas à minha antiga casa, ao vosso novo palácio. Estes caminhos e estas paredes ser-vos-ão tão familiares quanto Hatfield era, e sereis mais feliz aqui do que alguma vez fostes, garanto-vos. Todos se perdem no Palácio de Whitehall, é como uma cidade, não uma casa. Deixai-me ser o vosso guia.
,Foi um acto generoso e elegante, e o rosto de Isabel iluminou-se. Aceitou o braço dele e olhou para trás, para Cecil.
- Eu seguir-vos-ei, Vossa Graça - disse ele rapidamente, pensando que não suportava que Robert Dudley lhe mostrasse os seus próprios aposentos, como se fosse o dono.
"Sim" pensou Cecil. "Prossegui, adquiri as vossas vantagens. Apanhastes-nos num momento de fraqueza. Aqui estávamos nós, acabados de chegar, sem sabermos sequer onde ficavam os nossos quartos de dormir; e vós conheceis este palácio como as palmas das vossas mãos. É como se fôsseis mais real do que ela, como se fôsseis o príncipe de direito aqui, e agora, com bastante graciosidade, mostrais-lhe a vossa casa."
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Mas nem tudo era tão simples para Isabel como aprender a conhecer os corredores e escadas traseiras do labirinto que era o Palácio de Whitehall. Quando saíam à rua, havia muitas pessoas que tiravam o chapéu e soltavam gritos de entusiasmo pela princesa protestante, mas também havia muitos outros que não queriam outra mulher no trono, tendo visto o que a última havia feito. Muitos teriam preferido que Isabel anunciasse o seu noivado com um bom príncipe protestante e que colocasse de imediato a mão sensata de um homem a segurar as rédeas da Inglaterra. Havia muitos outros que comentavam que seguramente Lorde Henry Hastings, sobrinho do Rei Henrique, e casado com a irmã de Robert Dudley, teria tanto direito ao trono como Isabel, e era um homem jovem, honrado e com capacidade para governar. Havia ainda mais pessoas que sussurravam sub-repticiamente ou que não diziam nada; mas que desejavam a vinda de Maria, Rainha dos Escoceses e Princesa da França, que traria a paz ao Reino, uma aliança duradoura com a França, e que poria fim às mudanças religiosas. É claro que era mais nova do que Isabel, era uma rapariga de dezasseis anos; mas era uma beleza real, e estava casada com o herdeiro do trono francês, com todo o poder que tal implicava.
Isabel, recém-chegada ao trono, ainda não coroada nem consagrada, tinha de descobrir o seu caminho no palácio, tinha de colocar os amigos em cargos elevados e de fazê-lo rapidamente; tinha de agir como um herdeiro Tudor confiante, e de algum modo tinha de tratar da sua igreja, que se encontrava em oposição aberta e determinada contra si e que, se não fosse rapidamente controlada, a faria cair.
Teria de se encontrar um compromisso e o Conselho Privado, ainda repleto de conselheiros de Maria, mas atenuado pelos novos amigos de Isabel, encontrou-o. A Igreja seria restaurada ao estado em que Henrique VIII a deixara, no momento da sua morte. Uma Igreja inglesa, dirigida por ingleses e liderada pela monarca, que obedecia às leis inglesas e entregava o dízimo ao tesouro inglês, na qual a litania, as homilias e as orações eram frequentemente lidas em inglês, mas onde o formato e o conteúdo da missa eram bastante idênticos aos da missa católica.
Fazia sentido para todos os que estavam desesperados por ver Isabel assumir o trono sem o horror de uma guerra civil. Fazia sentido para todos os que desejavam uma transição pacífica do poder. Na verdade, fazia sentido para todos, excepto para a própria Igreja, cujo bispo não aprovaria um passo no sentido da heresia mortal do Protestantismo e, pior que tudo, não fazia sentido para a rainha que, de repente, neste momento inoportuno, se tornara teimosa.
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- Não vou admitir que a hóstia seja elevada na Capela Real
- especificou Isabel, pela vigésima vez. - Quando for dita a missa de Natal, não quero que a hóstia seja elevada em sinal de veneração.
- com certeza que não - concordou Cecil, sem paciência. Era a noite de Natal e ele esperara poder ter ido para casa, para passar o Natal. Pensara, com bastante carinho, que talvez pudesse lá ter estado para receber a comunhão do dia de Natal na sua própria capela, segundo os ritos protestantes, sem dramas, tal como Deus pretendera e, depois, ficar com a sua família durante os restantes dias do Natal, voltando à corte apenas para a grande festa da distribuição dos presentes, na noite do Dia de Reis.
Fora uma luta, só para encontrar um bispo que celebrasse a missa na Capela Real diante da princesa protestante, e agora Isabel estava a tentar reorganizar a missa.
- Ele vai permitir que a congregação comungue? - procurou ela confirmar. - Como é que se chama? Bispo Oglesham?
- Owen Oglethorpe - corrigiu-a Cecil. - Bispo de Carlisle. Sim, ele compreende os vossos sentimentos. Tudo será feito conforme desejais. Ele dirá a missa de Natal na vossa capela e não elevará a hóstia.
No dia seguinte, Cecil voltou a pousar a cabeça nas mãos, quando o bispo elevou desafiadoramente o cibório acima da cabeça, para que a congregação venerasse o corpo de Cristo, no momento mágico de transubstanciação.
Ouviu-se uma voz clara vinda do banco real.
- Bispo! Baixai o cibório.
Foi como se não a tivesse ouvido. Na verdade, uma vez que os seus olhos estavam fechados e os lábios se moviam em oração, talvez não a tivesse ouvido. O bispo acreditava com todo o seu coração que Deus estava a descer à Terra, que segurava a presença do Deus vivo entre as suas mãos, que o segurava no ar para que os fiéis o venerassem, como deviam fazer, enquanto fiéis cristãos.
- Bispo! Já disse, Bispo! Baixai esse cibório!
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A tampa de madeira trabalhada do banco real abriu-se com um som semelhante ao estampido de um trovão. O Bispo Oglethorpe voltou-se ligeiramente do altar e olhou por cima do ombro para fixar o olhar furioso da sua rainha, inclinando-se do banco real, como uma peixeira numa banca do mercado, com as bochechas vermelhas de fúria, os olhos negros como os de um gato furioso. Observou a postura dela - levantando-se da posição de ajoelhada, de pé, com o dedo a apontar para ele, a voz ordenando.
- Esta é a minha própria capela. Estais a dizer a missa como meu capelão. Eu sou a Rainha. Fareis como vos ordenar. Baixai o cibório.
Como se ela não tivesse qualquer importância, o bispo virou-se novamente para o altar, voltou a fechar os olhos e entregou-se ao seu Deus.
Sentiu, tanto quanto ouviu, o sibilar do vestido de Isabel enquanto ela passava pela porta do banco e o ruído quando bateu com ela, para a fechar, como uma criança amuada fugindo de uma divisão. Tinha comichão nos ombros, os braços ardiam-lhe; mas permaneceu resolutamente de costas voltadas para a congregação, celebrando a missa, não com eles, mas para eles: um processo privado entre o padre e o seu Deus, que os fiéis podiam observar, mas no qual não podiam participar. Pousou suavemente o cibório no altar e juntou as mãos num gesto de oração, premindo-as em segredo contra o seu coração acelerado, enquanto a rainha saía intempestivamente da sua própria capela, no Dia de Natal; afastada da casa de Deus no dia do próprio Senhor, pelas suas ideias confusas e heréticas.
Dois dias mais tarde, Cecil, que ainda não fora a casa pelo Natal, perante um ataque de mau humor real, por um lado, e um bispo obstinado, por outro, foi forçado a emitir uma proclamação real dizendo que a litania, a Oração do Senhor, as lições e os dez mandamentos deveriam ser lidos em inglês, em todas as igrejas do país, e que a hóstia não deveria ser elevada. Esta era a nova lei do país. Isabel declarara guerra à sua Igreja antes sequer de ser coroada.
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- Então, quem vai coroá-la? - perguntou-lhe Dudley. Era o dia antes do Dia de Reis. Nem Cecil, nem Dudley haviam ainda conseguido ir a casa estar com as respectivas mulheres, nem por uma única noite, durante a época de Natal.
- Será que não tem actividades suficientes para planear para a festa do Dia de Reis, para ainda ter de inventar a política religiosa?
- interrogava-se Cecil irritado, enquanto descia do cavalo, no pátio dos estábulos, e atirava as rédeas a um criado que aguardava. Viu os olhos de Dudley percorrerem o animal e sentiu um segundo ataque de irritação, por saber que o homem mais jovem iria perceber que tinha os quartos traseiros muito baixos.
- Agradeço a vossa preocupação, mas porque desejais saber, Sir Robert? - A polidez do tom de Cecil quase derreteu o gelo da sua resposta.
O sorriso de Dudley foi apaziguador.
- Porque ela vai ficar preocupada, e é uma mulher que é capaz de adoecer de preocupação. Vai pedir-me conselhos, e eu quero poder confortá-la. Deveis ter um plano, senhor, tendes sempre. Só estou a perguntar-vos qual é. Podeis dizer-me para me preocupar com os meus cavalos e deixar a política convosco, se quiserdes. Mas se pretendeis que a mente dela fique em paz, deveis dizer-me que resposta devo dar-lhe. Sabeis que me vai consultar.
Cecil suspirou.
- Ninguém se ofereceu para a coroar - disse ele pesadamente.
- E entre vós e eu, ninguém vai coroá-la. Todos se opõem, juro que estão em conluio. Não consigo detectar uma conspiração, mas todos sabem que, se não a coroarem, ela não será rainha. Pensam que podem forçá-la a restaurar a missa. É uma posição desesperada. A Rainha da Inglaterra, e nem um único bispo a reconhece! Winchester encontra-se em prisão domiciliária, pelo sermão no funeral da malograda rainha, Oglethorpe, precisamente na mesma situação, pelo seu desafio ridículo no Dia de Natal. Diz que prefere ir para a fogueira a ceder à vontade dela. Ela não permitiu que o Bispo Bonner sequer tocasse na mão dela, quando chegou a Londres, portanto, ele também é seu inimigo declarado. O Arcebispo de York disse-lhe na cara que a considera uma herege amaldiçoada. Mantém o Bispo de Chichester em prisão domiciliária, apesar de ele se encontrar extremamente doente. Todos estão unanimemente contra ela, não existe sombra de dúvida entre eles. Nem sequer uma minúscula fissura onde se possa semear a divisão.
- Talvez uma série de subornos? Cecil abanou a cabeça.
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- Tornaram-se pessoas extraordinariamente cheias de princípios - disse ele. - Não permitirão que o Protestantismo seja restaurado na Inglaterra. Não aceitam uma rainha protestante.
O rosto de Dudley ensombrou-se.
- Sir, se não tomarmos medidas, eles organizarão uma rebelião contra a Rainha a partir do interior da própria Igreja. É um passo muito pequeno, entre apelidá-la de herege e a traição aberta, e uma rebelião dos Príncipes da Igreja não seria praticamente uma rebelião. São os bispos-príncipes, podem fazer com que ela pareça uma usurpadora. Existem candidatos católicos suficientes ao trono para assumirem o lugar dela. Se lhe declararem guerra, ela está acabada.
- Sim, eu sei-o - disse Cecil, controlando a sua irritação com alguma dificuldade. - Tenho noção do perigo que ela corre. Nunca foi pior. Ninguém tem memória de alguma vez um monarca ter estado numa posição tão insegura. O Rei Henrique nunca teve mais do que um bispo declaradamente contra ele, a malograda Rainha, nos seus piores momentos, tinha dois; mas a Princesa Isabel tem-nos todos como seus inimigos abertos e declarados. Sei que a situação não podia ser pior, e que a princesa está segura por um fio de cabelo. O que eu não sei é como fazer com que uma Igreja Católica Romana absolutamente sólida coroe a princesa protestante.
- Rainha - corrigiu Dudley.
- O quê?
- A Rainha Isabel, dissestes "princesa".
- Ela está no trono, mas ainda não foi consagrada - disse Cecil tristemente. - Rezo para que chegue o dia em que possa dizer "rainha" e saber que não se trata nada mais, nada menos do que da verdade. Mas como posso fazer com que seja consagrada, se ninguém aceita fazê-lo?
- Ela também não pode mandá-los decapitar a todos - afirmou Dudley com uma boa disposição irrazoável.
- Exactamente.
- E se eles pensassem que ela podia converter-se?
- Dificilmente acreditarão nisso, depois de ela ter saído de modo intempestivo da sua própria capela, no Dia de Natal.
- Se pensassem que ela casaria com Filipe da Espanha, coroá-la-iam - sugeriu astutamente Dudley. - Confiariam nele para forjar um compromisso. Viram como ele lidou com a Rainha Maria. Confiariam em Isabel, se ela estivesse sob o seu controlo.
Cecil hesitou.
- De facto, tal poderia acontecer.
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- Podíeis dizer a três homens, na maior confidencialidade, que ela está a considerar a hipótese de casar com ele - aconselhou Dudley. - É a melhor forma para vos certificardes de que todos ficam a saber. Sugeri que ele virá para o casamento e criará um novo acordo para a Igreja na Inglaterra. Ele já gostou dela, e sabe Deus que ela o incentivava bastante. Todos pensavam que eles casariam, assim que a irmã falecesse. Podeis dizer que estão praticamente prometidos. Ela assistiu à missa quase todos os dias nos últimos cinco anos, todos o sabem muito bem. Ela é amável quando tem de sê-lo. Recordai-lhes desse aspecto.
- Pretendeis que recorra a escândalos antigos da princesa como uma máscara para a política? - perguntou Cecil sarcasticamente. - Que a exponha à vergonha, como uma mulher que dormiu com o próprio cunhado, enquanto a irmã se encontrava no seu leito de morte?
- Isabel? Vergonha? - Dudley riu-se na cara de Cecil. - Ela não se deixa perturbar pela vergonha desde criança. Nessa altura, aprendeu que se pode controlar a própria vergonha, se se mantiver o sangue-frio e não se admitir nada. E também não se deixa perturbar pelo desejo sexual. Os "escândalos" dela, como lhe chamais - à excepção daquele com Thomas Seymour, que escapou ao controlo - nunca foram acidentais. Desde que a sua ruptura com Seymour o levou ao cadafalso, aprendeu a lição. Agora divide os seus interesses, não são eles que a dominam. Ela não é tonta, vós sabeis. Sobreviveu até aqui. Temos de aprender com ela, aprender a utilizar tudo o que temos: tal como ela sempre fez. O casamento dela é a nossa maior arma. É evidente que temos de usá-la. Que pensais que fazia durante todo o tempo que namoriscava com Filipe da Espanha? Não era o desejo que a movia, sabe Deus. Estava a jogar o seu único trunfo.
Cecil ia começar a discutir, mas depois deteve-se. Algo nos olhos duros de Dudley lhe lembrou os olhos de Isabel, quando em tempos ele a avisara para que não se apaixonasse por Filipe da Espanha. Então, ela dirigira-lhe o mesmo olhar brilhante e cínico. Os dois podiam ser jovens, com apenas vinte e poucos anos, mas haviam estudado numa escola dura. Nenhum dos dois tinha tempo para sentimentos.
- Carlisle poderia fazê-lo - disse Cecil pensativamente. - Se achasse que ela considerava seriamente a hipótese de Filipe ser seu marido, e se eu pudesse assegurar-lhe que, ao fazê-lo, a salvava da heresia.
Dudley pousou-lhe uma das mãos no ombro.
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- Alguém tem de fazê-lo ou ela não será rainha - assinalou. Temos de fazer com que seja coroada por um bispo, na Abadia de Westminster, ou tudo isto não passará de uma mascarada e de fantasias. Jane Grey era tanto rainha quanto ela, o reinado dela durou nove dias e agora está morta.
Cecil encolheu involuntariamente os ombros, e afastou-se da mão de Dudley.
- Muito bem - disse Dudley, compreendendo a timidez do homem mais velho.
- Eu sei! Jane morreu devido à ambição do meu pai. Sei que vos afastastes desse assunto, na época. Fostes mais inteligente do que a maioria. Mas não sou nenhum conspirador, Sir William. Farei o meu trabalho e sei que vós podeis fazer o vosso, sem os meus conselhos!
- Estou certo de que sois um amigo leal dela, e o melhor Estribeiro-Mor que ela podia ter nomeado! - acrescentou Cecil, com um sorriso forçado.
- Agradeço-vos - respondeu Dudley com cortesia. - E assim forçais-me a dizer-vos que o vosso animal tem um dorso muito curto. Da próxima vez que compreis um cavalo para montar, vinde ter comigo.
Cecil riu-se do jovem incorrigível, ele não conseguia controlar-se.
- Sois um descarado, como ela! - disse.
- É uma consequência da nossa grandeza - disse Dudley docilmente. - A modéstia é a primeira a desaparecer.
Amy Dudley estava sentada junto da janela do seu quarto, em Stanfield Hall, em Norfolk. Aos seus pés estavam três pacotes envoltos em fita, que continham etiquetas com a seguinte inscrição: "Para o meu querido marido, da sua esposa amantíssima". As etiquetas estavam preenchidas por letras maiúsculas grossas e irregulares, como as de uma criança. Amy demorara bastante tempo e esforçara-se muito para copiar as palavras da folha de papel que Lady Robsart escrevera para ela, mas pensara que Robert ficaria satisfeito por ver que ela estava finalmente a aprender a caligrafia.
Comprara-lhe uma bela sela espanhola, brasonada com as suas iniciais na aba, e adornada com pregos de ouro. O seu segundo presente era um conjunto de três camisas de linho, confeccionadas pela
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própria Amy, bordadas a branco nos punhos e na tira da frente, sobre o linho branco. O terceiro presente dela para ele era um conjunto de luvas de falcoaria, feitas da pele mais macia e suave, tão fresca e flexível como a seda, com as suas iniciais bordadas a fio de ouro, por Amy, que utilizou uma sovela para perfurar a pele.
Nunca cosera pele antes e mesmo com uma luva de sapateiro para proteger a mão, picara toda a palma com pequenas pintas dolorosas e vermelhas de sangue.
- Podíeis ter bordado as luvas dele com o vosso próprio sangue! - riu-se a madrasta para ela.
Amy não disse nada, mas esperou por Robert, convencida de que tinha belos presentes para lhe oferecer, e de que ele veria o trabalho implicado em cada ponto, em cada letra. Esperou e esperou durante os doze dias das celebrações do Natal; e quando finalmente se sentou à janela, e olhou para sul, para a estrada cinzenta em direcção a Londres, na noite do Dia de Reis, admitiu, por fim, que ele não viria, que não lhe mandara quaisquer presentes, que nem sequer lhe enviara uma mensagem para lhe dizer que não viria.
Sentiu-se envergonhada pelo desprezo dele; demasiado envergonhada sequer para descer ao salão onde o resto da família estava reunido: Lady Robsart, feliz com os seus quatro filhos e respectivos maridos e mulheres, as suas crianças pequenas, gritando de riso com os pantomimeiros e dançando ao som da música. Amy não conseguia encarar o contentamento secreto deles, pela profundidade e totalidade da sua queda, de um casamento brilhante com uma das mais importantes famílias da Inglaterra, para se tornar a mulher desprezada de um ex-criminoso.
Amy estava demasiado triste para se sentir revoltada com Robert por lhe ter prometido vir e depois faltar ao prometido. O pior de tudo era que, no fundo do coração, sentia que não representava nenhuma surpresa ele não ter vindo ter com ela. Robert Dudley já era considerado o homem mais belo da corte, o servidor mais glamoroso da Rainha, o seu amigo mais prestável. Porque deixaria ele uma tal corte, onde todos estavam sintonizados para a alegria, radiantes com a sua própria boa sorte, onde ele era Master of the Revels (2) e lorde de todas as cerimónias, para vir para Norfolk, no
(2) Master of the Revels era um oficial da corte que, a partir da época Tudor e até ao Licensing Act de 1737, supervisionava a produção e o financiamento dos, por vezes, elaborados entretenimentos da corte. Mais tarde, tornou-se a entidade que concedia as licenças a teatros e a companhias de teatro e o censor das peças representadas em público. (N. da T.)
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meio do Inverno, para estar com Amy e a madrasta, numa casa onde nunca fora bem-vindo, que ele sempre menosprezara?
com esta pergunta por responder, Amy passou o Dia de Reis com os presentes dele junto dos seus pés frios, e os olhos fixos na estrada vazia, questionando-se se alguma vez voltaria a ver o marido.
Todos concordavam que fora a festa de Natal de Dudley, tanto quanto a de Isabel. Fora o regresso triunfante de Dudley à corte, tanto quanto o de Isabel. Dudley estivera no centro de cada festividade, planeando todos os entretenimentos, o primeiro em cima do cavalo para as caçadas, o primeiro no salão de dança. Era um príncipe que regressava ao seu meio, no palácio em que o seu pai governara.
- O meu pai costumava ordenar que... - diria ele negligentemente, escolhendo um estilo ou outro, e todos se recordavam de que todas as festas de Natal mais recentes e mais bem sucedidas haviam sido organizadas pelo Lorde Protector Dudley, e que o irmão de Isabel, o jovem Rei Eduardo, fora um espectador passivo, nunca o comandante.
Isabel estava feliz por permitir que Dudley organizasse as celebrações da forma que achasse melhor. Como todos, ela ficava deslumbrada com a sua confiança e a sua felicidade descontraída na sua recuperação. Ver Dudley no centro das atenções, numa sala resplandecente, enquanto uma mascarada apresentava a sua coreografia e o coro cantava as suas letras, era ver um homem totalmente inserido no seu elemento, no seu momento de glória, no seu orgulho. Graças a ele, a corte brilhava, como se as decorações fossem de ouro e não de ouropel. Devido aos seus esforços, os maiores artistas da Europa afluíam à corte inglesa, pagos com notas promissórias ou entretidos com pequenos presentes. Devido a ele, a corte passava de um entretenimento a outro, até a corte de Isabel se ter tornado um sinónimo de elegância, estilo, divertimento e namoricos. Robert Dudley sabia, melhor do que qualquer homem na Inglaterra, como dar uma festa que durasse uma quinzena longa e gloriosa, e Isabel sabia, melhor do que qualquer mulher na Inglaterra, como saborear subitamente a liberdade e o prazer. Ele era o seu par na dança, o seu líder no campo de caça, o seu conspirador nas brincadeiras tontas que ela adorava fazer, e o seu igual, quando ela
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queria falar de política, teologia ou poesia. Ele era o seu aliado de confiança, o seu conselheiro, o seu melhor amigo e companheiro. Era o seu favorito: ele era deslumbrante.
Como Estribeiro-Mor, Robert assumiu a responsabilidade pelo cortejo e entretenimentos da coroação e, pouco tempo depois da grande celebração final do Dia de Reis, concentrou a sua atenção no planeamento daquele que deveria ser o dia mais importante do reinado dela.
Trabalhando sozinho no bonito apartamento do Palácio de Whitehall que, generosamente, atribuíra a si mesmo, tinha, diante de si, um rolo de papel manuscrito que caía de uma mesa suficientemente grande para acomodar doze homens. De cima a baixo, o papel estava coberto de nomes: nomes de homens e os respectivos títulos, nomes dos seus cavalos, nomes dos criados que os acompanhariam, detalhes das suas roupas, da cor da libré, das armas que trariam, dos galhardetes especiais que os seus porta-estandartes transportariam.
De cada um dos lados da lista do cortejo corriam duas listas adicionais daqueles que seriam os espectadores: as guildas, as companhias, os empregados dos hospitais, os mayors e conselheiros das províncias, as organizações que tinham de ter lugares especiais. Os embaixadores, enviados, emissários e visitantes estrangeiros assistiriam à passagem do cortejo, e tinham de desfrutar de uma boa vista para que os relatórios que enviavam para os seus países de origem fossem entusiasticamente a favor da nova Rainha da Inglaterra.
Um funcionário afadigava-se numa das extremidades da mesa, riscando e emendando inscrições das listas que tinha na mão, segundo a velocidade fulminante a que Robert ditava. De vez em quando, levantava o olhar e dizia: "Púrpura, senhor", ou "Quase açafrão", e Robert lançava uma imprecação terrível: "Então, colocai-o de volta ali, as cores não podem destoar".
Numa segunda mesa, tão comprida como a primeira, encontrava-se um mapa das ruas de Londres, desde a Torre ao Palácio de Westminster, desenhado como uma serpente ao longo de um rolo de pergaminho. O palácio estava assinalado com a hora a que o cortejo deveria chegar, e o tempo que seria necessário para ir, a pé, de um sítio ao outro, estava marcado ao longo do percurso. Um funcionário pintara no mapa, com a beleza de um manuscrito iluminado, os vários pontos de paragem e as representações que seriam encenadas em cada um dos cinco pontos principais. Seriam obra e responsabilidade da Cidade de Londres, mas seriam concebidas por
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Robert Dudley. Ele não ia correr o risco de alguma coisa correr mal no cortejo da coroação da Rainha.
- Esta, senhor - disse um funcionário hesitantemente. Robert inclinou-se para a frente.
- Gracechurch Street - leu ele. - Representação sumptuosa da união das duas casas de Lancaster e York. O que tem?
- Foi o pintor, senhor. Perguntou se devia pintar igualmente a família Bolena?
- A mãe da Rainha?
O funcionário não pestanejou. Pronunciou o nome da mulher que fora decapitada por traição, bruxaria e adultério incestuoso contra o rei, e cujo nome fora banido desde então.
- Lady Ana Bolena, senhor.
Robert empurrou para trás a sua boina de veludo bordada com jóias e coçou o seu cabelo escuro e espesso, parecendo, na sua ansiedade, muito mais novo do que os seus vinte e cinco anos.
- Sim - respondeu por fim. - Ela é a mãe da Rainha. Não pode ser um espaço em branco. Não podemos ignorá-la. Tem de ser a honorável Lady Ana Bolena, Rainha da Inglaterra e mãe da Rainha.
O funcionário ergueu as sobrancelhas como que para indicar que era uma decisão de Robert Dudley e que seria exclusivamente da sua responsabilidade e não da de mais ninguém; mas que ele, pessoalmente, preferia uma vida mais tranquila. Robert soltou uma gargalhada ruidosa e deu-lhe uma palmada amigável no ombro.
- A Princesa Isabel provém de uma raça inglesa de categoria, Deus a abençoe - disse. - E foi um casamento melhor para o rei do que outros que fez, sabe Deus. Uma donzela Howard, bela e honesta.
O funcionário continuava a parecer pouco à vontade. A outra rapariga Howard honesta, também foi executada por traição - assinalou.
- Boa raça inglesa - insistiu Robert sem pestanejar. - E Deus Salve a Rainha.
- Amém! - respondeu inteligentemente o funcionário, benzendo-se.
Robert reparou no gesto habitual e hesitou antes de o imitar.
- Agora - disse. - Todos os outros espectáculos estão definidos?
- Excepto o da Little Conduit, Cheapside.
- Qual é o problema?
- Apresenta uma Bíblia. A questão é: deveria estar em inglês ou em latim?
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Era uma questão que acertava em cheio no cerne do debate que actualmente assolava a Igreja. O pai de Isabel autorizara a Bíblia em inglês e, depois, mudara de ideias e voltara a decidir que fosse em latim. O seu filho, Eduardo, colocara uma Bíblia em inglês nas igrejas de todas as paróquias, a Rainha Maria banira-a; cabia ao padre lê-la e explicá-la; o povo inglês devia ouvir, e não estudá-la por si mesmo. O que Isabel pretendia fazer, ninguém sabia. O que iria ser capaz de fazer, com a Igreja em peso contra si, ninguém podia adivinhar.
Robert retirou o boné da cabeça e atirou-o para o outro lado da divisão.
- Por amor de Deus! - gritou. - Trata-se de uma política de Estado. Estou a tentar planear um cortejo e continuais a fazer-me perguntas sobre política! Não sei o que ela vai decidir. O Conselho Privado aconselhá-la-á, assim como os bispos. O Parlamento aconselhá-la-á, discutirão durante meses e depois criarão uma lei. Deus permita que as pessoas obedeçam e não se revoltem contra ela. Não me cabe a mim decidi-lo aqui e agora!
Fez-se um silêncio desconfortável.
- E entretanto? - perguntou o funcionário hesitante. - A capa da Bíblia para o cortejo? Deverá ser em inglês ou em latim? Poderíamos colocar uma cópia em latim no interior de uma capa em inglês, se ela preferir. Ou uma cópia em inglês. Ou uma das duas.
- Na capa, escrevei BÍBLIA, em inglês - decidiu Robert. - Assim, todos sabem do que se trata. Escrevei em letras grandes, para que fique claro que faz parte do espectáculo: um adereço, não a autêntica. É um símbolo.
O funcionário fez uma anotação. O soldado que se encontrava junto à porta, dirigiu-se delicadamente para o canto, pegou na dispendiosa boina e entregou-a ao seu chefe. Robert pegou nela sem agradecer. Outros a haviam apanhado para ele desde que tinha dois anos.
- Quando terminarmos isto, verei o outro cortejo - disse num tom irritado. - De Whitehall à Abadia de Westminster. E quero uma lista dos cavalos e certificai-vos de que as mulas estão sãs. - Estalou os dedos para que outro criado se aproximasse.
- E quero algumas pessoas - disse subitamente.
O segundo criado estava pronto com uma tabuleta para escrever, uma pena e um pequeno tinteiro.
- Pessoas, senhor?
- Uma menina pequena com um ramalhete de flores, uma senhora idosa, uma espécie de camponesa, das Midlands, ou de
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qualquer parte. Escrevei um bilhete e enviai Gerarei, para me arranjar meia dúzia de pessoas. Não vos esqueçais: uma idosa, de aspecto frágil, mas suficientemente forte para se aguentar de pé, e com uma voz forte, suficientemente forte para se fazer ouvir. Uma rapariguinha bonita com seis ou sete anos, tem de ter idade para gritar e levar um ramalhete de flores à Rainha. Um aprendiz inteligente para espalhar pétalas de rosa sob as patas do cavalo dela. Um camponês idoso, de qualquer parte do país, para gritar bem alto: "Deus Salve Vossa Graça". Também quero algumas mulheres de mercadores, bonitas, e um soldado desempregado, não, antes, um soldado ferido. Quero dois soldados feridos. E dois marinheiros de Plymouth ou Portsmouth ou Bristol, de um desses sítios. De Londres, não. E devem dizer que esta é uma rainha que levará a fortuna do país para além-mar, que existe uma grande riqueza a ser tomada, para um país que seja suficientemente forte para a tomar, que este país pode ser grande no mundo, e esta rainha arriscar-se-á para o conseguir. O funcionário escrevinhava furiosamente.
- E quero dois homens idosos, espalhados por aí - continuava Robert, entusiasmando-se com o plano. - Um para gritar de alegria, deve estar perto da frente, para todos o verem, e o outro deve gritar lá do fundo, que ela é filha de seu pai, uma herdeira autêntica. Que estejam todos separados: aqui - Robert marcou no mapa -, aqui e aqui. Não me interessa por que ordem. Deve ser-lhes dito que gritem afirmações diferentes. Não podem dizer a ninguém que foram contratados. Devem dizer a toda a gente que lhe pergunte, que vieram para ver a Rainha, por amor a ela. Principalmente os soldados, têm de dizer que ela trará paz e prosperidade, E dizei às mulheres que se comportem com dignidade. Não quero alcoviteiras. Seria melhor que as crianças viessem com as mães, e deve ser-lhes dito que se certifiquem de que elas se comportam. Quero que as pessoas vejam que a Rainha é adorada por todo o tipo de pessoas. Devem chamar por ela. Bênçãos, esse tipo de coisas.
- E se ela não os ouvir, senhor? - perguntou o escrivão. - com o burburinho da multidão?
- Dir-lhe-ei onde deve parar - respondeu firmemente Robert.
- Ela ouvi-los-á, porque eu vou dizer-lhe que o faça.
A porta abriu-se atrás dele e o funcionário deu imediatamente um passo atrás e fez uma vénia. William Cecil entrou na sala e varreu com os olhos as duas mesas cobertas com os planos e as folhas de papel que estavam nas mãos do funcionário.
- Pareceis estar a esforçar-vos bastante, Sir Robert - observou brandamente.
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- Eu gostaria. Os cortejos dela foram-me confiados. Espero que ninguém considere que não estou à altura.
O homem mais velho hesitou.
- Só queria dizer que pareceis estar a preocupar-vos com demasiados detalhes. Segundo me recordo, a Rainha Maria não precisou de grandes listas nem planos. Penso que se limitou a dirigir-se à Abadia, com a corte a segui-la.
- Tinham carruagens e cavalos - observou Robert. - E uma ordem de cortejo. O Estribeiro-Mor de Lady Maria fez uma lista. Por acaso, tenho as notas dele. A grande habilidade nestes eventos é fazer com que pareçam ter simplesmente acontecido.
- Arcos triunfais e representações? - perguntou William Cecil, lendo as palavras ao contrário no plano.
- Demonstrações espontâneas de lealdade - disse Robert firmemente. - Os Edis insistiram nisso.
Colocou-se entre Cecil e a mesa, tapando-lhe a vista.
- Senhor Secretário, trata-se de uma mulher muito jovem cujo direito ao trono tem sido contestado praticamente desde o dia em que nasceu. A última jovem cujo direito ao trono da Inglaterra foi contestado viu uma coroa ser-lhe colocada na cabeça em segredo e perdeu-a ao tentar escondê-la. Penso ser importante que esta mulher jovem seja vista como a herdeira verdadeira, que seja vista como a alegria do povo, e que seja vista a receber a coroa tão pública e gloriosamente quanto possível.
- Lady Jane não era a herdeira de direito - relembrou Cecil ao cunhado de Lady Jane, não se refreando nas palavras. - E a coroa foi-lhe colocada na cabeça por um traidor, que também foi decapitado por traição. Na verdade, era o vosso pai.
O olhar de Dudley não vacilou.
- Ele pagou o preço por essa traição - respondeu simplesmente. - E eu paguei pela minha participação. Paguei tudo. Não existe um único homem na corte dela que não tenha tido de desapertar o colarinho e de voltar o casaco, uma ou duas vezes, nos últimos anos. Imagino que, mesmo vós, senhor, apesar de não terdes caído em desgraça.
Cecil, cujas mãos estavam mais limpas do que as da maioria, ignorou-o.
- Talvez. Mas há algo que devo dizer-vos.
Dudley esperou. Cecil inclinou-se na direcção dele e manteve a voz baixa.
- Não há dinheiro para isto - disse com um tom pesado. O tesouro está completamente vazio. A Rainha Maria e o seu marido
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espanhol exauriram completamente a Inglaterra. Não podemos pagar representações e fontes a jorrarem vinho, e tecido de ouro para enfeitar os arcos. Não existe ouro no Tesouro, a baixela de prata quase não chega para um banquete.
- Está assim tão mal?
Cecil assentiu com a cabeça.
- Pior.
- Então teremos de pedir um empréstimo - declarou Robert imponentemente. - Porque quero que ela seja coroada com pompa. Não é por vaidade minha, que sei não ser pequena, nem por vaidade dela, e descobrireis que ela também não é nenhuma mosca-morta; mas porque esta cerimónia lhe confere uma posição mais firme no trono do que se tivesse um exército de plantão. Vereis. Ela irá cativá-los. Mas tem de sair da Torre montada num enorme cavalo branco, com o cabelo solto, pelos ombros, e tem de ter o aspecto de uma rainha.
Cecil teria discutido, mas Robert continuou.
- Tem de haver pessoas a gritar por ela, tem de haver representações a declará-la como a única herdeira autêntica: imagens para pessoas que não consigam ler as vossas proclamações, que não conheçam a lei. Ela tem de estar rodeada por uma corte bonita e uma multidão animadora e próspera. É assim que faremos dela uma rainha de facto: agora, e para o resto da vida dela.
Cecil ficou espantado com a vivacidade da visão do jovem.
- Acreditais realmente que lhe vai trazer mais segurança?
- Ela pode trazer mais segurança a si mesma - disse Robert seriamente. - Dai-lhe um palco e ela será a única visão que alguém poderá ter. Esta coroação concede-lhe uma plataforma que a colocará de corpo inteiro acima de qualquer outra pessoa na Inglaterra, dos seus primos, herdeiros rivais, qualquer pessoa. Isto conquista-lhe os corações e as almas dos homens. Tendes de conseguir o dinheiro para que possa construir-lhe o palco, e ela fará o resto. Ela representará o papel da rainha.
Cecil voltou-se para a janela e olhou lá para fora, para os jardins invernosos do Palácio de Whítehall. Robert aproximou-se, sondando o perfil do homem mais velho. Cecil acercava-se dos quarenta, um homem de família, fora um protestante tranquilo durante os anos católicos de Maria Tudor, um homem que sentia afecto pela sua mulher e que gostava de tratar da terra. Servira o jovem rei protestante, recusara fazer parte da conspiração de Jane Grey, e depois fora, firme e discretamente, leal à Princesa Isabel, aceitando o cargo inferior de fiscal, para poder manter as pequenas propriedades dela
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em bom estado e ter uma desculpa para a ver com frequência. Foram os conselhos de Cecil que a mantiveram longe de problemas durante os anos das conspirações e das insurreições contra a sua irmã Maria. Seriam os conselhos de Cecil que a manteriam firme no seu novo trono. Robert Dudley podia não gostar dele, na verdade, ele nunca gostaria de nenhum rival; mas sabia que este homem tomaria as decisões pela jovem rainha.
- E então? - disse por fim.
Cecil acenou com a cabeça.
- Angariaremos dinheiro nalgum lado - respondeu. - Teremos de pedir um empréstimo. Mas, por amor de Deus, pelo bem dela, mantende o orçamento mais baixo possível.
Robert Dudley abanou a cabeça num sinal de rejeição instintiva.
- Isto não pode ser barato! - declarou.
- Não pode parecer barato - corrigiu-o Cecil. - Mas pode ser acessível. Conheceis a fortuna dela?
Ele sabia que Robert desconhecia o assunto. Ninguém tivera conhecimento, até o escrivão do Conselho Privado, Armagil Waad, ter surgido, vindo do tesouro real, que vira a última vez repleto de ouro, com um dos inventários mais rudimentares nas mãos que tremiam, e sussurrado aterrado: "Nada. Não sobrou nada. A Rainha Maria gastou todo o ouro do Rei Henrique".
Robert abanou a cabeça.
- Ela tem uma dívida de sessenta mil libras - disse Cecil calmamente. - Sessenta mil libras de dívida, nada para vender, nada a oferecer para cobrir o empréstimo, e nenhuma forma de aumentar os impostos. Conseguiremos o dinheiro para a coroação dela, mas servi-la-emos melhor se mantivermos tudo num orçamento reduzido.
O cortejo triunfal de Isabel, que saiu da Torre de Londres para o Palácio de Westminster, correu tal como Dudley planeara. Ela deteve-se e sorriu diante do quadro alegórico que representava a sua mãe, Lady Ana, aceitou a Bíblia que lhe foi oferecida por uma menina, beijou-a e encostou-a ao peito. Abrandou o andamento nos pontos que ele marcara.
Do meio da multidão, surgiu uma criança pequena com um ramo de flores. Isabel inclinou-se na sela e aceitou-o, beijou as flores e sorriu ao ouvir as saudações. Mais à frente, ouviu, por acaso,
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os dois soldados feridos chamar o seu nome, e fez uma pausa para lhes agradecer pelos seus votos e as pessoas que se encontravam perto ouviram-nos prever que a paz e a prosperidade chegariam à Inglaterra, agora que a filha de Henrique ocupava o trono. Um pouco mais adiante, uma senhora idosa gritou uma bênção em nome dela e Isabel, por milagre, conseguiu distinguir a voz fina da idosa sobre as saudações da multidão, e deteve o cavalo para ouvir os cumprimentos.
Ficaram mais agradados com ela por responder aos marinheiros, aos aprendizes, ao camponês idoso, das Midlands, do que por toda a glória dos seus arreios e a marcha do seu cavalo. Quando ela parou junto da mulher grávida do mercador e lhe pediu para chamar Henrique ao bebé, se fosse um rapaz, a multidão clamou vivas até ela fingir ter ficado ensurdecida pelos aplausos. Enviou um beijo aos soldados feridos, reparou que um idoso voltou o rosto para esconder as lágrimas e gritou que sabia serem lágrimas de alegria.
Nunca perguntou a Robert, nem nesse momento, nem mais tarde, se aquelas pessoas haviam sido pagas para gritar o seu nome ou se o haviam feito por amor. Apesar de ter passado toda a sua vida nos bastidores, o lugar de Isabel era no centro do palco. Era-lhe praticamente indiferente se as restantes pessoas eram actores ou espectadores. Tudo o que desejava era a aclamação deles.
E era suficientemente Tudor para encenar uma boa representação. Tinha talento para sorrir perante uma multidão, como se todos, e cada um, merecesse a sua atenção, e os indivíduos que lhe gritavam - posicionados em todos os cantos da estrada de forma a poderem ter uma experiência especial dela - constituíam uma sucessão de pontos de paragem, aparentemente naturais, para o cortejo de Isabel, para que todos pudessem vê-la, e para que todos pudessem ter a sua própria recordação privada do sorriso radiante da princesa, no seu dia mais glorioso.
No dia seguinte, domingo, era o dia da sua coroação, e Dudley decidira que ela se dirigiria à Abadia, transportada a uma altura elevada, numa liteira puxada por quatro mulas, para que aparecesse diante da multidão como se flutuasse à altura dos seus ombros. De cada um dos lados da liteira, marchavam os seus fidalgos assalariados, vestidos de damasco carmesim, à sua frente seguiam os corne-
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teiros, vestidos de escarlate, atrás dela vinha o próprio Dudley, o primeiro homem do cortejo, conduzindo o seu palafrém branco, e a multidão que a saudava, suspirava ao vê-lo: a riqueza das jóias no seu chapéu, o seu rosto moreno, saturnino e belo, e o cavalo de alta linhagem, de pernas altas, que curveteava com tanta beleza, com a mão dele firme nas rédeas.
Ele sorria, voltava a cabeça para um lado e para o outro, os seus olhos, com umas pestanas enormes, percorriam a multidão, permanentemente em alerta. Este era um homem que cavalgara diante de uma multidão que gritava vivas e soubera que o adoravam; e que posteriormente marchara em direcção à Torre entre uma tempestade de vaias, com a consciência de ser o segundo homem mais odiado da Inglaterra e filho do mais odiado. Sabia que a multidão podia ser cortejada tão docemente como uma rapariga disponível, e no entanto, a seguir, tornar-se tão vingativa como uma mulher negligenciada.
Hoje, adoravam-no; era o favorito de Isabel, era o homem mais belo da Inglaterra. Fora o seu querido galante quando criança, fora enviado para a Torre como traidor e saíra novamente como um herói. Era um sobrevivente como ela, um sobrevivente como eles.
Foi um cortejo perfeito e uma missa perfeita. Isabel recebeu a coroa na cabeça, o óleo na testa e o orbe e o ceptro da Inglaterra na mão. O Bispo de Carlisle celebrou a missa, com a convicção agradável de que alguns meses mais tarde estaria a celebrar o casamento dela com o mais devoto rei católico de toda a cristandade. E após a missa da coroação, o próprio capelão da Rainha celebrou a missa, sem elevar a hóstia.
Isabel saiu da sombria abadia para a luz resplandecente e ouviu o ruído da multidão saudá-la. Caminhou entre as pessoas, para que todos pudessem vê-la - aquela era uma rainha que favoreceria qualquer pessoa, o amor do povo por ela era um bálsamo por todos os anos de negligência.
No jantar da coroação, a sua voz perdeu-se na garganta que se inflamava, o rosado das suas bochechas devia-se a uma febre que estava a subir, mas nada a teria feito partir mais cedo. O favorito da Rainha entrou no salão e desafiou todos os convidados, a nova rainha sorriu-lhe, sorriu para Robert Dudley, o ex-traidor mais leal de
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todos, sorriu para o seu novo Conselho - metade era constitucionalmente infiel - e sorriu para a sua família que, subitamente, reatava os laços e obrigações de parentesco, agora que a sobrinha já não era uma criminosa suspeita, mas a própria legisladora.
Esteve a pé até às três horas da manhã, até que a fiável Kat Ashley, presumindo da intimidade advinda do facto de ter sido governante quando Isabel era uma menina e não uma grande rainha, lhe sussurrou ao ouvido que tinha de se deitar ou não se aguentaria nos pés no dia seguinte.
"Que Deus a faça morrer de pé, pela manhã", pensou Amy Dudley, que não conseguia dormir, esperando toda a noite longa e escura de Inverno que chegasse a manhã fria, naquela Norfolk distante.
Robert Dudley, apesar de se levantar, como um Adónis, da cama de uma das damas da corte, de lhe dar um beijo de despedida desinteressado, enquanto soltava as mãos com que ela lhe rodeava o pescoço, e de comparecer diligentemente na antecâmara da Rainha, em Whitehall, chegou demasiado tarde para encontrar Isabel sozinha. Deparou com ela já em conferência íntima com William Cecil, sentados a uma pequena mesa e com papéis espalhados diante de si. Ela levantou o olhar e sorriu para ele, mas não lhe fez sinal para que se aproximasse, e ele foi obrigado a encostar-se às paredes forradas a painéis de madeira, junto da dúzia de homens que se haviam levantado cedo para apresentar os cumprimentos e descobriram que Cecil havia chegado primeiro.
Dudley franziu o sobrolho e tentou ouvir a conversa em voz baixa. Cecil estava vestido com roupas escuras - como um clérigo Dudley torceu o nariz; mas a sua riqueza evidenciava-se na qualidade do veludo rico e no preço do corte. O seu rufo era feito com as melhores rendas, expostas em dobras suaves em volta do pescoço, o seu cabelo longo e lustroso, espalhado sobre o colarinho. Os seus olhos, calorosos e compassivos, nunca se desviavam do
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rosto animado de Isabel, respondendo às observações dela sobre o grande reino com a mesma rapidez e tranquilidade que utilizava quando a aconselhava sobre a melhor forma de gerir as suas propriedades rurais. Depois, fora Cecil, sozinho, quem conseguira impedir a princesa de enlouquecer, e agora era ele quem recebia a recompensa por tantos anos de serviço.
Ela confiava nele como não confiava em mais ninguém, ele podia aconselhá-la contra os seus desejos e ela dar-lhe-ia ouvidos. De facto, quando o nomeara seu Secretário de Estado, fizera-o jurar que lhe diria a verdade, sem receios ou favores, e em troca fez-lhe uma promessa: de que ouviria sempre as suas palavras e que nunca o culparia, se os seus conselhos não fossem do seu agrado. Nenhum outro membro do Conselho Privado havia trocado um juramento desse tipo com a nova rainha; não havia mais ninguém suficientemente importante.
Isabel vira o pai despedir conselheiros cuja opinião era contrária aos desejos dele, vira-o acusar de traição membros do seu próprio conselho, porque lhe haviam trazido más notícias. Era-lhe indiferente o facto de o pai se ter tornado um tirano, de ter passado a ser odiado pelos seus conselheiros mais próximos, acreditava que essa era a própria natureza da realeza; mas percebeu que ele tinha perdido os melhores cérebros do reino só porque não suportava ouvir conselhos.
E ela ainda não tinha idade suficiente para querer governar sozinha. A coroa permanecia instável na sua cabeça, o país estava repleto de inimigos. Era uma mulher jovem, de apenas vinte e cinco anos, sem mãe nem pai, nem uma família amada para a aconselhar. Precisava de estar rodeada de amigos em quem pudesse confiar: Cecil, o seu professor, Roger Ascham, a sua antiga governanta, Kat Ashley, e o seu tesoureiro gorducho e bisbilhoteiro, Thomas Parry, com a mulher, Blanche, que fora ama de Isabel. Agora que Isabel era rainha, não se esquecera daqueles que lhe haviam sido leais quando fora princesa e não havia um único dos seus amigos que não tivesse recebido uma pequena fortuna, uma generosa retribuição pelos anos em que a haviam servido.
"De facto, ela prefere a companhia dos que lhe são inferiores", pensou Dudley, olhando de Cecil, que estava sentado à mesa, para Kat Ashley, que se encontrava junto da janela. "Foi criada por criados e pessoas de nível mediano e prefere os seus valores. Percebe de comércio e de como governar bem uma casa e o valor de uma propriedade bem gerida, porque é com esse tipo de assuntos que eles se preocupam. Enquanto eu andava a pás-
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sear pelos palácios reais e a passar o meu tempo com o meu pai dirigindo a corte, ela discutia o preço do bacon e mantinha-se livre de dívidas."
"Ela vive a uma escala pequena, ainda não é uma rainha de todo. Vai manter-se contra a elevação da hóstia, porque é o que pode ver; é algo real, acontece diante do seu nariz. Mas procurará evitar os grandes debates da Igreja. Isabel não tem visão, nunca teve tempo para ver para além da sua sobrevivência."
À mesa, Cecil fez sinal a um dos seus escrivães e o homem avançou, mostrando à jovem rainha uma página de escritos.
"Se um homem quisesse dominar esta rainha, teria de a separar de Cecil", pensou Robert para si mesmo, observando as duas cabeças tão amigavelmente próximas, enquanto ela lia o documento dele. "Se um homem quisesse governar a Inglaterra através desta rainha, primeiro, teria de se livrar de Cecil. E ela teria de perder a confiança nele, antes de se poder fazer alguma coisa."
Isabel apontou para algo na página, Cecil respondeu à pergunta dela, e depois ela assentiu com a cabeça, em sinal de concordância. Ela olhou para cima e, ao ver os olhos de Dudley fixados nela, fez-lhe sinal para que se aproximasse.
Dudley, de cabeça erguida, com um anelar ligeiramente hesitante ao avançar diante de toda a corte, aproximou-se do trono e mergulhou numa vénia profunda e elegante.
- bom dia, Vossa Graça - disse. - E Deus vos abençoe neste primeiro dia do vosso reinado.
Isabel sorriu para ele.
- Temos estado a preparar a lista de emissários a enviar para as cortes da Europa para anunciar a minha coroação - disse ela. Cecil sugeriu que vos envie a Filipe da Espanha, em Bruxelas. Podereis comunicar ao vosso antigo chefe que eu fui sagrada rainha?
- Como desejardes - concordou ele de imediato, disfarçando a sua irritação. - Mas hoje ides ficar dentro de casa, todo o dia, a trabalhar, Vossa Graça? O vosso cavalo de caça aguarda-vos, o tempo está bom.
Ele percebeu o olhar prolongado que ela deitou para a janela e a sua hesitação.
- O embaixador francês... - observou Cecil ao ouvido dela. Ela encolheu os ombros.
- Presumo que o embaixador pode esperar.
- E eu tenho um novo cavalo de caça, que pensei que pudésseis experimentar - disse Dudley tentadoramente. - É da Irlanda. Um baio claro, um cavalo lindo e forte.
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- Espero que não seja demasiado forte - disse Cecil.
- A rainha monta como a deusa Diana - elogiou-a directamente Dudley, nem sequer olhando para o homem mais velho. - Não existe ninguém que se compare a ela. Eu colocá-la-ia em cima de qualquer um dos cavalos que se encontram nos estábulos e ele reconheceria o seu mestre. Ela cavalga como o pai, praticamente sem medo.
Isabel corou ligeiramente pelo elogio.
- Irei daqui a uma hora - disse. - Primeiro, tenho de ver o que estas pessoas pretendem - olhou em volta da sala e os homens e mulheres moveram-se como milho de Primavera, quando a brisa o percorre. O seu próprio olhar podia fazer com que se encrespassem, só com o desejo da atenção dela.
Dudley riu-se calmamente.
- Oh, isso posso dizer-vos - disse cinicamente. - Não é preciso uma hora.
Ela inclinou a cabeça para um dos lados, para ouvir, e ele subiu para junto do trono, para poder sussurrar ao ouvido dela. Cecil viu os olhos dela dançarem e a forma como ela colocava a mão na boca para conter o riso.
- Silêncio! Sois um caluniador! - disse ela, e bateu nas costas da mão dele com as luvas.
De imediato, Dudley voltou a mão, com a palma virada para cima, como se para a convidar a dar-lhe outra palmada. Isabel afastou a cabeça e cobriu os olhos com as suas pestanas pretas.
Dudley voltou a inclinar a cabeça, e sussurrou-lhe novamente. Ela soltou uma gargalhada.
- Senhor Secretário - disse ela. - Tendes de mandar Sir Robert embora, ele distrai-me demasiado.
Cecil sorriu de maneira agradável para o homem mais jovem.
- Sois muito bem-vindo, para entreter Sua Graça - disse ele calorosamente. - Acima de tudo, ela trabalha de mais. O reino não pode ser transformado numa semana, há muito a fazer, mas terá de ser feito ao longo do tempo. E... - hesitou - muitas coisas que teremos de analisar cuidadosamente são novas para nós.
"E, metade do tempo, vós não sabeis o que fazer", observou Robert para si mesmo. "Eu saberia o que deveria ser feito. Mas vós sois o conselheiro dela e eu sou apenas o Estribeiro-Mor. Bem, que seja, por hoje. vou levá-la para montar a cavalo."
Em voz alta, disse, com um sorriso:
- Muito bem, então! Vossa Graça, saí e vinde cavalgar comigo. Não temos de ir caçar, levaremos apenas alguns moços de estrebaria e podemos experimentar os passos deste cavalo baio.
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- Daqui a uma hora - prometeu-lhe ela.
- E o embaixador francês pode ir montar convosco - sugeriu Cecil.
Um olhar fugaz de Robert Dudley mostrou que. percebera que tinha sido sobrecarregado com chaperons, mas o rosto de Cecil permaneceu sereno.
- Não tendes nos estábulos um cavalo que ele possa montar? perguntou ele, desafiando a competência de Robert, sem parecer desafiá-lo de todo.
- Claro - respondeu Robert educadamente. - Pode escolher entre uma dúzia.
A Rainha olhou em volta da sala.
- Ah, meu senhor - disse agradavelmente para um dos homens que aguardavam. - Como estou feliz por vê-lo na corte
Era a sua deixa para captar a atenção dela e, de imediato, ele deu um passo em frente:
- Trouxe a Vossa Graça um presente para celebrar a sua ascensão ao trono - disse ele.
Isabel animou-se, adorava presentes de qualquer tipo, era tão aquisitiva como uma pega. Robert, sabendo que o que se seguiria seria uma espécie de pedido pelo direito a cortar madeira ou a cercar terras comuns, para evitar um imposto ou perseguir um vizinho, desceu do estrado, fez uma vénia, afastou-se do trono, de costas, voltou a fazer uma vénia junto da porta e saiu, para se dirigir aos estábulos.
Apesar do embaixador francês, de dois lordes, alguns fidalgos menores, algumas damas de companhia e meia dúzia de guardas que Cecil reunira para acompanhar a rainha, Dudley conseguiu cavalgar ao lado dela e foram deixados a sós, a maior parte do trajecto. Pelo menos dois homens murmuraram que Dudley recebera mais atenções do que merecia, mas Robert ignorou-os, e a Rainha não ouviu.
Cavalgaram em direcção a oeste, ao princípio, lentamente, através das ruas e, depois, alongando o passo dos cavalos quando entraram na pradaria amarelecida pelo Inverno, do Parque de St James. Para além do parque, as casas davam lugar a hortas para alimentar a cidade insaciável, a seguir, a campos abertos, e em seguida a zonas rurais mais selvagens. A rainha mantinha-se absorvida na ten-
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tativa de controlar o novo cavalo, que estava agitado por ter o freio demasiado curto, mas que aproveitava e levantava a cabeça, se ela abrandasse muito as rédeas.
- Precisa de ser treinado - disse ela, em tom de crítica, a Robert.
- Pensei que devêsseis experimentá-lo como está - disse ele descontraidamente. - E depois podemos decidir o que deve ser feito com ele. Podia ser um cavalo de caça para vós, é suficientemente forte e salta como um pássaro, ou podia ser um cavalo para utilizardes nos cortejos. É tão bonito e a sua cor é tão boa! Se o quereis para esse efeito, tenho a ideia de lhe dar um treino especial, ensiná-lo a permanecer quieto e a tolerar as multidões. Achei que o vosso cavalo cinzento ficava um pouco agitado quando as pessoas se aproximavam demasiado.
- Não podeis culpá-lo por isso! - replicou ela. - As pessoas estavam a acenar com bandeiras na cara dele e a atirar-lhe pétalas de rosa para cima!
Ele sorriu para ela.
- Eu sei. Mas isto vai acontecer uma e outra vez. A Inglaterra adora a sua princesa. Precisareis de um cavalo que consiga ficar parado a observar uma representação, e que vos deixe inclinar-vos e aceitar um ramo de flores de uma criança sem se mover um único momento e, em seguida, trotar de cabeça erguida e com ar orgulhoso.
Ela ficou surpreendida com os conselhos dele.
- Tendes razão - disse ela. - E é difícil prestar atenção à multidão e controlar um cavalo.
- Também não quero que sejais conduzida por um moço de estrebaria - disse ele com ar decidido. - Ou que vos desloqueis numa
carruagem. Quero que vos vejam controlar o vosso próprio cavalo. Quero que tenhais tudo a que tendes direito. Todos os cortejos devem enaltecer-vos, o povo deve ver-vos como mais elevada, mais forte e mais grandiosa do que a própria vida.
Isabel assentiu com a cabeça.
- Tenho de ser vista como forte, a minha irmã estava sempre a dizer que eu era uma mulher fraca, e estava constantemente doente.
- E o cavalo é da vossa cor - disse ele impertinentemente. Vós tendes um tom de castanha brilhante.
Ela não ficou ofendida, atirou a cabeça para trás e riu-se.
- Oh, pensais que ele é um Tudor? - perguntou ela.
- Claro, tem o temperamento de um Tudor - disse Robert. Ele, os irmãos e irmãs haviam sido companheiros de brincadeira na creche real, em Hatfield, e todas as crianças Dudley haviam sentido a bofetada sonora do temperamento Tudor.
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- Não gosta do freio, não gosta de ser comandado, mas pode ser amansado e convencido a fazer praticamente tudo.
Ela sorriu para ele.
- Se sois tão esperto com um animal tonto, vamos esperar que não tenteis treinar-me a mim - disse ela provocadoramente.
- Quem poderia treinar uma rainha? - respondeu ele. - Tudo o que poderia fazer seria implorar-vos que fôsseis simpática comigo.
- Não tenho sido amável convosco? - disse ela, pensando no melhor cargo que lhe havia oferecido, Estribeiro-Mor, com um elevadíssimo rendimento anual e o direito a montar a sua própria mesa na corte e a ocupar os melhores aposentos, em qualquer palácio que a corte visitasse.
Ele encolheu os ombros, como se isso fosse insignificante.
- Ah, Isabel - disse ele, num tom íntimo. - Não foi isso que quis dizer quando desejei que fôsseis amável comigo.
- Não podeis continuar a chamar-me Isabel - relembrou-lhe ela tranquilamente, mas ele pensou que ela não estava aborrecida.
- Esqueci-me - disse ele, num tom de voz muito baixo. - Gosto tanto da vossa companhia que, por vezes, penso que ainda somos apenas amigos, como antes. Por momentos, esqueci-me de que ascendestes a esta grandeza.
- Eu sempre fui uma princesa - disse ela defensivamente. Limitei-me a ascender ao que era o meu direito por nascença.
- E eu sempre vos amei por serdes apenas quem éreis - respondeu ele inteligentemente.
Conseguiu ver as mãos dela soltarem ligeiramente as rédeas e soube que conseguira captar a simpatia dela. Ele representava como qualquer favorito representa perante qualquer governante; tinha de saber o que a encantava e o que a acalmava.
- O Eduardo sempre gostou muito de vós - disse ternamente, recordando o irmão.
Ele acenou com a cabeça, com ar sério.
- Deus o abençoe. Sinto a falta dele, todos os dias, tanto como a dos meus irmãos.
- Mas ele não era assim tão caloroso com o vosso pai - disse ela de modo bastante contundente.
Robert sorriu para Isabel como se nada nas suas vidas passadas pudesse ser apontado em desfavor deles: a terrível traição da sua família contra a família dela, a própria traição dela contra a meia-irmã.
- Maus tempos - disse, com um ar vago. - E já foi há muito tempo. Ambos fomos alvo de um erro de julgamento e, sabe Deus, fomos suficientemente castigados. Ambos cumprimos as nossas
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penas na Torre, acusados de traição. Nessa altura, costumava pensar muito em vós; quando me era permitido sair para passear nos canais, costumava ir mesmo até ao limiar do portão da vossa torre, e sabia que estáveis mesmo do outro lado. Teria dado tudo para vos poder ver. Costumava receber notícias vossas através de Hannah, o Bobo. Não posso dizer-vos o consolo que era para mim saber que vós estáveis lá. Foram dias negros para ambos; mas estou satisfeito por os termos partilhado. Vós, de um lado do portão, e eu, do outro.
- Ninguém mais poderá entender - disse ela com uma energia reprimida. - Ninguém poderá saber, a não ser que tenha lá estado: como é estar lá dentro! Saber que abaixo de vós, fora da vossa vista, está a área relvada onde irá ser construído o cadafalso, e não saber se o estão a construir, mandar perguntar, e não confiar na resposta, perguntando-se se será hoje ou amanhã.
- Sonhais com isso? - perguntou-lhe, em voz baixa. - Algumas noites, ainda acordo aterrorizado.
Um relance dos seus olhos negros indicou-lhe que também ela se sentia perturbada.
- Tenho um sonho em que ouço martelar - disse ela tranquilamente. - Era o som que mais temia no mundo. Ouvir martelar e serrar e saber que estavam a construir o meu próprio cadafalso, mesmo por baixo da minha janela.
- Graças a Deus que esses dias pertencem ao passado e que podemos trazer justiça para a Inglaterra, Isabel - disse ele calorosamente.
Dessa vez, ela não o corrigiu por a tratar pelo seu nome próprio. ,- Devíamos regressar a casa, senhor - um dos moços da estrebaria aproximou-se em cima do seu cavalo, para lhe relembrar.
- É esse o vosso desejo? - perguntou ele.
Ela esboçou disfarçadamente um pequeno sorriso convidativo.
- Gostaria de montar o dia inteiro. Estou farta de Whitehall e das pessoas que aparecem, e todas elas querem alguma coisa. E Cecil e todos os assuntos que têm de ser tratados.
- Porque não vamos montar amanhã, de manhã cedo? - sugeriu ele. - Montávamos ao longo do rio, podemos atravessar para a margem sul e galopar através dos pântanos de Lambeth e só voltar para casa à hora do jantar?
- Mas como, o que diriam? - perguntou ela, imediatamente atraída.
- Dirão que a Rainha está a fazer o que lhe apetece, o que deveria fazer - disse ele. - E eu direi que estou às ordens dela. E,
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amanhã, à noite, planearei uma grande festa para vós, com danças e actores e uma mascarada especial. O rosto dela iluminou-se.
- E qual é o motivo?
- Porque vós sois jovem e bonita e não deveis passar da sala de aulas para a legislação sem ter algum prazer. Vós agora sois Rainha, Isabel, podeis fazer o que vos aprouver. E ninguém pode contrariar-vos.
Ela riu-se perante aquela ideia.
- Devo ser uma tirana?
- Se o desejardes - respondeu ele, negando as inúmeras forças do reino que inevitavelmente a dominariam: uma mulher jovem, sozinha, entre as famílias com menos escrúpulos da Cristandade.
- Porque não? Quem vos diria "não"? A princesa francesa, a vossa prima Maria, tem os seus devaneios, porque é que vós não haveis de ter os vossos?
- Oh, essa - disse Isabel irritada, de semblante carregado só de ouvir mencionar Maria, Rainha dos Escoceses, a princesa de dezasseis anos, da corte francesa. - Ela vive uma vida exclusivamente de prazeres.
Robert disfarçou um pequeno sorriso ao detectar o ciúme previsível de Isabel por uma princesa mais bonita e com mais sorte.
- Tereis uma corte que fará a dela adoecer de inveja - assegurou-lhe ele. - Uma rainha jovem, solteira, bonita, numa corte linda e alegre? Não existe comparação com a Rainha Maria, que carrega o fardo de um marido, o Delfim, que é controlada pela família Guise, e que passa a vida a fazer a vontade deles.
Voltaram os cavalos na direcção da casa.
- vou dedicar-me a criar entretenimento para vós. Este é o vosso momento, Isabel, esta é a vossa época dourada.
- Não tive uma adolescência muito feliz - admitiu ela.
- Temos de compensar esse tempo agora - disse ele. - Sereis a pérola no centro de uma corte dourada. A princesa francesa ouvirá falar, todos os dias, da vossa felicidade. A corte dançará às vossas ordens, e este Verão será repleto de divertimentos. Chamar-vos-ão a princesa dourada de toda a Cristandade! A mais afortunada, a mais bonita e a mais amada.
Ele viu a cor aflorar-lhe o rosto.
- Oh, sim - suspirou ela.
- Mas como ireis sentir a minha falta quando eu estiver em Bruxelas! - previu ele dissimuladamente. - Todos esses planos terão de esperar.
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Ele percebeu que ela estava a reconsiderar.
- Tendes de voltar para casa rapidamente.
- Porque não enviais outra pessoa? Qualquer pessoa pode dizer a Filipe que vós fostes coroada; não tenho de ser eu. E se eu não estiver cá, quem vai organizar os vossos banquetes e festas?
- Cecil pensou que devíeis ir - disse ela. - Na opinião dele, seria um cumprimento agradável para Filipe, enviar-lhe um homem que serviu nos exércitos dele.
Robert encolheu os ombros.
- Quem quer saber o que o Rei da Espanha pensa neste momento? Quem quer saber a opinião de Cecil? O que pensais vós, Isabel? Devo partir durante um mês para outra corte, em Bruxelas, ou ireis manter-me aqui, para cavalgar e dançar convosco, e divertir-vos?
Ele observou os pequenos dentes dela morderem os lábios para disfarçar o sorriso de satisfação.
- Podeis ficar - disse despreocupadamente. - Direi a Cecil que tem de enviar outra pessoa.
Era o mês mais triste do ano no campo inglês, e Norfolk, uma das regiões mais tristes da Inglaterra. O pequeno nevão de Janeiro já derretera, deixando a estrada para Norwich intransitável, por carroça, e desagradável, a cavalo e, além disso, não havia nada para ver em Norwich, à excepção da catedral; e agora esse era um local de silêncios ansiosos, não de paz. As velas haviam sido apagadas sob a estátua da Madonna, o crucifixo ainda estava em cima do altar, mas, no entanto, as tapeçarias e as pinturas tinham sido retiradas. As pequenas mensagens e orações que haviam sido fixadas com alfinetes no vestido da Virgem tinham desaparecido. Ninguém sabia se ainda era permitido rezar à Virgem.
Amy não queria ver a igreja que adorara praticamente despida de tudo o que conhecia como sagrado. As outras igrejas da cidade haviam perdido o carácter sagrado e estavam a ser utilizadas como estábulos, ou tinham sido convertidas em belas casas de cidade. Amy não podia imaginar como é que alguém podia atrever-se a colocar a cama no local onde antes estivera um altar; mas os homens novos deste reino eram arrojados nos seus próprios interesses. O santuário de Walsingham ainda não tinha sido destruído, mas Amy sabia que os iconoclastas viriam contra ele em breve, e
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depois onde é que uma mulher que quisesse conceber uma criança rezaria? Uma mulher que quisesse recuperar o marido do pecado da ambição? Que quisesse que ele voltasse para casa?
Amy Dudley praticava a sua escrita, mas parecia ser inútil. Mesmo que tivesse conseguido escrever uma carta ao marido, não tinha notícias para lhe dar, excepto aquilo que ele já saberia: que ela tinha saudades dele, que o tempo estava mau e que a companhia era aborrecida, as noites escuras e as manhãs frias.
Em dias como este, e Amy tinha muitos mais dias assim, perguntava-se se não teria sido melhor nunca ter casado com ele. O seu pai, que a adorava, opusera-se, desde o início. Na própria semana antes do casamento, pusera-se de joelhos diante dela, no salão da casa da quinta de Syderstone, com o rosto grande, redondo e totalmente escarlate de emoção, e suplicou-lhe, com a voz trémula, que reconsiderasse.
- Sei que ele é belo, minha avezinha - disse ele carinhosamente. - E sei que vai ser um homem importante, e que o pai é um homem importante, e que a própria corte real vai estar presente no vosso casamento em Sheen, na próxima semana, uma honra com a qual nunca sonhei, nem sequer para a minha menina. Mas, tendes a certeza absoluta de que quereis casar com um homem importante, quando poderíeis casar com um bom rapaz de Norfolk e viver perto de mim, numa casinha bonita que construiria para vós, criar os meus netos como se fossem meus filhos, e permanecer aqui, como a minha menina?
Amy pusera as mãozinhas nos ombros dele e levantara-o, chorara, com o rosto encostado ao seu casaco quente e tecido em casa, e depois levantara o olhar, cheia de sorrisos e dissera:
- Mas eu amo-o, pai, e vós dissestes que eu deveria casar com ele, se tivesse a certeza; e diante de Deus, tenho a certeza.
Ele não a pressionara - era a sua única filha do primeiro casamento, a sua filha adorada, e nunca era capaz de a contrariar. E ela estava habituada a conseguir o que queria. E nunca pensara que o seu julgamento poderia estar errado.
Na altura, tinha a certeza de que amava Robert Dudley; de facto, tinha a mesma certeza neste preciso momento. Não era a inexistência de amor que a fazia chorar à noite, como se nunca mais fosse parar. Era o excesso. Ela amava-o, e cada dia sem ele era longo e vazio. Suportara muitos dias sem ele quando ele era apenas um prisioneiro e não podia vir ter com ela. Agora, amargamente, no momento em que estava livre e que ascendera ao poder, era mil vezes pior, porque agora ele podia vir ter com ela; mas preferia não vir.
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A madrasta perguntou-lhe se iria ter com ele à corte quando as estradas estivessem boas para viajar. Amy gaguejou na sua resposta, e sentiu-se ridícula, sem saber o que iria acontecer a seguir, nem para onde deveria ir.
- Tendes de lhe escrever em meu nome - disse ela a Lady Robsart. - Ele vai dizer-me o que fazer.
- Não quereis ser vós mesma a escrever? - perguntou-lhe a madrasta. - Poderia escrever-vos a carta e vós podíeis copiá-la.
Amy voltou a cabeça para o outro lado.
- Para quê? - perguntou ela. - De qualquer modo, é o escrivão que lha lê.
Lady Robsart, ao ver que Amy não se sentia tentada a abandonar o mau humor, pegou numa caneta e numa folha de papel e esperou.
- Meu senhor - começou Amy, com a voz ligeiramente trémula.
- Não podemos escrever "Meu senhor" - protestou a madrasta.
- Não, se ele perdeu o título por traição, e não lhe foi devolvido.
- Eu trato-o por meu senhor! - respondeu Amy encolerizada. Ele era o Lorde Robert Dudley quando o conheci, e para mim sempre foi Lorde Robert Dudley, independentemente do que as pessoas lhe chamarem.
Lady Robsart levantou as sobrancelhas, como se dizendo que ele era um desgraçado quando ela o conheceu e que continuava a sê-lo, mas escreveu as palavras, e depois fez uma pausa, enquanto a tinta secava na pena afiada.
- Não sei onde pretendeis que eu fique. Quereis que vá para Londres? - disse Amy num tom tão baixo como o de uma criança.
- Quereis que vá ter convosco a Londres, meu senhor?
Isabel esteve todo o dia numa grande ansiedade, enviando as damas ver se a prima já entrara no grande salão, enviando pajens que congelavam no pátio dos estábulos, para que a prima pudesse ser cumprimentada e levada à sua antecâmara de imediato. Catherine Knollys era filha da tia de Isabel, Maria Bolena, e passara muito tempo com a jovem prima Isabel. As raparigas haviam criado laços fortes durante os anos incertos da infância de Isabel. Catherine, nove anos mais velha do que Isabel, um membro oca-
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sional da corte informal de crianças e jovens que se reuniam em volta da creche dos jovens reais, em Hatfield, fora uma companheira de brincadeiras amável e generosa, quando a menina solitária a procurara, e à medida que Isabel ia crescendo, descobriram que tinham muita coisa em comum. Catherine era uma rapariga de elevada educação, uma protestante convicta. Isabel, menos convencida e com muito mais a perder, sempre alimentara uma admiração secreta pela clareza descomprometida da prima.
Catherine estivera com a mãe de Isabel, Ana Bolena, nos seus últimos dias terríveis na Torre. Mantinha, desde esse dia, uma convicção total da inocência da tia. A sua reivindicação serena de que a mãe de Isabel não era prostituta nem bruxa, mas vítima de uma conspiração da corte, era um conforto secreto para a menininha cuja infância fora assombrada pelas calúnias contra a sua mãe. O dia em que Catherine e a família haviam abandonado a Inglaterra, perseguidos pelas leis anti-heresia da Rainha Maria, Isabel declarara que o seu coração se partira.
- Calma. Em breve ela estará aqui - assegurou-lhe Dudley, ao encontrar Isabel andando de uma janela do Palácio de Whitehall para outra.
- Eu sei. Mas pensei que ela chegaria ontem, e agora estou preocupada que ela só chegue amanhã.
- As estradas são más; mas de certeza que ela chegará hoje. Isabel torcia a orla da cortina entre os dedos e não reparou que
estava a esfarrapar a bainha do tecido antigo. Dudley pôs-se ao lado dela e pegou-lhe cuidadosamente na mão. A corte, que observava, susteve a respiração por instantes, pela sua temeridade. Pegar na mão na Rainha sem ser solicitado, abrir os seus dedos, pegar nas suas duas mãos firmemente na sua, e apertá-las ligeiramente!
- Vamos, acalmai-vos - disse Dudley. - Hoje ou amanhã, ela estará aqui. Quereis sair a cavalo ao encontro dela?
Isabel olhou para o céu cor de chumbo, que escurecia devido ao precoce crepúsculo do Inverno.
- Nem por isso - admitiu contrariada. - Se não a encontrar no caminho, só vai fazer com que a espera seja mais longa. Quero estar aqui para a receber.
- Então, sentai-vos - ordenou-lhe ele. - Pedi que vos tragam cartas e podemos jogar até ela chegar. E se não chegar hoje, podemos jogar até me ganhardes cinquenta libras.
- Cinquenta! - exclamou ela, imediatamente divertida.
- E não tendes de apostar nada mais do que uma dança depois do jantar - disse ele concordando.
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- Lembro-me de ouvir homens dizerem que haviam perdido fortunas, para entreter o vosso pai - observou William Cecil, aproximando-se da mesa quando traziam as cartas.
- Mas ele era um verdadeiro jogador - concordou Dudley amigavelmente. - Quem vamos ter como quarto parceiro?
- Sir Nicholas - a rainha olhou em volta e sorriu para o seu conselheiro. - Quereis juntar-vos a nós para um jogo de cartas?
Sir Nicholas Bacon, o cunhado corpulento de Cecil, inchou como uma vela grande ao ouvir o cumprimento da Rainha, e subiu para se sentar à mesa. O pajem trouxe um baralho novo, Isabel deu as cartas rígidas, com os rostos ameaçadores, partiu o baralho para Robert Dudley, e começaram a jogar.
Houve alguma agitação no salão exterior à antecâmara, e depois Catherine e Francis Knollys surgiram no limiar, um belo casal: Catherine era uma mulher de trinta e poucos anos, vestida de forma simples e sorrindo antecipadamente, o marido era um homem elegante, de quarenta e poucos anos. Isabel pôs-se de pé, num salto, deixando cair as cartas, e atravessou a antecâmara a correr em direcção à prima.
Catherine fez uma vénia, mas Isabel caiu-lhe nos braços e as duas mulheres abraçaram-se, ambas com lágrimas nos olhos. Sir Francis, que ficara atrás, sorria afavelmente perante a recepção concedida à sua mulher.
"Sim, bem podeis sorrir", observou Robert Dudley para si mesmo, lembrando-se de que sempre lhe desagradara o brilho presunçoso do homem. "Pensais que conquistais a elevada estrada para o poder e a influência com esta amizade; mas percebereis que estais enganado. Esta Rainha não é nenhuma tonta, não irá deixar-se levar pelo coração, a não ser que isso lhe interesse. Ela pode amar-vos, mas só vos fará progredir se for para o seu próprio bem."
Como se sentisse os olhos de Robert sobre si, Sir Francis olhou para cima e fez-lhe uma vénia.
- Sois cordialmente bem-vindo à Inglaterra - disse Dudley gentilmente.
Sir Francis olhou em volta, observou a corte de antigos aliados, conspiradores, inimigos reformados e poucos rostos novos, e voltou para junto de Robert Dudley.
- Bem, aqui estamos por fim - disse ele. - Uma rainha protestante no trono, eu, de volta da Alemanha, e vós, fora da Torre. Quem teria imaginado?
- Uma viagem longa e arriscada para todos nós, peregrinos afirmou Robert, continuando a sorrir.
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- Sinto que ainda existe algum perigo no ar para alguns de nós
- disse Sir Francis animadamente. - Ainda não tinham passado cinco minutos desde que entrara na Inglaterra e já alguém me perguntava se eu considerava que vós tínheis demasiada influência e que devíeis ser refreado.
- A sério? - respondeu Robert. - E vós respondestes?
- Que ainda nem há cinco minutos estava na Inglaterra e ainda tinha de formar uma opinião. Mas ficais avisado, Sir Robert. Tendes inimigos.
Robert Dudley sorriu.
- Eles surgem com o sucesso - disse ele descontraidamente. E, por isso, é bom sinal que apareçam.
Isabel estendeu a mão a Sir Francis, continuando a rodear a cintura de Catherine.
Sir Francis avançou e pôs-se de joelhos, beijando-lhe a mão.
- Vossa Graça - disse.
Robert, conhecedor destas matérias, admirou a forma como ele se ajoelhou e o estilo com que se levantou.
"Sim, mas não vos servirá de nada", disse para si mesmo. "Esta é uma corte repleta de marionetas que se movem consoante a vontade do mestre. Uma vénia graciosa não vos servirá de nada."
- Sir Francis, tenho muito esperado a vossa chegada - disse Isabel, radiante de felicidade. - Aceitais fazer parte do meu Conselho Privado? Preciso bastante dos vossos conselhos sensatos.
"Conselho Privado! Meu Deus!", exclamou Robert para si mesmo, cheio de inveja.
- Terei toda a honra - respondeu Sir Francis, com uma vénia.
- E eu gostaria que servísseis como Vice-Camareiro da Casa Real, e Capitão da Guarda - prosseguiu Isabel, nomeando os melhores cargos, que trariam consigo uma pequena fortuna em subornos, das pessoas que pretendiam aproximar-se da Rainha.
O sorriso de Robert Dudley nunca se desvaneceu; parecia encantado pela maré de boa sorte do recém-chegado. Sir Francis fez uma vénia, em sinal de obediência, e Dudley e Cecil dirigiram-se para junto dele.
- Bem-vindo a casa! - disse Cecil calorosamente. - E bem-vindo ao serviço da Rainha.
- Sim! - concordou Robert Dudley. - Umas calorosas boas-vindas para vós! Estou a ver que ireis fazer novos inimigos.
Catherine, que estivera a conversar com a prima, queria apresentar-lhe a filha, que iria ser dama de companhia de Isabel.
- Posso apresentar-vos a minha filha Laetitia? - perguntou-lhe.
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Fez sinal em direcção à porta e a rapariga, que estava de pé, ao fundo, meio escondida pelo pano de arras, aproximou-se.
William Cecil, que não era um homem que se deixasse deslumbrar pelo encanto feminino, susteve a respiração perante a beleza da rapariga de dezassete anos e lançou um olhar espantado a Sir Francis. O homem mais velho estava a sorrir, com uma torção subtil do lábio, como se soubesse exactamente o que Cecil estava a pensar.
- Por Deus, esta rapariga é exactamente igual à Rainha - sussurrou-lhe Cecil. - Mas... - interrompeu-se, antes de cometer o erro de dizer "mais refinada" ou "mais bonita". - Mais valia reivindicardes que a vossa mulher é filha bastarda de Henrique VIII, e resolver o assunto de vez.
- Ela nunca o reivindicou, eu nunca o reivindiquei, e não é agora que vamos fazê-lo - disse Sir Francis claramente, como se a corte inteira não estivesse a acotovelar-se e a murmurar, enquanto a cor subia firmemente ao rosto da rapariga, mas os olhos escuros fixados na Rainha nunca vacilaram. - Na verdade, acho-a muito parecida com o meu lado da família.
- O vosso lado! - Cecil disfarçou uma gargalhada. - Ela é uma Tudor de uma ponta à outra, só que tem a aura das mulheres Howard.
- Não o reivindico - repetiu Sir Francis. - E imagino que, nesta corte e nestes tempos, seria melhor para ela se ninguém reparasse nisso.
Dudley, que reparara de imediato na semelhança, observava Isabel atentamente. Primeiro, havia estendido a mão, para que a rapariga a beijasse, com os seus habituais modos agradáveis, praticamente não a vendo, uma vez que a cabeça dela estava vergada em reverência, o seu cabelo cor de cobre claro tapado pelo toucado. Mas depois, a rapariga ergueu-se e Isabel analisou-a, Robert viu o sorriso da Rainha esmorecer lentamente. Laetitia era como uma cópia mais jovem e mais delicada da Rainha, como se fosse uma peça de porcelana chinesa refinada a partir de um molde de barro. Ao seu lado, o rosto de Isabel era demasiado largo, o seu nariz, o nariz semelhante ao de um cavalo, típico das Bolena, demasiado longo, os olhos demasiado protuberantes, a boca estreita. Laetitia, que era sete anos mais nova, era rechonchuda como uma criança, o nariz tinha uma inclinação perfeita, o seu cabelo tinha um tom de cobre mais escuro do que o tom de bronze da Rainha.
Ao olhar para a rapariga, Robert Dudley pensava que um homem mais jovem, um homem mais tonto do que ele próprio, poderia ter julgado que a estranha sensação que sentia no peito era o seu coração aos pulos.
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- Sede bem-vinda à minha corte, prima Laetitia - declarou a Rainha friamente. Lançou uma olhadela irritada a Catherine, como se ela devesse ser culpada por criar uma peça com semelhante perfeição.
- Ela está muito satisfeita por estar ao vosso serviço - interveio Catherine suavemente. - E vós percebereis que ela é uma boa rapariga. Um pouco áspera e pouco preparada ainda, Vossa Graça, mas aprenderá a vossa elegância muito rapidamente. Ela recorda-me muito os retratos do meu pai, William Carey. Existe uma grande semelhança entre eles.
William Cecil que sabia que William Carey tinha o cabelo escuro, enquanto o de Henrique VIII e o desta rapariga tinham o mesmo tom de cobre, disfarçou um suspiro, pigarreando.
- E agora deveis sentar-vos, podeis beber um copo de vinho e contar-me tudo acerca das vossas viagens. - Isabel voltou as costas à jovem beleza que tinha diante de si. Catherine sentou-se numa cadeira ao lado do trono da prima, e fez sinal à filha para que se retirasse. O primeiro passo difícil estava dado; Isabel encarara uma versão mais jovem e bastante mais bonita do seu próprio aspecto atraente, e conseguira esboçar um sorriso suficientemente agradável. Catherine começou a contar as histórias das viagens e pensou que a sua família conseguira resolver muito bem o seu regresso a Inglaterra, tendo em conta as circunstâncias.
Amy estava à espera de uma resposta de Robert, indicando-lhe o que deveria fazer. Todos os dias, ao meio-dia, caminhava praticamente um quilómetro, desde a sua casa até à estrada para Norwich, onde um mensageiro chegaria a cavalo, se viesse, por acaso, nesse dia. Esperava durante alguns minutos, olhando para a paisagem gelada, com a capa apertada em volta de si, para se proteger do vento dolorosamente frio de Fevereiro.
- É demasiado mau da parte dele - queixou-se Lady Robsart ao jantar. - Enviou-me algum dinheiro para o vosso sustento, com um bilhete do escrivão, mas nem sequer uma palavra dele. Uma boa maneira de tratar a vossa madrasta.
- Ele sabe que não gostais dele - respondeu Amy animadamente. - Como não queríeis receber notícias dele quando era mar-
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ginalizado, porque vos honraria agora com a sua atenção, quando metade do mundo quer relacionar-se com ele?
- Muito bem - disse a mulher mais velha -, se também estais satisfeita por serdes negligenciada.
- Não estou a ser negligenciada - afirmou Amy firmemente. Porque é por mim e por nós que ele tem estado a trabalhar todo este tempo.
- Prestar vassalagem à Rainha é trabalho? Sendo ela uma mulher jovem e tão fogosa como a mãe? Ainda por cima com uma consciência de Bolena? Bem, surpreendeis-me, Amy. Não existem muitas mulheres que ficassem satisfeitas por serem abandonadas em casa, enquanto os maridos estão a servir uma mulher como essa.
- Todas as mulheres na Inglaterra ficariam deliciadas - disse Amy sarcasticamente. - Porque todas as mulheres da Inglaterra sabem que só na corte se pode ganhar dinheiro, só lá se conseguem bons cargos e são concedidas posições. Assim que Robert consiga a fortuna dele, regressará e compraremos a nossa casa.
- Nessa altura, Syderstone não vai ser suficiente para vós - provocou-a a madrasta.
- Gostarei sempre dela como minha casa, e admirarei o meu pai pelo trabalho que lá fez, e ficar-lhe-ei sempre grata por ma ter deixado em testamento - disse Amy, sem constrangimentos. - Mas, não, Syderstone não será suficiente para Robert, agora que tem uma posição elevada na corte e não vai ser suficiente para mim.
- E não vos importais? - sugeriu a madrasta astutamente. - Não vos incomoda que ele tenha corrido para junto de Isabel quando ela ascendeu ao trono e que não tenhais voltado a vê-lo desde então? E todos dizem que ela o favorece acima de qualquer outro homem, e que ele nunca está longe dela?
- Ele é um cortesão - respondeu Amy resolutamente. - Esteve sempre ao lado do Rei Eduardo, o pai dele esteve sempre ao lado do Rei Henrique. Deve estar do lado dela. São essas as funções de um cortesão.
- Não temeis que ele se apaixone por ela? - a mulher mais velha atormentava-a, sabendo que estava a tocar no ponto mais fraco de Amy.
- Ele é meu marido - respondeu Amy decididamente. - E ela é a Rainha da Inglaterra. Ela sabe-o tão bem como ele. Foi convidada para o meu casamento. Todos sabemos o que pode e o que não pode acontecer. Ficarei feliz por vê-lo, quando regressar, mas até esse dia, esperarei pacientemente por ele.
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- Então, sois uma santa! - declarou despreocupadamente a madrasta. - Porque eu teria tantos ciúmes que iria a Londres e exigiria que ele arranjasse lá uma casa para mim e nesse preciso momento.
Amy levantou as sobrancelhas, a imagem perfeita do desprezo.
- Então, estaríeis muito enganada em relação ao modo como uma esposa de um cortesão deverá comportar-se - afirmou friamente. - Existem dúzias de mulheres precisamente na mesma situação que eu e sabem como devem comportar-se, se querem que o marido aumente a sua fortuna na corte.
Lady Robsart deixou a discussão naquele ponto, mas, mais tarde, nessa noite, quando Amy já estava deitada e a dormir, pegou na caneta e escreveu ao seu enteado medíocre.
Sir Robert,
Se agora sois de facto um homem importante como consta, não é adequado que a vossa esposa seja abandonada em casa, sem bons cavalos e boas roupas, por outro modo, ela precisa de se divertir, de companhia, e de uma dama requintada para a acompanhar. Se não a chamais para a corte, por favor, pedi aos vossos amigos nobres (Presumo que tendes muitos, novamente) que permitam que fique em casa destes, enquanto vós procurais uma residência adequada para ela em Londres. "Ela precisará de uma escolta para se dirigir para casa deles e de uma dama de companhia, uma vez que eu não posso ir com ela, estando muito ocupada com os assuntos da quinta, que continua a dar prejuízo. Calculo que a Srª Oddingsell ficaria satisfeita por ser convidada. Gostaria de receber a vossa resposta imediata (uma vez, que não disponho da doçura e da paciência da vossa mulher), assim como o pagamento completo da vossa dívida para comigo, que representa um total de L22.
Sarah Robsart
Cecil estava sentado à sua pesada secretária, com as inúmeras gavetas trancadas, nos seus aposentos, no Palácio de Whitehall, na primeira semana de Fevereiro, lendo uma carta em código do seu agente em Roma. O seu primeiro acto após a ascensão de Isabel ao trono foi colocar o máximo de amigos de confiança, familiares e servidores no máximo de cortes da Europa que podiam instruí-los no sentido de o manterem informado de qualquer palavra, rumor ou sombra de rumor, que se referissem à Inglaterra e à sua nova e frágil monarca.
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Estava satisfeito por ter conseguido colocar o Mestre Thomas Dempsey na corte papal, em Roma. O Mestre Thomas era mais conhecido pelos colegas em Roma como o Irmão Thomas, um padre da Igreja Católica. A rede de Cecil conseguira capturá-lo no regresso à Inglaterra, nas primeiras semanas do reinado da nova rainha, com uma faca escondida nas suas malas e um plano para a assassinar. O homem de Cecil na Torre, primeiro, torturara o Irmão Thomas e, depois, entregara-o. Agora, ele era um espião contra os seus antigos chefes, servindo os Protestantes, contra a fé dos seus líderes. Cecil sabia que houvera uma mudança de opinião, forçada pelo desejo que aquele homem tinha de viver, e que muito em breve o padre mudaria novamente. Mas, entretanto, o seu material era incalculável, e ele era suficientemente letrado para redigir os seus próprios relatórios e depois traduzi-los para latim e, em seguida, passá-los de latim para código.
Senhor Secretário, Sua Santidade está apensar tomar uma decisão onde se declare que os súbditos podem opor-se justamente aos monarcas heréticos e que tal oposição, mesmo que chegue ao ponto de uma rebelião armada, não é pecado.
Cecil encostou-se para trás na cadeira almofadada e releu a carta, certificando-se de que não cometera nenhum erro na dupla tradução, tanto do código, como do latim. Era uma mensagem de uma tal enormidade que ele não podia acreditar, mesmo quando a tinha em inglês diante dos olhos.
Era uma sentença de morte para a Rainha. Assegurava a qualquer católico ressentido que poderia conspirar contra ela impunemente, na verdade, com a bênção do Santo Padre. Era uma autêntica cruzada contra a jovem rainha, tão potente e imprevisível como o ataque dos Cavaleiros Templários aos Mouros. Autorizava o assassino perturbado, o homem com ressentimento, na verdade, colocava o punhal nas suas mãos. Quebrava a promessa eterna de que um monarca sagrado podia exigir a obediência dos seus súbditos, mesmo dos que discordavam dele. Quebrava a harmonia do Universo que colocava Deus acima dos anjos, os anjos acima dos reis, os reis acima dos mortais. Um homem não podia atacar um rei, assim como um rei não podia atacar um anjo, como um anjo não podia atacar Deus. Esta loucura do Papa quebrava o acordo subentendido de que um monarca terreno nunca incentivaria os súbditos de outro monarca terreno a rebelarem-se contra ele.
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O pressuposto sempre fora o de que os reis devem manter-se unidos, de que nada era mais perigoso do que pessoas com uma licença. Agora o Papa ia conceder às pessoas uma licença para se revoltarem contra Isabel e quem sabe quantas pessoas poderiam valer-se desta permissão?
Cecil tentou puxar uma folha de papel para junto de si e percebeu que as suas mãos estavam a tremer. Pela primeira vez nestes meses de ansiedade, soube verdadeiramente que seriam derrotados. Pensou que se juntara a uma causa perdida. Não achava que Isabel pudesse sobreviver a tal situação. Havia demasiadas pessoas que se opunham a ela desde o início; quando soubessem que a sua conspiração traiçoeira já não era pecado, multiplicar-se-iam como piolhos. Já era suficiente ela ter de lutar contra a Igreja, contra o seu conselho, com o seu parlamento; nenhum deles a apoiava incondicionalmente, alguns opunham-se-lhe abertamente. Se o próprio povo se voltava contra ela, não duraria muito tempo.
Pensou por um momento, apenas por um momento, que poderia ter tido melhores resultados se tivesse apoiado a causa de Henry Hastings como o melhor aspirante protestante ao trono, uma vez que, seguramente, o Papa não se teria atrevido a apelar a uma rebelião contra um rei. Pensou por outro momento que devia ter convencido Isabel a aceitar a elevação da hóstia, a manter a Igreja na Inglaterra como Papista, por um ano ou mais, para facilitar a transição da Reforma.
Cerrou os dentes. O que estava feito, estava feito, e todos teriam de viver com os seus erros, alguns morreriam por eles. Estava totalmente convencido de que Isabel morreria, para nomear apenas uma pessoa. Apertou as mãos uma contra a outra até pararem de tremer, e depois começou a planear formas para tentar certificar-se de que um assassino não alcançava Isabel na corte, quando ela saísse para caçar, quando estivesse à beira-rio, ou quando andasse a fazer visitas.
Era uma tarefa de pesadelo. Cecil ficou a pé a noite inteira, a escrever listas de homens em quem podia confiar, a preparar planos para que ela fosse vigiada, e soube, no fim, que se os Católicos da Inglaterra obedecessem ao Papa, como tinham de fazer, Isabel era uma mulher morta, e tudo o que Cecil podia fazer por ela era adiar o seu funeral.
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Amy Dudley não recebeu nenhuma carta do marido a pedir que fosse ter com ele à corte, nem sequer uma carta para lhe dizer para onde devia ir. Ao invés, recebeu um convite muito agradável dos primos dele, de Bury St Edmunds.
- Vedes? Ele mandou chamar-me! - disse ela deliciada à madrasta. - Eu disse-vos que ele me mandaria chamar, assim que pudesse. Tenho de partir, assim que os seus homens cheguem para me escoltar.
- Estou tão feliz por vós - disse Lady Robsart. - Ele mandou algum dinheiro?
O trabalho de Robert, como Estribeiro-Mor da Rainha, consistia em encomendar os cavalos, gerir as cavalariças reais, velar pela saúde e bem-estar de cada animal, desde os grandes cavalos de caça, às mulas de carga do séquito da bagagem. Os nobres, que vinham de visita, com as suas centenas de homens de libré, tinham de acomodar os seus cavalos nos estábulos, Robert tinha de fornecer cavalos aos convidados da Rainha para eles poderem montar com ela. As damas da corte tinham de ter palafréns mansos. Os defensores da Rainha tinham de abrigar no estábulo os cavalos de guerra para os torneios de cavalaria. Os cães de caça estavam sob a sua responsabilidade, os falcões para a falcoaria, os falcões para o ataque, a pele e os arneses, os vagões e os carrinhos para as enormes viagens reais, de um castelo para outro, as encomendas e a entrega do feno e a ração, tudo era tarefa de Sir Robert.
- Então, porque é que - perguntava Cecil a si mesmo - o homem tem tanto tempo livre? Porque é que estava sempre ao lado da Rainha? Desde quando se interessava Robert Dudley pela moeda do reino e pelo seu valor em deterioração?
- Temos de cunhar moedas novas - anunciou Sir Robert. Tinha-se introduzido na conferência matinal da Rainha com o seu conselheiro, através da técnica simples de trazer um ramo de folhas verdes, pousando-as em cima dos seus documentos de Estado. "Como se estivesse nas festas do primeiro de Maio", pensou Cecil amargamente. Isabel sorrira e fizera um gesto, indicando que ele podia ficar, e agora ele estava a participar na conferência.
- As moedas mais pequenas estão raspadas e deterioradas, quase não têm valor.
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Cecil não respondeu. Até ali, era óbvio. Sir Thomas Gresham, na sua enorme casa mercantil de Antuérpia, há vários anos que estudava esse problema, uma vez que o seu negócio flutuava catastroficamente com o valor instável da moeda inglesa, e uma vez que o seu negócio de créditos com os monarcas da Inglaterra se tornava cada vez mais precário.
"Mas agora, aparentemente, bastante superiores às opiniões de Gresham, vamos ser abençoados com os discernimentos de Sir Robert Dudley", pensou Cecil.
- Temos de recolher as moedas antigas e substituí-las por moedas válidas com o peso total.
A Rainha parecia preocupada.
- Mas as moedas antigas foram tão aparadas e raspadas que não recuperaremos nem metade do nosso ouro.
- Tem de ser feito - declarou Dudley. - Ninguém sabe o valor de um péni, ninguém confia no valor de uma moeda de quatro dinheiros. Se tentardes cobrar uma dívida antiga, como eu fiz, descobrireis que ela vos é paga em moedas com metade do valor do empréstimo original. Quando os nossos mercadores vão para o estrangeiro, para pagar as suas aquisições, têm de esperar enquanto os comerciantes estrangeiros vão buscar balanças para pesar as moedas e se riem deles. Nem sequer se preocupam em olhar para os valores gravados na cara da moeda; só compram pelo peso. Já ninguém confia na moeda inglesa. E o maior perigo é que se emitimos moedas novas, de ouro, com o valor total, serão tratadas como se fossem más, e não ganhamos nada se não recolhermos, primeiro, todas as antigas. Caso contrário, atiramos fora a nossa riqueza.
Isabel voltou-se para Cecil.
- Ele tem razão - admitiu Cecil contrariado. - Esta também é a opinião de Sir Thomas Gresham.
- A má moeda afasta a boa - afirmou Sir Robert.
Havia algo no seu tom de voz que chamou a atenção de Cecil.
- Não sabia que havíeis estudado questões mercantis - observou ele gentilmente.
Apenas Cecil poderia ter captado o divertimento disfarçado e repentino no rosto do jovem. Mas só Cecil o previa.
- Um bom servidor da Rainha tem de pensar em todas as necessidades dela - disse Sir Robert calmamente.
"Meu Deus, ele interceptou as cartas que Gresham me enviou", pensou Cecil. Por um momento, ficou tão estupefacto com a impertinência do jovem, por espiar o mestre de espionagem
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da Rainha, que mal conseguia falar. "Deve ter controlado o mensageiro, copiado a carta e voltado a selá-la. Mas como? E em que ponto da sua viagem de Antuérpia? E se consegue apoderar-se das cartas que recebo de Gresham, que outras informações tem a meu respeito?"
- A má moeda afasta a boa? - repetiu a Rainha. Robert Dudley voltou-se para ela.
- Na cunhagem, assim como na vida - disse num tom íntimo, como se fosse apenas para ela ouvir. - As alegrias menores, os prazeres mais ignóbeis, são os que ocupam o tempo de um homem ou de uma mulher, fazem exigências. As melhores coisas, o amor verdadeiro ou uma vida espiritual entre o homem e o seu Deus, estas são as coisas que são levadas pelo dia-a-dia. Não pensais que isto é verdade?
Por momentos, ela pareceu bastante extasiada.
- É verdade - disse ela. - É sempre mais difícil arranjar tempo para as experiências verdadeiramente preciosas, existem sempre coisas banais para fazer.
- Para serdes uma rainha extraordinária, tendes de escolher disse ele tranquilamente. - Tendes de escolher entre o melhor, o quotidiano, sem compromissos, sem ouvir os vossos conselheiros, orientada apenas pelo que vos diz o vosso coração e as vossas maiores ambições.
Ela inspirou brevemente e olhou para ele como se ele pudesse desvendar os segredos do Universo, como se fosse o seu tutor, John Dee, como se pudesse falar com os anjos e prever o futuro.
- Quero escolher o melhor - disse ela.
Robert sorriu.
- Eu sei que quereis. É uma das muitas coisas que temos em comum. Ambos queremos apenas o melhor. E agora ambos temos uma hipótese de o alcançar.
- A boa moeda? - murmurou ela.
- A boa moeda e o amor verdadeiro. com esforço, ela afastou os olhos dele.
- Qual é a vossa opinião, Espírito?
- Os problemas da cunhagem são sobejamente conhecidos afirmou Cecil cortante. - Todos os mercadores de Londres vos diriam o mesmo. Mas a solução não é assim tão generalizadamente certa. Penso que todos estamos de acordo quanto ao facto de uma moeda de uma libra já não valer uma libra de ouro, mas o processo para a restaurar vai ser difícil. Não me parece que tenhamos ouro para desperdiçar a cunhar moedas novas.
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- Haveis preparado um plano; para revalorizar a moeda? - perguntou Dudley bruscamente ao secretário de Estado.
- Tenho estado a analisar o assunto com os conselheiros da Rainha - respondeu Cecil severamente. - Homens que andam a pensar neste problema há muitos anos.
Dudley esboçou o seu sorriso irrepreensível.
- Então, é melhor dizer-lhes que se apressem - recomendou ele alegremente.
- Estou a elaborar um plano.
- Bem, enquanto o fazeis, nós vamos passear para o jardim propôs Dudley, fingindo ter percebido mal.
- Não posso elaborá-lo agora! - exclamou Cecil. - Demorará semanas a planeá-lo devidamente.
Mas a Rainha já estava de pé; Dudley oferecera-lhe o braço, os dois saíram da antecâmara, com a mesma rapidez com que os estudantes fogem de uma aula. Cecil voltou-se para as damas de companhia que se precipitavam para fazer uma vénia.
- Ide com a Rainha - disse ele.
- Ela mandou chamar-nos? - perguntou uma das damas. Cecil assentiu com a cabeça.
- Ide passear com eles, e levai-lhe o xaile, hoje está frio lá fora.
No jardim, Dudley segurava na mão da Rainha, e prendia-a sob o seu cotovelo.
- Eu sei andar sozinha, sabeis? - disse ela, num tom atrevido.
- Eu sei - disse ele. - Mas eu gosto de vos segurar na mão, gosto de passear ao vosso lado. Posso?
Ela não respondeu que sim nem que não, mas deixou a mão no braço dele. Como sempre, com Isabel, era um passo em frente e depois um passo atrás. Mal acabou de lhe permitir manter a sua mão pequena e quente sob o braço, decidiu levantar a questão da mulher dele.
- Não me haveis perguntado se podeis trazer Lady Dudley para a corte - começou ela provocadoramente. - Não desejais a presença dela? Não pedis para ela ter um lugar ao meu serviço? Fico surpreendida por não terdes mencionado o nome dela para ser minha dama de companhia. Fostes bastante expedito a recomendar a vossa irmã.
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- Ela prefere viver no campo - disse Robert suavemente.
- Agora tendes uma casa de campo? Ele abanou a cabeça.
- Ela tem uma casa que herdou do pai, em Norfolk, mas é demasiado pequena e demasiado inconveniente. Ela vive com a madrasta, em Stanfield Hall, que é lá perto; mas vai ficar em casa dos meus primos, em Bury St Edmunds, esta semana.
- Ides comprar uma casa agora? Ou construir uma nova? Ele encolheu os ombros.
- Procurarei umas boas terras e construirei uma boa casa, mas vou passar a maior parte do tempo na corte.
- Sim, de verdade? - perguntou ela num tom provocador.
- Um homem foge do sol para a sombra? Abandona o ouro pelo dourado? Prova bom vinho e depois prefere o mau? - a sua voz era deliberadamente sedutora. - Permanecerei na corte para sempre, se me for permitido, refastelando-me ao sol, enriquecido pelo ouro, ébrio com o aroma do vinho mais capitoso que posso imaginar. O que estávamos a dizer: que não deixaremos o vinho inferior afastar o melhor? Que devemos ter, ambos, o melhor?
Ela ficou a absorver o elogio por um momento longo e delicioso.
- E a vossa mulher, já deve ter bastante idade, nesta altura? Dudley sorriu para ela, sabendo que estava a provocá-lo.
- Tem trinta anos, só tem mais cinco anos do que eu - respondeu ele. - Como julgo que sabeis. Fostes minha convidada de casamento.
Isabel fez uma careta. "- Já foi há tantos anos! Quase me tinha esquecido de tudo.
- Há quase dez anos - disse ele calmamente.
- E mesmo nessa altura, pensei que ela fosse bastante mais velha.
- Só tinha vinte e um anos.
- Bem, para mim, era bastante, eu só tinha dezasseis - simulou um sobressalto de surpresa. - Oh! Tal como vós. Não ficastes surpreendido por casar com uma mulher tão mais velha do que vós?
- Não fiquei surpreendido - disse ele ponderadamente. - Sabia a idade e a posição social dela.
- E continuam sem ter filhos?
- Deus ainda não nos abençoou.
- Julgo ter ouvido uns rumores de que havíeis casado com ela por amor, por um amor apaixonado, e contra a vontade do vosso pai - insinuou ela.
Ele abanou a cabeça.
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- Ele só se opunha por eu ser tão novo, ainda não tinha dezassete anos e ela tinha vinte e um. E eu imagino que ele teria escolhido uma noiva melhor para mim, se eu lhe tivesse dado essa oportunidade. Mas não recusou dar a sua permissão quando lho pedi, e Amy tinha um bom dote. Possuíam terras boas em Norfolk que eram usadas como pastagens para a criação de ovelhas, e nesses dias, o meu pai precisava de mais amigos e influências no Leste do país. Ela era a única herdeira do pai, e ele ficou bastante satisfeito com o casamento.
- Pois deve ter ficado! - exclamou ela. - O filho do Duque de Northumberland para uma rapariga que nunca estivera na corte, que mal sabia escrever o próprio nome e que não fazia mais do que ficar em casa e chorar no momento em que o marido estava em dificuldades?
- Deve ter sido um rumor bastante pormenorizado que chegou aos vossos ouvidos - observou Robert. - Pareceis conhecer toda a minha história conjugal.
O gorgolejo de riso culpado foi controlado quando a dama de companhia apareceu atrás deles.
- Vossa Graça, trouxe-vos o vosso xaile.
- Eu não pedi nenhum xaile - disse Isabel, surpreendida. Voltou-se novamente para Robert. - Sim, claro, ouvi falar do vosso casamento. E que tipo de mulher era a vossa. Mas até agora, tinha esquecido.
Ele fez uma vénia, com um sorriso disfarçado nos lábios.
- Posso ajudar-vos a recuperar um pouco mais a memória?
- Bem - disse ela de forma cativante. - O que ainda não sei ao certo é porque é que vos casastes com ela e, se foi por amor, como ouvi dizer, se ainda a amais.
- Casei com ela porque tinha dezasseis anos, era um jovem de sangue quente e ela tinha um rosto bonito e estava disposta a fazê-lo - disse ele, tomando o cuidado de não o fazer soar muito romântico para a sua audiência mais importante, apesar de se lembrar bastante bem de como fora, e que estava louco por Amy, desafiando o pai e insistindo em que ela fosse sua mulher. - Eu estava desesperado para ser um homem casado e um adulto, como eu pensava. Tivemos alguns anos felizes, mas ela era a filha predilecta do pai e estava habituada a ser mimada. Para ser sincero, suponho que eu também era um filho predilecto e havia sido bastante abençoado. Dois meninos mimados juntos, para dizer a verdade. Não nos entendíamos muito bem, depois de passada a novidade. Eu estava na corte, no séquito do meu pai, como sabeis, e ela ficou no campo.
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Ela não tinha vontade nenhuma de viver na corte e - Deus a abençoe - não tem quaisquer ares nem graças. Não sabe viver na corte nem deseja aprender a fazê-lo.
"Depois, para vos ser sincero, quando eu estava na Torre e temia pela minha vida, desabituei-me completamente de pensar nela. Ela visitou-me uma ou duas vezes, quando as mulheres dos meus irmãos os visitavam; mas não me trazia qualquer conforto. Era como ter notícias de outro mundo: falava-me da colheita do feno e das ovelhas, e das discussões com as criadas. Eu sentia, erradamente, tenho a certeza, que ela me estava a massacrar com o facto de o mundo continuar sem mim. Parecia-me que ela se sentia mais feliz sem mim. Tinha voltado para a casa do pai, estava livre da mancha da desgraça da minha família, retomara a vida da infância novamente e eu quase sentia que ela preferia que eu estivesse preso, em segurança, longe de problemas. Ela preferia que eu fosse um prisioneiro, do que um homem importante na corte e filho do homem mais importante."
Interrompeu-se por um momento.
- Sabeis como é - disse. - Quando somos prisioneiros, ao fim de algum tempo, o nosso mundo fica reduzido às paredes de pedra do nosso quarto, o único passeio que podemos dar até à janela e vice-versa. A nossa vida é constituída apenas por recordações. E depois começamos a desejar que nos tragam o jantar. Então, sabemos que somos verdadeiramente prisioneiros. Só pensamos no que está lá dentro. Esquecemo-nos de desejar o mundo lá fora.
Imediatamente Isabel apertou o braço dele com a mão.
- Sim - afirmou, por uma vez, sem coqueteria. - Deus sabe que eu percebo como é. E estraga o amor que possamos ter por qualquer coisa que esteja no exterior.
Ele assentiu com a cabeça.
- Sim. Ambos sabemos.
"Depois, quando fui libertado, saí da Torre como um homem arruinado. Toda a riqueza e propriedades da nossa família haviam sido confiscadas. Eu era um indigente."
- Um mendigo profissional? - sugeriu ela com um pequeno sorriso.
- Nem sequer era muito profissional - disse ele. - Eu estava destruído, Isabel; descera o mais baixo que um homem pode descer. A minha mãe morrera suplicando pela nossa liberdade. O meu pai retractara-se diante de todos nós, afirmara que a nossa fé fora uma praga para o Reino. Isso corroeu-me a alma; fiquei tão envergonhado. Depois, apesar de se ter ajoelhado diante deles para pedir
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paz, não deixaram de o executar como um traidor e, Deus o tenha, teve uma morte horrível que nos envergonhou a todos.
"O meu querido irmão John adoeceu na Torre comigo, e eu não consegui salvá-lo, nem sequer pude tomar conta dele, não sabia o que fazer. Deixaram-no ir para junto da minha irmã Maria, mas ele morreu da doença. Só tinha vinte e quatro anos, mas não consegui salvá-lo. Havia sido um mau filho, e um mau irmão, e segui as pisadas de um mau pai. Não tinha muito de que me orgulhar, quando saí da Torre."
Ela esperou.
- Não tinha para onde ir, senão para casa da madrasta dela, em Stanfield Hall, Norfolk - disse ele, com a amargura na voz ainda bastante intensa. - Tínhamos perdido tudo o que possuíamos: a casa de Londres, as grandes propriedades, a casa de Syon. A pobre da Amy perdera mesmo a sua própria herança, a quinta do pai em Syderstone
- soltou uma breve gargalhada. - A Rainha Maria tinha posto as freiras novamente em Syon. Imaginai! A minha casa voltara a ser um convento e elas cantavam o Te Deum no nosso salão enorme.
- A família dela tratava-vos bem? - perguntou ela, adivinhando a resposta.
- Como qualquer pessoa trataria um genro que se tivesse apresentado como o homem mais importante do Reino, e depois voltasse a casa como um prisioneiro sem vintém, com um pouco de tifo
- respondeu ele sarcasticamente. - A madrasta dela nunca me perdoou por ter seduzido a filha de John Robsart e pelo colapso das suas esperanças. Jurou que ele morrera de ataque cardíaco por causa do que eu fizera à filha dele, e também nunca me perdoou por isso. Nunca me deu mais do que alguns dinheiros para trazer no bolso. E quando souberam que estivera num encontro em Londres, ameaçaram expulsar-me de casa, sem nada.
- Que encontro? - perguntou ela, há muito uma conspiradora. Ele encolheu os ombros.
- Oh, para vos pôr no trono - disse ele, num tom de voz muito baixo. - Nunca deixei de conspirar. O meu maior pavor era que a vossa irmã tivesse um filho e tudo ficaria sem efeito. Mas Deus foi bom connosco.
- Arriscastes a vida a conspirar por mim? - perguntou ela, com os olhos escuros muito abertos. - Mesmo nessa altura? Quando havíeis acabado de ser libertado?
Ele sorriu para ela.
- Claro - disse ele descontraidamente. - Quem mais para mim, senão Isabel da Inglaterra?
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Ela suspirou.
- E depois disso fostes forçado a permanecer sem fazer nada, em casa?
- Eu, não. Quando a guerra começou, eu e o meu irmão, Henry, oferecemo-nos como voluntários para servir Filipe, contra os Franceses, nos Países Baixos - sorriu. - Vi-vos antes de partir. Lembrai-vos?
O olhar dela foi caloroso.
- Claro. Eu estava lá para dizer adeus a Filipe e para provocar a pobre Maria, e lá estáveis vós, tão belo e aventureiro como quem parte para a guerra, a sorrir para mim, do navio real.
- Tinha de encontrar uma forma de me voltar a erguer - disse ele. - Tinha de me afastar da família de Amy - fez uma pausa. E de Amy - confessou.
- Deixastes de estar apaixonado por ela? - perguntou, chegando finalmente à parte da história que pretendia desde o início.
Robert sorriu.
- Aquilo que agrada a um jovem que não sabe nada, aos dezasseis anos, não pode prender um homem que foi forçado a analisar a sua vida, a pensar no que lhe é mais sagrado e a começar novamente, do fundo. O meu casamento já tinha terminado na altura em que eu saí da Torre. A humilhação a que a madrasta dela me sujeitava, sem que ela interviesse, só colmatou o fim. Lady Robsart levou-me ao mais fundo que eu podia chegar. Não podia perdoar a Amy por assistir a tudo. Não conseguia perdoar-lhe por não ficar do meu lado. Tê-la-ia amado melhor se tivéssemos saído juntos daquela casa para o desastre. Mas ela deixou-se ficar sentada à lareira, na sua pequena cadeira, a fazer as bainhas das camisas, e relerhbrava-me, de vez em quando, quando levantava os olhos da costura, que Deus nos ordena que honremos pai e mãe, e que éramos completamente dependentes dos Robsart.
Calou-se, com o rosto ensombrado pela raiva recordada. Isabel ouvia, ocultando a sua satisfação.
- Por isso... Fui combater nos Países Baixos e pensei que faria nome e fortuna nessa guerra - soltou uma risada breve. - Esse foi o meu último momento de vaidade - admitiu. - Perdi o meu irmão, perdi a maior parte das minhas tropas e perdi Calais. Regressei a casa um homem muito humilde.
- E ela preocupava-se convosco?
- Foi então que ela achou que eu deveria ser condutor de uma parelha de animais - disse ele amargamente. - Lady Robsart ordenou-me que trabalhasse nos campos.
- Não pode tê-lo feito!
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- Ela queria humilhar-me. Eu saí de casa nessa noite e fiquei na corte ou com os amigos que estiveram dispostos a ajudar-me. O meu casamento acabara. No meu coração, eu era um homem livre.
- Um homem livre? - perguntou ela numa voz muito baixa. Diríeis que sois um homem livre?
- Sim - respondeu ele firmemente. - Estou livre para voltar a amar, e, desta vez, só quero o melhor. Não vou permitir que a má moeda afaste o ouro.
- Realmente - disse Isabel, tornando-se de súbito fria, e afastando-se rapidamente da intimidade perigosa. Voltou-se e fez sinal à dama de companhia para que se aproximasse. - Quero esse xaile agora - disse. - Podeis acompanhar-nos.
Caminharam em silêncio, Isabel analisava o que ele lhe dissera, separando a verdade evidente das aparências. Não era idiota ao ponto de acreditar na palavra de um homem casado. Ao seu lado, Dudley relembrava o que lhe dissera, ignorando determinadamente uma desconfortável sensação de deslealdade para com Amy, cujo amor, ele sabia, havia sido mais fiel e continuava a ser mais forte do que descrevera. É evidente que negara completamente o amor que ainda sentia por ela.
Cecil, Sir Francis Knollys e o jovem tio da Rainha, Thomas Howard, o duque de Norfolk, de vinte e três anos, estavam em conferência no vão da janela privada da antecâmara; atrás deles, a corte da Rainha estava presente, conversando, conspirando, namoriscando. A Rainha, no seu trono, estava a falar com o embaixador da Espanha, num espanhol fluente. Cecil, com um ouvido apurado para ver se detectava algum perigo vindo daquele grupo, estava, no entanto, muito concentrado em Sir Francis.
- Temos de encontrar um meio de revistar toda a gente antes de chegarem perto da Rainha, mesmo os nobres da corte.
- Seria muito ofensivo - objectou o duque. - E certamente a ameaça vem da gente comum.
- Vem de qualquer papista presumido - declarou Cecil sem rodeios. - A declaração do Papa, quando for publicada, fará dela um cordeiro para o massacre, como nunca antes aconteceu.
- Ela não pode continuar a jantar em público - afirmou Sir Francis pensativamente. - Teremos de recusar a autorização para as pessoas entrarem e assistirem ao jantar dela.
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Cecil hesitou. O acesso ao monarca, ou mesmo aos grandes senhores nos seus salões, fazia parte da ordem natural, da forma como as coisas sempre haviam sido feitas. Se tal devia ser alterado, a corte estaria a indicar muito claramente ao povo que deixara de confiar nele, e que se retirava para trás de portas trancadas.
- Parecerá estranho - disse de má vontade.
- E não poderá fazer mais nenhum cortejo público - afirmou Sir Francis. - Como é que se pode fazer?
Antes de Cecil o poder impedir, Sir Francis fez sinal a Robert Dudley, que se desculpou ao grupo que o rodeava e dirigiu-se a eles.
- Se o juntar aos nossos conselhos, eu saio - disse o duque abruptamente, e voltou-se para o outro lado.
- Porquê? - perguntou Sir Francis. - Ele sabe muito melhor do que qualquer um de nós como podemos fazer isto.
- Ele não sabe nada além da sua ambição, e lamentareis o dia em que o haveis incluído seja no que for - afirmou Thomas Howard rudemente e voltou as costas quando Dudley se juntou aos outros.
- bom dia, Sir William, Sir Francis.
- O que perturba o jovem Howard? - perguntou Sir Francis, enquanto o duque empurrava um homem para passar e se afastava.
- Penso que ele lamenta a ascensão da minha estrela - afirmou Dudley, divertido.
- Porquê?
- O pai dele odiava o meu - respondeu Dudley. - Na verdade, Thomas Howard prendeu o meu pai, os meus irmãos e a mim e levou-nos para a Torre. Não me parece que esperasse ver-me sair de lá novamente.
, Sir Francis assentiu com a cabeça, raciocinando.
- Deveis temer que ele influencie a Rainha contra vós?
- É bom que receie que eu a influencie a ela contra ele - respondeu Dudley. Sorriu para Cecil. - Ela sabe quem são os amigos dela. Sabe quem se manteve como amigo dela durante os seus anos problemáticos.
- E os seus anos problemáticos ainda não estão terminados disse Sir Francis, voltando ao assunto que tinham em mãos. Estamos a falar da segurança da Rainha quando ela for ao estrangeiro. Sir William tem notícias de que o Papa sancionou o uso da força contra ela por homens e mulheres comuns.
Dudley voltou um rosto espantado para o homem mais velho.
- Não pode ser verdade? Ele nunca faria tal coisa? É diabólico!
- Está sob apreciação - afirmou Cecil secamente. - E teremos a confirmação em breve. E depois o povo tomará conhecimento.
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- Não tinha ouvido nada acerca deste assunto - exclamou Robert.
- Ai não? - Cecil dissimulou o seu sorriso. - Ainda assim, eu tenho a certeza.
Dudley emudeceu por momentos, chocado com as notícias, mas percebendo, ao mesmo tempo, que Cecil tinha um espião na corte do Bispo de Roma. A rede de espiões e informadores de Cecil estava a adquirir proporções impressionantes.
- É para derrubar a ordem natural - disse ele. - Ela foi sagrada por um dos bispos dele. Ele não pode fazê-lo. Não pode lançar os cães sobre uma pessoa que foi consagrada.
- Vai fazê-lo - disse Cecil, irritado pela lentidão do jovem. - Na verdade, nesta altura, provavelmente já o fez. O que estamos a analisar é a forma de impedir que alguém lhe obedeça.
- Eu estava a dizer que ela tem de ser mantida afastada do povo - declarou Sir Francis.
Uma risada animada vinda do trono fez com que os três se interrompessem, se voltassem e sorrissem na direcção do local onde a Rainha namoriscava com o seu leque e se ria para o Embaixador Feria, que estava corado - dividido entre a frustração e o riso. Os três sorriam para ela, era irresistível na sua alegria, na sua boa disposição, na vivacidade da sua energia.
- O povo constitui a sua maior segurança - afirmou Dudley lentamente.
Cecil abanou a cabeça, mas Sir Francis conteve-o com uma mão na manga.
- O que quereis dizer?
- O Papa faz disto um assunto da gente comum, convida-os a atacá-la; mas não conhece esta Rainha. Ela não deveria esconder-se dos poucos homens ou mulheres que seriam capazes de lhe fazer mal, devia sair e cativar o amor dos restantes. A sua maior segurança seria se todos os homens, mulheres ou crianças deste país estivessem dispostos a arriscar a vida por ela.
- E como conseguiríamos tal coisa?
-Já o sabeis - afirmou Dudley secamente para Cecil. - Haveis visto. No cortejo da coroação, ela conquistou cada coração daquela multidão. Temos de correr o risco de a mostrar ao povo e de saber que vão ser eles a protegê-la. Cada inglês deve fazer parte da guarda da Rainha.
Sir Francis assentiu lentamente com a cabeça.
- E se houvesse uma invasão, eles lutariam por ela.
- Um único homem, com um único punhal, é praticamente imparável - afirmou Cecil friamente. - Ela pode vencer cem, mas se
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um a atacar, e se esse for o que tiver o punhal, então, ela será morta, e sê-lo-á à nossa porta. - Fez uma pausa. - E uma rainha católica herdará o trono, a Inglaterra será um joguete da França, e ficaremos arruinados.
- Como dizeis, imparável - acrescentou Robert, nada espantado com a tristeza daquela imagem. - Mas do vosso modo, dar-lhe-eis vinte guardas, talvez trinta. Do meu modo: dou-lhe toda a Inglaterra.
Cecil fez uma careta perante a linguagem romântica do jovem.
- Continuará a haver alguns sítios onde não poderemos deixar entrar as pessoas - prosseguiu Sir Francis. - Quando ela estiver a jantar, quando passar pelos salões para se dirigir à capela. São muitas e aproximam-se demasiado.
- Isso, deveríamos limitar - concordou Robert. - E podemos servir o jantar dela sem que ela lá esteja.
Cecil suspirou.
- Sem que ela lá esteja? Qual é o objectivo disso?
- As pessoas vêm para ver o trono e a baixela e a grande cerimónia - disse Robert despreocupadamente. - Virão de qualquer modo. Desde que exista um bom espectáculo, não precisam de a ver pessoalmente. Nos grandes dias e nos dias de festa, ela tem de lá estar para mostrar que está bem e animada. Mas a maior parte do tempo, pode comer em privado com os amigos, em segurança. Desde que seja suficientemente grandioso e que se ouçam as trombetas e que seja servido com pompa, as pessoas irão embora com a sensação de terem assistido a um bom espectáculo. Partirão, sabendo que o país está rico e seguro. É o que temos de fazer. Precisamos de lhes apresentar o espectáculo do trono. A Rainha não tende estar sempre lá pessoalmente, desde que todos sintam a sua presença.
- Servir-lhe jantar num trono vazio? - perguntou Cecil perplexo.
- Sim - respondeu Dudley. - E porque não? Já foi feito antes. Quando o jovem Rei Eduardo estava doente, serviram-lhe o jantar em pratos de ouro todas as noites, num trono vazio, e as pessoas vinham assistir e partiam satisfeitas. O meu pai decidiu que assim fosse. Apresentámos-lhes um grande espectáculo de grandeza, de riqueza. E quando eles a vêem realmente, ela tem de ser adorável, alcançável, palpável. Tem de ser uma rainha para o povo.
Cecil abanou a cabeça, mas Sir Francis estava persuadido.
- Falarei com ela sobre o assunto - disse ele, olhando de relance para trás, para o trono. O embaixador espanhol estava de saída, estava a entregar-lhe uma carta ostentosamente selada com o brasão do imperador espanhol. com os olhos da corte sobre si,
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Isabel aceitou-a e - aparentemente sem se aperceber de que todos estavam a observá-la - encostou-a ao peito.
- Penso que descobríreis que Isabel sabe como montar o seu espectáculo - disse Robert secamente. - Ela nunca na vida desiludiu uma audiência.
IV
O próprio mordomo de Robert Dudley veio pessoalmente de Londres para escoltar Amy para a breve viagem até Bury St Edmunds, e para lhe levar uma bolsa com ouro, uma medida de veludo vermelho quente para fazer um vestido novo, e as saudações afectuosas do marido.
Trazia igualmente consigo uma dama de companhia: a Sr.;l Elizabeth Oddingsell, a irmã viúva de um dos amigos mais antigos e fiéis de Robert Dudley, que estivera com Amy em Gravesend e depois fora com ela para Chichester. Amy ficou satisfeita por voltar a ver aquela mulher pequena, de cabelo escuro e cheia de energia.
- Como a vossa sorte muda realmente - afirmou a Sr.a Oddingsell alegremente. - Quando soube pelo meu irmão que Sir Robert havia sido nomeado Estribeiro-Mor, pensei escrever-vos, mas não queria transmitir-vos a ideia de que estava a impor a minha presença. Pensei que agora deveríeis ter muitos amigos que procuram as vossas relações.
- Espero que o meu senhor tenha muitos amigos novos - disse Amy. - Mas eu continuo muito afastada aqui no campo.
- Claro que deveis estar. - A Sr.a Oddingsell lançou uma olhadela rápida em volta da sala pequena e fria que constituía o corpo principal da casa quadrada construída em pedra. - Bem, disseram-me que iremos fazer uma série de visitas. Vai ser agradável. Andaremos em viagem, como uma rainha.
- Sim - disse Amy calmamente.
- Oh! Estava a esquecer-me! - A Sr.a Oddingsell desenrolou um cachecol do pescoço. - Ele enviou-vos uma pequena égua preta, amorosa. Devereis dar-lhe o nome que desejardes. Isso tornará a nossa viagem mais alegre, não pensais?
Amy correu para a janela e olhou para o pátio. Havia uma pequena escolta que carregava as poucas arcas de Amy numa carroça, e na parte de trás das tropas estava uma pequena égua de ar dócil, bastante tranquila.
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- Oh! É tão bonita! - exclamou Amy. Pela primeira vez desde a chegada de Isabel ao trono, sentiu-se animada.
- E enviou-vos uma bolsa com ouro para que liquideis as dívidas dele aqui, e para que compreis qualquer coisa do vosso agrado - afirmou a Sr.a Oddingsell, procurando no bolso da sua capa e retirando o dinheiro.
Amy recebeu a bolsa pesada na mão.
- Para mim - disse ela. Era a maior quantidade de dinheiro que tivera em muitos anos.
- Os vossos tempos difíceis terminaram - disse gentilmente a Sr Oddingsell. - Graças a Deus. Para todos nós, os bons tempos chegaram por fim.
Amy e a Sr.a Oddingsell iniciaram a sua viagem um pouco depois do amanhecer, numa manhã fria de Inverno. Interromperam a viagem em Newborough, e descansaram durante duas noites, depois prosseguiram. Foi uma viagem sem incidentes, perturbada apenas pelo frio, a escuridão invernal e o estado das estradas. Mas Amy estava contente com o seu cavalo novo, e a Sr.a Oddingsell manteve-a animada enquanto viajavam pelas estradas enlameadas e chapinhavam por poças de água gelada.
O Sr. e a Sr.a Woods em Bury St Edmunds receberam Amy amigavelmente, e com ar de quem tinha todo o prazer em fazê-lo. Asseguraram-lhe que era bem-vinda e que poderia ficar tanto tempo quanto desejasse; Sir Robert mencionara na sua carta que ela ficaria com eles até Abril.
- Ele enviou alguma carta para mim? - perguntou Amy.
A alegria esvaiu-se do seu rosto quando lhe responderam: "Não". Era apenas um bilhete breve para lhes dizer quando deviam esperá-la e a duração da sua estadia.
- Ele disse se vinha cá? - perguntou ela.
- Não - respondeu novamente a Sr.a Woods, sentindo-se desconfortável pela sombra que atravessou o rosto de Amy. - Penso que deve estar muito ocupado na corte - prosseguiu ela, tentando disfarçar o momento de desconforto. - Duvido que consiga vir a casa nas próximas semanas.
Ela podia ter mordido a língua de irritação pela sua própria inépcia, ao perceber que não havia casa para este casal jovem.
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Recorreu às boas maneiras da hospitalidade. Desejava Amy descansar depois da viagem? Gostaria de tomar banho? Gostaria de jantar de imediato?
Amy disse abruptamente que lamentava, mas que estava muito cansada e que iria descansar para o quarto. Saiu apressadamente da sala, deixando a Sr.a Woods e a Sr.a Oddingsell sozinhas.
- Ela está cansada - disse a Sr.a Oddingsell. - Receio que não seja muito forte.
- Quereis que mande chamar o nosso médico a Cambridge? sugeriu a Sr.a Woods. - É muito bom, viria imediatamente. Ele é totalmente a favor de aplicar ventosas no paciente para lhe regular os humores. Ela está muito pálida, ela é de humores aquosos, qual é a vossa opinião?
Elisabeth Oddingsell abanou a cabeça.
- Ela sente um grande mal-estar - respondeu ela.
O Sr. Woods pensou que ela se referia a uma indigestão e ia oferecer-lhe araruta e leite, mas a Sr.a Woods, recordando-se do vislumbre que tivera de Robert Dudley, de olhos escuros, em cima de um cavalo negro, no cortejo da coroação, cavalgando atrás da Rainha como se fosse o próprio príncipe consorte, de repente, percebeu.
Era Cecil, e não Dudley, quem estava ao lado da Rainha a seguir ao jantar. Ela fora servida com a grandiosidade da tradição Tudor, grandes travessas eram passadas ao longo do salão de jantar do Palácio de Whitehall, verificadas pelo provador responsável por se certificar de que não continham veneno, e que lhe eram apresentadas de joelho dobrado. Três dos criados eram jovens e desastrados. Eram homens de Cecil, espiões posicionados para a observar e proteger, que, ao mesmo tempo, aprendiam a servir com o joelho dobrado.
Isabel retirou uma pequena porção de cada travessa e depois enviou-as para os seus favoritos, que estavam sentados no centro do salão. Olhos perspicazes controlavam para onde se dirigiam os melhores pratos, e quando um prato de carne de veado estufada foi enviado a Dudley, ouviram-se queixas abafadas. O ruído forte e alegre da corte a jantar enchia o grande salão, os criados limparam as mesas e depois foi feito um sinal a Cecil para que se aproximasse do estrado e este apresentou-se diante da Rainha.
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Ela indicou por gestos aos músicos que começassem a tocar; ninguém conseguia ouvir a conversa que mantinham em voz baixa.
- Tendes notícias de algum assassino contratado? - perguntou ela Ele observou a tensão no rosto dela.
- Estais em segurança - respondeu ele firmemente, apesar de saber que nunca poderia voltar a dizer-lho com sinceridade. - As portas estão vigiadas, os vossos portões estão guardados. Nem um rato conseguirá entrar sem que tomemos conhecimento.
Ela conseguiu esboçar um leve sorriso.
- Óptimo. Dizei-lhes que permaneçam alerta. Ele assentiu com a cabeça.
- E no que se refere à Escócia: li o vosso bilhete esta tarde. Não podemos fazer o que propondes - disse ela. - Não podemos apoiar os rebeldes contra uma rainha, isso é subverter o estado de direito. Teremos de esperar e ver o que acontece.
Era como Cecil esperava. Ela tinha um pavor de morte de cometer um erro. Era como se tivesse vivido no limiar do desastre durante tanto tempo que não conseguisse suportar dar um passo em frente, nem um passo atrás. E tinha razão em ser cautelosa. Qualquer decisão na Inglaterra tinha uma centena de oponentes, cada mudança tinha mil. Qualquer coisa que constituísse uma ameaça para a prosperidade individual de um homem, fazia dele um inimigo, qualquer coisa que funcionasse em benefício dele, tornava-o um aliado ávido e duvidoso. Ela era uma rainha acabada de chegar ao trono e a coroa estava perigosamente instável sobre a sua cabeça. Não se atrevia a pensar em nada que pudesse minar o poder das rainhas.
Cecil certificou-se de que nenhum sinal destes pensamentos assomava ao seu rosto. Era sua firme convicção de que a inteligência de uma mulher, mesmo a de uma mulher com uma educação formidável como aquela, não conseguia suportar o peso de demasiada informação, e o temperamento de uma mulher, especialmente o desta, não era suficientemente forte para tomar decisões.
- Nunca seria capaz de apoiar uma rebelião contra uma rainha reinante - especificou ela.
com diplomacia, Cecil evitou mencionar os anos em que Isabel fora o centro e por vezes a instigadora de uma dúzia de conspirações contra a sua meia-irmã de sangue puro, que fora sagrada rainha.
- Acho muito bem que desejeis que apoiemos os protestantes escoceses contra a regente, a Rainha Maria de Guise, mas não posso apoiar nenhuns rebeldes contra uma rainha ou rei reinante. Não posso intrometer-me no reino de outros.
- Tendes razão, mas a princesa francesa vai intrometer-se no
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vosso - avisou-a ele. -Já tem as armas da Inglaterra esquartejadas no brasão dela, considera-se a verdadeira herdeira da Inglaterra e metade da Inglaterra e a maior parte da Cristandade diria que ela tem esse direito. Se o sogro, o rei francês, decidir apoiar a reivindicação dela ao vosso trono, os Franceses poderiam invadir a Inglaterra amanhã, e qual seria o ponto de passagem mais conveniente senão a Escócia e o Norte? A mãe dela, uma francesa, governa a Escócia como regente; os soldados franceses já afluem em massa à nossa fronteira, a norte; o que estão lá a fazer, senão à espera de nos invadirem? Esta é uma batalha que tem de chegar. Mais vale combatermos o exército francês na Escócia, com os protestantes escoceses do nosso lado, do que esperarmos que venham e comecem a invadir-nos pela Grande Estrada do Norte quando não soubermos quem poderá apoiar-nos a nós e quem poderá apoiá-los a eles.
Isabel fez uma pausa; a inclusão dos leopardos ingleses no escudo da filha de Maria de Guise era uma ofensa que tocava directamente o seu coração ciumento e possessivo.
- Ela não se atreveria a reivindicar o meu trono. Ninguém a apoiaria em meu desfavor - disse audaciosamente. - Ninguém que rena outra Maria Católica no trono.
- Centenas de pessoas quereriam - afirmou Cecil num tom abatido. - Milhares.
Aquilo fez com que se detivesse, como ele sabia que faria. Podia ver que ela empalidecera um pouco. ;
- As pessoas adoram-me - afirmou ela.
- Nem todas.
Ela riu-se, mas não havia alegria verdadeira na voz dela.
- Dizeis que tenho mais amigos na Escócia do que no Norte da Inglaterra?
- Sim - afirmou ele sem rodeios.
- Filipe da Espanha seria meu aliado, se houvesse uma invasão
- declarou ela.
- Sim, desde que pense que sereis mulher dele. Mas conseguireis mantê-lo convicto dessa ideia por muito mais tempo? Não tencionais verdadeiramente casar com ele, pois não?
Isabel riu-se como uma menina e, sem se aperceber de que se estava a comprometer a si própria, olhou em volta da sala para Robert Dudley, que estava sentado entre outros dois homens jovens e belos. Ele suplantava-os, sem qualquer esforço. Inclinou a cabeça para trás para se rir e estalou os dedos, para pedir mais vinho. Um criado, que ignorava conscientemente os outros convivas sequiosos correu para atender o seu pedido.
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- Eu poderia casar com Filipe - disse ela. - Ou posso mantê-lo à espera.
- O que é importante - disse Cecil gentilmente - é que escolhais um marido e que concebais um herdeiro. Essa é a forma de tornar o país mais seguro contra a Princesa Maria. Se tiverdes um marido forte do vosso lado e um filho no berço, ninguém quererá outra rainha. As pessoas até se esquecerão da religião, se houver uma sucessão segura.
- Não me foi proposto ninguém que eu tivesse a certeza de amar como um marido - disse ela, começando a irar-se com o tema que mais a irritava. - E estou satisfeita com o meu estado civil de solteira.
Robert ergueu a sua taça num brinde à saúde de uma das damas de companhia de Isabel, a sua amante mais recente, a amiga fez-lhe um sinal com o cotovelo e ela sorriu afectadamente para ele, no outro lado da sala. Aparentemente, Isabel não vira nada, Cecil sabia que ela não perdera pitada.
- E a Escócia? - perguntou ele.
- É um risco muito grande. É muito bonito dizer-se que os lordes protestantes escoceses se revoltarão contra Maria de Guise, mas e se não o fizerem? Ou se o fizerem, e forem derrotados? Como terminaremos então, senão derrotados numa guerra que nós próprios fabricámos? E envolvidos nos assuntos de uma rainha sagrada. O que será isso, senão ir contra a vontade de Deus? E provocar uma invasão francesa.
- Na Escócia ou na Inglaterra, teremos de enfrentar os Franceses
- previu Cecil. - com os Espanhóis do nosso lado ou sem eles. O que vos aconselho, Vossa Graça, Não! o que vos suplico que compreendais é que temos de enfrentar os Franceses e devemos fazê-lo numa altura e local da nossa escolha, e com aliados. Se os combatermos agora, teremos os Espanhóis como nossos aliados. Se demorarmos muito tempo, teremos de combater sozinhos. E então perderemos de certeza.
- Os católicos da Inglaterra ficarão bastante irritados, se souberem que vamos unir-nos à causa protestante, contra uma rainha católica legítima - relembrou ela.
- Fostes apresentada como a princesa protestante, não será uma grande surpresa para eles, não será pior para nós. E muitos deles, mesmo os católicos mais resistentes, ficariam felizes por ver os Franceses serem totalmente derrotados. Muitos deles são ingleses, antes de serem católicos.
Isabel virou-se irritadamente no seu trono.
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- Não quero ser conhecida como a rainha protestante - disse de mau humor, - Já não inquirimos suficientemente a fé dos homens para voltarmos a perseguir as suas almas? As pessoas não podem simplesmente prestar o seu culto da forma que desejarem, e deixarem as outras entregues às suas devoções? Tenho de suportar os inquéritos constantes dos bispos aos Comuns relativamente ao que eu penso, ao que as pessoas deveriam pensar? Não será suficiente o facto de termos restaurado a Igreja para o que era no tempo do meu pai, mas sem as punições dele?
- Não - respondeu ele com franqueza. - Vossa Graça - acrescentou, quando ela lhe lançou um olhar duro. - Sereis constantemente forçada a tomar um partido. A Igreja precisa de liderança, tendes de comandá-la ou deixá-la nas mãos do Papa. O que ides fazer?
Observou o seu olhar vaguear, olhava para além dele, para Robert Dudley, que se levantara do seu lugar à mesa e atravessava a sala na direcção do local onde as damas de companhia estavam sentadas. Enquanto se aproximava, todas se voltavam para ele, sem parecerem mover-se; todas as suas cabeças giravam como flores à procura do sol, a sua favorita actual corando de antecipação.
- Pensarei nisso - disse ela abruptamente. Fez sinal com o dedo a Robert Dudley e calmamente, ele alterou a direcção, aproximando-se do estrado e fazendo uma vénia.
- Vossa Graça - disse de modo agradável.
- Gostava de dançar.
- Quereis dar-me a honra? Estava com vontade de vos convidar, mas não me atrevia a interromper a vossa conversa, parecíeis tão séria.
- Não só séria, mas urgente - relembrou-lhe Cecil, com um ar severo.
Ela assentiu com a cabeça, mas ele percebeu que perdera a atenção dela. Ela levantou-se do trono, com olhos apenas para Robert. Cecil afastou-se para o lado e a Rainha passou por ele, dirigindo-se ao centro da sala. Robert fez-lhe uma vénia, tão gracioso como um italiano, e pegou-lhe na mão. Um ligeiro rubor aflorou ao rosto de Isabel quando ele lhe tocou. Ela voltou a cabeça para o lado oposto.
Cecil observou o conjunto de dançarinos que se formava atrás do par. Catherine e Francis Knollys atrás deles, a irmã de Robert, Lady Mary Sidney e o seu companheiro, outras damas e nobres da corte atrás deles, mas nenhum par se aproximava sequer da beleza daquele que a rainha formava com o seu favorito. Cecil não conseguia deixar de sorrir dos dois, um par radiante de belezas bem combinadas. Isabel captou o seu olhar indulgente e lançou-lhe um
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sorriso atrevido. Cecil inclinou a cabeça. Afinal, ela era uma mulher jovem, não era apenas uma rainha, e era bom para a Inglaterra ter uma corte alegre.
Mais tarde, nessa noite, no palácio silencioso, sob um céu completamente negro, a corte dormia, mas Cecil estava acordado. Vestira um roupão sobre a camisa de linho e estava sentado à sua enorme secretária, com os pés descalços embrulhados no debrum de pele do seu roupão, para se proteger do frio invernoso do chão de pedra. A sua caneta riscava o manuscrito enquanto ele elaborava a lista de candidatos à mão da Rainha, e as vantagens e desvantagens de cada um dos partidos. Cecil era excelente a fazer listas; a evolução das mesmas pela página abaixo correspondia à progressão ordenada do seu pensamento.
Maridos para a Rainha,
1. Rei Filipe da Espanha - necessitará de uma dispensa do Papa, apoiar-nos-ia contra a frança e proteger-nos-ia do perigo dos franceses na Escócia; mas utilizará a Inglaterra nas suas guerras; o povo nunca o aceitaria uma segunda vez; será que ele pode conceber uma criança?ela já se sentiu atraída por ele antes, mas talvez, fosse para se vingar, e apenas por ele ser casado com a irmã dela.
2. Arquiduque Carlos - um Habsburgo, mas que dispõe de liberdade para viver na Inglaterra. Aliança espanhola diz-se que é fanaticamente religioso; diz-se que é feio e ela não suporta a fealdade, nem sequer nos homens.
3. Arquiduque fernando - é irmão do anterior, portanto, apresenta as mesmas vantagens, mas diz-se que é agradável e mais bem-parecido; mais jovem, por isso, mais moldável? Ela nunca tolerará um senhor, nem nós.
4. Príncipe "Erik da Suécia - um grande casamento para ele e agradaria aos mercadores bálticos, mas não seria de grande ajuda para nós em nenhum outro campo; transformaria os franceses e os Espanhóis em nossos inimigos ferozes e trazendo apenas os escassos Benefícios de um aliado fraco. Protestante, é claro também rico, o que seria uma grande ajuda.
5. Conde de Arran - herdeiro do trono escocês depois da Princesa Maria; podia liderar a campanha escocesa em nosso nome. Bonito, protestante, pobre (e, assim, ficar-me-ia grato). Se derrotasse os franceses na Escócia, o nosso pior perigo desapareceria; e um filho dele e da rainha uniria finalmente os dois reinos. Uma monarquia escocesa-inglesa resolveria tudo...
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6. Um plebeu inglês - ela é uma mulher jovem e mais tarde ou mais cedo é provável que se interesse por alguém que esteja sempre de volta dela. Esta seria a pior escolha: ele traria os seus próprios amigos e família irritaria as outras famílias; procuraria obter grandes poderes com base no seu conhecimento do país; seria um desastre para mim...
Cecil fez uma pausa e acariciou os lábios com a pluma da sua pena.
Não pode ser. Não podemos ter um súbdito superpoderoso que favoreça a sua própria família e a volte contra mim e contra a minha família. Graças a Deus que Robert Dudley já é casado ou estaria a planear algum esquema para levar este namorico mais longe. Conheço-o e à sua...
Sentou-se rodeado pelo silêncio nocturno do palácio. Lá fora, no torreão, um mocho piou, chamando um companheiro. Cecil pensou na Rainha, que estava a dormir, e o seu rosto suavizou-se com um sorriso que era tão terno como o de um pai. Depois, puxou uma nova folha de papel para si, e começou a escrever.
Para o Conde de Arran:
"Meu Senhor,
Neste momento de urgência dos vossos assuntos, o portador da presente mensagem transmitir-vos-á os meus cumprimentos e as minhas esperanças de que o deixeis ajudar-vos a vir à Inglaterra, onde a minha casa e os meus criados terão toda a honra em colocar-se ao vosso dispor..
Isabel, no seu apartamento privado no Palácio de Whitehall, estava a reler uma carta de amor de Filipe da Espanha, a terceira de uma série que se fora tornando gradualmente mais apaixonada, à medida que a correspondência se sucedia. Uma das suas damas de companhia, Lady Betty, esticava-se para ver as letras ao contrário, mas não conseguia perceber o latim, e, em silêncio, amaldiçoava a sua fraca educação.
- Oh, ouvi - suspirava Isabel. - Ele diz que não consegue dormir nem comer só de pensar em mim.
- Então, deve estar terrivelmente magro - disse vigorosamente Catherine Knollys. - Sempre foi muito magro; tinha pernas de pombo.
Lady Mary Sidney, a irmã de Robert Dudley, riu-se.
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- Silêncio! - repreendeu-as Isabel com formalismo; era sempre muito sensível ao estatuto de um outro monarca. - Ele é muito distinto. E, de qualquer forma, atrevo-me a afirmar que ele se alimenta. É apenas poesia, Catherine. Só está a afirmá-lo para me agradar.
- Puro disparate - afirmou Catherine entre dentes. - E disparates papistas, nesse caso.
- Ele diz que se debateu com a consciência, e com o respeito pela minha fé e pelos meus conhecimentos, e que tem a certeza de que, de algum modo, encontraremos uma forma de ambos continuarmos a seguir as nossas respectivas fés, e ainda assim unir os nossos corações.
- Trará uma dúzia de cardeais no séquito - previu Catherine. E a Inquisição atrás deles. Ele não sente qualquer afeição por vós, isto é tudo política.
Isabel levantou o olhar.
- Catherine, ele sente realmente afeição por mim. Vós não estáveis aqui, ou tê-lo-íeis visto por vós mesma. Todos repararam na altura, foi um escândalo enorme. Juro-vos que teria sido deixada na Torre ou em prisão domiciliária o resto da minha vida se ele não tivesse intervindo por mim, contra a má vontade da Rainha. Ele insistiu para que eu fosse tratada como uma princesa e uma herdeira... - interrompeu-se e alisou a saia de brocado dourado do vestido. - E era muito terno comigo. A sua voz adquiriu a entoação narcisista habitual. Isabel estava sempre pronta para se apaixonar por si mesma. - Ele admirava-me, para vos dizer a verdade; adorava-me. Um verdadeiro príncipe, um verdadeiro rei, e estava desesperadamente apaixonado por mim. Quando a minha irmã estava de cama, nós passávamos muito tempo juntos, e ele era...
- Que excelente marido vai dar - interrompeu-a Catherine. Então, ele namoriscava com a cunhada enquanto a mulher estava de resguardo.
- Ela não estava propriamente em resguardo - disse Isabel com enorme irrelevância. - Ela só pensava que estava grávida, por estar tão inchada e doente...
- Ainda mostra mais o que ele é - disse Catherine triunfante. com que então, ele namorava com a cunhada na altura em que a mulher estava doente, fazendo-a sofrer por algo que não dependia da vontade dela. Vossa Graça, com toda a seriedade, não podeis casar-vos com ele. O povo da Inglaterra não aceitará que o rei da Espanha volte novamente, ele já era odiado da primeira vez que cá esteve, enlouqueceriam se voltasse outra vez. Ele esvaziou o tesouro, partiu
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o coração da vossa irmã, não lhe deu um filho, fez com que perdêssemos Calais e passou os últimos meses a ter os casos mais vergonhosos com as damas de Bruxelas.
- Não! - disse Isabel, desviando imediatamente a atenção da sua carta de amor. - Então é isso que ele quer dizer quando afirma que não consegue dormir nem comer?
- Porque está sempre na cama com as mulheres gordas dos burgueses. É tão devasso como um pardal! - Catherine sorriu diante da risada irresistível da prima. - Deveis ser capaz de conseguir melhor do que as sobras da vossa irmã! Não sois assim tão velha que tenhais de vos satisfazer com carnes frias, um marido em segunda mão. Existem escolhas melhores.
- Oh! E com quem queríeis que eu casasse? - perguntou Isabel.
- O Conde de Arran - respondeu Catherine prontamente. É jovem, é protestante, é bonito, é muito, muito encantador. Cruzei-me com ele de passagem e perdi o coração de imediato. E quando herdar o trono, unireis a Inglaterra e a Escócia num único reino.
- Só se Maria de Guise fizesse o favor de morrer e se a filha lhe seguisse o exemplo - observou Isabel. - E Maria de Guise está de boa saúde e a filha é mais nova do que eu.
- As coisas mais estranhas acontecem para materializar a vontade de Deus - afirmou Catherine confiantemente. - E se a regente Maria sobreviver, porque não poderá ser afastada do trono por uma bela herdeira protestante?
Isabel franziu o sobrolho e olhou em volta da sala para ver quem estava a ouvir.
- Já chega, Catherine, arranjar casamentos não é para vós.
- Trata-se de arranjar casamento e da segurança da nossa nação e da nossa fé - disse Catherine, impenitente. - E tendes a oportunidade de garantir a Escócia para o vosso filho, e protegê-la do Anticristo do Papismo casando com um homem jovem e bonito. A mim, parece-me que não há muito a decidir. Quem não quereria o Conde de Arran, a combater do lado dos lordes escoceses pelo reino de Deus na terra, e o reino da Escócia como dote?
Catherine Knollys podia ter razão na sua preferência pelo jovem Conde de Arran, mas no final de Fevereiro, surgiu outro pretendente na corte de Isabel: o embaixador austríaco, o Conde von
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Helfenstein, reivindicando os direitos dos arquiduques, Carlos e Fernando.
- Sois uma flor infestada de borboletas - sorriu Robert Dudley, enquanto passeavam nos frios jardins do Palácio de Whitehall, com dois dos novos guardas de Isabel seguindo-os a uma distância discreta.
- Devo ser mesmo, porque não faço nada para os atrair.
- Nada? - perguntou-lhe ele, com uma sobrancelha escura levantada.
Ela fez uma pausa para olhar para ele sob a aba do chapéu.
- Não provoco as atenções - reclamou ela.
- Nem pela forma como andais?
- É evidente que não, limito-me a deslocar-me de um sítio para outro.
- O modo como dançais?
- Ao estilo italiano, tal como a maioria das damas faz.
- Oh, Isabel.
- Não podeis tratar-me por Isabel.
- Bem, a mim não me podeis mentir.
- Que regra é essa?
- É para vosso benefício. Agora, voltando ao assunto. Vós atraís pretendentes pela forma como falais.
- Tenho de ser amável com os diplomatas que nos visitam.
- Sois mais do que amável, sois...
- O quê? - perguntou ela com um riso abafado na voz.
- Prometedora.
- Ah, eu não prometo nada! - disse ela de imediato. - Eu nunca prometo.
- Exactamente - disse ele. - É essa a vossa armadilha. Pareceis prometedora, mas não prometeis nada.
Ela riu-se alto na sua felicidade.
- É verdade - confessou ela. - Mas, para ser sincera, querido Robin, tenho de jogar este jogo, não é apenas para meu prazer.
- Nunca casaríeis com um francês para garantir a segurança da Inglaterra?
- Nunca recusaria um francês - disse ela. - Qualquer um dos meus pretendentes é um aliado para a Inglaterra. É mais como jogar xadrez do que um namoro.
- E não existe nenhum homem que faça o vosso coração bater mais depressa? - perguntou ele, numa súbita investida na intimidade.
Isabel levantou os olhos para ele, o seu olhar fixo, o seu rosto esvaziado de qualquer coqueteria, absolutamente sincero.
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- Nem um - disse simplesmente.
Por um momento, ele ficou absolutamente surpreendido. Ela riu-se às gargalhadas.
- Apanhei-vos! - disse-lhe. - Seu cão vaidoso! Pensáveis que me havíeis apanhado!
Ele pegou-lhe na mão e levou-a à boca.
- Penso que nunca vos apanharei - afirmou ele. - Mas seria um homem feliz se passasse a minha vida a tentá-lo.
Ela tentou rir-se, mas quando ele se aproximou, o riso ficou-lhe preso na garganta. -Ah, Robert... -Isabel? Ela queria retirar a mão, mas ele segurou-a firmemente.
- Terei de casar com um príncipe - disse ela insegura. - É um jogo, ver onde os dados vão cair, mas eu sei que não posso governar sozinha e tenho de ter um filho para me suceder.
- Tendes de casar com um homem que possa servir os vossos interesses, e os do país - afirmou ele perseverantemente. - E seríeis inteligente se escolhesses um homem com quem gostásseis de vos deitar.
Ela suspirou com o choque.
- Sois muito descarado, Sir Robert.
A confiança dele não se deixou abalar, continuava a segurar a mão dela firmemente.
- Tenho a certeza - disse docemente. - Sois uma mulher jovem, além de serdes rainha. Tendes um coração, além de uma coroa. E deveis escolher um homem para satisfazer os vossos desejos, assim como os do país. Não sois mulher que aceite uma cama fria, Isabel. Não sois uma mulher que possa casar apenas por motivos políticos. Quereis um homem que possais amar e em quem possais confiar. Sei-o. Conheço-vos.
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Primavera de 1555
As açucenas da Quaresma despontavam em Cambridgeshire, numa mancha irregular de creme e dourado, cobrindo os campos ao longo do rio, e os melros cantavam nas sebes. Amy Dudley saía todas as manhãs para passear a cavalo com a Sr.a Woods e demonstrava ser uma hóspede encantadora, admirando os campos para as ovelhas e revelando os seus conhecimentos sobre a colheita de feno, que começava a reverdecer, entre a suavidade seca da erva de Inverno.
- Deveis sentir vontade de ter uma propriedade vossa - observou a Sr.a Woods, enquanto cavalgavam por um pequeno bosque de carvalhos novos.
- Espero que compremos uma - disse Amy num tom alegre. Flitcham Hall, perto da minha antiga casa. A minha madrasta escreveu-me para dizer que o Senhor Symes está decidido a vendê-la e eu sempre gostei dela. O meu pai dizia que seria capaz de dar a sua fortuna por ela. Esperava comprá-la há alguns anos, para mim e para Robert, mas depois... - interrompeu-se. - De qualquer forma, espero que possamos comprá-la agora. Tem três boas áreas de bosque, e dois rios limpos. Tem alguns prados húmidos no local onde os rios se encontram, e na terra mais alta, o solo suporta uma boa colheita, sobretudo de cevada. Os campos mais altos são para as ovelhas, claro, eu conheço o rebanho, vou para ali montar a cavalo desde a minha infância. O meu senhor gostou do lugar e eu penso que o teria comprado, mas quando os nossos problemas começaram... - ela voltou a interromper-se. - De qualquer forma - disse num tom mais alegre - pedi a Lizzie Oddingsell para lhe escrever e para lhe dizer que está à venda, e estou à espera da resposta dele.
- E não o haveis visto desde que a Rainha herdou o trono? perguntou a Sr.a Woods incrédula.
Amy afastou o assunto com uma risada.
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- Não. Não é um escândalo? Pensei que viria a casa no Dia de Reis, na verdade, prometeu que viria; mas uma vez que é o Estribeiro-Mor, era responsável por todas as festividades na corte, e tinha tanta coisa para fazer! Sabeis que a Rainha vai montar a cavalo ou caçar todos os dias. Ele tem de gerir os estábulos dela e todos os entretenimentos da corte, as mascaradas e bailes, as festas e tudo o resto.
- Não tendes vontade de vos juntar a ele?
- Oh, não - respondeu Amy decididamente. - Fui para Londres com ele quando o pai ainda era vivo e toda a família estava na corte, e foi terrível.
A Sr.a Woods riu-se para ela.
- Porquê? Porque é que foi assim tão terrível?
- A maior parte do dia não há nada para fazer, além de andar por ali a falar de assuntos fúteis - disse Amy com franqueza. - Para os homens, é evidente que existem as actividades do Conselho Privado e do Parlamento para debater, e uma procura interminável de pensões, lugares e favores. Mas para as mulheres só há o serviço nos aposentos da Rainha e nada mais, a sério. Muito poucas mulheres se interessam pelos assuntos do reino, e, de qualquer modo, nenhum homem estaria interessado na minha opinião. Tive de fazer companhia à minha sogra vários dias seguidos, e ela não se interessava por ninguém além do Duque, o seu marido e os filhos. Os quatro irmãos do meu marido eram todos brilhantes e muito leais uns aos outros, e ele tem duas irmãs, Lady Catherine e Mary...
- Essa é a Lady Sidney agora?
- Sim, é essa. Todos pensam que Sir Robert é um deus, e por isso nunca ninguém teria sido suficientemente bom para ele. Muito menos eu. Todos pensavam que eu era uma tonta e, na altura em que fui autorizada a partir, concordei absolutamente com eles.
A Sr.a Woods riu-se com Amy.
- Que pesadelo! Mas deveis ter podido dar a vossa opinião, fazíeis parte de uma família que estava no centro do poder.
Amy fez uma cara triste.
- Naquela família aprendia-se muito depressa que se tivéssemos opiniões que não estivessem de acordo com as do Duque, seria melhor não as pronunciarmos - disse ela. - Apesar de o meu marido se ter revoltado contra ela, sempre soube que a Rainha Maria era a rainha legítima, e sempre soube que a fé dela triunfaria. Mas era melhor para mim, e para Robert, manter uma certa reserva em relação aos meus pensamentos e à minha fé.
- Mas que teste de força moral! Nunca discutir quando eles eram tão autoritários!
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Amy riu-se.
- O que vos contei não é nada - disse ela. - E o pior de tudo é que Sir Robert não é assim. Quando o conheci em casa do meu pai, ele era tão miúdo, tão doce e amoroso, íamos comprar uma casa senhorial e ter ovelhas e ele ia criar cavalos. E aqui estou eu, ainda à espera que ele volte para casa.
- Sempre desejei ir para a corte - observou a Sr.a Woods numa pausa nostálgica. - O Sr. Woods, uma vez, levou-me a ver a Rainha anterior a jantar e era uma cerimónia muito grandiosa.
- Dura uma eternidade - disse Amy secamente. - E a comida está sempre fria, e metade das vezes está tão mal cozinhada que todos voltam para os seus próprios aposentos e comem a própria comida que lhes é cozinhada aí, para conseguirem comer alguma coisa em condições. Não podemos ter os nossos próprios cães de caça, e não podemos ter mais criados do que o camareiro-mor permite, e temos de respeitar os horários da corte... levantar tarde e deitar tarde, até estarmos tão cansados que podíamos morrer.
- Mas essa vida agrada a Sir Robert? - observou a Sr.a Woods com perspicácia.
Amy assentiu com a cabeça e voltou o cavalo na direcção da casa.
- Por enquanto, agrada. Ele nasceu nos palácios, com a Família Real. Viveu como um príncipe. Mas no coração, sei que continua a ser o jovem por quem me apaixonei e que não queria mais do que um bom terreno de pasto para criar belos cavalos. Sei que tenho de ser fiel a isso - custe o que custar.
- E vós? - perguntou a Sr.a Woods gentilmente, trazendo o seu cavalo para junto da mulher mais jovem.
- Eu tenho fé - afirmou Amy com firmeza. - Espero por ele, e acredito que voltará para casa, para junto de mim. Casei com ele porque o amava tal como é. E ele casou comigo porque me amava, tal como sou. E quando a novidade desta rainha e do reino tiver passado, quando todas as pensões e lugares tiverem sido arrebatados e todos os privilégios dispensados, então, quando ele tiver tempo, virá para casa, para junto de mim, e eu lá estarei, na nossa casa adorável, com os seus belos poldros aos pés das éguas, nos campos, e tudo tal como deveria ser.
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O namorisco de Isabel com Filipe da Espanha, através de cartas privadas, foi suficientemente longe para alarmar William Cecil, bem como Catherine Knollys. Mas Mary Sidney, numa consulta em voz baixa com o seu adorado irmão Robert Dudley, foi tranquilizadora.
- Estou certa de que ela só está a procurar mantê-lo como aliado - afirmou ela tranquilamente. - E de que se está a divertir, claro. Ela tem de estar sempre rodeada de admiração.
Ele assentiu com a cabeça. Cavalgavam juntos, dirigindo-se a casa, vindos de uma caçada, com a rédea solta, ambos os cavalos estavam suados e ofegavam. À frente, a Rainha cavalgava com Catherine Knollys, de um lado, e um homem jovem, de rosto doce, do outro. Robert Dudley observara-o atentamente e não estava preocupado. Isabel nunca se apaixonaria por um rosto bonito, precisava de um homem que a fizesse suster a respiração.
- Como um aliado contra a França? - sugeriu ele.
- É o padrão - disse ela. - Filipe apoiou-nos na luta contra a França quando eles capturaram Calais, nós apoiámo-lo quando ameaçaram a Holanda.
- Ela quer que ele a apoie como amigo para que ela possa atacar o regente escocês? - perguntou ele. ?- Agrada-lhe o plano de Cecil de apoiar os protestantes escoceses? Ela diz alguma coisa quando está tranquila e sozinha com as damas de companhia? Está a planear uma guerra, como Cecil afirma que ela tem de fazer?
Mary abanou a cabeça.
- Ela é como um cavalo coberto de moscas. Não consegue estar em paz. Por vezes, parece pensar que devia ajudá-los, partilha a fé deles, e é claro que os Franceses são a maior ameaça à nossa paz. Mas outras vezes tem demasiado medo de dar o primeiro passo contra um monarca sagrado. Preocupa-se com os inimigos que pode provocar aqui. E vive no terror de alguém a atacar em segredo, com uma faca. Não se atreve a fazer nada que possa aumentar o número dos seus inimigos.
Ele franziu o sobrolho.
- Cecil está convencido de que a França é o nosso maior perigo e de que temos de os combater agora, enquanto os próprios Escoceses se voltam contra os seus senhores. Este é o nosso momento, enquanto eles estão a pedir a nossa ajuda.
- Cecil gostaria que ela casasse com Arran - adivinhou Mary. Não com Filipe. Cecil odeia os Espanhóis e o Papado, mais do que qualquer outra pessoa, apesar de falar sempre com tanta calma e de uma forma tão pausada.
- Alguma vez vistes Arran?
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- Não, mas Catherine Knollys fala muito bem dele. Diz que é bonito e inteligente e, claro, que está na segunda posição para ascender ao trono, a seguir a Maria, Rainha dos Escoceses. Se a Rainha casar com ele e ele derrotar a regente e conseguir o trono, o filho deles uniria os reinos.
Ela viu o rosto de Dudley ensombrar-se.
- Ele é o nosso maior perigo - disse ele, e ela sabia que ele não se referia a uma ameaça para a Inglaterra, mas para eles próprios.
- Ela gosta mais de vós do que de qualquer outro homem da corte - disse ela, sorrindo. - Está sempre a falar de como sois dotado e belo. Está sempre a afirmá-lo, e mesmo as damas de companhia mais jovens sabem que, se querem agradar-lhe, só têm de dizer como montais bem, ou como os cavalos estão tão bem tratados, que bom gosto tendes para vos vestir. Laetitia Knollys é totalmente despropositada na forma como fala de vós, e a rainha ri-se.
Pensou que ele iria rir-se, mas o seu rosto continuava carregado.
- De que é que isso me serve, se já tenho uma mulher? - perguntou ele. - E, além disso, Isabel não casaria para contrariar o trono.
Ela emudeceu completamente com o choque.
- O quê? - perguntou ela.
Ele fixou com franqueza os seus olhos perplexos.
- Isabel nunca casaria contra a política, fossem quais fossem os desejos dela - disse ele secamente. - E eu não estou livre.
- Mas é claro que não! - gaguejou ela. - Robert, meu irmão, sabia que éreis o favorito dela. Todo o mundo pode perceber isso! Todas brincamos com a Rainha dizendo-lhe que ela só tem olhos para vós, Metade dos homens da corte odeia-vos por isso. Mas nunca sonhei que pensásseis em mais alguma coisa.
Ele encolheu os ombros.
- Claro que penso - disse ele simplesmente. - Mas não consigo imaginar como é que me pode acontecer. Sou um homem casado e a minha mulher não é forte; mas não é provável que ela morra nos próximos vinte anos, e eu não desejaria que tal lhe acontecesse. Isabel é uma Tudor da cabeça aos pés. Quererá casar tanto por poder como por desejo, tal como a irmã, tal como o pai sempre fez. Arran seria um partido brilhante para ela, poderia unir os Escoceses contra os Franceses e derrotá-los na Escócia, depois poderia casara com ela e transformar a Inglaterra e a Escócia num reino imbatível. A seguir, despedir-me-ia.
Mary Sidney lançou um olhar ansioso de relance para o irmão.
- Mas se é para o bem da Inglaterra? - sugeriu timidamente. -
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Então, deveríamos tomar o partido de Arran? Mesmo que seja contra os nossos desejos pessoais? Se é o melhor para a Inglaterra?
- Não existe uma Inglaterra - disse ele brutalmente. - Não como colocais o assunto. Não existe nenhuma entidade que se autodenomine de Inglaterra. Existe apenas uma vizinhança de grandes famílias: nós, os Howard, os Parr, os Cecil, os emergentes, os Percy, os Neville, os Seymour e a maior tribo de bandidos de todas: os Tudor. O que é bom para a Inglaterra é bom para a família mais importante de todas, e essa é aquela que conseguir realizar melhor os seus intentos. Era isso que o nosso pai sabia; esse era o plano que tinha para nós. Agora, a grande família no país é a dos Tudor, não há muito tempo era a nossa. Seremos nós novamente. Velai pelo bem da nossa família como eu, minha irmã, e a Inglaterra beneficiará.
- Mas seja qual for o vosso plano para a nossa família, não podeis ter esperanças de casar com a Rainha - disse ela, num tom de voz muito baixo. - Sabeis que não podeis. Há Amy... e a própria Rainha não o faria.
- De que me serve ser o favorito da Rainha se não conseguir ascender ao lugar do primeiro homem do país - disse Robert. - Seja qual for o título que me seja concedido.
Tão subitamente como tinha chegado à casa dos Woods, em meados de Março, Amy disse-lhes que tinha de os deixar.
- Tenho tanta pena por vos irdes embora - disse a Sr." Woods calorosamente. - Tinha esperanças de que estivésseis cá para assistir às Festas de Maio.
Amy estava distraída pela felicidade.
- Virei noutro ano, se puder - disse rapidamente. - Mas Sir Robert pediu-me que fosse encontrar-me com ele em Camberwell. Os primos da minha mãe, os Scott, têm lá uma casa. E, é claro, tenho de ir de imediato.
A Sr.a Woods suspirou.
- Para Camberwell? Ele quer que vades para a cidade? Vai levar-vos para a corte? Ides ver a Rainha?
- Não sei - disse Amy, rindo-se com prazer. - Penso que ele pode querer comprar uma casa em Londres para nós, para poder receber os amigos. A família dele era proprietária da Casa Syon antes, talvez ela lha devolva.
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A Sr.a Woods levou as mãos às bochechas.
- Aquele palácio enorme! Amy! Como ele se está a tornar importante. Quão importante ides ser! Não podeis esquecer-vos de nós. Escrevei-me e contai-me tudo quando chegardes à corte.
- Contarei! Escrever-vos-ei a contar tudo. Tudo! O que a Rainha tem vestido e quem está com ela, e tudo.
- Talvez ela vos contrate como uma das suas damas de companhia - disse a Sr.a Woods, com visões da importância de Amy a desdobrar-se diante de si. - A irmã dele está na corte ao serviço da Rainha, não está?
De imediato Amy abanou a cabeça.
- Oh, não! Eu não seria capaz. Ele não me vai pedir isso. Sabe que não suporto a vida da corte. Mas se tivéssemos Flitcham House durante todo o Verão, podia viver com ele em Londres, no Inverno.
- Penso realmente que poderíeis fazê-lo! - riu-se a Sr.a Woods.
- Mas e os vossos vestidos? Tendes tudo o que precisais? Posso emprestar-vos alguma coisa? Sei que devo estar terrivelmente fora de moda...
- Encomendarei tudo novo em Londres - declarou Amy, com uma alegria calma. - O meu senhor sempre gostou que eu gastasse uma pequena fortuna em roupas, quando estava no topo da sua glória. E se eu vir algum tecido que dê para fazer uma capa de montar como a minha, não me esquecerei de vo-lo mandar.
- Sim, fazei-o - disse a Sr.a Woods, tendo visões de que a sua amizade com Amy a viesse a introduzir no círculo glamoroso da corte. - E eu enviar-vos-ei os morangos, assim que eles nascerem.
A Sr.a Oddingsell colocou a cabeça de fora da porta; já trazia vestida a sua capa de viagem com o capuz, para se proteger do ar frio da manhã.
- Minha senhora? - chamou. - Os cavalos estão à espera. A Sr.a Woods deu um gritinho.
- Tanta pressa!
Mas Amy já estava a caminho da porta.
- Não me posso atrasar; o meu senhor está à minha espera. Se me tiver esquecido de alguma coisa, enviarei um homem para vir buscar.
A Sr.a Woods levou-a até aos cavalos que estavam à espera.
- E voltai - disse ela. - Talvez eu possa ir visitar-vos a Londres. Talvez vos vá visitar na vossa nova casa em Londres.
O criado ajudou Amy a subir para a sela e ela pegou nas rédeas. Sorriu para a Sr.a Woods.
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- Obrigada - disse. - Foi uma estadia muito divertida. E quando eu e o meu senhor estivermos instalados na nossa casa nova, podeis vir e ficar comigo.
Cecil escreveu um dos seus memorandos, pela própria mão, apenas para a Rainha ler.
"Palácio de "Whitehall Aos vinte e quatro dias de Março
"Referência: a vossa correspondência constante com o Príncipe Filipe da "Espanha.
1. filipe da "Espanha é um católico devoto e quererá que a mulher dele siga a sua prática religiosa. Se vos disser algo em contrário, está a mentir.
2. Pode proteger-nos da frança neste momento de perigo com a "Escócia em que nos encontramos, mas também pode levar-nos à guerra com a frança nos seus termos e pela sua causa. "Recordo-vos que, se não fosse por ele, não teriam atacado Calais. "E ele não nos ajudará a recuperá-la.
3. Se vos casásseis com ele, perderíamos o apoio dos protestantes ingleses, que também o odeiam.
4. E não conquistaríeis o apoio dos ingleses católicos, que também o odeiam.
5. "Ele não pode casar convosco, visto ter sido casado com a vossa meia-irmã, a não ser que obtenha uma dispensa papal.
Se reconhecerdes o poder do "Papa para decidir, tereis de aceitar a sua decisão de que o vosso pai e Catarina de dragão eram verdadeiramente casados, caso em que a vossa própria mãe não seria mais do que a amante do rei, e vós sereis considerada uma bastarda.
E, logo, não poderíeis ser a herdeira legítima do trono.
"Então, porque é que ele casaria convosco?
6. Qualquer criança filha do "Rei filipe da "Espanha seria educada como católica.
7. Seria vosso filho. Teríeis de colocar um príncipe católico no trono da Inglaterra.
8. "É evidente que não casareis com ele, por isso, em determinada altura, tereis de pôr de lado o "Rei "filipe.
9. Se mantiverdes esta situação por muito tempo, fareis com que o homem mais poderoso da "Europa faça papel de idiota.
10. "Essa não seria uma atitude sensata.
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- Lamento muito - disse Isabel docemente ao Conde Feria, o embaixador espanhol. - Mas é impossível. Admiro o vosso senhor mais do que posso dizer.
O Conde Feria, após vários meses de difíceis negociações de casamento com uma mulher de quem nunca gostara e em quem nunca confiara, fez uma vénia, e reergueu-se para manter a conversa dentro dos limites da razão e numa linguagem diplomaticamente aceitável.
- Tal como ele vos admira, Vossa Graça - disse ele. - Ficará bastante triste pela vossa decisão, mas será sempre vosso amigo, e um amigo do vosso país.
- Eu sou uma herege, vós sabeis - disse Isabel apressadamente.
- Nego rotundamente a autoridade do Papa. Todos o sabem. O rei não pode casar comigo de maneira nenhuma. Eu embaraçá-lo-ia.
- Então, ele será como um irmão para vós - respondeu o conde. - O vosso irmão amoroso, como sempre foi.
- Teria sido completamente impossível - repetiu Isabel, ainda com mais sinceridade do que anteriormente. - Por favor, transmiti-lhe o meu pesar e as minhas desculpas.
O conde, fazendo uma vénia, estava a retirar-se da antecâmara o mais depressa que podia, antes que aquela rainha jovem e volátil embaraçasse os dois. Já podia ver os olhos dela a encherem-se de lágrimas, e a boca tremia-lhe.
" - Escrever-lhe-ei de imediato - disse ele num tom apaziguador.
- Ele compreenderá. Compreenderá completamente.
- Lamento muito! - gritou Isabel, enquanto o embaixador recuava rapidamente em direcção às portas duplas. - Por favor, dizei-lhe que estou cheia de pena.
Ele levantou a cabeça da vénia que estava a fazer.
- Vossa Graça, não penseis mais nisso - disse ele. - Não houve qualquer ofensa para ele. É uma questão a lamentar para ambas as partes, é tudo. Continuai a ser a amiga e aliada mais calorosa que a Espanha podia desejar.
- Continuamos a ser aliados? - suplicou Isabel, levando o lenço aos olhos. - Podeis prometer-mo, em nome do vosso senhor? Que seremos sempre aliados?
- Sempre - disse ele sem fôlego.
- E se eu precisar da ajuda dele, posso contar com ela? - ela
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estava quase a quebrar quando, por fim, as portas se abriram atrás dele. - Independentemente do que acontecer no futuro?
- Sempre. Garanto-o em nome do meu senhor. - Recuou, fazendo uma vénia, enquanto se dirigia para o exterior, para a segurança da galeria.
Quando as portas se fecharam sobre a sua retirada apressada, Isabel deixou cair o lenço e dirigiu um piscar de olhos triunfante a Cecil.
O Conselho Privado de Isabel estava reunido na antecâmara. A Rainha, que deveria estar sentada, com toda a pompa, à cabeceira da mesa, andava de um lado para o outro entre as janelas, como uma leoa aprisionada. Cecil levantou os olhos das páginas ordenadas do seu memorando e esperou que aquela não fosse ser uma reunião de uma dificuldade extrema.
- O Tratado de Cateau Cambresis coloca-nos numa posição bastante mais forte que nunca - começou ele. - Assegura-nos a paz entre a Espanha, a França e o nosso país. Podemos presumir que, por enquanto, estamos protegidos de invasões.
Houve um coro de aprovação de quem estava contente consigo mesmo. O tratado que garantia a paz entre os três grandes países demorara bastante tempo a ser negociado, mas era um primeiro triunfo para a diplomacia de Cecil. Por fim, a Inglaterra podia ter a certeza da paz.
Cecil olhou nervosamente para a Rainha, que ficava sempre irritada com o estilo presunçoso masculino do Conselho Privado.
- Deve-se, maioritariamente, à habilidade de Sua Graça com o espanhol - disse ele muito depressa.
Isabel fez uma pausa na sua trajectória para ouvir.
- Ela manteve-os como nossos amigos e aliados por tempo suficiente para assustar a França e convencê-los a assinar um acordo, e quando libertou Filipe da Espanha das promessas que lhe fizera, fê-lo com tal habilidade que a Espanha continuou a ser nossa amiga.
Isabel, satisfeita com os elogios, dirigiu-se à cabeceira da mesa e empoleirou-se no braço da sua enorme cadeira de madeira, com a cabeça e os ombros acima de todos eles.
- É verdade. Podeis prosseguir.
- O tratado e a protecção que ele nos traz dá-nos a segurança para fazermos as reformas de que necessitamos - prosseguiu ele. -
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Podemos deixar a questão da Escócia, por enquanto, uma vez que o tratado nos assegura que os Franceses não nos invadirão. E, assim, estamos livres para nos dedicarmos às questões urgentes do país. Isabel acenou com a cabeça, à espera.
- A primeira coisa que devíamos fazer era tornar Sua Graça Governante Suprema da Igreja. Assim que isso acontecer, adiaremos o parlamento.
Isabel levantou-se de um salto e dirigiu-se novamente à janela.
- Esta será mesmo a nossa primeira negociação? - perguntou.
- Boa ideia - disse Norfolk, ignorando a sobrinha, a Rainha. Mandai-os de volta para os campos deles, antes que comecem a criar ideias naquelas cabeças duras. E encontrem uma forma de controlar a Igreja.
- Todos os nossos problemas terminariam - disse um idiota. Foi a faísca que desencadeou a mecha do mau génio de Isabel.
- Terminariam? - disparou ela, irrompendo da janela como um gato enraivecido. - Terminariam? com Calais ainda nas mãos dos franceses e uma hipótese ínfima de voltarmos a comprá-la? com Maria ainda a esquartelar as armas inglesas no escudo dela? Como é que os nossos problemas terminariam? Sou a Rainha da França ou não?
Ouviu-se um silêncio de espanto.
- Sois - disse Cecil tranquilamente, quando mais ninguém se atrevia a falar. Teoricamente, era. Os monarcas ingleses sempre se haviam denominado como Rei da França, mesmo quando as possessões inglesas na França se haviam reduzido à área de Calais. Agora, parecia que Isabel iria continuar a tradição, mesmo apesar de terem perdido Calais.
,- Então, onde estão os meus fortes franceses, e os meus territórios franceses? vou dizer-vos. Nas mãos de uma força ilegal. Onde estão as minhas armas, as minhas muralhas e as minhas fortificações? vou dizer-vos. Deitadas abaixo ou viradas contra a Inglaterra. E quando o meu embaixador for jantar com a corte francesa, o que vê na baixela da princesa francesa?
Todos estavam a olhar para baixo, para a mesa, desejando que a tempestade lhes passasse ao lado.
- O meu brasão! - gritou Isabel. - Na baixela francesa. Isso foi resolvido neste tratado com o qual estais tão entusiasmados? Não! E alguém mencionou esse assunto? Não! E pensais que o assunto mais importante do Reino é a liderança da Igreja. Não é assim! Meus senhores! Não é assim! O assunto mais importante é recuperar a minha Calais, e fazer com que aquela mulher deixe de usar o meu brasão na sua maldita baixela!
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- Será resolvido - disse Cecil apaziguadoramente. Olhou em volta da mesa. Todos estavam a pensar como um só homem: que estas reuniões do conselho seriam muito mais fáceis se ela casasse com um homem razoável e o deixasse tratar dos assuntos próprios de um rei.
Para seu horror, viu que os olhos escuros dela se enchiam de lágrimas.
- E Filipe da Espanha - a voz dela estava rouca. - Ouvi dizer que se vai casar.
Cecil olhou para ela chocado. A última coisa que imaginara era que ela tinha realmente sentimentos por aquele homem que atormentara enquanto a mulher era viva e a quem não deixara de o fazer durante os meses seguintes.
- Um casamento para selar o tratado - disse ele hesitantemente. - Não acredito que exista nenhum namoro, nenhuma preferência. Não existe nenhuma atracção, nenhuma atracção rival envolvida. Ele não a prefere a... a...
- Vós convencestes-me a casar com ele - disse ela, com a voz a tremer de emoção, percorrendo com o olhar as cabeças vergadas do seu Conselho Privado.
- No entanto, persuadistes-me sempre relativamente a um ou a outro homem, e vedes? O homem que haveis escolhido, o vosso pretendente preferido, não é fiel. Jurou que me amava; e vedes? Vai casar com outra. Queríeis que eu tivesse casado com um namoradeiro infiel.
- Ninguém podia ser melhor para ela - disse Norfolk, tão baixinho que ninguém o conseguiu ouvir, à excepção do homem que estava ao seu lado, que soltou um ruído ao disfarçar uma gargalhada.
Cecil sabia que era desnecessário tentar, sequer, discutir com ela.
- Sim - disse ele simplesmente. - Enganámo-nos em relação à natureza dele. Graças a Deus que, Vossa Graça, sois tão jovem e tão bonita que existirão sempre pretendentes para a vossa mão. Sois vós quem tem de escolher, Vossa Graça. Existirão sempre homens que desejarão casar convosco. Tudo o que podemos fazer é aconselhar-vos quanto às vossas preferências sensatas.
Um suspiro como uma brisa passageira atravessou o conselho sitiado. Mais uma vez, Cecil falou de modo a captar a concordância e simpatia de todos. Sir Francis Knollys levantou-se e conduziu a prima à sua cadeira, na cabeceira da mesa.
- Agora - disse ele. - Apesar de serem bastante menos importantes, temos de falar sobre os bispos, Vossa Graça. Não podemos continuar assim. Temos de chegar a um acordo com a Igreja.
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A prima de Amy e o marido, um próspero mercador com interesses no comércio de Antuérpia, cumprimentaram-na à porta da sua enorme casa construída em forma de quadrado, em Camberwell.
- Amy! Não ides adivinhar! Tivemos notícias de Sir Robert esta manhã! - afirmou Francês Scott sem fôlego. - Vem hoje mesmo jantar connosco, e fica pelo menos uma noite.
Amy corou até ficar escarlate.
- Vem? - voltou-se para a criada. - Sr.a Pirto, retire da mala o meu melhor vestido, e tereis de engomar o meu rufo. - Voltou-se novamente para a prima. - O vosso cabeleireiro vem?
- Disse-lhe que viesse uma hora mais cedo por vossa causa! a prima riu-se. - Sabia que quereríeis estar o melhor possível. O meu cozinheiro está a trabalhar desde que recebi as notícias. E estão a fazer o prato preferido dele: maçapão.
Amy riu-se alto, contagiada pelo entusiasmo da prima.
- Voltou a ser um homem importante - afirmou Ralph Scott, aproximando-se para cumprimentar a prima com um beijo. - Só temos ouvido boas referências a respeito dele. A Rainha respeita-o e procura a companhia dele diariamente.
Amy assentiu com a cabeça e escusou-se ao abraço para abrir a porta da frente.
- vou ficar no meu quarto do costume? - perguntou impacientemente. - E podeis pedir-lhes que tragam para cima rapidamente a minha arca que tem os vestidos?
Mas depois da correria dos preparativos, depois de os vestidos terem sido engomados, de a criada ter sido enviada à pressa para comprar meias novas, Sir Robert apresentou as suas desculpas e disse que chegaria atrasado. Amy teve de esperar duas horas, sentada junto da janela, na elegante e moderna sala de estar dos Scott, olhando para a estrada, tentando avistar o séquito do marido.
Eram quase cinco horas da tarde quando apareceram, a trote, descendo a Camberwell High Street, seis homens, lado a lado, mon-
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tados em soberbos cavalos baios combinados, que usavam as cores dos Dudley, afastando galinhas e peões e gritando para as crianças que estavam à frente. Entre eles, cavalgava Robert Dudley, com uma mão nas rédeas, outra na anca, de olhar absorto, sorriso encantador: a sua reacção habitual às saudações do público.
Detiveram-se diante da bonita casa nova e o criado de Dudley veio a correr para segurar o cavalo enquanto ele desmontava com um salto delicado.
Amy, no vão da janela, pusera-se de pé mal ouvira o primeiro bater dos cascos dos cavalos nas pedras da calçada. A prima, que correu para dentro para a avisar de que Sir Robert estava à porta, encontrou-a, bastante extasiada, a observá-lo da janela. Francês Scott recuou, sem dizer nada, e ficou no hall, ao lado do marido, enquanto os seus dois melhores empregados abriam a porta e Sir Robert entrava.
- Primo Scott - disse ele num tom agradável, agarrando a mão do homem. Ralph Scott corou ligeiramente, feliz por Robert o ter reconhecido.
- É a minha prima Frances - disse Sir Robert, recordando-se do nome dela mesmo a tempo de a beijar em ambas as bochechas e ver a cor dela aumentar ao seu toque, que era o que acontecia sempre com as mulheres, e depois os seus olhos escurecer de desejo, que também era algo frequente.
- Minha querida prima Frances - disse Dudley de modo mais caloroso, observando-a de mais perto.
- Oh, Sir Robert - suspirou ela, pousando a mão no braço dele. "Ena!", pensou Robert. "Uma ameixa madura e pronta a ser
colhida; mas dificilmente valeria o rebuliço que causaria se fôssemos descobertos, o que aconteceria indubitavelmente."
A porta atrás dela abriu-se e Amy parou, na entrada.
- Meu senhor - disse calmamente. - Estou tão feliz por vos ver.
Gentilmente, Dudley soltou Frances Scott e dirigiu-se à mulher. Pegou-lhe na mão e inclinou a cabeça escura para lhe beijar os dedos, e depois puxou-a para junto de si, beijando-lhe o rosto, primeiro de um lado, depois do outro, e em seguida, os seus lábios mornos e disponíveis.
Ao vê-lo, com o seu toque, o seu cheiro, Amy sentiu-se derreter de desejo.
- Meu senhor - murmurou. - Meu senhor, há quanto tempo. Esperei tanto tempo para vos ver.
- Estou aqui agora - disse ele, tão rápido como qualquer homem que pretende esquivar-se à crítica. Passou-lhe o braço em volta da
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cintura e voltou-se novamente para o anfitrião. - Mas cheguei terrivelmente tarde, primos, espero que me perdoeis. Estive a jogar às bolas com a Rainha e não consegui escapar-me até Sua Graça ter vencido. Tive de fingir, de fazer batota e de dissimular, até se poder pensar que sou meio cego e idiota, para perder com ela.
O desprendimento da afirmação era demasiado para Frances Scott, mas Ralph mostrou estar à altura.
- Claro, claro, as senhoras têm de ser entretidas - afirmou. Mas trouxestes apetite?
- Estou tão esfomeado como um caçador - assegurou-lhe Dudley.
- Então, vinde jantar! - disse Ralph e indicou por gestos a Sir Robert para que o seguisse, ao longo do hall até à sala de jantar, nas traseiras da casa.
- Que casa tão bonita tendes aqui - disse Sir Robert.
- Muito pequena, comparada com uma casa de campo, claro disse Frances, seguindo-os com deferência, acompanhada de Amy.
- Mas é de construção recente - observou Dudley com prazer.
- Fui eu quem planeou a maior parte - disse Ralph com ar satisfeito. - Sabia que tinha de construir uma casa nova para nós e pensei: Porquê tentar fazer um grande palácio junto ao rio e utilizar um exército para o manter quente e limpo? Depois temos de construir um grande salão para os alimentar a todos, uma casa para os alojar e manter. Por isso, pensei, porque não uma casa confortável e mais pequena, que possa ser gerida com mais facilidade e que ainda tenha espaço para convidarmos uma dúzia de amigos para jantar?
- Oh, concordo convosco - respondeu Dudley com insinceridade" - Que homem razoável quereria ter mais?
O Sr. Scott abriu de par em par a porta dupla que dava para a sala de jantar que, embora pequena para os padrões do Palácio de Whitehall ou de Westminster, poderia acolher uma dúzia de convidados e respectivos acompanhantes, e indicou o caminho, através dos outros convidados, meia dúzia de dependentes e uma dúzia de criados superiores, até à mesa de cima. Amy e Frances seguiram-nos. A Sr.a Oddingsel e a dama de companhia de Frances entraram, assim como os filhos mais velhos dos Scott, um rapaz e uma rapariga, de dez e onze anos, estritamente vestidos, com roupas de adultos, de olhos baixos, num silêncio total de respeito pela solenidade da ocasião. Dudley cumprimentou-os a todos com prazer, e sentou-se à direita do anfitrião, com Amy do seu outro lado. Escondida pela mesa e a grande extensão da toalha de banquete, Amy moveu a cadeira para poder estar perto dele. Ele sentiu o minúsculo chi-
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nelo dela encostar-se à sua bota de montar e inclinou-se para ela, para que pudesse sentir o calor e a força do seu ombro.
Só ele ouviu o pequeno suspiro de desejo dela e a sentiu tremer, e pôs a mão debaixo da mesa agarrando-lhe os dedos que o aguardavam. ???-.
- Minha querida - disse ele.
Dudley e Amy não conseguiram ficar sozinhos até à hora de se deitarem, mas quando a casa ficou silenciosa, sentaram-se em volta da lareira do quarto e Robert aqueceu duas canecas de cerveja.
- Tenho novidades - disse ele tranquilamente. - Tenho de vos contar uma coisa. Tendes de saber por mim e não através de mexericos.
- O que é? - perguntou Amy, levantando os olhos e sorrindo para ele. - Boas notícias?
Ele pensou por um momento como o sorriso dela ainda era tão jovem: o sorriso de uma menina cujas esperanças estão sempre à espera de aumentar, o olhar aberto de uma rapariga que tem motivos para pensar que o mundo está repleto de promessas para si.
- Sim, são boas notícias - pensou que só um homem sem coração suportaria dizer a esta mulher infantil que algo correra mal, principalmente quando já lhe causara tanto sofrimento.
Ela bateu palmas.
- Comprastes Flitcham Hall! Não me atrevi a esperar que o fizésseis! Sabia-o! Tinha a certeza absoluta!
Ele sentiu-se perdido.
- Flitcham? Não. Mandei Bowes vê-lo e dizer ao proprietário que não estávamos interessados.
- Não estamos interessados? Mas eu disse a Lady Robsart que dissesse ao proprietário que ficaríamos com ela.
- É impossível, Amy. Pensei que já vos havia dito antes de partir de Chichester, quando me falastes no assunto pela primeira vez.
- Não, nunca. Pensei que gostásseis da casa? Sempre me dissestes que gostáveis. Dissestes ao Pai...
- Não. De qualquer forma, não é sobre Flitcham. Queria dizer-vos...
- Mas o que disse o Sr. Bowes ao Sr. Symes? Eu prometi-lhe que, quase de certeza, ficaríamos com a casa.
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Ele percebeu que tinha de lhe responder antes de ela poder ouvi-lo.
- Bowes disse ao Sr. Symes que, afinal, não queríamos ficar com Flitcham. Ele não ficou incomodado, compreendeu.
- Mas eu não compreendo! - disse ela em tom de lamento. - Eu não compreendo. Pensei que queríeis fazer de Flitcham a nossa casa. Pensei que gostasses dela como eu. E é tão perto de Syderstone, e de toda a minha família, e o Pai sempre gostou dela...
- Não - ele pegou-lhe nas mãos e viu a sua indignação ferida dissipar-se com o seu toque. Acariciou-lhe as palmas das mãos com as pontas dos dedos. - Vá lá, Amy, tendes de perceber, Flitcham Hall não é suficientemente perto de Londres. Nunca vos veria, se vos enterrásseis em Norfolk. E nunca poderíamos fazer dela uma casa suficientemente grande para as visitas que receberemos.
- Não quero estar perto de Londres - insistiu ela teimosamente.
- O Pai sempre disse que nada de bom podia vir de Londres, para além de problemas.
- O vosso pai adorava Norfolk, e era um homem importante na sua própria região - disse Robert, controlando a sua própria irritação com esforço. - Mas nós não somos o vosso pai. Eu não sou o vosso pai, Amy, meu amor. Norfolk é demasiado pequena para mim. Não gosto da região como o vosso pai gostava. Quero que procureis uma casa maior, algo mais central, perto de Oxford. Está bem? Há mais sítios na Inglaterra do que apenas Norfolk, sabei-lo, minha querida.
Ele percebeu que ela se acalmara com os termos carinhosos, e naquela atmosfera tranquila, podia abordar o resto que tinha para lhe dizer.
- Mas não era isto que queria dizer-vos. vou ser honrado pela Rainha.
- Ides receber uma honra? Oh! Ela vai dar-vos um lugar no Conselho Privado?
- Bem, existem outras honras - disse ele, disfarçando a frustração por continuar a não ter poder político.
- Ela nunca faria de vós Conde! - exclamou ela.
- Não, não é nada disso! - corrigiu ele. - Isso seria ridículo.
- Não vejo porquê - disse ela de imediato. - Não vejo porquê ser Conde seria ridículo. Todos sabem que sois o favorito dela.
Ele hesitou, perguntando-se qual seria exactamente o escândalo que lhe poderia ter chegado aos ouvidos.
- Não sou o favorito dela - respondeu ele. - O favorito dela é Sir William Cecil, como conselheiro, e Catherine Knollys, como
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dama de companhia. Garanto-vos, eu a minha irmã somos apenas duas das muitas pessoas que fazem parte da corte.
- Mas ela nomeou-vos Estribeiro-Mor - objectou Amy razoavelmente. - Não podeis esperar que eu acredite que não gosta de vós, muito mais do que de todos os outros. Sempre me dissestes que ela gostava de vós quando éreis crianças.
- Ela gosta que os cavalos sejam bem tratados - disse ele apressadamente. - E é claro que gosta de mim, somos velhos amigos, mas não era isso que queria dizer... Eu...
- Ela deve gostar bastante de vós - continuou ela. - Todos dizem que está convosco todos os dias. - Teve o cuidado de não deixar que os ciúmes transparecessem na sua voz. - Houve até quem me dissesse que ela negligencia os assuntos do Reino para ir andar a cavalo.
- Sim, é verdade, eu levo-a a passear a cavalo... Mas é o meu trabalho, não é a minha preferência. Não há nada entre nós, nenhum afecto em especial.
- Espero que não - disse ela secamente. - É bom que ela não se esqueça de que sois um homem casado. Não é que isso tenha sido um impedimento para ela no passado. Todos dizem que ela...
- Oh, por amor de Deus, parai! Ela soltou um pequeno suspiro.
- Podeis não gostar de ouvi-lo, Robert, mas é apenas o que todos dizem acerca dela.
Ele respirou fundo.
- Lamento, não pretendi levantar a voz.
- Não é muito agradável para mim, saber que sois o favorito dela e que ela não tem fama de ser casta. - Amy terminou a sua queixa apressadamente e sem fôlego. - Não é muito agradável para mim, saber que os vossos nomes estão ligados.
Ele teve de respirar bem fundo e prolongadamente.
- Amy, isto é ridículo. Já vos disse que não sou um favorito em especial. vou montar com ela, porque sou o Estribeiro-Mor. Sou um homem favorecido na corte devido às minhas capacidades, graças a Deus por elas, e devido à minha família. Ambos devíamos estar satisfeitos por ela me favorecer como favorece. No que diz respeito à reputação dela, surpreende-me que vos rebaixeis ao ponto de dar ouvidos a mexericos, Amy. Estou mesmo surpreendido. Ela é a vossa Rainha Sagrada. Não é para ser alvo de bisbilhotices.
Ela mordeu o lábio.
- Todos sabem como ela é - disse ela teimosamente. - E não é muito simpático para mim quando o vosso nome é associado ao dela.
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- Não quero que a minha mulher ande metida em bisbilhotices - disse ele categoricamente.
- Limitei-me a repetir o que todos...
- Estão todos enganados - disse ele. - É quase certo que ela vai casar com o Conde de Arran e garantir o direito dele ao trono da Escócia. Digo-vos isto na maior confidencialidade, Amy. Para que saibais que não há nada entre mim e ela.
- Jurais?
Robert suspirou como se estivesse esgotado, para tornar a sua mentira mais convincente.
- Claro, juro que não há nada entre nós.
- Eu confio em vós - disse ela. - É claro que confio. Mas não consigo confiar nela. Todos sabem que ela...
- Amy! - ele levantou ainda mais a voz, e ela finalmente calou-se. O olhar de relance dela para a porta indicou-lhe que temia que a prima tivesse ouvido o seu tom irritado.
- Oh, por amor de Deus. Não faz mal que alguém tenha ouvido.
- O que pensarão as pessoas...
- Não interessa o que as pessoas pensam - disse ele com a arrogância simples de um Dudley.
- Importa, sim.
- Para mim, não - disse ele, de modo imponente.
- Para mim, importa.
Ele mordeu o lábio diante do seu argumento.
- Bem, não devia importar - disse ele, tentando manter a calma com ela. - Vós sois Lady Dudley e a opinião de um mercador de Londres e da mulher não deviam significar nada para vós.
- A própria prima da minha mãe... - Ele só conseguiu ouvir algumas palavras da provocação sussurrada por ela. - Os nossos anfitriões. E que sempre foram muito delicados convosco.
- Amy... por favor - disse ele.
- Afinal de contas, eu tenho de viver com eles - disse ela com uma obstinação infantil. - Não é que vós estejais aqui na próxima semana...
Ele levantou-se e viu-a retrair-se.
- Esposa, lamento - disse ele. - Estava completamente errado a este respeito.
Perante o primeiro sinal de retracção, ela foi rápida a acolhê-lo. Levantou a cabeça, com um pequeno sorriso no rosto.
- Oh, não vos sentis bem?
- Não! Eu...
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- Estais muito cansado? :
- Não!
- Quereis que vos vá buscar uma bebida quente? - Ela já estava de pé e à espera para o servir. Ele segurou-lhe a mão e teve de se obrigar a segurar nela gentilmente, e a não a abanar na sua fúria.
- Amy, por favor, ficai quieta e deixai-me falar convosco. Tenho estado a tentar dizer-vos uma pequena novidade desde que viemos para cima, e não me deixais falar.
- Como podia interromper-vos?
Ele respondeu-lhe com o silêncio, até, obedientemente, ela se afundar na cadeira e aguardar.
- A Rainha vai honrar-me, atribuindo-me a Ordem da Jarreteira. Irei recebê-la juntamente com outros três nobres e vai haver uma grande celebração. De facto, sinto-me honrado.
Ela tê-lo-ia interrompido com felicitações, mas ele avançou para o assunto mais difícil.
- Vai dar-me terras e uma casa.
- Uma casa?
- A Dairy House, em Kew - disse ele.
- Uma casa em Londres, para nós? - perguntou ela.
Ele podia imaginar a resposta de Isabel se tentasse instalar a mulher no bonito ninho de solteiros, nos jardins do palácio real.
- Não, não. É só uma pequena casa para mim. Mas a minha ideia era que podíeis ficar com os Hyde e procurar uma casa para nós? Uma casa que podíamos tornar nossa? Maior do que Flitcham Hall, uma casa muito maior? Algures perto deles, em Oxfordshire.
- Sim, mas quem vai gerir a vossa casa em Kew? Ele desviou o assunto.
- São só algumas divisões. Bowes vai arranjar-me criados, não é nada de especial.
- Porque é que ela já não quer que continueis a viver no palácio?
- É apenas um presente - disse. - Posso nem sequer usá-la.
- Então, porque é que ela vo-la ofereceu? Robert tentou afastar o assunto com o riso.
- É apenas um sinal do favor dela - respondeu. - E os meus aposentos no palácio não são dos melhores. - Ele já sabia que os mexericos especulavam que a Rainha lhe oferecera uma casa onde os dois pudessem estar juntos, a sós, longe dos olhares da corte. Ele tinha de se certificar de que Amy não acreditaria em tais rumores, se alguma vez lhe chegassem aos ouvidos. - Para dizer a verdade, penso que Cecil o queria, e ela está a provocá-lo, oferecendo-mo.
Ela mostrou um ar desaprovador.
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- E Cecil teria vivido lá com a mulher?
Ele estava satisfeito por se encontrar em terreno seguro.
- Cecil não vê a mulher desde a ascensão da Rainha - disse ele.
- Ela está a supervisionar a construção da nova casa dele, Burghley. Ele está na mesma situação que eu. Quer ir a casa, mas está sempre muito ocupado. E eu quero que sejais como a mulher dele; quero que construais uma casa para nós, para onde eu possa ir no Verão. Fá-lo-eis por mim? Procurais uma casa ou local realmente bonito, e fareis dela uma casa para nós, uma casa como deve ser, finalmente?
O rosto dela iluminou-se, como ele sabia que aconteceria.
- Oh, eu adoraria - disse ela. - E viveríamos lá e estaríamos sempre juntos?
Gentilmente, ele pegou-lhe nas duas mãos.
- Teria de estar na corte a maior parte do tempo - disse ele. Como sabeis. Mas voltaria para casa, para junto de vós, sempre que pudesse, e vós gostaríeis de ter uma casa vossa, como deve ser, não gostaríeis?
- Voltaríeis frequentemente para casa, para vir ter comigo? perguntou ela.
- O meu trabalho é na corte - relembrou-lhe ele. - Mas nunca me esqueço de que sou casado e de que sois minha esposa. É claro que voltarei para casa, para junto de vós.
- Então, sim - disse Amy. - Oh, meu Deus! Gostaria tanto! Ele puxou-a para si e sentiu o calor dela através do fino vestido de linho.
- Mas tereis cuidado, não tereis?
- Cuidado? - ele foi cauteloso. - com quê?
- com as tentativas dela de... - escolheu cuidadosamente as palavras, para não o irritar. - com as tentativas dela para vos seduzir.
- Ela é a Rainha - disse Robert docemente. - É um elogio para o ego dela estar rodeada de homens. Sou um cortesão; o meu trabalho é ser seduzido por ela. Não significa nada.
- Mas se ela vos favorece tanto, fareis inimigos.
- Que quereis dizer com isso?
- Só sei que qualquer pessoa que seja favorecida pelo rei ou pela rainha faz inimigos. Só quero que tenhais cuidado.
Ele assentiu com a cabeça, aliviado por ela não ter mais assuntos para explorar.
- Tendes razão, tenho os meus inimigos, mas sei quem são e o que ameaçam. Eles invejam-me, mas não têm quaisquer poderes contra mim enquanto eu tenho o favor dela. Mas tendes razão em avisar-me, esposa. E eu agradeço-vos pelo vosso conselho sensato.
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Nessa noite, Robert Dudley e a mulher deitaram-se na mesma cama, com alguma harmonia. Ele dormiu com ela do modo mais gentil e caloroso que era capaz e Amy, desesperada pelo seu toque, aceitou a falsa moeda da sua gentileza como amor. Esperara tanto pelo beijo dele, pela pressão suave do corpo dele contra o seu, que gemeu e gritou de alegria passados alguns minutos, e ele, adaptando-se facilmente ao ritmo conhecido da forma como faziam amor, ao corpo familiar dela, que o surpreendeu com prazer, descobriu que ela era fácil de satisfazer e, pelo menos, ficou feliz por isso. Estava habituado a prostitutas e às damas da corte, e era um prazer raro para ele dormir com uma mulher de quem gostava, era estranho para ele controlar-se por consideração. Quando sentiu o fluxo doce da resposta de Amy, a sua mente perguntou-se como seria ter Isabel agarrada a si, tal como Amy se agarrava agora - e a fantasia foi tão poderosa que o seu desejo surgiu como uma tempestade e deixou-o ofegante só com o pensamento de uma garganta branca atirada para trás, as pestanas negras agitando-se de desejo, e uma massa de cabelo cor de bronze emaranhado.
Amy adormeceu logo, com a cabeça pousada no ombro dele, e ele inclinou-se, apoiado no cotovelo, para olhar para o rosto dela, à luz do luar, quando este surgiu, pálido e aquoso, através da vidraça de chumbo da janela. Conferia à pele dela uma palidez esverdeada, estranha, como a de uma mulher que se afogara, e o seu cabelo espalhado na almofada era como o de uma mulher que se lançara para as águas profundas de um rio e se afundava.
Olhou para ela com uma compaixão irritada: esta mulher, cuja felicidade dependia exclusivamente dele, cujo desejo revolvia à volta dele, que estava perdida sem ele e era exasperante com ele, a mulher que agora nunca o conseguia satisfazer. Ele também sabia que, apesar de ela o negar solenemente, na realidade, nunca a conseguira fazer verdadeiramente feliz. Eram duas pessoas tão diferentes, com vidas tão diferentes, que não conseguia ver como alguma vez poderiam estar unidos como um só.
Suspirou e reclinou-se para trás, com a cabeça escura apoiada na curva do braço. A lembrança do pai a aconselhá-lo a não casar com um rosto bonito por amor, e a mãe a dizer-lhe amargamente que a minúscula Amy Robsart tinha tanta utilidade para um homem
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ambicioso como uma prímula na lapela. Quisera mostrar aos pais que não era um filho como Guilford, que mais tarde acabaria por casar com uma rapariga que o odiava, por ordem do pai. Quisera escolher a sua própria mulher, e Amy era tão jovem e tão doce e tão disposta a concordar com tudo o que ele propunha. Pensara que ela podia aprender a ser a mulher de um cortesão, pensara que podia ser uma aliada para ele, uma fonte de poder e de informação
- tal como a mãe era para o pai. Pensara que podia ser uma parceira leal e eficaz na ascensão da sua família à grandeza. Não se apercebera de que ela seria sempre a filha satisfeita de Sir John Robsart, um homem importante numa pequena região, em vez da mulher ambiciosa de Robert Dudley - um homem que descobrira que a grandeza era tão inconstante e tão difícil de conquistar.
Robert acordou cedo e sentiu a sensação antiga e familiar de irritação ao ver que a mulher ao seu lado na cama era Amy e não uma prostituta de Londres que poderia mandar embora antes de ela ter o descaramento de falar. Em vez disso, a mulher mexia-se quando ele se mexia, como se todos os sentidos, mesmo durante o sono, estivessem alerta para ele. Ela abriu os olhos quase ao mesmo tempo que ele, e assim que o viu, esboçou aquele sorriso vazio, familiar, e disse, como sempre disse:
- bom dia, meu senhor. Que Deus esteja convosco. Estais bem? Ele também detestava que, quando respondia bruscamente,
uma sombra atravessasse o rosto dela, como se a tivesse esbofeteado nos primeiros momentos do acordar, o que o forçava a sorrir por sua vez e a perguntar-lhe se dormira bem, com uma preocupação adicional na voz, numa tentativa de emendar os estragos.
A monotonia repetitiva de tudo aquilo fazia-o cerrar os dentes e saltar da cama como se a sua presença fosse necessária com urgência em alguma parte, apesar de, na verdade, ele ter dito a todos na corte que iria passar alguns dias com a mulher em Camberwell. A interacção previsível entre a sua irritação e o sofrimento dela era insuportável.
- Oh, ides levantar-vos? - perguntou ela, como se não estivesse a vê-lo a colocar a capa em volta dos ombros despidos.
- Sim - respondeu ele secamente. - Lembrei-me de uma coisa que devia ter feito na corte, tenho de voltar cedo.
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- Cedo? - ela não conseguia disfarçar a desilusão da voz.
- Sim, cedo - disse ele abruptamente, e saiu rapidamente do quarto.
Esperara quebrar o jejum sozinho, montar no cavalo e desaparecer, antes de a casa começar a ter movimento, mas Amy saltou da cama e acordou toda a gente. O Sr. e a Sr.11 Scott desceram as escadas, a Sr.a Scott vinha a prender o cabelo com ganchos, enquanto seguia os passos do marido, com a Sr.a Oddingsell atrás deles, ele conseguia ouvir os saltos dos dispendiosos sapatos de Amy a ressoar ao longo do soalho de madeira, à medida que, também ela, corria para baixo. Forçou um sorriso e preparou-se para repetir as mentiras dos assuntos urgentes que tinha para tratar.
Uma família mais sofisticada teria adivinhado de imediato a simples verdade: o seu nobre convidado não suportava nem mais um minuto. Mas, para os Scott, e para a prima Amy, era uma surpresa e uma desilusão, e Amy, em particular, estava preocupada que ele estivesse sobrecarregado com o seu trabalho na corte.
- Não podem arranjar outra pessoa que o possa fazer por vós?
- perguntou ela, andando em volta dele, com uma preocupação maternal e vendo-o beber cerveja e comer pão.
- Não - respondeu ele, de boca cheia.
- Pedem-vos para fazer tantas coisas - disse ela com orgulho. Olhou para a Sr.a Scott e a Sr.a Oddingsell. - Não conseguem resolver os assuntos sem vós? Não deviam sobrecarregar-vos tanto com trabalho.
- Sou Estribeiro-Mor - disse ele. - É meu dever cumprir a tarefa que ela me confiou.
- E William Cecil não pode fazê-la por vós? - perguntou Amy ao acaso. - Podíeis enviar-lhe um bilhete.
Dudley ter-se-ia rido, se não estivesse tão irritado.
- Não - disse ele. - Cecil tem o trabalho dele, e a última coisa que eu quero é que interfira no meu.
- Ou, então, o vosso irmão? com certeza podeis confiar nele? E, assim, poderíeis ficar aqui mais uma noite.
Dudley abanou a cabeça.
- Lamento deixar-vos a todos - disse, incluindo os Scott no encanto do seu pedido de desculpas. - E se pudesse ficar, fá-lo-ia. Mas, durante a noite, acordei e tomei consciência de que vai haver uma grande saída com barcaças, após a cerimónia da Ordem da Jarreteira e eu não encomendei as barcaças. Tenho de voltar à corte e de organizar tudo.
- Oh, se se trata apenas de encomendar alguns barcos, podeis
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fazê-lo por carta - confortou-o Amy. - E um dos pajens pode levá-la de imediato.
- Não - repetiu ele. - Tenho de lá estar. O barcos têm de ser verificados e os remadores atribuídos. Tenho de preparar um cortejo aquático e arranjar um barco para os músicos, há muita coisa para fazer. Não é só encomendar os barcos. Não sei como posso ter-me esquecido.
- Se fosse convosco, talvez pudesse ajudar-vos. Robert levantou-se da mesa. Não suportava o anseio no rosto dela.
- Quem me dera poder levar-vos! - disse ele calorosamente. Mas tenho outro trabalho para vós, uma tarefa bastante mais importante. Não vos recordais? E haveis-me prometido que a levaríeis a cabo para mim, para nós.
O sorriso voltou ao rosto dela.
- Oh, sim.
- Quero esse assunto resolvido, o mais depressa possível. Agora, vou embora, e podeis contar tudo aos vossos amigos.
Ele já estava fora da porta antes de ela poder voltar a pedir-lhe que ficasse. Os criados dele, no estábulo, estavam a selar os cavalos, preparando-se para partir. Observou-os com um olho crítico. Dudley era famoso por manter a sua escolta tão impecável como os soldados prontos a partir. Assentiu com a cabeça e pegou nas rédeas do seu grande cavalo de caça, levou-o à volta até à parte dianteira da casa.
- Tenho de agradecer-vos pela vossa hospitalidade para comigo
- disse ele ao Sr. Scott. - Sei que não é necessário agradecer-vos pela estada da minha mulher, sei o quanto ela vos é querida.
-" É sempre um prazer ter cá a nossa prima - disse o homem suavemente. - É uma grande honra ver-vos. Mas esperava que tivéssemos algum tempo para trocarmos uma palavra.
- Sim?
O Sr. Scott puxou Robert Dudley para o lado.
- Tenho alguma dificuldade em cobrar uma dívida a um mercador de Antuérpia, tenho o título de dívida assinado por ele, mas não consigo obrigá-lo a honrá-lo. Preferia não o apresentar aos magistrados, existem algumas cláusulas nele que são bastante complicadas para as suas mentes simples, e o meu devedor sabe-o, e está a aproveitar-se disso para não pagar.
Robert descodificou esta observação à sua velocidade habitual como significando que o Sr. Scott emprestara algum dinheiro a um mercador de Antuérpia, a uma taxa de juro ilegalmente elevada, e que, agora, o homem estava a renegar a dívida, convencido de que
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nenhum mercador de boa reputação, de Londres, quereria que se soubesse que emprestava dinheiro aos vulneráveis, a uma taxa de juro de vinte e cinco por cento.
- Qual é o valor total? - perguntou Robert cautelosamente.
- Nada, para um homem da vossa importância. Umas meras trezentas libras. Mas são uma preocupação para mim.
Robert acenou com a cabeça.
- Podeis escrever a Sir Thomas Gresham, em Antuérpia, e dizer-lhe que sois primo da minha mulher e que eu lhe peço que interceda neste assunto - disse ele descontraídamente. - Ele far-me-á o favor de o analisar para vós, e depois podeis dizer-me a que conclusão ele chegou.
- Estou-vos muito grato, primo - afirmou o Sr. Scott calorosamente.
- Tenho todo o prazer em poder ajudar-vos - Robert fez uma vénia graciosa, e voltou-se para dar um beijo à Sr.a Scott e depois a Amy.
No momento em que ele a deixou, ela não conseguiu disfarçar o desgosto. O seu rosto ficou sem cor e os dedos tremiam quando as mãos quentes dele agarraram as suas com firmeza. Tentou sorrir, mas os olhos encheram-se-lhe de lágrimas.
Ele inclinou a cabeça e beijou-lhe os lábios, sentindo a curva triste sob a sua boca. Na noite anterior, sob ele, ela sorrira enquanto ele a beijava, enrolara os braços e as pernas em volta dele e sussurrara o nome dele, e o seu gosto fora muito doce.
- Ficai feliz, Amy - pediu-lhe ele, murmurando baixinho ao ouvido dela. - Não gosto nada quando estais triste.
- Vejo-vos tão poucas vezes - suspirou ela com urgência. - Não podeis ficar? Por favor, ficai, só até à hora do jantar...
- Tenho de ir embora - disse ele, abraçando-a.
- Estais com pressa para ir ter com outra mulher? - acusou-o ela, subitamente cheia de raiva, a voz num tom sibilante ao ouvido dele, como uma serpente.
Ele afastou-se dela.
- Claro que não. É como vos disse. Ficai feliz! A nossa família está a subir. Ficai feliz por mim, por favor, despedi-vos de mim com o vosso sorriso.
- Desde que me jureis pela honra da vossa mãe que não há mais ninguém.
Ele fez uma careta pela linguagem exagerada.
- Claro, prometo - disse simplesmente. - Agora, ficai feliz por mim.
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Amy tentou sorrir, apesar de os seus lábios tremerem.
- Estou feliz - mentiu ela imediatamente. - Estou feliz por vós, pelo vosso sucesso, e estou tão feliz por finalmente irmos ter uma casa. - O seu tom de voz diminuiu. - Se me jurardes que vos mantendes fiel a mim.
- Claro. Por que outro motivo quereria construir uma casa para nós? E encontrar-me-ei convosco em casa dos Hyde, em Denchworth, daqui a aproximadamente quinze dias. Enviarei um bilhete à Sr.: Oddingsell para vos avisar.
- Escrevei-me - pediu-lhe ela. - Gosto tanto quanto me trazem as vossas cartas.
Robert deu-lhe um abraço.
- Muito bem, então - disse ele, pensando que era como acalmar uma criança. - Escrever-vos-ei e selarei a carta, para poder vir directamente para vós e para poderes ser vós a quebrar o selo.
- Oh, eu nunca os quebro. Levanto-os da página e guardo-os. Tenho uma colecção enorme deles na minha gaveta-caixa de jóias, de todas as cartas que me haveis enviado.
Ele rejeitou a ideia de ela guardar como um tesouro algo tão trivial como os seus selos de lacre, e desceu as escadas a correr, montando na elevada sela do seu cavalo.
Robert tirou o chapéu da cabeça.
- Despeço-me de todos, por agora - disse agradavelmente. - E até ao nosso próximo encontro. - Não suportava olhá-la nos olhos. Olhou para a Sr.a Oddingsell e viu que ela estava perto, pronta para dar a apoio a Amy quando ele tivesse ido embora. Não havia necessidade de prolongar a despedida. Acenou para a sua companhia a cavalo e eles seguiram-no, com o porta-estandarte à frente, e partiram a trote, ouvindo-se um ruído bastante alto dos cavalos, à medida que a rua se ia estreitando para o fim da estrada.
Amy ficou a olhá-los até eles dobrarem a esquina e estarem fora do alcance da vista. Mesmo assim, aguardou nos degraus até já não conseguir ouvir os cascos a bater e o tinido dos bridões. Ainda assim, esperou, no caso de ele mudar milagrosamente de ideias e voltar para trás, pedindo um último beijo, ou querendo que ela fosse com ele. Durante meia hora, depois de ele ter partido, Amy manteve-se perto da porta da frente, para o caso de ele voltar. Mas ele nunca o fez.
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Robert percorreu a cavalo o longo caminho de regresso à corte numa rota sinuosa, a uma velocidade louca, que punha à prova a arte de cavalaria da sua escolta, e o vigor dos cavalos. Quando finalmente entraram com algazarra no pátio dos estábulos do Palácio de Whitehall, os cavalos estavam ofegantes, os seus pescoços, estavam escuros por causa do suor, e o porta-estandarte cerrava os dentes devido às dores que sentia nos braços por montar só com uma mão nas rédeas, a meio galope, durante quase uma hora.
- Valha-nos Deus, o que se passa com o homem? - perguntou ele, ao cair da sela nos braços de um dos companheiros.
- Lascívia - disse o outro cruamente. - Lascívia, ambição ou uma consciência pesada. É o nosso Lorde numa casca de noz. E hoje, depois de o ver cavalgar, à velocidade da luz, de perto da mulher para junto da Rainha, creio que deve ser a consciência pesada, a seguir, a ambição e, em seguida, a lascívia.
Enquanto Robert desmontava, um dos seus criados, Thomas Blount, levantou-se de onde estava sem nada para fazer, e aproximou-se, para segurar as rédeas do cavalo.
- Há novidades - disse calmamente. Robert esperou.
- Na reunião do Conselho Privado, a Rainha atacou-os violentamente por o Tratado de Cateau Cambresis não servir para recuperar Calais para a Inglaterra, e por não obrigar a princesa francesa a entregar o brasão inglês. Concordaram construir dois novos navios de guerra, por subscrição. Ser-vos-á pedido dinheiro, como a toda a gente.
- Mais alguma coisa? - perguntou Dudley, fazendo do rosto uma máscara.
- Acerca da Igreja. Cecil elaborou um projecto de lei para ser apresentado ao Parlamento, para que decidam como serão as missas. Foi acordado que deveriam basear-se no livro de orações do rei Eduardo, com algumas alterações ligeiras.
Dudley fechou os olhos, pensando.
- Não a pressionaram a ir mais longe?
- Sim, mas Cecil disse que se fizessem mais alguma coisa, provocariam uma rebelião dos bispos e dos lordes. Ele não podia prometer que iria ser aprovado tal como está. E alguns dos conselheiros disseram que iriam opor-se de qualquer modo. Irá ser apresentado no Parlamento, na Páscoa, Cecil espera ter convencido a oposição até lá.
- Mais alguma coisa?
- Nada de importante. Um ataque de ciúmes da rainha, em relação ao casamento de Filipe da Espanha. E uma discussão entre
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eles, depois de ela ter saído, afirmando que o melhor que ela tinha a fazer era casar com Arran. A maioria do Conselho concorda, especialmente se Arran puder entregar a Escócia. Algumas palavras desagradáveis contra vós.
- Contra mim?
- Por a desviardes dos planos de casamento, virando-lhe a cabeça, namoricos, esse tipo de coisas.
- Apenas palavras desagradáveis?
- Norfolk disse que devíeis ser enviado de volta para a Torre ou seria ele próprio a acabar convosco e que seria a melhor coisa a fazer.
- Norfolk é uma marioneta; mas vigiai-o por mim - disse Robert.
- Fizestes muito bem. Vinde ver-me mais tarde, tenho outras tarefas para vós.
O homem fez uma vénia e desapareceu nos fundos dos estábulos, como se nunca lá tivesse estado. Robert voltou-se para o palácio e subiu as escadas para o salão, dois degraus de cada vez.
- E como estava a vossa mulher? - perguntou Isabel com doçura, contrariando o tom afectadamente recatado com o olhar cortante que lhe lançou.
Robert era um mulherengo demasiado experiente para hesitar por um momento.
-?Muito bem mesmo - disse. - Cheia de saúde e de beleza. Cada vez que a vejo, está mais bonita.
Isabel, que estava pronta a falar sobre qualquer admissão das imperfeições de Amy, foi apanhada desprevenida.
- Ela está bem?
- Na melhor das saúdes - assegurou-lhe ele. - E muito feliz. Está a viver com a prima, uma senhora bastante próspera, casada com Ralph Scott, um mercador de Londres, um homem de muito sucesso. Tive de fazer um esforço para vir embora, constituem um grupo bastante alegre.
Os olhos dela pestanejaram.
- Não precisáveis de vos preocupar, Sir Robert. Podíeis ter ficado o tempo que desejásseis em - onde era - Kendal?
- Camberwell, Vossa Graça - respondeu ele. - A uma curta distância de Londres. Uma aldeia pequenina e bonita. Iríeis gostar.
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Surpreende-me que nunca tenhais ouvido falar dela. Amy adora-a e ela tem um gosto maravilhoso.
- Bem, não sentimos a vossa falta cá. Aqui não se passou anda, além dos namoricos, pretendentes e romances.
- Não duvido - disse ele, sorrindo para ela. - Porque sentistes tão pouco a minha falta que me julgáveis em Kendal.
Ela amuou.
- Como é que posso saber onde estais, ou o que fazeis? Não é suposto estardes sempre na corte? Os vossos deveres não são aqui?
- Os meus deveres, não - respondeu Sir Robert. - Porque nunca negligenciaria os meus deveres.
- Então, admitis que me negligenciais?
- Negligenciar? Não. Escapar? Sim. ?
- Escapastes de mim? - as damas de companhia viram o rosto iluminar-se-lhe com o riso, quando se inclinou para a frente, para o ouvir. - Porque fugiríeis de mim? Sou assim tão temível?
- Não sois, mas a ameaça que representais é aterrorizadora, pior do que qualquer Medusa.
- Nunca vos ameacei em toda a minha vida.
- Ameaçais-me de cada vez que respirais. Isabel, se me permitisse amar-vos, como poderia fazer, o que seria de mim?
Ela encostou-se para trás e encolheu os ombros.
- Oh, consumir-vos-íeis de tristeza e choraríeis durante uma semana e depois iríeis novamente visitar a vossa mulher, a Camberwell, e esquecer-vos-íeis de voltar para a corte.
Robert abanou a cabeça.
- Se me permitisse amar-vos, como quero amar-vos, tudo mudaria para mim, para sempre. E para vós...
- Para mim, o quê?
- Nunca voltaríeis a ser a mesma - prometeu-lhe ele, a voz reduzindo-se a um murmúrio. - A vossa vida nunca mais seria a mesma. Seríeis uma mulher transformada, tudo seria... revalorizado.
Isabel queria encolher os ombros e rir-se, mas o olhar escuro dele era totalmente hipnotizante, demasiado sério para a tradição de namorico do amor cortês.
- Robert.. - Encostou a mão à garganta, onde as pulsações batiam aceleradas, tinha o rosto enrubescido de desejo. Mas, mulherengo experiente como ele era, não prestou atenção à cor do rosto dela, mas à mancha lenta e reveladora que se espalhava desde a zona da garganta, até às pontas dos lóbulos das orelhas, onde duas pérolas valiosas dançavam. Era a mancha rosa avermelhada do desejo e Robert Dudley teve de morder os lábios para não se rir em
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voz alta, por ver a Rainha Virgem da Inglaterra tão rosada de desejo por ele quanto uma vulgar prostituta.
Na casa de Camberwell, Amy dirigiu-se à sala de estar com os Scott e a Sr.a Oddingsell, pediu-lhes para jurarem confidencialidade total e anunciou que iria ser atribuída ao marido a mais alta ordem de cavalaria, a Ordem da Jarreteira, uma casa bonita e pequena em Kew, uma concessão de terras, um cargo rentável, e que o melhor de tudo era que ele lhe pedira para procurar uma casa adequada para ambos em Oxfordshire.
- Bem, o que é que a Sr.a Woods vos disse? - perguntou a Sr.a Oddingsell a respeito da fantástica incumbência dela. - E o que é que eu disse? Tereis uma casa bonita e ele regressará a casa todos os Verões, e talvez mesmo a corte vos visite durante as suas viagens, recebereis a Rainha na vossa própria casa e ele ficará muito orgulhoso de vós.
O pequeno rosto de Amy iluminou-se com a ideia.
- Isto é que é ascender - afirmou Ralph Scott deliciado. - Desta forma, não se sabe até onde ele pode chegar no favor da Rainha.
- E depois necessitará de uma casa em Londres, não ficará satisfeito com uma pequena casa em Kew, tereis a Casa Dudley ou o Palácio Dudley, e vivereis em Londres todos os Invernos, e organizareis festas e entretenimentos tão grandiosos que todos quererão ser vossos amigos, todos quererão conhecer a bela Lady Dudley.
- Oh, por favor... - disse Amy corando. - Não é isso que eu procuro...
- Sim, é verdade. E pensai nas roupas que ireis encomendar!
- Quando é que ele disse que iria ter convosco a Denchworth?
- perguntou Ralph Scott, pensando que poderia ir visitar a prima em Oxfordshire e fomentar a relação com o marido dela.
- Daqui a quinze dias, foi o que ele disse. Mas ele atrasa-se sempre.
- Sim, mas na altura que ele vier, já tereis tido tempo para ter percorrido toda a região, de uma ponta à outra, para encontrar uma casa que lhe possa agradar - afirmou a Sr.a Oddingsell. -Já conheceis Denchworth, mas há muitas casas antigas que nunca haveis visto. Eu sei que é a minha região, e que sou parcial; mas considero Oxfordshire a região mais bonita da Inglaterra. E o meu irmão
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e a minha cunhada ficarão tão satisfeitos por nos ajudar a procurar. Podemos ir todos juntos. E, depois, quando Sir Robert vier finalmente, podereis ir com ele e mostrar-lhe a melhor terra. Estribeiro-Mor da Rainha! Ordem da Jarreteira! Poderia comprar metade do país.
- Temos de fazer as malas! - gritou Amy, cheia de pressa. - Ele diz que quer que vamos imediatamente. Temos de partir já.
Obrigou a amiga a levantar-se, a Sr.a Oddingsell ria-se para ela.
- Amy! Só demoraremos dois ou três dias a chegar lá. Não é preciso termos tanta pressa.
Amy foi a dançar até à porta, o seu rosto animado como o de uma menina.
- Ele vai lá ter comigo! - sorria ela. - Quer que esteja lá agora. É claro que temos de partir imediatamente.
William Cecil conferenciava em voz baixa com a Rainha no vão da janela do Palácio de Whitehall, e um aguaceiro de Março batia contra o vidro espesso da janela atrás deles. Em vários estados de alerta, a corte da rainha aguardava que ela se separasse do seu conselheiro e se voltasse, à procura de divertimento. Robert Dudley não se encontrava entre eles, estava nos seus luxuosos aposentos, a organizar as barcaças de rio com os barqueiros principais. Apenas Catherine Knollys estava suficientemente perto para os ouvir, e Cecil confiava na lealdade dela para com a Rainha.
- Não posso casar com um homem que nunca vi - repetia a resposta que dava a toda a gente, para adiar o noivado com o Arquiduque Fernando.
- Ele não é um pastor apaixonado que possa aparecer aqui a tocar flauta e a cantar para vos cortejar - observou Cecil. - Não pode atravessar metade da Europa para que o inspeccioneis como um bezerro. Se o casamento for acordado, então, pode vir visitar-vos e vós podereis casar-vos, no final. Poderia vir esta Primavera e poderíeis casar-vos no Outono.
Isabel abanou a cabeça, afastando-se instantaneamente da ameaça da acção decisiva, mal ouviu a menção de uma data no calendário.
- Oh, não tem de ser tão cedo, Espírito. Não me pressioneis. Ele pegou-lhe na mão.
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- Não pretendo fazê-lo - disse honestamente. - Mas a vossa segurança está neste sentido. Se fosses prometida a um arquiduque Habsburgo, teríeis uma aliança inquebrável para a vida.
- Dizem que Carlos é muito feio, e um católico fervoroso relembrou-lhe ela.
- É verdade - concordou ele pacientemente. - Mas é no irmão dele, Fernando, que estamos a pensar. E dizem que é bonito e comedido.
- E o imperador apoiaria o casamento? E obteríamos um tratado de apoio mútuo, se eu casasse com ele?
- O Conde Feria comunicou-me que Filipe encararia este assunto como uma garantia de boa vontade mútua.
Ela parecia impressionada.
- Na semana passada, quando vos aconselhei a favor do casamento com Arran, dissestes que pensáveis que este seria o melhor
- relembrou-lhe ele. - E é por isso que agora vos falo no assunto.
- Nessa altura era o que pensava, concordou ela.
- Retiraria aos Franceses a amizade com a Espanha, e daria novas garantias aos nossos papistas - acrescentou ele.
Ela assentiu com a cabeça.
- vou pensar no assunto.
Cecil suspirou e apercebeu-se do sorriso divertido e de esguelha que Catherine Knollys lhe lançou. Sabia exactamente quão frustrante Isabel poderia ser para com os seus conselheiros. Ele retribui-lhe o sorriso. De repente, ouviu-se um grito e uma intimação vinda da entrada e uma pancada contra a porta fechada da antecâmara. Isabel empalideceu e voltou-se, não sabendo para onde poderia dirigir-se, para procurar segurança. Os dois guarda-costas secretos de Cecil aproximaram-se rapidamente dela, todos olharam para a porta. Cecil, com as pulsações a latejar, deu dois passos em frente.
"Valha-me Deus, aconteceu. Vieram atacá-la", pensou. "No seu próprio palácio."
Lentamente, a porta abriu-se.
- com licença, Vossa Graça - disse a sentinela. - Não foi nada. Só um aprendiz embriagado. Tropeçou e caiu. Não vos assusteis.
A cor voltou ao rosto de Isabel, e os seus olhos encheram-se de lágrimas. Voltou-se para o vão da janela, para esconder da corte a expressão aflita. Catherine Knollys aproximou-se e pôs o braço em volta da cintura da prima.
- Muito bem - disse Cecil ao soldado. Ele fez um sinal com a cabeça aos seus homens para recuarem novamente para os seus lugares. Ouviu-se um murmúrio de preocupação e interesse dos
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cortesãos; apenas alguns haviam detectado o súbito ataque de medo de Isabel. Cecil fez uma pergunta em voz alta a Nicholas Bacon e tentou preencher o silêncio com conversa. Olhou para trás. Catherine falava firme e calmamente com a Rainha, garantindo-lhe que estava em segurança, que não havia nada a temer. Isabel conseguiu sorrir, Catherine afagava-lhe a mão, e as duas mulheres voltaram-se para a corte.
Isabel olhou em volta. O Conde von Helfensteín, o embaixador austríaco que representava o Arquiduque Fernando, acabara de entrar na longa galeria. Isabel dirigiu-se a ele com as mãos estendidas.
- Ah, Conde - disse calorosamente. - Estava mesmo a queixar-me de que não havia ninguém para me divertir neste dia frio, e abençoado sejais! Aqui estais vós como uma andorinha da Primavera!
Ele inclinou-se sobre as mãos dela e beijou-lhas.
- Agora - disse ela, puxando-o, para que a acompanhasse, caminhando pelo meio da corte. - Tendes de me contar tudo sobre Viena e as modas de senhora. Como usam os toucados, e que tipo de mulheres admira o Arquiduque Fernando?
A energia e a determinação de Amy para se encontrar com o marido significavam que ela embalara os seus bens e roupas, organizara a escolta e se despedira dos primos em poucos dias. A sua disposição não se alterou na longa viagem de Camberwell para Abingdon, apesar de passarem três noites na estrada e, uma delas, numa estalagem de nível bastante medíocre, onde não havia nada para comer ao jantar, à excepção de um caldo de carneiro muito aguado e apenas uma papa de aveia, muito diluída, para o pequeno-almoço. Por vezes, cavalgava à frente da Sr.a Oddingsell, galopando levemente com o cavalo pelas luxuriantes bermas cobertas com a erva primaveril, e o resto do tempo mantinha o cavalo de caça num passo apressado. Na zona rural quente e fértil, com a relva a reverdecer, as pastagens e as colheitas a começarem a encher os campos, a escolta sentia-se à vontade para se deixar ficar para trás das duas mulheres; não existia a ameaça de pedintes ou de outros viajantes, a estrada vazia rasgava uma planície vazia, sem marcas de sebes ou campos.
De vez em quando, a escolta armada de Robert aproximava-se, quando o caminho levava o grupo a atravessar um bosque de car-
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valhos antigos, onde algum perigo poderia estar à espreita, mas o campo era tão aberto e vazio, à excepção de um homem solitário que arava a terra, atrás de uma parelha de bois, ou de um rapaz que guardava ovelhas, que não era provável que alguma coisa pudesse ameaçar Lady Dudley enquanto cavalgava, alegremente, de uma casa acolhedora para outra, segura de que seria bem recebida e com a esperança de um futuro mais feliz, por fim.
A Sr.a Oddingsell, habituada às mudanças imprevisíveis de humor de Amy, que dependiam bastante da ausência ou da promessa de Sir Robert, deixava a jovem cavalgar à frente, e sorria indulgentemente ao perceber os trechos de canções que lhe chegavam aos ouvidos.
Claramente, Sir Robert, com a sua candidata no trono, com um rendimento maciço a entrar nos seus cofres, procuraria uma casa grande, uma propriedade bonita e, muito em breve, quereria ver a mulher à cabeceira da mesa e um filho e herdeiro no quarto das crianças.
Que valor tinha a influência na corte e uma fortuna em crescimento sem um filho a quem transmiti-la? Que utilidade tinha uma mulher adorável senão gerir a propriedade no campo e organizar a casa em Londres?
Amy amava Robert profundamente e faria qualquer coisa para lhe agradar. Queria que ele viesse para casa, para junto dela, e tinha todos os conhecimentos e capacidade para gerir uma propriedade rural bem-sucedida. A Sr.a Oddingsell pensou que os anos em que Amy fora negligenciada e os anos que Robert vivera com a sombra da traição estavam finalmente terminados, e o casal poderia recomeçar novamente. Seriam parceiros num empreendimento comum ao seu tempo: aumentar a fortuna de uma família. O homem ao leme e negociando na corte, enquanto a mulher geria a terra e a fortuna dele no campo.
Muitos bons casamentos haviam começado com base em nada mais terno do que isto, e haviam-se cimentado numa parceria forte e boa. E - quem poderia adivinhar? - podiam até voltar a apaixonar-se.
A casa do Sr. Hyde era um lugar bonito, ligeiramente afastada do largo da aldeia, com uma curva ampla que conduzia até ela e muros altos construídos com a pedra local. Fora uma casa de quinta
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e as sucessivas aquisições haviam-lhe conferido uma linha de telhado desordenada e alas adicionais que partiam do antigo salão medieval. Amy sempre gostara de ficar em casa dos Hyde, a Sr.a Oddingsell era irmã do Sr. Hyde e havia sempre a sensação calorosa de uma visita familiar, que disfarçava o pouco à-vontade que Amy, por vezes, sentia quando chegava a casa de um dos dependentes de Robert Dudley. Por vezes, parecia que ela era um fardo para Robert que tinha de ser partilhado de forma igual entre os seus apoiantes; mas, com os Hyde, estava entre amigos. A casa irregular da quinta, situada nos campos vastos e amplos, relembrava-lhe a sua casa de infância em Norfolk, e as pequenas preocupações do Sr. Hyde, a humidade do feno, a quantidade da colheita de cevada, o facto de o rio não inundar os prados desde que um vizinho abrira um lago de carpas demasiado profundo, constituíam a actividade trivial, mas fascinante, de gerir uma propriedade rural, que Amy conhecia e adorava.
As crianças aguardavam a chegada da sua tia Lizzie e Lady Dudley; quando a cavalgada subiu o caminho, a porta da frente abriu-se e saíram aos saltos, acenando e dançando em volta deles.
Lizzie Oddingsell saltou do cavalo e abraçou-os indiscriminadamente, e depois endireitou-se para cumprimentar com um beijo a cunhada, Alice, e o irmão, William.
Os três voltaram-se e correram para ajudar Amy a desmontar do cavalo.
- Minha querida Lady Dudley, sois muito bem-vinda a Denchworth - disse William Hyde calorosamente. - E devemos esperar a chegada de Sir Robert?
O seu sorriso aberto animou-os a todos.
- Oh, sim - disse ela. - Daqui a quinze dias, e eu tenho de procurar uma casa para nós e vamos ter aqui uma propriedade.
Robert, que andava em volta do pátio dos estábulos do Palácio de Whitehall, numa das suas inspecções semanais, voltou a cabeça para ouvir um cavalo a trotar rapidamente na estrada calcetada e viu Thomas Blount saltar da sua égua difícil de controlar, atirar as rédeas a um rapaz dos estábulos e caminhar em direcção à bomba, como se necessitasse urgentemente de lavar a cabeça com água. Amavelmente, Robert deu à bomba.
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- Notícias de Westminster - disse Thomas rapidamente. - E creio que me adiantei a toda a gente. Talvez seja de interesse para vós.
- É sempre do meu interesse. As informações são a única moeda de troca autêntica.
- Acabo de chegar do Parlamento. Cecil conseguiu. Vão aprovar o projecto de lei para introduzir alterações na Igreja.
- Ele conseguiu?
- Foram detidos dois bispos, dois estão doentes, e um desapareceu. Mesmo assim, conseguiu-o, por apenas três votos. Eu vim embora, assim que acabei de contar as votações, e tenho a certeza do resultado.
- Uma nova Igreja - disse Dudley pensativamente.
- E uma nova líder da Igreja. Ela vai ser a Governante Suprema.
- Governante Suprema? - perguntou Dudley, interrogando-se acerca da estranha designação. - Não é a Chefe?
- Foi o que disseram.
- Mas isso é estranho - afirmou Dudley, mais para si próprio do que para Blount.
- Sir?
- Dá que pensar. -Dá?
- Faz-nos imaginar o que fará ela.
- Sir?
- Nada, Blount - Dudley fez sinal ao homem. - Os meus agradecimentos. - Continuou a andar, chamou o rapaz dos estábulos para que movesse um cabresto, terminou a inspecção num estado de elação silenciosa, depois voltou-se e subiu lentamente as escadas, em direcção ao palácio.
Na soleira da porta encontrou William Cecil, vestido para a viagem para casa, em Theobalds.
- Oh, Senhor Secretário, bom dia. Estava mesmo a pensar em vós. - cumprimentou-o Dudley jovialmente, dando-lhe palmadinhas no ombro.
Cecil fez uma vénia.
- Sinto-me honrado por estar no vosso pensamento - disse ele com a cortesia irónica que utilizava frequentemente para manter Dudley a uma distância segura, e para relembrar a ambos que a antiga relação de amo e criado já não se aplicava.
- Soube que fostes bem sucedido e que remodelastes a Igreja?
- perguntou Dudley.
"Como raio é que ele sabe? Só eu sabia quais iriam ser as votações. Ainda nem sequer elaborei o relatório para informar que con-
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segui", questionou-se Cecil. "E porque é que ele não pode limitar-se a dançar e a passear a cavalo com ela e a distraí-la, até eu conseguir que ela case, em segurança, com o Conde de Arran?"
- Sim, uma pena em muitos aspectos. Mas, por fim, alcançámos um acordo - disse Cecil, afastando cuidadosamente a sua manga da mão do jovem que a segurava.
- Ela vai ser Governante da Igreja?
- Nem mais nem menos do que o pai, ou o irmão.
- Mas o título deles era de Chefe da Igreja.
- Pensa-se que São Paulo legislou contra a hipótese de esse cargo ser ocupado por uma mulher - informou Cecil. - Por isso, ela não podia receber o título de Chefe. Considerou-se que Governante era aceitável. Mas se tiverdes problemas de consciência, Sir Robert, existem líderes espirituais que podem orientar-vos melhor do que eu.
Robert deu uma gargalhada breve, perante o fantástico sarcasmo de Cecil.
- Obrigado, meu senhor. Mas, em geral, a minha alma sabe como cuidar de si mesma nestas questões. O .clero vai agradecer-vos por esta remodelação?
- Não vão agradecer-nos - disse Cecil cuidadosamente. - Mas podemos coagi-los, pressioná-los, podemos discutir e ameaçá-los até aceitarem um acordo. Prevejo uma luta. Não vai ser fácil.
- E como ides coagi-los, pressioná-los, discutir com eles e ameaçá-los?
Cecil ergueu uma sobrancelha.
- Instituindo um juramento, o Juramento de Supremacia. Já foi feito antes.
- Não a uma Igreja que se opunha na totalidade - sugeriu Dudley.
- Temos de esperar que não se oponham na totalidade, quando chegar o momento de escolher entre fazer um juramento ou perder o seu meio de subsistência e a liberdade - disse Cecil de modo afável.
- Não propondes condená-los à fogueira? - perguntou Dudley directamente.
- Confio que não chegue a esse ponto, ainda que o pai dela o tivesse feito.
Robert assentiu com a cabeça.
- E ela mantém todo o poder, apesar da designação diferente? Confere-lhe todos os poderes do pai? Do irmão? Ela vai ser o Papa na Inglaterra?
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Cecil fez uma pequena vénia solene, preparando-se para fazer a sua saída.
- Sim, na verdade, e se dais licença...
Para sua surpresa, o jovem deixou de detê-lo e fez-lhe uma vénia graciosa, endireitando-se com um sorriso.
- com certeza! Não devia ter-vos atrasado, Senhor Secretário. Perdoai-me. Ides a casa?
- Sim - respondeu Cecil. - Apenas alguns dias. Voltarei a tempo de assistir à vossa investidura. Tenho de vos felicitar pela honra.
"Como é que ele sabe disto?", interrogou-se Dudley. "Ela jurou-me que não contaria a ninguém até a data estar próxima. Será que soube através de espiões, ou que foi ela mesma a contar-lhe? Será que ela lhe conta realmente tudo?" Em voz alta, disse: - Agradeço-vos. Sinto-me muito honrado.
"E sois, de facto", disse Cecil para si mesmo, retribuindo a vénia e descendo as escadas, dirigindo-se ao local onde o seu cavalo de dorso curto o aguardava e a sua comitiva se estava a reunir. "Mas porque havíeis de ficar tão feliz por ela ser Chefe da Igreja? O que é que isso significa para vós que sois um dandy bonito, manhoso, que não inspira confiança?"
"Ela vai ser o Papa inglês", sussurrou Robert para si mesmo, caminhando na direcção oposta, como um príncipe nos seus tempos de ócio. Os soldados ao fundo da galeria abriram de par em par a porta dupla, para ele passar, e Robert entrou. O encanto intenso do seu sorriso fê-los inclinar as cabeças e arrastar os pés, mas o sorriso não era para eles. Sorria da ironia sofisticada de Cecil servir Robert, sem o saber. Cecil, a grande raposa, capturara uma grande ave, e pousara-a aos pés de Robert, tão obediente como o spaniel de Dudley.
"Ele fez dela Papa em tudo, excepto no nome. Pode conceder uma Dispensa Matrimonial, pode conceder uma anulação de casamento, pode decidir a favor de um divórcio", murmurou Robert para si mesmo. "Não faz ideia do que fez por mim. Ao convencer aqueles fidalgos rurais idiotas a fazer dela Governante Suprema da Igreja da Inglaterra, atribuiu-lhe poderes para conceder um divórcio. E quem conhecemos que possa beneficiar disso?"
Isabel não estava a pensar no seu atraente Estribeiro-Mor. Estava na sua antecâmara, admirando um retrato do Arquiduque
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Fernando, com as damas de companhia à sua volta. Pelo murmúrio de aprovação, quando repararam nos olhos escuros típicos dos Habsburgo e no requinte das suas roupas, Robert, entrando na sala com um passo descontraído, percebeu que Isabel continuava o namoro público com o seu último pretendente.
- Um homem bonito - disse ele, pretendendo obter um sorriso dela. - E um bom partido.
Ela deu um passo na direcção dele. Robert, como um coreógrafo, atento a cada movimento de uma dança, permaneceu imóvel e deixou-a aproximar-se.
- Admirais o arquiduque, Sir Robert?
- Claro, admiro o retrato.
- Está muito semelhante - disse o embaixador Conde von Helfenstein defensivamente. - O arquiduque não é vaidoso, não quereria um retrato que o favorecesse só para vos enganar.
Robert encolheu os ombros, sorrindo.
- com certeza - disse ele. Voltou-se para Isabel. - Mas como se pode escolher um homem a partir de uma tela com uma pintura? Nem um cavalo se escolheria assim.
- Sim; mas um arquiduque não é um cavalo.
- Bem, gostaria de saber como o meu cavalo se movimentaria, antes de me entregar a ele por desejo - disse ele. - Quereria analisar os passos dele. Gostaria de saber como se sentiria quando o acariciasse com a minha mão, lhe afagasse o pescoço, o tocasse por todo o corpo, atrás das orelhas, nos lábios, atrás das pernas. Quereria saber qual seria a reacção dele quando o montasse, quando o tivesse entre as minhas pernas. Sabeis, quereria até conhecer-lhe o cheiro, o próprio odor do seu suor.
Ela soltou um pequeno suspiro perante a imagem que ele estava a esboçar, muito mais viva, muito mais íntima do que a pintura a óleo, esbatida na tela, que tinham diante dos olhos.
- Se eu estivesse no vosso lugar, escolheria um marido que conhecesse - disse-lhe discretamente. - Um homem que tivesse testado com os meus próprios olhos, os meus próprios dedos, cujo cheiro me agradasse. Só casaria com um homem que soubesse que podia desejar. Um homem que já desejasse.
- Eu sou solteira - disse ela, ofegante. - Não desejo nenhum homem.
- Oh, Isabel, mentis - sussurrou ele com um sorriso.
Os olhos dela abriram-se pela impertinência dele, mas não o deteve. Ele interpretou o seu silêncio como um incentivo, como sempre.
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- Mentis: vós desejais de facto um homem.
- Não desejo um homem que esteja livre para casar. Ele hesitou.
- Quereríeis que eu estivesse livre?
De imediato, ela voltou a cabeça na direcção oposta e ele percebeu que a perdera para a sua coqueteria habitual.
- Ah, era de vós que estávamos a falar? Ele desistiu logo.
- Não. Estamos a falar do arquiduque. E ele é realmente um homem bonito.
- E agradável - interpôs o embaixador, ouvindo apenas o fim da conversa em voz baixa. - Um excelente estudioso. O inglês dele é absolutamente perfeito.
- Tenho a certeza que sim - respondeu Sir Robert. - O meu também é extraordinariamente bom.
Amy resplandecia com o tempo de Abril. Todos os dias ia passear a cavalo com Lizzie Oddingsell, com Alice ou William Hyde, para procurar um terreno que pudesse comprar; bosques que pudessem ser abatidos para abrir espaço para uma casa, ou casas de quinta que pudessem ser reconstruídas.
- Ele não quererá algo bastante maior do que isto? - perguntou-lhe William Hyde um dia, enquanto cavalgavam em volta de uma propriedade com oitenta e um hectares, com uma bonita casa de quinta revestida a azulejos, no meio.
- É evidente que reconstruiríamos a casa - disse Amy. - Mas não precisamos de um grande palácio. Ele ficou muito impressionado com a casa dos meus primos em Camberwell.
- Oh, uma casa de um mercador na cidade, sim - concordou o Sr. Hyde. - Mas ele não quererá ter uma casa onde possa receber a Rainha, quando a corte se encontra em viagem? Uma casa onde possa receber toda a corte? Uma casa grande, mais como Hampton Court, ou Richmond?
Ela pareceu bastante chocada por um momento.
- Oh, não - disse ela. - Ele quer algo que seja como a nossa casa, que considerássemos uma casa como deve ser. Não queremos um grande palácio. E com certeza a Rainha ficaria em Oxford, se viesse para esta região.
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- Se quisesse caçar? - sugeriu Alice. - Ele é o Estribeiro-Mor dela. Não quereria ter uma extensão de terreno suficiente para ter um grande parque de veados?
A gargalhada confiante de Amy ressoou.
- Ah, quereríeis que eu comprasse a Floresta Nova! - exclamou ela. - Não. O que queremos é uma casa como a minha de Norfolk, mas um pouco maior. Um lugar como Flitcham Hall, que quase comprámos, mas um pouco mais grandiosa e maior. Uma casa à qual pudéssemos acrescentar uma ala e uma porta, para que se tornasse uma casa bonita, ele não quereria nada mediano, e com jardins de lazer, um pomar e, claro, lagos com peixes, e alguns bosques bonitos e bons caminhos, e o resto seria terra de cultivo, e ele criaria cavalos para a corte. Ele passa o tempo todo em palácios, quereria voltar para uma casa que lhe transmitisse a sensação de um lar e não de uma grande catedral preenchida por um bando de actores, que é o que parecem os palácios reais.
- Se tendes a certeza de que é isso que ele pretende, podemos perguntar-lhes o preço desta propriedade - disse William Hyde cautelosamente, ainda não convencido. - Mas talvez devêssemos escrever-lhe, para nos certificarmos de que não procura algo mais imponente, com mais quartos e mais área de terreno.
- Não é necessário - disse Amy num tom confiante. - Eu sei o que o meu marido procura. Há anos que esperamos para construir uma casa como esta.
Robert Dudley estava absorto no planeamento da maior festa da corte desde o ponto alto da coroação da Rainha. Seria ostensivamente para honrar o dia de São Jorge, o grande dia da celebração inglesa que os Tudor haviam introduzido no calendário da corte. Seria o dia em que ele e três outros homens importantes aceitariam a Ordem da Jarreteira, a maior condecoração de cavalaria, recebida das mãos da Rainha. A ordem era concedida apenas a homens que se tivessem destacado na defesa da coroa. A Rainha ia atribuí-la a Robert Dudley, ao seu parente jovem, Thomas Howard, Duque de Norfolk, a Sir William Parr, o irmão da sua falecida madrasta, e ao Conde de Rutland.
Havia quem sugerisse que Robert Dudley era uma adição estranha a este conjunto de familiares, ou de conselheiros seniores, e talvez, visto
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ter feito parte da expedição em que a Inglaterra perdera Calais, não havia feito uma defesa particularmente extraordinária do Reino.
Por outro lado, os boatos diziam que o facto de planear alguns cortejos não era suficiente para qualificar um homem para receber a mais alta distinção da cavalaria inglesa, principalmente quando o avô e o pai haviam sido condenados como traidores. Como poderia um homem como Robert Dudley ter conquistado uma honra tão excepcional? Mas ninguém o proferia muito alto. E ninguém o comentava perto da Rainha.
Haveria torneios durante toda a tarde, os cavaleiros entrariam na arena de torneio vestidos com fatos e disfarçados, recitariam versos espirituosos e bonitos para explicar o seu papel. O tema da festa estava relacionado com o rei Artur.
- É Camelot? - perguntou Sir Francis Knollys a Robert, com uma leve ironia, no pátio coberto com toldo, onde ele supervisionava o esvoaçar das bandeiras com timbres medievais. - Estamos enfeitiçados?
- Espero que fiqueis enfeitiçado - disse Robert em tom afável.
- Porquê precisamente Camelot? - Sir Francis estava determinado em não compreender.
Dudley desviou os olhos do pátio do torneio, que estava a ser envolvido com tecido dourado, utilizado nas representações da coroação, que havia sido guardado e reutilizado, por poupança.
- É óbvio.
- Para mim não é. Explicai-me - pediu Sir Francis.
- Uma bela rainha - disse Robert abruptamente, indicando os elementos com os seus dedos longos e finos. - Uma Inglaterra perfeita. Unificada sob a égide de um monarca mágico. Não há problemas religiosos, não há problemas de casamento, não existem os malditos Escoceses. Camelot. Harmonia. E a adoração da Senhora.
- Da Senhora? - perguntou Sir Francis, pensando nos santuários existentes por toda a Inglaterra, dedicados a Maria, a Nossa Senhora, mãe de Jesus, agora caindo lentamente em desuso, à medida que as gentes do campo eram persuadidas de que aquilo que constituíra o centro da sua fé sincera era um erro, até mesmo uma heresia.
- A Senhora. A Rainha. Isabel - respondeu Robert. - A Rainha dos Corações, a Rainha das Justas, na sua corte de Verão, governando para sempre. Hurra!
- Hurra - repetiu obedientemente Sir Francis. - Mas hurra a quê exactamente? A não ser que seja para celebrar a vossa ascensão à Ordem da Jarreteira, pela qual vos apresento as maiores felicitações.
Robert corou ligeiramente.
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- Agradeço-vos - disse com uma dignidade simples. - Mas não é para celebrar a minha honra. Vai muito além, bastante mais além de uma pessoa tão humilde quanto eu, inclusive, muito para além dos lordes da nobreza.
- Ai vai?
- Para o campo. Para as pessoas. Sempre que organizamos um cortejo sumptuoso ou um dia de festividades, ele é copiado, em todas as cidades e vilas, de uma ponta à outra do país. Não pensais que transmitir a todos a ideia de que a Rainha é uma governante tão maravilhosa como Artur lhes relembra que devem amá-la, reverenciá-la e defendê-la? Relembrar-lhes que ela é jovem e bonita e que a corte dela é a mais bela de toda a Europa, não cai bem só na Inglaterra; a palavra chega a todo o lado: a Paris, a Madrid, a Bruxelas. Têm de admirá-la, por isso, têm de reconhecer o poder dela. Torna-a tão segura quanto o tratado de Cecil.
- Vejo que sois um político - afirmou Sir Francis. - E é como acordámos. Que ela deveria ser vista como adorável, para que seja adorada, para que a mantenham em segurança.
- Deus queira - assentiu Robert, e depois deixou escapar um sinal de impaciência quando um pajem desajeitado deixou cair a extremidade de um rolo de tecido e este se estendeu pelo chão arenoso do pátio. - Apanhai-o rapaz! Está-se a sujar!
- E haveis pensado na segurança dela neste dia? - procurou confirmar Sir Francis. - A maioria das pessoas já tem conhecimento de que o Papa deu a sua aprovação a um ataque contra ela.
Dudley olhou-o nos olhos.
- Eu só estou a pensar na segurança dela - disse terminantemente. - Noite e dia. Só penso nela. Não encontrareis um homem mais fiel ao serviço dela. Penso nela como se a minha vida dependesse dela. Na verdade, é disso que a minha vida depende.
Sir Francis assentiu.
- Não duvido da vossa palavra - disse honestamente. - Mas vivemos tempos ansiosos. Sei que Cecil tem uma rede de espiões por toda a Europa para apanhar qualquer pessoa que possa vir para Inglaterra para a ameaçar. E os Ingleses? Homens e mulheres que passam por nossos amigos? Pessoas que, neste preciso momento, podem estar a pensar que é seu dever, seu dever sagrado, assassiná-la?
Robert pôs-se de cócoras e, com o dedo, fez o desenho no chão coberto de areia da arena de torneios.
- Uma entrada real aqui. Por aqui, só podem entrar os membros da corte. Por aqui, os mercadores, habitantes de Londres, a pequena aristocracia em geral: devem ser mantidos afastados dela
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pelos fidalgos pensionistas. Os aprendizes entram por aqui, mais para trás: uma vez que são sempre os que causam os maiores problemas. A gente do campo, qualquer pessoa que tenha vindo sem convite, deve ficar ainda mais para trás. Em cada esquina deve haver um homem armado. Os homens de Cecil devem infiltrar-se no meio da multidão e devem estar atentos. Eu próprio tenho homens de confiança que circularão por aí e manterão os olhos abertos.
- E a ameaça dos amigos dela? A pequena e a grande nobreza?
- perguntou Sir Francis suavemente.
Robert levantou-se e esfregou as mãos.
- Deus queira que todos compreendam que a sua lealdade deve ser para com ela em primeiro lugar, por muito que gostassem de celebrar a missa - fez uma pausa. - E para vos dizer a verdade, de certeza que a maioria daqueles de quem duvidais está a ser vigiada - afirmou.
Sir Francis soltou uma gargalhada sonora.
- Pelos vossos homens?
- Sobretudo pelos de Cecil - disse Robert. - Ele tem centenas deles secretamente ao serviço dele.
- Aí tendes um homem que eu não gostaria de ter como inimigo - observou Sir Francis alegremente.
- Só se tivésseis a certeza de que o poderíeis vencer - respondeu Robert num tom uniforme. Olhou por cima do ombro e viu um pajem a desenrolar um galhardete e a pendurá-lo numa estaca.
- Hei! Olhai para o que estais a fazer! Está ao contrário!
- Bem, vou deixar-vos entregue às vossas funções - disse Sir Francis, retirando-se, como se receasse que o mandassem subir a uma eScada.
Robert sorriu.
- Está bem. Chamar-vos-ei quando o trabalho estiver terminado
- disse ele descaradamente, e dirigiu-se para o palco central. Imagino que voltareis a tempo da festa, depois de todo o trabalho árduo estar terminado. Ides participar no torneio?
- Meu Deus, sim! Serei um perfeito cavaleiro, muito nobre e gentil! Serei a flor da cavalaria. Agora vou retirar-me para ir polir o meu escudo e as minhas coplas - gritou Sir Francis em tom de chacota da bancada.
- Cantai hey nonny nonny, caro Robin! (1)
(1) "Hey, nonny, nonny" é uma frase nonsense (sem sentido sentido ou anfigúrica) utilizada nas músicas populares e poemas renascentistas ingleses a partir dos séculos XV e XVI. Aparece frequentemente nas obras de William Shakespeare. (N. da T)
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- Hey, nonny nonny! - gritou Robert, rindo-se.
Voltou ao trabalho, sorrindo da conversa, e depois teve a sensação de estar a ser observado. Era Isabel, que estava de pé, sozinha, na plataforma que seria decorada como o camarote real, olhando lá para baixo, para a vedação e para a arena de chão coberto de areia.
Robert analisou-a por um momento, reparou na sua quietude, e na ligeira inclinação da cabeça. Depois pegou num mastro de bandeira, como se ainda estivesse a trabalhar, e passou diante do camarote real.
- Oh! - exclamou, como se, de repente, a tivesse visto. - Vossa Graça!
Ela sorriu para ele e aproximou-se da frente do camarote.
- Olá, Robert.
- Estais pensativa?
- Sim.
Ele perguntou-se se ela teria ouvido a conversa que mantivera antes, sobre o perigo que ela corria todos os dias, se os teria ouvido enunciar os perigos que todos os tipos de pessoas representavam, desde os mais insignificantes aprendizes aos amigos mais próximos. Como poderia uma jovem mulher suportar saber que era odiada pelo seu próprio povo? Que o maior poder espiritual da Cristandade a havia declarado como marcada para morrer?
Introduziu o mastro da bandeira no respectivo suporte, colocou-se diante do camarote e olhou para cima.
- Algo em que possa ajudar-vos, minha princesa? Isabel dirigiu-lhe um pequeno sorriso tímido.
- Não sei o que fazer. Ele não a compreendia.
- Fazer? Em relação a quê?
ela inclinou-se sobre o corrimão do camarote para poder falar baixinho.
- Não sei o que fazer num torneio.
- Já deveis ter estado em centenas de torneios.
- Não, muito poucos. Não estive assim tantas vezes na corte durante o reinado do meu pai, a corte de Maria não era alegre e eu estive presa a maior parte do tempo.
Mais uma vez, Robert recordou que ela vivera no exílio a maior parte da sua adolescência. Estudara com a paixão de uma estudiosa, mas não se preparara para os entretenimentos triviais da vida da corte. Não podia fazê-lo; não havia forma de se estar à vontade em palácios ou em grandes eventos, a não ser através da familiaridade.
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Ele podia ter prazer na capacidade de pensar num novo tema para enriquecer um evento tradicional, mas conhecia-os como alguém que presenciara todos os torneios desde a primeira vez que chegara à corte e, de facto, vencera a maioria deles.
O desejo de Robert era superar-se a si próprio nos torneios e entretenimentos que conhecia demasiado bem, o desejo de Isabel era poder suportá-los, sem deixar transparecer o seu pouco à-vontade.
- Mas gostais de torneios? - perguntou ele.
- Oh sim - respondeu ela. - E conheço as regras, mas não sei como devo comportar-me, e quando bater palmas, e quando mostrar o meu favor, e tudo o resto.
Ele pensou por um momento.
- Quereis que vos monte um plano? - perguntou gentilmente.
- Como fiz para o cortejo da vossa coroação? Para vos indicar onde deveis estar e o que deveis fazer e dizer em cada ponto?
Ela pareceu logo mais animada.
- Sim. Isso seria bom. Assim, poderia aproveitar o dia, em vez de estar preocupada com ele.
Ele sorriu.
- E quereis que vos faça um plano para a cerimónia da Ordem da Jarreteira?
- Sim - respondeu ela avidamente. - Thomas Howard disse-me o que devia fazer, mas não consigo lembrar-me de tudo.
- Como é que ele pode saber? - perguntou Dudley depreciativamente. - Ele quase não ocupou nenhum dos mais altos cargos da corte nos últimos três reinados.
Ela sorriu pela habitual rivalidade dele com o duque, tio dela, contemporâneo de ambos em idade, e rival de toda a vida de Robert.
- Bem, escrevê-lo-ei para vós - afirmou Robert. - Posso ir aos vossos aposentos antes do jantar e analisá-lo convosco?
- Sim - disse ela. Impulsivamente, ela estendeu a mão para ele. Ele esticou-se para cima e só conseguiu chegar às pontas dos dedos dela com as dele, beijou a mão e esticou-a, para tocar na dela.
- Obrigada - disse ela docemente, com as pontas dos dedos ainda nas dele.
- vou dizer-vos sempre, vou ajudar-vos sempre - prometeu-lhe ele. - Agora que sei, vou fazer-vos uma tabela para vos mostrar onde deveis ir e o que deveis fazer para cada evento. Para que saibais sempre. E quando tiverdes ido a uma dúzia de torneios, podeis dizer-me o que quereis que faça de modo diferente, e sereis vós quem o elaborareis para mim e a mostrar-me como quereis que tudo seja alterado.
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Isabel sorriu do que ele disse e depois voltou-se e saiu do camarote real, deixando-o com uma sensação estranha de ternura por ela. Por vezes, ela não era como uma rainha que alcançara a grandeza por sorte e astúcia. Às vezes, era mais como uma rapariguinha, com uma tarefa demasiado difícil para gerir sozinha. Estava habituado a desejar as mulheres, e a usá-las. Mas, por um momento, no pátio coberto com toldo semipreparado, teve uma sensação que era nova para ele - ternura, de querer a felicidade dela mais do que a dele.
Lizzie Oddingsell escreveu uma carta ditada por Amy, e depois Amy copiou-a, fazendo esforçadamente as letras avançar direitas ao longo das linhas pautadas.
Caro Marido,
Espero que esta carta vos encontre de boa saúde. Eu estou feliz e bem, estou hospedada em casa dos nossos queridos amigos Hyde. Penso ter encontrado uma casa e um terreno para nós, tal como me haveis pedido. Creio que ireis ficar bastante satisfeito com eles. O Sr. Hyde falou com o proprietário que quer vendê-los por problemas de saúde e por não ter nenhum filho para herdar os seus bens e alega estar a vendê-los por um preço justo.
Não avançarei enquanto não receber instruções vossas, mas talvez possais vir ver a casa e o terreno muito em breve. O Sr. e a Sr.a Hyde enviam-vos os melhores cumprimentos e este cesto das primeiras folhas para salada. Lady Robsart disse-me que temos oito carneiros que nasceram este ano em Stanfield, o nosso melhor ano de sempre. Espero que venhais em breve.
A vossa esposa devotada
!Amy Dudley
PS. "Espero sinceramente que venhais em breve, marido.
Amy, juntamente com a Sr.a Oddingsell, caminhou até à igreja pelo meio do parque, atravessando depois o relvado da aldeia, o portão que dava para o adro, entrando finalmente na fresca e inalterada penumbra da igreja da paróquia.
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No entanto, esta não estava inalterada, estava estranhamente diferente. Amy olhou em volta e viu a nova estante do coro da igreja, de bronze, enorme, ao fundo da nave lateral e a Bíblia pousada lá em cima, aberta, como se alguém pudesse ser autorizado a lê-la. O altar, no seu lugar habitual, estava manifestamente vazio. Amy e Lizzie Oddingsell trocaram um olhar silencioso e fecharam-se no banco da família Hyde. O serviço religioso era proferido em inglês, e não no mais familiar latim, mais de acordo com o livro de orações do Rei Eduardo do que com a adorada missa. Amy inclinou a cabeça ao ouvir as novas palavras e tentou sentir a presença de Deus, apesar de a sua igreja ter sido alterada, de a língua ter mudado e de a hóstia estar escondida.
Chegou o momento de o padre rezar pela Rainha, e ele fê-lo, com a voz a tremer ligeiramente, mas quando se aproximou o momento de rezar pelo bispo adorado, Thomas Goldwell, as lágrimas na voz impediram-no completamente de falar e emudeceu. O clérigo terminou as orações por ele e o serviço religioso prosseguiu, terminando com a oração habitual da oferta e a bênção.
- Podeis ir indo - murmurou Amy para a amiga. - Eu quero rezar durante alguns momentos.
Esperou até a igreja ficar vazia, e depois saiu do banco dos Hyde. O padre estava ajoelhado junto da estrutura que separava o coro da nave, Amy aproximou-se em silêncio e ajoelhou-se ao lado dele.
- Padre?
Ele voltou a cabeça.
- Filha?
- Há algum problema?
Ele assentiu. A sua cabeça vergou-se como se estivesse envergonhado.
- Dizem que o nosso Bispo Thomas já não é o nosso bispo.
- Como é possível? - perguntou ela.
- Dizem que a Rainha não o nomeou para Oxford, e no entanto, ele já não é Bispo de St Asaph. Dizem que não pertence a um sítio nem a outro, não pertence a lado nenhum, é bispo de nada.
- Porque diriam tal coisa? - perguntou ela. - Devem saber que é um homem bom e um santo, e ele deixou St Asaph para vir para Oxford. Foi nomeado pelo Papa.
- Deveis saber tão bem como eu - disse ele penosamente. - O vosso marido sabe como funciona esta corte.
- Ele não... me faz confidências - disse ela, escolhendo cautelosamente a palavra certa. - Não no que diz respeito a questões da corte.
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- Sabem que o nosso bispo é um homem fiel até à morte - afirmou o padre com ar triste. - Sabem que era um grande amigo do cardeal Polé, que esteve junto do seu leito de morte, administrou-lhe os últimos sacramentos. Sabem que ele não vai mudar de opinião, só para agradar à rainha. Não desonraria a hóstia, como lhe ordenam que faça. Penso que, primeiro, lhe retirarão o Ofício Sagrado, por um passe de mágica, e depois assassiná-lo-ão.
Amy suspirou.
- Outra vez não - disse ela. - Mais mortes, não. Não queremos outro Thomas More!
- Foi-lhe ordenado que se apresentasse perante a Rainha. Temo que vá ao encontro da sua própria morte.
Amy assentiu, pálida.
- Lady Dudley, o vosso marido tem fama de ser um dos homens mais importantes da corte. Podeis pedir-lhe que interceda pelo nosso bispo? Juro que o padre Thomas nunca disse uma palavra contra a ascensão da Rainha, nunca proferiu uma palavra contra ela, enquanto rainha. Só falou, como Deus lhe pediu que fizesse, em defesa da nossa Igreja Sagrada.
- Não posso - respondeu ela simplesmenfe. - Padre, perdoai-me, mas eu não posso. Não tenho qualquer influência. O meu marido não ouve os meus conselhos em relação às questões da corte, à política. Nem sequer sabe que eu penso nesses assuntos. Não posso aconselhá-lo, e ele não me daria ouvidos.
- Então, rezarei por vós, que ele se volte para vós - disse brandamente o padre. - E se Deus o convencer a ouvir, então, filha: falai. É a vida do nosso bispo que está em risco.
Amy inclinou a cabeça.
- Farei o que puder - prometeu ela sem muita esperança.
- Deus vos abençoe e vos guie, filha.
O criado de Robert entregou-lhe a carta de Amy na tarde após a sua investidura como cavaleiro da Ordem da Jarreteira. Robert acabara de pendurar a seda azul da Jarreteira nas costas de uma cadeira e de recuar para a admirar. Depois, retirou um novo gibão, passou rapidamente os olhos pela carta, e devolveu-lha.
- Escrevei-lhe que neste momento estou ocupado, mas que irei assim que puder - disse, enquanto abria a porta. com a mão no
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puxador, percebeu que as letras mal formadas haviam sido escritas pelo próprio punho de Amy, e que ela devia ter dedicado horas a escrever-lhe.
- Dizei-lhe que estou muito satisfeito por ter sido ela própria a escrever-me - disse ele. - E enviai-lhe uma pequena bolsa com dinheiro, para comprar luvas ou o que ela quiser.
Fez uma pausa, com uma sensação irritante de que deveria fazer mais alguma coisa; mas depois ouviu o som da trombeta do arauto chamando para o torneio e não havia tempo.
- Dizei-lhe que irei de imediato - disse ele, voltou-se e correu pelas escadas abaixo, para se dirigir ao pátio dos estábulos.
O torneio tinha toda a pompa e cor de que Isabel gostava, com cavaleiros disfarçados a cantar-lhe louvores e a compor versos improvisados. As damas distribuíam rosetas e os cavaleiros usavam as cores das suas damas sobre o coração. A Rainha trazia uma luva de seda branca e segurava a outra na mão, quando se inclinou para a frente, para desejar a Sir Robert a melhor das sortes, quando ele se aproximou do camarote real para olhar lá para cima, para ela, muito mais alta que ele, e apresentar-lhe os seus cumprimentos.
Acidentalmente, quando se inclinava para a frente, a luva escorregou-lhe dos dedos e caiu. De imediato, antes de qualquer outra pessoa ter visto, esporeara o cavalo, o grande cavalo de guerra virou, reagindo de seguida, e ele apanhou a luva em pleno ar, antes de esta cair ao chão.
- Obrigada! - gritou Isabel. Fez um sinal ao pajem. - Apanhai a minha luva das mãos de Sir Robert!
com uma das mãos a segurar o cavalo negro que andava em círculos, ele levantou a viseira com a outra mão e levou a luva aos lábios.
Isabel, de rosto enrubescido, observou-o a beijar a sua luva, não exigiu que ele a devolvesse, nem desvalorizou o gesto com um sorriso, como se ele fosse apenas uma parte das cortesias do torneio.
- Não posso ficar com ela? - perguntou ele. Ela recompôs-se ligeiramente.
- Uma vez que a haveis apanhado de um modo tão galante disse ela de ânimo leve.
Robert trouxe o cavalo para mais perto.
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- Eu agradeço-vos, minha Rainha, por a terdes deixado cair para mim.
- Deixei-a cair por acidente - disse ela.
- Eu apanhei-a intencionalmente - respondeu ele, com os olhos escuros a brilhar para ela, e prendeu-a cuidadosamente no interior da sua couraça, deu a volta com o cavalo e cavalgou até ao fim das liças.
Combateram a tarde inteira sob o sol quente de Abril e, quando chegou a noite, a Rainha convidou todos os seus convidados especiais para se dirigirem ao rio, para um passeio nocturno de barcaça. Os londrinos, que haviam esperado que o dia terminasse deste modo, haviam suplicado, pedido emprestado e alugado barcos aos milhares, e o rio estava tão cheio como um mercado com barcos e barcaças que ostentavam alegremente galhardetes coloridos e bandeirolas, e um em cada três barcos transportava um cantor ou um tocador de alaúde a bordo, para que as melodias inquietantes se espalhassem de uma embarcação para outra.
Robert e Isabel estavam na barcaça da Rainha, com Catherine e Sir Francis Knollys, Lady Mary Sidney e o marido, Sir Henry Sidney, algumas das outras damas da rainha, Laetitia Knollys e outra dama de companhia.
Uma barcaça de músicos remava ao lado deles e as notas prolongadas das canções de amor eram arrastadas ao longo da água, enquanto os remadores mantinham o ritmo ao som do suave compasso de um tambor. O sol, pondo-se entre nuvens de rosa e ouro, indicava o caminho no Tamisa, cada vez mais escuro, como se os quisesse levar até ao próprio coração da Inglaterra.
Isabel inclinou-se no corrimão revestido a ouro da barcaça e olhou para fora, para as águas revoltas do rio, e para o panorama destes barcos de recreio acompanhando a progressão do seu, com as lanternas que balouçavam e que iluminavam os seus próprios reflexos na água. Robert juntou-se a ela e ficaram lado a lado durante algum tempo, observando o rio em silêncio.
- Sabeis, este foi o dia mais perfeito da minha vida - disse Isabel baixinho a Robert.
Por um momento, a constante tensão erótica existente entre os dois foi eliminada. Robert sorriu para ela, com o sorriso afectuoso de um velho amigo.
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- Fico contente - disse ele simplesmente. - Desejo que tenhais muitos mais dias como este, Isabel. Haveis sido generosa para comigo e eu agradeço-vos.
Ela voltou-se e sorriu-lhe, os seus rostos estavam tão próximos que a respiração dele fez mexer uma madeixa de cabelo que se havia soltado do toucado dela.
- Ainda tendes a minha luva - sussurrou ela.
- Tendes o meu coração.
"Foi mesmo muito generosa" disse William Cecil secamente para si mesmo, enquanto a corte saía a cavalo, na manhã do primeiro de Maio, para visitar Robert Dudley na sua nova casa, Dairy House, em Kew, um lugar bonito e encantador, construído na orla do parque, a apenas dez minutos de distância a pé do Palácio. Um lanço de escadas de sumptuosa pedra branca conduzia a uma enorme porta dupla em arco, emoldurada por duas janelas. Lá dentro, um grande hall dava lugar a salas pequenas, íntimas e reservadas, que davam para os jardins, de ambos os lados. Uma sebe rodeava a frente da casa, com duas árvores perfeitamente podadas, tão redondas como ameixas, de sentinela, em cada um dos lados.
Robert Dudley cumprimentou o pequeno grupo na porta da frente e conduziu-os através da casa até ao bonito jardim rodeado de muros, na parte de trás. Estava plantado parcialmente com flores e parcialmente como um pomar, de acordo com a nova moda de fazer com que um jardim fosse o mais parecido possível com um prado florido. Uma mesa estava posta com uma toalha de linho branco e o pequeno-almoço estava pronto para a Rainha. Segundo um conceito típico de Dudley, todos os criados estavam vestidos como mulheres que ordenhavam vacas ou pastores, e havia um pequeno rebanho de cordeiros, absurdamente tingidos com as cores verde e branco dos Tudor, aos saltos, sob as flores do pomar de macieiras.
Isabel bateu as palmas de deleite ao ver tudo aquilo.
- Oh, Robert, é muito sofisticado!
- Pensei que gostásseis de ser uma simples rapariga do campo, só por um dia - disse-lhe baixinho ao ouvido.
Ela voltou-se para ele.
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- Pensastes? Porquê? Ele encolheu os ombros.
- Uma coroa, para além de uma honra, também é um peso. As pessoas que vos rodeiam permanentemente tiram sempre alguma coisa de vós; nunca dão. Queria que tivésseis um dia cheio de prazer e riso, um dia para uma menina bonita; não uma rainha sobrecarregada.
Ela assentiu.
- Compreendeis. Exigem tanto de mim - disse ressentidamente.
- E estes novos pretendentes são os piores - disse ele. - Os dois Duques Habsburgo, que querem a vossa glória, para ascenderem de pobres duques na Áustria a Rei da Inglaterra, num grande salto! Ou o Conde de Arran, que pretende arrastar-vos para a guerra com a Escócia! Não vos oferecem nada, e esperam tudo em troca.
Isabel franziu as sobrancelhas, e por momentos ele receou ter ido longe de mais. Depois ela disse:
- Tudo o que me oferecem é problemas, mas o que querem de mim é tudo o que eu sou.
- Não querem nada de vós - corrigiu-a. - Não é o vosso verdadeiro eu. Querem a coroa, o trono ou o Herdeiro que vós podeis dar-lhes. Mas são pretendentes de imitação, ouro falso, não vos conhecem, ou amam como eu... - interrompeu-se.
Ela inclinou-se para a frente, conseguia sentir a respiração quente dele no rosto, e ele viu-a a respirar fundo, ao mesmo tempo que ele.
- Vós? - perguntou ela.
- Como eu - sussurrou ele muito baixinho.
- Vamos comer? - perguntou Cecil num tom queixoso, do grupo que aguardava atrás deles. - Sinto-me fraco de fome. Sir Robert, sois um Tântalo, ao expor um banquete como este diante de nós e em não nos convidar a começar a comer.
Robert riu-se e voltou as costas à Rainha, que precisou de um momento para recuperar a noção de que outras pessoas estavam presentes, dos olhos pousados sobre eles, das mesas postas com as toalhas imaculadas no pomar repleto de sol...
- Por favor... - disse ele, indicando por gestos, como um grande senhor, que deviam ocupar os respectivos lugares.
Sentaram-se para tomar o pequeno-almoço, que era tão sofisticado como um banquete italiano, mas servido com a despreocupação excêntrica que era a assinatura de Dudley, e depois, quando a refeição tinha terminado e as ameixas açucaradas estavam em cima da mesa, os pastores e as leiteiras apresentaram danças regionais, e can-
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taram uma canção em louvor da rainha pastora. Um pequeno rapaz, loiro e semelhante a um querubim, deu um passo em frente e recitou um poema para Isabel, Rainha de todos os pastores e pastoras, e presenteou-a com uma coroa de Maio, e uma varinha descascada de salgueiro, e depois uma banda de músicos, desconfortavelmente escondida nos ramos das macieiras, tocou um acorde inicial e Robert ofereceu a mão a Isabel, e conduziu-a numa dança regional, uma dança do Primeiro de Maio no dia apropriado para cortejar, quando a tradição dizia que até os pássaros estavam a acasalar.
- Bastante bonito - disse William Cecil para si mesmo, olhando para o sol que agora estava praticamente lá no alto. - Metade do dia desperdiçado e uma montanha de cartas para ler quando voltar à corte. Más notícias da Escócia, sem dúvida, e continuamos sem dinheiro a entrar para que a Rainha apoie os seus co-fanáticos, apesar de nos suplicarem ajuda e perguntarem, com razão, que pensamos que estamos a fazer: a abandoná-los quando estão praticamente à beira da vitória?
Olhou um pouco mais de perto. A mão de Robert Dudley não estava onde deveria estar, nas costas da Rainha, enquanto a conduzia nos passos de dança, mas em volta da cintura dela. E ela, longe de se manter direita como fazia sempre, inclinava-se definitivamente para ele.
"Poderia dizer-se que desejando-o" pensou ele.
O primeiro pensamento de Cecil foi para a reputação dela, e os planos de casamento. Olhou em volta, Graças a Deus, estavam entre amigos: os Knollys, os Sidney, os Percy. O jovem e irritante tio da Rainha, o Duque de Norfolk, não gostaria de ver a sua familiar nos braços de um homem, como se fosse uma prostituta a trabalhar numa estalagem de beira de estrada, mas nunca o transmitiria ao embaixador Habsburgo. Podia haver criados espiões no grupo, mas as suas palavras teriam pouco peso. Todos sabiam que Isabel e Dudley eram amigos íntimos. Não havia mal nenhum no afecto evidente entre o jovem casal.
"E, no entanto" disse Cecil calmamente para si mesmo. "E, no entanto, devemos casá-la. Se ela permitir que ele a acaricie, estamos seguros, ele é casado e não pode fazer mais do que acender a fogueira que terá de se apagar. Mas e se ela se apaixonar por um homem solteiro? Se Dudley desperta o desejo dela, o que acontecerá se um tipo jovem e inteligente se apresentar, e se for belo e livre? E se ela considerasse a hipótese de casar por amor e esquecesse a política da Inglaterra por um capricho feminino? É melhor casá-la, e depressa."
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Amy aguardava a chegada de Robert.
A casa inteira aguardava a chegada de Robert.
- Estais segura de que ele disse que viria de imediato? - perguntou William Hyde à irmã, Elizabeth Oddingsell, na segunda semana de Maio.
- Haveis visto a carta tão bem como eu - disse ela. - Primeiro o escrivão dele escreveu-me, dizendo que ele estava ocupado, mas que viria assim que pudesse, depois, na segunda frase, corrigiu a primeira, e disse que viria de imediato.
- A minha prima de Londres, que é familiar da família Seymour, diz que ele passa o dia inteiro, todos os dias, com a Rainha - observou Alice Hyde. - Ela foi ao torneio do dia de São Jorge e ouviu alguém dizer que ele levara a luva da Rainha na couraça.
Lizzie encolheu os ombros.
- Ele é o Estribeiro-Mor dela, é evidente que ela o favorece.
- O primo do Sr. Hyde diz que, à noite, ele passeou com ela na barcaça real.
- Como deveria ser, honrado entre outros - manteve Lizzie decididamente.
- Ela visitou-o para um pequeno-almoço, no primeiro de Maio, na sua nova casa em Kew e ficou lá o dia inteiro.
- Claro - disse Lizzie pacientemente. - Um pequeno-almoço da corte pode bem durar quase um dia inteiro.
- Bem, a minha prima diz que o que se comenta é que ela nunca o perde de vista. Está do lado dela todo o dia e dançam juntos todas as noites. Ela diz que o próprio parente da Rainha, o Duque de Norfolk, jurou que, se ele a desonrar, é um homem morto, e ele não faria uma ameaça dessas futilmente ou sem qualquer motivo.
O olhar que Lizzie lançou à cunhada não era fraternal nem caloroso.
- A vossa prima está obviamente bem informada - disse ela irritada. - Mas podeis lembrar-lhe que Sir Robert é um homem casado, que vai comprar terras e construir a sua primeira casa com a mulher, e que isso está prestes a acontecer. Relembrai-lhe que ele casou com a mulher por amor, e que estão a planear a vida juntos. E podeis dizer-lhe que existe um mundo de diferenças entre o amor cortês, que não passa de exibição e fol-de-rol, poesia e canções, praticado
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por todos os homens na corte para agradar a Rainha, e a vida real. E a vossa prima devia morder a língua, em vez de andar a espalhar boatos sobre os que lhe são superiores.
O embaixador espanhol, o Conde Feria, bastante enfastiado com a dança do namoro de Isabel e que aguentara, em tempos, em nome do seu soberano, Filipe da Espanha, julgava não poder suportar vê-la voltar fazer o mesmo jogo com o seu colega embaixador e um outro pretendente: o arquiduque Habsburgo. Por fim, o Rei Filipe respondia aos seus apelos e concordara substituí-lo por um outro embaixador: o astuto Bispo de Quadra. O Conde Feria, praticamente não conseguindo esconder o seu alívio, pedira a Cecil permissão para se despedir de Isabel.
O experiente embaixador e a jovem rainha eram antigos adversários. Ele fora o conselheiro mais leal da Rainha Maria Tudor e havia recomendado consistente e publicamente que ela mandasse executar a problemática herdeira e meia-irmã, Isabel. Eram os seus espiões que, vezes sem conta, traziam provas das conspirações de Isabel com os rebeldes ingleses, com os espiões franceses, com o mágico Dr. Dee, com qualquer pessoa que se propusesse depor a irmã por traição, através de exércitos inimigos ou magia.
Fora o amigo mais leal e constante de Maria e apaixonara-se e casara com a sua dama de companhia mais próxima, Jane Dormer. A Rainha Maria não teria entregue a sua amiga adorada senão ao embaixador espanhol, e deu-lhes a bênção, no seu leito de morte.
Obedecendo à tradição, o conde trouxe a mulher para a corte para se despedir da Rainha, e Jane Dormer, de cabeça bem erguida, voltou a entrar no Palácio de Whitehall, tendo dali saído desgostada, no dia em que Isabel se tornou rainha. Agora uma Condessa espanhola, o seu ventre dilatado devido à gravidez, Jane Dormer voltava, satisfeita por se vir despedir. O destino ditou que a primeira pessoa que encontrou fosse um rosto da antiga corte: o bobo real, Will Somers.
- Como estais, Jane Dormer? - disse ele calorosamente. - Ou devo chamar-vos minha senhora condessa?
- Podeis tratar-me por Jane - disse ela. - Como sempre. Como estais, Will?
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- Divertido - disse ele. - Esta é uma corte que está pronta a ser divertida, mas temo pelo meu lugar.
- Oh? - perguntou ela.
A dama de companhia que acompanhava Jane até junto da Rainha fez uma pausa, para ouvir a troca de piadas.
- Numa corte em que cada homem é tomado por idiota, porque é que alguém me iria pagar? - perguntou ele.
Jane riu-se em voz alta. A dama de companhia deu uma risada.
- Desejo-vos um bom dia, Will - disse Jane afectuosamente.
- Tereis saudades minhas quando estiverdes na Espanha disse ele. - Mas posso adivinhar que não sentireis falta de muito mais, pois não?
Jane abanou a cabeça.
- O melhor da Inglaterra partiu em Novembro.
- Paz à sua alma -.afirmou Will. - Foi uma rainha que não teve muita sorte.
- E esta? - perguntou-lhe Jane. Will soltou uma gargalhada.
- Tem toda a sorte do pai - disse ele com uma ambiguidade maravilhosa, uma vez que a convicção de Jane seria sempre a de que Isabel era filha de Mark Smeaton, o tocador de alaúde, e a sua sorte fora esticada até ao limite, no cavalo de estiramento, antes de dançar no ar, dependurado na forca.
Jane sorriu perante a piada privada e pérfida e depois seguiu a dama de companhia até à antecâmara da Rainha.
- Deveis esperar aqui, Condessa - disse a dama abruptamente, e conduziu Jane a uma antessala. Jane apoiou uma das mãos na parte inferior das costas e encostou-se ao peitoril da janela.
Não havia nenhuma cadeira na sala, nenhum banco, nenhum assento junto da janela, nem sequer uma mesa na qual pudesse apoiar-se.
Passaram alguns minutos. Uma vespa, saindo do seu sono de Inverno, bateu contra o painel de vidro chumbado e caiu silenciosa no parapeito. Jane passava o peso de um pé para o outro, sentindo a dor nas costas.
A sala estava abafada, a dor na parte inferior das costas descia-lhe até à barriga das pernas. Jane dobrou as pernas, colocando-se em bicos de pés e voltando a baixar-se, tentando aliviar a dor. No ventre, a criança mexia-se e dava pontapés. Pousou a mão no peitilho e dirigiu-se ao vão da janela. Olhou lá para fora, para o jardim interior. O Palácio de Whitehall era um aglomerado de edifícios e de pátios interiores, e este tinha uma pequena nogueira no centro, com
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um banco circular à volta. Enquanto Jane observava, um pajem e uma criada passeavam lentamente durante cinco minutos preciosos, sussurrando segredos, e depois correram precipitadamente em direcções opostas.
Jane sorriu. Este palácio fora a sua casa, enquanto dama de companhia favorita da Rainha, e ela pensara que ela e o embaixador espanhol se haviam encontrado naquele banco. Existira um período breve e alegre, um Verão, entre o casamento da Rainha e o seu anúncio triunfante de que estava à espera de uma criança, em que aquela havia sido uma corte alegre, o centro do poder mundial, unida com a Espanha, confiante de que teria um herdeiro, e governada por uma mulher que finalmente chegara ao lugar que lhe era devido.
Jane encolheu os ombros. A desilusão e a morte da Rainha Maria haviam sido o fim de tudo, e agora a sua meia-irmã, inteligente e traiçoeira, estava sentada no seu lugar, e utilizava essa posição para insultar Jane com este atraso descortês. Era, pensou Jane, uma pequena vingança contra uma mulher morta, que não era própria de uma rainha.
Jane ouviu um relógio bater as horas numa parte qualquer do palácio. Planeara visitar a Rainha antes do jantar e já estava à espera há meia hora. Sentia-se um pouco tonta, por não comer há algum tempo, e esperou não ser tão tonta a ponto de desmaiar, quando acabasse por ser admitida na antecâmara.
Esperou. Muitos minutos passaram. Jane perguntou-se se poderia ir embora; mas isso constituiria um insulto tão grande para a Rainha da parte da mulher do embaixador espanhol que poderia ser suficiente para provocar uma crise internacional. Mas esta longa espera era, em si mesma, um insulto para com a Espanha. Jane suspirou. Isabel ainda devia estar cheia de despeito, se corria tal risco, apenas para insultar uma pessoa tão insignificante como ela.
Por fim, a porta abriu-se. A dama de companhia parecia extremamente envergonhada.
- Perdoai-me. Podeis seguir-me, Condessa? - perguntou educadamente.
Jane aproximou-se e sentiu uma tontura. Cerrou os punhos e enterrou as unhas nas palmas das mãos, para que a dor a distraísse das vertigens e das dores nas costas.
- Agora já não falta muito - disse para si mesma. - Ela não pode manter-me aqui de pé muito mais tempo.
A antecâmara de Isabel estava quente e cheia de gente, a dama de companhia abriu caminho por entre as muitas pessoas e algumas delas sorriam e reconheciam Jane, que havia sido respeitada quando
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servira a Rainha Maria. Isabel, de pé e iluminada pela luz brilhante do sol, no meio do vão da janela, em profunda conversação com um dos seus Conselheiros Privados, parecia não a ver. A dama de companhia conduziu Jane até junto da soberana. Mas ela continuava a não se aperceber da sua presença. Jane manteve-se de pé e esperou. Por fim, Isabel concluiu a conversa animada e olhou em volta.
- Ah, Condessa Feria! - exclamou. - Creio não vos ter feito esperar?
O sorriso de Jane era majestoso.
- De forma alguma - disse suavemente. Sentia muitas tonturas e a boca seca. Receava desmaiar aos pés de Isabel, pouco mais do que a determinação a mantinha de pé.
Não conseguia ver o rosto de Isabel, a janela era um clarão de luz branca atrás dela, mas conhecia o sorriso sarcástico e os olhos negros que dançavam.
- E estais à espera de uma criança - disse Isabel docemente. É para daqui a poucos meses?
Ouviu-se um suspiro reprimido da corte. Um nascimento dali a poucos meses significaria que a criança fora concebida antes do casamento.
A expressão serena de Jane nunca se alterou.
- Nasce no Outono, Vossa Graça - respondeu ela firmemente. Isabel emudeceu.
- Vim despedir-me de vós, Rainha Isabel - disse Jane com uma cortesia gelada. - O meu marido vai voltar para a Espanha e eu vou com ele.
- Ah, sim, vós agora sois espanhola - disse Isabel, como se fosse uma doença que Jane tivesse contraído.
- Uma condessa espanhola - respondeu Jane suavemente. Sim, ambas mudámos de posição no mundo, desde a última vez que nos vimos, Vossa Graça.
Era uma chamada de atenção sagaz. Jane vira Isabel de joelhos, chorando, numa penitência fingida diante da irmã, vira Isabel inchada por motivos de doença, em prisão domiciliária, acusada de traição, aterrada de medo, suplicando uma audiência.
- Bem, desejo-vos uma boa viagem - disse Isabel despreocupadamente.
Jane baixou-se numa reverência perfeitamente cortês, ninguém adivinharia que estava quase a perder os sentidos. Levantou-se e viu a sala andar à roda diante dos seus olhos, e depois retrocedeu do trono, um pequeno passo a seguir ao outro, o seu rico vestido afastado da frente dos sapatos escarlate de tacão alto, a cabeça erguida,
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nos lábios, um sorriso. Não se voltou até ter chegado à porta. Depois, rodou a saia e saiu, sem olhar para trás uma última vez.
- Ela fez o quê? - perguntou Cecil, incrédulo diante de uma Laetitia Knollys excitável, que lhe comunicava, tal como era remunerada para fazer, as actividades nos aposentos privados da Rainha.
- Manteve-a à espera durante meia hora, e depois sugeriu que ela já trazia o bebé no ventre antes do casamento - murmurou Laetitia ofegante.
Encontravam-se no estúdio de Cecil, revestido com painéis escuros, as persianas fechadas, apesar de estarem em pleno dia, um homem de confiança à porta e os restantes aposentos de Cecil interditos a visitantes.
Ele franziu ligeiramente o sobrolho.
- E Jane Dormer?
- Comportou-se como uma Rainha - afirmou Laetitia. - Falou graciosamente, fez uma reverência - devíeis ter visto a reverência dela - saiu como se nos desprezasse a todos, mas não pronunciou uma palavra de protesto. Fez com que Isabel fizesse figura de idiota.
Cecil franziu levemente a sobrancelha.
- Atenção à linguagem, menina - disse ele firmemente. - Teria sido chicoteado se tivesse chamado idiota ao rei.
Laetitia inclinou a sua cabeça com cabelos cor de bronze. "- Isabel fez algum comentário depois de ela ter saído?
- Disse que Jane lhe relembrava a irmã mais velha, de rosto azedo, e que graças a Deus que esses dias haviam passado.
Ele assentiu com a cabeça.
- Alguém respondeu?
- Não! - Laetitia borbulhava com os boatos. - Todos ficaram tão chocados por Isabel ter sido tão... tão... - não encontrava palavras para descrever.
- Tão quê?
- Tão má! Tão grosseira! Foi tão indelicada! E para uma mulher tão agradável! E ela está grávida! E é a mulher do embaixador espanhol! É um grande insulto para a Espanha!
Cecil acenou com a cabeça.
"Era um indiscrição surpreendente para uma jovem mulher tão controlada", pensou ele. "Provavelmente a recordação de uma desa-
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vença disparatada entre mulheres que se mantivera durante vários anos. Mas não era comum de Isabel expor assim as suas emoções com tamanha vulgaridade."
- Penso que ireis descobrir que ela pode ser muito má - foi tudo o que ele disse à rapariga. - É bom que vos certifiqueis de que nunca lhe dareis motivos para tal.
Ela levantou a cabeça ao ouvir aquilo, os seus olhos escuros, de Bolena, olharam-no com franqueza. Alisou o cabelo cor de bronze sob o toucado. Sorriu, aquele sorriso enfeitiçador e sensual, típico das Bolena.
- Como posso evitá-lo? - perguntou-lhe limpidamente. - Basta-lhe olhar para mim para me odiar.
Mais tarde, nessa noite, Cecil pediu que lhe trouxessem velas novas e mais um tronco para a lareira. Estava a escrever a Sir James Croft, um antigo companheiro de conspirações. Sir James estava em Berwick, mas Cecil decidira que chegara o momento de visitar Perth.
"Escócia é um barril de pólvora,
Escreveu, no código que ele e Sir James utilizavam para trocar correspondência, desde que o serviço de espiões de Maria Tudor havia interceptado as suas cartas.
E John Knox é afaúlha que vai atiçá-lo.
A tarefa que tenho para vós é que vos dirijais a Perth e vos limiteis a observar. Deveis Cá chegar antes das forças da rainha regente. Calculo que ireis encontrar John Knox pregando a liberdade da Escócia perante uma multidão entusiasta, gostaria de saber quão entusiasmante e eficaz ele está a ser, Tereis de vos apressar, porque os homens da Rainha regente podem prendê-lo. Ele e os lordes protestantes escoceses pediram a nossa ajuda, mas eu gostaria de saber que tipo de homens são, antes de envolver a rainha, falai com eles, avaliai-os. Se celebrarem a vitória voltando o país contra os franceses, e fazendo uma aliança connosco, podem ser incentivados. E comunicai-mo de imediato. Aqui, as informações são melhor moeda do que o ouro.
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Verão de 1555
Robert chegou finalmente a Denchworth nos primeiros dias de Junho, cheio de sorrisos e desculpas pela sua ausência. Disse a Amy que podia ausentar-se da corte por alguns dias, uma vez que a Rainha, tendo recusado formalmente o Arquiduque Fernando, tornara-se agora inseparável do seu embaixador, falando permanentemente sobre o seu soberano, mostrando todos os sinais de pretender mudar de ideias e casar com ele.
- Ela está a levar Cecil à loucura - disse ele, sorrindo. - Ninguém sabe o que ela pretende ou quer fazer. Rejeitou-o, mas agora está sempre a falar dele. Não tem tempo para caçar, e não se interessa por montar a cavalo. Só quer passear com o embaixador ou praticar o espanhol.
Amy, que não tinha qualquer interesse nos namoricos da Rainha ou da sua corte, limitava-se a assentir com a cabeça ao ouvir as novidades e tentava captar a atenção de Robert para a propriedade que descobrira. Ordenara que fossem trazidos cavalos dos estábulos para Robert, os Hyde, Lizzie Oddingsell e para si própria, e seguia à frente, no bonito caminho para animais que conduzia à casa.
William Hyde colocou-se ao lado de Robert.
- Quais são as novidades do Reino? - perguntou ele. - Ouvi dizer que os bispos não a apoiam.
- Dizem que não vão prestar juramento para a confirmar como Governante Suprema - respondeu brevemente Robert. - É traição, tal como eu lhe disse. Mas ela é misericordiosa.
- E o que é que ela... bem... misericordiosamente, vai fazer? perguntou nervosamente o Sr. Hyde, para quem os dias das fogueiras de Maria Tudor estavam ainda muito frescos na memória.
- Ela vai mandá-los prender - disse Robert secamente. - E substituí-los por clérigos protestantes, ,se não conseguir encontrar
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nenhuns católicos sensatos. Perderam a oportunidade deles. Se tivessem recorrido aos franceses antes de ela ser coroada, poderiam ter voltado o país contra ela, mas deixaram-no para muito tarde. Esboçou um sorriso irónico. - Foram os conselhos de Cecil - disse.
- Ele conhecia-os. Cairão, um a seguir ao outro, ou serão substituídos. Não tiveram coragem para se revoltar contra ela com armas, apenas se opõem a ela em questões teológicas, e Cecil derrubá-los-á.
- Mas ela destruirá a Igreja - afirmou William Hyde, chocado.
- Vai arrasá-la e construi-la-á de novo - afirmou Dudley, o protestante, com prazer. - Ela foi forçada a ocupar um lugar onde vigoram os bispos católicos ou a própria autoridade dela. Terá de destruí-los.
- E ela tem força para isso? Dudley levantou uma sobrancelha.
- Não precisa de muita força para prender um bispo, pelo que se vê. Metade deles já se encontra em prisão domiciliária.
- Estou a falar de força mental - disse William Hyde. - Ela é apenas uma mulher, apesar de ser rainha. Terá coragem para os enfrentar?
Dudley hesitou. Sempre havia sido esse o receio de toda a gente, uma vez que todos sabiam que uma mulher não podia pensar, nem fazer nada, com alguma consistência.
- Ela está bem aconselhada - disse ele. - E os conselheiros dela são boas pessoas. Sabemos o que tem de ser feito, e mantemo-la nessa direcção.
Amy refreou o cavalo e juntou-se a eles.
- Dissestes a Sua Graça que vínheis ver a casa? - perguntou ela.
- Sim, disse - respondeu ele alegremente enquanto subiam ao cimo de uma colina. - Há muito tempo que a família Dudley não tem uma casa. Tentei comprar o Castelo Dudley ao meu primo, mas ele não suporta a ideia de o vender. Ambrose, o meu irmão, também está à procura de um sítio. Mas talvez ele e a família pudessem ter uma ala desta casa. É suficientemente grande?
- Há edifícios que poderiam ser aumentados - disse ela. - Não vejo porque não.
- E era uma casa monástica, ou uma abadia ou algo do género?
- perguntou ele. - Uma casa com um bom tamanho? Não me haveis dito nada sobre ela. Tenho estado a imaginar um castelo com doze pináculos!
- Não é um castelo - disse ela, sorrindo. - Mas penso que tem um tamanho muito bom para nós. A terra é fértil. Cultivaram-na da forma tradicional, em faixas, mudando-a a cada dia de São Miguel,
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por isso não está exausta. E os campos mais altos têm erva boa para as ovelhas, e existe um bosque bastante bonito que pensei que deveríamos desbastar e onde poderíamos abrir alguns caminhos. Os prados são dos mais ricos que já vi, o leite das vacas deve ser quase nata sólida. A casa propriamente dita é um pouco pequena, mas se acrescentarmos uma ala, podíamos alojar os hóspedes que tivéssemos...
Calou-se quando o grupo contornou a esquina da mela estreita e Robert viu a casa da quinta à sua frente. Era longa e baixa, com um curral para animais, na parte ocidental, construído em tijolo vermelho antigo e com telhado de colmo, como a casa, apenas com uma parede fina a separar os animais das pessoas. Uma parede de pedra solta, baixa, dividia a casa da ruela e, lá dentro, um bando de galinhas esgravatava o que antes havia sido um jardim de ervas, mas que agora tinha sobretudo ervas daninhas e poeira. Ao lado do edifício decrépito, atrás da pilha de estrume, que fumegava, existia um pomar com bastantes árvores, com os galhos a inclinar-se para baixo e alguns porcos que fossavam em volta. Os patos chapinhavam no lago, coberto de ervas daninhas, a seguir ao pomar, andorinhas desciam rapidamente do lago para o celeiro, fazendo os ninhos com os bicos cheios de lama.
A porta da frente estava aberta, apoiada numa pedra. Robert conseguia vislumbrar um tecto baixo, manchado, e um chão desnivelado de placas de pedra, com ervas cediças, mas o resto do interior estava escondido pela escuridão, visto praticamente não existirem janelas, e engasgou-se com o fumo, uma vez que não havia chaminé, mas apenas um buraco no telhado.
Voltou-se para Amy e olhou fixamente para ela, como se ela fosse uma tonta, que tivesse sido trazida diante dele, a suplicar misericórdia.
- Pensastes que eu quereria viver aqui? - perguntou incrédulo.
- Tal como eu previ - murmurou William Hyde baixinho e afastou lentamente o seu cavalo do grupo, acenando com a cabeça para a mulher, para que fosse com ele, para onde não pudessem ouvir.
- Sim - disse Amy, ainda sorrindo confiante. - Sei que a casa não é suficientemente grande, mas aquele celeiro pode ser transformado numa ala, é suficientemente alto para construirmos outro andar no telhado, tal como eles fizeram em Hever, e depois faríamos quartos de dormir em cima e um salão por baixo.
- E que planos tendes para a pilha de estrume? - perguntou ele. - E o lago dos patos?
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- Limparíamos a estrumeira, claro - disse ela, rindo-se para ele.
- Claro que nunca ficaria assim! Seria a primeira coisa que faríamos, é evidente. Mas poderíamos espalhá-la no jardim e plantar algumas flores.
- E o lago dos patos? Vai tornar-se um lago ornamental?
Por fim, ela percebeu o sarcasmo cortante na voz dele. Voltou-se, realmente surpreendida.
- Não vos agrada?
Ele fechou os olhos e viu de imediato a beleza de casa de bonecas da Dairy House em Kew, e o pequeno-almoço servido pelas pastoras no pomar, com os cordeirinhos mansos pintados de verde e branco, aos saltos, em volta da mesa. Pensou nas grandes casas da sua infância, na magnificência serena de Syon House, de Hampton Court, uma das suas casas favoritas e um dos maiores palácios da Europa, de Nonsuch, em Sheen, ou do palácio de Greenwich, da solidez fortificada de Windsor, do Castelo Duclley, a casa da sua família. Depois abriu os olhos e viu, mais uma vez, este local que a mulher escolhera: uma casa construída de lama numa planície de lama.
- É claro que não me agrada. É um casebre - disse ele terminantemente. - O meu pai costumava guardar as sementes em sítios melhores que este.
Por uma vez, ela não se retraiu perante a desaprovação dele. Ele ferira o seu orgulho, o seu discernimento em relação a terrenos e propriedades.
- Não é um casebre - respondeu. - Vi tudo muito bem. É uma construção sólida de tijolo, ripas e gesso. O colmo só tem vinte anos. É evidente que precisa de mais janelas, mas são fáceis de fazer. Reconstruiríamos o celeiro, incluiríamos um jardim de lazer, o pomar poderia ficar agradável, o lago podia passar a servir para andarmos de barco, e a terra é muito boa, oitenta hectares de terra de primeira qualidade. Pensei que era exactamente o que procurávamos, e podemos fazer daqui o que quisermos.
- Oitenta hectares? - perguntou ele. - Onde é que os veados vão correr? Onde fica o pátio para montar?
Ela pestanejou.
- E onde vai ficar a Rainha? - perguntou ele num tom mordaz.
- No galinheiro, lá atrás? E a corte? Vamos deitar abaixo alguns alpendres do outro lado do pomar? Onde é que os cozinheiros reais vão preparar as refeições dela? Naquela fogueira? E em que estábulo ficam os cavalos dela? Vêm para dentro de casa connosco, como fazem claramente no presente? Podemos esperar cerca de trezentos convidados, onde pensais que vão dormir?
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- Porque é que a Rainha há-de vir aqui? - perguntou Amy, com os lábios a tremer. - com certeza ficará em Oxford. Porque quereria vir aqui? Porque a convidaríamos a vir aqui?
- Porque eu sou um dos homens mais importantes da corte dela! - exclamou ele, batendo com o punho na sela e fazendo com que o cavalo desse um salto e depois escorregasse nervosamente. Ele puxou o freio, mantendo as rédeas curtas. - A própria Rainha virá e ficará hospedada em minha casa, para me honrar! Para vos honrar, Amy! Pedi-vos que procurásseis uma casa para comprarmos. Queria uma casa como Hatfield, como Theobalds, como Kenninghall. Cecil, quando volta a casa, vai para o Palácio Theobalds, uma residência tão grande como uma aldeia sob um telhado. Está a construir Burghley para exibir a sua riqueza e grandeza, está a contratar pedreiros que chegam de barco de toda a Cristandade. Deus sabe que sou um homem melhor do que Cecil. Tenho origens que o fazem parecer um tosquiador de ovelhas. Quero uma casa à altura da dele, pedra por pedra. Quero a ostentação que esteja ao nível dos meus feitos.
"Por amor de Deus, Amy, haveis estado com a minha irmã em Penshurst! Sabeis o que espero! Não queria uma casa rural suja que pudéssemos limpar para que, na melhor das hipóteses, ficasse adequada para um camponês lá criar os cães!"
Ela estava a tremer, com dificuldade em segurar as rédeas. Ao longe, Lizzie Oddingsell observava e perguntava-se se deveria intervir.
Amy recuperou a voz. Levantou a cabeça que havia vergado.
- Bem, muito bem, meu marido, mas o que não sabeis é que esta quinta tem uma produção de...
- Maldita seja a produção! - gritou-lhe ele. O cavalo assustou-se e ele bateu-lhe com uma mão pesada. O animal parou de repente e recuou, assustando o cavalo de Amy que recuou, quase a atirando ao chão. - Quero lá saber da produção! Os meus rendeiros que se preocupem com a produção. Amy, vou ser o homem mais rico da Inglaterra, a Rainha despejará o tesouro da Inglaterra em cima de mim. Não quero saber quantas medas de feno podemos produzir num campo. Peço-vos que sejais a minha mulher, para serdes a minha anfitriã, numa casa que esteja à escala e à grandeza...
- Grandeza! - disparou ela na direcção dele. - Ainda correis atrás da grandeza? Nunca ireis aprender a lição? Não havia nada de grandeza em vós, quando saístes da Torre, sem casa e esfomeado, não havia nada de muito grande no vosso irmão, quando morreu de tifo, como um prisioneiro comum. Quando aprendereis que o vosso lugar é em casa, onde poderemos ser felizes? Vós e o vosso pai per-
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destes a batalha por Jane Grey, e isso custou-lhe o filho e a própria vida. Haveis perdido Calais e regressado a casa sem o vosso irmão e novamente caído em desgraça! Até onde tendes de descer, até aprenderdes a lição? Até onde é que vós, os Dudley, tendes de vos afundar até perceberdes os vossos limites?
Ele deu a volta ao cavalo e espetou as esporas de ambos os lados, puxando-o violentamente para trás com as rédeas. O cavalo levantou-se nas patas de trás, dando patadas no ar. Robert manteve-se na sela como uma estátua, refreando a sua raiva e o cavalo com uma mão dura. O cavalo de Amy retrocedeu, assustado com os cascos que se agitavam, e ela teve de se agarrar à sela para não cair.
O cavalo dele parou.
- Atirai-mo à cara todos os dias, se vos apetecer - sussurrou-lhe ele, inclinando-se para a frente, a voz repleta de ódio. - Mas já não sou o jovem e estúpido genro de Sir John Robsart, que saiu da Torre e ainda continua a ser um proscrito. Voltei a ser Sir Robert Dudley, recebi a Ordem da Jarreteira, a mais alta ordem de cavalaria que existe. Sou o Estribeiro-Mor da Rainha, e se não conseguis orgulhar-vos de ser Lady Dudley, podeis voltar a ser Amy Robsart, a estúpida filha de Sir John Robsart. Mas, para mim, esses dias são passado.
Temendo cair do seu cavalo assustado, Amy libertou os pés e saltou da sela. Quando se encontrava em segurança, no chão, voltou-se e olhou para cima, para ele, enquanto ele se encontrava em posição superior, com o enorme cavalo curveteando, para se afastar. A sua fúria aumentou, ascendia-lhe ao rosto, ardia-lhe na boca.
- Não vos atrevais a insultar o meu pai - gritou-lhe ela. - Não vos atrevais! Ele era um homem muito melhor do que vós alguma vez sereis, e conseguiu as terras através de trabalho árduo e não por dançar a pedido de uma bastarda herege. E não me digais que a produção não interessa! Quem sois vós para dizer que a produção não interessa! Teríeis morrido de fome se o meu pai não tivesse mantido a terra em bom estado, para vos pôr comida no prato, quando não tínheis meios para a ganhar. Nessa altura ficáveis bastante satisfeito com a produção de lá! E não me chameis estúpida! A única coisa estúpida que alguma vez fiz, foi ter acreditado em vós e no fanfarrão do vosso pai, quando surgistes, a cavalo, em Stanfield Hall, e não muito tempo depois, cavalgáveis em direcção à Torre numa carroça, na condição de traidores. - quase não se percebia o que ela dizia, devido à raiva. - E não vos atrevais a ameaçar-me. Serei Lady Dudley até ao dia da minha morte! Passei
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pelo pior convosco, quando o meu nome era uma vergonha para mim. Mas agora nem vós, nem a vossa pretendente herege, podeis tirar-mo.
- Ela pode fazê-lo - disse ele amargamente. - Sois mesmo tonta. Ela pode tirar-vos o nome amanhã, se quiser. É Governante Suprema da Igreja da Inglaterra. Pode anular o vosso casamento, se quiser, e mulheres muito melhores do que vós foram alvo de divórcios por muito menos do que esta... esta... fantasia desta porcaria desta casa.
O seu cavalo enorme recuou, Amy baixou-se, e Sir Robert deixou o cavalo seguir, revolvendo a terra com os seus grandes cascos, retumbando ao longo da ruela, deixando-os num silêncio repentino.
Quando chegaram a casa, estava um homem no pátio dos estábulos, à espera de Robert Dudley.
- Trago uma mensagem urgente - disse para William Hyde. Podeis enviar um criado para me levar até junto dele?
No rosto quadrado de William Hyde surgiu uma ruga de preocupação.
- Não sei onde é que ele pode estar - disse ele. - Saiu a cavalo. Quereis entrar e beber uma caneca de cerveja enquanto esperais?
- Irei procurá-lo - disse o homem. - Sua senhoria gosta que as mensagens lhe sejam entregues o quanto antes.
- Não sei em que direcção ele foi - disse William com tacto. Seria melhor que entrásseis e o esperásseis.
O homem abanou a cabeça.
- Ficar-vos-ia muito agradecido por me servirdes uma cerveja, mas espero aqui por ele.
Sentou-se no degrau e não se moveu até o sol descer no céu, até finalmente ouvir o ruído dos cascos e Robert subir a ruela a cavalo, entrar no pátio dos estábulos e atirar as rédeas do seu cavalo cansado a um criado que o esperava.
- Blount?
- Sir Robert?
Robert puxou-o para o lado, tendo esquecido a raiva que sentia de Amy.
- Deve ser importante?
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- Sir William Pickering está de volta à Inglaterra.
- Pickering? O antigo flirt da Rainha?
- Não estava certo de ir ser bem recebido, não sabia se a memória dela seria curta. Havia rumores de que ele se envolvera com a irmã dela. Não sabia o que ela podia ter ouvido.
- Ela deve ter ouvido tudo - afirmou Dudley friamente. - Podeis confiar em mim e em Cecil para esse efeito. De qualquer forma, ela recebeu-o bem?
- Recebeu-o em privado.
- O quê? Uma audiência privada? Recebeu-o em privado? Meu Deus, que honra para ele.
- Não, quero dizer, a sós. Totalmente a sós. A tarde inteira, esteve cinco horas trancado com ela.
- com as damas de companhia dela presentes - disse Robert. O espião abanou a cabeça.
- Completamente a sós, senhor. Só os dois. Estiveram cinco horas atrás de uma porta trancada, antes de saírem.
Robert estava espantado pelo privilégio que ele nunca conseguira obter.
- E Cecil permitiu? - perguntou incrédulo. Thomas Blount encolheu os ombros.
- Não sei, senhor. Deve ter permitido, porque, no dia seguinte, ela voltou a estar com Sir William.
- A sós?
- A tarde inteira. Desde o meio-dia até à hora do jantar. Faziam-se apostas sobre se ele iria ser marido dela. É o favorito dela, substituiu o arquiduque. Dizem que se casaram e dormiram juntos em privado e que a única coisa que falta é o anúncio público.
Robert soltou uma exclamação e afastou-se rapidamente, e depois voltou-se.
- E o que é que ele vai fazer agora? Vai ficar na corte?
- Ele é o favorito dela. Ela deu-lhe um apartamento, perto dos dela, no Palácio de Greenwich.
- Perto como?
- Dizem que existe uma passagem secreta por onde ele pode ir ter com ela, a qualquer hora do dia ou da noite. Ela só tem de destrancar a porta e ele pode entrar no quarto de dormir.
Subitamente, Robert ficou muito silencioso e calmo. Olhou para o cavalo, enquanto o moço da estrebaria o passeava para cima e para baixo no pátio, reparando no suor no seu pescoço e na espuma na boca, como se estivesse a considerar a hipótese de iniciar a viagem imediatamente.
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- Não - disse ele calmamente para si mesmo. - É melhor ir amanhã, depois de ter descansado e de ter as ideias claras. Depois de o cavalo ter descansado. Mais algumas novidades?
- Que os protestantes estão a revoltar-se contra a regente francesa na Escócia, e ela esta a reunir soldados, pedindo que lhe enviem mais homens da França.
- Eu já sabia antes de sair da corte - disse Robert. - E Cecil está a tentar convencer a Rainha a enviar apoio?
- Ainda - disse o homem. - Mas ela não disse nada, nem num sentido nem noutro.
- Suponho que esteja demasiado ocupada com Pickering disse Robert amargamente, e voltou-se para entrar em casa. - Podeis esperar aqui e regressar comigo amanhã - disse concisamente. - É óbvio que não posso correr o risco de me afastar, nem sequer por um momento. Partimos para Greenwich ao nascer do dia. Dizei aos meus homens que partiremos com o despontar do dia e que será uma viagem dura.
Amy, com os olhos cheios de lágrimas, esperava, tão humilde como qualquer peticionário, do lado de fora da porta da antecâmara de Robert. Vira-o chegar no seu cavalo transpirado, e hesitara, nas escadas, esperando falar com ele. Ele passara por ela com uma palavra breve e delicada de desculpas. Lavara-se e mudara de roupa, ela ouvira o bater do jarro contra a bacia. Depois dirigira-se aos seus aposentos privados, fechara a porta, e estava claramente a empacotar os livros e papéis. Amy adivinhou que ele iria partir, e não se atrevera a bater na porta e a pedir-lhe que ficasse.
Em vez disso, esperou do lado de fora, debruçada no banco de madeira simples da janela, como uma criança que pretende pedir desculpas e que espera para ser recebida por um pai zangado.
Quando ele abriu a porta, ela pôs-se imediatamente de pé e ele viu-a na sombra. Por um momento, ele quase havia esquecido a discussão, depois, as suas sobrancelhas escuras e espessas uniram-se num semblante carregado.
- Amy.
- Meu senhor! - disse ela, com os olhos marejados de lágrimas e sem conseguir falar. Só conseguia ficar de pé, diante dele.
- Oh, por amor de Deus - disse ele impacientemente e abriu com um pontapé da bota a porta do quarto.
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- Mais valia terdes entrado, antes que toda a gente fique a pensar que vos bato.
Ela entrou no quarto à frente dele. Como temia, estava limpo de todos livros e papéis que ele havia trazido. Era evidente que fizera as malas e se preparava para ir embora.
- Não ides embora, pois não? - disse ela, com a voz trémula.
- Tenho de ir - disse ele. - Recebi uma mensagem da corte, há uns assuntos que requerem a minha atenção, de imediato.
- Ides embora porque estais zangado comigo - murmurou ela.
- Não, vou porque recebi uma mensagem da corte. Perguntai a William Hyde, ele viu o mensageiro e disse-lhe que esperasse por mim.
- Mas vós estais aborrecido comigo - insistiu ela.
- Estava - disse ele honestamente. - Mas agora peço desculpa pelo meu mau génio. Não me vou embora por causa da casa, nem do que eu disse. Existem assuntos na corte de que tenho de tratar.
- Meu senhor...
- Ficareis aqui mais um mês, talvez dois, e quando vos escrever, podeis mudar-vos para casa dos Hayes, m Chislehurst. Irei lá visitar-vos.
- E não procuro casa para nós aqui?
- Não - respondeu ele concisamente. - É evidente que temos ideias diferentes no que diz respeito a como deve ser uma casa. Teremos de ter uma longa conversa sobre como desejais viver e aquilo de que eu preciso. Mas não posso discuti-lo agora. Agora tenho de ir aos estábulos. Encontro-vos ao jantar. Partirei amanhã pelo nascer do dia, não tendes de vos levantar para vos despedirdes de mim. Estou com pressa.
- Não devia ter dito o que disse. Peço desculpa, Robert. O rosto dele endureceu.
- Já está esquecido.
- Eu não consigo esquecer - disse ela com sinceridade, pressionando-o com a sua contrição. - Peço desculpa, Robert. Não devia ter mencionado a vossa desgraça e a vergonha do vosso pai.
Ele respirou fundo, tentando refrear a sua sensação de ultraje.
- É melhor esquecermos essa discussão e não voltarmos a repeti-la - avisou-a ele, mas ela não se deixava convencer.
- Por favor, Robert, não devia ter dito o que disse sobre vós correrdes atrás da grandeza e não saberdes qual é o vosso lugar...
- Amy, eu lembro-me bem do que me dissestes! - ínterrompeu-a ele. - Não tendes de mo relembrar. Não é necessário repetirdes o insulto. Lembro-me de cada palavra e do facto de terdes
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falado suficientemente alto para que William Hyde, a mulher, e a vossa dama de companhia também ouvissem. Não duvido que todos vos tenham ouvido insultar-me, e ao meu pai. Não me esqueço que lhe haveis chamado traidor e que me culpastes pela perda de Calais. Culpaste-o pela morte do meu irmão, Guilford, e a mim pela do meu irmão, Henry. Se fôsseis um dos meus criados, ter-vos-ia chicoteado e despedido, por dizerdes metade disso. Mandaria cortar a vossa língua pelo escândalo. Seria melhor que não mo recordásseis, Amy. Passei grande parte do dia a tentar esquecer a vossa opinião a meu respeito. Tenho estado a tentar esquecer que vivo com uma mulher que me despreza, como se fosse um traidor sem sucesso.
- Não é essa a minha opinião - suspirou ela. Estava de joelhos no chão, aos pés dele, num movimento suave, arrasada pela fúria dele. - Não vos desprezo. Não é essa a minha opinião, eu amo-vos, Robert, e confio em vós...
- Atormentastes-me com a morte do meu irmão - disse ele friamente. - Amy, não quero discutir convosco. Não quero mesmo. Agora tendes de me dar licença, tenho de ir ver uma coisa nos estábulos, antes de ir jantar.
Fez-lhe uma vénia superficial e saiu do quarto. Amy levantou-se apressadamente da sua posição subserviente no chão e correu para a porta. Tê-la-ia aberto e corrido atrás dele, mas quando ouviu os passos rápidos das botas dele no chão de madeira, não se atreveu. Em vez disso, encostou a testa quente aos painéis frios da porta e colocou as mãos em volta do puxador, onde a mão dele estivera.
O jantar era uma refeição em que as boas maneiras se sobrepunham ao desconforto. Amy permaneceu num silêncio aturdido, sem comer nada, William Hyde e Robert mantinham um fluxo de conversação animado sobre cavalos e caçadas e a perspectiva de guerra com a França. Alice Hyde manteve a cabeça vergada, e Lizzie observava Amy, por temer que desmaiasse à mesa. As damas retiraram-se, assim que puderam, depois do jantar, e Robert, alegando que teria de se levantar cedo, partiu logo a seguir. William Hyde dirigiu-se aos seus aposentos privados, serviu-se de um copo generoso de vinho, aproximou a sua cadeira de madeira da lareira, pousou os pés no peitoril da chaminé e dispôs-se a analisar o dia.
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A mulher, Alice, espreitou pela porta e entrou silenciosamente no quarto, seguida pela cunhada.
- Ele já foi embora? - perguntou ela, determinada em não se voltar a encontrar com Sir Robert, se pudesse evitá-lo.
- Sim. Podeis pegar numa cadeira, Alice, irmã, e servir-vos de vinho, se quiserdes.
Elas serviram-se e aproximaram as cadeiras da dele, num semicírculo conspiratório em volta da lareira.
- Isto significa o fim dos planos dele de construir aqui uma casa? - perguntou William a Lizzie Oddingsell.
- Não sei - disse ela tranquilamente. - Tudo o que ela me disse é que ele está muito aborrecido com ela, e que devemos ficar aqui mais um mês.
Uma rápida troca de olhares entre William e Alice demonstrou que aquele já havia sido o tema de algumas discussões.
- Penso que ele não vai fazer aqui nada - disse ele. - Penso que tudo o que ela lhe mostrou hoje foi o quão distantes se tornaram. Pobre mulher tonta. Penso que ela cavou a própria sepultura.
Lizzie benzeu-se rapidamente.
- Por amor de Deus, irmão! Que quereis dizer? Eles só tiveram uma discussão. Mostrai-me um homem e uma mulher que não tenham trocado palavras azedas.
- Este não é um homem comum - disse ele enfaticamente. Ouviste-lo, tal como ela, mas nenhuma de vós teve capacidade para entender. Ele disse-lhe na cara: é o homem mais importante do Reino. Vai ser o homem mais rico do Reino. Tem todas as atenções da Rainha, ela está sempre na companhia dele. É indispensável para a primeira rainha solteirona que este país conheceu. O que pensais que isso possa significar? Pensai por vós mesmas.
- Significa que ele quererá ter uma propriedade no campo continuou Lizzie Oddingsell. - Quando ascender na corte. Quererá uma grande propriedade para a mulher e filhos, quando eles vierem, se Deus quiser.
- Não para esta mulher - disse Alice astuciosamente. - O que é que ela fez, para além de ser um fardo para ele? Não quer o que ele quer: nem a casa, nem a vida. Acusa-o de ambição, quando essa é a própria natureza dele, está-lhe no sangue.
Lizzie teria discutido para defender Amy, mas William pigarreou ruidosamente e cuspiu para a lareira.
- Não interessa se ela lhe agrada ou se o decepciona - disse ele secamente. - Ele agora tem outros planos.
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- Pensais que ele pretende pô-la de parte? - perguntou Alice ao marido.
Lizzie olhava de um rosto sério para outro.
- O quê?
- Vós ouviste-lo - disse-lhe William pacientemente. - Como ela, vós ouviste-lo; mas não prestais atenção. Ele é um homem que está a ascender, longe dela.
- Mas eles são casados - insistiu ela sem compreender. - Casados perante Deus. Ele não a pode pôr de parte. Não tem motivos.
- O rei pôs duas mulheres de lado, sem motivos - disse William Hyde com um ar sinistro. - E metade da nobreza divorciou-se das mulheres. Cada padre católico romano da Inglaterra, que casou durante os anos protestantes, teve de se separar da mulher quando a Rainha Maria chegou ao trono, e agora, talvez o clero protestante tenha de fazer o mesmo. As leis antigas não se mantêm. Tudo tem de ser refeito. O casamento agora já não significa casamento.
- A Igreja...
- A Chefe da Igreja é a Rainha. Por Acto do Parlamento. Não podemos negá-lo. E se a Chefe da Igreja quiser que Sir Robert volte a ser um homem solteiro?
O rosto de Lizzie Oddingsell estava lívido de choque.
- Porque é que ela o faria? - desafiava-o a pronunciar o motivo.
- Para se casar com ele - a voz do Sr. Hyde reduziu-se a um murmúrio muito baixo.
Lizzie pousou o copo de vinho, muito lentamente, e bateu com as mãos no colo para que parassem de tremer. Quando levantou o olhar, viu que o rosto do irmão não estava abatido como o seu, mas animado, com um entusiasmo disfarçado.
- E se o nosso senhor viesse a ser Rei da Inglaterra? - sussurrou. - Esquecei Amy por um momento, ela assinou a condenação do seu próprio exílio, ele vai desistir dela, já não lhe serve para nada. Mas pensai em Sir Robert! Pensai em nós! E se ele viesse a ser Rei da Inglaterra! Que significaria isso para nós? O que pensais, irmã?
Amy esperava no átrio da igreja, nas primeiras horas do dia, que o Padre Wilson chegasse e destrancasse as enormes portas de madeira. Quando ele chegou ao adro da igreja e a viu, pálida, com um vestido branco, encostada à porta de madeira prateada, não
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disse nada, mas dirigiu-lhe um sorriso demorado e doce, e abriu-lhe a porta em silêncio.
- Padre? - disse ela suavemente.
- Contai-o a Deus e depois a mim - disse ele gentilmente, e deixou-a entrar antes dele.
Esperou ao fundo da igreja, ocupando-se tranquilamente, até ela se levantar da posição de ajoelhada e se sentar no banco, e só então se dirigiu a ela.
- Problemas? - perguntou ele.
- Aborreci o meu marido com outro assunto - disse ela simplesmente. - E, por isso, não consegui apelar-lhe em nome do nosso bispo.
Ele acenou com a cabeça.
- Não vos censureis por isso - disse ele. - Penso que não há nada que alguém possa fazer por nós. A rainha vai ser nomeada Governante Suprema da Igreja. Todos os bispos têm de se vergar a ela.
- Governante Suprema? - repetiu Amy. - Mas, como é que é possível?
- Dizem que se limitou a reivindicar o título do irmão e do pai
- disse ele. - Não dizem que é uma mulher, coberta de fragilidades de uma mulher. Não dizem como é que uma mulher, determinada por Deus a ser o sustentáculo do marido, amaldiçoada por Deus pelo primeiro pecado, pode ser Governante Suprema.
- O que vai acontecer? - perguntou Amy muito baixinho.
- Temo que ela vá mandar os bispos para a fogueira - disse ele firmemente. - O Bispo Bonner já foi preso, e um a um, à medida que se recusam a ajoelhar-se diante dela, os outros serão detidos.
- E o nosso bispo? O Bispo Thomas?
- Assim como os outros, irá como um cordeiro para o abate afirmou o padre. - Uma grande escuridão vai atingir este país e vós e eu, filha, não podemos fazer mais do que rezar.
- Se eu conseguir falar com Robert, fá-lo-ei - prometeu ela. Hesitou, recordando-se da partida apressada, e da raiva na voz dele.
- Ele agora é um homem importante, mas sabe o que significa ser um prisioneiro, receando pela vida. Ele é misericordioso. Não aconselhará a Rainha a destruir esses homens sagrados.
- Deus vos abençoe - disse o padre. - Haverá muito poucos que se atreverão a falar.
- E vós? - perguntou ela. - Também tereis de prestar juramento?
- Depois de terem eliminado os bispos, virão buscar os homens como eu - disse ele com certeza. - E eu terei de estar pronto. Se
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puder ficar, ficarei. Jurei servir estas pessoas, esta é a minha paróquia, este é o meu rebanho. O bom pastor não abandona as suas ovelhas. Mas se quiserem que eu preste juramento, dizendo que ela é o Papa, não vejo como poderei fazê-lo. As palavras iriam sufocar-me. Terei de aceitar o meu castigo, como homens melhores do que eu estão a fazer neste momento.
- Irão assassinar-vos pela vossa fé? Ele estendeu as mãos.
- Se tiverem de o fazer.
- Padre, o que vai ser de todos nós? - perguntou Amy. Ele abanou a cabeça.
- Quem me dera poder saber.
Robert Dudley, entrando de rompante na corte, com um estado de espírito que não era tranquilo, encontrou o local estranhamente silencioso. Na antecâmara, encontravam-se apenas algumas damas e nobres da corte, e um punhado de fidalgos de menor importância.
- Onde estão todos? - perguntou a Laetitia Knollys, que estava sentada num vão de janela, lendo ostensivamente um livro de sermões.
- Estou aqui - disse ela de modo prestável. Ele franziu-lhe o sobrolho.
- Referia-me a alguém importante.
- Continuo a estar eu aqui - disse ela, nada confundida. Continuo a estar eu aqui.
Relutantemente, ele riu-se.
- Menina Knollys, não testeis a minha paciência, acabei de fazer uma viagem longa e difícil, de perto de uma mulher terrivelmente estúpida e teimosa, para junto de outra. Não queirais ser a terceira.
- Oh? - disse ela, abrindo muito os olhos escuros. - Quem foi tão infeliz ao ponto de vos ofender, Sir Robert? Não foi, por acaso, a vossa esposa?
- Ninguém com que vos devais preocupar. Onde está a Rainha?
- Saiu com Sir William Pickering. Ele voltou para a Inglaterra, sabíeis?
- Claro que sabia. Somos velhos amigos.
- Não o adorais? Penso que ele é o homem mais bonito que alguma vez vi na minha vida.
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- Absolutamente - disse Dudley. - Foram andar a cavalo?
- Não, foram passear. É mais íntimo, não pensais?
- Porque não estais com eles?
- Não está ninguém com eles.
- As outras damas de companhia dela?
- Não. A sério, não está mesmo ninguém. Ela e Sir William estão bastante sozinhos hoje, assim como têm estado nos últimos três dias. Todos julgamos que é uma certeza.
- O quê?
- O noivado deles. Ela não consegue tirar os olhos dele. Ele não consegue manter as mãos afastadas dela. É uma história de amor tão bonita. Como uma balada. É como Guinevere e Artur, é mesmo.
- Ela nunca casará com ele - disse Dudley, com mais certeza do que sentia.
- Porque não? É o homem mais bonito da Europa, é rico como um imperador, não se interessa por política ou poder e, assim, ela pode governar como quiser, e não tem inimigos na Inglaterra, nem mulher. Eu considerá-lo-ia perfeito.
Robert voltou-lhe as costas, incapaz de falar, tal era a raiva que sentia, e quase foi contra Sir William Cecil.
- Peço desculpa, Senhor Secretário. Estava mesmo de saída.
- Pensei que havíeis acabado de chegar.
- Estava de saída para me dirigir aos meus aposentos - disse Robert, mordendo o lábio para conter o seu mau humor.
- Fico satisfeito por estardes de volta - disse Cecil, caminhando ao lado dele. - Precisámos dos vossos conselhos.
- Pensei que não tivessem feito nenhum trabalho.
- Os vossos conselhos para a Rainha - disse Cecil terminantemente. - Este turbilhão de pretendentes pode agradar a Sua Graça, mas não estou seguro de que seja benéfico para o país.
- Dissestes-lhe isso?
- Eu não! - disse Cecil com um pequeno riso abafado.
- Ela é uma mulher jovem que está apaixonada. Pensei que pudésseis dizer-lhe.
- Porquê eu?
- Bem, não é bem dizer-lhe. Pensei que pudésseis entretê-la. Distraí-la. Relembrar-lhe que existem muitos homens bonitos no mundo. Ela não tem de casar com o primeiro que lhe aparece e que está livre.
- Sou um homem casado - disse Robert friamente. - No caso de vos terdes esquecido. Não consigo competir com um solteirão que escorre ouro.
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- Tendes razão em relembrar-mo - respondeu Cecil suavemente, mudando de estratégia. - Porque se ele casar com ela, os dois vamos poder ir para casa, para junto das nossas mulheres. Ele não quererá que a aconselhemos. Trará os seus próprios favoritos. O nosso trabalho na corte terminará. Por fim, posso voltar para casa, para Burghley, e vós podeis voltar para casa, em... - calou-se, como se estivesse surpreendido por Robert não possuir uma grande propriedade de família. - Para onde quer que escolherdes, suponho.
- Dificilmente conseguirei construir uma casa como Burghley, com as economias de que disponho de momento - disse Dudley furiosamente.
- Não. Talvez fosse melhor para ambos, se Pickering tivesse um rival. Se ele ficasse perturbado. Se não tivesse tudo exactamente como pretende. É fácil para ele estar a sorrir e satisfeito, quando avança por uma estrada recta, sem concorrentes.
Dudley suspirou, como um homem cansado de ouvir disparates.
- vou para os meus aposentos.
- Irei encontrar-vos ao jantar?
- Claro que descerei para jantar. Cecil sorriu.
- Fico muito satisfeito por vos ver de volta à corte - disse ele docemente.
A Rainha mandou entregar um prato de carne de veado no fundo do salão, na mesa de Sir William Pickering, e, imparcialmente, enviou uma tarte de caça, excelente, para a mesa de Robert Dudley. Depois de as mesas terem sido limpas e de os músicos terem começado a tocar, ela dançou com um e depois com o outro. Sir William, ao fim de algum tempo de receber este tratamento, amuou; mas Robert Dudley estava no máximo da sua jovialidade, e a Rainha estava radiante. Robert Dudley levantou-se para dançar com Laetitia Knollys e teve o prazer de ouvir o embaixador espanhol comentar com a Rainha que os dois faziam um belo par. Observou a Rainha a empalidecer de raiva. Pouco tempo depois, ela pediu que lhe trouxessem um baralho de cartas e Dudley apostou com ela a pérola do seu chapéu que, à meia-noite, ele teria ganho por muitos pontos. Os dois estiveram, frente a frente, como se não houvesse mais ninguém na sala, mais ninguém no mundo; e Sir William Pickering retirou-se cedo, para se deitar.
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1 de Julho de 1559
Caro William,
Sir Nicholas Throckmorton, embaixador em Paris, dirigia-se a Cecil, numa carta codificada, acabada de entregar por um mensageiro atrapalhado.
Notícias incríveis. O rei foi, neste mesmo dia, ferido num torneio e os cirurgiões estão a operá-lo neste momento. O que ouvi é que não têm esperanças; o golpe pode ter sido fatal. Se ele morrer, não há dúvidas de que o reino da frança será governado de todas as formas, menos em nome. pela família Quise, e não há dúvidas de que enviarão imediatamente forças para reforçar a posição da sua parente Maria de Quise, na Escócia, e avançar para conquistar a Inglaterra para afilha, Maria, rainha dos "Escoceses. Dada a sua riqueza, poder e determinação (e a justiça da sua reivindicação, aos olhos de todos os católicos romanos), dada a fraqueza, a divisão e a incerteza do nosso pobre país, governado por uma mulher que não está há muito no trono, com uma legitimidade discutível, e sem um herdeiro, penso que não pode haver dúvidas sobre o resultado.
Por amor de Deus, por amor de tudo o que nos é sagrado, suplicai à rainha que reúna as tropas e que se prepare para defender as fronteiras ou estamos perdidos. Se ela não travar esta batalha, perderá o reino sem lutar. Se assim for, duvido que ela possa vencer. Comunicar-vos-ei o momento em que o rei morrer. Deus permita que ele se recomponha, porque, sem ele, estamos perdidos. Aviso-vos de que não prevejo que tal aconteça.
Nicholas.
William Cecil leu a carta duas vezes e depois lançou-a cuidadosamente para a parte mais forte da lareira da sua antecâmara. Depois, sentou-se com a cabeça apoiada nas mãos, durante bastante tempo. Estava convencido de que o futuro da Inglaterra estava nas mãos dos cirurgiões que, naquele preciso momento, lutavam para manter a vida do rei Henrique II da França no seu corpo débil. A segurança da Inglaterra havia sido garantida, por este rei, através do Tratado de Paz de Cateau Cambresis. Sem ele, não havia garantia, não havia segurança. Se ele morresse, a avarenta família governante da França entraria com a sua cavalaria implacável na Escócia e depois invadiria a Inglaterra.
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Ouviu-se uma batida na porta.
- Sim - disse Cecil calmamente, sem sinais do medo que sentia na voz.
Era o seu mordomo.
- Um mensageiro - disse secamente.
- Mandai-o entrar.
O homem entrou, sujo da viagem, e caminhando com o andar rígido e de pernas arqueadas de um cavaleiro que passou vários dias na sela. Cecil reconheceu o criado em quem Sir James Croft mais confiava e que era seu espião.
- William! Que bom ver-vos! Sentai-vos.
O homem fez um sinal de agradecimento com a cabeça pela cortesia e sentou-se cuidadosamente na cadeira.
- Bolhas - disse, para se explicar. - Estão a rebentar e a sangrar. O meu senhor disse que era importante.
Cecil assentiu com a cabeça e esperou.
- Ele disse-me para vos comunicar que Perth está num pandemónio, que a rainha regente francesa não consegue dominar o espírito dos lordes protestantes. Afirma que aposta que ela nunca conseguirá reunir as tropas para os combater. Não têm coragem para o fazer, e os escoceses protestantes estão loucos por combater.
Cecil fez um sinal afirmativo com a cabeça.
- Os protestantes estão a destruir as abadias, ao longo de toda a estrada para Edimburgo. Diz-se que o capitão do castelo de Edimburgo não assume nenhum partido, vai bloquear os portões do castelo contra ambos, até a lei ser reposta. Ele crê que a rainha regente terá de recuar para o Castelo de Leith. Diz que se estiverdes disposto a fazer uma aposta, ele apostaria a fortuna nos homens de Knox; que são imbatíveis, enquanto o sangue está a ferver.
Cecil esperou para o caso de haver mais novidades.
- É tudo.
- Agradeço-vos - disse Cecil. - E o que é que vós pensais deles? Assististes a muitas lutas?
- Pareceu-me que eram uns animais selvagens - disse o homem secamente. - E não os quereria ter nem como aliados nem como inimigos.
Cecil sorriu para ele.
- Estes são os nossos nobres aliados - disse ele firmemente. E rezaremos diariamente pelo seu sucesso, na sua nobre batalha.
- São destruidores e desumanos, são uma praga de gafanhotos
- disse o homem resolutamente.
- Derrotarão os Franceses por nós - disse-lhe Cecil, com mais
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confiança do que qualquer homem sensato teria. - Se alguém vos perguntar, eles estão do lado dos anjos. Não vos esqueçais.
Nessa noite, com as notícias graves de Cecil a marcar a batida do medo nas têmporas, Isabel recusou dançar, tanto com Sir William Pickering, como com Robert Dudley, que se entreolhavam como dois gatos num telhado de um estábulo. Que utilidade tinham William Pickering ou Robert Dudley, quando o rei francês estava a morrer e os seus herdeiros estavam a convocar uma expedição à Inglaterra, com o pretexto de terem de controlar uma guerra com os Escoceses? Que utilidade tinha qualquer homem inglês, por muito encantador, por muito desejável que fosse?
Robert Dudley sorriu para ela, que mal o conseguia ver através da perturbação de dor que sentia atrás dos olhos. Limitou-se a abanar a cabeça na direcção dele e voltou-lhe, as costas. Pediu ao embaixador austríaco que se sentasse ao lado do trono e lhe falasse do Arquiduque Fernando, que viria com todo o poder da Espanha e que era o único homem que poderia trazer consigo um exército suficientemente grande para manter a Inglaterra em segurança.
- Sabeis, não tenho qualquer predilecção pelo estado celibatário - afirmou docemente Isabel ao embaixador, ignorando o olhar arregalado que lhe lançava Sir William. - Só esperei, como qualquer donzela sensata esperaria, pelo homem certo.
Robert estava a planear um grande torneio para quando voltassem para Greenwich, a última celebração antes de a corte partir para a sua viagem de Verão. Na longa mesa do refeitório da sua bela casa em Kew, tinha uma folha de papel desenrolada, e o seu escrivão estava a juntar, em pares, os cavaleiros que iriam combater uns com os outros. Robert tinha decidido que iria ser um torneio de rosas. Haveria um caramanchão de rosas para a Rainha se sentar, com a rosa vermelha de Lancaster e a rosa branca de York e a rosa da Galiza, que combinava ambas as cores, e resolvia a inimizade de longa data entre as maiores regiões da Inglaterra, como os próprios
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Tudor haviam feito. Haveria pétalas de rosa, espalhadas diante da Rainha por crianças vestidas de cor-de-rosa, quando ela saísse da porta do palácio de Greenwich para o pátio do torneio. O próprio pátio iria ser ornamentado com rosas e todos os concorrentes haviam sido avisados de que deveriam incluir rosas na sua poesia, nas armas ou na armadura.
Haveria um quadro saudando Isabel enquanto Rainha das rosas e ela iria ser coroada com uma grinalda de botões de rosa. Comeriam rebuçados açucarados de rosa e haveria um combate de água, com água de rosas, o próprio ar estaria perfumado com o perfume amoroso, o pátio do torneio seria atapetado com pétalas.
O torneio iria ser o evento central do dia. Dudley tinha uma consciência dolorosa de que Sir William Pickering era um rival poderoso dos afectos da Rainha, um solteiro loiro, bem constituído e rico, que lera e viajara bastante e com uma educação distinta. Tinha um encanto intenso; o sorriso dos seus olhos azuis-escuros punha a maior parte das mulheres nas nuvens, e a Rainha era sempre vulnerável a um homem autoritário. Tinha toda a confiança de um homem rico desde a infância, com origem em pais ricos e poderosos. Nunca descera tão baixo como Robert, nem sequer sabia que um homem podia descer tão baixo, e todo o seu porte, o seu encanto fácil, a sua disposição alegre, tudo revelava um homem para quem a vida fora generosa e que acreditava que o futuro seria tão abençoado como o passado.
O pior de tudo, do ponto de vista de Dudley, era que não havia nada que impedisse a Rainha de se casar com ele no dia seguinte. Ela podia beber um copo de vinho a mais, poderia ser provocada de mais, poderia ser estimulada, envolvida e provocada
- e Pickering era um mestre na sedução subtil - depois, ele podia oferecer-lhe um anel de diamantes de valor inestimável e a sua fortuna, e a tarefa estava cumprida. Os homens apostavam que Sir William casaria com a Rainha no Outono e os seus ataques de riso constantes na presença dele, e a tolerância divertida que mostrava pelo orgulho ascendente dele, davam motivos a toda a gente para acreditar que o seu estilo, de loiro e grande, lhe agradava mais do que o tom moreno de Sir Dudley.
Robert suportara muitos rivais da atenção dela desde que chegara ao trono. Isabel era uma namoradeira e qualquer um, com um dote valioso ou um sorriso bonito, podia ter a sua atenção evanescente. Mas Sir William era um risco muito maior do que aquelas fantasias passageiras. Era fenomenalmente rico e Isabel, com uma bolsa cheia de moedas desvalorizadas e o tesouro vazio, considerava a
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riqueza dele bastante atractiva. Fora amigo dela desde os primeiros dias e ela valorizava a fidelidade, especialmente nos homens que haviam conspirado para a colocar no trono, por muito incompetentes que houvessem sido. Mas mais do que qualquer outra coisa, era bonito e acabara de chegar à corte, e era um protestante inglês solteiro, por isso, quando ela dançava com ele e eram o centro dos boatos e especulações, era agradável. A corte sorria dos dois. Não havia ninguém que lhe lembrasse que ele era um homem casado ou que havia sido condenado como traidor, ou que lhe murmurasse que ela devia estar louca para o favorecer. E, apesar de o rápido regresso de Dudley à corte ter perturbado a lenta ascensão de Sir William em favores e em poder, não a impedira. A Rainha estava desavergonhadamente encantada por ter os dois homens mais desejáveis da Inglaterra a competir pela sua atenção.
Dudley esperava servir-se do torneio para depor Sir William com um golpe forte, de preferência no seu belo rosto ou na cabeça obstinada, e estava a elaborar a lista do torneio para se certificar de que Pickering e ele não se cruzariam na ronda final. Estava absorvido no trabalho quando de repente, a porta se abriu de par em par com uma batida. Robert pôs-se de pé, de um salto, estendendo a mão para pegar no punhal, com o coração a bater, sabendo que, por fim, o pior acontecera: uma revolta, um assassinato.
Era a Rainha, sozinha, sem uma única dama de companhia, branca como a própria rosa, que entrou no quarto de rompante, na direcção dele, e pronunciou duas palavras:
- Robert! Salvai-me!
De imediato ele puxou-a para ele e abraçou-a. Conseguia sentir a respiração ofegante dela, viera a correr do palácio até à Dairy House, e correra pelas escadas acima até à sua porta da frente.
- Que se passa, meu amor? - perguntou ele com urgência. - O que aconteceu?
- Um homem - suspirou ela. - Anda a seguir-me.
com o braço ainda em volta da cintura dela, ele retirou a espada do gancho onde a pendurara, e abriu a porta de par em par. Dois dos seus homens estavam do lado de fora, horrorizados com a forma como a Rainha havia passado por eles.
- Viram alguém? - perguntou Robert bruscamente.
- Ninguém, senhor.
- Ide e procurai - voltou-se para a mulher que estava prestes a desmaiar. - Como é que ele era?
- Bem vestido, trazia um fato castanho, como um mercador de Londres, mas seguia os meus passos enquanto eu estava a passear
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no jardim, à beira-rio, e quando eu comecei a andar mais depressa, ele aproximou-se, e quando comecei a correr, correu atrás de mim, e eu pensei que era um papista, que tinha vindo matar-me... - Ficou ofegante de medo.
Robert voltou-se para o seu atónito escrivão.
- Ide com eles, chamai os guardas e os Pensionistas da Rainha. Dizei-lhes para procurar um homem vestido com um fato castanho. Primeiro, inspeccionem o rio. Se ele tiver fugido de barco, peguem numa embarcação e sigam-no. Quero-o vivo. Quero-o agora Robert mandou os homens embora, e levou Isabel para dentro de casa, para a sala de espera dele, bateu com a porta e trancou-a.
Gentilmente, sentou-a numa cadeira e fechou as persianas, trancando-as. Retirou a espada e deixou-a ao alcance da mão, em cima da mesa.
- Robert, pensei que ele viera atacar-me. Pensei que iria matar-me, enquanto eu passeava no meu próprio jardim.
- Agora estais segura, meu amor - disse ele gentilmente. Ajoelhou-se ao lado dela e pegou-lhe na mão. Estava gelada. - Comigo, estais segura.
- Não sabia o que fazer, não sabia para onde correr. Só conseguia pensar em vós.
- Muito bem. Fizestes o que estava certo, e fostes muito corajosa em correr.
- Não fui! - lamentou-se ela, de repente, como uma criança. Robert ergueu-a da cadeira e puxou-a para cima do seu colo.
Ela mergulhou a cara no pescoço dele e ele sentiu o rosto suado dela e a humidade das suas lágrimas.
,- Robert, não fui nada corajosa. Não me comportei nada como uma rainha, foi mais como uma insignificante. Estava cheia de medo, como uma rapariga do mercado. Não conseguia chamar os meus guardas, não conseguia gritar. Nem sequer pensei em voltar-me para o enfrentar. Limitei-me a continuar a andar mais depressa, e quando ele acelerava o passo, eu acelerava também.
- Conseguia ouvir os passos dele atrás de mim, cada vez mais rápidos e a única coisa que podia fazer... - caiu novamente em pranto. - Sinto-me tão infantil! Sinto-me tão tonta! Qualquer outra pessoa pensaria que eu era filha de um tocador de alaúde.
A enormidade da afirmação fê-la emudecer de choque, e levantou o rosto manchado de lágrimas do ombro dele.
- Oh. meu Deus - disse ela intermitentemente.
com firmeza, afectuosamente, ele olhou-a nos olhos, sorriu para ela.
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- Ninguém vai pensar nada a vosso respeito, porque ninguém irá saber - disse ele docemente. - Isto é entre nós os dois e ninguém mais saberá.
Ela susteve a respiração, com um soluço, e acenou com a cabeça.
- E ninguém, mesmo que soubesse, poderia culpar-vos por sentirdes medo, se um homem vier atrás de vós. Sabeis o perigo que correis todos os dias. Qualquer mulher sentiria medo, e vós sois uma mulher, e uma mulher bonita, assim como uma rainha.
Instintivamente, ela enrolou um fio de cabelo e prendeu-o atrás da orelha.
- Devia ter-me virado para trás e tê-lo enfrentado. Robert abanou a cabeça.
- Fizestes exactamente o que estava certo. Ele poderia ser um louco, poderia ser qualquer pessoa. A atitude mais sensata era vir ter comigo, e aqui estais segura. Segura, junto de mim.
Ela aconchegou-se um pouco mais perto dele e ele apertou os braços em volta dela.
- E ninguém alguma vez poderia duvidar de quem é o vosso pai - disse ele, com a boca encostada ao cabelo ruivo dela. - Sois uma Tudor, da vossa cabeça inteligente e cor de bronze aos vossos pequenos pés velozes. Sois a minha princesa Tudor, e sê-lo-eis sempre. Eu conheci o vosso pai, estais recordada, lembro-me de como ele costumava olhar-vos e chamar-vos, Bessie, a menina preferida dele. Eu estava lá. Consigo ouvir a voz ele neste preciso momento. Ele amava-vos como se fôsseis filha legítima e herdeira dele, e ele sabia que eras dele, e agora sois minha.
Isabel inclinou a cabeça para trás, para ele, com os olhos escuros confiantes, com a boca a começar a desenhar a curva ascendente de um sorriso.
- Vossa?
- Minha - disse ele com certeza e pousou a boca na dela, beijando-a intensamente.
Por momentos, ela não resistiu. O seu terror e depois a sensação de segurança junto dele eram tão fortes como uma poção de amor. Ele conseguia sentir o suor do medo dela e o novo odor da sua excitação, e passava dos lábios dela para o pescoço e depois para o cimo do vestido, onde os seios dela, se comprimiam contra o corpete de renda, enquanto ela arquejava levemente. Esfregou o rosto contra o pescoço dela, e ela sentiu-lhe a aspereza do queixo e o movimento impaciente da língua, riu-se e respirou fundo em simultâneo.
Depois, as mãos dele estavam no cabelo dela, arrancando os ganchos, pegando numa mão-cheia dos grandes caracóis caídos, puxando
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a cabeça dela para trás, para que pudesse ter a boca dela mais uma vez, e desta vez saboreava o próprio suor dela, salgado na sua boca. Mordeu-lhe, lambeu-a, encheu-a do calor do seu desejo e sabor, enquanto salivava, como se ela fosse um prato que ele devorasse.
Levantou-se da cadeira com ela nos braços e ela agarrou-se ao pescoço dele, enquanto ele afastava a lista de cima da mesa e a pousava lá em cima, e depois subia, como um garanhão cobrindo uma égua, para cima dela. Pressionou a sua coxa contra o interior das pernas dela, as mãos puxavam-lhe o vestido para cima, para poder tocar-lhe, e Isabel derretia sob o seu toque, puxando-o para si, abrindo a boca para acolher os beijos dele, faminta por senti-lo em todo o seu corpo.
- O meu vestido - gritou ela frustrada.
- Sentai-vos - ordenou-lhe ele. Ela obedeceu-lhe e voltou-se, expondo as rendas nas costas do peitilho apertado. Ele debateu-se com as rendas entrelaçadas e depois despiu-lhas e atirou-as para o lado. com um gemido de desejo absoluto, ele mergulhou as mãos, e em seguida o rosto, na camisa de linho dela, para lhe sentir o calor do ventre através do tecido fino, e as curvas redondas e firmes dos seios.
Atirou para o chão o seu gibão e rasgou a camisa, pressionando o corpo contra o dela mais uma vez, o seu peito contra o rosto dela, como se fosse abafá-la com o corpo, e sentiu os dentes pequenos e afiados dela roçar o seu mamilo, enquanto a língua lhe percorria os pêlos do peito e ela esfregava a cara de encontro a ele, como um gato travesso.
Os dedos dele remexiam desajeitadamente nos laços da saia dela, e depois, ao perder a paciência, pegou nas rendas e, com um puxão, rasgou-as e empurrou-lhe a saia para baixo da cintura, para conseguir tocar-lhe com as mãos.
Ao primeiro toque, ela gemeu e arqueou as costas, empurrando-se contra a palma da mão dele. Robert recuou, desapertou as calças de montar, puxou-as para baixo, e ouviu-a suspirar, enquanto ela via a força e o poder dele, e depois o seu suspiro de desejo, quando ele se aproximou dela.
Ouviu-se uma batida ruidosa na porta da frente.
- Vossa Graça! - era um grito urgente. - Estais em segurança?
- Deitai a porta abaixo! - alguém ordenou.
com um queixume, Isabel rebolou, para se afastar dele, e correu pelo quarto, agarrando no seu peitilho.
- Ajudai-me a apertar as rendas! - suspirou urgentemente, apertando a peça justa de vestuário contra os seios palpitantes, e voltando-lhe as costas.
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Robert estava a puxar as calças para cima e a apertar os cordões.
- A rainha está aqui comigo, Robert Dudley, em segurança gritou ele, numa voz anormalmente alta. - Quem está aí?
- Graças a Deus. Sou o comandante das sentinelas, Sir Robert. Levarei a Rainha de volta aos aposentos dela.
- Ela está... - Dudley lutava com as presilhas do vestido de Isabel e depois enfiou-as nos orifícios em que conseguiu e apertou-as. Vista de frente, parecia bastante apresentável.
- Ela já vai. Aguardai aí. Quantos homens tendes?
- Dez, senhor.
- Deixai oito para guardar a porta e ide buscar mais dez - disse Robert, para ganhar tempo. - Não correrei riscos com Sua Graça.
- Sim, senhor.
Eles foram a correr. Isabel inclinou a cabeça e apertou o que restava das fitas da cinta da saia. Robert pegou no seu gibão e vestiu-o.
- O vosso cabelo - sussurrou ele.
- Conseguis encontrar os meus ganchos?
Ela estava a torcê-lo para o transformar em anéis de bronze e a escondê-lo sob as travessas de ébano que.haviam sobrevivido ao abraço dele. Robert pôs-se de joelhos no chão e procurou os ganchos debaixo do banco e da mesa e levantou-se com quatro ou cinco. Rapidamente, ela espetou-os no cabelo, e prendeu o toucado na parte de cima.
- Como estou?
Ele aproximou-se dela.
- Irresistível.
Ela cobriu a boca com as mãos para que os homens que estavam à espera do lado de fora não a ouvissem rir.
- Adivinharias o que estive a fazer?
- De imediato.
- Que vergonha! Mais alguém adivinharia?
- Não. Deverão estar à espera de vos ver com o aspecto de quem esteve a correr.
Ela estendeu uma das mãos para ele.
- Não vos aproximeis mais - disse ela, pouco segura, quando ele avançou. - Segurai-me na mão.
- Meu amor, tenho de vos ter.
- E eu a vós - suspirou ela, enquanto ouviam os passos dos guardas que se aproximavam da porta.
- Sir Robert?
- Sim?
- Estou aqui com vinte homens.
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- Afastai-vos da porta - disse Robert. Pegou na espada e abriu a porta da sala de espera, e depois destrancou a porta da frente. Cuidadosamente, abriu-a com um estalido. Os homens da Rainha estavam do lado de fora, ele reconheceu-os, e abriu a porta de par em par.
- Ela está em segurança - disse ele, permitindo que eles a vissem. - Tenho-a em segurança.
Todos se puseram de joelhos.
- Graças a Deus - disse o comandante, - Quereis que vos acompanhe aos vossos aposentos, Vossa Graça?
- Sim - respondeu ela calmamente. - Sir Robert, jantais comigo esta noite nos meus aposentos privados.
Educadamente, ele fez uma vénia.
- Como desejardes, Vossa Graça.
- Ele aborreceu-se, porque ficou desiludido - disse Amy, de repente, durante o jantar, aos anfitriões, como se estivesse a continuar uma conversa, apesar de terem estado a comer em silêncio. William Hyde lançou um olhar à mulher, não era a primeira vez que Amy tentava convencê-los de que o que haviam visto era um pequeno arrufo entre um casal com uma relação confortável. Como se estivesse a tentar convencer-se a si mesma.
- Fui tão tonta ao ponto de fazê-lo pensar que a casa estava terminada, pronta para nos mudarmos para lá este Verão. Agora, ele teráde ficar na corte e de partir em viagem com a Rainha. Claro que ficou desiludido.
- Oh, sim - disse Lizzie Oddingsell num apoio leal.
- Não o percebi bem - continuou Amy. Soltou uma risada embaraçada. - Deveis pensar que sou uma tonta, mas ainda estava a pensar nos planos que fizemos no princípio, quando nos casámos, quando não éramos mais do que crianças. Estava a pensar numa pequena casa de campo, rodeada de campos férteis. E claro, agora, ele precisa de mais do que isso.
- Ireis procurar uma propriedade maior? - perguntou Alice Hyde, curiosa.
Lizzie levantou os olhos da posição em que se encontrava e lançou um olhar cortante à cunhada.
- Claro - disse Amy com uma dignidade simples. - Os nossos planos mantêm-se inalterados. Foi um erro meu não ter compreen-
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dido bem o que o meu senhor tinha em mente. Mas agora que sei, vou começar a procurá-la para nós. Ele precisa de uma casa grande, no meio de um parque, com uma boa quinta, com um caseiro. vou procurá-la para ele, e contratarei construtores, e mandá-la-ei construir para ele.
- Ireis ter muito que fazer - disse William Hyde agradável-, mente.
- Cumprirei o meu dever enquanto esposa dele - respondeu ela, séria -, tal como Deus me pediu que fizesse, e não o desiludirei.
Isabel e Dudley estavam sentados, um em frente ao outro, numa mesa posta para dois e tomavam o pequeno-almoço, na antecâmara dela, no Palácio de Greenwich, como haviam feito todas as manhãs, desde que haviam regressado de Kew. Algo mudara entre eles e todos o podiam ver, mas ninguém conseguia perceber. Nem a própria Isabel compreendia. Não fora o surgimento súbito da sua paixão por Dudley; ela já o desejara antes, já havia desejado outros homens antes, estava habituada a controlar os seus desejos com mão pesada. Era porque tinha corrido para junto dele para se sentir segura. Instintivamente, com uma corte de homens obrigados a servi-la, com os espiões de Cecil algures no seu quarto de dormir, ao primeiro sinal de ameaça, fugira, correndo para junto de Dudley, visto ser o único homem em quem conseguia confiar.
Depois, chorara de terror, como uma criança, e ele consolara-a como um amigo de infância. Não falaria do assunto com ele, nem com ninguém. Nem sequer pensaria nisso. Mas sabia que algo mudara. Mostrara a si mesma e mostrara-lhe que ele era o seu único amigo.
Estavam longe de estar sozinhos. Havia três criados para os servir, o criado que trazia o jarro de água ficava, de pé, atrás da cadeira da Rainha, um pajem em cada cabeceira da mesa, quatro damas de companhia sentavam-se num pequeno grupo, no vão da janela, um trio de músicos tocava, e um corista da capela da Rainha cantava canções de amor. Robert teve de dominar o seu desejo, a sua frustração e raiva ao ver que, mais uma vez, a sua amante real se fechara atrás de um muro, para se proteger dele.
Conversou com ela educadamente durante a refeição, com a intimidade descontraída à qual conseguia sempre recorrer, e com todo o calor que sentia genuinamente por ela. Isabel, recuperando a
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confiança após o susto, deliciada com a excitação do toque de Robert, ria-se, sorria-lhe, namoriscava-o, acariciava-lhe a mão, puxava-lhe a manga, deixava o seu pequeno pé calçado com um chinelo escorregar para junto do dele, debaixo da mesa, mas nem uma única vez sugeriu que deveriam mandar as pessoas embora e ficar a sós.
Robert, aparentemente imperturbado pelo desejo, tomou um pequeno-almoço substancial, limpou os lábios com o guardanapo, estendeu os dedos para que o criado lhos lavasse e secasse e levantou-se da mesa.
- Tenho de vos deixar, Vossa Graça.
Ela estava espantada, e não conseguia escondê-lo.
- Ides embora, tão cedo?
- vou encontrar-me com alguns homens no pátio do torneio, estamos a praticar para o torneio das rosas. Não querereis que fique sem cavalo na primeira justa.
- Não, mas pensei que fôsseis passar o resto da manhã comigo. Ele hesitou.
- Como quiserdes.
Ela franziu a sobrancelha.
- Não vos separaria dos vossos cavalos, Sir Robert.
Ele pegou-lhe na mão e fez uma vénia sobre ela.
- Não haveis sido tão rápido a deixar-me ir embora, quando estivemos juntos nos vossos aposentos em Kew - murmurou-lhe ela quando o tinha perto de si.
- Na altura desejastes-me como uma mulher deseja um homem, e é assim que quero vir para junto de vós - disse ele, tão rápido como uma serpente que ataca. - Mas desde então, haveis-me convocado como um cortesão e como Rainha. Se é isso que pretendeis, também estou ao vosso serviço, Vossa Graça: sempre. Como é evidente.
Era como um jogo de xadrez, ele viu-a voltar a cabeça e questionou-se como poderia vencê-lo.
- Mas eu serei sempre Rainha - disse ela. - Vós sereis sempre meu cortesão.
- Não quereria nada menos do que isso - disse ele, e depois murmurou, para ela ter de se inclinar para a frente para o ouvir -, mas desejo muito mais do que isso, Isabel.
Ela conseguia sentir o odor masculino dele, ele sentiu a mão dela tremer na sua. Ela teve de fazer um esforço para se afastar, sentar-se na cadeira e deixá-lo ir embora. Ele sabia o que lhe custava, conhecera mulheres antes que não suportavam perder um momento do toque dele. Sorriu-lhe, com o seu sorriso escuro, experiente, melancólico, e depois fez uma vénia, e dirigiu-se à porta.
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- O que quer que me ordeneis, sabeis que sereis sempre a rainha do meu coração. - Voltou a fazer uma vénia, a sua capa agitou-se nos ombros, quando ele se voltou e saiu.
Isabel deixou-o ir, mas não conseguia estar tranquila sem ele. Pediu que lhe trouxessem o alaúde e tentou tocar, mas estava sem paciência para o fazer, e quando uma corda se quebrou, nem sequer se preocupou em repará-la. Permaneceu sentada à escrivaninha e leu os memorandos que Cecil lhe enviara, mas as suas palavras graves de aviso em relação à Escócia não faziam sentido. Sabia que havia muita coisa a fazer, que a situação da moeda era desesperada, e que a ameaça à Escócia e à Inglaterra era real e urgente, o rei francês estava no seu leito de morte e, quando morresse, a segurança da Inglaterra também desapareceria; mas não conseguia pensar. Levou a mão à cabeça e gritou:
- Estou com febre! com febre!
De imediato, todos estavam de volta dela, as damas rodopiavam em seu redor, Kat Ashley foi chamada, bem como Blanche Parry. Levaram-na para a cama, recusava as atenções delas, não suportava que lhe tocassem.
- Fechai as portadas, a luz queima-me os olhos! - exclamou. Elas queriam chamar um médico.
- Não quero receber ninguém - disse.
Elas queriam preparar uma bebida refrescante, calmante, e que a pusesse a dormir.
- Não quero nada! - quase gritou ela de irritação. - Ide! Não quero ninguém a olhar para mim. Nem sequer quero ninguém do lado de fora da minha porta. Aguardai na minha antecâmara. vou dormir. Não quero ser incomodada.
Como um pombal agitado, elas correram para fora, como lhes havia sido ordenado, e dirigiam-se à antecâmara para falar sobre ela. No quarto de dormir, através das portas fechadas, Isabel ainda conseguia ouvir o seu murmúrio preocupado e voltou o rosto encarnado para a almofada, colocou os braços em volta do seu corpo magro, e abraçou-se com força.
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Sir Robert, cavalgando lentamente, para cima e para baixo, da linha do pátio de torneios, obrigava o cavalo a rodar no final, e depois voltava a seguir a linha. Estavam a fazer exercício há mais de uma hora. Tudo dependia da vontade do cavalo percorrer uma linha recta, mesmo que um outro cavalo, um cavalo de guerra, com um cavaleiro de armadura completa em cima, com a lança baixada, estivesse a bater com os cascos na outra extremidade, apenas uma barreira muito pouco consistente entre as duas criaturas. O cavalo de Sir Robert não devia guinar para o lado, nem sequer desviar-se, devia manter-se na linha, mesmo quando Sir Robert, baixando a sua lança, segurava as rédeas apenas com uma das mãos, tinha de se manter na linha, mesmo que fosse sacudido na sela por uma pancada, e nunca devia largá-lo
Robert rodava, dava voltas, fazia a linha a trote, rodava, voltava a fazer a linha a galope. O cavalo estava a resfolegar quando ele o deteve, com uma mancha escura de suor a marcar-lhe o pescoço. Obrigou-o a dar a volta e correu pela linha fora mais uma vez.
Ouviu-se o som de palmas vindas da entrada do pátio. Uma criada estava de pé, na entrada por onde os cavaleiros entravam e saíam, com um xaile em volta dos ombros, uma touca convenientemente encarrapitada na cabeça, uma madeixa de cabelo ruivo a aparecer, o rosto pálido, os olhos negros.
- Isabel - disse ele num triunfo silencioso, quando a reconheceu, e aproximou o cavalo dela. Parou o cavalo e desceu da sela.
Esperou.
Ela mordeu o lábio, olhava para o chão, e voltava a olhar para cima. Ele viu o olhar dela ir da camisa de linho, onde o suor escureceu o tecido no peito e nas costas, para as calças de montar justas e as botas de montar de pele polida. Viu as narinas dela dilatarem-se, à medida que ela absorvia o odor dele, os olhos tornarem-se mais pequenos, enquanto ela levantava novamente o olhar para ele, para a silhueta escura da sua cabeça contra o céu claro da manhã.
- Robert - suspirou ela.
- Sim, meu amor?
- Vim ter convosco. Só posso estar longe dos meus aposentos uma hora.
- Então, não vamos perder nenhum momento - disse ele simplesmente e atirou as rédeas do seu cavalo de guerra ao escudeiro.
- Ponde o vosso xaile sobre a cabeça - disse ele docemente, e colocou o braço em volta da cintura dela, conduzindo-a, não para o palácio, mas para os seus aposentos privados, por cima dos estábu-
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los. Havia uma pequena entrada a partir do jardim, ele abriu a porta e levou-a para cima.
Nos aposentos de Robert, Isabel deixou cair o xaile e olhou em volta. O apartamento era um quarto grande, com duas janelas altas, as paredes forradas com painéis de linho escuro pregueado. Os planos para o torneio do dia seguinte estavam espalhados em cima da mesa, a secretária estava coberta de documentos relativos a negócios dos estábulos. Ela olhou para a porta que estava atrás da secretária, a porta que dava para o quarto de dormir dele.
- Sim, vinde - disse ele, seguindo o olhar dela, e conduzindo-a através da porta para o quarto.
Uma cama bonita, com quatro pilares, ocupava a maior parte do quarto, um genuflexório no canto, uma prateleira com uma pequena colecção de livros, um alaúde. O seu chapéu de plumas estava em cima da cama, a capa, atrás da porta.
- Não vai entrar ninguém? - perguntou-lhe ela ofegante.
- Ninguém - garantiu-lhe ele, e depois fechou a porta e fez deslizar o pesado trinco de ferro.
Ele voltou-se para ela. Ela estava a tremer de expectativa, medo e desejo crescente.
- Não posso ter um filho - especificou ela. Ele assentiu com a cabeça.
- Eu sei. Eu tratarei disso.
Mas ela continuava com ar ansioso.
- Como podeis ter a certeza?
Ele meteu a mão no bolso interior do gibão e retirou um preservativo, feito de bexiga de ovelha, cosido com pontos minúsculos e apertado com fitas.
- Isto proteger-vos-á.
Dividida entre os nervos e a curiosidade, ela riu-se.
- O que é isso? Como funciona?
- Como uma armadura. Tendes de ser o meu escudeiro e colocar-mo.
- Não posso ficar ferida em locais onde as minhas damas de companhia possam ver.
Ele sorriu.
- Nem sequer deixarei em vós a marca dos meus lábios. Mas, por dentro, Isabel, ireis arder, prometo-vos.
- Tenho um pouco de receio.
- Minha Isabel - disse ele docemente, e aproximou-se dela, pegando-lhe na touca. - Vinde para mim, meu amor.
A massa do cabelo caiu-lhe à altura dos ombros. Robert pegou
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numa mão-cheia de caracóis e beijou-os, depois, quando ela voltou o rosto extasiado para ele, beijou-lhe a boca.
- Minha Isabel, por fim - disse ele novamente.
Poucos momentos depois, ela encontrava-se num sonho de sensualidade. Ele sempre imaginara que ela reagiria, mas sob as suas mãos experientes, ela alongava-se como um gato, cheia de prazer. Era libertina; nem sinais de vergonha, enquanto se despia e deitava na cama dele e estendia os braços para ele. Quando ele encostou o peito à cara dela, sorriu para a descobrir delirante de desejo, mas depois ele próprio perdeu a consciência, quando o sentimento se tornou mais forte: queria tocar cada centímetro da pele dela, beijar-lhe todas as pontas dos dedos, cada covinha, cada abertura do corpo. Puxou-a para um lado e depois para o outro, tocando-a, saboreando-a, lambendo-a, sondando-a, até ela gritar em voz alta que tinha, tinha de o ter, e depois, finalmente, ele permitiu-se entrar nela e observou as pálpebras dela vacilarem, fecharem-se e os seus lábios rosados a sorrir.
Era domingo. A família Hyde, Lizzie Oddingsell, Lady Dudley e todos os criados dos Hyde estavam sentados em bloco na igreja da paróquia, a família Hyde e os convidados no seu banco de paredes altas, os criados dispostos numa ordem de precedência estrita atrás deles, as mulheres em primeiro lugar, os homens atrás.
"Amy estava de joelhos, com os olhos fixos no Padre Wilson enquanto ele elevava a hóstia na direcção deles, preparando a comunhão, à vista de toda a congregação, obedecendo à nova directiva, apesar de nenhum bispo no país ter concordado, e de a maioria deles estar na Torre ou na prisão de Fleet. O próprio Bispo, de Oxford, Thomas fugira para Roma antes de poderem detê-lo, e a diocese estava vaga. Ninguém se oferecera para a preencher. Nenhum homem que fosse verdadeiramente de Deus serviria na igreja herética de Isabel.
O olhar de Amy estava extasiado, os seus lábios moviam-se em silêncio, enquanto o observava a abençoar a hóstia, e lhes pedia que se aproximassem para comungar.
Como uma sonâmbula num sonho, ela avançou com os outros e vergou a cabeça. A hóstia tinha um sabor enjoativo na língua, enquanto fechava os olhos e sabia que estava a comungar o próprio
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corpo de Cristo vivo, um milagre que ninguém podia negar ou explicar. Regressou para o banco e voltou a inclinar a cabeça. Murmurou as suas orações:
"Meu Senhor, mandai-o de volta para mim. Protegei-o do pecado da ambição e do pecado que aquela mulher representa, e mandai-o de volta para mim."
Depois de o serviço religioso ter terminado, o Padre Wilson despediu-se dos paroquianos no portão. Amy pegou-lhe na mão e falou com ele baixinho, de forma a que só ele ouvisse.
- Padre, eu aceitaria confissões e celebraria a missa da forma apropriada.
Ele retraiu-se e olhou em volta, para os Hyde. Ninguém, para além dele, ouvira o pedido sussurrado de Amy.
- Sabeis que agora é proibido - disse ele tranquilamente. Posso ouvir a vossa confissão, mas tenho de rezar em inglês.
- Não consigo libertar-me dos meus pecados sem assistir à missa celebrada da forma tradicional - disse Amy. ;
Ele fez-lhe uma festa na mão.
- Filha, é o que sentis, de coração? .
- Padre, a sério, estou muito necessitada de receber a graça divina.
- Vinde à igreja na quarta-feira, ao final da tarde, às cinco horas
- disse-lhe ele. - Mas não o reveleis a ninguém. Dizei apenas que vindes rezar a sós. Tende cuidado para não nos trairdes, por acidente. Agora é uma questão de vida ou de morte, Lady Dudley, nem sequer o vosso marido pode saber.
- É o pecado dele que eu tenho de expiar - disse ela apaticamente. - Assim como o meu, por o ter desiludido.
Ele observou a dor no rosto da mulher jovem.
- Ah, Lady Dudley, não podeis tê-lo desiludido - exclamou ele, falando mais como um homem do que como um padre, movido pela piedade.
- Devo tê-lo feito - disse ela tristemente. - E muitas vezes. Porque ele afastou-se de mim, Padre, e eu não sei como viver sem ele. Só Deus pode trazer-mo de volta, só Deus pode juntar-nos novamente, se ele conseguir perdoar-me pelas minhas falhas como esposa.
O padre fez uma vénia e beijou-lhe a mão, desejando poder fazer mais. Olhou em redor. A Sr.a Oddingsell estava perto, aproximou-se e deu o braço a Amy.
- Agora, vamos voltar para casa - disse ela alegremente. - Mais tarde, fará demasiado calor.
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Era dia quinze de Julho, o dia do torneio, e a única coisa em que a corte de Isabel conseguia pensar era nas roupas que iria vestir, os preparativos para o torneio, as rosas que levariam, as canções que cantariam, as danças que dançariam, os corações que quebrariam. A única coisa em que Cecil era capaz de pensar era na última carta que recebera de Throckmorton, de Paris.
9 de Julho
Ele está a perder as forças muito rapidamente, prevejo receber a notícia da sua morte a qualquer momento. Enviar-vos-ei a notícia, assim que tomar conhecimento dela. Français II será rei da frança e é certo que Maria se denominará Rainha da frança, Escócia e Inglaterra, o meu espião viu o anúncio que os escrivães estão a elaborar. com a riqueza da frança e a estratégia da família Guise, com a Escócia como seu cavalo de Tróia, serão imparáveis. Deus ajude a Inglaterra e "Deus vos ajude, meu velho amigo. Penso que sereis o último Secretário de Estado da Inglaterra e todas as nossas esperanças cairão por terra.
Cecil traduziu a carta a partir da linguagem de código e sentou-se a lê-la, em reflexão, durante alguns minutos. Depois levou o manuscrito inteiro à Rainha, aos seus aposentos privados. Ela estava a rir-se com as damas de companhia enquanto preparavam os fatos; Laetitia Knollys, vestida de branco virginal, debruado a vermelho muito escuro, estava a unir rosas num pequeno círculo, para a Rainha usar como uma coroa. Cecil pensou que as notícias que a carta que tinha entre mãos continha eram como uma tempestade de Verão, que podia surgir de qualquer parte, retirar as pétalas das rosas e destruir um jardim numa tarde.
Isabel trazia um vestido cor-de-rosa com recortes de seda nas mangas, debruado com renda prateada e um toucado branco, enfeitado com pérolas cor-de-rosa e brancas, num contraste deslumbrante com o seu cabelo cor de cobre.
Ela sorriu ao ver o rosto surpreendido de Cecil e deu uma volta à sua frente.
- Como estou?
"Pareceis uma noiva" pensou Cecil horrorizado.
- Como uma beleza - disse ele rapidamente. - Uma rainha de Verão.
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Ela abriu as saias e fez uma reverência.
- E quem considerais que vai ser o campeão?
- Não sei - disse Cecil distraidamente. - Vossa Graça, sei que este será um dia de lazer, mas tenho de falar convosco, perdoai-me, mas tenho de vos falar com urgência.
Por um momento, ela amuou, e quando viu que a expressão do rosto dele continuava a ser grave, disse:
- Oh, muito bem, mas não pode ser por muito tempo, Espírito, porque eles não podem começar sem mim; e Sir Ro... e os cavaleiros não quererão esperar com aquelas armaduras pesadas.
- Mas, quem é Sir Ro...? - perguntou Laetitia, em tom de brincadeira, e a Rainha riu-se e corou.
Cecil ignorou as mulheres jovens, e, ao invés, arrastou a Rainha para o vão da janela e entregou-lhe a carta.
- É de Throckmorton - disse ele simplesmente. - Avisa-vos da morte iminente do rei da França. Vossa Graça, no momento em que ele morrer, corremos perigo de vida. Devíamos estar a reunir armas neste momento. Já devíamos estar prontos. Já devíamos ter enviado fundos para os protestantes escoceses. Concedei-me licença para lhes enviar dinheiro agora e para começar a reunir um exército inglês.
- Dizeis sempre que não dispomos de fundos - disse ela obstinadamente.
Cautelosamente, Cecil não olhou para as pérolas que ela trazia nas orelhas nem para o espesso cordão de pérolas que trazia ao pescoço.
- Princesa, corremos o maior dos perigos - disse ele.
Isabel arrancou-lhe a carta da mão e levou-a até à janela, para ler.
- Quando a haveis recebido? - perguntou ela, tornando-se cada vez mais interessada.
- Hoje mesmo. Recebi-a em código, acabei de traduzi-la.
- Ela não pode nomear-se Rainha da Inglaterra, concordou desistir dos direitos, no Tratado de Cateau Cambresis.
- Não, como vedes, ela não o fez. Ela não concordou com nada. Foi o rei quem assinou esse acordo e esse rei que assinou o tratado está a morrer. Nada deterá a ambição dela neste momento, o novo rei e a família só a incentivarão a prosseguir.
Isabel praguejou em voz baixa e voltou as costas à corte animada, para que ninguém pudesse ver o seu rosto ensombrar-se.
- Nunca vou estar segura? - perguntou num tom de voz baixo e furioso. - Depois de ter lutado toda a vida por este trono, tenho de continuar a fazê-lo? Terei de recear uma faca nas sombras e a
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invasão dos meus inimigos para sempre? Terei de ter medo da minha própria prima? Da minha própria família?
- Lamento - respondeu Cecil firmemente. - Mas perdereis o vosso trono e até mesmo a vossa vida, se não lutardes por eles. Correis tanto perigo agora como sempre.
Ela soltou um gritinho irritante.
- Cecil, quase fui acusada de traição, estive quase a ir para o cepo, vi a minha própria morte às mãos dos meus assassinos. Como posso correr um perigo maior agora?
- Porque agora encarais a vossa morte e a perda da vossa herança, bem como o fim da Inglaterra - disse ele. - A vossa irmã fez com que perdêssemos Calais com a sua loucura. Ireis fazer com que percamos a Inglaterra?
Ela respirou fundo.
- Estou a ver - disse ela. - Estou a ver o que tem de ser feito. Talvez tenha de ser uma guerra. Falarei convosco mais tarde, Espírito. Mal o rei morra e eles revelem as suas intenções, temos de estar preparados para os enfrentar.
- Temos - disse ele, encantado com a decisão dela. - Isso é que é falar como um príncipe.
- Mas Sir Robert afirma que deveríamos insistir com os lordes protestantes escoceses para que se entendam com a regente deles, a Rainha Maria. Defende que se houver paz na Escócia, não existirão desculpas para que os Franceses enviem homens, nem desculpas para que invadam a Inglaterra.
- Ai pensa? - raciocinou Cecil, dando pouca atenção ao conselho não solicitado. - Ele pode ter razão, Vossa Graça; mas se estive!" errado, não estamos preparados para um desastre. E cabeças mais velhas e mais sensatas do que a de Sir Robert consideram que devemos atacá-los agora, antes de se fortalecerem.
- Mas ele não pode ir - disse ela.
"Quem me dera poder ser eu mesmo a mandá-lo directamente para o Inferno" passou subitamente na mente irritada de Cecil.
- Não, temos de enviar um comandante experiente - disse ele.
- Mas, primeiro, temos de enviar o dinheiro aos lordes escoceses para suportar a luta contra a regente, Maria de Guise. E temos de fazê-lo de imediato.
- A Espanha continuará a ser nossa amiga - recordou-lhe Isabel.
- Então, posso enviar alguns fundos aos lordes protestantes? pressionou-a ele com o assunto principal, o único assunto.
- Desde que ninguém saiba que é meu - disse Isabel, com as suas cautelas habituais a sobreporem-se a tudo, como sempre. -
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Enviai-lhe o que necessitarem, mas não posso permitir que os Franceses me acusem de armar uma rebelião contra uma rainha. Não posso ser vista como uma traidora.
Cecil fez uma vénia.
- Será tudo feito de forma discreta - prometeu-lhe ele, disfarçando a sua enorme sensação de alívio.
- E podemos obter a ajuda da Espanha - repetiu Isabel.
- Só se acreditarem que estais a considerar seriamente a hipótese do Arquiduque Carlos.
- Estou a considerar essa hipótese - respondeu ela enfaticamente. - Colocou-lhe novamente a carta nas mãos. - E depois destas notícias, estou a considerar essa hipótese com muito afecto. Confiai em mim nesse aspecto, Espírito. Não estou a brincar. Sei que terei de casar com ele, se chegar a haver uma guerra.
Duvidou da palavra dela, quando estava no camarote real que dava para o pátio coberto com toldo e viu como os seus olhos procuravam Dudley entre os cavaleiros, quão rapidamente ela pegou no estandarte dele com o urso e o cepo tosco, como Dudley usava um cachecol cor-de-rosa avermelhado, exactamente igual ao vestido da rainha, que, sem dúvida alguma, lhe pertencia, e que trazia, de forma ousada, ao ombro, onde todos o pudessem ver. Viu que ela se pôs de pé, levando a mão à boca em sinal de terror, quando Dudley foi empurrado para fora da arena, como aplaudia as vitórias dele, mesmo quando ele derrubou William Pickering do cavalo, e como, quando ele se aproximou do camarote real, ela se inclinou e o coroou com a sua própria grinalda de rosas, por ser o campeão do dia, quase o beijou na boca, como se inclinou tanto e lhe sussurrou ao ouvido.
Mas, apesar de tudo isso, ela tinha o embaixador Habsburgo, Gaspar von Breuner, no camarote real, ao lado dela, deu-lhe iguarias que ela própria escolhera, pousou a mão na manga dele e sorriu-lhe directamente, e - sempre que alguém, que não Dudley, estava a combater - cobria-o de perguntas sobre o Arquiduque Fernando e dava-lhe claramente a entender que a sua recusa de proposta de casamento, no início do mês, era algo de que estava a começar a arrepender-se, profundamente.
Gaspar von Breuner, encantado, desorientado e com a cabeça bastante baralhada, só conseguia pensar que Isabel finalmente
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adquirira bom-senso e que por fim o arquiduque poderia vir para a Inglaterra, para a conhecer, e para se casarem no final do Verão.
Na noite seguinte, Cecil estava sozinho quando ouviu bater à porta. O seu criado foi abrir:
- Um mensageiro.
- Eu recebo-o - afirmou Cecil.
O homem quase caiu ao entrar no quarto, com as pernas fracas de cansaço. Puxou o capuz para trás e Cecil reconheceu o homem de maior confiança de Sir Nicholas Throckmorton.
- Sir Nicholas enviou-me para vos comunicar que o rei está morto, e para vos entregar isto - estendeu uma carta toda amarrotada.
- Sentai-vos - Cecil apontou para um banco junto da lareira e quebrou o selo de lacre da carta. Era curta e fora escrita à pressa.
Rei morreu, hoje, dia dez. Paz à sua alma. O jovem Français declara-se rei da frança e da Inglaterra. Rezo a Deus para que estejais preparado e a Rainha decidida. É um desastre para todos nós.
" Amy passeava pelo jardim de Denchworth, colhendo algumas rosas pelo seu odor doce, e entrou na casa pela porta da cozinha, para procurar cordel para as amarrar num ramo. Ao ouvir o seu nome, hesitou, e depois percebeu que o cozinheiro, a empregada da cozinha e o rapaz da escarradeira estavam a falar de Sir Robert.
- Ele foi o cavaleiro da própria Rainha, tinha o favor dela relatava o cozinheiro com satisfação. - E beijou-o na boca diante de toda a corte, perante toda a cidade de Londres.
- Deus nos proteja - disse piamente a empregada da cozinha.
- Mas essas grandes senhoras podem fazer o que lhes apetecer.
- Ele conquistou-a - opinou imediatamente o rapaz da escarradeira. - Deu a volta à própria Rainha! Aquilo é que é um homem!
- Silêncio - disse de repente o cozinheiro. - Ninguém te pediu para andares a espalhar boatos sobre os teus superiores.
- Foi o meu pai quem mo disse - defendeu-se o rapaz. - O fer-
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reiro contou-lhe. Disse que a Rainha não passava de uma prostituta com Robert Dudley. Que se vestia como uma rapariga da aldeia que se prostitui, para ir ter com ele e que ele dormiu com ela no armazém do feno, e que o moço da estrebaria de Sir Robert os apanhou a fazê-lo, e ele próprio contou ao ferreiro, quando cá veio, na semana passada, entregar a bolsa da senhora.
- Não! - disse a empregada da cozinha, deliciosamente escandalizada. - Não no feno!
Lentamente, puxando o vestido para um dos lados para que não fizesse barulho, sustendo a respiração, Amy afastou-se da porta da cozinha, voltou pelo corredor de pedra, abriu a porta que dava para o exterior, com cuidado, para que esta não rangesse, e regressou ao calor do jardim. As rosas caíram-lhe das mãos sem ela reparar, desceu apressadamente o caminho e depois começou a correr sem direcção, com o rosto ruborizado de vergonha, como se fosse ela quem houvesse caído em desgraça através dos boatos. Correndo para longe da casa, para fora do jardim e em direcção ao matagal, passando pelo pequeno bosque, as silvas prendiam-se-lhe à saia, as pedras rasgavam-lhe os sapatos de seda Correndo, sem parar para recuperar o fôlego, ignorando a dor que sentia nas costas e as feridas nos pés, correndo como se pudesse fugir da imagem que trazia na cabeça: a de Isabel como uma cadela com cio, inclinada para a frente, no meio-do feno, com o cabelo ruivo caindo de uma touca, o seu rosto pálido triunfante, com Robert, por trás dela, esboçando o seu sorriso sensual, embatendo contra ela como um cão excitado.
O Conselho Privado, acompanhando a viagem de Verão da corte, atrasou o início da sua reunião de emergência no Palácio de Eltham por causa de Isabel; mas ela saíra para caçar com Sir Robert e meia dúzia de outras pessoas, e ninguém sabia quando regressaria. Os conselheiros, com um ar estóico, sentaram-se à mesa e prepararam-se para debater os assuntos, com uma cadeira vazia à cabeceira da mesa.
- Se apenas um homem se juntar a mim, e os restantes de vós derem o vosso consentimento, mando-o matar - disse calmamente o Duque de Norfolk para o seu círculo de amigos. - Isto é intolerável. Ela está com ele dia e noite.
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- Podeis fazê-lo com a minha bênção - disse Arundel, e dois outros homens assentiram com a cabeça.
- Pensei que ela estava louca por Pickering - queixou-se um dos homens. - O que é feito dele?
- Não aguentava nem mais um momento - afirmou Norfolk. Nenhum homem conseguiria.
- Não podia suportar nem mais um momento - alguém o corrigiu. - Gastou todo o dinheiro a subornar os amigos na corte e foi para o campo, para recuperar.
- Sabia que não teria hipótese contra Dudley - insistiu Norfolk.
- É por isso que ele tem de ser retirado do caminho.
- Silêncio, chegou Cecil - disse outro e os homens separaram-se.
- Recebi notícias da Escócia. Os lordes protestantes entraram em Edimburgo - disse Cecil, entrando na sala.
Sir Francis Knollys olhou para cima.
- Entraram, por Deus! E a regente francesa?
- Retirou-se para o Castelo de Leith. Está em fuga.
- Não necessariamente - disse friamente Thomas Howard, Duque de Norfolk. - Quanto maior for o perigo que ela correr, mais probabilidades existem de os Franceses lhe enviarem reforços. Se é para isto acabar, ela tem de ser imediatamente derrotada, sem quaisquer esperanças de reagrupar as tropas, e isso tem de ser feito rapidamente. Ela montou um cerco na esperança de obter reforços. Tudo isto significa que os franceses devem estar a chegar para a defender. É uma certeza.
- Quem acabaria com este assunto por nós? - perguntou Cecil, conhecendo a resposta mais provável. - Que comandante é que os Escoceses seguiriam que fosse nosso amigo?
Um dos conselheiros privados levantou o olhar.
- Onde está o Conde de Arran? - perguntou.
- A caminho da Inglaterra - respondeu Cecil, disfarçando a sua presunção. - Quando cá chegar, se conseguirmos alcançar um acordo com ele, podemos enviá-lo para o Norte com um exército. Mas ele é tão jovem...
- É tão jovem, mas é a pessoa com mais direitos ao trono a seguir à rainha francesa - disse alguém que se encontrava ao fundo da mesa. - Podemos apoiá-lo, de consciência tranquila. É o nosso pretendente legítimo ao trono.
- Só existe um acordo que ele aceitaria e que nós poderíamos oferecer - disse Norfolk friamente. - A Rainha.
Alguns homens olharam para a porta fechada como para se
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certificarem de que não se iria abrir de rompante e Isabel entraria, irada. Depois, um a um, todos assentiram com a cabeça.
- Então, e a aliança da Espanha com o arquiduque? - Francis Bacon, irmão de Sir Nicholas, perguntou a Cecil.
Cecil encolheu os ombros.
- Continuam com essa intenção e ela afirma que está disposta a casar com ele. Mas eu preferiria que fosse com Arran. É da nossa fé, e traz-nos a Escócia e a oportunidade de unir a Inglaterra, Gales, a Irlanda e a Escócia. Tal faria de nós um poder a ter em conta. O arquiduque mantém os Espanhóis do nosso lado, mas o que quererão eles de nós? Enquanto os interesses de Arran são idênticos aos nossos, e se eles se casassem - respirou fundo, as suas esperanças eram tão preciosas que quase não conseguia verbalizá-las -, se eles se casassem, uniríamos a Escócia e a Inglaterra.
- Sim, se - disse Norfolk irritado. - Se conseguíssemos fazê-la olhar duas vezes com seriedade para qualquer homem que não seja um maldito de um plebeu adúltero.
Quase todos os homens acenaram com a cabeça.
- com certeza, precisaremos da ajuda .dos Espanhóis, ou de Arran, para liderar a campanha - disse Knollys. - Não conseguimos fazê-lo sozinhos. Os Franceses têm o quádruplo da nossa riqueza e de efectivos militares.
- E estão determinados - disse outro homem constrangido. Disse-mo o meu primo de Paris. Disse que a família Guise governará tudo, e eles são inimigos acérrimos da Inglaterra. Vede o que fizeram em Calais, limitaram-se a invadi-la. Conquistarão uma base na Escócia e depois invadir-nos-ão.
- Se ela casasse com Arran... - começou alguém a dizer.
- Arran! Quais são as hipóteses de ela casar com Arran! - disparou Norfolk. - É muito bonito estarmos a pensar qual seria o melhor pretendente para o país, mas como é que ela vai casar, se não vê, nem pensa em mais ninguém, para além de Dudley? Ele tem de ser afastado. Ela comporta-se como uma leiteira com um namorado rústico. Onde raio está ela agora?
Isabel estava deitada sob um carvalho, em cima da capa curta de caça de Dudley, os cavalos haviam sido amarrados a uma árvore próxima, Dudley encostava-se à árvore atrás dela, com a cabeça dela no seu colo, enrolando com os dedos os caracóis do seu cabelo.
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- Há quanto tempo saímos? - perguntou-lhe ela.
- Talvez há uma hora, não mais do que isso.
- E vós puxais sempre as vossas amantes para fora do cavalo e fazeis amor com elas no chão?
- Sabeis - disse ele em tom de confidência - nunca havia feito nada de semelhante. Nunca senti tanto desejo por ninguém, sempre fui um homem que soube esperar pelo momento certo, que planeava a altura adequada. Mas convosco... - interrompeu-se.
Ela voltou-se para poder ver o rosto dele e ele beijou-a na boca: um beijo longo e caloroso.
- Estou outra vez cheia de desejo - disse ela com espanto. Estou a tornar-me viciada em vós.
- Eu também - disse ele docemente e puxou-a para cima, para que ela ficasse deitada como uma serpente sinuosa, ao lado dele. É uma satisfação que provoca mais apetite.
Um assobio baixo e prolongado alertou-os.
- É o sinal de Tamworth - disse Robert. - Alguém deve estar a aproximar-se.
Isabel pôs-se imediatamente de pé, sacudindo as folhas do seu vestido de caça, olhando em volta, à procura do chapéu. Robert agarrou na capa e sacudiu-a. Ela voltou-se para ele.
- Como estou?
- Misteriosamente virtuosa - disse ele, e foi recompensado pelo sorriso aberto que ela lhe esboçou.
Ela dirigiu-se ao cavalo e estava, de pé, à frente deste, quando Catherine Knollys e o criado apareceram a cavalo na pequena clareira, seguidos de Tamworth, o criado particular de Dudley. ?- Estais aí! Pensei que vos perdera!
- Onde vos metestes? - perguntou Isabel. - Pensei que estáveis atrás de mim.
- Parei por um momento e vós desaparecestes todos. Onde está Sir Peter?
- O cavalo dele começou a mancar - disse Robert. - Regressou a casa no pior dos humores. As botas estão-lhe apertadas. Tendes fome? Vamos comer?
- Estou esfomeada - disse Catherine. - Onde estão as vossas damas?
- Foram andando para o piquenique - disse Isabel descontraidamente. - Eu queria esperar por vós, e Sir Robert ficou para me proteger. Sir Robert, ajudai-me, por favor.
Ele ajudou-a a subir para a sela sem a olhar nos olhos e, depois, montou no seu próprio cavalo de caça.
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- Por aqui - disse ele, e cavalgou à frente das duas mulheres por um caminho que atravessava um pequeno rio. Ao longe, havia sido montada uma tenda verde e branca e conseguiam sentir o cheiro de veado que estava a ser assado na fogueira e ver os criados retirar bolos e doçarias dos cestos.
- Tenho tanta fome - exclamou Isabel com prazer. - Nunca tive tanto apetite.
- Estais a tornar-vos uma glutona - observou Robert, para surpresa de Catherine, que conseguiu captar o olhar fugaz e cúmplice trocado entre a sua amiga e Sir Robert.
- Uma glutona? - exclamou ela. - A rainha come como um passarinho.
- Então, um pavão glutão - disse ele, sem ser repreendido. Avidez e vaidade concentradas numa só pessoa - e Isabel riu-se.
Na noite de quarta-feira, a igreja de Denchworth parecia deserta, a porta não estava trancada, mas estava fechada. A medo, Amy rodou o enorme puxador de ferro e sentiu a porta ceder sob o seu gesto. Uma senhora idosa que estava sentada no banco olhou para cima e apontou silenciosamente para a Capela dedicada à Nossa Senhora, na ala lateral da igreja. Amy acenou com a cabeça e dirigiu-se para a capela.
As cortinas estavam fechadas sobre o rendilhado de pedra, separando a capela da nave central da igreja. Amy afastou-as e entrou. Duas ou três pessoas estavam a rezar no anteparo do altar. Amy hesitou por um momento e, em seguida, sentou-se no banco traseiro, perto do padre, que se encontrava em conferência íntima com um jovem. Alguns momentos depois, o jovem, com a cabeça vergada, ocupou o seu lugar no anteparo do altar. Amy colocou-se ao lado do Padre Wilson e ajoelhou-se na almofada gasta.
- Pai-nosso que estais no Céu, pequei - disse baixinho.
- Qual foi o vosso pecado, minha filha?
- Falhei no amor pelo meu marido. Coloquei a minha opinião à frente da dele - hesitou. - Pensei que conhecia melhor do que ele o modo como devíamos viver. Agora vejo que cometi o pecado do orgulho, do meu orgulho. Além disso, pensei que podia conquistá-lo à corte e trazê-lo de volta para mim e que poderíamos viver de um modo simples, humilde. Mas ele é um homem impor-
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tante, que nasceu para o ser. Receio ter sentido inveja da grandeza dele, e penso que até o meu adorado pai... - Forçou a voz para verbalizar a crítica desleal. - Até o meu pai sentia inveja. - Fez uma pausa. - Eles estavam tão acima da nossa posição social... e eu temo que, nos nossos corações, ambos nos tenhamos congratulado com a queda dele. Creio que, em segredo, ficámos felizes por o ver ser humilhado, e eu não fui generosa relativamente à ascensão dele ao poder, desde então. Não tenho ficado sinceramente contente por ele, como uma mulher e companheira deveria ficar. Fez uma pausa. O padre estava em silêncio.
- Tenho sentido inveja da grandeza e da animação que existe na vida dele e da sua importância na corte - disse ela docemente.
- E, pior, tenho sentido ciúmes do amor que ele tem pela Rainha e desconfio desse mesmo sentimento. Envenenei o meu amor por ele, com inveja e ciúmes. Envenenei-me a mim mesma. Adoeci pelo pecado e tenho de ser curada desta doença e de ser perdoada por este pecado.
O padre hesitou. Em todas as tabernas da região havia homens que juravam que Robert Dudley era amante da rainha e faziam apostas de que ele arranjaria uma desculpa qualquer para afastar a mulher, que a envenenaria ou que a afogaria no rio. Havia muito poucas dúvidas na mente do padre de que os piores receios de Amy se aproximavam da verdade.
- Ele é vosso marido, posicionado acima de vós por Deus disse ele lentamente.
Ela baixou a cabeça.
- Eu sei. Serei obediente para com ele, não apenas por actos, mas também em pensamentos. Ser-lhe-ei obediente no meu coração e não o julgarei nem o tentarei desviar do seu destino grandioso. Tentarei ensinar-me a ficar contente por ele, e a não o impedir.
O padre raciocinou durante alguns momentos, perguntando-se como deveria aconselhar aquela mulher.
- Estou amaldiçoada por uma imagem que trago na cabeça disse Amy, numa voz muito baixa. - Ouvi alguém dizer algo sobre o meu marido, e agora vejo essa imagem constantemente, na minha cabeça, nos meus sonhos. Tenho de libertar-me deste... tormento.
Ele interrogou-se acerca do que ela poderia ter ouvido. Sem dúvida que alguns dos boatos que lhe haviam chegado aos ouvidos eram maldosos.
- Deus libertar-vos-á - disse ele com mais certeza do que sentia. - Levai esta imagem a Deus e colocai-a aos pés dEle e Ele libertar-vos-á.
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- É muito... lasciva - disse Amy. ;
- Tendes pensamentos lascivos, filha?
- Não que me dêem algum prazer! Só me trazem dor.
- Tendes de levá-los a Deus e libertar deles a vossa mente disse ele firmemente. - Tendes de procurar o vosso caminho para Deus. Seja como for que o vosso marido escolha viver a vida dele, sejam quais forem as opções dele, é vosso dever para com Deus e para com ele suportá-lo com alegria e aproximar-vos de Deus.
Ela assentiu com a cabeça.
- E o que devo fazer? - perguntou humildemente.
O padre reflectiu por alguns momentos. Havia muitas histórias na Bíblia que descreviam a escravatura desavergonhada que era a condição do casamento, e exortara muitas mulheres de mentalidade independente a obedecer-lhe. Mas não tinha coragem para coagir Amy, cujo rosto estava tão pálido e cujos olhos se apresentavam tão suplicantes.
- Deveis ler a história de Maria Madalena - disse ele. - E deveis analisar o texto: "Aquele de entre vós que nunca pecou, que atire a primeira pedra!" Deus não nos ordena que nos julguemos uns aos outros. Nem sequer nos ordena que analisemos os pecados dos outros. Deus ordena-nos que deixemos que seja Ele a analisá-los, que o deixemos ser Ele o juiz. Esperai até que a vontade de Deus seja clara para vós e obedecei-lhe, minha filha.
- E a penitência? - perguntou ela.
- Cinco dezenas do rosário - disse ele. - Mas dizei as orações a sós e em segredo, minha filha, estes são tempos conturbados e a devoção à Igreja não é devidamente respeitada.
Amy fez uma vénia com a cabeça para receber a bênção sussurrada e depois juntou-se às outras pessoas no anteparo do altar. Ouviram o padre mover-se por trás deles, seguido do silêncio. Depois, nos seus paramentos, e transportando o pão e o vinho, ele caminhou lentamente ao longo da nave e passou pela estrutura que dividia o coro da nave.
Amy observou, através dos nós dos dedos, através da talha da estrutura que dividia o coro da nave, enquanto ele lhes virava as costas e dizia as orações no latim intemporal, voltado para o altar. Sentiu uma dor no peito que pensou ser uma dor de coração. O padre não lhe dissera que as suas dores eram imaginárias, e que devia afastá-las da cabeça. Não rejeitara a sugestão, nem renegara os boatos da criada da cozinha, nem do rapaz da escarradeira. Não a repreendera pela vaidade das suspeitas malévolas contra um marido honesto. Na verdade, aconselhara-a a cumprir o seu dever
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e a ter coragem, como se pensasse que ela poderia ter de aguentar alguma coisa.
"Por isso, ele também deve saber", pensou para si mesma. "Todo o país sabe, desde o cozinheiro até ao padre de Denchworth. Devo ter sido a última pessoa da Inglaterra a sabê-lo. Oh, meu Deus, quão profunda, mesmo profunda, é a minha vergonha."
Observou-o a elevar o pão e susteve a respiração pelo milagroso momento de transformação, em que o pão se tornava o corpo de Cristo e o vinho o Seu sangue. Todos os bispos do país haviam desafiado Isabel a insistir que esta era a verdade, todos os padres do país acreditavam que deveria ser assim, e centenas continuavam a celebrar a missa, desta forma, à maneira antiga, em segredo.
Amy, deslumbrada pelas velas e confortada pela presença do Deus Vivo, um ser demasiado sagrado para ser apresentado à congregação, demasiado sagrado para ser tomado todos os domingos, que só podia ser observado através dos nós dos dedos, através do rendilhado da pedra, rezou mais uma vez para que Robert pudesse escolher voltar para casa, para junto de si, e que, quando viesse, ela pudesse encontrar uma forma de manter a cabeça erguida, de apagar as imagens da sua cabeça, ficar livre de pecados e contente por
o ver.
Cecil conseguiu apanhar Isabel antes do grande banquete no magnífico palácio do Duque de Arundel, Nonsuch, e reteve-a um momento nos seus aposentos privados.
- Vossa Graça, preciso de falar convosco.
- Espírito, não posso. O duque preparou um banquete para um imperador, fez tudo, salvo enrolar a carne em folha de ouro. Não posso insultá-lo, chegando tarde.
- Vossa Graça, tenho o dever de vos avisar. O Papa reforçou a ameaça dele contra vós, e correm muitos boatos contra vós no país.
Ela hesitou e franziu as sobrancelhas.
- Que boatos?
- Dizem que favoreceis Sír Robert muito mais do que qualquer outro homem.
"com falinhas mansas" repreendeu-se Cecil a si mesmo. "Mas como posso dizer-lhe que lhe chamam a prostituta de Dudley?"
- E era o que devia fazer - respondeu ela, sorridente. - É o melhor homem da minha corte.
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Cecil reuniu a coragem para ser mais claro.
- Vossa Graça, é pior do que isso. Existem rumores de que vós e ele mantêm um relacionamento desonrado.
Isabel enrubesceu.
- Quem é que diz isso?
"Todas as tabernas da Inglaterra" disse Cecil para si mesmo.? É o que se comenta por todo o lado, Vossa Graça.
- Não temos leis que impeçam que eu seja difamada? Não temos ferreiros que lhes cortem as línguas? ",;
Cecil pestanejou perante a brutalidade dela.
- Vossa Graça, podemos fazer detenções, mas se algo for comentado abertamente e se todos acreditarem no que se diz, não temos saída. As pessoas amam-vos, mas...
-Já chega - disse ela rotundamente. - Não fiz nada de desonrado, nem Sir Robert. Não serei caluniada aos meus próprios ouvidos. Tendes de punir os boatos que conseguirdes detectar e eles esmorecerão. Se isso não acontecer, culpar-vos-ei a vós, Cecil. E a mais ninguém.
Ela voltou-se, mas ele deteve-a.
- Vossa Graça! -Sim?
- Não se trata apenas de boatos do povo sobre os seus superiores. Existem homens na corte que afirmam que Dudley deveria ser morto antes de vos fazer cair.
Agora ele conseguira captar toda a atenção dela.
- Ele foi ameaçado?
- Ambos correm perigo com essa loucura. A vossa reputação sofreu e existem muitas pessoas que dizem ser seu dever patriótico matá-lo, antes que vós sejais desonrada.
Ela empalideceu.
- Ninguém lhe pode tocar, Cecil.
- A solução é fácil. A segurança dele é fácil. Casai. Casai com o arquiduque ou com Arran, os boatos serão silenciados e a ameaça desaparecerá.
Isabel acenou com a cabeça, com a expressão de perseguição e de medo de novo no rosto.
- Casarei com um deles, podeis contar com isso. Dizei às pessoas que casarei com um ou com o outro, este Outono. É uma certeza. Eu sei que tenho de fazê-lo.
- Gaspar von Breuner vai estar no jantar. Quereis que o sente ao vosso lado? Temos de conseguir o apoio dele para a nossa luta com a Escócia.
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- Claro! - disse ela impaciente. - Quem havíeis pensado sentar a meu lado? Sir Robert? Dei a entender a toda a gente que estou a reconsiderar casar com o arquiduque, dei toda a atenção ao embaixador dele.
- Seria melhor para todos nós se, desta vez, alguém pudesse acreditar em vós - disse francamente Cecil. - O embaixador tem esperanças, já o haveis percebido; mas não vos vejo a elaborar um tratado de casamento.
- Cecil, estamos em Agosto, estou em viagem, não é altura para elaborar tratados.
- Princesa, estais em perigo. O perigo não desaparece só porque alguém vos preparou um banquete, a caça está boa e o tempo perfeito. O Conde de Arran deve estar a chegar à Inglaterra, dizei-me que poderei trazê-lo até vós no momento em que chegar.
- Sim - disse ela. - Podeis fazê-lo.
- E dizei-me que posso angariar fundos para ele e começar a reunir um exército para ir para norte, com ele.
- Um exército, não - disse ela de imediato. - Não, até sabermos se ele tem estômago para dirigir um exército. Não, enquanto não ouvirmos da boca dele quais são os seus planos. Não sabeis, Cecil, ele pode já ter uma mulher escondida em qualquer parte.
"Isso não seria impedimento para vós, a avaliar pelo vosso comportamento presente com um homem casado", pensou Cecil, de mau humor.
- Vossa Graça, ele não pode ser vitorioso sem o vosso apoio, e é a pessoa com mais direitos ao trono escocês. Se levar o nosso exército à vitória, e se vós o aceitardes como marido, então, teremostornado a Inglaterra segura contra os Franceses, não apenas no presente, mas para sempre. Se o fizerdes pela Inglaterra, sereis o príncipe mais importante que o país alguma vez teve no trono, mais importante do que o vosso pai. Tornai a Inglaterra segura em relação à França e sereis recordada para sempre. Tudo o resto será esquecido, sereis a salvadora da Inglaterra.
- Recebê-lo-ei - disse Isabel. - Confiai em mim, Cecil, ponho o meu país à frente de qualquer coisa. Recebê-lo-ei e decidirei o que fazer.
As velas e o crucifixo foram trazidos do armazém, polidos e exibidos no altar da Capela Real, em Hampton Court. A corte regres-
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sara da sua deslocação de Verão num ambiente bastante espiritual. Isabel, dirigindo-se para a missa, começara a fazer uma reverência diante do altar e a benzer-se quando chegava e quando partia. Havia água benta na pia e Catherine Knollys saía da corte ostensivamente todas as manhãs, para se dirigir a Londres, para rezar com uma congregação reformada.
- O que é tudo isto agora? - perguntava Sir Francis Bacon à Rainha, enquanto faziam uma pausa diante da porta aberta da capela e observavam os coristas a polir o anteparo do altar.
- É uma peita - disse ela com desdém. - Para aqueles que desejam ver uma conversão.
- E quem são esses? - perguntou ele curioso.
- Para o Papa, que me quer ver morta - disse ela irritada. Para os Espanhóis, que tenho de manter como amigos, para o arquiduque, para lhe transmitir esperança, para os papistas ingleses, para lhes conceder uma pausa. Para vós e para todos os vossos colegas luteranos, para vos suscitar dúvidas.
- E qual é a verdade? - perguntou ele sorrindo. Ela encolheu os ombros irritada, e saiu pela porta.
- A verdade é a última coisa que importa - disse ela. - E podeis acreditar numa coisa em relação à verdade e a mim: eu mantenho-a bem escondida, no meu coração.
William Hyde recebera uma carta do mordomo de Robert, Thomas Blount, pedindo-lhe que estivesse preparado para receber os homens de Robert que chegariam dali a três dias, para acompanhar Amy e a Sr.a Oddingsell até casa dos Forster, em Cumnor Place, para uma breve visita, e depois até Chislehurst. Uma nota rabiscada incluída no interior, de sua senhoria, comunicava a William as mais recentes notícias da corte, os presentes que Robert recebera da Rainha, já regressada a Hampton Court, e indicavam que William seria nomeado, em breve, para um cargo rentável num dos colégios universitários de Oxford, como forma de agradecimento pela sua amabilidade para com Lady Dudley, e para manter a sua amizade no futuro.
Dirigiu-se a Amy, com a carta na mão.
- Parece que ireis deixar-nos.
- Já? - perguntou ela. - Ele não disse nada sobre uma casa aqui?
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- A Rainha ofereceu-lhe uma grande propriedade em Kent disse ele. - Escreveu-me para mo dizer. Knole Place, conheceis?
Ela abanou a cabeça.
- Então, já não quer que procure uma casa para ele? Não vamos viver em Oxfordshire? Vamos viver em Kent?
- Não diz - respondeu ele amavelmente, pensando que era uma vergonha ela ter de perguntar a um amigo onde iria ser a sua casa. Era evidente que a discussão pública com o marido a magoara profundamente, ele vira-a recolher-se, como se estivesse envergonhada. Nas últimas semanas tornara-se muito devota e William Hyde era da opinião que frequentar a igreja era um conforto para as mulheres, sobretudo quando viviam circunstâncias infelizes sobre as quais não tinham qualquer controlo. Um bom padre, como o Padre Wilson, era uma pessoa em quem se podia confiar para lhe pregar a resignação; e William Hyde acreditava, tal como outros homens da sua idade, que a resignação era uma virtude numa esposa. Viu a mão dela dirigir-se ao peito.
- Sentis dores, Lady Dudley? - perguntou. - Vejo-vos levar a mão ao coração com frequência. Quereis consultar um médico antes de partirdes?
- Não - respondeu ela com um sorriso breve e triste. - Não é nada. Quando é que o meu senhor disse que eu deveria partir?
- Dentro de três dias - disse ele. - Primeiro, devereis ir para Cumnor Place, para visitar os Forster, e depois para casa do vosso amigo, Sr. Hayes, em Chislehurst. Teremos pena de ficar sem vós. Mas espero que volteis para nos visitar em breve. Sois como um membro da família, Lady Dudley. É sempre um prazer ter-vos cá.
" Para seu desconforto, os olhos dela encheram-se de lágrimas e ele dirigiu-se rapidamente à porta, temendo que ela fizesse uma cena.
Mas ela limitou-se a sorrir-lhe e a dizer:
- Sois tão amável. Gosto sempre de vir aqui, a vossa casa é como um lar para mim.
- Estou certo de que voltareis para nos visitar em breve - disse ele animadamente.
- Talvez vós possais ir visitar-me. Talvez eu vá viver em Knole
- disse ela. - Se calhar, Robert pretende que essa seja a minha nova casa.
- Talvez - disse ele.
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Laetitia Knollys estava de pé, diante da enorme secretária de William Cecil, nos seus belos aposentos de Hampton Court, com os dedos entrelaçados atrás das costas e rosto sereno.
- Blanche Perry disse à Rainha que ela andava a brincar com o fogo e que incendiaria a casa toda, connosco lá dentro - transmitiu ela.
Cecil levantou a cabeça.
- E a Rainha disse o quê?
- Disse que não tinha feito nada de errado, e que ninguém podia provar nada contra ela.
- E a Menina Perry?
- Disse que bastava olhar para os dois para saber que eram amantes - um requebro de riso deu cor ao tom solene com que falava. - Disse que eram tão quentes como castanhas numa pá.
Cecil franziu-lhe o sobrolho.
- E a Rainha?
- Expulsou Blanche dos aposentos dela e disse-lhe que não voltasse enquanto não tivesse esvaziado a boca dos boatos ou que a língua lhe seria cortada por calúnia.
- Mais alguma coisa? Ela abanou a cabeça.
- Não, senhor. Blanche chorou e disse que tinha o coração partido; mas suponho que isso não é importante.
- A Rainha dorme com uma companhia, um guarda à porta?
- Sim, senhor.
- Então, não pode haver verdade nesses boatos maledicentes.
- Não, senhor - repetia Laetitia, como uma menina da escola.
- A não ser...
- A não ser o quê?
- A não ser que haja uma passagem atrás dos painéis dos aposentos dela, para que a Rainha possa escapar-se da cama quando a companhia está a dormir e sair por uma porta secreta para ir ter com Sir Robert, como se diz que o pai, o rei, costumava fazer, quando queria visitar uma mulher.
- Mas não existe nenhuma passagem desse tipo - disse Cecil firmemente.
- A não ser que seja possível que um homem possa deitar-se com uma mulher durante o dia, e que não precisem de uma cama. Se puderem fazê-lo sob uma árvore, ou num recanto secreto, ou apressadamente contra uma parede - os seus olhos escuros brilhavam de maldade.
- Tudo isso pode ser verdade, mas duvido que o vosso pai ficasse satisfeito por conhecer os vossos pensamentos - afirmou
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severamente Cecil. - E tenho de recordar-vos que deveis guardar tais especulações para vós.
Os olhos escuros dela brilharam na direcção dele.
- Sim, senhor, com certeza, senhor - disse ela com recato afectado.
- Podeis ir - disse Cecil.
"Meu Deus, se aquela lambisgoiazinha consegue dizer-me aquilo na cara, o que será que dizem nas minhas costas?"
Sir Robert estava a inclinar-se para baixo, para sussurrar ao ouvido da Rainha, que estava sentada, quando Cecil entrou na antecâmara, e a Rainha estava a rir-se para ele. O desejo entre os dois era tão forte que, por momentos, Cecil pensou que quase conseguia vê-lo, depois abanou a cabeça para afastar tais disparates e avançou para fazer a sua vénia.
- Oh, más notícias não, Cecil, por favor! - exclamou Isabel. Ele tentou sorrir.
- Nem uma palavra. Mas posso passear convosco um minuto? Ela levantou-se do assento.
- Não partais - disse ela baixinho a Robert.
- Talvez vá até aos estábulos - disse ele. A mão dela voou e puxou-lhe a manga.
- Esperai por mim, demoro só um minuto.
"- Talvez espere - disse ele provocadoramente.
- Esperai, ou mando-vos decapitar - murmurou ela.
- Sem dúvida que me deitaria por vós e que vos diria quando estivesse pronto.
Ao ouvir a série de gargalhadas chocadas, a corte olhou em volta e viu Cecil, em tempos o maior amigo e único conselheiro da Rainha, aguardando pacientemente, enquanto ela se separava de Sir Robert, com o rosto corado.
Cecil ofereceu-lhe o braço.
- O que se passa? - perguntou ela, não muito contente.
Ele esperou até que tivessem saído da antecâmara dela para a longa divisão da galeria. Também aí, havia membros da corte que aguardavam, e alguns saíram da antecâmara, para ver Cecil e a Rainha, para esperarem a sua vez de captar a atenção dela, agora que, finalmente, alguém a separara de Dudley.
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- Recebi notícias de Paris dizendo que os Franceses vão enviar reforços para a Escócia, para ajudar a rainha regente.
- Bem, nós sabíamos que o fariam - disse ela num tom de indiferença. - Mas algumas pessoas pensam que, de qualquer forma, os Escoceses não aguentarão o cerco por muito mais tempo. Nunca têm mantimentos para mais do que quinze dias, desistirão e regressarão a casa.
"É isso o que Sir Robert diz, não é?" comentou Cecil em silêncio para si mesmo.
- É melhor rezarmos para que isso não aconteça - disse ele com alguma aspereza. - Porque aqueles lordes escoceses são a nossa primeira linha de defesa contra os Franceses. E as notícias que recebi são de que os Franceses estão a enviar homens para a Escócia.
- Quantos? - perguntou ela, determinada em não se deixar assustar.
- Mil soldados armados com piques e mil arcabuzeiros. Dois mil homens ao todo.
Quisera chocá-la, mas pensou que fora longe de mais. Ela ficou bastante pálida e ele pousou-lhe a mão nas costas para a acalmar.
- Cecil, isso é mais do que eles precisam para derrotar os escoceses.
- Eu sei - disse ele. - É a primeira vaga de uma força invasora.
- Eles têm intenção de nos invadir - a voz dela era pouco mais do que um murmúrio assustado. - Eles pretendem realmente invadir a Inglaterra.
- Tenho a certeza de que pretendem fazê-lo - disse ele.
- Que podemos fazer? - Ela levantou o olhar para ele, segura de que ele teria um plano.
- Temos de enviar Sir Ralph Sadler para Berwick de imediato para estabelecer um acordo com os lordes escoceses.
- Sir Ralph?
- Claro. Ele serviu fielmente o vosso pai na Escócia e conhece metade dos lordes escoceses pelo nome. Temos de o enviar com fundos para apoiar a guerra. E ele tem de inspeccionar as defesas da fronteira e reforçá-las, para manter os Franceses fora da Inglaterra.
- Sim - concordou ela rapidamente. - Sim.
- Posso iniciar esse processo?
- Sim - respondeu ela. - Onde está Arran? Ele ficou com um ar irónico.
- Está a caminho, o meu homem está a trazê-lo.
- A não ser que tenha regressado a Genebra - disse ela friamente. - Pensando que as probabilidades estão todas contra ele.
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- Vem a caminho - disse Cecil, sabendo que o seu melhor homem fora enviado a Genebra com ordens para trazer Arran para Londres, quer lhe agradasse quer não.
- Temos de fazer com que os Espanhóis nos garantam o seu apoio. Os Franceses têm medo da Espanha. Se os tivéssemos como aliados, estaríamos mais seguros.
- Se conseguirdes fazê-lo - avisou-a ele.
- Conseguirei - prometeu-lhe ela. - Prometer-lhes-ei tudo o que quiserem.
William Hyde deteve-se um momento para conversar com a irmã Lizzie, enquanto ela estava a fazer as malas para abandonar a
sua casa.
- Ela não faz realmente ideia do que as pessoas comentam sobre Sir Robert e a rainha?
- Fala com tão poucas pessoas que pode não ter ouvido nada a esse respeito, e de qualquer forma, quem teria coragem para lhe contar uma coisa dessas?
- Uma amiga poderia contar-lhe - pediu-lhe ele. - Uma amiga verdadeira. Para a preparar.
- Como é que alguém pode prepará-la? - respondeu-lhe ela francamente. - Ninguém sabe o que vai acontecer. Nada disto alguma vez aconteceu. Eu não estou preparada, vós não estais preparado, como é que a mulher dele pode estar? Como é que alguém pode estar preparado quando nunca aconteceu nada semelhante? Que país teve alguma vez uma rainha que se comporta como uma prostituta, com um homem casado? Quem pode adivinhar o que vai acontecer a seguir?
- Por amor de Deus, Princesa, tenho de falar convosco - disse Kat Ashley em desespero, nos aposentos privados de Isabel, no Palácio de Hampton Court.
- O que se passa? - Isabel estava sentada em frente do espelho, sorrindo da sua imagem, enquanto lhe escovavam o cabelo com escovas macias de costas de marfim e lho prendiam com fitas de seda vermelha.
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- Vossa Graça, todos falam de vós e de Sir Robert, o que comentam é vergonhoso. Dizem coisas que não deveriam ser ditas de qualquer mulher jovem, se ela quiser fazer um bom casamento, coisas com as quais nem sequer se deveria sonhar, relacionadas com a Rainha da Inglaterra.
Para sua surpresa, Isabel que, enquanto princesa, fora tão ciosa da sua reputação, virou a cara à velha governanta e disse despreocupadamente:
- As pessoas falam sempre.
- Não desta maneira - disse Kat, prosseguindo. - Isto é escandaloso. É terrível de ouvir.
- E o que dizem? Que eu sou libertina? Que Sir Robert e eu somos amantes? - Isabel desafiou-a a dizer o pior.
Kat respirou fundo.
- Sim. E mais. Dizem que engravidastes dele e que foi por isso que a corte partiu em viagem este Verão. Dizem que o bebé nasceu e foi escondido, juntamente com a ama de leite, até os dois poderem casar e apresentá-lo. Dizem que Sir Robert está a conspirar para matar a mulher, para a assassinar, para casar convosco. Dizem que estais sob um feitiço que ele vos lançou e que haveis perdido a cabeça e tudo o que sois capaz de fazer é deitar-vos com ele, que não pensais em mais nada a não ser no desejo. Dizem que sois monstruosa no vosso apetite, perversa no vosso prazer com ele. Dizem que negligenciais os assuntos do Reino para ir com ele passear a cavalo todos os dias. Dizem que ele é rei em tudo, excepto no nome. Dizem que ele é o vosso amo.
Isabel enrubesceu de raiva. Kat ajoelhou-se.
- Dizem coisas muito detalhadas sobre vós, quando vos deitais com ele, coisas com que qualquer um coraria, só de ouvir. Vossa Graça, amei-vos como uma mãe e sabeis o que sofri por vós ao vosso serviço, e fi-lo com toda a boa vontade. Mas nunca suportei tanta ansiedade como a que sinto agora. Acabareis por perder o trono se não afastardes Sir Robert.
- Afastá-lo! - Isabel pôs-se de pé num salto, espalhando escovas do cabelo e pentes. - Por que raio havia de o afastar?
As outras damas presentes no quarto puseram-se de pé e saíram da frente dela, encostando-se às paredes, de olhos baixos, esperando ser invisíveis, desesperadas por evitar o olhar feroz de Isabel.
- Porque ele será a vossa morte! - Kat também se levantou, encarando a sua jovem senhora, desesperadamente sincera. - Não podeis manter o vosso trono e permitir que as pessoas falem de vós, como estão a fazer. Dizem que não sois mais do que uma pros-
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tituta, Vossa Graça, Deus me perdoe por ter de vos dizer uma palavra destas. É pior do que alguma vez foi. Mesmo com Lorde Seymour...
-Já chega! - disse bruscamente Isabel. - E deixai-me dizer-vos uma coisa. Nunca tive um momento de segurança na minha vida, vós sabei-lo, Kat. Nunca tive um momento de alegria. Nunca tive um homem que me amasse, nem um homem que pudesse admirar. Em Sir Robert tenho um grande amigo, o melhor homem que alguma vez conheci. Sinto-me honrada pelo amor dele, e nunca me sentirei envergonhada. E não há qualquer motivo de vergonha nisso. Sei que ele é um homem casado, dancei no casamento dele, por amor de Deus. Durmo no meu quarto de dormir todas as noites, com guardas à porta e uma dama de companhia na minha cama. Sabei-lo tão bem como eu. Se fosse louca e quisesse ter um amante - e não quero - seria impossível para mim fazê-lo. Mas se quisesse, quem mo poderia negar? Não vós, Kat, nem o Conselho Privado, e nem a Câmara dos Comuns da Inglaterra. Se quisesse um amante, porque é que eu, enquanto Rainha da Inglaterra, veria ser-me recusado aquilo que a qualquer rapariga que guarda gansos basta pedir, para ter?
Isabel estava a gritar as suas justificações, completamente fora de si, com a raiva. Kat Ashley, encostada à parede revestida a painéis de madeira, estava em estado de choque.
- Isabel, minha princesa, Vossa Graça - murmurou. - Só quero que tenhais cuidado.
Isabel deu uma volta e sentou-se pesadamente na sua cadeira e atirou a escova do cabelo a uma Laetitia Knollys lívida.
- Bem, não vou ter - repetiu Isabel terminantemente.
Nessa noite, escapou pela passagem secreta para os aposentos de Robert, que ficavam ao lado. Ele estava à espera dela, com a lareira acesa, duas cadeiras junto da mesma. O seu criado pessoal, Tamworth, colocara vinho e pequenos doces em cima da mesa para eles, antes de deixar o quarto para montar guarda, do lado de fora da porta.
Isabel, de camisa de dormir, aninhou-se nos braços de Robert e sentiu os seus beijos mornos no seu cabelo.
- Tive de esperar uma eternidade - murmurou ela. - Estava a dormir com Laetitia e ela falava e falava e não queria adormecer.
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com determinação, ele afastou da mente a imagem da jovem atraente e da sua senhora, juntas na cama, penteando os cabelos cor de cobre uma à outra, as suas camisas de dormir, brancas, abertas no pescoço.
- Tive receio que não viésseis.
- Virei sempre ter convosco. Independentemente do que as pessoas disserem.
- O que disseram?
- Mais escândalos - mudou de assunto abanando a cabeça. Não consigo repeti-los. São tão vis.
Ele sentou-a na cadeira e deu-lhe um copo com vinho.
- Não ansiais que possamos estar juntos abertamente? - perguntou ele com doçura. - Quero poder dizer a todos o quanto vos adoro. Quero poder defender-vos. Quero que sejais minha.
- Como é que isso alguma vez seria possível?
- Se nos casássemos - sugeriu ele calmamente.
- Vós sois um homem casado - respondeu ela, tão baixo, que nem sequer o pequeno galgo que estava sentado aos pés dela conseguia ouvir. Mas Robert ouviu, viu-o no formato dos lábios dela, nunca desviava os olhos daquela boca.
- O vosso pai era um homem casado quando conheceu a vossa mãe - disse ele gentilmente. - E, no entanto, quando a conheceu, a mulher que tinha de ter, a mulher que sabia ser o grande amor da vida dele, pôs a primeira mulher de lado.
- O primeiro casamento dele não era válido - respondeu ela imediatamente.
- Nem o meu. Já vos disse, Isabel, o meu amor por Amy Robsart está morto, assim como o dela por mim, e ela não significa nada para mim. Vive longe de mim, e fá-lo há anos, por opção dela. Estou livre para vos amar. Podeis libertar-me, e depois vereis o que seremos um para o outro.
- Eu posso libertar-vos? - sussurrou ela.
- Tendes esse poder. Sois a Chefe da Igreja. Podeis conceder-me o divórcio.
Ela susteve a respiração.
- Eu?
Robert sorriu-lhe.
- Quem mais?
Ele podia ver o cérebro dela a trabalhar a toda a velocidade.
- Tendes estado a planear isto?
- Como poderia planear algo semelhante? Como poderia sonhar que isto nos aconteceria? O Parlamento fez de vós Governante
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Suprema e atribuiu-vos os poderes do Papa, sem uma palavra da minha parte. Agora tendes o poder de anular o meu casamento, a Câmara dos Comuns da Inglaterra concedeu-vos esse poder, Isabel. Podeis libertar-me, Isabel, tal como o vosso pai se libertou a si mesmo. Podeis libertar-me para ser vosso marido. Podemos casar-nos.
Ela fechou os olhos para que ele não pudesse perceber o turbilhão de pensamentos na sua cabeça, a sua rejeição imediata e assustada.
- Beijai-me - disse ela, com ar sonhador. - Oh, beijai-me, meu amor.
Thomas Blount estava nos aposentos privados de Robert, por cima dos estábulos, na manhã seguinte, encostado à porta, limpando as unhas com uma faca afiada, quando a porta em frente se abriu e Dudley regressou de um passeio a cavalo, com um molho de contas de ferradores na mão.
- Thomas?
- Meu senhor.
- Tendes novidades?
- O Conde de Arran, James Hamilton, chegou e está escondido.
- Arran? - Dudley estava genuinamente espantado. - Aqui?
- Chegou a Londres há três noites. Ficou hospedado nuns aposentos privados em Deptford.
- Meu Deus! Isso foi feito em segredo. Quem o trouxe? Quem pag" as contas dele?
- Cecil, em nome da própria Rainha.
- Ela sabe que ele está cá?
- Foi ela que lhe pediu para vir. Está cá a convite e a pedido dela. Dudley praguejou por alguns instantes e voltou-se para a janela
que dava para as hortas que se estendiam até ao rio.
- Se não é um maldito oportunista, é outro. Para que fim? Sabeis?
- O meu informador, que conhece a criada da casa onde o nobre cavalheiro está alojado, afirma que ele deve encontrar-se com a Rainha, em privado, para ver se chegam a um acordo, e depois, quando definirem os termos, ela anunciará publicamente a chegada dele, serão prometidos, e ele marchará em direcção à Escócia, para reivindicar o trono. Quando for Rei da Escócia, regressará triunfante e casará com ela, unindo os dois reinos.
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Por um momento, Dudley ficou tão chocado que mal conseguia falar.
- E tendes a certeza de que é esse o plano? Poderíeis estar enganado? Poderia ser um plano de Cecil e a Rainha poderia não saber de nada.
- Talvez. Mas o meu homem tem a certeza, e a criada parece pensar que tinha razão. Ela é prostituta, além de criada, e ele esteve a gabar-se diante dela, quando estava bêbedo. Ela tem a certeza de que a Rainha deu o consentimento.
Dudley atirou-lhe uma bolsa com moedas, que retirou da gaveta da secretária.
- Vigiai-o, como vigiaríeis o vosso próprio bebé - disse ele brevemente. - Dizei-me quando ele estiver com a Rainha. Quero saber todos os detalhes, todas as palavras, cada sussurro, cada estalido das tábuas do soalho.
- Ele já se encontrou com ela - disse Blount com uma careta.
- Chegou aqui a coberto da escuridão, na noite passada e foi quando se encontrou com ela, depois do jantar, depois que ela se retirou para se deitar.
Dudley tinha uma lembrança muito vívida da noite anterior. Ajoelhara-se diante dos pés descalços dela e o cabelo dela caíra-lhe sobre o rosto, enquanto ela se inclinava para ele, envolvendo-o nos braços. Esfregara o rosto contra os seios e o ventre dela, mornos e com um odor doce, através da roupa interior.
- A noite passada?
- É o que dizem.
Thomas Blount pensou que nunca vira o seu amo com um rosto tão carrancudo.
- E não sabemos nada do que falaram?
- Não consegui descobrir nada até esta manhã. Lamento, meu senhor. Os homens de Cecil esconderam-no bastante bem.
- Sim - respondeu Dudley sucintamente. - Ele é o mestre das sombras. Bem, vigiai Arran a partir de agora, e mantende-me informado.
Sabia que devia controlar o seu mau humor e mordeu a língua, mas o seu orgulho e raiva levaram a melhor sobre ele. Abriu a porta de rompante, fazendo os papéis voar da sua secretária, e saiu disparado dos seus aposentos, descendo as escadas privadas, em caracol, para o jardim, onde a corte assistia a uma partida de ténis. A Rainha estava na sua cadeira, num dos lados do campo, com um toldo dourado sobre a cabeça, as damas de companhia em seu redor, observando os dois jogadores digladiarem-se pelo prémio; uma bolsa de moedas de ouro.
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Robert fez uma vénia e ela sorriu-lhe e indicou-lhe por gestos que viesse sentar-se ao seu lado.
- Tenho de estar convosco a sós - disse ele abruptamente. De imediato, ela voltou a cabeça, analisando a ruga branca em
volta dos lábios comprimidos dele.
- Amor, qual é o problema?
- Ouvi umas novidades que me perturbaram - ele quase não conseguia falar, de tão furioso que estava. - Mesmo agora. Tenho de perguntar-vos se são verdade.
Isabel estava demasiado apaixonada para lhe dizer que esperasse até ao final do torneio, mesmo que faltassem apenas alguns jogos. Pôs-se de pé, e toda a corte a imitou, os homens que estavam a jogar deixaram a bola ir para fora de jogo. Tudo foi suspenso, à espera da Rainha.
- Sir Robert pretende falar comigo em privado - disse ela. Vamos passear a sós no meu jardim privado. Vós podeis ficar aqui e assistir ao torneio até ao fim e... - Olhou em volta. - Catherine pode entregar o prémio no meu lugar.
Catherine Knollys sorriu perante aquela honra, e fez uma reverência. Isabel seguiu à frente, enquanto se afastavam da corte e se dirigiam ao seu jardim privado. Os guardas que estavam na porta de madeira encastrada na parede de pedra cinzenta puseram-se de pé com um salto e abriram-na.
- Não deixeis ninguém entrar - ordenou-lhes Isabel. - Eu e Sir Robert pretendemos ficar a sós.
Os dois homens fizeram uma continência e fecharam a porta atrás deles. No jardim vazio e iluminado pelo sol, Isabel voltou-se para Robert.
- Bem, penso que fiz o suficiente para ter direito a mais uma reprimenda de Kat sobre indiscrição. O que se passa?
Ao ver a expressão sombria dele, o sorriso desapareceu-lhe do rosto.
- Ah, amor, não façais essa expressão, estais a assustar-me. O que se passa? Qual é o problema?
- O Conde de Arran - respondeu ele, mordendo a língua. Está em Londres?
Ela rodou a cabeça de um lado para o outro, como se o olhar dele fosse um raio de luz que estivesse a incidir sobre ela. Ele conhecia-a tão bem que quase conseguia ver as negações rápidas que lhe passavam pela cabeça. Depois, ela percebeu que não podia mentir-lhe directamente.
- Sim - retorquiu ela contrariada. - Ele está em Londres.
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- E encontraste-vos com ele na noite passada?
- Sim.
- Ele veio ter convosco em segredo, encontraste-vos com ele a sós?
Ela acenou com a cabeça.
- No vosso quarto de dormir?
- Apenas nos meus aposentos privados. Mas, Robert...
- Passastes a primeira parte da noite com ele e depois viestes ter comigo. Tudo o que me contastes sobre terdes de esperar que Laetitia Knollys adormecesse: tudo isso era mentira. Havíeis estado com ele.
- Robert, se estais a pensar...
- Não estou a pensar nada - disse ele rotundamente. - Não suporto o que poderia pensar. Primeiro Pickering, nas minhas costas, e agora Arran, quando somos amantes, amantes declarados...
Ela sentou-se pesadamente num banco construído em volta de um carvalho com um tronco grosso. Robert apoiou um pé no lugar ao lado do dela, para ficar numa posição superior à sua. Ela levantou o olhar para ele, com ar suplicante.
- Tenho de vos contar a verdade?
- Sim. Mas contai-me tudo, Isabel. Não podeis fazer-me de idiota. Ela respirou fundo.
- É segredo.
Ele cerrou os dentes.
- Juro por Deus, Isabel, se lhe haveis sido prometida em casamento, nunca mais me vereis.
- Não fui! Não fui! - protestou ela. - Como poderia? Sabeis o que significais para mim! O que somos um para o outro!
- Sei o que sinto quando vos tenho nos meus braços e vos beijo a boca, e mordo o pescoço - disse ele amargamente. - Não sei o que sentis quando vos encontrais com outro homem apenas alguns minutos antes de virdes ter comigo, com um monte de mentiras na boca.
- Sinto que estou a enlouquecer! - gritou-lhe ela. - É isso que sinto! Sinto-me como se me estivessem a rasgar! Sinto-me como se me estivésseis a deixar louca, sinto que não consigo suportar nem mais um minuto desta história.
Robert retraiu-se.
- O quê?
Ela estava de pé, medindo forças com ele, como um lutador.
- Tenho de me comportar como uma peça num tabuleiro de xadrez - estava ofegante. - Eu sou o meu próprio peão. Tenho de
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manter os Espanhóis do nosso lado, tenho de assustar os Franceses, tenho de persuadir Arran a ir para a Escócia e a reivindicar os seus direitos, e não tenho nada para poder influenciar nenhum deles, para além do meu próprio peso. A única coisa que lhes posso prometer é a minha própria pessoa. E... e... e...
- E o quê?
- Não sou livre para o fazer! Ele emudeceu.
- Não sois?
Isabel soltou um soluço.
- Sou vossa, de alma e coração. Deus sabe, e Ele é minha testemunha, sou vossa, Robert...
Ele aproximou-se dela, pegou-lhe nas mãos, começou a puxá-la para si.
- Mas... Ele hesitou.
- Mas, o quê?
- Tenho de jogar com eles, Robert - disse ela. - Tenho de fazê-los pensar que vou casar-me. Tenho de fazer de conta que vou casar com o Arquiduque Fernando, tenho de dar esperanças a Arran.
- E o que pensais que me vai acontecer? - perguntou-lhe ele.
- A vós?
- Sim. Quando se souber que passais várias horas com Arran, quando a corte estiver animada com a notícia de que ireis casar com o Arquiduque.
- O que vos acontece? - ela estava verdadeiramente intrigada.
- Os meus inimigos unir-se-ão contra mim. O vosso parente, Norfolk, o vosso conselheiro, Cecil, Francis Bacon, o irmão dele, Nicholas, Catherine Knollys, Pickering, Arundel, eles caçam em matilha, como cães de caça à espera de abaterem um veado. Quando me voltardes as costas, saberão que chegou o momento deles. Apresentarão queixas contra mim, empurrar-me-ão para baixo, acusar-me-ão. Elevastes-me tão alto, Isabel, que agora sou invejado. Na hora em que vós anunciardes o vosso compromisso com outro homem, ficarei arruinado.
Ela estava horrorizada.
- Eu não sabia. Não me havíeis dito nada.
- Como poderia dizer-vos? - perguntou ele. - Não sou nenhuma criança, para ir a correr ter com a ama, porque outra criança me ameaçou. Mas esta é a verdade. No momento em que souberem que me rejeitastes por outro homem, estou arruinado ou pior.
- Pior?
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- Morto - disse ele brevemente. - Todos os dias, espero ser arrastado para uma rua escura e apunhalado.
Ela levantou os olhos para ele, sem lhe largar as mãos.
- Meu amor, sabeis que faria tudo para vos dar segurança e para vos manter fora de perigo.
- Não podeis garantir a minha segurança, a não ser que declareis o vosso amor por mim. Isabel, sabeis que faria tudo para vos amar e proteger. Casai comigo, por amor de Deus, e permiti que tenhamos um filho. O casamento e um filho e herdeiro tornar-nos-ão muito mais seguros do que qualquer outra coisa, e ter-me-eis ao vosso lado para sempre. Não tendes de desempenhar o papel de peão. Podeis ser vós mesma, querida, amorosa, e pertencer apenas a mim.
Isabel torceu as mãos para as libertar das dele e afastou-se.
- Robert, tenho tanto medo. Se os Franceses invadirem a Inglaterra a partir da Escócia, marcharão sobre nós através dos Reinos do Norte, como amigos bem-vindos. Onde posso detê-los? Quem consegue deter o exército francês? Maria fez com que perdêssemos Calais e continuam a amaldiçoar o nome- dela. O que dirão de mim se eu perder Berwick? Ou Newcastle? Ou York? E se perder mesmo Londres?
- Não perdereis - insistiu ele. - Casai comigo e eu conduzirei um exército para norte, em vosso nome. Já combati contra os Franceses. Não tenho medo deles. Serei o homem que lutará por vós, meu amor. Não tendes de suplicar a ajuda de outros, sou vosso, de alma e coração. Só tendes de vos confiar a mim.
O capuz dela caiu para trás, ela agarrou as tranças espessas de cabelo que tinha nas têmporas, com os punhos cerrados, e puxou-as, como se esperasse que a dor lhe clareasse os seus pensamentos. Soltou um soluço estremecedor.
- Robert, tenho tanto medo, e não sei o que fazer. Cecil afirma uma coisa, e Norfolk outra, e o Conde de Arran não passa de um rapazinho bonito! Tinha esperanças em relação a ele, até o ter conhecido, a noite passada; mas é uma criança vestida de soldado. Não vai salvar-me! Os Franceses vêm aí, não há dúvidas de que vêm, e eu tenho de reunir um exército, arranjar uma fortuna, e descobrir um homem que combata pela Inglaterra e não sei como fazêlo, ou em quem confiar.
- Em mim - respondeu logo Robert. Puxou-a bruscamente para si, vencendo os protestos dela com a sua força e peso. - Confiai em mim. Declarai o vosso amor por mim, casai comigo, e combateremos este problema juntos. Sou o vosso defensor, Isabel. Sou o vosso
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amante. Sou o vosso marido. Não podeis confiar em mais ninguém além de mim, e eu juro que vos manterei em segurança.
Ela debateu-se para se soltar dele, libertou o rosto, ele só conseguiu ouvir a palavra:
- Inglaterra?
- Manterei a Inglaterra segura por vós, por mim e pelo nosso filho - jurou ele. - Posso fazê-lo por ele e fá-lo-ei por vós.
Amy, novamente em viagem em direcção a Chislehurst, após uma breve visita aos amigos de Robert, os Forster, em Cumnor Place, manteve o rosário no bolso e sempre que lhe surgia um pensamento ciumento, pousava a mão nas contas e dizia uma "Ave-Maria" em silêncio. Lizzie Oddingsell, ao ver a companheira cavalgando em silêncio pelo campo seco de Agosto, no final de um Verão difícil, admirou-se pela mudança ocorrida nela. Era como se, sob o peso de uma incerteza terrível, ela houvesse amadurecido, de criança petulante para uma mulher.
- Estais bem, Amy? - perguntou-lhe ela. - Não estais demasiado cansada? Não considerais que está demasiado calor?
Instintivamente, Amy levou a mão ao coração.
- Estou bem - respondeu ela.
- Tendes dores no peito? - perguntou Elizabeth.
- Não. Não tenho problema nenhum.
- Se vos sentirdes doente, podemos parar em Londres, pelo caminho, e consultar o médico de sua senhoria.
- Não! - disse Amy apressadamente. - Não quero ir para Londres sem ser convidada pelo meu senhor. Ele disse que deveríamos ir para Chislehurst, não há necessidade de passarmos por Londres.
- Não queria dizer que devíamos ir à corte. Amy corou levemente.
- Eu sei que não queríeis, Lizzie - afirmou ela. - Lamento. É só que... - interrompeu-se. - Penso que existem demasiados rumores no país sobre Robert e a Rainha. Não quereria que ele pensasse que eu vinha a Londres para o espiar. Não quereria parecer uma mulher ciumenta.
- Ninguém poderia pensar que o éreis - disse Lizzie calorosamente. - Sois a esposa mais terna e mais indulgente que um homem poderia desejar.
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Amy voltou a cabeça.
- Claro, eu amo-o - disse ela muito baixinho. Continuaram a cavalgar por mais alguns minutos. - E tendes ouvido muitos boatos, Lizzie? - perguntou ela muito calma.
- Há sempre boatos em relação a um homem como Sir Robert
- disse Lizzie resolutamente. - Gostava de ter um xelim, por cada rumor infundado que ouvi a respeito dele, seria uma mulher rica agora. Lembrais-vos do que disseram sobre ele quando estava com o Rei Filipe, na Holanda? E como haveis ficado perturbada quando regressou a casa com aquela viúva francesa de Calais? Mas tudo aquilo não significava nada, e não saiu nada dali.
A mão de Amy dirigiu-se às frias contas redondas do rosário que trazia no bolso.
- Mas haveis ouvido algum rumor acerca dele e da Rainha? Amy pressionou a amiga.
- A minha cunhada disse-me que a prima dela, de Londres, lhe contou que a Rainha favorece Sir Robert acima de qualquer outro, mas não há nada nisso que desconhecêssemos - afirmou Lizzie. São amigos de infância, ele é o Estribeirg-Mor dela. É claro que têm uma relação amigável.
- Ela deve andar a divertir-se - disse Amy amargamente. - Sabe que ele é um homem casado, sabe que tem de casar com o arquiduque, só está a desfrutar do Verão na companhia dele.
- Frívola - disse Lizzie, observando o rosto de Amy. - É uma jovem frívola. Corriam boatos sobre ela na adolescência. Se quereis pensar em algum escândalo - Isabel estava envolvida!
Protegida pela aba do bolso, Amy enrolou o rosário em volta dos dedos.
- Não nos cabe a nós julgar - relembrou a si mesma. - É meu dever permanecer fiel ao meu senhor e esperar pelo seu regresso
a casa.
- O melhor que ela teria a fazer seria preocupar-se com os assuntos de estado - propôs Lizzie Oddingsell. - Dizem que tem de haver uma guerra contra os Franceses e que não estamos nada preparados. Devia casar-se com um homem bom, que pudesse governar o país de uma forma segura para todos nós. A irmã dela casou assim que chegou ao trono e escolheu um homem que trouxe o seu próprio exército.
- Não me cabe a mim julgar - respondeu Amy, sustendo a respiração, segurando as contas. - Mas Deus há-de conduzi-la pelo caminho do bem.
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Outono de 1553
A corte, recém-chegada, em Setembro, a uma das casas preferidas de Isabel, o Castelo de Windsor, deu início aos preparativos para as comemorações do seu aniversário. Robert planeou um dia de festividades em que a Rainha seria acordada por um coro, haveria uma caçada coreografada durante a qual os caçadores iriam parar para cantar em seu louvor, ninfas dos bosques dançariam e um veado domesticado, com uma grinalda em volta do pescoço, iria conduzir a Rainha a um almoço, servido no meio dos bosques. Nessa noite, haveria um grande banquete com bailados, canções e um espectáculo, representando as Graças, com as deusas à sua volta, durante o qual Diana, que simbolizava Isabel, a caçadora, seria coroada.
As damas de companhia dançariam como deusas e as aias iam ser as Graças.
- Qual das Graças é que eu sou? - perguntou Laetitia Knollys a Robert, enquanto ele distribuía os papéis, num recanto sossegado da antecâmara da Rainha.
- Se houvesse uma Graça chamada Falta de Pontualidade, poderíeis ser essa - recomendou ele. - Ou se houvesse uma Graça chamada Namoradeira, também poderíeis representá-la.
Ela lançou-lhe um olhar tipicamente Bolena; cheio de promessas, provocante, irresistível.
- Eu? - disse ela. - Estais a chamar-me namoradeira? Isso é, de facto, um elogio.
- Eu disse-o como insulto - disse ele, segurando-lhe o queixo.
- Vindo de um mestre no assunto, é um cumprimento.
Ele deu-lhe uma pancadinha no nariz, como se estivesse a castigar um gatinho.
- Sereis a Castidade - disse ele - não consegui resistir.
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Ela arregalou-lhe os seus olhos negros e oblíquos:
- Sir Robert! - disse ela, fazendo beicinho. - Não .sei o que possa ter feito para vos ofender. Primeiro dizeis que tenho falta de pontualidade, depois, chamais-me namoradeira e no fim, dizeis que não vos foi possível resistir a atribuir-me o papel de Castidade. Será que fiz alguma coisa que aborreceu vossa senhoria?
- De modo algum. Sois um deleite para os meus olhos.
- Incomodei-vos?
Robert piscou-lhe o olho. Tinha a certeza de que não iria dizer a esta jovem que, por vezes, lhe era difícil afastar os olhos dela quando a via dançar e que, uma vez, quando dançara com ela e os movimentos da dança a haviam lançado nos seus braços, sentira um instantâneo e irresistível acesso de desejo, forte como nunca antes experimentara na vida, provocado apenas por aquele contacto tão ligeiro.
- Como é que uma patetinha como vós poderia incomodar um homem como eu? - perguntou ele.
Ela franziu as sobrancelhas.
- Eu consigo imaginar uma dúzia de maneiras. Vós não conseguis? Mas a questão não é como é que poderia fazê-lo, mas se incomodo.
- De maneira nenhuma, Menina Desavergonhada.
- Castidade, se fazeis o favor. E o que é que vou vestir? - perguntou ela.
- Qualquer coisa terrivelmente imodesta - prometeu ele. Ficareis maravilhada. Mas deveis mostrar primeiro à vossa mãe, para termos a certeza de que ela aprova. O guarda-roupa da Rainha tem o que precisais. É bastante indecente!
- Não quereis que vos mostre, também? - perguntou-lhe ela, provocadora. - Eu poderia ir aos vossos aposentos, antes do jantar.
Robert olhou em volta. A Rainha tinha chegado, vinda do jardim, e estava no recesso de uma das janelas, afastada de todos, numa conversa privada com William Cecil. O jovem que havia sido escolhido para marido de Laetitia estava encostado a uma parede, de braços cruzados, com um ar pouco simpático. Robert decidiu que era altura de pôr fim àquela perturbadora conversa.
- É óbvio que não ireis aos meus aposentos - disse ele. Tentareis comportar-vos como uma verdadeira senhora. Podeis ser delicada para com o pobre Devereux, o vosso infeliz noivo, enquanto eu vou falar com a nossa senhora.
- A vossa amante - disse ela com impertinência. Robert hesitou e olhou gravemente para ela.
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- Não deveis ultrapassar os vossos limites, Senhora Knollys disse ele com calma. - Sois encantadora, por certo, o vosso pai é um homem poderoso e a vossa mãe é adorada pela Rainha, mas nem mesmo eles vos poderão valer, se se descobrir que andais a espalhar escândalos.
Ela hesitou, com uma resposta audaz na ponta da língua; mas diante da firmeza do olhar e da gravidade da expressão dele, os seus olhos negros fixaram-se na biqueira das botas de Robert.
- Perdoai-me, Sir Robert, eu estava apenas a brincar.
- Óptimo, ainda bem! - disse ele, voltando-lhe as costas, sentindo, de um modo absurdo, que embora ela tivesse errado e pedido desculpa, ele se comportara como um idiota convencido.
Isabel, no recanto da janela, falando em voz baixa com Cecil, estava tão absorvida que se esqueceu de examinar a sala, à procura de Robert.
- E ele partiu em segurança?
- Partiu, e o vosso acordo seguiu com ele.
- Mas não ficou nada escrito.
- Vossa Graça, não podeis pensar em renegar a vossa palavra. Haveis-lhe dito que se ele tentasse alcançar o trono da Escócia e conseguisse, casaríeis com ele.
- Eu sei que disse isso - disse ela friamente. - Mas se, por acaso, ele morrer na tentativa, não gostaria que essa carta fosse encontrada nas mãos dele.
"Bem" pensou Cecil, "parece que posso esquecer o meu sonho de que ela se apaixonasse loucamente por ele, pobre belo rapaz, se ela consegue imaginá-lo a morrer ao seu serviço e só se prescupa com os documentos incriminatórios que ele possa ter consigo."
- Não havia nada por escrito, mas vós haveis dado a vossa palavra, ele deu a sua e eu dei a minha - recordou-lhe Cecil. - Estais comprometida em casamento, se ele ganhar a Escócia aos Franceses.
- Oh, está bem - disse ela, abrindo muito os olhos escuros. É um facto.
Preparava-se para se afastar, mas ele não deixou.
- Há mais outra coisa, Vossa Graça. Ela hesitou.
-Sim?
- Recebi informações de um possível atentado contra a vossa vida. Ela ficou imediatamente alerta. Ele reparou que o rosto dela
tremia de medo.
- Um novo plano? Mais um?
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- Desconfio que sim.
- Os homens do Papa?
- Desta vez, não.
Ela respirou com dificuldade.
- Quantos homens mais virão contra mim? Isto é pior do que o que sucedeu com Maria, e ela era detestada por toda a gente.
Não havia nada que ele pudesse dizer, era verdade. Maria havia sido odiada, mas nenhum monarca fora tão ameaçado como esta rainha. O poder de Isabel concentrava-se todo na sua pessoa e demasiados homens pensavam que se ela morresse, o país poderia ser restaurado.
Ela voltou-se de novo para ele.
- De qualquer forma, já haveis capturado os homens que elaboraram o plano?
- Tenho apenas um informador. Tenho esperança de que ele me diga mais qualquer coisa. Mas resolvi chamar-vos a atenção para o facto, nesta altura dos acontecimentos, porque não sois a única pessoa ameaçada por este plano.
Ela voltou-se, curiosa.
- Quem mais?
- Sir Robert Dudley.
O rosto dela ficou sem pinta de sangue.
- Espírito, não!
"Deus meu, será que ela o ama assim tanto?" exclamou Cecil para si mesmo. "Aceita um atentado contra a sua vida como apenas mais uma preocupação, mas quando pronuncio o nome dele como uma vítima possível, parece que ficou mortalmente horrorizada."
- De facto, é assim. Lamento.
As pupilas de Isabel estavam dilatadas.
- Espírito, quem seria capaz de lhe fazer mal?
Cecil quase conseguia sentir os pensamentos encaixarem-se na sua cabeça, à medida que uma nova estratégia ia surgindo na sua mente.
- Podeis conceder-me uns minutos?
- Caminhai a meu lado - disse ela rapidamente, pousando a mão no braço dele. - Levai-me para longe de toda a gente.
Através da manga recortada, de veludo, Cecil conseguia sentir o calor vindo da palma da mão dela.
"Ela está a transpirar, cheia de receio, por causa dele" pensou. "Isto já foi mais longe do que eu pensava, já entraram na fase da loucura de um amor proibido."
Deu-lhe uma pequena pancadinha na mão, tentando controlar-se e esconder os pensamentos que giravam na sua cabeça. Os
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cortesãos abriram caminho para que Cecil e a Rainha pudessem passar e ele viu, de relance, Francis Knollys e a esposa, a filha deles conversando, com recato afectado, com o jovem Walter Devereux, Mary Sidney, os irmãos Bacon conversando com o tio da Rainha, o Duque de Norfolk, alguns homens que pertenciam à comitiva do embaixador espanhol, meia dúzia de parasitas, alguns mercadores da City junto dos seus patronos, nada fora do normal, nenhum rosto desconhecido, não havia qualquer perigo, por ali.
Alcançaram a privacidade relativa da galeria e afastaram-se das outras pessoas, para que ninguém pudesse reparar na enorme agonia reflectida no rosto dela.
- Cecil, quem seria capaz de sonhar em fazer-lhe mal?
- Vossa Graça, há tantos! - disse ele com gentileza. - Ele nunca vos disse que tinha inimigos?
- Uma vez - disse ela. - Uma vez disse-me que estava rodeado de inimigos. Eu pensei... Pensei que ele se referia a rivais.
- Ele não conhece nem metade deles - disse Cecil com gravidade. - Os Católicos culpam-no pelas mudanças introduzidas na Igreja. Os Espanhóis pensam que vós o amais e que, se ele morresse, vós aceitaríeis o pretendente deles em casamento. Os Franceses odeiam-no por ele ter lutado a favor de Filipe, em St Quentin, os Comuns da Inglaterra culpam-no por vos afastar dos vosso deveres de rainha e, todos os nobres do Reino, de Arundel a Norfolk, seriam capazes de pagar para o ver morto, porque o invejam pelo amor que lhe demonstrais ou porque o culpam pelo escândalo terrível que gerou à vossa volta.
- Não pode ser assim tão grave!
" - Ele é o homem mais odiado na Inglaterra e quanto mais permitirdes que vos vejam sob a sua influência, maior será o perigo que correis. Passo dias e noites a tentar desmontar conspirações contra vós; mas ele... - Cecil calou-se, abanando a cabeça preocupado. Não sei como o poderei manter em segurança.
Isabel estava branca como as suas rendas e os dedos arrepanhavam a manga dele.
- Temos de o manter bem protegido, Espírito. Temos de pôr guardas à sua volta, tendes de descobrir quem seria capaz de lhe fazer mal e prender essas pessoas, torturá-las, descobrir com quem estão associadas. Nada vos deverá fazer parar, deveis enviar esses conspiradores para a Torre e torturá-los até que eles nos confessem...
- O vosso próprio tio! - exclamou ele. - Metade dos nobres da Inglaterra! Dudley é desprezado por muita gente, Vossa Graça. Só vós e meia dúzia de pessoas o toleram.
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- Ele é adorado - murmurou ela.
- Só pela família, e por aqueles que vivem à sua custa - disse ele com altivez.
- Vós, também? Não! - disse ela, voltando-se para ele com um olhar de censura. - Vós não o detestais, Espírito? Tendes de continuar a ser amigo dele, quanto mais não seja, por minha causa. Vós sabeis o que ele significa para mim, a felicidade que traz à minha vida. Ele tem de ter a vossa amizade. Se me amais, tendes de amá-lo também.
- Oh, eu continuo a ser amigo dele - disse ele com cuidado. "Porque não sou parvo a ponto de vos deixar aperceber, ou a
ele, do contrário" pensou Cecil.
Ela soltou um suspiro, aterrorizada.
- Meu Deus, temos de o manter em segurança. Eu não conseguiria viver se... Espírito, tendes de o proteger. Como podemos fazê-lo?
- Só diminuindo a atenção que lhe dispensais - respondeu Cecil.
"Vai com cuidado" aconselhou-se a si mesmo. "Cuidado e firmeza, neste caso."
- Não podeis casar com ele, Princesa, ele é um homem casado e a esposa é uma mulher virtuosa e simpática, bonita e bem-humorada. Ele nunca vai poder ser mais do que um amigo, para vós. Se quereis salvar-lhe a vida, tendes de o deixar partir. Ele pode ser o vosso cortesão mais querido, o vosso Estribeiro-Mor, mas nada mais.
Ela ficou pálida.
- Deixá-lo ir embora?
- Mandai-o de volta para junto da esposa, isso irá acalmar as más-línguas. Concentrai o vosso espírito na Escócia e no trabalho que temos de fazer pelo país. Dançai com outros homens. Libertai-vos dele.
- Libertar-me dele? - repetiu ela, como uma criança. Mesmo sem querer, Cecil sentia-se comovido pela dor que
sobressaía no rosto dela.
- Princesa, esta situação não leva a nada - disse ele calmamente. - Ele é casado, não pode pôr a mulher de lado por um motivo qualquer. Vós não podeis sancionar um divórcio para satisfazer o vosso próprio interesse. Ele nunca vai poder casar convosco. Podeis amá-lo, mas será sempre um amor sem honra. Não podereis ser marido e mulher, não podereis ser amantes, nem podereis mostrar que o desejais. Se continuardes a ciar azo a que haja mais escândalo, isso poderá custar-vos o trono e até a própria vida.
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- A minha vida tem estado sempre por um fio, desde que nasci!
- disse ela, exaltada.
- E poderia custar-lhe a vida, a ele- acrescentou Cecil, rapidamente. - O favorecimento que lhe demonstrais, aberta e generosamente como o fazeis, será o seu atestado de morte.
- Vós ireis protegê-lo - disse ela com teimosia.
- Não o posso proteger dos vossos amigos e da vossa família
- disse Cecil com firmeza. - Só vós o podeis fazer. Já vos disse como. Sabeis o que tendes de fazer.
Isabel agarrou-se ao braço dele.
- Não posso deixá-lo partir - disse num profundo gemido. Ele é o único... Ele é o meu único amor... Não posso mandá-lo de volta para a mulher. Deveis ter um coração de pedra, para me sugerir uma coisa dessas. Não sou capaz de o deixar ir embora.
- Então estareis a assinar a sua sentença de morte - disse ele com dureza.
Cecil sentiu que um enorme arrepio a percorria.
- Não me estou a sentir bem - disse ela baixinho. - Mandai chamar Kat.
Ele ajudou-a a caminhar até ao fundo da galeria e ordenou a um pajem que fosse a correr até os aposentos da Rainha, e que chamasse Kat Ashley. Ela veio, e lançou uma olhadela à palidez de Isabel, e outra ao ar grave do rosto de Cecil.
- Que se passa?
- Oh, Kat! - murmurou Isabel. - O pior, o pior de tudo.
Kat Ashley colocou-se à frente dela para a proteger dos olhares da corte e levou-a rapidamente dali, para o quarto. A corte, fascinada, olhava para Cecil, que lhes sorria com um ar impassível.
Estava a chover e as gotas cinzentas escorriam como um ribeiro pelos painéis de vidros de chumbo do Castelo de Windsor, tamborilando como lágrimas. Isabel tinha mandado chamar Robert e ordenara às suas aias que se sentassem junto da lareira, enquanto ele e ela conversavam, sentados no banco do vão da janela. Quando Robert entrou na sala, num remoinho de veludo vermelho escuro, a Rainha estava sozinha, sentada no banco da janela, como uma rapariga solitária que não tem amigos.
Ele dirigiu-se a ela imediatamente, fez uma vénia e murmurou:
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- Meu amor?
O rosto dela estava pálido e as pálpebras vermelhas e inchadas de tanto chorar.
- Oh, Robert.
Ele deu um passo rápido em direcção a ela, mas depois controlou-se, lembrando-se de que não a devia abraçar em público.
- O que se passa? - perguntou ele. - A corte pensa que haveis adoecido e eu tenho estado desesperado para vos ver. O que aconteceu? Que vos disse Cecil, esta manhã?
Ela virou a cabeça para a janela e colocou a ponta do dedo no vidro verde e frio.
- Avisou-me - disse ela baixinho.
- De quê?
- Uma nova conspiração, contra a minha vida. Instintivamente, a mão de Robert dirigiu-se para o sítio onde
deveria estar a sua espada, mas ninguém usava armas nos aposentos da Rainha.
- Meu amor, não receeis. Por mais sinistro que seja esse plano, sempre vos protegerei.
- Não é só contra mim - interrompeu ela. - Eu não teria ficado assim tão assustada, só por haver uma conspiração contra mim.
- Então? - as suas sobrancelhas negras estavam quase unidas.
- Também vos querem matar - disse ela devagar. - Cecil disse-me que vos devia afastar de mim, para vossa própria segurança.
"Aquela maldita velha raposa manhosa" amaldiçoou-o Robert em pensamento. "Que jogada brilhante: usar o amor dela contra mim."
- Nós corremos perigo - reconheceu ele calmamente. - Isabel, peço-vos, permiti que eu me afaste da minha mulher e deixai-me casar convosco. Assim que fordes minha esposa e tenhais um filho meu, todos estes perigos desaparecerão.
Ela abanou a cabeça.
- Eles vão destruir-vos, como me havíeis avisado. Robert, vou-me afastar de vós.
- Não! - Ele falou demasiado alto, com o choque, a conversa em volta da lareira foi silenciada e todas as damas olharam para ele. Ele aproximou-se mais da Rainha. - Não, Isabel. Isso não pode ser. Não podeis afastar-vos de mim, assim, se me amais e eu vos amo. Não agora, que estamos tão felizes. Não, ao fim de tantos anos de espera, para encontrar a felicidade!
Ela tentava controlar-se ao máximo e ele reparou como ela mordia o lábio, para evitar que as lágrimas lhe assomassem aos olhos.
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- Tenho de o fazer. Não torneis as coisas ainda mais difíceis para mim, meu amor. Parece que o meu coração se está a desfazer em pedaços.
- Mas dizeis-me isso aqui! Diante de toda a corte!
- Ah, pensais que vos poderia ter dito isto em qualquer outro lugar? Não consigo ser muito forte na vossa presença, Robert. Tenho de vos dizer aqui, um local onde não me podeis tocar e tendes de me dar a vossa palavra de que não tentareis fazer-me mudar de ideias. Tendes de vos afastar de mim e desistir do vosso sonho de vos casardes comigo. E eu tenho de vos deixar partir e casar com Arran, se ele sair vitorioso, ou com o arquiduque, se Arran não conseguir ganhar.
Robert ergueu a cabeça com vontade de discutir.
- É a única maneira de fazer parar os Franceses - disse ela com simplicidade. - Arran ou o arquiduque. Precisamos de ter um aliado contra os Franceses, na Escócia.
- Seríeis capaz de me trocar por um reino - disse ele amargamente.
- Por nada menos que isso - respondeu ela com firmeza. - E quero pedir-vos mais uma coisa.
- Ah, Isabel, já tendes o meu coração. Que mais vos posso dar? Os olhos negros dela estavam cheios de lágrimas e ela estendeu-lhe a mão, tremendo.
- Continuareis a ser meu amigo, Robert? Embora nunca mais possamos voltar a ser amantes, mesmo que eu me tenha de casar com outro homem?
Lentamente, esquecendo-se finalmente dos olhares das damas, Robert segurou a fria mão dela entre as suas, inclinou-se e beijou-a. Depois ajoelhou-se em frente dela e ergueu as mãos, no antigo gesto de homenagem. Ela inclinou-se para a frente e segurou as mãos dele, juntas como em oração, entre as suas.
- Pertenço-vos - disse ele. - De alma e coração. Sempre vos pertenci, uma vez que sois a minha rainha, mas é muito mais do que isso: sois a única mulher que eu amei e a única que amarei. Se quiserdes que eu dance no vosso casamento, fá-lo-ei, o melhor que souber. Se me quiserdes de volta, afastando-me desta tristeza, voltarei para a felicidade, junto de vós, num segundo. Sou vosso amigo para toda a vida, serei o vosso amante, para sempre, sou o vosso marido, aos olhos de Deus. Só tereis de me dar as vossas ordens, Isabel, agora e sempre, pois serei vosso até morrer.
Ambos tremiam, olhando-se nos olhos, como se jamais se pudessem separar. Foi Kat Ashley quem teve coragem para os inter-
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romper, ao fim dos intermináveis minutos em que estiveram de mãos dadas, em silêncio.
- Vossa Graça - disse ela com suavidade. - As pessoas vão comentar.
Isabel moveu-se, soltando Robert e ele ergueu-se.
- Deveríeis descansar, senhora - disse Kat calmamente, olhando para o rosto pálido e chocado de Robert. - Ela não está bem - disse.
- Isto é demasiado para ela. Deixai-a agora, Sir Robert.
- Que Deus vos traga boa saúde e felicidade - disse ele comovido e, ao sinal de cabeça dela, Robert fez uma vénia e retirou-se da sala, antes que ela pudesse ver o ar de desespero no rosto dele.
Quando o pai do Sr. Hayes nasceu, era apenas um inquilino dos Dudley, mas tinha conseguido subir, através do negócio da lã, tendo alcançado o lugar de Mayorde Chislehurst. Tinha mandado o filho para a escola e depois quis que ele estudasse, para ser advogado. Quando morreu, deixou ao jovem uma pequena fortuna. John Hayes deu continuidade ao relacionamento da sua família com os Dudley, aconselhando a mãe de Robert quando ela apresentou uma petição para recuperar o título e as propriedades da família. À medida que Robert foi crescendo em poder e riqueza, Hayes passou a gerir os vários ramos dos seus negócios, que progrediam incessantemente, na City e na província.
Amy tinha ficado várias vezes em casa dele, Hayes Court, em Chislehurst e, por vezes, Robert ia lá ter com ela, para falar sobre os negócios com John Hayes, para jogar com ele, para caçar nas suas propriedades e para planearem os seus investimentos.
A comitiva dos Dudley chegou à casa por volta do meio-dia e Amy sentiu-se feliz por se poder abrigar do sol de Setembro, ainda bastante quente e brilhante.
- Lady Dudley - John Hayes beijou-lhe a mão. - Que bom, ver-vos de novo. A senhora Minchin vai levar-vos até aos vossos habituais aposentos. Pensamos que preferis o quarto virado para o jardim?
- Prefiro, sim - disse Amy. -Já haveis recebido notícias do meu senhor?
- Apenas que ele prometeu a si mesmo usufruir do prazer da vossa companhia, ainda esta semana - respondeu John Hayes. - Ele
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não me disse em que dia - mas nós também não estávamos a contar que o fizesse, não é verdade? - disse-lhe sorrindo. Amy correspondeu ao sorriso dele.
- Não, pois ele não sabe em que dia a Rainha lhe vai dar autorização para vir - disse a voz do ciúme dentro da cabeça dela. Amy tocou o rosário que tinha no bolso, com o dedo. - Quando ele estiver livre para vir ter comigo, ficarei feliz por o ver - disse ela, voltando-se de seguida, para subir as escadas atrás da governanta.
A senhora Oddingsell entrou na casa, empurrando para trás o capuz e sacudindo o pó da saia. Apertou a mão de John Hayes, pois eram velhos amigos.
- Ela está com bom ar - disse ele surpreendido, movendo a cabeça na direcção do quarto de Amy. - Tinha ouvido dizer que estava muito doente.
- A sério? - disse Lizzie num tom neutro. - E onde haveis escutado uma coisa dessas?
Ele ficou a pensar por alguns momentos.
- Em dois sítios, acho eu. Alguém mo disse na igreja, outro dia, e o meu empregado, no escritório da City, também me falou no assunto.
- E eles disseram de que mal é que ela sofria?
- Uma doença no peito, disse o meu empregado. Um caroço ou um tumor, grande de mais para poder ser extraído, foi o que disseram. Dizem que Dudley se pode separar dela, que ela ia concordar em ir para um convento e em anular o casamento, uma vez que não pode ter filhos.
Lizzie apertou os lábios numa linha dura.
- É mentira - disse ela baixinho. - E quem credes que teria interesse em espalhar uma mentira dessas? Que a mulher de Dudley está doente, e que não tem cura?
Por instantes, John olhou para ela, consternado.
- São águas muito profundas, senhora Oddingsell. Ouvi dizer que a história já foi longe de mais...
- Já tínheis conhecimento de que eles eram amantes?
Ele olhou em volta, para a sua própria sala vazia, como se nenhum lugar fosse seguro para se falar da Rainha e de Dudley, mesmo que os seus nomes não fossem mencionados.
- Ouvi dizer que ele tem ideias de se ver livre da esposa, para casar com a senhora de quem falávamos e que ela dispõe do poder e da vontade, para que ele o possa fazer.
Ela anuiu com a cabeça.
- Parece que é o que toda a gente pensa. Mas não há motivos para isso, nem poderia haver.
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Ele ficou a pensar, por alguns momentos.
- Se se soubesse que ela estava demasiado doente para poder ter filhos, poderia ser afastada do caminho - sussurrou ele.
- Ou então, se todos soubessem que ela estava muito doente, ninguém ficaria surpreendido se ela morresse - disse Lizzie, ainda mais baixo.
John Hayes exclamou, chocado, e benzendo-se:
- Jesus! Senhora Odclingsell, deveis estar louca para sugerir algo desse género. Não pensais, de verdade, que seja assim, pois não? Ele nunca faria uma coisa dessas, não Sir Robert!
- Não sei o que pensar! Só sei que, em todos os lugares por onde passámos, desde Abingdon até aqui, se ouviam comentários acerca de sua senhoria e da Rainha e todos acreditavam que a minha senhora está doente e vai morrer. Numa das estalagens, a estalajadeira perguntou-me se precisávamos que chamassem um médico, ainda antes de termos desmontado. Toda a gente fala da doença da minha senhora e do romance de amor do meu senhor. Portanto, não sei o que pensar, mas sei que alguém tem andado bastante atarefado.
- Mas não sua senhoria - disse ele com firmeza. - Ele nunca seria capaz de lhe fazer mal.
- Não sei mais nada - repetiu ela.
- Nesse caso, se não é ele, quem é que iria espalhar um rumor dessa natureza, e com que propósito?
Ela olhou para ele, confusa.
- Quem estaria interessado em preparar o país para a notícia do divórcio e do seu novo casamento? Só a mulher que quisesse casar com ele, suponho eu.
Mary Sidney estava sentada diante da lareira, nos aposentos do irmão, em Windsor, com um dos novos cachorrinhos dele no chão, aos seus pés, roendo a biqueira da sua bota de montar. Ociosamente, ela acariciava a sua barriguinha gorda com o outro pé.
- Deixai-o sossegado, ides estragá-lo com mimo - ordenou Robert.
- Ele não se afasta de mim - respondeu ela. - Deixa-me em paz, monstro! - deu-lhe outra pancadinha e o cachorrinho saltou, deliciado por lhe prestarem atenção.
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- Quem iria dizer que ele é de raça pura - observou Robert enquanto assinava o seu nome numa carta e a colocava de lado. Depois, veio para junto da lareira e puxou um banco, sentando-se do outro lado. - Tem tão mau gosto.
- Já tive muitas vezes cães de raça bastante pura que passavam a vida em volta dos meus pés, está bem? - disse a irmã dele com um sorriso. - O facto de me adorar, não prova que a raça dele é má.
- E com razão - replicou ele. - Mas seríeis capaz de chamar a Sir Henry, o vosso marido, um cachorrinho de raça inferior?
- Na frente dele, nunca - disse sorrindo.
- Como está a Rainha, hoje? - perguntou ele num tom mais sério.
- Ainda está muito abalada. Ontem à noite não conseguiu comer e, esta manhã, só bebeu cerveja aquecida, sem comer nada. Foi passear no jardim durante uma hora, sozinha, e quando voltou, parecia bastante preocupada. Kat passa a vida a entrar e a sair do quarto dela com copos de leite, com vinho e mel, mas quando Isabel se vestiu e saiu, não disse uma palavra, nem esboçou um sorriso. Não quer fazer nada, nem recebe ninguém. Cecil anda para ali com um maço de cartas e não se consegue resolver nada. Algumas pessoas dizem que vamos perder a guerra na Escócia, porque ela já perdeu as esperanças.
Ele assentiu com a cabeça. Ela hesitou.
- Meu irmão, tendes de me dizer. O que foi que ela vos disse, ontem? Parecia que o coração dela se ia despedaçar, e agora quase parece que está a morrer.
"- Ela acabou tudo comigo - disse ele em breves palavras. Mary Sidney deu um suspiro abafado e tapou a boca com a mão.
- Não acredito!
- Sim, é verdade! Pediu-me para continuar a ser amigo dela, mas sabe que tem de se casar. Cecil avisou-a contra mim, e ela seguiu os conselhos dele.
- Mas porquê, agora?
- Em primeiro lugar, por causa dos rumores, e depois, por causa das ameaças contra mim.
Ela acenou com a cabeça.
- Os rumores anelam por todo o lado. A minha própria criada de quarto contou-me uma história relacionada com a Amy, com veneno e uma fiada enorme de calúnias que me puseram os cabelos em pé.
- Espancai-a.
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- Se ela tivesse inventado essas histórias, era o que eu faria. Mas ela só estava a repetir o que se ouve na rua, em todas as esquinas. É vergonhoso o que se diz acerca de vós e da Rainha. O vosso pajem foi atacado nos estábulos, no outro dia, sabíeis?
Ele abanou a cabeça.
- E não foi a primeira vez. Os rapazes dizem que não vestem a nossa libré quando tiverem de ir à cidade. Têm vergonha do nosso brasão, Robert.
Ele franziu a testa.
- Não tinha ideia de que fosse assim tão grave.
- A minha criada disse-me que há homens que juram que preferem ver-vos morto do que vos caseis com a Rainha.
Robert concordou.
- Ah, Mary, isso nunca poderia acontecer. Como seria possível? Sou um homem casado.
A cabeça dela ergueu-se, com a surpresa.
- Eu pensei que vós... e ela... tinham algum plano? Pensei que talvez...
- Sois igual a essas pessoas que sonham com divórcio, morte e com a perda do trono - disse ele sorrindo. - São só disparates. Eu e a Rainha tivemos um romance de Verão que se passou entre danças, torneios e prados floridos. Agora o Verão acabou, o Inverno está a chegar, eu tenho de ir visitar John Hayes com Amy e o país tem de entrar em guerra com a Escócia. Foi a previsão de Cecil, e tem razão. A Rainha tem de ser uma verdadeira rainha; ela tem sido apenas a Rainha de Camelot, mas agora tem de ser rainha numa realidade mortal. Passou o Verão a divertir-se, mas agora tem de casar, para garantir a segurança do reino. A escolha dela recaiu sobre Arran, se ele conseguir conquistar a Escócia ou, então, o Arquiduque Carlos, como melhores hipóteses para a segurança do país. Independentemente do que possa ter sentido por mim em Julho, ela sabe que tem de estar casada com um deles, quando chegarmos ao Natal.
- Sabe? - Mary estava espantada. Ele confirmou, abanando a cabeça.
- Ah, Robert, não admira que ela fique para ali sentada a olhar, sem dizer uma palavra. O coração dela deve estar despedaçado.
- Pois é - disse ele com ternura. - O coração dela pode partir-se em pedaços, mas ela sabe que é isso que deve ser feito. Não é agora que vai desiludir o seu país. Nunca teve falta de coragem. Seria capaz de sacrificar fosse o que fosse, pelo seu país. De certeza que vai fazer um sacrifício por me abandonar e esquecer o amor que me tem.
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- E vós conseguis suportar esta situação?
O rosto dele estava tão carregado que ela pensou que nunca o tinha visto assim tão pesaroso, desde o dia em que saíra da Torre, para enfrentar a ruína.
- Tenho de a enfrentar como um homem. Tenho de ter coragem, da mesma forma que ela. De certa forma, ainda estamos juntos. O coração dela e o meu ficarão destroçados, juntos. Pelo menos, teremos esse mísero conforto.
- Ides voltar para junto de Amy? Ele encolheu os ombros.
- Eu nunca a abandonei. Trocámos algumas palavras agrestes, a última vez que nos vimos, e é possível que ela tenha ficado magoada com os boatos. Como estava zangado e por causa do meu orgulho, jurei que ia abandoná-la, mas ela não acreditou, nem por um momento, no que eu disse. Manteve-se firme e disse-me na cara que éramos casados e que nunca nos poderíamos divorciar. E eu sabia que ela tinha razão. Intimamente, sabia que nunca me poderia divorciar de Amy. Que tinha ela feito para me ofender? E também sabia que nunca seria capaz de a envenenar ou de atirar a pobre mulher para o fundo de um poço! Por isso, que mais poderia acontecer, a não ser eu e a Rainha passarmos o Verão a namoriscar e a trocar alguns beijos... Sim! Admito que demos beijos...
- acrescentou ele com um sorriso. - E mais coisas. Deliciosas, muito doces, mas sempre, sempre, sem chegar a lugar nenhum. Ela é a Rainha da Inglaterra, eu sou o seu Estribeiro-Mor. Sou um homem casado e ela tem de se casar, para salvar o Reino.
Olhou-a de soslaio. Havia lágrimas nos olhos da irmã.
- Robert, tenho tanto medo de que não volteis a amar mais ninguém, para além de Isabel. Tereis de viver o resto da vida a amá-la. Ele dirigiu-lhe um sorriso triste.
- É verdade. Amo-a desde a infância e, nestes últimos meses, apaixonei-me por ela, de uma maneira profunda e sincera, que julgava não ser possível. Pensava que tinha um coração duro e, contudo, acabo por descobrir que ela é tudo para mim. Na verdade, gosto tanto dela que a vou deixar afastar-se de mim. vou ajudá-la a casar-se com Arran ou com o arquicluque. A própria segurança dela depende desse facto.
- Estais disposto a separar-vos dela por causa da sua segurança?
- Custe o que me custar.
- Meu Deus, Robert, nunca pensei que pudésseis ser tão...
- Tão quê?
- Tão altruísta!
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Ele riu-se.
- Obrigado!
- Estou a falar a sério. Ajudar a mulher que amais a casar com outro é para mim, na verdade, verdadeiro altruísmo - ficou calada por algum tempo. - E como ireis suportar uma coisa dessas? - perguntou-lhe com ternura.
- Irei guardar como uma preciosidade a recordação de ter amado uma rainha bela e jovem, no primeiro ano do seu reinado disse ele. - No Verão dourado em que ela chegou ao trono, com toda a sua juventude e beleza, pensando que podia fazer tudo o que quisesse, até casar com um homem como eu. vou voltar para casa, para junto da minha mulher, e terei um berçário cheio de herdeiros e darei o nome de Isabel a todas as que forem raparigas.
Ela limpou os olhos com a manga do vestido.
- Oh, meu querido irmão.
Ele cobriu a mão dela com a dele.
- Sereis capaz de me ajudar a fazer isto, Mary?
- Claro - murmurou ela. - Claro que sim, qualquer coisa.
- Ide ter com o embaixador espanhol, de Quadra, e dizei-lhe que a Rainha precisa da ajuda dele para concluir o acordo de casamento com o arquiduque.
- Eu? Mas eu mal o conheço.
- Isso não importa. Ele conhece-nos bem, aos Dudley. Ide ter com ele como se fosse uma ordem vinda da Rainha e não a meu pedido. Dizei-lhe que ela não se sentia à vontade para o abordar directamente, depois deste Verão em que avançou e recuou em relação ao plano. Mas que, se ele for ter com ela, levando uma nova proposta, ela dirá imediatamente que sim.
- E essa é mesmo a vontade da Rainha? - perguntou Mary. Ele anuiu.
- Ela quer mostrar a toda a gente que eu não fui rejeitado, que continua a ser minha amiga, que me ama e a vós também. Quer que a família Duclley sirva de intermediário neste casamento.
- É uma grande honra ser a portadora de uma mensagem destas - disse ela com solenidade. - E também uma grande responsabilidade.
- A Rainha achou que devíamos manter o assunto dentro da família - ele sorriu. - O sacrifício é meu, vós sois o mensageiro e, juntos, daremos conta da tarefa.
- E o que vai ser de vós, quando ela se casar?
- Ela não se vai esquecer de mim - disse ele. - Nós amámo-nos de mais e durante demasiado tempo, para que ela se possa
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afastar completamente de mim. E eu e vós seremos recompensados, tanto por ela como pelo espanhol, por termos tratado deste assunto com fidelidade. É a coisa mais acertada que podemos fazer, Mary, não tenho qualquer dúvida. Garante a segurança dela e põe-me fora do alcance das línguas mentirosas... ou pior. Não duvido que haja homens que me querem ver morto. É para minha própria segurança, bem como da dela.
- Irei ter com ele amanhã - prometeu ela.
- E dizei-lhe que ides da parte dela, a seu pedido.
- Assim farei - disse ela.
Cecil, sentado junto à lareira, no meio do silêncio do palácio, à meia-noite, ergueu-se da cadeira, para responder a um discreto toque na porta. O homem que entrou na sala atirou para trás o seu capuz negro e aproximou-se do fogo, para aquecer as mãos.
- Tendes um copo de vinho? - perguntou, com um ligeiro sotaque espanhol. - Este nevoeiro do rio ainda vai provocar-me alguma sezão. Se já é assim tão húmido em Setembro, como é que será no meio do Inverno?
Cecil serviu-lhe o vinho e, com um gesto, convidou o homem a sentar-se numa cadeira, junto à lareira, para onde atirou uma nova acha.
- Estais melhor?
- Estou, obrigado.
- Devem ser notícias interessantes, para sairdes de casa numa noite tão fria como esta - observou Cecil, sem se referir a alguém, em especial.
- Trata-se apenas da própria Rainha, a propor casamento ao Arquiduque Carlos!
A reacção de Cecil foi completamente gratificante. A cabeça dele ergueu-se e ficou com um ar atónito.
- A Rainha propôs o casamento?
- Através de um intermediário. Não tínheis conhecimento disto?
Cecil abanou a cabeça, recusando-se a responder. As informações eram como dinheiro vivo para Cecil e, ao contrário de Gresham, acreditava que, no valor de uma informação, não havia lugar para moeda boa ou moeda falsa. Todas eram valiosas.
- Sabeis quem foi o intermediário? - perguntou.
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- Lady Mary Sidney - respondeu o homem. - Uma das damas de companhia da própria Rainha.
Cecil acenou com a cabeça: talvez esta fosse a onda provocada pela pedra que ele lançara à água.
- E Lady Mary apresentou uma proposta?
- O arquiduque deveria ir imediatamente visitar a Rainha, como se se tratasse de uma visita de cortesia. Disse que ela aceitará uma proposta de casamento durante essa visita. Os termos serão lavrados de imediato e o casamento terá lugar no Natal.
O rosto de Cecil parecia uma máscara de gelo.
- E o que pensou Sua Excelência desta proposta?
- É da opinião que devia ser agora ou nunca - disse o homem sem rodeios. - Considera que ela tem a esperança de salvar a sua reputação, antes que se digam coisas piores a respeito da sua pessoa. Pensa que ela acabou, finalmente, por perceber o que devia ser feito.
- Ele disse isso em voz alta?
- Ditou-mo, para que eu o traduzisse em código, para ser, depois, enviado ao Rei Filipe.
- Por acaso, não trazeis uma cópia dessa carta?
- Não me atrevo - disse o homem rapidamente. - Ele não é parvo. Já estou a arriscar a minha vida, só por vos contar isto.
Cecil fez um gesto, insinuando que não havia esse perigo.
- Certamente que Lady Mary me contaria tudo amanhã, se eu não o tivesse já sabido pela própria Rainha.
O homem ficou um pouco perturbado.
- Mas, ela ter-vos-ia informado que o meu senhor tinha escrito ao arquiduque, esta mesma noite, recomendando-lhe que venha fazer esta visita imediatamente? Que Caspar von Breuner mandou chamar advogados austríacos para elaborarem o contrato nupcial? Que, desta vez, acreditamos que a Rainha está a ser honesta e que vamos seguir em frente? E que o arquiduque deve cá chegar em Novembro?
- Não, mas essas são boas notícias - disse Cecil. - Mais alguma coisa?
O homem ficou a pensar.
- É tudo. Devo voltar quando tiver mais informações?
Cecil meteu a mão na gaveta da sua secretária e retirou uma pequena bolsa de couro.
- Sim. Isto é por esta vez. E quanto aos vossos documentos, serão preparados... - calou-se
- Quando? - perguntou o homem com ansiedade.
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- Quando o casamento for oficializado - disse Cecil. - Poderemos todos repousar em segurança nos nossos leitos, quando isso acontecer. Haveis dito no Natal?
- A própria Rainha indicou o Natal, como o dia do seu casamento.
- Nesse caso, entregar-vos-ei os documentos que autorizam a vossa permanência na Inglaterra, quando o vosso amo, o arquiduque, for nomeado consorte de Isabel.
O homem baixou a cabeça, concordando, e depois hesitou, antes de sair.
- Tendes sempre uma bolsa para me dar, dentro da gaveta disse com curiosidade. - Já estais a contar com a minha vinda, ou tendes tantos informadores que precisais de ter o pagamento sempre à mão?
Cecil, cujos informadores já somavam agora mais de mil, sorriu.
- Sois o único - disse gentilmente.
Robert chegou a Hayes Court em Setembro, com um ar calado e triste, o rosto fechado.
Amy, que o observava de uma janela do andar de cima, pensou que já não lhe via aquele ar tão desolado, desde que ele voltara do cerco de Calais, a altura em que a Inglaterra tinha perdido a sua base de operações na França. Lentamente, desceu as escadas, tentando imaginar o que teria ele perdido, desta vez.
Ele estava a desmontar do cavalo e cumprimentou-a com um beijo distraído na face.
- Meu senhor - disse Amy como cumprimento. - Não vos sentis bem?
- Não - limitou-se ele a responder.
Amy teve vontade de se abraçar a ele, para sentir o seu toque, mas ele afastou-a com gentileza.
- Deixai-me, Amy, estou todo sujo.
- Não me importo!
- Mas eu importo-me.
Ele voltou-se, pois o seu amigo John Hayes vinha a descer os degraus que ficavam na parte da frente da casa.
- Sir Robert! Bem me parecia que tinha ouvido os cavalos! Robert deu uma palmada nas costas de John.
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- Nem vale a pena perguntar como estais - disse ele brincalhão. - Estais a ficar mais gordo, John. Obviamente, tendes caçado pouco.
- Mas vós tendes um aspecto terrível - o amigo ficou preocupado. - Estais doente, senhor?
Robert encolheu os ombros.
- Dir-vos-ei mais tarde.??
- A vida da corte? - disse John, adivinhando rapidamente.
- Seria mais fácil dançar a volta no Inferno do que sobreviver em Londres - disse Robert, explicando melhor. - Entre Sua Graça, Sir William Cecil, as damas dos aposentos da Rainha e o Conselho Privado, a minha cabeça gira desde a madrugada, quando me levanto para inspeccionar os estábulos, até à meia-noite, a hora em que posso finalmente deixar a corte e ir para a cama.
- Vinde beber um copo de cerveja - ofereceu John - e contai-me isso tudo.
- Tresando a cavalo - disse Robert.
- Ah, quem se importa com isso?
Os dois homens voltaram-se e dirigiram-se para casa. Amy preparava-se para os seguir mas, depois, ficou para trás e deixou-os ir. Pensou que o marido poderia ficar mais aliviado se tivesse possibilidade de falar a sós com o amigo e que seria, talvez, melhor que não se sentisse constrangido pela sua presença. Mas acabou por ir atrás deles, sentando-se numa cadeira de madeira no vestíbulo, do lado de fora da porta fechada, para poder estar à disposição dele, quando saísse da sala.
A cerveja melhorou o humor de Robert, e depois tomou um banho com água quente, perfumada, e vestiu roupas limpas. Um bom almoço conseguiu a mudança. A senhora Minchin era uma governanta reconhecidamente pródiga. Às seis da tarde, quando os quatro, Sir Robert, Amy, Lizzie Oddingsell e John Hayes se sentaram para jogar as cartas, sua senhoria havia recuperado a sua habitual boa disposição e o seu rosto estava menos tenso. Quando caiu a noite, já estava um pouco embriagado e Amy percebeu que, naquela noite, ele não lhe iria contar grande coisa. Foram para a cama juntos e ela teve esperanças de poder fazer amor com ele, mas ele voltou-se logo para o outro lado, puxou as mantas bem para cima, para
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tapar os ombros e caiu num sono profundo. Amy, completamente acordada no meio da escuridão, achou que não devia acordá-lo, uma vez que estava tão cansado e, de qualquer forma, nunca era ela quem tomava a iniciativa. Desejava-o, mas não sabia por onde começar - as costas dele, macias e firmes, não responderam ao seu toque exploratório. Acabou por se virar também para o outro lado e ficou a observar o luar que entrava por entre as fendas das portadas, a ouvir a pesada respiração dele e a recordar o seu dever diante Deus, amar o marido em qualquer circunstância. Decidiu que seria uma melhor esposa, a partir da manhã seguinte.
- Gostaríeis de me acompanhar num passeio a cavalo, Amy? perguntou Robert delicadamente, durante o pequeno-almoço. Tenho de manter o meu cavalo de caça em forma, mas hoje não irei para muito longe, nem muito depressa.
- Gostaria de ir - disse ela imediatamente. - Mas não vos parece que vai chover?
Ele não estava a ouvir, tinha voltado a cabeça para ordenar ao criado que preparasse os cavalos.
- Desculpai?
- Apenas disse que tinha receio de que possa chover - repetiu ela.
- Nesse caso, voltaremos para casa.
Amy corou, com a sensação de que tinha feito figura de pateta. O passeio não correu muito melhor. Ela não conseguia pensar em nada para dizer, para além das banalidades óbvias acerca do tempo e dos campos que iam atravessando, enquanto ele cavalgava com rosto fechado, olhar distante e fixo no caminho à sua frente, sem ver nada.
- Sentis-vos bem, meu senhor? - perguntou Amy calmamente, quando deram a volta para regressar a casa. - Não pareceis nada vós mesmo.
Ele olhou-a como se se tivesse esquecido da sua presença.
- Oh, Amy. Sim, estou bem. Apenas um pouco preocupado com os acontecimentos na corte.
- Que acontecimentos?
Ele sorriu, como se estivesse a ser interrogado por uma criança.
- Nada com que vos devais preocupar.
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- Podeis dizer-me - assegurou ela. - Sou a vossa esposa e quero saber se alguma coisa vos está a preocupar. É por causa da Rainha?
- Ela está correr um grande perigo - disse ele. - Todos os dias chegam notícias de mais uma conspiração contra ela. Nenhuma rainha, até hoje, foi mais amada por metade da população e tão odiada pela outra metade.
- Muitas pessoas pensam que ela não tem direito a ocupar o trono - observou Amy. - Dizem que, uma vez que é uma bastarda, o trono devia ter ido para Maria, Rainha dos Escoceses. Assim, o reino ficaria unido, sem guerra, sem mudanças na Igreja e sem a confusão que Isabel está a provocar.
Robert ficou pasmado de surpresa.
- Amy, que raio de pensamentos são esses? O que me estais a dizer é traição. Queira Deus que nunca faleis dessa forma com outra pessoa qualquer. E nunca mais o deveis repetir, riem diante de mim.
- É a pura verdade - observou Amy calmamente.
- Ela é a Rainha consagrada da Inglaterra.
- O próprio pai considerou-a bastarda, o que nunca foi revogado - disse Amy com bastante razão. - Nem ela mesma revogou essa situação.
- Não há dúvidas de que ela é filha legítima dele - disse Robert com frieza.
- Desculpai-me, meu esposo, mas há muitas dúvidas - disse Amy educadamente. - Não vos censuro por não quererdes ver, mas factos são factos.
Robert estava admirado com a confiança dela.
- Deus do céu, Amy, que foi que vos deu? com quem tendes andado a conversar, quem vos encheu a cabeça com esses disparates?
- Ninguém, é claro. com quem posso eu falar, a não ser com os vossos amigos? - perguntou ela.
Por momentos, Robert achou que ela estava a ser sarcástica e olhou para ela zangado, mas o rosto dela estava sereno, o seu sorriso doce, como sempre.
- Amy, estou a falar a sério. Há homens, por toda a Inglaterra que perderam a língua, por dizerem muito menos do que haveis dito.
Ela concordou.
- Que crueldade da parte dela, torturar homens inocentes, só por dizerem a verdade.
Continuaram a cavalgar em silêncio, por alguns minutos, pois Robert estava completamente estupefacto com aquela súbita rebelião, dentro da sua própria casa.
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- Sempre haveis pensado dessa forma? - perguntou ele com calma. - Apesar de sempre teres sabido que eu a apoio? Que me sinto orgulhoso de ser seu amigo?
Amy assentiu.
- Sempre. Nunca achei que ela fosse a melhor pretendente.
- Nunca me havíeis dito nada sobre o assunto. Ela lançou-lhe um ligeiro sorriso.
- Nunca me havíeis perguntado.
- Teria ficado feliz por saber que tinha uma traidora dentro da minha própria casa.
Ela soltou uma pequena gargalhada.
- Houve uma época em que vós éreis o traidor e eu a que pensava como devia ser. Foram os tempos que mudaram, não fomos nós.
- Pois, mas um homem gosta de saber se a sua mulher está a conspirar uma traição.
- Sempre pensei que ela não era a verdadeira herdeira mas, até agora, acreditava que era a melhor escolha para o país.
- Porquê, o que aconteceu agora? - perguntou ele.
- Ela está a voltar-se contra a religião verdadeira e a apoiar os rebeldes protestantes, na Escócia - disse Amy sem rodeios. - Mandou prender todos os bispos, excepto aqueles que foram forçados ao exílio. Já não há Igreja, apenas padres aterrorizados, sem saberem o que devem fazer. É um ataque directo à religião do nosso país. O que quer ela? Tornar protestante toda a Inglaterra, a Escócia, Gales e a Irlanda? Para se equiparar ao próprio Santo Padre? Para ter o seu próprio Sacro-Império? Será que quer ser um Papa de saiotes? Não admira que não se case. Quem iria aturar uma mulher como ela?
- A religião verdadeira? - exclamou Robert. - Amy, toda a vida tendes sido protestante. Fomos casados de acordo com os ritos do Rei Eduardo, na presença dele. com quem tendes andado a falar, para que tais ideias surjam na vossa cabeça?
Ela olhou-o com a sua habitual doçura.
- Não tenho falado com ninguém, Robert. E a nossa casa foi sempre Papista, durante os anos que a Rainha Maria viveu. Estou convencida de que o sabeis. Nas longas horas que passo sozinha, não tenho mais nada para fazer, a não ser pensar. E viajo por todo o país e vejo o que Isabel e os seus servidores estão a fazer. Vejo a destruição dos mosteiros e a pobreza das terras que pertencem à Igreja. Ela está a transformar centenas de pessoas em pedintes, está a deixar os pobres e os doentes sem hospitais. A moeda dela não vale nada e as igrejas nem sequer podem celebrar a missa. Ninguém
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que olhe para a Inglaterra de Isabel a pode considerar uma boa rainha. Ela só trouxe problemas.
Calou-se, ao reparar no ar preocupado dele.
- Eu não falo assim com mais ninguém - sossegou-o ela. - Mas achei que seria correcto partilhar os meus pensamentos convosco. E tenho querido falar convosco acerca do Bispo de Oxford.
- O Bispo de Oxford pode apodrecer no Inferno! - explodiu ele. - Não podeis falar comigo sobre esses assuntos. Não vos fica bem. Sois protestante, Amy, como eu. Nascida e criada, como eu.
- Nasci católica, como vós, depois fui protestante, enquanto o Rei Eduardo esteve no trono - disse ela calmamente. - A seguir, fui católica romana, enquanto a Rainha Maria esteve no trono. Mudei e voltei a mudar. Exactamente como vós. E o vosso pai retractou-se do seu protestantismo e considerou-o um erro tremendo, não foi? Atribuiu a culpa, por todas as desgraças do país, à sua heresia, foram estas as suas palavras. Nessa altura, éramos todos católicos. E agora, quereis ser protestante, e quereis que eu seja protestante, só porque ela o é. Pois bem, não sou.
Por fim, ouviu a nota que lhe permitia perceber o tom dela.
- Ah, estais com ciúmes da Rainha.
A mão de Amy dirigiu-se ao seu bolso, para tocar as frias contas do rosário.
- Não - disse ela com firmeza. -Jurei que não teria ciúmes de nenhuma mulher no mundo, muito menos dela.
- Sempre haveis sido uma mulher ciumenta, Amy - disse ele com franqueza. - É a vossa maldição, Amy, e a minha.
Ela abanou a cabeça.
- Então, eu quebrei a minha maldição, pois nunca mais voltarei a ser ciumenta.
- São os vossos ciúmes que vos levam a fazer essas especulações perigosas. E toda essa teologia não passa de uma máscara, para encobrir o ódio ciumento que sentis por ela.
- Não é verdade, meu senhor. Eu jurei renunciar ao ciúme.
- Ah, admiti-o - disse ele a sorrir. - Não é mais do que despeito feminino.
Ela puxou as rédeas do cavalo e olhou para ele fixamente, para que ele fosse obrigado a olhá-la nos olhos.
- Porquê, que motivos tenho eu para sentir ciúme? - perguntou ela.
Por segundos, Robert ficou com um ar fanfarrão, mudando de posição em cima da sela e o cavalo ficou nervoso, por as rédeas estarem muito tensas.
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- Que motivos posso ter? - perguntou ela de novo.
- Suponho que já tereis ouvido comentários acerca dela e de
mim?
- Obviamente. Penso que o país inteiro já ouviu.
- Isso deixar-vos-ia ciumenta. Deixaria qualquer mulher ciumenta.
- Não, se fordes capaz de me assegurar que não há fundamentos para tal.
- Não acredito que penseis que ela e eu somos amantes! - ele fez com que a afirmação parecesse uma piada.
Amy não se riu, nem sequer sorriu.
- Não pensarei que é assim, se me assegurardes que não é verdade - dentro do bolso, apertava o rosário com força, sentindo-o como uma corda que a poderia salvar de morrer afogada nas profundezas daquela perigosa conversa.
- Amy, não podeis estar a pensar que sou amante dela e que planeio divorciar-me de vós, ou assassinar-vos, como andam a dizer por aí os fazedores de intrigas!
Mesmo assim, ela não sorriu.
- Se me assegurais que os rumores são falsos, não lhes darei ouvidos - disse ela com firmeza. - É óbvio que os ouvi e são bastante detalhados e desagradáveis.
- São perfeitamente obscenos e falsos - disse ele com arrojo. E eu ficaria muito desiludido convosco, Amy, se lhes désseis ouvidos.
- Eu não lhes dou ouvidos, estou a ouvir-vos a vós. Estou a ouvir-vos com muita atenção. Jurais pela vossa honra que não estais apaixonado pela Rainha e que nunca haveis pensado em divórcio?
- Para que precisais de mo perguntar?
- Porque quero saber. Quereis o divórcio, Robert?
- Por certo que nunca iríeis consentir no divórcio, se uma coisa dessas vos fosse proposta? - perguntou ele com curiosidade.
Os olhos de Amy voaram para o rosto dele e ele reparou que ela pestanejava, como se tivesse ficado doente. Por instantes ela permaneceu imóvel, frente a ele, em cima do cavalo, com a boca ligeiramente aberta de espanto e depois, lentamente, tocou o cavalo com o seu pequeno calcanhar e seguiu à frente dele pelo carreiro, em direcção a casa.
Robert foi atrás dela.
- Amy...
Ela não parou, nem virou a cabeça. Ele apercebeu-se de que nunca antes tinha chamado pelo seu nome sem ter uma resposta imediata. Amy vinha sempre, quando ele a chamava, geralmente já estava ao lado dele, muito antes de ele a chamar. Era uma sensação
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estranha e invulgar, ver a pequena Amy Robsart afastar-se dele, a cavalo, com o rosto branco como a morte.
- Amy...
Mas ela continuou firmemente a avançar, sem olhar para a esquerda ou para a direita, sem olhar sequer para trás, para ver se ele a seguia. Fez o caminho todo até casa em silêncio e, quando chegou ao pátio dos estábulos, entregou as rédeas ao criado e entrou em casa, sem dizer uma palavra.
Robert hesitou, mas depois subiu as escadas atrás dela, até ao quarto deles. Não sabia como abordar esta estranha, nova Amy. Ela entrou no quarto e fechou a porta e ele ficou à espera, para o caso de ouvir o ruído da chave a rodar na fechadura. Se ela lhe barrasse a porta, poderia ficar zangado, se trancasse a porta e não o deixasse entrar, era seu direito, por lei, arrombá-la e tinha o direito, garantido por lei, de lhe bater - mas ela não o fez. Limitou-se a fechar a porta, não a trancou. Ele foi em frente, abriu a porta, como era seu direito, e entrou.
Ela estava sentada junto da janela, no seu lugar habitual, a olhar lá para fora, como tantas vezes fazia, à procura dele.
- Amy - disse ele com ternura. Ela voltou a cabeça.
- Robert, já chega. Preciso de saber a verdade. Já estou farta de mentiras e de rumores. Quereis o divórcio ou não?
Ela parecia tão calma que ele sentiu, incrédulo, uma réstia de esperança.
- Amy, o que vos passa pela mente?
- Quero saber se quereis que vos liberte do nosso casamento
- disse ela sem vacilar. - Talvez não seja a esposa de que necessitais, agora que vos haveis transformado num homem tão importante. Isso tornou-se claro para mim, nos últimos meses.
"E Deus ainda não nos abençoou com filhos - acrescentou ela.
- Só estas razões, já poderiam ser suficientes. Mas se metade do que dizem for verdade, então, é possível que a Rainha vos aceite por marido, se estiverdes livre. Nenhum Dudley seria capaz de resistir a semelhante tentação. O vosso pai teria queimado a mulher em azeite a ferver por uma oportunidade dessas, embora a adorasse. Por isso, pergunto-vos, meu senhor, por favor, dizei-me honestamente; quereis o divórcio?"
Pouco a pouco, Robert foi compreendendo o que ela estava a dizer, lentamente percebeu que ela se tinha estado a preparar para isto. Mas, em vez da sensação de oportunidade, sentiu a raiva e o desgosto crescerem dentro de si como uma tempestade.
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- Agora já é tarde de mais! - explodiu ele. - Meu Deus! Dizer-me uma coisa destas nesta altura! Já não serve de nada o facto de terdes recuperado o bom senso, agora, ao fim destes anos todos. Já é demasiado tarde! Já é tarde de mais para mim!
Alarmada, ela olhou para ele, com o rosto chocado pela violência controlada que a voz dele exprimia.
- Que quereis dizer com isso?
- Ela abandonou-me - gritou, a verdade explodindo para fora dele, na sua agonia. - Ela amava-me e sabia-o, queria casar comigo e eu queria casar com ela; mas precisa de um aliado, por causa da guerra contra a França e, por isso, desistiu de mim, para ficar com o arquiduque ou com aquele cachorrinho do Arran.
Seguiu-se um silêncio pesado.
- É por isso que estais aqui? - perguntou ela. - É por isso que estais tão sério e calado?
Ele afundou-se no banco da janela e inclinou a cabeça, sentindo que seria capaz de começar a chorar, como uma mulher.
- É - disse ele apenas. - Porque tudo acabou, para mim. Ela disse-me que tinha de ficar livre e eu deixei-a. Agora não me resta nada, a não ser vós: quer sejais a mulher certa quer não, quer tenhamos filhos quer não, mesmo que seja para desperdiçarmos o resto das nossas vidas juntos e para morrermos odiando-nos um ao outro.
Levou a mão à boca e apertou os dentes contra os nós dos dedos, condenando ao silêncio quaisquer outras palavras.
- Estais infeliz - observou ela.
- Nunca me senti tão mal em toda a minha vida - disse ele. Ela não disse nada e, ao fim de algum tempo, Robert conseguiu
cortrolar-se, engoliu a dor e ergueu a cabeça para olhar para ela.
- Eram amantes? - perguntou ela muito baixinho.
- O que é que isso importa, agora?
- Mas eram? Creio que agora podeis dizer-me a verdade.
- Sim - disse ele aborrecido. - Éramos amantes.
Amy levantou-se e ele olhou para cima, para ela, de pé, à sua frente. O seu rosto, com a luminosidade da janela por trás, estava na penumbra. Ele não conseguia ver a sua expressão, não podendo, por isso, avaliar o que ela estaria a pensar. Mas a sua voz estava calma, como de costume.
- Nesse caso devo dizer-vos: haveis cometido um erro muito grave, meu senhor. Um erro contra a minha pessoa e pelos insultos que eu vou ter de tolerar, um erro contra vós mesmo e a maneira como devíeis viver. Deveis estar mesmo louco, se pensais que, fazendo-me uma confissão desse género, ireis conseguir a minha
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simpatia. Eu, entre todas as mulheres, a que mais sofre com isto tudo; eu, que sei o que é amar sem ser correspondida e que sei avaliar o que é desperdiçar uma vida por causa de um amor.
"Sois um louco, Robert - continuou ela - e ela não passa de uma prostituta, como pensa metade do país. Vai ter de inventar uma nova religião, apenas para justificar a mágoa que me causou e o perigo que vos fez correr. Conduziu-vos ao pecado e ao perigo, colocou este país à beira da ruína, da desgraça e da pobreza e ainda só está no primeiro ano de reinado. Que outras perversidades irá ela ainda inventar, antes de morrer?"
Depois afastou as saias para longe dele, como se não permitisse que ele sequer tocasse na bainha do seu vestido, e abandonou o quarto que tinham partilhado.
A neblina de Novembro pairava, fria, por cima do rio. A Rainha, olhando para o encoberto Tamisa através das altas janelas de Whitehall, estremeceu e apertou o vestido forrado a pele, mais um pouco contra si.
- Mesmo assim, ainda é bastante melhor do que Woodstock disse Kat Ashley, sorrindo-lhe.
Isabel fez uma careta.
- Melhor do que estar presa na Torre - disse ela. - Melhor do que em muitos outros lugares. Mas não é melhor do que em pleno Verão. Está um frio tremendo e não há nada para fazer. Onde está Sir Robert?
Kat não sorriu.
- Está de visita à esposa, Princesa.
Isabel deu-lhe um encontrão no ombro, com o cotovelo.
- Não precisais de fazer esse ar, Kat. Tenho o direito de saber onde anda o meu Estribeiro-Mor. E tenho o direito de esperar que ele esteja na corte.
- E ele tem o direito de visitar a mulher - disse Kat energicamente. - Deixá-lo partir foi o melhor que podíeis ter feito, Princesa. Sei que é doloroso para vós, mas...
O rosto de Isabel mostrava bem a falta que sentia dele.
- Não foi o melhor que fiz; as vossas felicitações vêm antes do tempo - disse ela de mau humor. - É um sacrifício que eu tenho de repetir todos os dias. Não é algo que se resolva num só dia, Kat,
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terei de viver todos os dias da minha vida sem ele, sabendo que ele está a viver sem mim. Todas as manhãs, acordo consciente de que não vou poder sorrir-lhe, nem vê-lo a olhar para mim com amor. Todas as noites me deito para dormir, sentindo a sua falta. Não sei como suportar esta situação. Há cinquenta e um dias que o mandei embora e ainda continuo terrivelmente apaixonada por ele. Não há meio de passar.
Kat Ashley olhou para a jovem mulher que conhecia desde a infância.
- Ele pode continuar a ser vosso amigo - disse, tentando consolá-la. - Não tendes de o perder completamente.
- Não é da amizade dele que eu sinto falta - disse Isabel arrojadamente. - É dele. Da sua pessoa. Da sua presença. Quero ver a sombra dele nas minhas paredes, quero sentir o seu cheiro. Não consigo comer sem ele, não sou capaz de tratar dos assuntos do Reino. Não consigo ler um livro sem pedir a sua opinião, não consigo ouvir uma música sem querer cantar-lha. É como se a vida, a cor e o calor fossem arrancados ao mundo, quando ele não está junto de mim. Não tenho saudades do meu amigo, Kat. Sinto a falta dos meus olhos, não consigo ver sem ele. Sem ele, sou uma mulher cega.
As portas abriram-se e Cecil entrou, com rosto grave.
- Sir William - disse Isabel pouco calorosamente. - E com más notícias, se estou a perceber correctamente.
- Apenas notícias - disse ele com voz neutra, esperando que Kat se afastasse.
- Trata-se de Ralph Sadler - disse ele imediatamente, nomeando o agente deles em Berwick. - Enviou o nosso dinheiro, mil coroas, para os Lordes protestantes, mas Lorde Bothwell, um vira-casaca protestante ao serviço da regente, Maria de Guise, interceptou o homem e roubou-o. Não temos hipótese de o reaver.
- Mil coroas! - ela estava estarrecida. - É quase metade do dinheiro que conseguimos reunir para lhes enviar.
- E tínhamos razão para o fazer. Os Lordes protestantes estão a vender os talheres e as suas baixelas, para conseguirem armar as suas forças. E quem havia de pensar que Bothwell se atreveria a trair os seus colegas? Mas nós é que perdemos o dinheiro e, pior do que isso, a rainha regente vai ficar a saber que estamos a armar os seus inimigos.
- Eram coroas francesas, não eram moedas inglesas - disse ela muito depressa, recorrendo a uma mentira. - Podemos negar tudo.
- O dinheiro veio de Sadler, o nosso homem em Berwick. Não há hipótese de duvidarem de que o dinheiro era nosso.
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Isabel estava alarmada.
- Cecil, que vamos fazer?
- Isto é motivo suficiente para os Franceses declararem a guerra contra nós. com isto, demos motivos para que possam alegar justa causa.
Ela voltou-se e afastou-se dele, os dedos esfregando as cutículas das unhas.
- Eles não vão declarar guerra contra mim - disse ela. - Não, enquanto pensarem que me vou casar com um Habsburgo. Não se atreveriam.
- Nesse caso, tereis de casar com ele - pressionou Cecil. - Eles têm de saber que esse assunto vai em frente. Tereis de anunciar o vosso noivado e indicar a data do vosso casamento - no Natal.
O ar dela era de tristeza.
- Não tenho outra escolha?
- Sabeis que não. Ele está a preparar-se para vir para a Inglaterra, neste preciso momento.
Ela tentou sorrir.
- Terei de casar com ele.
- Pois é.
Robert Dudley regressou e encontrou a corte numa agitação febril. O Duque John da Finlândia tinha chegado, como representante do seu amo, príncipe Erik da Suécia, e andava a espalhar dinheiro e a prometer favores a todas as pessoas que apoiassem a sua proposta de casamento com a Rainha.
Isabel, radiante de vivacidade forçada, dançava com ele, passeava e conversava com o embaixador do arquiduque e conseguia baralhar ambos, no que se referia às suas verdadeiras intenções. Quando Cecil a afastou para um lado, os sorrisos desapareceram do seu rosto, como se lhe tivesse retirado uma máscara. As notícias da Escócia eram bastante negras. Os Lordes protestantes estavam acampados diante do Castelo de Leith, esperando matar a regente à fome, antes que chegassem os reforços vindos da França; mas o castelo era inexpugnável, a rainha regente sitiada estava bem abastecida e os Franceses não tardariam a chegar. Ninguém acreditava que os Escoceses fossem capazes de manter o cerco. Tinham um exército próprio para ataques rápidos, seguidos de uma vitória, não tinham disciplina para aguentar uma guerra longa. E agora já todos
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tinham percebido que era uma verdadeira guerra, não uma rebelião com pouco significado. Era uma guerra a sério, perigosa e nenhuma das alegres manifestações da corte conseguia iludir a ansiedade.
Isabel cumprimentou Robert delicadamente, mas com frieza, e não o convidou nenhuma vez para ficar a sós com ela. Por sua vez, ele lançou-lhe um lento e doce sorriso, e manteve-se à distância.
- Acabou tudo de vez, entre vós? - perguntou-lhe Mary Sidney, olhando a Rainha, sentada muito direita na sua cadeira, observando a dança, e reparando no olhar fixo do irmão que observava Isabel.
- Não é isso que parece? - perguntou ele.
- É óbvio que já não andam à procura um do outro. Já não estais nunca a sós com ela - disse ela. - Gostaria de saber como vos sentis.
- Como morto - disse ele simplesmente. - Todos os dias acordo sabendo que vou vê-la, mas não vou poder sussurrar ao seu ouvido ou tocar na sua mão. Não posso afastá-la das suas reuniões, não posso roubá-la da companhia dos outros. Todos os dias a cumprimento como a uma estranha e vejo a tristeza nos seus olhos. Todos os dias a faço sofrer com a minha frieza e ela me destrói com a dela. É tão doloroso estar longe da corte como estar perto dela. A frieza entre nós está a dar cabo de ambos, e nem sequer posso dizer-lhe a pena que sinto por ela.
Olhou por momentos para o rosto preocupado da irmã e depois voltou a olhar para a Rainha.
- Ela está tão só! - disse ele. - Vejo que está apenas a conseguifcontrolar-se, presa por um fio. Tem tanto medo. E eu sei isso, mas não posso ajudá-la.
- Tem medo? - repetiu Mary.
- Ela teme pela sua vida, teme pelo país e presumo que esteja completamente aterrorizada por ter de nos levar para a guerra com os Franceses. A velha Rainha Maria lutou contra os Franceses e eles derrotaram-na e destruíram a sua reputação. E agora estão mais fortes do que nessa altura. E, desta vez, a guerra vai ser em solo inglês, em Inglaterra.
- Que é que ela vai fazer?
- Adiar o mais que puder - previu Robert. - Mas o cerco tem de acabar, de uma maneira ou de outra, e depois, como vai ser?
- E vós, que pensais fazer?
- Ficarei a observá-la à distância, rezarei por ela, sentindo a sua falta com uma dor de morte.
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Em meados de Novembro surgiu a resposta para a pergunta de Robert. As notícias não podiam ser piores: as forças da rainha regente francesa tinham conseguido sair em força da armadilha do Castelo de Leith e tinham, de novo, obrigado os seus algozes protestantes a retirar, para Stirling. A regente, em nome da sua filha, Maria, Rainha dos Escoceses, tinha recuperado Edimburgo, e a causa dos Protestantes na Escócia, fora completamente derrotada.
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Inverno de 1559-60
Amy viajou pelas estradas frias e alagadas, de regresso a Stanfield Hall, a casa de Norfolk onde vivera na infância, para passar o Inverno. O céu, formando um arco por cima da paisagem plana, estava cinzento, carregado de nuvens de chuva, e a terra, cá em baixo, escura, matizada por rochas cinzentas, e árida como linho caseiro. Amy seguia a cavalo, no meio do frio, protegida pelo capuz e com a cabeça vergada.
Não esperava voltar a ver Robert antes do Natal, nem estar com ele durante os doze dias que duravam as festividades natalícias. Sabia que ele iria estar ocupado na corte, planeando as festividades, organizando as representações, os actores, as festas e as caçadas, uma vez que a corte estava decidida a celebrar as festas do Inverno, pensando, sem o dizer em voz alta, que poderia ser a última vez que o faziam com Isabel no trono. Amy sabia que o seu marido iria estar constantemente ao lado da jovem Rainha: amante dela, seu amigo e companheiro íntimo. Sabia que, quer eles fossem amantes ou estivessem afastados, não havia mais ninguém no mundo para Robert, a não ser Isabel.
- Não o censuro - murmurou ela, enquanto estava ajoelhada na igreja da paróquia de Syderstone, olhando para o espaço vazio no altar onde antes estivera o crucifixo e para uma consola, onde costumava estar uma imagem da Virgem Maria, com a sua bondosa mão de pedra erguida, para abençoar os fiéis. - Não o vou censurar - murmurou para os espaços vazios, as únicas coisas que o novo pároco de Isabel tinha deixado ficar, e para as quais os fiéis se podiam dirigir em oração. - E não vou censurá-la. Não quero criticar nenhum deles, ninguém. Tenho de me libertar da minha raiva e da minha dor, tenho de dizer que ele se pode afastar de mim, que pode ir ter com outra mulher e que pode amá-la, mais do que
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alguma vez me amou. Tenho de libertar o meu coração do ciúme, da dor e da tristeza. Tenho de ultrapassar tudo isto, ou esta situação destruir-me-á.
Deixou cair a cabeça nas mãos.
- Esta dor no peito, que está sempre a latejar, é a ferida do meu desgosto - disse ela. - É como uma lança espetada no meu coração. Tenho de lhe perdoar, para que a ferida sare. Cada vez que puxo por ela com os meus ciúmes, a dor espalha-se de novo. vou obrigar-me a perdoar-lhe. vou, até, obrigar-me a perdoá-la.
Amy ergueu a cabeça das mãos e olhou para o altar. Na pedra, era possível ver, embora muito tenuemente, o contorno, no lugar onde o crucifixo estivera pendurado. Fechou os olhos e rezou, dirigindo-se a ele, como se o crucifixo ainda lá estivesse.
- Não vou concordar com a heresia do divórcio. Mesmo se ele, por acaso, viesse ter comigo, dizendo que ela tinha mudado de ideias e queria casar com ele, mesmo assim, eu não consentiria numa coisa dessas. Deus juntou-nos, a Robert e a mim, ninguém nos pode separar. Eu sei que é assim. Ele sabe que é assim. Provavelmente, até ela, dentro do seu triste coração pecador, sabe que é assim.
Nos seus esplêndidos aposentos de Whitehall, Cecil estava ocupado a escrever uma carta. Era dirigida à Rainha, mas não estava escrita no seu habitual estilo rápido, com todos os pontos numerados. Era uma carta bastante mais formal, composta por ele, mas que se destinava a ser-lhe enviada pelos protestantes escoceses. O percurso sinuoso da carta, de Cecil para a Escócia, onde seria copiada pela mão dos Lordes escoceses e novamente enviada para a Rainha, para sul, com urgência, justificava-se, na mente de Cecil, pois alguma coisa teria de sacudir a consciência de Isabel e fazê-la enviar um exército inglês para a Escócia.
A guarnição francesa de Leith conseguira furar o cerco e derrotara os protestantes escoceses acampados em frente do castelo. No horror da derrota, o Conde de Arran, a grande esperança de Cecil na Escócia, começara a comportar-se de uma forma muito estranha: ficava, alternadamente, louco de raiva ou caía numa depressão de silêncio e lágrimas. Não se podiam esperar do pobre James Hamilton grandes feitos, relacionados com um comando heróico, nem um casamento triunfal com Isabel: o infeliz e simpá-
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tico rapaz estava nitidamente meio louco e a derrota estava a empurrá-lo para o abismo. Os Lordes escoceses não tinham líder, estavam por sua conta. Sem a ajuda de Isabel, ficavam também sem apoio. O que, naquele momento, constituía uma retirada seria uma clara derrota quando os reforços franceses desembarcassem e Sir Nicholas Throckmorton, recém-chegado de Paris, completamente apavorado, tinha avisado que a armada francesa estava a reunir-se em todos os portos da Normandia, que as tropas estavam armadas e que se fariam ao mar, mal o vento estivesse de feição. O embaixador afirmava que os Franceses não tinham dúvidas de que iriam conquistar a Escócia, em primeiro lugar, e marchar depois para a Inglaterra. Não tinham qualquer dúvida de que iriam ganhar.
Vossa Graça,
Escreveu Cecil pelos Escoceses.
Como membro da mesma religião, como aliado que. teme a força dos franceses, como vizinho e amigo, rogo-vos que venhais em nosso auxílio. Se vós não nos ajudardes, ficaremos sós contra os usurpadores franceses, e não restam dúvidas de que, a seguir à queda da Escócia, os franceses invadirão a Inglaterra. Nesse dia, ireis lamentar o facto de não nos terdes ajudado, neste momento, pois nenhum de nós estará vivo para vos ajudar.
Não estamos a ser desleais para com a Bainha Maria da Escócia, estamos apenas a desafiar os seus perversos conselheiros, os franceses, não a ela. "Estamos a desafiar a regente, Maria de Guise, que está a governar em lugar da nossa verdadeira rainha, Maria. Os conterrâneos da regente, as tropas francesas, já estão envolvidos e qualquer tratado que tenhais com os franceses já foi violado, uma vez que eles pegaram em armas contra nós, no nosso próprio solo.
Os familiares da regente são nossos inimigos jurados, assim como vossos.
Se tivéssemos apelado desta forma ao vosso pai, ele ter-nos-ia defendido e, desse modo, teria unido o Reino, o seu grande plano.
Tor favor, sede uma filha digna de vosso pai, e vinde em nosso auxílio.
"Podeis acrescentar o que quiserdes,
Escreveu Cecil aos Lordes escoceses num post-scriptum,
mas tende cuidado para não parecerdes um grupo de rebeldes manifestando-se contra um chefe legítimo, pois ela não vai apoiar uma revolta aberta. Se os franceses tiverem matado algumas mulheres e crianças na altura em que lhe escreverdes, deveis mencionar esse assunto e não vos poupeis nos detalhes.
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Não deveis falar em dinheiro, deveis dar-lhe boas razões que a levem a pensar que será uma campanha sem problemas e pouco dispendiosa. Deixo ao vosso critério a informação sobre a situação actual, no momento em que receberdes esta carta, a copiardes e a reenviardes para ela. Espero que o façais rapidamente e que Deus vos ajude.
- E que Deus nos ajude a todos - comentou ele, receoso, para consigo mesmo, no momento em que dobrava a carta e a selava, em três sítios diferentes, com um selo em branco. Não tinha assinado a carta. Cecil só muito raramente assinava o seu nome em qualquer documento.
Uma nova mascarada, planeada por Robert, deveria ter Camelot como tema sempre popular, mas nem mesmo ele, com o seu encanto determinado, conseguiu que a representação fosse muito animada.
A Rainha representava o espírito da Inglaterra, e estava sentada no trono, enquanto as jovens damas de companhia dançavam diante dela e os actores apareciam mais tarde, com uma peça de teatro escrita especificamente para celebrar a grandeza da Inglaterra de Artur. Havia um grupo de personagens inimigas, que ameaçava a glória dourada da Távola Redonda, para que ninguém duvidasse de que um dos sinais de um grande reino era a existência dos seus inimigos, mas todos eram destruídos sem grande dificuldade; na Inglaterra ficcional de Robert, não havia sinal do terror constante que Isabel sentia em relação à guerra.
Isabel, olhando em volta da sala pelo meio das bailarinas, viu Robert e obrigou-se a fazer de conta que não reparara nele. Robert, que estava suficientemente perto do trono para o caso de ser chamado, se ela quisesse falar com ele, reparou que os olhos negros dela passavam por ele e percebeu que fora apanhado a olhá-la fixamente.
"Pareço um rapazinho apaixonado" pensou, furioso consigo próprio.
Ela olhou uma vez directamente para ele e esboçou um leve sorriso, como se fossem já dois fantasmas, como se a sombra de Isabel tivesse entrevisto vagamente, por entre a neblina, o jovem que amara quando era ainda um rapazinho: depois voltou-se para Gaspar von Breuner, o embaixador do arquiduque, o aliado que
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tinha de ter, o marido com quem devia casar, para lhe perguntar quando pensava que o arquiduque chegaria a Inglaterra.
O embaixador não estava interessado na diversão. Nem sequer Isabel, com todo o seu encanto, conseguia trazer um sorriso ao seu rosto. Ao fim de algum tempo, levantou-se, alegando problemas de saúde.
- Vedes o problema que haveis criado? - disse Norfolk, asperamente, a Dudley.
- Eu?
- O Barão von Breuner acredita que a minha prima, a Rainha, não vai querer casar, quando é tão evidente que está apaixonada por outro homem e, por isso, aconselhou o arquiduque a não vir para a Inglaterra, para já.
- Sou um amigo leal da Rainha, como vós sabeis - disse Dudley com desdém. - E só quero o que for melhor para ela.
- Vós sois apenas um maldito interesseiro - disse Norfolk com severidade. - E tendes permanecido na sombra dela, para que nenhum príncipe da Europa a aceite. Pensais que eles não ouvem os mexericos? Julgais que eles não sabem que vós a cobris por todo o corpo, como a Doença do Suor? Imaginais que eles acreditam que os dois estão, agora, afastados? Toda a gente pensa que vós só vos haveis afastado para que ela possa escolher um marido que se deixe enganar, e nenhum homem honrado a vai querer.
- Estais a insultá-la, e isso não vos perdoarei - disse Dudley, branco de raiva.
- Posso estar a insultá-la, mas vós havei-la destruído - ripostou Norfolk.
- Porque um arquiduque qualquer não lhe vem fazer a corte?
- perguntou Dudley. - Vós não sois nem um bom amigo nem um verdadeiro inglês, se achais que ela deve casar com um estrangeiro. Porque haveríamos de ter mais um príncipe estrangeiro no trono da Inglaterra? Que bem é que Filipe da Espanha nos fez?
- Porque ela tem de se casar - disse Norfolk no calor da fúria.
- E com alguém de sangue real, custe o que custar, alguém melhor do que um rafeiro como vós.
- Cavalheiros! - O tom frio de Sir Francis, fê-los voltarem-se. Homens nobres, de facto. A Rainha está a olhar na vossa direcção, pois estais a quebrar a agradável harmonia da festa.
- Falai com ele - disse Norfolk, empurrando Dudley para o lado. - Já não aguento ouvir falar neste disparate, enquanto a minha familiar se vai arruinando e o país se afunda sem aliados.
Robert deixou-o ir. Mesmo sem querer, olhou para o trono.
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Isabel estava a olhar para ele, o embaixador tinha ido embora e, na sua preocupação pelo que o tio poderia estar a dizer ao homem que amava, não reparara na vénia que ele lhe fizera, ao despedir-se.
A carta dos protestantes escoceses, convenientemente manchada pela viagem e autenticamente reescrita, chegou às mãos da Rainha em fins de Novembro. Cecil trouxe-lha e colocou-a na secretária dela, numa altura em que ela deambulava pela sala, incapaz de se concentrar fosse no que fosse.
- Estais doente? - perguntou ele, reparando na sua palidez e no seu nervosismo.
- Infeliz - foi tudo o que Isabel disse.
"Aquele maldito Dudley" pensou Cecil consigo mesmo, aproximando a carta um pouco mais dela, para que a abrisse. Ela leu-a devagar.
- Isto dá-vos motivos para enviardes um exército para a Escócia
- disse-lhe Cecil. - É um apelo dos Lordes da Escócia, unidos, pedindo ajuda para resistirem a uma força usurpadora: os Franceses. Ninguém poderá dizer que estais a invadir um país no vosso próprio interesse. Ninguém poderá dizer que estareis a derrubar uma rainha legítima. Trata-se de um convite, vindo dos legítimos Lordes, que apresentam as suas justificáveis aflições. Podeis dizer "sim".
- Não - disse ela com nervosismo. - Ainda não.
- Já enviámos fundos - enumerou Cecil -, já enviámos observadores. Sabemos que os Lordes escoceses combaterão com afinco. Até sabemos que eles podem derrotar Maria de Guise, pois já a fizeram recuar até à beira-mar, para Leith. Sabemos que os Franceses virão, mas ainda não partiram, só estão à espera que o tempo mude. Apenas o vento está entre nós e a invasão. Apenas o próprio ar está entre nós e o desastre. Sabemos que esta é a nossa oportunidade. Temos de a agarrar.
Ela ergueu-se da secretária.
- Cecil, metade do Conselho Privado avisou-me de que vamos perder, de certeza. Lorde Clinton, o Almirante-Mor, diz que não pode garantir que a nossa marinha seja capaz de aguentar uma frota francesa: eles possuem melhores navios e melhores armas. O Conde de Pembroke, o Marquês de Winchester, não me aconselham a ir para a Escócia e o vosso próprio cunhado, Nicholas Bacon, diz que
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o risco é muito grande. Gaspar von Breuner avisa-me, em segredo que, apesar de ele e o imperador serem meus amigos, têm a certeza de que vamos perder. A corte francesa ri-se alto e bom som, só de pensar que nós vamos tentar entrar em guerra com eles. Acham ridículo, só o facto de sonharmos com uma coisa dessas. Todas as pessoas com quem falei me dizem que, de certeza, vamos perder.
- Perderemos de certeza, se adiarmos para demasiado tarde disse Cecil. - Mas penso que poderemos ganhar, se enviarmos o nosso exército agora.
- Talvez na Primavera - tentou ela contemporizar.
- Na Primavera, a armada francesa já estará ancorada na doca de Leith e os Franceses já terão colocado guarnições contra nós em todos os castelos da Escócia. Era melhor enviar-lhes já as chaves, e ficava o assunto resolvido.
- É um risco, um risco muito grande - disse Isabel apavorada, virando-se para a janela, esfregando os dedos de nervosismo.
- Eu sei disso. Mas tereis de o correr. Tereis de correr esse risco, porque a hipótese de ganhar, agora, é maior do que alguma vez será mais tarde.
- Podeis enviar mais dinheiro - disse ela aflita. - Gresham pode conseguir que nos emprestem mais dinheiro. Mas não me atrevo a fazer mais do que isso.
- Deveis aconselhar-vos - instou-a Cecil. - Vamos ver o que o Conselho Privado tem a dizer.
- Não tenho conselheiros - disse ela desolada.
"Dudley, de novo" pensou Cecil. "Quase não consegue viver sem ele."
- Vossa Graça, tendes um grupo completo de conselheiros. Iremos consultá-los, amanhã - disse Cecil, conciliador.
Mas, no dia seguinte, antes da reunião do Conselho Privado, chegou um visitante, vindo da Escócia. Lorde Maitiand de Lethington veio disfarçado, autorizado pelos outros lordes escoceses, oferecer à Rainha, em segredo, a coroa da Escócia, e ela só teria de os ajudar contra os Franceses.
- Significa que perderam a esperança que depositavam em Arran - disse Cecil, com tanta satisfação que a sua língua quase lhe podia sentir o gosto. - Querem-vos a vós.
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Por momentos, a ambição de Isabel, sempre latente, quase saltou à vista.
- Rainha da França, da Escócia, de Gales, da Irlanda e da Inglaterra! - Exclamou ela. - Terras desde Aberdeen até Calais. Eu seria uma das mais importantes princesas da Europa, e uma das mais ricas.
- Isto transforma o futuro do Reino numa certeza - prometeu-lhe Cecil. - Pensai no que a Inglaterra poderia fazer se estivesse unida à Escócia! Ficaríamos em segurança, finalmente, e para sempre a salvo do perigo de uma invasão, vinda do Norte. Eliminaríamos o risco de invasão dos Franceses. Poderíamos utilizar a força e a riqueza da Escócia para avançarmos e irmos em frente. Transformar-nos-íamos numa força poderosa da Cristandade. Quem pode imaginar o que poderíamos alcançar? As coroas de Inglaterra e da Escócia unidas constituiriam um poderio mundial reconhecido por toda a gente! Seríamos o primeiro grande reino protestante, como o mundo nunca viu.
Por momentos, pensou que lhe conseguira transmitir a sua visão pessoal do destino que ela poderia reclamar. Então, ela voltou a cabeça para o outro lado.
- Isto é uma armadilha - lamentou ela. - Quando os Franceses invadissem a Escócia, eu teria de lutar com eles. Estariam em terras minhas e eu não o poderia ignorar. Seríamos forçados a lutar contra eles.
- Teremos de lutar contra eles, de qualquer modo! - exclamou Cecil, perante o círculo vicioso do pensamento dela. - Mas neste caso, se ganhardes, sereis Rainha da Inglaterra e da Escócia!
- Mas se perdermos, serei decapitada como Rainha da Inglaterra e da Escócia.
Ele teve de controlar a sua impaciência.
- Vossa Graça, esta é uma proposta extraordinária, por parte dos lordes escoceses. Significa o fim de anos... não, de séculos de inimizade. Se ganharmos, tereis unido o reino, como o vosso pai pretendia e o vosso avô sonhava. Tendes a oportunidade de vir a ser a mais poderosa monarca que a Inglaterra alguma vez conheceu. Tendes hipótese de transformar estas ilhas num reino unido.
- Pois é - disse Isabel muito infeliz. - Mas, e se perdermos?
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Era a véspera de Natal, mas a corte estava longe de se sentir alegre. Isabel estava sentada, muito direita, à cabeceira da mesa, com os membros do Conselho Privado à sua volta. O único movimento que fazia era esfregar constantemente as cutículas, polindo as unhas com as pontas dos dedos.
Cecil concluiu os seus argumentos a favor da guerra, seguro de que ninguém com bom senso poderia discordar da incansável perseverança da sua lógica. Fez-se silêncio, enquanto os seus pares absorviam a sua longa lista.
- Mas, o que acontece se perdermos? - disse a Rainha com voz débil.
- Precisamente - Sir Nicholas Bacon concordava com ela. Cecil percebeu que ela estava aterrada.
- Espírito - disse ela muito baixinho. - Deus me proteja, mas não posso dar ordens para entrarmos em guerra com a França. Não, mesmo à nossa porta. Sem termos a certeza de ganhar. Não sem...
- Calou-se.
"O que ela quer dizer é, não sem a concordância de Dudley", pensou ele. "Oh, Deus Todo Misericordioso, porque nos destes uma princesa quando precisávamos tão desesperadamente de um rei? Ela não consegue tomar uma decisão sem o apoio de um homem, e esse homem é um idiota e um traidor."
A porta abriu-se e Sir Nicholas Throckmorton entrou, curvou-se diante da Rainha e colocou um documento à frente de Cecil. Este examinou-o e depois olhou para a rainha e para os seus colegas conselheiros.
- O vento mudou - disse ele.
Por breves instantes, Isabel não percebeu o que ele queria dizer.
- A frota francesa fez-se ao mar.
Houve um súbito suster de respiração por parte de todos os conselheiros. Isabel ficou ainda mais pálida.
- Eles vêm aí? - murmurou ela.
- Quarenta navios - disse Cecil.
- Nós só temos catorze - disse Isabel, e ele quase não percebeu as suas palavras, pois os lábios dela estavam tão cerrados e frios que ela mal conseguia falar.
- Mandai-os sair para o largo - sussurrou-lhe Cecil, persuasivo como um amante. - Permiti que os nossos barcos saiam do porto e sigam para onde possam, pelo menos, interceptar os barcos que estejam mais afastados da frota francesa, talvez até atacá-los. Por amor de Deus, não os deixeis ficar no porto, onde os Franceses podem entrar e incendiá-los à sua passagem!
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O medo de perder os seus barcos era maior do que o receio que sentia da guerra.
- É verdade - disse ela pouco segura - Sim, eles devem partir. Não podem ser apanhados no porto.
Cecil fez uma pequena vénia, rabiscou uma mensagem e levou-a à porta, entregando-a a um mensageiro que esperava.
- Agradeço-vos - disse ele. - E agora temos de declarar guerra aos Franceses.
Isabel, com os lábios em carne viva, de tanto os morder, e as cutículas todas arrancadas, atravessou a corte, para ir receber a comunhão do Dia de Natal, como uma mulher perseguida por uma assombração, com um sorriso afivelado no rosto, como uma fita vermelha muito puída.
Na sua capela, olhou para o fundo e viu que Robert Dudley estava a olhar para si. Ele lançou-lhe um leve sorriso.
- Coragem! - murmurou ele.
Ela olhou para ele, como se ele fosse o único amigo que possuía no mundo. Ele semiergueu-se do seu lugar, como se fizesse tenção de ir ter com ela e atravessar a nave da igreja, diante de toda a corte. Ela abanou a cabeça e virou-se para outro lado, para não poder ver as saudades nos olhos dele e para que ele não pudesse reparar na paixão reflectida nos dela.
As festividades do Dia de Natal foram levadas a cabo com competência, mas sem alegria. Os coristas cantaram, as filas de criados serviram prato após prato de elaborados e gloriosos manjares, Isabel afastou de si todos eles. Não se sentia capaz de comer nada, nem sequer de fingir que comia.
Depois do almoço, quando as damas estavam a dançar, numa representação especialmente preparada para a ocasião, Cecil aproximou-se, ficando de pé atrás da cadeira dela.
- O que se passa? - disse ela pouco delicadamente.
- O embaixador Habsburgo disse-me que está a pensar voltar para Viena - disse ele calmamente. - Já perdeu as esperanças em
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relação ao vosso casamento com o arquiduque. Não quer esperar mais tempo.
Ela estava cansada de mais para protestar.
- Ah, devemos deixá-lo ir embora? - perguntou aborrecida.
- Não ireis casar com o arquiduque? - disse Cecil, mas quase não havia interrogação.
- Teria casado com ele se ele tivesse vindo cá - disse ela. - Mas não seria capaz de me casar com um homem que nunca vi, e Cecil, Deus é minha testemunha, estou tão deprimida que não me apetece pensar em namoros nesta altura. Já é demasiado tarde para me salvar da guerra, tanto faz que fique como que parta, e, de qualquer modo, nunca me interessei absolutamente nada por ele. Preciso de um amigo em quem possa confiar e não de um pretendente que precisa de ter tudo assinado e selado antes de vir ter comigo. Não me prometeu nada, mas exigia todas as garantias próprias de um marido.
Cecil não a corrigiu. Já a tinha visto em prisão domiciliária, temendo a própria morte mas, no entanto, nunca a vira tão despojada de alegria como nesta festa, apenas no seu segundo ano no trono.
- É tarde de mais - disse tristemente Isabel, como se já tivesse sido derrotada. - Os franceses já partiram e já devem estar ao largo das nossas costas, nesta altura. Eles não tiveram medo do arquiduque, sabiam que o poderiam derrotar, como derrotaram Arran. Que importância pode ele agora ter para mim, se os franceses já se fizeram ao mar?
- Animai-vos, princesa - disse Cecil. - Nós ainda temos uma aliança com a Espanha. Alegrai-vos. Somos capazes de derrotar os Franceses, sem o arquiduque.
- E também podemos perder sem ele - foi tudo o que ela disse.
Três dias mais tarde, Isabel convocou outra reunião do seu Conselho Privado.
- Rezei muito, pedindo a Deus que me guiasse - disse ela. Passei a noite toda de joelhos. Não posso fazer uma coisa destas, não me atrevo a levar o nosso país para a guerra. Os navios devem ficar no porto, não podemos atacar os Franceses.
Ouve um silêncio de espanto, e depois todos ficaram à espera que Cecil lhe dissesse. Ele olhou em volta, procurando um aliado, mas todos evitaram os seus olhos.
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- Mas os barcos já partiram, Vossa Graça - disse ele sem rodeios.
- Já partiram? - ela estava horrorizada.
- A armada partiu, na altura em que vós destes a ordem disse ele.
Isabel soltou um pequeno gemido e agarrou-se às costas altas da cadeira, quando os seus joelhos cederam.
- Como haveis sido capaz de fazer uma coisa destas, Cecil? Sois um verdadeiro traidor, por os terdes mandado partir.
Os membros do Conselho retiveram a respiração, ao ouvir a Rainha pronunciar aquela potente e perigosa palavra, mas Cecil nem pestanejou.
- Foram ordens vossas - disse ele com firmeza. - Exactamente o que devia ser feito.
A corte aguardava notícias vindas da Escócia e elas iam chegando em retalhos contraditórios, que arrasavam os nervos, e levavam as pessoas a andar a cochichar, nervosas e baralhadas, pelos cantos. Muitos homens começaram a comprar ouro e a enviá-lo para fora do país, para Genebra, para a Alemanha, de modo a que, quando os Franceses viessem, e quase de certeza que viriam, pudessem escapar com facilidade. O valor da moeda inglesa, já bastante baixo, despenhou-se no abismo.
Ninguém tinha confiança na armada inglesa, nitidamente em minoria, tanto em número de homens como em armamento, nem fé na Rainha, que estava claramente doente de medo. Depois chegaram notícias desastrosas: toda a frota inglesa, os catorze preciosos navios de Isabel, havia sido apanhada por uma tempestade e desaparecera.
- Aí está! - gritou a Rainha para Cecil, consternada, diante de todo o Conselho privado. - Se me tivésseis deixado atrasar a frota, os barcos teriam evitado os ventos fortes e eu teria uma frota pronta a partir, em vez de os ter desaparecidos no mar!
Cecil não respondeu, pois não havia nada que pudesse dizer.
- A minha frota! Os meus navios! - lamentou-se ela. - Perdidos por causa da vossa impaciência, pela vossa loucura, Cecil. E agora temos o Reino aberto aos invasores, sem defesa marítima, e os nossos pobres rapazes perdidos no mar.
Passaram-se muitos e longos dias até que chegou a notícia de que os navios tinham sido recuperados e que uma frota, composta
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por onze dos catorze barcos, tinha ancorado no Firth of Forth e que estavam a abastecer os lordes escoceses, uma vez que eles haviam sitiado novamente o castelo de Leith.
- Três navios perdidos, já! - dizia Isabel cheia de desespero, confundida, junto à lareira dos seus aposentos privados, arrancando as peles em volta dos dedos, parecendo mais uma rapariga amuada do que uma rainha. - Três navios perdidos, sem se disparar um tiro!
- Foram onze navios que se salvaram! - disse Cecil com teimosia. - Pensai nisso. Onze barcos a salvo no Firth of Forth, apoiando o cerco contra Maria de Guise. Imaginai como ela se deve sentir, quando olha para fora da janela e vê os escoceses por baixo dos seus muros e a armada inglesa no seu porto.
- Ela só consegue ver onze navios - teimou ela. - Três já se perderam. Queira Deus que estas não sejam apenas as primeiras perdas de muitas outras. Temos de os mandar regressar, enquanto ainda temos esses onze. Cecil, não me atrevo a manter esta situação sem ter a certeza da vitória.
- Nunca se tem a certeza de ganhar - afirmou ele. - Será sempre um risco, mas tendes de o correr, agora, Vossa Graça.
- Espírito, por favor, não me podeis pedir uma coisa dessas. Ela estava ansiosa, preparando-se para um dos seus ataques de
fúria, mas ele continuou a pressioná-la.
- Não podeis voltar atrás com as vossas ordens.
- Tenho muito medo.
- Não podeis comportar-vos como uma mulher, neste momento, tendes de ter a coragem e a valentia de um homem. Tendes de encontrar a vossa coragem, Isabel. Sois filha do vosso pai, deveis agircomo um rei. Já vos vi ter a bravura de um homem.
Por momentos, acreditou que a mentira lisonjeira a convencera. O queixo dela ergueu-se, o rosto ganhou cor, mas, de repente, ele viu o brilho desaparecer-lhe dos olhos e ela voltou a perder as forças.
- Não sou capaz - disse ela. - Nunca me haveis visto a comportar-me como um rei. Nunca fui mais do que uma mulher inteligente e dissimulada. Não sou capaz de lutar abertamente. Nunca fui. Não haverá guerra.
- Tereis de aprender a comportar-vos como um rei - avisou-a Cecil. - Um dia, tereis de dizer que sois apenas uma mulher fraca, mas que tendes a força e a tenacidade de um rei. Não podeis governar este Reino sem serdes o seu rei.
Ela abanou a cabeça, teimosa como uma mula ruiva assustada.
- Não consigo.
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- Não podeis mandar os barcos regressar, tendes de declarar a guerra.
- Não.
Ele respirou fundo e pôs à prova a sua própria determinação. Depois retirou a sua carta de demissão, de dentro do gibão.
- Nesse caso, tenho de vos pedir que aceiteis a minha demissão. Isabel deu uma volta completa.
- O quê? O que vem a ser isto?
- Libertai-me. Não posso continuar ao vosso serviço. Se não aceitais o meu conselho sobre este assunto, que é tão importante para a segurança do Reino, não posso servir-vos. Se não vos consigo convencer é porque falhei, em relação a vós e ao meu trabalho. Tudo o que puder fazer por vós, neste mundo, farei. Sabeis quanto vos estimo, tanto como a uma esposa ou uma filha. Mas se, aos vossos olhos, não consigo fazer valer a ideia de que temos de mandar o nosso exército para a Escócia, terei de abandonar o vosso serviço.
Por instantes, ela ficou tão pálida que ele pensou que ela ia desmaiar.
- Estais a brincar comigo - disse ela quase sem fôlego. - Para me obrigar a concordar convosco.
- Não.
- Não seríeis capaz de me abandonar.
- Tenho de o fazer. Deveis ser servida por qualquer outra pessoa que vos possa convencer daquilo que constitui o vosso melhor interesse. Transformei-me num obstáculo que afugenta as coisas boas. Ninguém me dá valor. Sou um peso morto. Sou como uma moeda falsa.
- Ninguém vos dá valor, Espírito? Vós sabeis... Ele fez uma profunda vénia.
- Farei qualquer outra coisa que Vossa Graça ordenar, outro serviço qualquer, nem que seja na cozinha ou no jardim de Vossa Majestade. Estou disposto a cumprir as ordens de Vossa Majestade até ao fim dos meus dias, sem reservas nem cálculos relativamente a riqueza ou facilidade.
- Espírito, não me podeis abandonar.
Cecil começou a andar para trás, voltado para a Rainha, dirigindo-se para a porta. Ela parecia uma criança abandonada, com as mãos estendidas para ele.
- William! Por favor! Será que vou ter de ficar só, sem ninguém?
- perguntou ela. - Esta Escócia já me custou o único homem que amo. Será que também me vai levar o meu mais importante conse-
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lheiro e amigo? Vós, que tendes sido o meu amigo constante e o meu conselheiro, desde que eu era uma rapariguinha? Ele parou, junto à porta.
- Por favor, deveis tomar medidas para vos defenderdes - disse ele calmamente. - Mal tenham derrotado os Escoceses, os Franceses atravessarão a Inglaterra a uma velocidade que nunca se viu noutro exército. Vão chegar até aqui e irão expulsar-vos do trono. Por favor, para vosso próprio bem, deveis preparar um refúgio para vós mesma e garantir que tereis maneira de conseguir fugir para lá.
- Cecil! - foi o pequeno gemido de desespero.
Ele voltou a inclinar-se e dirigiu-se para a porta. Saiu da sala. Ficou à espera, do lado de fora. Tinha a certeza de que ela viria a correr atrás dele, mas não houve nada mais do que silêncio. Depois ouviu, vindo da sala, um soluço abafado, na altura em que Isabel desatou a chorar.
- Sois tão devota que as pessoas já começam a dizer que rezais como uma Papista - observou criticamente Lady Robsart de Stanfield Hall à sua enteada, Amy. - Não fica muito bem para a nossa família e, ainda no outro dia, o vosso cunhado disse que o vosso comportamento na igreja foi muito estranho, permanecendo de joelhos, quando todas as outras pessoas já estavam a sair.
- Preciso muito de receber uma graça - disse Amy, "em qualquer embaraço.
- Nem pareceis a mesma - continuou a madrasta. - Éreis tão ... alegre. Bem, não propriamente alegre, mas não tão devota. Não passáveis o tempo a rezar, de qualquer modo.
- Nessa altura, sentia-me segura com o amor do meu pai e, depois, senti-me segura com o amor do meu marido, mas agora não tenho uma coisa nem a outra - disse simplesmente Amy. A sua voz não tremeu, nem havia lágrimas nos seus olhos.
Por instantes, Lady Robsart ficou sem palavras.
- Amy, minha querida, eu sei que tem havido mexericos acerca dele, mas...
- É verdade - disse ela sem rodeios. - Ele mesmo me contou a verdade. Mas afastou-se dela para que ela se possa casar com o arquiduque e fazer com que a Espanha se alie a nós, numa guerra contra os Franceses.
Lady Robsart ficou petrificada.
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- Ele contou-vos isso? Ele confessou tudo?
- Sim - durante um momento Amy pareceu quase pesarosa. Creio que ele pensou que eu iria ter pena dele. Estava tão cheio de pena de si próprio que pensou que eu teria de sentir compaixão por ele. E eu sempre o apoiei, anteriormente, ele tem o hábito de me contar as suas mágoas.
- Mágoas?
- Isto custou-lhe muito - disse Amy. - Deve ter havido um momento em que acreditou que ela o podia amar, que eu o deixaria partir e, então, poderia cumprir o sonho do pai, de que um Dudley viesse a ocupar o trono da Inglaterra, O irmão dele casou com a herdeira do trono, Jane Grey, a irmã está casada com Henry Hastings, o primeiro na linha de sucessão, a seguir a Maria, Rainha dos Escoceses, ele deve pensar que é esse o destino da sua família
- calou-se. - E é evidente que está profundamente apaixonado por ela - disse ela, confirmando uma realidade.
- Apaixonado - repetiu Lady Robsart, como se nunca tivesse ouvido tais palavras. - Apaixonado pela Rainha da Inglaterra.
- Consigo vê-lo em tudo o que ele diz - disse Amy calmamente.
- Ele amou-me, em tempos, mas toda a gente pensava que ele apenas condescendera em casar comigo, e sempre foi verdade que ele se considerava uma pessoa muito importante. Mas com ela é tudo diferente, ele é um homem transformado. Ela é a amante dele, mas continua a ser a Rainha, admira-a, ao mesmo tempo que a deseja. Ele... - calou-se, procurando as palavras. - Ele aspira a amá-la, enquanto que eu fui sempre um amor fácil.
- Amy, não sentis qualquer desgosto? - perguntou-lhe a madrasta, tentando compreender esta nova mulher, tão equilibrada.
- Julgava que ele era tudo para vós!
- Estou doente até à alma - disse Amy calmamente. - Nunca pensei que alguém pudesse sentir tanta dor. É como uma doença, como uma gangrena que me vai comendo, dia a dia. É por isso que eu pareço devota. O único alívio que encontro é rezar a Deus, pedindo-lhe que me leve para junto Dele e aí, Robert e ela, poderão fazer o que quiserem e eu ficarei, por fim, livre de sofrimento.
- Oh, minha querida! - Lady Robsart estendeu a mão para ela.
- Não deveis dizer uma coisa dessas. Ele não merece isso. Nenhum homem no mundo é digno de que vertamos uma lágrima por ele. Muito menos este, que já vos fez sofrer tanto.
- Parece-me que o meu coração já está mesmo despedaçado
- disse Amy baixinho. - Penso que deve ser isso. A dor que sinto no peito é tão aguda e constante que essa vai ser, com certeza, a
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causa da minha morte. É mesmo desgosto e não me parece que tenha cura. Não importa se ele é digno disso ou não. Já aconteceu. Mesmo que ela se casasse com o arquiduque e Robert voltasse para casa, para mim, dizendo que tudo tinha sido um engano, como poderíamos ser novamente felizes? O meu coração está despedaçado e é assim que vai continuar, daqui em diante.
As aias da Rainha não conseguiam fazer nada que lhe agradasse, ela passava o tempo às voltas, nos seus aposentos do Palácio de Whitehall, como uma leoa aborrecida. Pedia que chamassem os músicos, mas depois mandava-os embora. Não queria ler nem conseguia descansar. Estava numa agitação febril, provocada pela preocupação e pela angústia. Queria que chamassem Cecil, pois não conseguia imaginar como resolver os problemas sem ele. Queria mandar chamar o tio, mas ninguém sabia onde ele estava, entretanto, mudava de opinião e já não queria falar com ele. Havia pessoas que queriam apresentar-lhe petições, esperando nos seus salões, mas ela não ia ter com eles; a costureira veio mostrar-lhe algumas peles vindas da Rússia, mas ela nem sequer olhou para elas. O Príncipe Erik da Suécia tinha-lhe escrito uma carta com doze páginas, às quais vinha preso um diamante, mas ela nem sequer se deu ao trabalho de a ler.
Nada conseguia libertar Isabel daquele terror que a atravessava como um pesadelo. Era uma mulher jovem, apenas no segundo ano do seu reinado, no entanto, tinha de decidir se devia ou não empenhar o seu Reino numa guerra contra um inimigo imbatível, e os dois homens em quem mais confiava tinham-na abandonado.
Por vezes tinha a certeza de que estava a cometer um erro, motivado pela sua cobardia, mas noutras tinha a certeza de que estava a proteger o seu país de um desastre. Estava sempre aterrorizada, receando estar a cometer um profundo e grave erro.
- vou à procura de Sir Robert - murmurou Laetitia Knollys para a mãe, depois de ter passado a manhã a ver Isabel mudar febrilmente de actividade, sem concluir nenhuma.
- Não o podeis fazer sem ordem dela - respondeu Catherine.
- Posso - insistiu Laetitia. - Ele é o único homem que pode confortá-la, e se ela continuar a agir desta maneira, vai adoecer e enlouquecer-nos.
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- Lettice! - disse a mãe, zangada, mas a rapariga já se tinha escapado da sala para se dirigir aos aposentos de Robert.
Ele estava a pagar contas, com uma grande arca de dinheiro aberta à sua frente: o encarregado apresentava-lhe as contas e contava as moedas, para pagar os elevados custos dos estábulos.
Laetitia bateu à porta e espreitou para dentro da sala,
- Senhora Knollys - disse Robert sem cerimónia. - Parece impossível merecer uma honra tão grande.
- É por causa da Rainha - disse ela.
Ele levantou-se imediatamente, já sem vestígios do seu ar trocista.
- Ela está em segurança?
Laetitia reparou que o primeiro pensamento dele foi que Isabel podia ter sido atacada. Então, o seu pai tinha razão, estavam todos a correr um grande perigo, a toda a hora.
- Ela está em segurança, mas muito preocupada.
- E mandou-me chamar?
- Não, eu vim sem que mo tivessem ordenado. Penso que devíeis ir ter com ela.
Ele esboçou um ligeiro sorriso.
- Sois uma rapariga extraordinária - disse ele. - O que vos levou a empreender uma tarefa destas?
- Ela está fora de si - confidenciou-lhe Laetitia. - Por causa da guerra com a Escócia. Não é capaz de tomar uma decisão e vai ter de decidir. E agora perdeu Cecil e parece que vos perdeu, não tem ninguém. Às vezes pensa "sim", outras "não", mas não se sente satisfeita com nenhuma das decisões. Está assustada como um coelho ao qual um furão tenta apanhar a cauda.
Robert franziu a testa, perante a impertinência da linguagem dela.
- Eu vou - disse ele. - E agradeço-vos pela informação.
Ela lançou-lhe um sorriso galanteador, por baixo das suas pestanas negras.
- Se eu fosse a rainha, iria querer que estivésseis sempre junto de mim - disse ela - Houvesse guerra, ou não.
- E como vão os preparativos para o vosso casamento - perguntou ele polidamente. - O vestido já está pronto? Está tudo preparado? O noivo está impaciente?
- Obrigada, está tudo bem - disse ela com bastante compostura. - E como está Lady Dudley? Não está doente, espero? Virá à corte, dentro de pouco tempo?
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Nos seus aposentos, Isabel estava sentada junto à lareira e as aias espalhavam-se pela sala, tensas, à espera do que ela lhes pudesse exigir a seguir. Havia por ali outros cortesãos, com esperança de serem convidados a falar com ela, mas Isabel não tinha vontade de receber petições e não admitia que alguém a distraísse.
Dudley entrou e, ao ouvir os seus passos, ela voltou-se imediatamente. O assomo de felicidade que lhe surgiu no rosto não podia ser escondido. Pôs-se de pé.
- Oh, Robert!
Sem esperar um segundo convite ele foi ter com ela e levou-a para o recesso de uma das janelas, para longe dos olhares curiosos das suas aias.
- Sabia que vos sentíeis infeliz - disse ele. - Tinha de vir. Não conseguia ficar longe por mais tempo.
- Como soubestes? - perguntou ela, incapaz de evitar encostar-se a ele. O profundo aroma das suas roupas, do seu cabelo, era um grande conforto para ela. - Como é que haveis adivinhado que eu precisava tanto de vós?
- Porque não consigo ter descanso, se não estiver perto de vós
- disse ele. - Porque preciso de vós. Aconteceu alguma coisa que vos tenha perturbado?
- Cecil abandonou-me - disse ela com a voz entrecortada. Não consigo resolver os assuntos sem ele.
- Eu sabia que ele se tinha ido embora, obviamente, mas porquê? - perguntou Robert, embora tivesse recebido um relatório completo de Thomas Blount, no dia em que Cecil abandonara o cargo.
- Disse que não podia ficar comigo se não declarássemos guefra aos Franceses e eu não me atrevo a fazer isso, Robert, a sério que não me atrevo. Mas, por outro lado, como vou eu governar sem ter Cecil junto de mim?
- Deus meu, pensava que ele não seria capaz de vos abandonar, nunca. Pensava que vós e ele tinham feito um juramento.
Os lábios de Isabel continuavam a mover-se.
- Achei que ele nunca faria algo semelhante - disse ela. - Seria capaz de lhe confiar a minha própria vida. Mas ele diz que não me pode servir se eu não lhe der ouvidos, mas Robert... tenho demasiado medo.
As últimas palavras saíram-lhe num ínfimo fio de voz e ela olhou em volta da sala, como se o seu medo fosse um segredo infame, que só a ele podia confiar.
"Ah, não se trata apenas de guerra" pensou ele. "Cecil é como um pai para ela. É o conselheiro em quem confia há anos. E ele tem
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uma visão deste país, diferente de qualquer outra. Ele pensa realmente nele como uma nação de próprio direito, não como uma confusa multidão de famílias que se guerreiam, que era a visão que o meu pai tinha... e que é a minha. O amor que Cecil sente pela Inglaterra, e a grande fé que tem nela, formam uma visão muito superior à minha ou à de Isabel. Ele mantém-na, com firmeza e com esperança, mesmo que não passe de um sonho."
- Agora estou aqui - disse ele, como se a sua presença fosse o suficiente para a reconfortar. - Conversaremos depois do jantar, e decidiremos o que deve ser feito. Não estais só, meu amor. Estou aqui para vos ajudar.
Ela encostou-se mais a ele.
- Não consigo fazer isto sozinha - murmurou ela. - É demasiado, não consigo tomar uma decisão, tenho muito medo. Não sei como decidir. E agora, quase nunca vos vejo. Desisti de vós, por causa da Escócia, e agora também fiquei sem Cecil.
- Eu sei - disse Robert. - Mas eu vou estar aqui, ao vosso lado, como vosso amigo. Ninguém nos poderá criticar. O arquiduque afastou-se por iniciativa própria e Arran foi .derrotado, não serve para nada. Ninguém poderá dizer que me estou a intrometer entre vós e um bom casamento. E hei-de conseguir que Cecil regresse. Ele poderá aconselhar-nos e nós decidiremos. Não necessitais de tomar decisões sozinha, meu amor, meu grande amor. Eu estarei convosco, daqui em diante. Ficarei convosco.
- Isso não nos vai trazer nenhuma diferença - hesitou. - Nunca mais posso ser vossa amante. vou ter de casar com alguém. Se não for este ano, terá de ser no próximo.
- Então, deixai-me apenas ficar ao vosso lado até essa altura disse ele simplesmente. - Nenhum de nós consegue suportar a vida, quando estamos separados.
Nessa noite, durante o jantar, a Rainha riu-se das brincadeiras do bobo, pela primeira vez em muitas semanas e Sir Robert ficou novamente sentado ao seu lado e encheu-lhe o copo com vinho.
- Este tempo húmido está a infiltrar-se por toda a parte, até nas madeiras do tecto - observou ele enquanto os criados tiravam as carnes e os empadões da mesa, para trazerem os pastéis e as frutas cristalizadas. - O meu quarto está tão húmido que se consegue ver
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o vapor a sair da minha roupa interior, quando Tamworth a dependura perto da lareira, de manhã.
- Dizei-lhes para vos mudarem de quarto - disse ela, alegre. Dizei ao encarregado dos quartos para vos voltar a pôr nos vossos antigos aposentos, junto dos meus.
Ele ficou à espera. Já sabia que pressionar Isabel não dava resultado. Por isso, decidiu que não faria nada, a não ser esperar por ela.
À meia-noite, a porta entre os dois quartos abriu-se, e ela entrou, sem fazer ruído. Vestia um roupão azul-escuro sobre uma camisa branca e tinha o cabelo ruivo, escovado e brilhante, caído por cima dos ombros.
- Meu Robert?
A mesa, colocada em frente à lareira, estava preparada para uma ceia a dois, o fogo ardia, a cama estava aberta, a porta estava trancada e Tamworth, o criado de quarto de Sir Robert, estava de guarda, do lado de fora.
- Meu amor! - disse ele, tomando-a nos braços. Ela aninhou-se nos braços dele.
- Não consigo viver sem vós - disse ela. - Temos de manter tudo em segredo, no maior segredo. Mas não consigo ser rainha sem vós, Robert.
- Eu sei - disse ele. - E eu não consigo viver sem vós. ?Ela olhou para cima, para ele.
- Que vamos fazer?
Ele encolheu os ombros e o seu sorriso era quase pesaroso.
- Parece-me que não temos outra escolha. Teremos de casar, Isabel.
Ela olhou para uma das janelas, cuja persiana estava aberta.
- Fechai a persiana - disse a Rainha num súbito temor supersticioso. - Não quero sequer que a Lua nos veja.
No seu antigo quarto de Stanfield Hall, Amy acordou em sobressalto e descobriu que os cobertores tinham escorregado da
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cama e que se sentia gelada. Baixou-se e apanhou os lençóis de linho e as mantas de lã e puxou-os para cima, até cobrir os ombros, que tremiam. Tinha deixado uma das persianas aberta e a Lua, uma Lua enorme, ousada e leitosa, deixava um rasto de luz que chegava até ao seu travesseiro. Amy deitou-se e ficou a olhar para fora da janela, para a Lua.
- A mesma Lua que brilha sobre mim, está a brilhar por cima do meu senhor - murmurou ela. - Talvez também o acorde e o leve a pensar em mim. Talvez Deus faça com que o amor por mim volte a despertar no coração dele. Talvez ele esteja a pensar em mim, neste preciso momento.
- Haveis-me feito passar por tonta! - disse, furiosa, Mary Sidney ao irmão, ao caminhar ao encontro dele no pátio dos estábulos do palácio de Whitehall. Ele e meia dúzia de outros homens estavam a treinar para um torneio. O seu cavalo já testava arreado e o escudeiro segurava o seu peitoral, perfeitamente polido, o elmo e a lança.
Robert não lhe prestou atenção. com os dedos, fez sinal ao pajem, para que lhe trouxesse as luvas.
- O que é que se passa Mary? O que foi que eu fiz?
- Haveis feito de mim uma idiota, ao mandar-me ir falar com o embaixador e dizer-lhe que a Rainha casaria com o arquiduque. Haveis-me enviado, pois sabíeis que, uma vez que acreditava em vós, e que tinha pena, uma profunda pena de vós, iria contar uma história convincente. Era a melhor pessoa da corte que lhe poderíeis enviar. Acreditais que até chorei, quando lhe disse que vós havíeis desistido do amor dela? E, é claro, ele acreditou em mim e, no entanto, tudo não passou de um truque, para lançar poeira nos olhos da corte.
- Mas, que poeira? - Robert era a imagem da inocência.
- Vós e a Rainha sois amantes - lançou-lhe ela, quase num insulto. - O mais certo é que já o sejam desde o primeiro dia. Provavelmente, continuaram a sê-lo, mesmo na altura em que eu acreditava que estáveis a sofrer, por a terdes perdido. E haveis-me obrigado a servir de alcoviteira.
- A Rainha e eu concordámos em separar-nos, para sua segurança - disse ele com firmeza. - Isso era verdade. Tal e qual como vos disse. Mas ela precisa de amigos, Mary, sabeis disso. Voltei para junto dela como amigo. E somos amigos, como eu disse que seríamos.
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Ela afastou-se da mão que ele lhe estendera.
- Ah, não, outro monte de mentiras não, Robert, nem as quero ouvir. Estais a ser infiel a Amy e desonesto para comigo. Eu afirmei ao embaixador que tinha a certeza de que vós e a Rainha eram amigos verdadeiros e que ela era virgem, livre para se casar e uma princesa casta. Jurei pela minha alma imortal que não havia nada entre vós, a não ser amizade e alguns beijos.
- E não há!
- Não faleis comigo! - gritou ela irritada. - Não me digais mentiras! Não quero ouvir nem mais uma palavra.
- Vinde comigo até ao pátio do torneio...
- Não vou ficar a ver-vos, não falarei mais convosco. Nem sequer vos quero ver, Robert. Dentro de vós não existe nada, a não ser ambição. Que Deus ajude a vossa esposa e proteja a rainha.
- Amém - disse ele a sorrir. - Amém para as duas coisas, pois são ambas boas mulheres e estão inocentes de más acções e, já agora, que Deus me abençoe e a todos os Dudley, para que possamos subir neste mundo.
- E o que foi que Amy fez, para ser assim envergonhada diante de todo o mundo? - perguntou ela. - Que pecado é que ela cometeu, para que toda a gente no Reino tenha ficado a saber que vós não a amais? Que preferis outra mulher a ela, a vossa legítima esposa?
- Ela não fez nada - disse ele. - E eu não fiz nada. Na verdade, Mary, não devíeis andar por aí a lançar este tipo de acusações.
- Nem vos atrevais a falar comigo! - gritou ela, mais uma vez, quase fora de si, com a raiva. - Não tenho nada para vos dizer e nunca mais vos direi uma palavra sobre este assunto. Haveis feito de mim uma tonta, haveis tratado os Espanhóis como idiotas e a vossa pobre esposa como se fosse uma pateta. Durante este tempo todo haveis continuado a ser o amante da Rainha e, mesmo agora, continuais a ser o amante da Rainha.
Numa passada brusca, Robert colocou-se ao lado dela e agarrou-lhe o pulso com força.
- Agora, já chega - disse ele. -Já haveis dito o suficiente e eu já ouvi mais do que o necessário. A reputação da Rainha está acima de qualquer comentário. Ela vai casar-se com o pretendente certo, mal ele apareça. Todos sabemos isso. Amy é a minha mulher, e eu não admito comentários acerca dela. Fui visitá-la no Outono e voltarei a visitá-la, dentro de pouco tempo. O próprio Cecil não vai a casa com maior frequência.
- Cecil ama a esposa e ninguém tem dúvidas quanto à sua honra! - atirou-lhe ela com desdém.
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- E ninguém questiona a minha - disse ele com azedume. Deveis manter a vossa pequena língua venenosa longe dos assuntos que me dizem respeito ou ireis causar estragos maiores do que imaginais. Isto é um aviso, Mary.
Ela não se deixou intimidar.
- Estais louco, Robert? - perguntou ela. - Pensais que podeis enganar os melhores espiões da Europa, da mesma forma que haveis enganado a vossa irmã e a vossa esposa? Em Madrid, Paris e Viena, sabe-se que vós e a Rainha dormis, de novo, em quartos contíguos. Que vos parece que pensam disso? O arquiduque Habsburgo não virá a Inglaterra enquanto vós e a Rainha estiverdes a dormir atrás de portas trancadas, apenas com um painel de madeira entre os dois. Toda a gente, a não ser a vossa pobre esposa, acredita que sois amantes, e todo o país o sabe. Vós haveis arruinado as perspectivas da Rainha, com o vosso desejo, haveis destruído o amor que Amy vos tinha, queira Deus que não venhais a destruir o Reino, também.
O aviso de Mary chegou demasiado tarde e não conseguiu impedir a escandalosa intimidade entre a Rainha e o seu Estribeiro-Mor. com Robert novamente ao seu lado, as cores voltaram à face de Isabel, as suas unhas estavam impecáveis e brilhantes e as cutículas macias. Ela brilhava, na companhia dele, e o seu constante nervosismo desaparecia quando ele estava por perto. Não importava o que as pessoas pudessem dizer, eles tinham, claramente, sido feitos um para o outro e não conseguiam escondê-lo. Andavam juntos durante o dia inteiro, dançavam juntos todas as noites e Isabel recuperou de novo a coragem para abrir as cartas que recebia e para ouvir as petições que lhe apresentavam.
Na ausência de Cecil, Robert era o único conselheiro em quem ela confiava. A Rainha não recebia ninguém que não lhe fosse apresentado por Dudley, nem falava com ninguém, sem que Robert estivesse presente, embora se mantivesse discretamente em segundo plano. Ele era o seu único amigo e aliado. Ela não tomava qualquer decisão sem ele, eram inseparáveis. O Duque John da Suécia rondava a corte, mas não fez pressão para se apresentar como pretendente de Isabel, William Pickering retirou-se discretamente para o campo para tentar economizar, de maneira a conseguir pagar as suas
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enormes dívidas, Gaspar von Breuner raramente vinha à corte e toda a gente já se tinha esquecido do Conde de Arran.
Cecil, que se havia mantido firmemente afastado do jovem casal e dos seus cortesãos, comentou com Throckmorton que aquela não era a maneira de governar um país que estava à beira da guerra e ficou a saber que ela tinha nomeado Dudley Governador do Castelo de Windsor, com um ordenado condizente.
- Se isto continuar, ele vai ser o homem mais rico da Inglaterra
- observou Cecil.
- Rico! Nada! Ele quer é ser rei - respondeu Sir Nicholas, pronunciando o impronunciável. - E depois, como é que pensais que este país vai ser governado?
Cecil não disse nada. Ainda na noite anterior, um homem, cujo rosto estava escondido por um chapéu puxado para baixo, batera-lhe à porta e, com uma voz áspera, perguntara-lhe se se poderia juntar a outros três, para atacarem Dudley.
- Porque vieram ter comigo? - perguntou Cecil. - Parece-me que é possível matá-lo à pancada, por conta própria, sem precisarem da minha autorização.
- Porque os guardas da Rainha o protegem e seguem as vossas ordens - disse-lhe o desconhecido.
Cecil moveu um dos candelabros que tinha sobre a sua secretária e conseguiu aperceber-se do rosto irado de Thomas Howard, meio escondido, por baixo do chapéu que o tapava.
- E quando ele morrer, ela irá pedir-vos para encontrardes os assassinos. Não queremos os vossos espiões atrás de nós. Não queremos ser enforcados por causa dele. Seria o mesmo que ser enforcado por termos matado um animal perigoso.
- Deveis fazer o que achardes melhor - disse Cecil, escolhendo as palavras com cuidado. - Mas eu não vos vou proteger depois do crime.
- Seríeis capaz de nos impedir de o fazer?
- Sou responsável pela segurança da Rainha. Infelizmente, não vos posso impedir.
O homem riu-se.
- Em suma, não vos importais que ele morra, mas não quereis correr o risco - disse ele trocista.
Cecil tinha acenado com a cabeça, concordando.
- Na minha opinião, ninguém na Inglaterra, para além da Rainha e da mulher dele, se importaria com isso - disse com franqueza. - Mas eu não farei parte de uma conspiração contra a vida dele.
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- O que é que vos está a parecer tão divertido? - perguntou Throckmorton, olhando em volta da corte, tentando descobrir o motivo para o sorriso de Cecil.
- Thomas Howard - respondeu Cecil. - Ele não é propriamente um exemplo de subtileza, pois não?
Throckmorton olhou para o local onde ele se encontrava. Thomas Howard tinha conseguido chegar às portas duplas, que estavam abertas, e que davam acesso à antecâmara da Rainha, precisamente no momento em que Dudley vinha a sair. Ultimamente, toda a gente se afastava do caminho, para deixar Dudley passar, com a excepção, talvez, de Cecil, mas este tinha o cuidado de planear as suas entradas, de maneira a nunca ter de ficar frente a frente com o favorito real. Howard defendia o seu território como um novilho enraivecido.
"Daqui a nada" pensou Cecil "vai estar a escavar o chão e a mugir."
Dudley olhou-o com o mais frio desprezo e depois tentou passar por ele.
Howard deu imediatamente um passo, para o lado, empurrando-o.
- Peço-vos desculpa, mas pretendo entrar - disse ele, suficientemente alto para que todos pudessem ouvir. - Eu! Um Howard! E tio da Rainha.
- Oh, por favor, não precisais de me pedir desculpa, pois eu já estou a sair - disse Dudley com uma voz trocista. - São aqueles homens infelizes a quem estais prestes a juntar-vos que merecem as vossas desculpas.
Howard ficou sem saber o que dizer. ;
- Estais a ofender-me! - balbuciou.
Dudley passou calmamente por ele, confiante no seu poder.
- Não passais de um maldito arrivista, vindo não se sabe de onde! - gritou Thomas Howard para as costas dele.
- Pensais que ele vai deixar passar uma coisa destas? - perguntou Throckmorton a Cecil, completamente fascinado com o pequeno drama que se desenrolava à sua frente. - Ele é assim tão frio quanto parece? Será que vai ignorar Thomas Howard?
- Não, não vai - disse Cecil. - E provavelmente já sabe que corre um grande perigo.
- Uma conspiração?
- Uma entre muitas. Parece-me que vamos ver o jovem Thomas Howard ser nomeado próximo embaixador junto da corte turca. Creio que vai calhar aos Howard a corte otomana e que vão lá permanecer por muito tempo.
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Cecil, só se enganou no destino.
- Parece-me que Thomas Howard devia ir reforçar as nossas defesas, no Norte - observou Dudley para a Rainha, naquela noite, quando ficaram a sós, com um leve sorriso a iluminar o seu olhar.
- É tão destemido e agressivo.
Isabel ficou imediatamente alerta, temendo por ele.
- Ele anda a ameaçar-vos?
- Aquele cachorrinho? Nem por isso - disse orgulhosamente Robert - mas vós precisais de alguém de confiança no Norte e, já que ele anda atrás de uma luta, deixai-o lutar contra os franceses, em vez de lutar comigo.
A Rainha riu-se, como se as palavras de Robert tivessem sido pronunciadas em tom de anedota, mas, no dia seguinte, atribuiu ao tio um novo título: passava a ser o Comandante Geral da fronteira com a Escócia.
Ele fez uma vénia, ao aceitar o cargo.
- Eu sei qual é o motivo por que estou a ser mandado para longe, Vossa Graça. - disse ele com a dignidade susceptível de um jovem cavalheiro. - Mas servir-vos-ei com lealdade. E penso que ireis perceber que serei um vosso melhor servidor em Newcastle, do que alguns que se escondem atrás das vossas saias, aqui em Londres, longe do perigo.
Isabel teve a cortesia de parecer embaraçada.
- Preciso de alguém em quem possa confiar - disse ela. Temos de manter os Franceses para norte de Berwick. Não podem chegar ao coração da Inglaterra.
- Fico muito honrado com a vossa confiança - disse ele com sarcasmo e despedindo-se, ignorando os rumores que circulavam, relacionados com a sua partida. Os mexericos diziam que Isabel tinha enviado a própria família para a primeira linha da frente de combate, para não deixar o seu amante embaraçado.
- Porque não cortar-lhe logo a cabeça, e resolver o assunto de uma vez por todas? - perguntou Catherine Knollys.
Isabel riu-se, com a afirmação da prima, mas teve de ouvir uma reprimenda da sua antiga preceptora, mal ficaram as duas a sós.
- Princesa! - exclamou Kat Ashley desesperada. - Esta situação está a ficar cada vez pior. O que vão as pessoas pensar? Todos percebem que estais tão apaixonada por Sir Robert como sempre. O
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arquiduque nunca mais vai voltar a Inglaterra. Nenhum homem se arriscaria a ser insultado desta maneira.
- Se ele tivesse vindo ter comigo na altura que prometeu, eu teria casado com ele, dei-lhe a minha palavra - disse Isabel com ligeireza, sabendo perfeitamente que ele nunca mais voltaria, e que, se viesse, Robert arranjaria maneira de ela poder escapar ao problema.
Mas Kat Ashley, Mary Sidney e o resto da corte, tinham razão: o arquiduque não voltaria, nunca mais. O embaixador, profundamente ofendido, pediu para ser chamado de volta ao seu país e escreveu ao seu superior, dizendo que o episódio que Lady Sidney representara, vindo ter com ele e implorando-lhe que voltasse a apresentar uma proposta de casamento à Rainha, não passara de um plano para afastar as atenções do romance clandestino que, mais uma vez, se tornara evidente para toda a Inglaterra e para toda a Europa. Dizia que a Rainha se tinha transformado numa jovem desavergonhada, corrompida, sem hipótese de salvação e que não seria capaz de aconselhar nenhum homem honrado a casar com ela, muito menos um príncipe. Ela vivia, como uma prostituta com um homem casado e a única solução que tinham seria um divórcio semilegal, ou a morte da esposa dele, o que seria pouco provável.
Ao ler o primeiro rascunho da carta, que um dos seus agentes conseguira retirar de entre os papéis para queimar, que o embaixador colocara num cesto, Cecil chegou à conclusão de que a sua política externa estava em ruínas, a segurança da Inglaterra não podia ser garantida e que a Rainha da Inglaterra estava louca de luxúria e ia perder a guerra contra a Escócia e, depois, a própria cabeça. E tudo isto, por causa do sorriso de um homem de olhos negros.
Mas quando Isabel chamou Cecil pelo nome, ele foi imediatamente ter com ela.
- Vós tínheis razão, agora, tenho a certeza - disse ela calmamente. - Ganhei a coragem que vós queríeis que eu encontrasse. Estou absolutamente decidida a ir para a guerra.
Cecil olhou por cima dela, para o sítio onde Robert se encontrava, encostado às portadas de uma janela, aparentemente absorvido num jogo de bola que decorria em baixo, no jardim de Inverno.
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"com que então, temos o beneplácito do vosso conselho, não é verdade? E vós, com a vossa esperteza, haveis decidido adoptar a política que eu ando há meses a tentar que ela ponha em prática" pensou Cecil.
Em voz alta, Cecil perguntou:
- E o que foi que Vossa Graça decidiu?
- Vamos invadir a Escócia e derrotar os Franceses - disse ela, com toda a calma.
Cecil fez uma vénia, tentando esconder a sua sensação de profundo alívio.
- vou providenciar para que se angarie o dinheiro necessário e para que se reúna um exército - disse ele. - Certamente ireis querer reunir-vos com o Conselho Privado e emitir uma proclamação de guerra.
Isabel olhou para Robert. Ele concordou, abanando a cabeça, num movimento quase imperceptível.
- Sim - disse ela.
Cecil, demasiado inteligente para objectar contra opiniões que estavam de acordo com as suas, limitou-se a fazer uma nova vénia.
- Mais uma coisa, Cecil, voltareis a ser o meu Secretário-Geral, não é verdade? Agora, que já aceitei o vosso conselho?
- E o que se vai fazer em relação ao arquiduque? - perguntou ele.
Robert, junto da janela, percebeu imediatamente que a pergunta não era tão irrelevante como poderia parecer, dirigida certeiramente ao ponto fulcral da questão, a sua presença ali, ouvindo tudo o que a Rainha discutia com o seu mais leal conselheiro, indicando-lhe com a cabeça que decisões devia tomar, como se fosse seu marido e rei consorte. Mas, desta vez, a Rainha nem sequer olhou para Robert.
- Ficarei noiva do arquiduque, logo que ele chegue a Inglaterra
- disse ela. -Já sei que a aliança com a Espanha é mais importante do que nunca.
- Sabeis perfeitamente que ele não virá - disse Cecil, sem rodeios. - Deveis saber que o seu embaixador se vai embora de Londres.
Robert ergueu-se, da janela.
- Não tem importância - disse ele a Cecil. - O Rei Filipe da Espanha vai continuar a ser aliado da Rainha, contra os Franceses, haja ou não casamento. Ele não se vai arriscar a que os franceses formem um reino na Inglaterra. As fronteiras deles iriam desde Perth até ao Mediterrâneo e destruiriam a Espanha, depois de nos terem escravizado.
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"Pois, é isso que pensais, não é?" perguntou Cecil, em silêncio. "E eu vou ter de salvar este Reino para que os vossos filhos bastardos o possam herdar, não é verdade?"
- O que importa agora - decidiu Dudley. - É que se reunam os homens e que sejam armados. A sobrevivência do Reino, e da própria Rainha, depende de uma acção rápida. Estamos a contar convosco, Cecil.
Nessa noite, Cecil trabalhou furiosamente, enviando centenas de instruções necessárias para recrutar, armar e fornecer de mantimentos o exército, que devia marchar imediatamente para o Norte. Escreveu a Lorde Clinton, o Almirante, Comandante da Armada, informando-o de que a marinha devia interceptar a frota francesa no mar do Norte e que devia, a todo o custo, impedir que os reforços franceses desembarcassem na Escócia: no entanto, deveria destruir aquela carta e dar a ideia de que tinham-atacado por iniciativa própria. Escreveu aos seus espiões infiltrados no meio dos Escoceses, aos seus homens posicionados em Berwick e aos seus mais secretos correspondentes na corte da rainha regente, Maria de Guise, dizendo-lhes que, por fim, a Rainha havia encontrado uma solução para o problema da guerra, que a Inglaterra iria defender os Lordes protestantes da Escócia, bem como as suas fronteiras e que, por esse motivo, precisava de informações muitíssimo detalhadas, o mais depressa possível.
Cecil trabalhou tão depressa e com tal eficiência que, quando o Conselho Privado se reuniu, uns dias mais tarde, nos últimos dias de Fevereiro, e a Rainha anunciou que, depois de reflectir, mudara de opinião e que, uma vez que o risco era demasiado alto, não haveria qualquer intervenção na Escócia, ele pediu desculpa, mas informou que já era demasiado tarde.
- Ordeno-vos que mandeis regressar a armada - ditou ela, branca como a gola do seu vestido.
Cecil abriu as mãos.
- Eles já partiram - disse ele. - com ordens para atacar.
- Mandai o exército regressar. Ele abanou a cabeça.
- Eles estão a marchar para norte e a recrutar homens pelo caminho. Estamos numa situação de guerra, não se pode reverter a decisão.
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- Não podemos entrar em guerra com os Franceses! - disse-lhe ela, quase aos gritos.
Os homens do Conselho Privado baixaram as cabeças e olharam para a mesa. Só Cecil conseguia olhá-la de frente.
- Os dados estão lançados, Vossa Graça - disse ele -, e nós estamos em guerra. A Inglaterra está em guerra com a França. Que Deus nos ajude.
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Primavera de 1560
Robert Dudley chegou a Stanfield Hall em Março, um mau mês para viajar por estradas mal conservadas, e chegou enregelado e de mau humor.
Ninguém estava à sua espera, não tinha avisado que iria chegar, e Amy, uma ouvinte relutante dos constantes rumores que diziam que ele e a Rainha eram, de novo, inseparáveis, não esperava nada voltar a vê-lo.
Mal o ruído dos cavalos soou no pátio, Lady Robsart veio à procura dela.
- Ele chegou! - disse ela com frieza.
Amy pôs-se em pé num salto. "Ele" só poderia significar um homem em Stanfield Hall.
- Lorde Robert?
- Os seus homens estão a descarregar os cavalos no pátio. Amy tremia, enquanto esperava. Se ele tinha voltado para ela,
depois da última separação em que ela afirmara que iria ser sempre a mulher dele, só podia significar uma coisa: que ele tinha acabado tudo com Isabel e que se queria reconciliar com a esposa.
- Ele está aqui? - disse novamente, como se não pudesse acreditar.
Lady Robsart sorriu para a enteada com ar trocista, num triunfo partilhado de mulheres sobre os homens.
- Parece que sois a vencedora - disse ela. - Ele está aqui, cheio de frio e de pena de si próprio.
- Então, tem de entrar! - exclamou Amy, correndo para as escadas. - Dizei à cozinheira que ele chegou e avisai na aldeia que precisamos de algumas galinhas e que alguém vai ter de matar uma vaca.
- Porque não uma vitela cevada? - disse Lady Robsart entre dentes; mas foi tratar do que a enteada lhe pedira.
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Amy correu pelas escadas abaixo e abriu a porta da frente de par em par. Robert, sujo da viagem e exausto, subiu o pequeno lanço de escadas e Amy caminhou para os seus braços.
Como habitualmente, ele apertou-a contra ele, e Amy, sentindo os braços dele envolvê-la e o toque familiar de uma mão na cintura e da outra no seu ombro, encostou a cabeça contra o pescoço dele, quente e perfumado, e compreendeu que finalmente ele tinha voltado para casa e para ela e que, apesar de tudo, mesmo tudo, o iria perdoar com a facilidade com que aceitava o seu beijo.
- Entrai, deveis estar quase enregelado - disse ela, puxando-o para o vestíbulo. Atirou alguns toros para a lareira e obrigou-o a sentar-se na cadeira ricamente trabalhada do pai. Lady Robsart veio da cozinha, trazendo cerveja quente e bolos, e fez uma vénia a Sir Robert.
- Desejo-vos um bom dia - disse num tom neutro. - Mandámos os vossos homens procurar alojamento na aldeia. Não podemos acomodar tanta gente aqui.
Dirigindo-se a Amy, informou:
- Hughes diz que tem um veado que esteve pendurado o tempo adequado e que podemos ficar com ele.
- Não quero dar-vos muito trabalho - disse Robert educadamente, como se nunca a tivesse amaldiçoado.
- Como podeis dizer isso? - perguntou Amy. - Esta é a minha casa e vós sois sempre bem-vindo. Aqui há sempre um lugar para vós.
Robert não disse nada, imaginando a fria casa de Lady Robsart como o lar deles. A senhora retirou-se da sala, para tratar das camas e mandar fazer um pudim.
- Meu senhor, é tão bom ver-vos - Amy colocou mais um toro na tareira. - vou chamar a minha criada, a senhora Pirto, para preparar a vossa roupa. A camisa que deixastes cá, na última vez, está remendada, nem se consegue notar o cerzido, fi-lo com todo o cuidado.
- Obrigado - disse ele desajeitadamente. - Estou certo de que é a senhora Pirto que faz esse trabalho?
- Gosto de ser eu própria a arranjar a vossa roupa - disse Amy
- Quereis lavar-vos?
- Mais tarde - disse ele.
- Só terei de avisar a cozinheira para aquecer a água
- Sim, eu sei, vivi aqui bastante tempo.
- Quase nunca estáveis cá! De qualquer forma, as coisas estão bastante melhores agora.
- Pois, mas mesmo assim recordo que não se consegue arranjar um jarro com água quente sem ter de o pedir logo pela manhã, bem cedo, no terceiro domingo do mês.
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- É porque temos uma lareira pequena...
- Já sei - disse ele cansado. - Lembro-me bem de tudo acerca da pequena lareira.
Amy emudeceu. Não se atrevia a perguntar-lhe a única coisa que queria saber: quanto tempo iria ele ficar junto dela. Enquanto ele observava a lareira, em silêncio, com ar pensativo, ela colocou mais um toro e ficaram ambos a ver as centelhas subir pela negra chaminé acima.
- Como correu a vossa viagem?
- Correu bem.
- Que cavalo haveis trazido?
- Blithe, o meu cavalo de caça - disse ele surpreendido.
- Não trouxestes um cavalo de substituição?
- Não - disse ele, mal ouvindo a pergunta.
- Quereis que tire a vossa roupa das malas? - Ela pôs-se em pé.
- Haveis trazido muitas malas?
- Uma só.
Robert não viu o rosto dela entristecer. Ela compreendeu imediatamente que um cavalo e uma mala significavam uma visita curta.
- E Tamworth já deve ter tratado disso.
- Não estais, então, a planear uma estadia longa? Ele olhou para ela.
- Não, não, desculpai, já devia ter dito. Os problemas são muito graves, tenho de regressar à corte, só queria falar convosco, Amy, acerca de um assunto importante.
- Sim?
- Falaremos amanhã - decidiu ele - mas preciso da vossa ajuda, Amy. Contar-vos-ei tudo mais tarde.
Ela corou, ao pensar que ele lhe viera pedir ajuda.
- Sabeis que, por vós, farei tudo o que for possível.
- Eu sei - disse ele. - Fico feliz por isso. Ergueu-se e aproximou as mãos do calor.
- Fico contente quando me pedis qualquer coisa - disse ela timidamente. - Costumava ser sempre assim.
- Sim - disse ele.
- Estais com frio, quereis que mande acender a lareira no nosso quarto?
- Não, não - disse ele. - vou mudar de camisa e desço imediatamente.
O sorriso iluminou o rosto dela, como se fosse uma rapariguinha.
- E vamos ter um óptimo jantar. A família tem estado a viver de carneiro e eu, sinceramente, já estou a ficar enjoada!
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Foi um bom jantar, com bifes de veado, uma empada de carneiro, caldo de galinha e alguns pudins. Quase não havia legumes da época, mas o pai de Amy havia sido um entusiasta por vinhos e a sua adega ainda era boa. Robert, convencido de que iria precisar de um auxílio para conseguir aguentar aquele jantar com as duas mulheres, a filha e o genro de Lady Robsart, foi buscar quatro garrafas e encorajou todos a ajudá-lo a bebê-las.
Quando se foram deitar, um pouco depois das nove horas, as mulheres estavam tontas com o vinho e davam pequenas risadas. Robert ficou no andar de baixo para terminar a sua bebida, numa solidão bem-humorada. Deu a Amy muito tempo para se deitar e não subiu até achar que ela já devia estar a dormir.
Despiu a roupa o mais silenciosamente possível, e colocou-a em cima de uma arca, aos pés da cama. Ela tinha deixado uma vela acesa, para quando ele viesse, e, na trémula luz dourada, ele pensou que ela parecia uma criança adormecida. Sentiu-se cheio de ternura por ela, enquanto apagava a vela e se metia na cama, ao seu lado, com cuidado, para não lhe tocar.
Meia adormecida, ela voltou-se para ele e meteu a perna nua entre as coxas dele. Ele ficou imediatamente excitado, mas
afastou-se um pouco dela, segurando-a firmemente pela cintura, mantendo-a longe dele, mas ela deu um pequeno suspiro ensonado e colocou a mão no peito dele, deixando-a depois escorregar inexoravelmente até ao ventre dele, para o acariciar.
- Amy - murmurou ele.
Não conseguia vê-la no escuro, mas o ritmo calmo da sua respiração disse-lhe que, embora ainda a dormir, ela se movia na sua direcção, o acariciava, deslizando para junto dele e finalmente se deitava de costas, para que ele a pudesse tomar, num estado de excitação meio adormecida a que ele, mesmo sabendo que era uma loucura, não conseguiu resistir. Mesmo enquanto atingia o seu prazer, quando a ouviu gemer, aquele familiar pequeno gemido de satisfação quando acordou e o sentiu dentro dela, Robert percebeu que o que estava a fazer era errado, o pior que poderia ter feito a si próprio, a Amy e a Isabel.
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Pela manhã, Amy estava radiante, confiante, uma mulher que fizera as pazes com o amor, uma esposa que voltara a ocupar o seu lugar no mundo. Ele não teve de enfrentar o seu tímido sorriso, ao acordar; ela já estava a pé, na cozinha, quando ele se vestiu, apressando a cozinheira a cozer pão para o pequeno-almoço, tal como ele gostava. Tinha ido buscar mel às suas próprias colmeias, trouxe manteiga fresca da leitaria, com o selo de Stanfield Hall gravado no pequeno quadrado. Da salgadeira, tinha trazido um bom pedaço de presunto, emprestado por alguém da aldeia, e havia alguns pedaços frios de veado, que tinham sobrado da noite anterior.
Amy, presidindo a uma mesa farta, serviu ao marido cerveja branca e prendeu um caracol do cabelo por trás da orelha.
- Ides sair a cavalo, hoje? - perguntou ela. - Posso mandar Jeb ao estábulo para que selem o vosso cavalo. Podemos cavalgar juntos, se quiserdes.
Ele não podia acreditar que ela se tivesse esquecido da última vez em que tinham cavalgado juntos, mas o prazer que tivera durante a noite, tinha-a transformado de novo na Amy que ele tinha amado em tempos, a pequena e confiante senhora do seu reino, a filha preferida de Sir John Robsart.
- Sim - disse ele, adiando o momento em que teria de falar com ela, honestamente. - Devia ter trazido o meu falcão, pois em breve comerei tudo o que há cá em casa e a vossa despensa ficará vazia.
- Oh, não - disse ela. - Pois os Cárter já mandaram uma vitela recém-desmamada, como oferta para vós, e agora que todos sabem que estais aqui, vamos ficar quase soterrados em presentes. Pensei que poderíamos convidá-los a passar o dia connosco, vós sempre os considerais boa companhia.
- Amanhã, talvez - disse ele com um suspiro. - Hoje, não.
- Está bem - disse ela concordando. - Mas dificilmente conseguireis comer a vitela toda sozinho.
- Avisai que vou andar a cavalo dentro de uma hora - disse, levantando-se abruptamente da mesa -, e gostaria que me acompanhásseis.
- Poderíamos ir até Flitcham Hall? - perguntou ela. - Só para vos relembrar como a casa é excelente? Eu sei que considerais que fica muito longe de Londres, mas eles ainda não encontraram um comprador.
Ele retraiu-se.
- Onde quiserdes - disse ele evitando o assunto da casa. Daqui a uma hora.
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"E assim evito falar com ela antes do jantar", recriminou-se Robert, subindo dois degraus das escadas de cada vez. "Porque nunca mais vou tentar fazer ver as coisas a uma mulher, enquanto passeio com ela a cavalo. Mas esta noite, depois do jantar, tenho de falar com ela. Não posso mentir-lhe outra vez; isso faz de mim um mentiroso e não a quero tratar como se fosse uma idiota." Abriu a porta dos aposentos privados de Sir John, com um pontapé, e deixou-se cair na cadeira do velho senhor. "Maldito sejais", disse, dirigindo-se ao seu falecido sogro. "Maldito sejais por terdes dito que eu a iria fazer infeliz e maldito sejais por terdes tido razão."
Robert esperou até depois do jantar, altura em que Lacly Robsart os deixou a sós e Amy estava sentada em frente a ele, do outro lado da pequena lareira.
- Lamento não termos mais companhia - frisou Amy. - Deve ser tão monótono, comparado com a corte. Podíamos ter convidado os Rushley a visitar-nos, lembrais-vos deles? Podiam vir amanhã, se quiserdes convidá-los.
- Amy - disse ele hesitante - tenho uma coisa para vos pedir. A cabeça dela ergueu-se imediatamente, o sorriso doce. Pensou
que ele lhe iria pedir que o perdoasse.
- Em tempos falámos sobre divórcio - disse ele calmamente. Uma sombra atravessou o rosto dela.
. - Sim - disse ela. - Nunca mais voltei a ter um momento de felicidade desde esse dia. Pelo menos, até à noite passada. O rosto de Robert contorceu-se.
- Lamento o que se passou - disse ele. Ela interrompeu-o.
- Eu sei - disse ela. - Sabia que vos iríeis arrepender. Pensei que nunca vos iria poder perdoar; mas posso, Robert, e perdoo. Tudo está perdoado e esquecido entre nós e nunca mais precisaremos de falar sobre esse assunto.
"Isto é dez mil vezes ainda mais difícil, só porque eu fui um idiota em não controlar o meu desejo", resmungou Robert para si próprio. Em voz alta, disse:
- Amy, ireis pensar que sou um depravado, mas eu não mudei de ideias.
Os honestos olhos dela, abertos, encontraram os dele.
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- O que quereis dizer? - perguntou simplesmente.
- Tenho um pedido para vos fazer - disse ele. - Quando falámos pela última vez, vós consideráveis Isabel como uma rival, e eu compreendo os vossos sentimentos. Mas ela é a Rainha da Inglaterra e concedeu-me a honra de me amar.
Amy franziu as sobrancelhas, não conseguia imaginar o que ele lhe queria pedir.
- Eu sei, mas vós tínheis dito que havíeis desistido dela. E depois viestes ter comigo... - calou-se. - Para mim é um milagre que tenhais voltado para mim, como se voltássemos a ser novamente um rapaz e uma rapariga.
- Estamos em guerra com a Escócia - continuou Robert, aplanando o terreno. - Não poderíamos estar em maior perigo. Quero ajudá-la, quero salvar o meu país. Amy, é muito provável que os Franceses nos invadam.
Amy concordou com um aceno.
- Certamente. Mas...
- Invadam - repetiu ele. - Que nos destruam a todos.
Ela concordou, mas não podia preocupar-se com os Franceses, quando a sua própria felicidade se estava a revelar à sua frente.
- Por isso, quero pedir-vos para me libertardes do meu casamento convosco, para que eu possa oferecer-me à Rainha como um homem livre. O arquiduque não a vai pedir em casamento e ela precisa de um marido. Eu quero casar com ela.
Os olhos de Amy abriram-se, como se não pudesse acreditar no que tinha acabado de ouvir. Ele viu a mão dela dirigir-se ao bolso e reparou que os seus dedos agarravam em qualquer coisa.
- O quê? - perguntou ela, não acreditando.
- Quero que me liberteis do meu casamento convosco. Tenho de casar com ela.
- Estais a dizer que quereis que me divorcie de vós? Ele assentiu com a cabeça.
- Estou.
- Mas, a noite passada...
- A noite passada foi um erro - disse ele com brutalidade, vendo a cor afluir ao rosto dela e as lágrimas encherem os seus olhos, tão depressa como se a tivesse esbofeteado até que a cabeça lhe ficasse a andar à roda.
- Um erro? - repetiu ela.
- Não fui capaz de vos resistir - disse ele, tentando suavizar o golpe. - Devia tê-lo feito. Eu amo-vos, Amy, e sempre hei-de amar. Mas o meu destino chama-me. John Dee disse uma vez...
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Ela abanou a cabeça.
- Um erro? Mentir à própria esposa? Não haveis sussurrado: "Amo-vos?" Isso também foi um engano?
- Eu não disse isso - respondeu ele muito depressa.
- Ouvi-vos dizê-lo.
- Podeis pensar tê-lo ouvido, mas eu não o disse.
Ela levantou-se da pequena cadeira e afastou-se dele, dirigindo-se para a mesa que preparara com tanta alegria para o jantar. Estava já tudo desmanchado, os bocados de carne tinham ido para os criados e os restos, para os porcos.
- Uma vez haveis-me falado de Sir Thomas Gresham - disse ela despropositadamente. - Que ele considerava que o pior na má cunhagem era que ela reduzia tudo, mesmo as moedas fortes, a um valor insignificante.
- Sim - disse ele sem compreender.
- Foi isso que ela fez - disse simplesmente. - Não me surpreende nada que uma libra não valha uma libra, que estejamos em guerra com a França, que o arquiduque não queira casar com ela. Ela estragou tudo, é a moeda falsa do Reino e reduziu tudo, até mesmo o amor honrado, mesmo um bom casamento baseado no amor, ao valor de uma moeda falsa.
- Amy...
- Por isso, durante a noite, dizeis-me "Amo-vos" e tudo o que fazeis me diz que me amais. Mas depois, durante o dia, exactamente no dia seguinte, pedis-me para vos libertar.
- Amy, por favor!
Ela parou imediatamente. " - Sim, meu senhor?
- Independentemente do que possais pensar dela, ela é a Rainha consagrada da Inglaterra, o Reino está em perigo. A Rainha da Inglaterra precisa de mim e eu estou a pedir-vos para me libertardes.
- Podeis comandar os exércitos dela - observou. Robert anuiu.
- Sim, mas há outros soldados mais competentes.
- Podeis aconselhá-la sobre o que deve fazer, ela podia nomear-vos para o seu Conselho Privado.
- Eu já a aconselho.
- Então, que mais podeis fazer? E que mais podeis, honestamente, pedir? - explodiu ela.
Ele cerrou os dentes.
- Quero estar ao lado dela, dia e noite. Quero ser o seu marido
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e estar sempre com ela. Quero ser o seu companheiro no trono da Inglaterra.
Ele preparou-se para um ataque de lágrimas e fúria, mas, para sua surpresa, ela olhou-o com os olhos enxutos e falou muito calmamente.
- Robert, sabeis que se estivesse ao meu alcance, eu seria capaz de o fazer. Amo-vos tanto e há tanto tempo, que até isso seria capaz de vos dar. Mas não está nas minhas mãos. O nosso casamento é obra de Deus, ficámos de pé, lado a lado, numa igreja e jurámos que nunca nos separaríamos. Não podemos ser agora separados, só porque a Rainha vos quer e vós a quereis.
- Há mais pessoas no mundo que se divorciam! - exclamou ele.
- Não sei como irão responder por isso.
- O próprio Papa o autoriza e diz que as pessoas não terão de responder por isso, não é pecado.
- Ah, ides recorrer ao Papa? - perguntou ela, num súbito ataque de malícia. - O Papa vai determinar que o nosso casamento, um casamento protestante, é inválido? Será que Isabel, a princesa protestante, vai voltar a dobrar o joelho diante do Papa?
Ele pôs-se em pé de um salto e encarou-a.
- É claro que não!
- Então, quem? - teimou ela. - O Arcebispo da Cantuária? O protegido dela? Designado apesar das dúvidas que tinha, o único vira-casaca da Igreja, enquanto os outros bispos são atirados para a prisão e exilados, porque sabem que a sua pretensão de ser chefe da Igreja é falsa?
- Eu não conheço os detalhes - disse ele taciturno. - Mas com boa vontade, poderia resolver-se o problema.
- Tinha de ser ela, não é verdade? - desafiou-o Amy. - Uma mulher de vinte e seis anos, cega pela sua própria luxúria, desejando o marido de outra mulher e determinando que o seu desejo é a vontade de Deus. Dizendo que sabe que Deus quer que ele fique livre - respirou fundo e soltou uma descontrolada e sonora gargalhada. - É um disparate, esposo. Só fareis de vós mesmo um motivo de troça. É um pecado contra Deus, contra os homens e um insulto para mim.
- Não é nenhum insulto. Se o vosso pai fosse vivo...
Era o pior que poderia ter dito. O orgulho familiar de Amy veio ao cimo.
- Atreveis-vos a pronunciar o nome dele na minha frente! O meu pai ter-vos-ia chicoteado como a um cavalo só por pensardes em tal coisa. Ter-vos-ia morto por me terdes dito o que dissestes.
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- Ele nunca me tocaria com um dedo, sequer! - afirmou Robert. - Nunca se atreveria.
- Ele dizia que vós éreis um presumido e que eu valia dez vezes mais do que vós. - disse ela com desprezo. - E tinha razão. Sois um vaidoso e eu valho dez vezes mais que vós. E é verdade que haveis dito que me amáveis, na noite passada, sois um mentiroso.
Mal conseguia vê-la com a névoa que se ergueu diante dos seus olhos, devido à raiva cega. A voz faltou-lhe, com a tensão, como se lha tivessem arrancado.
- Amy, nenhum homem no mundo continuaria vivo, se me insultasse dessa maneira.
- Meu marido, posso assegurar-vos que milhares deles vos irão dizer coisas piores. Irão dizer que sois o rapazinho dela, o seu brinquedo, um vulgar potrozinho que ela monta para seu prazer.
- Irão chamar-me Rei da Inglaterra - gritou ele.
Ela voltou-se e agarrou-o pelo colarinho da camisa de linho que lhe tinha cerzido com tanto cuidado, e abanou-o, cheia de raiva.
- Nunca. Tereis de me matar antes de ela vos poder ter.
Ele afastou-lhe as mãos do pescoço e empurrou-a para longe dele, atirando-a para cima de uma cadeira.
- Amy, nunca vos perdoarei por isto. Fazeis com que, de marido e amante, passe a vosso inimigo.
Ela olhou para ele, juntou a saliva na boca e cuspiu-lhe. Imediatamente, cego de fúria, Robert correu na sua direcção, mas ela, rápida como o pensamento, levantou o pequeno pé e deu-lhe um pontapé, afastando-o para longe de si.
- Eu sei disso- gritou ela. - Sois um louco! Mas que diferença faz o vosso ódio, quando vos deitais com ela, como um porco, e depois o fazeis comigo dizendo a ambas "Amo-vos"?
- Eu nunca disse isso! - gritou ele completamente fora de si. Por trás dele, Lady Robsart escancarou a porta e ficou, em silêncio, a olhar para os dois.
- Ide embora! - gritou Amy.
- Não, entrai - disse Robert rapidamente, afastando-se de Amy, limpando a cuspidela na camisa e puxando pela gola, que ela tinha rasgado. - Por amor de Deus, entrai. Amy está exaltada, Lady Robsart, ajudai-a a ir para o quarto. vou dormir no quarto de hóspedes e partirei de manhã, ao romper do dia.
- Não! - gritou Amy. - Vós ficareis comigo, Robert. Sabeis que sim. A vossa luxúria, a vossa nojenta luxúria vai acordar-vos e ireis desejar-me novamente e direis "Amo-vos. Amo-vos". Mentiroso. Malvado mentiroso.
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- Levai-a daqui, por amor de Deus, antes que eu a mate - disse ele a Lady Robsart, e correu para fora da sala, evitando as mãos de Amy, que tentava agarrá-lo.
- Ficareis comigo ou matar-vos-ei! - gritou ela.
Robert desatou a correr pelas estreitas escadas de madeira acima e fugiu da mulher, antes que ela os pudesse envergonhar a ambos ainda mais.
De manhã, Amy estava demasiado doente para ir ter com ele. com uma voz de gelo, Lady Robsart aludiu a uma noite de choro histérico e disse-lhe que Amy se levantara de madrugada e caíra de joelhos, pedindo a Deus que a libertasse da agonia que era a sua vida.
A escolta de Robert esperava lá fora.
- Deveis saber o que se passa, creio eu - disse ele em poucas palavras.
- Sim - respondeu Lady Robsart. -.Suponho que sim.
- Confio na vossa discrição - disse ele. - A Rainha iria ficar muito ofendida com qualquer mexerico.
Os olhos dela pareciam querer saltar para a cara dele.
- Então, não devia dar tão fortes motivos para que eles existissem - disse ela arrojadamente.
- Amy tem de ser razoável - disse ele. - Tem de concordar com o divórcio. Eu não a quero forçar, não quero ter de a mandar para fora do país, para um convento, contra a sua vontade. Quero um acordo justo e um bom dote para ela. Mas ela tem de concordar.
Reparou no choque no rosto dela provocado pela sua franqueza.
- Seria bom para vós - disse ele com voz sedosa. - Eu continuaria a ser vosso amigo se vós a aconselhásseis sobre o que é melhor para ela. Já conversei com o cunhado dela, John Appleyard, e ele concorda comigo.
- John concorda? O meu genro acha que ela vos deve conceder o divórcio?
- E o vosso filho Artur.
Lady Robsart ficou sem palavras perante a evidência da unanimidade masculina.
- Não posso saber quais são as melhores condições para ela, neste caso - disse ela, num leve desafio.
- Exactamente o que eu disse - respondeu Robert com rudeza.
- Tal como nós dissemos: nós homens. Ou ela concorda com um
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divórcio, com uma boa compensação monetária ou ficará, de qualquer forma, divorciada e será mandada para fora do país, para um convento, sem qualquer fortuna. Não tem outra escolha.
- Não sei o que o pai dela teria opinado deste assunto. Ela só chora e deseja morrer.
- Lamento, por ela; mas estas não serão as primeiras lágrimas vertidas, nem as últimas - disse ele num tom inflexível, saindo pela porta fora sem mais palavras.
Robert Dudley chegou aos aposentos da Rainha, em Westminster, durante um recital improvisado de uma nova composição de uma canção de um homem desconhecido, e teve de esperar, sorrindo educadamente, até que o madrigal, com muitos floreados, terminasse. Sir William Cecil, que o observava discretamente a um canto, estava divertido com o ar carrancudo do jovem e ficou até surpreendido ao reparar que nem no momento de fazer uma vénia à Rainha a sua face se alegrara.
"Mas o que andarão eles a fazer, para ele ter um ar tão aborrecido e para que ela esteja tão preocupada com ele?", Cecil sentiu o coração retrair-se de apreensão. "Que estarão eles a planear desta vez?"
Mal a canção acabou, Isabel fez um sinal a Robert para que fosse até uma das janelas e ambos se chegaram para um dos lados, fora "do alcance dos ouvidos atentos dos cortesãos.
- Que foi que ela disse? - perguntou Isabel, sem sequer o cumprimentar. - Concordou?
- Ficou completamente louca - disse ele simplesmente. Disse que preferia morrer a concordar com o divórcio. Deixei-a depois de uma noite em que chorou até ficar doente, pedindo para morrer.
A mão dela voou para o rosto dele, mas obrigou-se a parar, antes que o abraçasse diante de toda a corte.
- Oh, meu pobre Robin.
- Ela cuspiu-me no rosto - disse ele, enfurecendo-se só de recordar. - Deu-me pontapés. Só discutimos.
- Não! - apesar da gravidade da situação, Isabel não conseguia deixar de se sentir divertida ao imaginar Lady Dudley envolvida numa bulha, como a mulher de um peixeiro. - Ela enlouqueceu?
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- Pior do que isso! - disse ele rapidamente. Olhou em volta para se certificar de que ninguém os podia ouvir. - Ela está cheia de pensamentos traiçoeiros e de opiniões heréticas. O ciúme que tem de vós levou-a às ideias mais extremistas. Só Deus sabe o que ela irá dizer ou fazer.
- Então, teremos de a mandar embora - disse simplesmente Isabel.
Robert baixou a cabeça.
- Meu amor, será um grande escândalo, duvido que o possamos fazer para já. Não vos podeis arriscar a algo semelhante. Ela vai lutar contra mim, provocará uma tempestade contra mim e eu tenho muitos inimigos que a apoiariam.
Ela olhou de frente para ele, com toda a paixão de um novo romance transparecendo no seu rosto enrubescido.
- Robert, eu não consigo viver sem vós. Não sou capaz de governar a Inglaterra sem vos ter a meu lado. Neste preciso momento, Lorde Grey está a conduzir o meu exército para a Escócia e a armada inglesa, que Deus os ajude, está a tentar impedir que os barcos franceses, que são três vezes mais do que os nossos, cheguem a Leith Castle, onde aquela maldita mulher voltou a montar um cerco. Estou no fio da navalha, Robert. Amy é uma traidora ao piorar a minha situação. O melhor a fazer era prendê-la por traição, mandá-la para a Torre e esquecermos que ela existe.
- Não penseis nela, agora - disse ele rapidamente, no desejo de sossegar a ansiosa jovem que amava. - Esquecei-a. Eu ficarei na corte convosco. Estarei ao vosso lado dia e noite. Seremos marido e mulher em tudo, salvo no nome, e quando ganharmos na Escócia e o país estiver seguro e em paz, trataremos de Amy e casaremos. -
Ela concordou.
- Não voltareis a visitá-la?
Ele teve uma súbita e espontânea recordação da mão de Amy acariciando-o, e da maneira sonolenta como se lhe oferecera, de como a mão dela tinha afagado as suas costas e das suas próprias palavras, sussurradas na escuridão, e que podiam perfeitamente ter sido "Oh, amo-vos, ditadas pelo desejo e não por fingimento.
- Não voltarei a vê-la - assegurou-lhe. - Pertenço-vos Isabel, de alma e coração.
Isabel sorriu e Dudley tentou devolver-lhe um sorriso tranquilizador, mas, por alguns momentos, foi a face sonhadora, plena de desejo de Amy que viu.
- Ela é uma louca - disse Isabel com aspereza. - Devia ter visto a minha madrasta, Ana de Clèves, quando o meu pai lhe
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pediu o divórcio. A sua primeira preocupação foi fazer-lhe a vontade e a segunda, conseguir uma compensação satisfatória. Amy é uma idiota, uma doida varrida, por se tentar meter no nosso caminho. E é ainda duas vezes mais louca, por não vos exigir uma boa pensão.
- Sim - concordou ele, pensando que Ana de Clèves não se tinha casado por amor, não tinha desejado o marido todas as noites, durante onze anos, nem tinha estado nos braços dele, cheia de paixão, fazendo amor, exactamente na noite anterior ao dia em que ele lhe pedira que o libertasse dos seus compromissos.
A corte aguardava notícias do tio da Rainha, Thomas Howard, que tinha sido enviado para longe, de acordo com as conveniências dos amantes, mas era agora uma figura-chave junto da sensível fronteira. Devia negociar e assinar uma aliança com os senhores escoceses no seu quartel-general de Newcastle, mas eles esperaram, esperaram e não tiveram notícias dele.
- Porque estará a demorar tanto tempo? - perguntou Isabel a Cecil. - Não acredito que ele me tenha enganado por causa de Sir Robert.
- Nunca! - asseverou Cecil com firmeza. - Estas coisas demoram o seu tempo.
- Não temos tempo - contrariou ela. - Graças a vós, apressaras-nos a entrar em guerra e não estávamos preparados.
O exército inglês, comandado por Lorde Grey, devia ter-se reunido em Newcastle, em Janeiro, e avançado para a Escócia até ao fim do mês. Mas Janeiro tinha chegado e partido e o exército não se tinha movido para fora das casernas.
- Porque é que demora tanto tempo? - perguntou Isabel a Cecil. - Não me tínheis dito que ele iria marchar imediatamente para Edimburgo?
- Sim - disse Cecil. - Ele sabe o que deve fazer.
- Então, porque não o faz? - gritou frustrada. - Porque é que ninguém avança; ou, se isso não for possível, porque não recuam? Porque temos de esperar tanto e tudo o que ouço são desculpas?
Esfregava as unhas, empurrando as cutículas para trás, numa nervosa imitação da sua manicura diária. Cecil controlou-se para não lhe pegar nas mãos.
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- As notícias hão-de chegar - insistiu. - Temos de ser pacientes. E deram-lhes ordem para não recuar.
- Temos de proclamar a nossa amizade com os Franceses decidiu ela.
Cecil olhou para Dudley.
- Estamos em guerra com os Franceses - recordou-lhe ele.
- Devíamos fazer uma declaração, dizendo que, se os soldados deles se forem embora, nós não temos qualquer querela com a França - disse Isabel, enquanto os seus dedos continuavam a trabalhar furiosamente. - Assim, saberão que estamos prontos para fazer as pazes, mesmo nesta fase tão tardia.
Dudley deu um passo em frente.
- Mas essa é uma excelente ideia - disse ele apaziguador. Escrevei-a. Ninguém consegue resolver um assunto como vós.
"Um assunto que é, em si mesmo, uma contradição", pensou Cecil para consigo, reparando, através do esboço de sorriso que Robert lhe dirigiu, que Dudley pensava do mesmo modo.
- E onde é que eu tenho tempo para escrever? - perguntou Isabel. - Nem sequer consigo pensar, estou tão ansiosa.
- De tarde - disse-lhe Dudley acalmando-a. - E ninguém consegue escrever como vós.
"Ele amansa-a como se fosse uma das suas éguas da Barbaria", pensou Cecil surpreendido. "Lida com ela de uma maneira que mais ninguém é capaz de usar."
- Deveis compô-la e eu escreverei o que disserdes - disse Robert. - Serei o vosso escrivão. E vamos publicá-la, para que todos saibam que não sois a provocadora da guerra. Se chegar a haver guerra, todos saberão que as vossas intenções foram sempre pacíficas. Ficará provado que tudo será culpa dos Franceses.
- Sim - disse ela encorajada. - E talvez isso impeça que haja guerra.
- Talvez - tranquilizaram-na os dois homens.
A única boa notícia que chegou em Março foi a informação de que os preparativos de guerra dos Franceses tinham ficado completamente arruinados, devido a um levantamento dos protestantes franceses contra a família real da França.
- Isto não nos ajuda nada - predisse Isabel tristemente. - Agora,
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Filipe da Espanha vai voltar-se contra todos os protestantes, com medo que eles se espalhem e recusará ser meu aliado.
Mas Filipe era demasiado inteligente para fazer fosse o que fosse que pudesse ajudar os Franceses dentro da Europa. Em vez disso, ofereceu-se como mediador entre os Franceses e os Ingleses e o Senhor de Glajon chegou em Abril, com grande pompa, para se encontrar com Isabel.
- Dizei-lhe que estou doente - sussurrou ela a Cecil, observando o poderoso diplomata espanhol através da fenda numa porta dos seus aposentos privados, que dava para a sala de audiências. Deveis mantê-lo afastado de mim durante algum tempo. Não suporto olhar para ele, não consigo, a sério, e além disso, as minhas mãos estão a sangrar.
Cecil empatou o nobre espanhol durante alguns dias até que chegaram notícias da Escócia, segundo as quais Lorde Grey tinha, finalmente, atravessado a fronteira com o exército inglês. Os soldados ingleses já marchavam em solo escocês. Já não se podia negar o facto por mais tempo; as duas nações estavam finalmente em guerra.
As unhas de Isabel estavam imaculadamente arranjadas, mas os seus lábios estavam todos gretados, de tanto os morder, quando finalmente se encontrou com o embaixador espanhol.
- Eles querem obrigar-nos a declarar a paz - murmurou ela para Cecil, depois do encontro. - Quase me ameaçou. Preveniu-me de que, se não conseguirmos fazer a paz com a França, Filipe da Espanha vai enviar o seu próprio exército e obrigar-nos a declará-la.
Cecil mostrou-se espantado.
- Como é que ele faria uma coisa dessas? Não tem nada que ver com este problema.
- Mas tem poder - disse ela furiosa. - E a culpa é vossa, por lhe terdes pedido apoio. Agora ele julga que pode decidir sobre este assunto, crê que tem o direito de entrar na Escócia. E se tanto a Espanha como a França trouxerem os seus exércitos para a Escócia, que vai ser de nós? Aquele que ganhar, ocupará a Escócia para sempre, e dentro de pouco tempo começará a olhar para a fronteira e a querer vir para sul. Agora estamos à mercê da França e da Espanha, como pudestes fazer uma coisa destas?
- Bem, não era essa a minha intenção - disse ele aborrecido.
- Filipe acredita que pode impor a paz à França e a nós?
- Se ele os conseguir obrigar a concordar, pode ser a nossa saída - disse Isabel, um pouco mais animada. - Se fizermos tréguas com ele, prometeu-me que voltaríamos a ter Calais.
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- Está a mentir - disse Cecil secamente. - Se quereis Calais, tereis de lutar por ela. Se quiserdes manter os Franceses afastados da Escócia, tereis de lutar com eles. Temos de impedir que os Espanhóis venham para cá. Temos de enfrentar os dois mais poderosos países da Cristandade e defender a nossa soberania. Tendes de ser forte, Isabel.
Ele tratava-a sempre pelo seu título. O facto de não o ter recriminado era uma prova da sua preocupação.
- Espírito, eu não sou forte. Tenho tanto receio - disse ela num murmúrio.
- Todas as pessoas têm medo - assegurou-lhe ele. - Vós, eu, provavelmente até mesmo o Senhor de Glajon. Pensais que Maria de Guise, doente em Leíth Castle, não tem medo também? Credes que os Franceses não têm medo, com os protestantes a sublevarem-se contra eles, no seio da própria França? Não vos parece que Maria, Rainha dos Escoceses, tem medo, ao vê-los enforcar centenas de rebeldes franceses à sua frente?
- Ninguém está tão só como eu! - contrapôs Isabel. - Ninguém tem dois inimigos à porta, como eu. Ninguém tem de enfrentar Filipe e os Franceses, sem um marido ou um pai e sem ajuda, a não ser eu!
- É verdade - concordou ele. - Tendes de facto um papel solitário e difícil a desempenhar. Mas tendes de o fazer. Tendes de fingir ter confiança, mesmo quando tendes medo, mesmo quando vos sentirdes extremamente só.
- Parece que me quereis transformar num dos actores do novo grupo de Sir Robert - disse ela.
- Eu gostaria de vos ver como um dos actores da Inglaterra respondeu ele. - Gostaria de vos ver no papel de uma grande rainha.
"E preferia morrer do que confiar o texto a Dudley", acrescentou para si próprio.
A Primavera chegou a Stanfielc! Hall e Lizzie Oddingsell veio para ser companheira de viagem de Amy, mas não houve notícias de Sir Robert, explicando para onde a esposa deveria ir, nesta estação.
- Devo escrever-lhe? - perguntou Lizzie Oddingsell a Amy.
Amy estava deitada numa cama de dia, a pele como papel, os olhos tristes, magra como uma criança esfomeada. Abanou a cabeça, como se falar fosse um esforço grande de mais.
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- Ele já não quer saber onde eu possa estar.
- É só porque no ano passado fomos para Bury St Edmunds e depois para Camherwell - fez Lizzie notar.
Amy encolheu os ombros magros.
- Parece que não vamos, este ano.
- Não podeis ficar aqui o ano inteiro.
- Porque não? Vivi aqui todos os anos da minha adolescência.
- Não é apropriado - disse Lizzie. - Sois a esposa dele, e esta é uma casa pequena sem uma companhia divertida, sem boa comida, música, dança ou vida social. Não podeis viver como a mulher de um lavrador quando sois a esposa de um dos mais importantes homens do país. As pessoas vão falar.
Amy ergueu-se sobre o cotovelo.
- Meu Deus, vós sabeis tão bem quanto eu que as pessoas comentam coisas bem piores do que o facto de a minha mesa não ser farta.
- Não se fala de outra coisa a não ser da guerra contra os Franceses e a Escócia - mentiu Lizzie.
Amy abanou a cabeça, encostou-se para trás e fechou os olhos.
- Não sou surda - observou. - E dizem que o meu marido e a Rainha se casarão dentro de um ano.
- E o que ireis vós fazer? - perguntou Lizzie com suavidade. Se ele insistir? Se ele vos puser de lado? Lamento Amy, mas devíeis pensar naquilo de que ireis necessitar. Sois uma mulher jovem...
- Ele não me pode pôr de lado - disse Amy calmamente. - Sou a sua esposa. Serei sua esposa até ao dia da minha morte. Não posso fazer nada contra isso. Deus juntou-nos e só Ele nos pode separar. Pode mandar-me para longe, pode até casar-se com ela, mas, então, e aos olhos de toda a gente, será um bígamo e ela uma prostituta. Não posso fazer outra coisa, para além de ser a esposa dele até à morte.
- Amy! - suspirou Lizzie. - Certamente...
- Queira Deus que a minha morte chegue depressa e nos liberte a todos desta agonia - disse Amy num débil fio de voz. Porque isto é pior do que a morte, para mim. Saber que ele me amava e me deixou, pensar que só me quer longe dele, que nunca mais o vou ver. Saber, todas as manhãs, quando acordo e sempre que me deito, que ele está com ela, que prefere estar com ela do que comigo. Isto destrói-me por dentro como uma gangrena, Lizzie. Acho que é disso que vou morrer. Esta dor é como uma morte. E eu preferia morrer.
- Tendes de vos reconciliar convosco mesma - disse Lizzie Odclingsell, sem muita esperança naquela panaceia.
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- Já me reconciliei com o desgosto - disse Amy. - Reconciliei-me com uma vida de desolação. Ninguém me pode exigir mais.
Lizzie levantou-se e virou um dos toros na lareira. A chaminé não funcionava bem e a sala estava sempre cheia de uma leve neblina de fumo que fazia arder os olhos. Lizzie suspirou ao pensar na falta de conforto daquela casa de lavoura e na determinação do falecido Sir John, que acreditava que o que tinha estabelecido era suficientemente bom para toda a gente.
- vou escrever ao meu irmão - disse ela com firmeza. - Eles ficam sempre felizes por vos ver. Pelo menos poderemos ir para Denchworth.
Palácio de Westminster
14 de Março de 1560
De William Cedi para o Comandante dos Pensionistas da Rainha
Senhor,
1. Chegou ao meu conhecimento que os franceses lançaram uma conspiração contra a vida da rainha e do nobre cavalheiro Sir Robert Dudley. Fui informado de que eles decidiram que um ou o outro deve ser assassinado, na esperança de que isso lhes possa trazer vantagens na guerra contra a Escócia.
2. Decidi avisar-vos, por este meio, desta nova ameaça e recomendo-vos que reforceis a guarda da Rainha e que ordeneis aos vossos homens que fiquem alerta a tempo inteiro.
Deveis estar igualmente alerta em relação a qualquer pessoa que se aproxime ou que siga o nobre cavalheiro, ou qualquer pessoa que ande a rondar os seus aposentos ou os estábulos.
Deus Salve a Rainha.
Sir Francis Knollys e Sir Nicholas Bacon foram procurar William Cecil.
- Por amor de Deus, será que estas ameaças não vão acabar nunca?
- Aparentemente, não - disse Cecil calmamente. Sir Robert Dudley juntou-se a eles.
- O que se passa?
- Mais ameaças de morte contra a Rainha - disse-lhe Sir Francis.
- E contra vós.
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- Contra mim?
- Desta vez, feitas pelos Franceses.
- Porque quereriam os Franceses matar-me? - perguntou Dudley, chocado.
- Eles crêem que a Rainha ficaria destroçada com a vossa morte - disse com tacto Nicholas Bacon, quando mais ninguém foi capaz de responder.
Sir Robert deu uma ligeira e irritada volta sobre os calcanhares.
- Não vamos fazer nada, enquanto Sua Majestade está a ser ameaçada por todos os lados? Quando os Franceses a ameaçam, quando o próprio Papa a ameaça? Quando os Ingleses conspiram contra ela? Será que não podemos confrontar este terror e aniquilá-lo?
- A própria natureza do terror é que não se sabe bem o que ele é ou o que pode provocar - observou Cecil. - Podemos protegê-la, mas só até um certo ponto. A não ser fechando-a num quarto trancado, não conseguimos livrá-la de perigo. Há um homem a provar tudo o que ela come. Mandei colocar sentinelas em todas as portas e sob todas as janelas. Ninguém entra na corte sem ter uma autorização e, mesmo assim, dia sim, dia não, sou informado de uma nova conspiração, de um novo plano de morte contra ela.
- Será que os Franceses gostariam que nós assassinássemos a jovem Rainha Maria? - perguntou Sir Robert.
William Cecil trocou um olhar com Sir Francis, o outro homem mais experiente.
- Não conseguimos chegar até ela - admitiu. - Ordenei a Throckmorton que observasse a corte francesa, quando esteve em Paris. Não se poderia fazer algo desse género sem perceberem que fomos nós.
- E é essa a vossa única objecção? - disse Robert, com agressividade.
- É - disse Cecil brandamente. - Em teoria, não tenho objecções contra um assassinato por razões de Estado. Poderia ser a forma de salvar muitas vidas e uma garantia de segurança para os outros.
- Oponho-me terminante e completamente a uma coisa dessas
- disse Dudley indignado. - É proibido por Deus e contra a justiça dos homens.
- Pois, mas é a vós que eles pretendem assassinar, portanto é natural que penseis assim - disse Sir Nicholas, demonstrando pouca simpatia. - O vitelo raramente partilha das ideias do talhante, e vós, meu amigo, já estais praticamente morto.
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Amy e Lizzie Oddingsell, acompanhadas por Thomas Blount e homens com a libré da casa Dudley, cavalgando à frente e atrás deles, chegaram em silêncio à casa dos Hyde. As crianças que, como era hábito, os esperavam, vieram pelo caminho abaixo, correndo ao seu encontro e depois hesitaram quando a tia não lhes ofereceu nada mais que um sorriso triste e a sua convidada preferida, Lady Dudley, parecia nem reparar nelas.
Alice Hyde, que se apressou a sair para cumprimentar a cunhada e a sua nobre amiga, sentiu por um momento que uma sombra caíra sobre a sua casa, sendo percorrida por um involuntário arrepio, como se o sol de Abril se tivesse, de repente, tornado gelado.
- Irmã, Lady Dudley, sois muito bem-vindas.
Ambas as mulheres voltaram para ela um rosto pálido de cansaço.
- Oh, Lizzie - disse Alice, chocada ao reparar no cansaço estampado no rosto dela e ajudando a cunhada a descer da sela, enquanto o marido saía de casa para ajudar Lady Dudley a desmontar.
- Posso ir para o meu quarto? - murmurou Amy para William Hyde.
- com certeza - disse ele com bondade. - Eu mesmo vos levo, e vou mandar acender a lareira. Quereis um copo de brandy para afastar o frio e devolver alguma cor a esse bonito rosto?
Pareceu-lhe que ela tinha olhado para ele como se lhe tivesse falado numa língua desconhecida.
- Eu não estou doente - disse ela secamente. - Seja quem for que vos disse que eu estava doente, está a mentir.
- Não? Fico feliz por saber. Tendes um ar um pouco fatigado da viagem, mais nada - disse ele apaziguador, enquanto a conduzia para o vestíbulo e depois, pelas escadas acima, para o melhor quarto de hóspedes. - E poderemos contar com Sir Robert, esta Primavera?
Amy ficou parada, à porta do quarto.
- Não - disse muito calma. - Não espero encontrar-me com o meu marido esta estação. Não estou a contar com ele para nada.
- Oh - disse William Hyde, sem saber o que responder. Ela voltou-se e estendeu-lhe ambas as mãos.
- Mas ele é o meu marido - disse, quase numa súplica. - Isso nunca vai mudar.
Completamente baralhado, ele esfregou-lhe as mãos geladas.
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- Claro que sim - disse, tentando acalmá-la, enquanto pensava que ela dizia coisas sem sentido, como uma mulher louca. - E tenho a certeza de que é um óptimo marido.
De qualquer forma, tinha conseguido dizer as palavras certas. O doce sorriso de Amy, a rapariga que fora amada, iluminou o rosto triste de Amy, esposa abandonada.
- Sim, é verdade - disse ela. - Fico muito feliz por compreenderdes isso, também. Ele é um bom marido para mim e, por isso, irá voltar para casa, dentro de pouco tempo.
- Deus meu, o que foi que lhe fizeram? - perguntou William Hyde à irmã, Lizzie Oddingsell, quando os três estavam sentados à volta da mesa, já arrumada e com a porta bem fechada, para que os criados não os ouvissem. - Parece estar quase a morrer.
- Aconteceu o que havíeis previsto - disse Lizzie em poucas palavras. - Exactamente o que havíeis dito quando vos sentistes tão alegre com o que iria suceder se o vosso amo casasse com a Rainha. Ele fez o que vós acreditastes que faria. Repeliu-a e vai casar com a Rainha. Disse-lho na cara.
William Hyde recebeu a notícia com um longo e profundo assobio. Alice estava estupefacta.
- E foi a Rainha quem o propôs? Está convencida de que consegue fazer aprovar tal situação pelos Lordes e pelos Comuns da Inglaterra?
Lizzie encolheu os ombros.
- Ele fala como se o único obstáculo fosse o consentimento de Amy. Actua como se ele e a Rainha estivessem completamente de acordo e já andassem a escolher um nome para o seu primeiro filho.
- Ele será o consorte. Ela até o poderá nomear rei - especulou William Hyde. - E ele não se vai esquecer dos serviços que lhe temos prestado e a bondade que lhe temos demonstrado.
- E o que vai ser dela? - perguntou Lizzie com agressividade, acenando para o quarto que ficava por cima deles. - Quando ele for coroado e nós estivermos na Abadia de Westminster a dar vivas? Onde credes que ela estará nessa altura?
William Hyde sacudiu a cabeça.
- A viver tranquilamente no campo? Na casa do pai? Na casa de que ela gostava, aqui, a antiga casa dos Simpson.
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- Isso vai matá-la - previu Alice. - Ela nunca conseguirá recuperar dessa perda.
- Também me parece - disse Lizzie. - E o pior de tudo é que eu acho que, lá bem no fundo do coração, ele sabe que será assim. E tenho a certeza de que a malfadada da Rainha também.
- Silêncio! - disse William apressadamente. - Nem com as portas fechadas, Lizzie!
- Toda a vida Amy tem estado nos bastidores da ambição dele
- silvou Lizzie. - Passou a vida a amá-lo, a esperar por ele, e longas noites sem dormir, a rezar pela sua segurança. E agora, na altura em que se sente próspero, diz-lhe que a vai pôr de lado, que ama outra mulher e que essa mulher é tão poderosa que pode atirar uma esposa legítima aos cães.
- O que pensais que isto lhe vai fazer? Havei-la visto. Não vos parece uma mulher que caminha para a sua sepultura?
- Ela está doente? - perguntou William, um homem prático. Será que ela tem mesmo lá dentro do peito a tal gangrena, que todos dizem estar a matá-la?
- Ela está doente de desgosto - disse Lizzie. - É essa a dor que tem no peito. E ele até pode não entender isso, mas garanto que a Rainha entende. Ela sabe que, se brincar ao gato e ao rato com Amy Dudley durante bastante tempo, a saúde dela irá ressentir-se, ficará de cama e morrerá. Se não se suicidar antes disso.
- Nunca! É um pecado mortal! - exclamou Alice.
- Este país passou a viver cheio de pecados - disse Lizzie com frieza. - O que será pior? Uma mulher atirar-se de cabeça pelas escadas abaixo ou uma Rainha levar um homem casado para a sua cama e andarem ambos a perseguir a verdadeira esposa, até à morte?
Thomas,
Cecil escreveu em código, ao seu velho amigo Thomas Gresham, em Antuérpia.
1. Receei a vossa informação áurea dos navios de guerra espanhóis, que estão presumivehnente a armar-se para invadir a Escócia. O elevado número de barcos que haveis visto deve indicar que planeiam invadir também a Inglaterra.
2. Eles têm um plano para invadir a Escócia, sob pretexto de quererem impor a paz. Presumo que estejam a pô-lo em prática neste momento.
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3. Se receberdes esta nota, informai, por favor, os vossos parceiros, clientes e amigos de que os Espanhóis estão prestes a invadir a Escócia e que isso os levará à guerra contra os franceses, os Escoceses e contra nós próprios. Avisai-os, muito enfaticamente, de que todo o comércio inglês abandonará Antuérpia e será deslocado para a frança. O comércio de tecidos deitará a Holanda espanhola para sempre, e os prejuízos serão incalculáveis.
4. Se, com estas notícias, conseguirdes criar um grande pânico nos bairros comerciais e de negócios, ficar-vos-ei muito grato. Se essas pobres pessoas se convencerem de que vão passar fome por falta do comércio inglês e resolverem amotinar-se contra os dominadores espanhóis, ainda melhor. Seria uma grande ajuda, se os "Espanhóis fossem levados a pensar que estão a enfrentar uma revolta nacional.
Cecil não assinou a carta, nem a carimbou com o seu selo. Raramente punha o seu nome fosse no que fosse.
Dez dias mais tarde, Cecil entrou a passos largos nos aposentos privados da Rainha, como um corvo de pernas compridas, triunfante, e colocou uma carta à frente dela, sobre a mesa. Não havia lá mais papéis, a sua ansiedade por causa da Escócia era tão grande que ela não fazia mais nada. Apenas Robert Dudley conseguia distraí-la da sua aterrorizada insegurança sobre o desenrolar da guerra, só ele a conseguia reconfortar.
- O que é isto? - perguntou ela.
- Um relatório de um amigo meu de Antuérpia, dizendo que houve um certo pânico na cidade - disse Cecil com prazer tranquilo.
- Os respeitáveis mercadores e comerciantes estão a partir às centenas, os pobres habitantes estão a barricar as ruas e a incendiar os bairros mais pobres. As autoridades espanholas viram-se obrigadas a fazer uma proclamação aos cidadãos e aos comerciantes, afirmando que não vai haver qualquer expedição contra a Escócia ou a Inglaterra. Houve uma enorme corrida ao dinheiro, houve pessoas que abandonaram a cidade. Foi o pânico geral. Temeram que rebentasse uma revolução que pudesse degenerar em guerra civil. Tiveram de dar a sua palavra de honra de que os barcos que estavam no porto não se destinavam às nossas costas. Os Espanhóis foram obrigados a assegurar aos comerciantes da Holanda espanhola que não iriam intervir na Escócia contra nós. que vão conti-
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nuar a ser nossos amigos e aliados, independentemente do que suceder na Escócia. O risco para os seus interesses comerciais era demasiado grande. Declararam publicamente a sua aliança connosco, e afirmaram que não nos vão invadir. A cor afluiu ao rosto dela.
- Oh, Espírito! Estamos salvos!
- Ainda temos de enfrentar os Franceses - acautelou-a. - Mas não precisamos de temer que os Espanhóis venham contra nós ao mesmo tempo.
- E já não preciso de casar com o arquiduque! - Isabel riu alegremente.
Cecil retraiu-se.
- Embora ainda tencione fazê-lo - apressou-se ela a corrigir. Dei a minha palavra, Cecil.
Ele concordou com a cabeça, embora soubesse que ela estava a mentir.
- Assim sendo, devo escrever a Lorde Grey para que se apodere imediatamente do Castelo de Leith?
Desta vez, apanhou-a cheia de confiança.
- Sim! - gritou ela. - Finalmente, algo que começa a correr bem para nós. Dizei-lhe para montar o cerco e conquistá-lo, o mais depressa possível.
O estado de espírito alegre e confiante de Isabel não durou muito. O ataque ao Castelo de Leith, em Maio, falhara miseravelmente. As escadas eram demasiado curtas e mais do que dois mil homens morreram ao tentar trepar a pulso pelas muralhas do castelo, incapazes de subir ou de descer, ou caíram feridos em cima do sangue e do lamaçal que existia em baixo.
O horror pelos ferimentos, as doenças e a morte dos seus soldados ensombraram Isabel, tanto como a humilhação de ter falhado diante das próprias janelas de Maria de Guise. Algumas pessoas contavam que a francesa com coração de pedra tinha ficado a olhar e se rira, por ver os ingleses espetados nas lanças, quando chegavam ao cimo das suas escadas de assalto, e ao vê-los cair, como pombas atingidas.
- Eles têm de voltar para casa! - exclamou Isabel. - Estão a morrer afogados na lama, mesmo à porta dela. Ela é uma bruxa, foi ela que atraiu a chuva para cima deles.
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- Eles não podem regressar a casa - disse Cecil.
As unhas dela brilhavam, com o esfregar frenético dos seus dedos, as cutículas empurradas para trás, até ficarem vermelhas e em carne viva.
- Eles têm de regressar, estamos fadados a perder a Escócia disse ela. - Como é que as escadas puderam ser curtas de mais? Grey devia ser levado a Conselho de Guerra. Norfolk devia ser destituído. O meu próprio tio, um louco traiçoeiro! Mil homens mortos nas muralhas de Leith! Vão chamar-me assassina, por mandar homens bons para a morte, por uma loucura destas.
- A guerra significa sempre morte - disse Cecil, simplesmente. -Já o sabíamos, antes de começar.
Controlou-se. Aquela rapariga impetuosa e medrosa, nunca vira um campo de batalha, nunca passara por homens feridos, gemendo por água. Uma mulher não podia saber o que os homens tinham de suportar, não podia governar como um rei. Uma mulher nunca poderia aprender a ter a determinação de um homem feito à imagem de Deus.
- Tereis de adoptar a coragem de um rei - disse-lhe com firmeza. - Agora, mais do que nunca. Sei que tendes medo de que possamos falhar, mas o lado que vence numa guerra é muitas vezes aquele que tem mais confiança. Quando vos sentis mais temerosa é quando vos deveis mostrar mais valente. Dizei o que vos vier à mente, levantai o queixo e jurai que tendes o estômago de um homem. A vossa irmã foi capaz de o fazer, eu vi-a virar a cidade de Londres do avesso, num instante. Vós também o podeis fazer.
Isabel gritou.
- Não a mencioneis à minha frente! Ela tinha um marido que governava por ela.
- Nessa altura, não - contrariou ele. - Não, quando teve de enfrentar os rebeldes de Wyatt, quando eles se dirigiram mesmo para a cidade e acamparam em Lambeth. Nesse momento, ela era uma mulher só, autodenominava-se Rainha Virgem e as milícias de Londres juraram que sacrificariam as suas vidas por ela.
- Bem, eu não consigo fazer uma coisa dessas - continuava a torcer as mãos. - Não consigo arranjar coragem. Não sou capaz de dizer essas coisas e fazer com que os homens acreditem em mim.
Cecil pegou-lhe nas mãos e segurou-as com firmeza.
- Tendes de o fazer - disse-lhe. - Temos de seguir em frente agora, não podemos andar para trás.
Ela olhou para ele com ar suplicante.
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- O que é que temos de fazer? Que podemos fazer agora? Não está tudo acabado?
- Temos de reunir mais tropas e voltar a montar o cerco - disse ele.
- Tendes a certeza?
- Apostaria a minha vida. com relutância, ela anuiu.
- Tenho a vossa autorização para transmitir as ordens? - pressionou ele. - Para recrutarem mais homens, para voltarem a montar o cerco a Leith?
- Muito bem - pronunciou as palavras como se tivesse sido obrigada.
Apenas Robert Dudley conseguia confortar Isabel. Saíam cada vez menos para passear a cavalo, pois ela estava demasiado exausta devido às noites sem dormir por causa das preocupações. Eles deixavam-se ficar até à noite nos aposentos privados da Rainha, nas vezes em que ela ficava até às quatro da manhã a andar de um lado para o outro, acabando por cair de cansaço, num sono leve e cheio de pesadelos, ao princípio da tarde. Fechavam a porta do seu quarto privado, desafiando os mexericos, e ele sentava-se com ela junto à lareira, nas tardes frias e cinzentas. Ela tirava o pesado toucado, incrustado de jóias, deixava cair o cabelo e pousava a cabeça no colo dele. Ele acariciava-lhe os longos caracóis cor de bronze até o ar tenso e ansioso desaparecer do rosto dela e, por vezes, fechava os olhos e acabava por adormecer.
Kat Ashley ficava sentada junto à janela, apenas por formalidade, mas mantinha os olhos fixos no bordado ou lia um livro. Nem sequer olhava de lado para os amantes, enquanto Robert tomava conta de Isabel, com o carinho de uma mãe. Kat sabia que dentro de pouco tempo Isabel iria quebrar devido à tensão. Já a vira atravessar várias doenças de origem nervosa. Estava habituada a examinar os dedos esguios de Isabel, bem como os pulsos, à procura de sinais de inchaço que indicassem que a doença de que sofria recorrentemente, hidropisia, estava prestes a obrigá-la a ficar de cama. E Kat sabia, como só as amigas mais chegadas de Isabel poderiam saber, que nada acelerava mais a manifestação da doença do que o medo.
Do lado de fora da porta, sentada na antecâmara e tentando dar a ideia de que nada de especial se passava, Catherine Knollys, cos-
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turando uma camisa para o marido, tinha plena consciência do vazio que havia no trono e na corte que o servia, dos murmúrios sobre o facto de a Rainha e Sir Robert terem estado fechados no quarto durante metade do dia e de não tencionarem sair de lá antes da hora do jantar. Catherine mantinha a cabeça erguida e o rosto sem expressão, recusando-se a responder às pessoas que perguntavam o que estava a prima, a Rainha, a fazer, sozinha com Sir Robert, recusando-se a ouvir os comentários feitos em surdina.
Mary Sydney, chocada com o rumo para o qual a ambição do irmão o estava a conduzir, mas inabalável na lealdade para com a sua família, jantava com Catherine Knollys e passeava com Kat Ashley, evitando qualquer pessoa que lhe pudesse fazer perguntas sobre o que Robert Dudley pensava que andava a fazer.
O Conselho Privado, os Lordes, qualquer homem que não trabalhasse para Dudley, afirmavam que em breve alguém teria de escorraçar o homem, por estar a desonrar a Rainha e fazer com que o seu nome fosse tema de mexericos em todas as tabernas do país. Alguns diziam que Thomas Howard, desesperadamente ocupado a fortificar castelos, ao longo da fronteira norte, e a tentar persuadir homens a alistar-se, ainda tinha conseguido arranjar tempo para mandar um assassino para o Sul, para a corte, para matar Robert Dudley e resolver o problema, de uma vez por todas. Ninguém podia negar que o mundo ficaria bem melhor se Dudley desaparecesse. Ele punha mais em risco o país do que os Franceses. Fechar-se à chave com a Rainha, nos aposentos dela, fosse quem fosse que também estivesse lá dentro ou à porta, iria fatalmente pôr em causa a reputação da Rainha.
Mas ninguém conseguia fazer parar Dudley. Quando era repreendido por alguém em quem confiava, como Sir Francis Knollys, afirmava que a saúde da Rainha iria decair, devido à ansiedade, se ele não a reconfortasse. E recordava aos seus amigos leais que a Rainha era uma mulher jovem, completamente só no mundo. Não tinha um pai, uma mãe nem um tutor. Não tinha ninguém que a amasse ou tomasse conta dela, a não ser ele, o velho amigo em quem confiava.
A todos os outros respondia apenas com um sorriso impertinente e enigmático e agradecia-lhes com sarcasmo, por se preocuparem com o seu bem-estar.
Laetitia Knollys entrou nos aposentos de Cecil e sentou-se junto da sua secretária, com toda a dignidade de uma mulher comprometida.
- Sim? - perguntou Cecil.
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- Ela quer que ele negoceie a paz com os Franceses - disse Laetitia.
Cecil escondeu a surpresa.
- Tendes a certeza?
- Tenho a certeza de que ela lho pediu - a jovem mulher encolheu os ombros magros. - Tenho a certeza de que ele disse que ia ver o que poderia fazer. Se ela ainda mantém a mesma opinião, neste momento, já não posso afirmar. Isto passou-se hoje de manha e, agora, já passa do meio-dia. Alguma vez ela manteve a mesma opinião durante mais do que duas horas?
- Em que termos? - perguntou Cecil, ignorando a impertinência de Laetitia.
- Eles podem ficar com a Escócia se devolverem Calais e se retirarem o brasão à Rainha dos Escoceses.
Cecil apertou os lábios para evitar comentários.
- Também me parecia que a ideia não vos ia agradar - Laetitia sorriu. - Um país inteiro em troca de uma cidade. Por vezes, ela age como se estivesse a ficar completamente louca. Estava a chorar, ?agarrada a ele, pedindo-lhe que salvasse a Inglaterra por ela.
"Meu Deus, e em frente a uma rapariga como vós, que conta a toda a gente", pensou Cecil.
- E o que foi que ele disse?
- O mesmo de sempre; que ela não tem nada a temer, que vai tomar conta dela, que vai resolver todos os problemas.
- Não prometeu nada específico? Nada de imediato? Ela voltou a sorrir.
- Ele é demasiado inteligente para o fazer. Sabe que ela muda de ideias num segundo.
- Fizestes bem em vir falar comigo - disse Cecil. Abriu a gaveta da secretária e, avaliando pelo tacto, retirou uma das bolsas mais pesadas. - Para um vestido novo.
- Agradeço-vos. Fica extraordinariamente caro ser a mulher mais bem vestida da corte.
- A Rainha não vos oferece os seus vestidos usados? - perguntou ele, subitamente curioso.
Laetitia olhou-o com olhos cintilantes.
- Julgais que ela se arriscaria a que houvesse comparações? perguntou maliciosamente. - Quando não consegue viver sem Robert Dudley? Pois se ela não suporta sequer que ele olhe para outras mulheres? Se eu estivesse no lugar dela, também não gostaria de me ver com um dos seus vestidos usados. Não gostaria de ser comparada, se fosse ela.
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Cecil, na chefia do seu círculo de espiões, recolhendo boatos sobre a Rainha, ouvindo rumores de que metade do país já a considerava casada com Dudley e a outra metade a tinha como desonrada, foi juntando murmúrios ameaçadores para o par, como uma aranha que junta os fios da sua teia e coloca as longas pernas sobre ela, de maneira a sentir o mínimo tremor. Sabia que havia dezenas de homens que ameaçavam arrastar Dudley para a morte, que prometiam esfaqueá-lo, centenas que prometiam ajudar e milhares que assistiriam a tudo, sem levantar um dedo para o defender.
- Queira Deus que alguém o faça depressa e ponha um fim a isto tudo - murmurou Cecil para consigo mesmo, enquanto observava Isabel e Dudley a jantar nos aposentos dela, diante de metade da corte, mas sussurrando um para o outro, como se estivessem completamente sós, a mão dele pousada na perna dela, por baixo da mesa, os olhos dela fixos nos dele.
Mas até o próprio Cecil sabia que Isabel não conseguia governar sem Dudley a seu lado. Nesta fase da sua vida - tão jovem e rodeada por tantos perigos - tinha de ter um amigo. E embora Cecil estivesse disposto a estar ao seu lado de noite e de dia, Isabel queria um confidente: de alma e coração. Só um homem completamente apaixonado por ela poderia satisfazer a fome de autoconfiança de Isabel, só um homem, traindo publicamente a esposa a todas as horas do dia, poderia satisfazer a voraz vaidade de Isabel.
- Sir Robert - Cecil curvou-se diante de Dudley, na altura em que o homem mais novo desceu do estrado, no fim do jantar.
- vou só dar umas ordens aos músicos, pois a Rainha quer ouvir uma melodia que eu compus para ela - disse Sir Robert displicentemente, sem vontade de se deter.
- Nesse caso, não vos deterei - disse Cecil. - A Rainha já vos disse alguma coisa sobre a paz com a França?
Dudley sorriu.
- Nada de concreto - disse ele. - Ambos sabemos, senhor, que não é possível. Eu deixo-a falar, pois isso acalma os seus receios e depois, mais tarde, explico-lhe as coisas.
- Fico descansado - disse Cecil educadamente.
"com que então, explicais-lhe? Pois, quando vós e os da vossa laia não sabem fazer nada para além de enganar e trair!", pensou Cecil.
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- Sir Robert, tenho estado a preparar uma lista de embaixadores para as cortes da Europa. Penso que devíamos procurar caras novas, quando esta guerra terminar. Lembrei-me de que talvez vos aprouvesse visitar a França. Precisaríamos de uma pessoa de confiança, em Paris, e Sir Nicholas gostaria de voltar para casa - fez uma pausa. Iríamos precisar de uma pessoa que os reconciliasse com a derrota. E se há alguém capaz de ciar a volta à cabeça da Rainha da França, e de a levar a afastar-se dos seus deveres, esse alguém sois vós.
Robert ignorou o ambíguo cumprimento.
- Já falastes do assunto com a Rainha?
"Não", pensou Cecil. "Pois já sei qual vai ser a resposta. Ela não vos quer perder de vista, mas se eu vos conseguir convencer, podereis convencê-la a seguir. E dava-me muito jeito ter um belo patife como vós a namoriscar com Maria, Rainha dos Escoceses, e a espiar para nós."
Em voz alta, disse:
- Ainda não. Pensei que vos devia perguntar primeiro se a ideia vos agrada.
Sir Robert fez o seu sorriso mais sedutor.
- Penso que não - disse ele. - Aqui entre nós, Sir William, parece-me que, por esta altura, no próximo ano, já exercerei outras funções no reino.
- Oh? - disse Cecil.
"Que quer ele dizer com isso", pensou rapidamente. "Será que está a referir-se ao meu cargo? Ou irá ela oferecer-lhe a Irlanda? Meu Deus, não acredito que ela seja capaz de colocar este cachorrinho a tomar conta do Norte!"
Sir Robert riu-se, deliciado com a expressão de surpresa no rosto de Cecil.
- Penso que me ireis ver numa posição bastante elevada - disse ele em voz baixa. - Talvez a mais importante do país, Secretário Principal, estais a entender-me? E se vos mantiverdes meu amigo agora, serei vosso amigo nessa altura. Compreendeis agora o que quero dizer?
Cecil teve a sensação de que tinha perdido o equilíbrio, como se o chão se tivesse aberto para o abismo, sob os seus pés. Finalmente, compreendeu Sir Robert.
- Pensais que ela vai casar convosco? - murmurou. Robert sorriu, como um jovem confiante no seu amor.
- Por certo. Se ninguém me matar antes! Cecil deteve-o com um toque na manga.
- Estais a falar a sério? Vós pedistes e ela concordou?
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"Calma, ela pode concordar com um casamento, mas não leva isso a sério. Ela nunca mantém a palavra dada", pensou Cecil.
- Ela mesma mo pediu. Está combinado entre nós. Não consegue aguentar a responsabilidade do Reino sozinha, eu amo-a e ela ama-me. - Por um momento, a fogueira de ambição Dudley suavizou-se no rosto de Robert. - Eu amo-a de verdade, vós sabeis, Cecil. Mais do que podeis imaginar. vou fazê-la feliz. Dedicarei a minha vida a fazê-la feliz.
"Tudo bem, mas não se trata de um problema de amor", pensou Cecil com tristeza. "Ela não é uma leiteira e vós não sois um jovem pastor. Nenhum dos dois é livre para se casar por amor. Ela é a Rainha da Inglaterra e vós sois um homem casado. Se ela for por esse caminho, será uma rainha no exílio e vós sereis decapitado."
Em voz alta, disse-.
- Isso já está firmemente decidido, entre os dois?
- Só a morte nos pode fazer parar - disse Dudley sorrindo.
- Não quereis vir dar um passeio? - Lizzie Odclingsell convidou Amy. - Os narcisos estão em flor, junto ao rio, e formam uma bela paisagem, pensei que pudéssemos caminhar até lá e apanhar alguns.
- Estou cansada - disse Amy, com voz débil.
- Há vários dias que não saís de casa - disse Lizzie. Amy conseguiu esboçar um sorriso.
- Eu sei, sou uma hóspede muito monótona.
- Não é isso. O meu irmão está preocupado com a vossa saúde. Gostaríeis que o nosso médico de família vos viesse ver?
Amy estendeu a mão à amiga.
- Vós sabeis o que há de errado comigo. Sabeis que não há cura. Tendes tido notícias da corte?
O desviar de olhos de Lizzie, culpado e evasivo, disse tudo a Amy.
- Ela não vai casar com o arquiduque? Eles estão juntos?
- Amy, as pessoas falam no casamento deles como se fosse uma certeza. A prima de Alice, que frequenta a corte, tem a certeza disso. Talvez fosse bom pensar no que ireis fazer quando ele vos obrigar ao divórcio.
Amy emudeceu e a senhora Oddingsell não se atreveu a dizer mais nada.
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- vou falar com o padre Wilson - decidiu Amy.
- Fazei isso! - disse a senhora Oddingsell, aliviada de parte da carga moral de ter de se preocupar com Amy. - Devo mandá-lo chamar?
- vou caminhar até à igreja - decidiu Amy. - vou lá a pé, e falo com ele, amanhã de manhã.
O jardim da casa dos Hyde ficava nas traseiras do adro da igreja e era um passeio agradável, descer o caminho serpenteante, pelo meio dos narcisos, até ao portão, coberto por um pequeno telhado, embutido no muro do jardim. Amy abriu o portão e subiu o caminho até à igreja.
O padre Wilson estava ajoelhado diante do altar, mas, ao ouvir a porta abrir-se, levantou-se e percorreu a nave. Quando viu Amy, deteve-se.
- Lady Dudley.
- Padre, preciso de confessar os meus pecados e de vos pedir um conselho.
- Não sou eu quem deve ouvir-vos - disse ele. - Deveis rezar directamente a Deus.
Às cegas, ela olhou em volta, para a igreja. Os belos vitrais, que tanto tinham custado à paróquia, haviam desaparecido, o painel com o crucifixo havia sido retirado.
- O que aconteceu? - murmurou ela.
- Levaram os vitrais das janelas, os castiçais, o cálice e o crucifixo.
- Porquê?
Ele encolheu os ombros.
- Consideraram que eram armadilhas papistas para a alma.
- Podemos conversar aqui, então? - disse Amy, apontando para um dos bancos reservados.
- Deus ouve-nos aqui, ou em qualquer outro lugar - assegurou-lhe o padre. - Vamos ajoelhar-nos e pedir-lhe auxílio.
Pousou a cabeça nas mãos e rezou durante alguns momentos com grande fervor, para que fosse capaz de dizer alguma coisa que pudesse confortar aquela jovem mulher. Tendo ouvido alguns dos mexericos sobre a corte, sabia que a tarefa era superior às suas capacidades; ela tinha sido abandonada. Mas Deus era misericordioso, talvez encontrasse uma solução.
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Amy ajoelhou-se, com a face enterrada nas mãos, e então falou calmamente, através dos dedos, que a protegiam.
- O meu marido, Sir Robert, tem intenção de se casar com a Rainha - disse ela baixinho. - Ele diz-me que é a vontade dela. Dizme que ela me pode obrigar a divorciar-me, que agora ela é o Papa da Inglaterra.
O padre anuiu com a cabeça.
- E que haveis respondido, minha filha? Amy suspirou.
- Sou culpada do pecado da ira e do ciúme - disse ela. - Fui indigna e maldosa, e sinto vergonha pelo que disse e fiz.
- Que Deus vos perdoe - disse o padre com gentileza. - Tenho a certeza de que a vossa dor era muito grande.
Ela abriu os olhos e encarou-o com um olhar triste.
- A minha dor é tão grande que penso que vou morrer por causa dela - disse simplesmente. - Rogo a Deus que me liberte deste sofrimento e que me acolha na Sua misericórdia.
- Quando for a altura devida - completou o padre.
- Não, agora! - disse ela. - Cada dia, Padre, cada dia significa um grande sofrimento para mim. De manhã mantenho os olhos fechados, na esperança de ter morrido durante a noite, mas todas as manhãs vejo a luz e sei que é mais um dia que tenho que atravessar.
- Deveis pôr de lado os pensamentos sobre a vossa própria morte - disse ele com firmeza.
Surpreendentemente, Amy sorriu-lhe com doçura.
- Padre, esse é o meu único consolo.
Ele sentiu, como já acontecera antes, que não podia aconselhar uma mulher confrontada com um tal dilema.
- Deus deverá ser o vosso conforto e o vosso refúgio - disse ele, usando as palavras habituais.
Ela concordou, mas como se não estivesse muito convencida.
- Devo dar o meu consentimento para o divórcio? - perguntou-lhe. - Assim, ele ficará livre para casar com a Rainha, o escândalo acabará por morrer com o tempo, o país ficará em paz e eu poderei ser esquecida.
- Não! - disse o padre decididamente. Não conseguia evitá-lo, era uma enorme blasfémia contra a Igreja que ele ainda servia, em segredo. - Deus juntou-vos, nenhum homem vos pode separar, mesmo que ele seja o vosso marido, mesmo que ela seja a Rainha. Ela não pode fingir que é o Papa.
- Então, terei de viver para sempre em tormento, considerando-o meu marido, mas sem o seu amor?
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Ele ficou calado durante algum tempo.
- Sim.
- Mesmo que isso provoque nele o ódio e a inimizade dela contra mim?
- Sim.
- Padre, ela é a Rainha da Inglaterra, que pode ela fazer contra mim?
- Deus vos protegerá e olhará por vós - disse ele, com uma confiança que, de facto, não sentia.
A Rainha tinha chamado Cecil aos seus aposentos privados, em Whitehall. Kat Ashley estava junto a uma das janelas, Robert Dudley encontrava-se por trás da secretária da Rainha e algumas damas de companhia estavam sentadas à lareira. Cecil fez-lhes, delicadamente, uma vénia, antes de se aproximar da Rainha.
- Vossa Majestade? - disse ele cautelosamente.
- Cecil, decidi. Quero que soliciteis a paz - disse ela muito depressa.
O olhar dele virou-se para Sir Robert, que sorriu enfadado, mas que não fez comentários.
- O embaixador francês diz-me que vão enviar um comissário especial para a paz - disse ela. - Quero que vos encontreis com Monsieur Randan e que procureis um processo qualquer, uma forma de acordo verbal com o qual possamos concordar.
- Majestade...
- Não podemos aguentar uma guerra prolongada na Escócia, os Lordes escoceses nunca quererão uma guerra longa e o Castelo de Leith é praticamente inexpugnável.
- Majestade...
- A nossa única esperança seria a morte de Maria de Guise e, embora digam que a saúde dela é fraca, não se encontra às portas da morte. De qualquer modo, dizem o mesmo de mim! Dizem que eu estou arrasada com esta guerra, e Deus sabe como é verdade!
Cecil reconheceu o tom familiar de histeria na voz de Isabel e afastou-se da secretária dela.
- Espírito, temos de ter paz. Não podemos suportar a guerra, e muito menos a derrota - lamentou-se ela.
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- Certamente que me poderei encontrar com Monsieur Randan, e ver se chegamos a um acordo - disse ele suavemente. - Redigirei algumas condições que vos mostrarei e que, depois, lhe apresentarei, logo que ele chegue.
Isabel estava sem fôlego, com tanta ansiedade.
- Está bem, e combinai um cessar-fogo, o mais depressa possível.
- Nós temos de obter qualquer tipo de vitória, ou irão pensar que estamos com medo! - disse Cecil. - Se pensarem que estamos com medo, avançarão. Posso negociar com eles enquanto mantemos o cerco, mas temos de o manter durante as conversações, e a marinha tem de manter o bloqueio.
- Não! Trazei os homens de volta!
- Nesse caso, não teremos conseguido nada - sublinhou ele. E eles não terão de fazer qualquer acordo connosco, uma vez que poderão fazer o que muito bem lhes apetecer.
Ela tinha-se levantado da cadeira e caminhava em volta da sala, inquieta de ansiedade, esfregando as unhas. Robert Dudley foi por trás dela e pôs um braço em volta da sua cintura, levou-a de novo para a cadeira e olhou para Cecil.
- A Rainha está muito preocupada com o risco de vida que correm os ingleses - disse ele suavemente.
- Estamos todos profundamente preocupados, mas temos de manter o cerco - disse Cecil sem contemplações.
- Tenho a certeza de que a Rainha concordará em manter o cerco, se vós vos encontrardes com o francês, para negociar os termos - disse Robert. - Tenho a certeza de que ela compreenderá que tenos de negociar partindo de uma posição de força. Os Franceses têm de perceber que nós temos boas intenções.
"Sim", pensou Cecil "mas onde ficais vós, no meio disto tudo? Acalmando-a, isso consigo perceber, e graças a Deus que alguém é capaz de o fazer, embora eu desse uma fortuna para que não fôsseis vós. Mas qual será o vosso jogo? Tem de haver aqui qualquer interesse vosso. Se eu, ao menos, conseguisse descobrir."
- Desde que as negociações sejam rápidas - disse a Rainha. A situação não se pode arrastar por mais tempo. Só a doença já está a matar as minhas tropas, enquanto estão à espera, em frente ao Castelo de Leith.
- Se fordes vós mesmo a Newcastle - sugeriu Dudley a Cecil.
- Levai o emissário francês convosco e negociai a partir de lá, do quartel-general de Norfolk, para que os possamos ter completamente sob controlo.
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- E longe do representante espanhol, que ainda tenta interferir
- acrescentou Cecil.
- E suficientemente perto da Escócia, para que possam receber instruções da rainha regente, mas bastante afastados da França - fez notar Dudley.
"E eu também estarei longe da Rainha, de maneira que ela não poderá estar constantemente a dar-me ordens contraditórias", completou Cecil. Mas nessa altura um pensamento veio à sua mente: "Meu Deus! Ele quer enviar-me para Newcastle, também! Primeiro o tio dela, a quem ele nomeou comandante da fronteira com a Escócia, enviado para a linha de frente do combate, e agora eu. Que estará ele a pensar fazer quando eu for? Suplantar-me? Nomear-se para o Conselho Privado para ter voto sobre o seu próprio divórcio? Assassinar-me?"
Em voz alta, disse:
- Eu poderia fazê-lo, mas preciso de um comprometimento por parte de Vossa Majestade.
Isabel ergueu os olhos e ele percebeu que nunca a tinha visto tão tensa e cansada, nem mesmo durante a infância, quando tivera de enfrentar a morte.
- O que pretendeis, Espírito?
- Que me prometais que sereis fiel à nossa velha amizade, enquanto eu estiver tão longe de vós - disse ele com firmeza. - E que não vos comprometais com decisões importantes, como alianças, tratados - ele não se atrevia sequer a olhar para Dudley - ou parcerias, até eu regressar.
Ela, pelo menos, estava inocente de qualquer plano contra ele. Respondeu-lhe rápida e honestamente.
- Mas com certeza. E vós ides tentar trazer-nos a paz, não é verdade, Espírito?
Cecil fez uma vénia.
- Farei o meu melhor por vós e pela Inglaterra - disse ele.
Ela estendeu a mão para que ele a beijasse. As suas unhas estavam todas esgaçadas, nos sítios onde ela estivera a mexer e quando lhe beijou os dedos, sentiu as peles rasgadas picar-lhe os lábios.
- Que Deus vos conceda paz de espírito - disse ele com suavidade. - Servir-vos-ei em Newcastle, como serviria aqui. Confiai em mim, também.
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Os cavalos de Cecil e um grande grupo de soldados, criados e guardas, estavam reunidos diante das portas do palácio, a própria Rainha e a corte, preparados para o verem partir. Era como se lhe estivesse a dar o sinal, e a todas as outras pessoas, que não estava a ser despachado para o Norte para sair do caminho dela, mas que estava a ser enviado para resolver um assunto importante e que a sua falta iria ser muito sentida.
Ele ajoelhou-se à frente dela, no degrau de pedra.
- Gostaria de falar convosco, antes de partir - disse ele em voz muito baixa. - Quando me dirigi aos vossos aposentos, ontem à noite, disseram-me que vos havíeis recolhido e que não vos podia ver.
- Estava cansada - disse, num tom evasivo.
- É acerca da cunhagem. E é importante.
Ela concordou e ele ergueu-se, ofereceu-lhe o braço e desceram juntos os degraus do palácio, para fora do alcance dos ouvidos da sua comitiva.
- Temos de revalorizar a moeda do Reino - disse Cecil calmamente. - Mas tudo tem de ser feito no maior segredo ou, então, todas as velhas do país irão fazer negócio com isso, sabendo que, posteriormente, a moeda actual não terá qualquer valor.
- Julgava que não tínhamos capacidade para fazer isso - disse Isabel.
- Não temos possibilidade é de não o fazer - disse Cecil. - Tem de se fazer e eu descobri uma maneira de conseguir ouro emprestado. Cunhamos moedas novas e, de uma vez só, da noite para o dia, recolhemos as antigas, pesamo-las e substituímo-las pelas novas.
A princípio, ela não compreendeu.
- Mas, assim, as pessoas que têm muito dinheiro guardado perceberão que não têm a fortuna que pensavam ter.
- Sim - disse Cecil. - Isso vai atingir as pessoas que têm muito dinheiro acumulado, mas não as pessoas comuns. As pessoas com grandes fortunas irão ranger os dentes, mas o povo vai adorar-nos. E as pessoas com fortuna são também comerciantes, criadores de ovelhas e aventureiros, que vão conseguir bons lucros com a nova moeda, quando negociarem no estrangeiro. Não irão fazer muito barulho.
- E quanto ao tesouro real? - perguntou ela, imediatamente alarmada com a diminuição da sua própria fortuna.
- O vosso conselheiro, Armagil Waad, está a resolver esse assunto - disse ele. - Desde que subistes ao trono que se tem convertido tudo em ouro. Faremos com que este país tenha uma moeda sólida, novamente, e esta será conhecida como a idade do ouro.
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Isabel sorriu, ao ouvir estas palavras, como ele sabia que sucederia.
- Mas tem de ser tudo no maior segredo - disse ele. - Basta que o digais a uma única pessoa - "e ambos sabemos a que pessoa seria"
- e que essa pessoa comece a especular com a moeda, para alertar todos os que venham a ter conhecimento disso. Os amigos começariam também a especular, por imitação, mesmo que ele não os avisasse, os rivais iriam querer saber porquê e fariam o mesmo. Tem de ser em completo segredo, ou não o poderemos fazer.
Ela concordou.
- Se lhe contardes, ficareis arruinada.
Ela não olhou para trás, para o cimo das escadas, onde Dudley estava, manteve os olhos fixos em Cecil.
- Será que podereis guardar um segredo como este? - perguntou ele.
Os seus escuros olhos de Bolena olharam-no fixamente, com todo o vivo cinismo dos seus antepassados mercadores.
- Espírito, vós, mais do que qualquer outra pessoa, sabeis que sim.
Ele curvou-se numa vénia, beijou-lhe a mão e voltou-se, para montar o cavalo.
- Quando é que o faremos? - perguntou ela.
- Em Setembro - disse ele. - Deste ano. Queira Deus que nessa altura também já tenhamos paz.
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Verão de 1560
Cecil e a sua comitiva demoraram uma semana a chegar de Londres a Newcastle, cavalgando, na maior parte do percurso, ao longo da Grande Estrada do Norte, com o magnífico tempo de início de Verão. Passou uma noite em Burghley, o seu novo e belo palácio, meio construído. A esposa, Mildred, recebeu-o com o seu habitual e constante bom-humor e os seus dois filhos estavam bem.
- Temos muito dinheiro em moedas? - perguntou ele, durante o jantar.
- Não - disse ela. - Quando a Rainha subiu ao trono, dissestes-me que não devíamos guardar muitas moedas e, desde essa altura, é fácil ver que as coisas têm piorado. Guardo o mínimo possível. Sempre que posso, recebo as rendas em géneros ou mercadorias, a moeda está tão fraca.
- Isso é bom - disse ele. E sabia que não precisava de dizer mais nada. Mildred podia viver numa zona remota, mas não aconteciam muitas coisas no país ou na cidade sem que ela tivesse conhecimento. Os seus parentes eram os mais importantes protestantes do país; descendia da extraordinariamente inteligente família protestante Cheke e, cartas constantes com notícias, opiniões e teologia, passavam de uma grande casa para outra.
- Está tudo bem por aqui? - perguntou ele. - Seria capaz de pagar uma fortuna para ficar cá e falar com os construtores.
- Também custaria uma fortuna real, se chegásseis atrasado à Escócia? - perguntou ela com perspicácia.
- Sim - respondeu ele. - Estou encarregado de assuntos muito sérios, esposa.
- Vamos ganhar? - perguntou ela sem rodeios. Cecil demorou um pouco a responder.
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- Gostaria de ter a certeza - disse -, mas há muitos jogadores em acção e eu não consigo ver as cartas que têm na mão. Neste momento, temos bons homens na fronteira, Lorde Grey é um homem de confiança e Thomas Howard está mais impetuoso do que nunca. Mas os Lordes protestantes são um grupo muito heterogéneo e John Knox é um perigo.
- Um homem de Deus - disse ela com severidade.
- É, de facto, ele age como se fosse inspirado por Deus - disse ele maliciosamente, reparando no sorriso dela.
- Tendes de deter os Franceses?
- Ou estaremos perdidos - acrescentou ele. - Eu aceitaria qualquer aliado.
Mildred encheu-lhe um copo com vinho e não disse mais nada.
- Estou feliz por vos ter aqui - notou ela. - Quando tudo isto acabar, podereis, talvez, voltar para casa?
- Talvez - disse ele. - Mas não é fácil estar ao serviço dela. Na manhã seguinte, ao alvorecer, Cecil já tinha quebrado o
jejum e estava pronto para partir. A mulher estava a pé, para se despedir dele.
- Tende cuidado, na Escócia - disse ela, enquanto lhe dava um beijo de despedida. - Eu sei que há tantos malfeitores protestantes como papistas.
A viagem para Newcastle foi rápida, chegaram lá na primeira semana de Junho, e Cecil encontrou Thomas Howard bastante animado, confiante na fortaleza dos castelos da fronteira e determinado em que não houvesse negociações de paz que cedessem o que uma vitória poderia conquistar.
- Estamos aqui com um exército - lamentou-se ele a Cecil. Para que era preciso um exército, se só vamos tentar conseguir a paz?
- Ela pensa que Leith nunca irá cair - disse Cecil com prudência. - Acredita que esta é uma batalha que os Franceses vão ganhar.
- Nós podemos derrotá-los! - exclamou Norfolk. - Podemos derrotá-los e depois iniciamos as negociações de paz. Eles podem exigir-nos as condições quando forem derrotados.
Cecil deu início ao longo processo de negociação com o comissário francês para a paz, Monsieur Randan. Thomas Howard chamou Cecil imediatamente para um lado, objectando contra a comitiva francesa.
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- Cecil, metade dos pretensos cortesãos da comitiva dele são engenheiros - disse ele. - Não os quero a andar por aí, a ver como estamos posicionados, e a verificar as muralhas deste castelo ou as do de Edimburgo. Se lhes derdes rédea solta, irão ver tudo o que tenho feito aqui. Os outros, a outra metade, são espiões. Quando seguirem para Edimburgo ou para Leith, irão encontrar-se com os seus agentes, e as notícias depressa chegarão a França. Randan tem de negociar à sua própria responsabilidade, não pode andar, dia sim, dia não, a galopar para Leith para falar com a Rainha Regente e a voltar para cá, observando sabe Deus o quê, falando sabe Deus com quem.
Mas Monsieur Randan era obstinado. Tinha de receber instruções da própria Maria de Guise e não podia apresentar propostas de paz, nem responder às propostas inglesas, sem falar com ela. Tinha de ir a Edimburgo e precisava de um salvo-conduto para poder atravessar as linhas de cerco, para entrar no Castelo de Leith.
- Já agora, podíamos desenhar-lhe também um mapa - disse Thomas Howard irritado. - Podemos convidá-lo a visitar todas as malditas casas de papistas pelo caminho.
- Ele tem de falar com a sua superior - retorquiu Cecil, tentando chamá-lo à razão. - Tem de lhe apresentar as nossas propostas.
- Pois, e ela representa o nosso maior perigo - declarou Thomas Howard. - Ele não é mais do que o porta-voz dela. Ela é que é uma grande estratega. Vai ficar enfiada naquele castelo para sempre, se conseguir, e impedir que falemos com os Franceses. Irá colocar-se entre nós e eles. Se permitirmos que Randan fale com ela, irá ordenar-lhe que peça uma coisa, e mais outra, vai concordar e a seguir mudar de ideias, manter-nos-á aqui até ao Outono, para que o clima nos destrua.
- Pensais que será assim? - perguntou Cecil com ansiedade.
- Tenho a certeza de que é assim. Os Escoceses já começam a escapar-se e todos os dias perdemos homens por causa de doenças. Quando vier o tempo quente, podemos contar com a praga e, quando o frio chegar, seremos destruídos pelas sezões. Temos de avançar já, Cecil, não podemos deixar que nos retenham com falsas ofertas de paz.
- Avançar, como?
- Deslocar o cerco. Temos de entrar. Custe o que custar. Temos de os surpreender para que assinem o tratado.
Cecil acenou com a cabeça.
"Sim, mas eu vi os vossos planos para o cerco. Requer uma sorte fenomenal, uma coragem extraordinária e um comando meti-
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culoso; e o exército inglês não tem nada disso. Só tendes razão numa coisa: se Maria de Guise se mantiver firme dentro do Castelo de Leith, seremos destruídos pelo tempo e os Franceses poderão ocupar a Escócia e o Norte da Inglaterra, a seu bel-prazer. Tendes razão, quando dizeis que os Franceses têm de apanhar um susto para aceitarem a paz."
Isabel estava demasiado fatigada para se vestir convenientemente. Robert foi autorizado a entrar nos aposentos privados, enquanto ela estava sentada com as suas aias, com um roupão vestido por cima da camisa de dormir, o cabelo apanhado numa trança descuidada, caindo-lhe pelas costas abaixo.
Kat Ashley, normalmente uma fervorosa guardiã da reputação de Isabel, deixou Robert entrar, sem um lamento. Thomas Parry, um amigo de longa data e conselheiro de Isabel, já lá estava. Isabel sentou-se no banco da janela e fez sinal a Robert para que se sentasse junto dela.
- Estais doente, meu amor? - perguntou ele ternamente.
Os olhos dela tinham umas olheiras tão negras que ela parecia ter sido derrotada numa luta de punhos.
- Só cansada - disse ela. Até os lábios estavam pálidos.
- Aqui tendes, bebei isto - ofereceu Kat Ashley, obrigando-a a pegar numa caneca com hidromel quente.
- Algumas notícias de Cecil?
- Nenhuma, para já. Desconfio que vão tentar atacar o castelo outra vez, o meu tio é tão apressado e Lorde Grey tão determinado. Queria que Cecil me prometesse um cessar-fogo enquanto o comissário francês estivesse no Norte, mas ele disse-me que temos de continuar com a ameaça... - calou-se, com a garganta apertada de ansiedade.
Robert apertou-lhe a mão.
- Bebei, enquanto está quente - disse ele. - Continuai, Isabel.
- É pior do que isso - disse ela, obedientemente bebendo um gole. - Não temos dinheiro. Não posso pagar às tropas, se eles ficarem em campo por mais uma semana. E então, o que vai acontecer? Se se amotinarem, seremos destruídos, se tentarem voltar por sua conta, para casa, sem dinheiro nos bolsos, vão fazer pilhagens desde a fronteira até Londres. Aí, os Franceses poderão marchar livremente, atrás deles.
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Calou-se novamente.
- Oh, Robert, tem corrido tudo tão mal. Arruinei tudo o que me deixaram. Nem sequer a minha meia-irmã, Maria, foi um falhanço como eu para este país.
- Silêncio - disse ele pegando na mão dela e apertando-a contra o coração. - Nada disso é verdade. Se precisardes de dinheiro, eu arranjo-o, há pessoas que o podem emprestar e a quem podemos recorrer, prometo. Pagaremos às tropas e Howard e Grey não irão atacar, sem uma hipótese de vencer. Se quiserdes, vou até ao Norte, ver por vós o que se está a passar.
Ela apertou imediatamente as mãos dele.
- Não me deixeis - disse ela. - Não suporto estar à espera, sem vos ter a meu lado. Não me deixeis, Robert, não consigo viver sem vós.
- Meu amor - disse ele suavemente - estou às vossas ordens. Irei ou ficarei, conforme quiserdes. E amo-vos, sempre.
Ela ergueu um pouco a cabeça da chávena de ouro e lançou-lhe um sorriso fugidio.
- Pronto - disse ele. - Assim está melhor. E agora tendes de vestir um vestido bonito e eu vou levar-vos a passear a cavalo.
Ela abanou a cabeça.
- Não posso ir andar a cavalo. As minhas mãos estão demasiado doridas.
Levantou as mãos para lhas mostrar. As cutículas, em toda a volta das unhas, estavam vermelhas e a sangrar e os nós dos dedos estavam gordos e inchados. Robert tomou-lhe as mãos feridas nas suas, e olhou para Kat Ashley.
- Ela precisa de descansar - disse ele. - E não se pode preocupar tanto. Está a desfazer-se aos bocados.
- Ora bem, deveis lavar as mãos esfregá-las com creme, meu amor - disse Robert, disfarçando o choque que sentira. - E depois vesti um vestido bonito, vinde sentar-vos comigo, junto à lareira, teremos música, podereis descansar e eu falo-vos sobre os meus cavalos.
Ela sorriu, como uma criança a quem prometeram uma guloseima.
- Sim - disse ela. - E se chegar alguma mensagem da Escócia... Robert levantou a mão.
- Nem mais uma palavra sobre a Escócia. Se houver notícias, alguém as trará até nós, o mais depressa possível. Temos de aprender a arte de esperar com paciência. Vá lá, Isabel, vós sabeis tudo sobre esse assunto. Já vos vi esperar como um mestre. Tereis de
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esperar pelas notícias, da mesma maneira com que esperastes pela coroa. Entre todas as mulheres do mundo, sois a que espera com mais elegância.
Ela deu uma gargalhada, perante a afirmação dele, e todo o seu rosto se iluminou.
- Isso é que é uma verdade - concordou Thomas Parry. - Desde criança que conseguia ficar quieta, à espera do melhor momento.
- Óptimo - disse Dudley. - E agora ide vestir-vos, e depressa. Isabel obedeceu-lhe, como se ele fosse o seu marido a dar-lhe
ordens, e ela nunca tivesse sido a Rainha da Inglaterra. As aias passaram por ele com olhos baixos, excepto Laetitia Knollys, que lhe fez uma cortesia quando passou à sua frente, uma cortesia profunda, própria de uma dama de honor, perante um futuro rei. Laetitia não deixava escapar nada, quando se tratava de Lorde Robert.
Newcastle
7 de Junho de 1560
1. O assassinato é um desagradável utensílio do poder, mas há ocasiões em que deveria ser considerado.
2. Por exemplo, quando a morte de uma pessoa beneficia muitas vidas.
3. A morte de um inimigo pode beneficiar muitos amigos.
4. No caso de um rei, ou de uma rainha, uma morte que pareça acidente é melhor do que a derrota desse rei ou rainha, pois pode incentivar uma revolta, de futuro.
5. Em qualquer dos casos, ela já tem muita idade e pouca saúde, para ela, a morte será uma libertação.
6. Aconselho-vos a não discutir este assunto, seja com quem for.
Não necessitais de me responder.
Cecil enviou a carta, sem a assinar ou selar, através de um mensageiro especial, com ordem para ser entregue directamente nas mãos da Rainha. Não havia necessidade de esperar por uma resposta, ele sabia que ela não se oporia a que um crime ficasse a pesar na sua flexível consciência, se com isso conseguisse trazer o exército de volta a casa.
A corte inteira, o mundo inteiro, esperavam por notícias da Escócia, mas elas continuavam a chegar apenas em pequenas parce-
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las, pouco reveladoras. As cartas de Cecil, chegando sempre com, pelo menos, três dias de atraso, informaram Isabel de que ele e o enviado francês planeavam viajar juntos até Edimburgo, logo que se chegasse a um acordo sobre os pormenores da comitiva francesa. Dizia ainda que tinha esperança num acordo, mal Monsieur Randan, o emissário francês para a paz, conseguisse receber instruções de Maria de Guise. Sabia que Isabel estava ansiosa por notícias sobre os soldados, os mantimentos, os atrasos nos pagamentos e as condições logísticas, mas só poderia falar sobre tudo isso depois de se encontrar com Lorde Grey, em Edimburgo. Ela teria de esperar pelas notícias. Todos teriam de esperar.
- Robert, não consigo suportar isto sozinha - disse-lhe Isabel, baixinho. - Estou a ficar sem forças. Sinto que estou a perder as forças.
Ele caminhava com ela pela longa galeria onde estavam os retratos do pai e do avô dela, bem como os de outros grandes monarcas da Europa. O retrato de Maria de Guise olhava-os lá do alto, pois Isabel mandara colocá-lo num lugar de honra, na esperança de confundir os Franceses sobre os seus sentimentos em relação à rainha regente, que tantos problemas tinha causado ao Reino, e que constituía um perigo para a própria Isabel.
- Não precisais de suportar tudo sozinha. Tendes-me aqui. Ela parou de caminhar e agarrou-lhe a mão.
-Jurais? Nunca me abandonareis?
- Sabeis quanto vos amo.
Ela deu uma súbita gargalhada.
- Amor! Eu vi o meu pai desesperadamente apaixonado pela minha prima e depois mandou executá-la. Thomas Seymour jurou que me amava, e eu deixei-o ir para a morte, sem levantar um dedo para o salvar. Vieram perguntar-me o que pensava dele e eu não disse nada em seu favor. Nem uma palavra. Traí completamente o meu amor por ele. Preciso de mais do que uma promessa de amor, Robert. Não tenho motivos para acreditar em doces promessas.
Ele parou por uns momentos.
- Se eu fosse livre, casaria convosco hoje mesmo.
- Mas não sois! - gritou ela. - Voltamos sempre ao mesmo assunto. Dizeis que me amais e que casaríeis comigo, mas não podeis, por isso, estou só e terei de continuar só, e já não aguento estar só por mais tempo.
- Esperai - disse ele, pensando furiosamente. - Há uma maneira. É verdade. Eu poderia provar o meu amor por vós. Podíamos comprometer-nos oficialmente. Podíamos fazer uma promessa de futuro.
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- Uma promessa oficial de casarmos em público, quando estiverdes livre - disse ela, entusiasmada.
- Um juramento tão forte como os votos de casamento - recordou-lhe ele. - Um juramento que nos ligue um ao outro, como se fôssemos casados. Assim, quando eu ficasse livre, tudo o que teríamos de fazer seria declarar publicamente o que já tínhamos feito em privado.
- E vós sereis o meu marido e estareis sempre a meu lado, nunca me abandonareis - murmurou ela avidamente, estendendo-lhe a mão. Ele agarrou-a, sem hesitação e apertou-a entre as suas.
- Vamos fazer isso agora - sussurrou Robert. - Agora mesmo. Na vossa capela. com testemunhas.
Por momentos, ele pensou que tinha ido longe de mais e receou que ela recuasse, com medo. Mas ela olhou em volta, para a corte, que conversava languidamente, prestando pouca atenção ao passeio dela com o seu companheiro constante.
- Kat, vou rezar pelas nossas tropas na Escócia - disse ela para a Sr.11 Ashley. - Nenhuma de vós precisa de vir comigo, a não ser Catherine e Sir Francis. Quero ficar sozinha.
As damas fizeram uma cortesia, os cavalheiros uma vénia. Catherine e Francis Knollys foram atrás de Isabel e Robert que, de braço dado, seguiram rapidamente pela galeria, descendo juntos a larga escadaria de pedra que conduzia à Capela Real.
O local estava mergulhado num silêncio sombrio e a única pessoa presente era um rapaz que polia o corrimão do coro.
- Tu. Sai! - disse Isabel em poucas palavras.
- Isabel? - inquiriu Catherine.
Isabel voltou-se para a prima, com o rosto brilhando de alegria.
- Quereis ser testemunha do nosso noivado? - perguntou ela.
- Noivado? - repetiu Sir Francis, olhando para Sir Robert.
- Um noivado de futuro, uma promessa de casamento que, mais tarde, será tornada pública - disse Sir Robert. - É o maior desejo da Rainha, e meu.
- E o que sucede à vossa esposa? - disse Sir Francis, a meia voz, para Sir Robert.
- Ela receberá uma generosa pensão - respondeu ele. - Mas nós queremos fazer isto agora. Quereis ser as nossas testemunhas ou não?
Catherine e o marido entreolharam-se.
- Isto é um voto sagrado - disse Catherine insegura, olhando para o marido para que ele lhe dissesse o que deviam fazer.
- Seremos vossas testemunhas - disse ele. Ele e Catherine ficaram de pé, em silêncio, um de cada lado da Rainha e do seu amante, enquanto os dois se voltavam para o altar.
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Os candelabros e o crucifixo papista, de Isabel, brilhavam à luz de dúzias de velas. Isabel deixou-se cair de joelhos, com os olhos no crucifixo, e Robert ajoelhou-se ao lado dela.
Ela voltou o rosto para ele.
- com este anel, vos desposo - disse ela. Retirou do quarto dedo o anel com o seu escudo, o anel com o sinete da rosa Tudor, e entregou-o a Robert.
Ele pegou nele e experimentou colocá-lo no dedo mais pequeno. Para deleite de ambos, o anel escorregou pelo dedo, como se tivesse sido feito para ele. Ele retirou o seu próprio anel, o que usava para selar as suas cartas, o anel do seu pai, com um tronco tosco e um urso, o brasão da família Dudley.
- com este anel, vos desposo - disse ele. - A partir de hoje e de hoje em diante serei o vosso prometido marido.
Isabel pegou no anel dele e enfiou-o no dedo em que se usava a aliança de casamento. Servia-lhe na perfeição.
- A partir de hoje e de hoje em diante, serei a vossa prometida esposa - murmurou ela. - E serei alegre e jovial, na cama e na mesa.
- E eu não amarei mais ninguém, até que a morte nos separe
- jurou ele.
- Até que a morte nos separe - repetiu ela.
Os olhos negros dela estavam brilhantes de lágrimas. Quando se inclinou para a frente para o beijar nos lábios, as lágrimas correram-lhe pela cara abaixo. Na memória de Robert, as recordações daquela tarde iriam para sempre ficar ligadas ao calor dos lábios dela e ao sabor a sal das suas lágrimas.
Nessa noite festejaram, mandaram vir músicos, dançaram e sentiram-se felizes, pela primeira vez em muitos dias. Ninguém sabia por que razão Isabel e Robert se mostravam, de repente, tão cheios de alegria, ninguém, a não ser Catherine e Francis Knollys; e eles tinham-se retirado para os seus aposentos. Apesar da boa disposição, Isabel disse que queria deitar-se cedo, e deu uma pequena risada ao dizê-lo.
Obedientemente, a corte retirou-se, as aias acompanharam a Rainha até ao seu quarto e deram início aos habituais rituais para deitar a Rainha: esconder a espada na sua cama, aquecer-lhe a camisa de noite, aquecer e aromatizar a sua cerveja.
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Ouviu-se uma ligeira pancada na porta. Isabel fez sinal a Laetitia para que a abrisse.
O criado de Cecil estava ali e, sem dizer uma palavra, mostrou-lhe uma carta. Quando Laetitia pegou nela, o homem arrancou-lha das mãos. Ela ergueu as sobrancelhas numa imitação quase perfeita da impaciência de Isabel e deu um passo atrás.
Isabel veio receber a carta. Ele fez uma vénia.
- Quanto tempo haveis demorado a chegar aqui? - perguntou Isabel. - Quantos dias têm estas notícias?
- Três dias, Vossa Graça - disse o homem, fazendo uma nova vénia. - Temos cavalos à espera ao longo da Grande Estrada do Norte, e o meu senhor mandou-nos mudar de cavalo, para chegarmos mais depressa. Conseguimos chegar aqui em três dias. Não há ninguém que receba as notícias mais depressa do que vós.
- Agradeço-vos - disse Isabel, fazendo-lhe sinal para se retirar. Laetitia fechou a porta quando ele saiu e foi colocar-se junto ao ombro de Isabel.
- Afastai-vos - disse Isabel.
Laetitia afastou-se, enquanto Isabel, quebrava o selo e abria a carta em cima da sua mesa de escrever. Tinha o código fechado, à chave, numa gaveta. Começou a descodificar a análise de Cecil sobre o uso do assassinato e depois encostou-se para trás, sorrindo, ao compreender que, à sua maneira oblíqua, ele lhe estava a dizer que os Franceses estavam prestes a perder o seu importante chefe político na Escócia. :
- Boas notícias? - perguntou Laetitia Knollys. ?
- Sim - disse Isabel, sem se alargar. - Penso que sim.
"Más notícias para a jovem Rainha dos Escoceses, que vai ficar sem a mãe", pensou. "Mas alguns de nós têm de viver sem uma mãe durante toda a vida. Ela que aprenda o que é estar só. Ela que compreenda que tem de lutar pelo seu reino, como eu tive de lutar pelo meu. Da minha parte, não haverá qualquer piedade para com a Rainha dos Escoceses."
Mal as aias se retiraram e a sua acompanhante adormeceu, Isabel levantou-se da cama, penteou o cabelo e destrancou a porta secreta entre os quartos vizinhos. Robert estava à sua espera, a mesa posta para a ceia, a lareira acesa. Reparou imediatamente que a cor
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tinha voltado ao rosto dela, havia um sorriso nos seus lábios e pensou que tudo aquilo era obra sua.
- Estais com muito melhor aspecto - disse ele apertando-a nos braços e beijando-a. - O casamento fica-vos bem.
- Sinto-me melhor - disse ela. - Sinto que já não estou só.
- Não estais só - prometeu ele. - Tendes um marido para vos aliviar do fardo. Nunca mais estareis só.
Ela soltou um pequeno suspiro de alívio, deixou-o levá-la para uma cadeira, perto da lareira e aceitou um copo de vinho que ele lhe ofereceu.
"Eu não estarei sozinha", pensou "e Maria, Rainha dos Escoceses, vai ficar órfã."
Aparentemente, Cecil e Monsieur Randan não conseguiam chegar a acordo sobre coisa nenhuma, nem sequer sobre os preparativos para a viagem de Newcastle a Edimburgo. Thomas Howard exigia que a comitiva de Monsieur Randan fosse reduzida, antes de passarem pelas fronteiras, mas o emissário francês comportava-se como alguém que sabe que está a negociar uma vitória para o seu país e não se comprometia com nada.
Embora Maria de Guise estivesse sob cerco, num país bastante hostil, era necessária a força de todo o exército inglês para a manter no Castelo de Leith e toda a marinha britânica estava ancorada noFyrth of Forth, abastecendo as tropas. Contudo, os Franceses possuíam reservas enormes e um grande tesouro, que poderia ser movimentado contra os Ingleses. A possibilidade de um ataque aos portos do Sul, numa altura em que toda a força de armas dos Ingleses estava retida na Escócia, tirava o sono a Cecil quase todas as noites, e fazia-o andar sem rumo pelas muralhas de Newcastle, certo de que tinha de pôr fim ao cerco, e depressa.
Apesar de toda a sua calma urbana, frente ao emissário francês, Cecil sabia que o que estava em jogo era a própria sobrevivência da Inglaterra e que as circunstâncias eram bastante adversas.
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Logo que tudo ficou pronto para a partida para Edimburgo, Monsieur Randan enviou um mensageiro ao Castelo de Leith, avisando que, dentro de uma semana, chegariam ao castelo, para um encontro com a regente, a fim de receber as suas instruções. O mensageiro regressou com a notícia de que Maria de Guise se encontrava doente com hidropisia, mas que receberia o comissário francês e que lhe daria as instruções relativas ao acordo.
- Parece-me que ireis perceber que tereis de enfrentar um negociador difícil - disse, sorrindo, Monsieur Randan a Cecil. - Ela é uma Guise como sabeis, nascida e criada. Não estará disposta a entregar facilmente o reino da filha aos invasores.
- Tudo o que pretendemos é um acordo que diga que as tropas francesas não ocuparão a Escócia - disse Cecil secamente. Nós não somos os invasores. Pelo contrário, estamos a defender os Escoceses de uma invasão.
Monsieur Randan encolheu os ombros.
- Oh, bah! Que posso eu dizer? A Rainha da Escócia é a Rainha da França. Parece-me que ela pode enviar os seus súbditos para onde lhe apetecer, dentro dos seus dois reinos, A França e a Escócia são apenas um país, para a nossa rainha. A vossa rainha também obriga os seus súbditos a fazer o que ela quer, não é assim? - interrompeu-se com uma pequena gargalhada afectada. - Oh! com excepção do Estribeiro-Mor, segundo dizem, que parece mandar nela.
O sorriso aprazível de Cecil alterou-se com o insulto.
- Temos de garantir um acordo que afirme que as tropas francesas abandonarão a Escócia - repetiu ele, calmamente. - Ou nada poderá impedir a continuação de uma guerra que trará prejuízos, tanto à Inglaterra, como à França.
- Farei o que Sua Majestade desejar - declarou Monsieur Randan. Recebi ordens para a visitar amanhã, quando chegarmos a Edimburgo, e ela me dirá o que deve ser feito, e parece-me que compreendereis que não tendes outra hipótese.
Cecil acenou com a cabeça, concordando, como um homem forçado, por um inimigo com melhores cartas na mão, a tomar uma posição que não conseguia defender.
Mas Monsieur Randan não chegou a encontrar-se com a regente, nunca recebeu as suas instruções, nem voltou para junto de Cecil com uma recusa. Porque nessa noite, Maria de Guise, morreu.
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Em meados de Junho chegaram da Escócia as notícias que Isabel esperava há uma semana. Vestira, todos os dias, roupas muito elaboradas, sentara-se sob o dossel de estado, à espera que alguém lhe viesse anunciar que um mensageiro de Cecil, todo sujo da viagem, acabara de entrar, a cavalo, na corte. Por fim, aconteceu. Robert Dudley levou o homem à presença dela, no meio do burburinho dos cortesãos.
Isabel abriu a carta e leu-a; casualmente, Dudley manteve-se de pé, por trás dela, como um segundo monarca, e leu-a por cima do ombro dela, como se fosse um direito seu.
- Deus meu! - disse ele, quando chegou à parte em que Cecil contava à Rainha que Maria de Guise tinha morrido subitamente. Deus meu, Isabel. Tendes a sorte de um demónio.
A cor afluiu ao rosto dela. Ergueu a cabeça e sorriu para a corte.
- Vede como somos abençoados - anunciou ela. - Maria de Guise morreu de hidropisia e os Franceses não sabem o que fazer. Cecil diz-me que começou a elaborar um tratado que traga a paz às nossas duas nações.
Ouviu-se um pequeno grito vindo de uma das damas, cujo irmão estava sob as ordens de Lorde Grey e, a seguir, um enorme aplauso que se espalhou pela corte inteira. Isabel levantou-se.
- Derrotámos os Franceses - anunciou. - O próprio Deus abateu a nossa inimiga, Maria de Guise. Que sirva de aviso para outros. Deus está do nosso lado.
"Pois é", disse Robert para si próprio, aproximando-se da Rainha vitoriosa e pegando-lhe na mão, para que pudessem enfrentar a corte juntos, neste momento de triunfo. "Mas quem haveria de pensar que o instrumento escolhido por Deus, seria uma pequena doninha como William Cecil?"
Isabel voltou-se para ele, com os olhos a brilhar.
- Não é um milagre? - disse baixinho.
- Eu vejo mais a mão de um homem, vejo a mão de um assassino, mais do que a mão de Deus - disse ele, observando-a de perto.
Ela nem pestanejou e, nesse momento, ele percebeu que ela tinha estado a par de tudo. Estivera à espera da notícia da morte da regente, esperando com conhecimento prévio, provavelmente desde o dia do casamento deles, a altura em que ela começara, novamente, a mostrar-se feliz. E só podia ter sido preparada para isso por Cecil.
- Não, Robert - disse ela com firmeza. - Cecil diz-me que ela morreu da sua doença. É, de facto, um milagre, a sua morte ter chegado em tão boa altura. Que Deus guarde a sua alma.
- Oh, amém - disse ele.
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O tempo mais quente de Julho era do agrado de Amy e, todos os dias, fazia um esforço para passear no jardim em Denchworth. Continuava sem notícias de Robert, sem ideia do local para onde se deveria dirigir a seguir. O desconhecimento sobre o que deveria fazer continuava assombrá-la.
Um dos filhos de Alice Hyde tinha deixado a ama de leite, voltando para casa, e afeiçoara-se a Amy. Erguia os seus rechonchudos bracitos para que ela pegasse nele ao colo e gritava "Mi-mi!", sempre que a via.
- Amy - dizia ela com um pequeno sorriso. - Consegues dizer Amy?
- Mi-mi - repetia ele com um ar muito sério.
Amy, sem filhos e sentindo-se só, correspondia ao carinho do rapazinho, sentando-o na sua anca, cantando ao seu tenro ouvido, contava-lhe histórias e deixava-o dormir na sua cama durante o dia.
- Ela apegou-se a ele - disse Alice ao marido, com aprovação.
- Teria sido uma boa mãe, se tivesse sido abençoada com filhos, e é uma pena que nunca possa vir a ter um filho seu.
- É verdade - disse ele com ar severo.
- E o pequeno Thomas adora-a - disse ela. - Está sempre a chamar por ela. Gosta mais dela do que de qualquer outra pessoa.
Ele concordou, acenando com a cabeça.
- Então, essa criança é a única pessoa na Inglaterra a fazê-lo.
- Ora bem! - disse Robert com alegria, enquanto passeava junto ao rio com Isabel, naquela fresca manhã de Julho. - Tenho notícias para vós. Notícias da Escócia, melhores do que as que tendes recebido nos últimos tempos.
- Que notícias? - ela ficou imediatamente alerta.
"O mensageiro de Cecil disse-me que ninguém recebia notícias mais depressa do que eu. Que novidades pode Robert ter recebido sem eu saber?"
- Tenho alguns criados em Newcastle e em Edimburgo - disse ele casualmente. - Um deles veio a minha casa, esta tarde, e disse-me que Cecil estava confiante de que iria convencer os Franceses
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a chegarem a um acordo. Um criado dele disse ao meu que Cecil tinha escrito à esposa, dizendo-lhe que devia contar com ele em casa, em meados do mês. Uma vez que Cecil nunca abandonaria um trabalho por terminar, podemos ter a certeza de que ele acredita que vai concluir o tratado dentro de pouco tempo.
- E porque não me escreveu? - perguntou ela, imediatamente ciumenta.
Robert encolheu os ombros.
- Talvez queira ter a certeza, antes de falar convosco. Mas, Isabel...
- Ele escreveu à mulher, antes de me escrever? O amante dela sorriu.
- Isabel, nem todos os homens são tão dedicados como eu. Mas estas notícias são óptimas, imaginei que iríeis ficar encantada.
- Credes que ele já fez um acordo?
- Tenho a certeza de que deve ter qualquer coisa em vista. O meu criado deu-me a entender que ele o vai ter assinado e selado até ao dia seis.
- Daqui a três dias? - exclamou ela. - Tão rápido?
- Porque não? Uma vez que a rainha morreu, ele só teve de negociar com os súbditos.
- Que vos parece que terá conseguido? Espero que não tenha concordado com menos do que a retirada dos Franceses!
- Ele tem de exigir a retirada dos Franceses e deve ter conseguido a devolução de Calais.
Ela abanou a cabeça.
- Eles vão prometer que discutirão Calais, nunca iriam devolver 3 cidade só por nós pedirmos.
- Pensava que essa era uma das vossas exigências.
- Oh, eu exigi - disse ela. - Mas não esperava consegui-lo.
- Devíamos recuperar a cidade - disse Robert com teimosia. Eu perdi um irmão em St Quentin e quase perdi a própria vida, diante das muralhas de Calais. O sangue de muitos ingleses bons correu por esse canal. O canal que nós escavámos e fortificámos. É uma cidade tão inglesa como Leicester. Devíamos recuperá-la.
- Oh, Robert...
- Devíamos - insistiu ele. - Se ele aceitou um acordo que não inclua essa cláusula, então, não nos prestou um grande serviço. E é isso mesmo que lhe vou dizer. E mais, se não recuperámos Calais, ele não nos garantiu uma paz duradoura, uma vez que teremos de entrar em guerra por causa dessa cidade, mal os homens voltem da Escócia.
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- Ele sabe que Calais é muito importante para nós - disse ela, com voz fraca. - Mas nós não vamos entrar em guerra por causa disso...
- É importante! - Robert bateu com o punho na parede do rio.
- Calais é tão importante como o castelo de Leith, talvez mais. E o vosso brasão, Isabel! A Rainha da França tem de deixar de usar as nossas armas no escudo dela. E deviam pagar-nos.
- Pagar? - perguntou ela, subitamente intrigada.
- Claro - continuou ele. - Eles foram os agressores. Deviam pagar-nos por nos terem obrigado a defender a Escócia. Esvaziámos o tesouro inglês, para nos defendermos deles. Deviam compensar-nos por isso.
- Nunca fariam tal coisa. Julgais que sim?
- Porque não? - perguntou ele. - Eles sabem que procederam mal. Cecil está a obrigá-los a assinar um acordo. Tem os Franceses na mão. É a ocasião certa para os atingir em força, enquanto os temos em desvantagem. Ele tem de nos conseguir a Escócia, Calais, o brasão e uma multa.
Isabel deixou-se contagiar pelo seu- espírito de certeza.
- Podíamos fazê-lo.
- Temos de o fazer - confirmou ele. - De que vale ir para a guerra se não for para ganhar? Para quê fazer a paz, se não for para ganhar os despojos de guerra? Ninguém vai para a guerra só para se defender, vão para melhorar a situação. O vosso pai sabia isso, nunca regressou sem proveito, depois de ter assinado a paz. Tendes de fazer o mesmo.
- vou escrever-lhe amanhã - decidiu ela.
- Escrevei agora - disse Robert. - Ele tem de receber a carta imediatamente, antes que assine, sem defender devidamente os vossos direitos.
Por uns momentos, ela hesitou.
- Escrevei já - repetiu ele. - Demora três dias a chegar lá, no mínimo. Deveis fazer com que ele receba a vossa carta antes de concluir o tratado. Escrevei enquanto o assunto está fresco na nossa mente e, então, os assuntos de Estado ficarão resolvidos, e poderemos voltar a ser nós mesmos outra vez.
- Nós mesmos? - perguntou ela com um ligeiro sorriso.
- Somos recém-casados - recordou-lhe com suavidade. - Escrevei a vossa proclamação, minha Rainha, e depois vinde ter com o vosso esposo.
Ela resplandeceu de alegria com as palavras dele e, juntos, regressaram ao palácio de Whitehall. Ele conduziu-a através da corte
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até aos aposentos dela e ficou de pé, por trás dela, enquanto Isabel se sentava à mesinha de escrever e pegava na pena.
- Que devo escrever?
"Ela quer que eu dite o que deve escrever." Robert rejubilou, em silêncio. "A Rainha de Inglaterra escreve com palavras minhas, exactamente como o irmão dela escrevia o que o meu pai ditava. Graças a Deus por este dia ter chegado, e por ter chegado como consequência do amor."
- Escrevei-lhe com palavras vossas, como costumais fazer normalmente. - recomendou ele.
"A última coisa que eu quero é que ele ouça a minha voz na carta dela."
- Dizei-lhe apenas que exigis que os Franceses deixem a Escócia, que vos entreguem Calais, que devolvam o escudo de armas e uma multa.
Ela inclinou a cabeça cor de bronze e escreveu.
- Que quantia, para a multa?
- Quinhentas mil coroas - disse ele, escolhendo um número ao acaso.
Isabel ergueu a cabeça, como se tivesse sido impulsionada por uma mola.
- Eles nunca pagariam uma quantia dessas!
- É claro que não! Pagarão, talvez, a primeira prestação e depois vão enganar-nos com o resto. Mas ficam a saber qual é o preço por terem interferido no nosso Reino. Ficarão a saber que nos temos em grande consideração.
Ela concordou. "- E se recusarem?
- Nesse caso, dizei-lhe que deve interromper as negociações e entrar de novo em guerra - disse Robert. - Mas eles não vão recusar. Cecil vai conseguir que eles assinem este acordo, se souber que estais determinada. Isto é um sinal para ele, para que volte para casa com um grande prémio, e um sinal para os Franceses, para que não se atrevam a meter-se nos nossos assuntos mais nenhuma vez.
Ela concordou e assinou a carta com um floreado.
- vou enviá-la esta tarde - disse ela.
- Enviai-a já - ordenou ele. - O tempo é essencial. Ele tem de receber a carta antes que lhes ceda nalgumas das coisas que exigimos.
Por momentos, ela hesitou.
- Como quiserdes. Voltou-se para Laetitia.
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- Mandai uma das criadas chamar um mensageiro do Secretário do Reino - disse ela. Voltou-se depois para Robert.
- Depois de enviar a carta, gostaria de ir andar a cavalo.
- Não estará demasiado calor para vós?
- Não, se formos já. Tenho a sensação de ter estado encarcerada toda a vida aqui, em Whitehall.
- Devo mandar aparelhar a nova égua?
- Ah, sim! - disse ela contente. - Encontrar-me-ei convosco nos estábulos, logo que tenha enviado isto.
Ele ficou a olhar, enquanto ela assinava e selava a carta, de modo a que já não pudesse ser emendada, e só nessa altura é que se inclinou, beijou-lhe a mão, dirigindo-se depois para a porta. Os cortesãos afastaram-se para ele passar, tiraram os barretes e muitos fizeram uma vénia. Robert saiu da sala como um rei, e Isabel ficou a vê-lo afastar-se.
A rapariga atravessou a galeria com o mensageiro atrás de si, e levou-o até ao local onde Isabel ficara a observar Robert afastar-se. Quando ele se aproximou, Isabel dirigiu-se para um dos vãos da janela, com a carta selada na mão, e falou tão baixo com ele que mais ninguém conseguiu ouvir.
- Quero que leveis esta carta ao vosso amo, em Edimburgo disse ela, baixinho. - Mas não deveis partir já hoje.
- Não? Vossa Graça?
- Nem amanhã. Levai-a só nos dias seguintes. Quero que a carta se atrase, pelo menos, três dias. Estais a compreender-me?
Ele inclinou-se.
- Como desejardes, Vossa Graça.
- Deveis dizer a toda a gente, alto e bom som, que deveis partir imediatamente com uma mensagem para Sir William Cecil, e que ele a tem de receber depois de amanhã, uma vez que já é possível fazer chegar as cartas a Edimburgo em três dias.
Ele acenou em sinal de compreensão. Já estava ao serviço de Cecil há demasiado tempo para se surpreender com ardis destes.
- Devo sair de Londres, como se fosse partir imediatamente, e esconder-me no caminho?
- Exactamente.
- Em que dia quereis que ele a receba?
A rainha ficou a pensar, por algum tempo.
- Que dia é hoje? Dia três? Depositai-a nas mãos dele, no dia nove de Julho.
O criado escondeu a carta no seu gibão e curvou-se numa vénia.
- Devo dizer ao meu amo que a carta foi atrasada.
- Podeis fazê-lo. Já não terá qualquer importância, nessa altura.
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Não quero que esta carta o distraia do seu trabalho. A tarefa dele já estará terminada nessa altura, assim o espero.
Edimburgo
4 de Julho de 1560
Para a rainha,
A rainha regente faleceu, mas o cerco mantém-se, embora o ânimo das tropas esteja por baixo.
Encontrei um articulado de -palavras com as quais eles possam concordar: que o rei e a rainha da frança garantirão a liberdade aos Escoceses, como uma dádiva, resultante da vossa intercessão como rainha congénere, e que irão retirar as suas tropas. Deste modo, e no último momento, conseguimos tudo o que queríamos, com a misericordiosa ajuda de Deus.
"Esta será a maior vitória do vosso reino e a fundação da paz e da força dos reinos unidos desta ilha. fizemos quebrar, -para sempre. a Velha Aliança entre a frança e a Escócia. Identificou-vos como a -protectora do Protestantismo. Sinto-me mais aliviado e feliz do que em qualquer outro momento da minha vida.
Deus vos abençoe e à vossa descendência, pois nem a paz nem a guerra nos trarão grande proveito, sem isso.
William Cecil, datado neste dia, 4 de Julho de 1560, no Castelo de
? Edimburgo.
Cecil, depois de ter conseguido evitar a guerra, quebrado a aliança dos Franceses com os Escoceses e transformado Isabel na mais jovem e intrépida negociadora de poder na Europa, aproveitando a frescura do fim da tarde, passeava pelo pequeno jardim do Castelo de Edimburgo, admirando a plantação de pequenos loureiros e o intrincado padrão das pedras coloridas.
O criado hesitou, no alto das escadas, tentando descobrir o seu amo no meio da penumbra. Cecil ergueu a mão e o homem veio ter com ele.
- Uma carta de Sua Majestade.
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Cecil acenou com a cabeça e pegou nela, mas não a abriu de imediato. Ela sabia que ele estava prestes a conseguir um acordo e aquela carta devia ser um agradecimento pelos seus serviços, prometendo-lhe a sua amizade e uma recompensa. Ela sabia, como ninguém, que a Inglaterra tinha estado no fio da navalha, nesta guerra contra a Escócia. Ela sabia, como ninguém, que nenhuma outra pessoa teria conseguido a paz, a não ser Cecil.
Sentou-se no banco do jardim e olhou para cima, para as enormes muralhas cinzentas do castelo, para os morcegos que andavam às voltas no ar, para as primeiras estrelas que surgiam e percebeu que estava satisfeito. Então, abriu a carta que recebera da Rainha.
Por alguns momentos deixou-se ficar sentado, leu a carta, voltando a lê-la, vezes sem conta.
"Ela enlouqueceu", foi o seu primeiro pensamento. "Ela enlouqueceu com a preocupação e a aflição por causa desta guerra e agora tem tanta fome de guerra como antes tinha receio. Santo Deus, como é que um homem pode fazer as coisas sensatamente, quando trabalha para uma mulher que muda do quente para o frio num segundo, no mesmo dia, sem se preocupar?"
"Meu Deus, como é que se pode conseguir uma paz duradoura, um tratado de paz honroso, quando a monarca se lembra subitamente de incluir mais exigências, depois de o tratado ter sido assinado? A devolução de Calais? O escudo de armas? E ainda uma multa? Porque não pedir as estrelas do céu? Porque não exigir a Lua?"
"E o que significa isto, no fim da carta? Interromper as negociações, se estes objectivos não forem alcançados? E, em nome de Deus, fazer o quê? Continuar a guerra com um exército para o qual não há dinheiro, com o calor do Verão a chegar? Obrigar os Franceses a chamar os seus soldados, de novo, para o campo de batalha, quando eles se estão a preparar para partir?"
Cecil amarfanhou a carta da Rainha numa bola, atirou-a ao chão e deu-lhe um pontapé com toda a força, fazendo-a voar por cima da pequena sebe ornamental para a relva, no centro do jardim.
"Doida!", desabafou ele, sem dizer uma palavra em voz alta. "Mulher irresponsável, vaidosa, extravagante e inconstante. Deus me perdoe por ter pensado que vós éreis a salvadora da pátria. Que Deus me perdoe por ter posto as minhas capacidades ao vosso alucinado serviço; teria sido bem melhor se tivesse ficado em Burghley a plantar o meu jardim e nunca tivesse tido que dançar ao som da vossa louca e deslumbrada corte."
A sua raiva durou mais algum tempo e caminhou para trás e para a frente, olhando para a carta amarfanhada numa bola, aban-
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donada no meio da relva; depois, uma vez que os documentos são, ao mesmo tempo, um tesouro e um perigo, passou por cima da pequena sebe, recolheu a carta, alisou-a e voltou a lê-la.
Então, reparou em dois pormenores que lhe haviam escapado, durante as primeiras leituras. Em primeiro lugar, a data. A Rainha tinha-a datado de 3 de Julho, mas a carta só tinha chegado cinco dias depois de o tratado ter sido assinado e de a paz ter sido proclamada. Tinha demorado o dobro do tempo a chegar. Tinha chegado tarde de mais, para poder influenciar os acontecimentos. Cecil foi à procura do seu mensageiro.
- Ei! Lud!
- Sim, Sir William?
- Porque é que isto demorou seis dias a chegar até mim? Tem data do dia três. Devia ter-me sido entregue há três dias.
- Foi a vontade expressa da Rainha, senhor. Ela disse que não vos queria preocupado com a carta, até os vossos assuntos estarem resolvidos. Mandou-me sair de Londres e esconder-me durante três dias, para dar à corte a impressão de que eu tinha partido imediatamente. Foram as suas ordens, senhor. Espero ter feito o que devia.
- Certamente que fizestes bem em obedecer às ordens da Rainha - resmungou Cecil.
- Ela disse que não vos queria distrair com esta carta - explicou o homem. - Queria que a carta chegasse quando o vosso trabalho já estivesse terminado.
Pensativo, Cecil fez um sinal ao homem para que fosse embora.
"Que se passa?", perguntou ele ao céu nocturno. "Que diabo quererá isto dizer?"
" O céu escuro não lhe deu resposta e uma pequena nuvem passou lá no alto, como um véu cinzento.
"Raciocina", ordenou Cecil a si próprio. "Vejamos, de tarde, digamos que ao fim da tarde, num impulso, ela me faz um grande pedido. Isso já aconteceu antes, Deus é testemunha. Ela quer tudo, Calais, as suas insígnias devolvidas para seu uso exclusivo, paz e quinhentas mil coroas. Mal aconselhada - por aquele idiota do Dudley, por exemplo - poderia pensar que tudo isto era possível, que tudo lhe era devido. Mas ela não é idiota, reflectiu, sabe que está a proceder mal. Mas jurou, diante de testemunhas, que vai exigir todas estas coisas. Por isso, escreve a carta, conforme lhes prometeu, assina-a e lacra-a à frente deles, mas, em segredo, faz com que ela fique retida no caminho, certifica-se de que, assim, eu faço o meu trabalho, que a paz é conseguida, antes que ela me faça exigências impossíveis de concretizar."
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- Por consequência, ela fez uma exigência que não era razoável e eu fiz um excelente trabalho, ambos fizemos o que devíamos fazer. Rainha e vassalo, senhora e homem. E depois, para se certificar de que a sua tentativa de interferência não passe disso mesmo, de uma tentativa de interferência sem consequências, diz ao meu criado que, se a sua carta chegar demasiado tarde - e fez tudo para que tal acontecesse -, eu poderia considerar as suas instruções como irrelevantes.
Suspirou.
"Óptimo, tudo bem. Eu cumpri o meu dever, ela fez o que lhe aprouve e não houve prejuízos para o processo de paz, só estragou a minha alegria, e a minha expectativa de que ela ficasse muito feliz, muito grata pelos meus serviços, desapareceu."
Cecil guardou a carta dela no bolso interior do casaco.
"Não é uma ama generosa", disse baixinho para si mesmo. "Pelo menos, para comigo, uma vez que é nítido que foi capaz de escrever uma carta, de a fazer chegar atrasada, de mentir acerca do assunto, para agradar a outra pessoa. Nenhum rei da Cristandade ou das terras infiéis tem um servidor melhor do que eu tenho sido para ela, e é assim que me recompensa... com uma armadilha.
"Nem parece dela", resmungou consigo mesmo, enquanto se dirigia às escadas que conduziam à entrada do castelo. "Revela uma mente pouco generosa, ao fazer-me preocupar desta forma, no auge do meu triunfo e, normalmente, ela não procede assim." Deteve-se. "Mas, talvez, mal aconselhada."
Deteve-se novamente.
"Robert Dudley", observou ele confídencialmente para os degraus, no momento em que pousava o sapato bem engraxado na primeira pedra do pavimento. "Robert Dudley, apostava a minha vida em como foi ele. com inveja do meu sucesso e a tentar diminuí-lo, aos olhos dela. Querendo mais, sempre mais do que aquilo que se pode razoavelmente esperar. A ordenar-lhe que escreva uma carta cheia de exigências impossíveis; e ela a escrevê-la, para lhe agradar, mas atrasando-a para salvar o processo de paz." Parou, mais uma vez. "Uma mulher sem juízo, a correr um tal risco, para comprazer um homem", concluiu Cecil.
Mas interrompeu mais uma vez a caminhada, quando o pior dos pensamentos lhe atravessou a mente.
"Mas porque o teria ela deixado ir tão longe, a ponto de lhe permitir ditar-lhe cartas dirigidas a mim, sobre um dos mais importantes assuntos de política que já tivemos de enfrentar? Se ele nem sequer faz parte do Conselho Privado? Se não passa de Estribeiro-
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-Mor dela? Que vantagem terá ele conseguido, enquanto eu estive ausente? Que progressos terá ele alcançado? Deus do céu, que poder deterá ele agora sobre ela?
A carta.de Cecil, proclamando a paz na Escócia, foi recebida pela corte de Isabel, comandada por Robert, com uma acção de graças pouco festiva. Era bom, mas não o suficiente, dava Robert a entender; e a corte, com um olho posto na Rainha e outro no seu favorito, concordava.
Os mais importantes membros do Conselho Privado resmungavam entre si que Cecil tinha feito um trabalho notável e ninguém lhe estava a dar o devido valor.
- Há um mês, ela tê-lo-ia abraçado, se ele tivesse conseguido a paz, ao fim de apenas três meses de guerra - disse Throckmorton com azedume. - Tê-lo-ia feito conde, por ter conseguido a paz, ao fim de seis semanas. Agora, que ele o conseguiu no primeiro dia que passou em Edimburgo, ela nem sequer lhe agradece. Mulheres!
- Não é a mulher que é ingrata, é o amante - disse Sir Nicholas Bacon sem rodeios. - Mas quem é que lhe pode dizer alguma coisa? Alguém será capaz de o desafiar?
O silêncio foi completo.
- Eu, não, de certeza - disse Sir Nicholas, comodamente. Cecil vai ter de encontrar uma solução para este problema, quando regressar. Deus seja louvado, mas isto não pode continuar assim por muito mais tempo. É um escândalo, o que, em si, já é mau, mas que a coloca numa situação de ser, ao mesmo tempo, qualquer coisa e coisa nenhuma. Nem esposa nem donzela. Como é que ela vai poder ter um filho, se o único homem com quem se relaciona é Robert Dudley?
- Talvez ela tenha um filho de Dudley - disse, calmamente, alguém lá atrás.
Uma pessoa soltou uma blasfémia ao ouvir a sugestão, um outro homem levantou-se abruptamente e abandonou a sala.
- Ela perderá o trono - disse um outro homem, com firmeza.
- O país não vai aceitar uma coisa dessas, os Lordes não vão aceitar, os Comuns não vão aceitar e, sabem que mais, meus senhores, eu não o aceitarei, de maneira nenhuma.
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Houve um ligeiro murmúrio de concordância, até que alguém disse, como aviso:
- Isto pode ser considerado quase uma traição.
- Não, não é - insistiu Francis Bacon. - O máximo que dissemos foi que não aceitaríamos Dudley como rei. Tudo bem. Não há aí qualquer traição, uma vez que ele nunca chegará a ser rei, essa possibilidade nem sequer se coloca no nosso espírito. E Cecil terá de regressar e assegurar-se de que, na sua mente, também não surja essa possibilidade.
O homem que se considerava Rei da Inglaterra, em tudo menos no título, estava no pátio dos estábulos, inspeccionando o cavalo de caça da Rainha. Ela tinha montado tão pouco que o cavalo havia sido exercitado por um criado e Dudley queria ter a certeza de que o rapaz tinha tanto cuidado com a valiosa boca do cavalo, como ele próprio teria. Enquanto puxava suavemente as orelhas do cavalo e acariciava o veludo da sua boca, Thomas Blount aproximou-se, por trás dele e cumprimentou-o em voz baixa
- bom dia, senhor.
- bom dia, Blount - disse Robert calmamente.
- Há algo estranho que eu penso que deveis saber.
- Sim? - Robert não virou a cabeça. Ninguém que os observasse pensaria que os dois estariam preocupados com alguma coisa que não fosse os cuidados a ter com os cavalos.
- Deparei-me com um carregamento de ouro, na noite passada, contrabandeado para cá pelos Espanhóis, enviado por barco a partir de Antuérpia, por Sir Thomas Gresham.
- Gresham? - perguntou Dudley surpreendido.
- O criado dele estava a bordo, carregado de facas, extremamente preocupado - descreveu Blount
- Ouro para quem?
- Para o Tesouro - disse Blount. - Moedas pequenas, barras, de todos os feitios e tamanhos. O meu criado, que ajudou a descarregar, disse que constava que era para cunhar novas moedas, para pagar às tropas. Cuidei que gostaríeis de saber. Ouro no valor de cerca de três mil libras, e já chegou mais antes, e vai chegar mais para a semana.
- Eu gosto de saber essas coisas - confirmou Robert. - A informação é como uma moeda de troca.
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- Então, espero que a moeda seja feita com o ouro de Gresham - gracejou Blount. - E que não seja a mistela que tenho aqui no bolso.
Meia dúzia de ideias atravessaram imediatamente a mente de Robert, mas não as traduziu em palavras.
- Obrigado - disse ele. - E avisai-me, quando Cedi iniciar a viagem de regresso.
Deixou o cavalo com o criado e foi à procura de Isabel. Ela ainda não se tinha vestido, estava sentada junto da janela, no seu quarto, com uma capa em volta dos ombros. Quando Robert entrou, Blanche Parry olhou para ele com alívio.
- Sua Graça não se quer vestir, mesmo sabendo que o enviado espanhol quer falar com" ela - disse. - Diz que está demasiado cansada.
- Deixem-nos - disse Robert imediatamente, ficando à espera que as aias e as criadas saíssem do quarto.
Isabel voltou-se e sorriu-lhe, pegou na mão dele e encostou-a ao seu rosto.
- Meu Robertv
- Dizei-me, minha bela adorada - disse Robert calmamente. Porque estais a mandar vir barcos carregados de ouro espanhol de Antuérpia e como tencionais pagar tudo isto?
Ela soltou um pequeno suspiro, a cor desapareceu-lhe do rosto e o sorriso dos olhos. ?
- Oh! - disse ela. ?- Isso.
- Sim - replicou ele, do mesmo modo. - Isso. Não vos parece que seria melhor contares-me o que se está a passar?
- Como haveis descoberto? Tudo devia ser feito em grande segredo.
- Não importa - disse ele. - Mas lamento saber que ainda guardais segredos de mim, depois dos nossos votos, depois de sermos marido e mulher.
- Tencionava contar-vos - disse ela imediatamente. - Só que a Escócia afastou tudo o resto da minha mente.
- Por certo - [disse ele com frieza. - Pois se tivésseis mantido o esquecimento até ao dia em que a moeda antiga for recolhida e a nova entrar em circulação, eu iria ficar com uma pequena sala de tesouro cheia de coisas sem valor, não é verdade? E com perdas substanciais, não era? Era essa a vossa intenção, fazer-me sofrer?
Isabel corou.
- Não fazia ideia de que guardáveis moedas pequenas.
- Eu possuo terras, os meus rendeiros não me pagam em barras de ouro, certamente. Tenho dívidas comerciais que são pagas
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em moeda. Tenho arcas e arcas cheias de moedas maiores e mais pequenas. Dizei-me então o que vou lucrar com elas?
- Pouco mais do que aquilo que pesarem - disse ela com uma voz débil.
- Não vão ter em conta o seu valor facial? Ela abanou a cabeça, em silêncio.
- Vamos mandar recolher as moedas e cunhar novas - disse ela. - É o plano de Gresham. - Vós já o conheceis. Temos de refazer as moedas.
Robert soltou a mão dela e foi até ao centro da sala, enquanto ela permaneceu sentada a observá-lo, sem saber o que ele iria fazer. Apercebeu-se de que a sensação que o seu ventre lhe transmitia, como se estivesse a afundar-se, era apreensão. Pela primeira vez na sua vida estava com medo do que um homem pudesse pensar dela
- não por causa da política, mas por causa do amor.
- Robert, não deveis ficar zangado comigo. Eu não tive intenção de vos prejudicar - disse ela, detectando a fraqueza da sua própria voz. - Deveis saber que eu não faria nada que vos fosse prejudicial, principalmente a vós! Já vos ofereci muitos cargos, posições e terras.
- Eu sei - disse secamente. - É isso que, em parte, me espanta. Que me ofereçais coisas com uma mão, e me enganeis com a outra. É, de facto, um truque digno de uma prostituta. Não vos passou pela cabeça que isso me iria sair muito caro?
Ela suspirou.
- Só pensei que tudo deveria ser feito em segredo, em grande segredo, ou todos começariam a fazer negócio com isso, e as moedas iriam valer cada vez menos - disse ela muito depressa. - É horrível, Robert, ficar a saber que as pessoas pensam que o dinheiro que temos não vale quase nada. Temos de fazer tudo como deve ser, e todos me vão culpar se as coisas correrem mal.
- Um segredo que haveis guardado de mim - disse ele. - O vosso marido.
- Nós ainda não estávamos prometidos quando o plano começou - disse ela humildemente. - Agora compreendo que vos devia ter dito. Acontece que a Escócia afastou tudo o resto...
- A Escócia agora está em paz - disse ele com firmeza. - E deveis tentar recordar-vos de que estamos casados e que não deveis guardar segredos em relação a mim. Vá, ide vestir-vos, Isabel, e quando voltardes, contar-me-eis em pormenor, tudo o que vós e Cecil haveis combinado e planeado em conjunto. Não permitirei que façam de mim parvo. Não admito que partilheis segredos com outro
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homem, sem eu saber. Isso é trair-me e eu não faço tenções de ser um marido enganado, só porque sois Rainha.
Por momentos pensou que tinha ido longe de mais, mas ela ergueu-se e foi para o quarto de dormir.
- vou mandar chamar as vossas aias - disse ele, aproveitando-se da obediência dela. - E depois teremos uma longa conversa.
Ela parou à entrada da sala e olhou para trás, para ele.
- Por favor, não vos zangueis comigo. Não tinha intenção de vos ofender. Nunca seria capaz de vos ofender propositadamente. Sabeis como tem sido este Verão. Contar-vos- ei tudo.
Era a altura de a recompensar pelas suas desculpas. Ele atravessou a sala, beijou-lhe os dedos e depois os lábios.
- Vós sois a minha amada - disse ele. - Vós e eu, somos ouro puro e nada se misturará entre os dois, para o estragar. Entre nós haverá sempre honestidade absoluta e clareza. Então, poderei aconselhar-vos e ajudar-vos e não precisareis de recorrer a mais ninguém.
Ele sentiu a boca dela mover-se sob o seu beijo, quando ela sorriu.
- Oh, Robert, fá-lo-ei - disse ela.
Cecil concedeu a si mesmo a indulgência de passar uma noite em casa, com a mulher, em Burghley, antes de prosseguir a viagem para Londres. Mildred recebeu-o com o suave carinho habitual, mas os seus olhos cinzentos aperceberam-se das rugas no rosto dele e dos seus ombros descaídos.
- Pareceis cansado - foi tudo o que disse.
- Estava muito calor e havia muita poeira - disse ele, sem falar das diversas viagens que tinha sido forçado a fazer entre Edimburgo e Newcastle, para forjar a paz e torná-la aceitável.
Ela concordou com a cabeça e indicou-lhe que devia ir para o quarto, uma divisão digna de um palácio, onde havia água quente e uma muda de roupa à sua espera, uma caneca com cerveja fresca e um pão ainda quente, acabado de cozer. Quando ele voltou para baixo, com um ar fresco e vestido com um fato escuro lavado, ela tinha-lhe preparado o jantar preferido.
- Obrigado - disse ele carinhosamente, beijando-a na testa. Obrigado por tudo isto.
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Ela sorriu e conduziu-o para a cabeceira da mesa, onde a família e os criados esperavam que o amo dissesse a Acção de Graças. Mildred era uma fiel protestante e a sua casa era gerida com regras religiosas muito firmes.
Cecil disse algumas palavras de oração, sentou-se e dedicou-se inteiramente ao seu jantar. A sua filha, Anna, de quatro anos, foi trazida do berçário juntamente com o irmão mais pequeno, William, para receberem uma bênção um pouco distraída. Depois, a mesa foi arrumada e Mildred e Cecil recolheram aos seus aposentos, onde os esperava uma lareira acesa e uma caneca de cerveja.
- Quer dizer, então, que temos paz - quis ela confirmar, sabendo que ele nunca teria abandonado a Escócia sem terminar a sua tarefa.
- Sim - disse ele, brevemente.
- Não pareceis muito feliz, não sois um pacificador abençoado? O olhar que ele lhe dirigiu era diferente de todos os que antes
observara. Parecia ferido, como se tivesse sofrido um duro golpe, não no orgulho ou na ambição: mas como se tivesse sido atraiçoado por um amigo.
- Não sou - disse ele. - É o melhor acordo de paz que poderíamos esperar. O exército francês vai partir, os interesses da Inglaterra na Escócia foram reconhecidos, e tudo isto praticamente sem um tiro disparado. Este deveria ser o maior acontecimento da minha vida, o meu triunfo. Derrotar os Franceses teria sido uma gloriosa vitória em qualquer altura, mas derrotá-los com um país dividido, um tesouro em bancarrota, um exército que não recebe o seu ordenado e sob as ordens de uma mulher, é quase um milagre.
- E, contudo? - perguntou ela, sem perceber.
- Alguém colocou a Rainha contra mim - disse simplesmente.
- Recebi uma carta que me teria feito chorar, se não soubesse que tinha feito por ela o máximo que poderia fazer.
- Uma carta dela?
- Uma carta a pedir-me as estrelas e a Lua, para além da paz com a Escócia - disse ele. - E parece-me que não vai ficar contente, quando lhe disser que o mais que lhe posso oferecer é a paz na Escócia.
- Ela não é nenhuma louca - frisou Mildred. - Se lhe disserdes a verdade, ela aceitará. Vai compreender que haveis feito o melhor possível, e mais do que qualquer outra pessoa teria podido fazer.
- Ela está apaixonada - disse ele em poucas palavras. - Duvido que consiga ouvir mais alguma coisa, para além das batidas do seu coração.
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- Dudley?
- Quem mais poderia ser?
- Então, continua - disse ela. - Mesmo aqui, ouvimos cada coisa mais escandalosa, que nem vós iríeis acreditar.
- Acredito, sim - disse ele. - E a maior parte do que dizem é verdade.
- Dizem que eles se casaram e que ela teve um filho dele, às escondidas.
- Isso é mentira - disse Cecil. - Mas não duvido que ela se casasse com ele, se ele fosse livre.
- E foi ele quem envenenou o espírito dela contra vós? Ele assentiu.
- Penso que sim. Só pode haver um favorito na corte. Julguei que ela poderia gozar da companhia dele e aceitar os meus conselhos; mas quando eu estou ausente, ela tem, ao mesmo tempo, a companhia e os conselhos dele, e ele é um conselheiro muito imprudente.
Mildred levantou-se da cadeira e veio para junto dele, pousando-lhe a mão no ombro.
- Que ides fazer, William?
- Tenho de ir para a corte - disse ele. - Apresentarei o meu relatório. Gastei centenas de libras do meu dinheiro, mas agora não espero qualquer recompensa ou gratidão. Se ela não aceitar os meus conselhos, então, terei de a abandonar, como já uma vez ameacei fazer. Nessa altura, ela não conseguiu ficar sem os meus conselhos, vamos ver se agora vai ser capaz de passar sem mim.
Ela estava espantada.
- William, não podeis deixá-la nas mãos daquele belo e jovem traidor. Não podeis permitir que a Inglaterra seja governada por aqueles dois. Estareis a atirar o nosso país para as mãos de crianças sem juízo. Não podeis abandonar a nossa Igreja nas suas mãos. Ela não lhes pode ser confiada. São um casal de adúlteros. Tereis que fazer parte do Conselho dela. Tereis de a salvar de si própria.
Cecil, o mais antigo e respeitado conselheiro da Rainha, era sempre aconselhado pela esposa.
- Mildred, para lutar contra um homem como Dudley, teria de usar processos e meios clandestinos. Teria de o tratar como um inimigo do país, teria de lidar com ele como com um homem leal que se transformou em traidor. Teria de lidar com ele como teria feito com... - interrompeu-se, à procura de um exemplo - Maria de Guise.
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- A rainha que morreu repentinamente? - perguntou-lhe ela, num tom de voz cuidadosamente neutro.
- A rainha que morreu repentinamente.
Ela compreendeu-o de imediato, mas encarou-o sem pestanejar.
- William, deveis cumprir o vosso dever para com o nosso país, a nossa Igreja e a nossa Rainha. Estareis a cumprir a vontade de Deus, sejam quais forem os métodos que tenhais de utilizar.
Ele olhou-a, bem no fundo dos seus duros olhos cinzentos.
- Mesmo que tenha de cometer um crime, um grande pecado?
- Mesmo assim.
Cecil regressou nos últimos dias de Julho e encontrou a corte num curto passeio pela margem sul do Tamisa, alojando-se nas melhores casas particulares que iam encontrando, entretendo-se em caçadas e gozando o calor do Verão. Foi avisado para não esperar uma recepção muito calorosa, e não a teve..
- Como pudestes fazer uma coisa destas? - foi o cumprimento de Isabel. - Como vos foi possível desperdiçar assim a nossa vitória? Fostes subornado pelos Franceses? Haveis-vos passado para o lado deles? Será que estáveis doente? Demasiado cansado para fazer o vosso trabalho como deve ser? Demasiado velho? Como vos foi possível esquecer o vosso dever para comigo e o vosso dever para com o país? Gastámos uma fortuna para levar segurança à Escócia e vós deixais os Franceses ir embora, sem os obrigar a cumprir com a nossa vontade?
- Vossa Graça - começou ele. Sentiu-se corar de fúria e olhou em volta para ver quem poderia estar a ouvi-los. Metade da corte estava inclinada para a frente, para assistir ao confronto, abertamente à escuta. Isabel tinha decidido encontrar-se com ele no salão principal da casa onde estava hospedada e havia pessoas em pé, nas escadas, a ouvir, havia cortesãos inclinados sobre o corrimão da galeria: a sua reprimenda era tão pública como se ela o tivesse feito no mercado de Smithfield.
- Ter os Franceses à nossa mercê e deixá-los ir embora sem assegurar Calais! - exclamou ela. - Isto é pior do que a própria perda inicial de Calais. Essa veio na consequência de um acto de guerra e nós lutámos o mais que pudemos. Isto foi um acto de loucura; haveis deitado Calais a perder, sem fazer o mínimo esforço para a reconquistar.
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- Vossa Majestade...
- E o meu brasão! Ela, por acaso, jurou que nunca mais o voltaria a usar? Não? Como vos atreveis a vir ter comigo, com aquela mulher ainda a usar as minhas armas?
Não havia nada que Cecil pudesse fazer, diante de tal carnificina. Calou-se e deixou-a despejar a sua raiva sobre ele.
- Isabel - aquela voz calma estava tão cheia de confiança que Cecil olhou rapidamente para o cimo da escadaria principal, para ver quem se atrevia a dirigir-se à Rainha pelo seu nome. Era Dudley.
Este lançou a Cecil um rápido olhar cheio de simpatia.
- O Senhor Secretário trabalhou muito ao vosso serviço e regressou com o melhor acordo de paz que conseguiu obter. Podemos estar desapontados com o que ele conseguiu, mas tenho a certeza de que não há qualquer dúvida quanto à sua lealdade para com a nossa causa e a sua dedicação ao nosso serviço.
Cecil reparou na maneira como as palavras dele, o seu tom, acalmavam a fúria dela.
"Ele diz nosso serviço?", observou para consigo mesmo. "Agora também o sirvo a ele?"
- Vamos retirar-nos, juntamente com o Senhor Secretário sugeriu. - E ele poderá explicar-nos as suas decisões e dizer-nos como está a situação na Escócia. Ele fez uma longa viagem e teve uma árdua tarefa.
Ela ergueu altivamente a cabeça, e Cecil preparou-se para ouvir mais insultos.
- Vinde - disse Dudley simplesmente, estendendo-lhe a mão.
- Vinde, Isabel.
"Ele dá-lhe ordens, usando o seu nome próprio, em frente de toda a corte?" perguntou Cecil a si mesmo, em silêncio, estupefacto.
Mas Isabel foi ter com ele, como um cão bem treinado que corre atrás dos calcanhares do dono, pousou a mão na dele e deixou-o conduzi-la para fora do salão. Dudley olhou para trás, para Cecil, e brindou-o com um ligeiro sorriso.
"Sim", dizia o sorriso. "Agora estais a compreender como as coisas funcionam."
William Hyde chamou a irmã ao seu escritório, a sala onde tratava dos assuntos relacionados com a sua propriedade, um sinal,
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para ela, de que o assunto era sério, que não deveria ser atrapalhado por emoções ou exigências de laços familiares.
Ele estava sentado atrás da grande mesa das rendas, uma mesa redonda, recortada por gavetas, cada uma com uma letra do alfabeto. A mesa podia girar sobre o seu eixo e ficar virada para o proprietário e cada gaveta continha os contratos e os livros de contas dos rendeiros, arquivados de acordo com a letra inicial dos seus nomes.
Lizzie Oddingsell reparou, por acaso, que a gaveta marcada com a letra "Z" nunca tinha sido usada e admirou-se por ninguém se lembrar de fazer estas mesas sem o "X" ou o "Z", uma vez que estas deviam ser as iniciais menos usadas em inglês.
"Zebedeu", pensou consigo mesma. "Xerxes."
- Irmã, trata-se de Lady Dudley - começou William Hyde, sem fazer qualquer preâmbulo.
Ela reparou imediatamente que ele se referia a ela e à sua amiga, pelos títulos. Por isso, a conversa iria ser conduzida num registo muito formal.
- Sim, irmão? - respondeu, delicadamente.
- É um assunto difícil - disse ele. - Mas, para dizer a verdade, penso que chegou a altura de a levardes embora.
- Embora? - repetiu ela. -Sim.
- Embora, para onde?
- Para casa de outros amigos quaisquer.
- Sua Senhoria não tomou nenhuma outra decisão - objectou ela.
- Tendes tido algumas notícias dele?
- Não, desde... - interrompeu-se. - Desde que ele a visitou em Norfolk.
Ele ergueu as sobrancelhas, à espera.
- Em Março - acrescentou ela com relutância.
- Quando ela recusou dar-lhe o divórcio e se separaram zangados.
- Sim - admitiu ela.
- E desde essa altura não haveis recebido qualquer carta? Nem ela?
- Que eu saiba, não... - ela enfrentou o seu olhar acusador. Não, não recebeu.
- A mesada dela tem sido paga?
Lizzie deu um pequeno suspiro de choque.
- É claro que sim.
- E o vosso salário?
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- Eu não recebo salário - disse ela com dignidade. - Sou uma companhia, não uma criada.
- Está bem, mas ele é que paga a vossa mesada.
- O empregado dele envia-a.
- Então, ele ainda não a pôs completamente de lado - disse ele pensativo.
- É normal, ele não escrever - disse ela com arrojo. - Muitas vezes, não vem visitá-la. Algumas vezes, no passado, durante meses...
- Ele nunca deixou de enviar os seus homens para a escoltar, quando muda da casa de um amigo, para a de outro - acrescentou ele. - Nunca se esqueceu de tratar dos preparativos, para que ela ficasse num lado ou noutro. E estais a dizer-me que ele não enviou ninguém e que não tendes notícias desde Março?
Ela concordou, assentindo com a cabeça.
- Irmã, deveis levá-la e mudar para outro local - disse ele com firmeza.
- Porquê?
- Porque ela está a transformar-se num embaraço para esta casa. Lizzie estava completamente espantada.
- Porquê? Que foi que ela fez?
- Deixando de lado a sua excessiva religiosidade, o que nos faz pensar se a sua consciência não estará pesada...
- Por amor de Deus, meu irmão, ela agarra-se a Deus como à própria vida. Ela não tem qualquer culpa na consciência, só está a tentar encontrar força para viver!
Ele levantou a mão.
- Isabel, por favor. Vamos manter-nos calmos.
- Não sei como ficar calma, quando considerais esta infeliz mulher como um embaraço para vós! Ele levantou-se.
- Não vou tolerar esta conversa, se não me prometerdes ficar calma.
Ela respirou fundo.
- Eu sei o que estais a fazer.
- O quê?
- Estais a tentar não ficar envolvido com os problemas dela. Mas ela está na mais infeliz das situações, e a vossa atitude ainda a piora.
Ele dirigiu-se para a porta como se a fosse abrir, para ela sair. Lizzie reconheceu os sinais de determinação no irmão.
- Está bem - disse ela apressadamente. - Está bem, William. Não há necessidade de serdes agreste comigo. A situação é tão má para mim quanto para vós. Pior, na verdade.
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Ele voltou para o seu lugar.
- Esquecendo a excessiva religiosidade dela, como já disse, o que me preocupa é a posição em que ela nos coloca, em relação ao marido.
Lizzie ficou à espera.
- Ela tem de ir embora - disse ele simplesmente. - Enquanto eu pensava que lhe estávamos a fazer um favor, tendo-a aqui, protegendo-a das calúnias e da troça, à espera das instruções dele, ela era um bem precioso para nós. Eu pensava que ele iria ficar contente por ela ter encontrado um abrigo seguro. Pensei que nos ficaria agradecido. Mas agora, penso de maneira diferente.
Ela levantou a cabeça para olhar para ele. Era o seu irmão mais novo e estava habituada a vê-lo de duas formas diferentes; uma, como irmão mais novo, sabendo menos da vida do que ela e outra, como seu superior, o chefe da família, um homem de posses, um patamar acima dela, na cadeia que levava até Deus.
- E qual é a vossa opinião, agora, irmão?
- Penso que ele a abandonou - disse simplesmente. - Como ela se recusou a fazer-lhe a vontade, ele ficou furioso e parece-me que nunca mais vai voltar a vê-lo. Nós não estamos a ajudá-lo a resolver um problema intrincado, estamos apenas a alimentar e a ser cúmplices da revolta dela contra ele. E eu não me posso colocar nessa situação.
- Ela é a mulher dele - disse Lizzie, secamente. - E não fez nada de errado. Ela não está a antagonizá-lo, apenas se recusa a ser posta de lado.
- Não posso fazer nada - disse William. - Ele agora vive como marido, com todos os direitos, menos no nome, da Rainha da Inglaterra. Lady Dudley é um obstáculo para a felicidade deles. Não quero ser o chefe de uma casa onde o obstáculo para a felicidade da Rainha da Inglaterra encontre refúgio.
Não havia nada que ela pudesse dizer para contrariar a lógica do irmão e ele já a proibira de apelar para os seus sentimentos.
- Mas o que deve ela fazer?
- Tem de ir para uma outra casa.
- E depois, para onde?
- Para outra, e outra e mais outra, até concordar com Sir Robert e fazer um acordo qualquer, até arranjar um local permanente para viver.
- Quereis dizer, até ser forçada a concordar com o divórcio e for enviada para um convento no estrangeiro, ou até que morra de desgosto.
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Ele suspirou.
- Irmã, não adianta fazer disto uma tragédia.
Ela enfrentou-o.
- Não estou a fazer uma tragédia. Isto é trágico.
- A culpa não é minha! - exclamou ele, subitamente impaciente. - Não vale a pena culpar-me por esta situação. Tenho de lidar com o problema, mas não fui eu quem o criou.
- De quem é a culpa, então? - perguntou ela. E ele deu a resposta mais cruel.
- Dela! E assim sendo, tem de se ir embora.
Cecil teve três reuniões com Isabel, antes de conseguir que ela o ouvisse sem o interromper ou ralhar. Nas duas primeiras, Dudley estava presente, bem como alguns dos outros homens que a serviam, e Cecil teve de baixar a cabeça enquanto ela o criticava duramente, queixando-se da pouca atenção que ele dedicava ao trabalho que ela lhe destinara, da sua negligência relativamente ao país, da falta de consideração pelo orgulho da pátria, pelos seus direitos e pelas suas finanças. Depois da primeira reunião, ele deixou de tentar defender-se, mas ficou a pensar de quem seria a voz tão aguda que saía da boca recriminadora da Rainha.
Sabia que era a de Robert Dudley. Robert Dudley, obviamente, que se mantinha de pé, afastado, junto das janelas, inclinado sobre o parapeito, a olhar para baixo, para o jardim de meados de Verão, cheirando uma caixinha com qualquer erva aromática, mantendo-a encostada ao nariz com a sua mão branca e magra. De vez em quando, mudava de posição, aspirava ligeiramente, ou pigarreava e, imediatamente, a Rainha ficava calada e voltava-se, como se quisesse dar-lhe a vez. Mesmo que Robert tivesse apenas uma ideia fugidia, ela partia do princípio que todos estariam ansiosos por o ouvir.
"Ela adora-o", pensou Cecil, mal ouvindo os detalhes das queixas da Rainha. "Está na primeira fase da paixão e ele é o seu primeiro amor de mulher adulta. Ela pensa que o sol nasce nos olhos dele, as opiniões dele são as únicas coisas sábias que consegue ouvir, a voz dele é a única que diz coisas aceitadas, o sorriso dele é o seu único prazer. Não adianta nada queixar-me, nem ficar zangado com a loucura dela. É uma jovem mulher a viver a loucura do
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seu primeiro amor e não vale a pena esperar que ela faça um julgamento sensato.
No terceiro encontro, Cecil encontrou a Rainha sozinha, apenas acompanhada por Sir Nicholas Bacon e duas damas.
- Sir Robert atrasou-se - disse ela.
- Vamos começar sem ele - sugeriu delicadamente Sir Nicholas.
- Senhor Secretário, estáveis a explicar-nos os termos do tratado e os detalhes da retirada francesa.
Cecil concordou e pousou os seus documentos à frente deles. Pela primeira vez, a Rainha não se levantou de um salto, nem se afastou da mesa para o injuriar. Manteve-se sentada e observou cuidadosamente a proposta para a retirada francesa.
Mais encorajado, Cecil repassou novamente os termos do tratado e depois recostou-se na cadeira.
- E acreditais realmente que é urna paz efectiva? - perguntou Isabel.
Por momentos, tudo correu como sempre havia corrido entre os dois. A jovem mulher pedia o conselho do homem mais velho, confiante em que ele a serviria com uma fidelidade absoluta. O homem mais velho olhava para o pequeno rosto da sua discípula e reconhecia nela inteligência e capacidade. Cecil teve a sensação de que o mundo voltava a girar sobre o seu eixo, que as estrelas regressavam ao rumo certo, que havia uma suave harmonia entre as esferas e que, finalmente, estava de regresso a casa.
- Acredito - disse ele. - Eles ficaram muito alarmados com a sublevação protestante em Paris e não querem correr mais riscos, para já. Temem a revolta dos Huguenotes e têm medo da vossa influência. Estão convencidos de que vós defendereis os protestantes, onde quer que eles estejam, como aconteceu na Escócia e pensam que os protestantes recorrerão a vós. Vão querer manter a paz, tenho a certeza. E Maria, Rainha dos Escoceses, não vai querer tomar posse da sua herança, enquanto puder viver em Paris. Vai nomear um novo regente e ordenar-lhe que actue correctamente com os Lordes escoceses, de acordo com os termos do acordo de paz. Só manterão o poder sobre a Escócia, em teoria.
- E Calais? - perguntou a Rainha, enciumada.
- Calais é, e sempre foi, um assunto à parte - disse ele com firmeza. - E nós sempre o soubemos. Mas penso que devíamos exigir a sua devolução, ao abrigo dos termos do Tratado de Cateau Cambresis, quando o prazo de posse deles caducar, como foi combinado. E é mais provável que honrem o acordo agora do que antes. Eles aprenderam a recear-nos. Nós surpreendemo-los, Vossa Graça,
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estavam convictos de que nós não seríamos suficientemente determinados. Não voltarão a rir-se de nós. De certeza que não voltarão a entrar em guerra convosco por motivos fúteis.
Ela concordou e devolveu-lhe os documentos do tratado.
- Óptimo - disse brevemente. - Jurais que foi o máximo que vos era possível conseguir?
- Fiquei feliz por ter conseguido tanto. Ela assentiu com a cabeça.
- Graças a Deus, estamos livres da sua ameaça. Não gostaria de ter de passar novamente pelo que passámos neste último ano.
- Nem eu - disse Sir Nicholas com fervor. - Foi uma grande jogada, levar-nos para a guerra, Vossa Majestade. Uma decisão brilhante.
Isabel teve a cortesia de sorrir a Cecil.
- Fui muito corajosa e muito determinada - disse ela, piscando-lhe um olho. - Não concordais, Espírito?
- Tenho a certeza de que, se a Inglaterra tiver de enfrentar um inimigo destes outra vez, vos ireis recordar desta situação - disse ele. - Tereis aprendido o que deve ser feito, se houver uma próxima vez. Haveis aprendido a agir como um rei.
- Maria nunca fez tanto - recordou-lhe ela. - Nunca teve de enfrentar a invasão de uma potência estrangeira.
- Não, de facto - concordou ele. - A coragem dela nunca foi testada como foi a vossa. E vós fostes testada, e nenhuma falha vos foi encontrada. Haveis agido como uma digna filha do vosso pai e haveis merecido a paz.
Ela levantou-se da mesa.
- Não consigo imaginar o que estará a demorar Sir Robert - queixou-se ela. - Prometeu-me que estaria aqui há uma hora. Tem uma entrega de cavalos da Barbaria e tinha de estar presente quando eles chegassem, para o caso de terem de ser devolvidos. Mas prometeu-me que viria depressa.
- Poderíamos, talvez, ir até aos estábulos, ao encontro dele? sugeriu Cecil.
- Sim - disse ela, avidamente. Tomou o braço dele e caminharam lado a lado, como tantas vezes haviam feito.
- Vamos dar um passeio pelo jardim, antes - sugeriu ele. - As rosas têm estado magníficas, este ano. Sabíeis que a Escócia está um mês atrasada, no que diz respeito às flores nos jardins?
- É assim tão fria e bárbara? - perguntou ela. - Gostava de lá ir.
- Poderíeis ir em passeio até Newcastle, num dos próximos Verões - disse ele. - Eles ficariam muito felizes por vos ver lá e seria uma boa política visitar os castelos da fronteira.
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- Gostaria de o fazer - disse Isabel. - Deveis ter esgotado os vossos cavalos, a correr constantemente entre Edimburgo e Newcastle, não é verdade?
Cecil confirmou, com a cabeça.
- Precisava de trocar impressões com o vosso tio e, ao mesmo tempo, manter Monsieur Randan debaixo de olho. Era uma viagem dura, por uma estrada péssima, especialmente na Escócia.
Ela concordou.
- E quanto a vós? - Cecil baixou a voz. As damas, que caminhavam atrás deles, encontravam-se a uma distância que não lhes permitia ouvir o que diziam e Sir Nicholas caminhava junto de Catherine Knollys. - Como tendes passado, nestes dois últimos meses?
Por momentos, pensou que ela iria evitar a pergunta com uma risada, mas ela conteve-se.
- Tive muito medo - disse ela com honestidade. - Kat temeu que a minha saúde fosse ceder, com tanta tensão.
- Era esse o meu receio - disse ele. - Mas haveis conseguido superar tudo maravilhosamente.
- Nunca o teria conseguido sem Sir Robert - disse ela. - Ele consegue sempre acalmar-me, Espírito. Tem uma voz tão maravilhosa, e as mãos dele... Parece que tem magia nas mãos... É por isso que consegue fazer o que quer com os cavalos. Mal ele coloca a mão na minha testa, sinto-me em paz.
- Estais apaixonada por ele - disse ele com suavidade. Isabel olhou rapidamente para ele, para avaliar se ele a estava
a acusar, mas ele olhava-a com grande compreensão.
- Estou - disse ela com franqueza, e sentiu um alívio por poder, finalmente, dizer a verdade ao seu conselheiro. - Sim, estou.
- E ele por vós? Ela sorriu.
- Sim, claro que sim. Imaginai a tristeza que seria, se não estivesse.
Ele calou-se e depois perguntou-lhe:
- Princesa, onde é que isso irá parar? Ele é um homem casado.
- A mulher dele está doente e pode morrer - disse Isabel. Além do mais, há anos que são infelizes. Ele diz que o casamento deles já não existe. Ela vai libertá-lo. Eu posso conceder-lhes o divórcio. Então, ele casará comigo.
"Como lidar com uma situação destas? Ela não vai aceitar um conselho sensato, só vai querer que apoiem a sua loucura. Mas se eu não falar, quem o fará?" Cecil respirou fundo.
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- Minha Rainha, Amy Dudley, Amy Robsart, de solteira, é uma jovem, não há qualquer razão para se pensar que vai morrer. Não podeis adiar o vosso casamento, à espera que uma mulher jovem morra. E não podereis, certamente, conceder-lhe o divórcio, não há motivos para que tal aconteça. Vós mesma haveis participado e dançado na sua festa de casamento, quando se casaram por amor e com a bênção dos pais. E não podeis desposar um plebeu, um homem cuja família esteve sob suspeita de traição, um homem que tem uma esposa viva.
Isabel voltou-se para ele.
- Cecil, posso, e vou fazê-lo. Já lho prometi.
"Deus meu! Que quer ela dizer com isto? Que quererá ela dizer com isto? Que significa isto?"
O rosto de Cecil não deixou trespassar o seu horror.
- Uma promessa em privado? Uma conversa de namorados? Sussurrada só entre os dois?
- Uma promessa séria de casamento. Um noivado de futuro, diante de testemunhas.
- Quem, testemunhas? - disse ele, com dificuldade. - Quais testemunhas?
"Talvez se deixassem subornar para ficar em silêncio. Talvez pudessem vir a ser desacreditadas, ou exiladas."
- Catherine e Francis Knollys. O choque fê-lo emudecer.
Continuaram a caminhar sem trocar uma palavra. Ele sentiu que as pernas ficavam sem força, com o horror do que ela dissera. Ele falhara, não a tinha protegido. Ela estava presa numa armadilha, e o país juntamente com ela.
- Estais zangado comigo - disse ela com voz débil. - Credes que cometi um erro terrível, enquanto não estáveis aqui para me impedir.
- Estou horrorizado.
- Espírito, foi mais forte do que eu. Vós não estáveis aqui e eu pensei que a qualquer momento os Franceses nos iriam invadir. Julgava que já tinha perdido o trono. Não tinha nada a perder. Queria ter a certeza de que, pelo menos, o tinha a ele.
- Princesa, isto é um desastre pior do que uma invasão francesa - disse ele. - Se os Franceses nos tivessem invadido, todos os homens deste país teriam colocado a sua vida à vossa disposição. Mas se soubessem que vos tínheis comprometido em casamento com Sir Robert, iriam colocar Katherine Grey no trono, em vosso lugar.
Estavam a aproximar-se dos estábulos.
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- Continuemos a caminhar - disse ela, muito depressa. - Não me atrevo a encará-lo agora. Ele vai perceber que vos contei.
- Ele disse-vos para não confiar em mim?
- Não foi preciso! Todos sabemos que me iríeis aconselhar contra ele.
Cecil levou-a por outro caminho, em direcção ao jardim. Conseguia perceber que ela estava a tremer.
- O povo da Inglaterra nunca se voltaria contra mim, só por me ter apaixonado.
- Princesa, não vão aceitá-lo como vosso marido, nem como vosso consorte. Lamento, mas o melhor que podeis fazer, agora, é escolher o vosso sucessor. Sereis forçada a abdicar, tereis de desistir do vosso trono.
Sentiu-a cambalear, porque os seus joelhos estavam a ceder.
- Quereis sentar-vos?
- Não, vamos andar, vamos andar - disse Isabel febrilmente. Não estais a dizer a verdade, Espírito, pois não? Só quereis assustar-me.
Ele abanou a cabeça.
- Limito-me a dizer-vos a verdade.
- Ele não é assim tão odiado no país? Há apenas algumas pessoas na corte que lhe desejam mal. O meu tio, claro, e o Duque de Arundel, os que têm inveja dele e da sua beleza, os que querem os favores que lhe concedo, os que querem a sua fortuna, a posição dele...
- Não é isso - disse Cecil preocupado. - Escutai o que vos digo, Isabel, porque estou a dizer-vos a verdade. Não se trata de um caso de inveja da corte, é uma opinião que está muito enraizada no país. O problema é a família dele, a sua posição e o seu passado. O pai foi executado por traição contra a vossa irmã, o avô foi executado por traição contra o vosso pai. Ele tem mau sangue. Princesa, a família dele foi sempre traidora para com a vossa. Todos recordam que, quando os Dudley chegam a uma posição elevada, abusam do seu poder. Ninguém alguma vez confiaria uma posição importante a um Dudley. E todos sabem que ele é um homem casado, e ninguém ouviu dizer fosse o que fosse contra a mulher dele. Ele não pode pô-la simplesmente de lado, seria um escândalo insuportável. As outras cortes da Europa já troçam de vós, dizendo que este vosso amor adúltero pelo Estribeiro-Mor é vergonhoso.
Ele viu que ela corava, só de pensar no assunto.
- Deveis casar com um rei, princesa. Ou, no mínimo, um arquiduque, alguém com bom sangue que vos traga uma aliança que
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possa ajudar este país. Não podeis casar com um plebeu que nada tem que o recomende, além da sua beleza e a habilidade para lidar com cavalos. O país nunca o aceitará como vosso consorte. Eu sei-o.
- Vós odiai-lo - disse ela com ferocidade. - Sois tão maldoso com ele como todos os outros.
"Inveteradamente", reconheceu Cecil, para consigo mesmo. Mas dirigiu-lhe o seu sorriso mais gentil.
- O que eu sinto por ele não teria qualquer importância, se fosse o homem certo para vós - disse ele com gentileza. - Penso que teria o bom senso de vos aconselhar no vosso melhor interesse, independentemente das minhas preferências. E, na verdade, eu não o odeio; até gosto bastante dele. Mas já há muito que receio a vossa preferência por ele. Tenho receado que as coisas chegassem a um ponto crítico, mas nunca sonhei que ele levasse isto tão longe.
Isabel virou a cabeça para o outro lado e ele reparou que ela estava a começar a arrancar as peles das unhas.
- Foi mais longe do que eu tencionava - disse ela muito baixinho. - Eu não estava a pensar com clareza e fui em frente...
- Se fordes capaz de escapar à vossa promessa de noivado agora, a vossa reputação poderá ficar manchada, mas será possível recuperar, se desistirdes dele e resolverdes casar com outra pessoa. Mas se prosseguirdes, o povo preferirá tirar-vos do trono, a ter de dobrar o joelho diante dele.
- A Maria tinha Filipe, e o povo odiava-o - explodiu ela.
- Mas ele tinha sido sagrado rei! - exclamou Cecil. - Podiam odiá-lo, mas não podiam pôr objecções à sua genealogia. E Filipe tinha um exército para o apoiar, era o herdeiro do império da Espanha. O que é que Dudley tem? Meia dúzia de empregados e os caçadores! Que poderão eles fazer, quando rebentar a primeira rebelião?
- Eu dei a minha palavra de honra - murmurou ela. - Diante de Deus e de testemunhas nobres.
- Tereis de a retirar - disse simplesmente. - Ou, então, este acordo de paz não significará nada, pois vós só tereis conseguido paz para a Inglaterra e para a Rainha Katherine Grey.
- Katherine, rainha? - repetiu ela furiosa. - Nunca!
- Princesa, há pelo menos duas conspirações para a colocar no trono, no vosso lugar. Ela é protestante, como a irmã, Jane, todos gostam dela, é uma Tudor.
- Ela tem conhecimento disto? Está a preparar algo contra mim? Ele abanou a cabeça.
- Eu já a teria mandado prender, se considerasse que havia algum problema, por mínimo que fosse, em relação à sua lealdade.
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Só estou a mencioná-la agora, para que saibais que há pessoas que seriam capazes de vos afastar, já, do trono. Quando tomarem conhecimento desta promessa, recrutarão muitas mais. :
- vou manter tudo em segredo - disse ela.
- Terá de ser mais do que um segredo, esta promessa terá de ser quebrada e escondida. Tendes de a retirar. Nunca podereis casar com ele, e ele sabe disso. Tendes de lhe dizer que haveis recuperado o bom senso e que também haveis chegado a essa conclusão. Ele tem de vos libertar da promessa.
- Não seria boa ideia escrever ao Sr. Forster? - sugeriu Lizzie Oddingsell a Amy, tentando manter um tom despreocupado e impessoal. - Podíamos ir embora e passar algumas semanas em Cumnor Place.
- Cumnor Place?
Amy ficou surpreendida. Estava sentada no banco da janela, para apanhar os últimos momentos de luz, costurando uma pequena camisa para tom Hyde.
- Sim - disse Lizzie com firmeza. - Nós fomos para casa deles por esta altura, no ano passado, e até ao fim do Verão, antes de seguirmos para Chislehurst.
A cabeça de Amy ergueu-se muito lentamente.
- Ainda não chegaram notícias do meu marido? - perguntou ela, com absoluta certeza de que a resposta seria negativa. - O Sr. Hyde não recebeu nenhuma carta do meu marido, referente a mim?
- Não - disse Lizzie desajeitadamente. - Lamento muito, Amy. Amy inclinou de novo a cabeça para o seu trabalho.
- O vosso irmão falou convosco? Ele quer que nos vamos embora?
- Não, não - disse Lizzie apressadamente. - Eu só pensei que os vossos outros amigos iriam ficar com inveja, se não vos virem. E depois, podíamos talvez ir visitar os Scott, em Camberwell? Decerto gostaríeis de ir fazer compras a Londres, penso eu!
- Achei que ele estava a ser um pouco frio comigo - disse Amy.
- Estava com receio de que quisesse que nos fôssemos embora.
- De maneira nenhuma! - exclamou Lizzie, apercebendo-se do exagero na sua voz. - São apenas ideias minhas. Cuidei que poderíeis estar cansada deste lugar e querer mudar para outro sítio. É só isso!
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- Ah! Não - disse Amy com um ligeiro sorriso inexpressivo. Não estou cansada de estar aqui, e gosto deste lugar, Lizzie. Vamos ficar por mais algum tempo.
- Que tendes estado a fazer durante toda a tarde? - perguntou Sir Robert, intimamente a Isabel, enquanto jantavam na privacidade dos aposentos dela. - Voltei para a sala de reuniões, mal acabei de verificar os cavalos, mas não esperastes por mim. Disseram-me que havíeis ido passear com Cecil no jardim. Mas quando cheguei ao jardim não vos vi em parte nenhuma e quando voltei aos vossos aposentos, fui informado de que não vos deveria incomodar.
- Estava cansada - disse ela em poucas palavras. - Estive a descansar.
Ele observou o rosto dela ao pormenor, notando as olheiras sob os seus olhos, as pálpebras vermelhas.
- Ele disse alguma coisa que vos incomodou? Ela abanou a cabeça.
- Não.
- Zangaste-vos com ele por causa do seu falhanço na Escócia?
- Não. Isso já está ultrapassado. Não podemos conseguir mais do que ele já conseguiu.
- Uma grande vantagem, desperdiçada - insinuou ele. "- Sim - disse em poucas palavras. - Talvez.
O sorriso dele era impenetrável.
"Ele conseguiu persuadi-la a ficar novamente sob a sua influência", pensou Robert. "Ela é mesmo maleável, não tem cura." Em voz alta, disse:
- Sou capaz de jurar que algo está errado, Isabel. Que se passa? Ela virou para ele os seus olhos tristes.
- Não posso falar agora.
Não teve necessidade de apontar para o pequeno círculo de cortesãos que jantavam com eles, que, como sempre, estavam constantemente a observar o que eles diziam ou faziam.
- Falarei convosco mais tarde, quando estivermos a sós.
- com certeza - disse ele, sorrindo-lhe meigamente. - Então, vamos tratar de vos divertir. Quereis jogar às cartas? Ou fazer um jogo? Ou quereis dançar?
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- Cartas - disse ela.
"Pelo menos, um jogo de cartas iria impedir a conversa", pensou ela.
Robert esperou por Isabel no seu quarto, com Tamworth, o seu criado particular, de guarda, do lado de fora, o vinho nos copos e a lareira carregada de novo com aromática madeira de macieira. A porta que dava para o quarto dela abriu-se e ela entrou, mas sem o seu habitual passo apressado, nem com a face iluminada pelo desejo. Esta noite, ela estava um pouco hesitante, quase como se preferisse estar noutro local.
"Pelos vistos, fez as pazes com Cecil", pensou ele. "E ele avisou-a contra mim, como sabia que o faria, mal voltassem a ficar amigos. Mas nós somos praticamente casados. Ela é minha."
- Em voz alta disse:
- Meu amor. Parecia que este dia nunca mais acabava - e tomou-a nos braços.
Robert sentiu-a hesitar ligeiramente, antes de se abraçar a ele e acariciou-lhe as costas, beijando-lhe carinhosamente o cabelo.
- Meu amor - disse ele. - Meu grande e único amor.
Ele soltou-a antes que ela se afastasse e levou-a pela mão até uma cadeira junto da lareira.
- Cá estamos nós - disse ele. - Finalmente a sós. Quereis um copo de vinho, minha querida?
- Sim - disse ela.
Ele entregou-lhe o vinho e acariciou-lhe os dedos, na altura em que ela pegou no copo. Reparou no modo como ela olhava para o fogo e não para ele.
- Tenho a certeza de que se passa qualquer coisa - disse ele.
- Algum problema entre nós? Alguma coisa que eu tenha feito que vos tenha ofendido?
Isabel olhou imediatamente para ele.
- Não! Nunca! Vós sois sempre...
- Então, o que se passa, meu amor? Dizei-me e poderemos enfrentar juntos qualquer dificuldade que haja.
Ela abanou a cabeça.
- Não se passa nada. Só que vos amo tanto, que tenho estado a pensar que não iria suportar se vos perdesse.
Robert pousou o copo e ajoelhou-se aos pés dela.
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- Não ireis perder-me - disse simplesmente. - Eu sou vosso, de alma e coração. Eu prometi-me a vós.
- Se durante muito tempo não nos pudéssemos casar, ainda continuaríeis a amar-me? - disse ela. - Seríeis capaz de esperar por mim?
- E porque não tornamos o nosso compromisso imediatamente público? - perguntou ele, indo ao centro da questão.
- Oh! - ela fez um gesto com a mão. - Vós sabeis, milhares de razões. Talvez nenhuma delas seja importante. Mas se não nos fosse possível, esperaríeis por mim? Continuaríeis a ser-me fiel? Continuaria tudo a ser como agora?
- Eu esperaria por vós e ser-vos-ia fiel - prometeu-lhe ele. Mas não poderíamos continuar a agir assim. Alguém acabaria por descobrir e falar. E eu não poderia continuar a amar-vos e estar ao vosso lado, nem teria a possibilidade de vos ajudar, quando tivésseis medo ou vos sentísseis só. Tenho de ter a possibilidade de vos poder segurar na mão diante de toda a corte e dizer que sois minha e eu sou vosso, que os vossos inimigos são meus inimigos, e que os irei derrotar.
- Mas, se tivéssemos de esperar, seria possível? - insistiu ela.
- E porque teríamos de esperar? Não merecemos já a nossa felicidade? Ambos estivemos na Torre, a pensar que iríamos enfrentar o cepo no dia seguinte? Será que ainda não merecemos ter um pouco de alegria?
- Claro que sim - disse ela apressadamente. - Mas Cecil diz que há muitas pessoas que dizem mal de vós, que conspiram contra mim, mesmo agora. Temos de fazer com que o país vos aceite. E isso pode levar algum tempo, só isso.
- Ah, e o que é que Cecil sabe? - perguntou Robert descuidadamente. - Ele acabou de chegar de Edimburgo. Os meus informadores dizem-me que o povo vos adora e que, com o tempo, acabarão por me aceitar.
- Sim - disse Isabel. - com o tempo. Por isso, teremos de esperar um bocadinho.
Ele chegou à conclusão de que era perigoso argumentar.
- Para sempre, se quiserdes - disse ele a sorrir. - Durante séculos, se for esse o vosso desejo. Dir-me-eis quando quiserdes anunciar o nosso noivado e, até lá, esse será um segredo só nosso.
- Eu não quero renunciar à nossa promessa - disse ela apressadamente. - Não a quero quebrar.
- Não a podeis quebrar - disse ele simplesmente. - Nem eu. É indissolúvel. É uma união legal, uma promessa sagrada feita
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diante de Deus e de testemunhas. Aos olhos de Deus, somos marido e mulher e ninguém nos pode separar.
Chegou uma carta para Amy, do amigo e cliente de Robert, Sr. Forster, de Cumnor Place, convidando-a a ficar em sua casa durante o mês de Setembro. Lizzie Oddingsell leu-a em voz alta a Amy, que não fez qualquer esforço para entender a situação.
- Seria melhor escrever-lhe e dizer que terei muito gosto em ficar com eles - disse Amy com frieza. - Ireis comigo ou ficareis aqui?
- Por que razão não haveria de ir convosco? - perguntou Lizzie, chocada.
- Poderíeis querer deixar de trabalhar para mim - disse Amy, afastando o olhar da sua amiga. - Poderíeis pensar, como acontece claramente com o vosso irmão, que há uma nuvem a pairar por cima de mim e que seria melhor para vós não estardes associada a mim.
- O meu irmão nunca disse uma coisa dessas - mentiu Lizzie com convicção. - E eu nunca vos abandonaria.
- Eu já não sou o que era - disse Amy. A frieza desaparecera num instante da sua voz, deixando apenas um débil fio de som. Já não gozo do favor do meu marido. O vosso irmão já não tem qualquer vantagem em me ter aqui, e a minha visita não será uma honra para Cumnor Place. Compreendo que tenho de procurar pessoas que me aceitem, apesar da falta de apoio do meu marido. Já não sou um bem valioso.
Lizzie não respondeu. Esta carta de Anthony Forster era uma resposta relutante ao pedido para que Amy pudesse ficar com eles durante todo o Outono. Os Scott de Camberwell, primos de Amy, tinham respondido que, infelizmente, estariam ausentes durante o mês de Novembro. Tornava-se claro que os hospedeiros de Amy, incluindo os da sua própria família, já não a queriam em suas casas.
- Anthony Forster sempre vos admirou - disse Lizzie. - E o meu irmão e Alice diziam, um dia destes, que era um prazer ver-vos a brincar com o tom. Aqui, sois considerada uma pessoa da família.
Amy gostaria de combater o seu cepticismo e acreditar piamente na sua amiga.
- A sério? Eles disseram isso?
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- Sim - disse Lizzie. - Disseram que ele se tinha afeiçoado a vós, como a mais ninguém.
- Nesse caso, não poderei ficar aqui? - perguntou com simplicidade. - Preferia ficar aqui do que ir para outro lugar. Gostaria mais de continuar aqui, do que voltar para casa, para Stanfield, no Natal. Eu poderia pagar as minhas despesas, sabeis, se o vosso irmão nos deixasse cá ficar.
Lizzie ficou calada.
- Já que o Sr. Forster foi tão amável em convidar-nos, devemos, certamente, ir para lá - disse ela sem grande convicção. - Não quereríeis que ele se sentisse ofendido.
- Oh, vamos então, mas só por uma semana ou pouco mais disse Amy. - E depois voltamos para cá.
- Não pode ser - insistiu Lizzie. - Não gostaríeis, certamente, de parecer indelicada. Vamos passar o mês inteiro em Cumnor Place.
Por momentos, convenceu-se de que a sua mentira tinha funcionado, mas Amy calou-se, como se toda a conversa tivesse sido mantida numa língua estrangeira e só agora se tivesse, subitamente, apercebido do seu significado.
- Oh, o vosso irmão quer que eu me vá embora, não é? - disse ela lentamente. - Não querem que eu volte em Outubro. Não querem que eu volte para cá durante algum tempo, na verdade, talvez nunca mais. É o que eu pensava, e tudo isto foi uma mentira. O vosso irmão não quer que eu fique. Ninguém vai querer que eu fique.
- Bem, pelo menos, o Sr. Forster quer - disse Lizzie com valentia.
- Escrevestes-lhe a perguntar se podíamos ir para lá? Oiolhar de Lizzie desviou-se para o chão.
- Escrevi - admitiu. - Ou vamos para lá, ou para Stanfield, não há outra escolha.
- Vamos para lá, então - disse Amy baixinho. - No ano passado, ele ficou muito honrado com a minha companhia e pressionou-me para que ficasse mais tempo, para além daqueles poucos dias. Agora, só me tolera durante um mês.
Isabel, que antes agarrava qualquer oportunidade para ficar a sós com Robert, andava agora a evitá-lo, e a inventar motivos para ficar com William Cecil. No último momento, desistira de um dia de
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caça, alegando que a cabeça lhe doía demasiado para poder montar e ficou a observar a corte a partir, comandada por Robert. Laetitia Knollys estava ao lado dele, mas Isabel deixou-o ir. Quando voltou para os seus aposentos, Cecil esperava-a.
- Ele diz que vai esperar - disse ela, de pé junto da janela do Castelo de Winclsor, para o ver mais uma vez, na altura em que o grupo de caça descia a colina bastante inclinada, em direcção à cidade e aos pântanos que ficavam à beira do rio. - Diz que não se importa que o nosso noivado não seja anunciado. Podemos esperar pelo momento certo.
- Tendes de quebrar o juramento - disse Cecil. Ela voltou-se para ele.
- Não posso, Espírito. Não me arrisco a perdê-lo. Perdê-lo, seria pior que a morte, para mim.
- Seríeis capaz de abandonar o trono, por causa dele?
- Não! - exclamou ela com paixão. - Não o faria por homem nenhum. Não o faria por nada. Nunca.
- Nesse caso, tendes de desistir dele - respondeu.
- Não posso faltar à minha palavra .para com ele. Não quero que pense que sou desleal.
- Então, ele terá de vos libertar - disse Cecil. - Ele sabe, de certeza, que nunca deveria ter feito uma promessa destas. Não era livre para a fazer, ainda estava casado. É um bígamo.
- Ele nunca me irá libertar - disse ela.
- Não, enquanto acreditar que existe a hipótese de ficar convosco - concordou Cecil. - Mas o que aconteceria, se ele chegasse
. à conclusão de que é impossível? E se ele pensasse que poderia perder o lugar que tem na corte? Se tivesse de escolher entre nunca mais vos ver e ter de viver desonrado, no exílio, ou desistir de vós, e continuar a ser o que era, antes da promessa?
- Nesse caso, talvez concordasse - anuiu Isabel, com relutância. - Mas eu não sou capaz de lhe fazer uma ameaça dessas, Espírito. Nem sequer tenho coragem para lhe pedir que me liberte. Não suporto a ideia de o fazer sofrer. Não sabeis o que é o amor? Não posso rejeitá-lo, preferia cortar a minha mão direita do que fazê-lo sofrer.
- Acredito - disse ele sem se deixar impressionar. - Estou a ver que é ele que tem de o fazer, como se fosse a sua livre escolha.
- Ele sente o mesmo, em relação a mim! - exclamou ela. Nunca seria capaz de me abandonar.
- Mas não cortaria a mão direita por vossa causa! - disse Cecil, seguro do que afirmava.
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Ela calou-se.
- Tendes um plano? Estais a planear uma forma de eu poder ficar livre?
- Obviamente - disse ele apenas. - Perdereis o trono, se escapar para o exterior alguma notícia sobre este louco noivado. Tenho de pensar numa maneira de vos salvar e depois teremos de fazer o que for preciso, Isabel, custe o que custar.
- Não trairei o meu amor por ele - disse Isabel. - Ele -não o pode ouvir da minha boca. Tudo menos isso. Preferia morrer, a pensar que ele me considerava desleal.
- Eu sei - disse Cecil preocupado. - Eu sei. Seja como for, terá de ser por decisão dele e por opção sua.
Amy e Lizzie Oddingsell viajaram através da paisagem campestre, aberta e extensa do Oxfordshire, desde Denchworth até Cumnor. O terreno elevado era agreste e tinha poucas árvores, belo num dia de Verão, com rebanhos de ovelhas guardados por crianças distraídas que gritavam para os viajantes e se aproximavam aos saltos, como cabritos, para ver as damas passar.
Amy não sorriu para elas, nem lhes acenou, e nem sequer lhes deu os pequenos trocos que trazia na carteira. Parecia não dar por eles. Pela primeira vez na sua vida, viajava sem uma escolta de criados de libré, à sua volta, pela primeira vez, em muitos anos, viajava sem o estandarte dos Dudley, com o urso e o tronco tosco, transportado à sua frente. Ela cavalgava com as rédeas frouxas, olhando em volta, sem ver nada. E o seu cavalo seguia de cabeça baixa, caminhando monotonamente, como se o diminuto peso de Amy fosse uma pesada carga.
- Pelo menos, os campos têm um ar alegre - disse Lizzie animada.
Amy olhou em volta, desinteressada.
- Oh, sim - disse ela.
- A colheita deve ser boa!
- Sim.
Lizzie tinha escrito a Sir Robert, clizendo-lhe que a mulher dele se ia mudar de Abingdon para Cumnor, mas não recebeu qualquer resposta. O capataz dele não enviou dinheiro para pagarem as dívidas ou para darem uma gorjeta ao pessoal de Abingdon e não deu
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qualquer informação sobre a escolta que as deveria acompanhar. No fim, foram escoltadas pelos homens do irmão de Lizzie e uma pequena carroça seguiu atrás, com os pertences das duas. Quando Amy saiu da casa, numa manhã de sol radioso, calçou as luvas de montar, reparou no pequeno grupo de cavaleiros e compreendeu que, dali em diante, passaria a viajar como um vulgar cidadão. O estandarte dos Dudley não iria anunciá-la como esposa de um dos grandes da Inglaterra, a libré dos Dudley já não estava lá para avisar as pessoas de que deviam sair da estrada, tirar os barretes e dobrar o joelho. Amy não era mais do que a Menina Amy Robsart menos até do que Menina Amy Robsart, pois nem sequer era uma mulher solteira que pudesse casar com qualquer um, uma mulher com um projecto de futuro; agora, ela representava a forma mais inferior da vida de uma mulher, era uma mulher que tinha casado com o homem errado.
O pequeno tom agarrou-se à saia dela e pediu que lhe pegasse ao colo.
- Mi-mi! - recordou-lhe ele. Amy olhou para baixo, para ele.
- Tenho de me despedir de ti - disse ela. - Não creio que me deixem voltar a ver-te.
Ele não compreendeu as palavras dela, mas sentiu a sua tristeza, presente como uma sombra.
- Mi-mi!
Ela baixou-se rapidamente, beijou a sua cabeça quente e sedosa e sentiu-lhe o doce cheiro de criança e, então, levantou-se e dirigiuse apressadamente para o cavalo, antes que ele começasse a chorar.
Estava um belo dia de Verão e a cavalgada através do coração da Inglaterra era maravilhosa, mas Amy não reparou em nada. Uma cotovia saiu do milheiral, à sua direita, e subiu cada vez mais alto, as asas a bater ao som dos seus chilreies, mas Amy não ouviu nada. Foram subindo lentamente as verdes colinas que ficavam nas encostas do monte e depois desceram, em direcção aos vales cheios de bosques a aos férteis campos agrícolas do fundo do vale e, mesmo assim, Amy não viu nada, nem reparou em coisa nenhuma.
- Sentis dores? - perguntou-lhe Lizzie, reparando na face pálida de Amy, quando ela levantou o véu do seu chapéu de montar, ao pararem para beber água, junto de um ribeiro.
- Sim - disse apenas, Amy.
- Estais doente? Podeis cavalgar? - perguntou Lizzie alarmada.
- Não, é o mesmo de sempre - disse Amy. - Terei de me habituar.
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Devagar, o pequeno cortejo foi bordejando os campos dos arredores de Cumnor, até que entraram na aldeia, assarapantando grupos de galinhas e dando origem a que os cães começassem a ladrar. Passaram pela igreja, com a sua alta torre quadrada em pedra, erigida no alto de uma pequena colina rodeada por grossas árvores de teixo escuro. Amy passou, sem olhar, pela bandeira de Isabel, suspensa do mastro colocado no topo da torre e atravessou as ruas enlameadas da aldeia que serpenteavam pelo meio de casas escuras, cobertas de colmo.
Cumnor Place fora construída ao longo do adro da igreja, mas a pequena comitiva deu a volta à elevada parede feita com blocos de pedra calcária, para se dirigir à casa, através da entrada principal, em arco. O caminho conduziu-os a uma alameda de teixos e Amy estremeceu ao reparar na sombra que eles lançavam sobre o caminho ensolarado.
- Estamos quase a chegar - disse Lizzie alegremente, pensando que Amy devia estar cansada.
- Eu sei.
Um novo arco bastante alto, embutido nas espessas paredes de pedra, conduziu-as ao pátio e ao centro principal da casa. A Sr.a Forster, tendo ouvido os cavalos, saiu pelo vestíbulo principal, no lado direito do pátio, para as cumprimentar.
- Ora, já cá chegaram! - exclamou ela. - Chegaram depressa! Devem ter feito a viagem sem problemas.
- Foi fácil - disse Lizzie, ao ver que Amy não respondia, mantendo-se sentada em cima do cavalo, sem se mover. - Mas tenho a impressão que Lady Dudley está muito cansada.
-Estais, Vossa Senhoria? - perguntou a senhora Forster, preocupada.
Amy ergueu o véu do chapéu.
- Oh, estais tão pálida. Vinde, descei do cavalo e podereis descansar - disse a senhora Forster.
Um criado aproximou-se e Amy deixou-se escorregar pelo lado do cavalo, num salto desajeitado. A senhora Forster segurou-lhe na mão e conduziu-a ao salão principal, onde ardia o fogo, numa enorme lareira de pedra.
- Quereis um copo de cerveja? - perguntou ela solícita.
- Obrigada - disse Amy.
A senhora Forster insistiu para que ela se sentasse numa grande cadeira de madeira, junto da lareira e mandou um criado ir, a correr, buscar cerveja e copos. Lizzie Oddingsell entrou na sala e sentou-se ao lado de Amy.
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- Ora pronto, cá estamos nós! - exclamou a senhora Forster. Estava consciente da dificuldade da sua situação. Não poderia pedir informações acerca do que se passava na corte, quando as únicas novidades que se conheciam diziam que o comportamento da Rainha em relação ao marido daquela pálida rapariga se estava a tornar cada dia mais escandaloso. Todo o país já sabia que Robert Dudley se comportava como um futuro rei e que Isabel não queria saber de mais ninguém, enfeitiçada pelo encanto do seu Estribeiro-Mor, de cabelo preto.
- Parece que o tempo, por aqui, se vai manter bom - disse a senhora Forster, na falta de qualquer outro assunto.
- De facto, está bastante calor - concordou Lizzie. - Mas o milho, nos campos, está com muito bom aspecto.
- Oh, não percebo nada disso - disse a senhora Forster muito depressa, enfatizando a sua posição social, como rica proprietária de uma bela casa. - Sabeis, não percebo nada de agricultura.
- A colheita deve ser boa - observou Amy. - E parece-me que vamos ficar muito contentes com o pão que teremos para comer.
- Sim, de facto.
A chegada do pajem quebrou aquele silêncio embaraçoso.
- A Sr.a Owen também está cá connosco - disse-lhes a senhora Forster. - É a mãe do nosso senhorio, o Sr. William Owen. Penso que o vosso marido... - calou-se atrapalhada. - Penso que Sr. Owen é muito conhecido na corte - disse ela desajeitadamente. - Talvez o conheçais, Lady Dudley?
- O meu marido conhece-o muito bem - disse Amy sem embaraço. - E sei que tem muita consideração por ele.
- Então, a mãe dele honrou-nos com uma longa visita - continuou a senhora Forster, voltando ao assunto. - Ireis encontrá-la ao jantar, bem como ao senhor Forster. Ele saiu hoje a cavalo, para visitar uns vizinhos nossos. E recomendou-me que vos recebesse especialmente bem.
- É muito amável - disse Amy vagamente. - Agora, gostaria de descansar um pouco.
- Certamente - a senhora Forster levantou-se. - O vosso quarto fica mesmo por cima do salão da entrada, virado para o caminho.
Amy hesitou, pois estava habituada a ficar no quarto melhor, no outro lado do edifício.
- Eu vou-vos mostrar - disse a senhora Forster, caminhando à frente, para indicar o caminho. Saíram do salão, através da dupla arcada, atravessaram a despensa de chão lajeado, até chegarem às escadas de pedra e em caracol.
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- Aqui estamos e a Sr.a Oddingsell fica aqui ao lado - disse ela, apontando para as duas portas de madeira.
- Parece estranho, pensar que isto era um mosteiro, há apenas cinquenta anos - disse Amy, parando junto de uma das mísulas que representava um pequeno querubim feito de madeira escura que se tornara clara, por ter sido tantas vezes tocada. - Este pequeno anjo pode ter ajudado alguém nas suas orações.
- Graças a Deus que nos livrámos das superstições papistas disse a senhora Forster com fervor.
- Amém! - disse Lizzie, delicadamente.
Amy não respondeu, mas tocou na face do pequeno anjo, abriu a pesada porta de madeira do seu quarto e entrou. Elas esperaram até que a porta se fechasse.
- Ela está tão pálida. Está doente? - perguntou a senhora Forster. Voltaram-se e seguiram para o quarto de Lizzie Oddingsell.
- Está muito cansada - disse Lizzie. - E quase não come. Queixa-se de uma dor no peito, mas diz que é do desgosto. Está a aceitar muito mal tudo isto.
- Ouvi dizer que ela tinha gangrena no peito.
- Ela está sempre com dores, mas não há qualquer inchaço. É mais um rumor vindo de Londres, como todos os outros.
A senhora Forster apertou os lábios e abanou a cabeça, condenando os rumores vindos de Londres, que cada dia se tornavam mais insensatos e mais detalhados.
- Bem, que Deus a proteja - disse a senhora Forster. - Tive um trabalho medonho para conseguir que o meu marido a aceitasse cá. De todos os homens que há no mundo, achei que ele seria um dos poucos a ter dó dela, mas ele disse-me, cara a cara, que a sua vida não valia assim tanto e que agora não se podia dar ao luxo de ofender Sir Robert Dudley. Neste momento, é-lhe muitíssimo mais importante estar nas boas graças de Sua Senhoria, já que ele está a subir de importância, como toda a gente diz.
- E o que é que dizem? - insinuou Lizzie. - Até onde é que ele pode chegar?
- Dizem que vai ser rei consorte - disse simplesmente a senhora Forster. - Dizem que ele já se casou com a Rainha em segredo e que será coroado no Natal. E ela, pobre senhora, será esquecida.
- Sim, mas esquecida onde? - perguntou Lizzie. - O meu irmão não volta a recebê-la em sua casa e ela não pode viver em Stanfield Hall durante todo o ano, aquilo pouco mais é do que uma quinta. Além do mais, não sei se as portas de lá estão abertas para ela. Se a família dela não a aceitar, para onde vai? Que é que ela pode fazer?
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- Parece que não vai ter capacidade para sobreviver a isto tudo
- disse a senhora Forster friamente. - E aí haverá uma solução para os problemas de Sua Senhoria. Devemos chamar um médico para a examinar?
- É melhor - disse Lizzie. - Não tenho dúvidas de que ela está doente de desgosto, mas talvez um médico lhe possa receitar qualquer coisa que, pelo menos, a faça voltar a comer e a dormir, e a parar com este choro permanente.
- Ela chora?
A própria voz de Lizzie tremeu.
- Ela engole as lágrimas durante o dia, mas se escutardes à porta do quarto dela, durante a noite, podereis ouvi-la. Ela chora durante o sono. As lágrimas correm-lhe pela cara abaixo, durante a noite inteira e ela chama por ele. Murmura o nome dele durante o sono. Está sempre a repetir: Meu senhor?
Cecil e Isabel estavam no roseiral, em Windsor, com as damas da corte, quando Robert Dudley se veio juntar a eles, acompanhado pelo embaixador espanhol.
Isabel sorriu e estendeu a mão ao embaixador, para que ele a beijasse.
- Esta é uma visita de cortesia ou de negócios? - perguntou ela.
- Agora, dedico-me ao lazer - disse ele com o seu forte sotaque. - Já tratei dos meus negócios com Sir Robert e posso passar o resto do tempo a desfrutar da vossa companhia.
Isabel ergueu as suas sobrancelhas desenhadas a lápis.
- Negócios? - perguntou ela a Robert. Ele confirmou, acenando com a cabeça.
- Está tudo preparado. Eu estava a dizer ao embaixador espanhol que íamos ter um torneio de ténis, esta tarde, e ele gostaria muito de assistir.
- É apenas um jogo sem importância - disse Isabel, não se atrevendo a olhar para Cecil. - Alguns dos jovens da corte formaram equipas, os Homens da Rainha e os Ciganos.
Houve um burburinho de gargalhadas, das damas, ao ouvirem os dois nomes.
O embaixador espanhol sorriu, olhando de um para o outro.
- E quem são os Ciganos? - perguntou.
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- É uma irreverência para com Sir Robert - disse a Rainha. É uma alcunha que lhe puseram.
- Nunca a usaram à minha frente - disse Sir Robert.
- É um insulto? - perguntou o espanhol, mais formal.
- Uma brincadeira - disse Robert. - Nem todos apreciam a cor da minha pele. Acham que sou demasiado moreno para um inglês.
Isabel soltou um pequeno suspiro de desejo, que não deixou dúvidas a ninguém. Todos o ouviram e Dudley voltou-se para ela com um sorriso cúmplice.
- Felizmente, nem toda a gente me despreza por causa da minha pele escura e dos meus olhos negros - disse ele.
- Estão a treinar agora - Isabel não conseguia afastar os olhos da curva dos lábios dele.
- Vamos ver? - interveio Cecil. Afastou o embaixador e o resto da corte foi atrás deles. Lentamente, Dudley ofereceu o braço a Isabel e ela colocou a mão na manga dele.
- Pareceis estar nas nuvens - disse-lhe ele baixinho.
- E estou - disse ela. - Vós sabeis.
- Pois sei.
Deram alguns passos em silêncio.
- O que queria o embaixador? - perguntou ela.
- Estava a queixar-se por o ouro espanhol estar a ser enviado para fora da Holanda pelos nossos mercadores - disse Dudley. É ilegal retirar as barras de ouro do país.
- Eu sei disso - respondeu ela. - Mas não sei quem seria capaz de fazer uma coisa dessas.
Calmamente, ele ignorou a rapidez da mentira dela.
- Um inspector mais diligente revistou um dos nossos barcos e descobriu que o manifesto de carga tinha sido forjado. Confiscaram o ouro e deixaram seguir o navio e o embaixador espanhol veio fazer uma queixa formal.
- Ele tem intenção de a apresentar ao Conselho Privado? - perguntou ela alarmada. - Se descobrirem que estamos a transportar ouro, ficarão a saber que é para cunhar novas moedas. Haverá uma corrida contra a moeda antiga. Tenho de falar com Cecil, temos de manter tudo em segredo.
Começou a afastar-se, mas Robert reteve-a pela mão, obrigando-a a voltar para trás.
- Não, é óbvio que ele não pode encontrar-se com o Conselho Privado - disse Robert, decidido. - Tem de se manter tudo em segredo.
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- Haveis marcado alguma data para ele se encontrar comigo e com Cecil?
- Eu já tratei do assunto - disse simplesmente Robert. Isabel parou, sentindo o sol, muito quente, bater-lhe na nuca.
- Fizestes o quê?
- Já resolvi o assunto - repetiu ele. - Disse-lhe que deve ter havido um engano qualquer, que condenava o contrabando, em geral, e que concordava que contrabandear barras de ouro de um país para outro é muito perigoso para o comércio. Prometi-lhe que não voltaria a acontecer e que eu próprio me certificaria de que fosse assim. Ele acreditou em metade do que eu disse, no máximo, mas vai enviar um despacho para o Imperador espanhol e todos ficamos satisfeitos.
Ela hesitou, subitamente gelada, apesar do calor que fazia.
- Robert, a que título é que ele falou convosco? Ele fingiu que não a tinha entendido.
- Como já disse.
- Porque falou ele convosco? Porque não dirigiu a queixa a Cecil? Ou falou comigo directamente? Ou- pediu para se encontrar com o Conselho Privado?
Robert passou o braço em volta da cintura dela, embora qualquer cortesão que olhasse para trás pudesse ver que ele a estava a abraçar.
- Porque quero tirar o peso dos problemas dos vossos ombros, meu amor. Porque sei tanto de governação como vós, ou Cecil, e, para dizer a verdade, talvez até mais. Porque nasci para fazer isto, tanto como vós ou Cecil, provavelmente mais. Porque a queixa dele era sobre o vosso agente Thomas Gresham, que, agora, está às minhas ordens. Este assunto diz-me tanto respeito como a vós. Os vossos assuntos são os meus assuntos. A vossa moeda é a minha moeda. Fazemos tudo em conjunto.
Isabel não conseguiu afastar-se dos braços dele, mas não se encostou a ele, como costumava fazer.
- De Quadra deveria ter vindo falar comigo - insistiu.
- Porquê? - perguntou Robert. - Credes que ele não sabe que serei declarado vosso marido, dentro de um ano? Julgais que ninguém sabe que estamos prometidos em casamento e que o iremos anunciar brevemente? Pensais que ele não lida comigo como se eu já fosse vosso marido?
- Ele deve falar comigo ou com Cecil - teimou ela. Começou a esfregar as cutículas das unhas, a afastá-las das unhas pintadas.
Dudley pegou-lhe na mão.
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- Claro - disse ele. - Quando se tratar de algo que eu não possa resolver por vós.
- E que situação será essa? - perguntou ela friamente. Ele sorriu, cheio de autoconfiança.
- Quereis saber, não consigo lembrar-me de uma única coisa que vós ou Cecil possam fazer melhor do que eu - admitiu ele.
Cecil estava sentado junto de Isabel durante o torneio de ténis, mas nenhum dos dois seguia o jogo.
- Ele só se encontrou com De Quadra para me poupar desse problema - murmurou-lhe ela rapidamente num tom de voz monocórdico.
- Ele não tem autoridade para isso, a não ser que lhe seja dada por vós - disse Cecil com firmeza.
- Cecil, ele afirma que todos sabem que estamos noivos, que De Quadra o considera meu marido e, portanto, meu representante.
- Isto tem de acabar - disse Cecil. - Tendes de pôr um fim a esta... usurpação.
- Ele não é desleal - disse ela com agressividade. - Tudo o que ele faz é por amor por mim.
"Pois, ele é o traidor mais leal que alguma vez derrubou uma rainha por a amar", pensou Cecil com amargura.
Cecil em voz alta, disse:
-"Vossa Graça, até pode ser para vosso bem, mas não percebeis que o poder que ele tem sobre vós vai ser relatado ao Imperador da Espanha e que tal será visto como fraqueza da vossa parte? Julgais que os católicos ingleses não vão ficar a saber que planeais casar com um homem divorciado? Logo vós, entre todas as mulheres: filha de uma rainha divorciada, uma rainha executada por adultério?
Nunca ninguém falara com a rainha sobre a mãe, a não ser num tom da mais untuosa deferência. Isabel ficou branca com o choque.
- Desculpai! - disse num tom gelado.
Cecil não se deixou amedrontar, nem ficou calado.
- A vossa reputação tem de ser puríssima - disse ele com dureza. - Porque a vossa mãe, Deus tenha em paz a sua alma, morreu com a reputação completamente vilipendiada. O vosso pai divorciou-se de uma boa mulher, para casar com ela e depois afirmou que a decisão que tomara havia sido provocada por bruxaria
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e luxúria. Não podeis dar a ninguém motivos para recordar tal acusação e para que ela vos possa ser aplicada.
- Tende muito cuidado, Cecil - disse ela muito friamente. Estais a repetir calúnias traiçoeiras.
- Vós é que tendes de ter cuidado - disse ele sem preconceitos, levantando-se da cadeira. - Dizei a De Quadra que se deve encontrar connosco amanhã de manhã, para apresentar formalmente a sua queixa. Sir Robert não trata dos assuntos da Coroa.
Isabel ergueu os olhos para ele e então, muito ligeiramente, abanou a cabeça.
- Não consigo - disse ela.
- O quê?
- Não posso desautorizar Sir Robert. O assunto está resolvido e ele apenas disse o que nós teríamos dito. Vamos deixar as coisas como estão.
- Posso então depreender que ele é, de facto, o rei consorte em tudo, salvo no título? Estais feliz por lhe entregar o vosso poder?
Ao ver que ela não respondia, Cecil fez uma vénia.
- vou deixar-vos - disse ele calmamente. - Não estou com disposição para ver o jogo. Tenho a certeza de que os Ciganos vão ganhar.
Quando regressou a casa, com uma série de madrigais debaixo do braço, Anthony Forster estava de bom humor e não ficou nada satisfeito por a mulher o ter recebido com uma crise doméstica, mesmo antes de entrar no salão principal.
- Lady Dudley está cá, e está muito doente - disse ela com urgência. - Vieram esta manhã e tem estado assim desde que chegou. Não consegue manter a comida no estômago, a pobrezinha nem o que bebe consegue manter e queixa-se de uma dor no peito que diz ser de desgosto, mas eu acho que é gangrena. Ela não deixa ninguém ver o que se passa.
- Deixai-me entrar, esposa - disse ele, passando por ela e entrando no salão. - vou beber um copo de cerveja - disse ele decidido. - Foi muito duro cavalgar até cá, com este calor.
- Desculpai - disse ela imediatamente. Encheu-lhe um copo com cerveja e manteve-se calada, enquanto ele se sentava na sua cadeira preferida e bebia um longo trago.
- Agora, já estou melhor - disse ele. - O jantar está pronto?
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- com certeza - disse ela respeitosamente. - Só estávamos à espera do vosso regresso.
Ela fez um esforço para se manter em silêncio, até que ele, depois de ter bebido outro copo de cerveja, se voltou e olhou para ela.
- Vamos lá ver, então - disse ele. - O que se passa?
- É Lady Dudley - respondeu ela. - Muito doente. Doente e com uma dor no peito.
- É melhor mandar chamar um médico - disse ele. - O doutor Bayly.
A senhora Forster anuiu com a cabeça.
- vou mandar alguém chamá-lo imediatamente. Ele ergueu-se da cadeira.
- vou lavar as mãos, antes do jantar - fez uma pausa. - Ela está em condições de me receber? Vai descer para jantar?
- Não - disse ela. - Parece-me que não. Ele acenou com a cabeça.
- Isto é muito inconveniente, esposa - disse ele. - Só por a termos em nossa casa, já estamos a partilhar da sua desgraça. Ela que não pense que vai gozar de uma longa estadia aqui, só por estar doente.
- Não me parece que ela se esteja a divertir muito - disse ela com azedume.
- Também diria que não - disse ele, com uma ligeira compaixão. - Mas ela não pode cá ficar mais tempo do que o combinado, doente ou não.
- Sua senhoria proibiu-vos de lhe oferecer a vossa hospitalidade? O Sr. Forster abanou a cabeça.
- Não precisa - disse ele. - Não é preciso ficarmos molhados para percebermos que está a chover. Eu sei para que lado o vento está a soprar e não serei eu quem se vai constipar.
- vou mandar chamar o médico - disse a mulher dele. - Talvez ele diga que foi só o facto de ter cavalgado exposta ao calor que a fez adoecer.
O rapaz que trabalhava no estábulo de Cumnor apressou-se, e chegou a Oxford na altura em que o Doutor Bayly, o Professor de Medicina da Rainha, em Oxford, se sentava à mesa para jantar.
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- Posso ir imediatamente - disse ele levantando-se e pegando no chapéu e na capa. - Quem é que está doente em Cumnor Place? Não é o senhor Forster, presumo?
- Não - disse o rapaz. - É uma visita que acabou de chegar de Ahingdon, Lady Dudley.
O médico paralisou, com o chapéu a meio caminho da cabeça e a capa parada em pleno ar, ameaçando cair por um ombro abaixo, como uma asa partida.
- Lady Dudley - repetiu ele. - A mulher de Sir Robert Dudley?
- Ela mesma - disse o rapaz.
- O Sir Robert que é Estribeiro-Mor da rainha?
- O Estribeiro-Mor da Rainha, é isso que lhe chamam - disse o rapaz com um prolongado piscar de olhos, pois também ele tinha ouvido os rumores, como toda a gente.
Lentamente, o doutor Bayly voltou a colocar o chapéu no cabide de madeira.
- Parece-me que não posso ir - disse ele. Retirou a capa dos ombros e colocou-a dobrada sobre as costas altas do banco. Parece-me que não me atrevo a ir, na verdade.
- Dizem que não é a peste, nem a Doença do Suor, senhor disse o rapaz. - Ela é a única pessoa que está doente lá em casa e, que eu saiba, não há peste em Abingdon.
- Não, rapaz, não é isso - disse o médico pensativo. - Há coisas mais perigosas do que a peste. Não me parece que me deva envolver nisso.
- Dizem que ela está com muitas dores - continuou o rapaz. Uma das criadas de quarto disse que ela estava a chorar, que a ouviu através da porta. Contou que a tinha ouvido pedir a Deus para a libertar.
- Não me atrevo - disse-lhe o médico com franqueza. - Não me atrevo a ir vê-la. Não lhe poderia receitar nenhum medicamento, ainda que soubesse o que se passa com ela.
- Porque não, se a senhora está doente?
- Porque, se ela morrer, vão pensar que foi envenenada e vão acusar-me de o ter feito - disse o médico sem rodeios. - E se, no seu desespero, ela já tomou um veneno qualquer que está a fazer efeito por todo o corpo, vão pôr a culpa no remédio que eu lhe receitar. Se ela morrer, porão as culpas em mim e talvez venha a ser julgado pelo seu assassinato. E se alguém já a envenenou, ou se há alguém que se sente feliz por saber que ela está doente, ninguém me vai agradecer por a salvar.
O rapaz estava de boca aberta.
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- Mandaram-me chamar-vos, para a socorrer. Que vou dizer agora à senhora Forster?
O médico pousou a mão no ombro do rapaz.
- Diz-lhes que meter-me nesse assunto é mais do que vale a minha licença de médico - disse ele. - É possível que ela até já esteja a tomar um remédio qualquer que lhe pode ter sido receitado por um homem mais importante do que eu.
O rapaz franziu a testa, tentando perceber o que o médico queria dizer.
- Não estou a perceber - disse ele.
- O que eu quero dizer é que, se o marido dela estiver a tentar envenená-la, eu não me atrevo a meter-me no assunto - disse o médico arrojadamente. - E se ela estiver a morrer de uma outra doença qualquer, duvido que ele me agradeça por a salvar.
Isabel estava nos braços de Robert e ele cobria-lhe o rosto e os ombros de beijos, lambia-lhe o pescoço, excitando-a, enquanto ela se ria e o empurrava e puxava para si alternadamente.
- Não façais barulho, alguém pode ouvir - disse ela.
- Sois vós que fazeis barulho, com os vossos gritos.
- Eu estou calada que nem um rato, não estou a gritar - protestou ela.
- Ainda não, mas estareis! - prometeu ele, fazendo-a rir novamente, tapando-lhe a boca com a mão.
- Sois louco!
- Estou louco de amor! - concordou ele. - E gosto de ganhar. Sabeis quanto é que ganhei a De Quadra?
- Fizestes apostas com o embaixador espanhol?
- Só porque estava seguro de ganhar.
- Quanto?
- Quinhentas coroas - disse ele exultante. - E sabeis o que lhe disse?
- O quê?
- Disse-lhe que me poderia pagar com ouro espanhol.
Ela tentou rir, mas ele reparou imediatamente na súbita ansiedade nos seus olhos.
- Ora, Isabel, não vamos estragar tudo. O embaixador espanhol é fácil de convencer. Eu entendo-o e ele compreende-me. Foi ape-
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nas uma brincadeira, ele riu-se e eu também. Eu sei como lidar com os assuntos de Estado, Deus sabe-o, eu nasci e fui educado para isso.
- Eu nasci para ser Rainha - atirou-lhe ela.
- Ninguém o nega - disse ele. - Muito menos eu. Porque nasci para ser vosso amante e marido, e o vosso rei.
Ela hesitou.
- Robert, mesmo que tornássemos público o nosso noivado, vós não receberíeis o título de rei.
- Mesmo que? Ela corou.
- Quero dizer: quando.
- Quando anunciarmos o nosso compromisso, eu serei vosso marido e Rei da Inglaterra - disse ele simplesmente. - Que mais me poderíeis chamar?
Isabel ficou reduzida ao silêncio, mas tentou imediatamente acalmá-lo.
- Vá lá, Robert - disse ela com meiguice. - Não acredito que queirais ser rei. Filipe da Espanha foi sempre conhecido apenas como rei consorte. Não era rei.
- Filipe da Espanha tinha outros títulos - disse ele. - Era Imperador das suas terras. Não lhe importava o que pudesse ser em Inglaterra, quase nunca estava cá. Gostaríeis de me ver sentado num lugar abaixo do vosso, de comer em baixela de prata, enquanto vós comeis em baixela de ouro, como Filipe fez com Maria? Seríeis capaz de me humilhar desta forma diante dos outros? Durante toda a vida?
- Não! - disse ela apressadamente - Nunca.
- Considerais que não sou digno da coroa? Sou suficientemente bom para a vossa cama, mas não suficientemente bom para ocupar o trono?
- Não - disse ela. - É claro que não. Robert, meu amor, não deveis distorcer as minhas palavras. Sabeis que vos amo, que não amo ninguém a não ser vós e que preciso de vós.
- Então, temos de terminar o que começámos - disse ele. Concedei-me o divórcio de Amy e publicai o nosso noivado. Nessa altura, poderei ser o vosso parceiro e colaborador, em tudo. E terei o título de rei.
Ela ia objectar, mas ele puxou-a novamente para si e começou a beijar-lhe o pescoço. Sem defesa, Isabel fundiu-se no seu abraço.
- Robert...
- Meu amor - disse ele. - O vosso sabor é tão bom, que seria capaz de vos comer.
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- Robert - suspirou ela. - Meu amor, meu único amor.
Carinhosamente, ele tomou-a nos braços e levou-a para a cama. Ela ficou deitada enquanto ele despia a roupa e depois veio para junto dela, nu. Ela sorriu, à espera que ele colocasse a protecção que costumava usar, sempre que faziam amor. Quando reparou que ele não tinha na mão a pele que se prendia com fitas, nem a procurou na mesa ao lado da cama, ficou surpreendida.
- Robert, não tendes uma protecção?
O sorriso dele era muito enigmático e sedutor. Trepou para cima da cama, aproximou-se dela e encostou cada milímetro do seu corpo nu ao dela, extasiando-a com o seu suave cheiro almiscarado, o calor da sua pele, com o forte tufo de pêlos do seu peito e com a coluna da sua carne que crescia.
- Não precisamos disso - disse ele. - Quanto mais depressa fizermos um filho para colocar no berço da Inglaterra, melhor.
- Não! - disse ela chocada, tentando afastar-se. - Não, enquanto não se souber que estamos casados.
- Sim! - disse-lhe ele ao ouvido. - Senti Isabel, nunca o sentiste como deve ser. Nunca o sentiste como a minha mulher o sentia. Amy adora que eu fique nu e vós nem sabeis sequer como é. Nunca haveis gozado metade do prazer que lhe dei a ela.
Ela soltou um pequeno gemido de ciúme e imediatamente desceu a mão, segurou no membro dele e guiou-o até à sua humidade. Quando os dois corpos se juntaram e ela sentiu a pele dele, nua, tocar a sua, os seus olhos fecharam-se de prazer. Robert Dudley sorriu.
Na manhã seguinte a Rainha declarou que estava maldisposta e que não podia receber ninguém. Quando Cecil veio bater à sua porta, ela mandou avisar que só o poderia receber por alguns minutos e apenas se se tratasse de um assunto urgente.
- Lamento, mas é! - disse ele solenemente, apontando para o documento que tinha na mão. As sentinelas afastaram-se para o lado e deixaram-no entrar no quarto dela.
- Eu disse-lhes que precisava da vossa assinatura para a devolução dos prisioneiros franceses - disse Cecil entrando e fazendo uma vénia. - A vossa mensagem dizia para eu vir imediatamente e apresentar uma desculpa para vos ver.
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- Sim - disse ela.
- É por causa de Sir Robert?
- É.
- Isto é ridículo - disse ele rudemente.
- Eu sei. ; Qualquer coisa o alertou, na frieza da voz dela.
- Que fez ele?
- Fez-me... uma exigência. Cecil ficou à espera.
Isabel olhou para a fiel Sr.a Ashley.
- Kat, deveis sair e ficar à porta, para vos certificardes de que ninguém está a escutar. ?
A mulher saiu do quarto.
- Que exigência?
- Uma que eu não posso satisfazer. Ele continuou a aguardar.
- Ele quer que declaremos o nosso compromisso, quer que eu lhe conceda o divórcio daquela mulher e quer ser nomeado rei.
- Rei?
A cabeça dela inclinou-se para baixo e ela acenou, incapaz de o olhar de frente.
- Ser rei consorte foi suficiente para o Imperador da Espanha.
- Eu sei. Foi o que lhe disse, mas é isso que ele quer. ; "?
- Tendes de recusar.
- Espírito, não consigo recusar-lhe nada. Não quero que pense que sou falsa para com ele. Não tenho palavras para lhe recusar seja o que for.
- Isabel, esta loucura irá custar-vos o trono da Inglaterra e todo o perigo, todo o tempo que esperámos e a paz de Edimburgo, não terão servido para nada. Vão expulsar-vos do trono e colocarão a vossa prima como rainha. Ou pior. Não vos posso salvar desse destino, estareis acabada se o puserdes no trono.
- Não haveis pensado numa maneira? - perguntou ela. - Sabeis sempre o que fazer. Espírito, tendes de me ajudar. Tenho de acabar tudo com ele, mas juro por Deus, que não sou capaz.
Cecil olhou para ela desconfiado.
- É só isso? Ele só quer o divórcio e ser nomeado rei consorte? Ele não vos feriu, nem ameaçou? Tendes presente que isso seria considerado uma traição, mesmo que fosse feito por amor? Mesmo no caso de um amante com quem estejais comprometida?
Isabel sacudiu a cabeça.
- Não, ele é sempre... - calou-se, pensando no prazer intenso
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que ele lhe tinha proporcionado. - Ele é sempre... Mas, e se eu tiver um filho?
O olhar dele era tão horrorizado quanto o dela.
- Estais à espera de um filho? Ela abanou a cabeça.
- Não. Bem, não sei...
- Eu partia do princípio que ele tomava precauções...
- Até ontem à noite.
- Devíeis ter recusado.
- Não consigo! - gritou ela subitamente. - Será que não me ouvis, Cecil, embora eu vos diga o mesmo, vezes sem conta? Não consigo recusar-lhe nada. Não consigo deixar de o amar, não sou capaz de lhe dizer não. Tendes de encontrar uma maneira para eu poder casar com ele, ou tendes de descobrir um processo para que eu possa escapar às suas exigências, porque eu não sou capaz de lhe dizer não. Tendes de me proteger do meu desejo por ele, das suas exigências, é o vosso dever. Eu não consigo defender-me. Tendes de me salvar dele.
- Bani-o!
- Não. Tendes de me salvar dele, sem que ele saiba que eu disse fosse o que fosse contra ele.
Cecil permaneceu em silêncio por bastante tempo, mas depois lembrou-se de que dispunham de muito pouco tempo para estar juntos: a Rainha e o seu próprio Secretário de Estado eram forçados a encontrar-se em segredo, em momentos roubados, devido à loucura dela.
- Há uma maneira - disse ele lentamente. - Mas é um caminho muito escuro.
- Será que isso lhe mostraria qual é o seu lugar? - perguntou ela. - Que o lugar dele não é o mesmo que o meu?
- Iria fazer com que temesse pela própria vida e reduzi-lo a pó. Isabel ficou furiosa, ao ouvir as palavras dele.
- Ele não tem medo de nada! - disse ela com fervor. - E a sua coragem não se perdeu, mesmo quando toda a família foi destruída.
- Tenho a certeza de que ele é infatigável - disse Cecil acidamente. - Mas isto iria abalá-lo tanto, que perderia qualquer ideia de vir a ocupar o trono.
- E nunca ficaria a saber que fui eu que o ordenei? - murmurou ela.
- Não.
Ela fez uma pausa.
- E não haverá falhas?
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- Penso que não - ele hesitou. - Mas requer a morte de uma pessoa inocente.
- Uma, só? Ele confirmou.
- Apenas uma.
- Não é ninguém que eu ame?
- Não.
Ela não hesitou, nem um momento.
- Fazei-o, então.
Cecil permitiu-se um sorriso. Frequentemente, quando considerava que Isabel era uma mulher fraca, acabava por chegar à conclusão que ela era uma das rainhas mais poderosas.
- vou precisar de um símbolo dele - disse. - Tendes alguma coisa que tenha o seu sinete?
Ela quase respondeu "não". Ele viu a ideia da mentira passar-lhe pela mente.
- Tendes?
Lentamente, ela retirou de dentro da gola do vestido uma corrente de ouro, na qual estava dependurado o anel com o sinete de Dudley, o anel que ele lhe dera quando haviam feito o juramento de fidelidade.
- O próprio anel dele - murmurou ela. - Ele colocou-o no meu dedo, quando ficámos noivos.
Cecil hesitou.
- Tendes coragem de mo dar, para um fim destes? O símbolo de amor que ele vos ofereceu? O seu próprio sinete?
- Tenho - disse ela simplesmente. - Já que é ele, ou eu. Lentamente, ela abriu o fecho da corrente e ergueu-a, para que
o anel lhe caísse na palma da mão. Beijou-o, como se se tratasse de uma relíquia sagrada e depois, com relutância, entregou-lho.
- Tendes de mo devolver - disse ela. Ele concordou.
- E ele não pode vê-lo, nunca, nas vossas mãos - disse ela. Ficaria imediatamente a saber que fui eu que vo-lo dei.
Cecil voltou a concordar.
- Quando o fareis? - perguntou ela.
- Imediatamente - respondeu ele.
- Não no dia do meu aniversário - especificou ela, como se fosse uma criança. - Deixai-me ser feliz com ele, no dia do meu aniversário. Ele planeou um dia maravilhoso em minha honra, não o estragueis.
- No dia seguinte, então - disse Cecil. ;
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- No domingo? Ele concordou.
- Mas não vos podeis arriscar a ficar grávida.
- Arranjarei uma desculpa.
- vou precisar que representeis um determinado papel - avisou Cecil.
- Ele conhece-me bem de mais, consegue ver o que estou a pensar, num instante.
- Não é para ele que tereis de representar o papel. Tereis de proferir determinadas observações perante outras pessoas. Tendes de fazer correr um boato. Dir-vos-ei o que deveis dizer.
Ela começou a torcer as mãos.
- Não será nada que o faça sofrer?
- Ele tem de aprender - disse Cecil. - Quereis que isto se resolva?
- Tem de ser feito.
"Prouvera a Deus que eu o pudesse apenas mandar assassinar, e tudo ficaria logo resolvido", pensava Cecil, enquanto fazia uma vénia e saía do quarto. Kat Ashley esperava à porta do quarto da Rainha e, quando Cecil saiu, trocaram um breve e desanimado olhar, pensando na confusão em que esta nova rainha se envolvera, logo no seu segundo ano de reinado.
"Mas mesmo sem o matar, vou fazê-lo descer tão baixo, que irá perceber que nunca poderá vir a ser rei", pensou Cecil. "Uma nova geração da família Dudley e mais outra desgraça. Será que nunca irão aprender?" Caminhou com indignação pela galeria, passando pelos antepassados da Rainha, o seu belo pai, o deprimente retrato do avô. "Uma mulher não é capaz de governar", pensou ele, olhando para os reis. "Uma mulher, mesmo sendo muito inteligente, como esta, não tem temperamento para dar ordens. Procura sempre um chefe e, que Deus nos ajude, foi logo escolher Dudley. bom, quando ele for ceifado como uma erva daninha e o caminho ficar livre, ela poderá procurar um chefe como deve ser para a Inglaterra."
O pajem, que trouxera a notícia de que o médico não viria observar Lady Dudley, foi chamado à presença da Sr.a Forster.
- Disseste-lhe que ela estava doente? Que Lady Dudley precisava da ajuda dele?
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O rapaz, com os olhos muito abertos de ansiedade, acenou com a cabeça.
- Ele sabia - disse. - É por ela ser quem é, que ele não quis vir. A senhora Forster abanou a cabeça e foi à procura da senhora
Oddingsell.
- O nosso próprio médico não a quer atender, com medo de ser incapaz de a curar - disse ela, fazendo os possíveis por dar ao assunto um melhor aspecto.
A senhora Oddingsell hesitou, diante das más notícias.
- Ele sabia quem era a doente?
- Sabia.
- Recusou-se a vir, para a evitar?
A senhora Forster hesitou.
- Sim.
- Então agora, ela não tem para onde ir, e nenhum médico a quererá curar? - perguntou ela incrédula. - Que pode ela fazer? O que é que eu vou fazer com ela?
- Vai ter de chegar a um acordo com o marido - disse a senhora Forster. - Nunca deveria ter entrado em conflito com ele. É um homem demasiado importante, para se deixar ofender.
- Senhora Forster, sabeis tão bem quanto eu, que ela não tem mais nenhum conflito com ele, para além do adultério que ele cometeu, e o seu desejo de se divorciar. Como é que uma boa esposa pode aceitar um pedido destes?
- Quando o marido é Sir Robert Dudley, o melhor que a esposa tem a fazer, é concordar - disse a senhora Forster arrojadamente. Vede a situação em que ela se encontra agora.
Amy, um pouco melhor após dois dias de descanso, desceu as estreitas escadas em caracol que ligavam o seu quarto à despensa, no andar de baixo, e atravessou o salão em direcção ao pátio, com o chapéu a balouçar na mão. Caminhou ao longo do pátio empedrado e colocou o chapéu na cabeça, amarrando as fitas sob o queixo. Embora já fosse Setembro, o sol ainda estava bastante quente. Amy passou pelo arco da entrada principal e virou à esquerda, percorrendo o terraço profusamente ajardinado que ficava em frente à casa. Os monges tinham passeado por ali, nas suas
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horas de recolhida oração e leitura, e ela ainda conseguia distinguir as pedras sobre as quais eles haviam caminhado em círculos, no meio da relva mal cortada.
Pensou que eles deviam ter lutado contra dificuldades bem maiores do que as suas, que deviam ter tido de lutar contra as suas próprias almas e que nunca se deviam ter preocupado com coisas mundanas, como saber se um marido alguma vez iria voltar para casa, e como sobreviver, se isso não acontecesse.
"Mas eles eram homens muito santos", disse para si mesma. "E eruditos. E eu não sou santa, nem erudita, de facto, acho que sou uma pecadora muito tonta. Pois Deus deve ter-se esquecido de mim, tal como Robert, já que ambos foram capazes de me deixar aqui abandonada, neste desespero."
Soltou um pequeno soluço e depois limpou as lágrimas do rosto com a mão enluvada.
"Não vale a pena chorar", murmurou tristemente para si própria.
Desceu as escadas que partiam do terraço, caminhou ao longo do pomar até ao muro do jardim e atravessou o portão, em direcção à igreja, que ficava do outro lado.
A cancela estava presa, quando ela a tentou puxar, mas nessa altura apareceu um homem, do outro lado do muro, que conseguiu abri-la, para que ela pudesse passar.
- Obrigada - disse ela assustada.
- Sois Lady Amy Dudley? - perguntou ele.
- Que desejais?
- Tenho uma mensagem para vós, do vosso marido.
Ela soltou um ligeiro suspiro e as suas faces ficaram subitamente coradas.
- Ele está cá?
- Não. É uma carta para vós.
Ele entregou-lha e ficou à espera, enquanto ela examinava o selo. Então ela fez uma coisa estranha.
- Tendes uma faca?
- Para que a quereis, minha senhora?
- Para descolar o lacre. Não os costumo quebrar.
Ele tirou um pequeno punhal, afiado como uma lâmina de barbear, da bainha que tinha numa bota.
- Tende cuidado.
Ela inseriu a lâmina entre a cera seca e brilhante e o papel espesso, e levantou o lacre do envelope. Guardou-o no bolso do vestido, devolveu-lhe a faca e, em seguida, desdobrou a carta.
Ele reparou que as mãos dela tremiam, enquanto segurava a
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carta para a ler, e que lia muito devagar, soletrando as palavras com os lábios. Ela olhou para ele.
- Sois homem da confiança dele?
- Sou seu criado e vassalo.
Amy estendeu-lhe a carta.????;
- Por favor - disse ela. - Eu não sei ler muito bem. A carta diz que ele virá visitar-me amanhã, ao meio-dia, e que se quer encontrar a sós comigo, em casa? Que devo mandar todas as pessoas embora e esperar por ele sozinha?
Desajeitadamente, o homem pegou na carta e leu-a rapidamente.
- Sim - disse ele. - Ao meio-dia de amanhã, e ele diz que deveis dispensar os criados durante todo o dia e esperar por ele, sozinha, no vosso quarto.
- Eu conheço-vos? - disse ela de repente. - Estais há pouco tempo ao serviço dele?
- Sou o seu criado confidencial - disse ele. - Eu tinha assuntos para resolver em Oxford e, por isso, ele pediu-me para trazer esta carta. Ele disse que não era preciso levar-lhe qualquer resposta.
- Ele enviou-me alguma prova - perguntou ela. - Uma vez que eu não vos conheço?
O homem esboçou um ligeiro sorriso.
- Chamo-me Johann Worth, Vossa Senhoria. E ele deu-me isto, para vos entregar.
Meteu a mão no bolso e deu-lhe o anel, o anel de sinete dos Dudley, com o tronco tosco e o urso.
com solenidade, ela pegou nele e enfiou-o imediatamente no seu quarto dedo. O anel assentava perfeitamente por cima da sua aliança de casamento e ela sorriu, enquanto passava a ponta do dedo sobre o brasão dos Dudley, gravado no anel.
- É óbvio que farei exactamente como ele pediu - disse ela.
O embaixador espanhol, De Quadra, que permanecera em Windsor para o fim-de-semana do aniversário de Isabel, ficou sentado diante de Cecil, a assistir a um torneio de tiro com arco que se realizava, ao fim da tarde de sexta-feira, no relvado superior, em frente aos jardins do palácio. Reparou imediatamente que o Secre-
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tário-Mor estava com o mesmo ar muito sério que mantinha desde o seu regresso da Escócia, e que usava o habitual traje preto, sem qualquer outro toque de cor ou jóia, como se se tratasse de um dia normal, e não a véspera do aniversário da Rainha.
Cuidadosamente, manobrou a situação de modo a estar perto do Secretário-Mor quando a assistência dispersasse.
- Parece que está tudo preparado para amanhã, para o aniversário da Rainha - observou o embaixador espanhol. - Sir Robert jura que lhe vai proporcionar um dia divertido.
- Divertido para ela, mas pouco alegre para mim - disse imprudentemente Cecil, cuja língua estava um pouco solta, devido ao vinho.
-Oh?
- Permita que lhe diga, já não consigo tolerar esta situação por muito tempo - continuou Cecil num tom contido de raiva. - Tudo o que eu tento fazer, tudo o que eu digo, tem de ser confirmado pelo cachorrinho.
- Sir Robert Dudley?
- Já estou farto dele - disse Cecil. - Já uma vez deixei de trabalhar para a Rainha, por ela não querer aceitar os meus conselhos em relação à Escócia e posso voltar a fazê-lo. Tenho uma bela casa e uma óptima família jovem, quase não tenho tempo para os ver e os agradecimentos que recebo pelos meus serviços são vergonhosos.
- Não falais a sério - disse o espanhol. - Não seríeis realmente capaz de ir embora?
- Marinheiro sensato é aquele que se dirige para um porto, quando se aproxima uma tempestade - disse Cecil. - E o dia em que Dudley subir ao trono, será o dia em que eu me retirarei para o meu jardim de Burghley House e nunca mais regresso a Londres. A não ser que ele me mande prender, no momento em que eu peça a demissão, e me atire para dentro da Torre.
O embaixador ficou espantado com a fúria de Cecil.
- Sir William! Nunca vos tinha visto assim tão irado!
- Nunca senti uma ira tão grande como desta vez! - disse Cecil sem rodeios. - E digo-vos, ela vai ser arrasada por causa dele e o país também.
- Ela não seria capaz de se casar com ele? - perguntou De Quadra, escandalizado.
- Ela não pensa noutra coisa e eu não consigo fazê-la ver a razão. Volto a dizer-vos, ela deixou todos os assuntos nas mãos dele e tenciona casar com ele.
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- Mas então, que sucede com a mulher dele? Que vai acontecer com Lady Dudley?
- Não me parece que ela dure muito tempo, se se meter no caminho de Dudley, não concordais? - perguntou Cecil com azedume. - Não é homem que se deixe deter por qualquer coisa, quando tem o trono em vista. Ao fim e ao cabo, é filho do pai dele.
- Isto é extremamente chocante! - exclamou o embaixador, a voz reduzida a um sussurro.
- Tenho a certeza de que ele está a pensar em matá-la com veneno. Por que outra razão andaria ele a anunciar que ela está doente? Eu até ouvi dizer que ela está perfeitamente bem e que já contratou um provador, para provar a sua comida. Que pensais de uma coisa destas? Até ela acredita que ele a vai assassinar.
- O povo não iria, certamente, aceitá-lo como rei. Especialmente se a mulher dele morresse de repente e de forma suspeita...
- Deveis dizer isso à Rainha - instou-o Cecil. - Porque ela não aceita uma palavra minha contra ele. Já conversei com ela, Kat Ashley já conversou com ela. Em nome de Deus, deveis dizer-lhe o que advirá da sua má conduta, pode ser que vos ouça, uma vez que não ouve nenhum de nós.
- Não me atrevo a tanto - gaguejou De Quadra. - Não sou uma pessoa da sua confiança.
- Mas tendes a autoridade do rei espanhol - insistiu Cecil. Dizei-lhe, por amor de Deus, ou ela casará com Dudley e perderá o trono.
De Quadra era um embaixador experiente, mas pensou que jamais fora confiada a alguém uma missão tão complicada como aquela, de ter de dizer a uma rainha de vinte e sete anos, em plena manhã do seu aniversário, que o seu mais antigo conselheiro estava desesperado e que todos acreditavam que ela perderia o trono, se não desistisse do seu caso amoroso.
A manhã do aniversário começou com uma caçada ao veado e Dudley ordenara a todos os caçadores que se vestissem de verde e branco, as cores dos Tudor, e toda a corte se vestiu de prateado, branco e dourado. A própria montada de Isabel, um enorme cavalo branco castrado, tinha uma nova sela encarnada, feita de couro espanhol, e arreios novos, um presente de Dudley.
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O embaixador espanhol deixou-se ficar para trás, enquanto a Rainha e o seu amante cavalgavam, à sua habitual e alucinante velocidade. Mas depois de terem matado o veado e de terem bebido um copo de vinho para celebrar o trofeu, quando voltavam para casa, ele colocou o seu cavalo ao lado do dela e desejou-lhe um feliz aniversário.
- Obrigada - disse Isabel, radiante.
- Tenho uma pequena oferta do imperador para vos entregar, lá no castelo - disse o embaixador. - Mas não consegui esperar mais, para vos felicitar. Nunca vos vi com tão boa saúde, nem tão feliz.
Ela virou a cabeça e sorriu-lhe.
- E Sir Robert tem tão bom aspecto. É um homem cheio de sorte, por ter o vosso afecto - começou ele cuidadosamente.
- Entre todos os homens que há no mundo, foi ele quem o conseguiu - disse ela. - Seja em tempo de guerra ou de paz, ele é o conselheiro em quem mais confio, e o mais leal. E nos dias de lazer, é o melhor dos companheiros!
- E ama-vos profundamente - salientou De Quadra. Ela aproximou um pouco mais o seu cavalo do dele.
- Posso contar-vos um segredo? - perguntou.
- Claro! - assegurou ele rapidamente.
- Dentro de pouco tempo, Sir Robert vai ficar viúvo e livre para voltar a casar - disse ela, mantendo a voz muito baixa.
- Não!
Ela assentiu com a cabeça.
- A mulher dele está a morrer de uma doença, ou muito perto disso. Mas não deveis dizer nada a ninguém, até nós o anunciarmos.
- Prometo guardar o vosso segredo - gaguejou ele. - Pobre senhora, está doente há muito tempo?
- Ah, sim - disse Isabel despreocupadamente... - Foi ele quem mo assegurou. Pobrezinha. Estareis presente no banquete desta noite, senhor?
- Lá estarei.
Puxou as rédeas do cavalo e deixou-se ficar para trás, afastando-se do lado dela. Enquanto subiam o caminho cheio de curvas que conduzia ao castelo, avistou Cecil que esperava o regresso da caçada, nas pequenas ameias que ficavam por cima da entrada. O embaixador olhou para o conselheiro de Isabel e abanou a cabeça, como que a dizer-lhe que não tinha conseguido perceber nada, como se todos estivessem presos num pesadelo e algo muito mau estivesse para acontecer, sem que alguém conseguisse compreender exactamente o quê.
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As celebrações do aniversário de Isabel, que tinham começado com o troar das armas, terminaram com um espectáculo de fogo-deartifício, a que ela assistiu, a partir de uma barcaça no Tamisa, atulhada de rosas tardias, com os seus amigos mais chegados e o amante ao seu lado. Quando o fogo-de-artifício terminou, as barcaças subiram lentamente o rio e depois voltaram a descê-lo, para que o povo de Londres, espalhado ao longo das margens para assistir ao espectáculo, pudesse lançar a sua bênção à Rainha de vinte e sete anos.
- Ela vai ter de casar dentro de pouco tempo - observou Laetitia à sua mãe, num murmúrio sussurrado. - Ou já será tarde de mais.
Catherine observou o perfil da sua amiga e a sombra negra que estava atrás dela, Robert Dudley.
- Ela ficaria arrasada se tivesse de casar com outro homem vaticinou ela. - E vai perder o trono se casar com ele. Que grande dilema para uma mulher resolver. Queira Deus que nunca te envolvas num amor insensato, Lettice.
- Bem, haveis feito tudo para que isso não aconteça - disse Laetitia bastante aborrecida. - Depois de estar noiva, sem haver amor, é muito improvável que o encontre agora.
- Para a maior parte das mulheres é melhor casar bem do que casar por amor - disse Catherine imperturbável. - O amor pode vir depois.
- Não veio depois, para Amy Dudley - observou Laetitia.
- Um homem como Robert Dudley só pode trazer problemas, tanto para uma amante como para a própria esposa - respondeu-lhe a mãe.
Enquanto estavam a observar, a barcaça abanou e Isabel perdeu um pouco de equilíbrio. Logo o braço de Robert rodeou a cintura dela, sem se preocupar com a multidão que estava a ver. Ela deixou-o abraçá-la e encostou-se para trás, para poder sentir o calor do corpo dele nas suas costas.
- Vinde ao meu quarto esta noite - murmurou ele no ouvido dela.
Ela voltou-se para lhe sorrir.
- vou ficar muito triste - sussurrou ela. - Mas não posso. É a minha altura do mês. Na próxima semana voltarei a ir ter convosco.
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Ele soltou um pequeno gemido de desapontamento.
- É bom que não demore muito - avisou ele. - Ou irei ao vosso quarto de dormir diante de toda a corte.
- Seríeis capaz de o fazer?
- Experimentai - aconselhou ele. - Vereis do que sou capaz.
No sábado à noite, Amy jantou com os seus anfitriões e comeu bem. Beberam à saúde da Rainha, nesta ocasião, a noite do seu aniversário, como faziam todas as famílias leais do país e Amy ergueu o seu copo e levou-o aos lábios, sem pestanejar.
- Pareceis estar melhor, Lady Dudley - disse amavelmente o Senhor Forster. - Fico feliz por vos ver bem de novo.
Ela sorriu e ele reparou na beleza dela, algo de que se esquecera, ao pensar nela como um fardo.
- Tendes sido, na verdade, um bondoso anfitrião - disse ela. E eu lamento ter vindo para vossa casa e ter ficado logo de cama.
- Foi um dia muito quente e uma viagem longa - disse ele. Eu também saí, nesse dia, e pude sentir o calor.
- Bem, em breve começará o frio - disse a Senhora Forster. Como o tempo passa depressa. Amanhã é a feira de Abingdon, vejam só, já?
- Tenho de ir a Didcot - disse o senhor Forster. - Há por lá alguns problemas com os dízimos da igreja. Prometi que iria ouvir o sermão do vigário e depois vou encontrar-me com ele e com o mordomo da igreja. vou jantar com ele e só estarei em casa ao fim da tarde, minha querida.
- Nesse caso, vou deixar os criados ir à feira - disse a senhora Forster. - Eles costumam ter folga no domingo da feira.
- Também ides? - perguntou Amy com súbito interesse.
- No domingo, não - disse a senhora Forster. - Ao domingo, vai toda a gente. Podemos ir lá, a cavalo, na segunda-feira, se quiserdes lá ir.
- Oh, vamos amanhã - disse Amy, subitamente animada. - Por favor, dizei que podemos ir. Gosto de ver a feira animada e cheia de gente. Gosto de ver os criados todos vestidos com as suas melhores roupas e de comprar fitas. É sempre melhor no primeiro dia.
- Ah, minha querida, não me parece - disse a Senhora Forster desconfiada. - Pode haver muita confusão.
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- Ah, ide - aconselhou o marido. - Um pouco de bulício não mata ninguém. Servirá para animar Lady Dudley. E se quiserem comprar fitas ou outra coisa qualquer, terão a possibilidade de as comprar, antes que se esgotem.
- A que horas devemos ir? - perguntou a senhora Oddingsell.
- Podemos ir por volta do meio-dia - sugeriu a senhora Forster.
- E podemos comer em Abingdon. Há uma estalagem bastante boa, se quiserdes comer lá.
- Sim - disse Amy. - Adoraria fazer isso.
- Óptimo, fico contente por vos ver outra vez com saúde e a querer sair de casa - disse bondosamente a senhora Forster.
No domingo de manhã, o dia em que todos tencionavam ir à feira, Amy desceu para o pequeno-almoço com um ar pálido, novamente doente.
- Dormi tão mal, estou demasiado maldisposta para poder ir disse ela.
- Oh, que pena! - disse a senhora Forster. - Precisais de alguma coisa?
- Acho que vou ficar a descansar - disse Amy. - Se conseguir dormir, tenho a certeza de que fico outra vez bem.
- Os criados já foram todos para a feira, por isso a casa vai ficar sossegada - prometeu a senhora Forster. - E eu mesma vos farei uma tisana e podereis almoçar no vosso quarto, na cama, se quiserdes.
- Não - disse Amy. - Deveis ir à feira, como estava combinado. Não quero que adieis a ida por minha causa.
- Nem pensar - disse a senhora Forster. - Não vos deixaremos sozinha.
- Eu insisto - disse Amy. - Vós tínheis vontade de ir e, como disse o Senhor Forster ontem, se quereis fitas ou outra coisa qualquer, o primeiro dia é sempre o melhor.
- Podemos ir todos amanhã, quando estiverdes melhor - propôs Lizzie.
Amy virou-se para ela.
- Não - disse Amy. - Não me haveis escutado? Acabei de o dizer. Quero que vão todos, como estava combinado. Eu fico cá, mas quero que vão todos. Por favor! A minha cabeça está a latejar tanto que não consigo discutir convosco. Vão embora, por favor!
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- Mas, ides almoçar sozinha? - perguntou a senhora Forster. Se formos todos?
- Almoçarei com a Sr.a Owen - disse Amy. - Se me sentir suficientemente bem. E encontrar-me-ei convosco quando voltarem para casa. Mas agora, tendes de ir!
- Muito bem - disse Lizzie, lançando um olhar de aviso à Senhora Forster. - Não vos enerveis tanto Amy, minha querida. Vamos todos e, à noite, contar-vos-emos tudo o que acontecer, quando tiverdes dormido um bom sono e vos sentirdes melhor.
A irritabilidade de Amy desapareceu imediatamente e ela sorriu.
- Obrigada, Lizzie - disse ela. - vou poder descansar, se souber que todos se estão a divertir na feira. E voltem só depois do jantar.
- Está bem - disse Lizzie Odclingsell. - E se encontrar fitas azuis bonitas que fiquem bem no vosso chapéu, compro-vos algumas.
A Rainha foi até à Capela Real do Castelo de Windsor e depois passeou no jardim, no domingo de manhã. Laetitia Knollys caminhava humildemente atrás dela, levando o seu xaile e um livro de poemas devotos, para o caso de a Rainha se querer sentar a ler.
Robert Dudley veio ao seu encontro, na altura em que ela parou a olhar para o rio, onde alguns pequenos botes navegavam, para cima e para baixo, até Londres, fazendo depois o caminho inverso.
Ele cumprimentou-a com uma vénia.
-" bom dia - disse ele. - Não estais cansada, depois da vossa festa de ontem?
- Não - disse Isabel. - Nunca me canso de dançar.
- Pensei que viésseis ter comigo, mesmo que tivésseis dito que não viríeis. Não consegui dormir sem vós.
Ela estendeu-lhe a mão.
- Ainda não acabou. Só demora mais um ou dois dias. Ele cobriu a mão dela com a sua.
- com certeza - disse ele. - Sabeis que nunca seria capaz de vos pressionar. E quando anunciarmos o nosso casamento e dormirmos na mesma cama todas as noites, só fareis o que desejardes. Não tendes nada a recear.
Isabel, que sempre pensara ter a capacidade de decidir tudo o que lhe apetecesse, por direito próprio, e não porque outra pessoa lho permitia, manteve-se perfeitamente calma.
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- Obrigada, meu amor - disse com doçura.
- Vamos dar um passeio? - perguntou ele. Ela abanou a cabeça.
- vou sentar-me a ler.
- Deixo-vos, então - disse ele. - Tenho um assunto para resolver, mas estarei de volta à hora do jantar.
- Onde ides?
- Apenas ver uns cavalos em Oxfordshire - disse ele vagamente.
- Duvido que valha a pena comprá-los, mas prometi ir vê-los.
- Num domingo? - disse ela com uma ligeira discordância.
- Só vou vê-los - disse ele. - Não é pecado olhar para um cavalo ao domingo, tenho a certeza. Ou será que sois um Papa muito severo?
- Serei um exigente Governante Supremo da Igreja - disse ela com um sorriso.
Ele inclinou-se para ela, como se lhe fosse beijar o rosto.
- Então, concedei-me o divórcio - murmurou ele ao ouvido dela.
Amy, sentada na casa silenciosa, ficou à espera que Robert chegasse, como ele prometera na carta. A casa estava completamente vazia, com excepção da idosa senhora Owen que tinha ido para o quarto dormir, depois de um almoço antecipado. Amy passeara no jardim e, depois, obedecendo às instruções da carta de Robert, tinha ido para o seu quarto na casa vazia.
A janela dava para o caminho e ela sentou-se no banco da janela e ficou à espera de ver o estandarte dos Dudley e o grupo de cavaleiros.
"Talvez ele se tenha zangado com ela", murmurou para si mesma. "Talvez ela se tenha cansado dele. Ou talvez ela tenha, finalmente, decidido casar-se com o arquiduque e tenham percebido que têm de se separar."
Ficou a pensar por algum tempo.
"Seja qual for a razão, tenho de o aceitar de volta, sem críticas. É o meu dever para com ele, como sua esposa." Deteve-se. Não conseguia impedir o coração de ter esperança. "De qualquer modo, seja qual for a razão, eu aceitá-lo-ia sem censuras. Ele é o meu marido, o meu amado, o único amor da minha vida. Se ele voltar
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para mim...", interrompeu o pensamento. "Nem consigo imaginar como ficaria feliz, se ele decidisse voltar para mim."
Ouviu os passos de um único cavalo e olhou lá para fora. Não era um dos cavalos de raça pura de Robert, nem era Robert, a cavalgar erecto e orgulhoso, com uma das mãos nas rédeas bem presas e a outra na anca, quem estava em cima do cavalo. Era um outro homem, muito inclinado sobre o pescoço do cavalo e com o chapéu puxado para baixo, cobrindo-lhe o rosto.
Amy esperou pelo toque do sino, mas só ouviu o silêncio. Pensou que ele se tivesse, talvez, dirigido para o pátio dos estábulos e que o iria encontrar vazio, já que todos os moços tinham ido para a feira. Levantou-se, pensando que talvez fosse melhor ir receber pessoalmente o desconhecido, uma vez que não havia criados na casa. Mas, nesse momento, a porta do seu quarto abriu-se sem ruído e um desconhecido, alto, entrou calmamente e fechou a porta atrás de si.
Amy ficou sem fala.
- Quem sois vós?
Ela não conseguia ver o rosto dele, pois ele mantinha o chapéu puxado para a frente, tapando-lhe os olhos. Tinha uma capa de lã azul escura, sem qualquer emblema que identificasse a sua patente. Ela não o reconheceu pela altura, nem pela sua robusta constituição física.
- Quem sois? - perguntou novamente, a voz aguda devido ao medo. - Respondei-me! E como vos atreveis a entrar no meu quarto?
- Sois Lady Amy Dudley? - perguntou ele numa voz grave e calma.
"- Sim.
- Esposa de Sir Robert Dudley?
- Sim. E vós sois?
- Ele mandou-me vir ao vosso encontro. Quer que vos encontreis com ele. Ele voltou a amar-vos. Olhai pela janela, ele está à vossa espera.
com um pequeno grito, Amy voltou-se para a janela e imediatamente o homem deu um passo na sua direcção, ficando por trás dela. Num movimento rápido, agarrou o queixo dela com uma mão e, num instante, torceu-lhe o pescoço para os lados e para cima. O pescoço quebrou com um estalo e ela afundou-se nas mãos dele, sem soltar um grito.
Ele pousou-a no chão, com o ouvido à escuta. Não se ouvia qualquer ruído dentro da casa. Ela mandara toda a gente embora, como lhe haviam dito que fizesse. Pegou nela, era leve como uma
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criança, o rosto ainda corado do momento em que acreditara que Robert tinha voltado para a amar. O homem segurou-a nos braços e levou-a com cuidado para fora do quarto, desceu a pequena e sinuosa escadaria de pedra, um lanço de meia dúzia de degraus, e colocou-a na base, como se ela tivesse caído.
Deteve-se e escutou mais uma vez. Nada, a casa estava silenciosa. A coifa de Amy tinha escorregado para a parte de trás da cabeça e o vestido estava todo enrodilhado, deixando-lhe as pernas à mostra. Sentiu que não a poderia deixar assim descomposta. com delicadeza, puxou-lhe as saias para baixo e voltou a colocar a coifa no seu devido lugar. A testa dela ainda estava quente e sentiu-lhe a pele macia, quando lhe tocou. Era como abandonar uma criança adormecida.
Sem fazer barulho, saiu pela porta que dava para o exterior. O cavalo estava amarrado do lado de fora. Levantou a cabeça quando o avistou, mas não relinchou. O homem fechou a porta atrás de si, montou o cavalo e virou as costas a Cumnor Place, dirigindo-se para Windsor.
O corpo de Amy foi encontrado por dois criados que tinham voltado da feira um pouco mais cedo que os restantes. Namoravam e tinham esperança de conseguir passar uma hora a sós. Quando entraram em casa, viram-na, deitada ao fundo das escadas, com as saias puxadas para baixo e a coifa muito direita na cabeça. A rapariga deu um grito e desmaiou, mas o rapaz pegou cuidadosamente em Amy e levou-a para a cama. Quando a senhora Forster chegou a casa, foram ter com ela ao portão e disseram-lhe que Lady Dudley estava morta, por ter caído pelas escadas abaixo.
- Amy!
Lizzie Oddingsell gritou o nome dela, desmontou do cavalo num salto e correu pelas escadas acima, até ao quarto de Amy.
Ela estava deitada em cima da cama, com o pescoço horrivelmente torcido, por isso, o seu rosto estava virado para a porta, embora os ombros estivessem direitos, pousados na cama. A expressão da sua face mostrava o vazio da morte e a pele estava fria como pedra.
- Oh, Amy, que haveis feito? - lamentou Lizzie. - Que fostes fazer? Nós teríamos encontrado uma solução, haveríamos de encontrar para onde ir. Ele ainda gostava de vós, nunca vos abandonaria
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de vez. Ele podia voltar. Oh, Amy, minha querida Amy, que haveis feito?
- Temos de enviar uma mensagem a Sir Robert. Que lhe devo dizer? - perguntou a senhora Forster a Lizzie Oddingsell. - Que devo escrever? Que lhe posso dizer?
- Dizei apenas que ela morreu - disse Lizzie furiosa. - Ele pode cá vir, se quiser saber porquê ou como!
A Senhora Forster escreveu uma breve nota e enviou-a para Windsor, pelo seu criado John Bowes.
- Certificai-vos de que a entregais em mão a Sir Robert, e a mais ninguém - avisou ela, com a desconfortável sensação de que todos eles estavam no centro de um enorme escândalo, prestes a rebentar. - E não deveis falar com ninguém sobre este assunto. Deveis voltar para casa imediatamente, sem falar com qualquer outra pessoa que não seja ele.
Às nove horas da manhã de segunda-feira, Robert Dudley dirigiu-se a passos largos para os aposentos da Rainha e entrou por lá dentro, sem olhar para nenhum dos seus amigos e companheiros que estavam por ali a conversar.
Caminhou até ao trono e fez uma vénia.
- Tenho de falar convosco em privado - disse ele sem qualquer preâmbulo. Laetitia Knollys reparou que a mão dele agarrava o chapéu com tanta força, que os nós dos dedos dele brilhavam, de tão brancos.
Isabel apercebeu-se da tensão no rosto dele e levantou-se imediatamente.
- com certeza - disse ela. - Vamos caminhar?
- No vosso quarto - disse ele rigidamente.
Os olhos dela abriram-se ao ouvir o tom da voz dele, mas deu-lhe o braço e seguiram os dois através da porta, em direcção aos aposentos privados.
- Bem - notou uma das damas de companhia, baixinho. Cada dia se parece mais com um marido. Um dia destes vai dar-nos ordens, como faz com ela.
- Aconteceu alguma coisa - alvitrou Laetitia.
- Que disparate - disse Mary Sidney. - Deve ser um cavalo, ou outra coisa qualquer. Ele ontem foi a Oxfordshire ver um cavalo.
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Mal a porta foi fechada atrás deles, Robert enfiou a mão no gibão e retirou de lá uma carta.
- Acabei de receber isto - disse ele imediatamente. - Veio de Cumnor Place, onde Amy tem estado hospedada com uns amigos meus. Amy, a minha mulher, está morta.
- Morta? - disse Isabel muito alto. Tapou a boca com a mão e olhou para Robert. - Morta, como?
Ele abanou a cabeça.
- A carta não diz - disse ele. - Foi a senhora Forster que a enviou, e a idiota da mulher apenas diz que lamenta informar-me que Amy morreu hoje. A carta tem a data de domingo. O meu criado vai a caminho, para saber o que se passou.
- Morta? - repetiu ela.
- Sim - disse ele. - E por isso, agora estou livre. Ela soltou um pequeno suspiro e cambaleou.
- Livre. Pois claro que estais.
- Deus sabe que eu não desejava que ela morresse - disse ele apressadamente. - Mas a morte dela libertou-nos, Isabel. Podemos anunciar o nosso compromisso. Serei rei.
- Nem sei o que dizer - disse ela. Quase não conseguia respirar.
- Nem eu - disse ele. - Uma mudança tão brusca e tão inesperada.
Ela abanou a cabeça.
- É inacreditável. Eu sabia que ela não estava bem de saúde...
- Eu pensava que ela estava bastante bem - disse ele. - E ela nunca se queixou de mais nada a não ser de uma ligeira dor. Não sei o que pode ter sido. Talvez tenha caído do cavalo?
- É melhor irmos lá para fora - disse Isabel. - Alguém há-de trazer as notícias à corte. Seria melhor não estarmos juntos nessa altura. Toda a gente vai ficar a olhar para nós a imaginar o que estaremos a pensar.
- Sim - disse ele. - Mas eu tinha de vos dizer imediatamente.
- Certamente, eu compreendo. Mas agora temos de sair daqui. De repente, ele agarrou-a e deu-lhe um profundo e ávido
beijo.
- Daqui a pouco, todos ficarão a saber que sois a minha mulher
- prometeu-lhe ele. - Governaremos a Inglaterra juntos. Estou livre, e a nossa vida a dois começa neste momento!
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- Sim - disse ela, afastando-se dele. - Mas seria melhor irmos lá para fora.
Ele voltou a olhá-la, quando chegaram à porta.
- Parece que foi por vontade de Deus - disse ele pensativo. Ela ter morrido, e ter-me deixado livre, no preciso momento em que estamos preparados para nos casarmos, quando o país está em paz e nós temos tantas coisas para fazer. Isto é obra de Deus; é maravilhoso, aos nossos olhos.
Isabel reconheceu as palavras que tinha proferido, aquando da sua subida ao trono.
- Pensais que esta morte vos fará rei - disse ela, pondo-o à prova. - Assim como a morte de Maria fez de mim rainha.
Robert assentiu com a cabeça, de rosto radiante e feliz.
- Seremos o Rei e a Rainha da Inglaterra juntos - disse ele. E construiremos uma Inglaterra tão gloriosa como Camelot.
- Sim - disse ela com os lábios frios. - Mas agora temos de ir.
Na antecâmara, Isabel olhou em volta, à procura de Cecil, e, quando ele entrou, fez-lhe sinal para que se aproximasse. Sir Robert estava no vão de uma das janelas, conversando casualmente com Sir Francis Knollys acerca do comércio com a Holanda espanhola.
- Sir Robert acabou de me dizer que a mulher dele morreu disse ela, cobrindo parcialmente a boca com a mão.
- É um facto - disse Cecil sem vacilar, o seu rosto era como uma máscara para todos os cortesãos que o observavam.
- Ele diz não saber qual foi a causa. Cecil abanou a cabeça.
- Cecil, que diabo se está a passar? Eu disse ao embaixador espanhol que ela estava doente, como me haveis dito para fazer. Mas isto foi demasiado súbito. Ele assassinou-a? Vai afirmar que lhe pertenço e eu não lhe poderei dizer que não.
- Se fosse a vós, esperaria para ver - disse Cecil.
- Mas o que devo fazer? - perguntou ela preocupada. - Ele diz que vai ser o Rei da Inglaterra.
- Não façais nada, para já - disse Cecil. - Esperai para ver. Abruptamente, ela dirigiu-se para o vão de uma janela, arrastando-o com ela.
- Quero que me conteis o resto - exigiu ela com agressividade.
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Cecil aproximou a boca do ouvido dela e murmurou baixinho. Isabel manteve-se de costas para a corte, olhando para fora, pela janela.
- Muito bem - disse a Cecil, voltando-se novamente para a corte.
- Que surpresa - anunciou ela. - Estou a ver ali Sir Nielson. bom dia, Sir Nielson. Como vão os negócios em Somerset?
Laetitia Knollys estava de pé diante da secretária de Sir William Cecil, enquanto o resto da corte aguardava que os chamassem para o almoço.
- Sim?
- Dizem que Robert Dudley vai assassinar a esposa e que a Rainha sabe de tudo.
- Dizem? E porque estão eles a dizer uma mentira tão caluniosa? Será porque fostes vós quem a lançou?
Sir William sorriu-lhe e voltou a pensar que aquela rapariga era uma verdadeira Bolena; a rapidez da inteligência Bolena, aliada à encantadora indiscrição dos Howard.
- Eu?
- Alguém vos ouviu comentar com o embaixador espanhol que a Rainha estaria perdida se casasse com Dudley, e que vós não a conseguíeis impedir, uma vez que ela está determinada a fazê-lo Laetitia marcou o primeiro ponto, com o dedo magro.
- E?
- Depois, a Rainha diz ao embaixador espanhol, e eu mesma o ouvi, que Amy Dudley está morta.
- Disse? - Cecil fez um ar surpreendido.
- Ela disse "morta ou quase" - afirmou Laetitia, repetindo as palavras da Rainha. - Portanto, todos pensam que estamos a ser preparados para a notícia da sua morte, devida a alguma misteriosa doença e que, quando ela chegar, eles vão anunciar o seu noivado e o viúvo, Robert Dudley, será o próximo rei.
- E, então, o que pensam todos que vai acontecer? - perguntou Cecil educadamente.
- Isso, ninguém se atreve a dizer em voz alta, mas alguns homens seriam capazes de apostar convosco em como o tio dela virá de Newcastle, à frente do exército inglês, para o matar.
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- A sério?
- E outros pensam que vai surgir uma revolução, apoiada pelos Franceses, para colocar Maria, Rainha dos Escoceses, no trono.
- Sinceramente.
- E outros estão convencidos de que haverá uma revolta apoiada pelos Espanhóis, para colocar Katherine Grey no trono e afastar Maria.
- Que previsões tão drásticas - queixou-se Cecil. - Parecem cobrir todas as possibilidades. E vós que pensais?
- Parece-me que tendes um plano na manga, que evidencia estes perigos para o Reino - disse ela, dirigindo-lhe um sorriso cúmplice.
- Esperemos que tenha - disse ele. - Porque estes perigos são muito sérios.
- Credes que ele vale assim tanto? - perguntou-lhe Laetitia de repente. - Ela está a arriscar o trono para ficar com ele, embora seja a mulher mais fria que eu conheço. Não vos parece que ele deve ser o mais extraordinário dos amantes, para que ela arrisque tanto?
- Não sei - disse Cecil desanimadamente. - Nem eu, nem qualquer outro homem na Inglaterra, o achamos completamente irresistível. Pelo contrário.
- Pois, só nós, raparigas tontas - disse ela a sorrir.
Isabel fingiu estar doente durante a tarde; não suportava ficar a sós com Robert, cujo júbilo era difícil de esconder. Além disso, ela esperava que, a qualquer hora, chegasse uma mensagem de Cumnor Place que trouxesse à corte as notícias da morte de Amy. Mandou avisar que jantaria sozinha, no seu quarto, e que se deitaria cedo.
- Podeis dormir no meu quarto, Kat - disse ela. - Quero a vossa companhia.
Kat Ashley reparou na palidez da sua senhora e no tom vermelho da pele, nos sítios onde ela começara a esgravatar as unhas.
- O que aconteceu, agora? - perguntou ela.
- Nada - disse Isabel abruptamente. - Nada. Apenas preciso de descansar.
Mas não conseguiu descansar. Ainda estava acordada quando amanheceu, sentada à sua secretária, com a gramática de latim à sua frente, traduzindo um ensaio sobre a vaidade da fama.
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- Para que estais a fazer isso? - perguntou-lhe Kat, ensonada, levantando-se da cama.
- Para evitar pensar noutra coisa qualquer - disse, sombriamente, Isabel.
- Que se passa? - perguntou Kat. - O que aconteceu?
- Não posso dizer - respondeu Isabel. - É tão mau que nem a vós posso contar.
Foi à capela, de manhã, e depois voltou para os seus aposentos. Robert caminhou ao lado dela, quando regressavam da capela.
- O meu criado escreveu-me uma longa carta para me contar o que aconteceu - disse ele calmamente. - Parece que Amy caiu pelas escadas abaixo e partiu o pescoço.
Por alguns segundos, Isabel empalideceu, mas depois recuperou.
- Pelo menos foi rápido - disse ela.
Um homem curvou-se diante dela e Isabel deteve-se, estendendo-lhe a mão. Robert afastou-se, e ela continuou sozinha.
Na sua sala de vestir, Isabel mudou para uma roupa própria para andar a cavalo, duvidando que alguém pudesse realmente ir à caça. As damas da corte estavam à sua volta quando, por fim, Kat entrou na sala e disse:
- Sir Robert Dudley está lá fora, na antecâmara. Diz que tem algo para vos contar.
Isabel ergueu-se
- Iremos ter com ele.
Na sua maioria, a corte estava vestida para ir à caça e ouviu-se um murmúrio de surpresa, quando as pessoas repararam que Robert não trajava roupas de caça, mas estava vestido de um negro sombrio. Quando a Rainha entrou, com as suas damas, ele fez uma vénia, endireitou-se e disse, perfeitamente controlado:
- Vossa Graça, devo anunciar-vos a morte da minha esposa. Ela faleceu no domingo, em Cumnor Place, que descanse em paz.
- Santo Deus! - exclamou o embaixador espanhol.
Isabel olhou para ele, com olhos tão brilhantes como azeviche polido. Ergueu a mão. Imediatamente a corte se acalmou e toda a gente se juntou, para ouvir de perto o que ela iria dizer.
- Tenho muita pena de vos anunciar a morte de Lady Amy Dudley, no domingo, em Cumnor Place, Oxfordshire - disse Isabel sem hesitação, como se o assunto não tivesse muito a ver consigo.
Ficou à espera. A corte ficou completamente silenciosa, toda a gente aguardando para ver se ela acrescentava mais qualquer coisa.
- Será feito luto por Lady Amy Dudley - disse Isabel secamente, virando-se para o lado, para falar com Kat Ashley.
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Irresistivelmente, o embaixador espanhol, De Quadra, deu por si a mover-se em direcção a ela.
- Que notícias tão trágicas - disse ele, curvando-se sobre a mão dela. - E tão de repente.
- Foi um acidente - disse Isabel, tentando permanecer serena.
- Trágico. Verdadeiramente lamentável. Ela deve ter caído pelas escadas abaixo e partiu o pescoço.
- De facto - disse ele. - Que fatalidade tão estranha.
Só à tarde é que Robert foi novamente ter com Isabel. Encontrou-a no jardim, com as suas damas, antes do jantar.
- vou ter de me afastar da corte para fazer o luto - disse ele com um ar grave. - Parece-me que devo ir para a Dairy House, em Kew, Podeis ir lá ver-me, com facilidade, e eu posso vir ter convosco.
Ela enfiou a mão no braço dele.
- Muito bem. Mas porque estais com esse ar tão estranho, Robert? Não estais triste, pois não? Não vos importais, pois não?
Ele olhou para o lindo rosto dela como se, de repente, ela se tivesse transformado numa estranha.
- Isabel, ela foi minha mulher durante onze anos. É claro que estou a sofrer por causa dela.
Ela fez um pequeno gesto de amuo.
- Mas estáveis desesperado por a pôr de lado. Estáveis disposto a divorciar-vos dela, por minha causa.
- Sim, de facto. Tê-lo-ia feito e isto é melhor para nós do que o escândalo de um divórcio. Mas nunca seria capaz de lhe desejar a morte.
- Todo o país pensava que ela já estava meio morta, nos últimos dois anos - disse ela. - Todos diziam que estava muitíssimo doente.
Ele encolheu os ombros.
- As pessoas falam. Não percebo porque é que todos julgavam que ela estava doente. Ela viajava, andava a cavalo. Não estava doente, apenas muito infeliz, nestes últimos dois anos; e isso por minha culpa.
Ela ficou irritada e deixou que ele se apercebesse disso.
- Santa paciência, Robert! Não ides apaixonar-vos por ela, agora que ela morreu! Não lhe ides encontrar agora virtudes que antes não apreciáveis!
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- Eu amei-a, quando ela era uma jovem e eu um rapazinho disse ele com fervor. - Ela foi o meu primeiro amor. E ficou ao meu lado todos os anos que duraram os meus problemas e nem uma vez se queixou dos perigos e das dificuldades que eu lhe trouxe. E quando vós subistes ao trono e eu voltei a ser quem era, ela nunca exprimiu uma queixa contra vós.
- E porque haveria ela de se queixar de mim? - exclamou Isabel. - Como se atreveria a queixar-se de mim?
- Ela era ciumenta - disse ele com sinceridade. - E sabia que tinha motivos. E não recebeu de mim um tratamento muito honesto, nem generoso. Queria que ela me concedesse o divórcio e fui cruel com ela.
- E agora que ela morreu, estais arrependido, mesmo que continuásseis a ser cruel, se estivesse viva - escarneceu ela.
- É verdade - disse ele com honestidade. - Imagino que qualquer mau marido diria o mesmo: que sabe que deveria ser melhor do que é. Mas hoje sinto-me infeliz, por causa dela. Fico contente por estar solteiro, obviamente, mas não queria que ela tivesse morrido. Pobre inocente! Ninguém quereria que ela morresse.
- Não estais a dar muito boa imagem de vós mesmo - disse Isabel com aridez, chamando mais uma vez a atenção dele para o namoro dos dois. - Não me parece nada que sejais um bom marido!
Pela primeira vez, Robert não lhe respondeu. Ficou a olhar para longe, para o rio, com um ar pensativo.
- Não - disse ele. - Não fui um bom marido para ela, e Deus sabe que ela era a mais doce e a melhor das esposas que um homem pode ter.
Houve um ligeiro burburinho entre os cortesãos que estavam em volta deles, pois um mensageiro, vestido com a libré dos Dudley, entrara no jardim, parando do lado de fora do círculo formado pela corte. Dudley voltou-se e, vendo o homem, dirigiu-se a ele, com a mão estendida para receber a carta que ele mostrava.
Os atentos cortesãos viram Dudley pegar na carta, partir o selo, abri-la e começar a empalidecer, à medida que lia as palavras.
Isabel foi imediatamente para junto dele e todos se afastaram para a deixar passar.
- Que se passa? - perguntou ela preocupada. - Tende cuidado! Estão todos a observar-vos.
- Vai haver um inquérito - disse ele, quase sem mover os lábios, a voz, pouco mais do que um murmúrio. - Estão todos a dizer que não se tratou de um acidente. Toda a gente pensa que Amy foi assassinada.
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Thomas Blount, o encarregado de Robert Dudley, dirigiu-se a Cumnor Place logo no dia a seguir à morte de Amy e interrogou todos os criados, um a um. Meticulosamente, transmitiu a Robert que todos consideravam que Amy tivera um comportamento estranho, mandando para a feira todas as pessoas da casa, no domingo de manhã, embora a sua acompanhante, a Sr.a Oddingsell, e a Sr.a Forster, não tivessem mostrado vontade de ir.
- Não deveis voltar a mencionar isso - escreveu-lhe Robert Dudley em resposta, pensando que não gostaria de ver a sanidade mental da mulher posta em causa, sabendo que a tinha levado ao desespero.
Obedientemente, Thomas Blount não voltou a referir-se ao estranho comportamento de Amy. Mas disse que a criada de Amy, a Sr.a Pirto, afirmara que Amy tinha andado completamente desesperada, rezando pela sua própria morte, em várias ocasiões.
- Não é necessário mencionar isso, também - respondeu Robert Dudley, por escrito. - Haverá algum inquérito? Será que se pode confiar um assunto tão delicado aos homens de Abingdon?
Thomas Blount, que conseguia perceber bastante bem a letra arrevesada do seu amo, respondeu que, naquela parte do mundo, não havia qualquer preconceito contra os Dudley, e que a senhora Forster tinha uma boa reputação. Não se iria tirar a conclusão apressada de que se tratara de um homicídio: mas, era óbvio, que devia ser o que todos pensavam. Uma mulher não morre só por cair numa escada de pedra com apenas seis degraus, e não morre de uma queda que não lhe altera a posição da coifa, nem lhe desarranja as saias. Todos pensavam que alguém lhe tinha quebrado o pescoço e que a deixara no chão. Os factos apontavam para um homicídio.
- Estou inocente! - disse simplesmente Dudley à Rainha, na câmara do Conselho Privado do Castelo de Windsor, um local assustador para se falar de assuntos tão privados. - Meu Deus, alguma vez eu cometeria o pecado de fazer uma coisa destas a uma esposa virtuosa? E se o tivesse feito, seria assim tão louco que o
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fosse fazer de um modo tão desajeitado? Deve haver milhares de formas melhores de matar uma mulher e fazê-lo parecer um acidente do que quebrar-lhe o pescoço e deixá-la ao fundo de meia dúzia de degraus. Eu conheço aquelas escadas, e não têm nada de especial. Ninguém partiria o pescoço por cair por elas abaixo. Não partiria, sequer, um tornozelo; quando muito, ficaria com uma ligeira contusão. Credes que eu seria capaz de arranjar as saias de uma mulher que tivesse assassinado? Que lhe voltaria a colocar a coifa no lugar, prendendo-a com alfinetes? Julgais que sou algum idiota, para além de criminoso?
Cecil estava de pé, junto da Rainha. Ambos olhavam para Dudley em silêncio, como juizes pouco amistosos.
- Tenho a certeza de que o inquérito vai descobrir quem o fez
- disse Isabel. - E o vosso nome ficará limpo. Mas, entretanto, tereis de vos retirar da corte.
- Ficarei arruinado - disse Dudley, perturbado. - Se me obrigardes a partir, irá parecer que suspeitais de mim.
- É claro que não suspeito! - disse Isabel, olhando para Cecil que abanou a cabeça, concordando. - Nós-não suspeitamos de vós. Mas é da tradição que alguém acusado de um crime tenha de se afastar da corte. Sabeis disso tão bem quanto eu.
- Eu não fui acusado! - disse ele ameaçador. - Estão a realizar um inquérito e não apresentaram nenhum veredicto de crime. Ninguém sugere que eu a tenha matado.
- Na verdade, toda a gente pensa que vós a haveis assassinado
- evidenciou Cecil, para a tentar ajudar.
- Mas se me mandardes para fora da corte, estareis a mostrar que também me considerais culpado - disse Dudley, dirigindo-se directamente a Isabel. - Eu tenho de ficar na corte, ao vosso lado, e assim dará a ideia de que sou inocente e que vós acreditais na minha inocência.
Cecil deu meio passo em frente.
- Não - disse ele, com suavidade. - Vai surgir um escândalo pavoroso, qualquer que seja o veredicto resultante do inquérito. Haverá um escândalo capaz de abalar a própria Cristandade, quanto mais o país. O escândalo vai ser de tal ordem que apenas o facto de uma pontinha dele poder afectar o trono, já será o suficiente para destruir a Rainha. Não podeis ficar ao lado dela. Ela não pode ser usada como prova da vossa inocência. O melhor que temos a fazer é seguir as normas. Vós ireis para Dairy House, para cumprir o período de luto e esperar pelo veredicto, e nós, tentaremos controlar os mexericos aqui.
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- Há sempre mexericos! - disse Robert, como último recurso.
- E nós sempre os ignorámos.
- Mas nunca como estes - afirmou Cecil, convicto. - Dizem que haveis assassinado a vossa esposa a sangue-frio, que vós e a Rainha tendes um noivado secreto e que o ireis anunciar durante o funeral da vossa esposa. Se o inquérito vos considerar culpado de homicídio, muitos irão pensar que a Rainha foi vossa cúmplice. Deus permita que não fiqueis desonrado, Sir Robert, e que a Rainha não acabe por ficar destruída, juntamente convosco.
Ele estava branco como o tecido da sua gola de folhos.
- Não posso ser desonrado por algo que nunca seria capaz de fazer - disse ele por entre lábios quase cerrados. - Mesmo que me sentisse tentado, nunca faria nada que pudesse ferir Amy.
- Nesse caso, não deveis, certamente, ter nada a temer - disse Cecil suavemente. - E quando descobrirem o assassino dela, e ele confessar, o vosso nome ficará limpo.
- Vinde comigo - ordenou Robert à sua amante. - Preciso de falar convosco a sós.
- Ela não pode - determinou Cecil. -Já parece demasiado culpada. Não pode ser vista a cochichar com um homem suspeito de ter assassinado uma esposa inocente.
Abruptamente, Robert curvou-se diante de Isabel e abandonou a sala.
- Santo Deus, Cecil, eles não vão atirar as culpas para cima de mim, pois não? - perguntou ela.
- Não, se repararem que vos haveis distanciado dele.
- E se chegarem à conclusão que ela foi assassinada e pensarem que foi ele que o fez?
- Nesse caso, terá de ser julgado e, se for considerado culpado, enfrentará a execução.
- Ele não pode morrer! - exclamou ela. - Não consigo viver sem ele. Vós sabeis que eu não posso viver sem ele! Vai ser uma desgraça, se chegarmos a esse ponto.
- Teríeis sempre a possibilidade de lhe conceder um perdão disse ele calmamente. - Se for caso disso. Mas não vai ser necessário. Posso garantir-vos que não o vão considerar culpado. Duvido que encontrem alguma prova que o associe ao crime, a não ser a sua indiscrição e a convicção geral de que ele gostaria de ver a esposa morta.
- Parecia desfeito - disse ela com pena.
- De facto, parecia. Vai ser difícil para ele, pois é um homem muito orgulhoso.
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- Não suporto saber que ele tem de sofrer assim tanto.
- Não se pode evitar - afirmou Cecil animado. - Aconteça o que acontecer a seguir, independentemente do que o inquérito determinar, o orgulho dele ficará de rastos e será sempre conhecido como o homem que quebrou o pescoço da esposa, na vã tentativa de se tornar rei.
Em Abingdon, os jurados prestaram o seu juramento e começaram a ouvir os factos relacionados com a morte de Lady Amy Dudley. Ouviram dizer que ela tinha insistido para que todos fossem para a feira, para poder ficar sozinha em casa. Ficaram a saber que ela tinha sido encontrada morta, ao fundo de um pequeno lanço de escadas. Os criados asseveraram que a coifa estava perfeitamente colocada na cabeça dela e que as saias estavam puxadas para baixo, na altura em que pegaram nela e a levaram para a cama.
Na bonita Dairy House, em Kew, Robert tinha mandado fazer os seus trajes de luto, mas não conseguia ficar quieto, enquanto o homem lhe fazia as provas.
- Onde está o Jones? - perguntou ele. - Ele faz isto muito mais depressa.
- O Sr. Jones não pôde vir - o homem acocorou-se sobre os calcanhares, falando com a boca cheia de alfinetes. - Pediu-me para vos transmitir as suas desculpas. Eu sou o ajudante dele.
- O meu alfaiate não veio, quando eu o mandei chamar? repetiu Robert, como se não quisesse acreditar naquelas palavras. O meu próprio alfaiate recusou-se a trabalhar para mim? - Meu Deus, já me devem estar a imaginar a meio do caminho para a Torre, de novo; se nem o meu alfaiate pessoal se preocupa com o meu fato, então, é porque pensam que eu já estou a caminho do cadafalso, por homicídio.
- Senhor, por favor, deixai-me colocar os alfinetes - disse o homem.
- Deixai ficar como está - disse Robert irritado. - Levai outro casaco, um casaco antigo, e fazei um igual. Não aguento mais ficar aqui de pé, enquanto espetam essa maldita cor de corvo em volta de mim. E podeis dizer a Jones que, na próxima vez em que eu precisar de uma dúzia de fatos novos, não me vou esquecer que ele não quis cá vir hoje.
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Cheio de impaciência, arrancou fora o casaco meio provado e atravessou a pequena sala, em duas largas passadas.
"Já passaram dois dias e ela ainda não deu notícias", pensou ele. "Deve acreditar que fui eu. Deve pensar que sou tão perverso, que seria capaz de algo semelhante. Deve imaginar que sou um homem capaz de matar uma esposa inocente. Porque quereria ela casar com um homem desses? E haverá sempre à sua volta quem se apresse a assegurar-lhe que sou um homem desse tipo."
Fez uma pausa.
"Mas se ela tivesse sido acusada, eu ficaria ao seu lado", pensou. "Não me importaria se ela era culpada ou não. Não suportaria saber que ela estava só e assustada, sentindo que não tinha um amigo no mundo.
"E ela sabe que isso já me aconteceu, que já fui acusado antes. Sabe que tive de enfrentar um veredicto de morte, sem qualquer amigo para me apoiar. Prometemos um ao outro que nenhum de nós se voltaria a sentir tão só outra vez."
Robert deteve-se junto da janela; o frio do vidro, sob os seus dedos, provocou-lhe um enorme arrepio, embora não se recordasse do motivo pelo qual essa sensação era tão horrível.
- Meu Deus - disse em voz alta. - Mais alguns problemas como este, e eu acabarei a gravar o meu brasão na frente de uma lareira, como aconteceu quando estive com os meus irmãos na Torre. Voltei a descer tão baixo. Tão baixo, de novo.
Encostou a cabeça ao vidro, quando um movimento no rio despertou a sua atenção. Colocou as mãos por cima dos olhos, para conseguir ver melhor, através do vidro espesso. Era uma barcaça, e o fàmborileiro marcava o compasso, para que todos os remadores mantivessem o mesmo ritmo. Apurou a vista e reparou que a barcaça trazia a bandeira, o estandarte real. Era a barcaça real.
- Meu Deus, ela veio! - disse ele, sentindo imediatamente o coração a bater com força. - Eu sabia que ela viria. Sabia que nunca me iria abandonar, por mais que isso lhe pudesse vir a custar, por maior que fosse o perigo, iríamos enfrentar tudo juntos. Sabia que ela ficaria sempre do meu lado. Sabia que me seria fiel e me amaria. Não duvidei disso, nem por um momento.
Escancarou a porta e saiu da sala a correr, atravessando a porta que dava para o rio e o bonito pomar onde, apenas dezasseis meses atrás, servira a Isabel o pequeno-almoço do Primeiro de Maio.
- Isabel! - gritou ele, correndo ao longo do pomar, em direcção ao ancoradouro.
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Era a barcaça real, mas não era Isabel quem descia da barca para o ancoradouro. Dudley parou, subitamente agoniado de desapontamento.
- Oh, Cecil - disse ele.
William Cecil desceu os degraus de madeira e veio ter com ele, estendendo-lhe a mão.
- Vá lá! - disse ele bondosamente. - Não deveis ficar assim. Ela desejou-vos as maiores felicidades.
- Não viestes para me prender?
- Santo Deus, não - disse Cecil. - É apenas uma visita de cortesia, para vos trazer os melhores votos da Rainha.
- Os melhores votos? - disse Robert abatido. - Só isso? Cecil assentiu com a cabeça.
- Ela não pode dizer mais nada, vós sabeis disso. Os dois homens voltaram-se e caminharam em direcção à casa.
- Sois o único homem da corte que me veio visitar - disse Robert quando entravam na casa, o ruído das suas botas ecoando no soalho de madeira, no meio do silêncio. - Pensai nisto! Das centenas de amigos e admiradores que se juntavam todos os dias, em bandos, à minha volta, quando eu estava no centro da corte, de todos esses milhares que se sentiam muito orgulhosos por me considerarem seu amigo e os que se gabavam de me conhecer, mesmo quando eu mal sabia quem eram... sois a única visita que recebi aqui.
- É um mundo inconstante - concordou Cecil. - E os verdadeiros amigos são poucos e raras vezes se encontram.
- Raras vezes? Comigo nunca, pois não tenho nenhuns amigos verdadeiros, pelo que estou a ver. A evidência mostra que vós sois o meu único amigo verdadeiro - disse Dudley secamente. - E há apenas um mês, as perspectivas não eram muito em vosso favor.
Cecil sorriu.
- Bem, lamento ver-vos tão arrasado - disse ele com franqueza.
- E tenho pena de vos encontrar com o coração tão pesado, a provar as vossas roupas de luto. Tendes tido algumas notícias de Abingdon?
- Quase me atrevo a dizer que sabeis mais do que eu - disse Robert, consciente da formidável rede de espiões que Cecil possuía.
- Mas escrevi ao meio-irmão de Amy e pedi-lhe que fosse lá e se certificasse de que o júri faria todos os possíveis por descobrir os factos. Também escrevi ao presidente do júri e roguei-lhe que dissesse o nome de quem quer que tenha feito uma coisa destas, seja ele quem for, sem medo ou favorecimento. Quero que se descubra a verdade.
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- Insistis em querer saber?
- Cecil, não fui eu. Então, quem foi? É muito fácil para os outros pensarem que houve um crime e que eu tenho sangue nas mãos. Mas eu sei, como mais ninguém pode saber, que não fui eu. Assim, se não fui eu, quem poderia ter feito algo semelhante? Que interesses sairiam beneficiados com a morte dela?
- Não acreditais que se tratou de um acidente? - perguntou Cecil.
Robert soltou uma breve gargalhada.
- Santo Deus, bem gostaria de acreditar nisso, mas como é possível? Um lanço tão curto de escadas, e o facto de ela ter mandado toda a gente embora durante todo o dia? O meu pior e mais constante receio é que ela se tenha ferido a si própria, que tenha tomado algum veneno ou alguma droga para dormir e que depois se tenha atirado pelas escadas, de cabeça para baixo, para fazer parecer que se tratou de um acidente.
- Credes que ela se sentia tão infeliz que teria sido capaz de se matar? Eu julgava que ela era demasiado devota para fazer uma coisa dessas. Não iria, certamente, pôr a sua alma imortal em perigo, mesmo tendo o coração destroçado.
Robert baixou a cabeça.
- Que Deus me perdoe, pois fui eu quem lhe destroçou o coração - disse ele baixinho. - E, se ela acabou com a própria vida, então, o amor dela por mim, custou-lhe um lugar no Céu, bem como a felicidade na Terra. Eu fui injusto para com ela, Cecil, mas juro por Deus, nunca pensei que tudo pudesse terminar assim.
- Estais mesmo convencido de que a haveis levado a acabar com a própria vida?
- Não consigo pensar noutra coisa.
com gentileza, Cecil tocou o ombro do jovem.
- É um fardo pesado, Dudley - disse ele. - Não consigo pensar em nada mais vergonhoso.
Robert concordou.
- Isto deixou-me de rastos - disse baixinho. - Tão de rastos que não sei como me erguer outra vez. Penso nela e recordo-a quando a vi pela primeira vez e me apaixonei por ela, e chego à conclusão de que pertenço àquele tipo de loucos que colhem uma flor para colocar na botoeira do casaco e depois a deixam cair e ficar para ali a morrer, por descuido frívolo. Eu colhi-a como a uma prímula, era assim que a minha mãe lhe chamava, depois cansei-me dela, e abandonei-a como uma criança egoísta; e agora ela está morta e nunca poderei pedir-lhe perdão.
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Fez-se um longo silêncio.
- E o pior de tudo - disse Dudley com gravidade. - É que nunca lhe vou poder dizer que lamento tê-la magoado tão profundamente. Só pensava em mim, passava o tempo a pensar na Rainha, correndo atrás da minha maldita ambição, sem me preocupar com o que lhe estava a fazer. Deus me perdoe, mas afastei-a do meu pensamento e ela transformou as minhas palavras em realidade, indo-se embora, e nunca mais a verei, nunca mais lhe poderei tocar ou ver o seu sorriso. Disse-lhe que não a queria mais e, agora, não a tenho.
- vou deixar-vos - disse Cecil calmamente. - Não vim aqui para me intrometer na vossa dor, mas para vos dizer que, no mundo inteiro, tendes, pelo menos, um amigo.
Dudley ergueu a cabeça e estendeu a mão a Cecil. O homem mais velho apertou-a com força.
- Coragem - disse-lhe.
- Não tenho palavras para exprimir o meu agradecimento pela vossa vinda - afirmou Robert. - Podereis transmitir à Rainha as minhas saudações? Pedi-lhe que me deixe voltar para a corte, mal o veredicto seja tornado público. Não vou para lá dançar, durante algum tempo, Deus sabe, mas sinto-me muito só aqui, Cecil. É o exílio, para além do luto.
- Intercederei por vós, junto dela - assegurou-lhe Cecil. - E vou rezar por vós e pela alma de Amy. Lembro-me dela no dia do vosso casamento, radiante de felicidade; ela amava-vos tanto e considerava que éreis o melhor homem do mundo.
Dudley assentiu com a cabeça.
- Deus me perdoe, por lhe ter provado que não era verdade.
Castelo de Windsor
Memorando para a Rainha
Sábado, 14 de Setembro de 1560
1. O júri pronunciou-se por um veredicto de morte acidental de Amy Dudley e, por isso, Sir Robert poderá retomar os seus deveres na corte, se o desejardes.
2. O escândalo da morte da sua esposa ficará para sempre ligado ao seu nome. "Ele sabe que será assim, e todos nós também. Não devereis, nunca,
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?por palavras ou actos, dar-lhe a entender que esta mácula poderá vir a ser ultrapassada.
3. Assim, ficareis a salvo de Qualquer nova proposta de casamento por parte dele.. Se tiverdes de continuar com o vosso romance, terá de ser na maior discrição, senhora, ele irá compreender.
4. A questão do vosso casamento terá de ser resolvida com urgência: sem um filho e herdeiro, estamos todos a trabalhar para nada.
5. Amanhã, levar-vos-ei uma nova proposta do arquiduque que, penso, vos será muito vantajosa. Sir Robert não poderá, agora, opor-se a esse casamento.
Thomas Blount, o homem de confiança de Dudley, estava de pé, ao fundo da igreja da Santa Virgem Maria, em Oxford, e viu o estandarte dos Dudley, com o tronco tosco e o urso, passar lentamente a seu lado, seguido pelo caixão, elaboradamente embrulhado em negro, tudo o que restava da pequena Amy Robsart.
Tudo foi feito como devia ser. A Rainha estava representada e Sir Robert não estava presente, como era costume. Os meios-irmãos de Amy e os Forster estavam lá, para manifestar a Amy, na sua morte, todo o respeito que não lhe tinha sido concedido nos seus últimos dias de vida. Lizzie Oddingsell não assistiu, pois tinha voltado para casa do irmão, tão cheia de raiva e dor, que não era capaz de falar com ninguém acerca da sua amiga, a não ser para dizer uma única vez: "Ele não a merecia", o que Alice Hyde interpretou alegremente como prova de que houvera crime e que William viu como uma justa descrição de um casamento que fora malfadado, do princípio ao fim.
Thomas Blount esperou que o corpo fosse enterrado e que a terra fosse colocada na sepultura. Era um homem rigoroso e trabalhava para um amo meticuloso. Depois, voltou para Cumnor Place.
A criada de Amy, a senhora Pirto, já tinha tudo preparado, de acordo com as ordens dele. A caixa com as jóias de Amy, fechada à chave, os seus melhores vestidos, perfeitamente dobrados, embrulhados juntamente com saquinhos de lavanda, as suas roupas de cama, as peças de mobília que ela levava consigo para onde quer que fosse, a caixa com os seus artigos pessoais: os bordados, o rosário, a carteira, as suas luvas, a pequena colecção de selos de cera que ela cortara das cartas que Robert lhe enviara ao longo dos onze anos de casamento e todas as cartas dele, amarradas com uma fita, ordenadas por datas e já gastas, de tanto serem lidas.
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- Levo a caixa de jóias e os artigos pessoais - decidiu Blount.
- Devereis levar o restante para Stanfield e deixar lá tudo. Depois, podeis ir embora.
A senhora Pirto inclinou a cabeça e murmurou qualquer coisa sobre salários.
- Recebereis do beleguim de Stanfield, quando entregardes as coisas - disse Thomas Blount, ignorando os olhos vermelhos da mulher. Todas as mulheres choravam por tudo e por nada, já sabia. Isso não tinha qualquer significado e ele, como homem, tinha assuntos importantes para resolver.
A senhora Pirto murmurou qualquer coisa acerca de uma lembrança.
- Não há nada que valha a pena recordar - disse Thomas Blount secamente, pensando nos problemas que Amy tinha causado ao seu amo, durante a vida e na morte. - Agora, ide, pois eu tenho de fazer o mesmo.
Enfiou as duas caixas debaixo do braço e dirigiu-se ao cavalo que o esperava. A caixa das jóias encaixou facilmente no seu alforge e entregou a dos artigos pessoais ao criado.para que a amarrasse às costas. Em seguida, subiu para a sela e voltou o cavalo em direcção a Windsor.
Regressado à corte, vestido com roupas negras de luto, Robert mantinha a cabeça bem erguida e olhava desdenhosamente à sua volta, como se quisesse desafiar alguém a dizer alguma coisa. O conde de Arundel escondeu um sorriso com a mão, Sir Francis Knollys cumprimentou-o com uma vénia, à distância, e Sir Nicholas Bacon ignorou-o completamente. Robert sentiu que havia um círculo gelado de desconfiança e de desprezo que o envolvia como uma ampla capa negra.
- Que diabo se passa aqui? - perguntou ele à irmã. Ela viera ter com ele estendendo-lhe uma face fria, para ele beijar.
- Presumo que eles pensam que haveis assassinado Amy disse ela sem rodeios.
- O inquérito considerou-me inocente. Houve um veredicto de morte acidental.
- Julgam que haveis subornado o júri.
- E vós, o que pensais? - levantou a voz, mas baixou-a abruptamente, quando reparou que a corte os observava.
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- Penso que haveis feito com que a nossa família ficasse, de novo, à beira da ruína - disse ela. - Estou farta de desgraças, estou cansada de ser apontada. Fui conhecida como filha de um traidor, irmã de um traidor e agora sou a irmã de um homem que assassinou a esposa.
- Santo Deus, não vos sobra muita compaixão para comigo! afirmou Robert recuando, ao ver o ar de hostilidade evidente no rosto dela.
- Não tenho nenhuma - disse ela. - Quase haveis destruído a Rainha com este escândalo. Pensai nisso! Por pouco, teríeis acabado com a linhagem Tudor. Quase destruíste a Igreja Reformada! É óbvio que vos haveis destruído a vós mesmo, e a todos que usam o vosso nome. Vou-me retirar da corte, não suporto ficar aqui nem mais um dia.
- Mary, não partais - disse ele aflito. - Sempre haveis ficado do meu lado. Sempre fostes minha irmã e minha amiga. Não permitais que percebam que estamos divididos. Não me abandoneis, como fizeram todos.
Tentou agarrá-la, mas ela afastou-se, escondendo as mãos atrás das costas, para ele não lhe poder tocar. Aquele gesto infantil, que o fez recordar com nitidez o comportamento dela na sala de aula, quase o levou a gritar.
- Mary, não seríeis capaz de me abandonar quando estou tão perdido, depois de ter sido tão injustamente acusado.
- Mas eu considero que a acusação que vos fazem, é justa disse ela com toda a calma, a voz dela soando como gelo, aos ouvidos dele. - Penso que a haveis matado porque, com o vosso orgulho,pensáveis que a Rainha estaria do vosso lado e todos fariam de conta que não tinham visto. Que todos iriam concordar que se tratara de um acidente e que poderíeis partir para fazer o luto da vossa viuvez e regressar como noivo da Rainha.
- Isso ainda pode acontecer - murmurou ele. - Eu não a matei, juro. Ainda posso casar com a Rainha.
- Nunca! - disse ela. - Estais acabado. O mais que podeis esperar, é que ela vos mantenha como Estribeiro-Mor e como o seu pequeno favorito, caído em desgraça.
Ela afastou-se dele. Robert, consciente dos olhares de todos, não foi capaz de a chamar. Por um momento, fez um gesto para agarrar a orla do vestido dela e obrigá-la a virar-se para ele, antes que se afastasse; mas aí lembrou-se que todos os que o observavam pensavam que ele era um homem violento com as mulheres, um homem que assassinara a esposa e, então, deixou cair pesadamente as mãos.
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Houve um burburinho junto à porta dos aposentos privados e Isabel apareceu. Estava muito pálida. Não tinha saído de casa para andar a cavalo ou para passear no jardim desde o dia do seu aniversário, quando dissera ao embaixador espanhol que Amy estava morta, ou quase - três dias antes de se saber que Amy fora encontrada morta. Muita gente pensava que a sua afirmação, de que Amy estava morta "ou quase", proferida três dias antes do anúncio da morte dela, fora mais do que uma mera coincidência. Havia muitas pessoas que pensavam que Robert tinha sido o executor e Isabel o juiz. Mas nenhum se atreveria a dizer semelhante coisa, agora que ela saía do seu quarto, olhando em volta para os que estavam na antecâmara, contando com o apoio de todos os homens importantes do país.
Olhou para além de Robert, para Sir Nicholas, cumprimentou Sir Francis e voltou-se para conversar com a esposa dele, Catherine, que estava atrás dela. Sorriu a Cecil e fez sinal ao embaixador Habsburgo para que viesse para junto de si.
- bom dia, Sir Robert - disse ela, na altura em que o embaixador se colocou ao seu lado. - Apresento-vos as minhas condolências pela triste e súbita morte da vossa esposa.
Ele fez uma vénia, ao mesmo tempo que sentia a raiva e a dor crescer com tanta força dentro de si, que pensou que iria vomitar. Voltou a erguer-se, sem que o seu rosto deixasse transparecer qualquer sentimento.
- Agradeço a vossa simpatia - disse ele. Deixou que o seu olhar irado os varresse a todos.
- Agradeço a todos pela vossa simpatia, que tem constituído um tão valioso apoio para mim - disse ele, dirigindo-se depois para um dos vãos das janelas, afastado de todos, completamente só.
Thomas Blount foi encontrar Sir Robert nos estábulos. Havia uma caçada planeada para o dia seguinte e Sir Robert estava a verificar se os cavalos estavam em boa forma e a inspeccionar o material de equitação. Quarenta e duas selas, feitas de couro macio e brilhante, estavam expostas em cavalos de sela, dispostos em longas filas, no pátio. Sir Robert caminhava devagar, ao longo das filas, observando cuidadosamente cada sela, cada correia e o cabedal de cada estribo. Os moços de estábulo, de pé, ao lado da sua obra, estavam imóveis como soldados em parada.
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Por trás deles, estavam os cavalos, mexendo-se agitados, cada um com o seu tratador, e com as suas capas reluzentes, os cascos oleados, as crinas repuxadas e alisadas.
Sir Robert não se apressou, mas não encontrou grandes defeitos nos cavalos, no material, nem no estábulo.
- Tudo bem - disse ele finalmente. - Podeis dar-lhes a ração da noite e água, e levá-los para dormir.
Depois voltou-se e reparou em Thomas Blount.
- Ide ao meu escritório - disse em poucas palavras, parando para acariciar o pescoço do seu próprio cavalo. - Pois é - disse-lhe ele suavemente -, tu é que nunca mudas, pois não meu querido?
Blount estava à espera junto da janela. Robert atirou as luvas e o chicote para cima da mesa e deixou-se cair na cadeira que estava em frente à sua secretária.
- Tudo feito? - perguntou ele
- Tudo feito como devia ser - disse Blount. - Apenas uma ligeira escorregadela no sermão.
- O que aconteceu?
- O estúpido do reitor disse que ela era uma senhora "tragicamente assassinada" em vez de "tragicamente falecida". Depois emendou, mas foi um choque.
Sir Robert ergueu uma das suas sobrancelhas negras.
- Uma escorregadela? Blount encolheu os ombros.
- Penso que sim. Um aborrecimento, mas não foi suficientemente forte para poder ser considerado uma acusação.
- É como juntar palha ao fogo - observou Robert. "Blount concordou.
- E haveis despedido os criados, tendes as coisas dela? Deliberadamente, Robert manteve uma voz ligeira e fria.
- A Sr.a Oddingsell já tinha partido. Aparentemente, isto foi muito duro para ela - disse Blount. - À senhora Pirto, mandei-a de volta a Stanfield, com os pertences e, lá, irá receber o ordenado. Enviei uma mensagem. Estive com o Sr. e a Sr.a Forster, e eles têm a sensação de que um grande escândalo caiu dentro da sua casa disse ele com um sorriso forçado.
- Serão recompensados por toda a maçada que tiveram - disse imediatamente Robert. - Muitos mexericos, lá na aldeia?
- Não mais do que seria de esperar - disse Blount. - Metade da aldeia aceita o veredicto de morte acidental. A outra metade julga que ela foi assassinada. Nunca mais deixarão de falar neste assunto. Mas isso não vos faz qualquer diferença.
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- Nem a ela - disse Robert baixinho.
Blount ficou calado. "
- Então - disse Robert erguendo-se. - O vosso trabalho está terminado. Ela está morta e enterrada e pensem as pessoas o que pensarem, ninguém pode dizer mais nada que me faça sofrer.
- Está tudo acabado - concordou Blount.
Robert indicou-lhe com um gesto que pusesse as caixas em cima da mesa. Blount pousou a caixa das recordações e, depois, a pequena caixinha das jóias, colocando a chave ao lado. Fez uma vénia e ficou a aguardar.
- Podeis ir embora - disse Robert.
Nunca mais se lembrara daquela caixa. Dera-a de presente a Amy quando namoravam, tinha-lha comprado numa feira, em Norfolk. Amy nunca tivera muitas jóias para colocar na pequena caixa. Sentiu a irritação que lhe era familiar ao pensar que mesmo quando ela era Lady Dudley, e geria a fortuna dele, nunca tivera mais do que uma pequena caixinha de jóias, um par de colares prateados, alguns brincos e um ou dois anéis.
Rodou a chave na fechadura da caixa eabriu-a. Logo por cima, estava a aliança de casamento de Amy e o anel de sinete com o seu brasão, o urso e o tronco tosco.
Por momentos, não quis acreditar no que via. Lentamente, introduziu a mão na caixa e tirou os dois anéis de ouro para fora. A Sr.a Pirto tinha-os retirado dos dedos frios de Amy e colocara-os na caixa de jóias, fechando-a à chave, como qualquer fiel criada deveria fazer.
Robert ficou a olhar para os dois. A aliança de casamento que ele tinha enfiado no dedo de Amy, naquele dia de Verão, há onze anos, e o anel com o brasão, que nunca tinha saído do dedo dele, até ao dia em que o colocara no dedo de Isabel, para selar o seu noivado, apenas há três meses.
Robert voltou a enfiar o anel de sinete no dedo mindinho e ficou sentado à secretária, enquanto a sala escurecia e ficava gelada, imaginando como é que o anel saíra da corrente de ouro que a sua amante trazia ao pescoço, e fora aparecer no dedo da sua falecida esposa.
Robert caminhava à beira do rio, com uma pergunta a martelar-lhe o cérebro. "Quem matou Amy?" Sentou-se no pontão como
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um rapazinho, com as hotas a balouçar sobre a água, olhando lá para baixo, para a profundidade verde onde pequenos peixes mordiscavam as algas agarradas aos troncos que sustentavam o molhe e a segunda pergunta fez-se ouvir na sua mente "Quem deu a Amy o meu anel?"
Levantou-se, quando começou a sentir frio, e foi andando em direcção a oeste, ao longo do caminho paralelo ao rio que os cavalos usavam para rebocar os barcos, em direcção ao sol. O sol que foi descendo lentamente no horizonte, passando de ouro refulgente a uma brasa incandescente, à medida que Robert ia caminhando, olhando para o rio sem o ver, olhando para o céu, sem reparar nele.
"Quem matou Amy?"
"Quem lhe entregou o meu anel?"
O sol pôs-se, e o céu ficou vagamente acinzentado, mas Robert continuou em frente, como se não fosse o dono de um estábulo cheio de cavalos, de uma manada de corcéis da Barbaria, de um programa de treino para jovens garanhões. Caminhava como se fosse um pobre homem a quem a mulher tivesse de oferecer um cavalo para ele se poder deslocar.
- Quem matou Amy?
- Quem lhe entregou o meu anel?
Tentou não se recordar da última vez que a tinha visto, quando a abandonara com uma maldição, fazendo com que a própria família se voltasse contra ela. Tentou não se lembrar de como a tomara nos braços e de que, na sua paixão, ela o ouvira dizer e de como ele, na sua loucura lhe dissera: "Amo-vos".
Tentou não se lembrar de nada que se relacionasse com ela, pois pareceu-lhe que, se se recordasse dela, teria de sentar-se na margem do rio a chorar como uma criança, pelo que tinha perdido.
"Quem matou Amy?"
"Quem lhe entregou o meu anel?"
Se pensasse só, sem se recordar, poderia evitar a onda de dor que se estava a acumular por cima de si, prestes a rebentar. Se visse a morte dela como um enigma, em vez de a considerar uma tragédia, poderia fazer perguntas, em lugar de se acusar a si mesmo.
Duas perguntas:
"Quem matou Amy?"
"Quem lhe entregou o meu anel?"
Só quando tropeçou e escorregou, o que o obrigou a ficar consciente, é que reparou que tinha escurecido e que andava a caminhar às cegas, pela margem bastante íngreme do rio profundo e com uma forte corrente. Voltou-se então, sentindo-se um sobrevi-
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vente numa família de sobreviventes, que tinha errado ao casar com uma mulher que não partilhava da sua inveterada ânsia de viver.
"Quem matou Amy?"
"Quem lhe entregou o meu anel?"
Começou a caminhar no sentido inverso. Só quando abriu o portão de ferro que dava para o jardim murado é que a frialdade do trinco, em contacto com a sua mão, o fez parar e compreender que havia duas perguntas: Quem matou Amy? Quem lhe entregou o meu anel? mas apenas uma resposta.
Quem tivesse o anel possuía o símbolo no qual Amy iria confiar. Amy seria capaz de mandar toda a gente sair da casa por causa de um mensageiro que lhe tivesse mostrado aquele anel. E quem quer que tivesse o anel, era a pessoa que a matou. Só existia uma pessoa que o podia ter feito, apenas uma pessoa que seria capaz de o fazer:
Isabel.
O primeiro instinto de Robert foi ir ter com ela imediatamente, para a recriminar pela loucura do seu poder. Não podia culpá-la por desejar que Amy desaparecesse; mas a ideia de que a amante podia ter assassinado a sua mulher, a rapariga com quem casara por amor, enchia-o de raiva. Sentia vontade de agarrar Isabel e de a abanar, até lhe tirar toda a arrogância, toda aquela confiança cruel, baseada no poder. O facto de ela ser capaz de utilizar o seu poder enquanto rainha, a sua rede de espiões, a sua vontade sem remorsos, contra um alvo tão vulnerável e inocente como Amy, fazia-o tremer como uma criança revoltada e extremamente ressentida.
Robert não conseguiu dormir, naquela noite. Ficou deitado na cama a olhar para o tecto e, pela sua mente, vezes sem conta, perpassou a imagem de Amy a receber o anel dele e a correr ao seu encontro com o anel de sinete encerrado no punho fechado, o passaporte para a felicidade que merecia. E então, um homem qualquer, sem dúvida um dos assassinos contratados por Cecil, cumprimenta-a em seu nome, quebra-lhe o pescoço de uma só vez, com um soco numa orelha e uma torção no pescoço, segura-a na altura em que caía e leva-a de volta para dentro de casa.
Robert torturou-se com a imagem do sofrimento dela, do seu momento de medo, talvez de horror, ao pensar que o assassino tinha sido enviado por ele e pela Rainha. Esse pensamento fê-lo
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gemer e virar-se, enterrando a cara no travesseiro. Se Amy morrera acreditando que fora ele a enviar um assassino para a matar, não conseguia imaginar como iria suportar continuar a viver.
A janela do quarto iluminou-se, finalmente, já era madrugada. Robert, macilento como um homem dez anos mais velho, levantou-se, dirigiu-se à janela e olhou lá para fora, com o lençol de linho enrolado em volta do corpo nu. Ia ser um dia bonito. O nevoeiro enrolava-se lentamente em espiral, afastando-se do rio e, algures, um pica-pau picava uma árvore. Aos poucos, começou a ouvir-se a líquida melodia da canção de um tordo, como uma bênção, como que a lembrar que a vida continua.
"Suponho que serei capaz de lhe perdoar", pensou Robert. "No lugar dela, possivelmente, teria feito o mesmo. Poderia ter pensado que o nosso amor estava em primeiro lugar, que o nosso desejo tem de ser satisfeito, aconteça o que acontecer. Se fosse ela, poderia ter pensado que precisamos de ter um filho, que o trono tem de ter um herdeiro, que já temos ambos vinte e sete anos e não nos podemos atrever a esperar muito. Se eu tivesse o poder absoluto que ela tem, tê-lo-ia provavelmente usado, da forma que ela
o usou.
"O meu pai tê-lo-ia feito. Ter-lhe-ia perdoado por ter feito algo semelhante. Na verdade, ele teria admirado a sua capacidade de decisão."
Suspirou.
"Ela fez tudo isto pelo amor que me tem - disse em voz alta.
- Não o fez por qualquer outro motivo, que não fosse o de me libertar, para que me pudesse amar abertamente. Por nenhum outro motivo, que não fosse poder casar comigo e para que eu possa ser rei. E ela sabe que ambos queremos que isso aconteça, mais do que qualquer outra coisa no mundo. Eu seria capaz de aceitar esta mágoa terrível e este crime horroroso como uma dádiva de amor. Posso perdoá-la. Posso amá-la. É possível retirar alguma felicidade de toda esta desgraça."
O céu ficou mais pálido e depois, lentamente o sol nasceu, como uma prímula rosada surgindo sobre a prata do rio.
"Que Deus me perdoe e que Deus perdoe Isabel", rezou Robert baixinho. "Que Deus conceda a Amy, no Céu, a paz que eu lhe neguei na Terra. E que me conceda a graça de ser um melhor marido desta vez."
Ouviu-se uma ligeira pancada na porta do quarto.
- Já está a nascer o dia, senhor! - disse o criado. - Quereis a vossa água quente?
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- Quero! - gritou Robert em resposta. Dirigiu-se à porta, arrastando o lençol e abriu o trinco interior do quarto. - Pousa-a ali, rapaz. Informa a cozinha de que estou cheio de fome e avisa no estábulo que estarei lá dentro de uma hora, pois vou comandar a caçada, hoje.
Uma hora antes de a corte estar preparada para cavalgar, Robert já estava no estábulo, certificando-se de que tudo estava perfeito, cavalos, cães, materiais e batedores. Todos os elementos da corte iam sair para cavalgar, nesse dia, cheios de boa disposição. Robert colocou-se num plano superior, nas escadas por cima dos estábulos, de onde podia observar os cortesãos a montar os seus cavalos, com as senhoras a serem ajudadas a fazê-lo. A sua irmã não estava presente. Tinha regressado a Penshurst.
Isabel estava bem disposta. Robert dirigiu-se a ela, para a ajudar a subir para a sela, mas depois deixou-se ficar para trás, permitindo que outro homem o fizesse. Por cima das cabeças dos cortesãos, ela lançou-lhe um ligeiro sorriso e ele sorriu-lhe também. Podia ficar tranquila, pois tudo voltaria a ficar bem entre eles. Seria capaz de lhe perdoar. O embaixador espanhol deu o sinal de partida e o embaixador Habsburgo cavalgava ao lado dela.
Tiveram uma óptima manhã de caça, os rastos eram fortes e os cães portaram-se bem. Cecil foi ter com eles à hora do almoço, quando lhes foi servido um piquenique composto por sopa quente, cerveja aromatizada e empadas quentes, à sombra das árvores que pareciam uma explosão de cores que se alternavam: dourado, vermelho e amarelo.
Robert manteve-se afastado do círculo mais chegado a Isabel, mesmo quando ela se voltou e lhe dirigiu um tímido sorriso, convidando-o a ir para junto dela. Ele fez uma vénia, mas não se aproximou. Queria esperar até poder estar com ela a sós, para lhe dizer que sabia o que ela tinha feito, que sabia que o fizera por amor e que seria capaz de a perdoar.
Quando acabaram de almoçar e se dirigiram aos cavalos para voltarem a montar, Sir Francis Knollys, percebeu que o seu cavalo tinha sido preso junto da égua de Robert.
- Gostaria de vos apresentar os meus pêsames, pela morte da vossa esposa - disse Sir Francis com alguma rigidez.
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- Agradeço-vos - respondeu Robert, no mesmo tom frio que o melhor amigo da Rainha tinha usado com ele.
Sir Francis virou o cavalo para se afastar.
- Estais recordado de uma certa tarde, na Capela da Rainha? disse Robert, subitamente. - A Rainha estava presente, eu, vós e Lady Catherine. Foi uma cerimónia oficial, recordais-vos? Uma promessa que não pode ser quebrada.
O homem mais velho olhou para ele, quase com pena.
- Não me recordo de nada disso - disse ele apenas. - Ou eu não o testemunhei, ou isso não aconteceu. Mas não me lembro de tal coisa.
Robert sentiu-se corar com o calor da fúria.
- Eu lembro-me perfeitamente e, de facto, aconteceu - insistiu.
- Parece-me que acabareis por perceber que sois o único - respondeu Sir Francis tranquilamente, metendo esporas ao cavalo.
Robert voltou a inspeccionar os cavalos e deu uma vista de olhos aos cães. Um dos cavalos mancava ligeiramente e ele estalou os dedos, para que um dos moços o levasse de volta para o castelo. Supervisionou a corte a montar, mas mal reparava neles. A sua cabeça fremia com a duplicidade de Sir Francis, que era capaz de negar que Robert e a Rainha tinham jurado casar-se e que sugeria que a própria Rainha seria capaz de o negar, também.
"Como se ela fosse capaz de me trair?", resmungou Robert consigo mesmo. "Depois de tudo o que ela fez para poder ficar comigo! Que homem poderia ter melhor prova de que uma mulher o ama, quando ela foi capaz de fazer uma coisa destas, para me libertar? Ela ama-me, como eu a amo, mais do que a própria vida. Nascemos um para o outro, nascemos para ficar juntos. Como se alguma vez pudéssemos ficar separados! Como se ela não tivesse praticado este terrível e insuportável crime por amor! Para me libertar!"
- Estais contente por estardes de volta à corte? - perguntou-lhe Cecil num tom amigável, colocando o seu cavalo ao lado do de Robert.
Robert, chamado de volta à realidade, olhou para ele.
- Não posso dizer que esteja muito feliz - disse ele calmamente. - Não se pode dizer que tenha tido uma recepção muito efusiva.
O olhar do Secretário demonstrava bondade.
- As pessoas acabarão por se esquecer, sabeis como é - disse ele com gentileza. - Para vós, nada será como antes, mas as pessoas esquecem.
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- E agora estou livre, para me poder casar - disse Dudley. Quando as pessoas se tiverem esquecido da minha mulher e da sua morte, ficarei livre para me casar outra vez.
Cecil concordou.
- De facto, é assim. Mas não com a Rainha. Dudley olhou para ele.
- O quê?
- Por causa do escândalo - confiou-lhe Cecil, no seu tom amigável. - Como já vos disse, antes de abandonardes a corte. Ela não pode ter o seu nome associado ao vosso. Os vossos filhos nunca poderiam ascender ao trono da Inglaterra. Vós haveis ficado marcado pela morte da vossa esposa. Não tendes qualquer hipótese como possível pretendente real. Agora, ela nunca mais vai poder casar convosco.
- Que estais a dizer? Que ela, agora, não vai poder casar comigo?
- Exactamente! - respondeu Cecil, quase com remorsos. Tendes toda a razão. Ela nunca vai poder casar convosco.
- Então, porque fez ela uma coisa destas? - perguntou Dudley, num murmúrio tão leve como neve a cair. - Para quê matar a minha mulher, Amy, se não era para me deixar livre? Amy, a única que era inocente entre todos nós, que não tinha feito nada de errado, a não ser manter a esperança. Qual era o interesse, se não foi para me libertar para poder assumir o casamento com a Rainha? Vós deveis ter feito parte dos que a aconselharam, vós haveis planeado isto juntos. Aposto que foram os vossos assassinos que o fizeram. Para que assassinaram a pobre Amy, se não era para me deixar livre para casar com a Rainha?
Cecil nem se deu ao trabalho de fingir que não o entendia.
- Não estais livre, para vos casardes com a Rainha - disse ele. - Estais impedido de o fazer, para sempre. Se as coisas tivessem sido feitas de qualquer outro modo, continuaríeis a ser um possível pretendente. E seríeis sempre a primeira escolha dela. Assim, ela já não vos pode escolher. Estais excluído, para sempre.
- Vós haveis-me destruído, Cecil - disse Dudley, com voz entrecortada. - Haveis assassinado Amy, atribuindo-me a culpa e destruindo-me.
- Eu estou ao serviço dela - disse Cecil suavemente, como um pai que consola um filho que sofre. - Como vós sabeis.
- Ela ordenou a morte da minha mulher? Amy morreu por ordem de Isabel, para que eu ficasse completamente desacreditado e nunca mais me pudesse voltar a erguer?
- Não, não! Foi uma morte acidental! - recordou Cecil ao homem mais jovem. - Foi isso o que o inquérito concluiu, os doze homens bons de Abingclon, apesar de lhes terdes escrito, obrigando-os a investigar o caso mais detalhadamente. Eles chegaram a um veredicto e apresentaram-no. Foi morte por acidente. Talvez seja melhor para todos nós deixar as coisas como estão.
Philippa Gregory
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