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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O AMOR DE UM SHEIK / Jane Porter
O AMOR DE UM SHEIK / Jane Porter

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

O AMOR DE UM SHEIK

 

Forçar uma garota a se casar com alguém vinte anos mais velho?

Arrancá-la de casa e atravessar o oceano Atlântico? Isolá-la da família até que se curve à vontade do pai? Ah! O sheik Kalen Tariq Nuri já vira pior!

Kalen afastou o copo de martini e pôs-se pensativo. Ele estava em Nova York fechando um grande negócio e agora jantava em comemoração com sua alta cúpula. Como sempre, Kalen tinha o que queria.

Passando a mão na borda do copo vazio, Kalen sentiu um súbito desejo. Desejo de predador. O sheik estava pronto para caçar. Para perseguir. Atacar.

Havia coisas piores do que forçar uma jovem a se casar. Traição. Assassinato. E a revelação de uma trama para o assassinato do Sultão de Baraka e de seus filhos, sobrinhos de Kalen.

Os olhos se estreitaram de raiva. Ninguém tocava em sua família! Ninguém! Nem mesmo Ornar al-Issidri, chefe de gabinete de seu irmão.

Descobrira que Ornar tinha planos grandiosos para consolidar o poder em Baraka casando sua filha com Ahmed Abizhaid, um fundamentalista radical. Que também era um dos críticos mais ferrenhos do Sultão.

Juntos, Ornar e Ahmed poderiam destruir os Nuri. Mas o Sultão Malik, nobre e honesto, recusava-se a acreditar que Ornar fosse perigoso.

Kalen apertou o copo de martini. O casamento entre Keira al-Issidri, a jovem de vinte e três anos, e Ahmed Abizhaid não poderia acontecer. A união daria a Ahmed respeitabilidade e acesso ao palácio, além da proximidade ao Sultão. Motivo para Kalen não querer que o casamento se realizasse.

Mas alguém cometeu um erro. E isto o enfureceu. Estragou tudo.

A menos que Kalen fizesse algo imediatamente para a cerimônia não acontecer...

 

 

Ela começaria tudo outra vez, se pudesse. Gostaria de voltar àquela noite. Na festa. Aos dezesseis anos.

Se não tivesse desobedecido ao pai... Se não tivesse ido aonde boas garotas de Baraka não devem ir...

Porém já fazia anos e agora Keira segurava o telefone, nervosamente.

— Não vou me casar com ele. Não posso, papai! Ornar al-Issidri respirou impaciente.

— Impossível é você já ter vinte e três anos e continuar solteira!

Em Baraka, as moças se casavam jovens, mas ela não era baraquense. Nem inglesa — apesar de ter passado a maior parte da vida em Manchester com a mãe, uma intelectual.

— Ele é um homem notável, Keira. Poderoso, influente...

— Não importa.

— Keira... É importante para todos nós. Precisa se casar. Sidi Abizhaid a escolheu.

Seu pai não ouvia nada que dizia. Segundo sua mãe, ele nunca ouvia ninguém, ao menos mulheres, uma das razões por tê-lo deixado.

Keira esfregou a testa. O pai não fazia a menor idéia do quanto ela se tornara ocidental, desprendida do véu do Oriente Médio.

— Moro em Dallas, papai. Tenho um emprego. Tenho amigos maravilhosos, que se importam comigo...

— Mas não tem marido.

— Não quero um marido! Mal terminei meus estudos, nem comecei a firmar minha carreira!

— Carreira?

— Sim. Eu quero uma carreira. Sou inteligente, sabia?

— Isso é coisa de sua mãe. Eu jamais deveria ter permitido que ela a levasse do país.

Tomada pela raiva, Keira mordeu a língua. Seus pais usaram-na em joguinhos de guerra pessoais.

— O casamento é uma honra — disse o pai. — E um bom casamento trará honra a todos nós.

— Não tenho vontade de casar — repetiu ela, com a voz sufocada. — E algo que jamais quis.

— Mas você é minha única filha, meu futuro.

— Não!

— Não me envergonhe, Keira al-Issidri! — O alerta foi claro e, ao sentir a frustração do pai, não havia nada a fazer. Não podia ser ela mesma em Baraka.

Ela olhou para o relógio e percebeu que já era tarde. Sentiu uma ponta de pânico ao lembrar do trânsito.

— Preciso ir. Não posso me atrasar para o trabalho.

— Trabalho? Domingo de manhã? Mais uma coisa que o pai não sabia.

— É, eu danço.

Silêncio profundo na linha. Seu pai jamais aprovara as aulas de balé. Quando ela fez doze anos, ele quis que as aulas parassem. Mas ela não o fez. Filha dele não vestiria uma roupa indecente daquelas em público.

E, incrivelmente, foi a mãe, sempre tão desafiadora e liberal, quem fez Keira parar de dançar. É melhor você não provocar seu pai. Ele não é como nós.

Após oito anos de aulas diárias de balé e de disciplina intensa, ela abandonou as aulas. Assim.

— Achei que havia parado com a dança — disse o pai.

— Bom, eu realmente preciso ir — desconversou ela. Encontrara a paz na América e de forma alguma voltaria a Baraka.

Baraka era bela e a mistura cultural de berberes, beduínos, árabes e europeus gerou um cenário fascinante de línguas e costumes. Porém, lá as mulheres ainda eram segregadas e ela passara tempo demais na Inglaterra e na América para voltar a viver assim.

— Keira, você não pode ignorar sua responsabilidade.

— Desculpe, mas não acredito em casamentos arranjados.

Silêncio sepulcral. Ornar al-Issidri finalmente falou.

— Vinte e quatro horas, Keira. É tudo que lhe dou.

— Não.

— Não estou pedindo. Estou mandando. Voltará dentro de vinte e quatro horas ou irei buscá-la. — E desligou.

Ornar não podia estar falando sério. Não podia pensar em arrastá-la para casa...

Ela pegou a bolsa e seguiu até o carro. As mãos tremiam ao volante. Casar com alguém sem conhecer? Casar com um figurão de Baraka só porque o pai queria?

Com um olho no trânsito e outro no celular, ela digitou o número de Ornar.

— Está falando sério? — perguntou, assim que ele atendeu. — Nunca morei em Baraka. Não visito há sete anos...

— Ainda assim é daqui. Tenho sido paciente. Deixei que concluísse os estudos nos Estados Unidos, mas você já terminou e é hora de voltar.

— Baraka não é minha casa! — Ela reduziu a marcha e parou o carro, para entrar na rodovia, rumo ao estádio de futebol americano.

— Você nasceu em Atiq, passou sua infância aqui.

— Até meus quatro anos. — Sim, ela podia ter nascido na cidade costeira de Atiq, mas era inglesa, não baraquense!

Detestava a viagem à casa do pai, no verão. A visita anual se tornou cada vez mais tensa quando entrou na adolescência. Cada ano representava menos liberdade, chances menores de ser ela mesma. Em vez disso, o pai estava decidido a moldá-la na perfeita mulher de Baraka: bela, talentosa, calada...

— Jamais voltarei — disse ela, em inglês, depois mudando para o árabe. — Prefiro morrer!

Por um longo tempo Ornar não disse nada, depois a voz saiu fria.

— Tenha cuidado com o que deseja. — E desligou. Novamente.

Qmar al-Issidri ficaria muito chateado em saber como a filha passava seu tempo livre.

O sheik Kalen Nuri olhava as belas moças correndo pelo túnel escuro do estádio, rumo ao campo, para a exibição do intervalo. A música saía pelos alto-falantes e Kalen olhava seus braços e pernas esguias, shortinhos brancos, botas até o joelho, a dança em evolução. Chutes altos. Quadris rebolando, ombros balançando, seios idem.

O olhar do sheik varreu as fileiras de lindas jovens até chegar à morena da fileira de trás, com seus longos e sensuais cabelos. Keira al-Issidri. Filha de Ornar.

Os lábios de Kalen se comprimiram. O que Ornar faria se soubesse que a filha balançava muito mais que os seus pompons, diante de sessenta mil pessoas? Keira al-Issidri estava seriamente encrencada.

Era final de setembro, pensou Keira, mas parecia ser o dia mais quente de verão. No meio da grama, sob o sol texano, a cabeça da moça girava enquanto dançava. Estava passando mal.

Seu pai tinha dinheiro. Muitos contatos. Era braço direito do Sultão. Se a quisesse em casa, teria.

Com o peito apertado, Keira tentava se concentrar na dança, porém não conseguia esquecer a voz do pai. Erguendo o rosto, deixou que os raios dourados lhe banhassem e tentou deter o mal-estar que pulsava em seu cérebro.

Horas após o jogo, Keira estava debruçada sobre a grade de uma cobertura, segurando um copo de vinho que não bebia. Não quisera vir à festa, não estava num clima sociável, mas um dos donos do time a convidara, pois um convidado importante estava na cidade e esperava vê-la na festa dedicada a ele.

O dono do time — também seu patrão — raramente lhe pedia algo. Portanto, Keira foi, contrariada.

Estava na varanda, abençoadamente escura, olhando as luzes de Dallas, tentando relaxar. Mas a ameaça do pai irrompia em seus pensamentos.

Aonde poderia ir afinal? Seu pai servia o Sultão de Baraka há quatorze anos — quase todo o reinado. Tinha poder, contatos, riqueza. Intimidava os que cruzavam seu caminho. Quem a ajudaria, sabendo que seu pai era Ornar al-Issidri?

Não deveria ter vindo. A música era pesada e alta demais. As pessoas, diferentes demais. A noite estava quente demais.

Apertando o copo, ela respirou fundo, repetidamente. Calma, pense, calma. Nada de mal irá acontecer. Está tudo bem.

Fazia anos, mas ela ainda detestava festas. O calor, o barulho e o encanto movido a álcool a enervavam. Pode-se tentar fugir do passado, pensou ela, porém ele acaba voltando.

— Não pule! — Uma voz masculina, em tom debochado falou atrás dela. O sotaque era diferente — talvez britânico.

— Não tenho a menor intenção de pular — respondeu ela, continuando a olhar para o horizonte.

— Mesmo estando desesperadamente encurralada?

Ela ignorou a onda de adrenalina.

— Meio presunçoso, não acha?

— Não, sabendo tanto quanto eu sei sobre você. Ela não gostou do tom, nem da pose arrogante.

Homens convencidos eram péssimos. E, se por um lado seu instinto de sobrevivência lhe dizia para correr para dentro, ela não lhe daria o prazer de vê-la fugir feito um coelho assustado.

— Desculpe, mas essa conversa não me interessa — disse ela.

— Então, o que interessa, Lalla Keira al-Issidri? Árabe. Árabe baraquense!

Ele conhecia seu pai. Chamou-a de Keira al-Issidri! Lentamente, ela se virou, no entanto, a sombra encobria a varanda.

— Quem é você?

— Um amigo da família.

Seu pai mandara alguém. Nem havia esperado vinte e quatro horas. Nem oito horas!

— O que quer?

— Dar-lhe opções.

Ela não confiava em homem algum, muito menos um de Baraka.

— Como assim?

— Acho que entende.

Algo nele a deixava com os nervos à flor da pele; havia uma familiaridade que não caía bem.

— Venha até a luz — ordenou ela. — Quero vê-lo.

— Por quê?

— Quero ver o covarde que gosta de intimidar mulheres.

— Nesse caso... — ele saiu da sombra em direção à luz.

Os olhos dela arregalaram-se de susto.

— Talvez a sombra seja melhor — ponderou ele, afastando-se novamente, caminhando na direção dela.

— Sim. Assim você pode fazer o que quiser.

— E o que quero fazer? — ele parecia muito intrigado.

Arrastar-me de volta a Baraka.

— Ah...

Aquilo tudo pareceu estranhamente belo, sedutor.

Ele parou próximo e se encostou à grade. No escuro, com a ajuda da lua, Keira tentava enxergar seu rosto. Sob a luz, ela viu o reflexo das sobrancelhas negras, as maçãs do rosto saltadas e o maxilar pronunciado. Os traços eram familiares. Familiares demais, apesar de tanto tempo desde... Ela fechou os olhos, evitando a lembrança embaralhada com a desilusão e a dor. Nenhum sonho deveria ser interrompido tão brutalmente.

Keira abriu os olhos. Sentia-se desconfortável.

— Meu pai sequer esperou vinte e quatro horas. Mentiu para mim!

Um instante de silêncio. Depois, ele disse:

— Não sou emissário de seu pai.

Ela mal conseguia respirar. Um estranho terror a tomava.

— Então, quem é você?

— Não se lembra de mim?

O homem perguntou tão suavemente que seu coração parecia que ia saltar. Keira sabia quem era, desde o instante em que ele falou, mas não queria acreditar. Não, depois de todos esses anos.

— Estou certa de que se lembra de mim — acrescentou ele.

— Volte à luz!

— Está sendo tola.

Acabou riscando um fósforo e ela o viu. Claramente. E encarou o rosto diante de si, decidida a ver o que evitara antes.

O fósforo apagou. Keira desviou o olhar, enfraquecida. Queria sacudir a cabeça, afastar o sentimento que ardia dentro dela.

Poderia esquecer tudo, menos os olhos de cor âmbar dele. Olhos que não sorriam. Olhos que sabiam apenas penetrar até o coração, até a alma.

Ninguém tinha olhos assim. Ninguém, exceto Kalen Nuri.

Lágrimas surgiram e ela agarrou a taça de vinho. Ela fora tão apaixonada... Que paixão idiota...

— Sheik Nuri... — ela sussurrou seu nome, incapaz de olhá-lo.

— S-salamu alikum — respondeu Kalen, cumprimentando-a com a tradicional saudação baraquense "Paz em você".

Kalen Nuri estava ali! A apenas meio metro de distância. O choque socou-lhe o peito, deixando com os nervos tensos, cambaleante. Fazia anos que o vira pela última vez.

— Não precisa mentir, dizendo que meu pai não o enviou. — As palavras foram cheias de raiva.

Ele deu de ombros.

— Posso lhe dizer a verdade. Mas fica a seu critério ouvir.

— Quero a verdade.

— Sei o que seu pai pretende para você.

Kalen não perdeu tempo. Foi tão direto que a moça nem teve como desviar o olhar e, enquanto o observava, as coisas mais loucas se passavam dentro dela.

— Meu pai trabalha para seu irmão. O sheik fez um gesto para detê-la.

— Seu pai trabalha para si mesmo.

— Você não confia em meu pai?

— Não. E você confia em seu pai?

— Ele é meu pai.

— Ingenuidade da juventude!

— Ingenuidade?

— É uma palavra mais gentil que estupidez. A onda de ira não ajudava em nada.

— O que você quer?

— Como eu disse, dar-lhe opções. Ela não disse nada, apenas o encarava.

— Você não precisa se casar com o Sr. Abizhaid — explicou Kalen.

— Mesmo? E o que há de errado com Ahmed Abizhaid?

— Ele é velho, peludo e gordo.

— E daí?

— Tem filhos do primeiro casamento que são mais velhos que você.

Keira não disse nada.

— Ele é conhecido por seu fanatismo. Continuou sem falar.

— E tem ambições políticas questionáveis. — O sheik ergueu as mãos, expondo os fatos. — Mas, se isso é atraente... Não é atraente e sabe disso. Precisa de minha ajuda.

— Não quero a sua ajuda. — Ela não queria nada de homem algum. Um dia confiara em um, mas não era mais a garota boba do passado.

— Será muito prejudicada, se não me deixar ajudar. Ela não conseguiu responder. O terror se alojara.

Conhecia a vida limitada das mulheres de Barakas Não suportaria. Havia concluído a universidade com louvor, fora contratada como diretora de comunicação da Sanford Oil & Gas, multinacional sediada em Dallas. Viajou, trabalhou, foi bem-sucedida. Muito além de suas expectativas.

Não, não. Não teria sua liberdade roubada.

— Não moro em Baraka desde meus quatro anos — disse ela.

— Seu pai já mandou gente. Keira ficou gelada.

— Há três homens aguardando em sua casa nesse exato momento. Não irão embora sem você.

— Então, não irei para casa.

— Seu pai tem recursos infinitos. Irá encontrá-la onde quer que vá.

— Não.

— Sim. E você sabe que é verdade.

Estava certo. Ela sabia. Seu pai conseguia o que queria. Sempre.

— Encare a verdade, Srta. Al-Issidri. Sou eu. Ou eles. Escolha.

 

Escolher? Seu pai ou ele?

— Não vou fazer joguinhos, Sheik Nuri.

— Pode não jogar, mas seu pai vai. Os homens estão esperando em sua casa. Vá para lá e será deles.

— Por que eu deveria acreditar em você?

— Por que eu mentiria?

Kalen parecia sensato e, no entanto, nada fazia sentido. Ela não morava em Baraka há tempos. Tivera pouquíssimo contato com o pai nos últimos sete anos. Por que a obrigaria a um casamento arranjado?

E quanto aos planos do Sheik Nuri? Tinha a ver com negócios, pensou ela.

— Você tem sérios motivos para estar aqui, não? — perguntou ela, dando uma olhada na festa, em pleno vapor. O Sheik Nuri era um dos homens mais ricos do mundo. Era o convidado especial. Era a razão pela qual seu chefe a queria ali.

— Sim.

— Você me queria aqui hoje, não é?

— É o único motivo por eu estar aqui. Vamos ao que interessa?

Ela voltou a se sentir com dezesseis anos. Perdidamente apaixonada por um homem dez anos mais velho, sabendo que suas vidas eram muito diferentes e, mesmo assim, querendo fazer parte de seu mundo.

— O que interessa? — repetiu ela.

— Os invasores de sua casa.

Sheik Nuri tinha um carro aguardando.

Calma! Nada de ruim irá acontecer... Você está apenas pegando uma carona para casa...

Mas não deveria ter deixado seu carro no estádio. Não deveria estar tão perto de um homem que não sabia se ainda conhecia...

Eles seguiram em silêncio, depois Kalen abriu a janela.

— Estamos quase em seu bairro, não estamos? Keira viu as luzes do bairro. Na frente dos quintais, havia murtas em flor. Sinal da primavera.

— Sim. — Ela riscou o vidro com a ponta do dedo. Adorava a sua casinha, amava a idéia de ter algo só seu que ninguém pudesse lhe tirar.

E, de repente, lá estavam eles, chegando à tranqüila rua.

— Sua casa? — perguntou ele, desacelerando, parando o carro.

— Sim — o coração estava apertado. Sua liberdade teria acabado? Ela virou a cabeça e olhou para Kalen Nuri. — Diga que não é um emissário de meu pai.

— Não sou emissário de seu pai.

Ela notou o tom de deboche na voz e o esforço que fazia para estar ali sentado. Não havia nada de rude nele, apenas algo que ela não conseguia decifrar...

— Você falou com meu pai? — insistiu ela.

— Não. — Ele quis sorrir. — Não há muita afeição entre mim e seu pai. É obrigado a me tolerar porque sou irmão de Malik, mas eu o detesto. E ele sabe. Aliás, estou aqui porque Ornar vai odiar.

Ela ouviu em silêncio, porém não havia nada de calmo naquela noite. Tudo tremulava de tensão. Ficar perto dele assim, conversando, fazia sua cabeça girar.

— Você disse que eu teria de escolher ou eles ou você.

— Sim.

— Por que essas são as minhas únicas opções?

— Porque quem mais a escolherá acima de seu pai? Quem mais irá virar esse mundo evitando esse casamento?

Algo não estava batendo.

— Eu não quero um homem. Não preciso.

— Querer e precisar são coisas diferentes. Pode não me querer, mas precisa de mim, Srta. al-Issidri. Há coisas piores do que aceitar a minha proteção.

— Ser forçada a voltar e casar com o Sr. Abizhaid? — a moça deu uma gargalhada. — Acho melhor cuidar das coisas do meu jeito — disse ela, pegando a maçaneta. — Destranque o carro. Vou descer.

Keira ouviu as portas destravarem.

— Você sabe que tem visita lá dentro — respondeu ele, calmamente.

Ela olhou e não viu nada, só a luz que sempre deixava acesa quando chegava tarde.

— Não vejo ninguém.

— Não vão pendurar um aviso de boas vindas, laeela.

Laeela. Querida, amor. Um termo árabe carinhoso. Ninguém jamais a chamara de laeela. Ela abriu a porta e saiu.

— Obrigada pela carona, Sheik Nuri.

A porta do carro abriu novamente, assim que Keira a fechou.

— Você precisa de minha ajuda.

— Não! Preciso é do meu carro. Se realmente quer me ajudar, traga-o do estádio.

Ele riu baixinho.

— Realmente pensa que irá trabalhar amanhã? Havia perigo na voz, um suave alerta.

Apesar da roupa alinhada e dos caríssimos sapatos de couro, ele era um homem com o sol e o vento do deserto nos olhos. Mais berbere que ocidental. Um sheik, não um europeu.

Kalen era tudo que ela não conhecia. Keira se virou, deu um passo hesitante em direção à casa, depois saiu correndo até a porta. Esta se abriu tão bruscamente que a moça mal teve tempo de assimilar o homem em pé na soleira, antes que ele abrisse os braços e a agarrasse. Ela nem teve tempo de gritar.

Keira virou a cabeça e olhou na direção da entrada e o Sheik Nuri estava lá. Olhando.

Se alguém pudesse ajudá-la. Se alguém... Lute, Keira, lute! E ela finalmente gritou. Não morreria, não se reduziria a pó outra vez.

O medo a transformara em um cavalo endemoniado, dando coices. O pânico deu lugar ao ódio. Ela não seria machucada e seu corpo ganhou vida, cotovelos acertando costelas, pés mirando joelhos.

— Largue-me! Ponha-me no chão agora, não vou fugir!

E continuava chutando, sabendo que atingira seu agressor, pois ouviu um gemido atrás dela.

O desespero tomou-lhe a mente. O Sheik Nuri poderia parar aquilo, poderia ajudá-la. Disse que ajudaria.

— Kalen, Kalen, me ajude!

Foi o bastante. Era tudo que ele precisava.

— Solte-a. — A voz furiosa do homem rasgou o ar. O homem que segurava Keira congelou.

—Sua Majestade...

— Solte-a! — o Sheik Nuri repetiu, falando em baraquês. Foi a ordem de um membro da família reall Nuri. Sua autoridade era incontestável.

— Mas, Sua Majestade, fomos enviados para levá-la para casa.

— Atreve-se a levar minha mulher?

O silêncio ensurdecedor pairou. Toda a movimentação cessou e o falatório calou. Até Keira ficou mais calma.

— Sua mulher? — perguntou o homem que segurava Keira.

— Minha mulher — a voz de Kalen ecoou como um trovão.

Keira foi posta no chão. Ao ser solta, ela foi para o lado do Sheik Nuri.

— Agora al-Issidri está sob minha proteção.

— Mas fomos mandados para buscá-la — um outro homem falou. — Ornar al-Issidri foi muito claro.

— Deixe-me ser tão claro quanto ele — respondeu o sheik, debochando. — Ela é minha.

Kalen olhou para Keira e ela sentiu um arrepio de calor e medo.

— Keira al-Issidri é minha mulher. Ela me pertence — acrescentou o soberano.

E os três se foram.

Mágica, pensou Keira, enquanto os homens entravam no carro e partiam. Kalen podia muito bem ter sido um mágico da época de Merlin e do Rei Arthur.

Por um instante nenhum dos dois falou. Keira não fez qualquer esforço para puxar conversa. Mas o silêncio dele não era tranqüilo.

— Então, começou! — disse o Sheik Nuri, quebrando o silêncio.

Ela desejou ser tão inocente quanto ele a julgava. Porém, Keira sabia exatamente o que ele quis dizer.

Que acontecimento! O Sheik Nuri acabara de desafiar seu pai publicamente. E Kalen podia fazê-lo, pois era o terceiro no trono, depois do irmão e dois sobrinhos.

Keira pôs a mão sobre a testa, sobre a dor que se instalara ali. Acabara de rejeitar o pai. Aceitara a proteção de Kalen Nuri.

— Preciso ligar para o meu pai — disse ela, com uma voz rouca.

— Tenho certeza de que ele já sabe.

— Bom, preciso ao menos tentar falar com ele. Kalen Nuri a encarou.

— Afinal, ele é meu pai — acrescentou ela, na defensiva.

— E de que servirá a ligação?

Keira não respondeu e Kalen pegou-lhe o queixo, erguendo seu rosto.

— O que pensa em conseguir? — repetiu ele, impacientemente. — Se seu pai pretendesse ouvi-la, já a teria ouvido.

Keira detestava o que ele dizia por estar certo.

— Seu pai ia usá-la para alcançar suas ambições políticas! — acrescentou Kalen, rude. — Para um homem como seu pai, você é apenas um objeto a ser usado, barganhado.

Cada palavra era pior. Feria.

— Mas você é igual, não é mesmo, Sheik Nuri? Você também está me usando, para se vingar de meu pai. Ao menos seja homem para admitir!

Ela ouviu seu suspiro diante do insulto.

— Falta-lhe o bom senso e a língua discreta de uma mulher de Baraka. Mas acho que você merece um baraquense como marido. Um que lhe ensine humildade e o mínimo de autocontrole.

— Desculpe, mas há coisas que não podem ser ensinadas...

— Aí que se engana, laeela. Tudo pode ser ensinado. Só é preciso o professor certo. — Uma faísca brilhou nos olhos dele. — E você precisaria de um professor paciente, além de bom.

Os lábios dela se abriram em um misto de prazer e dor.

— Eu não quero um homem. — Ela estava desesperada. Sentira tantas coisas por Kalen Nuri. — Jamais desejarei um homem.

— Desejará, quando conhecer o homem certo. Ele lhe lançou um olhar demorado.

— Nunca!

— Houve um... Muito tempo atrás.

Keira fechou os olhos, escondendo o sobressalto. Ele estava blefando.

Kalen acariciava sua pele suavemente, do queixo até a orelha.

— Há sempre um homem certo que pode transformar uma menina em uma mulher.

Ofegante, Keira se afastou.

Isso não podia estar acontecendo. Ela entrou na casa, tentando se distanciar, mas Kalen a seguiu. A moça ouviu a porta da frente bater e ser trancada. Estavam sozinhos lá. Keira ficou com os nervos à flor da pele.

— Arrume uma mala — disse Kalen, encontrando-a no corredor, à porta de seu quarto. — Precisamos partir logo.

Fazer mala. Partir. Ele era assustador.

— Eu não posso simplesmente ir embora. Tenho emprego, responsabilidades...

— Você me escolheu, lembra?

Sua amável pergunta a calou. Ela não sabia o que fazer, ou dizer. Nada lhe vinha à cabeça. Nada fazia sentido.

Pegou algumas roupas nos cabides, saias, blusas, calças e colocou tudo na mala. Voltou alguns minutos depois, em silêncio. Ele olhou a mala, a bolsa na mão e o casaco no braço.

— Bom, vamos?

No banco traseiro do carro, ela se sentou o mais longe possível dele. Nada foi dito. O motorista já tinha direção.

— Para onde estamos indo? — perguntou ela.

— Londres.

— Londres?

— Aquela cidade grande, na Inglaterra.

Anos antes, ela teve uma queda por Kalen Nuri e até se imaginou apaixonada por ele. Kalen dominou cada sonho seu. Agora ela estava horrorizada em gastar os pensamentos com ele.

— Você não é nada divertido.

— Algum homem é?

Kalen riu baixinho, por ela não responder.

— Você é uma daquelas que odeia homens, não é?

— Como você é óbvio, Sheik Nuri.

Ele riu outra vez, dessa vez mais rudemente que a primeira.

— Será interessante ter você sob a minha proteção.

— Eu mudei de idéia.

— Tarde demais. Você está no meu carro, sob meus cuidados.

— Pare o carro.

— Você vai, pois você, Keira al-Issidri, não pode parar o que começou. Já começou. Isso. Nós...

— Não! Eu não sabia o que estava fazendo!

— Na hora, sabia. Sabia que era eu, ou eles. Você me escolheu.

Keira mal podia respirar. Tente outra tática, dizia uma pequena voz dentro dela.

— Não que eu não seja grata por sua preocupação, Sheik Nuri, mas tenho vinte e três anos. Moro em Dallas, tenho emprego, e vou para Londres! É impossível!

Kalen Nuri não disse nada. O carro prosseguiu pela rodovia. Keira sentiu a liberdade se esvair.

— Você é quase tão ocidental quanto eu, Sheik Nuri. Viveu em Londres por, pelo menos, quinze anos. Não trataria uma inglesa dessa forma, trataria?

— Sim, se ela me fizesse uma promessa.

— Eu não fiz nenhuma promessa!

— Fez, sim. Disse meu nome, me pediu ajuda, e eu ouvi. Ofereci-lhe a minha proteção.

— Sou adulta, Kalen...

— Viu? Kalen. Você me chamou na frente de sua casa. Usou meu primeiro nome, como fez agora. Ajude-me, Kalen. — O olhar do Sheik Nuri se estreitou, em uma mistura curiosa de solidariedade e contentamento. — Se é adulta, Keira al-Issidri, não banque a criancinha.

— Não se trata disso.

— Bom, pois não é.

Ele se acomodou dando por encerrado o assunto. Porém, havia muito a decidir. Como o local onde Kalen a deixaria. E como pretendia devolver seu carro.

— Sou adulta! — repetiu ela, feroz, encarando-o. — E não preciso ser cuidada por um homem.

Aquilo chamou a atenção dele.

— O que aconteceu para deixá-la tão desencantada pelos homens, Srta. al-Issidri?

Keira sentiu um frio estranhíssimo na barriga.

— Não aconteceu nada.

— Interessante...

O sheik deu um risinho. Tinha uma boca sensual e quando sorria com deboche, como agora, parecia saber coisas que fariam uma mulher cair de joelhos.

— Você pode se surpreender em descobrir bons homens por aí — acrescentou ele.

Kalen gostava do poder. Podia viver em Londres, podia ter deixado Baraka há mais de uma década e podia vestir roupas italianas fabulosas, ter sotaque britânico, mas ainda era um sheik. E um dos mais ricos e influentes do mundo.

O homem a olhava como se ela estivesse nua, não sexualmente, mas com emoção. De repente, um calor a invadiu. Um calor imenso que começava no ventre e ia até os seios, pescoço, cada milímetro da pele. — Estou tentando ser prática, Sheik Nuri — respondeu ela, finalmente.

— Prática como?

— Quero ser independente do meu pai, mostrar que não me casarei com ninguém, só por que ele quer.

— Seu pai não se importa, Keira.

— Nem você.

Kalen soltou uma bela risada.

— Tanto fogo, laeela, tanta rebeldia! Mas, ao contrário de seu pai, eu posso acabar querendo alguém como você...

 

O avião partiu onze da noite. Era o jatinho particular de Kalen Nuri. O Sheik foi mostrar o quarto nos fundos do avião, embora dormir fosse a última coisa que Keira quisesse. Mais tarde, porém, Keira chegou a se esticar na cama. De repente, ela foi acordada pela comissária, avisando que chegavam em Heathrow. O desembarque levou alguns minutos e o sol brilhava ao seguirem de carro à casa de Kalen, no elegante bairro de Kensington Gardens.                        

— Você está tão quieta — disse ele.                    

— E que há para dizer? — Kalen a forçara a ir para Londres!                                                                

O carro parou diante de uma casa imponente.        

Ele saiu. Enquanto o chofer os ajudava com a bagagem, um mordomo recebia-os na porta da frente.

— Bem vinda ao seu futuro — disse o sheik, cheio de ironia.                                                                

— Meu futuro? — repetiu ela.                            

— Sua vida comigo.                                          

Keira achava tudo inacreditável.

Ela que fora tão apaixonada por ele, por tanto tempo, agora estava sob sua proteção. Ela, Keira Gordon, ia viver com o homem que adorara em segredo.

A proximidade dele ia matá-la. Ainda se sentia desesperadamente atraída por ele. Podia ser bonito, mas era duro, arrogante, insensível.

E a estava usando para atacar seu pai e, em vez de sentir-se insultada, ela sentia... Curiosidade. Desejo...

Queria contato. Queria calor, aproximação, pele.

Já na suíte, ela parou para olhar o closet. Gavetas vazias.

Menos mal.

Temia compartilhar o espaço com outra mulher. Jamais dividiria Kalen com alguém.

Keira sentou no braço da poltrona. Então esse era o quarto de Kalen. Teto alto. Paredes claras...

Há sete anos ela fora à festa para vê-lo. Malik podia ser o irmão mais velho a herdar o trono, mas era Kalen quem enlouquecia as garotas.

Kalen vivia em Londres, viajava muito, gastava livremente, agradava amigos... E mulheres. Todas as moças da classe alta de Atiq fantasiavam em ser de Kalen. E nem era de seu dinheiro que elas gostavam, era da personalidade.

Além disso, era lindo. Lindo, porém proibido. Em Baraka, era dever da mulher se manter pura, intocada, até o casamento. As mulheres tendiam a casar cedo para proteger a reputação de suas famílias. Mas quando Kalen Nuri adentrava uma sala e olhava para uma mulher, mesmo que estivesse usando véu, mesmo que apenas seus olhos estivessem descobertos, ele a mirava como se fosse seu dono.

Ele era mágico. Um feiticeiro. A fantasia suprema. Motivo por ter fugido com outras garotas mais afoitas, de pais menos rigorosos e conservadores que os seus, para ir à festa oferecida em homenagem a Kalen Nuri.

Acabou dando tudo errado.

Com quem falaria sobre isso? Seu pai ortodoxo? Sua mãe liberal? Não havia com quem falar. Fez o que pôde, seguiu em frente. Partiu de Baraka para sempre, deixando a Inglaterra para estudar nos Estados Unidos.                                                            

Uma batida soou à porta trancada. Keira abriu. Havia uma empregada no corredor, segurando várias sacolas das mais variadas butiques de Londres.

— São de Sua Majestadade — disse a empregada, fazendo uma reverência.

Uma reverência? Keira teria gargalhado se não estivesse tão cansada.

— Gostaria que eu desempacotasse, senhorita? — ofereceu-se a empregada, entrando com as sacolas.

— Não, obrigada, pode deixar — respondeu Keira. — Para quem são? — perguntou ela, enquanto a empregada pendurava uma sacola de roupa no closet e colocava as outras sobre a cama.

— Para a senhorita. Sua Majestade fez umas ligações e pediu ao motorista que fosse buscar tudo.

— Não entendo.

— São presentes. Sua Majestade faz isso por todas as suas mulheres — ela sorriu alegremente. — Tem muita sorte, hein?

Keira ficou pasma. Sorte? Era isso que tinha?

— Ele tem muitas mulheres?

A empregada subitamente corou.

— Perdoe-me, senhorita, eu não quis dizer nada.

— Tudo bem. Obrigada.

A doméstica seguiu em direção à porta.

— Se precisar é só chamar.

— E o Sheik Nuri? Ainda está aqui...?

— Não, senhorita, só voltará para o jantar.

— Ah, sim.

— Será servido às sete. Sua Majestade usa traje formal para o jantar.

— Que ótimo — disse Keira, meio irritada. Kalen a largara em sua casa de Londres e já havia deixado recado com a empregada.

A garota acenou a cabeça e fechou a porta.

Keira foi até o closet e olhou o saco pendurado. Depois retirou as sacolas da cama. Não era sua mulher. Não queria seus presentes!

Às seis e meia, Keira tomou banho e se vestiu para o jantar. Enrolada na toalha vasculhou as próprias roupas. Trouxera muita coisa, mas nada elegante.

Bom. Ela se vestiria para o jantar. Exatamente como uma mulher americana. Independente. E livre.

Colocou um jeans Levi's e uma blusa listrada. Deixou a parte de trás para fora da calça e o colarinho desabotoado. Enrolou os cabelos em um coque. Nada de jóias. Pouca maquiagem. Mocassins de couro. Estava pronta!

Keira surgiu na sala de jantar às sete, em ponto. Kalen já estava lá. Ele se arrumara mesmo para o jantar. Vestia um terno preto e camisa social branca, que realçavam-lhe a pele, os cabelos negros e os olhos cor de mel.

Era, de longe, o homem mais bonito que já vira. E, morando no Texas, trabalhando para uma multinacional, conhecera muitos homens atraentes.

— Você está... — a voz do Sheik Nuri sumiu ao olhar para ela —...adorável.

Keira corou, tomada de culpa. Ele se empenhara, enquanto ela claramente não o fizera. Mas ele perguntou se ela queria ir para Londres?

— Obrigada — respondeu ela, sorrindo, escondendo as dúvidas.

— Azul cai bem em você — comentou ele, tomando o lugar ao seu lado.

— Não estou vestindo azul — respondeu ela, olhando para as listras finas em cinza, na camisa. Depois, olhou o jeans e entendeu. — Ah, a Levi's!

— Muito chique.

— Você disse à empregada para que eu me vestisse formalmente, não?

— Foi o que ela lhe disse?

— Não tenho certeza, com todo aquele “Sua-Majestade-saiu-aguarde-um-pouco”.

Kalen enrugou a testa.

— Tenho um emprego, laeela.

— Eu também. Deveria estar em Dallas trabalhando, não em sua casa!

—As coisas mudaram, precisa se adaptar.

— Não quero me adaptar. Eu gosto da minha vida.

— Sendo animadora de torcida?

— Você sabe que trabalho para a Sanford. Sabe que tenho um cargo de confiança e que sou boa. — Ela estava a ponto de explodir. — Boa demais para largar tudo só porque você quer.

— Então, o que fez essa tarde? — perguntou ele.

— Nada.

— Não precisa ser nada. Pode alugar filmes, ver TV, papear com amigas...

— Isso tudo é vazio. Preciso de mais.

— Então, leia. Tenho uma vasta biblioteca e você pode pedir livros pela internet.

— Ler é o que faço à noite, antes de dormir. Não o que faço o dia todo. Sheik Nuri, não fiz faculdade para interpretar uma princesa mimada.

— Está zangada por eu não ter lhe dado mais atenção?

Ela deu uma gargalhada, mesmo corando.

— Eu sequer o conheço! Você me diverte!

— Você fala com ousadia para uma garota de vinte e três anos.

— Mulher. — Seu corpo estalava de tensão. — Sou mulher e cresci com homens como você, Sr. Sheik. Ao contrário das modelos e atrizes que conhece, eu não preciso de sua fortuna, seus contatos.

— Minha amante está com a língua afiada hoje. O rosto de Keira esquentou ainda mais.

— Não sou sua amante e sabemos disso.

Kalen franziu as sobrancelhas.

— Estou deixando passar algo, laeelal Você não está aqui, em minha casa? Não lhe ofereci minha total proteção?

Ela ficou desconcertada com essa palavra de carinho, laeela, que mais uma vez a queimava por dentro. Era um termo muito íntimo em Baraka e Kalen não parecia ser do tipo que flertasse de leve.

O Sheik Nuri estava à vontade, vendo Keira rija, morrendo de raiva.

Uma potranca nervosa, jovem e sensível, ele pensou.

Kalen tomou um gole de vinho, aguçando o paladar.

— Não precisa ter medo — ele a tranqüilizou. — Sempre a tratarei bem.

— Não estou com medo — respondeu ela, mesmo arregalando os olhos azuis.

Não, não está com medo. Está aterrorizada. Sabia o que podia acontecer. Sabia tanto quanto ele que a tensão entre os dois era uma chama de longa data...

— Não precisa se preocupar comigo — acrescentou ela. — Estou bem.

— Hamdullah — respondeu ele. Graças a Deus. As lágrimas ameaçavam na garganta de Keira. Até ontem, achava que não o veria mais e agora ali estava. Inacreditável, impossível. Só em olhá-lo tudo dentro dela explodia.

Hamdullah. A palavra ecoava em sua cabeça e a magoava. Ninguém a fazia se sentir tão tensa, tão desesperada por mais.

— E você? — prosseguiu ela. — Como está?

— Muito bem, Senhorita al-Issidri, obrigado.

— É Gordon, Sheik Nuri, não al-Issidri. Nunca usei o nome de meu pai.

— Usou até os sete anos.

— Como sabe disso?

— Sei de muitas coisas.

Ela o encarou cuidadosamente. Seria possível ter se apaixonado pela imagem, não pelo homem?

— Respire — disse ele, sem deixar de olhá-la.

— Estou respirando.

Kalen se debruçou na mesa e estendeu o braço em sua direção, com a palma aberta.

— Dê-me a sua mão.

Keira olhou a mão, larga, de linhas profundas, e lembrou da noite anterior, da forma como ele a tocara, na varanda. O toque de Kalen fora como uma descarga elétrica.

— Sua mão... — repetia ele, ordenando, delicadamente.

— Nunca!

O olhar dela subiu lentamente, do colarinho, passando pelo pescoço bronzeado, até os lábios, chegando aos olhos que tinham uma expressão de deboche e desafio, até desdém.

— Não é seguro — ela completou.

Por uma fração de segundo ele permaneceu calado, depois franziu os lábios.

— Talvez seja a coisa mais inteligente que já a ouvi dizer.

 

— Então, o que achou dos presentes? — perguntou Kalen.

Ele se movimentava com tanta graça que ela chegou a perder a concentração.

— E das jóias? — insistiu ele. — Achei que fosse usar uma das pulseiras de diamante essa noite.

Pulseiras de diamante. As palavras não pareciam combinar.

— Na verdade, não abri nenhuma das sacolas.

— Não?

— Não preciso, nem uso jóias caras.

— Então, gosta de jóias baratas?

— Se eu quiser jóias, as compro.

— Está rejeitando meus presentes?

— Não aceito presentes de estranhos...

— Cuidado, laeela, antes que me insulte.

O tom de voz dele a fez sentir um arrepio pela espinha.

— Não tenho intenção de ofendê-lo, Sheik Nuri...

— Kalen. É Kalen. Afinal, você quer algo, lembra? O calor voltou ao seu rosto.

— Quanto mais rápido eu voltar ao Texas, melhor.

— Voltar?

— Sim, mostraremos ao meu pai que ele não pode me controlar.

— Ele continua uma ameaça.

— Para quem? Você? Ou eu? Porque eu acho que você não se preocupa comigo.

— Sidi Abizhaid jamais toleraria esse tipo de conversa, laeela. Você nunca teria permissão para ser tão contestadora.

Um bolo se formou em sua garganta.

— O que quer de mim, Kalen? Diga-me, para que eu entenda.

— Sabe o que quero. Quero você aqui, comigo.

— Não. Há algo além. Tem a ver com meu pai, não eu.

— Não é assunto para discussão.

— Por que não? Porque sou mulher?

Kalen não respondeu. Em vez disso, a olhou do outro lado da mesa repleta da melhor louça e de cristais.

O silêncio dele era torturante. A moça se inclinou à frente, tentando fazê-lo entender.

— É meu pai a quem chama de ameaça? Tenho direito de saber.

— Você deveria passar mais tempo comendo e discutindo menos.

— Você é tão horrível quanto eles, Kalen. Não, pior. Não vive em Baraka, nem veste as túnicas e os turbantes. Mas debaixo desse terno italiano, você é igual a eles.

O homem não disse nada e sua fisionomia inexpressiva a deixou enojada.

— Quero ir para casa, Kalen. — Detestava se sentir vulnerável. Havia jurado que jamais deixaria alguém feri-la novamente.

Ele continuava a nada falar.

— Kalen, ouça-me, preciso voltar, ter minha vida de volta!

O sheik, enfim, se mexeu na cadeira.

— Sua nova vida aqui também será boa.

— Não.

— É uma mudança, sim, mas será boa.

— Mas não é minha vida...

— É sim. Você precisa aceitar que tudo mudou.

Aceitar que ela fora forçada a deixar seu lar da noite para o dia, entrando nesse mundo estranho, onde pertencia a um homem que só conhecia de sua infância? Era ridículo. Não era uma noiva medieval.

— Não. — Trêmula, Keira se afastou da mesa. — Não, você está errado. Está errado, Kalen Nuri.

Em seu quarto, Keira se encolheu em uma das poltronas. Não podia ficar ali. O pânico aumentou e seus olhos pareciam cheios de areia, mas não podia chorar.

O que teria acontecido em Baraka para causar tamanho atrito entre Kalen e seu pai? E o que tornaria Ahmed Abizhaid tão perigoso para que Kalen se recusasse a ver as famílias unidas pelo casamento?

Ela sabia que o pai nunca gostara do jovem príncipe. E, por lealdade ao sultão, jamais pronunciou isso. Porém, a julgar por relatos que ela encontrara na escrivaninha do pai, sabia que ele mantinha Kalen sob vigilância.

Precisava saber mais. Porém, a essa altura, obviamente, Kalen não contaria nada. Então, como descobrir o que queria? Perguntaria ao pai? Ou tentaria ganhar a confiança de Kalen?

Suspirando, esfregou a testa, pensando em ir para a cama, sem conseguir se mover. A vida realmente tinha tomado um rumo interessante... Para pior.

De repente ela ouviu uma batida na porta. Keira olhou o relógio na cabeceira. Já estava no quarto há vinte minutos.

— Sim? — disse ela, sem se mexer.

— Abra a porta.

Era Kalen. Claro. Ela olhou para a porta.

— Estou dormindo — disse ela, afundando-se na poltrona.

— Você só está aí há quinze minutos.

— Vinte.

— Abra a porta.

— Estou na cama.

— Não me interessa. Que homem arrogante!

— Tchau, Kalen.

— Abra a porta, Keira!

Ele usara seu primeiro nome pela primeira vez. Apenas Keira. Sua pele formigou. Ela respirou fundo, procurando controlar os nervos.

— Falo com você amanhã. Boa noite.

— Não vou sair daqui.

— Então ficará aí por muito tempo.

— Abra a porta.

— Não.

— Keira...

— Você não pode me intimidar.

Ela o ouviu se movimentar do outro lado, como se estivesse olhando pelo buraco da fechadura.

— Essa é minha casa.

— E esse é meu quarto.

— Então, destranque a porta. Ela começou a tremer de nervoso.

— Não.

— Por que não?

— Estou cansada. Tenho que dormir.

— Ouvi dizer que você dormiu duas horas essa tarde. Não pode estar tão cansada. Nem são nove horas! Acho que está com medo, não cansada.

— Vá embora!

— E ainda está próxima à lareira.

— Isso não é de sua conta, mas estou na cama... Ela ouviu o som da maçaneta girando. Keira levantou como um raio e a porta se abriu.

— Você não tem direito de entrar assim...

— Minha casa — ele interrompeu, percebendo a cama intacta. — Minha mulher.

— Já disse que não sou sua mulher.

— Aceitou minha proteção.

— Sim, mas... — sua voz esvaía. Ele não entendia, nem queria entender.

A moça viu o orgulho masculino no rosto dele. Não conseguia esconder a malícia do deserto.

— Então, o que era? — insistiu ele. — O que quis dizer quando pediu minha ajuda?

Ah, ele era de Baraka. Macho puro. E certamente um homem do mundo complexo de seu pai.

— Eu fiquei encurralada.

Kalen ergueu uma das sobrancelhas.

— Em pânico, precisava de ajuda — continuou ela.

— Eu a ajudei.

— Sério?

— Você é muito ingrata.

A qualquer momento, ela estaria presa à poltrona, sob seu domínio. Keira saltou antes de não ter como fugir.

— Se fosse um cavalheiro, não precisaria de recompensa.

Ele quis rir ao vê-la próxima à cama.

— Mas eu quero uma recompensa. E não quero ser cavalheiro. Deixo a cortesia para os ingleses.

O pulso de Keira se acelerou.

— Então, o que quer de mim?

— Acabar o que começamos. O coração disparou.

— Não sabia que começamos algo.

— Ah, não. — Seu queixo exibia a barba nascendo. — Algo começou muitos anos atrás, quando você era uma garota de colégio e me olhava. Achou que eu não notava? Porque você, laeela, me olhava totalmente maravilhada. — Ele deu um sorriso cruel. — Ainda olha...

Ela o encarava, amedrontada. Nem tanto com medo dele, mas dela mesma.

Kalen a notara. Sabia de seu interesse!

O sheik encarou seu silêncio como consentimento.

— É melhor avisar seus chefes que não irá voltar e, certamente, não voltará à animação de torcida.

Ela não sabia o que doía mais — a perda do controle, de seu estilo de vida, ou por ele saber de tudo.

— Você não gosta do meu trabalho de animação de torcida, não é?

— Não.

— Por que não?

— Não é apropriado para minha amante.

— Os homens não têm mais amantes.

Ele pareceu intrigado. — Não?

Keira pôs uma das mãos no estômago, tentando controlar o nervosismo.

— Mesmo que tivessem, eu não poderia ser sua amante.

— Por que não?

— É... Seria... Sem sentido.

— Sem sentido?

— Implausível.

— Implausível?

— Isto é, nada prático. O calor a percorreu.

— Como assim?

— Ser minha amante seria a solução mais prática. Sinalizaria que você é realmente minha, me pertence. Vive comigo. Atende a mim.

— Não atendo a homem nenhum.

— Nenhum?

Ele olhava desafiador.

— Pode se surpreender com o quanto gostará de atender a mim...

— Nunca.

— Você me quer...

— Não.

— Eu a quero. Muito. Ficou apavorada.

— Não posso viver assim.

— Prefere ser casada com Sidi Abizhaid? Desfrutaria mais das atenções dele?

— Tem de haver uma terceira opção.

— Infelizmente, só tem duas. O que seu pai escolher, ou o que eu lhe oferecer.

— O que você me oferece é degradante.

— Muito menos humilhante do que deitar embaixo de um baraquense velho e peludo. — Kalen seguiu rumo à porta e parou. — Ao menos, laeela, eu lhe daria prazer.

Keira só conseguia encará-lo, envolvida pelo que ele dissera. Era tão intenso. Ele a deixou sem chão.

Prazer não é algo menor — acrescentou ele, fechando a porta. — Durma bem, boa noite.

Ela andou de um lado para o outro, tentou dormir, mas não conseguiu. Odiava Kalen por fazer aquilo, forçar a mudança, no entanto, dentre todos os homens que conhecera, era o que ela mais desejava.  

Aliás, onde começava o desejo? Onde terminava?

Afinal, o que era o desejo?

Pegou no sono, por volta de meia-noite, e acordou cedo no dia seguinte. Porém, ao descer, descobriu que Kalen acordara ainda mais cedo.

— Ele já está no escritório — informou a empregada, conduzindo Keira ao café-da-manhã.

— Jornal, senhorita? — ofereceu a doméstica, mostrando uma pilha de jornais do mundo todo. Até mesmo de Baraka. Keira ficou encantada pela variedade.

Ela pegou o jornal de Baraka e empurrou seu café para o lado. Fazia anos que não acompanhava os acontecimentos da cidade. Não queria saber de nada sobre lá.

A única vez que prestou atenção às notícias de Baraka foi quando o Sultão, Malik Nuri, se casou com uma princesa. A mídia enlouqueceu. Como poderia ignorar o casamento quando todos os jornais e canais de TV cobriam o evento?

Ela viu o casamento de Malik com a Princesa Nicolette, com ar de ironia. Afinal, Nicolette era a mais aventureira das princesas, inteiramente ocidental, muito bem formada e, no entanto, abrira mão de sua independência para se casar com um Sultão.

— Parece séria essa manhã.

Keira deu um pulo com a voz de Kalen e fechou o jornal.

— Não pare de ler. É bom ver uma mulher interessada nos acontecimentos do mundo. — Ele se posicionou atrás da cadeira e, debruçando-se, deu um beijo em sua testa.

Ela se enrijeceu em protesto, porém, no instante em que seus lábios a tocaram, sentiu só calor e prazer.

— Da próxima vez, será nos lábios — disse ele, sentando-se à mesa.

Keira recuou a cadeira, girou as pernas ao outro lado, tentando se afastar.

— A maioria das mulheres se interessa pelos acontecimentos do mundo.

— Mesmo?

— Sim. O que me faz pensar no tipo de mulher que você recebe.

As sobrancelhas dele se ergueram.

— Ciúmes?

— Meramente curiosa.

— Interessante. — Ele se recostou quando a empregada colocou seu café na mesa. — Você já comeu ou está me esperando?

— Não esperei.

— Ótimo. Jamais quero vê-la faminta. Só faminta por mim.

Ela teve que respirar fundo.

— Por que você sempre faz essas piadinhas sexuais?

— Era o que você queria. — Ele tomou um gole da xícara. — Foi o que sempre quis de mim.                 |

— Errado.                                                          

— Sou assim.                                                    

Mas ela não acreditava. Kalen podia ser rebelde, no entanto, também era intelectual. Sabia que ele deixara Baraka, pois queria mais da vida.

— Não concordo.

— Laeela, você nem me conhece.

— Mas eu o observava — acabou deixando escapar. — Não era tão provocativo com outras. Era mais... Sincero.

Ele se debruçou em frente a Keira.

— Por que acha que estou me comportando assim com você?

Ele era lindo, pensou a moça, indecentemente belo para um homem. Rosto forte, maçãs do rosto saltadas, boca carnuda... Ela mal conseguia lembrar da discussão que estavam tendo.

— Por quê? — repetiu ele.

Não saía nenhuma palavra. Ela sé perdera, de volta aos dezesseis anos.

Um beijo, as mãos dele a segurando pelos ombros, trazendo-a para seu calor...

— O que dizia? — disse ele. — Sou todo ouvidos, laeela.

Fascinada, imaginou aquela boca em seu pescoço, em seus seios.

— Você está tentando provar seu ponto de vista — ela finalmente disse.

Kalen deu um meio sorriso e a intensidade de seus olhos a queimou inteira.

— E qual é o meu ponto de vista, Keira?

Era necessário empenho para pensar. Ainda tentava se compor.

— Suponho que você esteja no comando.

— Supõe?

— Para que eu saiba que você está no controle.

— Mas eu estou —- respondeu ele, autoritário.

— Exatamente o que eu não quero.

— Por quê?

— Porque sou eu quem deve ter controle sobre minha vida.

— Talvez deva confiar em mim.

— Confiar? Como? Somos muito diferentes. — Ela pegou uma laranja da fruteira e cravou a unha para descascar. — Diferentes demais.

Ele se esticou e pegou a laranja de sua mão. Descascou-a para ela, com uma faquinha. Abriu a laranja e pôs um gomo em seus lábios.

— Homens e mulheres geralmente são.

O gomo estava frio, mas ela não conseguia abrir a boca e comer a fruta, com ele a observando tão de perto.

— Pegue — disse ele.

Ao abrir a boca para recusar, ele enfiou o pedaço. Ela mordeu, fechando os lábios instintivamente, o suco esguichou, agridoce. Keira mal conseguiu engolir, consciente do volume em sua bochecha e da gota que escorria no canto da boca.

O sheik se debruçou e beijou a beirada de sua boca, a língua sugando o suco dos lábios, antes que escorresse. Tudo por dentro esquentou, parecia explodir de desejo.

Seu beijo a fez perceber que ele era muito mais perigoso do que qualquer coisa planejada pelo pai.

— Você me assusta! — disse ela, se afastando. Ele mal sorriu; era um homem viril, totalmente em controle.

— Você se assusta demais. — Ele puxou outro gomo da laranja.

Keira olhou desconfiada.

— Por que será que me assusto?

— Por quer se sentir calma, em paz. Mas desejo físico não é nada tranqüilo.

— Não estou falando de desejo.

— Na verdade, está.

Keira pegou a laranja rapidamente, antes que perdesse a coragem. Porém, no instante em que seus dedos encostaram-se nos dele, ela viu o brilho do olhar de Kalen.

— Só você tem medo do que sente — acrescentou ele, sem esconder o interesse. — Medo da atração.

— Não tenho medo de você.

— Teme o que eu faria com você se ficássemos sozinhos.

Keira apertou a fruta nos dedos. O suco escorreu entre os dedos, até a palma.

— Você não faria nada.

— Eu faria tudo.

Kalen estava certo. Ela queria, mas temia o desejo. Se quisesse experiência, teria de ser com alguém menos complexo. Kalen era exigente demais.

— Por favor, Sheik Nuri...

— Por favor, Kalen.

Seu rubor se acentuou, o rosto queimando.

— Não deve dizer coisas assim... Kalen.

— Porque não, Keira?

A moça o olhou desesperada. Ele tinha de saber o que estava lhe fazendo. Seu corpo era puro desejo.

Arriscara tudo para vê-lo naquela noite, na festa. A fúria de seu pai, por ir a uma festa de adultos, não de adolescentes. Não se importara. Só queria vê-lo, ficar perto dele. Mas pôs tudo a perder. Inocência. Dignidade. Auto-estima. Arrancadas por um bêbado cruel.

Kalen subitamente pegou-lhe a nuca e segurou seu rosto, forçando-a a se aquietar. Baixou a cabeça e passou os lábios nos dela, depois deu um beijo torturante em seu pescoço. Keira se arrepiou por inteiro. Ela o queria.

Kalen finalmente ergueu a cabeça e sorriu.

— Eu a terei — afirmou ele, com sorriso nada divertido. — E só uma questão de tempo.

 

Ele estava certo. Do jeito que as coisas iam, seria mesmo uma questão de tempo. Keira não estava apenas perdendo o controle. Ele também fazia com que ela perdesse sua porção racional. Deixava-a faminta por ele.

Não podia ficar ali, naquela casa, naquele mundo. Não podia deixar que essa sedução continuasse.

Kalen a pegou pensativa.

— Você parece pálida — disse ele.

— Um pouco de ar seria bom — ela admitiu. Como podia se sentir assim? Reagir dessa forma?

Pensou que fosse frígida, irremediavelmente reprimida, e algo sobre Kalen tornava o toque tão... Natural, tão... Prazeroso.

— Então vamos dar uma volta. Acho que podíamos nos divertir.

Quinze minutos depois, no banco traseiro da limusine, ao passar pelos parques e jardins de Kensington, Keira voltou a sentir um sopro de realidade.

Mas, mesmo assim, como poderia estar ali sentada com ele, como se isso fosse habitual? Não era! sheik Kalen Nuri não era o Príncipe Charmoso. Era sheik-problema.

— Você não sabe como relaxar — disse Kalen, olhando para ela, entre as ligações que fazia do celular.

— Estou relaxada.

— Parece uma leoa enjaulada.

— Então, passa muito tempo com felinos?

Uma das sobrancelhas se ergueu e ele pôs o telefone de volta no bolso do paletó.

— Seu pai não sabe nada de você, não é?

— O que isso significa?

— Você não tem nada da mulher de Baraka, e seu noivo quer uma esposa tradicional.

— Não é meu noivo...

— É só seu prometido.

— Também não. Jamais concordei em casar com o Sr. Abizhaid.

— Não precisa concordar, se seu pai prometeu sua mão.

Ela não disse nada, sabendo que Kalen estava certo. Em Baraka, o pai podia casá-la contra sua vontade. Era uma lei arcaica, que o Sultão tentava mudar. Mas, até então, não fora aceita pelo povo.

— Seu pai nem sabe que você é animadora de torcida, sabe?

Claro que seu pai não sabia. Se soubesse, teria um ataque.

— Não.

— Se seu prometido descobrir, terá a cabeça de seu pai.

Ela se inquietou.

— Tomara que ele não descubra.

— Tomara mesmo.

— Não pedi por esse conflito — disse ela, sabendo que o pai era ortodoxo, conservador, de direita. O que deveria fazer? Adotar uma nova cultura?

— Mas não sabia que se tornar uma animadora de torcida na América envergonharia sua família?

— O fato de assumir essa profissão nada tem a ver com meu pai. Eu danço porque sou dançarina também. Está satisfeito com a resposta?

— Não.

— Passei toda a minha vida puxada de um lado para outro. Não sou inglesa, nem baraquense. Aos olhos de minha mãe, nunca fui esperta o suficiente. Aos de meu pai, sou estudada demais. Francamente, às vezes, não sei exatamente quem sou.

— Então parte para a América e se torna uma animadora de torcida do Dallas Cowboy?

— Por que não? Eles me aceitaram. — Ao olhar pela janela percebeu que se aproximavam da New Bond Street, lojas caras, mas se sentia exausta, acabada. — Prefiro ir para América do que voltar a Baraka e não ser nada.

— Nunca foi um nada. Muitos homens a quiseram, laeela.

— Ser desejada por um homem me valida, de alguma forma? Faz com que eu me sinta uma mulher?

— Não faz?

— Não! — Ela cerrou os punhos. — Não preciso de um homem para ser interessante. Estou bem assim, obrigada.

Kalen a surpreendeu com palmas. E não foi um aplauso curto, mas um demorado, que a deixou de queixo caído.

— Bravo! Bravo! Muito inteligente o que acabei de ouvir.

A limusine desacelerou e estacionou diante de uma rua de belas lojas. O chofer abriu a porta e Kalen a ajudou a sair.

— Vamos fazer compras — disse Kalen, apontando a fileira de lojas. — Por onde começamos?

— Não me importo. Sair já é divertido. O que quer fazer?

Kalen a encarou por um instante, sorrindo.

— Mimá-la.

— Não preciso de nada.

— Talvez não. Mas quer coisas.

— Não.

— Sim.

Ela o olhou, incrédula.

— Todas fazem o que você quer?

— Sim.

Fique calma, disse ela, a si mesma.

— Não sou todas.

Apenas minha mulher.

— Mas não pedi para ser sua mulher, pedi apenas sua proteção!

— Exatamente.

—... pensando que seria algo passageiro.

— Pensou errado. Eu lhe disse, deixo o cavalheirismo para os ingleses. Agora vamos fazer compras.

Sem discussão, Keira cedeu, deixando que ele fizesse as compras que decidisse. Kalen sabia exatamente aonde queria ir. E os vendedores o conheciam.

Em uma loja após outra, o sheik apontava isso ou aquilo, pedindo um desse, ou três daquele. Keira reclamava, afirmando não precisar de tanto, mas Kalen mostrava o cartão de crédito. Sua mãe sempre desdenhara a moda, dizendo que mulheres inteligentes não precisavam daquilo, enquanto seu pai achava que deviam vestir robes e ficar trancadas em casa.

— O que há mais para comprar? Temos sapatos, casacos, roupas para o dia-a-dia, trajes de noite...

— Sua lingerie.

Levou um instante até ela acreditar no que ouviu.

— Não. Isso é algo pessoal.

— Homens sempre compram lingerie para as mulheres.

— Para mim, não.

— Até agora.

As palavras ficaram no ar entre os dois e seu estômago deu um nó.

— Deixe-me ao menos comprar minhas calcinhas, ok?

— Desculpe. Não posso. Você sairia correndo até a loja de departamentos mais próxima.

— E o que há de errado?

— Nada, se fosse uma inglesa de classe média. — Seu olhar encontrou o dela, desafiante. — Mas você não é.

Fascinada, ela o deixou hipnotizá-la com o olhar.

— O que sou, então?

— Você sabe o que é.

A voz dela quase sumiu, a coragem falhando.

— Quero apenas dizer que não há nada legal, ou contratual...

— Acha que papéis irão mudar algo? Acha que deixarei que alguém a leve de mim?

Ela não conseguiu falar. Tremia por dentro. Kalen riu e ela sentiu como se houvesse lhe despido, como fizera com a laranja no café-da-manhã.

— Eu mataria o homem que a tocasse.

— Não pode dizer isso.

— Digo o que quiser.

Os olhos dela se arregalaram.

— Você é mesmo um baraquense.

— Sim.

— Um sheik.

— Sim. Bem, vamos terminar as compras e voltar para casa para relaxar — disse ele, pousando-lhe a mão no pescoço, enquanto a conduzia a outra butique.

Keira sentiu as pernas roçarem nas dele, muito perto.

— Você irá gostar de lingerie bonita, laeela. Irá gostar como a cobrirei de seda e cetim. Irá se sentir muito... Travessa.

Seu hálito acariciava-lhe a orelha, morno de encontro à sua pele.

— Tomarei conta de você, laeela, como nenhum homem já fez.

Que palavras aterrorizantes!

Keira balançou, sentiu a mão dele apertar mais firme o seu quadril, pressionando os dedos contra a cintura.

— Deixe-me vesti-la, para que depois eu possa despi-la...

Isso tinha que parar. Ela precisava ter o controle de volta. . — Pare com isso — pediu a moça.

— Não estou fazendo nada.

— Está sim.

Ele sorriu confiante.

— Laeela, nós nem começamos.

Na loja de lingerie, Kalen comprou várias camisolas transparentes além de delicados sutiãs e calcinhas, cada conjunto custando quatrocentas libras, em média.

Keira ficou impressionada com a conta. Era mais do que ela ganhava em um mês, trabalhando em dois empregos.

— Kalen, não. É muita extravagância, muito dinheiro.

— Sim, Kalen, querido. Muito dinheiro. — Uma voz rouca feminina repetiu.

Keira olhou para Kalen e depois para a mulher que chegara, uma loura estonteante.

— Hilary... — Kalen ficou pálido.

— Fazendo compras novamente? — disse a mulher, sorrindo mais abertamente, os dentes brancos à mostra. — Se está com a carteira à mão, não se esqueça de comprar algo para mim. Tenho certeza de que se lembra de meu tamanho. Você adorava me vestir, lembra? Tudo em seda e cetim.

Keira ficou irada. Pediu licença e voltou à vendedora, perguntando pelo banheiro feminino. Lavou as mãos e respirou fundo. Hilary, quem quer que fosse, a assustou tremendamente. Sabia que havia mulheres como ela, mas não as queria conhecer.

A porta do banheiro se abriu e Keira viu Hilary ali, de mãos nos quadris, observando-a. A mulher ainda sorria, porém a amargura se fora, substituída pela arrogância.

— Você não é a primeira. — Hilary foi em sua direção, caminhando lentamente.

— Não tenho idéia do que está falando — respondeu Keira.

— Ora, vamos, só estamos nós duas aqui, podemos ser honestas. — Hilary debruçou-se no balcão de mármore. — Você é o novo brinquedinho dele. Já Passei por isso.

Keira puxou uma toalha de papel para secar as mãos.

— Não é assim.

— Claro que é. Vamos refrescar a sua memória. Pulseiras de diamante. Guarda-roupa novo. Lingerie extravagante, para ele tirar e pôr. Parece familiar?

Keira baixou os olhos.

— Você sabe o que vem depois, não sabe? — continuou Hilary, com os braços cruzados. — Receberá a chave de sua nova casa... A linda cobertura para a amante sexy... mas saberá que entrou para o clube quando receber seu lenço. Vermelho. É a cor dele. Todas têm.

— Todas? — ecoou Keira, baixinho.

— Todas. Como eu disse, você não é a primeira. E não será a última. O sheik não mantém ninguém por muito tempo.

— Está equivocada.

— Ou talvez você esteja. Eu o conheço há três anos, fui sua amante por quase dois. Isso é bastante tempo para Kalen. Ele não abre mão de seu estilo de vida para fazer mulher alguma feliz.

— E qual é o seu estilo de vida?

— Aquele que ele escolher.... Viajar, ter outra amante.

— Eu jamais agüentaria isso.

: Você diz isso agora, mas mudará. Irá perceber que existem vantagens em ser mulher do Sheik Nuri. Financeiras e sociais...

— Não estou interessada em poder, ou dinheiro. Posso comprar minhas coisas.

— Ah... Você também pode se dar prazer? Porque ninguém sabe amar uma mulher como Kalen Nuri.

O sangue subiu ao rosto de Keira e ela não sabia explicar o motivo. Tudo que sabia era que precisava sair dali e escapou para a loja, já vazia.

Kalen já estava do lado de fora, perto da limusine.

— Tudo bem? — perguntou ele, com certa preocupação.

— Sim. — Ela entrou no carro e cruzou as pernas, tentando esconder que estava tremendo. A cena com Hilary a desmontara.

A verdade podia ser tão horrível assim?

Mal, mal, mal. Tudo ia muito mal. Keira pressionou o punho cerrado contra a boca, procurando conter a náusea. Mas ela não era como as mulheres que o queriam pelo poder ou dinheiro. Todos esses anos ela o amara por ele mesmo...

— Você falou com Hilary? — a voz de Kalen quebrou o silêncio.

Keira ergueu o olhar.

— Acho que seria mais correto dizer que ela falou comigo.

— O que disse?

— Ah, as bobagens que as pessoas estão acostumadas a dizer sobre os sheiks.

O rosto de Kalen ficou endurecido. Ele não estava em clima de risos.

— Tais como?

— Que o quero pelo dinheiro, o estilo de vida.

— Nada quanto ao ótimo sexo? — perguntou ele. Ela se encheu de angústia, mas teve de mentir sobre uma parte...

— Desculpe, ela não mencionou nada de bom, muito menos sexo.

— Estou decepcionado.

— Claro que deve estar.

— O que isso significa?

Ela lançou um olhar de descrença.

— O que você acha?

Gostava quando ela o olhava desconfiada daquele jeito. O que será que queriam aqueles olhos tão arregalados e azuis?

Keira não era baraquense. Nem inglesa. Mas era linda, exótica. E ele havia morado no ocidente o bastante para não engolir a idéia de as mulheres serem mantidas separadas, não queria mulheres adoráveis cobertas, escondidas. As mulheres eram como arte preciosa. Uma bela mulher tornava tudo mais interessante.

Ele dizia às pessoas que era liberal demais para Baraka, que se tornara ocidental demais, por isso se mudara para Londres. Mas, é claro que isso não era verdade.

Kalen jamais deixou Baraka. Podia parecer um homem que abandonara a família e a responsabilidade, adaptando-se ao estilo de vida londrino, mas seu coração permanecia em Baraka.

— Por que você nunca se casou? — perguntou Keira, num tom frio.

— Não estou interessado e não assumo compromissos a longo prazo.

— Mas já tem mais de trinta anos.

— E daí?

— Você não quer amor? Filhos? Família?

Ele a olhou. Quase podia imaginá-la grávida de um filho seu. Ninguém seria mais bela. Ninguém.

— Não.

— Nunca?

— Nunca.

Por um instante o sheik jurou ter visto lágrimas nos olhos dela. Depois, percebeu que eles estavam secos.

Ele subitamente se sentiu um ogro.

— Escolhi amantes em vez de namoradas porque é conveniente para mim, assim como é para elas. Sou rico. Mulheres adoram homens ricos.

— E nojento isso — murmurou ela.

Estava lívida, esforçando-se para esconder as emoções. Ele resistia ao ímpeto de puxá-la, para apenas beijar a pele macia de seu pescoço, lambê-lo... Precisava dela. O corpo se enrijeceu sabendo que o dela se encaixaria ao seu. Sua maciez o agradaria.

Kalen se sentiu mais rijo que nunca. Se ela não fosse tão inexperiente, a tomaria agora. Queria abrir suas pernas, sentá-la em seu colo, preenchê-la até o fundo. Podia senti-la se apertando ao seu redor, os lábios presos aos dele, o ombro delicado e perfumado em sua boca.

O ar ficou mais pesado no carro. Algo estava acontecendo, pensou ela. Fogo, tensão.

Ela o queria, apesar da distância física entre os dois. Podia sentir as mãos em seus quadris, o corpo de Kalen contra o dela. As coxas dele entre as suas. Seu corpo rijo e quente no dela. A entrega lenta e os sentidos gritando ansiosos.

Keira passou a pontinha da língua no lábio superior, com a respiração difícil, a pele quente.

— Então, o que acha? — perguntou Kalen, gesticulando pela janela.

— Sobre o quê? — rebateu ela.

— Sua nova casa. — Kalen olhava pela janela. — O prédio à nossa frente.

Seu cérebro não estava funcionando. Só os nervos, sua ânsia inacreditável pelo contato, pelo corpo de Kalen.

Eles haviam acabado de cruzar o Tâmisa e adiante havia um edifício novo, à margem do rio. Por que ela teria uma nova casa? Por que saiu de Dallas? Nada mais fazia sentindo. Muito menos os seus desejos.

— Não é aqui que você mora.

— Não, é onde você mora. Quando não estiver dormindo comigo...

Subitamente, veio o rosto de Hilary, sorrindo feito um gato siamês. Espere até receber as chaves da cobertura...

O peito de Keira se apertou. Tudo que Hilary dissera era verdade. As jóias, as compras. As belas lingeries. E agora, a cobertura.

Magoada, Keira sentiu as lágrimas queimarem nos olhos, mas não as deixaria cair.

Se Kalen pensava que podia enfiá-la em um apartamento e a fazer esperá-lo, ele estava enganado. Podia pensar que ela era sua mulher, podia até tratá-la como amante, mas isso não significava que ela concordava em interpretar o papel. Não mesmo.

 

Ele fizera isso muitas vezes, pensou a moça, vendo o apartamento. Kalen estava calmo, abrindo as portas, mostrando os itens de luxo, obras de arte. O apartamento fora decorado com um gosto que só o dinheiro pode pagar e tinha janelas enormes com vista para o Tâmisa.

— Tudo isso para mim? — perguntou ela.

— Precisa de seu espaço quando não estiver comigo.

— Então, tenho liberdade para sair sozinha? — ela fez um tom debochado, mas queria mesmo saber.

— Claro que pode, acompanhada, não sozinha. Não é seguro.

— Seguro? Seguro para quem? Não estamos em Baraka, Kalen.

— Não, nem você quer estar. Confie em mim, laeela. Não vai querer voltar agora, depois do que aconteceu com a sua... reputação.

Ela riu um pouquinho, porém sentiu as pernas bambas.

— Então, minha reputação está arruinada?

— Quase.

— O que seria necessário para destruí-la inteiramente?

— Mais uma ou duas semanas a sós comigo. Então isso não seria problema. Ela não tinha intenção de ficar nem mesmo essa noite.

— Mas já está comprometida — acrescentou Kalen. — Todos em Baraka estão comentando.

Keira se sentou em um dos sofás.

— Por quanto tempo planeja me manter?

— Para sempre.

— Para sempre???

— Não tenho intenção de jamais deixá-la partir.

— Hilary disse...

— Hilary não está aqui.

Keira olhou pela enorme janela sobre o rio, com a mente vazia. Tomou compostura.

— Mas você disse que jamais se casará, eu nunca quis ser amante de ninguém.

— Você não é amante de qualquer um, é minha.

— Não vejo a diferença.

Ele colocou uma taça de vinho em sua mão.

— Verá.

Nunca precisou tanto de algo como daquele vinho. Eles haviam comido tarde, durante as compras, no Westbury Hotel, na Bond Street. E ela precisava esquecer. Esquecer todas as palavras devastadoras.

A dor a percorreu fazendo-a fechar os olhos, sem saber o que pensar. Mesmo de olhos fechados, só via aquela cobertura incrível, com obras de arte. O apartamento incluía mordomo, cozinheiro e uma empregada. Apenas para uma mulher — qualquer que fosse escolhida por Kalen Nuri para mimar naquela semana.

Keira respirou fundo. Como podia fazer isso com ela?

— Quanto tempo faz desde que sua última amante morou aqui?

— Hilary nunca morou aqui.

— Mas outras moraram?

Ela percebeu o embaraço de Kalen.

— O apartamento está vazio há meses. Keira tomou outro gole de vinho.

— Meses sem uma mulher? Admirável!

— Tive mulheres, laeela. Só não sustento ninguém ultimamente — respondeu ele, raivoso.

Keira se levantou do sofá. Caminhou ao redor do sheik e foi até a janela.

Ele era tão arrogante! A moça estava possuída de raiva. Não queria se sentir assim, calma era bem melhor. Mas perto dele só sentia emoções fortes.

Ela olhou o rio, ainda com a taça na mão. O Big Ben, o Parlamento. Que ódio! Ali era onde o Sheik Nuri instalava suas amantes! Tudo que Hilary dissera era verdade.

— Não sou como suas outras mulheres. Não mereço isso. Principalmente vindo de você... Um compatriota, baraquense.

O sheik não disse nada e Keira se virou para olhá-lo. Ele estava diante da lareira vazia.

— Você sabe o quanto é importante a reputação de uma mulher, Kalen.

— Não se pode confiar em seu pai.

— E por isso destrói minha vida?

— Será recompensada.

— Como? — perguntou ela, exigente. — Com o quê? Dinheiro? Presentes? Prazer em sua cama?

Kalen andou em sua direção.

— Terá tudo isso e mais.

— Mais? — Ela riu para esconder o nervosismo. Kalen estava perto e agora não havia para onde correr. — Sua Excelência deve querer dizer menos.

— Você tem medo de mim... Não precisa. Eu jamais a machucaria — disse ele, acariciando-a no rosto.

Keira ficou toda arrepiada. O mero toque dele deixava-a em chamas.

— Você já me magoou. Forçou-me a vir para cá, comprometeu minha reputação...

— Não sou mau, laeela. Serei mais gentil. E paciente. Prometo.

— Eu não o quero.

— Quer. Mas algo a detém e eu não acho que seja pudor. Tem vinte e três anos e é uma mulher independente. Algo a afugenta de mim.

Sua cabeça girava. Precisava respirar, mas não conseguia. Ela fora ferida por um homem. Porém, não era por isso que temia Kalen. Temia-o, pois ele jamais lhe daria o que precisava.

Buscava estabilidade, segurança. Ele não se comprometia.

Ela queria amor, ele, sexo.

Por quantas vezes havia sonhado com ele, pensando em sua voz? Esperanças de adolescente. O passado partiu-lhe o coração.

— Kalen...

A voz saiu angustiada.

— Aí está — disse ele, franzindo a sobrancelha. — Aí está o medo. É intrigante.

— Não posso ser sua amante, seu brinquedo. Não é justo, Kalen. — Ele estava certo, Keira tinha medo, medo de toda a carência que sentia.

— A vida não é justa. Mas eu posso torná-la mais justa.

— No entanto, faz o contrário.

Havia fogo no olhar de Kalen. De repente, ele a enlaçou com um braço e a puxou para mais perto, segurando-a firmemente, contra o corpo.

Keira tentava ignorar as sensações loucas que a invadiam, mas ele era quente, rijo, grande, e tudo dentro da moça reagia. Aquilo era uma tortura.

— Eu a quero — disse o sheik.

Nunca imaginou que teria a atenção de um homem como Kalen Nuri. Afinal, porque se interessaria por ela? Era bem-sucedido, rico, poderoso. Ainda por cima, bonito.

Fogo! Agora não há água que apague.

— Vamos bem devagar — murmurou o sheik, segurando-a firmemente. — Um passo de cada vez.

Um passo de cada vez... Um beijo... Um toque... A sedução... E depois? Ela não podia prever o futuro, porém o queria, mais do que qualquer coisa.

— Um passo... — repetiu ele.

A cabeça dela girava. Queria mais dele, sentir seu calor, seu cheiro.

— Você se calou... — continuou Kalen, passando-lhe o polegar pela boca e fazendo-a tremer.

— Eu não sabia o que dizer.

— Sim, Kalen. É tudo o que tem a dizer. Partiria seu coração em mil pedaços. Ela precisava ir embora logo.

— Se eu dissesse sim para tudo, estaria em apuros. As chamas do desejo ardiam nos olhos dele.

— Mas a vida é uma aventura. E você, laeela, deve gostar de aventura, porque está em busca de algo há muito tempo.

A boca de Keira tremia.

— Será divertido brincar com você, laeela. Então ele baixou a cabeça e a beijou possessivamente.

— Você ainda resiste... — murmurou ele, encostado aos seus lábios.

— Eu preciso.

— Não precisa, não. — Kalen a beijou outra vez, mais calmamente, com um carinho inesperado, que lhe tirou o fôlego.

A emoção tomou conta de Keira. Por um instante, ela se permitiu sentir toda a rigidez, a força e a confiança daquele homem. Parecia o paraíso.

Será que um dia encontraria o que procurava? A ânsia por amar e ser amada era tão forte que ela quase se sentiu sufocada. Era errado querer isso tão intensamente?

Kalen ergueu a cabeça.

— Vai ser muito difícil deixá-la.

Foi um impacto para ela. Se ao menos tudo fosse verdade...

— Esse é um de seus chavões para a despedida? Ele se afastou demonstrando raiva.

— Está me insultando.

—Estou apenas tentando manter as coisas honestas.

As palavras de Keira ecoavam dentro da cabeça de Kalen. Foi um golpe forte na consciência.

Subitamente, suas duas vidas — a pública e a particular — pareciam perigosamente perto de colidir. Oh! Ela só queria manter a honestidade! O sheik sorriu ironicamente. Keira era a inocência em pessoa.

Ele a queria, desejava, e sabia que se a tivesse a arruinaria. Envergonharia. A ela e a sua família. Era esse o plano.

Desde o início, teria de garantir que ninguém fosse desposá-la. Porém, no fundo, sabia que ela jamais tivera intimidade com um homem. Não tinha certeza como sabia, mas seus olhos confusos diziam muito.

Já havia sido beijada, tocada, no entanto, nunca da forma como ele a queria tocar.

Ele não ia amá-la. Ia feri-la. Envergonhá-la. Era o vilão da história, tão inescrupuloso quanto Ahmed Abizhaid.

— Precisamos, ao menos, ser honestos um com o outro — insistiu ela, alternando medo e determinação. Baraquense e ocidental.

Uma raridade de seu mundo. Por um momento, ele a imaginou em sua antiga vida, a vida de um homem que dava as ordens, dono de um vasto território norte-africano.

— Se quer honestidade, laeela, lhe darei. Aprenda a falar por si, não por mim. — E se afastou antes de ver a dor no rosto da moça.

As lágrimas que Keira vinha segurando subitamente vieram. Depois, ela viu Kalen. Kalen Nuri. Esperança, sonho e fantasia...

Melhor assim, pensou, lutando contra as lágrimas. Será mais fácil ir embora. Assim terá mais força. Não pense em Kalen, pense em você mesma. Em sua vida, na sua sobrevivência.

A campainha tocou e o coração de Keira se encheu de esperança. Talvez ele tivesse voltado para pedir desculpas. Talvez o que havia entre eles não era apenas um jogo de poder.

Impulsivamente, Keira abriu a porta antes do mordomo. Seu sorriso deu lugar à confusão. Quando abriu a boca para gritar por ajuda, já era tarde demais.

Do outro lado da cidade, Kalen desligou o celular para a reunião no jantar. Sabia o que estava acontecendo na cobertura, pois havia preparado a armadilha. Sabia que eram seguidos. Depois fez uma cena para ir embora. Saiu, propositalmente, deixando o caos.

Até dispensou a segurança, deixando o edifício vulnerável. A última reunião foi até as onze da noite; em seguida, Kalen encaminhou à sua limusine.

— Para onde, senhor? — perguntou o motorista.

— Para a cobertura — respondeu Kalen.

Em quinze minutos, o carro estacionava no burburinho do prédio. Carros da polícia bloqueavam a entrada e a porta da frente estava lacrada.

Algo acontecera.

Kalen saiu do carro e olhou a situação. Viu o Sr. Wellings, o mordomo, que conversava com dois homens fazendo anotações. Imaginou que fossem detetives. Também havia muitos jornalistas e fotógrafos.

Suas vísceras se reviraram. Ele não esperava ter remorso.

Seguiu em direção ao Sr. Wellings e os detetives.

— Sua Excelência — disse o mordomo. — Sinto muito, tentei lhe telefonar. Ela se foi.

Acontecera. Ornar al-Issidri pegara a filha de volta. Exatamente como Kalen planejara.

 

Na Mercedes, os homens se identificaram como empregados do pai dela.

Nenhuma surpresa. Tinham que trabalhar para ele ou Ahmed Abizhaid e, se tivesse que escolher entre os dois, como disse Kalen, Keira preferia o pai.

No caminho do aeroporto, um dos homens atirou-lhe uma túnica e uma echarpe.

— Cubra-se! — gritou o homem, de forma desprezível.

Ela não gostou daquilo, mas obedeceu. Não tinha muita escolha.

O plano de vôo fora aprovado antes e partiriam de Londres rumo a Baraka.

Os pensamentos de Keira vagavam. Ao amanhecer ela estava exausta. O jato iniciou a descida, pousando em uma pista ladeada por areia e água. Depois, foram transferidos para um helicóptero.

O veículo era grande, com seis lugares. Após a decolagem cruzaram milhas e milhas de montanhas, vales verdes e é claro, areia. Pousariam em um lugar remoto de Baraka, entre as montanhas Atlas e a fronteira com Ouaha, território berbere independente.

No solo, quando a porta do helicóptero se abriu, Keira foi saudada por uma rajada de calor. A poeira esvoaçante chicoteava o local.

Foi uma sensação estranha voltar a Baraka, no meio do nada. Mas a viagem ainda não acabara. Homens vestidos de cafetãs aguardavam com camelos. Seguiram caminho.

Seu peito se apertou. Aproximou-se dos camelos de cabeça baixa, pois o vento aumentou, rugindo, mudando de direção.

Oh, terra de mil sonhos e mil pesadelos!

O passado a tomou de assalto.

O condutor baixou o camelo e Keira agarrou a alça na sela para se manter firme.

Seu pai a mandara aos confins do planeta... A milhas do mundo civilizado de Atiq. Ele a isolara intencionalmente, afastando-a da família, amigos, de assistência.

— Não é bom — reclamava o Sultão Malik Nuri, falando de seu palácio em Atiq, com o irmão Kalen, ao telefone. — Você criou um escândalo internacional...

Kalen, ainda em Londres, já sabia das notícias. Tinha que saber, ele as causara.

— Vai vazar.

— Não, se fizer o que eu creio que pretenda.

— Abizhaid tem sido uma ameaça há anos!

— Não pode simplesmente eliminá-lo... — Malik suspirou. — Não sem motivo justo.

— Há motivo...

— Não estou falando de suspeita...

— Nem eu. Ele estava por trás do ataque que você sofreu há cinco anos e se safou.

— Você não tem prova.

— Você confia muito facilmente.

— E você não confia o bastante. Kalen franziu a testa.

— Por isso é que temos empregos distintos. Malik ficou quieto, mas quando falou seu tom foi sério.

— E quanto à garota? — perguntou ele. — O pai dela quer reparação.

— Nada aconteceu.

— Não seja obtuso. Sabe que a arruinou. Desonrou pai e filha. Quem irá querê-la agora?

Kalen não respondeu. O silêncio foi demorado.

— Sei que ela está em perigo. Fiz planos.

— Abizhaid quer puní-la.

O que Malik dizia era que, em sua cultura, esperava-se que Keira recuperasse a honra da família. Ou pelo casamento, ou pela morte.

— Jamais deveria ter sido usada como isca! — exaltou-se Malik, após um longo silêncio. — Se for ferida...

— Não será.

— Estou pronto para intervir.

— Não será preciso. Sei o que estou fazendo.

Keira se sentou no chão da tenda e abraçou os joelhos contra o peito. Um dia, contava ela, dois dias, ela já estava ali há três dias.

Passara verões em Baraka, estudando a língua, tendo aulas de religião, coberta, mesmo com o calor intenso, porém jamais conhecera essa Baraka de tendas e caravanas, camelos e nômades. Jamais passara além das Montanhas Atlas e nunca despertara em uma tenda no deserto. Baraka sempre parecera estrangeira para ela.

Seus dias na tenda vinham sendo estranhos. Ninguém lhe dizia nada. Só via mulheres segregadas dos homens, e alguns vigias, apesar de nenhum visivelmente armado. As mulheres não eram rudes, se muito, pareciam curiosas, com olhos amistosos por trás dos véus, porém não falavam.

Ela tentou puxar conversa várias vezes, mas foi desencorajada por uma ou outra. O silêncio dizia muito e passou por sua cabeça que deveria estar com medo. Mas não estava. Apenas solitária. E ressentida.

Fora apenas uma fantasia. Nem mesmo Kalen Nuri, o belo sheik, havia sido capaz de salvá-la. Tudo acabara.

A cobertura da tenda foi aberta bruscamente e a luz forte entrou, ofuscando sua visão. Um homem alto e magro entrou.

Keira se levantou. Reconheceria seu pai em qualquer lugar. Envelhecera vinte anos nos últimos sete. Estava com a barba mais branca.

— Pai!

Ele não disse nada.

Os olhos dela queimaram. Caminhou na direção dele, sem saber o que fazer. Eles haviam se tornado estranhos ao longo dos anos.

— O que fez conosco? — inquiriu ele, em tom ríspido. Foi como se ela não tivesse dito nada. — Não tem vergonha?

Sua fúria ferveu. Ela já esperava.

— Eu sinto muito.

— Desculpas não redimem a sua honra, nem meu nome!

Keira baixou a cabeça. Talvez, se o deixasse falar, extravasar a raiva... — Haverá conseqüências, filha.

— Serei punida?

— Sim.

Tinha de se manter calma.

— O que pretende fazer?

— Fica a critério de Sidi Abizhaid. Ele era seu prometido. Você envergonhou a ele também, filha. Destruiu nossos bons nomes. Tudo de bom em nossas vidas.

— Pai, não faça isso, não deixe que ele decida...

— Eu não seria mais piedoso.

— Mas é meu pai. Amou-me desde o meu nascimento.

— Amei-a antes de nascer. Amei-a quando não era nada além de uma semente na idéia de sua mãe e na minha. Mas aqui é Baraka e seu prometido é poderoso, não poderia ser humilhado. Ela abriu a boca, em vão.

— Não é fácil para mim — continuou seu pai. — Passei as últimas noites rezando, jejuando. Pedindo a Deus que me guie.

— Então, me ajude, pai.

— Abizhaid exige retribuição. E terá. — Assim como terei a minha.

— Vingança, pai? De quem? — Mas ela sabia, claro.

— O Sheik Nuri sofrerá. Não pense que irá sofrer sozinha.

Após o pai sair, Keira ficou no meio da tenda, o coração disparado. Sabia o que significava punição. Ouvira as histórias sobre garotas punidas por imoralidade.

E Kalen, o que seu pai faria com ele?

Keira saiu da tenda e ninguém tentou detê-la. Uma nova tenda havia sido erguida, bem mais luxuosa que a sua. Era onde estava seu pai.

Ela entrou e o encontrou junto aos livros e papéis.

— Pai...

A moça o assustou e ele pulou, demonstrando raiva.

— O que está fazendo aqui? Não lhe dei permissão para entrar.

— Não pode ferir o Sheik Nuri. — Keira se postou diante da cadeira do pai. — Não fez nada de errado.

— Nada de errado? A desonrou. Violou...

— Jamais me tocou.

Seu pai caiu em silêncio, as sobrancelhas franzidas.

— Nunca fomos íntimos. O sheik poderia ter se aproveitado de mim, mas não o fez. Ele me respeitou.

Ornar cuspiu de raiva.

— Kalen Nuri não respeita ninguém!

— Mas o Sheik Nuri me respeitou — teimou ela. — Respeitou minha inexperiência.

As sobrancelhas se ergueram.

— Então, continua virgem?

Virgem? Não, pai, ela quis dizer. Desde que fui violentada. Mas ela jamais contara a ninguém. Sofrera em silêncio.

No começo, era seu segredo, depois virou uma mancha em sua honra.

Estava arruinada. Não tinha mais valor.

Ornar se inclinou à frente, em sua cadeira, pegando-a pelo queixo.

— Eu perguntei, você ainda é virgem?

Como responder, o que dizer? O que ela e Kalen haviam falado nos últimos dias sobre honestidade? Ela não podia falar por mais ninguém. Apenas por ela. Fora atacada, não amada. Não houvera sexo, apenas violência. Nunca fizera amor, jamais conhecera o carinho, a paixão.

Seu coração estava apertado.

— Sim — respondeu ela — Sou.

Os olhos do pai se acenderam.

— Tem certeza? Certeza? De que fora ferida? Violada? De que jamais fora amada?

— Sim.

Ele relaxou um pouco.

— Se submeteria a um exame físico?

— O quê???

— Se é inocente...

Estava estarrecida. Mas ali era Baraka.

— Minha palavra não é o bastante?

— Se é inocente, não tem nada a temer.

— Não estou com medo, apenas enojada.

— É uma questão de hshuma — disse ele, finalmente a soltando.

Vergonha, ela repetiu, silenciosamente.

— É razoável para que eu defenda seu nome — continuou Ornar. — É a única forma de tirar a hshuma que assombra nossa reputação.

Keira cruzou os braços e tentou não pensar no que ele pedira.

— E se eu fizer isso... concordar em ser examinada, irá limpar o nome do Sheik Kalen Nuri também?

— Não sou eu quem decide.

— Por que não? O senhor disse que queria acertar as coisas com ele.

— Chega! Você se importa muito com esse homem. Agora vá. Tenho acertos a fazer. Preciso mandar chamar um médico.

Com as palavras do pai ecoando na cabeça, Keira voltou à tenda. O que acabara de fazer? Não podia provar que era virgem. Nem podia voltar a ser.

Alguns erros, ela pensou, não podem ser consertados. Precisava contar a verdade ao pai. Diria o que aconteceu, a forma como foi, tentaria fazê-lo entender o ocorrido, tantos anos antes. Talvez o pai a perdoasse. Talvez Ahmed também.

No entanto, não seria fácil contar ao pai, por ele dar tanto valor à pureza, à inocência.

A hshuma, não existia no ocidente da forma como era em Baraka. No ocidente, as pessoas podiam se sentir culpadas por terem feito algo errado. Porém, em Baraka, a culpa é inexistente, há a hshuma pelos outros saberem que alguém fez algo errado. A honra e a dignidade eram importantes, a dignidade acerca de um nome é vital.

O problema era que ela entendia isso, mas seu pai não conseguia entender sua perspectiva. Hshuma era a pior coisa que poderia acontecer em sua cultura.

 

Quando Kalen embarcou em seu jato para Baraka, sabia tudo que queria.

Seus contatos eram impecáveis. Afinal, ele era um sheik, o segundo na nobre hierarquia de Baraka, descendente da mais antiga tribo berbere. E era seu sangue berbere que o mantinha estável agora.

Os homens de sua tribo relataram que Keira estava em um acampamento próximo à fronteira do território independente de Ouaha com a Algéria e a cidade de Baraka. Muitos reis e sultões tentaram anexar Ouaha a seus países. Mas os berberes eram orgulhosos. Lutavam por sua sobrevivência tão bravamente que o falecido avô de Kalen, Sherif Nuri, Sultão de Baraka, interviera como um berbere, garantindo a manutenção de sua independência.

O apoio do Sultão Sherif salvou Ouaha e resultou em seu assassinato.

Os berberes jamais esqueceram o sacrifício de Sherif Nuri e, anos mais tarde, quando sua estabilidade voltou a ser ameaçada, o líder berbere proclamou os Nuri herdeiros tanto quanto eles. Foi uma jogada estratégica.

A essa altura, Malik já era o Sultão de Baraka. Kalen, em virtude de ser o segundo filho, herdou o manto da liderança. Kalen Nuri, sheik de Baraka, se tornou o Sultão de Ouaha.

O título de sultão era honorário. Possuía apenas o kasbah, um belo castelo no topo de uma montanha. E a lealdade do povo.

Era a lealdade que Kalen mais valorizava, principalmente após o atentado contra Malik, cinco anos antes. Os berberes ficaram de orelha em pé para transmitir qualquer revelação de descontentamento político.

Kalen sabia mais que qualquer um e consolidara seu poder. Em Ouaha, ele podia ir e vir em segredo. Era para lá que estava indo.

A imensa caravana chegou ao sexto dia e, de repente, o acampamento tranqüilo ficou movimentadíssimo. Keira abriu a lona da tenda para observar a chegada da caravana. Havia muitos camelos e homens.

Seu pai surgiu, cumprimentando um dos homens. Os dois conversaram brevemente e seu pai gesticulou para a tenda.

O coração de Keira se apertou, quase parou. Ou era o médico, ou Ahmed Abizhaid. Talvez a caravana tivesse trazido os dois.

O medo a tomou. Para onde ir? O que fazer? Tinha de haver uma saída...

Com o pulso disparado, ela olhou ao redor, vendo o mesmo que vira em seis dias. Uma cama de pele de carneiro. Almofadas.

O que faria? Atearia fogo ali? Pularia em um camelo e fugiria noite a dentro?

A lona da tenda se abriu por completo. Lá estava seu pai. Ele sorria bastante.

— Ele chegou — anunciou Ornar, cocando a barba, satisfeito.

Keira sentiu medo.

— Ele?

— O médico. Tenho mais boas notícias.

— Mais?

O sorriso do pai se alargou. Sidi Abizhaid está a caminho.

Ela ficou na tenda, sentada em um dos pufes de couro, esperando a chegada do médico.

Que droga! Não era uma mercadoria. Era uma mulher. Seu corpo só pertencia a si mesma.

O exame era uma violação. Uma traição à confiança.

Ela tentou se convencer de que sobrevivera a coisa pior, que esse era um exame médico e seria rápido. Tinha escolha? Podia evitar? Não.

E talvez isso fosse melhor. Talvez fosse a hora de seu pai saber da verdade sobre aquela noite, aos dezesseis anos.

Keira pressionou a testa junto aos joelhos, subitamente cansada. Era como se tivesse corrido por muito tempo, fugindo da solidão de sua infância.

Sentia-se totalmente dividida entre os pais, suas culturas conflitantes, sua própria mistura cultural. Por fora, não parecia tão diferente — herdara a cor da mãe, pele marfim, olhos azuis. Mas, por dentro, ela não era verdadeiramente inglesa.

Sua mãe sempre convidava crianças e casais mestiços e sorria como se dissesse. "Pronto, aí está. Contente agora?"

Sua brilhante mãe, de pensamento liberal, anglo-irlandesa, jamais entendera. Uma coisa era convidar alguém mestiço para o jantar. Outra era ser assim.

Tudo ficará bem.

No fundo, porém, sabia que não estava tudo bem. Quando a notícia se espalhasse, nunca mais ficaria tudo bem.

Tentou disfarçar os pensamentos. Havia gente entrando na tenda.

— Keira! — o pai disse seu nome. — O médico está aqui.

Ela sentiu uma pontada de dor no peito, uma fisgada no coração. Lágrimas encheram seus olhos.

— Não me faça passar por isso, pai.

— As mulheres lhe darão cobertura — respondeu ele, indicando duas moças de véu acompanhando o médico. — O exame será rápido, discreto. Não ficará sozinha. Sidi Abizhaid e eu aguardaremos lá fora.

— Então, Sidi Abizhaid já chegou?

— Sim, está tomando chá em sua tenda, porém, ansioso pelo resultado do exame.

— Pai!

Ele ignorou o protesto agonizante.

— É melhor andar logo. Livrar-nos dessa tarefa desagradável. — Ornar gesticulou para o médico. — Doutor?

O médico e as mulheres de véu se aproximaram. Keira tremeu. Não podia fazer isso, deixar que lhe tocassem.

Uma das mulheres começou a desdobrar um cobertor.

— Você ficará coberta, Lalia al-Issidri — disse o médico, respeitosamente.

— Não! — Keira não conseguia parar de se mexer no pufe. — Não posso!

— Só irá levar alguns minutos.

— Não! — soluçou ela.

— Parem! — gritou uma voz masculina em protesto. A lona da tenda se abriu.

Ela conhecia a voz. Conhecia tão bem quanto a sua. Mas era tão improvável... Milagres assim não acontecem.

— Não encostem a mão nela!

Kalen se aproximava, rapidamente, vestindo um cafetã branco, os cabelos negros cobertos por um pano também branco, as feições com uma fúria implacável. — Vou matar o homem que tocar no que é meu!

 

— Mas ela não é sua! — Rugiu Ornar, pego desprevenido. — Está prometida a Sidi Abizhaid. Ele pagou o preço da noiva...

— Então, devolva.

— Não posso.

Kalen tinha uma calma proporcional à fúria de Ornar.

— Não tem escolha. Eu já reivindiquei sua filha.

— Ela disse que nada aconteceu. Disse que você não a tocou.

Kalen nem se incomodou em responder. Só voltou-se para Keira.

— Você foi ferida?

O coração dela bateu forte.

— Não.

Ele não ficou satisfeito.

— Foi maltratada de alguma forma?

O sheik estava procurando briga, pensou ela, com os músculos enfraquecidos de tanta adrenalina.

— Não.

Seu pai apontou o dedo para Kalen.

— Agora chega! Não há nada de sua conta aqui. Nem qualquer direito sobre minha filha. Sidi Abizhaid se casará amanhã.

— Pouco provável, Sidi al-Issidri — respondeu Kalen, quase rindo. — Sua filha já está casada comigo.

O quê? Casada com Kalen Nuri? O segundo homem mais importante de Baraka? Um dos homens mais ricos do mundo?

Ninguém em sua posição se casaria com alguém como ela. Quase engasgou, pensando na noite em Dallas, quando ele surgira na varanda da festa.

Seu pai achou a idéia ridícula.

— Não há como terem casado. Keira teria dito.

— Não se eu lhe pedisse segredo... Venha me cumprimentar, esposa.

Ela jamais o vira vestido em trajes típicos de Baraka. Só com roupas sociais caras. Agora, com esses trajes, parecia mesmo um sheik poderoso.

— Ela não é sua esposa! — Ornar fez menção de agarrá-la, mas Kalen se colocou entre os dois.

— Para trás! — a voz de Kalen ecoou. Não permitiria Keira ameaçada de forma alguma.

— Não pode tê-la, não irá acontecer.

— Tarde demais.

— Não. Prefiro vê-la mor...

— Cuidado... — interrompeu Kalen. — Toque em um fio de cabelo dela e verá. Desejará jamais ter nascido.

Ornar corou, a voz sufocada.

— Sou o consultor e confidente do Sultão!

— O Sultão abençoou nosso casamento, aprova nossa união.

O pai de Keira empalideceu, o vermelho fogo deu lugar ao cinza.

— Sidi Abizhaid cortará sua garganta.

— Gostaria de vê-lo tentar algo. Ornar estava ficando sem argumentos.

— E quanto ao preço da noiva?

— Será pago.

— Para você será o dobro.

— Por que não triplicar, al-Issidri? Por que não conseguir o máximo por sua única filha?

Keira sentia dor, vergonha. Parecia um nada. Como algo barganhado no mercado...

O que precisava fazer agora era parar essa batalha terrível. Não podiam continuar assim. Seu pai era genioso, mas Kalen era mais forte e poderoso.

— Parem com isso! — gritou ela. — Por favor! O pai olhou para a filha com raiva.

— Diga-me que não se casou com ele.

— Esposa, venha para mim — ordenou Kalen.

— Keira, filha...

— Laeela...

Com o coração disparado, ela olhou de um para o outro. Tinha de escolher. Escolher seu futuro, seu caminho. Que loucura!

— Keira... — seu pai repetiu e ela o olhou como quem pede desculpas.

Escolhera. Foi até Kalen.

Estava morta de medo e ficou diante do sheik, de cabeça baixa.

— Olhe para mim — ordenou ele.

A moça não queria olhar, mas não pôde ignorar a autoridade em sua voz. O calor a tomou.

— Eu esperava uma saudação mais calorosa de minha esposa — disse ele.

Keira percebeu o humor negro. Gostava de conflito. Seria perigoso contrariá-lo.

— Perdoe-me, marido.

Ela forçou a última palavra, seu tom não foi respeitoso.

— Nada de beijo para seu marido? — Kalen provocou.

Ficou vermelha.

— Não... Marido. Kalen sorriu.

— Havia esquecido o quanto você é tímida, esposa.

— Se ela for mesmo sua esposa... — disse Ornar, astuto.

O olhar do sheik não se afastou do rosto de Keira.

— Ela é minha esposa, meu tesouro. Ornar riu amargamente.

— Então, tem o tesouro mais infeliz. Olhe para ela! Ela o desafia. Não o beija, nem o reconhece, ou dá o respeito apropriado.

— Ainda é uma esposa recente.

— Detesto chamá-lo de mentiroso...

— Então, não o faça. — disse Kalen. — Eu detestaria fazê-lo engolir suas palavras. Seria um tanto... Doloroso.

O ódio tomou conta de Ornar.

— Talvez eu não duvidasse do casamento, se tivesse provas. Talvez minha filha fosse mais obediente, se tivessem laços mais fortes.

— São fortes o bastante.

— Minha filha claramente não acha.

Kalen estudou o rosto de Keira por um longo tempo, antes de olhar para Ornar.

— Gostaria que trocássemos nossos votos novamente?

— Não! — Keira não podia deixar aquele jogo continuar. — Não vou fazer parte disso. Não serei usada por nenhum de vocês. Vocês não são justos! — explodiu ela.

— Ela é muito rebelde — Ornar empinou o nariz. — Você deve fazê-la parar com isso.

— Obrigado pelo conselho. — Kalen pôs o braço ao redor dela, sorrindo cinicamente. — Mas eu gosto do fogo de minha mulher. Não quero deter... sua chama.

— Chama é uma coisa, desobediência é outra. Você precisará de paciência para ensiná-la a obedecer — aconselhou o pai.

Um brilho aqueceu os olhos de Kalen.

— Sim... Sua filha é como um ba'eer, um camelo adolescente.

Um camelo? Kalen acabara de compará-la a um camelo? Mas seu pai acenava a cabeça, como se Kalen tivesse dito uma pérola de sabedoria.

— E, como um camelo, tem uma memória incrível. — Irá lembrar das lições ensinadas, se você lhe bater, de vez em quando.

— Bater nela? — repetiu o sheik. — Eu jamais bateria nela. E também não bato em meus camelos. Eles têm que ser ensinados a obedecer.

Keira lançou um olhar de repulsa a ele. Era tão ruim quanto seu pai!

— Mas que maravilha vocês dois reduzirem os problemas da vida classificando as mulheres como camelos.

Ornar ergueu as sobrancelhas.

— Eu começaria as lições imediatamente.

— Concordo — respondeu Kalen. — Mas primeiro preciso falar com Abizhaid.

— Deixe-me cuidar disso — interrompeu Ornar. — Não quero as comemorações dessa noite lavadas com sangue.

— Bom, então, diga-lhe que eu trouxe muitos homens da guarda do Sultão. Não seria prudente fazer qualquer coisa aqui. Mas Abizhaid é mais do que bem-vindo a se juntar a nós essa noite.

Ornar cumprimentou Kalen e saiu. Keira viu o pai ir embora! A fúria a tomou.

— Tinha de fazer aquilo? — inquiriu ela, olhando para Kalen, com as mãos nos quadris. — Precisava me humilhar?

— Não fiz isso.

— Fez sim. Me comparou a um camelo! Ele se esforçou para não rir.

— Achei que seu pai fosse relaxar... e foi o caso, não? Ele ficou mais calmo.

— Você nem gosta de meu pai...

— Mas logo será da família.

Não podia acreditar que ele fosse prosseguir com esse esquema para manipulá-la.

— Não vamos nos casar.

— Ah, vamos. Essa noite. Você não ouviu a discussão?

— Kalen, você não pode fazer isso.

— Não tenho escolha. Foi a melhor forma de protegê-la.

— Você mentiu para o meu pai. Por favor, não minta para mim também.

A tensão dentro dela crescia. Não tinha certeza do que queria dele... Uma confissão? A negação?

— Você não está aqui por mim — insistiu ela. — Isso é apenas outra estratégia, não?

— Ora, seu pai é duro na queda! Fiz o que pude.

— Então, mentiu. Disse que estávamos casados.

— Sim — foi enfático, sem qualquer tom de desculpas.

— Não se importa em mentir?

— Importo-me com a violência. Importo-me com uma trama para assassinar um rei e seus filhos. Não tem a ver com você.

— Claro que não. Que tola sou eu. Então, conte-me sobre nosso casamento, pois aparentemente perdi. Como foi?

— Foi um noivado de arrasar. Ele era um sacana mesmo.

— Amor à primeira vista?

O sheik correu o olhar por seu rosto, passando pelos olhos, boca, descendo até os seios, barriga, quadris, coxas.

— Ou cobiça. Você escolhe. Cobiça. Palavra interessante.

— Onde estávamos quando trocamos os votos? Em uma igreja, ou foi uma cerimônia civil?

— Civil. Foi muito apressado.

— Eu estava feliz?

Os olhares se cruzaram, a diversão era evidente nele.

— Em êxtase.

Lágrimas se acumularam no fundo de seus olhos.

— Criou uma história e tanto. Certamente faria qualquer mulher levitar.

— Incluindo você? Como responder àquilo?

Kalen Nuri estava com ela, em seu coração. E nada mais importava.

— E agora, como nos livramos dessa trama enganosa? — perguntou ela. — Porque são mentiras terríveis...

— Nos casamos e fazemos valer nossa história. Nossa história? A história dele!

— Eu não queria ser sua amante, Kalen. Certamente, não quero ser sua esposa.

Seus dedos cocavam para estapeá-lo.

— Primeira esposa?

Camelos. Mulheres. Kalen deveria estar se divertindo com essa viagem de volta para casa.

— Você e meu pai são muito parecidos. Farinha do mesmo saco.

Os olhos de Kalen se estreitaram.

— Não sou parecido com seu pai.

— E exatamente como ele e parece estar equivocado quanto a mim. Não sou um produto a ser barganhado.

— Barganhada, jamais. É valiosa demais para isso. Você não notou a estratégia, laeela. — Ele se inclinou em sua direção, tocando-lhe a ponta do nariz. — Seu pai deveria levá-la.

Keira teria adorado morder-lhe o dedo.

— Diga isso outra vez.

— Eu permiti o acesso de seu pai ao prédio, de propósito. Esperava que fosse levá-la. Foi a minha... estratégia.

Estava explicado. Ele não havia sido desatento. Fora cruel.

Permitira que seu pai a levasse. Quis que ela fosse forçada a entrar em um carro estranho, depois em um avião.

Keira achou que não agüentaria a dor. Todos esses anos ela dissera a si mesma para nunca esperar nada de um homem. Mas, de algum modo, após passar alguns dias com Kalen, ela teve esperanças... Tornara-se exatamente o que sua mãe desdenhava... uma mulher necessitada de um homem.

Nunca ache que ele irá querê-la, ou a forma como pensa. Dirão que a amam. Dirão o que for preciso para levá-la para a cama. Sexo. Tudo é sexo, querida, nunca esqueça.

E, de alguma forma, Kalen a fizera esquecer. Mas ele dissera que o cavalheirismo ficava para os ingleses.

— Sua estratégia, Kalen, era permitir que eu fosse raptada... Forçada a me casar?

— Era questão de segurança nacional.

Seus lábios estamparam um sorriso de descrença.

— Você, que se importa tão pouco com a sua nação, a ponto de se mudar para outro país, fez isso tudo pela segurança nacional?

— Como eu disse, o Sultão e seus filhos foram ameaçados.

Ela entendia, até certo ponto. Mas sua estratégia era a traição absoluta.

— Estão seguros agora? — perguntou Keira, com o coração partido.

— Espero que sim.

— Eu também — ela levou a mão ao rosto para esfregar uma lágrima.

— Então, você entende.

— Entendo que me enganou.

— Não há truques.

Só traição. O sentimento ardia dentro dela, queimava os olhos, a garganta.

— Podia ter-me contado.

— Há coisas que não conto a ninguém.

Ela torcia muito para que ele a quisesse, se apaixonasse por ela. Oh, a esperança!

Todo mundo não anseia por um verdadeiro amor? Mas ela não conseguia olhá-lo.

— Vá!

— Eu não ia deixá-la se casar com ele.

— Não? Tem certeza?

— Jamais teria deixado.

As lágrimas de vergonha e indignação queimavam com intensidade.

— Quando assumiria o controle? Na primeira noite das comemorações do meu casamento com Ahmed? Instantes antes que ele me levasse para a cama? Depois?

— Mas estou aqui. Cheguei conforme programado.

— Como pôde fazer isso comigo, Kalen?

— Você estava segura.

— Segura? Eu não estava segura, não sabia o que ia acontecer.

— Mas nada de mal aconteceu.

Nada? A falta de esperança era o pior de tudo. Pode-se agüentar a fome, a dor física, a sede, sofrer todo o tipo de agonia, mas perder a esperança...

— Jamais me casarei com você! — disse ela. — Pode me bater como em um camelo, mas eu jamais me casarei com você.

— Não tenho essa intenção, laeela, há outros meios de persuasão, bem mais eficazes com alguém apaixonante e sensível como você.

Keira desviou o olhar. Kalen sentiu compaixão. Ela lhe pertencia e parecia ainda não perceber. Seu senso de posse era forte, quase primitivo.

Podiam ainda não ter tido contato físico íntimo, porém isso não mudava o fato de ela lhe pertencer. O sheik pensou nos haréns de seus ancestrais, príncipes e sultões. Ele a teria, lhe daria prazer, mas, primeiro, teria que tirar os dois desse cenário político minado.

— Vamos nos casar esta noite. Um casamento de verdade. Dei minha palavra ao seu pai.

A moça riu. Não podia fazer nada além disso.

— Não — disse ela, suavemente. — Não...

— Seu pai está esperando.

— Que pena.

— Ele insiste.

— Deixe que faça o que quer. Prefiro enfrentar a punição das mãos dele a continuar com você.

Kalen a olhou com descrédito.

— Está falando sério?

— Estou. Eu o odeio.

— Odeia?

— Com todo o meu coração.

— E você tem um grande coração.

— Já tive. Um dia, eu tive...

 

Ele ergueu a mão e passou no rosto.

— Acho que você sentiu minha falta — disse ele.

— Não.

Estava sendo teimoso prosseguindo com a conversa.

— Direi a verdade ao meu pai — respondeu ela, recompondo-se. — Ficará zangado, mas é melhor saber imediatamente. Direi que é culpa minha. Vá...

— Keira...

Ela começou a falar mais rápido.

— Eu jamais quis isso, não pedi por isso. Chega!

— Não vou a lugar algum.

Kalen ergueu a cabeça, os cabelos haviam crescido desde que o encontrara, naquela primeira noite, em Dallas. Seus dedos coçavam para tocar os cachos dele. Mas, obviamente, não o faria. Ele morrera para ela.

— Eu não o quero, Kalen! — Ela tremia por dentro. — Nem quero mais vê-lo. Deixe-me em paz!                

— Como irei deixá-la? — o sheik parecia estar lidando com uma criança exausta. — Eu a assumi. Você é minha para sempre.                                              

Ela foi tomada pelo pânico.                                          

— Não! — a moça tentou se afastar.

Kalen sorriu. Nunca fora mantido à distância. Mas continuava a querer Keira. Logo a teria.

— Quer chá? — sussurrou ela, com a boca seca.

— Não.

— Você deve estar com sede...

— Só sede disso — disse ele, erguendo-lhe o rosto, antes de cobrir sua boca.

A emoção pulsava em seu estômago e ela não conseguia deter Kalen. Não encontrava forças para dizer não, diante da fúria do beijo. As palavras só piorariam as coisas.

Precisava daquilo. E teria o mais que pudesse, até que um pouco de sua dor cessasse. Kalen a usara para atacar seu pai. Talvez fosse a sua vez de usá-lo.

Keira enlaçou o pescoço dele. Abriu os lábios e seu corpo tremeu. O sheik a puxou para mais perto, flexionando-a para trás, para que seus quadris se encaixassem.

Ele estava rijo, quente, provocador. Muito excitado. Keira se arrepiou sentindo o ventre encostado em sua ereção e tudo dentro dela se contorceu.

As mãos dele desciam por suas costas, cobrindo, lentamente, cada vértebra. Ela se sentiu fraca, o corpo em fusão ao dele, o peito colado no dele... a cada golpe de seus quadris parecia um fósforo ter sido aceso no palheiro.

Beijou-a até fazê-la quase perder os sentidos. Não conseguia mais pensar em nada.

— Sim, amada? — ele debochou, sabendo que ela se entregara, sem ter mais nada a negar.

Keira lutou para se recompor, acalmar os sentidos.

— Não faça isso! — suas emoções estavam profundamente remexidas.

— Você me quer, me deseja, pare de lutar comigo.

— Posso querê-lo, mas não quero ser usada.

— Eu lhe ofereço proteção. Sidi Abizhaid é perigoso.

— E você, não é?

Ele teve o desplante de rir.

— Seria mais fácil se submeter a mim do que a ele. Submeter. Como ela detestava essa palavra. Mas fora assim por toda a sua vida.

— Você viu minha vida em Londres. — acrescentou ele. — Casada comigo terá todas as oportunidades.

— Mas eu não quero isso.

— Então, o que quer?

Ela sorriu, refletindo o que sentia por dentro, uma emoção de montanha russa.

— Amor. É óbvio que precisa de mim. Pode até me querer, mas não me ama.

— Keira...

— Pare de me dizer o que eu preciso. Preciso é de amor, Kalen...

Ele baixou a cabeça e a interrompeu com outro beijo. Dessa vez, surpreendentemente suave. Kalen pegou seu rosto, acariciando a pele acetinada.

— E você não sabe, laeela, que podemos ter tudo que quisermos?

A moça o encarou, com lágrimas nos olhos. Que ódio!

— Jamais o perdoarei.

— Vou correr o risco. — A mão dele deixou seu rosto. — As mulheres virão ajudá-la a se banhar e vestir. Tente relaxar, Keira. É um casamento, não uma execução.

Suas mãos tremiam ao prender os brincos. Vestia-se para o casamento, mas parecia um funeral.

Olhando no espelho, tentou sorrir para a mulher de vestido creme e ornada de jóias. Os cabelos estavam soltos. Boca rosa-claro. Pele marfim. O conjunto de ouro nas orelhas, pulsos e pescoço.

Nada mais a fazer além de se unir a Kalen.

Na entrada da tenda, Keira tirou um instante de resignação, mas esqueceu de tudo, pois a paisagem lhe tirou o fôlego. O sol começava a se pôr no deserto e a noite estava linda. Mais que linda, com o céu púrpura se estendendo em todas as direções. As tendas claras sob o sol poente e os fogos acesos perfumavam o ar com rosemary e cominho.

Maravilhoso.

Seu coração se apertou e ela compreendeu aqueles que não conseguiam viver na cidade. As coisas no deserto eram simples.

Amou o resplendor do céu. Os ventos ardentes, a areia e o calor intenso.

Seu transe foi interrompido por uma mulher que veio em sua direção, falando animadamente, chamando-a.

Durante a cerimônia, Keira ficou ao lado de Kalen, seu vestido oculto por um manto da mesma cor do dele, seus cabelos escuros cobertos por um véu marfim de seda, bordado em ouro e prata.

Tão logo as palavras finais da união foram pronunciadas, o sol desapareceu, mergulhando no horizonte. A bênção foi dada e Kalen se inclinou, beijando-a na bochecha.

— Estamos casados? — disse ela, ao ver a multidão os cercando, aplaudindo e saudando.

— Marido e mulher — respondeu o sheik, em tom debochado.

O banquete, após a cerimônia, seguiu noite a dentro. Horas e horas de diversão, danças e música. A tenda estava lotada de gente em pé. Keira estava sentada ao lado de Kalen, tentando ser simpática, agir como se não estivesse nervosa.

Sabia que seria obrigada a revelar a verdade agora. Sua vergonha secreta. E o que aconteceria? Como Kalen reagiria? Ficaria zangado? Diria a seu pai que se casara com um produto usado?

Deve ter suspirado pois Kalen a olhou.

— Você está bem?

Estava preocupado. Isso a comoveu.

Keira inspirou rapidamente, a dor se acentuando. Sabia que ele a queria. Que pretendia tê-la. Pelo menos aquela noite.

— Sim, obrigada. Só um pouquinho cansada.

— Foi um longo dia.

Ela acenou a cabeça. Suas emoções estavam embaralhadas.

— Está preocupada com esta noite? Aterrorizada, respondeu ela, silenciosamente, sabendo que chegariam ao assunto.

— Você ainda é tão inocente que não percebe que fazer amor é algo natural. Muito prazeroso — a voz era calma. Kalen estava tentando tranqüilizá-la. — Verá que não há motivo a temer, ou se envergonhar.

Na América ou na Inglaterra, o que acontecera com ela se chamava estupro. Nestes lugares poderia ter havido justiça. Mas, em Baraka...

Seria condenada, como se fosse responsável. Punida. Uma moça virtuosa não estaria onde ela estava. Teria permanecido escondida, protegida.

Mas Keira, sempre aventureira, adolescente meio inglesa, de mãe liberal, achou que poderia se isentar das leis de Baraka.

E pagara. Pagara pela inocência e pela ousadia. Caro.

— Confie em mim — disse ele. — Tudo ficará bem.

Confiar nele? Ah, sim! Que piada!

As comemorações terminaram tarde e, ao voltarem à tenda, Keira estava tropeçando de cansaço. Kalen segurou a lona da tenda para que a esposa entrasse.

— Fique à vontade, troque de roupa. Não há pressa — disse ele.

Uma das mulheres berberes a auxiliou a colocar a camisola antes de deitar, exausta. Tentou ficar acordada e esperar por Kalen, mas seus olhos estavam muito pesados.

Logo adormeceu. A deixaria em paz, não? Certamente não forçaria nada aquela noite.

Keira foi acordada com o balançar do colchão. Subitamente sentiu um calor ao seu lado. Braços a puxaram de encontro a um peito nu. Keira se enrijeceu.

— Relaxe — a voz de Kalen sussurrou em seus ouvidos. — Nada irá acontecer. Volte a dormir.

Mas ela já não tinha sono. Sentiu-se tremendamente desperta, o pânico correndo nas veias, a adrenalina pulsando. Não gostou da surpresa, nem de sua sensação de impotência.

— Não consigo enxergar — falou ela, sufocada.

— Acenda a luz.

— Não há nada para ver. Só estamos eu e você aqui.

O pulso ainda disparava. Os nervos gritavam, alarmados e ela tentou se desvencilhar. Quanto mais tentava se soltar, mais ele a trazia para perto.

— Por favor, Kalen, me solte!

— Keira... — murmurou ele, acariciando seu braço. — Relaxe, nada irá acontecer.

— Não posso fazer isso esta noite, Kalen...

— Nem precisa. Apenas durma.

— Não faremos sexo?

— Não.

— Só vamos dormir?

— Sim.

— Tem certeza?

— Sim.

— Prometa, Kalen, prometa que não irá me tocar. Ela sentiu seu peito estufar e murchar, com um suspiro profundo de aborrecimento.

— Ainda bem que estou aprendendo a superar seus insultos, laeela.

— Mas você está sem roupas.

— Eu sei e, infelizmente, você não. O pânico ainda pairava em sua mente.

— Você tem que vestir algo.

— Por quê? — Sua irritação parecia dar lugar à diversão.

— Para ficar decente.

— Não há nada de indecente na nudez. Keira desviou o rosto.

— Não estou à vontade.

— Então acostume-se, pois sempre durmo nu — respondeu ele, puxando-a para perto. — E, em breve, você também dormirá assim.

O calor de seu corpo invadia a camisola fina e a mão dele aquecia sua barriga.

— Duvido. Talvez prefira arranjar outra esposa. O sheik não riu, apesar de ter sido essa a intenção dela. Em vez disso, apertou os braços ao redor de Keira.

— Sem a menor chance — a voz dele arranhou seu ouvido.

Por um longo instante, houve silêncio na tenda, até que ela pôde ouvi-los respirar, sentir a batida compassada de seu coração, absorver o calor de seu corpo. Com os quadris aninhados aos dele, Keira sentiu uma estranha sensação de confiança e união.

— A inocência não é algo do que se envergonhar — disse Kalen, com uma voz aveludada. — É, no mínimo, admirável. Eu a admiro.

— Por ser virgem?

— Sim.

Ela sorriu no escuro. Sorriu, pois ele achava que estava ajudando e só tornava as coisas piores.

— Porque me admira sendo virgem aos vinte e três anos?

— Demonstra auto-estima. E respeito por seu corpo porque não se deu ao primeiro homem que pediu.

— Pode achar o que quiser, os homens são assim.

— Feminista? — provocou ele.

— Sim.

— Então, me diga, como é que uma feminista se transforma em uma animadora da torcida?

Hesitou, pensando na mãe.

— Cuidado, muito cuidado!

Ele riu novamente e Keira se mexeu em seus braços, virando de frente, esquecendo, por um instante, da própria consciência.

— Você sabe que minha mãe era uma das feministas mais duronas da Inglaterra, não sabe?

— Ouvi falar de seu passado liberalista.

— Liberalista é colocar de forma branda. — Keira jamais compreendera a mãe. Nunca entendeu como uma teoria intelectual podia ser melhor do que passar tempo com a própria filha. Quando não estava escrevendo, estava em turnê de palestras com o famoso Dr. Gordon, na Europa e América do Norte.

— No entanto, seu pai não é liberal — disse Kalen.

— Mas esse era o charme de meu pai. Era o grande desafio. Ela não resistia a um desafio.

— Você tem raiva dela?

— Raiva, não. Ela está morta.

Havia morrido de câncer, há três anos. Não soube que tinha a doença até ser tarde demais para fazer qualquer coisa.

Sua mãe, em um de seus discursos favoritos, disse que as mulheres eram amaldiçoadas por seus úteros. Que irônico ter morrido de câncer no útero.

— Você sente falta dela?

— Sinto. Mas mesmo que estivesse viva hoje, não seríamos próximas. Eu não era tão desafiante para ela.

— Você é puro desafio, laeela.

— Não, eu fui fruto de seu útero, não de sua mente. Agora, seus alunos... Esses sim ela amava. Eles adoravam-na. Abraçavam cada palavra sua. Eu só queria brincar de bonecas e fazer doce de leite.

Ele beijou-a na testa, os lábios macios em sua pele.

— Eu adoro doce de leite. Keira riu.

— Não consigo vê-lo comendo isso.

— Talvez haja muito de mim que você desconheça.

Ela se aninhou nele e adormeceu em seus braços.

Ao acordar, pela manhã, Kalen havia partido e Keira ainda se sentia aquecida e descansada. Dormira bem pela primeira vez, em semanas. Permitiu-se acordar lentamente, com o corpo tão relaxado que achou que jamais voltaria a se mover.

A sensação foi logo interrompida por gritos e ruídos do lado de fora da tenda. Keira colocou um robe sobre a camisola e pôs a cabeça para o lado de fora, para ver o que estava acontecendo.

As tendas estavam sendo desmontadas. As lonas eram cuidadosamente enroladas e amarradas em rolos brancos e, à beira do campo, os condutores dos camelos berravam " Utsh! Utsh!", tentando fazer com que os animais abaixassem para carregá-los com caixas e malas. Um dos camelos estava rugindo em protesto pelo carregamento dos primeiros sacos e o condutor evitava ser mordido.

Kalen estava ali com um grupo de homens e alguém deve ter dito algo, pois ele se virou em seu cafetã branco, a viu e veio em sua direção.

— Shah I-khir. — Bom dia, disse ele, inclinando-se para beijar-lhe o rosto.

Era um cumprimento público e mesmo antes que seus lábios a tocassem, ela sentiu um frio no estômago. Lembrou da noite em seus braços... Da sensação de seu peito contra o dela...

Da forma como suas pernas deslizaram entre as dela...

— Dormiu bem? — perguntou Keira, tentando disfarçar o efeito louco que Kalen exercia sobre ela.

— Muito bem — respondeu o sheik, com os olhos faiscando. — E você?

— Bem.

Seu sorriso abriu as covinhas nos cantos dos lábios. Ele a teria beijado à noite? Podia jurar que sentiu seus lábios no pescoço.

— Não perturbei seu sono? — perguntou a moça.

— Não, perturbei o seu?

Ela pareceu lembrar de certa mão percorrendo suas costas... Uma palma quente segurando-lhe os seios... A mesma mão acariciando provocativamente os mamilos, que se enrijeceram. Seu corpo se contorcendo em um doce protesto...

— Não.

— Bom. Você precisava de uma boa noite de sono. Suas palavras diziam uma coisa e o tom dizia outra.

Ela o olhava, vendo sua alegria e sua fome também.

Kalen a queria. Mais que tudo que jamais quisera e ela se arrepiava de desejo.

Em Londres, ele tinha um ar de mistério que combinava com seu título. Mas, naquela manhã, com o sol refletindo em seus cabelos negros, o céu azul e a temperatura subindo, Kalen era tudo, menos mistério. O sheik regressara ao deserto e o deserto, com seu sol, vento e mar de areia, trouxera-o à vida.

— Talvez queira se trocar — ele sugeriu, enquanto dois homens passavam carregando caixotes de madeira. — Seu café está esperando, vamos partir em meia hora.

— Para onde vamos?

— Para meu castelo em Ouaha.

— E meu pai?

— Voltará para Atiq. — Kalen sorriu ternamente. — Acho que ele ainda não está à vontade o suficiente comigo para nos acompanhar em nossa lua-de-mel.

 

Lua-de-mel. Keira dizia as palavras com cuidado. Sentiu uma onda de calor na barriga, nos seios, nos mamilos sensíveis...

Cedo ou tarde, Kalen ia querer consumar o relacionamento. Era o que a lua-de-mel representava.

Estava atraída por Kalen, mas também tinha medo. Não sabia o suficiente.

Ela se forçou para se trocar e comer um pouco do café-da-manhã.

Foi um longo dia e eles pararam rapidamente para um lanche. Quando Keira ficou com fome, Kalen lhe ofereceu um saco de doces e tâmaras para beliscar.

— Tâmaras são perfeitas para o deserto — disse ele. — Elas têm sal, água, açúcar e vitaminas.

Mais tarde, com o sol a pino e miragens surgindo à distância, Keira se sentiu acalmada pelo balanço dos camelos, as cores do deserto, a impressão de que o tempo havia parado e o resto do mundo desaparecera.

O devaneio foi interrompido, quando um dos homens de Kalen veio até a ele para lhe falar em tom de urgência. Kalen acenou a cabeça, disse algo e o homem se foi.

Isso voltou a acontecer mais três vezes durante as horas seguintes.

E, apesar da fisionomia de Kalen aparentar calma, havia um certo estado de alerta.

Por quê?

Estariam sendo vigiados, seguidos? Abizhaid estaria no encalço?

Ela já esperava a retaliação de Ahmed Abizhaid. Kalen a roubara bem debaixo de seu nariz, pagara o triplo pela noiva e se casara na frente de todos...

Mas Kalen não mencionou nada, nem expressou preocupação ou medo. Mais tarde, eles finalmente pararam, montando acampamento no wadi, leito do rio.

Conforme viajavam naquele dia, o solo começou a mudar. Ainda estavam cercados de areia, porém picos de rochas avermelhadas começavam a surgir no horizonte, junto com árvores nodosas, que brotavam da areia.

A caravana de Kalen era composta por uns vinte homens. Metade era da guarda do Sultão e o restante era uma mistura de berberes. Cada homem tinha uma função conforme o acampamento era montado, incluindo o cozinheiro que preparava um jantar tradicional de Baraka, com guisado de carneiro.

Durante o jantar, alguém veio até a entrada da tenda e se anunciou, sendo imediatamente chamado por Kalen, que se levantou e o cumprimentou, sem apresentar Keira. Os dois se afastaram e conversaram longamente.

A medida que falavam, Keira observava o estranho de túnica branca e olhos escuros. Era alto, encorpado, bronzeado, mas havia um tom indomável nele, como se fosse mais guerreiro do que homem.

Não era um dos homens viajando com Kalen, e também não era um dos guardas do Sultão. Era berbere, isso ela sabia. Quem seria, e que relacionamento tinha com Kalen?

Enquanto comia o m'íla, pão das areias, ela tentava entender alguma coisa da conversa entre Kalen e o homem, porém as poucas palavras que conseguiu entreouvir não eram do árabe que aprendera.

O estranho se levantou e partiu. Kalen voltou ao seu lado.

— Preciso ir — disse o sheik. — Meu convidado viajou uma longa distância, temos muito a conversar.

Ela estava certa. O estranho acabara de chegar.

— Quem é? Não o reconheci.

— Sheik Tair. Um chefe berbere da vizinha Oua-ha. Um velho amigo.

— Ele parece um tanto... feroz.

— Os berberes são guerreiros famosos. — Ele se abaixou, beijou-a na testa. — Mas também são conhecidos pela ternura e pela hospitalidade. — Ele se preparou para sair.

— Kalen... — Sua voz o parou. — Você está arquitetando algo? — perguntou, suavemente.

Ele estreitou os olhos. O rosto sério.

— Você não corre perigo algum, juro. Keira se levantou e foi até ele.

— Não estou preocupada quanto a mim — respondeu ela. — Você está em perigo?

Ele pegou uma mecha de seus cabelos que pendia sobre o ombro.

— Sempre há riscos, laeela, mas são calculados.

— Você vai lutar com Sidi Abizhaid, não vai?

— Não hoje.

Depois, Kalen lhe ergueu o queixo, beijou os lábios dela e partiu.

Keira não conseguia dormir. Ficou deitada na tenda. Chegou a sair de lá para tentar vê-lo, porém, ele não estava em lugar algum e as outras tendas permaneciam escuras. No entanto, havia homens do lado de fora de sua tenda, com os rostos ocultos, envoltos em panos que só deixavam os olhos à mostra.

— Sheik Nuri? — perguntou Keira ao sentinela mais próximo. O homem balançou a cabeça e gesticulou indicando que ela voltasse para a tenda. A moça percebeu a espada no cinto e o coldre de couro embaixo do braço. Estava muito bem armado.

Ela voltou para a tenda e deitou na cama, esperando por Kalen. Enquanto esperava, tentou confrontar as verdades que não quisera admitir durante anos. Amava Baraka. Amava sua porção baraquense.

Mantivera distância da cultura do pai todos esses anos. Mas, apesar dos sete anos fora, não apagara o exotismo de Baraka de seu sangue.

Em Dallas, sempre que olhava no espelho, via o céu azul escuro do deserto em seus olhos. Podia querer ser inglesa, podia até pensar como americana, porém, no fundo do coração, sabia ser meio baraquense.

Estava contente por estar de volta e fazer as pazes com o passado.

As horas passavam e Kalen não voltava. Keira lutava para se manter acordada, mas acabou perdendo a batalha e cedeu ao sono. Kalen deveria estar aqui...

E ele estava lá quando ela despertou ao amanhecer. Dormiu junto a ela.

Estava nu, os cabelos escuros despenteados, a pele dourada brilhante. Seu calor parecia penetrar nos lençóis, na coberta.

Ela virou de bruços para melhor olhar seu rosto. Gostava dele dormindo. Belo, muito belo.

Keira o beijou de leve; ele nem se mexeu. Sheik Kalen Nuri... Sonho... Fantasia...

Cuidadosamente, para não perturbá-lo, ela deslizou para debaixo das cobertas e se aninhou ao seu calor, saboreando a força e o raro prazer de estar em doce contentamento. Era uma sensação boa com a qual certamente poderia se acostumar.

De repente, ele correu a mão por suas costas, por baixo dos seios e novamente embaixo, até a barriga. Por vários minutos ela, imóvel, mal conseguiu respirar, tamanho o prazer. Era ótimo ser tocada daquela forma.

Ela se deleitava em ser acariciada. Suas mãos estavam tão quentes que o calor passava pelo algodão fino da camisola. Keira se curvou procurando ficar mais próxima dele.

Kalen roçou os lábios em seu rosto, levemente. Um beijo fez os nervos dela acordarem.

Tinha uma boca tão gostosa! Ela debruçou sobre seu peito, tentando recapturar o prazer. O sheik a deixou se esticar, para depois coroar seu esforço com mais um beijo.

A pressão aumentou. Keira sentiu os músculos tensos do corpo dele.

Sua boca buscava a dele, seus lábios pediam mais. Ela queria mais, mais, mais...

O sheik virou e a puxou para cima dele. Ela teve que subir e se apoiar nos cotovelos para beijá-lo melhor. Podia controlar a intensidade, o espaço, enquanto deslizava a língua para dentro de sua boca, passando a ponta no lábio superior.

Com uma das mãos ela lhe tocou o rosto, a aspereza da barba crescendo. Depois, beijou-o mais intensamente, em total sintonia com ele. Era tão maravilhoso.

Kalen se deu a ela, indo de encontro aos seus anseios, reagindo fervorosamente a cada beijo, com profunda paixão. As línguas se enroscavam e suas mãos acariciavam-na inteira. Keira parecia que ia levitar.

Ele a sentiu tremer e segurou-a bem firme, mantendo-a presa no peito, nos quadris, nas pernas. O calor e rigidez de seu corpo penetraram sua camisola. O obstáculo fino era quase uma distração entre ela e Kalen. Mas ela tentou ignorar, concentrando-se em saciar a sua fome terrível.

Keira o desejava. Precisava dele. De alguma forma, precisava descobrir o que Kalen tinha para que ela o quisesse tanto, por todos esses anos.

Queria com intensidade, queria estar perto, ser abraçada, como se fosse a única mulher para ele.

Mas não sabia como seduzi-lo, ou ser mais agressiva. Apesar de querê-lo, estava insegura quanto às suas habilidades...

Alguém como Kalen já estivera com muitas mulheres experimentadas na arte de sedução. Ela não podia lhe dar isso. Só podia dar a si mesma, seu coração, seu amor, sua lealdade.

O sheik acariciou suas costas, parando a mão no final da espinha, depois deslizando abaixo, acariciando a curva dos quadris. O corpo de Keira foi ficando quente e arrepiado.

Kalen prosseguiu acariciando seus quadris; ela, tentada a separar as pernas e dar acesso às suas partes mais íntimas, mas o medo a impediu. Não suportaria ser ferida novamente... Principalmente por ele.

Porém, Kalen não a forçava, nem apressava, e enquanto fazia carinho, o útero dela parecia pesado. Sentiu-se envergonhada pela umidade no meio das pernas. Estava muito excitada, porém percebeu que não era a única. Ele estava rijo há tempos, pois Keira notou a pressão da rigidez de encontro à sua coxa.

Ela não sabia o que fazer, como daria o próximo passo. Se soubesse que não iria doer... que ele não a machucaria... Então, a moça o beijou outra vez, ofertando a única coisa que sabia fazer.

Kalen tocou seu rosto.

— Está com medo? — murmurou ele.

— Sim.

— De quê?

— Dor.

— Farei o máximo para não machucá-la. Queria acreditar nele. Queria mesmo. E o toque era tão carinhoso e amoroso que ganhou seu coração.

— Se algo doer, ou lhe assustar, me diga e eu paro — prometeu ele.

— Está bem — respondeu Keira, tremendo.

Ele a beijou novamente, a língua explorando o interior de seus lábios. Enquanto isso, pegou-a no meio das pernas, devagarinho. Estava separando suas coxas, abrindo caminho para a mão.

As pontas dos dedos passaram pelos cachos entre as coxas. Ela sentiu a própria umidade na pele. E ficou toda quente.

Ele voltou a acariciar seus pêlos. Depois, suavemente, passou a mão por sua maciez, escorregadia e cheia de calor.

Seu toque era maravilhoso. Não dava medo, era provocador. Quando ele acariciou seu clitóris, foi como se o céu e a terra se unissem — um turbilhão de sensações.

E, então, Kalen pôs um dedo dentro dela e Keira congelou. Foi um medo involuntário, talvez, mais pelo desconhecido do que outra coisa, pois seu toque era extremamente prazeroso.

— O que foi? — perguntou ele, encostado em sua boca. — Eu a feri?

— Não.

Uma emoção lhe preencheu o peito.

— Isso é bom? — ele deslizou lentamente o dedo para dentro e para fora.

Os músculos dela se retesavam, apertando-o.

— Sim.

— Do que mais você gostaria?

Ela balançou a cabeça, incapaz de responder.

— Diga-me laeela. Não saberei como satisfazê-la se não me disser.

— Mas está me satisfazendo. Sou eu. Receio desapontá-lo.

— Jamais! Nunca, eu juro.

Ele levou a mão à sua nuca, baixando-lhe a cabeça novamente. Kalen a deixara beijá-lo antes, mas depois assumiu a liderança e a beijou profundamente.

Seus beijos eram mágicos e o sheik obteve dela uma reação que a atordoou. Era como se sua ligação com a realidade estivesse sumindo, como se houvesse dois mundos distintos que jamais conhecera. Seu corpo já não tinha controle, dançava nas mãos dele.

Queria se dar para ele. Queria lhe pertencer em todos os sentidos.

— Tire a minha camisola — sussurrou ela, enlouquecida pelo tecido entre as pernas que a impedia de sentir Kalen.

— Sente-se.

Keira obedeceu. Separou as pernas com seu interior molhado contra toda a ereção dele. Deveria estar constrangida, mas não ficou. Na verdade, foi seduzida pelo toque, pelo prazer.

Kalen levantou a camisola, passou por sua cabeça e jogou a peça ao lado da cama. E pôs as mãos em sua pele, quente e sensível.

Ele rolou habilmente, segurando-a pelos quadris com firmeza. A moça ficou embaixo dele, o corpo cá-lido pressionando de encontro ao de Keira, molhada.

Ao deslizar o membro para cima e para baixo sobre sua maciez, quase escorregou para dentro, e ela gemeu, tensa.

— Se doer, me diga para parar — sussurrou o sheik, lembrando-a do acordo.

Ela concordou e Kalen baixou a cabeça, beijou-a, acalmando-a.

Keira percebeu o membro adentrando-a. Ele levou a mão à sua barriga, acariciando, e depois aos seios. Brincou com os mamilos, gerando inúmeras sensações. Ela se viu desejosa. A pressão dentro dela não era dor... Não é dor, é apenas Kalen, fazendo amor com você.

Ele mexia devagar, saindo com cuidado, depois voltando a entrar com carinho. Dessa vez houve menos pressão, a impressão de ser esticada foi menos intensa. Kalen continuou a adentrá-la só para recuar, até que a sensação se tornou mais que prazerosa.

— Kalen... — ela sussurrou, rouca de desejo. O peito dele roçando em seus seios.

— Quer que eu pare? — disse ele, beijando-a, sugando sua língua.

Aquele beijo a levou quase ao limite. Keira estremeceu junto a ele, que mergulhava a língua em sua boca e entrava mais fundo no meio de seus quadris. A ereção rígida dele era erótico, excitante, devasso. Bom demais.

O sol lá fora começava a surgir, dando pinceladas de amarelo e rosa na lona, muito parecido com o calor que ele gerava nela.

O pulso acelerava. Keira ergueu os quadris para recebê-lo mais fundo, sugando sua língua e mantendo a boca molhada. Sua pele estava quente e sensível. Seus nervos, retesando-se ainda mais. Keira apertava suas costas, agarrada a ele, sua respiração cada vez mais rápida.

— Kalen... — disse ela, sentindo-se absolutamente fora de si.

Porém, ele não parou de se mexer, apenas foi mais fundo, mais fundo...

Com o prazer a sufocando, seu corpo passou a se retrair, seus músculos tentaram prender Kalen. E, de repente, ela estava estilhaçando, em uma explosão de tempo e espaço. Ela gritou de prazer, muito prazer.

Tremendo em seus braços, ela sentiu uma onda após a outra passando por ela. Era algo tão forte que ela não conseguiu escapar. E ele explodiu também, entrando nela em um orgasmo voraz.

Keira ainda estava agarrada a ele, o coração disparado, a pele molhada e vermelha, quando uma voz gritou do lado de fora da tenda.

— Sua Excelência! — berrou o homem. — Uma caravana se aproxima. O Sheik Tair irá encontrá-los.

Kalen a beijou e logo saiu da cama, pegando as roupas e ainda as vestindo ao sair.

Keira também se trocou rapidamente. Minutos depois, o acampamento tomou vida. Os condutores dos camelos já amarravam as caixas aos animais.

Quando Kalen ressurgiu, a tenda estava guardada e a cama havia sido desfeita.

— Você está em perigo? — perguntou ela.

— Não. Tair tem muitos homens entre nós e a caravana...

— É Sidi Abizhaid, não é?

— Humm... É melhor irmos andando, tentarmos atravessar a fronteira de Ouaha. — Ele a ajudou a subir em um camelo e se inclinou para beijá-la no rosto. — Desculpe termos sido interrompidos.

Ela corou.

— A segurança nacional sempre vem primeiro, Vossa Excelência.

Kalen sorriu.

— Espero continuar mais tarde... se você não estiver muito doída.

Keira ficou vermelha outra vez.

— Estou bem.

— Não a feri?

Feri-la? O sheik havia sido o amante mais inacreditável. Ela foi beijada, tocada, saciada além das expectativas.

— Não.

— E não a assustei?

— Não. Nem um pouco.

— Que bom! — Ele apertou suas mãos, depois se afastou. — Lembre-se, laeela, estou sempre por perto.

Durante a viagem, a passagem de areia mudou para a de pedras e depois para a de vales íngremes.

Aquela manhã significou algo, pensou ela, olhando para Kalen, enquanto rumavam à cidade avermelhada à distância. Fazer amor com ele havia sido algo... sagrado..

Seria assim para todos?

Seu corpo parecia lindo nas mãos dele. Tudo parecia perfeito.

Kalen trouxe o camelo até o lado do seu.

— Acabamos de atravessar a fronteira — informou ele. — Deixamos Baraka e entramos em Ouaha. Devemos chegar ao meu kasbah em mais umas duas horas. Mas antes passaremos por Zefrou, outra cidade berbere, para um chá.

— Você não está mais apreensivo quanto a Sidi Abizhaid?

— Esta é a jurisdição do Sheik Tair.

— O que isso significa?

— Se Abizhaid cometer um crime aqui, eu não posso tocá-lo. Passa a ser responsabilidade do Sheik Tair.

— Mas o Sheik Tair é seu amigo. Os olhos de Kalen se acenderam.

— E verdade.

— E isso é... justo?

— É justo que Abizhaid ataque as cidades da fronteira para financiar sua coalizão com os rebeldes? Ou que a esposa de Tair e seu filho pequeno tenham sido atacados e mortos um ano atrás?

Percebeu o choque nos olhos dela e balançou a cabeça.

— Abizhaid é um desalmado. Um bandido que toma o que quiser de quem bem entender e corta gargantas daqueles que estiverem em seu caminho.

As palavras de Kalen encheram-na de medo.

— E meu pai? — perguntou Keira.

— Abizhaid manipula seu pai. Faz com que ele obedeça com intimidação.

— Mesmo assim meu pai ia me fazer casar com ele.

— Abizhaid disse que a mataria se ele não arranjasse o casamento.

 

A cabeça de Keira girava e ela perdeu o equilíbrio, segurando-se na sela do camelo.

— Quem lhe disse isso?

— Seu pai, na noite em que nos casamos.

— Então, por que triplicou o dote? Por que jogou a oposição no caminho?

— Estava blefando. Tentei parecer leal a Abizhaid, pois ele tem espiões em toda parte. Porém, depois, Ornar se recusou a receber um centavo sequer pelo seãaq. É grato por você estar sob minha proteção.

Ela não sabia no quê acreditar.

— Então, por que foi ao Sultão pedir ajuda?

— Por estar sendo chantageado há quase uma década.

— Por quê?

— Tempos atrás, seu pai compartilhou uma informação com uma mulher — que amava, e acreditava o amar também — e resultou em um atentado à vida do Sultão. Malik quase morreu.

— Quem era a mulher?

— Uma das esposas de Abizhaid. Keira segurou mais forte na sela.

— Sabia disso?

— Eu desconfiava, mas ele confirmou tudo ontem. Ele está aliviado. Viveu com esse peso durante anos.

— Então, ele vai ajudá-lo?

— Ofereceu-se para testemunhar contra Abizhaid...

Keira respirou fundo, por saber das implicações.

— Será morto.

— Ele entende os riscos. Abizhaid pagará pelos crimes. O Sultão e o povo de Baraka estarão mais seguros. Ornar terá a chance de uma vida normal.

Ela também adoraria uma vida assim.

— E depois de testemunhar, será preso?

— Pode ser. Ou, conhecendo Malik, creio que perdoe. Mas, primeiro Abizhaid tem de ser capturado e o Sheik Tair se propôs a me ajudar.

Um cavaleiro surgiu no horizonte. Kalen o observou por um instante.

— Nada bom — disse ele, baixinho. — Não será notícia boa.

— Quem é? — ela perguntou.

— Um dos homens de Tair. Algo aconteceu. Kalen estava certo. Inúmeros homens de Tair haviam sido mortos, o próprio sheik estava ferido.

— E Abizhaid? — inquiriu Kalen, olhos fixos no rosto do jovem berbere.

— Parece que escapou.

Depois disso, o jovem partiu, não na mesma direção de onde viera, mas para a cidade de Zefrou, já visível.

— Ele foi buscar um médico — informou Kalen. — Tair é meu amigo há muitos anos. Mas você é minha esposa e eu não vou deixá-la até que esteja segura.

Após meia hora, aproximaram-se de Zefrou. Pouco havia mudado em mil anos.

A cidade de tijolinhos foi banhada por séculos de sol, vento e chuva. As ruas eram repletas de jumentos. Homens e mulheres vestiam jellabas.

Eles pararam para tomar chá em uma impressionante casa, em ruínas, feita do mesmo barro vermelho do restante da cidade. Porém, o interior era surpreendente. A recepção era cheia de azulejos em mosaico, e as paredes de argila eram pintadas de rosa e ocre.

A viagem estava sendo uma descoberta, pensou Keira. Pela primeira vez, ela percebeu que a vida nos países fronteiriços ao Mar Mediterrâneo não era feita só de cidades e ruas congestionadas como Atiq ou Tânger. A vida também tinha os ritmos antigos do interior, com estradas de terra e o silêncio do povo berbere.

O chá era um ritual do qual os berberes se orgulhavam. No entanto, Kalen parecia impaciente. Estava ansioso, queria viajar. Partir, porém, era decisão de Kalen e ele resolvera concluir a cerimônia do chá, respeitosamente.

Ele começava a agradecer quando uma porta se abriu e se ouviu o som de gente correndo e risos. Duas garotas surgiram na sala, seus jellabas voando, revelando os cabelos longos e compridos.

Então perceberam que haviam interrompido o sheik durante o chá. Agarraram-se uma à outra, horrorizadas. Curvaram-se e saíram logo de ré. Uma delas ficou olhando para Kalen por um instante, em uma expressão curiosa.

Seu pai notou.

— Vá! — ordenou ele.

A garota baixou o olhar, mas Keira viu o sorriso acanhado.

— Ela me lembra você — disse Kalen, suavemente, tocando-lhe o braço. — Você era assim. Olhos grandes. Uma curiosidade sem fim... Bom, devemos ir. Está ficando tarde.

— Você está preocupado com o Sheik Tair? — perguntou ela, ao deixarem a casa.

— Não houve notícias — respondeu ele.

— Um mau sinal?

Ele hesitou e nada falou.

Os camelos haviam sido substituídos por cavalos.

— Assim viajaremos mais rápido — explicou Kalen.

— Está ansioso quanto a Tair? Ele a pôs sobre a sela.

— Preocupado, talvez. Ansioso? Não. A única coisa que me deixa ansioso é que, se não nos apressarmos, não terei tempo suficiente na cama com você.

— Isso não é importante...

— Não é importante? Laeela, estamos em lua-de-mel!

O sol começava a se pôr quando chegaram ao kasbah e à fortaleza de argila. O kasbah fora construído há quase quinhentos anos, no alto da montanha. Era feito uma cidade, murado com torres, jardins e piscinas.

Tudo surpreendente e encantador. Os castelos de argila deterioravam-se rapidamente no calor intenso, mas o de Kalen era muito bem cuidado. Palmeiras sombreavam os jardins. Uma fonte jorrava água na saída do quarto de Kalen. Ao lado da fonte, havia uma piscina que refletia o céu.

— Isso é... fantástico! — extasiou-se ela.

— É lindo mesmo — concordou o sheik, sorrindo pelo prazer de esposa.

— Não é um kasbah, Kalen, é um palácio de sultão!

— Eu sei.

A expressão dela foi de humor, ao olhá-lo.

— Você não é um sultão, é?

— Somente em Ouaha.

Seu queixo caiu, o humor dando lugar à surpresa.

— Você é sultão?

— É mais um título honorário.

Ela ainda não conseguia pensar rápido, mas as coisas iam se encaixando.

— Por isso que, no ritual do chá, trataram você com tanta reverência. E as adolescentes...

— Considero-me um chefe berbere, como Tair, não um sultão. Falando em Tair, preciso ir. Estará segura aqui.

— Não estou preocupada.

— Posso demorar alguns dias.

— Eu entendo.

Ele seguiu até ela e a beijou. Seu olhar estava sombrio, cheio de emoção.

— Fique dentro dos muros do kasbah.

— Ficarei.

— Se algo der errado...

— Não vai dar. — Ela ficou na pontinha dos pés e retribuiu o beijo. — Faça o que tiver de fazer, mas volte logo.

Kalen voltou no terceiro dia. O tempo até que havia passado rápido para Keira. Ela mergulhara na vida do kasbah, juntando-se às mulheres na cozinha, tendo aulas de culinária berbere.

Estava na cozinha aprendendo a fazer um doce quando uma das empregadas gritou que o Sheik Nuri estaria chegando em uma hora. Keira arrancou o avental, voltou ao seu quarto e foi se banhar, lavando-se com citrus e lavanda.

Após o banho, passou um bálsamo que as mulheres do kasbah haviam feito. Quando a porta do quarto se abriu, Kalen estava ali, formidável, olhando.

— Não se mexa — ordenou ele, pegando a toalha.

— Estou nua... — retrucou, corando, os cabelos longos ainda úmidos, colados à pele.

— Eu sei. — Ele fechou a porta e trancou. — E não podia querer boas vindas melhores.

— Deixe-me terminar de me vestir...

— Claro que não. Você é linda. Eu quero olhá-la.

— Kalen...

— Alegre-me, laeela. Eu viajei muito hoje só para voltar para você.

Ela mordeu o lábio, nervosa.

— E o Sheik Tair? — perguntou, tentando distraí-lo. — Como vai ele?

— Está em um hospital em Atiq. Deve se recuperar inteiramente.

— Você deve estar aliviado.

— Estou — respondeu ele, com uma expressão demonstrando que ela não o havia distraído.

— E Sidi Abizhaid? — disse ela, sentindo que ele olhava seus seios e os pêlos pubianos cacheados.

— Morto.

Quis pegar a toalha.

— Quando? Como?

— Ele foi morto na emboscada que feriu Tair. Pelo fato de estar disfarçado, ninguém o reconheceu logo.

— E agora? — perguntou ela.

— A vida continua. — Kalen se espreguiçou, cansado. — Precisa continuar. E eu só gostaria de esquecer as últimas horas e me concentrar em você.

— Em mim?

— Sim. Deixe-me começar com um banho. Não há nada que eu queira mais do que uma banheira quente, e a companhia da minha bela esposa. E depois...

Ela corou.

— Deixe-me ver seu banho.

E antes que ele pudesse responder, Keira ajoelhou-se junto à banheira e ligou a água.

O pulso dela estava acelerado, mas ela não podia se permitir pensar em nada além do banho. Precisava focar uma coisa de cada vez.

Conforme a água enchia a banheira, Keira jogou mais ervas. Ligeiramente trêmula, ela derramou o óleo de citrus das cascas de laranja e limão.

Ele se moveu atrás dela e tocou a cabeça de Keira.

— Você é a fantasia de qualquer homem transformada em realidade.

A moça baixou a cabeça, os cabelos longos caindo sobre os seios.

— Uma escrava do Império Otomano — respondeu ela, corando intensamente.

Kalen a levantou e a virou de frente. Segurou-a firme, nas coxas, as pernas entre as dele.

— Hummm... Mas que fantasia interessante! Não foi minha, mas, se você fosse minha escrava... o que eu a faria fazer por mim?

Seu olhar âmbar ardia.

— Alguma idéia ou sugestão, laeelcrt

Ela se sentiu tão tímida, inexperiente.

— Eu podia tirar sua roupa.

— Sim.

— Banhá-lo.

— Banhar-me?

— Você disse que eu era sua escrava.

Ele a inclinou para trás. Com os cabelos soltos, coberta de óleo aromatizado, ela estava tão vulnerável, macia, fêmea, frágil...

Kalen baixou a cabeça, passando os lábios em seu pescoço, descendo até os seios. Ele pousou os lábios em um dos mamilos, sugando-o com vontade.

Keira se arrepiou. Os quadris se contorciam. Via-se totalmente desorientada. Depois, com o coração disparado e as mãos tremendo ela pegou o cinto da túnica dele e conseguiu soltá-lo. Jogou tudo em um pufe.

— As calças — disse ela, com a boca seca.

O sheik sentou na beirada da banheira. Keira se ajoelhou aos seus pés e tirou as calças do marido, colocando-as junto com as outras peças.

Ela ouviu uma risada leve e debochada, quando ele se virou e escorregou para dentro da banheira.

— Estou tão envergonhado! — provocou ele, afundando, depois gemendo de prazer com a água quente.

Por um instante, Keira apenas o olhou, deixando-se embriagar, Com seus cabelos escuros, os lábios que exigiam ser beijados. Ela o queria, queria estar com aquele homem novamente... Pôs-se à frente e deu um beijo suave em sua boca.

— Vou lavar seus cabelos. Fique de olhos fechados.

Usando um pequeno balde de prata para molhar os cabelos, ela pegou o xampu e despejou uma boa quantidade em uma das palmas. Depois, começou a espalhar, fazendo espuma. Vendo o quanto ele gostava, Keira fez devagar, massageando a frente, os lados, a parte de trás da cabeça, a tensão na nuca, ao redor das orelhas. Ele suspirou quando a esposa terminou.

— Agora, o restante — anunciou ela, pegando uma esponja. Apanhou o sabão aromatizado e esfregou suas costas, seus ombros largos, seu peito sexy.

Kalen olhava com ar preguiçoso.

— A melhor escrava que eu já tive. As sobrancelhas dela se ergueram.

— Obrigada, eu acho. — Ela se sentou ao terminar e lhe deu o sabão. — Fiz o que pude. O resto é com você.

— Você esqueceu alguns lugares...

— Eu sei. Até as escravas têm limite.

Ele riu e pegou o sabão para lavar embaixo da água. Keira desviou o olhar, o rosto ardendo, o corpo todo quente e sensível.

— Você não quer ver a minha técnica? — provocou ele.

— Não.

— Talvez aprenda algo.

De repente, ela foi puxada para dentro da água.

— Talvez aprenda algo — repetiu Kalen, reclinando-se e a apoiando na banheira. — Você pode até gostar.

Ele a beijou ardentemente, um beijo voraz que lhe tomou os sentidos. A pressão de sua boca e seu corpo molhado, os pêlos de seu abdômen de encontro aos seios fez a cabeça dela girar.                                         |

Keira não sabia se era a forma como o marido a beijava, ou o fato de estar nua sobre ele dentro da água quente, mas queria mais dele. Conforme Kalen a beijava, ela passava as mãos por suas costas. Seu corpo era grande, belo, e ela o deixava envolver em seus braços.

Quando Kalen mudou de posição com ela na banheira e a colocou embaixo dele, ela deixou. Estava ofegante e ele baixou a boca até seus seios. O calor estava por toda parte e ela se derreteu toda.

Sentia as mãos dele em suas coxas, deslizando até os quadris. Sentia a ereção dele roçando seu ponto mais ardente. Keira quase chorou de delírio. Kalen penetrou e seus pulmões se apertaram, seu coração quase parou. Ele a preenchia deliciosamente. Não doía nada.

Keira se arrepiou quando ele começou a se mexer, mergulhando o corpo no seu. As mãos dela percorreram seus braços, delineando os músculos rijos, a pele acetinada.

Com ele dentro dela, preenchendo, aquecendo, ela percebia o brotar da mais intensa emoção. Eu te amo, queria dizer, enquanto o sheik a levava ao limite, dando-lhe o prazer supremo. Porém, as palavras ficaram em seu coração, presas.

Eles acabaram fazendo amor mais tarde, dessa vez, na cama, ainda embrulhados nas toalhas, cheirando a óleo.

Depois do segundo clímax, Keira não conseguia se mexer, quente e exausta nos braços de Kalen.

— Sei que você precisa comer — sussurrou ela, de olhos fechados, ainda flutuando.

— Eu poderia fazer amor com você o dia todo. Ela sorriu.

— Certamente terá que se alimentar para isso.

— Talvez eu só coma você...

— Kalen!

— Ainda tão tímida, laeela. — Ele acariciou a curva do seu rosto com o polegar. — Nunca conheci uma mulher tão linda e acanhada como você.

— Não sou tímida como antes.

— Não, mas você está sendo um desafio. — Ele a beijou profundamente. — Eu louvo o presente que você me deu, sua virgindade. Sou grato por ter esperado.

Keira começou a ficar nervosa.

— E se eu não fosse mais virgem? — sussurrou ela, com o coração descompassado. — E se eu tivesse experiência?

— Acho que isso dependeria do nível de sua experiência, mas conhecimento não é algo ruim. — Kalen acariciou seus cabelos, depois as costas. —No entanto, o fato de você não ter experiência me impressionou. Fico feliz por ter sido o primeiro e ter podido ensiná-la, amá-la.

Uma náusea bateu, provocando uma dor no coração. Dor e culpa. Ela saiu do abraço e sentou na beirada da cama.

— Vou ver seu jantar.

— Keira! — o sheik se inclinou à frente, agarrando o punho dela. — Não tenha vergonha. Todos são diferentes. Sou sincero quando digo que a admiro. Respeito suas escolhas...

— Mas você não sabe das minhas escolhas — respondeu ela. — Sabe pouco de mim.

— O que é que eu não sei?

— Muito.

— Eu a conheço desde jovem, e tenho gente que a investigou.

— Até quanto tempo você regressou no passado? Ele franziu as sobrancelhas.

— Um bocado.

— Então, obviamente não foi o bastante. — Havia certo tom de raiva em suas palavras. Keira tinha que contar. A culpa a estava devorando. Deveria estar calma, mas estava bem longe disso.

Algo estava se estilhaçando dentro dela, levando-a a querer confessar.                                                  

Alguém tinha de saber da verdade, e ela queria que esse alguém fosse Kalen.

— Tenho algo a lhe dizer — disse ela. — É importante que saiba.

— Diga — respondeu ele, sério. — Agora você tem toda a minha atenção.

 

Keira se sentou na beira da cama, gélida.

— Uma vez, aconteceu uma coisa, muitos anos atrás, que eu achei que pudesse ser boa.

Ela se esticou, pegou uma toalha e se enrolou.

— Eu tirava notas ótimas na escola, dançava toda tarde, morria de fome para ter a aparência exigida de uma bailarina. Fazia tudo que todos me pediam. Todos.

Kalen estava em silêncio, esperando que ela prosseguisse.

— Eu achei que se conseguisse fazer tudo certo para todos, teria sorte. Achei que Deus me veria lá do alto. E Deus, com toda a sua compaixão, me salvaria. Ele me daria uma nova chance, outra vida, porque eu era tão boa e...

As palavras vinham tão depressa e Keira estava tremendo de nervoso e cansaço. Sete anos de silêncio e mágoa!

— Eu merecia. Ainda mereço. Ainda quero, com todas as minhas forças. Quero perdão e compaixão e, acima de tudo, esperança.

Porém, Kalen continuava a nada dizer.

Tudo estava se desintegrando e era como um imenso terremoto, a destruição das defesas, dos limites, do conjunto infinito de regras que ela havia imposto a si mesma. Era morte e renascimento.

Tremendo, ela cruzou os braços sobre a toalha úmida. Passara a vida tentando se recompensar pela dor de uma vergonha que nunca fizera sentido algum. Sim, esteve no lugar errado, mas por que alguém tinha de feri-la? E por que tinha de ser ela a não ter uma vida boa?

— Quero uma segunda chance — concluiu ela. — E, talvez, você tenha me dado essa segunda chance, mas eu preciso ouvir isso de você.

— O que você fez de tão ruim?

— Fui a uma festa, em Atiq. — Ela tomou coragem. — Eu era apenas uma adolescente.

Cada vez mais, o sheik ficava na defensiva. Porém, ela havia começado. Ia terminar.

— As coisas saíram de controle...

— Como??? — perguntou ele.

— Eu tomei um drinque, um coquetel. E... uma coisa levou à outra. — Keira já não podia olhar para ele. Em vez disso, continuou falando, torcendo para que ele entendesse. — Acabei saindo com um dos rapazes. Ele vinha conversando comigo e eu...

Parecia terrível quando colocado dessa forma. Ela era baraquense. O suficiente para saber que não deveria ter estado ali, nem bebido, nem deixado a sala com um homem.

— Saí de controle — Keira franziu a testa, tentando esquecer.

— Saiu de controle? — repetiu ele. Um estranho silêncio pairou no ar.

— Você fez sexo com ele?

Ele não entenderia, não é? Não entenderia que ela havia sido forçada... Homens, principalmente os de Baraka, sempre colocavam a culpa nas mulheres.

— Você fez sexo com ele? — insistiu Kalen.

— Eu...

Ele não a deixou responder.

— Que festa foi essa, Keira?

Estava zangado. Sua voz vibrava de fúria. Ela balançou a cabeça, os cabelos caindo sobre o braço nu. Não conseguia falar, a garganta fechava.

— Foi a minha festa, Keira? Quando voltei de Londres?

Ele sabia...

Os olhos dela se encheram de água. Ela concordou com a cabeça, sem palavras. Kalen saiu da cama e a encarou.

— Era você!

O desgosto em sua voz a despedaçou.

— Sei tudo sobre você — disse ele, pegando uma roupa limpa no armário. — Durante meses, você foi o assunto da cidade.

— Kalen...

— Seu amigo da festa se vangloriou por tê-la levado para a cama. Ele contava vantagens.

As lágrimas tomaram conta de seus olhos. Não, não, não foi nada disso.

Ele a olhou por um bom tempo, com tanto julgamento nos olhos que Keira sentiu parte dela sendo morta.

— Quem é você? — inquiriu ele.

— Você me conhece, Kalen.

— Não. Você é um bolo de contradições.

Estava tudo acabado. Mesmo que Kalen não dissesse as palavras, ela sabia. Acabara para ela também.

— Não posso acreditar no que você está me contando — vociferou o sheik.

Simplesmente o olhava, sem qualquer emoção. Ele podia falar, se enfurecer, dizer o que quisesse. Era igual aos outros...

Ele emitiu um som áspero, meio de desespero, meio de ira.

— Sabe quantas vezes eu ouvi a história daquela noite? Tem alguma idéia de quantos homens sabem o que foi feito com você?

— Mas eles não sabem que sou eu — defendeu-se ela.

— Mas eu sei!

Foram as vinte e quatro horas mais longas. Só fazia um dia? Pensava Keira, cansada. Só fazia vinte e quatro horas que ela dissera aquilo a Kalen?

Ela voltaria a Londres. Kalen a pusera em um avião com tanta rapidez que a deixou tonta. Nem conseguia falar enquanto ele arrumava a sua mala.

— É melhor que você vá — ele recomendou, despejando as coisas em uma mala de couro.

— Ir para onde? — respondeu ela, anestesiada. Ele gesticulava com desdém, recusando-se a olhar em seus olhos.

— De volta a Inglaterra...

— Prefiro ir para casa.

— Londres é sua casa.

— Não, essa é a sua casa. A minha é em Dallas. É lá que moro. É para onde quero ir agora.

— Primeiro temos que resolver as coisas. — Como o quê?

— Nosso casamento.

Ah, sim! As questões legais! Que ótimo!

— Não podemos resolver isso agora? Ele fechou o zíper da mala.

— Não. Estou com muita raiva. Preciso de tempo. Você, provavelmente, também.

Mas ela não precisava. Precisava de amor, carinho. Não de tempo.

Keira ficou em estado letárgico durante o vôo para Londres, na limusine, e até mesmo enquanto desfazia a mala no quarto da cobertura. Vestiu pouca coisa de Baraka. Não queria ver mais nada de lá. Só queria guardar o vestido de noiva. Não era nada sofisticado, só um pano reto marfim, com bordados de ouro e prata nos punhos e bainha. Mas ela se sentiu linda nele.

Keira pendurou o vestido, desamassou a seda delicada. Notou a tristeza se formando, a mágoa nos olhos.

Os dias se passaram em Londres sem qualquer notícia dele. E, a cada dia ela, acordava pensando se ele iria ligar, ou mandar notícias. Queria saber o que ele pretendia fazer. Iria se divorciar dela?

 

Uma semana se passara desde que ele a colocara no avião. Uma semana em que não conseguiu comer, nem dormir. Chorou muito.

Como é que Kalen podia pensar o pior dela? Como podia ser tão sem coração, tão cruel?

Amava-o ou odiava-o?

Se o odiava, por que estava tão desesperada para estar junto dele? Por que ansiava por sua pele perfumada? O calor quando a beijava? O brilho possessivo em seu olhar dourado?

Era só sexo? Atração física?

Era isso que a mantinha sua escrava? Ela ainda podia sentir a forma como ele a tocara e as sensações que isso provocava.

Lera sobre homens como Kalen em romances, durante a adolescência. Altos, morenos, misteriosos. Homens exóticos que a tiravam do mundo real e comum que a mãe dizia não existir. Mundo que a mãe tinha tanto prazer em dispensar e criticar. Porém, segundo ela, os homens não são heróis de livros de história. Não salvam a pátria. São apenas... Homens!

A campainha tocou, interrompendo os pensamentos de Keira. Ele estava lá. Seu estômago se revirou.

O mordomo surgiu e Keira acenou para que ele abrisse a porta. Kalen entrou, entregou o casaco ao mordomo que os deixou logo a sós.

Keira continuou ali, a mão esquerda pousada no piano, mas só tinha olhos para ele. Tão moreno e alto. O olhar âmbar sobre ela, expressão pensativa.

Ela precisava dizer algo, cumprimentá-lo, mas o quê? Como?

Legalmente, era sua esposa. Mas, emocionalmente, ela se sentia descartada. Abandonada.

— Olá. — Sua voz soou profunda e rouca.

— Mesa I-khir — respondeu ele. Boa noite.

Seu cumprimento subitamente a lembrou dos dias que haviam passado juntos no deserto, a caravana de camelos, as noites em que dormiram juntos na tenda, e aquele amanhecer rosado, quando Kalen finalmente fez amor com ela... Foi a manhã mais incrível de sua vida.

— Um drinque? — perguntou ela, com teimosas lágrimas surgindo.

Os olhos dele se estreitaram, em uma expressão enigmática.

— E disso que preciso?

Ela pressionou o piano mais forte. Não sabia o que estavam fazendo ali.

Haviam sido aproximados pela ameaça de Ahmed Abizhaid ao Sultão e à sua família. Kalen decidiu evitar que seu pai se tornasse aliado de Abizhaid... Três semanas depois, ela era esposa de Kalen e Abizhaid estava morto. O que Kalen estaria disposto a fazer com ela agora?

— Passou uma semana — disse ela, sem sabe como começar.

— Eu precisava de tempo para pensar.

Ah. Ela sentiu os lábios sorrirem ligeiramente. Era só auto defesa.

— Você sabe o que é o inferno? — perguntou Keira. Estava próxima à janela, olhando a cidade.

— O que é?

— É estar presa a uma mentira da qual nunca consegue fugir. É estar presa a segredos que representam uma fonte interminável de vergonha.

Suas palavras foram contempladas pelo silêncio, mas sabia que não estava só. Sabia que ele continuava na sala.

— E um estado de espírito.

Ela se virou, com os braços cruzados. Sorriu de forma irônica, zombando de si mesma. A animadora da torcida do Dallas Cowboy, a bela esposa do sheik, esposa do Sultão de Ouaha. E isso não significava nada. Absolutamente nada se o homem a quem amava não a respeitava.

Não posso viver mais com isso — acrescentou ela erguendo o olhar, encontrando o dele. — E nessa última semana, a mais longa de minha vida, percebi que Deus jamais me negaria a graça de me perdoar. Deus não tem vergonha de mim. E eu também não tenho vergonha de mim.

Ela não se importava com o que qualquer um pensasse dela, apesar de Kalen ter sido o catalisador da mudança. Foi preciso a ameaça do pai, o casamento forçado, o despedaçar de seu coração, mas, finalmente, se entendera com o passado.

Fora apenas uma noite, no máximo sessenta minutos, talvez quarenta, mas não a matara. Ela não era uma múmia. Não estava morta. Longe disso. Tudo nela clamava pela vida.

Mas precisou Kalen Nuri para que percebesse o quanto ainda queria viver. Somente um olhar para ele e ela voltou a querer o que havia esquecido. Amor. Perdão. Compaixão.

Tudo que queria era um recomeço. Uma nova vida.

— Não fiz sexo com o homem de sua festa — disse ela, erguendo o queixo. — Fui... fui... estuprada!

— Keira...

— Não. Deixe-me terminar. Você jamais me deixou terminar em Ouaha e eu estava tão magoada pelo que você disse que nem pude me defender.

Seus olhos ardiam, focando no vaso de flores sobre o piano, para conter as lágrimas.

— Mas foi a última vez que aceitei um insulto seu, ou de qualquer outra pessoa, porque mereço coisa melhor. Na noite de sua festa, eu fui violentada, viu?

— Era tão agonizante lembrar aquela noite em que o estranho a trancou em um quarto e tirou-lhe a vida.

— Fui estuprada... — ela respirou fundo... — e você foi o primeiro homem que tive desde aquela noite.

Tremendo de cansaço e emoção, ela queria se sentar, mas antes tinha de concluir e dizer o restante que queimava o coração.

— Semana passada, você disse que precisava de tempo. Bem, eu também tive tempo e isso me fez perceber que eu também estava errada.

— Keira...

— Não vou me desculpar, se é isso que quer. Recuso-me a pedir desculpas pelo que me foi feito. E recuso a me desculpar por não ser inocente quando nos casamos. Carreguei vergonha demais por algo que não escolhi. Sofri em silêncio durante anos e, Kalen, não sofrerei mais.

0 silêncio acolheu suas palavras angustiadas.

— Perdoe-me — ele falou.

— Isso é tudo que você tem a dizer?

O clima ficou ainda mais pesado na sala.

— Eu estava errado.

— Demorou sete dias para perceber que estava errado?

— Não. Demorou um minuto inteiro para que eu percebesse que estava errado e vinte e três horas, e cinqüenta e nove minutos, para caçar o bastardo que a feriu.

— No entanto, você me faz pensar o pior. Kalen a olhou com uma expressão atormentada.

— Eu não sabia que você pensaria no pior.

— O quão cruel pode ser? — ela quase cuspiu as palavras. — Você foi horrível, frio! Você me julgou!

— Não era isso que eu estava pensando.

— Mas como eu podia saber? Você não disse nada. Nem me tocou. Não fez qualquer esforço para me confortar.

— Desculpe...

Keira balançou a cabeça, revoltada. O sheik jamais entenderia o que ela havia passado.

— O que você estava pensando? Ele mudou de expressão.

— Vingança.

Bem coisa de homem! As lágrimas encheram-lhe os olhos.

— Deixou que eu pensasse ser má. Irremediável. Imperdoável!

— Não!

— Repulsivo...

Ele lhe estendeu a mão.

— Venha para mim.

— Não posso.

— Keira... Eu te amo!

Ela cobriu o rosto, não querendo que Kalen visse a dimensão de sua dor, o quanto a ferira.

— Isso é passado.

— Para mim não.

Keira estremeceu, fechando os punhos.

— Quero o divórcio!

Uma emoção brutal nasceu dentro dela. Ele tinha de deixá-la. Tinha que lhe dar liberdade. Ela não podia ficar com um homem que não a entendia. Precisava de respeito...

— Por favor, Keira! Não me julgue tão rapidamente. Eu não me dei conta... Não pensei...

Ele tentou novamente, com o olhar trazendo uma grande agonia.

— Esqueço o quanto você é ocidental, Keira. Esqueço o quanto sofreu, esqueço que você não pode ler meus pensamentos. Agora vejo o quanto a feri. Eu estava em busca da justiça.

— A justiça teria sido seu amor.

— Mas isso você tem, inquestionavelmente.

Ela notou o coração rachando. Foi quase como se as costelas estivessem partindo.

— Encontrou o tal homem que me feriu?

— Sim.

— Ele ainda está vivo?

— Por pouco.

Keira não sabia para onde olhar, nem o que pensar. Kalen estava ali. Havia se desculpado. Dizia ter ido atrás do sujeito... Não era para ele ser esse tipo de homem. Seu peito estava apertado. Kalen Nuri não era seu mistério, sua fantasia, seu sonho.

— Mas que heróico! — exclamou ela, emocionada. — Que cavalheirismo. Você não é de cavalheirismos, lembra?

— Devo ter alguma veia inglesa.

— Então, sete anos após o fato, você conseguiu defender minha honra?

— Eu teria feito naquela noite, se soubesse.

— Mas eu não era ninguém naquela época...

— Você era Keira al-Issidri. A garota mais bela que eu já vi.

Ela jamais pensou que pudesse haver alguém que a entendesse, ou as coisas que ela necessitava. Mas, ouvindo Kalen, sentiu uma esperança e isso era a última coisa que queria sentir.

— Não posso mais fazer isso, Kalen. Ainda quero o divórcio. Quero voltar para Dallas.

— Será difícil para nós vivermos uma vida normal, laeela, se estivermos em lados opostos do Atlântico.

— Uma vida normal para mim será sem você.

Ele ficou calado por tanto tempo que Keira se virou para olhá-lo. O rosto dele estava contraído de emoção.

— Não vou me divorciar de você — disse ele. — Não posso, me importo muito...

— Não se importa! — Ela tremeu de raiva. — Caso se importasse, não teria me mandado para longe. Teria me ligado no instante em que percebesse seu erro. Não teria partido meu coração desse jeito!

— Meu coração também está partido.

— Eu vi seu rosto. Vi como você me olhou enojado!

— Eu estava chocado.

— Comigo?

— Com o que você havia passado. Você esquece que eu escutei as histórias contando vantagem e, ao perceber que era você no quarto com aquele palhaço... Eu não conseguia pensar em nada além de matá-lo.

 

Ela sentou no braço do sofá.

— Por isso que a mandei embora. Tive que mandá-la para Londres, para sua segurança, antes que eu fizesse alguma besteira.

Keira não sabia o que dizer. O olhar dele era fixo. Sem medo, nem remorso. Só confiança.

— E eu o teria matado, mas o Sheik Tair não me deixou.

— Ele estava lá?

— Foi minha testemunha, caso eu fosse longe demais.

A moça pôs a mão no estômago. Conhecia Kalen muito bem, para saber que estava sendo sincero.

— Você será punido?

— Por quem? Meu irmão? Ornar?

— Meu pai não sabe.

— Agora sabe. Eu o infernizei por tê-la feito passar pelo que passou. Por tornar sua infância o próprio inferno.

— Não foi tão ruim, Kalen.

— Você foi solitária e eu lamento profundamente ter causado mais dor e sofrimento em sua vida.

— Kalen...

— Eu te amo, laeela. Amo com todo o meu coração e todo o meu pensamento. E o fato de ter-lhe causado mais dor me mata, envergonha.

As lágrimas encheram-lhe os olhos e ela cobriu o rosto com as mãos.

— Eu te amo tanto! — repetiu ele — que vou me mudar para Dallas com você. Vou morar na sua casa contigo. Vou levá-la pessoalmente ao estádio, para que dance diante de sessenta mil estranhos, com seu uniformezinho branco!

Seu choro se transformou em uma explosão de gargalhadas.

— Allah ister! — gritou ela. Deus nos salve! — Você não pode estar falando sério. Você, em Dallas, em minha casa? Kalen, você não é apenas um sheik... É um sultão! Como vou explicar aos meus vizinhos?

Ele fez uma careta, mas a expressão em seus olhos se suavizou, com ternura.

— Com muito, muito cuidado.

Kalen era impossível!

Sentada ali no sofá, ela sentiu uma onda de esperança. A esperança acesa pelo desejo. Desejo voraz, quente. De ser novamente uma mulher, a mulher de Kalen. O desejo pela força de Kalen, por seu calor, sua possessão.

Mas será que poderia confiar nele? Poderia perdoá-lo?

Ele deve ter percebido a indecisão em seus olhos, porque parte da ternura sumiu de sua expressão. Parecia o antigo Sheik Nuri. Distante. Cínico.

Keira percebeu que o ferira. Ela o rejeitara quando ele a buscava. Mas os dois precisavam de tempo. Precisavam pensar.

— Talvez devêssemos falar amanhã? É tarde. Estamos um tanto cansados...

— Não posso ir embora, ainda não.

— Não vou ser pressionada.

Ele sorriu subitamente, arrependido.

— Sempre funcionou...

Keira gaguejou quando ele riu, entendendo que o sheik a estava provocando.

— Eu mudei, Kalen. É melhor você também mudar.

— Concordo. — E não havia nada de provocador em sua resposta.

A moça o observou por um longo instante, viu as rugas nos cantos dos olhos dele. Parecia cansado.

— Você não pode intimidar as pessoas para ter o que quer — disse ela, suavemente. — Tem de ser justo. Você não tem respeito pelos outros.

— Eu tenho. Contanto que a segurança do Sultão e a sua não estejam comprometidas.

— Não faço parte da equação.

— Laeela, você é a equação. É meu coração, minha alma, minha amante, minha esposa...

— Primeira esposa — ela interrompeu, desgostosa.

A luz voltou aos olhos dele.

— Única esposa.

— Diz isso agora? — respondeu ela, amarga. Kalen riu.

— Se você é tão difícil como um jamal, o que seria como shaylal

Seu queixo caiu.

— Você não se referiu a mim como a um camelo grávido, não é?

O sheik caiu na gargalhada. Keira jamais o vira rir tanto assim. Ele estava rindo porque estava feliz. Feliz. Porque estava com ela. Porque a estava provocando. Por que... Ele a amava!

— Talvez pudéssemos sair para comer algo... Kalen foi em sua direção, depois parou. Ela o viu fechar a mão. Queria tocá-la, mas estava receoso. O Sheik Nuri com medo. Seu coração quase saiu pela boca. O homem que passara a vida mascarando suas emoções estava revelando demais.

— Farei reservas. — anunciou ele.

Keira acenou a cabeça, olhos ardentes, coração em chamas.

— Vou tomar banho e me trocar.

O restaurante ficava em uma boate sofisticada. Uma banda ao vivo se apresentava, vinda dos Estados Unidos, em turnê por Londres.

Apesar de Keira gostar da banda, naquela noite não estava nem aí para música. Só tinha olhos para Kalen. Porém, ele, de repente, se levantou e estendeu a mão.

— Quer dançar?

Ela não conseguiu ficar calma durante o jantar, sentiu-se razoavelmente controlada, mas tudo mudou quando Kalen a tomou nos braços, na pista de dança. Algo aconteceu quando ele a tocou. Foi como tocar em um fio desencapado.

A cabeça de Keira se empinou, seu olhar à procura do dele, imaginando se ele sentia o mesmo que ela. Acontecia alguma coisa quando ela estava com Kalen. Ela mudava, ganhava vida.

Ela dançara para milhares de pessoas em estádios de futebol americanos, porém nunca se sentira como agora. E aqui tinha a atenção de apenas um homem.

A boca dele tocou-lhe a testa e ela sentiu uma sensação subindo a espinha.

— Tão reativa! — sussurrou ele, com os lábios passando em seu rosto, deixando-a tonta de prazer. — Eu nunca conheci ninguém tão sensível!

Mas Keira não era tão sensível. Era ele. Era tudo dele, o poder que exercia sobre ela.

— É você — sussurrou a moça, sentindo os seios se enrijecerem, a tensão crescendo por dentro. — Tenho certeza de que todas são assim com você.

— Isso seria conveniente.

Ela não soube como responder e Kalen tirou vantagem do silêncio para puxá-la mais para perto. E, a cada passo da dança, Keira se sentiu mais íntima. Apesar da calça bem cortada, esta revelava sua poderosa excitação.

Sua ereção a provocava, ao encostar no interior de sua coxa. O calor a percorria. Era melhor que estivessem nus, pensou ela.

— Você está tremendo! — disse ele, em uma voz da mais pura sedução.

— E você está fazendo loucuras comigo!

— Isso é bom.

— Ou ruim, dependendo da forma como vê.

— E como você vê?

Ela sentiu o peso da semana anterior voltando. A mágoa e a dor, e de repente não quis mais dançar.

— Podemos apenas ir para casa? — perguntou ela, se afastando.

A expressão dele se desfez.

— É claro.

Na traseira da limusine, o único som era dos carros que passavam.

— Eu sei que você nunca planejou se casar comigo, Kalen. — A voz dela quebrou o silêncio.

— Não é verdade. Você é a única com quem pensei em casar.

— Mas não queria casar.

— Creio que seja verdade.

Ela engoliu o bolo em sua garganta. Seus dedos passavam no assento de couro.

— O casamento é algo infeliz?

O sheik riu, debochando.

— O casamento exige confiança, segurança. Não sou assim.

— Você tem medo de... trair?

Ele riu novamente, mas dessa vez soou cansado.

— Não é a questão de fidelidade e, sim, de longevidade. Sou um sheik — ele falou. — Filho de um sultão, irmão de um sultão. Herdei um legado de inquietação e derramamento de sangue. Os homens da minha família não vivem muito. Quase metade morreu violentamente. Minha avó ficou viúva aos quarenta e sete anos. Jamais me esquecerei de sua dor. Jamais gostaria de arriscar magoar alguém dessa forma, causar tanta dor.

Impulsivamente, Keira tocou-lhe o braço.

— Mas você nem mora mais em Baraka!

— No entanto, também não abandonei Baraka. Eu inspeciono o Serviço Secreto de Baraka, a agência responsável por proteger o Sultão e seus familiares. Largaria tudo por Malik e sua família.

Ela ouviu o tom determinado em sua voz.

— Claro que sim. Eu não esperaria nada menos de você.

— Não veria isso como um conflito de interesses? A possibilidade de vê-lo ferido a assustou, mas ela entendia.

— Posso ser só meio baraquense, mas quando olho para você não vejo o sheik abastado com brinquedos caros. Vejo um homem que pode viver de modo simples, em uma tenda, e prefere a companhia dos berberes tribais às boates.

— Quando olho para você, só vejo o homem com o sol do deserto nos olhos. Você é Kalen Nuri, segundo filho do Sultão Roman Nuri, neto do mártir Sultão Sherif Nuri. Só pode ser quem é! Você é destemido, um líder nato.

— Um líder para quem? Um líder de quê?

— Do povo. Dos berberes. Em Ouaha e Baraka — a emoção dentro do peito tornava mais difícil falar. — E eu sempre soube que você se sacrificaria por sua família. Desde o começo, eu soube que talvez não vivesse para sempre com você, mas me conformei. Essa é uma das razões por te amar tanto.

— Você ainda me ama?

— Sempre te amei. Sou tola, não sei como deixar de te amar.

Ele virou o rosto e fechou os olhos, porém Keira viu a onda de emoção.

De volta à cobertura, Kalen a pegou nos braços assim que a porta se fechou e a levou para o quarto. Ele a pôs suavemente no meio da cama e deitou logo após, apoiando seu peso sobre ela. Começou a beijá-la. Passou as mãos por seus cabelos e a segurou firme.

Kalen a beijava de maneira insaciável, faminto. De amor.

O sheik a despiu, depois tirou as próprias roupas. Deitou em cima dela com seus músculos quentes, provocando-a. Segurou suas mãos e a beijou percorrendo os lábios e o pescoço. Keira se contorcia, erguendo os quadris, pernas entrelaçadas. A sensação de sua boca na dele não era o bastante, ela queria mais.

No entanto, em vez de atender às suas exigências, ele baixou a cabeça até seus seios, lambendo o mamilo provocativamente. Trêmula, Keira prendeu as coxas de Kalen entre as suas e apertou.

Kalen não tinha pressa. Desafiadoramente, ele beijou os seios, depois abaixo, o ventre, antes de voltar ao mamilo e sugá-lo com ardor.

Keira doía por dentro, em um espasmo de sentimento após o outro. Quanto mais avidamente ele sugava, mais fortes se tornavam as contrações. Percebeu-se quente e molhada.

Depois, Kalen desceu a mão até a barriga, passando por seus pêlos encaracolados que o esperavam ardentes, até tocar seu sexo. Só ele poderia salvá-la agora.

Ela sentiu seu corpo tremer junto ao dele, sentiu a fome crescer, aumentando a cada segundo. Nada era controlado ou compreendido. Apenas emoções selvagens, paixão desenfreada. A paixão de alguém que esperou a vida toda para ter um instante como aquele de prazer.

— Chega... — sussurrou ela, enquanto o sheik deslizava o dedo para dentro e fora dela. — Não quero mais preliminares. Já o quero dentro de mim.       |

Quase chorou quando ele a penetrou, atordoada! pelo tamanho de suas proporções. Esquecera-se do quão grande ele era, como seu sexo era quente e gostoso dentro dela.

Ela ofegava, no empenho de recebê-lo inteiro. Foi maravilhoso. Seu corpo logo se ajustou ao dele.

— Laeela... Minha esposa, meu amor.

Kalen começou a se mover dentro dela lentamente. Longas e lentas investidas. A sensação intensa a tomou, por completo.

Não era sexo. Era uma dança cega e silenciosa. Cada nervo estava alerta, cada sentido remexia. Tudo que tinha de fazer era fechar os olhos e seguir o ritmo. E ela se entregou totalmente; e ele retribuiu com um prazer extraordinário.

Demorou uma eternidade para se recuperar do clímax arrebatador. O sheik a deixou por tanto tempo no ápice que seus músculos e nervos não pareciam conseguir se recuperar.

Um pouco mais refeita, Keira conseguiu passar por cima dele e acender o abajur da mesa-de-cabeceira.

— O que você está fazendo? — perguntou ele, acariciando seus braços e suas costas.

— Preciso ver você — disse ela, apoiada no cotovelo.

— Por quê?

Ela não respondeu logo. Em vez disso, o olhou com dor e admiração.

Kalen Nuri. Todos aqueles anos....

Tudo parava, seu coração, sua respiração, sua mente, seu corpo, sua vida. O passado não era real. O futuro jamais viria.

Ele era deslumbrante. Era grande. Forte. Era tão distante de seu mundo!

Só havia um momento de esperança para acreditar, Um segundo. No entanto, em um único segundo, ela vivera mais que em sete anos.

Ela fugira de seu corpo, de sua vergonha, fora liberta. Livre para amar.

— Diga-me — falou Kalen, pegando no rosto dela. — O que você vê?

O que ela via? Como responder isso?

Ela lutou contra as lágrimas.

— Vejo meu coração.                                        

— Seu coração? — repetiu ele, baixinho. Keira mordeu o lábio.

— Você é o dono.

— Sou muito abençoado.                                  

— Mas, se você partir...                                    

O sheik a interrompeu com outro beijo.            

— Eu jamais a deixaria. Não poderia. Só a morte pode me levar de você.

— Não diga isso!

— É verdade, amo poucas pessoas, mas aquelas que eu amo, protejo com minha vida. Sabe que eu daria a minha vida por você.                                      

— Eu jamais ia querer isso.

— Mas é o que você merece. Amor verdadeiro. Duradouro. Alguém que lute por você quando necessário...

— Obrigada, Excelência, mas acho que finalmente aprendi a vencer as minhas próprias batalhas, a lutar por mim mesma.

— Batalhas são um negócio sujo.

Keira sorriu.

— Talvez, porém já não tenho medo.

— Não tem medo de lutar? — Havia um tom terno em sua voz. — Você deve ter algum sangue berbere, laeela.

— Não, querido, tenho só você em mim.

De repente, Kalen se virou e a colocou de barriga para cima. Moveu-se de encontro a ela, abrindo-lhe os joelhos e se posicionando no meio.

A moça suspirou ao senti-lo. O sheik já estava rígido; a ereção dele causava arrepios nela.

Kalen passou a língua em círculos por sua pele. Keira se contraiu embaixo dele, abrindo mais as pernas, os quadris projetados, excitada.

Ela o queria, mais do que qualquer coisa. Apertava suas coxas, deslizava as mãos por suas nádegas firmes.

— Kalen...

Seu gemido foi interrompido quando ele a adentrou, preenchendo-a, atendendo a ânsia desesperada.

— Minha, você é minha. Agora e sempre! — E a penetrou totalmente, levando os lábios aos dela.

Keira se agarrou a ele à medida que Kalen começou a se mexer. Cada investida era mais forte e rápida, repleta de ânsia e desejo. Ficou de olhos fechados, abraçando-lhe com as pernas, para recebê-lo mais fundo e satisfazer a vontade que parecia impossível saciar.

A fricção dos dois corpos os impulsionava. As emoções aumentavam o deleite.

Milagres aconteciam, pensou Keira. Os sonhos se tornavam realidade. E o prazer era indescritível dentro dela.

Ele aumentou o ritmo, até levá-la ao limite. Keira não conseguiria agüentar por muito mais tempo. Desesperada, arqueou o corpo contra o dele, contorcendo os músculos. Depois, explodiu em ondas de prazer.

Kalen a beijou enquanto ela se sentia estilhaçar. Lágrimas de prazer corriam por seu rosto, por seu corpo. Era uma tempestade de paixão e emoção.

Quando a realidade supera as expectativas... Quando o fato é mais interessante que a ficção...

— Você está bem? — perguntou ele, tirando uma mecha molhada dos cabelos de Keira.

— Sim, estou muito bem. — Ela se aconchegou em Kalen, pele com pele, coração com coração, vida com vida.

— Então, porque está chorando, laeelal

— Meu Ouaha! — respondeu ela. — Eu finalmente encontrei o meu oásis. Meu oásis é você!

 

                                                                                Jane Porter  

 

                      

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