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O AMOR NÃO SE COMPRA
Em meio ao ódio de suas famílias dois jovens lutam pelo direito de amar.
Escócia, 1745. - como chefe de clã, o duque de Barenlock precisava se casar para manter sua linhagem.
Porém, acalentava o desejo secreto de só se casar por amor. Foi quando conheceu lady Sheinna. Ela queria escapar de um noivado arranjado. Cúmplices, desafiaram a inimizade ancestral que havia entre suas famílias, anunciando que casariam. Porém, não sabiam que estavam se envolvendo numa batalha de final imprevisível.
O castelo Barenlock era uma das maiores mansões do norte da Escócia. Fora construído em 1400 e o chefe do clã MacBaren sempre vivera ali.
O duque possuía milhares de hectares de terras no condado.
O castelo era, indubitavelmente, uma das mais belas construções da Escócia.
A única dificuldade consistia em assegurar um herdeiro para o condado, um dos mais antigos da região.
Desde muito jovem, o duque sofrera a pressão da mãe e dos parentes, que lhe imploravam, quase de joelhos, para se casar. Ele viajava muito e passava boa parte do tempo em Londres.
Era alto, belo e muito inteligente, e inúmeras mães ambiciosas lhe apresentavam as filhas.
Entretanto, por alguma razão desconhecida para sua família, ele sempre retornava sozinho de Londres, solteiro e, aparentemente, com o coração intocado.
- Você precisa compreender - a mãe lhe dissera inúmeras vezes - que, sendo o chefe da família e do clã, é seu dever casar e ter um herdeiro, aliás, diversos filhos se possível.
O duque ouvira esse pedido com tanta frequência que conhecia cada palavra de cor.
- Você precisa transmitir as tradições que respeitamos há tanto tempo.
O duque ouvia a mãe, pois a amava. E ela o adorava. Ouvira sempre a mesma súplica. Ainda assim, sua determinação aumentava cada vez mais.
Só se casaria quando amasse alguém e sentisse a certeza de que seria feliz.
Certamente havia mulheres em sua vida, e em grande número.
Seus relacionamentos eram bem conhecidos em Londres e muito comentados entre os escoceses.
Na última viagem, da qual acabara de chegar, seu nome fora ligado ao de uma das mais belas mulheres de Mayfair.
Tratava-se de uma duquesa anglo-francesa. Muito bela, o marido fechava os olhos para seus casos.
Graças a tal atitude, o duque passa dois meses muito agradáveis com a bela duquesa.
Sua beleza deslumbrante o hipnotizava e excitava. Ela conseguia fazer-lhe acreditar ser o único homem em sua vida.
De volta à Escócia, o duque ouvira mais uma vez os pedidos da família para que se casasse.
- como os MacBaren sobreviveriam sem um chefe? - perguntou a duquesa.
- Sobreviveram sob outro chefe antes de eu nascer - ele respondera à mãe - e imagino que sobreviverão após minha morte.
- Não entendo como pode falar deste modo - ela retorquira. - Sabe perfeitamente bem o quanto nosso nome significa na Escócia e se você tivesse uma esposa rica poderíamos efectuar todas as reformas que há tanto tempo precisamos fazer no castelo.
O duque não a interrompeu, embora seu semblante exprimisse desagrado.
- E, naturalmente - ela prosseguiu -, você poderia construir o museu para o qual contribuiu tanto e até torná-lo o mais importante do país.
O duque reconhecia a verdade das palavras.
Por infortúnio, quando os vikings chegaram na Escócia, um dos locais de mais fácil acesso à terra era a baía em que o castelo anterior, já praticamente em ruínas, fora erguido.
Os proprietários do velho castelo eram, então, imensamente ricos.
Os vikings pilharam tudo o que podiam levar em seus navios. Para a família, este lato constituíra uma enorme tragédia.
Os invasores haviam, também, levado as jovens mais atraentes da vizinhança.
Desde pequeno, o duque lamentara a violência dos vikings e a perda do tesouro.
Quando o velho castelo fora afinal demolido, dando lugar ao atual, a família mudou seu nome para MacBaren.
O clã comentava que não possuía mais nada e que não desejava lembrar os dias felizes em que haviam sido tão importantes.
Porém, de repente, sua fortuna mudara.
O chefe do clã desposara uma grande herdeira do norte da Inglaterra. Fora ela que construíra o novo castelo.
Assim, o clã, embora conservasse o nome de MacBaren, se tornara o mais importante da região norte.
O castelo fora ampliado ano após ano.
O ducado, com um título inglês, fora dado dos MacBaren no fim do século 17.
O dinheiro foi aplicado na enorme propriedade sem economia, surpreendendo o resto da Escócia.
Não apenas o castelo se tornara cada vez maior e mais bonito, como, também, os vilarejos haviam progredido Com lindas casas construídas em seu redor.
Jardins floridos lembravam um conto de fadas.
Porém, o quarto duque descobriu, ao se tornar chefe do clã, que seu pai havia gastado muito acima das posses. E que a situação financeira da propriedade tendia a piorar de modo alarmante.
- Não posso acreditar - se queixara a duquesa viúva um sem-número de vezes.
Infelizmente era verdade.
Deste modo, como O clã esperava, o duque devia acertar a situação.
Com sua aparência atraente, podia facilmente desposar uma herdeira, tornando o clã tão importante quanto o fora no passado.
A única dificuldade era o próprio duque.
- Não serei forçado a casar com alguém por dinheiro - repetia obstinado. - Não consigo imaginar nada mais odioso do que me ligar a uma mulher a quem não amo e que poderia tornar minha vida difícil por ser ela quem controla o dinheiro.
- Mas, querido, não podemos continuar deste jeito - protestava a duquesa. - Estamos sem fundos no banco e há reformas que precisam ser feitas.
O duque não a contradisse e ela prosseguiu:
- Um dos fazendeiros que mora nos limites da propriedade veio procurá-lo ontem. como você estava fora, ele me relatou que os MacFallin estão furtando nosso rebanho e tornando impossível a vida para aqueles que tentam sobreviver naquela parte da região.
O duque suspirou.
Há três séculos os MacBaren eram inimigos dos MacFallin.
A animosidade entre os clãs de vez em quando irrompia em luta de facto.
Actualmente se limitavam a roubar, uns dos outros, carneiros e gado ou, se se encontrassem em um pub do vilarejo, se atacavam verbalmente.
E a razão era o ódio entre ambos os clãs.
A mãe se retirou da sala e o duque tentou esquecer a conversa.
Preferia apreciar a beleza do jardim, plantado do estilo francês e estendendo-se até o mar.
Era sempre motivo de satisfação, para o duque, saber que poderia voltar para casa em seu iate em vez de vir por trem. Velejar pela baía, ancorar no cais de madeira e entrar directamente pelo jardim.
Porém, sempre, ao retornar, a cena de recriminações se repetia, como a precedente.
"Não posso", ele repetiu para si próprio. após a discussão.
Como estava se sentindo muito infeliz saiu para O jardim e encaminhou-se para a beira-mar.
O sol brilhava contra um céu claro. As ondas pareciam dançar na vastidão do mar.
O duque contemplou O espectáculo por longo tempo.
Preferiria estar em um navio zarpando para uma aventura em terras estrangeiras.
Ao retornar à casa encontrou a mãe à sua espera.
A seu lado estava uma parente que vivia a cerca de cinco quilómetros de distância.
- Soube que voltou, Alpin - ela cumprimentou - e tenho certeza de que se divertiu em Londres.
- É verdade - confirmou o duque. - Foi muito gratificante ser convidado com frequência para Marlborough House.
- Oh, conte-nos o que o Príncipe de Gales está aprontando no momento - rogou-lhe a prima.
Era a condessa de Dunfeld.
Ela e o marido possuiam uma casa e uma pequena propriedade que estivera nas mãos dos Dunfeld quase tanto tempo quanto os duques haviam vivido no castelo de Barenlock.
- Naturalmente - prosseguiu a condessa - todos nós estávamos esperançosos de que você voltasse trazendo a notícia de que estava para se casar. Porém sua mãe acaba de me dizer que ninguém, no beau monde, conseguiu tocar seu coração e que você está resolvido a ser celibatário.
- Não serei forçado a me casar, o que é algo muito diferente - protestou O duque.
- Bem, tenho notícias para você - comunicou a condessa. - Hoje devem chegar duas jovens encantadoras. Uma é a filha de lorde Hanson, e a outra é uma americana atraente e muito rica.
O duque deu uma risada.
- Se está tentando me levar ao altar com uma americana - ele disse - está perdendo seu tempo. Havia muitas americanas em Londres, todas ansiosas em voltar para casa com um título. De facto, há também inúmeros nobres italianos dispostos a aceitar tal situação.
- Mas você se recusou até mesmo a reflectir sobre a possibilidade - queixou-se a condessa. - Oh, querido Alpin, que faremos com você?
- A resposta é muito simples - o duque rebateu. - Quero que me deixem em paz. Quando encontrar a pessoa certa eu me casarei e, é claro, darei a noticia a vocês todos.
Saiu da sala ao terminar de falar.
Sua mãe fitou a condessa, fazendo um gesto desesperançado com as mãos.
- Não adianta. Já cansei de falar com Alpin. mas ele está decidido a não se casar e, como você bem sabe é exatamente o que ele deveria fazer para salvar O castelo e a propriedade.
- Sinto muito por sua causa - replicou a condessa.
- Acho irritante o facto de Alpin não se mostrar mais responsável.
Após uma breve pausa, ela continuou:
- Ele deve estar consciente das reformas necessárias. os membros do clã ficam cada vez mais desassossegados por não poderem comprar novas ovelhas nos mercados e os rios não estão sendo guardados como deveriam.
- Ouvi o comentário de que O roubo de caça aumenta dia a dia - preocupou-se a duquesa.
- Sinto, mas é verdade - asseverou a condessa. - Noite após noite, os ladrões sobem o rio. Nenhum de nós emprega guardas em número suficiente para impedi-los de roubar dois salmões.
A duquesa suspirou.
- Já cansei de alertar Alpin. Mas ele garante que só se casará quando desejar.
Após um breve silêncio, ela perguntou:
- como é a jovem americana que você vai trazer para cá amanhã?
- É muito atraente e inteligente - explicou a condessa. - Seu pai é imensamente rico. Acredito que ele possui poços de petróleo entre outros bens e, também, ganhou muito dinheiro com navios que estão sendo construídos na América.
- Enquanto isso, ficamos sentados aqui e fitamos os tijolos que caem do alto do castelo - queixou-se a duquesa - e o solo continua sem cultivo por não podermos nos permitir pagar homens para o trabalho.
- Não fique deprimida, querida - pediu a condessa.
- Com certeza, mais cedo ou mais tarde, Alpin terá o bom senso de trazer uma noiva para casa e nós a receberemos de braços abertos.
- No caso dele O que é mais provável - alegou a mãe - é que nos apresente uma moça de sua escolha sem um tostão.
Suspirou. Depois prosseguiu:
- Falarei outra vez com ele esta noite. Sei que me ama e deseja ver-me feliz. como esta garota americana é muito rica, ele precisa compreender que deve se sacrificar pelo bem do clã.
- Espero que consiga fazê-lo compreender que tudo está nas mãos dele - completou a condessa. - Cabe a nós apenas oferecer-lhe pêssegos numa bandeja e esperar que ele apanhe um.
Olhou seu relógio de pulso e ergueu-se.
- Devo ir para casa - explicou. - Minhas convidadas devem chegar após o chá e eu as trarei para cá amanhã.
- Acho que seria óptima idéia elas ficarem aqui. Por que não dá algumas desculpas, como alegar que você está com número insuficiente de serviçais e vêm todos para o castelo?
- óptima sugestão - concordou a condensa. - Em verdade é o que eu gostaria, pois dois de nossos quartos precisam de consertos e cada moça traz uma criada particular.
Após uma pausa acrescentou:
- Naturalmente estão vindo de Londres com uma dama de companhia, porém, por sorte, ela retorna amanhã cedo.
- Bem, esperarei com ansiedade pela vinda de vocês antes do almoço - pronunciou a duquesa. - Tenho certeza de que a jovem americana vai se apaixonar pelo castelo e, é claro, também por Alpin.
A condessa deu uma risada.
- Ele é tão bonito - comentou. - Contaram-me que várias moças em Londres estão prontas para cair em seus braços ante o menor aceno.
A duquesa suspirou.
- como pode ele ser tão estúpido? Deve haver ao menos uma moça que o acolheria de braços abertos como sua nora.
- Naturalmente - concordou a condessa. - Sendo Alpin amigo do príncipe de Gales, ele encontrou as maiores beldades e todas as grandes herdeiras.
- Por que ele é tão tolo? - indagou a duquesa. Já lhe disse que está ficando cada vez mais velho.
A condessa deu uma risada.
- Todos estamos ficando - alegou - mas você, querida, sempre foi uma beldade e a história de como seu marido se apaixonou por você no momento em que a viu foi relatada a todos nós.
Era uma história muito romântica.
A condessa não compreendia a razão pela qual Alpin não fazia a mãe feliz, casando-se e trazendo, como todos esperavam, muito dinheiro e várias crianças para o castelo.
Beijou a duquesa e se despediu:
- Verei você amanhã antes do almoço. Não fale muito sobre a herdeira até que Alpin a conheça amanhã. Tenho certeza que ele decidirá casar-se com ela.
- Só espero que você esteja certa - a duquesa comentou. - Mas conhece Alpin. Se decidiu que não desposará uma americana ou qualquer outra estrangeira, nada o demoverá da idéia.
- Cruze os dedos e acredite que pode mudar de idéia. - replicou a condessa.
Beijou a duquesa mais uma vez.
Saiu então apressada em direcção à carruagem que estava parada diante da porta principal.
Fora sempre difícil aos duques de Barenlock saber que uma parte da propriedade, que uma vez lhes pertencera, agora era de outro clã, o dos MacFallin.
O acordo havia sido estabelecido há dois séculos. E, como os MacBaren na ocasião não tinham força para afastá-los, ali haviam permanecido desde então.
As terras pertencentes aos MacFallin não eram tão extensas como as suas.
Entretanto, uma rivalidade amarga crescera durante séculos entre os dois clãs.
Como muitos outros na Escócia, odiavam-se com tanto fervor que, se não estavam lutando abertamente, exprimiam sua animosidade verbalmente e usando palavras de baixo Calão.
O que aborrecia particularmente ao duque, mais que qualquer outro facto, era que seu rio preferido atravessava a propriedade MacFallin.
Havia rivalidade contínua sobre quem conseguia pescar mais salmão.
A parte do rio que pertencia aos MacFallin corria mais de um quilómetro na charneca. Então, se alargava, formando um grande lago sob colinas elevadas.
O duque gostaria de possuir esse lago.
Possuía inúmeros outros lagos ao sul e excelentes rios a eles ligados.
Entretanto, aborrecia-o que parte de seu rio especial atravessasse território dos MacFallin.
Com frequência, lhe ocorrera que era realmente ridículo que os dois clãs se odiassem tanto.
Os MacFallin eram demasiado prudentes para se aventurarem, a não ser excepcionalmente, na terra pertencente aos MacBaren.
O mesmo ocorria em relação aos homens do duque que raramente se infiltravam nas terras pertencentes aos MacFallin.
"Tudo isso é ridículo", reflectiu o duque, devíamos ter superado essa insensatez há muitos anos".
Porém, infelizmente, o ódio mútuo ainda existia.
Quando o conde que dominava o clã dos MacFallin e o duque se encontravam, durante os jogos regionais, ou em qualquer outra ocasião oficial, apenas se cumprimentavam com um leve aceno de cabeça.
Nunca se falavam.
Algumas vezes o duque recebia cartas briosas do conde alegando que suas terras haviam sido invadidas.
Ou que um MacBaren havia furtado algumas de suas ovelhas.
O duque jamais respondia assinando uma carta. Ordenava que algum funcionário o fizesse.
Estava a par que o conde costumava referir-se a ele de maneira extremamente ofensiva.
Andando ao longo da margem do rio, o duque sentiu falta de sua vara de pescar.
Se dispusesse do material necessário, com certeza pescaria um ou dois salmões frescos.
Então avistou, logo à sua frente, alguém pescando.
Estava de seu lado do rio.
Quem poderia ser?
Talvez a mãe, em sua ausência, houvesse autorizado algum visitante a pescar no local.
Mas, como ele retomara já há dois dias, ela o teria notificado da permissão.
Sem dúvida, quem estava pescando era um invasor. Ali, o rio formava uma curva e havia arbustos, ao redor.
O duque só avistou o invasor ao ultrapassar algumas árvores e chegar a uma clareira.
Tratava-se de uma mulher.
Sem dúvida uma estranha.
Ele se aproximou muito zangado.
- O que está fazendo aqui? - perguntou rispidamente enquanto a pessoa ainda estava de costas para ele.
Ela deu um gritinho e deu meia volta. Era muito jovem e atraente.
- Desculpe-me - pediu. - Vim muito longe? Advertiram-me para parar onde terminasse a terra MacFallin, mas não sabia exatamente onde era.
- Está em minha propriedade - o duque declarou com dureza. - E, de facto. está furtando. Ficaria muito grato se inibisse o rio de volta ao menos duzentos metros.
- Sim, naturalmente e desculpe-me... - balbuciou a mulher.
Ela começou a puxar a linha.
De repente deu um grito.
- É um salmão! - exultou. - O que devo fazer?
O duque tivera a intenção de dizer que libertasse o peixe. Porém, ela estava pescando muito bem.
Mantinha a linha firme e, ao mesmo tempo, deixava a ponta da vara cair quando o salmão saltava.
Estava tão excitada com a perspectiva da pesca que ele não conseguiu impedi-la de prosseguir.
O peixe lutava bravamente pela liberdade.
O duque apreciava uma mulher que sabia exatamente o que estava fazendo, mantendo a presa sob controle com maestria perfeita.
Desceu um pouco pelo rio porém ainda tinha controle completo sobre o salmão, que devia estar chegando do mar.
Quase sem pensar, o duque apanhou a rede que estava no chão e a seguiu.
Finalmente, após uma excitante batalha, o peixe parou de lutar.
O duque inclinou-se para a frente e o apanhou na rede.
- Consegui! Consegui! - exclamava a mocinha. - Sabia que pegaria um salmão se tivesse sorte, mas jamais teria conseguido terminar se você não estivesse aqui e o tirasse da água.
Ela falava tão excitadamente que o duque perguntou:
- É a primeira vez que consegue pescar?
- A primeira na Escócia - ela replicou. - Já pesquei trutas no rio perto de casa, mas isto é diferente. Jamais experimentei sensação tão excitante.
O duque sorriu. Lembrava-se da primeira vez que pescara um salmão. Tinha apenas oito anos e o levara orgulhoso para casa para mostrá-lo aos pais.
Ambos haviam ficado encantados pois era um peixe enorme.
Ele se abaixou para retirar o anzol da boca do salmão dizendo:
- Este peixe acaba de chegar do mar. Acho que deveria mandar empalhá-lo e conservá-lo como um troféu.
A jovem deu uma risada.
- Acho que ninguém, além de mim mesma, vai admirá-lo. Meu pai já apanhou tantos que não se importa com mais um.
Olhava para o salmão. Depois decidia-se:
- Acho que devo agir correctamente e dar-lhe o peixe, pois estou em suas águas.
- Aceite como presente meu - o duque ofereceu. - Seria uma crueldade privá-la de seu primeiro salmão, quer você o conserve quer o coma.
A moça estava ajoelhada contemplando sua presa, como se não conseguisse acreditar no que conseguira.
Devia pesar cerca de três quilos.
- Precisa andar muito para levá-lo, ou prefere que eu a ajude? - perguntou o duque.
A jovem o fitou. Seus olhos azuis contrastavam com a clara pele rosada.
- É muito gentil - agradeceu. - Em verdade, desci com o guia. Mas ele cortou a mão em uma lasca vidro e voltou para cuidar do ferimento enquanto eu continuava a pescar.
- Com certeza ele deve ter-lho dito onde ficava o limite do rio - comentou o duque.
A mocinha olhou ao redor.
- Suponho estar na terra dos MacBaren, que nós sempre detestamos. Mas, com frequência me ocorreu que talvez eles não sejam tão maus como pensamos.
O duque a fitou. Depois proferiu vagarosamente:
- Pela maneira como fala, imagino que seja uma MacFallin.
- Sim, sou - confirmou a jovem.
De repente, ela deu um gritinho.
- Você não é o duque de Barenlock? É? Não pode ser!
- É assim tão terrível? - indagou o duque sorrindo.
- Jamais me ocorreu que o duque seria como você - ela explicou.
- Sinto desapontá-la.
- Por favor, não é isso - ela respondeu. - Sempre achei que o duque era velho, feio e de algum modo parecido com o demónio.
O nobre riu.
- Sinto muito - disse.
- É bobagem minha pensar desta maneira - ela prosseguiu. - Mas, desde quando minha lembrança alcança, meu pai e meus tios sempre têm dito coisas horríveis a seu respeito. - Por que agem assim?
- Deve saber - explicou o duque - que os clãs escoceses estão sempre em luta contra alguém. Neste momento, não há um inimigo do exterior, então lutam entre eles próprios.
- Sim, naturalmente, estou a par. Mas agora que voltei para casa acho isso ridículo.
- Onde estava? - inquiriu o duque?
- Fui criada por minha avó que vivia sozinha. como nossa família é muito grande, fui enviada para viver com ela em Londres e, de vez em quando vinha para casa.
- Então o que sabe sobre a Escócia? - indagou o duque.
- Muito pouco - confirmou a mocinha. - De facto, há cinco anos não vinha para cá. Quando vinha, ficava pouco tempo.
- E por que está aqui agora? - questionou o duque.
- Minha avó morreu e voltei para minha família.
- É muito difícil adaptar-me depois de tanto tempo. Quando riram de mim porque jamais havia pescado um salmão, decidi pescar um para ver o que conseguia.
- E obteve sucesso - o duque comentou, ainda segurando a rede com o peixe - Acho que o melhor a fazer é carregá-lo para você até a estrada. Com certeza, alguém deve passar indo em direcção à casa de seu pai e você obterá transporte com facilidade.
- É muita bondade sua - disse a moça. - Mas sinto-me culpada, pois além de ter roubado seu salmão ainda se propõe a carregá-lo. É quase um insulto.
O duque riu.
- Garanto que sobreviverei - argumentou tranquilo. - Embora nossos antepassados sejam inimigos há inúmeras gerações.
- Sim, o que foi muito estúpido da parte deles - replicou a jovem.
- Qual é seu nome?
- E Sheinna - ela respondeu. - Significa canto em gaélico.
- E você canta? - perguntou o duque.
- Em verdade, sei cantar - ela replicou. - Foi até mesmo sugerido que eu cantasse no palco. Mas minha avó ficou horrorizada com a idéia e acho que meu pai concordaria com ela.
- O que pretende fazer agora que voltou para casa?
- Vou aprender a pescar e, suponho, ouvirei histórias terríveis a seu respeito e sobre seu clã. Lembro de eles contarem coisas horríveis antes de eu poder mesmo andar.
O duque deu uma risada.
- Parece ridículo na época actual que ainda disputemos uns com os outros. Há guerras muito mais importantes para as pessoas lutarem.
- como lutar contra os ladrões de caça e de pesca, por exemplo - Sheinna comentou. - Meu pai fica furioso com o que fazem do outro lado de suas terras e sei que este lado também é infestado durante a noite. Naturalmente, ele o censura por não vigiar o suficiente.
- Bem que gostaria - replicou o duque. - Mas, infelizmente, como muitas outras pessoas, não posso me permitir empregar tantos homens quantos seriam necessários, especialmente no que diz respeito aos guardas de rio.
- Sua situação financeira é difícil? - ela indagou. - Sempre o imaginei imensamente rico e que estaria sempre sentado contando suas moedas de ouro, enquanto nós sempre precisaríamos pensar antes de gastá-las.
- Bem que gostaria que essas libras de ouro fossem verdadeiras, mas só existem em minha imaginação - afiançou o duque.
- E, naturalmente, nas histórias dos grandes tesouros que lhe foram roubados há muitos anos pelos vikings.
O duque riu.
- Então conhece a história.
- É claro. Minha babá costumava contar-me todas as histórias da Escócia. Amo todos os relatos e não esqueci nenhum.
- Tenho certeza de que desconheço boa parte deles! - garantiu o duque. - Talvez poderia pedir-lhe para escrevê-los para mim, ou então contar-me quando nos encontrarmos. Em troca, dou-lhe permissão para pescar amanhã no mesmo trecho em que pescou hoje.
- Faria mesmo isso? - indagou Sheinna.
Olhou em outra direcção para que ele não visse sua perturbação.
- Está pensando que seu pai desaprovaria...
- Sim, naturalmente, é o que estou pensando. Ele odeia seu clã, fomos criados para detestá-lo. Suponho que você e eu não podemos fazer nada a a esse respeito.
- Vou lhe dizer o que faremos - resolveu o duque.
- como me aborrece que ainda persista essa animosidade entre nossos clãs, se você acordar amanhã bem cedo e vier aqui sozinha, eu a encontrarei e agirei como seu ajudante.
Os olhos da moça faiscaram.
- Imagine como papai ficaria zangado e, também, todo o seu clã se soubessem disso.
- Acho difícil que venham a saber. como obteve sucesso em pescar meu salmão, acho que devo ajudá-la a pescar mais dois ou três e depois voltarmos a jogar lama um no outro.
A jovem riu e o som de sua voz era encantador.
- Jamais farei isso depois de sua bondade. Poderia ter-me obrigado a libertar o salmão e eu passaria o resto de minha vida a suspirar pelo peixe que jamais apanhei.
- Agora pode pensar naquele que apanhou - ralhou o duque - e é justo que pesque mais dois ou três.
- Se está disposto a arriscar, então é o que farei - Sheinna afiançou. - Mas sabe o que dirão a nosso respeito se nos virem?
- Acho que será o início de uma luta entre nossos clãs como jamais houve antes. Mas arriscaremos e, se eles se tornarem de facto importunos, precisarei pedir-lhe para devolver-me o salmão, para que possa colocá-lo numa caixa de vidro e dizer que eu o tomei dos MacFallin depois de eles tentarem roubá-lo de mim.
A jovem riu.
- É exactamente o modo como uma nova guerra pode começar entre nós. Porém, aí está algo que você e eu devemos impedir em definitivo se conseguirmos.
- Podemos ao menos tentar - completou o duque.
- Tenho certeza de que concorda comigo que toda essa animosidade é ridícula e constitui algo que jamais deveria ter acontecido. Com certeza, será repudiada agora que somos mais velhos e mais sábios.
Porém, enquanto falava ocorria-lhe que os MacFallin não haviam com certeza se tornado mais sábios. à excepção desta muito bela jovem.
Estavam se aproximando da estrada.
Ele avistou à distância uma carreta aproximando-se vagarosamente.
- Não faço a menor idéia - ele observou - se se trata de alguém de seu clã ou do meu. Mas seria um erro, se desejamos nos encontrar amanhã cedo, sermos vistos juntos. Até logo, lady Sheinna e espero que consiga sair furtivamente por volta das sete horas. Eu a estarei esperando.
- Fique certo que estarei lá - replicou Sheinna - e obrigado por tanta gentileza.
Apanhou o salmão e encaminhou-se resoluta para a estrada.
Ele se esgueirou por entre as árvores.
Quando alcançou a margem do rio e olhou para trás viu a carreta dando meia volta e levando a jovem para casa.
Sem dúvida, fora um encontro inesperado, ele reflectiu sorridente.
Na manhã seguinte, ele próprio tentaria apanhar dois ou três salmões. E era divertido pensar como ficaria zangado o pai de lady Sheinna se soubesse de seus planos.
O duque voltou para casa encantado com a manhã que passara.
A duquesa mãe não desceu para o café. Depois de ter terminado a refeição, recebeu diversas pessoas da propriedade. Deram-lhe vários relatórios sobre as actividades em que estavam envolvidas. Em particular, falaram das boas perspectivas de vendas dos cordeiros.
- Este ano, Sua Graça - relatara o chefe do rebanho de ovelhas -, obteremos um preço melhor do que nunca.
- São notícias óptimas - comentou o duque. Elogiou todos os trabalhadores a seu serviço. Almoçou com a mãe que o colocou a par das últimas novidades da vizinhança. Ela também informou-lhe que a condessa, com duas jovens que desejava lhe apresentar, chegaria na hora do chá.
- Eu preferia ficar sozinho com você, mamãe, depois de ter ficado fora tanto tempo - replicou o duque.
- Eu sei, querido - retorquiu a duquesa -, mas Moira Dunfeld está resolvida a trazer a jovem americana para apresentar-lhe e estou certa de que você a achará encantadora
O duque acreditava no contrário, mas percebeu que seria errado discutir.
Assim, pediu:
- Por favor, mamãe, não force nada. Sinto-me muito feliz com você e não desejo outra mulher no castelo.
A mãe suspirou, mas sabia que seria um erro insistir no assunto.
Em vez disso perguntou:
- Quando vai pescar, querido?
- Esta tarde. Então, se me atrasar para o chá, deve pedir que me desculpem. Acho que já está na hora de eu apanhar um salmão.
- os guias de pescar estão ansiosos à sua espera - explicou a duquesa - e ficarão desapontados se você não conseguir uma grande presa.
O duque sorriu.
Ao descer, já decidira de antemão chegar atrasado para o chá.
Pescou três salmões. Chegou atrasado, mas triunfante.
A duquesa o aguardava no salão de estar, que dava para o jardim e tinha uma vista esplêndida para o mar.
Assim que entrou pelo aposento, todos os olhos se voltaram em sua direcção.
Inclinou-se para beijar a mãe e estendeu a mão à condessa.
- Que bom estar de volta, prima Moira - ele cumprimentou.
- Você nos negligenciou tempo demais - queixou-se a condessa -, trocando-nos pelas as actividades londrinas.
- Sem dúvida, foram muito agradáveis - replicou o duque. - Mas alegra-me voltar para casa.
- Desejo que conheça duas belas jovens - disse a condessa. - Naturalmente lembra-se de Chalrote, embora ela tivesse apenas dezasseis anos quando a viu pela última vez.
O duque apertou a mãoda Jovem.
Chalrote deixara de ser a menina desajeitada de que se lembrava e se tornara elegante e muito bonita.
- Estou encantada por voltar ao castelo - ela falou ao duque. - Quando contei a minhas colegas de escola que costumava vir para cá com frequência, elas sentiram inveja. De facto, todas desejavam visitar o castelo.
- Tenho certeza de que há muitos castelos para elas verem na Inglaterra - replicou o duque -, sem precisarem vir tão longe.
- Bem, Mary-Lee diz que não há castelos na América e que está extasiada por conhecer o que ela chama "um duque de verdade", e também pela oportunidade de ver seu castelo.
O duque riu.
Apertou a mão da bonita moça americana. Era extraordinária a diferença entre as amigas. Embora tivessem a mesma idade, a estrangeira parecia mais experiente do que a colega de escola.
- Acho este castelo muito belo - comentou Mary-Lee. - Desejo explorá-lo de cima para baixo.
- Poderá fazê-lo - replicou o duque. - Com certeza Chalrote se lembra de tudo.
- Sei o que Mary-Lee quer em verdade - interrompeu a condessa. - Que o dono do castelo lhe mostre tudo.
Como sempre, sua parente tentava impingir-lhe uma noiva, pensou o duque.
Mas limitou-se a dizer:
- Se Chalrote não se lembra, Roy será o melhor de todos os guias.
Roy era o mordomo.
Era visível a expressão de aborrecimento no rosto da prima ao perceber que ele não se deixaria enredar com facilidade, como havia imaginado.
Ele se sentou próximo da mesa de chá.
Enquanto a mãe o servia, ele apanhou um doce.
- O salmão que você pescou era muito grande, primo Alpin? - perguntou Chalrote.
- Um pesava mais de três quilos - contou o duque, - mas os outros dois, lamento dizer, eram menores.
- Entretanto, você os apanhou - Chalrote comentou - e é o que desejo fazer agora que voltei para cá. Por favor, Mary-Lee e eu podemos pescar com você amanhã?
- O que está acontecendo em seu próprio rio? - o duque perguntou, olhando para a condessa.
- Não temos obtido muito sucesso - ela explicou.
- como você sabe, seu rio é o melhor de todos.
- Devo descobrir o que está acontecendo nos outros - retorquiu o duque. - Em verdade, o meu não tem estado tão bom como costumava ser.
- os guardas do rio e todas as pessoas sempre dizem que costumava ser melhor no passado - ponderou a duquesa. - Tenho ouvido comentários desde que vim para cá. Sem dúvida, dispomos do melhor rio da Escócia.
- Espero que o seu seja melhor protegido do que o nosso - comentou a condessa. - Sabemos de facto que ladrões invadem todas as noites nossas terras. como os invasores se mantém em movimento, e só dispomos de dois velhos guardas, eles nunca são apanhados em flagrante.
- Se quer saber minha opinião - comentou a duquesa - acho que inúmeros invasores estão aliados com os guardas dos rios. Estes recebem uma propina e fecham os olhos para o roubo.
- Pergunto-me se isso é verdade - reflectiu o duque.
- Nunca me ocorreu tal idéia, mas, naturalmente, pode acontecer.
- Certamente acontece aqui - asseverou a condessa. Sempre ouço pessoas se queixando a esse respeito.
- Bem, darei atenção a tal reclamação agora que voltei para casa - prometeu o duque.
- E, por favor, antes que os ladrões roubem todos os peixes, podemos experimentar também? - pediu Chalrote.
- Naturalmente - concedeu o duque - e tomarei providências para que disponham do melhor guia para acompanhá-las e mostrar-lhes onde podem pescar.
- Obrigado, obrigado - agradeceu Chalrote. - Se Mary-Lee pescar um salmão ela mandará empalhá-lo e o enviará ao pai na América para mostrar-lhe como é desportiva.
- Sei que papai ficará muito impressionado se eu pescar um peixe no rio do duque - explicou Mary-Lee.
- Com certeza, terá tal oportunidade - garantiu o duque.
- E, naturalmente - acrescentou a condessa - seria mais excitante se você, Alpin, ensinasse Mary-Lee a pescar.
A prima tentava impor a jovem americana ao duque, dois minutos após terem sido apresentados.
Ele não respondeu.
Preferiu estender sua xícara de chá para a mãe, dizendo:
- Pode me dar mais chá, mamãe e, por favor, conte-me o que fez hoje.
- Nada que não considere extremamente aborrecido, querido - replicou a duquesa. - Porém, receberemos pessoas agradáveis para jantar. Virão jovens para conhecer as moças, bem como uma encantadora lady que anseia reencontrá-lo.
- De quem se trata? - inquiriu o duque.
- Será uma surpresa - afiançou a duquesa. - Espero que ao vê-la se lembre dela.
- Diga-me quem é - pediu o duque.
- Contarei mais tarde - respondeu a duquesa.
Pretendiam mantê-lo distraído enquanto estivesse em casa, pensou o duque. Não percebiam que preferiria ficar sozinho com a mãe.
Também queria se concentrar na pescaria em vez de entreter amigos da vizinhança.
Também lhe desagradava que lhe impingissem mocinhas.
Sem dúvida, Mary-Lee era bastante atraente, porém demasiado jovem para ele. Nada teriam em comum.
"Excepto, naturalmente", segredou-lhe uma voz interior, "que ela é muito rica".
Por essa razão, a condessa a trouxera para conhecê-lo. A prima e a mãe estavam decididas que ele assumisse uma rica esposa o mais cedo possível.
O duque retirou-se para seu estúdio, que também era uma biblioteca muito especial.
Outra biblioteca no castelo conservava os livros mais antigos da Escócia.
Porém em seu estúdio ele conservava apenas livros modernos.
Ele os havia encomendado em Edimburgo. Era uma de suas extravagâncias, da qual ele não desistiria por mais difícil que fosse sua situação financeira.
Se não estivesse viajando na realidade, poderia viajar na imaginação.
Apreciava, em particular, os livros recém-publicados sobre o Extremo Oriente.
Ao fechar a porta de seu estúdio e sentar-se à mesa, dizia a si próprio que a próxima vez que viajasse iria mais longe do que nas ocasiões anteriores.
"De outro modo", reflectiu "acabarei casado mais cedo do que o desejável e então será impossível visitar os lugares que desejo conhecer."
Ansiava por visitar o Nepal. Se possível, desejava conhecer o Tibete.
"Se esperar muito", pensava, "será demasiado tarde. Sem dúvida serei envolvido num casamento, por mais que tente salvaguardar minha liberdade."
Estava há pouco em seu estúdio, quando a porta se abriu e a condessa deu uma espiada no interior.
- Achei que estaria aqui, Alpin - ela comentou -, e queria falar-lhe.
O duque ergueu-se, educado.
Queria ficar sozinho e em silêncio, mas não podia ser rude com a prima.
Apesar de ela estar sempre se preocupando com seu eventual casamento, queria-lhe muito bem.
- Preciso escrever algumas cartas, Moira - ele explicou. - Mas, naturalmente, estou encantado por revê-la e é muita bondade sua passar tanto tempo com mamãe. Sinto sempre receio que ela se sinta sozinha e infeliz durante minha ausência.
- Ela ama tê-lo em casa - ponderou a condessa.
- Também, quando você se afasta é uma pena que não possa deixar-lhe netos em companhia.
O duque ergueu as mãos exasperado.
- Outra vez o mesmo argumento! - queixou-se. - Sabe tão bem quanto eu que há muito tempo para eu ter um bando de crianças cansativas e não tenho a menor intenção de me casar neste momento.
Falava com firmeza, com o se tentasse imprimir na mente da prima de uma vez por todas que seus arranjos matrimoniais estavam fadados ao insucesso.
Entretanto, a condessa limitou-se a rir e sentou-se numa poltrona confortável.
- Ouça o que vou lhe dizer, Alpin - pediu.
- Não, se o assunto for casamento - afiançou o duque. - Esse assunto é proibido.
- Proibido ou não - replicou a condessa - preciso dizer-lhe que Mary-Lee é uma das mais ricas herdeiras da América. como sabe, é muito diferente de dizer que é uma das mais ricas moças da Inglaterra.
- Não estou interessado - garantiu O duque. - É uma moça bonita, mas me sinto velho como se fosse seu pai. Além disso, no momento não pretendo desposar ninguém.
- Oh, realmente, Alpin, você precisa ser tão difícil e tão estúpido sobre este assunto? - repreendeu a condessa.
O duque não respondeu.
Após um momento, ela continuou:
- Você seria muito mais feliz com uma jovem a quem poderia ensinar a amar como deseja ser amado, e que ouviria com adoração tudo o que você lhe dissesse, do que se desposasse uma jovem empertigada, consciente de suas próprias atracções, sabendo que a principal é seu dinheiro.
- Esta pode ser sua idéia de um casamento feliz - disse o duque, - mas não é a minha. Moira, não aguento mais O assunto e recuso-me a voltar a discuti-lo.
- Para você é muito fácil falar - contrariou a condessa. - Mas já percebeu que o castelo está caindo aos pedaços por falta de reformas, que a propriedade é ridicularizada pela maioria da vizinhança e que você próprio está aviltando deliberadamente o nome da família ao não cumprir seu dever em agir com um dos mais importantes proprietários de terras da Escócia?
O duque nada respondeu.
Após um momento, a condessa prosseguiu:
- Nós todos o amamos e desejamos sua felicidade, porém, Alpin, deve compreender que a situação não pode continuar como está no momento.
- Não vejo nada de errado - contradisse o duque. - Dispomos de serviçais em número suficiente e não despedi ninguém que trabalhava aqui na época de meu pai.
- Você não despediu, mas muitos morreram ou estão muito velhos para trabalhar - rebateu a condessa.
- Sabe tão bem quanto eu que não dispomos de número suficiente de pastores, que o número de guardas do rio minguou tanto que os ladrões podem agir impunes todas as noites. como já disse, O castelo necessita de centenas de consertos aos quais você fecha os olhos.
O duque levantou-se e atravessou O aposento, devagar, aproximando-se da janela. Contemplou O mar, pensando que era bonita a vista e quanto O castelo significava para ele.
Mas como poderia enfrentar a si próprio se desposasse uma moça apenas por seu dinheiro?
Violaria todos os sonhos que em segredo alimentara durante toda a vida.
E, pior, afectaria seu orgulho.
Era impossível explicar a alguém, mesmo à mãe, que um dia encontraria uma mulher a quem amaria, respeitaria e admiraria.
Faria com que ela partilhasse da direcção do domínio que ele recebera, uma herança que passava de geração em geração há mais de quinhentos anos.
Naturalmente, estava bem consciente da necessidade de dinheiro.
Também precisava de recursos para introduzir inovações.
Porém, de alguma maneira, no extremo norte, isso não parecia de grande importância como na Inglaterra.
Sentia-se feliz na propriedade do jeito como era. Mas, seu contentamento era perturbado pelos parentes. como a condessa, estavam sempre a importuná-lo para que melhorasse a situação financeira.
Com recursos apropriados poderia instalar equipamentos modernos e devolveria O domínio a seu esplendor antigo. Para os familiares, a única maneira de contornar O problema era pela ligação com uma rica herdeira que desejasse ser duquesa.
Se lhe tivessem dito com franqueza que ele nada tinha a oferecer além do título, ele os teria respeitado.
Porém, sempre argumentavam como se quisessem que ele se casasse apenas para produzir um herdeiro. E, deste modo, rebaixavam tudo.
Nos últimos cinco anos conseguira repeli-los, passando a maior parte de seu tempo em viagem.
Tentam acreditar que, de algum modo, tudo mudaria para melhor. Que, ao retornar, a necessidade de dinheiro não se revelaria tão urgente como era ao partir.
Após ter conversado com seus empregados pela manhã, dera-se conta de que a situação era pior do que esperara.
Fora mais uma vez confrontado com dívidas que deviam ser pagas e com a inevitável questão: como?
O duque se afastou da janela e aproximou-se da prima.
Fitou-a por um breve momento. Depois sentou-se a seu lado.
- Suponho que deveria ficar grato - declarou - que esteja interessada em mim como pessoa. Também - quero crer que goste de mim independentemente de minha posição na família.
- Sempre o amei desde pequenino - replicou a condessa. - Mas, como você era filho único, seus pais o estragaram e deixaram que fizesse tudo como bem entendia. como sabe, casei-me com David assim que deixei a escola porque ele herdaria um título.
- Certamente você o amava - interrompeu o duque.
- Sentia por ele o que eu acreditava ser amor, não tendo nenhuma experiência a esse respeito - explicou a condessa. - Temos sido muito felizes. como sabe, David é encantador e seria difícil não gostar dele.
Após uma pausa, ela prosseguiu:
- Também não foi o amor de conto de fadas que certamente você tem em mente.
- Não fazia a menor idéia - explicou o duque. - Sempre acreditei que você e David haviam se apaixonado à primeira vista e que o seu era um casamento ideal.
- É verdade - concordou a condessa. - Temos sido felizes. Porém, estou apenas querendo lhe dizer que pode encontrar o mesmo muito facilmente. É inútil esperar que os céus se abram e algum anjo caia em seus braços.
- Acredita ser essa minha pretensão? - o duque indagou, apertando os lábios.
- Naturalmente é o que espera - concordou a condessa. - Nos últimos seis ou sete anos você teve a oportunidade de desposar inúmeras belas mulheres que também lhe teriam dado os recursos de que tanto necessita o castelo.
Após uma pausa, ela prosseguiu:
- De facto, sua mãe e eu estávamos, outra noite, contando o número dessas possíveis noivas, e nos perguntávamos por que você não havia aproveitado as oportunidades.
O duque nada respondeu e após um momento ela completou:
- Sei a resposta. Você tem estado à espera do amor. O amor verdadeiro, sobre o qual leu nos livros.
Ela olhava ao redor, enquanto falava e ergueu as mãos para cima, apontando as prateleiras que cobriam uma parede inteira.
- Dei uma olhada em alguns desses livros e todos se referem ao amor que um homem encontra uma vez em um milhão de anos! Não pode esperar ter tudo na vida.
- O que está querendo dizer? - inquiriu o duque.
- Está pedindo demasiado - redarguiu a condessa.
- Tem seu título, o castelo, a maior propriedade do norte da Escócia e ainda espera encontrar o amor que raramente é encontrado pelos que o procuram. Muito, muito raramente ele acontece.
- No entanto, é algo - pronunciou o duque, devagar - que é o desejo de todos.
- Do mesmo modo como todos querem ser milionários - asseverou a condessa. - Mas acontece apenas para poucas pessoas. É ridículo você acreditar que, dispondo de tanto, ainda possa sentar-se e pedir mais.
- Está me deixando deprimido - queixou-se o duque.
- Não, não estou - contradisse a condessa. - Estou tentando fazer que recupere o bom senso. É razoável que case com Mary-Lee enquanto ela se sente atraída por seu título e pelo castelo. Depois, poderá transformá-la no que desejar e todos nós o ajudaremos.
O duque jamais desejaria que seus parentes, mesmo sua mãe, interferissem com sua esposa.
Mas seria um erro revelar suas idéias. Por isso, sentou-se em silêncio.
- Não há necessidade de se apressar - dizia a prima.
- Mas peço que seja sensato ao menos uma vez e compreenda que não tem a vida inteira para se decidir.
O duque queria argumentar mas a condessa prosseguiu:
- Deve perceber que o casamento é o melhor caminho, e compreender que esta é uma grande oportunidade, que poderá não se repetir, a de desposar Mary-Lee. Não se trata apenas de uma milionária, mas de uma moça muito doce.
Após uma longa pausa o duque falou:
- Só posso lhe agradecer ter sido tão franca comigo e certamente levarei em consideração tudo o que acaba de me dizer.
A condessa deu um gritinho de deleite.
- É o que desejava ouvi-lo dizer. Oh, Alpin, seja sensato. Sua mãe está aterrorizada que você deixe escapar a oportunidade. Ela sabe melhor do que eu quanto dinheiro é preciso para o domínio e como sua dívida no banco está alcançando patamares incontroláveis.
O duque detestava conversar sobre seus assuntos particulares, mas ela continuou:
- Também é impossível para você continuar a contrair dívidas cada vez mais pesadas toda vez que vai a Londres ou viaja para o exterior.
O duque reconhecia a sensatez das palavras mas havia preferido fechar os olhos para a realidade.
Também não lhe agradava, embora fosse difícil reconhecer, o facto de que a condessa, que afinal era apenas sua prima, soubesse tanto sobre seu saldo bancário.
Ao mesmo tempo entendia que a mãe, ao se encontrar sozinha no castelo, confidenciasse a um parente e não a um amigo.
- Muito bem, Moira - declarou. - Reflectirei sobre o que você acaba de me falar e, embora não faça promessas, examinarei melhor nossa posição financeira e avaliarei quanto dinheiro o domínio necessita.
- Tenho certeza que agirá do melhor modo - proferiu a condessa.
Enquanto falava, ela olhava para a bela pintura pendurada sobre a lareira.
Após um momento, declarou:
- Naturalmente há objectos que podem ser vendidos no castelo mas seria um erro não deixar nada para seu filho.
O duque manteve silêncio e ela continuou:
- Lembro-me de seu pai quase chorar quando precisou vender o enorme quadro que estava pendurado no hall. Ali estivera por mais de cem anos, mas ele recebera uma oferta tão grande que não pôde recusar.
Deu uma risadinha antes de dizer:
- Eu era muito jovem na ocasião, mas quando foi levado seu pai disse:
- Se aqueles malditos vikings não tivessem levado embora os tesouros do castelo eu não precisaria vender esse Van Dyck. Que eles apodreçam no inferno para onde certamente terão levado os tesouros do castelo.
E a condessa completou, rindo:
- Nunca esqueci suas palavras e cada vez que alguém menciona os vikings penso neles sentados sobre os tesouros que roubaram, embora acredite que o que levaram de mais valor foram as lindas aldeãs que raptaram.
O duque riu.
- Tudo bem, censurar os vikings - declarou ele - mas alguns de meus antepassados foram perdulários e, naturalmente, você acredita que herdei as más qualidades.
- Não é verdade - replicou a condessa. - Você é belo, caro Alpin. Suspeito que sua altura e os olhos azuis revelam sangue viking.
- Tolice...
- Muito escoceses desta têm mesma característica - continuou a condessa - e como explicar esses traços a não ser pelos invasores?
O duque deu uma risada.
- Já comentaram comigo sobre o assunto - informou - e sempre achei divertido. Tudo bem que eu seja um viking e reservo-me o direito viking de escolher a mulher que desejo e roubá-la de seu lar.
A condessa deu um grito e levou as mãos para o alto.
- Não está sugerindo que poderia desposar uma estrangeira?
- Pensei que fosse sua sugestão - replicou o duque.
A condessa baixou as mãos e disse:
- É claro. Entretanto, para mim, as americanas não são estrangeiras. Referia-me àquelas que falam uma linguagem diferente da nossa, como as norueguesas ou as suecas e, naturalmente, as francesas, com os quais você passa tanto de seu tempo.
- Agora está tornando tudo mais difícil para mim - queixou-se o duque.
Seus olhos brilhavam e ele estava apenas brincando.
Neste momento a condessa deu um gritinho.
- Não suportaria ver você trazendo para cá uma esposa francesa, alemã ou espanhola - declarou. - Não passariam de estranhas no castelo.
- Pelo que esteve me dizendo, acho que deseja manipular o mundo da maneira como lhe apraz - comentou o duque. - como já lhe prometi, prima Moira, reflectirei sobre o que me disse com o máximo cuidado.
- O que precisa entender, Alpin - redarguiu com firmeza a condessa - é que por mais que tente se esquivar, precisa compreender a necessidade de se casar o mais rápido possível. Com certeza, todos os outros parentes são do mesmo parecer.
- É verdade - comentou o duque vagarosamente.
- Enquanto esteve ausente - explicou a condessa -, decidiram que cada um deveria falar com você para convencê-lo da seriedade da situação.
Falava com tom de voz diferente.
O duque a fitava atónito.
- Já disse o que pretendia, prima Moira - comunicou em voz firme. - Vamos deixar as coisas neste ponto. Desculpe-me mas preciso enviar uma mensagem para um dos guardas que devem trabalhar esta tarde no rio.
Saiu do aposento ao terminar a sentença.
A condessa suspirou.
Reconhecia que errara ao mencionar a intenção de os outros membros da família conversarem com o duque.
No entanto, era urgente que o primo entendesse o que se passava.
"Talvez eu tenha exagerado", disse a si mesma enquanto atravessava a sala. "Mas quanto mais cedo ele enfrentar a realidade, tanto melhor."
O duque não saíra para procurar o guarda de rio que mencionara.
Subira a escada que conduzia a uma das torres num dos cantos do castelo.
Dali havia uma vista magnífica não apenas do domínio mas também do outro lado.
Do alto da torre a visão era magnífica. O jardim terminava na linda baía. As urzes adquiriam um tom purpúreo nas terras de caça.
As estranhas luzes, que só eram encontradas no extremo norte, tornavam a terra e o mar parte de uma terra de sonho.
Depois voltou-se para contemplar o norte e, finalmente, o oeste.
Percebeu que podia avistar, além de suas terras, as dos MacFallin.
Além do lago e de uma pequena floresta de árvores, podia avistar o telhado da casa do conde.
Jamais fora um castelo, porém sempre a casa do chefe dos MacFallin.
- É extraordinário - reflectiu o duque - como os dois clãs têm se detestado e abominado ao longo dos séculos.
E continuavam a viver lado a lado, insultando-se reciprocamente de todas as maneiras possíveis.
Entretanto, contra a tradição, ele havia na realidade ajudado uma MacFallin nesta manhã a furtar um de seus próprios salmões.
Como um litígio deste tipo podia durar tanto tempo?
Lembrou-se que houvera uma briga feia, durante a Batalha de Culloden, quando o príncipe Charles inadvertidamente colocara membros dos dois clãs lado a lado.
O chefe dos MacBaren havia acusado o chefe dos MacFallin de usurpar seu lugar no campo de batalha.
Com efeito, os dois clãs haviam começado a brigar entre si em vez de aguardar pelo inimigo, naturalmente, inglês.
Haviam sido apoiados pelos chefes de outro clã e o próprio príncipe Charles se desculpara pelo erro que havia cometido.
Entretanto, a raiva e a fúria que havia provocado entre os clãs, continuara muito tempo depois de o príncipe dos Stuart retornar do exílio na França.
A Escócia enfrentava, mais uma vez, seu maior inimigo, os ingleses.
"Como podem ter sido tão tolos?", perguntou-se o duque. Já havia admirado belas inglesas. Eram apaixonadas ao fazer amor.
Em verdade, divertira-se mais em Londres do que em qualquer outra capital que visitara.
Na Inglaterra, frequentava as pessoas que cercavam o príncipe de Gales.
Visitara muitas das grandes mansões inglesas e as considerara confortáveis e civilizadas como gostaria que fosse seu próprio castelo.
Seu pai tivera a idéia de que ele deveria frequentar uma escola inglesa, em Eton, e a Universidade de Oxford.
Assim, era natural que falasse o inglês com perfeição, sem o menor sotaque escocês.
Embora relutante, admitia que possuía idéias inglesas sobre o que deveria e não deveria ser feito.
E eram diferentes das partilhadas por seus ancestrais. Imaginava, embora não soubesse ao certo, que o conde de MacFallin era bem escocês.
Não apenas de sangue, mas de comportamento e ideias.
"Progredi", reflectiu, "devido por que a maioria de meus amigos são ingleses. No entanto, sinto orgulho de ser escocês e jamais faria algo contrário às crenças de meu povo.
Porém, perguntou-se, "se amasse mesmo seu próprio povo, como acreditava, as casas do domínio deveriam ser consertadas e as escolas modernizadas. Não podia ignorar que grande número de pessoas em sua vasta propriedade vivia em penúria."
Voltou o olhar para o mar.
Cedo ou tarde precisaria casar-se.
Os convidados para a festa da noite eram vizinhos conhecidos há muito tempo do duque.
Quando Roy anunciou que o jantar estava servido, dirigiram-se à sala de refeições.
O duque havia imaginado sentar-se com os vizinhos mais importantes.
Para sua surpresa, viu-se com uma senhora de sessenta anos a seu lado direito e Mary-Lee à esquerda.
A mãe ou a condessa haviam mudado o arranjo de convivas à mesa.
Quando examinara a distribuição dos convidados Mary-Lee encontrava-se com os mais jovens.
O facto de sentar-se a seu lado daria origem a boatos entre os vizinhos.
Sentia-se excessivamente aborrecido por ter sido obrigado a uma posição que despertaria dúvidas em seus convivas.
"Danem-se!", disse a si próprio. "Não serei pressionado ou intimidado a fazer algo contra minha vontade."
Assim, conversou animadamente com a senhora à sua direita, que sentiu-se muito lisonjeada com tal atenção.
Após o jantar, os convidados mais velhos, incluindo o duque, jogaram bridge.
Os mais jovens foram à sala de música e dançaram enquanto alguém tocava piano.
O duque desconhecia quem procedera aos arranjos para o baile. Havia uma mulher no vilarejo, que sempre era convidada a todas as festas, públicas ou no castelo.
Era excelente pianista e excedia-se ao tocar músicas escocesas de dança.
Com certeza, ensinariam Mary-Lee a dançar as músicas locais.
O nobre evitou o olhar reprovador da condessa. A prima sentia-se aborrecida ao extremo pelo facto de ele haver ignorado a americana durante o jantar.
Tampouco fizera o menor esforço para se reunir aos jovens na sala de música.
Ele se despediu dos convidados na porta da frente.
Depois, subiu e deu um beijo de boa-noite na mãe. Antes que a condessa pudesse falar qualquer coisa ele entrou em seu quarto.
Embora estivesse muito cansado não conseguia dormir. Tudo o que a condessa lhe dissera o preocupava. Embora tivesse avaliado a situação com extrema precisão, ainda assim ele sentia ser impossível atendê-la.
"Se há algo que abomino de modo absoluto", reflectiu, "é ser manipulado e é exatamente o que a prima Moira está fazendo."
Acordou muito cedo.
Saiu de casa sem ser percebido, às cinco horas da manhã.
Levando seu material de pesca, dirigiu-se ao rio. Levou algum tempo até alcançar o lugar onde encontrara Sheinna.
Era seu hábito começar a pescar próximo ao castelo e à foz do rio.
Ali, se tivesse sorte, encontraria os salmões mais frescos, recém-chegados do mar.
Entretanto, havia prometido a Sheinna encontrá-la mais acima da corrente.
Também seria interessante pescar próximo à parte do rio pertencente aos MacFallin.
Assim, impediria que "seus" peixes corressem em águas inimigas.
Começou a pescar quase às seis horas.
Se Sheinna aparecesse uma hora mais tarde, ainda haveria tempo para ajudá-la a pescar, antes que aparecesse alguém.
Enfureceu-se ao encontrar marcas de redes ao longo do rio.
Com certeza, eram de ladrões. Pelas marcas de pés no chão, ao menos quatro homens teriam lançado a rede ali e arrebanhado o peixe que vinha do mar.
"Onde teriam estado os guardas do rio?", ele se perguntava irritado.
Porém, conhecia a resposta.
Estavam envelhecendo e sentiriam dificuldade em afastar os invasores.
Um dos guardas havia saído com o nariz quebrado numa escaramuça com os ladrões.
Outro havia sido chutado na perna com tanta violência que só pôde retornar ao trabalho uma semana mais tarde.
Tentando esquecer que precisava de mais seguranças, atirou a linha.
Estava pescando a apenas cinco minutos quando sentiu um leve puxão.
Começou a lutar com o peixe que tentava com todas as forças se libertar.
Nada mais poderia ser tão emocionante.
O peixe saltava sem cessar até ser vencido pela mestria do pescador.
Tinha menos de três quilos mas o duque ficou contente.
Uma vez o peixe morto, ele cobriu com folhas para preservá-lo das moscas e recomeçou a pescar.
Estava trazendo O terceiro peixe quando alguém bateu palmas.
Sheinna estava na margem do rio.
- É o primeiro que apanhou? - ela indagou.
- Não, é o terceiro - replicou o duque.
- Está pescando tudo antes de eu chegar - queixou-se a moça.
Ele estava a ponto de protestar quando ela disse:
- Preciso confessar que cheguei cedo na esperança de conseguir pescar antes de você.
O duque riu.
- Bem, venha e pesque e espero que ninguém nos veja.
Levou algum tempo mas ela conseguiu pescar dois peixes enquanto ele só pescou mais um.
Para ele, era difícil pescar e ajudar a jovem.
Ao se sentarem na margem, o duque comentou:
- Acho que não desejamos ser vistos, devemos ir para casa pois são quase sete horas.
- Gostaria de pescar mais meia dúzia - ela disse.
- Está ficando gananciosa. É sempre o mesmo com os pescadores: nunca acham que pescaram o suficiente.
- Nunca fiz nada mais excitante - ela proferiu - e hoje preciso de muito conforto.
- Porquê? - inquiriu o duque.
Após um momento de silêncio ela respondeu.
- É o que meu pai me anunciou ontem à noite.
- De que se trata?
- Eu mesma quase não conseguia acreditar - relatou Sheinna. - Fiquei acordada a maior parte da noite, pensando que devia ser um pesadelo.
- Que aconteceu? - indagou o duque.
- Papai me disse que devo desposar Sir Ewen Kincard, cuja propriedade, como sabe, limita com a nossa.
O duque reflectiu por um momento.
Depois pronunciou:
- Sir Ewen Kincard, é um homem idoso.
- Sei disso - relatou Sheinna. - Porém papai acha que sua propriedade se unindo à nossa seria de grande ajuda e o clã ficaria muito feliz em se tornar maior e mais forte.
- Se não me engano - disse o duque -, Sir Ewen está se aproximando dos setenta anos.
- É isso mesmo - Sheinna confirmou. - Porém, papai deseja suas terras e Sir Ewen pretende um herdeiro.
O duque a fitava.
- Naturalmente, não pode desposar um homem desta idade. Quantos anos tem você?
- Vinte, quase vinte e um - ela respondeu.
- Então ele tem idade para ser seu avô - ponderou o duque. - Nunca ouvi idéia tão ridícula.
- Mas, como expliquei - ela informou -, papai está pensando em benefício do clã, em como seria óptimo ampliar o domínio. E Sir Ewen, de sua parte, não pensa em mim, apenas em ter um filho seu.
- Não importa o que Sir Ewen pretende ou não, deve deixar bem claro para seu pai que não pretende desposar alguém a quem não ama.
- É exatamente o que tentei lhe dizer - Sheinna relatou. - Quero apaixonar-me por um homem pela simples razão de achá-lo maravilhoso e que ele me ame.
O duque pensava exatamente desta maneira. Poderiam ter sido suas palavras.
Após um momento ele aconselhou:
- Deve-se mostrar muito firme em relação a isso.
- Tentarei - ela comunicou. - Papai diz que deverei desposar quem quer que seja que ele escolha
para mim. Naturalmente, nos velhos tempos, os casamentos eram arranjados entre os clãs.
- Eram arranjados para a vantagem do clã e não para a felicidade daqueles que eram envolvidos em tais uniões - constatou o duque. - É inacreditável você ser pressionada para casar com um homem idoso. Se não estou enganado, a história da vida de Sir Ewen é bastante desagradável.
- Ele já teve duas esposas - lembrou Sheinna. - Ambas morreram e talvez tenha sido por sua crueldade em relação a elas.
- como seu pai pode ter a idéia de obrigá-la a casar com um homem desses? - inquiriu o duque.
- Deseja que eu seja importante e dona das terras de Sir Ewen. Estou com medo, em verdade apavorada de não conseguir resistir à pressão.
Parecia uma repetição do que ocorrera com o duque, quando a prima, na noite anterior, o pressionava a casar-se por dinheiro.
- Deve fugir - pronunciou o nobre em voz alta.
Sheinna esboçou um gesto de desamparo com as mãos.
- Para onde? - indagou. - Sentia-me tão feliz quando vivia com minha avó mas, agora, estou em casa, onde tudo é diferente e tenho receio pois papai e Sir Ewen são muito poderosos. Tenho até dificuldade de pensar por mim própria.
Sua voz era de profundo desamparo.
Como chefe de clã, o conde era um personagem poderoso. Era quase um rei para as pessoas que portavam seu nome.
Corria o boato de que se tratava também de um homem perigoso.
E, sem dúvida, estava resolvido a exercer sua autoridade e poder.
Com isso, seu povo admiraria sua força e se deixaria conduzir de bom grado por ele.
O pai do duque havia chegado a comentar:
- Se estivéssemos vivendo há cem anos, com certeza MacFallin armaria um exército com seus homens e precisaríamos lutar por nossas vidas do alvorecer ao anoitecer.
Na ocasião, o duque havia dado uma risada. Porém, reflectia agora que o pai tinha razão.
Esta moça jovem e bonita não teria meios de fazer face ao pai.
- Que posso fazer? - indagou Sheinna com voz trémula.
- Deve fugir - repetiu o duque em voz decidida.
Ela voltou a esboçar um gesto de desamparo com as mãos.
- Para onde?
O duque reflectiu por um momento.
Depois, decidiu-se:
- Tenho uma idéia que talvez considere insana. Não sei se o que vou sugerir é uma resposta para seu problema ou se é uma bomba.
- Não compreendo. O que está tentando dizer? - implorou Sheinna.
O duque reflectiu por um momento. Depois explicou:
- Acontece que eu me encontro numa situação muito parecida com a sua. Estou sendo pressionado por meus parentes para casar-me com uma jovem apenas por ser rica.
- Mas com certeza não é obrigado, se não é esse seu desejo - alegou Sheinna.
O duque sorriu.
- Estou sendo pressionado, do mesmo modo que você está, apenas porque precisamos de dinheiro, para o castelo, para o domínio e, naturalmente, para os membros do clã.
- Achei que sendo tão importante, teria tudo o que desejasse - ponderou Sheinna. - Embora tenha apenas passado por seu castelo, considero-o o mais belo que já vi.
- Falta muito dinheiro para reformas urgentes nele - contou o duque - e, para dizer a verdade, estou muito endividado.
- Então desejam que despose uma mulher rica? - Sheinna questionou.
- Querem que eu case com uma jovem a quem acabarei achando muito tediosa.
- Sendo um homem, um duque, pode certamente recusar.
- Não é tão fácil quanto parece. Apelam para que eu salve meu lar, meu povo e aqueles que me ajudam a conservar as ovelhas e o gado, que estão sendo pilhados por falta de recursos para resistir aos ladrões.
- Então acredita que deve sacrificar-se pelo clã.
- É o que pretendem que eu faça do mesmo modo como desejam que você aumente a força do clã, casando com um homem idoso o suficiente para ser seu avô.
- Não posso fazer isso - lamentou-se a moça.
- Não posso! Por favor, ajude-me, diga-me como posso me esconder deles. Mas receio que consigam me encontrar.
- Não pode fugir sozinha - ponderou o duque. - Não tem parentes ou amigos no sul, que a receberiam de bom grado se pedisse sua ajuda?
- Suponho que me abrigariam - Sheinna falou hesitante. - Mas papai logo descobriria e insistiria para que eu retornasse para casa.
Era muito plausível a possibilidade.
Sendo tão jovem e bela seria fácil descobrir seu paradeiro.
Ficaram em silêncio.
Então o duque disse:
- Estou pensando numa Solução para nós dois. Porém, é difícil colocá-la em palavras.
- Oh, diga-me. Estou desesperada. Para ser honesta, prefiro morrer a casar com um homem idoso como Sir Ewen.
- Estou pensando em algo que faria tanto seu pai como meus parentes ficarem furiosos.
- De que está falando? -. inquiriu Sheinna.
O duque sorriu.
- Parece bobagem - ele explicou - mas realmente tenho uma idéia. Nós dois temos problemas. Enfrentamos a mesma pressão para casarmos com quem não desejamos.
- É verdade. Mas como podemos recusar? Você pode fugir, mas eu, como mulher, seria logo trazida de volta em desgraça.
- Bem, precisamos dar-lhes outras coisas em que pensar além dos casamentos que nos arranjaram - prosseguiu o duque. - Portanto, minha sugestão, Sheinna, que você pode achar muito estranha, é fingirmos que nos apaixonamos e desejamos nos casar.
Ela o fitou atónita.
Seus olhos eram muito grandes no rosto delicado.
- Não compreendo...
- É muito simples - explicou o duque. - Direi que quero casar com você e que está na hora de terminar esta ridícula disputa entre nossos dois clãs.
- Meu pai teria um ataque do coração ante a idéia de uma MacFallin desposar um MacBaren.
- É claro que teria - anuiu o duque - e meu clã teria a mesma reacção. Assim, dando-lhes algo mais em que pensar e discutir, ganharemos tempo para organizar nossas próprias vidas como desejamos. Você poderia encontrar um amor e eu também.
Após uma pausa, ele confidenciou.
- É o que tenho tentado há algum tempo mas ainda não consegui.
Novamente reinou o silêncio.
Então Sheinna declarou:
- Duas possibilidades podem acontecer. Meu pai obriga-me a desposar Sir Ewen imediatamente, a fim de me salvar de você, ou ele pode forçar os clãs a lutarem entre si. Não suportaria ver ninguém de meu povo morto ou ferido.
- Sinto o mesmo - concordou o duque. - Mas, se tivermos sorte, eles pedirão logo um acordo. Nesta ocasião, Sir Ewen estará fora da disputa, que não lhe diz respeito, ou encontrará outra pessoa para desposar.
Para sua surpresa, Sheinna deu uma risada.
- Não pode ser verdade, parece novela de livro. Sabe muito bem que meu pai e seus amigos se enfurecerão contra os MacBaren como sempre. Aliás, seu povo terá a mesma reacção.
- É claro que sim - concordou o duque. - Enquanto isso, esquecerão dos casamentos que nos arranjaram e continuaremos solteiros e sem sofrer pressão.
Após uma pausa, ele prosseguiu, devagar:
- Teremos tempo para encontrar pessoas mais interessantes do que as que encontramos até hoje.
Sheinna bateu as mãos.
- Parece possível - ela disse. - Porém, talvez você esteja sendo optimista. É realmente absurdo pensar que podíamos desafiar os séculos nos quais os dois clãs se odiaram.
- Eles falarão sem cessar mas duvido que tentarão qualquer acção violenta. Tentarão deixar bem claro que não somos feitos um para o outro e, por mais que imploremos, não nos darão consentimento para casar.
- Acha que, enquanto isso, você puderá encontrar a mulher que realmente ama e eu encontrarei alguém que me ame?
- É uma possibilidade - externou o duque.
Ela deu uma risada.
- A idéia é maravilhosa, mas acha que ousaremos agir deste modo?
- Estou preparado de minha parte, se você aceitar - propôs o duque. - Esta tarde enviarei uma carruagem para convidá-la a tomar chá com minha mãe e minha prima. Quando você perceber o efeito explosivo desse convite sobre elas, terá idéia do choque que seu pai terá quando lhe contar a razão de minha visita a ele após tantos anos.
- Ele não acreditará que você é real - ela exclamou.
Mas ela logo acrescentou:
- Por favor, está falando mesmo a sério? Parece tão extraordinário, porém, como sugere, pode distrair meu pai da idéia de eu desposar Sir Ewen.
- É este o plano - murmurou o duque.
- E, sem dúvida, sua família - Sheinna continuou - ficará tão ocupada tentando livrar-se de mim que esquecerão de pressioná-lo para casar com quem quer que seja.
- Imploraram-me para casar e direi a eles que estou obedecendo - comunicou o duque. - Poderia ponderar que está na hora de encerrar o litígio entre nossos dois clãs. Entre nós, seríamos uma força extraordinária contra qualquer outro clã e, também, contra os ladrões de nossos salmões e de nosso gado.
- Oh, é impossível! sei que é impossível - Sheinna exasperou-se. - Mas será excitante e só saberemos o fim da história quando fecharmos a última página.
- Temos um longo caminho a percorrer antes disso - ponderou o duque. - No que me diz respeito só sei que deterá, ao menos temporariamente, a eterna insistência de meus parentes para me casar e, de sua parte a salvará de uma união pior do que a morte.
- Mas acha que poderemos mesmo tentar isso?
- Já lhe disse o que acho. Vou mandar uma carruagem buscá-la às três e meia. É melhor que não diga onde está indo até que eu a traga de volta.
- Será fácil - ela explicou - pois papai vai sair esta tarde para acertar detalhes com Sir Ewen. Ele deve levar três quartos de hora para chegar lá e se conversarem durante uma hora, demorará ainda mais.
- Assim, teremos tempo para respirar - comentou o duque em tom firme. - como já lhe disse, a carruagem irá buscá-la às três e meia, quando seu pai já estará bem longe.
- E estaremos temporariamente livres para encontrar outras pessoas.
Ela olhou para o duque ao contar:
- Cheguei a ir a alguns bailes em Londres mas fiz poucos amigos de minha idade pois viajávamos com frequência ou eu estava na escola.
- Bem, agora terá oportunidade de encontrar todos os jovens deste lado do condado - concluiu o duque.
- Havia vários em minha casa jantando ontem à noite, inteligentes e encantadores. Acho que gostaria de conhecê-los.
- Parece maravilhoso - exultou Sheinna. - Apenas sinto receio que papai tente matá-lo ou que os MacFallin invadam o castelo e tentem destruí-lo.
- Já tentaram isso no passado e fracassaram - replicou o duque. - E acho que os revólveres que apontamos contra eles ainda estão nas torres. Quando vier ao castelo, poderá dar uma olhada e constatar se ainda funcionam.
- Suponho que estou acordada e não estou sonhando.
- Parece bem desperta para mim - brincou o duque - e não esqueça que conseguiu pescar dois salmões.
- Devo levá-los para casa e encantar papai enquanto ele ainda está tomando o café da manhã. Por favor ajude-me a levá-los até à estrada. Avisei um cavalariço para vir a meu encontro e está na hora.
- Foi uma boa idéia - apreciou o duque. - É melhor irmos para suas terras para que não seja vista chegando na estrada do meu lado.
- Pensa em tudo - ela observou - e muito obrigado por pensar em mim.
Ela deu-lhe o braço e depois continuou:
- Não tenho certeza de que funcionará e temo que papai se limite a rir e me obrigue a subir ao altar com Sir Ewen antes que eu tenha tempo de dizer não.
- Ele não pode fazer isso sem uma licença especial - ponderou o duque. - Tenho certeza de que desejará celebrar seu casamento com a participação de todos os membros do clã.
- É verdade - declarou Sheinna. - Ele está já mesmo planeando o que vai servir aos convidados em meu casamento.
- E que certamente não será com Sir Ewen - completou o duque. - Tente não sentir medo. A menos que eu esteja muito enganado eles começarão a falar sem parar e ainda estarão fazendo o mesmo quando estivermos demasiado velhos para pensarmos em nos casar e até sermos carregados para a sepultura.
Sheinna riu.
- E, como lhe prometi - o duque dizia apanhando os peixes -, conhecerá muitos jovens simpáticos que vivem nesta parte do país e, também, meus amigos de Londres que pretendo receber como hóspedes.
- É tão generoso, não sei como agradecer-lhe!
- Em verdade, estou pensando em nós dois - respondeu o duque. - Não têm parado de me aborrecer desde que voltei para casa. Francamente, estou nauseado com a insistência para me casar. Se me sobrasse um vestígio de orgulho, partiria para a América e faria fortuna como outros homens o fizeram.
Caminharam, saindo das terras pertencentes ao duque e entrando nas do conde.
- Não vou prosseguir, para não ser visto. Porém, se os peixes são muito pesados, deixe-os debaixo de um arbusto ou de uma árvore e mande um dos criados buscá-los.
- Arriscaria que fossem roubados - comentou Sheinna. - Prefiro deixar a vara de pescar que não é tão preciosa como os salmões.
O duque riu.
- Deve garantir que o crédito seja todo seu e que seu pai não tenha idéia de que nos conhecemos até retornarmos esta tarde contando-lhe o que pretendemos.
- Não ficaria surpresa se a casa desabasse sobre nossas cabeças. Mas obrigado mais uma vez por me ajudar.
- Pelo menos, eles terão um assunto sobre o qual falar. Se a história terminar como nos contos de fada, Sir Ewen desposará Mary-Lee e eles viverão felizes para sempre.
Sheinna riu da idéia.
E sua alegria era tão contagiosa que o duque riu também.
- Não estamos fazendo nada errado - ele disse, quase para se confortar - e tenho certeza de que algo de muito bom resultará de nosso plano.
- Vou rezar para que isso aconteça.
- Ainda há poucos dias, ocorreu-me como essas disputas entre clãs são ridículas. Já está na hora de pensarmos primeiro na Escócia e de torná-la mais próspera e moderna.
- Acho que é uma região encantadora e sinto-me orgulhosa de ser parte dela - comentou a jovem.
- Sinto o mesmo - asseverou o nobre - porém, também percebo os erros e falhas e como estamos atrasados. Ambos podemos começar a perceber que há muitas idéias novas e problemas que os escoceses devem enfrentar.
Sheinna apoiou o caniço numa grande árvore.
- Quem quer que venha à procura da vara de pescar o encontrará com facilidade aqui - ela comentou. - Mais uma vez muito obrigado por tanta bondade. Se ao chegar em casa tiver mudado de idéia, basta mandar-me um bilhete.
Após uma pausa, ela acrescentou:
- Mas rezarei para que tal não aconteça. pois tenho pavor de ser obrigada a casar com Sir Ewen.
- Precisamos nos livrar dele - declarou o duque.
- Até logo, Sheinna. e ficarei muito triste se a carruagem voltar sem você.
- Não acontecerá - ela prometeu - mais uma vez obrigado.
Ela sorriu-lhe, afastando-se com um salmão em cada mão.
O duque a fitou até perdê-la de vista.
Depois retornou ao rio para apanhar seus apetrechos de pesca e os três salmões que apanhara.
Somente ao caminhar para casa ocorreu-lhe se não agira como um louco.
Havia sugerido um modo de fuga extraordinário tanto para Sheinna como para si próprio.
Funcionaria?
Ao mesmo tempo, sentia-se horrorizado ante a idéia de uma mocinha desposar Sir Ewen.
Lembrava-se de ouvir o pai afirmar que esse nobre constituía uma desgraça para sua família e para a Escócia.
A maneira como perseguia jovens mulheres e os escândalos que provocava eram chocantes.
Entretanto, o duque não tinha intenção de contar a Sheinna o quanto Sir Ewen era perigoso.
O pai da moça devia ter perdido o juízo para aceitar a idéia de permitir que a única filha desposasse um devasso.
"Não conheço o conde, não sei as idéias que tem em mente. Mas quando pedir a mão de Sheinna terei oportunidade de descobrir."
Enquanto caminhava, reflectia como era irritante e enfadonho ouvir sem cessar a mãe e a prima dizendo que ele devia se casar.
Estava sendo forçado a uma posição com Mary-Lee difícil de escapar.
Se por acaso o pai da moça chegasse inesperadamente à Escócia, sem dúvida a mãe lhe diria como seu filho apreciava a jovem.
"Qualquer que seja o resultado deste desafio aos MacBaren e aos MacFallin", pensou com um sorriso, "terei tempo para me livrar de um eventual jugo vindo da América".
Ao caminhar assobiava o refrão do chamamento dos MacBaren às armas.
Quando divisou o castelo à distância ele avaliou o quanto lhe era significativo.
Talvez qualquer sacrifício devesse ser feito para conservar a construção tão bela e impressionante como fora nos últimos séculos.
"Meus ancestrais morreram pela Escócia e por nosso clã", ele reflectiu. "Só me pedem para casar por aqueles que carregam meu nome e que me seguirão."
Por um momento envergonhou-se de não fazer o sacrifício que lhe era pedido.
Precisava aceitar a solução óbvia de desposar Mary-Lee. Ela não ficaria apenas encantada em aceitá-lo e a seu título mas seu pai ficaria feliz.
E recursos ilimitados lhe seriam então disponíveis. Poderia efectuar todas as reformas necessárias e colocar tudo em ordem no domínio.
Sua mente o aconselhava a proceder deste modo mas não seu coração.
Lembrou-se então de que estava tentando salvar não apenas a si próprio mas também a Sheinna. Era completa e absolutamente impensável que ela fosse forçada a desposar Sir Ewen. No entanto, podia compreender.
As terras de Sir Ewen se limitavam com as do conde. Com o matrimónio planejado os MacFallin dariam um grande passo em importância.
Ao norte da Escócia ficariam quase em termos iguais com seu velho inimigo, os MacBaren.
"Devo impedir que isso aconteça a qualquer custo", decidiu o duque, "pelo meu clã."
Enquanto entrava, Roy, o mordomo, aproximou-se correndo.
- Sua Graça fez uma boa pescaria hoje! - cumprimentou, apanhando os salmões.
- Tive sorte - disse o duque com modéstia.
- Tudo fica melhor com Sua Graça em casa - Roy pronunciou e desapareceu com o salmão em direcção à cozinha.
O duque disse a si próprio que estava de facto agindo como um gentleman ao recusar casar-se com uma americana apenas por ser rica.
Era a maneira correcta de liderar seu povo e de fazê-lo feliz. Rememorando sua infância, lembrava de como os pais haviam sido felizes juntos.
O castelo parecia sempre cheio de risadas e luz.
"Um dia isso voltará a acontecer", decidiu. "Amor é algo que não pode ser comprado."
Ao contemplar o sol brilhando no mar através da janela ele sentia vontade de ter um amor.
Ainda que levasse anos acabaria por encontrá-lo.
Quando Sheinna deixou o duque ao lado do rio, começou a subir a estrada.
Avistou, como ordenara, um cavalariço vindo em um veículo puxado por um pónei para levá-la.
Era um rapaz que costumava acordar antes dos cavalariços mais velhos.
Ele sorriu ao ver que ela trazia dois salmões.
- Teve muita sorte, milady - ele falou. - Milorde ficará muito satisfeito. - E os apanhou sem um arpão, a menos que o tenha deixado em algum lugar.
Sheinna prendeu a respiração.
Havia esquecido que precisaria de uma rede ou de um arpão para pescar.
Naturalmente o duque a ajudara.
Receando o que o jovem cavalariço pudesse pensar, ela apressou-se a dizer:
- Oh, deixei minha rede em algum lugar. Mas à tarde voltarei a pescar e a apanharei.
O serviçal sorriu.
- Esperemos que precise dela, milady.
Percorreram o trajecto em silêncio.
Seria excitante ir à tarde ao Castelo Barenlock.
O cavalariço conduziu o veículo para a porta da frente.
- Quer que eu leve os salmões para a cozinha, milady?
- Sim, naturalmente, e muito obrigado por ir me buscar.
Ela entrou na casa.
O mordomo a aguardava no hall e perguntou:
- Milady teve sorte?
- Sim, tive, Donald. Dois salmões e espero que o comamos à noite.
- Avisarei o cozinheiro que esse é seu desejo milady
- anunciou o mordomo. Falava com um sotaque estrangeiro.
Em seu kilt não lembrava em nada o gentil mordomo de voz suave que trabalhava na casa da avó.
Lá, os lacaios usavam uma libré elegante.
Voltara para casa há pouco tempo.
Mas considerava as pesadas refeições preparadas pelo cozinheiro escocês muito insípidas.
Comparadas às que comera na França eram quase uma gororoba.
Naturalmente, havia salmão e carne de veado. Também serviam outros tipos de peixes. Mas se lembrava com saudades dos deliciosos molhos que saboreara em Paris.
Por mais que os escoceses louvassem a carne de veado, para o gosto de Sheinna nada se comparava ao cordeiro ou a um galeto.
"Sou escocesa e não devo criticar meu próprio povo", se recriminara.
Mas não podia fingir que não sentia falta da elegância e do conforto que conhecera no sul.
Ao entrar na sala, encontrou o pai sentado tomando o café da manhã.
- Onde esteve? - ele inquiriu. - Disseram-me que saiu muito cedo.
- Fui pescar - Sheinna contou.
- Devia ter me perguntado onde deveria ir - repreendeu o pai. - Conheço cada recanto do rio melhor do que meu próprio nome e teria garantido que você fizesse uma boa pescaria.
- Apanhei dois salmões - a moça declarou.
- Dois! - exclamou o conde. - Bem, foi uma bela façanha
Falava quase com relutância.
Parecia que lhe desagradava que ela conseguisse algo sem sua ajuda.
Sheinna beijou-lhe o rosto antes de se dirigir ao aparador.
Ali serviu-se da inevitável tigela de mingau. Não gostava do alimento mas receava confessá-lo.
Serviu-se do mínimo possível na vasilha de madeira que lhe fora dada em seu baptizado.
O pai comera o mingau da maneira escocesa considerada correcta: em pé.
E acrescentara em lugar do açúcar. Ela sentou-se para comer.
A tradição de os homens comerem em pé durava há inúmeras gerações.
Devia-se à possibilidade de, enquanto sorveriam o mingau, que achavam delicioso, um inimigo apunhalá-los pelas costas. É claro que o pai, na segurança de sua sala de jantar ficaria muito mais confortável se comesse sentado e não em pé.
- Onde pescou o salmão? - ele perguntou.
- Não sei o nome do lugar, mas ficava perto de onde nossa parte do rio começa.
O pai emitiu um som de desprezo.
- Fique longe dessa parte das águas! - ele ordenou. - Não desejo que os homens que trabalham para aquele duque ausente digam que você invadiu seus domínios.
- Se tivesse acontecido eles poderiam ter-me impedido de trazer o peixe - disse Sheinna.
- É o que teriam feito com certeza - o pai concordou. - E, se quer saber, com frequência invadem minha terra, quando acreditam que ninguém está por perto.
Sua voz tornou-se mais cortante e ele prosseguiu:
- Em verdade, estou quase certo de ter avistado um deles algumas noites atrás, mas ele desapareceu antes que eu pudesse me aproximar e dizer-lhe o que pensava a seu respeito! Não me movimento mais tão rapidamente quanto outrora.
- Tenho certeza de que há muito peixe para todos sem precisarmos nos tornar desagradáveis.
- Desagradáveis! - exclamou o pai zangado. - Garanto-lhe que se eu encontrar alguém pescando em minhas terras, ele será afortunado se sair vivo.
Falava com a violência característica de sua personalidade.
Sheinna sempre acreditara que fosse mais bravata do que realidade.
Porém, estavam claros seus sentimentos a respeito dos MacBaren.
- Que vai fazer hoje, papai? - ela indagou.
- Preciso ir ao vilarejo pela manhã - replicou o conde. - O pároco deseja conversar comigo sobre consertos para a igreja e tenho outros assuntos a conversar com ele que levarão bom tempo.
- De que se trata? - perguntou a moça.
Na verdade não estava particularmente curiosa mas considerava polido mostrar interesse.
- Bem, se quer saber a verdade, é sobre seu casamento - replicou o conde - Vai ser impossível usar nossa capela pois haverá um grande número de convidados.
Sheinna falou, após um breve silêncio.
- Já lhe disse, papai, não desejo me casar. Acabo de voltar para casa e é tão bom ficar com você. como já avisei, não casarei com Sir Ewen.
- Fará o que eu mandar! - esbravejou o conde. - E não aceitarei atitudes tolas.
- Ele é velho e horrível e se insistir no casamento eu fugirei.
O conde deu uma risada desagradável.
- E para onde, minha querida menina, para onde iria?
- Para onde não poderia me encontrar - ela respondeu hesitante.
- Então que fique bem claro que me obedecerá como seu pai e chefe deste clã.
Após uma pausa, o conde acrescentou:
- Já lhe disse que não há pressa, mas desejo conversar com Sir Ewen. Também, como devo me avistar com o pároco a respeito de outros assuntos, aproveitarei para falar sobre seu casamento.
Sua voz baixou de tom quando ele continuou:
- E a celebração será um dos eventos mais sensacionais de que os MacFallin já participaram.
Por um momento, Sheinna teve vontade de gritar. De repetir que não casaria com ninguém a quem não amasse, e muito menos com um homem idoso e sem atractivos como Sir Ewen.
Então se lembrou de que o duque encontrara uma solução para eles.
Seria, portanto, perda de tempo discutir mais sobre o assunto.
Afastou a tigela de mingau.
Em silêncio, serviu-se de um dos pratos no aparador.
O único hábito comum com os ingleses na casa consistia em cada um se servir sozinho durante o café da manhã. As demais refeições eram servidas pelos criados.
- O que tenho em mente é um grande número de damas de honra para você.
Sua voz revelava satisfação ao prosseguir:
- Os tocadores de gaita de foles tocarão à sua entrada na Igreja e à saída. Também tocarão quase continuamente durante a recepção.
Sheinna permaneceu calada.
O pai estava apenas pensando em voz alta. Ainda que ela fizesse qualquer comentário, ele ficaria indiferente.
Apesar de haver dormido pouco durante a noite, ela sentia muita fome.
Ao terminar O prato de peixe, serviu-se de doces, torradas e manteiga.
- Suponho - prosseguia o conde - que necessitará de um vestido de noiva. como a cerimónia será muito sumptuosa, deverá ser elegante e espectacular.
Sheinna continuava em silêncio.
- Você usará o véu que está na família há várias gerações e levará um ramo de urzes brancas, significando boa sorte para o casamento.
Para a moça, simbolizava má sorte.
Ninguém de sua idade, desposando um homem tão idoso e desagradável, jamais desfrutaria de boa sorte.
Mas discutir com o pai naquele momento era inútil. Reinou mais uma vez o silêncio.
- Suponho que desejará ir a Edimburgo para encomendar o vestido. Embora eu imagine que alguém mais perto poderia nos preparar um bem adequado.
Era muito optimismo acreditar em tal possibilidade. Nenhuma costureira, se houvesse alguma nos vilarejos, seria capaz de confeccionar o tipo de vestido que o pai tinha em mente.
Nem mesmo em Edimburgo encontraria algo semelhante ao que poderia ser comprado em Londres ou Paris. Se insistisse em ir a uma dessas capitais, será que o pai concordaria?
Ele provavelmente consideraria sua intenção como um truque para escapar do casamento.
Como ela continuasse calada, o pai levantou-se da mesa dizendo:
- Depois de me avistar com o pároco eu lhe contarei as sugestões dele. Se pretende pescar, esteja de volta até às cinco horas.
Tendo dado suas ordens, saiu da sala de refeições, fechando a porta ruidosamente.
Sheinna cobriu o rosto com as mãos.
Estava muito assustada. Mais do que nunca em sua vida.
O que aconteceria quando anunciasse sua intenção de desposar o duque? Provocaria reacções emocionais descontroladas.
Subiu a seu quarto.
E se o duque estivesse apenas brincando com ela?
Talvez não tivesse intenção, na realidade, de dizer que pretendiam casar um com o outro.
Mas era um gentleman.
Não suscitaria falsas esperanças em assunto tão sério. "Está na mesma dificuldade que eu", consolou-se. "Compreende-me.
O pai ficaria duplamente furioso. Não apenas ela se recusava a desposar Sir Ewen como também escolhera um inimigo ancestral: o duque de Barenlock.
Seria um espectáculo tenebroso assistir à explosão de sua fúria.
Ela se lembrava das ocasiões em que ele se zangara com ela e a punira por fazer algo errado. Haveria alguém capaz de impedir o pai de puni-la quando ela o desafiasse?
"Se ao menos vovó estivesse viva, eu ainda viveria feliz em Londres", ela pensava.
De repente, parecia que uma voz a aconselhava a ser corajosa.
Era uma MacFallin e os antepassados haviam vencido inúmeras batalhas graças à sua bravura. Caminhou para a janela a fim de contemplar as montanhas do outro lado do rio.
Os escoceses não aceitariam a derrota e ela hera uma escocesa.
Por mais corajosa que fingisse ser, as horas demoravam a passar. Um pouco antes de chegar a carruagem que a levaria ao castelo, vestiu um dos elegantes trajes que adquirira em Paris.
Na cabeça usava um chapeuzinho combinando com o conjunto.
O duque a acharia muito diferente.
Só a vira vestindo uma espécie de avental sobre uma saia xadrez. E claro que não havia usado chapéu sobre o cabelo encaracolado, claro, tipicamente escocês com um toque avermelhado. Caía em cachos naturais sobre a face. O pai achava que deveriam ser mais ruivos.
Mas os jovens com quem havia dançado em Londres o haviam elogiado. Diziam que seus cabelos eram de uma beleza difícil de ser expressa em palavras.
Sheinna não os levara a sério, divertindo-se, porém, com eles.
Já os escoceses, constatara desde seu retorno, pareciam muito canhestros ao elogiarem.
E também sua educação deixava muito a desejar.
Há meio século tornara-se cómodo para os filhos mais velhos dos chefes serem educados tanto em Edimburgo como na Inglaterra.
Assim, havia surgido na Escócia uma geração de jovens inteiramente diferente.
Eram inteligentes, elegantes e muito viajados.
Também os proprietários dos castelos e dos grandes domínios começaram a convidar seus amigos ingleses
para passar a temporada de caça e pesca em julho, em sua companhia.
No início do verão vinham para a pesca de salmão. Com todos esses contactos os escoceses aperfeiçoaram seu padrão de conduta.
Os jovens haviam se tornado mais hospitaleiros e agradáveis.
Também, em vez de continuarem a desposar apenas jovens escocesas começaram a casar-se com inglesas.
Os ingleses haviam sido considerados inimigos por muitos anos.
Mas como os escoceses faziam agora parte do Reino Unido, os ingleses eram aceites pela aristocracia escocesa. Embora ainda fossem encarados com alguma desconfiança pelos chefes de clã comuns.
Sheinna subiu para esperar a carruagem que o duque havia dito que lhe enviaria.
Talvez encontrasse, no castelo, jovens ingleses com os quais se sentiria mais à vontade. "Se conseguisse me apaixonar por um deles", pensou, "e ele por mim, poderíamos fugir para o sul e viver felizes. E eu seria infinitamente mais feliz do que com uma pessoa como Sir Ewen."
Não havia ninguém de serviço no andar térreo.
Vestida como se fosse a uma festa em Mayfair, Sheinna olhou-se ao espelho.
Pensou em se trocar mas era tarde. Enquanto hesitava, ouviu o som de uma carruagem. Seria um erro alguém perceber para onde ela estava indo.
Neste momento tanto o mordomo como os demais serviçais estavam descansando. O pai só retornaria Ás cinco horas, quando o chá era servido.
Sheinna atravessou o aposento correndo, cruzou o hall e abriu a porta da frente.
Uma elegante carruagem fechada, puxada por dois cavalos, a aguardava do lado de fora.
O lacaio que a aguardava sabia quem ela era. Sem palavras, abriu-lhe a porta. A moça subiu no veículo.
Partiram logo.
Aparentemente ninguém percebera sua saída.
Recostou-se no veículo confortável. Aliás, muito mais confortável que o de seu pai. os cavalos também eram rápidos.
Seu pai sempre se contentara com animais criados na região e sem nenhuma qualidade especial.
Para ele, o importante é que fossem resistentes e fortes o suficiente para enfrentarem as estradas quando ficavam cobertas pela neve.
A avó possuía belos cavalos, escolhidos por seus parentes masculinos.
Eram todos puro-sangue e destacavam-se entre os dos proprietários aristocráticos.
O pai estava plenamente satisfeito com a Escócia tradicional.
O duque havia vivido em mundos inteiramente diferentes.
Havia sido educado na Inglaterra e viajado pelo exterior.
Também ela havia vivido na Inglaterra durante muitos anos.
Percebia, assim, que os escoceses eram de certo modo pouco civilizados.
Não estavam em contato com o mundo exterior, que se desenvolvia com rapidez.
Novas gerações, inteiramente diferentes eram criadas.
Produziam novas naves, trens, maquinaria de todos os tipos. Viviam naquilo que os americanos denominavam uma nova era
Para Sheinna era muito excitante.
Costumava ler os jornais com avidez para descobrir
o que havia sido inventado. Quais países desafiavam uns aos outros. Cada um se esforçava para progredir.
"Aí está algo que papai jamais compreenderá", ela reflectia, enquanto a carruagem se movimentava um pouco mais rapidamente.
Ao lembrar-se dos cabelos grisalhos e dos passos trôpegos de Sir Ewen, ela estremeceu.
O medo dominou seu coração.
A estrada tornara-se mais ampla e a carruagem se movia mais rápido.
Por algum tempo correram ao longo do mar. A menos de um quilómetro de distância viu de vislumbre o castelo.
Parecia quase irreal com o sol brilhando atrás das altas torres e o mar reluzindo ao fundo.
Atravessaram um pequeno vilarejo e alcançaram os grandes portões.
Apenas por um momento Sheinna sentiu medo. Talvez tivesse errado ao acreditar no duque.
E se ele pretendesse apenas ridicularizá-la diante de seus familiares?
Porém, a alternativa diante de si era muito mais assustadora. Se recuasse, teria de aceitar a ordem do pai e casar com Sir Ewen. Tudo, embora assustador era preferível a esse destino.
A carruagem diminuiu a velocidade.
Atravessaram os portões, com guaritas de ambos os lados e chegaram a um patamar.
A porta abriu-se e o duque entrou no veículo.
Estava sorrindo.
Era muito atraente e apertou-lhe a mão.
- É muito pontual - ele comentou. - E é o que eu esperava. E está maravilhosa.
- Receava que me achasse exagerada - explicou Sheinna.
- Esta aventura é muito excitante - ele comentou.
- Receei que desistisse no último momento.
- como poderia quando lhe dei minha palavra? - inquiriu Sheinna.
O duque sorriu.
- Com muita facilidade, no que diz respeito à maioria das mulheres. Não é um privilégio feminino dizer sim quando quer dizer não e não quando quer dizer sim?
Sheinna deu uma risada.
- Deve ter encontrado mulheres muito estranhas - ela comentou. - Não deviam pertencer ao clã correcto.
- É exatamente minha opinião - concordou o duque. - Agora que somos aliados quem poderá nos derrotar?
A moça estremeceu.
- É muito corajoso, mas sinto medo. Papai ficará furioso. Ele foi visitar o pároco.
- Para acertar os detalhes de seu casamento? Ele está perdendo seu tempo.
- E se não conseguir me salvar? - Sheinna perguntou.
- Não tenha medo - pediu o duque em voz suave.
- Prometi que a salvaria e é o que farei além de salvar a mim próprio. Erga o queixo e diga a si própria que somos invencíveis e que ninguém poderá nos derrotar.
- Espero que tenha razão...
A carruagem se movimentava cada vez mais devagar. Deteve-se diante da porta principal do castelo.
Um lacaio abriu a porta.
Ela desceu, seguida pelo duque.
Ele deu-lhe o braço e a ajudou a subir as escadas, dizendo:
- Bem-vinda ao Castelo Barenlock. Terei o maior prazer em mostrar-lhe tudo.
- Sempre senti este desejo - ela confidenciou.
Entraram no hall. O mordomo e os lacaios fitavam a jovem com curiosidade.
O duque segurava sua mão.
- Deixe-me ajudá-la a subir as escadas - ele explicou. - Minha mãe deve estar na sala de estar com minha prima, a condessa de Dunfeld.
- Já ouvi falar sobre ela - comentou Sheinna. - É muito elegante e sempre citada nos jornais.
O duque sorriu.
- É bem o jeito de minha prima Moira. Não se intimide com ela. É mais uma que resolveu que eu devo me casar. E não, naturalmente com alguém de minha escolha, mas de sua vontade.
Falava com amargura e Sheinna o fitou surpresa. Um lacaio de serviço abriu-lhes a porta para a sala de estar.
Ambos prenderam a respiração. Ao entrarem, a mãe voltou o olhar.
O mesmo fez a condessa, sentada ao lado da tia.
- Mamãe - disse o duque -, tenho uma grande surpresa: é alguém que desejo que você conheça em particular.
A duquesa encarava Sheinna com o olhar questionador.
- Naturalmente, querido - ela replicou. - Qualquer amigo seu é sempre bem-vindo.
- Sabia que essas seriam suas palavras - replicou o duque - pois Sheinna MacFallin acaba de me dar a grande honra de prometer tornar-se minha esposa. - Por um momento, o silêncio reinou absoluto.
Enquanto a duquesa parecia engasgada, a condessa exclamou:
- MacFallin! Não pode ser um membro do clã MacFallin cujo domínio limita com o nosso.
Com enorme dificuldade, a duquesa conseguiu dizer:
- Esta é uma grande surpresa, querido Alpin.
- Tinha certeza de que seria, mamãe, porém Sheinna e eu nos conhecemos há algum tempo. Decidimos anunciar nosso noivado, embora não tenhamos intenção de nos casarmos logo.
A duquesa, que apertara a mão da jovem, por um momento, emudeceu.
O duque voltou-se para a prima.
- Esta - ele disse a Sheinna - é minha prima, a condessa de Dunfeld.
Sheinna estendeu a mão.
A condessa a apertou.
Ao mesmo tempo proferiu:
- Não fazia idéia, Alpin, que você conhecesse algum dos MacFallin. Talvez ela não seja parente próxima de nosso vizinho, que se comporta tão terrivelmente e de quem jamais gostamos.
- Receio - proferiu Sheinna - afirmar que ele é meu pai.
- Seu pai! - exclamou a condessa. - Então, é claro, é impossível que você e Alpin se casem.
- Acho, prima Moira, que cabe a mim decidir sobre o assunto - declarou o duque com firmeza. - Ficaria muito aborrecido se iniciasse uma briga com minha futura esposa.
Por um momento, a condessa não conseguiu pensar numa réplica.
A duquesa apressou-se a dizer:
- Sugiro que nos sentemos e conte-me. meu filho, por que manteve segredo até agora. Não fazia a menor idéia. absolutamente nenhuma, que tivesse qualquer contato com os MacFallin.
Antes que o duque pudesse responder, ela dirigiu-se a Sheinna.
- Deve perdoar-me, minha cara, se seu aparecimento e a apresentação de meu filho nos tiraram a respiração. Ainda ontem estávamos conversando com ele sobre casamento e ele nos declarou com firmeza sua intenção de não desposar ninguém.
- Neste caso, deve sentir-se feliz por eu estar seguindo seu conselho - declarou o duque. - Sheinna e eu temos certeza de formar um par de noivos admirável.
- O que pensa seu pai a este respeito? - indagou a condessa com rispidez.
Era uma questão que a jovem teria dificuldade em responder.
Mas, com tacto, ela declarou:
- Acho que deve perguntar a ele sobre essa questão.
O duque estendeu a mão para a jovem, convidando:
- Venha, vou mostrar-lhe o castelo, antes que lhe façam mais perguntas.
- Gostaria muito de conhecer o castelo - anuiu a moça. - Sempre o admirei do lado de fora e, para mim, parecia um lugar de conto de fadas.
- É exatamente a impressão que espero que ele provoque - confirmou o duque.
Enquanto falava ele a conduzia.
Quando o par saiu, a duquesa exclamou:
- Não acredito! Entretanto, ela é muito bonita e está vestida com muita elegância.
- Como poderia ele desposar uma MacFallin? - indagou a condessa, zangada. - Sabe, tão bem quanto eu, que temos estado em guerra com eles há séculos. Seu pai, o conde, é um homem horroroso. Encontrei-o uma ou duas vezes em festas e sempre o considerei como alguém a quem não desejo conhecer.
- Suponho que Alpin a conheça há muito tempo - mencionou a duquesa em voz fraca.
- Se é assim, foi muito sensato em guardar a relação para ele próprio - rebateu a condessa.
- Oh, por favor, não queira mal a Alpin - pediu a mãe. - Você o pressionou para se casar e ele está atendendo seu pedido, precisará aceitar mesmo que a moça seja uma MacFallin.
- É impossível, completamente impossível que ele a despose - asseverou a condessa. - Imagine o que nosso clã diria. O conde tem agido de modo ofensivo e rude. Chegou a acusar seu marido de pescar em suas águas e caçar em suas terras e agora está atacando Alpin do mesmo modo. como pode falar com esse homem e, ainda por cima, aceitar sua filha como esposa de Alpin?
- Se ele realmente a ama e quer casar com ela - pronunciou a duquesa em voz suave -, então farei tudo para gostar dela e ajudá-lo.
Após um breve momento, acrescentou:
- Imagino que a vida em sua casa vá se tornar muito difícil. Não estamos prontos para aceitar os MacFallin, eles nos odeiam mortalmente e estarão mais do que prontos a criar transtornos quando descobrirem que Alpin está arrebatando o membro mais importante de seu clã depois do conde.
- Isso não pode acontecer, simplesmente - declarou a condessa agressiva. - Como pode Alpin ser tão estúpido para escolher esta moça? O que ela tem para oferecer-lhe além daquela pequena propriedade que realmente deveria nos pertencer?
- Não creio que ela a herdará - declarou a duquesa. - Creio que ela tem dois irmãos, um no exército e o outro em Edimburgo.
- Trata-se de um erro terrível. Acho que ela não receberá nenhuma herança do conde e Alpin não tem condições de sustentar uma esposa com sua situação atual, e muito menos de restaurar o domínio e o castelo como desejo que ele faça.
- Acho, querida Moira, que você pressionou Alpin demasiado - alegou a mãe. - Ele sempre disse que desejava casar-se apenas quando se apaixonasse por alguém muito especial. Mas concordo com você que é uma desgraça ele desejar desposar uma MacFallin, embora, talvez, isso se transforme numa bênção disfarçada.
- Não consigo imaginar tal possibilidade - contrariou a condessa. - Como bem sabe, todo o nosso clã abomina os MacFallin, e eles nos abominam. Seria impossível um casamento entre nossas famílias ser mais que uma tragédia.
Falava irritada.
Como não conseguisse controlar seus sentimentos levantou-se e atravessou a sala.
- De algum modo - declarou - embora não saiba como, precisamos impedir que isso aconteça.
A duquesa deu um grito.
- Não, querida, seria um erro. Se Alpin a quer como esposa, devemos aceitá-la da melhor maneira possível. Não devemos aborrecer ou ferir meu filho.
- Bem, pode sentir-se assim - rebateu a condessa -, mas penso de outra maneira. Se acha que vou aceitar aquele conde horripilante em nossa família está muito enganada. Farei que Alpin recobre o bom senso.
- Imploro-lhe que o deixe em paz - pediu a mãe.
- Não consigo evitar, Moira, de acreditar, como já disse, que você o levou a esse extremo por tentar impingir-lhe Mary-Lee. Desde o início eu sentia que ele não desejava desposar uma americana.
- O que interessa quem seja ela - perguntou a condessa - com todo o dinheiro que possui?
- Bem, importa para Alpin - explicou a mãe - e agora que ele escolheu alguém com quem deseja casar, devemos aceitar da melhor forma possível.
Falava com muita coragem. Mas havia um tom desesperado em sua voz.
Enquanto a condessa se aproximava desgostosa da janela, a duquesa enxugou uma lágrima.
Acreditava que nada poderiam fazer além de rezar para que algum milagre tornasse Alpin feliz.
Ainda que sua noiva fosse uma MacFallin.
O duque mostrou a Sheinna a vista do alto do castelo.
Apontou em especial os jardins e o local onde pretendia construir um museu.
Havia, no lugar, apenas uma cabana. Continha as cabeças dos leões que ele caçara na índia, o primeiro veado em que ele atirara quando menino e, naturalmente, seu primeiro salmão.
Havia também outros objectos incomuns que ele colectara em regiões no exterior.
Sheinna sentia grande vontade de examinar cada peça. Porém, ele a apressou a descer mais uma vez pois desejava lhe mostrar os demais aposentos.
Ela ficou muito impressionada com tudo. O salão de jantar era amplo e, nas paredes, estavam pendurados retratos da família. A biblioteca abrigava todos os antigos volumes com a história da Escócia e dos clãs. Chegaram a seu estúdio.
Quando ela deparou com os livros deu um gritinho de puro deleite.
- Há tanto sobre países estrangeiros - ela comentou.
- É verdade - o duque replicou. - Tratam de lugares que visitei e de outros que pretendo conhecer. Tento aprender a seu respeito, se possível, antes de viajar.
- É muito sensato de sua parte - comentou Sheinna - assim não arrisca perder nada de importância.
- Essa foi sempre minha opinião - ele explicou
- Mas há inúmeros livros sobre lugares que jamais terei a oportunidade de ver.
- Acho que devemos nos contentar em viajar em nossa mente - retrucou à moça.
O duque a fitou surpreso.
Nenhuma outra mulher jamais lhe dissera tal frase.
- Acredita mesmo nisso? - ele indagou.
- Você foi afortunado por ter visitado alguns desses lugares - Sheinna replicou - mas eu só li a respeito deles e peço-lhe que me conte tudo o que puder.
- Aí está algo que farei com o máximo prazer. Também lhe mostrarei as lembranças que trouxe comigo. Algumas são pequenas e insignificantes outras mais significativas. Quando as contemplo, lembro-me das pessoas e do ambiente que encontrei num país em particular.
- Se puder me contar sobre o Nepal, a índia e especialmente a China - pediu Sheinna -, ficarei vivendo aqui para sempre e não poderá jamais se livrar de mim.
Enquanto falava, ela olhava para trás, para o caso de alguma pessoa estar junto à porta.
- Está em segurança - tranquilizou o duque - não podemos ser ouvidos. Mas deve ter cuidado com o que disser quando estiver com minha família.
Um pouco mais tarde, quando ainda estavam conversando no estúdio, Roy entrou, trazendo uma mensagem.
O duque a leu e perguntou em seguida:
- Haverá um jantar aqui hoje à noite?
- Oh, sim, Sua Graça - Roy confirmou. - A duquesa o organizou há vários dias. Depois chegaram as visitas ontem à noite, de modo inesperado, e tivemos a dança, assim como ocorrerá outra vez hoje à noite.
- Não fazia a menor idéia - disse o duque.
Esperou que Roy se retirasse e disse para Sheinna:
- Acho que seria um erro visitar seu pai esta tarde. Não fazia a menor idéia de que haveria uma festa hoje à noite. Mas seria bom você encontrar nossos amigos que vivem nesta parte do condado.
- Sim, naturalmente - concordou a moça.
- Assim, vamos adiar um encontro que, sem dúvida alguma, será muito desagradável, com seu pai.
- Não vou discutir sobre isso - Sheinna falou baixo. - Mas não posso ficar para jantar pois não tenho nada para vestir.
O duque pensou um momento. Depois propôs:
- Sente-se e escreva uma nota para seu pai dizendo que foi convidada para uma festa com amigos e que passará a noite com eles. Não mencione meu nome, assim, não passará por sua cabeça a possibilidade de você estar comigo.
- É verdade - concordou a jovem.
- E escreva outra para sua criada - continuou o duque. - Diga-lhe para mandar um de seus melhores vestidos para esta noite e tudo o mais de que precisar para o caso de permanecer amanhã mais tempo do que planeávamos.
- Tem certeza de que podemos agir assim? - ela inquiriu, trémula.
- Completa - o duque replicou. - Mandarei Roy levar as mensagens. Ele é muito discreto e se eu lhe contar que veio escondida ele compreenderá.
Sheinna sorriu.
- Estamos mergulhando cada vez mais nesta situação - ela se exprimiu. - Não posso imaginar como terminará.
- Mas é claro! - O duque sorriu. - Viveremos felizes para sempre. A única pessoa que se ressentirá de nossa felicidade será Sir Ewen.
- Não mencione o nome dele - implorou Sheinna.
- Dá-me calafrios só pensar.
- Então aproveite esta noite - aconselhou o duque.
- como disse, estamos num palácio de conto de fadas e ambos devemos esquecer que há diabretes lá fora.
Mais uma vez, Sheinna deu uma olhadela para trás antes de falar baixinho:
- Sua prima, a condessa, obviamente me detesta.
- Se é verdade, o problema é dela, não importa para você - afirmou o duque. - Ela sempre foi uma mulher intrometida, porém, minha mãe a aprecia e, quando me ausento, Moira lhe faz companhia.
- Compreendo que sua mãe sinta sua falta - comentou Sheinna. - E é natural seu desejo de que você se case. Assim, ela teria netos em seu redor.
- É o que pretendo fazer um dia - expressou-se o duque alegremente - Mas compreenda, há ainda uma grande parte do mundo que desejo explorar antes de me encerrar aqui e não ter nada mais excitante para fazer do que me ocupar da disputa entre seu clã e o meu.
Sheinna riu. Mas concordava com o duque que era ridículo os clãs continuarem se degladiando. A única razão pela qual se odiavam é que o faziam há séculos. Pensou também que a festa da noite seria excitante
Ela se dirigiu à escrivaninha e ele lhe deu uma folha de papel e uma caneta.
Em letra clara e elegante, Sheinna avisou o pai de que passaria a noite fora para participar numa festa.
Com certeza, ele entenderia como ela apreciaria dançar ao som de músicas escocesas.
O duque a observava por sobro O ombro e comentou:
- Isso deverá apaziguá-lo. Agora, enquanto coloco a carta num envelope, escreva para sua criada explicando o que deseja que ela lhe envie.
Sheinna fez uma Lista. O duque levou as duas cartas, entregando-as a Roy.
- Por favor entenda, Roy - ele explicou ao serviçal no hall - não deve dar a menor indicação de quem você é ou de onde vem.
Roy ouviu com muita seriedade.
- Se lhe perguntarem onde é a festa ou onde está milady, seja o mais vago possível.
- Pode deixar comigo, Sua Graça - garantiu o mordomo. - Sua Graça sabe que aprecio um segredo.
Era verdade. Quando ainda menino, quem acompanhava o futuro duque em escapadelas nocturnas era o ainda jovem Roy.
Algumas vezes iam nadar no mar ou ver se descobriam alguém pescando no rio.
Roy o levava aos lugares mais altos quando a neve estava firme. Todos os demais diziam que era muito perigoso.
Ninguém melhor do que Roy entenderia o rebuliço que aconteceria quando anunciasse que ele e Sheinna estavam comprometidos e pretendiam se casar.
Ainda não havia contado ao criado o que estavam planeando. Porém, a essa altura Roy já suspeitaria do que estava ocorrendo.
Em primeiro lugar, a condessa passara a falar em voz alta sobre o assunto.
Em segundo, há pelo menos cinquenta anos um MacFallin não cruzava o limiar do castelo.
- Serei o mais rápido possível, Sua Graça - Roy garantiu ao receber os envelopes. - E como vai dançar as quadrilhas escocesas esta noite, mandarei passar seu melhor kilt e retirarem do cofre sua melhor bolsa de couro.
A bolsa, usada à frente na cintura tinha sido usada pelo chefe dos MacBaren por muitas gerações. Era uma bela peça de artesanato feita de uma pele especial. O duque sorriu.
Ele e Sheinna ao menos aproveitariam uma noite agradável antes de se envolverem na batalha que os aguardava.
"Não quero que ela se aborreça ou fique deprimida", pensou. "Ela vai ser salva em definitivo de um casamento com Sir Ewen mas momentos difíceis nos esperam.
Retornou ao estúdio.
Encontrou Sheinna entretida com um livro sobre a índia.
- Estive admirando as ilustrações e lendo a respeito da fronteira noroeste - ela explicou. - como eu gostaria de ir à índia!
- Talvez seja um bom lugar para irmos se precisarmos fugir.
- Está tentando me fazer acreditar em tal possibilidade - ela replicou. - É o país que mais tenho vontade de visitar.
- Também eu pensava assim - contou o nobre. - Mas fiquei mais fascinado ainda pelo Nepal, talvez por que fique perto do Himalaia.
- Conte-me a esse respeito por favor - implorou Sheinna. - Se fosse homem eu tentaria escalar esse pico. Porém, sendo mulher, devo me contentar em contemplar seu pico à distância.
- As montanhas do Himalaia são muito belas - contou o duque. - Encontrarei outros livros para você que discorram sobre o assunto.
- Oh, obrigado, muito obrigado - ela agradeceu.
- Só espero conseguir ler todos antes de ser arrastada daqui por papai.
- Devemos impedi-lo de fazer isso - declarou o duque. - De outro modo, ele poderia forçá-la a desposar Sir Ewen e você não conseguiria escapar outra vez.
Vendo-a tremer apavorada ele apressou-se a dizer:
- Esqueça tudo isso agora. Esta noite vamos nos divertir como se fossemos duas pessoas muito apaixonadas e que estão celebrando com seus amigos.
- Não vai dizer-lhes que estamos comprometidos, vai?
- Acho que deveria contar-lhes - explicou o duque. - Será mais difícil para seu pai forçá-la a subir ao altar como Sir Ewen ou mesmo, levá-la para casa como prisioneira, Se muitas pessoas souberem de nosso compromisso.
Após uma pausa, ele acrescentou:
- Ficarão atónitos, mas terão algo sobre o que falar.
- Tem certeza de que estamos agindo correctamente? - inquiriu Sheinna. - Estou pensando em você e em como todos ficarão horrorizados ao descobrirem sua intenção de desposar uma MacFallin.
- Não acredito que ficarão horrorizados - rebateu o duque. - Muitas das pessoas que virão aqui esta noite não têm a menor idéia da animosidade que reina entre nossos clãs.
A moça o fitava surpresa, mas ele prosseguiu:
- Alguns estão vindo de Edimburgo, outros de Londres. Havia esquecido que minha prima organizara essa grande festa. Trata-se do aniversário de sua filha.
Lembrou-se de haver pedido à mãe para comprar um presente para ele dar à aniversariante.
- Se todos estiverem interessados na festa de aniversário - Sheinna comentou - não concentrarão sua atenção sobre nós.
Sem dúvida era uma esperança, pensou o duque, mas ficou calado. Podia bem imaginar o que sua prima Moura diria de desagradável sobre os MacFallin.
Precisava impedir Sheinna de se preocupar demasiado em relação ao que poderia acontecer em um futuro próximo.
Conversou sobre a índia até a hora de subirem para se vestir para o jantar.
Antes, levou-a mais uma vez ao alto do castelo para admirar o pôr-do-sol. As luzes nessa parte da Escócia eram famosas pela beleza inigualável.
O sol desaparecia devagar atrás das colinas enquanto os últimos raios iluminavam a vegetação de ambos os lados da bala.
Era mais belo do que qualquer espectáculo que o duque já observara em qualquer parte do mundo, incluindo a índia.
Quando o sol sumiu e eles olharam para cima, a primeira estrela da noite estava brilhando no céu.
- Obrigado, muito obrigado - agradeceu a moça. - Jamais esquecerei esse espectáculo. É o homem mais feliz do mundo por poder admirar tal vista do próprio castelo.
Sua maneira de falar era comovedora. Desceram pelos degraus estreitos da torre e Sheinna foi para o quarto, muito bem decorado e luxuoso. Parecia que estavam na Inglaterra. Na Escócia, jamais havia encontrado algo semelhante.
Ela acreditava como certo que os ricos possuíssem belas casas em Londres. Talvez mesmo maiores e mais imponentes do que as do campo.
Assim, ao retornar para casa ficara chocada com o desconforto que encontrara.
No castelo tudo revelava bom gosto. Nada faltava. Suas roupas, trazida por Roy, estavam penduradas no armário.
Um banho fora preparado à frente da lareira onde o fogo ardia para a eventualidade de um vento frio vindo do mar.
A cama de dossel tinha cortinas de veludo. Inúmeros espelhos estavam estrategicamente colocados.
- Dispõe de bastante tempo - dissera o duque ao acompanhá-la a seu quarto. - os convidados devem chegar às oito horas.
- Para onde devo ir quando estiver pronta? - inquirira a moça com voz assustada.
- Nos encontraremos no salão que fica no mesmo corredor onde encontramos minha mãe. Haverá um lacaio do lado de fora e ele lhe abrirá a porta. Prometo que estarei à sua espera, assim não precisará entrar sozinha.
- Oh, muito obrigado! - Sheinna exclamou. - Como não conheço ninguém vou me sentir muito intimidada.
- Conhece a mim - replicou o duque - e cuidarei de você. Não receie.
Ela lhe sorriu.
Ao contrário das mulheres que ele conhecera ela não era exigente nem se impunha a ele.
O duque foi para o próprio quarto, onde um criado pessoal o aguardava.
Havia também um banho preparado para ele.
Ao se trocar, faltavam vinte minutos para as oito.
Seria uma gentileza para Sheinna se ele a buscasse em seu quarto.
Era compreensível que ela se sentisse tímida por entrar num aposento onde não conhecia ninguém.
Excepto, naturalmente, a mãe e a prima Moira que, com toda a probabilidade, continuaria a agir de modo ofensivo.
Bateu na porta do quarto de Sheinna e uma criada a abriu.
- Milady está pronta? - ele inquiriu. Antes que a criada pudesse responder a jovem atravessou o quarto em sua direcção.
- Estava esperando para garantir que houvesse tempo de você chegar ao salão antes de mim.
- Achei que seria melhor vir buscá-la - replicou o duque. - Venha, vamos enfrentar juntos a festa. E deixe-me cumprimentá-la, está muito bonita.
Ele não exagerava. Ela usava um vestido comprado em Paris.
Fora desenhado pelo famoso Frederick Worth, sem dúvida o maior estilista de belos trajes. Era de um tom de azul pálido, que combinava à perfeição com a pele translúcida e os cabelos claros, com um leve tom avermelhado. O traje realçava suas formas perfeitas.
Ela arrebataria todos os presentes, seja os da região como os vindos de Londres.
- Agora entendo por que os escoceses usam o kilt.
- Foi a vez de ela cumprimentar - Nenhum homem poderia ser mais elegante que você. os ingleses presentes não poderão dormir sobre os próprios louros.
- Obrigado - agradeceu o duque. - Uma vez que ambos estamos encantados com nossa aparência, faremos uma entrada triunfal.
Sheinna teria preferido entrar despercebida. Mas não poderia ser rude e discutir com seu anfitrião.
O tocador de gaita de foles, em pé na passagem, fora instruído para tocar as primeiras notas do clã dos MacBaren para saudar o chefe.
O duque ordenou ao lacaio para abrir amplamente as portas e ofereceu o braço à moça.
Vinte e cinco pessoas esperavam no salão.
A maioria eram jovens e somente os mais velhos vestiam kilt.
As moças vestiam esplêndidos trajes mas nenhum se comparava ao de Sheinna.
Uma exclamação de deleite ecoou à entrada do duque.
Ele começou a apertar as mãos dos convidados e a apresentar Sheinna como sua noiva. A maioria se rejubilou com a notícia de que ele estava comprometido
e ia se casar. Para eles, tudo era natural, nada havia de estranho na situação.
Mas a expressão da condessa era carrancuda.
O duque evitou a prima deliberadamente e ficou perto dos jovens. Conversando e rindo, contou que Sheinna chegara recentemente de Londres.
Como a maioria vinha de outras partes da Escócia e não fazia a menor idéia da disputa existente entre os MacFallin e os MacBaren. conversaram com Sheinna como se ela fosse um deles.
Dirigiram-se à mesa do jantar onde o duque havia alterado a disposição dos lugares, previamente, com Roy.
Havia eliminado o plano original arquitectado pela mãe e pela prima. Nesta noite, todos os jovens encontravam-se de seu lado na mesa. os mais velhos do outro lado. Sheinna sentava-se à sua direita e uma bonita moça à sua esquerda. O jantar foi delicioso. Todos riam e conversavam como se nada de pouco usual estivesse acontecendo.
Excepto, é claro, a condessa que parecia dardejar com seus olhos furiosos contra o duque.
A prima não havia feito o menor esforço para conversar com o nobre ou com Sheinna.
Quando o jantar terminou e o tocador deu a volta ao redor da mesa, o duque conduziu o grupo à sala principal no andar térreo.
Todas as paredes estavam cobertas com cabeças de veados.
Não havia apenas um pianista mas um pequeno conjunto tocando ao entrarem.
Começaram as músicas escocesas típicas.
O duque havia imaginado que Sheinna, tendo vivido em Londres ao lado da avó não as saberia dançar. Para sua surpresa, ela as dançava melhor e com mais graça que qualquer outra pessoa.
E ele, é claro, era seu par.
Quando puderam falar, ele a cumprimentou:
- Não fazia a menor idéia de que era tão excelente dançarina.
- Eu amava as danças típicas quando era criança. Em Londres, tinha alguns amigos escoceses. Assim, não perdi a prática.
- Dança melhor que qualquer outra pessoa que já conheci - comentou o duque.
- Está me lisonjeando - ela agradeceu. - Também devo dizer que é excelente dançarino.
- Preciso ser - respondeu o duque. - Um chefe que não soubesse dançar as músicas típicas seria deposto imediatamente.
Sheinna riu.
- Isso jamais acontecerá com você - ela argumentou - e estou me divertindo muito por ser sua parceira. E tão bom na dança como na pesca.
- Bem, é o tipo de cumprimento que aprecio ouvir - ele brincou.
Ambos riram. Aliás, riram felizes a noite toda.
Ao dançarem uma valsa juntos, a moça se revelou o melhor par que o duque jamais possuíra.
- como não a encontrei em Londres? - ele indagou enquanto se moviam com suavidade ao redor do salão.
- É fácil de responder - replicou Sheinna. - Você estava muito entretido divertindo-se em Marlborough House e ignorando, sempre que possível, os bailes oferecidos às debutantes.
Era verdade. O duque sempre evitava esse tipo de evento simplesmente por serem destinados à promoção de matrimónios.
- Jamais me ocorreu que um dia dançaria assim na Escócia ou numa casa tão magnífica e bela como seu castelo.
O duque a fazia rodopiar em silêncio. Reflectia que formavam um belo par. Para Sheinna a dança podia ter durado mais.
Alguns dos convidados tinham um longo caminho a percorrer de volta para casa.
Já era madrugada quando se despediram, com tristeza. Todos haviam trazido um presente de aniversário para Chalrote. os presentes estavam arrumados sobre uma mesa próxima da porta.
Ela estava ao lado de Mary-Lee e agradecia a todos. Também implorava aos que residiam perto para ficarem mais um pouco.
Todos haviam bebido à saúde de Chalrote durante o jantar.
De certo modo, a mocinha era bonita, segundo o duque.
Mas, comparada a Sheinna, faltava-lhe o traquejo de uma cidade grande. E também era um tanto robusta.
Sem dúvida, apreciara seu baile de aniversário.
Os rapazes haviam disputado para dançar com ela. Porém, o duque só dançara com Sheinna. Todos os convidados imaginavam que os dois um dia se casariam.
Mary-Lee, entretanto o fitava com um olhar quase de súplica.
Por delicadeza, ele disse à mocinha:
- Espero que tenha se divertido, Mary-Lee.
- Foi maravilhoso, a não ser pelo facto de não ter dançado comigo.
O duque sorriu.
- Achei que compreenderia, pois minha noiva conhece poucas pessoas aqui e eu não desejava que outro homem tomasse meu lugar. Assim, não pude ser tão agradável com você como gostaria e também com as outras encantadoras jovens presentes.
- Por favor, dance comigo agora - Mary-Lee pediu.
- Gostaria de contar, ao voltar para a América, que dancei com um duque. Ontem à noite você não veio à sala onde estávamos dançando.
O duque fitou ao redor rapidamente.
Então avistou um de seus amigos, sem parceira, em pé, segurando um copo de champanhe na mão.
- Dançaremos a próxima música, Mary-Lee - ele declarou. - Deixe-me apresentar Charles Falkner a Sheinna.
Garanto que o esperarei - falou Mary-Lee com seu forte sotaque americano.
O duque levou Sheinna até Charles Falkner.
- Eu negligenciei meus convidados hospedados no castelo - ele explicou. - Seria gentil, Charles, de olhar por minha noiva alguns minutos?
- Quando ouvi que estava noivo para se casar - Charles Falkner replicou - não acreditei.
- Bem, é verdade - rebateu o duque - e falarei com você mais tarde. Agora, por favor, tome conta de lady Sheinna e não permita que ninguém a aborreça.
- Prometo - Charles respondeu. - Mas, infelizmente, não trouxe meu punhal.
Sheinna sorriu.
- Se o tivesse trazido estaria em sua meia.
- O que seria muito desconfortável - Charles Falkner brincou. - Quer que lhe traga alguma bebida?
- Eu gostaria de um copo de limonada - pediu Sheinna.
Ele não tentou persuadi-la a beber champanhe. Pegou um copo de um lacaio postado junto à porta com uma bandeja de bebidas e entregou a limonada à ela.
Sentaram-se quando começou a música. Quando o duque levou Mary-Lee para dançar, Charles perguntou:
- É mesmo verdade que está comprometida com Alpin?
Sheinna fez um gesto afirmativo com a cabeça.
- Sim - confirmou - mas ele só contou hoje para a mãe.
- O que diz seu pai a este respeito? - inquiriu Charles. - Sempre ouvi que ele detesta e abomina os MacBaren. - As pessoas dão risada de sua veemência contra meu amigo Alpin.
- Talvez, de algum modo, consigamos terminar com essa disputa ridícula entre nossas famílias - externou a moça. - Afinal de contas, nós dois vivemos e amamos esta bela parte da Escócia e é tolice continuarmos a lutar sem razão especial a não ser que o fazíamos no passado.
- Concordo completamente - Charles afiançou. - Sou escocês, mas vivo na fronteira e agradeço que em nossa região desistimos das disputas, inclusive abandonamos nosso ódio antigo contra os ingleses.
- Encontrei ingleses encantadores - Sheinna proferiu.
- Com certeza, pensaram o mesmo de você - cumprimentou Charles. Após um breve silêncio, ele prosseguiu:
- Se você e Alpin puderem reunir nossos clãs e fazê-los esquecer como têm se odiado ao longo dos séculos, acho que seria um grande passo em frente para a Escócia e para todos os que aqui vivem.
- Está dizendo exatamente o que penso - Sheinna confessou. - Por favor, você ajudará Alpin nessa tarefa? É muito difícil para ele, uma vez que nossos próprios parentes detestam meu pai e seu povo.
Enquanto falava, lançou um olhar à condessa.
Charles Falkner sabia a quem a moça estava se referindo.
Abaixando a voz, ele disse:
- A condessa faz parte das pessoas que jamais mudará suas idéias. Entretanto os mais jovens como você acreditam que a animosidade entre os clãs está fora de moda.
- É verdade - concordou Sheinna.
- Afinal, somos todos escoceses - acrescentou Charles - e o importante é que somos todos do mesmo sangue.
- Sinto o mesmo. Por favor, continue dizendo isso.
- É o que farei - atendeu o amigo do duque. - E quando caçar e pescar com Alpin espero ter a honra de ser convidado também por seu pai.
Sheinna conseguiu sorrir.
Não acreditava em tal possibilidade, mas declarou:
- Tenho certeza de que meu pai ficará encantado em recebê-lo.
- Esperarei com ansiedade tal oportunidade - Charles disse. - Tenho sido sempre convidado por Alpin para a primeira caçada da temporada e ficaria muito magoado se não participasse este ano também.
- Se fosse esquecido censuraria-me a mim?
- Não acredito que seja tão pouco generosa. Ficaria desesperado pois essa caça é um de meus maiores prazeres durante o ano inteiro.
- Então garantirei que não seja esquecido - prometeu a moça.
Mas ela estaria com o duque quando chegasse o outono?
"Algo era certo: seu pai jamais convidaria um amigo de Alpin para caçar em suas terras."
"Como seremos felizes quando pudermos ultrapassar esse litígio ridículo e viver em paz e harmonia, ela reflectiu desesperada.
O duque dançou com Mary-Lee por cerca de dez minutos e voltou para perto de Sheinna.
- Charles tomou conta de você?
- Foi muito gentil - ela afirmou. - Estamos de acordo em considerar que a animosidade entre os clãs é ridícula e deveria ser apagada de nossa memória.
- Isso acontecerá gradualmente - considerou o duque. - Talvez nós dois, Sheinna, consigamos fazer com que as pessoas de nossas famílias percebam que não somos odiosos como acreditam.
- Espero que tenha razão - ela replicou com fervor. Mas a condessa jamais a receberia de braços abertos. Nem o duque jamais transporia o limiar da casa de seu pai.
O duque, lendo-lhe os pensamentos, declarou:
- Cabe a nós dois fazermos com que eles aceitem a bandeira da paz.
- Naturalmente - Charles assentiu - é o que todos desejamos, paz e prosperidade. Estou preparado para lutar por esse ideal.
- Luta não - interveio com firmeza o duque. - Precisamos apelar ao coração de nossos povos para que compreendam que, independentemente de seu nome ou sangue são eles próprios que podem tornar a Escócia um lugar feliz.
- Ajudarei nesta cruzada - garantiu o amigo. - quer que eu seja porta-bandeira ou tocador de gaita de foles?
- Ambos - replicou o duque - e deve persuadir o maior número possível de pessoas a pensarem como nós.
- Tentarei - prometeu Charles. - Qual outro exemplo poderia ser melhor do que você e essa bela jovem se casarem.
- Está tornando nosso casamento mais importante do que pensava - redarguiu o duque.
- Acho que será de grande importância para todos - rebateu o amigo. - Já está na hora desta parte da Escócia se actualizar e parar com as brigas. Acho que nossos inimigos são outros.
Algumas pessoas se aproximaram para se despedir.
Todos desejavam felicidades pelo futuro matrimónio.
Quando o último convidado partiu, Sheinna disse ao duque:
- Foi uma festa maravilhosa e me diverti muito.
- Fico contente - asseverou o duque. - Foi um grande sucesso. Todos a elogiaram.
Falavam caminhando em direcção à porta. Ao se voltarem para subir as escadas, ouviram a voz da condessa dizendo à duquesa mãe:
- Foi uma noite maravilhosa e Chalrote jamais teve melhor aniversário. Só houve uma mancha no horizonte e não preciso dizer qual é.
Sem reflectir, Sheinna aproximou-se mais do duque e segurou-lhe a mão.
- Não ligue - ele aconselhou, calmo. - Hoje iniciamos nossa cruzada e, naturalmente, haverá alguma oposição. Mas cedo ou tarde, e esta é uma profecia, todos se juntarão a nós e a Escócia não será mais uma região dividida.
- Rezarei por esse dia - Sheinna falou com fervor.
Na manhã seguinte, quando Sheinna desceu para o café, encontrou apenas o duque na sala.
- Os outros convidados ainda dormem - ele explicou - e não imaginei que acordaria tão cedo.
- Diverti-me tanto que nem me cansei - ela replicou.
O duque sorriu.
- Dançou muito melhor que qualquer outra pessoa e melhor do que eu imaginara.
- Costumava dançar muito em Londres e gosto muito de dançar.
- Eu também, às vezes - contou o duque. - Mas, naturalmente, depende de meu par.
Sheinna riu.
- O que faremos hoje?
Temia que ele comunicasse sua intenção de levá-la de volta à casa do pai.
Mas ele propôs:
- Acho que um passeio em meu iate, ao longo da costa será algo de novo para você.
Sheinna deu um gritinho de prazer.
- Será maravilhoso - ela exultou. - É o que mais apreciaria.
- óptimo - ele alegrou-se. - como é uma embarcação que adquiri há pouco, provavelmente só falarei sobre ela.
- Nunca andei de iate, porém, já li a esse respeito, especialmente sobre os construídos na América.
- Bem, então está combinado - declarou o duque.
- Mas precisaremos esperar um pouco, pois tenho cartas por escrever e contas a pagar.
- Enquanto isso vou ao jardim - avisou Sheinna.
- O sol está brilhando e vou admirar as flores que começam a crescer.
- Se elogiar os jardineiros eles ficarão muito felizes - lembrou o duque. - Tiveram muito trabalho plantando novos canteiros durante minha ausência e estou encantado com a maneira como têm crescido.
- Não fazia a menor idéia de que se interessasse por jardins - comentou a jovem.
- Bem, interesso-me e há muito a conhecermos um sobre o outro - alertou o duque. - Caso contrário perceberão que acabamos de nos encontrar, que não nos conhecemos há muitos anos como queremos dar a impressão.
- Gostaria de tê-lo conhecido há muitos anos. - Ela riu. - Teria sido divertido encontrá-lo em Londres.
Antes que o duque pudesse replicar, ela prosseguiu:
- Mas, com certeza, teria evitado de me procurar pois era apenas uma debutante e, segundo minha avó, os homens mais importantes fogem das debutantes a quem consideram tediosas.
O duque riu.
- É verdade. Mas jamais a acharia tediosa. Aliás jamais me entediou desde que nos encontramos.
- Bem, não faz tanto tempo assim - ela sussurrou.
- Algumas pessoas que já encontrei repetidas vezes acho que nunca as conheço. Outras, como você, desde o primeiro dia dão-me a impressão de que sempre as conheci e que sei o que têm em mente e o que pretendem dizer.
Sheinna bateu palmas.
- Que bom pensar desse modo. também eu muitas vezes me senti assim e acho que, em alguns casos, nos encontramos em outras vidas.
- Está me dizendo que acredita em renascimento?
- É claro - assentiu a jovem.
O duque prestava atenção e ela continuou:
- como poderiam cérebros brilhantes, como o de lorde Melbourne e o do duque de Wellington apenas morrerem e serem esquecido excepto pelos livros? Naturalmente, ou vivem numa outra dimensão ou são avançados o suficiente para voltarem.
O duque a fitou atónito.
Sentou-se novamente à mesa do café.
- Estou fascinado pelo que está dizendo - declarou.
- É o que aprendi no Oriente, e nunca pensei a esse respeito. Jamais encontrei outra pessoa, além de mim interessada neste assunto.
- Sinto o mesmo - contou a moça. - É muito excitante saber que pensamos do mesmo modo. Poderá ajudar-me a entender aquilo que não entendo.
Podemos com certeza tentar - disse o duque. - à tarde, no iate, não seremos perturbados por outras pessoas e poderemos conversar à vontade.
- Não vejo a hora. Vai ser óptimo! - ela exclamou.
- Também para mim - asseverou o duque.
Ele se levantou e caminhou para a porta.
- Quando tiver terminado minhas cartas irei ao seu encontro.
- Estarei no jardim - a jovem informou. Ele sorriu e saiu do aposento. Terminando o café, Sheinna alegrava-se. Nunca lhe acontecera nada tão excitante.
Onde menos esperava, encontrara alguém que havia explorado lugares estranhos e longínquos. E que também estava interessado nas vidas e religiões dos povos que ali viviam.
Ao sair da sala, não subiu para pôr o chapéu.
O sol não estava muito quente. Tendo vivido muito tempo em cidades, apreciava sentir a liberdade e o frescor do ar escocês.
O jardim era muito bonito com cores e borboletas voando ao redor.
Nenhum jardim poderia se comparar aos escoceses.
O duque dirigiu-se a seu estúdio, onde uma pilha de cartas por responder o aguardava.
Era uma pilha de contas com cheques para serem assinados.
Examinou primeiro as cartas. Muitas eram de mulheres com quem passara muito tempo em Londres.
Como sentisse pressa de voltar ao lado de Sheinna, ele ignorou tais cartas e abriu apenas as outras.
Algumas eram de anfitriãs cujas festas havia frequentado.
Diversas eram de seus amigos do White's Club. Todos manifestavam a esperança de serem convidados ao castelo para a próxima temporada de caça ou pesca.
Ele respondeu a três e estava para começar a assinar os cheques quando Roy entrou, apressado.
- O conde de MacFallin está aqui, Sua Graça - anunciou.
O duque prendeu a respiração.
- O conde! - exclamou.
- Sim, Sua Graça, e trouxe vários dignitários com ele. E também há outros membros do clã lá fora.
O duque ficou silencioso. Não havia previsto a eventualidade embora não fosse surpreendente.
- Para onde levou Sua Excelência? - indagou.
- como havia muitas pessoas, Sua Graça, levei-os
ao salão principal e os lacaios estão providenciando cadeiras para todos.
O duque levantou-se.
- Há outros membros do clã lá fora, Roy? Espero que não estejam provocando algazarra.
- Também espero, Sua Graça - Roy assentiu. - Mandei alguns lacaios advertirem nossos rapazes para ficarem em guarda.
O duque sorriu. Era bem do mordomo pensar em tudo. Porém, não desejava ter as janelas quebradas ou uma escaramuça em sua propriedade.
Seria um erro perturbar Sheinna dizendo-lhe que o pai estava ali.
Encaminhou-se devagar à sala principal, onde haviam passado horas agradáveis na noite anterior. E hoje seria um local de semibatalha.
Entrou sem ser anunciado.
O conde estava em pé, com um ar extremamente agressivo.
Ao menos vinte pessoas que o acompanhavam estavam sentadas e igual número permanecia em pé.
Enquanto o duque se aproximava do conde, este pareceu-lhe mais velho do que na ocasião anterior em que se haviam encontrado. E sua expressão carrancuda era excessivamente desagradável.
Quando ficaram frente a frente, nenhum dos dois esboçou o gesto de apertarem as mãos.
Antes que o conde pudesse falar o duque se antecipou:
- Bom dia, Fallin. Quer me ver, é claro.
- Naturalmente desejo vê-lo - disse o conde em voz alta. - Circulou o boato, embora não consiga acreditar verdadeiramente, que você teve a audácia de afirmar que pretende desposar minha filha.
- Sua filha prestou-me a enorme honra de prometer que será minha esposa - replicou o duque.
Por um momento, reinou o silêncio.
Depois surgiu um murmúrio entre os dignitários.
- Ela o fará sobre meu cadáver - vociferou o conde. - como ousa apresentar-se a minha filha, como imagino ter feito em Londres e pedi-la em casamento quando tem agredido e insultado os MacFallin desde que nasceu?
- como sabe - redarguiu o duque -, a hostilidade entre nossos clãs tem durado há pelo menos quatrocentos anos. Acho que está na hora de despertarmos para as idéias e comportamentos modernos e ce agirmos com Sensatez.
- Está dizendo que não sou sensato? - O conde esbravejou.
- Ao contrário, tenho certeza de que será bastante sensato para compreender que neste século e em nossa época histórica, deveríamos nos unir - respondeu o duque. - Se precisarmos lutar, que lutemos pela Escócia e não entre nós próprios.
Houve um leve rumor de aprovação da sala.
Mas o conde rebateu:
- Esta pode ser sua idéia mas com certeza não é a minha.
- Não vejo por que não - persistiu o duque.
- Como bem sabe - disse o conde -, os MacFallin lutaram por nosso país contra os ingleses e se distinguiram na Batalha de Culloden, o que é mais do que os MacBaren fizeram.
O duque queria contradizê-lo mas percebeu que seria um erro.
Por isso, declarou:
- Em verdade, milorde, tinha a intenção de visitá-lo esta tarde para informá-lo de meu noivado com sua filha e para conversarmos sobre como podemos tornar esta parte da Escócia mais próspera.
- E acredita que eu o ouviria? - o conde enfureceu-se. - Eu desprezo e odeio você com toda a minha vida sempre detestei os MacBaren. Prefiro ver minha filha na sepultura de que casada com você ou com qualquer pessoa de sua família.
Sua violência despertou um murmúrio de protesto dos senhores que o acompanhavam.
Aqueles que estavam em pé no hall entreolharam-se com preocupação.
- Estou sugerindo - explicou o duque -, que nos sentemos confortavelmente e conversemos sobre o melhor modo de unir nossos clãs, pois sua filha e eu pretendemos nos casar.
O rosto do conde ficou vermelho de fúria.
- Se acredita que lhe permitirei casar com minha filha, está muito enganado. Ela já está prometida em casamento com um amigo meu e farei que esse matrimónio ocorra o mais rápido possível.
Ele gritava as palavras com raiva.
Seus companheiros o fitavam, surpreso.
- Se pretende casar Sheinna com Sir Ewen Kincard deve estar louco. Ele tem idade para ser seu avô e sua reputação é das piores. Nenhum bom pai confiaria sua jovem filha a tal homem. Imploro-lhe que veja com bom senso e, se ela não pode me desposar, que ao menos não seja sacrificada em prol de seu engrandecimento.
- como ousa falar-me deste modo? - esbravejou o conde. - Sheinna é minha filha e fará O que eu mandar. Escolhi um marido para ela e eles se casarão assim que eu tenha tempo de levá-los à igreja.
Parou para respirar. Depois prosseguiu:
- Fique com seu clã e seus próprios amigos, a maioria ingleses pelo que sei, e deixe nós escoceses vivermos como nos apraz.
- Acho - o duque falou em voz suave - que não está sendo razoável. Seguramente os desejos de sua filha em relação a um marido São mais importantes que qualquer outra consideração.
Houve novo murmúrio entre os cavalheiros sentados atrás do conde. E o duque prosseguiu:
- Nenhuma moça de sua idade desejaria se casar com um homem de setenta anos, e que manchou seu título dezenas de modos abomináveis.
- como já disse - berrou O conde -, Sheinna desposará quem eu mandar. Sir Ewen já está desgostoso, como me relatou pela manhã, por ter Ouvido que ela pretende desposar alguém como você.
Antes que o duque pudesse replicar, ele continuou:
- Gasta seu tempo e dinheiro na Inglaterra em vez de ficar aqui. Permite que pescadores clandestinos furtem o salmão que deveria chegar à minha parte do rio. E, pelo que tenho ouvido, este castelo, do qual tem tanto orgulho, está caindo aos pedaços. Assegurarei que nenhum MacFallin ajude a reformá-lo.
Falava com tanta violência que sua boca estava quase espumando.
O duque se perguntava como poderia acalmá-lo.
De repente, a porta se abriu e Roy entrou correndo.
O duque o fitou, atónito. Todos mantiveram silêncio.
- Sua Graça - disse Roy -, milady foi sequestrada.
- Alguns homens - Roy balbuciou -. liderados por Sir Ewen Kincard, a levaram para fora do jardim. Milady tentou lutar mas foi levada à força para dentro de uma carruagem que partiu em alta velocidade.
- Não posso acreditar! - exclamou o duque.
- É verdade, Sua Graça, e ela chamava pelo vosso nome.
O duque voltou-se para O conde.
- Planeou tal acto?
- Não! Não! Pretendia levar Sheinna para casa comigo - rebateu o conde.
- Então por que Sir Ewen a raptou? - inquiriu o duque zangado. - Não parece haver outra palavra para o que ele fez.
- Não faço a menor idéia - o conde balbuciou. - Acho que decidiu que ela não se casaria com você e, assim, a levou embora para garantir que ela o despose.
- Nunca ouvi nada tão ultrajante - irritou-se o duque. - Sugiro que nós dois os sigamos imediatamente para impedir Sir Ewen de assustar Sheinna e desposá-la. É monstruoso o que ele fez, levando-a de meu jardim.
Os demais presentes murmuraram em aprovação. O duque apressou-se a dizer:
- Não há tempo a perder. Venha, milorde, vamos segui-los e se nossos cavalos correrem rápido nós os alcançaremos. Como bem sabe, sua filha deve estar assustadíssima e sinto-me horrorizado com o comportamento criminoso de Sir Ewen.
Falava andando para a porta.
O conde seguiu-o mudo. Seus acompanhantes fizeram o mesmo. Sem falar, o duque saiu da sala para o hall, precedido por Roy.
Lá fora, aguardava a carruagem que trouxera o conde ao castelo. Atrás estavam os outros veículos que haviam transportado os demais membros do clã do conde.
Ao lado da carruagem do duque estavam os dois homens que haviam visto Sheinna ser levada à força.
- Ela estava apanhando algumas flores, Sua Graça - eles relataram - quando dois homens a agarraram à força e correram para fora com ela e foram ao lugar em que Sir Ewen esperava.
- Não havia ninguém para impedi-los?
- Nós estávamos do outro lado do jardim, Sua Graça, quando ouvimos um grito e corremos para ajudar, mas era demasiado tarde. Vimos Sir Ewen fugir com ela em sua carruagem.
- Quantos homens estavam com ele? - perguntou o duque.
- Somente quatro, Sua Graça, e o condutor da carruagem.
- Para onde seguiram?
- Para a esquerda e passaram pelo rochedo da estrada em direcção ao vilarejo.
O rio que passava pelo vilarejo corria para o mar. Havia um pequeno porto no qual usualmente ancoravam pequenos navios.
Provavelmente Sir Ewen tinha a intenção de levar Sheinna embora pelo mar e então seria muito difícil encontrá-la.
Voltando-se para Roy, ele ordenou:
- Siga-me com minha carruagem e com todos os homens que conseguir reunir.
Subiu na carruagem do conde, que estava na frente dos demais veículos e ordenou:
- Corra o mais rápido que puder. Precisamos chegar à aldeia antes de Sir Ewen.
Dois cavalos puxavam a carruagem. Mas não eram muito rápidos.
Ao duque restava a esperança que os cavalos de Sir Ewen fossem mais lentos.
Dois dos homens do duque haviam saltado para a parte de trás do veículo. E outros dois estavam na frente ao lado do condutor.
Os demais membros do clã seguiam atrás.
Viraram à direita ao ultrapassarem os portões.
Uma estrada estreita corria ao lado do rio. Estavam a dois quilómetros do vilarejo.
O conde resmungava baixinho. Sem dúvida estava indignado com a interferência de Sir Ewen. Fizeram o percurso em silêncio, os cavalos correndo o máximo possível.
Então, um pouco mais adiante alcançaram um trecho em que á direita pastavam cordeiros entre a estrada e o rio.
De repente, o duque ficou apreensivo. os homens sentados na boleia da carruagem apontavam as mãos para um terreno à esquerda.
Era uma charneca bem conhecida do duque. Quando os vikings haviam invadido a Escócia, descobriram que esta parte do país era fácil de invadir.
Os aldeões construíram ali um esconderijo. Haviam cavado na encosta da colina um longo túnel que terminava em uma caverna, onde poderiam esconder a si próprios, às crianças e alguns animais.
Quando terminaram as invasões vikings, as crianças costumavam brincar no local.
Com o passar do tempo o duque fora informado de que o túnel encontrava-se em condições péssimas. como o solo era arenoso o tecto estava quase desabando.
Era apenas uma questão de tempo para o túnel cair de vez. Qualquer pessoa que estivesse em seu interior seria enterrada viva.
O nobre ordenara que a entrada fosse coberta de tábuas. E que ninguém entrasse mais no esconderijo dos vikings.
Para surpresa do duque, a carruagem de Sir Ewen encontrava-se à entrada do túnel.
- Se foi para lá que Sir Ewen levou Sheinna, ela poderá morrer enterrada viva.
- Vou matá-lo por essa interferência - ameaçou o conde.
- Vamos primeiro salvar Sheinna - decidiu o duque. - Ela é mais importante.
A carruagem se aproximou da de Sir Ewen. Quando os cavalos chegaram a um lugar plano, quatro homens apareceram à entrada do túnel.
Viram o conde aproximando-se e todos os demais veículos.
Atiraram para o chão as ferramentas que carregavam e fugiram.
O conde desceu célere para um homem de sua idade. Apressou-se pelo chão áspero em direcção a Sir Ewen. Já estava bem perto. O duque o seguia. Para surpresa de todos, Sir Ewen, mais desagradável que nunca, gritou:
- Se não posso tê-la, ninguém mais a terá.
Quase sem fôlego o conde replicou:
- Para onde levou minha filha? como ousou interferir? Disse-lhe que trataria com o duque e que deveria me esperar para trazê-la de volta.
O duque estava em pé ao lado do conde. Seus homens estavam bem próximos. Alguns deles estavam se postando atrás de Sir Ewen.
- Saia da minha frente! - esbravejou o conde. - Não admito que minha filha seja carregada à força por ninguém!
Ao terminar de falar, voltou o olhar para o duque. Neste momento, Sir Ewen atirou nele com uma pequena pistola. A bala arranhou sua cabeça. O conde caiu com um grito de agonia.
Por um momento, o duque ficou paralisado. Então, um de seus homens atacou Sir Ewen por trás com um pesado bastão. Também Sir Ewen caiu, soltando a pistola.
O duque correu para a entrada do túnel. Avistou no chão uma lâmpada a óleo ainda ardendo. Olhou ao redor. Atrás de si vários homens o seguiam.
- É muito perigoso. - E desapareceu no túnel. Quando menino, costumava brincar ali. Agora havia muita areia no solo. O teto havia desabado parcialmente.
Entretanto, a abertura ainda era ampla para dois homens carregarem Sheinna para dentro.
O duque se apressou, entrando na caverna.
Ao chegar, ergueu a lâmpada para enxergar melhor.
Avistou Sheinna no fundo da caverna e correu para ela.
Estava deitada por terra. Uma corda passava por seu colo amarrando seus braços nas costas. Havia uma mordaça em sua boca.
O duque ajoelhou-se a seu lado. Seus olhos eram de súplica.
- Está tudo bem, minha querida - ele a tranquilizou.
- Está a salvo e ninguém nunca mais a ferirá. - Arrancou a mordaça.
- Você veio... rezei tanto para que me salvasse - ela falou com um fio de voz.
O duque percebeu que seu rosto exprimia medo. Parecia impossível ter acontecido um facto tão escabroso.
Sem pensar, seus lábios se aproximaram dos dela. Era o beijo mais maravilhoso que jamais dera. Ele a amava como jamais amara ninguém antes. Ao erguer a cabeça, ela disse em voz fraca:
- Eu te amo.
- Eu também te amo - ele declarou. - Acho que a amei desde o primeiro momento em que a vi. Quando a levaram foi como se roubassem o que de mais precioso tenho na vida.
Os olhos da moça se iluminaram.
- Vou soltá-la. como puderam fazer isso com você? - Foi fácil soltar a corda pois os malfeitores não haviam esperado que alguém a encontraria.
Como Sir Ewen pretendia bloquear a entrada novamente, ninguém jamais a teria encontrado ali.
Ao libertá-la, ele a beijou novamente.
Depois perguntou:
- Acha que pode andar?
- Tentarei - afirmou Sheinna. - Quando chutei e lutei contra os homens que me carregavam, feri um deles que, por sua vez, me feriu a perna com um bastão.
- Isso nunca mais voltará a acontecer - o duque prometeu.
- Rezei tanto para que você viesse me salvar. É um milagre. Deus o enviou.
- É um milagre - replicou o duque - e pelo qual agradecerei eternamente.
Ele a ajudou a ficar em pé com gentileza.
Então, não conseguindo evitar, abraçou-a e beijou-a outra vez.
- Você é minha - ele disse - e estou pronto a lutar por você, embora, receie, minha querida, que vá ser uma batalha muito árdua.
Lembrou-se então que o conde caíra após ser ferido por Sir Ewen. Talvez o ferimento não fosse sério.
Entretanto, não contou nada a Sheinna para não preocupá-la.
Ela estava apoiada nele, pois embora não o dissesse suas pernas doíam.
- Se levar a lâmpada, querida, eu a carregarei.
- Não pode fazer isso - ela protestou.
- Está me insultando? - ele indagou sorridente. - Pesa muito pouco e já carreguei pesos muito maiores.
Deu-lhe a lanterna e levantou-a nos braços.
- Agora sinto-me segura.
- Não fale cedo demais - ele respondeu. - Precisamos sair deste lugar. Não esqueça de que estava fechado pois há muito tempo foi declarado inseguro. Foi meu bisavô quem mandou lacrar a entrada, avisando que nunca deveria ser reaberto.
- Foi uma boa idéia deles colocar-me aqui dentro
- Sheinna falou sem fôlego. - Sir Ewen não parava de falar que se ele não poderia me possuir então ninguém o faria. Acho que ele enlouqueceu.
- Ele não está apenas louco. Também cometeu tentativa de assassinato - afirmou o duque. - Deve ir para a prisão.
Sheinna não respondeu. O duque a transportava através da caverna.
Entraram no túnel que os levaria à entrada do esconderijo.
Então, enquanto o duque se movia o mais devagar possível, Sheinna disse de repente:
- Olhe, há algo brilhando ali. Será que não vale a pena levar connosco?
O duque a apoiou no chão.
Pegou a lanterna e a levantou.
Avistou, como Sheinna dissera, algo se sobressaindo da parede do túnel e brilhando à luz da lanterna.
No lugar em que olhavam o solo arenoso afundara. Um pouco adiante, avistaram algo brilhando. Talvez se tratasse de uma peça de estanho. Ou de alguma ferramenta abandonada.
Imaginando levar uma lembrança para Sheinna dessa aventura tão inesperada começou a escavar para retirar a peça.
Ao escavar, descobriu, surpreso, uma taça de ouro. Parecia muito velha e estava embaçada. Pedras preciosas ornamentavam o bordo da taça e também a base.
Sheinna deu um gritinho.
- É uma antiga taça de beber - ela disse. - Oh, Alpin, encontramos um tesouro!
O duque sorriu-lhe.
- Tesouro?
Examinou um pouco mais o lugar de onde extraíra a taça e logo encontrou outra. E também um prato de ouro, também ornamentado de pedras preciosas.
Pôs tudo de volta no lugar onde estavam.
- Por que está fazendo isso? - ela indagou. - Eles lhe pertencem pois estão em suas terras.
- São meus - ele declarou. - Porém acho, embora possa estar enganado, que você, minha amada, descobriu para mim o famoso tesouro que sempre acreditamos ter sido levado de nossa família pelos vikings.
Os olhos de Sheinna se arregalaram.
- Acredita mesmo que esteja aqui?
- Acho que sempre esteve aqui - ele explicou. - Talvez os vikings não conseguissem transportá-lo em suas naves e tenham decidido retornar noutra ocasião para levá-lo. Resolveram enterrá-lo na areia, no trecho desabitado mais próximo da charneca em que haviam descido à terra.
- Oh, Alpin, que idéia maravilhosa! Naturalmente eu ouvi falar sobre o tesouro roubado de sua família e em como vocês haviam ficado deprimidos. Porém todos presumiram que os vikings o haviam levado embora.
- É o que todos pensamos - confirmou o duque.
- Mas você me trouxe a sorte que jamais esperei encontrar. Entretanto, o tesouro deve ser removido com muito cuidado, pois há perigo de que este lugar desabe, enterrando tudo. Após tantos anos não quero apenas encontrá-lo para voltar a perdê-lo.
- Jamais ouvi nada tão excitante e será muito difícil não contar para sua mãe que certamente se emocionará.
O duque pensava da mesma maneira. E parte da ansiedade em relação à manutenção do castelo e do domínio seria tirada de seus ombros.
- Venha, querida - ele pediu. - Devemos voltar e enfrentar seu pai. Creio que a esta altura ele deve estar sofrendo as consequências do ataque de Sir Ewen contra ele.
- Ele ousou atirar em papai? - Sheinna indignou-se. - É um homem horrível, perverso e eu estava certa ao negar-me a desposá-lo.
"Não permitirei que se case com ninguém mais além de mim próprio", o duque pretendia dizer. Mas, neste momento avistaram a luz prenunciando a saída do túnel.
Os serviçais do duque espiavam para dentro. Roy alcançou-os primeiro.
- Encontrou milady, Sua Graça! - alegrou-se.
- Sim - replicou o duque - e desejo que a leve para casa o mais rápido possível.
- Tem toda razão Sua Graça, pois outros problemas existem.
Estavam na saída do túnel.
- O que aconteceu? - indagou o duque.
- Acho que Sir Ewen morreu, Sua Graça - informou Roy.
- Morreu! - exclamou o duque. - Eu o vi cair, mas não acredito que um simples golpe o tenha matado.
- Estava inconsciente quando o levaram ao médico - contou o mordomo.
- E meu pai? - inquiriu Sheinna ansiosa.
- Acho que a bala o feriu de leve - o duque apressou-se a dizer.
- Apenas arranhou-lhe a cabeça - Roy disse - e depois não ficou inconsciente mas falava sem sentido.
- Também foi levado ao médico?
- Sim, Sua Graça, foram levados juntos na mesma carruagem e só restam os membros do clã dos MacFallin e os nossos.
- Falarei com eles - decidiu o duque. - Mas primeiro levarei milady para nossa carruagem.
- Ela está a um passo daqui, Sua Graça.
- Você pensa em tudo, Roy - o duque afirmou.
Levantou Sheinna nos braços.
- Agora, minha querida - ele disse -, vou mandá-la de volta ao castelo e irá directo para a cama e descansará.
- Quero ficar a seu lado - sussurrou Sheinna.
- Também quero o mesmo - replicou o duque. - Mas esta é uma excelente oportunidade para conversar com os MacFallin.
- Sim, tem razão, e esperarei por você.
Ela o fitou nos olhos desejando ser beijada.
- Eu te amo - ele sussurrou.
Então, ele a levou para a carruagem e a acomodou com delicadeza.
- Leve-a para casa, Roy - ordenou.
Outros homens do duque haviam chegado em vários veículos. Ele se dirigiu em direcção aos MacFallin que o aguardavam.
Desejavam verificar se ele havia salvado lady Sheinna ou se ela havia ficado perdida no esconderijo dos vikings.
Os homens de ambos os clãs conversavam amigavelmente.
Nada como uma tragédia para aproximar os homens. Ele se aproximou e disse:
- Fiquem onde estão. Desejo falar-lhes e esta é uma oportunidade que não posso perder.
Sheinna sonhava com o duque. Ele a beijava.
De repente, acordou. Olhou para cima e o avistou.
- É tão linda adormecida, minha querida - ele disse.
- Onde esteve? O que aconteceu? - ela indagou assustada.
- Tenho muito a lhe contar - ele explicou. - Não deveria estar em seu quarto mas não consegui esperar.
- Conte-me, por favor - ela implorou, acomodando-se melhor nos travesseiros.
O duque a fitou com tanto amor que ela sentiu o coração em sobressalto.
- Devemos ser sensatos - ela pediu. - Por favor conte-me o que fez depois que fui embora.
- Falei aos membros do clã. Para minha surpresa, ouviram-me com atenção e os mais velhos do clã de seu pai em verdade concordam comigo.
- Que maravilhoso! - ela exultou.
- Fiquei emocionado - ele confidenciou. - O líder dos anciãos, um homem inteligente, declarou que eu tinha razão. Que a situação fora demasiado longe e por muito tempo. Era hora de pensarmos na Escócia e não na história de nossos clãs.
- Foi exatamente o que sempre pensei! - exclamou Sheinna.
- Então disseram que gostariam muito de ver nossos respectivos clãs unidos por nosso casamento.
- Quer dizer, nosso casamento?
- Tenho intenção de desposá-la ainda que precise enfrentar o mundo - o duque replicou. - Mas, desde que os clãs demonstrem boa vontade sobre nossa união, tudo fica mais fácil. Poderemos iniciar nossa vida sem esta situação interminável e horrível entre nossos povos.
- Será maravilhoso - Sheinna declarou. - Quero amar seu povo tanto quanto ao meu.
- O que deve fazer - disse o duque com suavidade - É me amar.
- Eu te amo - ela replicou. - Amo mais do que posso exprimir. Mas, por favor, conte-me mais.
- É muito difícil. Só quero beijá-la. Mas precisa saber, e espero que não se aborreça demais, que seu pai dificilmente se recuperará do ferimento de pistola.
- Está assim tão mal?
- Está vivo e os médicos acham que ele viverá talvez um ano ou mais. Porém, seu cérebro ficará afectado.
- Oh, pobre papai! - entristeceu-se Sheinna. - Embora ele sempre tenha sido difícil e, para falar a verdade embora não possa amá-lo, não desejo que ele sofra.
- Acho que não sofrerá - replicou o duque. - Teve uma hemorragia cerebral e o mundo para ele parece indistinto. Faremos que tenha conforto e duas enfermeiras tomarão conta dele.
- Então não preciso me preocupar - declarou Sheinna.
- Pensei em você quando pedi ao médico para organizar tal esquema.
- E Sir Ewen? - ela perguntou.
- Ele teve um derrame ao ser ferido na cabeça - replicou o duque. - Está inconsciente e os médicos acham que morrerá a qualquer momento.
Após uma pausa, ele prosseguiu:
- Embora pareça pouco generoso, acho que ninguém chorará por ele. Está inconsciente e não sente dor.
Sheinna fechou os olhos por um momento. Não haveria mais a menor possibilidade de ser forçada a casar-se com Sir Ewen.
- Vai me desposar - o duque declarou com firmeza.
- Está lendo meus pensamentos...
- Do mesmo modo como pode ler os meus - ele respondeu.
- Oh, Alpin. Não é maravilhoso termos nos encontrado? Ambos queríamos nos casar por amor e é o que faremos.
- Exactamente o que faremos - ele concordou. - Mas esqueceu de me perguntar algo muito importante.
- De que se trata?
- Sobre o tesouro - ele falou. - Voltei ao túnel. Ainda não consigo acreditar mas penso que lá está todo o tesouro que foi roubado do castelo.
- Mas é possível?
- Acho que pode ter sido escondido lá pelos vikings quando descobriram que a população se escondia deles lá - explicou o duque. - Ou, e esta hipótese é mais plausível, alguns membros mais leais de nosso clã perceberam que os vikings estavam pilhando o castelo e lhes prepararam uma emboscada quando retornavam à suas naves. Então os mataram e enterraram ou os deixaram escapar sem o tesouro que haviam roubado de nossa família.
Sheinna prestava atenção, hipnotizada.
O duque prosseguiu:
- Quando os vikings foram embora, nossos homens esconderam o tesouro, provavelmente à noite, no túnel. Seria perigoso contar a quem quer que fosse sobre seu paradeiro. Assim, mantiveram silêncio e o segredo morreu com eles.
Sheinna deu um gritinho.
- Poderia escrever um livro com essa história. Nunca ouvi nada tão excitante. Acha que lá está tudo o que foi levado do castelo?
- Tomei o máximo cuidado para não mexer muito no local - explicou o duque - mas certifiquei-me de que os retratos que considerava perdidos lá estão em segurança.
- Que maravilha! - alegrou-se Sheinna. - Acho que minhas orações me levaram a você e agora poderá restaurar o castelo em todo o seu esplendor.
- Detestarei vender qualquer parte do tesouro - confidenciou o duque - mas é mais importante que o castelo seja restaurado e que as casas de nosso povo sejam reformadas. como bem disse seu pai, também precisamos de mais guardas para proteger nosso rio.
- Talvez não precise vender todo o tesouro pois poderá usar meu dinheiro.
- Seu dinheiro? - surpreendeu-se o duque. - Mas, querida, receio que precisaremos de milhares de libras.
- Minha avó era muito rica - explicou Sheinna.
- Ela deixou-me tudo o que possuía, ao morrer, aborrecendo muito papai. Mas só poderei usar o dinheiro quando completar vinte e seis anos ou quando me casar.
A surpresa do duque era tamanha que não conseguia emitir palavra. Depois perguntou:
- Está me contando que é uma herdeira?
- Não sei se posso competir com Mary-Lee mas acho que vovó deixou-me quase dois milhões de libras. Naturalmente sinto-me feliz que possa gastar o que quiser para tornar nosso lar tão belo quanto deseja e fazer tudo o que desejar no domínio.
O duque levou a mão à cabeça.
- Estou sonhando - falou. - Sei que estou sonhando. Não pode ser verdade. Vamos acordar para descobrir que você precisa desposar Sir Ewen e eu Mary-Lee.
Sheinna riu.
- Este é um horrível pesadelo. A verdade é que acaba de vencer outra batalha embora não tenha percebido.
- Acho que Deus me enviou você especialmente do céu para me ajudar - declarou o duque. - Estive à sua procura toda a minha vida. Quando foi raptada fiquei desesperado. Ao saber que haviam tomado a estrada pela costa fiquei aterrorizado que a levassem embora por mar e então eu jamais voltaria a encontrá-la.
- Mas encontrou-me - Sheinna contradisse. - E eu rezei todo o tempo em que estava com aqueles homens horríveis.
- Senti que chamava por mim. Apavorava-me a idéia de perdê-la. Mas eu a teria procurado por todos os oceanos até encontrá-la.
Por sorte, avistara a carruagem de Sir Ewen perto do esconderijo dos vikings.
- Jamais duvidarei outra vez da importância ou valor da prece. Eu a encontrei, minha querida e nunca mais a perderei, nunca mais!
- Eu preciso lhe dizer que eu o amo de todo o meu coração e que ainda que vivêssemos numa simples casinha de campo seria feliz a seu lado.
O duque a beijou até ficarem sem respiração.
- Preciso conversar com os membros mais antigos de meu clã sobre nosso matrimónio. Pedi a Roy que os chamasse, pois não devem se sentir excluídos dos preparativos.
- É claro. Vou me levantar e estarei à sua espera quando tiver terminado.
- Prometa-me que não vai desaparecer ou que não será raptada outra vez...
Estava brincando, mas Sheinna estremeceu.
- Nunca senti tanto medo em minha vida - ela declarou. - Pensei que nunca mais o veria.
- Mas agora me verá sempre e lamentarei cada minuto em que não estivermos juntos.
Ele a beijou outra vez e foi para a porta.
Quando saiu, Sheinna olhou o relógio. Estava quase na hora do jantar.
Havia ficado tão exausta com a experiência do rapto que adormecera profundamente sem ver as horas passarem.
Chamou as criadas, tocando a campainha.
Depois vestiu um de seus mais belos trajes.
Após todo o rebuliço, talvez jantasse a sós com o duque. Não lhe havia perguntado sobre a reacção de sua mãe ao que acontecera.
Mas a criada, que a ajudava a vestir-se, contou-lhe:
- Não contamos nada a Sua Graça até a hora do almoço, quando ela perguntou a razão da ausência de seu filho.
- Espero que ela não tenha ficado muito apreensiva.
- Ficou muito preocupada até ele retornar. Depois soube pelo Sr. Roy que ele fora ao vilarejo.
Sheinna não fez outras perguntas e desceu para a sala.
Ali não havia ninguém e ela se aproximou da janela para admirar o mar.
O sol estava se pondo atrás das charnecas. A porta abriu-se e o duque entrou. Ela correu para ele e o abraçou.
- Está tudo em ordem?
Ele a beijou. Ainda se abraçavam quando falou:
- Melhor do que poderia esperar. Todos querem ajudar a preparar nosso casamento, que será o evento mais importante ocorrido no castelo nos últimos duzentos anos.
Sheinna riu. E ele a acompanhou.
A cerimónia ocorreu duas semanas depois. Embora não desejasse aborrecer Sheinna o duque acelerou os preparativos.
Receava que o pai dela morresse. Neste caso, precisariam ficar de luto. O conde era cuidado por mãos capazes. As enfermeiras lhe garantiam todo o conforto possível.
Mas ele não percebia o que ocorria no lar ou no clã.
O duque tentou contactar o irmão mais velho de Sheinna, a quem ela não via há anos.
Ele estivera no exterior, tomando parte na guerra da Criméia e agora estava na áfrica. Não poderia retornar a tempo para o casamento.
O duque imaginava que Bruce deixaria o exército e voltaria para assumir a chefia de seu clã.
- Tomei providências para que você seja levada ao altar pelo mais importante dignitário de seu clã e que a conhece desde que nasceu.
- Gosto muito dele - afirmou Sheinna. - Ele foi sempre muito bondoso comigo. Mas como vivia com vovó, não o vejo há anos.
- Ele aguarda com ansiedade a oportunidade de revê-la - garantiu o duque. - como é muito alto e de óptima aparência embora já tenha mais de setenta anos, fará bonita figura em nosso casamento.
A cerimónia ocorreria na igreja da propriedade do conde. os membros dos MacFallin ficaram felizes que o casamento se desenrolasse em solo de sua propriedade.
Mas o café da manhã do matrimónio seria no castelo. os tocadores de gaita de foles de ambos os clãs escoltariam o casal de um lugar para o outro.
Todos os membros estavam decididos a tornar a ocasião o mais festiva possível.
Celebrariam não apenas o casamento, como a união dos clãs.
Naturalmente, a única pessoa em desacordo era a condessa, que não parava de aborrecer a duquesa com suas críticas e queixas. E, também, desencorajando muitos dos MacBaren.
O duque resolveu conversar com o marido da prima, uma pessoa muito sensata e que não apreciava discórdias. Não dava ouvidos às reclamações da esposa. Ao contrário, tentava fazê-la entender que era exagerada e agressiva em relação aos MacFallin.
Quando o duque apelou ao conde de Dunfeld para lhe dar apoio, este, com muita sensibilidade, resolveu levar a família e Mary-Lee numa viagem às Ilhas Orkney, onde a pescaria era excelente e as pessoas da terra hospitaleiras. Gentilmente, também, cedeu sua casa para eventuais convidados ao casamento.
Em verdade, o espaço era pouco para todos os parentes e amigos que acorreram para a celebração. O castelo e a casa de Sheinna foram inteiramente ocupados.
A noiva encomendou o mais belo traje possível em Edimburgo e a duquesa insistiu em emprestar-lhe uma tiara que pertencia à família há muitas gerações.
- O adereço, que usei em meu casamento, tem sido conservado no cofre, pois é muito grande e chamativo e só poderia usá-lo se fosse convidada ao Castelo de Windsor - explicou a futura sogra.
- Tem certeza de que não se importa de eu usá-lo? - inquiriu Sheinna. - Sei que Alpin gostaria que eu o fizesse e o que minha avó me deixou não é tão magnífico nem tão pesado.
A duquesa riu.
- É mesmo pesado - ela reconheceu - mas não precisará ficar com ele na cabeça por tempo demasiado, a não ser que se demore na festa do casamento, o que tenho certeza, Alpin não desejará.
Sheinna riu, pois a duquesa estava brincando, é claro.
Porém, a tiara era mesmo fantástica e Roy a poliu até brilhar como uma estrela no céu.
Com as outras jóias que usaria na cerimónia, Sheinna ficaria reluzente como uma princesa.
No dia do casamento o sol brilhava e ela saltou cedo da cama. Estava em sua própria casa pois havia deixado o castelo na véspera.
- Detesto vê-la partir, ainda que por uma noite - admitira o duque. - Receio que desapareça e então precisarei passar o resto de minha vida à sua procura.
- Não desaparecerei, querido - Sheinna garantiu. - E é correcto que saia de minha casa para a cerimónia.
- Não consigo entender como nossos antepassados passaram tanto tempo alimentando o litígio entre nossos clãs em vez de encerrá-lo.
- É o que estamos fazendo, agora - tranquilizou-o Sheinna.
- Sinto-me tão feliz com a decisão de seu irmão retornar e, sendo ele tão diferente do pai, reinará a harmonia entre nossas famílias.
- É o que ele me assegurou ao escrever. Entretanto, levará ainda algum tempo para ele dar baixa no exército. Enquanto isso, alguns dos mais antigos dignitários se encarregarão do clã.
- Gosto muito deles - contou o duque. - Alegra-me que tenham ficado amigos de meus conselheiros. Se trabalharmos todos juntos não haverá mais problemas. E nós dois, minha querida, planearemos juntos toda a nossa vida futura.
- É maravilhoso e eu te amo muito - declarou Sheinna.
A casa estava repleta de parentes, muitos dos quais haviam discutido com o conde e aceitado o convite para o casamento com muito prazer. Também inúmeros amigos haviam acorrido de Londres.
O mesmo ocorria no castelo. O duque sentiu-se comovido pelo facto de os amigos atravessarem o país para virem à cerimónia. Também estava contente com a ausência da prima.
- Tudo - comentou com a mãe - está saindo exactamente como desejo. E sei que agora reconhece que Sheinna é exatamente a mulher ideal para mim.
- Ela é encantadora - afiançou a duquesa. - E ela o ama, o que me torna muito feliz. Sei que ela o desposaria ainda que você fosse um homem simples e não possuísse este belo castelo.
- É verdade - afirmou o duque. - Eu sentia horror em casar com alguém que não me apreciasse por mim mesmo. Achava que jamais me casaria.
- Isso teria sido desastroso - comentou a duquesa.
No dia do casamento o sol brilhava.
O duque levantou-se cedo, para supervisionar os preparativos. Veado assado ao ar livre seria servido, além de iguarias e bebidas deliciosas.
Uma orquestra especial tocaria músicas românticas, excepto durante os discursos feitos pelo duque e por membros de ambas as famílias.
Quando a noiva saiu da carruagem, à porta da igreja, a multidão a aplaudiu.
Todos admiraram a extraordinária beleza da noiva. Várias damas de honra, com menos de quinze anos, a acompanhavam. Estavam vestidas de branco e eram parentes das duas famílias. Levavam cada uma um belo ramo de rosas e urzes brancas. Dois pajens de sete anos de idade carregavam a cauda do vestido.
Todos os presentes sentiam-se comovidos. Em particular a duquesa, pois sentia-se feliz pelo filho que, afinal, encontrara o verdadeiro amor pelo qual tanto ansiara.
Ao caminhar vagarosamente rumo ao altar, segurando o braço do dignitário que a conhecia desde seu nascimento, ela avistou o duque à sua espera. Ninguém poderia ser mais feliz ou afortunada do que ela.
O serviço religioso foi curto, mas emocionante, devido ao ênfase do pároco. Ao se ajoelharem para as bênçãos os noivos sentiam a protecção divina.
A recepção foi ao ar livre, por sugestão de Sheinna que queria desfrutar das flores do jardim.
As gaitas de foles tocavam quando os noivos, agora duque e duquesa, deixaram o castelo, escapando dos convidados e indo directamente para o iate ancorado no porto, à espera deles.
O duque mandara enfeitá-lo com flores.
Os noivos subiram sorridentes a bordo onde foram recepcionados pelo capitão e pela tripulação.
Quando o iate se afastou pela baía, a música era ouvida ao longe, junto com gritos de alegria e de saudação. Todos desejavam boa sorte aos noivos.
Quando afinal estavam em alto-mar, o duque convidou:
- Vamos descer lá para baixo. Quero beijá-la, minha amada e dizer-lhe o quanto a amo.
Sheinna sorriu-lhe.
- É também meu desejo.
A cabine também estava enfeitada de flores e urzes brancas.
O duque começou a beijá-la apaixonadamente.
- Eu te amo, eu te amo - ele repetia.
Mas precisaram ainda jantar com o capitão e os demais oficiais que beberam à sua saúde. O chef preparara uma refeição especial.
O jantar fora excelente. Precisaram, assim, agradecer ao chef e, naturalmente, abrir os presentes de casamento ofertados pela tripulação. Estava escuro quando desceram para a cabine.
Haviam se afastado bastante rumo ao sul e parado em uma baía tranquila onde ficariam ancorados para a noite. Somente o suave rumor das ondas batendo no casco do navio lembrava que estavam no mar.
Ela estava no leito, seus belos cabelos caídos sobre os ombros quando o duque entrou na cabine.
Ele usava um longo robe escuro.
Por um momento, ele se sentou ao lado da cama e a fitou.
- Esta é a segunda vez, minha querida, que a vejo na cama - ele proferiu. - Cada vez que a olho parece-me mais bela do que antes.
Após uma pausa ele prosseguiu:
- Jamais homem algum teve noiva tão bela.
- Queria ser bela para você - Sheinna afirmou. - E você estava atraente em seu kilt e com todas as decorações que possui.
Os olhos do duque cintilaram.
- Há muito que preciso contar-lhe a meu respeito. E quero conhecer tudo sobre você. Mas primeiro quero contar-lhe como a amo.
Ele tirou o robe, entrou na cama e a atraiu para junto de si.
Sentia a suavidade do corpo dela fundindo-se com o seu e ela estremeceu, consumida pelo amor.
Seus braços a envolveram e ele a apertou cada vez mais.
- Eu a amo. E será perfeito quando ensinar-lhe sobre o amor.
- Se sou ignorante sobre ele meu coração bate e jamais experimentei sentimento tão maravilhoso como agora.
Ela tentava exprimir em palavras o inexprimível.
Então ele começou a beijá-la e continuou até finalmente torná-la sua. Haviam lutado uma estranha batalha para pertencerem um ao outro.
Mas haviam vencido.
Sua felicidade afectaria a dos respectivos clãs e todos seriam beneficiados.
- As palavras são insuficientes para exprimir o que sinto por você.
- Amo-o com todo o meu coração, minha mente e meu corpo.
Ambos tocaram as estrelas no céu.
Haviam recebido as bênçãos de Deus, pois todo o amor vem de Deus, é parte de Deus e sempre será alcançado por aqueles que desejam encontrá-lo.
Ambos sentiam-se transportados para o paraíso.
NOTA DA AUTORA
No fim do século quarto, algum tempo depois de os romanos terem deixado a Grã-Bretanha, as tribos na Escócia se dividiram em quatro ramos.
Em 843, o rei Kenneth MacAlpine, por meio do casamento de seu pai com uma princesa Pictish, uniu escoceses e pitos, formando o reinado de Alba, que se tornou conhecido como Scotia.
As cartas de Burt, escritas por um gentleman do norte da Escócia, em 1745, apresentam a seguinte descrição:
"Os habitantes da região montanhosa da Escócia consideram como a virtude mais sublime seu amor pelo chefe e lhe prestam obediência irrestrita, ainda que em oposição ao governo.
Além desse amor há o sentimento pelo ramo particular do qual nasceram e, em terceiro lugar, pelo clã inteiro, ou seu nome, a quem ajudarão, certo ou errado, contra qualquer outra tribo com a qual estejam em discórdia. Também se sentem obrigados a manifestar boa vontade em relação aos clãs que consideram seus aliados.
O poder dos chefes não é mantido por interesse, pelo facto de serem senhores de terras, mas por consanguinidade, ou seja, por descenderem linearmente de antigos patriarcas familiares, pois mantêm a mesma autoridade ainda que percam suas propriedades.
Por outro lado, o chefe, ainda que contra a lei, é obrigado a proteger seus seguidores. É seu líder nas disputas entre os clãs.
Alguns dos chefes não sentem apenas antipatia pessoal ou inimizade por outros, mas há, também, disputas hereditárias entre clãs, que são passadas de geração para geração."
Os Cartland eram um clã de Lanarkshire em 1200 e, mais tarde, tornou-se um vilarejo e, depois, uma cidade com o mesmo nome.
Até hoje, Cartland Crags é um belo lugar, onde Wallace se escondeu dos ingleses que o perseguiam.
Minha avó era descendente directa de Robert The Bruce, rei da Escócia em 1306, o primeiro rei a ser reconhecido pelos ingleses.
Tenho muito orgulho de ser escocesa.
Barbara Cartland
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