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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O AMANTE PERFEITO / Penny Jordan
O AMANTE PERFEITO / Penny Jordan

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

5º livro da série Família Crighton

O AMANTE PERFEITO

 

Recuperando-se da rejeição de seu primo Saul, Louise Crighton caiu direto nos reconfortantes braços de Gareth. Mas conseguiria ela encará-lo novamente enquanto ele suspeitasse que havia sido apenas um substituto para o homem de seus sonhos? E seria Louise capaz de confessar que, na verdade, descobrira em Gareth seu amante perfeito?

      

       — Meu Deus, quanta honra! Não é todo dia que você consegue se livrar dos deleites burocráticos de Bruxelas.

     Louise estremeceu ao ouvir o sarcasmo na voz de Max, seu irmão mais velho. Mesmo quando crianças, eles jamais haviam se afinado, e na opinião de Louise, a maturidade não melhorara em nada seu relacionamento.

     — Todos lamentaram muito a sua ausência no Natal— prosseguiu Max — Mas é claro que sabíamos que Saul foi o verdadeiro motivo para você não ter vindo.

     Louise fulminou-o com um olhar furioso antes de retorquir:

     — Talvez se passasse mais tempo pensando na sua própria vida e menos tempo falando sobre a dos outros, talvez aprendesse alguma coisa útil. Mas você nunca foi muito bom em apreciar o que é realmente valioso na vida, Max.

     Sem dar a Max uma oportunidade de retaliar, Louise girou nos calcanhares e se afastou dele a passos rápidos.

     Louise prometera a si mesma que nesta sua primeira visita ao lar desde que começara a trabalhar em Bruxelas, há mais de 12 meses, provaria à sua família o quanto havia mudado e amadurecido, e o quanto estava diferente da moça que...

     Com o canto do olho, Louise viu Saul, primo de seu pai, com Tullah e os três filhos de seu primeiro casamento.

     Tullah estava com o braço em torno de Megan, filha de Saul, enquanto Saul segurava no colo o menininho que os dois haviam tido juntos.

     A espaçosa sala de estar da casa de seu avô parecia estar preenchida pela presença de seus pares, orgulhosamente exibindo suas crescentes famílias.

     Reunido em torno da lareira estavam sua prima Olivia, com o marido e seus dois filhos, conversando animadamente com Luke, do ramo Chester da família, e sua esposa americana Bobbie e sua filhinha, enquanto Maddy, a esposa de Max, mantinha um olho discreto no vovô, que começava a ficar cada vez mais irascível.

     Segundo sua mãe, Maddy era quase uma santa por animá-lo da forma como fazia. Quando Jenny Crighton tecera esse comentário durante o café naquela mesma manhã, Louise imediatamente dissera que se Maddy conseguia agüentar ser casada com Max, viver com o avô dela era moleza.

     — Louise!— protestara sua mãe, mas Louise não demonstrara qualquer arrependimento pelo que dissera.

       Não era segredo na família que Max não era um marido bom ou gentil para com Maddy.

     Louise não conseguia entender por que diabos Maddy continuava com ele.    

     — Você está parecendo irritada.

       Louise resfolegou ao ver sua irmã gêmea. Gêmeos surgiam na família Crighton, com a mesma freqüência com que papoulas surgiam num campo de milho. Eles surgiam por toda parte, embora ainda não tivessem aparecido na geração mais recente.

       — Eles virão— predissera Ruth, irmã do pai de Louise.

       — Acabo de desfrutar de uma conversa fraternal com Max — informou Louise à irmã — Ele não mudou nem um pouco.

       — Não — disse Katie, fitando sua gêmea — Sabe, de certa forma, sinto pena dele. Max...

       — Pena do Max?! — explodiu Louise. — Por que cargas d'água alguém sentiria pena dele? Max tem tudo que sempre quis: uma posição numa das firmas de advocacia mais proeminentes do país, com acesso aos melhores casos. E tudo que precisou fazer para conseguir isso foi convencer a pobre Maddy a casar com ele.

       — Sim, Lou, eu sei o que ele conquistou no sentido material. Mas ele é feliz? — insistiu Katie — Acho que o que aconteceu com Tio David o deixou muito mais abalado do que ele deixa transparecer. Afinal de contas, eles...

     — Eles são farinha do mesmo saco — Louise interrompeu-a — Se quer saber minha opinião, seria muito bom para esta família se Tio David nunca mais desse as caras. A própria Olivia me disse que seu pai cometeu negligências profissionais muito sérias quando ele e papai eram sócios, e que se ele não tivesse desaparecido quando o fez...

       Ambas ficaram em silêncio por um momento enquanto lembravam de David Crighton, irmão gêmeo de seu pai e pai de Olivia, e o quase desastre no qual ele mergulhara a família antes de desaparecimento há alguns anos.

     — Mas tudo isso agora é passado — lembrou-a Katie com gentileza — Papai e Olivia conseguiram resolver todos os problemas que estavam tendo na empresa, e na verdade eles cresceram tanto na área que decidiram que precisam de mais um procurador da justiça qualificado para cuidar da sobrecarga de trabalho. Mas vovô ainda sente falta de David, você sabe disso. Ele foi sempre...

     — O favorito. Sim, eu sei. Pobre vovô. Nunca foi bom juiz de caráter. Primeiro ele fez de David seu favorito, à frente de papai, e agora sua menina dos olhos é Max.

     — Mamãe está muito feliz por você ter conseguido vir para o aniversário do vovô — sussurrou Katie para a irmã — Ela ficou meio chateada quando você não veio para o Natal...

     — Quando eu não pude vir para o Natal — corrigiu-a Louise — Eu lhe contei na época. Minha chefe me pressionou a apresentar um relatório sobre uma nova lei comunitária que ela acreditou que seria aprovada. Não tive outra opção além de concordar. Passar o Natal aqui teria significado uma perda de 48 horas de trabalho, isso se eu pudesse arcar com o custo da passagem de avião.

       Três meses depois de sair da universidade, e sem querer dar o passo seguinte para se tornar advogada, Louise aceitara um trabalho temporário como pesquisadora jurídica para uma recém-nomeada integrante do Parlamento Europeu.

      Seis meses atrás o trabalho temporário tornara-se permanente, e embora as horas fossem longas e o trabalho terrivelmente árduo, Louise mergulhara nele com determinação, ciente de que os contatos que iria fazer em Bruxelas acabariam por capacitá-la a fazer uma mudança de carreira, caso quisesse isso.

       As carreiras escolhidas por ela e por seu irmão não poderiam ter sido mais diferentes, reconheceu Katie enquanto olhava para sua gêmea. Enquanto Louise, fiel à sua natureza, escolhera atirar-se de cabeça no turbilhão da política e das intrigas da capital burocrática da Europa, Katie optara por se filiar a uma nova instituição de caridade dedicada a ajudar crianças do mundo inteiro que as guerras deixavam órfãs e refugiadas.

     — Você já falou com Saul e Tullah? — perguntou Kate com cuidado.

     A pergunta deixou Louise tão tensa que ela quase recuou fisicamente ao responder.

     — Não, eu não falei. Por que deveria? — retrucou irritada. — Pelo amor de Deus, quando todos nesta maldita família vão parar de se comportar como se...? — ela se calou e respirou fundo. — Olhe, pela última vez, Saul não significa nada para mim agora. Tive uma queda estúpida por ele, sim. Eu me atirei sobre ele como uma idiota, sim. Mas... — ela se calou de novo, e balançou negativamente a cabeça — Acabou, Katie. Acabou.

     — Quando você não apareceu para o Natal, mamãe achou que... — começou Katie, mas Louise não permitiu que ela terminasse.

     — Achou o quê? Que eu não ia agüentar ver Saul? Ou, pior, que eu fosse...

     — Ela achou que talvez você tivesse conhecido alguém em Bruxelas — cortou-a Katie com insistência calma — E que você não tivesse vindo para casa porque queria estar com ele...

       Curiosamente, o rosto de Louise começou a ficar corado, e, ainda mais interessante, pela primeira vez na vida as palavras pareceram lhe faltar quando ela virou a cabeça e baixou os olhos para o tapete antes de dizer:

     — Não. Não, não há ninguém... Pelo menos nada assim. Eu...

     Isso não era totalmente verdade. Havia alguém, mas ela sabia perfeitamente bem que o relacionamento que Jean Claüde queria com ela era baseado apenas em sexo.

     Jean Claüde era 12 anos mais velho que Louise, e pertencia aos escalões mais altos dos círculos diplomáticos de Bruxelas. Como ele próprio dissera a Louise, ele era um diplomata de carreira, que no momento possuía um posto conectado à indústria pesqueira francesa.

     Louise não tinha certeza do que realmente sentia em relação a ele. Jean Claüde possuía um senso de humor seco e suave, e o tipo de boa aparência gaélica a apenas um passo da beleza absoluta que o tornava altamente atraente ao sexo feminino. Política e direito, conforme Jean Claüde já lhe dissera à guisa de provocação, podiam ser companheiros de cama excelentes.

     — Turbulentos você quer dizer — corrigira-o Louise com firmeza.

     — Tome cuidado, se estiver procurando por um compromisso — uma colega de trabalho alertara Louise — Jean Claüde tem a reputação de ter um gosto variável.

     Encolhendo os ombros, Louise fizera pouco caso do comentário da outra mulher. Compromisso era a última coisa que passava pela cabeça de Louise no momento, e continuaria assim por muito tempo. Ela superara Saul no sentido de não estar mais sofrendo a paixão devastadora que a fizera fazer papel de idiota. Contudo, estava longe de superar a humilhação e o desprezo por si mesma que a atormentava desde que compreendera o quanto seus sentimentos por Saul haviam sido descontrolados e potencialmente perigosos.

    Louise não queria cometer esse mesmo erro de novo. Ela jamais permitiria a si mesma se tornar vítima e escrava de suas emoções. Na verdade, ela não compreendia como deixara isso acontecer em relação a Saul.

     Desde o começo da adolescência, Louise concentrara-se exclusivamente em estabelecer uma carreira. Embora sua paixão por Saul tivesse incutido em sua mente pensamentos sobre matrimônio e filhos, das duas irmãs sempre fora Katie a mais propensa a esses desejos.

     A força devastadora de seus sentimentos por Saul tinha sido uma aberração, e o comportamento por eles provocado fora completamente repulsivo. Mesmo agora, quase três anos depois, ela mal tinha coragem de pensar no assunto.

     Sim, para Louise agora era possível olhar para Saul com Tullah e seus filhos sem sofrer qualquer vestígio da emoção que a havia dilacerado e ameaçado cada aspecto de sua vida normal durante meses.

       Mas o que não era possível para ela, e que suspeitava que jamais fosse ser, era esquecer o quanto aquela época, e aqueles sentimentos, haviam sido traumáticos.

       Os pensamentos de Louise passaram do passado para o presente ao notar as expressões suspeitamente furtivas de seu irmão caçula, Joss, e de seu primo Jack, enquanto caminhavam até as janelas francesas. Ela esperou até Joss estar quase tocando no fecho da janela para inquirir com severidade:

     — E o que vocês dois acham que estão fazendo?

     — Lou... — tomando um susto considerável, seu irmão soltou o fecho da janela e girou nos calcanhares para encará-la.

     — Estávamos apenas indo até a estufa — disse-lhe Jack com virtuosa inocência — Tia Ruth está cultivando algumas sementes especiais lá e...

     — A estufa? — questionou Louise — Essa emocionante expedição para ver as plantas da tia Ruth não passaria pela sala de TV, passaria?

     A expressão de inocência ferida que seu irmão lhe dirigiu fez Louise contorcer levemente os lábios, mas Jack não era bom ator, e a culpa já começava a corar sua pele clara. Os dois meninos eram ardorosos fãs de rúgbi.  No começo do dia, Louise ouvira-os implorar à sua mãe, sem nenhum sucesso, que os deixassem escapulir da festa da família para assistir ao jogo de hoje.

     — Os Ali Blacks estão jogando — disse-lhe Joss, apelativo.

     — Se a mamãe pegar vocês vendo o jogo, os dois estarão fritos — alertou-o Louise.

     — Se formos agora, só vamos assistir ao segundo tempo — argumentou Joss. — E mamãe nem vai notar. Todos estaremos de volta antes que ela note que saímos.

     — Eu não acho... — começou Louise, mas Joss já estava se aproximando para lhe dar um abraço fervoroso.

     — Obrigado, Lou. Você é a maior. E se mamãe perguntar...

     Louise meneou negativamente a cabeça.

     — Nem pense em me envolver nisso. Se vocês forem pegos, ficarão por sua própria conta, os dois. — mas ela estava sorrindo afetuosamente enquanto retribuía o abraço do irmão. Afinal de contas, não fazia muito tempo que ela própria achara aquelas reuniões de família muito chatas, e que, como Joss e Jack, tentara escapar delas o mais rápido possível.

     — Aposto que você gostaria de vir conosco — sussurrou Joss para ela com um sorriso antes de caminhar rapidamente até a janela.

     — Para ver os Ali Blacks jogarem? Não, obrigada — retorquiu Louise, exagerando um arrepio feminino, mas ela estava sorrindo enquanto fechava discretamente as janelas francesas atrás dos dois meninos.

      Do outro lado da sala, Tullah, que estivera assistindo à cena, tocou o braço de Saul.

       Enquanto Saul se virava para olhar para ela, Tullah tirou o filho deles dos seus braços e lhe disse:

       — Vou ter uma conversa com Louise.

       Testa franzida, Saul a observou. Ela havia transformado sua vida, e as vidas de seus primeiros três filhos de seu primeiro casamento.

       Louise estremeceu ao ver Tullah caminhando em sua direção. Ela olhou rapidamente sobre o ombro, mas a porta da sala de visitas estava bloqueada por seu pai e tia Ruth, que estavam profundamente envolvidos numa conversa.

       Katie, que ela poderia esperar ter como aliada, de algum modo conseguira escapulir, e agora Louise não tinha como fugir. Tullah já estava ao seu lado.

       — Olá, Louise...

       — Oi, Tullah.

       — Você cortou o cabelo. Gostei. Fica bem em você.

       — Obrigada.

     Automaticamente Louise tocou um dos cachos curtos de seus cabelos recém-cortados. Ela os cortara por impulso um dia antes de embarcar num avião para casa, e o corte feminino ressaltava a delicadeza de sua estrutura óssea e enfatizava a forma e a cor de seus olhos escuros. Ela jamais recuperara completamente o peso que perdera enquanto estava na universidade. Tullah considerou que ela quase parecia frágil demais; sendo mãe, podia entender muito bem por que Jenny andava um pouco preocupada com a saúde da filha.

     Enquanto o silêncio entre as duas se prolongava, Louise sentiu-se fortemente cônscia do fato de que virtualmente cada outra pessoa na sala provavelmente as estava observando e recordando...

     Enquanto se virava para se afastar de Tullah, o bebê Scott estendeu os bracinhos e, sorrindo para Louise, tocou sua face com uma mãozinha gorducha enquanto pronunciava solene:

     — Bonita.

     Sobre a cabeça do bebê, os olhos compreensivos de Tullah encontraram os de Louise, que estavam assustados e cautelosos.

     — Puxa vida, acho que vou espirrar — disse Tullah a Louise. — Pode segurá-lo por um instante?

     Antes que pudesse protestar, Louise se descobriu segurando um bebê gorducho e sorridente, enquanto Tullah enfiava a mão no bolso em busca de um lenço.

     — Não, passou a vontade — anunciou Tullah quando o espirro não chegou.

     Entretanto ela não fez qualquer menção de pegar o filho de volta enquanto dizia a Louise:

     — É tão bom ver a família quase inteira reunida! Eu sei que seu avô nem sempre é a pessoa mais fácil com quem se lidar...

     — Você pode repetir isso — concordou secamente Louise, afastando com gentileza os dedinhos do bebê da corrente de ouro que ela usava em torno do pescoço — Os olhos dele são da cor dos de Saul — disse a Tullah — Como os outros três...?

     — Até agora, tudo bem — respondeu Tullah, mostrando-lhe os dedos cruzados. — Provavelmente tem sido mais fácil para eles, e para nós, porque moram conosco em tempo integral. Assim, eles não têm como achar que o Scott aqui tem vê mais o pai do que eles.

     Scott, por algum motivo, gostara imediatamente de Louise, e para sua própria surpresa, e a patente diversão de Tullah, ele começou a plantar beijinhos suculentos no seu rosto.

     Louise, a despeito de sua determinação de se concentrar em sua carreira, sempre gostara de crianças e de sua companhia. Quando adolescente, ela freqüentemente servira de babá para Saul, e adquirira um afeto profundo por seus três filhos. E agora, para seu profundo embaraço, Louise subitamente sentiu os olhos se encherem com lágrimas de emoção enquanto os beijinhos de Scott tocavam sua pele.

     Rapidamente ela devolveu o menino a Tullah, dizendo com a voz embargada:

     — Tullah, eu sinto muito...

     E ambas sabiam que ela não se desculpava apenas pelo que estava acontecendo agora.

     Muito gentilmente, Tullah tocou seu braço.

     — Acabou, Lou — disse baixinho a ela. — Esqueça isso. Nós esquecemos. Sentimos sua falta no Natal. Todos nós sentimos.

   Enquanto se virava para Saul e as crianças, Tullah parou e deu um beijinho no rosto de Louise.

     — Esqueça — dissera Tullah. Louise fechou os olhos enquanto Tullah se afastava. Se ao menos ela conseguisse esquecer! Tullah e Saul podiam tê-la perdoado, mas ela duvidava que um dia fosse capaz de perdoar a si mesma.

    — Está tudo bem, querida?

    Louise forçou um sorriso determinado ao ver a preocupação nos olhos da mãe.

    — Tudo — assegurou-a. Uma olhada rápida em torno da sala de visitas de seu avô assegurou-a que ela não era mais o objeto da atenção discreta de todos.

    Respirando fundo, Louise comentou com o máximo de firmeza que conseguiu:

     — Estava apenas dizendo a Tullah que os olhos de Scott são da mesma cor dos de Saul.

     — São mesmo, não são? — concordou Jenny Crighton, deixando extravasar a ansiedade que se apoderara dela.

     Por um lado fora um alívio quando Louise enfim concordara em vir comemorar o aniversário de seu avô, mas por outro...

     Louise era sua filha, e ela a amava, e se preocupava com ela, mas tinha de admitir que se sentira ansiosa.

     Louise tinha pavio curto, além de um senso de orgulho que se feria facilmente. Quando, ainda há pouco, vira Max falar com sua irmã, Jenny rezara para que Max não fizesse ou dissesse nada para abalar sua irmã ou colocá-la na defensiva.

     Tullah e Olivia — sobrinha de Jenny e prima de Louise — haviam tentado assegurar Jenny de que tudo ficaria bem, que toda mulher tinha uma paixão de adolescência. Segundo elas, Louise apenas tivera dois azares: ter tido sua paixão completamente exposta à família, e ter tido como objeto dessa paixão um membro da própria família.

     — Ela se comportou muito mal — lembrara-lhes Jenny.

     — As coisas saíram um pouco do controle — concordara Tullah. — Mas como o comportamento de Louise acabou fazendo com que Saul e eu reatássemos e reconhecêssemos o quanto realmente amávamos um ao outro, tenho de admitir que me sinto mais inclinada a me sentir grata a ela do que qualquer outra coisa.

     — Louise cometeu um erro — acrescentara Olivia. — Cometer erros é algo que todos nós podemos fazer, e pessoalmente, eu acho que ela vai se tornar uma pessoa melhor e mais madura por ter descoberto que é propensa a falhas, como todo ser humano. Ela era muito inclinada a se julgar acima dos outros — lembrou Olivia a Jenny. — Talvez uma combinação de certo gene Crighton com um cérebro, muito, muito arguto. O que aconteceu a deixou mais humilde, e a fez compreender que era um ser humano, e que não podia programar a si mesma para chegar mais alto que todos.

     — Já há alguma coisa para comer? — pressionou Jenny. Jon, seu marido, sempre a lembrava que Louise agora era uma mulher adulta, vivendo sua própria vida e lidando com um trabalho muito exigente, mas para Jenny ela ainda era uma das suas menininhas. E sob a visão maternal de Jenny, Louise parecia um pouco magra demais.

     — Não estou com fome — disse Louise. Apesar da generosidade de Tullah de colocar uma pedra naquele assunto, Louise ainda sentindo um nó no estômago que provavelmente iria impedi-la de comer qualquer coisa. — Eu só estava indo desejar um feliz aniversário ao vovô — ela disse à mãe, e com sorte, depois que tivesse feito isso, conseguiria sair sem que os outros pensassem que... O quê? Que ela estava fugindo?

     Fugindo. Não, ela não ia fazer isso. E, a despeito do que algumas pessoas pareciam pensar, ela nunca fizera isso!

     — Parlamento Europeu? Um bando de burocratas criadores de comitês que não estão nem aí para o que está acontecendo no mundo de verdade...

     Louise rangeu os dentes ao ouvir Ben Crighton, seu avô e patriarca da família, dizer isso alguns minutos depois. Como ela sabia muito bem, até onde dizia respeito a ele, a única forma digna de praticar a lei era numa firma de advocacia.

     Antes de permitir que Ben a provocasse para uma discussão, Louise pediu licença para se retirar. Sentia pena de Maddy, que se mudara para a grande casa de campo do avô há um ano, para cuidar dele depois da operação de quadril à qual fora submetido.

   A medida, inicialmente apenas temporária para garantir que alguém iria cuidar dele a curto prazo, tornara-se um arranjo permanente, com Maddy e as crianças vivendo tempo integral em Haslewich com o avô de Max enquanto ele passava a maior parte de seu tempo vivendo e trabalhando em Londres.

   Louise não compreendia como ou por que Maddy agüentava o egoísmo patente de Max — e seus igualmente patentes casos extraconjugais. Louise decerto jamais agüentaria essas coisas, mas por outro lado ela jamais se casaria com um homem como seu irmão. Ela sabia o quanto o comportamento de Max abalava seus pais. Ele era igualmente egoísta e desprovido de princípios em outras áreas de sua vida quanto era em seu papel como marido.

   Ao contrário de seu tio David, pai de Olivia e irmão gêmeo de seu próprio pai, Max talvez jamais viesse a infringir a lei, mas Louise suspeitava que ele era perfeitamente capaz de fazer isso ou de, ao menos, distorcê-la para se adequar aos seus próprios interesses.

   — Ele não muda, não é mesmo? — o tom indignado e familiar da voz de Saul, vinda de trás dela, fez Louise girar nos calcanhares, seu rosto uma rígida máscara de cautela.

     A última vez que ela e Saul haviam se falado fora quando ele a consignara a encargo de Olivia, tendo acabado de deixar claro para ela que, longe de corresponder aos sentimentos dela por ele, preferiria jamais olhar para sua cara novamente.

     Palavras faladas no calor do momento, talvez, mas palavras que haviam deixado sua marca, sua cicatriz, principalmente porque ela sabia o quanto merecera sua fúria e rejeição.

     — Acho que na idade dele... — começou Louise, mas então balançou a cabeça e acrescentou: — Não, ele não muda mesmo.

     Era absolutamente ridículo que ela, aos 22 anos, estivesse se sentindo desconfortável como uma criança culpada, mas era exatamente assim que se sentia.

     O destino maligno que decidira tornar Saul objeto de suas fantasias e desejos adolescentes havia muito tempo levantado acampamento de suas emoções.

     O homem que ela via de pé à sua frente podia não ter mudado, mas ela    certamente havia. O Saul que ela viu de pé à sua frente agora não significava nada mais do que mais um membro de sua família.

   — A sua mãe diz que você só está aqui de passagem.

   — Sim. É isso mesmo — concordou Louise. — Minha chefe, Pam Carlisle, foi convidada para um novo comitê montado para analisar os problemas causados pela pesca excessiva nos mares árticos. É claro que do ponto de vista jurídico isso demandará muito trabalho de pesquisa, e é aí que eu entro.

   — Hum... Parece um bom campo de desenvolvimento para futuros políticos europeus na família Crighton — provocou Saul, mas Louise balançou a cabeça.

   — Não. Definitivamente não — negou com firmeza. — Política não é para mim. Acho que, para início de conversa, eu sou franca demais. E a política requer muito mais elegância do que eu possuo.

   — Você está sendo cruel demais consigo mesma — disse Saul a ela. — De mais de uma forma — acrescentou significativamente, olhando profundamente seus olhos enquanto dizia: — Está na hora de um novo começo, Lou. O que aconteceu, aconteceu, mas está no passado agora...

     Antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, ele acrescentou:

     — Em algum momento nos próximos meses, Tullah e eu faremos uma viagem de negócios a Bruxelas. Seria muito legal se todos nós pudéssemos nos encontrar... Sair para jantar...

     Saul trabalhava para a Aarlston-Becker, uma grande companhia multinacional cuja sede européia ficava nas cercanias de Haslewich.

     Ele e Tullah haviam se conhecido quando ela fora trabalhar para o departamento jurídico da empresa, sob a chefia de Saul.

     Incapaz de fazer qualquer outra coisa além de simplesmente menear a cabeça, Louise foi surpreendida quando Saul estendeu os braços para lhe dar um firme abraço de primo enquanto lhe dizia:

   — Amigos novamente, Lou.

   — Amigos — conseguiu dizer enquanto se esforçava para conter as lágrimas.

   — E não se esqueça de escrever para mim.

   — Por que você precisa ir embora para se envolver com uma Ong fajuta que não tem dinheiro nem para comprar um fax? — queixou-se Louise.

   — Me diga você... Mas eu gosto do meu trabalho — frisou Katie.

   Elas estavam se despedindo no aeroporto. Elas tinham sido deixadas por ali por sua mãe, que seguira para uma reunião da instituição de caridade que ela e Ruth, a tia-avó das duas, haviam criado em sua cidade natal alguns anos antes. — Desculpe por não poder esperar o avião com vocês — desculpara-se Jenny enquanto as duas irmãs desciam de seu carro compacto.

   — Não se preocupe com isso, mamãe. Nós entendemos — consolara Louise.

   — Você sempre pode ir até Bruxelas para me ver, sabe disso — disse Louise abruptamente à sua gêmea. — Se isso ajudar, conte comigo para pagar a passagem.

   Katie deu um abraço breve na irmã. Ela sabia o quanto era difícil para Louise admitir, mesmo para sua gêmea, que havia falhas em sua couraça emocional. Para o mundo em geral, Louise sempre parecia a mais independente das duas irmãs, a líder.

     Mas na verdade Katie acreditava que ela era a menos sensível das duas, a que tinha as emoções menos à flor da pele, embora soubesse que Louise negaria peremptoriamente qualquer alegação nesse sentido. Louise sempre tomara para si o papel de irmã maior e mais corajosa, mas Katie sabia que por dentro Louise não era nem um pouco confiante ou independente quanto os outros pareciam achar.

     Mesmo seus parentes pareciam se deixar enganar pelas bravatas de Louise, e conseqüentemente era ela, Katie, quem sempre era tratada com um pouco mais de gentileza, aquela para quem eram sempre feitas as maiores concessões. E esse fato fazia com que Katie se sentisse estranhamente responsável por sua irmã.

   — A propósito, você sabia que o professor Simmonds será transferido para Bruxelas? Parece que foi convidado a presidir algum comitê sobre direitos de pesca no Mar do Norte — disse-lhe vagamente Katie.

   — O quê? Não, eu não sabia disso — respondeu Louise, rosto empalidecendo.

     — Não? Eu achei que você talvez tivesse esbarrado com ele — disse Katie a ela com toda inocência.

   — Não, eu não esbarrei com ele! — mas se o que Katie acabara de lhe dizer era verdade, Louise suspeitava que certamente fosse fazer isso. O comitê do qual Katie estava falando devia ser o mesmo para o qual a chefe de Luísa acabara de ser designada. Mas que coincidência indesejada!

   Louise sentia o estômago embrulhado e a cabeça assaltada por pensamentos frenéticos, mas não ousava dizer a Katie o quanto estava chocada e abalada.

   — Sei que você não gosta dele — disse Katie.

   — Não. Eu não gosto — concordou sucinta Louise — Afinal de contas, ele me fez perder o meu primeiro...

   — Louise, isso não é justo — objetou Katie com gentileza.

   Louise desviou o olhar. Havia muita coisa que Katie não sabia, que ela não podia lhe contar.

   Gareth Simmonds fora seu orientador em Oxford durante um momento particularmente traumático de sua vida, e ele não apenas fora testemunha desse trauma e da forma como ela fizera papel de idiota, como também havia...

     Louise mordeu o lábio. A sensação de pânico que fervia em seu estômago aumentava em vez de diminuir.

     — Essa é a chamada final para o meu vôo — disse a Katie, dando um abraço rápido em sua irmã gêmea antes de pegar sua bagagem e caminhar até o portão de embarque.

     Gareth Simmonds em Bruxelas!

     Era só o que faltava!

    

     Gareth Simmonds em Bruxelas! Louise gemeu baixo e fechou os olhos, balançando a cabeça em recusa à bebida que a comissária de bordo lhe estava oferecendo. Só mesmo Katie para esperar até o último minuto para lhe dar uma notícia dessas. Porém, pelo menos ela havia lhe avisado. Gareth Simmonds. Ela rangeu os dentes em fúria impotente.

     Já estava no meio de seu primeiro ano na faculdade quando ele assumira o posto de seu orientador anterior, que tivera de se aposentar inesperadamente por motivos de saúde. E Louise e Gareth não se afinaram desde o começo.

     Ela não gostara do papel muito mais ativo que ele pretendera assumir como seu orientador. Estivera acostumada a seu predecessor idoso e adoentado, que sempre se mostrara satisfeito por deixá-la aos seus próprios recursos, dando-lhe amplas oportunidades de dar o mínimo de atenção aos seus estudos enquanto se concentrava na questão, que se tornara muito mais importante, de fazer com que Saul se apaixonasse por ela.

     A situação já teria sido muito ruim se Gareth Simmonds tivesse se contentado apenas com seu papel oficial como seu orientador; mas não, isso não fora suficiente para ele.

     Ele tivera a audácia de também tentar interferir em sua vida particular.

     Louise contorceu os ombros tensos. A última coisa que ela precisava neste momento, quando começava a colocar sua vida de volta nos eixos, quando os eventos do fim de semana tinham feito com que finalmente começasse a recuperar o amor próprio, era ver seu passado negro voltar à tona na pessoa de Gareth Simmonds.

     Ele ia a Bruxelas para liderar um comitê, dissera-lhe Katie, repetindo para ela a informação que obtivera numa reunião informal com seus ex-colegas de faculdade. E não era qualquer comitê.

     Louise podia sentir seu corpo começar a retesar-se defensivamente.

     O mero pensamento de que ela teria de manter qualquer tipo de contato com Gareth Simmonds era inaceitável, inadmissível. Raiva, orgulho e pânico começaram a se contorcer dentro dela, constringindo sua garganta como se seu próprio desespero estivesse ameaçando sufocá-la.

     Gareth Simmonds. Sua relação com ele fora conflituosa desde o início. Alguma coisa nele provocava em seu corpo sentimentos agudos e atávicos de antipatia e apreensão. E isso fora antes daquele confronto desastroso entre os dois no final de seu primeiro ano em Oxford, quando ele a chamara ao seu escritório para avisá-la sobre as conseqüências sérias que a aguardavam caso ela não passasse a dedicar mais tempo e atenção ao seu trabalho.

     Louise costumara ser muito mais teimosa naquela época, e a audácia de Gareth em desafiá-la, somada ao tormento de seu amor por Saul, fizera-a retaliar.

     Ela o odiara com quase a mesma intensidade com que amara Saul, e com exatamente o mesmo efeito, e a última coisa que ela queria ou precisava neste estágio de sua vida era ser confrontada com a evidência física do quanto fora estúpida em sua juventude.

     Ainda podia se lembrar...

     Gareth chegara a Oxford provocando muitas fofocas e risinhos femininos. O catedrático mais jovem que eles já tinham tido, e o mais sexy, segundo as colegas de Louise. Louise dera com os ombros em desdém. Embora as outras o achassem sexy, não estava interessada. Aos seus olhos, ele jamais poderia se comparar a Saul. Nenhum homem poderia.

     Era verdade que ele media mais de 1,80m e possuía a descendência celta que produzia uma combinação de cabelos negros espessos e olhos azuis reluzentes, mas no que dizia respeito à Louise, ele poderia se parecer com o Corcunda de Notre Dame, que não faria a menor diferença.

     — Vocês já ouviram a voz dele? — arfara uma estudante estupefata. — Eu podia ter um orgasmo só de ouvir ele falando!

     Louise olhara com desprezo para ela. A voz de Saul podia deixá-la com os joelhos bambos, e a voz de Gareth Simmonds não parecia em nada com a dele. A única coisa que eles tinham em comum era o fato de ambos estarem na casa dos 30 anos, embora Gareth Simmonds fosse uns bons sete anos mais jovem que Saul, e ambos serem capazes de falar com extrema rudeza quando assim queriam. De Saul, a menor insinuação de uma palavra rude poderia reduzi-la à miséria total. De Gareth Simmonds isso tendia a lhe provocar um feroz desejo de retaliar na mesma moeda.

     Ele podia ter sido seu orientador, mas isso não lhe dera o direito de interferir em sua vida da forma como fizera. Além disso... Mas não, ela não devia pensar nisso. Não agora.

     De súbito Louise percebeu que o avião havia pousado. Num movimento automático, ela se levantou e estendeu a mão para pegar sua bolsa no bagageiro, e então tomou um susto quando o homem que estivera ocupando a poltrona atrás da sua também se levantou e fez a mesma coisa.

     — Você! — sussurrou ao ficar cara a cara com o mesmo homem que estivera ocupando seus pensamentos e incitando sua raiva.

   — Olá, Louise. — cumprimentou-a com calma Gareth Simmonds.

     Trêmula, Louise agarrou sua bolsa de viagem e deu as costas para ele. Que coincidência medonha ele estar no mesmo vôo que ela!

     Mantendo-se de costas para ele, Louise caminhou pelo corredor em direção à saída.

     Um vento forte varava a pista de decolagem quando eles desceram do avião. Enquanto caminhava apressada até a área de desembarque, Louise assegurou a si mesma que a velocidade em suas passadas era causada pelo ar gelado.

     Certamente não pelo medo de ter estado cara a cara com Gareth Simmonds pela segunda vez.

     Depois de passar pela alfândega, Louise seguiu até o ponto de táxi. Ali deu ao motorista o endereço do edifício no qual morava. O apartamento que ela alugara era pequeno, e assustadoramente caro, mas pelo menos ela vivia sozinha, reconfortou-se enquanto pagava o motorista e caminhava até o saguão do prédio.

     Enquanto ela enchia o bule, Louise ouviu as mensagens em sua secretária eletrônica. Um pequeno sorriso amargo curvou sua boca ao ouvir o sexy e familiar sotaque francês de Jean Claüde. Ela saíra com o francês algumas vezes, mas estava completamente a par de sua reputação de conquistador incorrigível.

     Ele telefonara para perguntar se ela estaria livre para jantar durante a semana. Louise foi abrir sua agenda. Ela combinara acompanhar sua chefe até uma reunião inaugural do novo comitê de manhã. Suspeitava que isso poderia se estender até depois do almoço, e então à noite iria haver um jantar oficial.

     — O contingente francês deverá apresentar algumas perguntas capciosas — alertara Pam Carlisle a Louise. — Eles não estão nada felizes com o fato do presidente nomeado para o comitê seja britânico. Só foram persuadidos a aceitar depois que souberam que ele é conhecido como sendo pró-europeu. Afinal de contas, as águas disputadas são oficialmente britânicas.

     — Mas eles querem mudar isso... — presumira Louise.

     — Bem, eles certamente querem obter seu direito legal a pescar nessas águas.

     Eles teriam de discutir as ramificações jurídicas da situação, e Louise jamais pensara em perguntar ao seu chefe a identidade do presidente do comitê. Por que deveria ter feito? Jamais lhe passara pela cabeça que o novo presidente nomeado pudesse ser seu ex-orientador, o odioso Gareth Simmonds. Será que seu prestigioso cargo de orientador, somado à adoração absoluta de metade da população estudantil feminina não fora suficiente para ele?, perguntou-se amargamente Louise.

       — Aposto que ele é um paraíso na cama — Louise lembrava de ter ouvido uma de suas colegas comentar com um suspiro de deleite. — E ele não é casado!

       — Um paraíso na cama! — Louise ficara abruptamente furiosa. Com toda certeza, ele era um inferno fora dela! Ao menos para ela.

      — Ele nos confundiu — alertara-a Katie. — Ele achou que eu iria assistir às aulas para cobrir você. Ele chegou mesmo a me chamar de Katherine ontem...

       — E daí...? — retrucara Louise. — Esse é o seu nome, não é?

       — É o meu nome — concordara Katie. — Mas na época eu estava assistindo a uma aula dele fingindo que era você.

     — Ele provavelmente cometeu um erro genuíno — disse Louise irritada a ela.

       Louise tinha ido a Haslewich, a pretexto de ter deixado alguns de seus livros lá em sua última visita ao lar, mas na realidade fizera isso para poder ver Saul. Contudo, para sua vergonha, Saul estivera fora a negócios, e todo o exercício se um completo desperdício de tempo.

       Naquela época ela nem sempre conseguira tratar sua irmã gêmea com a consideração que ela merecia, compreendeu Louise agora, enquanto a chaleira perturbava seus pensamentos. Na verdade, provavelmente era verdade dizer que ela freqüentemente fora culpada por chantagear Katie a fazer o que ela queria.

       Mas é claro que as coisas eram diferentes agora. Louise fizera tudo ao seu alcance para compensar Katie, e, conforme era a primeira a reconhecer, ainda havia áreas nas quais sua irmã gêmea demonstrara consideravelmente mais força e determinação do que ela mesma poderia ter feito.

       Contudo, ela estivera no final da adolescência, e tão totalmente obcecada por Saul, que mais nada, mais ninguém, fora importante.

       Por um breve instante Louise fechou os olhos. Esta tarde, quando Saul lhe dera um abraço firme e fraternal, inicialmente seu corpo encolhera completamente contra seu toque — não por repúdio, mas por medo, um medo auto protetor instintivo e profundamente enraizado que poderia estar escondido em alguma parte oculta dela que ainda fosse suscetível aos seus antigos sonhos românticos. Mas para seu alívio, o que ela realmente sentira, tudo que ela realmente sentira, fora uma sensação morna e muito calmante de paz e libertação, somada ao conhecimento de que não havia nada para ela temer. Ser abraçada por Saul, estar nos braços dele, não significara mais para ela do que se ele fosse Gaspar, marido de Olivia, ou um dos primos Chester, ou mesmo qualquer outro homem de quem ela tivesse motivo para gostar de uma forma absolutamente não sexual e descomplicada. Ela soubera disse nesse momento, soubera que estava verdadeira e completamente livre do passado, pelo menos no que dizia respeito a Saul.

       Testa franzida em preocupação, mexeu seu café.

       Ela havia se comportado como uma tola quando estivera na universidade; não havia como fugir desse fato, mas ela não estivera sozinha ao fazer isso. Muitos outros estudantes tinham feito o mesmo.

       Ela pegou a sua caneca de café muito depressa, fazendo derramar um pouco do líquido quente em sua mão. Ela xingou baixinho.

     Maldito Gareth Simmonds. Por que diabos ele não permanecera onde estava em Oxford... E em seu passado?

     A última coisa que ela precisava neste momento era tê-lo por perto estudando-a...

     Observando-a com aqueles perspicazes olhos azul-celestes... Julgando-a... Simplesmente esperando para que ela cometesse um erro...

     Louise começou a ranger os dentes.

     Bem, ela tinha notícias para ele. Ela não era mais a Louise que estudara em Oxford. Era, agora, uma mulher, madura, com um trabalho que exigia muita dedicação e responsabilidade, mas que possibilitava que ela tivesse controle sobre sua própria vida, e que não precisasse da presença e apoio constante de sua irmã gêmea para sentir-se inteira e completa. Deus, como ela o odiava por tê-la acusado disso... E essa fora apenas uma das críticas aviltantes que ele lhe fizera!

     Era a rejeição que ela sofrerá de Saul, depois que ludibriara Tullah para segui-la até o labirinto e a deixara lá durante o baile de máscaras, que deveria ter permanecido como uma cicatriz em sua consciência, mas estranhamente não era. Eram as discussões e confrontos que Louise tivera com seu orientador que ainda assombravam seus sonhos, e que ainda, em momentos de estresse, ecoavam continuamente em sua memória.

     Oxford, a época em que ela finalmente tinha sido forçada a compreender que Saul jamais iria amá-la, que na verdade ele amava outra pessoa.

       Oxford e Gareth Simmonds. Oxford, Itália — e Gareth Simmonds. Itália e Gareth Simmonds.

       Pegando seu café, Louise caminhou até sua pequena sala de estar e se enrodilhou no sofá, fechando os olhos. Ela não queria reviver essas lembranças, mas podia senti-las forçando caminho até sua consciência assim como Gareth Simmonds parecia estar forçando caminho até a nova vida que ela preparara para si mesma.

       Como se o desastre do baile de máscaras não tivesse sido punição suficiente para Louise, na semana seguinte recebera uma carta de Gareth Simmonds.

       Uma carta curta informando-a que ele queria conversar com ela a respeito de certas questões a respeito de seu trabalho. Seus pais descobriram que ela recebeu a carta, e ela não teve como fazer segredo sobre seu conteúdo, embora Katie tivesse jurado jamais lhe contar o quanto ela vinha negligenciando os estudos. Seus pais fizeram questão de estar perto dela para testemunhar sua humilhação de telefonar para Gareth Simmonds e marcar uma reunião com ele, e deixaram completamente clara sua decepção com a forma como ela vinha abusando tanto de sua inteligência quanto da oportunidade de estudar numa universidade renomada como Oxford. Culpando furiosamente Gareth Simmonds por aumentar seus problemas, Louise tivera de ceder à firme insistência de seus pais de levá-la de carro até Oxford, onde planejava ter a reunião de orientação e depois permanecer mais alguns dias para colocar em dia o seu trabalho.

       Eles haviam partido depois do café da manhã, sua mãe patentemente infeliz e tentando conter as lágrimas, e o pai inesperadamente sorumbático e distante. Louise soubera claramente o que se passava em suas mentes. Será que ela, como seu irmão mais velho Max, seria uma daquelas Crighton que havia herdado os genes do egoísmo e da autodestruição de seu tio David? Louise quisera assegurar a eles que não havia nada com que se preocupar, mas estava ainda profundamente chocada consigo mesma, ainda traumatizada não apenas com o que ela fizera, mas também com as assustadoras emoções que haviam gerado seu comportamento perigoso.

       — Eu não posso acreditar que você se comportou de forma tão vergonhosa — dissera-lhe seu pai numa voz soturna e trêmula de emoção ao falar com Louise depois do escândalo que ela fizera depois do baile — O que você ia fazer? Deixar Tullah no labirinto até...

       — Não... Não... Eu apenas... — lágrimas correndo pelas bochechas, Louise dera as costas para ele, não apenas para obrigar a si mesma a admitir que estivera tão obcecada por sua necessidade de fazer com que Saul a visse como mulher, a fazer com que ele a amasse como mulher, que ela simplesmente vira Tullah como um obstáculo em seu caminho.

       Alguém que estava impedindo que Saul visse a ela, Louise, da forma apropriada, e que reconhecesse que eles haviam nascido um para o outro.

       Katie viajara para Oxford com eles para lhes prover apoio moral. Ela também ia aproveitar esse tempo para ver os amigos que tinham ficado em Oxford para ganhar algum dinheiro servindo mesas em bares e restaurantes locais.

       Enquanto sua mãe arrumava o quarto de Louise, organizando suas roupas e livros, Katie simplesmente segurara sua mão com força num gesto de solidariedade e amor fraternal.

       Foi apenas quando sua mãe sacudira seu edredom e se pusera a arrumar sua cama que ela finalmente se moveu, empurrando-a para o lado e lhe dizendo:

     — Eu posso fazer isso...

     Tudo que acontecera até ali já era bastante vergonhoso. Imagine ter sua mãe levantando seu travesseiro para descobrir que ela dormia com uma camisa roubada de Saul debaixo dele! Isso teria sido a maior de todas as humilhações.

       — Você... Você quer falar sobre isso...?

       Furiosamente, Louise balançou a cabeça.

       — Oh, Lou — sussurrou Katie, voz carregada com voz e desespero com o que sua gêmea fizera e amor e piedade pela própria Louise.

       — Pare de frescura — asseverou Louise.

       — Tenho certeza de que o professor Simmonds sabe o que nós fizemos — alertou Katie — Não quis dizer nada na frente de papai e mamãe, mas, como lhe disse, ele deixou bem claro que eu andei comparecendo às aulas no seu lugar — prosseguiu Katie. — Leu as anotações que fiz para você?

— Sim — reconheceu sucintamente Louise. — Mas como ele notou que trocamos de lugar? Já pregamos muitas peças em nossos amigos e eles nunca perceberam nada.

Katie esperou vários segundos antes de responder baixinho:

— Com o professor Simmonds é diferente. Ele simplesmente parece saber. É quase como se tivesse um tipo de sexto sentido que lhe permite saber a diferença entre nós.

— Um sexto sentido? Ele é professor de Direito, e não mágico!

       Mas mesmo assim ela ficara sentindo-se desconfortável e nervosa. Alguma coisa em Gareth Simmonds a instigava a desafiá-lo. E ela se sentia furiosa com o fato de que todas as suas tentativas de desafiá-lo haviam redundado em humilhante derrota.

— Ele me chamou de Katherine — lembrou-a Katie. — Embora eu estivesse usando suas roupas e todos os outros tenham acreditado que eu era você.

— Porco, arrogante e convencido — murmurou Louise agressivamente. — Eu o odeio.

Mas não tanto quanto ela odiava a si mesma.

Louise e Katie haviam chegado à decisão de que, embora ambas quisessem ir a Oxford, não queriam viver juntas, para não ser consideradas um par inseparável. Assim, haviam se matriculado em cursos diferentes e alugado acomodações distintas.

Depois que sua irmã se retirou, Louise pegou as anotações que sua irmã fizera para ela.

Mas enquanto ela corria os olhos pelas anotações, Seu cérebro simplesmente não conseguia absorver seu significado. Como poderia, quando ele, como suas emoções, ainda estavam tentando absorver o terrível golpe dos eventos recentes?

Louise estivera apaixonada por Saul e sonhara que, quando declarasse seus sentimentos, ele descobrisse que também a amava. E isso simplesmente não acontecera. Isso fora uma surpresa chocante. Ela conseguira alcançar todos os outros objetivos que estabelecera para si mesma, e jamais lhe passara pela cabeça que conquistar o amor de Saul seria a exceção.

A caligrafia de Katie começou a borrar diante de seus olhos.

Ela largou os papéis para envolver o próprio corpo com braços trêmulos. Sentia-se fria e vazia por dentro, e ao mesmo tempo cheia com um enorme peso de medo e dor.

Automaticamente ela caminhou até sua cama e enfiou a mão por baixo do travesseiro para pegar a camisa de Saul. Fechando os olhos, abraçou a camisa e respirou o perfume de Saul que ainda aderia ao tecido. Mas desta vez seu perfume fraco, mas, oh!, tão evocativo, não conseguiu confortá-la. Não era a camisa que ela queria abraçar, reconheceu enquanto a arremessava longe com um arrepio. Era o homem. Era Saul. Mas ele deixou terrivelmente claro para ela que isso jamais iria acontecer.

— Saul, Saul, Saul... — desamparada, ela pronunciou seu nome, deixando-o ecoar em sua cabeça enquanto as lágrimas começavam a fluir.

       Desgastada pela intensidade de suas emoções, ela finalmente adormeceu, apenas para acordar de madrugada, com frio e tremendo, os olhos quentes e doloridos.

Ainda estava completamente vestida. Não comera nada, mas simplesmente pensar em comida deixou-a enjoada. Enquanto se levantava viu as anotações descartadas que Katie havia lhe dado, e seu coração pulou ansioso dentro do peito.

Gareth Simmonds não era como o velho professor Lewis.

Ela jamais conseguiria convencê-lo a ignorar a queda em seu desempenho acadêmico, e Louise sabia que ele caíra vertiginosamente. Mas como ela poderia se concentrar em seus estudos quando seu coração, todo seu ser, havia estado completamente focados em Saul?

— Ah, Louise. Bom. Obrigado por ter retornado a Oxford tão abruptamente. Sua irmã veio com você?

Apesar do tom calmo e aparentemente amistoso da voz de seu orientador enquanto a convidava a entrar no escritório, Louise não se deixou enganar pela amabilidade aparente, nem pela forma como ele enfatizara as palavras "sua irmã". O plano de ação de Louise, antes de chegar ao escritório de Gareth

Simmonds fora enganá-lo; agarrar-se firme à ficção de que ela comparecera a todas as suas aulas e que ele se enganara ao confundi-la com Katie. Mas bastou um olhar para o rosto daquele homem, um breve choque entre os belíssimos, mas ainda inchados olhos negros de Louise e os azuis e penetrantes olhos de Gareth, para que ela compreendesse o potencial desastroso desse tipo de ação.

— Sente-se — instruiu Gareth quando viu que ela não havia esboçado qualquer reação, o que era uma novidade completa para Louise. Ela normalmente tinha na ponta da língua respostas rápidas e sarcásticas para as perguntas mais constrangedoras.

Era uma experiência absolutamente nova para ela sentir-se tensa o bastante para ficar sem palavras enquanto aguardava com apreensão o desenrolar dos eventos. Ela podia ver uma mistura de pena e irritação no rosto de Gareth, o que feria profundamente o seu orgulho. Como ele ousava sentir pena dela?

Para seu mais profundo embaraço, Louise sentiu os olhos começarem a arder com emoções traiçoeiras. Rapidamente abaixou a cabeça. A última coisa que queria era que esse homem sentado à sua frente, esse homem cortês e controlado, ao qual ela lamentavelmente era subalterna, percebesse que não estava se sentindo segura de si. Louise não queria que ele visse que ela, na verdade, em vez de não dar a mínima para o que ele estava dizendo, conforme ela desesperada-mente tentava demonstrar, estava se sentindo completa e assustadoramente vulnerável, e apavorada com a situação na qual se metera.

Enquanto piscava com fúria para banir as lágrimas, ela não notou que Gareth Simmonds havia se levantado de trás de sua mesa. Ela só percebeu isso quando ele subitamente estava ao seu lado, o corpo alto e os ombros largos não deitando uma sombra ameaçadora, mas inexplicavelmente aquecendo imensamente o ar em torno dela.

— Louise. A última coisa que quero é tornar as coisas mais difíceis para você. Eu sei que você deve ter passado por situações emocionais difíceis nos últimos meses. A última coisa que eu quero é...

   Imediatamente Louise percebeu seu próprio corpo enrijecer.

Já tinha sido muito difícil lidar com a mistura de raiva e piedade de sua família. Agora, ter Gareth Simmonds, oferecendo sua "compreensão" altiva e condescendente, era mais do que ela podia suportar.

— O único problema que tenho neste momento é você — disse agressiva, aliviada por conseguir usar a raiva para segurar o choro.

Louise julgou tê-lo ouvido respirar fundo, e esperou por sua retaliação, mas em vez disso ele simplesmente disse com bom humor:

— Louise, sei que perante a lei você é uma adulta, mas neste momento você está parecendo minha sobrinha de seis anos. Não sou seu inimigo. Estou tentando ajudá-la.

— Não seja condescendente comigo. Eu não sou sua sobrinha — retaliou Louise, levantando-se, faces coradas de raiva, completamente determinada a sair correndo daquele escritório.

Mas antes que Louise pudesse fazer isso, ele a deteve, segurando seu pulso para conduzi-la de volta a cadeira com gentileza, mas determinação. E então, antes que ela pudesse dar voz à sua raiva, para sua consternação ele se ajoelhou ao lado de sua cadeira, de modo a manter os olhos nivelados com os dela ao lhe dizer:

— Pare de tornar as coisas tão difíceis para você mesma. Você tem um cérebro brilhante, mas ele não vai levá-la a lugar algum se for contido por esse seu orgulho. Louise, você sabe que todos passamos por momentos em nossas vidas em que precisamos da ajuda de outras pessoas...

— Bem, eu não preciso — Louise interrompeu-o rudemente, acrescentando com ferocidade: — E mesmo se eu precisasse, a última pessoa a quem eu recorreria seria você.

Houve um longo momento de silêncio antes que ele finalmente dissesse baixinho:

— Essa é uma declaração muito interessante, Louise. E se me der a licença de dizer, uma declaração perigosamente carregada de desafio.

Com um arrepio na espinha, Louise percebeu que ele não estava olhando mais seus olhos, mas sua boca.

— Ele é tremendamente sexy — lembrou de suas colegas dizendo quando falaram a respeito dele. E naquele momento ela compreendeu exatamente o que elas quiseram dizer.

Tão imediata quanto essa compreensão, e duas vezes mais poderoso que ela, veio sua rejeição virginal e desesperada a ele. Ela não queria ver Gareth Simmonds como um homem atraente e desejável. Ela não podia se permitir ter esse tipo de reação a qualquer outro homem que não fosse Saul.

— Quero ir embora — disse balbuciante. — Quero...

— Ainda não. Eu ainda não acabei de falar com você — retorquira calmamente Gareth. Mas ele recuou um passo para longe dela, como se de algum modo houvesse percebido o que ela estava sentindo, e desejado facilitar as coisas para ela, o que era absolutamente impossível, é claro. Louise sabia que ele a odiava tanto quanto ela o odiava, e que ele sentia prazer em tornar sua vida difícil e desagradável. Encarando-a fixamente, ele disse:

— Muito bem, Louise, se você quer fazer isto da forma mais difícil, a escolha é sua. Eu sei o que tem acontecido, Louise. Portanto, não tente desperdiçar o meu tempo ou o seu aparentemente decadente cérebro tentando mentir para mim. Sonhar com situações absolutamente irreais seria um desperdício de inteligência e energia. A experiência me ensinou que geralmente existem dois motivos que podem levar um estudante a não conseguir alcançar o potencial acadêmico que lhe é esperado. Um motivo é que o estudante simplesmente é incapaz disso. Devido a algum erro da junta examinadora, ele conseguiu ingressar num curso para o qual não é intelectualmente equipado. O outro motivo...

Ele se calou por um instante e a olhou calmamente.

— O outro motivo é que, por razões próprias, o estudante decidiu que não quer fazer isso, que outras questões mais importantes merecem sua atenção plena. Contudo, a solução para ambos os casos é a mesma. Eu acho que um fim rápido é a solução mais humana para acabar com o sofrimento de um estudante que não está à altura do curso. Para o estudante que está à altura do curso, mas que não quer se dedicar a ele... Bem, nesse caso o que está em questão não é o sofrimento dele, mas o de seus colegas.

Louise encarou-o com furiosa descrença.

— Você está ameaçando me expulsar. Você não pode fazer isso — asseverou.

Gareth Simmonds levantara as sobrancelhas pretas.

— Não? Acho que você vai descobrir que posso. Mas me perdoe, Louise, porque presumi que era isso que você queria. Afinal de contas... — ele pegou o último trabalho apresentado por ela e o empurrou com desdém sobre a mesa em sua direção. — A julgar por isto, prosseguir seu curso é a última coisa que você quer fazer.

— Olhe — ele prosseguiu, quando Louise continuou a olhá-lo de cara feia. — Se o curso está exigindo demais de você, farei tudo ao meu alcance para transferi-la para um curso menos... Menos exigente. Todo curso universitário precisa manter uma boa nota média, você sabe — lembrou-a com falsa gentileza. — E nós precisamos nos esforçar pela excelência. Se você sente que não está à altura do curso...

— Claro que estou à altura dele — vociferou Louise, olhos faiscando.

Como ele ousava sugerir que ela não estava à altura do trabalho? O predecessor dele lhe dissera, em mais de uma ocasião, embora talvez de forma indireta, que a considerava uma de suas estudantes mais promissoras. O predecessor dele...

Louise cerrou os punhos.

— Quando as notas de uma estudante começam a cair subitamente, algumas pessoas poderiam achar que a culpa é mais do professor do que da aluna -desafiou-o.

Gareth observou-a intensamente.

— Algumas pessoas poderiam achar isso. Mas as pessoas mais inteligentes suspeitariam que o verdadeiro motivo é o fato da aluna não estar comparecendo há mais da metade das aulas e reuniões de orientação do professor, concorda? Louise, eu não sou um idiota — disse diante de sua expressão de surpresa. — Eu sei muito bem que sua irmã gêmea tem comparecido no seu lugar às minhas aulas. Quando Louise não respondeu nada, ele prosseguiu:

       — Poderíamos passar o dia inteiro discutindo isso. Louise, a questão é você tem faltado às minhas aulas e perdido uma parte vital do curso. E também tem perdido peso — disse abruptamente, o que fez Louise ficar atônita.

       Como ele poderia saber disso? Nem mesmo sua irmã gêmea ou sua mãe fizera qualquer comentário. Ninguém parecera notar que ela andava mais magra. E não era para menos, porque passara a usar blusas folgadas por cima das calças jeans, sabendo o quanto sua mãe ficaria perturbada se começasse a achar que ela não estava se alimentando direito. A mãe de Olivia, embora apenas uma Crighton por casamento, sofrera de bulimia por muitos anos, e seu comportamento durante o tempo em que fora casada com David, irmão do pai de Louise, deixara cicatrizes na família. A mãe de Louise era fervorosamente preocupada com alimentação saudável e equilibrada.

       Até Louise sair de casa as refeições sempre tinham sido tradicionais, com a família inteira sentada em torno da mesma mesa. Não que Louise tivesse qualquer problema com isso, ao menos não normalmente. Ela gostava de comer, e tinha um apetite saudável, mas recentemente ela vinha se descobrindo incapaz de se alimentar direito, sempre triste e faminta demais pelo amor de Saul, para satisfazer seu apetite com qualquer outra coisa.

       — Eu sei que você tem tido problemas pessoais... — disse Gareth.

     Mas antes que pudesse terminar, e sugerir que talvez fosse bom para ela conversar com alguém, ela se levantou, inquirindo agressiva:

     — Quem lhe disse isso? Eles...

     — Você disse — interrompeu-a Gareth com calma enquanto estudava o rosto amotinado de Louise.

       — Perdeu peso, não tem dormido e certamente não tem estudado — lembrou-a. — Os fatos falam por si mesmos. Não preciso ter um diploma em psicologia para interpretá-los. O professor Lewis me disse que esperava que você se graduasse com conceito A. Eu digo que você terá sorte se conseguir se graduar com um C. Está tudo em suas mãos, Louise. Ou você começa a encarar com seriedade os estudos ou...

       — Você irá me expulsar — presumiu amarga, Louise.

     Sem lhe dar oportunidade de dizer mais nada, ela recolheu seus papéis e saiu furiosa de seu escritório.

     Deus. Como ela o odiava. Como o odiava!

     — Bem, como foi? — inquiriu Katie. Ela estivera esperando ansiosa para que Louise voltasse da reunião, e agora, enquanto Louise caminhava pelo pátio a passos largos, quase correndo, Katie sentiu dificuldade de acompanhá-la.

     — Mais devagar — implorou Katie, segurando o braço da irmã. — O que ele disse?

     — Ele disse... Ele ameaçou me expulsar — disse Louise.

     — Quê? Oh, Lou, não! Contou a ele, explicou...? Você...?

     — O que eu diria a ele? — retorquiu Louise.

     — A respeito de Saul... Você explicou? Você...?

   Abruptamente Louise parou de se mover e se virou para encarar a irmã.

     — Está louca? Contar a Gareth Simmonds a respeito de Saul? — ela fechou os olhos enquanto lembrava a piedade revoltante que vira nos olhos dele. Como ele ousara sentir pena dela?

     — Ele me deu até o Natal para recuperar minhas notas.

     — Bem, isso não será muito difícil — Katie tentou confortá-la.

     — Ainda nos resta boa parte das férias de verão. E eu posso ajudar você.

     — Eu não quero sua ajuda. Quero apenas... — começou a dizer irritada, e então se calou.

     Ela estava assustada com a força e a futilidade de seus próprios sentimentos. Sentia-se estranhamente enjoada e tonta.

     — Por que não passamos a noite juntas? — sugeriu a Katie, tentando se desculpar por seu mau humor.

     — Poderíamos jantar e dividir uma garrafa de vinho. Ainda tenho no meu quarto aquela garrafa que tia Ruth nos deu no começo do ano letivo. Ela disse que ela seria útil nas festas estudantis...

     — Eu adoraria, mas acho que não posso. Tenho um encontro...

   — Um encontro? Com quem? — questionou-a Louise.

     Mas Katie balançou a cabeça e lhe disse sem jeito:

     — Bem, não é ninguém que você conheça... Oh, Lou — rogou ao se virar para dar um abraço forte na irmã gêmea. — Eu entendo como você deve estar se sentindo, mas, por favor, tente esquecer o Saul.

   — Eu queria poder — disse Louise, voz embargada.

   — Mas eu não vou ter a oportunidade. Não se for expulsa e tiver de voltar para Haslewich. Oh, Katie...

   Louise estava quase pedindo a Katie que cancelasse seu encontro e passasse a noite com ela. Mas resistiu ao impulso quando lembrou da expressão que vira nos olhos de Gareth Simmonds ao lhe dizer que sabia que Katie assistira às aulas em seu lugar.

     Louise garantiu a si mesma que ela não era a pessoa egoísta e cruel que a expressão de Gareth insinuara.

     Ela teria feito a mesma coisa por Katie... Se Katie tivesse pedido...

     Mas Katie jamais pediria esse tipo de coisa, disse uma voz interior a Louise.

     A tarde de verão havia terminado. Era noite enquanto Louise olhava cansada para o quarto ao seu redor. Cada superfície estava coberta por papéis e livros didáticos, e sua cabeça estava inundada com fatos que ela não conseguia assimilar; eles flutuavam em seu cérebro como nata no topo de um copo de leite.

     Saul. Onde ele estava agora...? O que ele estaria fazendo...? Ela se levantou e caminhou até a cozinha apertada. Não conseguia lembrar quando fora a última vez que comera qualquer coisa, mas meramente pensar em comida fazia com que se sentisse enjoada. Com o canto do olho ela viu a garrafa de vinho que tia Ruth lhes dera de presente. Ela caminhou trôpega até o armário e pegou a garrafa.      Tia Ruth tinha idéias estranhamente antiquadas sobre como viviam os estudantes da Oxford dos dias de hoje.

     O vinho que ela escolhera para suas sobrinhas fora cuidadosamente selecionado por seu corpo e aroma. Ruth imaginara que ele seria bebido pelo tipo de universitário que aparecia nas minisséries de televisão, adaptações de livros ambientadas numa época finais sofisticada.

       Louise abriu uma das garrafas e se serviu de uma taça. Geralmente não bebia. Sim, claro, gostava de uma taça de vinho decente com boa comida, e participara da tradicional comemoração dos calouros num pub dos arredores, mas isso simplesmente fora um rito de passagem, algo mais para ser sofrido do que desfrutado.

     O vinho tinto era encorpado e seco, queimando sua garganta e aquecendo seu estômago frio e vazio.

       Louise sentou no chão e se pôs a estudar de olhos vazios a massa de papéis que a cercava.

     A caligrafia de Katie dançava diante de seus olhos.

     Franziu os olhos, tentando focar a visão e se concentrar, rapidamente terminando de beber sua taça de vinho.

     O vinho estava fazendo com que ela se sentisse bem melhor... Mais leve, entorpecida. Estava até possibilitando que ela pensasse em Saul sem sentir dentro de si a dor agonizante que ameaçava consumi-la.

     Saul...

     Enquanto caminhava de volta da quitinete, tendo enchido novamente sua taça, Louise tentou conjurar a imagem mental de seu amado Saul.

     Para seu pavor, descobriu que não conseguia; que, por alguma razão, as belas feições de Saul tinham ficado amorfas e vagas, esvanecendo antes que ela pudesse cristalizá-las numa imagem nítida. Ainda mais irritante era o fato de que quanto mais tentava visualizá-lo, mais impossível essa tarefa se tornava.

     Em vez disso, a imagem máscula que veio com mais facilidade à sua mente foi a de Gareth Simmonds.

     Freneticamente Louise tomou um gole grande de seu vinho, segurando a taça com mão firme enquanto vasculhava seu diário em busca da fotografia de Saul que ela sempre mantinha ali.

     Louise segurava com força a fotografia quando ouviu alguém bater em sua porta.

     Katie... Sua irmã mudara de idéia e cancelara o encontro ao se dar conta do quanto Louise estava precisando de alguém a seu lado. Embriagada, Louise cambaleou em direção até a porta, abrindo-a enquanto gritava:

     — Oh, Katie, graças a Deus você está aqui. Eu...

     A voz morreu na garganta de Louise quando seu visitante deu um passo firme para dentro do apartamento, fechando vigorosamente a porta ao passar.

   — Você! — disse trêmula, chocada a frieza com que seu tutor correra os olhos pela sala antes de finalmente focá-los no rosto umedecido por lágrimas de Louise. — O que você quer...?

     — Eu vim lhe trazer alguns papéis — disse Gareth Simmonds, estendendo-os para ela. — Você os deixou na minha mesa hoje de manhã.

     — Oh... Eu... — desajeitada, Louise estendeu a mão para pegar os papéis, esquecendo que ela ainda estava segurando não apenas a fotografia de Saul, mas também a taça de vinho.

     Enquanto ela estendeu a mão até os papéis, a fotografia de Saul escapou de seus dedos.

     Louise tentou recuperá-la, esbarrando acidentalmente em Gareth Simmonds ao fazer isso, derramando vinho tanto no punho dele quanto no outro braço dela. E antes que ela pudesse detê-lo, Gareth Simmonds estava se curvando para pegar a fotografia de Saul no chão.

     — Não. Eu não... — ela começou, mas era tarde demais.

     Ele pegou a foto. Por um momento manteve-se calado, estudando cuidadosamente os traços de Saul. Então, olhos desviando da fotografia para o rosto de Louise, Gareth declarou com patente ironia:

     — Louise, eu reconheço que ele é um homem muito bonito. Mas realmente vale a pena destruir todo o seu futuro por causa dele? E de qualquer modo, ele é velho demais para você — acrescentou com desdém.

     A raiva de Louise, que a essa altura já era grande, cresceu para um nível quase ensandecedor.

     — Não, ele não é. Ele... — para sua vergonha, Louise sentiu lágrimas começando a arder as pupilas negras de seus olhos. Ela virou a taça de vinho para tomar o resto do líquido num único gole antes acrescentar rebelde: — Não sou criança, sabia? Sou uma mulher...

     O olhar desdenhoso nos olhos Gareth reduziu a fúria imprudente o que restara do autocontrole de Louise.

     — Qual é o problema? — inquiriu Louise. — Não acredita em mim? Bem, eu sou, e vou provar isso a você... Saul teria me querido se Tullah não tivesse aparecido...

     — Quanto você já bebeu? — ela o ouviu indagar enquanto ignorava sua declaração furiosa e tomava de sua mão a taça de vinho.

     — Não o bastante — disse em desamparo, acrescentando agressiva: — E me devolva a taça. Preciso de outro gole...

     — De jeito nenhum. Já bebeu demais.    

     — Não, eu não bebi! — irritada, Louise estendeu as mãos até ele para tentar tomar de volta a taça.

     Gareth estava segurando a taça com firmeza, e enquanto levantava o braço para afastá-la ainda mais do alcance, Louise perdeu o equilíbrio e cambaleou pesadamente contra ele. O corpo de Gareth manifestava a insubmissa rigidez da rocha sólida, só que era muito mais quente... Mais quente e mais...

    Louise piscou ao perceber que o poderoso golpear que sentia sob a mão era a batida do coração de Gareth. Parecia estranhamente calmante... Consolador.  Tonta, franziu os olhos enquanto seu cérebro entorpecido por álcool tentava assimilar esta informação inaceitável.

   Ela sentia o mais peculiar desejo de deitar a cabeça contra o peito dele, exatamente onde estava repousando a mão, e cerrar os olhos, para se deixar ser confortada por aquelas batidas firmes e seguras, como uma menininha apaziguada pelo conforto oferecido por seu pai.

     Experimentalmente, ela flexionou e relaxou os dedos. Podia sentir os pêlos, enrascados do peito dele sob o tecido da camisa. Louise arregalou os olhos enquanto absorvia esta informação adicional. Louise instintivamente permitiu que seu corpo relaxasse contra o calor do dele.

     O braço que se levantara para apoiá-la quando ela cambaleara para frente ainda estava lá, segurando-a, sustentando-a. Ela se deixou ondular para mais perto do corpo dele e fechou os olhos. Sentiu o perfume altamente másculo dele... Muito mais forte que o odor evasivo, difícil de absorver, da camisa de Saul.

     Esta era a coisa verdadeira, um homem de verdade. Louise aspirou profundamente e sorriu de prazer. Ele moveu a mão até o quadril de Louise. Através do tecido de suas roupas, sentiu a mão quente e rija. Ela gostava de senti-la ali.

     — Louise.

     O tom de aviso na voz dele a fez abrir os olhos e focá-los em seu rosto o máximo que seu cérebro inebriado permitia.

     — Não, não vá — sussurrou bêbada. — Não vá... Quero que você fique comigo... Eu quero...

     Ele começou a recuar, e ela leu a mensagem severa estampada em seus olhos. Louise rapidamente fechou os próprios olhos e levantou uma das mãos para segurar em concha o rosto dele.

     Louise levantou a cabeça e abriu a boca em direção à dele, usando a mão livre para mover a mão dele de seu quadril até seu seio.

     Ao sentir palma quente e rija contra seu seio, seu corpo estremeceu em excitada expectativa. O ar que ela inspirou trêmula empinou seu seio contra a mão dele.

     Louise sentiu os dedos daquele homem curvarem na forma de seu corpo e seu toque tornar-se uma carícia. A carne de seu polegar roçou gentilmente seu mamilo, e um frêmito de deleite sensual correu por seu corpo. Era isso o que ela queria, o que ela desejava.

     Com a ponta da língua, o homem acariciou os lábios dela, exigindo que se abrissem. A respiração de Louise acelerou em ardente excitação.

     Louise esperara demais para estar assim com ele.

     Ela mordiscou o lábio inferior ao sentir o desejo inundar seu íntimo. Podia sentir os lábios dele começando a se entreabrir enquanto cediam à sua agressão feminina.

       Estava faminta demais por ele para simplesmente beijá-lo, admitiu enquanto ele começava a mover sua boca sobre a dela. Louise ajustou o seu corpo para se aproximar mais dele, e senti-lo mudar seu ponto de equilíbrio para acomodá-la. Uma torrente de sensações invadiu o corpo de Louise, inibições obliteradas pela força poderosa do vinho encorpado que havia bebido. Tinha a impressão de estar no topo de uma onda de prazer inacreditável.

       A língua de Louise se projetou libertina para dentro da boca daquele homem. Ela queria que ele a tocasse sem suas roupas, para sentir aquelas mãos másculas em seu corpo nu. Ela queria tocá-lo da mesma forma, para absorver toda sua essência.

     Era por isto que ela estivera ansiando. Por isto, e por ele.

     Contra a boca do homem, Louise arfou seu nome:

     — Saul. Saul... Saul...

     De súbito Louise se descobriu sendo solta, empurrada para longe da intimidade do corpo másculo que o seu próprio desejava com tanto ardor. Apenas as mãos do homem ainda a seguravam, prendendo seus punhos enquanto a balançavam.

     — Saul! — protestou Louise.

     — Louise, abra os olhos — ordenou uma voz ríspida e chocantemente familiar. — Eu não sou o seu precioso Saul, seja lá quem for...

     Seu orientador! Ela não estava... Este não era... Não era Saul. Era...

     Abriu os olhos, sentindo-se repentinamente nauseada pela combinação de muito vinho, pouca comida, e homem demais. Seu corpo estava lhe dizendo que fora submetido a uma mistura letal de bebida e emoção.

     — Estou me sentindo mal — gemeu.

     — Meu Deus! — ouviu Gareth exclamar.

     A coisa seguinte que ela percebeu era que estava sendo tomada no colo e que ele a estava meio carregando, meio arrastando, até seu pequeno banheiro.

     Ali foi empurrada para diante da pia, e bem a tempo, percebeu enquanto esvaziava o parco conteúdo de seu estômago. Esse processo pareceu demorar toda uma vida, mas logicamente ela sabia que não havia durado mais do que alguns minutos.

     Com frio e trêmula, ela se empertigou. Ainda apoiada à beira da pia, abriu o armário e automaticamente estendeu a mão até um enxaguante bucal.

   Ainda se sentia tonta, confusa, sem ter realmente certeza do que estava acontecendo. Caminhou desajeitada até a porta do banheiro, apenas para se descobrir sendo detida por mãos firmes que a obrigaram a marchar até a sala de estar.

       — Sente-se e coma isto — ouviu Gareth lhe dizer enquanto a empurrava sem qualquer cerimônia para uma cadeira e lhe estendia um prato com torradas.

       — Não estou com fome... — ela disse, começando a virar o rosto.

       — Coma — ordenou. — Meu Deus, qual é o seu problema! O que você está tentando fazer consigo mesma...?

       Louise sentiu sua cabeça começar a latejar.

       — Por que não vai embora? — exigiu trêmula.

       — Só irei depois que você tiver comido isso — asseverou implacável.

       Louise olhou para a torrada. Estava começando a sentir o estômago embrulhado novamente.

       — Não quero — disse teimosa — Quero apenas...

       — Saul... — interrompeu Gareth com selvageria — Sim, eu sei. Você já me disse isso, lembra?

       Louise empalideceu ao compreender ao que ele estava se referindo. A névoa alcoólica que cobria seu cérebro começava a se dispersar com desconcertante rapidez. Ela olhou para a boca de Gareth. Ela realmente havia...? Ela podia ver que o lábio inferior dele estava levemente inchado... Rapidamente, ela desviou o olhar.

     — Não me sinto bem... Quero ir para a cama...

     — Para quê? Para que você possa ter fantasias com o seu precioso Saul? — perguntou com grosseria.

       Louise fechou os olhos. Sentia mais uma onda de tontura se abater sobre ela. Sentia que começava a perder os sentidos. Tentou lutar contra isso, e então parou. De que valia a pena? De que valia a pena qualquer coisa numa vida na qual não havia Saul?

     Derrotada, deixou-se deslizar para a escuridão.

     Quando acordou, estava deitada, ainda vestida, na cama, e Katie estava sentada numa cadeira ao seu lado, observando-a. Ela havia arrumado seu quarto e um delicioso aroma de café fresco pairava no ar. Estava claro lá fora, percebeu.

     — O que você está fazendo aqui? — indagou grogue à irmã. Estava com dor de garganta e a cabeça latejando terrivelmente.

     — O professor Simmonds foi me procurar. Ele disse que você não estava passando bem — relatou Katie com cautela, evitando olhar diretamente para a irmã.

     Professor Simmonds. Louise fechou os olhos, o corpo começando a tremer enquanto lembrava o que havia feito. Com aterrorizante clareza, por trás de seus olhos cerrados ela podia não apenas ver a expressão no rosto de Gareth Simmonds, como até sentir cada sensação que tivera quando ela havia... Havia... Quando havia...

       Gemendo, ela rolou na cama para enterrar o rosto no travesseiro.

       — Que foi? Está se sentindo bem? Está com vontade de vomitar? — perguntou Katie ansiosa.

       — Eu... Eu... O que o professor Simmonds lhe disse a respeito de mim? — inquiriu frenética.

       — Bem... Nada... Bem... Ele só me disse que você não estava passando bem — disse Katie, acrescentando rapidamente:

     — Parece que tem uma virose por aí. Tem muita gente acamada por causa dela. Ele disse que se você quisesse podia ir para casa imediatamente, sem precisar passar aqueles dias aqui para tentar colocar os estudos em dia...

     — Não. Não, eu não posso. — Louise estava em pânico agora. — Saul...

     — Saul levou Tullah para ver os pais dela — explicou calmamente Katie.

     — Eu não quero ir para casa — disse com raiva à irmã gêmea, parando para franzir a testa ao ver a forma como Katie estava evitando olhá-la nos olhos enquanto fingia arrumar uma pilha de livros.

     — O que foi? O que você fez? — inquiriu. Graças à intuição que sempre fora muito forte entre as duas, Louise simplesmente sabia que Katie estava escondendo alguma coisa, alguma coisa que não queria que ela soubesse, imediatamente as faces de Katie coraram.

     — Conte-me... — ordenou Louise. — Conte-me, Katie...

     — Bem... Quando foi me dizer que você não estava passando bem, o professor Simmonds me fez... Algumas perguntas... Sobre Saul...

     — Ele fez o quê?! E o que você disse a ele? — inquiriu Louise, olhos ardendo com raiva e medo.

     — Eu... Eu tentei não contar a ele, Lou — disse-lhe Katie, implorando a ela. — Por favor, tente compreender... Ele estava... Pela forma como ele estava falando sobre Saul, eu julguei que você devia ter lhe contado... Que você havia lhe dito...

     — Que eu havia contado o quê a ele, Katie? — inquiriu Louise, ignorando as evasivas de sua irmã.

     — Eu disse o que Saul significava para você... Contei a ele... Contei a ele que você ama Saul, mas que ele... — Katie parou de falar e virou o rosto. — Sinto muito, Lou, mas ele foi tão insistente... — ela balançou a cabeça. — Ele disse que você estava doente, e me deixou muito preocupada com você.

     — Você contou a ele a respeito das minhas emoções por Saul, coisas muito pessoais — fez uma pausa. — Você me traiu... — sentenciou num tom que feriu Katie muito mais do que se sua irmã tivesse perdido as estribeiras e gritado com ela.

       — Achei que ele sabia... Ele parecia saber. Só foi depois que eu presumi que... Lou, onde você está indo?! — perguntou Katie ansiosa enquanto Louise abria caminho por ela e seguia para a porta.

     Mas Louise não respondeu a ela. Ao menos não diretamente. Ela esperou até ter aberto a porta e estava na iminência de sair quando se virou e proferiu sem uma gota de emoção na voz:

     — Quando voltar, não quero encontrá-la aqui. Está entendendo?

     Foi a briga mais séria que elas haviam tido em suas vidas.

     Louise não se virou para olhar para sua gêmea. Mas mesmo se o tivesse feito, não teria conseguido enxergá-la; seus olhos estavam anuviados demais com lágrimas.

     Como Katie podia tê-la traído daquela forma?

     Como ela podia ter contado a um estranho uma coisa íntima a seu respeito. E não qualquer estranho, mas Gareth Simmonds.

     Gareth Simmonds. Por um momento Louise sentiu-se tentada a marchar até os aposentos de seu orientador e lhe dizer o que pensava a respeito dele, mas já estava trêmula enquanto sua cabeça girava com uma nauseante combinação de raiva e estômago vazio.

      

     Balançando abruptamente a cabeça para dispersar os pensamentos, Louise retornou ao presente. Seu café esfriara enquanto estivera perdida em pensamentos. Decidiu fazer mais um pouco. Enquanto enchia novamente a chaleira e esperava que a água fervesse, pegou uma pedra polida da coleção que decorava as prateleiras abertas. Segurando-a na sua palma em concha, correu as pontas dos dedos por sua superfície fria.

     Fora um presente de seu irmão Joss. Era uma de suas pedras mais especiais, dissera-lhe ele com solenidade ao presenteá-la. Segurar e alisar a pedra fazia com que Louise se sentisse mais calma.

       Ele encontrara a pedra durante uma de suas caminhadas regulares com sua tia-avó Ruth, com quem ele compartilhava uma afinidade pelo campo.

       Louise esboçou um sorriso triste ao fechar os dedos em torno da pedra firme.

       Embora tivesse se recusado a reconhecer isso, na época ficara um pouco chateada com o fato de que mesmo alguém tão jovem como Joss pudesse identificar facilmente a parte de sua personalidade de que ela própria menos gostava.

       A turbulência de sua própria natureza ofendia seu orgulho. Gostava de pensar que era alguém completamente ao controle de si mesma, e de suas reações. Talvez precisasse pensar que elas estavam sob seu controle.

     Afinal, só assim podia ter certeza de que a forma como se comportara sob a influência de sua intensa paixão adolescente por Saul, e as coisas que fizera, jamais iriam se repetir.

     Joss. Seu sorriso alargou enquanto pensava afetuosamente no irmão. Ele possuía todas as virtudes que careciam a Max, o mais velho deles. Louise jamais conhecera ninguém dotado de tanta empatia quanto seu irmão caçula. Mesmo quando fora um menininho ele exibira um nível extraordinário não apenas de sensibilidade e percepção das emoções daqueles ao seu redor, mas também uma compaixão e uma sabedoria que Louise sempre secretamente invejara.

     Enquanto recolocava a pedra no lugar, seus olhos foram atraídos pelo pequeno quadro pendurado perto das prateleiras. Era um esboço de uma paisagem do campo da Toscana que ela própria desenhara ao passar férias lá com sua família. Fora nesse verão que... Mordendo o lábio, ela abruptamente deu as costas para a prateleira.

     Depois que Louise perdoara Katie por tê-la traído ao contar a Gareth Simmonds a respeito de sua paixão por Saul; o envolvimento de seu orientador em sua vida pessoal deveria ter parado aí. Mas não parará.

     Louise fechou os olhos por um instante. Ela não retornara à Toscana desde aquele verão, embora houvesse estado em outras partes da Itália. Seus pais pensavam que ela se cansara de passar temporadas com a família lá, na velha chácara que costumavam alugar nas cercanias da cidadezinha despretensiosa onde eles, como visitantes regulares de verão, conheciam pessoalmente quase todos os habitantes. Ela se recusava a voltar, mas não porque se achasse sofisticada ou amadurecida demais para passar férias com sua família.

     Toscana... Mesmo agora ela podia sentir o perfume da terra, o calor do sol.

     Quando chegaram à chácara naquele verão, ela e Katie estavam se falando novamente. E, por acordo mútuo e não expresso em palavras, não haviam contado nada a respeito de sua briga, nem aos seus pais nem aos outros membros da família com quem iriam passar as férias.

     Fora sua escolha por cursos universitários, pela primeira vez desde seu nascimento elas estavam optando por fazer coisas separadas, passar mais tempo longe uma da outra, mas isso se devia ao fato de que estavam crescendo e queriam se tornar indivíduos.

     Enquanto Katie permanecera perto da chácara, passando horas na cozinha com Maria, a prima em segundo grau que era dona da chácara, e que depois que enviuvara passara a se dedicar a cuidar dos visitantes, indo com ela fazer compras nos mercados locais e se entregando à sua paixão pela culinária, Louise embarcara num velhíssimo Fiat importado com seu caderno de desenhos para explorar as cercanias.

       Provavelmente fora inevitável que o Fiat, tão desprezado por seus donos e, talvez mais importante, tão pouco cuidado por eles, tivesse decidido não pegar numa tarde quente e empoeirada, quando Louise retornara até ele depois de passar a manhã desenhando a capela que vira no acostamento.

       Reconhecendo a derrota quando o Fiat teimosamente se recusara a pegar depois de várias tentativas, Louise olhara nas duas direções da estrada vazia pela qual apenas um só carro solitário passara naquela manhã.

       Não havia opção. Ela teria de caminhar até a chácara mais próxima, cujo telhado vermelho podia ver no meio de um antigo bosque de choupos colina abaixo.

     A caminhada fora mais longa do que ela previra, porque a estrada coleava muito em sua descida.

     Os portões de ferro fundido da chácara haviam estado fechados, mas ela vira um carro no estacionamento.

     Ao abrir o portão, percebera que o carro tinha placa britânica. Isso fora um alívio, embora não estivera preocupada em pedir ajuda a uma família italiana. Depois de tantas férias passadas ali, ela era fluente na linguagem.

     Depois da caminhada longa, Louise estava muito suada, e ciente de que tinhas as pernas cobertas com poeira e o nariz queimado de sol.

     Quando ninguém atendeu à batida na porta da frente da chácara, ela contornou com cautela a lateral da casa. E então parou.

     À frente dela havia uma cintilante piscina de formato simples, cercada por uma elegante área de lazer pontuada por espreguiçadeiras e decorada com enormes jardineiras transbordando com flores.

     Alguém estava usando a piscina, cortando a água com braçadas impressionantemente rápidas, braços bronzeados escavando a água.

     Enquanto olhava para a cabeça coberta por cabelos nigérrimos, Louise se viu tomada por uma estranha sensação que se instalara no fundo de seu estômago, pequenos arrepios de inconfundível apreciação feminina correndo por suas veias como mercúrio.

     Irritado consigo mesma, ela se virou, rosto subitamente corado por um motivo que não tinha nada a ver com o sol. O nadador obviamente a vira, porque com o canto do olho ela o viu se levantando para fora da piscina.

       Cautelosa, virou-se para olhar para ele, esperando que sua expressão não traísse o que ela estivera sentindo.

       — Louise! O que...?

     Apesar do choque de ter reconhecido a voz de Gareth Simmonds, dois fatos completamente não relacionados um ao outro ocorreram a Louise.

     O primeiro foi que ele havia instantânea e imediatamente reconhecido quem ela era, embora ele pudesse facilmente tê-la confundido com sua irmã gêmea. O segundo fato era de que agora, enquanto ele caminhava até ela deixando gotas d'água cair ao chão e usando um calção de banho preto que certamente deveria ser vendido com um alerta de perigo para mulheres cardíacas; Louise compreendeu que o frisson que sentira antes não fora um truque pregado por sua imaginação. Atordoada, descobriu que estava focando no ponto exato onde o caminho de pêlos negros descia para seu calção para desaparecer sob o elástico que segurava o calção.

       — Meu carro quebrou. O motor não pega — ela disse, sem ar nos pulmões. — Eu não...

       Lutando para reaver controle de si mesma, inquiriu agressiva:

       — O que está fazendo aqui?

     O olhar que Gareth lhe dirigiu a deixou com ainda mais raiva dele.

       — Qual é o problema? — perguntou seco. — Até onde eu saiba, não existe nenhuma lei que proíba professores em férias de se hospedarem na mesma região que suas alunas. A propósito, esta chácara pertence à minha família. Eles a compraram há uns dez anos, quando vieram passar as férias aqui e se apaixonaram pela área. Normalmente a família inteira estaria aqui, mas infelizmente este ano...

     — A família inteira... — questionou Louise, incapaz de se conter.

     — Hum... Eu tenho uma, sabia?

     — Mas eles não estão aqui agora...?

     — Não — ele concordou.

    — Você tem uma família muito grande? — perguntou Louise, sem saber por que o fizera. Afinal de contas, por que deveria se importar?

     — Hum... Mais ou menos... Tenho três irmãs, todas mais velhas que eu e todas casadas e com filhos. Elas e meus pais costumam ficar aqui na chácara por pelo menos por um mês durante as férias escolares, mas este ano minha irmã mais velha e meu cunhado levaram seus três filhos para a Nova Zelândia, para verem a família dele. Minha outra irmã está velejando nas ilhas gregas com o marido e seus três filhos. Minha mãe trabalha para a UNICEF numa função de levantamento de fundos, e levou meu pai e minha terceira irmã para verem o trabalho que tem sido feito com o dinheiro que ela arrecada. Essa irmã é cirurgiã, como meu pai. Ah, sim, minha família costuma seguir a área médica, tradição que eu quebrei.

       Ele abriu os braços num gesto de finalização e lhe disse secamente:

       — Bem, aí está. Uma versão resumida da História da Família Simmonds. Ah, sim. Esqueci. Também tem minha avó, que é a proverbial matriarca do clã, embora não exatamente ao estilo italiano. O forte da minha avó reside em ter criado sozinha os três filhos depois que ficou viúva, e alimentar seu apetite mais por educação do que por massa. Ela é escocesa, o que provavelmente explica isso.

       Enquanto falava, pegou uma toalha numa das espreguiçadeiras e começou a se enxugar rapidamente.

       Tinha um corpo surpreendentemente musculoso para um professor universitário. Louise havia jurado que por baixo de seu "uniforme" de professor de Oxford havia um corpo tão desleixado quanto os casacos de lã que ele usava, mas agora estava absolutamente claro aos seus olhos, ela estivera errada.

       Ele parara de falar, e enquanto virava a cabeça ela arfou surpresa. Ele estava esfregando os cabelos molhados com a toalha, revelando o estômago firme e a força de seus antebraços.

       Louise não fazia a menor idéia de há quanto tempo ele estava na Toscana, mas decerto fora a tempo suficiente para conceder à sua pele um tom levemente dourado.

       — Você não vai desmaiar, não é? — a pergunta direta deixou Louise vermelha, e ela rapidamente desviou os olhos para longe do corpo dele.

       Qual era o problema dela? Louise crescera em meio a uma família grande e unida, na qual a visão de corpos masculinos em estágios variados, da primeira infância, passando pela adolescência, até a vida adulta, a meia-idade, e além, tinha sido tão rotineira. Na verdade, ela não tinha adquirido um real interesse pela forma do corpo masculino até sua fatídica paixão por Saul.

       E aqui estava ela, toda arfante, com o rosto vermelho como um pimentão e com uma sensação potencialmente explosiva no sul de seu corpo ameaçando impedi-la de formar até o mais básico pensamento coerente.

     E isso só porque vira Gareth Simmonds de calção de banho!

       — Olhe, vamos entrar. Está mais fresco lá dentro. Então você poderá me dizer onde está o seu carro e eu...

     — Não. Não, estou bem — Louise começou a protestar, mas era tarde demais. Ele já estava caminhando determinado até a porta aberta da casa, deixando-a sem qualquer alternativa além de segui-lo.

      Se Louise tinha qualquer dúvida de que ele fora honesto ao lhe contar sobre sua família, as numerosas fotografias apinhando as superfícies planas da mobília de madeira sólida da confortável sala de estar teriam confirmado seu relato. Mesmo sem analisá-las de perto, Louise notou a semelhança que ele tinha com as pessoas felizes e reunidas afetuosamente em grupos nas fotos.

     A sala de estar de sua mãe e a elegante sala de visitas de sua tia Ruth eram adornadas com fotografias bem parecidas de sua própria família, mas esse conhecimento não fazia nada para aliviar a sensação de ansiedade que sentia desde que percebera de quem era o território no qual adentrara por acidente.

     — Esta é cozinha — Louise ouviu Gareth informá-la enquanto caminhava até uma ampla e tradicional cozinha de fazenda. — Sente-se — instruiu-a com firmeza, puxando uma cadeira da mesa.

     Ele a olhou de cara feia quando viu que ela estava hesitando. O problema era que para chegar à cadeira ela teria de se aproximar dele. De se aproximar demais.

     Ele realmente tinha braços sensuais e másculos. Braços que você podia imaginar envolvendo e apertando você... Braços que podiam...

     — Louise.

     A intensidade com que ele disse o nome dela penetrou a névoa de inesperada excitação feminina que a havia momentaneamente envolvido.

     Que diabos estava acontecendo com ela? Devia ser o calor ou algo assim, decidiu Louise, ainda se recusando a se sentar enquanto repetiu enrouquecida que estava perfeitamente bem de pé.

     — Se puder ligar para papai e explicar a ele sobre o carro... — disse Louise.

     — Pode ser mais fácil se eu der uma olhada no carro primeiro — argumentou Gareth Simmonds, e as faces de Louise se inflamaram, não por estar inexplicavelmente constrangida com a presença dele nesse momento, mas com raiva por ele ter insinuado que ela não diagnosticara corretamente o problema com o carro.

     — Você não vai conseguir dar a partida — avisou imediatamente a ele, mas logo viu que ele não iria se desanimar. — Fica no meio da ladeira — informou.

     — Eu havia parado para fazer um esboço da capela com a imagem daquela santa...

     — Ah, sim, a Madona. Sei o que você quer dizer. Olhe, por que não espera aqui, protegida do calor, enquanto eu vou lá dar uma espiada?

     Por mais que quisesse ir com ele, e ver sua expressão quando descobrisse que ela tivera razão e que o Fiat não iria pegar, uma inesperada voz interior alertou Louise que seria melhor que ela ficasse onde estava. Ainda mais inesperadamente, ela concordou com essa voz.

     Ela não tinha certeza de que desígnio maligno a trouxera até aqui para fazê-la se deparar com a última pessoa, depois de Saul, que ela queria ver. Contudo, ela sabia que, considerando a reação extraordinária que tivera a esse homem ainda há pouco, seria extremamente insensato que se mantivesse perto dele.

     Na verdade, ela sabia que se pudesse conjurar a energia para discutir com ele, teria insistido para telefonar para seu pai e lhe pedir para vir resgatá-la o mais depressa possível.

     Quando Gareth se retirou, após ter-lhe pedido para que se sentisse em casa, Louise reconheceu que era bem mais agradável ficar ali do que sob o sol abrasa-dor daquele dia de verão.

     Havia uma garrafa de Chianti na mesa, e ela estava tentada a se servir de uma taça. Contudo, ao lembrar-se do que acontecera na última vez em que ela, uma garrafa de vinho e Gareth Simmonds haviam se reunido, Louise optou por tomar um copo d'água.

     Levando o copo com ela, retraçou seus passos pela casa, parando para estudar as fotografias na sala de estar. Havia ali uma de Gareth Simmonds quando menininho, flanqueado por seus pais, sua avó e as irmãs mais velhas. Louise prontamente olhou para outra direção.

     Lá fora, a água na piscina reluzia tentadora ao sol. Se a chácara de Louise tinha um ponto negativo, era a ausência de uma piscina particular. Eles precisavam dividir uma com as duas outras chácaras vizinhas.

     Louise lambeu os lábios repentinamente ressequidos. Com alguma sorte, Gareth Simmonds ficaria longe por um bom tempo.

     Como ele não parecia o tipo de homem que desistisse com facilidade de qualquer coisa, ela julgou que ele iria demorar bastante até admitir que estava errado e que o carro não iria pegar.

     Sob o tecido de algodão de suas bermudas e de sua camiseta, a pele de Louise coçava devido ao calor e à poeira. A água da piscina parecia muito, muito tentadora.

     Olhou para a água convidativa, ouvindo a voz interior que a avisava que o que estava para fazer era potencialmente perigoso.

     Como jamais dera mesmo muita atenção a essa voz, caminhou com deliberação até a piscina e rapidamente despiu as bermudas e a camiseta.

     O peso que perdera nos meses em que amargara sua paixão não correspondida por Saul deixaram-na com uma aparência definitivamente frágil. Magra demais, segundo sua mãe, que ficara chocada na primeira vez que a vira sem as bermudas e camisas de malha folgadas que costumava usar. Ela decerto era magra demais para os gostos dos homens da Toscana, embora tivesse notado que isso não impedira Giovanni, o sobrinho de Maria, a arrumar um número cada vez maior de desculpa para aparecer na chácara e flertar descaradamente tanto com ela quanto com Katie

       Sua pele, nem de perto tão bronzeada quanto à de Gareth Simmonds, começava a perder sua palidez britânica, mas estava mais para um tom de mel do que de dourado. Sob as bermudas ela estivera usando calcinhas brancas simples, e sob a camiseta... Absolutamente nada. Embora estivesse magra, seus seios, ainda estavam firmes e cheios. Uma rápida corrida de olhos pela piscina assegurou-a que tinha o lugar só para si.

     Louise mergulhou na água, deliciosamente fria contra sua pele quente.

     Ela se deixou flutuar em puro deleite durante alguns segundos, e então começou a nadar. Cruzou a piscina uma vez e então mais uma, e a cada volta olhava em torno para se certificar de que ainda estava sozinha.

     Mas ela não teria problemas em ouvir Gareth Simmonds retornando. O motor de um carro soaria cristalino no ar quente do verão.

     Ela deu mais uma volta na piscina, e mais outra, e então se deixou flutuar por vários segundos antes que algum sexto sentido a fizesse se virar abruptamente enquanto abria os olhos.

   Gareth estava de pé na beirada da piscina, observando-a. Cautelosa, ela nadou até a outra extremidade, onde deixara suas roupas e a toalha que ele descartara antes. Há quanto tempo ele estivera parado ali? Não muito tempo. Ele não poderia ter estado ali por muito tempo.

     Quando saiu da água, Louise notou que ele estava caminhando em sua direção. Rapidamente ela se embrulhou na toalha molhada, estremecendo ao senti-la tocar sua pele úmida.

     — Tome esta. Está seca.

     Ele estava de pé a uma distância muito pequena dela, percebeu Louise enquanto se cobria.

     Enquanto esticava a mão para aceitar relutante a toalha seca que ele lhe estava oferecendo, Louise sentiu a que a cobria escorregar. Ela tentou segurá-la, mas era tarde demais. Sentiu as faces corarem quando os penetrantes olhos azuis de Gareth desceram para estudar seu corpo quase nu.

     Contudo, ela percebeu que não era em seus seios que seus olhos se demoravam; era em suas costelas protuberantes e cintura excessivamente estreita.

     — Você ainda está magra demais — ele disse sucintamente.

     E antes que ela pudesse detê-lo, sentiu-o envolvê-la com a toalha seca.

     — Magra, não. Esbelta — retaliou Louise entre dentes cerrados.

     — Está magra — retorquiu Gareth. — E você sabe disso, senão não estaria sendo tão defensiva. Presumo que aquele seu Saul não esteja aqui com o resto da família.

     Louise o fitou, seu constrangimento pelo fato de que ele a vira praticamente nua esquecido enquanto ela se espantava não apenas com a memória dele, mas também sua capacidade de fazer com que ela recordasse que ainda era sua aluna malcriada.

     — Não, ele não está. Não que isso seja da sua conta — retorquiu.

     — Não? Considerando que você ainda é uma de minhas alunas, e uma aluna cujo rendimento caiu lamentavelmente, isso é muito da minha conta. Você tinha razão sobre o Fiat. Ele não vai pegar — acrescentou, antes que ela recuperasse o fôlego para discutir com ele. — Vou levá-la para casa.

     — Não é preciso — protestou Louise. — Só preciso ligar para meu pai e...

     — Vou levá-la para casa — reforçou Gareth como se ela não tivesse dito nada. — Dê-me cinco minutos para tomar um banho e me trocar. Você pode achar que é uma mulher, Louise — disse a ela enquanto lhe dava as costas. — Mas na verdade ainda é uma criança, como acaba de provar — acrescentou enquanto virava a cabeça uma última vez para olhar seu corpo magro embrulhado pela toalha.

     Para o desespero de Louise, quando o carro dirigido por Gareth se aproximou da chácara, ela viu que seus pais estavam parados do lado de fora, claramente tendo acabado de retornar também.

     Naturalmente, ela teve de apresentar Gareth a eles, e explicar não apenas o que acontecera ao Fiat, mas quem ele era.

     — Você é o professor de Louise! — exclamou sua mãe com um sorriso. — Oh, pobrezinho, veio até aqui para ter sua privacidade invadida por uma de suas alunas.

     — Acho que Louise acredita que se alguém é merecedora de pena pela coincidência, esse alguém é ela — disse Gareth à mãe de Louise.

     É claro que a hospitalidade da mãe de Louise iria fazê-la oferecer um drinque a Gareth, mas ele não precisava ter aceitado, pensou furiosa Louise uma hora depois, enquanto Gareth, aparentemente feliz, ainda estava tagarelando com seus pais enquanto ela se mantinha em ressentido silêncio ao lado de sua mãe.

     Isto já era muito ruim. Mas quando sua mãe o convidou para jantar e ele aceitou, Louise não teve certeza de qual dos dois ela odiava mais. Contudo, uma diversão bem-vinda foi provida quando Giovanni entrou na chácara, rosto iluminando ao ver Louise.

     — Aí vem seu admirador — alertou-a seu pai.

     Louise virou abruptamente a cabeça, suspeitando que Giovanni ficou ainda mais estarrecido que seu pai quando, ao invés de rejeitar irritar seus avanços com intenções obviamente sexuais, como costumava fazer, ela não apenas respondeu aos seus olhares lascivos e elogios floreados, como os encorajou.  

       — Meu Deus, Louise, tem certeza que isso é sensato? — comentou sua mãe com um suspiro depois que ele havia se retirado. — Hoje mesmo de manhã Maria estava nos dizendo que a família dele está tentando encorajar uma união entre Giovanni e sua prima em terceiro grau.

      — Mãe, eu não estava exatamente pensando em casar com ele — disse Louise significativamente à mãe. E então, para o caso de todos que estavam ouvindo, inclusive seu vigilante orientador, não terem entendido a insinuação, acrescentou: — Ele tem um corpo maravilhoso, não acha?

     — Oh, Louise... — protestou Jenny, mas por cima da cabeça baixa de sua filha, ela dirigiu um olhar melancólico, ligeiramente aliviado, que Louise percebeu com o canto do olho. Ela sabia muito bem o quanto seus parentes, especialmente os seus pais, andavam preocupados com sua queda por Saul.

     É claro que eles não tinham como saber que ela estava fingindo interessar-se por Giovanni não por causa de Saul, mas por causa da presença impassível e indesejada do homem que estava sentado ao lado de sua mãe, silenciosamente observando o teatrinho encenado para ele.

     — Acho que vou ver o que Maria está planejando para o jantar — disse à mãe, levantando-se para seguir Giovanni, que desaparecera na direção da cozinha e de sua tia. — De repente me bateu uma... Fome.

     Ela se retirou para deixar seus pais trocando olhares estarrecidos enquanto seguia ferozmente sua presa.

     Mas uma vez dentro da cozinha, a história foi bem diferente. Sob o olhar severo de Maria, a pose de macho que Giovanni demonstrara lá fora rapidamente se tornou silêncio envergonhado, e embora a própria Louise, que lá fora o encorajava enquanto Gareth estava olhando. Como ele ousara insinuar que ela era pouco mais que uma criança? Agora não perdeu tempo em deixar claro ao italianinho que ela simplesmente não estava interessada.

     Nos dias que se seguiram, Louise rapidamente veio a lamentar não apenas ter encorajado Giovanni, que adquirira o hábito de segui-la para toda parte, mas também de ter esbarrado com Gareth.

     Uma amizade confortável havia se desenvolvido rapidamente entre os pais de Louise e o seu orientador. E até Joss e Jack pareciam gostar da companhia de Gareth, saindo para longas caminhadas com ele para explorar o campo italiano. E embora Louise normalmente teria conseguido se abrir com Katie a respeito de sua irritação por vê-lo em meio ao seu círculo familiar, ainda havia um certo distanciamento entre ela e sua irmã gêmea desde a briga em Oxford, desentendimento cuja causa inicial fora o próprio Gareth.

     Quando sua prima Olivia, o marido dela e a filhinha deles vieram se juntar à sua família, a situação, ao menos aos olhos de Louise, ficou ainda pior.

     Como Gareth, Caspar, marido de Olivia, era professor universitário, e os dois homens se afinaram rapidamente. Assim, embora tecnicamente Gareth fosse o estranho em seu grupo familiar, era Louise quem freqüentemente se sentia fora da intimidade que todos os outros pareciam compartilhar.

       Isto em parte estava acontecendo porque ela não conseguia esquecer que Olivia era amiga íntima de Tullah. Tullah, que tomara seu lugar no coração e na vida de Saul, o homem a quem ela, Louise, tão desesperadamente quisera para si. E, pior, Olivia estivera presente naquele fatídico dia em que ela, Louise, comportara-se de forma tão estúpida e tão perigosa. Ela enganara Tullah para que a seguisse até o labirinto com a intenção de deixá-la perdida lá dentro, para que pudesse passar a noite com Saul. Só que a coisa não funcionara conforme o plano, e em vez disso...

     Certa tarde, observando Olivia e Caspar tomando sol com o pai dela e Gareth, Louise não conseguiu evitar pensar o que Olivia teria dito a Gareth a respeito do que ela fizera.

     — Lou, por que não se junta a nós? — Olivia convidou-a alegremente. — Eu adoraria um pouco de companhia feminina para me ajudar a suportar a companhia de todos esses homens.

     Por um momento Louise sentiu-se tentada. Ela sempre gostara de Olivia e, sim, até a admirara. E, talvez, estranhamente para alguém com sua natureza relativamente competitiva, Louise tinha um fraco por crianças pequenas, especialmente a menininha de Olivia, Amélia. Louise freqüentemente abrira mão de suas horas livres para cuidar de Amélia para que Olivia e Caspar pudessem ficar sozinhos por algum tempo. Mas hoje, vendo a forma como Gareth interrompeu sua conversa com Caspar para olhar para ela, Louise rapidamente se pôs a mentir:

     — Eu... Eu não posso. Vou sair com Giovanni. Ele vai me levar para passear...

     — Giovanni? — Olivia dirigiu-lhe um olhar antiquado, e Louise notou que ela estava surpresa.

     — Cuidado, Lou — Caspar provocou-a. — Esses rapazes italianos são assanhados, e não aceitam quando...

       — Será que pode parar de tentar me dizer como levar minha vida? — interrompeu-o Louise, com raiva não exatamente pelo que Caspar dissera, mas por Gareth ter testemunhado isso. — Primeiro vocês me dizem para ficar longe de Saul, e agora me diz para ficar longe de Giovanni. Eu sou maior de 18 anos, e com quem escolho ficar é da minha conta, e de mais ninguém — concluiu com uma voz feroz, antes de girar nos calcanhares e se afastar.

     Ela já estava bem longe deles quando ouviu Caspar dizer:

     — Puxa... O que fiz?

     — Ela ainda deve estar se sentindo muito sensível a respeito de Saul — ouviu Olívia dizer a ele. Cerrando as mãos em punhos, Louise quase correu o resto da distância até seu quarto.

     Sem dúvida a esta altura Olivia e Caspar deveriam estar regalando Gareth com todos os detalhes de sua terrível estupidez. Ela estava vermelha de vergonha, e para seu desespero descobriu que lágrimas de raiva desciam por suas faces.

     Meu Deus, que azar ter esbarrado com Gareth daquele jeito! E por que ele continuava vindo até aqui? O resto de sua família podia considerá-lo bem-vindo, mas certamente ele podia ver que ela...

     Como, na verdade, ela não tinha um encontro marcado com Giovanni e namorá-lo era a última coisa que queria, Louise foi forçada a passar a tarde trancada dentro de seu quarto, morrendo de raiva, torcendo para que ninguém notasse que ela estava lá.

      

       Foi durante sua última semana na chácara que as coisas finalmente se acalmaram. Gaspar e Olivia já haviam voltado para casa. Katie, com quem Louise ainda não fizera completamente as pazes, saíra para passar a tarde com o resto da família, que quisera visitar o monastério local. Assim, Louise estava sozinha em casa. Até Maria tirara o dia de folga, e fora certamente por causa isso que Giovanni decidira lhe prestar uma visita inesperada.

       Quando ele chegou Louise estava deitada no pátio ensolarado, a parte de cima do biquíni desatada e os lhos fechados, apreciando a solidão pacífica e muitíssimo bem-vinda.

       O primeiro indício que teve de que Giovanni estava foi quando ouviu sua voz líquida lhe perguntar se gostaria que ele passasse um pouco de óleo de bronzear em suas costas.

   Assustada por sua presença, ela imediatamente se levantou, e compreendeu seu erro ao ver a forma como ele estava fitando seus seios desnudos. Louise imediatamente estendeu a mão até a parte de cima de seu biquíni, ao mesmo tempo em que dizia a ele que sua tia não estava lá, e que, portanto, era melhor que ele saísse.

       — Sei que ela não está aqui, cara mia — ele disse com voz de galã. — Mas é por causa disso que estou aqui. Para que possamos ficar algum tempo sozinhos. Já faz muito tempo que quero ficar a sós com você, e tenho certeza de que você quer a mesma coisa. Seus olhos me disseram isso — provocou.

       Os olhos de Giovanni reluziam com alguma coisa que Louise julgou ser mais desejo físico do que emoção terna. Mas quaisquer que fossem as intenções que nutria por ela, Louise simplesmente não estava interessada.

       — Giovanni... — Louise começou a alertá-lo enquanto se levantava.

       Contudo, ou ela errou o tom da voz ou ele decidiu ignorá-lo; em vez de se afastar, ele a agarrou.

     Absolutamente ultrajada, Louise tentou se soltar dos braços dele, mas Giovanni tinha um físico forte para um homem tão jovem, sendo muito mais alto e muito, muito mais pesado que ela. De súbito Louise compreendeu com uma pontada de medo que se ele quisesse, não teria qualquer dificuldade de dominá-la fisicamente.

     — Giovanni — ela recomeçou, mas desta vez, conforme estava desconfortavelmente consciente, sua voz soou sem nenhum traço de autoridade.

     — Louise... O que está acontecendo?

     Jamais teria imaginado o quanto ficaria grata em ver Gareth Simmonds, admitiu Louise quando Giovanni prontamente a soltou e começou a dizer alguma coisa a Gareth, que Louise, nervosa como estava, não conseguiu entender.

     As mãos de Louise, enquanto desciam para pegar o exíguo top de seu biquíni, tremiam tanto que ela quase não conseguiu fechá-lo; em vez disso ela conseguiu apenas cruzar os braços diante dos seios nus enquanto Gareth dizia a Giovanni que queria que ele fosse embora.

     — Você sabe o que podia te acontecido, não sabe? — perguntou severamente a Louise, depois que pararam de ouvir o som da velha Vespa de Giovanni na estrada.

     A expressão e o tom de voz de Gareth deixaram Louise furiosa. Ele estava se comportando como se fosse o pai dela, como se tivesse o direito de dizer a ela o que fazer, de mandar nela.

     — Sim — respondeu, voz tremendo enquanto mentia: — E, para sua informação, eu queria que Giovanni...

       — Que ele fizesse o quê? — a voz de Gareth pingava desprezo. — Eu duvido que você fosse gostar muito do que ele tinha em mente.

     O queixo de Louise empinou perigosamente.

     — Então ele queria fazer sexo comigo. Isso é tão errado assim? — desafiou-o. — Afinal de contas, tenho de perder minha virgindade de alguma maneira.

     — Tenho de me tornar a mulher que você diz que eu não sou. E, como tenho certeza de que você já sabe, graças à minha prima e minha querida irmãzinha, eu nunca tive uma experiência com o homem... O único homem que eu...

     Fazendo uma pausa, Louise mordiscou lábio inferior.

     Por que diabos ela estava absorvida por esta conversa, envolvida nesta situação? Simplesmente pensar em Saul deixava-a com o coração doendo e os olhos transbordando com lágrimas denunciadoras. Ela tentou segurar o choro.

     — Não me importo mais com quem eu... Simplesmente não me importo mais.

     Ela havia dito mais, muito mais, do que pretendera, reconheceu trêmula.

     Mas em vez de zombar dela por sua imaturidade, em vez de tratá-la com superioridade conforme estivera fazendo durante as últimas semanas, ela o ouviu dizer numa voz que a abalou quase tanto quanto sua raiva fizera antes:

     — Você está louca! Por acaso você entende o que acaba de dizer? É claro que importa quem for a pessoa.

     — Para mim não importa — disse Louise com selvageria. — Porque deveria me importar?

     Antes que Gareth pudesse impedi-la, Louise girou nos calcanhares e saiu correndo pela chácara, para subir para o quarto que dividia com a irmã gêmea.

     Das janelas do quarto podia-se ver a cidadezinha, com seus telhados vermelhos e mais atrás a encosta da colina. Mas aquela vista deslumbrante não conseguiu prender a atenção de Louise, que arregalou aos olhos ao ver que Gareth a seguira escadas acima e agora estava parado dentro de seu quarto.

     — Você largou isto — ele disse, estendendo-lhe a descartada parte superior de seu biquíni.

     Automaticamente ela estendeu a mão para tomar a peça dele, e então parou ao ver a forma como ele a estava olhando.

     — Fique longe de Giovanni, Louise — ele a alertou. — Ele não é...

     — Ele não é o quê? — inquiriu ela, a raiva inflamando novamente em seu peito.

     — Eu não me importo com o que ele não é. Eu me importo apenas com o que ele é... Ele é um homem. E ele pode... Estou cansada de que me digam ainda sou uma criança, e não uma mulher, o que falta para que eu me torne uma mulher? — Fitando-o desafiadora, ela disse: — Eu só quero fazer sexo, e não me importo com quem seja, nem se será com Saul. Se eu não puder ter Saul, então terei qualquer um.

     — Você não sabe o que está dizendo — Gareth a contradisse secamente.

     — Pare de me tratar como criança. — Louise agora estava praticamente gritando com Gareth, impulsionada pela combinação de seus próprios sentimentos e a presença enervante e indesejada desse homem em seu quarto.

     — Eu estou falando sério.

     — Não, você não está — disse-lhe Gareth. — E vou provar a você.

     Antes que Louise pudesse entender o que ele estava querendo dizer, Gareth fechou com força a porta do quarto e se colocou entre ela e... Sua liberdade.

     Compreendendo que estava perdendo o controle da situação, Louise começou a sentir muito medo, mas não estava disposta a deixar que ele percebesse.

     — Eu perdi a minha virgindade para uma amiga da minha irmã mais nova — ele disse friamente enquanto desabotoava a camisa. — Ela tinha 20 anos; eu, 17.

     Louise não conseguia desviar os olhos do corpo dele, de sua camisa, de suas mãos... Em paralisado fascínio, ela o observou retirar a camisa. Calmamente ele começou a conduzir a mão até o cinto.

     Nervosa, Louise umedeceu seus lábios subitamente ressequidos.

     — Qual é o problema? — ela ouviu Gareth perguntar com escárnio. — Mudou de idéia?

     — Você... Você não pode estar falando sério. Você não pode estar querendo... — sussurrou.

     — Sim, eu sei o que estou fazendo, e sim, eu estou querendo. Você disse que queria perder a virgindade. Você disse que não se importava com quem fosse perdê-la. Eu estou aqui, e posso lhe garantir, Louise, que estou perfeitamente disposto e apto a ajudá-la. Afinal de contas, tanto faz eu quanto Giovanni, certo? E me perdoe pela sinceridade, faz muito bom tempo desde a última vez que fiz sexo, como ver seus lindos seios nus acaba de me lembrar.

     Ele continuou falando, como se estivesse tendo a conversa mais normal do mundo:

     — Homens são assim, você sabe. Há alguma coisa na visão de um par de seios bonitos e empinados que faz um homem pensar imediatamente como seria ter esses seios preenchendo suas mãos, qual seria seu sabor quando os lambesse, como a mulher da qual eles fazem parte reagiria quando...

     Ao ouvir Louise arfar em choque, ele perguntou com toda calma:

     — O que foi? Não estou te deixando envergonhada, estou Louise? Afinal, foi você que disse que não se importava com quem fizesse sexo. E, como eu acabo de dizer, estou mais do que disposto a saciar o seu desejo. Mais do que disposto. Aqui, sinta — comandou Gareth, segurando a mão dela.

     Louise olhou para ele em horrorizada fascinação. O que ele pensava que estava fazendo... Dizendo... Era seu professor, seu orientador. Ele era... Louise fechou os olhos e então os abriu novamente quando, chocantemente, teve uma imagem mental subitamente nítida dele da forma como o vira ao sair da piscina naquele dia em que o acaso a fizera encontrá-lo em sua chácara.

     Naquele momento ela estivera completamente cônscia do fato de que ele não era apenas seu orientador, mas também um homem, e agora, súbita e inexplicavelmente, ela estava cônscia disso novamente.

     — Você... Você a amava... A amiga da sua irmã? — conseguiu dizer trêmula enquanto tentava olhar em outra direção. Ela não ousava olhar para o corpo de Gareth agora que ele tirara a camisa e estava ao que parecia, no processo de remover o resto das roupas.

     — Eu ouso dizer que acreditei que a amava — respondeu Gareth, muito frio. — Mas quando você tem 17 anos... E eu tinha acabado de fazer 17... Qual é o problema...? Louise, você mudou de idéia...?

     Estranhamente, a despeito do fato de que estivera conversando com ela há vários minutos, ele ainda não havia aberto seu cinto, embora tivesse desabotoado e removido sua camisa com incrível rapidez.

     Apenas por um segundo, Louise sentiu-se tentada a ceder e admitir que, sim, ela certamente havia mudado de idéia, mas seu orgulho, sempre um de seus piores inimigos, recusava-se a abandonar seu coração. Ceder, a ele...? Não... Não... Jamais... E, além disso... Além disso... Ela sabia perfeitamente bem que ele estava apenas blefando, e que ele jamais iria... Bem, ela podia fazer esse jogo tão bem quanto ele, talvez até melhor.

     Sentindo sua confiança retornar, ela balançou a cabeça e disse com firmeza:

     — Não. Não mudei de idéia.

     Ela apertou os lábios e se forçou a fazer um inventário visual do que podia ver dele, demorando-se propositalmente o mais que conseguiu na extensão exposta e bronzeada de seu torso antes de correr os olhos pelo resto de seu corpo. Graças a Deus ainda vestido. Voltando a focar os olhos em seu rosto, ela disse, com o máximo de desprezo que conseguiu reunir na voz:

     — Você não é tão másculo quanto Giovanni, mas acho que servirá.

     Ela notou imediatamente que tocara num nervo exposto.

     Um músculo se contorceu no maxilar dele, mas ela se forçou a ignorar isso.

     — Eu devia colocá-la em meus joelhos e lhe dar uma boa...

     Arregalando os olhos, Louise ordenou às suas faces que não corassem enquanto lhe perguntou, provocante:

     — Oh, esse é algum tipo especial de posição? Eu não tenho sua experiência, é claro, e...

     — Você realmente está pedindo isso, Louise — ele alertou.

     Mas ela não ia ceder.

     Dando com os ombros, ela lhe disse, bem sensual.

     — Bem, sim, eu acho que estou... A propósito, não precisa se preocupar, porque não corro o risco de engravidar. Já estou tomando a pílula.

     A médica de Louise receitara a pílula há vários meses atrás, quando o trauma emocional começara a alterar seu ciclo mensal normal.

     — Muito prático da sua parte — comentou Gareth — Com certeza fez isso por Saul. Você me surpreende. Achei que você estava tão apaixonada que seria capaz de provocar um "acidente", para que ele a pedisse em casamento para proteger a você e ao bebê.

     O rosto de Louise ficou vermelho de raiva.

     — Como você ousa dizer uma coisa dessas? — exclamou enquanto dava um passo impulsivo em direção a ele — Jamais tentaria pegar um homem numa armadilha como essa — ela disse com furioso orgulho. E falava sério.

     — Louise — ela o ouvir dizer quase com cansaço enquanto erguia a mão para segurar em concha a lateral de seu rosto.

     Para lhe dizer o quê? Alguma coisa que ela realmente não queria ouvir. E com certeza ela não conseguiria impedi-lo de dizer.

     Sem parar para considerar as conseqüências de seus atos, desesperada por silenciá-lo e fazer com que parasse de trazer à tona toda sua dor por ter perdido Saul, Louise rapidamente fechou a distância entre eles, plantando a boca contra a dele enquanto sussurrava:

     — Poupe a aula, professor; não é isso que eu quero. O que eu quero...

     Ela não conseguiu terminar sua frase, porque súbita e inesperadamente ela ouviu Gareth gemer. No momento seguinte, Gareth a estava puxando com firmeza contra seu corpo enquanto abria a boca sobre os lábios cerrados de Louise. Então ele se pôs a beijá-la de um modo que ela até agora só conhecera indiretamente, pela tela da televisão.

     É claro que Louise sempre soubera que as pessoas se beijavam, ou deviam se beijar assim. Até mesmo sonhara e fantasiara com Saul beijando-a desse jeito, com exatamente esse tipo de intimidade e rijo ardor masculino.

   Entretanto, a realidade de ter o corpo de um homem pressionado contra o seu, a carne nua de seu peito rija, firme e quente contra a nudez de seus seios, enquanto ele segurava em concha o rosto dela.

     Ele movia a boca contra a sua com devastadora perícia e determinação, era como comparar outra pessoa gritando numa montanha-russa à sensação de estar sentada no carrinho tendo a experiência em primeira mão.

     Mas nenhum passeio de montanha-russa, por mais apavorante e emocionante que fosse, poderia se comparar a o que ela estava sentindo neste momento.

       Sentia seu corpo inteiro submergir numa avalanche de sentimento, de sensação, de reação, que ela nunca, jamais imaginara que um dia poderia sentir. Ela não podia nem mesmo controlar a reação urgente e faminta de seu corpo à habilidosa sensualidade do beijo dele, quanto mais fazer qualquer coisa sobre a forma como seus seios, e mamilos, já latejavam atormentados pelas carícias e pelo tipo de intimidade que eles estavam tendo. Reunindo toda sua coragem, Louise tentou lutar contra o inebriante impulso de excitação que a repelia contra Gareth. Mas era uma causa perdida; seu cérebro não era páreo para a fome avassaladora de seu corpo. Enfraquecida, ela se agarrou contra a única coisa sólida que podia encontrar. As unhas afundando nos músculos sólidos dos antebraços de Gareth.

       — Louise. — ela ouviu Gareth protestar contra sua boca, como se pudesse sentir o que estava acontecendo com ela, e instigá-la a resistir.

       Mas Louise não podia resistir. Assim como ela não queria resistir, e ela não queria que ele lhe dissesse isso.

       — Não. Não... — gemeu, pressionando beijinhos contra os lábios, o queixo, o pescoço de Gareth. — Não... Gareth... Não, não pare. Não pare agora... — ela implorou, perdida para tudo. — Não, você não pode. Você não pode...

       E para provar suas intenções, Louise empurrou seu corpo ainda mais forte contra o dele, movendo-se freneticamente contra ele, plantando beijos ardentes em cada parte dele que conseguiria alcançar.

       — Louise. Louise... Não. Você... — ele protestou, mas ao mesmo tempo sua mão estava se levantando para alcançar o seio de Louise.

       Louise estremeceu em sensual deleite enquanto ele a tocava, implorando rouca:

       — Faça o que você disse que ia fazer... Você disse que queria sentir o sabor... Deles... — lembrou-o, voz arrastada e sensual, olhos reluzindo com paixão, dilatando-se para revelar seu desejo enquanto ela os focava cegamente nele.

       E quando notou que ele estava hesitante, ela se moveu convidativa contra ele, arqueando o corpo contra o dele, sentindo seu desejo pulsar fortemente através de suas veias e sentidos.      

       O resto da chácara estava vazia, silenciosa; a atmosfera em seu quarto quente e preguiçosa devido ao forte sol da tarde.

       Louise podia ver uma gota de suor formar-se na garganta de Gareth. Ela observou fascinada enquanto ele retesava os músculos do pescoço. Cada segundo, cada respiração que ela dava parecia se estender para sempre. O próprio tempo parecia haver parado. Podia ver, ouvir, quase sentir Gareth tentando engolir; a pequena gota de suor se moveu.

       Estendeu a ponta do dedo até o pescoço de Gareth e pegou a gota, olhos nos olhos dele enquanto deliberadamente conduzia a gota de suor até a língua.

       Seu corpo inteiro parecia capturado, galvanizado pelo tremor feroz que percorreu seu corpo. Com as mãos, ele segurou em concha os seios de Louise; com a boca, cobriu seus lábios. Louise estremeceu em prazer intenso enquanto era abalada por ondas e ondas de intensa reação sensual.

       Louise sentia Gareth moldar seu corpo com mãos grandes e firmes. Os dedos compridos e flexíveis deslizaram pela quente e sedosa das costas de Louise antes de pararem para descansar nas curvas arredondadas de suas nádegas. Ele curvou a cabeça, cabelos roçando suavemente contra sua pele nua, na mais tênue e arrepiante das carícias.

       Louise sentia o calor do hálito de Gareth contra seu seio, e os delicados arrepios que desciam por sua espinha ficaram mais ferozes. Estava acariciando seu seio com a boca, plantando beijos gentis e exploratórios que a estavam conduzindo a uma fúria de impaciência e desejo.

       Sobrepujada por seu próprio desejo, ela se move frenética contra ele. A boca de Gareth roçou o mamilo inchado e rijo com o desejo que ele próprio conjurara há pouco com suas descrições verbais explícitas.

       Ela o sentiu hesitar, o que aumentou imensamente sua frustração, derrubando seu parco autocontrole e qualquer capacidade de pensar de forma lógica e racional.

     As mãos de Louise encontraram os ombros de Gareth, e acariciou os músculos e ossos sob a pele quente, massageando os contornos másculos até deixar escapar um gemido rouco, o mesmo som feroz que uma leoa teria feito em convite a seu macho.

     Louise estendeu as mãos até as costas fortes e esguias de Gareth, e o fez descer ao longo de seu corpo. Ela sentiu o calor da respiração de Gareth contra seu mamilo e estremeceu descontrolada sob seu impacto. O mesmo impacto que os picos quentes das dunas de areia sentiriam ao ser beijados pelo vento do deserto, a sensação de ao mesmo tempo uma dor latejante e insuportável e a promessa de um prazer ainda mais intenso e inalcançável.

     — Faça... Faça...

     Nem mesmo ao ouvir a si própria proferir aquelas palavras roucas e guturais, Louise teve forças para se calar.

     E quando Gareth obedeceu ao seu comando feminino, a sensação que a acometeu não foi de triunfo, ou de qualquer outro prazer cerebral, mas um alívio tão intenso por todo o corpo que ela mal teve forças para suportá-lo.

     Louise se moveu ritmicamente contra Gareth, segurando sua mão enquanto ele colhia seu mamilo mais profundamente na boca.

     E embora antes Gareth tivesse lambido o mamilo de Louise com delicadeza, agora o estava fazendo com tanta ferocidade e sofreguidão que a conduzia a píncaros de prazer.

   — Sim. Oh, sim... Sim... — Louise ouviu a si mesma começar a entoar enquanto seu corpo se curvava impotente, não mais obediente ao seu cérebro, mas total e completamente entregue aos comandos do dele.

     Foi ela quem esticou a mão até a fivela do cinto de Gareth, e também foi ela quem ordenou e exigiu que ele retirasse o restante de suas roupas.

     — Quero ver o restante de você — exigiu Louise. — Eu quero...

     A voz e as mãos de Louise ficaram subitamente paralisadas quando ele cedeu aos seus apelos. Um estremecimento visível correu por todo o corpo de Louise quando ela o devorou com os olhos, lentamente absorvendo a realidade visual de seu corpo.

     Agora não havia mais necessidade de questionar se ele a queria ou não; ela podia ver perfeitamente bem que ele queria. Hesitante, estendeu a mão e deixou seus dedos deslizarem pelo macio tapete de pêlos que dividia em dois seu corpo. Quando alcançou o estômago de Gareth, Louise sentiu os músculos dele retesarem, mas ele não tentou detê-la.

     Os pêlos em torno da base de sua virilidade eram espessos e acetinados. Eles aderiam aos dedos dela como se querendo estimular seu toque. Solene, Louise permitiu-se demorar-se neles por algum tempo, explorando os caracóis escuros. Acima de sua cabeça curvada, Louise escutou Gareth gemer, e seus seios nus e sua feminilidade interior e secreta latejaram urgentemente num eco silencioso da necessidade que ele estava expressando.

     A mão de Louise tremeu levemente enquanto ela a estendia para tocar sua ereção rija. O tremor não era causado por nenhum tipo de trepidação ou apreensão; era simplesmente seu corpo avisando que ela estava perigosamente próxima de perder o controle, enquanto o gemido baixo e grave emitido por Gareth informava que o mesmo acontecia com ele.

     Delicada e lentamente, Louise explorou toda a extensão da ereção de Gareth, lábios se entreabrindo num enrouquecido arfado de concentração.

   Sob as pontas dos dedos de Louise, a carne de Gareth ardia, seu corpo rijo e duro. O aroma sensual gerado pelo calor de seus corpos enchia a sala pequena e quente, fazendo com que ela se sentisse tonta de desejo.  

     Recuando, Louise olhou na direção da cama e então de volta para ele. Mas antes que Louise pudesse dizer qualquer coisa, ele estava removendo a mão dela do corpo dele e lhe dizendo rouco:

       — Louise, você já me conhece. Agora sou eu quem deve conhecer você.

     Como se estivesse aprisionada num sonho, sem conseguir mover seus membros, Louise simplesmente ficou imóvel enquanto Gareth removia a parte inferior do biquíni dela. Sentir as mãos de Gareth subindo por suas coxas para em seguida descer, lentas e exploradoras, fez com que Louise tivesse a impressão de estar derretendo de dentro para fora. Enquanto ela fechava os olhos, ele se levantou e a tomou nos braços, para então carregá-la até a cama. Deitando-a cuidadosamente na cama, ele começou a tocá-la e acariciá-la, e a lamber seus seios.

       Primeiro um e em seguida o outro, recebeu a úmida atenção de sua língua. Então, com os lábios, Gareth se pôs a sugar seus mamilos, primeiro com gentileza, e em seguida com sofreguidão, enquanto Louise se contorcia e protestava incoerentemente que aquilo era prazer demais para que ela conseguisse suportar.

Bem devagar, Gareth plantou uma trilha de beijos ao longo do corpo de Louise. Com mãos firmes, afastou com firmeza suas pernas para poder ajoelhar entre elas, pontas dos dedos massageando com gentileza a parte interna de suas coxas.   Um gemido suave e atormentado escapou da garganta de Louise, cujo corpo inteiro começou a tremer, completamente à mercê de sua própria excitação.

       Quando as mãos de Gareth tocaram sua intimidade e se puseram a explorá-la, expondo-a completamente, não apenas ao seu toque, mas também à sua visão, Louise fechou os olhos. Não porque estivesse se sentindo envergonhada ou inibida, mas simplesmente porque a excitação sexual que explodia através dela era grande demais para ser suportada.

       Em meio a toda essa intensidade, Louise podia sentir não apenas seu próprio desejo de superar os limites de seu conhecimento e experiência sexual, como também sua poderosa raiva feminina contra si própria, contra Saul, contra praticamente a própria natureza. Raiva e amor... Qual delas era a mais forte? Seu corpo tremia fervorosamente sob seu toque, tão delicado e ao mesmo tempo tão viciante aos seus sentidos.

       Ela podia sentir o desejo coleando dentro dela. Tensa, abriu os olhos. Ele estava curvando a cabeça em direção a ela. Louise podia sentir-se pairando na beira de um precipício, carregada para lá, arremessada para lá pela ferocidade de seu próprio desejo.

     Freneticamente ela estendeu as mãos até os ombros dele, sussurrando palavras que quase se perderam contra o peito dele.

     — Sim... Oh, Sim... Agora... Agora... Eu quero você agora.

     O corpo de Gareth já começava a tremer a mercê de seus primeiros espasmos de aviso antes do clímax, e ela gemeu sob sua força.

     Ele estava se movendo para ela, para dentro dela, muito, muito lentamente. Louise sentiu sua própria carne envolvê-lo com ávida cumplicidade, o movimento trêmulo de seus quadris estabelecendo um ritmo rápido e nervoso ao qual ela podia senti-lo tentar resistir.

       Louise correu as mãos pelas costas dele, incitando-o a penetrá-la mais profundamente. Ela o sentiu parar, quase resistir, mas seu corpo não lhe permitiu isso. Ele finalmente desistiu de sua intenção de se conter, e começou a se mover cada vez mais forte e profundamente dentro de Louise.

       Foi como ouvir sua música favorita e mais emocionante, olhar pela janela de seu quarto no dia de Natal para ver o campo coberto por um manto de neve; comer seu prato favorito; ter suas emoções e seus sentidos tocados de cada forma que os excitava; e tudo isso ao mesmo tempo. Foram todas essas coisas e muito mais. Todas essas coisas multiplicadas por mil, não, por um milhão, uma sensação, um sentimento, um pertencimento tão intenso, tão perfeito, quase além de sua capacidade de suportar seu deleite, que, quando fortíssimas contrações se espalharam por seu corpo, ela pensou que o alívio iria parti-la ao meio.

       Depois, deitada nos braços de Gareth, chorando agarrada a ele enquanto lutava para encontrar palavras para lhe dizer o quanto achara a experiência mágica, ela o ouvia dizer enrouquecido que estava tudo bem, que ela estava segura, e que ele lhe pedia desculpas. Em algum ponto entre registrar o que ele estava dizendo e tentar responder a ele, Louise adormeceu. Quando acordou, estava escuro e Gareth fora embora, tendo-a deixado bem coberta em sua cama, seu biquíni dobrado cuidadosamente na cadeira ao seu lado.

       Ela agora podia ouvir as vozes de seus pais lá embaixo, e então Katie entrou correndo no quarto exclamando:

       — Lou, acorda. Precisamos fazer as malas. Aconteceu alguma emergência lá em casa e precisamos voltar. Papai comprou passagens para o primeiro vôo da manhã...

       — Uma emergência... O que foi...? — inquiriu Louise, grogue, mas automaticamente preocupada com Saul.

       — Eu não sei. Nenhum de nós sabe. Tudo que sei é que mamãe falou ao telefone com Maddy por um tempão.

     Na pressa de fazer as malas e chegar ao aeroporto a tempo de embarcar, Louise simplesmente não teve tempo de refletir sobre o que acontecera com Gareth.

     Além disso, seu corpo letárgico e sensualmente saciado se recusava a dialogar com sua mente a respeito do que acontecera, deixando-a sentir mais nada além da aura de sensualidade que ainda impregnava seus sentidos, anestesiando-a contra qualquer necessidade de analisar o que acontecera ou por quê.

     Isso veio mais tarde, depois que eles estavam de volta ao lar. Horas de infindável auto-análise enquanto ela repetidamente repassava na mente o que acontecera, meio inclinada a ceder à tentação de se confortar acreditando que ela simplesmente sonhara com a coisa toda. Sonhar com Gareth Simmonds dessa forma já seria ruim, mas era claro que ela sabia que não era sonho.

       A crise que os trouxera de volta a Haslewich, conforme Louise presumira, envolvia seu avô, que desenvolvera uma severa infecção peitoral, e Maddy viera correndo de Londres para ficar com ele.

     — Mamãe está preocupada com vovô e Maddy. A própria Maddy não está parecendo nada bem, embora vovô já esteja fora de perigo. Joss ficou muito preocupado com ele. Você sabe como ele é — disse Katie, alguns dias depois de seu retorno.

     — E quem não sabe? — retorquiu Louise, mal-humorada.

     No dia anterior, o irmão das duas pegara Louise de guarda baixa ao perguntar se ela tivera alguma notícia de Gareth Simmonds desde que havia voltado.

     — Não. Por que teria tido? — perguntou, faces ruborizadas. — Não fui eu quem ficava encorajando-o a ir até a chácara... Não era eu que ficava dando aqueles passeios chatos pelo campo com ele.

     — Não eram chatos — contradisse Joss afavelmente.

     — Ele conhece o campo tão bem quanto tia Ruth. Ele me disse que quando tinha minha idade costumava passar as férias na Escócia, com sua avó. — e então, retornando à sua pergunta anterior, ele acrescentara: — Além disso, ele é seu professor.

     Era. Louise estivera a ponto de corrigi-lo, mas se conteve bem a tempo. Ela já havia decidido que iria pedir transferência de curso. Simplesmente pensar em voltar a Oxford e ter de olhar para o rosto de Gareth Simmonds depois de tudo que acontecera deixava-a tremendo e suando frio. Como ela poderia ter se comportado daquela forma...?

     Enquanto ela e Katie ainda estavam conversando, a porta se abriu e Joss entrou.

     — Será que alguma de vocês pode me dar uma carona até a casa do vovô? — perguntou Joss. — Pensei em ir até lá, ver se posso ajudar em alguma coisa.

     — Por que você quer ir até lá? — perguntou Louise com curiosidade.

     — Achei que podia ir jogar xadrez com o vovô para dar uma folga à Maddy, para que ela possa sair e fazer compras ou alguma coisa para se animar um pouco... Tipo comprar um vestido novo — acrescentou com imprecisão tipicamente masculina.

     — Mas mamãe está lá com ela — frisou Katie. Joss fez que não com a cabeça.

     — Não, ela não está — disse Joss às duas. — Ela tinha uma reunião com o comitê do abrigo de mães e bebês às três da tarde. Ela ficou de telefonar para Maddy no caminho.

     — Eu levo você — disse Louise, levantando abruptamente para se ocupar procurando por um casaco, de nem ele nem Katie pudessem ver o brilho das lágrimas que começavam a se formar em seus olhos, causadas pela súbita percepção de que seu irmão caçula definitivamente iria se tornar um homem de bem.

     Conforme ela prometera que iria fazer, ao voltar para Oxford Louise pediu transferência para outro curso e conseguiu um novo orientador. Ironicamente, sua irmã gêmea agora estava assistindo às aulas de Gareth Simmonds, mas sempre que o mencionava, Louise pedia para que mudasse de assunto.

     — Katie, se você não se importa, pode, por favor, falar de outra coisa, qualquer outra coisa?

     — Sei que você não gosta do Professor Simmonds... — começou Katie.

     Louise a interrompeu, rindo rudemente enquanto dizia a ela:

     — Não é simplesmente que eu não goste dele, Katie. Eu odeio, abomino, aquele homem. Eu o detesto absolutamente da cabeça aos pés. Entendeu? Sinto nojo dele. Nojo.

     Mas ela continuou sonhando com ele à noite naquele primeiro período do novo ano, e durante o seguinte. Eram sonhos atordoantes e confusos envolvendo um caleidoscópio de emoções e sentimentos dos quais acordava de madrugada, encharcada de suor e com olhos inundados em lágrimas.

     A campainha do telefone soou aguda, estilhaçando seus pensamentos e trazendo-a abruptamente de volta ao presente. Louise rapidamente pegou o fone.

     — Ah, então você voltou. Por que não respondeu ao meu telefonema?

     Enquanto ouvia voz de Jean Claüde, lembrou a si mesma de que não tinha mais dezenove anos, Louise, e que ela era uma pessoa muito, muito diferente da garota que implorara a Gareth Simmonds para fazer dela uma mulher.

     — Quando você estará livre para jantar comigo? — Louise ouviu Jean Claüde perguntar.

     — Temo que não esta semana — disse com firmeza.

     — Mas chérie, estou com saudade de você. Faz tanto tempo...

   Louise riu.

     — Pare de me bajular, Jean Claüde — alertou Louise, ignorando seus protestos lamurientos. — Olhe, eu sei muito bem que há dezenas de mulheres além de mim na sua vida. Assim, não tente me convencer de que passou suas noites sozinho e solitário em casa.

       Louise quase pôde sentir o ego de Jean Claüde inflar enquanto ela falava. Embora fosse inteligente, Jean Claüde era um homem particularmente vaidoso, e Louise já descobrira que era sempre fácil dobrá-lo por meio de sua vaidade.

       Contudo, essa vulnerabilidade nele não significava que ele ocasionalmente não pudesse ser extremamente arguto e perceptivo. Jean Claüde já a desafiara a provar que o motivo pelo qual não aceitara ir para a cama com ele até agora era por estar presa emocionalmente a outro homem. E nesse momento ela não estava disposta a ressuscitar essa discussão em particular.

       — Minha chefe tem uma reunião hoje de manhã que poderá se arrastar interminavelmente. E há noite haverá um jantar formal...

       — Já entendi. O comitê sobre direitos de pesca nos mares árticos — disse Jean Claüde. — Suspeito que nossos governos estarão em lados opostos nessa questão.

       Louise riu.

       — Talvez não devamos nos ver durante algum tempo — caçoou Louise. — Só para garantir!

       Para sua surpresa, em vez de rir com ela, Jean Claüde assumiu um tom de voz anormalmente sério ao lhe dizer:

       — Chérie, essa é uma questão extremamente importante para nós. Nossos pescadores precisam pescar naquelas águas. Os de vocês...

     Louise quase pôde vê-lo encolhendo os ombros ao estilo gaélico, como costumava fazer com tanta freqüência.

     — Os de vocês têm uma área de mar, ou melhor, de mares, para pescar que excede de longe a massa de terra do seu país.

     — Uma herança dos tempos em que a Bretanha regia os mares — brincou Louise, mas Jean Claüde permaneceu sério.

     — Tais visões colonialistas não são consideradas aceitáveis nos dias de hoje, ma petite — lembrou-a o francês.

     — E se puder aceitar um aviso meu, sugiro que não as expresse em público. Há muitas nações baseadas aqui em Bruxelas que consideram ter bons motivos para repudiar o que consideram tirania e opressão britânica.

     Estava na ponta da língua de Louise expressar que os franceses, juntamente com os holandeses e portugueses, em alguma etapa de sua História haviam se dedicado à aquisição de novas colônias, terras e mares, mas o tom grave de Jean Claüde a impediu de abrir a boca. Além disso, conforme ela notara com freqüência, por mais bonito e atencioso que Jean Claüde fosse, para seu gosto pessoal ele carecia de uma virtude vital. Ele não tinha o menor senso de humor.

    — Só poderei vê-lo na semana que vem, Jean Claüde — ela preferiu dizer a ele.

       — Muito bem... Então vou ligar para você na semana que vem. Mas também poderíamos nos encontrar mais tarde, depois do jantar... — Jean Claüde começou a ronronar significativamente.

     Louise riu.

     — Passar a noite com você? Non. Non, non...

     — Agora você diz non, mas algum dia dirá oui, e não apenas sobre passar a noite comigo — ele a alertou, e ela o percebeu sorrir de satisfação em sua voz enquanto ela ria e se despedia.

     — Você está errado, Jean Claüde — murmurou para si mesma enquanto colocava o fone no gancho. Por mais atrativo que fosse, ela não corria o risco de ser tentada a se juntar à sua longa lista de amantes.

     — Como você é fria! — queixara-se Jean Claüde na última vez que ela recusara seus avanços. — Fria por fora, quero dizer, porque acho que por dentro você é muito quente. Muito, muito quente... — sussurrara enquanto tentava aprofundar a paixão do beijo que eles estavam dando.

     Ela havia se desvencilhado dele de forma gentil, mas firme.

     — Por que é tão envergonhada? Você é uma mulher muito atraente, Louise, eu certamente não sou o primeiro a lhe dizer isso, nem o primeiro homem a levá-la para a cama...

     — Você não me levou para a cama — Louise sentira-se impelida a lembrá-lo.

     — Ainda não — concordara, acrescentando com malícia: — Mas eu farei isso... E muito em breve. — sua voz engrossara enquanto sua mão se estendia para acariciar o seio de Louise.

     Louise executara uma manobra hábil para longe dele e abrira a porta a porta de seu carro.

     Jean Claüde tinha razão a respeito de uma coisa. Ele não era o primeiro homem a levá-la para a cama, mas...

     — Oh, não... Não — Louise disse feroz a si mesma — Não vou passar por isso de novo. Não vou viajar novamente por essa estrada. Não vou ter aqueles pensamentos...

     Um dos primeiros indícios de que uma mulher estava caminhando para se tornar uma solteirona eterna não era quando ela começava a falar sozinha...? Solteirona... Era uma palavra antiquada, e muito politicamente incorreta, com todas suas conotações rudes e preconceitos embutidos. Mas uma solteirona era, afinal de contas, o que ela era, e o que provavelmente continuaria a ser.

     Por opção, lembrou a si mesma com severidade. Por opção.

     Pela expressão de sua livre vontade por que... Por que...

     — Pare com isso — asseverou a si própria. E tentando se concentrar em assuntos mais triviais: — Você precisa acordar bem cedo amanhã de manhã!

 

     — Louise. Bom! — exclamou sua chefe enquanto entrava apressada no escritório de Louise — Que bom vê-la aqui tão cedo.

     — Eu achei que você iria querer que eu lhe fizesse um resumo das possíveis complexidades jurídicas causadas por essa proposta de mudança dos direitos de pesca.

     — Sim, eu quero — concordou Pam Carlisle. — Mas eu também quero que você me acompanhe ao encontro desta manhã. As coisas mudaram muito desde a primeira vez que falamos sobre o assunto. Para início de conversa, alguns dos outros membros do comitê têm levantado algumas questões políticas a respeito, o fato do presidente proposto, Gareth Simmonds, ser tirânico, e obviamente os direitos de pesca existentes são britânicos.

     — Sim... Sim, compreendo — Louise concordou, evitando olhar nos olhos de sua chefe enquanto remexia em alguns papéis em sua mesa.

     — Você sabe? Mas como?

     — Minha irmã me contou, e por acaso Gareth Simmonds veio no mesmo vôo que eu. Eu... Ele foi meu orientador durante algum tempo em Oxford — explicou Louise bruscamente. Pronto. Ela já havia dito.

     — Então você conhece Gareth — disse Pam com um sorriso.

     — Temos muita sorte por ele ter aceitado o posto de presidente. Como eu já disse aos outros membros do comitê, eles simplesmente não poderiam ter um presidente mais imparcial. Bem, se ele foi seu orientador, você deve saber disso. Ele realmente é muito... Bom, ainda bem que eu sou uma mulher muito bem casada — disse a Louise com franqueza e um sorriso largo. — Louise, quando aquele homem sorri para mim, eu juro que me derreto toda. As alunas dele devem ser todas apaixonadas por ele, pobre homem...

     — Pobre homem? Por que pobre homem? — perguntou Louise, com mais intensidade do que deveria, a julgar pela forma intrigada com que Pam a olhou.

     — Oh, querida Lou, será que pisei no seu calcanhar de Aquiles? — perguntou Pam, achando graça.

— Será que você teve uma quedinha por ele nos seus tempos de universitária?

     — Não. Com toda certeza, não — negou veementemente Louise, subitamente ficando muito corada e com os olhos faiscando de raiva. — Se você quiser a verdade... — ela fez uma pausa, completamente consciente do perigo que corria.

   — Sim...? — instigou-a Pam.

   — Oh, nada — disse Louise. — Olhe, fiz uma lista de questões que podem vir a ser levantadas. Além disso, sempre há uma chance de ouvirmos aquela velha acusação de sermos colonialistas...

   — Colonialistas...? — Pam levantou as sobrancelhas. — Bem, acho que você pode ter razão. É melhor nós prepararmos para tudo.

   Louise, que conhecia a situação tão bem quanto sua chefe, fez que sim com a cabeça.

   — Meu trabalho vai ser persuadir o comitê de que precisamos manter as cotas de pesca reduzidas e reter o máximo possível de nossos direitos — disse Pam. — Isso não vai ser fácil...

   — Não — concordou Louise. — Já li tudo que pude a respeito de direito marítimo, e, obviamente, todos os outros fatos legais que cobrem a situação. Preparei vários relatórios para você a esse respeito, e estou obtendo traduções sobre históricos jurídicos que os comitês de outros países devem usar como contra-argumentos.

   — Hum... Parece que terei muita coisa para ler.

   — Bem, eu vou condensar o máximo que puder. E, é claro, se aparecer um ponto que necessite de exploração adicional...

   — Você lidará com ele. Sim, eu sei que você fará isso, Lou. A propósito, já lhe disse que você é um tesouro? Quando Hugh me recomendou você, admito que fiquei um pouco descrente. Mas ele me convenceu de que você seria capaz de dar conta do trabalho, e ele estava mais do que certo.

       Hugh Crighton era o pai de Saul, meio-irmão de seu avô. Inicialmente advogado, agora ele era juiz semi-aposentado, e morava em Pembrokeshire com sua esposa Ann. Fora morando numa área costeira que ele se familiarizara com a parlamentar européia Pam Carlisle, para quem Louise agora trabalhava.

     Originalmente, quando recebera a oferta do trabalho, Louise presumira que essa era a forma de seu tio Hugh afastá-la da vida de seu filho. Mas durante uma reunião de família Hugh a puxou em um canto e lhe dissera gentilmente:

      — Sei o que você está pensando, Lou, mas está errada. Sim, eu realmente acho que é uma boa idéia que você e Saul se distanciem um pouco, para que Tullah e Saul possam construir uma nova vida juntos. Mas por acaso eu também acho que você é perfeitamente apta a esse tipo de trabalho. Você possui o tipo de espírito lutador necessário para a função.

       — Eu quero ser advogada — lembrara-lhe Louise.

       — Sim, eu sei — admitiu — Mas, minha querida, Lou, você é...

       — Esquentada demais — completara Lou para ele.

       — Esquentada não, combativa — corrigiu — Uma guerreira, uma líder. Você precisa do tipo de desafio que esse tipo de trabalho irá oferecer.

       E, é claro, ele tivera razão. E ela precisava admitir que a perspectiva de praticar direito nos tribunais secos e empoeirados da Europa não mais lhe parecia tão atraente.

       — Você só quer ser advogada para provar a papai que é melhor que Max — comentara calmamente Joss naquela mesma ocasião. — Mas você tem razão, Lou — dissera-lhe em voz mais calma. — Todos nós achamos que você é melhor...

     Melhor... O que isso significava?, perguntou-se agora.

     O que acontecera à jovem que declarara que se não pudesse ter Saul, então tudo que ela precisaria como compensação seria ser bem-sucedida materialmente e deixar sua marca no mundo? Por que ela começava a achar que poderia haver alguma coisa faltando em sua vida, que poderia haver alguém faltando em sua vida...

     — Lou? Você está se sentindo bem...?

     — Sim. Estou bem — assegurou Louise a Pam Carlisle, rapidamente pondo-se a ajuntar os documentos de que iria precisar para acompanhar sua chefe até o carro que as esperava.

     Na rota ao seu destino, Louise admirou distraída a paisagem que passava pela janela do carro.

     Bruxelas, a despeito do que se dizia em contrário, fera, na verdade, uma cidade muito bonita; mas era verdade que ela possuía uma majestade e o tipo de beleza rígida que talvez nem sempre pudesse ser apreciada com facilidade.

     Não obstante, era muito bonita, reconheceu Louise enquanto o motorista estacionava o carro e abria as portas para ela e Pam.

    Vários dos outros membros do comitê e seus assistentes já haviam chegado. Louise conhecia quase todos eles de vista.

    Os círculos políticos de Bruxelas eram surpreendentemente pequenos, em vista do número de políticos, diplomatas e assistentes que trabalhavam na comissão.

   Ela achou engraçado ao notar que o representante francês trouxera consigo um consultor jurídico altamente qualificado, que Louise suspeitava estar muito mais acostumado a cuidar dos seus próprios comitês do que assistindo a alguém. Embora jamais houvesse estado pessoalmente com ele, Louise o conhecia por reputação, e, conforme sussurrou discretamente à sua chefe, isso provava a seriedade com que os franceses estavam considerando as questões a serem discutidas.

     — Esta é uma questão política muito séria para eles — concordou Pam Carlisle — De muitas mais formas do que é para nós. Mas é com o contingente espanhol que devemos nos preocupar mais. Olhe, lá está Gareth Simmonds, chegando.

     Mas Louise já o vira. Seu terno escuro e de corte impecável enfatizava o poder másculo de seus ombros... E sua largura.

     Sob a camisa impecavelmente engomada, Louise podia ver seu peito subir e descer enquanto respirava. Ainda estaria dividida pela mesma seta de pelos escuros que era tão atraente ao toque? Será que ele ainda...?

     Zangada, ela olhou em outra direção.

     — Gostaria de ter uma conversa com ele, mas já me alertaram para ser especialmente cuidadosa. Não podemos nos dar ao luxo de correr o risco de tê-lo nos acusando de favoritismo — comentou Pam.

     — Principalmente porque ele não deveria estar em posição de favorecer a ninguém — Louise lembrou-a secamente. — A questão deve ser resolvida rigorosamente segundo a lei.

     Recordando o passado, Louise praticamente podia escutar a voz de Gareth Simmonds ensinando à sua turma os tópicos principais da lei européia, seu tom de voz crescentemente passional à medida que ressaltava que o futuro residiria não nos tribunais britânicos, mas naqueles do parlamento europeu.

     — As novas leis da comunidade européia que serão escritas irão superar as leis antiquadas e nacionalistas, e a responsabilidade por essas leis poderá muito bem estar nas mãos de vocês...

     A reunião estava sendo encerrada. Com o canto do olho Louise observou Gareth.

     Ele estava envolvido numa conversa profunda com uma loura deslumbrante que Louise reconheceu como pertencente ao grupo de conselheiros jurídicos a serviço da embaixada alemã: Use Weil.

     A julgar pela linguagem corporal de Use, estava perfeitamente claro que não era apenas a atenção de Gareth como presidente do comitê que ela estava cortejando, decidiu Louise.

     Além disso, Gareth Simmonds não parecia estar fazendo nada para colocar uma distância menor entre eles.

     Abruptamente, ela se virou. Se Gareth Simmonds decidira reagir aos avanços sensuais de outra mulher, isso definitivamente não era da conta dela. Nem um pouco. E ela não tinha a menor intenção de que viesse a ser.

     — Obrigada, Lou... Aprecio a forma como você está lidando com tudo. Tivemos de responder algumas perguntas bem traiçoeiras. Posso estar enganada, mas tive a impressão de que uma ou duas pessoas foram definitivamente pegas de guarda baixa pelas respostas que você deu.

     — Hum... Eu não seria tão otimista — aconselhou Louise à sua chefe, acrescentando secamente: — Afinal de contas, estamos nadando em águas bem lamacentas...

     — Lamacentas, talvez, mas com sorte legalmente dentro de nosso território — respondeu Pam com um sorriso. — Você por acaso não esqueceu o jantar de hoje à noite, esqueceu?

     Louise meneou a cabeça negativamente.

     — Devo dizer que esse é um compromisso pelo qual não estou particularmente ansiosa — prosseguiu Pam. — Não suporto conversa fiada. E as conversas fiadas diplomáticas são as mais chatas de todas.

     Louise riu.

     — Anime-se — Louise consolou sua chefe — Só mais alguns dias e iremos todos para casa.

     A chefe de Louise tinha direito a uma folga, que ela decidira fazer coincidir com a saída prematura de seu marido do departamento governamental que ele dirigia.

     — Depois que Gerald se aposentar, ao menos poderemos passar mais tempo juntos. Embora eu duvide que ele vá conseguir se adaptar a viver aqui em Bruxelas — confessou Pam.

     Louise suspeitava que sua chefe não estava realmente preocupada com seu marido se adaptar a Bruxelas, mas a viver à sua sombra.

     A natureza do trabalho de Louise a levara raramente trabalhar em horário comercial, de modo que não se sentiu culpada ao retornar direto ao seu apartamento agora que a reunião havia acabado. Louise tinha ainda vários documentos para ler, e uma ou duas coisas para fazer. Durante a reunião haviam sido levantadas algumas questões que ela precisava checar.

   E depois, decidiu, ela provavelmente iria descer para nadar um pouco. O condomínio de apartamentos no qual ela morava tinha sua própria academia e piscina interna, que Louise usava o mais regularmente possível.

     Use Weil estava grudada novamente em Gareth Simmonds, notou Louise enquanto começava a reunir seus papéis.

     Por mais que ela odiasse admitir, ele havia presidido extremamente bem a reunião.

   Louise quase fora capaz de ver o respeito dos membros do comitê aumentar à medida que respondia com elegância, mas firmeza, a algumas de suas alegações mais ultrajantes.

     De um ponto de vista jurídico, o domínio de Gareth fora, conforme o esperado, absoluto.

     Com o canto do olho Gareth viu Louise virar-se para ir embora.

     Obviamente ele soubera que ela estava trabalhando em Bruxelas, e calculara que seria inevitável que se esbarrassem. Mesmo assim, ficara surpreso ao descobrir que a representante britânica de um dos comitês tinha Louise como assistente.

     Encontrar-se com ela no avião fora um choque que ela não esperara, e ele ainda podia sentir os efeitos colaterais do impacto de vê-la, que ele recebera como uma carga de eletricidade.

     Use Weil ainda estava conversando com Gareth. Ele curvou a cabeça na direção dela e sorriu educadamente. Use tinha longos cabelos louros e pele impecável. Sob a lã fina de sua blusa, Gareth podia ver o contorno firme de seus seios, seus mamilos discretamente delineados. O instinto masculino lhe dizia que ela seria fantástica na cama, mas seu corpo se recusava a ficar impressionado, ou excitado.

       Louise... Ela estava usando um penteado bem curto. Caía-lhe bem, revelando a perfeição de sua delicada estrutura óssea, deixando-a parecendo de algum modo ainda mais feminina e frágil do que se os estivesse usando longos.

     Suas roupas, ao contrário das de Use, não revelava as curvas de seus seios, e decerto não havia qualquer sugestão de mamilos excitado na blusa que usava sob a jaqueta. Ele notara o lampejo de desgosto nos olhos de Louise quando ela o vira antes, assim como acontecera no avião. Era óbvio que ela ainda não o perdoara pelo que acontecera naquele verão na Toscana.

     — Gareth?

     — Sinto muito, Use. Eu me distraí e não ouvi o que você estava dizendo. — ele foi forçado a se desculpar enquanto ela pousava em seu braço a mão branca e acetinada. As unhas de Use eram pintadas imaculadamente em vermelho vivo.

     Eram compridas e elegantemente tratadas. As unhas de Louise eram curtas e não pintadas, ou pelo menos tinham sido assim durante aquele verão na Toscana. Mas elas ainda eram compridas o bastante para deixar longas marcas de paixão na pele de seus braços e costas, onde ela o arranhara em meio à frenética intensidade de sua paixão sexual. Lamentavelmente, essa paixão não fora por ele. Ele franziu a boca. Teria sido proposital a forma como ela trocara seu nome pelo de outro homem ao lhe implorar que a satisfizesse, que a possuísse?

     — Sinto muito, Use — ele disse, interrompendo sua companhia. — Realmente preciso ir.

     Use imediatamente fez beicinho, dedo coleando em torno do tecido de sua manga.

     — Ao menos iremos nos encontrar à noite no jantar — disse Use com um olhar sedutor — Talvez possa até dar um jeitinho para que você sentar ao meu lado.

     — Acho que os outros membros do comitê irão se queixar se acharem que estou dando muita atenção a você — disse Gareth com gentileza, antes de soltar seu braço.

     Um caso com uma mulher que ameaçava ser tão tenaz quanto Use era obviamente a última coisa que ele queria... Gareth fechou os olhos por um momento e se encostou à parede. O que ele queria... O que ele queria, ironicamente, era aquilo que sua mãe e suas irmãs casadas continuamente lhe diziam que ele precisava. Uma esposa, filhos... Uma família... Louise!

     Contudo, todas essas coisas, todos esses objetivos de vida, eram negados a ele desde aquele fatídico dia de verão numa chácara italiana, quando ele havia permitido que suas emoções sobrepujassem sua inteligência.

     Agora, para ele, não haveria nenhum "felizes para sempre".

     Como poderia haver quando ele soubera, desde o momento em que a tocara, que nenhuma mulher jamais poderia superar Louise em sua vida? E que os filhos que ele viesse a ter com qualquer outra mulher, por mais amados que fossem, sempre ficariam à sombra dos que ele poderia ter tido com Louise.

     Contudo, Gareth sabia que Louise não compartilhara com ele do explosivo momento de descoberta que o acometera. Sabia que Louise não sentira a excruciante dor de reconhecer o significado do que estava acontecendo. Ao contrário de Louise, Gareth imediatamente percebera que estaria tentando se iludir, caso tentasse dizer a si mesmo sua reação a ela era meramente física.

     Ele não se iludia. Ao fazer amor com ele, ela simplesmente quisera punir a si mesma, e tentar destruir seu amor por outro homem. Ela não emergira do calor feroz de sua paixão com as emoções transformadas, transmutadas, do metal ordinário do desejo para o ouro puro da paixão. Mas ele havia.

   Oh, sim, ele certamente havia.

   Gareth tentara entrar em contato com ela no dia seguinte, dizendo a si mesmo que essa era a coisa certa a fazer, a coisa responsável a fazer. Mas quando ele telefonou para ela, ninguém atendeu. Ele foi até a chácara, mas a encontrou vazia. Apenas um dia depois ele conseguira entrar em contato com Maria e descobrir que a família inteira precisara voltar para casa para cuidar de uma emergência.

     Depois que voltara à Inglaterra, Gareth tentara de novo. Ele telefonara para a casa de Louise em Cheshire. Jenny atendera ao telefone, a voz calorosa ao reconhecê-lo. Ele lhe explicara que ficara sabendo por Maria que elas haviam precisado voltar para casa antes do final de suas férias.

     Katie anotara seu número quando ele lhe dera apenas para o caso de Louise querer conversar com ele antes do começo do novo período letivo.

     Houvera uma pausa breve, mais significativa antes que Jenny lhe dissesse, um pouco constrangida, que Louise dissera aos seus pais que decidira pedir transferência para outro curso.

     Naquele momento ele soubera que Louise não tinha a menor intenção de dar prosseguimento a um relacionamento entre eles. E Gareth dissera a si mesmo que era um homem maduro e inteligente que, de algum modo, iria conseguir superar o que estava sentindo.

     E de certa forma ele havia superado. Ele acordava mais todas as manhãs desejando-a, e a memória do tempo que passaram juntos era algo a que ele se permitia muito ocasionalmente. Ou pelo menos era o que tentava.

     Sua família pensava que ele não se casava por ser dedicado demais ao seu trabalho.

     — Se não tomar cuidado, vai acabar se tornando um velho solitário — eles o haviam alertado no último Natal, enquanto puxavam de seu corpo uma miscelânea de crianças pequenas e animais grandes.

     — Se você não tomar cuidado, eu vou me tornar avó antes que você se torne pai — dissera-lhe, sem papas na língua, a sua irmã mais velha.

     Como a filha mais velha dela ainda não entrara na adolescência, Gareth sentira-se impelido a negar essa declaração, mas a verdade era que, por mais que ele quisesse se casar, de conhecer a patente felicidade desfrutada por suas irmãs com seus companheiros e famílias, faltava em sua vida um componente vital que inviabilizava essa possibilidade.

     Ele precisava encontrar alguém a quem pudesse amar, alguém que pudesse amá-lo de volta. Ele já passara da idade em que a mera excitação sexual, por mais forte que fosse, bastava para convencê-lo de que era uma base sólida para um relacionamento de longo prazo.

     — Por favor, não culpe Lou por... Por... Ela não conseguiu evitar — dissera-lhe Katie, a irmã gêmea de Louise, voz tremendo levemente como se pudesse sentir um eco da dor da irmã. — É porque ela está apaixonada.

     Apaixonada... Ah, sim, Louise estivera apaixonada...!

     "Se eu não puder ter Saul, então será qualquer um", dissera-lhe ardorosamente Louise, quando ele apontara para as conseqüências de seu flerte com o jovem italiano, sobrinho da governanta da chácara.

     Qualquer um... Até mesmo ele... Cansado, Gareth curvou a cabeça. Havia dor e havia culpa, e das duas, qual seria a mais difícil de suportar?

     E o que era pior: saber de que ele não conseguia controlar suas emoções, ou saber que ele não conseguia controlar a si mesmo?

     Ambas as emoções esmagavam o espírito e entorpeciam a alma, mas das duas...

     Ele olhou novamente para Louise, e por algum motivo ela parou o que estava fazendo e olhou de volta para ele.

   Mesmo àquela distância ele conseguia ver o desgosto em seus olhos. Ele se perguntou como ela iria reagir se ele fosse até ela e lhe contasse o que sentia. Como ela iria reagir se ele tentasse tomá-la em seus braços?

   Tendo visto Gareth afastar os ombros da parede na qual estivera apoiado, Louise abruptamente desviou os olhos dele. Quando ela pegou as últimas duas páginas de anotações, viu que sua mão estava tremendo.

   Enfiando as folhas de papel na valise, Louise alertou a si mesma que não iria conseguir controlar suas emoções. Louise odiava o conhecimento que Gareth tinha a respeito dela, o fato de que ela jamais conseguiria anular o poder que ele adquirira sobre ela, o fato de que ela nunca iria esquecer o que acontecera entre eles. Mesmo agora havia momentos em que ela acordava de seus sonhos com o nome dele nos lábios, quando ela ouvia um eco, o som de sua própria voz chamando por ele em meio à agonia de sua necessidade sexual.

     Ela tinha sido virgem, e mesmo assim, no espaço daquelas poucas horas, seu corpo havia florescido, explodido para a maturidade plena de uma forma que a deixara com a sensação de que mal conhecia a si mesma.

     Todos seus sonhos de sexo com Saul haviam se concentrado na emoção de finalmente tê-lo para si mesma, do desejo dele por ela, da excitação dele, da necessidade dele. Inocentemente, ela o imaginara implorando a ela que lhe permitisse tocar seu corpo. Simplesmente jamais lhe ocorrera que ela poderia ser aquela que iria implorar, as emoções dela, os desejos dela seriam aqueles que ficariam fora de controle, que ela poderia. Mas no fim não fora Saul quem ouvira seus vergonhosos gritos, que a vira... Que sentira... Que conhecera a necessidade urgente de seu corpo por satisfação.

     Ela sentiu o corpo começando a ficar quente, e foi tomada por um desejo urgente de sair correndo do prédio e para longe de Gareth Simmonds simplesmente o mais rápido que pôde. Mas é claro que ela não podia ceder a uma tentação tão infantil. Em vez disso empinou o queixo e caminhou até a saída com o máximo de calma e rapidez;

     — Nos vemos à noite — disse Pam a ela ao parar o diante do prédio de Louise.

     — Certo... Sim — concordou Louise antes de descer do carro.

     O telefone estava tocando quando Louise entrou no apartamento. Ao atendê-lo, ficou surpresa ao ouvir a voz de sua irmã gêmea no outro lado da linha.

     Os hábitos de boa dona de casa da mãe das duas, conforme Katie certa vez admitira a Louise, havia sido quase tão benéficos para sua carreira quanto seu diploma de Oxford.

     Seu chefe na instituição de caridade na qual trabalhava ficara profundamente impressionado com a segurança com que Katie controlava o uso da verba de seu departamento. Conforme Louise sabia muito bem, Katie não tinha o hábito de dar telefonemas internacionais apenas para desfrutar do prazer de ouvir a voz da irmã. Sabendo disso, a resposta de Louise à saudação calorosa de sua gêmea foi colorida por um pouco de ansiedade ao perguntar;

     — O que foi? Por que está ligando? Aconteceu alguma coisa com vovô ou...?

     — Não. Está tudo bem — assegurou-a rapidamente. — Só queria saber como você está e se tudo está... Bem.

     Havia uma fotografia de sua irmã, na verdade, das duas em seus vestidos universitários, na mesa bem em frente à Louise. Ela franziu a testa com desconfiança para o rosto sorridente da irmã enquanto corria mentalmente todas as variadas interpretações que podiam ser atribuídas ao comentário de Katie.

     — Por que você esperou até eu estar no aeroporto para me dizer que Gareth Simmonds estaria em Bruxelas? — inquiriu com calma.

     — Eu queria contar a você — admitiu Katie com culpa. — Não fique chateada comigo, Lou. Só não queria estragar o fim de semana. Está zangada?

     Louise fechou os olhos e então os abriu novamente.

     — Por que ficaria? — perguntou da forma mais casual que conseguiu. — Com sorte não precisarei trabalhar diretamente com ele. Por quanto mais tempo você estará trabalhando no seu projeto atual? — perguntou Louise à sua gêmea, firmemente mudando o assunto e ao mesmo tempo tentando banir da mente a insistente e incômoda imagem da cabeça morena de Gareth inclinada atentamente em direção à cabeça loura de Use.

     — Não tenho certeza — ela ouvir Katie lhe dizer.

     — Bem, não esqueça que prometeu vir para cá assim que puder.

     — Vou tentar — prometeu Katie — Adorei rever todo mundo lá em casa. Aconteceu muita coisa enquanto estive trabalhando em Londres, e não consegui colocar tudo em dia. Principalmente porque todas as atenções estavam voltadas para o bebezinho de Tullah e Saul e o quanto os dois de Olivia e Caspar cresceram. E mamãe e tia Ruth conseguiram arrecadar muito dinheiro para o abrigo de mamães e bebês.

     — Elas me disseram que vão tentar comprar um casarão velho para converter em apartamentos para mães solteiras.

     — Tia Ruth disse que aquele estábulo em Queensmead poderia ser convertido num abrigo maravilhoso; e que o ambiente seria perfeito...

     — Vovô não concordaria com isso nem em mil anos! — exclamou Louise, rosto abrindo num sorriso largo ao imaginar a reação do velho ranzinza quando sua irmã Ruth lhe dissesse que queria transformar o estábulo de sua imensa mansão em lares para mães solteiras e seus bebês.

     — Eu sei. E é claro que a tia Ruth também sabe. Às vezes suspeito que ela provoca o vovô só porque sabe que ele odeia ter alguma coisa de que sentir raiva e com que brigar. Ele simplesmente não é mais o mesmo desde que tio David desapareceu...

     — Não. Ele não é... — concordou Louise, e por um segundo ambos ficaram em silêncio enquanto pensavam no irmão gêmeo de seu pai.

     — Você acha que algum dia teremos alguma notícia dele novamente? — perguntou Katie.

     — Eu não sei. Acho que papai torce para que ele retome contato, se não por outro motivo, ao menos pelo bem de vovô. Além disso, a situação também deve ser muito constrangedora para Olivia. A mãe dela tem agora outro homem em sua vida, e Olivia apenas a vê quando ela e Gaspar vão a Brighton passar algum tempo com os avós de Olivia. – Louise respirou e prosseguiu:

   — David não sabe que Gaspar e Olivia, quanto mais que eles têm dois filhos.

   — Eu sei. Nem consigo imaginar como seria não ter mamãe e papai, você consegue? — perguntou Katie.

   — Não. Eu não consigo — concordou Louise.

   Katie subitamente interrompeu a discussão a respeito da vida de sua família para perguntar a ela, com inesperada ansiedade:

   — Lou... Você não está muito abalada por Gareth Simmonds estar aí em Bruxelas, está?

   — Não. Claro que não estou — negou Louise. — É claro que eu preferiria que ele não estivesse trabalhando na mesma arena que eu, mas como as atividades da Comissão são tão interligadas, nós acabaríamos nos encontrando, mesmo se ele não estivesse presidindo o mesmo comitê do qual Pam participa. Além do mais, por que eu deveria estar abalada? É verdade que não gosto dele, mas posso viver com isso.

    Havia algumas coisas que eram íntimas demais para serem discutidas até com alguém tão próximo a ela quanto sua irmã gêmea, e seus verdadeiros sentimentos acerca de Gareth Simmonds e sua presença em Bruxelas definitivamente era um deles.

    — Olhe, eu preciso ir — ela disse a Katie, — Esta noite haverá um grande jantar oficial, e tenho algumas leituras para colocar em dia.

   Esses jantares oficiais da Comissão, que nos primeiros estágios de seu novo trabalho tinham-na deixado muito apreensiva, agora haviam se tornado tediosamente familiar.

   As conversas à mesa de jantar invariavelmente eram as fofocas usuais, entremeadas com algumas poucas questões realmente importantes, avaliou enquanto tirava do guarda-roupa um dos três elegantes vestidos pretos. Ela, Katie e Olivia haviam saído num fim de semana de compras em Londres antes que Louise assumisse seu novo cargo. Os vestidos, dois dos quais haviam sido comprados na liquidação de fim de estação de uma loja chique de Bond Street, havia mais do que compensado seu custo; ela costumava ouvir elogios rasgados cada vez que usava um deles. Eles eram fáceis de vestir e muito práticos. Eles inclusive podiam ser lavados a máquina, um bônus em vista do número de vezes que Louise precisava usá-los. O que ela escolheu vestir hoje era sem manga, com decote largo, e feito de um tecido que aderia sensualmente ao seu corpo. Seus cabelos, que ela mantinha curtos, necessitavam de pouca atenção além de um novo corte caríssimo a cada quinze dias, e ela jamais favorecera mais que uma quantidade mínima de maquiagem: sombra para enfatizar a forma e a profundidade de seus olhos, blush e batom.

     Tanto ela quanto Katie haviam herdado a silhueta elegante de seu pai. Louise jamais se importara em ser alta, embora em algumas ocasiões durante a adolescência tivesse desejado ter o corpo um pouco mais curvilíneo.

     O tempo havia lhe concedido a realização desse desejo, e embora ainda fosse esbelta a ponto de causar inveja às suas amigas, Louise possuía o tipo de curvas que fazia o tecido preto de seu vestido delinear curvas definitivamente perigosas em seu corpo.

     Depois de escolher sapatos pretos e uma bolsa grande o bastante para portar um pequeno bloco e uma caneta, coisas sem as quais jamais saía de casa, Louise estava pronta com uma antecedência de cinco minutos à chegada do carro.

     Era irritante, mas enquanto caminhava até o carro, Louise não estava pensando em sua conversa recente com a irmã gêmea, a promessa de Katie de pegar um vôo para Bruxelas, ou mesmo os assuntos politicamente arriscados que poderia ser obrigada a abordar durante o jantar. Em vez disso, sua mente estava concentrada exclusivamente no homem que presidia o comitê.

     Gareth Simmonds. Ela já não havia desperdiçado energia emocional suficiente com esse homem?

     Uma das primeiras coisas que decidira, ao vir trabalhar em Bruxelas, tinha sido não permitir que quaisquer eventos de seu passado deitassem sombras perigosas sobre sua nova vida. E uma das sombras mais perigosas sobre sua própria vida fora aquela deitada por seu ex-orientador, seu ex...

     Louise instintivamente balançou a cabeça, tentando impedir a si mesma de, mesmo mentalmente, formular a palavra "amante". Eles não haviam sido amantes. Não no verdadeiro sentido da palavra. Não da forma como ela interpretava a palavra.

     Haveria uma mulher na vida dele agora? Pam, sua chefe, mencionara que ele era solteiro, e essa era uma palavra indubitavelmente em grande demanda socialmente.

       — E não apenas solteiro — comentara Pam com admiração — Mas também um belo pedaço de mau caminho...

       — Ele é? — retorquira Louise em voz miúda — Ele nunca me chamou a atenção...

       Mas ele chamara sua atenção. Principalmente ao vê-lo completamente nu pela primeira vez.

       O carro havia parado, e ela finalmente notou que o motorista estava aguardando que ela saísse.

    

     Mantendo a mão sobre sua taça de vinho, ainda cheia pela metade, Louise fez que não com a cabeça para o garçom, recusando sua oferta de encher sua taça.

     Valia a pena se manter sóbria nesses eventos, e ela sempre tivera baixa tolerância a álcool.

     Sua irmã Katie costumava se sentir muito mais à vontade em ocasiões formais como esta recepção e o jantar que haveria em seguida. Esta não era a primeira vez, desde que chegara a Bruxelas, que Louise percebia que, embora todos seus parentes sempre a considerassem a mais forte e independente das duas irmãs, na verdade era Katie quem possuía o maior grau de confiança e fraquejo social.

     Louise e sua irmã gêmea haviam desenvolvido o hábito de providenciar para que Katie comparecesse a todas as reuniões sociais às quais ambas eram convidadas.

     Ela levara algum tempo para ter a humildade de admitir que sempre dependera de sua gêmea em situações sociais formais, e o quanto abusara da boa vontade de Katie para conversar educadamente com tias velhinhas e com qualquer um que ela pessoalmente considerasse tedioso, deixando-a livre para se relacionar apenas com quem ela considerasse agradável.

     Agora, depois de alguns meses em Bruxelas, Louise aprendera a fingir interesse até pelos assuntos mais tediosos. O que não significava que ela considerasse essas ocasiões mais aprazíveis, pensou enquanto sorria para o conselheiro que a estava cobrindo de elogios, antes de pedir licença para se retirar sob a desculpa de que sua chefe provavelmente a estava procurando.

     Louise caminhou até onde Pam estava envolvida numa conversa profunda com um colega do parlamento britânico.

     — Olá, Louise — cumprimentou-a Pam ao parar ao seu lado.

     — Como está sua tia Ruth, Louise? — perguntou calorosamente o homem com quem Pam estivera conversando. — Na última vez em que a vi ela me deu uma aula assustadora sobre de como o aumento do tráfego de caminhões de carga está causando danos à cidade.

     Louise riu. Ela conhecia John Lord muito bem, porque, além de ser parlamentar europeu, ele também era um de seus vizinhos mais próximos.

     — Tia Ruth está fazendo uma campanha vigorosa por uma rodovia que contorne Haslewich. Mas devo dizer que concordo com ela — concedeu Louise.

     — O novo parque comercial na periferia da cidade aumentou mesmo o volume do tráfego. Na última vez em que passei o fim de semana em casa, Joss, o meu irmão caçula, me contou como um caminhão italiano virou no meio da rua em pleno centro da cidade, causando um engarrafamento sem tamanho. Parece que a polícia levou cinco horas para desbloquear o tráfego e normalizar a situação.

     — É um problema, eu sei — concordou John Lord. — A cidade realmente precisa de uma nova rodovia, e uma das concessões de fundos que estamos negociando pode ser suficiente para custear a obra.

     Quando eles mudaram de assunto, Louise pediu licença para se afastar e circular. Não causaria nenhum mal obter o máximo de informações adicionais possíveis depois da reunião daquela manhã.

     Dez minutos depois, enquanto olhava discretamente as horas para calcular quanto tempo faltava para o jantar, Louise ouviu uma voz sensual e muito familiar atrás dela.

     — Ah, aí está você, chérie...  

   — Jean Claüde. – ela imediatamente girou nos calcanhares e sorriu para ele.

     Embora Jean Claüde fosse bonito como um galã de cinema, Louise não se sentia realmente muito atraída por ele. Jean Claüde era o tipo de homem que, enquanto cortejava uma mulher, era capaz de estar olhando por cima do ombro dela em busca de sua próxima vítima. Louise sabia que, para Jean Claüde, sexo, sedução e relacionamentos eram apenas parte de um jogo, e presumia que esse conhecimento automaticamente a protegia, impedindo-a de levá-lo muito a sério.

     — Quando vamos ficar juntos? — sussurrou para ela enquanto habilmente a afastava dos outros. — Tenho direito a um curto período de férias. Poderíamos viajar juntos — sugeriu significativamente. — Eu poderia levá-la a Paris, mostrar coisas que apenas uma pessoa com grande experiência poderia lhe apresentar.

   Louise riu e balançou a cabeça.

     — Sinto, mas é impossível...

     — Ah, você deve estar muito ocupada procurando por leis que protejam seus frios mares do norte. Eles são quase tão frios quanto seu coração, chérie...      

     — E ambos são muitíssimo bem protegidos — informou Louise com firmeza, e então sorriu para ele.

     Louise sabia que seria muito difícil obter um resultado favorável à Inglaterra nessa disputa por direitos de pesca, mas não queria morder a isca que Jean Claüde estava balançando diante dela.

     Ele podia ser um homem louco para levá-la para a cama, mas também era um francês, e, portanto, interessado em aumentar a cota de direitos de pesca de seu país.

   Louise não era poderosa ou importante o bastante para influenciar a decisão do comitê, mas sabia que seria muito fácil para uma mulher emocionalmente vulnerável entregar informações que poderiam ser úteis para a facção rival, e não estava disposta a permitir que isso acontecesse.

     A vários metros dali, Gareth, que se mantivera na companhia de Use Weil praticamente desde o momento em que chegara, franziu a testa ao ver a forma como a mão de Jean Claüde estava pousada possessivamente no braço de Louise, sua linguagem corporal deixando claro que ele não iria permitir que qualquer outro homem se intrometesse em sua conversa íntima.

     Use, acompanhando o olhar de Gareth, levantou as sobrancelhas.

     — Estou vendo que Jean Claüde está preparando mais um de seus truques. Que, aliás, são bem conhecidos aqui em Bruxelas — ela disse, dando com os ombros em desprezo. — Dizem que os franceses são tão bem informados por causa da habilidade de Jean Claüde em extrair confidências de suas amantes.

     Ela olhou Gareth e lhe disse num tom rouco e sensual:

     — Mas quanto a mim, quando estou com um homem na cama eu me concentro tanto no sexo que a última coisa que me passa pela cabeça é política...

     — Entendo o que você quer dizer — concordou Gareth com solenidade. — Também tenho uma regra de jamais misturar negócios com prazer...

     Gareth foi poupado de dizer mais qualquer coisa quando se anunciou o início do jantar.

     Louise, ele não teve como deixar de notar, parecia particularmente relutante em terminar sua conversa com Jean Claüde.

     — Louise.

     Louise estremeceu ao ouvir Gareth dizer seu nome. O jantar terminara há dez minutos e ela estivera planejando se retirar mais cedo, mas agora Gareth estava caminhando até ela, deixando perfeitamente claro que não iria deixar que ela escapasse antes de conversar com ela.

     — Gareth. — Louise cumprimentou-o sucintamente, olhando com educação para o seu relógio de pulso e, em seguida, para a porta.

     — Eu vi você conversando com Jean Claüde Le Brun — informou-a Gareth, ignorando a postura corporal de Louise, que insinuava o quanto estava ansiosa por sair dali. — Você pode não saber, mas parece que ele tem certa reputação aqui em Bruxelas.

     Louise o fitou, defesas imediatamente levantadas.

     — Reputação de quê? — inquiriu. — De ser um bom amante? O que exatamente você está tentando me perguntar, Gareth? Se a tal reputação é merecida?

     — O que estou tentando fazer é avisar você do perigo de se colocar numa posição na qual possa, sem querer, falar a respeito de certos assuntos delicados — corrigiu-a Gareth em tom severo.

   Louise arregalou os olhos e em seguida os franziu, primeiro em descrença, e em seguida em raiva.

   — Você está insinuando que Jean está tentando me atrair para algum tipo de armadilha sexual, como... Como em um filme de James Bond? — perguntou com escárnio. — Como isso é ridículo e, a propósito, tão típico de você, Gareth. Há homens que querem ir para a cama comigo apenas pelo prazer disso — informou-a i com desprezo. — Eles não são todos como você, e...

     Ela se calou, mentalmente xingando a si mesma por se permitir levar pelas emoções. Mas era tarde demais. Gareth obviamente não estava disposto à discussão ali.

     — Eles não são todos como eu? — desafiou-a. Furiosa consigo mesma, e com ele, Louise prontamente tentou mudar de assunto.

     — Minha vida pessoal não tem absolutamente nada a ver com você — ela o informou, para em seguida acrescentar: — Você não tem nenhum direito em sugerir que eu... — ela se calou, mas então prosseguiu furiosa: — Como você iria se sentir se eu sugerisse que você deveria tomar cuidado para não ser atraído para a cama de Use Weil? Afinal de contas, sua posição como presidente do comitê faz de você um alvo muito mais vulnerável do que eu.

     Gareth precisava admitir que Louise estava certa nesse ponto. Contudo, o que não podia admitir, ao menos, não para ela, era que não fora apenas por causa de suas preocupações políticas que lhe dera esse aviso.

     — Você não tem o direito de me dizer como eu devo conduzir a minha vida particular — prosseguiu Louise ferozmente. — Você não é mais meu orientador, Gareth. Você não controla a minha vida ou o meu futuro. Você não pode me punir pelo que você decidiu... Nem por eu amar Saul...

   — Você acha que quero punir você? — interrompeu-a Gareth. — Louise, eu lhe juro que...

   — Que o quê? — interrompeu-o trêmula. — Que não foi responsável por eu não ter sido aprovada na primeira vez? Que não foi por causa de você que eu...?

   — Você não está sendo justa. — ele a interrompeu com voz calma. — E também não está sendo muito lógica. Então eu não era seu orientador e...

     — Não, você não era — concordou Louise — Mas... — ela parou. Como ela podia admitir a Gareth que fora por causa de seus sentimentos confusos por ele, por seu medo de quais seriam realmente esses sentimentos, que ela não fora capaz de dar atenção plena aos seus estudos pelo restante de seu tempo na universidade? Que o simples esforço de tentar afastá-lo de seus pensamentos roubava-lhe toda a energia de que ela precisava para estudar?

   Louise descobriu que estava vergonhosamente próxima às lágrimas.

   A raiva que estava sentindo era tão intensa que memórias, até agora mantidas em segurança nas profundezas de seu cérebro, estavam aflorando à tona.

   Quando Louise era pequena, jamais havia lhe ocorrido que um dia deixaria de ser uma estudante brilhante e altamente elogiada, e que viria a ser duramente criticada. E o choque que isso surtira em sua auto-estima, sem mencionar em seus planos para o futuro, tinha sido muito difícil de superar.

     Sim, talvez olhando para trás agora, ela começasse a admitir que a vida que estava criando para si, o envolvimento com a cena européia, era muito mais adequada à sua natureza passional que a atmosfera estéril dos altos escalões do sistema jurídico britânico. Mas era uma admissão muito, muito relutante, e decerto não uma que estivesse disposta a compartilhar com Gareth Simmonds.

     — Sinto muito se disse a coisa errada — desculpou-se Gareth baixinho. — Estava apenas tentando avisar você.

     — Por que me avisar? O que te faz pensar que eu preciso desse tipo de aviso? Ou será que eu sei? Será que foi porque cometi o erro de... De amar o homem errado... — ela se calou e engoliu em seco, para então lhe dizer amargamente: — O relacionamento que escolhi ter com Jean Claüde... Qualquer que seja esse relacionamento, não é da conta de ninguém além de mim mesma.

     — De um lado, não — concordou Gareth. — Mas de outro... Você não precisa de mim para lhe dizer que Bruxelas é um antro de fofocas, e...

     — Não, eu não preciso — concordou Louise.

     Ela já ouvira muito sermão de Gareth. Mais do que suficiente. Abruptamente ela girou nos calcanhares e se afastou a passos determinados antes que ele pudesse dizer ou fazer qualquer coisa para detê-la.

   Uma hora depois, de volta a seu apartamento, Louise ainda fumegava de raiva enquanto lia algumas anotações antes de se deitar.

     Que direito ele tinha de questionar sua capacidade de discernimento em relação a Jean Claüde?

     Mas não era tanto o fato dele se julgar no direito de avisá-la que a estava deixando furiosa, mas o raciocínio que jazia por trás disso.

     Sem dúvida ele estava lembrando-se dela como a garota que se apaixonara estupidamente por um homem que não a queria, e que cometera a insensatez de incitar outro homem, que também não a queria, a tirar sua virgindade. Um homem que, tarde demais, ela compreendera que...

     Essas lembranças, esse conhecimento, e o fato de ter visto Gareth, haviam-na lembrado dessa dor, e de sua própria estupidez.

     No dia seguinte, Louise acordou bem cedo e não conseguiu voltar a dormir. Assim, desceu até o porão do condomínio, onde ficava a academia e a piscina interna. A esta hora da manhã ela tinha a piscina inteiramente para si, e a energia necessária para fazê-la dar 60 voltas na piscina roubou de seu cérebro a capacidade de se concentrar em qualquer coisa além de ranger os dentes e se forçar a alcançar essa meta.

     As últimas cinco voltas não tinham sido uma idéia muito sensata, reconheceu quando finalmente tentou subir a borda da piscina e.se descobriu fraca demais para fazê-lo. Em vez disso ela precisou nadar lentamente até a escadinha e então subi-la em pernas que tremiam devido ao esforço e à exaustão.

   Com seus cabelos curtos colados no escalpo, olhos momentaneamente fechados enquanto ordenava a si mesma não ceder à tentação de sentar no chão para descansar, ela não se deu conta de que não estava mais sozinha na piscina até ouvir uma voz dolorosamente familiar inquirir sucinta:

     — Louise? Você está bem...?

   Gareth Simmonds. O que diabos ele estava fazendo aqui? Ou ela estaria alucinando, incitada por algum desejo insano de infligir mais punição a si mesma?

   Grogue, ela abriu os olhos. Não, ela não estava sonhando. Apesar do fato de que a área da piscina fosse aquecida a um nível quase tropical, a pele de Louise subitamente ficou toda arrepiada, e ela começou a visivelmente tremer. Gareth estava de pé a menos de um metro de distância, vestido com um calção de banho preto muito discreto. Quanto ao resto de seu corpo...

   Louise engoliu em seco, e então tentou sugar oxigênio extra para seus pulmões subitamente famintos, um quente fluxo de suor cobrindo seu corpo embora ela estivesse tremendo de frio.

   Vê-lo deflagrou uma avalanche de lembranças para as quais ela estava totalmente despreparada. Lembranças contra as quais ela não tinha quaisquer defesas e sob cujo peso os joelhos começarem a ameaçar ceder.

     Talvez, naquela ocasião na Toscana, ele estivesse mais bronzeado. Contudo, até onde ela podia ver nada mais havia mudado. Seu corpo ainda era a mesma usina de energia máscula e sensual, e, sim, ele ainda tinha aquela mesma flecha de pêlos negros, tão fortemente masculinos e perigosos, mas tão acetinados ao toque...

     — Louise...

     Ela ainda podia sentir a força começar a abandonar suas pernas enquanto o sangue subia à sua cabeça e o coração se punha a bater com força estonteante.

     — Não.

     Automaticamente ela levantou uma mão defensiva enquanto via Gareth vir em sua direção, mas ele ignorou isso, segurando-a pelos ombros, seu rosto, seus olhos, expressando uma expressão pouco familiar de preocupação.

     — O que foi? Qual é o problema? Está se sentindo mal...?

     — Deixe-me... — exigiu Louise, freneticamente lutando para se livrar das mãos dele.

     Mas os ladrilhos que cercavam a piscina pareceram escorregadios sob seus pés molhados, e ela pôde sentir-se começar a perder o equilíbrio, de modo que em vez de se soltar de Gareth, ela acabou por se apoiar nele para não cair. Perto assim de Gareth, ela podia sentir o cheiro de seu corpo, desta vez não fortemente almiscarado como naquele fatídico dia na Toscana, e misturado com um aroma de limão.

   — Esse perfume é de sabão ou colônia?

   Louise nem se deu conta de que fizera essa pergunta até o momento em que o ouviu responder, voz desconcertantemente próxima ao seu ouvido:

   — Gel de banho. Escolhida por minha sobrinha mais velha. Presente de Natal.

   — Na Itália o seu perfume era de...

   O que ela estava dizendo, pensando, traindo...? Louise se amaldiçoou mentalmente em desespero, mas era tarde demais; Gareth já a estava segurando a uma pequena distância dele de modo a poder olhar seu rosto, seus olhos... Louise piscou e tentou desviar os olhos dele, mas era impossível. Ela sentiu o ar faltar em seus pulmões enquanto seus olhares se fixavam um no outro, relutando afastar-se, como corpos de amantes.

   — Na Itália, o seu perfume era de sol e desejo por se tornar mulher — disse-lhe suavemente Gareth, como se soubesse o que ela estivera própria a trair com palavras.

     Louise abriu a boca para protestar que o que ele estava falando era errado, que ele estava dizendo o indizível, o inimaginável, o proibido, mas as palavras não saíram.

     Em vez disso ela se flagrou com o olhar perdido na boca de Gareth, estudando-a, fitando-a como se estivesse faminta por...

     — Louise...

   Mais tarde ela iria perguntar a si mesma por que seu cérebro interpretara a forma como ele dissera seu nome como um convite para fazer o que ela fez, para fechar a lacuna entre eles e pressionar a boca contra a dele, não tanto num beijo, mais numa reação compulsiva e instintiva a uma fome que exigia mais, muito mais do mero encontro dos lábios.

     O que ela estava fazendo era errado, loucura. Insanidade.

     Mas era tarde demais. Ela já fizera e Gareth... Gareth...

     Ela cerrou os olhos enquanto se ouvia repetindo o nome dele de novo e de novo, antes que ele começasse a beijá-la.

     O corpo de Louise tremeu violentamente sob suas mãos, mas ela não fez qualquer movimento para detê-lo quando ele baixou o topo do maio, expondo os seios a seu toque. Louise podia sentir contra seu corpo a rigidez da ereção dele, e sua própria carne saltou em reação imediata, reconhecendo seu primeiro... Seu único amante.

     E então Louise deixou ruir todas as barreiras as quais erguera tão dolorosamente. E em vez de repudiá-lo, como tinha certeza de que deveria fazer, Louise ouviu a si mesma murmurar o seu nome, soluçando-o alto enquanto quase desabava nos braços dele, corpo não mais respondendo às suas ordens.

     Louise sentiu o calor do peito de Gareth contra a umidade nua de seus seios, e foi como se seu primeiro encontro tivesse ocorrido há apenas um dia.

     Foi como se ela não houvesse aprendido nada desde... Como se ela jamais tivesse tomado todas aquelas resoluções durante as longas e agonizantes semanas, quando finalmente compreendera o que estava acontecendo com ela, o que acontecera a ela. Como se este homem jamais tivesse lhe causado tanta dor que ela jurara que jamais esqueceria a agonia da lição aprendida por meio dele.

     Um arfado longo e torturado de necessidade e desejo rasgou sua garganta. Ela sentiu seu corpo tremer e arder sob as mãos de Gareth. Ela sentiu seu corpo derreter sob o calor do desejo, da fome, que ameaçava devorá-la.

     Ela perdeu todo o senso de tempo.

     Eles poderiam estar em qualquer lugar; ela realmente não se importava. Tudo que realmente importava, tudo que era realmente real, era o que ela podia sentir. Ansiosa, ela se pressionou contra Gareth, e sentiu a resposta rígida do corpo dele.

     Em algum lugar ao longe, uma porta bateu, e abruptamente Louise retornou à realidade.

     Imediatamente ela se afastou de Gareth, cobrindo com as mãos os seios e então se virando de costas para ele enquanto freneticamente tentava fechar seu maiô.

     — Louise.

     Ela podia ouvi-lo novamente pronunciar seu nome com tensão, mas meneou a cabeça em negação a qualquer coisa que ele quisesse lhe dizer; não ousou nem mesmo virar-se para ele, ciente de que não conseguiria olhar nos olhos dele enquanto lhe dizia:

     — Não. Não! Simplesmente deixe-me em paz, Gareth... Deixe-me em paz!

     E sem lhe dar a chance de detê-la, ela começou a se caminhar para longe dele, e então desatou a correr.

     Em silêncio, Gareth observou-a ir embora. Afinal, o que ele poderia lhe dizer? Que explicação, que pedido de desculpas, ele poderia ter lhe apresentado? Admitir que perdera momentaneamente o controle apenas iria piorar ainda mais a situação, assim como apontar o fato de que ela estivera igualmente vulnerável.

     Ver a dor agonizante nos seus olhos, perceber o desejo que corria por seu corpo, sentir a paixão que ela claramente lutava para reprimir, e saber que a estava reprimindo porque ainda queria e amava outro homem, um homem que ela não poderia ter, fora como receber um golpe fatal. O que era irônico, considerando que já fazia muito tempo que ele havia se conformado com o fato de que ela amava outra pessoa.

     Na Itália, Gareth inicialmente convencera a si mesmo que fora impulsionado a fazer o que fizera pela raiva sentida contra a imaturidade de Louise, que se permitira destruir o prazer de compartilhar a si mesma com um parceiro que realmente se importava com ela.

     Mas desde o momento em que a tocara, Gareth soubera que mentia para si mesmo, que ele também nutria emoções inapropriadas por alguém que não o queria.

   Ele podia não ter chamado essas emoções de amor, mas tivera certeza de sua existência quando a abraçara e a ouvira gritar o nome de outro homem.

   Gareth fechou os olhos. A Louise pela qual ele se apaixonara fora pouco mais que uma menina. Ele se desprezara por isso, dizendo a si mesmo que aquela era apenas a história clássica do professor maduro que se apaixonara por sua jovem pupila na esperança de, por meio dela, recapturar sua própria juventude perdida.

   Mas eles não eram mais professor e pupila, e Louise era agora uma mulher em cada sentido da palavra.

     E seus sentimentos não haviam mudado, apenas se aprofundado, fortalecido.    

     Mas ele não precisava dizer isso a ninguém. Ele soubera no momento em que a vira no avião. Soubera até mesmo antes.

     Soubera no Natal, quando sua família o provocara, comentando a respeito do fato dele não ter esposa e filhos. Soubera disso quando segurara seu sobrinho mais novo no colo e soubera, sem qualquer sombra de dúvida, que a única mãe que ele queria para seus filhos era Louise. Como isso acontecera? Ele não sabia. E quando? Antes da Itália? O que isso importava agora? Tudo que importava era que estava absolutamente claro que, para Louise, nada havia mudado, e que ela ainda amava seu primo Saul.

     Embora houvesse tomado um banho para aquecer seu corpo, e bebido uma caneca de café, Louise ainda tremia. Tremia não de frio, mas de reação contra o que acontecera na piscina, reconheceu Louise. E nenhuma quantidade de água, por mais escaldante que estivesse, seria capaz de lavar o perfume de Gareth, que de algum modo ainda aderia aos seus vulneráveis sentidos.

     Gareth.

   Quando ela soubera o que realmente sentira a respeito dele? Na Itália, quando se sentira aterrorizada a admitir qualquer sentimento por ele? Em casa naquele Natal, quando todos tinham evitado mencionar o nome de Saul ou o fato de que ele e Tullah haviam marcado a data para o casamento, quando na realidade Saul, e o que ela sentira por ele, fora reduzido a uma tênue sombra?

   Gareth.

   Ela negara por mais tempo que conseguira o que havia acontecido com ela, dizendo a si mesma que estava apenas exagerando, que aquela era a reação clássica de uma virgem à sua primeira experiência de sexo.

     Pensar que estava apaixonada pelo homem que fora seu parceiro, lembrando a si mesma com amargura o quanto era patético uma estudante universitária apaixonar-se por seu orientador.

     Você nem mesmo gosta dele, dissera a si mesma repetidas vezes. Está apenas transferindo para ele os seus sentimentos por Saul. Na verdade, ele não significa nada para você, e você certamente não significa nada para ele.

   A última parte dessa declaração podia ter sido verdade, mas todo o resto não.

   E quando pedira transferência para outro curso, ela dissera a si mesma que estava feliz por Gareth não ser mais seu orientador, e fizera tudo para jamais entrar em contato com ele novamente. Mas, embora ela pudesse ser capaz de controlar seus pensamentos e reações enquanto estava acordada, à noite em seus sonhos, a situação era bem diferente. Ela chamava por ele enquanto seu corpo desesperadamente tentava reviver o prazer que ele lhe dera.

     A dor, a agonia de acordar todas as manhãs para o conhecimento de que ele não a queria, que ele não fazia parte de sua vida, mostrara-lhe, mais claramente do que qualquer outra coisa, o quanto seus sentimentos por ele haviam sido infantis e adolescentes.

     Ao se deparar com Gareth, ela não vira nenhum sentido em tentar convencê-lo de que ele realmente a queria e a amava, ou de nutrir qualquer fantasia adolescente contra as evidências de que ele não a amava.

     Finalmente, ela havia crescido.

     Ela ainda estava tremendo, e sua cabeça começara a latejar, indício certo de que estava para sofrer um dos seus, felizmente raros, ataques de enxaqueca. Não fazia sentido tentar trabalhar. Atordoada, pegou o telefone e digitou o numero de sua chefe.

   — Uma enxaqueca! — exclamou Pam depois que Louise contara que estava passando mal. — Nem pense em tentar vir trabalhar. Eu sei muito bem o que significa uma enxaqueca bem ruim.

   A esta altura a dor era tão intensa que tudo que Louise conseguiu fazer foi grasnar uma resposta desconjuntada antes de colocar o telefone de volta na base e reunir forças para se arrastar até seu quarto.

   Gareth Simmonds. Por que o cruel destino o trouxera de volta à sua vida? Por quê?

      

     Louise acordou abruptamente. A enxaqueca passara, mas alguém estava fazendo muito barulho batendo com impaciência na porta do apartamento. Empurrou os lençóis e moveu as pernas para o chão, sorrindo ao compreender que fora para a cama ainda vestida com vestida apenas de maio.

     Como sempre acontecia depois de suas enxaquecas, ela se sentiu misericordiosamente livre de dor, mas de algum modo dispersa, corpo e mente trabalhando muito devagar enquanto reagiam automaticamente às batidas contínuas e caminhava até a porta para abri-la.

     — Joss! Jack! Que diabos você dois estão fazendo aqui? — exclamou ao ver o irmão caçula e o primo.

     Ela esperara ver qualquer um ao abrir a porta, menos esses dois.

     — Lou, Jack não está se sentindo muito bem — anunciou com urgência o irmão de Louise, ignorando sua pergunta enquanto passava um braço confortador e protetor em torno dos ombros do primo para conduzi-lo ao apartamento de Louise.

     — Ele passou mal na barca enquanto cruzávamos o canal e...

     — Enjoado...

     Inspecionando o rosto pálido do primo mais novo, Louise constatou que ele realmente não estava parecendo bem.

     — Jack... — ela começou a falar, preocupada. Mas ele balançou a cabeça e lhe disse:

     — Vou ficar bem... Só preciso me deitar um pouco...

     — O quarto é por ali, Joss — Louise informou ao seu irmão.

     Ela caminhou na frente enquanto Joss conduzia seu primo através da sala de estar e do corredor até o único quarto do apartamento.

     Arrumando rapidamente a cama antes que Jack virtualmente desabasse nela, Louise franziu a testa. O que diabos os dois meninos estavam fazendo aqui?

     Jack, irmão caçula de Olivia, passara a viver permanentemente com os pais de Louise depois que seu pai desaparecera, alguns anos atrás. Agora Louise o tinha mais como outro irmão do que como primo.

     Sua mãe, que jamais fora particularmente maternal e sofria de um distúrbio alimentar, anunciara que seria completamente incapaz de criar sozinha um adolescente.

     Ainda mais um que já havia passado tempo com seu cunhado e a esposa dele, do que com ela. Assim, Olivia, a irmã mais velha do rapaz, embora tivesse desejado lhe dar um lar permanente, permitira-se ser persuadida por Jenny e Jon de que, para o bem de Jack, seria melhor ele permanecer onde estava, morando sob o teto deles, em vez de ser sujeitado a ainda mais mudanças.

     Fora um arranjo que funciona muito bem. Aos 14 anos, Joss era dois anos mais novo que Jack, e eles eram próximos não apenas em idade, mas também em outros aspectos, como se realmente fossem irmãos, conforme Jenny freqüentemente comentava. E Louise e Katie, que haviam crescido na casa confortável De seus pais, aceitaram Jack como se ele simplesmente, fosse um irmão extra.

     Quando a mãe de Jack recuperou a saúde, eles aventaram a possibilidade de mandar o rapaz para Brighton para viver com ela e os avós maternais. Porém, quando a opção foi oferecida a Jack, o rapaz declarou com firmeza que ia permanecer onde estava.

       Uma boca extra para alimentar e uma criança extra para amar não era, como Louise sempre soubera, o menor problema para seus pais.

       Se alguém perguntasse a Louise, ela diria que jamais pensara em Jack como qualquer coisa além de um membro muito próximo de sua família, e ela tinha certeza de que sua irmã gêmea achava a mesma coisa.

     Dentro da família, Joss e Jack eram conhecidos coletivamente como "os garotos", assim como Louise e Katie eram referidas como "as gêmeas". Contudo, ela não sentira falta da forma como Jack costumava evitar contato físico com ela como acabara de fazer, quando ela fora lhe dar o mesmo abraço rápido e automático de saudação que dera a Joss. Da mesma forma, ele arqueou o corpo para longe de Louise enquanto deitava na cama, como se de alguma forma a rejeitasse.

       Louise fechou a porta do quarto e gesticulou para seu irmão, pedindo-lhe que a seguisse até a pequena cozinha, onde automaticamente encheu a chaleira com água e se viu assumindo um papel que costumava pertencer a mulheres como sua mãe ao lhe dizer:

     — Você deve estar com fome. Não tenho muita coisa na geladeira, mas acho que posso fazer uns sanduíches. — e então, sem esperar por uma resposta, ela perguntou com firmeza: — O que está acontecendo, Joss? G que vocês estão fazendo aqui? Mamãe não telefonou para dizer que vocês estavam vindo. Eu nem tenho um quarto de hóspedes...

     — Mamãe não sabe.

     Louise, que estivera prestes a fatiar um pouco de pão para fazer os sanduíches, parou o que estava fazendo e se virou para ele, pousando a faca na mesa da cozinha.

     — Como assim, mamãe não sabe? — inquiriu desconfiada. Fez-se um pouco de silêncio enquanto seu irmão olhava os próprios pés e em seguida a parede da cozinha.

     — É um dos desenhos que você fez na Toscana, não é? — perguntou Joss a ela. — Eu...

     — Joss — alertou-o Louise.

     — Deixei um bilhete... Explicando.

     Louise levantou as sobrancelhas.

     — Explicando o quê? — perguntou cautelosa.

     — Bem, eu não podia dizer a ela o que íamos fazer... Ela tentaria nos impedir.

     — Ora, por que você acha isso? — protestou, sarcástica, Louise — Por que ela haveria de se preocupar? Por que nossos pais ficariam chateados quando soubessem que seu filhinho de 14 anos planejava fugir de casa?

  

   Joss dirigiu um olhar envergonhado a Louise.

     — Eu sei. Eu sei... — ele concedeu. — Mas eu precisava vir. Se não tivesse vindo... Eu tentei convencer Jack de que isso não era uma boa idéia, mas ele não me ouviu, e do jeito que ele estava, temi que fosse embora sozinho. Pelo menos assim eu estou com ele e convenci convencê-lo a vir falar com você. Ele não queria, e eu levei uma eternidade para persuadi-lo de que você talvez pudesse nos ajudar...

     — Ajudar com o quê? — inquiriu Louise, exasperada.

     — Ele quer encontrar o pai dele... David. — disse Joss com simplicidade.

     Houve um breve silêncio enquanto irmão e irmã se entreolhavam. Então Louise pegou a faca de pão e estendeu a mão até o pão, e disse com bastante calma a Joss:

     — Acho que é melhor você me contar a história inteira.

     Dez minutos depois, quando ela e Joss estavam sentadas de frente um para outro na salinha de estar, Joss mastigando com prazer os sanduíches que ela fizera, disse-lhe com um sorriso:

   — Sabe que lá na cozinha você estava falando igualzinho à mamãe?

   Joss estava crescendo depressa, reconheceu Louise enquanto analisava seu corpo esguio. Quando tivesse esticado mais um pouco, provavelmente passaria Max, que media cerca de l, 82m; talvez ficasse até mais alto que os primos Chester, cujo mais baixo media quase um metro e oitenta e cinco.

     — Hum... Talvez. Mas não espero que seja boazinha com vocês — alertou-o Louise, acrescentando: — Vocês deram sorte por eu estar aqui. Eu deveria estar trabalhando. Se eu não tivesse ficado com uma enxaqueca horrível hoje de manhã...

     — Sim, demos sorte — concordou Joss, mastigando alegremente mais um sanduíche. — Eu estava um pouco preocupado sobre como conseguiria persuadir Jack a esperar aqui por perto se você não estivesse em casa. Quando pegamos uma carona no porto, ele estava determinado a irmos direto até a Espanha.

     — Espanha?

     — Sim... Ele disse que tio David certa vez mandou um postal de lá. Jack o viu na casa do vovô. Estava na mesa dele. Ele não conseguiu olhar direito o postal, e quando voltou para tentar lê-lo direito, não estava mais lá.

     — Ler direito! Ele não tinha nem o direito de pensar em fazer uma coisa dessas — disse-lhe Louise com severidade, sabiamente esquecendo-se de todas as ocasiões em que tentara ler os seus relatórios escolares na mesa de seu pai.

     — Tio David é o pai dele — frisou Joss com lógica inabalável.

     — Sim, eu sei — concordou Louise, começando a franzir a testa em preocupação.

     O que ela presumira ser apenas uma brincadeira juvenil começava a assumir uma perspectiva bem mais sinistra. Louise sempre achara que Jack era feliz... Muito feliz... Morando com os pais dela.

     Louise não conseguia lembrar de uma vez sequer que o tivesse ouvido mencionar seu pai, quanto mais expressar um desejo em vê-lo. Olivia, por exemplo, nutria sentimentos ambíguos tanto pelo pai quanto pela mãe, e certa vez comentara que sentia muito mais facilidade de pensar carinhosamente neles agora, quando não faziam mais parte de sua vida cotidiana.

     — Eu sei que Tio David é pai de Jack — repetiu Louise. — O que eu não entendo é por que Jack decidiu que precisava vê-lo com tanta urgência que vocês dois puseram o pé na estrada sem falar com mamãe e papai. Aconteceu algum problema em casa? Brigaram com vocês por causa de alguma coisa? Vocês têm deixado seus quartos desarrumados? Esquecido de fazer os deveres de casa? — perguntou Louise, repassando mentalmente os eventos de sua própria adolescência e as áreas de conflito com seus pais que poderiam tê-la levado a esse mesmo tipo de ação.

     Embora, para ser justa, ela não conseguisse lembrar-se de nenhuma ocasião em que tivesse a intenção de sair de casa.

     — Não, não é nada disso. — Joss balançou a cabeça, sua resposta tão imediata e tão positiva que Louise sabia que ele estava lhe dizendo a verdade.

     — Então o que é? — perguntou a ele.

     — Não o quê, mas quem... — corrigiu-a Joss, explicando: — Max. Ele estava de mau humor na última vez em que esteve lá em casa. Acho que deve ter brigado por Maddy porque eu a vi chorando na cozinha. Max queria que papai fosse jogar golfe com ele, mas papai disse que não podia porque já prometera levar Jack para pescar. Acho que o que Max queria mesmo era pedir dinheiro emprestado a papai... Você sabe como ele é.

     — Continue — Louise encorajou-o enquanto ele parava para engolir o último sanduíche. Ela precisaria sair para comprar mais comida. Decerto não contava com mantimentos suficientes para saciar um par de apetites como os do irmão e do primo.

     — Bem, eu não sei exatamente o que Max disse ao Jack, mas... — Joss fez uma careta.— Tudo que me disse foi que Max o chamou de um estranho no ninho, um rejeitado pelos próprios pais, e perguntou se tinha alguma idéia do quanto papai estava gastando em mensalidades escolares. Não que isso...

     — Ele fez o que? Papai e mamãe sabem a respeito disso? — perguntou Louise.

  

   Joss fez que não com a cabeça.

     — Não. Eu queria contar a eles, mas Jack não deixou. Acho que ele sente um pouco de medo de que Max possa estar certo e...

     — Certo? Claro que ele não está certo. Mamãe e papai consideram Jack um de nós — protestou Louise indignada. — Eles não lamentam mais o custo da escola do Jack do que lamentam o custo da sua.

   — Eu sei disso. Mas você sabe como Max é em relação a dinheiro.

   — Sim — concordou Louise — Eu sei.

   Louise considerava um mistério insondável o fato de que ela e o resto de seus irmãos e primos pudessem ter vindo da mesma reserva genética que Max.

   — Suponho que uma das coisas que torne Max tão detestável é que, lá no fundo, ele sabe que ninguém gosta dele — sugeriu Joss.

   Louise lhe dirigiu um olhar surpreso.

     — Coitadinho dele! Se você está tentando aumentar minha simpatia por Max, está perdendo seu tempo... E colocando o carro na frente do boi. Ninguém gosta de Max porque ele é como ele é, e não o contrario. Já viu como ele trata a pobre Maddy? — argumentando Louise, perguntando a si mesma se sua mãe aprovaria que ela discutisse esse assunto com seu irmão caçula, mas Joss não pareceu nem um pouco desconcertado com o comentário.

     — Tia Ruth disse que Maddy é um pouco como a Bela Adormecida, e que ela não faz nada porque ainda não acordou para seu potencial pleno. Tia Ruth diz que isso vai acontecer um dia, e que quando acontecer, é melhor que Max abra o olho — disse Joss com naturalidade. — Jack disse que não quer mais ser um fardo para nossos pais — acrescentou. — Disse que pretende encontrar Tio David e fazer com que ele pague a papai tudo que foi gasto com ele. E ele disse que se Tio David não puder fazer isso, então ele irá desistir da universidade e arrumar um emprego para ele mesmo pagar.

   — Oh, Joss! — protestou Louise, emocionada. — Essa é a última coisa que mamãe e papai gostariam que ele fizesse. Por que ele não falou com eles sobre isso ao invés de...?

     — Ele disse que não podia fazer isso porque eles iriam negar tudo — disse-lhe Joss.

     — Eles iriam negar simplesmente porque isso não é verdade. Eles o amam tanto quanto a nós — protestou Louise.

     — Eu sei disso — concordou Joss. — Mas acho que Jack não sabe. Mas deve ser muito difícil para ele, porque numa coisa Max tinha razão. Tio David e tia Tânia realmente não gostam nem dele nem de Olivia... Não da forma como mamãe e papai gostam de nós.

    

     Louise curvou a cabeça, ciente de que não havia nada que pudesse dizer.

     — Cada pessoa tem uma forma diferente de amar — informou Louise ao irmão. — Só porque tio David e tia Tânia não são tão bons pais quanto os nossos, isso não significa que eles não amem Olivia e Jack.

     Joss fitou-a intensamente.

     — Tia Ruth disse que ter pais realmente amorosos é o mesmo que ter uma centena de fadas-madrinhas... Só que melhor!

     Louise dirigiu um olhar antiquado ao irmão.

     — Certo, agora eu sei por que Jack está tão determinado a encontrar seu pai, embora eu não faça idéia como ele espera conseguir isso, quando papai já tentou sem sucesso. Mas o que eu não entendo mesmo é o que você está fazendo aqui com ele.

     — Eu não podia deixar ele vir sozinho — disse a ela com simplicidade. — Qualquer coisa poderia acontecer a ele. Assim, achei que se pudesse persuadi-lo a parar aqui, você poderia...

   — Eu poderia o quê? — inquiriu Louise, firmemente ignorando a pontada de emoção que sentira ao ouvi-

   Seu irmão já tinha fãs suficientes para precisar que ela própria entrasse na lista.

     — Bem, eu disse a Jack que você talvez conseguisse descobrir alguma coisa para ele... Afinal, Bruxelas é o quartel-general da União Européia e tudo mais...

     — Eu entendo o que você quer dizer, Joss — concordou Louise — Mas você sabe que eu terei de dizer a mamãe e papai onde vocês estão, e que eles vão insistir para que vocês dois voltem daqui direto para a escola.

     — Sim, eu sei.

     Louise olhou para ele.

     Tinha uma forte suspeita de que Joss sabia exatamente o que iria acontecer se eles parassem aqui para visitá-la, e ela suspeitava que ele havia manipulado os eventos de propósito para abortar a expedição de Jack antes que ela os levassem para longe demais de casa.

     — Fique aqui com Jack — disse-lhe Louise — Preciso sair e fazer umas compras, se quiser alimentar os dois. Quando voltar, quero que telefonem para casa, entendeu?

 

       Gareth parou no vestíbulo do prédio. Ele precisara vir ver Pam Carlisle mais cedo, para conversar sobre algumas questões que ela levantara no comitê. Durante a conversa Pam mencionara que Louise estava acamada por causa de uma enxaqueca muito forte. Ele sabia que seria a última pessoa que ela iria querer ver. Ele sabia disso, especialmente depois desta manhã. Mas não fora difícil conseguir o número do apartamento de Louise com sua chefe, embora estivesse se sentindo culpado por ter se identificado como um velho amigo de sua família.

     — É mesmo? Louise não disse isso — respondera Pam, claramente intrigada.

     — Provavelmente nem lhe ocorreu comentar — respondera Gareth.

     Não, ela não ia quer ver a ele, mas ele precisava... Queria vê-la. Hoje de manhã... Ele fechou os olhos. Droga, seu corpo ainda estava latejando de desejo por ela, mas isso não era nada em comparação com a agonia da privação e perda que estava afetando suas emoções.

     Ao ouvir a batida, Joss caminhou até a porta e a abriu, reconhecendo Gareth imediatamente.

     — Louise acaba de sair para comprar mais comida — explicou Joss com um sorriso caloroso. — Eu estava indo fazer uma xícara de chá para o Jack — explicou enquanto caminhava na frente até a pequena cozinha de Louise. — Ele passou mal na barca e está deitado. Quer um pouco de chá também?

     Gareth aceitou com um sorriso, sua atenção brevemente capturada pelo desenho que Louise fizera da Toscana.

     — Foi Louise quem desenhou — comentou Joss enquanto Gareth estudava o desenho da capelinha na estrada da chácara de sua família.

   — Sim — concordou Gareth, sem desviar sua atenção do desenho.

     — Ela não é a melhor artista do mundo — comentou Joss. — Rigorosamente falando, ela precisa melhorar particularmente sua perspectiva.

     — Rigorosamente falando — concordou Gareth com naturalidade.

   — Mas é claro que eu espero que você veja isso com olhos bem diferentes — comentou Joss simplesmente.

     Gareth girou nos calcanhares para olhar para ele.

     Ele conhecera bastante bem a família de Louise durante aquele verão na Toscana. Joss fora bem mais jovem nessa época, mas então já gozava dentro da família de uma reputação de ser capaz de prever coisas, sendo dotado, se não exatamente de vidência, de uma aguçada capacidade de enxergar as emoções das pessoas.

     Mantendo isso em mente, Gareth resistiu à tentação de sondar mais profundamente o que ele acabara de dizer. Em vez disso comentou com calma:

     — Sim. Acredito que sim. Você e Jack estão planejando ficar muito tempo com sua irmã? — perguntou em tom de conversa, mudando de assunto.

     — Bem... Não... A verdade é que ela não estava nos esperando. Ela só tem um quarto...

     Gareth tinha muita experiência em lidar com sobrinhos e sobrinhas, para não mencionar seus alunos, para saber quando alguém estava sendo evasivo. Ele não demorou muito a arrancar a história inteira de Joss.

       — O que faz Jack achar que pode encontrar o pai dele na Espanha? — perguntou Gareth, depois que o rapaz terminou seu relato.

     Meia hora depois, quando Louise retornou ao apartamento, com os braços cheios com bolsas de viagem, foi para descobrir que não apenas Gareth estava se sentindo completamente à vontade em seu apartamento, mas como também prometera a seu irmão e primo que poderiam ficar hospedados na casa dele.

     — Gareth tem um quarto vago e disse que não se importa de receber a gente — informou-a Joss enquanto a ajudava a guardar os mantimentos.

     A ponto de informar a Gareth, em termos absolutamente seguros, que não havia a menor necessidade para que ele se envolvesse naquela questão que, afinal de contas, era um assunto estritamente pessoal. Louise olhou para sua pequena e agora abarrotada sala de estar, que parecia preenchida com homens muito grandes, e hesitou.

   — Eu garanto a você que eles estarão absolutamente seguros — informou-a Gareth.

   Louise correu os olhos da expressão segura de Gareth para o rosto de seu primo, que estava fora da cama e parecendo melhor. Ela leu, nas palavras e na expressão de Gareth, a mensagem de que ele sabia o que estava acontecendo.

   Enquanto ela estivera fazendo compras no supermercado, Louise analisara a situação que a primeira coisa que precisava fazer era conversar com os pais dela, algo que seria muito difícil de fazer agora, com Jack em seu apartamento.

   Se Gareth levasse a ambos os rapazes para o apartamento dele, ela ao menos teria a oportunidade de conversar abertamente com sua mãe e pai. Além disso, Louise também sabia que ambos estariam seguros nas mãos de Gareth, e que os rapazes não teriam coragem de fugir da casa dele. Para ser honesta, ela quase estava aliviada por Gareth estar ali, se não para assumir a responsabilidade, ao menos para exercer um papel coadjuvante no pequeno drama que eclodira em sua vida. Um alívio ter Gareth ali? Ela podia sentir a si mesma tremer de apreensão com o pensamento, mas estranhamente, em vez de dizer a ele que sua ajuda certamente não seria necessária, ela se flagrou virando-se paras Jack e lhe perguntando com gentileza:

     — Você está se sentindo bem agora?

     — Sim — respondeu o rapaz — Comecei a enjoar na barca, e depois o caminhão também balançou bastante...

     — Eu disse que você não devia ter comido aquele picadinho — comentou Joss com severidade.

     — Eu estava com fome — retorquiu Jack — Além disso, eu achava que iríamos direto para a Espanha, e não vir aqui primeiro para...

     — Olhe, por que não conversamos depois sobre os prós e os contras disto? — intrometeu-se Gareth, levantando a manga para olhar seu relógio de pulso. — Olhem, já são quase 6h. Não sei quanto a vocês, mas estou ficando com fome. O que vocês acham de irem comigo até meu apartamento, onde poderão tomar um banho e se arrumar? Depois, digamos lá pelas sete, voltaremos aqui para pegar Louise e sairmos para comer alguma coisa?

     Louise abriu a boca para objetar, para dizer que era perfeitamente capaz de cuidar sozinha não apenas do conforto de seu irmão e primo, mas do seu próprio, mas se descobriu fechando-a novamente sem ter proferido uma única palavra de protesto.

   Ambos os rapazes tinham trazido mochilas. E com uma rapidez verdadeiramente surpreendente, Gareth logo os havia feito organizar seus pertences e marchar até a porta do apartamento.

   — Sete horas é um bom horário para você? — perguntou a Louise enquanto Joss abria a porta.

   — Sim... Está bem — concordou Louise. O espaço confinado e íntimo do pequeno corredor a impedia de se afastar dele.

   Fora realmente nesta mesma manhã que ele a tomara nos braços e ela havia...? Trêmula, ela fechou os olhos, incapaz de suportar o fardo das memórias que estava revivendo.

   — Está se sentindo bem? É a sua enxaqueca...?

   Sua enxaqueca... Como ele sabia disso? Louise abriu abruptamente os olhos.

   — Estou bem — disse sucinta. Como seria a sensação de ser a mulher que Gareth amava, a mulher que ele queria proteger e defender, com quem pretendia passar toda a vida e ter filhos? Ela começou a se sentir tremer por dentro, e vários minutos haviam se passado desde que os três tinham ido embora quando ela finalmente teve forças de caminhar até o telefone e discar o número de seus pais.

   A mãe de Louise, Jenny, atendeu ao telefone quase imediatamente. Louise pôde sentir a ansiedade em sua voz.

     — Está tudo bem, mãe — apressou-se em dizer a Louise — Eles estão aqui comigo.

     — Eles estão o quê? — ela podia ouvir o pasmo na voz da mãe. — Mas como...? Por quê...?

     Com calma, Louise descreveu os detalhes da história que lhe fora contada por Joss.

     — Oh, não! — protestou Jenny depois que Louise terminou seu relato. — Não posso acreditar que Jack possa pensar assim. Nem o seu pai nem eu jamais...

     A mãe de Louise parou de falar por um momento enquanto se via sobrepujada pelas emoções.

     — Então foi por causa do que Max disse ao Jack que ele cismou que estava sendo um fardo para nós...?

     — Bem, sim, pelo menos de acordo com o Joss. Mas eu estava pensando, mamãe... — Louise fez uma pausa e mordiscou pensativa o lábio inferior — Ele está numa idade muito sensível, e por mais que você e papai o amem, vocês não são a mãe e o pai dele. Deve haver momentos em que ele se pergunta sobre eles, momentos em que se sente zangado, magoado e rejeitado pelo que eles fizeram, e talvez...

     — Sim. Eu compreendo o que você está dizendo — concordou com calma sua mãe. — Olivia e Ruth acham que nós... Que todos nós estamos super compensando ele pelo fato de David e Tânia não estarem aqui, e talvez elas tenham razão. Graças a Deus Joss teve o bom senso de vir até vocês...

   — Hum... — concordou Louise, e então acrescentou, calorosa: — Não quero parecer pessimista, mas tenho a impressão de que este não vai ser um problema muito fácil de superar. Tudo bem, desta vez ele está aqui comigo, mas...

   — Entendo o que você quer dizer — reconheceu rapidamente a mãe de Louise — E não é nem mesmo uma questão de garantir que ele não sairá de novo em busca do pai. Está claro que Jack está atormentado por várias questões a respeito de seus pais. Questões que ele só poderá resolver falando cara a cara com o pai. Neste momento Jack precisa de David, o que me faz querer muito que ele voltasse para casa. Desde que David desapareceu, seu pai fez de tudo para localizá-lo, mas sem o menor sucesso. O seu avô recebeu um cartão estranho dele, dizendo que estava em segurança, mas apenas isso. A propósito, onde estão os meninos agora? — indagou Jenny.

     Louise hesitou.

     — Bem, eles estão com Gareth Simmonds — disse Louise à mãe, tentando soar o mais casual que conseguiu, mas terrivelmente cônscia de que sua voz soava um pouco aguda e forçada.

     — Você lembra-se dele, não lembra mamãe? Ele estava na Toscana quando...

     — Gareth? É claro que me lembro dele — garantiu a mãe — Katie disse que ele estava trabalhando em Bruxelas, e eu calculei que vocês dois acabariam se esbarrando aí.

     — Bem, ele está morando num apartamento no mesmo prédio que eu. Como Gareth tem um quarto vago, e eu não, ele se ofereceu a acomodar os rapazes lá. Para ser franca, fiquei grata por isso, porque me deu a oportunidade de ligar para você, para conversarmos sem que Jack estivesse aqui. Você terá de me dizer que preparativos devo tomar para mandar os dois de volta para casa... Isso considerando que seja possível convencer Jack a voltar de livre e espontânea vontade.

     — Hum... Sei que isso vai ser complicado. Olhe, deixe-me conversar com o seu pai, e com Olivia também. Afinal de contas, Jack é irmão dela. Posso telefonar para você mais tarde?

     — Sim, isso seria uma boa idéia. Gareth e os rapazes vão vir me pegar às sete, e nós vamos comer alguma coisa.

     — Bem, diga aos dois que os amamos. E, Lou, agradeça a Gareth em nosso nome por ser tão atencioso, sim? — pediu à sua mãe, antes de desligar.

     Agradecer a Gareth por ser tão prestativo. Oh, sim, e talvez sua mãe gostasse de se atirar em seus braços e lhe dar um grande beijo...

     Involuntariamente, Louise descobriu que enroscando os dedos dentro dos sapatos, seu corpo inteiro ameaçando tremer em desejo.

     Fazia vários anos desde que ela fora forçada a fazer uma análise construtiva de si mesma e a reconhecer certas características de personalidade autodestrutivas, sendo a principal sua teimosia. E essa teimosia a mantivera trancada em sua crença de que sua paixão adolescente por Saul era o tipo de amor que os tornava almas gêmeas e ele o único homem que ela poderia querer ou amar.

     A essa altura ela aprendera que o verdadeiro amor era uma emoção muito complexa, a qual só se reconhecia quando já era tarde demais.

     O dano já fora feito.

     Agora, olhando para trás, ela achava incrível que jamais tivesse parado para questionar por que fora tão determinada e ansiosa para ir para a cama com Gareth. Simplesmente para se despir do fardo de sua virgindade? Não! Oh, não. Durante todo o tempo, em meio a toda aquela raiva, ressentimento e dor, houvera outra coisa, uma coisa que não fora mera curiosidade sexual ou mesmo atração física.

     Magoava-lhe imensamente reconhecer, mesmo na privacidade de seus pensamentos mais recônditos, que uma parte dela sempre desejara Gareth. Sempre o quisera por ele próprio, e não como um substituto para a intimidade que lhe fora negada com Saul. E é claro que o próprio Gareth devia, em algum nível, ter reconhecido esse fato. Ele era, ela suspeitava, inteligente demais para não ter percebido isso. O que, sem dúvida, explicava por que Gareth ficara mais do que feliz quando ela mantivera distância dele.

     Depois de tudo que aprendera ao perseguir Saul, ela havia decidido não repetir o mesmo erro com Gareth. Ela não ia lhe oferecer seu amor, si mesma, e ser rejeitada. Mesmo assim... Oh, quanto ela sonhara descobrir que ele a queria e a amava. Sonhos estúpidos e impossíveis, é claro!

     — Gareth telefonou... — dissera sua mãe logo depois de sua volta da Itália, e seu coração parará enquanto ela lutara lutava impedir que as reações físicas de seu corpo traíssem como estava se sentindo — Ele soube por Maria que tivemos de retornar inesperadamente — prosseguira sua mãe — Ele ligou para saber se tudo está bem...

     Para saber se tudo estava bem... Não para saber se ela estava bem, não para falar com ela... Não para dizer, para perguntar... Ferozmente, ela engolira suas lágrimas, cerrando as mãos em punhos.

     Deus, por favor, não de novo... Não uma segunda vez. Desta vez ela não ia fazer papel de idiota revelando seus sentimentos. Desta vez... Desta vez ela era uma mulher, reconheceu dolorosamente Louise. Desta vez ela não iria chorar por um homem que não a queria, como uma criança chorando por uma necessidade negada. Desta vez ela não ia nem mesmo permitir a si mesma reconhecer seus sentimentos. Quais sentimentos? Ela não tinha sentimentos — ao menos não do que dizia respeito a Gareth Simmonds. Por que deveria ter? Afinal de contas, ele não nutria qualquer sentimento por ela!

   — Alguém quer mais café?

   Para a vergonha de Louise, fora Gareth quem revelara mais conhecimento sobre os restaurantes da cidade, apesar do fato de que morava lá há muito mais tempo.

     — Apenas freqüento lugares que me indicam — disse a Louise quando ela não conseguira esconder uma admiração por seu conhecimento.

     A praça onde eles haviam jantado era cercada por ruas cheias de barracas nas quais peixeiros e restaurantes exibiam seus produtos.

     Previsivelmente, fora a menos atraente espécie de peixe, ao menos aos olhos de Louise, que atraíra a atenção entusiasmada dos meninos.

     — Eca... Parece horrível — objetara Louise quando Joss chamara sua atenção para um monstro de olhos vidrados particularmente repulsivo.

     — Hum... Eu não sei se isso é um sinal de que estou ficando velho, mas ultimamente prefiro não conhecer a comida que irá para o meu prato enquanto ela está viva — dissera Gareth aos rapazes quando eles escarneceram de Louise.

   Mas Louise notara que nenhum dos rapazes aceitara a oferta do dono do restaurante em irem até o aquário escolher os peixes que iriam comer.

   As ruas em torno da praça fervilhavam de movimento, criando uma atmosfera quase de época festiva. Deveria ser por isso que ela estava quase feliz, decidiu Louise quando, em resposta à pergunta de Gareth, ambos os rapazes se declararam satisfeitos.

     A calma e o divertimento que pairavam na praça faziam com que Louise associasse o lugar mais a Paris que a Bruxelas, cidade que possuía uma injusta reputação de seriedade. Devido a presente associação de Bruxelas com o Mercado Comum Europeu e com a política moderna, as pessoas freqüentemente esqueciam que a cidade possuía uma história longa e distinta.

     Louise também balançou negativamente a cabeça quando Gareth lhe ofereceu mais café. A noite transcorrera surpreendentemente bem. Ela ficara surpresa e, e para ser honesta, empolgada em ver a rapidez com que Gareth restabelecera uma poderosa sintonia com seu irmão e primo.

     Dos quatro, ela provavelmente era quem se sentia mais constrangida e cautelosa, admitiu Louise.

     O motivo para isso era...

     Ela se curvou para pegar sua bolsa, determinada a pagar pela refeição dos rapazes.

     Houvera momentos agradáveis durante a noite, momentos em que ela se vira juntando-se aos risos dos meninos enquanto Gareth lhes contava uma história particularmente engraçada sobre sua família, mas sua risada fora rapidamente substituída por tristeza invejosa. Ela jamais iria ser parte da vida dele. Ela jamais iria ser especial para ele, como suas irmãs, sobrinhas e sobrinhos obviamente eram. Ele jamais iria amá-la da forma como os amava; os olhos dele jamais iriam se iluminar daquela forma ao falar dela, pensar nela. Se ele tivesse se importado, jamais teria ignorado o que acontecera entre eles... E a ignorado!

     — Bem, se todo mundo estiver pronto, acho melhor irmos andando — anunciou Gareth enquanto olhava as horas.

     Para o alívio de Louise, ele não fez qualquer objeção à sua declaração de que pretendia pagar a conta. Jack, ela estava aliviada em ver, estava parecendo muito mais feliz do que estivera no começo da manhã. Louise estava ansiosa por assegurar a Jack que, a despeito do que Max tivesse lhe dito, por mais doloroso que pudesse ser, jamais poderia ser um verdadeiro reflexo da forma como os outros membros da sua família se sentiam.

     Contudo, Louise sentia que se ela fizesse isso, ele iria se fechar para ela, porque ainda estava sensível demais ao assunto. Além disso, presumia intuitivamente, não tanto a garantia de Louise de que ele precisava, e nem mesmo dos pais dela, mas de seus próprios pais. E, principalmente, de seu pai.

     Enquanto saíam do restaurante, Louise descobriu que os rapazes estavam caminhando na frente enquanto Gareth se mantinha ao lado dela. Instintivamente ela começou a caminhar um pouco mais depressa, mas Gareth manteve o passo com o dela. Em sua pressa para evitar que não ficasse sozinha com ele, ela quase tropeçou.

     Imediatamente Gareth estendeu a mão para estabilizá-la, seu corpo oferecendo-lhe apoio enquanto recuperava o equilíbrio. Atordoada, Louise fechou os olhos.

     O ar noturno estava carregado com o aroma do tráfego e da cidade. Contudo, bem mais forte era sua percepção do calor sensual do corpo de Gareth, seu perfume atordoando-a, roubando-a da capacidade de lutar contra seu desejo de se aproximar dele, sua ilusão de que ele a queria mais perto.

     Para seu constrangimento, Louise descobriu que estava com a mão pousada no peito dele. Não, não pousada, mas quase agarrada à jaqueta dele, reconheceu Louise, notando também que, sem querer, estava com a cabeça inclinada na direção do ombro dele.

     — Você está bem? A sua enxaqueca não voltou, voltou? — perguntou Gareth, voz tensa, como se ele... Como se ele estivesse desconfortável com a forma como ela estava praticamente debruçada contra ele, decidiu Louise. Mas quando ela tentou se afastar, ele não a deixou. Os meninos tinham parado vários metros à frente deles para admirar uma escultura no centro da pracinha que eles estavam atravessando.

     — Deve ter sido um choque para você quando esses dois apareceram na sua porta — disse Gareth enquanto ela se permitia relaxar contra o calor de seu corpo e o braço que ele posicionara em torno dela. — Quero lhe dizer que eu acho que você lidou muito bem com a situação.

     — Sim, mas principalmente graças a você — respondeu Louise — A propósito, meus pais mandaram agradecer a você. Eu falei com minha mãe depois que vocês saíram. Ela vai me ligar de volta para conversar sobre os preparativos para levar os rapazes de volta para casa... — ela fez uma pausa, e olhou preocupada para seu irmão e seu primo. — O problema era que Jack quer encontrar seu pai...

     — Sim, eu sei. — Gareth interrompeu-a gentilmente — Então ninguém sabe onde ele está?

     — Papai tentou encontrá-lo, mas não teve sucesso. — disse Louise.

     — Ele disse aquilo sabendo que Jack ia ficar arrasado. Ele realmente é o mais egoísta, estúpido...

     — Ao contrário do resto de sua família, que, a julgar pelo que vi deles, são extremamente carinhosos e preocupados um com o outro — disse-lhe Gareth. Como estava muito escuro agora, era impossível para ela ver a expressão em seu rosto, mas Louise podia ouvir uma intensidade emocional em sua voz que a surpreendeu.

     Gareth baixou os olhos para o topo da cabeça de Louise. Proteger um ao outro era obviamente uma característica inata da maioria dos membros da família Crighton.

     Ele se lembrou de Katie, sua irmã gêmea, tentando lhe explicar por que Louise estava faltando a tantas palestras.

     — Louise... A respeito desta manhã...

   Imediatamente ele pôde senti-la ficar tensa, e começar a se afastar dele.

   — Não quero falar a respeito disso — Louise apressou-se em dizer — Eu... Aquilo não devia ter acontecido. Eu...

   Xingando baixo, Gareth imediatamente a soltou. Ele era um idiota. Só porque durante alguns momentos ela havia relaxado em seus braços, isso não significava... Mas talvez fosse bom que ela tivesse acabado de colocar alguma distância entre eles. Mais alguns segundos parado perto dela daquele jeito e ela certamente teria descoberto exatamente que tipo de efeito exercia sobre ele.

   Ele viu a forma como ela estava olhando para Joss e Jack e, adivinhando o que ela estava pensando, tentou confortá-la.

   — Tente não se preocupar — ele aconselhou — Tenho certeza de que os seus pais vão encontrar alguma maneira de assegurar a ele que o amam.

   — Espero que sim — concordou. — Mas eles não podem... Eles não são... Enquanto estávamos no restaurante, eu estava tentando pensar em como eu iria me sentir se fosse Jack. Deve ser muito difícil para ele, e posso entender por que ele quer encontrar Tio David.

     — Sim — concordou Gareth com calma — Mas há outras formas, mais eficientes, de fazer isso sem abandonar os estudos para percorrer a Europa de carona. Como tenho certeza de que seu pai conseguirá explicar a ele.

     Era uma experiência estranha e muito desconcertante ter Gareth tentando confortá-la em vez de criticá-la. De algum modo era bem mais fácil tentar lidar com seus sentimentos quando eles eram antagonistas.

     Por insistência de Gareth, ele e os rapazes a deixaram em seu apartamento, e Gareth até insistiu que ela abrisse a porta e entrasse antes que eles fossem embora.

     Louise abraçou seu irmão e, em seguida, Jack.

     — Obrigada por tudo, Lou — disse-lhe Jack, rabugento, retribuindo o abraço com embaraço juvenil.

     — Você não precisa me agradecer por nada — disse-lhe Louise, cofiando seu cabelo. — Você é meu... Você é da família.

     Rapidamente piscando para conter as lágrimas que ela sabia que ele ficaria constrangido em ver, Louise virou-se para agradecer novamente a Gareth por sua ajuda, e então soltou um leve arfado de choque, porque em vez de manter distância dela, ele a puxou para si e lhe deu um abraço tão caloroso quanto o de Jack. Mas as sensações que ela sentiu nos braços de Gareth eram completamente diferentes daquelas que ela sentira abraçando o primo.

   — Gareth — começou Louise a protestar, mas ele já estava lhe dando um beijinho na testa, e em seguida um beijo menos leve, e muito mais íntimo, ainda que breve demais, em seus lábios entreabertos.

   — Boa noite — sussurrou Gareth contra a boca de Louise. — Durma bem e não se preocupe... Os dois ficarão bem, e eu irei trazê-los de manhã.

   Ele se virou para ir embora, conduzindo os garotos antes que ela pudesse dizer ou fazer qualquer coisa.

   As mãos de Louise, ela descobriu enquanto fechava e trancava a porta, estavam tremendo levemente, e seu coração batia acelerado como se tivesse acabado de correr cem metros.

   Por que ele a beijara daquele jeito? Teria sido como uma simples reação automática, seguindo o exemplo dos rapazes? Mas o beijo dele não tinha sido... O beijo dele. O beijo dele. Ela fechou os olhos e sentiu as faces começarem a corar.

   Na sala de estar o telefone começou a tocar.

   Louise afastou a lembrança de Gareth e de seu beijo terno e inesperado, e foi atender ao telefone...

 

     — Lou, sou eu — Louise ouviu Olivia se anunciar.

     — A sua mãe me contou o que aconteceu. Onde estão os rapazes agora? Eles estão...?

     — Gareth levou os dois de volta para seu apartamento para passar a noite lá. Não sei se mamãe lhe disse que ele está trabalhando aqui em Bruxelas agora, e...

     — Sim, sim, ela disse — interrompeu-a Olivia. Louise sabia que Olivia se lembrava de ter conhecido Gareth em Toscana, e deduziu que sua prima estava muito mais ansiosa por falar sobre seu irmão do que discutir relacionamentos passados.

     — Lou, como o Jack está? — perguntou Olivia, claramente preocupada. — Ele está...?

     — Ele parece bem — disse Louise com cautela — Ele enjoou durante a viagem, mas já se recuperou. E parecia bem animado agora à noite. Nós quatro saímos para jantar fora... Sabe, meu apartamento não está realmente equipado para fazer comida para muita gente, mas... — ela hesitou.

     — Mas o quê? — pressionou-a Olivia.

     — Bem parece bem, Livy, mas, por mais que seja fácil colocar a culpa de tudo nos ombros de Max, não paro de evitar pensar que a situação é bem complexa. Jack um rapaz muito sensível. Ele sabe como Max é, e muito bem o quanto meus pais o amam. Eu não te como evitar pensar se esta empreitada para encontrar seu pai não é reflexo de um desejo que ele vem há muito tempo.

   — Você acaba de colocar em palavras o que eu estava pensando. — concordou Olivia — Eu me sinto culpada, Lou. Eu devia ter previsto isso. Mas eu e estava focada demais na minha própria vida, nas garotas e em Caspar. E Jack parecia tão feliz que eu presumi que ele estava tão conformado com a situação que eu. Mas é claro que eu era adulta quando tudo aconteceu. E Jack era apenas uma criança.

     Louise sabia, sem que sua prima precisasse lhe explicar, o que ela queria dizer com "quando tudo aconteceu". Ela estava se referindo ao desaparecimento de seu pai.

     O pai de Louise tentara encontrar David, assim como Olivia e a mãe de Jack, que agora havia se divorciado dele e casado de novo.

     — Sabe... Esta noite eu estava pensando nessas coisas... — disse Lou — Livy, será que ao tentar proteger Jack da verdade, nós não estamos tornado a situação mais difícil para ele? Jack é um rapaz inteligente, e pelo que Joss deixou escapar, tive a impressão de que eles dois tiveram uma idéia muito boa do que aconteceu. Claro que o desaparecimento de seu pai deixou Jack com muitas perguntas sem respostas, e à medida que ele crescer, essas perguntas só irão aumentar. Afinal de contas, olhando do ponto de vista de Jack, ele talvez sinta que quando o seu pai desapareceu, levou com ele todas as respostas...

     — Você é muito perceptiva, Lou — disse Olivia a ela — Preciso admitir que não me coloquei no lugar de Jack e tentei ver as coisas do ponto de vista dele. Sabe, foi tão chocante para mim descobrir que papai roubou dinheiro de outra pessoa, que fiquei feliz quando ele desapareceu. Eu não sei como eu teria lidado com a situação se ele não houvesse... Ao desaparecer, ele me aliviou da necessidade de precisar fazer qualquer outra coisa além de deixar seu pai e tia Ruth limparem a sujeira que ele deixou.

     — Acho que você está sendo muito dura consigo mesma, Livy — protestou Louise — Eu não sei como teria me comportado no seu lugar. Mas preciso admitir que não tenho como não simpatizar com Jack. Eu sei que desta vez nós conseguimos sabotar seus planos, mas...

     — Mas como será na próxima vez? — interrompeu-a Olivia — É isso que tem me preocupado.

     — Bem, eu tive uma idéia — começou Louise, hesitante — E é apenas uma idéia, mas...

   — Prossiga — comandou Olivia.

     — Bem, talvez se Jack se sentisse menos isolado, se meu pai pudesse envolvê-lo em suas tentativas de encontrar o pai dele... Bem, talvez assim Jack pudesse sentir que tem algum controle sobre a situação, e não pensaria mais em fugir de casa.

     — Entendo o que você está dizendo — disse-lhe Olivia — E, sim, acho que você pode ter razão. Vou falar com seu pai sobre isso, e com Jack também. O que me lembra de uma coisa. Liguei para você para lhe dizer que Saul vai pegar um avião até aí para recolher os garotos. Ele disse que estava mesmo precisando ir até aí tratar de negócios, de modo que não terá nenhum problema em trazer Joss e Jack com ele.

     — O que... Quando ele vai chegar? — perguntou Louise em voz baixa.

     — Ele adiantou a reunião e vai pegar um avião amanhã de manhã muito cedo. Disse que a reunião de trabalho deve terminar no meio da tarde. Olhe, eu preciso ir; posso ouvir Alex chorando. Obrigada novamente, Lou... Estou muito grata a você. Foi um grande choque quando sua mãe me ligou para dizer o que havia acontecido.

     — Sei o que você quer dizer.

     Olivia fez uma pausa de alguns instantes como se estivesse tomando coragem para perguntar:

   — Lou, não vai ser nenhum problema o Saul ir até aí pegar os garotos, vai?

   — Nem um pouco — respondeu Louise com sinceridade absoluta.

   — Claro que não. Foi isso o que Tullah disse — concordou Olivia depois de mais uma pequena pausa.

   Louise recebeu mais uma prova do quanto havia amadurecido quando não sentiu o menos constrangimento ao pensar em sua prima conversando a respeito dela com a esposa de Saul.

     Mais uma medida de sua maturidade, reconheceu com bem menos prazer, foi o fato de não ter sentido nem a menor inclinação de confidenciar a Olivia por que ela sabia com tanta certeza que os sentimentos que nutria por Saul eram meramente os sentimentos nutridos por um primo, e que já era assim há muito tempo. Na verdade, desde aquele verão na Toscana...

     Louise abriu os olhos abruptamente. Ela estivera dormindo, sonhando com Gareth. Em seu sonho ela estivera tentando abraçá-lo e beijá-lo, mas cada vez que tentara fazer isso ele se afastara mais dela.

     Um olhar para seu despertador a alertou que em breve estaria na sua hora de se levantar. Não que ela particularmente quisesse voltar a dormir. Não se ela fosse ter esse tipo de sonho.

     Depois de um café da manhã bem rápido, ela telefonou para a casa de sua chefe, explicou-lhe tudo que acontecera e lhe perguntou se poderia tirar o dia de folga para cuidar dos rapazes até que Saul chegasse para pegá-los.

     — Mas é óbvio que sim — disse-lhe Pam Carlisle. — E a enxaqueca?

     — Foi embora, graças a Deus.

     Depois que acabou de conversar com Pam, Louise limpou a mesa do café, perguntando-se a que horas Gareth iria trazer os rapazes, e o que ela iria fazer com eles até que Saul chegasse.

     Ela havia acabado de arrumar a cozinha quando ouviu Gareth e os rapazes chegarem. Ao abrir a porta para eles, ficou aliviada em ver que Jack estava sorrindo.

     — Obrigada por lhes dar uma cama para passarem a noite — disse Louise enquanto ele entrava no apartamento junto com os rapazes. — Falei com papai e mamãe — Louise informou aos dois enquanto os conduzia até a sala de estar, um pouco desconcertada ao notar que, em vez de sair, Gareth fechara a porta e se juntara a eles. — E mais tarde Saul passará aqui para levar vocês dois para casa.

     — Saul? — todos três perguntaram ao mesmo tempo com níveis variados de emoção, mas a voz alta e inquisitiva de Gareth abafou as outras enquanto fazia contato visual com ela.

   Ao notar que Jack estava começando a se sentir desconfortável, Louise tentou acalmá-lo.

   — Jack, está tudo bem — disse Louise ao garoto.

   — Papai e mamãe compreendem. Você devia ter dito a eles que queria encontrar o seu pai — frisou com gentileza, e quando lembrou que eles podiam ainda estar dispostos a seguir para a Espanha, acrescentou:

   — E talvez papai tenha um pouco de culpa, por não ter lhe informado a respeito de tudo. Ele tentou encontrar o seu pai, você sabe, e...

   — É verdade que papai será preso se voltar para a Inglaterra? — inquiriu Jack, rosto ficando vermelho enquanto focava ansiosamente em Louise.

   — Quem lhe disse uma coisa dessas? — perguntou Louise a ele, chocada.

   Jack balançou a cabeça.

   — Ninguém... Pelo menos não com tantas palavras. Mas Max...

   — Max é um encrenqueiro. Ele é...

   — Como o meu pai — interrompeu-a Jack. Louise mordeu o lábio, consternada. Gareth ainda estava lá e não parecia ter a menor intenção de sair, mas esta não era uma conversa que ela quisesse travar tendo-o como observador... Observador crítico, decidiu irritada.

   — Jack, até onde sei, o seu pai nunca foi motivado por malícia, enquanto, para ser honesta, devo dizer que esse freqüentemente é o caso de Max. Mas é verdade que seu pai e Max compartilham de algumas características de personalidade...

   — Certa vez, tio Jon me disse que papai era assim por que... Porque vovô mimou muito ele... — disse Jack, inseguro.

   — Vovô realmente estragou ele — concordou Louise — E ele estragou Max também... Ele deu aos dois a impressão de que tinham o direito de sempre pensar primeiro em si próprios.

   — Tio Jon também me disse que ninguém pode culpar completamente o papai, porque as expectativas que o vovô depositou nele acabaram criando uma pressão muito grande...

   — Sim, vovô costuma depositar expectativas muito elevadas em seus favoritos — concordou Louise secamente.

   — Papai não devia amar muito nem a mim, nem a Livy — comentou Jack. — Se amasse, não teria feito o que fez. Tio Jon jamais teria desaparecido e deixado todos vocês...

     — Tenho certeza de que ele ama você, Jack — contradisse Louise. — Você não tem nenhuma culpa por ele ter desaparecido, e o fato dele ter desaparecido certamente não significa que ele não o ama. Na verdade, eu acredito que um dos motivos pelos quais ele deixou vocês foi porque ele os ama muito.

     Vendo o olhar que Jack lhe dirigiu, ela explicou com calma:

     — Ele deve ter achado que, indo embora, estaria ajudando a proteger vocês.

     — Você acha mesmo? — perguntou Jack, incerto.

     — Tenho certeza — confirmou Louise, convicta agora que Jack iria retornar a Haslewich, e à família amorosa que o aguardava.

     — A que horas Saul vai chegar? — interrompeu Joss.

     — Ele tem alguns negócios para cuidar. Acho que só conseguirá chegar ao final da tarde — informou-o Louise. — Há alguma coisa que vocês dois queiram ver ou fazer enquanto estão aqui? Tirei o dia de folga e...

     — Gareth vai levar a gente a um lugar onde poderemos navegar na Internet — disse Joss animadamente.

     Louise abriu a boca para frisar que Gareth não tinha o direito de fazer esses preparativos sem primeiro checar com ela, mas então a fechou novamente.

     — Você pode vir com a gente, se quiser. Ela não pode, Gareth? — acrescentou Joss.

     — Puxa, obrigada — disse Louise enquanto olhava para Gareth, meio esperando também vê-lo espantado com o que Joss parecia considerar uma grande diversão.

   Mas em vez de sorrir, Gareth estava muito sério.

   — Imagino que tenha sido idéia sua pedir a Saul que viesse pegar os garotos — comentou secamente.

   Louise o fitou.

   — Não, para dizer a verdade, não foi — ela começou.

   Mas antes que ela pudesse terminar, ele a cortou e comentou sarcástico:

   — Entendo. Então foi apenas uma feliz coincidência, não foi?

   Louise olhou para onde Joss e Jack estavam envolvidos em alguma discussão altamente técnica a respeito de alguma tecnologia de informática nova para compreender o que estava transcorrendo entre ela e Gareth.

   — Eu não sei o que você está insinuando — começou ela em voz baixa. Mas, para sua informação, Saul é...

   — Eu sei exatamente o que Saul é para você — Gareth interrompeu-a com rudeza. — Meu Deus, por acaso vocês dois não...?

   Ele se calou abruptamente quando Joss olhou para eles, curioso.

   — Acho melhor pegar meu casaco — informou Louise a Gareth.

   — Onde é esse lugar? Podemos ir caminhando, ou...?

   — Não. Levarei vocês lá no meu carro — informou-a bruscamente Gareth.

     — Se vocês dois terminaram, acho que devíamos voltar para o meu apartamento — informou Louise a Joss e Jack enquanto olhava rapidamente as horas.

     Gareth insistira em levá-los para um almoço tardio num pequeno restaurante perto de onde eles haviam passado a manhã, e agora, enquanto todos se levantavam, Louise dirigiu-lhe um sorriso frio e lhe disse:

     — Você não precisa nos levar de volta. Pegaremos um táxi.

     Durante o dia inteiro ela estivera consciente de uma hostilidade bastante clara em sua atitude para com ela, e a despeito de sua determinação de não deixar que nem ele nem os rapazes notassem o quanto isso a estava afetando, a tensão começava a se tornar insuportável.

     E claro que Louise já sabia que Gareth não gostava dela. Contudo, o desprezo que pudera sentir emanar dele durante toda a manhã fizera-a lembrar o quanto ela era vulnerável a ele.

     — Não podemos ir sem antes passar na casa do Gareth para pegar nossas coisas — lembrou-a Joss.

     Louise sentiu o coração afundar no peito. Mas ele tinha razão, claro.

   Contudo, quando chegaram ao prédio de Louise, para a consternação de Louise eles descobriram que Saul já estava à sua espera no vestíbulo.

   — Saul, sinto muito — desculpou-se — Achei que você só chegaria bem mais tarde.

   — Não se preocupe; terminei meus negócios antes do esperado — acalmou-a Saul com um sorriso, e então olhou pensativo para Gareth — Você deve ser Gareth. — Saul sorriu e estendeu a mão para o outro homem. — Sou Saul Crighton, primo de Louise...

   — E nosso — acrescentou Joss.

   — Sim, eu sei — reconheceu Gareth tenso, ignorando a mão estendida de Saul enquanto se virava para os dois rapazes, lembrando-os: — As suas coisas ainda estão no meu apartamento. Eu vou...

   — Ah, sim. É melhor vocês irem com Gareth agora para pegá-las — Louise interrompeu-o rapidamente, aproveitando a oportunidade para ter alguns momentos a sós com Saul para poder colocá-lo completamente a par da situação, caso Olivia já não o tivesse feito.

     Por cima das cabeças dos rapazes, Gareth fulminou-a com um olhar de desprezo. Rosto corado, tanto com infelicidade quanto com raiva, Louise virou o rosto.

     — Ele não é exatamente o tipo amistoso — comentou Saul quando se viu a sós com Louise.

       — Gareth? — perguntou Louise enquanto enfiava a chave no buraco da fechadura. — A culpa é minha... Ele... Eu... — ela se calou por um instante — Ele acha que estou tentando manipular a situação para ganhar um pouco de tempo a sós com você — disse a Saul com dolorosa honestidade enquanto abria a porta do apartamento e, com um gesto, o convidava a entrar — Ele... Ele era o meu orientador naquela época em que... Na época do baile de máscaras, e... — ela se calou. — De certa forma, ele tem razão. Eu queria mesmo passar algum tempo a sós com você, mas não pelos motivos que ele suspeita. Eu queria ter uma conversa particular com você sobre Jack. Eu não sei o quanto Livy lhe contou.

     — Ela não disse muita coisa. Falou apenas que Jack enfiou na cabeça que precisa encontrar David.

     — Sim, é verdade. Eu tentei falar com Jack, mas estou preocupada com ele, e imaginei que você talvez pudesse... Ele precisa de um confidente, alguém com quem possa se abrir.

     — Farei o melhor que puder — prometeu Saul solenemente.

     — Ele pensa que o pai dele não o ama.

     Saul estava começando a parecer preocupado, e para sua vergonha, Louise subitamente sentiu seus olhos encherem-se com lágrimas.

     Quando viu as lágrimas de Louise, Saul franziu ainda mais a testa em preocupação.

     — Lou... — ele começou, mas ele balançou a cabeça tentando sorrir enquanto ela lhe dizia, enrouquecida:

     — Saul, eu sinto muito... É apenas que... Eu não consigo entender como sou tão estúpida. Depois da minha paixão por você, eu devia ter aprendido a não correr o risco de amar um homem que não me ama. Mas...

     — Um homem que não a ama? Por acaso estamos falando do seu extremamente antipático e ex-orientador, o tal Gareth Simmonds? — perguntou Saul.

   Louise fez que sim com a cabeça, mas em vão. O sofrimento das últimas 24h estava surtindo seu efeito nela, e quando se deu por si estava nos braços de Saul, cabeça pressionada contra seu ombro enquanto ele tentava confortá-la da mesma forma que fizera há muitos anos atrás, quando ela ainda era menina, e estava sofrendo a dor de um joelho ralado.

     Mas um machucado superficial não podia de forma alguma ser comparado à agonia de um coração partido, e ela certamente não era mais uma criança, e sim uma mulher, lembrou-se Louise.

     — Eu estou sendo uma idiota. Sinto muito — desculpou-se com um sorriso frágil, assoando o nariz com o lenço que ele lhe ofereceu.

     Vários segundos depois, Louise ainda estava sorrindo, e ainda abraçada com segurança por Saul, quando a porta abriu abruptamente e Joss e Jack, seguidos por Gareth, entraram.

     Ver Louise nos braços de Saul claramente não suscitou o menor interesse em Joss ou Jack, que, de formas diferentes, aguardavam com certo temor sua viagem de volta para a Inglaterra sob a guarda de Saul.

   Contudo, Gareth, reagiu de forma completamente diferente, parando abruptamente a poucos metros deles e lhes dizendo com franco desprezo:

   — Sinto muito se estamos interrompendo alguma coisa... Íntima.

   Automaticamente Louise começou a se afastar de Saul que, para seu alarme, em vez de soltá-la, continuou segurando-a com firmeza pelo braço, enquanto com a outra mão, fora do alcance da visão de Gareth, dava-lhe um leve beliscão de aviso enquanto retorquia perigosamente:

   — Sim, eu também. — ele deu as costas para Gareth, de modo a bloquear o rosto de Louise enquanto lhe dizia ternamente: — Eu falei sério da última vez que nos encontramos, Lou. Você sempre será muito... Muito especial para mim.

   Louise fitou-o boquiaberta. O que diabos Saul estava tentando fazer? Depois do que ela acabara de lhe dizer, Saul devia saber que interpretação Gareth iria extrair de seus comentários. E mesmo assim estava, de forma absolutamente proposital, jogando gasolina nas chamas das suspeitas de Gareth.

   — Vamos, vocês dois — instruiu Saul aos rapazes num tom de voz mais firme, antes de se virar para Gareth e lhe dizer formalmente: — Parece que lhe devo meus sinceros agradecimentos...

   Saul levantou a mão de Louise até sua boca, surpreendendo-a com um beijo carinhoso nos dedos, antes de puxá-la para seus braços e mantê-la intimamente ali durante vários segundos.

   Louise não se ofereceu a descer ao saguão para ver Saul e os rapazes irem embora; suas pernas pareciam incapazes de conduzi-la até a porta do apartamento, quanto mais ao saguão.

   O que diabos dera em Saul para fazê-lo se comportar de forma tão... Tão ultrajante? Devia ter sido óbvio para ele que Gareth não acharia o seu comportamento nem um pouco engraçado.

   Trêmula, ela fechou os olhos e colocou a mão no encosto de seu pequeno sofá para se equilibrar enquanto porta do apartamento fechava com um estrondo por trás de todos eles.

 

       — Você perdeu completamente a cabeça? Pelo amor de Deus, ele é um homem casado, e por mais que ele possa querer fazer sexo com você, posso apostar que é tudo que ele quer. Você já parou para pensar que se ele realmente quisesse você, se realmente se importasse... Se realmente tivesse o menor respeito ou afeto por você, ele jamais iria...?

     — Gareth. — Enfraquecida, Louise abriu os olhos.    — Achei que você tinha ido embora. O quê?

     — Pelo amor de Deus, Louise. Ele pode ser o seu primo, você pode ainda estar apaixonada por ele, mas...

     Louise já estava farta daquilo.

     — Não, eu não o amo — corrigiu secamente Gareth. — Ou pelo menos não o amo da forma como você está tentando insinuar. E mesmo se eu amasse... — ela correu os dedos pelos cabelos.

     — Se não o ama, o que estava fazendo abraçada com ele? — inquiriu Gareth furioso.

     — Ele estava apenas me abraçando... Me confortando... — disse Louise.

     — Confortando você? Meu Deus, agora já ouvi tudo...

     — É exatamente isso — interrompeu-o Louise — Você já ouviu. Ou pelo menos já ouviu tudo que vai ouvir. E se quiser a verdade, Gareth, eu já ouvi demais você. Quero que vá embora. Você precisa ir embora — acrescentou com desespero brando. — Você precisa ir embora, Gareth, por que se não for...

     Ela se calou, incapaz de dizer mais nada enquanto seus olhos mais uma vez se transbordavam com lágrimas.

     — Meu, Deus, Louise, como você por amar um homem que...?

     — Que não me ama? — completou Louise para ele, quando, em vez de obedecer sua ordem, Gareth deu um passo determinado até ela.

     — Um homem que não merece o seu amor — corrigiu-a Gareth. — Eu sei o que você sente a meu respeito, Lou. Eu sei que você me odeia e me despreza...

     Ele se calou quando Louise deixou escapar um gritinho que misturava dor e riso.

     — Não, você não sabe — ela disse com bravura — Você não sabe como se sinto a respeito de tudo... Por que se soubesse... Gareth, por favor, eu simplesmente não agüento mais. Você precisa sair — ela implorou.

     Mas inexplicavelmente, em vez de obedecer a ela, ele subitamente estava estendendo a mão até ela para segurá-la enquanto lhe dizia, rouco:

     — Eu posso não saber como você se sente, Lou, mas certamente sei como eu me sinto, e como me sinto há muito tempo. Parte meu coração ver você desperdiçando seu amor, sua vida, com alguém que... Com um homem que... Eu sei que ele é seu primo, mas...

     — Pela última vez, Saul não é o homem que eu amo — disse-lhe Louise, tendo todo seu autocontrole finalmente a abandonado — Você é esse homem, Gareth. Você é o homem que eu amo, o único homem que eu já amei, e o único homem que eu devo amar em toda minha vida. A razão pela qual Saul estava me abraçando quando você e os garotos chegaram foi porque eu tinha acabado de contar a ele a seu respeito, e... Gareth! Gareth! Largue-me — exigiu Louise enquanto levantava as mãos para empurrá-lo com firmeza para longe dela.

     Mas era tarde demais. Além disso, Gareth claramente não tinha a menor intenção de soltá-la. Em vez disso ele estava exigindo, rouco:

     — Repita isso... Você me ama? Quando...? Quanto tempo...? Por quê...? — ele começou, e então parou, fechando os olhos e respirando fundo antes de murmurar alguma coisa que Louise não conseguiu entender.

     Quando ele abriu os olhos, Louise sentiu seu coração saltar no peito ao ver a forma como ele a estava olhando.

     — Podemos conversar depois — disse Gareth em voz tão baixa que ela automaticamente precisou se aproximar mais dele para ouvir o que estava dizendo — Neste momento há algo muito mais importante que preciso fazer... Algo mais importante e muito, muito mais agradável...

     — Gareth... — protestou Louise, mas era tarde demais. Sua boca já estava se movendo sobre a dela, e ela estava respondendo a ele. O corpo de Louise se derretia contra o dele enquanto Gareth movia a boca com mais determinação sobre a dela, língua traçando o contorno de seus lábios e então os afastando com delicadeza — Não — sussurrou Louise, mas a palavra foi mais um suave suspiro de prazer do que realmente uma negação. Foi o beijo mais longo, doce e amoroso que já conhecera, decidiu Louise enquanto Gareth prosseguia massageando seus lábios, colocando as mãos em concha em seu rosto, acariciando sua pele, coração pulsando sob a mão que ela originalmente levantara para afastá-lo e que agora permanecia enrascada possessiva na frente de sua camisa.

     Ela se sentia tonta, quase inebriada, com uma mistura de desejo e descrença, incapaz de compreender propriamente que isto realmente estava acontecendo, que ela estava aqui nos braços de Gareth, que ele a estava abraçando, beijando, amando, como se realmente quisesse fazer isso.

     — Você tem alguma idéia do quanto sonhei com isso? — Gareth estava sussurrando contra a boca de Louise — O quanto eu desejei tocar você... Beijar você... Amar você, Louise?

     — Eu achava que você me desprezava, que não gostava de mim — sussurrou em resposta — Eu desprezava a mim mesmo, não gostava de mim mesmo. Mas sempre admirei e gostei de você — sussurrou Gareth — Quando fui até a chácara na manhã seguinte, e descobri que você havia partido... No começo achei que tinha sido por que... Que eu devia... Que você tinha sido afetada pelo que acontecera, que os seus pais... Mas então Maria me disse que vocês tinham tido algum problema em casa.

     — Eu fui afetada pelo que nós fizemos. Mas não do modo que você pensou — disse Louise com honestidade, estremecendo em delicioso prazer enquanto os lábios de Gareth começavam a afagar a suave curva de seu pescoço — Eu sabia que havia gostado do que tinha acontecido. E que você tinha me feito sentir coisas, fazer coisas, que eu não tinha idéia de que podia sentir ou fazer. Mas foi apenas no Natal seguinte que eu entendi o que havia acontecido comigo. Eu havia dito a mim mesma que odiava você, que estava feliz por você não ser mais o meu orientador, e por não haver mais contato entre nós. Eu até consegui persuadir a mim mesma de que ainda estava apaixonada por Saul, que eu simplesmente havia transformado o que sentia por ele numa resposta física a você...

     — Bem, você certamente convenceu a mim — interrompeu-a Gareth enrouquecido — Você disse o nome dele quando eu...

     — Eu nem sabia que havia... Deve ter sido um reflexo protetor — disse Louise numa voz macia — Uma forma de fingir para mim mesma que você não estava... Que eu não estava... — Ela se calou, e arregalou os olhos em feroz reação quando ele correu a ponta do dedo ao longo da gola de sua camiseta, e seus seios prontamente começaram a latejar, rogando por seu toque — Da última vez em que estive em casa, Saul e Tullah estavam lá. Todos estavam me tratando com muita delicadeza, como se eu fosse uma bomba que pudesse explodir a qualquer momento. Admito que estava com muito medo de encontrar com eles, mas quando os encontrei...

     Louise levantou o rosto de encontro aos olhos dele.

     — Ele era apenas Saul novamente — disse Louise com simplicidade. — Apenas o meu primo. Não era nada mais, e eu não conseguia entender como algum dia pudesse ter pensado, sentido, desejado...

     Louise se calou por alguns instantes antes de prosseguir:

     — Bem, desde aquele nosso encontro na Toscana, tenho tido sonhos com você... Sonhos de quando eu... Nós... Eu pensava que era simplesmente porque você era a pessoa que eu... — ela se calou ruborizada, e então riu.

     — Eu era tão ingênua... Ingênua e teimosa. Eu não queria admitir a verdade para mim mesma, mas olhei para Saul e desejei tanto você... Quis tanto você...

     Enquanto a lembrança da dor enchia com lágrimas os olhos de Louise, os olhos de Gareth reluziram em amor protetor.

     — Eu estava pensando em você também — assegurou-a. — Pensando no que você estava fazendo, com quem você estava... Desejando que esse alguém fosse eu, e me condenando por ter me rendido a sentimentos que eu sabia serem perigosos.

     — Mas você não me amava quando nós... Quando você... Você não me amava. Não naquela época — protestou Louise.

     Gareth olhou bem fundo nos olhos de Louise.

     — Você tem razão. Você era mesmo ingênua. Claro que eu a amava. Você acha mesmo que eu teria sido capaz de... Que se eu não a amasse eu teria...? Você realmente acha que eu poderia ter sido tão desprovido de princípios a ponto de...?

     — Eu achei que você foi para a cama comigo porque estava com raiva de mim — disse Louise com simplicidade. — Achei que devia ver um tipo de reação masculina.

     — "Um tipo de reação masculina." — Gareth deu uma gargalhada rouca e fechou os olhos. — Oh, sim. Foi exatamente isso — assegurou-a. — Uma reação muito masculina. O tipo de reação masculina que acontece quando um homem se apaixona perdidamente. Eu quase te matei quando você me disse que estava planejando perder sua virgindade com Giovanni.

     — Bem, você deixou bem claro que não achava que essa era uma boa idéia — comentou Louise. — Diga-me, quando você se apaixonou por mim...?

     — Tudo começou certa tarde numa das minhas aulas. Você estava discutindo ardorosamente a respeito de alguma coisa. Não consigo lembrar o quê. Eu olhei para você e de repente... — ele se calou e balançou a cabeça. — Apenas aconteceu. Disse a mim mesmo para não bancar o idiota. Até lembrei a mim mesmo de todos os motivos pelos quais aquilo não podia dar certo. E então você começou a faltar às minhas aulas, mandando Katie no seu lugar...

     — Katie disse que você sabia disso.

     — Claro que eu sabia disso — ele disse amorosamente, acrescentando: — E o meu corpo também. Ele nunca reagiu a Katie da forma como reagia a você. E então, quando descobri que você estava apaixonada por outro homem... — ele fez uma pausa enquanto meneava a cabeça. — Naquele dia em que fui até seu quarto e a encontrei semi-bêbada...

     — Eu me senti tão humilhada por você ter me visto daquele jeito... — suspirou Louise. — E então você apareceu na Toscana...

     — Eu também não gostei muito. Eu tinha ido até lá na esperança de pôr as coisas em perspectiva, para colocar minhas emoções sob controle, mas em vez disso...

     — Por que você não disse alguma coisa? Por que não me disse como se sentia? — indagou Louise.

     — Como eu podia fazer isso, quando você já havia me dito que o único homem a quem poderia amar era o seu precioso Saul?

     — Em Toscana eu descobri que o que senti por Saul foi uma simples paixão adolescente. Mas depois do drama enorme que eu fiz, simplesmente não podia dar o braço a torcer. E então, quando fui para a cama com você, compreendi que você tinha razão. Eu tinha sido apenas uma garota. Mas depois da tarde que passamos juntos, eu acordei como uma mulher, e foi como uma mulher que comecei a compreender que amava você — disse Louise com suavidade — Eu não podia repetir todos os erros que havia cometido com Saul... Não podia embaraçar você e humilhar a mim mesma, fazendo todas as coisas estúpidas que tinha feito para chamar a atenção de Saul. Eu finalmente compreendia o quanto o meu comportamento havia sido egoísta e, sim, infantil. Eu agora sabia o quanto o amor adulto e verdadeiro era diferente da minha fantasia adolescente do que era amor. Eu havia acreditado que se simplesmente tentasse com muita força, eu poderia fazer com que Saul me amasse. Com você... Eu sabia que a única forma de ter o seu amor seria se você o desse de livre e espontânea vontade para mim, e sabia que você jamais faria isso...

     — Mas você estava errada, porque já tinha o meu amor — sussurrou Gareth para ela. — Oh, Lou, quando penso no tempo que desperdiçamos, nos dias, nos anos, nas noites que passamos separados quando poderíamos ter estado juntos!

     — Especialmente as noites — concordou maliciosa Louise, boca curvando nas pontas.

     Mesmo assim, as faces de Louise coraram um pouco quando ela viu a forma como ele a estava olhando.

     — Faz muito tempo — disse Gareth, rouco — E não dormi com mais ninguém desde aquela noite, Louise...

     — Também não houve mais ninguém em minha vida — disse Louise um pouco trêmula — O que você... O que nós fizemos... A forma como me senti, foi tão... Tão bom... Tão certo... Que eu não podia... Não queria... Eu tinha medo de estragar a lembrança daquilo, porque sabia que mais ninguém poderia fazer com que sentisse o que você me fez sentir.

     — Mais ninguém? — inquiriu Gareth gentilmente. — Nem mesmo Jean Claüde...?

     Louise deu uma gargalhada.

     — Mais ninguém — confidenciou. — E principalmente não Jean Claüde...

     De súbito, Gareth se virou e estendeu a mão até o telefone.

     — Gareth, o que foi? O que está fazendo? — inquiriu Louise.

     Gareth rapidamente apertou os botões do telefone e passou o braço livre em torno dela para impedi-la de se afastar enquanto começava a falar ao telefone.

     — Paul, aqui é Gareth Simmonds. Olhe, eu não vou estar disponível nos próximos dias... Um assunto familiar urgente. Sim... Bem, o comitê não fará mais nenhuma reunião até o mês que vem, eu sei... Você pode dar uma olhada em minha agenda e cancelar todos os meus compromissos para a próxima semana? E a propósito, você pode telefonar para o aeroporto e reservar dois lugares para mim no primeiro vôo disponível para Pisa? Vou lhe dar um número para o qual você poderá ligar de volta para mim — acrescentou rapidamente, dando o número de Louise.

     Então ele pousou o telefone de volta base sem dizer uma só palavra.

     — Toscana — disse Louise, olhos começando a reluzir.

     — Toscana — concordou Gareth.

     — Mas Pam...

     — Sem "mas". Pam vai conseguir se virar sem você por alguns dias — informou-a Gareth, e então gemeu enquanto acrescentava, malicioso: — Eu não sei como eu vou conseguir manter minhas mãos afastadas de você até termos chegado à chácara... Você sabe, teremos de enfrentar um longo passeio de duas horas do aeroporto até lá.

     — A chácara... Mas ela pode não estar vazia, e você...

     — Se não estiver vazia, irei subornar o hóspede para que vá embora — informou com determinação Gareth. — E, além disso... A chácara da minha família está vazia no momento. Pode não ser exatamente a mesma...

     — A chácara da sua família? Com a piscina... = Louise o interrompeu — A piscina na qual vi você nadando naquele dia em que o Fiat quebrou...?

     — Isso... Exatamente a mesma.

     Louise fechou os olhos e deixou escapar um suave e feminino suspiro de prazer.

     — Eu quero ir lá — ela disse alegremente. — Ah, sim, eu quero ir para lá, Gareth. Eu quero ir para lá... Por favor...

     — É claro... Mas por quê...?

     Um pequeno sorriso curvou sua boca enquanto, curvando-se para frente, ela sussurrou para ele:

     — Por que foi lá onde compreendi pela primeira vez que você era um homem muito, muito sensual. E foi lá onde, quando eu o vi saindo da piscina vestido com aquele calção, não pude deixar de pensar como ficaria sem ele. Foi lá onde...

     — Certo, certo. — disse Gareth com suavidade — Entendo perfeitamente.

     — Então...? — perguntou Gareth preguiçosamente a Louise, sorrindo sensualmente para ela enquanto se inclinava sobre sua espreguiçadeira para acordá-la com um beijo.

     — Então, o quê? — ela perguntou a ele, sentando na espreguiçadeira para aceitar o drinque que ela lhe trouxera.

   Eles haviam chegado à chácara na madrugada anterior. Louise quisera ir direto para a cama, mas Gareth objetara.

   “Vamos esperar até a tarde”, sugerira significativamente, e, com uma pontada de excitação sexual, Louise concordara.

     Tinha valido a pena esperar por ele, e hoje o corpo de Louise estava relaxado e pleno de satisfação sensual.

     — Então, eu fico tão bem sem calção quanto você esperava? — provocou-a Gareth.

     Louise riu.

     Na noite anterior Gareth a persuadira a nadar nua com ele, e depois eles haviam feito amor ao lado da piscina num emaranhado de membros úmidos e toalhas quentes e macias.

     — Tão bem quanto eu esperava — confirmou Louise — Mas você pode tentar me provar isso sempre que quiser — acrescentou provocante.

   — Bem, eu quero isso — assegurou-a Gareth.

   — Espero que tudo dê certo com Jack — murmurou Louise, franzindo um pouco o cenho enquanto pensava em seu primo mais novo. — Acho que todos nós temos culpa de não ter percebido o quanto ele foi afetado pelo desaparecimento do pai.

   — Deve ter sido realmente muito difícil para ele — concordou Gareth. — Mas você lidou muito bem com a situação. Você vai ser uma excelente mãe, Lou...

   — Mas não ainda — ela disse — Ou pelo menos não até estarmos casados.

   — Não, não até estarmos casados. Com essa sua cor de pele, você será uma noiva de inverno adorável...

     — Um casamento no inverno... — murmurou Louise.

     — Eu preciso lhe avisar que tenho pelo menos uma dúzia de sobrinhas que vão querer ser damas de honra...

     Louise soltou uma risadinha.

     — Você está exagerando!

     — Certo, quatro — corrigiu Gareth. — Você quer casar comigo, não quer, Lou? — ele perguntou, rosto e voz subitamente muito sérios.

     — Oh, sim — assegurou-o Louise, voz completamente rouca. — Sim, Gareth. Sim... Sim... Sim... — ela completar, enquanto ele se deitava sobre ela, e a espreguiçadeira balançava perigosamente sob seu peso combinado.

     — Louise vai se casar com Gareth Simmonds — informou solenemente Joss à sua bisavó Ruth. Ele estava sentado na sala de visitas de Ruth, comendo as broinhas que ela acabara de assar.

     — Que bom — ela disse, sorrindo sobre a cabeça de Grant, seu esposo americano. Eles estavam casados há poucos anos, embora seu amor remontasse há várias décadas.

     — Gosto dele. Ele é compreensivo — disse Joss seriamente. — Ontem, quando fui visitar o vovô, Maddy estava chorando de novo. Por que Max tem de ser tão cruel com ela?

     Ruth suspirou enquanto olhava para ele.

     — Joss, temo que esse simplesmente seja o jeito do Max — informou-a com tristeza ao bisneto — Algumas pessoas são assim, e quando são, acho que só um milagre pode mudá-las.

     — Mas milagres acontecem — afirmou Joss. — Veja o que aconteceu com você e tio Grant.

     — Sim, milagres acontecem — concordou Ruth.

     — Espero que um aconteça com Max, pelo bem de Maddy — acrescentou Joss.

Ruth olhou com calma para ele.

     — Joss, eu não alimentaria minhas esperanças sobre isso — ela o alertou. — Não no que diz respeito a Max.

     — Eu ainda não consigo acreditar — disse Katie à sua irmã gêmea, balançando levemente a cabeça — Você e Gareth apaixonados e prestes a se casar...

     — O que mamãe acha mais difícil de acreditar é que vou me sujeitar a todo o cerimonial, incluindo vestido e damas de honra — informou Louise.

     — Vamos nos casar na semana do Natal, e passar o Natal em casa com a família. Depois passaremos o Réveillon na Escócia, com a família de Gareth, antes de sairmos em lua-de-mel.

     Katie estava em Bruxelas com Louise, e Gareth prometera levá-los para o jantar.

     — Você gostou da família dele? — perguntou Katie à sua gêmea.

     — Sim! — confirmou Louise com entusiasmo — Katie, uma parte de mim ainda não consegue acreditar. Eu me sinto tão... Tão especial... Tão... Tão afortunada... Tão...

     — Tão amada? — sugeriu Katie em tom muito sério.

     Louise franziu a testa. Teria percebido certa tristeza na voz e nos olhos de sua irmã gêmea? E em caso positivo, por quê?

     — Katie... — ela começou, mas sua irmã já estava se levantando e recolhendo suas taças de vinho vazias.

     — São seis da tarde — Katie alertou Louise. — Precisamos começar a nos arrumar, para quando Gareth vier nos pegar às sete e meia.

     — Você estará lá, não estará? — inquiriu Louise enquanto a seguia até a cozinha — No casamento, quero dizer... Nada de viagens de última hora para o cafundó de Judas para inspecionar algum plano de irrigação ou qualquer coisa assim...

     — Lou, eu inspeciono documentos, não planos de irrigação — Katie lembrou a irmã — E, sim, eu estarei lá.

     Katie agradecia a Deus por ter estado sozinha quando recebera o telefonema de Louise, quando sua irmã lhe contara, entusiasmada, que ela e Gareth iam se casar. Louise atribuíra seu silêncio ao fato de que ela estivera muito surpresa com as notícias... Bem, ela realmente ficara surpresa, mas...

     Louise não era a única capaz de sucumbir a um amor não correspondido. Não que Katie tivesse em qualquer momento imaginado que Gareth poderia sentir algo por ela, mas ela também jamais suspeitara que ele estivera realmente apaixonado por sua irmã gêmea.

       Em todo caso, os sonhos tolos que ela nutrira agora estavam destruídos, juntamente com todas as outras coisas que pertenciam à sua infância e ao seu passado. E, sim, é claro que ela iria comparecer ao seu casamento, e ela iria sorrir para eles e com eles. Como não poderia? Como não poderia ser feliz por sua irmã? E como não poderia lamentar um pouco por si própria?

       — Nós jamais ficaremos sozinhas, Katie — prometera Louise — Nós sempre teremos uma à outra.

     Mas Louise estivera errada, e agora ela estava sozinha.

     Sozinha, solitária e sofrendo.

     — Acredita que Gareth realmente soube desde o começo que você estava comparecendo às aulas dele no meu lugar? — comentou alegremente Louise enquanto Katie lavava sua taça — Ele podia notar a diferença entre nós duas porque me amava...

     — Sim, você me disse — comentou Katie em voz neutra, mão tremendo um pouco enquanto pousava a taça limpa.

     — Eu te amo muito, Katie — disse Louise à sua irmã — Eu só quero que você... Eu só quero que você seja tão feliz quanto eu. Quero que você tenha alguém para amar e que a ame.

     — Estou feliz como estou — disse Katie, e prometeu a si mesma que um dia, muito em breve, isso seria verdade.

 

                                                                                Penny Jordan  

 

                      

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