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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O AMANTE DE HOLLYWOOD / Pamela Wallace
O AMANTE DE HOLLYWOOD / Pamela Wallace

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

O AMANTE DE HOLLYWOOD

 

Tudo em Melanie transpira paixão, desejo, sensualidade...

Dá janela do majestoso cassino Crockford, em Londres, Dan Austin, o famoso ator de Hollywood, olha para Melanie, e pergunta_se como seria fazer amor com uma mulher tão linda, uma estranha, totalmente diferente das muitas outras com quem compartilhara sua cama. Ela o enfeitiça e Dan sabe que com um simples toque das mãos macias enlouquecerá de paixão. Será que Melanie está disposta a se envolver com um astro, um homem marcado pelo sucesso, pela vida, pela suspeita de ter assassinado a amante?

 

Dan Austin perguntava-se como seria fazer amor com aquela estranha... Sua pele seria tão macia quanto aparentava? Seria uma amante apaixonada e vibrante?

Ela parecia muito diferente das mulheres com quem normalmente dormia e talvez isso explicasse por que se sentia tão curioso a seu respeito. Não tinha a sofisticação nem a beleza artificial das estrelas de cinema com quem costumava dividir a cama. Não usava maquiagem e seu cabelo tinha a cor do trigo escuro, não o loiro platinado tão comum em Hollywood. Seus olhos cor de mel demonstravam uma candura que não podia ser encontrada em nenhuma atriz com mais de dezesseis anos.

Do ponto onde ela se encontrava, no terraço do Cassino Crockford, olhando o Big Ben e o Parlamento, não podia perceber a insistência com que ele a observava.

Dan bebericou seu martiní com vodca, achando a situação excitante. A luz que atravessava a vidraça iluminava o rosto de traços delicados, revelando-o em detalhes para a curiosidade do galã de cinema. Ela era tão bela...

Dan estranhou o fato de aquela moça preferir o ar frio da noite de setembro, às mesas de jogo dentro do cassino. Isso significava que ela não estava lá por causa da emoção das apostas. E a julgar pela simplicidade com que estava vestida e pelas poucas jóias que usava, não parecia ser rica também.

Nesse momento, um árabe gordo e na certa, muito rico, cercado de dois encorpados guarda-costas, aproximou-se da jovem com determinação. Ele não conseguia ouvir o que conversavam, mas o significado era bastante claro. O árabe disse algumas palavras, dando em seguida à jovem um dos anéis que brilhavam em seus dedos. Pelo visto, deveria ser uma enorme esmeralda.

A moça olhou rapidamente para o anel, com uma expressão de surpresa, mas logo abriu-se num sorriso quase infantil, sem disfarçar uma ponta de orgulho com o galanteio. Fez um breve comentário e delicadamente abriu o bolso do smoking do árabe e jogou o anel lá dentro, antes de dar-lhe as costas.

Dan admirou-se com a conduta dela, muito pouco diplomática. Não entendia o que ela fora fazer num dos mais caros e sofisticados cassinos de Londres se não queria jogar ou fazer novas amizades.

Continuou a olhá-la de longe, enquanto se debruçava no peitoril do terraço, admirando a vista. A luz difusa que atravessava as vidraças iluminava a pele clara, dando-lhe uma tonalidade dourada. Tentou adivinhar o gosto daquela pele. Era doce, com certeza!

Não costumava ficar olhando assim para uma pessoa. Normalmente, eram as pessoas que o olhavam. Tanto que havia um grupo apontando na sua direção, cochichando alguma coisa, baixinho e repetindo seu nome. Provavelmente, iriam se aproximar e pedir o seu autógrafo. Dan, porém, não se abalou. Estava acostumado a ser sempre reconhecido nas ruas e nos lugares aonde ia. Afinal, a fama tinha o seu preço. Era um ídolo de música country, que ficara mais popular ainda depois de se tornar ator de cinema. Por causa dos personagens que interpretava nas telas, as pessoas costumavam achar que podiam abordá-lo a qualquer hora, em qualquer lugar.

Também era um homem muito sexy, bem ao gosto do sonho americano: esbanjava autoconfiança e senso de humor, mesclados com uma forte sensualidade. E, como possuía uma imagem rude, outros homens queriam se parecer com ele. Quanto às mulheres, dariam tudo por uma noite em sua cama.

Ele não tinha certeza se essas qualidades eram reais ou ilusórias. Mas sem dúvida valiam muito dinheiro quando mostradas, através do cinema, para o mundo todo. No começo, sentira-se muito satisfeito com isso, mas, agora, não conseguia controlar certa frustração. Começara a beber, a dormir com dezenas de mulheres e insistia em fazer as cenas perigosas de seus filmes, dispensando os dubles. Contudo, a sensação de futilidade permanecia dentro dele. O vazio que tomara conta de sua vida resistia às aventuras que inventava para passar as noites. Estreitou os olhos azuis para examinar a aparência da jovem com mais cuidado. Será que a mesma coisa aconteceria se tivesse um caso com ela?

Era bem alta. Os cabelos loiros caíam até os ombros e alguns fios formavam uma franja leve e desigual. O pescoço era longo e fino, e por baixo do tecido do vestido destacava-se um corpo bem-feito. A roupa, de gola alta, caía-lhe bem, mostrando as belas curvas. Os seios, Dan adivinhava, eram pequenos, redondos, e os quadris levavam a pernas longas e bem torneadas.

Como seria, perguntou-se, se aquelas pernas estivessem entrelaçadas nas suas? Ou rodeando-lhe o corpo nu? Sentiu uma onda de prazer quase incontrolável invadi-lo.

"Quem será ela? O que estaria fazendo num cassino, rodeada de gente rica e poderosa?"

Havia alguma coisa aristocrática em seus traços, na postura elegante. Devia ser inglesa. Mas do campo, não da cidade. Talvez fosse filha de algum aristocrata de um dos condados ingleses, de família tradicional, mas de pouco dinheiro... Lady não-sei-quê... Lady Jane?

Possivelmente, estaria visitando parentes, e um primo ou um tio a levara até o cassino para mostrar-lhe um pouco da vida noturna de Londres. Quando voltasse à vidinha de sempre na mansão onde decerto vivia com os pais e irmãos, teria excitantes histórias da cidade para contar.

A fértil imaginação de Dan funcionava a todo vapor. A identidade que criava para aquela desconhecida parecia real, palpável. Desde criança, acostumara-se a olhar para estranhos e começar a imaginar o que faziam, suas personalidades e suas vidas. Foi assim que se inspirou para compor músicas que tocavam tão fundo no coração das pessoas e com as quais fizera fama e fortuna. No entanto, imaginar uma história para aquela jovem tão bela não lhe bastava. Queria tocá-la, despi-la, amá-la. Tomou o último gole de seu drinque e colocou o copo de volta na mesa. Iria conhecer "lady Jane" e convidá-la a dividir sua cama nessa noite.

Andou em direção a ela, parando a seu lado. Quando a jovem virou-se e olhou-o, Dan abriu o seu melhor sorriso, capaz de derreter até um coração de gelo.

— Não tenho um anel de esmeralda para oferecer, mas teria imenso prazer em pagar-lhe um drinque. — Proferiu as palavras devagar, em tom baixo, com voz aveludada.

Os olhos castanho-claros mostraram um ar de surpresa. Mas ela logo se recompôs do susto.

— Guarde o drinque para suas fãs, Sr. Austin. Não estou interessada em plumas e paetês — respondeu, em tom firme e impessoal.

O sotaque, Dan reconheceu, era americano. E suas dúvidas quanto àquela mulher aumentaram. Se nem mesmo um ator famoso a interessava, o que ela poderia querer naquele lugar?

Recobrando a pose, ele perguntou, em tom mais agressivo:

— Afinal de contas, o que é que você está procurando?

A pergunta ousada e atrevida pareceu quebrar a atitude de fria reserva dela e uma expressão incrédula tomou conta do rosto delicado. Contudo, antes que pudesse responder, uma voz masculina se fez ouvir.

— Dan! Que coincidência!

Ele virou-se e deparou com Jeff Grunder, diretor mundial de produção da American National Studios, para o qual acabara de filmar.

 

— Eu ia telefonar para você amanhã. Ah. . . Vejo que já conheceu Melanie — ele disse ao ver os dois juntos.

Jeff era um homem de ar severo, testa larga e de carregado sotaque nova-iorquino. Dan não costumava ligar a mínima para ele, mas, nesse momento, sentia-se feliz por vê-lo, pois Jeff poderia apresentá-lo àquela jovem. Não perderia essa oportunidade.

— Na verdade, ainda não fomos apresentados. — Dan, já recomposto, dirigia-se a Jeff, mais à vontade.

— Esta é Melanie Richardson, advogada de nosso escritório de Londres. Melanie, tenho certeza de que conhece Dan.

Estendendo uma das mãos, ela o cumprimentou, polida:

— Como vai, Sr. Austin?

— Bem. E você?

— Ótima.

Jeff, dando um tapinha nas costas de Dan, falou:

— Como estão as férias do meu grande astro? Descansando muito, agora que as filmagens de A Caçada terminaram?

Dan assentiu com a cabeça, sem tirar os olhos de Melanie. Virando-se para o presidente do estúdio, ela desculpou-se com voz doce:

— Detesto ser desmancha-prazeres, mas tenho que estar no escritório amanhã cedo. E já é muito tarde. Será que se incomoda se eu me retirar?

— Não, claro que não. Entendo perfeitamente — disse Jeff. — Dan e eu podemos conversar amanhã. — E, virando-se para o ator, perguntou: — Que tal na hora do almoço?

— Ótimo. — Dan respondeu. Depois, virando-se para a advogada, acrescentou: — Foi um prazer conhecê-la, srta. Richardson.

Melanie não respondeu. Limitou-se a sorrir friamente. Enquanto Melanie e Jeff se afastavam, Dan os olhava curioso. Estava impressionado. As mulheres não reagiam a ele daquele modo, quase sempre se atiravam a seus pés. Mas Melanie, não... Era uma mulher muito interessante. Tentara se aproximar dela com a velha tática do conquistador, mas não funcionara. O mesmo acontecera com o árabe gordo e seu anel de esmeralda. Como fazer para seduzi-la?

Nesse momento, um garçom entrou no terraço, segurando um aparelho de telefone.

— Chamada para o senhor, Sr. Austin,

A voz feminina no outro lado da linha falava de Beverly Hills. Era firme e profissional.

— Dan, seu tratante, pensei que fosse voltar ontem!

— Nina, queridinha, você me conhece. Sou um homem imprevisível. Decidi ficar em Londres mais um pouco.

— Depois de oito meses sufocantes de filmagens na Inglaterra, pensei que estivesse ansioso em voltar para Los Angeles.

— Bem, você sabe como é... — disse Dan, marcando bem o sotaque texano. — Nunca gostei muito de neblina.

— Sei disso. Mas sei também que gosta muito de conforto e isso custa dinheiro. Se não quer voltar para Nashville, é melhor vir para Los Angeles a tempo de participar da reunião com o pessoal da Universal Studios, na sexta-feira. Estão oferecendo um contrato para três filmes, lembrasse?

Dan sabia que sua carreira em Nashville lhe valera dois discos de platina e um prêmio Grammy, e voltar para lá até que não seria tão mau assim. Mas sabia que, para Nina, qualquer lugar que não fosse à sofisticada Beverly Hills não poderia ser considerado civilizado.

 

— Tentarei estar aí, então — respondeu ele, escondendo o interesse que tinha na transação.

— Não tente! Venha para cá. Não jogue fora essa chance, Dan!                                                                

"É uma ótima chance para você, não para mim", ele pensou.

Nina era uma jovem empresária ambiciosa demais. Desde o instante em que um produtor de cinema encontrara Dan em Nashville, levando-o para Hollywood, ela guiara sua carreira, pensando em poder e riqueza. Estava prestes a conseguir ambos. Ele, porém, depois de estrelar três filmes e ter mergulhado de cabeça naquela loucura de Hollywood, desencantara-se com o mundo do cinema.

"Plumas e paetês", dissera Melanie Richardson. . . Mas a recompensa era muito sedutora.

— Muito bem — concordou ele, por fim. — Estarei lá.

O suspiro de alívio foi tão grande no outro lado da linha que Dan até sorriu, antes de desligar e entregar o aparelho ao garçom.

— Mais alguma coisa, Sr. Austin?

— Sim. Por favor, traga-me onze martínis com vodca.

— Onze, senhor?

— Isso mesmo.

— Certamente, senhor.

Seriam mais do que suficientes, pensou Dan, para ajudá-lo a tirar aquela conversa da cabeça. Pelo menos, por essa noite.

Meia hora mais tarde, depois de tomar os três primeiros drinques, ele colocava os copos na borda da balaustrada, vendo-os quebrar no asfalto da avenida, logo abaixo.

O garçom, que há muito desistira de persuadi-lo a parar com o passatempo, foi correndo chamar o gerente do cassino, para que tomasse uma providência.

O "passatempo" de Dan reunira uma pequena multidão na calçada, evidentemente longe do alvo do ator. Começavam a se espalhar pela rua, atrapalhando o trânsito e chamando a atenção de um guarda que, vermelho de raiva, gritava para que parassem com aquilo.

Dan recebeu a ameaça como um desafio e jogou outro copo, agora na direção dos pés do policial. A multidão riu, gostosamente. O guarda ficou furioso e abriu o caminho até a porta do cassino, empurrando quem estivesse na sua frente.

O gerente aproximou-se e colocou a mão no ombro de Dan, Numa gentileza profissional, de quem estava acostumado a enfrentar situações delicadas, disse-lhe que era melhor descansar um pouco. Dan suspirou e foi embora sem protestar.

Lá fora, pegou um táxi e deu o endereço do hotel, o pensamento voltando-se para Melanie novamente. Será que ela estava dormindo com Jeff Grunder? Provavelmente, considerando a política dos estúdios.

O pensamento aborreceu-o. Havia algo nela de superior; jamais dormiria com o chefe só para conseguir fazer carreira. Balançou a cabeça, afastando a idéia. "Esqueça, não é possível", disse a si mesmo.

Mas não conseguia esquecer. Lembrava-se nitidamente da bela imagem debruçada na balaustrada do terraço do cassino, o vento batendo de leve nos cabelos. A luz suave emprestava-lhe uma tonalidade etérea, mágica. . .

 

Jeff dirigia o Rolls-Royce alugado pelas ruas de Hampstead, com suas casas iguais, de tijolinhos e telhados escuros. Embora fizesse parte de Londres, Hampstead era um lugar à parte, um bairro boêmio, onde só moravam advogados e profissionais liberais aposentados.

Melanie gostava de Hampstead pela sua simplicidade. Morava numa casa pequena, mas conveniente, porque de lá até a companhia só gastava meia hora.

— Hampstead é um pouco fora de mão, não é? — Jeff comentou.

— É um pouco — ela concordou. — Mas sempre gostei deste lado da cidade. Minha tia mora aqui perto.

— Ah, você tem ascendência inglesa! Acho que isso a ajudou bastante para conseguir este emprego, não foi?

A advogada sorriu. Era natural Jeff achar que tudo influíra para que ela chegasse à posição que ocupava menos trabalho duro e competência. Num ano de convívio com a companhia de cinema, Melanie acostumara-se com esse tipo de atitude. No mundo do cinema, acreditava-se que bons contatos sempre valiam mais do que o talento.

Jeff continuou com seu jeito simples:

— Bem, naturalmente você tem feito um bom trabalho. Só tenho ouvido coisas positivas a seu respeito.

— Obrigada.

— Não sei como é que consegue, especialmente trabalhando com os ingleses. Sempre tive problemas com eles. São demais!

Apesar de não dizer nada, Melanie entendia a dificuldade de Jeff em lidar com os ingleses. Seu jeito era muito brusco e descuidado para combinar com a formalidade dos londrinos.

— É só uma questão de entender que a etiqueta profissional aqui é diferente. Os ingleses não fecham negócios nem dizem "não" diretamente. Fazem isso sempre de uma forma indireta.

— Não dizem nada diretamente, essa é a verdade!

Melanie sorriu, decidida a não ser desagradável com um homem que poderia despedi-la num estalar de dedos.

— O caso é que eles fazem as coisas com uma educação extraordinária, o que enlouquece a objetividade dos americanos. Mas não são tão difíceis de lidar, se você se lembrar de não chamá-los pelo primeiro nome, até que os conheça muito bem. Lembre-se de dizer "negociação" em vez de "acordo" e "ofereceremos" em vez de "pagaremos", e será fácil se dar bem com eles.

— Isso é pura perda de tempo — comentou Jeff, para, em seguida, mudar bruscamente de assunto. — Que coincidência encontrar Dan Austin hoje à noite! Eu estava mesmo querendo falar com ele. Esse novo filme vai ser um sucesso, a julgar pelas opiniões que tenho visto.

Melanie preferiu não tecer comentários a respeito.

— Temos que assinar logo um contrato com ele, antes que outra companhia faça uma oferta melhor — continuou Jeff.

As luzes do centro de Londres ficavam cada vez mais distantes.

— Pare ali — a advogada indicou ao aproximarem-se da East Sleath Road.

O Rolls-Royce estacionou em frente à casa de tijolinhos onde Melanie morava.

Enquanto caminhavam pelo passeio que levava à porta da casa, Melanie pensou no que faria se o presidente do estúdio quisesse entrar. Só aceitara o convite para conhecer o cassino porque Jeff insistira, mas não tinha intenção de dormir com ele. Nem que isso fosse fatal para a sua carreira.

Ao chegarem à porta da frente, uma fresta na cortina da janela mostrou, no interior da sala, um menininho assistindo à televisão, sentado no tapete com um cachorro marrom no colo.

Surpreso, Jeff perguntou:

— Seu filho? Melanie sorriu.

— Não. É filho de meus vizinhos. Ele... está comigo por algum tempo.

 

Era uma pequena mentira. Reggie, na verdade, era filho de um casal de atores que morava na casa ao lado e ficava com ela quando os pais iam para o teatro apresentar as suas peças. Eram seis noites por semana, mas Melanie não se incomodava. Gostava muito da companhia do garoto. Quando tinha que sair à noite, Reggie ficava com Sherlock, seu cachorro.

Jeff ficou frustrado. Havia esperado que aquela noite terminasse num programa interessante e podia esperar tudo, menos a presença de um garoto.

— Muito bem, Melanie. Amanhã pela manhã discutiremos as bases daquele contrato com o diretor inglês, que vai fazer uns trabalhos para nós.

— Certo Jeff. Obrigada pela noite agradável. Até amanhã.

Ele virou as costas e foi para o carro, enquanto Melanie suspirava de alívio. Ao entrar na sala pensou que, graças a Reggie, não precisara dizer "não" ao chefe. Teria coragem de arriscar a carreira a esse ponto?

— Oi, Melanie — disse o menino, feliz em vê-la. Sherlock levantara-se, abanando o rabo alegremente. Sua dona abaixou-se para acariciá-lo.

Olhando para Reggie, ela disse:

— Obrigada por fazer-lhe companhia. Sherlock se sente muito só quando não estou em casa.

— Tudo bem, Melanie, é sempre um prazer.

Ela sabia que era Sherlock quem tomava conta do garoto. Mas nunca diria isso a ele. Amadurecera muito para os nove anos que tinha e Melanie o adorava. Reggie tinha os cabelos loiros e os olhos meigos, como o seu próprio jeito de ser. Se fosse seu filho, não o abandonaria dessa forma.

— Que horas são? — Reggie perguntou.

— Meia-noite.

— Acho melhor eu ir andando, então. Mamãe e papai já devem estar chegando e não gostam de me encontrar acordado. Tchau, Melanie.          

— Tchau, querido.

Ela postou-se na soleira da porta, vendo-o pela grama em direção a sua casa. Só voltou a entrar quando teve a certeza de que ele estava seguro, no aconchego do lar,

"Pobre criança" pensava "com nove anos e tão sozinha..." Reggie despertava-lhe sentimentos que ela nunca acreditara possuir.

Ao sair da faculdade, só pensara na carreira e em mais nada. Agora, pela primeira vez na vida, compreendia o espírito maternal das mulheres. Ficar com Reggie fez com que percebesse que um dia gostaria muito de ter filhos. O pensamento a entristeceu, pois estava solteira, sem perspectivas de casar-se.

Em seu quarto, tirou o vestido verde de seda pura que estava usando. O único que tinha, aliás, para as grandes ocasiões. O salário de uma advogada recém-formada era baixo e, não fosse sua tia, dona de uma butique, lhe vender o vestido a preço de custo e em suaves prestações, ela jamais poderia dar-se a esse luxo.

Depois de pendurar a roupa cuidadosamente, Melanie tirou os sapatos de salto alto e foi para o banheiro, onde se sentou na borda da banheira para despir as peças mais íntimas. Esperou a água esquentar e perfumar os sais que colocara para entrar no banho. Quando começou a passar o sabonete pelo corpo, já estava totalmente relaxada. Os pensamentos voaram para Dan Austin.

O primeiro contato fora inesperado mas, ao reconhecê-lo, soubera como reagir. Afinal, com a experiência de um ano trabalhando com atores e atrizes famosos, Melanie acostumara-se a lidar com eles, percebendo que eram seres humanos, na maioria das vezes muito menos interessantes pessoalmente do que nas telas. Um romance frustrado com um ator a desiludira por completo.

Por isso ela aceitara com alívio e prazer à transferência para Londres, pois só assim não correria o risco de encontrar o ex-namorado. Mas Dan Austin aparecera em seu caminho.

Claro que admitia que ele era tão charmoso e atraente como nas telas. Os olhos azuis eram profundos, contrastando com o cabelo loiro. E aquele bigode, sobre os lábios carnudos, devia ser muito macio. O ator parecia estar permanentemente sorrindo. Mas era só o seu jeito meio debochado. Ela gostava.

Melanie passou as mãos por sobre a água quente e perfumada. 'Nunca beijara um homem com bigode. Começou a imaginar qual seria a sensação.

Dan Austin era mais alto do que ela imaginara. Os atores pareciam maiores na tela, mas ele devia ter mais ou menos um metro e oitenta, com ombros largos e um peito musculoso. Sua imagem não combinava com o smoking que usava. Jeans e camiseta seriam mais adequados à sua personalidade.

Ela assistira a um de seus filmes, Adorável Arruaceiro, quando Dan interpretara um personagem que não ligava a mínima para a autoridade, desrespeitando leis e convenções; enfim, um homem que se rebelava contra a sociedade, sempre seguindo seu próprio caminho. Mas por trás da firmeza dos olhos azuis havia uma certa vulnerabilidade. A máscara exterior escondia. muita dor. Assim o vira no cinema, assim ele mostrara ser pessoalmente.

Atrás daquela expressão havia um homem sensível e vulnerável, que a fazia lembrar-se de outra pessoa. Mas quem?

De repente, deu-se conta de que essa outra pessoa era Reggie. Por um breve momento, percebera a profunda solidão que aquele olhar tentava esconder. Meio assustada com a descoberta, Melanie rejeitou a idéia de imediato. Dan Austin não podia ser um homem carente. Pelo que sabia, não andava com várias namoradas ao mesmo tempo, mas sempre tinha um caso. Breve, que durava apenas algumas semanas, mas sempre com a mesma mulher. Não era do tipo que iria se comprometer, ficar noivo e casar-se. No entanto, não se tratava de um solitário.

Suspirou e mexeu os pés em círculo na água morna. Aborrecera-se por pensar tanto nele. Tinha mais o que fazer, insistia consigo mesma, do que especular sobre a vida de um ator tão superficial. Mas a mesma vozinha em seu íntimo logo desmentiu a superficialidade de Dan Austin. A sexualidade que o fizera fascinante nas telas era ainda mais forte pessoalmente. Ele lhe despertara um desejo quase primitivo, que ela sentia prestes a explodir.

Irritada consigo mesma e com o curso de seus pensamentos, ela se levantou da banheira e estendeu a mão para pegar a toalha.

Olhou-se no espelho de tamanho natural numa das paredes e examinou atentamente seu corpo. Não costumava ter esse tipo de preocupação e entendia muito bem aquela novidade. O que Dan Austin acharia de suas curvas se tivesse aceitado o mudo convite que ele lhe fizera no cassino?

Enquanto examinava criticamente a aparência, imaginava como ele a veria. Sua pele era macia e tinha uma tonalidade que tendia para a cor de mel. Seus seios. . . Cerrou as sobrancelhas, desgostosa... Eram pequenos e sempre se sentira mal por causa disso. Por outro lado, orgulhava-se das pernas bem-feitas, que possuía.

Ele acharia seu corpo atraente? Perguntava-se Melanie. Será que se excitaria? E ela, como reagiria ao toque daquelas mãos em sua pele, os dedos explorando cada detalhe de sua nudez, traçando o contorno da cintura e dos quadris? E aquela boca, tão insinuante... Como seria se experimentasse o gosto de seus lábios, de seu pescoço, todo e qualquer centímetro do seu corpo?

 

Olhando para a imagem no espelho, Melanie viu um brilho diferente nós seus olhos, como só acontecia quando estava muito excitada.

Com raiva ao perceber que o simples fato de pensar em Dan Austin fazia-a reagir desse modo, jogou a toalha a um canto e foi para o quarto. Vestiu uma camisola comprida, que ia até debaixo dos joelhos.

"Provavelmente não o verei de novo", disse a si mesma. "Além disso, advogadas recém-formadas não lidam com gente desse nível."

Mas nada que imaginasse diminuiria a dor profunda que sentia em seu íntimo.

 

— Melanie! Graças a Deus você ainda está aí!

Ela quase não reconheceu a voz de Jeff Grunder do outro lado da linha. O tom de urgência que empregara não coincidia com o seu jeito seguro e pausado de falar.

— Eu estava de saída para o escritório — ela tentou explicar.

Mas Jeff interrompeu-a bruscamente:

— Esqueça o escritório. Venha para cá, o mais rápido que puder.

— Para onde?

— Desculpe-me. — Ele fez uma pausa para retomar o fôlego. — Acho que não estou sendo muito claro, não é? Deus do céu, tenho que me acalmar! — Fez outra pausa para se recuperar, mas ao recomeçar a falar ainda havia uma nota de desespero em sua voz. — Venha até a suíte de Dan Austin no Hotel Connaught. É a 211. Venha o mais rápido que puder. Explicarei tudo quando você chegar.

Jeff desligou e por um momento Melanie não soube o que fazer, parada ao lado do telefone. O que poderia ter acontecido para justificar tanta pressa? Em dois meses no escritório de Londres e quase um ano trabalhando no estúdio em Los Angeles, ela nunca enfrentara uma emergência, e essa parecia ser realmente uma emergência. Mas Melanie não conseguia imaginar o que poderia acontecer de tão urgente entre meia-noite e oito horas da manhã seguinte. Preocupou-se. E apressou-se.

Foi até o closet e pegou o casaco de tweed que fazia conjunto com a saia que colocara. Gostava de usar a blusa com o colarinho aberto, o que acentuava a sua sensualidade. Mas dessa vez abotoou o último botão. Qualquer que fosse o caso, queria parecer apenas profissional e competente.

Enquanto dirigia seu pequeno carro conversível pelo trânsito congestionado, sentia a curiosidade aumentar. A voz de Jeff ao telefone parecia mostrar que alguma coisa realmente grave acontecera e que havia muito mais em jogo do que dinheiro.

Então lhe ocorreu que, se a situação fosse tão grave como parecia, Jeff não iria chamá-la. Pediria ajuda a qualquer um dos outros advogados.

Apesar de confiar na sua competência profissional, as pessoas não costumavam entregar grandes trabalhos para jovens de vinte e seis anos. Muito menos se esses jovens fossem uma mulher. Na noite anterior, o próprio Jeff procurara outros motivos para justificar sua posição no estúdio, não talento e responsabilidade.

Todos esses pensamentos dançavam na mente de Melanie quando ela desceu do carro na frente do aristocrático Hotel Connaught, com sua fachada imponente.

Um funcionário ofereceu-se para levá-la até a suíte 211. Melanie já conhecia o hotel e achava a decoração de muito bom gosto, com ambientes sofisticados, mas alegres. Se não estivesse tão preocupada, subiria lances da escada, contemplando os quadros do século XIX pendurados na parede.  

Estava   surpresa   com a escolha   que   Dan   Austin   fizera. O Connaught não permitia entrevistas coletivas à imprensa, nem noites de autógrafos para os fãs, o que o tornava desinteressante para quem era ligado ao cinema. Para essas pessoas, a publicidade era a alma do negócio, tão indispensável quanto comida, bebida e uma cama confortável. Talvez Dan Austin tivesse escolhido aquele hotel justamente por querer privacidade.

Entrando na suíte, Melanie viu que o galã estava com uma das pernas displicentemente jogada sobre o braço da poltrona em que se sentara. Quando ela entrou, levantou-se imediatamente, mostrando boas maneiras, o que a surpreendeu. Para seu espanto, o ator vestia uma camisa de flanela e uma calça jeans, exatamente como achava que ele usaria quando não fosse obrigado a ser formal.

Os dois primeiros botões da camisa estavam abertos, revelando o peito bronzeado, coberto de pêlos. A calça jeans, justa, valorizava o corpo atlético. Ele estava muito mais atraente que na noite anterior.

Quanto a Jeff, andava de um lado para outro da suíte, nervoso. Seu rosto estava abatido, os olhos embaçados. Parecia não ter dormido a noite inteira.

— Já ouviu as notícias? — perguntou, sem cumprimentá-la.

— Não. Que notícias? — perguntou Melanie, acomodando-se no sofá de chintz verde, perto da poltrona onde Dan Austin estivera sentado.

Jeff ajeitou-se ao lado dela e Dan voltou para a poltrona.

— Na noite passada — Jeff explicou —, uma atriz chamada Cheryl Sampson foi assassinada. Atriz, pois sim! — explodiu ele. — Ela nunca fez mais do que pontas em toda a sua vida!

Melanie ainda não conseguia entender o que estava acontecendo e desejava que Jeff fosse mais objetivo. O que uma atriz desconhecida tinha a ver com Dan Austin, principalmente sendo vítima de assassinato?

Percebendo a impaciência de Melanie, Jeff explicou:

— Cheryl fez uma ponta no filme de Dan, esse que acabou de ser filmado. Eles... — lançou uma olhadela para Dan, depois para Melanie — se envolveram, tiveram um caso. A Scotland Yard acabou de sair daqui, depois de interrogar Dan.

Espantada, Melanie virou-se para o ator, que até então permanecera em silêncio.

— Mas por que o interrogaram? Só porque se conheciam? Dan Austin hesitou. Quando respondeu, a voz parecia cansada.

— Ontem à noite, Cheryl e eu tivemos uma briga muito feia e terminamos nosso relacionamento.

— Oh! — A voz de Melanie soou baixa e surpresa.

Olhou-o atentamente. O rosto dele expressava revolta e desespero. Desanimado, descruzou as pernas e debruçou-se para a frente, cerrando os punhos.

— O fato de que nosso relacionamento foi breve e que o terminei porque não gostava nem um pouco dela não pareceu convencer a polícia. Eles só querem saber que tivemos uma discussão bastante acalorada, ontem e que por isso a matei.

Melanie ficou boquiaberta, mas sabia que um bom advogado não podia deixar transparecer seus sentimentos. Recuperou o tom profissional, quase indiferente, e disse:

— Obviamente, a Scotland Yard não fez nenhuma acusação, pois do contrário você há essa hora estaria preso.

Dan Austin riu com ironia.

— Não, não me acusaram. Embora eu tenha certeza de que gostariam muito de fazê-lo. A publicidade seria grande, não seria? Já posso ver as manchetes nos jornais: "Scotland Yard prende Dan Austin"! Acho que muita gente lucraria com isso.

 

— Pelo amor de Deus, Dan, não brinque assim! — Jeff explodiu de novo. — Isso não é nada engraçado.

— Não, não é — respondeu Dan, como se estivesse falando consigo mesmo. — Não é nem um pouco divertido.

Seus olhos azuis brilhavam de fúria. O ator estava levando tudo aquilo bastante a sério. Não queria deixar que transparecesse, mas se chocara com a situação.

— O investigador da Scotland Yard deu-lhe o aviso usual? — perguntou Melanie.

— Refere-se a "qualquer coisa que disser pode ser usada contra você no tribunal"? Sim, disseram.

Não era bom sinal, pensou Melanie. Aquele aviso legal só se dava quando havia uma possibilidade real de prisão. Ela continuou:

— Eles pediram que você não saísse do país?

Dan sorriu daquele seu modo peculiar, cheio de desdém.

— Sim. Convidaram-me a não sair da cidade por algum tempo.

— Você deveria ter chamado um advogado antes de responder a qualquer pergunta.

— Foi exatamente ò que eu disse a ele — interveio Jeff, zangado. — Mas Dan só me telefonou depois que a polícia já tinha ido embora.

Olhando para o diretor da companhia, Melanie novamente pôde perceber como ele estava abalado com o que acontecera. Quase não conseguia controlar suas emoções. Contudo, ela não acreditava que toda aquela preocupação fosse só pelo bem-estar de Dan Austin. Jeff na verdade queria evitar o escândalo porque toda publicidade negativa poderia prejudicar a bilheteria do filme que acabara de produzir, um investimento de nada mais nada menos que vinte e cinco milhões de dólares. Se o filme fosse um fracasso por causa de um escândalo em torno de Dan Austin, Jeff iria ser responsabilizado e certamente perderia o emprego.

Olhando de novo para Dan, Melanie percebeu que ele também conhecia os motivos que tanto irritavam Jeff. Levantando-se da confortável poltrona de couro, ele foi até a janela e ficou ali parado, olhando a cidade lá embaixo, o rosto tomado por um ódio quase cego. Seus olhos azuis tinham um brilho diferente, amedrontador. Ela sentiu um arrepio de medo percorrer-lhe a espinha.

Jeff continuava irritado.

—Temos que fazer com que tirem essa acusação contra você. Se o acusarem de assassinato, ou se você estiver na lista de suspeitos, A Caçada pode se tornar um dos maiores fracassos do estúdio.

Melanie não conseguia acreditar no que Jeff dissera. Como ele podia ser tão egoísta? Numa hora tão delicada para Dan Austin, ele nem ligava para os seus sentimentos!

Para sua surpresa, Dan não se zangou. Virando-se para Jeff, disse, devagar:

— Construí uma carreira fazendo o papel de um fora-da-lei. Primeiro na música, depois em minhas atuações no cinema. Enquanto essa imagem se restringia às telas ou ao palco, nunca liguei muito para o que as pessoas fossem pensar, se aprovariam ou não o que eu fazia. Contudo, sou o principal suspeito de um assassinato. Só que não o cometi. E não gosto de saber que podem começar a acreditar que sou um criminoso. Por isso pretendo provar que não matei Cheryl.

— Pelo amor de Deus, Dan, não fale assim! — Jeff insistia, correndo os dedos nervosamente pelo cabelo espesso. — Sente-se e fique aí quietinho, enquanto Melanie cuida, de tudo.

— De jeito nenhum! — Dan quase gritou. — Não vou ficar "sentadinho aqui, quietinho", enquanto as pessoas me chamam de assassino!

Os gestos frios e calculados que o caracterizavam há muito tinham desaparecido. Ele fechou os punhos, como se fosse socar alguém. O que impressionou Melanie profundamente não foi o ódio que ardera nos olhos azuis, mas a dor. Dan sofria muito por saber que as pessoas poderiam acreditar que ele seria capaz de cometer um ato tão desprezível quanto um assassinato.

Ela se levantou do sofá onde estava sentada e dirigiu-se para Dan, olhando-o com firmeza. Podia sentir a poderosa força que emanava dele, sua presença marcante, intensificada agora pela dor e pela angústia.

— Jeff está certo — disse em tom neutro. — Contrate um advogado e tenha o bom senso de deixá-lo fazer esse trabalho por você.

A dura expressão do rosto do ator transformou-se, suavizado pelo olhar de curiosidade que depositou nela.

— Você está propondo que eu me coloque em suas mãos?

Melanie percebeu que aquele tom de voz tinha algo provocativo e sensual, sugerindo outro significado para o que acabara de dizer. Então virou-se para Jeff:

— Tem certeza de que quer que eu cuide do caso? Existem advogados mais experientes na empresa. Ou então vocês podem contratar um profissional inglês mais conhecido, que seja criminalista.

— Não, não! — insistiu Jeff. — Ê você quem eu quero. Afinal, conhece bem as leis inglesas, os outros advogados da empresa, não. E um profissional londrino não iria entender nosso negócio como você entende. É a pessoa certa para cuidar disso, Melanie.

Olhando para Dan Austin de novo, ela disse:

— Na realidade, estarei trabalhando para você, não para a companhia. Por isso pergunto: concorda com Jeff? Sou eu a pessoa que quer para defendê-lo?

Dan Austin não respondeu de imediato. O fato de refletir antes de dar uma resposta impressionou-a favoravelmente. Ele podia se zangar e ser bastante esquentado muitas vezes, mas não era tolo. Por fim, respondeu:

— Jeff me falou a seu respeito. Estou impressionado com tudo o que me contou sobre você. E com o que vi outro dia. Saiu-se muito bem, srta. Richardson. — Fez uma pausa e seus olhos mergulharam nos dela. — Sim, é você quem eu quero.

Com certeza, ele se referia ao árabe que a abordara no cassino. Por um breve momento, Melanie sentiu como se estivessem a sós naquela sala, olhos nos olhos, numa intimidade onde não existiam problemas legais, nada além deles dois. Mas, quando falou, sua voz conseguiu o tom profissional que a conversa exigia:

— Muito bem, Sr. Austin, vamos falar de negócios, então. Sentou-se numa poltrona ao lado da janela e abriu sua pasta em cima da mesa, tirando uma caneta e um bloco de folhas amarelas.

Dan acomodou-se numa cadeira à sua frente e Jeff permaneceu de pé, ao lado, em silêncio, ouvindo atentamente cada palavra que estava sendo dita.

— Quando foi a última vez que você viu Cheryl Sampson? — perguntou Melanie.

— Ontem à noite, perto das sete horas. Cheryl estava hospedada no apartamento de uma amiga. Fui até lá e lhe disse que aquela era a última vez que nos víamos.

— Qual foi a reação dela? Dan deu de ombros.

— Cheryl era muito impulsiva, muito temperamental. Agrediu-me com palavras nada bonitas.

— Havia alguma testemunha presenciando a cena?

— Sim, Jenny Tibbets, amiga dela, que chegou ao apartamento quando estávamos no fim da briga. Acho que foi ela quem contou à Scotland Yard a meu respeito.

Melanie fazia anotações rapidamente. Não parou nem enquanto falava.

— Então Cheryl estava triste. E você? Por que terminou o relacionamento?

Ela tentava manter neutro o tom de voz, mas a verdade era que estava bastante curiosa com a resposta de Dan.                    

Ele hesitou por um momento para depois dizer, relutante:        

— Parece arrogante dizer isso, mas... Em primeiro lugar, eu não queria ter me envolvido com ela. Cheryl me perseguia e era muito possessiva. — Desviou o olhar, embaraçado.

Melanie sentiu-se mal com o domínio que Cheryl parecia exercer sobre ele. Mas qual poderia ser o destino de um homem aventureiro, senão um dia encontrar alguém que o escravizasse?

— Então, por que teve um caso com ela? — Melanie perguntou, mais áspera do que pretendera.                                    

— Porque era muito bonita e feita de carne e osso. Veja, srta. Richardson, Cheryl Sampson e eu ficamos apenas uma noite juntos. Mas logo percebi que tudo não passava de um erro. Eu não estava interessado nela.

   — Quando ela se mostrou zangada, você reagiu da mesma maneira?

Dan Austin meneou a cabeça com firmeza.

— Não. Não foi uma cena agradável, claro, mas não fiquei bravo com ela. Deixei que desabafasse e depois saí. Não tinha intenção de vê-la novamente.

— E para onde foi depois disso?

— Para o Cassino Crockford — Dan sorriu. — Tenho muitas testemunhas, incluindo você e Jeff, que podem dizer que eu estava lá.

— Certo — Jeff interrompeu, ansioso. Ignorando-o, Melanie continuou:

— A que horas você saiu do Crockford?

— À meia-noite. Peguei um táxi para o hotel e fui para a cama em seguida. — Antes que Melanie pudesse perguntar mais alguma coisa, acrescentou: — Sozinho.

— A polícia disse a Dan que Cheryl foi morta entre uma e três horas da manhã — Jeff explicou, saindo da suíte. Estava nervoso e sua presença ali só poderia atrapalhar.

Melanie avaliou a informação, mas nem se deu ao trabalho de dizer até logo para o patrão.

— Entendo. Então quer dizer que não tem um álibi, Sr. Austin?

— Droga! — explodiu ele. — Já lhe disse que estava aqui, sozinho! Claro que não tenho um álibi! Não achei que necessitasse de um!

— Não grite comigo — ela retrucou friamente. — Não estou sendo dura com você como sei que a Scotland Yard foi hoje. Tenho que saber essas coisas para ajudá-lo. Tente lembrar-se de que estou do seu lado.

Tão repentinamente como começara, a ira dele se dissipou. Dan desarmou-se e sorriu, como se os dentes alvos fossem a sua bandeira branca.

— Graças a Deus! Acho que você deve ser uma inimiga bastante dura.

Ela teve vontade de devolver-lhe o sorriso amistoso, mas limitou-se a guardar o bloco em sua pasta. Fechando-a, disse:

— Acho melhor ir até a Scotland Yard e conversar com o inspetor que está cuidando do caso.

— O nome dele é Sam. Dê-lhe minhas lembranças. Sam disse que apreciava meus filmes.

Melanie virava-se para ir embora quando ouviu a voz de Dan:

— Sinto muito obrigá-la a vir aqui tão cedo, especialmente depois de ter ido dormir tarde ontem à noite.

— Oh... Bem, não dormi tão tarde assim. À meia-noite já estava na cama.

— Sozinha?

Melanie não podia acreditar no que o ator dissera e sentiu as faces vermelhas. Estava indignada com a intromissão. Dan Austin não tinha o direito de especular sobre sua vida particular.

Antes que pudesse responder, ele explicou, no seu jeito cínico:

— É justo que eu tenha o direito de fazer-lhe as mesmas perguntas, não acha?

— Perguntei por que era meu dever fazer isso. Não pretendi especular sua vida pessoal. E você, qual é a sua explicação?

— Queria especular sobre sua vida, só isso — respondeu ele, com um sorriso que a desarmou.

— Bem, creio que pode guardar o seu interesse na gaveta, porque simplesmente não é da sua conta. Portanto, não torne a me perguntar coisas desse tipo.

— Oh, não precisarei perguntar novamente. Já sei o que queria saber. Você não dormiu com ninguém.

— E como é que você pode saber uma coisa dessas?

Dan Austin colocou a mão no queixo dela, levantando-o. Seus olhares se cruzaram por um momento.            

— Sei que dormiu sozinha por causa de sua resposta zangada. Você ficou louca da vida. Não porque perguntei se tinha dormido sozinha, mas porque pensei que estivesse namorando Jeff, que é um grosso.

       Dan acertara. Melanie ficara profundamente ofendida por ele achá-la capaz de passar uma noite com Jeff.

Então, ele acrescentou, em tom gentil:

— Eu estava certo sobre você, na noite passada.

Estavam tão próximos que só enxergavam os próprios olhos. Melanie podia ouvir as batidas aceleradas de seu coração e a respiração descompassada. De repente, deu-se conta de que tinha de se afastar dele, imediatamente, antes que perdesse totalmente o controle. Girou os calcanhares, sem se incomodar em dizer "até logo".

Ao abrir a porta, sentiu o olhar profundo queimando-lhe as costas.

Uma vez dentro do carro, Melanie dirigiu-se até a Scotland Yard, sentindo-se um pouco mais calma. Então lembrou-se das palavras dele, proferidas em tom baixo, como se fossem segredo. E se perguntou o que Dan teria pensado a seu respeito na noite anterior.

 

A sala do inspetor Sam era pequena e simples. Só tinha uma mesa com telefone, à cadeira de couro onde ele se sentara e uma outra, de madeira, educadamente oferecida a Melanie, que o ouvira sem interromper nenhuma vez.

— Isto é basicamente tudo o que sabemos — finalizou, fechando uma pasta sobre a mesa. — A moça foi golpeada na cabeça com um daqueles atiçadores de ferro de lareira e morreu instantaneamente.

— Não parece ter sido premeditado, pois o assassino utilizou uma arma que estava no próprio apartamento.

— Concordo. — Sam recostou-se em sua cadeira de couro. Era um homem de cabelos grisalhos e olhos verdes bastante vivos. Continuou: — Não podemos ter certeza de nada ainda. É muito cedo para isso.

— Tem certeza pelo menos acerca da hora da morte?

— Uma vizinha ouviu uma discussão no apartamento logo depois da uma hora da manhã. Disse que uma das vozes era de homem e a outra da srta. Sampson, com quem conversara em várias ocasiões.

— Quer dizer que Cheryl estava viva à uma hora da manhã?

— Sim, Jenny Tibbets, a dona do apartamento, voltou às três da madrugada e encontrou a amiga morta. Então acreditamos que o crime aconteceu entre uma e três da manhã.

— Isto deixa meu cliente fora do caso. O Sr. Austin estava de volta ao hotel por volta da meia-noite.

— Assim diz ele. Contudo, num hotel tão grande como o Connaught, seria fácil sair sem que ninguém percebesse.

— Inspetor... — Melanie começou em tom firme, mas o homem a fez silenciar com um aceno de mão.

— Srta. Richardson, desde já vamos nos entender a respeito de algumas coisas. Só assim poderemos ajudar um ao outro. Pessoalmente, não acredito que seja o Sr. Austin o assassino de Cheryl Sampson. — Sorriu para ela com simpatia, tentando ser amigável. — Para ser franco, gosto dele. Não foi muito simpático quando o interrogamos, mas acho que isso é normal, dadas as circunstâncias. A impressão que tive é que Dan Austin é uma pessoa correta e honesta.

Melanie não conteve um suspiro de alívio.

— Fico contente ao ouvir isso, inspetor.

— É somente minha opinião pessoal, e no meu trabalho temos que nos ater aos fatos. Dan Austin ainda não escapou.

— Presumo que o senhor não possa provar que meu cliente seja o assassino da srta. Sampson.

— Não. O porteiro do prédio havia ido dormir pouco depois que a srta. Sampson chegou. Não parecia haver ninguém acordado àquela hora. Portanto, não podemos provar quem foi o assassino. Pelo menos, por enquanto.

— Tudo isso significa, então, que não há nenhuma prova evidente contra o Sr. Austin.

— Ele e a vítima tiveram uma discussão acalorada à noitinha.

— Mas a srta. Sampson estava viva quando meu cliente a deixou.

— É verdade.

— Um outro ponto: o senhor não pode forçá-lo a ficar em Londres.

O inspetor suspirou.

— Esperava que dissesse isso. Está certa, é claro. Gostaríamos que ele não se ausentasse até que a investigação estivesse concluída. Mas não podemos detê-lo, se quiser sair do país.

Melanie já esperava que o inspetor admitisse esse fato. Sentiu-se bem mais otimista do que quando entrara no gabinete, momentos antes.

— Existe mais alguma informação que possa me dar? — perguntou, ao pegar sua pasta para ir embora.

— Só mais uma coisa. E tenho quase certeza de que é algo sem importância. A bolsa da srta. Sampson encontrava-se no chão, ao lado do corpo. Estava aberta, mexida, mas a carteira e o talão de cheques não foram roubados.

— Quer dizer que quem a matou não era um ladrão?

— Precisamente. Mas há um detalhe, bastante intrigante, no caso todo. Havia um pedaço de papel, rasgado e todo amassado, preso ao zíper da bolsa. Duas palavras estavam escritas e com letra que parecia ser da vítima: "Tempo de morte".

— Isso é tudo?

— Sim. Francamente, não entendo. Não sei se isso tem alguma importância, exceto pelo fato de que é possível que o assassino tenha pegado a bolsa para tirar algum papel, que se rasgou na pressa, deixando acidentalmente o pedaço preso no zíper.

Quando Melanie se virava para ir embora, ouviu o inspetor dizendo:

— Não se esqueça srta. Richardson, que, embora pessoalmente eu ache difícil que o Sr. Austin seja culpado, não temos motivos para suspeitar de mais ninguém.

— Bem, como o senhor mesmo disse, inspetor, "ainda é cedo". Alguém matou aquela pobre moça, mas esse alguém não foi o meu cliente. O senhor só terá que achar o culpado. Espero que não se precipite e venha a cometer uma injustiça...

 

Ao sair do edifício da Scotland Yard, Melanie já não se sentia tão confiante, como deixara transparecer ao inspetor. Pensando bem, ele estava certo. Alguém matara Cheryl Sampson e, até o presente momento, o único suspeito era Dan Austin. Quem mais?

Não podia imaginá-lo cometendo um assassinato, mas admitia que, os fatos não lhe eram nada favoráveis. Não havia mais ninguém para acusar. Ela mesma, embora acreditasse na inocência de Dan, não dispunha de provas que a confirmassem. E, nesse caso, as provas tinham importância fundamental.

Dissera ao inspetor que era dever dele achar o culpado, mas, se a Scotland Yard não o encontrasse, se o caso permanecesse insolúvel. . . Bem, na mente do público ficaria sempre a dúvida. E aí, adeus carreira. . . Adeus sucesso. . .

As palavras "tempo de morte" martelavam em seu cérebro. Deus do céu, pensava, onde ouvira isso antes?

— Muito bem, moça, o que há com você hoje? Está com esse ar preocupado desde a hora em que entrou em casa e não falou nada até agora.

Melanie deu um sorriso amarelo na direção de sua tia Dalila. Nunca lhe fizera segredos; tinha-a mesmo por confidente. Tirou os sapatos, colocou os pés no sofá de cetim azul da sala de estar e suspirou.

— Muito bem. Você assistiu ao noticiário?

— Claro que sim. Não que tivesse algum interesse nisso. Foi o mesmo de sempre: política suja, assassinatos, etc.

— Então, ouviu sobre aquela atriz americana que foi assassinada?

— Ouvi. Horrível, não é? Imagine alguém tão jovem e cheia de vida ser morta assim. Você a conhecia?

— Não, mas fui designada para cuidar do caso representando uma pessoa que está envolvida: Dan Austin.

Os olhos castanhos de Dalila, parecidos com os da sobrinha, mostraram um ar de surpresa.

— Melanie! Que excitante! Aquele homem é simplesmente lindo Mas não pode nem ouvir falar em casamento. — Sorrindo com malícia, continuou — Sei muito bem que você não pode ir contra a ética e revelar coisas sobre seu cliente, mas me conte como ele é pessoalmente.

Melanie hesitou, desviou o olhar e demorou a encará-la de novo. Aos quarenta e oito anos, Dalila Banks parecia tão jovem que freqüentemente a confundiam como sua irmã mais velha. Possuíam os mesmos olhos claros e a mesma tonalidade de cabelo, apesar de a pele de Dalila ser um pouco mais clara. Na verdade, a advogada se parecia muito mais com a tia do que com a mãe, e as duas sempre foram muito amigas. Dalila nunca se casara e não tivera filhos, projetando em Melanie todo seu sentimento maternal.

A tia a olhava com uma curiosidade bem próxima da ansiedade.

— Bem... ele é basicamente aquilo mesmo que a gente vê nos filmes — respondeu, em tom evasivo.

— Oh, Mell, deixe disso, por favor. Conheço bem você. Como ele é de verdade? Charmoso, bonitão, sexy...

Melanie sabia que Dalila era uma pessoa muito franca, aberta.

— Muito bem, ele é lindo de morrer — admitiu meio relutante. — Não é aquela beleza clássica, você entende? Há algo nele de durão sei lá... Mas terrivelmente atraente. Sensual, eu diria.

— E?

— E... Bem, não é exatamente o que eu esperava que fosse.

— Hum... parece interessante... O que você quer dizer? — Dalila perguntou, debruçando-se para se servir de mais uma xícara de chá do bule de louça chinesa.

— Ah, Dalila, não sei exatamente o que quero dizer, — Melanie suspirou.                                          

A mulher mais velha lançou um olhar significativo para a sobrinha.

— Acho que ele a impressionou. Uma impressão muito forte, eu diria.

— Tem razão. Mas só porque ele é um cliente de um caso importante e que pode significar muito para a minha carreira.

— Ele assassinou a garota?

— Dalila! Claro que não! A tia sorriu, compreensiva.

— Você o defende bem depressa, hein? E não acho que seja a "advogada" Melanie que faz isso, mas a mulher.

Ela suspirou, frustrada.

— Se está tentando imaginar um romance, esqueça. Já namorei atores antes, lembra-se?

— Ah, você ainda está um pouco zangada com aquele ator de televisão. Qual era mesmo o nome dele?

— Carlos Madrid — Melanie respondeu, secamente.

— Pelo que me contou a respeito dele, realmente não merecia o seu amor. Mas não esqueça que foi com Carlos que você teve o primeiro relacionamento maduro.

— Dalila, eu não era totalmente inexperiente quando o conheci.

— Você era quase inexperiente, pouco mais do que isso. Um namorado em quatro anos de ginásio e outro depois de três de colegial não foram suficientes para amadurecê-la.

Dalila sorriu e Melanie não teve outro remédio senão concordar, dirigindo-lhe outro sorriso amarelo. Ao recordar o passado, sentia-se amargurada. Depois de Carlos, envolvera-se com um jovem imaturo e com um homem bastante experiente, mas muito frio e racional. Claro que uma paixão com Dan Austin até que era uma boa idéia.

— De qualquer forma — Dalila continuava —, não deixe que sua experiência com Carlos estrague a possibilidade de um amor verdadeiro.

— Oh, Dalila, na época eu pensei que era amor mesmo!

— De jeito algum podia ser, querida. Você é muito especial para se apaixonar por um homem como aquele. Foi só uma "paixonite", uma daquelas fugas que a gente faz na vida.

— Já tive muitas "paixonites" na vida, Dalila. No momento, só estou interessada na minha carreira.

— Quer dizer que pretende ser uma "mulher de negócios"? — a tia perguntou, com um brilho maroto no olhar.

— E por que não? Hoje em dia as mulheres não precisam dos homens. Sei me virar muito bem sem a ajuda de ninguém. Posso ir jantar sozinha. Se quiser um bebê, terei um sem precisar me casar.

Dalila riu com malícia. Já conhecia a maneira de pensar da sobrinha, sabia que ela não era de dar o braço a torcer.

— Não seja tão dura. Homens e mulheres sempre precisarão uns dos outros.        

— Mas você é solteira!

— Ah, sim, mas não por minha escolha. — Antes que Melanie pudesse interrompê-la, Dalila acrescentou — É claro que tive propostas de casamento, mas nunca de homens que amasse de verdade. O fato é que o amor é a melhor coisa que pode acontecer a uma pessoa, homem ou mulher.

— Mas você sempre pareceu gostar tanto de sua vida de solteira! Tem tudo o que uma mulher pode querer uma carreira bem-sucedida com sua butique, uma casa adorável, uma vida cheia de coisas boas...

— Isso tudo é verdade. Percebi há tempos que o Príncipe Encantado não existe e não quero fazer uma escolha errada, pagando por isso até o fim dos meus dias. Acho que construí minha vida sozinha muito bem mas, ao mesmo tempo, invejo sua mãe. Nunca conheci o tipo de amor que seus pais conhecem. Se eu morrer sem viver esse tipo de sentimento, sei que alguma coisa estará faltando na minha existência.

Melanie recostou-se no sofá e sorveu o chá vagarosamente, pensando nos pais. Sua mãe, Emily, conhecera seu pai, Jim, no fim da Segunda Guerra Mundial. Ele estava em Londres a serviço e apaixonaram-se à primeira vista. Conheceram-se, amaram-se e se casaram no espaço de duas semanas. Emily deixara a família para começar uma nova vida ao lado do marido, numa, fazenda da Califórnia, e sempre dizia que não se arrependera do passo que dera. Desde que seus olhos encontraram os de Jim, num abrigo antiaéreo durante um ataque nazista, ela soubera que aquele era o homem de sua vida.

Sorria ao pensar no encontro romântico dos pais. Sabia que o amor deles duraria para sempre. Nunca sentira algo semelhante por alguém. Mesmo com Carlos, cujo charme era irresistível. Tinha medo de morrer sem uma paixão de verdade. Assim como a tia. Olhou para Dalila, que se sentara confortavelmente numa poltrona. Sempre pensara nela como a feminista ideal, uma mulher auto-suficiente. Não lhe passara pela cabeça que podia sentir-se só ou insatisfeita com alguma coisa.

— Você se sente só, Dalila? — perguntou, preocupada. Ela sorriu docemente antes de responder:

— Não mais do que a maioria das pessoas pode se sentir. Não se preocupe comigo, querida. Sei como você costuma querer proteger as pessoas. A cada fim de verão, quando vinha me visitar, eu sempre acabava ganhando mais um bichinho de estimação. Um gatinho ou um cachorro que você trazia. Mais ou menos como o que acontece com o seu vizinho, agora.

— Reggie? Bem, mas Reggie é mesmo muito sozinho, praticamente abandonado pelos pais. Não entendo como é que eles podem deixar o garoto assim.

— Sei disso. Também não consigo entender uma coisa dessas. Acho que algumas pessoas nascem com uma capacidade maior para amar do que outras. Você é do tipo que tem muito para dar e sei que algum dia encontrará o homem que mereça receber tudo isso.

— De qualquer modo, não estou nem um pouco preocupada com isso no momento. Tenho que concentrar todas as minhas forças para limpar o nome de Dan Austin.

— Tem razão. As pessoas vão falar, não é mesmo? E sempre pensarão o pior. Adoram um bom escândalo. Uma jovem e bela atriz em início de carreira, um ator bonitão com uma reputação duvidosa, um assassinato misterioso. Ingredientes básicos para um filme de sucesso.

— É, só que não é um filme. É real. Não há script nenhum que diga que Dan Austin vai se sair bem no final. — Melanie calçou os sapatos. — Bem, acho melhor eu ir andando.

Quando se levantava, ouviu Dalila dizer.

— Ah, já ia me esquecendo. Sabe quem está na cidade? Dena. Telefonou hoje.

— Você contou que estou morando aqui?

— Contei e ela ficou contente em saber disso, pois sempre vem a Londres, de modo que poderão se encontrar mais vezes.

— Onde está hospedada?

— Na casa da mãe.

— Vou ligar para ela quando chegar em casa. Faz um tempão que não falo com Dena.

Melanie sorriu ao saber que iria rever a velha amiga. Dena Faisal era uma princesa meio inglesa, meio árabe, cujos pais estavam divorciados. Crescera em Londres, no mesmo bairro que Dalila morava. Tornara-se boa amiga de Melanie nos muitos verões que fora passar com a tia. Mas, quando Dena fez vinte e um anos, foi para a Arábia Saudita morar com o pai. Desde então se encontrara poucas vezes com ela.

— Como está ela? — indagou Melanie, curiosa. .

— Despreocupada, como sempre. Ser filha de um homem riquíssimo deu a Dena um ar muito tranqüilo e feliz. Não teve nenhum problema em toda a sua vida. Ah, quase ia me esquecendo, ela vai se casar.

— É mesmo? Com um árabe?

— Exatamente. Um príncipe, claro. Casamento arranjado pelos pais.

Melanie riu.                                              

— Não acho que Dena vá se importar com um casamento arranjado. Ela gosta de viver nesse meio. Bem, preciso ir agora, já é tarde. Boa noite, Dalila.  

A tia sorriu maliciosa.                                          

— Dê um beijo em Dan Austin por mim na próxima vez que encontrá-lo.

Melanie respondeu em tom firme:

— Não seja boba, tia Dalila. Darei assistência jurídica em vez de beijos.

 

Dan acabara de trancar a porta de seu quarto quando ouviu o telefone tocar. Apressando-se, atravessou a sala mobiliada em estilo clássico e foi até a mesinha onde estava o aparelho. Tirou o fone do gancho e respondeu, ansioso:

— Alô?

— Dan, querido, é Nina.

Ele mal conseguiu disfarçar o desapontamento. Por um breve momento tivera a esperança de que fosse Melanie.

— Como você está, Dan?

— Bem — ele respondeu, sentando-se na cadeira atrás da escrivaninha e colocando os pés em cima da mesa.

— Não seja evasivo nem tente bancar o insensível comigo. Deve estar sendo um inferno para você.

— Se não se importa, Nina, gostaria que fosse direto ao assunto. Ou só telefonou para me oferecer solidariedade?

— Tudo bem, já chega. A reunião com a Universal Studios foi adiada,

— Por quanto tempo?

— Indefinidamente.

— Quer dizer, até que tudo isso fique esclarecido, certo? Nina suspirou.

— Sim, se é isso o que quer saber. Nesse momento, querem distância de você.

Dan sorriu amargamente.

— Também tenho boas novas, querida, Jantei com Jeff Grunder. A American National Studios está pensando em adiar o lançamento de A Caçada.

Houve um silêncio do outro lado da linha. Quando ele percebeu que Nina não se manifestava, continuou:

— É, parece que você se transformou numa empresária cheia de problemas.

— Dan, depois que isso passar tudo vai ser como antes. Ninguém o acusou de nada, oficialmente. Acho que eles não têm nenhuma prova contra você.

Alguma coisa no tom de voz dela tocou-o profundamente.

— Nina. . . não matei aquela garota.

— Claro que não — foi a rápida resposta dela, sem convicção alguma.

— Droga — Dan disse entre dentes para depois finalizar, em tom decidido: — Adeus, Nina.

— Dan, eu. . .

Ele bateu o telefone com força, interrompendo-a. Por alguns instantes ficou ali sentado, estalando os dedos. Deveria ter esperado essa reação da empresária. Ela só se interessava com o dinheiro e o sucesso que alguém podia lhe dar ou tirar. Não estava nem um pouco preocupada com o homem. Ele soubera disso desde o começo.

Mas se magoara. Não conseguia negar como se sentia na adolescência, quando as pessoas pensavam o pior dele. Desde aquela época adquirira fama de "rebelde", até que, vencido pelo cansaço, começara a tentar tirar alguma vantagem disso. Apesar da fachada despreocupada, na verdade Dan não gostava daquela reputação. E agora, por causa dela, as pessoas o julgavam culpado. Parecia que só Melanie acreditava em sua inocência. Não sabia por quê, mas ela não duvidara de sua história. Era um consolo.

Subitamente, sentiu uma necessidade enorme de lhe falar, de ouvir sua voz. Pegou o pedaço de papel onde Jeff rabiscara o número do telefone dela e começou a discar.

Depois dos três primeiros toques, já não tinha certeza se a encontraria em casa. Depois do quinto, disse a si mesmo que estava sendo ridículo! Devia desistir e desligar. Quando colocava o fone de volta no gancho, ouviu a voz melodiosa atender:

— Alô?

— Melanie? Aqui é Dan Austin.

— Ah, olá. . . Algum problema?

— Só queria saber como foi o encontro com o inspetor Sam. — Era uma mentira deslavada. Na verdade, só desejava ouvir-lhe a voz.

— Bem. . . — começou ela, para fazer uma pausa em seguida. — Desculpe-me. Tive que recuperar o fôlego. Estava acabando de entrar em casa.

— Estou prestes a ir para a prisão, conselheira?

— Ainda não. — ela respondeu em tom seco. — Na verdade, Sam admitiu que não pode detê-lo em Londres. Você viaja na hora que quiser.

— O que me aconselha fazer?

— Você seguiria meu conselho, se eu o desse?

Dan percebeu que seu tom de brincadeira a irritara profundamente. Talvez estivesse pensando que ele não confiava em sua competência profissional, o que não era verdade. Então, preocupou-se em mostrar a ela que o seu trabalho o satisfazia plenamente.

— Quando eu disse que me colocava inteiramente nas suas mãos, Melanie, estava sendo sincero.

— Obrigada. Então, recomendaria que você ficasse em Londres. Pelo menos, por algum tempo. Quanto mais cooperar com a Scotland Yard, mais chances terá que eles acreditem em sua inocência.

— Ótimo. Continuarei hospedado no Hotel Connaught. É bastante confortável. Exceto pelos repórteres que me rodeiam assim que ponho os pés no saguão.

— Deve ser horrível, não?

— Tenho que admitir que são bastante persistentes. Mas não acho que mudar de hotel seja a solução, pois eles logo iriam me encontrar em qualquer outro lugar. O jeito é ficar o máximo no quarto e tentar sair e entrar no hotel despercebido. Não quero que os repórteres me vejam quando eu for até sua casa manhã à noite buscá-la para o jantar.

— Jantar?

— Isso mesmo. Por que a surpresa? Você tem algum outro compromisso?

— Ouça, Sr. Austin, vamos deixar as coisas bem claras. Sou sua advogada, não uma eventual parceira de cama,

— Por quê? Uma coisa exclui a outra?

— Exatamente.

— Por quê?

— Por quê? Bem. . . — Melanie parou, sem achar as palavras certas.

Enquanto ela procurava uma resposta conveniente, Dan tentou se explicar:                      -              

— Você acha que eu não estou levando isso a sério, não é?

— Não, não acho mesmo.

— Pois pode começar a acreditar, mocinha. Se estou brincando a respeito, é porque esse é o meu jeito de lidar com situações difíceis. Não matei Cheryl e farei o que for necessário para provar minha inocência.

O tom de voz dele era firme e convincente. Mas também mostrava algum cansaço. Dan já perdera a paciência. Então Melanie resolveu ser gentil na resposta:

— Sei que você é inocente e estou percebendo que o fato de ser o principal suspeito num assassinato o incomoda muito. Fico contente em ver que leva o problema a sério, Sr. Austin, Eu também faço isso. O senhor é meu cliente e pretendo dar o melhor de mim para resolver o problema.

— Muito bem. E a que horas devo passar aí para buscá-la, amanhã à noite?

— Sr. Austin, não...

— Se não parar de me chamar de "senhor", acho que vou ficar com raiva. Estamos parecendo dois protagonistas de um romance da era vitoriana. Meu nome é Dan.

Depois de um longo silêncio, Melanie respondeu, entrando na brincadeira:

— E desde quando cantores de música country que viraram atores lêem romances da era vitoriana?

— Me formei em Literatura Inglesa na Universidade do Texas. Depois disso fui para Nashville.

— Bem, isso não importa. Não vou jantar com você.

— Nem para discutir o caso?

— Podemos discuti-lo por telefone.

— Ah, Melanie, por favor! Teremos que nos encontrar pessoalmente para conversar, você sabe disso!

— Então, esse é um jantar de negócios?

Dan hesitou um pouco. Sabia que não havia jeito de mentir para Melanie. Então respondeu, da forma mais sincera possível:

— Em parte, sim.

— Não é o suficiente.

— Do que tem medo, Melanie? De mim?

— Tenho medo de ratos e de aranhas, de cobras, das coisas que não posso ver no escuro. Mas não tenho medo de você.

— Ótimo. Então, a que horas devo passar aí?

Melanie ia começar a falar, mas parou. Tentou um tom de voz bem profissional, como se nem sequer conhecesse o cliente que atendia.

— Às oito horas. Estarei com minha pasta e toda a papelada referente a nossos negócios.

— Vejo-a amanhã, então. Boa noite, Melanie.

Dan desligou o telefone com pressa. Tinha medo de que ela mudasse de idéia.

Duas horas depois, Melanie ouvia as últimas faixas do terceiro disco de Dan. Parará numa loja de discos ao sair da casa da tia e comprara três discos dele. Curiosamente, gravara o último antes de começar a fazer cinema. Parar de cantar teria sido uma exigência de Hollywood?

Ela sentou-se no sofá, tomando vinho branco e ouvindo a música de Dan. Quando um lado do disco acabou, levantou-se, ligou a vitrola novamente e colocou a agulha na sua faixa favorita: Desejo.

A letra falava daquele grande amor com que todos sonham. Dan era bom cantor, pensou ela, intrigada. Nunca imaginara que fosse assim talentoso. Odiava música country e, apesar de já ter ouvido falar nele, não conhecia suas canções. Só agora percebia que estivera perdendo algo muito especial. Num estilo simples, mas muito pessoal Dan cantava o amor e a esperança. Era um homem sensível, quase atormentado.

Melanie nunca se emocionara tanto com uma música. Os sentimentos eram puros, mostrando a alma sofrida. Ela se identificara com aquela mensagem. Era como se Dan lhe desvendasse a alma, os desejos mais íntimos.

Ele gravara as músicas antes de conhecê-la, mas era como se falasse por ela. Era como se Dan Austin fosse sua alma gêmea! Não, pensou enquanto enchia de novo o copo, não podia fantasiar assim. O Dan Austin que compusera e cantara aquelas lindas músicas poderia ser sua alma gêmea, mas o que aparecia nas telas das grandes produções e que tinha casos e mais casos com atrizes famosas, não.

 

Na manhã seguinte, Melanie foi visitar Jenny Tibbets em Knightsbridge, um dos bairros mais sofisticados de Londres. O apartamento era pequeno, mas muito bem mobiliado e decorado. Sabia que a atriz só fazia pontas no cinema, exatamente como Cheryl. Mas, a julgar pelo conforto com que vivia e pelas roupas elegantes que vestia, ela com certeza tinha outras fontes de renda.

— Sente-se, por favor — disse Jenny, em tom amigável, depois de abrir a porta.

Em poucas palavras, Melanie explicou quem era e por que se encontrava ali. Preparara-se para enfrentar a resistência de Jenny mas, para sua surpresa, a atriz parecia ansiosa em contar o que sabia.

— Que coisa mais trágica, não acha? — Jenny perguntou, num tom meio leviano. Apesar de morar muito bem e de estar vestindo um chemisier azul-turquesa de seda pura, caríssimo, seu sotaque traía uma origem humilde.

Melanie não duvidava que ela fosse de Billingsgate, o bairro operário de Londres. Observando a figura de Jenny, toda produzida e com gestos afetadamente sensuais, já podia fazer uma idéia de como ela subira na vida.

A atriz suspirou, como se estivesse tomando coragem para falar da morte da amiga.

— Nunca me esquecerei da cena. Cheryl estava ali, deitada sobre o tapete. — Dizendo isto, apontou para perto da lareira, Havia um tapete bege ali.                                                        

Jenny ainda sentia calafrios ao pensar na situação. O corpo tremeu bruscamente, quase uma convulsão. Algumas mechas de seu cabelo ruivo caíram na testa.                                              

— Conforme eu já lhe disse, estou representando Dan Austin — comentou Melanie.                                                            

O rosto da atriz corou um pouco. Apesar de tudo, estava preocupada com o galã.                                                          

— Nunca pensei que ele pudesse ser um assassino e já disse isso para a polícia. Se há alguém que não tem nada a ver comi o caso, é Dan. Não preciso dizer que eles nem me escutaram.    

— O inspetor está dando muita importância a uma discussão! Que Dan e Cheryl tiveram.                                                    

— Mas só foi isso! — Jenny interrompeu. — Era ela quem estava zangada, não o Sr. Austin! Acho até que Cheryl o teria ferido, se pudesse. Não gosto de falar mal dos mortos, mas minha amiga tinha um temperamento muito difícil, que piorava quando era contrariada.

— O que foi dito na discussão, srta. Tibbets? Poderia me dizer o que ouviu?

— Ah, meu bem, chame-me de Jenny. Todo mundo me chama de Jenny. Bem, respondendo à sua pergunta: eu só cheguei no fim da briga. Cheryl estava realmente brava. Dan Austin, por sua vez, era um perfeito cavalheiro. Afinal, ele podia simplesmente ter sumido. Não seria a primeira vez que alguém faria isso. De qualquer forma, veio pessoalmente falar com ela e explicar. Cheryl ficou furiosa, precisava ver. Mas só saiu com ele uma noite. Se reagiu como se namorassem há muito tempo, achando que Dan não podia fugir do compromisso, é outro problema. Cheryl deu em cima dele desde o primeiro momento em que o viu no estúdio de filmagem. Tanto insistiu que acabou conseguindo o que queria. Mas Dan não estava interessado nela.

— Pode repetir exatamente o que disseram?

— Bem, vejamos... — Jenny ficou pensativa por um momento. — Dan falou: "Sinto muito, Cheryl". E ela respondeu: "Vai se arrepender quando eu for uma estrela. Então, vai me desejar, mas eu não vou querer saber de você". Depois, começou a chamá-lo de muitas coisas desagradáveis.

— E como Dan reagiu?

— Ah, ele só ficou olhando, meio embaraçado. Devia estar odiando a coisa toda. Aí ele disse: "Talvez".

— E aí?

— Eles me viram. Dan disse de novo que "sentia muito" e saiu.

— Parecia zangado ou triste quando foi embora?

— Não. Diria que parecia aliviado, como se tivesse cumprido uma obrigação. Admirei o homem, sabe? Ele mostrou classe para lidar com a situação. Dan é ótimo, você não acha?

Melanie franziu a testa e escolheu as palavras. Estavam entrando num terreno delicado e ela queria ir com cuidado.

— Você conhecia bem Cheryl?

— Muitíssimo bem. Éramos amigas há cinco anos, desde que trabalhamos juntas na Espanha, filmando Amazonas do Espaço. Um filme de ficção científica como Guerra nas Estrelas, sabe?

Melanie duvidava que fosse como Guerra nas Estrelas, mas não disse nada.

Jenny, animada, continuou:

— Quando eu ia a Los Angeles, ficava na casa dela, e Cheryl se hospedava aqui quando vinha a Londres. Passamos por muita coisa juntas. Como o fim de semana com aqueles dois árabes ricos — Jenny começou a contar, mas parou para pensar se deveria ou não falar desse caso com a advogada. Achou que não e ou mudar de assunto. — Não posso dizer que éramos íntimas, Cheryl não era do tipo que fazia confidencias.

— Jenny, fico satisfeita em ver que você tem certeza de que não foi Dan Austin quem assassinou Cheryl. Preciso saber se tem idéia de quem poderia matá-la.

— Oh, meu bem, como eu já queimei meus miolos tentando descobrir! Mas Cheryl não conhecia muita gente por aqui e não saiu com ninguém depois de Dan. Acho que foi vítima de algum ladrão ou de um maníaco sexual. Londres já não é mais tão segura, sabe?

Melanie não se convenceu com a explicação de Jenny. O inspetor Sam dissera que não havia sinal de arrombamento no apartamento. E nada tinha sido roubado, nem mesmo o dinheiro que se encontrava bem à vista, na bolsa aberta no chão. Também não violentaram Cheryl. No seu corpo, a única marca do assassino estava na ferida fatal.

— Cheryl não tinha inimigos?

Jenny acendeu um cigarro e deu uma tragada longa, saboreando.

—Não. Na verdade, estava felicíssima, até a briga com Dan. Mesmo depois, Cheryl disse que não precisava tanto dele. Vivia tão preocupada com dinheiro que não conseguia ser romântica.

— Como, assim?

— Ah, Cheryl tinha dinheiro. Muito dinheiro mesmo. Quando veio a Londres assinar o contrato do filme, disse que pagava todas as minhas despesas se eu a acompanhasse numa viagem ao exterior. Eu tinha brigado com meu namorado na época e fiquei feliz por sair da rotina por algum tempo.

— E para onde vocês foram?

— Paris e Riad. Na Arábia Saudita, sabe? Eu simplesmente adorei Paris. Todas aquelas comidas deliciosas e as lojas. Comprei um monte de vestidos de seda. Mas achei Riad horrível. Não dá para agüentar. É aborrecido. Graças a Deus, Cheryl só quis passar a noite e na manhã seguinte pegamos um vôo de volta para Londres.

— Foram até Riad para ficar só uma noite?

— É.

Melanie não sabia como relacionar a viagem com o assassinato, mas a sua infalível intuição dizia que estava nela o segredo de tudo. Não era nem o caso de suspeitar. Dois fatos estranhos exigiam uma averiguação.

— Você perguntou a ela por que fez uma viagem tão longa para ficar tão pouco tempo?

— Cheryl disse que sempre quisera conhecer o lugar. Não perguntei mais nada porque para mim estava ótimo sair um pouco daqui.

— E Cheryl andava de bom humor, ultimamente?

— Muito! Falava do impulso que sua carreira estava tomando, que ia ter sucesso...

Melanie se perdeu totalmente. A informação que Jenny lhe dera, sobre Riad, fora tão importante que qualquer pergunta que tivesse que fazer à atriz, doravante, passaria por uma reflexão mais profunda. Uma pessoa que viajara ao Oriente Médio para ficar lá só por uma noite devia ter um compromisso sério. Como um político em negociação de paz ou um empresário interessado em petróleo, viviam fazendo. Mas Cheryl era atriz e nada ligado a sua profissão se resolveria em tão pouco tempo. Se conseguisse descobrir o que a moça fora fazer em Riad, salvaria Dan Austin.

Ao se despedir, disse que voltaria a entrar em contato e agradeceu a boa vontade de Jenny.

Entrou no carro com a cabeça cheia de idéias, mas sem nenhuma certeza. A morte de Cheryl envolvia tráfico de drogas? Contrabando de armas? Dera o golpe em algum milionário do petróleo? Melanie sentia-se impotente para desvendar o mistério.

 

Melanie passara mais tempo com Jenny Tibbets do que planejara e teve que se apressar para chegar a tempo para almoçar com Dena Faisal. Quando passou pelas portas do Brasserie St. Quentin, a amiga a esperava tomando uma dose de licor de menta, sentada a uma mesa a um canto do restaurante. Quando se falaram por telefone, de manhã, Melanie escolhera aquele lugar por ser um dos seus favoritos. Tinha toalhas de linho, cristais, pratarias, e a decoração revivia a atmosfera dos anos 20.

Uma pancada de chuva caíra exatamente na hora em que Melanie saíra do carro, desmanchando seu penteado. Enquanto andava na direção da amiga, tentou ajeitar o cabelo. O casaco também ficara molhado e, se já não estivesse tão próxima da mesa, jogaria uma praga contra o destino. Por que queriam estragar o reencontro delas?

— Dena! Desculpe-me por estar atrasada.

Dena Faisal sorriu amigavelmente enquanto se levantava para cumprimentá-la. Seus olhos negros e rasgados brilhavam de felicidade.                                                      

— Não precisa se desculpar. Estou tão feliz em vê-la novamente! Faz tanto tempo, Melanie!                                        

— É mesmo — ela respondeu, sentando-se à frente da amiga — Mas a Califórnia e a Arábia Saudita não permitem visita rápidas, não é?

Dena fez uma careta divertida.

— Não mesmo. Um dos defeitos de meu país é ser tão isolado. E longe de tudo!                                                            

Um garçom apareceu e ofereceu o cardápio. Depois de escolherem os pratos, as duas amigas começaram a conversar, animadas.                                                                                                

Melanie não pôde deixar de notar o anel de noivado no dedo de Dena. Era um diamante solitário enorme, com quase cinco quilates. Quando ela moveu a mão para pegar um copo de água, a advogada disse, em tom de brincadeira:

— Cuidado. Essa pedra pode cegar alguém. Dena riu, satisfeita.

— Uma linda lembrança, não é mesmo? Tentava ser natural, mas sem muito sucesso. Uma pessoa rica sempre se orgulha dos bens que possui.

— Agora conte-me tudo. Quem é o Príncipe Encantado? E o que você tem feito nesses dois últimos anos?

— Ah, por onde devo começar? Bem... Passei esses últimos anos me divertindo. Até que meu pai disse que, aos vinte e cinco anos, uma mulher tem que estar casada. Ele escolheu o noivo, como é de tradição na Arábia Saudita. Mas, assim que o conheci, vi que dera muita sorte.

— Seu pai escolheu bem?

— E como! Azziz é lindo e não é tão "antigo", como meu pai. Num dos nossos raros momentos a sós, me disse que não insistiria no casamento se soubesse que eu não queria. Você não tem idéia de como uma atitude dessas é rara em meu país, em nossa cultura.

Nesse momento, o garçom trouxe os pratos. Para Melanie, medalhões ao molho de vinho branco. Para Dena, filé de peixe com molho branco. Serviu-as, desejou-lhes bom apetite e se retirou.

À primeira garfada, Melanie olhou para a amiga, que irradiava felicidade. Seus olhos tinham um brilho especial.

— É evidente quanto você está muito feliz, querida. Fico satisfeita.

— Obrigada. Sabe, eu sempre quis um bom casamento. Nunca fui ambiciosa como você. Serei imensamente feliz em poder gerar e educar pequenos príncipes e princesas. Se meu marido me mimar...

— Não parece má idéia. Dena riu irônica.

— Não, querida. É o suficiente para mim, mas não para você. — Ela estava certa, Melanie pensou. Mas uma carreira bem sucedida também não bastava. Dena continuou:

— Felizmente, não sou forçada a ficar o tempo todo em Riad. Ainda bem! Disse a meu pai que precisava vir a Londres para provar o vestido do casamento. Ele só deixou que eu viajasse sozinha porque sabia que eu ia ficar com mamãe.

— O que sua mãe acha do casamento?

Dena torceu um pouco o nariz.

— Oh, você pode imaginar. Conhece minha mãe. Como ela

não conseguiu viver com um homem com valores do velho mundo, não acredita que eu possa ser feliz com Azziz.

— Mas você não é tão inglesa quanto ela. Você tem sangue árabe,

— Exatamente. E vi o suficiente de ambas as culturas para saber do que gosto e do que não gosto em cada uma delas.

Melanie sorriu.

— Mas você agüenta ter que usar uma abbeya? — perguntou, referindo-se ao véu negro que as mulheres árabes colocam sobre o rosto quando aparecem em público.

— Claro! E, quando estou cansada de obedecer às normas, é simples: pego um avião e venho para Londres. Sempre fui rica e continuarei sendo, quando casar. Tenho tempo e dinheiro para fazer, em outro lugar do mundo, o que não posso fazer em Riad.

— Um príncipe. . . É difícil acreditar que isso exista em nossos dias.

 

— Como nas histórias que mamãe costumava ler quando eu era criança. Só que Azziz não é um personagem de livro. Ele é real.

— Um príncipe de verdade! Bem, estou contente porque pelo menos uma de nós conseguiu um príncipe — Melanie disse, traindo uma certa amargura. — Certamente, não conseguirei um.

Dena sorriu, compreensiva.

— Vá para Riad e eu a apresentarei ao irmão de Azziz.

— Não, obrigada. Estou cheia de trabalho. Não tenho tempo para namorados.

Dena olhou para a amiga com um ar preocupado.

— Você mudou muito desde o nosso último encontro.

— Acho que estou ficando velha. Há dois anos estava terminando a faculdade de Direito, ansiosa em me formar e vencer na vida. Bem, consegui um ótimo emprego, mas no caminho perdi algumas ilusões.

— Como, assim? Melanie suspirou.

— Talvez alguma coisa que tenha a ver com o Príncipe Encantado. As ilusões dos romances que sempre terminam com os protagonistas vivendo "felizes para sempre".

Nesse momento, o garçom apareceu para tirar os pratos e perguntou se queriam sobremesa. As duas jovens pediram torta de maçã.

Quando ficaram a sós de novo, Dena se esforçou para compreendê-la.

— Você deve ter passado maus momentos nesses dois anos. Está tão amarga...

Melanie assentiu com a cabeça, mas não disse nada.

— O amor pode ser eterno — continuou Dena. — Será eterno para mim e para Azziz. O divórcio é sempre uma possibilidade, mas não vai acontecer conosco. Sei que nós dois iremos envelhecer juntos. Seremos um romântico par andando de mãos dadas e bengala.

— Tem certeza?

— Absoluta.

— Talvez para você seja possível, Dena, mas não para mim. Ou para a maioria das pessoas que conheço.

— Sei disso. Os ocidentais morrem de medo de compromissos. É quase uma doença moderna. Eles querem o amor, mas, do mesmo modo que querem, têm muito medo.

— É o que eu chamo de síndrome do "chega mais, porém não muito" — disse Melanie, rindo.

Dena também riu.

— É isso mesmo. Assim que você chega perto. . . puff! As pessoas desaparecem. Mas tenho certeza de que, em algum lugar do mundo, haverá um homem certo para você. Um homem sem medo de amar. Agora me diga como está o trabalho.

— Nada de importante...

— Ah, não acredito. Duvido que você não tenha sucesso profissional. Conte-me tudo, por favor. Deve ser excitante!

Melanie não pôde deixar de rir.

— Muito bem. Sou a advogada de Dan Austin.

— O ator?

— Isso mesmo.

— Garota de sorte! Acho-o lindo! Tenho todas as fitas de vídeo-cassete dos filmes dele. Gostei especialmente de Adorável Arruaceiro.

— Mas ainda não está à venda em vídeo-cassete! — replicou Melanie, surpresa.

— Em Riad está. Claro, se você souber onde procurar. — Ao perceber o olhar de desaprovação da amiga, ela replicou: — Ah, Melanie, você trabalha para um estúdio de cinema e não sabe que há todo um mercado "paralelo" de distribuição dessas fitas. . . Vi o último filme de Paul Newman, por exemplo, bem antes de ser lançado na Europa.

— Dena!

— Não banque a moralista, Melanie. Não há nada para se fazer em Riad e eu preciso me divertir de algum modo. Por outro lado, você não pode querer que uma mulher sozinha brigue com essa pirataria de fitas.

Melanie suspirou. Não concordava de maneira nenhuma com a amiga.

Dena colocou os cotovelos na mesa, apoiando o queixo na mãos.

— Agora, me diga. . . Como é Dan Austin na vida real?

— Você também? Como se não bastasse tia Dalila. . .

— Dan Austin é maravilhoso! Você já foi para a cama com ele?

— Dena!

— Oh, Melanie, lembre-se de que, com relação a sexo, também só vivo através das suas experiências. Terei que me manter virgem até a noite de núpcias. Você, não.

Melanie riu.

— Sinto muito em desapontar suas fantasias eróticas, ma não dormi com Austin. E também não tenho essa intenção.

— Por que não? Se não fosse pela honra de meu pai, eu pularia na cama de Dan Austin na primeira oportunidade que surgisse!

— Dena, sou a advogada dele. Nós dois temos um relacionamento puramente profissional.

— Que frustrante. . . — disse a amiga num tom divertido. Sem perder a malícia na voz, continuou: — É alguma escandalosa investigação de paternidade?

Melanie sorriu.

— Não, não é isso. A polícia está investigando sobre a morte daquela atriz, Cheryl Sampson. Dan a conhecia... O estúdio me pediu para que o defendesse.

— Entendo. Lembro-me de ter ouvido alguma coisa sobre o envolvimento de Dan Austin num assassinato.

— Seria impossível não ter ouvido nada. O caso está em todos os jornais e na televisão.

— Ê que tenho andado às voltas com provas de roupas desde que pus os pés em Londres. Quase não tenho tempo para comer ou dormir. — E olhou para o relógio rodeado de diamantes. — Falando nisso, lembrei que já estou atrasada para uma prova no ateliê do Emanuel's. Foram eles que fizeram o vestido de casamento da princesa de Gales, como você deve saber. Ficam furiosos se o cliente se atrasa.

Nesse momento, colocou algumas notas em cima da conta que o garçom trouxera alguns minutos antes. Quando Melanie protestou, Dena insistiu:

— Não, não, desta vez eu pago. Você paga a próxima. — E, levantando-se, acrescentou: — Sei que é muito ocupada, querida, mas ficaria muito feliz se comparecesse a meu casamento. É na próxima semana, dia cinco de outubro.

— Claro Dena. Você acha que eu deixaria de ir?

— Oh, Melanie, agradeço!

As duas se beijaram e Dena saiu, apressada. Mas, depois de alguns passos, voltou-se na direção da amiga. Com um sorriso malicioso, disse:

— Por que não leva Dan Austin?

— Chega de falar em Dan Austin!

O protesto era verdadeiro, mas de nada serviu. A outra já estava na calçada, de onde acenou com entusiasmo. Logo desapareceu no meio da multidão.

Quando Melanie saiu do restaurante, a chuva já havia passado e o sol ensaiava seus primeiros raios no céu cinzento. Tinha a vaga sensação de que Dena dissera alguma coisa particularmente importante. Mas não conseguia se lembrar o que era.

 

Melanie correu os olhos pelo armário novamente. Fazia muito tempo que não demorava tanto para decidir qual a roupa que usaria num encontro. Há mais de meia hora experimentava vestido após vestido e, ainda assim, não se definira. Queria causar uma impressão bastante profissional em Dan Austin nesse jantar. Não brincara quando lhe dissera que ia levar sua pasta e toda a papelada acerca do caso.

Mas não era fácil achar uma roupa formal para um jantar de negócios, sem destoar do ambiente. Por fim, escolheu um conjunto bege que rejeitara minutos antes: o blazer era mais escuro que a saia reta e a blusa de seda, combinando sobriedade e bom gosto.

Quando a campainha soou, ela estava terminando a toalete e deu uma rápida olhada no espelho do hall de entrada da casa. Só atendeu ao chamado ao se certificar de que a aparência condizia com a ocasião.

Dan Austin vestia-se de maneira esportiva, mas com elegância. O blazer de lã marrom caía muito bem com o suéter bege. Os olhos pareciam ainda mais azuis e meio escondidas pelo bigode, a boca conservava aquele sorriso de desdém que tanto a incomodava. Era um homem muito atraente e sensual, mesmo sem ser bonito.

Melanie percebeu que o observava com muito interesse e desviou os olhos.                                                                        

— Olá — disse ele, totalmente à vontade.

— Oi — ela respondeu, tentando parecer natural e controlada. Depois de cumprimentá-lo, voltou-se para dentro da casa. — Espere um segundo que irei pegar minha pasta...              

— Tem mesmo que levá-la?

— Como havíamos combinado, será um jantar de negócios. — Dan Austin se divertiu com a ênfase que ela empregara.

— Assim combinamos, mas acho melhor você deixar a pasta no carro. Discutiremos em minha suíte, após o jantar.

Melanie ia protestar, mas Dan a impediu.                             ;

— Não estou querendo enganá-la. Sei que temos que conversar sobre negócios, mas não quero fazê-lo em público. . . Alguém pode ouvir. Prometo que a trago de volta sã e salva, se tem certeza de que é isso o que quer. — A voz dele era maliciosa, mas não dobrou a firmeza de Melanie.                                                                                

— E exatamente o que quero. Este é um jantar de negócios, não um prelúdio para a sedução.                                              

Os olhos azuis do ator desarmaram-se, adquirindo uma expressão de inocência.                                                                 

— Entendo.

Por alguma razão, ela sentiu uma vontade enorme de rir. Não conseguiu controlar-se.

— Você é impossível, Dan Austin!

— É o que dizem. Faz parte do meu charme.

Nesse momento, ele parou para estudá-la. Olhou-a dos pés à cabeça com um ar a que ela não estava acostumada.

— Você é linda, mas seria ainda mais se usasse algo mais leve... Não esse conjunto formal.

O olhar que lhe lançava agora era abertamente sedutor.

— Sinto muito, mas não vou mudar de roupa.

Dan Austin suspirou, com uma ponta de frustração.

— Muito bem. Então, irei levá-la para jantar assim mesmo.

Sem dizer nada, Melanie pegou o casaco e a pasta. Fechou a porta com cuidado e jogou a chave dentro da bolsa de couro. Ao aproximarem-se do carro, ele falou:

— Para dizer a verdade, foi um custo conseguir chegar até aqui. Não conheço Londres direito. Você gostaria de dirigir?

Ela se surpreendeu com a proposta, mas tentou não demonstrar e respondeu:

— Tudo bem.

Mas logo entendeu por que Dan quis que ela dirigisse. Durante o trajeto até o restaurante, ele ficou livre para observá-la. Mesmo concentrada no conturbado trânsito de Londres, Melanie sentia o olhar do ator examinando-lhe o delicado rosto. Constrangeu-se.

Esperou passar uma curva mais perigosa e, ao concluí-la, disse:

— Sou tão interessante assim, Sr. Austin?

— Desculpe-me, não tive a intenção de incomodá-la. Entendo perfeitamente, o que está sentindo. Também não gosto que fiquem olhando para mim.

— Pensei que já estivesse acostumado.

— Nunca me acostumei a isso.

Havia tanta amargura na voz de Dan que ela se espantou. Por um momento, tirou a atenção do volante e o olhou carinhosamente. Não entendia como um homem que conseguira fama e fortuna podia sofrer assim.

Ao chegarem ao restaurante, Dan pediu ao maitre uma mesa mais afastada mas, mesmo assim, os outros fregueses, olhando na direção deles, cochichavam baixinho. Vez por outra, a palavra "assassinato" era ouvida. Melanie sentiu-se extremamente aborrecida e percebeu que seu cliente sofria com aquela situação. Em vão, tentou concentrar-se no cardápio, mas não conseguia ignorar os maldosos comentários que faziam a respeito dos dois.

Depois de alguns minutos no mais profundo silêncio, Dan sussurrou:

— Desculpe-me por tudo isso.

Levantando os olhos, Melanie viu que a expressão de Dan era um misto de ódio e vergonha. Podia sentir a dor que o dilacerava naquele instante. Teve vontade de estreitá-lo nos braços e confortá-lo com algumas palavras de solidariedade.

Deixando o cardápio de lado, ele disse:

— Foi um erro virmos até aqui. Eu já devia esperar por isso. O que acha de irmos para o hotel e pedirmos o jantar no quarto?

Melanie esquecera o conquistador barato, preocupando-se apenas com os problemas do cliente.

— Por que não?

Dan levantou-se, ajudando-a a vestir o casaco. Ao saírem do restaurante, enfrentaram com dignidade os olhares curiosos dos outros fregueses.

Desta vez, Dan Austin dirigiu o carro. O Hotel Connaught não era longe dali e ele conhecia bem o caminho. Mas, quando se aproximaram, Melanie o viu entrar à direita.

Antes que ela perguntasse algo, Dan explicou-lhe que evitava os jornalistas.

— Vamos entrar pelos fundos.

Mas, quando estacionou perto da entrada de serviço, uma horda de repórteres cercou o carro. Um fotógrafo acionou o flash de sua câmera, cegando-a momentaneamente. Furioso com tudo aquilo, Dan buzinou várias vezes, mas, como os jornalistas insistissem, deu partida novamente. Nem se preocupou se podia atropelar alguns deles.

Melanie ficou penalizada. Então, era naquela atmosfera horrorosa que aquele homem estava vivendo ultimamente?

Quando deixaram o hotel para trás, Dan se manifestou:

— Eu deveria ter adivinhado que mais cedo ou mais tarde eles descobririam aquela porta. Poderíamos forçar a passagem, mas teria sido muito embaraçoso. Desculpe-me pelo jantar fracassado. Telefonarei amanhã.

Mas naquele momento Melanie não se preocupava com os motivos que o levaram a convidá-la para jantar. Sentia-se na obrigação de ajudar um ser humano que sofria muito. Sem pensar nas conseqüências, sugeriu:

— Sei onde podemos comer uma deliciosa omelete, regada a um bom vinho, sem que nos incomodem.

Intrigado, Dan perguntou.

— Onde?

— Em minha casa.

A expressão de ódio que endurecia seu rosto transformou-se suavemente, enternecendo-o.

— Parece ser o tipo de lugar que eu gosto.

Ao chegarem lá, ela tirou o casaco e, arregaçando as mangas da blusa de seda, foi para a cozinha. Seguindo-a, ele perguntou.

— Posso ajudar?

— Claro que sim. Pegue o presunto, o queijo e corte-os em pequenas fatias — Melanie respondeu, enquanto se ocupava dos outros ingredientes para preparar a omelete.

Tirou uma baguette do freezer e colocou-a dentro do forno, para descongelar. Misturava os ovos numa tigela quando Dan comentou:

— Desculpe-me por tê-la olhado daquela maneira, no carro. Mas é que você é muito interessante.

Melanie quis saber por que, mas conteve-se, temendo a resposta. Ele falava com tanta naturalidade. Parecia um texto decorado.

Provavelmente, as atrizes que iam para a cama dele já tinham ouvido essa frase. Muitas das suas aventuras noturnas deviam começar assim.

Melanie resolveu mudar de assunto.

— Falei com Jenny Tibbets hoje. Ela me disse que...

— Pensei que tivéssemos combinado em só falar de negócios depois do jantar.

— Não sei se isso ainda está de pé.

A cozinha era muito pequena e, enquanto preparavam a omelete, esbarraram várias vezes um no outro. Melanie se esforçava para manter o controle, sem ceder aos impulsos do desejo de abraçá-lo.

— Você nem parece uma advogada — Dan brincou. Agora estava à vontade, diferente do homem nervoso de alguns momentos atrás. — Tínhamos feito um trato e não vou deixar que falte com a palavra. Por isso, volto a dizer que você é muito interessante.

Enquanto ela untava a frigideira com manteiga, a curiosidade a consumia. Não resistindo mais, virou-se para ele:

— Por que me acha tão interessante?

— Porque você é uma pessoa cheia de contradições. Se por um lado é uma advogada, o que quer dizer que tem que ser muito firme. Por outro trabalha para um estúdio de cinema, o que significa que está envolvida com fama e poder. E, ainda assim, não se interessa por nada disso.

Ele parou de falar para entregar-lhe o prato onde colocara as fatias do presunto e do queijo que cortara. Depois continuou.

— No começo, achei que você estivesse dormindo com Jeff. Ainda bem que isso não é verdade.

— Ainda bem?                                                                  

— Você sabe que sim.          

Melanie hesitou. Para evitar que seu olhar denunciasse a chama de prazer que ardia com aquela revelação, começou a preparar a omelete.                                                                

Mas Dan ainda tinha o que observar:                                  

— Também gosto do seu jeito britânico. Você é uma pessoa capaz, inteligente e hábil, apesar da aparência frágil.              

— Minha mãe é inglesa.                                                    

— Quer dizer que sua mãe é inglesa e seu pai americano?

— Exatamente. Eles se conheceram durante a Segunda Guerra Mundial, aqui em Londres. Quando veio a paz, ele a levou para sua terra.

— Para onde, exatamente?

— Fresno, Califórnia. Meu pai era fazendeiro. Plantávamos laranja e outras frutas cítricas.

— Que romântico. O fazendeiro e a lady inglesa! Parece um filme dos anos 40.

Melanie não teceu comentários. Outra vez se surpreendia com o galã, que dava mostras cada vez mais palpáveis de ser um homem sensível. Ainda com medo de encará-lo, tirou a baguette do forno, colocando-a numa cesta de pão. Então, serviu a omelete em pratos de louça inglesa e pediu para que Dan os levasse até a mesa da sala de jantar. Depois tirou uma garrafa de vinho da geladeira e o acompanhou.

A sala de jantar também era pequena, mas muito acolhedora, com vidraças que davam para um pátio de tijolinhos vermelhos. No centro da mesa havia um candelabro. Riscando um palito de fósforo, Dan comentou:

— Devemos preparar o ambiente como manda o figurino.

Pacientemente, acendeu as velas. Depois levantou-se e apagou as luzes da casa. Quando voltou para a mesa, o ambiente estava aconchegante e íntimo. Sentada à sua frente, Melanie não podia deixar de sentir aquela presença tão perturbadora.

Dan tirara o blazer e a fina malha de cashmere, colada no corpo, realçava seu porte atlético. Os olhos azuis refletiam a luz das velas e sua boca sorria, convidativa. Esforçando-se para resistir a um apelo tão sensual, ela começou a comer. Mastigou um pedaço de omelete, saboreando-o. Depois perguntou:

— E você, de onde vem?

— Agora ou quando criança?

— Presumo que more em Los Angeles...

— Exato.

A resposta foi tão breve que Melanie percebeu, surpresa, que a famosa cidade parecia não interessá-lo. Perguntou-se como uma pessoa que devia tudo a um lugar não o lembrava com entusiasmo e concluiu que, se continuasse a conversa, saberia a resposta.

— Então, onde é que você nasceu?

— Numa cidadezinha do Texas. É tão pequena que com certeza você nunca ouviu falar nela.

Melanie percebeu que este era um tema delicado e que ele o evitava.

— E você? Deixou Fresno para ir aonde?

— Berkeley, Universidade da Califórnia. Com a infinita "maturidade" dos meus dezoito anos, decidi que Fresno era uma cidade provinciana, pequena demais, aborrecida. Eu queria ver o mundo.

Ele riu.

— Entendo. Houve um tempo em que eu pensava que a felicidade estava sempre para trás. Você também fez faculdade de Direito em Berkeley?

— Sim, em Boalt Hall.

— Hum... Escola de grã-finos!

— Bem, eu gostava tanto da universidade que não quis sair de lá. Então, optei por Direito.

— Por que Direito? — Dan perguntou, curioso, comendo outro pedaço de omelete.

Melanie pensou bem antes de responder.

Nunca haviam lhe perguntado isso. Seus pais se orgulharam quando ela optara por essa profissão e as amigas do movimento feminista, que achavam que toda mulher deveria tentar uma carreira e vencer nela, não importando qual fosse, também vibraram.

— Acho que foi o aspecto humano da coisa. . . De uma forma ou de outra, todo mundo é afetado pelas leis.

— Mas resolveu seguir carreira pelo dinheiro ou pelo poder? Melanie sorriu.

— Bem, não faço objeção alguma a ter algum dinheiro e poder viver confortavelmente. Mas poder. . .   Não é por prisma que vejo o meu trabalho.

— Mesmo assim, você deve ser ambiciosa. Afinal, não voltou a Fresno. . .

— Realmente, não foi para isso que voltei. Na verdade, morar em Los Angeles e trabalhar com o inundo do cinema me fizeram gostar de Fresno. É uma cidade real, com valores sólidos. Hoje penso em viver no campo e ser fazendeira, como os meus pais. Mas não tenho certeza se gostaria de voltar para lá. Eu quero.. .

Melanie parou de falar. Não sabia exatamente o que queria, a não ser que aquela noite durasse para sempre.

Dan afastou o prato vazio para um lado e relaxou, encostando-se na cadeira de cana-da-índia. Tomava o vinho branco devagar, saboreando-o enquanto observava Melanie atentamente.

— Como foi que você conseguiu trabalhar para o estúdio? Melanie colocou de lado o prato, tomando um gole de vinho.

— Um recrutador foi até Boalt Hall. Do modo como falou, parecia que trabalhar na indústria cinematográfica seria simplesmente fascinante. E eu precisava de uma mudança em minha vida naquela época.

Melanie não explicou que queria mudar porque terminara um relacionamento com um colega de faculdade. Tinham chegado a um ponto em que ou se comprometiam de vez ou se separavam. O rapaz queria casamento, mas Melanie percebera a tempo que não desejava passar o resto da vida ao lado dele. Era educado, inteligente e até mesmo atraente, mas imaturo. Um rapazinho, não um homem, que a fazia sentir-se muito mais mãe do que namorada.

— Para ser sincera, fiquei excitada com a possibilidade de conviver com gente famosa — tornou ela, apagando da mente as lembranças. — Negociando contratos de milhões de dólares.

— E agora que conheceu essas pessoas, está feliz?

"Não", pensou Melanie, "não estou feliz." E não sabia por qual motivo.

— Na verdade, era muito menos excitante do que eu pensava. Mas. . . E você, como se tornou ator?

Dan deu de ombros.

— Por acidente. . . — Então, percebendo que fora muito seco, acrescentou — Desculpe-me. Odeio perguntas sobre mim mesmo. Acho que é por causa dos repórteres, de ter que dar tantas entrevistas.

Antes que Melanie pudesse perguntar mais alguma coisa, ele continuou.

— Você gostava de morar em Los Angeles?

— Não exatamente. Fiquei contente ao ser transferida para Londres. É meu segundo lar. Além disso, sou bastante apegada a uma tia que mora aqui.

— Pretende ficar nessa cidade?

— Não para sempre. Como disse, estou começando a sentir falta do campo. Quando era mais jovem, nunca pensei que isso pudesse acontecer, mas aconteceu. — Parou por um momento. — Veja, estou respondendo a todas as suas perguntas e você nem liga para as minhas. Não é justo.                                  

— Certo. Mas sempre me disseram que a vida não é justa.

Melanie suspirou frustrada. Dan Austin estava decidido a não falar de si mesmo. Mas será que isso realmente importava? Além do mais, pensou, o único interesse que podia ter por ele era estritamente profissional. Não confundiria o cliente com o homem.                                              

Por outro lado, o fato de ser sua advogada também não lhe dava o direito de fazer perguntas pessoais. Decidiu colocar um ponto final na história.

Quando abriu a boca para falar, Dan perguntou:

— Já se casou alguma vez?

— Por que quer saber?

— Porque gostaria de conhecê-la melhor antes que fôssemos para a cama.

As palavras foram proferidas com uma profunda simplicidade. Juntando com esforço o que restava de seu autocontrole Melanie conseguiu perguntar, em tom calmo.

— Sempre fica tão interessado nas mulheres com que dorme?

— Não — admitiu ele, pegando o copo e tomando mais um gole de vinho.

— Bem, sinto muito em desapontar seus arroubos de ambiente latino, mas, como já disse, não pretendo dormir com você. E não vou mudar de idéia.

— Não vai? — A sobrancelha meio levantada e o tom divertido sugeriam que ele não acreditava nas palavras de Melanie.

— Não!

Ignorando-a, Dan insistiu.

— Você ainda não respondeu à minha pergunta. Já foi casada?

— Chega de perguntas. Você agora terá que imaginar as respostas.

— Já tentei fazer isso, mas não deu certo. A primeira vez que a vi, no terraço do Cassino Crockford, achei que fosse inglesa e de origem nobre. Atraente, mas não uma pessoa brilhante. E estava redondamente enganado.

— Suponho que devo tomar suas palavras como um elogio. — Dan Austin não se deu por vencido.

— Não acho que você já tenha sido casada. Melanie não resistiu à curiosidade.

— Por que não?

— Porque acho que você é o tipo de mulher que ficaria casada, uma vez que se comprometesse. Divórcio não faz o seu gênero. E, apesar de não ter como basear essa presunção, não me parece que seja viúva.

— Você poderia estar errado.

— É, mas não acho que esteja.

— O que o faz ter tanta certeza?

O ator debruçou-se na mesa, chegando mais perto dela. Os olhos brilhavam intensamente, hipnotizando-a. Sem tocá-la, prendeu sua atenção.

Depois, a voz baixa e rouca respondeu:

— Há algo em você, uma aura de... expectativa. Parece estar esperando por algo que nunca experimentou.

O coração dela disparou, quase saltando do peito. Por um longo momento, ficou atordoada. Ele estava certo. A vida toda esperara por alguma coisa. Mas, o quê? Talvez uma emoção, uma experiência, uma sensação que ultrapassasse tudo o que conhecia. . .

Olhando para Dan, sabia que ele era o que estivera esperando por tanto tempo. A sensualidade que emanava dele era envolvente e ao mesmo tempo excitante, fazendo com que os outros homens parecessem meninos. Dan não era um jovem imaturo ou um playboy superficial. Era forte, másculo, sensível e vulnerável ao mesmo tempo.    

Melanie queria o que ele tinha para dar. Dan, por seu turno, precisava dela.

Ele encostou-se na cadeira, e esse movimento fez a chama das velas tremularem um pouco. Foi então que Melanie percebeu quanto isso era perigoso, a atmosfera romântica, um homem atraente.

"Ele é meu cliente", lembrou-se de novo.

E, o que era mais importante, nunca se comprometera com nenhuma mulher. "Para sempre" não existia em seu vocabulário.

Melanie levantou-se e acendeu as luzes. Depois apagou as velas, uma a uma, devagar.

— Vamos tomar o café na sala e lhe direi o que consegui saber de Jenny Tibbets.

O olhar que Dan lhe lançou era quase divertido. Sabia que Melanie estava fugindo, mas não disse nada, e ela sentiu-se imensamente aliviada com isso.

Na aconchegante sala de estar, com paredes cor de creme e sofás de chintz azul e amarelo, Melanie sentou-se, servindo café para os dois. O ator acomodou-se ao seu lado, mas não muito perto.

— As informações que obtive de jenny Tibbets foram bastante positivas.

— Como deveriam ser. Não matei Cheryl Sampson e vou provar isso. — O tom de voz dele era firme e havia um brilho diferente nos belos olhos azuis.

— Bem, no momento você não precisa provar, pois a polícia não pode prendê-lo. Além da briga que teve com Cheryl, nada o compromete.

— Mesmo que eles não me prendam, quero provar minha inocência. Você sabe como as pessoas são. Elas pensam que onde há fumaça, há fogo. Na cabeça delas, se a polícia me interrogou, é porque devo ser culpado, não importa se conseguirão provar a acusação.

Melanie sabia que Dan estava certo. As pessoas já tinham começado a falar. E seria pior ainda se o tempo passasse e a Scotland Yard não encontrasse o verdadeiro assassino.

— Os outros estúdios já estão pensando uma segunda vez antes de me contratar. Sei como as revistas vão me tratar: o famoso Dan Austin, um medíocre ator popular que ainda por cima é suspeito de um crime!

—- Você se acha um ator medíocre?

— Sei que sou. Não tenho ilusões a meu respeito. A câmera parece captar algo em mim que toca as pessoas. Mas sou muito melhor cantor do que ator.

— Então, por que parou de cantar e começou a trabalhar como ator de cinema?

— Um produtor me achou perfeito para o papel de um cantor de música country, num filme. Fiz como "bico", porque não esperava que o trabalho desse resultado. Contudo. . .

— Contudo você se saiu muito bem e não podia simplesmente virar as costas ao sucesso.

Dan dirigiu-lhe um sorriso amargo.

— Você é esperta. Quando os chefes dos estúdios começaram a oferecer o papel principal em filmes de vinte milhões de dólares, pagando salários igualmente milionários, porcentagem nos lucros, mais despesas. . . Bem, é difícil dizer "não, obrigado: prefiro ficar sentado compondo músicas decentes".

— Suas canções são muito mais do que simplesmente decentes — Melanie insistiu. E, tão logo as palavras saíram de sua boca, arrependeu-se delas. Eram muito reveladoras. Dan parecia surpreso, mas satisfeito.

— Você gosta de minhas músicas? — perguntou, com uma ingenuidade que tocou fundo o coração de Melanie.

Ela assentiu.

— Mas, voltando a Jenny Tibbets...

—Qual foi a música de que você mais gostou?

Melanie hesitou. Sabia qual era a sua favorita: Desejo. Mas relutou em contar-lhe. Ele poderia se achar a grande paixão que se procura na vida, a que a música se referia.

— Gosto de todas elas.

— Mesmo?

— Claro! Por que você não compõe e canta novamente? Dan retraiu o rosto. Se, é verdade que os olhos são o espelho da alma, Melanie percebia que tocara num ponto delicado. —'Não tenho tempo — respondeu ele, tenso. Ela sabia muito bem que aquilo não era verdade.

— Você quer dizer que não tem tempo para a criatividade porque sempre está muito ocupado com altas somas e filmes grandiosos, certo?

— Exatamente.

— Não acredito nisso.

— Acha que sou um mentiroso?

Dan parecia ofendido, mas ela não o poupou.

— Sim. E o pior é que mente para você mesmo.

Por um momento, Melanie não saberia dizer se ele explodira de raiva ou se aceitaria suas palavras. Repentinamente, Dan começou a rir e então balançou a cabeça.

— Você vai direto ao ponto, não é mesmo?

— Repito minha pergunta: por que parou de cantar?

— Porque parei de compor. E não vou cantar as músicas dos outros.

— E por que parou de compor? — ela insistiu, notando que finalmente conseguiria quebrar a barreira que ele construíra à sua volta.

Dan não respondeu de imediato. Ficou olhando para a xícara de café e, quando falou, sua voz soou cheia de amargura.

— Talvez porque eu não passe mais fome.

Melanie não teve argumentos para palavras tão tristes. Sentiu necessidade de abraçá-lo e acariciá-lo, dizendo: "Está tudo bem agora, querido, não precisa se preocupar, estou aqui com você". Mas não podia fazer isso. Sentiu-se embaraçada e, para desviar a atenção, colocou a xícara de café na mesa.

Ele, aproveitando-se do gesto, colocou a mão em suas costas, puxando-a para um abraço. Quando Melanie tentou se defender já era tarde. Através do fino tecido da blusa, ela sentia o carinho daquelas mãos ágeis. Seus olhos se abriram de espanto, como se temesse o que estava para acontecer.

Dan era decidido, mas não rude. Apesar de segurá-la com firmeza, tinha um toque carinhoso. Um calor começou a subir-lhe pela espinha até o rosto, corando-a.

Estavam tão próximos que as respirações se confundiam. Melanie também não sabia mais a quem pertencia aquele perfume almiscarado. Seria o cheiro do amor?

Olhos nos olhos, ela não sabia o que fazer.

— Melanie — Dan sussurrou —o seu é o mais doce e mais querido dos nomes. E você é tão adorável, tão delicada.

A voz dele, rouca e sensual, prometia delícias que faziam a pele de Melanie arder. Através do tecido da blusa, podia sentir os músculos fortes do peito de Dan. Abriu os lábios para beijá-lo, com um gemido quente. Suas bocas se aproximaram devagar, como uma cena em câmera lenta, e Melanie soube, naquele instante, que nunca poderia se esquecer daquele momento, da presença marcante de Dan Austin, do seu cheiro tão especial... Foi um beijo cheio de paixão.

— Ah, botões. . . Tantos pequenos botões... Isso é muito sexy, sabia? Só o pensamento de abri-los devagar, bem devagar, um a um...

 

Dan passou das palavras à ação. As mãos escorregaram pelos ombros frágeis e, delicadamente, começaram a abrir os pequenos botões da blusa de seda.

Ela tentou protestar, mas não conseguiu. Sentia o corpo tomado por um desejo louco, que não a deixava raciocinar, que tornava difícil a respiração.

Devagar, um por um, os botões foram abertos, desde o pescoço, até a cintura. Então, cuidadosamente, Dan puxou a blusa, revelando o sutiã cor-de-rosa que ela usava. Os mamilos já despontavam através do fino tecido e, ao vê-los, os olhos dele se encheram de desejo.                  

— Não — murmurou ela e, depois, mais decidida, insistiu: — Não!

Dan parou e olhou dentro de seus olhos.

— Você não está falando sério, está?

— Estou, sim, Dan. Por favor, pare.

— Por quê?

— Porque isto simplesmente não poderia ter acontecido. Eu não quero ir adiante.                                                            

— Não quer mesmo, Melanie?                                          

— Não!                                                                          

— Sua mãe não lhe disse que mentir é feio?

Então, com um movimento que a pegou totalmente de surpresa, abriu o fecho do sutiã, libertando os seios rosados. Os mamilos estavam intumescidos de desejo. Dan baixou a cabeça, segurando-os de leve com os dentes e fazendo movimentos circulares com a língua. Ao mesmo tempo, a mão livre acariciava o outro seio e os dedos exploravam a pele macia.

Melanie não conseguiu reprimir um grito de puro abandono. E assustou-se em pensar que perdia tão facilmente o controle... A qualquer momento Dan a possuiria, pois ela não esboçava mais nenhum gesto de defesa. Tudo o que sentia era a mão e a boca de Dan explorando-a, acariciando-a. Como desejara isso. Desde o momento em que se viram pela primeira vez.

— Não — insistiu ela. — Não quero!

Seu tom de voz beirava o desespero,

Dan levantou os olhos. Sua expressão tinha mudado completamente. Melanie podia perceber o esforço enorme que ele estava fazendo para se conter. E teve medo de que não respeitasse o seu pedido.

"Se ele me agarrar, meu Deus, não poderei fazer nada"

Então, depois do que pareceu ser uma eternidade, a expressão dele foi se acalmando. Respirou fundo, fechou o sutiã e a blusa com mãos nervosas.

Ao se afastar, disse:

— Como quiser, madame. Mas lembre-se de que virei vê-la amanhã, depois de amanhã e depois e depois. Goste disso ou não, esta noite foi só o começo.

Então se levantou, pegou o casaco e foi embora. Ao sair, bateu a porta violentamente.

 

Melanie entrou no banheiro e acendeu o aquecedor para que, quando tirasse a roupa, a água já estivesse quente. Embaixo do chuveiro, lembrou-se do toque sensual das mãos de Dan Austin. Mesmo tendo passado mais de meia hora relaxando no sofá da sala, continuava excitada. E frustrada. Nunca desejara tanto um homem.

Era como se ainda sentisse aquele bigode roçando sua pele, os mamilos intumescidos. . . Pensou que poderiam estar juntos, agora. Que tola. . . Fugira dos braços de alguém tão bonito e charmoso! Quantas mulheres não dariam a vida para passar uma noite com ele? O que tia Dalila iria dizer, quando soubesse o que acontecera?

Saiu do banho, enxugou-se e vestiu uma camisola cor-de-rosa

Mas, ao se deitar, sabia que tão cedo não dormiria.

Quando saiu da casa de Melanie, estava garoando e Dan sentiu-se profundamente solitário. O sentimento de perda que o amargava ia muito além da frustração sexual. Como queria fazer amor com ela...

 

Entrou no carro e saiu em disparada, apesar do perigo do asfalto molhado. Havia algo na advogada que o enlouquecia. Era mais que uma simples atração física. Desejava-a tanto que não conseguia pensar em outra coisa. Se pudesse, gastaria toda a fortuna que possuía para apressar o tempo e fazer chegar logo o dia seguinte, quando ela no mínimo lhe telefonaria para dizer alguma novidade a respeito do assassinato de Cheryl Sampson.

Melanie lhe despertara sentimentos que desconhecia e que jamais se imaginara tendo. Deus, como a queria! A respiração se alterou, os olhos azuis endureceram, o pé pisou fundo no acelerador. Lembrava-se com nitidez do momento que abrira a blusa dela. Os olhos castanhos estavam repletos de desejo, os lábios trêmulos, as faces cada vez mais coradas. Arrependeu-se por respeitar os protestos que ela fizera. Tinha certeza de que o desejava na mesma intensidade. Se tentasse possuí-la, sua resistência não demoraria muito.

Mas alguma coisa no fundo do coração lhe dissera que, se fosse adiante, iria machucá-la. O corpo de Melanie o queria ansiosamente, mas algum problema impedia que se entregasse. Esforçava-se para se conter. Ela merecia toda sua compreensão.

Nunca se julgara capaz de tamanha abnegação. E, se agora achava que outras noites iriam acontecer e que a cada encontro se aproximaria mais dela, isso não lhe passara pela cabeça no momento em que a deixou sozinha. Estava apaixonado? Balançou a cabeça, intrigado. A intensa onda de desejo que o invadira há pouco se arrefeceu. Mas Dan sabia que não iria desaparecer por completo. Quando a visse novamente, ele retornaria com mais intensidade ainda. O que faria se Melanie continuasse com os mesmos problemas, resistindo a se entregar?

Dan se acostumara a ter as mulheres que desejasse na cama. Mas seus relacionamentos não passavam de uma semana, pois não queria se comprometer com ninguém. As atrizes que dormiam com ele também não se interessavam por envolvimentos mais sérios e até então levara uma vida sexual aventureira.

Melanie, no entanto, era diferente dessas mulheres. E não só porque trabalhava numa profissão que precisava mais de inteligência e responsabilidade do que de beleza. Ela também não era do tipo que fazia de sua cama um passatempo para relaxar de um cotidiano agitado. Sorriu. Tinha certeza de que ela nunca se entregara toda a um homem. Aliás, achava que a advogada não tinha muita experiência. Quando começara a explorar seu corpo, ela reagira como se estivesse pegando fogo, surpresa com as próprias emoções. E assustada.

Ele não duvidava que fosse uma mulher vibrante, mas nunca se deixara levar pelos apelos da carne. Para quem transpirava tanta sensualidade, só mesmo um grande trauma para impedir que conhecesse os prazeres da paixão. Alguém prometera se casar e, depois de tudo preparado para a cerimônia, desaparecera sem dar a menor satisfação? Teria sido violentada por um desses marginais que andam à solta por aí?'Vira o pai espancando a mãe? Não importava o motivo, a chama que acendera no seu coração se espalharia, dando-lhe calor aos sentimentos. Seria o primeiro homem a fazê-la sentir-se inteira, descobrindo nela uma amante deliciosa e desinibida?

Mas seria somente sexo que queria com Melanie? Perguntou-se. De repente, deu-se conta do perigo que estava correndo.. Não era só uma atração física o que sentia pela advogada. Desejava-a tanto que terminaria por se envolver com ela. Depois de tanto tempo evitando compromissos, achou engraçado a idéia de se apaixonar. Mas sabia que ela não era mulher para uma noite ou uma semana. Com Melanie Richardson, tinha certeza de que se casaria.

 

Não gostou do caminho que os pensamentos estavam seguindo. Tentou se convencer de que o assassinato de Cheryl Sampson fragilizara-o demais e estava exagerando as conseqüências de uma aventura sexual frustrada. "Dan Austin casado.", pensou com sarcasmo. Tudo o que precisava agora era de um bom drinque e uma mulher que compartilhasse sua cama. Na manhã seguinte, Melanie voltaria a ser a advogada que cuidava de uma enrascada em que se metera. E nada mais!

Ao chegar ao hotel, tinha parado de chover. A noite estava agradável e as luzes da cidade, refletindo no rio Tamisa, davam um tom romântico àquele momento. Como um caçador que entra na selva, foi até o bar do hotel atrás de uma mulher. Ainda bem que não tinha nenhum repórter no seu caminho.

Pediu uísque com soda e, depois de virá-lo num só gole, pediu outro. Correu os olhos pelo salão quase vazio e viu que num canto tinha uma mulher sozinha. Seus gestos eram sofisticados e vestia roupas caras. Quando seus olhos se encontraram, ela sorriu com um ar de surpresa. Dan sabia que a mulher o reconhecera.

Por um minuto, sustentou o olhar, medindo-a. Era uma jovem atraente, esguia, elegante, olhos e cabelos bem pretos. Se quisesse, em meia hora de conversa a levaria para a cama. Por que não? Perguntou-se.

Porque desejava ardentemente Melanie Richardson e não adiantaria mentir para si mesmo. Nada supriria sua falta.

Virou outro copo e se levantou. E saiu do bar, sem olhar para trás.

Sem conseguir dormir, Melanie saíra da cama para preparar um chocolate bem quente. O assoalho da cozinha estava frio e se arrependeu de ter se levantado descalça. Quando ligou o liquidificador em cima do balcão de aço inoxidável, sorriu para si mesma.

Voltou para o quarto com a xícara fumegante nas mãos, acendeu o abajur e sentou-se numa poltrona em frente à janela para contemplar a noite e pensar.

Seria bom ir até Riad para o casamento de Dena. Precisava de uma oportunidade para ficar longe de Dan por algum tempo. Aproveitaria.

Mas a idéia da viagem àquela cidade perdida no Oriente Médio fez com que se lembrasse do que Jenny Tibbets comentara a respeito da estranha incursão de Cheryl Sampson até lá, no mês anterior.

Sem dúvida, um lugar muito esquisito para se tornar um sonho para uma pessoa como Cheryl. Até Dena se aborrecia com Riad e tinha que comprar filmes piratas para poder passar um pouco de tempo. O que na verdade motivara Cheryl á fazer um percurso tão longo?

Oh, Deus, Melanie sussurrou alto, como se de repente as coisas se ligassem na sua cabeça, finalmente fazendo sentido. Sabia por que Cheryl viajara com tanta pressa para Riad. E também decifrara o significado da expressão "tempo de morte".

Colocou a xícara tão rapidamente na mesinha ao lado da cadeira em que sentara que um pouco do chocolate se derramou | na toalha de linho. Correu até o telefone e discou o número do Hotel Connaught, pedindo para ligarem na suíte de Dan, Ele deveria estar lá, agora. Já dera tempo para ele ter chegado de sua casa e uma série de pensamentos maldosos passou pela mente de Melanie, enquanto esperava que o telefone chamasse uma, duas, três vezes. No quinto toque, já estava colocando o fone no gancho, quando ouviu uma voz sonolenta do outro lado da linha.

— Alô?                                      

— Dan!

— Melanie?... O que houve? Alguma coisa errada?

— Acho que sei por que Cheryl foi morta e onde começar a procurar o assassino!

 

Da janela da sala de estar Melanie olhava para a rua silenciosa. Estava ansiosa e, enquanto esperava, fazia e desfazia o laço do seu robe cor-de-rosa. Por fim, depois do que pareceu ser uma eternidade, ouviu o barulho de um carro se aproximando. Mais alguns segundos se passaram até que Dan estacionasse o Bentley que alugara em frente de sua casa. Foi esperá-lo na porta.

Enquanto ele subia rapidamente os degraus, viu que vestia o mesmo jeans de antes, mas trocara o suéter bege por um azul, com um decote em "V". Apesar da seriedade do assunto que iam conversar, não pôde deixar de notar a aparência dele. Os cabelos estavam em desalinho e os traços do rosto, suavizados pelo sono, devolviam-lhe a expressão infantil que tanto a im: pressionara no primeiro encontro.

Mas não havia nada de criança no corpo másculo. O decote em "V" do suéter revelava o peito forte e musculoso e Melanie sentiu um tremor percorrer-lhe o corpo. Ao se cumprimentarem, teve que se esforçar para estender uma mão fria e profissional. Mas ele estava muito nervoso e não ligou para os detalhes. Foi direto ao assunto:

— O que houve? O que é que você descobriu?

— Entre que eu explico.

Na sala de estar, ela se sentou no sofá e ofereceu um lugar ao seu lado para o ator. Mas sua inquietação era tanta que ele não aceitou, fazendo um gesto negativo com a cabeça. Enquanto ela falava, Dan andava de um lado para o outro do ambiente.

— Estive pensando sobre dois pontos importantes. O ponto número um é a anotação que foi encontrada ao lado do corpo de Cheryl: "Tempo de morte". Dois: sua curta e intrigante viagem até Riad. Paris, eu posso entender. Mas Riad? Você não acha estranho que uma mulher como ela vá até Riad para passar só uma noite?

— Não soube dessa viagem a Paris e Riad — comentou Dan.

— Foi Jenny Tibbets quem me contou. Há pouco mais de um mês, as duas foram juntas.

— Mas isto foi um pouco antes de começarem as filmagens de A Caçada

— Exatamente. Bem, para encurtar a história, tenho uma amiga árabe que por coincidência mora em Riad. Ela está em Londres e hoje fomos almoçar juntas. Na hora eu não me dei conta, mas ela disse uma coisa que é a chave do nosso quebra-cabeça.

Melanie refletiu um pouco, como se procurasse um gancho para ir direto ao assunto. Depois, perguntou:

— Você sabe alguma coisa sobre o mercado negro de filmes?

— Bem pouco — admitiu ele, andando de um lado a outro da sala.

— Pelo amor de Deus, Dan, pare um pouco! — Melanie disse, irritada.

Dan se assustou com a sua veemência e sentou-se ao lado dela no sofá. Sorrindo ironicamente, disse:    

— Desculpe-me. A paciência não é uma das minhas virtudes. Continue.

— O que você sabe sobre o mercado negro de fitas?

— Já ouvi falar de filmes que eram copiados e vendidos ilegalmente. Mas não sei como é que isso funciona ou quem está envolvido. O que isso tem a ver com Cheryl?

— Provavelmente, muita coisa. Veja bem, "tempo de morte", na linguagem de cinema, refere-se ao momento em que a película do filme não está em uso, ou seja, quando ela pode ser copiada secretamente para ser distribuída no mercado negro.

— Esta pode ser uma explicação para o pedaço de papel achado na bolsa de Cheryl, mas, ainda assim, não vejo como ela estaria envolvida em um negócio extremamente rentável... Talvez um bilhão de dólares por ano. . . E que tem ligações em qualquer parte do mundo. Melanie! — Dan explodiu, impaciente. — Que diabos isto tem a ver com Cheryl?

— Espere! Você tem que saber como funciona toda essa engrenagem primeiro, para poder entender o envolvimento de Cheryl. Basicamente, o que acontece é que alguém de algum estúdio em Los Angeles usa o copião para fazer um filme-matriz, que pode ser copiado várias vezes. Normalmente, só têm acesso à película original o editor do filme ou, então, um executivo do estúdio que seja responsável pela produção. É nessa hora que alguém ligado ao mercado de filmes piratas tira a sua cópia. O passo seguinte é entregá-lo para que o contrabandista a traga para Londres. Aqui, com a facilidade em conseguir equipamento de vídeo - tape, novas cópias são feitas e distribuídas pela Europa e pelo resto do mundo. São vendidas para pessoas que têm vídeo, cinemas e até mesmo estações de televisão.

— Acho que estou começando a entender onde você quer chegar.

— Pois é, Dan. Acho que Cheryl era uma contrabandista. Dan meneou a cabeça.

— Não sei, não. Parece improvável.

— Não, não parece. Tudo se encaixa. Alguns dias depois de chegar de Los Angeles, ela foi para Paris, que é a central de distribuição de filmes piratas para toda a Europa. Depois disso, seguiu para Riad, que por sua vez é a central de distribuição de filmes piratas para o Oriente Médio.

Dan inclinou-se para a frente, pensativo. Fixou um ponto na sala e ficou olhando naquela direção. Depois de um longo silên­cio, disse:

— Quase não consigo acreditar que Cheryl era uma contra­bandista,

— Cheryl era ambiciosa em relação a dinheiro e o cinema ainda não pagava o luxo que sonhava. Era exatamente o tipo de pessoa que seria escolhida para contrabandear filmes piratas.

— Acho que você pode estar certa — Dan concordou, relu­tante. — Mas por que ela foi assassinada?

— Não sei. Mas acho que quem quer que a matou tirou algum papel da bolsa dela que tinha a ver com o mercado negro de filmes. Talvez fosse uma lista de nomes e endereços das pes­soas para quem ela deveria fazer as próximas entregas. Também não descarto a hipótese de esse papel levar à pessoa que a con­tratou. Não sei dizer.

A voz de Dan, que soara esperançosa momentos antes, voltou ao tom antigo.                                              

— Muito bem, só que isso não nos diz quem a assassinou.

— Sim, mas pode muito bem explicar "por que" ela foi assassinada. Afinal, estava envolvida num negócio perigoso e, por algum motivo, alguém decidiu eliminá-la.

— Você parece estar certa disso.

— Mas estou mesmo — disse Melanie, segura. — E agora, o que vai acontecer?

— Irei até o gabinete do inspetor Sam, logo de manhã. — Olhando de relance para o relógio na parede, que marcava três e meia, Melanie sorriu, amargamente: — O que quer dizer, daqui a cinco horas,

— Acha que ele vai concordar com você? Melanie suspirou, cansada.

— Não sei. Mas tenho certeza de que, pelo menos, ele vai seguir esta pista. Não pode simplesmente ignorá-la. A Scòtland Yard tem suas fontes de informação e poderá investigar muito melhor sobre minhas teorias.

Dan franziu o cenho.

— E, mas as investigações fogem da jurisdição da Scòtland Yard, não é? Quero dizer, se você estiver certa, a pista leva de Los Angeles até Riad.

Melanie não pensara nesse detalhe. Estivera tão excitada com a perspectiva de provar a inocência de Dan que não dera im­portância ao lado prático da questão.

— Talvez a Interpol pudesse ser envolvida no processo. Eles têm jurisdição em todo o mundo.              

— E se a Scòtland Yard e a Interpol não acreditarem na sua teoria?

— Mas eles têm que acreditar.

— Mas... E se não acreditarem?

— Bem, pensaremos nisso depois. Não fique ansioso por coi­sas que nem aconteceram ainda.

— Mas é que... — Dan desviou o olhar antes de concluir o raciocínio. — É que isso significa muito para mim.

 

O tom de voz dele era emocionado e revelava fraquezas que ela não imaginava que ele tivesse. Sabia desde o início que a situação o incomodara profundamente, mas pensava que era por causa do prejuízo à sua carreira no cinema. Mas via agora que Dan sofria porque as pessoas duvidavam dele, achando-o capaz de matar uma mulher. Queria provar ao mundo a sua inocência. Por quê?, ela se perguntou. Estava curiosa para saber os motivos. Se não fosse uma questão tão delicada, ten­taria algum meio para conhecê-los.

O velho relógio de parede bateu quatro badaladas e só então Melanie percebeu como era tarde. Como num passe de mágica, todas as considerações sobre o caso se dissolveram. Deu-se conta de que estava sentada a apenas alguns centímetros de um ho­mem que emanava forte sensualidade e que por coincidência tinha se vestido com muita intimidade para recebê-lo. Tudo podia acontecer nessa hora tão silenciosa da madrugada, quan­do o mundo todo parecia ter se retirado para que ficassem à vontade ali, na sala, e pudessem realizar todos os seus desejos.

 

Percebeu que Dan a olhava atentamente e que seus pensa­mentos e intenções coincidiam.

— Melanie. . . — Ele sussurrou, inclinando-se para ela, como se um imã o atraísse para o corpo delicado e sensual.

Melanie sentiu o coração disparar. Algumas horas antes, tinha sido um suplício mandá-lo embora.

Tentou lembrar-se de que era sua advogada e que o sucesso desse caso não só dependia de sua capacidade profissional, como também da objetividade que desse à relação com o seu cliente. Seu coração e corpo, porém, o desejavam desesperadamente.

"No próximo momento, ele vai me tocar. E não conseguirei resistir", pensou, aflita.

Respirando bem fundo, disse, num tom que disfarçava a luta interior que travava consigo mesma:

— Acho melhor você ir agora, Dan. Amanhã de manhã, depois que falar com o inspetor Sam,eu lhe telefono.

Ele hesitou e Melanie suspendeu a respiração. Esperava ansio­sa pelo próximo passo dele. Será que Dan não levaria em conta suas palavras e a tomaria nos braços, como o seu coração pedia?

Depois de algum tempo nessa expectativa, ele disse:

— Entendo, Melanie. Esperarei uma chamada sua no hotel. Dizendo isto, Dan levantou-se do sofá. Ela o acompanhou até

a porta, tentando esconder o sofrimento com a despedida que forçara.

— Boa noite, Melanie — ele murmurou, gentil, saindo em seguida.

Com um contraditório sentimento de desapontamento, Mela­nie percebeu que, pelo menos naquela noite, Dan respeitara a sua determinação em resistir. E ele ainda tinha a coragem de., dizer que a paciência não era uma de suas virtudes. . .

— Realmente, suas deduções são muito inteligentes, srta. Richardson — disse o inspetor Sam, depois de ouvir a teoria, de Melanie. Recostou-se na cadeira, pensativo. Então, continuou: — Estou bastante inclinado a acreditar que está certa, apesar de admitir que o fato de ela trabalhar para alguém nos Estados Unidos complica as coisas para nós, pois está fora da jurisdição da Scotland Yard. Vamos supor que as coisas tenham aconte­cido assim. Uma pessoa envolvida com o negócio de filmes pira­tas aproximou-se dela em Los Angeles e lhe ofereceu uma soma tentadora para contrabandear os filmes. A srta. Sampson fez o trabalho, foi para Paris e Riad, e só então voltou para Londres. Mas alguma coisa saiu errada. Talvez ela tenha pedido mais dinheiro ou de algum modo cometido uma indiscrição.

— As penas para pirataria de filmes estão bem mais rígidas ultimamente. Além de uma pesada multa, o infrator está sujeito

à prisão.

— Exatamente. Mas você não acha que o seu chefe também poderia querer matá-la, já que representava uma séria ameaça aos seus preciosos lucros?

— Acho que alguém envolvido com o contrabando de filmes piratas foi até o apartamento de Jenny Tibbets naquela noite para falar sobre a atuação da srta. Sampson. Digamos que te­nham se desentendido na hora de repartir o dinheiro. Então essa pessoa matou-a com o atiçador da lareira, que estava à mão.

— É uma situação bem provável — concordou o inspetor Sam. — De qualquer forma, não era um assassino profissional. Esse tipo de criminoso vem equipado com a própria arma.

— E agora, inspetor, o que vai acontecer?

— Iremos seguir esta pista o tanto quanto pudermos, srta. Richardson. E também pediremos ajuda a Interpol. Mas, como a senhorita pode imaginar, não será fácil desmontar uma qua­drilha que atua no mundo inteiro só com esses dados que dis­pomos.

Melanie suspirou, frustrada.

— O senhor não entende o que uma demora dessas significa para o meu cliente. A reputação do sr. Austin já está bastante afetada. Se isto continuar sem que apareça nenhum outro sus­peito ...

— Sinto muito, srta. Richardson, mas temo que não possamos fazer nada a respeito. Levará tempo para que consigamos provas concretas do assassino da srta. Sampson.

Melanie não podia negar que o que ele estava dizendo era verdade e, quando saiu da Scotland Yard, sentia-se desanimada. Toda a excitação da noite anterior se dissipara. Agora, percebia que a causa do assassinato de Cheryl não era o suficiente. Preci­sava descobrir o próprio criminoso para inocentar Dan.

 

Estava sentada em seu escritório, pensando em telefonar para Dan, quando Jeff Grunder ligou do estúdio em Los Angeles..

— Quero saber das últimas notícias sobre o caso de Dan Austin. Alguma novidade?

Melanie sentiu-se tentada a responder que não acontecera nada de interessante. Mas pensou um pouco e achou melhor contar o encontro que tivera com o inspetor Sam.

— Parece difícil de acreditar. . .   Você tem alguma prova; concreta?

— Só o pedaço de papel. Mas qual outra explicação poderia haver? "Tempo de morte" não é uma expressão comum na língua inglesa.

— É verdade.

— E certamente não é o tipo de coisa que alguém de fora do meio cinematográfico iria escrever.

— Você disse que o inspetor concordou com você?

— Exatamente. Mas isso não quer dizer que Dan esteja fora de perigo. Para ser sincera, Jeff, temo que a Scotland Yard não consiga provar nada e que o caso permaneça sem solução. Dan não será acusado, mas também não será inocentado.

 

— Isto é inaceitável, Melanie. Você não pode imaginar o que acontecerá com o filme, se a situação não for esclarecida.

"Sempre o mesmo", Melanie pensou. "Jeff só se preocupa com os próprios problemas, esquecendo-se que a vida de um homem está em jogo."

Teve vontade de perguntar-lhe se estava com medo de perder o emprego com a iminência do fracasso de A Caçada. Mas con­teve-se. Jeff continuou:

— Do jeito como as coisas vão, estão falando em colocar A Caçada na prateleira. E só tirarão de lá quando a situação for devidamente esclarecida.

— Não sabia que o problema era tão sério.

— Você sabe como Hollywood é em termos de mexericos. Mas o pior é que os jornais e a televisão estão dando muito destaque ao assunto, exigindo providências das autoridades.

Melanie sentiu um aperto no coração. Lembrou-se de Dan lhe dizendo que a vida não era justa e teve pena dele. Muita pena. Por que o destino estava sendo tão cruel com um homem que não fazia mal a ninguém?

— Muito bem, continue fazendo o melhor possível, Mela­nie. Mantenha-me informado dos acontecimentos, especialmente no tocante à Scotland Yard. Quero saber tudo o que está acon­tecendo.

— Jeff tem certeza de que quer que eu continue tra­balhando nesse caso? Se você achar melhor que algum advogado mais experiente cuide do processo de Dan, eu entenderei.

Era muito duro para ela dizer isso, mas, se de fato queria ajudar o ator, tinha que considerar todas as possibilidades de resolver o problema. Sabia que estava diante de sua grande oportunidade profissional, mas daria até a vida para ver Dan salvo daquela situação.

-— Não, não. Acho que você está se saindo maravilhosamente bem. Nessas circunstâncias, não poderia fazer melhor. Continue assim, Melanie.

Quando desligaram, Melanie não se sentiu mais animada com o voto de confiança de Jeff. Ela mesma não tinha tanta certeza de que conseguiria provar a inocência de Dan. Se a própria Scotland Yard não estava otimista em relação ao caso, o que ela, uma simples advogada em começo de carreira, podia fazer?

Lembrou-se de ter ficado de telefonar para Dan. Mas, quando começou a discar os números, bateram à porta do seu escritório. Levantou-se da cadeira foi atender. Para sua surpresa, era ele.

— Desculpe-me, mas não podia esperar mais. Eu lhe disse que a paciência não é uma de minhas virtudes. Então, decidi vir pessoalmente para saber como foram as coisas na Scotland Yard.

— Como você fez para desviar a atenção dos repórteres e fotógrafos?

Dan sentou-se no sofá que ficava de frente para a sua escri­vaninha. E, para dar uma impressão mais profissional, ela voltou para lá.

— Na verdade, foi a gerência do hotel que os afugentou. Mas, por outro lado, me disseram que não era mais um hóspede bem-vindo. Foram educados como os ingleses costumam ser, mas pediram para que saísse de lá até a próxima semana. Não é bom para a reputação deles que um assassino esteja hospedado numa das melhores suítes do hotel.

Ele tentava se divertir com a situação, como se realmente não se importasse com tudo aquilo. Mas Melanie sabia muito bem que no íntimo o ator estava sofrendo.

— E para onde você vai agora?

— Oh, não sei… Quando for me mudar, pensarei no assunto.

Visivelmente incomodado com mais esse problema, Dan mu­dou o rumo, da conversa.

— E então, como foi com Sam?

— Ele concordou com a minha teoria.

— Ótimo. Mas, enquanto você me conta o resto da história, nós podíamos ir almoçar.

— Dan. . .

— Não me diga que você não costuma almoçar. E não se preocupe em ser olhada. Conheço um lugar ótimo.

Ela hesitou.

—- Vamos logo, Melanie. Estou morrendo de fome. — Ele encarou-a e então, perguntou: — Alguma coisa errada?

Melanie assentiu.

— Bem, vamos sair daqui — ele disse. — No caminho, você me explica o que aconteceu.

Ela vestiu um suéíer cinza de lã em cima da camisa de seda branca que estava usando. Lá fora, o ar estava gélido, mas o dia, bastante claro. Apesar de suas preocupações, sentiu-se revi­gorada com o céu de outono.

Passaram por Westminster, pelo Parlamento e por Abbey. Em questão de minutos, estavam em St. James's Park. Quando cruzaram a ponte que levava para o outro lado do lago no parque, Melanie parou para olhar as cúpulas dos palácios ita­lianos de Whitehall recortando o céu da cidade.

— Incrível, não é? Nós poderíamos dizer que estamos em Roma, em vez de Londres.

Dan assentiu, mas nada respondeu. Sabia que ele se pergun­tava quais seriam as más notícias que ela tinha para lhe contar. Do outro lado da ponte, ele parou perto de um barco e saiu do carro.

— Siga-me — disse, num tom autoritário.

Começaram a passear em passos vagarosos.

— Qual o problema? — Dan perguntou.

— O inspetor Sam concorda com minha teoria, mas prová-la é outra questão. Como você disse, as investigações fogem da jurisdição da Scotland Yard e devem levar muito tempo até serem concluídas.

— Se forem concluídas. . . Melanie assentiu, tristemente.

— Isso é tudo? — Dan perguntou.

— Bem. . .

— Continue. Deixe-me saber de tudo.

— Falei com Jeff hoje por telefone. Ele me disse que toda essa publicidade negativa estava fazendo com que o pessoal do estúdio pensasse em deixar A Caçada na prateleira.

— Jeff me deu esta notícia antes de ir embora de Londres. Melanie suspirou fundo.

— Você sabia que eles estão até pensando em colocá-lo na prateleira para sempre.

A expressão de Dan endureceu.

— Entendo. . .

Ela o admirou por sua coragem, por estar suportando, sem reclamar nem demonstrar toda a ansiedade que sentia por den­tro. Foi forçada a admitir que existia muito mais naquele homem do que apenas a sensualidade que emanava de seu corpo privi­legiado.

— Até três dias atrás, eu era considerado uma "possibilidade quente". Agora, sou uma "batata quente" que ninguém quer. Uma ameaça.

— Se sua carreira tiver que terminar assim, você vai se impor­tar muito?

— Minha carreira? Não..— Ele pareceu sincero.

— Então, não é a carreira que o preocupa.

— Ah, você é tão perspicaz quanto é brilhante. Você está certa, não ligo a mínima para a minha carreira. Mas não gosto de ser chamado de assassino, fá fui considerado fora-da-lei o suficiente em meus filmes.

Melanie pensou que talvez fosse a oportunidade para conhe­cê-lo melhor, mas ele percebeu a sua intenção e se esquivou.

— Bem, isso já foi o suficiente. Vamos comer no restaurante do parque. Foi para isso que a trouxe aqui, lembra-se?

Mas os pensamentos de Melanie foram muito rápidos e logo ela tomou a decisão que lhe pareceu mais adequada para o momento. Disse:

— Não tenho tempo de comer. Ainda preciso passar no escri­tório antes de viajar.

— Viajar? Para onde você vai?

— Paris. E depois para Riad. Vou fazer a mesma viagem que Cheryl fez e ver o que posso descobrir. Acho que levarei Jenny comigo. Se conseguir convencê-la, é claro. Ela pode me mostrar os lugares onde foi com Cheryl, o que fizeram, com quem falaram.

— Vai bancar o detetive?

— Não posso ficar sentada esperando que a Scotland Yard tente descobrir alguma coisa.

— Irei com você.

— Dan.. .

— Também estou cansado de ficar sentado esperando, Mela­nie! Até agora, só fiquei esperando. Já é hora de eu fazer algum esforço.

— Não há nada que você possa fazer.  

— Posso fazer tanto quanto você, Melanie. Por isso, iremos juntos.

Dan estava decidido e parecia inútil tentar convencê-lo do contrário. Mas o pensamento de tê-lo como acompanhante, dor­mindo nos mesmos hotéis, deixou-a perturbada. Desesperada, fez mais uma tentativa para que ele desistisse da ideia.

— Dan, isto faz parte do meu trabalho. Há um escritório da Associação de Produtores de Cinema, em Paris.   Irei falar com seus investigadores, perguntar se sabem de alguma coisa sobre Cheryl. Não há realmente nada que possa fazer para ajudar.

— Você não vai fazer uma viagem tão perigosa sozinha.

— Perigosa! Não seja tão melodramático. A voz de Dan soou grave, quase um alerta.

— Uma pessoa foi assassinada, Melanie.

Ela quase se esquecera que quem quer que tivesse assassinado Cheryl não hesitaria em matar alguém que estivesse investigan­do o crime. Pela primeira vez, conscientizou-se de que aquela viagem poderia envolver mais do que perguntas, informações e, se possível, provas. Iria atrás de uma verdadeira máfia e pre­cisava de um mínimo de proteção.

A voz de Dan suavizou-se.

— Irei com você. E não deixarei que faça nada sozinha. O problema que surgir, nós enfrentaremos juntos.

Melanie levantou o olhar com o impacto daquela afirmação. Passar dias e noites ao lado de Dan Austin era uma perspectiva que a deixava sem palavras.

 

Não foi difícil convencer Jenny a acompanhá-los na viagem. Quando Melanie a convidou, ela respondeu que seria ótimo sair um pouco de Londres. Sem um pingo de embaraço, contou que o namorado, um homem casado, estava passando tempo demais com a esposa ultimamente e ela estava sem saber o que fazer dos seus dias.

— Quando eu contar que vou viajar com Dan Austin, ele ficará com a pulga atrás da orelha.

 

Melanie pensou em explicar para a atriz que aquela seria uma viagem de negócios e não umas férias escondidas do chefe. Mas limitou-se a combinar os detalhes do encontro no Aeroporto de Heathrow. Ela e Dan a esperariam na frente do portão de embar­que, às oito horas da noite. Antes de se despedir, deixou a passagem da Air France. Qualquer problema que surgisse, eles se encontrariam dentro do avião.

O mais difícil foi dizer a Reggie que teria que se ausentar da cidade por algum tempo.

Fazendo um esforço para controlar as lágrimas, o menino per­guntou:

— Vai demorar muito?

— Não tenho certeza. Mas espero que não. Tudo depende do andamento do meu trabalho.

O ar triste do garoto comoveu-a profundamente e Melanie ajoelhou-se para poder olhar diretamente nos olhos dele.

— Falei com seus pais. Eles me disseram que, se você quiser, pode tomar conta de Sherlock enquanto eu estiver fora. Você gostaria de fazer isso para mim?

Os olhinhos brilharam de felicidade.

— Mas é claro que sim, Melanie!

— Bem, é um trabalho de muita responsabilidade e pretendo pagar por seus serviços. Você acha que um xelim por dia seria justo?

Reggie fingiu estar considerando a proposta. Só depois de algum tempo refletindo foi que respondeu:

— Justíssimo.

Melanie sabia que o garoto simplesmente adoraria ficar com Sherlock, estivesse sendo pago ou não para isso. Colocar a coisa em bases financeiras fazia com que se sentisse importante para ela. Na realidade, poderia ter pedido a sua tia Dalila para que tomasse conta do cachorro. Mas Reggie era tão solitário que preferiu deixá-lo em sua companhia.

— Eu o levarei para passear todos os dias — ele prometeu, animando-se. — Você sabe, Melanie, esse cachorro anda muito preguiçoso ultimamente.

Ela se divertiu, antevendo o garoto tentando fazer com que Sherlock, um cachorro inativo por natureza, se exercitasse. Mas concordou com ele.

— Boa ideia, Reggie. Sei que estou deixando Sherlock em boas mãos.

Reggie saiu levando Sherlock, um pacote de comida para cães e a tigela.

Quando Melanie foi fazer as malas, não sabia que tipo de roupa deveria levar para a viagem. Não tinha ideia de quanto tempo ficaria fora ou do que iria precisar. Mas decidiu que o vestido que usaria no casamento de Dena seria comprado em Paris.

O Aeroporto de Heathrow fervilhava quando Melanie desceu do táxi com a sua mala. Estava em cima da hora do vôo e atravessou os corredores quase correndo. No portão de embar­que, Dan já a esperava. No chão, ao lado dele, havia um estojo de violão.

Áo ver a sua curiosidade em relação ao instrumento, ele explicou:

— Sempre o levo comigo. Força do hábito.

Nesse instante, Jenny chegou. Ao cumprimentar o ator, come­çou a falar:

— Oh, sr. Austin, é um prazer encontrá-lo novamente. Nosso primeiro encontro foi tão breve! O senhor estava conversando com a pobre Cheryl. . .

Percebendo a sua inconveniência, a jovem tentou se desculpar, gaguejando algo sobre acreditar na inocência dele, Mas Melanie a interrompeu:

— Estão chamando para o embarque. É melhor nos apres­sarmos.

Enquanto se dirigiam ao portão de embarque, Jenny procurava ficar perto de Dan, olhando-o com adoração. Seu comporta­mento era completamente idiota, Melanie dizia consigo mesma. Arrependeu-se de chamá-la para essa viagem. Desse jeito, a atriz terminaria atrapalhando mais do que ajudando.

Mas bem no fundo de seu coração sabia que o que realmente a aborrecia era o ciúme. E tentou se controlar. Esse tipo de senti­mento não teria lugar no trabalho que estava disposta a realizar. Além disso, não pretendia se tornar a garota da estação de Dan Austin. Não seria mais um nome na sua infindável lista de amantes. Ah, não, isso nunca!

Dentro do avião, se acomodou confortavelmente. Jamais via­jara num vôo de primeira classe e tentava aproveitar cada detalhe desse privilégio. Riu de si mesma ao lembrar-se da tola discussão que tivera com Dan, quando ele insistira em pagar as passagens, dizendo que só estavam saindo de Londres para resolver um problema seu. Concordara com relutância, mas agora se sentia satisfeita na poltrona macia e reclinável, lendo sua revista femi­nina favorita. Entre outras vantagens, pensou, num vôo de luxo as pessoas respeitavam a privacidade alheia e ninguém se apro­ximou de Dan com perguntas imbecis.

Mas ele se sentara ao seu lado e aquela proximidade a inco­modava profundamente. Tentando evitá-lo, Melanie olhou pela janela do avião, as nuvens cinzentas encobrindo a lua cheia. Pensativa, lembrou-se de que estava indo para a mais romântica das cidades, com um homem que fazia seu coração querer saltar do peito, de tanto bater. Na companhia dele, esquecia-se de tudo. .. exceto de que era uma mulher e ele um homem muito' sensual. O mesmo homem que prometera passar cada segundo dessa viagem a seu lado.

O que aconteceria quando chegassem a Paris?, pergunta­va-se. Não, realmente não sabia como fizera uma loucura dessas. Dan espreguiçou-se e, ao esticar as pernas musculosas, esbarrou nela. Aquele breve contato fez com que uma corrente elétrica percorresse todo o seu corpo. Cada vez mais tinha a impressão de que não conseguiria resistir aos encantos de Dan Austin.

Ao desembarcarem no Aeroporto de Orly, pegaram um táxi até o Hotel Plaza Athénée, que ficava localizado na área das embai­xadas, entre o Champs-Élysées e o rio Sena. Melanie nunca se . hospedara nele porque estava fora das possibilidades financeiras de sua tia, com quem fora várias vezes a Paris. Era muito luxuoso, ideal para uma lua-de-mel. Arrepiou-se com o pensa­mento e afastou-o com medo que fosse um prenúncio.

Quando o táxi os deixou na imponente entrada do hotel, um funcionário uniformizado veio atendê-los.

— Aprovam minha escolha? — Dan perguntou olhando para Melanie.

Ela sorriu, sem entusiasmo.

— Acho que serve.

O ator começou a rir. Mas Jenny, que ficara contemplando as sacadas do hotel, não escondeu a sua surpresa.

— Nossa, não é mesmo um grande hotel?

Enquanto Dan fazia o registro, as duas esperavam sentadas em cadeiras Luís XVI, em frente a uma maravilhosa tapeçaria. Quando foram conduzidos para seus quartos, o camareiro que levou a bagagem fingiu não reconhecer o ator. Devia ter rece­bido um treinamento especial nesse sentido, mas Melanie não suspeitava que a presença de Dan Austin, com duas mulheres, deixara-o curioso. Como qualquer um ficaria, pensou. Mas in­dignou-se. Pois, no final das contas, estava sendo vista como uma mulher vulgar que fazia programas com o galã de Holly­wood, o que era pior do que ser a sua garota da estação.

Chegaram ao seu quarto e, enquanto esperavam no corredor, o camareiro abriu a porta e colocou a sua bagagem em cima da cama. Ao lhe dar uma gorjeta, o funcionário do hotel parecia invejar Dan Austin. Como se pensasse que nem mesmo aquele escândalo abalasse o seu prestígio junto às mulheres. Melanie sentiu vontade de insultá-lo, mas preferiu entrar e olhar para a janela, que dava para um gramado imenso e bem tratado. Estra­nhou que, tão próximo do inverno, ainda não tivessem retirado as cadeiras e mesinhas com guarda-sóis amarelos.

O telefone tocou, assustando-a. Era Jenny.

— Melanie, querida. Não tive tempo para jantar e estou mor­rendo de fome. Você sabe que Paris tem restaurantes mara­vilhosos e queria aproveitar essa viagem para visitá-los de novo. Mas, quando convidei Dan para sairmos um pouco, ele me deu dinheiro suficiente para que tivesse uma noite de gala e recusou-se a me acompanhar. . . Disse que eu estava lhe fazendo um grande favor em vir até aqui, mas. . .

Melanie não conteve um sorriso. Aparentemente, Dan era imu­ne ao charme de Jenny. O simples pensamento fez com que ficasse feliz.

Jenny continuava:

— Vamos sair pela cidade? Existem uns cafés deliciosos.

— Desculpe-me, mas também estou muito cansada e acho que vou pedir alguma coisa para comer no quarto mesmo. Depois vou direto para a cama.

Melanie pôde ouvir o suspiro de frustração da atriz do outro lado da linha.

— Que aborrecido! Passar uma noite em Paris e pedir serviço de quarto! Bem, irei até o bar do hotel. Tchauzinho — e des­ligou.

Melanie estava pensando no que iria pedir, quando alguém bateu na porta. Intrigada, foi abrir.

Dan estava ali, o ombro encostado no umbral da porta.

— Muito bem. Então, onde é que você gostaria de jantar?

— Mas. . . você acabou de dizer a Jenny que estava muito ocupado.. .

— E estou mesmo. Com você. Temos muito o que conversar, doutora.

Por mais que tentasse se manter séria, Melanie divertia-se com a situação.

— Na verdade, seria mais sábio de nossa parte comermos no restaurante do hotel e dormirmos cedo, pois teremos muito o que fazer amanhã.

— Seria mesmo — Dan respondeu —, mas sempre ouvi dizer que Paris é um lugar para se andar e conhecer.

— Você não conhece a cidade?

— Não. Nunca estive aqui antes. E você?

— Já estive aqui várias vezes com minha tia.

— Então, você pode me mostrar alguma coisa. Até deixarei que você escolha o restaurante. Está pronta?

— Dan. . .

— Vamos, Melanie! Estou morrendo de fome. Não precisa se trocar. Você está linda.

Ela se sentiu lisonjeada com o elogio. Ainda estava usando o suéter bege-claro de gola rulê e a saia marrom reta que escolhera para viajar. Na hora em que se vestira, dissera a si mesma que esta seria uma roupa bem confortável, mas sabia, pelo menos inconscientemente, que o conjunto lhe caía muito bem.

Agora, vendo o sorriso de aprovação no rosto de Dan, não queria mais nada na vida do que jantar com ele em algum lugar bem íntimo e aconchegante. Colocou o blazer comprido, que combinava com a saia, e pegou a bolsa, que por sua vez combi­nava com o suéter e as botas.

— Também estou morrendo de fome — disse. — Vamos indo.

Pegaram um táxi e Melanie pediu que os levasse para o bairro medieval de St. Severin, à margem esquerda do Sena. Ali, entra­ram num restaurante que fora com sua tia Dalila, há alguns anos. A atmosfera era bem agradável e a comida, deliciosa. Os turistas ainda não o tinham descoberto e continuava tão tran­quilo como nos velhos tempos. Por outro lado, as pessoas ricas e famosas não se atraíam pela sua simplicidade. E, apesar de um ou outro cliente reconhecerem Dan, ninguém os incomodou.

Escolheram uma mesa no canto do salão e, ao se sentarem, Dan relaxou. Pela primeira vez, desde que Melanie o conhecera, há quatro dias, ele estava totalmente à vontade. E o brilho dos seus olhos azuis voltou com toda a intensidade.

Comeram tournedos, pedaços de carne tenra com molho de champignons, e tomaram um delicioso vinho tinto.

Para sobremesa, pediram musse de chocolate.

— Gosto desse lugar — disse Dan. — Faz muito tempo que não vou a um restaurante onde posso relaxar e aproveitar a comida.

— Gosto dele porque é a verdadeira Paris, sem turistas, sem barulho, sem artifícios.

Dan olhou-a, pensativo.

— Sem dúvida, não há nada artificial em você.

Melanie não precisava lhe perguntar o que queria dizer ou porque dava tanta importância à sua naturalidade. Sabia que em Hollywood a superficialidade era uma regra. Desde que começara a trabalhar para o estúdio, conhecera muita gente de talento e fizera bons amigos. Mesmo assim, havia algo no cinema que lhe desagradava profundamente. Com tanta riqueza e fama em jogo, as pessoas usavam de todos os artifícios para vencer. Inclusive a crueldade. Como em qualquer guerra, os fins justi­ficavam os meios. Odiava esta parte de seu trabalho. Como se lesse seus pensamentos, Dan continuou:

— Não consigo vê-la como parte da engrenagem de Holly­wood.

Ela sorriu:

— Bem, acho que estou um pouco fora disto tudo, em Lon­dres. Pelo menos, lá não há aquele ar viciado do estúdio. . . E você? Acha difícil se encaixar na engrenagem, ou rapazes texanos não têm esse tipo de problema?

Dan riu.                                                                  

— Este rapaz do Texas, não. Tenho um agente que cuida de todo o trabalho "sujo" para mim, uma jovem que realmente parece adorar o que faz. Seus olhos brilham quando vê um diretor de estúdio.

— Imagino que o brilho se deva aos pensamentos de quanto será a porcentagem dela sobre o seu salário.

— Realmente. Em vez dos olhos, tem cifrões. Mas uma das primeiras coisas que aprendi em Hollywood é que não importa se o filme é bom ou ruim, contanto que dê dinheiro. As pessoas só falam em recordes de bilheteria ou no lucro que a companhia teve.

Por um momento, Dan olhou-a, pensativo.

— É isso mesmo o que você quer para sua vida? Negociar contratos para egomaníacos como eu?

Melanie sorriu.

— Pensei que o que eu queria era ser a melhor advogada do mundo. Tinha visões de grandeza, de subir na vida. Chegar ao departamento comercial e, depois, à vice-presidência, galgando degrau por degrau na hierarquia do estúdio.

— E agora?

— Agora. . . Acho que estou finalmente começando a sentir que poder e sucesso não são aquilo que a gente sonha, antes de alcançá-los. Não gosto de trabalhar com pessoas como Jeff. E existem muitos iguais a ele no cinema.

Ela suspirou e continuou a falar, em tom introspectivo.

— É engraçado como as perspectivas mudam quando fica­mos mais velhos e mais experientes. Estou trabalhando no estú­dio há apenas um ano, mas já posso vê-lo por um prisma dife­rente do que quando comecei. O que antes parecia excitante agora parece vazio e sem sentido.

Dan ouviu-a atentamente. Quando ela levantou os olhos, percebeu que mais uma vez revelara mais de si mesma do que pretendia.

Decidida a fazer uma troca de informações, perguntou:

— E você? Obviamente, tem uma posição bastante crítica em relação ao cinema, mas continua fazendo parte dele.

— Ah, sim — suspirou ele, tomando um gole de vinho. — Como eu disse antes, é difícil resistir à sedução de Hollywood.

— Por dentro, você ainda é um menininho de uma cidadezinha do Texas que não pode se dar ao luxo de dizer "não" à fama e à fortuna.

Ele meneou a cabeça.

— Não. Acho que agora estou começando a entender que o preço talvez seja alto demais.

— Você não está feliz.

Melanie não obteve resposta. E nem precisava. A insatisfação dele era tanta que sequer fazia questão de escondê-la. De repente, Dan sugeriu:

— Vamos dar uma volta?

E, antes mesmo que ela pudesse falar qualquer coisa, ele tomou o último gole de vinho e pediu a conta.

Lá fora, andaram pelos becos escuros do bairro até a pitoresca praça René-Viviani. Era uma bela noite de outono, o ar estava fresco e o céu não poupava estrelas. Apesar da hora, havia muita gente na rua. Sim, passearam pela encantadora Paris. A Paris boémia, romântica e misteriosa. Parecia um sonho.

Sentaram-se num banco e admiraram a paisagem. Dali podiam ver a belíssima igreja de St. Julien-le-Pauvre, motivo dos mais belos quadros da história da pintura. Mais adiante, aparecia a lie de Ia Cite no meio do rio Sena. E, no fundo daquela paisa­gem quase irreal, a majestosa catedral de Notre Dame e suas luzes.

Melanie já estivera naquele lugar várias vezes e nunca se emo­cionara tanto. Paris parecia eterna, como se tivesse sido construí­da por Deus. Tudo naquele lugar transpirava poesia. Estava ali para sensibilizar corações e mentes. Geração após geração. Quando olhou para Dan, ele exclamou:

— Deus do céu, Melanie, como você é linda!

Aquelas palavras, ditas com uma voz meio rouca, surpreenderam-na. Então, ela percebeu que se esquecera de Dan e do mundo, embevecida pelo sentimento de paz e serenidade que a envolvera.

Só agora, olhos nos olhos, conscientizava-se da presença más­cula dele. Seus lábios se entreabriram e sua respiração ficou suspensa. Sabia que jamais se esqueceria do modo como Dan a olhara nesse momento. Era como se um poderoso imã a atraísse. Precisou lutar muito para resistir ao magnetismo dele. Foi nesse momento que percebeu que o amava.

Dan pegou-a pelo braço, e foi como se uma corrente elétrica tivesse passado por sua pele.

— Vamos andar — ele disse.

Melanie podia ouvir as águas do Sena sob a ponte que atra­vessavam para ir até a outra margem. Chegaram até Quai de Ia Megisseria, onde sentaram-se em um banco de pedra.

Ela tremia, assustada, completamente desnorteada com a des­coberta que acabara de fazer. Apaixonara-se por um homem que nunca se permitiria amar verdadeiramente mulher alguma. O que seria dela?

Dan olhou-a, atentamente. Estava claro que tinha intenção de beijá-la.

— Leve-me de volta para o hotel — ela ordenou no limiar de suas forças.

Antes que ele pudesse dizer alguma coisa, repetiu, com mais ênfase.

— Leve-me de volta para o hotel. Agora.

Na verdade, porém, esperava que Dan se negasse a levá-la para o hotel e em vez disso a tomasse nos braços e a beijasse. Podia ver que ele se controlava até quase o limite. Os lábios carnudos se endureceram e os olhos azuis brilhavam de raiva e frustração.

Quando ele falou, sua voz estava rouca.

— Desde o primeiro minuto em que a vi no terraço do Cassino Crockford, eu a desejei, Melanie. Antes de ouvir sua voz, antes de saber alguma coisa a seu respeito, quis fazer amor com você. Todos os minutos que passei com você só me fizeram desejá-la mais e mais.

— Não, pare com isso!

— Ouça-me, Melanie! — Dan pegou-a pelo braço e, mesmo sob a grossa lã do blazer, ela pôde sentir os dedos firmes e possessivos. — Não entendo o que é que você fez comigo, mas sei muito bem que faço a mesma coisa com você! Vejo isso todas as vezes que olho nos seus olhos. E não acho que alguma vez você tenha olhado para um homem assim.

"Deus me ajude, é verdade o que está acontecendo", ela pensou.

Empurrando o braço dele, disse:

— Nada disso importa. A mim só interessa que sou sua advo­gada e que qualquer envolvimento maior entre nós vai atrapalhar o andamento do processo.

— Droga, isto é apenas uma desculpa!

Os olhos azuis de Dan brilharam e Melanie percebeu o esforço que ele fazia para se conter. Sabia que, se ficasse ali mais um momento, ele a puxaria para um abraço. Mais do que isso, tinha consciência de que não conseguiria reagir ao seu magnetismo sexual.

Subitamente, virou-se e começou a andar rapidamente pela rua. Mas ele a seguiu e não demorou para que a alcançasse.

Por sorte, um táxi ia passando e ela fez sinal para que parasse. O carro freou bruscamente e o motorista abriu a porta traseira. Os dois entraram, disseram o itinerário e fizeram a viagem em silêncio.

"O perigo passou", ela pensou no meio do caminho. Se alguma coisa entre eles tivesse que acontecer, seria naquela praça, às margens do Sena. De agora em diante, não ficaria mais sozinha com Dan. Tomaria todas as precauções nos próxi­mos encontros. Mas ainda assim tremia da cabeça as pés. Tinha sido por pouco!

No hotel, deixou que Dan pagasse a corrida e dirigiu-se para o bar. Antes de ir para o quarto, precisava de alguma bebida para relaxar. Sentou-se numa mesa no canto do salão e pediu seu vinho favorito.

Mas, enquanto tirava o blazer, uma mão a segurou pelos ombros, colocando-a de pé. Não conseguia acreditar no que via. Dan Austin a puxava para fora do bar, pouco se importando se os outros clientes estranhavam aquela situação.

Num lugar mais afastado, ele prensou-a contra a parede e beijou-a com paixão.

Não havia mais como resistir. Só sentia o calor se espalhan­do pelo seu corpo, queimando-a de desejo. Era a língua ágil, o bigode que roçava nos seus lábios, os braços que lhe apertavam pelas costas. Melanie entregou-se. Fosse o que fosse, parecia um sonho. Uma dessas coisas que só acontecem em Paris.

 

Não era a mesma Melanie quando aquele primeiro beijo aca­bou. Os olhos de Dan também estavam surpresos, como se de uma hora para outra tivesse mudado seu modo de ser.

Coisas do amor, ela pensou, que acontecem sem que se saiba por que ou para quê. Assim como estava no quarto, parada ao lado da cama, sem se lembrar se Dan a carregara nos braços ou se subira de elevador. Sentia-se hipnotizada.

Enquanto ele voltava a beijá-la, deu-se conta de que isso era uma armadilha do destino, que não poderia evitar. E o abraçou com todo o desejo que reprimira no decorrer dos anos. Era como as águas de um rio represado, estourando.

— Diga-me que você me quer — Dan disse.

— Eu o quero. Eu o quero. Eu o quero...

Ele a interrompeu com um beijo profundo e apaixonado. Depois, passeou com os lábios por sua testa, pálpebras, faces e pescoço, o bigode roçando-lhe a pele delicada, o hálito quente soprando no seu rosto com a respiração alterada. Toda a espera valera a pena, ela pensou, feliz. Aquele era o seu homem. Para ele se guardara com tanto zelo.

Nesse momento, Dan começou a tirar-lhe a roupa. Mas depois do blazer teve que contar com a ajuda dela. Desejava-a tanto que não conseguia coordenar os movimentos para desabotoar-lhe a saia ou livrá-la da gola rulê do suéter.

Só de calcinha e sutiã, Melanie levantou-se, foi até o inter­ruptor e apagou a luz. A seguir, sentou-se na cama e esperou que ele também tirasse a roupa. Mas a ansiedade de Dan era tanta que ele se sentou a seu lado ainda vestido. E á abraçou com paixão. Nem parecia o galã que dormira com quase todas as atrizes de Hollywood. Tinha pressa de amá-la. Como se fosse um adolescente deslumbrado com sua primeira noite.

As mãos firmes que acariciavam suas costas passaram por cima do fecho do sutiã, que se abriu, revelando os seios redon­dos e rosados. Os mamilos estavam intumescidos de desejo e Dan os beijou, fazendo-a gemer de prazer.

Um pouco mais calmo, ele sorriu e disse:

— Acredita em mágica, Melanie?

Ela balançou a cabeça, afirmativamente.

— Pois prometo que esta noite será cheia de magia. ..

— Ah, mas promessas feitas no escuro não são confiáveis.

— São as únicas confiáveis.

Voltando a se agitar, Dan tirou-lhe a calcinha e vislumbrou sua parte mais íntima, os olhos brilhando, maravilhados. Mas o encantamento durou pouco, pois logo ele se ajoelhou e come­çou a beijar-lhe as pernas e o ventre. Para Melanie, aquilo era um sonho louco. Excitada, pressionou a cabeça dele contra o próprio corpo, alisando os cabelos loiros e espessos.

— Dan... Dan... Dan... — Era só o que conseguia dizer. O ator levantou-se bruscamente e começou a tirar o suéter.

Mas ela não deixou que o fizesse sozinho. Depois de tanto tempo lutando contra o poder do amor, queria participar ativamente daquele encontro e não apenas se entregar ao homem que conse­guira vencer todas as suas barreiras. Precisava tocá-lo, abraçá-lo.

Esperara a vida inteira por isso, para que pudesse se sentir totalmente à vontade e realizar os seus desejos mais íntimos.

— Não, querido, deixe-me fazer isto por você — falou Mela­nie. Puxou o suéter e admirou o peito largo e bronzeado. A seguir, o beijou. Então, abriu o cinto e os botões e observou a calça cair suavemente pelas pernas musculosas. Quando Dan ficou só de suéter, abraçou-a com força, sentindo-se plena, ra­diante, sem medo do que pudesse acontecer.

O luar entrava pela janela, iluminando o quarto com a sua cor prateada. Nada ali parecia real. Estava conhecendo o amor e o sexo como nunca imaginara, conseguindo fazer com que um "mulherengo" pensasse em uma mulher sem ser para uma mera aventura. Em Paris. Onde tudo é sonho.

— Você tinha razão, Dan. Posso sentir a mágica agora — Melanie disse.

Seus olhos se encontraram. E brilharam. Estavam curiosos para conhecer os segredos do amor. E impacientes. Esperaram uma vida inteira pela verdade daquele momento. Que agonia!

Dan sorriu com malícia. Ela também. Não tinha mais medo do que ele prometia com aquele seu jeito cínico. Cada vez mais queria voar nas asas do prazer. E se viu indo para bem longe do seu corpo; num ponto que era só sensação. Não pensava no que seria depois. Não se importava com a possibilidade de uma aterrissagem desastrosa e consequentemente dolorida. Ainda tinha uma noite inteira pela frente. Só de voos e sensações.

Deitaram-se na cama forrada com lençol de cetim.

— Vou explorar cada pedacinho do seu corpo, Melanie. Farei todas as suas vontades mais secretas — Dan murmurou, ofegante.

— Também vou conhecer todos os centímetros de seu corpo, Dan. Darei a você tudo o que puder, tudo o que você quiser.

Ele riu e rolando para o lado, puxou-a para cima de si. Melanie sentia o contato da selva de pêlos em seus seios e a firmeza das coxas musculosas. Rolaram pela cama, até que final­mente a explosão prometida começou.

Os lábios carnudos percorreram, sedentos, toda a extensão de sua pele. Dan beijou-lhe os ombros, os braços, até alcançar os mamilos rosados. Sugou-os com movimentos circulares. Era enlouquecedor. Todo o seu corpo estava em brasa.

— Você não pode imaginar como é sexy com esses seios tão pequenos e as pernas longas — ele falou.

O elogio era sincero e Melanie se tranquilizou ainda mais para a entrega total. Agora, enquanto uma das mãos dele aprisionava-lhe o seio esquerdo, a outra descia por entre as coxas, vagarosa­mente, explorando, sentindo.

Baixando a cabeça, Dan beijou o lugar onde a mão expe­riente estivera pouco antes. Ele deve ter percebido que os seus músculos se retesaram pois, com voz gentil, avisou:

— Não tenha medo, Melanie.

— Não estou com medo. . . Eu o quero com tanto desespero que é difícil aguentar.

A expressão de Dan se suavizou e Melanie percebeu que ele ficara profundamente tocado com suas palavras.

— Já lhe disse que adoro sua maneira direta de dizer as coisas, querida. Nesse momento, então, estou achando tudo maravilhoso — ele falou, voltando a acariciar-lhe o sexo.

Melanie relaxou, deixando que ele explorasse toda a sua femi­nilidade novamente. Cada lugar tocado por Dan tornava-se uma região de intenso prazer.

Depois, inclinando-se para a frente, beijou-o com paixão, aca­riciando o peito forte e deslizando a mão até o membro enrije­cido.

Nunca tinha ido tão longe com um homem. Nunca quisera entregar tudo, receber tudo, assim como estava acontecendo com Dan.

Subitamente, como se não pudesse mais se conter, ele a pene­trou, lenta e delicadamente.

Melaníe abraçou-o com força, ansiosa por se tornar parte dele; não mais dois indivíduos, mas um só coração, um só espí­rito, uma vida, um ser palpitante.

De repente, sentiu como se ;tivessem atingido as alturas e sorriu. O prazer foi tão intenso que não acreditou no que acontecera. Exausta e feliz, dormiu profundamente.

 

Quando Melanie acordou, Dan ainda estava dormindo, abra­çando-a, como se quisesse se assegurar de que ela não fugiria. Cuidadosamente, livrou-se dos braços dele e saiu da cama. Seus pés não fizeram um só ruído, enquanto pisavam o carpete macio.

Estava começando a amanhecer e ela sentiu frio. Vestiu o robe cor-de-rosa de seda e foi para o terraço do quarto. Lá fora, admirou o céu clareando mansamente. Ah, Paris era como estar no paraíso! Em algum lugar um pássaro cantou, cumprimentando a manhã e Melanie sorriu feliz.

Subitamente, dois braços fortes rodearam-lhe a cintura e um rosto com a barba por fazer encostou-se no seu.

— Assim você vai congelar — Dan falou. — Se não quiser pegar uma gripe, é melhor voltar para a cama.

— Humm... esta é uma sugestão bem agradável.

Tirou o robe e entrou na cama quente e macia com Dan.

— Conte-me sobre você, Melanie Richardson — ele pediu, aninhando-a nos braços.

— Mais do que já contei?

— Não, conte-me realmente sobre você. Quais são as suas lembranças de infância?

— Lembro-me da grama molhada na primavera no sopé das montanhas de Sierra Nevada onde meus pais têm a fazenda. Quando eu era pequena, a grama parecia ser maior do que eu.

— O que mais?

— O cheiro das flores de laranjeira. Meu pai cultiva laranjas.

— O que mais? — insistiu ele.

— Isto não aborrece?

— Não.

— Sabe, é engraçado. Agora sinto falta de coisas que na época queria deixar para trás. .

— Entendo muito bem isso.

— Mesmo?

— Claro que sim! Acho que a idade vai trazendo novas perspectivas. .

— Quais são suas lembranças de criança, Dan?

Ele hesitou e por um momento Melanie pensou que não fosse responder.

— Lembro-me de meu pai com seu uniforme de xerife com a estrela brilhando no peito. Era o xerife de Denby County, até o ano passado, quando se aposentou.

Melanie súrpreendeu-se. Quer dizer que o fora-da-lei das telas era filho de um xerife? Isso explicava muita coisa a respeito dele.

— Deve ter sido interessante crescer com um pai assim.

— É — ele disse, evasivo.

— Você se dava bem com ele?

— Quando eu era garoto, idolatrava-o. Achava que o céu e a lua se moviam de acordo com a sua vontade.

— E depois? — Melanie pressionou.

— Bem... Não éramos muito chegados. Meu irmão mais velho, Cari Austin Jr., era o orgulho de meu pai, e a alegria de sua vida. Tudo o que Cari fazia estava certo.

— Irmãos mais velhos são sempre assim — Melanie respon­deu, lembrando-se de Candace, sua irmã.

Dan sorriu para ela.

— Você também é a irmã do meio?

— Não. Somos duas irmãs. Mas sempre vivi à sombra de Candace. Frequentávamos as mesmas escolas e as pessoas sempre diziam: "Ah, você é a irmãzinha de Candace Richardson".

— Sei o que é isso. Como se não bastasse meu irmão mais velho, tenho uma irmãzinha mais nova, chamada Peggy. Meus pais sempre se preocuparam mais com eles dois. Eu só estava ali para fazer número.

— Então, você decidiu se rebelar e ser notado. É melhor ser repreendido do que suportar a indiferença.

— Mais ou menos. Eu parecia ter um imã para lugares e ocasiões problemáticas. Nada de sério, mas só até a adolescência. Quando fui para a faculdade, repeti dois semestres. Como não conseguia o mesmo sucesso do meu irmão, decidi ir para Nashville. Meus pais me recriminaram, mas era mais fácil vencer na música do que fazer o que eles queriam.

— Eles devem ter orgulho de você.

— Acho que sim.

— Foi difícil no começo?

— Bem... não é uma experiência que gostaria de ter de novo. Durante quatro anos, vivi de trabalhos extras, dependendo dos amigos para comer e dormir.

— Mas acabou conseguindo, não foi?

— Ah, sim. Gradualmente, fui sendo reconhecido pelo meu talento. Gravei um disco que, para minha surpresa, foi um sucesso total. Mas vamos acabar com essa conversa, que estou morrendo de fome.

Melanie deu-se conta de que também estava faminta e tele­fonou para a copa, pedindo o café da manhã no quarto. Depois, foi tomar um banho rápido. Embaixo do chuveiro, pensou que agora entendia Dan Austin. Sabia por que motivo era tão impor­tante para ele ser inocentado do crime de Cheryl Sampson.

Podia representar o papel de rebelde e fora-da-lei mas, no fundo, queria a aprovação de seu pai. Mais do que nunca, teve a certeza de que a vida de Dan dependia de sua competência profissional.

 

Depois de terem comido deliciosos brioches com café fume-gante, Dan inclinou-se para trás em sua cadeira e perguntou:

— E agora, doutora?

Melanie percebeu que era hora de voltar aos negócios e con­sultou seu relógio de pulso.

— Daqui a mais ou menos uma hora, telefonarei para o quarto de Jenny e vou pedir a ela que me leve a todos os lugares onde foi com Cheryl, quando estiveram em Paris.

— Irei junto.

— Já lhe disse que não é uma boa ideia.

— E eu também já disse que pretendo participar de tudo, que sou o maior interessado nessa história.

— Entendo perfeitamente, Dan, mas não há nada que você possa fazer para ajudar.

— O que você pode fazer que eu não posso?

— Levar as informações que conseguir até o escritório da Associação de Produtores de Cinema aqui em Paris. Eles inves­tigam também o problema de filmes piratas e acho que podem ajudar. Vão conversar comigo, uma vez que trabalho para o estúdio, mas duvido que falem com você.

— Mesmo assim, irei junto.

A expressão dele estava séria e Melanie sabia que não adian­tava discutir.

Duas horas depois, quando Melanie e Jenny saíram do hotel, Dan ia junto. Como o tempo estava chuvoso, insistiu em alugar um carro.

— Para onde exatamente vocês foram? — Melanie perguntou.

— Não me lembro do endereço certo, mas acho que o reconhe­ceria se o visse de novo.

O tom dela era vago e Melanie sentiu o coração se apertar. Começava a pensar que Jenny não passava de uma avoada.Infe­lizmente, as esperanças de Dan se concentravam na atriz e ten­tou se controlar.

— Pode nos indicar ao menos a direção?

— Claro! — Jenny disse, alegre. — Desçam a Champs-Élysées, passando pela praça da Concórdia e os jardins das Tulherias.

Melanie ensinou a Dan como chegar à praça e então reclinou-se no banco de trás do Renault alugado.

Na frente, Jenny conversava animadamente com Dan, que dirigia. Melanie sugerira que sentasse ao lado dele, pois assim poderia dar as indicações. E, claro, foi uma sugestão que agradou a atriz. Desde o momento em que se encontraram no aeroporto na noite anterior, Jenny demonstrara sua disposição em flertar com Dan. O fato de ele agir com indiferença ainda não a desani­mara.

Vez por outra, Dan olhava para os lados, encantado. Vendo um agrupamento de crianças numa praça, perguntou:

— O que é aquilo?

Seguindo o olhar dele, Melanie explicou:

— É um guignol, teatrinho de marionetes. É uma tradição por aqui. Alguns teatros desses encenam há gerações para as crianças.

— Paris é realmente diferente. Terei que voltar algum dia para poder aproveitar. . .

Dan não completou a frase, mas Melanie sabia o que ele queria dizer. Esperava provar sua inocência para viver todo o romantismo de Paris.

Ao passarem pela fachada imponente do Museu do Louvre, Jenny disse, em tom ansioso:

— Aqui, vire aqui! — E, então, acrescentou, subitamente insegura: — Eu acho. . .

Estavam agora em uma ruazinha estreita, com prédios bem característicos de Paris. Na verdade, todos os blocos de aparta­mentos pareciam iguais. "Santo Deus", pensou Melanie. "Como é que Jenny conseguirá distingui-los um do outro?"

Então, para seu alívio, Jenny completou, alegre:

— É isto! Ali, veja, aquele prédio com o leão! É esse mesmo. Olhando para a direita, Melanie viu um prédio antigo, de

quatro andares, com um leão de pedra na entrada.

Dan estacionou na primeira vaga que viu e desligou o motor.

— Cheryl subiu até aquela porta, bateu e então um homem veio atender. Entraram e ela demorou a voltar.

— Cheryl voltou com um pacote?

— Como é que você sabe, Melanie?

— Foi só um palpite.

— Sabe quem é que mora aqui? — Dan perguntou.

— Não. Mas vi o homem. Cheryl saiu acompanhada pelo homem. Ele a levou até o carro. Tinha cabelos castanhos-escuros e bigode. E ele é quem segurava o pacote.

Melanie ficou em silêncio por um momento, pensando no que fazer.

— E agora? — Dan quis saber.

— Acho que sei como descobrir o nome do homem — ela disse. — Tocarei a campainha e fingirei que sou uma turista americana que está perdida, procurando um amigo. Vou inventar um nome e perguntar se ele está. Mesmo que um empregado atenda, dirá que: "Não, nesta casa mora o senhor fulano de tal".

— E se não tiver ninguém em casa?

— Simples. Esperamos.

— Esperem! — Jenny gritou. — Isso quer dizer que poderiamos ficar aqui por horas a fio!

— Neste caso, você pode pegar um táxi de volta para o hotel, Jenny. Você já nos ajudou bastante — Dan respondeu.

Jenny estava visivelmente embaraçada. Por um lado, queria ficar com Dan, mas a espera seria muito maçante.

Melanie saiu do carro e subiu os degraus, indo até a porta do apartamento que Jenny indicara. Mesmo sabendo que nada iria lhe acontecer, estava nervosa.

Um momento após ter tocado a campainha, o homem atendeu. Com o pouco francês que aprendera nos tempos de escola, Mela­nie perguntou pelo monsieur Henri Delacroix.

— Não é francesa, é? — o homem perguntou em inglês, com sotaque carregado.

— Não, não sou. Na verdade, sou americana. Só estou visi­tando Paris e meus pais me disseram para procurar o sr. Dela­croix, um velho amigo de família. Ele está?

— Sinto muito, mademoiselle, mas acho que anotou o ende­reço errado.

— O sr. Delacroix não mora mais aqui?

— Não. Só eu moro aqui. Meu nome é Paul Roland, à sua inteira disposição. Qual é o endereço que procura?

Rapidamente, Melanie lhe deu o mesmo número de sua casa, mas outro nome de rua.

— Ah, já entendi qual foi o problema. A rua que procura é paralela a esta. — Apontou para a direita e continuou: — Para este lado. Vai encontrar fácil. Me sentiria muito honrado em acompanhá-la, para ter certeza de que não se perderá nova­mente.

— Não, não, obrigada, não será necessário. Estou com amigos. Tenho certeza de que não errarei agora. Muitíssimo obrigada e desculpe-me por tê-lo incomodado.

— Incómodo algum, mademoiselle.

Melanie virou-se para ir embora e ouviu a porta bater atrás le si.

Meia hora depois, deixaram Jenny no hotel e foram até o escritório da Associação de Produtores de Cinema. Enquanto Dan esperava na recepção, Melanie conversava com o diretor da seção Paris da entidade.

— Paul Rol and? — repetiu ele. — Sabemos quem é. É peixe pequeno. Compra filmes piratas para vender para uma pequena clientela. Já foi processado várias vezes, mas sempre volta ao negócio.

Meíanie sentiu-se recompensada, pois finalmente provava que Cheryl era mesmo uma contrabandista. Mal podia esperar para contar o que descobrira ao inspetor Sam.

Sentia-se leve como o ar, quando contou para Dan o que descobrira.

— Graças a Deus. Pelo menos agora existe uma linha de investigação que não me inclui.

— Exatamente. E, se Deus quiser, acharemos mais pistas em Riad.

— Espere um minuto. Quero falar com esse tal de Roland.

— Não banque o maluco. Acha que ele iria admitir alguma coisa? Deixe a Scotland Yard cuidar dele... ou a polícia fran­cesa.

Por um momento, Melanie pensou que Dan fosse discutir. Ele estava impaciente com tudo aquilo, querendo resolver as coisas rapidamente. Precisou se esforçar para fazê-lo entender que seria pior se quisesse interferir no campo da polícia.

— Você é a cabeça dessa operação, Melanie, eu apenas obe­deço as ordens.

Ela suspirou aliviada.

— Vamos andar um pouco — ele disse, por fim.

Melanie concordou, relaxando. Afinal, começava a juntar pro­vas importantes para resolver todo o caso e inocentá-lo. Estava em Paris, a romântica Paris, com o homem que amava e resolveu aproveitar.

Por um momento, sentiu-se desnorteada. Todas essas emoções fortes e a descoberta de seu amor por Dan eram muito recentes, e não tinha nenhuma certeza para o futuro.

"Isso não importa agora", disse a si mesma. "Tudo o que importa é aproveitar o máximo cada segundo ao lado dele."

Andaram de mãos dadas, olhando vitrines de butiques e bonbonnières.

Dan comprou rosas amarelas.

— Aposto como gosta de rosas amarelas.

— Como você sabe?

— Combinam com seus cabelos.

Por um momento, Melanie não conseguia respirar, de tanta felicidade. "Deus", pensou, "como eu o amo."

Mais adiante, encontraram um homem vendendo doces de coco queimado.

— Hum, que cheirinho gostoso! — ela exclamou.

— Realmente. Vamos comprar.

Um minuto depois, estavam comendo os docinhos mais apeti­tosos que Melanie experimentara na vida. Ao terminarem de comer, ela lambeu os dedos, num gesto infantil.

— Quer dizer que amanhã iremos para Riad? — perguntou Dan.

— Sim. Espero que consigamos achar a pista definitiva.

— Também espero que sim. . . Mas, como só temos hoje para conhecer a cidade, espero que você seja um guia eficiente.

— Paris em metade de um dia? Impossível.

-— Bem, mostre-me o que for possível, então. Quero me esque­cer do assassinato de Cheryl pelo menos por algumas horas.

Melanie podia entender bem o que ele devia estar sentindo. Também queria divertir-se um pouco e esquecer-se da pressão dos últimos dias.

— Podemos ir ver o Festival d'Automne.

— O que é isso?

— É uma mostra de dança, teatro e música, que acontece na cidade do mês de setembro até dezembro. Sei que, entre outras coisas, esse ano haverá dança de índios australianos.

Tentou lutar para se desvencilhar daquele abraço, mas foi iní til. Como que por vontade própria, suas mãos se moveram invc luntariamente até o pescoço dele, puxando-o mais para perto. Pela primeira vez, em meses, Melanie sentia-se viva de novo.

Quando finalmente se separaram, Dan disse:

— Eu te amo, Melanie. E quero que seja minha esposa.

As palavras que ele nunca fora capaz de dizer antes tocaram-na profundamente. Eram palavras doces. Dan a amava. Nada mais no mundo importava.

Melanie sorriu, por trás das lágrimas. Pela primeira vez na vi­da, sabia o que significava chorar de felicidade.

Dan não parecia muito animado.

— Não, obrigado. Gostaria de ficar o mais longe possível de teatros, eventos, multidões.

— Entendo. Bem, e se nós simplesmente andássemos por aí?

— Boa ideia. Vamos!

Andaram até a ponte que ligava à ilha de St. Louis. Foram até o salão de chá L'Ebouillante, onde comeram deliciosos san­duíches e admiraram a igreja de St. Gervais no meio do rio Sena.

Quando terminaram o pequeno lanche, Melanie perguntou:

— Você quer fazer as coisas típicas que os turistas costumam fazer? Digo, ir até a Torre Eiffel, andar pelo Louvre?

— Não, de jeito nenhum. Não quero saber de pessoas olhando para mim. Se ficarmos em lugares menos movimentados, não chamaremos a atenção. É muito mais divertido assim.

— Sem dúvida que é — replicou Melanie.

— E então, para onde vamos agora? — Dan perguntou, tomando o último gole de café.

Ela pensou por um momento.

— Que tal Les Halles?

— Se você acha que vale a pena, vamos lá!

Ao chegarem a Les Halles, viram as ruas cheias de gente, lojas e cafés. Era um lugar fascinante.

— Olhe só para isto aqui. — disse Dan. — Esta é a Paris verdadeira.

Melanie riu.

— Realmente, esta é a verdadeira Paris. Lembro-me de que havia aqui um mercado, onde os donos dos restaurantes vinham comprar as provisões. Quando resolveram demolir a construção, minha tia me trouxe para vê-la antes disso.

— É mesmo? E como era?

— Incrível. Mais parecia uma montanha de comida, trazida de toda a parte do país.

— E eles resolveram simplesmente demolir?

— Na realidade, depois de demolirem, transferiram o mercado

para uma área perto do Aeroporto de Orly. Desde então, o governo está tentando limpar Les Halles, que sempre teve má reputação.

Olhando para um póster que mostrava algumas garotas nuas, Dan comentou:

— Diria que não conseguiram ainda chegar muito perto do objetivo.

— Bem, os franceses, como a maior parte da,s pessoas, não conseguem ser totalmente civilizados.

Sorriu para ele, sentindo as gotas de chuva caírem, a princípio esparsas, mas, logo em seguida, grossas, afugentando as pessoas das ruas em direção aos cafés e às lojas. Menos eles. Acharam romântico um passeio assim e não procuraram se defender.

Em questão de segundos, estavam encharcados. Melanie sa­cudiu a cabeça, fazendo o cabelo respingar. Começou a sorrir para Dan mas, quando viu a intensidade do brilho naqueles olhos azuis, sentiu as pernas tremerem. Gotas de chuva corriam por suas faces e, assim que tentou enxugá-las com a mão, Dan beijou-lhe   a palma.

Melanie não conteve um arrepio ao pensar que aquela situa­ção, mais do que romântica, era extremamente excitante. A chuva servia como uma cortina, escondendo-os das pessoas. Apro­veitando a intimidade, abraçou-o com força. Não resistia ao magnetismo sexual de Dan, que emanava agora com muito mais intensidade, pois os cabelos molhados e desfeitos pela testa recuperavam a imagem do errante solitário que os diretores de filmes tão bem captavam.

Ele enfiou as mãos por baixo do seu suéter e alisou-lhe as costas. Quando alcançou o sutiã, abriu o fecho e liberou os seios macios. Antecipando o prazer que sentiria com a carícia mais íntima que estava para receber, Melanie ofereceu os lábios para um beijo. E, enquanto suas línguas se tocavam, ele apal­pou-lhe o corpo até encontrar os mamilos intumescidos de desejo. Ela soltou um gemido.

"Oh, Deus, como é possível um homem mexer tanto com

meus sentidos?", pensou. Desejava-o com toda a intensidade. Agora.

Então, colocou-lhe as mãos na nuca, acariciando seus cabelos molhados. Dan respondeu mordiscando o lóbulo de sua orelha, o que fez com que um novo arrepio lhe percorresse a espinha. Depois, enlouquecido, tentou desabotoar-lhe a saia.

 

Mas tudo o que Melanie queria era ser possuída ali mesmo, naquela ruazinha escura, atrás da grossa cortina de água que caía do céu.

Foi então que a chuva parou e a vida voltou ao normal, enchendo as ruas de gente e de sua corriqueira excitação.

 

Quando o encantamento acabou, Melanie e Dan pegaram um táxi e se instalaram no banco de trás. Enquanto voltavam para o hotel, mesmo que lá pudesse recomeçar tudo de novo, amar­gavam a frustração em silêncio.

A tarde começava a cair e Paris acendia suas luzes de néon. Melanie estava aconchegada no corpo másculo de Dan e sentia o calor gostoso que lhe invadia o peito. Era um prazer diferente, porque esse podia entender e explicar. Mas o que acontecera naquela rua deserta, embaixo da chuva, ah, ninguém saberia dizer como foi.

Dan mexia demais com ela. Como nenhum homem jamais conseguira. Com ele, descobrira uma faceta em sua personali­dade. Era como se até então ela não fosse completa, sem ter consciência de sua natureza sensual. Dan abrira-lhe as portas para um mundo cheio de sensações e, com isso, obrigara-a a re­definir seu conceito de amar. E de viver. Como advogada, tinha que se controlar, esforçando-se para raciocinar com clareza diante dos fatos de um processo e calcular com frieza os riscos em questão. Mas a mulher dentro dela p.ecisava saber que não existiam limites para as sensações e os sentimentos.

Quando chegaram ao hotel, foram direto para o quarto dele. Dan acendeu uma lâmpada ao lado da cama e Melanie disse:

— Eu... Bem, eu queria dizer que... Bem, sobre nós na­quela hora na chuva... — Não conseguiu continuar.

— Sei o que quer dizer, Melanie. Também nunca senti algo parecido antes.

Dan colocou as mãos nos ombros estreitos e encarou-a. Havia algo na expressão dele de muito sério e profundo.

— Não se preocupe, querida. Nunca deixei as coisas irem tão longe assim. Mas não estou achando ruim que tenhamos avançado tanto.

"Eu também não", pensou Melanie.

— Então, onde é mesmo que paramos?

Ela sorriu e passou os braços ao redor do pescoço dele.

— Aqui, neste ponto — afirmou, beijando-o com paixão, sa­boreando a deliciosa sensação dos lábios carnudos nos seus.

Agora, não havia pressa, tinham o tempo todo para terminar o que começaram na chuva. Para ela, só importava estar nos braços fortes de Dan. Nada que fizessem era errado. A palavra "inibição" não figurava no seu dicionário.

Dan a despiu cuidadosamente, deixando os dedos passearem pela pele macia que ia sendo descoberta. Melanie parou de res­pirar, quando as carícias dele se tornaram mais excitantes, mais ousadas, deixando-a em fogo.

Assim que ele a carregou para a cama, deitando-se ao seu lado, o desejo dela aumentou. Abraçaram-se e rolaram sobre os lençóis, até que Melanie ficou sobre Dan e forçou o corpo contra a floresta de pêlos do peito largo, movendo-se com movimentos cadenciados. Era como uma primitiva dançando para seu deus. O deus do amor!

— Quero fazer parte de você — sussurrou ele. — Agora! Dan inverteu as posições e a abraçou. O movimento brusco assustou Melanie, tirando um pouco da sua excitação. Mas logo ele lhe devolveu a possibilidade de êxtase. O corpo, musculoso a cobria como se fizesse parte dela mesma. Era o amor! Paris!

Era uma coisa que, quando se faz, não se sente frio, nem o peso do outro!

A sensação dos lábios grossos em suas faces, pálpebras e pescoço. . . o corpo forte e masculino sobre o seu. . . tiravam toda e qualquer capacidade de pensar. Seus corpos eram como uma só chama acesa.

Os beijos e as carícias tornaram-se mais urgentes. Dan mur­murou algumas palavras que Melanie não conseguiu distinguir direito.

— Sou sua, toda sua, querido — sussurrou ela, com voz rouca e apaixonada.

Então, não foi mais capaz de falar ou pensar em coisa alguma. Só podia sentir que estava sendo levada por uma onda crescente e violenta, que lhe trazia uma infinita felicidade.

O quarto estava mergulhado no escuro. Dan só conseguia vislumbrar o contorno do rosto de Melanie apoiado em seu ombro. Um braço dela ficara sobre o peito largo e as pernas estavam entrelaçadas nas suas, como se ela tivesse medo de que ele fugisse enquanto dormia.

Delicadamente, levantou-se e, depois de cobri-la, foi para a sala de estar e acendeu a luz. Pegou o violão e começou a tocar. As notas, emocionadas, encheram o ar da suíte.

Melanie... Deus, ela era tão encantadora. Só em pensar em tudo o que fizeram e partilharam, uma onda de desejo crescia dentro do seu peito.

Deveria estar se sentindo saciado, mas ainda sentia a necessi­dade das carícias dela. Conhecera inúmeras mulheres em toda a sua vida e sabia como Melanie era especial. Nunca ninguém se entregara de corpo e alma, como acontecera com ela.

Coisa muito rara hoje em dia, Melanie era generosa. Seus olhos límpidos e cristalinos refletiam o que lhe ia na alma.. Se não se entregara a outro homem assim, a culpa não era dela. Não fazia parte desse mundo cruel e competitivo. O que ela queria era o amor verdadeiro. Melanie.

Seu nome era melodioso, musical.

Os dedos de Dan começaram a tocar as cordas do violão e de algum ponto de seu subconsciente uma melodia surgiu, doce, suave. As palavras pareciam encaixar-se em seus lugares.

"Melanie, você me fez sentir completo. . . Você conseguiu despertar minha alma. . . Como uma luz numa noite escura. . . Minha, para sempre, minha. . . Melanie. . ."

Mas um ruído o distraiu. Olhando para cima, viu Melanie de pé, na porta, admirando-o. Seus cabelos estavam desfeitos, o rosto ainda sonolento.

— Dan.. . por favor, não pare.

— Eu só estava. . . Tocando algumas notas.

Melanie olhou-o, magoada. Mas Dan não se importou. De repente, lembrou-se de Laurie, sua última paixão. . . Não, defini­tivamente, não queria que nenhuma mulher participasse do seu mundo, compartilhasse dos seus sentimentos mais íntimos. Já sofrera muito com o amor. Não queria que Melanie Richardson também tirasse suas defesas.

— Acho melhor nos vestirmos para jantar — disse.

Por um segundo, pensou que Melanie fosse abraçá-lo e tirá-lo daquela muralha que erguera ao redor de si. Reteve a respiração, temendo e desejando ao mesmo tempo que ela caminhasse em sua direção.

Mas isso não aconteceu. Melanie piscou várias vezes, evitando as lágrimas e, girando nos calcanhares, saiu do quarto.

Melanie resolveu tomar um banho para relaxar. E, enquanto se ensaboava com um sabonete francês, as lágrimas corriam soltas por seu rosto. Podia jurar que vira algo diferente na expressão de Dan. . . Seria amor? Sim, era amor. Ele se impor­tava com ela, quisesse ou não admitir esse fato. Até a noite passada, quando estavam perto do rio Sena, não sabia se era capaz de despertar esses sentimentos em um homem, mas ele se apaixonara.

"Dan estava se negando ao amor", pensou, com raiva. Mas, se isso era injusto com ela, não ficaria chorando por ele o resto da vida.

Desligou o chuveiro e enrolou-se na toalha felpuda. Contem­plando sua imagem no espelho, via um rosto diferente. Seus olhos brilhavam, suas faces estavam coradas, toda a sua postura mudara.

Apesar da falta de maquilagem e dos cabelos em desalinho, não havia nada de adolescente em sua aparência. Era uma muIher que tinha sido amada recentemente. Uma mulher apaixo­nada.

Lutara contra esse amor, por diversos motivos. Advogados não podiam estar envolvidos com seus clientes, principalmente no tocante ao sexo. Seria desastroso para ambos.

Lembrou-se de uma história que ouvira sobre uma advogada que se apaixonara por seu cliente, um homem acusado de homi­cídio. A sua defesa no tribunal fora brilhante e os jurados absol­veram o cliente. Mas, quando souberam que estavam namorando, ela perdeu a credibilidade e sua carreira acabou.

Apesar de seu relacionamento com Dan não ser tão melo­dramático, o fato era que se encontravam numa situação bastante difícil, que dependia exclusivamente de sua habilidade. Se mis­turasse o trabalho com o sentimento que nutria por ele, como advogada, não conseguiria provar a inocência de seu cliente diante do tribunal.

Além disso, havia razões pessoais para não se envolver com Dan. Há apenas alguns meses, saíra muito machucada de um relacionamento com Carlos Madrid, pois ele só se interessava pela fama e pelo dinheiro de Hollywood.

"Todos os galãs de cinema são iguais", pensou. "Nenhum deles quer o verdadeiro amor."                      

Sorriu para seu reflexo no espelho. Com Dan, o seu senti­mento era diferente. Com Carlos Madrid, apenas se empolgara. Não havia como compará-los. Por um breve momento, teve a esperança de que Dan Austin se deixasse vencer pelo amor.

O brilho dos olhos dele tinha sido muito intenso e ele sofreria se resistisse àquele sentimento.

Mas lembrou-se de Dalila dizendo que ele era escorregadio como uma bolha de sabão e perdeu todo o entusiasmo. Suspirou, resignada. Seu senso profissional não deixaria que abandonasse o caso de Dan agora. Nem seu coração.

Teria que encarar o dia de amanhã sempre como um novo dia. O que tivesse que acontecer, aconteceria.  

 

Melanie já estava fazendo as malas, quando lembrou que não tinha o que usar no casamento de Dena. Olhou no relógio de pulso e viu que não dava mais tempo para ir às compras em Paris. O vôo para Riad era para logo mais e se atrasaria se fosse fazer compras no centro da cidade. Com alívio, recordou-se que no saguão do hotel havia uma butique do famoso costureiro francês Ungaro.

Uma mulher elegante, com cabelos e unhas bem cuidados, olhou-a espantada ao ouvi-la dizer:

— Tenho apenas quinze minutos para escolher um vestido para usar num casamento em Riad.

— Bem, temos algumas clientes árabes, senhorita, e sabemos que elas são muito formais nessas cerimónias. Posso sugerir um vestido longo?

Rapidamente, a mulher mostrou a Melanie vários vestidos, todos maravilhosos e incrivelmente caros. Olhando os preços nas etiquetas, ela quase teve um desmaio.

Por fim, achou que não era hora de se preocupar com dinheiro. Iria escolher um vestido e torcer para ter um aumento logo. Foi então que viu o vestido de seus sonhos. Era de uma seda puríssima, cor de champanhe.. Nem experimentou para saber como ficava com aquele modelo clássico, a saia levemente godé, decote em "V" e punhos ligeiramente bufantes.

— Vou ficar com este — disse. — E com este par de sapatos também — acrescentou, apontando para um par de sapatos cobertos com o mesmo tecido do vestido. — Não se incomode em embrulhá-los, pois estou terminando de fazer as malas.

— Como quiser, senhorita — respondeu a mulher, impertur­bável.

Então, colocou o vestido dobrado e o par de sapatos numa sacola e entregou-os a Melanie, que correu para o quarto a fim de terminar sua bagagem.

Dan, Melanie e Jenny deixaram a romântica Paris para trás ao embarcarem no avião com destino a Riad. Fizeram escala em Jedá antes e viram inúmeros peregrinos que embarcariam para a cidade de Meca. No primeiro instante em que puseram os pés em Jedá, perceberam que nunca poderiam fazer parte daquela cultura.

A bagagem estava à espera deles em uma esteira rolante e a passagem pela alfândega, que tinha ordens de impedir a entrada de drogas, bebidas alcoólicas e pornografia em geral, foi rápida. Então, os três embarcaram num vôo direto para Riad, a oito­centos quilómetros dali.

Ao chegarem a Riad, hospedaram-se no Hotel Intercontinental.

Já instalada em sua suíte, Melanie telefonou para Dena.

— Melanie! Oh, como estou contente por você ter vindo. Já estava até achando que você não viria a tempo para assistir ao meu casamento.

— Desculpe-me por não ter telefonado antes, mas é que eu estava numa correria danada. Estive em Paris nos dois últimos dias.

— Investigando o caso Dan Austin?

— Exatameníe,

— Por um acaso, não o trouxe com você, trouxe?

— Para dizer a verdade, trouxe. Aquele convite para o casa­mento ainda está de pé?

— Mas é claro que sim! Imagine só, Dan Austin no meu casamento. Puxa, como gostaria de encontrá-lo pessoalmente.

— Pois eu tenho certeza de que ele vai gostar de conhecê-la. Nós poderíamos ir até sua casa ou então você poderia nos encon­trar aqui no hotel para jantarmos.  

— Ah, Melanie, você não pode entender, mas, se fosse me encontrar com um homem com quem não tenho nenhuma rela­ção de parentesco, especialmente um homem como Austin, meu pai ficaria furioso. Não é costume em meu país.

— Bem, mas eu posso ir aí, não é?

— Sei que isso não tem nada a ver mas, infelizmente, aqui as coisas são assim. Se estivéssemos em Londres, não teria pro­blema nenhum.

— Realmente, não consigo entender.

— Você teria que ser árabe para entender. Aqui, não há vida social entre homens e mulheres que não sejam parentes. Os homens não levam suas esposas para jantar fora ou para dançar em público.

— Mas isso é ridículo! Dena riu.

— A minha metade inglesa concorda inteiramente com você. Porém, meu povo tem uma cultura diferente da ocidental. Os árabes apreciam bastante o sexo e essa separação se deve à crença de que as mulheres não conseguem resistir à tentação do sexo e se submeteriam aos encantos de um homem.

— Dena, isto simplesmente não tem coerência alguma!

— Talvez, mas a mulher aqui é considerada um símbolo sexual. E nós acreditamos que, se um homem e uma mulher são deixados sozinhos, com certeza terão um relacionamento sexual, mesmo não se conhecendo. A simples visão de uma mu­lher já incendeia o homem, e somos obrigados a usar o abbeya para não tentá-los muito. É claro que, no caso específico de Dan Austin, isso seria cem por cento verdadeiro!

Pela primeira vez, Melanie sentiu a diferença cultural que existia entre as duas. Em Londres, ficava difícil reparar nelas, mas no país de Dena elas ficavam bem nítidas.

A amiga parecia aceitar sem restrições a cultura do país de seu pai. De algum modo, isso aborrecia Melanie.

Como se percebesse os sentimentos da amiga, Dena replicou:

— Tudo isso se aplica à Arábia Saudita. Quando estou em Londres, sou livre para me comportar como quero. Lá poderemos agir do mesmo modo como tem sido todos esses anos, certo? Sairemos para almoçar ou jantar juntas com Dan Austin ou quem quer que seja.

— Certo.

— Mesmo não podendo ver Dan Austin hoje à noite, adorarei recebê-lo aqui em casa para jantar. O que me diz?

— Acho ótima ideia.

— Assim, poderemos conversar bastante, e hoje vai ser a única chance que teremos. Amanhã à noite será o casamento e depois disso. . . Bem, Azziz e eu estaremos ocupados por algum tempo.

— Como é que eu chego até a sua casa?

— Não se preocupe, mandarei um motorista apanhá-la. Este é um dos privilégios de ser uma princesa. Sete horas está bem para você?

— Está ótimo. Até mais, então.

 

Quando Melanie desligou, ouviu alguém bater à porta. Ao abrir, deu de cara com Dan e Jenny.

— Pensei que fôssemos sair imediatamente — adiantou-se Dan. — Jenny disse que ela e Cheryl ficaram neste hotel e só saíram uma vez.

— Certo. lenny, pode se lembrar exatamente aonde Cheryl foi?

— Mas é claro que sim.

A atriz não estava com seu humor habitual e Melanie sabia qual era o motivo. Jenny tentara seduzir Dan Austin. Como não conseguira o seu intento, começou a achar a viagem um grande incómodo.

Contudo, o desapontamento da atriz estava longe de ser a maior preocupação de Melanie. Agora, tinham que se concen­trar na busca de provas que ligassem definitivamente Cheryl Sampson ao negócio de filmes piratas.

Em frente ao hotel, pegaram um táxi.

Mas Jenny outra vez não conseguia se lembrar exatamente para onde tinha ido com Cheryl. Só sabia que era uma ruazinha ali perto, onde havia muitas construções de prédios.

Andaram de táxi pela cidade por várias horas. A cada mo­mento Dan ficava mais impaciente. Melanie também mal podia se conter, mas sabia que Jenny, dentro de suas limitações, pro­curava ajudar.

Então, quando já estava quase escurecendo, Jenny exclamou:

— É aqui! Eu acho — acrescentou, indecisa.

Jenny apontava para uma pequena loja de aparelhos eletrôni-cos e Melanie pediu ao motorista que parasse. Dan estava furioso, prestes a explodir.

— Tem certeza? Pense bem, Jenny. Tente lembrar-se do dia em que você e Cheryl estiveram aqui. Lembra-se de algum,deta­lhe em especial?

— Vejamos. . . Tinha todos aqueles árabes. Mas existem ára­bes por toda a cidade, não é?

Engolindo a raiva que nascia dentro de si, Melanie respondeu:

— Sim, existem árabes por todos os lados, uma vez que esta­mos na Arábia Saudita. Mas você notou algo diferente? Reco­nheceu algum prédio?

Ao ver que Jenny não respondia, Melanie continuou:

— Ou talvez houvesse algum detalhe na loja que tenha cha­mado a sua atenção?

— Claro! — respondeu Jenny, excitada.— Havia um lumi­noso na janela anunciando um filme de John Wayne. Gravei na memória porque achei engraçadas aquelas letras árabes.

Melanie viu que a vitrine da loja tinha um luminoso igual ao que Jenny descrevera. Ela e Dan trocaram um olhar que era um misto de alívio e impaciência, jenny recostou-se no banco de trás do táxi e se surpreendeu com um beijo que Dan lhe-deu no rosto. Ficou felicíssima.

— E agora? -— Dan perguntou a Melanie.

— Acho que vou entrar para ver o que consigo descobrir.

— Sem mim, você não vai.

— Dan...

— Não adianta discutir, Melanie. Não há motivos para eu não ir junto.

Ele tinha razão. Quanto mais pensava nisso, mais percebia que era melhor que Dan fosse com ela. Afinal, não tinha certeza de onde estava se metendo.

Deixando Jenny no táxi, Dan e Melanie entraram na loja que vendia equipamentos eletrônicos, televisões, aparelhos de som e fitas de vídeo-cassete.

Um árabe sorridente veio atendê-los.

— Posso ajudá-los? — perguntou em inglês, com forte so­taque.

Então, Melanie teve uma ideia.

— Uma amiga minha me recomendou sua loja. Me disse que o senhor teria qualquer filme que eu quisesse em vídeo-cassete.

O homem abriu-se em sorrisos.

— Sua amiga foi muito gentil. É bom saber que atendemos bem aos nossos clientes. Qual é o filme que a senhorita quer?

Melanie mencionou um filme que ainda não tinha sido libe­rado para os cinemas. O rosto do homem ficou lívido.

— Temo que ainda não tenhamos esse filme — disse ele, desculpando-se.

Será que Jenny se enganara? Será que estavam na pista erra­da? Decidiu tentar mais uma vez.

— Minha amiga Cheryl Sampson me disse que aqui eu con­seguiria o filme, pois ela mesma o trouxe recentemente para cá.

Acho que foi esse o nome do filme que ela falou, mas talvez eu tenha me enganado.

À menção do nome de Cheryl Sampson, o sorriso evaporou dos lábios do homem.

— Não conheço ninguém com este nome — disse o homem, tenso. — Agora, se me dão licença, estamos fechando a loja.

— E se eu falasse com o dono ou o gerente da loja? Talvez ele saiba de alguma coisa.

— Eu sou o gerente. O dono não está no' momento e tam­bém não poderia ajudá-la, se estivesse. Agora, por favor, devem ir embora. Estamos na hora de fechar.

O homem parecia mais nervoso a cada momento que se pas­sava. Foi nesta hora que Dan explodiu toda a fúria contida na­quela semana.

Surpresa, Melanie o viu pegar o homem pelo colarinho, levan­tá-lo, e, em seguida, colocá-lo contra a parede.

A expressão no rosto do ator era assustadora.

— Sei muito bem que Cheryl esteve aqui!

Os olhos do pobre homem se ar-regalaram de pavor e ele estava tremendo literalmente. —Dan! Não faça isso.

Pela primeira vez ele ignorou um pedido dela. — Espere-me no táxi! — ordenou.

Com um nó no estômago, Melanie virou-se para ir embora. Dentro do táxi, Jenny estava assustada.

— Onde está Dan?

— Já vem vindo — Melanie respondeu.

Os segundos passavam vagarosamente e Melanie rezava para que Dan não machucasse o árabe. Ele não podia arrumar mais encrencas.

 

Para seu imenso alívio, Melanie viu Dan saindo da loja em direção ao carro.

Ao chegarem no hotel, deixaram íenny no bar e foram para a sua suíte.

Lá, Dan sentou-se numa poltrona, enquanto Melanie andava de um lado a outro, tensa. Queria lhe perguntar o que aconte­cera exatamente, mas não tinha certeza se Dan contaria.

Então, numa voz calma, Dan disse:

— Está tudo bem.

— Você não?. . .

— Não, pode ficar sossegada. Não bati nele, apesar de estai com muita vontade.

-— Graças a Deus! Fiquei tão preocupada! Achei que você ia acabar batendo feio nele e que ia ser acusado de violência contra cidadãos árabes.

Dan riu.

— Sei que a justiça árabe é bem dura, mas eu não corria perigo. . . Você se importaria tanto assim?

Melanie limitou-se a olhá-lo.

— Melanie — sussurrou ele.

— Não diga nada, por favor.

Sentia-se exausta, incapaz de raciocinar. Toda a pressão dos últimos dias, a longa viagem até Riad e a cena horrorosa na loja deixaram-na completamente esgotada, tanto física quanto emocionalmente.

— Deixe-me contar o que aconteceu. Fiz várias ameaças ao homem. É claro que eu não ia cumpri-las, masete não podia saber disso. Então, confessou que tinha negócios com Cheryl. Tenho certeza de que está bastante envolvido com o contraban­do de filmes. Ele é o dono da loja.

— Ele sabia alguma coisa sobre o assassinato de Cheryl?

— Não. Pelo menos disse que não. E acho que estava dizen­do a verdade. Aqui, eles não têm acesso às notícias do mundo ocidental.

— O homem sabia para quem Cheryl trabalhava?

— Perguntei, mas ele disse que não sabia. -— Droga!

— É exatamente o que sinto no momento.

Olhando para o relógio de pulso, Melanie esbravejou nova­mente.

— Que droga! ]á estou atrasada — disse, indo em direção ao quarto.

— Atrasada para quê?

— Desculpe, me esqueci de dizer. Vou jantar na casa de Dena, a minha amiga árabe que me falou dos filmes piratas. Vai se casar amanhã e eu já tinha esquecido de dizer que você está convidado também. Quer ir?

— Claro que sim!

— Na verdade, vai ser um tremendo espetáculo. Dena é uma princesa, sabia?

— Princesa? Hum. . . — Dan comentou, enquanto via Mela­nie trocar rapidamente o tailleur que usara durante o dia por um vestido de seda pura azul-claro.

Colocando os brincos de pérolas, Melanie virou-se para ele.

— Dena queria que você fosse jantar lá hoje, mas não é cos­tume em seu país que um homem que não seja parente fre­quente a casa de uma mulher. Mas não se preocupe: não vou demorar. Quero visitá-la, mas ainda temos muito trabalho a fazer.

Levantando-se, Dan foi até ela e a abraçou.

— Realmente, temos muito trabalho a fazer, doutora.

Os lábios dele roçaram-lhe a boca, numa leve carícia. Em questão de segundos, Melanie pôde sentir o corpo em fogo com aquele simples toque. Era incrível como Dan mexia com ela.

Estavam abraçados, quando Melanie ouviu o interfone to­cando.

— Oh, acho que deve ser o motorista que Dena mandou para me buscar — Melanie explicou.

Realmente, o motorista estava esperando por ela, foi o que informou o rapaz da recepção do hotel.

— Vou contar os minutos — disse Dan, mordendo provoca-tivamente o lóbulo de sua orelha.

Sorrindo maliciosamente, Melanie disse:

— Tenho certeza de que Jenny ficará encantada em lhe fazer um pouco de companhia. Se voltar para o amante sem ter tido uma aventura, se sentirá um completo fracasso.

Apertando forte o braço dela, Dan disse:

— Não seja tola. Você sabe que é a única mulher que me tira do sério.

Era impressionante como aquele homem mexia com sua se­xualidade, Melanie pensou pela centésima vez.

— Muito bem, Melanie, agora me diga o que a está aborre­cendo.

Olhando para a amiga, Melanie percebeu que era inútil tentar esconder alguma coisa dela. Dena a conhecia muito bem.

— É que aconteceram muitas coisas ao mesmo tempo — explicou, hesitante.

Dena olhou-a astuciosamente.

— Faz pouco tempo que a encontrei em Londres, mas estou achando você diferente. . . parece mais bonita, eu acho.

Melanie sorriu.

— Obrigada.

— Seus olhos têm um brilho diferente e, a menos que esteja usando blush, o rosto também está com um colorido diferente. E Dan Austin está viajando com você.

— Dena, nós não estamos "viajando juntos". Estamos fazen­do investigações para o caso Cheryl Sampson.

— Com certeza, vocês dois têm "trabalhado" bem juntos — Dena brincou.

— Muito bem, não dá para esconder nada de você. Dena sorriu, feliz.

— Oh, Melanie, que bom! Então, você seguiu meu conselho e começou um caso com ele? Como é fazer amor com Dan Austin?

— Dena!! Essa é uma pergunta muito pessoal, mesmo sendo você a fazê-la.

— Melanie, não seja puritana, vamos. Lembre-se, vou me casar amanhã à noite. Preciso aprender um pouco sobre sexo.

— A melhor maneira de aprender é praticando. Além do quê, é muito mais divertido.

Dena sorriu.

— Está bem. Se você não quer contar os detalhes mais pican­tes, pelo menos diga como se sente em relação a ele.

— Ah, ele é. . . em, muito especial.

— Entendo. Está apaixonada por ele, não é? Melanie assentiu.

— Mas isso não vem ao caso, no momento — comentou. — O problema é provar a inocência dele no assassinato daquela atriz.

— Como estão as investigações?

— Descobrimos que a atriz estava envolvida com o contra­bando de filmes piratas de vídeo-cassete. Tenho certeza de que

sua morte está diretamente ligada a isso. Inclusive, ela esteve aqui em Riad.

— Aqui? Puxa, mas que excitante!

Em poucas palavras, Melanie resumiu a viagem a Paris e a ida à pequena loja de aparelhos eletrônicos. Os olhos de Dan arregalaram-se de curiosidade ao ouvir o relato da amiga.

— Mas eu conheço essa loja. Sempre compro fitas de video­cassete lá. Eles sempre têm as últimas novidades.

— Sei disso. Só que são ilegais.

— Realmente excitante! — exclamou Dena novamente, igno­rando o ar sério da amiga. — E o que você vai fazer agora?

— Este é o problema. Não posso contatar as autoridades árabes, pois não estou aqui oficialmente. Acho que a melhor coisa a fazer é esperar seu casamento e voltar a Londres para pedir ajuda à Scotland Yard.

— Puxa, Melanie, é exatamente como nos filmes de Dan Austin. Tenho certeza de que tudo acabará bem.

— Espero que sim. Só que isso não é filme, é real. — E, suspirando, pôs o assunto de lado. — Agora conte-me sobre você e seu casamento. Está feliz?

Dena assentiu.

— Muito feliz. Veja. — Tirou uma caixinha de veludo do bolso do vestido. — Este é o presente que Azziz me deu de casamento.

Abriu a caixinha e Melanie viu um belíssimo anel de esme­raldas. Devia ter custado uma fábula. Engoliu em seco.

— Azziz me disse que esse é somente o primeiro de muitos presentes. Acho que ele gosta de mim de verdade.

— Também acho. Obviamente, Azziz é bem rico e generoso. Sua vida será bastante   confortável, materialmente falando. Mas e emocionalmente? Será que você vai ser feliz?

— Como você sabe, Melanie, meu pai é um príncipe muito rico. Portanto, o presente que Azziz deu não me impressionou nesse sentido. Acho que Azziz é um homem bastante sensível e bom. Por isso serei feliz com ele.

— Bem, pelo que vejo e pelo que você me contou, as mulhe­res estão melhorando sua posição na Arábia.

— Sem dúvida alguma. Agora temos escolas especiais para mulheres. E, é claro, a alta do petróleo trouxe muito progresso e oportunidade para homens e mulheres. Sabe que, nas sete uni­versidades do país, dez mil estudantes são mulheres?

— Não, não sabia. E isso significa igualdade para as mu­lheres?

— Ainda não, mas estamos começando bem, Há dois anos, uma empresa de transportes urbanos abriu uma parte especial em seus ônibus para mulheres desacompanhadas de seus paren­tes homens.

Antes que Melanie pudesse dar uma resposta atravessada, Dena apressou-se em comentar:

— Sei que é duro de acreditar que isso seja progresso. Mas aqui é.

— E o que Azziz acha disso?

— Acha ótimo. Essa é uma das coisas que eu gosto nele. Por exemplo, meu povo acredita em poligamia e que fidelidade sexual para os homens é contra a natureza humana. Quando um homem casa, não tem que ser fiel à esposa. Contudo, Azziz me disse, durante uma das raras ocasiões em que estivemos juntos, que não concorda com isto. Prometeu ser fiel e acredito nele. Azziz estudou durante muito tempo na Inglaterra, formou-se em Oxford. Tem uma cabeça bastante aberta.

Melanie sorriu para a amiga.

— Seu Azziz parece ser maravilhoso. Espero que seja muito feliz com ele, Dena.

— Também acho que vou ser feliz com ele. Agora, vamos combinar como será amanhã. Mandarei um carro apanhar você e Dan Austin no hotel às seis horas. O motorista o levará para a festa dos homens, na casa dos pais de Azziz, enquanto você virá para a festa das mulheres aqui. Depois, os homens virão para cá, onde será a cerimónia propriamente dita.

— Está certo. Vai ser muito gostoso. Mas agora tenho que ir embora.

Melanie levantou-se e calçou os sapatos.

— Compreendo, Melanie. Diga a Dan Austin que mal posso esperar para conhecê-lo amanhã à noite, depois do meu casa­mento.

— Direi.

Ao se despedirem, as duas se abraçaram afetuosamente.

No caminho de volta, dentro da limusine, Melanie pensava na poligamia dos homens árabes. Talvez a religião de Dena esti­vesse certa em relação a Dan Austin. Apesar dos momentos lin­dos que haviam partilhado juntos, passeando, fazendo sexo ou conversando, ele nunca mencionara a palavra "amor". Nunca dissera: "Eu te amo".

O que Dan Austin sentia por ela, afinal? Seria somente atra-ção física? Provavelmente, satisfação sexual era suficiente para ele. Com tristeza, percebeu que estas eram perguntas que todas as outras mulheres que estiveram com ele deviam ter feito.

 

Quando Melanie saiu para jantar na casa de sua amiga, Dan sentiu-se profundamente só e vazio.

Era estranho, pensou, olhando para o céu de Riad, só a conhe­cia há uma semana e não sabia o que fazer sem ela.

Recostou-se na poltrona. Não se animava para nada. Lem­brou-se quando lhe disse que ficaria contando os minutos. Esta­va sendo mais do que verdadeiro.

De repente, ouviu uma batida na porta. Era Jenny. Ela vestia um chemisier de seda vermelho, com um decote em "V" que deixava as curvas dos seios à mostra.

— Oi, Dan, Melanie está aí?

— Não. Está visitando uma amiga.

— Quer dizer que só restamos eu e você hoje à noite?

O sorriso que Dan lhe dirigiu era mais divertido do que inte­ressado.

Jenny entrou no quarto, roçando nele propositadamente. Sen­tou-se numa poltrona e cruzou as pernas.

— Bem, o que faremos?

— Não sei quanto a você, Jenny, mas eu estou morrendo de fome. Vamos jantar?

— O que você acha de pedirmos o jantar no quarto? Seria muito mais aconchegante.

— Talvez. Mas prefiro jantar fora.

— Mas, Dan, não há nada que possamos ver em Riad.

— Então, vamos comer no restaurante do hotel.

O jantar foi agradável, pois Dan gostava da companhia de Jenny. Quando não tentava seduzi-lo, divertia-se com ela. Na verdade, a sensualidade dela o atraía e teriam ido para a cama, se a conhecesse antes. Mas Melanie de fato mudara muito a sua vida.

— Está pensando em você e Melanie, não é?

— O que quer dizer, Jenny?

— Ah, Dan Austin, não sou tão burra quanto pareço. Dan riu.

— Não acho você burra. Acho até que é bastante esperta.

— Não tanto quanto Melanie.

— Jenny, como eu já disse antes, sua ajuda está sendo muito importante. Você saiu de sua comodidade só para tentar ajudar . e isso é uma coisa que nunca esquecerei. Gostaria de fazer algo por você. O que você quer?

Jenny respondeu sem hesitar:

— Você, numa bandeja de prata. Mas aceito uma ponta em seu próximo filme.

— Está certo, terá uma ponta. Isto é, se houver um próximo filme.

— Haverá. Melanie é muito esperta, conforme eu disse. E está mais ainda porque tem algum interesse em salvá-lo. Qual­quer um pode ver isto.

Era verdade. Melanie não estava poupando esforços para pro­var sua inocência. Se tudo ficasse resolvido, seria graças a ela, devia-lhe eterna gratidão. Mas sabia que não era isso o que inte­ressava a Melanie.

Repentinamente, sentiu vontade de ficar sozinho.

— Se você já terminou, Jenny, gostaria de ir para o quarto. Jenny assentiu e Dan rapidamente pediu e pagou a conta.

Acompanhou-a até a porta do apartamento dela, em silêncio.

— Bem — falou ela, abrindo a porta —, se não há mais nada que eu possa fazer, acho que vou voltar para Londres amanhã.

— Está bem. E não se esqueça de que falei a sério sobre aquela ponta no filme. Se eu fizer outro, está garantido.

— Palavra de honra?

— Palavra de honra. — Dan beijou-a de leve no rosto. — Nunca me esquecerei de você, Jenny. Cuide-se.

— Pode ficar tranquilo. Sou boa nisso. — Ela piscou um olho e fechou a porta. Uma vez em seu quarto, Dan pensou em pedir um drinque, pois estava cansado.

Mas mudou de ideia. Ao invés de se embriagar, foi pegar o violão para tentar terminar a música de Melanie.

Começou a tirar as primeiras notas.

"Melanie. . . Você me faz sentir tão especial, tão completo. . . Uma luz ilumina meu caminho numa noite escura..."

"Não, não é isso", pensou, irritado. Não conseguia ligar direi­to as frases.

— Droga! — exclamou, enquanto os dedos quíse arrancavam as cordas do instrumento.

Não conseguia mais se inspirar, nunca mais comporia nada que prestasse. Nem Melanie, tão bela, o estimulava.

Estava tão desolado que não ouviu o barulho de alguém ba­tendo de leve à porta. Quando se deu conta, saiu correndo para abrir.

— Não tinha certeza se você estaria acordado ou não — Melanie disse, hesitante.

Só em olhá-la, Dan já se sentia melhor. Sorriu.

— Entre.

Melanie tirou o casaco, jogando-o numa cadeira.

— Eu não pretendia demorar tanto, mas Dena ficou falando e... — parou ao ver a guitarra ao lado da outra poltrona.

Abriu a boca para dizer alguma coisa, mas parou, lembrando-se do que acontecera antes.

Dan foi até onde ela estava e beijou-a de leve nos lábios. Em seguida, puxou-a para um abraço forte e ficou acariciando-lhe as costas. O corpo de Melanie, seu perfume deixavam-no louco. Ardendo de desejo, carregou-a para a cama.

— As luzes — ela sussurrou, quando os lábios dele escorre­garam por seu pescoço.

Olhando-a, Dan respondeu:

— Quero vê-la, Melanie. Inteirinha...

Ela não protestou e Dan sabia que ambos estavam prontos para a noite de amor que se seguiria.

Devagar, com cuidado, foi tirando uma a uma as peças de roupa de Melanie, beijando, lambendo, explorando cada centí­metro daquele corpo macio. Em seguida, livrou-se das próprias roupas rapidamente e retomou a exploração que começara ante­riormente. Adorava aquelas pernas longas, firmes e macias. Os quadris redondos e os seios pequenos e delicados deixavam-no excitado.

Começou a beijar o ventre de Melanie, descendo devagar até o triângulo que escondia sua feminilidade. Queria possuí-la com urgência, mas, para que alcançassem juntos o êxtase, ainda seria preciso excitá-la um pouco mais.

Acariciou-lhe os mamilos, já rígidos de prazer. Sugou-os, levando-a quase à loucura. Melanie gemeu e sussurrou o seu nome várias vezes. Era como se o avisasse que estava pronta para recebê-lo.

Seus lábios se uniram, ao mesmo tempo em que seus corpos se tornaram um só. Dan murmurava palavras de carinho, en­quanto tomava as mãos dela nas suas.

Moveram-se num ritmo cadenciado, cada vez mais rápido, alu­cinante. Era como uma dança erótica.

Melanie ouviu o próprio grito, vindo de outra dimensão, quando seu corpo foi levado às alturas.

Aos poucos, sua consciência foi voltando. Tinham estado no infinito, onde só duas pessoas que se amavam podiam chegar.

Percebeu Dan afrouxar o abraço e apoiou a cabeça no peito largo.

Quando ele a beijou, sorriu. Dan podia não ser capaz de dizer "eu te amo" com palavras, mas revelara isto de outra forma, esta noite. E, por esta noite, isso já bastava para fazê-la infinita­mente feliz.

 

Na manhã seguinte, levaram Jenny ao aeroporto e, depois de se despedirem, voltaram para o hotel no carro que Dan alugara. Ele foi dirigindo em silêncio. Depois perguntou:

— Bem, e agora, doutora?

— Não há nada mais que possamos fazer aqui. Sugiro que voltemos a Londres amanhã e contemos ao inspetor Sam o que descobrimos.

— Acha mesmo que vai adiantar alguma coisa? Melanie olhou feio para Dan.

Por algum motivo, éle perdera a esperança e o otimismo que sentira em Paris ao descobrirem que Cheryl era uma contraban­dista de filmes piratas. Parecia desesperado e Melanie suspeita­va que houvesse alguma outra razão para isso.

— Mas é claro que vai adiantar. Essas informações serão va­liosas para ele. Conseguimos boas pistas.

— Conseguimos? Mesmo que consigamos provar que Cheryl estava envolvida no mercado negro de filmes para vídeo-cassete, isso não nos diz quem foi que a matou.

— Sim, mas, com essas informações, saberemos por que ela

foi morta. Obviamente, alguma coisa saiu errada. Possivelmente, ela pediu mais dinheiro, fez chantagem, sei lá.

— Só espero que a Scotland Yard tenha tanta certeza disso quanto você.

— Pelo menos hoje, vamos esquecer isso, está bem? Riad tem um clima muito quente e eu sugiro que fiquemos na piscina do hotel. Que tal?

— Concordo que precisamos relaxar um pouco, mas não estou com paciência para ficar na piscina do hotel.

— Está bem, então vamos andar pela cidade. Quem sabe o que poderemos achar? Na verdade, acabo de me lembrar de que ainda não comprei um presente de casamento para Dena.

Dan sugeriu que voltassem ao hotel e deixassem o carro lá, para poderem andar a pé. Melanie gostou da ideia.

Depois de uma rápida passagem pelo hotel, saíram a pé pelas ruas de Riad.

Ao ver os homens árabes com suas vestes compridas, contras­tando com os altos arranha-céus, Melanie sorriu. A Arábia Sau­dita, Riad, especialmente, era uma mistura das histórias de As Mil e Uma Noites e empresas multinacionais.

Pararam numa pequena loja para escolherem um presente para Dena. Melanie gostou de uma estatueta de bronze que mos­trava um homem e uma mulher de mãos dadas. No momento em que viu a estatueta, decidiu que era o presente que queria dar à amiga. Contudo, ao perguntar o preço, viu que estava fora de suas possibilidades.

— Deixe, eu pago — Dan disse ao perceber qual era o moti­vo da sua hesitação.

— Não.

— Melanie. . .

— Não!

Enquanto o homem da loja esperava que eles se decidissem, Dan puxou-a para um canto, segurando-lhe o braço.

— Você é muito teimosa e orgulhosa, e está sendo ridícula, não percebe? Por que não me deixa pagar?

— Porque é a minha amiga que está casando e esse é o meu presente para ela.

— Isso não explica por que é que você não vai me deixar fazer isso por você.

— Não quero seu dinheiro, Dan.

— Droga! Até parece que você recusa o dinheiro porque acha que estou querendo pagar pelos seus favores na cama.

— Se quer colocar as coisas desse modo. . . Sim, é exatamente isso. Não quero seu dinheiro, nem seus presentes. — Pensou em acrescentar: "Quero o seu amor", mas mordeu a língua.

— Entendo, Melanie, e é por isso que não tenho lhe oferecido nada. Por Deus, quando estávamos em Paris, vi inúmeras coisas que gostaria de ter comprado para você. Mas sabia que não acei­taria, por isso não as comprei.

— Mas, se você entende como me sinto, por que é que esta­mos discutindo?

— Porque isto é diferente. Sim, é diferente. Também fui con­vidado para o casamento, lembre-se. Seria falta de educação de minha parte se eu não desse um presente. E, como nós iremos ao casamento juntos, é mais do que lógico que levemos um presente juntos.

Havia mesmo uma certa lógica no pensamento dele. Ainda assim, Melanie sabia que este gesto era motivado mais pela von­tade que tinha de lhe fazer algo do que interesse em presentear Dena. Sentiu-se confusa.

— E então, o que decide?

— Muito bem. Dividiremos a despesa.

— Melanie, pelo amor de Deus. . .

— Isto ou nada!

— Você é teimosa, orgulhosa e. . .

— Não precisa repetir, já sei.

— Está bem.

Dan sabia que era inútil insistir. Pagaram e pediram que a loja entregasse o presente na casa de Dena. Enquanto isso, Me­lanie fazia as contas de quanto tempo precisaria economizar dinheiro para poder pagar a sua parte. Seria um grande sacrifício, pensou, mas valeria a pena. Dena merecia.

— Nunca conheci uma mulher como você.

— Estamos quites, então. Nunca conheci um homem como você.

Andaram pela cidade, até chegarem numa ruazinha deserta, sem saber qual direção tomar.

— É melhor pegarmos um táxi e voltarmos para o' hotel. Não tenho ideia de onde estamos — Melanie ia dizendo, quando sentiu a mão dele apertar a sua, de repente.

Olhando para Dan para saber o que havia de errado, viu dois árabes andando rapidamente na sua direção.

Imediatamente, percebeu que estavam em perigo. Os olhos dos homens eram escuros e estreitos. Tinham barba e usavam vestes compridas e pretas.

Olhou em volta, desesperada. Não havia ninguém ali; a rua estava deserta e não tinham por onde escapar. Melanie começou a sentir uma violenta dor de estômago. Nunca vira uma expres­são tão feroz como a que tinha nos olhos daqueles homens. Não fazia ideia de quem podiam ser, mas um sexto sentido lhe dizia que isto estava intimamente ligado à visita à pequena loja de aparelhos eletrônicos.

— Fique atrás de mim. Fuja na primeira chance que tiver. Corra o mais que puder.

— Dan. . .

— Faça o que digo!

Melanie sabia que não podia abandoná-lo naquela hora, mas esse não era o momento de lhe dizer isto. Foi então que os homens atacaram.

Um deles bloqueou uma das saídas da rua, enquanto o outro empunhou uma faca apontada para Dan. Melanie pôde ver o brilho do metal e apavorou-se.

Dan se atracou com o árabe com extrema agilidade.

O homem deu um pulo para trás, com a expressão furiosa no rosto. Provavelmente, não esperava que houvesse resistência.

Desta vez, o homem atirou-se sobre Dan e tudo o que a advo­gada pôde ver foi a camisa dele rasgada e o sangue escorrendo. Começou a sentir náuseas.

"Dan está muito ferido", pensou com medo. Isto não podia estar acontecendo, tinha que ser um pesadelo. Alguém, mais cedo ou mais tarde, apareceria para ajudá-lo, mas o tempo passava e ninguém entrava naquela rua.

O homem atacava Dan pela terceira vez agora e Melanie es­tava em pânico. Foi nesse momento que o árabe caiu e Dan, aproveitando a deixa, atacou-o no estômago, fazendo o sangue espirrar.

Nessa hora, o segundo homem o atacou. Mas não era tão hábil com a faca quanto seu companheiro. Dirigiu-se a Dan para golpeá-lo no peito, mas ele foi mais rápido. Encostando o árabe na parede, desarmou-o e golpeou-o com um soco certeiro no es­tômago. Agora, os dois lutavam furiosamente.

Melanie procurava desesperadamente por uma arma, quando lembrou-se de seu sapato de salto alto. Pegou um dos pés e bateu com toda a força na cabeça do primeiro homem, que caiu ao chão, desacordado.

Percebeu que Dan estava com a respiração difícil e o seu agressor também. O outro homem, no chão, não conseguia le­vantar-se. Ao ver o estado lamentável de seu companheiro, o segundo homem ficou pálido. Então, ajudou-o a levantar e, juntos, saíram em desabalada carreira. Em questão de segundos, já tinham desaparecido atrás da esquina.

Novamente, a rua estava deserta e silenciosa, como se não ti­vesse havido ali tanta violência. Virando-se, Melanie viu Dan cambaleando e apoiando-se numa parede. Correndo na direção dele, ajudou-o a sentar-se e examinou o ferimento em seu braço.

— Não parece estar muito ruim. Já parou até de sangrar.

— Pensei que tínhamos combinado que você fugiria.

— Sei disso, mas é que eu estava com medo.

Dan balançou a cabeça, mostrando claramente que não acre­ditara naquilo.

— Vamos procurar um táxi — disse Melanie.

— Certo. Tudo vai ficar bem, fique sossegada.

Melanie beijou-o no rosto e, amparando-o, foram até a aveni­da mais próxima. Depois de alguns minutos de espera, conse­guiram um táxi. O motorista árabe olhou para eles, achando estranho aquele jovem casal tão nervoso. Mas não disse nada, enquanto os levava ao pronto-socorro mais próximo.

Dan insistia em ir ao casamento.

— Estou bem — dizia ele, teimoso.

— Sei disso, mas o médico disse que. . .

— O médico disse que eu deveria tomar cuidado por alguns dias e não abusar, mas ele não me disse que eu tinha que ficar na cama. Não sou um inválido, Melanie.

Ela suspirou, frustrada.

— Dan Austin, você não tem juízo. Ele sorriu.

— Já ouvi isto antes. Agora, vista-se logo e deixe-me fazer o mesmo. Só falta meia hora para o casamento e não tenho inten­ção de chegar atrasado. Não é todo dia que tenho a chance de participar de um episódio desses.

Melanie foi se arrumar, relutante. Preferia mil vezes descansar a noite toda, antes de enfrentar o vôo para Londres, no dia se­guinte. Aprendera uma coisa nessa viagem: se ela própria era teimosa, Dan Austin era muito mais.

Já em sua suíte, tomou um banho rápido, fez uma maquiagem leve e se vestiu. Estava colocando o brinco de pérolas, quando ouviu uma batida na porta. Era Dan, usando o mesmo smoking com que ela o vira naquela noite no terraço do Cassino Crock-ford. A noite que mudara sua vida.

— Você está maravilhosa, querida!

Quando seus olhos se encontraram, Melanie viu uma fagulha de paixão que sempre aparecia nos momentos mais íntimos deles.

Sentiu vontade de não comparecer ao casamento e ficar desfru­tando da companhia de Dan, do seu calor, seus beijos, suas carícias.

Como seria bom passar a vida toda ao lado dele! Aquele pen­samento a entristeceu. Sabia que, depois de provar a inocência do ator para a Scotland Yard, nunca mais se veriam.

Sem dizer uma única palavra, pegou o casaco e a bolsa, e o seguiu.

O chofer já os esperava, fora da limusine. Em primeiro lugar, o motorista deixou Dan na casa do noivo. Depois a levou para a casa de Dena.

Num dos salões do palácio onde sua amiga morava, encontra­vam-se parentes e amigas de Dena. Como os homens não estavam presentes, as mulheres não usavam seus véus. Mais uma vez as histórias de As Mil e Uma Noites vieram à mente de Melanie. Todas elas usavam jóias, braceletes, brincos, esmeraldas, rubis e diamantes.

Garçons circulavam com bebidas em bandejas de prata e uma variedade de canapés e torradas servidas com caviar ou lagostas. Como Melanie não falava nem entendia a língua dos presentes, conservou-se mais afastada, observando a atmosfera de luxo e ri­queza. Sabia que muitas daquelas mulheres eram princesas, como Dena. Seu modo de vida era muito diferente do de Melanie. Contudo, não as invejava. Não tinha vontade nenhuma de trocar sua liberdade pelas correntes de ouro que lhes aprisionavam..

Depois de duas horas, os garçons desapareceram e Melanie percebeu uma mudança na atmosfera. Notou que todas as mu­lheres olhavam em direção à porta. Seguindo o olhar delas, Melanie viu Dena. A amiga estava magnífica num vestido com aplicações de pérolas e um véu imenso, preso por uma tiara de diamantes.

Realmente, Dena era uma princesa de contos de fada, uma criatura que parecia saída de As Mil e Uma Noites.

Ela caminhava lentamente através do salão, escoltada por sua madrasta e outras mulheres que provavelmente deveriam ser suas

parentes. Ao mesmo tempo em que isso acontecia, as mulheres entoavam uma espécie de cântico. Então, na porta da outra extre­midade do salão, surgiram o noivo e o pai de Dena. Eles andaram na mesma direção, até se encontrarem.

Enquanto esta pequena cerimónia se desenrolava, Melanie per­guntava a si mesma onde estariam os outros homens. Então, ao olhar para trás, viu-os numa espécie de balcão. Ao localizar Dan, sentiu-se feliz. Ele a olhava, sorrindo, o que fez com que sentisse um arrepio percorrer-lhe a espinha.

Então, voltando a atenção para a cerimónia, viu que Azziz tirava lentamente o véu que cobria o rosto de Dena, num movi­mento impregnado de sensualidade. A amiga o olhou; impassível, para depois abrir-se num sorriso.

Mais rápido do que Melanie esperava, a cerimónia acabou; Aguardava uma chance de cumprimentar Dena e Azziz e ficou aliviada ao ver que eles caminhavam em sua direção.

Abraçando a noiva, Melanie disse:

— Oh, Dena, estou tão feliz por você! Você foi a noiva mais linda que já vi.

— Também acho — concordou Azziz, olhando para a esposa com adoração.

Azziz era um homem muito bonito e sensual, e, a julgar pelos olhares que lançava a Dena, devia amá-la profundamente.

Melanie soube, naquele instante, que essa ia ser uma união feliz e duradoura.

— Já conheci o seu Dan Austin — comentou Azziz. — Sou um fã ardoroso dos filmes, dele! Fiquei muito satisfeito quando soube que viria ao nosso casamento.

— Puxa vida, se ao menos eu conseguisse conhecê-lo. Passa­remos por Londres na nossa lua-de-mel, Melanie. Por que não combinamos de jantar os quatro numa noite?

— Talvez pudéssemos.

Melanie não tinha ideia do que ia acontecer entre ela e Dan, mas essa não era a hora de discutir isso com Dena.

— Fiquei muito aborrecido ao saber que vocês foram moles­tados por dois homens na rua, hoje — disse Azziz.

— Então, Dan lhe contou? O noivo sorriu.

— Ele não queria. Mas, enquanto conversávamos, notei que seu braço esquerdo estava imobilizado. Por fim, ele me contou a respeito da experiência desagradável pela qual passaram hoje à tarde. Tem ideia de quem eram os homens?

— Não. Mas imagino quem os contratou — Melanie respon­deu, contando brevemente toda- a história sobre Cheryl e os fil­mes piratas.

Azziz franziu a sobrancelha.

— Já contou à polícia sobre isso?

— Bem, fizemos um boletim de ocorrência, mas. . . — Não quis dizer a ele que a impressão que tinha da polícia árabe era péssima.

Enquanto Melanie e Azziz conversavam, as pessoas chegavam para cumprimentar o casal. Era impossível continuar com a con­versa. Então, Melanie arrumou um jeito de se esquivar, descul­pando-se.

— Por favor, diga ao sr. Austin que eu gostaria de falar com ele amanhã — Azziz teve tempo de dizer, antes de voltar sua atenção aos convidados.

Melanie encontrou Dan.

— Vamos embora? — perguntou.

— Sim, já está na hora.

Ambos saíram do palácio e encontraram o motorista que os levaria de volta para o hotel. Depois que se acomodaram no banco de trás da limusine, Dan disse:

— Sua amiga é realmente especial. O marido dela também. Todos os seus amigos têm esse nível de vida?

Melanie riu.

— Não. A maioria deles tem que se contentar com um estilo de vida extravagante, assim como eu.

— Bem, uma coisa posso afirmar: não esquecerei nunca desta noite maravilhosa. Precisava ter visto a festa na casa do noivo.

— Como foi?

— Bem, para começar, eles cobriram com tapetes uma área maior do que um campo de futebol. Serviram comida e depois todos se sentaram no chão para comer. Então, um tipo de orques­tra apareceu e, enquanto os músicos tocavam, mulheres com véus dançavam. Azziz e seus convidados, e mesmo alguns mú­sicos, se juntaram a elas. Me convidaram, mas usei meu braço como desculpa.

— Ah, então foi assim que Azziz soube do que aconteceu conosco hoje.

— Ele falou com você sobre isso?

— Na verdade, ele disse que quer falar com você amanhã.

— Para falar o quê?

— Não faço a mínima ideia. Mas tenho o pressentimento de que é algo a respeito dos homens que nos atacaram.

— Talvez ele queira se desculpar em nome do povo árabe pelo comportamento vergonhoso de seus compatriotas. Bem, de qualquer modo, isto não importa agora. Amanhã estaremos indo para Londres.

De volta a Londres... de volta ao inspetor Sam, que poderia ou não fazer alguma coisa com a informação que eles tinham conseguido nessa viagem... de volta aos repórteres e fotógrafos e toda a publicidade negativa que eles faziam.

Melanie não conteve um suspiro. Será que Dan permaneceria em Londres ou voltaria para Los Angeles?

Sentiu a perna dele roçar na sua. Pensou que em breve esta­riam no hotel, fazendo amor. Mas, o que estava para acontecer depois disso, não podia saber. . .

Melanie acordou quando amanhecia, ouvindo o muezitn, uma espécie de sacerdote, chamando os fiéis para a reza. Olhando para a janela, viu as frestas de luz invadirem o quarto.

 

Dan ainda dormia ao seu lado. Ele estava exausto quando voltaram do casamento de Dena. Mesmo agora, seu semblante parecia cansado. O ferimento no braço o afetara mais do que ele quisera admitir. Cobriu-o carinhosamente.

"Dan Austin", pensou, "você é um carneiro com pele de lobo. Prefere morrer a admitir que é sensível. Só revela seu eu verda­deiro nas músicas. O que lhe aconteceu para que se proteja tanto das pessoas, como se fosse feito de porcelana?

"Ontem, pude perceber o que significo para você. Esteve a ponto de arriscar sua vida para me proteger. Por isso, não im­porta se não consegue dizer que me ama. Mas eu o direi para você, mesmo que não possa ouvir agora."

— Eu te amo — Melanie sussurrou, baixinho. Etão, aninhou-se a ele e dormiu novamente.

Melanie estava fazendo as malas ao lado de Dan, que descan­sava numa poltrona do quarto com o braço enfaixado, quando o telefone tocou e ela atendeu. Era Azziz. Queria falar com Dan. Os dois conversaram rapidamente. O ator ficou ouvindo o que Azziz tinha a dizer e, por fim, falou:

— Muito obrigado, foi muito gentil de sua parte. — E depois de uma breve pausa: — Não, por favor, não se preocupe. Muito obrigado. Muito, obrigado mesmo.

Assim que Dan desligou, Melanie perguntou, ansiosa:

— E então?

A expressão dele era pensativa. Depois de alguns instantes, informou:

— Não vamos mais para Londres.

— O quê? Como, assim? Por quê?

— Vamos para Los Angeles.

— Pelo amor de Deus, Dan, Azziz falou alguma coisa sobre aqueles homens?

— Exatamente. Azziz contatou alguns conhecidos seus e con­seguiu que interrogassem o gerente da loja de aparelhos eletrô-nicos. Mal pude acreditar nisso.

— Bem, Azziz é um príncipe. Dena me disse .que ele é muito influente. Acho que ela não estava exagerando.

— De qualquer forma, não conseguiu saber muito. O homem disse que foi ele quem contratou aqueles homens para nos assus­tar, pois queria nos desencorajar a fazer mais perguntas sobre Cheryl e os filmes piratas.

— Isso ainda não explica por que temos que ir a Los Angeles.

— Porque o dono da loja também contou a Azziz que Cheryl estava trabalhando para alguém dentro da American National Studios.

— Quem?

— O homem insistiu em dizer que não sabia e Azziz acredi­tou nele. Contudo, assegurou que ela estava trabalhando direta-mente para alguém do estúdio.

Melanie mal podia acreditar no que ouvia. "Deus, alguém den­tro da própria companhia!"

— Bem, provavelmente é algum editor de filmes, ou al­guém. . . Deus, não consigo acreditar!

— Sugiro que tentemos encontrar esta pessoa'em Los Ange­les o mais rápido possível, porque ela deve saber quem matou Cheryl. É bem possível que tenha sido ela mesma.

Ao pensar na companhia, Melanie lembrou-se de Jeff Grun-der. Prometera informá-lo de todos os seus passos e acabara se esquecendo completamente dele.

— Temos que informar Jeff — disse. Dan olhou-a, de modo estranho.

— Jeff? Melanie, você tem certeza de que. . .

— Claro que sim. Não é possível que ele tenha matado Che­ryl. Além disso, ele me contratou para defendê-lo e, se possível, achar o culpado. Não acho que ele fizesse isso, se tivesse culpa. Inclusive, Jeff não precisa do dinheiro. Sua carreira está indo de vento em popa. Falam que vai ser promovido a chefe, quando Anderson se aposentar. De qualquer modo, teremos que contar a ele. Provavelmente, vai querer fazer uma investigação dentro ia empresa.

Vendo a expressão duvidosa de Dan, Melanie percebeu que ele estava pensando em alguma coisa de importante.

— Muito bem — perguntou. — O que há?

— Como eu já lhe disse antes, as coisas podem se tornar pe­rigosas para nós em Los Angeles. O que aconteceu ontem não foi nada, comparado com o que pode nos acontecer, se chegar­mos perto demais do ex-chefe de Cheryl.

— Sei disso. Mas não vou desistir, se é o que está tentando sugerir.

— Melanie...

— Agora você vai me ouvir, Dan Austin. Lembre-se de que este é o meu trabalho.

— Seu trabalho não inclui morrer!

— Isso não vai acontecer. Lembre-se, aqueles homens que nos atacaram ontem foram contratados para nos assustar e não para nos matar.

— Pode ser diferente em Los Angeles.

— Pelo amor de Deus, Dan, não seja tão melodramático! Não vou fazer investigação alguma em Los Angeles. Só vou passar as informações para Jeff e perguntar se ele quer que eu faça mais alguma coisa. Então, a minha parte estará terminada.

Dan olhou-a, surpreso.

— Como, assim?

Melanie teve que fazer um esforço enorme para parecer na­tural.

— Bem, eu fui contratada para dar-lhe instruções legais junto às autoridades inglesas. Uma vez de volta aos Estados Unidos, você não precisará mais de mim. Especialmente, porque você não está mais na iminência de ser preso.

— Acho que já tinha me esquecido por que é que você está fazendo tudo isto.

Melanie sabia que em algum momento iriam chegar a este ponto, no qual não haveria mais razão para ficar com Dan. Tudo o que restava agora era contar o que descobrira ao inspe-tor Sam e a Jeff. Depois disso...

— Bem, vou mudar nossas reservas de vôo para Los Angeles.

— Não, Dan. Temos que voltar a Londres. Pelo menos, eu tenho que voltar. Quero contar pessoalmente a Sam tudo o que descobrimos.

— Ah, sim, o inspetor. Quase ia me esquecendo dele. Tantas coisas "aconteceram que me esqueci.

"Pois é", pensou Melanie, "tantas coisas aconteceram..."

 

O inspetor Sam reagiu exatamente como Melanie esperava. Achou as descobertas dela muito úteis para a investigação e en­trou em contato com a polícia francesa e árabe. Mas disse que ainda levaria algum tempo até que conseguissem encontrar o assassino de Cheryl Sampson e prendê-lo.

Melanie passou mais algumas horas em Londres e aproveitou para falar rapidamente com a tia a respeito dos últimos aconteci­mentos. Depois foi à casa de Reggie e renovou o pedido para que cuidasse do seu cachorro, pois teria que ir para Los Angeles logo mais.

No Aeroporto de Heathrow, encontrou-se com Dan e entra­ram no avião para mais onze horas de vôo. Estava muito can­sada e tudo o que queria era dormir e descansar por um bom tempo, quando desembarcasse. Mas, quando chegou a Los Ange­les, lembrou-se de que ainda tinha algo para fazer.

— Tenho que ir direto para o estúdio — disse a Dan, quan­do entravam num táxi.

— Não seja ridícula, você está exausta. Isto pode esperar até amanhã. Além do mais, ainda são nove e meia da manhã. Você sabe muito bem que ninguém começa a trabalhar antes das dez horas por lá.

— Dan, com certeza já tem gente trabalhando no estúdio a esta hora. Além disso, executivos na posição de Jeff Grunder sempre trabalham mais do que os outros. São só quinze minutos daqui até o estúdio.

— Melanie, Jeff não vai poder fazer nada hoje.

— Será que dava para vocês decidirem aonde querem ir, por favor? — o motorista do táxi perguntou impaciente.

— Sim — Melanie respondeu, rapidamente, dando o endere­ço do estúdio em Culver City, antes que Dan pudesse protestar. — Não vai demorar, Dan. Depois, irei para um hotel e dormirei, por uma semana.

— De jeito nenhum. Você não vai ficar hospedada em hotel. Vai ficar na minha casa.

— E onde é a sua casa? — ela indagou. Dan sorriu, malicioso.

— Você verá.

No trajeto, Melanie pensava em como seria seu encontro com Jeff. E, o mais importante, o que aconteceria depois disso. Dan a hospedaria em sua casa. Não tinha ideia se isso podia afetá-la ou não, ou de que modo. Seus pensamentos foram interrompidos quando o táxi parou no portão principal do estúdio. Dan pagou a corrida e, enquanto o motorista tirava a bagagem deles, expli­cou a Melanie:

— Deixei meu carro no estacionamento. Vou colocar nossa bagagem lá e me encontro com você no escritório de Jeff.

Melanie assentiu. Alguns minutos mais tarde, ela estava sen­tada confortavelmente no sofá da sala de Jeff, o homem que a colocara no caminho de Dan. Ou melhor, que colocara Dan em seu caminho.

— Que diabos você está fazendo aqui? — vociferou Jeff. — Você devia estar cuidando das coisas em Londres.

Resumidamente, Melanie relatou a Jeff tudo o que acontecera e o que tinham descoberto sobre Cheryl.                                                                                      

— Quer dizer que você simplesmente ficou perdendo tempo viajando para cima e para baixo?

— Não fiquei perdendo tempo. Descobrimos que Cheryl era realmente uma contrabandista de filmes piratas e que estava tra­balhando diretamente para alguém de dentro do estúdio.

Aquilo chamou a atenção de Jeff, que quase deu um pulo da cadeira.

— O quê?! Quem?

— Não sei quem é a pessoa.

Foi nessa hora que a secretária anunciou a presença de Dan pelo interfone.

Assim que Dan entrou na sala, ouviu Jeff perguntar, em tom impaciente.

— É verdade isso que ela está falando? Que Cheryl trabalha- | va para alguém do estúdio?

— É, sim. Melanie fez um ótimo trabalho, Jeff — Dan observou.

— Porém, incompleto, é óbvio. Teremos que começar uma | investigação, imediatamente — Jeff acrescentou, nervoso.

— Achei mesmo que você ia querer fazer isto. Só não sei se precisa de mim para mais alguma coisa.

— Como? Ah, sim...   Você. Bem, é melhor ficar em Los Angeles por algum tempo. Eu a informarei se precisar de você. Caso contrário, pode voltar a Londres.

Nesse momento, voltar para Londres não era uma ideia das mais animadoras. Melanie ficou aliviada quando Jeff pedira parai ficar em Los Angeles por mais algum tempo.

— Quer que eu fale com Dave Anderson sobre isto? — ela perguntou, mencionando o chefe do estúdio.

— Não, não é preciso. Eu mesmo falarei com ele, ainda de 1 manhã. Começaremos a investigação imediatamente. Deixe o nú mero do telefone do hotel onde for ficar com minha secretária.

Melanie hesitou. Era embaraçoso ter que dizer a Jeff que iria se hospedar na casa de Dan. Para seu alívio, o ator se adiantou:

— Melanie vai ficar no chalé de hóspedes de minha casa no

campo. Ela tem feito tanto por mim que isso é o mínimo que posso fazer por ela.

Jeff não pareceu notar nada de estranho naquela atitude. Não estava nem um pouco interessado.

— Ótimo.

Dan e Melanie saíram do escritório e foram direto para o carro dele, que estava no estacionamento.

Para surpresa de Melanie, Dan tinha um jipe.

— Onde está a Ferrari, Dan? Ou, pelo menos, a Mercedes? Ele sorriu.

— Bem, como sabe, você pode tirar o homem do Texas, mas não pode tirar o Texas do homem.

Passaram por Santa Mônica e pela Pacific Coast Highway. Quandoviraram à direita em um trecho, Melanie perguntou-se se Dan morava em Malibu, como era costume entre os atores famosos. Contudo, só agora, depois dessas duas semanas, perce­bia que Malibu não fazia o estilo dele.

Ao passarem por Angoura Canyon Road, Melanie ficou ainda mais curiosa. Por fim, decidiu-se a perguntar onde ele a levava.

— Logo você verá.

Passaram por um pequeno lago e entraram numa outra estra­da. Então, depois de uma curva, chegaram num vale maravi­lhoso.

— Chama-se vale Escondido — explicou Dan.

Melanie gostou do lugar de imediato. Parecia um pequeno oásis em meio às montanhas de Santa Mônica. Eucaliptos e car­valhos recortavam o horizonte. Havia plantas em profusão. O céu estava límpido e ela podia sentir o perfume da vegetação no ar.

Passaram por um haras, onde cavalos de raça pastavam tran­quilamente.

— Existem muitos criadores de cavalo por estes lados. São caríssimos. Os fazendeiros aqui fazem fortuna.

"Imagino", ela pensou, olhando para a cerca branca de um dos haras peto qual passavam.

— E então, você gosta? — Dan quis saber.

— Gostei muito do seu "vale Escondido".

— Minha propriedade tem cerca de cem acres de terra.

Haviam chegado e agora o carro subia uma alameda que dava numa casa rústica. Sua construção era simples, feita de madeira, com janelas grandes. Por dentro, a casa era uma delícia, muito aconchegante. Tinha apenas um cómodo, bastante espaçoso. De um lado, havia uma lareira de pedras, com um sofá de alvenaria em frente. Do outro, a cozinha.

Mais acima, uma escada em caracol conduzia ao único quarto, que ficava num nível mais alto.

— Aposto como não é o que você esperava — Dan brincou.

— Não mesmo. É muito melhor!

— Mesmo?

— Mesmo.

Melanie foi até uma das janelas. Havia um belíssimo gramado atrás da casa de onde se ouvia o canto dos pássaros. Comentou:

— Isto deve ser o paraíso para você, não, Dan?

— Sim, realmente é.

— Mas onde fica a casa de hóspedes?

— Que casa de hóspedes? Ainda não tive tempo de construir, mas Jeff não sabe disso, é claro.

— Foi você quem construiu a casa, Dan?

— Acredite ou não, fui eu mesmo. É por isso que só há um cómodo. Não tive muito tempo para construí-la e só comprei o terreno no ano passado. Ainda vou fazer outros quartos, um es­túdio e uma sala de jantar.

— Mas como é que você aprendeu a construir?

— Lembre-se de que eu cresci numa fazenda. Como só a fa­zenda não dava para sustentar toda a família, meu pai trabalhava como xerife. Nós tínhamos que fazer de tudo, pois o salário de xerife também não era muito alto.

— E agora está construindo a própria casa. Mal posso acreditar.— Por quê? Isso não é uma coisa que você esperaria de Dan Austin?

— Não acho que saiba muito sobre Dan Austin. Neste ponto, nada iria me surpreender.

Seus olhares se encontraram. Algo de diferente estava aconte­cendo entre eles. Dan acabara de revelar uma parte de si pró­prio, de seu passado.

— Você é a primeira pessoa que trago aqui.

Dan confirmava a suspeita que ela tinha. Melanie sentiu ime­diatamente lágrimas umedecendo-lhe o rosto e um nó se formar em sua garganta.

— Bem, acho que precisaremos de comida. É melhor irmos ao supermercado e fazermos um estoque — ele acrescentou;

Melanie assentiu, triste. Dan estava na defensiva outra vez.

Naquela noite, Dan acendeu a lareira. Melanie vestia calça jeans e um suéter creme de gola olímpica. Ele também estava descontraído, com jeans e um suéter de gola em "V". Sentaram-se no tapete macio, com as costas no sofá.

Dan tinha colocado o braço em volta dos ombros dela e, por alguns minutos, ficaram em silêncio, apenas olhando o fogo con­sumindo as toras de madeira.

— Por que você construiu uma casa nesse lugar?

— Eu morava numa suíte do Beverly Wilshire Hotel. Foi onde fiquei desde que cheguei a Los Angeles.

— Por quê?

— Tinha certeza de que minha carreira ia ser curta. Como já disse, sei que não sou um excelente ator e achei que o público logo perceberia. Os críticos já tinham notado, mas eu não me importava. Até então, só estava interessado nos números da bi­lheteria.

— Quer dizer que morou este tempo todo num hotel, Dan?

— Exatamente. Então, um dia estávamos filmando por aqui perto e vi que havia uma tabuleta dizendo: "Vende-se". Com­prei o terreno e comecei a construir em seguida. Antes de ir para

a Inglaterra filmar A Caçada, terminei a casa e trouxe minhas coisas do hotel. Agora, este é o meu lar.

— Você só tem que resolver se vai criar cavalos de corrida ou árabes.

— Nenhum deles. Vou criar Quarto de Milha.

— Por que Quarto de Milha?

— Porque são úteis.

— E também vai continuar compondo?

Era a coisa mais errada que Melanie podia ter dito naquela hora. Sentiu que Dan se afastava, colocando-se na defensiva no­vamente. O braço que estava em torno de seus ombros moveu-se para o sofá.

— Desculpe-me, Dan. Eu não devia ter dito isto.

Ele permaneceu em silêncio e sua expressão dizia claramente o que sentia naquele momento. Levantou-se e caminhou em dire-ção à cozinha.

— Dan...                                                      .

— Quer mais café? — O tom de voz dele era frio, como se estivesse falando com uma estranha.

O coração de Melanie se apertou. Foi atrás dele. Como pode­ria romper a barreira que Dan erguera entre eles?

Lá estava ele, de costas, servindo-se de café. Só havia uma coisa que Dan não recusaria naquele momento e Melanie sabia o que era.

— Querido, não faça isto comigo, por favor — pediu, abraçando-o por trás, acariciando o peito forte. — Está tão quente aqui dentro por causa da lareira, não acha? — acrescentou, ti­rando primeiro os sapatos. Depois, a calça jeans.

Quando Dan se virou e a viu, tirou o suéter e o atirou no rosto de Melanie.

No silêncio da casa, ela podia ouvir a respiração ofegante dele. Não estava usando sutiã e começou a arriar a fina calcinha de seçla preta que vestia.

Dan cruzou o espaço que os separava, devagar. Contudo, foi até a mesa, ignorando-a. Melanie olhou dentro dos olhos azuis,

procurando por algum sinal de que tudo estava bem entre eles. Mas a expressão do ator ainda era dura.

Desta vez, ela teria que se esforçar muito para derreter o gelo que se formara entre eles. Tocar naquele assunto tão doloroso fizera com que perdesse o terreno que já havia conquistado.

Foi até Dan, pegou-lhe as mãos e colocou-as sobre seus seios. Só aquele toque já foi suficiente para que os mamilos rosados se enrijecessem e suas pernas tremessem. Ele, porém, continuava a resistir àquele oferecimento de paixão.

Ainda segurando as mãos fortes, Melanie começou a fazê-las descer lentamente por seu corpo, em movimentos cada vez mais eróticos.

Deus, como desejava aquele homem!

Já estava a ponto de desistir, envergonhada de sua nudez, quando sentiu as mãos firmes agarrarem seus quadris.

A partir daí, Dan não resistiu mais. Escorregou as mãos para suas nádegas e puxou-a para mais perto.

Animada, Melanie desceu rapidamente o zíper da calça jeans do ator e colocou uma das mãos por dentro." Nunca tentara se­duzir um homem na vida e, agora, acariciando o membro rijo, sentia uma deliciosa sensação erótica.

Nenhum dos dois dizia nada, apenas olhavam-se em silêncio. Lentamente, Melanie ia rompendo as barreiras de Dan.

Pondo-se na ponta dos pés, beijou-o suavemente nos lábios, depois no pescoço. Queria inflamar o corpo másculo de desejo.

Nesse momento, ouviu Dan gemer, perdendo o controle rapi­damente. Ele a abraçou, beijando-a de modo quase selvagem. Então, enquanto tirava o que restava da própria roupa, carre­gou-a para o sofá e deitou-se ao seu lado.

Uma estimulante combinação de desejo e ódio impeliu-o a pos­suí-la, sem a usual ternura. Os lábios carnudos passeavam por todo o corpo de Melanie, desde o pescoço até o ventre e as coxas. Quando ela estremeceu, mostrando o nível de sua excita­ção, as carícias se tornaram mais ousadas e eróticas.

No auge do desejo, ela cravou as unhas nas costas largas. Queria mais. Muito mais.

Ondas gigantescas de prazer levaram-nos às alturas, fazendo que seus corpos se contorcessem de paixão. Ao sentir que Dan vibrava junto com ela, Melanie teve vontade de rir e de chorar ao mesmo tempo.

Algum tempo depois, Dan trouxe dois cobertores, que esten­deu junto à lareira.

Melanie deitou-se olhando o fogo, de costas para ele, que a cobriu com outro cobertor, abraçou-a por trás e mordiscou-lhe o lóbulo da orelha.

— Desculpe-me se a machuquei, querida — sussurrou.

— Não me machucou. Acho que você nunca poderia me ma­chucar, Dan.

— Parte de mim queria puni-la. Mas você tem uma influência muito grande sobre mim, Melanie Richardson. Não consegui o que queria.

— Tenho mesmo? — ela perguntou, rindo de felicidade.

— Você sabe muito bem que tem. Você me faz pensar em coisas que eu preferia esquecer.

Por um momento, os dois ficaram em silêncio. Depois, Dan começou a falar:

— Há algo que eu preciso explicar para você, mas. . . Melanie esperou pacientemente que ele organizasse seus pen­samentos.

— Lembra-se daquela noite em que jantamos em sua casa? Deus, agora parece que foi há anos, mas isso aconteceu há ape­nas duas semanas.

— Lembro-me. — Claro que ela lembrava. Nunca esqueceria um minuto sequer de todos os momentos que passaram juntos.

— Eu lhe disse que tinha certeza de que você nunca se casa­ra. E eu estava certo. Só que você não me perguntou se eu era casado.

— Mas. . . — Melanie começou a falar, depois parou. Ia dizer: "Mas eu sei que você nunca foi casado". Alguma coisa, no entanto, impediu-a de continuar.

— Já fui casado uma vez. O nome deía era Laurie — Dan informou.

 

Melanie não conseguia articular uma palavra sequer. Sua men­te estava ocupada, tentando registrar aquela informação tão per­turbadora.

Dan continuava, nervoso:

— Quase ninguém sabe disso. Nós dois éramos muito jovens e o casamento durou poucos meses. É uma parte do meu pas­sado que não gosto de lembrar, principalmente nas minhas entrevistas. As pessoas acham que nunca fui casado e eu sim­plesmente deixo que elas acreditem nisso.

— O que aconteceu?

— O de sempre. Ela tinha dezoito anos na época e eu, vinte e úm. Droga, éramos apenas dois garotos. Nenhum de nós tinha a menor noção do que era um casamento. Tudo o que eu sabia era que ela era a garota mais bonita do mundo.

— Isso foi em Nashville? — Melanie quis saber.

— Exatamente. Os pais dela eram ricos e tinham status social. Não preciso dizer que se opunham ao casamento, o que fez com que nos sentíssemos como Romeu e JuHeta.

— Mas ela não deu ouvidos aos pais.

— Claro, como qualquer adolescente, ela tinha que desafiá-los. Desistiu da vida fácil da mansão onde morava, para viver numa cabana com o homem que amava.

Melanie nem precisava perguntar o que tinha acontecido depois.

— Depois de passar fome comigo por seis meses, ela decidiu que só o amor não bastava. Então, voltou para a casa dos pais, que arrumaram uma forma discreta de nos divorciar. Tempos depois, soube que ela tinha se casado novamente.

Dan silenciou, sem intenção de continuar a se abrir. Mas Me­lanie sentia que havia algo que ele deixara de dizer.

— Existe mais alguma coisa, não é?

— No dia em que Laurie foi embora, me disse que eu não era nada, um joão-ninguém, que nunca sairia disso. As palavras exatas que usou foram: "Você está jogando sua vida fora em busca de sonhos, de bolhas de sabão. Não vou ficar aqui perdendo tempo ao seu lado. Não vou jogar minha vida fora com você". E saiu, batendo a porta com força. O engraçado é que foram quase as mesmas palavras que meu pai me disse, quando eu desisti da faculdade.

Não havia humor na voz dele e Melanie sabia quanto deve­riam ter sido duras essas coisas para Dan. Abraçou-o e disse, carinhosamente:

— Eles erraram. Você não está correndo atrás de sonhos. E não há como duvidar que você venceu.

— Acho que sim. Os discos de platina, os dois prémios Gram­my. Acho que tudo o que fiz na vida foi para provar aos dois que estavam errados a meu respeito.

"Só que, além de provar a eles, você sofreu demais, pagou um preço muito alto", Melanie pensou.

Dan não pedira sua opinião pessoal, estava apenas desaba­fando. De qualquer modo, tinha condições de entendê-lo agora, mais do que nunca. Fora muito humilhado e fechara o coração. Por isso, não se comprometia com as mulheres. Sentiu pena dele.

E de si mesma também. Isso significava que qualquer esperança que alimentasse seria em vão.

— Melanie... — Ele começou a dizer.

— Ssh. . . Está tudo bem, eu entendo, Dan.

Melanie enterrou o rosto no peito forte, enquanto Dan a abra­çava com força.

Era de tardezinha e Melanie estava sentada no gramado em frente à casa. Assistia ao pôr-do-sol colorindo todo o vale. Mais ao longe, podia ver os cavalos pastando. Soprava uma brisa leve. Tudo era tão bonito!

Lembrou-se da fazenda de seus pais, do cheiro de terra molha­da, das filas de laranjeiras. O que sentia agora era a mesma paz infinita dos seus tempos de adolescente. Era engraçado. A um certo ponto da vida, virara as costas para a natureza, indo em busca do glamour das grandes cidades e de um modo de ser mais sofisticado. Mas começava a ver que todas essas coisas não tinham mais o menor significado para ela.

Sentia falta de alguma coisa' que só conseguira decifrar depois que Dan entrara em sua vida. Com ele, aprendera a ver as coi­sas pelo prisma do amor.

Mas era pouco provável que isso acontecesse. Com todo esse tempo, se ele ainda não tinha conseguido superar a humilhação que Laurie lhe infligira, duvidava que agora isso fosse possível. Muito mais ainda se ela não provasse sua inocência e sua carrei­ra no cinema fosse arruinada.

De repente, ouviu o telefone tocar insistentemente dentro da casa. Levantou-se rapidamente e foi atendê-lo.

Era Jeff.

— Dan está aí? — perguntou ele, depois de cumprimentá-la friamente.

— Não. Foi até Beverly Hills para tirar algumas fotos para publicidade.

— É mesmo, eu tinha me esquecido completamente. Bom, de qualquer forma, não importa, eu queria falar com você.

— Descobriram mais alguma coisa sobre o caso Cheryl Sampson? — Melanie perguntou, ansiosa.

— Justamente. Uma pessoa acabou de me ligar. Disse que tem informações sobre quem está fazendo as cópias piratas aqui den­tro do estúdio. Fiquei de encontrá-lo às oito horas da noite. Você quer vir?

— Claro! Oh, droga! Não tenho como sair daqui. Estou sem carro.

— Chame um táxi pelo telefone. Eu pago as despesas depois.

— Está certo. Estarei no seu escritório o mais breve possível. Melanie consultou na lista telefónica a empresa de táxis mais próxima e ligou para lá em seguida, pedindo que mandassem um carro imediatamente.

Meia hora mais tarde, estava a caminho do estúdio. Sentia-se excitadíssima com a perspectiva de descobrir quem era o respon­sável por esse mercado negro de filmes cassetes. Este informante poderia inocentar Dan.

Eram quinze para as oito, quando o táxi a deixou no portão principal do estúdio. Melanie acenou para o guarda e entrou no estúdio, dirigindo-se ao prédio onde ficava o escritório de Jeff. Estranhou andar por ali tão tarde. Não parecia haver ninguém trabalhando e as luzes eram poucas.

Antes de entrar no prédio, ouviu uma voz chamando seu nome. Virando-se, viu Jeff num canto escuro.

— Eu já estava a ponto de ir embora sem você. Pensei que não fosse chegar a tempo.

— O táxi demorou a chegar. Você está bem?

Jeff parecia ainda mais nervoso. Seu rosto estava pálido e com olheiras. Seus dedos mexiam nervosamente nos botões da jaqueta de couro.

— Estou. Vamos indo.

Enquanto caminhavam um ao lado do outro, Melanie perce­beu que, além de nervoso, Jeff estava com medo. E talvez ele tivesse boas razões para isso, pois a pessoa que iam encontrar não quis se identificar, dizendo apenas que sabia quem era o chefe de Cheryl.

Só então lhe ocorreu que não fora muito inteligente da parte deles irem sozinhos ao encontro desse informante. Olhando de soslaio para Jeff, percebeu que ele era um fraco. Não poderia ajudar muito se por acaso encontrassem algum tipo de dificul­dade.

"Não seja boba e melodramática", disse a si própria, resoluta. Não era um filme policial para ter medo de ciladas. Na vida real, informantes não matam pessoas. Vendem o que sabem por muito dinheiro. Era bem simples.

Mas Melanie não conseguiu afastar de todo o mal-estar que sentia. Foram para trás do edifício, na direção de um dos estú­dios à prova de som.

— Puxa, ele realmente tem um segredo para nos contar — comentou ao ver o lugar completamente deserto.

— É claro.

Jeff abriu a porta para que Melanie entrasse na frente e então a seguiu. O estúdio era à prova de som e, quando a porta foi fechada, não se podia ouvir nenhum ruído vindo do lado de fora. A mesma coisa acontecia com o barulho que fizessem ali dentro, pois nem a explosão de um tiro de revólver vazaria.

O lugar estava escuro e com um silêncio fantasmagórico. Me­lanie virou-se para ele a fim de lhe perguntar se tinha certeza de que o informante havia marcado o encontro ali. Nesse instan­te, porém, tudo o que viu foi Jeff tirando do bolso de sua jaqueta de couro uma pistola e apontando-a na sua direção. Mostrando-lhe uma cadeira vazia, Jeff disse, em tom frio:

— Sente-se, Melanie.

— Já não são suficientes estas fotos? — perguntou Dan, irritado.

— Só mais algumas, por favor — pediu Anne Lefkowitz, a fotógrafa.

Ela era uma das melhores fotógrafas de Los Angeles. Dan gostava do trabalho dela, mas já fazia cinco horas que tiravam fotos. Estava cansado e, além disso, louco para se encontrar com Melanie novamente. Apesar de ela ter insistido que ficaria sozi­nha na casa sem problemas, preocupava-se por estar sem um carro.

Mas, só em pensar que Melanie estaria à sua espera, sentia-se seguro. Era engraçado, mas, quando construíra a casa, imaginara um lugar só seu. Entretanto, no instante em, que vira Melanie entrar lá, soube que ela pertencia àquele lugar. Não guardava rancor por ter tocado no assunto da música. Tudo o que queria agora era ir para casa, estreitá-la nos braços, despi-la devagarinho e fazer amor a noite toda.

Seria possível que sempre fosse assim entre eles?, pergun­tou-se. Será que sempre poderiam resolver os problemas e dife­renças e continuarem a se amar daquele modo tão arrebatador?

— Muito bem, Annie. Já chega por hoje, tá? Estou realmente cansado.

— Está bem. Acho que já tenho fotos suficientes e a pose que eu queria. Obrigada por ter sido tão paciente, pelo menos até cinco minutos atrás.

De repente, ocorreu a Dan que, se Melanie ainda não tivesse comido, poderiam jantar fora.

— Posso usar o seu telefone um pouco?

— Claro — Annie respondeu, apontando para a sala anexa, onde havia uma mesinha com um telefone.

Ao discar o número de sua casa, Dan olhou de relance para o relógio de pulso, que marcava sete e meia da noite. Se corres­se um pouco, chegaria em casa às oito; às nove, poderiam estar num restaurante, saboreando uma deliciosa comida. Contudo, o telefone tocou uma, duas, cinco, dez vezes. Seu primeiro pensa­mento foi o de que tinha discado o número errado. Tentou nova­mente. Esperou mais dez toques. Provavelmente, o aparelho de­via estar com algum problema. Pediu auxílio à telefonista. Nova­mente, tocou e ninguém atendeu.

Dan franziu as sobrancelhas.

Melanie não podia ter saído, pois estava sem carro. A não ser que tivesse pego um táxi. . Mas por quê? Não havia razão para ela sair. A menos que. . .

Rapidamente, discou o número do estúdio. A telefonista já havia ido embora, mas o guarda atendeu.

— Bill, boa noite. Aqui é Dan Austin. Por acaso Melanie Richardson passou por aí hoje à noite?

— Sim. Passou por aqui há uns cinco minutos.

— Estava sozinha?

— Estava, veio de táxi.

— Sabe se ela ia encontrar Jeff Grunder?

— Não tenho certeza, sr. Austin. Não sei se o sr. Grunder ainda está aqui.

— Certo. Muito obrigado, Bill.

"Que estranho", pensou. Não tinha ideia do que estava acon­tecendo, mas era melhor ir até o estúdio. Só uma importante revelação no caso do assassinato podia explicar a saída repen­tina de Melanie. Se fosse assim, queria estar presente. Se não, a levaria de volta.

Em menos de quinze minutos, chegou ao estúdio. Ao passar pelo guarda, perguntou-lhe se tinha visto Jeff Grunder sair de­pois que se falaram por telefone.

— Não, senhor. Ninguém saiu ou entrou nessa última meia hora. O estúdio está silencioso e calmo, hoje.

Dan ficou parado, pensando. Não fazia sentido. Se a única razão para Melanie ter ido lá era ver Jeff, como o carro dele não estava no estacionamento?

— Você viu para onde a srta. Richardson foi, Bill?

— Para o edifício do escritório do sr. Grunder. Mas não a vi entrar lá.

Dan começou a ficar preocupado.

— Bill, vou procurar pela srta. Richardson. Se ela passar por aqui, você pede que espere por mim?

— Claro, sr. Austin!

Dan foi até o edifício onde ficava o escritório de Jeff e estranhou as luzes apagadas. Chegando lá, encontrou a porta fechada e não soube o que fazer. Então, começou a andar pelo estúdio, passando por cenários desertos.

 

— Você contratou Cheryl para distribuir os filmes — acusou Melanie, surpreendendo-se com a calma da própria voz. Por den­tro, sentia o estômago contorcendo-se.

Jeff assentiu, com um meio sorriso.

— Mas, Jeff, como é que você foi entrar nesse negócio tão sujo? — ela perguntou. Queria fazê-lo falar para ganhar tempo.

— Por que é que você acha? Por dinheiro, ora!

— Mas, Jeff. . . você já ganha tanto dinheiro!

— Não o suficiente para pagar certas dívidas em Las Vegas.

Ele tirou uma corda do bolso da jaqueta e começou a amar­rá-la na cadeira. Forçando-se a manter uma atitude fria, Melanie continuou.

— Por que você escolheu justamente Cheryl?

— Eu já conhecia Cheryl. Uma vez tive um caso com ela.

— Por que a matou, Jeff?

— Aquela ordinariazinha! — A voz dele estava cheia de ódio. — Dinheiro só não era suficiente para ela. Queria ser uma estre­la. Imagine, mal podia falar direito, quanto mais ser uma atriz de primeira!

— Então... ela fazia chantagem com você para que lhe des­se papéis nos filmes

— Isso mesmo. Não entendia que não havia nada que eu pudesse fazer por ela. Havia Anderson e todos os outros diretores. Isso sem falar em produtores e diretores de filme. Nin­guém queria uma atriz de tão baixo nível.

— Mas você lhe conseguiu um papel no filme de Dan.

— Isso até que não foi difícil. Um dos diretores me devia uns favores. Só que não foi suficiente para ela. Queria o papel prin­cipal. Dá para acreditar numa coisa dessas? Vagabunda estúpi­da, isso sim, é o que ela era.

Jeff terminou de amarrá-la na cadeira. Dera apenas um nó de marinheiro, prendendo-lhe os braços para trás. O laço era tão forte que doía. Mas ele não se preocupou com seus pés, deixan­do-os livres. Melanie pensou que talvez conseguisse fazer alguma coisa com eles.

— Jeff, pelo amor de Deus, pense só no que está fazendo. Você conseguiu matar Cheryl sem provas, mas um segundo cri­me não é tão fácil assim. A Scotland Yard sabe que Cheryl esta­va metida no negócio e ia começar a investigar o estúdio.

— Sei disso. Mas não vão encontrar absolutamente nada que possa me incriminar.

— Dan sabe que eu vim vê-lo.

Foi então que Jeff começou a rir, espalhando um som horrí­vel pela sala.

— Dan está no estúdio fotográfico de Anne Lefkowitz. Co­nhecendo-a como conheço, posso adiantar que ele ficará por lá pelo menos até a meia-noite. Foi por isso que a escolhi. E olhe que não foi fácil convencê-la de que eu tinha urgência nas fotos.

— Foi você quem arranjou tudo para que Dan saísse hoje? Melanie estava horrorizada. Que mente diabólica! Ninguém sabia que ela fora esta noite ao estúdio para encontra-lo.

 

— Dei um jeito de sair do estúdio de carro há uma hora e meia, de modo que já disse boa-noite ao guarda. Se alguém perguntar, posso provar que já havia saído daqui, quando você chegou.

Jeff deu dois passos para trás, olhando satisfeito o trabalho que fizera. Tinha certeza de que ela não poderia escapar dali.

— Mas, Jeff vão perguntar por que eu vim aqui esta noite e. . .

— E eu simplesmente direi que não sei. Talvez você tivesse vindo em busca de uma pista sobre o caso. De algum modo, ficou presa aqui dentro no incêndio. Trágico, não? Mas é assim que vai ser. Nada que me ligue ao caso.

Ele tinha razão, Melanie percebeu, sentindo uma forte onda de náusea envolvê-la. Jeff arrumara esta armadilha com tanto cuidado que até pôde contar com sua colaboração. Como fora tola!

De repente, lembrou-se de Dan. Ele nunca saberia como ou por que ela morrera. Nem o quanto o amava. . .

Viu Jeff indo até a parede onde havia uma porta com uma caveira desenhada e a inscrição: "Alta tensão — Perigo" e ge­meu. Ele a abriu, provocou um curto-circuito na instalação e o fogo começou a crescer pela parede.

Em questão de minutos, o incêndio se consumaria". Nem Deus poderia salvá-la, Melanie pensou, aflita.

— Adeus, srta. Richardson. Sinto muito, mas minha pele vale mais do que a sua.

Dan deu duas voltas por todo o estúdio e só viu o segurança fazendo a sua ronda. Estava começando a ficar seriamente preo­cupado. Melanie tinha entrado, mas ninguém a vira saindo. Onde ela se metera, afinal?

A noite estava fria e fechou a jaqueta jeans que vestia. Pensou em voltar ao portão principal e pedir ao guarda para ajudá-lo na busca, já que conhecia o estúdio melhor do que ninguém. Po­rém, enquanto se dirigia na direção da guarita, disse a si mes­mo que faria mais uma tentativa, e, se não a encontrasse, cha­maria a polícia.

Foi então que viu uma luz vermelha na porta de um dos pavi­lhões de filmagem. Mas se o guarda lhe dissera que não tinha ninguém gravando esta noite. . . Sim, Melanie só podia estar ali.

Dan saiu correndo em direção à porta.

Jeff deu a mesma gargalhada que tanto a assustara momentos atrás e virou as costas para abrir a porta.

Nesse momento, Dan ia entrando no pavilhão. Os dois se cho­caram e caíram tão rapidamente que Melanie nem teve tempo de avisar ao ator que o executivo estava armado. Ouviu o primeiro tiro. E, logo depois, o segundo. Então, Dan revirou pelo chão, até trombar com a sua cadeira.

Melanie caiu de mau jeito e se machucou. Mas não gritou de dor. Ao ver o mesmo braço que fora ferido em Riad nova­mente ferido, achou que tudo que acontecesse consigo seria irre­levante diante do sofrimento de Dan. E aguentou com firmeza.

Arrumando forças não se sabe de onde, Dan jogou-se contra Jeff. Com o impacto, a pistola caiu ao chão e disparou sozinha. Os dois se engalfinharam numa luta de morte. Atrás deles, lín­guas de fogo iam destruindo todo o cenário.

Melanie apenas assistia, enquanto seu amado lutava pela pró­pria vida e pela dela também. Tentava, em vão, colocar-se de pé, mas todo seu corpo doía terrivelmente. O fogo crescente obri­gara-os a se afastarem da parede, indo para mais perto dela. Mela­nie podia ver o desespero nos olhos de Jeff e a determinação nos olhos de Dan. Agora, cambaleavam, trocando socos.

 

 

O calor ia ficando insuportável e Melanie sentia o suor pingan­do de seu rosto. Se não saíssem logo dali, morreriam todos, pois a estrutura flamejante do teto estava prestes a desabar.

Mas Jeff caiu primeiro. Como um saco de batatas, fazendo um barulho surdo. E não mais se moveu. Dan lhe dera um soco tão violento que lhe tirara os sentidos.

Virando-se para Melanie, Dan tirou um pequeno canivete do bolso e cortou as cordas que a amarravam. Mas por mais que tentasse Melanie não conseguia ficar de pé. Estava muito dolo­rida com a queda que levara.

— Oh, Dan, não consigo me mover — disse, desesperada.

Podia ver a expressão de exaustão no rosto dele. E, mesmo assim, Dan não hesitou em carregá-la nos braços, ignorando a dor tremenda do ferimento que sofrera.

 

Melanie estava instalada confortavelmente no sofá, bebendo um delicioso e reconfortante chá de canela. Atrás de si, Dan fala­va ao telefone. Mas ela não prestava atenção ao que ele dizia. Sua mente ainda estava ocupada com os acontecimentos dos últi­mos dias.

Sem dúvida, foram dois dias pavorosos. Depois que Dan a carregara para fora do estúdio, os seguranças apareceram e um deles ainda tentou resgatar Jeff. Porém, o teto desabou antes disso. Então, levaram os dois para o hospital mais próximo, pois Dan sangrava muito e Melanie quebrara duas costelas.

Descansaram naquela noite, mas o interrogatório começou no dia seguinte. Em primeiro lugar, veio a polícia de Culver City, que tinha dado uma busca no escritório e na residência de Jeff, achando material suficiente para incriminá-lo, incluindo a lista de seus "clientes".

Quando a polícia finalmente foi embora, Melanie telefonou para o inspetor Sam e o colocou a par dos acontecimentos da noite anterior.

— Apresente minhas mais sinceras desculpas ao Sr. Austin, srta. Richardson.

Ao contar a Dan, ele sorriu.

— Você pode achar estranho, considerando as posições em que nos encontrávamos, mas eu simpatizava com ele.

A partir de então, o telefone não parou mais de tocar. As notí­cias da descoberta do assassino de Cheryl e do atentado a Mela-nie e Dan espalharam-se rapidamente. Anderson, o presidente do estúdio, conversou longamente com o ator e um pouco com ela, dando-lhe os parabéns pela brilhante atuação e prometendo uma promoção e um aumento substancial,de salário.

Agora, dois dias depois do incêndio, as coisas pareciam final­mente ter se acalmado. Mas, se Melanie se sentia muito melhor fisicamente, estava um trapo emocionalmente. Tivera muito tem­po para refletir nas últimas vinte e quatro horas e sabia que pas­saria maus bocados pela frente. Nem imaginava onde encontra­ria coragem para enfrentar o mundo sem Dan a seu lado.

A conversa telefónica acabou e Dan juntou-se a ela no sofá.

— Era Anderson de novo — ele explicou. — Queria dizer que A Caçada vai sair da prateleira.

Melanie ficou surpresa.

— E por que isso?

— Para aproveitar a publicidade, claro! Queria marcar um almoço para tratarmos de um contrato de três filmes. Eu lhe dis­se para procurar a minha agente.

— E o que ela está achando disso tudo? Deve estar aliviada ao ver que terá de volta os seus dez por cento.

Dan soltou uma sonora gargalhada.

— Conversei com ela esta manhã, enquanto você tomava ba­nho. Ela me disse que a Universal se interessou por mim nova­mente. Está cheia de planos para o futuro.

O tom dele era sarcástico mas, ao mesmo tempo, Dan não demonstrava pretender recusar a oferta. Ele não iria desistir de sua posição de astro do cinema. As duas semanas que passaram juntos tinham sido apenas um intervalo.

"Isso é tudo o que eu sou na vida dele, apenas uma possibili­dade de amor descartada", Melanie pensou, entristecida.

— Vou voltar para Londres, Dan — anunciou, decidida.

— O quê? Como, assim?

— Trabalho lá, lembra-se?

— Mas tenho certeza de que Anderson iria transferi-la para Los Angeles, se você pedisse.

— Eu sei. Mas não vejo razão para fazer isso — Melanie res­pondeu, forçando um tom natural.

Estava resolvida a não chorar. Seria muito patético. Desde o começo, jurara que nunca faria esse tipo de cena com Dan. Sairia deste caso amoroso com dignidade. Esse era o único consolo para o seu coração despedaçado.

Os olhos azuis do ator se estreitaram.

— Quando você está pensando em partir, Melanie?

— No próximo vôo que tiver passagem. Se possível, ainda hoje à noite.

Dan sentou-se como se tivesse sido fisicamente golpeado. Mas tudo isso doía muito mais em Melanie do que nele. Tanto que ela ainda caíra na tolice de acreditar que ele fosse abraçá-la, revelando todo o amor que sentia e falando da impossibilidade de viver sem ela.

Ao invés disso, porém, ele disse:

— Por favor, Melanie, não vá.

— Por que não?

— Porque quero que você fique aqui comigo. Você se tornou uma parte importante de minha vida. Não consigo imaginá-la fora dela.

— Por quanto tempo você ia querer que eu ficasse, Dan?

— O que quer dizer com isso?

— Você sabe o que quero dizer. Quanto tempo duram seus casos amorosos, normalmente?

— Droga, Melanie! Você sabe que não é simplesmente um caso!

— Sei que não sou um "caso", Dan. Acredito nos seus senti­mentos por mim. Mas não sei de mais nada além disso. Você nunca mencionou amor ou compromisso.

— Você não pediu — respondeu ele, na defensiva.

— Você sabe que nunca vou pedir. Dan não podia rebater isto. Nem tentou.

"Deus, como te amo", pensou Melanie, olhando-o fixamente.

Ficou surpresa ao ver que recusara a proposta do seu amado. Por mais limitada que fosse, ela era real e permitia que pudesse beijar aquela boca carnuda, abraçar aquele corpo musculoso, sentir os pêlos do peito largo roçando-lhe a pele. Como se esfor­çava para manter o controle. . .

Se pelo menos Dan tivesse dito: "Eu te amo", pensou. Sabia que o que o impedia de falar era muito mais forte. Ela mesma achava difícil assumir tal sentimento. Por qual outro motivo dedicara toda sua vida ao trabalho, senão o medo de se entre­gar a alguém?

Procurando na expressão dele algum sinal de contentamento, Melanie só viu dor e confusão. E, subitamente resignada, sentiu seu corpo relaxar. O que quer que acontecesse, não faria Dan infeliz. Amava-o demais para isso. De repente, percebeu que a experiência de amar desta forma outro ser humano já significava muito. Isto havia feito com que mudasse para sempre. E para melhor.

Então, suavemente, acariciou-lhe o rosto.

— Eu te amo. E, Deus, como é bom poder admitir que pre­ciso de alguém, que a vida seria muito melhor se continuasse ao seu lado. Você não sabe quantas vezes eu quis dizer isso, princi­palmente quando fazíamos amor.

— Melanie...

— Não, querido, por favor, não diga nada. Você não tem que dizer nada. Não quero pressioná-lo. Só precisava saber que tinha coragem suficiente para assumir o que estou sentindo no coração. Odiaria viver o resto de minha vida sabendo que não fui capaz de dizer isto por medo. Eu te amo, Dan Austin. Até o dia em que o conheci, não entendia o significado dessa palavra.

— Melanie, não vá embora. Ela meneou a cabeça, triste.

— Não, Dan. Mas tudo bem. Você foi honesto o tempo todo comigo, nunca fingiu oferecer nada que não pudesse ou que não quisesse. Sempre teremos as lembranças de Paris conosco, não é? E muitas outras lembranças igualmente preciosas.

Ficando na ponta dos pés, Melanie beijou-o de leve na boca. O último beijo...

 

Dalila estava esperando por ela no Aeroporto de Heathrow. Ao ajudar a sobrinha a colocar as malas no carro, falou, ani­madamente:

— Deus, Melanie, você não sabe o que senti quando ouvi to­das aquelas notícias no rádio sobre o tal homem que matou aquela atriz e depois tentou matar você e Dan. E o estúdio pe­gando fogo com você lá dentro. Isso sem mencionar que Dan Austin lhe salvou a vida. Puxa, Melanie, parecia coisa de filme, não parecia?

Melanie sorriu, tristonha.

— É. Exatamente como num filme.

— Agora, ficará em minha casa até se fortalecer, querida. E fique sabendo que isto não é uma sugestão, é uma ordem!

— Dalila, eu estou bem. Duas costelas quebradas não são na­da demais. Tenho que usar um colete especial, mas posso andar e trabalhar normalmente.

Dalila olhou a sobrinha de modo sagaz.

— Foi só isso que saiu machucado?

Melanie sabia ao que ela estava se referindo. Mas não se sen­tia bem a ponto de falar sobre isso agora. Ainda era muito re­cente, muito doloroso.

Então, simplesmente fingiu não ter ouvido nada. Virou o rosto para a janela do carro, olhando a paisagem, tentando esquecer a expressão de Dan ao se despedirem no aeroporto.

Dan estava sentado em frente à lareira, tomando café. "Melanie tinha razão ao terminar o nosso caso", disse a si mesmo pela décima vez. Não poderiam manter um relacionamento superficial. Era o tipo de mulher para se casar, ter filhos e mimá-los para o resto da vida. Uma mulher para se envelhecer junto.

Se ela não tivesse terminado, mais cedo ou mais tarde iria querer ficar sozinho de novo. E disponível. Afinal, compromisso não era o seu forte. Tentara uma vez e falhara. Melhor que fosse agora, para evitar sofrimentos maiores no futuro.

Na realidade, pensou, nunca fora capaz de se comprometer com nada. Tinha saído da faculdade antes de terminar o curso. Desistira de compor.

Também estava farto de fazer filmes e era só uma questão de tempo para largar o cinema. Finalmente, dava razão ao pai.

"Você não tem garra para prosseguir naquilo que começa. E, até que tenha, será sempre um fracasso", fora o que ele dissera.

Dan nunca se esqueceria dessas palavras. Ainda podia lem­brá-las, uma por uma. Como também se lembrava da expressão no rosto do pai. Triste, desapontado.

Sentiu uma imensa necessidade de falar com ele. As emoções confusas num turbilhão, Dan discou o número tão familiar.

Quem atendeu foi sua mãe, como sempre surpresa e feliz ao reconhecer a voz do filho. Conversaram por alguns minutos e ela o colocou a par de todas as notícias da família: a esposa de seu irmão estava esperando outro bebe e sua irmã ia noivar com aquele jovem xerife com quem saíra algumas vezes.

Houve uma pausa, quando ela pediu para que contasse as suas novidades. Dan hesitou. Então, em vez de tentar conversar, disse:

— Diga ao papai... diga-lhe que estava certo. Sou um fra­casso. Fracassei em tudo o que era realmente importante em mi­nha vida.

De repente, ouviu a voz de seu pai na extensão.

— Venha para casa, Danill. Venha para casa para que possa lhe contar as coisas em que eu fracassei.

 

Dois dias depois, Dan estava sentado na varanda da fazenda da família, tomando cerveja gelada com o pai. Cari Austin era um homem grande, maior até que o filho. Tinha sessenta anos, mas continuava com o espírito jovial. Os cabelos agora pareciam mais grisalhos, mas o brilho sagaz dos seus olhos azuis perma­necia igual.

Dan não conseguia acreditar que estava conversando de modo tão descontraído com o pai. Não se lembrava de alguma outra vez que tivessem ficado tão à vontade. Desabafou, dizendo que não se sentia mais inspirado para compor suas músicas, que odiava Hollywood, que na maior parte do tempo vivia depri­mido.

O pai respondeu que também a sua vida não tinha sido con­forme planejara um dia.

— Queria ser um fazendeiro rico, criar gado e cavalos de raça., Acabei me tornando o pior fazendeiro das redondezas. Olhe só para esta fazenda. Adoro trabalhar a terra, mas nunca fui capaz de ganhar dinheiro com ela.

— Mas sempre foi um excelente xerife o melhor, segundo todos dizem — Dan retrucou, rindo, mas com respeito.

Cari Austin sorriu.

— Acho que tem razão. E não é falsa modéstia minha. Só que não era aquilo que eu queria fazer. Sempre quis ser fazendeiro. Quando me casei com sua mãe, disse a ela que algum dia iría­mos viver numa casa imensa, com colunas na frente e um gra­mado. . . Só que isto nunca aconteceu.

— Não acho que mamãe se importe com isso. Ela é louca por você.

— Não tanto quanto sou louco por ela. Mas sabe qual foi o fracasso que mais me incomodou?

Dan meneou a cabeça.

— O fracasso como pai.

— Mas... — Dan estava surpreso.

— Não, deixe-me falar. Estou pensando nisso há tanto tempo que acho que chegou a hora de desabafar, filho. Quando você mais precisou de mim, não o apoiei. Queria que você fosse o máximo, em vez de encorajá-lo a encontrar o próprio caminho. Peço-lhe desculpas, filho.

— Acho que ambos temos que pedir desculpas, então. Cari sorriu.

— Não, acho que não. — Então, parecendo mais embaraçado, perguntou: — Quer outra cerveja?

— Claro! Irei buscar com você. Quero ver o que mamãe está preparando para o jantar.

Ao levantarem-se, Cari olhou para o filho, hesitante. Impulsivamente, então, Dan abraçou-o com força. Quando se afastaram, o pai disse:

— Você sabe quanto tempo esperei por esse momento, Dan.

— Tudo o que temos a fazer é não perder o hábito, de agora em diante — Dah replicou, rindo.

Ao entrarem na casa, Cari virou-se para ele.

— Sabia que sua música é muito boa? Por que não continua tentando compor?

Estavam entrando na cozinha e Dan começou a pensar na su­gestão. Até que aquela não era uma má ideia. Já podia ver a reação de Nina quando lhe dissesse para arranjar outra fonte de dez por cento, porque iria dar as costas a Hollywood e voltar a compor suas canções.

Só assim poderia pensar em terminar a música de Melanie. . .

 

Era uma gloriosa manhã de sol. Na pequena cozinha de sua casa, Melanie preparava o café da manhã para ela e para Sher-lock, que estava estirado na porta da cozinha, os olhos seguindo todos os seus movimentos.

Apesar de tudo, ela estava bem. Era a primeira vez em meses que se sentia feliz, decidida a aproveitar bem o dia. Ligou o rádio e começou a assobiar a música que estava tocando, enquan­to preparava ovos com bacon. Lá fora, o jardim estava uma be­leza, as flores lindas em tons vibrantes.

— Vou lhe dizer uma coisa, Sherlock. Nós dois iremos cor­rer esta manhã. Estamos precisando de um pouco de exercício.

Tinha sido duro passar todo o inverno e o outono dentro de casa, deprimida. Muitos meses haviam se passado até que ela conseguisse, finalmente, tirar Dan Austin da cabeça. Agora, não atendia mais o telefone esperando ouvir a voz dele, nem mais voltava para casa pensando em encontrar um cartão do ator de­baixo da porta. Isto nunca mais iria acontecer. Era hora de apro­veitar a vida.

Estava entretida nessa linha de pensamento quando ouviu algu­ma coisa no rádio que lhe chamou a atenção.

"Você me fez completo... Foi uma luz em meu caminho es­curo ... Melanie..."

Em seguida, o locutor disse:

— Vocês estão ouvindo a última música de Dan Austin, que volta às paradas de sucesso depois de um longo tempo afastado das gravadoras.

Melanie ficou paralisada, um garfo em uma das mãos e uma xícara de café na outra. No fogão, os ovos com bacon queima­vam, mas ela não prestava atenção ao forte cheiro que exalava.

Aquela era a mesma música que ouvira Dan tocando no ho­tel em Paris. Ele mantivera o seu nome, então... Ficou ouvindo atentamente a letra até o fim. Então, levantou-se e desligou o rádio. O que significava isso, afinal? Por que Dan fizera isto? Tinha lido numa revista que ele decidira largar o cinema, sumin­do de circulação.

De repente, percebeu que, se não tomasse uma providência logo, iria queimar a casa toda. Tirou a frigideira do fogão e des­ligou-o. Aquilo mexia com o equilíbrio que tentava recuperar. Pensara que já tinha esquecido Dan, que já superara tudo, mas não era verdade. Só em ouvir a voz dele, já estava perturbada. Lágrimas escorreram por seu rosto e Melanie sabia que ia come­çar a soluçar alto. Mas não ia deixar que isto acontecesse.

— Vamos, Sherlock — disse, rapidamente. — Vamos tomar um pouco de ar.

Pegou a coleira do cachorro e foi andar pelo bairro. A prima­vera chegava com tudo, a grama estava verde, as árvores flori­das, as pessoas passeavam nas ruas e os meninos jogavam bola. Melanie soltou a coleira, deixando Sherlock correr à vontade, sentando-se embaixo de uma árvore frondosa no parque munici­pal perto de sua casa.

Dan... As lembranças voltavam com força total. As noites de amor que dividiram, Paris, os olhos tão azuis e expressivos de-,le... o corpo quente e viril junto ao seu. Subitamente, percebeu que não estava imaginando nada. Dan Austin estava ali, de pé, na sua frente, olhando-a com seus olhos muito azuis. Agachando-se, ele disse:

— Oi, Melanie.

Ela o olhou estupefata, como se tivesse visto um fantasma. Um fantasma do passado.

— Ouvi sua música... — murmurou, sem saber o que dizer.

— Os críticos dizem que é a melhor música que compus em minha carreira. E concordo plenamente. Mas, também, a inspi­ração era tão boa que tinha de ser mesmo.

— Você voltou a compor?

— Sim. E estou muito feliz com isto. Nunca mais farei fil­mes. Agora só me dedicarei à música, que é o que me faz feliz. Mas levei muito tempo para descobrir isto. Como levei muito tempo para descobrir que minha vida é vazia e inútil sem você, Melanie. Venha para Los Angeles comigo, para o nosso "vale Escondido".

— Não — o tom de voz dela era decidido. — Se está preocupada com sua carreira, você pode trabalhar no estúdio de Hollywood.

Mas não era esta a preocupação de Melanie. Sabia que de bom grado deixaria a carreira de lado para ter filhos, por exemplo.

Subitamente, sentiu a raiva crescer dentro de si. Como ele ousava voltar, agora que conseguira reestruturar toda a sua vida? Que aprendera a viver sem o amor dele?

— Vá embora! — gritou ela, sem se incomodar que os outros estivessem ouvindo. — Deixe-me em paz!

Levantou-se, decidida a ir embora, mas Dan segurou-a pelo braço.

— Será que não está satisfeito com o que já fez? O que o faz pensar que pode sumir por tanto tempo e depois querer entrar em minha vida com esse sorriso irónico e esses olhos azuis? Oh, vá para o inferno, Dan Austin!

Mas, mal conseguiu terminar a frase, sentiu os lábios quentes dele sobre os seus.

Tentou lutar para se desvencilhar daquele abraço, mas foi inutil. Como que por vontade própria, suas mãos se moveram involuntariamente até o pescoço dele, puxando-o mais para perto. Pela primeira vez, em meses, Melanie sentia-se viva de novo.

Quando finalmente se separaram, Dan disse:

— Eu te amo, Melanie. E quero que seja minha esposa.

As palavras que ele nunca fora capaz de dizer antes tocaram-na profundamente. Eram palavras doces. Dan a amava. Nada mais no mundo importava.

Melanie sorriu, por trás das lágrimas. Pela primeira vez na vi­da, sabia o que significava chorar de felicidade.

 

                                                                                Pamela Wallace  

 

                      

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