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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O AMOR PELA TERRA / Janet Dailey
O AMOR PELA TERRA / Janet Dailey

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Família Calder

Volume IV

O AMOR PELA TERRA

 

Não é fácil integrar-se Quando tudo parece contra. Mais duro é perceber Que eles nasceram Calder E foram criados como tal.

As planícies de Montana varridas pelo vento estendiam-se monótonas sob o céu congelado. Ao longo de uma cerca que se perdia no horizonte infinito, a neve já antiga formara pequenos depósitos. O vento arrebatador carregara consigo a camada marrom de capim congelado que formava as planícies selvagens, deixando em seu lugar fina camada de solo.

Nesta região inóspita e árida não havia lugar para os que desconhecessem suas regras. Os que conseguissem compreender isto obteriam todas as riquezas do lugar. Mas aqueles que tentassem tomá-las à força pagariam um preço descomunal.

A beleza primitiva daquela terra residia na paisagem desolada. As imensas extensões vazias pareciam infinitas. O inverno chegara cedo e se prolongara nos campos solitários, onde havia mais gado do que pessoas. O gado, nesta imensidão particular de pastagens vazias, carregava a marca Triplo C, que o designava como propriedade da Calder Cattle Company.

Uma caminhonete solitária sacolejava pelos sulcos congelados da estrada da fazenda, somente um dos quinhentos quilómetros de rodovias particulares que interligavam a fazenda Triplo C. Uma nuvem de fumaça, proveniente do motor, ia sendo deixada atrás da caminhonete em rolos brancoacinzentados. Assim como a estrada, o veículo não parecia dirigir-se a parte alguma. Não havia destino à vista, até que a caminhonete alcançou o topo de uma pequena elevação na planície, chegando a um vale escavado de forma enganosa pela natureza, dando ao terreno aparência de nivelamento.

O campo conhecido como sucursal Sul localizava-se nesta ampla concavidade do terreno, um dos seis campos que formavam um círculo afastado em torno do núcleo da fazenda, desmembrando toda aquela amplitude em distritos controláveis. O termo "campo" era uma denominação antiga, quando foram criadas áreas limítrofes, de forma a oferecer abrigos rústicos para os vaqueiros que trabalhavam em locais distantes das instalações centrais da fazenda.

As construções da sucursal Sul resistiam bem às intempéries, eram estruturas feitas por mãos cuidadosas para durar. Stumpy Niles, administrador desta sucursal, habitava a imensa sede de troncos, com a mulher e três filhos. A acomodação construída com toras de madeira, comprida e atarracada, ficava encravada na encosta, não muito distante do local onde se situava o celeiro e o galpão em que as vacas pariam.

A caminhonete parou ao lado das edificações da fazenda. Chase Calder saltou e levantou sem pressa a gola de pele de carneiro do casaco, protegendo-se do vento penetrante. Como ocorrera com seu pai e seu avô, o domínio da fazenda Triplo C estava em suas mãos. Era preciso pulso firme para controlar os indisciplinados, segurança para conduzir os trabalhos e firmeza para trilhar os caminhos difíceis.

Há muito que a autoridade repousava sobre seus ombros, e ele aprendera a carregá-la. Esta terra que levava o nome de sua família deixara marcas, transformando seu rosto em um couro bronzeado, delineando os traços fortes com a dureza da experiência e estreitando os olhos castanhos que precisaram enxergar problemas potenciais ocultos no horizonte longínquo. Chase estava na casa dos trinta, quase chegando aos quarenta, e todos aqueles anos os passara na terra dos Calder. Ela estava entranhada em sua alma, da mesma maneira que sua mulher, Maggie, entranhava-se em seu coração.

A porta de passageiros da caminhonete bateu com estrondo. Chase olhou preguiçosamente o garoto alto e magricela que contornou a caminhonete para juntar-se a ele; entretanto, não havia qualquer descuido na inspeção que se escondia por trás daquele olhar. Aquele menino de dezesseis anos era seu filho. Ty nascera Calder, mas não havia sido criado como tal, o que Chase lamentava mais do que o incidente que o afastara de Maggie, há quase dezesseis anos.

Longos haviam sido aqueles anos, por ele perdidos para sempre. A morte do pai de Maggie atraíra ódio e amargor para todos os que carregavam o nome Calder. Não tentara detê-la quando ela se fora. Não houvera razão para tal - ou assim pensava ele naquela época. Não soubera da existência do filho até a chegada de um garoto de quinze anos que o qualificava como pai. com a mesma intensidade com que amava Maggie, em diversos momentos ressentia-se por não ter sido informado da existência de Ty. Durante os anos de separação, Ty crescera até quase a maioridade, num ambiente ameno no sul da Califórnia.

Um dia toda aquela terra seria de Ty, mas anos preciosos de treinamento haviam sido perdidos. Chase atormentava-se com a ideia de que teria de enfiar em Ty quinze anos de experiência no menor período de tempo possível. O garoto tinha potencial, tinha iniciativa, mas era inexperiente, como um pónei que não conhece bem o cavaleiro sobre seu lombo, ou o que deve fazer com o freio em suas fauces.

com as férias de primavera, Chase aproveitava para mostrar a Ty o outro lado dos trabalhos da fazenda - a grande provação da primavera, as vacas parindo. Os vaqueiros regulares trabalhavam sete dias na semana, até que a última vaca desse cria em todas as sucursais da Triplo C. Como Stumpy Niles estava com falta de mão-de-obra, Chase trouxera Ty para ajudá-lo e, ao mesmo tempo, aprender algo mais sobre o trabalho.

Ty parou a seu lado, arqueando os ombros sob o vento cortante de março que revirava a planície. com um gesto de camaradagem, Chase pôs a mão sobre o ombro do filho, bem protegido pelo pesado casaco de inverno.

- Você conheceu a maior parte dos rapazes daqui quando trabalhou no rodeio do último outono. - Chase contemplava o filho com um traço de orgulho, sem chegar a perceber a forte semelhança conferida pelos olhos e cabelos escuros e pelos traços rudemente delineados. O que via era o brilho de determinação no olhar de Ty e a projeção levemente desafiadora do queixo.

A lembrança do rodeio não era das mais agradáveis para Ty, por isso limitou-se a inclinar a cabeça diante da informação, mantendo silêncio sobre sua opinião a respeito dos rapazes. Eles haviam transformado sua vida num inferno. Os piores cavalos da fazenda couberam a Ty. Quando os rapazes não atiravam os chapéus sob o cavalo que estava montando, saudavam-no com gritos quando ele tinha dificuldades em dominar o animal que pinoteava. Se esquecia de conferir o aperto da sela antes de montar, com certeza um deles já a teria afrouxado. Já lhe haviam contado tantas mentiras sobre os truques para agarrar um boi que Ty achava que, caso lhe houvessem aconselhado a derramar sal na cauda do animal, ele teria sido ingénuo a ponto de acreditar neles.

Já lhe haviam pregado mais peças do que conseguia lembrar. A pior delas havia sido acordar certa manhã e encontrar uma cascavel em seu peito. Ela estivera hibernando, e o frio a deixara demasiado inerte para fazer qualquer coisa, só que Ty não sabia disso. Ele quase arrancara as calças, enquanto os rapazes o rodeavam, rindo a valer.

Era como ser o novato do grupo. É claro que Ty jamais comentara isso com o pai. Este acreditava que a vida na cidade tornava um homem fraco. Acima de tudo, Ty queria provar ao pai que não era fraco, no entanto não sabia por quanto tempo ainda suportaria aqueles trotes intermináveis. Alguns dos veteranos, Nate Moore por exemplo, lhe disseram que todos os novatos passavam por aquilo, mas a Ty parecia que estavam exagerando.

A mão em seu ombro crispou-se quando o pai falou novamente:

- Stampy provavelmente está no galpão das vacas. Vamos procurá-lo e instalar você.

- Está bem. - Agitado, Ty ergueu com relutância o olhar para o galpão, onde havia uma certa atividade.

Uma garota de rabo-de-cavalo, com uns dez anos de idade, esgueirou-se por entre as traves da cerca e caminhou em direção a eles. Um pesado casaco de inverno, com retalhos e abotoado desigualmente, dava uma certa imponência ao corpo magro, assim como osjeans enfiados dentro de um par de botas gastas e remendadas. Um cachecol de lã estabilizava o chapéu de cowboy sobre a cabeça, os cabelos cor de mel forçando-o para diante.

- Oi, sr. Calder - saudou a Chase com o devido respeito, o respeito de uma jovem diante de alguém mais velho, sem qualquer tipo de subserviência.

- Olá, Jessy. - Um sorriso leve suavizou a tensão em torno dos lábios quando Chase reconheceu a filha mais velha de Stumpy.

Desde pequena, Jessy Niles foi uma garota levada. Stumpy dizia que quando ela ainda estava na primeira dentição eles a deixavam mastigar um pedaço de couro cru do freio. Ela brincava com cordas e rédeas, enquanto outras garotas se entretinham com bonecas. Preferia andar atrás do pai a ajudar a mãe na cozinha ou tomar conta dos dois irmãos mais novos.

Ela não possuía a graça de uma garotinha. Assemelhava-se a um potro desengonçado, toda pernas e braços, além de tudo magricela. Não era feia, mas seus traços fisionómicos eram bem acentuados - as maçãs do rosto salientes e a mandíbula marcada. De tez clara, o cabelo era de um tom castanho, desbotado, e os olhos cor de avelã comuns, exceto pelo fulgor de inteligência, sempre direta e algumas vezes penetrante.

- Vi vocês chegando - anunciou, enquanto se voltava para olhar Ty inquisitivamente. - Disse a meu pai que estavam aqui, portanto ele já deve estar vindo.

Ty começara a irritar-se sob o olhar insistente da garota. Apesar de habituado a ser comparado a seu pai pelos adultos era irritante aquela criança olhando-o de cima a baixo. Cerrou os dentes. Estava farto de ter de afirmar-se diante de cada pessoa que conhecia.

- Você não conhece a filha de Stumpy, não é? - perguntou Chase, procedendo às apresentações. - Esta é Jessy Niles. Meu filho, Ty.

Ela estendeu uma mão enluvada para Ty, que a apertou de má vontade.

- Já ouvi falar de você - afirmou ela e Ty ficou imaginando com amargura o que ela queria dizer com aquilo. Não tinha cabimento pensar em uma garota de rabo-de-cavalo rindo das besteiras que fizera. - Temos vários novilhos que vão dar cria pela primeira vez este ano, e com certeza toda ajuda será bem-vinda. - Jessy falava como se fosse a encarregada.

- Você conhece algo sobre o parto de novilhos?

Tanto o pai quanto a garota pareciam esperar uma resposta. Ty achou melhor não fingir um conhecimento que não possuía.

- Não, mas já ajudei bastante no de potros - respondeu ele, sucinto. A jovem não se mostrou impressionada.

- Não é exatamente a mesma coisa. As contrações de uma égua são mais fortes do que as de uma vaca... quer dizer, o parto não é tão demorado. - A informação foi dada naturalmente, como se fosse de conhecimento geral.

- Como vão indo as coisas? - inquiriu Chase.

- Até agora só perdemos uma cria - disse ela, com um menear de ombros parecendo indicar que era cedo demais para prognósticos. Então, seus olhos iluminaram-se com um lampejo de ironia. - Três dos rapazes já avisaram a papai que vão embora para o Sul no fim do mês. Um a mais do que no ano passado.

Chase soltou uma risadinha, consciente de que mais vaqueiros 10

ameaçavam desistir no período de parto das vacas do que em qualquer outra época, apesar de poucos realmente o fazerem. Desviou o olhar da garota para Stumpy, que vinha do galpão de parto, os passos ecoando no solo congelado.

- Lá vem papai - fez Jessy, virando a cabeça.

Stumpy Niles era um homem atarracado, necessitando de saltos de quase dez centímetros para chegar a uma altura de 1,70m. Mas o que lhe faltava em tamanho, sobrava em habilidade e perseverança. Estava sempre pronto a rir, sem deixar de levar o trabalho e as responsabilidades a sério. Assim como Chase, Stumpy nascera e fora criado na fazenda; seu avô trabalhara com o avô de Chase, e a tradição se mantivera nas gerações seguintes. Diversas famílias na fazenda nunca haviam visitado umas às outras. As pessoas não se aposentavam quando ficavam mais velhas, simplesmente eram designadas para trabalhos mais leves.

Aos dez anos, Jessy Niles já batia no ombro do pai. Ela era magra e de pernas compridas, enquanto ele era baixo e atarracado. Os cabelos de Stumpy eram escuros, quase negros, assim como os olhos. Aparentava uma grande energia represada logo abaixo da superfície, ao contrário da filha, calma e contida.

Após a troca de cumprimentos, Stumpy adiantou-se:

- Certamente teremos necessidade de ajuda. Não poderiam escolher época melhor para soltar os rapazes para as férias de primavera.

- Quase todos os filhos de Triplo C estão sendo postos para trabalhar nos galpões de parto - observou Chase. - Não há motivo para Ty ser uma exceção. Basta dizer onde ele será necessário e o que deseja que faça.

Stumpy olhou para Ty.

- Você pode levar suas coisas para o alojamento e descansar um pouco, se quiser. O trabalho nos galpões é em dois turnos. Você ficará no turno da noite, portanto vai começar a trabalhar às cinco e irá até às seis da manhã.

Conversa fiada, pensou Ty, mas guardou o rancor para si. Os trabalhos mais desagradáveis e os piores horários eram sempre destinados a ele. O pai o avisara de que seria assim até que provasse seu valor, mas Ty jamais imaginara que o teste duraria tanto tempo. Tinha de suportar a zombaria e os trotes sem reclamação, porém a frustração se avolumava dentro dele, e a pressão externa só aumentava a tensão. Mais que tudo no mundo, queria que o pai se orgulhasse dele, só que este dia parecia cada vez mais distante.

- Eu o levarei ao alojamento, pai - ofereceu-se Jessy. - E mostrarei tudo a ele.

- Faça isso - sorriu o pai em assentimento.

- Onde está o seu equipamento? - Jessy virou-se para Ty, lançando-lhe outro daqueles olhares avaliadores. Embora não o demonstrasse, gostara daquele garoto de rosto forte e músculos delgados, mesmo quando confundia uma Honda com algum tipo de motoneta, o que era uma vergonha, sendo ele um Calder.

- Está na parte de trás da caminhonete. - com o frio, ele parecia falar por entre os dentes, ou assim pensou Jessy, sem perceber a irritação que endurecia a mandíbula do rapaz. - vou pegá-lo.

Depois de puxar a mochila de campanha e o pesado saco de dormir do interior da pick-up, Jessy dirigiu-se ao alojamento de troncos, olhando por sobre os ombros para ver se Ty a seguia.

- Estarei de volta no domingo à tarde para buscá-lo, Ty - disse Chase ao filho, que assentiu tocando a aba do chapéu Stetson. Ficou observando os dois caminharem em direção ao alojamento, mas suas palavras foram para Stumpy: - Muitos acham que os vaqueiros deixam as vacas parirem sozinhas, à mercê da natureza, dos predadores e das complicações durante o nascimento.

Era uma maneira indireta de mostrar que Ty pensava assim até que Chase lhe desvendasse a realidade. Há cem anos se fazia assim, mas não atualmente.

- Uma vaca e sua cria são demasiado valiosas para serem deixadas nas mãos da natureza. Oito entre cada dez vezes, uma vaca não tem qualquer problema, mas nas duas vezes que sobram, é preciso um cara habilidoso para ajudá-la - declarou Stumpy, soltando uma risada, a respiração fluindo em ondas de vapor. - Puxa, a maior parte dos caras da cidade pensam que tudo que um vaqueiro ou um fazendeiro fazem é colocar a vaca perto do touro, deixá-la emprenhar, recolher os bezerros na primavera, marcá-los a ferro quente e levá-los à feira no outono. Eles não sabem mais nada sobre a castração, retirada dos chifres, vacinação, medicação... sem falar nos desgostos que elas trazem.

- É, nós temos uma vida fácil e não sabemos, Stumpy. - A boca torceu-se em um sorriso, enquanto o fazendeiro continuava a apreciar os dois jovens que se aproximavam do alojamento. - Isto é que é garota. Ela não se parece com a mãe?

Não chegava a ser uma pergunta, já que Chase conhecia Judy Niles há quase tanto tempo quanto Stumpy. Ela era uma mulher fantástica, cabelos cor de areia, uns cinco centímetros mais alta que o marido e atraente, em seu estilo comum.

- Você devia vê-la nos galpões, puxando bezerros em temperaturas abaixo de zero. - Stumpy assobiou de orgulho. - Os dois rapazes, Ben e Mike, ficam mais tempo saracoteando em volta do que realmente ajudando. Mas Jessy faz as coisas nas horas certas sem que lhe peçam. Se ela quer, não sou eu que vou impedi-la. É uma pena que não seja um homem. Ela teria tudo para ser um dos melhores.

- Ela vai deixar de ser moleca quando descobrir os rapazes - piscou Chase, com malícia.

- Provavelmente - concordou Stumpy, demonstrando certo ceticismo quanto à chegada deste dia. - Sei que a mãe preferiria que ela ajudasse mais em casa. Por falar em mães... - Fez uma pausa, fitando Chase com interesse. - Como vai Maggie?

- O médico disse que ela está bem. Nada que possa preocupar. 12

Um brilho diferente pareceu irradiar-se da profundeza de seus olhos castanhos, um orgulho interior indisfarçável.

- Está chegando a hora, não? - perguntou Stumpy, franzindo ligeiramente as sobrancelhas no esforço para lembrar.

- Dia 1º de maio. Ela tem pouco mais de dois meses até a chegada do bebé. - Contudo, ele não estava tão calmo sobre o futuro acontecimento como queria apresentar. - O senador está para chegar de avião junto com algumas pessoas que deseja me apresentar. É melhor eu voltar à sede da fazenda.

Enquanto seguia a garota porta adentro, Ty pôde ouvir a caminhonete sendo ligada. Olhando por cima do ombro, viu apick-up manobrar e tomar a estrada que levava à saída do campo. Sabia que mais uma vez estava sozinho. Uma tensão desconfiada retesou seus nervos até um grau acentuado de alerta, ao fechar a porta e virar-se para enfrentar a sala.

Encontrava-se no interior de uma saleta ordinária. A um canto, uma mesa e várias cadeiras. Um sofá e um par de poltronas ocupavam a outra extremidade do recinto. Toda a mobília evidenciava as marcas da diferença dos vaqueiros. Um barril transformado em aquecedor dividia o compartimento ao meio, as laterais incandescentes de um tom quase vermelho-cereja em luta ininterrupta para impedir que o frio exterior invadisse o alojamento. Junto à parede do fundo, uma cadeira quebrada servia como graveto para o forno a lenha. Nas paredes estavam penduradas inúmeras caricaturas, fotos do Oeste e de garotas curvilíneas, numa decoração bastante heterogénea.

- O banheiro fica atrás daquela porta. - Jessy apontou para a direita, dirigindo-se ao barril para aquecer as mãos. - As camas ficam ali.

- Indicou o lado oposto com um movimento de cabeça. - Você pode pegar uma das que estiverem vazias.

Ty sopesou a mochila, trocando-a de mão, e em seguida rumou para a porta aberta à sua esquerda. O dormitório do alojamento era precariamente dividido em quartos pequenos, mobiliados com camas de ferro comuns, o saco de dormir de vaqueiro servindo de colchão e cobertor. As primeiras camas, as mais próximas do salão comunitário, e portanto do aquecimento proveniente do forno a lenha, estavam todas ocupadas, tanto por formas que dormiam quanto por pertences. Ty parou ao lado da primeira cama vazia que encontrou, colocando a sacola e o saco de dormir sobre a armação de arame. Os pregos colocados na parede serviam para pendurar o chapéu, o casaco e uma ou outra peça de roupa.

- Encontrou alguma? - O tom de voz interpelativo da garota esperava resposta.

- Encontrei. - Virando de costas para a porta, começou a tirar a jaqueta pesada. As roupas térmicas de baixo e a camisa de lã eram mais do que suficientes com o aquecimento relativo do alojamento.

Os passos da garota soaram até o limiar da porta.

- Se não quiser deitar-se agora, tem café no fogão.

- Não, obrigado. - Continuou de chapéu, mas pendurou o casaco, virando-se para desamarrar o saco de dormir e estendê-lo sobre a cama. Pelo canto dos olhos, percebeu Jessy apoiada ao umbral da porta, o casaco desabotoado e o cachecol frouxo em torno do pescoço. Gostaria que ela parasse de observá-lo com aqueles olhos inquisitivos. Aquilo o incomodava. Percebeu a xícara de café fumegante nas mãos sem luva da garota. Viu-a levá-la à boca, soprando para o café esfriar, e sorver em pequenos goles. Ele ainda não conseguia aguentar aquele café forte que todos na fazenda tomavam com regularidade, a não ser quando misturado com leite.

- Você não devia beber esta droga. - Puxou o cadarço que amarrava o saco de dormir, desdobrando o forro que servia de colchão, junto com os lençóis, e o acolchoado colocado no interior. - Isso vai impedir o seu desenvolvimento.

- Bebo café desde os seis anos. - A voz alteou-se, ligeiramente zombeteira. - Detestaria ficar pensando como eu seria alta agora, se não tivesse tomado tanto café. - Fez uma pausa, acrescentando, por via das dúvidas: - E o café não enrolou meu cabelo nem o fez crescer no peito.

Após estender o acolchoado e as cobertas, Ty colocou a mochila com as roupas e os apetrechos de barba na cabeceira da cama, servindo de travesseiro. Percebendo que a garota parecia não ter intenção de ir embora, ele estirou-se na cama e colocou o chapéu sobre o rosto.

- vou descansar um pouco - disse Ty, para o caso de ela não ter compreendido a mensagem. O chapéu abafou a voz ligeiramente.

- Vejo você à noite - replicou Jessy Niles, sem notar qualquer rudeza no comportamento do rapaz. Cruzando a porta, dirigiu-se despreocupadamente para a sala comunitária.

Quando o ruído de passos desapareceu, Ty retirou o chapéu do rosto. Colocou as mãos na nuca e ficou olhando para o teto. Sentia um frio interior que era quase doloroso. Não tinha a quem recorrer, ninguém com quem pudesse falar sobre suas frustrações. Estava muito grande para ir chorando procurar a mamãe, e como ansiava desesperadamente obter o respeito do pai, não podia importuná-lo com seus problemas. Queria resolvê-los sozinho, mas até então ninguém lhe dera uma oportunidade. Havia muito que aprender. Quando sentia estar começando a adquirir alguns rudimentos, aparecia alguma coisa nova que lhe era atirada; e sempre os trotes e as gozações por sua desinformação, até que ele acabava por se sentir um idiota.

A viagem de volta à casa-grande, nome dado à casa ocupada pelos proprietários da Triplo C, levou quase duas horas. O aeroplano luzidio com seus dois motores, estacionado junto à pista de pouso particular, próxima à sede da fazenda, avisou Chase da chegada do senador Bulfert durante sua ausência.

Após estacionar a caminhonete diante da casa imponente de dois andares, Chase subiu os degraus da ampla varanda que ocupava toda a extensão do lado sul, atravessando as portas duplas de madeira maciça. O casarão fora construído décadas atrás com cuidado artesanal, possuindo a rara qualidade do estilo. Dali a duzentos anos ainda continuaria lá e, caso Chase seguisse este caminho, um Calder ainda o habitaria.

Ao passar para o vestíbulo, Chase ouviu vozes provenientes do gabinete à sua esquerda. DrougTrumbo, um dos empregados da fazenda, carregava as bagagens escadaria acima, levando-as para o quarto de hóspedes.

Mudando de direção, Chase dirigiu-se às portas abertas do gabinete, onde certamente os convidados estariam reunidos. Ao entrar, buscou Maggie com o olhar. Ela estava sentada em uma cadeira próxima à janela, os cabelos negros reluzindo à luz do sol, um braço descansando sobre o ventre protuberante. Vê-la sempre produzia uma reação imediata em Chase, evocando, ao mesmo tempo, sentimentos profundamente ternos.

O sorriso de Maggie saudou-o, enquanto ele se dirigia até sua cadeira, tirando as luvas e colocando-as nos bolsos do casaco. Mesmo com a atenção desviada para os convidados, tentava envolver a mão delicada da esposa com a sua.

- Desculpem por não estar aqui quando chegaram - redimiu-se Chase, correndo os olhos pelos quatro convidados. Já conhecia o senador de rosto corado e seu ajudante, Wes Govern.

- Não importa. O tempo estava melhor do que esperávamos. Tivemos ventos favoráveis - replicou o senador, a fala rápida. A idade começava a afrouxar suas bochechas arredondadas, criando bolsas sob os olhos.

- Chegamos há poucos minutos. Wes ainda nem teve tempo para uma rodada de drinques. - Virando a cabeça ligeiramente, o senador lançou um olhar significativo ao assistente. - Chase gosta de beber, Wes.

- Eu me lembro - assentiu o homem, pousando outro copo na bandeja.

- Como vão as coisas? Bem, espero - fez o senador e, sem dar a Chase oportunidade de responder, prosseguiu: - Não precisa de minha ajuda para a compra de mais terras? - inquiriu, com uma piscadela de cumplicidade.

- Não. - Os olhos de Chase congelaram-se à menção do arrendamento de três mil hectares de terra pelo governo, arranjado por Bulfert há alguns anos. A última parcela das terras arrendadas anteriormente passaram para o nome dos Calder. Ele agora era o dono de toda a área que constituía a fazenda Triplo C.

- Chase, quero que conheça Eddy Joe Dyson. - O político passou o braço ao redor dos ombros de um homem de compleição franzina, gesticulação e linguagem corporal sugerindo a Chase estarem ambos envolvidos numa mesma causa, fosse ela qual fosse. - Estava ansioso para reuni-los. E.J., este é Chase Calder.

Chase afastou-se de Maggie para cumprimentar um homem mais velho, vestido com um terno caro azul-marinho listrado adaptado ao estilo do Oeste, a parte dianteira em pala e as calças para dentro das botas. Calculou a idade dele em torno de 45 anos. As mãos eram lisas, sem calosidades, e a pele não tinha aquela textura coriácea dos vaqueiros, a despeito do chapéu de feltro Stetson de cor branca.

- Bem-vindo ao Triplo C, sr. Dyson. - As roupas em estilo do Oeste não passavam de uma fachada; mesmo assim, Chase não detectou superficialidade no olhar inquisitivo oferecido em resposta a sua inspeção silenciosa. No máximo, um ar matreiro.

- O prazer é meu - retrucou ele, falando com lentidão. - Meus amigos me chamam E. J. Gostaria que você e sua mulher fizessem o mesmo.

- Voltando-se um pouco, chamou o segundo homem: - Este é meu sócio, George Stricklin.

Dez anos mais jovem, alto, louro, o segundo homem usava óculos de aro de ouro, os quais retirou e colocou dentro do bolso da jaqueta. Apesar do porte atlético, parecia astuto e silencioso. Os dedos eram longos e finos, e Stricklin limitou-se a assentir ao cumprimento de Chase.

Dyson retomou a palavra. Dirigindo-se a Maggie, inclinou-se num gesto de cortesia.

- Confesso que pensava que as mulheres do Texas não combinavam com beleza, mas tive que reformular minha opinião quando conheci sua adorável esposa.

- Acho que sou muito mais parcial - murmurou Chase, fitando os olhos verdes cheios de vida de Maggie. Agora que a indisposição matinal da gravidez passara, ela estava radiante. Ele ouvira dizer que as mulheres ficavam mais belas quando estavam grávidas e não acreditara. Naquele instante, inclinava-se a pensar que a beleza poderia estar nos olhos do observador, pois Maggie nunca lhe parecera tão bonita.

- Você é do Texas? - Maggie desviou o assunto com habilidade, dirigindo a conversa para longe dos comentários lisonjeiros a seu respeito. Não importa quão feliz e atraente se sentisse, persistia sempre um sentimento de timidez e falta de jeito revividos por cumprimentos insistentes.

- Sou. - A voz arrastada e anasalada era ao mesmo tempo suave e charmosa. - Este par de chifres sobre a lareira realmente me faz sentir em casa - atalhou, indicando o par de longhorns na ampla lareira de pedra que dominava a sala com toda a sua extensão e o fogo alegre de achas.

- Eles são de um boi texano. Podemos dizer que esta fazenda foi construída com longhorns texanos - admitiu Chase, aceitando o copo de uísque com gelo que lhe oferecia o ajudante do senador.

- Lembro-me de seu pai dizendo que sua família veio de uma região de Fort Worth. - O senador pegou um charuto grosso no bolso, olhando inquisitivamente para Maggie, a qual assentiu em silêncio, dando-lhe permissão para acendê-lo.

- Fort Worth é o lar de E. J. - Vasculhou os bolsos à procura do isqueiro, mas o assistente já providenciara um. - E. J. é uma espécie de empreendedor, não é mesmo?

A relação de Dyson com seu sócio nunca parecera muito comum aos olhos do senador. Certa vez descrevera Stricklin como o cérebro da companhia e Dyson como a energia. Cada ato, cada movimento do silencioso Stricklin eram deliberadamente medidos com antecedência por aquele cérebro de computador. A lógica e a razão ditavam suas decisões. Dyson, por outro lado, agia por instinto e tinha nervos de aço para jogar com as possibilidades. Era uma mistura curiosa, um contrabalançando o outro, com Dyson evidentemente no papel de cabeça da parceria.

- De fato, tenho diversos interesses profissionais - admitiu Dyson, encarando Chase como se este fosse a fonte do homem ao seu lado.

- Se está pensando em aventurar-se no negócio de gado, saiba que significa muito investimento em bens não depreciativos - avisou Chase, secamente.

Houve uma rápida troca de olhares entre o político e o texano.

- Posso dizer que estou mais interessado no que há debaixo da terra do que na superfície. Por isso pedi ao senador para apresentar-me a você. Estou dando os primeiros passos na exploração de petróleo e gás natural.

Diante desta afirmação, Chase elevou uma das sobrancelhas, denotando leve curiosidade. Colocou sem pressa os óculos sobre a mesa ao lado da cadeira de Maggie e tirou o casaco. As achas de lenha crepitavam na lareira, preenchendo o curto silêncio.

- Acho que você está no lado errado de Montana - disse por fim. - Deve ir para os Badlands ou para o território de Powder River.

- Companhias perfuradoras já estão trabalhando nestas áreas - discordou E.J. - Ora, não quero tentar bancar o esperto, mas já tentei contratá-los. Gosto de jogar com meu capital, encontrar novos campos de aplicação, sem ter de entrar em conflito com as grandes empresas.

- Devo concluir que você veio aqui porque pensa poder encontrar petróleo na Triplo C. - Chase estava um pouco atordoado com a ideia.

- Se você sabe algo sobre Powder River e as Badlands, então deve saber que fizemos alguns achados próximos à base das Rochosas. Não muito longe do extremo oeste de suas fronteiras - reavivou a memória de Chase em tom calmo e com conhecimento de causa. - Poderia ter trazido o geólogo comigo, para que lhe dissesse tudo sobre as camadas da rocha, e como é promissor este lado da terra. Para você não faria muita diferença, nem para mim, pois não sei discernir uma da outra. Ora, Stricklin já fez todos os cálculos e afirma haver mais do que uma simples possibilidade de encontrarmos petróleo. Portanto, aqui estou para ver se consigo adquirir os direitos.

Nenhuma mudança de expressão operou-se no semblante de Chase, incapaz de demonstrar seus sentimentos mais íntimos. Olhou para Maggie e sorveu um gole da bebida. Quando voltou o olhar para o empreendedor, ele era todo avaliação.

- Sem dúvida, o tema está aberto à discussão. - Ouviria E. J., mas não tomaria decisões precipitadas.

Maggie despertou do sono leve ao ouvir o ruído de alguém movendo-se na escuridão do quarto. Apoiando-se em um cotovelo, procurou o interruptor do abajur de cabeceira.

- É você, Chase? - A luz acesa revelou o marido sentado em uma poltrona, tirando as botas.

- Não queria acordá-la. - Ele colocou as botas no chão e começou a desabotoar a camisa. O cansaço conferia a seus traços masculinos habitualmente austeros uma aparência de fadiga e abatimento. O olhar carinhoso com que envolveu a mulher não disfarçava um ar de preocupação.

- Você estava conversando até agora? - Os ponteiros do relógio aproximavam-se da meia-noite. Maggie recolhera-se bem mais cedo, necessitando de repouso em razão de seu estado.

- Estava.

Ela percebeu um tom de irritação na resposta entre dentes. Embora Chase não a excluísse dos assuntos de trabalho, ainda tinha aquela tendência própria do Oeste de nunca pedir conselho a uma mulher.

- E aí? - Em sua voz sentia-se o desafio rude, incitando-o a contar o que estava pensando, pois era impossível adivinhar o que ele sentia por trás daquela máscara. - O que achou da proposta de Dyson?

A boca do marido contorceu-se em um sorriso duro.

- Só poderei dizer com certeza quando souber mais sobre o homem. A opinião do senador é suspeita, ele deve ganhar algo com a transação. Fez uma pausa, consciente de não ter dito realmente nada à mulher. Quanto a arrendar uma parte da fazenda para perfuração, estou pronto a aceitar. O tempo dos fazendeiros que não queriam a presença de sondas perfuradoras em suas propriedades já passou.

- Então você decidiu deixar a decisão para depois. - Cansada de apoiar o peso do corpo em um só braço, ajeitou dois travesseiros sob a cabeça e reclinou-se.

- Não há razão para pressa. Caso haja gás ou petróleo debaixo daquelas pastagens, ele continuará lá daqui a dois meses... ou dois anos. Levantando-se, Chase começou a esvaziar os bolsos das calças. Ao colocar o conteúdo sobre a mesa, percebeu uma pequena pilha de cartas. - O que é isso?

- Um relatório do psiquiatra sobre o caso de meu irmão e também um bilhete de Culley. - Apesar de estar sorrindo, em seus olhos acendeu-se um brilho de preocupação.

Ela sabia que a instituição para doentes mentais era o lugar mais adequado para o irmão, mas Culley era o único da família que lhe restava.

- O médico disse que houve melhora. Talvez ele possa receber visitas logo.

- Não até que o bebé tenha nascido, Maggie. - O olhar endureceu-se. - Não me importa se o médico disser que você pode vê-lo amanhã.

- vou esperar. - Mas não porque ele ordenara. - O médico acha desaconselhável para ele, neste estágio do tratamento, saber que vou ter um filho seu. E não dá para esconder isto com facilidade. - Tentou fazer pilhéria, contudo a mão pousada sobre a barriga era mais protetora do que uma simples forma de chamar a atenção para o seu estado. Fora a doença de Culley, um ódio sem motivo a tudo que se relacionasse a um Calder, que o levara àquele ponto.

Chase pegou o envelope, leu o endereço da instituição, mas não tocou na carta.

- Q que Culley disse no bilhete?

Estava preocupado com a fazenda e como o gado suportara o inverno. O irmão acreditava que Maggie estava administrando a pequena fazenda da família O'Rourke, a qual se limitava ao norte com a fazenda Triplo C. Não fora julgado aconselhável informá-lo de que a propriedade estava sendo administrada por cavaleiros da Triplo C.

com um murmúrio de assentimento, Chase recolocou o envelope sobre a mesa e terminou de despir-se. Deslizou nu para debaixo das cobertas, enquanto Maggie afastava-se um pouco para que ele pudesse usar metade dos travesseiros. Mas não era isso que Chase queria. Envolveu-a com um braço, trazendo-a para junto de si. O calor do corpo do marido inundou-a por completo, fazendo-a sentir-se aquecida e aconchegada.

- Como está se sentindo? - Aproximou o rosto do dela, aninhando-se entre os cachos negros sedosos que caíam sobre as têmporas da esposa.

- Grávida. - Maggie virou a cabeça no travesseiro para olhá-lo, os cantos dos lábios curvados num meio-sorriso.

A mão do marido deslizava familiarmente sobre o ventre dilatado, levemente protegido pela camisola de seda cor de marfim. Os olhos de Chase reluziram de prazer ao sentir um ligeiro movimento.

- Nosso filho vai ter uma personalidade forte. O semblante de Maggie tornou-se sério.

- Se for menina, gostaria de chamá-la Cathleen, como minha tia.

- Cathleen Calder - pronunciou alto, dando em seguida seu consentimento. - Gosto do nome.

- Que bom - suspirou Maggie, contente, um sorriso entreabrindo seus lábios.

- Pobre Ty, pegou o turno da noite nos galpões de parto de novilhos - murmurou Chase, observando os seios fartos da mulher, após desamarrar o corpete da camisola.

- Deve estar congelado lá fora. - Conteve um tremor, aconchegando-se mais junto à quentura do corpo longo e musculoso a seu lado.

- Eu te amo, Maggie - murmurou, soltando um leve gemido, e inclinou-se sobre ela para cobrir, ansioso, os lábios da mulher com um beijo exigente.

O uivo solitário de um coiote ecoou no ar frio da meia-noite. De lado de fora dos galpões de parto de novilhos, o céu era uma massa de frágeis estrelas de gelo que pareciam tocar as planícies congeladas de Montana. O vento polar errava por entre as casas amontoadas em uma concavidade da terra, onde as temperaturas eram ainda mais baixas.

Entorpecido pelo frio intenso, Ty aconchegou-se mais dentro do casaco, enterrando as bochechas e a boca na gola de pele de carneiro, tentando aquecer o ar que respirava. As pernas estavam quase completamente insensíveis, dificultando o andar, mas ele precisava continuar se movimentando para manter o fluxo circulatório. O nariz escorria, devido ao frio. Fungava o tempo todo, tentando desobstruir as narinas, respirando pela boca. com os braços cruzados, as mãos buscavam proteção extra sob as axilas.

As lâmpadas sem cúpula, estendendo-se em todo o galpão, estavam cobertas de poeira, toldando a iluminação. A palha farfalhava sob os cascos dos animais inquietos. O mugido ocasional das vacas confinadas misturava-se ao praguejar abafado de algum vaqueiro.

Ty olhou novamente para o animal em trabalho de parto. Stumpy Niles deixara-o vigiando enquanto ia ajudar outro vaqueiro, cuja vaca estava rejeitando seu novilho recém-nascido. Quando Ty ficava encarregado do turno do começo da noite, Stumpy deixava-o sob sua responsabilidade, permanecendo a seu lado durante cada parto, dando-lhe instruções e conselhos. Todos os nascimentos haviam sido bem-sucedidos, e as vacas não necessitaram de grande assistência por parte de Ty.

Não houvera muita gozação em razão da presença de Stumpy. Quando o grupo da noite veio substituir o do dia, dois dos vaqueiros que Ty conhecera durante o rodeio do outono o importunaram bastante, perguntandolhe se sabia por qual orifício o novilho saía, e alertando-o para não mexer no lugar errado. Ty fizera o possível para ignorá-los.

O rapaz deu uma olhada na direção do galpão, mas não havia nem sinal de Stumpy; voltou a atenção para a vaca. O trabalho já ia bem adiantado: o animal estava com bastante dilatação, mas ainda não acontecera nada. Os olhos castanhos rolavam nas órbitas brancas e Ty começou a ter a sensação desconfortável de que algo estava errado.

Alternando o peso do corpo de um pé para o outro, tentou aquecer-se um pouco. Parecia que suas orelhas iam despregar-se, apesar do cachecol de lã tricotado à mão que as cobria. Nunca sentira tanto frio, pensou, enquanto se aproximava da vaca, agachando-se ao lado da cauda do animal.

- O que é que está segurando seu bebé, mamãezinha? - As palavras de preocupação foram murmuradas rigidamente, os músculos faciais demasiado endurecidos pelo frio para que a boca do garoto pronunciasse as palavras adequadamente.

- Ela está com problemas?

Ty levantou o olhar e viu as bochechas vermelhas de Jessy Niles, enfiada em roupas grossas que a faziam gingar. Sem esperar resposta, parou ao lado de Ty, abaixando-se para ter uma visão melhor da situação.

No começo da noite, ela percebera a presença de Ty no galpão, mas depois não o vira mais. A ele não agradava a ideia de uma garota de dez anos olhando por sobre seus ombros, especialmente quando não sabia bem o que estava fazendo.

- O que está fazendo aqui? Já está na hora de dormir, não? - murmurou.

- Não consegui dormir, por isso levantei. - Mal se percebia o menear de ombros sob a jaqueta pesada que ela vestia. - O bezerro já deve estar saindo.

Fora o que Ty pensara alguns minutos atrás, só que até o momento não havia sinal do bezerro. A vaca estava tendo alguma dificuldade. Sentiu calafrios com um princípio de suor nervoso. Então, viu alguma coisa, perpassando-o um tremor de alívio.

- Lá vem ele - anunciou o garoto, quando uma contração expeliu outra parte da forma escura envolta em uma bolsa.

Uma fração de segundo depois, suas esperanças desvaneceram-se com uma contração na boca do estômago. Ao invés de um par de cascos em miniatura, o que emergiu foi a cabeça branca do novilho. O rapaz contraiu os punhos.

- Acho melhor chamar seu pai - disse ele. - Diga-lhe para vir correndo. A cabeça do novilho está saindo primeiro.

No mesmo instante, Jessy Niles disparou à procura do pai. Ty passou minutos de agonia aguardando o auxílio, consciente de que a abertura não era larga o suficiente para permitir a passagem da região dianteira do novilho. Pela ordem natural do parto, primeiro deviam sair as partes dianteiras e depois a cabeça do feto.

Virou-se ansioso ao ver Jessy chegando, ofegante. A garota parou a seu lado, balançando a cabeça negativamente enquanto tentava reunir forças para falar. Caiu de joelhos no chão de palha.

- Ele não pode vir - disse ela, ofegante. Uma ferroada de pânico atravessou o rapaz. - Ele disse... que você vai ter que se virar sozinho.

- Eu? - Ty olhou para a vaca, sentindo-se desamparado.

Em um segundo, Jessy percebeu que ele não sabia o que fazer. Instantaneamente a garota tomou conta da situação. Haviam-lhe dito que vira o primeiro animal nascer aos quatro anos. Desde então, passou grande parte da temporada de partos nos galpões. Observou quase todas as situações de parto imagináveis e recentemente tomara parte em um deles.

- Primeiro você empurra, entre as contrações, a cabeça de volta pelo canal por onde elas saem. É melhor apressar-se e tirar o casaco e as luvas - alertou-o.

Ty hesitou durante um segundo. A autoridade tranquila que emanava da voz da garota lembrava a do pai. Os dedos entorpecidos desabotoaram rapidamente o casaco, tirando com um menear de ombros a jaqueta volumosa. Os pensamentos transbordavam em sua mente, a situação demasiado urgente para que sentisse o ar gelado ao enrolar as mangas da camisa suada de lã até acima dos cotovelos.

com a ajuda de Jessy, Ty conseguiu manobrar o feto de volta ao útero da vaca, tateando em seguida à procura das pernas dianteiras, que colocou em posição normal de nascimento. Estava completamente apavorado. As batidas de seu coração ecoavam na garganta. Sentia-se fraco e trémulo, o estômago revolvendo-se em intensidade doentia. O suor nervoso provocava-lhe calafrios na espinha.

A intervalos regulares, sentia as contrações musculares que apertavam seu braço com toda a força, algumas vezes obrigando-o a aguardar até que a pressão diminuísse. Todavia, as contrações foram ficando cada vez mais fracas. Quando conseguiu colocar o novilho na posição correta no interior do canal, a vaca estava exaurida pelo trabalho prolongado para auxiliá-lo.

A respiração de Ty vinha aos arrancos, enquanto os músculos distendidos, ainda trémulos com a tensão, alternadamente contraíam-se e relaxavam. As patas dianteiras e a cabeça do novilho emergiram, em seguida o peito e as espáduas.

- Depressa - incitou Jessy com um tom de voz ansioso que Ty não chegou a compreender.

Logo depois, ela se juntou a ele para terminar de puxar o novilho. Ao pousar o feto sobre a palha, Ty firmou-se sobre as pernas, tentando reordenar os nervos em frangalhos. Mas Jessy não se deteve. Começou a limpar os restos de muco da bolsa membranosa das narinas do feto.

- Não fique aí parado. - A impaciência tornava seus olhos cor de avelã faiscantes. - O cordão umbilical está enrolado em volta do pescoço.

Depois de toda aquela provação, ele não conseguia suportar a ideia de perder o novilho.

Ty arrancou a garota do caminho e, levantando a cabeça do novilho, procurou desenrolar com cuidado o cordão umbilical preso em torno do pescoço. Inclinando-se, soprou no interior das narinas, como vira certa vez um cavalariço fazer com um potro recém-nascido, com o objetivo de limpar as vias aéreas.

- Enquanto estava tentando virar o novilho dentro da vaca sentiu algum movimento? - Jessy pegara um trapo e ia friccionando velozmente o corpo do novilho para estimular-lhe a circulação.

- Não me lembro. - Ty tentou sentir algum batimento cardíaco, tentando recordar se o feto dera algum chute.

- Está morto, não é? - concluiu ela, objetiva, cessando de fazer esforços.

O rapaz trincou os dentes, sem querer admitir que o novilho estava morto. Sentiu que a culpa era dele. Se soubesse mais, talvez o animal pudesse ter sido salvo. Desanimado, baixou a cabeça.

- Tome. - Jessy estendeu-lhe o trapo. - É melhor limpar o muco no seu braço.

A sugestão da garota chamou a atenção de Ty para o braço descoberto, inerte e pegajoso, o frio congelando a substância viscosa colada sobre sua pele. Logo ela ia congelar. Pegando o pedaço de pano, Ty esfregou o braço até que as terminações nervosas formigaram em protesto; então, abaixou as mangas e pegou o casaco para combater o frio penetrante que já começava a sentir.

- Pelo menos a vaca vai ficar legal - tentou consolá-lo. Preocupação e culpa toldavam os olhos que pousaram em Jessy. Olhou para o feto vermelho-ferrugem, com a cabeça e as pernas brancas imobilizadas pela morte. Reconfortava-o ligeiramente saber que poderia ter perdido também a mãe.

Uma gargalhada amarga brotou de sua garganta ao se dar conta de que nem ao menos sabia o que fazer com um novilho morto. O solo estava por demais congelado para enterrá-lo. Talvez devesse jogá-lo ao relento para os coiotes se banquetearem.

- Você deve estar com frio. - Jessy observou a brancura da pele retesada sobre os ossos proeminentes das bochechas e da mandíbula, e a revolta no olhar de Ty. - Talvez seja melhor tomar um pouco de café da garrafa térmica ao lado da porta. Vai demorar um pouco até as páreas terminarem. Se quiser pegar uma xícara, ficarei aqui.

- Não. - Os dentes começaram a chocalhar, entretanto Ty estava decidido a não ir embora até que tudo estivesse terminado. Stumpy lhe dissera para cuidar da vaca, e ele não ia colocar tudo a perder abandonando o trabalho antes do final. Evidentemente, a garota poderia se encarregar do serviço melhor do que ele próprio.

- Ei, garoto. - Uma voz ecoou do lado de fora, antecipando o ruído de botas roçando a palha. Ty empertigou-se, endireitando os ombros e as costas ao reconhecer Sid Ramsey, um dos vaqueiros que estavam sempre lhe dando dor de cabeça. - Stumpy disse que você estava precisando de ajuda.

- Agora não preciso mais - replicou Ty.

O vaqueiro arreganhou os dentes, o vapor da respiração saindo de sua boca como fumaça no ar congelado, embora parecesse esquecido do frio quando chegara.

- Finalmente conseguiu descobrir de qual orifício sai um novilho?

- O novilho está morto - replicou, tenso. - Foi estrangulado pelo cordão umbilical.

- Não era para esmagar o bicho até a morte quando estava puxando, garoto - brincou o vaqueiro, próximo o suficiente para ver o novilho morto sobre a palha.

- O cordão estava enrolado no pescoço - informou Ty, zangado e defensivo.

- Pelo menos você arranjou mais isca para os coiotes, quer dizer, acho que você serve para alguma coisa. - Voltando-se, Sid cuspiu o sumo do tabaco, enxugando a boca com as costas da mão enluvada, encarando Ty com ar de zombaria.

- Você não tem o direito de falar uma coisa dessas, Sid Ramsey! Jessy lançou a reprimenda implacável no rosto do vaqueiro. Já convivera com os homens o suficiente para que percebesse que o senso de humor deles algumas vezes beirava a crueldade. Em sua opinião, ele estava zombando de Ty injustamente, e era contra a natureza de Jessy permanecer calada. Ser defendido por uma garota com rabo-de-cavalo que ainda nem alcançara a puberdade foi a gota d'água para Ty.

- Não se meta nisso, Jessy - rebateu rudemente.

- Ora, ora - zombou o vaqueiro. - O garoto é nervosinho.

Ty já estava com o sangue fervendo. Se não saísse dali, explodiria.

- Cale essa boca, Ramsey - grunhiu entre os dentes, deixando o recinto a passos largos.

- Ei, não precisa correr. - O vaqueiro colocou-se na frente dele, impedindo-o de sair. - Onde é que você vai?

- Não é da sua conta, saia da minha frente. - Sid Ramsey era dez anos mais velho que Ty, mas este levava vantagem no tamanho e no peso, embora ficasse muito a dever em experiência.

Sem hesitar, arriou as mãos sobre os ombros do vaqueiro, empurrando-o até um dos pilares centrais que suportavam o teto do galpão. A agressão pegou Sid de surpresa. Ty aproveitou para ultrapassá-lo, encaminhando-se à porta distante sem prestar atenção no vaqueiro, afastando-se da pilastra surpreso e aturdido.

- O que foi que eu fiz? - indagou, sem disfarçar a raiva. - Puxa, eu só estava brincando.

Ty estacou e voltou-se.

- Suas brincadeiras não têm graça, portanto não me encha o saco.

- O que você acha que vou fazer? - desafiou, com um traço de beligerância ofendida.

- Só quero que pare de implicar comigo e me deixe em paz. - A dureza na voz do garoto tornava sua voz retumbante. - Deixe-me em paz.

Ramsey estudou-o com os olhos semicerrados, sem responder. Ty saiu gingando e, ao alcançar a extremidade do galpão, a chama de ódio já o queimava por dentro. Cansado, com frio, sentindo-se desprezível e tomado por sentimentos de culpa e incompetência, caminhou cegamente até a garrafa térmica, enchendo uma das canecas disponíveis. Na verdade, não queria aquele café forte, mas a bebida era uma desculpa para estar lá.

Junto a uma parede estavam empilhados fardos de palha. Ty jogou-se sobre um deles e inclinou-se para diante, apoiando os cotovelos nas coxas, afastando os joelhos para colocar as mãos que envolviam a caneca de café. Sentia a garganta apertada, a ameaça de lágrimas em seus olhos. A boca permaneceu entreaberta devido ao esforço para refrear toda a angústia que sentia.

Nada havia acontecido como imaginara ao deixar sua Califórnia natal há quase um ano, atravessando metade do país de carona para encontrar o homem cujo nome estava escrito na Bíblia da família como sendo o de seu pai. No começo, tudo parecera perfeito. Até mesmo os pais haviam se reunido, casando-se e transformando os três em uma verdadeira família. Idolatrava o pai e queria ser exatamente como ele, contudo parecia não ter sido feito para aquela vida. Morar em uma fazenda do tamanho da Triplo C, ser o filho do dono, o que mais poderia desejar? Mas ele não fazia parte daquilo tudo. Ninguém ligava para as medalhas que ganhara em apresentações equestres na Califórnia; nada do que realizara possuía algum significado naquele lugar. Mais do que tudo, queria ser aceito.

No entanto, não parecia ter muita importância o que fizera ou tentara, tudo sempre dava errado. Trabalhara nos galpões e o novilho morrera. Pior ainda, ganhara a inimizade de Ramsey. A situação parecia desesperadora.

Ouviu passos se aproximando e arriscou uma olhada por sob a aba do chapéu. Era Stumpy. Ty inclinou novamente o chapéu e empertigou-se, apertando os braços em torno de si, à espera da condenação muda dos vaqueiros veteranos, mais arrasadora do que uma repreensão aos berros para que deixasse de ser idiota.

- Nada melhor do que uma xícara de café numa noite fria como essa - declarou Stumpy, elevando a voz acima do som do líquido sendo derramado em um recipiente.

Fitando a própria xícara, Ty endireitou-se e sorveu um gole da infusão forte. Estremeceu com o amargor da bebida.

- Você vai se acostumando com o gosto. - A voz de Stumpy era jovial.

- O novilho está morto - anunciou Ty, categórico.

- Isso acontece. Você sempre quer que todos vivam, mas um ou dois se perdem. - Stumpy permaneceu de pé ao lado da garrafa térmica.

- A cabeça saiu primeiro, e eu não sabia o que fazer - admitiu Ty, ainda olhando fixamente para a xícara de café. - Se não fosse sua filha... puxa, uma garota de dez anos sabe mais que eu!

- Ela convive com isso há mais tempo do que você - lembrou-lhe Stumpy.

- Não adianta. - Os ombros encurvaram-se com a derrota. Por fim, ergueu o olhar para o novo mentor. Os olhos castanhos bem escuros refulgiam. - É melhor desistir. Jamais conseguirei me adaptar.

A doce compreensão desvaneceu-se do rosto de Stumpy, agora duro e zangado.

- Nunca diga isso. - Rebateu, em voz baixa. - Está sendo difícil para você, mas se desistir agora vai se arrepender pelo resto da vida. Tem de aguentar firme, se não vai se sentir um derrotado.

- Por quê? - indagou Ty. - Nunca serei o homem que meu pai é.

- Não será mesmo - concordou Stumpy friamente. - Se está tentando se transformar no seu pai, já cometeu o primeiro erro. Você é Ty Calder e ninguém mais.

- Ser Ty Calder não é motivo de muito orgulho - resmungou. Fora tolice pensar que Stumpy compreenderia.

- Você é um Calder, não é? - desafiou o vaqueiro. - Acho que isso já é suficiente para que se sinta orgulhoso. O que vai fazer? Ficar aqui sentado sentindo pena de si mesmo? Ou erguer a cabeça e voltar para o trabalho?

com este desafio, Stumpy engoliu o café quente do modo característico de um vaqueiro veterano, pousando a xícara vazia ao lado da garrafa térmica. Limitou-se a relancear os olhos por Ty enquanto saía com passadas curtas e rápidas. Fizera sua parte. Agora a decisão cabia a Ty.

Por um momento, Ty permaneceu sentado no fardo com a cabeça abaixada. Para Stumpy era fácil dizer tudo aquilo. Não era ele quem estava atravessando períodos difíceis. Indeciso, buscava alguma outra alternativa.

- Droga! - resmungou, jogando a cabeça para trás e derramando o café garganta abaixo. A beberagem já estava bem mais fria, o que não a tornava mais saborosa.

Levantando-se, deixou a xícara ao lado da de Stumpy Niles e dirigiu-se aos galpões com um andar arrastado. Seu pensamento não mudara. Ainda se sentia vil e miserável. Se havia alguma decisão sábia a tomar, seria a de desistir. Só que Ty não estava completamente certo de que ela o fosse.

- Ei, garoto - chamou alguém quando ainda não estava a meio caminho do local onde deixara Jessy. - Me ajude aqui.

Tiny Yates, um dos vaqueiros casados, envolvia com os braços um novilho trémulo, recém-nascido. A mãe fitava o homem e o novilho, ansiosa e agitada. Ty hesitou, especulando qual seria a brincadeira agora, então mudou de direção e foi juntar-se a ele.

- O maldito novilho não sabe para que servem as tetas e fica o tempo todo dando cabeçadas nas tetas da vaca - resmungou irritado. - Ela tem tanto leite que está agoniada. Eu trago o novilho para perto e você ordenha as tetas para que saia um pouco de leite, assim o novilho talvez aprenda.

O plano não era dos mais atraentes para qualquer dos quatro participantes, mas após muito xingamento, balidos do novilho, mugidos da vaca e manobras sobre a palha, eles alcançaram o resultado desejado. Ty esfregou a perna no local em que a vaca lhe dera um coice e ficou observando o novilho mamar selvagemente, enquanto a vaca ia lambendo o envoltório vermelho-tijolo.

- Legal, né? - entusiasmou-se Tiny, dando um tapinha nas costas de Ty e saindo.

Não houve qualquer "obrigado pela ajuda". Não era costume. Um homem correspondia ao que dele esperavam, pois era isso que devia fazer. Não havia razão de agradecer alguém por realizar sua tarefa. Ty soltou um longo suspiro e retornou a seu caminho.

 

           Não é que eu queira te magoar

           Só que não posso seguir teus passos

           Não se coloque entre mim e meus planos

           Porque você nasceu Calder

           E sempre será um Calder

 

Ao entrar, a casa pareceu a Maggie estranhamente calma. Parou no vestíbulo, ouvindo o silêncio do meio da tarde. Um sorriso entreabriu-lhe os lábios ao recomeçar a caminhar, os saltos altos ecoando no piso de madeira.

Sobre a mesa de cerejeira havia um maço de cartas aguardando serem abertas, a correspondência da fazenda separada das cartas pessoais. Deteve-se ao lado dessas e retirou o casaco de camurça para os dias de primavera, pendurando-o temporariamente nas costas da cadeira. Por baixo, usava um vestido clássico simples de seda brilhante cor de vinho. O corte da vestimenta proporcionava uma aparência de altura a sua constituição delgada, favorecendo discretamente as curvas maduras de sua figura elegante.

Um dos envelopes endereçava-se a Ty. O olhar da mãe correu ansioso para o remetente e ali estacou. Um tremor de antecipação a percorreu ao constatar que a carta provinha do Departamento de Administração da Universidade do Texas, em Austin. Mordiscou o lábio inferior, ansiosa por abrir a carta e saber se Ty fora aceito para o semestre de outono. com a atenção concentrada no envelope, não ouviu a entrada de Ruth Heskell, vindo da cozinha.

- Achei que tinha ouvido alguém mas não sabia que era você, Maggie. Pensei que só chegaria no final da tarde. - A voz de Ruth quebrou o silêncio, e Maggie voltou-se com um sobressalto quase de culpa, o envelope nas mãos. Ruth percebeu e desculpou-se com uma rapidez nervosa que se tornara uma característica de seu modo de falar.

- Desculpe. Pretendia pegar a correspondência mais cedo e colocá-la no escritório, mas ocupei-me com outros afazeres e acabei não o fazendo.

- Não tem importância. - Maggie ofereceu um sorriso tranquilizador a Ruth, que já fora governanta e cozinheira da fazenda. Agora vinha ocasionalmente para tomar conta do mais novo membro da família Calder, quando Maggie tinha que sair.

Assim como muitos outros, Ruth descendia de um dos condutores que haviam levado o gado do Texas para Montana com o primeiro Calder e ficaram para auxiliar na construção da fazenda. Isto conferia à fazenda uma tradição e continuidade dos vínculos forjados há muito tempo, e ainda poderosos.

Enquanto observava a mulher, Maggie não podia deixar de perceber como Ruth estava mostrando a idade que tinha. Os cabelos haviam desbotado até um tom cinza, e uma série de rugas havia marcado seu rosto. Os ternos olhos azuis haviam perdido seu brilho. Ruth já fora rechonchuda, mas os aborrecimentos a haviam consumido até a magreza. Agora adquirira um eterno tremor nas mãos, e a agitação servia para piorar seu estado.

Para quem a conhecia, como Maggie, a origem de seu declínio relacionava-se diretamente com o filho. Após uma tentativa, no verão anterior, de matar Ty e ela mesma como parte de uma conspiração sangrenta para obtenção do controle da fazenda, Buck Heskell fora julgado e condenado a um período longo na prisão. Em face da dureza típica das pessoas do Oeste, o nome dele fora cortado de qualquer conversa. Embora Ruth o visitasse regularmente, ninguém indagava a respeito do filho ou mesmo se referia às ausências de Ruth da fazenda. Fazia parte da tradição daquela terra, semelhante à morte de uma pessoa. Ninguém mencionava o morto, pois os sentimentos profundos, especialmente a tristeza e o desgosto, deviam ser guardados dentro de cada um. Agir de forma diferente consistia em sinónimo de fraqueza.

Às vezes Maggie pensava que seria melhor para Ruth se pudesse falar a respeito do filho, trazendo à luz o sentimento de fracasso e culpa que provavelmente sentia, assim como o amor materno que tudo perdoa. Mas enquanto sentia muita pena de Ruth, Maggie não nutria qualquer compaixão pelo filho. Como não podia perdoá-lo no íntimo de seu coração, não tocava em seu nome.

Lamentando ter deixado que os pensamentos tomassem este rumo desagradável, Maggie voltou mais uma vez a atenção para a carta, separando, relutante, o envelope endereçado a Ty do restante da correspondência.

- Cathleen está lá em cima fazendo a sesta? - indagou Maggie, com um sorriso fugaz.

- Ah, não, ela está com o pai.

Maggie levantou a cabeça, voltando-se para a mulher com alguma curiosidade.

- Ela não deve ter dormido o bastante.

- Esta tarde ela não fez a sesta - informou Ruth, ansiosa. - Chase saiu logo após o almoço e levou-a com ele. Ela chorou tanto enquanto ele se aprontava para sair, que Chase não teve coragem de deixá-la. Você sabe como Chase é louco por ela.

- Eu sei - murmurou secamente. O marido, tão forte e inflexível, não passava de um brinquedinho nas mãos da filha de dois anos.

- Aonde eles foram?

- Ao local de perfuração de Broken Butte. Ele tem algumas instruções para o capataz. - Olhou ansiosamente para o relógio frouxo em torno do pulso. - Disse que não ia demorar.

Maggie suspirou e continuou a separar o resto da correspondência.

- Tenho certeza de que ele não pretendia demorar tanto.

A porta da frente se abriu, revelando uma risadinha aguda e excitada.

- Olha a cabeça, Cat. - A voz de Chase alertava a filha quando Maggie voltou-se para vê-los entrando na casa. Cathleen estava montada nos ombros do pai, com as mãozinhas amassando o chapéu de feltro prateado à sua frente. As mãos dele sustinham-na firmemente pelas pernas, para que não caísse. Ao ver Maggie, o bronzeado rosto coriáceo iluminou-se em um sorriso. - Eu não disse que mamãe estava em casa? - Disse para o pedacinho de gente com os cabelos negros sobre os ombros.

Ao cruzar o vestíbulo para juntar-se à esposa, a impaciência que Maggie nutria por ele, pois havia privado Cathleen de seu descanso vespertino, reduziu-se a uma leve irritação. O rosto do marido irradiava tal força que parecia esculpido nas matérias-primas de Montana que ele tanto amava. Devido à presença de Ruth, Chase não a beijou. Em vez disso, envolveu a criança com um braço, retirando-a de sobre os ombros e pegando-a no colo enquanto ela ria de prazer.

- Dê um beijinho na mamãe - instruiu Chase, assistindo à cena com satisfação, ambas com os cabelos igualmente negros e os olhos cor de esmeralda.

- Veja como você está. - Maggie inspecionou as manchas escuras de terra nos joelhos da calça de veludo cotelê e a blusa branca encardida, sem falar no rosto e mãos sujos. - Parece que ela brincou o dia todo em um chiqueiro.

- Uma sujeirinha não vai fazer mal. Além do mais, isso é terra dos Calder, da boa - insistiu Chase com um pequeno sorriso retorcido. - Está bem enlameado no local de perfuração. Ela gostou de brincar lá. Você precisava vê-la antes que eu a limpasse.

- Ainda bem que não vi - retorquiu Maggie.

- Me bota no chão - pediu Cathleen, oferecendo ao pai um de seus olhares de avaliação, enquanto serpenteava em seu abraço apertado, decidida a descer.

- Vem com a tia Ruth, Cathleen. - Ruth estendeu as mãos trémulas em direção à criança. - Vamos subir que vou lhe dar um banho.

- Não - recusou energicamente o oferecimento, o lábio superior projetado em desafio.

- Você não quer tomar banho? vou fazer bolhinha de sabão na banheira. - Ruth tentou persuadi-la.

A garotinha considerou a oferta durante um longo minuto, antes de finalmente tomar a mão da mulher mais velha. Chase deixou-a aos cuidados de Ruth, o orgulho suavizando seus traços habitualmente duros, ao ouvir a filha tagarelando com a mulher, que a conduzia escada acima.

- Ela sabe muito bem o que quer, não? - sussurrou junto a Maggie.

- E você faz questão de satisfazer todas as vontades dela - murmurou secamente em resposta.

- Isto é uma prerrogativa do pai - insistiu Chase, inclinando o rosto e envolvendo os lábios da esposa com os seus. - Como foi a visita a Culley?

- Bem. - Para ela, ver o irmão naquela instituição era sempre uma experiência dolorosa, mas consolava-se em saber que ele estava recebendo ajuda. - Hoje permitiram que eu mostrasse uma foto de Cathleen. Culley cismou que ela parecia comigo quando criança.

- Ele está certo - replicou Chase. - Ela é você em miniatura.

- Só que eu nunca fui tão mimada quanto ela - redarguiu Maggie.

- Um dia você vai se arrepender de deixá-la fazer tudo o que quer. Ela vai crescer achando que o mundo está em suas mãos. - Percebendo que se desviara do assunto principal, continuou: - Voltando a Culley, o médico ficou entusiasmado com a reação dele diante da foto de Cathleen. Não pareceu perturbá-lo o fato de ela ser uma Calder.

- Provavelmente porque ela parece com você e não comigo. - Os lábios torceram-se no habitual sorriso severo.

- Talvez - concedeu ela. - Mas isto é só um começo.

- Espero que sim, para o seu bem, Maggie. - O irmão dela só lhe trouxera aborrecimentos, consequentemente não simulava qualquer interesse pessoal nas possibilidades de cura de Culley. Sabia do ódio que Culley cultivava em relação aos Calder, contaminando Maggie durante um bom período. Há pouco tempo, Buck Heskell utilizara aquela maldade acumulada no íntimo de Culley, transformando-o em instrumento para sua conspiração extrema. O que Chase não conseguira esquecer, embora mantivesse silêncio sobre o assunto.

Maggie conhecia os sentimentos do marido e sorriu debilmente com a resposta por ele dada, enquanto examinava o restante da correspondência a ser separada.

- Ruth disse que você foi a Broken Butte. Como vai a perfuração?

- Eles esperam alcançar a profundidade desejada daqui a duas semanas. - Por sobre o ombro da esposa, esquadrinhou a separação das cartas pessoais e das relativas à fazenda. - Não espere um poço jorrando petróleo desta vez - avisou, zombeteiro. - Os resultados do primeiro poço e os testes já realizados indicam que aquele é um terreno pouco profundo, capaz talvez de suportar uma meia dúzia de poços, portanto existe pouca possibilidade de que venhamos a nos tornar magnatas do petróleo. com sorte, ganharemos o suficiente, com os barris que estão sendo enchidos, para fazer algumas melhorias na fazenda. Todas as estradas precisam de conserto, e existem alguns trechos onde são necessárias novas cercas. E precisamos de habitações melhores para alguns dos homens casados.

- Eu estava pensando em um carro novo, ou cortinas novas para os quartos do segundo andar. - Pequena parte dos lucros da Triplo C era usada nas vidas particulares de ambos. Tudo parecia ser aplicado na fazenda. Maggie sempre se surpreendera com a voracidade da fazenda... não que lhes faltasse algo, mas as necessidades pessoais estavam bem abaixo na lista de prioridade.

- Se sobrar alguma coisa, estava pensando em comprar um helicóptero. com certeza seria uma vantagem durante os rodeios - provocou.

- Agora você está brincando, mas quando chegar a hora, vai falar sério - retorquiu Maggie.

- Por que esta carta está separada? - À indagação ingénua, seguiu-se a mão buscando a missiva.

Maggie retesou-se com a atitude do marido.

- É para Ty. - Pelo canto do olho percebeu-o enrijecer-se ao ler o remetente no envelope.

- O que é isso? - Franziu as sobrancelhas, lançando um olhar acusador à mulher. - Por que ele está recebendo uma carta de uma universidade no Texas?

- Por coincidência, E.J. Dyson é um ex-aluno da Universidade do Texas. Quando esteve aqui, no inverno passado, conversou com Ty sobre o assunto. Ty demonstrou algum interesse em possivelmente frequentar aquela faculdade. - Impossível explicar de maneira casual, quando estava tão consciente da expressão cada vez mais turbulenta de Chase. - E. J. ia mexer os pauzinhos para ver se o aceitavam. Imagino que esta carta seja a resposta.

- Por que não me disseram nada? - indagou, a voz beirando perigosamente os tons graves.

- Você estava presente quando houve a conversa - recordou ela, tensa.

Este choque de vontades há muito estava em fermentação, Maggie estava decidida a colocar Ty na faculdade, enquanto Chase era diametralmente contrário a tal ideia. Aquilo era um assunto sobre o qual dificilmente se obteria concordância. Há muito ela temia este momento, mas não pretendia voltar atrás agora.

- Eu estava presente - admitiu Chase com rudeza. - Mas não consciente de que o tema fosse além de simples discussão. - A mão crispou-se sobre o envelope, dobrando-o em dois. - Droga, Maggie! Existem especialistas na Triplo C que sabem mais do que essa cambada de professores universitários. É aqui que ele tem de ficar.

- Ele deve receber a melhor educação que pudermos lhe dar - interpôs ela, com igual energia. - E não somente a que você recebe no lombo de um cavalo. E ele precisa de tempo para divertir-se... coisa que eu e você nunca tivemos. Era sempre trabalhar... trabalho, luta e dificuldades de um ou outro tipo. Não quero que Ty amadureça tão rapidamente quanto nós.

- Você quer torná-lo frouxo - acusou ele. - Ele não pode ser delicado e comandar a Triplo C! Um homem deve praticamente nascer nesta terra para ter conhecimento adequado de sua administração. Ty não teve esta vantagem. Tudo o que teve foram três anos, e somente no decorrer do último ano desenvolveu habilidade suficiente para ser considerado um trabalhador mediano de fazenda. Ele precisa de muito treinamento, adequação e experiência nos trabalhos de uma fazenda deste porte.

Como é que você quer que ele obtenha tudo isso de um livro?

- Há muito o que aprender com os livros. - Maggie estava trémula, mas recusava-se a refrear seu temperamento quente. - Alguns membros da família Calder pensavam o mesmo, do contrário todas aquelas prateleiras no escritório não estariam repletas de livros!

- É muito cedo, Maggie - insistiu Chase, implacável. - É muito cedo para ele deixar a fazenda. Praticamente tudo o que aprendeu se perderá. Deixe-me tê-lo aqui o ano inteiro por pelo menos mais três anos. Não o tire de mim agora.

- Se eu desse ouvidos a você, em três anos você viria com alguma outra razão pela qual eu deveria esperar. Não. Não vou fazer isto. - Balançou a cabeça firmemente, os olhos brilhando, desafiadores. - Se ele for para a faculdade, quero que comece neste semestre de outono.

- Maggie...

- Há quatro anos você me deu sua palavra de que, quando chegasse a hora, aceitaria a decisão de Ty sobre a universidade. Quero que mantenha o que prometeu - afirmou ela.

Chase jogou a cabeça para trás, inspirando profundamente e retendo a respiração. Seu rosto carrancudo estava duro e impenetrável. Havia uma crueza no ar, uma tensão quase palpável.

- Você desgraçadamente sabe bem que cumpro minhas promessas

- informou-lhe rudemente. - E vou cumprir esta também. Mas se ele for para a faculdade - Chase enfatizou o se -, será aqui em Montana, e não a três mil quilómetros daqui.

- A decisão caberá a ele. - Maggie recusou-se a ceder mesmo neste ponto, e resgatou o envelope da mão do marido.

- Não tente influenciar a decisão do garoto, Maggie - alertou Chase.

- Não tente você influenciá-lo. Sabe que ele o considera como uma espécie de Deus. Bastaria uma palavra sua, Chase. Por favor, não diga nada. - Aquela era a sua maneira de avisá-lo.

Estabelecera-se a separação. Não importa para qual lado se inclinasse a balança, ela permaneceria lá. Chase saiu gingando, suas passadas longas impulsionando-o para a porta da frente. Maggie estremeceu quando o marido saiu batendo a porta.

Naquela noite, ao entrar na sala de jantar, Ty sentiu que algo estava errado. A atmosfera estava tensa e o silêncio pesado. Parando um minuto, ele estudou o homem e a mulher evitando, muito empertigados, o olhar do outro. Ele imaginava que isto tinha relação com a carta que encontrara em cima da cómoda quando chegara ao quarto para lavar-se para o jantar. com a aproximação de Ty, Maggie levantou os olhos e assistiu ao filho caminhar até a cadeira. com ombros largos e músculos rijos, ele crescera até quase dois metros. O andar lento e gingado, típico de um vaqueiro, se tornara natural no filho. E o rosto bronzeado de sol adquirira aquela textura de couro, devido às longas horas ao ar livre, no sol e no vento. Os traços de rapaz, já denotando o vigor da masculinidade, possuíam a característica dos Calder, a força bruta em uma estrutura de ossos fortes.

- Onde está Cathie? - Ty puxou sua cadeira e sentou-se.

A irmã nascera em meio a tempos difíceis para ele. Por um tempo, invejara a ausência de disciplina a ela ministrada, e até tivera um pouco de ciúmes da afeição que o pai devotava tão abertamente ao mais novo membro da família.

Mas as travessuras e a tagarelice foram dominando-o. A afeição finalmente substituíra o ressentimento.

- Seu pai levou-a com ele esta tarde, e ela nem fez a sesta - replicou a mãe, enchendo a concha com creme de aspargos. - Ela estava tão cansada e irritadiça que lhe dei o jantar mais cedo e a pus na cama.

Mesmo enquanto os pratos de sopa iam sendo passados, a tensão opressiva permanecia no ar. Chegava ao auge com a conversa inútil alimentada pelos pais. Ambos estavam tentando agir normalmente na frente dele, mas a falsidade era evidente.

Há muito que esta hora estava para chegar. Nada poderia tornar menos tenso aquele momento. Se ele sabia algo na vida, era que adiar um momento desagradável não o evitava. pousou a colher no fundo do prato de sopa.

- Hoje recebi uma carta da Universidade do Texas. - A voz do garoto soou calma e uniforme, mas um silêncio opressivo caiu sobre a sala, como se alguém tivesse entrado com uma arma carregada. - Fui aceito para este semestre.

- Nós... vimos a carta e ficamos imaginando o que conteria - admitiu a mãe, o olhar perpassando o rosto do pai.

Ty olhou de um para o outro, consciente de que ocupavam pólos opostos naquela questão, o que o colocava desconfortavelmente no meio.

- Sei que você sempre quis que eu fosse para a universidade, mãe admitiu Ty. - Foi sempre muito importante para você. - O rosto do pai permaneceu praticamente inexpressivo, exceto por uma contração do músculo que atravessa a mandíbula quando Ty dirigiu-se a ele. - Certa vez você me disse que eu tinha um monte de coisas para aprender caso algum dia quisesse dirigir esta fazenda. Na época não percebi quanto. Mas mesmo se eu aprendesse durante toda a minha vida, existem homens aqui nesta fazenda que sempre saberão mais do que eu.

- Fico contente por ter percebido isso - murmurou o pai satisfeito.

- Acho que alguns deles nasceram sabendo. - Uma leve torção curvou-lhe os lábios ao soltar um longo suspiro. - Venho pensando nisto desde antes desta carta. Nunca saberei tanto sobre a fazenda e o gado e esta terra quanto os homens da Triplo C. Já que não vou conseguir, decidi aprender coisas que eles não sabem. vou me matricular na Universidade do Texas em setembro.

- Esta é sua decisão? - perguntou o pai em um tom insuportavelmente apático.

Ty ficou especulando se o pai percebia como fora difícil para ele chegar àquela decisão. Lutava contra a sensação de estar decepcionando o pai, porque sentia que a decisão que tomara era a certa, mesmo se ele não concordasse.

Foi com feroz determinação que Ty encontrou os olhos duros do pai.

- Sim, esta é minha decisão - afirmou, conseguindo sustentar o olhar sob os olhos investigadores do pai.

Então Chase desviou o olhar.

- Passe-me aquela cesta de torradas, Maggie. - com o pedido breve, encerrou o assunto. A mãe, sabiamente, não demonstrou seu apoio à decisão de Ty, o que só faria aumentar o sentimento de desavença na mesa.

Depois do jantar, o pai não ficou para o café, como era seu hábito. Ty ouviu os passos avançando para o escritório e empurrou a cadeira, fazendo menção de segui-lo.

- Ty - protestou rapidamente a mãe. Ele parou próximo à porta e virou-se.

- Tenho que falar com ele. - Ty não podia suportar o silêncio que se interpusera entre eles. A aceitação do pai era importante demais para ele.

A expressão da mãe disse-lhe que discordava, mas ela limitou-se a alertá-lo.

- Não o deixe dissuadi-lo a ir.

Uma risada silenciosa e sem contentamento ecoou em forma de um suspiro alto.

- Eu sou metade Calder e metade O'Rourke, e não sei qual de vocês é mais teimoso quando enfia algo na cabeça. Acho que isso me faz duas vezes mais determinado quando tomo uma decisão, não é? - Ty olhou-a, entristecido, mas sem mover-se um milímetro sequer de sua posição. - Você não me convenceu a ir, mãe. E ele não vai me convencer a sair.

Ao entrar no escritório, percebeu o pai de pé em frente à imponente lareira de pedra. Uma mão descansava sobre a cornija, enquanto ele olhava para a lareira enegrecida. Os ombros curvados denotavam a dificuldade que o pai estava tendo para tomar uma decisão. Neste minuto, ficou contente de não ver seu rosto.

- Pai... - começou Ty, fitando os ombros largos e o pescoço musculoso. - Sei que está desapontado comigo.

- Desapontado! - O homem cuja palavra era lei na Triplo C deixou tombar a mão e virou-se, alto e ereto, com o corpo em ângulo em relação a Ty. Em seu íntimo travava-se uma batalha entre suas emoções e o controle das mesmas. Quando voltou a falar, a voz estava contida, ainda que tensa. - Prometi à sua mãe que respeitaria sua decisão, e vou respeitála. Mas não posso concordar com uma coisa errada.

- Sei disso - assentiu Ty, compenetrado.

- Existe alguma lógica nas razões que me deu - concedeu o pai. Mas elas não são suficientes. - Juntou os lábios, que desapareceram inteiramente em uma linha tensa de raiva. - Droga, Ty! Você acha que nunca tive dezoito anos? Eu fui como você! Achava que sabia mais que meu pai. A maior parte das vezes, ouvia os conselhos que ele me dava com um sorriso.

Pensava que ele estava exagerando. Puxa, eu não sabia da missa a metade! E você não entende nada!

A condenação impetuosa instigou Ty à defesa.

- Entendo mais do que você possa supor.

- É mesmo? - desafiou o pai asperamente. - Olhe no mapa. Apontou para o mapa desenhado à mão, colocado em uma moldura e pendurado na parede atrás da escrivaninha grande. Os anos haviam amarelado a tela em que estavam demarcados os limites da fazenda Triplo C. - Este mapa está velho, Ty. Está velho mas ainda é necessário. Você tem uma ideia do número de grandes fazendas que havia então? Hoje, só existe um punhado que ainda pode ser considerado fazenda... e a maior parte delas pertence a corporações de investidores ausentes. As outras fazendas também já tiveram seus dias de glória. Mas os Calder permaneceram porque assumiram um compromisso com a terra e tudo que nela vivia, pessoas e gado.

- Eu compreendo - insistiu Ty com um misto de irritação e ressentimento. Ele não precisava de pregações. Naqueles três últimos anos, ouvira mais sermões do que qualquer outra coisa. - Posso raciocinar sozinho.

- Então é melhor começar a pensar - avisou o pai. - Uma propriedade deste tamanho é vulnerável a forças externas, e desabará como um castelo de cartas se o homem que a administrar não souber o que está fazendo. É melhor começar a compreender isto muito bem. Se o coração está fraco, ele não aguenta o corpo que sustenta.

- Estou defendendo algo que acho certo - declarou ele por entre os dentes cerrados. - Droga, isto tem que significar algo!

- vou lhe conceder isto - aquiesceu o pai sem voltar atrás sobre o que dissera -, mas tenho certeza de que esta terra o transformará no tipo de homem que a fazenda precisa. E você jamais me convencerá de que um bando de malditos professores será capaz de fazer o mesmo. Não vou ficar«no seu caminho, Ty. - Ele suspirou pesadamente. - Mas tampouco vou mover um dedo para ajudá-lo. Você vai aprender sobre a vida em uma sala de aula. E deveria aprender aqui! - Esticou o dedo na direção da janela.

- com o tempo, provarei a você que estou certo. - Ty ficara magoado com a falta de apoio do pai, mas não o demonstrou.

- Por Deus, você terá que prová-lo.

Ty estava com a cabeça um pouco mais baixa ao virar-se para deixar a sala. A firmeza de suas convicções fora abalada, mas ainda estava determinado a persistir em sua decisão. O orgulho teimoso do garoto queria provar que tinha razão.

No final do verão, mais de duzentas pessoas - trabalhadores da fazenda e suas famílias - reuniram-se na sede da Triplo C em uma festa de despedida para Ty, antes de sua partida para a universidade.

Não houve discursos, mas muitos tapinhas nas costas e algumas brincadeiras bem-intencionadas sobre as garotas na universidade. A cerveja gelada jorrava livremente dos barris e os jovens sorviam pequenos goles, às escondidas, de copos de papel abandonados. Grandes mesas foram colocadas ao ar livre, repletas de uma variedade de saladas, pratos de forno, tortas e bolos feitos pelas mulheres dos trabalhadores do rancho.

Tucker, o cozinheiro calvo da fazenda, lutou para manter a supremacia contra a invasão das mulheres, mas no final retirou-se para o reino das churrasqueiras, munido de comprido espeto denteado e de um facão de trinchar. Era constante o ir e vir de pessoas para as mesas de comida colocadas debaixo de uma grande tenda de lona com os lados levantados para permitir o acesso. Mesas para piquenique improvisadas com tábuas sobre cavaletes foram espalhadas à sombra das árvores. Os que não estavam comendo ou bebendo reuniram-se no grande curral ao lado do celeiro. Parte das festividades da tarde incluía algumas competições amistosas entre os vaqueiros, comparando suas habilidades nos jogos relacionados à fazenda, como no laço, no abate do gado, cabo-de-guerra sobre cavalos e corrida com cordas, em gincanas, como na corrida de saco e de vara.

Ty participava da maioria dos eventos sem esperanças de vencer, mas, como convidado de honra, esperava-se dele ativa participação. Ao menos ele teria a satisfação de fazer uma exibição respeitável nos jogos em que tomara parte.

Um dos vaqueiros deixou o portão aberto, enquanto Ty, com seu alazão malhado, saía do curral e terminava de enrolar sua corda, após haver participado da corrida com cordas. Este tipo de competição diferia do laço ao novilho porque no primeiro o vaqueiro só tinha que laçar o novilho e deixar o laço bem apertado em volta do pescoço, soltando a corda em seguida. O novilho não era derrubado nem amarrado.

Do lado de fora do curral, Ty amarrou o cavalo na cerca para assistir ao concorrente seguinte. Após colocar a corda enrolada em seu lugar na sela, enganchou a perna na sela e inclinou-se sobre ela. Os participantes ou os espectadores volta e meia dirigiam um ou outro comentário a Ty; em sua maioria, não exigiam como resposta mais do que um aceno de cabeça ou um leve sorriso.

Sid Ramsey estava, no curral, levando o gado que estava solto de volta ao cercado. Durante um intervalo nas competições, Sid deteve o cavalo próximo à cerca do curral, onde Ty estava montado.

- Quer dizer que você está indo para o grande estado do Texas, hem?

- fez para Ty, as comissuras labiais repuxadas para baixo.

- É - assentiu Ty. - vou com Dyson de avião depois de amanhã. A sela de couro rangeu com a inclinação do vaqueiro para o lado,

dando uma cusparada que foi cair próxima às patas do cavalo.

- Pelo menos nem eu nem o resto dos rapazes vamos ter de fazer a sua parte do trabalho. Você sempre foi uma boa desculpa para um vaqueiro.

- Diabo, imagine o que espera meus professores - interpôs ele com uma risada irónica. Percebeu que o comentário depreciativo era a maneira desajeitada encontrada por Ramsey para dizer que ia sentir sua falta. Expressar-se com rudeza quando os sentimentos eram profundos fazia parte do código peculiar daqueles homens. Os que haviam sido mais desagradáveis eram os que mais lamentavam sua partida, observara Ty.

com uma risadinha, Ramsey tocou o chapéu com o dedo, esporeando o cavalo em direção à parte mais movimentada do curral. Ty sentiu um súbito aperto na garganta ao se dar conta de que ia perder tudo aquilo. Por sob a aba do chapéu, esquadrinhou o céu azul infinito que se estendia acima de sua cabeça. A visão e os sons tornaram-se importantes - o ruído dos cascos no chão duro, o grunhido de animais em marcha, o retinir das esporas, o odor rançoso do estrume e do suor dos corpos. Havia uma unidade, um companheirismo no trabalho entre os homens, os animais e a terra. Ficava difícil recordar algum outro estilo de vida.

No curral, uma onda de aplausos e gritos de aprovação perpassou os espectadores. Ty desviou a atenção para aquele lado. Um cavaleiro jovem e esguio movia-se em círculos para reaver a corda que estava sendo retirada do pescoço de um novilho de aparência bastante resistente.

- Puxa, você viu aquilo? - exclamou o cavaleiro à esquerda. Posso apostar que ela não levou mais de cinco segundos para fazer isso.

Quando o cavaleiro virou-se na sela, Ty imediatamente reconheceu o rosto sorridente de Jessy Niles. Desde que começara a trabalhar nos galpões do Sul a vira somente umas poucas vezes. Ela não mudara muito, só estava mais alta. Percebeu que estava mais sapeca do que nunca.

Enquanto ela trotava em direção ao portão do curral, Ty olhou para o cavalo que ela estava montando, aguçando seu interesse. O buckskin azulacinzentado possuía as formas inconfundíveis da criação cougar, o garanhão que emprenhava algumas das melhores fêmeas das redondezas. Ty estava quase certo de que o nome do cavalo era Rato. Ele fora um dos primeiros cavaleiros a montar aquele cavalo; lembrava-se vagamente de algum comentário a respeito de Rato na coudelaria da sucursal Sul.

- Jessy - chamou Ty ao vê-la atravessando o portão. Sem desenganchar a perna, ele pressionou a extremidade das botas contra o estribo e aguardou a aproximação da garota montada no cavalo cinza, deixando-os emparelhar.

- Hoje foi o dia da vitória.

- Tive sorte. - O olhar da garota transbordava de orgulho, combinando naturalmente com os traços fortes e a boca bem-desenhada. Acariciou o pescoço arqueado do cavalo. - Rato ainda não está suficientemente treinado para esta competição. Ele sai tão rápido do portão de partida que geralmente ultrapassa o novilho. Tive que arremessar o laço rapidamente, torcendo para o bezerro correr em direção a ele. E ele correu.

- Ajudei a amansar este cavalo - fez Ty. - Fiquei matutando com quem ele estaria agora.

- É do meu pai, mas ele me deixou trabalhar com ele neste verão.

- Enquanto o olhava, Jessy vasculhava o rosto do rapaz em busca de algum sinal que confirmasse ou desmentisse os boatos que ouvira.

A despeito das dimensões da Triplo C, as notícias e os rumores percorriam rapidamente as distâncias. Todo mundo se interessava particularmente pelo assunto Calder. Na maioria das vezes, Jessy não se dava ao trabalho de ouvir mexericos sobre os problemas alheios. Mesmo reconhecendo a posição dos Calder na hierarquia da fazenda, não se interessava muito por suas idas e vindas - até conhecer Ty. Jessy nunca tentara analisar as razões de seu interesse. De qualquer maneira, Ty tinha mais ou menos a sua idade e era o único membro da família Calder com quem convivera algum tempo. Jessy jamais admitiria estar apaixonada por Ty, mas tudo levava a crer que a garota estava enrabichada pelo rapaz, apesar de considerar idiotas e estúpidas as paixões nutridas por jovens da mesma idade.

- Por que você vai embora? - questionou Jessy, inconsciente do tom atrevido e inquisitivo que empregara.

- vou fazer faculdade.

- Eu sei - retorquiu com calma e paciência. - Mas por quê? - Sem fazer uma pausa para tomar fôlego, Jessy prosseguiu: - Sei que alguns rapazes foram duros com você desde que chegou. Mas você não vai entregar os pontos, não é, Ty? - A menina tinha o semblante austero e um pouco preocupado.

Ele começou a rir, suavizando os traços bem-delineados.

- Não, não vou entregar os pontos, Jessy - assegurou, divertido com a preocupação vinda de alguém tão jovem.

Disfarçando o alívio, Jessy ajustou as rédeas.

- bom, eu só queria ter certeza de que você ia voltar - replicou, assumindo um ar de indiferença. - Tenho que procurar meu pai, para colocarmos estes cavalos no caminhão. - Puxou as rédeas do cavalo acinzentado, afastando-se da cerca do curral. - Tchau.

- Tchau - retribuiu Ty, observando a garota guiar com destreza o animal para fora do local, com uma combinação de movimentos das rédeas e das pernas. Jessy não podia ser considerada sem graça, mas tampouco chegava a ser bonita.

- Ei, Ty! - chamou alguém. - Sua mãe o está procurando. com um gesto de assentimento na direção da voz, afastou-se com o alazão malhado rumo à tenda armada no quintal da fazenda.

O veloz aeroplano formava uma sombra nas pastagens abaixo. A oeste, havia um agrupamento de pequenos quadrados escuros do que parecia ser os edifícios da sucursal Sul. Ty forçou a vista tentando distingui-los, mas as construções estavam muito distantes e o aeroplano muito rápido. Ele sentiu o chamado da terra e sorriu debilmente ao recordar a preocupação de Jessy quanto ao seu retorno.

Não havia muito que o induzisse a voltar. Ty amaldiçoara o frio contundente do inverno e praguejara contra o calor escaldante do verão e o céu sem chuvas, com o solo amarelo e pegajoso que empastava-lhe as botas quando chovia muito. Mas aquela era sua terra natal. Lutara tanto por tão longo tempo para se tornar parte dela que era estranho constatar que agora ela era parte dele.

O avião lançava-se em direção ao trecho pedregoso do rio Yellowstone, deixando para trás a fronteira sul da Triplo C. Ty afastou-se da pequena janela e acomodou-se no assento, olhando o homem mais velho que examinava detalhadamente os últimos relatórios sobre a perfuração na localidade de Broken Bute.

E.J. Dyson era praticamente um desconhecido. Ty sabia muito pouco sobre ele, exceto que Dyson e o sócio tinham alguns negócios com seu pai. Ty participara de algumas reuniões e ficara impressionado com o raciocínio frio e a inteligência daquele homem; contudo, sua vida particular era um mistério. Percebia-se um certo grau de fascinação na atitude de Ty em relação a Dyson. Ele era sem dúvida tão poderoso quanto o pai, só que Dyson circulava no mundo acelerado dos jatos, corporações e altas finanças. A despeito de viver na cidade, Ty jamais poderia descrevê-lo como molenga ou fraco. Dyson não tinha a presença física de Chase Calder, mas Ty não se deixava enganar pela insignificância daquele homem nada atraente. Debaixo daquelas roupas com um toque texano, escondia-se um homem de negócios astuto como uma águia.

- Pronto - fez Dyson com sua voz arrastada, fechando o relatório. A boca torceu-se em um sorriso em direção a Ty, enquanto guardava o relatório em uma das divisões da maleta, consciente da observação do rapaz. A essa altura, Dyson considerava qualquer rapaz de dezoito anos como um garoto.

Ocultara melhor sua própria curiosidade. Este produto de Chase Calder não parecia adaptar-se ao modelo paterno. Pela manhã, na pista de pouso antes da decolagem, tornara-se evidente a tensão no relacionamento pai-filho. Era normal a discordância entre parentes, mas este caso interessava particularmente a Dyson.

- Ainda bem que até agora estamos tendo um bom voo - fez ele, para puxar conversa. - É mais fácil falar quando não se está sacolejando em pleno ar.

- É verdade.

Não se alongara muito sobre o assunto. Ty era calado como o pai, observou Dyson.

- O dia em que se entra para a faculdade é um marco na vida de um homem. É um misto de antecipação e arrependimento - ensaiou Dyson sutilmente, tentando encorajar Ty a manifestar seus sentimentos.

- Acho que sim. - Ele quase sorriu, reconhecendo a exatidão da ideia de Dyson a respeito de sentimentos misturados.

- Você já pensou em que vai querer se especializar? - Dyson inclinou a cabeça para o lado, mostrando interesse.

Um lampejo de diversão percorreu os olhos castanhos, enquanto o sorriso do rapaz ia se ampliando.

- Em nada, se eu conseguir evitar. A resposta intrigou-o.

- O que você quer dizer com isso?

- Quero matricular-me em todas as matérias... ciência veterinária, cuidados animais, administração de empresas, recursos naturais, algumas cadeiras sobre mecânica e engenharia, contabilidade, psicologia. - Ty fez uma pausa, indicando que a lista não tinha fim. - Quero aprender um pouco de tudo.

- Conhecimento superficial pode ser perigoso - alertou Dyson, estudando o garoto mais de perto.

- Não penso da mesma maneira, sr. Dyson - ele replicou calmamente.

- Chame-me E.J. - propôs.

- E. J. - concordou Ty. - Estou interessado em aprender. Não estou ligando a mínima para o diploma. Se conseguir aprender o básico em várias áreas, vai ser mais difícil me enganarem.

- Ou mais fácil - murmurou Dyson.

A resposta veio acompanhada por um meneio de ombros e um sorriso levemente desafiador.

- Como me disse Nate Moore, um dos vaqueiros mais antigos, bom senso não se ensina. Ou você tem ou não vai ter nunca. Não adianta toda a educação do mundo se você não tiver bom senso para aplicá-lo de forma adequada.

- Camarada esperto.

- Nate Moore é o vaqueiro filósofo por excelência. - Ty franziu o rosto em um sorriso. - Ele não fala muito, mas quando chega a fazê-lo, é algo que vale a pena lembrar.

- A maior parte dos verdadeiros vaqueiros que conheci não se preocupava muito com a educação formal.

- Quase todos os garotos da escola eram garotos de fazenda. Alguns deixaram o colégio e empregaram-se como vaqueiros ou foram ajudar em casa em tempo integral. Ao que eu saiba, nenhum dos que se formaram comigo matricularam-se em alguma faculdade, a não ser uma ou duas garotas. - com tantos afazeres em casa, Ty jamais se aproximara de seus companheiros de classe que não viviam na Triplo C. E além de ser um desconhecido para aqueles que moravam na fazenda, ele era um Calder, consequentemente tampouco se tornara muito próximo de qualquer deles.

- Parece que você quebrou a tradição - observou Dyson.

Um lampejo divertido, quase sarcástico, perpassou os olhos do garoto.

- Acho que eu quase estilhacei a tradição. - Ty estava amargamente ciente de que seu pai ainda não aceitara sua decisão de frequentar a faculdade.

- Tenho um grande respeito por seu pai. - No último fim de semana, Dyson sentira o desagrado de Chase com o filho, mas não sabia a causa. com a observação de Ty, teve certeza do motivo. - Ele é um homem honesto, e tem a cabeça no lugar. Não é de pressionar as pessoas a fazerem o que ele quer. Mas ele é duro, muito duro - declarou Dyson com firmeza, com um brilho de admiração nos olhos azuis desbotados. - Seu comportamento às vezes é meio arcaico. A época dos barões de gado já acabou. Uma fazenda deve ser encarada como um grande negócio como outro qualquer. A administração deve ser dinâmica e altamente eficiente, lançando mão dos métodos mais modernos à disposição, se quisermos que o negócio cresça e seja competitivo. Todos os recursos existentes devem ser usados ao máximo. Seu pai sabe disso, mas não quer admitir. Acho que esse é um dos problemas quando vai se ficando mais velho. Você gosta de fazer as coisas do jeito que está habituado, certo de que é a melhor maneira, porque é a mais conhecida. - Dyson torceu a boca em um sorriso, incluindo-se a si mesmo no comentário. - Mas você tem a cabeça no lugar, Ty. O que você vai fazer trará vida nova àquela fazenda.

Esta concordância inesperada com sua decisão vinda de alguém do calibre de E.J. Dyson, isento de quaisquer preconceitos ou tendências, apagou as dúvidas que ainda persistiam em Ty. Não podia dizer que considerara a situação da mesma maneira que Dyson. Os motivos do garoto eram mais egoístas, centrados no objetivo de adquirir um conhecimento que ninguém mais possuísse.

- Espero que sim. - Muitos vaqueiros veteranos criticaram Ty por seu excesso de confiança. - É por isso que quero fazer todas as matérias que possam me beneficiar a longo prazo.

- Você não pode estudar o tempo todo. Deixe algum tempo para se divertir e arranjar algumas garotas. - Dyson deu uma piscadela.

- Sempre há tempo para as garotas. - Ty soltou uma risada.

- Agora você está falando como um verdadeiro texano - brincou Dyson. - Aliás, fui sincero com sua mãe. Enquanto estiver na faculdade, você será bem-vindo em minha casa em qualquer final de semana. Veja bem, não estou falando isso tudo da boca pra fora. Quero realmente que vá nos visitar.

- Eu irei - prometeu o garoto.

- Quando conhecer minha filha, aposto que irá mesmo - declarou Dyson.

Ty esquecera-se do detalhe. Franziu as sobrancelhas tentando lembrar-se da discussão em que o nome da filha de Dyson fora mencionado.

- Lembro-me de ouvir você dizer algo sobre sua filha uma vez.

- Provavelmente quando falei com você sobre a universidade. Tara Lee matriculou-se como caloura, tal qual você, só que duvido que ela seja tão aplicada em sua educação quanto você. Ela é uma garota brilhante, e tira notas altas com demasiada facilidade.

- Deve ser bom. - As notas do garoto sempre haviam se situado acima da média, mas ele tivera de estudar para obtê-las.

- vou lhe dar um aviso sobre minha filha... de homem para homem - disse Dyson. - Tara Lee atrai os rapazes como moscas para o mel. Ela vai nos esperar à saída do avião, portanto lembre-se de que ela é como uma borboleta, voando de um garoto para outro.

- vou tentar lembrar-me disso. - Acentuou-se sua curiosidade. Ty simplesmente não conseguia adaptar a imagem da garota com a daquele homem delicado e insignificante. Evidentemente, ela não se parecia com o pai, ou então, com a cegueira paterna, ele estava exagerando a beleza da filha.

O aeroplano taxiou até parar diante de um hangar particular com o símbolo de identificação da Dy-Corp Development Ltd. Ty soltou o cinto de segurança e deixou ô homem mais velho sair do avião na sua frente. O ar quente subia da pista de concreto, envolvendo-o em seu cerne sufocante, e o calor refletia-se em ondas nos edifícios próximos. Ty sentia o suor escorrendo pelo peito e axilas. Estava acostumado com o calor seco de Montana, e não com esta umidade do verão texano.

Esticou-se bem, distendendo os músculos contraídos em razão do voo demorado. Um trator em miniatura, rebocando um pequeno vagão, aproximou-se do aeroplano com grande ruído, enquanto os membros da tripulação de terra, que haviam colocado cunhas atrás das rodas, acorreram para abrir o compartimento de bagagens. Ty deu um passo naquela direção.

- Não se preocupe com a bagagem - disse-lhe Dyson. - Eles vão descarregá-la e colocá-la no porta-malas de meu carro.

O som de uma buzina anunciou a chegada de um Cadillac no estacionamento ao lado do hangar. Dyson acenou em saudação, dirigindo-se rapidamente na direção do carro, indiferente ao calor escaldante. As passadas largas e preguiçosas de Ty equipararam-se às dele sem dificuldade. Uma jovem desceu do lado do motorista e aproximou-se deles.

Ty ficou olhando. Não podia evitar. Morena e vivaz, ela personificava tudo o que havia de saudável e sexy em uma mulher. Os cabelos negros eram longos e levemente encaracolados, caindo sobre os ombros em um estilo puramente leve e feminino. Parecia imaculada em seu bronzeado dourado, irradiando um calor que ele pareceu sentir no próprio sangue. Os lábios pintados de rosa-cereja combinavam com o vestido de verão que ela estava usando.

Elegante como uma gazela, correu em direção ao pai, pousando as mãos sobre seus ombros e inclinando-se para beijá-lo nas bochechas.

- Desculpe o atraso, papai. Espero que não tenham pousado há muito tempo.

- Acabamos de sair do avião. - Ele retribuiu o beijo, chamando a atenção da garota para Ty. - Quero apresentá-lo à minha filha, Tara Lee. Este é Ty Calder.

Ty ficou deslumbrado de encontrar aqueles olhos escuros aveludados. Já namorara algumas garotas atraentes. Iniciara-se sexualmente logo após completar dezessete anos, em um final de semana desregrado em Miles, mantendo desde então os encontros com a mesma mulher experiente. Agora estava diante de verdadeira beleza.

- Como vai, Tara Lee? - A voz de Ty era baixa e profunda, vibrante com o alvoroço interior que ela provocava.

- Ty Calder. - Ela repetiu o nome, com um provocante par de covinhas formando-se próximo às comissuras labiais. - Da família Calder?

- Arriscou um olhar enviesado para o pai em busca de confirmação; um tom alegre e crítico, mas não deselegante, transpareceu em sua voz.

- Ele mesmo - assentiu.

- Bem-vindo ao Texas, Ty Calder. - Ofereceu-lhe a mão esguia. Ele a tomou, cumprimentando-a. O olhar do rapaz deslizou para o corpete do vestido, observando a sombra do suor na minúscula divisão que se entrevia. Seios jovens e rijos alteavam-se seguindo o ritmo da respiração. - Vai ficar aqui por muito tempo?

- vou... alegra-me dizer. - O olhar voltou ao rosto da garota, encontrando-se com olhos calmos e astutos; um leve sorriso levantou os cantos dos lábios dela, sem rejeitar o interesse de Ty.

- Ty matriculou-se na faculdade daqui. Acho que comentei isso com você - interpôs secamente E. J. Dyson.

- Recordo-me de que você estava ocupado tentando obter a admissão na universidade do filho de alguém. - Ela meneou timidamente os ombros, que brilhavam dourados, sob a luminosidade pálida do sol. com um leve puxão, escorregou a mão, soltando-a do aperto de mão do rapaz, provocando-o com um olhar por tê-la retido durante muito tempo. Ty limitou-se a sorrir, procurando deixar claro sentir-se atraído por ela... mais do que atraído, ele estava fascinado. - Papai tem negócios com tantas pessoas que acabo confundindo quem é quem.

- com exceção dos Calder? - Ty fez uma zombaria suave usando a frase proferida por ela, demarcando sua família como algo separado.

- As histórias que papai conta sobre a fazenda de vocês... aposto que quase todas não são verdadeiras. - A voz dela possuía um acento sulista elegante, bem diferente da fala arrastada, estridente e fanhosa de Dyson. Ty poderia ouvi-la falar a noite inteira. - É verdade que seu pai é dono de uma fazenda quase tão grande quanto Rhode Island?

- Mais ou menos isso.

- Você vai ter de falar sobre isso depois - declarou, dando o braço ao pai e sorrindo para ele. - Para que eu possa comparar as versões e descobrir quem está inventando contos de fadas.

Ela pareceu esquecer Ty por completo enquanto o trio caminhava em direção ao Cadillac prateado. Tara Lee sorriu para os homens que estavam colocando a bagagem na mala do carro, e Ty percebeu o modo como eles se derretiam para respondê-la. Era vagamente irritante.

- Vejo que Tara Lee convenceu-o a deixá-la dirigir o carro - disse Dyson para o sócio, George Stricklin, que aguardava no Cadillac.

- É - admitiu ele. Tara era uma das fraquezas emocionais que Stricklin se permitia ter. Desde o primeiro momento em que a vira, ainda adolescente, ela lhe fizera lembrar a boneca chinesa que sua mãe deixava guardada na cristaleira. Era um objeto para ser olhado e admirado, mas não tocado. Ele devotava a Tara a mesma adoração distante.

Após matricular-se nas cadeiras de maior interesse, como ciência da agricultura e administração animal e, em menor grau, administração comercial, Ty inscreveu-se em grande número de matérias. Durante a primeira semana de aulas, tentou descobrir em qual associação de garotas Tara Lee Dyson se havia inscrito antes de optar ele mesmo por alguma associação estudantil. Na época dos trotes que acompanharam sua iniciação na associação, Ty já estava craque em suportá-los. Sua única outra atividade extracurricular era o time de rodeio da faculdade.

Uma vez passado o período inicial de adaptação, com Ty bem acomodado à rotina da vida universitária, o primeiro semestre pareceu voar. Apesar dos dois finais de semana passados em casa dos Dyson e a interação de suas respectivas associações de rapazes e moças, Ty passou pouco tempo com Tara. com sua aparência e personalidade, logo no primeiro semestre ela se tornara uma das garotas mais populares do campus. A disputa por sua atenção era das mais encarniçadas.

A associação de Ty promovera uma festa de Natal no final de semana anterior ao início das férias. Durante a maior parte da noite, Ty foi forçado a assistir a Tara rindo e dançando com outros. Por duas vezes, ele tentara chamá-la para dançar, e em ambas alguém se aproveitara de sua qualidade de calouro e se adiantara. A frustração do rapaz já estava chegando a um nível intolerável, quando finalmente surgiu uma oportunidade. Tara tinha acabado de sair do banheiro de senhoras e ia juntar-se aos outros. Ty interceptou-a antes que algum dos companheiros da associação percebesse, tirando-a do salão e levando-a para o pequeno caramanchão sob as escadas.

- Ty Calder, por que você me trouxe para cá? - Seus olhos anulavam o débil protesto que suas palavras continham, mostrando ao rapaz que ela sabia o motivo.

- Em que outro lugar eu conseguiria ficar cinco minutos sozinho com você sem que alguém nos interrompesse? - contra-atacou veemente, a beleza da garota excitando toda a crueza do seu desejo.

- Papai ficou especulando se você pretende ir lá em casa este fim de semana, antes de seguir para a fazenda - murmurou ela.

O banco não era muito cómodo, mas era o único assento disponível.

Ela sentou-se de lado, de frente para ele, os ombros apoiados na dobra do banco. Sua posição mantinha-o à distância, somente os joelhos se tocando quando Ty inclinou-se em direção à garota, uma das mãos espalmada sobre a almofada forrada de couro, próxima ao quadril de Tara. A luminosidade dourada favorecia o brilho de ébano de seus cabelos e a delicadeza cremosa de sua pele. Os lábios eram cor de cereja e refletiam um convite silencioso que penetrava até as entranhas do rapaz.

- Você vai estar lá? - O desejo transparecia na voz de Ty e ele nem se deu ao trabalho de ocultar que sua decisão dependia da presença da garota.

- vou estar lá durante uma parte do tempo, é claro, mas recebi convites para no mínimo uma dúzia de festas. - O calendário social dela parecia sempre completo. Ty não estava bem certo se gostava do turbilhão social que tomava-lhe grande parte do tempo, trocando de acompanhante com frequência. Consolava-o saber que ela não tinha namorado firme, mas sentia-se frustrado por não ter a oportunidade de modificar a situação.

- Tenho um trabalho final para terminar, portanto é melhor você não contar comigo. - Procurou um brilho de desapontamento, qualquer coisa que o encorajasse.

- vou avisar meu pai - replicou Tara tranquilamente, não lhe proporcionando a satisfação que esperava.

Ondas de riso chegaram até o caramanchão, quebrando a intimidade da atmosfera.

- Vamos sair daqui. - Colocou a mão sobre o joelho da garota, acariciando-o sob a saia de lã cor de cereja. - Vamos para algum lugar calmo onde possamos falar. Esta noite não consegui nem cinco minutos com você.

Tara lançou um olhar sombrio na direção dos ruídos, voltando-se em seguida para Ty.

- É uma ótima ideia, só que prometi a Ed Bruce voltar à associação com ele - desculpou-se sorrindo. - Quem sabe, outro dia?

- Você sempre diz a mesma coisa. - A frustração endureceu-lhe a mandíbula. - Fico pensando quando este dia vai chegar. Diga a Bruce que mudou de ideia e vai voltar comigo.

- Não - recusou ela, afastando a mão de Ty de seu joelho. - Não tenho culpa se ele me convidou primeiro, portanto não seja rude só porque aceitei. Ninguém me diz o que devo fazer, Ty Calder, nem mesmo meu pai.

Levantou-se com um movimento escorregadio, marcantemente atraente. Um segundo depois, Ty ficou de pé, finalmente próximo a ela. O aroma perfumado do corpo da garota estimulou os sentidos já suficientemente despertos de Ty, aquela beleza natural tocando fundo sua alma. Pousou a mão na cintura, impedindo-a de afastar-se. Elevou-se acima daquele corpo delgado, olhando-a com todo o apetite de um homem jovem.

Apesar das palavras e atitude, Tara não parecia zangada com ele. Estava simplesmente estabelecendo as regras do jogo. Ninguém iria ditar-lhe ordens ou controlá-la - ou mesmo limitar o número de amigos do sexo masculino. Ela não queria conquistas, mas sim a liberdade de estar com quem lhe aprouvesse, quando bem quisesse.

- Diabos, só quero ver você e nunca consigo. - As cordas vocais vibravam de frustração. Antes, ele não quisera juntar-se à fila de namorados. Queria-a toda para si, mas naquele momento Ty estava tão desesperado que aceitaria qualquer coisa que lhe desse o prazer da companhia de Tara.

A expressão da garota suavizou-se, quase fazendo-o gemer alto.

- Ninguém me convidou para o primeiro jogo de basquete após o Ano-Novo.

- Quer ir comigo? - indagou Ty, aproximando-se mais.

- Quero. - Os olhos escuros brilharam promissores, eliminando os últimos vestígios de controle do rapaz.

Apertando-lhe a cintura com mais força, trouxe-a para junto dele, enquanto com a outra mão ia acariciando os cabelos e a nuca da garota. Não queria ser rude, mas a pressão da boca do rapaz sobre os lábios quentes e curvos de Tara acabou sendo exigente e violenta.

Um arrepio de triunfo percorreu-o, ao sentir o gosto breve de uma resposta. Queria mais e tentou consegui-lo, deparando com uma resistência determinada. Ela colocou as mãos contra seu peito, afastando-se.

Ty apressou-se em pedir desculpas.

- Tara, eu... - Ela o silenciou, pousando os dedos sobre seus lábios.

- Meu pai devia ter me prevenido a seu respeito - ela sussurrou, fitando-o com uma consciência não demonstrada anteriormente. Ty poderia ter aproveitado esta chance e tê-la novamente nos braços, mas ela escorregou para longe de seu abraço com uma rapidez que negava sua aceitação anterior. - Não quero precipitar-me, Ty Calder, portanto vamos voltar para a festa.

Puxou-o pela mão, retornando à sala lotada e barulhenta. Não era o calor daquela mão o que ele queria sentir, mas sim o fervor do corpo e o frescor dos lábios junto aos seus. Um beijo apenas não seria suficiente para satisfazer um apetite que se tornara voraz. Só o fato de estar com ela já despertava seus sentidos, e nenhum alívio era oferecido a seus desejos mais íntimos.

A porta frontal da associação balançava aberta, ajudada pelas rajadas frias do vento que revoluteava os enfeites prateados da árvore de Natal, balançando os ornamentos coloridos. Dois de seus companheiros de associação vinham bufando do interior do salão, cada um carregando um engradado de cerveja sobre os ombros.

- Feche a porta - gritou alguém, protesto endossado pelos demais.

- Chegou o maldito vento Norte!

Jack Springer, um dos carregadores da cerveja, fechou a porta com um chute. Assim como Ty, Jack era novato. Vento Norte era o termo aplicado às correntes frias que invadiam as planícies do Texas com lufadas que baixavam a temperatura, resfriando o ambiente.

- É, e isso é culpa de Montana - censurou Willie Atkins, olhando para Ty, apelidado Montana pela maioria dos companheiros sulistas. Você deve ter deixado algum portão aberto quando veio para cá no último outono. - O olhar perpassou Ty, iluminando-se ao pousar na garota de trança negra que estava com o amigo. Ele tirou o engradado de cerveja de sobre os ombros, empurrando-o para Ty. - Só por isso você vai perder o direito à sua acompanhante pelo resto da noite.

Instintivamente, Ty agarrou o engradado de cerveja em lata. com isso, soltou a mão de Tara. Willie Atkins imediatamente arrebatou-a, valsando exageradamente, o que a fez rir.

Ty ficou vendo-os se afastar, os dentes trincados enrijecendo a mandíbula. Como novato, ele não podia protestar contra seu veterano companheiro de associação. Ainda assim, ficara furioso com a disposição de Tara a ir com Atkins, sem qualquer pesar além de um sorriso descuidado e um vago menear de ombros em sua direção.

Não era a primeira vez que o tratava daquela maneira, e o comportamento dela o desagradava a cada vez. O que mais o irritava era não ter direitos sobre ela. Não era sua namorada nem tampouco lhe dera esperanças de vir a sê-lo. Seu ego estava machucado e seu corpo suportava uma grande dor física.

- Você pretende ficar segurando esta caixa de cerveja a noite toda, Montana? - repreendeu-o Jack Springer, da porta de entrada do salão.

- O pessoal aqui está com sede.

Impelido à ação, Ty ajeitou melhor o engradado e seguiu o filho magrinho de um fazendeiro de alguma colina no Texas até o salão lotado. Mal havia pousado o engradado sobre a mesa de bebidas, alguém arrancou uma lata de cerveja de sua mão. Ty engoliu em seco, dirigindo-se para um espaço vazio, apoiando-se em uma parede lateral.

Apesar de muitos pares já estarem formados com o avançar da hora, muitos rapazes e moças ainda não haviam arranjado parceiros para aquela noite. O número de candidatos à atenção exclusiva de Tara diminuiu, mesmo assim, Ty estava perfeitamente consciente de que ela se encontrava entre aqueles que já tinham par.

Seu cotovelo foi projetado, fazendo-o derramar a cerveja. Ty conseguiu evitar que esta respingasse nele, indo salpicar o tapete já manchado.

- Opa, desculpe. - Ty não ligou para o incidente, mal concedendo um olhar para a garota rechonchuda com cabelos louros oxigenados habilidosamente descolorados.

Só que ela se aproximou, forçando-o a dar-lhe atenção.

- Ouvi falar de você - ela declarou com um olhar de soslaio. - Você não é o Ty Calder?

- Sou. - Analisou-a distraidamente, percebendo as roupas e jóias de aspecto caro.

- Seu pai é dono de alguma fazenda no Norte - ela fingiu lembrar a informação.

- Em Montana. - O sorriso sem graça revelava um traço de ironia. O esbarrão fora somente uma desculpa para conhecê-lo, não um acidente.

Provavelmente ela o analisara de cima a baixo antes de aproximar-se.

- Montana, isso mesmo - assentiu a garota, continuando a sorrir para ele como uma pantera, toda felina e sexy. - Acho que posso considerálo um vaqueiro. Sempre gostei muito de vaqueiros. Eles são bem naturais.

- É mesmo? - A resposta lacónica só fez acentuar o sorriso da loura.

- Você não devia ficar aí bebendo sozinho. Eu me chamo Dott. Apoiou-se contra a parede, tocando-o com o ombro, enquanto o seio protuberante roçava a manga da camisa de Ty.

Neste momento, Ty percebeu Tara sendo levada para um ponto escuro do salão, onde havia uns poucos casais embalados ao som de uma música lenta. Uma sensação diferente revirou-lhe as entranhas ao vê-la ser abraçada pelo parrudo S,chroeder.

- Vamos dançar. - Pegou a loura pela cintura, carregando-a para a pista de danças. Deixaram as latas de cerveja na primeira mesa por que passaram.

Tentando acalmar a dor de seu desejo, puxara a curvilínea Dott para bem junto de si - e também um pouco para mostrar a Tara que havia outras garotas disponíveis. Enquanto seus pés seguiam mecanicamente o ritmo da música, a loura platinada tomou a iniciativa, aconchegando-se mais aos músculos do pescoço do rapaz. com toda aquela paixão que o devorava exigindo algum alívio, Ty não demorou muito a esquecer Tara, aceitando o longo e exigente beijo de seu par.

As mãos de Ty puxaram-na mais para perto, pressionando-a contra seus quadris. Tentando respirar, afastou-se um milímetro dos lábios da garota.

- Qual é mesmo o seu nome? Pat? - Naquele momento, ele não estava ligando a mínima para ela. Só queria obter a satisfação prometida pelo corpo da loura.

- Dott. - Os lábios úmidos e brilhantes separaram-se levemente, esperando que ele os tomasse entre os seus.

- Vamos sair daqui, Dott. - Sentia a língua espessa e a garganta seca.

- Como quiser, vaqueiro.

Ao vê-lo sair com a loura rechonchuda pendurada em seu braço, Tara ferveu de ódio. A reputação de Dott MacElroy era bem conhecida; afinal de contas, ela pertencia à associação e participava da mesma esfera social de Tara. Não a surpreendia ver os dois juntos. Lembrava-se muito bem do olhar ávido de Ty. Em parte por isso mantivera-se longe dele. Ele a excitava mais do que a maioria dos homens.

Sob certos aspectos, sua criação fora bastante severa. Este era o primeiro gosto de liberdade, e ela pretendia saborear cada minuto dos quatro anos de faculdade. Na quantidade, residia a segurança contra relacionamentos sérios e possessivos. Quando necessário, conseguia ser tão cruel e determinada quanto seu pai, assim decidira que Ty não seria mais do que um dos inúmeros namorados.

Sabia que o excitara sexualmente, jogando-o nos braços de Dott MacElroy. Isto não a preocupava. No entanto, afrontava-a a crueza de Ty, demonstrando tão espalhafatosamente suas intenções. Um cavalheiro teria encontrado Dott em algum outro local, em vez de se deixar ver saindo da festa com ela. Todo mundo sabia que Dott só não era chamada de prostituta em razão do petróleo MacElroy. Considerando os comentários de seu pai sobre o primitivismo das atitudes dos Calder em certas ocasiões, ela deveria ter previsto tal comportamento por parte de Ty.

Provavelmente não o veria até o fim das férias de Natal, já que ele não os visitaria no próximo fim de semana. Portanto, tratou de esquecê-lo. Uma mulher possuía muitas maneiras de demonstrar seu desagrado, e Tara conhecia-as todas muito bem.

Durante as férias, Ty não percebeu mudanças na fazenda, exceto sua irmãzinha. O vocabulário dela aumentara, tornando-se assim bastante faladeira. Crescera um pouco e perdera aquele ar de bebé rechonchudo.

Ao contrário, era como se ele estivesse vindo do colégio e não da faculdade. Todos os dias, o pai tinha uma lista de tarefas para ele na fazenda. Após o inverno ameno no Texas, levara uns dois dias para adaptar-se ao frio agudo de Montana.

Não fora recebido efusivamente nem tampouco pareciam haver sentido sua falta - exceto sua mãe, o que Ty já esperava. Mas era em relação ao pai que nutria maiores expectativas. Quatro meses na faculdade não haviam mudado nada.

Talvez fosse esta a causa da depressão em que mergulhara, considerou Ty. Estava esparramado no grande sofá diante da lareira, rodando lentamente um cálice pequeno de conhaque entre as mãos. Ou talvez fosse a imensa pilha de presentes de Natal sob a árvore na sala de estar, um pinheiro longo e pontudo cortado e trazido das montanhas situadas no extremo da propriedade dos Calder. Finalmente, a pequena Cathleen já estava grande o suficiente para compreender o significado do Natal e de Papai Noel. Praticamente todos os presentes sob a árvore eram para ela, graças a uma grande loja de brinquedos que o pai possuía em Denver. Sua mãe rira e contara a Ty tudo sobre o assunto quando ele percebera o número de presentes junto à árvore.

Esfregou a testa com a mão. Todas as comemorações das férias pareciam ser para Cathleen, e ele se sentia magoado com aquilo. Fora ele que estivera longe, mas nenhum novilho gordo fora sacrificado por ocasião de seu retorno. Maldição, ela não sabia a sorte que tinha por estar sendo criada naquelas redondezas - fazer parte desde o começo. Ele não tivera o mesmo início. Ao contrário, viera para a fazenda quando adolescente, completamente inexperiente quanto ao jeito do Oeste e de seus habitantes. Desde então lutara para progredir, e preocupava-o a possibilidade de jamais tornar-se um deles. Às vezes não conseguia deixar de invejar a irmã. Tivera mais facilidade do que ele.

Ao abaixar a mão, seu olhar repousava sobre o telefone. Talvez a melancolia que estava sentindo não fosse causada por nada daquilo. Talvez fosse Tara Lee. Só Deus sabia como a imagem dela o perseguia, o pensamento torturando-o com lembranças muito vívidas da beleza, orgulho e força que demonstrava possuir. Ty não queria estar com ela no Texas, mas estava desgraçadamente seguro de querê-la ali com ele.

A festa na Associação não terminara bem. Apesar de haver obtido a gratificação sexual que sua carne suplicava, a experiência o deixara com um sabor amargo na boca. Era Tara que ele desejava, e ficara irritado por contentar-se com menos. De alguma maneira o que acontecera parecia haver vulgarizado seus sentimentos em relação a ela. Se ao menos ele pudesse explicar, talvez as coisas melhorassem um pouco. A lembrança da voz arrastada, educada e suave de Tara acentuava a ânsia que sentia.

Levantou-se do sofá e dirigiu-se para o telefone preto sobre a mesa. com o fone em uma das mãos, começou a discar o número da telefonista, hesitando em seguida. O barulho de passos aproximando-se fê-lo decidirse, recolocando carrancudo o fone no gancho.

- Ah, você está aí, Ty. Pensei encontrá-lo lá em cima - exclamou a mãe, entrando. - Estávamos esperando você descer para abrirmos os presentes. - Ao virar-se para olhá-lo, ela percebeu a mão do filho pousada no telefone. - Desculpe. Você estava no telefone?

- Não. - A negativa imediata soou falsa. - Ia telefonar para uma pessoa, mas mudei de ideia. - Pegou o cálice de conhaque e engoliu o conteúdo, inflável, estudando os próprios movimentos.

Poucos motivos seriam capazes de ocasionar aquele ar preocupado no rosto de alguém. A curiosidade materna de Maggie acendeu-se quanto às razões.

- É uma garota?

Ty levantou a cabeça, desconfiado e arredio, então um sorriso repentino retorceu seu rosto.

- É, sim.

- Se você estava pensando em telefonar para ela na noite de Natal, é porque deve ser muito especial. - Maggie sentiu uma pontada de apreensão, misturada com um certo divertimento.

- E é mesmo. - O sorriso perdeu sua aspereza, tornando-se aconchegante e suave. Um sopro de determinação perpassou-o. - Para falar a verdade, vou me casar com ela.

- O quê? - enrijeceu-se Maggie em vago alarme.

- Não se preocupe, mãe. - Ty sorriu docemente. - Não vai ser logo. Nós dois temos de terminar a faculdade.

- Qual é o nome dela? - Ele não mencionara qualquer namorada firme em suas cartas. É certo que suas cartas haviam sido poucas e espaçadas, típicas epístolas curtas. - Suponho que seja alguma daquelas belezas do Texas de que E.J. está sempre se vangloriando.

- É verdade - admitiu, sem dizer à mãe que a garota era filha de E. J. Dyson. Terminou de beber o resto do conhaque, colocou o copo sobre a mesa e cruzou a sala, envolvendo com o braço os ombros da mãe.

- Sabe que ela é do seu tamanho? Os cabelos também são escuros. Os olhos são castanhos, quase negros... não verdes como os seus. Ela é tão bonita quanto você.

- Nesta última parte eu não acredito. - Ela riu, finalmente à vontade com os comentários lisonjeiros do filho. Ele os pronunciara com naturalidade. Mesmo assim, era difícil para ela considerá-lo homem feito. Ele sempre seria seu filho, provavelmente o veria como um garotinho para sempre. com o olhar materno atento aos detalhes, como a sujeira atrás das orelhas, Maggie esticou-se para ajeitar as pontas dos cabelos negros do pescoço do garoto, onde a gola da camisa os levantara. - Você precisa cortar o cabelo.

- Está na moda, mãe - assegurou ele com uma piscadela de cumplicidade. - Alguns dos caras do campus usam o cabelo na altura dos ombros.

- É melhor você não vir para casa com os cabelos neste comprimento, ou seu pai vai ter um ataque do coração. - Era uma brincadeira, mas nenhum dos dois sorriu. Ambos sabiam que aquilo só serviria para endurecer os preconceitos paternos contra a faculdade.

- Por falar no papai - Ty mudou de assunto com habilidade -, é melhor irmos para a sala de estar antes que ele e Cathleen comecem a abrir os presentes sem nós.

O ferro de marcar, com uma área central vermelha, mostrava a letra C incandescente. Mesmo de luvas, Jessy sentia a quentura percorrendo o ferro e alcançando suas mãos. Mas ela já estava acostumada - assim como se habituara à poeira sufocante, às imprecações e à confusão de cavaleiros e animais. Já participara de inúmeros rodeios no decorrer de sua jovem vida para que estranhasse o que quer que fosse.

O flanco vermelho-cinzento do novilho Hereford estava exposto ao ferro. Existia um truque para fazer uma marca nítida. Jessy aprendera o macete há dois anos, e agora já manejava o ferro como especialista. O pêlo chiava com a quentura, deixando um cheiro forte no ar já impregnado com o odor de estrume, sangue e suor. Ela não piscava um olho sequer.

Pressionou o ferro incandescente com firmeza sobre o lombo do animal, não demasiado profundo a ponto de ferir a carne, mas fundo o suficiente para queimar uma marca bem-delineada no couro do novilho. Se não aprofundasse o suficiente, o pêlo voltaria a crescer e encobriria a marca. Repetiu o ato mais duas vezes, de modo a colocar três cês no flanco do novilho. Deu um passo para trás, fazendo um sinal para o homem que estava segurando o novilho apavorado.

- Pode soltá-lo - disse ela.

com o passo apressado, Jessy encaminhou-se para a serralheria, desviando-se de cavalos, cavaleiros e laços sendo lançados, bem como de outros membros da equipe da fazenda. Quando chegou à serralheria, colocou o ferro no carvão fervendo para reaquecimento e pegou um outro ferro incandescente.

Membros da equipe convergiram para o local onde os novilhos estavam sendo laçados aos berros e aos pinotes, cada um deles com sua tarefa. Um homem pegava o novilho pelos flancos e o jogava no chão enquanto um outro agarrava-o pelas orelhas e um terceiro espetava-o com uma agulha de vacinação e castrava os novilhos de touros. Por fim, marcavam-no a ferro. Eles trabalhavam com eficiência e destreza, colocando o bezerro a seus pés antes mesmo que ele se recobrasse do terror de haver sido meio estrangulado pelo laço em volta do pescoço.

O número de novilhos parecia infinito quando Jessy passou para o seguinte. Um filhote de touro pesadão estava dando trabalho aos homens, escoiceando e recusando-se a ser deitado esticado. Em respeito aos ouvidos supostamente sensíveis de Jessy, a maior parte dos xingamentos era proferida em voz baixa, embora há muito tempo já tivesse escutado todos os palavrões imagináveis e usasse alguns ela mesma, não na frente do pai. Aquela seria a maneira mais certa de ser expulsa de casa, e Jessy amava o trabalho na fazenda, não importando o esforço físico que fosse necessário despender.

Ela ficou para trás, de pé, esperando até que os demais terminassem suas tarefas e aprontassem tudo para ela manejar o ferro. Escutava distraída a conversa dos homens, interrompida por grunhidos de esforço e xingamentos abafados.

- Ouvi dizer que Ty vai chegar no mês que vem - afirmou um deles, xingando o novilho quando este lhe deu um coice na canela. Ao ouvir o nome de Ty, Jessy era toda ouvidos. com treze anos, já estava na idade de pensar em garotos, repousando em Ty a escolha ideal, já que era mais velho e de uma beleza rude - e ausente, o que permitia à garota inventar pequenas fantasias a seu respeito. As ideias dela sobre romantismo coloriam-se naturalmente de acordo com sua personalidade. Imaginava ela e Ty cavalgando pelo pasto e trabalhando juntos com o gado. Ele se impressionaria com a habilidade dela. Até então, seus sonhos não haviam levado a garota além do dar as mãos e pequenos beijos rápidos e castos.

- Vem para casa no verão, né? - Lês Brewster agarrou uma orelha vermelha e colocou a marca no lugar. Jessy percebeu o assentimento dado pelo primeiro.

Na outra extremidade do novilho, uma faca para castração estava sendo usada.

- Ouvi dizer que ele deixou o cabelo crescer. - Ele não afastou os olhos de sua tarefa enquanto fazia uma incisão para remoção dos testículos. - Vai voltar parecendo Jesus Cristo.

- Ty não ia fazer isso - Jessy protestou perplexa.

- Por que não? - interpôs Lês. - Está me parecendo que a faculdade lhe deu umas ideias meio arrogantes. Vamos ver se ele está precisando de um corte de cabelo quando ele chegar em casa. - Ele desviou o olhar do novilho, uma faca ensanguentada na mão, encarando Jessy com dureza.

- Você vai ficar aí parada ou vai colocar o ferro neste novilho?

Normalmente ninguém dizia a ela o que fazer ou quando fazê-lo. Ela enrubesceu um pouco com a crítica subjacente, aplicando o ferro com rapidez.

À noite, em casa, Jessy escreveu uma pequena carta para Ty, contando sobre a marcação a ferro da primavera na sucursal Sul. Assim que terminou as amabilidades, inquiriu-o bruscamente se deixara o cabelo crescer, alertando-o contra tal besteira. Telefonou para a casa-grande e pegou o endereço, colocando a carta em um envelope e enviando-a quando voltou para a escola na segunda-feira.

Ao ler a carta de Jessy, Ty ficou rindo sozinho. Era típico da garota passar pelos mexericos e ir direto às fontes para descobrir as respostas. Duvidava que um dia houvesse passado pela cabeça da garota que estivesse sendo intrometida e metendo-se com o que não lhe dizia respeito.

Após ler toda a carta, dobrou-a, colocando-a no bolso da calça, prometendo a si mesmo procurá-la quando voltasse para casa. O conteúdo da carta transportara-o de momentos do calor de uma tarde de maio no Texas para a primavera fria de Montana, a excitação e algazarra da época de marcar o gado. Esqueceu o suor em sua pele ao passar os dedos pelos cabelos, medindo-os distraído. Uma buzina soou bem à esquerda, trazendo seus pensamentos subitamente de volta ao presente. Um carro esporte conversível estacionara ao lado do meio-fio. Tara estava ao volante, vestida com um elegante uniforme branco de ténis, uma faixa branca mantendo os cabelos longe de seu rosto oval. O sangue de Ty acelerou-se nas veias enquanto, evitando a calçada, atravessou a grama em direção ao carro, detendo-se no meio-fio.

- Entre aqui. - Presenteou-o com um de seus meio-sorrisos provocantes.

Ty saltou agilmente por cima da porta, acomodando seu corpo comprido no assento ao lado dela. O carro afastou-se suavemente do meio-fio, em direção ao sinal da rua do campus. Ty ficou analisando o perfil e a perfeição dos traços de Tara, o que nunca se cansava de fazer.

- Você estava absorto em seus pensamentos quando cheguei. - A observação era quase uma repreensão por não tê-la percebido antes de buzinar.

- Estava decidindo se estou precisando cortar o cabelo.

O olhar dela percorreu os cabelos negros de Ty, desordenados com a brisa soprando por sobre o vidro dianteiro do carro.

- Eu gosto assim.

Ele percebera o traje sumário e as pernas nuas, bronzeadas e bem-feitas de Tara.

- Vai jogar ténis? - adivinhou ele, percebendo ao mesmo tempo como ela parecia bem-disposta e vivaz.

- Eu e Roger Mathison vamos fazer parceria no jogo de duplas às quatro horas - admitiu ela, com considerável autocontrole. - Você está indo para a biblioteca ou para a associação?

- Para a biblioteca. - Ajeitou o caderno espiral no colo, olhando fixo para frente, não demonstrando qualquer reação diante da afirmação de Tara de que tinha um encontro com outro homem.

Nada mudara entre eles, não da maneira como ele esperava. Se tivesse sorte, ele conseguiria encontrar-se com ela uma ou duas vezes por mês. Neste meio tempo, ela saía com outros enquanto ele satisfazia suas necessidades básicas com uma fila de garotas sem importância. Tara tornara-se mais conhecida no campus de Austin, acirrando-se a disputa pelas atenções da garota. Um encontro com ela transformara-se em prémio que os rapazes disputavam encarniçadamente. Ty perdera a conta do número de rivais. Alguns vinham e iam, especialmente os que tentavam dominá-la e exigir maior atenção - fato que Ty logo observara. Assim, ele engolira o orgulho e tornara-se um dos habituais.

- Você tem planos para o verão? - ele perguntou.

- Nada específico. - Balançou os ombros.

- Seu pai geralmente faz uma ou duas viagens a Montana durante o verão. Por que você não vai com ele? - Seria uma oportunidade de tê-la só para ele, sem competição.

- Vamos ver.

Ele não a pressionou para obter uma resposta definitiva quando ela parou o carro em frente à biblioteca da universidade. Em vez de abrir a porta, Ty virou-se um pouco no assento, ficando de frente para ela, o braço estendido sobre o encosto.

Colocou a mão em concha no pescoço da garota, puxando-a para mais perto enquanto se inclinava em direção a ela. Havia uma certa passividade na maneira com que ela se deixava aproximar, passividade que chegava à indiferença. Mas Tara inclinou a cabeça à espera do beijo, demonstrando que também queria. com isso conseguiu seu intento, o de excitá-lo.

Ty lutava para controlar seus impulsos enquanto a beijava; no entanto, a paixão inundou-o. Ela correspondeu, ainda que mantendo alguma reserva, sem deixá-lo obter tudo o que queria. Impaciente, ele se afastou um pouco, percebendo a veia azulada pulsando no pescoço da garota, mesmo enquanto sorria tão calmamente.

- Vá para Montana neste verão, pelo menos um fim de semana ele insistiu. - Seria uma eternidade até setembro.

Ela correu um dedo sobre seus lábios, um lampejo quase sorridente acendendo-se em seus olhos escuros.

- É muito cedo para fazer planos para o verão - repreendeu-o brincando. - O semestre ainda nem terminou. Agora saia, ou vou me atrasar para o encontro com Roger. - Enquanto Ty saltava relutante do carro, ela soprou um beijo descuidado e acelerou.

Naquele verão, Tara não o visitou na fazenda. Em três ocasiões diferentes, E. J. Dyson e seu sócio, Stricklin, voaram até a Triplo C, mas ela não os acompanhou como poderia facilmente ter feito.

Ty telefonou-lhe duas vezes, renovando o convite. Não fosse o trabalho pesado que o sobrecarregava e o deixava cansado demais para pensar, teria ficado maluco, imaginando o que ela estaria fazendo e com quem.

Novamente os empregados da fazenda zombaram de Ty, querendo saber o que ele aprendera na faculdade. No começo do verão, alguns dos veteranos retraíram-se um pouco em relação a ele, designando-lhe os piores trabalhos, para saber se a faculdade o tornara bom demais para tal tipo de tarefa. No final, foi novamente aceito.

Ty só foi designado para trabalhar na sucursal Sul da fazenda na metade do verão, encontrando-se por acaso com Jessy Niles, com quase quatorze anos, alta e ainda desengonçada. Àquela altura, já esquecera a carta que ela lhe escrevera.

O mata-burrão vibrava sob as rodas do carro que se dirigia à fronteira Leste da fazenda Triplo C. O portão Leste consistia de uma estrutura despretensiosa com dois postes altos sustentando uma placa descorada pelo sol, que ficara pendurada sobre a estrada. Na inscrição lia-se simplesmente: The Calder Cattle Company, com a marca Triplo C escavada na madeira. Não havia nada à vista exceto as altas planícies desertas, ondas douradas de relva taluda. Ainda faltavam uns setenta quilómetros antes que os prédios principais da sede da fazenda começassem a ser vistos.

Fazia-se um profundo silêncio de meditação no interior do carro. Os pensamentos de Maggie estavam voltados para a despedida no aeroporto. Quando Ty se foi para seu primeiro ano na faculdade, ela ficara contente por ele. Mas nesta segunda vez, estava mais difícil. Não lhe agradava separar-se dele, apesar de Ty retornar sempre que havia uma oportunidade.

- Gostaria que Ty estudasse em uma faculdade mais perto de casa.

- Ela enunciou seu desejo em voz alta.

- Se você tivesse me ouvido, ele estaria estudando - rebateu Chase.

- Mas não, você insistiu para que Ty fizesse sua própria escolha.

- Eu sei. - A resposta veio seca, não o encorajando a discutir mais aquele assunto. Já houvera muita briga sobre o problema da faculdade.

- Então pare de reclamar. - Ele não desviava a atenção da estrada da fazenda.

- Eu não estava reclamando - retorquiu Maggie. - Só estava enunciando um desejo.

- bom, eu queria muito que ele não tivesse ido para a faculdade. Chase despejou as palavras zangado.

- Você já deixou bem clara a sua opinião em outras ocasiões.

- Bolas, isso é perda de tempo. - Bateu com a mão no volante. Se ele quisesse ser engenheiro, professor, médico, tudo bem, o estudo seria valioso para ele. Mas ele quer ser fazendeiro, droga! Ele me disse isso!

E a melhor maneira de se aprender o trabalho na fazenda é através de experiência prática.

- Por quê? Só porque foi assim que você aprendeu? Quer dizer que esta é a única maneira? - Ela se opôs, em um arroubo genioso. Sabendo como era inútil discutir com ele, Maggie aprumou-se no assento e cruzou os braços, altiva. - Você não está raciocinando, Chase! - disse ela, retesando-se. - Quando você está envolvido, existe a maneira certa e a errada... e a sua maneira. E se não for a sua forma, então naturalmente tudo estará errado.

- Uma coisa é certa: o meu jeito funciona. - Era uma resposta áspera e decisiva.

Os últimos quarenta quilómetros foram ultrapassados em silêncio constrangedor. Chase preferia que o assunto não tivesse vindo à baila. Ele não conseguia explicar a Maggie o quanto desejava estar errado. Falar sobre aquilo aumentava a tensão entre eles, em vez de diminuí-la. Ela sempre discordava dele, sem ceder um milímetro, jamais reconhecendo qualquer validade nas preocupações de Chase. Não entendia que ele precisava de sua compreensão; estava muito ocupada em defender a atitude do filho.

Ele estacionou o carro próximo à escadaria principal da casa-grande, deixando o motor ligado. Maggie abrira a porta de passageiros antes de perceber que ele não ia descer. Ainda pairava no rosto dele uma certa dureza quando ela lhe dirigiu um olhar interrogativo.

- Você não vem?

- Não. - Olhando por sobre ela, Chase viu a filha saindo correndo de casa para saudá-los. - Se eu me atrasar para o jantar, não precisa me esperar. Eu esquento alguma coisa quando voltar.

Embora estivesse zangada demais para perguntar aonde ele ia, Maggie perturbou-se com a atitude do marido. Saiu com o carro assim que ela bateu a porta... sem esperar a filha festejá-lo. Ela não se lembrava de Chase estar tão apressado que não pudesse trocar uma palavra com Cathleen.

- Papai! - exclamou Cathleen, batendo os pés no chão de madeira da varanda num acesso de raiva ao ver que suas lágrimas não o traziam de volta.

Voltando à pista de mão dupla, Chase seguiu até um pequeno aglomerado de prédios dispostos em meio ao nada. Era uma cidade chamada Blue Moon, situada ao lado da estrada em um círculo irregular. Uma casa fora relegada ao abandono, ao crescimento do mato no quintal, com a parede de trás destruída e prestes a desmoronar. A pintura da placa no alto da mercearia e do posto de gasolina estava descascando e quase ilegível, descolorida pelo sol. Dois carros encontravam-se abandonados atrás da construção, sem pneus e enferrujados.

O prédio seguinte parecia em melhores condições, exceto por uma placa arruinada devido ao acúmulo de gelo, além do vento forte. Estava escrito simplesmente Sally's. Chase estacionou o carro em frente, ao lado de duas caminhonetes empoeiradas da fazenda, e entrou.

Metade das mesas estava coberta com toalhas de algodão e a outra metade sem nada. Em um canto do salão, havia uma mesa de sinuca isolada, um vaqueiro debruçado sobre ela, mirando uma bola com o taco. A máquina automática de música tocava uma canção qualquer.

Chase dirigiu-se ao balcão, onde uma mulher de cabelos castanho-avermelhados estava sentada em um banco. Ela sorriu para ele. Um lampejo de ansiedade melancólica acendeu-se por um instante em seus olhos azuis.

- Oi, Chase. - Deslizou do banco, indo para trás do balcão. - O que você vai querer? Cerveja? Uísque? Café?

Ele deu uma olhada para a xícara de café pela metade que ela estava bebendo.

O café não parecia muito forte.

- Uísque com água - pediu, subindo no banco ao lado daquele de onde ela descera.

Ela recusou o dinheiro que ele colocou sobre o balcão quando a bebida chegou.

- O primeiro drinque é por conta da casa.

A boca de Chase retorceu-se em uma careta de remorso.

- Acho que não venho aqui desde que você começou a servir bebidas alcoólicas, não é? - Virou a bebida. A princípio não sentiu nada, mas logo sua garganta começou a pegar fogo.

Ao fitá-la por sob a aba do chapéu, viu que ela o olhava calmamente. Chase não sabia se era o uísque ou a força tranquilizante da presença dela que parecia acalmá-lo. Antes de Maggie voltar para ele, chegara a pensar em casar-se com Sally. A serenidade agradável que a envolvia o reconfortava e tranquilizava.

- Não me agrada nem um pouco a ideia de você tomar conta de um bar, Sally - fez ele, acostumado à força de sua opinião.

- Foi uma decisão puramente profissional - argumentou ela, sem ofender-se, reação que seria típica de Maggie. - Minha clientela consiste principalmente de vaqueiros, e eles bebem muito. Mesmo gostando bastante da minha comida, eles começaram a ir para outros locais. Se eu quisesse manter o bar aberto, não teria outra escolha.

- Avise-me se houver qualquer problema.

Novamente ela ofereceu um sorriso calmo que parecia suavizar as linhas em torno da boca e olhos, tornando-a atraente.

- Às vezes os garotos são meio desordeiros, mas ninguém sai da linha. O lugar se tornou como um segundo lar para grande parte deles. Geralmente tenho muitos defensores à mão, se precisar.

- Imagino que sim. - Abaixou a cabeça e empurrou o copo vazio em direção a ela. - Encha mais um, sente-se e termine seu café.

Desta vez, ele bebericou o uísque aos poucos, enquanto ela se sentava no banco ao lado do dele.

- Como vão as coisas na fazenda?

- Bem. - Chase estudava a bebida marrom-dourada, erguendo o copo para sorver outro gole. - Acabei de levar Ty ao aeroporto.

- Ouvi dizer que ele está indo bem.

- Seria melhor se ele ficasse em casa. - A mão bronzeada apertou o copo, a pele em torno dos ossos mais branca. - Não consigo fazer Maggie compreender, Sally. Desde que ela voltou tudo tem sido melhor. Ela não estava aqui nos períodos difíceis. Não estou falando só sobre a seca. Houve uma época em que as pequenas fazendas do Norte derrubaram as cercas e levaram o gado até nosso pasto... e a disputa para a posse daqueles três mil hectares de terra do governo bem no meio da fazenda. Tem sempre alguma coisa ou alguém. - Chase suspirou fundo.

- Vai dar tudo certo - murmurou Sally.

- Será? - Percorreu o rosto da mulher com o olhar, os cantos da boca levantados em ironia taciturna. - Quero Ty em casa, e Maggie acha que estou sendo egoísta.

- Duas pessoas não concordam em tudo. Sempre existe algo com que você discorda.

Chase suspirou fundo.

- Esta discordância está se tornando um inferno. - Buscou os olhos serenos de Sally. - Você é mulher, Sally. Diga-me como fazê-la entender.

- Foi por isso que você veio aqui? - Seu olhar refletia certo arrependimento e mágoa. - Não sou boa para dar conselhos, Chase.

A boca do homem estreitou-se.

- Não quis incomodar, Sally. Acho que só precisava falar com alguém. - A lembrança estava em seus olhos escuros ao olhar para ela. Pensei em você.

Ela balançou os cabelos avermelhados, em silêncio, fazendo força para falar até que finalmente conseguiu pronunciar as palavras.

- Acho melhor você ir para casa, Chase.

- Tudo bem - assentiu ele, carrancudo, esforçando-se por terminar logo o segundo drinque.

Ao longo do outono e inverno, encontrou inúmeros motivos para ir até Blue Moon.

Todas as vezes ele passava no bar de Sally para trocar uma palavrinha. Não mencionou seus problemas em casa. E continuou dizendo a si mesmo que Sally era somente uma velha amiga.

As lápides antigas estendiam-se em silêncio ordenado. Grandes talos de grania emergiam em volta de suas bases. Havia quietude no velho cemitério, as árvores frondosas estendiam seus galhos protetores sobre os túmulos lascados e gastos pelo tempo.

- Quando me pediu para sair com você esta tarde, eu não sabia que ia me levar a uma excursão por um cemitério velho. - Tara olhava em torno com um misto de susto, curiosidade e desconforto. - Sinto que deveria estar sussurrando.

Ty limitou-se a sorrir, apertando mais a mão dela. Um velho carvalho retorcido se elevava ao lado do caminho à frente deles.

- Por aqui. - Levou Tara em direção ao carvalho.

- Não seria nada mau se você me dissesse o que espera encontrar ela protestou.

Ao lado do tronco grosso de carvalho, Ty deu uma espiada na lápide inclinada, espichando as passadas, ansioso. Era uma tumba simples, sem desenhos entalhados. Anos de exposição à chuva e ao vento, ao calor e ao frio, haviam alisado sua superfície, mas o nome gravado ainda podia ser lido: Seth Calder. Não tinha data e era marcado com os dizeres "Descanse em paz"

- Aqui está - exclamou para Tara, ficando de lado para que ela pudesse ver. - Era meu tetravô.

- Não sabia que você tinha algum parente aqui em Fort Worth. Dissimuladamente, ela desviou os olhos da lápide para analisar o homem alto, em muitos sentidos bem mais amadurecido do que outros de sua idade.

- Nem eu - admitiu Ty. - Não sabia nada sobre ele - indicou a tumba de seu ancestral com a cabeça -, até o último Natal. Papai estava contando a Cathleen a história do primeiro Calder a estabelecer-se em Montana. Ele começou a fazenda com um rebanho de gado que trouxera do Norte do Texas. É sua história favorita. Acho que já escutei meu pai contar esta história para Cathleen pelo menos cem vezes, só que desta vez ela perguntou sobre o pai e a mãe de Benteen Calder e por que eles não vieram para Montana com o filho. Meu pai explicou que Seth Calder morrera poucos meses antes de eles irem para Montana e fora enterrado aqui no Texas.

- E a mulher dele?

- Possivelmente fugiu com algum inglês quando Benteen Calder ainda era garoto. Pelo que papai sabe, nunca se ouviu falar nela desde então. Desde que descobri que existia este velho cemitério em Fort Worth, estava querendo dar um pulo até aqui para procurar o túmulo.

Era difícil explicar esta necessidade de saber mais sobre sua família, uma espécie de busca de identidade. De pé ali na beira do túmulo, olhando para o nome Calder gravado na pedra, Ty sentiu uma proximidade com o passado, um sentimento de congregação. O nome Calder era tanto sua herança como seu futuro.

Tara mexeu-se, um pouco irrequieta, ao lado dele. Retomou a atenção do rapaz para si. Ao baixar os olhos para ela, Ty observou um brilho de impaciência no olhar da garota.

- Acho que isso lhe parece loucura - murmurou ele. Não sabia por que a trouxera consigo, só que aquilo era importante para ele e, sendo importante, queria que ela tomasse parte.

- Não, não acho loucura. - Sabia o que queria que ela dissesse, mas não tinha noção do significado de tudo aquilo para Ty. - Não é estranho querer homenagear um membro da família.

- Não sei muito sobre minha família ou sua história, somente alguns trechos, alguns pedaços - confessou Ty, com um suspiro profundo. Meus pais ficaram separados até eu completar quinze anos. Vivi com minha mãe na Califórnia durante todo este tempo, quer dizer, cresci sem saber os detalhes sobre a família do meu pai da maneira como minha irmãzinha vai saber. Não foi fácil o começo na fazenda. Lutei com todas as forças para integrar-me. - Soltou uma risada curta ao perceber o que dizia. - Acho que, à minha maneira, ainda estou lutando.

- Significa muito para você integrar-se, não? - Lia o olhou, curiosa e inquisitiva. - Talvez seja isso que o torne diferente dos outros. Você parece levar os estudos mais a sério... e todo o resto.

- Você me faz parecer monótono. - O sorriso silencioso ocasionou um efeito estonteante em Tara, acelerando sua respiração. Era perigosamente sensual e desafiador.

- Monótono, não - corrigiu Tara, tentando dar a seu sorriso um aspecto provocante. - Só perigoso.

Ele elevou uma sobrancelha em resposta.

- Perigoso como?

- Não sei se consigo explicar. - Deu de ombros. - A maioria dos caras da faculdade quer aprender, mas estão mais interessados em se divertir. com você é o contrário. Você vai a festas e bebe cerveja com eles, mas não está aqui especialmente para farras. Acho que não é só isso. Tenho a impressão de que você persegue as coisas, até conseguir.

- Como você, por exemplo. - O olhar de Ty mergulhou em Tara com uma intensidade perturbadora.

- Não disse isso - recolheu-se quando ele pareceu aproximar-se mais, mesmo sem mover-se um palmo.

- Mas você sabe que quero você - afirmou calmamente, inspecionando o rosto e as curvas de Tara como se já a estivesse possuindo.

- Nem sempre as pessoas conseguem o que querem - ela contrapôs novamente.

- O que é que você quer, Tara?

- Divertir-me e aproveitar a vida. - Era uma resposta trivial, do tipo adequadamente feminino. No fundo do coração, ela sabia o que verdadeiramente desejava. Era filha de E. J. Dyson, consequentemente crescera rodeada pelo poder. Isto implicava um sentido de satisfação que se tornara um hábito. com sua beleza, ela possuía seu próprio poder, e sabia disso. Na faculdade, começara a exercitar este poder e a testá-lo naqueles que não estavam sob a influência de seu pai, a fim de descobrir sua força potencial.

- E quanto a um lar e uma família? - sugeriu ele.

- Quando chegar a hora. - No momento, seus planos para o futuro eram nebulosos. Acalentava um vago sonho de tornar-se a matriarca dominante de uma família poderosa. - Primeiro vou terminar a universidade. Depois, papai me prometeu um ano na Europa.

- E você vai?

- Claro que vou. - Ela soltou uma gargalhada alegre e musical. As alternativas não são muito atraentes. Simplesmente não consigo me ver arranjando um emprego e trabalhando cinco dias por semana. Logo se tornaria monótono.

- Você poderia se casar. passar um mês na Europa em lua-de-mel

- ensaiou Ty.

- Poderia. - Os lábios vermelhos aproximaram-se, convidativos. Tenho a impressão de que papai espera que eu faça um casamento vantajoso algum dia, para que houvesse a junção de duas famílias importantes.

- Seu pai não me parece tão calculista. - E. J.Dyson sempre se mostrara um pai indulgente, procurando realizar todos os caprichos da filha, jamais pressionando-a a seguir este ou aquele caminho. Ty nunca pensara que E. J., ao contrário de seu próprio pai, esperasse que a filha preenchesse um determinado papel.

- Todo pai quer que a filha faça um casamento perfeito e tenha um marido à altura. Não há nada de errado ou mesmo de calculista nisto. Mas ela conhecia o pai suficientemente bem para saber que com ele as coisas não eram assim tão casuais. Ele era esperto o bastante para não impor-lhe regras. Nutria fortes suspeitas de que o pai estava certo do alinhamento final dos desejos de ambos.

Toda aquela conversa sobre casamento entusiasmou-o.

- Você daria uma bela noiva, Tara - sussurrou Ty, estendendo as mãos para acariciar os cabelos negros sedosos. - Posso ver você com um vestido de cetim branco, salpicado de pérolas, e um véu de renda.

Levantou a mão esquerda da garota. No dedo anular havia um topázio, pedra da sorte, circundado de diamantes. Ele cobriu o anel para que pudesse imaginar o diamante que lhe daria. Quando olhou para ela, os pensamentos sobre a cerimónia de casamento imediatamente deram lugar a imagens sobre a noite de núpcias.

- Você vai ser minha, Tara - declarou rudemente. - Mais cedo ou mais tarde você vai ser minha.

Ela começou a rir da afirmativa de Ty, mas ele não fazia pouco-caso dos próprios sentimentos. Envolveu-a em seus braços enquanto cobria seu sorriso com a boca. A intensidade do beijo inclinou-a para trás, arqueando-lhe a coluna e colando os quadris da garota a suas coxas musculosas.

A força do desejo e a dificuldade em obter o que queria o tornou indiferente à resistência das mãos dela. Restou somente a doce sensação dos beijos de Tara, as formas arredondadas desenhando-se em seu peito. O corpo quente excitava-o, e a suavidade de mel dos lábios dela compensavam a relutância em dar uma resposta.

Ty sabia estar levando-a além do ponto em que Tara queria parar, mas era tal sua confiança que sentiu-se capaz de finalmente convencê-la a ceder a seus impulsos. Obrigou-a com as mãos, exigindo uma intimidade maior ao sentir suas nádegas arredondadas e rijas, o busto protuberante e elevado. Sugou o lóbulo da orelha e mordiscou a pele sensível do pescoço e da nuca. Durante todo o tempo estava consciente da respiração descontrolada e ansiosa de Tara e dos ruídos de protesto que ecoavam em sua garganta.

Quando a mão da garota repentinamente fechou a boca do rapaz, interpondo-se contra seus beijos, Ty segurou-a impaciente, tentando afastála. Enquanto crispava os dedos em torno do punho esguio para retirar a mão de Tara, observava aquele rosto excitado e tomado pelo rubor, próximo ao seu. Os olhos luziam escuros com determinação implacável.

- Se você realmente gosta de mim, Ty, pare com isso agora antes que vá longe demais - insistiu, aproveitando a vantagem de ele possuir aquele louco código de honra há muito descoberto por ela. Não tinha escrúpulos em explorar o que considerasse fraqueza.

- Se eu gosto de você? - O tom grave de sua voz repercutia à débil manifestação da fúria apaixonada que desencadearia dentro dele. - Por Deus, Tara. Eu amo você - confessou Ty, quase zangado.

Ela não se enterneceu.

- Não saí com você para ser seduzida em um cemitério. - Colocou as mãos sobre o tórax do rapaz, exigindo distância.

A referência ao local não muito apropriado fê-lo sentir-se desajeitado, grosseiro e primitivo. Ela sempre o fazia sentir-se como um animal concupiscente, conspurcando-a com seus desejos primários. Ty zangou-se instantaneamente consigo mesmo por permitir tal pensamento. Tentara obter dela a submissão com aceitação, portanto era perfeitamente justo condenar a força de vontade para resistir a ele.

- Desculpe. - Deixou-a afastar-se e virou-se, coçando a nuca. Não tenho o direito.

- Ty. - Sentiu o toque da mão dela sobre seu braço. A doçura da voz de Tara e a fragrância de seus cabelos fizeram-no soltar um gemido.

- Não estou zangada com você. Para falar a verdade - em sua voz reverberava uma auto-reprovação divertida -, eu provavelmente ficaria magoada se você não quisesse transar comigo. Ficaria especulando o que eu tinha de errado.

Virando a cabeça para olhá-la, a beleza inacreditável da garota tocou-o mais uma vez. Um arrepio de desejo, quase doloroso, percorreu-o inteiro.

- Não há nada errado com você. - A voz grave saiu meio engasgada pela emoção. - Você é perfeita em tudo. Qualquer homem que não veja isso deve ser cego. - Cobriu a mão delgada sobre seu braço e apertou-a. O olhar refletia uma decisão importante. - Quando disse que a amava, estava sendo sincero, Tara. Quer ir para Montana neste verão? Quero que conheça meus pais. Quero que veja minha casa.

- Tentarei ir - prometeu ela.

- Não tente. Simplesmente vá - insistiu Ty. Só que ela não foi.

Quatro cavaleiros cercaram a última das vacas que estavam sendo conduzidas em direção ao portão aberto. O capim alto ondulava, refletindo a luminosidade dourada do final do verão. Uma vaca retardatária encarava a porteira com desconfiança, ignorando teimosamente os estímulos dos vaqueiros para que a atravessasse.

Ty comandava o cavalo ao lado do animal relutante, estendendo o braço para incitá-la, atingindo-a nas ancas com o laço enrolado. A vaca espreitava a distância entre os vaqueiros e Ty. com um giro de cabeça, o animal precipitou-se em direção à abertura, o rabo elevado em desafio. Ty puxou os freios e girou o cavalo sobre as patas traseiras, para dar caça ao bicho.

Outro cavalo e cavaleiro dispararam em direção à vaca desgarrada, o vaqueiro franzino esporeando o lombo do cavalo. com o canto dos olhos, IV entreviu a perseguição efetuada pelo companheiro, mas ele se encontrava em melhor ângulo. O barulho dos cascos dos cavalos golpeando o pasto ecoava em seus ouvidos; Ty começou a girar o laço, galopando mais alguns metros até que o cavalo estivesse em posição para o lançamento da corda.

com o laço preparado, apoiou-se sobre a sela e freou o cavalo, preparando-se para o momento em que todo o peso da vaca se concentraria na extremidade da corda. A sombra ou o silvo do laço devem ter alertado o animal da captura iminente. No último segundo, girou a cabeça para o lado e o laço foi atingir sem perigo a mandíbula e o pescoço da vaca, deslizando pelos flancos do animal sem pegá-lo.

Xingando silenciosamente a laçada perdida, Ty enfiou as esporas no cavalo e saiu novamente em perseguição à vaca, enrolando a corda. A essa altura, o cavalo acinzentado e seu cavaleiro haviam atingido uma boa posição, manobrando para jogar o laço. O laço partiu para o alvo com precisão infalível, assentando na cabeça da vaca com estilo perfeito.

Ty foi diminuindo a marcha do cavalo, até chegar a um trote resfolegante. Tivera poucas chances de demonstrar progressos no laço durante a temporada de verão na fazenda.

Irritava-o haver perdido aquela oportunidade. E para uma garota, ainda por cima, o que não tornava as coisas mais fáceis, não importa quão hábil ela fosse.

Estava mais para carrancudo ao deparar com o sorriso de orelha a orelha no rosto de Jessy Niles, guiando a vaca teimosa rumo à porteira. Ela era alta e magra como uma vara. Tufos de cabelos castanho-acinzentados escapavam do elástico de borracha que apertava aquela cascata volumosa para trás. com o chapéu de vaqueiro disforme no alto da cabeça, ela parecia uma garotinha contente. A pele bronzeada pelo sol irradiava saúde, resultante da vida ao ar livre, juntamente com o brilho ensolarado dos olhos cor de avelã.

- Nós a pegamos! - Esfuziante, fora magnânima na divisão do triunfo na captura da vaca, concedendo alegremente parte do crédito a Ty.

- Você pegou, Jessy - corrigiu ele. O semblante da garota assumiu certa gravidade, parte da euforia desaparecendo de seu sorriso.

- Mesmo assim nós dois trabalhamos juntos - fez ela com um vago menear de ombros, indicando ser dispensável saber qual dos dois realmente laçara o animal.

Já que ela o seguira dando-lhe cobertura, havia uma certa verdade na resposta de Jessy, só que lhe doía saber que perseguira a vaca, mas fora Jessy quem a agarrara e a trouxera. Isto não o satisfazia muito, mesmo assim tentou não demonstrá-lo.

Mantendo o cavalo um pouco recuado, foi conduzindo a vaca laçada atrás de Jessy para que o animal não resistisse a ser guiado. Buzz Taylor estava de pé junto à porteira, esperando para fechá-la assim que a vaca fosse solta e Jessy saísse. Logo que o portão foi fechado, Ty colocou a corda enrolada na sela,e desmontou.

com o gado em bom pasto e com água em abundância, não havia mais trabalho para o resto do dia, e os cavaleiros fizeram uma pausa para fumar antes de retornarem ao campo da sucursal Sul. Ty inclinou a cabeça, aproximando o cigarro sem filtro do fósforo aceso que Bill Summers oferecia.

- Aquela danada da vaca musculosa escapou direitinho do seu laço, hem? - observou Bill, compadecido.

- É. - Mesmo sem vento, Ty colocou as mãos em concha protegendo o cigarro por puro hábito, pois qualquer brasa naquele capim seco de agosto seria carregada pelo. vento como pavio aceso.

- O olho de lince de Jessy pegou a vaca, né? - declarou Buzz Taylor com uma risada entusiasmada, aprovadora e implicante, em direção à garota, de pé no meio dos vaqueiros.

- Ty colocou-a em posição para mim. - Soltou uma baforada do cigarro e girou a cabeça para cuspir os restos de tabaco presos na língua.

- Ora essa, ele só fez sair do caminho, só isso - retorquiu Buzz. Lançou um olhar desconfiado para Jessy. - Seu pai sabe que você está fumando?

- Claro. Ele não gosta muito - admitiu Jessy com um balançar de ombros indiferente.

- Stumpy não gostava que ela ficasse filando cigarros da gente - corrigiu Bill Summers, vindo em defesa dela. - No final, disse a ela que como estava fazendo um trabalho de homem, recebendo pagamento de um homem e fumando cigarros de homem, ou ela começava a comprar os seus ou parava de fumar.

Jessy conseguiu torcer os lábios em um esgar. As coisas haviam se arranjado dessa maneira depois que o pai superara o preconceito contra uma garota fumando. Antes, ele fizera de tudo, menos dar-lhe uma surra, para que não fumasse. Evidentemente, ela não dera ouvidos a seus sermões. Todos em volta dela fumavam, portanto Jessy não sabia o que havia de tão errado no fato de fazer o mesmo.

- É legal o dia do pagamento - anunciou Buzz, enfiando o pacote quase vazio de Camel no bolso. - Eu mesmo estou quase sem cigarro. Só tenho o bastante para chegar até a cidade.

- Em que você vai gastar o dinheiro, Jessy? - Bill puxou a aba do chapéu sobre a testa da garota. - Vai soltar um pouco daquele dinheiro que você está acumulando e comprar um chapéu decente?

- Não fale mal do meu chapéu. Ele tem personalidade - insistiu ela com um sorriso. - E estou juntando o dinheiro para pagar a sela que o Barnes está fazendo para mim.

- Uma sela. - Summers balançou a cabeça, com um desânimo em tom de gozação. - E eu que pensei que você fosse comprar um vestido de festa para seu aniversário.

- Prefiro ter uma boa sela do que um vestido de festa - redarguiu Jessy. Ela já tinha dois bons vestidos domingueiros, portanto não via razão em gastar seu dinheiro comprando outro, especialmente um vestido que provavelmente só teria oportunidade de vestir uma vez por ano. Uma sela era mais prático e duraria anos com os cuidados apropriados. Era um investimento, algo de que poderia orgulhar-se. - Esperem até vocês a verem, garotos.

- Barnes faz ótimas selas. Já vi alguns de seus trabalhos. - Buzz Taylor reforçou a escolha da garota. - Ele fez nome. Alguns vaqueiros vieram de longe, do Colorado por exemplo, para que lhes fizesse selas.

Ty levou o cigarro aos lábios, estudando a garota magricela, com os olhos semicerrados, através da fumaça. Os modos estabanados eram ligeiramente divertidos, mas ele também se deu conta da suave harmonia existente nos movimentos dela, cada ação integrando-se calma e facilmente uma à outra. Havia uma espécie de elegância natural na postura relaxada de seu corpo longo e delgado, e também ágil. Percorreu por um instante com o olhar o tórax liso, os seios de menina formando pouco mais do que pequenas elevações sob a blusa.

- Quando é seu aniversário, Jessy? - perguntou Ty ao erguer o olhar para descobri-la olhando diretamente para ele. A insistência do olhar incomodou-o um pouco, por ter percebido a imaturidade da garota.

- Semana que vem - respondeu ela.

- Vamos fazer uma festa sensacional para você. - Buzz deu uma piscadela. - Vamos convidar o delegado Potter, assim ele vai desistir de parar você por dirigir sem licença.

- Quantos anos vai fazer? - Ty ensaiou um cálculo mental dos anos passados, mas ela lhe respondeu antes que houvesse terminado a subtração.

- Dezesseis.

Um lampejo de implicância iluminou seu olhar.

- Dezesseis anos e nunca foi beijada?

- Jessy? - duvidou Buzz Taylor, divertido com a ideia daquela garota desajeitada no meio deles sendo beijada. - Aposto que o único que já a beijou foi seu cavalo!

Os olhos dela brilharam de raiva. Arrancou o chapéu e atirou-o nele.

- Buzz Taylor, você quer calar a boca? - explodiu furiosa, como Ty jamais a vira. Nenhum dos três a vira tão ultrajada e na defensiva, e acharam muito engraçado. Começaram a rir dela, o que a enfureceu ainda mais. - Eu não fico por aí beijando o cavalo!

- A coitadinha não foi beijada nem pelo cavalo! - berrou Buzz às gargalhadas, apontando a garota, o tempo todo protegendo-se do chapéu com o qual ela descarregava toda a raiva que sentia.

- Não podemos deixá-la completar dezesseis anos sem ser beijada, hem, rapazes? - desafiou Ty com uma gargalhada maliciosa.

Daquela vez era ele o atacante e um outro a vítima das brincadeiras de um vaqueiro. Após ter sido diminuído por culpa de Jessy, inconscientemente agradava-lhe a ideia de vê-la um pouquinho humilhada. Apagou o cigarro entre o dedão e o dedo indicador enluvados antes de jogá-lo no chão e amassá-lo sob a bota, triturando-o contra o solo duro e ressecado.

Ao vê-lo dar um passo em sua direção, Jessy rodopiou e ficou de frente para ele, percebendo em um segundo que Ty não estava brincando. Constrangimento e surpresa assomaram em seu rosto, toldando o brilho zangado de seus olhos. Ty conseguiu abraçá-la antes que se recobrasse e tentasse livrar-se do abraço.

- Cuidado, Ty - alertou Buzz com uma risada. - Ela é selvagem. A resistência oferecida por Jessy não era do tipo fútil e feminino. Ty

percebeu a dificuldade em segurá-la, os braços finos como barras de ferro lançados contra seu peito, repelindo-o enquanto ela ia dando chutes bem direcionados nas canelas do rapaz.

- Olhe bem onde você vai chutar, Jessy - avisou Bill Summers. Vai ter que se explicar se machucá-lo no lugar errado.

As bochechas de Jessy incendiaram-se repentinamente, enquanto desistia da violenta resistência que estava oferecendo até então, jogando a cabeça para trás e desafiando Ty com o olhar. Seus lábios estavam apertados em suave linha tensa. Divertiu-o vê-la assim tão desamparadamente fora de si. Envolveu-lhe o queixo com a mão, inclinando a cabeça em direção aos lábios imóveis.

Em vez de beijá-la suavemente e soltá-la, como talvez tivesse feito com qualquer outra garota inexperiente, ele pressionou os lábios contra os dela por vários segundos. Quando levantou a cabeça, percebeu os olhos da menina bem fechados. Seus traços refletiam uma tensão de algum modo vulnerável.

- Agora você já pode dizer que foi beijada - declarou Ty, lutando contra a pontada de arrependimento que começava a sentir.

Ao soltá-la, ela imediatamente baixou o queixo e virou-se. O rubor incendiou seu rosto, embora Jessy mantivesse uma expressão facial controlada, os lábios bem apertados.

- com todos os demónios - murmurou Buzz, sem fôlego. - Jessy ficou vermelha!

Ela lhe atirou um olhar zangado enquanto tomava os freios do cavalo nas mãos.

- Cale a boca, Buzz.

Ty sentiu-se culpado por tê-la constrangido com aquele beijo. Ele não fora o único a ser apaziguado pelo silêncio de Jessy. Um murmúrio constrangido perpassou os passos dos vaqueiros que se dirigiam para seus cavalos. Jessy montou sobre a sela e deu rédeas ao cavalo para sair dali. Ty agarrou a rédea, refreando-a.

Ela lhe lançou um olhar zangado que denotava a traição e a humilhação por que passou. Ty esquecera como se sentira vulnerável nesta idade, com as atitudes impensadas dos outros. Não importa quão confiante parecesse Jessy, o fato é que tinha sentimentos que podiam ser feridos.

- Desculpe, garota - ensaiou Ty.

O olhar zangado endureceu-se mais ainda.

- Não sou garota - declarou ela, a voz entrecortada, puxando as rédeas para virar o pescoço da montaria. Vagamente irritado com a negativa da garota em aceitar suas desculpas, Ty soltou o bridão. Ninguém jamais lhe pedira desculpas, portanto talvez fosse melhor se tivesse ficado de boca fechada.

Jessy atravessou a cerca com o cavalo, enquanto os demais gingavam atrás dela. Felizmente não estava mais vermelha, mas por dentro ela tremia. A sensação daquela boca quente sobre seus lábios permanecera juntamente com o toque dos braços de Ty envolvendo-a.

Queria tocar a própria boca, mas não ousava erguer a mão. Eles poderiam pensar que estava chorando, e ela preferia morrer a fazê-los pensar isso. Já era bastante ruim terem visto como ficara embaraçada e perturbada.

Aquele fora seu primeiro beijo, e sempre sonhara que Ty seria o primeiro a dá-lo. O sonho se realizara, só que amargamente. Ele a beijara, tudo bem, mas só de brincadeira. E doía pensar que Ty a beijara só para implicar com ela... e diante de Buzz Taylor e Bill Summers, para piorar. No dia seguinte, todo mundo já estaria sabendo e rindo do assunto.

Jessy ergueu um pouco a cabeça quando os quatro cavaleiros emparelharam com ela, indo em direção ao campo da sucursal Sul. A conversa era mínima, mas gradualmente Jessy começou a participar. Externamente, as coisas pareciam ter voltado ao normal quando eles chegaram ao campo, o que não era verdade.

Jessy arremessou com toda a força a mala pesada na caçamba da caminhonete, fechando a porta traseira. No ar sentia-se o cheiro da neve. Nuvens carregadas pairavam baixo no céu. Ela enfiou as mãos descobertas nos bolsos do casaco novo, rodeando o veículo e dirigindo-se para a varanda na frente da grande casa feita de troncos. Estava com um pé no primeiro degrau quando a porta da frente abriu.

- Oi, sr. Grayson - ela saudou o geólogo quarentão. Ele estava enfiado em um casaco felpudo, um cachecol de lã em torno do pescoço e do gorro e luvas de pele. Jessy, ao contrário, não estava usando luvas nem cachecol, e os últimos botões da gola do casaco estavam desabotoados. Estava usando o chapéu preto de marca Stetson... ela sempre estava de chapéu. - Só vim para saber se o senhor já estava pronto.

- Já estou pronto. - Parou por um momento no alto da escada, friccionando as mãos enluvadas e estudando o céu cinza-chumbo melancólico de fins de outubro. - Hoje está frio. - Qualquer temperatura abaixo de zero era fria para os texanos, e os termómetros acusavam esta marca. Já coloquei a mala na varanda. - Leo Grayson girou a cabeça à procura da mala, esquadrinhando a varanda através dos óculos de aro de metal.

- Já a coloquei na caminhonete - informou Jessy. - O senhor tem mais alguma coisa?

- Não. - Ele lançou um olhar de expectativa em direção ao celeiro.

- Seu pai está pronto?

- Papai ficou detido na hora H. Ele me designou para levá-lo até a casa-grande para que possa pegar o avião. - Desceu o último degrau e dirigiu-se para o lado do motorista.

- Você não tinha aula hoje? - Um sorriso ténue surgiu em seus lábios enquanto a seguia até a caminhonete. No curto período em que permanecera na sucursal Sul da Triplo C, percebera que Jessy tinha suas próprias opiniões sobre a importância relativa de certas coisas.

- Não, realmente. - Balançou os ombros indiferente, pulou para dentro, deslizou para trás do volante, tudo em um só movimento fácil e leve. Aguardou a entrada no lado de passageiros e a batida da porta para então comentar: - Não tinha nada especial na escola hoje, nenhum teste. Posso telefonar para Betty Trumbo à noite e saber quais são os deveres. Mas não vi por que ir e talvez ficar presa pela neve na cidade.

Girando a chave na ignição e pisando no afogador, a caminhonete deu sinal de vida. O último comentário da garota atraíra o olhar curioso de Leo Grayson.

- A previsão do tempo é de que há somente uma leve possibilidade de nevasca hoje.

- Segundo Abe Garvey, estamos na iminência da primeira tempestade de neve da estação. Ele nasceu e cresceu aqui na fazenda, quase setenta anos atrás. Confio mais na palavra de Abe do que em algum meteorologista que não conhece as peculiaridades do clima daqui. Abe dificilmente erra - concluiu ela.

- Parece que vou sair daqui na hora certa. - No princípio, Leo Grayson teria zombado das previsões do tempo nada científicas do pessoal da velha guarda daquela região, que não ligava a mínima para os parâmetros avançados. Entretanto, ele descobrira que as previsões deles eram quase tão apuradas quanto as de qualquer meteorologista profissional. Se um dissesse nevasca e o outro nevada, algo estava para acontecer.

Quando os prédios da sucursal Sul desapareceram de vista, seguiramse quilómetros sem nada em qualquer direção, exceto a monótona sucessão de pastagens irregulares, elevando-se sobre ondulações do terreno e mergulhando em vales pouco profundos. As árvores eram poucas e afastadas, a ponto de se tornarem marcos, consistindo principalmente de choupos ao longo de alguns riachos esparsos. O dia cor de chumbo fazia a extensão solitária do campo parecer fria e desolada.

Grayson já vira espaços abertos e descampados, mas nada se comparava ao desolamento daquele lugar.

O ar quente começou a fluir com toda a intensidade pelo respiradouro com o aquecimento do motor, suficiente para liberar o excesso de calor. Os óculos de Leo ficaram embaçados, ele os retirou e limpou no forro interno do casaco. com os olhos entreabertos, observava distraído a paisagem do lado de fora da janela, mas nem mesmo a visão enevoada conseguiu tornar a paisagem sem graça mais interessante.

- Não sei como você aguenta isso aqui. - Ele ajustou os óculos sobre o nariz e fitou Jessy.

- Nunca estive em outro lugar. - Ela dirigia com a habilidade confiante de um homem, uma das mãos descansando no alto do volante e a outra segurando-o. Leo supunha que ela dirigia desde os oito ou nove anos. Era nesta idade que a maioria dos garotos da fazenda começavam, geralmente equipando o carro com algum mecanismo que lhes permitissem alcançar os freios e ao mesmo tempo ver aonde estava indo.

- Aposto que você mal pode esperar completar dezoito anos para sair daqui e conhecer alguma coisa além de céu e capim. - O rigor solitário daquele tipo de vida não o atraía. Para uma garota devia ser pior.

- Estou satisfeita com minha vida aqui - replicou Jessy, consciente de que fazia parte de uma minoria, já que a maior parte das outras garotas de sua idade sempre lamentavam o que estavam perdendo. Mas essas coisas não lhe interessavam. - Nunca tive vontade de sair daqui. Sei que desviou a atenção da estrada o suficiente para lançar-lhe um sorriso - isto me torna estranha. Mas eu não ligo para cinemas, festas e todas essas coisas fascinantes. Gosto de montar, de jogar o laço e da vida ao ar livre, mesmo quando fico exausta de tanto trabalho. Queria ser uma daquelas árvores, enfiar minhas raízes neste chão e nunca mais sair.

- Vai mudar de ideia quando ficar mais velha. - Durante o tempo em que ficara na sucursal Sul, observara como ela era estabanada.

- É o que todo mundo vive me dizendo. - Mas ela não via isto acontecer. A maioria afirmava que estava passando por uma fase, só que ela realmente adorava o que fazia e não via mudanças só porque estava ficando mais velha.

Leo Grayson limitou-se a sorrir, do jeito que os adultos riam quando ela discordava das predições deles:

- Espere até descobrir os rapazes.

- Onde é que está escrito que garotos e cavalos não se misturam? contrapôs Jessy.

Ty Calder fora sua única paixão, agora no terceiro ano da faculdade. Mas fora um amor demasiado unilateral para sobreviver, sobretudo após aquela experiência humilhante do beijo no verão passado. Ainda enrubescia quando lembrava como ele se divertira com aquela história. Todos os outros garotos com que andava na escola não passavam disso - garotos. Não valia a pena entusiasmar-se por qualquer um deles.

- Acho que em lugar nenhum. - Olhou-a novamente, reconhecendo uma maturidade em seu comportamento de que jamais suspeitara.

O perfil da garota era de uma pureza clássica: o queixo proeminente, a mandíbula bem-desenhada e os malares saltados. O cabelo cor de mel, escuro, caía solto em ondas sobre os ombros. Leo Grayson descobriu-se admirando e respeitando a garota que estava vendo. Os traços dela refletiam uma força que parecia combinar com terra, e ela estava crescendo com uma confiança capaz de enfrentar o desafio representado por aquele lugar. Não era bonita, mas a beleza ali não demoraria muito, percebeu ele.

- Você é uma garota bonita, Jessy. - O adjetivo não era o mais adequado para definir os traços fortes sem diminuir a feminilidade potencial aos olhos de Grayson.

- Eu? Sou comum como uma batata - recusou o elogio.

- Não é não.

- Olha. - Ela se armou de paciência para com a cegueira de Grayson em relação a seus defeitos. - Eu sou alta demais... mais alta do que a maioria dos caras da minha turma. - Entretanto, Leo percebeu, ela não tinha má postura para dissimular sua altura. - Sou magra demais, e não adianta me entupir de comida, não ganho curvas. E quanto aos seios, acho que botei um ovo... ou melhor, dois. - Nas poucas ocasiões em que tivera a oportunidade de constatar a franqueza da garota, ele sempre achara divertido, e tivera de se controlar para não rir alto diante dessa implacável demonstração de seus atributos físicos.

- O que vai fazer quando terminar o segundo grau? - perguntou, para mudar de assunto.

- Ficar aqui e trabalhar. Esta é uma das vantagens de nascer e ser criado na terra dos Calder. Tudo o que você tem a fazer é ir até o patrão e pedir-lhe um emprego. Em uma fazenda deste tamanho, tem sempre muito trabalho - disse ela.

- O que você vai fazer? - inquiriu desaprovador.

- Não sei. - Balançou os ombros, demonstrando considerar o problema muito distante ainda para ser decidido. - Poderia trabalhar no pasto, ou ajudar na escola diurna ou talvez trabalhar no armazém. - Ela possuía um leque de opções, embora preferisse a primeira.

Mas também sabia que mesmo com algumas das esposas, especialmente as mais jovens, que ajudavam durante a temporada de pastos ou em um rodeio quando havia falta de vaqueiros, nenhuma mulher montada em um cavalo ganhava salários regulares de vaqueiro. Existia um preconceito implícito contra mulheres assumirem trabalhos na fazenda reservados aos homens. Nunca haviam dito algo sobre ela receber o salário pelo trabalho de vaqueiro no verão.

Jessy desviou o assunto, transferindo o foco da atenção de si mesma para o trabalho dele.

- Qual foi o resultado de todos aqueles testes que você andou fazendo? As máquinas de perfuração vão ser transferidas para nossa área da fazenda?

- Não. vou relatar que este terreno é muito difícil. - Como sua decisão fora negativa, Leo não a considerava secreta. - Acho que esgotamos todas as possibilidades de descobertas futuras de petróleo ou gás na Triplo C.

Ele lançou o olhar pela janela lateral da caminhonete com os cantos do vidro embaçados. Os contornos daquele terreno acidentado lembravam músculos rigidamente contraídos, bíceps salientes cobertos de capim. A seu ver, a terra parecia imprevisível, demasiado árida e estéril. Eram precisos 35 hectares para uma vaca e seu novilho. Improdutiva, um desperdício de tanta terra.

- Isto é um crime - anunciou em voz alta.

- O quê? - Jessy não chegou a entender o que ele disse. Leo caiu em si.

- Só estava olhando pela janela e pensando em tantas reservas valiosas sem exploração.

- Você quer dizer o pasto? - Tudo o que conseguia ver era a pastagem congelada e ressequida, em sua opinião verdadeira riqueza.

- Estou me referindo a todo o carvão que existe sob a pastagem, tão próximo à superfície. - Um grande depósito de carvão de baixo teor sulfúrico estendia-se por baixo de toda a região oriental de Montana. - Tudo o que um homem precisaria fazer seria escavar este solo inútil e encontrar o carvão.

- Não é preciso nem cavar o solo. - Jessy sorriu, como se conhecesse um segredo, desacelerando o veículo e olhando em torno para orientarse e ver onde estavam. - Você quer que eu lhe mostre?

- Quer dizer que existe um lugar onde o veio carbonífero está exposto? - perguntou com interesse crescente, ao que ela balançou a cabeça afirmativamente. - Eu gostaria de ver isto... se não nos for afastar demais do caminho.

- Não nos vai afastar, não - garantiu ela, virando a caminhonete para uma trilha, pouco mais que uma vereda com dois sulcos cortando o capim.

- Mas você vai ter que aguentar firme. O caminho é bem acidentado.

O aviso não chegou nem aos pés da realidade. Leo Grayson acabou com uma das mãos apoiada no teto e a outra comprimida contra o painel, enquanto apick-up sacolejava pela vereda selvagem. Jessy agarrava o volante com as duas mãos para não perder o controle da direção. Era impossível conversar naquele passeio em que os dentes chacoalhavam. A trilha galgava uma elevação e descia um vale íngreme. Jessy freou a caminhonete, parando no fundo do vale, mais nivelado.

- Aqui estamos. - Mostrou com um gesto uma falha no terreno.

Exceto por fina camada de grama entrelaçada ao capim seco na superfície, a área exposta era de um negro compacto. Diversos sinais indicavam que o alargamento fora obra do homem.

- A maioria das casas mais antigas é aquecida com forno de carvão

- explicou Jessy. - Existem umas duas ou três áreas escavadas como esta. A gente simplesmente vem aqui e pega o combustível. Não custa nada além do trabalho.

Cedendo à curiosidade profissional, Leo enfrentou o frio e saiu da caminhonete para olhar de mais perto. Uma coisa era saber que existia carvão sob o solo, e outra era ver um grande filão exposto. Envolveu melhor a cabeça e o pescoço com o cachecol e foi em frente para investigar o extenso banco negro.

Jessy ficou observando do interior aquecido da caminhonete, levemente divertida com a fascinação daquele homem por algo tão comum. Ninguém gostava da tarefa de providenciar o suprimento de carvão para o inverno. Era um trabalho pesado, sujo e poeirento, além de outro inconveniente: ter de reabastecer a fornalha constantemente. Por isso, a maior parte das casas mudara para fontes de calor mais modernas, geralmente petróleo ou propano. O carvão não era prático, apesar de barato.

Grayson circulou pelo veio exposto de carvão negro, colhendo algumas pequenas amostras para estudo. Por fim, a baixa temperatura levouo de volta à caminhonete. Entrou na cabine tremendo, esfregando as mãos e soprando-as.

- Pronto? - As mãos de Jessy descansavam no câmbio.

- Espere. - Vasculhou o bolso do casaco, retirando um pedaço negro e brilhante. - Sabe o que é isso?

- Carvão. - Lançou um olhar que parecia questionar a inteligência do geólogo.

- Isto é o sol sepultado. - A voz era entusiástica. - O carvão é a energia solar aprisionada há muitas eras... em florestas antigas... samambaias e árvores gigantescas. Em um ciclo interminável, as plantas morriam e apodreciam, crescendo outras por sobre estas para também morrer e apodrecer. Aí, vieram as inundações, formando mares interiores. A pressão da água compactou as camadas mortas das plantas, primeiramente formando turfas e depois o carvão. - Olhou para ela. - Este pedaço de carvão armazena a energia de luz solar de quatrocentos milhões de anos atrás.

- Deixe-me ver. - com um ar de curiosidade, Jessy olhou mais atentamente para aquele tablete comum de carvão.

Na manhã seguinte, Leo Grayson estava no escritório impecável e refrigerado de E.J.Dyson, concluindo o relatório final e as recomendações. Em contraste com a vestimenta do dia anterior, estava usando um terno leve de trabalho e gravata. A cabeça descoberta evidenciava o pequeno claro no alto dos cabelos castanhos.

O escritório administrativo da Companhia Dy-Corp Ltd. era extremamente luxuoso, ostentando o dinheiro do Texas, dos tapetes brancos de dois dedos de altura até as paredes revestidas de nogueira legitima. A mobília muito confortável era forrada por couro da melhor qualidade. A escrivaninha de nogueira tinha um tamanho compatível ao Texas, e a enorme cadeira giratória fora especialmente desenhada para seu ocupante, a fim de que o homem de compleição estreita não parecesse diminuído por sua própria mesa.

Misturado ao rico mobiliário, dispunham-se pela sala esquisitos objetos texanos berrantes - como o vaso de Meissen sobre uma mesa, sustentado por chifres de vaca retorcidos ou o couro de cavalo malhado jogado sobre o encosto de um sofá de couro. O escritório estava à altura da imagem criada por seu ocupante.

Stricklin sentou-se empertigado na cadeira forrada de couro, os óculos de aro de metal intensificando a aparência de seriedade. Concluiu a leitura do relatório de Grayson, passando-o a Dyson com um leve movimento de cabeça, comunicando silenciosamente sua opinião ao sócio.

- Não posso dizer que estou surpreso com seus achados, Grayson.

- E. J. folheou o relatório já detalhadamente analisado. - Eu tinha o pressentimento de que já havíamos esgotado o potencial da fazenda Calder. Foi bom ter começado a arrendar terras em Wyoming. Vamos prosseguir, transferindo o resto dos homens e equipamentos para lá.

- Você é quem decide. - Deu de ombros. A única recomendação de Leo fora abandonar a fazenda Calder e não tentar quaisquer perfurações, mas não sugerira para onde ir. Não era seu trabalho envolver-se em tais decisões.

- Você está intimamente convicto de que não há nada que valha a pena explorar sob o território dos Calder? - Dyson instigou o geólogo com um olhar inquisitivo, a fim de certificar-se inteiramente de que Grayson não tinha reservas. Era um truque psicológico que testava a confiança de um homem em seu julgamento. Os que não acreditavam em si mesmos dificilmente enfrentavam o desafio.

- A única coisa que há sob aquele solo é um filão materno de carvão de baixo teor sulfúrico - afirmou Leo com um meneio melancólico de cabeça. - É uma pena o petróleo ser tão barato. Ele toma conta do mercado para o carvão.

- Carvão? - Dyson ergueu a cabeça, demonstrando leve interesse, atirando um rápido olhar para Stricklin, que limpava meticulosamente as unhas com canivete. - O que quer dizer com filão materno? Tem muito carvão?

- Muito? Acho que sim. - Grayson soltou uma risada curta. - Não gostaria de ter de adivinhar quantos milhões de toneladas de carvão betuminoso estão a poucos metros da superfície.

- A poucos metros. Você deve estar exagerando - declarou E.J., descartando a informação com um sorriso e baixando os olhos para reestudar o relatório.

- Não é exagero - insistiu o geólogo. - Em alguns locais está a uns poucos metros da superfície. Umas duas perfurações com uma escavadeira poderosa e você o encontra.

- É mesmo? - ponderou Dyson, afastando em seguida a hipótese.

- Como sabe, Leo, não há muita demanda de carvão hoje em dia.

- É uma pena, com toda aquela abundância - replicou ele, perguntando. - Quer examinar mais algum ponto?

- Não, isto é tudo. - Dyson continuou passando os olhos pelo relatório, mal levantando a cabeça ao dispensar o geólogo.

Depois que Grayson deixou o escritório, Dyson concentrou a atenção na mesma página do relatório. Durante toda a vida fora um jogador de pressentimento. Quando todo o país convergira para o Texas e outros estados do cinturão do Sol, ele fora para o Norte e vira o futuro próximo nos estados do Oeste. Por um momento, pensou que seu palpite estava errado quando a perfuração não redundou na grande descoberta de petróleo que esperava.

Girou a cadeira em direção a Stricklin.

- Talvez a fortuna esteja nos diamantes negros e não no ouro negro

- sugeriu. - O que você acha?

Stricklin balançou os ombros vagamente, parando de escovar as unhas nas dobras afiadas do cortador.

- No Oriente Médio há rumores sobre uma possível restrição ao comércio.

Prognósticos sombrios previam a falta mundial de petróleo, caso não se tentasse restringir o consumo. O assunto nunca interessara muito a Dyson, exceto em relação a quanto isto afetaria o preço do bruto. Mas se o fornecimento de petróleo fosse reduzido, a demanda de carvão aumentaria.

- Acho que está na hora de começarmos a saber mais sobre o carvão - anunciou para Stricklin. - O custo do transporte para os mercados do Leste, a disponibilidade das ferrovias. Usos atuais e potenciais e o aumento de competição que enfrentaríamos com as minas de carvão nos Apalaches.

- vou procurar me informar.

Em primeiro lugar, na lista mental de Dyson, havia um nome. E.J. apertou a campainha do interfone.

- Por favor, faça uma ligação para o senador Bulfert, e avise-me quando ele estiver na linha - instruiu a secretária. O senador não seria uma fonte para suas respostas, mas Dyson tinha outros planos para o senador inescrupuloso.

- Ora, Chase, você tem de admitir que nosso verão texano é bem melhor do que o tempo que você deixou para trás - repreendeu E.J. Dyson, oferecendo-lhe um copo de uísque e soda.

Chase estava na sacada do condomínio luxuoso com vista para o golfo. Uma brisa tropical quente e úmida soprava do mar.

- Admito que sim - reconheceu ele, levando a bebida gelada aos lábios.

- Não sabe como estou contente com a presença de você e Maggie aqui. - E.J. colocou-se ao lado dele, admirando a vista. - Finalmente tenho a oportunidade de retribuir a hospitalidade que me ofereceu em diversas ocasiões.

- Maggie e Cathleen estavam ambas com febre alta. Aí, decidimos viajar por alguns dias e visitar Ty. - Na praia embaixo, ele via Cathleen correndo pela areia, colhendo conchas, apressando-se a mostrá-las a Ty e colocá-las num baldinho. A terceira pessoa, além dos filhos, era uma garota de beleza estonteante com um biquini sumário, quase totalmente encoberto por um camisão rendado. - Sua filha é muito bonita, E.J.

- Acho que seu filho está apaixonado por ela. - Estudou Calder através dos aros dos óculos para ver a reação dele. - Por enquanto, ela o colocou em uma caçada divertida.

- A maioria das mulheres faz isso. - Era uma resposta meio desagradável, mas Chase não conseguia explicar por que estava se sentindo tão negativo.

- Não posso dizer que terei qualquer objeção a uma união pelo matrimónio de nossas duas famílias no futuro - observou Dyson.

- Fazer qualquer objeção seria prematuro. Não acredito que qualquer um dos dois tenha idade suficiente para saber o que quer - afirmou, olhando novamente para o jovem casal na praia. - Não está na hora de Ty levar qualquer garota a sério.

- Concordo plenamente - admitiu o texano, com sua voz arrastada.

- Os dois têm que terminar a faculdade. E quero que Tara passe um ano conhecendo a Europa para que aquela sede jovem de aventura seja satisfeita antes que ela se estabeleça. Como você, não quero que se precipitem em nada. Casamentos infelizes são um inferno, como você bem sabe.

- É verdade. - A resposta brusca intrigou Chase, que tentou discernir se o comentário de Dyson não passava de uma observação geral ou se ele estava se referindo a seu relacionamento tenso com Maggie.

Naquela primeira chama do amor renascido, ambos haviam sido culpados em acreditar que só o amor seria capaz de atenuar as diferenças e eliminar as desavenças existentes em todo casamento. A maturidade e a experiência modificara os dois, embora não fosse fácil desfazer-se das imagens passadas que cada um guardava do outro. Às vezes era difícil para ele reconhecer a mulher sofisticada e altamente culta em que Maggie se transformara. Acostumara-se a tomar decisões sem consultar quem quer que fosse, só que ela esperava tomar parte nelas. Adaptar-se um ao outro e adaptar as antigas maneiras às necessidades atuais requeria esforço constante.

Havia momentos em que tudo estava bem entre eles, no entanto, esses momentos estavam-se tornando cada vez menos frequentes. Contanto que não se tocasse no nome de Ty, eles conseguiam fingir não ter problemas, mas era impossível não falar sobre o filho.

Era uma ironia do destino o fato de ter sido Ty o responsável pela união de Chase e Maggie, enquanto que agora ele era o xis da desunião de ambos. Chase nutria a esperança de que, quando Ty concluísse a faculdade e voltasse definitivamente para casa, seu próprio conflito com Maggie chegaria a um termo naturalmente.

Outrora ele pensara poder suportar um casamento sem o amor ou a compreensão de sua mulher. Talvez sem ambos. Apesar de saber que Maggie continuava a amá-lo, procurava Sally para obter a compreensão de que necessitava. Até então, ainda não cruzara o ténue limite da fidelidade sexual, observou.

- Tive a oportunidade de conhecer seu filho desde que ele começou a frequentar a faculdade aqui no Texas - observou Dyson. - Como você sabe, de vez em quando ele passa os fins de semana em minha casa de Fort Worth ou aqui em Padre Island. É um jovem inteligente e sensível.

Passei a gostar dele, mesmo sabendo que vem por causa de Tara Lee.

- Percebi que Ty também o respeita muito. - Era uma resposta diplomática que ocultava o ressentimento que nutria em razão da admiração demonstrada por Ty em relação ao ativo empreendedor. Ty parecia considerar bastante as opiniões de Dyson. Chase não tinha reclamação quanto a seus negócios com E.J., mas tampouco queria ver o filho considerando o homem como um modelo. Este era o mal da faculdade. Ela escolhia os exemplos menos adequados para serem seguidos.

Chase não desejava continuar a discussão.

- Tenho ouvido falar muito sobre as novas descobertas de petróleo e gás em Wyoming. Parece que você vai ter mais sorte lá do que em seu estado.

- Os poços em Broken Butte vão proporcionar um retorno respeitável, um pouco abaixo da média, mas ainda assim considerável. Mas, é verdade, a bacia de Wyoming parece compensar bem mais - assentiu Dyson.

- Não há nada a ser explorado em sua terra além do carvão. Penso que a região Leste de Montana está repleta de depósitos. Se as reservas de petróleo se esgotarem, você vai se tornar um homem rico, Calder.

- Talvez, mas não sobraria nada da fazenda. - A ideia era inconcebível. Chase engoliu uma talagada de uísque e soda, tentando livrar-se do gosto horrível. - Basta olhar para algumas minas de carvão no Leste para ver como elas destruíram a terra.

- Isto acontecia no passado - admitiu Dyson, escolhendo as palavras com cuidado. - Mas com os métodos modernos de recuperação, a terra pode voltar a seu uso original como pasto para o gado. Não haveria estragos remanescentes.

- É mesmo? - Chase fitou o homem com um arquear de sobrancelhas frio e desafiador. - Se você abrir a barriga de alguém, tirar metade das tripas e depois recosturá-lo, ele nunca mais será o mesmo, e a cicatriz não vai desaparecer. Donos de propriedades violaram a terra há quase cinquenta anos, e ela ainda não passa de um deserto com capim cerrado e ervas daninhas. Esta não é minha ideia de pasto.

- Chase Calder, como é que você consegue olhar para todo aquele mar azul do Golfo e falar sobre gado e pastagem? - Maggie repreendeuo, juntando-se aos dois homens na sacada a tempo de ouvir as últimas observações. - Estamos em férias, lembra?

- Desculpe. - Os cantos da boca curvaram-se num sorriso, enquanto ela se colocava ao lado dele, Outrora ele teria automaticamente colocado os braços em torno da mulher, mas naqueles dias o gesto deixara de ser natural.

- vou preparar uma bebida para você, Maggie - ofereceu Dyson.

- Quero só um pouco de água tónica -disse ela, inclinando-se sobre o balcão para olhar a praia. - Cathleen está se divertindo, não?

À coleção de conchas no balde de praia juntou-se mais uma quebrada, colocada aos pés de Ty. Os dois adultos cansaram-se de andar pela praia e estenderam as toalhas na areia para apreciar a garotinha de cinco anos.

- Vá pegar outras. - Ty incentivou a irmãzinha. Fitas verdes-esmeralda enfeitavam o rabo-de-cavalo negro de Cathleen, combinando com o maio que ela estava usando. Cathleen estava afastada, fugindo cheia de energia das ondas, e o rabo-de-cavalo balançava.

- Sua irmã é uma gracinha, Ty - declarou Tara, admirando silenciosamente como uma criança podia ser tão linda. - Ela se parece muito com sua mãe.

- O que você acha de meus pais? - Voltara os ombros para ela, contra a luz do sol que se refletia sobre os músculos bem-desenhados.

- Seu pai é quase exatamente do jeito que eu imaginava - admitiu ela. - Mas fiquei surpresa com sua mãe, tão moderna e sofisticada. Achei que ela seria uma daquelas mulheres submissas e mal vestidas que só sabem cozinhar.

- Eu disse que ela era especial - lembrou Ty.

- Os filhos são muito parciais a respeito das mães - contrapôs ela.

- Sua mãe não parece ter um filho da sua idade.

- Ela era muito nova, ainda adolescente, quando eu nasci. - Não era hora nem lugar para entrar em detalhes sobre o passado.

Na testa de Tara desenhou-se uma ruga superficial.

- Sempre tive pena das garotas que ficam presas aos filhos quando jovens. Elas perdem muita coisa. - A expressão de Tara suavizou-se em um sorriso, dizendo o que queria a Ty, mas atenuando o impacto da mensagem. - Ainda faltam mais alguns anos até que eu me prenda com crianças ou marido. Há muito por aí para eu ver e fazer antes.

- Já lhe ocorreu a ideia de que um marido poderia ver e fazer isso tudo junto com você? - A pergunta denotava ligeira tensão. Ela era parte de todos os seus sonhos, embora não parecesse pensar em incluí-lo nos seus.

- Um marido? Um homem só? Que monótono!

O ponteiro do medidor de gasolina dapick-up estava oscilando próximo à marca vazio quando Chase chegou às bombas de gasolina localizadas em frente à mercearia e aos correios de Blue Moon. Reconheceu outra pick-up empoeirada da frota da fazenda, já estacionada junto às bombas.

Chase acabara de descer da caminhonete quando viu Ty saindo do armazém, inclinando a cabeça para acender um cigarro. O pai teve um segundo para analisar o filho sem ser observado, e gostou do que viu. Osjeans desbotados e empoeirados, as botas puídas à altura dos dedos, com saltos gastos e marcas negras no local onde geralmente se adaptam as esporas, a camisa de cambraia já um pouco usada, e o chapéu de vaqueiro manchado de suor, vestimentas de um vaqueiro em trabalho. Os cabelos de Ty haviam crescido demais no comprimento, mas Chase fez vista grossa quanto a esse detalhe.

Ty olhou para cima após jogar fora o fósforo. Houve um segundo de hesitação ao ver o pai; então, encaminhou-se para a frente com passos despreocupados e ondulantes. Sentiu alguma diferença na atitude do pai, como se estivessem se encontrando em território neutro pela primeira vez em muito tempo. Haviam silenciado sobre as desavenças desde que ele anunciara sua decisão de frequentar a faculdade. Entretanto, um segundo atrás, pensou ter captado um lampejo de aprovação nos olhos do pai.

- Você está vindo da fazenda Phelps? - Ty lembrava-se vagamente da noite anterior, em que o pai mencionou algo sobre ir lá para ver alguns potros.

- Estou. A gasolina não deu para chegar à casa-grande. - Fez uma pausa enquanto Emmett Fedderson espremia o corpo arredondado entre as bombas e apick-up para colocar a mangueira de gasolina no tanque da caminhonete. Levantou a mão, cumprimentando o gerente do estabelecimento, voltando então a atenção para Ty. - Hoje é o seu dia de folga, não?

- É. - Ty estreitou os olhos, protegendo-se dos rolos de fumaça do cigarro em seu rosto. - Estava pensando em ir para casa tomar banho e comer alguma coisa. Alguns caras vão para o Sally's esta noite.

- Quando tinha a sua idade, o dono do lugar era um homem chamado Jake. - Sorriu distraidamente o pai. - Era o único bar em vários quilómetros.

- Ainda é. - Ty abriu um sorriso.

- Bem diferente dos lugares noturnos a que você está acostumado na faculdade. - Aquilo era uma observação para testá-lo.

- É verdade que um homem aqui não tem que pensar muito para saber onde vai passar a noite de sábado - concedeu Ty afetuosamente. Chase relaxou um pouco, aliviado em saber que o filho não estava ansioso por programas mais sofisticados. - Se não estiver com pressa de ir para casa, podemos ir ao Sally's. Eu pago uma cerveja.

- Tudo bem. vou pagar Emmet e encontro você lá. - Interiormente estava contente, apesar de aceitar casualmente o convite do filho. Há muito não se aproximavam. Talvez precisassem sentar com uma cerveja e ganharem intimidade de novo.

O primeiro grupo do sábado à noite costumava chegar depois do jantar, assim, quando Ty estacionou a caminhonete em frente ao café-bar, outras pick-up já estavam no local. Os fregueses do início da noite consistiam geralmente de pessoas mais velhas e casais com crianças. Eles chegavam cedo, faziam uma refeição e ficavam para alguns drinques. Este grupo costumava sair para pôr os filhos na cama mais ou menos na hora em que a turma mais agitada chegava.

Quando Ty chegou, a maioria das mesas de jantar estavam ocupadas. A máquina automática de música estava em pleno funcionamento, enquanto os garotos circulavam entre ele e os pais, tentando arranjar mais moedas para manter a máquina em funcionamento. Em meio ao ruído dos talheres e da música alta, elevavam-se os risos e muita conversa. O lugar era aconchegante, confortável e caseiro.

- Oi, Ty. O que vai tomar? - Sally Brogan fez a pergunta antes do rapaz acomodar-se numa das mesas vazias. Ela estava se dirigindo a outra mesa, carregando dois pratos em uma mão, equilibrando um terceiro no antebraço e um quarto na outra mão.

- Duas cervejas. - Puxou a cadeira e sentou-se, sorrindo diante da informalidade amigável do local.

Sally Brogan serviu mais duas mesas antes de colocar os dois copos de cerveja espumante sobre a mesa.

- Como vão as coisas? - Por mais cheio que estivesse o café, nada parecia alterar a serenidade daquela mulher ruiva.

- Tudo bem - assentiu Ty. Ela era uma mulher agradável, elegante e atraente em seu jeito tranquilo. Era como a irmã ou mãe de todo mundo, dependendo da idade.

- Como vai a faculdade? Esqueci em que você está se especializando.

- Franziu o cenho.

- Ciência agrícola e administração animal, com menor ênfase em administração comercial. O que mais poderia fazer um futuro fazendeiro?

- brincou secamente.

- Agora aprendi - sorriu em resposta.

- Sally? - A outra mulher servindo as mesas chamou-a. - DeeDee precisa de você na cozinha.

Ele tomou um gole de chope e limpou a espuma em torno dos lábios com as costas das mãos. A reação dela era típica daquele local quando o assunto era a faculdade. Ali, especialmente na comunidade da fazenda, quem tivesse um diploma de segundo grau era considerado afortunado, consequentemente eles não se sentiam à vontade para falar sobre sua escolaridade avançada. Fora censurado por usar palavras complicadas e, brincando, lhe haviam pedido para falar inglês comum, embora houvesse um quê de seriedade nas brincadeiras. Na maioria dos casos, Ty aprendera a suprimir seu conhecimento em uma tentativa de pô-los à vontade.

A porta do café se abriu com a entrada do pai. Procurando o lugar onde Ty estava sentado, dirigiu-se por entre as mesas até chegar à cadeira em frente ao filho.

- Oba, esta cerveja está com uma cara boa - exclamava ele, levantando o outro copo. - Phelps me deixou com sede. - Referia-se ao dono da fazenda que visitara à tarde.

- Ele tinha bons cavalos? - perguntou Ty.

- Uns dois, mas queria muito dinheiro por eles.

Enquanto tomavam as cervejas, discutiram sobre cavalos e trocaram opiniões sobre os modos de procriação. Chase terminou a cerveja e pousou o copo na mesa, debruçando-se sobre ela.

- Está com fome? - inquiriu Ty. - Esta cerveja me lembrou de que não almocei.

- Estou. - A fome parecia aguçar seus sentidos, tornando o aroma proveniente da cozinha mais tentador. Era quase como estar em volta de Tara, embora Ty duvidasse que ela apreciasse a comparação. - Você acha que mamãe preparou o jantar?

- Por que você não telefona e diz a ela para não fazer nada? - O pai recostou-se na cadeira, esticando-se e olhando o bar repleto. - vou pedir a Sally para colocar dois bifes na grelha para nós. Ela está aqui?

- A última vez em que a vi estava indo para a cozinha. - Ele não tinha percebido se ela saíra de lá.

- Você liga para sua mãe enquanto faço nosso pedido.

- Tá. - Ty levantou-se da cadeira e enfiou a mão no bolso dojeans confortável, retirando uma moeda para pagar o telefone instalado na parede dos fundos, próxima ao banheiro. Enquanto caminhava numa direção, o pai fora para outra, dirigindo-se para a cozinha. Cathleen atendeu o telefone na casa-grande. Teve de falar com a irmãzinha de seis anos alguns minutos antes que ela finalmente chamasse a mãe ao telefone.

- Algo errado, Ty? - A voz demonstrava preocupação.

- Nada errado, a não ser que você tenha começado a preparar o jantar - replicou ele.

- Ainda não. Estava esperando seu pai chegar em casa para começar a fritar a galinha. Por quê? Pelo visto você não vem jantar hoje - respondeu à própria pergunta.

- Não. E nem papai - informou-a. - Encontrei com ele a caminho da fazenda Phelps. Agora estamos no Sally's e vamos comer alguma coisa, portanto não se preocupe em cozinhar para nós.

- Está bem. - A reação de Maggie oscilou entre contentamento, porque Chase e Ty evidentemente estavam se dando tão bem que queriam prolongar o tempo juntos, e desconforto, por Chase estar no bar de Sally. Parecia-lhe que ultimamente ele parava bastante por lá, ou talvez ela estivesse sensível porque as coisas não estavam bem com eles.

- Não sei a que horas papai vai voltar, mas eu provavelmente vou chegar em casa tarde - avisou Ty.

- Entre em silêncio para não acordar Cathleen. - O filho já estava em uma idade em que não lhe competia ditar as horas.

- Ela sempre acorda quando estou entrando. - Ele deu uma risada.

- Eu me saio melhor quando subo as escadas. Aí ela nunca me escuta.

- Tome cuidado e dirija com atenção. O mesmo para seu pai. - Ao desligar, Maggie especulou por que Ty e não Chase lhe havia telefonado. Mas não queria pensar no assunto.

Ao puxar a porta da cozinha, Chase foi presenteado pela visão de Sally em mangas de camisa, esticando a cabeça para olhar sob a enorme pia de lavar pratos. DeeDee Rains, a mulher alta que cozinhava, sorriu e abriu a boca para falar com ele, mas Chase colocou os dedos nos lábios em sinal de silêncio. O sorriso alargou-se compreensivo, ao vê-lo mover-se silenciosamente por trás de Sally, inclinando-se sobre a pia.

- Perdeu alguma coisa? - perguntou ele.

O som inesperado da voz dele surpreendeu-a. Tentou equilibrar-se sobre os saltos tão rapidamente que bateu com a cabeça na pia. Estava esfregando um galo sob a massa de cabelos ruivos quando finalmente fitou-o com olhos acusadores, mas um sorriso que o perdoava. O calor da cozinha e o esforço despendido sob a pia trouxeram a seu rosto pálido um leve colorido.

- Desculpe, Sally. Você se machucou? - Chase curvou-se ao lado dela, estendendo a mão em direção ao local em que batera a cabeça. Retirou a mão sem encontrar qualquer protuberância.

- Não fiquei maluca, se é o que está pensando - replicou ela, sem conseguir disfarçar o prazer que se acendera em seus olhos azuis.

Chase percebeu a chave inglesa na mão dela.

- Qual é o problema?

- A água começou a jorrar da torneira de água quente - explicou ela com um suspiro profundo. - Felizmente era só uma conexão frouxa. No começo pensei que era um cano quebrado, e já podia ver os lucros desta semana irem por água abaixo, literalmente.

- Me dê a chave inglesa. vou me certificar de que está bem apertado.

- Tem muita água no chão - alertou Sally. - Cuidado para não escorregar nem se molhar.

Enquanto ele dava algumas voltas com a chave inglesa, assegurando-se de que o engate estava bem ajustado, Sally pegou um esfregão esfarrapado e começou a secar a água empoçada no chão de linóleo. Ao terminar, Chase ficou de pé, supervisionando a limpeza do assoalho.

- Você esqueceu uma área. - Apontou para um local onde ainda havia um brilho de água.

- O que está fazendo na cozinha? - Sally passou o esfregão no local molhado, apoiando-se no cabo comprido. - Quero dizer, além de dar ordens.

Ele soltou uma risadinha com a pergunta.

- Vim aqui pedir para você passar dois filés bem grossos na grelha.

- Dois? - repetiu ela. - Primeiro vem o Ty e pede duas cervejas, e agora é você pedindo dois... - Deteve-se, finalmente captando as evidências. - Você e Ty estão juntos?

Ele balançou a cabeça afirmativamente, usufruindo o suave contentamento que iluminou a expressão de Sally.

- Percebi que não falava com meu filho há muito tempo. Não sei se porque estamos ambos longe da fazenda ou outra coisa. Eu... - parou, dando-se conta de que não deveria estar dizendo isso a Maggie.

- Fico feliz por você - insistiu ela calmamente, distanciando-se também. - Fico feliz por vocês dois. - Virou-se um pouco para chamar a cozinheira. - Passe dois grossos, DeeDee. - Hesitante, voltou o olhar para Chase, desviando-se em seguida. - Acho melhor colocar este balde no quarto dos fundos.

Deu um passo, esquecendo que o chão molhado estava escorregadio.

O pé deslizou sob ela. Instintivamente, Chase adiantou-se, estendendo os braços para agarrá-la, pressionando-a contra seu corpo e equilibrando-a. Sally apertou a mão contra o peito, inclinando a cabeça, rindo trémula.

- Meu coração está batendo como um louco - declarou Sally.

- É? - Chase sentia a suavidade da mulher apoiada nele, os quadris arredondados e os movimentos pesados dos seios. Colocou a mão em volta do pescoço dela, como se buscando a pulsação da veia, afagando-lhe o queixo com o polegar. Sentiu a mudança provocada em Sally com o carinho, empertigando-se, subitamente tensa.

- Chase - sussurrou, alertando-o contra a direção dos pensamentos dele.

- Existem ocasiões em que um homem se cansa de lutar o tempo todo, Sally - ele murmurou -, quando tudo o que quer é viver a vida em paz. Você é uma mulher notável, tão calma e tranquila. Preciso dessa força.

- Você sempre me vê forte, mas eu não sou forte, Chase. Sou fraca. Sei que você não me ama e nunca vai me amar. E no entanto, aqui estou eu. - Sentiu a sua entrega, entrega que não esperava nada em retorno: nem mentiras nem promessas. Ela não lhe pedia amor, pois sabia que este já pertencia a Maggie.

Seria tão simples desfrutar do conforto daquele corpo... tão simples. Inclinou a cabeça, a boca suspensa sobre os lábios suaves e convidativos. Sentia o fluxo da respiração dela em seu rosto; o odor vivo da comida misturado com o cheiro de Sally. Seu apetite tentou-o a tomar o alimento que lhe era oferecido.

Diante da grelha enorme e plana, DeeDee Rains virou os nacos de carne chiando, de pé, de costas, enquanto a gordura respingava, a fumaça e o vapor produziam um silvo de calor. A cozinheira estava consciente do casal atrás dela, considerando-os dentro do padrão familiar de um antigo caso de amor.

A porta da cozinha oscilou, chamando-lhe a atenção. Durante intermináveis segundos, manteve-se entreaberta, então foi solta e fechou. Provavelmente o par fora visto, mas DeeDee não tinha certeza. Já imaginava como aquilo ia terminar.

O orgulho dos Calder abaixava a maioria das cabeças dos homens, mas também depositava sobre eles um grande peso. Ela sabia que o orgulho não lhes dava chance. Ao ver o casal separar-se com o beijo não consumado, DeeDee não se surpreendeu. Não importava como aquilo terminasse aquela noite, nada adviria dali. O orgulho era um sentimento engraçado. Tanto podia quebrar um homem como torná-lo mais forte.

Ela não disse uma palavra a Sally quando esta aproximou-se da grelha, ocupando-se em reabastecer o suprimento de pão. O rosto de Sally estava pálido e os olhos brilhantes, próximos às lágrimas. Ao passar por trás dela para pegar um punhado de batatas fritas no congelador, DeeDee passou a mão sobre o ombro de Sally, apertando-o suavemente. Sally agarrou aquela mão, mantendo-a sobre seu ombro um segundo mais, soltando-a logo após, alisando a frente do avental.

- Parece que vamos ter uma noite movimentada - declarou com vivacidade forçada, as vozes e as gargalhadas vigorosas compondo um pano de fundo ao mesmo tempo estável e barulhento.

Ty inclinou-se sobre a mesa, ambas as mãos envolvendo o segundo copo de cerveja. Já engolira um drinque, mal sentindo o gosto. O choque que tomara ao ver o pai beijando Sally Brogan deixara-o estupidificado. Era como se não conseguisse sentir nada, embora o tempo todo sua mente buscasse desesperadamente algo em meio à ausência de pensamentos. Sentia-se traído, mas não sabia como ou por quê.

A outra cadeira foi puxada, obrigando Ty a olhar para cima. O rosto de seu pai não expressava nada, mas parecia dissimulado quando se sentou. O sangue correu mais rápido nas veias de Ty, eliminando um pouco a insensibilidade.

- Falou com sua mãe?

- Falei. - A voz soava tensa, com um traço áspero, enquanto Ty tentava decidir se deveria confrontar o pai com o que vira. - Por que demorou tanto na cozinha? - Lançou um olhar desafiador em direção ao pai, baixando-o rapidamente para o copo de cerveja que segurava.

- O engate do cano da pia da cozinha estava frouxo, aí eu ajudei Sally a apertá-lo. - Era uma resposta simples e direta, uma desculpa prontamente arranjada. Ty soltou uma gargalhada curta e abafada.

- Qual é a graça?

A dúvida entrou em choque com o ódio abrasador, pois uma parte de Ty não queria acreditar no que vira. Queria achar outra explicação. Talvez seu pai estivesse somente consolando Sally, ou ela estivesse com algum cisco no olho. Talvez somente parecesse que ele ia beijá-la. Ty amaldiçoou a si mesmo por não ter olhado mais.

O pai esperava resposta. Ty levantou o copo de cerveja em direção à boca.

- Não consigo ver Chase Calder como bombeiro. - Virou um gole de cerveja goela abaixo, deixando-a ali para lavar o gosto amargo que se impregnara em sua língua. Por fim, deixou a cerveja descer pela garganta, sem desviar o olhar da caneca de chope novamente entre as mãos. - Sempre pensei que você era especial. - As mãos apertaram-se em torno do copo, embranquecendo as juntas.

A observação levou Chase a lembrar a insistência de Maggie de que o filho o considerava como algum deus mortal. Não poderia sentir-se menos semelhante a um deus do que agora.

- Sou um homem, Ty. - Sentiu um cansaço imenso, cansaço por alguém esperar que fosse forte quando sentia dificuldade em ser forte consigo mesmo. - Sinto-me sozinho e cansado... e farto como outra pessoa qualquer.

Parte da resposta acarretou uma reação.

- Por que se sente sozinho se tem mamãe? - Desta vez Ty levantou o olhar para o pai, procurando ocultar o brilho de raiva em seus olhos.

- Não é porque você ama alguém que você deixa de se sentir sozinho - replicou, enquanto os olhos apertados percorriam Ty atentamente.

Sally Brogan aproximou-se da mesa carregando dois pratos cobertos com batatas fritas e filés. Ty evitou encará-la, levantando o copo de cerveja para bebê-la de um só gole enquanto ela colocava a refeição em frente a ele, junto aos talheres de prata enrolados em guardanapos, as facas de carne pousadas sobre a comida de aparência convidativa.

Impulsionou a cadeira para trás, apoiando-a nos pés traseiros, observando o pai enquanto a mulher ruiva colocava o prato diante dele e parava ao seu lado.

- Mais alguma coisa?

- Pra mim não, obrigado - recusou o pai, com ar reservado, lançando-lhe um olhar rápido que parecia cheio de arrependimento.

- E você, Ty? - disse bem tranquila e natural.

Ele apoiou a cadeira nos quatro pés com um ruído pesado.

- Quero outra cerveja. - Empurrou a caneca vazia em direção a ela sem olhá-la por um momento sequer.

Trocaram o sal e pimenta sem falar. Um copo de cerveja gelada foi colocado diante de Ty e ele resmungou um obrigado curto. A comida parecia ocupar a atenção de ambos, no entanto os pensamentos de Ty continuaram concentrados na descoberta sobre o pai.

Se sua mãe algum dia descobrisse que o pai estava mantendo relacionamento com Sally Brogan, iria ficar terrivelmente magoada. Como um homem podia amar uma mulher e fazer-lhe isto? Ainda que este relacionamento fosse diferente do seu com Tara: amava-a enquanto usava outras mulheres para satisfazer os desejos de seu corpo? Rejeitou a comparação de imediato. Quando estivessem casados não seria assim.

Não sabia como lidar com a situação, por um lado odiando o pai por trair a mãe daquela maneira, e por outro arranjando desculpas que pudessem justificar o comportamento de Chase. Todas as vezes que o fel amargo do ressentimento assomava em sua garganta, ele o engolia com a cerveja gelada.

Quando terminaram a refeição, o pai pediu uma xícara de café, e Ty outra cerveja.

- Em algumas semanas você vai embora para começar o último ano da faculdade. - O pai acendeu um charuto fino e soprou a fumaça para cima, misturando-a à névoa próxima ao teto. - Acho que você sabe, sempre vou achar que teria aproveitado melhor o tempo na fazenda. Finalmente está quase terminando e você vai voltar para sempre. - Vendo que Ty não respondia, Chase levantou a cabeça, sentindo que algo estava errado. Ou você tem outros planos que eu não conheço?

- Não, nenhum. - O copo úmido de cerveja deixou um círculo molhado sobre a mesa, e Ty circulava o copo dentro daquele perímetro. vou voltar quando me formar.

- Por um momento, você me deixou em dúvida. - A boca relaxou-se em um imenso sorriso. Houve uma pequena pausa, um momento de calma que foi se deixando tomar pelo zumbido crescente das vozes e risadas no fundo, até que o pai falou novamente. - Dyson vem nos visitar num dia qualquer da semana que vem. Ele telefonou hoje de manhã, dizendo que estaria em Wyoming e como estava tão próximo decidiu pegar dois dias e parar na fazenda.

- Tara vem com ele? - Ty teve de perguntar.

- Ele não mencionou isto. - Passou os olhos por Ty enquanto batia a cinza do charuto no cinzeiro. - Você tem intenção séria em relação a ela?

- vou me casar com ela - afirmou.

O pai levou algum tempo assimilando a afirmação enquanto rodava o charuto preguiçosamente.

- Ela é uma garota bonita. - O olhar correu com preguiça forçada para Ty. - Tem certeza de que a ama?

Ninguém jamais lhe explicara o que era o amor. com Tara, descobrira que o amor era a fome... uma ânsia arrebatadora que o consumia até que a desejasse da maneira como um homem faminto venderia sua alma por um pedaço de pão.

- Tenho certeza.

- Não vou dizer que você é muito jovem para casar, mesmo achando que seja. Se ela o enfeitiçou como acho que está enfeitiçado, você não sabe o que está sentindo e não vai ouvir ninguém. Mas se realmente a ama, traga-a até a fazenda antes de casar... para o bem dela.

- Por quê? - Naquele momento, Ty se ressentiria contra qualquer conselho paterno em relação a casamento ou mulheres.

- Algumas pessoas não conseguem se acostumar ao isolamento. A vida aqui não é igual à que ela conhece. Não existem teatros ou butiques elegantes ou clubes sociais, ou muitas coisas naturais à vida dela. Ela tem o direito de saber que tipo de vida terá depois do casamento.

- Mamãe gosta daqui - afirmou ele.

- Sua mãe nasceu no campo. Tara foi criada na cidade.

- E isto faz tanta diferença? - Um traço de sarcasmo surgiu na voz de Ty, com a constante volta ao assunto.

- Se ela não gostar daqui, você se verá diante de um problema insuperável - avisou o pai. - Todo casamento tem seus problemas.

- Qual é o seu? - perguntou Ty.

O pai reclinou-se para trás, seus olhos estreitavam-se.

- Este é um assunto particular entre mim e sua mãe, algo que temos que resolver sozinhos.

- Primeiro você tem de querer resolver. - O relacionamento entre os pais já não estava bom há algum tempo, desde que haviam assumido posições antagónicas na questão de sua educação universitária. Talvez a solução do pai tivesse sido arranjar uma amante.

- Se você está querendo insinuar alguma coisa, fale claramente desafiou o pai. - Caso contrário, não fique tentando dar conselhos sobre assunto que não conhece.

A reprimenda forçou Ty a conter suas acusações já meio prontas, mas o fez de má vontade. Como um adulto de 21 anos, queria respeitar a privacidade dos pais. Entretanto, como filho, não podia ficar indiferente. Levantou o copo de cerveja, sentindo-se interiormente inquieto e zangado. A outra garçonete aproximou-se da mesa com o bule de café para encher a xícara de Chase, mas ele cobriu-a com a mão.

- Não quero mais, não. Está na hora de ir para casa, antes que Maggie comece a pensar que me perdi. - Pagou a conta que fora deixada sobre a mesa e levantou-se. - Hoje o jantar é por minha conta.

Após a saída do pai, Ty ficou sentado sozinho na mesa mais um pouco. As cervejas que tomara estavam começando a fazer efeito. Tinha dificuldade em ordenar os pensamentos. Sua mente ia e voltava do pai para Tara. Queria falar com ela - ouvir a voz dela.

Levantando, enfiou a mão no bolso da calça, retirando algumas moedas. O movimento pareceu fazer o sangue correr mais rapidamente dentro dele. Subitamente, estava se sentindo bem, solto e sem problemas. E se havia alguma irritação, algum mau humor, isto só fazia intensificar os outros sentimentos.

O bar-restaurante havia enchido. Algumas das famílias com os filhos mais jovens estavam indo embora, enquanto os vaqueiros e empregados da fazenda lotavam o café em grupos de dois ou três. Ty conhecia a maioria deles de vista ou de nome. Eles o cumprimentavam, e ele retribuía as saudações enquanto se dirigia ao telefone na parede exterior do toalete.

Um jogador de bilhar inclinado sobre a mesa de sinuca impulsionou o taco para trás. Ty desviou-se do taco e esbarrou num garoto de cabelos louros bem claros de dezoito anos, o rosto sardento bronzeado, exceto na faixa clara na testa.

- Desculpe, Andersen. - Ty pediu desculpas ao filho de uma família dona de terras limítrofes à Triplo C. Havia uma infinidade de garotos e Ty nunca conseguia guardar seus nomes.

- Tudo bem. - O garoto magricela saiu do caminho, permitindo a Ty entrever a garota que estava com ele.

- Oi, Jessy. - Havia um certo deboche em seu sorriso preguiçoso enquanto usava o dialeto local. - Diabos, nunca te vejo sem chapéu. Desarrumou a cabeleira compacta, a penumbra obscurecendo os raios dourados. - Parece que a melhor laçadora da Triplo C finalmente laçou um namorado.

- Talvez algum dia eu possa te ensinar a laçar tão bem quanto eu replicou ela.

Ty cutucou o garoto Andersen com o cotovelo.

- É melhor tomar cuidado com ela. Não tem papas na língua. Não percebeu osjeans brancos que ela estava vestindo ou o corte da

blusa azul-brilhante.

Sem esperar resposta do garoto silencioso, saiu em direção ao telefone. Quando a telefonista entrou na linha, deu o número no Texas, colocando a quantidade necessária de moedas para a chamada.

- Alo, gostaria de falar com Tara. - Colocou a mão sobre a orelha, tentando evitar o barulho da máquina de música e do bar.

- Quem está falando?

- Ty Calder. - A mesma voz impessoal pediu que esperasse. O que Ty fez, impaciente.

- Alo, Ty? Aqui é E.J. Tara saiu. Era alguma coisa importante? O sentimento gostoso esvaiu-se. Franziu o cenho, tentando produzir

uma explicação para a chamada.

- Só queria falar com ela - resmungou, repetindo-se. - Só queria falar com ela, só isso.

- Ty, você está bêbado? - ecoou Dyson, meio divertido.

- Não, senhor, ainda não. - Mas a ânsia estava presente, o álcool apagava toda a confusão. - Diga a ela que telefonei. - Sentiu uma precipitação de raiva por não encontrá-la em casa. Não encontrá-la deixou-o tenso ao desligar o telefone.

Com o canudinho, Jessy mexeu o gelo no copo de Coca. Voltava a olhar com frequência para a mesa de sinuca em que Ty estava, com um taco na mão e uma garrafa de cerveja na outra. Tentava segurar os dois, mesmo quando era sua vez de jogar, ao mesmo tempo que um cigarro pendurado em sua boca obrigava-o a semicerrar os olhos para proteger-se da fumaça.

As pernas longas e musculosas não apresentavam muita estabilidade. Mal conseguia controlar seus movimentos, meio cambaleantes. Jessy não tinha ideia de quantas daquelas garrafas de cerveja de gargalo longo ele entornara, mas estava prestes a se tornar um bêbado divertidíssimo. Tanto as gargalhadas como a voz dele soavam alto, embora uma onda de raiva parecesse percorrê-lo. Ela sentia um traço de impaciência e desagrado no comportamento dele, apesar de ignorar os vaqueiros com quem estava, todos no mesmo estado de embriaguez.

Inclinou a cabeça, sorvendo a Coca-Cola aguada pelo canudinho. Leroy Andersen usava a tampa da mesa como tambor, batendo os dedos em compasso com a música da máquina, e os ombros ondulando no ritmo. Jessy desistira de tentar conversar com ele, cansada de competir com a música pela atenção do garoto. Os dedos deram uma batida final, terminando junto com a canção.

- Isto é que é ritmo. - Esfregou as mãos nas coxas, olhando-a em busca de concordância.

Ela sorriu desanimada em resposta sem dizer nada. Pessoalmente não gostava daquela música, e nem das outras canções selecionadas por Leroy.

- Quer escolher algumas músicas? - sugeriu ele.

- Por que não? - As opções de entretenimento eram limitadas, já que Leroy não falava e, apesar de todo o ritmo, não sabia dançar. Todas as amigas dela faziam alvoroço com um encontro no sábado à noite, como se fosse alguma honra especial, não importa qual rapaz convidasse. A pressão a fazia pensar que havia algo errado com ela se não aceitasse um convite em princípio. Só que Jessy invariavelmente se sentia entediada. Ela se divertia mais quando saíam em dois casais ou em grupo.

A máquina automática continuava a tocar as músicas selecionadas, enquanto Leroy fazia o copo de tambor. Jessy não sabia nem mesmo por que estava olhando as opções musicais. Elas não haviam mudado durante todo o verão.

- Ei, me traz outra cerveja. - Era Ty fazendo o pedido, e Jessy se virou. Estava passando o taco para outro jogador quando a viu na máquina. A música foi mudada e a canção Cotton-eyed Joe ecoou nas caixas de som.

- Que tal esta? - perguntou Leroy e ela olhou para ver qual ele escolhera, convicta de antemão de que não ia gostar.

Sentiu um braço envolvê-la pela cintura, arrastando-a para o lado. Sua respiração acelerou-se de perplexidade. Ty sorriu preguiçosamente para ela, com um brilho gozador nos olhos meio toldados. Os quadris dela estavam grudados na coxa de Ty, os ombros e braços dela incomodamente aprisionados contra o seu tórax. Sentia o coração batendo loucamente no peito.

- Não vi você dançar nem uma vez esta noite, Jessy. - A voz potente soava fraca. - Vamos ver se você é tão boa dançando quanto em cima de um cavalo.

- Ty Calder, você está bêbado.- ela o acusou.

- Estou pedindo para dançar com você. - Franziu o cenho, zangado. Não vá me dispensar. - Então olhou por sobre ela com um alegre sorriso de desrespeito para o acompanhante de Jessy. - Você não se importa, não é, Anderson?

- Não me importo, sr. Calder.

- Ouviu isso? - Arqueou uma sobrancelha negra exageradamente, até a testa bronzeada, olhando de novo para Jessy. - O sr. Calder tem a permissão do seu namorado para dançar com você. - com um movimento de cabeça, fez uma reverência de formalidade jocosa.

- Tudo bem, vamos dançar - concordou ela. - Se você conseguir ficar de pé o tempo todo.

Afrouxou um pouco o abraço para que pudessem dar alguns passos até o espaço livre para dançar. Ao virar-se de frente, o braço em torno dela novamente apertou Jessy contra seu corpo. Os quadris de ambos estavam quase colados enquanto ela empurrava a coxa dele, buscando espaço para os pés, sem pisar nas botas de Ty. O contato assinalava cada movimento dele com antecedência, tornando mais fácil segui-lo, mas aquela proximidade que lhe permitia sentir cada fibra dos músculos do rapaz era perturbadora.

Nas primeiras voltas em torno da pequena área, ele parecia estar esforçando-se intensamente para coordenar os pés de forma correta. Jessy já estava começando a duvidar se Ty estava tão bêbado quanto pensara inicialmente. Neste momento, ele perdeu a concentração e tropeçou.

- Desculpe - murmurou Ty, quase pisando no pé dela. Apertou-a mais, e Jessy se deu conta de que Ty estava confiando no equilíbrio dela. O chapéu sobre a testa, sombreando os traços dele, ocultava a luta por um instante de sobriedade.

- Talvez seja melhor eu guiar e você me seguir - sugeriu ela. Ty empertigou-se.

- Uma ova que vou deixar você me guiar. - Começou a rodopiar com ela pela pista de dança, mal deixando os pés de Jessy tocarem no chão.

Quando a música finalmente terminou, ele parou e soltou-a. Oscilando desequilibrado, tirou o chapéu e tentou fazer uma reverência em tom de gozação, cambaleando para o lado. Jessy segurou-o, auxiliando-o até uma cadeira que alguém colocara ali para eles.

- Ufa! - Ty tentou parecer ofegante, mas suspeitou de que o salão inteiro estava olhando para eles. - Preciso de outra cerveja.

- Você já tomou o suficiente - afirmou ela.

- Tem razão - concordou Ty inesperadamente, levantando-se e assegurando-se do apoio nas costas da cadeira. - Está tarde. Tenho que ir para casa. - Começou a vasculhar os bolsos. - Onde estão as chaves?

- Em seguida, gritou para o salão: - Alguém viu minhas chaves?

- Você não está em condições de ir para casa dirigindo - anunciou Jessy, enquanto ele cambaleava.

- Deixei-as na caminhonete - lembrou-se, oscilando em direção à porta.

Alguém o agarrou antes que tropeçasse em uma mesa, e Jessy arremessou-se para diante, colocando o braço dele sobre os seus ombros, guiando-o na direção certa.

- Jessy, aonde você vai? - Leroy surgiu ao lado dela, fechando a cara enquanto caminhava tentando acompanhá-la.

- Ty está bêbado demais para dirigir. Apick-up dele está lá fora, e vou levá-lo para casa. De qualquer jeito, já está tarde. - Ela lutava contra o peso dele, que estava se apoiando mais nela do que em suas pernas instáveis.

- Quer que eu vá com você? - Leroy não sabia bem o que fazer.

- Não é preciso você nos seguir todo este percurso até a fazenda e depois voltar sozinho para casa. - Na verdade, ela estava aliviada em dar um fim prematuro ao encontro.

com a ajuda dos outros cavaleiros da Triplo C, Jessy conseguiu manobrar Ty até a caminhonete. Protestou quando ela se sentou atrás do volante, insistindo em que podia dirigir. Mas ela o ignorou.

- Você pensa que estou bêbado, né? - Pronunciava as palavras indistintivamente. Ao tentar deixá-la sem graça, a imagem de Jessy começou a confundir-se como se estivesse tentando separar-se em duas. Ty não tinha certeza, mas achava que ela nem ao menos o estava olhando. - bom, eu estou mesmo - informou orgulhosamente, agarrando-se à porta quando ela acelerou a pick-up em uma curva fechada na pista dupla. - Sou um Calder, você sabe. - Firmou-se à espera de outras curvas inesperadas que não vieram. - E um Calder sempre faz o que quer. - Tentou pronunciar as palavras claramente. - Esta noite quis ficar bêbado e consegui.

- Conseguiu mesmo - murmurou Jessy.

A cabeça caiu pesada, o peso maior do que o pescoço poderia aguentar. Ty afundou-se no banco, jogando a cabeça para trás, apoiando-a no encosto. O chapéu foi projetado para diante, caindo em ângulo sobre os olhos.

O facho dos faróis iluminava o asfalto irregular à frente da caminhonete, e o capim alto e as ervas daninhas encobriam as faixas à beira da estrada. A escuridão ao redor era total. Ty olhava as bordas do cerrado, mas o veículo ia muito rápido para que conseguisse firmar um pouco a vista.

A noite inteira ele vestira uma máscara jocosa de bom humor para ocultar a raiva, entretanto agora o espetáculo acabara. A língua tinha um gosto amargo. As coisas deveriam ser tão perfeitas e corretas, no entanto nem mesmo seus pais estavam contentes. Um ódio cego golpeou-o ao pensar no pai, sempre tão desgraçadamente honrado e pregando suas malditas ideias. Todos deveriam viver de acordo com elas, menos ele.

Embriagado, Ty abaixou os vidros da janela lateral, deixando o ar entrar na pick-up, e jogou-se novamente no assento. Após o primeiro doce aroma do ar puro, sentiu a pressão do vento contra si, sem deixá-lo levantarse, sem dar-lhe descanso. Estava cansado de enfrentá-lo, sem desviar-se um instante sequer, temeroso de que isto pudesse ser interpretado como sinal de fraqueza.

A caminhonete desacelerou, fazendo a curva para o portão leste da fazenda. Sua mente grogue estava por demais lenta para reagir ao que seus olhos viam. Eles há muito já tinham ultrapassado o portão menor, sem que Ty percebesse onde estavam.

- Encoste o carro. - Teve que ensaiar umas duas tentativas antes de conseguir sentar-se mais ereto no assento. A velocidade da caminhonete não mudou. - Eu disse para encostar - ele repetiu a ordem.

- Não posso parar no meio da estrada - explicou Jessy.

- Você vai ter de esperar até que haja espaço na beira da estrada para a gente descer do carro.

- Quero que você encoste a caminhonete agora. - Agarrou o volante, virando-o ele mesmo.

A pick-up deu uma guinada acentuada em direção à vala, e o movimento repentino jogou-o para longe do volante. Jessy conseguiu desviar bem na hora, o coração ribombando na garganta até que os faróis afastaram-se do buraco negro que corria paralelo à estrada. Quando ele tentou agarrar o volante de ferro novamente, furiosa, a garota deu-lhe um empurrão.

- Você vai matar a gente. - Foi forçada a reduzir a velocidade da caminhonete para controlá-la. - Se quer vomitar, é só colocar a cabeça para fora da janela.

- Não. Pare a caminhonete para eu descer. - Ty buscou as chaves às apalpadelas.

- Tudo bem. Tudo bem. - Ela estava furiosa com o comportamento idiota e perigoso dele. Colocou o pé no freio e apick-up derrapou até parar. - Pronto, paramos. - Ele já estava se virando, procurando desajeitado a maçaneta da porta. Jessy segurou o volante com ambas as mãos, flexionando-as enquanto tentava controlar a raiva que surgira com o medo que havia sentido. Assistiu-o sair dapick-up cambaleando. - Devia simplesmente deixar você aqui - resmungou. - Uma caminhada até em casa ia deixá-lo sóbrio.

Mas a ameaça não foi ouvida enquanto Ty avançava na escuridão, tropeçando para dentro da vala e tentando sair dela umas duas vezes até conseguir. Jessy ficou de olho na silhueta negra que ia se misturando à noite escura. A princípio, pensou que ele estava buscando a privacidade da escuridão para urinar. Então, viu-o parar e olhar em torno, como se estivesse perdido.

Ele se afastou mais ainda da estrada, e ela começou a perdê-lo de vista. Apressadamente, desceu dapick-up para segui-lo. Bêbado como estava, era impossível saber seu grau de consciência. Se ele escorregasse ou caísse em algum lugar, ia levar um bom tempo até achá-lo.

A uns dez metros da estrada ele parou novamente; e Jessy estacou não muito longe. Deixara os faróis da caminhonete acesos, os longos feixes de luz brilhando em ângulos retos a alguma distância atrás. Entretanto, a luminosidade não adiantava, ela estava cercada de sombras. A linha irregular de colinas baixas ao longo furava o céu da meia-noite, empoeirado de estrelas e aceso com a lua nova prateada. Jessy estava suficientemente próxima de Ty, que tinha o contorno escuro de seu corpo bem-delineado.

Os braços dele estavam afastados do corpo, parcialmente levantados em um gesto suplicante que era negado pelos punhos cerrados. A postura era tensa, vagamente desafiadora, os pés separados e a cabeça jogada para trás.

- Você é uma terra solitária e fedorenta! - O grito de raiva saiu de suas profundezas mais angustiadas. - Um sonho. Pensava que tinha um sonho. - A gargalhada bêbada produziu um som horrível. - E foi um pesadelo desde o começo. Você fez um homem de idiota... o fez ver coisas que não existem. Você o fez pensar que só tem mais uma colina. Você o fez prosseguir. Você o fez pensar que as coisas vão melhorar. - A voz fraquejou. - E tudo só fica pior. Você enrola um homem e ele vai afundando cada vez mais.

As pernas de Ty dobraram-se, ele caiu de joelhos. A cabeça pendia melancolicamente. Jessy hesitou, comovida com a explosão de raiva e frustração arrancada das entranhas. Sabia que Ty não queria que ninguém o ouvisse. Esperou até ter certeza de que o silêncio se prolongaria, e então aproximou-se dele lentamente. Estava sentado sobre as ancas, os ombros caídos e a cabeça inclinada para baixo. Ao tocar-lhe no ombro, virou-se para cima com um olhar aturdido.

- Vamos, Ty. - Foi gentil com ele, ajoelhando-se para ajudá-lo a ficar de pé. - vou levá-lo para casa.

- Você sabe onde é? - perguntou ele, lutando para ficar em posição vertical com o auxílio de Jessy. Passou um braço em torno dos ombros dela enquanto a garota mantinha o apoio em volta da cintura dele, guiando-o em direção aos faróis da caminhonete. Um sorriso largo suavizou a expressão de Ty, que deu uma risadinha, divertido com algum pensamento.

- Sempre quis ser como ele - anunciou Ty, fitando Jessy sem saber ao certo quem era ela. - Já te disse isso? - A ironia na voz dele perturbava-a.

- Não. - Jessy achava que estava falando do pai, mas não compreendia exatamente sobre o quê.

Quando chegaram à pick-up, ela abriu a porta de passageiros, ajudando-o a entrar. Várias vezes tentou colocar o pé no estribo até finalmente conseguir encontrá-lo e atirar-se dentro do carro com um empurrão de Jessy, batendo depois a porta.

O esforço pareceu gastar todas as energias de Ty. Estava jogado a um canto quando Jessy entrou no lado do motorista. O ruído de motor dando partida reanimou-o por um instante.

- Diabos, estou cansado - resmungou, acomodando o corpo comprido no espaço entre o assento e a porta.

Pouco menos de um quilómetro depois, Jessy ouviu-o respirando profundamente, adormecido. Dirigiu mais devagar sobre os caminhos acidentados da estrada da fazenda para perturbar o menos possível o sono do rapaz. Tentou convencer-se de que estava simplesmente deixando-o dormir para curar a bebedeira antes de deixá-lo em casa, mas a irritação que sentira interiormente com seu estado de embriaguez evoluiu para uma preocupação carinhosa. A dependência que ele inspirava acendera todos aqueles velhos sonhos que ela tivera com ele. Eles ainda estavam frescos. E se naquela noite ele a decepcionara por não se comportar como um herói forte e corajoso, mostrara-se humano, mais atingível, portanto,

A faculdade não o modificara tanto quanto ela julgara. Era verdade que ele falava melhor do que a maior parte dos vaqueiros - quando estava sóbrio -, mas bem no fundo, Ty era o mesmo garoto solitário que ela idealizara um dia.

Uma luz brilhava nas janelas da casa-grande quando parou a caminhonete em frente aos degraus que levavam à varanda com compridas colunas. A luz refletiu-se irregularmente sobre o assoalho de tábuas corridas. Ao desligar o motor, Jessy olhou para Ty, mas a ausência de movimento e ruído não alterou o ritmo profundo da respiração dele.

Cutucou-o levemente para acordá-lo, mas ele não se mexeu sob o toque da mão dela. Produziu apenas um grunhido de protesto.

- Acorde, Ty. - Jessy mudou de tática, agarrando-o pelos ombros e tentando tirá-lo do canto confortável. - Vamos. Você chegou em casa.

Ele era um peso morto, mas ela não conseguiu levantá-lo. Ty se mexeu, resmungando coisas ininteligíveis, tentando aninhar-se novamente em seu canto. Jessy insistiu, chegando mais perto para obter melhor apoio.

- Aprume-se, Ty - ordenou pacientemente, conseguindo arrancálo de perto da porta. - Vamos, para que eu possa te ajudar até em casa.

A cabeça de Ty pendeu enquanto ele tentava acordar e saber onde estava. O chapéu fora jogado tão para a frente que ele precisou inclinar a cabeça para enxergar.

- Onde nós estamos? - perguntou com imperfeição na fala.

- Estamos em casa. - Ela continuou a usar o plural, como o adulto às vezes faz com uma criança.

O som da voz dela, porém, atingiu a consciência de Ty pela primeira vez, e ele girou a cabeça para olhá-la. A intensa iluminação da luz do quintal não chegava até o interior da pick-up e a luz exterior deixava as sombras escuras dentro do veículo. Entre a luz ofuscada e sua própria visão embaçada, Ty não conseguiu ver com nitidez o rosto da garota que estava com ele. Tinha uma vaga impressão dos cabelos negros e do brilho das bochechas arredondadas. Começou a sorrir.

Satisfeita ao vê-lo finalmente desperto, ou tão desperto quanto poderia estar naquele estado, Jessy afastou-se dele para saltar do lado do motorista e fazer a volta para ajudá-lo a sair da caminhonete.

- Fique aqui - ordenou ela. - Volto num instante.

- Não. - Agarrou o antebraço da garota com a mão, os dedos o pressionavam com força descuidada. - Não vá. Você não vai voltar.

- Claro que vou. - Jessy repreendeu-o, torcendo o braço para libertar-se do aperto forte.

Em vez de afrouxar a pressão, ele a apertou mais.

- Não. - A determinação endureceu a boca de Ty, recusando-se a deixá-la ir. Envolveu-a com um braço, curvando-o como um gancho de ferro de forma a aproximá-la bruscamente de seus ombros e peito. À resistência de Jessy misturava-se a comfusão. Ele a agarrava da maneira como uma criança abraça um brinquedo que estava perdido. Escondeu o rosto nos cabelos dela.

- Não me deixe - sussurrou com uma voz sofrida que emocionou-a.

- Preciso de você. Sempre precisei.

- Ty. - Jessy estava atordoada; um arrepio de incredulidade percorreu-a toda. Mal podia crer no que estava ouvindo.

Quando Ty levantou a cabeça, o rosto de Jessy permanecera na sombra do chapéu dele; mesmo assim, ele distinguiu o brilho dos dentes brancos. Ela estava sorrindo, mas ele não sabia se ridicularizando-o ou o acolhendo. O estado de embriaguez reduzia as barreiras que em geral ocultavam a emoção da expressão dele.

Jessy susteve a respiração na garganta, diante do desejo selvagem que viu no rosto dele. Era alguma outra brincadeira cruel que lhe estava pregando. E conseguia. A mão dela tremia enquanto a estendia para passar o dedo pela linha rígida da mandíbula de Ty, semelhante ao bronze com a reflexão luminosa da luz externa.

A carícia hesitante quebrou os limites da reserva. Ele estava por demais vulnerável para arriscar-se a uma rejeição, mas não era rejeição o que aquele gesto transmitia. Um gemido de desejo profundo e surdo ecoou na garganta do rapaz.

Pousou a boca úmida sobre os lábios dela, englobando-os totalmente com uma sensualidade impudente jamais experimentada por Jessy. Não era um garoto desajeitado de escola pressionando o nariz no dela, nem tampouco um adolescente impetuoso, precipitando-se sobre ela de maneira enérgica e rude. Sentia-se fraca com o modo ardente como ele a consumia, faminto e buscando com uma ânsia que a fazia sentir-se inexperiente.

Cegamente, ela procurou dar o que ele buscava desesperadamente. A invasão da língua dele trouxe junto o gosto de cerveja e fumo e um algo mais. Tudo se acelerou e acendeu, o sangue fervente correndo pelas veias de Jessy, despertando todos os sentidos.

Os braços não afrouxaram a pressão que a mantinha colada a ele, mesmo quando as mãos começaram a percorrer o corpo da garota. Não conseguia mais saber onde estavam as mãos, correndo dos ombros às coxas, sempre insistentes e ansiosas. Elas pareciam expandir a intimidade sensual dos beijos dele para outras regiões do corpo. Ela sabia que era uma pessoa apaixonada, mas sua paixão nunca fora desencadeada, exceto por sua própria imaginação.

Ela buscou um pouco de ar puro quando ele finalmente afastou a boca. Mas aquilo não era o fim, e sim o início de uma série de beijos molhados e quentes, um juntando-se ao outro numa linha por todo o rosto de Jessy. A respiração de Ty acelerou-se sobre a pele da moça, em ondas tímidas e ardentes que engolfavam-na. Todas aquelas sensações haviam-na despertado. Suas mãos há muito haviam encontrado o caminho até os ombros dele, abraçando-o fortemente.

- Você é minha. - A voz profunda vibrava sobre a pele de Jessy.

- Sabia disso desde o princípio.

Jessy não discernia o som das palavras, mas somente o conteúdo delas. Deixara de acreditar que Ty algum dia sentisse o mesmo que ela. Começara a aprender que ele estava além de seus sonhos mais intensos há algum tempo.

- Eu também sabia - sussurrou impetuosa.

- Oh, meu Deus, te quero há tanto tempo. - Gemeu palavras repletas de desejo reprimido, enquanto buscava os lábios dela com ânsia selvagem.

Ela correspondeu avidamente ao beijo faminto e ardente. Os braços dele apertavam-na mais, levando-a com ele, enquanto ele ia afundando gradualmente no assento, deslizando até ambos estarem desajeitadamente deitados. Jessy ficara comprimida entre o encosto do assento e o corpo viril de Ty.

Ela era inexperiente, mas não ingénua. O que não aprendera observando os animais da fazenda, colhera nas conversas nos alojamentos. Sentindo a mão dele movimentar-se por dentro da blusa, buscando-lhe os seios, Jessy não se preocupou até onde ele iria, mas sim se chegaria suficientemente longe. As atitudes dela jamais haviam sido governadas pelo que as pessoas consideravam como comportamento apropriado para uma garota e não o seriam agora.

O chapéu de Ty pendeu para trás enquanto ele se contorcia, aninhando-se entre os pequenos seios e os mamilos duros e sensíveis. O que lhes faltava em tamanho sobrava em sensibilidade. com a língua ele traçou espirais de excitação, movendo-a em círculos progressivamente exigentes por todo o corpo de Jessy. com as mãos em concha, englobou o arredondado de um dos seios aproximando-o da boca, pressionando os bicos castanhos usando os dentes, a língua e os lábios. O desejo intensificou-se dolorosamente dentro de Jessy, os lábios contorcendo-se em busca de pressão capaz de aliviar a ânsia que a tomara.

Ty pareceu perder as forças, afastando a cabeça dos seios dela e apoiando-se cambaleante, com a ajuda de um braço sobre o assento. As mãos dela crisparam-se em torno dos ombros dele para que não perdesse o equilíbrio e tombasse sobre o chão da caminhonete. A pressão exercida pelos braços dela trouxe-o novamente para seus lábios.

- Não pare agora, Ty. - Havia uma ponta de frustração no pedido sussurrado, um certo rancor por ele tê-la levado até aquele ponto, mas bêbado demais para ir até o fim.

A respiração dele era ritmada e profunda. No estado em que se encontrava, mais do que bêbado e completamente excitado, tudo era confuso. Ela lhe tinha dito algo, mas ele já se esquecera do que se tratava; tudo o que conseguia lembrar era a insistência no tom de voz dela. com experiências anteriores, Ty sabia ser aquele o momento em que surgiam os protestos. Ty buscou-lhe os lábios na escuridão.

- Tenho que ter você - resmungou contra aqueles lábios, mergulhando neles profundamente sem encontrar resistência.

com os dedos procurou o fecho da calça jeans de Jessy, manuseando-o desajeitado até que finalmente conseguiu abri-la. A ânsia resultante era mútua; ele ia abaixando um lado ao jeans sobre as ancas de Jessy que abaixava o outro lado. Pousou todo o peso sobre ela. As pernas de ambos entrelaçaram-se, o joelho dela batia no volante. O calor do corpo de Ty era mais do que suficiente para aquecer a nudez dela, o jeans branco jogado sobre o chão sujo da caminhonete. A essa altura não importava que ele não estivesse despido. Bastava abaixar o zíper das calças.

Embora Jessy não soubesse exatamente como fazer, sabia o que devia ser feito. Em local tão apertado, era necessário cooperar. Sem hesitação, Jessy posicionou-se e o trouxe para si, evitando as tentativas desajeitadas e frustradas.

Previra a dor aguda da violação, trincando os dentes para não deixar escapar um grito de protesto. Aos poucos, a dor foi sendo entorpecida pelos movimentos ritmados, o início do prazer suavizando as sensações.

Todo o desconforto desapareceu com o prazer aumentando ao máximo. Apertava-o bem próximo a si, tentando envolvê-lo totalmente enquanto os beijos se tornavam mais sedentos e exigentes, requisitando mais e mais. Jessy silenciara em sua dor, mas não procurou conter os ruídos sensuais de prazer que escaparam quando o clímax tempestuoso de sensações invadiu-a inteira, transformando-a em uma massa gelatinosa.

Mal começara a recobrar-se quando sentiu os braços dele apertandoa contra si, a carne absorvendo os tremores que sacudiam Ty. Atenuou-se a rigidez enquanto ele tombava sobre ela.

A posição tão satisfatória tornara-se desconfortável; o corpo dele transformou-se em um peso sufocante e fervente; começou a sentir câimbras nas nádegas. Os músculos protestavam contra a dureza do assento. Afastou-o, incitando-o a sair de cima dela.

Foram necessárias algumas manobras até que ambos estivessem sentados novamente. Jessy começou a colocar as roupas, forçada pelo volante a inclinar o corpo para o lado de Ty. Interiormente, sentia-se livre e apaixonada, macia como creme.

Olhou para Ty com interesse vivo. Os cantos dos lábios repuxaram-se em um sorriso ao perceber que o chapéu ainda pendia retorcido na parte posterior da cabeça. Abotoou ojeans e puxou a frente do chapéu por sobre a testa de Ty com um gesto possessivo. Os reflexos dele eram lentos, mas Jessy não tentou evitar as mãos que a mantinham junto a ele. Estava tão relaxado que ela podia sentir-lhe os músculos frouxos enquanto aninhava-se nos braços dele. A aba do chapéu roçou a cabeça de Jessy quando ele se curvou, passando a boca sobre os cabelos de Jessy.

- Você tem que casar comigo, Tara - afirmou com a voz inarticulada. Jessy imobilizou-se.

- O quê? - insistiu para que ele repetisse, esperando não tê-lo ouvido corretamente.

- No entanto, Ty não se deu conta do pedido dela, nem ao menos percebeu estar acariciando um corpo que se tornara frio em seus braços.

- Tara, querida - gemeu -, eu te amo. - A voz baixa não era suficientemente ininteligível ou enrolada para que duvidasse do que ouvira.

Tomada de insensibilidade, saiu rígida dos braços dele. As mãos sem força ensaiaram uma tentativa de segurá-la, mas bastava evitá-las. Jessy fez isto sem pensar, afastando-se dele e indo para o lado do motorista.

Os dedos fecharam-se em torno do volante, apertando-o ao máximo. Olhava para o nada, com a atenção voltada para o mais íntimo dela, para a descoberta devastadora de que em meio à bebedeira, ele fizera amor com ela acreditando que era outra pessoa.

E idiota como só ela poderia ser, pensara que tudo aquilo que Ty dissera fora para ela, Jessy.

Fora usada. Não importa o quanto o quisera. Ty a usara para realizar sua própria fantasia. Um tremor violento acometeu-a, e o sangue transformou-se em gelo.

- Seu filho da puta! - Jessy virou a cabeça, faiscando todo o ódio que sentia por ele. Queria fazê-lo em pedaços, com as próprias mãos. Seu verme desgraçado! - A fúria contida jorrava das palavras, pronunciadas entre os dentes trincados.

Entretanto ele não esboçou qualquer reação, afundado no assento, o queixo enfiado contra o peito. Por um minuto, Jessy ficou completamente cega de ódio para perceber o ritmo regular da respiração dele. Ao se dar conta de que Ty dormia, ela quis gritar.

Sem qualquer delicadeza, sacudiu-o pelos ombros e rudemente tentou trazê-lo à consciência.

- Acorde, seu filho da puta! - Não tinha palavras suficientemente baixas para chamá-lo. Mas nem os xingamentos, nem os sacolejes perturbavam o estupor sonolento em que ele mergulhara.

Jessy saiu da caminhonete batendo a porta, caminhando a passos largos em direção ao lado do passageiro. Abriu a porta subitamente, fitando duramente aquela figura decaída e inconsciente. O chapéu estava amarfanhado por trás da cabeça inclinada, lembrança insultante de que ele não se preocupara nem em tirar o chapéu para transar com ela.

- Devia arrastar você para fora do carro e deixá-lo onde caísse. Jessy não sabia por que não cumpria a ameaça, a menos que fosse porque a sua segunda opção lhe parecesse mais atraente.

A dor geralmente produzia a sobriedade, ou assim ela ouvira, nos alojamentos, de vaqueiros bêbados. Xingar e sacudir não resolvera, mas a dor o acordaria.

Fechando o punho, Jessy apontou para a boca entreaberta e o queixo, colocando o braço para trás. Apertou os lábios em uma linha de prazer cruel, impulsionando o punho fechado. O impacto foi desagradável, mas quando Jessy sentiu o lábio inferior de Ty abrindo-se contra a pressão dos dentes, compreendeu a satisfação que um homem sentia lutando. O golpe lançou a cabeça dele para trás, acordando-o instantaneamente. Uma carranca aturdida deformou-lhe os traços enquanto olhava em torno, semialerta, ainda que não inteiramente consciente do que estava ocorrendo. Passaram-se alguns segundos até que percebesse Jessy ou sentisse a dor na boca e na mandíbula. Pressionou a mão contra a boca, olhando a mancha de sangue nos dedos com assombro inusitado.

- O que diabo está acontecendo? - A influência viscosa da bebida ainda estava em sua voz, mas ele parecia quase sóbrio.

Jessy não deu uma palavra, permanecendo ali de pé, esperando que ele lembrasse o que ocorrera entre os dois antes de perder a consciência. A luz do quintal derramou-se sobre o teto da caminhonete, iluminando os traços dela e acentuando-lhes o formato anguloso: não havia sombras que distorcessem a imagem, levando-o a pensar que ela fosse outra pessoa.

- Quem me bateu? - Ty continuava olhando carrancudo para ela, enquanto passava a língua pelo corte e examinava a mandíbula ferida. Não me lembro de briga nenhuma.

- Eu bati - confirmou Jessy. A mágoa e a raiva aumentavam ao ver que ele não se lembrava do que ocorrera. Morria de vontade de socá-lo novamente, independente dos nós dos dedos doloridos e latejantes pelo murro anterior.

A confissão surpreendeu-o.

- com todos os demónios, por quê? - Não importava quão sóbrio ele parecesse, perdurava-lhe uma falta de coordenação enquanto tentava colocar as pernas para fora da caminhonete.

- Você perdeu a consciência - ela afirmou, insolentemente, dando um passo para trás, enquanto ele saía aos tropeções da pick up. - E eu não ia te carregar até a casa.

- Isto não é razão para me bater - resmungou, agarrando-se à porta aberta da caminhonete em busca de equilíbrio, esfregando o lábio ensanguentado novamente. Saiu em direção aos degraus da frente da casa com passos vacilantes.

- Você devia agradecer - provocou Jessy. - Deixei você em casa inteiro. - O que era mais do que ela poderia afirmar sobre si mesma.

Ty estacou com um pé nos degraus, a língua solta com as cervejas que consumira.

- Podia ter dirigido até em casa. - Ressentia-se por ficar devendo algo à garota auto-suficiente e comprida. - Por que não espera que te peçam em vez de sempre ficar metendo o nariz onde não é chamada? Nunca te pedi ajuda... e nunca a quis. - Se estivesse lúcido, teria sido mais tolerante com as atitudes prestativas para o bem dele.

Jessy empalideceu diante da rejeição a tudo que já fizera por ele. Mas aprendera com a maioria dos vaqueiros a não deixar as emoções transparecerem no rosto. Só a pele mais branca revelava que as palavras haviam causado algum efeito sobre ela.

com um silêncio em que tentava esconder a dor, assistia-o subir as escadas, tropeçar na ponta de um dos degraus e cair para a frente, batendo com o joelho e caindo para o lado com toda a força sobre os quadris. Praguejando furiosamente, Ty tentou ficar de pé, mas os pés continuavam entrelaçados. Ficou de quatro, tentando andar e escalar os degraus ao mesmo tempo.

O papel ridículo que estava representando, subindo as escadas como bêbado idiota, deixou Jessy pregada no mesmo lugar. As mãos apertavam a cintura rigidamente, recusando-se a esboçar qualquer gesto de ajuda. A sobriedade momentânea desaparecera. Ao vê-la parada no pé da escada assistindo-o lutar, Ty enfureceu-se, embriagado.

- Me ajuda, merda! - Tentou ser agressivo, mas a frase saiu com esforço, ininteligível.

Sorrindo levemente, Jessy subiu três degraus e estendeu as mãos para auxiliá-lo.

- É uma pena que sua querida Tara não esteja aqui para vê-lo assim. - Não percebeu a amargura que irradiava-se de sua voz.

- Tara. - Ty olhou em torno, como se esperasse vê-la surgir. - Pensei que ela estava aqui. - Virou-se para Jessy enquanto apoiava-se pesadamente sobre os ombros dela para vencer os degraus. - Ela não estava aqui?

- Não - respondeu, curta e grossa. Grande melancolia pareceu abater-se sobre ele.

- Não. Ela tinha um encontro hoje à noite... com outro. Sempre com outro - resmungava consigo mesmo, inconsciente de que estava falando alto ou de que Jessy poderia ouvir. - Eu devia estar bêbado. Parecia... tão real.

Jessy carregou-o pela ampla varanda até a porta da frente, com um leve esforço sob o peso crescente sobre seus ombros. Magoava-a profundamente escutá-lo, sabendo tudo o que sabia.

A porta da frente não estava trancada. com um chute, Jessy foi empurrando-a, tentando passar de lado com Ty através da abertura. Ele apoiou o ombro na porta dupla, mantendo-a aberta. Desequilibrado, entrou no vestíbulo tropeçando com estrondo, carregando Jessy junto. Ela só conseguiu equilibrar-se sobre os calcanhares alguns metros adiante, perante o impulso de ambos.

- Seu idiota convencido!

- Estou cansado demais - Ty murmurou, virando-se para olhá-la, o corpo alto oscilando, enquanto colocava um dedo sobre os lábios, exigindo silêncio. - Não podemos acordar Cathleen.

Uma luz foi acesa no segundo andar, jogando um facho de luminosidade sobre as escadas que davam para o salão. Chase Calder desceu os degraus, parando por um minuto para observar a cena. Não se preocupara em abotoar ou colocar as fraldas da camisa para dentro das calças. Ao descer o último lanço das escadas e aproximar-se deles, dava para se ver o rosto enrugado e inchado de sono. Um feixe de pêlos grisalhos-dourados atapetavam seu peito, embora este sinal de envelhecimento ainda não houvesse atingido a massa de cabelos.

O olhar de desaprovação desviou-se de Ty para centralizar-se em Jessy.

- O que houve? - No mesmo instante, aliviou Jessy do peso que carregava, colocando o braço de Ty em torno de seu pescoço, sustentando-o com um braço em volta da cintura do filho.

- Ele estava bêbado demais para voltar para casa dirigindo, aí eu o trouxe. - Não explicou por que se oferecera em lugar de deixar um dos vaqueiros da Triplo C trazê-lo.

Ty pareceu demorar vários segundos para perceber o que acontecera.

- bom, se não fosse o poderoso Chase Calder. - Cambaleou para trás, tentando focalizar o rosto do pai.

- Isto já é suficiente, Ty. - Lançou um olhar impaciente e duro em direção ao filho, voltando-se para Jessy a fim de perguntar algo, mas foi interrompido antes que conseguisse falar.

- Qual o problema? - perguntou Ty. - Desrespeitei alguns dos códigos preciosos de vocês só porque fiquei bêbado? Imagino que um Calder não devia ficar bêbado e divertir-se. Ele tem que ser um homem e maneirar na bebida. - Empertigou-se, ridicularizando a situação.

- Você está bêbado - declarou o pai, categórico.

- Ah, é? - A resposta era um misto de desafio e sarcasmo. - Você não é assim todo-poderoso.

Jessy percebeu movimentação nas escadas. A mãe de Ty descia silenciosamente os degraus, amarrando apressadamente o robe.

- O que é isso, Chase? Ty está bem?

O som da voz dela mudou a atitude de Ty. A hostilidade desapareceu sem deixar traços, enquanto ele se virava vendo-a aproximar-se, com um sorriso brando curvando-lhe a boca.

- Ele está bem.

- Não se preocupe comigo, mãe - contrapôs Ty. - Só estou um pouco bêbado.

- Já ia levá-lo para cama - fez Chase com a cabeça em direção a Jessy. - Arranje um jeito de Jessy ir para casa.

Maggie Calder olhou incerta para Chase e o filho, antes de virar-se para Jessy.

- vou voltar para casa com apick-up de Ty e amanhã de manhã peço a alguém para trazê-la de volta - declarou Jessy.

- Está bem. - A voz de Maggie soava hesitante ao perceber as manchas de sujeira nojeans branco de Jessy e a palidez da pele dela. - O lábio de Ty está cortado. Houve algum acidente ou alguma briga?

- Não. - com um traço de autoconsciência, Jessy limpou osjeans.

- Acho que me sujei tentando tirar Ty da caminhonete. - Quando se virava para sair, uma curiosidade irresistível levou-a a voltar-se. - Sra. Calder, quem é Tara? Ty mencionou o nome dela várias vezes esta noite.

- Tara é filha de E.J.Dyson. - Parecia quase aliviada com a pergunta. - É uma garota adorável. Não me surpreende que tenha falado nela. Ty vem se encontrando com ela há algum tempo.

- Sei - murmurou Jessy. - Boa noite, sra. Calder.

- Boa noite, Jessy. E obrigada por trazer Ty para casa em segurança - acrescentou.

A meio caminho da ramificação Sul, as lágrimas começaram a brotar dos olhos de Jessy, escorrendo pelos cílios. As bochechas reluziam úmidas, mas não havia ninguém para ver, exceto as milhares de estrelas no céu ou os olhos brilhantes e luminosos de um coiote cruzando a estrada diante da caminhonete.

Na casa-grande, Maggie foi ver a filha no quarto, mas ela dormia profundamente, mesmo com a chegada barulhenta de Ty. Chase juntou-se a ela no corredor do segundo andar, após carregar o filho até a cama, onde Ty começara a roncar mal se jogou no colchão.

- Ty estava certo quando disse que Cathleen continuaria a dormir se ele não tentasse fazer silêncio - observou Maggie em tom divertido, enquanto ela e Chase caminhavam juntos até o quarto. Diante do silêncio, ela levantou os olhos, perscrutando-lhe o rosto. - Chase, você não ficou zangado com Ty só porque ele chegou em casa bêbado, não é?

Ele abriu a porta do quarto e deixou-a passar, os olhos frios encontrando os dela por um instante.

- Você está contente em saber que seu filho está bêbado e desmaiado na cama? - contrariou-se.

- Não estou contente. - Para Maggie aquela pergunta era ridícula.

- Mas isto tampouco me preocupa. - com um gesto de impaciência, ela desamarrou o nó do robe. - Você é muito rígido com Ty. Você sempre exige demais dele. Deixe-o ser jovem e divertir-se enquanto puder.

- A culpa é sempre minha, não é? - Lançou-lhe um olhar sombrio e calmo. - Sou sempre muito severo com ele, mas você nunca é muito condescendente.

- Eu não sou condescendente. Simplesmente compreendo.

- E eu não? - desafiou ele.

- Nunca disse isso - negou Maggie, desviando-se dele e odiando aquela discussão. - Você tem que parar de querer que ele pense como você.

Fez-se longo silêncio e Maggie aguardou a explosão de palavras zangadas... a briga de sempre sobre o filho. Em vez disso, ouviu-o soltar um suspiro profundo, vindo das profundezas de si mesmo. Chase embolou a camisa e atirou-a a um canto.

- Nós não conseguimos falar sobre esse assunto sem discutir, não é, Maggie? - Ele parecia muito cansado e saturado. Ao voltar-se para Chase, ele a fitava, a extensão do quarto separando-os. - Nós dois nos achamos absolutamente certos.

- Acho que sim. - Retendo inconscientemente a respiração, ela esperou-o dar o primeiro passo que a levaria para os braços dele. Esperou, mas ele não tomou qualquer atitude.

Perdeu-se o momento de conciliação, ambos contidos pelo orgulho.

- Acho melhor dormirmos um pouco. - Chase finalmente desviou o olhar, indo em direção à cama.

Os lençóis estavam frios quando Maggie deslizou para baixo deles, demasiado distante do corpo de Chase para aquecer-se. Sofria por dentro, atormentada pelo pensamento de que Chase lhe oferecera uma trégua e ela não o percebera.

O verão rapidamente chegou a setembro e ao último ano de Ty na faculdade. A única lembrança nítida que ficara daquela noite fora a cena de seu pai e Sally Brogan. O conhecimento tornara constrangedor o relacionamento com os pais. Ficou contente quando chegou a época de voltar para a faculdade.

Mal chegou à associação, Ty ensaiou uma tentativa fracassada de desfazer as malas, as energias concentradas na possibilidade de rever Tara levando-o direto ao telefone. O corredor estava cheio dos membros que também retornavam, carregando malas, raquetes de ténis, tacos de golfe, rádios e uma variedade de artigos fundamentais. Era constantemente abordado por amigos que estavam chegando, gritando saudações e querendo saber como diabos ele estava.

- Ei, Ty! - Já estava quase chegando ao telefone quando foi saudado outra vez. Olhou em volta, impaciente, o rosto iluminando-se em um sorriso ao reconhecer Jack Springer, que se tornara seu melhor amigo na universidade. - Já estava indo te procurar. Sappy me disse que você chegou hoje à tarde.

- Cheguei. Ainda nem terminei de desfazer as malas - admitiu Ty, aproximando-se inconscientemente do telefone. - Como foi o verão?

- Quente e interminável, como sempre. - O pai de Springer era dono de uma fazenda em uma colina fora de Austin. Ty passara alguns finais de semana lá, quando Tara tinha outros compromissos. Era uma fazenda de bom tamanho, uma mistura de área de criação e parque para caça, mas não passava de uma pequena parte do tamanho da Triplo C. - Vamos sair daqui, tomar umas cervejas, comer pizza, e curtir a noite.

- Parece legal, mas primeiro tenho que dar um telefonema. Acho que vou ter um compromisso. - Ty esperava que sim. Há muito tempo não via Tara.

Um olhar de compreensão surgiu no rosto do rapaz de compleição delgada.

- Não pode nem desarrumar as malas antes de telefonar para uma certa garota, hem?

- Mais ou menos isso. - Ty soltou uma risada.

- Se você vai telefonar para quem estou pensando, vou poupá-lo de uma rejeição. Ela está ocupada esta noite. - Jack informou-o.

A afirmação fez o sorriso desaparecer do rosto de Ty.

- Como é que você está tão certo disso?

- Porque vai ter um jantar importante na mansão do governador hoje à noite.

- E daí? - Ty franziu o cenho, estreitando os olhos.

- Tara vai estar lá com seu senador galã. - O tom dele era uma mistura de deboche e pena. - Um dos problemas de se viver isolado em algum canto de Montana é que você fica desatualizado. Tara se cansou da vida no campus e começou a frequentar ambientes mais nobres.

- O que você quer dizer? - Sentiu um nó na garganta.

- Os jornais daqui só falam de Tara Lee Dyson e o jovem, atraente e solteiro senador Mason Dodd in. Parece que o pai deixou uma fortuna em reservas de petróleo para ele. Os dois foram o assunto do verão em Austin.

Ty olhou para o telefone, querendo pegá-lo e telefonar para ela, descobrir por si mesmo se o que Jack estava falando era mesmo verdade.

- Ela se encontra com vários caras. Isto não significa nada - fez ele.

- Antigamente eu teria concordado com você, mas agora ela passou para as altas esferas. Vem cá, Ty. Você pode ver isto também. Ela já passou pelo campus com todos os tipos de cara que tinham algo a oferecer... de atletas conhecidos a mandachuvas. Já fez suas conquistas aqui, e agora partiu para jogadas mais altas - insistiu Jack. - Você devia esquecê-la como nós fizemos.

- Isto está me cheirando a despeito, Jack - acusou Ty.

- Ei, nunca fingi que não ia aproveitar qualquer chance de ficar com ela. Poxa, ela não precisava levantar um dedo. Eu ia direto fisgar a isca que ela pusesse para mim. Só que sou esperto o suficiente para saber que ela não ia deixar a isca lá por muito tempo para eu fisgar. E você também devia ser.

- Não é a mesma coisa. - Ele a amava. De uma maneira ou de outra, estava determinado a tê-la.

- É a mesma coisa sim. Você é muito cabeça dura para admitir. Balançou a cabeça loura em tom de quase desespero. - Só estou tentando ser seu amigo, portanto não me importa se você vai gostar ou não do que estou dizendo. A dona Tara Lee gravita em torno do poder como uma abelha em torno do mel. com um pai como o dela, ela só podia ser desse jeito. Ninguém no campus é suficiente para ela agora, inclusive você.

A previsão não era totalmente verdadeira. Tara geralmente ia a quaisquer obrigações sociais importantes no campus com Ty como seu acompanhante, mas grande parte de sua vida social centralizava-se fora do campus. Os encontros variavam de homens jovens envolvidos com a política a politiqueiros importantes.

com a aproximação da formatura, o desespero tomava conta de Ty. Outra noite chegava ao fim. Sozinho com ela no pátio particular da casa dos Dyson, sabia que não restavam muitas chances. Tragou o cigarro profundamente, retendo a fumaça nos pulmões, soltando-a por fim pelas narinas, em espirais. Sentiu uma mão em seu braço. Tara tinha um jeito de tocá-lo com as pontas dos dedos que catalisava a atenção de Ty.

- Ty Calder, acho que você não ouviu uma palavra do que estou dizendo - ela acusou-o com sua voz suave e arrastada.

- Isto não é inteiramente verdade - ele murmurou, estudando-a com os olhos semicerrados, tentando ocultar o desejo evidente que sentia. Estava ouvindo o som da sua voz. Ela me lembra gotas de chuva caindo docemente.

- Ty. - A pressão da mão dela aumentou suavemente sobre o braço do rapaz enquanto um sorriso agradecido irradiava dos traços de Tara. Você faz uma garota sentir-se muito especial.

- Você é muito especial para mim. - Ele jogou o cigarro sobre o pátio de paralelepípedos, amassando-o sob a bota. - com um pouco de encorajamento eu começaria a pensar em dizer como você é especial para mim.

- Colocou o braço em torno da cintura delgada dela, virando-se de frente para encará-la e entrelaçando as mãos por trás das costas dela. - Só que ia levar a noite inteira.

- Aposto que ia. - Soltou uma risada, correndo os dedos sob a gola da jaqueta de Ty. Olhou-o por entre os cílios escuros. - Contei que Douglas Stevens vai ser convidado para o corpo diplomático da embaixada americana na França?

- Não. - Ty não poderia se importar menos para onde o homem ia ser convidado.

- As fofocas dizem que vão dar um posto importante para ele. Ela prosseguiu, deslizando os dedos ao longo da gola dele. - com Doug lá, vou poder ficar na embaixada enquanto estiver na França, e provavelmente ir a várias festas.

- Isto é importante para você?

- Importante? Acho que não sei o que você quer dizer com isso. Inclinou a cabeça de um jeito maroto, os cabelos negros aveludados confundindo-se com a escuridão da meia-noite, compondo um camafeu com o rosto. - com certeza será uma experiência inesquecível. Quantas garotas teriam uma oportunidade como essa?

- Não muitas, suponho. - A resposta inocente fê-lo sentir-se um caipira por nutrir qualquer ressentimento. - Acho que não gosto da ideia de você ver muito o Stevens.

- Ciumento - provocou ela.

- Sou.

Tara sorriu indulgentemente.

- Não sei por que me surpreendo tanto com a sua franqueza - ela declarou. - Você parece dizer sempre o que sente.

- Como, por exemplo, que eu te amo - especificou Ty. Quando Tara tentou cobrir-lhe a boca, impedindo-o de dizer mais, ele prendeu-lhe a mão contra o peito. - Não. Não tenho muito tempo para dizer tudo o que quero. Não vou ter muitas oportunidades de vê-la antes da formatura.

- Está tarde, Ty. Daqui a pouco papai vai vir até aqui me enxotar para poder trancar a casa - alertou-o, mas ele discerniu-lhe um brilho de excitação nos olhos, percebendo que ela não estava realmente protestando.

- Posso resumir tudo em uma frase, Tara - assegurou, com a voz rouca. - Eu te amo.

- Ty...

Havia um tom evasivo na voz dela, portanto ele não se arriscou sobre qual seria a resposta de Tara. Inclinou a cabeça, cobrindo-lhe os lábios com a boca faminta e ardente. Sentiu-lhe o doce sabor dos lábios, maleáveis sob seu beijo persuasivo.

- Me diga uma coisa. - Ele roçou a boca sobre a bochecha de Tara, aspirando-lhe o aroma suave da pele.

- O quê? - O corpo dele debruçado sobre a silhueta delgada de Tara fazia-a dobrar-se como um salgueiro flexível. As mãos dele acariciavam-lhe a curva delicada das costas e os quadris-arredondados. O vestido de seda fina não ocultava nenhum detalhe do seu corpo.

- Por que você me deixou por perto? Por que não me dispensou como fez com os outros?

A hesitação parecia sincera, como se não tivesse certeza da resposta.

- Você não é como eles. Você tem algo de diferente.

- Quem sabe, você me ama? - ele sugeriu levantando ligeiramente a cabeça, a respiração de ambos mesclando-se apaixonadamente.

- Talvez eu te ame. - A voz sussurrante de Tara excitou-o. As defesas caíram um pouco. Fizera uma concessão jamais oferecida anteriormente. Desta vez ele a beijou como um homem beija uma mulher, sem usar artifícios de persuasão ou apelo. Ela correspondeu apaixonada, mas ele sentiu a batalha interior que ela travava consigo mesma para não se deixar levar demasiado. Era esta vaga relutância que ele tentava eliminar, fazendo com que ela se entregasse livremente à paixão que sacudia seu corpo. Entretanto, quanto mais exigente ele se tornava, menos progressos fazia.

Tremores perpassavam-no ao terminar o beijo. Tara inclinou-se sobre ele, pousando a cabeça em seu ombro. Um sorriso exultante levantou os cantos da boca do rapaz. As mãos dele acariciavam todo o corpo dela.

- Você tem que se casar comigo agora, Tara. - A proposta parecia o eco de alguma coisa vinda do passado, familiar e conhecida.

- Ty... - Ela ergueu a cabeça. Desta vez ele pousou um dedo sobre seus lábios, buscando algo no bolso do paletó.

- Mandei fazer isto para você - fez ele. - Tive de adivinhar o tamanho, portanto espero que caiba.

O gritinho de prazer foi para ele um som delicioso, mais valioso do que quaisquer palavras que expressassem a sinceridade de contentamento de Tara. As luzes do pátio refletiam a opala negra, incrustada em um círculo protetor feito de diamantes.

- Você mandou fazer para mim? - Ela parecia encantada com o presente. A mão dela estava tremendo quando ele colocou-lhe o anel no dedo anular.

- Uma pedra rara para uma beleza rara. - Do jeito que se sentia, Ty poderia declamar sonetos de amor, sem se sentir ridículo.

- Cabe direitinho. - Ela ficou admirando o anel, sem querer desviar os olhos dele.

Ty achava engraçado e ao mesmo tempo sentia-se orgulhoso enquanto observava Tara admirando o presente, esquecida de tudo, exceto da luz refletida no centro flamejante do anel.

- Quer dizer que você está aceitando meu pedido de casamento? Os olhos escuros e límpidos pousaram em Ty, sem registrar a pergunta de imediato.

- Aceito, aceito - ela repetiu com mais certeza, beijando-o rapidamente e agarrando-o pela mão. - Vamos contar pró papai. Quero mostrar o anel para ele.

Ele teria preferido ficar no pátio e aproveitar mais alguns momentos de intimidade. Mas Tara concordara em casar-se com ele. Agora podia suportar a espera.

- Ei, Ty! - Jàck Springer colocou a mão na porta do quarto de Ty. Tem um brotinho lindo aqui querendo ver você. É melhor vir logo antes que alguém o roube.

- Quem é? - Apoiou a cadeira sobre os pés traseiros, esfregando a nuca, endurecida com as horas passadas na mesa estudando para os exames finais.

- Sua noiva sempre amada, é claro - declarou Jack. - Acho que ela está com ciúmes desses dois dias que você passou em cima dos livros.

- Ty pulou da cadeira e dirigiu-se para a porta, enfiando apressado a camisa para dentro das calças jeans.

- Você escolheu uma época ruim para pedi-la em casamento... logo antes da semana de provas - zombou o amigo, saindo da frente da porta.

- É claro que eu não teria apostado nem um centavo em que Tara aceitasse.

com ansiedade em vê-la, Ty não perdeu tempo explicando que não via muito a noiva porque precisava de tempo para as provas finais. Ficara contente em saber que ela não conseguira ficar longe dele. O noivado deles se tornara o rumor mais quente do campus, embora o anúncio oficial só saísse nos jornais na semana seguinte.

Ao vê-la ao pé da escada, parou por um segundo. A visão dos cabelos negros causava-lhe impacto. Ela olhou para cima, os traços bem compostos, sem qualquer expressão, ainda assim tão perfeitos em seu todo. Ele desceu correndo os últimos degraus, fazendo menção de tomá-la nos braços, mas as mãos dela os mantiveram afastados.

- Senti saudades, querida - ele insistiu, inclinando a cabeça para beijá-la, mas ela desviou-se. Ty empertigou-se, intrigado com a atitude dela.

- Algo errado?

Ao olhar para ela, sentiu que Tara queria lhe dizer algo.

- Vamos sentar ali. - Pegou-o pela mão, levando-o até o sofá encravado no vão sob a escada. Uma vez sentados, Ty sentiu a distância que ela estava mantendo, colocando o corpo sobre a almofada mantendo-o distante. Uma sensação de desconforto perpassou-o, mas ele olhou para a opala negra brilhando no dedo dela e tranquilizou-se. Tomou a mão esquerda de Tara, passando o dedo sobre o anel.

- Comecei a telefonar para você uma dúzia de vezes... só para ouvir a sua voz - murmurou Ty, louco para abraçá-la. - Fico contente de você ter vindo.

- Não, não Fica - fez ela. Ty começou a rir, mas as palavras seguintes fizeram o sorriso morrer em seu rosto. - Porque achei que devia no máximo dizer pessoalmente que não posso casar com você.

- O quê? - Ecoou alto, o início de um berro crescendo dentro dele.

- Não vou casar com você. Existem muitas coisas que quero fazer... muitos planos e não estou pronta para deixá-los de lado - afirmou claramente mas com doçura. - Jamais deveria ter aceito sua proposta desde a primeira vez. Eu não teria aceito, mas fiquei tão deslumbrada com o anel que perdi a cabeça.

- Você não está sendo sincera. Eu te amo... e você me ama - insistiu ele, a voz falhando sob a intensidade do sentimento.

- Ty, não torne as coisas mais difíceis do que já são para mim - disparou Tara. - Seja um cavalheiro e aceite o fato de que mudei de ideia. - Era de uma determinação implacável, herdada do pai.

- Aceitar o fato. Simplesmente. - A raiva tomava conta dele.

- É. - Ela estava irritada com ele por transformar as coisas em uma cena emocional. A irritação faiscava em seus olhos quando começou a tirar o anel do dedo.

- Fique com ele - declarou Ty, furioso. Deixou-a ali sentada e foi embora em estado de fúria e mágoa.

 

Após quilómetros na faixa de rodovia que cortava a pradaria deserta, surgiu um punhado de construções. O lugar irradiava a sensação de abandono e esquecimento, como uma valise velha que algum viajante fatigado esquecera, achando depois que não valia a pena voltar para buscá-la. A velha caminhonete foi chacoalhando e perdendo velocidade, embora habitualmente ela nunca corresse muito.

O tráfego para aquela região não era dos mais intensos, consequentemente Ty fora obrigado a pegar uma carona com o primeiro que passou. Sentou-se relaxado no banco de passageiros, um cotovelo apoiado na janela aberta, enquanto observava os prédios de Blue Moon amontoados próximos à rodovia, desesperadamente unidos à sua vida de concreto. Seu rosto não demonstrou qualquer reconhecimento, e o rapaz permaneceu na mesma posição em que se colocara quilómetros atrás.

O velho magro e encanecido atrás do volante mudou a marcha da caminhonete sacolejante, reduzindo ainda mais a velocidade do veículo. Ele não era muito falador, não dissera mais do que cinco palavras desde que parara no cruzamento para dar uma carona a Ty. A barba cinzenta de dois dias encarapitava-se pelas bochechas encovadas do velho, e a calça e a jaqueta jeans, de tão desbotadas, aparentavam um azul acinzentado, inclusive os remendos.

Duas pick-ups estacionadas em frente ao Sally's constituíam os únicos sinais de vida. O motorista grisalho desviou a caminhonete da pista dupla, freando até que o veículo parasse barulhento. Por fim, Ty saiu do mutismo em que se encontrava, estendendo a mão para a maçaneta da porta.

- Obrigado. - Ofereceu um sorriso rápido ao homem e saiu gingando da cabine. A velha pick-up vibrou como pipoca na panela, enquanto era dada a partida ao motor.

- Você é um Calder? - O homem gasto, abatido, observou Ty com os olhos duros e apertados.

Ty fechou a porta e respondeu pela janela aberta.

- SOU.

O velho demonstrou satisfação com a exatidão de sua descoberta.

- Parece mesmo um Calder. - A mão bronzeada e manchada pela idade pousou na alavanca de marchas, indicando que a conversa terminara e que ele estava pronto para ir embora, assim que Ty retirasse sua valise da caçamba da caminhonete.

A valise encontrava-se no meio da palha solta, latas de gasolina e uma coleção de peças sobressalentes sujas. Ty ergueu a sacola por sobre a lateral da caçamba e afastou-se, levantando a mão em despedida para o motorista.

A sombra vespertina da caminhonete foi se afastando, enquanto Ty dirigia-se aos veículos estacionados em frente ao Sally's. Um vento forte levantava ondas de poeira que se projetavam à sua frente, atravessando o solo árido.

Ele teria duas formas de alcançar a Triplo C. Poderia ter sido deixado no portão leste da fazenda, mas se ninguém lhe desse uma carona, teria que fazer uma longa caminhada, de aproximadamente cinquenta quilómetros, até a casa-grande. Assim, ele optou por Blue Moon. Mais cedo ou mais tarde, apareceria alguém da fazenda e ele pegaria uma carona de volta para casa.

Mas ele estava com sorte. Um dos veículos pertencia à fazenda. Ty jogou a valise na caçamba dapick-up e ganhou os degraus do bar de Sally. A porta abriu antes que a tocasse. Ty enrijeceu-se e estacou ao ouvir a gargalhada rouca, que imediatamente reconheceu como sendo de seu pai.

- Vejo você depois, Sally. - O pai surgiu gingando da penumbra do interior, ultrapassando o limiar da porta e saindo. Deteve-se ao perceber Ty, a surpresa perpassando seu rosto. - Como chegou aqui?

- Arranjei uma carona em Miles City e achei que arranjaria outra para a fazenda com mais facilidade aqui. - Ty ficou pensando que desculpa seu pai arranjara para parar no Sally's. Ouvira aquela gargalhada e captara o ardor na voz do pai. Sem dúvida, ele ainda estava envolvido com a mulher.

O pai adiantou-se, o cenho franzido.

- A formatura é na próxima semana.

- Eu sei. - Ty voltou-se e desceu as escadas para beber ao ar livre. Outros passos seguiram-se aos dele. - Ontem fiz as últimas provas. Não vi qualquer razão para ficar por causa de uma cerimónia. Eles vão mandar o diploma pelo correio.

Tolerara a simpatia e os olhares pesarosos, os quais denotavam que todo mundo sempre soubera que seu noivado com Tara não duraria. Até que não suportara mais. O diploma não passava de um documento para satisfazer a mãe e provar que atingira o objetivo que quatro anos atrás se propusera a realizar. Concluíra o último semestre à força de uma razão principal: o orgulho, que o impedira de ir embora rastejando para curar as feridas, depois que Tara terminou o noivado.

O que se escondia por baixo das palavras de Ty, além da insipidez em sua voz e olhos e a ausência de qualquer referência a Tara eram indícios suficientes do verdadeiro motivo por que chegara sem avisar. Chase não o forçou a uma explicação mais completa enquanto subia para trás do volante dapick-up. Ty acomodou-se ao lado dele. No devido tempo, a verdade surgiria.

O longo trajeto até a Triplo C foi feito em silêncio, e Chase não tentou quebrá-lo. Quando já estavam próximos à sede, as chaminés sobre o telhado da casa-grande desenhando-se no horizonte azul, Ty mudou de posição, demonstrando intenção de falar.

- Terminamos o noivado. - Nada além disso, e Chase não indagou os motivos, que não eram da sua conta.

- Imaginava algo assim - admitiu ele, lançando um olhar de soslaio em direção ao filho. - Nunca conheci um homem que não tenha se dado mal com uma mulher ou bancado o idiota pelo menos uma vez na vida. A sensatez só vem com a experiência.

- Acho que sim. - Ty virou a cabeça e ficou olhando a paisagem pela janela. Não o consolava saber que não fora o primeiro nem seria o último.

As portas da casa-grande abriram-se com estrondo, mal a caminhonete chegou, e Cathleen veio correndo, os longos cachos negros caindo por sobre os ombros. Soltou gritinhos de prazer ao ver Ty descer do veículo, arremessando-se dos degraus para os braços do irmão.

- Opa, você está ficando pesada, Cat. - Ele sorriu, fitando-lhe os olhos verdes, engraçados com os cílios remelentos. Mas para uma garota de sete anos recém-completados, ela era extremamente bela.

- Ninguém me avisou de que você voltava para casa hoje. - Ela fez beicinho durante um segundo e então começou a rir, envolvendo-o pelo pescoço.

- Não? - Ty transferiu-a de um braço para o outro, alisando a saia do avental branco da garotinha. - Eu pensei que você estava usando este vestido lindo só para mim.

- Eu coloquei para o meu tio Culley, mas teria vestido para você também - prontamente ela garantiu.

- Culley. - Ty lançou um olhar interrogativo em direção ao pai, enquanto colocava a irmã no chão.

- É - veio a confirmação. - Ele recebeu alta do hospital. Maggie vai trazê-lo aqui hoje à tarde.

- Ele estava doente - Cathleen informou a Ty com um ar adulto, tomando-o pela mão e guiando-o escada acima. - Mas agora está melhor. É claro, mamãe disse que ele ainda tem que descansar muito.

- Quando foi isso? - Ty fitou o pai, tentando captar a reação dele. Estava a par das desavenças que separavam o pai e o tio, e duvidava seriamente que a alta de O'Rourke da instituição para doentes mentais agradasse ao pai.

- O assunto foi discutido muitas vezes nos últimos meses, mas o doutor avisou sua mãe da decisão que pretendia tomar logo depois que você telefonou na semana passada. Planejávamos contar a você quando fôssemos para sua formatura. - A frase era a declaração de um fato, sem comentários, indefinível, enquanto Chase Calder abria a porta da casa e os três entravam.

- Nunca vi Tio Culley antes. E você? - Os sapatos de verniz de Cathleen produziam sons de sapateado no assoalho de tábua corrida, enquanto ela saltitava ao lado do irmão mais velho.

- Já vi sim. - Mas lembrava-se de um homem paranóico, o olhar selvagem, trémulo, à beira da loucura. Não queria transmitir uma tal imagem à irmãzinha.

- Como ele era?

- Isso foi há muito tempo, Cat. Ele já deve ter mudado bastante desde a última vez em que o vi.

O semblante dela toldou-se, preocupado.

- Você acha que ele vai gostar de mim? - Cathleen Calder era a queridinha da Triplo C, todos a adoravam. A aguda percepção infantil permitira que percebesse os fatos ocultos que cercavam a chegada iminente do tio, adivinhando que havia algo no tio que o tornava diferente. Não ter o amor e a aprovação eram as piores coisas que poderia imaginar.

Ty não queria responder à pergunta dela, pois sabia o quanto Culley O'Rourke odiara aqueles que foram ligados aos Calder no passado. Mas não era preciso que a irmãzinha soubesse disso; de qualquer maneira, ela não compreenderia, mesmo se ele tentasse explicar.

Assim, limitou-se a descartar a pergunta com um sorriso, apertando-lhe a pontinha do nariz de brincadeira.

- Aposto que ele não vai gostar de você tanto quanto eu. - Cathleen sorriu radiante, sentindo-se segura com aquela prova de afeição.

- Tia Ruth! - Cathleen procurou a senhora que acabara de entrar na sala, vindo da cozinha, soltando a mão de Ty para ir correndo ao encontro dela. - Olha quem está aqui.

- Ty! Meu Deus! - Pousou uma mão trémula no pescoço, com a voz fraca de surpresa. - Não sabia que você estava para chegar.

- Eu não estava. Queria fazer uma surpresa para todo mundo. Aquela se tornaria sua explicação-padrão.

- Sem dúvida você me surpreendeu - declarou Ruth Haskell, mordendo o lábio inferior. - Estivemos tão ocupadas ajudando Maggie a arrumar tudo para a chegada do irmão que Audra não teve tempo de arejar seu quarto e colocar roupa de cama limpa. - Audra Cummings era esposa de um dos vaqueiros da Triplo C. Ela fazia a maior parte da limpeza pesada da casa-grande.

- A culpa é minha de não ter avisado ninguém que decidi escapulir da cerimónia de formatura e vir para casa mais cedo. Eu cuido disso ofereceu-se Ty.

- Você não vai à cerimónia de formatura? - O rosto encheu-se de rugas de preocupação e pesar. - Sua mãe estava ansiosa para vê-lo de beca.

- Ela vai ter de se contentar com o diploma. - Sorriu, procurando suavizar a desobediência ao desejo da mãe.

- Trouxe sua namorada? - Ruth olhou-o em expectativa. - Ou ela vem depois?

- Não. - Ty ficou sério, o semblante grave. - Ela não virá.

- Oh - emitiu Ruth ao perceber que sua pergunta fora inoportuna. Já testemunhara muitas reações como essa em sua vida... a expressão fechada no rosto de um homem cujos sentimentos haviam sido profundamente feridos.

As paredes grossas da casa abafaram o som da porta de um carro se fechando, seguido do ruído de uma outra porta também se fechando.

- Deve ser mamãe e tio Culley. - Cathleen estava prestes a ir correndo ao encontro deles, mas Ty reteve-a pelos ombros.

- Vamos esperar por eles aqui - sugeriu, percebendo o olhar de aprovação do pai antes de voltar-se para a entrada da casa.

O homem que atravessou a porta na companhia da mãe parecia uma sombra daquele de que Ty se lembrava. Os ombros pareciam permanentemente encurvados em uma postura protetora, e os cabelos negros e finos que cobriam a cabeça agora estavam grisalhos. Ele não estava tão magro como na imagem de Ty, mas o aumento de peso lhe conferira uma aparência balofa e indulgente... ou talvez fosse a palidez da pele branca, há muito distante da luz do sol. O nervosismo, a energia eletrizada que parecia a um passo da violência haviam desaparecido por completo. Havia uma espécie de submissão no modo como ele se deixava guiar para a sala de estar.

A surpresa perpassou o rosto da mãe, ao ver Ty de pé atrás de Cathleen, mas não questionou a presença inesperada do filho. Mais tarde ela faria isso. No momento, sua preocupação básica consistia em aplainar o caminho para a volta do irmão ao mundo. A tensão estava presente em ambos os lados.

- Olá, Culley - o pai de Ty falou primeiro, sem oferecer falsas boasvindas ou cumprimentos.

- Olá. - Meneou abruptamente a cabeça em reconhecimento. Ty observou como os olhos de O'Rourke estavam inexpressivos, como

se tentasse apagar a identidade do homem que estava cumprimentando. A mãe não procurou estender a conversação, direcionando a atenção do irmão para ele.

- Este é Ty - fez ela, em tom alegre e confiante. - Ele cresceu tanto desde a última vez em que você o viu que provavelmente você não o deve estar reconhecendo.

- Ele está mais alto, mais velho... mas eu estou reconhecendo. - A voz era clara e calma, hesitando somente na escolha das palavras. Enquanto os olhos entreabertos colhiam dados de que lembrava de Ty, este recordou o homem envelhecido e grisalho na caminhonete, que observara como Ty parecia ser um Calder. - Olá, Ty.

- Olá, Culli - ele retribuiu, mantendo as duas mãos sobre os ombros da irmã, não oferecendo-as ao cumprimento.

Cathleen virou a cabeça para encará-lo, sussurrando uma correção.

- Você deve chamá-lo tio Culley.

Um brilho opaco surgiu na expressão vazia que perpassou a garotinha. O'Rourke agachou-se, pousando um joelho no chão.

- Você deve ser Cathleen. - A boca suavizou-se numa espécie de sorriso.

- Oi, tio Culley. - Cathleen não se sentiu constrangida pela reticência do pai ou do irmão. - Fico contente em saber que você está se sentindo melhor. Mamãe me contou que esteve doente durante um longo tempo. Não é nada engraçado ficar doente.

- Não é mesmo. - A inocente referência à enfermidade prolongada não pareceu aborrecê-lo. Indeciso, O'Rourke estendeu a mão, envolvendo os dedos da garota com todo o cuidado, como se ela fosse feita de louça. O gesto refletia uma certa surpresa, sugerindo fazer muito tempo que ele não tocava outro ser humano, principalmente uma criança. - Você é muito bonita.

- Você gosta do meu vestido? - Cathleen largou as mãos do tio para segurar os dois lados da anágua verde e mostrá-la. - Coloquei-o para você. Teria vestido para Ty, mas não sabia que ele ia voltar para casa hoje. Nós temos biscoitos. Você quer?

- Acho uma boa ideia, Cathleen. - Maggie sorriu, interiormente satisfeita com os progressos que a criança obtivera com sua conversa. Ty estava tão pouco à vontade, observando atentamente tudo o que ele dizia. Há tanto tempo Culley acostumara-se com sua própria companhia que não aprendera a relacionar-se. - Por que não nos sentamos? - sugeriu Maggie, pedindo em seguida a Ruth: - Você pode falar com a Audra para trazer-nos café e um prato de biscoitos?

Durante o café, O'Rourke começou a se soltar, e Ty analisou o surgimento gradual do homem de cabelos grisalhos, há pouco entrado na casa dos quarenta. Parte das impressões iniciais permaneceram, mas algumas se modificaram.

- Espere até ver o quarto que eu e mamãe arrumamos para você declarou Cathleen. - Quer que eu lhe mostre?

- Mais tarde você pode levá-lo para cima - acrescentou Maggie.

- É legal - ela assegurou. - Você tem seu próprio rádio, uma cadeira grande, revistas e tudo o mais. E o quarto será seu para sempre.

O rosto pálido acendeu-se, e ele voltou-se para Maggie, sentada no sofá ao lado dele.

- Algo errado, Culley? - indagou ela.

- Era isso que queria dizer quando falou que ia me levar para casa? - interpelou-a.

- Era. - A pergunta intrigou-a. - Como Cathleen disse, arrumamos um quarto para você... um local particular em que poderá ficar sozinho se quiser ou...

- Não acho que seja uma boa ideia minha permanência aqui. - Lançou um olhar avaliador em direção a Chase. - Entende o que quero dizer, não?

- Entendo.

- Culley, quero que esta seja sua casa também - insistiu Maggie, apelando para o apoio do marido. - Eu e Chase discutimos o assunto e ele concordou que você ficasse aqui conosco.

- Eu... aprecio a oferta - assentiu Culley - mas... não daria certo.

- Para onde mais você pode ir?

- Aonde eu pensei que você ia me levar... em Shamrock - falou ele simplesmente.

- Mas há anos não mora ninguém naquela casa velha - ela protestou. - Não tem luz nem aquecimento... há sete anos que não tem. Você não pode ir para lá.

- Posso arrumar a casa... pelo menos, um quarto. Maggie, lá é meu lugar. Eu não faço parte dessa casa. - Correu os olhos pela enorme casa, quase uma mansão. - Tem quartos demais, muita gente indo e vindo.

Maggie empertigou-se na beira do sofá.

- Não vou permitir que você volte para lá.

Um sorriso melancólico esboçou-se no rosto dele.

- Se ficasse aqui, o que faria de mim? Ficaria sentado à toa. Seria o mesmo que continuar no hospital. Preciso trabalhar em algo que seja meu. Os médicos chamam isso de terapia.

- Não me interessa como eles o chamam.

- Você tem uma fazenda? - Cathleen estava intrigada com a descoberta.

- Tenho. Chama-se fazenda Shamrock.

- É grande como a nossa?

- Não. Acho que não existe nenhuma propriedade tão grande quanto a Triplo C - admitiu O'Rourke.

- Aposto que você queria que fosse - ela sentenciou.

- Não, acho que não, porque eu sempre me preocupei com quem tentasse roubar uma parte dela de mim. Minha fazenda é tão pequena que ninguém iria se dar o trabalho de roubá-la. - Ele explicou.

- Você não pode viver dela - lembrou Maggie. - Se quer trabalhar, Chase pode empregar você aqui na fazenda.

- Deixe Culley decidir sozinho o que quer, Maggie - aconselhou Chase, calmamente.

- Mas ele não está... - Ela não concluiu a frase, estacando culpada e olhando para o irmão, tentando desculpar-se.

- Eu ainda não estou completamente bom. Não era isso que ia dizer? - indagou.

- Culley, desculpe. Realmente não queria dizer isso. Só que você não exerce trabalho físico há muito tempo. Você está mais velho e...

- Quero ir para casa, Maggie.

Chase retirou o problema das mãos dela, consciente de que ela jamais concordaria.

- Amanhã de manhã levaremos você para a fazenda. Enquanto isso, você passa a noite conosco.

- A sua fazenda é longe? Posso ir visitá-lo algum dia? - Cathleen queria saber.

- Somos praticamente vizinhos. Você pode me ver sempre que quiser. - Há muito privado de sentimento, ele parecia alimentar-se da inocência feliz e atenção disponível de Cathleen.

- Sem dúvida ele mudou - comentou Ty, acendendo um cigarro preguiçosamente. O'Rourke estava no andar de cima lavando-se para o jantar.

- Assim o parece - murmurou o pai, mas parecia pensativo. Mesmo assim, não quero sua mãe ou Cathleen sozinhas com ele em casa. Portanto, quero que você fique aqui esta noite, enquanto vou à sucursal Norte; avise Arch Goodman que O'Rourke vai se mudar para Shamrock.

- Por quê? - Ty questionou a ordem. - Os médicos o liberaram, então eles devem estar convencidos de que ele é inofensivo.

- Nada, nem ninguém é inofensivo, Ty. - A voz era dura. - Poderia haver duas razões pelas quais ele não quer viver aqui. Primeiro, ele sabe que o passado pode ser perdoado, mas raramente esquecido. Ele pode não ter gostado da ideia de dormir sob um teto Calder, comer a comida Calder, e beber a água Calder. Segundo, ele pode ser suficientemente esperto para saber que eu teria alguém vigiando-o o tempo todo.

- Você não confia nele?

- Só estou sendo cauteloso - replicou o pai. - Ele vai precisar de ajuda para tornar aquele casebre novamente habitável; quero que você dê uma mão a ele.

- Eu? Por quê?

- Porque pensei que você gostaria de escapulir por umas duas semanas. - Não esperava resposta, e Ty não ofereceu nenhuma. Mas era verdade que precisava de algum tempo sozinho para se acostumar com a ideia do noivado desfeito. E desconfiava de que O'Rourke iria se isolar completamente, o que significaria estar sozinho. - Temos deixado o gado de Shamrok em nossos pastos, quero dizer, tenho de avisar Arch que deveremos separá-lo de nosso rebanho. O'Rourke nunca se preocupou muito com estoques, portanto vamos ver o que poderemos economizar assim que ele construir um galpão para guardá-lo. Ele precisará de ferramentas, madeira, provisões.

- Ele vai acabar sabendo que tudo isso vem de nós - observou Ty.

- E se ele não aceitar?

- Ele vai aceitar. Ele é um O'Rourke, consequentemente achará que é direito seu.

A última vaca com a marca Shamrock foi separada do rebanho e levada para um curral menor. Jessy afastou o alazão de pernas socadas do portão, enquanto um dos homens desmontados o fechou atrás do animal. Ela retirou o chapéu e enxugou o suor da testa na manga da camisa, enfiando novamente o chapéu na cabeça. O alazão castrado resfolegou barulhento, limpou as narinas da poeira do curral e empinou as orelhas, com a atenção desviada para a parte principal do rebanho do Norte sendo instigado para fora do portão, para pastar e dispersar-se. Um bezerro confuso tomou o caminho errado, e Jessy brandiu o laço tentando capturá-lo e reuni-lo ao rebanho.

Após seguir o gado e os outros cavaleiros até o lado de fora do curral, ela direcionou a montaria para a cerca onde dois homens estavam sentados. Ela desmontou e afrouxou a cilha, dando um descanso ao cavalo.

- Você pegou todos eles, Arch - ela informou o capataz, sucinta, tocando em seguida a aba revirada do chapéu empoeirado, e cumprimentando o mais velho, desgastado e alquebrado pela idade. - Oi, Nate.

- Jessy. - Ele retribuiu a saudação. Nate Moore era o filósofo celibatário da fazenda. Seus ossos já estavam demasiado entrevados e frágeis para aguentar os maus-tratos de uma sela, mas seus olhos não o haviam traído. E seu tino para o gado o havia transformado em autoridade indiscutível em criação de gado na fazenda Triplo C. Como não conseguia mais percorrer longas extensões, exceto em uma caminhoneta, ele estava sempre à mão, onde quer que houvesse um ajuntamento para analisar de perto a procriação.

- Vamos deixá-los aqui esta noite e levá-los para Shamrock amanhã de manhã - decretou Arch Goodman, descendo da cerca para ir avisar os outros cavaleiros de seus planos.

Nate continuou empoleirado:

- O'Rourke está recebendo um gado melhor do que o que ele tinha antes. - Pegou o papel para cigarro e a bolsa de fumo do bolso do colete. Muitos dos veteranos ainda preparavam seus próprios cigarros, mas para Nate a tarefa tornara-se uma provação, pois as juntas dos dedos estavam dilatadas e enrijecidas.

- É verdade. - Jessy observou as tentativas desajeitadas de colocar o tabaco na calha de papel. - Deixe que eu faça para você.

Ele passou o material para ela e ficou assistindo à garota colocar habilmente a quantidade certa de tabaco:

- Imagino que o jovem Ty esteja na casa de O'Rourke, ajudando-o a recuperar alguma coisa daquelas construções caindo aos pedaços.

- Ouvi falar. - Segurou o fumo entre os dentes e fechou a bolsa.

- Aquele noivado não ia durar muito, estava na cara; terminou, você sabe.

- Também ouvi falar nisso. - Ela enrolou o papel em volta do fumo e passou a língua pela borda do papel, fechando-o.

- Parece que ela rompeu o noivado - comentou Nate. Jessy lhe deu o cigarro feito a mão e ele riscou um fósforo no lado inferior da coxa para acendê-lo. - Não posso pensar muito bem de uma mulher que empenha sua palavra e depois volta atrás.

- Provavelmente ela tinha suas razões. - Ainda se sentia interiormente machucada com a maneira como fora usada por Ty, conscientemente ou não. com toda a honestidade, Jessy não podia dizer que ficara triste com a forma como ele fora tratado por sua bem-amada. Era uma espécie de doce vingança para ela.

- Está defendendo-a? - observou Nate, enquanto soprava a brasa do cigarro, as mãos em concha, tentando acendê-lo.

- Só estou defendendo a minha espécie. - Ela balançou um ombro.

- Existem espécies... e espécies. - Ele olhava ao longe, contemplando a imensidão do céu. - A maioria dos rancheiros faz questão de ter o melhor touro reprodutor, gastando o que for preciso para obter a mais alta qualidade... e então colocam o animal para servir a vacas inferiores. Olha, se você quer um bom novilho - Nate voltou os olhos atentos para a garota -, você tem que ter uma boa mãe. Muitos caras que se dizem especialistas não percebem que um novilho recebe muito mais da mãe do que do touro que a cobre. O dinheiro de um fazendeiro é mais bem aproveitado em uma boa vaca do que em um touro. O que conta é a fêmea, e não deixe ninguém convencê-la do contrário.

- vou me lembrar disso. - Pareceu-lhe estranho ouvir tal conselho quando fora criada em uma sociedade inteiramente dominada pelos homens, principalmente vindo o conselho de Nate Moore, um machão durante toda a vida. Provavelmente ele fora forçado a lançar mão das velhas ideias com relação às mulheres.

- Ouvi dizer que você vai trabalhar em horário integral - observou Nate.

- É. Claro que papai não acha direito eu trabalhar sob as ordens dele, então ele me mandou para Arch. - Houvera certa hesitação em colocá-la como fixa, mas ninguém podia negar sua habilidade. E todo mundo já se acostumara à presença dela trabalhando com eles no pasto.

Mas Jessy também sabia que estava sendo colocada à prova. Se o fato de ser mulher trouxesse brigas entre os homens, há muito desacostumados com a presença de uma moça, ela sabia que seria jogada em algum trabalho mais doméstico no celeiro ou no aprovisionamento. Ela zombara do pai quando este afirmara que a filha tinha o tipo físico pelo qual os homens poderiam brigar, até que ele explicou que um rosto se torna mais belo quando um homem está desesperado. com amargura, ela lembrou que um homem pode estar tão desesperado a ponto de imaginá-la uma outra pessoa.

- Parece que eles vão guardar os cavalos. - Jessy percebeu os outros cavaleiros reunindo-se no vagão dos cavalos, ao que ela pegou as rédeas do seu animal. - Vejo você por aí, Nate.

Enquanto a garota guiava o alazão, Nate manobrou cautelosamente os ossos endurecidos, saindo de cima da cerca. Deu uma última tragada no cigarro, estudando-o, e então lançou um olhar para a menina graúda. Ela é danada de boa enrolando um cigarro - murmurou para ninguém em particular.

O amor é como um sonho Quando a eleita É a mulher desposada Por que então a dúvida Naquele que nasceu Calder E sempre será um Calder.

 

- Isto é muito frustrante - resmungou Chase, suspirando. O couro da sela estalava enquanto ele apoiava o peso do corpo momentaneamente sobre o estribo para mudar de posição.

- O que há de errado? - A atenção de Maggie foi desviada do caos aparente do local de marcação do gado para o marido. Não percebera a razão para a impaciência que endurecia a mandíbula e os olhos dele. Contemplava-a com um olhar fulminante de disfarçado desgosto.

- Quando eu tinha a idade dele, já liderava uma turma. Ty ainda está recebendo ordens. - A aspereza em sua voz tentava dissimular a raiva latente. - Ele estará com trinta anos quando tiver experiência em liderança sobre os homens.

com o olhar infalível de mãe, Maggie localizou o filho entre os cavaleiros laçando novilhos e trazendo-os para o grupo de marcação. Seu laço era lançado com mão tão certeira quanto a de outros, Ty trabalhava sem cessar, sem afrouxar o ritmo. Todos estavam sentindo a pressão do céu de chumbo, de tempestade, ensombreando a tarde com a ameaça de chuva fria... ou pior, de neve.

- Você fala como se Ty jamais pensasse por si mesmo - ela o reprovou. - Esqueceu que foi ideia dele alternar estacas de ferro com as de madeira para a cerca, quando você estava substituindo as velhas cercas por novas no verão passado?

- Não esqueci. - A lembrança suavizou um pouco a dureza de Chase. - Mas isto não pode ser considerado uma ideia original. Já foi usada por alguns fazendeiros, para manter suas cercas intactas onde há perigo de fogo na pradaria.

No caso de incêndio, os postes de madeira pegariam fogo, provocando o desmoronamento da cerca, o que permitiria a dispersão do gado. Usar somente estacas de ferro preveniria isto, mas o preço seria consideravelmente mais alto. Uma combinação de madeira e ferro, entretanto, consistia em uma alternativa possível.

- Mas foi Ty quem sugeriu e fez todos os cálculos do custo do projeto - recordou Maggie.

- Maggie, não estou criticando o trabalho que ele fez ou a maneira como o realizou - replicou Chase, demonstrando paciência. - Mas estou consciente do progresso que ainda terá de fazer, e isto me aborrece.

Embora Chase não houvesse feito esta observação pensando nos quatro anos que Ty passara na universidade, longe da fazenda, Maggie foi atingida pela frase do marido, acreditando que ele estava se referindo àquele tempo perdido. Já fazia dois anos que Ty retornara à fazenda, mas Chase ainda não estava satisfeito. Maggie manteve-se em silêncio, deixando sobressair os berros do gado e os gritos do grupo de marcação.

- Cat está adorando, não é? - A voz de Chase enternecia-se com um orgulho que raramente percebia em relação a Ty. Enquanto Ty dificilmente fazia algo certo aos olhos do pai, a filha não errava nunca. Maggie não considerava justo o favoritismo que ele conferia à filha. - Parece que ela acha muito monótono conduzir o rebanho. Agora já está perseguindo os novilhos com o grupo de terra.

- Acho que ela atrapalha mais do que ajuda - retorquiu ela.

- Ela está se divertindo. - Para ele, esta justificativa era suficiente.

- Se realmente começar a atrapalhar, os garotos expulsam-na de lá.

?Mesmo que fosse verdade, Maggie sabia que os rapazes a mimavam tanto quanto Chase. Era surpreendente como uma garota conseguia ter tantos homens adultos na palma de sua mão, considerando-se que acabara de completar nove anos.

Tornara-se difícil manter Cathleen à vista, agora que desmontara de seu vistoso preto e branco. Ele ficara amarrado na estaca, a sela preta trabalhada à mão e as rédeas combinando com adornos prateados, aguardando para o caso de Cathleen mudar de ideia. Ela sempre queria estar no meio de tudo.

Aos nove anos, Cathleen continuava tão bela quanto em qualquer outro período de sua vida. Mesmo agora, quando parecia uma moleca, não deixara o jeito de garota de lado. Maggie desconfiava ser este o motivo por que ela atraía tanto os rapazes. Ela representava o ideal, deixando de ser uma criança deslumbrante para transformar-se em uma garota adorável.

- Agarre o pescoço dele e largue-o no chão, Cat. - Binky Ford instruía Cathleen com um sorriso largo, enquanto montava no novilho que jogara ao solo.

Rindo, Cathleen tentou subir no pescoço do novilho, mas ele era um animal pesado. Sua luta para libertar-se desequilibrou-a, projetando-a no chão com um ruído surdo. Não importava. Afinal de contas, era só uma brincadeira. Não precisava da ajuda da garota para dominar o novilho. Os garotos só a haviam incluído para que pudesse participar das atividades. E Cat sabia como obter a atenção deles. Os rapazes gostavam quando ela se misturava e se sujava toda, e caíam na gargalhada quando torcia o nariz com o fedor do couro e pêlo queimado, ou quando encolhia-se durante a retirada dos cornos.

O bezerro foi marcado, rotulado, vacinado e solto para que voltasse correndo ao rebanho, em busca de sua mamãe. Cat sacudiu a poeira dos jeans novos, dirigindo-se para onde estava o outro burburinho de homens em torno de um bezerro laçado. Enquanto trotava em direção a eles, reconheceu a figura esguia, uma massa de cabelos queimados de sol estendendo-se até o meio das costas.

- Oi, Jessy. - Deteve-se ao lado dela e agachou-se. - Posso ver como você castra este novilho?

Uma risadinha de surpresa ecoou de alguém do grupo que estava trabalhando sobre o animal deitado.

- Acho que você tem a curiosidade de um gato.

- Por quê? - Cathleen indagou com toda a inocência, mas o homem enrubesceu e não respondeu.

Jessy abaixou a cabeça, dissimulando um sorriso, e calmamente passou uma lata de anti-séptico para a garota.

- Você pode esguichar um pouco disto quando eu terminar.

Divertia-a a ideia de que aqueles homens rudes ficavam constrangidos com a possibilidade de a garota assistir à castração de um bezerro. Mas Jessy era mais nova do que Cathleen quando vira pela primeira vez um novilho ser castrado. Além disso, a garota tinha nove anos, portanto ela sabia o que era aquilo. A ideia não era nova para ela.

- Dói muito? - perguntou Cathleen, franzindo o rosto em antecipação à dor. Suas bochechas estavam empoeiradas, o que lhe conferia um charme bem moleque.

- O truque é fazer tão rápido que quando o novilho sentir, a dor já terá terminado - explicou Jessy, tomando o escroto em suas mãos para fazer a incisão.

Cat sugou o ar com um silvo ao primeiro esguichar do sangue. Trabalhando com a destreza de longo tempo de prática, Jessy removeu as glândulas reprodutoras masculinas, ordenando com um sinal de cabeça que a garota jogasse o anti-séptico. Afastou-se do bezerro para jogar os testículos ao fogo.

- Posso ver? - pediu Cat, e Jessy ouviu um dos homens protestando contra a garota ser submetida a tal cena indecorosa. Sentiuvontade de rir do absurdo. Os homens não se importavam com que as mulheres tomassem conhecimento daqueles procedimentos, só que não queriam estar por perto quando elas descobrissem tudo isso.

- Claro que pode - redarguiu, percebendo pelo canto dos olhos como os homens mais do que prontamente voltavam a atenção para o trabalho deles.

Um grupo nas proximidades acabara de remover a corda do pescoço do outro novilho. Ty começou a enrolar a corda, enquanto direcionava o cavalo para o rebanho, para pegar outro. O cavalo castrado e malhado que estava montando mostrava-se descansado e ansioso para entrar em ação. Pisava para o lado, impaciente com o freio em suas faces, mordiscando-o com ruído. Ty direcionou o animal para onde estava o segundo grupo. Percebeu a irmãzinha entre eles, e não pensou duas vezes sobre o fato, exceto que ela estava observando com atenção algo que Jessy segurava. Entreviu os órgãos sangrentos e sentiu-se ferver em uma espécie de ultraje.

- Cat - ele gritou seu nome, e a irmã levantou-se de um salto, sentindo-se quase culpada. - Volte para seu cavalo. Ela o fitou, surpresa, desconcertada e desconfiada do tom imperativo em sua voz. Naquele momento, pareceu-lhe prudente não questionar a autoridade do irmão. Assim, fez o que ele ordenara. Ainda ignorando Jessy, Ty correu o olhar fulminante pelos outros homens. - Como é que vocês a deixam castrar os novilhos? Isto não é trabalho para uma garota.

- Qual é o problema, Ty? - desafiou Jessy. - Está com medo que minha faca escorregue e acabe cortando mais alguma coisa? Ora, não se preocupe. Já cortei mais bezerros do que o número de pêlos que você tem.

Atirou-lhe um olhar irritado e ordenou:

- Jobe, coloque-a no ferro de marcar. Jobe Garvey hesitou.

- Ela é rápida e hábil com a faca.

Ele contraiu os lábios em uma linha estreita. Jobe era o líder do grupo desmontado, e não fazia parte das atribuições de Ty trocar as tarefas. O máximo que poderia fazer era utilizar o fato de ser um Calder, e não lançaria mão disso. Não tinha escolha, a não ser deixar o problema aos critérios de Jobe.

- Acho que se ela recebe o salário de um homem, ela pode fazer o trabalho de um homem - declarou Ty rudemente.

O novilho conseguira se erguer e fugir, e Jessy desfizera-se dos testículos, de pé ao lado do cavalo inquieto de Ty. com a afirmação do rapaz, os outros foram se afastando, dando o assunto por encerrado, mas Jessy permaneceu onde estava. Seus olhos cor de avelã faiscavam de raiva.

- O que o incomoda mais, Ty? - indagou, em um tom de voz que ninguém mais poderia ouvir. - Eu fazer o trabalho de um homem, receber o salário de um homem ou fazer o trabalho melhor do que você?

- Talvez eu não goste do jeito como você exibe sua habilidade - respondeu bruscamente.

- Maldição, eu sou boa. E não vou esconder ou fingir que não sou só para agradar algum homem.

- Imagino que você seja uma daquelas mulheres que queimam os sutiãs para serem tratadas como iguais. - Havia um tom de escárnio na voz dele.

- Se isto significa respeito, sim. - Ela atirou em resposta.

- Tudo bem. - Ty estava fervendo, a respiração alterada e cortante. As acusações o haviam atingido, demasiado próximas da verdade. Instintivamente, ele sabia como se vingar. - Para uma garota, até que você daria um bom homem.

Viu-a contrair-se e ele puxou as rédeas de seu cavalo para o lado, instigando-o para diante. Jessy lançou-lhe um olhar feroz, ferida com o insulto. Zombara dele usando seu papel no mundo masculino para que per1cebesse que ela era uma mulher. Naquele verão completara dezenove anos. Possuía todas as necessidades, desejos e ânsias de uma mulher. E ele era cego demais para enxergar isto.

Uma gota de chuva caiu e espalhou-se por sua bochecha. Jessy ergueu os olhos para Broken Buttes, mas o contorno pontudo estava encoberto por uma névoa cinzenta. A chuva estava para chegar.

- Abram os impermeáveis - alguém gritou.

Chase e Maggie estavam montados em uma elevação da planície herbosa, observando os trabalhos de marcação. Ele ordenou a Maggie:

- É melhor pegar Cathleen e levá-la para a tenda de comidas. Vocês não precisam se molhar. - Esticou-se para trás, desatando o impermeável preso à sela.

À distância, ouvia-se um zumbido baixo, que foi aumentando gradativamente. Maggie guiara o cavalo, desviando-se do rebanho para buscar abrigo na tenda do rancho, antes que as gotas de chuva intermitentes se transformassem em temporal, só que o ruído cresceu para um troar surdo. Chase olhou para cima quase ao mesmo tempo que ela.

Um bimotor surgira do Sul, voando logo abaixo das nuvens baixas. As asas oscilavam enquanto eles ouviam o ruído do avião à esquerda.

- É o aeroplano de Dyson - reconheceu Chase. ?

- Você o esperava?

- Não. - Observou o avião rebaixar uma asa em direção ao solo, fazendo uma curva oscilante e nivelando em direção à casa-grande.

- Ele está bem baixo. - O aeroplano parecia deslizar sobre o topo das colinas.

- Provavelmente ele está voando sobre os poços de gasolina - concluiu Chase. - É melhor irmos para casa e recebê-los.

O avião corria à frente da chuva, tão próximo do solo que todas as ondulações do terreno eram visíveis, desvendando a aparência plana. Da janela, o terreno abaixo parecia deslizar lentamente de modo a permitir a inspeção.

- Olhe. Lá está um rebanho... e alguns cavaleiros. - Tara pressionou o rosto contra a janela, tentando ver mais nitidamente. Imaginava que Ty estaria ali entre eles.

- Parece que eles estão em pleno período de marcação - observou E.J. Dyson. A visão da cena foi interrompida quando o piloto começou lentamente a fazer uma curva. Quando voltaram ao nivelamento, Tara perdera o ajuntamento de animais de vista, mesmo assim continuou a olhar pela janela.

- Quanta terra - ela murmurou, maravilhada.

- E só voamos sobre metade dela... nem isso. - Para ele era difícil olhar para toda aquela terra sem pensar na possível riqueza que existia sob as pastagens, aguardando serem exploradas. Não era o lucro potencial que o excitava, mas o desafio emocionante de elaborar um projeto daquela magnitude e colocá-lo em prática. Era a aventura pura e simples, muita coisa colocada em jogo. - A amplitude desta propriedade é desconcertante.

- É mesmo - ela aquiesceu. - E os Calder são os donos de tudo?

- De cada santo talo de grama. - Na verdade, havia certa controvérsia a esse respeito, mas ele queria manter a informação em sigilo, mesmo da filha. - Esta terra tem um grande futuro à sua frente.

Afastando-se da janela, Tara manuseou compenetrada a gola alta e franzida da blusa, enquanto observava o panorama movimentando-se lentamente do lado de fora da janela.

- Engraçado. Você contou tanta coisa sobre esta fazenda. E Ty falava sobre ela sem parar. Mesmo assim, eu nunca imaginara uma coisa dessas.

- Isso aqui é um reino, e não é dos pequenos. - Esboçou um sorriso seco. - É quase uma propriedade feudal. Falando sério - insistiu, ao ver que a filha lhe mandava um olhar cético. - Chase Calder é o dono da terra. Sua palavra é lei, não se engane a esse respeito.

Ela pousou a mão no colo, entrelaçando-a com a outra em uma atitude que parecia calma e equilibrada, mas o polegar corria por sobre a opala negra adaptada em um anel.

- Ele tocou no assunto do... noivado rompido alguma vez?

- Não... além do comentário do Calder, certa vez, de que achava vocês dois muito jovens para enfrentar um casamento.

- Ótimo. Não quero dificultar as coisas com minha presença acompanhando você nesta visita - murmurou Tara, com um sorriso ténue.

- Vem cá, Tara Lee - E. J. censurou-a. - Não sou um dos seus namorados para ser enganado por seu recato. Você está louca para dificultar as coisas. Admita.

- Papai - ralhou com ele, sorrindo em seguida diante da facilidade com que ele a percebia. - Você está absolutamente certo. É isto mesmo que quero.

- Minha querida, ninguém resiste a você - ele garantiu. - Nem mesmo um Calder.

Uma sombra de satisfação delineou a curva de seus lábios enquanto Tara permanecia pensativa e silenciosa. Nos últimos dois anos, Ty viera com frequência ao seu pensamento. Tudo não passara de uma questão de prioridade e oportunidade. Teria sido bem mais fácil se Ty houvesse compreendido.

Agora era o momento certo e, ao que tudo indicava, o local certo. Não duvidava de sua habilidade em reconquistar a afeição de Ty. O simples fato de ela ir ao encontro dele já constituía uma vantagem.

- Quanto tempo falta para pousarmos? - Ela tirou o estojo da bolsa e checou a maquilagem diante do pequeno espelho.

- Alguns minutos.

O avião fora avistado ao pousar no campo particular, e um carro estava à espera para transportar os passageiros até a casa-grande. Quando se aproximava da entrada sustentada por colunas, Dyson sussurrou um comentário para a filha.

- Um castelo ideal para um rei do gado, não acha?

Não houve tempo para resposta além de um sorriso, pois a porta da entrada imponente abrira, dando passagem a uma mulher idosa que aguardava para lhes dar as boas-vindas. Dyson reconheceu Ruth Haskell de visitas anteriores e sorriu acolhedor. Uma de suas regras de trabalho consistia em ser gentil com os empregados. Um homem nunca sabia quando eles poderiam se tornar uma fonte inesperada de informações.

- Ruth, que bom ver você novamente. Como vai? - Ele injetou uma simpatia cordial ao seu acento texano arrastado. Ela murmurou uma resposta e Dyson foi novamente tomado pela sensação de que ela parecia uma folha morta, embora, sem sombra de dúvida, privasse de grande parte dos segredos da família Calder. - Tara Lee, quero lhe apresentar Ruth Haskell. Esta senhora notável cuida das coisas aqui há anos. É praticamente um membro da família.

- Sinto muito, mas nem Chase nem Maggie encontram-se em casa no momento - desculpou-se Ruth, acompanhando o par recém-chegado para dentro da casa. - Agora é a época dos rodeios de primavera, vocês sabem, e eles levaram Cathleen para assistir à marcação. Mandamos um recado avisando que vocês estão aqui.

- Por um acaso estávamos voando por esta região e percebemos o rodeio. - Ele puxou as calças e acomodou-se em uma cadeira de veludo desbotado na sala de estar, onde o fogo há pouco aceso crepitava na lareira de mármore negro. Esta afastou a melancolia do dia cinzento e a chuva fria que começara a cair do lado de fora. Tara circulava em torno da lareira, vivaz.

- Estou certa de que eles virão diretamente para cá - prometeu a mulher. - Audra logo estará aqui para preparar seus quartos.

- Não será necessário. Infelizmente, tenho que me encontrar à noite com meu sócio em Calgary para uma reunião amanhã pela manhã; este voo vai ser uma simples visita - explicou Dyson. - Não tinha certeza de que teríamos tempo livre para nos determos aqui, se não teria avisado Chase para nos esperar hoje à tarde.

- Vocês são sempre bem-vindos - garantiu Ruth, sabendo por experiência anterior que essa era a pura verdade. Deslizou um olhar hesitante em direção à filha. - Aceitam um cafezinho?

- Sim, por favor.

Uma hora depois, Chase e Maggie chegaram à casa-grande. Isto deu a Tara tempo suficiente para analisar os móveis sem parecer bisbilhoteira. Vários artigos eram antiguidades indubitavelmente valiosas; outros eram antigos mas não tão preciosos. O tapete que começava a soltar alguns fios dispunha-se na área em que os móveis estavam agrupados. A sala lhe dava a nítida impressão de que o relógio parara há cinquenta anos atrás. Mantinha um certo charme e conforto gastos mas, na opinião da garota, ela poderia ser muito mais imponente.

Após as saudações, desculpas e explicações, uma Cathleen suja e alagada de chuva foi enviada a seu quarto no andar de cima, para tomar banho e trocar de roupa. Depois de decidido que eles ficariam para o jantar, Tara achou conveniente perguntar por Ty. Nenhum dos Calder mencionara o nome dele, possivelmente porque não quisessem trazer à baila um assunto potencialmente embaraçoso.

- Ty virá jantar conosco esta noite? - ela perguntou casualmente.

- Não. - Foi Chase Calder quem respondeu à pergunta dela, estudando-a com olhar afável, o qual captava muito mais do que demonstrava. - A turma do rodeio vai passar a noite lá.

- Ah. - Ela demonstrou o desapontamento que estava sentindo olhando através da vidraça, observando o temporal. - Pensei que eles suspenderiam o trabalho até que esta chuva passasse.

A aridez do sorriso divertido dele refletiu-se nos olhos escuros.

- Um rodeio, quando começa, continua até o último bezerro ser marcado, chova ou faça sol.

- Esperava vê-lo enquanto estivéssemos aqui - admitiu Tara, lançando um olhar rápido em direção ao pai antes de dirigir-se novamente aos pais de Ty. - Sei que poderia parecer uma precipitação de minha parte querer revê-lo após desmanchar o noivado. Mas Ty nunca me deu oportunidade de explicar minhas razões para tal. Esperava que agora ele quisesse ouvi-las. Lamento muito o que aconteceu. Cometi um erro, e devo a ele poder admiti-lo agora.

Maggie admirava muita coisa naquela mulher jovem e bela. Identificava-se com o forte senso de independência que Tara possuía e com sua vontade imperiosa. Sempre achara que Ty e Tara combinavam muito bem, mas também estava consciente da profundidade da ferida de Ty. O término do noivado ainda consistia em assunto sobre o qual ele não podia falar.

- É uma pena você não ficar por mais tempo. - Maggie relutava em comentar a confissão de remorso de Tara.

- Talvez... - Ela hesitava propositalmente, lançando um olhar para o pai, que estava observando atentamente suas manipulações com olhar de aprovação, embora inteiramente à parte. O jogo era dela, e deveria ser jogado sem a ajuda dele. - Se não fosse uma imposição desabusada voltou um olhar expressivo e súplice para Maggie -, poderia ficar aqui por uns dois dias, até que papai e Stricklin terminassem seus negócios em Calgary. Assim, teria chance de falar com Ty. - Sua audácia em convidar-se para permanecer na fazenda fora um risco calculado. Sabiamente, Tara não insistiu em uma resposta imediata. Ao contrário, desviou a atenção para o pai. - Você se incomodaria de parar aqui novamente, quando estiver voltando do Canadá, para me buscar? Sei que não planejara isto.

- Naturalmente que posso voltar por aqui - ele replicou. - Não será nenhum grande inconveniente para mim. Acho que o problema é se os Calder se importariam de receber uma hóspede não-convidada em uma época tão atarefada do ano.

- Desculpem. - Tara justificou-se por ter sido tão desatenta com o horário de trabalho deles. Não houve reação por parte de Chase, mas a garota percebeu que Maggie estava despertando. - Tinha esquecido como vocês estão ocupados com o rodeio e tudo o mais. É que me parece terrível estar tão perto e não ter a oportunidade de rever Ty.

- É claro que você pode ficar aqui conosco por alguns dias - insistiu Maggy, sem consultar Chase. Mas se esperava que ele discordasse dela, estava enganada. Ele achava que já estava mais do que na hora de Ty enfrentar esta mulher bela e escorregadia e domá-la de uma vez por todas.

A chuva transformara o chão batido em massa pegajosa de lama, a qual esgotava homens e cavalos; o lodaçal sugava os pés deles a cada passo; não se tinha certeza de que os pés estavam bem plantados no solo. Vários homens e cavalos escorregavam e caíam na perseguição aos novilhos. O lamaçal retardava consideravelmente o ritmo da marcação, pois os homens enlameados e lambuzados trabalhavam com mais dificuldade e produziam menos.

Um sol forte surgiu no alto do céu, secando a lama no corpo dos trabalhadores, transformando-a em crostas que os tornavam semelhantes a bestas. A montaria de Ty tropeçava cansada, a cabeça descaindo, enquanto ele trotava em direção à cerca onde um cavalo limpo estava à espera.

- Ei, Calder - o grandalhão Ab Taylor gritou. - O chefão está chamando você.

Um tanto aborrecido, Ty ergueu a mão em direção ao vaqueiro, em sinal de reconhecimento. Notara a caminhonete que chegara há poucos minutos, mas não pensara mais sobre o assunto. Dirigiu o cavalo para onde ela estava estacionada, agora galopando aos trancos e barrancos.

Apick-up estava parada perto do trailer de lanches. O pai encontrava-se ali parado, uma xícara de café na mão, sua estrutura alta e forte apoiada contra a capota e voltada para um lado. Freando o cavalo, Ty fê-lo parar ao lado do pneu dianteiro e inclinou-se sobre a sela, jogando o chapéu para trás.

- Ab falou que você queria me ver. - Podia sentir os respingos de lama endurecendo em seu rosto; as pernas das calças estavam duras de barro.

- Tem uma pessoa aí querendo vê-lo.

- Quem? - Franziu as sobrancelhas em uma careta de curiosidade. Visitantes eram coisa que ele não recebia, e o período de rodeios não constituía a época mais adequada para visitas.

- Tara.

Ty lentamente empertigou-se na sela, a descrença evidente em seu rosto. Uma procura rápida com os olhos a descobriu, sentada em uma cadeira de armar ao lado do trailer, observando a confusão de homens e animais na arena de marcação como se todos eles estivessem representando para diversão dela. Ela ainda possuía aquela qualidade de tomar posse do que estivesse a seu redor e colocar-se à vontade.

Ele levou um segundo para recobrar-se do choque de vê-la. Desceu da sela com aquela maneira sem pressa própria de um homem que está tentando tomar uma decisão. As esporas não produziram qualquer ruído, o tilintar silenciado pela lama, enquanto ele atravessava a distância que os separava, retirando metodicamente as luvas. O pai permaneceu na caminhonete, para que o encontro fosse a sós.

Ao levantar os olhos para observar a aproximação de Ty, Tara sorriu daquela mesma maneira provocante e enigmática que havia obcecado as noites dele, meses a fio. Ele tentou manter-se indiferente àquela beleza esfuziante mas, como sempre acontecia, ela penetrou até as suas entranhas. Tão profundamente feminina em suas calças pretas colantes, uma camisa de mangas compridas de seda escarlate e um colete de pele de carneiro branco, ela acendia todos os seus instintos masculinos. Puro orgulho levou Ty até onde se encontrava a garrafa de café sempre cheia, a dois passos dela.

- Oi, Tara. - Ele estava tremendo por dentro, enquanto enchia uma xícara de café, mas conseguiu manter o tom normal de voz. Mal olhou para ela, embora consciente de cada movimento, cada suspiro da garota.

Ela se pôs de pé com aquela graça natural, tão impecável que imediatamente ele se lembrou de sua aparência imunda, o fedor de suor e excremento animal que estava entranhado em suas roupas, além da barba por fazer crescendo por suas bochechas, ensombrecendo-as. Ele não se parecia nem um pouco com aquele universitário bem vestido que esperara pela atenção dela.

Tara inclinou um pouco a cabeça enquanto contemplava as mudanças evidentes em Ty. A semelhança com o pai era agora bem mais marcada, quase um sinal tribal. Os cabelos escuros, grossos e desordenados, o queixo e a testa de granito, a escuridão impenetrável daqueles olhos grandes e profundos, as maçãs do rosto bem-delineadas, e a gravidade inerente à mandíbula forte, eles tinham os mesmos traços. A camada de sujeira não chegava a ocultar o homem em que ele se transformara.

- Oi, Ty. - Por fim ela falou, a voz suave, meio jocosa, mas inteiramente confiante. - Esperava que você escrevesse, mas nunca recebi uma palavra sua. Percebi que se quisesse vê-lo novamente, teria de vir até você. Portanto, eis-me aqui... pronta para implorar o seu perdão.

As mãos dela se abriram num gesto gracioso que parecia oferecê-la a ele sem reservas. Ty recordou as mensagens subliminares que ela sabia transmitir-lhe com os movimentos de corpo, as muitas nuanças de significados que ela conseguia urdir em palavras.

Mil reações conflitantes dominaram-no ao mesmo tempo, mil emoções atravessando-o descontroladas, sem que conseguisse desenredar-se. Desejava-a; odiava-a; e ressentia-se com ela por estar ali fazendo-o passar por tudo aquilo de novo.

- Não consigo imaginar você implorando o que quer que seja - contrapôs Ty suavemente, levantando a caneca de metal até sua boca, sem modificar a postura despreocupada.

Diante dessa observação, ela soltou uma gargalhada, admitindo, com um olhar provocante e superior:

- Não sei fazer isso muito bem. - Então, aquele sorriso leve voltou aos seus lábios. - Prefiro você aqui. Na faculdade você estava fora de seu elemento.

- Por que veio aqui? - indagou, abaixando a caneca e fitando o que restara de conteúdo em seu interior. Nem por um segundo Ty acreditou que Tara estava lá para pedir perdão. Ela nunca se importara se seus atos iam de encontro à aprovação ou desaprovação das outras pessoas. Só se importava com a sua própria opinião.

- Já disse que...

- Não brinque comigo. - Ele cortou rudemente as palavras dela.

- Você faz isso bem demais.

Por uma fração de segundo ela duvidou de sua habilidade em comandar a situação. Então, um olhar ferido atravessou seu rosto, enquanto ela baixava os olhos sob a força do olhar fixo de Ty.

- Pensava que você ia ficar contente em me ver novamente. - Tara levantou a cabeça, jogando-a para trás com equilíbrio renovado, deixando sua voz refletir uma despreocupação em relação a ele. - Não vim aqui para deixá-lo com raiva. É evidente que não sou bem-vinda aqui. - Ela fez uma pausa, sustentando o olhar dele durante um segundo significativo. - Sei que demorei muito a aceitar seu convite para vir aqui, mas acabei vindo. Pensei que isso significaria algo para você.

O silêncio foi sua única resposta. Quando ela se voltou para ir embora, o sol iluminou a opala negra em seu dedo. A visão da pedra afrouxou a postura de rígida indiferença.

- Por que você ainda está usando o anel? - Sua voz traía-se, rouca, vibrando emocionada.

Tara voltou-se lentamente para enfrentá-lo, relaxando um pouco. E Ty sabia que mais uma vez fora aprisionado no feitiço de sua beleza ardilosa.

- Porque foi você quem o deu - disse ela. Os olhos dele estudaram-na por completo, até o último sinal. O silêncio se prolongava. - Em que está pensando, Ty?

- Que você está mais bonita do que nunca, mas não tente mais jogar a isca para ver se vou mordê-la - alertou-a.

- Esta é a segunda vez que você me acusa de brincar com você.

- E você não brincou? - O desafio foi súbito e veemente, prova de que ela já o desarmara.

- Não, conscientemente não. Ah, admito que cometi erros sobre o que era importante para mim. Mas Ty... - Tara apelou, num tom meio brincalhão. - Uma garota não pode mudar de ideia mais do que uma vez?

A intensidade do momento atingiu-o. Esvaziou a xícara lançando o café fumegante ao chão, como se necessitasse de uma válvula de escape para a energia acumulada dentro de si.

- Você diz isso com muita facilidade. É só um outro jogo para você. Não houve dia em que eu não pensasse em você, não quisesse você. Não houve céu da meia-noite que não trouxesse nele o seu rosto. Nunca deixei de querer você. Quando papai disse seu nome há um minuto, eu também quis você.

- Mas eu estou aqui - insistiu ela.

- Você não entende - rebateu, rouco. - Eu queria você, mas as feridas ficaram secas. Elas não foram curadas, não desapareceram, mas o sangue parou de correr. Não vou deixar você abri-las novamente.

- Posso fazer isso? - perguntou Tara, brincando.

- Sei muito bem que você pode. - Ty estava sério. - Mas eu estou quase conseguindo esquecer você, e quero continuar assim.

- Sem olhar para trás? - Ela também ficou séria. - Mesmo quando estão chamando por você?

As defesas desapareceram, deixando-a perceber por um segundo a incerteza dele. Ela não teve mais dúvidas. Estendendo o braço, agarrou a mão áspera e calosa.

- Não vim aqui para abrir velhas feridas, Ty. Pode ser que eu tenha vindo aqui para persuadi-lo a me pedir novamente.

- Você já recusou uma vez. Não, obrigado. - O toque das mãos dela parecia endurecê-lo novamente.

- Você não consegue acreditar que percebi que estava errada? É pedir muito querer ter uma outra chance?

- Então você mudou de ideia de novo? - desafiou Ty. - Já passei por isso uma vez, Tara. Você vai me fazer sofrer o mesmo mais uma vez.

A sabedoria de Eva a fez perceber que não adiantava insistir. Era hora de recuar. Ele demonstrara um segundo de incerteza; ela sabia que ele era vulnerável. Retirou as mãos das dele, sorrindo resignada.

- Só vou ficar aqui dois dias - avisou. - Papai está em Calgary a negócios. Ele volta na quarta-feira para me buscar e voltarmos para casa. Gostaria que houvesse tempo suficiente para você me mostrar a fazenda. Afinal de contas, você falou tanto dela, eu gostaria de conhecê-la com você.

- Talvez noutra oportunidade. - Ty ficara aliviado com a aceitação de que o passado estava enterrado e respondeu sem pensar.

Imediatamente os olhos dela se acenderam.

- Isso significa que fui convidada a voltar?

- Esta é uma das leis não-escritas do Oeste: Nunca feche a porta a um visitante; você ainda pode precisar da hospitalidade recíproca algum dia. - Ele foi cuidadoso, de forma a não tornar o convite mais do que uma simples cortesia. - Fiquei várias vezes na casa de seu pai. Você é bem-vinda à minha.

Um cavaleiro aproximou-se sozinho, vindo do lado oposto do rebanho. Alerta, Ty percebeu-o e forçou o olhar para identificá-lo. Tara voltou os olhos na mesma direção, para ver o que desviara a atenção dele.

- Algo errado? - O cavaleiro parecera-lhe igual a todos os outros.

- Não. Nada errado. - Mas Ty imaginava o que Culley O'Rourke estaria fazendo tão longe, na terra dos Calder.

Durante dois meses, ele passara noite e dia com o homem, partilhara refeições e tarefas, embora não houvesse quaisquer confidências. O'Rourke devia ter aprendido a tolerar um Calder, mas não aprendera a gostar deles. Limitara-se a ir visitar Maggie na casa-grande, raramente, sempre saindo assim que Ty ou o pai chegavam. Parecia ter-se estabelecido uma trégua, ou, mais exatamente, uma neutralidade desconfiada em ambos os lados.

 

Não era muito cortês cavalgar até o campo, onde possivelmente o cavalo poderia sujar o solo em que o grupo estava comendo. Em vez de deixar o animal atado às estacas junto com as outras montarias, O'Rourke amarrou as rédeas do seu separadamente, no pára-choque traseiro de uma caminhonete.

Embora não parecesse deliberado, O'Rourke aproximou-se da extremidade aberta da cozinha ambulante, sempre mantendo um veículo entre ele e os circunstantes, como se quisesse ocultar-se de olhares curiosos. Ty não mais acreditava ser tal comportamento causado pela timidez. Mais parecia um desejo de passar despercebido. O'Rourke não gostava de ser observado pelas pessoas.

- Òi, Culley - Ty cumprimentou-o quando O'Rourke contornava a cozinha ambulante.

- Ty. - Ele assentiu, os olhos desviando-se curiosos para Tara. A vida ao ar livre havia bronzeado sua pele até um tom marrom, acentuando-lhe os cabelos grisalhos e tornando-lhe os olhos negros mais constrangedores. O'Rourke era sempre cuidadoso com a aparência, vestindo roupas limpas e barbeando-se diariamente. Passados dois anos, Ty convencera-se de que o tio era um tanto estranho, mas inofensivo.

- O que traz você aqui?

- Estou cansado de cozinhar e lembrei como a comida de Tucker é gostosa. - Novamente pousou os olhos em Tara, tocando levemente a aba do chapéu. - Senhora.

Ligeiramente relutante, Ty procedeu às apresentações que O'Rourke desejava visivelmente. Manteve o olhar fixo na garota, o que deixou Ty embaraçado.

- Você se parece muito com minha irmã - disse ele por fim.

Ty percebeu uma certa semelhança entre Tara e a mãe. Ambas possuíam cabelos pretos e eram pequenas. Ficou pensando se isto teria estimulado O'Rourke a aproximar-se, supondo ter uma aliada na sucursal, para logo depois descobrir que se enganara.

- Acho que vou perguntar a Tucker quando o almoço vai ficar pronto. - O'Rourke recuou e desapareceu por trás da caminhonete.

- Parece impossível este homem ser seu tio - murmurou Tara.

- Culley sofreu por causa disso, de um jeito ou de outro. - Limitou-se a responder. Ouvindo passos, Ty não se surpreendeu ao ver o pai aproximando-se deles.

- O que O'Rourke está fazendo aqui?

- Pelo que ele disse, está com vontade de comer a comida de Tucker.

O pai não insistiu no assunto na presença de Tara.

- Daqui a pouco a turma vai fazer um intervalo para o almoço. Lançou um olhar interrogativo em direção à garota. - Você quer ficar, ou prefere voltar para a casa-grande e almoçar lá?

- Prefiro ficar, se não for incómodo.

- Incómodo algum - assegurou ele, olhando curioso para Ty, tentando descobrir se ele pensava da mesma maneira. O filho não fez qualquer sinal de objeção.

- vou avisar a Tucker que teremos companhia para o almoço. Aquilo era uma forma de dizer que o pai pretendia alertar os homens para que tomassem cuidado com o linguajar.

Já se formara uma fila nas bacias para lavar as mãos quando Jessy acudiu ao chamado de almoço. Suas roupas haviam endurecido com a lama seca que ia se esfacelando aos pedaços enquanto ela andava. Os músculos da perna estavam doloridos com o esforço ininterrupto contra a sucção do atoleiro. Ela fez meia tentativa de retirar o acúmulo de lama grudado em suas botas esfregando-as na grama, mas não foi muito bem-sucedida. Colocou-se na fila.

- Precisamos de água limpa. - Um cowboy em frente a uma bacia requisitou aos berros. - Metade de Montana está usando esta aqui.

- É - ecoou o cavaleiro atrás dele. - Essa aqui já está cheia de lama. O cozinheiro rotundo aproximou-se irritado e pesadão, jogando fora

a água suja e enchendo a bacia com água limpa. Ele era socado, maciço como um fogão antigo, o pescoço mergulhado nos ombros sólidos, coroado por uma careca pequena e desproporcional em relação ao resto do corpo.

- Temos uma senhorita aqui conosco, garotos, portanto cuidado com o linguajar, ou serei obrigado a bater umas cabeças contra as outras - avisou Tucker.

- Ouviram isso? Ele chamou Jessy de senhorita.

- Como vai, madame? - Um dos cowboys tocou a ponta do chapéu em uma reverência exagerada, ao que Jessy respondeu com uma mesura de zombaria.

- Tucker não está falando dela, seus idiotas! - declarou Sid Ramsey, dando um tapa no chapéu do homem. - A senhorita é aquela gracinha de olhos escuros sentada ali com Ty.

Jessy virou-se para a direção que Ramsey indicara, o olhar fixo como os demais. Ouviu os assobios baixos e disfarçados e os comentários sussurrados, elogiosos e pornográficos que os homens trocavam, de forma a manter suas imagens viris intactas entre seus pares.

A visão da garota de cabelos negros exerceu efeito contrário em Jessy: ela não teve o poder de soltar-lhe a língua: o silêncio tornou-se mais e mais profundo. A indiferença que Ty dispensava à garota sentada a seu lado era bastante significativa. Não estava conferindo um pingo da ardente atenção que os cowboys em volta de Jessy com prazer teriam oferecido a Tara. Ty mal a olhava, a expressão de seu rosto inteiramente carrancuda, fechado em si mesmo. Para Jessy, só havia uma razão por que Ty não estava sorrindo e falando livremente com uma garota bonita como aquela. Ela o ferira no passado.

Enquanto os outros especulavam sobre a identidade da garota, Jessy especulava sobre o motivo da presença dela ali. Por trás de toda aquela beleza, escondia-se um cérebro esperto. Havia um motivo para a vinda dela, que não se limitava a um simples convite amigável. Jessy aproximou-se da bacia, mergulhando as mãos na água turva, esfregando-as com uma barra grosseira de sabão Lava.

Na hora da refeição, em vez de se espalharem pelo campo, os trabalhadores agruparam-se em torno da cadeira de armar da garota. Quase todos cumprimentaram-na com movimentos de cabeça, ligeiramente envaidecidos com o leve sorriso que ela distribuiu a cada um deles. Uns dois cutucaram Ty, tentando forçá-lo a apresentá-la. A sensação que estava produzindo entre os homens irritava-o vagamente, embora já houvesse presenciado o mesmo tipo de reação, por ela deflagrada, muitas vezes antes. Ela possuía o tipo de beleza que fazia com que um homem esquecesse o bom senso. Ele ficava furioso com o jeito como os homens farejavam-na, semelhantes a um bando de idiotas, pois a fraqueza deles servia como um espelho para a sua.

Impossível evitar uma apresentação, mas Ty esperou até que o último homem houvesse deixado a fila de comida e arranjado um lugar para sentar. Não foi preciso chamar a atenção dos cowboys para ele, já que todos aguardavam ansiosos que fizesse as apresentações.

- Todos vocês conhecem E.J. Dyson. Esta é a filha dele, Tara Lee.

- Ty omitiu qualquer referência ao noivado. De qualquer maneira, os vaqueiros regulares fariam a conexão. Lançou um rápido olhar a Tara. Não vou me dar ao trabalho de dizer o nome de cada um desse monte de cowboys. Todos eles se acham grandes e espertos, mas tenho que alertá-la contra uns dois.

Olhou em torno para os rostos subitamente baixos, a agitação percorrendo o grupo, todos preocupados com o tipo de observação escandalosa que Ty poderia fazer sobre eles para aquela visão da beleza. Instalou-se um silêncio sepulcral.

- Tiny Yates, aquele ali com olhar de culpa. - Ty apontou. - Ele é casado, mas muitos dos caras acusam-no de confundir as mulheres deles com a sua. - Um rabo-de-saia notório, Tiny Yates enrubesceu do pescoço para cima. - E Billy Bob Martin bate em seu cachorro todas as vezes que bebe. A bebida o torna completamente intratável. - Alguém engasgou-se com o café diante daquela acusação. Billy Bob evitava beber como o diabo foge da cruz. Bastavam dois copos de cerveja para ele cair em prantos. Chorar era pior do que estar sóbrio. - Ramsey se pavoneia como se fosse o rei da bola. Ele canta de galo desde que o sol nasce.

Ninguém se mexeu, temeroso de chamar a atenção de Ty. Um silêncio apreensivo e desconcertado abateu-se sobre eles. Tara percebeu que nada do que Ty dissera era verdade , mas não conseguia entender o motivo que o levara a deixar os vaqueiros tão constrangidos.

Ninguém desviou a atenção da comida. Todos comiam rapidamente e depois despejavam os restos dos pratos sujos em uma panela velha. Ty observou-os partir apressados com um sorrisinho de satisfação.

- Por que fez isso? - murmurou Tara.

- Demorei muito para me vingar desse pessoal - ele replicou, engolindo o café.

- Vingar-se de quê? - Ela não sabia dos trotes que ele tivera de suportar nas mãos daqueles mesmos homens.

- De nada. - Ty esvaziou a caneca. - Foi só uma brincadeira entre amigos.

- Que brincadeira! - Tara achou que ele fora exageradamente ríspido com eles. Nunca entrara em contato com este lado da personalidade dele, e não sabia como considerá-lo.

- Aqui a brincadeira é meio dura. - Ele deu de ombros, mas não tentou explicar que os homens não guardariam rancor pelo que lhes dissera. Não fora nada pessoal, e eles sabiam disso. Um fluxo de vaqueiros em direção a suas montarias teve início. Ty apoiou-se sobre os joelhos e pôs-se de pé, lutando contra o desejo de permanecer ao lado dela. - Está na hora de voltar ao trabalho.

- Ty. - Ela ficou de pé, pousando uma mão em seu braço para detêlo um minuto mais. Ele inclinou ligeiramente a cabeça sobre ela, e Tara aproximou-se dele. Ele aspirou o aroma fresco do corpo da garota, a suavidade do perfume contrastando com o cheiro rançoso que emanava dele.

- Cuidado. Você vai se sujar - avisou, detendo-a antes que a tentação o dominasse.

- Você acha que eu ligo? - ela riu, mas recuou um passo. - Você se importa se eu ficar para assistir à marcação esta tarde?

- Faça como quiser, Tara. Você sempre fez o que quis. - Ty cortou, abrupto, sabendo que não faria diferença se ela ficasse ou voltasse à casa-grande. Ela continuaria em seu pensamento.

- Então vou ficar. - Perspicaz, ela percebera a emoção que afinara a voz dele, enquanto tentava controlá-la.

- Um conselho. Mantenha-se à distância e contra o vento. Este trabalho é sujo e cheira mal.

Os trabalhos da tarde mal tinham começado quando Sid Ramsey prendeu dois dedos na corda quando lidava com um bezerro, quebrando-os; os dedos ficaram soltos como ramos secos. Uma torrente de palavrões irrompeu dele, uma combinação de dor e raiva por cometer um erro tão primário como aquele.

Foram precisos alguns minutos para que a corda afrouxasse o suficiente, para soltar os dedos presos à sela. Curvado sobre a sela, Ramsey apertava a mão contra o corpo, dirigindo-se para a cozinha ambulante. Ficou faltando um laçador, e Art Trumbo deslocou Jessy do grupo desmontado para ocupar a posição de Ramsey.

Vibrando o laço, ela ajustou a pega da corda e lançou o cavalo em direção ao rebanho para pegar outro novilho ainda não marcado. Enviou um olhar de soslaio em direção a Ty e viu-o perscrutando a cozinha ambulante. Sabia o que estava atraindo a atenção dele, e não era Ramsey.

- Foi ela quem rompeu o noivado com você, não é? - Jessy mantinha os olhos fixos à sua frente e disse o que os outros só haviam ousado pensar. Ele pressionou os lábios, sem responder. - Imagino que ela vai querer remediar as coisas. Vai aceitá-la de volta? - Jessy denotava calma e frieza, mas ele não demonstrou haver escutado a pergunta. - Você é um idiota, Ty Calder - fez ela, esporeando o cavalo em perseguição a um bezerro.

Ramsey galopou até a cozinha ambulante e desmontou gingando.

- Ei, Tuck - berrou para o cozinheiro. - Traga sua sacola preta. Quebrei os meus malditos dedos. - Ele passou por Tara, o braço comprimido contra o abdome. - Desculpe, senhorita.

Testemunha da calamidade, Tara seguiu-o, impulsionada pela fascinação curiosa que os seres humanos exerciam sobre pessoas como ela, atraindo-a e repelindo-a ao mesmo tempo. Ficou de pé, assistindo-o a descalçar as luvas cuidadosamente, sugando o ar com um som sibilante.

Os dedos indicador e médio estavam ambos descolorados e principiando a inchar. Tara afastou-se ligeiramente, fazendo uma careta diante da cena. Olhando para o rosto dele, percebeu a pele esticada sobre os ossos, lívida.

- Você precisa ir a um hospital e tirar uma radiografia - murmurou ela.

- Radiografia? Diabos, eu já sei que eles estão quebrados. - Lançoulhe um esgar, escarnecendo da sugestão.

- Mas eles precisam ser colocados em posição - insistiu Tara.

- Não preciso de médico para fazer isso. Basta colocá-los no lugar até que estalem e imobilizá-los com alguma fita. - Depois de tranquilizála quanto à simplicidade do procedimento, voltou-se para o cozinheiro de idade indefinível. - Você tem algum daqueles palitinhos de sorvete aí?

Tomada de uma espécie de fascinação, horrorizada, Tara assistiu às mãos rechonchudas do cozinheiro unirem os dois filamentos quebrados entre um par de pequenos talos finos de madeira. Em seguida, Ramsey esboçou um sinal afirmativo com a cabeça. Ela ouviu o ruído angustiante dos ossos estalando ao serem colocados no lugar. Ramsey soltou um grunhido. Gotas de suor explodiam em seu rosto subitamente branco. Tara sentiu-se fraca e nauseada. Oscilou um pouco, até que o cozinheiro agarrou-a pelo ombro.

- Você está legal? - Os olhinhos miúdos estudavam-na.

- Estou bem. - Determinada, ela se empertigou e voltou-se, afastando-se da cena dos talos de madeira sendo colocados em posição.

O primitivismo do incidente a abalara. Fora criada em um mundo convencional, onde buscava-se auxílio médico profissional para o menor problema. Para ela, afigurava-se inconcebível os ossos serem recolocados em seu lugar sem a ajuda de um médico. Por um instante foi acometida de dúvidas quanto à sua presença em lugar tão selvagem.

Todavia, bastou olhar para Ty para que sua decisão fosse reforçada. Embora criada num meio ambiente onde fora protegida, isto não queria dizer que ela não soubesse ser corajosa quando a situação assim o exigia. Ela ousara vir até a fazenda com o objetivo único de persuadir Ty a aceitála de volta, ainda que tentasse camuflar esta determinação sob uma disposição despreocupada.

Os motivos que a haviam levado a mudar de opinião eram nebulosos, e Tara os considerava irrelevantes, conseqúentemente evitava analisá-los em busca da verdade. A decisão fora tomada. Agora toda a sua atenção concentrava-se em fazê-la realizar-se. Pretendia tê-lo, mesmo que isso significasse renunciar a tudo.

Um cavaleiro esguio e com cabelos longos aproximou-se do rebanho, lado a lado com Ty. Tara não percebeu que o vaqueiro era uma mulher até que entreviu o rosto, de traços clássicos e refinados, as maçãs do rosto e a linha da mandíbula suaves como mel. Pela primeira vez, considerou a possibilidade de uma competição local.

Durante toda a manhã o grupo trabalhara em meio à lama até a exaustão. No fim da tarde, o sol e um vento ininterrupto haviam ressecado o lodo a uma consistência de cimento duro, criando sulcos e montes que precisavam ser vencidos aos tropeções. O chão duro e maltratado esgotava muitos cavalos; os cavaleiros mudavam frequentemente de montaria, para que estas não ferissem as pernas.

Retirando a sela e o cobertor de um cavalo, Ty atirou-os sobre um cavalo buckskin, apertando a sobrecilha em torno da cilha. A sela de couro rangeu atrás dele. Olhou por sobre os ombros e percebeu o pai, montado num cavalo castrado cinza-chumbo a menos de um metro de distância.

- Quer alguma coisa? - perguntou Ty, apertando mais a cilha.

- Tara só vai ficar aqui mais uns dois dias. É você quem decide se quer ir para casa hoje à noite ou ficar aqui com o grupo.

- Tá. - Agachando-se sob a barriga do cavalo, afivelou a cilha traseira.

O pai incitou o cavalo, estalando a língua, e deu meia-volta. As ferraduras metálicas tilintaram enquanto o animal acelerava para um meiogalope. Sem ser observado, Ty deteve-se na tarefa de arrear o cavalo para considerar a opção que o pai lhe dera - ficar ou não com Tara.

Tudo o que dissera a ela era verdade. A vontade não cessara, mas a mágoa sim. Para variar, ela estava representando o papel de perseguidora, em vez do contrário. Ty sentiu uma satisfação perversa com a situação. Jessy o chamara de idiota, mas como um homem seria capaz de não se apossar de algo há muito desejado e que agora lhe estava sendo oferecido?

O som da risada de Tara inundou a sala de jantar, lembrando a Ty o doce tilintar de sinos. Ficou imaginando o que sua irmãzinha teria dito para fazer Tara rir. Fazendo um esforço, desviou o olhar da porta por onde ela entrara, carregando os pratos para a cozinha.

Durante todo o jantar, a conversa fora viva e animada, sua mãe e Tara trocando impressões sobre países europeus que ambas haviam visitado, encantando Cathleen com as reminiscências de suas aventuras. As três haviam se comportado como irmãs. Chegado o momento de retirar os pratos da mesa, afigurou-se perfeitamente natural que Tara ajudasse, embora Ty não conseguisse lembrar de alguma ocasião em que ela houvesse realizado tarefas domésticas no passado.

Esfregou a boca com a mão, em um gesto que denotava ao mesmo tempo preocupação e reflexão. A fumaça azul de um charuto flutuou preguiçosa sobre a mesa coberta por uma toalha de linho. Olhando para a cabeceira da mesa, Ty percebeu o pai observando-o.

- Não tome decisões precipitadas, Ty. Contraiu os lábios, severo.

- Acho que vou tomar um pouco de ar lá fora. - Empurrou a cadeira e levantou-se. A casa tornara-se muito pequena com Tara em seu interior, sem que algo de temerário acontecesse.

Ty deteve-se na varanda espaçosa para acender um cigarro. Em seguida, foi andando até a borda, apoiando-se em uma alta coluna branca. O céu negro reluzia com as estrelas; uma delas caiu, traçando uma risca branca. A lua cheia cintilava como uma pérola gigantesca colocada entre estrelas de diamantes.

Morena e vibrante como o céu, suave e torturante como a brisa, Tara era como uma canção na noite, cheia de mistério e beleza indefiníveis. Ela resumia a essência de um sonho masculino, feminina e sedutora, que era, tentadora como a noite.

Sorvendo uma última tragada do cigarro, Ty atirou-o ao ar, observando o rastro rubro traçado na escuridão. A porta da frente abriu, mas ele se fez de aço para não voltar-se. Passos leves aproximaram-se por trás dele.

- Posso ficar aqui com você? - Tara considerou como certa uma resposta positiva, deslizando a mão por entre a curva do braço dele, trazendo-o para junto de si. O calor do corpo de Tara pressionado contra o dele despertaram o rapaz para o contato de seu braço contra o seio, o formato arredondado delineado contra seus músculos.

- Você já está aqui. - Tenso e rude, ele desviou o olhar.

Tara analisou astutamente o perfil a seu lado. Percebera a chama de uma reação na profundeza dos olhos castanhos. As palavras podiam ser frias, mas não ele. Reparou nas linhas finas que haviam brotado em seu rosto, eliminando um pouco da juventude. Os traços rudes eram agora puramente masculinos, de uma beleza não lapidada. Sentia uma confortável certeza de que no fim ela acabaria por conseguir vencer as resistências dele, enquanto voltava a cabeça para olhar o que ele estava contemplando.

Luzes provenientes das janelas de vários edifícios que faziam parte da sede bruxuleavam em torno da colina onde se situava a casa-grande, como se fossem estrelas terrestres. As árvores ao longo do rio formavam fios intrincados contra o brilho da noite. Em algum estábulo, um cavalo relinchou.

- Parece uma cidade pequena - sussurrou Tara. - Tantas luzes; tantos prédios.

- De certa maneira é. Somos praticamente auto-suficientes, com nosso próprio suprimento de água, uma estação geradora de energia auxiliar, um sistema de esgoto e todas as facilidades. Temos dois caminhões contra incêndio, uma oficina para conserto de veículos, sem falar na escola primária para os garotos mais novos, atendimento veterinário, um posto para primeiros socorros totalmente equipado e uma mercearia.

- Gostaria de ver tudo isso. - Ela suspirou, aconchegando-se mais.

- Está mais frio aqui fora do que imaginava. Por que você não me abraça e me aquece?

- Por que você não entra e coloca um casaco? - Mas Ty não fez objeção quando ela levantou o braço dele, colocando-o em torno dela, aninhando-se mais nele.

- Assim está melhor, não?

- Pare com isso, Tara.

- Estou contente de você ter vindo jantar esta noite.

Não tanto as palavras, mas a maneira como ela as dissera, lhe dava a sensação de que ela se sentia em casa, onde estaria sempre esperando por ele. O rosto voltado em direção a ele era um convite aos lábios cintilantes. A ânsia era demasiado intensa, e o hábito de beijar aquela boca estava profundamente vivo em sua memória. Antes que os lábios de Ty alcançassem Tara, ela já se voltara para ele.

O contato insistente causou-lhe um choque e Ty começou a recuar, mas as mãos finas envolviam-no pelo pescoço, pressionando-o sem deixá-lo afastar-se. Os lábios dela colavam-se aos dele, exalando a suavidade inebriante de sua respiração, corroendo-o até o sangue martelar tão forte em suas veias que não conseguia mais raciocinar.

De súbito irritou-se, odiando a fraqueza que o transformava em brinquedo nas mãos dela. Agarrou-a pelos pulsos, arrancando-os de seu pescoço, ofegante enquanto cortava o beijo. Mas a raiva não eliminou o desejo que o fazia tremer por dentro.

- Nada de brincadeiras - insistiu.

- Por que você é tão bronco? - explodiu de impaciência, mudando rapidamente de disposição logo em seguida. - Você não deixa uma garota ter amor-próprio. - A voz arrastada assumia nuanças provocantes e alegres. - Atravessei quase metade do continente para lhe dizer que estava errada... para tentar consertar o erro que cometi. O que tenho de fazer para que você me peça para ficar?

- Para quê? Para sofrer os mesmos tormentos novamente? - Os músculos mandibulares saltavam, a tensão corria desenfreada em seu íntimo.

- Não. - Ela ergueu a cabeça, fitando-o ao mesmo tempo promissora e contida. - Sei que palavras não bastam, Ty. Mas dê-me uma chance de mostrar que estou sendo sincera.

Ele ouviu, consciente de sua incapacidade em negar o fato de que desejava que ela ficasse.

- Dou-lhe a chance, mas não vou mais esforçar-me como antes. Não lhe dera outra alternativa.

Ela percebeu isto. Por um instante, viu-se em alguma época no futuro em que teria de oferecer-se e aceitar as regras ditadas por ele. Ao invés de temer este momento de absoluta capitulação, sentia-se aturdida com a antecipação de um delicioso prazer. Há tanto tempo controlava cuidadosamente suas emoções que era excitante pensar em deixá-las dominarem pelo menos uma vez.

- Vamos nos divertir juntos. Você vai ver. - Os olhos escuros brilharam em meio ao silêncio eloquente.

Ty não sabia o que passava pela cabeça de Tara, mas o olhar, tão confiante e sedutor, fez com que seu sangue acelerasse nas veias.

- É melhor entrarmos antes que você se resfrie.

-Diga-me, papai. - Tara escoltava o pai, de braços dados com ele, encaminhando-se para o avião que esperava. Permitiu que uma espécie de presunção jocosa assomasse seu rosto enquanto o fitava. - Você ainda gostaria que eu me tornasse sra. Calder?

A escala na Triplo C fora breve, sem que houvesse tempo para períodos de privacidade entre pai e filha. O olhar de Dyson refletia um misto de orgulho e diversão.

- Ty resolveu ceder, hem?

- Não completamente, mas vai chegar lá.

Tara vasculhou os arredores com ares de proprietária. Além da pista de pouso, com o aeroplano e os helicópteros atarracados, ela conseguia enxergar a infinidade de telhados das construções da sede e a imponente casa-grande, além de toda aquela terra vasta e descampada. Dyson observou a expressão da filha com um sorriso seco.

- Já está se vendo como uma senhora em sua propriedade feudal, não é?

- Algum dia serei. - Estava certa disso,toda confiante. Voltou-se com um giro, ficando de frente para o pai, alegre e esfuziante. - Você pode ficar mais de um mês fora, não pode? Certamente você pode arranjar alguma desculpa para retardar a volta.

- Eu poderia, mas tenho alguns encontros importantes que não quero adiar... nem por você.

- Aqui? com quem?

- Uns vizinhos dos Calder. Na verdade estarei de volta daqui a umas três semanas, mas vou permanecer em Miles City, e então tomarei um avião de lá mesmo, quando terminar.

- Se são vizinhos, por que você não fica aqui?

- Porque não gosto de fazer negócios na casa de terceiros - replicou calmamente. - Além disso, acho que Calder não aprovaria meus planos. É melhor que ele não saiba o que estou fazendo até que o negócio esteja concluído. Ele poderia tentar convencer os vizinhos a não aceitarem minha proposta, e não vou medir forças com um touro brabo como esse.

- O que você e Stricklin estão tramando? - Mais uma vez ele estava sendo misterioso, da mesma maneira que ficava quando estavam planejando alguma grande e nova aventura.

- Nada que lhe interesse. - Deteve-se quando alcançaram a porta do bimotor, beijando as bochechas da filha. Empertigando-se, ele deu uma piscadela. - Não vou dizer para você se comportar. Em vez disso, vou lhe desejar boa sorte. Você já fez Ty esperar tempo demais no carro. Agora corra. - Deu-lhe um tapa nas nádegas, cheio de afeição paternal, colocando-a a caminho, observando-a um segundo, pensativo, e então subindo no avião. Seus planos individuais no final poderiam harmonizar-se agradavelmente.

Stricklin já se encontrava no aeroplano, afivelado em seu assento. Dyson cumprimentou-o com um movimento de cabeça e acomodou-se em um assento em frente ao amigo, apertando seu cinto de segurança.

- Acho que ela vai fisgar o homem, Stricklin - fez ele, observando o casal pela janelinha. - O que você acha da combinação?

- Ideal - replicou o sócio, e estava sendo sincero.

 

A temporada de rodeio terminou uma semana depois e arranjou-se para que Ty trabalhasse perto da sede da fazenda, em vez dos campos extensos da propriedade. com Tara exercitando sua prerrogativa de hóspede e dormindo até tarde, ela raramente o via antes de meio-dia.

Na maior parte das tardes, ela fazia o que bem quisesse. Maggie Calder a havia levado para conhecer as facilidades da fazenda, ciceroneandoa até a escola de um só cómodo e mostrando-lhe a mercearia com a variedade de artigos comestíveis, vestuário e diferentes tipos de ferramentas. Tara achara tudo fascinante, mas teria preferido que fosse Ty quem lhe mostrasse estas coisas. Ela passava pouco tempo com ele sozinho. Às vezes ficava pensando se ele tinha algum dia livre de trabalho da fazenda.

com passadas vagarosas, ela desceu as escadas, deslizando distraída as mãos pela balaustrada enquanto matutava como preencher aquela tarde de sábado. Alguém abriu e fechou a porta da frente com estrondo, e Cathleen entrou correndo. Tara olhou para a garota com súbito interesse. Talvez conseguisse persuadi-la a levá-la até onde Ty estava trabalhando.

- Oi, Cat. - Chamava a garota pelo apelido familiar.

- Tara! Estava mesmo procurando por você. - Mudou de direção, encaminhando-se para as escadas e detendo-se no sopé, ofegante, os olhos brilhando. - Ty me pediu para lhe avisar para colocar roupas de montar. Daqui a meia-hora ele chegará em casa com os cavalos.

Então era assim. Ele estalava os dedos e ela devia vir correndo. com esforço, Tara tentou conter a irritação que acendia seus nervos.

- O senhor comanda e a senhora obedece - murmurou.

- O quê? - Cathleen inclinou a cabeça com uma carranca de perplexidade.

- Nada, gatinha. - Ela balançou a cabeça e voltou-se para subir novamente os degraus. - Meia hora é pouco tempo. Acho melhor me apressar. - Lançando um meio-olhar apressado e zombeteiro para a garotinha, Tara foi trocar de roupa.

Quarenta minutos depois, ela saiu da casa. A impaciência na expressão de Ty deu lugar a uma admiração relutante enquanto ela se dirigia para onde estavam os cavalos, certificando-a de que o atraso dedicado à aparência valera a pena. Da franja da jaqueta aos jeans desenhados por costureiro, do chapéu de penas às botas de cowboy italianas, ela estava vestida à moda do Oeste, com as últimas novidades oferecidas pelas lojas texanas exclusivas.

- Pensei em darmos um longo passeio esta tarde - fez Ty. - Você não viu muita coisa da fazenda, exceto voando sobre ela ou atravessandoa de carro.

- Seria bom. Eis aí algo que tinha vontade de fazer com você. Ty auxiliou-a a subir no lombo do cavalo baio puro-sangue, rápido

como um relâmpago. Assegurou-se de que os estribos estavam adequadamente ajustados para o comprimento da perna dela e por fim montou o seu próprio. Juntos, percorreram de Norte a Oeste, os cavalos embalados em um galope que poderia ser mantido durante quilómetros.

Os prédios foram deixados bem para trás enquanto eles se embrenhavam mais e mais na propriedade, subindo e descendo as ondulações do terreno. O sol assemelhava-se a um disco de ouro em um céu gigantesco, e o horizonte a uma cadeia de montanhas envoltas em neblina azulada. Não havia nada além de quilómetros infinitos estendendo-se iguais. O vazio chegava a ser opressivo, circundando Tara até que ela começou a se sentir um objeto minúsculo.

Finalmente Ty puxou as rédeas do cavalo, detendo-o próximo à borda de uma colina isolada com o pico achatado. Desmontou e segurou as rédeas do cavalo de Tara, enquanto ela descia da sela. Amarrando os animais, eles caminharam até à beira, de onde se descortinava a extensão circundante de terra. Tara, ao lado dele, sentiu-se esmagada pela amplidão e o silêncio. Profunda solidão pareceu invadi-la, e a garota aproximou-se de Ty. Este fitou-a por um momento, tomando-lhe a mão e entrelaçando os dedos, sem saber que assim lhe dava confiança.

Enquanto ele apontava a extensão da pastagem dos Calder, indicando os limites mais distantes, ela ouvia o orgulho subliminar na voz dele, absorvida em seus próprios pensamentos. De cima daquele platô, e em todas as direções que seu olhar conseguia alcançar, a terra pertencia à família dele. Que seria a família dela.

- Sente-se uma imponência, não é? - afirmou ela quando ele terminou de falar, mas não mencionou a melancolia que o lugar também lhe evocava.

- Essa terra tem a capacidade de colocar um homem em sua verdadeira dimensão e torná-lo humilde - concordou Ty.

Ela não queria aquele tipo de argumentação.

- Mas você é um Calder, Ty. Você pode fazer e ser o que quiser. com o poder e a influência de um Calder, algum dia você poderá ser o governador de todo esse Estado.

Após uma luta ininterrupta para que sua família reconhecesse seus dotes, o elogio e crença em seu potencial alimentaram o ego carente. Ele sorriu, meio divertido com a sugestão dela.

- Eu disse algo engraçado? - Tara ficara um pouco ofendida com a reação dele.

- Meu avô defendia uma filosofia sobre políticos. Meu pai uma vez explicou-a para mim - fez ele, linhas indulgentes enrugando os cantos dos olhos enquanto olhava ao longe. - É algo do tipo por que ser governador quando você pode comprar um?

Ser a força manipuladora por trás do pano constituía uma possibilidade tentadora. A pulsação de Tara acelerou-se, enquanto ela observava os traços inteligentes, a determinação inquebrantável e a vontade de vencer do rapaz.

- Você está se perdendo brincando de cowboy, Ty - declarou firmemente. - com a sua experiência e educação, você poderia fazer muito mais. Meu pai o considera muito. Simplesmente não consigo entender por que você continua aqui, trabalhando como um vaqueiro comum, quando poderia estar realizando alguma coisa importante e digna.

- Estou aprendendo o trabalho de uma fazenda desde o começo, você poderia dizer - afirmou Ty.

- Por quê? Não é importante saber fazer tudo quando se tem pessoas que podem ser empregadas para fazer estas tarefas. Seu pai é um homem notável e eu o admiro muito, mas os métodos dele são demasiado antiquados. - Ela suavizou a afirmação. - Não pretendo criticá-lo. Só quero que você seja bem-sucedido e importante à sua maneira.

- Tenho um compromisso com meu pai. Você pode ser capaz de voltar atrás em uma promessa sem escrúpulos, mas para mim isso não é tão fácil - interpôs, rígido, começando a voltar.

- Estraguei a tarde, não foi? - fez Tara, contrita. - Desculpe.

- Esta é a primeira vez que você diz isso. - Ele estacou, desejando acreditar nela, mesmo lembrando como ela tentara incutir suas ambições nele.

- É mesmo, não? - Ela riu. - Cometi tantos erros em relação a você que tenho que estar sempre lhe pedindo desculpas.

Ele arqueou uma sobrancelha.

- bom, seria uma nova experiência.

- Há uma série de novas experiências pelas quais ainda não passamos. - Ela se inclinou sobre ele, erguendo o rosto em um gesto milenar que todas as garotas aprendiam praticamente antes de saírem do berço. Desta vez ele a tomou nos braços, ofegando quando o beijo terminou. Ela escorregou a ponta de uma unha ao longo dos lábios dele. - Você ainda me ama, não é, Ty? - O ronronar de segurança na voz dela foi suficiente para desconcertá-lo. Soltou-a e dirigiu-se para onde estavam os cavalos, quebrando o feitiço que mais uma vez ela jogara sobre ele.

Quando Chase estacionou a caminhonete em frente ao bar de Sally, quase não viu o trailer parado à sombra do prédio. Só a parte dianteira aparecia sob o sol, e Chase percebeu o reflexo da luz sobre a superfície metálica.

A visão do veículo surpreendeu-o, fazendo-o mudar de direção, aproximando-se para olhar mais de perto. Um fio elétrico saía do trailer, estendendo-se até a brecha da janela da cozinha, aproveitando a energia do restaurante. Um degrau de madeira fora colocado em frente à porta do trailer, substituindo os retráteis de metal. Grossa camada de poeira e sujeira cobria o veículo, indicando que ele percorrera alguma distância desde a última vez em que fora limpo.

Não parecia haver ninguém por perto, mas as janelas encontravam-se abertas, mais um indício de que havia alguém ali. Chase aproximou-se da traseira do trailer. A placa no pára-choque estava torcida e meio coberta com a poeira da estrada. O trailer tinha um distintivo do Texas. Chase limpou um pouco da poeira, de modo a ler os números. Em seguida empertigou-se, mais intrigado do que antes.

Entrando pela porta dos fundos, atravessou a cozinha vazia e a porta de vaivém que separava o restaurante do bar. Não havia fregueses, somente Sally, percorrendo as mesas e enchendo os açucareiros.

- Oi, Chase. - A satisfação inundou o rosto calmo e expressivo. Vi você chegando e fiquei pensando para onde você teria ido e desaparecido. - Continuou derramando açúcar do jarro para os recipientes de vidro. - Já estou terminando. Coloque café para você.

- Vi aquele trailer estacionado ao lado do prédio. - Pegou uma xícara do escorredor de plástico, enchendo-a com café. - De quem é?

- É de um homem chamado Belton. Na verdade, existem três homens vivendo no trailer, mas acho que Belton é o dono. - Ela atarraxou a tampa da garrafa e enxugou o lado de fora antes de colocá-la sobre a mesa, levando a bandeja para a mesa seguinte. - Ele chegou... no sábado, acho que foi isso, e perguntou se podia estacionar o trailer aqui e usar minha eletricidade. Ofereceu-me setenta e cinco dólares por mês, mas não pude aceitar tudo isso. Aí, só cobrei cinquenta.

- O que você sabe dele? - Chase franziu o cenho.

- Ele é do Texas. - Meneou os ombros levemente. - Sei que está trabalhando em algum lugar aqui por perto. Todos os três usam aquelas botas pretas de engenheiro. Parecem com aqueles homens do petróleo que trabalharam na sua propriedade... quer dizer, o jeito de vestir.

- Não me agrada a ideia de você ter três estranhos estacionados bem do lado de fora da sua janela, especialmente com você dormindo sozinha lá em cima. Não é seguro.

Ela sorriu da severidade dele.

- Qual é a diferença se eles estão a três ou trinta metros? Eles teriam parado o trailer em algum lugar. Por que não aproveitar o lucro de uma taxa para que estacionassem aqui? Além do mais, são mais três cafés da manhã e jantares, sem falar que nos dois últimos dias eles me pediram para preparar uma quentinha de almoço.

- Você confia demais. - Chase resistiu à lógica dela.

- É um bom negócio - recomeçou Sally calmamente. - E verifico se todas as portas estão trancadas e aferrolhadas antes de ir me deitar. E se acontecer o pior, tenho uma arma. - Estava zombando dele em silêncio.

- Quanto tempo eles vão ficar aqui?

- Acho que o verão todo. Talvez mais. Um deles se informou a respeito de casas para alugar na cidade. Queria saber quem era o dono e se alguma delas era adequada para morar agora. Tenho a impressão de que eles talvez fiquem aqui por um bom tempo. - Encheu o último açucareiro e foi para o balcão onde Chase estava de pé bebericando seu café. - Seria bom ter pessoas morando em algumas dessas casas abandonadas novamente. Algumas delas só precisam de pequenos reparos.

- Eles não disseram para quem estão trabalhando? - ele insistiu na busca de informações.

- Não. E eles pagaram com dinheiro vivo. Dois meses adiantados.

- Ela sorriu diante da expressão séria, interiormente satisfeita com a preocupação dele com sua segurança. Os instintos protetores de um homem eram fortes, sempre querendo defender do perigo aqueles com quem se preocupava. Sally encheu uma xícara de café para ele e deu a volta no balcão, sentando-se em um banco, sugerindo a Chase que fizesse o mesmo. Terça-feira é sempre tão parado - ela observou, mudando de assunto. Quais são as novidades sobre Ty e a namorada? Ele a trouxe aqui na sexta passada. Todo mundo de três municípios está especulando sobre o resultado desse romance.

- Tenho a impressão de que ele vai casar com ela.

- Você não parece muito contente com a ideia - observou Sally. Ela é deslumbrante.

- E acostumada com um estilo de vida completamente diferente acrescentou Chase secamente.

- Isto não significa nada necessariamente. Já vi os solteirões mais empedernidos se tornarem mansos e respeitados quando casados.

- E alguns continuam empedernidos e irresponsáveis... assim como o seu marido - recordou Chase.

- O que Maggie acha dela? Ele deu de ombros.

- Maggie está gostando da companhia dela. Ela sentiu falta de tudo que as mulheres conversam sobre moda, jantares e locais no exterior. Mesmo as mulheres da fazenda tendem a falar do novilho ou da laringite do bebé. Não são assuntos muito sofisticados. - A boca curvou-se em um sorriso cínico. - Maggie e Tara se dão muito bem.

- Que bom. Maggie poderá ajudar Tara a se adaptar à nova vida... se ela e Ty se casarem. - Sally preferiu ver o lado positivo.

- Esperemos que sim.

A tarde já chegava ao fim quando Chase chegou à casa-grande. Foi direto para o escritório e pegou o fone, discando um número.

- Alo, Potter. Chase Calder.

- Alo, Chase. - Ele ouviu a resposta lacónica. - O que posso fazer por você?

- Tenho o número da placa de um carro e quero que você a verifique para mim. - Disse o número.

- Placa do Texas? Vai levar algum tempo. - O xerife local alertouo em voz baixa. - Qual é o problema? Você está tendo problema com ladrões de gado de novo?

- Não. Tem um trailer estacionado ao lado do Sally's. Quero saber quem é o dono, onde trabalha e tudo que for preciso sobre o passado dele.

- Fez uma pausa e acrescentou: - E peça a seus homens para patrulharem o restaurante depois que fechar. Telefone-me assim que souber algo sobre essa placa.

- Está certo. Aliás... Não vou me candidatar para as próximas eleições. vou arranjar uma vara de pescar e vou para um daqueles ribeirões cheios de trutas. Tenho um cara born, chamado Dobbins, ideal para o trabalho. Seria ótimo se você desse apoio a ele.

- vou me lembrar disso, Potter. - Desligou o telefone e deu meia-volta. Maggie estava parada na porta.

- Estava falando com o xerife?

- Estava. Tem uma coisa que quero que ele verifique para mim. Hesitou ligeiramente, quase imperceptivelmente, sem querer declarar a natureza da investigação.

- O que é? Algum problema? - Maggie não se satisfizera com a meia-resposta, nem com os trechos da conversação que ouvira.

- Não. - Aproximou-se dela tranquilamente. - Só quero ter certeza de que não vai haver nenhum.

Estava sendo deliberadamente evasivo, e ela só conseguia pensar em uma razão para tal comportamento.

- Diga-me, Chase - insistiu ela -, tem algo a ver com Culley? Ele fez alguma coisa?

- Não tem nada a ver com Culley - tranqúilizou-a. - Chegaram alguns forasteiros na cidade. Eles estacionaram o trailer ao lado do Sally's e estão usando o restaurante como uma espécie de base de operação. O xerife vai descobrir quem são e o que estão fazendo aqui. Só isso.

Sally's. Ela sentiu o coração oprimido enquanto perscrutava-lhe o rosto marcado.

- Quando soube disso?

- Dei uma parada lá hoje à tarde. Quando ela me contou dos homens, decidi averiguar. - Chase fitou Maggie com uma ponta de irritação. Ela mora sozinha no andar acima do bar. - Sua voz soara um tanto ríspida.

- Tenho certeza de que Sally Brogan pode tomar conta de si própria. Ela não precisa de você para protegê-la. - Maggie empertigara-se, tomada pelo ciúme. Um homem protegia o que considerava seu. Maggie já pensara se as cinzas do relacionamento dele com Sally haviam sido avivadas algumas vezes. - Desculpe. Tenho que ver o jantar. - Retirou-se antes que dissesse algo de que pudesse se arrepender.

Uma brisa noturna agitava as cortinas da janela do quarto, encontrando-se com a risca preguiçosa da fumaça do cigarro de Ty e sugando-a por entre a abertura da tela. O pio de uma coruja caçadora nas margens do rio mergulhado na escuridão foi carregado para o interior do quarto imerso em penumbra, iluminado unicamente pelo reflexo prateado da lua minguante. A meia-noite trazia a quietude.

Ty sentou-se na cama, sem conseguir dormir. Acomodou os travesseiros atrás das costas, apoiando-se na cabeceira da cama. Os pensamentos voavam. Estava preocupado. Naquelas últimas três semanas, passara por uma mudança sutil em relação a Tara. A beleza dela ainda o cativava; ainda a desejava. Mas sentia a falta de alguma coisa. Às vezes tinha a sensação de que agora a enxergava mais claramente, mas não sabia o que isso significava.

O ruído fraco da maçaneta da porta sendo virada chamou-lhe a atenção, mas acabou relaxando. Provavelmente seria Cat, entrando furtivamente em seu quarto para conversar. Ela era uma espécie de criatura da noite, perambulando irrequieta e lendo até altas horas. Não era fácil ter dez anos, ele se lembrou, muito madura para os jogos infantis e muito jovem para o divertimento adulto.

A porta foi aberta silenciosamente. Uma sombra desenhou-se no quarto, no retângulo de luz proveniente do corredor do segundo andar. Ty muniu-se de precaução ao ver um perfil feminino deslizar para dentro do quarto, envolvido em um robe de seda prateado reluzente. Apagou o cigarro pela metade no cinzeiro e sentou-se empertigado. As cobertas escorregaram-lhe até a cintura, revelando o peito nu.

- Tara, o que está fazendo aqui? - A voz era meio irritada, meio surpresa.

- Não consegui dormir. - Ela se dirigiu até a cama, o tecido brilhante farfalhando a cada movimento, delineando os seios e quadris. - Você também não conseguia dormir, não é? - A astúcia na voz dela acentuou a percepção que tinha dela.

- Você não deveria estar aqui a esta hora. - Mas ele não se mexeu enquanto a observava erguer graciosamente a saia de robe para apoiar um joelho na cama.

O colchão afundou ligeiramente sob o peso concentrado no joelho da garota. O robe abriu-se com leve farfalhar, oferecendo-lhe provocante vislumbre da coxa nua. Em seguida, o tecido cintilante juntou-se de novo. Ela se sentou ondulante na borda da cama, estendendo um braço em direção a ele.

- Fiquei pensando na gente e tinha que ver você - sussurrou Tara.

- Imagine se meus pais ouviram você entrar aqui. - Seus protestos limitavam-se a palavras. A sensualidade atraente daquele corpo e a beleza estonteante daquele rosto funcionavam como uma bebida, trazendo-lhe velhas recordações e acendendo-o com o antigo desejo.

- Fui bastante silenciosa. Ninguém me ouviu. - Aproximou-se mais, reclinando-se sobre os travesseiros que ainda traziam a marca do corpo dele. Deitou-se, convidativa, um quase sorriso nos lábios. - Relaxe, Ty. Só vamos sentar aqui e conversar um pouco.

- Você está maluca. - Fitou-a, os traços se endureciam. - Já basta dormirmos sob o mesmo teto, mas ter você na minha cama... Pó, Tara, você acha que sou de ferro?

A risada suave e viva era como pingentes de cristal se chocando.

- Espero que não.

A resposta o despertou.

- Você vai sair dessa cama - rosnou, lembrando-se bem da infinidade de vezes em que ela o atormentara com o corpo, sempre negando, sempre lançando a corda e retirando-a quando ele se aproximava.

Agarrou-a pela cintura, tentando colocá-la na borda da cama, onde ela estava, só que Tara envolveu-o com os braços. Ty nunca pensara que ela fosse tão forte. Caíram pesadamente sobre o colchão. A sensação do corpo dela sob o seu era como ferro em brasa. Tentou afastar-se dela, mas os braços apertados em torno do pescoço não o deixavam libertar-se.

- Você ainda me odeia muito, Ty? vou ter que ser completamente descarada e sem-vergonha?

O corpo dele mantinha-se arqueado sobre o dela, os músculos retesados de forma a estabelecer a distância, a despeito da pressão incansável sobre sua nuca. Permaneceu imóvel, vasculhando o rosto iluminado pela luz da lua, buscando o objetivo que não se refletia naquela face.

- Diga o que pretende, Tara.

- Você me deseja, não é? - Os lábios estavam entreabertos, os olhos fixos na boca de Ty.

- Quero você. - Toda a ânsia e solidão provocadas pela ausência dela cresceram dentro dele, enquanto a olhava. - Você está pedindo para ser violada - acusou Ty rudemente. com dificuldade, conseguiu arrancar uma das mãos de seu pescoço, separando-se dela e deitando-se rígido e tenso, tremendo por dentro. Ela virou de lado, fitando-o. A delgada mão branca acaricioulhe o peito nu, entrelaçando os dedos por entre os pêlos cacheados.

- Ty, meu amor bobo. vou ter de realizar a violação também? Os lábios de Tara correram sobre o músculo protuberante do ombro.

Quando ela deslizou para cima dele, Ty estendeu as mãos para afastála, mas deixou-as pousar sobre o corpo envolto em seda, enquanto ela devorava seus lábios, mordiscando-o em um beijo veemente e jocoso. Ele suportou o fogo torturante que o excitava mas não satisfazia, até que não pôde mais controlar o desejo selvagem. Era de carne e osso.

com um movimento do corpo, rolou-se para o lado e colocou-se em cima dela, usufruindo o prazer dos lábios a ele oferecidos. Ela se mexia sob ele, impaciente e ansiosa. Afundou as mãos nos cabelos de Ty, as unhas cravadas; ruídos sussurrantes escapavam de sua garganta, gemidos exigentes e lânguidos de prazer.

Sentiu a pele da garota contra a dele, o robe acetinado afastando e permitindo o contato do corpo de Ty diretamente sobre a nudez de Tara. As mãos dele exploravam as formas arredondadas daquele território por cuja posse ansiara. Agora ele estava sendo entregue. A febre que tomara conta dele não o deixava questionar a atitude da garota.

A respiração de Tara acelerou-se sob as carícias dele. A textura da pele maltratada agia como uma lixa, sensibilizando algumas áreas mais do que ele se dava conta. Era bom o que ela estava sentindo, mas com Ty as sensações sempre haviam sido diferentes. Não havia mais necessidade de refrear o que estava sentindo. Coração e mente estavam juntos visando aquele objetivo.

A pressão aumentava dentro dele, o suor explodindo em pequenas gotas que umedeciam sua pele. O fervor do desejo latejava em suas veias, sem dar tempo a preliminares. Em um segundo de sensatez, Ty tentou avaliar as consequências daquele momento, recuando e buscando descobrir se as vagas dúvidas que nutria quanto a Tara seriam importantes. No entanto, ela apertou as pernas enroladas em torno dele.

- Ty, por favor.

- Não.

- Ty!

Não havia selo da virgindade a ser transposto. Ele absorveu-se com Tara e ela colou-se apaixonada contra o corpo dele. Seguiu-se uma sensação movida pelo instinto que os acoplou, forjando correntes que não seriam facilmente desfeitas.

Ela estava meio deitada sobre ele, a respiração normalizada, sentindo pesar o corpo delgado.

- Foi gostoso, não foi? - A voz suave estava grossa e sonhadora.

- Foi. - Acariciou distraído o quadril de Tara, olhando fixamente para as sombras delineadas no teto.

Os dedos dela correram ao longo do músculo do pescoço de Ty.

- E você não está mais tenso - ela observou. - Você tem pensado muito, ultimamente, complicando o que pode ser simples. Agora o nervosismo e a tensão acabaram. E foi tão fácil.

O corpo dela lhe havia proporcionado calma e contentamento. Ela estava confiante de poder eliminar tudo que o preocupava, percebeu Ty. Mas um homem possuía outras necessidades... as quais o sexo não conseguiria satisfazer. Agitou-se, inquieto.

- Ty, em que está pensando? - ela interpelou o silêncio do rapaz.

- Em nada - mentiu.

- Era isso que você queria - lembrou-o.

- Era.

Lá estava o jogo. Ele a tomara, e agora tornara-se responsável por isso. Não havia perdão para o que acontecera, nem saída possível para as consequências. Quando a vontade novamente tomasse conta de seu ser, ele a desejaria, e estava consciente disso. Como um cão, retornaria sempre à presa de onde se alimentara.

O fato de que fora ela quem o procurara deveria fazer diferença nos pensamentos dela. O desejo fora tanto dela quanto dele. A culpa deveria ser dividida. Mas com as mulheres as coisas nunca aconteciam dessa maneira... não mulheres como Tara Lee Dyson.

Não fora um acontecimento fortuito. Ela colocara um dedo na consciência dele. Ele a levara para a cama; agora, devia desposá-la.

Acostumou-se com a ideia. Afinal de contas, fora isso que quisera durante tanto tempo. Tara significava o prémio, o sucesso... e ela fora até ele.

- Imagino que você vai querer a maior e mais fantástica cerimónia de casamento que o Texas já viu - ele afirmou secamente.

Ela soltou uma gargalhada.

- Adivinhou, querido. - Inclinou-se para beijá-lo.

 

Não houve torção que permitisse a Jessy alcançar o fecho nas costas do vestido. A frustração só fez aumentar a irritação, cuja culpa ela colocava no começo quente da manhã de agosto. O calor acentuava-se rapidamente nos quartos do andar superior da casa de troncos. Ela saiu do quarto e desceu as escadas. Um ventilador barulhento produzia uma abençoada corrente de ar na sala de estar, onde os dois irmãos adolescentes, Ben e Mike, estavam à toa, vestindo jeans novos e camisas estilo Oeste com botões de madrepérola. Ben esmerava-se em atenuar os vincos da capa do chapéu do cowboy de boa qualidade. O som dos passos da irmã descendo as escadas atraiu seu olhar, ao que ele cutucou o irmão.

- Olha só para Jessy. - O rosto quadrado abriu-se em um sorriso de deboche. - Ela tem pernas.

- É assim que você chama essas duas coisas brancas? - Mike rapidamente captou o inusitado da irmã mais velha de vestido, tomando como sempre o partido do irmão quando se tratava de escarnecer da garota.

- Elas são melhores do que esses caniços cabeludos que você tem retrucou Jessy.

- Espere até os caras verem Jessy - persistiu Ben, com um brilho malvado.

- Espere até eles verem essa penugem no rosto que vocês chamam de barba - contrapôs ela, acostumada a rebater insultos fraternos.

Ben esfregou a bochecha, defensivo.

- A barba está enchendo e ficando com boa aparência. - Mas a barbicha era rala e ruiva, o que lhe conferia uma aparência irregular.

- Cadê mamãe? - Jessy lançou um olhar em direção à cozinha.

- Acho que está terminando de se aprontar - replicou Mike.

O quarto no térreo pertencia aos pais. Jessy aproximou-se da porta e bateu.

- Sou eu. Posso entrar? - Dada a permissão, Jessy entrou, fechando a porta atrás de si. A mãe estava sentada diante da penteadeira antiquada, vestindo somente uma combinação de algodão enfeitada com um laço. Os fios prateados em seu cabelo ruivo o tornava mais brilhante. Inclinou-se para mais perto do espelho, maquiando-se e observando o reflexo de Jessy.

- Não consigo encaixar o fecho no alto do vestido. - Jessy cruzou o quarto, parando ao lado da penteadeira.

- Este vestido fica bem em você. - Judy Niles enviou um olhar de aprovação para a filha, voltando a atenção para o espelho. - Estou contente por você ter decidido comprar um vestido novo para a festa.

- Uma festa para a nova noiva dos Calder é uma ocasião especial.

- Havia uma certa aspereza na voz da garota.

- Fico pensando como ela será. - Usou um pedaço de pano para limpar os excessos de batom.

- Não pediria a um homem para lhe dizer. Eles não podem ver um rostinho bonito.

- Você não gosta dela, Jessy? - A mãe se voltou, surpresa, ao perceber aquela nota cínica na voz de Jessy.

- Nem a conheço. Além do mais, o que é que isso interessa? - Ela suspirou, tentando conter a impaciência e irritação que a perturbavam. Estava ferida por dentro. Não queria ir àquela festa e encontrar-se frente a frente com a noiva inacreditavelmente bela. Durante toda a sua vida, fora ensinada a suportar as coisas desagradáveis, e o orgulho não a deixaria fugir daquele encontro.

- com este humor você não vai conseguir aproveitar a festa - declarou a mãe, colocando-se de pé ao lado de Jessy, tão alta quanto ela. Pousando as mãos nos ombros da filha, empurrou-a para a banqueta. Sente-se; vou escovar seu cabelo.

Fora uma rotina de todas as noites quando ela era criança... a mãe penteando seus cabelos até que brilhassem e reluzissem... e Jessy se sentia por alguns instantes linda como uma princesa de contos de fada. Fechou os olhos e entregou-se aos movimentos ritmados da escova de cabelo, que aliviavam seus ânimos exaltados.

Alguns minutos depois, a mãe desembaraçou-os e começou a penteá-los, puxando os cabelos de um lado para o outro.

- Sempre pensava que quando tivesse uma menininha eu faria essas coisas para ela, só que tive você - brincou a mãe. - Você tem belos olhos. Devia passar um pouco de sombra.

- Ia parecer muito pintada - replicou Jessy, os olhos fechados. Além do mais, passei rímel.

- Deixe-me tentar algo. - O chocalhar denotava que a mãe vasculhava a caixa de pintura. - Fique de olhos fechados.

- Não adianta, mãe. - Mas Jessy, paciente, deixou-a pincelar aqui e ali com um aplicador, e por fim empoar levemente suas bochechas.

- Olhe agora. - Um par de mãos virou o rosto de Jessy para o espelho; ela abriu os olhos para ver o efeito. - Existe um velho ditado - murmurou a mãe. - Feia no berço, bela na mesa.

Jessy ficou olhando seu próprio reflexo. O sol havia clareado o cabelo em tom brilhante. - Ele caía em ondas cheias e compactas, emoldurandolhe o rosto. Mal se percebia a maquiagem, mas as maçãs do rosto haviam sido ressaltadas e os olhos pareciam mais escuros e misteriosos. Quanto mais Jessy se olhava, menos reconhecia a si própria. Por um segundo ficou tentada.. . mas então pegou um pano e esfregou o rosto, retirando a pintura.

- Jessy, você está adorável - protestou a mãe.

- Mãe, essa não sou eu - explicou, paciente e melancólica. - Você poderia prender meu vestido?

O pai abriu a porta do quarto e entrou, carrancudo.

- Vocês ainda estão se paramentando, mulheres? Temos que chegar cedo para ajudar a arrumar as coisas.

- Só falta colocar o vestido - replicou a mãe.

Havia tantos trabalhadores para arrumar as mesas e cadeiras e supervisionar as churrasqueiras que ninguém sentiu falta de Jessy quando ela saiu para dar uma circulada. Como sempre, ela gravitou para os estábulos, imersos em penumbra, bolorentos com o odor do feno e o fedor de cavalo. Estava em completo silêncio, exceto pelo relincho de um animal e o silvo da cauda espantando uma mosca.

Jessy vagou pelo chão de cimento, varrido e limpo, afora uns tufos de palha. As sandálias de salto baixo mal produziam algum ruído enquanto ela caminhava pelas baias, detendo-se uma vez ou outra para acariciar um focinho aveludado curioso em direção a ela. Um cavalo na extremidade do estábulo agitou-se irrequieto. Ao mesmo tempo, Jessy ouviu o som de uma voz grave e calma cantarolando para o animal.

Um leve sorriso ergueu as comissuras labiais enquanto ela adivinhava ser Abe Garvey. Há muito tempo não falava com ele. Abe era um grande contador de histórias, sempre cheio de contos de antigamente. Ela foi até o fim das baias e inclinou-se sobre a cerca, evitando encostar no bordo lascado.

- Oi - cumprimentou a figura obscura agachada esfregando a pata de um alazão vermelho-sangue. O homem empertigou-se, e Jessy contraiu-se ao reconhecer Ty Calder. - Pensei que fosse Abe.

Ty ergueu ligeiramente as sobrancelhas, ao perceber-se confundido com um homem velho, curvado e aleijado; voltou a escovar o alazão.

- Abe foi para casa para tomar banho para a festa.

- Oh, cavalo novo? - Jessy conhecia quase todos os cavalos da fazenda. Aquele não era do tipo que ela esquecesse facilmente. Possuía belas linhas e era inteligente.

- Essa potranca é meu presente de casamento para Tara. Estava lustrando-a para dá-la a Tara à tarde - explicou.

- Por falar em sua noiva, onde está ela?

- Lá em casa, suponho. - Acariciou o pescoço luzidio e colocou-se de pé ao lado da manjedoura, de frente para Jessy.

Ela o estudava com os olhos, perscrutando seus traços à procura de algum sinal de que a vida de casado o houvesse modificado. Ele e a noiva vieram diretamente da cerimónia de casamento no Texas para uma lua-demel de três semanas. Mas ele não parecia estabelecido, os olhos preguiçosos não lhe conferiam uma sugestão do que estaria pensando.

- Você viajou e casou-se tão rapidamente que não tive oportunidade de lhe dar parabéns - ofereceu.

- Obrigado. - O olhar dele percorreu aquele rosto, como se tentasse descobrir algo que o intrigava.

- Quando vai arranjar um homem para você, Jessy?

- O que o faz pensar que preciso de um? - Afligiu-a o fato de Ty fazer tal pergunta.

Ele soltou uma risada seca e rouca.

- Você sempre foi auto-suficiente, mesmo quando era criança. - Jogou uma perna por sobre a manjedoura e saltou para o outro lado, pondo-se perto dela. A potranca remexeu-se, puxando a corda que a amarrava.

- Calma, garota. - Ty acalmou a égua; voltando-se para Jessy. - Acho que está na hora de me lavar e vestir para a festa. - Ele vestia velhas calças Levi's e uma camisa xadrez desbotada com as mangas enroladas.

- Até mais tarde.

Ty já ia passar por ela, mas estacou.

- Você está de vestido - disse ele. - É por isso que está diferente.

- Olhou-a de cima a baixo, descobrindo curvas femininas que ficavam ocultas nas roupas masculinas. - Fica bem em você.

- Sei disso.

As sobrancelhas dele aproximaram-se, formando rugas superficiais.

- Não sei se algum dia vou conseguir entender você, Jessy - murmurou.

- Agora você tem uma esposa. É ela que você tem que entender recordou Jessy, assistindo-lhe retroceder um pouco e depois sair.

- Onde está Tara? - perguntou Ty ao entrar na casa-grande.

- Ainda está lá em cima - informou Cathleen. - Não sei o que está fazendo, mas com certeza faz muito barulho.

Subindo as escadas de dois em dois degraus, Ty foi direto ao quarto do casal. Ao entrar, viu Tara de pé no meio do quarto, um dedo apoiado nos lábios, contemplando uma cadeira. Vestia um penhoar amarelo de tecido fino de enxoval.

- bom dia, querido. - Saudou-o distraída, não lhe concedendo mais do que um relance.

- O que está fazendo? - Havia um certo prazer no olhar de Ty ao cruzar com ela. Mal saída da cama, descabelada e sem um pingo de maquiagem, ainda era a mulher mais desejável que ele jamais vira.

- Estou tentando decidir onde colocar essa cadeira - respondeu ela, afastando as mãos que deslizavam para sua cintura. - Não, Ty. Estou querendo resolver isso.

- Você está arrumando os móveis - observou, correndo os olhos pelo quarto. - E deveria estar se aprontando para a festa.

- Ninguém vai morrer se nos atrasarmos. - Com um aceno dispensou o lembrete do marido. Subitamente, voltou-se e agarrou as mãos dele.

- Você não sabe como me sinto bem. - Olhou para o quarto espaçoso cheio de orgulho. - Este é o nosso cantinho particular na casa, completamente nosso. Mal posso esperar para começar a arrumá-lo.

- Você terá de esperar, pois tem de se arrumar para a festa. Foi muita generosidade da parte de meus pais nos dar o quarto de casal principal com a sala de estar contígua - concordou, soltando as mãos e aproximando-a para dar um beijo.

Após um leve toque, ela se afastou.

- Você está com cheiro de cavalo. - Torceu o nariz. - É melhor tomar um banho antes que eu fique fedendo também. - O zumbido do motor de um avião penetrou pela janela. - Devem ser papai e Stricklin.

- Ela correu para a janela. - Lembre-se de pedir a eles para trazerem aquela escrivaninha antiga aqui para cima. Vai ficar perfeita neste canto.

O xerife Potter encontrara um lugar à sombra, onde soprava uma brisa proveniente do rio. De sua cadeira, ele tinha uma visão da barraca e das estacas de madeira, o agrupamento de mesas e pessoas. Sem muito esforço conseguia acompanhar quase tudo que estava acontecendo. Franzino e com os quadris largos, escarrapachou-se na cadeira, as pernas esticadas a sua frente, os pés cruzados. Os cabelos ralos em torno do crânio haviam-se reduzido a tufos grisalhos. Sempre preguiçoso, a velhice o tornara ainda mais lento.

Embora houvesse percebido a aproximação de Chase Calder, não aprumou-se nem mudou de posição. Continuou a sugar os dentes, de vez em quando escarafunchando a separação entre um e outro com um palito. Esperou até Calder parar diante dele para se dar ao trabalho de oferecer-lhe um cumprimento de cabeça.

- Fico contente por ter vindo, Potter. - Havia uma cadeira vazia ao lado do tronco da árvore frondosa. Chase trouxe-a para perto e sentou-se.

- Não ia perder o banquete. - O xerife mergulhou o palito nos dentes de novo, conseguindo sugar um pedaço de comida. - Queria ver o casório. Já conheci quatro Calder em meu tempo. Fico matutando se vou ver o quinto nascer.

- Não me surpreenderia - murmurou Chase secamente. O velho possuía uma forma de conservar a energia e a atividade de que muita gente não suporia ser ele capaz.

- Já vi muita coisa. - Lançou-lhe um olhar. - E tenho sido esperto o suficiente para esquecer a maior parte. - Deixou o palito pendurado nos lábios, rodando-o e mastigando. - Aquele engenheiro, Belton, que estacionou ao lado do Sally's? Consegui descobrir alguma coisa sobre a companhia dele. Já sei quem o contratou.

A verificação inicial, há mais de dois meses, provara que o homem era honrado. Como não houvera nenhum problema, Chase deixara a questão de lado. Evidentemente o xerife não fizera o mesmo.

- Outra companhia texana. De Fort Worth, chamada Dy-Corp. Prosseguiu na observação da multidão com a tranquilidade de alguém acostumado a ver o mundo passar. - É a mesma companhia que perfurou aqueles poços de petróleo na sua propriedade, não é? Acho que o dono é o sogro de seu filho.

- É. - Chase voltou o olhar para o grupo de pessoas, à procura do texano. Não se lembrava de algum comentário de Dyson de que pretendesse fazer mais perfurações na área.

- Recorda-se daquela propriedade do velho Stockman? Alguma companhia do Leste é dona da terra e arrenda uma parte da pastagem do governo. Em junho, Dyson fez um negócio e arrendou tudo, até os direitos de exploração mineral, incluindo a área do governo. - Mastigava o palito, girando-o para o outro canto da boca, como se os dentes se cansassem de segurá-lo de um lado só. - Colocou um velho nojento no lugar. Belton vai e volta todo dia. Não sei o que há por lá. É secreto mesmo. Mas não é petróleo que eles estão querendo encontrar.

- A água seria de mais valor para eles. Fez-se uma longa pausa.

- Estou vendo O'Rourke ali, esgueirando-se em volta do estábulo observou o xerife. - Cara esquisito.

Chase seguiu o olhar do xerife, localizando o homem esguio e magricela, apoiado em um canto do estábulo. Parecia um coiote; a curiosidade o levava a se aproximar o suficiente para ver o que estava se passando, mas sempre com bastante espaço aberto à retaguarda, a fim de que pudesse escapar.

- Ele anda bastante a cavalo. - Arch Goodman acompanhara a frequência de rastros frescos atravessando a propriedade dos Calder, provenientes de Shamrock. Até o momento não houvera problemas. - Parece que ele não pode se sentir tolhido.

- Tipo um animal selvagem que ficou enjaulado por um tempo e depois foi solto. - Potter demonstrou compreeender. - Agora tem que estar sempre em movimento.

- O'Rourke sempre foi um solitário. Nunca quis se adaptar - concluiu Chase.

- Olha lá, eis um par para ficar de olho... Dyson e Bulfert. - O palito caiu da boca enquanto o xerife analisava os dois homens, pensativo, conversando afavelmente no meio da multidão. - Sim, senhor, Bulfert tem o melhor que o dinheiro pode comprar, e já comprou mais de uma vez. Aposto que ele tem mais truques que uma puta. E gastou seu dinheiro tão rápido quanto uma. - Outra pausa. - Ouvi dizer que ele vai se aposentar depois desse mandato. Gostaria de saber onde ele vai encher os bolsos.

- Isso está parecendo um aviso.- Chase estudou-o, tentando ler nas entrelinhas.

- Só uma observação. - O xerife quase conseguiu esboçar um sorriso cansado. - Noventa por cento de meu trabalho consistem em observar as pessoas. Eu deixo os idiotas correrem atrás dos apressadinhos a 150 por hora para trazerem bêbados incorrigíveis. Eu não, eu olho. Foi assim que permaneci xerife por tanto tempo... observando e tomando conhecimento. Só estou passando para você o que vejo... seja lá qual for a vantagem para você.

- Gosto disso.

- Aquele sócio do Dyson... qual é o nome dele? - O xerife virou-se para Chase. - O cara de óculos, alto e de cabelos claros.

- Stricklin.

- Stricklin. - Repetiu o nome com uma espécie de satisfação. - Ele tem as mãos limpas. Já percebeu como elas são limpas? - Balançou a cabeça. - Nunca confiei em homem de mãos imaculadas. Sempre fico pensando por que ele as lava tanto. - Descruzou os pés com esforço aborrecido, fazendo menção de levantar-se. - Acho que tenho que cumprimentar os noivos e voltar para o trabalho.

- Vejo você por aí, Potter. - Chase permaneceu na cadeira enquanto o homem mais velho se levantava e ia se arrastando em direção ao ajuntamento de pessoas. Muito fora dito, e seria necessária alguma reflexão.

- Ty... - Tara apoiou-se nele. - Quem é aquela garota alta de vestido florido? Alguém importante?

Ele só conseguia ver uma garota alta.

- É Jessy Niles. Trabalha aqui.

- O que é que ela faz?

- Trabalha com o gado junto com os homens. - Lançou um olhar divertido para a mulher, observando-lhe a expressão de surpresa.

- Não é aquela garota imunda que eu vi no rodeio? - Tara franziu o cenho, sem acreditar que fosse possível.

- A própria. - Ty analisou a garota em questão, especulando preguiçoso.

Sempre direta e igual, Jessy possuía olhos que podiam enxergar o fundo do coração de um homem. Era uma garota séria e quieta, e Ty nunca tivera muita certeza do que se escondia atrás daquela serenidade genuína, se indiferença ou avaliação ou algum sentimento mais dissimulado. Houvera algumas discussões quando ela crescera.

O leve sorriso começou a desaparecer de seu rosto quanto mais ele a observava. Não havia nada de desgracioso naquele corpo elegante. Os raios solares penetraram na massa de cabelos, tornando-os dourados. Ty se deu conta da forma altiva com que ela sustentava a cabeça, e a força inata de seus traços. O corpo parecia flexível, um jeito gracioso e provocante quando se movimentava. Ela era inteiramente mulher, um fato que constatou e o surpreendeu. Já a vira muito em ambientes masculinos, suspeitando de que havia um algo mais nela que um homem poderia não perceber, a não ser que a estudasse longa e atentamente.

A descoberta perturbou-o vagamente. Desviando o olhar, Ty olhou disfarçadamente para a mulher, perscrutando a expressão do rosto dela. Descobriu que Tara a analisava com frio interesse. Ty lançou uma risada rápida, ocultando a curiosidade ociosa que se acendera dentro dele.

- Quer ver seu presente de casamento? - A pergunta apagou todo o resto do pensamento de Tara, e o assunto Jessy Niles foi esquecido.

Do lado de fora do estábulo, o vento uivava, espalhando a neve de fins de novembro pelo quintal. A égua baia na cocheira fuçava o feno fresco da manjedoura, as orelhas girando agitadas, captando cada som diferente e estranho. Olhava as figuras encasacadas de homens que a estudavam, os cheiros deles ainda desconhecidos para ela. Abocanhou o feno.

- Ela está se acostumando - previu o vaqueiro Wyatt Yates.

- Vamos ter que mantê-la aqui durante o inverno - declarou Ty.

- Ela foi criada no Texas e não está acostumada com este frio.

A égua era mais do que um novo cavalo. Era uma nova aquisição à cavalhada de éguas reprodutoras que Ty estava criando. Boas fêmeas de raça eram difíceis de ser obtidas. A Triplo C sempre criara um número limitado de cavalos para o trabalho da fazenda, mas Ty convencera o pai da necessidade de expansão e reprodução de animais de melhor qualidade.

Algumas éguas cougar proporcionavam um estoque de boa estirpe. Nos últimos dois meses, Ty comprara mais três fêmeas; todas elas haviam correspondido à fama de bons cavalos, além de adicionarem seu sangue superior ao gado equino. Ele ainda estava à procura de dois garanhões. Enquanto não encontrasse o que queria, planejava mandá-las para fora da fazenda, a fim de que fossem emprenhadas por um grupo selecionado de garanhões.

Esta procura se traduzira em inúmeras viagens, e outras ainda por vir. Tara sempre ia com ele, transformando-as invariavelmente em uma combinação de trabalho e lazer. Se Ty fosse honesto, admitiria que lhe agradava exibi-la, consciente de atrair a inveja de todos os homens, pois possuía uma esposa linda e amorosa.

Deixando o novo animal aos cuidados de Yate, Ty saiu do estábulo e enfrentou o vento até alcançar apick-up. Estava a somente umas centenas de metros da casa-grande, com suas luzes brilhando em meio ao crepúsculo de inverno, mas um homem jamais andava quando podia ir de carro nestas paragens.

Na varanda, Ty tirou a neve das botas, esfregando-as no capacho colocado na porta da frente e entrou. A casa irradiava silêncio e vazio. Cat estava fora, no internato, o que naturalmente tornava a casa mais calma do que o habitual. Desabotoando a jaqueta acamurçada de pele de carneiro, percorreu o escritório e a sala de estar sem ver ninguém. Uma olhada na cozinha e sala de jantar mostrou-as igualmente vazias, apesar do aroma de algo sendo cozinhado.

Subiu as escadas com lentidão deliberada, indo até os aposentos particulares seus e da esposa. Os dois compartimentos haviam sido gradativamente transformados por Tara, os móveis mais pesados retirados em favor dos mais requintados. A cama com quatro pilares havia sido substituída por uma enorme com dossel, pregueada e drapejada em cetim dourado. Novas cortinas nas janelas, tapetes, sempre havia algo que fora modificado ou acrescentado. Ty nunca sabia o que esperar a cada vez que entrava no quarto.

Uma lâmpada de cabeceira, acesa no grau mínimo, mal iluminava a sala de estar. Vindo do corredor bem-iluminado, ele levou um segundo para acostumar os olhos à penumbra. Quando tirou o chapéu, percebeu a luz bruxuleante de uma vela. A pequena mesa redonda, uma das aquisições mais recentes, estava coberta com uma toalha adamascada, arrumada com a louça e cristais para dois, um par de velas vermelhas em portadores de prata avivados pelas chamas amarelas no centro.

Tara surgiu do quarto, detendo-se sob a luz quando o viu. Enquanto percorria-a com o olhar, Ty sentia-se excitado com a beleza dela, naquela noite envolta em um vestido de veludo de Borgonha. Os cabelos cor de ébano caíam em cachos, gotas de diamantes pendiam dos lóbulos delicados. Ela deslizou pelo quarto em direção a ele, que estendeu os braços para recebê-la, tão bela e delgada.

Entretanto ela colocou as mãos firmes contra o peito dele, sem conceder nada além de um beijinho nos lábios.

- Você está todo sujo. Já preparei tudo para o banho.

As mãos continuaram em torno dos ombros de Tara, sem soltá-la mas tampouco forçando um abraço, enquanto ele aspirava a fragrância dos cabelos da mulher, a atenção desviada para a abertura na região inferior do vestido.

- O que é isso? - Ty queria dizer tudo aquilo... as velas, a mesa para dois, o vestido de festa.

- Esta noite temos a casa só para nós, então decidi fazer algo diferente e íntimo, ao invés de sentarmos naquela mesa enorme e velha da sala de jantar mais uma vez.

- Para nós, nem? - Os olhos escureceram-se de desejo.

- Seu pai telefonou avisando que vai chegar tarde e que não é preciso esperá-lo para jantar, ele vai parar em um lugar chamado Sally's para comer algo - explicou, oferecendo-lhe os lábios vermelhos provocantes.

- Quando dei o recado à sua mãe, ela sugeriu que jantássemos sozinhos para variar um pouco.

- Aonde ela foi? - A pressão das mãos de Ty sobre os ombros dela aumentou, súbita tensão atravessando-o.

- Disse que ia fazer uma surpresa para seu pai e encontrá-lo no Sally's. Saiu há uns vinte minutos. - Percebeu a hesitação repentina de Ty, a severidade expressa em sua boca. Tara inclinou a cabeça para o lado.

- Algo errado?

Ele levou um segundo para ouvir a pergunta. Ele diminuía a pressão das mãos, deixando-as tombar. O interesse na noite intima que Tara planejara desvaneceu-se ao constatar que a mãe devia ter adivinhado o que estava se passando entre o pai e Sally Brogan.

- Nada. Nada não. - Não havia nada que pudesse fazer. Deu-lhe as costas. - Acho melhor tomar aquele banho.

- vou abrir uma garrafa de vinho tinto para que o vinho possa encorpar o sabor e o buquê. - Tara movimentava-se graciosamente em torno da mesa, inconsciente dos sentimentos contraditórios que haviam tomado conta de Ty. Um sopro do vento sacudiu a janela; os lábios apertaram-se com os uivos melancólicos. - Odeio esse vento.

Ty não a ouviu.

- Que tipo de maquinaria pesada? - Chase franziu o cenho diante da descrição que Sally fez do equipamento carregado pelo enorme semi-tra7er que parara em busca de informações sobre o caminho para a fazenda Stockman. - Você quer dizer equipamento de perfuração?

- Não. - Sally pousou a xícara de café na mesa. A noite fria e tempestuosa atraíra poucos clientes para o jantar, e os bebedores só chegariam mais tarde. - Parecia equipamento de construção... aquelas pás enormes para remover terra, esse tipo de coisa. Eles devem construir algo.

- Podia ser equipamento de rodovias - sugeriu Chase pensativo, cortando a carne. Faróis brilharam atravessando as janelas grandes de vidro do bar-restaurante.

- Provavelmente era isso mesmo - concordou Sally, observando-o levar um pedaço de carne até a boca. - Como está o bife? bom?

- Perfeito como sempre. - Sorriu para ela. A expressão no rosto de Chase refletia carinho e sinceridade; uma corrente de ar frio entrou pela porta aberta por alguém. Chase lançou um olhar preguiçoso e imobilizou-se ao ver Maggie atravessando o salão a passos largos, sorrindo alegre demais. Recobrou-se rapidamente.

- Maggie? - A voz soou levemente inquisitiva, com uma ponta de aborrecimento.

- Surpreso? - Ela puxou uma cadeira e sentou-se à mesa, olhando por um segundo para a mulher de cabelos castanho-avermelhados ao lado dele. Os olhos verdes de Maggie faiscavam, praticamente forçando-o a dizer algo quando voltou o rosto para ele.

- Sabe que estou - ele contrapôs suavemente.

- Decidi vir jantar com você esta noite e apreciar a comida de outra pessoa para variar um pouco - anunciou Maggie. - Além do mais, proporcionaremos aos recém-casados algum tempo sozinhos.

Sally não perdeu seu olhar sereno, embora seus olhos tenham corrido inseguros para Chase por um breve segundo.

- O que quer que prepare para você, Maggie?

- vou querer o mesmo que Chase, só que malpassado - pediu, acrescentando quando Sally se levantou: - Mas volte e junte-se a nós.

Após trazer a refeição de Maggie, Sally encheu novamente a xícara de café e sentou-se na mesa. Chase não levou muito tempo para perceber o que Maggie estava fazendo ali. Quanto mais a observava, mais orgulhoso e divertido ficava. com seu jeito próprio e dissimulado, ela o requisitava como sua propriedade, alertando Sally para que se mantivesse longe. Não perdera a classe, mas a amabilidade não passava da superfície. Por sob ela, Maggie estava imersa em luta feroz.

Na hora de ir embora, Chase sentiu uma pena momentânea de Sally, naturalmente calma, que se tornara ainda mais reservada. Mas há muito tempo ela sabia o resultado da partida, e naqueles momentos ela fora deixada para trás desde o começo.

Quando saíram, dois vaqueiros da Triplo C estavam entrando.

- Me dê as chaves do carro, Maggie - ordenou Chase.

- Por quê? - Ela as tirou da bolsa.

- Grady! - Ele chamou um dos cavaleiros e jogou-lhe as chaves. Minha mulher vai voltar comigo. Providencie para que o carro dela seja levado de volta à fazenda... inteiro. - Maggie não protestou.

- Sim, senhor. - O cowboy enfiou-as no bolso e dirigiu-se para a porta de entrada, onde seu companheiro o esperava.

Chase colocou o braço em torno dos ombros da esposa enquanto se afastavam da taverna. O começo de uma risadinha ecoou na garganta dele, aumentando gradativamente para uma gargalhada vigorosa.

- Qual é a graça? - A respiração dela saía ofegante e irritada, vaporizada pela temperatura fria.

- Você - ele declarou.

- Ainda bem que você me acha tão divertida. - A única coisa que ela não sentia era alegria, afastando-se do braço dele e apressando-se empertigada até a perua.

Chase alcançou-a junto à caminhonete e virou-a antes que ela conseguisse abrir a porta. O olhar dele irradiava carinho e diversão que os olhos duros de Maggie não conseguiam desencorajar.

- Você estava com ciúme, não é? - ele a desafiou com conhecimento de causa.

- Não sei do que está falando - ela replicou bruscamente, tentando escapar do abraço dele. Só que Chase simplesmente a apertou mais ainda no círculo de seus braços, agarrando-a tão próximo quanto o permitia a espessura dos casacos.

- Você não tinha motivo para sentir-se assim - informou Chase, insensível à geada. - Nem mesmo quando tivemos nossos períodos mais difíceis. Oh, admito que tive alguns pensamentos em relação a Sally, mas não consegui esquecer você. Tinha lhe dado minha palavra... prometera amar somente você.

- Então por quê...? - Maggie estacou, sem terminar a pergunta, pois não queria admitir que sentira ciúme, e não desejava saber por que ele buscava continuamente a companhia de Sally durante tanto tempo.

O sangue agitou-se exultante em suas veias, com a embriaguez de um jovem, enquanto Chase sentia-se como um garoto, apaixonado por ela novamente. Sentia vontade de gritar e cantar suas fantasias. Todos os sentidos haviam sido acesos com o sentimento, os aromas fortes e os sons suaves. Essa senhora orgulhosa era a mulher certa para ele; nenhuma outra conseguira satisfazê-lo e nunca haveria alguma capaz.

- Por que eu continuei parando para vê-la? - Chase conhecia a pergunta que ela não quisera fazer, estranhamente sintonizado aos pensamentos dela, após um longo período de afastamento. - Ela me oferecia conforto. Além disso, eu estava com medo de perder você.

- Me perder? - O rosto de Maggie expressava perplexidade e confusão diante da suposição de que deixara, de alguma maneira, de amá-lo.

- Não sei se posso explicar. - A boca de Chase contorceu-se, triste.

- Talvez seja a sua sofisticação sei lá. Mas cada vez eu via menos a Maggie e mais a Elizabeth refinada, tão fria e contida. Quando Ty foi para a universidade, pensei que você desejava isso como compensação para sua vida passada. Que talvez você lamentasse... até que você apareceu no bar hoje à noite, pronta para lutar por seu homem. - Ficou sério e tenso. Sou seu homem, não sou?

- É. - Ela sentia-se tão feliz que chegava a doer.

Quando ele a beijou longa e profundamente, a paixão renovada fluiu livremente. Maggie envolveu os braços em torno do pescoço do marido, ficando na ponta dos pés, aferrando-se ao sentimento que quase haviam perdido.

Os lábios se separaram, mas eles continuaram abraçados, a respiração de ambos agitada, sorrindo de leve diante da vertigem do amor renascido. As mãos de Chase correram pelas costas dela, vagamente irritado com o casaco e o frio, sem querer que nada interferisse nessa proximidade tão especial.

- Maggie, meu amor... meu único amor... vamos para casa - insistiu, rouco.

Ela ria, o amor brotava de suas entranhas.

- Oh, sim, vamos.

 

Vapores luminosos formavam ondas na extensão da rodovia, distorcendo os prédios adiante. Placas de velocidade foram colocadas nos arredores, o primeiro traço de mudança. Ty desacelerou apick-up enquanto se aproximava da cidade, observando as mudanças que quatro curtos anos, desde que se casara com Tara, haviam provocado.

Blue Moon não tinha mais a aparência de uma cidade-fantasma, fragmentada ao lado da estrada. Os prédios abandonados e arruinados com os interiores quebrados e os lados abaulados que se mantinham, miseráveis, próximos à pista dupla, desintegrando-se lentamente ao longo de muitas décadas, haviam desaparecido - retirados pelas máquinas de terraplenagem, e o entulho carregado para sepultamento. Em seu lugar surgiram casas pré-fabricadas, os quintais com o mato aparado para que as crianças pudessem brincar.

Já havia três veículos estacionados ao lado das bombas de gasolina quando Ty chegou. Um deles carregava a marca Dy-Corp Carvão, uma subsidiária da Dy-Corp Ltd. Blue Moon era uma cidade da empresa, povoada basicamente por operadores da maquinaria pesada, que manejavam o equipamento de mineração e suas famílias.

Os forasteiros eram encarados com curiosidade, e Ty recebeu a sua cota de olhares quando desceu de caminhonete. Os quatro anos haviam produzido algumas mudanças nele também. O peito e os ombros haviam sido cobertos de músculos; tornara-se um homem alto e imponente. O sol e o vento haviam endurecido seu rosto e delineado linhas profundas em seu semblante e sentimentos. Um bigode negro ajudava a reforçar a aparência de virilidade enérgica.

com aquelas passadas largas que nunca pareciam ter pressa, Ty saiu da caminhonete e entrou na loja. A seção de comestíveis fora aumentada, incluindo mais artigos, o que deixara o guichê dos correios espremido em um corredorzinho na parte dos fundos. Duas mulheres estavam fazendo compras, tentando manter as crianças junto de si.

Enquanto Ty se aproximava do guichê engradado dos correios, ouviu vozes, reconhecendo-as como pertencentes a dois antigos moradores de Blue Moon. A área postal também dobrara, consistindo em escritório particular para a loja e a estação.

- Calder não vai gostar de ouvir isso - declarou uma voz masculina, ao que Ty reduziu os passos.

- Deixe-o ficar preocupado - disse um segundo. - Ele pode reclamar e ficar furioso o quanto quiser para proteger a terra e não danificar o meio ambiente. É muito bom quando se pode sustentar isso. Mas ele nunca fala sobre as vantagens provenientes da mineração do carvão.

- Sei disso. Eu e Anna quase tivemos de fechar a loja. - Era Lew Michels, dono da loja de tecidos e ferramentas do outro lado da rua. Simplesmemte nós não estávamos lucrando o suficiente, até que todas essas famílias do carvão mudaram aqui para a cidade. Agora temos uma boa chance de passar o negócio e ter um bom lucro para nossa aposentadoria.

- Essa cidade estava morrendo. Todos os caras mais jovens estavam indo embora porque não havia trabalho para eles. Agora temos trabalho e sangue jovem. Um homem já tem chance de manter a cabeça fora d'água. Calder nunca fez mais do que nos atirar um osso de vez em quando. Estou dizendo, a Dy-Corp foi a melhor coisa que aconteceu para esta cidade, e que se dane a terra e o Calder.

- É o progresso - afirmou Michels. - Calder tem de aceitar isso. com os regulamentos para a mineração do carvão, a terra tem que ser aproveitada. O próprio presidente disse isso... desenvolver nossos recursos é de interesse nacional. E temos em Montana carvão suficiente para aquecer o país inteiro.

Quando Ty surgiu na janela com barras, a conversa cessou subitamente.

- Acho que você tem um pacote para minha mulher - fez ele.

- Certamente. - Emmett Fedderson pôs-se de pé, parecendo constrangido. - Passe por aquela porta que vou entregá-lo a você.

O embrulho de papelão foi-lhe passado. Ty colocou-o debaixo do braço e saiu da loja. A conversa que entreouvira estava em seus pensamentos. Sabia que os ânimos estavam exaltados quanto à questão da mineração de carvão, mas não se dera conta de que as pessoas estavam tomando partido. Talvez porque ele não compartilhasse a mesma paixão que o pai a respeito da questão. Quanto mais seu pai envelhecia, mais resistia às mudanças do tempo.

Enquanto subia na caminhonete, Ty ficou pensando que seu pai não ia gostar de ouvir aquilo tudo. O jantar mais tarde, à noite, se tornaria embaraçoso se as notícias fossem tão desagradáveis quanto Fedderson indicara. Dyson encontrava-se na fazenda, visitando Tara e verificando a operação de carvão. Aquilo contribuiria para uma noite constrangedora.

Segundos depois de Ty cruzar a porta da casa-grande, ouviu a voz zangada do pai ecoando no gabinete.

- Maldição, você conseguiu! - Bateu com o fone no gancho.

com uma dose de resignação, Ty caminhou em direção às portas abertas do escritório. Não precisava de mais suposições sobre o que acontecera. Estava prestes a descobrir. Mas a mãe já chegara antes com as perguntas.

- O que houve, Chase? - Ela mordiscou o lábio de preocupação. A mão dele transformara-se em um punho cerrado sobre o tampo da mesa, a cabeça abaixada e virada.

- Não acredito - murmurou. - Todo aquele trabalho... todo o dinheiro e esforço desperdiçados na elaboração de uma das peças mais rigorosas de legislação para regular a mineração de superfície... e o que acontece? O Ministério do Interior em Washington ordenou ao estado de Montana que se pusesse de acordo com o regulamento federal.

Chase Calder exercera toda a pressão contra a passagem daquela lei na legislação de Montana. Fora um amargo revés.

- Dyson está por trás disso - anunciou o pai com ar grave. - E Bulfert proporcionou as vantagens para ele.

A suspeita de vigarice enfurecera mais o pai do que o enfraquecimento da lei de mineração de carvão, percebeu Ty. A discordância com Dyson nunca fora pessoal. Cada um fizera pressão para neutralizar o outro, mas a nível de negócios. Perder para Dyson não era o pior, mas a possível traição do senador não era...

 

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A suspeita de vigarice enfurecera mais o pai do que o enfraquecimento da lei de mineração de carvão, percebeu Ty. A discordância com Dyson nunca fora pessoal. Cada um fizera pressão para neutralizar o outro, mas a nível de negócios. Perder para Dyson não era o pior, mas a possível traição do senador não era fácil de engolir. Era como dizia aquele velho código, quando você recebe o pagamento de um homem, você se torna seu aliado. Quando um homem tem uma marca, tem de defendê-la também.

O telefone tocou, o pai o levou ao ouvido irritado. Agora que soubera dos últimos acontecimentos, não havia mais motivo para Ty permanecer na sala. Ele saiu em direção à escada.

- O que você está fazendo aqui em cima? - Ty surpreendeu-se ligeiramente ao ver Tara nos quartos do segundo andar. Ultimamente, ela passava pouco tempo ali, reclamando que eles eram muito apertados.

- Onde mais eu poderia estar? - retorquiu irritada, erguendo-se do divã adamascado.

Ty preferiu ignorar a observação.

- Peguei aquele pacote para você.

- Ponha em qualquer lugar - disse Tara, desinteressada. - São aquelas botas que encomendei.

- Talvez fosse bom experimentá-las - ele sugeriu.

- Agora não. - Perambulava pela sala, indo até a janela. - Gostaria que seu pai construísse uma piscina ou uma quadra de ténis. Sem dúvida ele poderia pagar. Pelo menos haveria alguma coisa para se fazer aqui.

- Essa é uma fazenda de trabalho, Tara... e não um lugar de veraneio - respondeu Ty com paciência forçada. - Se você quer nadar, Cat deve estar no rio. Por que não vai se encontrar com ela?

- Não gosto de nadar no rio. - Houve época em que ela gostava, mas isso fora no princípio do casamento deles. A partir do estabelecimento da cavalhada, eles haviam parado de viajar tanto em busca de animais de raça; Tara gradativamente fora se cansando da monotonia da rotina na fazenda. Ela girou, ficando de frente para ele. - Vamos fazer alguma coisa hoje à tarde, Ty - solicitou, com um quê de desespero no sorriso que lançou ao marido.

- Estava mesmo a caminho para verificar algumas possibilidades para novas regiões de alimentação. Venha comigo - ele convidou com um sorriso lento, jogando o pacote no sofá e aproximando-se dela. - Você costumava me acompanhar a qualquer lugar que eu fosse a cavalo. Acho que você não monta sua égua há mais de um mês.

Ela se voltou para a janela e levantou a cortina. Seu corpo móvel e delgado irradiava tensão.

- Quando se sai desses prédios, não existe nada além de terra. Não importa o quanto você cavalgue, você não chega a parte alguma. - Estava triste, o que era raro em Tara. - Você já olhou para esses campos, Ty? Quero dizer, realmente olhar e senti-los?

Não entendo o que quer dizer. - Ele estava intrigado.

- Eu já - ela prosseguiu, respondendo à própria pergunta. - Essa terra me faz sentir pequena... como se eu fosse nada. bom, eu sou alguma coisa - fez ela, agressiva.

- É claro que é. - Ty estava achando ligeiramente engraçado o drama feito por ela, embora percebesse que estava falando sério. - Só sugeri que viesse comigo porque pensei que você gostava de passear. Mas se você prefere não ir, tudo bem,

- Ty. - A cortina caiu quando ela girou para olhá-lo. Chegou perto dele, escorregando as mãos pela camisa até descansá-las no peito do marido. - Fique aqui hoje à tarde. Pode olhar esses locais em um outro dia. Hoje você pode ficar comigo..

- Não posso, Tara. - Havia certa impaciência na voz dele. Já conhecia aquela história. Se lhe desse oportunidade, ela arranjaria um jeito de mantê-lo a seu lado o tempo todo. - Tenho que trabalhar. Não posso ficar aqui para distrair você.

- E o que vou fazer? - ela desafiou.

- Mamãe não teve problema em arranjar algo com que se ocupar.

- Sua mãe tem uma casa para dirigir e amigos para visitar. - Tara afastou-se dele, apertando os braços nervosamente. - Tudo o que tenho são esses dois quartos e um marido que fica fora o tempo todo. Não sei por que não podemos construir nossa própria casa para que eu possa receber visitas de amigos, festas e jantares.

- Tara, já discutimos isso antes. - A paciência estava chegando ao fim.

- Eu sei. Primeiro você quer construir esse tão sonhado local de alimentação. Então, talvez você possa construir uma casa para sua esposa.

- A raiva escondia-se por trás do sorriso.

- Olha, foi você quem insistiu em que construíssemos uma casa nova

- lembrou Ty, sucinto. - Você não se satisfez em mudar para uma das casas vazias aqui das redondezas.

- Ty, francamente. O que é que ia parecer, um Calder morando em uma dessas casas simples, igual a qualquer outro trabalhador da fazenda?

- incitou Tara, impaciente com a sugestão que considerava ridícula. Ela não está à sua altura.

- Você quer dizer que não está à sua altura.

- Não, não está. Eu sou alguém, e não vou viver como um joãoninguém. - Postara-se rígida diante dele, a cabeça projetada para trás em desafio. Permaneceu assim por um momento, necessitando das provas materiais de posição e o reconhecimento de projeção social. Por fim, perdeu o controle e correu para ele, apertando-o entre seus braços. - Ty, não quero que a gente brigue novamente por causa disso. Posso aguentar viver na casa de seu pai, mas estou farta de ver você à sombra dele. Sei o quanto você é inteligente e capaz, mas você não está tendo a chance de mostrar o seu potencial a ninguém.

- Tara, isso não é verdade. - Abraçou-a. - O programa de criação de cavalos, a operação de alimentação... foram ideias minhas. Papai deixou-as a meu critério. São responsabilidade minha.

Imagino que sejam. - Ela desistiu, relutante, ensaiando um sorriso forçado nos lábios. - Querido - acariciou-lhe o queixo -, o governador está dando uma festa particular hoje à noite. Papai vai de avião hoje à tarde para a festa. Vamos com ele.

Não posso sair assim de repente, Tara - afirmou; a boca franziu

com severidade por sob o bigode.

- Claro que pode, só essa vez - ela tentou persuadi-lo com seu sorriso mais provocante. - Há séculos que não vamos a lugar nenhum.

- Se você tivesse avisado mais cedo, eu poderia ter arranjado tudo para que fôssemos. Mas hoje à tarde é impossível. - Havia uma determinação naquela voz que não encorajava qualquer outro estratagema, feminino. Tara já lançara mão inúmeras vezes de sua beleza e de seu corpo para convencer Ty a alterar suas decisões. No entanto, sabia que essa festa seria um acontecimento de que ela estava louca para participar. Os protestos de Tara contra o tédio o fizeram sentir-se culpado, pressionando-o a não negarlhe a excitação que ela tanto almejava. - Se quiser, você pode ir ao jantar com seu pai - ofereceu relutante.

- Está falando sério?

Percebeu o brilho que se acendera nos olhos da esposa.

- Estou. - Sorriu, mas seus olhos não diziam o mesmo. De alguma maneira, sabia que aquilo era o começo de algo, a primeira de muitas viagens que ela faria sem ele, o primeiro dos muitos motivos que ela encontraria para deixar a fazenda e retornar a uma vida socialmente mais ativa, circundada por gente importante.

- Já sei que vestido vou colocar. - Tara estava ocupada com os planos. - Onde está Stricklin? Tenho que avisá-lo que vou com eles.

- Não o vi desde o café da manhã. - Ele devia ter adivinhado que Stricklin também iria à festa. Dyson nunca ia a parte alguma sem seu segundo par de orelhas.

- Deve estar no quarto dele, trabalhando naqueles relatórios para papai. - Tara encaminhou-se para a porta, enviando um beijo atrasado para Ty. - Vejo você amanhã, Ty querido.

Ty deixou o quarto mais lentamente.

O zumbido de um avião quebrou a calma da tarde. Ty deu rédeas ao cavalo, subindo uma elevação para ver o bimotor de Dyson fazendo uma curva para oeste, com Tara a bordo. Seus músculos se contraíram, a tensão excitava seus nervos.

Terminara a inspeção do local na pastagem Norte. Parecia ser o mais promissor, com suprimento abundante de água, boa drenagem natural, e a pequena distância de uma das estradas principais da fazenda e da Sucursal Norte, dirigida por Arch Goodman.

O avião foi se tornando menor. Ty logo o perdeu de vista, na luz forte do sol baixo. Ficou mais um segundo parado sobre o cavalo, e por fim encaminhou-se para a sucursal Norte, onde deixara a caminhonete e o caminhão de cavalos.

Quando começava a descer a elevação, localizou um cavaleiro guiando um animal com a pata ferida ao longo da reentrância pouco profunda do terreno. Era Jessy Niles, que fora forçada a desmontar. Ty desceu a colina. As botas de cowboy não eram adequadas para longas caminhadas. Ao ouvir o som de cascos, ela estacou, aumentando a sombra produzida pela aba do chapéu com a mão, protegendo os olhos dos raios solares para identificar o cavaleiro que se aproximava.

- Encrenca? - O olhar divertido dele percorreu-lhe o rosto empoeirado.

- Perdi uma ferradura a uns dez quilómetros atrás - ela respondeu pesarosa. - Pensei que ia chegar em casa antes que alguém aparecesse.

Ty soltou uma risadinha e retirou a bota do estribo esquerdo.

- Suba.

Jessy passou as rédeas de seu cavalo para ele, e enfiou o pé no estribo vazio, agarrando-se à sela para subir no cavalo de Ty. Ela nunca se sentia à vontade quando ele estava por perto. E não se sentia bem tendo que segurar-lhe a cintura para acomodar-se e equilibrar-se em posição mais confortável. Por baixo de toda aquela naturalidade, sentia-se mais tensa que uma corda de arco.

- Pronta? - Ty enrolou as rédeas do cavalo dela em torno da sela para rebocá-lo.

- Estou. - Tirou as mãos apoiadas nele e descansou-as sobre as coxas, oscilando suavemente com o trote exigido por seu cavalo inexperiente. Os ombros dele eram largos e musculosos. Cheirava a cavalo e fumaça de cigarro. Jessy levou um minuto para se dar conta de que ele se desviara do caminho em que ela estivera. - Aonde você vai?

- À sucursal. - Virou a cabeça, oferecendo-lhe uma visão do perfil bem-delineado, bronzeado e marcado pelo sol nos cantos dos olhos. - Por quê?

- Se você tomar a direção norte, pegará um atalho até a extremidade da sucursal - fez Jessy, pois conhecia aquela área como a palma de sua mão. - Tenho uma cabana lá, encravada no bosque.

- A casa do velho Stanton? - perguntou Ty, puxando as rédeas de sua montaria em direção norte.

- É.

- Pensei que você ainda estava morando com seus velhos - observou preguiçosamente.

- Estava lá até o último outono. Morei com os Goodman no inverno porque é muito duro ir de um lado para o outro da fazenda quando o tempo não está bom. O velho Abe Garven vivia na choupana do Stanton. Quando ele morreu em setembro decidi mudar para cá definitivamente, para que não precisasse mais percorrer este longo trajeto - ela explicou, com simplicidade.

- Agora você é completamente independente. - Queria dizer que ela sempre fora independente por natureza, e deixando sua casa tornava esta independência total.

- Agora meus velhos têm a casa só para eles; Ben e Mike foram trabalhar em outras partes da fazenda. Eles reclamavam que a casa era muito barulhenta. Agora eles dizem que ela está muito calma - fez ela, sorrindo levemente e oscilando com o movimento do cavalo. - Eu digo a eles que deveriam ficar contentes de terem se livrado de uma filha de vinte e quatro anos.

- Você vai virar uma solteirona, Jessy. - Havia um sorriso na voz dele.

- Lá está a cabana. - Apontou por sobre o ombro dele para um telhado entre as sombras dos choupos erguendo-se paralelo à margem do rio.

Ao chegar à pequena estrutura de troncos, puxou as rédeas do cavalo e Jessy deslizou da anca da montaria para o chão. Ty desenrolou as rédeas do cavalo de Jessy e desmontou.

- Se não estiver com pressa, posso fazer um café - ofereceu em retribuição ao favor que a poupara de andar mais um quilómetro.

Ty hesitou brevemente. Não tinha razão para voltar correndo à casa-grande.

- Parece uma boa ideia - aceitou. - Vou-lhe dar uma mão com o cavalo.

Em pouco tempo, o animal estava sem a sela e solto no curral. Jessy entrou na choupana antes de Ty, convidando-o a pegar uma cadeira. O lugar consistia de três compartimentos, simples e arrumados. As paredes eram caiadas e as cortinas de algodão brilhante nas janelas esvoaçavam com a brisa que soprava através das árvores. A casa irradiava conforto e aconchego.

Soltando as esporas, Ty sentou-se em uma das cadeiras de madeira de costas curvas, pegando uma outra com o pé para apoiar as botas. Recostou-se e pôs-se a ouvir os ruídos provenientes da cozinha... a água correndo na torneira, os passos de Jessy, as portas de armário abrindo e fechando.

Sentiu a tensão desaparecer lentamente. Uma sensação de calma e conforto o relaxava. Pegou um cigarro do maço no bolso da camisa e acendeuo, tragando profundamente e deixando a fumaça sair lentamente.

Dez minutos depois, Jessy apareceu na sala, carregando duas xícaras de café fresco, percebendo a posição relaxada e completamente à vontade de Ty.

- É bom colocar os pés para cima depois de um dia de trabalho, não é? - Pousou a xícara na mesa e puxou mais duas cadeiras, sentando-se em uma e apoiando os pés na outra, tal qual ele. - Principalmente quando você andou o tempo todo. - Tirou o chapéu, jogando-o sobre a mesa, soltando a massa de cabelos.

- É mesmo. - Um sorriso curvou-lhe as comissuras labiais. Beberam o café sem falar, sem necessidade de falar. Ele a observava

quase sem se dar conta. Conhecia-a há tanto tempo, e no entanto nada sabia sobre ela. Os lábios de Jessy eram longos e carnudos. Ficou olhando-os sorver o café.

Jessy raramente falava de si mesma, nunca deixava escapar nada. Por isso era tão difícil conhecê-la, percebeu Ty. Ela parecia direta e obstinada, embora, quando a olhava em certas ocasiões, ela parecesse à espera, calmamente, com aqueles seus olhos sérios. Aquela calma fazia-o suspeitar de emoções profundas e fortes, as quais ela não podia ou não queria mostrar.

- Você sabe fazer um bom café, Jessy. - Ele colocou a xícara vazia sobre a mesa, apoiando relutante os pés no chão.

- Tem mais na cozinha.

- Não, obrigado. - Balançou a cabeça negativamente e levantou-se, dirigindo-se para a porta sem realmente querer ir embora, mas sem tampouco encontrar motivo para ficar mais. Assim foi saindo lentamente. Jessy seguiu-o, tão devagar quanto ele, as mãos enfiadas nos bolsos de trás das calças jeans de vaqueiro. - Você é uma garota legal, Jessy. - Olhou para ela, descobrindo algo de atraente e forte no rosto da garota. - Não consigo acreditar que ninguém a tenha pedido em casamento.

- Ah, recebi algumas propostas - ela admitiu com um olhar seco.

- Mas não de casamento.

- Imagino que você deu um soco na cara deles. - Sorriu um sorriso preguiçoso.

- Na verdade, mirei um pouco mais embaixo - replicou Jessy com um brilho malicioso em seus olhos.

A resposta fê-lo soltar uma sonora gargalhada, e Ty passou um braço em torno dos ombros dela enquanto saíam da choupana.

- Não existe mais ninguém igual a você nesse mundo, Jessy.

- Imagino que a próxima discussão será se isso é bom ou ruim - fez ela, olhando-o de soslaio.

Novamente sentiu aquela espera vinda dela. Algo dentro dele também o incitava. Tornou-se consciente do braço em torno dos ombros dela, e dos seios rijos sob a camisa xadrez. Ela o perturbava... aliás, sempre tivera esse poder.

- É melhor eu ir andando. - Retirou o braço e desceu os degraus.

- A gente se vê - fez ela.

 

O campo de alimentação estava sendo construído no local da pastagem Norte. Silos para grãos haviam sido erigidos; grande parte do equipamento para transporte mecanizado de alimentação fora instalado. Cercas estavam sendo erguidas, dividindo os pastos em lotes. As máquinas escavadoras barulhentas e com diferentes velocidades enchiam a tarde com seus ruídos, forçando os homens a erguer a voz para se fazerem ouvir.

Caminhões de estacas atravancavam o caminho, repletos de postes para cercas, os quais eram rolados para fora do caminhão a intervalos regulares. Outros operários iam atrás do escavador de buracos para as estacas, retificando as estacas em seu local no chão e socando-as firmemente. Aos ruídos de martelos vibrando juntava-se a algazarra, na fixação das vigas de madeira.

De pé, ao lado dos veículos estacionados, Chase observava os trabalhos, as mãos enfiadas nos bolsos da jaqueta aberta e a cabeça jogada para trás em satisfação silenciosa. Ty encontrava-se entre todos aqueles operários, supervisionando o projeto por ele elaborado e organizado.

- O que acha? - Maggie estava a seu lado.

- Acho que não existe época específica para um garoto transformarse em homem. Alguns nunca se tornarão um homem. - Chase fez uma pausa. - Sabe, para um pai é difícil saber quando chegou a hora de seu filho. Você se envolve tanto na tentativa de ajeitar tudo para ele, pensando que a responsabilidade é toda sua, pois ele não tem condições de enfrentar o mundo, que você acaba não enxergando quando ele é capaz. - Esboçou um sorriso levemente triste, detendo-se por um instante. - Ty não é mais um garoto, Maggie. E isso não tem nada a ver com a idade ou o tamanho.

- Não - ela concordou, sentindo um aperto por dentro diante das palavras dele, quando pensara que ele ia comentar os progressos de trabalho nesta nova operação. Mas Ty fora o trabalho de Chase.. seu projeto... ensinando-o, treinando-o, tentando incutir-lhe todos os valores que considerava importantes.

Chase colocou o braço em torno dos ombros dela, trazendo-a mais para perto, a voz ficando apertada.

- Sempre pensei que ele tinha de fazer as coisas à minha maneira, mas ele não pode. E vai ser um homem melhor do que eu.

- Chase. - Havia tanto que ela queria dizer, mas não conseguia encontrar as palavras para descrever seus sentimentos. Orgulhava-se dele pelo homem que era, e sentia um amor profundo e duradouro por seu marido orgulhoso.

- Sabe o que as pessoas vão começar a falar quando eu passar na rua?

- Olhou para ela, sorrindo de leve. - Lá vai o velho de Ty Calder.

- Não, você sempre será Chase Calder - ela insistiu, mas uma parte dela sabia que ele estava certo. Esse dia chegaria mas não seria tão cedo.

Quando voltou a olhar para o centro das atividades, Ty aproximava-se deles com aquele seu jeito descuidado, as passadas largas. Deteve-se para indicar uma seção específica para onde deveria ir um carregamento de vigas para a cerca, prosseguindo em seguida. Chase deixou o braço escorregar dos ombros de Maggie, ficando frente a frente com o filho, pela primeira vez de homem para homem.

- Está chegando mais um carregamento - observou Chase.

- É. Finalmente chegou aquele carregamento de estacas.

Maggie ouvia o som da voz deles, sem realmente prestar atenção à discussão. As observações de Chase fizeram com que percebesse pequenos detalhes que lhe haviam passado despercebidos antes. Ty era mais moreno, magro, e o bigode de que ela tanto zombara combinava com o vigor rude de seus traços. Comparando-o a Chase, observou que Ty parecia mais forte, os músculos mais delgados, além de ser bem uns cinco centímetros mais alto que o pai.

Os olhos escuros do filho fitaram-na, o rosto relaxado e à vontade.

- Tara telefonou para avisar a que horas o avião vai chegar? Maggie hesitou.

- Ela telefonou... e disse que vai ficar mais uns dois dias em Dálas para fazer algumas compras... reabastecer o guarda-roupa.

Assentindo, Ty desviou o olhar, ligeiramente carrancudo. Mas quando voltou o rosto, já não havia vestígios de aborrecimento, a reação estava cuidadosamente oculta em um sorriso torcido.

- Provavelmente, hoje eu vá trabalhar até tarde, portanto não me esperem para jantar. Preparo algo para mim quando chegar - fez ele, afastando-se para supervisionar os trabalhos.

- Ela deve estar muito confiante - murmurou Chase, estreitando, pensativo, o olhar. - Se não ela não faria isso.

- Eles parecem felizes. - Juntos, voltaram-se caminhando em direção à caminhonete.

- Ela é uma garota muito voraz - observou Chase, austero, abrindo a porta de passageiros para Maggie. - Parece que não importa o quanto tenha, existe sempre algo mais que ela deseja.

- Ela o ama - disse Maggie.

- Acho que sim, à maneira dela - concordou, ajudando-a a entrar na pick-up e fechando a porta.

Ty permaneceu no local até bem depois de os operários irem embora, cortando madeira e preparando as coisas para o próximo dia de trabalho. Precisava exercitar-se - suar e sentir a força de seus músculos para livrarse do mau humor.

Finalmente ficou demasiado escuro para que enxergasse e ele parou, apoiando-se em uma seção já concluída da cerca e acendendo um cigarro. Sentiu um movimento furtivo nas sombras púrpuras à sua esquerda. Ty virou rapidamente a cabeça, os nervos tensos, relaxando levemente ao reconhecer a magreza de Culley O'Rourke.

- Trabalhando até tarde - observou Culley, os olhos arregalados e vigilantes, os cabelos prematuramente grisalhos tornando-se quase brancos à luz do crepúsculo.

- Estava terminando - fez Ty, tragando o cigarro, a brasa rubra tornando-se mais brilhante.

- Sua mulher se foi novamente. - A afirmativa carregava um conhecimento que, de alguma maneira, sugeria que Ty não era homem suficiente para mantê-la em casa.

- Ela está visitando amigos no Texas. - A explicação era suficiente para justificar a ausência de Tara da fazenda, embora Ty não a engolisse facilmente. Ela era sua esposa; devia ficar ao lado dele. Mesmo reconhecendo a necessidade que ela sentia daquele outro tipo de vida, não era fácil aceitar.

- Aposto que você vai novamente dar uma parada na choupana de Jessy quando estiver indo para casa - declarou Culley.

Ty ergueu a cabeça, tentando avaliar o que se escondia atrás daquele comentário. Desde que começara a construção dos lotes para alimentação, ele parara na choupana de Jessy umas duas vezes, para tomar café e encontrar companhia. Todas as vezes Tara estava fora, mas isto não passava de uma coincidência.

- Talvez. - Jogou o cigarro no chão, esmagando-o com o salto, olhando em torno. - Veio a cavalo? - Não estava vendo cavalo algum.

- Vim. - Mas O'Rourke não revelou onde deixara a montaria.

- Você anda bastante a cavalo, Culley. Por quê? - Ty voltou o rosto, curioso sobre o que se passava na cabeça daquele homem.

Vários psiquiatras já haviam tentado investigar o funcionamento do inconsciente dele. Culley já não gostava mais de explicar por que agia de determinada maneira, nem tampouco revelar seus pensamentos. Agora tinha sua privacidade, e a resguardava ciumento.

- Porque gosto. - Deu de ombros, encaminhando-se para as sombras profundas. - Está ficando tarde. É melhor me pôr a caminho enquanto o cavalo ainda consegue enxergar a trilha.

- Cuide-se, Culley. - O homem já se transformara em uma sombra escura, movendo-se silenciosamente em meio à noite. Ty aguardou, ouvindo, até que escutou o ruído surdo de cascos, quase completamente abafado pela distância. Voltando-se, encaminhou-se em direção à caminhonete solitária, subindo para trás do volante.

A estrada nova levou-o até a choupana de Jessy, onde luzes acolhedoras brilhavam nas janelas. Ty quase passou direto, mas no último segundo virou o volante e entrou. Os faróis revelaram outro veículo já estacionado. Só que naquela altura já era tarde demais para mudar de ideia quanto a parar sem que parecesse estranho.

Antes de entrar na choupana, deu uma olhada pela janelinha de vidro na porta. O cowboy jovem sentado com Jessy à mesa era um novo vaqueiro. A Triplo C não contratava muitos trabalhadores de fora, exceto durante os períodos mais atribulados; assim Ty conseguiu reconhecer rapidamente o ruivo, o suposto Romeu, com o chapéu jogado por sobre a nuca, debruçado sobre a mesa, estudando Jessy com avidez. Fora contratado há dois meses e chamava-se Dick Ballard.

- Ballard. - Ty cumprimentou o homem com um aceno de cabeça, e o homem parecia tudo: menos contente de vê-lo entrando. Ty soergueu os cantos da boca, mas o esgar não passou de um movimento enquanto ele desviava a atenção para Jessy, com um olhar demorado e analítico. - Pensei em vir ver se você tinha um pouco daquele café pronto. Podia tomar uma xícara antes de fazer esse longo caminho para casa.

- Sirva-se. - Ela acenou em direção à cozinha.

Ty encheu uma xícara, voltando para a sala e sentando-se à mesa. Acendeu um cigarro e fumou-o como se fosse, junto com o café, seus únicos interesses enquanto escutava a conversa do par. Ballard falava a maior parte do tempo, e quase sempre sobre si mesmo. Ty impacientou-se com Jessy, imaginando como ela não enxergava aquelas fanfarronices. Quanto mais ele ouvia, menos gostava do homem.

A irritação que inicialmente tentara eliminar através do esforço físico, e em seguida aliviar relaxando com uma xícara de café, acabara se transformando em uma fonte de exasperação que incitara Ty a frustrar todas as tentativas possíveis de Ballard pelo resto da noite. Terminava um cigarro e acendia outro, acumulando tocos no cinzeiro, sem demonstrar sinais de que estivesse com pressa de ir embora. A ida à cozinha para encher a terceira xícara de café finalmente serviu como um recado velado para o cowboy.

- Acho melhor eu pegar a estrada, Jessy. Tenho que sair da cama de madrugada - declarou Ballard, tentando impressioná-la com o longo número de horas duras de trabalho. Os pés da cadeira arrastaram-se no chão quando ele se levantou. - Até logo, sr. Calder.

- Boa noite. - Ty voltou a sentar-se enquanto Jessy levantava-se para acompanhar Ballard até a porta.

Inquieto e irritado, Ty levantou-se de novo. Conseguia ouvir o burburinho abafado de vozes do lado de fora, mas não percebia o que eles estavam dizendo. O café tornara-se muito forte e amargo. Jogou metade fora e derramou o restante na xícara. Sentia-se com o mesmo humor negro e amargo do café.

Jessy entrou quando a caminhonete foi colocada em movimento. Ty olhou-a de relance e deu outro gole no café. Não conseguia ler a expressão do rosto dela, o que o deixava ainda mais irritado. A luminosidade brincava com os cabelos da garota, fazendo-o perceber os raios dourados entremeados.

- Não queria afugentar seu acompanhante - mentiu.

- Tudo bem. - Ela caminhou calmamente em direção à mesa, pegando as duas xícaras vazias. - De qualquer maneira eu teria pedido para ele ir embora logo.

Ty hesitou e por fim seguiu-a até a cozinha com sua xícara.

- Esta cabana fica muito distante das outras. Seria muito difícil alguém na sucursal ouvir você se precisasse de ajuda. Talvez fosse melhor você trocar com alguém.

- Gosto de ser responsável por mim. - Enxaguou as xícaras e colocou-as na pia. - Sou uma garota crescida. Posso tomar conta de mim mesma.

A declaração confiante o irritou.

- Você está sempre tão desgraçadamente certa de poder enfrentar tudo - fez ele, áspero, esvaziando sua xícara na pia e colocando-a junto às outras. - O que faria se eu não estivesse aqui e Ballard se recusasse a ir embora quando você pedisse?

- Eu teria me livrado dele de um jeito ou de outro. - Ela deu de ombros, indiferente, diante da questão hipotética de Ty.

- Teria mesmo? - Apertou os lábios em reação àquela demonstração serena de autoconfiança.

- Teria.

Ty agarrou-a pelos braços, pegando-a de surpresa e apertando-a brutalmente contra ele.

- Como? - Atirou o desafio por entre os dentes. - Mostre-me como.

A atitude súbita a surpreendera. Antes que pudesse reagir, estava sendo amassada contra ele, os braços aprisionados entre os dele. Dedos enroscavam-se em seus cabelos, tomando-os pela raiz. Em poucos segundos, Ty a imobilizara literalmente, deixando-a à sua mercê. Os impulsos imperiosos que o moviam não tiveram alívio, entretanto.

Esfregou a boca nos lábios de Jessy com força dolorosa, abrindo-os. Estava dando vazão à raiva represada sobre ela, usando-a selvagemente e usufruindo a resistência que ela estava oferecendo. Em uma prova de força, ele era inquestionavelmente o vencedor. Não importa o quanto ela se debatesse, não conseguiria evitar a pressão dos quadris dele. Sentia-a enfraquecer, o corpo relaxando relutante contra o dele. Ty suavizou a pressão, descobrindo a maciez aconchegante dos lábios da garota.

Fora até a choupana em busca discreta de alívio. Mas naquele longo corpo de mulher e naqueles lábios frescos havia outra coisa. Ty ansiava por eles. Já houvera demasiado número de ocasiões em que a frustração acarretada por Tara o jogara nos braços de outras mulheres. Não havia diferença entre aquelas mulheres e Jessy, no pensamento de Ty. Seu interesse assumia uma qualidade apaixonada.

Durante o curto período de calma, sem resistência, Jessy reunira forças e arrancara-se violentamente dos braços dele. A respiração acelerada, dera um passo para trás, olhando-o desconfiada. Ele se aproximou.

- É ela, não é? - A voz de Jessy soava rouca e exasperada, áspera sob a dor dilacerante das emoções que a tomavam. - Está zangado com ela porque não está aqui! E está descarregando em cima de mim.

As palavras atingiram-no em pleno rosto como uma chicotada. Elas operaram o efeito de detê-lo - assombrá-lo. Jessy foi-se afastando até o bar, estendendo as mãos para trás e apoiando-se na beirada. Tinha as bochechas rubras e o olhar de uma gata ferida e encurralada.

- Sou Jessy Niles... e não sua esposa. - Ela tremia. - Nunca mais cometa o erro de usar-me no lugar dela... ou juro que o mato.

Os sentimentos dele esconderam-se por trás dos traços sem expressão.

- Sei quem você é, Jessy.

Ela voltou a cabeça, abaixando-a pela primeira vez.

- Acho melhor você ir embora, Ty.

Houve uma ligeira hesitação antes que ele fizesse o que ela pedira e saísse da cozinha, dirigindo-se diretamente para a porta. Ao ouvir o motor sendo ligado, relaxou aliviada, não por medo dele, mas de si mesma.

Era um daqueles raros dias quentes de fim de verão que tentavam negar um amargo frio à espreita bem depois da esquina. Ty dirigiu-se para o quintal da fazenda, o pai a seu lado caminhando em passadas largas. Proveniente das cocheiras, a voz de Tara pediu-lhe para esperar. Voltando-se, viu Tara e sua irmã correndo para alcançá-los.

- Você é exatamente o homem que eu queria ver - ela declarou, dando-lhe o braço e caminhando lado a lado com o marido.

- Fico contente de ouvir isso. - Ele sorriu, rumando para a casa com colunas situada na colina. O pai e Cathleen estavam a um metro adiante deles.

- Vamos jantar fora hoje à noite - fez ela.

- E onde você sugeriria? - zombou Ty. - Em suas longas viagens atualmente, descobriu outro restaurante na área sem ser o Sally's?

- Vamos ao Sally's. Não se incomode. - Deu de ombros alegremente, mostrando-se fácil de agradar para variar um pouco. - Hoje é sábado e não quero ficar em casa à noite.

- Vai ao Sally's hoje à noite? - Cat virou-se, ouvindo a conversa.

- Por favor, posso ir com vocês? - pediu, os olhos verdes ansiosos.

- Cat, você não deveria se convidar - o pai repreendeu-a suavemente.

- Mas eu quero ir - ela protestou.

- Ah, está parecendo que alguém que você quer ver vai estar lá adivinhou Tara com um sorriso malicioso. - Será que é aquele garoto, o Taylor?

- Tara! - Cat avisou-a em voz baixa, lançando-lhe um olhar de preocupação, enquanto observava o pai de relance, tentando descobrir se ele havia escutado.

- Taylor? - Ty franziu o cenho. - Você quer dizer Repp Taylor?

- O próprio - assentiu Tara. - Cathleen tem uma quedinha por ele.

- Epa, ele tem vinte anos. - Chase Calder fechou o semblante para a filha de quinze.

- Não dê atenção a Tara. - Cathleen enviou-lhe um olhar faiscante, ordenando que ficasse quieta, e olhou fixamente para frente com um pequeno movimento zangado com a cabeça. - Ela não sabe do que está falando. Repp Taylor é muito velho para mim.

- Espero que sim - retorquiu o pai.

- Posso ir com eles hoje à noite? - ela retornou à pergunta inicial, desta vez pedindo permissão ao pai em primeiro lugar. - As outras garotas da minha idade podem sair, mas eu nunca vou a lugar nenhum.

- Não tem problema, Papai Calder - Tara manifestou-se. - Cat pode ir conosco, não é, Ty?

- Eu não me lembro de ter dito que nós íamos - ele replicou.

- Disse sim... simplesmente porque não falou que nós não íamos ela declarou, distraída.

- Jamais discuta com essa lógica, Ty - avisou o pai. - Você nunca vai vencer.

Tara soltou uma risada. Nessas horas Ty acreditava que tudo ia dar certo entre eles, a despeito das frequentes separações, quando Tara não conseguia mais suportar o isolamento da fazenda, retornando para alguns dias ao que ela denominava jocosamente civilização.

Quando ficaram sozinhos no quarto, Ty interpelou-a.

- Que história é essa de Repp Taylor? - Colocou uma camisa branca limpa e abotoou-a. O jovem vaqueiro prometia dar um bom trabalhador, estável e confiável.

- É simples. Cat gosta dele. - Voltou as costas para o marido. Suba o fecho ecler. - Ty mordiscou um ombro alvo antes de fazer o que ela pedira, sentindo um leve tremor atravessá-la. - Acho que podíamos nos divertir fazendo a nossa parte para promover o amor adolescente.

- Já que você parece saber tanto, como Repp se sente em relação a ela?

- Deliciosamente culpado porque ela é tão jovem e é uma Calder.

A primeira pessoa que Ty avistou ao entrar no restaurante e bar Sally's foi Jessy, sentada à mesa com Dick Ballard. Ela ergueu o rosto e seus olhos se encontraram por um instante, respondendo então a alguma observação de Ballard. Ty estava a um ou dois passos atrás de Tara e Cathleen, as quais caminhavam para uma mesa vaga. Mal haviam se sentado e Cat deu um salto.

- Vocês têm algumas moedas para eu colocar na caixa de música?

- Estendeu a mão em expectativa.

Ty enfiou a mão no bolso e pegou algumas moedas. Ela desapareceu como um relâmpago. Tara lançou um olhar astucioso para o marido e murmurou:

- Adivinha quem está na mesa de sinuca?

Repp estava em pé, alto e magro, cabelos e olhos negros. Cumprimentou Cat com um sorriso, em seguida caminhou com o taco em direção a ela, observando as músicas que estava escolhendo.

Mas Ty não compartilhava o mesmo interesse de Tara nestes movimentos de aproximação, embora ela estivesse lhe dando uma descrição minuciosa da paquera inocentemente levada a efeito durante a noite. O pensamento de Ty encontrava-se em outras coisas, sobretudo na imagem de Jessy com aquele olhar de intensa espera mergulhado nele. Não a via desde que parara na choupana. Ainda não estava bem certo quanto às razões que o haviam impelido a beijá-la, se fora raiva a Tara ou algo mais. Sob muitos aspectos, Jessy era uma criatura sensível, apesar da aparência de dureza. Agora desejava desculpar-se por seu comportamento naquela noite.

- Você está muito quieto hoje - acusou Tara, enquanto ondulavam ao sabor da música, os pés mal se movimentavam na pista de dança lotada.

- O quê? - Ty baixou os olhos para ela sem compreender, percebendo logo em seguida o que ela dissera. - Desculpe, acho que meu pensamento está distante.

- Não é muito lisonjeiro dançar com sua mulher e parecer a mil quilómetros de distância - repreendeu-o sem muita preocupação. - Viu quem está aí?

- Você quer dizer Jessy? - com tantos recém-chegados na cidade, havia poucos fregueses que ele reconhecesse.

- Jessy Niles? Ela está aí? - Tara empertigou-se, vasculhando rapidamente a pista de dança até localizar a garota, dançando com um vaqueiro ruivo. - Eles formam um belo casal, não é? - Não esperou resposta. - Não estava me referindo a ela. Estava falando de seu tio. Ele está de pé na porta dos fundos.

Uma ruga ergueu a sobrancelha de Ty, ao ver Culley O'Rourke apoiado à parede junto à porta dos fundos, entre os espectadores assistindo ao jogo de sinuca. O rosto dele mantinha-se meio oculto nas sombras formadas pela luz concentrada sobre a mesa de sinuca, contudo o emaranhado de cabelos grisalhos estava iluminado.

- Realmente não esperava vê-lo esta noite - observou Tara, dando de ombros, indiferente. - Mas acho que os lobos às vezes têm de sair das montanhas.

A música terminou. Foram momentaneamente aprisionados em meio ao congestionamento de casais tentando sair da pequena pista de dança. Uma outra música, rápida, começou enquanto Ty guiava Tara através de uma brecha.

Ele ouviu uma voz masculina dizendo:

- Venha, meu bem. Vamos dançar esta. Foi sua irmã quem disse um sonoro "Não".

O tom veemente e obstinado da voz dela serviu como um aviso, e Ty voltou-se. Temperamental, sua irmãzinha não tinha escrúpulos em provocar uma cena. Um louro robusto tomara-a pela mão e estava tentando persuadi-la a ir para a pista de danças com ele. O garoto queria parecer masculino e vigoroso.

- Não quero dançar com você! - Cat explicou, reagindo com todo o ímpeto. Mas o rapaz limitou-se a rir. Ty previu problemas, mas encontrava-se demasiado longe. - Repp! - A voz de Cat estava estridente com a impaciência, chamando seu cavaleiro com a armadura resplandecente para resgatá-la.

- O que é, Ty? - Tara apoiava-se em seu braço enquanto ele tentava puxá-la em meio à multidão em direção à irmã.

- Fique aqui. - Retirou a mão de sobre seu braço.

Neste momento, Repp Taylor já se encontrava no local da cena. A multidão recuou, dando espaço ao par e aumentando a pressão das pessoas que Ty precisava atravessar. Não ouviu o que foi dito, mas um punho surgiu no ar e Cat gritou.

Passando à força pelo amontoado de gente, Ty foi separar a luta. O nariz de Repp já estava sangrando e ele tentava colocar todo seu peso sobre o louro fortão, jogando-o ao chão. Quando Ty tentou separá-los, um espectador pulou no meio do combate, pensando estar atacando o garoto da cidade.

Tara dirigira-se até Cathleen, colocando o braço em torno da garota. Assistiu tensa, em silêncio, um homem arremessando-se da multidão diretamente para cima de Ty. Socos explodiam no ar tão rapidamente que ela não conseguia discernir quem estava batendo em quem.

com um Calder envolvido na luta, mais vaqueiros da Triplo C vieram em seu auxílio. Não havia mais de meia-dúzia no bar, desfavoravelmente excedidos em números pelos moradores da cidade. Mas todos eles pareciam loucos pela excitação de uma briga.

Enquanto corpos se batiam e punhos fechados atingiam carne e ossos, Tara apertou Cathleen, encolhendo-se contra a parede junto à máquina de música. Ty encontrava-se no centro da altercação, o sangue jorrando de um corte próximo ao olho, os dentes à mostra sob o bigode preto e um olhar assassino nos olhos escuros.

Tudo que ela conseguia ouvir eram grunhidos ofegantes, o ranger de dentes, e o rasgão e colisões de carne. Era a barbárie, a violência brutal que a deixava doente, rio entanto não conseguia desviar o olhar.

- Alguém os pare! - ela gritou, mas ninguém ouviu-a sobre a confusão da batalha e o clamor da máquina de música.

Os pulmões de Ty ansiavam por ar e podia sentir o coração martelando. Não participava de uma pancadaria como essa desde os tempos de faculdade. A cabeça estava zonza e sentia um zumbido nos ouvidos. Defendeu-se de um soco de algum adversário sem nome; um segundo atingiu-o no ombro. Estava difícil enxergar só com um olho, mas ele prosseguiu, enfiando os nós dos dedos no rosto do homem, vendo-o rolar para fora do seu campo de visão.

Repelindo este ataque, cambaleou levemente, tentando enxergar de onde viria o próximo. Balançou a cabeça, piscando em um esforço para limpar o olho enevoado. Ouviu o ruído de uma garrafa de cerveja sendo quebrada. Virou-se. O pedaço afiado da garrafa estava na mão do homem que acabara de derrubar.

Ty recuou, preparando o bote e estendendo os braços. A briga tomara um rumo perigoso, não mais uma altercação sem grandes consequências. Alguns dos participantes que brigavam só por diversão recuaram para as laterais. A boca de Ty estava seca, ao que ele a umedeceu, enquanto lentamente começava a se formar um círculo.

- Ty! - alguém gritou seu nome acima do som alto da caixa de música. - Pegue!

Desviando os olhos do rosto suado do homem por um instante, Ty percebeu o contorno marrom de uma garrafa de cerveja sendo lançada em direção a ele. Agarrou-a com uma mão e entreviu Jessy no círculo dos que assistiam.

Um leve movimento alcançou-o; ele pulou para trás, a arma pontiaguda cortando o ar onde ele estava. A máquina de música era o local mais próximo dele. Ty quebrou a garrafa na quina de metal com um golpe ruidoso, voltando-se para enfrentar o adversário, igualmente armado. Ouviu

o grito de uma mulher, distante de seu interesse enquanto respirava aos arrancos, lutando contra o cansaço em seus braços.

- Parem! Saiam do caminho! - Uma voz dura e autoritária gritou as ordens. - Parem agora!

Homens uniformizados interpuseram-se prontamente, dividindo a multidão e agarrando Ty e seu adversário por trás. Ty empertigou-se lentamente, baixando as mãos. Os dedos feridos afrouxaram a pressão em torno da garrafa, deixando-a cair ao chão. Não conseguia enxergar nenhum dos oficiais através da visão enevoada.

Ao longe, um deles murmurou seu nome.

- É Calder.

Levemente cambaleando, ele se virou à procura de alguém em quem se apoiar antes que suas pernas cedessem. Ainda sentia o zumbido nos ouvidos. Seu corpo fora tomado por um entorpecimento geral, que evitou temporariamente qualquer dor. Um corpo delgado segurou-o. Ele ensaiou um afastamento.

- Ty, meu Deus, Ty, você está ferido. - Era a voz soluçante de Tara que finalmente penetrava na névoa. - Olhe para seu rosto.

Impaciente, ele afastou a mãozinha que tocava sua bochecha.

- Estou bem. - A voz saiu estridente.

- Você não está bem. Olhe para você - insistiu ela.

Olhou, meio estupidificado, a camisa rasgada, salpicada de sangue, mas Ty não sabia se o sangue era seu ou de outra pessoa. Ainda sentia uma necessidade imperiosa de alguma espécie de apoio físico. De súbito, uma voz tomou conta de seu problema.

- Vamos. Vamos tirá-lo daqui. - Um braço forte segurou-o pela cintura e uma cabeça caramelo enfiou-se sob suas axilas.

- Jessy? - Ele piscou, tentando enxergar através da névoa obscura que continuava a cobrir seu olho esquerdo.

- Sou eu - fez ela.

Ty soltou uma risada cansada e seca.

- Você sempre aparece quando preciso de você - ele murmurou, inconsciente do que admitira.

Por um instante, Tara estava demasiado assustada diante do rosto ferido e ensanguentado para reagir quando Jessy apareceu e começou a carregar Ty para fora. Recobrando-se, ela os seguiu rapidamente, irritada com a forma como sua posição fora usurpada.

com a interrupção da luta, instalou-se ligeira confusão no local, os oficiais tentando separar os participantes dos observadores que não tinham nada com isso. Um dos policiais tentou impedi-los de sair, mas Jessy informou com firmeza que Ty estaria no segundo andar, nos aposentos particulares da proprietária se fosse necessária sua presença. Ela tinha um jeito que fazia os homens recuar. Não fosse uma dor que começara em seus músculos, latejando dolorosamente, Ty teria zombado da facilidade com que ela se livrara dos homens.

Viu Sally Brogan de relance, guiando-o pelas escadas privadas nos fundos, mas sua atenção concentrava-se em fazer as pernas trabalharem.

Uma luz foi acesa e ele foi levado até uma cadeira. Sentou-se pesadamente. Depois que os primeiros socos o atingiram, deixara de senti-los. Agora seu corpo começava a reagir à punição que sofrera. Inclinou-se contra a cadeira, deixando a cabeça pender para trás, fechando os olhos enquanto palpitações o atravessavam. Os braços apoiavam-se soltos sobre as pernas. Sentiu uma umidade no rosto, levando a mão cansada para enxugar o que escorria sobre seus olhos. Observou o sangue coagulado em seus dedos com reconhecimento exausto. Alguma coisa foi colocada na mesa a seu lado. Fechou novamente os olhos, desejando somente descansar.

- Tenho que descer - Sally estava dizendo. - Se precisarem de mais alguma coisa, podem pegar.

A porta foi fechada. Em seguida, um pano molhado estava sendo esfregado em seu rosto, sem muito resultado. Ele tentou tirar o rosto daquele contato.

- Ty, desculpe. - Tara pairava ao lado dele. - Sei que deve doer muito. Você não devia ter-se envolvido nessa briga. Como é que se rebaixou a lutar desse jeito?

O tom de impaciência na voz dela afugentou parte da névoa.

- Não se fica para trás assistindo alguém brigando por você. - E tudo começara por causa de sua irmã. Tentou arrancar o pano das mãos dela e fazer ele mesmo o trabalho, mas não pareceu ter força suficiente nas mãos ou braços.

- Se você não sabe fazer... - a voz de Jessy soou a seu lado -, saia do caminho e deixe-me limpar.

- Ele é meu marido.

- E do jeito que está indo, vai sangrar até morrer. - Colocou-se à força no lugar e tomou conta do pano molhado, pressionando-o com força sobre o corte na testa de Ty. Ele sentiu uma dor apunhando-lhe a cabeça. Encolheu-se, sugando o ar por entre os dentes e suando. Jessy pegou a mão de Ty e fê-lo segurar o pano contra o corte, mantendo a pressão.

Ele abriu um olho e olhou para Tara, agora de pé ao lado, assistindo ao curativo com uma expressão dolorosa.

- Onde está Cathleen? - indagou Ty.

- Não sei. - Tara balançou a cabeça vagamente. - Lá embaixo, suponho.

- Encontre-a e traga-a para cá. - Viu Tara hesitar, e então relutantemente, virar-se para fazer o que ele pedira. - Essa criadora de casos murmurou Ty quando Tara saiu. - Devia bater em Cat de cinto. - Jessy pegou outro pano e pôs-se a limpar o excesso de sangue do rosto, enxaguando e limpando novamente. Por fim, levantou a mão dele e analisou o corte.

- Talvez seja bom sua esposa não estar aqui - fez ela calmamente, os lábios apertados. - Este corte precisa de alguns pontos.

Fê-lo aplicar mais uma vez pressão sobre a ferida, voltando para a mesa, onde abriu uma caixa de primeiros socorros, Ty deu uma olhada nela, sua mente desanuviada.

- Você me atirou aquela garrafa, não foi? - ele perguntou.

- Foi. - Ela estava segurando uma agulha de sutura quando voltou-se para ele. - Fique quieto. Vai doer.

Era um eufemismo. Ty explodiu em um suor frio e nauseante. Não emitiu um som, exceto os suspiros altos que forçavam seu caminho através dos músculos. Jessy trabalhava suave e eficientemente, bloqueando mentalmente suas emoções. Era um corte curto e sangrento, por isso ela terminou antes que a dor se tornasse insuportável para ele. Observou a rigidez tensa extenuá-lo enquanto aplicava uma atadura no ferimento costurado. Então pegou o pacote de cigarros do bolso da camisa dele e acendeu um, colocando-o entre os lábios de Ty.

- Obrigado. - Olhou-a agradecido, dando uma tragada profunda, retirando o cigarro da boca e soprando a fumaça em pleno ar.

- Você tem mais uns dois arranhões no rosto - fez ela, retirando um frasco da caixa de primeiros socorros. - vou colocar um pouco de antisséptico neles.

A fumaça do cigarro fez com que os lábios feridos ardessem, mas ele a exalou mesmo assim. Ty observava o rosto de Jessy enquanto inclinava-se sobre ele, concentrando-se em sua tarefa. O rosto, os olhos, o nariz, a boca, todos os traços da garota mantinham-se inexpressivos, embora captasse o muito que se passava por baixo do que ela lhe mostrava. O toque da mão dela era suave e agradável. Havia um quê de estabilidade na presença dela ali.

- Em que está pensando, Jessy? - Ty quis saber, os olhos estreitando-se de curiosidade. - Nunca sei o que está se passando dentro de você. - Ela tinha uma maneira masculina de esconder suas emoções.

Os olhos deles se encontraram por um segundo insuficiente; em seguida, ela voltou a atenção para o arranhão enorme na bochecha de Ty.

- Estava pensando que fumaria um cigarro agora - ela mentiu parcialmente.

Ty recordou outras coisas, as desculpas que lhe devia.

- Jessy, estava pensando em ir à sua casa... de chapéu na mão..: e lhe dizer que...

Jessy o interrompeu, terminando o trabalho e voltando-se rapidamente para a mesa.

- Você não tem de me dizer nada, Ty. Nada de desculpas. Nada. Falava com a indelicadeza de um homem. - Todo mundo na fazenda sabe que as coisas não estão bem como deveriam estar entre você e sua mulher, com ela viajando tanto. Não é uma coisa que você possa esconder deles. Mas ela está no seu sangue. - Da mesma forma que Ty estava no dela. Quando ela não estiver aqui e você se sentir sozinho e quiser companhia, tudo bem. Se quiser ir lá em casa para tomar uma xícara de café e conversar um pouco... estáótimo. Não vou bater a porta na sua cara se for a mim que você quiser ver. - Fechou a caixa com um baque.

Tudo serenou dentro dele, todas as distorções e complicações se arranjaram. Ty tomou a mão de Jessy e aproximou-a lentamente de sua cadeira, estudando a expressão naqueles olhos castanhos que pareciam sugá-lo.

- Eu irei pelo café... e por sua companhia - ele afirmou.

Jessy sorriu um sorriso curvo, os dedos apertando rapidamente as mãos deTy.

- Um de nós é idiota, Ty Calder - ela declarou, triste. - Mas eu estarei à espera.

A porta se abriu. Ty olhou para o intruso. Tara devolveu o olhar, os traços endurecendo-se. Sentiu Jessy retirar a mão dele, sentindo-se estranhamente culpado, mesmo sem ter feito nada de errado. Aquilo o irritou.

Um homem de olhar duro seguiu Tara até o quarto. A barriga parecia projetar-lhe sob o peito, dando a ele uma aparência arrogante e vaidosa de importância. A barba cerrada conferia-lhe uma sombra insidiosa sobre as bochechas e a mandíbula.

- Nós ainda não nos conhecemos, Calder. - A voz áspera do homem por si só já continha uma ameaça. - Sou o xerife Blackmore, eleito recentemente pelos cidadãos respeitáveis deste município.

Ty estava consciente de que o substituto trabalhado, Potter, perdera as eleições, mesmo contando com o apoio da fazenda Triplo C. O novo grupo de moradores na comunidade de exploração de carvão vencera por votos a escolha deles, trazendo este homem de suas fileiras para o ofício.

- Desculpe nos conhecermos em tais circunstâncias, xerife. - A expressão de lamento era uma tentativa de ser polido. A atitude do homem não chegara a entusiasmar Ty.

- Talvez seja melhor assim - replicou o novo xerife, abruptamente.

- Você e seu pessoal têm dominado as coisas à sua maneira até agora. Eu sou a lei aqui... e vocês não vão mandar em ninguém. Vocês causam problemas e vão arranjar problemas. Ora, a briga de hoje à noite foi iniciada por um de seus homens.

- Sally sabe que vou pagar por todos os prejuízos que tenham sido feitos. E cuidaremos das multas também. - Ty não tentou negar o fato de que a provocação partira do lado de sua família, mas não pretendia trazer o nome de Cathleen à tona, se pudesse evitá-lo.

- Não sei se o dinheiro vai resolver seu problema, Calder - declarou o xerife, sugerindo penalidade maior.

- Desculpe, xerife - Jessy interrompeu a conversa. - O senhor já foi apresentado à esposa do sr. Calder?

- Nós nos conhecemos lá embaixo - redarguiu impaciente.

- Pensei que talvez o senhor não tivesse sido apresentado à filha do sr. Dyson. - Um sorriso frio assomou seus lábios carnudos.

O olhar do xerife correu para Tara, um olhar surpreso de reconhecimento surgindo no rosto dele antes que assumisse novamente a gravidade formal anterior.

- Meus respeitos a seu pai, senhora. - Tocou o chapéu cumprimentando-a, lançando um olhar frio para Ty. - O senhor será avisado das multas.

Quando o xerife desapareceu pela porta, descendo as escadas estrepitosamente, Jessy explicou em poucas palavras a situação a Ty.

- Esta cidade pertence a Dyson. Ele instalou novo sistema de água, comprou o caminhão extintor de incêndio e pavimentou as ruas.

Ty começou a perceber onde ela queria chegar. A luta do pai para regulamentar severamente ou deter a mineração superficial naquela área ameaçava o trabalho daquelas pessoas. Era Dyson quem os pagava e assegurava que tivessem um local decente para morar. O xerife o teria inculpado de todos os prejuízos - se o nome de solteira de sua mulher não fosse Dyson. Ty fitou a esposa. Ela também ficara mais pensativa com a virada dos acontecimentos que demonstrara o verdadeiro peso do nome Calder.

- Onde está Cathleen? - ele perguntou, com uma certa fadiga na voz.

- Está lá embaixo, cumulando Repp Taylor de atenções. - Antes que Ty perguntasse por que não a trouxera para cima como pedira, Tara adiantou-se. - Está tudo bem. Seu tio está com ela.

O'Rourke. Na confusão, esquecera que o tio se encontrava no local.

- com os diabos, disse a você que trouxesse Cathleen aqui para cima

- resmungou, com raiva.

- vou pegá-la, Ty. - Jessy encaminhou-se para a porta, trocando um longo olhar com Tara antes de sair da sala.

- Ela assume a responsabilidade de muita coisa - observou Tara em leve crítica.

- Jessy é assim desde os dez anos.

 

A campainha da linha interna do escritório soou na sala luxuosa. Dyson mal afastou o olhar dos papéis, pedindo ao sócio que atendesse. Stricklin tomou o fone, esboçou uma resposta afirmativa e desligou.

- Bulfert está aí fora. Vai entrar - informou.

- Ótimo, - Dyson fechou o relatório que estava lendo, acomodando-se na cadeira giratória feita sob medida. - Prepare os charutos para ele. - Stricklin caminhou até o armário lateral, de onde retirou a caixa de charutos importados, colocando a sobre a mesa de dimensões texanas.

Alguém abriu as portas do escritório executivo da Dy-Corp; uma loura escultural adiantou-se e colocou-se de lado para dar passagem ao político gordo e papudo. O excesso de peso abalara-lhe consideravelmente a cintura, evidência dos modos auto-indulgentes que se permitia ter. Enxugou o rosto corado com um lenço caro de linho. Dyson saiu de trás da escrivaninha para cumprimentá-lo, submetendo-se ao aperto de mão que o sacudiu todo.

- Bem-vindo ao Texas, senador - fez uma pausa, sorrindo em seguida. - Acho que não deveria mais estar chamando-o de senador, diante de sua aposentadoria, mas isto tornou-se um hábito que vou ter dificuldade em deixar. Espero que não se incomode... senador.

- De jeito algum. De jeito algum - replicou Bulfert com a habitual demonstração de jovialidade agressiva.

- Pegue um charuto. - Dyson esboçou um gesto em direção à caixa da marca favorita do senador. - Posso servir-lhe uma bebida? Que tal um bourbon com nossa boa água texana?

- É muito cedo para mim. - Dispensou com um gesto o oferecimento da bebida. - Mas vou aceitar um charuto. - Stricklin estendeu-lhe a caixa. - Obrigado, Stricklin. - Sorriu para o homem bronzeado, os cabelos queimados pelo sol, nunca inteiramente à vontade sob aqueles olhos de um azul de aço.

- De nada, senador. - Stricklin retribuiu o sorriso, o isqueiro pronto para o charuto que o político rodava nos lábios.

- Sente-se, senador - convidou Dyson, retornando à sua cadeira atrás da escrivaninha. - Tivemos oportunidade de passar os olhos pelos... documentos confidenciais que o senhor deixou conosco, e nossas descobertas coincidem com as suas. - Usava termos polidos, zombando da informação de que ambos já tinham conhecimento desde o começo. - Parece que o título daqueles dez mil acres de terra que Calder supostamente comprou do governo foi obtido por meio de métodos fraudulentos. Quer-nos parecer que este recentemente falecido... - Dyson fez uma pausa, consultando o relatório em busca do nome - ...sr. Osgood não tinha autorização para proceder à venda. Os registros bancários desse senhor mostram que considerável depósito bancário foi feito aproximadamente na mesma época em que ocorreu a transação. E quantia similar foi retirada da conta bancária de Calder algumas semanas antes. Um caso óbvio de suborno de autoridade do governo.

- Uma coisa horrível... violação da confiança pública - concordou o senador, sorrindo presunçoso. - E além disso, tão bem documentada.

- Evidentemente o governo tem o direito de declarar a venda desta terra ilícita e nula - assentiu Dyson.

- Exatamente o que eu penso. - O charuto mantinha-se trincado entre os dentes enquanto ele respondia à declaração.

- Conforme prometi, o relatório não saiu dessa sala. Entretanto, agora que o senhor não se encontra mais no Senado, não vejo razão para que a informação não seja veiculada ao funcionário adequado. Discretamente, é claro.

- Claro - concordou Bulfert com um aceno de cabeça, as bolsas sob o queixo balançando com o movimento. - Estou certo de que com seus contatos, você não encontraria dificuldade em obter os direitos de mineração do carvão naquela área de terra do governo.

- Sem dúvida podemos esperar que sim. - Dyson sorriu, sem admitir realmente nada.

O político tornou-se sério, assumindo um ar grave.

- Você está consciente de que a propriedade está cercada. Completamente circundada pela terra dos Calder.

- Tenho certeza de que o governo pode obter poderes para requisitar e conseguir a facilidade do acesso.

- Claro. - Bulfert demonstrava interesse incomum na fina construção de cinzas na extremidade do charuto. - Conheço Calder. Vai lutar de todas as maneiras que souber. Injunções, batalhas judiciais, litígios. O litígio poderá se prolongar durante longo tempo. Ele lutará por cada palmo de terra. Não desistirá por um minuto sequer.

- Espero que sim. - Dyson aparentava calma.

- Espera? - Bulfert estudou o texano, imaginando se conhecia o género de homem que estava cutucando. - Se for preciso, ele saberá lutar mais do que qualquer um.

- Ele tem essa reputação. Mas esse não é o problema, senador. Dyson sorriu. - Esqueci de perguntar o que achou de seu novo escritório. Satisfatório?

- Muito bem. Bastante confortável. - Esmagou o charuto na borda do cinzeiro.

- Ótimo. Evidentemente, terá sua própria secretária e uma conta farta para despesas. A companhia não exigirá o cumprimento de um número regular de horas, já que a consultoria é um trabalho irregular. Mas estou certo de que a Advance Tech Ltda está feliz de tê-lo em seu quadro.

- Ambos sabiam de que se tratava de um cargo decorativo em uma subsidiária da Dy-Corp, com salários e benefícios integrais e nenhum trabalho.

- Imagino que o senhor levará algum tempo até adaptar-se à vida no Texas, depois de viver em Montana durante tanto tempo.

- vou gostar do clima ameno. Montana tornou-se demasiado fria para esses ossos velhos. - E o senador sabia que a temperatura se tornaria ainda mais fria para ele, assim que Calder percebesse que ele tinha um dedo enfiado no negócio.

Trocaram mais algumas amabilidades antes que o senador se despedisse dos dois homens. Depois que Bulfert se foi, Dyson fitou pensativo, as portas fechadas.

- Calder vai lutar - finalmente disse para Stricklin. - Gostaria de fazer algo para manter Tara afastada dessa confusão. Sem dúvida não quero ser o causador da infelicidade dela. - Exalou um suspiro agitado, saindo da cadeira e caminhando a passos largos, na tentativa de controlar a situação. - Se Calder é tão cabeça-dura quanto Bulfert diz, a disputa vai acabar afetando Tara.

com seu cérebro de computador.Stricklin conseguia penetrar informações, analisá-las e fornecer respostas específicas, mas somente com a energia adequada. Para um homem que venerava Tara como uma santa, era impensável que pudesse sofrer qualquer infelicidade.

- Deve haver algum jeito de atingir Calder. - Caminhou até a estante de bebidas, servindo um drinque.

- Não há jeito algum - anunciou Dyson, sombrio. - O homem é aferrado a suas opiniões. - Deteve-se diante da enorme janela, as mãos cruzadas atrás das costas. Durante um longo segundo, permaneceu em silêncio. Por fim voltou-se, desapontado. - Seria tão mais fácil se estivesse lidando com Ty. Ele é inteligente e razoável... progressista em seus pensamentos. Basta olhar para as modificações que fez na fazenda. Seria bem mais simples convencê-lo da viabilidade de nossos planos. Infelizmente... - Dyson soltou um longo suspiro -, Calder é quem manda, não o filho.

Stricklin girava a bebida e o gelo no copo, digerindo compenetrado a informação. Dyson dirigiu-se novamente até o meio da sala, balançando a cabeça.

- É uma conjunção peculiar de uma série de circunstâncias, Stricklin. - Estacou para fitar o homem. - Todas aquelas minas dos Apaches no Leste estão produzindo toneladas de minério de carvão rico em enxofre que libera uma fumaça suja. com os padrões de controle da poluição vigente, as indústrias do Leste estão clamando por carvão de queima limpa.

- Dyson balançou a cabeça de novo. - E Calder está sentado sobre todo aquele carvão de baixo teor de enxofre. Nunca vou entender por que, diabos, Deus o colocou ali. - Suspirando, voltou à escrivaninha.

- Existe muita terra em Montana com depósitos de carvão no subsolo, cujo dono não é Calder - Stricklin lembrou-lhe.

- Se eu só quisesse carvão, eu o deixaria em paz. É da maldita água dele que preciso - retorquiu Dyson. - Uma indústria carbonífera tem grande necessidade de água, e Calder possui a fonte mais abundante e segura das redondezas. Podemos extrair o minério e processá-lo no local. É o ideal. - Meio indeciso, tocou a pasta de documentos sobre a mesa com um dedo. - O que acha que devemos fazer, Stricklin? Devo deixar o problema nas mãos do nosso amigo cruzado em Washington? Mesmo que isso venha a causar dificuldades familiares? Ou devo deixar o negócio de lado e procurar um outro jogo em outro local?

- Você quer o carvão dele; você quer a água dele. Nesta pasta obterá o que deseja - afirmou o homem. - Você possui um trunfo. Utilize-o.

- Ah, Stricklin. - Dyson sorriu silenciosamente, balançando a cabeça. - Me assombra a maneira como você sempre enxerga tudo preto no branco. Tome. - Pegou a pasta. - Você sabe como usar isto.

O fogo crepitava na lareira simples de tijolos, insuficiente para aquecer tanto quanto o fogão a lenha no canto. Do lado de fora da choupana, um vento de inverno rondava os esqueletos dos choupos, agitando seus ramos. Jessy estava sentada de pernas cruzadas sobre o tapete trançado em frente à lareira, com uma xícara de café vazia nas mãos. Escurecera lá fora, mas ela não se dera ao trabalho de acender as luzes. Seu pensamento estava absorto nas notícias que Ty relatara.

O corpo longo de Ty estendia-se relaxado na poltrona aconchegante, seu rosto situava-se dentro dos limites da luz bruxuleante do fogo. Esfregava distraído o dedo indicador na boca, as extremidades grossas do bigode encimavam o lábio superior. A escuridão preocupada daqueles olhos dissimulados mostravam que Ty não estava relaxado como parecia.

- Mesmo se o governo puder declarar a venda inválida, com certeza existe alguma coisa que seu pai possa fazer para manter a posse da terra - murmurou Jessy, com um tom determinado na voz.

Ty retirou a mão da boca e soltou um longo suspiro tenso. Inclinou-se para a frente para descansar os cotovelos sobre os joelhos, com os dedos entrelaçados diante de si e a cabeça analisando-os.

- Ele estará em reunião em Miles City com seus advogados durante os próximos dois dias, para fazer alguns arranjos e decidir que atitude tomar a longo prazo. Provavelmente não encontrará dificuldades em manter os direitos temporários da pastagem. - As comissuras labiais inclinavam-se cada vez mais em um esgar. - Ele pensava que tinha o título daquela terra durante esse tempo todo. Foi um choque descobrir que não. - Ty ergueu o olhar para ela, a boca em declive. - O senador mexeu os pauzinhos para ele, tudo bem. Mas não era para reduzir a burocracia. Ele mexeu os pauzinhos com o homem errado.

- O senador deve estar tendo os mesmos problemas que seu pai.

- Ele teve tempo para apagar as pistas. - Ty estendeu a mão para o depósito de lenha e pegou um graveto, quebrando-o, distraído, em pedaços e atirando-o, um a um, ao fogo. - Como isso aconteceu há muito tempo, o governo parece disposto a fazer vista grossa sobre a maneira como o título foi adquirido. Mas se papai lutar pela terra, como acho que ele vai fazer, tenho a impressão de que vai haver confusão.

Fez-se longo silêncio. Jessy olhou para ele. Compreendia o estoicismo que cobria seu rosto, ocultando a tensão sob a superfície angulosa. Um impulso incitou-a. Esticou as mãos, tomando as dele, desejando absorver parte do problema para si própria. O desejo de compartilhar o infortúnio surgiu nos olhos da garota. Ty sensibilizou-se com isso. Nunca vira algo assim no rosto de Tara.

- Talvez você devesse telefonar para sua mulher e conversar com ela

- sugeriu Jessy, quase humildemente. - Você conseguiria alcançá-la na casa de Dyson em Fort Worth.

- Não - rejeitou Ty de maneira vaga. A pressão aconchegante da mão esquerda de Jessy desapareceu de sobre as dele, e Ty sentiu a ausência. A luz do fogo ondulava. - É melhor colocar outra acha na lareira fez ele, ficando de pé e espreguiçando-se levemente para suavizar a rigidez de seus músculos.

- vou colocar um pouco de café nas xícaras - disse Jessy, levantando-se também, os ombros arqueados, a cabeça baixa.

O fogo brilhava alegremente, iluminando a sala e o ar quando Jessy retornou com duas xícaras de café fresco. Ty estava ao lado da lareira acesa, com um ombro apoiado sobre o consolo. Jessy estendeu-lhe uma das xícaras e colocou-se ao lado dele, observando as chamas amarelas lambendo a casca do tronco.

- O fogo faz você esquecer o tempo frio lá fora - observou Ty preguiçosamente, bebericando o café quente.

- É mesmo. - Ao ouvir uma risadinha lançada por ele, Jessy o olhou interrogativamente.

- Acabei de me lembrar de um conto de inverno que o velho Nate Moore me contou certa vez - fez ele, sorrindo. O velho vaqueiro morrera uma semana antes do Natal, juntando-se a Abe Garvey e outros veteranos da Triplo C que haviam ido antes. Era a velha ordem dando lugar aos novos. Foi mais com alegria do que tristeza que Ty pensou naqueles homens e em tudo que eles lhe haviam ensinado.

- Qual era a história? - perguntou Jessy, curiosa.

- Conforme ele me contou, um vaqueiro novato montou seu cavalo para guardar o gado num dia em que a temperatura estava a vinte abaixo de zero. Começou a soprar um vento com neve e ele teve a maior dificuldade em enxergar o caminho de volta ao campo. Quando finalmente chegou, estava congelado na sela. Tiveram que usar picaretas para gelo e cinzéis para arrancá-lo; então eles o carregaram até o alojamento e o puseram em frente ao fogão. Segundo Nate, quando o cowboy finalmente descongelou, as pernas ficaram arqueadas que nem a fúrcula das aves. Cada vez que ele saía, os cães do gado agarravam cada perna e tentavam arrancá-la. Finalmente, ele teve de desistir e ir para uma fazenda onde não houvesse cães... você não ri assim com frequência, Jessy. - Ty observou a maneira como a piada suavizara seus traços, quebrando-lhe a rigidez capaz de afastar um homem.

Mesmo após o sorriso ter desaparecido, os lábios dela uniram-se de forma branda.

- Nate não era de conversa mole. Ou ele contava histórias ou fazia alguma observação esperta sobre a vida. - O café estava muito quente para ser tomado. Jessy pousou a xícara no assoalho e estendeu as mãos para a quentura do fogo.

Ty estudou o quadro que ela formava em seu suéter volumoso tricotado a mão em tom verde-escuro, os quadris esguios e as pernas longas dentro das Levi's desbotadas.

- O que você quer da vida, Jessy? - Todos acalentavam desejos e ambições, e ele ficou matutando sobre os dela.

A pergunta deixou-a pensativa; retirou as mãos e enfiou-as nos bolsos, olhando fixamente as chamas saltitantes.

- Ninguém consegue muita coisa nesse mundo, Ty... não mesmo. Às vezes, algo acontece e durante uma hora ou uma semana, parece que pelo resto da vida você vai cavalgar sobre um chão liso, sem ravinas nem morros no seu caminho. Mas eles continuam lá. Só que durante algum tempo você não os enxerga. Você vai passar por tempos difíceis, e vai chorar a sua parte. E vai passar por isso por causa de momentos como esse. Voltou-se para olhá-lo. Os olhos eram perspicazes e dotados de força silenciosa. - O que mais posso querer do que o que tenho nesse exato instante? O meu canto, um fogo que me aquece em uma noite fria e alguém com quem conversar. O que é melhor do que isso?

As palavras dela, tão simples e diretas, o comoveram até o âmago.

Movimentando-se lentamente, Ty pousou sua xícara ao lado da dela sobre o consolo, sem desviar o olhar de Jessy nem por um minuto. Uma espécie de beleza interior brilhava através daqueles traços fortes, inteiramente femininos.

- Jessy - ele sussurrou, em um tom de voz suave e tocante, envolvendo a nuca da garota gentilmente.

Durante um segundo interminável e exploratório, ele a fitou, atraído pelo sentimento terno e inominado que o impulsionava. Jessy esperava, sentindo que penetrara nos sentimentos dele. A pressão da mão de Ty .aumentou levemente enquanto a boca se aproximava e os olhos continuavam a estudá-la. Ela não seria idiota a ponto de acreditar que despertara o amor. Ele estava sozinho, e Tara muito distante. Ty cultivava seu próprio senso de moralidade e honra, mas afinal de contas era homem. E ela se encontrava por perto, compartilhando os problemas dele e ouvindo-o. Aquela proximidade dissolvera as restrições que normalmente o teriam detido.

Talvez ela devesse tê-lo parado. Jessy sabia que ele estava a ponto de beijá-la... beijar a ela, Jessy Niles. Mas ela fora sincera quando disse que não poderia ter mais do que aquele momento. Logo, Tara estaria de volta, e mais uma vez Jessy não teria nada. com um gesto provocante, doce e puro, ela colocou as mãos na cintura de Ty e ergueu o rosto, vencendo o último centímetro que a distanciava da boca à sua frente.

Foi um beijo longo e vagaroso que gradualmente tomou conta de ambos. Jessy encostou-se nele. Seu corpo tornava-se pesado junto ao de Ty, enquanto ele a envolvia em seus braços. Sentiu as batidas de seu coração se acelerarem, o sangue correndo rápido e suave. Havia algo de natural e estimulante naquele beijo, que não deixou de ser insistente um segundo sequer. Ele era forte e maciço, e o cheiro da pele dele misturava-se ao da fumaça da lareira, em seus sentidos acesos.

Não houve hesitação em qualquer dos lados; ninguém experimentou o chão em que estava pisando para ver se suportaria o que estava sendo criado. Era a junção de duas forças igualmente imperiosas, e na busca ao outro tocaram profundidades de sentimento onde a paixão não era necessária para a criação de intimidade.

A novidade invadia os sistemas de ambos de forma demasiado insidiosa para que se dessem conta do poder dela. Separaram-se tão lentamente como se haviam unido, cada um buscando a reação nos olhos do outro. Jessy virou-se novamente para o fogo, tomada de calma deliciosa e ardor insistente.

Nenhum dos dois falou do beijo, agindo como se nunca tivesse acontecido. Ty pegou sua xícara de café, retornando à posição sustentada contra o consolo, as chamas demasiadas do fogo. Tomando sua xícara, Jessy dirigiu-se para o sofá anteriormente ocupado por Ty, acomodando suas pernas longas sobre a almofada, sentando-se de lado. Ela também fitou o fogo, completamente confortável, seguindo seus pensamentos.

Após um longo período de tempo, Ty empertigou-se e engoliu o resto do café. Quando seu olhar preguiçoso correu para Jessy, ela o olhava.

- Mais café? - ofereceu ela.

- Não. - Balançou a cabeça negativamente, fitando-a em seguida com uma expressão ligeiramente curiosa. - Como é que você sugeriu que eu devia telefonar para Tara e conversar com ela?

- Pareceu-me lógico que você quisesse discutir com ela o que aconteceu - disse Jessy, correndo os olhos para a xícara e em seguida de volta para ele.

- Se eu quisesse falar com ela, não teria vindo aqui. - Ty parecia irritado, dominado por agitação e desassossego.

O momento de tranquilidade fora destruído. Algo se interpusera entre Jessy e seus sentimentos de conforto. Havia um olhar duro e intrigado em Ty. A solidão da choupana pesava sobre ela, favorecida pelo vento frio que penetrava pelas janelas, assoviando através da fenda na porta. Sentiu seu ânimo abater-se.

Aquela proximidade intensa entre eles desaparecera. Toda a incerteza que antes não havia passado por seus pensamentos agora surgia. Jessy observou-o, conhecedora de seus medos e silêncios e seu significado. Os pensamentos de Ty pesavam em seu inconsciente, sombreando seus traços.

- Jessy... - ensaiou Ty em um tom muito mais sério e denso.

- Não tinha percebido como é escuro aqui - Jessy interrompeu-o em tom casual, mas no íntimo estava temerosa do que ele pretendia dizer. Levantando-se, ela caminhou até a luminária e puxou a cordinha que a acendia.

Quando ela se voltou, mostrava um semblante calmo. Não desejava ouvir desculpas ou expressões de arrependimento - nem qualquer frase falsa sobre os sentimentos dele em relação a ela. Isto só serviria para feri-la. Não queria a gratidão ou simpatia dele - nada que pudesse forçá-lo a nada. Ele estava apaixonado por Tara, quaisquer que fossem os problemas deles. A proximidade daquele beijo poderia fazê-lo sentir-se obrigado a dizer alguma coisa. E o que dissesse só serviria para magoá-la.

Através da distância que os separava, agora iluminada pela lâmpada, ele parecia medi-la, tentando chegar a alguma conclusão. Jessy se movimentou, lutando para recuperar-se.

- Ty... uma vez eu disse a você que podia sentir-se livre para vir aqui

- disse ela, contida. - E você está sempre livre para ir-se.

Ao encontrar os olhos dela, Ty não viu aquele sentimento profundo que tão estranhamente aflorara entre eles. Ficara somente aquela calma que Parecia conferir pouca importância ao que se passara. Ainda assim, sentia-se aliviado por ela o ter deixado à vontade. Não queria que aquele beijo tivesse acontecido... assim como não quisera o outro, embora as circunstâncias fossem completamente diferentes.

com um arquear de ombros, ele pareceu recobrar-se, caminhando até o cabide ao lado da porta onde deixara o chapéu e o casaco.

- Acho que está na hora de ir para casa - admitiu, enfiando-se no casaco. Enquanto colocava o chapéu, Ty deu uma olhada nela. - Obrigado pelo café, Jessy.

- Quando quiser. - Depois que a porta se fechou sobre o vento frio, Jessy repetiu a resposta, muito suavemente. - Quando quiser.

 

A imagem que Ty guardava de Tara quando se separavam nunca era tão estonteante e vibrante quanto a visão dela deslizando em direção a ele após outra separação. Sua beleza era tão morena e excitante, vestida de pele de arminho no fim do inverno em Montana, que ele conseguiu esquecer a solidão de suas noites e a ânsia que ela sempre provocava.

A presença do pai dela e de Stricklin o impacientava, desejando-a toda para ele e consciente de que esse momento devia ser adiado até que se encontrassem a sós. Manteve o braço possessivo em torno da cintura delgada, prendendo-a a seu lado enquanto ele se voltava para cumprimentar os companheiros de viagem da esposa. O perfume dela excitava-o. Estava demasiado ligado a seus próprios sentimentos constrangidos para perceber o traço de reserva na atitude dela.

- Oi, E. J. - cumprimentou o sogro. - Para ser sincero, Tara pegou-me de surpresa quando telefonou na outra noite dizendo que ia tomar um avião junto com você para cá. Tinha a impressão de que você não estava com alguma viagem programada para o Norte até abril.

- É verdade; eu não estava - admitiu Dyson suavemente. - Entretanto, queria discutir umas coisas com seu pai. Talvez pudesse ter feito isso por telefone, mas como Tara estava voltando, pensei em vir com ela e falar com ele pessoalmente. - Parecia bastante fortuito sobre a questão, embora evidentemente o problema fosse sério o suficiente para trazê-lo até aquela distância. Ty estava demasiado preocupado com a proximidade de Tara para experimentar mais do que curiosidade passageira quanto ao possível tema.

- É um prazer tornar a vê-lo, Ty - saudou-o Stricklin com maior calor do que o habitualmente demonstrado.

Enquanto eles estavam de pé ao lado da pista de pouso, a bagagem fora descarregada do bimotor, e o avião pôde ser colocado sob a proteção do hangar. A paisagem árida do alto da colina oferecia uma visão do pasto cinzento incrustado de neve sob um céu de chumbo. O azul infinito, gelado e implacável, operou seu efeito sobre Tara, fazendo-a sentir-se ainda menor em estatura. O vento úmido e frio de março fustigava-a. Estava contente com o braço de Ty em torno dela, evitando que o vento a atingisse em cheio. Não suportava esses elementos selvagens que não se importavam com os que estavam no meio deles, nem tampouco aquele sentimento terrível de deslocamento, suscitado por tais elementos.

- Vamos ficar aqui em pé falando? Está horrivelmente frio. - Tudo naquela terra parecia brutal a ela, sempre que se afastava da casa-grande. Lá, ao menos, a estrutura imponente funcionava como uma prova de que alguém ditava as regras.

- Esqueci que você se desacostumou a isso, depois da temporada no Texas. - Ty sorriu, acolhedor, sem perceber que ela aprendera a aceitar uma série de coisas, mas nunca se acostumara a elas. Apertou-a protetoramente, levando-a para o carro, que tinha o motor ligado para que o interior estivesse aquecido quando eles chegassem.

Maggie estava por perto para receber os hóspedes, aliviando Ty da obrigação de agir como anfitrião a Dyson e seu assistente. Ao contrário, ele deu uma ajuda ao vaqueiro, carregando a bagagem e pacotes de Tara para seus aposentos no segundo andar. Ela mal lhe dirigiu a palavra, no entanto o silêncio não era tão inesperado na companhia de uma terceira pessoa, sobretudo quando o terceiro era um empregado.

Ty manteve o silêncio, quebrando-o somente para indagar onde ela queria que deixasse os pacotes.

- Qualquer lugar está bom - disse ela indiferente enquanto tirava o casaco pesado de arminho e o pendurava no armário do quarto. Ty fez um gesto para o vaqueiro para que saísse.

Assim que ele saiu, Ty foi até o quarto. Tara encontrava-se de pé em frente à penteadeira, tirando o chapéu de arminho e soltando os cabelos negros longos e sedosos. Ele aproximou-se por trás, deixando as mãos pousarem sobre as partes macias dos ombros dela, enterrando o rosto na massa de cabelos.

- Estou contente que tenha voltado para casa. - A voz abafada soava rouca de desejo.

- Eu não estou.

A resposta brusca e dura surpreendeu-o. Quando ela se voltou para olhá-lo, Ty não fez qualquer esforço para mantê-la próxima. Ela deve ter percebido a raiva surda nos olhos dele. Descansou as mãos no peito do marido. A expressão do rosto de Tara denotava uma ansiedade grave, quase insistente.

- Ty, o que você vai fazer sobre o que aconteceu? - Era quase uma exigência.

- Não sei do que está falando - disse ele, bruscamente. Ainda sentia a ânsia, mas agora não mais a demonstraria.

- O negócio com seu pai - retorquiu ela, impaciente. - Por que você não me contou isso antes? Gostaria que não me escondesse nada. É muito embaraçoso descobrir as coisas através dos outros. Isso me coloca numa posição muito delicada, e não me agrada essa sensação.

Enquanto havia certo consolo pelo fato de ela desejar suas confidências, a reclamação de Tara tocava um nervo ferido.

É minha culpa se tudo acontece quando você está fora? Se você ficasse mais em casa saberia o que estava se passando.

Por que eu deveria ficar todos os meus dias aqui, quando você passa a maior parte de seu tempo em algum canto esquecido desta fazenda? disparou Tara, defendendo-se da crítica a suas ausências. - Só para eu ficar à sua disposição?

- É!

Ty perdia a,calma, impulsionado pelo desejo que deixava seus nervos à flor da pele. Pegou-a pelos ombros e puxou-a brutalmente para seus braços. O protesto que ela ensaiou foi neutralizado por um beijo duro. Por um instante, a paixão abriu caminho em Tara, que correspondeu à necessidade dele, retribuindo o beijo. Mas Tara não ia desistir diante disso.

Empurrou-o com os braços empertigando-se para mantê-lo à distância.

- Ty, temos que decidir como vamos resolver isso - insistiu, a despeito da aceleração de sua própria respiração. - Acho que você não percebe como isso é importante... e em que problema se transformou.

- Você está terrivelmente preocupada com a fazenda muito de repente, não acha? - Muitas coisas interpunham-se entre eles, quentes e ameaçadoras; a vontade forte e a ambição de Tara eram suficientemente grandes para suplantar os sentimentos em seu coração.

- Esta é minha casa tanto quanto sua! - exclamou ela, acalmando-se instantaneamente. - Ty, não vamos discutir por uma besteira dessas. Temos que fazer algo com seu pai, antes que ele estrague tudo.

- Como é que ele pode estragar algo, quando luta para reaver o título da terra que acredita pertencer-lhe, por direito? - indagou Ty, lembrando-se em seguida: - E o que o seu pai está fazendo aqui?

- Foi ideia de Stricklin, não minha. - A desaprovação de Tara era evidente. - Na minha opinião, papai deveria manter-se longe, evitando sujar seu nome com isso.

- Sujar o nome? - Ty achou a escolha das palavras inadequada, mas não teve oportunidade de prosseguir a discussão, pois a porta da suíte foi aberta.

- Tara! - Cathleen surgiu correndo, sem considerar necessário bater antes de invadir a privacidade do casal. - Vim ver o que você comprou desta vez. Como foi o passeio? Aposto que estava mais quente lá. Sua danada, você está bronzeada - ela acusou, invejando-a, quando finalmente parou no quarto. Logo faria dezesseis anos. Por sob essa juventude escondiam-se os desejos de uma mulher, prontos para desordená-la.

- Cat, você se importaria de cair fora? - pediu Ty. - Gostaria de ficar algum tempo sozinho com minha mulher. Mais tarde você poderá saber tudo sobre a viagem dela.

- Tenho planos para mais tarde - replicou a irmã, nem um pouco embaraçada com a tentativa do irmão de expulsá-la. - E tenho que voltar para a escola de manhã. - Os olhos verdes assumiram um brilho de compreensão maliciosa. - Além do mais, está muito cedo para o que você tem em mente. Vai ter que esperar até a hora de dormir para ter o seu... tempo sozinho... com sua mulher.

- Cat está certa. - Tara tomou o partido dela. - Teremos mais tempo após o jantar. - Sorriu para Ty e afastou-se. - Todos os pacotes estão na sala de estar. Dois são para você.

Rejeitado, Ty foi forçado a acatar a decisão e adiar a discussão para depois do jantar. Deixou a suíte pensativo e de mau humor, o ruído da voz de Tara e Cat misturado em excitada conversa sobre as compras.

A conversação durante o jantar evitou temas controversos e ateve-se a assuntos seguros. Desde que Dyson iniciara as operações de mineração do carvão, o relacionamento entre o texano e Chase Calder tornara-se tenso. Chase nutria certas reservas quanto ao papel representado por Dyson na recente revogação do título da terra. Estava desconfiado, mas não tinha provas, portanto guardara suas desconfianças para si. Cada vez que olhava as mãos imaculadamente brancas e as unhas feitas de Stricklin segurando os talheres de prata, lembrava-se da observação de Potter quanto a não confiar no homem.

- Enquanto as mulheres estão tirando a mesa, por que não tomamos o café no gabinete? - sugeriu Dyson. Chase hesitou, e Dyson percebeu.

- Gostaria de trocar uma palavra com você em particular, se não se incomodar, Chase.

- Claro.

Ty dobrou o guardanapo e colocou-o na mesa.

- A não ser que você precise de mim, tenho uma égua que vai dar cria, e quero dar uma verificada. - Tornara-se difícil a fidelidade, situado como estava entre o pai e Tara. Deixou a decisão a cargo do pai, sobre a necessidade ou não de sua participação na discussão que poderia esquentar.

Chase debateu a questão interiormente, mas percebeu que poderia relatar a conversa ao filho mais tarde.

- É a primeira égua a dar cria no seu haras, não? É melhor você ir assistir agora. Tara não vai me agradecer se você acabar com parte da noite dela para fazer isso só porque tomei o seu tempo.

As portas do gabinete estavam sendo fechadas quando Ty saiu da casa-grande para verificar as condições da égua. Conhecendo o pai, Ty duvidava de que aceitasse algum conselho de Dyson, e considerando a reação de Tara, este era provavelmente o motivo da visita do sogro. Dyson sempre protegera a filha.

- Um pouco de conhaque no café, E. J.? - ofereceu Chase, destampando a garrafa ornamentada, adicionando um pouco em sua xícara.

- Não, obrigado. ?- Dyson acomodou-se em sua poltrona em frente a lareira, enquanto Stricklin levava sua caneca para uma cadeira do lado oposto.

Só restou o sofá no meio. com uma desconfiança inexplicável, Chase Permaneceu de pé, sem tomar o assento que o colocaria em uma posição cercada pelos dois homens. Ficaria muito vulnerável.

- O que é que você queria falar comigo? - Dispensou quaisquer amabilidades, indo diretamente ao assunto.

- Obtive informações relativas ao confisco de terras que você comprou do governo anos atrás. - Dyson também não se esquivou.

- As notícias correm rápido - murmurou Chase secamente.

- Na verdade não chega a ser uma surpresa - Dyson insistiu calmamente. - Tenho negócios nesta área. É natural que uma coisa dessas venha ao meu conhecimento.

- Imagino que sim. - Chase concedeu a possibilidade de que Dyson poderia ter sido informado recentemente da venda anulada através de fontes locais, embora houvesse a probabilidade de que Dyson no mínimo possuía conhecimento anterior.

- Já tivemos nossas discordâncias, Chase, mas nossas famílias estão ligadas. Não podemos ignorar este fato.

- Tenho plena consciência de que sua filha é a esposa de meu filho.

- Esta era a única maneira de evitar acusar Dyson sem rodeios de conspirar para privá-lo daqueles três mil hectares de terra. Naquele fato se sustentava a dúvida quanto ao envolvimento de Dyson, de tal forma que poderia provocar um possível mal à filha.

- Sou antes de tudo e em primeiro lugar um homem de negócios, Chase. Só me permito considerações familiares até certo ponto, quando estas me impedem de fazer o que acredito importante para meus negócios. Por isso estou aqui. - Dyson fez uma pausa, estudando Chase por um momento. - Normalmente eu não faria isso. Deixaria a coisa correr, com meu oponente ou rival só descobrindo isso após o fato consumado. Como pode haver repercussões capazes de alcançar Tara, estou lhe avisando com antecedência a respeito de minhas intenções.

- E quais são suas intenções? - inquiriu Chase, levemente desafiador.

- O governo agora está de posse do título daqueles três mil hectares. Estou lutando pelos direitos de mineração e uso da água em uma indústria carbonífera. Até agora, Tara não sabe nada sobre isso. Tenho certeza de que você está apelando da decisão e procurando reobter a propriedade daquela terra. Se o governo retiver a posse, quero que esteja a par de meus planos. - Dyson lançou outro olhar longo e avaliador antes de prosseguir.

- Esta é uma decisão de negócios, Chase. Sei que será difícil, mas gostaria de manter uma coexistência pacífica pelo bem de nossos filhos.

- Você está certo - concordou Chase, sentindo um aperto crescente por dentro, como uma mola enroscando-se. - Não. vai ser fácil. vou observar uma paz relativa, mas lhe aviso desde já: - Você vai pagar caro antes de rasgar um milímetro de grama de minha terra.

- Basta esperarmos para ver - foi Dyson, com um olhar resignado em direção a Stricklin. O homem era simplesmente irracional.

Após verificar as condições de água nas cocheiras de cria, Ty voltou para casa. Cathleen informou-o, com uma piscadela matreira, que Tara subira. Ele correu os olhos para o gabinete, mas as portas estavam abertas. Obviamente a discussão terminara, portanto sua presença não seria requisitada. Dirigiu-se diretamente para as escadas.

Finalmente - declarou Tara quando ele entrou na sala de estar.

Como estava a sua égua? - Havia um traço de sarcasmo na voz dela.

Bem. - Não se deu ao trabalho de explicar que não havia indícios

de nova cria pela noite.

Existem pessoas contratadas para tomar conta desses cavalos. Não

sei por que você tem de fazer isso... especialmente numa hora dessas - resmungou ela, impaciente.

- Numa hora dessas - repetiu Ty, com humor duvidoso. - Gostaria de acreditar que você está dizendo isso porque é sua primeira noite em casa e quer minha companhia, mas não é esta a razão, é?

- Esta é parte da razão. - Atravessou o quarto, postando-se diante dele, as mãos tocando-o, estabelecendo o contato que deflagrava a pulsação faminta, enquanto ele aspirava o perfume feminino almiscarado. Você tem que fazer alguma coisa com seu pai.

- Meu pai?

- É. Tem de convencê-lo a deixar o assunto morrer.

- Deixar morrer? Do que você está falando? Ele pagou pela terra, comprou-a de boa fé. Por que não deveria lutar para obtê-la de volta? Ty franziu o cenho.

- São somente três mil hectares. Comparado ao que já tem, ele não vai chegar a perder nada - declarou Tara. - Além disso, ele ainda pode arrendá-la como pastagem para o gado, ou seja, é o mesmo que ser o dono.

- Nunca é a mesma coisa que ser o dono, porque desse modo ele não possui o contrato. - Os olhos dele estreitaram-se, especulativos. - Por que a ideia de vê-lo lutando pela terra a incomoda, Tara?

- Acho que você não tem a mínima ideia do que as pessoas andam dizendo - ela acusou, os olhos negros faiscando. - Estão usando as palavras "corrupção" e suborno' quando falam sobre ele.

- Isso tudo aconteceu há muito tempo. Não se pode provar nada.

- Não precisa ser provado. O falatório já é suficiente. Você não sabe como isso é prejudicial para a reputação de uma pessoa? - Uma espécie de fúria a arrebatava. - Isto vai nos atingir, Ty.

- Você não se importa com o fato de que possivelmente ele passou dinheiro por baixo da mesa, não é? - ponderou Ty. - Está zangada porque foi flagrado.

- Você não liga para o que todo esse falatório vai causar ao nome Calder? - interpelou-o Tara.

- É isto que está errado, Tara? - zombou. - Os seus amigos importantes já começaram a evitá-la?

- Você fala como se não acreditasse que eles são importantes. Empertigou-se indignada e ligeiramente incrédula com a cegueira do marido quanto à extensão do problema. - Acho que você não se dá conta dos contatos valiosos em que podem se transformar no futuro. Certamente você não faz qualquer esforço para cultivar a amizade deles. Faço isso para que quando formos responsáveis pela fazenda, tenhamos uma rede de pessoas em posição de influência que possam nos ajudar.

- Você não aguenta esperar o dia em que meu pai vai passar o controle da fazenda para mim, não é? - O orgulho e a força sempre foram duas qualidades que Ty admirava na esposa, características adequadas para a companheira de sua vida. Naquela noite, o egoísmo e egocentrismo dela estavam atravessados em sua garganta.

- Quanto mais cedo isto acontecer, melhor será para todos nós. Tara não negou o que pensava. - Não podemos admitir o escândalo ligado ao nome Calder. Não vou deixá-lo destruir todo o trabalho que tive para tornar o nome Calder respeitado fora deste município.

- Se você não lutar pelo que pertence a você, o nome não significará nada neste estado.

- Esta é a maneira de pensar de seu pai - condenou Tara. - Que importa o que essa gente daqui pense? Eles não são importantes. O dinheiro que seu pai está gastando para lutar por essa coisa compraria outra fazenda em algum outro lugar. A Triplo C pode se tornar a primeira fazenda entre muitas espalhadas pelo país, administrada por empresários competentes. A ideia é expandir-se, e com isso não quero dizer pela compra de lotes para engorda de animais. Você tem que parar de pensar pequeno, Ty - ela insistia, ansiosa e meio irritada. - Não seja como seu pai, Ty. Você tem de ser progressista e moderno como o meu.

- Isto resolveria seus problemas, não? - Um músculo saltava-lhe convulsivamente ao longo da mandíbula contraída. - Talvez eu devesse trocar meu nome para Dyson também, assim não seria diminuído por nada que pudesse sujar o nome Calder.

- Nunca sugeri nada assim! Por que está tentando deturpar o que estou dizendo? - Tara jogou seu protesto sobre ele, o ressentimento fulgurava em seus olhos. - Neste mundo, você tem que cuidar de si mesmo. As atitudes de seu pai vão nos afetar, Ty. Elas podem nos prejudicar. É só o que estou dizendo.

- Você está me pedindo para ficar contra meu pai. - Por trás de toda aquela conversa e apelo à razão, o verdadeiro motivo era esse.

- Estou lhe pedindo que pense em nós. - Ergueu as maçãs do rosto para ele, toda a feminilidade transformada em génio enquanto colocava sua vontade contra a dele.

- Você pensa em nós. - A voz dele soava grave e pesada enquanto caminhava a passos largos em direção à porta. - É o seu regresso ao lar.

Por um instante ela não acreditou que ele pretendesse sair. Mas havia um ar de resolução nos gestos dele.

- Aonde você vai? - ela perguntou, os punhos cerrados.

Ty deteve-se no limiar da porta, abrindo-a com um gesto brusco, em seguida fitando-a com um olhar insistente que a desnudou.

- Lá fora - disse, simplesmente.

A porta bateu com força. Tara ficou olhando naquela direção, voltando-se depois para o centro do quarto. Nos últimos tempos, Ty começara a dar-lhe ouvidos; e então isto tinha que acontecer.

Ty entrou em uma caminhonete e deu partida, insensível ao vento frio soprando pelas janelas abertas. Saíra sem destino, simplesmente escapara da pressão dos pensamentos que povoavam sua mente.

O certo e o errado pareciam estar dentro da cabeça de uma pessoa, estabelecendo julgamentos. Tara acreditava-se certa. O pai achava que tinha razão. Onde depositar sua lealdade? No passado ou no futuro?

Não sentiu o tempo passar, não escolheu conscientemente determinada direção. Passou um longo tempo até que Ty se desse conta de que a caminhonete estivesse parada. Sob o cone dos faróis enquadrava-se a choupana de troncos de Jessy. A tensão persistia dentro dele, exaltando-o. Desligou o motor do carro e caminhou até os degraus da frente da choupana.

O interior estava imerso em escuridão. Ty levou um minuto para encontrar o interruptor de luz na parede.

Jessy! - chamou ele, mas ela não respondeu. O quarto estava vazio, e a louça do café da manhã encontrava-se na pia. Deu uma olhada no relógio. Já era para ela estar em casa. Provavelmente chegaria a qualquer momento, disse para si mesmo, e começou a preparar café para quando ela voltasse.

A choupana não era a mesma coisa sem a presença de Jessy, que conferia ao local aquela paz palpável. Alimentou o fogão a lenha na sala da frente, tentando aquecer o ambiente. Circulou pela choupana vazia. Era pior do que ficar sozinho na suíte dele e de Tara.

- Maldição! Onde está ela? - indagou Ty às quatro paredes.

Quando Jessy chegou, viu apick-up estacionada sob as luzes dos faróis de sua caminhonete. Rolos azuis-esbranquiçados saíam da chaminé, contrastando com o emaranhado negro dos ramos das árvores. Das janelas provinha a luz que formava quadrados na grama congelada.

Não se sentia no estado de espírito mais adequado para encontrar alguém depois de um dia inteiro de trabalho e uma noite na casa dos pais, para celebrar o aniversário da mãe. Além do mais, sabia que Tara encontrava-se em casa. Os passos dela não denotavam qualquer ansiedade enquanto arrastava-se subindo os degraus da choupana. Â abertura da porta trouxe a voz de Ty até ela.

- Onde diabos você estava? Sabe que já passa das dez da noite? Estou aqui há quase duas horas, sem saber onde você se enfiou, sem saber se tinha acontecido alguma coisa. Quase fiquei louco.

O tremor de preocupação na voz dele surpreendeu-a. Demonstrava uma possessividade aberta que ela nunca sentira antes. E a carranca com Que a enfrentou tornava toda a situação mais espantosa.

Era aniversário de mamãe - disse Jessy com voz fraca e aturdida.

Ele respirou aliviado enquanto a pegava e a tomava nos braços. Ela estava perplexa, embora lúcida, consciente dos braços fortes em torno de si e da sua total excitação. Percebeu o quanto fazia parte dos sentimentos dele. Estava na voz e na pressão dos braços de Ty.

Foi uma espera horrível de solitária, Jessy - sussurrou.

A rudeza do beijo evidenciava a fome e ânsia que estava sentindo, e ela o retribuiu sem reservas e voluntariamente. Eles estavam agarrados, bruscos em razão da impulsão intolerável dentro de ambos. E esse desejo não encontrava alívio.

A respiração de Ty acelerara-se, o rosto pressionado contra os cabelos dela, os braços apertando-a com força.

- Jessy, Jessy. - Naquele sussurro havia uma pergunta, uma necessidade expressa que seu corpo forte e musculoso já deixara claro.

- Eu sei. - Ela estava tonta. com todo o descompasso de seu coração e a quase dor penetrante que sentia por dentro, ainda conseguia manter a calma. - Me carrega? - pediu ela.

Por um momento, sentiu uma incerteza da parte dele; pensou que a honra o poderia deter. Então os braços se soltaram e buscaram o caminho por sob as coxas, erguendo-a. Ele se deixou ficar ali de pé, segurando-a nos braços e observando o rosto brilhante. Por baixo do olhar de desejo, havia a curiosidade.

- Nunca pensei que você fosse do tipo romântico, Jessy - murmurou.

- Por quê? - Ela indagou suavemente, enquanto acariciava o queixo barbeado, tocando com um dedo os pêlos negros sobre os lábios. - Porque sei montar como um homem e faço o trabalho de um homem você pensou que eu não tinha sentimentos femininos? Por que não posso gostar de flores e bombons como as outras?

Ele a levou até o quarto imerso em penumbra, pousando-a sobre a cama. Durante um instante de silêncio, permaneceram de frente, olhando-se, tensos e em expectativa, como uma égua e um garanhão se encontrando. Todas as idas e vindas haviam cessado; agora a necessidade de silêncio prenunciava o ato mais precioso e sagrado da natureza.

O resto de Jessy oferecia-se ao dele, transmitindo o sinal milenar que pedia o beijo. Ty decifrou claramente a mensagem, sentindo uma pontada de irritação. Os sinais eram os mesmos, viessem de Tara, Jessy ou outra mulher. Contudo, Jessy não parecia com qualquer delas, e ele quisera que isto também fosse diferente.

Só que o comportamento não podia ser diferente, pois assim funcionavam as coisas. Ela era uma mulher e ele o homem. Não importa o nível de comunicação alcançado, físico ou verbal, eles continuavam atados ao padrão. Em seus corações e pensamentos, acumulavam imagens maravilhosas, mas as atitudes em si jamais variavam. Lentamente, se deu conta de que isso não tinha importância.

Estendendo os braços, retirou o casaco pesado dos ombros dela, jogando-o em direção à sombra de uma cadeira no canto. Quando se voltou, Jessy começara a desabotoar a blusa. Ele se pôs a fazer o mesmo.

Ela o olhava, observava, vendo as camadas de roupas dando lugar aos músculos de carne, às linhas masculinas bem-delineadas. Houve um momento embaraçoso quando Ty foi para a cama e voltou-se para esperá-la. Seu olhar percorreu o corpo nu, de uma brancura brilhante e elegante como um grande salgueiro. Sentiu o toque dos olhos dele sobre seus seios pequenos Nem em aparência, muito menos em formas, ela se comparava a Tara. Ela passou por um momento de dúvida. Então, ele a puxou pela mão. Não precisava mais ser forte; não precisava mais ocultar seus sentimentos

- seu amor. Havia paixão na entrega íntegra, há muito abafada. Ela precisava entregar-se ou murchar por dentro até a morte. A pressão era demais. Foi até ele, para com Ty deitar-se e reviver.

 

Após acender dois cigarros do pacote sobre a mesinha-de-cabeceira, Jessy girou o corpo de volta à cama e passou um cigarro para Ty, consciente do flanco quente contra o seu sob o lençol. A deliciosa sensação de aconchego não havia abandonado seus dedos dos pés. O corpo ainda formigava com o resultado do amor. Um pequeno sorriso curvou as comissuras de seus lábios.

Ty ficou de lado para estudá-la, o emaranhado dos cabelos dela cobrindo o travesseiro sob a cabeça.

- Você parece muito satisfeita - murmurou.

- Por que não? Você também está se sentindo muito orgulhoso porque me teve. - Jessy zombou levemente da expressão quase de presunção no rosto de Ty.

Não havia sinal de lembrança daquela primeira vez nos olhos dele. Ela procurara por um sinal frequentemente - esperara vê-lo. Agora sentia-se contente ao ver que ele não se lembrava. Aquilo envolvera muita dor, de um modo ou de outro. Não ia falar sobre o assunto com ele. Não serviria para nada, exceto fazê-lo sentir-se culpado e arrependido. Quaisquer que fossem os sentimentos dele em relação a ela, não queria que aquilo fizesse parte deles.

O rosto anuviou-se com os pensamentos, linhas tristes desenhavam-se sobre os traços grosseiros e ocasionavam um olhar de preocupação em Ty.

- Jessy, às vezes eu...

- Não diga isso, Ty. - Ela o deteve, firme e segura de si. - Pelo bem de nós dois, não diga algo que não pensa realmente. Entrei nisso de olhos bem abertos, sabendo que você iria embora antes de o dia amanhecer. Neste exato momento, você está pensando que não quer, mas tem de ir.

- Como é que você sabe o que passa pela minha cabeça? - Ty observou-a com atenção, tentando penetrar naquela mulher que se ajustava a ele tão confortavelmente como uma segunda pele.

Por um segundo, Jessy deixou cair a guarda, deixando-o enxergar a Profundidade do amor refletido em seus olhos.

- Talvez porque eu também desejasse isso. - No entanto, o tom da voz dela continha algo semelhante a um desafio.

Esta fora uma das vezes em que ele fizera amor com uma mulher sentindo-se arrependido. Uma onda violenta de carinho o tornara rude. Era um sentimento profundo, selvagem à sua maneira, como a excitação que Tara provocava em seu íntimo.

O olhar dele quase levou Jessy a acreditar que as coisas pudessem ser diferentes. Antes que ela sucumbisse a uma certa dor que o pensamento lhe traria, ela lançou as pernas para fora da cama, sentando-se. Não foi por algum senso de modéstia que ela pegou a blusa no pé da cama e a colocou diante dos seios diminutos. As roupas eram uma proteção capaz de evitar que os outros vissem demais.

Ela cruzou o quarto até a cómoda e apagou o cigarro praticamente não fumado num cinzeiro de vidro. Ty apoiou-se sobre o cotovelo, com os olhos atraídos para os músculos nas nádegas de Jessy. Quando ela se virou, o olhar dele correu pelo drapeado triangular da blusa com o vértice no vale formado pelos seios, fixando-se na expressão fechada.

- Jessy, existe uma coisa que gostaria de explicar.

- Não quero ouvir qualquer explicação, Ty - disse ela com um movimento de cabeça, erguendo o queixo em seguida. - Não sou tão tolerante e compreensiva quanto você pensa. Não sou a causa de seus problemas com sua mulher, e não quero saber quais são eles. Não posso fingir que ela não existe, mas não quero ouvi-lo falar dela. Sou mais mulher do que ela, com todas as roupas cheias de babados e a aparência atraente... e sei disso. Consequentemente, eu diria coisas a respeito dela que você não ia gostar de ouvir.

Como quer que ele se sentisse naquele momento, Tara era a mulher a quem suas emoções se direcionavam. Em parte pela beleza, mas o restante em razão do sonho que ela representava. Algo que Jessy compreendia claramente. Ty fizera de Tara a imagem de seus desejos. Os homens criavam sonhos sobre o que queriam em uma mulher. Mesmo se Ty começasse a enxergar que Tara não era tudo o que pensava, não conseguiria desistir de seu sonho.

Na semi-escuridão do quarto, ele captou o brilho de determinação no olhar dela, aquela coragem inquebrantável capaz de enfrentar a situação, não importa quão desagradável fosse. Deixou o cigarro queimar no cinzeiro e saiu da cama, atravessando o quarto. Ela deu meia-volta, evitando o olhar dele.

- É melhor você se vestir - ela avisou com voz compassada. - Está tarde e ela vai começar a pensar onde você possa estar.

- Eu quero que Tara vá para o inferno! - Ty usou o nome que Jessy evitara pronunciar, admitindo inconscientemente que voltaria para a esposa. - E você, Jessy? Você vai ficar bem?

Jessy olhou para ele, um forte desejo de rir. Se dissesse que não, já imaginava o que Ty responderia. Os homens eram tão pragmáticos em sua relação com a vida, até que o assunto fosse mulher. Aí se tornavam totalmente irracionais, sempre prometendo tornar a vida fácil para elas e acreditando inteiramente no que diziam. A despeito de todas as fantasias românticas, ela possuía a percepção feminina no que se referia à vida e sabia que nO futuro haveria a mágoa e a solidão, assim como as bênçãos de tempos como aquele.

Eu sou forte, Ty. vou estar bem - garantiu, em vez de fazer o contrário. Fizera sua barganha, e agora estava pronta para pagar por ela. A mágoa no coração no dia seguinte não a amedrontava.

Queria encontrar algo por sob aquele equilíbrio que ela estava demonstrando. Sentia-se ligeiramente agradecido por ela não precisar dele, possuidora de força sustentadora que permitia que fosse independente dele. Para ele tornava-se difícil entrar em acordo com a igualdade em terrenos que considerava masculinos.

Contudo, Jessy não estava jogando pistas que ele devesse procurar. Não conseguia deixar de lembrar que na única vez em que Tara fora direta a respeito das necessidades e vontades dela, ele tivera que se casar. A consciência desse fato o importunava.

Não havia nada a dizer. Voltou-se e encaminhou-se lentamente para a cama, onde estavam suas roupas. Não compreendia Jessy. Não compreendia as mulheres. Entretanto, sabia que voltaria a procurar o forte sentimento de tranquilidade que ela lhe proporcionava, bem como o bem-estar que lhe dava o fogo apaixonado em seu íntimo. Mas não disse nada. Não era preciso.

Ouviu-se um leve ruído no corredor de cima. Tara estacou, parando de folhear impaciente uma revista para escutar com atenção, empertigada e altiva, o som do retorno de Ty. Outra tábua estalou. Ela não poderia dizer se causado pela pressão de um pé ou característico dos ruídos de uma casa velha. Levantando-se, deixou a revista sobre o comprido sofá-cama. O robe de cetim com aplicações de pele caía suavemente em torno de suas pernas.

Foi até a porta e abriu-a, com excesso de orgulho na postura empertigada. Mas era Cat subindo furtivamente as escadas, envolta em pesado casaco, os cabelos negros escondidos sob um gorro branco de lã. Ela ergueu um dedo silenciador nos lábios quando divisou Tara no umbral da porta. Os olhos verdes imploravam silenciosamente a Tara que não revelasse sua presença.

- Repp está me esperando - sussurrou Cat. - Não conte a papai, por favor. - Após a briga que provocara, Cathleen fora proibida de manter qualquer contato com seu antigo namoradinho como punição. Não causou surpresa a Tara descobrir que a garota estava desafiando as ordens, mantendo encontros secretos com seu vaqueiro. Além do mais, esse seria o ultimo dos interesses de Tara, portanto limitou-se a fechar a porta. com os dedos entrelaçados de maneira tensa, cruzou o quarto até a janela. A escuridão da noite interminável ameaçava engoli-la, ao que ela voltou à luz.

Quando chegou ao sopé das escadas, Cat congelava. Havia luz no escritório, o coração pareceu saltar de dentro dela, incapaz de retornar aos batimentos normais enquanto ultrapassava a luz na ponta dos pés, dando uma olhada ansiosa para o gabinete. Espionou Stricklin vestido com um suéter de gola alta, vasculhando os títulos na estante, de costas para a porta.

Cat abriu a porta da frente com ruído, esgueirando-se através da pequena abertura - a parte mais difícil consistia em sair da casa sem ser ouvida. Estremeceu com o leve clique da porta sendo fechada. Então esperou, sustendo a respiração na expectativa do som de passos aproximando-se para investigar o barulho. Passou-se um minuto, e ela soltou a respiração aliviada. O ar frio transformou-se em vapor branco-acinzentado em ondas que desapareceram com o vento noturno.

Movimentando-se silenciosamente, atravessou a extensão da varanda e pulou para o solo, envolvida nas sombras da casa. Correndo agachada, atravessou a grama endurecida pela neve por trás da casa-grande, dirigindo-se ao platô e ao hangar isolado dos aviões, que se tornara o seu ponto de encontro, longe dos olhos observadores e descobertas fortuitas. O vento frio batia em seus pulmões, enquanto corria para o encontro.

Agachado em uma pequena depressão, Culley O'Rourke cobria o cigarro com as mãos, ocultando o brilho da brasa, a fim de que a luz não denunciasse a sua presença. Uma a uma, as luzes da casa-grande foram se apagando, até que só restou uma no segundo andar. Um minuto antes, correra às escondidas até o local em que deixara o cavalo amarrado. Então, surgiu uma luz inesperada no escritório térreo. Deixou-se ficar observando se a movimentação seria o começo de algo mais.

com atenção concentrada na enorme casa, ele quase não viu a sombra escura saindo furtivamente. Sem se mexer Culley aguardou até que a forma passasse pela depressão do terreno onde estava, e obteve uma imagem reveladora do rosto ovalado de Cathleen. Foi atrás dela silenciosamente.

Quando chegou ao hangar, Cat estava sem respiração, o rosto entorpecido com o vento frio. Os aeroplanos no galpão alinhavam-se silenciosos, sombras indistintas imersas na penumbra da noite. Ela caminhou velozmente entre eles, dirigindo-se ao pequeno escritório e à área de estoque no fundo. Abriu a porta e deslizou para o interior, finalmente protegida do vento entorpecedor. Deteve-se, os olhos vasculhando a escuridão.

- Repp? - sussurrou, percebendo o som de um movimento à direita. Cat voltou-se em direção ao ruído enquanto uma forma escura destacava-se das sombras.

- Já estava achando que você não ia aparecer. - A longa espera produzira aspereza na voz dele.

- Eu sei. Receava que você tivesse ido embora. Juro que ninguém mais naquela casa vai dormir em horário decente. - Sua voz também denotava impaciência. O rosto mostrava-se pálido e descorado nas sombras do escritório, mas não ousaram acender a luz. - Tara ainda estava acordada esperando Ty voltar quando saí da casa. E Stricklin perambulava no gabinete. Às vezes fico pensando se ele é humano. Tenho a impressão de que é um robô que não precisa comer nem dormir como nós.

- Tem certeza de que não foi vista? - perguntou Repp, resmungando em seguida, irritado: - Devo estar louco, para deixar você me convencer nos encontrarmos assim.

percebendo por fim que ele não cruzaria a distância que os separava, Kat deu os passos necessários e envolveu-o nos braços sem pudores,

sentindo-o em torno do colarinho dobrado da camisa. Sentiu a pressão das mãos dele em seus quadris sem aproximá-la nem tampouco afastá-la.

- Não me importa como ou onde nos encontremos, contanto que possamos nos ver. - Era uma declaração dramática, mas verdadeira. Ela se arriscaria a tudo, até mesmo à cólera paterna, para estar com Repp.

- Você não sabe o que está dizendo. - O protesto surdo saiu quase como um gemido, a rudeza dos desejos dele ameaçando suplantar seu controle. Você é muito jovem, Cat.

- Tenho a idade de minha mãe quando ficou grávida de Ty. - Cat atormentou-o com o conhecimento do fato.

Você devia ser espancada por provocar um homem desse jeito acusou ele rudemente, mais perturbado do que desejaria admitir, e ela sabia disso. - Você está procurando problema, não é? Um dia você vai dizer isso ao homem errado e ele vai levar ao pé da letra.

- Mas nunca falei isso para ninguém a não ser você. É o único homem a quem quis dizer isso - ela insistiu, aproximando-se mais. - Já é muito ruim meus pais me tratarem como criança. Sou uma mulher, Repp. E amo você.

A doce confissão, adicionada à proximidade, foi demais. A precaução que ele buscava a duras penas perdera a batalha para os impulsos que o incitavam, a boca afundando faminta sobre a dela. O contato quente logo expulsou o frio dormente da pele de ambos. A resposta ansiosa dos lábios dela quebrou as restrições enquanto ele a explorava selvagemente, de homem para mulher, sem pensar na inexperiência da garota. Ela recuou, subitamente tensa, aproximando-se novamente com a onda de seus próprios sentimentos. Mas ele aspirou um pouco de sanidade fria.

- Não, Cat. - Os dedos mergulharam nas mangas do casaco dela para impedi-la de aproximar-se mais uma vez. - Basta!

- Por que, Repp? Por que isto tem de ser suficiente? - protestou.

- Você não pode ter tudo o que quer - ele declarou.

Os ombros dela encurvaram-se e ela se inclinou em direção a Repp descansando a cabeça em seu ombro. Após um longo instante, os braços do vaqueiro a envolveram, e ele deixou que a boca pousasse sobre o gorro de lã que cobria os cabelos negros sedosos dela.

- Não quero nada, Repp. Só você - disse simplesmente, sem qualquer dramaticidade. - Às vezes chego a me sentir desesperada. Dois anos me Parece um tempo demasiado longo para esperar. - Parecia a agonia da passagem do tempo.

Vai passar rápido - ele mentiu. Algo retiniu no interior do hangar e Repp enrijeceu-se. - Ouviu isso?

O quê? - Ela ergueu a cabeça do conforto e intimidade formados Pelo ombro do rapaz.

- Acho que ouvi alguém lá fora - murmurou, retirando os braços pousados nela. - vou dar uma olhada.

- Não tem ninguém lá fora - protestou Cat. - Você deve ter ouvido o vento sacudindo o teto de zinco.

Ele ignorou as explicações, deslizando silenciosamente em direção à porta do escritório.

- Espere aqui - sussurrou.

- Não. vou com você - ela insistiu. Falou mais alto do que pretendia, e o som da voz dela atravessou a porta que Repp abrira.

- Psiu - alertou-a.

Cat manteve a mão junto a ele, para que não perdessem contato enquanto deixavam furtivamente o escritório, penetrando no galpão às escuras. Um coiote soltou um lamento solitário na encosta de alguma colina distante. Uma nuvem de estrelas jogava luz insuficiente sobre as silhuetas dos aviões no galpão. Repp caminhou através das sombras, olhando e ouvindo.

Escutaram outro ruído fraco, não identificado. Parecia vir dos aeroplanos da fazenda, o que o pai de Cat geralmente pilotava. Eles se moveram naquela direção.

- Lá. - Cat apontou a portinhola de acesso ao compartimento do motor. Estava aberto. - Não deve ter sido bem trancada e o vento a abriu.

- Deve ser. - Afastou-se para fechar a porta e assegurar-se de que estava trancada. Quando voltou, olhou em torno, não completamente satisfeito, e o instinto alertava-o de que mais alguém estivera ou ainda estava no hangar. Começou a ficar preocupado com Cat. - Está tarde. Quase meia-noite. É melhor você voltar. vou acompanhá-la até metade do caminho.

- Mas...

- Não discuta comigo, Cat. - A voz era firme, entretanto não sabia explicar por que aquela necessidade urgente de deixá-la em algum lugar seguro longe dali.

Alguma coisa no tom da voz dele afastou maiores discussões. Seguroua pelo cotovelo, guiando-a para fora do galpão através do pequeno caminho até à elevação onde se situava a casa-grande, as paredes brancas erguendo-se em meio à escuridão.

Depois de deixá-la, sem conseguir explicar por quê, Repp voltou-se, fazendo a volta. A meio caminho do hangar, o vento trouxe até ele o ruído de patas de cavalo. Logo um cavaleiro delineava-se contra o céu, no topo de uma elevação contra uma nuvem de estrelas. O'Rourke. Tinha que ser. As fofocas no alojamento falavam sobre seus passeios ao léu, inquietos, por toda a Triplo C. Mesmo sendo tio de Cat, o homem lhe dava nervoso. Mas pelo menos suas suspeitas haviam sido satisfeitas. Repp voltou-se e dirigiu-se para o alojamento.

Quando Ty fez a curva em direção aos degraus da frente, percebeu uma silhueta disparando nas sombras da casa e reconheceu o gorro branco tricotado. Não precisou muito para que adivinhasse onde a irmã fora e com quem. Não disse nada até alcançar a varanda larga que estendia-se por toda a frente da casa.

Não adianta se esconder, Cat. Já sei que você está aí - disse ele calmamente, ouvindo o farfalhar enquanto ela emergia das sombras, surgindo na varanda. - Encontrando-se às escondidas com Repp de novo? Uma noite dessas você ainda vai ser pega.

Papai é muito antiquado e rígido - disse ela com os olhos verdes

falseando de ressentimento.

Você vai achar que ele é muito rígido quando descobrir que você

está se encontrando às escondidas - avisou Ty, mas não estava com disposição de ser rigoroso com ela, assim deixou o assunto de lado. Havia muitas outras coisas em seu pensamento. Segurou a porta para Cat entrar, e em seguida entrou também. - Parece que alguém esqueceu a luz acesa no escritório. - Dirigiu-se até o vestíbulo.

- Acho que Strícklin está lá dentro - afirmou Cat, mesmo assim alterou o caminho para acompanhar o irmão e descobrir.

Stricklin abrira um livro e deixara-o caído sobre o braço da cadeira onde estava sentado. Limpava as unhas meticulosamente com um canivete. Ao ver Ty no umbral da porta, demonstrou um certo interesse.

- Oi, Ty, você está chegando agora? - Então, os olhos azuis inexpressivos o perfuraram. - Não sabia que Cathleen estava com você.

- É. Tivemos uma égua que ia dar cria - explicou secamente, consciente de estar lançando um álibi mútuo. - Esperamos não tê-lo incomodado.

- De jeito algum - garantiu Stricklin.

- Boa noite. - Ty saiu e encaminhou-se para as escadas, Cat seguindo-o de perto.

- Este homem é estranho - murmurou ela.

- Por quê? - Ty já se acostumara à maneira distante de Stricklin.

- Quem já ouviu falar de alguém que limpa as próprias unhas com um canivete sujo? - contrapôs com um vago meneio de ombros.

No topo das escadas, ele percebeu a faixa de luz sob a porta da suíte. Sentiu um aperto nos nervos, e se preparou expulsando os últimos vestígios de ternura. Não ouviu a voz baixa de Cat dizendo boa-noite enquanto pousava a mão na maçaneta do quarto.

A sala de estar estava vazia e às escuras, exceto por uma lâmpada solitária que jogava luz sobre a porta. Ty foi direto ao quarto, onde Tara estava sentada diante da penteadeira, passando um creme hidratante no rosto. Os olhos dela fitaram o reflexo do marido no espelho, friamente confiantes.

O tecido de cetim da camisola deixava expostos os ombros alvos delineando de forma sedutora os seios rijos e arredondados, os mamilos eretos pontudos sob o tecido. Era a sexualidade feminina tão insidiosa que chegava ao espalhafato. Irritou-o ver que ela não duvidara do seu retorno. Mas aquele calor que queimava os bons sentimentos parecia estar sempre Presente.

A calma da mulher o convenceu de que não estivera esperando-o. Ty acreditou nisso até que retirou o robe de cetim da cama para que pudesse sentar-se e retirar as botas. O robe ainda continha o calor do corpo dela, indicando que fora retirado nos últimos minutos. Ela não queria deixar transparecer que estivera à sua espera, outro de seus jogos.

- Fico contente de você ter voltado para casa antes que eu fosse dormir, Ty - fez ela, tampando o pote de creme. Saiu do banco e foi até ele, toda graciosa e sorrateira. - Queria dizer que sinto por algumas coisas que disse esta noite. Estava preocupada e fui dura.

Ty mal olhou para ela enquanto pronunciava seu discurso cuidadosamente ensaiado, recitando tão bem cada linha. Tirou as botas e colocouas ao pé da cama.

Incapaz de suportar por mais tempo o silêncio do marido, soltou uma gargalhada exasperada.

- Já pedi desculpas. Você não pode pelo menos dizer alguma coisa?

- O que quer que eu diga? - Ergueu-se e começou a desabotoar a camisa. - Sinto por muita coisa, mas isso não muda nada.

- Detesto quando brigamos, Ty. - Ela se aproximou e continuou a desabotoar a camisa dele, tão experiente e sedutora. - Vamos dar um beijo e trocar de bem - tentou persuadi-lo.

O calor do beijo dela fustigou-lhe a memória, a proximidade espicaçando-o. Era sempre assim; bastava ficar perto dela para recordar o fogo de possuir esta imagem de sonho. Havia algo de cego neste desejo.

E havia também o fato de amar por tanto tempo uma pessoa que não mais se conseguia parar de querer bem. Aparentemente por vontade própria, as mãos a acariciaram distraidamente, curvando-se sobre os ombros suaves. Quando a beijou, Ty sentiu o começo de uma revolta; então, ela se afastou.

Ele hesitou, mas não tentou retê-la. Talvez Tara tivesse sentido o gosto de Jessy nos lábios dele. As mulheres eram sábias em tais assuntos, descobrira. Soltou um suspiro e passou a mão nos cabelos.

Por dentro Tara fervia de ódio. Não compreendia o instinto que lhe dizia ter ele vindo diretamente dos braços de outra mulher. Mas tinha certeza. Fora alguma coisa na forma como a beijara, como se estivesse comparando. Só lhe ocorreu uma mulher... aquela puta da Jessy Niles.

- Ty... - Tentou conter a raiva, suavizando a voz.

- O quê? - Ela sentiu a voz dele pesada.

- Eu... - Tara girou sobre si mesma, observando o olhar dele percorrê-la. - Eu amo você. A dificuldade com seu pai... sei que de alguma maneira vamos superá-la.

- Não vou ficar contra ele - declarou Ty calmamente.

- Não. - Ela percebera que nenhum-grau de persuasão o levaria a isso. Era melhor que não o fizesse, agora que ela tivera oportunidade de considerar o assunto. Um distanciamento entre pai e filho poderia não redundar positivamente no futuro. Chase Calder era tão cabeça-dura que seria capaz de deixar seu mini-império para a filha, em vez de dá-lo a Ty. - Não posso pedir que faça isso, assim como você não poderia me pedir que desafiasse meu pai. Já compreendi seu ponto de vista. Mas você não precisa se envolver na briga... não publicamente.

- Acho que não. - Era um compromisso relativo. De súbito, sentiu-se muito velho e muito cansado e preocupado.

 

Nas duas semanas após a partida de Dyson, o tempo piorou. Aconteceu de tudo, da chuva copiosa a tempestades de neve, o vento de inverno feroz levando as temperaturas abaixo de zero. Às vezes, estabelecia-se ligeira pausa, mas em seguida o mau tempo voltava com toda a intensidade. Não havia proteção ou abrigo até que o tempo melhorasse. Era época de dar cria, uma operação contra o relógio em um tempo terrível, que se abatia sobre homens e animais.

Após duas semanas de dezoito horas por dia de trabalho, Ty estava magro e abatido, os nervos destroçados. Fitava com um olhar distante de inveja os olhos fechados do potro deitado em sua cama de palha, o corpo coberto. Cada respiração do animal era um som trabalhoso e áspero. Entrara no mundo prematura e repentinamente uma semana mais cedo, quando a mãe escorregou no gelo e caiu, fraturando ambas as pernas dianteiras. O potro fora retirado antes que a égua fosse sacrificada.

Como o potro era prematuro de duas semanas somente e com um suprimento de leite materno à disposição, havia uma grande chance de que o animal fosse salvo. Então instalou-se a pneumonia, e as chances de sobrevivência tornaram-se menores, com o passar das horas, as condições do potro deteriorando-se em rápida progressão.

Enquanto Ty assistia o animal, o ruído cessou. Passou-se um minuto completo até que seus sentidos embrutecidos pelo cansaço percebessem o silêncio na baia, e ele se desse conta de que o potro morrera. Encostou o queixo no peito, xingando silenciosa e amargamente. A perda de duas éguas e do potro praticamente eliminava qualquer chance de que a criação de animais de raça tivesse lucro naquele ano.

Ty ouviu o farfalhar da palha atrás dele, e levantou a cabeça, fatigado, voltando-se em direção ao som. Longas horas de vigília, aliadas a pouco sono nos intervalos, tornaram os olhos mais profundos e toldados, o chaPéu puxado sobre a testa e a aba sombreando o rosto.

- Como está o potro? - O pai surgiu na baia, a respiração criando nuvens de vapor.

- Perdido. - com um ligeiro movimento do corpo, Ty virou-se de costas para o animal e saiu da baia para juntar-se ao pai. Não era preciso, tamPouco esperado, qualquer comentário. Havia muito mais trabalho a ser feito Para que se perdesse um tempo valioso discutindo a morte de um potro. Quer alguma coisa? - O pai raramente deixava a casa, dirigindo a maior parte das operações da fazenda de sua mesa ou através de instruções dadas a Ty, enquanto ficava trabalhando no problema do título da terra.

- vou de avião a Helena hoje à tarde. Depois de muitos adiamentos por causa do mau tempo, a reunião com aqueles funcionários de Washington foi marcada para amanhã de manhã - declarou, acrescentando: - Sua mãe vai comigo. Provavelmente estaremos de volta no fim da semana, se o tempo permitir.

- Tá. - Aquilo significava que Tara ficaria sozinha em casa. Teria que arranjar um jeito de permanecer mais tempo com ela, pelo menos fazer as refeições em casa. Não adiantava estimulá-la a visitar algumas esposas das redondezas. Ela só faria algo assim em último caso, e voltaria ainda mais descontente do que antes.

- Aonde você vai agora?

Ty se deteve, fazendo um esforço para responder.

- vou atravessar o campo até Juliana e verificar as coisas lá a caminho da sucursal Norte.

- Para encontrar Jessy Niles?

Ty empertigou-se. Lançou um olhar direto e duro para o pai.

- Arch está com problemas com o gerador. Mandei um grupo para lá consertá-lo.

- E aí você dá uma parada na casa de Jessy para tomar um café a caminho de casa. Não é essa a rotina? - Mais uma vez o tom de julgamento, a fala calma soltando bombas.

- Como Jessy trocou de turno e vai estar trabalhando nos galpões de cria quando eu estiver saindo de lá, provavelmente não vou para a choupana. - Ty respondeu indiretamente à pergunta implícita, sem confirmar nem negar.

- Está bem familiarizado com os horários dela, hem? - desafiou o pai, observando de perto as reações de Ty. - Nunca tive o costume de me intrometer em sua vida particular.

Ty perdeu a calma.

- Então fique fora agora! - explodiu, mal controlando a raiva.

- O falatório sobre você e Jessy já tinha chegado longe quando eu soube - afirmou o pai. - Não há fumaça sem fogo. Você é casado, Ty. Fez promessas a sua esposa e vai ter de cumpri-las. Não me importa o quanto é fumaça e o quanto é fogo. Simplesmente fique longe de Jessy Niles. Não vou tolerar desonestidades.

- Meu Deus, é o roto falando do esfarrapado! - Vibrava por dentro de tanto ódio com a ordem virtuosa. - Faça o que digo mas não faça o que eu faço, não é?

- Acho melhor você se explicar - avisou o pai.

- vou me explicar sim - prometeu Ty, a voz áspera e surda. - Em duas palavras... SallyBrogan. Ou você não se lembra daqueles tempos em que ficava com ela enganando sua esposa?

A mão enluvada do pai atingiu-o em pleno rosto, e Ty cambaleou para trás, batendo nos pilares do estábulo. Colocou a mão no queixo, massajeeando-o enquanto lançava um olhar faiscante em direção ao pai. Raiva e ressentimento agitaram seu sangue, levando-o a atirar-se sobre o pai em uma briga que levou ambos ao chão da baia, sacudindo-se em luta renhida como dois gigantes em combate mortal, um deles no apogeu da maturidade e o outro com a experiência da luta.

Gritos ecoaram em algum ponto do estábulo, seguidos pelo ruído surdo de passos correndo. Um par de mãos agarraram Ty, depois outras duas mãos, puxando e arrastando. A visão toldada do filho começou a registrar outras formas, operários do estábulo envolvidos na briga para amainá-la e separar os dois homens à força.

Lentamente voltou à sanidade, cheio de amargo remorso. Os pulmões buscavam ar quando Ty parou de lutar, sustido por dois homens. A boca cortada sangrava levemente. Enxugou-a com a luva, passando a língua pelos lábios, enquanto olhava ansioso para o pai. O Calder mais velho sacudiu os ombros com impaciência, retirando de cima dele as mãos que o seguravam. Ele também respirava com dificuldade, olhando o filho insistentemente. Por fim, olhou em torno para os trabalhadores.

- Deixem-nos - ordenou, em uma voz dura e ofegante. Seguiu-se um movimento inquieto de pés e olhares sendo trocados antes

que começassem a lenta retirada do local da luta. Estavam todos bem longe antes que um dos dois se movimentasse ou quebrasse o silêncio pesado.

- Sally Brogan é uma amiga. - Ele apontou um dedo enluvado para Ty, delimitando o lar como sua casa. - Nunca mais sugira que fui infiel à sua mãe. Sally foi uma amiga quando precisei. E jamais houve algo além disso.

- Pensei... - Mas não importava o que Ty pensara, por isso não concluiu a frase. Abaixando-se, pegou o chapéu que caíra na briga e sacudiuo na coxa, retirando os talos de palha acumulados. Em seguida enfiou-o na cabeça, puxando-o sobre a testa, erguendo ligeiramente o olhar para fitar o pai. - Acho que estava errado - admitiu relutante.

- Claro que estava mesmo. - As palavras possuíam força, mas a expressão dura do pai suavizou-se um pouco. - Até que você não se sai mal numa luta.

O arremedo de elogio pareceu quebrar o constrangimento. Ty quase sorriu, mas o corte no lábio o fez estremecer.

- Para um velho, você também não está mal. - Pressionou um dedo sobre o corte, testando a dor que sentia, e estremeceu novamente.

Houve uma ligeira pausa e então:

- A respeito de Jessy...

- Não pergunte. - Ty balançou a cabeça. Naquele momento, ela era uma espécie de âncora para ele, estável e calma, e ele precisava daquilo.

- Isto não é justo para com ela - disse o pai. - Você só pode ter uma amante fora do casamento, Ty. E essa amante é a terra. Ela lhe dará toda a satisfação e toda a dor de cabeça que poderá suportar.

Saíram juntos do estábulo, caminhando a passos largos que se sincronizavam. Os operários da baia viram e assentiram aprovadoramente uns para os outros, suas preocupações aliviadas, agora que a rixa fora eliminada e restabelecera-se a harmonia entre a cabeça e o coração da Triplo C. Do lado de fora do estábulo, despediram-se para seguirem seu caminho separadamente.

- Avise Tara que hoje vou chegar a tempo para o jantar - disse Ty, erguendo a mão. - Boa viagem.

O monomotor rápido e brilhante fez uma volta, dirigindo-se para Oeste, rumo ao cinza lúgubre do tempo nublado. O barulho do motor atravessava as paredes e janelas da casa reconstruída. Culley ouviu e parou de cortar o rosbife em fatias, combinando o almoço atrasado a um jantar adiantado. Os sentidos aguçados reconheceram o ruído daquele motor. Largando a carne meio cortada, foi até a porta dos fundos e saiu.

Olhou para o alto, vasculhando o céu cinzento. Finalmente percebeu o aeroplano, as letras identificadoras mal visíveis àquela distância. Era um avião dos Calder, sem dúvida. Uma vez localizado o aeroplano, sentiu certa indiferença. Virou-se e entrou novamente em casa.

Foi só quando pousava o prato sobre uma toalha recém-lavada que um pensamento começou a importuná-lo. Analisou-o durante a refeição, lavou e enxugou a louça e em seguida saiu da casa e pegou um cavalo do curral para selá-lo.

Os consertos do gerador estavam quase concluídos. Ty deixou os dois mecânicos terminarem-no enquanto ia até o galpão das crias informar Arch Goodman da progressão dos trabalhos. Ao menos essa foi a desculpa que se deu para ir até lá.

Goodman estava trabalhando com os outros, ocupado no nascimento de um novilho.

- Pegue um café na garrafa térmica - convidou. - Logo estarei com você.

Uma mesa de papelão servia de bar, colocada em um canto abrigado do galpão. A meio caminho do café, Ty localizou Jessy apoiada ereta numa parede áspera, as pernas cruzadas à sua frente. Ty sentiu um leve prazer.

O corpo longo e elegante parecia mais arredondado, embrulhado na camada de roupas térmicas de baixo, além das duas camadas de roupa sob a jaqueta de inverno. Um cachecol dourado de lã envolvia-lhe a cabeça, com um chapéu marrom, encardido, sobre ele. Ela o viu e, a despeito da expressão de cansaço, lançou-lhe a sombra acolhedora de um sorriso. Ty teve que se conter para não ir diretamente até onde ela estava, detendo-se na mesa onde se encontrava a garrafa térmica, enchendo um copo de papel.

- Você devia sentar - ele observou sobre a borda do copo que levou à boca.

- Não. - A voz dela era alegre. - Não conseguiria levantar novamente.

com o tempo e o período do ano naturalmente atarefados, a quantidade de trabalho fora demasiada para que Ty conseguisse vê-la mais do que duas vezes desde o último momento em que haviam estado juntos, e todas ocasiões subsequentes se deram no limiar do trabalho. O peso pareceu aliviar-se em sua mente. Havia algo na companhia dela que produzia uma tranquilidade diferente de qualquer sentimento que já sentira com Tara. Ty não se deu conta da intensidade do olhar que lançava à garota até que ela desviou o olhar.

- Acho que estou suja e fedorenta, não estou? - admitiu com honestidade e alguma rebeldia. Os sentimentos eram evidentes no olhar lançado para ele. - Você não precisa rir desse jeito e me fazer sentir ainda mais imunda - ela protestou.

Agora sei que você é uma mulher - disse Ty, aproximando-se, um

brilho de divertimento nos olhos. - Você está morta de cansaço e mesmo assim ainda se preocupa com a aparência.

- Achei que isso não devia importar. Você já me viu pior do que isso.

- Havia uma expectativa ansiosa na expressão do rosto dela, uma espera que sempre o incitava, como uma poderosa força contra a corrente.

- Para mim você está com a aparência boa - afirmou simplesmente, descobrindo que era verdade.

com um lenço em torno da cabeça e pescoço, não havia nada capaz de desviar o olhar de Ty das linhas fortes e limpas do rosto de Jessy. As rugas provocadas pelo sol formavam sorrisos em torno dos olhos castanhos e os traços arredondados das maçãs do rosto pronunciavam-se saltados. Os lábios grossos uniam-se harmoniosamente, generosos e atraentes. O olhar desceu mais, até a frente volumosa da jaqueta. Um sorriso repentino e súbito repuxou um canto da boca de Ty.

- Por que é que toda vez que olho para sua boca, automaticamente olho para os seios? - refletiu em voz alta com um tom de íntima familiaridade.

- Nunca peguei você olhando para eles. - Olhou-o de forma diferente.

- Todos os homens olham. Eles só procuram não ser vistos olhando

- murmurou Ty, uma carícia preguiçosa surgira em sua voz. - Os seus são tão pequenos... pequenos e tão sensíveis.

Quando pousou a mão enluvada na superfície áspera próxima à cabeça de Jessy, a respiração dela se acelerou. Ele foi se inclinando, o olhar mais e mais desviado para a boca à sua frente. Tomada ao mesmo tempo de indecisão e imobilidade, ela estava fascinada e temerosa de interromper o encantamento.

Alguém gritou, e a voz soava próxima. Ouvindo o ruído surdo de botas galgando a cerca do curral, Ty tomou consciência do local em que se encontrava, empertigando-se e afastando-se dela, erguendo a xícara de café Para dar um gole rápido.

Ela sentiu-se oprimida, surgindo-lhe um olhar carrancudo de comPreensão.

Vai começar, não é? - fez ela, sem esperar que ele perguntasse o que queria dizer. Ela vira o olhar de soslaio que ele lançara, aquela precaução peculiar de Ty. - Vai começar a pensar se fomos vistos juntos? Quem pode estar vigiando? Quando vai à minha casa, provavelmente você sente um ímpeto de estacionar atrás da choupana, onde a caminhonete não pode ser vista. E eu vou começar a colocar estores nas janelas. Mesmo assim, vamos pular a cada ruído.

A boca apertada de Ty denotava concordância.

- Está arrependida, Jessy?

Ela pensou por um instante sobre a pergunta, antes de balançar lentamente a cabeça.

- Não. Talvez seja errado. Mas nem mesmo isso eu tive antes. Não estou reclamando, Ty.

Mas ele sentia dúvidas e arrependimentos. Ela podia ver o que Ty pensava. O olhar apertado vasculhava o galpão e os trabalhadores. Jessy olhou por sobre o cercado, e um leve sorriso assomou em seus lábios. Desde que Ty aproximara-se dela, nenhum dos homens fizera uma pausa para tomar café e fumar.

- Todos eles sabem, Ty - disse ela, continuando a olhar. - Você não consegue esconder deles nada do que se passa nessa fazenda... não por muito tempo.

- Eles lhe disseram algo?

- Não e nem dirão. - Jessy fitou-o, calma e vagamente tolerante,

- Você devia saber que as coisas aqui não funcionam dessa maneira. Não. eles não vão se meter e vão me deixar resolver meus problemas. Não vão fazer julgamentos tão rapidamente quanto você poderia pensar. Vão esperar para ver.

- É por isso que você me olha desse jeito? Esperar para ver?

- Sei que você vai tomar uma decisão, ou então não é o homem que penso. - Parte dela até mesmo sabia qual seria a decisão. A influência de Tara sobre ele era forte; e um Calder vivia com seus erros, não os mostrava. Juntando esses dois fatos, o resultado era praticamente previsível.

Alguns na fazenda questionavam a habilidade de Ty. Ele fora criado e educado de maneira diferente. Alguns diziam que descartava as velhas maneiras muito rapidamente, em favor das novas - muito propenso a aceitar mudanças. O modo como deixava a mulher viajar sozinha erguera muitas sobrancelhas, diante desse exemplo de casamento moderno.

Mas grande parte do pessoal não se apercebia de duas qualidades que Jessy via - a agressividade e a determinação em vencer. Elas o tornavam duro, mais duro do que a maioria das pessoas percebia. Jessy os captara por sob aquela máscara de paciência. Ainda restava saber se essas duas características poderosas obscureciam a consideração de outras pessoas e coisas.

- Está na hora de voltar ao trabalho. - Ela se afastou da parede, engolindo o resto do café agora morno antes de atirar o copo de papel em um balde de cinco galões.

- Jessy. - A voz denotava ansiedade e preocupação, enquanto ela dava um passo que a aproximou dele.

- Sim. - Deteve-se.

Passou-se um longo momento ãe avaliação, e ela sentiu a intensidade dessa análise. Finalmente ele balançou a cabeça,

Nada. - Deixou-a passar. Queria mantê-la a seu lado, mas o pai

estava certo: não era justo.

Quando Jessy afastou-se do canto do galpão, Arch Goodman aproximou-se, como se aproveitando a saída dela. Não se fez referência à preocupação de Ty. O peso das palavras de Jessy ainda ecoava em seu íntimo. Esperar para ver. Mas ele queria ser mico de circo se sabia o que todos eles finalmente veriam.

O rádio colocado no alto da geladeira na cozinha estava a todo volume. Tara cantarolava a melodia, enquanto ajeitava o patê no prato de servir. Era raro ter a oportunidade de planejar todo o jantar sozinha. Cozinhar para dois não chegava a ser um desafio, mas ela se consolava com a promessa silenciosa de que algum dia receberia convidados importantes em sua mesa, pessoas influentes no desenvolvimento da carreira de Ty para além dos limites da fazenda.

Ao se voltar para levar o patê até a geladeira, assustou-se com a visão de um homem de pé na cozinha. Tara teve a impressão de que ele se encontrava ali já há algum tempo observando-a. Um medo ameaçador percorreulhe o sistema nervoso ao reconhecer o homem magro e de olhos negros, os cabelos de um tom cinza-metálico. A casa-grande situava-se em uma colina, demasiado distante de outros prédios para que alguém ouvisse seus gritos, principalmente com o rádio naquela altura. Tara rapidamente baixou o volume.

- Há quanto tempo estava aí? O que quer? - perguntou, disfarçando a apreensão com a rudeza. O'Rourke sempre lhe parecera um homem muito estranho. Nunca o considerara ameaçador, mas tampouco estivera a sós com ele anteriormente. Surgira tão de repente, tão silenciosamente, que ela sentiu um calafrio de pavor.

- Onde está Maggie?

Um suspiro de alívio percorreu-a quando percebeu que ele procurava a irmã.

- Ela foi a Helena com Chase. Não devem estar de volta antes de sexta-feira.

Ele deu um passo em direção a Tara, os olhos negros fixos nela. Havia algo de quase ameaçador em seu rosto.

- Eles foram de avião?

- Foram. - Tara recuou levemente, desconfiada mas sem querer demonstrar alarme.

com súbito movimento de cabeça, ele olhou para o alto, como se pudesse ver o céu através da casa-grande. Algo nele se retesou, como um animal acuado e à espera.

- É melhor você ir embora - ordenou Tara. Nenhum homem jamais lhe parecera além de sua capacidade de controlá-lo. Mas ela não significava nada para O'Rourke. Não chegava a lhe causar qualquer impressão, o que também não era lá muito encorajador.

- Onde está Cat? Está na escola?

- Está. Mas Ty logo estará em casa - disse ela rapidamente, agarrando-se ao nome dele como uma espécie de proteção. Ainda não tinha certeza de contra o quê. - Por que não o aguarda na sala de espera?

- Não. - A forma como a olhou esfriou o sangue de Tara nas veias. Era como se estivesse sendo condenada por alguma coisa.

Não conseguiu suportar aquela situação e virou-se, a respiração alterada.

- Desculpe não ter tempo de lhe dar atenção, mas estou em meio às preparações do jantar e eu... - Repentina corrente de ar atingiu-a. Tara girou sobre si mesma a tempo de ver O'Rourke escorregando pela porta dos fundos. A contenção sobre suas emoções desvaneceu-se. - Nunca mais venha a esta casa sem bater! - A porta bateu sobre o desabafo amedrontado e Tara correu para trancá-la, sem se preocupar com o fato de suas palavras irem contra o costume da Triplo C.

A porta fechada exigiu uma explicação a Ty, quando este teve de bater para poder entrar em sua própria casa. Tara conseguira canalizar grande parte do medo em uma espécie de raiva, ao relatar o incidente da tarde com O'Rourke.

- Não posso suportá-lo - declarou, carrancuda. - E não vou permitir que entre e saia como bem lhe aprouver enquanto eu estiver sozinha.

- vou falar com ele - prometeu Ty para acalmá-la. - Mas não fez por mal. Só veio aqui para visitar minha mãe.

- Não interessa. Não o quero por perto. - Esfregou os braços, agitada, recordando o calafrio de pavor que sentira.

Ela lhe parecia vulnerável, necessitando de sua proteção. Ty aproximou-se por trás e envolveu-a em seus braços. Tara voltou-se, o rosto apoiado sobre ele. Ty sentiu mais uma vez aquela sensação de surpresa diante de beleza tão refinada e da maneira penetrante como o olhava. O chamado dos lábios vermelhos e suaves atraiu sua boca.

Na manhã seguinte, Ty subiu as escadas com uma pequena bandeja oscilante, na qual havia um copo de laranjada e uma xícara de café. Tara ainda dormia quando ele entrou no quarto. Pousou a bandeja na mesinha-de-cabeceira, sentando-se na borda da cama e dando-lhe um beijo para acordá-la. Preguiçosa, ela jogou os braços em torno do pescoço do marido, espreguiçando-se como uma gatinha sonolenta, ronronando.

- Não é possível que já tenha amanhecido. - Beijou-lhe o lábio inferior, evitando sentir cócegas com o bigode. - Volte para a cama.

- Não posso - disse ele, relutante. - Você me pediu para acordála antes de sair de casa agora de manhã. - Por um segundo, ela não conseguiu lembrar por que fizera tal pedido. Por fim lembrou-se de O'Rourke e seu desejo de não ficar sozinha em casa, dormindo, se ele decidisse fazer outra visita sem avisar. - Trouxe café e suco. - Ty empertigou-se e ela não tentou detê-lo.

- Que ótimo. - Ela se sentou na cama, ajeitando os travesseiros por trás das costas.

- Você vai estar bem?

- vou. Eu... - Tara hesitou. O pensamento de ficar sozinha em casa o dia inteiro de súbito pareceu-lhe incontrolável. Suas opções eram limitadas. - Acho que vou pegar o carro e dirigir até algum lugar, talvez até Miles City. Ouvi dizer que existe uma pequena galeria com trabalhos de artistas locais. Mas estarei de volta antes do anoitecer.

- Então provavelmente não virei almoçar - afirmou Ty. - Temos um grupo de novilhos doentes na sucursal Sul, e a infecção está se espalhando mais rápido do que a capacidade de Stumpy em isolá-la. É praticamente certo que ficarei lá a maior parte do dia. - Ty dirigiu-se para a porta, já bastante atrasado. - Não tranque as portas - alertou-a.

O veterinário irradiava simplicidade e cansaço em um rosto que carregava um olhar nem um pouco tolo, bem como uma bondade singela.

- A infecção por si só não é séria - disse a Ty, em um tom de voz fatigado e cortante de frustração. - Mas enfraquece os bezerros e os deixa vulneráveis à pneumonia. Portanto, estamos lutando em duas frentes. Os olhos piscaram ligeiramente. - A esposa de Niles avisou-me que era melhor que eu achasse algum remédio milagroso para curá-los, pois não há espaço para outro novilho doente na cozinha dela.

Ty soltou uma risadinha, não mais alarmado com a doença do que o veterinário.

- Ela é como Jessy. Colocaria todo o rebanho dentro de casa se isso os fizesse ficar bons.

- Mulheres de rancheiros são quase tão malucas quanto eles próprios

- concordou o veterinário, mas desviou o olhar com a menção do nome de Jessy. Balançou a cabeça, chamando a atenção de Ty para o veículo entrando no quintal. - O que será que ele quer. - Um raio de sol refletiu-se sobre o emblema pregado no casaco de inverno do homem que desceu do carro. - com certeza gosta de que as pessoas saibam que é xerife. Do jeito que Potter era preguiçoso, nunca jogou seu peso por aí como faz o Blackmore.

- Provavelmente ele acha que um xerife deve jogar suas banhas por aí - murmurou Ty, ficando de pé e voltando-se para ver o funcionário caminhando em sua direção. - Você se desviou bastante de seu caminho, hem, Blackmore? - perguntou Ty preguiçosamente. - O que foi? Missão social ou oficial?

- Lamento dizer que estou em missão oficial - disse o homem. Ele parecia extraordinariamente solene, sem a habitual rispidez corrosiva, olhando em torno para os prédios do campo Sul.

- Se está procurando meu pai, ele não está aqui. Vai ficar em Helena durante uns dois dias - Ty informou-o.

Fez-se um longo e analítico silêncio.

- O avião dele não chegou a Helena - declarou bruscamente o xerife. A primeira onda de irrealidade atingiu Ty. - Ele caiu a cem quilômetros de Helena... em alguma região desabitada. Um pastor do local viu o aeroplano bater no solo e foi buscar ajuda. Um grupo de salvamento chegou ao local de manhã cedo.

- Como pode ter certeza de que era o avião dele? - O sentimento de incredulidade exigia a pergunta enquanto Ty olhava fixamente, sem se mover, para o xerife. Então, a segunda compreensão o atingiu. - Você não disse nada sobre sobreviventes.

- Seu pai foi levado para um hospital em Helena. A única informação que tive das autoridades até agora era de que ele se encontrava gravemente ferido.

- E minha mãe? - indagou Ty.

- Morreu na hora. - Inclinou a cabeça, incapaz de suportar o olhar de Ty. - Sinto muito.

A seu lado, o veterinário murmurou um atordoado "bom Deus".

Ty conteve-se, tentando suportar o choque que procurava rejeitar tudo que lhe haviam dito. Recolheu pedaços de dureza dentro de si, mas não deixou-se entregar ao sentimento... ainda não.

- Minha irmã. Ela deve saber. - A mente parecia separar-se de seus sentimentos. - vou passar na escola a caminho de Helena. Ela vai querer ir comigo. Minha mulher foi fazer compras em Miles City, acho. Você poderia enviar um comunicado a ela, xerife, pedindo que telefone para casa imediatamente?

- vou fazer isso - aquiesceu o xerife.

- Bill. - Ty lançou um olhar em direção ao veterinário, a voz tornando-se áspera. - Diga a Stumpy para tomar conta de tudo até eu voltar.

- Está bem, Ty - respondeu discreto, respeitoso e contido.

Ty sentiu uma fraqueza nos joelhos e pernas enquanto deixava os dois homens sem mais palavras e dirigia-se até a pick-up. Era uma longa viagem até à casa-grande, e ainda mais longa até Helena, com um desvio até a escola para dar a notícia a Cat. Até lá, teria de segurar seus sentimentos.

Problemas usam o tempo Impedindo-o de chorar seus mortos Olhe para a terra em busca de resposta Pois agora você é um verdadeiro Calder.

 

Todo o tempo em que permanecera ao telefone, Ty olhava fixamente a cadeira de couro vazia atrás da escrivaninha. A despeito do que a voz impessoal no telefone lhe dizia, era-lhe difícil acreditar que o pai se encontrava em alguma sala de cirurgia lutando pela vida. O sentimento da presença dele era demasiado forte naquela sala.

A voz concluiu seu relato. Ty agradeceu distraído e desligou. Imediatamente, a calma da casa insinuou-se e jogou seu peso sobre ele. O tremor recomeçou, e buscou um cigarro; entretanto, o casaco ainda estava abotoado e as mãos ainda enluvadas. Em uma espécie de agitação contida, retirou as luvas e desabotoou o casaco com movimentos bruscos.

Observou as mãos tremendo enquanto acendia o cigarro, em seguida aspirou profundamente a fumaça para dentro de seus pulmões. A ação pareceu quebrar a rigidez que o mantinha tão ereto. Apoiou-se na borda da mesa, retirou o chapéu e colocou-o sobre a escrivaninha, passando a mão nos cabelos como se tentando expulsar o conhecimento que o dilacerava.

Até respirar doía. Pegou-se ouvindo à procura de ruídos - qualquer ruído que lhe dissesse que havia vida na casa, e não simples ecos falsos de vida. O silêncio da casa parecia-lhe mais alto do que as palavras do xerife de que nunca mais ouviria a risada de sua mãe. A porta da frente se abriu, e Ty tentou espantar a depressão que pesava sobre seu corpo. Empertigando-se, voltou-se para o som de passadas rápidas.

- Ty? - Jessy estacou no umbral da porta. Durante um longo segundo, deixou-se ficar ali, olhando para ele, o casaco aberto. Ele parecia completamente retraído e arredio, barreiras invisíveis expulsando-a. Por fim entreviu o desespero avassalador nos olhos dele, e lentamente Jessy cruzou a sala, postando-se em frente a ele. - Soube mais alguma coisa sobre seu pai?

- Acabei de falar com alguém do hospital. - O cigarro tinha um gosto acre demais. Apagou-o no cinzeiro sobre a mesa. - Está no meio da cirurgia nesse momento. Eles falaram em múltiplas fraturas ósseas, possíveis danos na espinha, colapso dos pulmões e uma concussão. - Não havia emoção de qualquer espécie na voz dele, mas Jessy não se deixou enganar.

- Você vai tomar banho e trocar de roupa antes de sair - disse ela.

- Não vai para a escola desse jeito. Sua aparência só serviria para assustar ainda mais sua irmã.

- Não há qualquer maneira atenuada de contar-lhe.

- Nunca há - concordou Jessy. - Talvez, quando você estiver pronto para sair, sua mulher esteja de volta, assim ela poderá acompanhálo. Uma mulher saberia lidar melhor com as lágrimas de Cat.

- Como você soube? Como chegou aqui tão rápido? - Seus olhos pareceram tomar conhecimento dela, só naquele momento percebendo que ela deveria estar em outro lugar.

- As linhas telefónicas da fazenda estavam todas ocupadas a partir do momento em que você deixou a sucursal Sul. Vim assim que soube.

- Não havia motivo para dizer-lhe que saíra às pressas dos galpões de parto, parando em casa o tempo suficiente para colocar roupas limpas assim que soubera que não havia ninguém com ele. Talvez não fosse seu lugar, e talvez não fosse conveniente, mas ela não estava ligando a mínima para isso.

Ele estendeu a mão, tocando o rosto de Jessy como se para certificarse de que era real. No segundo seguinte, ela estava nos braços dele, colada em seu corpo. Podia sentir a tensão colossal dentro dele, ao que ela o apertou ainda mais, tentando absorver parte do que ele estava sentindo. Ty enterrou o rosto em seus cabelos.

- Não consigo acreditar, Jessy. - A boca movimentou-se contra os cabelos dela, as palavras pronunciadas em voz terrivelmente rouca e sofrida.

- Simplesmente não consigo acreditar que ela está morta.

- Eu sei - sussurrou, agarrando-o inteiro, chorando por ele porque ele não choraria por si mesmo. Sentiu o tremor que sacudiu os ombros de Ty.

O cheiro de Jessy era doce e forte, tocando-o profundamente. Enquanto em torno dele pesava a morte, ali estava a vida. Ele a abraçou com mais força, movendo a boca em direção à fonte de vida. Beijou-a rudemente, incapaz de saciar a sede ou encontrar o fundo do poço. A dor, ansiedade e vitalidade da vida misturavam-se no amplexo selvagem.

Ty sentiu o gosto das lágrimas dela e recuou, a respiração entrecortada. Lentamente, ela baixou a cabeça e enxugou as lágrimas antes que ele pudesse discerni-la. Ty curvou a cabeça, tentando ver o brilho dos olhos de Jessy e identificar as lágrimas, mas ela virou o rosto com um movimento brusco e rápido.

- É melhor você ir tomar banho. - A voz dela soou baixa mas serena.

Após um minuto de hesitação, Ty deixou o escritório. O telefone tocou e Jessy atendeu. A chamada foi a primeira de uma série de indagações. Jessy lhes disse tudo o que sabia. Após a última chamada foi até a sala de estar para ver o que atrasava Ty. Do jeito que as notícias corriam rápido, havia o risco de alguém da escola saber o que acontecera e inadvertidamente dizer algo à irmã.

Alguém abriu a porta da frente, e Jessy virou-se bruscamente. Um vaqueiro alto e magro retirava o chapéu.

- Repp, o que está fazendo aqui? - Ela cruzou o alpendre.

- Cat já sabe? - A preocupação em seus olhos era evidente.

- Não. Ty vai passar na escola para apanhá-la. E vai contar a ela.

- Você acha que... você acha que teria algum problema se eu fosse também?

- Creio que não. Tenho a impressão de que Cat vai precisar de você.

- Obrigado. - Pegou o chapéu e colocou-o firmemente. - vou esperar lá fora.

Quando Repp Taylor abriu a porta, Tara estava cruzando a varanda. Atirou um olhar de surpresa em direção ao rapaz. Então o brilho de seus olhos acentuou-se ao ver Jessy. Repp segurou a porta para ela, esperando até que Tara entrasse para que ele mesmo saísse.

Fez-se longo silêncio entre as duas mulheres, estudando-se uma à outra. A tensão interpunha-se pesadamente entre elas, tensão que o tempo jamais apagaria. O olhar vibrante e altivo de Tara conferiu-lhe preponderância sobre Jessy, reservada e silenciosa, ainda que alerta a cada mudança na expressão da mulher.

- O que está fazendo aqui? - perguntou Tara, mal disfarçando a hostilidade. O olhar faiscou de Jessy para as escadas. - Um policial me deteve e disse que havia alguma espécie de emergência na família. Ty se machucou?

- Não da forma que você está pensando - replicou Jessy. - Houve um acidente de avião. Maggie morreu e Chase está gravemente ferido.

- Que horror! - Por um segundo o choque da tragédia afastou os outros pensamentos.

- É verdade. Agora Ty está lá em cima, trocando de roupa para ir pegar Cat na escola imediatamente e ir ao hospital em Helena.

- E você o estava consolando, imagino. - O tom usado era duro e ríspido.

Jessy não se deu ao trabalho de retrucar a afirmação.

- Se me desculpar, sra. Calder, já vou indo. Agora que chegou não sou mais necessária.

- Acho que nunca foi - disse Tara, rispidamente, erguendo mais as maçãs do rosto.

- Fui, sim.

Tara contraiu-se diante do tom por ela usado.

- Você parece muito segura disso.

- E estou. - Jessy foi direta. - Você não gosta de ouvir isso, não é? Tara não perdeu a altivez enquanto fitava a rival com fria especulação.

- Mas espero que não pense que foi a primeira mulher que Ty usou Para se consolar. É claro que as outras não foram idiotas a ponto de achar Que isso significava algo.

- Por que você o deixa? - indagou Jessy, mostrando os primeiros sinais de descontrole. - Por que sai e o deixa sozinho? Está se arriscando demais. Não percebe que eu não estaria aqui se você estivesse em casa? Você está no sangue de Ty, não nego. Talvez fique feliz em saber. Mas não tenho respeito por você. Não consegue deixar de ser o que é e viver do jeito que quer. Só que você está magoando Ty. - Quer tê-lo e todo o resto também. bom isso é impossível.

- Para você também - retrucou Tara.

- A diferença é que sei disso. - Jessy acalmou-se novamente. - Se Ty perguntar onde estou - prosseguiu -, diga-lhe que fui até a casa de Ruth Haskell. Chase era como um filho para ela. Ruth está sofrendo muito.

com esta frase, Jessy passou por uma Tara silenciosa e empertigada, em direção à porta da frente, saindo da casa.

Assim que chegou ao hospital, Ty foi diretamente à unidade de tratamento intensivo. Tara seguiu-o, envolvendo Cathleen em um braço de apoio, a face da menina tensa e pálida, os olhos vermelhos e inchados de chorar. O nervosismo tomou conta deles ao deterem-se na enfermaria.

- Meu nome é Ty Calder. Meu pai... - Não lhe deram oportunidade de completar a frase, um homem com um jaleco de médico interrompeu-o.

- Estávamos esperando o senhor. - Passou uma prancheta de um dos pacientes a uma das enfermeiras, colocando a caneta no bolso do jaleco comprido. - Sou o dr. Haslind. Falamos ao telefone hoje cedo.

A voz no telefone parecera de um homem mais velho, mas Haslind aparentava estar no início dos quarenta. A despeito do ar de competência profissional que o tornava alto e empertigado, seu rosto denotava cansaço, sugerindo longas horas de tensão sem descanso.

- Meu pai... - A voz de Cat tremia, estridente. - Como está ele?

- Diante das circunstâncias; ele está reagindo tanto quanto se esperava. - A resposta fora desprovida de emoção, como se repetida automaticamente, o que a tornava sem sentido.

- Quais são as chances dele?

- Seu pai está vivo. - Esta parecia ser a única esperança que lhes podia oferecer, mas o médico relutou em dizer mais alguma coisa diante de Cathleen, visivelmente perturbada. - Serão necessárias outras cirurgias, mas teremos que aguardar até que o organismo dele esteja pronto para suportá-las.

- Hoje cedo o senhor mencionou a possibilidade de danos na coluna vertebral. - A possibilidade do pai ficar incapacitado era algo que Ty encontrava dificuldades em aceitar.

- Sim - assentiu o médico. - Há indícios de paralisia, mas neste estágio é impossível definir a extensão da paralisia ou se ela será permanente. É cedo demais.

- Quero vê-lo - pediu Ty.

- Claro. - Haslind assentiu novamente, desta vez dando permissão.

No entanto, devo limitar sua visita a dois minutos. Ty hesitou.

Ele sabe sobre minha mãe?

Após uma pausa constrangida, ele respondeu.

- Não. Não achei conveniente dizer-lhe quando o trouxeram hoje pela manhã.

- Doutor? - Uma enfermeira chamou-o em particular. Ele pediu licença e afastou-se, mas ambos ainda se encontravam ao alcance dos ouvidos de Ty. - O senhor pediu-me que avisasse quando o sr. Calder começasse a recobrar a consciência - dizia a enfermeira. - Ele está voltando da anestesia agora.

- Ótimo.

O barulho de algo se estilhaçando violou o silêncio da ala especial. Durante um segundo de choque, ninguém reagiu, limitando-se a olhar para a porta do quarto de onde o ruído parecia vir. Por fim, a enfermeira e o dr. Haslind dispararam ao mesmo tempo em direção ao barulho. Ty seguiuo de perto.

Ao empurrarem a porta e entrarem, Ty visualizou uma primeira amostra do problema que se passava no interior da sala. Uma enfermeira tentava atar um paciente inquieto a sua cama, e ao mesmo tempo evitar que ele arrancasse o conjunto de tubos e fios ligados a seu corpo. Ao lado da cama, uma mesinha fora virada, as garrafas de solução jogadas ao chão, ainda rodando com a queda.

A cabeça do paciente estava envolta em ataduras, assim como a maior parte do corpo nu, engessado praticamente da cintura para baixo. Uma infinidade de cortes e ferimentos tornavam seu rosto quase irreconhecível, a cabeça girando de um lado a outro em protesto frustrado contra a incapacidade de mover-se, impedindo que Ty obtivesse um olhar claro dele. Somente um braço parecia estar em perfeito funcionamento, enquanto o outro estava engessado; mas a julgar pelo dano que causara, um era suficiente.

No último minuto, ele conseguiu soltar o braço da correia, antes que a enfermeira pudesse afivelá-lo com segurança.

- Minha mulher! Por que não me dizem onde ela está? - A voz era tão fraca e rouca que mal passava de um sussurro. Finalmente ocorreu a Ty a ideia de que aquele homem machucado e ferido era seu pai.

O médico juntou-se à enfermeira, unindo esforços para subjugar com firmeza o paciente.

- Calder, você tem de ficar deitado em repouso - ordenou, impaciente. - Vários de nós trabalhamos duro para pô-lo novamente de pé. Você vai estragar tudo que fizemos.

Ty aproximou-se da cama em uma espécie de embriaguez, tentando reconciliar aquela pessoa com a imagem indestrutível do pai que carregava em sua mente. O homem que ele praticamente idolatrava, cujo respeito valorizava mais do que tudo. Tão duro, tão forte, tão indefeso agora.

- Tenho que saber se Maggie está bem. - Era quase como um pedido, diferente de tudo que já saíra de sua boca. O braço estava afivelado, mantendo-o imobilizado, no entanto ele ainda se contorcia em resistência. Ninguém o ouvia. Estavam demasiado ocupados tentando colocar tudo em ordem, erguendo a mesinha, reinserindo as agulhas nas veias e adaptando o equipamento monitor.

- Vamos nos concentrar em fazê-lo melhorar - disse o médico, numa resposta distraída ao pedido que ele lançava impaciente para a enfermeira que enchia uma seringa hipodérmica. O olhar do médico oscilou por sobre a cama até Ty, demonstrando irritação. - vou ter que pedir-lhe para sair.

- Não. - Uma voz determinada recusou, e o médico preferiu não discutir. Ty inclinou-se em direção ao homem na cama. - Pai? Sou eu, Ty. - A voz estava contida, toda a emoção retirada. - Você tem que fazer o que eles mandam.

Os olhos castanhos que se voltaram para ele eram os mesmos de seu pai, duros e penetrantes quando queriam. E agora eles estavam sendo, apesar do brilho de dor.

- Ty, eles não vão me dizer. Sua mãe... ela está viva? - o desespero rasgava sua voz fraca e grave.

Passou-se um longo instante antes que Ty conseguisse emitir uma resposta, a garganta demasiado apertada pela emoção.

- Acho que você já sabe a resposta, pai.

- Sei. - A palavra demorou a vir, tão suavemente que Ty quase não conseguiu ouvi-la. Uma névoa úmida cobriu os olhos castanhos do pai antes que os fechasse, ocultando as lágrimas.

- Sr. Calder - uma das enfermeiras retirou Ty, firme mas polidamente, do caminho -, vamos ter que colocar este tubo em sua garganta. Vai ser muito desconfortável, mas será mais fácil se o senhor não resistir.

Mas não houve resistência; o pai entregou-se em silêncio aos procedimentos das enfermeiras.

- É melhor o senhor ir embora - sugeriu a segunda enfermeira, interpondo-se entre Ty e a cama. - Realmente não há nada que possa fazer aqui. Leve sua família para algum lugar e tente descansar um pouco. Deixe um aviso do lugar em que pode ser encontrado e entraremos em contato com o senhor se houver a menor modificação no estado dele.

Era um sábio conselho, embora não fosse fácil convencer a irmã a fazer isso. Ela queria ficar no hospital para estar próxima do pai. Por fim, Ty cedeu quando Tara concordou em ficar com ela. Mas ele não podia se dar ao luxo de tal gasto. Havia muitas outras coisas requisitando sua atenção e tempo. Primeiro dedicara-se ao vivo; agora estava na hora de preparar tudo para a morta, e dar partida às providências necessárias para que prosseguissem os trabalhos na fazenda.

Já arranjara um lugar para ficar. Dyson tinha um apartamento em Helena para uso eventual, e Tara também possuía a chave. Ela a deu ao marido.

- Não o entendo - murmurou Cat, tensa, observando o irmão sair da sala de espera a passos largos. - Como ele pode sair enquanto nosso pai pode estar ali morrendo?

Pessoalmente, Tara animara-se com o controle sobre as emoções demonstrado pelo marido. Parecia uma ironia à afirmação de Jessy de que ele precisara dela.

- Acho que você não está levando em consideração a quantidade de responsabilidade que recai sobre ele a partir de agora. Ele tem de agir como a cabeça da família, além de assumir inteiramente a liderança da fazenda.

- Era a realização de um sonho de Tara, apesar do traço de culpa que sentia por regozijar-se nesta tragédia. - Há muitas coisas que tem de providenciar.

- Você quer dizer... para minha mãe, não é? - disse Cat, a voz baixa e atormentada pelo sofrimento; em seguida a agitação ergueu o tom. - Não é justo - protestou numa explosão de desespero. - Ela não tinha o direito de morrer! Não assim... sem avisar! Como é que ela pôde fazer isso com a gente?

Não havia lógica capaz de combater aquela rebelião amarga contra o destino. Emoções movidas pela dor estavam sendo liberadas através da raiva, assim Tara simplesmente deixou a garota resmungar até que as lágrimas chegassem. Então, ela tomou Cathleen nos braços deixando-a chorar até o ponto da exaustão e soluços.

A caminho do apartamento, Ty parou na funerária local para onde sua mãe fora conduzida, providenciando para que o corpo fosse levado para casa, onde seria enterrado no jazigo da família. Depois disso, havia uma longa lista de telefonemas a dar. Começou procurando o hotel em que Phil Silverton, o advogado que cuidava dos interesses dos Calder, se encontrava.

- Como está seu pai, Ty? - perguntou o homem, depois que Ty o localizou por telefone. - O hospital não deu muitas informações.

- Não muito bem - admitiu Ty, ainda lutando consigo mesmo para enfrentar a realidade. - Falei com ele rapidamente, mas... o médico não quer nem mesmo dizer quais as chances que tem.

- O que quer que faça a respeito daquela reunião com Hines do Ministério do Interior? Naturalmente, quando soubemos do acidente do avião, adiamos tudo. No entanto, sei que ele ainda se encontra na cidade.

- vou encontrar-me com ele - disse Ty. - Veja se consegue arranjar um horário amanhã de manhã.

- Certo. - A resposta fora afirmativa, seguida de pausa curta. Não ouvi qualquer palavra oficial sobre a causa do acidente. Uma testemunha achou que o avião teve problemas no motor. Seu pai conseguiu falar alguma coisa?

- Não, Não perguntei. - A causa era a última de suas preocupações. Ainda estava tentando lidar com as consequências do acidente.

- Ty... detesto trazer o assunto à baila, mas... algumas decisões precisam ser tomadas. Pelo que você me disse, seu pai vai ficar inativo por um bom tempo, mesmo se sobreviver. Você vai ter de ser autorizado a agir como cabeça da companhia. Existem duas possibilidades. Se o médico puder atestar que seu pai está consciente de seus atos, podemos fazê-lo assinar os documentos cedendo o controle da companhia a você. Ou então, podemos fazer uma petição e apontá-lo o defensor dos interesses dele. A primeira é a melhor, se for possível.

- Falaremos com o dr. Haslind de manhã. - Ty compreendia a necessidade daquela atitude. Em todos os sentidos, exceto de fato, ele já assumira o controle, mas torná-lo legal soava demasiado definitivo.

- Hoje à noite vou rascunhar um documento.

Após concluir seu trabalho com o advogado, Ty telefonou para Dyson em sua casa em Fort Worth. A despeito dos conflitos nos negócios, Dyson era o pai de Tara, consequentemente um membro da família que devia ser notificado do acidente. Ty deu-lhe os detalhes de que tinha conhecimento, sem enfeitar a realidade.

- Se houver algo que eu possa fazer por você neste meio-tempo, por favor, telefone - afirmou Dyson na despedida, desligando, grave com a notícia.

- O que foi? - Stricklin retirou os óculos do aro, recostando-se na cadeira para analisar o rosto sério do sócio.

- O avião de Calder caiu ontem. - Dyson ergueu-se da cadeira e cruzou a sala para servir uma bebida. - A esposa morreu.

- E Calder?

- Está em estado crítico. Stricklin foi até o telefone.

- vou entrar em contato com nosso piloto e preparar tudo para voarmos até lá.

- É, faça isso - assentiu Dyson distraidamente.

Ty telefonou para Stumpy Niles na fazenda, informando-o da situação; em seguida, fez uma chamada separada para a casa de Haskell. Jessy atendeu, e ele repetiu novamente as palavras que dissera com tanta frequência que haviam perdido seu significado.

- Como está Ruth? - perguntou ele, a voz grave.

- Não sei - admitiu Jessy, com um suspiro, preocupada. - Ela fica pedindo ao Vern para levá-la ao hospital para que possa tomar conta de seu pai, insistindo que Webb gostaria que ela fizesse isso. Fala de seu bisavô como se ainda estivesse vivo. Aí, fica divagando sobre as doenças que Chase teve na infância, das quais ela cuidou. - Fez uma leve pausa. - O médico lhe deu um sedativo, então espero que ela descanse.

Ty coçou a testa, tentando afastar o tédio.

- Alguém já foi até a casa de O'Rourke para avisá-lo do acidente? Eu devia ter feito isso antes de sair, mas... - Um suspiro soou e a frase ficou suspensa. Muitas outras coisas haviam suplantado qualquer pensamento em relação ao tio.

- Não, acho que não. vou vê-lo - ofereceu-se Jessy.

- Obrigado. - Só o som da voz dela já era, de alguma maneira estranha, tranquilizadora. Era a única coisa estável naquele cataclismo que o rodeava.

poucas estrelas brilhavam no céu negro da noite sem lua quando Jessy parou o carro no quintal da fazenda Shamrock. A casa estava às escuras, nenhuma luz nas janelas. Os faróis não evidenciavam qualquer sinal de vida no quintal; a luz que habitualmente iluminava o quintal não estava acesa. Ao sair do interior aquecido dapick-up para o calafrio noturno, a respiração de Jessy transformara-se em vapor. Ela encolheu os ombros contra a súbita queda de temperatura, olhando em torno em busca das sombras escuras do estábulo e do curral. Àquela altura, duvidava de que O'Rourke estivesse andando a cavalo. Voltou-se para a casa, e uma voz ecoou das sombras.

- Está procurando por mim?

Jessy girou sobre si mesma, olhando fixamente a escuridão, mal discernindo a forma negra imóvel num fundo igualmente negro. Nenhum ruído denunciava a presença dele, e ele não oferecia uma silhueta ao brilho fraco das estrelas.

- Estou sim. - Ela deu um passo em direção à voz, e por fim estacou. Por próprias razões, ele não queria ser visto claramente, ou teria se adiantado. Assim, Jessy não o pressionou. - Sinto muito, porém tenho más notícias. - Nenhum som incentivou-a a falar. Havia somente um silêncio de espera. - Houve um acidente de avião. - Sentia-se desconfortável, falando sem conseguir ver a pessoa a quem se dirigia. - Sua irmã... morreu.

Contra o negro formou-se um traço cinza. Um suspiro há muito contido foi solto. Foi a única reação enquanto o silêncio se prolongava.

- Ela virá para casa amanhã. - A voz suavizou-se de compaixão. Nisto não podia ser brusca. - Ty pediu-me para avisá-lo que o funeral será no dia seguinte. Ele mesmo teria vindo até aqui, mas está no hospital. O pai está gravemente ferido, e não têm certeza se sobreviverá.

- Ele vai sobreviver sim. - A voz que vinha das trevas soou pesada.

- Esses Calder têm tantas vidas quanto um gato. - A afirmação parecia mesclada a uma aceitação amarga.

- Sinto muito por sua irmã, Culley. Sei como você era apegado a ela.

- Jessy relutava em deixá-lo. Franziu o cenho, tentando penetrar as sombras e descobrir como ele estava recebendo a notícia. - Gostaria que eu ficasse um pouco? Talvez fazer um café?

Ele demorou a responder.

- Prefiro ficar sozinho - disse por fim.

Não havia mais nada a fazer, a não ser voltar à caminhonete. Ao manobrar sobre o caminho, os faróis iluminaram rapidamente a figura imóvel de um homem, as mãos nos bolsos do casaco escuro, a aba do chapéu sombreando o rosto.

Durante um longo tempo, Culley não se moveu. O som da pick-up desapareceu na noite e o silêncio envolveu-o, antes que finalmente a postura imóvel fosse quebrada. Ele ergueu o rosto para o céu, a umidade das lágrimas cintilando em seus olhos escuros. Soltou um gemido.

com um grito fúnebre, ele pronunciou seu nome.

- Maggieee! - A culpa recaiu pesada sobre ele, levando-o a cair de joelhos.

 

A multidão de pessoas assistindo ao funeral diminuíra, até que só restou a família junto ao túmulo. Todas as tumbas levavam o nome Calder, incluindo a mais recente, inscrita com as palavras Mary Elizabeth Calder, Minha Bem-Amada Maggie. Ty sentia intensamente a ausência do pai, quem mais a chorara.

Uma mão enluvada, delgada e suave, deslizou para dentro de seu cotovelo. Ty despertou para olhar a mulher, uma visão dramática em seu casaco de pele cor de ébano e um chapéu estilo turbante. O frio dera um tom rosado às maçãs do rosto, conferindo vivacidade à sua aparência.

- Está na hora de ir para casa. Cathleen já está no carro esperando por nós - ela estimulou docemente.

- Vamos. - Ele concordou com um suspiro profundo, colocando o Stetson preto na cabeça descoberta, puxando-o bem para baixo.

Juntos, voltaram-se e caminharam o trajeto congelado até o carro.

- Fiquei pensando se ele ia aparecer aqui, já que não foi à missa murmurou Tara.

Ty localizou seu tio Culley O'Rourke, o objeto de sua observação, enquanto ele contornava o pequeno cemitério em direção àpick-up. O terno preto que vestia o fazia parecer uma sombra negra e delgada. A cabeça baixa e uma aparência de completa solidão emanava dele.

- Tio Culley! - Cat o percebera também, mas o chamado passou despercebido. Ela saiu do carro e correu pelo caminho estreito entre os túmulos para interceptá-lo. - Tio Culley, espere!

Ele diminuiu o passo e por fim voltou-se para falar com Cat. O ar frio retirara um pouco do fôlego da sobrinha. Fez uma pausa para recobrar-se, enquanto perscrutava o rosto impassível. Em seus olhos havia uma sombra gelada, o único traço que revelava a extensão da dor do tio. Ela se enterneceu.

- Você quer vir para casa conosco? - Estranhamente, sentia-se falando com uma criança, apesar dos cabelos grisalhos. - Algumas pessoas próximas a mamãe vão parar na casa-grande para um café. Você deveria ir também.

- Não. - Balançou a cabeça devagar, o olhar deslizando por sobre ela. - Não sou bem-vindo lá.

A razão atordoou-a por um segundo.

É sim - insistiu Cat. - Você sempre será bem-vindo, do mesmo jeito que quando mamãe estava viva.

Nada mais é o mesmo.

Por favor, venha. Sei o quanto sente a falta dela. - A voz ficou embargada, transformando-se num soluço. - E eu também.

Suavemente, da maneira como se acariciaria uma pétala delicada, ele tocou a bochecha de Cat. Em seus olhos havia um olhar de triste adoração.

- Você se parece tanto com ela.

Durante todo o funeral Cat lutara para conter as lágrimas, tentando revestir-se de uma privacidade adulta em torno de sua dor. Mas aos dezesseis anos ela ainda não era madura como desejaria. O pequeno gesto de amor de um homem tão solitário quanto seu tio deflagrou a dor terrível. Sem se preocupar em parecer infantil, atirou os braços em torno dele e apertou-o, enterrando o rosto no colarinho aconchegante do casaco do tio, necessitando do conforto silencioso de um par de braços em volta dela.

Culley apertou-a com força. A mágoa dentro dele era tão grande que respirar chegava a doer. Ainda assim, a maneira como a garota precisava dele era um consolo que preenchia uma lacuna. Ela era parte de Maggie. Ele ainda tinha isso. Um sorriso desmaiado chegou aos cantos de sua boca enquanto agradecia a Maggie silenciosamente por dar-lhe isto.

Mas também estava consciente do casal no carro observando-os. Como sempre, percebia tudo o que estava à sua volta. Suave mas firmemente, afastou Cathleen de si, enxugando as lágrimas que escorriam pelo rosto da sobrinha.

- Sempre estarei por perto se precisar de mim - prometeu. - Agora é melhor você ir. Seu irmão está esperando.

Ela começou a dar meia-volta, então deteve-se para pedir mais uma vez:

- Você não vem?

- Não. Não me sinto muito bem entre as pessoas - disse ele docemente, incitando-a a ir com um gesto de mão.

- vou visitar você... logo - prometeu Cat, dirigindo-se ao carro, olhando por sobre os ombros de vez em quando para vê-lo ali de pé, tão solitário.

- Você devia falar com ela, Ty - murmurou Tara, desaprovando a cena de emoção entre tio e sobrinha. - Não acho que esse tipo de coisa deva ser encorajado.

- Se fosse você, eu não me preocuparia. - Ele abriu a porta do carro, ajudando-a a entrar. - Eles só estão compartilhando sua aflição.

Quando Cathleen chegou ao carro, explicou:

- Pedi que viesse conosco até em casa, mas ele não quis.

- Provavelmente é melhor assim, Cat - disse Ty, indo até o lado do motorista.

Na casa-grande, Ty parou o carro e saltou para ajudar Tara e Cathleen, mas não as acompanhou até os degraus da frente. A meio caminho, Tara deteve-se para ver o que o impedia de segui-las.

- Você não vem conosco? - perguntou, incisiva.

- Não. vou dar uma passada para ver Ruth Haskell por uns minutos - explicou Ty. - O médico não permitiu que ela assistisse ao enterro, então pensei em fazer uma visita.

À primeira vista, parecia ser um gesto de preocupação, embora Tara não conseguisse deixar de lembrar que Jessy Niles fora consolar a velha mulher quando soubera da notícia do acidente. Não havia razão para achar que Jessy iria para lá após o funeral, mas a suspeita a importunava sem cessar, mesmo se parecesse inconcebível que Ty fosse capaz de ir à casa de Haskell na esperança de vê-la.

Ela atravessou a varanda até a porta da frente, deixando que Cathleen a precedesse. Estacou no umbral da porta para observar Ty se afastando da casa.

- Tara Lee, algo errado? - Stricklin aproximou-se da entrada, os olhos azuis inexpressivos olhando para o local onde a atenção dela se desviara.

- Não - respondeu rispidamente, voltando-se graciosa. - Nada não. - Entrou na casa, retirando as luvas com vivacidade. - Onde está papai? - indagou calmamente, e então o viu conversando com outras duas pessoas na sala de estar. Adiantou-se, finalmente senhora da casa-grande dos Calder.

- Oi, Vern. - Ty cumprimentou o homem de rosto soturno que o admitiu na casa dos Haskell. - Como está? - Retirou o chapéu e desabotoou os botões superiores do sobretudo.

- Mal. - O homem idoso e curvado apoiou-se em sua bengala, mancando até a cadeira. - Não que alguma vez eu tenha pedido simpatia. Declarou amargamente, abaixando seu corpo artrítico até a cadeira. - Você quer ver Ruth. Ela está deitada no quarto. - Apontou para uma porta com a ponta da bengala; em seguida, seu rosto assumiu uma expressão maliciosa.

- A garota Niles está com ela, o que talvez você soubesse e talvez não.

- Obrigado. - Ty deixou passar o último comentário sem replicar e dirigiu-se para a porta. Encontrar Jessy não fora o motivo que o levara ali, mas não podia negar o formigamento de calor que sentira quando Vern o informara que ela estava lá. Bateu levemente na porta, e a voz de Jessy convidou-o a entrar. Ao entrar e fechar a porta em silêncio, captou a luz nos olhos cor de avelã de Jessy, ficando contente. Os cabelos longos e lisos estavam amarrados no alto da cabeça, conferindo dignidade aos traços fortes. Usava um vestido de luto simples de lã azul, uma cor quente como o céu entre o entardecer e a noite.

Ty aproximou-se da cama onde a ainda mais magra Ruth Haskell estava sentada, apoiada em uma pilha de travesseiros. Uma colcha antiquada enfeitada com renda cobria-lhe os ombros ossudos.

- Oi, tia Ruth. - Usou o nome carinhoso com que Cathleen a chamava, inclinando-se para dar-lhe um beijo na bochecha murcha. - Como está se sentindo?

Estou bem. - Ele não conseguia lembrar de algum dia tê-la ouvido reclamar. - Eu também queria ir hoje. - As mãos trémulas agarraram as dele enquanto os olhos lacrimosos o fitavam. - Jessy me contou a cerimónia bonita que foi. Tanta gente! Eu só queria... - A voz fraca extinguiu-se aos poucos, por fim encontrando um novo assunto. - Sinto tanto por Chase.

Falei com o hospital hoje de manhã. Disseram que ele está bem melhor - Na verdade, a frase que haviam usado fora "está resistindo", no entanto ele preferiu ser mais otimista com Ruth.

- Ele é como um filho para mim. Que par de garotos eu tinha - declarou, sorrindo com a lembrança. - Chase e o meu Buck. Buck devia estar aqui. Ele sempre conseguia fazer Chase sorrir. Às vezes era tão abusado... e as histórias que inventava. - Ela estalou a língua em doce afeição, então recobrou-se lentamente e olhou para Ty. - Ele nunca quis fazer mal.

- Eu sei - disse Ty para tranquilizá-la, mantendo sua própria opinião sobre o assunto.

- Acho que devia tomar os remédios que o médico deixou para você, Ruth - sugeriu Jessy. - E ver se consegue dormir um pouco.

- Talvez fosse melhor - concordou Ruth, hesitante, demonstrando indecisão e a vontade de que lhe dissessem o que fazer.

- Aqui. - Jessy retirou duas pílulas do vidro e deu-as à mulher, em seguida encheu um copo d'água do jarro sobre a mesinha-de-cabeceira. Depois que Ruth tomou o remédio, Jessy rearrumou os travesseiros para que ela pudesse deitar confortavelmente, fechando as cortinas para que o quarto ficasse em penumbra.

- Depois venho ver a senhora de novo - disse Ty à mulher, saindo silenciosamente. Jessy o seguiu, parando logo depois da porta. - Você vai embora agora? - perguntou num sussurro.

- Não, vou ficar aqui até ela dormir. Soube algo sobre o acidente? Como ou por que aconteceu?

- Nada de concreto. Os relatórios iniciais dos escombros indicam como causa provável a quebra do tanque de óleo, mas eles ainda estão tentando determinar se a ruptura foi antes ou depois da queda. - E o pai só conseguira fornecer escassos detalhes às autoridades. - Tenho que ir. Havia uma relutância no tom da voz dele. - Tem algumas pessoas na casa e não quero deixar Tara sozinha fazendo sala.

- De qualquer maneira, acho que ela não se importaria - Jessy murmurou cinicamente.

Uma vaga irritação percorreu-o diante da crítica implícita.

- Você não a conhece o suficiente para julgá-la.

- Você ainda a defende - observou ela. Ela é minha esposa.

Eu sei - Jessy disse tranquilamente, voltando ao quarto.

Ty oscilou indeciso entre a raiva e o arrependimento, estendendo por fim a mão para a maçaneta da porta e saindo. O cenho franzido não passou despercebido a Vern Haskell, que sorriu para si mesmo. Sempre fora tratado como uma espécie de forasteiro pelos Calder, mesmo quando se casara com uma das antigas famílias. Quando seu filho liberara o lado mau, sabia que eles haviam posto a culpa no sangue dos Haskell, e não no bom sangue Stanton da família de Ruth. Fazia-lhe bem ver um Calder não conseguir algo que queria, e a pequena conversa com Jessy Niles obviamente não terminara como Ty planejara.

Um mês inteiro se passara desde o funeral. Entre as visitas ao hospital e o peso da administração da fazenda sobre seus ombros, Ty estivera ocupado de manhã à noite. Além disso, tivera reuniões com o advogado, relativas tanto ao título disputado dos três mil hectares de terra quanto à herança da mãe, complicada devido a algumas ações que ela possuía na Califórnia. Grande parte dos trabalhos burocráticos e relatórios haviam sido deixados de lado, acumulando-se. Incapaz de adiar o trabalho de escrita, Ty finalmente fechou-se no escritório para adiantar o serviço. Inicialmente, ele simplesmente deu uma olhada sobre a folha de balanço do mês e os extratos de lucro e prejuízo. Quando, por fim, os números foram registrados por sua mente, sentiu uma ponta de alarme. Foi até os arquivos e retirou os extratos dos seis meses anteriores para traçar uma comparação. A preocupação aumentou.

- Ty? - A porta do escritório abriu e Tara colocou a cabeça no interior, batendo em seguida na porta. Uma fita de seda azul tremeluzia em torno dos cabelos negros e da testa. - Posso interrompê-lo um minuto?

- Claro. - Ele soltou um suspiro profundo e apoiou-se no encosto da cadeira, quase agradecendo a intromissão que quebrara o turbilhão de números em sua cabeça. Ela atravessou o escritório, segurando algo atrás das costas. - O que é isso?

- Lembra-se daquela velha fotografia que você me mostrou há muito tempo? - Estendeu-a em direção a ele. - O homem do meio era seu tetravô, não é?

- É. Chase Benteen Calder. Meu pai recebeu o nome dele - declarou Ty, confirmando que o homem no terno de casimira fina era seu antepassado, ou assim lhe dissera o pai. - E daí?

- A mulher com ele... você não disse que ela era uma senhora inglesa?

- apontou Tara.

- É. - Ele franziu ligeiramente o cenho, sem lembrar exatamente aquela parte da história. - Duncan ou Dunhill, algo assim. Naquele tempo, era comum um fazendeiro ter um financiador europeu, uma espécie de financista. - O olhar intrigado e curioso denotava certo divertimento. Por quê?

- Eu estava empacotando algumas coisas de sua mãe e fui até o sótão para ver se conseguia achar lugar em algumas daquelas arcas velhas lá em cima. Enquanto estava fazendo isso, achei isso aqui. - Ela mostrou uma segunda fotografia de uma mulher jovem. As pontas estavam queimadas, como se a fotografia estivesse em um incêndio. - Ela não lhe parece familiar?

A princípio, Ty não compreendeu o que ela queria dizer. Por fim, percebeu a semelhança entre as duas mulheres nas fotografias.

- É difícil de dizer, mas existe uma semelhança.

- Aposto que são a mesma pessoa - afirmou Tara; uma luz iluminou o olhar dela. - Sabe quem ela é?

- É a sra. Dunhill ou Duncan... esqueci o nome. Tara balançou a cabeça.

- De acordo com o verso da fotografia - disse ela, indicando a jovem mulher -, ela é Madeleine Calder, mãe de Benteen Calder.

- Ouvi dizer que ela fugiu quando ele era pequeno. - Ele franziu o cenho, duvidando da descoberta de Tara.

- Ela fugiu e obviamente casou com alguma família nobre inglesa e então retornou. Imagine só, Ty - declarou ela, com incontida impaciência. - Você descende da realeza britânica. bom, não exatamente. - Ela deu de ombros para afastar a falta de sangue real azul. - Mas um pequeno escândalo familiar é sempre mais excitante, especialmente quando ligado a lordes e ladies. Mal posso esperar até os Franklin chegarem no final de semana para contar a eles. Eles vão espalhar a história como rastilho de pólvora. Você vai ser o assunto de todos os que são alguém.

- Os Franklin?

O olhar perplexo de Ty provocou um traço de exasperação na boca de Tara.

- Ty, eu disse a você no jantar semana passada que os tinha convidado para o fim de semana.

Talvez ela tivesse dito, ele concedeu. Na maior parte das noites ele estava cansado ou preocupado demais para ouvir.

- Desculpe. Esqueci. Você sabe, é claro, que domingo vou estar no hospital.

- Certamente você pode adiar sua visita por um dia - instigou ela.

- Não posso. A temporada de rodeio vai começar - avisou. A consciência do horário repleto à sua frente parecia cutucá-lo, fazendo-o voltar a atenção aos relatórios mensais espalhados sobre a mesa.

- Então, isso quer dizer que não vamos ver nem mesmo sua sombra durante o fim de semana inteiro. - A impaciência era evidente em sua voz, afastando a fala arrastada que geralmente a suavizava. - Lyle Franklin Poderia ser muito útil a você. Coloque outra pessoa encarregada da supervisão do rodeio. Considerando o número de pessoas que você paga, uma delas deve estar qualificada para fazer isso. Se nenhuma estiver, está na hora de contratar alguém capacitado para a tarefa.

- O problema é meu e vou resolvê-lo - informou Ty pacientemente, correndo os olhos pelos malditos números sobre o papel. - Parece que já tenho muitos problemas sem discutir com você.

- Problemas? O que quer dizer? - Ela captara com rapidez o tom de preocupação na voz de Ty. A expressão do seu rosto imediatamente tornou-se séria e atenta.

- Parece que a fazenda vem perdendo dinheiro gradativamente ao longo dos últimos meses. - Ele juntou os relatórios. - E acho que está na hora de descobrir desde quando isto vem acontecendo, e se é tão sério quanto parece.

- Não posso dizer que estou surpresa, considerando a maneira como seu pai administra esta fazenda - disse ela, tomando cuidado para que a crítica não se tornasse demasiado acentuada. - Ele paga pessoas que estão velhas demais para trabalhar. É um gesto muito nobre se você pode bancá-lo, mas seria bem mais barato estabelecer um fundo de pensão para eles. Muitos já deveriam estar aposentados há anos.

- Eles fazem o trabalho que conseguem - disse Ty e levantou-se da cadeira.

- Aonde você vai?

- Ver Bob Crane. Ele preparou estes relatórios, então será bem mais rápido ir direto ao fundo falando com ele para descobrir se é a folha de pagamentos ou outra coisa.

Após duas horas no escritório do contador, Ty descobriu a existência de diversos fatores que haviam contribuído para a atual situação.

- Como pode ver - apontou Crane -, se não fosse a renda dos poços de Broken Butte, não teríamos aguentado nem mesmo os últimos cinco anos. Teria sido uma luta sob condições normais, mas iniciar dois grandes gastos com o lote de engorda e a criação de cavalos de raça... a expansão veio simplesmente na hora errada.

- Posso ver isso - concordou Ty, carrancudo, consciente de que ambos eram seus programas.

- Claro, neste último ano houve custos legais anormalmente altos, devido àquela disputa de terra com o governo. E ela ainda não foi resolvida - lembrou o contador. - E este relatório não inclui os custos médicos que estão sendo contraídos todos os dias com seu pai no hospital. Ouvi dizer - ele fitou Ty, hesitante - que com as operações e a terapia que serão necessárias, a hospitalização pode durar um ano. Vai custar uma pequena fortuna.

- Meu pai devia ter visto o que estava acontecendo - ele insistiu, o rosto fechado em uma carranca.

- É verdade. Mas ele estava jogando com uma mudança para melhor no mercado do gado, o que não aconteceu.

- Parece que não há muitas opções - observou Ty -, exceto reduzir as despesas ou criar uma fonte de renda através de ativos que possam ser sacrificados.

- O problema é o tamanho disso - assentiu Crane. - Desculpe, Ty. Teria lhe dito algo, mas pensei que você via os relatórios regularmente.

- Eu os via, mas sempre separadamente. Nunca percebi o rumo que estavam tomando. - As extremidades do bigode caíam com a curva austera da boca de Calder. Ele enrolou os relatórios em suas mãos, batendo-os distraidamente sobre a mesa ao se levantar. - Obrigado, Bob.

Os passos de Ty soavam pesados quando entrou na casa-grande, sobrecarregado pelos problemas inesperados. Teria que tomar algumas decisões difíceis, que precisavam ser as mais acertadas. Foi diretamente para o escritório, jogando os relatórios sobre a mesa. Dirigiu-se até o bar e colocou uma dose de uísque, e em seguida caminhou em torno da enorme lareira de pedra com os chifres compridos de boi. Tara chamou-o, mas ele não respondeu.

- Ty, você não me ouviu? O jantar estará pronto assim que você tomar banho e trocar de roupa. - Ela surgiu no limiar da porta, detendo-se para examinar o marido imerso em pensamentos. - Más notícias? - adivinhou, cruzando a sala até ele.

- Não foram boas - admitiu ele, remexendo as cinzas na lareira em busca de carvão quente capaz de reavivar o fogo.

- Por que não me fala sobre isso? - Ela o fitava com certa complacência.

- Tenho de pensar um pouco. - Levantou o copo e tomou parte do uísque.

- Você pode pensar alto - incitou Tara, mascarando a sugestão com um menear de ombros. - Talvez eu possa ajudá-lo. Conheço algo sobre negócios. Sou filha de meu pai.

- Por baixo de todo o Dior e diamantes. - Ty zombou do elegante vestido de tarde que ela estava usando e dois brincos de diamantes.

- Existe um cérebro também. - Sorriu provocante, usando a combinação de astúcia e charme que tão bem a servia.

- Não duvido que você possua conhecimentos em certas áreas, mas não sabe como esta companhia é dirigida.

Ser considerada de forma tão superficial irritou-a.

- Compreendo que está sendo dirigida de maneira errada, ou não estaria com os problemas que você descobriu - retorquiu ela. - Não foi gerenciada como negócio, mas como uma sociedade beneficente onde tudo menos o lucro vem em primeiro lugar.

- Esta é uma fazenda de trabalho, e você não pode basear os procedimentos em lucros a curto prazo. É preciso buscar ganhos a longo prazo.

- A paciência já estava chegando ao fim.

- Como é que pode fazer isso quando a fazenda é dirigida com métodos de vinte anos atrás, senão mais? - argumentou Tara, mantendo no entanto um tom razoável. - Os tempos mudam, e os métodos têm de mudar junto. Você não vê mais bois de chifres longos pastando nessa terra, não é? - disse ela, esboçando um gesto em direção aos chifres torcidos sobre o consolo da lareira. - Você precisa começar a jogar essas ideias antiQuadas fora e a se modernizar. Essa fazenda precisa ser dirigida de forma mais eficiente.

- Você diz isso como se fosse a coisa mais fácil do mundo. - O músculo ao longo da mandíbula acentuou-se. - Estou diante do problema de ter de cortar os gastos ou criar uma nova fonte de renda, de preferência ambas. O tipo de programa que você está sugerindo seria de implantação desgraçadamente cara. E não posso cavar um poço como fazem alguns de nossos amigos texanos porque não há petróleo nem gás aqui!

- Mas existe carvão, Ty- replicou ela calmamente, olhando-o atentamente e contendo a impaciência que vibrava dentro de si. - Toneladas de carvão. O suficiente para torná-lo tão rico que não importaria se essa fazenda ganhasse um centavo. Você poderia se tornar o rei do carvão e do gado do país inteiro.

- Não - respondeu duramente, no limiar do ódio. - Você sabe muito bem o que meu pai pensa sobre a perfuração.

- Não importa o que ele pense. Ele não pode dizer nada. Você está encarregado - lembrou Tara, com a mesma calma intensa. - Você tem o controle absoluto de tudo.

- Por enquanto - observou ele, mesmo sem haver restrições de tempo nos documentos que seu pai assinara. O poder dele não tinha limite.

- Seja realista, Ty - insistiu ela. - Seu pai vai ficar hospitalizado por pelo menos um ano. E depois disso, você sabe tão bem quanto eu, ele nunca será capaz de suportar esse tipo de estresse e tensão. Haverá um limite para o que ele poderá fazer. Portanto, essa fazenda é sua de agora em diante. E vai depender de você a melhor maneira de dirigi-la.

- Já vai ser muito duro para ele quando souber que estou deixando de lado o processo para reobter o título da terra. - Ty olhou fixamente para o uísque no fundo do copo, uma tensão acumulada aparecendo em seu rosto. - vou ter que deixar o processo, pelo menos agora, para cortar os altos custos legais. Mas abrir a terra dos Calder por causa do carvão... aí já é outra coisa.

- Abrir a terra! Você faz a ideia parecer um pecado - Tara censurouo. - Isto aqui é lama e grama, que podem ser dispensadas. Você estudou tudo sobre regeneração da terra na faculdade, Ty. Não faça como seu pai, condenando a ideia sem considerá-la. Fale com meu pai; deixe-o mostrar seus planos. Sei que ele pode ajudá-lo, se deixar.

- vou pensar no assunto - afirmou sucinto, encerrando a conversação sem prometer nada.

- Meu pai virá aqui daqui a umas duas semanas. Posso telefonar e dizer que você quer falar com ele. Sei que ele arranjará um jeito de passar mais dois dias aqui - disse ela, confiante.

- Droga, Tara! Eu disse que ia pensar sobre o assunto. - As palavras quentes foram praticamente cuspidas. - Não me pressione! - Ele virou as costas para a lareira, colocando o copo de uísque sobre a mesa ao passar por ela.

- Aonde você vai?

- Para algum lugar onde possa pensar em paz. - Ele agarrou o chapéu e enfiou-o na cabeça, puxando a aba sobre a testa.

Ela ficou gelada de raiva.

- Onde é esse lugar? A cama de Jessy, talvez? - sugeriu, sarcástica.

A frase o fez parar. Empertigou-se e franziu o cenho por sob uma máscara de indiferença.

- Eu ainda não tinha pensado nisso até você mencionar esse lugar, pode até ser que eu vá para lá.

A resposta totalmente inesperada inflamou-a.

- Então vá para ela! E vá para o inferno no caminho! - O orgulho ferido insistia em rejeitá-lo antes que ele sumisse das vistas dela. Quando os passos largos o levaram para fora do quarto, ela sentiu o ímpeto de ir atrás dele. - Você é um idiota, Ty Calder! - declarou ela, a voz zangada e trémula. - Posso lhe dar muito mais do que ela! Ela jamais conseguirá ajudá-lo como eu!

A porta bateu com violência. Tara estacou, explodindo em soluços impotentes de dor e fúria. Um leve ruído veio da sala de jantar. Tara olhou bruscamente em torno, retesada, tentando conter suas emoções. Era a jovem esposa do vaqueiro, que cozinhava e arrumava a casa para ela, de pé, hesitante na soleira da porta.

- Desculpe - disse ela. - Estava vindo perguntar sobre o jantar. A humilhação inundou-a, quando Tara percebeu que a mulher ouvira

quase tudo. O pensamento da história sendo espalhada pela fazenda era insuportável. Afinal de contas, nenhuma das mulheres gostava dela. Contariam tudo simplesmente porque ela era alguém e elas não.

- Saia! - As mãos crisparam-se, transformando-se em punhos rígidos a seu lado. - Saia da minha casa! - Ela estava quase gritando. Não quero ser espionada! Saia imediatamente!

Conseguiu controlar-se até a mulher desaparecer da sua frente. Aí, ela começou a descontrolar-se.

- Odeio você. Detesto tudo isso. Detesto esse lugar e essa terra! O telefone tocou, forçando-a a controlar os soluços amargos, tentando

engoli-los. Fez um esforço para reobter sua pose enquanto caminhava ereta até o telefone, fungando e enxugando o rosto.

- Residência dos Calder. Aqui fala a sra. Calder. - A voz saiu tranquila e controlada.

 

A bainha do robe de chenile cor de chocolate roçava os calcanhares de Jessy ao sair do banheiro, fresca após um banho, os pés descalços deixando marcas úmidas sobre o linóleo. Secou os cabelos longos e molhados Vigorosamente, espalhando gotas d'água sobre o assoalho.

Quando ela entrou na cozinha, imediatamente sentiu uma presença. Antes mesmo de vê-lo, já sabia que Ty encontrava-se na sala. Era algo no ar que instintivamente captava. Ele estava de pé imóvel no umbral da porta dos fundos, manuseando a copa do chapéu. O desordenamento dos cabelos escuros e pesados evidenciava a presença dos dedos enfiados por entre a massa de cabelos; os olhos toldados estavam atentos e pensativos.

- O café está fresco. - Jessy parou de esfregar os cabelos com a toalha. - Sirva-se.

Houve uma ligeira hesitação; por fim, ele pendurou o chapéu num prego ao lado da porta e desabotoou o casaco, abrindo-o. Uma certa energia represada parecia esconder-se por trás de cada movimento, enquanto ele pegava uma xícara na prateleira do armário, colocando café. Voltando-se, apoiou-se no balcão e sorveu pequenos goles de café, observando-a. Jessy podia sentir os olhos seguindo-a enquanto dirigia-se à geladeira.

- Ia mesmo fazer alguma coisa para o jantar. - Ela colocou a toalha molhada em volta do pescoço e abriu a porta da geladeira. - Já comeu? - Pegou um pacote de bife congelado e um prato de batatas cozidas.

- Não. - Ty mudou de posição quando ela os colocou no balcão ao lado dele.

- Que tal um hambúrguer e batatas fritas? - A despeito de toda a calma exterior, ela sentia os nervos à flor da pele.

- Pra mim, não. - Pousou abruptamente a xícara. - Jessy. - A voz era grave e insistente.

Quando ela ergueu os olhos, ele a pegou pela cintura e a puxou para junto de si com uma ânsia que fez o sangue de Jessy correr mais rápido nas veias. A boca de Ty mergulhou com ímpeto sobre seus lábios. As extremidades do seu bigode arranhavam a pele de Jessy enquanto a boca colava-se à dela. Sentiu as mãos dele penetrando em sua carne e os braços dele apertando-a contra o corpo longo e musculoso. A única separação entre eles era o espesso casaco de Ty. A força em ebulição dentro dele não dava trégua, era brutal em suas necessidades.

A raiva penetrou-a como faca de dois gumes. Contorceu-se para longe do beijo dele, afastando-se para lançar um olhar faiscante, a respiração descompassada com a pressão sufocante.

- Você brigou com ela, não foi? - acusou Jessy. - Por isso está aqui.

- Estou aqui. Não importa por quê- insistiu ele.

- O cacete, que não importa! - explodiu, terminando por sair dos braços dele. O robe de chenile enrolou-se em suas pernas longas, enquanto ela dirigia-se a passadas largas à porta dos fundos, abrindo-a com gesto brusco, indiferente ao ar frio em seus pés descalços. - Fora!

Cruzando a cozinha, ele fechou a porta com estrondo.

- Não vou merda nenhuma! - Lançou-lhe um olhar duro e consciente. - E você não quer que eu vá.

- Claro que quero, merda! - A mesma imprecação era lançada de um lado a outro, vontades determinadas entrando em conflito e sendo retribuídas.

- É uma merda - disse Ty entre dentes, agarrando-a novamente, ignorando a resistência vigorosa que ela oferecia. - É uma merda querer e não ter o direito de querer. É uma merda estar com você e saber que é errado.

Desta vez, quando a boca de Ty roçou os lábios de Jessy, o desejo era algo evidente - insistente e manifestando-se com a língua. Ela sentia-se indecisa - querendo e não querendo Ty, adorando e odiando aquele momento. Mas ficou com o beijo.

As resistências dentro dele começaram a se desfazer. Este desejo cego e injusto, sem consciência, tomava conta. Decidiu-se levá-la além dos limites que ela tentava impor. Amoldou-a contra seu corpo, sentindo os movimentos que haviam tomado conta do corpo de Jessy, tornando-o flexível e leve.

Como se percebendo o que estava acontecendo, ela cortou o beijo. Enfiou os dedos no casaco dele, virando a cabeça para o lado. Em seguida, ergueu o rosto, expondo o pescoço e a abertura na frente do robe, os seios pequenos pesando sob o tecido.

- Às vezes odeio você, Ty Calder - disse. O brilho nos olhos denotava um misto de raiva e lágrimas.

Por fim, ela se jogou por sobre ele com a mesma agressão feroz por ele demonstrada, a boca faminta e exigente enquanto terminava de abrir o resto do casaco. Ty tomou-a nos braços e carregou-a até o primeiro espaço vazio que encontrou, o grande tapete trançado diante da lareira. As chamas amarelas crepitantes forneciam suave luminosidade à cena.

Ele pousou-a sobre o tapete, a boca presa à dela, enquanto desabotoava-lhe o robe. Ela terminou de arrancá-lo com um movimento dos ombros, ao mesmo tempo em que Ty o puxava pelos braços, deixando-o caído por trás dela, sobre o tapete. Em seguida foi o casaco dele, as roupas e as botas que formaram uma pilha no chão enquanto ela se apoiava no robe feito almofada sobre o tapete, vendo-o despir-se.

A luz da lareira tornava o corpo nu de Jessy dourado, sombreando suas reentrâncias e jogando luminosidade sobre as curvas arredondadas. O cabelo ainda molhado fora retirado de seu rosto, delineando seus traços fortes e bem desenhados. Os braços longos o envolveram quando ele se aproximou de Jessy.

O calor aumentava em seus corpos, a pressão surgia de dentro para fora e de fora para dentro enquanto Ty beijava-lhe dos lábios aos mamilos, encontrando um porto seguro em ambos. Ela se contorcia por sob ele, e os quadris dela excitavam-no.

Havia harmonia no acasalamento, algo de natural e bom na junção dos dois. A sensação percorreu-o, doce e clara como o ar após a chuva. E assim ela o fitou quando rolou para cima dele, sentando-se sobre ele, os dedos dele entrelaçados com força, os movimentos dela graciosos como os de um salgueiro. A sensação de força que ela passava originava-se da terra Que a criara, altiva e indomável.

Em um instante de consciência, Ty compreendeu que a força do corpo de Jessy e seu espírito consistiam em algo que Tara jamais alcançaria. Ele podia ser rude e enérgico com Jessy porque sabia que ela retribuiria da mesma forma, senão até mesmo melhor do que recebera. Mas Tara se assustaria com tanta emoção. Ela não saberia dar todo seu amor daquele jeito - daquele jeito.

O peso e os braços dele a levaram de volta ao tapete, e o vigor que impulsionava seus desejos fizeram-na emitir os sons que lhe saíam da garganta. Uma sensação ardente mergulhou ambos num fluxo de bem-aventurança; as mentes deixavam de funcionar e os corpos faziam toda a comunicação necessária.

Enfiando os braços nas mangas do robe, Jessy amarrou o laço que o fechava. Enfiou a mão nos cabelos quase secos do pescoço, tirando-os de sob o robe. Ty surgiu calmamente na sala de estar, descalço e nu da cintura para cima, somente com as calças Levi's. Jogou-se sobre o tapete trançado onde ela estava sentada, entregando-lhe a escova que ele segurava.

- Você está suando - observou ela, pegando a toalha para secar o brilho da transpiração sobre as áreas musculosas dos ombros dele.

- É o fogo - murmurou, uma luz preguiçosa acendendo-se em seus olhos.

- Qual deles? - indagou Jessy em uma voz seca e provocante, colocando a toalha de lado para desembaraçar os cabelos.

A mão dele a deteve, arrastando-a, persuasiva, incitando-a a deitar-se novamente. Ele estava apoiado sobre o cotovelo, e ela abaixou-se de forma a descansar a cabeça sobre o antebraço musculoso. Os olhos meio fechados estudaram-na enquanto ele traçava lentamente um círculo, da maçã do rosto até a mandíbula e daí até os lábios, onde a pele estava irritada, devido aos arranhões do bigode.

- Ainda me odeia?

Um sorriso leve permaneceu nos lábios de Jessy, mas a luz de seus olhos tornou-se sombria.

- Às vezes. - Brincou pensativa com a escova. - Parece que eu odeio e não odeio você desde que o conheço.

- Por exemplo?

- Aquela vez em que você me beijou de brincadeira,«... mais umas duas vezes. - Mas ela preferiu não especificar.

A severidade tomou conta da expressão de Ty.

- Como quando me casei com Tara, suponho.

- Esta foi uma delas. - Jessy sentou-se novamente para terminar de escovar os cabelos. Ty girou em busca do maço de cigarros no bolso da camisa.

Fora tudo infinitamente agradável e confortável entre eles. Agora a velha irritação voltara, as dolorosas pontadas de culpa e constrangimento. O fósforo não acendia e ele praguejou amargamente a meia voz. Por fim, simplesmente segurou a caixa de fósforo e o cigarro numa das mãos, o fósforo em outra.

- Tentei afastar-me disso. Você sabe, Jessy.

- Eu adivinhei - ela admitiu, nenhum dos dois olhando para o outro. Ela parou de pentear os cabelos e estudava-lhe os pêlos escuros.

- Não é justo com você - disse ele.

- Acho que a decisão é minha sobre se é ou não justo.

- Talvez eu saiba que você merece mais do que está recebendo.

- O velho Nate Moore certa vez me disse que nunca se devia falar demais de barriga vazia. - Jessy desdobrou as pernas, ficando de pé. Tem certeza de que não quer mudar de ideia sobre o jantar?

Era uma troca deliberada de assunto, em que ela evitava um tema que não queria discutir. Ty soltou um suspiro forte, admirando a coragem inflexível dela. Nenhuma vez ela lhe pedira para mentir ou fazer promessas sem sentido.

- Não, obrigado.

Quando ela se dirigiu para a cozinha, o telefone tocou. Mudou de direção para atender, mantendo a frente do robe fechada, mas a parte inferior aberta sobre suas pernas longas e bem torneadas.

- Oi, pai - ela respondeu, assim que reconheceu a voz do outro lado da linha. - Quais são as novidades?

- A sra. Calder acabou de me telefonar. - A voz dele soava ríspida.

- Ela estava à procura de Ty e tinha grandes desconfianças de que eu poderia saber onde encontrá-lo. Ele está aí?

- Ty? - Ela repetiu o nome por causa dele, e o viu erguendo a cabeça interrogativamente em direção a ela.

- É Ty. - afirmou o pai, nada paciente. - Se estiver aí, diga-lhe para ir para casa imediatamente.

- O que houve? Aconteceu alguma coisa? - As perguntas dela puseram Ty de pé, cruzando o quarto para tomar-lhe o telefone das mãos.

- O que foi, Stumpy? - indagou ele. Uma carranca de surpresa surgiu em seu rosto. Cobriu rapidamente o bocal do aparelho para contar a Jessy. - É minha irmã. Ela desapareceu da escola. - Voltou-se ao telefone. - Já estou indo. - E desligou.

- O que quer dizer com desapareceu da escola? Ela foi raptada ou fugiu simplesmente? - quis saber Jessy.

- Não sei. - Ty pulava em um pé só, tentando enfiar as botas. Tara não lhe deu detalhes. Maldição, era só o que me faltava. Se ela fugiu, eu vou torcer aquele pescocinho.

- Então o Sr. Niles conseguiu localizá-lo. - Tara fervia quando ele atravessou a porta da frente. Ela vestia um negligê preto fino e um robe combinando, com enfeites formando a gola e correndo pela frente da camisola.

- Se você fizer isso outra vez, eu deixo você - ameaçou, a voz tremendo.

- Que história é essa sobre Cat? - perguntou Ty. - O que aconteceu com ela?

- Não sei. Telefonaram da escola, logo depois que você saiu, dizendo Que ela desaparecera. Eles não sabem há quanto tempo - respondeu com ódio.

- Ela fugiu ou o quê? - No momento estava mais preocupado com a irmã do que com o ódio da mulher.

- É o que parece, mas eles não têm certeza. Acham que duas amigas disfarçaram a ausência dela desde hoje pela manhã - explicou Tara, sucinta.

- Meu Deus, ela sumiu há tanto tempo? - A carranca acentuou-se com a raiva e ele cruzou a sala em direção ao telefone, tomando-o para discar um número. - Quem fala? - perguntou, quando uma voz respondeu.

- Jobe, arranque Repp Taylor do alojamento e mande-o vir à casa-grande agora! E se ele não estiver lá, quero que você venha aqui no lugar dele!

- É claro que você não está pensando... - ensaiou Tara.

- Vindo dela, eu não duvidaria de nada. - Ty interrompeu-a, pousando o fone para deixar a linha livre, em seguida discou outro número.

- Está telefonando para a polícia?

- Não. Ela pode ter ido ao hospital ver papai. - Aguardou impaciente que alguém respondesse. A telefonista do hospital atendeu e passou-o à enfermeira desejada. A resposta à pergunta inicial redundou num fluxo de mais indagações. Quando Ty se satisfez, nada mais podendo ser esclarecido, desligou. - Cat estivera lá no final da tarde. - Passou distraído a informação a Tara, os pensamentos tomando outro curso. - Saiu pouco depois da troca de turno. Pelo que eles se lembram, ela não estava acompanhada e não falou nada sobre voltar mais tarde.

O ruído surdo de botas atravessando a longa varanda infiltrou-se pela casa. Ao ouvir a aproximação de alguém, Ty olhou criticamente para a aparência de Tara.

- Vá lá para cima e coloque alguma coisa decente. Não quero que você fique andando por aí vestida desse jeito diante de meus empregados

- declarou, tenso.

- Não imaginei que você ao menos tivesse percebido o que eu estava vestindo. - E trocara de roupa por causa dele, em uma vã tentativa de demonstrar que sentia falta dele quando saía de casa.

- Esse era o objetivo, não? - zombou mal-humorado. Tara girou sobre si mesma, até mesmo aquela satisfação perdida enquanto dirigia-se para as escadas. - Quando descer, faça café. Vai ser uma longa noite observou Ty.

A ordem enfureceu-a ainda mais. Ele a estava tratando como a uma empregada. Talvez outras esposas de vaqueiros esperassem os maridos como pequenas escravas, mas ela era diferente. Ela possuía talentos, para ele mais valiosos do que qualquer coisa que aquelas mulheres pudessem lhe oferecer, e ela sabia disso. Não ia ser reduzida à posição de servir-lhe café. Chegando a seus aposentos, Tara permaneceu lá.

Após observar a raiva de Tara, evidente em sua postura, Ty virou-se para as portas que se abriam para dar passagem a dois vaqueiros. Repp Taylor vinha à frente, com uma expressão de surpresa no rosto, com Joe Garvey seguindo-o de perto, completamente curioso com a convocação urgente de fim de noite.

- Jobe disse que você queria falar comigo imediatamente - iniciou Repp. fazendo um gesto em direção ao homem atrás dele.

- Vim junto para o caso de você precisar de mim - acrescentou Jobe, explicando rapidamente sua presença.

Ty não perdeu tempo, o olhar penetrante pousado em Repp Taylor.

- Onde está Cathleen?

- Cat? - Um olhar de espanto surgiu em seus traços finos. - Ela não está na escola?

A reação parecia verdadeira. Ty atirou uma pergunta sobre Garvey, capataz do grupo com que Taylor trabalhava, sem desviar os olhos do vaqueiro mais velho.

- Onde Taylor estava hoje?

- Estava aqui mesmo na sede, conferindo os trabalhos junto com o resto de nós. - O atarracado Garvey franziu o cenho; as rugas aprofundavam-se em sua testa.

- O que aconteceu com Cat? - perguntou Repp.

- A escola nos informou que ela não está lá - declarou Ty, continuando a buscar algum sinal de que Repp sabia mais do que estava dizendo.

- Parece que fugiu, e pensei que você poderia... saber alguma coisa.

- Por tudo que é... - Repp virou a cabeça, contendo o resto da exclamação com visível esforço. Por fim, balançou lentamente a cabeça, desacorçoado, como se o fato estivesse além de sua compreensão. - Não estou sabendo de nada. Desde o acidente ela vem falando em fugir da escola, mas juro que nunca pensei que ela faria isso.

- Por quê? Ela deu uma razão? Repp deu de ombros, vago.

- Ela queria ficar na fazenda e falava em arranjar um tutor se não conseguisse sair da escola. A perda da mãe e tudo o mais... acho que ela ficou com medo de que acontecesse algo com o pai ou você. E queria estar em casa se acontecesse.

- A idiotinha - resmungou Ty, finalmente convencido de que a explicação era tudo que Repp sabia. - Ela foi ao hospital. Onde está, ou o que pretende fazer depois disso não sei. - A voz era severa. - E as amigas? Nenhuma delas conhece você?

- Conheci umas duas - admitiu Repp.

- Quero que telefone para elas. Veja se consegue descobrir algo. Elas falarão para você antes de mim ou das autoridades. - Afinal de contas, Repp era namorado de Cathleen.

- Sim, senhor. - Ele foi até a extensão do telefone na sala de estar.

- Veja se sabem quanto dinheiro ela tinha - acrescentou Ty. E se pretendia viajar de ônibus ou pegar carona. - Em seguida, voltouse para o capataz, Jobe Garvey. - Quero um homem em cada portão da Triplo C, para o caso de ela estar a caminho de casa. Enquanto isso, vou entrar em contato com as autoridades para que comecem a procurá-la.

A lua nova assemelhava-se a uma lasca brilhante no céu negro. O brilho das estrelas não era suficiente para iluminar mais do que silhuetas delineadas contra o horizonte da campina. Sombras negras e formas escuras assomavam diante dela e ao lado, enquanto Cathleen arrastava-se pela vereda sulcada e pouco utilizada, tropeçando no chão acidentado que não conseguia enxergar.

Desejou uma lanterna umas mil vezes. E mais mil vezes desejou não ter se afastado da rodovia. Quanto mais andava, mais em dúvida ficava quanto à escolha do caminho certo para a fazenda. Devia ter pedido ao motorista que esperasse até que ela se certificasse, mas estava tão segura! Se se perdesse ali, nunca encontraria o fim da vereda.

O súbito bater de asas assustou-a quando um pássaro noturno, perturbado pela passagem da garota, voou do local onde se empoleirava para um pinheiro próximo. Cat deteve-se para tomar fôlego no ar frio da noite. Estava ofegante e fisicamente exausta, já arrependendo-se dos atos impulsivos que a haviam levado àquele ponto. Quando tomara a decisão, tais medidas drásticas lhe haviam parecido necessárias. Agora, sua bravata perdia a força.

Alguma coisa farfalhou no chão irregular ao lado da trilha, Cat pôs-se a caminho novamente. As pernas doíam como se tivesse andado quilómetros, e torcera o tornozelo tantas vezes que ele estava dolorido. Tinha que haver algo no fim dessa vereda, assim continuou caminhando, em vez de retornar.

Após mais um quilómetro e meio que pareceu três, objetos escuros começaram a tomar forma contra a escuridão do chão. Pareciam prédios pequenos e Cat apertou o passo. Não havia luzes à vista. Daquela distância não dava para ver se os prédios estavam abandonados ou se os ocupantes dormiam.

Um cavalo agitou-se desconfiado no curral, e Cat assegurou-se de que as construções não estavam vazias. Quando se aproximou, o local começou a parecer mais familiar, mesmo na escuridão. Confiança renovada conferiu-lhe nova explosão de energia, ao que ela disparou em uma corrida cheia de obstáculos, vencendo os últimos trinta metros até a casa.

- Quem é? - Uma voz ecoou do alpendre imerso em sombras.

- Tio Culley? Sou eu, Cat. - Ela correu, ofegante. - Já estava achando que estava perdida.

As tábuas estalaram sob os pés do homem; por fim, a sombra escura do tio saiu das trevas e ele desceu os degraus para falar com ela. A luz das estrelas na clareira conferiu-lhe forma e rosto.

- Cathleen. O que está fazendo aqui? - Agarrou-a pelos ombros, estendendo a mão para trazer o rosto da sobrinha para a luminosidade indistinta proporcionada pelas estrelas.- Está ferida?

- Não, só cansada. Caminhei todo o trajeto desde a estrada e... Agora a dor e a exaustão não eram importantes. Rapidamente, ela deixou as reclamações de lado para explicar o motivo que a levava ali. - No funeral você disse que se algum dia precisasse de ajuda, poderia contar com você. Estava sendo sincero?

- Estava, sim. - Por um segundo, ele abraçou a imagem preciosa da irmã, protetora e impetuosamente. Em seguida, Culley afastou-se, tomando consciência do contato físico. - Você disse que caminhou isso tudo. Deve estar cansada e gelada. Vamos entrar e preparar um café para você.

- Obrigada. - Sentia-se incomodada com o fato de o tio nem ao menos perguntar em que tipo de problema se metera. Já que ela o estava envolvendo, era no mínimo justo contar-lhe. Fez sua confissão enquanto galgavam os poucos degraus da pequena casa. - Fugi da escola. Simplesmente não conseguia mais ficar lá. - Os motivos soavam frívolos quando anunciados em voz alta, mas para ela eram bastante reais. - Sei que meu irmão vai ficar furioso quando souber... e ainda não estou preparada para enfrentá-lo.

- Ele pode ficar tão furioso quanto quiser. - Abriu a porta, estendendo a mão para acender a luz, pendurada sobre a cabeça, antes de deixar Cat entrar na casa. - Mas vou tomar providências para que ele não a obrigue a fazer o que não quer.

- Quero ir para casa, mas não consigo. Ele vai ficar insistindo para que eu volte à escola, e acho que não vou aguentar isso. Pensei que talvez... pudesse ficar aqui com você até que consiga bolar alguma coisa.

O rosto do tio pareceu irradiar carinho.

- Aqui é sua casa. Você é bem-vinda para ficar aqui o tempo que quiser.

Dentro da casa, ele a levou até a mesa, insistindo em pendurar o casaco para ela e trazer-lhe café, ansioso como um rapazola querendo agradála de todas as maneiras.

- Tem certeza de que não quer nada? Talvez algo para comer?

- Não, comi no hospital. - O calor do fogão penetrava em seu corpo dolorido, expulsando os calafrios. Toda a tensão e toda a ansiedade quanto à possibilidade de enfrentar naquela noite o irmão furioso dissolviam-se... o suficiente para que considerasse a oferta do tio. - Você tem algo doce... tipo uma torta de chocolate ou algo assim? - Na mesma hora em que fez a pergunta, Cat duvidou de que um solteirão se desse ao trabalho de fazer um bolo só para ele.

- Não. - O desapontamento surgiu em seu rosto. - Mas tenho alguns biscoitos comprados na mercearia. - Foi até o armário e retornou com uma lata contendo menos de doze biscoitos amanteigados. - Pronto. Olhou-a ansioso para ver se a alternativa obtinha a aprovação da garota.

Mesmo se não tivesse gostado dos biscoitos, Cat os teria comido. Pegou dois, mergulhando-os no café, e mordiscou a maciez da guloseima umedecida.

- Estão bons. Obrigada - tranqúilizou-o, ao que ele sorriu com uma espécie de alívio. Cat comeu os biscoitos e falou, contando-lhe a decisão de fugir, a visita ao hospital e a carona que pegara até a vereda. Ao estender a mão para pegar outro biscoito, percebeu que só restavam dois. Olha. - Empurrou a lata em direção a ele. - É melhor você comer esses antes que eu os devore.

- Vá em frente - insistiu ele, empurrando-os de volta. - vou comprar mais.

Após leve hesitação, ela meneou os ombros e pegou os dois últimos biscoitos, mergulhando-os no café.

- Ninguém entende como me sinto. - ela suspirou.

- Sabe que eu era quase da sua idade quando minha mãe morreu disse o tio. - Depois disso, nunca mais as coisas foram as mesmas.

- Nunca entenderei por que o avião caiu. - Raiva e frustração causadas por uma dor profundamente contida começaram a aflorar, e o cansaço tornava-a mais vulnerável. - Por que o tanque de óleo arrebentou? Por que ela tinha que morrer? Estou cansada de todo mundo me dizer que foi a vontade de Deus. Não foi. Não podia ter sido. Por que Ele ia querer fazer isso? Não era certo! - O queixo começou a tremer enquanto ela lutava contra as lágrimas que enevoavam seus olhos.

- Não foi certo - concordou ele, levantando-se da mesa, incomodado com as lágrimas. - Mas vou fazer alguma coisa. Já planejei tudo, portanto não se preocupe. vou resolver isso.

- Resolver o quê? - Cat franziu o cenho, perplexa, erguendo a cabeça e inclinando-a para o lado. - Não entendo.

Mas ele desviou-se do assunto e não explicou.

- Depois do dia longo que você teve, deve estar bem cansada. vou colocar lençóis na minha cama para você dormir.

- Mas...

- Eu não durmo muito mesmo - disse, antes que ela pudesse protestar. - Quando ficar cansado, tiro uma soneca no sofá.

- Então deixe-me fazer a cama.

- Você fica aí sentada e termina seu café e os biscoitos - insistiu o tio.

 

O xerife inclinou-se para diante em sua cadeira giratória, a barriga semelhante a um barril pressionada contra a borda da mesa onde descansava os braços.

- Olha, vou explicar novamente, sr. Calder - disse ele, a paciência já meio saturada, enumerando nos dedos os pontos que ia destacando. Ora, a lei diz que você não pode preencher um relatório de pessoa perdida antes de vinte e quatro horas ou mais. E a escola falou que não descobriram o desaparecimento de sua irmã do quarto até a hora do jantar na noite passada, ou seja, há quatorze horas. Você tem que esperar mais dez horas para responder seu relatório. Legalmente, não posso fazer nada até lá.

- Então faça algo ilegal, droga! - exigiu Ty, pondo-se de pé e apoiando os punhos sobre a mesa. - Quero que ela seja encontrada! E não pretendo esperar dez horas até que alguém comece a procurar. vou financiar uma busca particular se for preciso!

- Tem de compreender a posição da lei. - O xerife acomodou-se complacente na cadeira. - Adolescentes fogem o tempo todo. Após uma noite sozinhos, eles geralmente voltam para casa, chorando e falando de seu arrependimento. Vá para casa e aguarde o telefonema - sugeriu com um toque de presunção.

- Se ela não telefonar dentro de dez horas, volte a me procurar.

- Se acontecer alguma coisa a ela, vou voltar para ver você no inferno!

- Cansado por não ter dormido e frustrado com a falta de cooperação das autoridades, Ty voltou-se antes que pusesse suas ameaças em prática.

Passadas largas o levaram para fora do escritório recém-reformado do xerife, cortesia das novas taxas sobre as rendas geradas pelos mineradores de carvão da Dy-Corp. Blue Moon expandia-se tão rapidamente quanto eles eram capazes de povoar as ruas, às vezes até mais rápido, com casas pré-fabricadas em um pedaço de terreno a cinquenta metros da estrada, acessível através de um caminho aberto em meio ao pasto.

Já dentro dapick-up, Ty ligou o motor e pegou a rua de terra batida. Um cão correu atrás, latindo raivoso e mordendo os pneus, perseguindo o veículo. Quando Ty alcançou a auto-estrada de mão dupla, já estava um pouco mais calmo. Tornara-se claro que não ia conseguir qualquer ajuda externa para procurar Cat. Teria que organizar algo sozinho.

Após colocar apick-up na rodovia, fez um retorno de quase 180 graus estacionando em frente ao Sally's. Esfregou os olhos cansados enquanto galgava os degraus e entrava no bar: o lugar estava meio cheio com o pessoal do cafezinho da manhã. Não conhecia qualquer um deles, mas ouviu seu nome sendo murmurado de boca em boca. Deteve-se no balcão, sem pegar um banco.

- Oi, Ty. - Sally Brogan pareceu ligeiramente surpresa ao vê-lo. Como vai seu pai? Fui vê-lo semana passada e ele parecia bem melhor. Sem perguntar, ela encheu uma xícara de café e colocou-a diante dele.

- Está melhorando. Minha irmã por um acaso não esteve aqui? Talvez ontem à noite?

- Cathleen? Não. Por quê? - Percebeu as linhas severas e duras no rosto dele e insinuou-se um ar preocupado em seu rosto.

- Ela desapareceu... fugiu da escola. - Sorveu um gole do café. Posso usar seu telefone? Quero verificar se souberam alguma coisa sobre ela.

- Claro. Pode usar. - Ela movimentou-se em direção à porta de vaivém da cozinha. - vou perguntar nas mesas se alguém aqui se lembra de tê-la visto.

- Obrigado.

Ao entrar na cozinha, a cozinheira DeeDee Rains ofereceu-lhe um largo sorriso. - Há quanto tempo você não vem aqui! O que quer que prepare para você? Ovos e bacon! Quem sabe umas batatas fritas?

- Nada, obrigado - recusou Ty, dirigindo-se ao telefone na parede logo ao lado da porta.

- Fiz doughnuts hoje de manhã. - Enxugou as mãos no avental branco, pegando um guardanapo para enrolar duas roscas fritas. - Seu tio entrou pela porta dos fundos logo cedo e levou uma fornada para casa enquanto estavam quentes. Entretanto, não entrou para comer alguma coisa. Aquele doido do Culley, que figura.

Os doughnuts ainda exalavam um suave aroma que o fez lembrar que não comia há algum tempo; ele sorriu em agradecimento e aceitou as roscas que ela lhe ofereceu. A campainha do telefone soando ao longe finalmente parou e uma voz ecoou em seu ouvido.

- É você, Ty? - Era a voz de Jessy.

- Sou eu. Alguma notícia de Cat? - Cansado, apoiou os ombros na parede.

- Nada até agora - fez ela. - com você o mesmo?

- É. Deixe-me falar com seu pai.

- Claro.

Ouvia o ruído do fone sendo pousado do outro lado. Ouviu o murmurar abafado de vozes ao fundo, as palavras ininteligíveis. Por fim, Stumpy Niles atendeu.

- Falei com o xerife - disse Ty. - E ele ajudou tanto quanto uma gota d'água no deserto. Portanto, dependemos de nós mesmos.

- Poderia ter avisado - ofereceu Stumpy, secamente. - Não é muito inteligente contar com a ajuda de alguém além de você mesmo.

- Eu sei, não devo esperar que outra pessoa resolva meus problemas.

- Ty repetiu o dito que há muito ouvira. - Vamos começar a procurar Cathleen por nós mesmos. Quero que você organize os garotos em pares e corra cada palmo da estrada daqui a Helena. Quero que eles procurem em cada ponto de ônibus ao longo da estrada. vou chegar à casa-grande por volta das onze. Vamos usá-la como quartel general. Se encontrarem alguém que acha que a viu, devem telefonar imediatamente. Entendeu?

- vou colocá-los na estrada daqui a vinte minutos - prometeu Stumpy, contente ao constatar que alguma atitude estava sendo tomada.

Antes de sair da cozinha, agradeceu novamente DeeDee pelos doughnuts. Sally avisou que ninguém no restaurante se lembrava de ter visto Cat, mas ficariam de olho. Ty deixou algumas moedas sobre o balcão para pagar o café que não bebera e saiu do bar rumo à caminhonete. Bamboleou para dentro do veículo, comprimindo um doughnut entre os dentes enquanto ligava o motor. Deixou o segundo em seu guardanapo sobre o assento. A rosca estava tão fresca que à primeira mordida já quase se dissolvia em sua boca, ao mesmo tempo em que ele retornava à auto-estrada.

Uma buzina soou.

- Ei! - Um homem gritou de dentro de seu carro. - Tem um pneu arriado na traseira de sua caminhonete.

Ty acenou em agradecimento e encostou o carro ao lado das bombas de gasolina adiante, sem querer atrasar-se por causa de um pneu. Emmett Fedderson saiu lentamente da loja.

- O que deseja? - perguntou.

- Só um pouco de ar no pneu traseiro. Um deles está arriado - disse Ty, descendo da caminhonete para verificar o pneu, ainda mastigando o doughnut.

- É de DeeDee? - indagou Emmett, puxando a mangueira para a traseira da caminhonete.

- É. - Ty agachou-se e desatarraxou a tampa da válvula.

- Hoje toda a sua família está com a boca doce - observou o homem, passando a mangueira para Ty.

A observação o pôs em guarda instantaneamente.

- O que quer dizer? Minha irmã esteve na loja hoje de manhã?

- Sua irmã, não. Foi seu tio... O'Rourke. - Ele balançou a cabeça achando algo engraçado em seus próprios pensamentos. - Aquele doido do Culley estava esperando do lado de fora quando abri as portas hoje de manhã. Comprou dois pacotes de biscoitos, uma torta de chocolate e glacê, além de um saco de açúcar. Não imaginava que ele comprasse esse monte de doce nem em um ano.

- Torta de chocolate. - Ty não se deu conta de que pronunciara alto as palavras. Era o doce favorito de Cat. A visão de Cat abraçando O'Rourke no funeral passou por seu pensamento... compartilhando a dor, ele dissera na época.

- Você não vai calibrar aquele pneu? - Fedderson estimulou-o.

- vou... vou - respondeu distraído, encaixando a conexão da mangueira na válvula com igual desatenção. Era inacreditável. Jamais teria procurado Cat na fazenda Shamrock, nem em um milhão de anos. Terminando de calibrar o pneu, Ty ficou de pé. - Me faça um favor - pediu, sem esperar pela aquiescência de Fedderson. - Telefone para a Triplo C e fale com Stumpy Niles. Diga a ele para não mandar os homens. Diga que estou indo até a casa de O'Rourke e que ele não deve fazer nada até ter notícias minhas.

- Está certo. - O pedido o deixou curioso. - O que está acontecendo?

Ty não perdeu tempo em explicações. Naquele momento só queria chegar à casa de O'Rourke e verificar se seu palpite estava correto.

O segundo doughnut ficou esquecido sobre o assento. Naquele campo, não havia curtas distâncias. Ty ainda tinha uma hora ou mais pela frente.

Após deslizar a forma de bolo para o interior do forno pré-aquecido, Cat voltou ao balcão e pegou a tigela da batedeira. Limpou as laterais da tigela com o dedo, circulando pela cozinha até a mesa, lambendo a cobertura de chocolate dos dedos.

- Esta é a melhor parte - explicou a Culley, projetando a língua para limpar os cantos dos lábios, oferecendo-lhe a tigela. - Quer um pouco?

A boca de O'Rourke curvou-se, divertido, balançando a cabeça em recusa silenciosa.

- Termine você. - Sorrira mais nas últimas horas do que em toda a sua vida. Prazer e contentamento percorriam-no. Uma luz brilhava em seus olhos negros. Já passara dos cinquenta e mais uma vez a vida parecia valer a pena ser vivida.

com a tigela limpa, Cat lambeu cada resto da cobertura em seus dedos, levando a tigela para a pia.

- Há séculos não faço essa confusão na cozinha - declarou. - É divertido.

- Sua mãe costumava fazer muitos bolos - ele recordou. - Ela saía e trabalhava na fazenda o dia todo feito homem, aí voltava para casa, preparava nossa comida e arrumava a casa. - Mas ele não queria lembrar o passado. - Ainda sobraram dois doughnuts.

- Não consigo comer mais nenhum - afirmou Cat. - Já devo ter engolido uns doze. Além do mais, tenho que guardar espaço para o bolo. Preciso é de algum exercício. - Ela riu. - Depois daquela caminhada longa de ontem à noite, nunca pensei que diria isso novamente.

- Talvez mais tarde eu possa selar dois cavalos para darmos um passeio. Posso lhe mostrar a fazenda. É bem selvagem, não é muito boa para criação de gado... não tem água suficiente nem pastagem.

- Gostaria de ir, mas... - Olhou para a saia pregueada. - Não tenho nada para vestir além dessa saia horrorosa da escola. Ia pedir para a escola enviar minhas roupas para casa. Acho que essa não vai servir para montar.

- Bem que eu podia ter pensado nisso. - Culley franziu o cenho.

- Quando estava na cidade, podia ter comprado algumas roupas para você bater por aí.

Cat inclinou a cabeça para o lado, olhando-o, pensativa, com afeição.

- Você teria feito isso, não é?

Colocou a xícara de café na frente, deliciado com a maneira como ela o fitou, mas ao mesmo tempo meio consciente do que significava.

- Maluco, hem? - disse ele. - O maluco do Culley. - Ouviu o som de protesto que Cat esboçou e ergueu a cabeça, balançando os ombros, para demonstrar sua indiferença. - Sei que é assim que eles me chamam. Também sabia que eles jamais haviam considerado a palavra de um O'Rourke. E o maluco do Culley... eles não acreditavam em nada do que ele dissesse, nem que Culley jurasse sobre a Bíblia.

- Não é verdade. - O tio percebeu a indignação em sua defesa, determinada pelos brios da garota.

- Não esquente sua cabecinha com isso. - Sorriu, orgulhoso. Culley vivia há muito tempo naquele lugar para que não ouvisse cada

ruído pertencente àquela fazenda. Além disso, seus sentidos estavam demasiado treinados para que não percebesse algum som não habitual. O ruído era fraco e ainda a alguma distância da casa, mas o fez erguer-se e ir até a janela. A súbita atenção do tio cortou bruscamente a conversa.

- O que foi?

- Vem vindo alguém. - Olhava fixamente pela janela para a abertura entre as árvores onde um veículo descendo o caminho longo estaria à vista. Cat aproximou-se para olhar também.

- É meu irmão. - Mesmo sem conseguir enxergar o motorista com nitidez, sem dúvida a pick-up pertencia à Triplo C. - Sei que é ele.

Culley voltou-se, olhando-a com atenção.

- Você quer vê-lo? - Observou a relutância da garota, sua indecisão, e tomou o comando. - Entre no quarto e feche a porta. Eu cuido disso. Você não precisa ir para casa se não quiser.

- Eu... - Não conseguiu concluir a frase, os dentes afundando em seu lábio inferior. Após outro segundo de hesitação, ela se virou e correu para o quarto.

Ainda se passaram dois minutos antes de a caminhonete fazer a curva e entrar no quintal. Culley esperou até que a porta do quarto estivesse bem fechada e se dirigiu para o pequeno alpendre fronteiro. Logo antes de sair da casa, hesitou e estendeu as mãos para o rifle na prateleira baixinha na parede ao lado da porta. Na sua idade, ele não era páreo para um jovem macho como Calder. E se o irmão de Cat fosse insistente, Culley poderia precisar de algo que compensasse a diferença.

Certificou-se de que a porta da frente fechara atrás dele silenciosamente; movimentos silenciosos eram hábito para ele. Culley foi até os degraus e parou para apoiar o rifle contra um poste fora de vista e ao alcance da mão; em seguida, enfrentou a entrada do caminho.

Antes de o motor desligar, Ty já estava fora da caminhonete, circundando o capo para enfrentar O'Rourke.

- O que o traz aqui em uma manhã quente de primavera como essa?

- O'Rourke tentou puxar conversa.

Ty estacou próximo aos degraus.

- Estou aqui para pegar Cathleen - afirmou, determinado.

- Cathleen? - O'Rourke fingiu leve surpresa, mas ele não era ator.

- Sei que ela está aí, portanto não finja que não sabe do que estou falando - desafiou Ty.

Fez-se curto silêncio enquanto O'Rourke tentava escolher a maneira mais acertada de lidar com a situação naquele instante, mesmo sem conseguir descobrir como Calder podia ter tanta certeza.

- Tudo bem. Ela está aqui - finalmente admitiu. - Apareceu aqui ontem à noite... cansada e com frio... e perguntou se podia ficar. Ela não queria ir para casa porque sabia que você ficaria aborrecido com o que ela fizera; estava com medo de que você a mandasse de volta para a escola. Disse-lhe para ficar aqui comigo o tempo que quisesse... e estava sendo sincero.

A explicação só fez aumentar a impaciência em relação a Cathleen.

- Ela já ficou tudo que podia. - Ty adiantou-se um passo, com a intenção de entrar na casa e pegá-la.

com uma rapidez marota que não correspondia à sua idade, Culley deitou a mão sobre o rifle escondido e mirou-o na altura da cintura.

- Acho que não - foi tudo o que disse.

Ty tremeu nas bases, a impaciência tomando conta dele enquanto olhava da boca do rifle para o homem que o segurava.

- Deixe-me passar, Culley. Não vou sair sem ela.

O ruído da arma sendo engatilhada soou exageradamente alto.

- Você está em uma propriedade particular, Ty - disse O'Rourke.

- E estou lhe avisando para cair fora. - A boca tremeu subitamente. As coisas mudam, não é? Há muito tempo, foi um Calder que tomou minha irmã e ordenou-me que saísse de sua terra. Agora eu tenho a irmã de um Calder, e sou eu quem ordeno que saia.

Nunca recue, diante de nada, certa vez lhe dissera o pai, pois isso só torna mais fácil recuar na próxima vez. E Cathleen encontrava-se naquela casa. Correndo um risco calculado, Ty soltou um suspiro furioso de ódio e fez uma meia-volta incompleta.

- Que se dane a garota! - resmungou e arrancou o chapéu para passar a mão nos cabelos. Em seguida, voltou-se para lançar suas reclamações em O'Rourke. - Toda a droga da fazenda ficou acordada a noite inteira e metade da propriedade está à procura dela. Deixou a mim e a todo mundo louco de preocupação, pensando que podia ter acontecido alguma coisa com ela. E o tempo todo estava aqui em sua casa, segura e aquecida. - Gesticulava com as mãos e o chapéu vivamente, enquanto defendia seus pontos de vista. - E não mandou nem uma palavra dizendo que estava bem. Você está certo, estou transtornado com ela!

A última frase foi lançada com um meneio do chapéu que bateu no cabo do rifle, apontando-o para o alto. Uma explosão ensurdecedora ecoou em seus ouvidos enquanto o braço completava o arco e arrancava o rifle das mãos de O'Rourke com um puxão. Ty subiu os degraus enquanto o homem de cabelos grisalhos ficava para trás meio curvado, tentando equilibrar-se.

Cathleen arremessou-se para fora da casa, atirando-se entre os dois homens, protegendo O'Rourke.

- Ty, não! Não faça isso! - ordenou apavorada e com raiva. - Ele só estava tentando me proteger.

- Ele não teria de protegê-la se você não tivesse se escondido na casa como uma criancinha idiota! - explodiu. - Estava com medo de ir para casa porque pensou que ia ser espancada? Sua garota mimada e sem modos! Você nunca apanhou... é isso que está errado em você! Não quer ficar na escola, aí foge! Será que já não tenho o suficiente para me dar dor de cabeça, a fazenda e papai em um hospital, para ainda ter que me preocupar com você?

- Desculpe. - As lágrimas saltavam dos olhos da garota enquanto enfrentava o irmão.

Ela parecia muito vulnerável, mas a irritação de Ty não o deixava comover-se, embora apagasse a raiva, deixando-lhe uma exasperação impaciente.

- Cresça, Cat - ordenou rudemente. - Ninguém me deu a mão quando tinha a sua idade, e é claro que não vou segurar a sua. - Deu meia volta no alpendre, dirigindo-se a passos largos para a caminhonete. Sem segui-lo de imediato, Cat olhou hesitante para o tio.

- Você não precisa ir com ele - disse O'Rourke calmamente. Um sorriso triste assomou em seus lábios.

- Preciso sim. - Impulsivamente, inclinou-se para ele e beijou-lhe abochecha, sussurrando um trémulo "Obrigada". - Em seguida, desceu correndo os degraus atrás do irmão.

O motor já fora ligado e apick-up já estava saindo da fazenda quando Culley lembrou.

- E o bolo? - gritou para a sobrinha, mas ela não o ouviu devido ao ruído do motor.

Ele guardou o bolo durante vários dias, até que a cobertura de chocolate secou e o bolo ficou muito duro para ser comido. Finalmente, jogou-o fora.

- A temporada de primavera do rodeio correu bem. - Ty estava sentado na cadeira ao lado da cama de hospital. Vestindo um terno de corte western, girou preguiçosamente o chapéu Stetson nas mãos, tentando encontrar uma maneira fácil de tocar no assunto que temia comentar com o pai.

- As perdas de inverno foram mínimas.

- Ótimo. - O pai agarrou a barra acima da cabeça com a mão ilesa e mudou ligeiramente de posição na cama. As caretas que tentava controlar indicavam a dor considerável que sentia. O corpo forte parecia esquálido e pálido, o bronzeado profundo desvanecera após todos aqueles longos meses no hospital. O acidente e a morte de Maggie o haviam envelhecido, embranquecendo-lhe os cabelos até as têmporas ficarem completamente grisalhas. Quando a dor novamente cedeu a um grau tolerável, ele deu uma olhada em Ty. - Trouxe-me charutos?

- Acho que o médico disse que você não deve fumar - lembrou Ty. O pai sofrera um colapso pulmonar no acidente; em seguida, instalara-se a infecção, enfraquecendo ainda mais a respiração.

- O médico também me disse que eu não conseguiria sobreviver contrapôs o pai secamente. - O que só vem mostrar o quanto ele sabe.

A referência à morte refletiu um outro tipo de dor nos olhos de Chase, e ele desviou o olhar. Ty sabia que ele estava pensando em Maggie. Ainda não se conformara com a perda da esposa, e provavelmente jamais superaria a ausência. Sem ela, o pai perdera o interesse em muitas coisas e parecia viver sem outro objetivo além de atravessar mais um dia.

Pareceu-lhe de bom alvitre mudar de assunto.

- Alguns dos amigos de Tara vieram do Leste para ficar alguns dias lá em casa durante o rodeio. Estavam loucos para ver como era o Oeste selvagem. Para falar a verdade, eles ainda estão na casa-grande. Por isso Tara não veio comigo hoje.

- Como está Cat? Veio com você?

- Veio. Ela precisou fazer umas compras, e não queria deixar para muito tarde, com medo que as lojas fechassem - explicou Ty. – Daqui a pouco ela chega. - Ergueu um canto da boca em um sorriso fraco que torceu a linha do bigode. - Ela recebeu as notas da escola, e estou certo de que vai mostrá-las a você.

- Certa vez ela falou em ficar na Triplo C e arranjar um professor particular - o pai lembrara vagamente. - Veja isso para ela. - O acidente não lhe alterara a vontade de atender a todos os caprichos da filha, não importando a extravagância dos mesmos.

- Não podemos pagar. - Ty olhou sombrio para o chapéu, em seguida ergueu o olhar para o pai. - Tenho cortado despesas em tudo o que posso.

- Você é quem manda. Faça o que achar melhor. - Junto com todo o resto, o pai parecia haver perdido o interesse na direção da fazenda.

- Tenho feito - afirmou Ty, respirando fundo antes de finalmente fazer a participação. - Você deve estar sabendo que deixei de lado o processo pelo título daqueles três mil hectares de terra. Enquanto isso, negociei um arrendamento para o terreno.

Durante alguns minutos, teve toda a atenção do pai para si.

- Por quê?

- Os honorários do advogado eram muito caros. Se o mercado do gado mudasse, talvez eu pudesse lutar pelo título de novo.

- Mas a posse está noventa por cento dentro da lei. Aquela terra está no nome dos Calder, de uma maneira ou de outra, há cem anos - protestou o pai, mas não vigorosamente.

- E ainda está. Por isso esperei até que eu tivesse o contrato de arrendamento assinado para deixar o processo de lado. Pode ser que seja novamente arquivado - garantiu Ty.

O pai afundou-se nos travesseiros.

- Talvez você esteja certo. - A voz irradiava derrota, o que magoou Ty mais do que uma briga feroz sobre a decisão que tomara. - Talvez não valha a pena lutar. Se eu não tivesse sido tão determinado na obtenção do título, não haveria motivos para voarmos até Helena e sua mãe não teria morrido.

- Não fale assim. Você não pode se culpar - insistiu Ty.

- Você não pode negar que é verdade. - Ofereceu um sorriso sem graça ao filho. - Acenda-me um cigarro.

Após certa hesitação, Ty enfiou a mão por dentro do terno e pegou um cigarro do maço no bolso da camisa. Acendeu-o e passou ao pai. Este deu uma longa tragada, soprando a fumaça para o teto.

- Falou com o dr. Haslind quando chegou? - observava a brasa do cigarro.

- Não. Não encontrei com ele. Por quê?

- Estou escalado para uma cirurgia segunda-feira de manhã. Eles acham que podem aliviar um pouco a pressão na coluna.

Durante um longo minuto Ty não conseguiu dizer nada.

- vou estar aqui.

- Você tem uma fazenda para dirigir.

- vou estar aqui.

Quando o levaram de maca pelo corredor do hospital até a sala de operação, Chase já estava inteiramente preparado para a cirurgia. Uma enfermeira havia lhe aplicado uma injeção, e ele sentia-se zonzo e pesado. A visão enevoada perscrutava os rostos acima dele. Ty dissera que estaria lá.

- Meu filho... - murmurou, a voz inarticulada.

- Sua família está na sala de espera do lado de fora da sala de cirurgia, sr. Calder - uma voz de mulher tranquilizou-o, parecendo vir de muito longe.

Havia algo que ele queria dizer ao filho. Era importante, mas encontrava dificuldade em lembrar o que era.

- Diga a ele... - Estava na ponta da língua. Fez um esforço violento, lutando contra a névoa suave que o envolvia. - ... direitos do minério. Lembrara, mas a voz estava baixa e enrolada. - ... obtenha os direitos do mine...

- O que foi que ele disse? - Um cirurgião-assistente lançou um olhar para a colega para ver se ela entendera.

- Alguma coisa sobre minerais. - Ela balançou a cabeça. - Alguns pacientes aparecem com as coisas mais loucas.

 

Ty chegou à casa-grande no final da tarde, vindo da terceira viagem ao hospital em pouco mais de uma semana. Estava cansado, consciente do calhamaço de trabalho acumulado à sua espera no escritório. Tara estava na porta para recebê-lo quando entrou.

- Bem-vindo ao lar. - Beijou-o de leve. - Como está seu pai depois da cirurgia? Você lhe deu minhas lembranças, espero.

- Dei, e ele vai bem, em franca recuperação até agora. - Em seguida correu os olhos pela sala de estar. - E.J. chegou? Expliquei a papai que você não fora comigo porque seu pai ia chegar.

- Ele e Stricklin chegaram logo depois do almoço. Vão passar a tarde na mina. - Fez uma pausa, observando-o criticamente. - Você parece cansado.

- Estou mesmo. - Ele encaminhou-se para o escritório, na esperança de adiantar parte do trabalho antes que Dyson e Stricklin voltassem.

- Você não deveria ter feito outra viagem até o hospital tão logo dePOiS da última. Nós dois estávamos lá para a cirurgia. E ficamos até o dia seguinte - lembrou Tara.

- Achei necessário - declarou Ty, sem explicar os motivos. Ao entrar no escritório, percebeu uma mulher de meia-idade com um vestido azul-marinho e um avental branco polindo o armário de bebidas. Tara seguiu-o quando ele estacou abruptamente. - Quem é você?

- Ty, quero apresentar-lhe a sra. Thornton. Ela está arrumando a casa para nós - explicou Tara.

Ele franziu o cenho, uma sobrancelha erguida.

- Desde quando?

- Desde que a empreguei... E uma excelente cozinheira chamada Simone Rae. Você terá a oportunidade de experimentar a habilidade culinária da moça no jantar de hoje. - Ela parecia quase inteiramente indiferente à surpresa e à contrariedade estampadas no rosto do marido diante das notícias.

- Como vai, sr. Calder? - A nova empregada inclinou respeitosamente a cabeça em direção a ele.

- Sra. Thornton. - Ele manteve o controle de seu descontentamento.

- Pode terminar a limpeza aqui em outra hora.

- Sim, Senhor. - Murmurou ela retirando-se silenciosamente do recinto.

- O que significa isso? - Virou-se para Tara quando ficaram sozinhos.

- Falei para você que precisava de ajuda extra - lembrou-o com um sorrisinho confuso.

- Quando me disse isso, pensei que ia contratar uma garota aqui da fazenda.

- Ty, você sabe que precisamos de gente treinada - insistiu. - E Doug Stevens e seu grupo vão chegar na semana que vem. Depois de todo o tempo que passou na França, não podia servir refeições malpreparadas para ele. Tinha de encontrar uma cozinheira decente.

- Ele que se dane, Tara - resmungou, impaciente, virando o rosto e lançando-lhe um olhar acusador. - Você sabe que estou tentando cortar todas as despesas que puder.

- Só que você não pode receber gastando pouco.

- Então não receba! - contrapôs, mais do que irritado. Os olhos escuros de Tara faiscavam.

- Se você dedicasse mais tempo a seus convidados em vez de ficar rondando por essa bendita fazenda...

- Não tenho tempo para receber convidados! - Ty interrompeu-a.

- Estou tentando dirigir essa fazenda e arranjar dinheiro suficiente para pagar pela comida de toda essa gente que está chegando... com seu convite.

- Convido-os para que possamos conhecê-los. - Ela lutava para não perder a calma. - Se você quer progredir, o que importa não é o que você sabe... mas quem você conhece. Não é possível que tenha ficado tão cego com todo esse sol e céu que não consiga ver isso. Algum dia essas pessoas poderão ser úteis a você.

- Como? Úteis do jeito que o senador Bulfert foi útil a meu pai? desafiou.

- Um deles pode ter influência para ajudá-lo na reobtenção do título da terra que seu pai considera tão importante. - Tara sabia que ele ainda era suscetível ao assunto, e usou o argumento para vencer a discussão. Ela percebeu a indecisão no rosto do marido, suavizando seu próprio semblante.

- Olha, Ty - começou, novamente em tom razoável. - Não sei laçar vacas ou marcar novilhos. Não consigo fazer trabalho de escritório. Portanto, deixe-me ajudá-lo do jeito que sei. Conheço uma série de pessoas importantes. Por favor, quando o grupo dos Stevens chegar, passe mais tempo com eles.

- Você sabe ser manhosa como uma bruxa - resmungou.

- Uma bruxa bonita, espero, - Ela soltou uma gargalhada suave, passando os braços em torno do pescoço do marido. Subjugou-o com o convite de seus lábios brilhantes.

O rugido retumbante da enorme escavadeira movida a diesel vibrava cortando o ar, enquanto arrancava a grama e o solo para expor o filão de carvão. Em outro local, pás mecânicas escavavam e traziam à superfície pedaços de carvão, anteriormente quebrados por explosões de dinamite, carregando-os para grandes caminhões que os transportavam até as usinas. O ir e vir de homens e máquinas era tão constante quanto o ruído ensurdecedor.

A terra possuía o aspecto desolado e revolvido de um campo de batalha. A vida vegetal que ainda sobrevivia nas bordas das covas estava coberta com camadas de poeira.

Quando Dyson e Stricklin surgiram dos escritórios temporários instalados no local, houve uma redução da atividade. Os caminhões vazios em fila que retornavam, para novos carregamentos de carvão começaram a parar.

Dyson voltou-se para o diretor da mina, Art Grinnell.

- Qual é o problema?

O olhar de Grinnell brilhou rapidamente, uma carranca em formação.

- Não sei - murmurou, mas faltava algo ao tom de voz do homem.

- vou ver. - Pediu licença e foi checar a causa da paralisação. - Ei, Rhodes! - chamou o homem de macacão voltando à fila de caminhões.

Enquanto observava os dois homens conversando, Dyson disse ao sócio:

- Vamos ver o que é. - Algo não lhe cheirava bem. Quando um homem ganhara a vida baseando-se na intuição como ele fizera, não ignorava os sinais de que algo não ia bem. Cruzaram a extensão de terra batida até onde os dois homens discutiam. - O que é?

- É só um problema mecânico em um dos caminhões, sr. Dyson. Grinnell tranquilizou-o de que não havia nada com que se preocupar, mas não o olhou nos olhos enquanto explicava, olhando de relance para o motorista chamado Rhodes.

- Segundo me lembro - Stricklin se manifestou -, ultimamente tem havido uma série de problemas mecânicos. É por isso que a produtividade foi baixa este mês. - A frase brusca era ligeiramente acusadora.

Os olhos de Dyson denotaram um sorriso ao olhar para o sócio. Era sempre tranquilizador quando Stricklin chegava à mesma conclusão através do raciocínio, quando Dyson a atingira por meio da intuição. Ambos suspeitavam de algo nesse caso, mas cada um considerando ângulos diferentes. Era o que os tornava uma parceria poderosa.

- É verdade. Tem havido mesmo - admitiu Grinnell; Dyson sentiu a relutância do homem em discutir o assunto.

- Qual é o problema com o caminhão parado ali adiante? - Stricklin questionou o motorista.

Por um segundo o motorista, Rhodes, olhou para o patrão em busca de instruções; por fim, apertou os lábios.

- O tanque de óleo quebrou.

- Quebrou? - O rosto habitualmente inexpressivo de Stricklin ficou carrancudo. - Como pode ter certeza?

- Não tenho certeza... não até que o mecânico dê uma olhada. Mas sem dúvida o tanque de óleo está quebrado, e se for como os outros, ele foi quebrado.

- Você está dizendo que ele foi deliberadamente quebrado?

- É, e se o cara que está fazendo isso não teve tempo de quebrar o tanque, ele jogou açúcar no tanque de gasolina. - Raiva e frustração vibravam na resposta meio resmungada. O motorista olhou novamente para Grinnell, consciente de que falara demais, mas decidido a colocar tudo em pratos limpos.

- Isto é suficiente, Rhodes - o administrador dispensou-o. - Vá ver o que pode fazer para levar o caminhão até a garagem. - Observou o motorista afastar-se; em seguida, hesitante, voltou a atenção aos proprietários da companhia.

- Há quanto tempo essa sabotagem vem acontecendo? - perguntou Stricklin.

- Há pouco mais de um mês. - Mudou de posição, desconfortável.

- Já dobrei a segurança noturna.

- Então triplique-a - orientou Dyson.

- Você tem ideia de quem está fazendo isso ou por que está fazendo?

- Stricklin, que raramente participava de relatórios e interrogatórios, fazia a maior parte das perguntas.

?- Tenho uma boa ideia de quem acho que está por trás disso e por que está metido nisso - respondeu Grinnell, carrancudo. - É óbvio que ele quer atrasar nosso trabalho e criar tantos problemas e atrasos quanto puder. Quando uma máquina quebra, não é só o gasto do conserto que está envolvido, mas também o tempo perdido. Provavelmente ele pensa que se a exploração custar muito caro nós vamos fechá-la. E provavelmente acha que se não é capaz de parar-nos de um jeito, poderá parar-nos de outro.

- Quem exatamente você acha que está por trás disso? - Stricklin retirou os óculos e pôs-se a limpá-los com um lenço que pegou no bolso.

Fez-se um silêncio pesado, Grinnell olhando inquieto para Dyson, trocando o peso do corpo de um pé para outro.

- Sem querer desrespeitar sua filha, sr. Dyson, mas... só pode ser Calder. - Rapidamente pôs-se a defender suas razões, antes que um dos homens pudesse tecer comentários sobre suas conclusões. - Desde que soube da mina de carvão aqui, ele só lhe tem causado dissabores. Alguns dos outros fazendeiros da região o apoiaram, mas nenhum desceu tanto quanto ele. Ele já tentou todos os meios legais que podia usar. E pelo que ouvi do pessoal daqui, os Calder estão habituados a fazer suas próprias leis e a levar a cabo suas próprias ações de controle.

- Impossível! - foi a reação de Dyson. - Não é possível que Chase Calder pudesse ter maquinado esta sabotagem de uma cama de hospital.

- Stricklin recolocou os óculos, acertando-os sobre o nariz. - Além do mais, falei com ele e com outros que têm tido contato com ele. Ele perdeu a vontade de lutar. quanto a meu genro, nunca foi tão ferrenhamente contra a operação quanto o pai, e não ia se rebaixar a ponto de usar esse tipo de tática.

- Talvez o senhor esteja certo - concedeu Grinnell, mas não estava convencido. - É claro que o senhor conhece seu genro melhor do que eu. Só que me lembro de tê-lo visto entrar numa briga uma vez no Sally's Place, na cidade. Ele foi atrás de um dos nossos caras com uma garrafa de cerveja quebrada, o que me diz que sabe lutar sujo quando precisa.

- Não quero mais ouvir falar nessa história dos Calder serem os responsáveis por isso - declarou Dyson. - Outra pessoa está fazendo sabotagem. Peguem-no ou aumentem tanto a segurança de modo que ele não se arrisque a repeti-lo.

- Sim, senhor - respondeu, os lábios apertados, concordando em que não haveria mais discussões sobre o assunto. - Se o senhor não precisa mais de mim, vou voltar para o trabalho.

- É só. - Fez-se uma pausa enquanto Dyson observava sombrio Grinnell dirigir-se ao escritório; por fim, pareceu despertar e deu uma olhada em Stricklin. Por um acordo tácito, ambos saíram em direção ao carro estacionado a poucos metros. - Qual sua opinião, George? - perguntou E.J. por fim.

- É muita coincidência alguém quebrar o tanque de óleo de nossos caminhões... e o acidente aéreo de Calder ter sido causado por um tanque de óleo quebrado.

- Ou alguém pode estar tentando jogar suspeitas sobre os Calder sugeriu Dyson.

- Mas por quê? - Stricklin murmurou para si mesmo, abrindo a porta do carro e deslizando para trás do volante.

Abriram as janelas, mas o carro continuava quente, com o ar viciado pela quentura do sol. Stricklin abriu ao máximo as entradas de ar. Dirigindo lentamente em meio ao congestionamento em torno da área de mineração, aproximou-se da rodovia principal que levava à fazenda do velho Stockman, parando o carro para dar passagem a um enorme caminhãopipa cruzando a estrada diante deles.

- Cada vez que vejo um desses caminhões, estremeço só de pensar quanto estamos gastando no transporte de toda essa água. – Dyson disse com desagrado.

É um investimento - replicou Stricklin, virando o volante para o caminhão.

Bem empregado. - Dyson inclinou-se para o lado, tentando obter a primeira visão de seu investimento, olhando além do caminhãopipa.

Depois do solo sujo de carvão, da terra árida em torno da área de mineração e da grama amarelada da pastagem circundante, o súbito trecho verde formava um contraste nítido. Era a primeira das áreas de mineração regeneradas plantadas e irrigadas para crescerem e formarem nova pastagem. Stricklin parou o carro para olhar enquanto o caminhão estacionava ao lado de um tanque portátil de água ligado ao sistema de irrigação.

- Isto certamente calou a boca dos ecologistas e silenciou a maioria dos fazendeiros - afirmou Dyson, balançando a cabeça em aprovação à cena. - Também é a grama mais cara do estado, claro. Tinha que ser verde.

- Mas serve a seus propósitos. É um projeto-modelo de recuperação. Gastamos o dinheiro agora e não precisaremos gastar mais no futuro. Podemos deixá-lo para a mãe natureza. - A situação económica ficava por conta de Stricklin. Não havia outra alternativa viável. - Ty precisava ver isso, principalmente agora que deixou de lado o processo de posse da terra.

- Não disse nada além disso, confiando no senso de oportunidade de Dyson. Afinal de contas, era ele quem promovia.

- É - concordou, pensativo. - Pensei em sondá-lo, por assim dizer, hoje à noite. Tara avisou que eles se encontram em apertos financeiros atualmente, ou seja, seria a hora certa para sugerir-lhe um negócio.

A menção a Tara acendeu uma luz carinhosa nos olhos azuis-metálicos de Stricklin.

- Tara tomou realmente conta de tudo desde que se tornou a senhora da casa. - Enfatizou levemente a palavra senhora, pois era assim que a via: uma senhora com posição e dignidade. - Ela é muito habilidosa em lidar com os convidados e assegurar a permanência deles de maneira impecável. Ela nasceu para receber.

- É verdade - concordou Dyson, orgulhoso ao ver a filha assumir a direção da casa de maneira tão harmoniosa, modificando-a lentamente de um simples casarão de um grande fazendeiro para o centro de uma nova vida social que atraía grande número de pessoas influentes. Ty se daria muito bem com ela a seu lado. E Dyson sabia que ele mesmo podia contar com Tara como aliada, sem nunca ter tocado no assunto com ela. Ele e a filha pensavam de forma bastante semelhante.

- Excelente refeição. Realmente excelente - assegurou E.J.

- Obrigada, papai. - Tomou o pai pelo braço enquanto deixava a sala de jantar, seguida por Ty, Stricklin e Cathleen. - Eu lhe disse que minha cozinheira fora um achado. Ela trabalhou na mansão do governador durante anos. Foi uma sorte que o restaurante que ela abriu em Helena tenha falido. Eu tinha jantado lá certa vez. Assim, peguei-a logo que soube de que ela estava à disposição novamente. E ela recomendou muito a sra. Thornton, cujas credenciais de qualquer maneira são impecáveis. Foi muito conveniente que as duas se conhecessem, pois assim elas puderam dividir o quarto. - Além disso, isso as mantinha relativamente isoladas dos outros empregados da fazenda, diminuindo a quantidade de fofocas sobre o que se passava na casa-grande; no entanto, Tara não mencionou o outro motivo que a levara a contratar a nova equipe importada.

Que tal um conhaque no escritório? - sugeriu Ty, interrompendo pai e filha quando chegaram à sala de estar.

- Evidentemente você não está me incluindo neste convite. - Cat sorriu de modo malicioso, já que somente em ocasiões especiais ela era autorizada a tomar vinho no jantar. - Portanto não vou ficar com vocês. Acho que vou enfrentar os insetos e dar uma volta.

- Posso ir com você, Cathleen? - perguntou Stricklin. - Depois dessa comida deliciosa, preciso de um pouco de exercício.

- Claro. - Ela deu de ombros, garantindo-lhe que não fazia objeção.

- Acho que com isso só sobram você e papai - declarou Tara. Preciso planejar os cardápios da próxima semana e ver com Simone se temos tudo de que ela precisará quando Doug Stevens chegar com seu grupo.

Houve uma debandada geral, sem pressa, cada um tomando diferentes direções. Ty e Dyson foram para o escritório. Serviu-se o conhaque e os dois homens acomodaram-se confortavelmente em poltronas semelhantes. Dyson envolveu o cálice diminuto entre as mãos, girando a bebida para aquecê-la.

- Esperava ter alguns minutos a sós com você para conversarmos, Ty. - Fez sua primeira jogada.

- Oh? - Ty enviou-lhe um olhar levemente curioso.

- Na verdade, é um pouco constrangedor para mim - confessou ele, com um pequeno sorriso de autocensura. - Não quero criar problemas, enquanto que ao mesmo tempo gostaria de tê-lo como sócio.

- Como sócio? - Ergueu a cabeça, ligeiramente surpreso.

- Não é só porque você se casou com minha filha. Quero que entenda isso, embora esta seja mais uma razão que me faria gostar disso... manter tudo em família, por assim dizer. - O sorriso acentuou-se mais um pouco, enquanto Dyson observava não haver resistência à ideia no rosto de Ty.

- Mas sempre gostei de você. Tem a cabeça no lugar e sabe como usá-la. Respeito essa qualidade. E é exatamente do que preciso em um sócio.

- Outra coisa que você precisa em um sócio é tempo - disse Ty. E estou ocupado até a raiz dos cabelos com a fazenda.

- Problemas? - Dyson interpelou-o, para que o genro não pensasse que Tara deixara escapar algumas informações.

- Alguns.

- Sim, compreendo que o negócio do gado está em declínio atualmente. - Assentiu, demonstrando compreensão. - E o fluxo dos poços de Broken Butte diminuiu consideravelmente, quer dizer, a renda não está mais crescendo como antes.

- Infelizmente - concordou Ty, bebericando o conhaque.

- Mas você tem outra fonte de renda à sua disposição... o carvão.

- Dyson sentiu o protesto em aproximação e ergueu a mão para detê-lo.

- Estou a par de todos os sentimentos de seu pai em relação ao assunto mineração de carvão, principalmente na terra dos Calder. Acredite, já ouvi tudo isso antes, e não só dele. - Sorriu para mostrar a pouca atenção que concedia a tais argumentos. - Os fazendeiros do Texas disseram a mesma coisa quando começou a perfuração de poços. Estavam certos de que, de alguma maneira, a perfuração arruinaria suas terras ou interferiria na pastagem do gado. E os pescadores gritaram que as plataformas no mar expulsariam os peixes. Poderia continuar infinitamente. Mas a cada vez os temores provaram-se infundados. Não estou lhe contando algo que ainda não sabe.

- Você defendeu muito bem sua opinião - concordou Ty. - No entanto, não se pode dizer o mesmo para a mineração de carvão. Basta olhar para um daqueles locais no Leste e ver o que foi feito com a terra.

- No passado, sim. Mas você sabe como são rigorosos os regulamentos atuais. Você tem que ir até a fazenda do Stockman para ver nosso projeto de regeneração. Mais ou menos no ano que vem, você não saberá que aquela terra algum dia foi tocada - insistiu. - Sem dúvida essa é a hora de entrar no negócio do carvão, com todos esses programas energéticos que requerem grandes companhias de energia para converter o carvão em combustível. A demanda vai ser grande, e o preço vai subir junto.

- Não tenho dúvida de que vai dar dinheiro. - Não discutiu as outras alegações de Dyson quanto aos regulamentos restritos para mineração de carvão, nem quanto às técnicas avançadas para recuperação do solo. Não era cético como o pai.

- A parceria que tenho em mente é umajoint venture para mineração do carvão naqueles três mil hectares de terra. Posso obter os direitos de mineração com facilidade por meio de minha companhia. - Dyson não disse que a requisição já tramitava nos canais governamentais, e a aprovação fora praticamente garantida pelos contatos que tinha. - Como seu pai acredita que a terra é dele por direito, eu não poderia, em sã consciência, começar a mineração do carvão naquele terreno, a não ser que houvesse algum acordo entre nós para divisão dos lucros.

- Aprecio o sentimento... - começou Ty, com leve movimento de cabeça denotando uma negativa.

- Não estou lhe pedindo uma resposta nesse momento - insistiu Dyson, antes que a oferta fosse rejeitada. - Gostaria que pensasse nisso. Se você concordar, vai se colocar em oposição direta aos desejos do seu pai, estou consciente. Já lhe disse antes... seu pai é da velha escola. Ele custa a aceitar mudanças; não é propenso a digerir novas ideias e novas direções. Mas o país vai necessitar do carvão sob esse chão. Alguém vai fazer a mineração aqui; é inevitável. Só que seu pai simplesmente não quer admitir isso.

- Eu sei. - Ele examinou o conhaque em seu cálice, em conflito entre a lógica e o sentimento.

- Chega de falar de negócios. - Dyson acomodou-se na cadeira, confiante com o final tão calmo da conversa. - O que acha do novo senador que substituiu o Bulfert?

A lua crescente começara a acender no céu, passando de dourado ao prateado. Uma nuvem de estrelas salpicava o firmamento negro-azulado, como se a mão de algum gigante tivesse tomado um punhado de diamantes e os houvesse lançado ao ar para que se dispersassem e brilhassem. Em meio à quietude, um coiote uivou. Era um ruído solitário em todo aquele vazio. As luzes principais da sede ficaram para trás enquanto o par vagava até a estrada, dirigindo-se para leste dos prédios da fazenda. Cat estacou, correndo os olhos pela escuridão do solo até onde este encontrava o horizonte distante. Uma brisa intrusa soprava, lançando os cabelos sobre seu rosto. Sacudiu a cabeça para afastá-los e voltou-se contra o vento.

- Ainda bem que está correndo essa brisa forte - murmurou ela para sua companhia silenciosa. A luz da lua tornava os cabelos louros de Stricklin prateados, a coloração ainda em processo de transição do dourado para o prateado amarelado, escondendo a idade. Os traços fisionómicos continuavam lisos, livres de rugas, e o físico musculoso em boa forma conferia-lhe a aparência de homem mais jovem.

- É, o vento refresca bastante o ambiente - disse ele.

- Não estava pensando nisso. - Cat sorriu suavemente. - A brisa impede que moscas e mosquitos façam uma festa no corpo da gente. Às vezes eles ficam tão fortes que podem comer você inteiro, juro.

- Eles podem ser uma chateação terrível - concordou ele.

- Olha. -Ela apontou para o céu. - Lá vai um avião. Está vendo aquela luz vermelha atravessando o céu?

- Estou. - Ele olhou por um minuto. - Me diga uma coisa, eles chegaram a saber a causa do desastre do avião de seu pai? Segundo a última coisa que ouvi, foi um tipo qualquer de falha no motor.

- Um tanque de óleo quebrado - disse em voz baixa, baixando a cabeça, o assunto retirando parte do prazer na caminhada noturna.

- Alguém sabe o que causou a quebra? - Stricklin continuou a analisar o perfil da garota.

Ela balançou a cabeça, dando uma olhada rápida em direção ao homem mais velho.

- Simplesmente aconteceu, acho.

Fez-se rápida pausa; então Cat estudou-o curiosa.

- com todas as viagens aéreas que você faz, não se preocupa com a possibilidade de acontecer algo com seu avião?

Ele sustentou o olhar que Cat lhe lançou durante um longo segundo devassando os olhos azuis.

- Não - disse por fim. - Nunca pensei muito nisso. - Enfiou a mão no bolso e retirou uma faca pequena.

Cat assistiu divertida a Stricklin correndo a lâmina sob as pontas das unhas.

- Por que gasta tanto tempo limpando as unhas? - Ao menos desta vez a faca estava limpa, pensou consigo.

Stricklin por um instante pareceu surpreso com a pergunta, em seguida deu de ombros.

- Acho que é um hábito. - Perscrutou a noite. - Ainda está se encontrando com aquele jovem vaqueiro?

Desta vez foi ela quem o olhou e franziu o cenho.

- Repp? Como é que você sabe sobre ele?

- Será que Tara deixou escapar algo que não devia? - contrapôs.

- Desculpe, não sabia que eu não devia saber.

- Não importa. - Balançou os ombros, tornando-se curiosa. - Afinal, o que foi que ela disse?

- Nada realmente, garanto a você - prometeu Stricklin. - Acho que ela só mencionou certa vez que você gostava de um certo vaqueiro, mas que seu pai pensava que você era muito jovem para namorar. Acho que ela contou que de vez em quando ajudava vocês dois a se encontrar.

- Eu o vi umas duas vezes sem meu pai saber - admitiu Cat, reduzindo o número de vezes que escapara para encontrar com Repp. - Ele achava que eu não devia namorar até completar dezesseis anos, e eu não queria esperar tanto tempo.

- Típico de jovens amores, acho. - Uma curva pouco acentuada formou-se em torno dos lábios dele. - Locais secretos de encontro. Todos muito românticos... esse tipo de coisa.

- Acho que sim - concordou ela, capaz de recordar aquele tempo com uma espécie de olhar divertido, diante do drama que ela fizera em torno daqueles momentos fortuitos. Claro, agora tinha dezesseis anos e podia namorar Repp abertamente.

- Você tinha locais para encontros secretos? - indagou Stricklin.

- Ora, se eu dissesse eles não seriam mais secretos - disse Cat, relutando em revelar o lugar especial, o escritório no hangar. Era algo particular entre ela e Repp que não devia ser compartilhado.

- Desculpe, estou me intrometendo, não é? Naturalmente você não ia querer divulgar o lugar. - A voz pareceu suavizar-se, sempre tão desprovida de sentimento. - Foi surpreendida alguma vez?

- Não, do contrário o local não seria mais secreto. - Mas lembrou da vez em que Repp pensara ouvir alguém do lado de fora. Acabaram constatando que era o vento soprando pela portinhola de acesso ao motor de um avião, a qual fora deixada destrancada.

Em algum lugar próximo um cavalo resfolegou. Cat voltou-se em direção ao ruído, percebendo em seguida o som quase completamente abafado de cascos roçando suavemente a grama. A súbita vigilância para um ruído noturno atraiu a atenção de Stricklin. Era difícil perceber qualquer coisa na escuridão imediata que os cercava. O couro de uma sela rangeu.

- Quem está aí? - perguntou Cat. Durante um longo minuto, não se ouvia nada além do som da brisa na grama alta. De repente, uma forma escura surgiu das brumas, e Stricklin retesou-se diante da aproximação silenciosa do homem. - Tio Culley. - Ela sorriu carinhosamente com o susto que ele lhe dera. - Não sabia que era você.

- Você está bem? - interpelou-a, os olhos escuros correndo desconfiados para Stricklin.

- Claro. Estávamos só caminhando para desgastar um lauto jantar

- explicou Cat. - Você já conhece meu tio, não é, sr. Stricklin?

- Claro. Como vai, sr. O'Rourke? - A boca curvou-se em um sorriso, nada além disso.

- Bem. - Culley balançou a cabeça em um gesto de assentimento, mas o olhar não se desviou do homem um segundo sequer.

Cat sentiu um desconforto no ar, uma espécie de tensão que a deixou inquieta.

- Vai estar em casa amanhã, tio Culley? - falou para quebrar o mal-estar. - Estava pensando em ir a cavalo até Shamrock.

- Se você for, encontro-a perto do rio t saímos juntos a cavalo fez ele.

- vou deixá-los para que façam seus planos - disse Stricklin, dando um passo em direção à casa-grande. - Gostei do passeio, Cat.

- Boa noite, sr. Stricklin - fez ela, virando-se distraída para observálo retroceder até a casa.

- Como é que você está sozinha com ele? - questionou o tio.

- Sozinha? - Ela nem chegara a considerar que estivera sozinha com o homem, não no contexto que ele parecia indicar. - Só saímos para um passeio depois do jantar. Isto não significa ficar sozinha com alguém.

- Talvez não - desistiu de má vontade. - Mas é melhor ficar longe dele. Não confio nesse homem.

- Stricklin? Nunca o vi conceder mais do que um olhar a uma mulher em todas as vezes que o encontrei. - Cat zombou da ideia de que ele pudesse nutrir pensamentos amorosos em relação a ela. - Além do mais, ele é muito velho. E de qualquer maneira estou namorando Repp.

- Só lembre do que eu disse - insistiu Culley. - Você vai mesmo lá em casa amanhã?

- Claro. Encontro-o às três horas ao lado do rio.

 

Era uma daquelas tardes quentes e preguiçosas de verão que não encorajava muita atividade física. Era época de movimentos lentos e fala mansa. Quando Jessy desceu dapíck-up que estacionara em frente ao armazém da fazenda, havia um grupo barulhento que não prestara atenção ao sol fervente sobre suas cabeças. O ruído de gargalhadas estridentes e gritos de alegria ecoava do rio que cortava a sede. O som provinha do atual grupo de convidados divertindo-se na água límpida.

O sol cozinhava a porta metálica da caminhonete. Queimou a mão de Jessy quando ela a fechou e fez a volta em torno do veículo, rumo à entrada do armazém, protegida com uma tela. A abertura da tela perturbou as moscas que se arrastavam na rede. Zumbiram barulhentas enquanto ela entrava.

- Oi, Sid - cumprimentou o vaqueiro que estava apoiado ao balcão, com todo o peso do corpo sobre uma das pernas.

- Oi, Jessy. - Lançou-lhe um olhar e voltou à posição inicial, aparentando estar cansado, com calor, e inteiramente descontente com a vida. Um grande ventilador vibrava barulhento, buscando ar entre as pilhas de artigos enlatados, comestíveis e um sortimento variado de mercadorias.

- Onde está Bill? - Jessy olhou por toda a loja à procura de Bill Vernon em sua cadeira de rodas. Bill dirigia o armazém com o auxílio da esposa.

- Nos fundos - replicou Ramsey, lançando a cabeça na direção dos fundos da loja. - Ele está vendo se acha tabaco de mascar. Aqueles malditos turistinhas de Nova York vieram aqui e compraram tudo. Agora com certeza eu vou ter que ir até Blue Moon em busca de tabaco.

- Que droga - solidarizou-se Jessy, enfiando a mão no bolso da camisa para pegar a lista de suprimentos de que precisava para reabastecer sua despensa na choupana.

- Este lugar devia ser nosso - reclamou o vaqueiro. - Mas se transformou numa maldita loja de turistas, com esses almofadinhas que ela traz.

- Não havia necessidade de explicar que ela era a mulher de Ty. - Eles vêm aqui para comprar o artigo genuíno. Bill jura que vendeu maisjeans, camisas e chapéus em um mês do que vende normalmente em um ano. "Eles querem vestir o que os vaqueiros usam". - Aumentou o tom de voz, falando em uma mímica sarcástica. - Disse a Bill para colocar um balcão de souvenirs e nós traremos alguns cocos de vaca. Provavelmente esses idiotas vão pagar cinco dólares por cada pedaço. Ele ia fazer uma fortuna, diabos.

Jessy soltou uma gargalhada.

- Eu não me surpreenderia.

- Sabe o que ela disse ao Bill? - Novamente o ela, demonstrando desagrado nos olhos de Sid. - Disse a ele para dobrar o preço de tudo que vendesse aos amigos dela... e até mais se ele achasse que podia cobrar.

- Talvez ela saiba que eles podem pagar - Jessy sugeriu com um menear de ombros, sem querer participar da crítica a Tara. Foi bastante imparcial. - Além do mais, aqui tudo é vendido praticamente a preço de custo. Mesmo pelo dobro, ainda seria um preço justo.

- Talvez sim. - Ramsey afastou-se do balcão, esticando-se para puxar as calças, mas em seu rosto permanecia a expressão do desagrado.

Só que não gosto do que está acontecendo nessa fazenda. Ela não é mais a mesma.

Não era o primeiro resmungo desse tipo que ela ouvia, e isto a preocupava. O descontentamento parecia estar aumentando.

- O que quer dizer? - Tentou parecer casual.

- Isso aqui deve ser uma fazenda de gado. Você sabe o que estou fazendo? - desafiou, pressionando um dedo contra o peito. - Ela me pegou para levar seus hóspedes para passeios a cavalo. Metade deles nunca montou em um cavalo em toda a vida e se agarra na sela como se ela fosse voar. E a outra metade pensa que sabe montar e quer sair galopando feito doido pelas planícies em pleno calor! E todos soltando gritinhos sobre como é "liiindo" tudo isso! - zombou implacável. - Já é o suficiente para deixar um cara doente. - Voltou-se para o balcão. - Você tem sorte, Jessy, de estar trabalhando na sucursal Norte e não ter de aguentar isso.

- Acho que sim. - Ela não entrara em contato com nenhum dos hóspedes, mas as fofocas da fazenda a mantinham informada sobre as contínuas idas e vindas de cada grupo.

- Sabe o que devo fazer agora? - Ramsey não esperou que Jessy respondesse. - Nenhum desses almofadinhas consegue acordar cedo para ver o nascer do sol. Quer dizer, tenho ordens de organizar uma trilha a cavalo bem tarde para que eles possam ver o sol se pôr no pasto. E eles querem sentar em volta de uma fogueira. Uma fogueira! - Repetiu com uma careta de nojo. - Pode imaginar isso, com o capim seco do jeito que está! Eles vão ter fogo, tudo bem. Se tiver vento, eles vão ter é um incêndio desgraçado na pastagem!

- Você explicou isso, não explicou? - Jessy franziu o cenho.

- Claro. Eles não estão nem aí - resmungou. - Esse bando de convidados deve ser de verdadeiros dândis.

- Por quê? - A pergunta pareceu desconcertá-lo por um instante.

- Pelo que ouvi, dois dos caras devem ser bichas - murmurou.

- O quê? - Jessy tentou conter o riso.

- É. Bud Jobsen, o cara que faz a maioria dos trabalhos com o pessoal do moinho, é carpinteiro. Ela pediu a ele que construísse um zebo ao lado do rio.

- Um zebo? - contraiu o rosto, confusa. - O que é isso?

- Sei lá. Bud me mostrou uma foto. Me lembrou um coreto redondo com um teto em cima. Ele não entendeu direito a função disso, mas disse que achava que um zebo era um lugar para os gays sentarem.

- Nunca ouvi falar nisso. - Ela declarou com um murmúrio de perplexidade.

- Nem eu. - Balançou a cabeça, carrancudo. - vou te dizer uma coisa: não sei não. Sempre gostei do Ty, mas não está me agradando o jeito como ele está dirigindo as coisas, despedindo bons homens enquanto a mulher fica contratando essa cozinheira metida e a empregada. Sabia que ele até desistiu de lutar por aquele título de terra?

- Ouvi dizer - admitiu Jessy.

- Não consigo entender. - Ramsey soltou um suspiro profundo. A porta da despensa abriu e Bill Vernon manobrou a cadeira de rodas através da abertura. - Achou, Bill?

- Claro que sim. - Pegou a pequena caixa redonda pousada no colo e entregou-a a Ramsey.

- Talvez o dia não acabe tão mal, afinal de contas - declarou o cowboy, enfiando a mão no bolso e colocando algo em cima do balcão. - Obrigado, Bill. - Virou-se para a porta com passo saltitante. - Vejo você depois, Jessy.

- O que quer, Jessy? - indagou Bill.

- Praticamente tudo. Café, ovos... - A lista era interminável.

- É uma maldita de uma vergonha que o pessoal da segurança não tenha dado uma boa olhada no cara. - Dyson esfregou o queixo irritado, o braço descansando sobre a janela do carro. - Ela não conseguiu nem dar uma boa descrição dele... só que era um vaqueiro magro em um cavalo preto.

- Não é muito para começar - concordou Stricklin, reduzindo a velocidade do carro quando entraram no quintal da Triplo C.

- Talvez quase ter sido pego impeça o cara de tentar novamente sugeriu Dyson, esperançoso. - Ele já causou muito problema. - A boca mantinha-se contraída, um vinco denotando concentração marcado na testa. - Maldição, mas não consigo imaginar por que ele está fazendo isso. Por que volta repetidas vezes? Vocês têm alguma ideia?

- Nenhuma. - Girou o volante, subindo a elevação rumo à casa-grande.

- Não sei durante quanto tempo vamos conseguir abafar isso - fez ele carrancudo. - Ty mencionou, quando estivemos aqui há duas semanas, que ouvira falar de que estávamos tendo problemas na mina. Eu diminuí a importância do caso, tratando-o como algum vandalismo malévolo. Mas não posso deixá-lo pensar que vai arranjar problema se concordar em entrar no negócio comigo.

- Ele demonstrou como está considerando o negócio? - perguntou Stricklin, parando o carro diante da escadaria frontal.

- Não, mas tenho a impressão de que a decisão vai depender da gravidade da situação financeira dele. - Dyson desceu do veículo e deteve-se, olhando por cima do teto do carro, a atenção direcionada para o grupo risonho que se aproximava da casa-grande. - Lá vem Tara Lee.

Stricklin permaneceu no lado do motorista, observando as pessoas de roupa de banho e enroladas em toalhas, seguindo a garota de olhos verdes e cabelos negros molhados.

O homem que vinha com Cat estacou na base da elevação, dando uma olhada nas colinas com ar de fadiga. Mal chegado aos trinta, estava claramente fora de forma. A cintura redonda começava a desenvolver-se em uma barriga que parara de tentar disfarçar, músculos e energia enfraquecidos. Ao perceber que ele não vinha com ela, Cat se voltou.

- O senhor não vem, sr. Macklin?

- Tenho outra escolha? - contrapôs, contorcendo-se, levemente ofegante com a caminhada até o rio. - vou ter que falar com seu irmão. Ou ele vai mudar a casa para mais perto do rio ou o rio vai chegar mais perto da casa. Ninguém devia subir uma colina como essa depois de nadar a tarde toda.

Ela soltou uma gargalhada com a reclamação bem-humorada, voltando para o lado dele.

- Talvez seja melhor ajudar o senhor - declarou, tratando a situação com o mesmo espírito leve; ele apoiou o braço em torno dos ombros dela, em mostra sarcástica de dependência.

Sorrindo, começaram a subir a elevação, enquanto um trio de vaqueiros entrava no quintal da fazenda. Assim que Repp Taylor reconheceu Cat e não identificou o homem seminu em short de banho apoiado tão familiarmente nos ombros dela, esporeou o cavalo, afastando-se dos outros dois e dirigindo-se para a colina. O ruído surdo se aproximando com velocidade logo chamou atenção, fazendo com que o grupo que retornava reduzisse as passadas, olhando em torno com leve curiosidade.

Quando Repp puxou as rédeas do cavalo até parar a poucos metros de Cat, os traços finos e severos denotavam um ar de desagrado que não tinha nada a ver com sua aparência empoeirada e encalorada.

- Quero falar com você, Cat - declarou, com voz ameaçadora e categórica, desmontando.

Um tanto surpresa, Cat afastou-se do convidado, cujo braço já deslizara de seus ombros. Mas o sorriso da garota não demonstrava surpresa.

- Já vou encontrar vocês - assegurou ao grupo que assistia, dispensando-os de esperá-la, indo em direção a Repp.

O grupo recomeçou a galgar a elevação com Tara à frente.

- É o namorado de Cat - ela murmurou uma explicação aos hóspedes, demonstrando uma tolerância divertida com a intensidade do amor adolescente.

- O que você quer, Repp? - perguntou Cat. Em vez de olhá-la, o rapaz ficou observando o grupo ascender a elevação até o carro estacionado. - Algo errado? - Hesitante, ela olhou por sobre o ombro na mesma direção.

Ele esperou até que o grupo estivesse fora do alcance do ouvido antes de falar qualquer coisa; por fim, fez uma pergunta em voz baixa e áspera:

- Que ideia é essa de deixar um estranho se apoiar em você?

- O sr. Macklin? - À reação de assombro logo se seguiu uma necessidade de soltar uma gargalhada alta diante da constatação de que Repp estava com ciúme. - Foi uma brincadeira sem maldade. Ele estava brincando que não conseguia subir o morro, e fingi que o ajudava. Só isso.

- Não seja tão ingénua. Isto era só uma desculpa para colocar as mãos em você. - A impaciência o dominava como um vento de irritação.

- Para começar, você não tem nada a fazer com um homem que tem duas vezes a sua idade.

- Eu não estava fazendo nada com ele. - Não gostou do jeito com que tentava ditar-lhe ordens. - Todos nós passamos a tarde nadando no rio.

- Pior ainda... você desfilando meio nua para um bando de homens estranhos a devorarem com os olhos.

- Não vou ficar ouvindo essa conversa. - Contraiu os lábios, voltando-se empertigada para ir embora, furiosa com a atitude do rapaz. Mas Repp a agarrou pelo braço e a girou de frente para ele.

- Fique longe dele - ordenou.

- Eles são nossos hóspedes - insistiu ela.

- Você os convidou? - desafiou Repp.

- Não, mas...

- Então não é você que tem que ficar divertindo-os.

com um puxão violento do braço, Cat se libertou do aperto de Repp.

- Não me tente dizer o que devo fazer, Repp Taylor - avisou ela.

- Está na hora de alguém dizer. - Ele ergueu a voz.

- bom, não vai ser você!

- Estou dizendo para ficar longe dele - Repp voltou a exigir.

- Não! - recusou, zangada, girando sobre os calcanhares e afastando-se a passos largos.

- Você não provou nada! Se você for, só vai conseguir se meter em encrenca! - Furioso com a desatenção obstinada a seus avisos, Repp negou-se a segui-la.

Cat deteve-se quando já estava suficientemente distante dele.

- Então meu problema é esse, não é? Não preciso da sua ajuda! Trechos da discussão foram carregados pelo vento preguiçoso da tarde, mas só uma pessoa estava escutando. Dyson fez a volta no carro, ficando de pé ao lado de Stricklin, ambos assistindo enquanto Cathleen corria para juntar-se aos outros que chegavam ao topo da colina e se dirigiam para a estrada.

- Uma briguinha de namorados - murmurou Dyson, divertido.

- É o que parece - concordou Stricklin. Não se falou mais do assunto, pois o grupo os alcançou e começaram as saudações e banalidades sociais. Dispersos, foram se encaminhando para a casa-grande. Stricklin ficou para trás seguindo Cat até a casa. - Espero que a briga com seu namorado não tenha sido séria - murmurou.

Ela fez uma pausa, lançando-lhe um olhar frio e analítico.

- Não gostaria de preocupá-lo com isso, sr. Stricklin - replicou friamente, descontente com a intromissão em seus assuntos particulares. Ao invés de juntar-se aos demais para os refrescos que aguardavam seu retorno, Cat foi direto para o quarto, tratar da mágoa e ultraje que sentira com a crítica de Repp ao seu comportamento.

O silêncio da casa pesava sobre o quarto. A escuridão do lado de fora transformava os vidros das janelas do escritório em espelhos. Ty pousou a caneta e descansou os cotovelos com a mão sobre a boca e o bigode, olhando fixamente as chamas da lareira de pedra. Fadiga tanto física quanto mental pesava-lhe sobre os ombros. Muitas pressões de diferentes lados juntavam-se dentro dele, fazendo-o ansiar pelo contentamento de outras épocas. Em pensamento, Ty conseguia ver as labaredas amareladas nos troncos da lareira e Jessy - a beleza forte de seus traços e aquele olhar de espera. Queria sentir novamente aquela emoção doce e poderosa que ela acendia dentro dele. Não era uma dor quente e febril. Era algo mais profundo do que isso.

- Ty? - O ruído suave de seu nome agiu como uma intromissão. Ele olhou em direção à fonte com uma carranca dura. Tara deslizou para dentro do escritório, a seda fina do robe e da camisola produzindo sons sussurrantes conforme caminhava. - Já passa de uma hora. Acho que você já trabalhou o bastante por hoje.

Ele retirou os braços da mesa para olhar o relógio, confirmando a hora avançada. As rugas de cansaço em seu rosto continuaram contraídas numa carranca.

- Não falta muito para terminar. - Mas não sentia vontade de dormir nem de trabalhar.

- O trabalho pode esperar - Tara insistiu, contornando a mesa e virando a cadeira giratória do marido para longe dos papéis. Ele se recostou e ela, com um movimento gracioso, fez meia-volta e sentou-se no colo de Ty. Este experimentou reações conflitantes... um traço de impaciência contrapunha-se à apreciação silenciosa da beleza de Tara. Ela mergulhou os dedos em seus cabelos. - Quando entrei ainda agora, você parecia envolvido em algum problema importante. Em que estava pensando? - Tara indagou com curiosidade e preguiça.

- Na fazenda - mentiu, aspirando o perfume do corpo da mulher, consciente dos desejos que a presença física lhe provocava.

- Gostaria que deixasse papai ajudar - disse, e acrescentou: - Mas a decisão é sua e não vamos discutir isso essa noite.

Descansou a mão sobre o peito dele. Ty captou o brilho do diamante em torno da opala negra no anel de casamento. Lembrou a ansiedade febril que sentira ao escolher a armação... anos atrás, parecia. Tomou aquela mão, tocando levemente o anel e pensando no significado de tudo aquilo.

- Está feliz, Tara? - Havia algo de preocupação por sob a indagação aparentemente descontraída, uma sensação de que não encontrara o que estivera buscando com aquele anel, e matutando se ela havia encontrado.

- Nunca fui mais feliz. - Havia ardor por sob a voz dela. - Está tudo acontecendo exatamente da forma que eu esperava. - Uma luz sôfrega acendeu-se em seus olhos, tão convicta e segura. - Sei que agora você está enfrentando problemas económicos. Seu pai deixou a fazenda nesse caos financeiro. Mas vamos superá-lo. Você já sabe que existe uma maneira de solucioná-lo - fez ela, aludindo cuidadosamente à proposta do pai. Sei que está angustiado com a decisão, mas você optará pela mais acertada. Então vai ver como tudo vai ser maravilhoso.

- É. - Mas havia falta de entusiasmo na resposta dele.

- Você não parece muito feliz - repreendeu Tara.

- Ultimamente não tenho tido muito com o que ficar feliz. - Deu de ombros e continuou a segurar a mão do anel, o dedão percorrendo a superfície lisa da opala negra. O anel parecia tomar-lhe mais atenção do que a conversa. - O que houve com Cat? Ela parecia estar de mau humor no jantar hoje.

- Teve alguma discussão boba com Repp. - Tara considerou o assunto fútil. - Aí ficou emburrada. Combinei de irmos todos cavalgar amanhã no final da tarde. Agora ela insiste em não ir, porque quer visitar o maluco do tio. Acho que você não devia deixá-la ir.

- Culley é inofensivo. - Ty não via motivo para negar. - Não se preocupe com ela.

A falta de atenção começou a incomodar Tara. Ele parecia mais envolvido em seus próprios pensamentos do que em todo o resto.

- Ty, em que está pensando? - Por fim acabou insistindo em saber, uma certa apreensão na voz.

Quando olhou para ela, uma das poucas vezes em que seus olhos se encontraram desde que Tara entrara na sala, havia um ar de arrependimento na preocupação estudada do olhar do marido.

- Estava pensando no compromisso de um homem e no que isso significava. - Por um segundo, o dedão pressionou o anel de casamento com mais força.

- Isso parece sério. - Tara tentou rir, mas durante um segundo sentiu medo do espectro de outra mulher. Ainda assim, havia segurança no comentário dele, e ela lançou mão do código de honra peculiar, seguido pelos homens da fazenda, para estreitar o vínculo do casamento que ligava Ty a ela.

- Acho sério, porque eu fui sincera nos votos que fiz a você quando nos casamos. Sou sua esposa... bem ou mal.

- É. - A resposta custou a vir. - Você é minha esposa. - Talvez o fato estivesse se adaptando à realidade. Talvez finalmente reconhecesse que tinha uma responsabilidade em relação a Tara... e ao casamento que haviam feito. Se não conseguia encontrar o conforto que desejava em seu casamento, ele não tinha o direito de buscá-lo em outro lugar. Dependia dele e Tara evitar que seu casamento se transformasse em impostura. Se a alma e o espírito haviam desaparecido do relacionamento, restando unicamente o ímpeto, então que fosse assim.

A convicção na voz de Ty proporcionou a Tara um sentido de vitória. Toda a confiança no sucesso final da competição se justificava. Transbordante de vitória, baixou a cabeça para beijá-lo. Ty teve um relance da lareira negra por trás da beleza que bloqueou quaisquer imagens que porventura subsistissem dentro dele. A quentura do corpo de Tara pareceu inundá-lo, trazendo a febre... a ânsia ardente que não o devorava mais como outrora.

Fora instalado um portão na cerca que separava a fazenda Shamrock da pastagem da Triplo C, proporcionando acesso fácil de uma para a outra.

com a habilidade da prática, Cat manobrou o cavalo de forma a abri-lo em seguida fechou o portão atrás de si sem desmontar. Deixou o cavalo seguir seu próprio ritmo colina acima até o topo, salpicado de pinheiros Uma trilha apagada levava até o campo irregular, e Cat seguiu o caminho.

Ainda estava magoada com a discussão com Repp, e desanimada também. Em tempos como esse, parecia que não tinha a quem recorrer. Antes poderia reclamar com os pais, mas agora a mãe se fora. O pai, que sempre parecera poderoso e forte o suficiente para solucionar qualquer problema, tornara-se uma pessoa que ela queria proteger de qualquer coisa desagradável. Ty estava muito ocupado, e Tara, que às vezes era como irmã mais velha, ainda considerava os sentimentos de Cat infantis, jamais os levando a sério. Cada vez mais, quando a solidão e a insegurança tomavam conta de Cat, via-se buscando o tio para que tivesse a companhia de alguém que se importava com ela.

Culley sempre a interceptava em algum ponto da trilha e cavalgavam até a pequena fazenda juntos. Desta vez, ela percorreu todo o caminho até o quintal sem ver qualquer sinal dele. Embora nunca compreendesse como sabia que ela estava se aproximando das outras vezes, preocupou-a não vêlo. Desmontou em frente à casa, perscrutando o quintal vazio, prendendo as rédeas da montaria no poste que sustentava o teto da entrada. Foi até a porta de tela e tentou ver algo por entre a malha de arame.

- Tio Culley? - chamou, hesitante. Havia algo de estranho no silêncio. - Tio Culley! - A voz alteou-se, imperiosa.

Ouviu um som baixo vindo do interior da casa. A situação era um tanto alarmante. Embora a ideia nunca lhe tivesse passado pela cabeça antes, subitamente Cat se preocupou com o fato de o tio morar sozinho, completamente isolado e distante de qualquer auxílio. Se ficasse doente ou se machucasse, quem ia saber?

- Tio Culley? - gritou bem alto, caso ele estivesse no celeiro. - O senhor está aí? - De alguma maneira, achava que ele não estava do lado de fora, assim, entrou na casa, fechando a porta de tela silenciosamente atrás de si, ouvindo todos os ruídos. - Tio Culley? - A voz soou cavernosa na casa imersa em silêncio. A porta do quarto estava fechada. Mal dera um passo em direção a ela quando a porta abriu e o tio saiu, pálido e desgrenhado, a camisa desabotoada e meio para fora das calças. Os cabelos grisalhos caíam em tufos desordenados e meias de lã cinzas cobriam seus pés.

- Não esperava você hoje, Cat. - A voz não parecia normal, o tio estava empertigado e incomodado quando se aproximou dela. - Acho que você me pegou em uma soneca.

Ele realmente parecia ter acabado de sair da cama, e a preocupação da garota diminuiu com a explicação.

- Estava começando a me preocupar - admitiu. - Achei que podia ter acontecido algo com o senhor. - De súbito, percebeu algo branco envolvendo-lhe a cintura onde se abria a camisa desabotoada. - O senhor está ferido - disse ela, em feroz acusação.

- Não é nada para se preocupar. - O aceno da mão dispensou a apreensão. - Bati com as costelas quando um cavalo me deu um coice.

- É melhor me deixar dar uma olhada. - A voz dela era insistente, estendendo a mão para a camisa, querendo constatar se o tio tratara adequadamente as costelas feridas.

- Não. - Os olhos faiscaram em súbita negação. - Já lhe disse que só machuquei algumas. Agora me deixe em paz.

- Olha aqui, Culley O'Rourke. Sei ser tão teimosa quanto você alertou Cat.

- Se veio aqui para uma visita, tudo bem. Mas se veio só para meter o nariz onde não deve, pode ir embora.

Cat empertigou-se como se tivesse levado uma bofetada. O tio nunca falara assim com ela.

- É evidente que não sou desejada nem querida. Nada mais do que faço é certo. - Virou-se para a porta, o orgulho e os sentimentos feridos.

- Cathleen, desculpe. Eu... - A frase foi interrompida por um gemido de dor, seguido pelo ranger de uma cadeira sob certo peso. Alarmada, Cat voltou-se para ver o rosto pálido do tio agarrando as costas da cadeira. Correu até ele.

- O senhor está ferido. Não sei por que está tentando fingir que não é nada - acusou-o impaciente, ajudando-o a sentar. Quando tentou erguer a camisa, ele protestou, fraco, procurando detê-la. Mas era tarde demais: ela percebeu a mancha escarlate pingando através do trecho branco da atadura. - Está sangrando - acusou, num misto de perplexidade e preocupação. - Pensei que tinha dito que machucara as costelas.

- Foi só um arranhão - ele insistiu, a fraqueza que o acometera começando a ceder. - Estou bem, estou lhe dizendo.

- Não vou acreditar em suas palavras - retorquiu Cat, começando a desatar as ataduras amarradas de forma grosseira. Procurou ser o mais suave que pudesse, mas sem dúvida doía cada vez que erguia os tecidos da área ferida. À visão da linha longa e fina de carne púrpura aberta, quase vomitou. Fez um esforço para não nausear-se. - Tio Culley, o senhor tem de ir ao médico e tratar isso. - A experiência limitada da garota em primeiros socorros não englobava uma ferida tão séria como aquela.

- Não. - Ele balançou a cabeça, o rosto pálido e contorcido. - Só jogue um anti-séptico e coloque uma atadura limpa.

- Tio Culley, por favor. - Cat pediu que a ouvisse. - Sei que não gosta de médicos, mas isto não é um arranhão. Deixe-me ir até o médico e trazê-lo aqui. O senhor pode estar com uma infecção ou algo do tipo.

- Não. Não posso ir a um médico. Não posso deixá-lo ver isso. Agarrou as mãos dela, quase trincando os ossos dos dedos de Cat. - Cathleen, você tem que me prometer que não vai contar nada a ninguém sobre isso.

- Por quê?

Mais uma vez ele balançou a cabeça.

- Não faça perguntas. Simplesmente me prometa - implorou.

Ela fitou aqueles olhos súplices, em seguida olhou para a ferida aberta e lentamente meneou a cabeça.

- Não posso prometer isso. - Doeu negar algo ao tio. - Não quero que aconteça nada ao senhor. Tenho que chamar o médico. - Começou a afastar-se dele, para ir à fazenda pedir ajuda.

- Não. - Ele tentou chamá-la de volta. - Você não entende, Cathleen. O médico teria que relatar isso ao xerife.

- O xerife? - Cat hesitou, alguns centímetros distante dele. - Mas por quê?

Passou-se um longo momento em que ele pareceu dividido entre responder à pergunta da sobrinha e guardar silêncio.

- Porque... é um ferimento de bala. Cathleen olhou-o incrédulo.

- O quê? - A resposta a surpreendera inteiramente. - Mas... por que alguém ia atirar no senhor? E o que importa se o xerife descobrir?

- Apenas acredite em mim. - Lutava contra as perguntas dela. Não quero envolvê-la nisso.

Ela retornou à cadeira, caindo de joelhos em frente a ele.

- Se não me disser do que se trata, eu mesma vou ao médico e ao xerife - ameaçou, pois estava assustada com a falta de sentido de toda a situação. Culley estava agindo de maneira misteriosa e rebelde.

- Não quero deixá-la, Cat. - As lágrimas toldaram os olhos dele, mas não eram causadas pela dor. - Mas se o xerife descobrir, ele vai me prender... e nunca mais verei você.

- Mas por que ele prenderia o senhor? - persistiu ela.

- Porque eu... eu sei quem matou sua mãe.

Por um momento, a afirmação pousou em silêncio sepulcral, Cat olhando para ele.

- O quê? - Ensaiou um pequeno, leve ruído. Estava quase convencida de que ele estava maluco. - Ela morreu em um acidente de avião.

- Causado por um tanque de óleo quebrado - assentiu ele. - Mas não foi acidente. Foi premeditado. Alguém quebrou-o ao meio.

- Como... como é que sabe disso? - Ela hesitava, cética, embora o tio soasse tão convincente.

- Porque... - A angústia tomava conta de seu rosto. - Lembra daquela noite em que você encontrou com aquele garoto Taylor no hangar e pensou que ouvira algo?

- Sei - assentiu lentamente. - Era o senhor?

- Não. Era ele. Eu o vi mexendo em algo no motor. Depois que você e Taylor saíram e ele fugiu sorrateiro, fui ver o que era. Sabia que ele havia feito qualquer coisa no motor, mas não sabia o quê.

- O senhor quer dizer... que sabia que havia algo errado com o avião? Sabia e não disse nada a ninguém? - Olhava-o fixamente, recuando ao perceber que o acidente que matara a mãe e ferira o pai tão gravemente poderia ter sido evitado.

- Eu não tinha certeza... não sabia se ele tivera tempo suficiente antes de vocês o ouvirem. Se eu soubesse que Maggie... - A voz saiu atormentada, um ruído deprimente de se ouvir. - Não vê, Cathleen? Essa é minha punição. Pensei que havia algo errado com o avião, mas não disse a ninguém. E ... ela morreu. Não o seu pai. Ela morreu.

- Como o senhor pôde! - Ela começou a soluçar lágrimas furiosas, sofrendo novamente. - Como pôde matar minha mãe! - Bateu com os punhos nas pernas e coxas do tio, gritando desesperada, liberando toda a violência que contivera dentro de si desde que a mãe falecera tão inesperadamente.

Culley chorava com ela, mais silencioso mas não menos que a sobrinha. Quando por fim ela ficouexausta de soluçar sobre os joelhos do tio, a mão dele tocou-lhe os cabelos, mal acariciando-os.

- Por favor, não me odeie, Cathleen - sussurrou, rouco.

- Por quê? Por que não contou a alguém? - Era uma indagação plangente.

- Quem teria acreditado em mim? - raciocinou tristemente. - Talvez ele tivesse sido esperto e quebrado o tanque em um ponto onde ninguém visse. Talvez eles não tivessem encontrado mesmo se eu dissesse. E se encontrassem, era só a minha palavra de que ele fizera isso. E começariam a indagar o que eu estava fazendo lá... a dizer que fora eu que fizera aquilo.

- Fez-se uma longa pausa. - Muitas coisas aconteceram antes de você nascer, mas nunca foi segredo que eu não ligava se seu pai vivesse ou morresse. Os caras se lembram bem disso. Eles se lembram do Culley maluco, e teriam achado que eu fiz isso e não ele.

- Quem fez isso, Culley? - Ela ergueu o rosto banhado de lágrimas para olhá-lo.

- Stricklin estava no hangar naquela noite, provavelmente cumprindo ordens de Dyson.

- Não. - Olhou-o sem acreditar.

- Você vê? Nem você acredita em mim.

A tristeza nos olhos dele mesclava-se à ironia. Lentamente, Cat começou a compreender seu dilema. Quem acreditaria em tal história... especialmente vinda do tio, que fora hospitalizado durante tantos anos? Sentiu a frustração na desesperança de O'Rourke.

Concedendo que fosse verdade, ela teve de perguntar:

- Mas por que eles fariam isso?

- Calder tinha algo que eles queriam e que ele nunca daria, por isso tentaram se livrar dele. Só que por um acaso Maggie estava no caminho.

- Era assim que ele imaginava os fatos. Não importa a vítima inocente que ela fora, seu desejo de vingança não diminuíra. Ao tentar mudar de posição na cadeira, o movimento atingiu a ferida lateral, fazendo-o encolher-se e empalidecer com a dor perfurante. Culley pressionou a atadura frouxa contra a carne aberta na cintura.

- Deixe-me pôr um curativo limpo aí. - Cat enxugou as lágrimas das bochechas, erguendo-se para pegar novas ataduras. - Como isso aconteceu? Sabe quem atirou no senhor?

Enquanto Cat limpava a ferida com o anti-séptico da melhor maneira de que era capaz, dobrando uma tira de um lençol recém-lavado, Culley respondeu às perguntas entre gemidos de dor.

- Algum guarda de segurança... da mina de Dyson. Estive lá... várias noites quebrando os tanques de óleo do... equipamento deles. Às vezes jogava açúcar... nos tanques de gasolina se... não tinha tempo para outra coisa. Achei que isso poderia espantá-los e... fazê-los mostrar sua verdadeira face. Espantei-os, é verdade. Aquele lugar... tem mais guardas do que uma prisão. Mesmo assim, ainda não posso provar nada.

Ela prendeu o novo curativo no lugar com pequenas tiras de esparadrapo.

- Fiz o melhor que pude. - A preocupação em seus olhos denotava que poderia não estar muito bom. - Mas parece que o corte está bem feio, tio Culley.

- Nada de médico - repetiu.

- vou falar com Ty, explicar tudo que o senhor me contou e...

- Ele não vai acreditar em você. - Balançou a cabeça tristemente com a esperança que ela depositava no irmão mais velho. - Ele é casado com a filha de Dyson. Não vai acreditar em qualquer coisa contra o homem, sem provas.

- Mas o que o senhor vai fazer? Simplesmente não podemos permitir que eles continuem impunes.

- Eles não vão ficar impunes - tranquilizou-a Culley. - vou pensar em algo. Agora devem estar bem inquietos, pois sabem que alguém sabe de algo. Se você trabalha muito tempo em cima dos nervos de um homem, eles acabam entrando em colapso. Nesse momento, estão no limiar do sobressalto, sem saber quem desconfia do que fizeram. Por isso você tem que prometer não falar com ninguém sobre isso... nem com seu pai ou seu irmão... nem ao garoto Taylor... ninguém - insistiu. - Não podemos nos arriscar a deixar escapar algo.

- Mas... - Cat queria protestar contra o segredo, mas não encontrava argumentos adequados contra o raciocínio do tio. Quem acreditaria em uma história como essa sem provas? Ela mesma tinha dificuldade em engoli-la, mas estava convencida de que o tio acreditava na história.

- Posso ter sua palavra? - O olhar atento procurava os dela.

- Pode - concordou, após um segundo de hesitação. Mordiscou o lábio, ainda tentando decidir o que devia fazer sobre o tratamento da ferida. - vou fazer algo para o senhor comer - disse ela. - Depois vou voltar à fazenda e ver se arranjo algum medicamento no consultório do veterinário.

- É melhor não. Se alguém a vir com o remédio, vão começar a fazer perguntas e podem querer conferir qualquer história que você contar - alertou-a.

- Tenho que fazer algo. - A frustração aflorou na veemência da afirmação... Deteve-se, sem querer expressar as possíveis consequências. vou tomar cuidado. Ninguém vai me ver, prometo. Sou tão boa nisso quanto o senhor. - Tentou injetar um tom de leveza na conversa. - Veja só quantas vezes já escapei para encontrar com Repp sem ninguém me descobrir.

Quando voltou à casa-grande, a situação pareceu-lhe terrivelmente irreal. Duas vezes após o jantar, quase chamou Ty em particular para confiar-lhe a história, a fim de que ele dissesse ser um monte de bobagens, tornando o problema algo para se dar gargalhadas. Mas a vontade de proteger o tio foi mais forte. A despeito de suas razões, o tio poderia ser preso pelo que fizera; talvez o internassem novamente. Ele confiava nela, e não conseguiria traí-lo assim.

com a cabeça zonza de tantas dúvidas e pequenas suspeitas, Cat evitou passar o mínimo de tempo com Dyson ou Stricklin, apreensiva de que pudesse olhá-los de maneira estranha, inconscientemente. Havia muitos hóspedes para ocupar-lhes a atenção, bem como a de Tara e Ty, assim Cat duvidou de que sua ausência fora notada quando pegou a chave no escritório e saiu da casa-grande para ir ao consultório do veterinário pegar alguns remédios.

Só havia dois meios de transporte disponíveis - um veículo da fazenda ou um cavalo. Usar uma das caminhonetes poderia levantar dúvidas sobre onde ela estaria indo e sobre a necessidade de uma visita noturna ao tio. Só teoricamente ela possuía o domínio da fazenda e podia fazer o que bem quisesse por ser uma Calder. com dezessete anos, ainda sofria certas restrições, e caso as razões fossem insuficientes, a permissão poderia ser negada. Cat não queria criar mais histórias do que tivera que inventar para ocultar seus motivos. Um passeio a cavalo à noite, supostamente por prazer, provavelmente não levantaria tanta curiosidade, mesmo requerendo muito mais tempo.

Já passava da meia-noite quando voltou à sede da fazenda. A escuridão a obrigara a levar mais tempo na volta. Foi direto ao estábulo, retirou a sela do cavalo e limpou-o.

Só havia duas luzes acesas no segundo andar da casa-grande, indicando que os ocupantes haviam acabado de se recolher. Os convidados ficavam sempre acordados até tarde, assim Cat não se surpreendeu ao constatar que nem todos estavam na cama. Deslizou para dentro da casa, movimentando-se na sala de estar imersa na escuridão rumo à escada. A despeito da tentativa de silêncio, os degraus rangiam vez por outra sob seu passo.

No topo da escada, voltou-se para o corredor que levava a seu quarto, caminhando junto à balaustrada onde o piso era mais sólido e as tábuas rangiam menos sob seus pés. A porta de um quarto do lado oposto abriu, e Cat voltou-se com um susto demonstrando culpa. Sentiu o coração na garganta quando se viu fitando os olhos opacos de Stricklin. Por um segundo, o pânico atravessou-a loucamente.

O adiantado da hora e o silêncio do resto da casa tornavam tudo que Culley dissera sobre o homem que ela olhava mais verídico. Ele sempre parecera um peixe frio aos olhos de Cat; agora essa impressão afigurava-se mais ameaçadora.

- Você me assustou! - Por fim conseguiu emitir a confissão verdadeira. - Não posso ficar fora depois da meia-noite. Pensei que tinha sido pegada. - Cat observou-o de perto, afivelando um sorriso e tentando adivinhar se ele ia achar que estivera com Repp.

Os cantos da boca de Stricklin curvaram-se para cima, mas ela não sabia ao certo o que aquilo significava.

- Estava descendo para ver se achava um livro para ler. - Ele falou tão suavemente quanto ela, evitando qualquer comentário a respeito da explicação desajeitada.

Cat temia prolongar a conversação temerosa de que as suspeitas inculcadas por Culley não a deixassem agir naturalmente com ele. Tampouco queria fugir como um coelho assustado. O ruído de um dos quartos forneceu-lhe uma desculpa.

Relanceou a vista em direção ao som e sussurrou um rápido "Boa-noite", deslizando em seguida pelo corredor até seu quarto. Assim que a porta estava bem fechada, Cat quase soltou uma gargalhada histérica de alívio.

Stricklin desceu as escadas lentamente, raciocinando sobre pequenos detalhes que percebera - os pêlos de cavalo nas roupas da garota, o tempo que esteve fora da casa, e o medo que vira nos olhos dela, não um simples susto. A brincadeira vingativa na mina de carvão era o tipo de coisa que uma adolescente imaginaria.

Sozinho no escritório, Stricklin discou o número do telefone da mina. O chefe da segurança atendeu.

- Aqui é Stricklin. Está tudo calmo esta noite? - perguntou.

- Mais calmo é impossível - tranqúilizou-o o guarda. - com todos os holofotes que acrescentamos ao equipamento, aqui parece que é dia. Não há meio de alguém entrar alguns metros sem ser visto.

- Ótimo.

Durante longo tempo depois de desligar, Stricklin continuou sentado na cadeira atrás da mesa limpando as unhas. Gostaria de ter a intuição de Dyson nesse problema. Como em um jogo de xadrez, bloqueara a estratégia inicial do inimigo; agora esperava a próxima jogada, que com certeza estava por vir, mas sentia falta da habilidade do sócio para antecipar o local.

 

Começou como luta no céu, um ribombar suave de um trovão à distância. Em seguida espalhou-se; nuvens negras corriam a bloquear o sol com rapidez e violência, acompanhando a criação de uma tempestade de raios nas planícies. O ar quente e pesado originou repentino vento frio, doce com o aroma da chuva. O vento desapareceu, pairava calma absoluta sobre a terra.

A escuridão rapidamente instalou-se junto com a tempestade em progressão, e o ar subitamente se abriu com os raios recortados, chamas brancoazuladas de fogo que executavam uma dança da morte sobre o solo. Explosões de luz e estrondos dos raios seguiam-se sem intervalo, fazendo a terra vibrar, enquanto a chuva caía torrencialmente. Era uma dramática e apavorante demonstração da violência da natureza. Em quinze minutos a tempestade passara.

A 45 quilómetros da sede da Triplo C, não havia mais do que um sopro de chuva no ar. De pé no lote de alimentação com poças d'água alagando o solo esponjoso, Ty observava a destruição que a tempestade deixara para trás. As carcaças de dez bois mortos amontoavam-se em um canto do lote, onde se haviam juntado apavorados, berrando durante a tempestade, um grande alvo para o raio que explodira sobre eles. O peso dos corpos dos animais arrebentara uma seção da cerca, e o restante do gado debandara através da abertura, fazendo mais três reses pisoteadas até a morte na confusão. A sofisticada maquinaria de alimentação fora atingida, bem como o armazém dos grãos. Metade dos grãos provavelmente ficara inutilizada pela chuva torrencial.

O custo do prejuízo era estonteante, nada no seguro. com uma administração do porte da Triplo C, a teoria sempre preconizara que a fazenda seria suficientemente grande para absorver as perdas. Mas houvera muitos drenos nas reservas. Não restava nada para suavizar o desastre.

- Não sei o que dizer, Ty - Arch ofereceu, carrancudo. - vou lhe dizer quanto dos grãos pudemos salvar. com os preços atuais da alimentação, se tivermos que comprar mais grãos, a engorda do gado não vai render o suficiente no mercado para compensar o aumento. Vamos afundar mais e mais no vermelho.

- Vamos ter que engordar a maioria com grama e terminar a engorda com duas semanas de grãos. - Parecia a única alternativa viável, mesmo significando que o gado não produziria preços altos. Mais e mais as circunstâncias o empurravam para outra decisão.

- Desse jeito você não vai conseguir bom preço para eles - Arch alertou-o, expressando o que Ty já pensara.

- Você acha que não sei disso? - A impaciência tornara a voz áspera.

Goodman empertigou-se levemente com o tom duro.

- Parece que eles recolheram o resto dos bois. - Observou o trio de vaqueiros conduzindo um pequeno grupo do gado em direção aos lotes de alimentação, o comportamento frio e artificial. - vou ajudá-los com o portão.

Lábios apertados, Ty limitou-se a assentir com um gesto de cabeça, disfarçando o silêncio ao acender um cigarro, enquanto o homem se afastava. Sacudiu o fósforo e jogou-o ao chão molhado o suficiente para fazer o fósforo chiar levemente. Um caminhão entrava no quintal para carregar as carcaças do gado morto. Ty deixou os homens entregues a seu trabalho e dirigindo-se até a cerca para observar o gado sendo pastoreado até um lote vizinho.

Um mancava. Os demais provavelmente estavam alguns quilos mais magros com a corrida - quilos valiosos. Ty saltou a cerca e ficou de pé olhando do outro lado. Sem esforço consciente, percebeu Jessy entre o trio de vaqueiros. Quando o portão fechou-se atrás do último animal, ele esperou. Parecia não haver fim nas decisões desagradáveis que devia tomar.

Jessy vinha à frente dos vaqueiros quando chegaram até a cerca e desmontaram. Os cabelos cor de caramelo estavam enfiados sob o chapéu, proporcionando-lhe a visão do pescoço longo e elegante. Ela lhe deu um olhar límpido, o qual desviou para os lotes. Em seguida, voltou o rosto forte e nobre para ele.

- Que tempestade! - observou, preguiçosa.

- É - ele concordou. Olhando para ela e percebendo a dureza do comportamento de ambos, parecia haver coisas que não precisavam dizer. No entanto, havia certas coisas a concluir.

- Isso só aumenta seus problemas, não é? - disse Jessy, olhando novamente a destruição provocada pela tempestade, parte dela visível.

- É. - Lutava para encontrar um modo de chegar ao que queria lhe dizer. Não queria ser brusco.

- Alguns caras estão resmungando. Não estão contentes com a forma como tudo tem mudado ultimamente. - Descansou as mãos enluvadas sobre a cerca apertando-a levemente. - Eles reclamam que estão gastando muito mais tempo atendendo seus hóspedes do que trabalhando com os animais.

- Devem ficar felizes de estar trabalhando. - A irritação fez a resposta soar brusca. - Agora só posso pagar os regulares. Eles têm reclamado com você sobre as condições de trabalho?

- Não. Só ouvi o falatório. Pensei em passar à frente caso ninguém tivesse falado nada com você. - Ergueu um ombro, dando pouca importância ao que sabia.

Irritava-o um pouco saber que havia insatisfação entre os trabalhadores e que não soubera disso até agora.

- Não há muito que eu possa fazer a respeito.

Jessy fitou-o por entre as pálpebras cerradas. Sentia que ele perdera contato com algumas coisas básicas, o que não era surpreendente, considerando-se a pressão e responsabilidade que se acumulavam sobre ele ultimamente. Sem falar no constante fluxo de hóspedes que frequentavam a casa-grande. Culpava essas responsabilidades como causadoras da ausência de Ty na sua choupana. Mas olhando para ele, para a indiferença de que se revestia como uma barreira, ficou pensando se aquelas responsabilidades seriam as únicas razões.

- Imagino que não - disse ela.

- Jessy... - Algo na voz de Ty deixou-a apreensiva. Mentalmente, preparou-se. - O que tivemos foi bom. Verbo no passado.

- É, foi. - Voltou-se para ele. - E não me arrependo.

Ty sentia alguns arrependimentos, mas pareceu-lhe sem sentido citá-los.

- Nunca quis magoá-la. E sei que foi o que fiz.

- Não tem importância. - Ela balançou lentamente a cabeça, os lábios grossos recurvados em um sorriso triste. - Sempre soube que ela estava em primeiro lugar para você. - Sabia disso há muito mais tempo do que ele pudesse pensar. As lágrimas assomavam em seus olhos. Jessy desviou o rosto, olhando o horizonte, semicerrando os olhos para conter as lágrimas. - Talvez seja melhor pedir dispensa no fim do mês.

- Uma vez você me disse que eu era livre para ir embora ou para ficar, dependendo do que eu quisesse. Agora digo o mesmo a você. - Ty não conseguia pensar nela em outro lugar que não ali, onde podia ficar de olho nela e tomar conta. Mas não tinha direito de pedir-lhe isso.

- Obrigada, Ty. - A garganta doía, mas o orgulho insistia em demonstrar leveza. - É melhor voltar ao trabalho antes que eu seja acusada de desperdiçar o tempo do patrão.

Montou sobre a sela com a cabeça erguida, única maneira de evitar que o queixo tremesse. Doía respirar; doía viver. Há muito tempo a mãe lhe dissera que jamais uma mulher conquistara a solidão. Era uma batalha sem fim, especialmente nesses espaços solitários.

Enquanto Ty a observava afastar-se, jurou que nunca encontrara mulher mais honesta. Não houvera compromissos entre eles, não houvera promessas e Jessy não fingira ter sido iludida por ele. Fora tão honesta em relação a isto quanto com suas emoções. Lamentava o que acontecera. Mas a beleza madura de Tara o esperava - o tipo de beleza com o qual os homens sonhavam.

A meio caminho da sede, ele percebeu uma Cathleen molhada e enlameada cavalgando um cavalo imundo pelo acostamento de grama logo à frente da pick-up. Desacelerou a caminhonete, colocando-se lado a lado com ela.

- Foi pega pelo temporal? - Sorriu do estado das roupas encharcadas. Levariam um bom tempo para secar, mesmo se colocadas sob o sol quente.

- Como é que adivinhou? - disse sarcástica, molhada e infeliz.

- Amarre o cavalo na traseira e lhe dou uma carona.

Cat não hesitou em aceitar o oferecimento, levando o cavalo para a traseira da caminhonete e desmontando para amarrar as rédeas no párachoque. Em seguida, correu para a frente e subiu o lado de passageiros, os pés chafurdando nas botas molhadas.

- Está com frio? - Ty deu uma olhada na irmã.

- Não. Só molhada. - Sentia-se grudar enquanto tentava ajeitar-se no assento.

- Estava de novo no Culley? - Ty dirigia lentamente, olhando frequentemente pelo espelho retrovisor para o reflexo do cavalo. - Esta semana você foi lá quase todo dia.

Cat mordeu os lábios, nervosa. Ninguém comentara sobre isso, consequentemente não pensara que alguém tivesse percebido a frequência de suas visitas.

- Ele... não estava se sentindo muito bem.

- Por que não me disse? - Ty franziu o cenho.

- Era só um resfriado leve - disse rapidamente. - Hoje ele já estava de pé. Acho que gosta que eu vá lá e cuide dele, por isso demorou tanto a ficar bom.

- É mais do que provável que seja isso - concordou Ty, sorrindo vagamente enquanto os pensamentos desviavam-se para outros problemas mais importantes.

Assim que saiu do telefone, Dyson percebeu Stricklin entrando no escritório. Preparara uma bebida para colocar nas mãos de Stricklin assim que este entrasse.

- O que é isso? - Stricklin olhou sem entender para o drinque que ele lhe dava.

- Você conhece a superstição de que notícia ruim chega rápido. bom, as boas também - declarou Dyson, tocando o copo do sócio com o seu.

- Primeiro, faz quase duas semanas que não temos problemas com a mina. Segundo, conseguimos os direitos minerais daquela parte da terra da fazenda dos Calder. E terceiro... - Fez uma pausa de efeito. - Acabei de falar com Ty ao telefone. Ele está considerando minha proposta dejoint venture na mineração do carvão e quer que a gente vá lá discutir o assunto mais detalhadamente.

- Ele disse isso? - Stricklin custou a participar do estado de espírito comemorativo de Dyson.

- Parece que conseguimos. - Dyson saudou Stricklin com o copo, dando um gole e sorrindo amplamente. - E você estava tão preocupado semana passada - ralhou. - Tão convicto de haver algum motivo para Ty estar demorando tanto. Eu lhe disse que não havia motivo de desconfiança. Agora que ele vai juntar forças conosco possuímos um império de carvão e toda a água de que precisamos.

- Talvez exista outra razão por que ele queira nossa presença em Montana. Talvez esteja usando o negócio como desculpa - sugeriu Stricklin, raciocinando cauteloso sobre as possibilidades.

- Não. - Dyson balançou a cabeça de modo decisivo. - Ele vai entrar no negócio. com Chase fora de cena, as coisas estão acontecendo do jeito que previ.

- É - concordou um tanto distraído, sorvendo um gole da bebida, e logo depois outro com mais confiança. - vou rearranjar nosso horário para que possamos ir a Montana logo de manhã.

Cat observou o carro afastar-se da casa-grande com o irmão ao volante, novamente acompanhado por E.J. Dyson e seu sócio, George Stricklin. Os três haviam-se tornado praticamente inseparáveis desde que o aeroplano de Dyson pousara na pista de pouso particular da Triplo C no dia anterior.

Estava se tornando mais difícil acreditar que o par realizara a façanha que o tio sugerira. Conhecera E. J. Dyson durante toda a vida, bem como Stricklin. Mesmo antes de Ty casar com Tara, Dyson já era amigo da família. O pai discordara fortemente de Dyson na questão da mineração do carvão, mas continuava a demonstrar-lhe respeito.

Nenhuma das suspeitas do tio pareciam plausíveis. Sabia o quanto Culley amava a mãe - quase a adorava. Cat estava quase convencida de que ele estava tentando culpar alguém pela morte, por ser a única maneira de aceitar a morte de Maggie em seu íntimo.

- Cat, o que há com você? - A voz impaciente de Repp interrompeu as reflexões da garota.

Ela deu meia-volta, olhando-o sem ver por um instante.

- Desculpe. Estava só... pensando. - Os olhos escuros do rapaz vasculhavam os traços preocupados da namorada, tentando achar a origem da preocupação. Cat queria contar-lhe o terrível segredo que Culley a fizera carregar, mas a história começava a soar inacreditável demais.

Os olhos apreensivos incomodavam-no. Há uma semana ela lhe garantira que a briga por ciúme fora esquecida. Mas ela ainda estava com algo na cabeça que não ia lhe contar.

- Pensando em quê? - Repp interpelou-a. - Em seu pai? Quando o visitou no domingo, disse que ele estava bem melhor.

- E está. Há um entorpecimento nas pernas que o médico considera um bom sinal, pois significa que ele está readquirindo alguns sentidos. Ainda havia a necessidade de mais operações, mais terapia. A recuperação ainda era algo para o futuro.

Mesmo se quisesse confiar ao pai algumas das coisas que a preocupavam, não teria tido oportunidade. Ty pegara grande parte do horário de visita colocando-o a par da situação da fazenda.

- Então o que há? - ele insistiu.

- Nada, já lhe disse. - Cat tentou rir das perguntas que a embaraçava, correndo os olhos sobre ele para fitar a caminhonete aguardando a alguns metros. O vaqueiro ao volante acelerava o motor, impaciente. É melhor você ir embora. Depois lhe aviso sobre a festa de sábado.

- Faça isso. - Repp foi quase brusco com ela, irritado diante da recusa persistente em admitir que algo estava errado quando sabia muito bem que qualquer coisa não ia bem. Caminhou até apick-up e subiu para o assento de passageiros. Não olhou para ela até a caminhonete deixar o quintal. Cat vagava em direção à pista de pouso. Talvez ainda estivesse deprimida com a morte da mãe. Este fato devia contar para o estado de espírito da garota.

Cat não saíra andando com o objetivo de chegar ao campo de pouso particular, mas quando viu o hangar, dirigiu-se até lá, atraída pela lembrança daquela noite, quando o fato supostamente ocorrera. O sol do meiodia fervia a extensão de terra, criando ondas de calor no teto de zinco do hangar. O vento produzia o único som, soprando através do campo, agitando a biruta de medição do vento.

Quando Cat chegou à sombra fresca do hangar, a calma foi quebrada pelo ruído metálico de algo caindo. Ela gelou.

- Quem está aí? - indagou.

Uma cabeça surgiu por trás da capota do bimotor estacionado no hangar. O piloto de Dyson pareceu quase tão surpreso quanto Cat.

- Oi - fez ele. - Não ouvi você chegar.

Ela passou por baixo da asa para chegar até ao aeroplano de Dyson.

- O que está fazendo? - indagou curiosa. Ele tinha uma caixa de ferramentas à sua frente, um macacão manchado de óleo protegendo as roupas.

- Estou só checando o motor. - O homem de olhos azuis tinha a compleição franzina de alguém bem mais novo do que seus quarenta e tantos anos. Seu trabalho era voar e levava-o a sério, a atenção concentrada no avião enquanto respondia à indagação da garota. - Stricklin achou que o avião não estava com o barulho normal quando viemos ontem. Ele é muito nervoso com a segurança... quer tudo verificado mais de uma vez. Acho que esquece que eu também estou voando nesse pássaro.

- Tenho pensado sobre algo que talvez você possa responder. - Cat mordiscou hesitante o lábio, tentando colocar a pergunta cautelosamente.

- Após um acidente de avião, como podem saber a causa?

- bom... reúnem os destroços. Um bom mecânico geralmente pode dizer o que foi quebrado no impacto e o que funcionava mal antes do acidente, presumindo se a causa foi mecânica. - Fez uma pausa para enxugar as mãos em um trapo, antes de fechar a porta de acesso do motor. Ora, veja o acidente com seu pai; o óleo teria sido espalhado por todos os cantos quando o tanque se rompeu.

- Mas... eles poderiam determinar por que o tanque rompeu?

As sobrancelhas do piloto ergueram-se com a pergunta. Consideroua durante um minuto, por fim deu de ombros timidamente.

- Acho que poderiam. Mas não sei aonde chegariam fazendo isso, a não ser que estivessem verificando se fora defeito de fábrica ou algo assim.

- Está querendo dizer que uma vez encontrada a causa eles não investigam mais... a não ser que tenham motivos para acreditar que algo mais poderia estar errado? - a testa crispou-se com leves rugas.

- Eles tomam uma decisão com a arrecadação de informações. Os destroços, testemunhas oculares e, nesse caso, seu pai poderia verificar a queda brusca na pressão do óleo, já que estava pilotando o avião. - Mudou de posição, embaraçado. - O que aconteceu foi deixado de lado. Aviões particulares caem o tempo todo. Não é como um grande jato, onde muitas vidas estão em jogo e a responsabilidade tem de ser determinada.

- Entendo - murmurou, pensativa, olhando em seguida para o homem, sorrindo vagamente. - Você está certo, sem dúvida.

- Escute, eu... - Ficara inquieto com as perguntas sobre o acidente aéreo, preocupado em não ter lhe oferecido garantias satisfatórias de que a investigação fora realizada de maneira adequada.

- Não, tudo bem - ela o interrompeu. - Compreendo.

Ele hesitou, analisando-a; por fim, sua atenção recaiu sobre as mãos sujas.

- Acho melhor me lavar. O óleo está entranhado nas minhas unhas. vou precisar escavucar para limpá-las.

A imagem de Stricklin sentado no escritório naquela noite, limpando as unhas, passou pela mente de Cat... limpando com uma faca suja! Esquecera disso até que o comentário do piloto fê-la lembrar. Não chegava a provar nada, mas mesmo assim...

- Até logo - despediu-se do piloto e saiu do hangar, caminhando lentamente de volta, à casa-grande.

Não havia ninguém na sala de estar quando entrou na casa; tanto Tara quanto a empregada nova estavam ocupadas em outro lugar. Cat deslizou até o escritório sem que a vissem e fechou as portas. Estava determinada a provar ou a desmentir as suspeitas do tio sobre a causa do acidente, terminando com as dúvidas torturantes de uma vez por todas. Precisou dar vários telefonemas até encontrar o homem encarregado das investigações do acidente com o avião do pai.

- Sim, lembro-me do caso. - Assegurou-a da lembrança do caso.

- Terminamos a investigação e completamos o relatório definitivo há dois meses. Foi um problema mecânico, segundo me lembro, uma ruptura do tanque de óleo.

- Mas qual foi a causa? - A mão apertava o fone. Cat sentiu a hesitação do outro lado da linha. - O senhor poderia dizer que alguém mexera... cortando parcialmente o tanque ou algo no género?

- bom, acho difícil... - O tom de voz tentava descartar a ideia.

- Por favor. - Cat interrompeu-o antes que ele rejeitasse a possibilidade. - Tenho que saber o que aconteceu.

- Sabe o que está sugerindo?

- Sei - disse ela, firmemente. - Que alguém provocou o acidente deliberadamente.

- Estou lhe dizendo, Ty, não poderia Ficar mais contente com a nossa concordância no mesmo ponto - declarou Dyson quando se juntaram na sala de jantar para tomarem seus lugares à mesa. - De todos os possíveis locais que poderíamos ter escolhido naquela área, acredito que optamos pelo melhor para a nova fábrica de carvão. Temos uma fonte de água bem no local e um filão subterrâneo de alta qualidade betuminosa a menos de cem metros de distância. Nos primeiros anos, podemos fazer a mineração em um círculo em torno da nova fábrica. Isto permitirá uma operação altamente eficiente e económica, bem como muito rentável.

- Em quanto tempo você prevê a geração de renda da fábrica? - perguntou Tara, esboçando um gesto para dispensar a prova do vinho tinto, ordenando à empregada que enchesse as taças em volta da mesa. Sorriu para Ty, os olhos escuros brilhando de orgulho e excitação com a futura realização de seus sonhos.

- Isso é que é o melhor. - Dyson estava exultante. - com nossa já existente operação na terra de Stockman, temos homens e máquinas à disposição para iniciar a mineração de carvão, assim que tivermos estradas de acesso ao local. A indústria de carvão propriamente vai requerer algum tempo para a construção, mas usaremos a fábrica de Stockman nesse ínterim. O retorno monetário começará quase imediatamente.

Cat estivera ouvindo as discussões de negócios com um só ouvido, prestando pouca atenção ao que estava sendo dito. Preocupava-se com o telefonema, bem como com o esforço para conter as pontadas que sentia ao ver os acompanhantes do jantar. Estendeu a mão para o guardanapo de linho, desdobrando-o e pousando-o sobre o colo.

- Como seu advogado vai aprontar os papéis para a assinatura amanhã - dizia Dyson, tomando a taça de vinho entre as mãos -, acho que não é prematuro brindar a nossa nova sociedade, não é mesmo, Ty?

A atitude de Dyson atraiu a atenção de Cat. Surpresa com o anúncio, derrubou acidentalmente o garfo da salada, deixando-o cair ao chão. O talher bateu no solo ruidosamente, chamando a atenção para ela.

- Desculpe, eu... - Não se deu ao trabalho de concluir as desculpas, olhando Ty fixamente. - O que é isso de sociedade?

- Eu e E. J. vamos entrar no negócio de carvão juntos - replicou carinhosamente. Os traços duros e belos tinham uma expressão de calma determinação, irrevogável e firme, quando Ty ergueu o copo a Dyson.

- Esperava esse dia ansiosamente, desde que você e Tara se casaram.

- Dyson oferecia uma expressão de grande satisfação e Cat ficou observando-o, percebendo o traço de premeditação na afirmativa. O olhar correu para Stricklin, e caiu imediatamente, quando se deu conta de que ele a observava por sob aqueles óculos de lentes grossas. Mortificada pelas dúvidas e suspeitas não comprovadas, manteve-se em silêncio.

Durante todo o jantar, ela ouviu a conversa sobre o carvão com crescente inquietação... a tonelagem potencial que poderia ser minerada anualmente, vendas com diversas companhias, as fortunas a serem realizadas. O tempo inteiro temia que o irmão estivesse entrando em negócios com os dois homens que poderiam ser os responsáveis pela morte da mãe.

Ao fim do jantar, Cat conseguiu abordar o irmão antes que seguisse os outros até a sala de estar para-o café.

- Você não pode fazer isso - insistiu, tentando manter a voz baixa.

- Não pode fazer negócio com eles, Ty.

- Já está feito. - O olhar era duro, embora a voz estivesse imbuída de paciência.

- Você ainda não assinou os papéis - lembrou-o, perseverante. Ainda não é tarde demais para mudar de ideia. - Sabia que devia dar-lhe um motivo. Sem provas, relutava em contar-lhe suas suspeitas, influenciada pelos inúmeros protestos de Culley de que não acreditariam nela. - Sabe o que papai pensa sobre a mineração de carvão. Você não pode fazer isso.

- Financeiramente não tenho escolha. - A boca crispou-se. - Eu sou o responsável, Cathleen. Você estava no hospital sábado passado, ouviu-o dizer que a decisão cabia a mim. Depende de mim começarmos a produzir algum dinheiro, da maneira que considerar adequada. E é exatamente o que estou fazendo. Não há espaço para sentimentalismos em decisões de negócios, embora talvez você seja muito jovem para compreender isso.

- Não é realmente isso - protestou Cat. - E se eu lhe dissesse que...

- Ty? - Tara apareceu no umbral da porta. - Você não vai tomar café conosco? - Correu os olhos dos traços duros de Ty para a expressão desesperada e súplice da irmã do marido. - Qual é o problema, Cathleen?

- sorriu indulgente. - Ty não quer ceder e abrandar o horário de meianoite para a festa de sábado? vou falar com ele sobre isso para você. Enquanto isso, vou roubá-lo de você. Papai tem mil detalhes a discutir com ele.

Sua chance esvanecera-se; assim como a necessidade de contar-lhe o que ela e Culley suspeitavam. Só a visão de Tara lembrou-lhe que provavelmente não acreditaria que o pai de sua esposa seria capaz de fazer tal coisa. Ela mesma não tinha certeza.

 

Não houve avisos; não se deu uma palavra. Mas quando o primeiro topógrafo pisou na terra dos Calder para preparar uma nova estrada, as notícias reverberavam através da Triplo C como a propagação de uma onda.

Mal apick-up estacionara diante da casa-grande e Jessy já saíra do interior, correndo para os Degraus e atravessando a porta da frente. A tensão retesava cada milímetro de seu corpo longo quando perguntou à primeira pessoa que viu:

- Onde está Ty? Quero vê-lo.

Tara olhou-a, empertigada, friamente controlada.

- Acho que ele não quer ver você.

- Estou pouco ligando para o que ele quer, e deixe suas patas longe disso - retorquiu Jessy, sem tempo para ciumeiras. - Já entreguei minha demissão, vou receber meu pagamento e vou embora no fim do mês. Cadê ele? No escritório?

- Ele está ocupado. - Tara tentou bloquear a passagem para as portas abertas do escritório, mas Jessy foi mais ágil, desviando-se dela.

- Não vai demorar muito - ela prometeu carrancuda.

As vozes um tanto alteradas chamaram a atenção de Ty. Ele já estava saindo da escrivaninha quando Jessy entrou feito furacão na sala e estacou, as mãos na cintura em uma postura desafiadora.

- Só quero saber uma coisa. - A voz saiu dura e categórica, assim como a expressão nos olhos cor de avelã. - É verdade?

Fez-se um segundo de pausa, Ty quase fingiu não saber do que ela estava falando. Por fim, ele baixou o olhar e virou-se para pegar alguns papeis na mesa.

- É, é verdade. A Triplo C agora é uma fazenda de mineração de carvão. - A tensão na sala era pesada e opressiva, sacudindo-lhe os nervos.

- Não quis acreditar quando ouvi isso - declarou Jessy. - Pensei que você fosse um Calder. Pensei que gostasse da sua terra.

A decisão de Ty erguera um clamor de desaprovação entre os funcionários veteranos. Ty ficara amargurado ao constatar que mais uma vez tornara-se um estranho, quando seu único interesse fora evitar a quebra da fazenda. Aquilo o endureceu em relação a Jessy.

- Você quer mais alguma coisa?

- Quero que venha comigo. Tem algo que quero mostrar-lhe - afirmou, sem alterar a postura desafiadora um milímetro sequer.

- Agora estou ocupado. - Ty não desejava discutir com ela a respeito da decisão que tomara. Parecia mais fácil evitar qualquer oportunidade de que isso acontecesse.

- Você não está tão ocupado que não possa desperdiçar uma hora.

- A raiva alterava o controle sobre si mesma. - Alguma vez já lhe pedi algo, Ty? - perguntou, vendo-o hesitar. - bom, agora estou lhe pedindo isso.

Ele soltou um suspiro pesado.

- Tudo bem. vou com você. - com um gesto de irritação, jogou os papéis sobre a mesa, pegou o chapéu e enfiou-o na cabeça, seguindo-a para fora do escritório. Imediatamente Tara colocou-se ao lado do marido, tentando detê-lo. - São negócios, Tara - dispensou brutalmente seus protestos velados, saindo da casa com Jessy.

Não trocaram uma palavra quando ele subiu para o lado de passageiro, enquanto Jessy deslizava para trás do volante. com suave eficiência, ela pôs a caminhonete em movimento, afastando-se da casa-grande na direção leste da sede. Não lhe mostrou o rosto, nada mais do que o perfil de ossos fortes e marcados, a pele bronzeada e as rugas formadas pelo sol espalhando-se nos cantos do olho.

Durante longo tempo, os únicos ruídos eram o barulho do vento sobre a caminhonete e o zumbido alto do motor. Por trás dele, um rifle chocalhava dentro do porta-armas encaixado na janela traseira do utilitário, uma adaptação comum em quase todos os veículos da fazenda. As planícies forradas de capim amarelando sob o sol de verão formavam uma mancha azul do lado de fora da janela, enquanto a caminhonete corria ao longo da estrada. Ty esfregava pensativo a boca, o bigode arranhando a ponta do dedo, enquanto tentava adivinhar o destino desconhecido.

- Aonde estamos indo? - finalmente perguntou, quando fizeram uma curva na estrada e tomaram uma trilha irregular e com a vegetação crescida.

- Estamos quase chegando. - Ela foi igualmente brusca.

A trilha com dois sulcos desaparecia sob um emaranhado de ervas daninhas e cardos. A caminhonete sacolejou até parar no fim da trilha, em meio ao nada. Jessy desligou o motor e saltou da pick-up sem explicações. Impaciente, Ty lançou um ombro contra a porta de passageiro, abrindo-a e descendo.

Fragmentos de madeira podre e quebrada e tiras de papel alcatroado estavam espalhados entre as ervas daninhas. Parecia um antigo campo de lixo. Ty olhou em torno com uma expressão de nojo e mal oculta irritação por ter sido trazido ali.

- Cuidado onde pisa - Jessy avisou quando começaram a andar.

- Existe uma cisterna velha enterrada em algum lugar por aí.

- Que lugar é esse? - O olhar correu para ela.

- Aqui é onde sua avó vivia - disse-lhe. - Ela era colona.

Ty olhou de novo para os restos espalhados. Sabia muito pouco sobre a avó, exceto o fato de que morrera logo depois que o pai nascera. Sabia bem pouco a respeito do passado da família. Jessy conhecia melhor a história da família do que ele mesmo. Aquilo só fazia irritar mais os nervos estraçalhados.

- Naquela época eles se autodenominavam fazedores de ninho. O olhar vasculhava a vida vegetal parca e rala. - Queria que visse o que o arado fez a esta terra. Ela era coberta de grama... forte e alta como a que hoje você encontra na Triplo C.

Ty fitou aqueles lábios apertados e a expressão zangada. Ela se elevava ao lado dele, empertigada com o ressentimento. Ao voltar os olhos cerrados e claros para ele, Ty percebeu mais uma vez a força dos traços fisionómicos de Jessy, sem qualquer maquilagem.

- Olhe para isto - ela ordenou. - Porque é isso que acontece quando você rasga esse solo. Ele sofre a erosão e a ação do vento; nem as ervas daninhas conseguem mantê-lo fechado. Trezentos acres poderiam talvez alimentar uma vaca.

- Ele precisa ser semeado e... regenerado. - Ty concedeu que a terra se encontrava em péssimas condições, mais um deserto do que uma planície.

- Você acha que isso já não foi tentado? Milhões de acres de terras estão assim, rasgados. - A voz vibrava com o esforço de controlar-se. O pasto nativo não volta. Novos tipos foram plantados; foram usados alguns dos mais resistentes, mas é preciso muito cuidado, trabalho e água. Já se passaram cinquenta anos e ainda há lugares assim. Você quer destruir a terra por causa do carvão que há no subsolo? Destruí-la não para seu uso, mas para o de seus filhos também?

- com os diabos, Jessy. Não tenho escolha - atirou, sob a pressão crescente da censura. - Preciso do dinheiro para manter a fazenda em funcionamento.

- Que fazenda? - inquiriu. - Não vai sobrar nada quando eles terminarem de devorar todo o carvão. O que você está salvando, um lugar que será um deserto mirrado daqui a trinta anos?

- Você não compreende. - Ty tentava manter a calma.

- Não, é você que não compreende - replicou Jessy. - Você está agindo em nome do dinheiro... pelo lucro. São negócios, você diz. É o progresso. Você recebeu um legado, Ty. Uma tradição que se orgulha de proteger a terra e as pessoas. Você vai perder a ambos, porque acha o dinheiro mais importante. As pessoas construíram esta fazenda, e ela só poderá ser destruída por si mesma. E você será a alma desta destruição. Quando o coração não funciona bem, o restante vai definhando lentamente.

Após um longo instante, Ty esboçou alguma resposta.

- Você disse o que pensava - falou ele.

Em silêncio, percorreram o longo trajeto de volta à sede da fazenda. Todo o tempo, as palavras martelaram na cabeça de Ty. Quando Jessy o deixou na casa-grande, não disseram nada; simples cortesias pareciam supérfluas naquele momento.

Tara tentou acossá-lo com perguntas, mas Ty permaneceu na casa o suficiente para pegar as chaves do monomotor, saindo novamente. Após decolar, Ty sobrevoou sobre o local escolhido para a fábrica de carvão, circundado por camadas de capim, sob o qual havia ricos depósitos de carvão de baixo teor sulfúrico, a poucos metros abaixo da superfície. Os topógrafos da estrada formavam pontos coloridos na grama, e seus veículos pareciam do tamanho de brinquedos de criança vistos daquela altura.

Virando o aeroplano para leste, Ty continuou a voar sobre as pradarias do cerrado, onde a grama lutava para sobreviver contra a erosão do vento e da chuva, e contra as ervas daninhas. Em seguida, mudou de rumo, voando até a fazenda de Stockman.

Uma larga cobertura verde de grama cuidadosamente nutrida oferecia marcante contraste com o abismo negro do carvão, a névoa de poeira e das máquinas se arrastando. Mas a área regenerada subitamente pareceu pequena em comparação à esteira de terra mastigada pelo monstro das escavadeiras que devoravam o solo em busca do veio carbonífero sob a terra.

Ao voltar para a casa-grande, os ombros estavam mais leves e os passos largos mais autoritários. Foi diretamente ao escritório, telefonou para o pai no hospital e avisou da decisão de rescindir o contrato com Dyson.

- Fico contente. - A voz do pai parecia engasgada, mas acabou soando mais forte. - O que vai fazer agora que não vai mais ter o dinheiro?

- Cortar os gastos ao máximo. - Ty contou-lhe alguns dos seus planos aos quais o pai adicionou sugestões. Juntos chegaram a um programa plausível. Não salvaria a fazenda dos infortúnios financeiros, mas lhes daria uma chance de chegar a épocas melhores.

- E Dyson? - questionou o pai. - Ele vai lutar contra você... genro ou não.

- É possível - aquiesceu Ty.

- Não espere para descobrir. - Alertou-o o pai, e discutiram a melhor maneira de bloquear quaisquer atitudes que Dyson porventura tomasse.

- Vai ter que tomar cuidado com ele. Ele é esperto, muito esperto.

- vou tomar cuidado.

Após a conversa ao telefone, Ty começou a dar telefonemas para convocar os administradores dos vários campos e operações da fazenda a irem até a sede.

Durante a hora e meia seguinte, eles foram chegando de seus diferentes distritos. A maioria empertigada e fria, todos prontos a acatar as ordens de Ty, mas não a gostar delas. Haviam perdido a confiança em seu julgamento, sua decisão anterior fora contra os valores com os quais haviam sido criados e nos quais haviam aprendido a acreditar. Mas a opinião deles passou por uma mudança subjacente assim que ouviram o que Ty tinha a dizer:

- Quando um homem comete um erro, ele tem duas opções. - Ty disse a Wyatt Yates o mesmo que falara aos outros antes de o administrador da operação de criação de cavalos chegar. - Ele pode trincar os dentes e prosseguir, fingindo que está certo. Ou pode admitir seu erro e fazer tudo para consertá-lo. Achei que a mineração do carvão era a solução para os problemas financeiros em que estamos mergulhados. Mas ela só vai trazer mais problemas. vou rescindir o contrato e lutar para deter a operação.

- Você acha que pode fazer isso? - Yates fitou-o, ainda desconfiado.

- Não vou saber se não tentar. - Sabiamente, Ty não afirmou que poderia fazer qualquer coisa. - Enquanto isso, quero que você comece a telefonar para os criadores do Estado e venda aqueles dois garanhões. Encontre compradores para todos os animais jovens que puder, exceto aquele garanhão de dois anos e aquela égua de San Peppy. Vamos guardá-los para a futura procriação. Guarde as éguas cougar e venda todo o resto.

As instruções a Arch Goodman foram semelhantes, quando este chegou.

- Venda todo o gado engordado do lote de alimentação e guarde os grãos para engordar os novilhos que vão nascer nesse outono. Estamos cortando nossas perdas antes que os preços do mercado do gado caiam mais ainda.

- Jogando todo esse gado no mercado já baixo provavelmente vai levar os preços ainda mais para baixo - alertou Arch.

- No momento não posso me preocupar com o que a queda dos preços vai causar aos outros caras. Arranje um jeito de livrar-se do gado pelo melhor preço.

Quando Arch deixou o escritório, Tara entrou. Por trás do seu sorriso escondia-se a curiosidade.

- O que está acontecendo esta tarde? As pessoas estão entrando e saindo o tempo todo?

- Estou implementando mais algumas medidas para cortar os gastos na fazenda - replicou, o tom de voz ainda comercial, apesar do olhar suavizar-se sob o toque da mão dela. - Algumas delas você não vai gostar.

- Tais como? - Ela inclinou a cabeça para o lado.

- Você vai ter que despedir a cozinheira e a empregada, e avisá-las que não vamos mais precisar dos serviços delas após o fim do mês - declarou Ty.

- Você não pode estar falando sério. - O sorriso desapareceu do rosto de Tara; a primeira reação foi de incredulidade, seguida de indignação. - Você não pode fazer isso. Preciso delas. Temos convidados para o próximo fim de semana e para o resto do verão.

- Simplesmente você vai ter de explicar a seus convidados que eles vão ter de fazer as próprias camas e lavar os pratos ou distraírem-se sozinhos enquanto você fizer isso. Esta fazenda é de trabalho, não um hotel equipado com serviço de quarto e empregadas.

- Nunca ouvi nada tão absurdo em toda minha vida. - Tara faiscava. - Estas pessoas são importantes. Não posso pedir a eles que vão para a cozinha lavar os pratos.

- Quem sabe? Pode ser que eles gostem. - Meneou levemente os ombros.

- bom, não sou eu que vou descobrir - ela o informou, a respiração alterada de raiva. - Nem Simone nem a sra. Thorton vão embora. Esta é minha casa e você não vai me dizer como dirigi-la. Eu não lhe digo como administrar a fazenda.

- Você está errada. Esta casa é nossa e a fazenda é nossa. A casa não é estritamente de seu domínio, nem a fazenda é do meu. Ambas pertencem a nós dois - contrapôs Ty, brutalmente.

- Não ligo para a fazenda ou o que você faz com ela. Já lhe disse uma dúzia de vezes para contratar um administrador e deixá-lo dirigi-la, mas você não me ouviu.

- Ouvi e discordei.

- Então discordo de você quanto a despedir Simone e a sra. Thorton - rebateu Tara.

- Tenho que cortar despesas em todos os lados... o que inclui o orçamento da casa. Portanto, se você quiser pagá-las com seu próprio dinheiro, o problema é seu.

- Por que está tão preocupado com dinheiro novamente? - A voz inflamada denotava impaciência e confusão. - Pensei que a sociedade com papai resolveria tudo. Vai haver dinheiro mais do que suficiente assim que você começar a vender o carvão.

- Não vai haver dinheiro algum porque não vai haver qualquer venda de carvão - afirmou calmamente, ao mesmo tempo em que a porta da frente abria.

- O que quer dizer? Desde quando? - Mas as perguntas ficaram sem resposta com o som da voz de Dyson chamando-a. - Aqui, papai! - ela respondeu, atravessando o escritório para recebê-lo. - Ty estava acabando de me contar alguma besteira que você não ia mais vender o carvão. Eu...

Ty interrompeu antes que fosse mais além, enfrentando o olhar intrigado de Dyson.

- Fico contente de vê-lo aqui, E. J. Já ia explicar a Tara que decidi desistir de nosso acordo.

- Não entendo. - Dyson sorriu confuso. - Já está tudo acertado. O que foi? Não está satisfeito com os termos? Acha que deve receber uma parte maior?

- Não estou fazendo objeção aos termos. Não gosto é do uso da terra. Não vai haver mineração de carvão na propriedade dos Calder. - Ty anunciou, olhando de soslaio para Stricklin de pé no umbral da porta, ouvindo e deixando a Dyson toda a argumentação. - Sugiro que se dissolva a sociedade amigavelmente e vamos esquecer isso.

- Ela tem algo a ver com isso, não tem? - Tara acusou. - Você era a favor da ideia até ela vir vê-lo hoje à tarde.

- Vamos deixar Jessy fora dessa discussão. - Avisou calmamente. Recusava-se a deixar o nome dela entrar em uma discussão de família. Ela pode ter aberto meus olhos para algumas coisas, mas a decisão foi minha.

- Temos um negócio, Ty. - Dyson lembrou-o, deixando de lado a atitude aduladora. - Está tudo assinado legalmente.

- E estou lhe dizendo que estou anulando isso. bom, podemos fazer a rescisão de forma amigável ou não. Depende de você. - Mirou o homem, oferecendo-lhe a oportunidade de evitar uma confrontação constrangedora.

- Você não está pensando direito, garoto - insistiu Dyson. - Comigo, negócio é negócio. Está um pouco tarde para mudar de opinião.

- Nunca é tarde demais - Ty corrigiu-o. - Talvez tenha que me fazer mais claro. Você tem vinte e quatro horas para retirar os seus topógrafos da minha terra. Não vai haver estrada. Não vai haver mineração de carvão. Não vai haver fábrica de carvão.

- E estou lhe dizendo que temos um compromisso legal - Dyson refrescou-lhe a memória, tenso.

- Então é melhor você me processar por quebra de contrato! - Ty disparou.

- Você se esquece de uma coisa. Tenho os direitos minerais da terra. Não preciso de você como sócio. Fiz o negócio com você porque seria mais honrado fazer assim, a fim de que dividíssemos os lucros. Mas se você vai me passar um calote, não merece nenhum dinheiro. Ali existe uma fortuna, e se você é idiota a ponto de não enxergar isso, eu não sou. - O tom era quase ameaçador, alertando Ty de que prosseguiria com os planos com ou sem ele. - Pensei que você era esperto, garoto. Mas essa jogada foi de um idiota. Vamos tirar todo aquele carvão do solo. E do jeito que a coisa vai, você não vai receber um centavo.

- Agora é você quem está esquecendo uma coisa. - Ty replicou, a voz no mesmo tom. - Aquele pedaço de terra de que você fala é fechado por todos os lados. E vai ser um inferno para você cruzar a terra dos Calder para chegar lá.

- Fiz o que pude para evitar uma briga... pelo bem de Tara Lee...

mas você me deixa sem alternativa - alertou Dyson. - O que quer que aconteça, será por sua culpa... foi você quem começou. - Duro de raiva, ele se voltou para a filha, uma personificação turbulenta de ódio a seu lado.

- Desculpe, Tara Lee, mas você está vendo como foi. - Atirou outro olhar negro em direção a Ty, em seguida virou-se para o sócio. - Vamos, Stricklin, vamos sair daqui.

Quando os dois homens saíram do escritório, Ty observou Tara lutando com o furor que sentia, todas as emoções passageiras favorecendo a vibração daquela beleza morena. Cruzou o recinto lentamente em direção a ele, a relutância evidente em seu corpo demonstrando como era difícil ir contra o orgulho e suplicar-lhe.

- Como pode fazer isto? - De súbito, surpreendentemente, ela se viu apertando o corpo contra o dele, os dedos agarrando a camisa do marido com uma espécie de desespero. - Não faça isso, Ty. Por favor.

Os braços de Ty a envolveram, inclinando o rosto para beijar os cabelos negros sedosos.

- Tente entender, Tara. Não é o que quero fazer. É o que tenho que fazer... pela fazenda... pela herança da terra.

Ela resistia à finalidade das palavras dele com um menear negativo de cabeça que roçava o queixo do marido. Soergueu os olhos escuros determinados e insistentes para ele, enquanto as mãos tocavam a mandíbula em uma carícia frenética.

- Não é tarde demais para mudar de ideia, Ty - incentivou-o. Posso falar com papai e ajeitar tudo. Basta explicar que você ficou confuso por um tempo. - As mãos puxavam a cabeça de Ty para baixo, os lábios quentes e ansiosos pressionados contra sua boca, beijando-o de forma ansiosa e selvagem. - Ele vai entender. - Entre os beijos, ela sussurrava as palavras na boca de Ty. - Sei que ele vai compreender. - Os lábios ferventes trabalhavam nos dele, acendendo impulsos que o fizeram crispar os braços em torno dela. - Tudo vai dar certo. Você vai ver. - A confiança perpassou-a.

- Não, Tara. - A voz áspera denotava o grau de perturbação de Ty, enquanto ele corria a boca pelas bochechas dela. - Não vou mudar de ideia.

As mãos dela empurraram-no pelo peito, afastando os corpos de ambos.

- Mas você fez um acordo com ele. Você deu a sua palavra. Pensei que sua palavra significasse algo.

- Tenho um compromisso prioritário que entra diretamente em conflito com o negócio que fiz com seu pai. - A voz ainda soava áspera enquanto ele tentava convencê-la. - Este compromisso deve ter precedência.

- Como você pode ser tão idiota? - Tara afastou os braços do marido, irritada e indignada novamente. - Não percebe como pode ficar rico? Existe uma fortuna naquele lugar.

- E ali vai ficar.

- Não, não vai. A companhia de papai vai tomá-la... toda a riqueza. E metade pode ser sua se me ouvir.

- Não. - Ty mantinha-se inflexível, insensível aos apelos ou exigência da mulher.

- Se é capaz de jogar fora uma oportunidade dessas, então nosso casamento evidentemente significa muito pouco para você. - Empertigou-se, indignada, orgulhosa, a vontade férrea. - Você está querendo sacrificar nosso futuro, o que significa que pouco se importa se vamos ter um futuro. Acho que você deixou isso bem claro.

- Tara... - Soltou um suspiro profundo.

- Quando meu pai deixar essa casa, irei com ele.

Irritou-o constatar que ela estava usando a questão para testar seu amor.

- Não faça ameaças vãs, Tara - atirou.

Não era o mais adequado a ser dito. Ele tirara a máscara de Tara, forçando-a a representar seu papel até o fim. Em última análise, ambos sairiam perdendo naquele jogo. com um ódio quase real, Tara saiu do escritório. Ty não podia chamá-la de volta, pois nenhum dos dois deixara espaço para um acordo.

Uma hora depois, ele estava ao telefone quando ouviu o baque de malas na escada. A voz de seu advogado mal registrava-se em sua mente enquanto Ty escutava os ruídos da partida - os passos, o abrir e fechar de portas, as portas do carro, as malas e a partida de um motor.

Subitamente, a porta da frente abriu e passos leves entraram na casa. Por um segundo, Ty admitiu para si mesmo como precisava do apoio e compreensão da mulher naquela conjuntura crucial. Mas foi sua irmã, Cathleen, que apareceu na porta.

- Aonde Tara vai? Ela não me disse nada que ia sair. - Cat teve que esperar uma explicação até ele sair do telefone.

com a passagem das primeiras vinte e quatro horas, uma espera tensa começou. Mais cedo ou mais tarde, Dyson ia começar a agir. Para Ty, era uma questão de tentar antecipar quando ele ia agir e o que faria, para que estivesse preparado para enfrentá-lo. Todos na fazenda estavam alertas, com ordens de relatar imediatamente a presença de qualquer estranho na sede, em seguida escoltar o invasor para fora da Triplo C, usando a força que se fizesse necessária. Ty transferiu todos os funcionários de que pôde dispor de suas tarefas regulares para o distrito norte da fazenda. A operação envolveu grande remanejamento de cavaleiros; incluindo a transferência temporária de Jessy para o campo leste, na Campina do Lobo.

A travessia da fazenda levou Jessy a passar por um trecho da estrada principal que levava a leste de Blue Moon. A poeira ia sendo deixada para trás da pick-up enquanto ela se dirigia para a lua alta do sol da manhã. Sua atenção concentrava-se na estrada, aguardando o desvio Sul. Ela não teria percebido o veículo escondido se a luz do sol não tivesse se refletido na janela, e os raios atingido seus olhos.

Piscando com a luminosidade perturbadora, virou a cabeça para o lado bruscamente, tentando evitar o raio de luz. No mesmo instante, ficou alerta e desacelerou a caminhonete, perscrutando o terreno acidentado e ondulado para localizar a causa do brilho repentino. Jessy já estava quase convencida de que algum vidro quebrado ao longo da estrada causara o reflexo, sendo seu alarma desnecessário, quando distinguiu um veículo de tração nas quatro rodas. O jipe invasor estava bem escondido, recuado da estrada em uma ravina, a cor verde confundindo-se com os arbustos de uma cerejeira silvestre.

Sem hesitar, desacelerou a caminhonete e virou o volante para sair da estrada e sacolejar pelo terreno irregular, em busca do motorista. Enquanto isso, pegou o microfone do rádio na faixa do cidadão, relatando a descoberta à base situada na sede. A trilha era tão fácil de ser seguida que quase dava vontade de rir. Estacas com bandeirolas vermelhas enfileiravam-se, levando Jessy diretamente ao grupo de topógrafos.

O ronco da caminhonete atravessando o chão duro lhes forneceu o aviso da aproximação de Jessy, mas eles permaneceram calmamente no raio de visão, os três agrupados em torno de um tripé. Jessy fez a volta em torno deles para estacionar na trilha. Pegou a espingarda 3030 de seu suporte na janela traseira antes de descer dapick-up. Segurava o rifle frouxamente, a extremidade enfiada em uma axila e a boca apontada para o chão. Dez metros a separavam dos homens.

- Vocês estão invadindo. Peguem seus aparelhos e vão saindo - ordenou tranquilamente.

- Estamos em terra do governo e estamos aqui a trabalho. - O homem de jaqueta caqui encarregou-se da resposta.

- Vocês estão dentro da cerca dos Calder. - Jessy não discutiu a respeito da propriedade da terra. - Tenho ordens de escoltar qualquer invasor na pastagem da Triplo C. - Mudou a posição do rifle, segurando-o pelo corpo. - vou repetir para irem andando.

Em seguida instalou-se aquele instante de ódio quando um homem é fisicamente ameaçado por uma mulher.

- Sugiro que você abaixe esse rifle antes que se meta em encrenca retorquiu o topógrafo.

- É você que está metido em encrenca, meu senhor. - Quando o homem deu um passo em díreção a Jessy, ela ergueu a arma e engatilhou-a, atirando três centímetros acima da cabeça dele. O homem estacou na mesma hora, tentando descobrir se fora proposital ou acidental.

- Tenho um rifle desde os doze anos, e já ganhei meus prémios na caça ao coiote. Agora, se você quer saber se uma mulher consegue acertar onde mira, basta dar outro passo. - Desta vez ela colocara o rifle apoiado no ombro. - Agora peguem suas coisas e vão andando.

Os três hesitaram, olhando um para o outro. Jessy mirou o rifle para a direita, para uma bandeira vermelha bem entre eles, sentindo o coice da arma em seu ombro quando deu o segundo tiro. O golpe da bala atingindo a cabeça da estaca os convenceu. Quando ela assestou uma terceira nos pés deles, os homens tiveram certeza de que falava sério.

- Sua mulher doida! - resmungou o homem de caqui, zangado, enquanto os outros dois reuniam apressados o equipamento, recolhendo o saco de estacas com bandeiras.

O ronco dos motores já chegava nos ouvidos de Jessy. Em questão de minutos, mais três caminhonetes com o emblema Triplo C apareceram em cena. Uma grande escolta acompanhou o grupo de topógrafos para fora da propriedade.

Quando Jessy chegou à estrada principal, outros funcionários da Triplo C já haviam convergido ao local, incluindo Ty e Cathleen. Enquanto duaspick-up seguiam o jipe dos topógrafos até o portão Leste, o restante se juntou em um encontro improvisado.

- Na base da adivinhação, eu diria que eles estavam nos testando para ver como reagiríamos. - Ty supunha que a estratégia dos topógrafos consistia em descobrir com que intensidade ele pretendia se opor a eles, caso realmente se opusesse.

- Ei, Ty! - Tiny Yates gritou, para trás na fila de caminhonete, ao lado da porta aberta da cabina. - Acabei de ouvir na casa-grande que acham que Ruth Haskell teve um ataque do coração. Estão preparando o aeroplano para levá-la até o hospital.

- Tia Ruth! - Cat gritou o nome da mulher que significara algo mais aproximado de uma mãe para ela. Os olhos verdes se arregalaram, marejados, quando ela olhou para o irmão.

 

Num túmulo próximo ao da família Calder, pousaram Ruth Haskell para descansar e a Triplo C acorreu em massa para as últimas homenagens à mulher calma que estivera sempre por trás dos Calder.

Quando o enterro terminou, Jessy continuou de pé sob a luz quente do sol, vestindo o mesmo vestido azul que usara no funeral de Maggie Calder. Lembrava-se de estar sentada com Ruth, lembrava-se da visita de Ty à casa. Por sobre as cabeças da multidão, tinha uma visão clara de Ty detendo-se para trocar algumas palavras com o sacerdote. O braço envolvia Cat pelos ombros, consolando silenciosamente a garota pálida e emocionalmente esgotada. Sentiu a compaixão fundo em seu peito por Cat, que perdera duas mulheres a quem fora ligada, e em tão curto período de tempo.

Movida pela pena à irmã de Ty, Jessy atravessou a multidão para oferecer suas condolências. Aproximou-se de Ty por nenhuma razão além dessa, embora seus olhos observassem as linhas tensas e preocupadas que tornavam os traços fisionómicos dele duros e implacáveis. Ouvira rumores de que Tara o deixara por causa da luta pendente com o pai dela. Como ele não oferecera quaisquer explicações sobre a ausência dela, ninguém perguntou. A despeito de compreender o problema da lealdade dividida, Jessy ainda considerava Tara uma idiota por deixar Ty quando ele precisava dela, se fora isso o que fizera. Mas Jessy não buscava restabelecer seu relacionamento com Ty. Aquilo ficara no passado. Ele fizera sua escolha e ela a aceitara.

Houve um breve momento em que seus olhos encontraram os olhos negros de Ty; em seguida, ela voltou a atenção para a irmã.

- Sinto muito, Cat - murmurou. - Pode parecer que sempre acontece algo ruim com alguém que você ama. Mas não é realmente assim. Simplesmente a vida às vezes é dura. Mas é isso que traz os bons tempos.

- Eu sei. - Cat fungou as lágrimas que constantemente chegavam aos olhos, conseguindo produzir um pequeno sorriso sem jeito. Os olhos percorreram longamente a multidão e voltaram ao irmão. - Pensei que Tara vinha ao funeral - disse em voz baixa, indicando como se sentia traída.

O olhar de Ty correu por Jessy, a mandíbula denotando um árduo orgulho.

- Devo ir atrás dela. É outro de seus jogos. - A explicação era quase um resmungo, seca e desprovida de emoção.

- Então é isso que você vai fazer - disse Jessy simplesmente.

Os olhos cor de avelã foram igualmente diretos quando Ty a olhou. Por fim, ele assentiu lentamente.

- É isso que vou fazer - disse.

- Ty. - Cat cutucou-o, olhando curiosa para dois homens que se aproximavam.

Os braços de ambos oscilavam harmoniosamente, ocultando as algemas que ligavam um pulso ao outro. A prisão permitira que Buck Haskell assistisse ao funeral da mãe na companhia de um guarda. Ele estava com o chapéu na mão, revelando os cabelos encaracolados que a idade tornara prateados, apesar de os traços ainda manterem muito da juventude, um pouco como uma criança que se recusava a crescer. Ofereceu um olhar humilde a Ty.

- Queria agradecer ao senhor haver tomado conta de minha mãe, e pelo enterro bonito que deu a ela. - Passou os olhos pelo túmulo aberto.

- Só queria que eles tivessem me deixado ir para casa enquanto ela estava viva. - O olhar triste, as palavras suaves saíam do homem com muita facilidade.

- Ao que eu saiba, você a matou. - Ty não encontrava pena em seu coração para aquele homem. - Cada vez que ela o visitava na prisão, ela morria mais um pouco por dentro, ao ver o que você se tornara. Por mim você apodreceria naquela cela.

Os olhos azuis de Haskell subitamente faiscaram de ódio.

- Ouvi dizer que alguém tomou um pedaço da preciosa terra dos Calder, e não há nada que você possa fazer. Você não é mais tão poderoso.

- Você enterrou sua mãe. Agora saia da minha terra - ordenou Ty, friamente.

Haskell deu um passo ameaçador em direção a ele, para ser retido por um puxão repentino das algemas. O guarda lhe disse algo, segurando-o pelo braço. Haskell o soltou com um sacolejão, os braceletes de metal se chocando, enquanto ele olhava novamente para Ty, voltando-se em seguida e deixando o guarda levá-lo.

Não houve tempo para se relaxar da tensão; a atmosfera delicada foi sacudida pelo ruído estridente de uma buzina. Ty girou sobre si mesmo em direção ao som, músculos e nervos retesados novamente. Umapick-up que vinha a toda velocidade freou com um barulho estridente, os pneus derrapando no cascalho da estrada do cemitério.

- Eles estão vindo - Repp Taylor desceu da caminhonete rapidamente, gritando o aviso. - Vem um monte deles... caminhões, aplanadores, os trabalhadores...

Antes que o segundo aviso fosse dado, Ty já se afastava de Cathleen, correndo para o veículo mais próximo. Xingou a si mesmo por não ter adivinhado que Dysõn escolheria esta hora para fazer seus movimentos, enquanto a parte principal da Triplo C estivesse assistindo ao funeral de um dos seus. Tinha que deter o equipamento enquanto ele estivesse na terra dos Calder. Quando atingisse a propriedade do governo, as chances de removê-lo seriam substancialmente menores.

Não foram preciso ordens para os homens correrem para os veículos, amontoando-se nas cabines e caçambas dos furgões. Todos vestiam seus melhores ternos e chapéus, e camisas brancas como pérola. Em menos de cinco minutos, o cemitério estava coberto com a poeira levantada pelos veículos que partiam em alta velocidade. As mulheres que ficaram para trás, incluindo Cathleen e Jessy, estavam ocupadas organizando-se em grupos. Embora o grupo delas fosse temporariamente de espera, elas representavam um papel, dependendo do resultado da confrontação e da rapidez com que ocorreria.

Uma dúzia de caminhões entupia a estrada, avançando em uma nuvem pesada de poeira que limitava a visibilidade do pára-choque do caminhão à frente, mas os veículos lotados de homens não reduziam a velocidade, correndo cegamente para interceptar a oposição. Os olhos ardendo com as partículas de sujeira no ar, eles lutavam por uma visão de algo se movendo à distância.

Havia uma caminhonete na vala, uma longa fenda denteada aberta ao lado do veículo. Um vaqueiro surgiu mancando ao lado da caminhonete e acenou com o chapéu, movendo o comboio para fora da estrada em direção a uma ravina.

- Eles acabaram de me pegar - gritou para os caminhões que desaceleravam e faziam a curva, cada qual seguindo sua própria reta irregular.

A menos de um quilómetro fora da estrada, encontraram-se com os veículos em marcha lenta, liderados por um aplanador de estrada, ainda na propriedade dos Calder. Aspick-ups circundaram a fila alongada de caminhões e máquinas, usando as paredes altas da ravina para encurralá-los, bloqueando ambas as extremidades. O aplanador de estrada parou com ruído enquanto os vaqueiros da Triplo C desciam das caminhonetes.

- Vocês estão em propriedade particular. - Ty colocou-se acima dos veículos amontoados. - Recuem e caiam fora.

- Temos direito ao acesso. - Veio um grito em resposta.

O motor a diesel do planador de estrada acelerou, resfolegando e soltando fumaça como um touro cavando o chão antes do ataque. A lâmina longa e angulada estava a centímetros acima do solo, menos uma escavadeira do que uma arma eficaz para afastar obstáculos do caminho. Juntou forças e começou a ribombar para diante, mirando as duas caminhonetes no seu caminho, pretendendo eliminar a barreira dos veículos da mesma forma que se livrara da pick-up por que passaram na vala ao lado da estrada.

Ty retirou-se para trás da primeira caminhonete no caminho do aplanador.

- Eles não querem ouvir - disse a Wyatt Yates, relanceando os olhos pelo rifle nas mãos do vaqueiro. - Talvez você possa limpar os ouvidos deles.

O cowboy esboçou um esgar e começou a atirar no aplanador em aproximação, as balas ricocheteando pela lâmina metálica com um lamento zangado. Outros vaqueiros no círculo juntaram-se à contenda, armados com os rifles do porta-armas das caminhonetes. Quando uma bala chegou perto da cabine do aplanador de estradas, o motor a diesel silenciou, o motorista saiu correndo da cabine em direção aos outros veículos. A um sinal de Ty, os tiros cessaram.

- Voltem e digam a Dyson que ele não vai atravessar a minha terra - gritou Ty.

- Ele vai atravessá-la. Talvez não dessa vez, mas ele vai atravessá-la

- a admissão da derrota carregava um aviso.

Tornou-se óbvio, depois que o último veículo fora escoltado através do portão Leste, onde a estrada da fazenda se encontrava com a rodovia, que a próxima confrontação não demoraria a acontecer. Assim que deixaram a propriedade dos Calder, os caminhões e a maquinaria saíram da estrada e pararam.

Ty estava na caminhonete que Repp Taylor dirigia. Repp voltou uma carranca de preocupação para ele.

- Eles não estão indo embora.

- Nem nós. - Afirmou Ty. Dali para frente, ficariam a postos. Mas aquilo não podia durar muito. Nem ele nem Dyson podiam dispor de máquinas e homens parados por muito tempo.

Durante toda a tarde e começo da noite, manteve-se a vigília. Assim que a notícia da paralisação foi levada à sede, as mulheres se juntaram na cozinha do rancho para mandar sanduíches, café e sobremesas. Mudas de roupas começaram a chegar, juntamente com cobertores.

Ty prestou pouca atenção ao ir e vir de veículo de seu lado da cerca. Sentia-se inquieto enquanto tragava o cigarro e expelia a fumaça dos pulmões com impaciência. Observava a atividade em torno das máquinas ininterruptamente.

- Ty? - Seu nome sendo chamado ansiosamente perturbou a concentração. Olhou em volta e viu Cat correndo em sua direção. - Você está bem? O que está acontecendo?

- Nada. O que você está fazendo aqui? - Agarrou-a pelos ombros impedindo-a de correr para ele. - Você devia estar em casa.

- Não ia conseguir ficar lá. - O tom determinado em sua voz avisou-o de que ela não pretendia ser mandada de volta.

O olhar duro correu da irmã para Jessy que aproximava-se dele. Substituíra o vestido por jeans, botas e chapéu.

- Café? - Estendeu-lhe uma xícara, o vapor da infusão exalando um aroma gostoso. - Trouxe Cat comigo - admitiu.

- Já que está aqui - voltou a atenção para a irmã -, seja útil e me prepare um sanduíche. - Esperou até que Cat se afastasse antes de tragar novamente o cigarro já curto. - Aqui não é lugar para ela.

- Isto é a opinião de um homem - retrucou calmamente. - Mas não é um homem quem fica sentado em casa se preocupando. Cat estava com medo de que algo acontecesse com você. Você é praticamente tudo que sobrou para ela. Além disso, achei que seria tão duro para ela dormir sozinha em casa quanto na caçamba de uma das caminhonetes.

- Talvez - Ty concedeu de má-vontade, a atenção novamente concentrada nas máquinas estacionadas ao lado da rodovia. - Houve telefonema ou recado de Silverton, o advogado?

- Não. Alguém da sede teria entrado em contato com você pelo rádio se tivesse havido. - Jessy entendia que a paciência era algo que Ty aprendera, mas nem sempre ela combinava com ele. Naquele momento ela o importunava.

- Silverton está tentando obter uma injunção temporária ou restrição que impeça Dyson de entrar na terra. O processo foi desarquivado, contestando a propriedade da terra. - Explicava o que estava sendo feito, providências fora de suas mãos.

- O que acha que Dyson vai fazer depois?

- Não sei. - o cigarro acabou nos dedos de Ty. Jogou-o ao chão e apagou-o com a bota. - Isto pode ser um artifício para distrair nossa atenção, mantendo-nos ocupados aqui enquanto ele entra sorrateiramente por outro lugar. - com um movimento de cabeça, ele a mediu com o olhar.

- O que está fazendo aqui, Jessy?

A contenção serena dos traços dela situava-se além do entendimento de um homem. Tão calma e resoluta, aceitando seu destino, bom ou mau; mas ainda assim, isso não era tudo que Ty enxergava nela. Havia algo mais a que não conseguia dar nome, embora o sentisse, como o vago sentimento de glória que o perpassava após longos anos de busca.

- Achei que alguém devia ficar de olho em Cat - fez ela, removendo a preocupação dos ombros dele.

- Certo. - Uma estrela piscou na noite púrpura. Lembrou-se de Tara. Poderia ser ela tomando conta da irmã. Jessy percebeu a mudança na expressão de Ty, o olhar distante de um homem perturbado por seus sonhos. Culpada, afastou-se.

Quando a escuridão caiu sobre a terra, a tensão diminuiu. As vozes soavam mais baixas. Guardas noturnos foram designados e sacos de dormir estendidos dentro e fora das caminhonetes. Era quase meia-noite quando Jessy abrigou-se em um cobertor atirado em um canto de uma caminhonete. De onde estava, podia ver Cathleen dormindo nos braços de Repp Taylor. Mas Ty não descansava, e ela duvidou que o fizesse antes do amanhecer.

Por volta da metade da manhã do dia seguinte, um cavalo e cavaleiro vieram do Norte, aproximando-se das caminhonetes da fazenda apinhadas em torno do portão. Ty foi até o limite dos veículos antes de identificar o cavaleiro como Culley O'Rourke e não um de seus homens.

- Algum problema? - Culley desmontou, olhando em torno.

- Alguns. - Assentiu Ty, percorrendo o homem com os olhos. Cat comentou que você não estava se sentindo bem. - Ele parecia saudável, embora se movimentasse com cuidado.

O'Rourke traiu-se com um olhar de espanto por um segundo, em seguida disse:

- Estou bem. Esse caso com o Dyson vai arrebentar?

- Parece que sim. - Não ia ganhar nada discutindo a situação com o tio. Afastou-se do homem para o local onde podia ficar de olho no portão. - Sirva-se de café.

- Já vou. - O'Rourke pendurou o estribo na sela e afrouxou um pouco a cilha. Ficou aliviado ao ver Cathleen. - Então é aqui que você está? Procurei por você em tudo o que foi canto - declarou rispidamente.

- Tio Culley - o tom era minucioso e insistente -, temos que contar a Ty. Ele tem que saber do que suspeitamos. Nós dois juntos seremos capazes de convencê-lo.

- Não adianta, estou lhe dizendo - ele persistiu.

- Mas vai haver barulho aqui. Já houve alguns tiros. Se Dyson e seu sócio realmente tentaram matar meu pai, o que os vai impedir de tentar se livrar de Ty? Temos que avisá-lo, por via das dúvidas.

O apito estridente de uma sirene cortou o ar, quebrando a calma da manhã. com a aproximação, o ruído tornou-se mais alto, houve movimentação em torno do portão Leste. Cat agarrou a mão do tio e puxou-o junto com ela.

Um carro com a insígnia do xerife saiu da rodovia e entrou na pista, parando próximo ao portão. Ty apoiou um ombro no poste alto do portão que demarcava a entrada e aguardou Blackmore arrancar o corpo pançudo da dentro do carro, seguido de dois auxiliares uniformizados. Ele levantou a calça até a cintura, ajustando o coldre com a arma sobre os quadris, e por fim caminhou a passos largos para o portão em atitude arrogante.

- Os tempos mudaram, Calder - declarou Blackmore com ar de satisfação.- Você não pode mais fazer as coisas à sua maneira.

- É verdade? - Ty não modificou a posição relaxada enquanto riscava um fósforo no poste e acendia um cigarro.

- Já ouviu falar em servidão, não é? Tenho um papel comigo, registrado e legal, que declara que o governo tem a servidão para passar até a propriedade que possuem a oeste daqui. - Ele exibiu o documento selado e com firma reconhecida para a inspeção de Ty. - Este documento permite o acesso deles através de sua fazenda.

Uma carranca afinou a boca de Ty enquanto desdobrava o documento registrado. Não pensara que Dyson fosse capaz de obter um tão rapidamente. Em algum ponto, ele havia utilizado expedientes para eliminar muita burocracia.

- É uma servidão, tudo bem - concordou Ty calmamente. - Para uma largura de dez metros, mas esta descrição legal não me fornece uma ideia exata sobre a localização. Claro que vai concordar, xerife, que queremos isso legal. O governo não ia querer as pessoas viajando em uma estrada na qual não têm o direito de estar. vou contratar um topógrafo para verificar exatamente onde essa servidão se localiza. Evidentemente, é provável que isso leve algum tempo.

As veias do pescoço do xerife estufaram-se durante sua luta com a raiva.

- Você acha que é muito espertinho, não acha? Até o momento, Ty só fizera ganhar tempo.

- Só estou seguindo a lei.

- Um cidadão respeitável, não é? - zombou o xerife, voltando ao convencimento anterior. - Além desse papel que tem no bolso, estou com um outro. É um mandado para sua prisão.

Ergueu o queixo mais um palmo, desafiadoramente. Por trás dele, Ty podia ouvir o rumor de protesto dos homens.

- Sob que acusação? - indagou.

- Ataque com arma mortal, destruição maliciosa de propriedade, incitação à violência... tenho uma lista deles - garantiu o xerife.

- Isto é um monte de mentiras - rebateu Ty.

- Um juiz terá de decidir isso. - Ele sorriu. - bom, você vai vir comigo sem resistência ou vou ter de acrescentar resistência à autoridade na lista?

- Não. - Cat adiantou-se, colocando-se furiosa entre eles. - Você não vai levá-lo a lugar algum.

- Cat. - Ty segurou-a pelo braço e puxou-a para o lado. - Eles não podem me deter. vou estar fora sob Fiança em poucas horas. - Empurrou-a delicadamente para os braços do tio; em seguida voltou-se para a mulher alta e esguia a seu lado. - Jessy, telefone para Silverton por mim e avise-o sobre essa servidão e essas acusações falsas.

- Pode deixar.

- Ty, você não entende. - Cat debateu-se para livrar-se das mãos de O'Rourke. - Culley, explique a ele - exigiu zangada.

- Quieta, garota - avisou Culley em voz baixa. - Ou o xerife vai acabar prendendo nós três. Então como você ia ajudar seu irmão?

Ela deixou de lutar contra as mãos dele e ficou de pé rígida, assistindo a Ty caminhar até a viatura policial. O xerife ordenou ao irmão que virasse de costas, algemando-lhe os punhos por trás das costas.

- Isto não é necessário, xerife - murmurou Ty, diante da argola de metal prendendo-lhe os pulsos.

- Algemo todos os meus prisioneiros. É o procedimento legal - repreendeu, empurrando a cabeça de Ty para dentro do carro.

Quando o carro da polícia afastou-se com seu prisioneiro, Cat virou-se para gritar aos trabalhadores da fazenda:

- Por que não fizeram nada? Por que deixaram levá-lo? - Poucos olharam para ela.

Um trailer em Blue Moon fora convertido em local de pagamento e escritório de contabilidade da mina. Dyson recrutara temporariamente o escritório do administrador como base de operações, da qual dirigiu sua manobra tática e legal contra a fazenda Triplo C.

Ao fim de sua conversa ao telefone, embalou-se na cadeira giratória por trás da escrivaninha, olhando para outros dois ocupantes da sala com um ar de auto-satisfação.

- Ty está trancado em sua cela da prisão. E o xerife pode segurá-lo por vinte e quatro horas com certeza. - Deu uma olhada no relógio. Vinte e quatro horas antes que tenha de libertá-lo ou registrar queixa oficialmente e deixá-lo pagar fiança. É muito oportuno que amanhã seja sábado. - O brilho em seus olhos revelava que o momento fora escolhido e calculado propositalmente. - bom, se o juiz representar seu papel e estabelecer fiança assustadoramente alta, só na segunda-feira o Calder vai conseguir reduzi-la ou arranjar um jeito de pagá-la.

- Não precisa se preocupar com o juiz. - A tranquila segurança provinha de Stricklin, a cabeça ligeiramente inclinada, enquanto limpava as unhas.

Tara quebrou a vigília semelhante à de uma estátua à janela do trailer, voltando-se para a escrivaninha, os olhos escuros apelativos.

- É realmente necessário que Ty fique na prisão?

- A maneira mais rápida de ganhar uma batalha é separar um general de suas tropas. Não importa quão leais eles possam ser, sem liderança eles não vão saber o que fazer - explicou o pai, tolerante. - Tenho pouco mais de três dias, tempo mais do que suficiente para forçar os direitos de servidão a serem obedecidos. Por volta de segunda-feira, estaremos com as máquinas na terra e não haverá mais nada a fazer, exceto gritar.

Stricklin ergueu-se da cadeira, anunciando casualmente:

- vou dar uma passada na delegacia para ver se está tudo bem.

- Você é quem sabe. - Dyson deu de ombros, demonstrando sua indiferença, mas os olhos estreitaram-se astutos sobre o homem deixando a sala. - Não sei o que está acontecendo com ele ultimamente - murmurou. - Está constantemente checando e rechecando cada detalhe.

- Ele sempre foi muito minucioso com tudo. - Tara não via nada de diferente com ele, impaciente com um assunto tão distante de suas preocupações.

- Não assim.

- Pai, e se eu fosse ver Ty? - sugeriu um tanto ansiosa. - Poderia falar com ele... persuadi-lo.

- Deixe-me explicar uma coisa a você, Tara Lee. - Dyson levantou da cadeira, fazendo a volta à mesa para colocar as mãos sobre os ombros da filha carinhosamente. - Neste momento ele vai estar preocupado e frustrado por estar preso. Ele não ia ouvir o que quer que você dissesse. Mas ele vai ter três dias para fazer nada além de pensar. Depois disso, vai estar mais do que propenso a admitir o erro que cometeu.

- Por que ele tinha que fazer isso? - protestou Tara, dirigindo-se a ninguém em particular, impaciente com as ações de Ty, e preocupada também. Em sua mente não havia dúvidas de que o pai triunfasse no final, mas não queria a posição de Ty inteiramente arruinada no processo. Se quisessem chegar a algo, ele precisava sair disso com algo.

Uma mosca caminhou sobre a barba crescida de Ty, deitado no colchão puído da cela da prisão, as mãos fazendo de travesseiro sob a cabeça, o chapéu jogado sobre a testa. Ele mudou de posição, expulsando com uma das mãos a mosca de seu rosto. O inseto descreveu um círculo, zumbindo sobre ele para escolher o próximo local de pouso.

A julgar pela poesia vulgar rabiscada na parede, a nova prisão fora adequadamente estreada por ocupantes anteriores. Ty já lera todas pelo menos duas vezes. O isolamento e confinamento estraçalhavam-lhe os nervos. Ergueu-se inquieto, sentando-se à beira do catre, esfregando as mãos nas coxas.

Uma porta abriu nos escritórios além da porta trancada, e Ty ficou de pé, movendo-se até as barras. Era um inferno não saber o que estava acontecendo na fazenda ou quando iam libertá-lo.

- Onde está meu irmão? O que vocês fizeram com ele? - A voz de Cat filtrava-se claramente até a área da cela. - Por que não o deixaram ir? - Ty não ouviu a resposta murmurada. Esforçou-se para identificar a outra voz e saber quem viera com a irmã obter sua libertação, mas logo tornou-se evidente que ela estava sozinha. - Quero vê-lo - ela exigiu, a voz mais próxima da porta trancada entre as celas e o escritório.

- Não posso permitir que a senhorita veja o prisioneiro agora, não até recebermos o processo e as acusações. De qualquer maneira, prisões não são lugar para garotas - insistiu o xerife. Ty concordou. Não queria Cat ali.

- Como vou saber se ele está bem? Como vou saber que você não bateu nele? - insistiu Cat, beligerante.

Garotinha teimosa, Ty pensou para consigo, imaginando quem a deixara vir à cidade sozinha... não que sua irmãzinha algum dia tivesse se preocupado em obter permissão para fazer algo que quisesse.

- Cat! Estou bem - gritou Ty, certificando-se de que ela o ouvira.

- Agora vá para casa.

- Não! vou ficar aqui até você ser libertado.

Soltando um longo suspiro de exasperação, Ty balançou a cabeça diante da teimosia da garota. Não a queria na prisão.

- Estou sem cigarros. Vá comprar um maço para mim. - Por um instante, Ty pensou que ela ia negar o pedido.

- Já volto - prometeu. Em seguida, ele ouviu uma porta abrir e fechar, os ruídos do escritório voltando à normalidade, o som de telefones tocando, o grasnido do rádio e o ruído de uma máquina de escrever. com um movimento impaciente do corpo, voltou ao catre para esperar um pouco mais.

O sentimento de impotência de Cat a deixava a meio caminho da raiva e do medo. Todos sabiam que o xerife estava nas mãos de Dyson, e ela temia por Ty. Não importa quão insistentemente procurasse, não encontrava resposta.

Saiu da delegacia cegamente, caminhando sobre a nova calçada de concreto. Inicialmente, estava por demais preocupada para perceber o homem vindo em sua direção. Mas as passadas arrojadas logo diminuíram de intensidade ao reconhecer Stricklin. Toda a frustração armazenada chegou a seu ponto de ebulição quando ele estacou, o olhar correndo dela para o edifício.

- Veio ver seu irmão? - A pergunta denotava vivo interesse, os olhos opacos por trás dos óculos analisando-a.

- Eles não me deixaram vê-lo. - Cat irradiava tensão, imprudentemente abandonando qualquer senso de precaução. - Não é Ty que tem que ficar atrás das grades. É você. Ainda não posso provar que foi você que matou minha mãe, mas vou conseguir - proferiu a ameaça, em seguida passou por ele como um furacão, continuando seu caminho para a caminhonete que pedira emprestada a um dos trabalhadores da fazenda.

A acusação aberta deixou-o aturdido. Ele olhou em torno alarmado, mas ninguém vira ou ouvira o encontro. A porta da caminhonete bateu. com a presteza calculista de um computador, Stricklin mediu suas chances. Não era provável que tivesse outra oportunidade como esta, nem tampouco podia contar com o silêncio da garota.

Quando Cat estava saindo com a caminhonete para a rua, a porta de passageiro abriu subitamente. Ela olhou para o lado alarmada enquanto Stricklin subia napick-up e fechava a porta. Ela ia retirar o pé do acelerador e pisar no freio, mas o pé dele pisou no dela, afundando o pedal de aceleração. A caminhonete saltou para frente com repentina potência. No segundo seguinte, Cat concentrou a atenção em manter apick-up em linha reta na rua.

- O que está fazendo? Ficou louco? - Em pânico, atirava perguntas furiosas sobre Strikclin, percebendo com quem estava falando e as implicações de seu ato.

- Dirija para onde eu mandar - ordenou ele.

Cat não pretendia fazer nada disso. Primeiro pensou em jogar a caminhonete na vala, mas a mão dele agarrou o volante antes que ela pudesse virá-lo, mantendo-o em linha reta. Mesmo com a caminhonete em boa velocidade, Cat tentou abrir a porta e pular para fugir dele, mas Stricklin neutralizou também essa tentativa com facilidade, torcendo-lhe o braço por trás das costas. A dor foi tão forte que Cat sentiu que os ossos poderiam estalar a qualquer momento.

- Você não vai conseguir fugir assim - alertou-o com um gemido ofegante, mas temia que mesmo assim ele conseguisse.

Ele sentara junto com ela para dominar melhor o veículo, virando o volante para a rodovia. Pela janela, Cat percebeu os carros e caminhonetes estacionados em frente ao Sally's, o pequeno armazém do posto de gasolina. com a mão livre, tentou apertar a buzina e atrair a atenção de alguém, mas fracassou e a pressão em seu braço aumentou até ela gritar.

Rapidamente eles estavam fora da cidade, e qualquer chance de alguém os ver também desvanecera-se. Ela estava apavorada, finalmente se dando conta do perigo que estava correndo. com exceção de Ty, ninguém mais sabia que ela fora à cidade.

A oito quilómetros da cidade, Stricklin saiu da pista de duas mãos para seguir uma estrada de cascalho, atapetada de ervas daninhas e capim que denotavam a falta de uso. A estrada levava a alguns edifícios abandonados, invisíveis da rodovia. Os celeiros e galpões haviam desabado, transformando-se em entulho de madeira, mas a casa ainda estava de pé, amarelada e atingida pela ação do tempo, o teto curvado com aparência deprimente.

Depois de parar a caminhonete, ele puxou Cat para fora do veículo, empurrando-a a sua frente sem relaxar a pressão em seu braço. Um movimento repentino de cabeça fê-la parar, enquanto ele olhava em torno, considerando o local.

- Lembro-me de haver voado sobre esse lugar e pensado como ele parecia completamente esquecido... tão longe da rodovia - murmurou, de alguma maneira satisfeito consigo mesmo por recordar a existência do lugar, tão adequado a seus objetivos atuais. Mudou a pressão no braço da garota, torcido sob as costas, forçando-a a retornar àpick-up. - Veículos de fazenda parecem sempre ter tudo o que um homem possa precisar. Atrás do assento havia uma corda enrolada. Ele a pegou, em seguida empurrou Cat em direção à casa em ruínas.

Todas as janelas estavam cobertas de papelão, embora um pouco da luz do dia entrasse por entre as inúmeras fendas. O ar no interior estava quente e pesado, viciado com os odores de coisa velha e mofada e poeira. Teias de aranha enrolavam-se em seu rosto e cabelo, tentando envolvê-la em suas tramas de seda. Ela agitava as mãos frenética, pequenos gestos impacientes com o braço livre.

Depois de circularem pelos três quartos da casa, atravessando as tábuas podres do assoalho, Stricklin parou no quarto compartimento e soltou o braço dela com um empurrão que a atirou no meio do quarto. Parecia um quarto de dormir, e a única maneira de sair era a porta na qual Stricklin se postava de pé. Cat fitou-o desconfiada, esfregando o braço dolorido.

310

- Quem mais sabe sobre o acidente de avião? - perguntou, com doçura ameaçadora.

Cat elevou o queixo, desafiadora.

- Ninguém.

- Mentirosa - falou tranquilamente, a boca levemente recurvada num daqueles sorrisos dissimulados que lhe gelavam o sangue. - Mas não tem importância. É bastante fácil descobrir. - Enfiou a mão no bolso do terno e tirou uma caneta e um bloco com capa de couro. - Você vai escrever um bilhete para seu namorado.

- Repp? - Cat soltou o nome junto com um suspiro de susto e consternação, percebendo que Stricklin pensava que ela contara a ele. - Ele não sabe de nada.

- É muito nobre da sua parte. Tome. - Estendeu o papel e a caneta.

- Não. - Ela deu um passo para trás. - Não vou escrever nenhum bilhete para você.

- Acho que vai - murmurou ele.

Quando a porta trancada entre as duas celas e o escritório se abriu, Ty ficou de pé de um salto, indo até a porta de sua cela. Perdeu a rigidez quando reconheceu o homem de terno sendo admitido pelo xerife.

- Estava pensando quando você ia chegar - disse ele. Silverton lançou-lhe um olhar de compreensão, em seguida fitou incisivamente o xerife, demorando-se na porta.

- Gostaria de falar com meu cliente em particular. - Blackmore deu de ombros e afastou-se relutante. O advogado olhou para Ty, um sorriso iniciando em um canto da boca. - Ainda bem que sua polícia local não estava patrulhando a estrada em busca de infratores de velocidade, se não eu não estaria aqui com você.

- Daqui a quanto tempo pode me tirar daqui?

- Não posso fazer muita coisa até que as acusações oficiais cheguem, e eles vão esperar até o último momento, temo - replicou, prevenindo-o contra a esperança de ser solto logo. - Não posso arranjar a fiança até saber quanto o juiz vai querer. Pode apostar que não vai ser pouco. Eles vão tentar segurá-lo aqui o máximo que puderem.

- E a injunção? Teve sorte?

- Não muito - admitiu Silverton, a boca apertando-se em um traço de solidariedade enquanto Ty praguejava. - Não preciso lhe dizer como a lei pode ser estreita.

- Não. - Ty soltou um suspiro profundo. - Quero que entre em contato com Potter. Se o juiz ou algum funcionário daqui tiver porcarias escondidas do passado, Potter poderá lhe dizer tudo que quiser saber sobre eles, e há quanto tempo eles têm o nome sujo. Agora ele está velho e doente, mas a mente ainda está funcionando. Deixe-o contar alguns podres para nós.

 

As luzes do fim da tarde caíam sobre a terra, afastando as sombras provocadas pelo amontoado de caminhonetes que bloqueavam a estrada do portão Leste. Vaqueiros descansavam nas sombras, buscando alívio do calor do dia inteiro, o qual cozinhara superfícies metálicas até que ficassem quentes demais para serem tocadas. A aparente letargia do grupo não passava de fachada, uma forma de conservar energias. Eles estavam alertas, os olhos em constante movimento, observando e aguardando.

Quando um Chrysler de tom escuro coberto com uma camada de poeira reduziu a velocidade na rodovia e virou para a estrada, aqueles que estavam sentados no chão ficaram de pé, avançando em direção ao carro antes que ultrapassasse o portão. Os olhares desconfiados transformaram-se em sorrisos quando Ty Calder saltou do lado de passageiro. Depois que o carro voltou para a rodovia, eles o cercaram, recebendo-o com tapas nas costas calorosos.

- E aí, chefe?

- É, e aí? - ecoou outra voz. - Vamos ter que deixá-los passar?

- Silverton - Ty esboçou um gesto indicando o motorista do carro que acabava de pegar a rodovia -, vai arranjar uma injunção amanhã de manhã. Portanto, nada vai cruzar esta passagem de agora em diante, não importam as ordens oficiais. - Seguiu-se mais falatório, que foi decrescendo gradualmente conforme a curiosidade ia sendo satisfeita. Eles começaram a se dispersar, novamente buscando as sombras. Ty encheu uma xícara de café da grande garrafa térmica na traseira de uma caminhonete, em seguida procurou no bolso vazio da camisa. Repp Taylor estava apoiado no poste. - Tem um cigarro? - perguntou Ty, acendendo o que Repp finalmente lhe ofereceu, após um minuto de distração. - Pedi a Cat para comprar um maço, mas ela deve ter esquecido.

- Acho que há algo errado, Ty. - Os traços finos do vaqueiro denotavam preocupação, um pedaço de papel nas mãos. - Um garoto veio até aqui a cavalo ainda agora e disse que uma garota pedira a ele para entregar esse bilhete para mim. É de Cat. - Desdobrou o pedaço de papel e olhou novamente, sem lê-lo totalmente. - Ela diz que vai fugir e quer que eu encontre com ela esta noite.

- Fugir? - A testa de Ty encheu-se de vincos, enquanto estendia a mão para o bilhete.

- É. Também não consegui entender - admitiu Repp, o rosto contraindo-se de preocupação. - Ela diz que está cansada de discutir e brigar... e está preocupada porque você não a ouviu sobre o acidente aéreo.

- Acidente aéreo. - Ty chegara àquela parte do bilhete e estava igualmente confuso. - Não sei do que ela está falando.

- Nem eu. Sei que ela ainda está magoada com a perda da mãe, mas...

- Repp deu de ombros, incapaz de qualquer ideia além da conexão óbvia entre os dois fatos.

- O bilhete também diz para você não contar os planos dela a ninguém.

- Eu sei, mas tem alguma coisa errada nesse bilhete - Repp insistiu, carrancudo.

- Qual foi a última vez que alguém da fazenda a viu?

- Perguntei depois que o bilhete chegou. Acham que ela pegou a caminhonete de um deles por volta do meio-dia. - Repp o fitou com interesse profundo. - O que acha?

- Se realmente ela está pretendendo fugir, escolheu a hora errada.

Tornava-se difícil não se irritar com a irmã mimada. com todos os problemas por que passava no momento, a última coisa de que precisava era a fuga da irmã só para chamar sua atenção. Mas também compreendia que aquele era um sinal de insegurança, um grito silencioso para que alguém lhe demonstrasse que se preocupava com ela. Aos dezesseis anos, todos os sentimentos eram demasiado intensos - a dor, o orgulho, o amor, o ódio. com a morte da mãe e agora de tia Ruth, o pai no hospital sabe Deus durante quanto tempo, o afastamento de Tara e ele reconhecidamente ocupado demais para conceder à irmã muito de seu tempo, provavelmente ela se sentira completamente sozinha, rejeitada e indesejada.

Ty analisou a nota mais uma vez.

- Já que ela quer que você a encontre esta noite, ela deve estar se escondendo em algum lugar. Mais do que provavelmente ela foi ao mesmo lugar que da última fuga.

- A casa de O'Rourke?

- Quando ele saiu daqui? - perguntou Ty.

- Mais ou menos na mesma hora em que Cat... logo depois que o xerife te levou hoje de manhã. Ele não voltou desde então.

- Vamos. - Ty devolveu o bilhete e afastou-se da caminhonete. Vamos até à casa dele pegá-la. - com sorte, as coisas ficariam em paz até que ele voltasse.

Não perderam tempo na viagem até Shamrock. Viajaram tão rapidamente quanto o permitiam as condições da estrada. O sol se pondo flamejava no horizonte com uma coloração vermelho vivo que foi escurecendo até o púrpura onde a terra encontrava o céu. O'Rourke estava na frente da casa para recebê-los quando ouviu o ronco da caminhonete em seu quintal.

- Diga a Cathleen que estamos aqui para levá-la para casa - anunciou Ty com firme convicção enquanto descia da caminhonete.

- Cathleen? Ela não está aqui. - A negativa surpreendeu-os. - A última vez que a vi, ela estava na casa-grande.

- Não adianta encobri-la, Culley - declarou Ty, impaciente. - Sabemos que ela está aí. Ela mandou um bilhete para Repp, dizendo a ele que ia fugir e pedindo que se encontrasse com ela. Este é o único lugar em que ela poderia se esconder.

- Juro que ela não veio aqui. - Esfregou a cabeça em um movimento vago. - Ela não ia fugir - insistiu ele, expressando os pensamentos em voz alta. - Não quando estava tão preocupada com o que Dyson poderia fazer a você na prisão. Ela não iria fugir.

- No bilhete, ela se referiu ao acidente de avião - Repp ia perguntar ao tio da garota se sabia de algo.

- Ela falou nisso? - O olhar desviou-se rapidamente para o vaqueiro.

- Sobre o quê? - indagou Ty.

- Sobre Stricklin mexer no tanque de óleo - respondeu Culley, percebendo em seguida que nenhum dos dois sabia do assunto. - Ah, não gemeu de repente. - Vocês não acham que Stricklin ou Dyson descobriram que ela sabia o que eles fizeram? - Os olhos giraram selvagemente, correndo de um lado a outro. - Eles a pegaram. - Fitou Repp. - E estão achando que você também o viu naquela noite no hangar.

- Acho melhor você começar do princípio - avisou Ty, tentando separar as extravagâncias do homem dos fatos.

com as janelas forradas, o recinto estava imerso na escuridão. Os soluços silenciosos e sem lágrimas de Cat, cheios de frustração e autocomiseração, traduziam-se em suspiros ruidosos que revolviam a poeira arenosa que cobria o chão onde ela estava deitada, amarrada pelas mãos e pés. Os pulmões doíam com o entorpecimento da mesma posição forçada, o chão duro ferindo-lhe os ossos. Pior ainda, podia discernir coisas arrastando-se por sobre ela.

As tábuas do chão estalaram com os passos aproximando-se da porta. Ela susteve a respiração, o coração descontrolado com o medo. Alguém abriu a porta e o facho de uma lanterna quase cegou-a. Piscou, tentando afastar a cabeça da luz ofuscante. Stricklin entrou no quarto e ajoelhou-se para desamarrar a corda que a retinha.

- Logo seu namorado vai chegar.

Ela tentara de tudo, de gritos e xingamentos até os pedidos e persuasão, mas nada o demovera. Desta vez, Cat tentou o silêncio.

Quando ele a libertou das cordas, ajudou-a a levantar-se. Os músculos de Cathleen estavam doloridos e endurecidos de tal maneira que ela não conseguia andar sem tropeçar. Ele a guiou através dos quartos até a porta da frente, a lanterna mostrando o caminho. O ar puro parecia mais fresco do que ela se lembrava quando Cat deu o primeiro passo sob a luz da lua. Sorveu a brisa, os sentidos revivendo para saborear a sensação de frescor em sua pele, junto com os estalidos das ervas daninhas ao lado da casa. Coisas tão simples. Coisas tão belas.

- Vamos esperar na caminhonete - disse-lhe. - E quando seu namorado chegar, não tenha ideias bobas.

Pelo canto dos olhos, ela percebeu o movimento da mão de Stricklin acompanhando o aviso. Um segundo depois entreviu o brilho do metal sob a lua e se deu conta de que ele tinha uma arma. O pânico retesou-lhe os nervos. Durante as longas horas em que ficara amarrada na casa, ele saíra e arranjara uma pistola.

Enquanto aguardavam nas sombras da caminhonete, Cat rezou para que Repp não viesse. A audição parecia mais aguçada, os sons noturnos pareciam mais altos - o farfalhar da grama feito por algum animal, o bater de asas sobre sua cabeça e a música estridente dos insetos noturnos e grilos, todos unidos em uma cacofonia, e acima de todos os sons, o ribombar de seu coração.

Ao ouvir o ronco de um motor, tentou fingir que era um veículo passando na estrada, mas um par de faróis aumentou gradativamente a luminosidade com a aproximação deles dos prédios abandonados. Desesperada, Cat tentou pensar em uma maneira de avisá-lo; então, sentiu o círculo duro do cano da arma pressionado contra seu corpo. Empertigou-se e assistiu impotente a hpick-up rodar até parar. Os faróis varreram a caminhonete em que estavam, mas não invadiu as sombras que a ocultavam.

Ouviu o ruído de metal batendo contra metal quando a porta da caminhonete foi aberta e em seguida fechada. Cat abriu a boca para gritar-lhe um aviso, mas o grito ficou preso na garganta quando o cano pressionou sua cintura, exigindo silêncio. Passos soaram no cascalho.

- Cat? - O chamado quebrou o silêncio. - Cat, cadê você? Stricklin encostou a boca no ouvido de Cathleen.

- Responda. Diga a ele para vir aqui.

Os dentes se trincaram em protesto mudo antes que ela acabasse fazendo o que ele ordenava. Entre a arma e as garras apertando-lhe o braço, sentiu-se indefesa para resistir.

- Repp, estou aqui. - A voz soava trémula. - Do outro lado da pick-up.

Quando Repp contornou a caminhonete, Stricklin forçou-a a sair das sombras. A arma estava apontada para sua cabeça. Repp estacou sem mexer um fio de cabelo.

- Os jovens amantes se encontram pela última vez. - Stricklin murmurou, fazendo um gesto para Repp, mandando-o aproximar-se.

- Então foi você quem Cathleen e eu ouvimos no hangar aquela noite - acusou Repp, caminhando lentamente até Stricklin mandá-lo parar.

Cat olhava-o fixamente, assustada:

- Repp, você...

- Não adianta fingir que não sabemos - ele a interrompeu de pronto, voltando-se para Stricklin. - Você fez algo naquele tanque de óleo, não foi?

- Foi bem simples. - Stricklin foi bastante direto. - É uma pena que vocês dois estivessem lá naquela noite.

- O que planejou para nós? - Repp parecia tão calmo que Cat pensou em gritar.

- Vai ser um acidente muito trágico ... dois jovens namorados estacionados em algum canto afastado infelizmente são intoxicados pelo monóxido de carbono. Um pequeno ácido no cano de escapamento e vocês têm um vazamento que leva o gás a entrar no sistema de ventilação. Vai ser bem pouco doloroso, sem dúvida - comentou, parecendo garantir. - Claro, depois vou trancar as portas... Não ia querer que vocês tentassem fugir.

- Você não vai se livrar dessa - contrapôs Repp tranquilamente.

- Ninguém descobriu o último acidente... exceto vocês dois.

- E Dyson... ele sabe? - atirou como um desafio, levemente insolente. - Imagino que a ideia foi dele e você só fez o trabalho sujo.

- Isso é uma tentativa de criar um atrito entre meu sócio e eu? - A voz de Stricklin denotava diversão, tanto quanto ele se permitia externar.

- Não adianta. Dyson não tem nada a ver com isso. - com a arma fez Repp movimentar-se em direção à caminhonete. - Abra a porta e entre.

Repp hesitou longamente, como se estivesse pesando suas chances de atacar o homem. Cat tentou soltar-se para ir até ele, odiando a forma como se transformara ao mesmo tempo um instrumento e uma proteção para Stricklin.

- Abra a porta, já disse - repetiu a ordem.

Das sombras da casa, uma outra voz... a voz de Ty... respondeu.

- Ele não vai fazer isso, Stricklin.

Stricklin virou de súbito a cabeça em direção a ele. Neste segundo de distração, Repp agarrou o braço de Cathleen e a arrancou do domínio de Stricklin.

- Corra, Cat. Corra! - Empurrou-a pelos ombros para a penumbra da luz da lua, atirando-se ele mesmo sobre Stricklin.

Cat tropeçou nos primeiros passos, tentando reobter o equilíbrio. O coração batia loucamente, a respiração acelerada. Algo emergiu das trevas, dando um passo em direção a ela, sobressaltando-a e fazendo com que soltasse um berro.

Subitamente, todos os ruídos de luta, passos correndo, o terror selvagem, tudo diluiu-se sob o estrondo de uma explosão. Cat girou sobre si mesma. A cena paralisou-se por instantes. A figura em frente a ela cambaleava, dando um passo para trás. Atrás dele estava Stricklin, ao lado da caminhonete, o revólver na extremidade do braço esticado, um fio branco de fumaça saindo do cano.

Uma segunda explosão. Stricklin pareceu ser projetado para trás, um olhar de surpresa congelando-se em seu rosto enquanto ele deslizava pelo lado da pick-up até o chão. Cat correu para o homem de cabelos grisalhos caído sobre um joelho.

- Tio Culley. - Lançou-se ao lado dele, as mãos procurando sustentar o corpo arqueado. Lançando um olhar frenético por sobre o ombro, ela viu Repp sendo colocado de pé por dois homens. Ela não sabia de onde eles vinham, mas pareciam desarmados. Quando voltou o olhar ao tio, percebeu que ele apertava uma mão contra o peito. Algo escuro e molhado escorria entre seus dedos. - Atiraram no senhor.

- Tudo bem, garota. - Acariciou a mão da sobrinha, deixando uma mancha de sangue quente e pegajoso ali.

Ele pareceu ficar mais pesado nos braços de Cat. Teve que usar todo o corpo para sustentá-lo. Por fim, Ty estava a seu lado.

- Você está bem?

- Estou. - Antes que chamasse a atenção do irmão para a ferida no peito de Culley, Ty já estava desabotoando a camisa e pressionando um pedaço de pano no buraco escuro sobre a pele.

- Já tem uma ambulância a caminho, Culley - fez ele. - Desculpe. Repp estava no caminho e não conseguimos mirar em Stricklin a tempo.

- Eu... não podia deixá-lo atirar em Cathleen. E ele ia atirar. - A voz parecia cansada, embora ele fizesse esforço para sorrir para a sobrinha. Cat percebeu que ele se colocara na frente de propósito, interpondo-se entre ela e Stricklin. - Tomava conta dela há muito tempo. Sempre queria saber onde ela estava e o que estava fazendo. Menos hoje... hoje eu a decepcionei.

- Não, tio Culley, não - declarou ela. - Você veio. Você trouxe ajuda. E Ty acreditou no senhor, não foi?

- É. - Ele fechou os olhos, como se considerasse a afirmação. Um Calder aceitando a palavra de um O'Rourke.

- Não fale mais - alertou Ty. - Fique quieto.

O barulho das sirenes ecoou na noite. Houve uma confusão de vozes e pessoas, o espocar deflashes e refletores, as câmeras registrando fotos do corpo sem vida de Stricklin. Repp juntou-se a Cat, ao lado do tio, vigilante. A mandíbula do rapaz tinha um ferimento de aspecto horrível, onde a arma o atingira.

O café preto forte operou um efeito revigorante, e Ty enxugou a boca com as costas da mão, sentindo a barba arranhá-lo. Fazia mais de 36 horas que não se barbeava e trocava de roupa... ou dormia. O cansaço começava a atingir-lhe os ossos.

- Não sei o que foi mais difícil para Dyson engolir - Silverton estava sentado em frente a ele, em uma das poucas mesas ocupadas no bar de Sally's naquela manhã -, se a descoberta da traição de Stricklin ou ter de aceitar a injunção temporária que o impede de começar qualquer mineração de carvão naquela terra, que vai depender da decisão da Corte.

- Tenho certeza de que foram dois grandes golpes para ele - aquiesceu Ty, erguendo a xícara de café e sorvendo outro gole. Depois de passar a última hora relatando os acontecimentos da noite a um dos auxiliares do xerife, não sentia mais vontade de falar sobre Stricklin.

Sally Brogan deteve-se na mesa deles:

- Quer mais? - O bule estava na mão dela.

- Eu não - fez Ty com um movimento negativo de cabeça.

- Fiquei contente de saber que Culley saiu bem da cirurgia - afirmou Sally, enchendo a xícara do advogado até a borda.

- Os médicos estão confiantes em que ele vá estar novo em folha, logo. A bala raspou algum tecido do pulmão, mas felizmente não atingiu órgãos vitais. com exceção da perda de muito sangue, ele não foi ferido gravemente. - Engoliu o resto do café e pousou a xícara na mesa. Sorvendo o ar, deu uma olhada para o advogado. - Se já falamos tudo o que queria saber, acho que vou indo.

- O resto pode esperar - tranquilizou-o Silverton. - Você deve estar querendo ir para casa.

- Agora não. Ainda tenho que parar num lugar - admitiu Ty, empurrando a cadeira para levantar.

- Se está procurando por Tara - inseriu Sally -, ela está morando em uma das casas da companhia, a de postigos pretos.

- Obrigado. - Deixou a gorjeta na mesa junto com as moedas para o café e saiu.

Era uma construção de um andar e quadrada e a poeira interminável já sujava a pintura branca recente. As passadas longas e lentas tinham um quê de fadiga quando ele saiu da caminhonete estacionada ao lado da rua e caminhou até a porta da frente. Ty estacou, sentindo restos da velha excitação - a ansiedade que sempre o dominara antes de vê-la mais uma vez. Bateu os nós dos dedos levemente na porta.

A porta se abriu de imediato, como se ela estivesse do outro lado esperando por ele. Tara deu um passo atrás, deixando-o entrar. A luz do sol, formava um quadro com a beleza morena da mulher. Ela sempre possuíra o poder de excitá-lo... e ainda o tinha.

- Oi, Tara. - O rosto barbudo endurecia os traços fisionómicos, escurecendo o bigode.

- Ty. - A cadência familiar da voz dela o atingiu. Tara voltou-se com graça deliberada, desviando o olhar dele, embora toda a atenção estivesse concentrada nele. - Ouvi falar sobre a injunção.

- Não vai haver mineração de carvão... não na terra dos Calder, não na nossa geração. Eu disse isso a você.

- É. - Ergueu ligeiramente o queixo. Instalou-se o silêncio, pesado com todas as coisas a serem ditas. - Achei que meu pai estava certo. Achei que ele venceria. - Olhou para o marido. - Este foi meu erro, não é? Sempre estará entre nós. Só penso nisso nas últimas três horas, desde que soube da injunção.

- Eu sei, Tara - disse ele.

- É verdade, não é? - Ela chegou mais perto, perscrutando o rosto dele com atenção. - Você sempre soube que eu era desleal, preferindo ficar ao lado de papai do que ao seu lado.

- É.

A beleza de Tara tornava mais fácil para ele olhá-la. Os olhos escuros inundaram-se de impaciência, os lábios conciliadores.

- Ty. - Ela pronunciou seu nome da velha maneira. - Lembra-se de quando estávamos na faculdade? Naquela época você estava bastante apaixonado por mim. A vida ia ser tão maravilhosa para nós. Você ainda sente o mesmo, não é?

Um sentimento de vaga surpresa percorreu-o quando desviou o olhar. Certa vez ela significara toda a sua vida. Estivera em seu pensamento onde quer que fosse. Lembrou a fome ardente que ela evocara em seus sentidos, o tumulto do desejo e a forma como ela correspondia a seus desejos urgentes. Mas quando tentou reviver aqueles sentimentos e sensações, só conseguia ver a imagem forte de Jessy, a luz da lareira por trás dela.

Tara olhava-o fixamente, enxergando o vazio do olhar dele.

- Como você pode esquecer? - ela suspirou em protesto, a voz dolorosa.

- Não sei - admitiu meigamente. - Tudo o que sempre lhe pedi foi que ficasse a meu lado. Mas você estava sempre dois passos à minha frente, tentando guiar-me para onde queria ir.

- Estava tentando ajudar.

- Sei disso também - assentiu lentamente. - Tudo muda, Tara. E você não pode trazer os velhos tempos de volta, não importa o quanto queira.

- Mas eu amei você - protestou ela contra o definitivo das palavras dele.

- Eu já te amei. Não te culpo pelo que você é. Deve existir um homem por aí que vai servir melhor a você do que eu.

Ela cerrou os olhos por um instante; por fim abriu-os, faiscantes e acusadores.

- É Jessy, não é? Desculpe, mas eu a odeio. - Voltou-se, cruzando os braços. - Talvez porque ela floresça sob esse céu sufocante.

Ty hesitou, não encontrando algo mais a dizer.

- Seja feliz, Tara.

- Ah, sim. - A gargalhada irradiava certa fragilidade. - Tenho certeza de que vou representar o papel da divorciada alegre com perfeição. Suspirou. - Da próxima vez não vou cometer o erro de pensar que papai está sempre certo.

Mas não era só isso; Ty sabia. Há muito tempo eles seguiam estradas separadas. Virou-se e caminhou lentamente para a porta.

- vou ficar com o anel, Ty. - A voz suave seguiu-o, as lágrimas ali contidas. - Parte de minhas lembranças do que poderia ter sido.

O sol era um gigante brilhante irradiando luminosidade no céu azul de verão. O vento tomava velocidade quando ultrapassava as planícies onduladas. Ty saiu da casa sem olhar para trás.

Como um velho cavalo dirigindo-se para casa, o instinto fez todas as curvas e tomou todas as estradas certas; Ty não precisou fazê-lo conscientemente. Quando chegou na choupana escondida entre as árvores ao longo do rio, parou a caminhonete e saiu cansado de dentro.

As moscas faziam tentativas barulhentas de penetrar a rede da porta de tela, mas ele não prestou atenção a elas e entrou na casa. Jessy estava sentada na mesa, as mãos cruzadas, esperando. Ouvira-o chegar. As bochechas possuíam colorido, apesar da reserva decidida em sua postura.

- Acho que você não fez café - disse ele, procurando um começo.

- Tenho certeza de que há bastante café na casa-grande.

- Mas gosto de seu café - disse ele.

- Agora que o negócio com Dyson está quase terminado, já foi ver Tara? - A pergunta era quase ríspida.

- Já.

Jessy retinha demasiados sentimentos para que conseguisse ficar sentada calmamente. Levantou e deu um passo para o centro da sala, voltando-se em seguida para enfrentá-lo. ?- Ela vai voltar?

- Não pedi a ela para voltar, do contrário não estaria aqui. - Não encontrava as palavras certas que pudessem exprimir o poderoso carinho que o inundava. A garganta apertada com tudo a dizer impedia-o de tomá-la nos braços.

- Se está aqui só porque se sente agradecido ou obrigado... - O orgulho tão firmemente estampado em seu rosto o fez sorrir.

- Não, Jessy. Não é isso.

Os olhos que por tanto tempo o haviam observado com um ar de espera agora o analisavam cuidadosamente. A boca carnuda começou a desfazer os traços duros em um sorriso incerto.

- Se tem certeza... - Soltou o suspiro que estava retendo e deu um passo em direção a ele. - Se tem mesmo certeza...

- Tenho certeza, Jessy. - Não havia dúvida em sua voz. Uma emoção mais profunda que o tempo produzia um brilho nos olhos escuros de Ty. Os braços se abriram quando ela veio para ele. Ele inclinou a cabeça para beijá-la. A sensação do quarto rodopiando foi tão forte que Ty a apertou mais nos braços para que não fossem carregados no turbilhão.

 

A terra tinha uma aparência delgada, ainda com as cores do inverno em tons desmaiados e marrons, ao invés do verde vivo do verão. No horizonte infinito, nuvens pesadas de tempestade formavam rolos cinzentos, prometendo a chuva após longos meses de seca.

Há mais de um ano Chase Calder não punha os olhos na terra natal; e seu olhar ansioso não se desgrudara do solo pelos últimos quarenta quilómetros. Toda a saudade de casa que não se permitira sentir durante os compridos meses no hospital agora inundavam-lhe o peito. Percebeu todas as pequenas diferenças, as mudanças sutis.

- Parece que aquelas nuvens de chuva vêm para cá - observou asperamente para o motorista.

Ty deixou o olhar correr da estrada para a proximidade preocupante da massa escura.

- Espero que sim. Só Deus sabe como precisamos disso - flexionou as mãos no volante. - Todos os trabalhos foram reduzidos o quanto puderam.

- Qualquer coisa grande é sempre ineficiente; é a natureza do gado

- replicou, com um traço de verdade. - É sempre uma luta tentar modernizar e implementar os trabalhos. Tem tanto papel que às vezes a parte da fazenda perde expressividade na pressão para se obter o lucro. Às vezes você tem que sofrer algumas perdas para vencer a batalha.

- É. - Ty sabia muito bem disso.

- Você teve um batismo de fogo. - Chase estudava o filho calmamente, consciente de tudo por que ele passara.

- Tropecei algumas vezes - admitiu Ty.

- Mas ficou com o que sabia. Ser um Calder significa ser um homem do gado e ter uma responsabilidade com a terra e os homens.

- Ainda vai demorar alguns meses até o tribunal decidir a questão daquela terra - declarou Ty, soltando um suspiro profundo.- E mesmo aí não vai ser definitivo. Dependendo da decisão da corte, se Dyson não apelar, nós o faremos.

- Não estou preocupado. - Um sorriso quebrou os traços duros e marcados. Por um instante, Ty olhou para ele e em seguida sorriu também.

- Nem eu... não se temos nós dois para detê-lo.

Os prédios da sede da fazenda estavam à vista e Ty desacelerou o carro. Veículos entupiam o quintal da casa, e uma multidão de vaqueiros com suas esposas adiantaram-se para receber o carro.

- O que é isso? - Só por um momento, Chase Calder ficou um tanto atordoado com o fluxo de pessoas.

A expressão de Ty suavizou-se, enquanto ficou sentado sozinho atrás do volante do carro parado.

- Acho que querem dar-lhe as boas-vindas à casa.

Após um instante de hesitação, Chase colocou a mão na maçaneta da porta. Uma leve alegria cresceu ao sair do carro sem auxílio. Uma muleta atravessava-se sob seu braço, mas ele não a usou ao se mover para diante. Quando uma garota de cabelos negros e olhos verdes da cor da terra dos Calder separou-se da multidão e correu para saudá-lo, Chase por um segundo foi transportado para um outro tempo, em que a jovem Maggie correra para seus braços. Apertou a filha contra si, a felicidade irradiando-se dela. Cat permaneceu ao lado dele, um braço envolvendo-o, como se nunca o fosse deixar, mas Chase era muito esperto para acreditar nisso. Já percebera Repp Taylor de pé ao lado, bem como a luz possessiva nos olhos do vaqueiro alto e magro quando olhava para Cat.

Depois de cumprimentar Repp, olhou zombeteiro de um para outro.

- Imagino que os dois fugiram para casar enquanto estive fora.

- Não, senhor. Cat ainda tem que crescer - disse ele carinhosamente, lançando um olhar para ela. - Ainda é muito mimada para dar uma boa esposa.

- Repp. - O tom de voz duro reprovava-o, mas Chase limitou-se a soltar uma risadinha.

Ty saiu mais lentamente do carro, ficando para trás para deixar o pai como centro das atenções. Aquele momento era dele - sua volta ao lar. Ao sair do carro, observou o pai com Jessy, falando com ela rapidamente, e dirigindo-se a outra pessoa. Em seguida, Jessy veio gingando com aquela graça de pernas longas para juntar-se a ele ao lado do carro. Ty sentiu o coração leve por esta mulher orgulhosa e pertencente à terra.

- É maravilhoso, não? - fez ela, olhando para o pai de Ty.

- É. - Ele passou-lhe um braço em torno da cintura, puxando-a para seu lado. Ela parecia pensativa. - Algo errado?

- Não. - Ela balançou a cabeça negativamente, sorrindo levemente.

- Quando falei com ele agora mesmo, sugeriu que eu adquirisse o hábito de chamá-lo de pai Calder.

- Não disse nada a ele, mas acho que adivinhou há muito tempo que eu casaria com você assim que o divórcio estivesse sacramentado. - Ty sorriu. - O que houve entre nós não foi exatamente um segredo.

- Não. - O sorriso dela era suave, o olhar era de felicidade. Houve um breve silêncio, a atenção de todos voltada para o homem alto e grisalho sendo saudado com um beijo na bochecha dado por Sally Brogan. Estou contente de ela ter vindo. - Voltou um olhar sério para Ty, como se alertando-o. - Seu pai é homem. Vai haver uma hora em que vai precisar dela, da companhia e afeição dela, mas isso não vai significar que deixará de amar sua mãe, ou mesmo esquecê-la.

- Eu sei. -? Agora havia muitas coisas que entendia a respeito dos anseios e ilusões humanas. Mas também sabia que eles jamais se igualariam à força sólida de sentimentos mais duradouros.

Enquanto Chase abria caminho em meio à multidão, quase não viu Culley vacilando no extremo do grupo de pessoas. Detendo-se, Chase mudou de direção para encontrar o irmão de Maggie. Durante um longo segundo eles se olharam.

- Você parece bem - finalmente Culley afirmou.

- Você também. - Chase assentiu.

Em seguida a cabeça de Culley pareceu baixar, enquanto olhava para o chão.

- Sei o quanto você a amava. Eu...

- Nós dois a amávamos - cortou Chase, sereno. - Pode não existir mais nada, mas isso sempre compartilharemos.

- É... acho que sim.

Velhos amigos, homens e mulheres com quem ele trabalhara e crescera, apertavam-se para saudar Chase. E os mais jovens, para quem o patriarca dos Calder era mais conhecido pela reputação, vieram juntar suas palavras reservadas de boas-vindas com as dos demais. Havia muitas vozes masculinas ásperas, muitos sorrisos seguidos de olhos lacrimejantes.

O grupo custou a se desfazer, cada um querendo prolongar o momento de reunião o máximo que pudesse. A família Yates estava indo embora. Chase tinha acabado de dizer-lhes até logo e voltara-se para a multidão dispersa quando ouviu a observação do filho adolescente de Tiny Yates.

- O velho do Ty está melhor do que eu pensava, depois de ficar tanto tempo no hospital.

A frase o deteve, os olhos cheios de lágrimas brilhantes ao voltá-los em direção ao céu.

- Maggie. - A voz tremia com a emoção. - Você ouviu o que ele disse? O velho de Ty?

Juntos enfrentarão o futuro Luzes e sombras do caminho

E criarão seus filhos como verdadeiros Calder.

 

                                                                                Janet Dailey  

 

                      

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