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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O AMOR PELA TERRA - P.2 / Janet Dailey
O AMOR PELA TERRA - P.2 / Janet Dailey

 

 

                                                                                                                                                

  

 

 

 

 

 

O campo de alimentação estava sendo construído no local da pastagem Norte. Silos para grãos haviam sido erigidos; grande parte do equipamento para transporte mecanizado de alimentação fora instalado. Cercas estavam sendo erguidas, dividindo os pastos em lotes. As máquinas escavadoras barulhentas e com diferentes velocidades enchiam a tarde com seus ruídos, forçando os homens a erguer a voz para se fazerem ouvir.

Caminhões de estacas atravancavam o caminho, repletos de postes para cercas, os quais eram rolados para fora do caminhão a intervalos regulares. Outros operários iam atrás do escavador de buracos para as estacas, retificando as estacas em seu local no chão e socando-as firmemente. Aos ruídos de martelos vibrando juntava-se a algazarra, na fixação das vigas de madeira.

 

 

 

 

De pé, ao lado dos veículos estacionados, Chase observava os trabalhos, as mãos enfiadas nos bolsos da jaqueta aberta e a cabeça jogada para trás em satisfação silenciosa. Ty encontrava-se entre todos aqueles operários, supervisionando o projeto por ele elaborado e organizado.

- O que acha? - Maggie estava a seu lado.

- Acho que não existe época específica para um garoto transformarse em homem. Alguns nunca se tornarão um homem. - Chase fez uma pausa. - Sabe, para um pai é difícil saber quando chegou a hora de seu filho. Você se envolve tanto na tentativa de ajeitar tudo para ele, pensando que a responsabilidade é toda sua, pois ele não tem condições de enfrentar o mundo, que você acaba não enxergando quando ele é capaz. - Esboçou um sorriso levemente triste, detendo-se por um instante. - Ty não é mais um garoto, Maggie. E isso não tem nada a ver com a idade ou o tamanho.

- Não - ela concordou, sentindo um aperto por dentro diante das palavras dele, quando pensara que ele ia comentar os progressos de trabalho nesta nova operação. Mas Ty fora o trabalho de Chase.. seu projeto... ensinando-o, treinando-o, tentando incutir-lhe todos os valores que considerava importantes.

Chase colocou o braço em torno dos ombros dela, trazendo-a mais para perto, a voz ficando apertada.

- Sempre pensei que ele tinha de fazer as coisas à minha maneira, mas ele não pode. E vai ser um homem melhor do que eu.

- Chase. - Havia tanto que ela queria dizer, mas não conseguia encontrar as palavras para descrever seus sentimentos. Orgulhava-se dele pelo homem que era, e sentia um amor profundo e duradouro por seu marido orgulhoso.

- Sabe o que as pessoas vão começar a falar quando eu passar na rua?

- Olhou para ela, sorrindo de leve. - Lá vai o velho de Ty Calder.

- Não, você sempre será Chase Calder - ela insistiu, mas uma parte dela sabia que ele estava certo. Esse dia chegaria mas não seria tão cedo.

Quando voltou a olhar para o centro das atividades, Ty aproximava-se deles com aquele seu jeito descuidado, as passadas largas. Deteve-se para indicar uma seção específica para onde deveria ir um carregamento de vigas para a cerca, prosseguindo em seguida. Chase deixou o braço escorregar dos ombros de Maggie, ficando frente a frente com o filho, pela primeira vez de homem para homem.

- Está chegando mais um carregamento - observou Chase.

- É. Finalmente chegou aquele carregamento de estacas.

Maggie ouvia o som da voz deles, sem realmente prestar atenção à discussão. As observações de Chase fizeram com que percebesse pequenos detalhes que lhe haviam passado despercebidos antes. Ty era mais moreno, magro, e o bigode de que ela tanto zombara combinava com o vigor rude de seus traços. Comparando-o a Chase, observou que Ty parecia mais forte, os músculos mais delgados, além de ser bem uns cinco centímetros mais alto que o pai.

Os olhos escuros do filho fitaram-na, o rosto relaxado e à vontade.

- Tara telefonou para avisar a que horas o avião vai chegar? Maggie hesitou.

- Ela telefonou... e disse que vai ficar mais uns dois dias em Dálas para fazer algumas compras... reabastecer o guarda-roupa.

Assentindo, Ty desviou o olhar, ligeiramente carrancudo. Mas quando voltou o rosto, já não havia vestígios de aborrecimento, a reação estava cuidadosamente oculta em um sorriso torcido.

- Provavelmente, hoje eu vá trabalhar até tarde, portanto não me esperem para jantar. Preparo algo para mim quando chegar - fez ele, afastando-se para supervisionar os trabalhos.

- Ela deve estar muito confiante - murmurou Chase, estreitando, pensativo, o olhar. - Se não ela não faria isso.

- Eles parecem felizes. - Juntos, voltaram-se caminhando em direção à caminhonete.

- Ela é uma garota muito voraz - observou Chase, austero, abrindo a porta de passageiros para Maggie. - Parece que não importa o quanto tenha, existe sempre algo mais que ela deseja.

- Ela o ama - disse Maggie.

- Acho que sim, à maneira dela - concordou, ajudando-a a entrar na pick-up e fechando a porta.

Ty permaneceu no local até bem depois de os operários irem embora, cortando madeira e preparando as coisas para o próximo dia de trabalho. Precisava exercitar-se - suar e sentir a força de seus músculos para livrarse do mau humor.

Finalmente ficou demasiado escuro para que enxergasse e ele parou, apoiando-se em uma seção já concluída da cerca e acendendo um cigarro. Sentiu um movimento furtivo nas sombras púrpuras à sua esquerda. Ty virou rapidamente a cabeça, os nervos tensos, relaxando levemente ao reconhecer a magreza de Culley O'Rourke.

- Trabalhando até tarde - observou Culley, os olhos arregalados e vigilantes, os cabelos prematuramente grisalhos tornando-se quase brancos à luz do crepúsculo.

- Estava terminando - fez Ty, tragando o cigarro, a brasa rubra tornando-se mais brilhante.

- Sua mulher se foi novamente. - A afirmativa carregava um conhecimento que, de alguma maneira, sugeria que Ty não era homem suficiente para mantê-la em casa.

- Ela está visitando amigos no Texas. - A explicação era suficiente para justificar a ausência de Tara da fazenda, embora Ty não a engolisse facilmente. Ela era sua esposa; devia ficar ao lado dele. Mesmo reconhecendo a necessidade que ela sentia daquele outro tipo de vida, não era fácil aceitar.

- Aposto que você vai novamente dar uma parada na choupana de Jessy quando estiver indo para casa - declarou Culley.

Ty ergueu a cabeça, tentando avaliar o que se escondia atrás daquele comentário. Desde que começara a construção dos lotes para alimentação, ele parara na choupana de Jessy umas duas vezes, para tomar café e encontrar companhia. Todas as vezes Tara estava fora, mas isto não passava de uma coincidência.

- Talvez. - Jogou o cigarro no chão, esmagando-o com o salto, olhando em torno. - Veio a cavalo? - Não estava vendo cavalo algum.

- Vim. - Mas O'Rourke não revelou onde deixara a montaria.

- Você anda bastante a cavalo, Culley. Por quê? - Ty voltou o rosto, curioso sobre o que se passava na cabeça daquele homem.

Vários psiquiatras já haviam tentado investigar o funcionamento do inconsciente dele. Culley já não gostava mais de explicar por que agia de determinada maneira, nem tampouco revelar seus pensamentos. Agora tinha sua privacidade, e a resguardava ciumento.

- Porque gosto. - Deu de ombros, encaminhando-se para as sombras profundas. - Está ficando tarde. É melhor me pôr a caminho enquanto o cavalo ainda consegue enxergar a trilha.

- Cuide-se, Culley. - O homem já se transformara em uma sombra escura, movendo-se silenciosamente em meio à noite. Ty aguardou, ouvindo, até que escutou o ruído surdo de cascos, quase completamente abafado pela distância. Voltando-se, encaminhou-se em direção à caminhonete solitária, subindo para trás do volante.

A estrada nova levou-o até a choupana de Jessy, onde luzes acolhedoras brilhavam nas janelas. Ty quase passou direto, mas no último segundo virou o volante e entrou. Os faróis revelaram outro veículo já estacionado. Só que naquela altura já era tarde demais para mudar de ideia quanto a parar sem que parecesse estranho.

Antes de entrar na choupana, deu uma olhada pela janelinha de vidro na porta. O cowboy jovem sentado com Jessy à mesa era um novo vaqueiro. A Triplo C não contratava muitos trabalhadores de fora, exceto durante os períodos mais atribulados; assim Ty conseguiu reconhecer rapidamente o ruivo, o suposto Romeu, com o chapéu jogado por sobre a nuca, debruçado sobre a mesa, estudando Jessy com avidez. Fora contratado há dois meses e chamava-se Dick Ballard.

- Ballard. - Ty cumprimentou o homem com um aceno de cabeça, e o homem parecia tudo: menos contente de vê-lo entrando. Ty soergueu os cantos da boca, mas o esgar não passou de um movimento enquanto ele desviava a atenção para Jessy, com um olhar demorado e analítico. - Pensei em vir ver se você tinha um pouco daquele café pronto. Podia tomar uma xícara antes de fazer esse longo caminho para casa.

- Sirva-se. - Ela acenou em direção à cozinha.

Ty encheu uma xícara, voltando para a sala e sentando-se à mesa. Acendeu um cigarro e fumou-o como se fosse, junto com o café, seus únicos interesses enquanto escutava a conversa do par. Ballard falava a maior parte do tempo, e quase sempre sobre si mesmo. Ty impacientou-se com Jessy, imaginando como ela não enxergava aquelas fanfarronices. Quanto mais ele ouvia, menos gostava do homem.

A irritação que inicialmente tentara eliminar através do esforço físico, e em seguida aliviar relaxando com uma xícara de café, acabara se transformando em uma fonte de exasperação que incitara Ty a frustrar todas as tentativas possíveis de Ballard pelo resto da noite. Terminava um cigarro e acendia outro, acumulando tocos no cinzeiro, sem demonstrar sinais de que estivesse com pressa de ir embora. A ida à cozinha para encher a terceira xícara de café finalmente serviu como um recado velado para o cowboy.

- Acho melhor eu pegar a estrada, Jessy. Tenho que sair da cama de madrugada - declarou Ballard, tentando impressioná-la com o longo número de horas duras de trabalho. Os pés da cadeira arrastaram-se no chão quando ele se levantou. - Até logo, sr. Calder.

- Boa noite. - Ty voltou a sentar-se enquanto Jessy levantava-se para acompanhar Ballard até a porta.

Inquieto e irritado, Ty levantou-se de novo. Conseguia ouvir o burburinho abafado de vozes do lado de fora, mas não percebia o que eles estavam dizendo. O café tornara-se muito forte e amargo. Jogou metade fora e derramou o restante na xícara. Sentia-se com o mesmo humor negro e amargo do café.

Jessy entrou quando a caminhonete foi colocada em movimento. Ty olhou-a de relance e deu outro gole no café. Não conseguia ler a expressão do rosto dela, o que o deixava ainda mais irritado. A luminosidade brincava com os cabelos da garota, fazendo-o perceber os raios dourados entremeados.

- Não queria afugentar seu acompanhante - mentiu.

- Tudo bem. - Ela caminhou calmamente em direção à mesa, pegando as duas xícaras vazias. - De qualquer maneira eu teria pedido para ele ir embora logo.

Ty hesitou e por fim seguiu-a até a cozinha com sua xícara.

- Esta cabana fica muito distante das outras. Seria muito difícil alguém na sucursal ouvir você se precisasse de ajuda. Talvez fosse melhor você trocar com alguém.

- Gosto de ser responsável por mim. - Enxaguou as xícaras e colocou-as na pia. - Sou uma garota crescida. Posso tomar conta de mim mesma.

A declaração confiante o irritou.

- Você está sempre tão desgraçadamente certa de poder enfrentar tudo - fez ele, áspero, esvaziando sua xícara na pia e colocando-a junto às outras. - O que faria se eu não estivesse aqui e Ballard se recusasse a ir embora quando você pedisse?

- Eu teria me livrado dele de um jeito ou de outro. - Ela deu de ombros, indiferente, diante da questão hipotética de Ty.

- Teria mesmo? - Apertou os lábios em reação àquela demonstração serena de autoconfiança.

- Teria.

Ty agarrou-a pelos braços, pegando-a de surpresa e apertando-a brutalmente contra ele.

- Como? - Atirou o desafio por entre os dentes. - Mostre-me como.

A atitude súbita a surpreendera. Antes que pudesse reagir, estava sendo amassada contra ele, os braços aprisionados entre os dele. Dedos enroscavam-se em seus cabelos, tomando-os pela raiz. Em poucos segundos, Ty a imobilizara literalmente, deixando-a à sua mercê. Os impulsos imperiosos que o moviam não tiveram alívio, entretanto.

Esfregou a boca nos lábios de Jessy com força dolorosa, abrindo-os. Estava dando vazão à raiva represada sobre ela, usando-a selvagemente e usufruindo a resistência que ela estava oferecendo. Em uma prova de força, ele era inquestionavelmente o vencedor. Não importa o quanto ela se debatesse, não conseguiria evitar a pressão dos quadris dele. Sentia-a enfraquecer, o corpo relaxando relutante contra o dele. Ty suavizou a pressão, descobrindo a maciez aconchegante dos lábios da garota.

Fora até a choupana em busca discreta de alívio. Mas naquele longo corpo de mulher e naqueles lábios frescos havia outra coisa. Ty ansiava por eles. Já houvera demasiado número de ocasiões em que a frustração acarretada por Tara o jogara nos braços de outras mulheres. Não havia diferença entre aquelas mulheres e Jessy, no pensamento de Ty. Seu interesse assumia uma qualidade apaixonada.

Durante o curto período de calma, sem resistência, Jessy reunira forças e arrancara-se violentamente dos braços dele. A respiração acelerada, dera um passo para trás, olhando-o desconfiada. Ele se aproximou.

- É ela, não é? - A voz de Jessy soava rouca e exasperada, áspera sob a dor dilacerante das emoções que a tomavam. - Está zangado com ela porque não está aqui! E está descarregando em cima de mim.

As palavras atingiram-no em pleno rosto como uma chicotada. Elas operaram o efeito de detê-lo - assombrá-lo. Jessy foi-se afastando até o bar, estendendo as mãos para trás e apoiando-se na beirada. Tinha as bochechas rubras e o olhar de uma gata ferida e encurralada.

- Sou Jessy Niles... e não sua esposa. - Ela tremia. - Nunca mais cometa o erro de usar-me no lugar dela... ou juro que o mato.

Os sentimentos dele esconderam-se por trás dos traços sem expressão.

- Sei quem você é, Jessy.

Ela voltou a cabeça, abaixando-a pela primeira vez.

- Acho melhor você ir embora, Ty.

Houve uma ligeira hesitação antes que ele fizesse o que ela pedira e saísse da cozinha, dirigindo-se diretamente para a porta. Ao ouvir o motor sendo ligado, relaxou aliviada, não por medo dele, mas de si mesma.

Era um daqueles raros dias quentes de fim de verão que tentavam negar um amargo frio à espreita bem depois da esquina. Ty dirigiu-se para o quintal da fazenda, o pai a seu lado caminhando em passadas largas. Proveniente das cocheiras, a voz de Tara pediu-lhe para esperar. Voltando-se, viu Tara e sua irmã correndo para alcançá-los.

- Você é exatamente o homem que eu queria ver - ela declarou, dando-lhe o braço e caminhando lado a lado com o marido.

- Fico contente de ouvir isso. - Ele sorriu, rumando para a casa com colunas situada na colina. O pai e Cathleen estavam a um metro adiante deles.

- Vamos jantar fora hoje à noite - fez ela.

- E onde você sugeriria? - zombou Ty. - Em suas longas viagens atualmente, descobriu outro restaurante na área sem ser o Sally's?

- Vamos ao Sally's. Não se incomode. - Deu de ombros alegremente, mostrando-se fácil de agradar para variar um pouco. - Hoje é sábado e não quero ficar em casa à noite.

- Vai ao Sally's hoje à noite? - Cat virou-se, ouvindo a conversa.

- Por favor, posso ir com vocês? - pediu, os olhos verdes ansiosos.

- Cat, você não deveria se convidar - o pai repreendeu-a suavemente.

- Mas eu quero ir - ela protestou.

- Ah, está parecendo que alguém que você quer ver vai estar lá adivinhou Tara com um sorriso malicioso. - Será que é aquele garoto, o Taylor?

- Tara! - Cat avisou-a em voz baixa, lançando-lhe um olhar de preocupação, enquanto observava o pai de relance, tentando descobrir se ele havia escutado.

- Taylor? - Ty franziu o cenho. - Você quer dizer Repp Taylor?

- O próprio - assentiu Tara. - Cathleen tem uma quedinha por ele.

- Epa, ele tem vinte anos. - Chase Calder fechou o semblante para a filha de quinze.

- Não dê atenção a Tara. - Cathleen enviou-lhe um olhar faiscante, ordenando que ficasse quieta, e olhou fixamente para frente com um pequeno movimento zangado com a cabeça. - Ela não sabe do que está falando. Repp Taylor é muito velho para mim.

- Espero que sim - retorquiu o pai.

- Posso ir com eles hoje à noite? - ela retornou à pergunta inicial, desta vez pedindo permissão ao pai em primeiro lugar. - As outras garotas da minha idade podem sair, mas eu nunca vou a lugar nenhum.

- Não tem problema, Papai Calder - Tara manifestou-se. - Cat pode ir conosco, não é, Ty?

- Eu não me lembro de ter dito que nós íamos - ele replicou.

- Disse sim... simplesmente porque não falou que nós não íamos ela declarou, distraída.

- Jamais discuta com essa lógica, Ty - avisou o pai. - Você nunca vai vencer.

Tara soltou uma risada. Nessas horas Ty acreditava que tudo ia dar certo entre eles, a despeito das frequentes separações, quando Tara não conseguia mais suportar o isolamento da fazenda, retornando para alguns dias ao que ela denominava jocosamente civilização.

Quando ficaram sozinhos no quarto, Ty interpelou-a.

- Que história é essa de Repp Taylor? - Colocou uma camisa branca limpa e abotoou-a. O jovem vaqueiro prometia dar um bom trabalhador, estável e confiável.

- É simples. Cat gosta dele. - Voltou as costas para o marido. Suba o fecho ecler. - Ty mordiscou um ombro alvo antes de fazer o que ela pedira, sentindo um leve tremor atravessá-la. - Acho que podíamos nos divertir fazendo a nossa parte para promover o amor adolescente.

- Já que você parece saber tanto, como Repp se sente em relação a ela?

- Deliciosamente culpado porque ela é tão jovem e é uma Calder.

A primeira pessoa que Ty avistou ao entrar no restaurante e bar Sally's foi Jessy, sentada à mesa com Dick Ballard. Ela ergueu o rosto e seus olhos se encontraram por um instante, respondendo então a alguma observação de Ballard. Ty estava a um ou dois passos atrás de Tara e Cathleen, as quais caminhavam para uma mesa vaga. Mal haviam se sentado e Cat deu um salto.

- Vocês têm algumas moedas para eu colocar na caixa de música?

- Estendeu a mão em expectativa.

Ty enfiou a mão no bolso e pegou algumas moedas. Ela desapareceu como um relâmpago. Tara lançou um olhar astucioso para o marido e murmurou:

- Adivinha quem está na mesa de sinuca?

Repp estava em pé, alto e magro, cabelos e olhos negros. Cumprimentou Cat com um sorriso, em seguida caminhou com o taco em direção a ela, observando as músicas que estava escolhendo.

Mas Ty não compartilhava o mesmo interesse de Tara nestes movimentos de aproximação, embora ela estivesse lhe dando uma descrição minuciosa da paquera inocentemente levada a efeito durante a noite. O pensamento de Ty encontrava-se em outras coisas, sobretudo na imagem de Jessy com aquele olhar de intensa espera mergulhado nele. Não a via desde que parara na choupana. Ainda não estava bem certo quanto às razões que o haviam impelido a beijá-la, se fora raiva a Tara ou algo mais. Sob muitos aspectos, Jessy era uma criatura sensível, apesar da aparência de dureza. Agora desejava desculpar-se por seu comportamento naquela noite.

- Você está muito quieto hoje - acusou Tara, enquanto ondulavam ao sabor da música, os pés mal se movimentavam na pista de dança lotada.

- O quê? - Ty baixou os olhos para ela sem compreender, percebendo logo em seguida o que ela dissera. - Desculpe, acho que meu pensamento está distante.

- Não é muito lisonjeiro dançar com sua mulher e parecer a mil quilómetros de distância - repreendeu-o sem muita preocupação. - Viu quem está aí?

- Você quer dizer Jessy? - com tantos recém-chegados na cidade, havia poucos fregueses que ele reconhecesse.

- Jessy Niles? Ela está aí? - Tara empertigou-se, vasculhando rapidamente a pista de dança até localizar a garota, dançando com um vaqueiro ruivo. - Eles formam um belo casal, não é? - Não esperou resposta. - Não estava me referindo a ela. Estava falando de seu tio. Ele está de pé na porta dos fundos.

Uma ruga ergueu a sobrancelha de Ty, ao ver Culley O'Rourke apoiado à parede junto à porta dos fundos, entre os espectadores assistindo ao jogo de sinuca. O rosto dele mantinha-se meio oculto nas sombras formadas pela luz concentrada sobre a mesa de sinuca, contudo o emaranhado de cabelos grisalhos estava iluminado.

- Realmente não esperava vê-lo esta noite - observou Tara, dando de ombros, indiferente. - Mas acho que os lobos às vezes têm de sair das montanhas.

A música terminou. Foram momentaneamente aprisionados em meio ao congestionamento de casais tentando sair da pequena pista de dança. Uma outra música, rápida, começou enquanto Ty guiava Tara através de uma brecha.

Ele ouviu uma voz masculina dizendo:

- Venha, meu bem. Vamos dançar esta. Foi sua irmã quem disse um sonoro "Não".

O tom veemente e obstinado da voz dela serviu como um aviso, e Ty voltou-se. Temperamental, sua irmãzinha não tinha escrúpulos em provocar uma cena. Um louro robusto tomara-a pela mão e estava tentando persuadi-la a ir para a pista de danças com ele. O garoto queria parecer masculino e vigoroso.

- Não quero dançar com você! - Cat explicou, reagindo com todo o ímpeto. Mas o rapaz limitou-se a rir. Ty previu problemas, mas encontrava-se demasiado longe. - Repp! - A voz de Cat estava estridente com a impaciência, chamando seu cavaleiro com a armadura resplandecente para resgatá-la.

- O que é, Ty? - Tara apoiava-se em seu braço enquanto ele tentava puxá-la em meio à multidão em direção à irmã.

- Fique aqui. - Retirou a mão de sobre seu braço.

Neste momento, Repp Taylor já se encontrava no local da cena. A multidão recuou, dando espaço ao par e aumentando a pressão das pessoas que Ty precisava atravessar. Não ouviu o que foi dito, mas um punho surgiu no ar e Cat gritou.

Passando à força pelo amontoado de gente, Ty foi separar a luta. O nariz de Repp já estava sangrando e ele tentava colocar todo seu peso sobre o louro fortão, jogando-o ao chão. Quando Ty tentou separá-los, um espectador pulou no meio do combate, pensando estar atacando o garoto da cidade.

Tara dirigira-se até Cathleen, colocando o braço em torno da garota. Assistiu tensa, em silêncio, um homem arremessando-se da multidão diretamente para cima de Ty. Socos explodiam no ar tão rapidamente que ela não conseguia discernir quem estava batendo em quem.

com um Calder envolvido na luta, mais vaqueiros da Triplo C vieram em seu auxílio. Não havia mais de meia-dúzia no bar, desfavoravelmente excedidos em números pelos moradores da cidade. Mas todos eles pareciam loucos pela excitação de uma briga.

Enquanto corpos se batiam e punhos fechados atingiam carne e ossos, Tara apertou Cathleen, encolhendo-se contra a parede junto à máquina de música. Ty encontrava-se no centro da altercação, o sangue jorrando de um corte próximo ao olho, os dentes à mostra sob o bigode preto e um olhar assassino nos olhos escuros.

Tudo que ela conseguia ouvir eram grunhidos ofegantes, o ranger de dentes, e o rasgão e colisões de carne. Era a barbárie, a violência brutal que a deixava doente, rio entanto não conseguia desviar o olhar.

- Alguém os pare! - ela gritou, mas ninguém ouviu-a sobre a confusão da batalha e o clamor da máquina de música.

Os pulmões de Ty ansiavam por ar e podia sentir o coração martelando. Não participava de uma pancadaria como essa desde os tempos de faculdade. A cabeça estava zonza e sentia um zumbido nos ouvidos. Defendeu-se de um soco de algum adversário sem nome; um segundo atingiu-o no ombro. Estava difícil enxergar só com um olho, mas ele prosseguiu, enfiando os nós dos dedos no rosto do homem, vendo-o rolar para fora do seu campo de visão.

Repelindo este ataque, cambaleou levemente, tentando enxergar de onde viria o próximo. Balançou a cabeça, piscando em um esforço para limpar o olho enevoado. Ouviu o ruído de uma garrafa de cerveja sendo quebrada. Virou-se. O pedaço afiado da garrafa estava na mão do homem que acabara de derrubar.

Ty recuou, preparando o bote e estendendo os braços. A briga tomara um rumo perigoso, não mais uma altercação sem grandes consequências. Alguns dos participantes que brigavam só por diversão recuaram para as laterais. A boca de Ty estava seca, ao que ele a umedeceu, enquanto lentamente começava a se formar um círculo.

- Ty! - alguém gritou seu nome acima do som alto da caixa de música. - Pegue!

Desviando os olhos do rosto suado do homem por um instante, Ty percebeu o contorno marrom de uma garrafa de cerveja sendo lançada em direção a ele. Agarrou-a com uma mão e entreviu Jessy no círculo dos que assistiam.

Um leve movimento alcançou-o; ele pulou para trás, a arma pontiaguda cortando o ar onde ele estava. A máquina de música era o local mais próximo dele. Ty quebrou a garrafa na quina de metal com um golpe ruidoso, voltando-se para enfrentar o adversário, igualmente armado. Ouviu

o grito de uma mulher, distante de seu interesse enquanto respirava aos arrancos, lutando contra o cansaço em seus braços.

- Parem! Saiam do caminho! - Uma voz dura e autoritária gritou as ordens. - Parem agora!

Homens uniformizados interpuseram-se prontamente, dividindo a multidão e agarrando Ty e seu adversário por trás. Ty empertigou-se lentamente, baixando as mãos. Os dedos feridos afrouxaram a pressão em torno da garrafa, deixando-a cair ao chão. Não conseguia enxergar nenhum dos oficiais através da visão enevoada.

Ao longe, um deles murmurou seu nome.

- É Calder.

Levemente cambaleando, ele se virou à procura de alguém em quem se apoiar antes que suas pernas cedessem. Ainda sentia o zumbido nos ouvidos. Seu corpo fora tomado por um entorpecimento geral, que evitou temporariamente qualquer dor. Um corpo delgado segurou-o. Ele ensaiou um afastamento.

- Ty, meu Deus, Ty, você está ferido. - Era a voz soluçante de Tara que finalmente penetrava na névoa. - Olhe para seu rosto.

Impaciente, ele afastou a mãozinha que tocava sua bochecha.

- Estou bem. - A voz saiu estridente.

- Você não está bem. Olhe para você - insistiu ela.

Olhou, meio estupidificado, a camisa rasgada, salpicada de sangue, mas Ty não sabia se o sangue era seu ou de outra pessoa. Ainda sentia uma necessidade imperiosa de alguma espécie de apoio físico. De súbito, uma voz tomou conta de seu problema.

- Vamos. Vamos tirá-lo daqui. - Um braço forte segurou-o pela cintura e uma cabeça caramelo enfiou-se sob suas axilas.

- Jessy? - Ele piscou, tentando enxergar através da névoa obscura que continuava a cobrir seu olho esquerdo.

- Sou eu - fez ela.

Ty soltou uma risada cansada e seca.

- Você sempre aparece quando preciso de você - ele murmurou, inconsciente do que admitira.

Por um instante, Tara estava demasiado assustada diante do rosto ferido e ensanguentado para reagir quando Jessy apareceu e começou a carregar Ty para fora. Recobrando-se, ela os seguiu rapidamente, irritada com a forma como sua posição fora usurpada.

Com a interrupção da luta, instalou-se ligeira confusão no local, os oficiais tentando separar os participantes dos observadores que não tinham nada com isso. Um dos policiais tentou impedi-los de sair, mas Jessy informou com firmeza que Ty estaria no segundo andar, nos aposentos particulares da proprietária se fosse necessária sua presença. Ela tinha um jeito que fazia os homens recuar. Não fosse uma dor que começara em seus músculos, latejando dolorosamente, Ty teria zombado da facilidade com que ela se livrara dos homens.

Viu Sally Brogan de relance, guiando-o pelas escadas privadas nos fundos, mas sua atenção concentrava-se em fazer as pernas trabalharem.

Uma luz foi acesa e ele foi levado até uma cadeira. Sentou-se pesadamente. Depois que os primeiros socos o atingiram, deixara de senti-los. Agora seu corpo começava a reagir à punição que sofrera. Inclinou-se contra a cadeira, deixando a cabeça pender para trás, fechando os olhos enquanto palpitações o atravessavam. Os braços apoiavam-se soltos sobre as pernas. Sentiu uma umidade no rosto, levando a mão cansada para enxugar o que escorria sobre seus olhos. Observou o sangue coagulado em seus dedos com reconhecimento exausto. Alguma coisa foi colocada na mesa a seu lado. Fechou novamente os olhos, desejando somente descansar.

- Tenho que descer - Sally estava dizendo. - Se precisarem de mais alguma coisa, podem pegar.

A porta foi fechada. Em seguida, um pano molhado estava sendo esfregado em seu rosto, sem muito resultado. Ele tentou tirar o rosto daquele contato.

- Ty, desculpe. - Tara pairava ao lado dele. - Sei que deve doer muito. Você não devia ter-se envolvido nessa briga. Como é que se rebaixou a lutar desse jeito?

O tom de impaciência na voz dela afugentou parte da névoa.

- Não se fica para trás assistindo alguém brigando por você. - E tudo começara por causa de sua irmã. Tentou arrancar o pano das mãos dela e fazer ele mesmo o trabalho, mas não pareceu ter força suficiente nas mãos ou braços.

- Se você não sabe fazer... - a voz de Jessy soou a seu lado -, saia do caminho e deixe-me limpar.

- Ele é meu marido.

- E do jeito que está indo, vai sangrar até morrer. - Colocou-se à força no lugar e tomou conta do pano molhado, pressionando-o com força sobre o corte na testa de Ty. Ele sentiu uma dor apunhando-lhe a cabeça. Encolheu-se, sugando o ar por entre os dentes e suando. Jessy pegou a mão de Ty e fê-lo segurar o pano contra o corte, mantendo a pressão.

Ele abriu um olho e olhou para Tara, agora de pé ao lado, assistindo ao curativo com uma expressão dolorosa.

- Onde está Cathleen? - indagou Ty.

- Não sei. - Tara balançou a cabeça vagamente. - Lá embaixo, suponho.

- Encontre-a e traga-a para cá. - Viu Tara hesitar, e então relutantemente, virar-se para fazer o que ele pedira. - Essa criadora de casos murmurou Ty quando Tara saiu. - Devia bater em Cat de cinto. - Jessy pegou outro pano e pôs-se a limpar o excesso de sangue do rosto, enxaguando e limpando novamente. Por fim, levantou a mão dele e analisou o corte.

- Talvez seja bom sua esposa não estar aqui - fez ela calmamente, os lábios apertados. - Este corte precisa de alguns pontos.

Fê-lo aplicar mais uma vez pressão sobre a ferida, voltando para a mesa, onde abriu uma caixa de primeiros socorros, Ty deu uma olhada nela, sua mente desanuviada.

- Você me atirou aquela garrafa, não foi? - ele perguntou.

- Foi. - Ela estava segurando uma agulha de sutura quando voltou-se para ele. - Fique quieto. Vai doer.

Era um eufemismo. Ty explodiu em um suor frio e nauseante. Não emitiu um som, exceto os suspiros altos que forçavam seu caminho através dos músculos. Jessy trabalhava suave e eficientemente, bloqueando mentalmente suas emoções. Era um corte curto e sangrento, por isso ela terminou antes que a dor se tornasse insuportável para ele. Observou a rigidez tensa extenuá-lo enquanto aplicava uma atadura no ferimento costurado. Então pegou o pacote de cigarros do bolso da camisa dele e acendeu um, colocando-o entre os lábios de Ty.

- Obrigado. - Olhou-a agradecido, dando uma tragada profunda, retirando o cigarro da boca e soprando a fumaça em pleno ar.

- Você tem mais uns dois arranhões no rosto - fez ela, retirando um frasco da caixa de primeiros socorros. - vou colocar um pouco de antisséptico neles.

A fumaça do cigarro fez com que os lábios feridos ardessem, mas ele a exalou mesmo assim. Ty observava o rosto de Jessy enquanto inclinava-se sobre ele, concentrando-se em sua tarefa. O rosto, os olhos, o nariz, a boca, todos os traços da garota mantinham-se inexpressivos, embora captasse o muito que se passava por baixo do que ela lhe mostrava. O toque da mão dela era suave e agradável. Havia um quê de estabilidade na presença dela ali.

- Em que está pensando, Jessy? - Ty quis saber, os olhos estreitando-se de curiosidade. - Nunca sei o que está se passando dentro de você. - Ela tinha uma maneira masculina de esconder suas emoções.

Os olhos deles se encontraram por um segundo insuficiente; em seguida, ela voltou a atenção para o arranhão enorme na bochecha de Ty.

- Estava pensando que fumaria um cigarro agora - ela mentiu parcialmente.

Ty recordou outras coisas, as desculpas que lhe devia.

- Jessy, estava pensando em ir à sua casa... de chapéu na mão..: e lhe dizer que...

Jessy o interrompeu, terminando o trabalho e voltando-se rapidamente para a mesa.

- Você não tem de me dizer nada, Ty. Nada de desculpas. Nada. Falava com a indelicadeza de um homem. - Todo mundo na fazenda sabe que as coisas não estão bem como deveriam estar entre você e sua mulher, com ela viajando tanto. Não é uma coisa que você possa esconder deles. Mas ela está no seu sangue. - Da mesma forma que Ty estava no dela. Quando ela não estiver aqui e você se sentir sozinho e quiser companhia, tudo bem. Se quiser ir lá em casa para tomar uma xícara de café e conversar um pouco... estáótimo. Não vou bater a porta na sua cara se for a mim que você quiser ver. - Fechou a caixa com um baque.

Tudo serenou dentro dele, todas as distorções e complicações se arranjaram. Ty tomou a mão de Jessy e aproximou-a lentamente de sua cadeira, estudando a expressão naqueles olhos castanhos que pareciam sugá-lo.

- Eu irei pelo café... e por sua companhia - ele afirmou.

Jessy sorriu um sorriso curvo, os dedos apertando rapidamente as mãos deTy.

- Um de nós é idiota, Ty Calder - ela declarou, triste. - Mas eu estarei à espera.

A porta se abriu. Ty olhou para o intruso. Tara devolveu o olhar, os traços endurecendo-se. Sentiu Jessy retirar a mão dele, sentindo-se estranhamente culpado, mesmo sem ter feito nada de errado. Aquilo o irritou.

Um homem de olhar duro seguiu Tara até o quarto. A barriga parecia projetar-lhe sob o peito, dando a ele uma aparência arrogante e vaidosa de importância. A barba cerrada conferia-lhe uma sombra insidiosa sobre as bochechas e a mandíbula.

- Nós ainda não nos conhecemos, Calder. - A voz áspera do homem por si só já continha uma ameaça. - Sou o xerife Blackmore, eleito recentemente pelos cidadãos respeitáveis deste município.

Ty estava consciente de que o substituto trabalhado, Potter, perdera as eleições, mesmo contando com o apoio da fazenda Triplo C. O novo grupo de moradores na comunidade de exploração de carvão vencera por votos a escolha deles, trazendo este homem de suas fileiras para o ofício.

- Desculpe nos conhecermos em tais circunstâncias, xerife. - A expressão de lamento era uma tentativa de ser polido. A atitude do homem não chegara a entusiasmar Ty.

- Talvez seja melhor assim - replicou o novo xerife, abruptamente.

- Você e seu pessoal têm dominado as coisas à sua maneira até agora. Eu sou a lei aqui... e vocês não vão mandar em ninguém. Vocês causam problemas e vão arranjar problemas. Ora, a briga de hoje à noite foi iniciada por um de seus homens.

- Sally sabe que vou pagar por todos os prejuízos que tenham sido feitos. E cuidaremos das multas também. - Ty não tentou negar o fato de que a provocação partira do lado de sua família, mas não pretendia trazer o nome de Cathleen à tona, se pudesse evitá-lo.

- Não sei se o dinheiro vai resolver seu problema, Calder - declarou o xerife, sugerindo penalidade maior.

- Desculpe, xerife - Jessy interrompeu a conversa. - O senhor já foi apresentado à esposa do sr. Calder?

- Nós nos conhecemos lá embaixo - redarguiu impaciente.

- Pensei que talvez o senhor não tivesse sido apresentado à filha do sr. Dyson. - Um sorriso frio assomou seus lábios carnudos.

O olhar do xerife correu para Tara, um olhar surpreso de reconhecimento surgindo no rosto dele antes que assumisse novamente a gravidade formal anterior.

- Meus respeitos a seu pai, senhora. - Tocou o chapéu cumprimentando-a, lançando um olhar frio para Ty. - O senhor será avisado das multas.

Quando o xerife desapareceu pela porta, descendo as escadas estrepitosamente, Jessy explicou em poucas palavras a situação a Ty.

- Esta cidade pertence a Dyson. Ele instalou novo sistema de água, comprou o caminhão extintor de incêndio e pavimentou as ruas.

Ty começou a perceber onde ela queria chegar. A luta do pai para regulamentar severamente ou deter a mineração superficial naquela área ameaçava o trabalho daquelas pessoas. Era Dyson quem os pagava e assegurava que tivessem um local decente para morar. O xerife o teria inculpado de todos os prejuízos - se o nome de solteira de sua mulher não fosse Dyson. Ty fitou a esposa. Ela também ficara mais pensativa com a virada dos acontecimentos que demonstrara o verdadeiro peso do nome Calder.

- Onde está Cathleen? - ele perguntou, com uma certa fadiga na voz.

- Está lá embaixo, cumulando Repp Taylor de atenções. - Antes que Ty perguntasse por que não a trouxera para cima como pedira, Tara adiantou-se. - Está tudo bem. Seu tio está com ela.

O'Rourke. Na confusão, esquecera que o tio se encontrava no local.

- com os diabos, disse a você que trouxesse Cathleen aqui para cima - resmungou, com raiva.

- vou pegá-la, Ty. - Jessy encaminhou-se para a porta, trocando um longo olhar com Tara antes de sair da sala.

- Ela assume a responsabilidade de muita coisa - observou Tara em leve crítica.

- Jessy é assim desde os dez anos.

 

A campainha da linha interna do escritório soou na sala luxuosa. Dyson mal afastou o olhar dos papéis, pedindo ao sócio que atendesse. Stricklin tomou o fone, esboçou uma resposta afirmativa e desligou.

- Bulfert está aí fora. Vai entrar - informou.

- Ótimo, - Dyson fechou o relatório que estava lendo, acomodando-se na cadeira giratória feita sob medida. - Prepare os charutos para ele. - Stricklin caminhou até o armário lateral, de onde retirou a caixa de charutos importados, colocando a sobre a mesa de dimensões texanas.

Alguém abriu as portas do escritório executivo da Dy-Corp; uma loura escultural adiantou-se e colocou-se de lado para dar passagem ao político gordo e papudo. O excesso de peso abalara-lhe consideravelmente a cintura, evidência dos modos auto-indulgentes que se permitia ter. Enxugou o rosto corado com um lenço caro de linho. Dyson saiu de trás da escrivaninha para cumprimentá-lo, submetendo-se ao aperto de mão que o sacudiu todo.

- Bem-vindo ao Texas, senador - fez uma pausa, sorrindo em seguida. - Acho que não deveria mais estar chamando-o de senador, diante de sua aposentadoria, mas isto tornou-se um hábito que vou ter dificuldade em deixar. Espero que não se incomode... senador.

- De jeito algum. De jeito algum - replicou Bulfert com a habitual demonstração de jovialidade agressiva.

- Pegue um charuto. - Dyson esboçou um gesto em direção à caixa da marca favorita do senador. - Posso servir-lhe uma bebida? Que tal um bourbon com nossa boa água texana?

- É muito cedo para mim. - Dispensou com um gesto o oferecimento da bebida. - Mas vou aceitar um charuto. - Stricklin estendeu-lhe a caixa. - Obrigado, Stricklin. - Sorriu para o homem bronzeado, os cabelos queimados pelo sol, nunca inteiramente à vontade sob aqueles olhos de um azul de aço.

- De nada, senador. - Stricklin retribuiu o sorriso, o isqueiro pronto para o charuto que o político rodava nos lábios.

- Sente-se, senador - convidou Dyson, retornando à sua cadeira atrás da escrivaninha. - Tivemos oportunidade de passar os olhos pelos... documentos confidenciais que o senhor deixou conosco, e nossas descobertas coincidem com as suas. - Usava termos polidos, zombando da informação de que ambos já tinham conhecimento desde o começo. - Parece que o título daqueles dez mil acres de terra que Calder supostamente comprou do governo foi obtido por meio de métodos fraudulentos. Quer-nos parecer que este recentemente falecido... - Dyson fez uma pausa, consultando o relatório em busca do nome - ...sr. Osgood não tinha autorização para proceder à venda. Os registros bancários desse senhor mostram que considerável depósito bancário foi feito aproximadamente na mesma época em que ocorreu a transação. E quantia similar foi retirada da conta bancária de Calder algumas semanas antes. Um caso óbvio de suborno de autoridade do governo.

- Uma coisa horrível... violação da confiança pública - concordou o senador, sorrindo presunçoso. - E além disso, tão bem documentada.

- Evidentemente o governo tem o direito de declarar a venda desta terra ilícita e nula - assentiu Dyson.

- Exatamente o que eu penso. - O charuto mantinha-se trincado entre os dentes enquanto ele respondia à declaração.

- Conforme prometi, o relatório não saiu dessa sala. Entretanto, agora que o senhor não se encontra mais no Senado, não vejo razão para que a informação não seja veiculada ao funcionário adequado. Discretamente, é claro.

- Claro - concordou Bulfert com um aceno de cabeça, as bolsas sob o queixo balançando com o movimento. - Estou certo de que com seus contatos, você não encontraria dificuldade em obter os direitos de mineração do carvão naquela área de terra do governo.

- Sem dúvida podemos esperar que sim. - Dyson sorriu, sem admitir realmente nada.

O político tornou-se sério, assumindo um ar grave.

- Você está consciente de que a propriedade está cercada. Completamente circundada pela terra dos Calder.

- Tenho certeza de que o governo pode obter poderes para requisitar e conseguir a facilidade do acesso.

- Claro. - Bulfert demonstrava interesse incomum na fina construção de cinzas na extremidade do charuto. - Conheço Calder. Vai lutar de todas as maneiras que souber. Injunções, batalhas judiciais, litígios. O litígio poderá se prolongar durante longo tempo. Ele lutará por cada palmo de terra. Não desistirá por um minuto sequer.

- Espero que sim. - Dyson aparentava calma.

- Espera? - Bulfert estudou o texano, imaginando se conhecia o género de homem que estava cutucando. - Se for preciso, ele saberá lutar mais do que qualquer um.

- Ele tem essa reputação. Mas esse não é o problema, senador. Dyson sorriu. - Esqueci de perguntar o que achou de seu novo escritório. Satisfatório?

- Muito bem. Bastante confortável. - Esmagou o charuto na borda do cinzeiro.

- Ótimo. Evidentemente, terá sua própria secretária e uma conta farta para despesas. A companhia não exigirá o cumprimento de um número regular de horas, já que a consultoria é um trabalho irregular. Mas estou certo de que a Advance Tech Ltda está feliz de tê-lo em seu quadro.

- Ambos sabiam de que se tratava de um cargo decorativo em uma subsidiária da Dy-Corp, com salários e benefícios integrais e nenhum trabalho.

- Imagino que o senhor levará algum tempo até adaptar-se à vida no Texas, depois de viver em Montana durante tanto tempo.

- vou gostar do clima ameno. Montana tornou-se demasiado fria para esses ossos velhos. - E o senador sabia que a temperatura se tornaria ainda mais fria para ele, assim que Calder percebesse que ele tinha um dedo enfiado no negócio.

Trocaram mais algumas amabilidades antes que o senador se despedisse dos dois homens. Depois que Bulfert se foi, Dyson fitou pensativo, as portas fechadas.

- Calder vai lutar - finalmente disse para Stricklin. - Gostaria de fazer algo para manter Tara afastada dessa confusão. Sem dúvida não quero ser o causador da infelicidade dela. - Exalou um suspiro agitado, saindo da cadeira e caminhando a passos largos, na tentativa de controlar a situação. - Se Calder é tão cabeça-dura quanto Bulfert diz, a disputa vai acabar afetando Tara.

com seu cérebro de computador.Stricklin conseguia penetrar informações, analisá-las e fornecer respostas específicas, mas somente com a energia adequada. Para um homem que venerava Tara como uma santa, era impensável que pudesse sofrer qualquer infelicidade.

- Deve haver algum jeito de atingir Calder. - Caminhou até a estante de bebidas, servindo um drinque.

- Não há jeito algum - anunciou Dyson, sombrio. - O homem é aferrado a suas opiniões. - Deteve-se diante da enorme janela, as mãos cruzadas atrás das costas. Durante um longo segundo, permaneceu em silêncio. Por fim voltou-se, desapontado. - Seria tão mais fácil se estivesse lidando com Ty. Ele é inteligente e razoável... progressista em seus pensamentos. Basta olhar para as modificações que fez na fazenda. Seria bem mais simples convencê-lo da viabilidade de nossos planos. Infelizmente... - Dyson soltou um longo suspiro -, Calder é quem manda, não o filho.

Stricklin girava a bebida e o gelo no copo, digerindo compenetrado a informação. Dyson dirigiu-se novamente até o meio da sala, balançando a cabeça.

- É uma conjunção peculiar de uma série de circunstâncias, Stricklin. - Estacou para fitar o homem. - Todas aquelas minas dos Apaches no Leste estão produzindo .toneladas de minério de carvão rico em enxofre que libera uma fumaça suja. com os padrões de controle da poluição vigente, as indústrias do Leste estão clamando por carvão de queima limpa.

- Dyson balançou a cabeça de novo. - E Calder está sentado sobre todo aquele carvão de baixo teor de enxofre. Nunca vou entender por que, diabos, Deus o colocou ali. - Suspirando, voltou à escrivaninha.

- Existe muita terra em Montana com depósitos de carvão no subsolo, cujo dono não é Calder - Stricklin lembrou-lhe.

- Se eu só quisesse carvão, eu o deixaria em paz. É da maldita água dele que preciso - retorquiu Dyson. - Uma indústria carbonífera tem grande necessidade de água, e Calder possui a fonte mais abundante e segura das redondezas. Podemos extrair o minério e processá-lo no local. É o ideal. - Meio indeciso, tocou a pasta de documentos sobre a mesa com um dedo. - O que acha que devemos fazer, Stricklin? Devo deixar o problema nas mãos do nosso amigo cruzado em Washington? Mesmo que isso venha a causar dificuldades familiares? Ou devo deixar o negócio de lado e procurar um outro jogo em outro local?

- Você quer o carvão dele; você quer a água dele. Nesta pasta obterá o que deseja - afirmou o homem. - Você possui um trunfo. Utilize-o.

- Ah, Stricklin. - Dyson sorriu silenciosamente, balançando a cabeça. - Me assombra a maneira como você sempre enxerga tudo preto no branco. Tome. - Pegou a pasta. - Você sabe como usar isto.

O fogo crepitava na lareira simples de tijolos, insuficiente para aquecer tanto quanto o fogão a lenha no canto. Do lado de fora da choupana, um vento de inverno rondava os esqueletos dos choupos, agitando seus ramos. Jessy estava sentada de pernas cruzadas sobre o tapete trançado em frente à lareira, com uma xícara de café vazia nas mãos. Escurecera lá fora, mas ela não se dera ao trabalho de acender as luzes. Seu pensamento estava absorto nas notícias que Ty relatara.

O corpo longo de Ty estendia-se relaxado na poltrona aconchegante, seu rosto situava-se dentro dos limites da luz bruxuleante do fogo. Esfregava distraído o dedo indicador na boca, as extremidades grossas do bigode encimavam o lábio superior. A escuridão preocupada daqueles olhos dissimulados mostravam que Ty não estava relaxado como parecia.

- Mesmo se o governo puder declarar a venda inválida, com certeza existe alguma coisa que seu pai possa fazer para manter a posse da terra

- murmurou Jessy, com um tom determinado na voz.

Ty retirou a mão da boca e soltou um longo suspiro tenso. Inclinou-se para a frente para descansar os cotovelos sobre os joelhos, com os dedos entrelaçados diante de si e a cabeça analisando-os.

- Ele estará em reunião em Miles City com seus advogados durante os próximos dois dias, para fazer alguns arranjos e decidir que atitude tomar a longo prazo. Provavelmente não encontrará dificuldades em manter os direitos temporários da pastagem. - As comissuras labiais inclinavam-se cada vez mais em um esgar. - Ele pensava que tinha o título daquela terra durante esse tempo todo. Foi um choque descobrir que não. - Ty ergueu o olhar para ela, a boca em declive. - O senador mexeu os pauzinhos para ele, tudo bem. Mas não era para reduzir a burocracia. Ele mexeu os pauzinhos com o homem errado.

- O senador deve estar tendo os mesmos problemas que seu pai.

- Ele teve tempo para apagar as pistas. - Ty estendeu a mão para o depósito de lenha e pegou um graveto, quebrando-o, distraído, em pedaços e atirando-o, um a um, ao fogo. - Como isso aconteceu há muito tempo, o governo parece disposto a fazer vista grossa sobre a maneira como o título foi adquirido. Mas se papai lutar pela terra, como acho que ele vai fazer, tenho a impressão de que vai haver confusão.

Fez-se longo silêncio. Jessy olhou para ele. Compreendia o estoicismo que cobria seu rosto, ocultando a tensão sob a superfície angulosa. Um impulso incitou-a. Esticou as mãos, tomando as dele, desejando absorver parte do problema para si própria. O desejo de compartilhar o infortúnio surgiu nos olhos da garota. Ty sensibilizou-se com isso. Nunca vira algo assim no rosto de Tara.

- Talvez você devesse telefonar para sua mulher e conversar com ela - sugeriu Jessy, quase humildemente. - Você conseguiria alcançá-la na casa de Dyson em Fort Worth.

- Não - rejeitou Ty de maneira vaga. A pressão aconchegante da mão esquerda de Jessy desapareceu de sobre as dele, e Ty sentiu a ausência. A luz do fogo ondulava. - É melhor colocar outra acha na lareira fez ele, ficando de pé e espreguiçando-se levemente para suavizar a rigidez de seus músculos.

- Vou colocar um pouco de café nas xícaras - disse Jessy, levantando-se também, os ombros arqueados, a cabeça baixa.

O fogo brilhava alegremente, iluminando a sala e o ar quando Jessy retornou com duas xícaras de café fresco. Ty estava ao lado da lareira acesa, com um ombro apoiado sobre o consolo. Jessy estendeu-lhe uma das xícaras e colocou-se ao lado dele, observando as chamas amarelas lambendo a casca do tronco.

- O fogo faz você esquecer o tempo frio lá fora - observou Ty preguiçosamente, bebericando o café quente.

- É mesmo. - Ao ouvir uma risadinha lançada por ele, Jessy o olhou interrogativamente.

- Acabei de me lembrar de um conto de inverno que o velho Nate Moore me contou certa vez - fez ele, sorrindo. O velho vaqueiro morrera uma semana antes do Natal, juntando-se a Abe Garvey e outros veteranos da Triplo C que haviam ido antes. Era a velha ordem dando lugar aos novos. Foi mais com alegria do que tristeza que Ty pensou naqueles homens e em tudo que eles lhe haviam ensinado.

- Qual era a história? - perguntou Jessy, curiosa.

- Conforme ele me contou, um vaqueiro novato montou seu cavalo para guardar o gado num dia em que a temperatura estava a vinte abaixo de zero. Começou a soprar um vento com neve e ele teve a maior dificuldade em enxergar o caminho de volta ao campo. Quando finalmente chegou, estava congelado na sela. Tiveram que usar picaretas para gelo e cinzéis para arrancá-lo; então eles o carregaram até o alojamento e o puseram em frente ao fogão. Segundo Nate, quando o cowboy finalmente descongelou, as pernas ficaram arqueadas que nem a fúrcula das aves. Cada vez que ele saía, os cães do gado agarravam cada perna e tentavam arrancá-la. Finalmente, ele teve de desistir e ir para uma fazenda onde não houvesse cães... você não ri assim com frequência, Jessy. - Ty observou a maneira como a piada suavizara seus traços, quebrando-lhe a rigidez capaz de afastar um homem.

Mesmo após o sorriso ter desaparecido, os lábios dela uniram-se de forma branda.

- Nate não era de conversa mole. Ou ele contava histórias ou fazia alguma observação esperta sobre a vida. - O café estava muito quente para ser tomado. Jessy pousou a xícara no assoalho e estendeu as mãos para a quentura do fogo.

Ty estudou o quadro que ela formava em seu suéter volumoso tricotado a mão em tom verde-escuro, os quadris esguios e as pernas longas dentro das Levi's desbotadas.

- O que você quer da vida, Jessy? - Todos acalentavam desejos e ambições, e ele ficou matutando sobre os dela.

A pergunta deixou-a pensativa; retirou as mãos e enfiou-as nos bolsos, olhando fixamente as chamas saltitantes.

- Ninguém consegue muita coisa nesse mundo, Ty... não mesmo. Às vezes, algo acontece e durante uma hora ou uma semana, parece que pelo resto da vida você vai cavalgar sobre um chão liso, sem ravinas nem morros no seu caminho. Mas eles continuam lá. Só que durante algum tempo você não os enxerga. Você vai passar por tempos difíceis, e vai chorar a sua parte. E vai passar por isso por causa de momentos como esse. Voltou-se para olhá-lo. Os olhos eram perspicazes e dotados de força silenciosa. - O que mais posso querer do que o que tenho nesse exato instante? O meu canto, um fogo que me aquece em uma noite fria e alguém com quem conversar. O que é melhor do que isso?

As palavras dela, tão simples e diretas, o comoveram até o âmago.

Movimentando-se lentamente, Ty pousou sua xícara ao lado da dela sobre o consolo, sem desviar o olhar de Jessy nem por um minuto. Uma espécie de beleza interior brilhava através daqueles traços fortes, inteiramente femininos.

- Jessy - ele sussurrou, em um tom de voz suave e tocante, envolvendo a nuca da garota gentilmente.

Durante um segundo interminável e exploratório, ele a fitou, atraído pelo sentimento terno e inominado que o impulsionava. Jessy esperava, sentindo que penetrara nos sentimentos dele. A pressão da mão de Ty .aumentou levemente enquanto a boca se aproximava e os olhos continuavam a estudá-la. Ela não seria idiota a ponto de acreditar que despertara o amor. Ele estava sozinho, e Tara muito distante. Ty cultivava seu próprio senso de moralidade e honra, mas afinal de contas era homem. E ela se encontrava por perto, compartilhando os problemas dele e ouvindo-o. Aquela proximidade dissolvera as restrições que normalmente o teriam detido.

Talvez ela devesse tê-lo parado. Jessy sabia que ele estava a ponto de beijá-la... beijar a ela, Jessy Niles. Mas ela fora sincera quando disse que não poderia ter mais do que aquele momento. Logo, Tara estaria de volta, e mais uma vez Jessy não teria nada. com um gesto provocante, doce e puro, ela colocou as mãos na cintura de Ty e ergueu o rosto, vencendo o último centímetro que a distanciava da boca à sua frente.

Foi um beijo longo e vagaroso que gradualmente tomou conta de ambos. Jessy encostou-se nele. Seu corpo tornava-se pesado junto ao de Ty, enquanto ele a envolvia em seus braços. Sentiu as batidas de seu coração se acelerarem, o sangue correndo rápido e suave. Havia algo de natural e estimulante naquele beijo, que não deixou de ser insistente um segundo sequer. Ele era forte e maciço, e o cheiro da pele dele misturava-se ao da fumaça da lareira, em seus sentidos acesos.

Não houve hesitação em qualquer dos lados; ninguém experimentou o chão em que estava pisando para ver se suportaria o que estava sendo criado. Era a junção de duas forças igualmente imperiosas, e na busca ao outro tocaram profundidades de sentimento onde a paixão não era necessária para a criação de intimidade.

A novidade invadia os sistemas de ambos de forma demasiado insidiosa para que se dessem conta do poder dela. Separaram-se tão lentamente como se haviam unido, cada um buscando a reação nos olhos do outro. Jessy virou-se novamente para o fogo, tomada de calma deliciosa e ardor insistente.

Nenhum dos dois falou do beijo, agindo como se nunca tivesse acontecido. Ty pegou sua xícara de café, retornando à posição sustentada contra o consolo, as chamas demasiadas do fogo. Tomando sua xícara, Jessy dirigiu-se para o sofá anteriormente ocupado por Ty, acomodando suas pernas longas sobre a almofada, sentando-se de lado. Ela também fitou o fogo, completamente confortável, seguindo seus pensamentos.

Após um longo período de tempo, Ty empertigou-se e engoliu o resto do café. Quando seu olhar preguiçoso correu para Jessy, ela o olhava.

- Mais café? - ofereceu ela.

- Não. - Balançou a cabeça negativamente, fitando-a em seguida com uma expressão ligeiramente curiosa. - Como é que você sugeriu que eu devia telefonar para Tara e conversar com ela?

- Pareceu-me lógico que você quisesse discutir com ela o que aconteceu - disse Jessy, correndo os olhos para a xícara e em seguida de volta para ele.

- Se eu quisesse falar com ela, não teria vindo aqui. - Ty parecia irritado, dominado por agitação e desassossego.

O momento de tranquilidade fora destruído. Algo se interpusera entre Jessy e seus sentimentos de conforto. Havia um olhar duro e intrigado em Ty. A solidão da choupana pesava sobre ela, favorecida pelo vento frio que penetrava pelas janelas, assoviando através da fenda na porta. Sentiu seu ânimo abater-se.

Aquela proximidade intensa entre eles desaparecera. Toda a incerteza que antes não havia passado por seus pensamentos agora surgia. Jessy observou-o, conhecedora de seus medos e silêncios e seu significado. Os pensamentos de Ty pesavam em seu inconsciente, sombreando seus traços.

- Jessy... - ensaiou Ty em um tom muito mais sério e denso.

- Não tinha percebido como é escuro aqui - Jessy interrompeu-o em tom casual, mas no íntimo estava temerosa do que ele pretendia dizer. Levantando-se, ela caminhou até a luminária e puxou a cordinha que a acendia.

Quando ela se voltou, mostrava um semblante calmo. Não desejava ouvir desculpas ou expressões de arrependimento - nem qualquer frase falsa sobre os sentimentos dele em relação a ela. Isto só serviria para feri-la. Não queria a gratidão ou simpatia dele - nada que pudesse forçá-lo a nada. Ele estava apaixonado por Tara, quaisquer que fossem os problemas deles. A proximidade daquele beijo poderia fazê-lo sentir-se obrigado a dizer alguma coisa. E o que dissesse só serviria para magoá-la.

Através da distância que os separava, agora iluminada pela lâmpada, ele parecia medi-la, tentando chegar a alguma conclusão. Jessy se movimentou, lutando para recuperar-se.

- Ty... uma vez eu disse a você que podia sentir-se livre para vir aqui

- disse ela, contida. - E você está sempre livre para ir-se.

Ao encontrar os olhos dela, Ty não viu aquele sentimento profundo que tão estranhamente aflorara entre eles. Ficara somente aquela calma que Parecia conferir pouca importância ao que se passara. Ainda assim, sentia-se aliviado por ela o ter deixado à vontade. Não queria que aquele beijo tivesse acontecido... assim como não quisera o outro, embora as circunstâncias fossem completamente diferentes.

com um arquear de ombros, ele pareceu recobrar-se, caminhando até o cabide ao lado da porta onde deixara o chapéu e o casaco.

- Acho que está na hora de ir para casa - admitiu, enfiando-se no casaco. Enquanto colocava o chapéu, Ty deu uma olhada nela. - Obrigado pelo café, Jessy.

- Quando quiser. - Depois que a porta se fechou sobre o vento frio, Jessy repetiu a resposta, muito suavemente. - Quando quiser.

 

A imagem que Ty guardava de Tara quando se separavam nunca era tão estonteante e vibrante quanto a visão dela deslizando em direção a ele após outra separação. Sua beleza era tão morena e excitante, vestida de pele de arminho no fim do inverno em Montana, que ele conseguiu esquecer a solidão de suas noites e a ânsia que ela sempre provocava.

A presença do pai dela e de Stricklin o impacientava, desejando-a toda para ele e consciente de que esse momento devia ser adiado até que se encontrassem a sós. Manteve o braço possessivo em torno da cintura delgada, prendendo-a a seu lado enquanto ele se voltava para cumprimentar os companheiros de viagem da esposa. O perfume dela excitava-o. Estava demasiado ligado a seus próprios sentimentos constrangidos para perceber o traço de reserva na atitude dela.

- Oi, E. J. - cumprimentou o sogro. - Para ser sincero, Tara pegou-me de surpresa quando telefonou na outra noite dizendo que ia tomar um avião junto com você para cá. Tinha a impressão de que você não estava com alguma viagem programada para o Norte até abril.

- É verdade; eu não estava - admitiu Dyson suavemente. - Entretanto, queria discutir umas coisas com seu pai. Talvez pudesse ter feito isso por telefone, mas como Tara estava voltando, pensei em vir com ela e falar com ele pessoalmente. - Parecia bastante fortuito sobre a questão, embora evidentemente o problema fosse sério o suficiente para trazê-lo até aquela distância. Ty estava demasiado preocupado com a proximidade de Tara para experimentar mais do que curiosidade passageira quanto ao possível tema.

- É um prazer tornar a vê-lo, Ty - saudou-o Stricklin com maior calor do que o habitualmente demonstrado.

Enquanto eles estavam de pé ao lado da pista de pouso, a bagagem fora descarregada do bimotor, e o avião pôde ser colocado sob a proteção do hangar. A paisagem árida do alto da colina oferecia uma visão do pasto cinzento incrustado de neve sob um céu de chumbo. O azul infinito, gelado e implacável, operou seu efeito sobre Tara, fazendo-a sentir-se ainda menor em estatura. O vento úmido e frio de março fustigava-a. Estava contente com o braço de Ty em torno dela, evitando que o vento a atingisse em cheio. Não suportava esses elementos selvagens que não se importavam com os que estavam no meio deles, nem tampouco aquele sentimento terrível de deslocamento, suscitado por tais elementos.

- Vamos ficar aqui em pé falando? Está horrivelmente frio. - Tudo naquela terra parecia brutal a ela, sempre que se afastava da casa-grande. Lá, ao menos, a estrutura imponente funcionava como uma prova de que alguém ditava as regras.

- Esqueci que você se desacostumou a isso, depois da temporada no Texas. - Ty sorriu, acolhedor, sem perceber que ela aprendera a aceitar uma série de coisas, mas nunca se acostumara a elas. Apertou-a protetoramente, levando-a para o carro, que tinha o motor ligado para que o interior estivesse aquecido quando eles chegassem.

Maggie estava por perto para receber os hóspedes, aliviando Ty da obrigação de agir como anfitrião a Dyson e seu assistente. Ao contrário, ele deu uma ajuda ao vaqueiro, carregando a bagagem e pacotes de Tara para seus aposentos no segundo andar. Ela mal lhe dirigiu a palavra, no entanto o silêncio não era tão inesperado na companhia de uma terceira pessoa, sobretudo quando o terceiro era um empregado.

Ty manteve o silêncio, quebrando-o somente para indagar onde ela queria que deixasse os pacotes.

- Qualquer lugar está bom - disse ela indiferente enquanto tirava o casaco pesado de arminho e o pendurava no armário do quarto. Ty fez um gesto para o vaqueiro para que saísse.

Assim que ele saiu, Ty foi até o quarto. Tara encontrava-se de pé em frente à penteadeira, tirando o chapéu de arminho e soltando os cabelos negros longos e sedosos. Ele aproximou-se por trás, deixando as mãos pousarem sobre as partes macias dos ombros dela, enterrando o rosto na massa de cabelos.

- Estou contente que tenha voltado para casa. - A voz abafada soava rouca de desejo.

- Eu não estou.

A resposta brusca e dura surpreendeu-o. Quando ela se voltou para olhá-lo, Ty não fez qualquer esforço para mantê-la próxima. Ela deve ter percebido a raiva surda nos olhos dele. Descansou as mãos no peito do marido. A expressão do rosto de Tara denotava uma ansiedade grave, quase insistente.

- Ty, o que você vai fazer sobre o que aconteceu? - Era quase uma exigência.

- Não sei do que está falando - disse ele, bruscamente. Ainda sentia a ânsia, mas agora não mais a demonstraria.

- O negócio com seu pai - retorquiu ela, impaciente. - Por que você não me contou isso antes? Gostaria que não me escondesse nada. É muito embaraçoso descobrir as coisas através dos outros. Isso me coloca numa posição muito delicada, e não me agrada essa sensação.

Enquanto havia certo consolo pelo fato de ela desejar suas confidências, a reclamação de Tara tocava um nervo ferido.

É minha culpa se tudo acontece quando você está fora? Se você ficasse mais em casa saberia o que estava se passando.

Por que eu deveria ficar todos os meus dias aqui, quando você passa a maior parte de seu tempo em algum canto esquecido desta fazenda? disparou Tara, defendendo-se da crítica a suas ausências. - Só para eu ficar à sua disposição?

- É!

Ty perdia a,calma, impulsionado pelo desejo que deixava seus nervos à flor da pele. Pegou-a pelos ombros e puxou-a brutalmente para seus braços. O protesto que ela ensaiou foi neutralizado por um beijo duro. Por um instante, a paixão abriu caminho em Tara, que correspondeu à necessidade dele, retribuindo o beijo. Mas Tara não ia desistir diante disso.

Empurrou-o com os braços empertigando-se para mantê-lo à distância.

- Ty, temos que decidir como vamos resolver isso - insistiu, a despeito da aceleração de sua própria respiração. - Acho que você não percebe como isso é importante... e em que problema se transformou.

- Você está terrivelmente preocupada com a fazenda muito de repente, não acha? - Muitas coisas interpunham-se entre eles, quentes e ameaçadoras; a vontade forte e a ambição de Tara eram suficientemente grandes para suplantar os sentimentos em seu coração.

- Esta é minha casa tanto quanto sua! - exclamou ela, acalmando-se instantaneamente. - Ty, não vamos discutir por uma besteira dessas. Temos que fazer algo com seu pai, antes que ele estrague tudo.

- Como é que ele pode estragar algo, quando luta para reaver o título da terra que acredita pertencer-lhe, por direito? - indagou Ty, lembrando-se em seguida: - E o que o seu pai está fazendo aqui?

- Foi ideia de Stricklin, não minha. - A desaprovação de Tara era evidente. - Na minha opinião, papai deveria manter-se longe, evitando sujar seu nome com isso.

- Sujar o nome? - Ty achou a escolha das palavras inadequada, mas não teve oportunidade de prosseguir a discussão, pois a porta da suíte foi aberta.

- Tara! - Cathleen surgiu correndo, sem considerar necessário bater antes de invadir a privacidade do casal. - Vim ver o que você comprou desta vez. Como foi o passeio? Aposto que estava mais quente lá. Sua danada, você está bronzeada - ela acusou, invejando-a, quando finalmente parou no quarto. Logo faria dezesseis anos. Por sob essa juventude escondiam-se os desejos de uma mulher, prontos para desordená-la.

- Cat, você se importaria de cair fora? - pediu Ty. - Gostaria de ficar algum tempo sozinho com minha mulher. Mais tarde você poderá saber tudo sobre a viagem dela.

- Tenho planos para mais tarde - replicou a irmã, nem um pouco embaraçada com a tentativa do irmão de expulsá-la. - E tenho que voltar para a escola de manhã. - Os olhos verdes assumiram um brilho de compreensão maliciosa. - Além do mais, está muito cedo para o que você tem em mente. Vai ter que esperar até a hora de dormir para ter o seu... tempo sozinho... com sua mulher.

- Cat está certa. - Tara tomou o partido dela. - Teremos mais tempo após o jantar. - Sorriu para Ty e afastou-se. - Todos os pacotes estão na sala de estar. Dois são para você.

Rejeitado, Ty foi forçado a acatar a decisão e adiar a discussão para depois do jantar. Deixou a suíte pensativo e de mau humor, o ruído da voz de Tara e Cat misturado em excitada conversa sobre as compras.

A conversação durante o jantar evitou temas controversos e ateve-se a assuntos seguros. Desde que Dyson iniciara as operações de mineração do carvão, o relacionamento entre o texano e Chase Calder tornara-se tenso. Chase nutria certas reservas quanto ao papel representado por Dyson na recente revogação do título da terra. Estava desconfiado, mas não tinha provas, portanto guardara suas desconfianças para si. Cada vez que olhava as mãos imaculadamente brancas e as unhas feitas de Stricklin segurando os talheres de prata, lembrava-se da observação de Potter quanto a não confiar no homem.

- Enquanto as mulheres estão tirando a mesa, por que não tomamos o café no gabinete? - sugeriu Dyson. Chase hesitou, e Dyson percebeu.

- Gostaria de trocar uma palavra com você em particular, se não se incomodar, Chase.

- Claro.

Ty dobrou o guardanapo e colocou-o na mesa.

- A não ser que você precise de mim, tenho uma égua que vai dar cria, e quero dar uma verificada. - Tornara-se difícil a fidelidade, situado como estava entre o pai e Tara. Deixou a decisão a cargo do pai, sobre a necessidade ou não de sua participação na discussão que poderia esquentar.

Chase debateu a questão interiormente, mas percebeu que poderia relatar a conversa ao filho mais tarde.

- É a primeira égua a dar cria no seu haras, não? É melhor você ir assistir agora. Tara não vai me agradecer se você acabar com parte da noite dela para fazer isso só porque tomei o seu tempo.

As portas do gabinete estavam sendo fechadas quando Ty saiu da casa-grande para verificar as condições da égua. Conhecendo o pai, Ty duvidava de que aceitasse algum conselho de Dyson, e considerando a reação de Tara, este era provavelmente o motivo da visita do sogro. Dyson sempre protegera a filha.

- Um pouco de conhaque no café, E. J.? - ofereceu Chase, destampando a garrafa ornamentada, adicionando um pouco em sua xícara.

- Não, obrigado. - Dyson acomodou-se em sua poltrona em frente a lareira, enquanto Stricklin levava sua caneca para uma cadeira do lado oposto.

Só restou o sofá no meio. com uma desconfiança inexplicável, Chase Permaneceu de pé, sem tomar o assento que o colocaria em uma posição cercada pelos dois homens. Ficaria muito vulnerável.

- O que é que você queria falar comigo? - Dispensou quaisquer amabilidades, indo diretamente ao assunto.

- Obtive informações relativas ao confisco de terras que você comprou do governo anos atrás. - Dyson também não se esquivou.

- As notícias correm rápido - murmurou Chase secamente.

- Na verdade não chega a ser uma surpresa - Dyson insistiu calmamente. - Tenho negócios nesta área. É natural que uma coisa dessas venha ao meu conhecimento.

- Imagino que sim. - Chase concedeu a possibilidade de que Dyson poderia ter sido informado recentemente da venda anulada através de fontes locais, embora houvesse a probabilidade de que Dyson no mínimo possuía conhecimento anterior.

- Já tivemos nossas discordâncias, Chase, mas nossas famílias estão ligadas. Não podemos ignorar este fato.

- Tenho plena consciência de que sua filha é a esposa de meu filho.

- Esta era a única maneira de evitar acusar Dyson sem rodeios de conspirar para privá-lo daqueles três mil hectares de terra. Naquele fato se sustentava a dúvida quanto ao envolvimento de Dyson, de tal forma que poderia provocar um possível mal à filha.

- Sou antes de tudo e em primeiro lugar um homem de negócios, Chase. Só me permito considerações familiares até certo ponto, quando estas me impedem de fazer o que acredito importante para meus negócios. Por isso estou aqui. - Dyson fez uma pausa, estudando Chase por um momento. - Normalmente eu não faria isso. Deixaria a coisa correr, com meu oponente ou rival só descobrindo isso após o fato consumado. Como pode haver repercussões capazes de alcançar Tara, estou lhe avisando com antecedência a respeito de minhas intenções.

- E quais são suas intenções? - inquiriu Chase, levemente desafiador.

- O governo agora está de posse do título daqueles três mil hectares. Estou lutando pelos direitos de mineração e uso da água em uma indústria carbonífera. Até agora, Tara não sabe nada sobre isso. Tenho certeza de que você está apelando da decisão e procurando reobter a propriedade daquela terra. Se o governo retiver a posse, quero que esteja a par de meus planos. - Dyson lançou outro olhar longo e avaliador antes de prosseguir.

- Esta é uma decisão de negócios, Chase. Sei que será difícil, mas gostaria de manter uma coexistência pacífica pelo bem de nossos filhos.

- Você está certo - concordou Chase, sentindo um aperto crescente por dentro, como uma mola enroscando-se. - Não. vai ser fácil. vou observar uma paz relativa, mas lhe aviso desde já: - Você vai pagar caro antes de rasgar um milímetro de grama de minha terra.

- Basta esperarmos para ver - foi Dyson, com um olhar resignado em direção a Stricklin. O homem era simplesmente irracional.

Após verificar as condições de água nas cocheiras de cria, Ty voltou para casa. Cathleen informou-o, com uma piscadela matreira, que Tara subira. Ele correu os olhos para o gabinete, mas as portas estavam abertas. Obviamente a discussão terminara, portanto sua presença não seria requisitada. Dirigiu-se diretamente para as escadas.

Finalmente - declarou Tara quando ele entrou na sala de estar.

Como estava a sua égua? - Havia um traço de sarcasmo na voz dela.

Bem. - Não se deu ao trabalho de explicar que não havia indícios de nova cria pela noite.

Existem pessoas contratadas para tomar conta desses cavalos. Não

sei por que você tem de fazer isso... especialmente numa hora dessas - resmungou ela, impaciente.

- Numa hora dessas - repetiu Ty, com humor duvidoso. - Gostaria de acreditar que você está dizendo isso porque é sua primeira noite em casa e quer minha companhia, mas não é esta a razão, é?

- Esta é parte da razão. - Atravessou o quarto, postando-se diante dele, as mãos tocando-o, estabelecendo o contato que deflagrava a pulsação faminta, enquanto ele aspirava o perfume feminino almiscarado. Você tem que fazer alguma coisa com seu pai.

- Meu pai?

- É. Tem de convencê-lo a deixar o assunto morrer.

- Deixar morrer? Do que você está falando? Ele pagou pela terra, comprou-a de boa fé. Por que não deveria lutar para obtê-la de volta? Ty franziu o cenho.

- São somente três mil hectares. Comparado ao que já tem, ele não vai chegar a perder nada - declarou Tara. - Além disso, ele ainda pode arrendá-la como pastagem para o gado, ou seja, é o mesmo que ser o dono.

- Nunca é a mesma coisa que ser o dono, porque desse modo ele não possui o contrato. - Os olhos dele estreitaram-se, especulativos. - Por que a ideia de vê-lo lutando pela terra a incomoda, Tara?

- Acho que você não tem a mínima ideia do que as pessoas andam dizendo - ela acusou, os olhos negros faiscando. - Estão usando as palavras "corrupção" e suborno' quando falam sobre ele.

- Isso tudo aconteceu há muito tempo. Não se pode provar nada.

- Não precisa ser provado. O falatório já é suficiente. Você não sabe como isso é prejudicial para a reputação de uma pessoa? - Uma espécie de fúria a arrebatava. - Isto vai nos atingir, Ty.

- Você não se importa com o fato de que possivelmente ele passou dinheiro por baixo da mesa, não é? - ponderou Ty. - Está zangada porque foi flagrado.

- Você não liga para o que todo esse falatório vai causar ao nome Calder? - interpelou-o Tara.

- É isto que está errado, Tara? - zombou. - Os seus amigos importantes já começaram a evitá-la?

- Você fala como se não acreditasse que eles são importantes. Empertigou-se indignada e ligeiramente incrédula com a cegueira do marido quanto à extensão do problema. - Acho que você não se dá conta dos contatos valiosos em que podem se transformar no futuro. Certamente você não faz qualquer esforço para cultivar a amizade deles. Faço isso para que quando formos responsáveis pela fazenda, tenhamos uma rede de pessoas em posição de influência que possam nos ajudar.

- Você não aguenta esperar o dia em que meu pai vai passar o controle da fazenda para mim, não é? - O orgulho e a força sempre foram duas qualidades que Ty admirava na esposa, características adequadas para a companheira de sua vida. Naquela noite, o egoísmo e egocentrismo dela estavam atravessados em sua garganta.

- Quanto mais cedo isto acontecer, melhor será para todos nós. Tara não negou o que pensava. - Não podemos admitir o escândalo ligado ao nome Calder. Não vou deixá-lo destruir todo o trabalho que tive para tornar o nome Calder respeitado fora deste município.

- Se você não lutar pelo que pertence a você, o nome não significará nada neste estado.

- Esta é a maneira de pensar de seu pai - condenou Tara. - Que importa o que essa gente daqui pense? Eles não são importantes. O dinheiro que seu pai está gastando para lutar por essa coisa compraria outra fazenda em algum outro lugar. A Triplo C pode se tornar a primeira fazenda entre muitas espalhadas pelo país, administrada por empresários competentes. A ideia é expandir-se, e com isso não quero dizer pela compra de lotes para engorda de animais. Você tem que parar de pensar pequeno, Ty - ela insistia, ansiosa e meio irritada. - Não seja como seu pai, Ty. Você tem de ser progressista e moderno como o meu.

- Isto resolveria seus problemas, não? - Um músculo saltava-lhe convulsivamente ao longo da mandíbula contraída. - Talvez eu devesse trocar meu nome para Dyson também, assim não seria diminuído por nada que pudesse sujar o nome Calder.

- Nunca sugeri nada assim! Por que está tentando deturpar o que estou dizendo? - Tara jogou seu protesto sobre ele, o ressentimento fulgurava em seus olhos. - Neste mundo, você tem que cuidar de si mesmo. As atitudes de seu pai vão nos afetar, Ty. Elas podem nos prejudicar. É só o que estou dizendo.

- Você está me pedindo para ficar contra meu pai. - Por trás de toda aquela conversa e apelo à razão, o verdadeiro motivo era esse.

- Estou lhe pedindo que pense em nós. - Ergueu as maçãs do rosto para ele, toda a feminilidade transformada em génio enquanto colocava sua vontade contra a dele.

- Você pensa em nós. - A voz dele soava grave e pesada enquanto caminhava a passos largos em direção à porta. - É o seu regresso ao lar.

Por um instante ela não acreditou que ele pretendesse sair. Mas havia um ar de resolução nos gestos dele.

- Aonde você vai? - ela perguntou, os punhos cerrados.

Ty deteve-se no limiar da porta, abrindo-a com um gesto brusco, em seguida fitando-a com um olhar insistente que a desnudou.

- Lá fora - disse, simplesmente.

A porta bateu com força. Tara ficou olhando naquela direção, voltando-se depois para o centro do quarto. Nos últimos tempos, Ty começara a dar-lhe ouvidos; e então isto tinha que acontecer.

Ty entrou em uma caminhonete e deu partida, insensível ao vento frio soprando pelas janelas abertas. Saíra sem destino, simplesmente escapara da pressão dos pensamentos que povoavam sua mente.

O certo e o errado pareciam estar dentro da cabeça de uma pessoa, estabelecendo julgamentos. Tara acreditava-se certa. O pai achava que tinha razão. Onde depositar sua lealdade? No passado ou no futuro?

Não sentiu o tempo passar, não escolheu conscientemente determinada direção. Passou um longo tempo até que Ty se desse conta de que a caminhonete estivesse parada. Sob o cone dos faróis enquadrava-se a choupana de troncos de Jessy. A tensão persistia dentro dele, exaltando-o. Desligou o motor do carro e caminhou até os degraus da frente da choupana.

O interior estava imerso em escuridão. Ty levou um minuto para encontrar o interruptor de luz na parede.

Jessy! - chamou ele, mas ela não respondeu. O quarto estava vazio, e a louça do café da manhã encontrava-se na pia. Deu uma olhada no relógio. Já era para ela estar em casa. Provavelmente chegaria a qualquer momento, disse para si mesmo, e começou a preparar café para quando ela voltasse.

A choupana não era a mesma coisa sem a presença de Jessy, que conferia ao local aquela paz palpável. Alimentou o fogão a lenha na sala da frente, tentando aquecer o ambiente. Circulou pela choupana vazia. Era pior do que ficar sozinho na suíte dele e de Tara.

- Maldição! Onde está ela? - indagou Ty às quatro paredes.

Quando Jessy chegou, viu apick-up estacionada sob as luzes dos faróis de sua caminhonete. Rolos azuis-esbranquiçados saíam da chaminé, contrastando com o emaranhado negro dos ramos das árvores. Das janelas provinha a luz que formava quadrados na grama congelada.

Não se sentia no estado de espírito mais adequado para encontrar alguém depois de um dia inteiro de trabalho e uma noite na casa dos pais, para celebrar o aniversário da mãe. Além do mais, sabia que Tara encontrava-se em casa. Os passos dela não denotavam qualquer ansiedade enquanto arrastava-se subindo os degraus da choupana. Â abertura da porta trouxe a voz de Ty até ela.

- Onde diabos você estava? Sabe que já passa das dez da noite? Estou aqui há quase duas horas, sem saber onde você se enfiou, sem saber se tinha acontecido alguma coisa. Quase fiquei louco.

O tremor de preocupação na voz dele surpreendeu-a. Demonstrava uma possessividade aberta que ela nunca sentira antes. E a carranca com Que a enfrentou tornava toda a situação mais espantosa.

Era aniversário de mamãe - disse Jessy com voz fraca e aturdida.

Ele respirou aliviado enquanto a pegava e a tomava nos braços. Ela estava perplexa, embora lúcida, consciente dos braços fortes em torno de si e da sua total excitação. Percebeu o quanto fazia parte dos sentimentos dele. Estava na voz e na pressão dos braços de Ty.

Foi uma espera horrível de solitária, Jessy - sussurrou.

A rudeza do beijo evidenciava a fome e ânsia que estava sentindo, e ela o retribuiu sem reservas e voluntariamente. Eles estavam agarrados, bruscos em razão da impulsão intolerável dentro de ambos. E esse desejo não encontrava alívio.

A respiração de Ty acelerara-se, o rosto pressionado contra os cabelos dela, os braços apertando-a com força.

- Jessy, Jessy. - Naquele sussurro havia uma pergunta, uma necessidade expressa que seu corpo forte e musculoso já deixara claro.

- Eu sei. - Ela estava tonta. com todo o descompasso de seu coração e a quase dor penetrante que sentia por dentro, ainda conseguia manter a calma. - Me carrega? - pediu ela.

Por um momento, sentiu uma incerteza da parte dele; pensou que a honra o poderia deter. Então os braços se soltaram e buscaram o caminho por sob as coxas, erguendo-a. Ele se deixou ficar ali de pé, segurando-a nos braços e observando o rosto brilhante. Por baixo do olhar de desejo, havia a curiosidade.

- Nunca pensei que você fosse do tipo romântico, Jessy - murmurou.

- Por quê? - Ela indagou suavemente, enquanto acariciava o queixo barbeado, tocando com um dedo os pêlos negros sobre os lábios. - Porque sei montar como um homem e faço o trabalho de um homem você pensou que eu não tinha sentimentos femininos? Por que não posso gostar de flores e bombons como as outras?

Ele a levou até o quarto imerso em penumbra, pousando-a sobre a cama. Durante um instante de silêncio, permaneceram de frente, olhando-se, tensos e em expectativa, como uma égua e um garanhão se encontrando. Todas as idas e vindas haviam cessado; agora a necessidade de silêncio prenunciava o ato mais precioso e sagrado da natureza.

O resto de Jessy oferecia-se ao dele, transmitindo o sinal milenar que pedia o beijo. Ty decifrou claramente a mensagem, sentindo uma pontada de irritação. Os sinais eram os mesmos, viessem de Tara, Jessy ou outra mulher. Contudo, Jessy não parecia com qualquer delas, e ele quisera que isto também fosse diferente.

Só que o comportamento não podia ser diferente, pois assim funcionavam as coisas. Ela era uma mulher e ele o homem. Não importa o nível de comunicação alcançado, físico ou verbal, eles continuavam atados ao padrão. Em seus corações e pensamentos, acumulavam imagens maravilhosas, mas as atitudes em si jamais variavam. Lentamente, se deu conta de que isso não tinha importância.

Estendendo os braços, retirou o casaco pesado dos ombros dela, jogando-o em direção à sombra de uma cadeira no canto. Quando se voltou, Jessy começara a desabotoar a blusa. Ele se pôs a fazer o mesmo.

Ela o olhava, observava, vendo as camadas de roupas dando lugar aos músculos de carne, às linhas masculinas bem-delineadas. Houve um momento embaraçoso quando Ty foi para a cama e voltou-se para esperá-la. Seu olhar percorreu o corpo nu, de uma brancura brilhante e elegante como um grande salgueiro. Sentiu o toque dos olhos dele sobre seus seios pequenos Nem em aparência, muito menos em formas, ela se comparava a Tara. Ela passou por um momento de dúvida. Então, ele a puxou pela mão. Não precisava mais ser forte; não precisava mais ocultar seus sentimentos - seu amor. Havia paixão na entrega íntegra, há muito abafada. Ela precisava entregar-se ou murchar por dentro até a morte. A pressão era demais. Foi até ele, para com Ty deitar-se e reviver.

Após acender dois cigarros do pacote sobre a mesinha-de-cabeceira, Jessy girou o corpo de volta à cama e passou um cigarro para Ty, consciente do flanco quente contra o seu sob o lençol. A deliciosa sensação de aconchego não havia abandonado seus dedos dos pés. O corpo ainda formigava com o resultado do amor. Um pequeno sorriso curvou as comissuras de seus lábios.

Ty ficou de lado para estudá-la, o emaranhado dos cabelos dela cobrindo o travesseiro sob a cabeça.

- Você parece muito satisfeita - murmurou.

- Por que não? Você também está se sentindo muito orgulhoso porque me teve. - Jessy zombou levemente da expressão quase de presunção no rosto de Ty.

Não havia sinal de lembrança daquela primeira vez nos olhos dele. Ela procurara por um sinal frequentemente - esperara vê-lo. Agora sentia-se contente ao ver que ele não se lembrava. Aquilo envolvera muita dor, de um modo ou de outro. Não ia falar sobre o assunto com ele. Não serviria para nada, exceto fazê-lo sentir-se culpado e arrependido. Quaisquer que fossem os sentimentos dele em relação a ela, não queria que aquilo fizesse parte deles.

O rosto anuviou-se com os pensamentos, linhas tristes desenhavam-se sobre os traços grosseiros e ocasionavam um olhar de preocupação em Ty.

- Jessy, às vezes eu...

- Não diga isso, Ty. - Ela o deteve, firme e segura de si. - Pelo bem de nós dois, não diga algo que não pensa realmente. Entrei nisso de olhos bem abertos, sabendo que você iria embora antes de o dia amanhecer. Neste exato momento, você está pensando que não quer, mas tem de ir.

- Como é que você sabe o que passa pela minha cabeça? - Ty observou-a com atenção, tentando penetrar naquela mulher que se ajustava a ele tão confortavelmente como uma segunda pele.

Por um segundo, Jessy deixou cair a guarda, deixando-o enxergar a Profundidade do amor refletido em seus olhos.

- Talvez porque eu também desejasse isso. - No entanto, o tom da voz dela continha algo semelhante a um desafio.

Esta fora uma das vezes em que ele fizera amor com uma mulher sentindo-se arrependido. Uma onda violenta de carinho o tornara rude. Era um sentimento profundo, selvagem à sua maneira, como a excitação que Tara provocava em seu íntimo.

O olhar dele quase levou Jessy a acreditar que as coisas pudessem ser diferentes. Antes que ela sucumbisse a uma certa dor que o pensamento lhe traria, ela lançou as pernas para fora da cama, sentando-se. Não foi por algum senso de modéstia que ela pegou a blusa no pé da cama e a colocou diante dos seios diminutos. As roupas eram uma proteção capaz de evitar que os outros vissem demais.

Ela cruzou o quarto até a cómoda e apagou o cigarro praticamente não fumado num cinzeiro de vidro. Ty apoiou-se sobre o cotovelo, com os olhos atraídos para os músculos nas nádegas de Jessy. Quando ela se virou, o olhar dele correu pelo drapeado triangular da blusa com o vértice no vale formado pelos seios, fixando-se na expressão fechada.

- Jessy, existe uma coisa que gostaria de explicar.

- Não quero ouvir qualquer explicação, Ty - disse ela com um movimento de cabeça, erguendo o queixo em seguida. - Não sou tão tolerante e compreensiva quanto você pensa. Não sou a causa de seus problemas com sua mulher, e não quero saber quais são eles. Não posso fingir que ela não existe, mas não quero ouvi-lo falar dela. Sou mais mulher do que ela, com todas as roupas cheias de babados e a aparência atraente... e sei disso. Consequentemente, eu diria coisas a respeito dela que você não ia gostar de ouvir.

Como quer que ele se sentisse naquele momento, Tara era a mulher a quem suas emoções se direcionavam. Em parte pela beleza, mas o restante em razão do sonho que ela representava. Algo que Jessy compreendia claramente. Ty fizera de Tara a imagem de seus desejos. Os homens criavam sonhos sobre o que queriam em uma mulher. Mesmo se Ty começasse a enxergar que Tara não era tudo o que pensava, não conseguiria desistir de seu sonho.

Na semi-escuridão do quarto, ele captou o brilho de determinação no olhar dela, aquela coragem inquebrantável capaz de enfrentar a situação, não importa quão desagradável fosse. Deixou o cigarro queimar no cinzeiro e saiu da cama, atravessando o quarto. Ela deu meia-volta, evitando o olhar dele.

- É melhor você se vestir - ela avisou com voz compassada. - Está tarde e ela vai começar a pensar onde você possa estar.

- Eu quero que Tara vá para o inferno! - Ty usou o nome que Jessy evitara pronunciar, admitindo inconscientemente que voltaria para a esposa. - E você, Jessy? Você vai ficar bem?

Jessy olhou para ele, um forte desejo de rir. Se dissesse que não, já imaginava o que Ty responderia. Os homens eram tão pragmáticos em sua relação com a vida, até que o assunto fosse mulher. Aí se tornavam totalmente irracionais, sempre prometendo tornar a vida fácil para elas e acreditando inteiramente no que diziam. A despeito de todas as fantasias românticas, ela possuía a percepção feminina no que se referia à vida e sabia que nO futuro haveria a mágoa e a solidão, assim como as bênçãos de tempos como aquele.

Eu sou forte, Ty. vou estar bem - garantiu, em vez de fazer o contrário. Fizera sua barganha, e agora estava pronta para pagar por ela. A mágoa no coração no dia seguinte não a amedrontava.

Queria encontrar algo por sob aquele equilíbrio que ela estava demonstrando. Sentia-se ligeiramente agradecido por ela não precisar dele, possuidora de força sustentadora que permitia que fosse independente dele. Para ele tornava-se difícil entrar em acordo com a igualdade em terrenos que considerava masculinos.

Contudo, Jessy não estava jogando pistas que ele devesse procurar. Não conseguia deixar de lembrar que na única vez em que Tara fora direta a respeito das necessidades e vontades dela, ele tivera que se casar. A consciência desse fato o importunava.

Não havia nada a dizer. Voltou-se e encaminhou-se lentamente para a cama, onde estavam suas roupas. Não compreendia Jessy. Não compreendia as mulheres. Entretanto, sabia que voltaria a procurar o forte sentimento de tranquilidade que ela lhe proporcionava, bem como o bem-estar que lhe dava o fogo apaixonado em seu íntimo. Mas não disse nada. Não era preciso.

Ouviu-se um leve ruído no corredor de cima. Tara estacou, parando de folhear impaciente uma revista para escutar com atenção, empertigada e altiva, o som do retorno de Ty. Outra tábua estalou. Ela não poderia dizer se causado pela pressão de um pé ou característico dos ruídos de uma casa velha. Levantando-se, deixou a revista sobre o comprido sofá-cama. O robe de cetim com aplicações de pele caía suavemente em torno de suas pernas.

Foi até a porta e abriu-a, com excesso de orgulho na postura empertigada. Mas era Cat subindo furtivamente as escadas, envolta em pesado casaco, os cabelos negros escondidos sob um gorro branco de lã. Ela ergueu um dedo silenciador nos lábios quando divisou Tara no umbral da porta. Os olhos verdes imploravam silenciosamente a Tara que não revelasse sua presença.

- Repp está me esperando - sussurrou Cat. - Não conte a papai, por favor. - Após a briga que provocara, Cathleen fora proibida de manter qualquer contato com seu antigo namoradinho como punição. Não causou surpresa a Tara descobrir que a garota estava desafiando as ordens, mantendo encontros secretos com seu vaqueiro. Além do mais, esse seria o ultimo dos interesses de Tara, portanto limitou-se a fechar a porta. com os dedos entrelaçados de maneira tensa, cruzou o quarto até a janela. A escuridão da noite interminável ameaçava engoli-la, ao que ela voltou à luz.

Quando chegou ao sopé das escadas, Cat congelava. Havia luz no escritório, o coração pareceu saltar de dentro dela, incapaz de retornar aos batimentos normais enquanto ultrapassava a luz na ponta dos pés, dando uma olhada ansiosa para o gabinete. Espionou Stricklin vestido com um suéter de gola alta, vasculhando os títulos na estante, de costas para a porta.

Cat abriu a porta da frente com ruído, esgueirando-se através da pequena abertura - a parte mais difícil consistia em sair da casa sem ser ouvida. Estremeceu com o leve clique da porta sendo fechada. Então esperou, sustendo a respiração na expectativa do som de passos aproximando-se para investigar o barulho. Passou-se um minuto, e ela soltou a respiração aliviada. O ar frio transformou-se em vapor branco-acinzentado em ondas que desapareceram com o vento noturno.

Movimentando-se silenciosamente, atravessou a extensão da varanda e pulou para o solo, envolvida nas sombras da casa. Correndo agachada, atravessou a grama endurecida pela neve por trás da casa-grande, dirigindo-se ao platô e ao hangar isolado dos aviões, que se tornara o seu ponto de encontro, longe dos olhos observadores e descobertas fortuitas. O vento frio batia em seus pulmões, enquanto corria para o encontro.

Agachado em uma pequena depressão, Culley O'Rourke cobria o cigarro com as mãos, ocultando o brilho da brasa, a fim de que a luz não denunciasse a sua presença. Uma a uma, as luzes da casa-grande foram se apagando, até que só restou uma no segundo andar. Um minuto antes, correra às escondidas até o local em que deixara o cavalo amarrado. Então, surgiu uma luz inesperada no escritório térreo. Deixou-se ficar observando se a movimentação seria o começo de algo mais.

com atenção concentrada na enorme casa, ele quase não viu a sombra escura saindo furtivamente. Sem se mexer Culley aguardou até que a forma passasse pela depressão do terreno onde estava, e obteve uma imagem reveladora do rosto ovalado de Cathleen. Foi atrás dela silenciosamente.

Quando chegou ao hangar, Cat estava sem respiração, o rosto entorpecido com o vento frio. Os aeroplanos no galpão alinhavam-se silenciosos, sombras indistintas imersas na penumbra da noite. Ela caminhou velozmente entre eles, dirigindo-se ao pequeno escritório e à área de estoque no fundo. Abriu a porta e deslizou para o interior, finalmente protegida do vento entorpecedor. Deteve-se, os olhos vasculhando a escuridão.

- Repp? - sussurrou, percebendo o som de um movimento à direita. Cat voltou-se em direção ao ruído enquanto uma forma escura destacava-se das sombras.

- Já estava achando que você não ia aparecer. - A longa espera produzira aspereza na voz dele.

- Eu sei. Receava que você tivesse ido embora. Juro que ninguém mais naquela casa vai dormir em horário decente. - Sua voz também denotava impaciência. O rosto mostrava-se pálido e descorado nas sombras do escritório, mas não ousaram acender a luz. - Tara ainda estava acordada esperando Ty voltar quando saí da casa. E Stricklin perambulava no gabinete. Às vezes fico pensando se ele é humano. Tenho a impressão de que é um robô que não precisa comer nem dormir como nós.

- Tem certeza de que não foi vista? - perguntou Repp, resmungando em seguida, irritado: - Devo estar louco, para deixar você me convencer nos encontrarmos assim.

percebendo por fim que ele não cruzaria a distância que os separava, Kat deu os passos necessários e envolveu-o nos braços sem pudores,

sentindo-o em torno do colarinho dobrado da camisa. Sentiu a pressão das mãos dele em seus quadris sem aproximá-la nem tampouco afastá-la.

- Não me importa como ou onde nos encontremos, contanto que possamos nos ver. - Era uma declaração dramática, mas verdadeira. Ela se arriscaria a tudo, até mesmo à cólera paterna, para estar com Repp.

- Você não sabe o que está dizendo. - O protesto surdo saiu quase como um gemido, a rudeza dos desejos dele ameaçando suplantar seu controle. Você é muito jovem, Cat.

- Tenho a idade de minha mãe quando ficou grávida de Ty. - Cat atormentou-o com o conhecimento do fato.

Você devia ser espancada por provocar um homem desse jeito acusou ele rudemente, mais perturbado do que desejaria admitir, e ela sabia disso. - Você está procurando problema, não é? Um dia você vai dizer isso ao homem errado e ele vai levar ao pé da letra.

- Mas nunca falei isso para ninguém a não ser você. É o único homem a quem quis dizer isso - ela insistiu, aproximando-se mais. - Já é muito ruim meus pais me tratarem como criança. Sou uma mulher, Repp. E amo você.

A doce confissão, adicionada à proximidade, foi demais. A precaução que ele buscava a duras penas perdera a batalha para os impulsos que o incitavam, a boca afundando faminta sobre a dela. O contato quente logo expulsou o frio dormente da pele de ambos. A resposta ansiosa dos lábios dela quebrou as restrições enquanto ele a explorava selvagemente, de homem para mulher, sem pensar na inexperiência da garota. Ela recuou, subitamente tensa, aproximando-se novamente com a onda de seus próprios sentimentos. Mas ele aspirou um pouco de sanidade fria.

- Não, Cat. - Os dedos mergulharam nas mangas do casaco dela para impedi-la de aproximar-se mais uma vez. - Basta!

- Por que, Repp? Por que isto tem de ser suficiente? - protestou.

- Você não pode ter tudo o que quer - ele declarou.

Os ombros dela encurvaram-se e ela se inclinou em direção a Repp descansando a cabeça em seu ombro. Após um longo instante, os braços do vaqueiro a envolveram, e ele deixou que a boca pousasse sobre o gorro de lã que cobria os cabelos negros sedosos dela.

- Não quero nada, Repp. Só você - disse simplesmente, sem qualquer dramaticidade. - Às vezes chego a me sentir desesperada. Dois anos me Parece um tempo demasiado longo para esperar. - Parecia a agonia da passagem do tempo.

Vai passar rápido - ele mentiu. Algo retiniu no interior do hangar e Repp enrijeceu-se. - Ouviu isso?

O quê? - Ela ergueu a cabeça do conforto e intimidade formados Pelo ombro do rapaz.

- Acho que ouvi alguém lá fora - murmurou, retirando os braços pousados nela. - vou dar uma olhada.

- Não tem ninguém lá fora - protestou Cat. - Você deve ter ouvido o vento sacudindo o teto de zinco.

Ele ignorou as explicações, deslizando silenciosamente em direção à porta do escritório.

- Espere aqui - sussurrou.

- Não. vou com você - ela insistiu. Falou mais alto do que pretendia, e o som da voz dela atravessou a porta que Repp abrira.

- Psiu - alertou-a.

Cat manteve a mão junto a ele, para que não perdessem contato enquanto deixavam furtivamente o escritório, penetrando no galpão às escuras. Um coiote soltou um lamento solitário na encosta de alguma colina distante. Uma nuvem de estrelas jogava luz insuficiente sobre as silhuetas dos aviões no galpão. Repp caminhou através das sombras, olhando e ouvindo.

Escutaram outro ruído fraco, não identificado. Parecia vir dos aeroplanos da fazenda, o que o pai de Cat geralmente pilotava. Eles se moveram naquela direção.

- Lá. - Cat apontou a portinhola de acesso ao compartimento do motor. Estava aberto. - Não deve ter sido bem trancada e o vento a abriu.

- Deve ser. - Afastou-se para fechar a porta e assegurar-se de que estava trancada. Quando voltou, olhou em torno, não completamente satisfeito, e o instinto alertava-o de que mais alguém estivera ou ainda estava no hangar. Começou a ficar preocupado com Cat. - Está tarde. Quase meia-noite. É melhor você voltar. vou acompanhá-la até metade do caminho.

- Mas...

- Não discuta comigo, Cat. - A voz era firme, entretanto não sabia explicar por que aquela necessidade urgente de deixá-la em algum lugar seguro longe dali.

Alguma coisa no tom da voz dele afastou maiores discussões. Seguroua pelo cotovelo, guiando-a para fora do galpão através do pequeno caminho até à elevação onde se situava a casa-grande, as paredes brancas erguendo-se em meio à escuridão.

Depois de deixá-la, sem conseguir explicar por quê, Repp voltou-se, fazendo a volta. A meio caminho do hangar, o vento trouxe até ele o ruído de patas de cavalo. Logo um cavaleiro delineava-se contra o céu, no topo de uma elevação contra uma nuvem de estrelas. O'Rourke. Tinha que ser. As fofocas no alojamento falavam sobre seus passeios ao léu, inquietos, por toda a Triplo C. Mesmo sendo tio de Cat, o homem lhe dava nervoso. Mas pelo menos suas suspeitas haviam sido satisfeitas. Repp voltou-se e dirigiu-se para o alojamento.

Quando Ty fez a curva em direção aos degraus da frente, percebeu uma silhueta disparando nas sombras da casa e reconheceu o gorro branco tricotado. Não precisou muito para que adivinhasse onde a irmã fora e com quem. Não disse nada até alcançar a varanda larga que estendia-se por toda a frente da casa.

Não adianta se esconder, Cat. Já sei que você está aí - disse ele calmamente, ouvindo o farfalhar enquanto ela emergia das sombras, surgindo na varanda. - Encontrando-se às escondidas com Repp de novo? Uma noite dessas você ainda vai ser pega.

Papai é muito antiquado e rígido - disse ela com os olhos verdes falseando de ressentimento.

Você vai achar que ele é muito rígido quando descobrir que você está se encontrando às escondidas - avisou Ty, mas não estava com disposição de ser rigoroso com ela, assim deixou o assunto de lado. Havia muitas outras coisas em seu pensamento. Segurou a porta para Cat entrar, e em seguida entrou também. - Parece que alguém esqueceu a luz acesa no escritório. - Dirigiu-se até o vestíbulo.

- Acho que Strícklin está lá dentro - afirmou Cat, mesmo assim alterou o caminho para acompanhar o irmão e descobrir.

Stricklin abrira um livro e deixara-o caído sobre o braço da cadeira onde estava sentado. Limpava as unhas meticulosamente com um canivete. Ao ver Ty no umbral da porta, demonstrou um certo interesse.

- Oi, Ty, você está chegando agora? - Então, os olhos azuis inexpressivos o perfuraram. - Não sabia que Cathleen estava com você.

- É. Tivemos uma égua que ia dar cria - explicou secamente, consciente de estar lançando um álibi mútuo. - Esperamos não tê-lo incomodado.

- De jeito algum - garantiu Stricklin.

- Boa noite. - Ty saiu e encaminhou-se para as escadas, Cat seguindo-o de perto.

- Este homem é estranho - murmurou ela.

- Por quê? - Ty já se acostumara à maneira distante de Stricklin.

- Quem já ouviu falar de alguém que limpa as próprias unhas com um canivete sujo? - contrapôs com um vago meneio de ombros.

No topo das escadas, ele percebeu a faixa de luz sob a porta da suíte. Sentiu um aperto nos nervos, e se preparou expulsando os últimos vestígios de ternura. Não ouviu a voz baixa de Cat dizendo boa-noite enquanto pousava a mão na maçaneta do quarto.

A sala de estar estava vazia e às escuras, exceto por uma lâmpada solitária que jogava luz sobre a porta. Ty foi direto ao quarto, onde Tara estava sentada diante da penteadeira, passando um creme hidratante no rosto. Os olhos dela fitaram o reflexo do marido no espelho, friamente confiantes.

O tecido de cetim da camisola deixava expostos os ombros alvos delineando de forma sedutora os seios rijos e arredondados, os mamilos eretos pontudos sob o tecido. Era a sexualidade feminina tão insidiosa que chegava ao espalhafato. Irritou-o ver que ela não duvidara do seu retorno. Mas aquele calor que queimava os bons sentimentos parecia estar sempre Presente.

A calma da mulher o convenceu de que não estivera esperando-o. Ty acreditou nisso até que retirou o robe de cetim da cama para que pudesse sentar-se e retirar as botas. O robe ainda continha o calor do corpo dela, indicando que fora retirado nos últimos minutos. Ela não queria deixar transparecer que estivera à sua espera, outro de seus jogos.

- Fico contente de você ter voltado para casa antes que eu fosse dormir, Ty - fez ela, tampando o pote de creme. Saiu do banco e foi até ele, toda graciosa e sorrateira. - Queria dizer que sinto por algumas coisas que disse esta noite. Estava preocupada e fui dura.

Ty mal olhou para ela enquanto pronunciava seu discurso cuidadosamente ensaiado, recitando tão bem cada linha. Tirou as botas e colocouas ao pé da cama.

Incapaz de suportar por mais tempo o silêncio do marido, soltou uma gargalhada exasperada.

- Já pedi desculpas. Você não pode pelo menos dizer alguma coisa?

- O que quer que eu diga? - Ergueu-se e começou a desabotoar a camisa. - Sinto por muita coisa, mas isso não muda nada.

- Detesto quando brigamos, Ty. - Ela se aproximou e continuou a desabotoar a camisa dele, tão experiente e sedutora. - Vamos dar um beijo e trocar de bem - tentou persuadi-lo.

O calor do beijo dela fustigou-lhe a memória, a proximidade espicaçando-o. Era sempre assim; bastava ficar perto dela para recordar o fogo de possuir esta imagem de sonho. Havia algo de cego neste desejo.

E havia também o fato de amar por tanto tempo uma pessoa que não mais se conseguia parar de querer bem. Aparentemente por vontade própria, as mãos a acariciaram distraidamente, curvando-se sobre os ombros suaves. Quando a beijou, Ty sentiu o começo de uma revolta; então, ela se afastou.

Ele hesitou, mas não tentou retê-la. Talvez Tara tivesse sentido o gosto de Jessy nos lábios dele. As mulheres eram sábias em tais assuntos, descobrira. Soltou um suspiro e passou a mão nos cabelos.

Por dentro Tara fervia de ódio. Não compreendia o instinto que lhe dizia ter ele vindo diretamente dos braços de outra mulher. Mas tinha certeza. Fora alguma coisa na forma como a beijara, como se estivesse comparando. Só lhe ocorreu uma mulher... aquela puta da Jessy Niles.

- Ty... - Tentou conter a raiva, suavizando a voz.

- O quê? - Ela sentiu a voz dele pesada.

- Eu... - Tara girou sobre si mesma, observando o olhar dele percorrê-la. - Eu amo você. A dificuldade com seu pai... sei que de alguma maneira vamos superá-la.

- Não vou ficar contra ele - declarou Ty calmamente.

- Não. - Ela percebera que nenhum-grau de persuasão o levaria a isso. Era melhor que não o fizesse, agora que ela tivera oportunidade de considerar o assunto. Um distanciamento entre pai e filho poderia não redundar positivamente no futuro. Chase Calder era tão cabeça-dura que seria capaz de deixar seu mini-império para a filha, em vez de dá-lo a Ty. - Não posso pedir que faça isso, assim como você não poderia me pedir que desafiasse meu pai. Já compreendi seu ponto de vista. Mas você não precisa se envolver na briga... não publicamente.

- Acho que não. - Era um compromisso relativo. De súbito, sentiu-se muito velho e muito cansado e preocupado.

 

Nas duas semanas após a partida de Dyson, o tempo piorou. Aconteceu de tudo, da chuva copiosa a tempestades de neve, o vento de inverno feroz levando as temperaturas abaixo de zero. Às vezes, estabelecia-se ligeira pausa, mas em seguida o mau tempo voltava com toda a intensidade. Não havia proteção ou abrigo até que o tempo melhorasse. Era época de dar cria, uma operação contra o relógio em um tempo terrível, que se abatia sobre homens e animais.

Após duas semanas de dezoito horas por dia de trabalho, Ty estava magro e abatido, os nervos destroçados. Fitava com um olhar distante de inveja os olhos fechados do potro deitado em sua cama de palha, o corpo coberto. Cada respiração do animal era um som trabalhoso e áspero. Entrara no mundo prematura e repentinamente uma semana mais cedo, quando a mãe escorregou no gelo e caiu, fraturando ambas as pernas dianteiras. O potro fora retirado antes que a égua fosse sacrificada.

Como o potro era prematuro de duas semanas somente e com um suprimento de leite materno à disposição, havia uma grande chance de que o animal fosse salvo. Então instalou-se a pneumonia, e as chances de sobrevivência tornaram-se menores, com o passar das horas, as condições do potro deteriorando-se em rápida progressão.

Enquanto Ty assistia o animal, o ruído cessou. Passou-se um minuto completo até que seus sentidos embrutecidos pelo cansaço percebessem o silêncio na baia, e ele se desse conta de que o potro morrera. Encostou o queixo no peito, xingando silenciosa e amargamente. A perda de duas éguas e do potro praticamente eliminava qualquer chance de que a criação de animais de raça tivesse lucro naquele ano.

Ty ouviu o farfalhar da palha atrás dele, e levantou a cabeça, fatigado, voltando-se em direção ao som. Longas horas de vigília, aliadas a pouco sono nos intervalos, tornaram os olhos mais profundos e toldados, o chapéu puxado sobre a testa e a aba sombreando o rosto.

- Como está o potro? - O pai surgiu na baia, a respiração criando nuvens de vapor.

- Perdido. - com um ligeiro movimento do corpo, Ty virou-se de costas para o animal e saiu da baia para juntar-se ao pai. Não era preciso, tamPouco esperado, qualquer comentário. Havia muito mais trabalho a ser feito Para que se perdesse um tempo valioso discutindo a morte de um potro. Quer alguma coisa? - O pai raramente deixava a casa, dirigindo a maior parte das operações da fazenda de sua mesa ou através de instruções dadas a Ty, enquanto ficava trabalhando no problema do título da terra.

- vou de avião a Helena hoje à tarde. Depois de muitos adiamentos por causa do mau tempo, a reunião com aqueles funcionários de Washington foi marcada para amanhã de manhã - declarou, acrescentando: - Sua mãe vai comigo. Provavelmente estaremos de volta no fim da semana, se o tempo permitir.

- Tá. - Aquilo significava que Tara ficaria sozinha em casa. Teria que arranjar um jeito de permanecer mais tempo com ela, pelo menos fazer as refeições em casa. Não adiantava estimulá-la a visitar algumas esposas das redondezas. Ela só faria algo assim em último caso, e voltaria ainda mais descontente do que antes.

- Aonde você vai agora?

Ty se deteve, fazendo um esforço para responder.

- vou atravessar o campo até Juliana e verificar as coisas lá a caminho da sucursal Norte.

- Para encontrar Jessy Niles?

Ty empertigou-se. Lançou um olhar direto e duro para o pai.

- Arch está com problemas com o gerador. Mandei um grupo para lá consertá-lo.

- E aí você dá uma parada na casa de Jessy para tomar um café a caminho de casa. Não é essa a rotina? - Mais uma vez o tom de julgamento, a fala calma soltando bombas.

- Como Jessy trocou de turno e vai estar trabalhando nos galpões de cria quando eu estiver saindo de lá, provavelmente não vou para a choupana. - Ty respondeu indiretamente à pergunta implícita, sem confirmar nem negar.

- Está bem familiarizado com os horários dela, hem? - desafiou o pai, observando de perto as reações de Ty. - Nunca tive o costume de me intrometer em sua vida particular.

Ty perdeu a calma.

- Então fique fora agora! - explodiu, mal controlando a raiva.

- O falatório sobre você e Jessy já tinha chegado longe quando eu soube - afirmou o pai. - Não há fumaça sem fogo. Você é casado, Ty. Fez promessas a sua esposa e vai ter de cumpri-las. Não me importa o quanto é fumaça e o quanto é fogo. Simplesmente fique longe de Jessy Niles. Não vou tolerar desonestidades.

- Meu Deus, é o roto falando do esfarrapado! - Vibrava por dentro de tanto ódio com a ordem virtuosa. - Faça o que digo mas não faça o que eu faço, não é?

- Acho melhor você se explicar - avisou o pai.

- vou me explicar sim - prometeu Ty, a voz áspera e surda. - Em duas palavras... SallyBrogan. Ou você não se lembra daqueles tempos em que ficava com ela enganando sua esposa?

A mão enluvada do pai atingiu-o em pleno rosto, e Ty cambaleou para trás, batendo nos pilares do estábulo. Colocou a mão no queixo, massajeeando-o enquanto lançava um olhar faiscante em direção ao pai. Raiva e ressentimento agitaram seu sangue, levando-o a atirar-se sobre o pai em uma briga que levou ambos ao chão da baia, sacudindo-se em luta renhida como dois gigantes em combate mortal, um deles no apogeu da maturidade e o outro com a experiência da luta.

Gritos ecoaram em algum ponto do estábulo, seguidos pelo ruído surdo de passos correndo. Um par de mãos agarraram Ty, depois outras duas mãos, puxando e arrastando. A visão toldada do filho começou a registrar outras formas, operários do estábulo envolvidos na briga para amainá-la e separar os dois homens à força.

Lentamente voltou à sanidade, cheio de amargo remorso. Os pulmões buscavam ar quando Ty parou de lutar, sustido por dois homens. A boca cortada sangrava levemente. Enxugou-a com a luva, passando a língua pelos lábios, enquanto olhava ansioso para o pai. O Calder mais velho sacudiu os ombros com impaciência, retirando de cima dele as mãos que o seguravam. Ele também respirava com dificuldade, olhando o filho insistentemente. Por fim, olhou em torno para os trabalhadores.

- Deixem-nos - ordenou, em uma voz dura e ofegante. Seguiu-se um movimento inquieto de pés e olhares sendo trocados antes que começassem a lenta retirada do local da luta. Estavam todos bem longe antes que um dos dois se movimentasse ou quebrasse o silêncio pesado.

- Sally Brogan é uma amiga. - Ele apontou um dedo enluvado para Ty, delimitando o lar como sua casa. - Nunca mais sugira que fui infiel à sua mãe. Sally foi uma amiga quando precisei. E jamais houve algo além disso.

- Pensei... - Mas não importava o que Ty pensara, por isso não concluiu a frase. Abaixando-se, pegou o chapéu que caíra na briga e sacudiuo na coxa, retirando os talos de palha acumulados. Em seguida enfiou-o na cabeça, puxando-o sobre a testa, erguendo ligeiramente o olhar para fitar o pai. - Acho que estava errado - admitiu relutante.

- Claro que estava mesmo. - As palavras possuíam força, mas a expressão dura do pai suavizou-se um pouco. - Até que você não se sai mal numa luta.

O arremedo de elogio pareceu quebrar o constrangimento. Ty quase sorriu, mas o corte no lábio o fez estremecer.

- Para um velho, você também não está mal. - Pressionou um dedo sobre o corte, testando a dor que sentia, e estremeceu novamente.

Houve uma ligeira pausa e então:

- A respeito de Jessy...

- Não pergunte. - Ty balançou a cabeça. Naquele momento, ela era uma espécie de âncora para ele, estável e calma, e ele precisava daquilo.

- Isto não é justo para com ela - disse o pai. - Você só pode ter uma amante fora do casamento, Ty. E essa amante é a terra. Ela lhe dará toda a satisfação e toda a dor de cabeça que poderá suportar.

Saíram juntos do estábulo, caminhando a passos largos que se sincronizavam. Os operários da baia viram e assentiram aprovadoramente uns para os outros, suas preocupações aliviadas, agora que a rixa fora eliminada e restabelecera-se a harmonia entre a cabeça e o coração da Triplo C. Do lado de fora do estábulo, despediram-se para seguirem seu caminho separadamente.

- Avise Tara que hoje vou chegar a tempo para o jantar - disse Ty, erguendo a mão. - Boa viagem.

O monomotor rápido e brilhante fez uma volta, dirigindo-se para Oeste, rumo ao cinza lúgubre do tempo nublado. O barulho do motor atravessava as paredes e janelas da casa reconstruída. Culley ouviu e parou de cortar o rosbife em fatias, combinando o almoço atrasado a um jantar adiantado. Os sentidos aguçados reconheceram o ruído daquele motor. Largando a carne meio cortada, foi até a porta dos fundos e saiu.

Olhou para o alto, vasculhando o céu cinzento. Finalmente percebeu o aeroplano, as letras identificadoras mal visíveis àquela distância. Era um avião dos Calder, sem dúvida. Uma vez localizado o aeroplano, sentiu certa indiferença. Virou-se e entrou novamente em casa.

Foi só quando pousava o prato sobre uma toalha recém-lavada que um pensamento começou a importuná-lo. Analisou-o durante a refeição, lavou e enxugou a louça e em seguida saiu da casa e pegou um cavalo do curral para selá-lo.

Os consertos do gerador estavam quase concluídos. Ty deixou os dois mecânicos terminarem-no enquanto ia até o galpão das crias informar Arch Goodman da progressão dos trabalhos. Ao menos essa foi a desculpa que se deu para ir até lá.

Goodman estava trabalhando com os outros, ocupado no nascimento de um novilho.

- Pegue um café na garrafa térmica - convidou. - Logo estarei com você.

Uma mesa de papelão servia de bar, colocada em um canto abrigado do galpão. A meio caminho do café, Ty localizou Jessy apoiada ereta numa parede áspera, as pernas cruzadas à sua frente. Ty sentiu um leve prazer.

O corpo longo e elegante parecia mais arredondado, embrulhado na camada de roupas térmicas de baixo, além das duas camadas de roupa sob a jaqueta de inverno. Um cachecol dourado de lã envolvia-lhe a cabeça, com um chapéu marrom, encardido, sobre ele. Ela o viu e, a despeito da expressão de cansaço, lançou-lhe a sombra acolhedora de um sorriso. Ty teve que se conter para não ir diretamente até onde ela estava, detendo-se na mesa onde se encontrava a garrafa térmica, enchendo um copo de papel.

- Você devia sentar - ele observou sobre a borda do copo que levou à boca.

- Não. - A voz dela era alegre. - Não conseguiria levantar novamente.

com o tempo e o período do ano naturalmente atarefados, a quantidade de trabalho fora demasiada para que Ty conseguisse vê-la mais do que duas vezes desde o último momento em que haviam estado juntos, e todas ocasiões subsequentes se deram no limiar do trabalho. O peso pareceu aliviar-se em sua mente. Havia algo na companhia dela que produzia uma tranquilidade diferente de qualquer sentimento que já sentira com Tara. Ty não se deu conta da intensidade do olhar que lançava à garota até que ela desviou o olhar.

- Acho que estou suja e fedorenta, não estou? - admitiu com honestidade e alguma rebeldia. Os sentimentos eram evidentes no olhar lançado para ele. - Você não precisa rir desse jeito e me fazer sentir ainda mais imunda - ela protestou.

Agora sei que você é uma mulher - disse Ty, aproximando-se, um brilho de divertimento nos olhos. - Você está morta de cansaço e mesmo assim ainda se preocupa com a aparência.

- Achei que isso não devia importar. Você já me viu pior do que isso.

- Havia uma expectativa ansiosa na expressão do rosto dela, uma espera que sempre o incitava, como uma poderosa força contra a corrente.

- Para mim você está com a aparência boa - afirmou simplesmente, descobrindo que era verdade.

com um lenço em torno da cabeça e pescoço, não havia nada capaz de desviar o olhar de Ty das linhas fortes e limpas do rosto de Jessy. As rugas provocadas pelo sol formavam sorrisos em torno dos olhos castanhos e os traços arredondados das maçãs do rosto pronunciavam-se saltados. Os lábios grossos uniam-se harmoniosamente, generosos e atraentes. O olhar desceu mais, até a frente volumosa da jaqueta. Um sorriso repentino e súbito repuxou um canto da boca de Ty.

- Por que é que toda vez que olho para sua boca, automaticamente olho para os seios? - refletiu em voz alta com um tom de íntima familiaridade.

- Nunca peguei você olhando para eles. - Olhou-o de forma diferente.

- Todos os homens olham. Eles só procuram não ser vistos olhando - murmurou Ty, uma carícia preguiçosa surgira em sua voz. - Os seus são tão pequenos... pequenos e tão sensíveis.

Quando pousou a mão enluvada na superfície áspera próxima à cabeça de Jessy, a respiração dela se acelerou. Ele foi se inclinando, o olhar mais e mais desviado para a boca à sua frente. Tomada ao mesmo tempo de indecisão e imobilidade, ela estava fascinada e temerosa de interromper o encantamento.

Alguém gritou, e a voz soava próxima. Ouvindo o ruído surdo de botas galgando a cerca do curral, Ty tomou consciência do local em que se encontrava, empertigando-se e afastando-se dela, erguendo a xícara de café Para dar um gole rápido.

Ela sentiu-se oprimida, surgindo-lhe um olhar carrancudo de compreensão.

Vai começar, não é? - fez ela, sem esperar que ele perguntasse o que queria dizer. Ela vira o olhar de soslaio que ele lançara, aquela precaução peculiar de Ty. - Vai começar a pensar se fomos vistos juntos? Quem pode estar vigiando? Quando vai à minha casa, provavelmente você sente um ímpeto de estacionar atrás da choupana, onde a caminhonete não pode ser vista. E eu vou começar a colocar estores nas janelas. Mesmo assim, vamos pular a cada ruído.

A boca apertada de Ty denotava concordância.

- Está arrependida, Jessy?

Ela pensou por um instante sobre a pergunta, antes de balançar lentamente a cabeça.

- Não. Talvez seja errado. Mas nem mesmo isso eu tive antes. Não estou reclamando, Ty.

Mas ele sentia dúvidas e arrependimentos. Ela podia ver o que Ty pensava. O olhar apertado vasculhava o galpão e os trabalhadores. Jessy olhou por sobre o cercado, e um leve sorriso assomou em seus lábios. Desde que Ty aproximara-se dela, nenhum dos homens fizera uma pausa para tomar café e fumar.

- Todos eles sabem, Ty - disse ela, continuando a olhar. - Você não consegue esconder deles nada do que se passa nessa fazenda... não por muito tempo.

- Eles lhe disseram algo?

- Não e nem dirão. - Jessy fitou-o, calma e vagamente tolerante,

- Você devia saber que as coisas aqui não funcionam dessa maneira. Não. eles não vão se meter e vão me deixar resolver meus problemas. Não vão fazer julgamentos tão rapidamente quanto você poderia pensar. Vão esperar para ver.

- É por isso que você me olha desse jeito? Esperar para ver?

- Sei que você vai tomar uma decisão, ou então não é o homem que penso. - Parte dela até mesmo sabia qual seria a decisão. A influência de Tara sobre ele era forte; e um Calder vivia com seus erros, não os mostrava. Juntando esses dois fatos, o resultado era praticamente previsível.

Alguns na fazenda questionavam a habilidade de Ty. Ele fora criado e educado de maneira diferente. Alguns diziam que descartava as velhas maneiras muito rapidamente, em favor das novas - muito propenso a aceitar mudanças. O modo como deixava a mulher viajar sozinha erguera muitas sobrancelhas, diante desse exemplo de casamento moderno.

Mas grande parte do pessoal não se apercebia de duas qualidades que Jessy via - a agressividade e a determinação em vencer. Elas o tornavam duro, mais duro do que a maioria das pessoas percebia. Jessy os captara por sob aquela máscara de paciência. Ainda restava saber se essas duas características poderosas obscureciam a consideração de outras pessoas e coisas.

- Está na hora de voltar ao trabalho. - Ela se afastou da parede, engolindo o resto do café agora morno antes de atirar o copo de papel em um balde de cinco galões.

- Jessy. - A voz denotava ansiedade e preocupação, enquanto ela dava um passo que a aproximou dele.

- Sim. - Deteve-se.

Passou-se um longo momento ãe avaliação, e ela sentiu a intensidade dessa análise. Finalmente ele balançou a cabeça,

Nada. - Deixou-a passar. Queria mantê-la a seu lado, mas o pai estava certo: não era justo.

Quando Jessy afastou-se do canto do galpão, Arch Goodman aproximou-se, como se aproveitando a saída dela. Não se fez referência à preocupação de Ty. O peso das palavras de Jessy ainda ecoava em seu íntimo. Esperar para ver. Mas ele queria ser mico de circo se sabia o que todos eles finalmente veriam.

O rádio colocado no alto da geladeira na cozinha estava a todo volume. Tara cantarolava a melodia, enquanto ajeitava o patê no prato de servir. Era raro ter a oportunidade de planejar todo o jantar sozinha. Cozinhar para dois não chegava a ser um desafio, mas ela se consolava com a promessa silenciosa de que algum dia receberia convidados importantes em sua mesa, pessoas influentes no desenvolvimento da carreira de Ty para além dos limites da fazenda.

Ao se voltar para levar o patê até a geladeira, assustou-se com a visão de um homem de pé na cozinha. Tara teve a impressão de que ele se encontrava ali já há algum tempo observando-a. Um medo ameaçador percorreulhe o sistema nervoso ao reconhecer o homem magro e de olhos negros, os cabelos de um tom cinza-metálico. A casa-grande situava-se em uma colina, demasiado distante de outros prédios para que alguém ouvisse seus gritos, principalmente com o rádio naquela altura. Tara rapidamente baixou o volume.

- Há quanto tempo estava aí? O que quer? - perguntou, disfarçando a apreensão com a rudeza. O'Rourke sempre lhe parecera um homem muito estranho. Nunca o considerara ameaçador, mas tampouco estivera a sós com ele anteriormente. Surgira tão de repente, tão silenciosamente, que ela sentiu um calafrio de pavor.

- Onde está Maggie?

Um suspiro de alívio percorreu-a quando percebeu que ele procurava a irmã.

- Ela foi a Helena com Chase. Não devem estar de volta antes de sexta-feira.

Ele deu um passo em direção a Tara, os olhos negros fixos nela. Havia algo de quase ameaçador em seu rosto.

- Eles foram de avião?

- Foram. - Tara recuou levemente, desconfiada mas sem querer demonstrar alarme.

com súbito movimento de cabeça, ele olhou para o alto, como se pudesse ver o céu através da casa-grande. Algo nele se retesou, como um animal acuado e à espera.

- É melhor você ir embora - ordenou Tara. Nenhum homem jamais lhe parecera além de sua capacidade de controlá-lo. Mas ela não significava nada para O'Rourke. Não chegava a lhe causar qualquer impressão, o que também não era lá muito encorajador.

- Onde está Cat? Está na escola?

- Está. Mas Ty logo estará em casa - disse ela rapidamente, agarrando-se ao nome dele como uma espécie de proteção. Ainda não tinha certeza de contra o quê. - Por que não o aguarda na sala de espera?

- Não. - A forma como a olhou esfriou o sangue de Tara nas veias. Era como se estivesse sendo condenada por alguma coisa.

Não conseguiu suportar aquela situação e virou-se, a respiração alterada.

- Desculpe não ter tempo de lhe dar atenção, mas estou em meio às preparações do jantar e eu... - Repentina corrente de ar atingiu-a. Tara girou sobre si mesma a tempo de ver O'Rourke escorregando pela porta dos fundos. A contenção sobre suas emoções desvaneceu-se. - Nunca mais venha a esta casa sem bater! - A porta bateu sobre o desabafo amedrontado e Tara correu para trancá-la, sem se preocupar com o fato de suas palavras irem contra o costume da Triplo C.

A porta fechada exigiu uma explicação a Ty, quando este teve de bater para poder entrar em sua própria casa. Tara conseguira canalizar grande parte do medo em uma espécie de raiva, ao relatar o incidente da tarde com O'Rourke.

- Não posso suportá-lo - declarou, carrancuda. - E não vou permitir que entre e saia como bem lhe aprouver enquanto eu estiver sozinha.

- vou falar com ele - prometeu Ty para acalmá-la. - Mas não fez por mal. Só veio aqui para visitar minha mãe.

- Não interessa. Não o quero por perto. - Esfregou os braços, agitada, recordando o calafrio de pavor que sentira.

Ela lhe parecia vulnerável, necessitando de sua proteção. Ty aproximou-se por trás e envolveu-a em seus braços. Tara voltou-se, o rosto apoiado sobre ele. Ty sentiu mais uma vez aquela sensação de surpresa diante de beleza tão refinada e da maneira penetrante como o olhava. O chamado dos lábios vermelhos e suaves atraiu sua boca.

Na manhã seguinte, Ty subiu as escadas com uma pequena bandeja oscilante, na qual havia um copo de laranjada e uma xícara de café. Tara ainda dormia quando ele entrou no quarto. Pousou a bandeja na mesinha-de-cabeceira, sentando-se na borda da cama e dando-lhe um beijo para acordá-la. Preguiçosa, ela jogou os braços em torno do pescoço do marido, espreguiçando-se como uma gatinha sonolenta, ronronando.

- Não é possível que já tenha amanhecido. - Beijou-lhe o lábio inferior, evitando sentir cócegas com o bigode. - Volte para a cama.

- Não posso - disse ele, relutante. - Você me pediu para acordála antes de sair de casa agora de manhã. - Por um segundo, ela não conseguiu lembrar por que fizera tal pedido. Por fim lembrou-se de O'Rourke e seu desejo de não ficar sozinha em casa, dormindo, se ele decidisse fazer outra visita sem avisar. - Trouxe café e suco. - Ty empertigou-se e ela não tentou detê-lo.

- Que ótimo. - Ela se sentou na cama, ajeitando os travesseiros por trás das costas.

- Você vai estar bem?

- vou. Eu... - Tara hesitou. O pensamento de ficar sozinha em casa o dia inteiro de súbito pareceu-lhe incontrolável. Suas opções eram limitadas. - Acho que vou pegar o carro e dirigir até algum lugar, talvez até Miles City. Ouvi dizer que existe uma pequena galeria com trabalhos de artistas locais. Mas estarei de volta antes do anoitecer.

- Então provavelmente não virei almoçar - afirmou Ty. - Temos um grupo de novilhos doentes na sucursal Sul, e a infecção está se espalhando mais rápido do que a capacidade de Stumpy em isolá-la. É praticamente certo que ficarei lá a maior parte do dia. - Ty dirigiu-se para a porta, já bastante atrasado. - Não tranque as portas - alertou-a.

O veterinário irradiava simplicidade e cansaço em um rosto que carregava um olhar nem um pouco tolo, bem como uma bondade singela.

- A infecção por si só não é séria - disse a Ty, em um tom de voz fatigado e cortante de frustração. - Mas enfraquece os bezerros e os deixa vulneráveis à pneumonia. Portanto, estamos lutando em duas frentes. Os olhos piscaram ligeiramente. - A esposa de Niles avisou-me que era melhor que eu achasse algum remédio milagroso para curá-los, pois não há espaço para outro novilho doente na cozinha dela.

Ty soltou uma risadinha, não mais alarmado com a doença do que o veterinário.

- Ela é como Jessy. Colocaria todo o rebanho dentro de casa se isso os fizesse ficar bons.

- Mulheres de rancheiros são quase tão malucas quanto eles próprios - concordou o veterinário, mas desviou o olhar com a menção do nome de Jessy. Balançou a cabeça, chamando a atenção de Ty para o veículo entrando no quintal. - O que será que ele quer. - Um raio de sol refletiu-se sobre o emblema pregado no casaco de inverno do homem que desceu do carro. - com certeza gosta de que as pessoas saibam que é xerife. Do jeito que Potter era preguiçoso, nunca jogou seu peso por aí como faz o Blackmore.

- Provavelmente ele acha que um xerife deve jogar suas banhas por aí - murmurou Ty, ficando de pé e voltando-se para ver o funcionário caminhando em sua direção. - Você se desviou bastante de seu caminho, hem, Blackmore? - perguntou Ty preguiçosamente. - O que foi? Missão social ou oficial?

- Lamento dizer que estou em missão oficial - disse o homem. Ele parecia extraordinariamente solene, sem a habitual rispidez corrosiva, olhando em torno para os prédios do campo Sul.

- Se está procurando meu pai, ele não está aqui. Vai ficar em Helena durante uns dois dias - Ty informou-o.

Fez-se um longo e analítico silêncio.

- O avião dele não chegou a Helena - declarou bruscamente o xerife. A primeira onda de irrealidade atingiu Ty. - Ele caiu a cem quilômetros de Helena... em alguma região desabitada. Um pastor do local viu o aeroplano bater no solo e foi buscar ajuda. Um grupo de salvamento chegou ao local de manhã cedo.

- Como pode ter certeza de que era o avião dele? - O sentimento de incredulidade exigia a pergunta enquanto Ty olhava fixamente, sem se mover, para o xerife. Então, a segunda compreensão o atingiu. - Você não disse nada sobre sobreviventes.

- Seu pai foi levado para um hospital em Helena. A única informação que tive das autoridades até agora era de que ele se encontrava gravemente ferido.

- E minha mãe? - indagou Ty.

- Morreu na hora. - Inclinou a cabeça, incapaz de suportar o olhar de Ty. - Sinto muito.

A seu lado, o veterinário murmurou um atordoado "bom Deus".

Ty conteve-se, tentando suportar o choque que procurava rejeitar tudo que lhe haviam dito. Recolheu pedaços de dureza dentro de si, mas não deixou-se entregar ao sentimento... ainda não.

- Minha irmã. Ela deve saber. - A mente parecia separar-se de seus sentimentos. - vou passar na escola a caminho de Helena. Ela vai querer ir comigo. Minha mulher foi fazer compras em Miles City, acho. Você poderia enviar um comunicado a ela, xerife, pedindo que telefone para casa imediatamente?

- vou fazer isso - aquiesceu o xerife.

- Bill. - Ty lançou um olhar em direção ao veterinário, a voz tornando-se áspera. - Diga a Stumpy para tomar conta de tudo até eu voltar.

- Está bem, Ty - respondeu discreto, respeitoso e contido.

Ty sentiu uma fraqueza nos joelhos e pernas enquanto deixava os dois homens sem mais palavras e dirigia-se até a pick-up. Era uma longa viagem até à casa-grande, e ainda mais longa até Helena, com um desvio até a escola para dar a notícia a Cat. Até lá, teria de segurar seus sentimentos.

 

Problemas usam o tempo Impedindo-o de chorar seus mortos Olhe para a terra em busca de resposta Pois agora você é um verdadeiro Calder.

Todo o tempo em que permanecera ao telefone, Ty olhava fixamente a cadeira de couro vazia atrás da escrivaninha. A despeito do que a voz impessoal no telefone lhe dizia, era-lhe difícil acreditar que o pai se encontrava em alguma sala de cirurgia lutando pela vida. O sentimento da presença dele era demasiado forte naquela sala.

A voz concluiu seu relato. Ty agradeceu distraído e desligou. Imediatamente, a calma da casa insinuou-se e jogou seu peso sobre ele. O tremor recomeçou, e buscou um cigarro; entretanto, o casaco ainda estava abotoado e as mãos ainda enluvadas. Em uma espécie de agitação contida, retirou as luvas e desabotoou o casaco com movimentos bruscos.

Observou as mãos tremendo enquanto acendia o cigarro, em seguida aspirou profundamente a fumaça para dentro de seus pulmões. A ação pareceu quebrar a rigidez que o mantinha tão ereto. Apoiou-se na borda da mesa, retirou o chapéu e colocou-o sobre a escrivaninha, passando a mão nos cabelos como se tentando expulsar o conhecimento que o dilacerava.

Até respirar doía. Pegou-se ouvindo à procura de ruídos - qualquer ruído que lhe dissesse que havia vida na casa, e não simples ecos falsos de vida. O silêncio da casa parecia-lhe mais alto do que as palavras do xerife de que nunca mais ouviria a risada de sua mãe. A porta da frente se abriu, e Ty tentou espantar a depressão que pesava sobre seu corpo. Empertigando-se, voltou-se para o som de passadas rápidas.

- Ty? - Jessy estacou no umbral da porta. Durante um longo segundo, deixou-se ficar ali, olhando para ele, o casaco aberto. Ele parecia completamente retraído e arredio, barreiras invisíveis expulsando-a. Por fim entreviu o desespero avassalador nos olhos dele, e lentamente Jessy cruzou a sala, postando-se em frente a ele. - Soube mais alguma coisa sobre seu pai?

- Acabei de falar com alguém do hospital. - O cigarro tinha um gosto acre demais. Apagou-o no cinzeiro sobre a mesa. - Está no meio da cirurgia nesse momento. Eles falaram em múltiplas fraturas ósseas, possíveis danos na espinha, colapso dos pulmões e uma concussão. - Não havia emoção de qualquer espécie na voz dele, mas Jessy não se deixou enganar.

- Você vai tomar banho e trocar de roupa antes de sair - disse ela.

- Não vai para a escola desse jeito. Sua aparência só serviria para assustar ainda mais sua irmã.

- Não há qualquer maneira atenuada de contar-lhe.

- Nunca há - concordou Jessy. - Talvez, quando você estiver pronto para sair, sua mulher esteja de volta, assim ela poderá acompanhálo. Uma mulher saberia lidar melhor com as lágrimas de Cat.

- Como você soube? Como chegou aqui tão rápido? - Seus olhos pareceram tomar conhecimento dela, só naquele momento percebendo que ela deveria estar em outro lugar.

- As linhas telefónicas da fazenda estavam todas ocupadas a partir do momento em que você deixou a sucursal Sul. Vim assim que soube.

- Não havia motivo para dizer-lhe que saíra às pressas dos galpões de parto, parando em casa o tempo suficiente para colocar roupas limpas assim que soubera que não havia ninguém com ele. Talvez não fosse seu lugar, e talvez não fosse conveniente, mas ela não estava ligando a mínima para isso.

Ele estendeu a mão, tocando o rosto de Jessy como se para certificarse de que era real. No segundo seguinte, ela estava nos braços dele, colada em seu corpo. Podia sentir a tensão colossal dentro dele, ao que ela o apertou ainda mais, tentando absorver parte do que ele estava sentindo. Ty enterrou o rosto em seus cabelos.

- Não consigo acreditar, Jessy. - A boca movimentou-se contra os cabelos dela, as palavras pronunciadas em voz terrivelmente rouca e sofrida.

- Simplesmente não consigo acreditar que ela está morta.

- Eu sei - sussurrou, agarrando-o inteiro, chorando por ele porque ele não choraria por si mesmo. Sentiu o tremor que sacudiu os ombros de Ty.

O cheiro de Jessy era doce e forte, tocando-o profundamente. Enquanto em torno dele pesava a morte, ali estava a vida. Ele a abraçou com mais força, movendo a boca em direção à fonte de vida. Beijou-a rudemente, incapaz de saciar a sede ou encontrar o fundo do poço. A dor, ansiedade e vitalidade da vida misturavam-se no amplexo selvagem.

Ty sentiu o gosto das lágrimas dela e recuou, a respiração entrecortada. Lentamente, ela baixou a cabeça e enxugou as lágrimas antes que ele pudesse discerni-la. Ty curvou a cabeça, tentando ver o brilho dos olhos de Jessy e identificar as lágrimas, mas ela virou o rosto com um movimento brusco e rápido.

- É melhor você ir tomar banho. - A voz dela soou baixa mas serena.

Após um minuto de hesitação, Ty deixou o escritório. O telefone tocou e Jessy atendeu. A chamada foi a primeira de uma série de indagações. Jessy lhes disse tudo o que sabia. Após a última chamada foi até a sala de estar para ver o que atrasava Ty. Do jeito que as notícias corriam rápido, havia o risco de alguém da escola saber o que acontecera e inadvertidamente dizer algo à irmã.

Alguém abriu a porta da frente, e Jessy virou-se bruscamente. Um vaqueiro alto e magro retirava o chapéu.

- Repp, o que está fazendo aqui? - Ela cruzou o alpendre.

- Cat já sabe? - A preocupação em seus olhos era evidente.

- Não. Ty vai passar na escola para apanhá-la. E vai contar a ela.

- Você acha que... você acha que teria algum problema se eu fosse também?

- Creio que não. Tenho a impressão de que Cat vai precisar de você.

- Obrigado. - Pegou o chapéu e colocou-o firmemente. - vou esperar lá fora.

Quando Repp Taylor abriu a porta, Tara estava cruzando a varanda. Atirou um olhar de surpresa em direção ao rapaz. Então o brilho de seus olhos acentuou-se ao ver Jessy. Repp segurou a porta para ela, esperando até que Tara entrasse para que ele mesmo saísse.

Fez-se longo silêncio entre as duas mulheres, estudando-se uma à outra. A tensão interpunha-se pesadamente entre elas, tensão que o tempo jamais apagaria. O olhar vibrante e altivo de Tara conferiu-lhe preponderância sobre Jessy, reservada e silenciosa, ainda que alerta a cada mudança na expressão da mulher.

- O que está fazendo aqui? - perguntou Tara, mal disfarçando a hostilidade. O olhar faiscou de Jessy para as escadas. - Um policial me deteve e disse que havia alguma espécie de emergência na família. Ty se machucou?

- Não da forma que você está pensando - replicou Jessy. - Houve um acidente de avião. Maggie morreu e Chase está gravemente ferido.

- Que horror! - Por um segundo o choque da tragédia afastou os outros pensamentos.

- É verdade. Agora Ty está lá em cima, trocando de roupa para ir pegar Cat na escola imediatamente e ir ao hospital em Helena.

- E você o estava consolando, imagino. - O tom usado era duro e ríspido.

Jessy não se deu ao trabalho de retrucar a afirmação.

- Se me desculpar, sra. Calder, já vou indo. Agora que chegou não sou mais necessária.

- Acho que nunca foi - disse Tara, rispidamente, erguendo mais as maçãs do rosto.

- Fui, sim.

Tara contraiu-se diante do tom por ela usado.

- Você parece muito segura disso.

- E estou. - Jessy foi direta. - Você não gosta de ouvir isso, não é? Tara não perdeu a altivez enquanto fitava a rival com fria especulação.

- Mas espero que não pense que foi a primeira mulher que Ty usou Para se consolar. É claro que as outras não foram idiotas a ponto de achar Que isso significava algo.

- Por que você o deixa? - indagou Jessy, mostrando os primeiros sinais de descontrole. - Por que sai e o deixa sozinho? Está se arriscando demais. Não percebe que eu não estaria aqui se você estivesse em casa? Você está no sangue de Ty, não nego. Talvez fique feliz em saber. Mas não tenho respeito por você. Não consegue deixar de ser o que é e viver do jeito que quer. Só que você está magoando Ty. - Quer tê-lo e todo o resto também. bom isso é impossível.

- Para você também - retrucou Tara.

- A diferença é que sei disso. - Jessy acalmou-se novamente. - Se Ty perguntar onde estou - prosseguiu -, diga-lhe que fui até a casa de Ruth Haskell. Chase era como um filho para ela. Ruth está sofrendo muito.

com esta frase, Jessy passou por uma Tara silenciosa e empertigada, em direção à porta da frente, saindo da casa.

Assim que chegou ao hospital, Ty foi diretamente à unidade de tratamento intensivo. Tara seguiu-o, envolvendo Cathleen em um braço de apoio, a face da menina tensa e pálida, os olhos vermelhos e inchados de chorar. O nervosismo tomou conta deles ao deterem-se na enfermaria.

- Meu nome é Ty Calder. Meu pai... - Não lhe deram oportunidade de completar a frase, um homem com um jaleco de médico interrompeu-o.

- Estávamos esperando o senhor. - Passou uma prancheta de um dos pacientes a uma das enfermeiras, colocando a caneta no bolso do jaleco comprido. - Sou o dr. Haslind. Falamos ao telefone hoje cedo.

A voz no telefone parecera de um homem mais velho, mas Haslind aparentava estar no início dos quarenta. A despeito do ar de competência profissional que o tornava alto e empertigado, seu rosto denotava cansaço, sugerindo longas horas de tensão sem descanso.

- Meu pai... - A voz de Cat tremia, estridente. - Como está ele?

- Diante das circunstâncias; ele está reagindo tanto quanto se esperava. - A resposta fora desprovida de emoção, como se repetida automaticamente, o que a tornava sem sentido.

- Quais são as chances dele?

- Seu pai está vivo. - Esta parecia ser a única esperança que lhes podia oferecer, mas o médico relutou em dizer mais alguma coisa diante de Cathleen, visivelmente perturbada. - Serão necessárias outras cirurgias, mas teremos que aguardar até que o organismo dele esteja pronto para suportá-las.

- Hoje cedo o senhor mencionou a possibilidade de danos na coluna vertebral. - A possibilidade do pai ficar incapacitado era algo que Ty encontrava dificuldades em aceitar.

- Sim - assentiu o médico. - Há indícios de paralisia, mas neste estágio é impossível definir a extensão da paralisia ou se ela será permanente. É cedo demais.

- Quero vê-lo - pediu Ty.

- Claro. - Haslind assentiu novamente, desta vez dando permissão.

No entanto, devo limitar sua visita a dois minutos. Ty hesitou.

Ele sabe sobre minha mãe?

Após uma pausa constrangida, ele respondeu.

- Não. Não achei conveniente dizer-lhe quando o trouxeram hoje pela manhã.

- Doutor? - Uma enfermeira chamou-o em particular. Ele pediu licença e afastou-se, mas ambos ainda se encontravam ao alcance dos ouvidos de Ty. - O senhor pediu-me que avisasse quando o sr. Calder começasse a recobrar a consciência - dizia a enfermeira. - Ele está voltando da anestesia agora.

- Ótimo.

O barulho de algo se estilhaçando violou o silêncio da ala especial. Durante um segundo de choque, ninguém reagiu, limitando-se a olhar para a porta do quarto de onde o ruído parecia vir. Por fim, a enfermeira e o dr. Haslind dispararam ao mesmo tempo em direção ao barulho. Ty seguiuo de perto.

Ao empurrarem a porta e entrarem, Ty visualizou uma primeira amostra do problema que se passava no interior da sala. Uma enfermeira tentava atar um paciente inquieto a sua cama, e ao mesmo tempo evitar que ele arrancasse o conjunto de tubos e fios ligados a seu corpo. Ao lado da cama, uma mesinha fora virada, as garrafas de solução jogadas ao chão, ainda rodando com a queda.

A cabeça do paciente estava envolta em ataduras, assim como a maior parte do corpo nu, engessado praticamente da cintura para baixo. Uma infinidade de cortes e ferimentos tornavam seu rosto quase irreconhecível, a cabeça girando de um lado a outro em protesto frustrado contra a incapacidade de mover-se, impedindo que Ty obtivesse um olhar claro dele. Somente um braço parecia estar em perfeito funcionamento, enquanto o outro estava engessado; mas a julgar pelo dano que causara, um era suficiente.

No último minuto, ele conseguiu soltar o braço da correia, antes que a enfermeira pudesse afivelá-lo com segurança.

- Minha mulher! Por que não me dizem onde ela está? - A voz era tão fraca e rouca que mal passava de um sussurro. Finalmente ocorreu a Ty a ideia de que aquele homem machucado e ferido era seu pai.

O médico juntou-se à enfermeira, unindo esforços para subjugar com firmeza o paciente.

- Calder, você tem de ficar deitado em repouso - ordenou, impaciente. - Vários de nós trabalhamos duro para pô-lo novamente de pé. Você vai estragar tudo que fizemos.

Ty aproximou-se da cama em uma espécie de embriaguez, tentando reconciliar aquela pessoa com a imagem indestrutível do pai que carregava em sua mente. O homem que ele praticamente idolatrava, cujo respeito valorizava mais do que tudo. Tão duro, tão forte, tão indefeso agora.

- Tenho que saber se Maggie está bem. - Era quase como um pedido, diferente de tudo que já saíra de sua boca. O braço estava afivelado, mantendo-o imobilizado, no entanto ele ainda se contorcia em resistência. Ninguém o ouvia. Estavam demasiado ocupados tentando colocar tudo em ordem, erguendo a mesinha, reinserindo as agulhas nas veias e adaptando o equipamento monitor.

- Vamos nos concentrar em fazê-lo melhorar - disse o médico, numa resposta distraída ao pedido que ele lançava impaciente para a enfermeira que enchia uma seringa hipodérmica. O olhar do médico oscilou por sobre a cama até Ty, demonstrando irritação. - vou ter que pedir-lhe para sair.

- Não. - Uma voz determinada recusou, e o médico preferiu não discutir. Ty inclinou-se em direção ao homem na cama. - Pai? Sou eu, Ty. - A voz estava contida, toda a emoção retirada. - Você tem que fazer o que eles mandam.

Os olhos castanhos que se voltaram para ele eram os mesmos de seu pai, duros e penetrantes quando queriam. E agora eles estavam sendo, apesar do brilho de dor.

- Ty, eles não vão me dizer. Sua mãe... ela está viva? - o desespero rasgava sua voz fraca e grave.

Passou-se um longo instante antes que Ty conseguisse emitir uma resposta, a garganta demasiado apertada pela emoção.

- Acho que você já sabe a resposta, pai.

- Sei. - A palavra demorou a vir, tão suavemente que Ty quase não conseguiu ouvi-la. Uma névoa úmida cobriu os olhos castanhos do pai antes que os fechasse, ocultando as lágrimas.

- Sr. Calder - uma das enfermeiras retirou Ty, firme mas polidamente, do caminho -, vamos ter que colocar este tubo em sua garganta. Vai ser muito desconfortável, mas será mais fácil se o senhor não resistir.

Mas não houve resistência; o pai entregou-se em silêncio aos procedimentos das enfermeiras.

- É melhor o senhor ir embora - sugeriu a segunda enfermeira, interpondo-se entre Ty e a cama. - Realmente não há nada que possa fazer aqui. Leve sua família para algum lugar e tente descansar um pouco. Deixe um aviso do lugar em que pode ser encontrado e entraremos em contato com o senhor se houver a menor modificação no estado dele.

Era um sábio conselho, embora não fosse fácil convencer a irmã a fazer isso. Ela queria ficar no hospital para estar próxima do pai. Por fim, Ty cedeu quando Tara concordou em ficar com ela. Mas ele não podia se dar ao luxo de tal gasto. Havia muitas outras coisas requisitando sua atenção e tempo. Primeiro dedicara-se ao vivo; agora estava na hora de preparar tudo para a morta, e dar partida às providências necessárias para que prosseguissem os trabalhos na fazenda.

Já arranjara um lugar para ficar. Dyson tinha um apartamento em Helena para uso eventual, e Tara também possuía a chave. Ela a deu ao marido.

- Não o entendo - murmurou Cat, tensa, observando o irmão sair da sala de espera a passos largos. - Como ele pode sair enquanto nosso pai pode estar ali morrendo?

Pessoalmente, Tara animara-se com o controle sobre as emoções demonstrado pelo marido. Parecia uma ironia à afirmação de Jessy de que ele precisara dela.

- Acho que você não está levando em consideração a quantidade de responsabilidade que recai sobre ele a partir de agora. Ele tem de agir como a cabeça da família, além de assumir inteiramente a liderança da fazenda.

- Era a realização de um sonho de Tara, apesar do traço de culpa que sentia por regozijar-se nesta tragédia. - Há muitas coisas que tem de providenciar.

- Você quer dizer... para minha mãe, não é? - disse Cat, a voz baixa e atormentada pelo sofrimento; em seguida a agitação ergueu o tom. - Não é justo - protestou numa explosão de desespero. - Ela não tinha o direito de morrer! Não assim... sem avisar! Como é que ela pôde fazer isso com a gente?

Não havia lógica capaz de combater aquela rebelião amarga contra o destino. Emoções movidas pela dor estavam sendo liberadas através da raiva, assim Tara simplesmente deixou a garota resmungar até que as lágrimas chegassem. Então, ela tomou Cathleen nos braços deixando-a chorar até o ponto da exaustão e soluços.

A caminho do apartamento, Ty parou na funerária local para onde sua mãe fora conduzida, providenciando para que o corpo fosse levado para casa, onde seria enterrado no jazigo da família. Depois disso, havia uma longa lista de telefonemas a dar. Começou procurando o hotel em que Phil Silverton, o advogado que cuidava dos interesses dos Calder, se encontrava.

- Como está seu pai, Ty? - perguntou o homem, depois que Ty o localizou por telefone. - O hospital não deu muitas informações.

- Não muito bem - admitiu Ty, ainda lutando consigo mesmo para enfrentar a realidade. - Falei com ele rapidamente, mas... o médico não quer nem mesmo dizer quais as chances que tem.

- O que quer que faça a respeito daquela reunião com Hines do Ministério do Interior? Naturalmente, quando soubemos do acidente do avião, adiamos tudo. No entanto, sei que ele ainda se encontra na cidade.

- vou encontrar-me com ele - disse Ty. - Veja se consegue arranjar um horário amanhã de manhã.

- Certo. - A resposta fora afirmativa, seguida de pausa curta. Não ouvi qualquer palavra oficial sobre a causa do acidente. Uma testemunha achou que o avião teve problemas no motor. Seu pai conseguiu falar alguma coisa?

- Não, Não perguntei. - A causa era a última de suas preocupações. Ainda estava tentando lidar com as consequências do acidente.

- Ty... detesto trazer o assunto à baila, mas... algumas decisões precisam ser tomadas. Pelo que você me disse, seu pai vai ficar inativo por um bom tempo, mesmo se sobreviver. Você vai ter de ser autorizado a agir como cabeça da companhia. Existem duas possibilidades. Se o médico puder atestar que seu pai está consciente de seus atos, podemos fazê-lo assinar os documentos cedendo o controle da companhia a você. Ou então, podemos fazer uma petição e apontá-lo o defensor dos interesses dele. A primeira é a melhor, se for possível.

- Falaremos com o dr. Haslind de manhã. - Ty compreendia a necessidade daquela atitude. Em todos os sentidos, exceto de fato, ele já assumira o controle, mas torná-lo legal soava demasiado definitivo.

- Hoje à noite vou rascunhar um documento.

Após concluir seu trabalho com o advogado, Ty telefonou para Dyson em sua casa em Fort Worth. A despeito dos conflitos nos negócios, Dyson era o pai de Tara, consequentemente um membro da família que devia ser notificado do acidente. Ty deu-lhe os detalhes de que tinha conhecimento, sem enfeitar a realidade.

- Se houver algo que eu possa fazer por você neste meio-tempo, por favor, telefone - afirmou Dyson na despedida, desligando, grave com a notícia.

- O que foi? - Stricklin retirou os óculos do aro, recostando-se na cadeira para analisar o rosto sério do sócio.

- O avião de Calder caiu ontem. - Dyson ergueu-se da cadeira e cruzou a sala para servir uma bebida. - A esposa morreu.

- E Calder?

- Está em estado crítico. Stricklin foi até o telefone.

- vou entrar em contato com nosso piloto e preparar tudo para voarmos até lá.

- É, faça isso - assentiu Dyson distraidamente.

Ty telefonou para Stumpy Niles na fazenda, informando-o da situação; em seguida, fez uma chamada separada para a casa de Haskell. Jessy atendeu, e ele repetiu novamente as palavras que dissera com tanta frequência que haviam perdido seu significado.

- Como está Ruth? - perguntou ele, a voz grave.

- Não sei - admitiu Jessy, com um suspiro, preocupada. - Ela fica pedindo ao Vern para levá-la ao hospital para que possa tomar conta de seu pai, insistindo que Webb gostaria que ela fizesse isso. Fala de seu bisavô como se ainda estivesse vivo. Aí, fica divagando sobre as doenças que Chase teve na infância, das quais ela cuidou. - Fez uma leve pausa. - O médico lhe deu um sedativo, então espero que ela descanse.

Ty coçou a testa, tentando afastar o tédio.

- Alguém já foi até a casa de O'Rourke para avisá-lo do acidente? Eu devia ter feito isso antes de sair, mas... - Um suspiro soou e a frase ficou suspensa. Muitas outras coisas haviam suplantado qualquer pensamento em relação ao tio.

- Não, acho que não. vou vê-lo - ofereceu-se Jessy.

- Obrigado. - Só o som da voz dela já era, de alguma maneira estranha, tranquilizadora. Era a única coisa estável naquele cataclismo que o rodeava.

poucas estrelas brilhavam no céu negro da noite sem lua quando Jessy parou o carro no quintal da fazenda Shamrock. A casa estava às escuras, nenhuma luz nas janelas. Os faróis não evidenciavam qualquer sinal de vida no quintal; a luz que habitualmente iluminava o quintal não estava acesa. Ao sair do interior aquecido dapick-up para o calafrio noturno, a respiração de Jessy transformara-se em vapor. Ela encolheu os ombros contra a súbita queda de temperatura, olhando em torno em busca das sombras escuras do estábulo e do curral. Àquela altura, duvidava de que O'Rourke estivesse andando a cavalo. Voltou-se para a casa, e uma voz ecoou das sombras.

- Está procurando por mim?

Jessy girou sobre si mesma, olhando fixamente a escuridão, mal discernindo a forma negra imóvel num fundo igualmente negro. Nenhum ruído denunciava a presença dele, e ele não oferecia uma silhueta ao brilho fraco das estrelas.

- Estou sim. - Ela deu um passo em direção à voz, e por fim estacou. Por próprias razões, ele não queria ser visto claramente, ou teria se adiantado. Assim, Jessy não o pressionou. - Sinto muito, porém tenho más notícias. - Nenhum som incentivou-a a falar. Havia somente um silêncio de espera. - Houve um acidente de avião. - Sentia-se desconfortável, falando sem conseguir ver a pessoa a quem se dirigia. - Sua irmã... morreu.

Contra o negro formou-se um traço cinza. Um suspiro há muito contido foi solto. Foi a única reação enquanto o silêncio se prolongava.

- Ela virá para casa amanhã. - A voz suavizou-se de compaixão. Nisto não podia ser brusca. - Ty pediu-me para avisá-lo que o funeral será no dia seguinte. Ele mesmo teria vindo até aqui, mas está no hospital. O pai está gravemente ferido, e não têm certeza se sobreviverá.

- Ele vai sobreviver sim. - A voz que vinha das trevas soou pesada.

- Esses Calder têm tantas vidas quanto um gato. - A afirmação parecia mesclada a uma aceitação amarga.

- Sinto muito por sua irmã, Culley. Sei como você era apegado a ela.

- Jessy relutava em deixá-lo. Franziu o cenho, tentando penetrar as sombras e descobrir como ele estava recebendo a notícia. - Gostaria que eu ficasse um pouco? Talvez fazer um café?

Ele demorou a responder.

- Prefiro ficar sozinho - disse por fim.

Não havia mais nada a fazer, a não ser voltar à caminhonete. Ao manobrar sobre o caminho, os faróis iluminaram rapidamente a figura imóvel de um homem, as mãos nos bolsos do casaco escuro, a aba do chapéu sombreando o rosto.

Durante um longo tempo, Culley não se moveu. O som da pick-up desapareceu na noite e o silêncio envolveu-o, antes que finalmente a postura imóvel fosse quebrada. Ele ergueu o rosto para o céu, a umidade das lágrimas cintilando em seus olhos escuros. Soltou um gemido.

com um grito fúnebre, ele pronunciou seu nome.

- Maggieee! - A culpa recaiu pesada sobre ele, levando-o a cair de joelhos.

 

A multidão de pessoas assistindo ao funeral diminuíra, até que só restou a família junto ao túmulo. Todas as tumbas levavam o nome Calder, incluindo a mais recente, inscrita com as palavras Mary Elizabeth Calder, Minha Bem-Amada Maggie. Ty sentia intensamente a ausência do pai, quem mais a chorara.

Uma mão enluvada, delgada e suave, deslizou para dentro de seu cotovelo. Ty despertou para olhar a mulher, uma visão dramática em seu casaco de pele cor de ébano e um chapéu estilo turbante. O frio dera um tom rosado às maçãs do rosto, conferindo vivacidade à sua aparência.

- Está na hora de ir para casa. Cathleen já está no carro esperando por nós - ela estimulou docemente.

- Vamos. - Ele concordou com um suspiro profundo, colocando o Stetson preto na cabeça descoberta, puxando-o bem para baixo.

Juntos, voltaram-se e caminharam o trajeto congelado até o carro.

- Fiquei pensando se ele ia aparecer aqui, já que não foi à missa murmurou Tara.

Ty localizou seu tio Culley O'Rourke, o objeto de sua observação, enquanto ele contornava o pequeno cemitério em direção àpick-up. O terno preto que vestia o fazia parecer uma sombra negra e delgada. A cabeça baixa e uma aparência de completa solidão emanava dele.

- Tio Culley! - Cat o percebera também, mas o chamado passou despercebido. Ela saiu do carro e correu pelo caminho estreito entre os túmulos para interceptá-lo. - Tio Culley, espere!

Ele diminuiu o passo e por fim voltou-se para falar com Cat. O ar frio retirara um pouco do fôlego da sobrinha. Fez uma pausa para recobrar-se, enquanto perscrutava o rosto impassível. Em seus olhos havia uma sombra gelada, o único traço que revelava a extensão da dor do tio. Ela se enterneceu.

- Você quer vir para casa conosco? - Estranhamente, sentia-se falando com uma criança, apesar dos cabelos grisalhos. - Algumas pessoas próximas a mamãe vão parar na casa-grande para um café. Você deveria ir também.

- Não. - Balançou a cabeça devagar, o olhar deslizando por sobre ela. - Não sou bem-vindo lá.

A razão atordoou-a por um segundo.

É sim - insistiu Cat. - Você sempre será bem-vindo, do mesmo jeito que quando mamãe estava viva.

Nada mais é o mesmo.

Por favor, venha. Sei o quanto sente a falta dela. - A voz ficou

embargada, transformando-se num soluço. - E eu também.

Suavemente, da maneira como se acariciaria uma pétala delicada, ele tocou a bochecha de Cat. Em seus olhos havia um olhar de triste adoração.

- Você se parece tanto com ela.

Durante todo o funeral Cat lutara para conter as lágrimas, tentando revestir-se de uma privacidade adulta em torno de sua dor. Mas aos dezesseis anos ela ainda não era madura como desejaria. O pequeno gesto de amor de um homem tão solitário quanto seu tio deflagrou a dor terrível. Sem se preocupar em parecer infantil, atirou os braços em torno dele e apertou-o, enterrando o rosto no colarinho aconchegante do casaco do tio, necessitando do conforto silencioso de um par de braços em volta dela.

Culley apertou-a com força. A mágoa dentro dele era tão grande que respirar chegava a doer. Ainda assim, a maneira como a garota precisava dele era um consolo que preenchia uma lacuna. Ela era parte de Maggie. Ele ainda tinha isso. Um sorriso desmaiado chegou aos cantos de sua boca enquanto agradecia a Maggie silenciosamente por dar-lhe isto.

Mas também estava consciente do casal no carro observando-os. Como sempre, percebia tudo o que estava à sua volta. Suave mas firmemente, afastou Cathleen de si, enxugando as lágrimas que escorriam pelo rosto da sobrinha.

- Sempre estarei por perto se precisar de mim - prometeu. - Agora é melhor você ir. Seu irmão está esperando.

Ela começou a dar meia-volta, então deteve-se para pedir mais uma vez:

- Você não vem?

- Não. Não me sinto muito bem entre as pessoas - disse ele docemente, incitando-a a ir com um gesto de mão.

- vou visitar você... logo - prometeu Cat, dirigindo-se ao carro, olhando por sobre os ombros de vez em quando para vê-lo ali de pé, tão solitário.

- Você devia falar com ela, Ty - murmurou Tara, desaprovando a cena de emoção entre tio e sobrinha. - Não acho que esse tipo de coisa deva ser encorajado.

- Se fosse você, eu não me preocuparia. - Ele abriu a porta do carro, ajudando-a a entrar. - Eles só estão compartilhando sua aflição.

Quando Cathleen chegou ao carro, explicou:

- Pedi que viesse conosco até em casa, mas ele não quis.

- Provavelmente é melhor assim, Cat - disse Ty, indo até o lado do motorista.

Na casa-grande, Ty parou o carro e saltou para ajudar Tara e Cathleen, mas não as acompanhou até os degraus da frente. A meio caminho, Tara deteve-se para ver o que o impedia de segui-las.

- Você não vem conosco? - perguntou, incisiva.

- Não. vou dar uma passada para ver Ruth Haskell por uns minutos - explicou Ty. - O médico não permitiu que ela assistisse ao enterro, então pensei em fazer uma visita.

À primeira vista, parecia ser um gesto de preocupação, embora Tara não conseguisse deixar de lembrar que Jessy Niles fora consolar a velha mulher quando soubera da notícia do acidente. Não havia razão para achar que Jessy iria para lá após o funeral, mas a suspeita a importunava sem cessar, mesmo se parecesse inconcebível que Ty fosse capaz de ir à casa de Haskell na esperança de vê-la.

Ela atravessou a varanda até a porta da frente, deixando que Cathleen a precedesse. Estacou no umbral da porta para observar Ty se afastando da casa.

- Tara Lee, algo errado? - Stricklin aproximou-se da entrada, os olhos azuis inexpressivos olhando para o local onde a atenção dela se desviara.

- Não - respondeu rispidamente, voltando-se graciosa. - Nada não. - Entrou na casa, retirando as luvas com vivacidade. - Onde está papai? - indagou calmamente, e então o viu conversando com outras duas pessoas na sala de estar. Adiantou-se, finalmente senhora da casa-grande dos Calder.

- Oi, Vern. - Ty cumprimentou o homem de rosto soturno que o admitiu na casa dos Haskell. - Como está? - Retirou o chapéu e desabotoou os botões superiores do sobretudo.

- Mal. - O homem idoso e curvado apoiou-se em sua bengala, mancando até a cadeira. - Não que alguma vez eu tenha pedido simpatia. Declarou amargamente, abaixando seu corpo artrítico até a cadeira. - Você quer ver Ruth. Ela está deitada no quarto. - Apontou para uma porta com a ponta da bengala; em seguida, seu rosto assumiu uma expressão maliciosa.

- A garota Niles está com ela, o que talvez você soubesse e talvez não.

- Obrigado. - Ty deixou passar o último comentário sem replicar e dirigiu-se para a porta. Encontrar Jessy não fora o motivo que o levara ali, mas não podia negar o formigamento de calor que sentira quando Vern o informara que ela estava lá. Bateu levemente na porta, e a voz de Jessy convidou-o a entrar. Ao entrar e fechar a porta em silêncio, captou a luz nos olhos cor de avelã de Jessy, ficando contente. Os cabelos longos e lisos estavam amarrados no alto da cabeça, conferindo dignidade aos traços fortes. Usava um vestido de luto simples de lã azul, uma cor quente como o céu entre o entardecer e a noite.

Ty aproximou-se da cama onde a ainda mais magra Ruth Haskell estava sentada, apoiada em uma pilha de travesseiros. Uma colcha antiquada enfeitada com renda cobria-lhe os ombros ossudos.

- Oi, tia Ruth. - Usou o nome carinhoso com que Cathleen a chamava, inclinando-se para dar-lhe um beijo na bochecha murcha. - Como está se sentindo?

Estou bem. - Ele não conseguia lembrar de algum dia tê-la ouvido reclamar. - Eu também queria ir hoje. - As mãos trémulas agarraram as dele enquanto os olhos lacrimosos o fitavam. - Jessy me contou a cerimónia bonita que foi. Tanta gente! Eu só queria... - A voz fraca extinguiu-se aos poucos, por fim encontrando um novo assunto. - Sinto tanto por Chase.

Falei com o hospital hoje de manhã. Disseram que ele está bem melhor - Na verdade, a frase que haviam usado fora "está resistindo", no entanto ele preferiu ser mais otimista com Ruth.

- Ele é como um filho para mim. Que par de garotos eu tinha - declarou, sorrindo com a lembrança. - Chase e o meu Buck. Buck devia estar aqui. Ele sempre conseguia fazer Chase sorrir. Às vezes era tão abusado... e as histórias que inventava. - Ela estalou a língua em doce afeição, então recobrou-se lentamente e olhou para Ty. - Ele nunca quis fazer mal.

- Eu sei - disse Ty para tranquilizá-la, mantendo sua própria opinião sobre o assunto.

- Acho que devia tomar os remédios que o médico deixou para você, Ruth - sugeriu Jessy. - E ver se consegue dormir um pouco.

- Talvez fosse melhor - concordou Ruth, hesitante, demonstrando indecisão e a vontade de que lhe dissessem o que fazer.

- Aqui. - Jessy retirou duas pílulas do vidro e deu-as à mulher, em seguida encheu um copo d'água do jarro sobre a mesinha-de-cabeceira. Depois que Ruth tomou o remédio, Jessy rearrumou os travesseiros para que ela pudesse deitar confortavelmente, fechando as cortinas para que o quarto ficasse em penumbra.

- Depois venho ver a senhora de novo - disse Ty à mulher, saindo silenciosamente. Jessy o seguiu, parando logo depois da porta. - Você vai embora agora? - perguntou num sussurro.

- Não, vou ficar aqui até ela dormir. Soube algo sobre o acidente? Como ou por que aconteceu?

- Nada de concreto. Os relatórios iniciais dos escombros indicam como causa provável a quebra do tanque de óleo, mas eles ainda estão tentando determinar se a ruptura foi antes ou depois da queda. - E o pai só conseguira fornecer escassos detalhes às autoridades. - Tenho que ir. Havia uma relutância no tom da voz dele. - Tem algumas pessoas na casa e não quero deixar Tara sozinha fazendo sala.

- De qualquer maneira, acho que ela não se importaria - Jessy murmurou cinicamente.

Uma vaga irritação percorreu-o diante da crítica implícita.

- Você não a conhece o suficiente para julgá-la.

- Você ainda a defende - observou ela. Ela é minha esposa.

Eu sei - Jessy disse tranquilamente, voltando ao quarto.

Ty oscilou indeciso entre a raiva e o arrependimento, estendendo por fim a mão para a maçaneta da porta e saindo. O cenho franzido não passou despercebido a Vern Haskell, que sorriu para si mesmo. Sempre fora tratado como uma espécie de forasteiro pelos Calder, mesmo quando se casara com uma das antigas famílias. Quando seu filho liberara o lado mau, sabia que eles haviam posto a culpa no sangue dos Haskell, e não no bom sangue Stanton da família de Ruth. Fazia-lhe bem ver um Calder não conseguir algo que queria, e a pequena conversa com Jessy Niles obviamente não terminara como Ty planejara.

Um mês inteiro se passara desde o funeral. Entre as visitas ao hospital e o peso da administração da fazenda sobre seus ombros, Ty estivera ocupado de manhã à noite. Além disso, tivera reuniões com o advogado, relativas tanto ao título disputado dos três mil hectares de terra quanto à herança da mãe, complicada devido a algumas ações que ela possuía na Califórnia. Grande parte dos trabalhos burocráticos e relatórios haviam sido deixados de lado, acumulando-se. Incapaz de adiar o trabalho de escrita, Ty finalmente fechou-se no escritório para adiantar o serviço. Inicialmente, ele simplesmente deu uma olhada sobre a folha de balanço do mês e os extratos de lucro e prejuízo. Quando, por fim, os números foram registrados por sua mente, sentiu uma ponta de alarme. Foi até os arquivos e retirou os extratos dos seis meses anteriores para traçar uma comparação. A preocupação aumentou.

- Ty? - A porta do escritório abriu e Tara colocou a cabeça no interior, batendo em seguida na porta. Uma fita de seda azul tremeluzia em torno dos cabelos negros e da testa. - Posso interrompê-lo um minuto?

- Claro. - Ele soltou um suspiro profundo e apoiou-se no encosto da cadeira, quase agradecendo a intromissão que quebrara o turbilhão de números em sua cabeça. Ela atravessou o escritório, segurando algo atrás das costas. - O que é isso?

- Lembra-se daquela velha fotografia que você me mostrou há muito tempo? - Estendeu-a em direção a ele. - O homem do meio era seu tetravô, não é?

- É. Chase Benteen Calder. Meu pai recebeu o nome dele - declarou Ty, confirmando que o homem no terno de casimira fina era seu antepassado, ou assim lhe dissera o pai. - E daí?

- A mulher com ele... você não disse que ela era uma senhora inglesa? - apontou Tara.

- É. - Ele franziu ligeiramente o cenho, sem lembrar exatamente aquela parte da história. - Duncan ou Dunhill, algo assim. Naquele tempo, era comum um fazendeiro ter um financiador europeu, uma espécie de financista. - O olhar intrigado e curioso denotava certo divertimento. Por quê?

- Eu estava empacotando algumas coisas de sua mãe e fui até o sótão para ver se conseguia achar lugar em algumas daquelas arcas velhas lá em cima. Enquanto estava fazendo isso, achei isso aqui. - Ela mostrou uma segunda fotografia de uma mulher jovem. As pontas estavam queimadas, como se a fotografia estivesse em um incêndio. - Ela não lhe parece familiar?

A princípio, Ty não compreendeu o que ela queria dizer. Por fim, percebeu a semelhança entre as duas mulheres nas fotografias.

- É difícil de dizer, mas existe uma semelhança.

- Aposto que são a mesma pessoa - afirmou Tara; uma luz iluminou o olhar dela. - Sabe quem ela é?

- É a sra. Dunhill ou Duncan... esqueci o nome. Tara balançou a cabeça.

- De acordo com o verso da fotografia - disse ela, indicando a jovem mulher -, ela é Madeleine Calder, mãe de Benteen Calder.

- Ouvi dizer que ela fugiu quando ele era pequeno. - Ele franziu o cenho, duvidando da descoberta de Tara.

- Ela fugiu e obviamente casou com alguma família nobre inglesa e então retornou. Imagine só, Ty - declarou ela, com incontida impaciência. - Você descende da realeza britânica. bom, não exatamente. - Ela deu de ombros para afastar a falta de sangue real azul. - Mas um pequeno escândalo familiar é sempre mais excitante, especialmente quando ligado a lordes e ladies. Mal posso esperar até os Franklin chegarem no final de semana para contar a eles. Eles vão espalhar a história como rastilho de pólvora. Você vai ser o assunto de todos os que são alguém.

- Os Franklin?

O olhar perplexo de Ty provocou um traço de exasperação na boca de Tara.

- Ty, eu disse a você no jantar semana passada que os tinha convidado para o fim de semana.

Talvez ela tivesse dito, ele concedeu. Na maior parte das noites ele estava cansado ou preocupado demais para ouvir.

- Desculpe. Esqueci. Você sabe, é claro, que domingo vou estar no hospital.

- Certamente você pode adiar sua visita por um dia - instigou ela.

- Não posso. A temporada de rodeio vai começar - avisou. A consciência do horário repleto à sua frente parecia cutucá-lo, fazendo-o voltar a atenção aos relatórios mensais espalhados sobre a mesa.

- Então, isso quer dizer que não vamos ver nem mesmo sua sombra durante o fim de semana inteiro. - A impaciência era evidente em sua voz, afastando a fala arrastada que geralmente a suavizava. - Lyle Franklin Poderia ser muito útil a você. Coloque outra pessoa encarregada da supervisão do rodeio. Considerando o número de pessoas que você paga, uma delas deve estar qualificada para fazer isso. Se nenhuma estiver, está na hora de contratar alguém capacitado para a tarefa.

- O problema é meu e vou resolvê-lo - informou Ty pacientemente, correndo os olhos pelos malditos números sobre o papel. - Parece que já

tenho muitos problemas sem discutir com você.

- Problemas? O que quer dizer? - Ela captara com rapidez o tom de preocupação na voz de Ty. A expressão do seu rosto imediatamente tornou-se séria e atenta.

- Parece que a fazenda vem perdendo dinheiro gradativamente ao longo dos últimos meses. - Ele juntou os relatórios. - E acho que está na hora de descobrir desde quando isto vem acontecendo, e se é tão sério quanto parece.

- Não posso dizer que estou surpresa, considerando a maneira como seu pai administra esta fazenda - disse ela, tomando cuidado para que a crítica não se tornasse demasiado acentuada. - Ele paga pessoas que estão velhas demais para trabalhar. É um gesto muito nobre se você pode bancá-lo, mas seria bem mais barato estabelecer um fundo de pensão para eles. Muitos já deveriam estar aposentados há anos.

- Eles fazem o trabalho que conseguem - disse Ty e levantou-se da cadeira.

- Aonde você vai?

- Ver Bob Crane. Ele preparou estes relatórios, então será bem mais rápido ir direto ao fundo falando com ele para descobrir se é a folha de pagamentos ou outra coisa.

Após duas horas no escritório do contador, Ty descobriu a existência de diversos fatores que haviam contribuído para a atual situação.

- Como pode ver - apontou Crane -, se não fosse a renda dos poços de Broken Butte, não teríamos aguentado nem mesmo os últimos cinco anos. Teria sido uma luta sob condições normais, mas iniciar dois grandes gastos com o lote de engorda e a criação de cavalos de raça... a expansão veio simplesmente na hora errada.

- Posso ver isso - concordou Ty, carrancudo, consciente de que ambos eram seus programas.

- Claro, neste último ano houve custos legais anormalmente altos, devido àquela disputa de terra com o governo. E ela ainda não foi resolvida - lembrou o contador. - E este relatório não inclui os custos médicos que estão sendo contraídos todos os dias com seu pai no hospital. Ouvi dizer - ele fitou Ty, hesitante - que com as operações e a terapia que serão necessárias, a hospitalização pode durar um ano. Vai custar uma pequena fortuna.

- Meu pai devia ter visto o que estava acontecendo - ele insistiu, o rosto fechado em uma carranca.

- É verdade. Mas ele estava jogando com uma mudança para melhor no mercado do gado, o que não aconteceu.

- Parece que não há muitas opções - observou Ty -, exceto reduzir as despesas ou criar uma fonte de renda através de ativos que possam ser sacrificados.

- O problema é o tamanho disso - assentiu Crane. - Desculpe, Ty. Teria lhe dito algo, mas pensei que você via os relatórios regularmente.

- Eu os via, mas sempre separadamente. Nunca percebi o rumo que estavam tomando. - As extremidades do bigode caíam com a curva austera da boca de Calder. Ele enrolou os relatórios em suas mãos, batendo-os distraidamente sobre a mesa ao se levantar. - Obrigado, Bob.

Os passos de Ty soavam pesados quando entrou na casa-grande, sobrecarregado pelos problemas inesperados. Teria que tomar algumas decisões difíceis, que precisavam ser as mais acertadas. Foi diretamente para o escritório, jogando os relatórios sobre a mesa. Dirigiu-se até o bar e colocou uma dose de uísque, e em seguida caminhou em torno da enorme lareira de pedra com os chifres compridos de boi. Tara chamou-o, mas ele não respondeu.

- Ty, você não me ouviu? O jantar estará pronto assim que você tomar banho e trocar de roupa. - Ela surgiu no limiar da porta, detendo-se para examinar o marido imerso em pensamentos. - Más notícias? - adivinhou, cruzando a sala até ele.

- Não foram boas - admitiu ele, remexendo as cinzas na lareira em busca de carvão quente capaz de reavivar o fogo.

- Por que não me fala sobre isso? - Ela o fitava com certa complacência.

- Tenho de pensar um pouco. - Levantou o copo e tomou parte do uísque.

- Você pode pensar alto - incitou Tara, mascarando a sugestão com um menear de ombros. - Talvez eu possa ajudá-lo. Conheço algo sobre negócios. Sou filha de meu pai.

- Por baixo de todo o Dior e diamantes. - Ty zombou do elegante vestido de tarde que ela estava usando e dois brincos de diamantes.

- Existe um cérebro também. - Sorriu provocante, usando a combinação de astúcia e charme que tão bem a servia.

- Não duvido que você possua conhecimentos em certas áreas, mas não sabe como esta companhia é dirigida.

Ser considerada de forma tão superficial irritou-a.

- Compreendo que está sendo dirigida de maneira errada, ou não estaria com os problemas que você descobriu - retorquiu ela. - Não foi gerenciada como negócio, mas como uma sociedade beneficente onde tudo menos o lucro vem em primeiro lugar.

- Esta é uma fazenda de trabalho, e você não pode basear os procedimentos em lucros a curto prazo. É preciso buscar ganhos a longo prazo.

- A paciência já estava chegando ao fim.

- Como é que pode fazer isso quando a fazenda é dirigida com métodos de vinte anos atrás, senão mais? - argumentou Tara, mantendo no entanto um tom razoável. - Os tempos mudam, e os métodos têm de mudar junto. Você não vê mais bois de chifres longos pastando nessa terra, não é? - disse ela, esboçando um gesto em direção aos chifres torcidos sobre o consolo da lareira. - Você precisa começar a jogar essas ideias antiQuadas fora e a se modernizar. Essa fazenda precisa ser dirigida de forma mais eficiente.

- Você diz isso como se fosse a coisa mais fácil do mundo. - O músculo ao longo da mandíbula acentuou-se. - Estou diante do problema de ter de cortar os gastos ou criar uma nova fonte de renda, de preferência ambas. O tipo de programa que você está sugerindo seria de implantação desgraçadamente cara. E não posso cavar um poço como fazem alguns de nossos amigos texanos porque não há petróleo nem gás aqui!

- Mas existe carvão, Ty- replicou ela calmamente, olhando-o atentamente e contendo a impaciência que vibrava dentro de si. - Toneladas de carvão. O suficiente para torná-lo tão rico que não importaria se essa fazenda ganhasse um centavo. Você poderia se tornar o rei do carvão e do gado do país inteiro.

- Não - respondeu duramente, no limiar do ódio. - Você sabe muito bem o que meu pai pensa sobre a perfuração.

- Não importa o que ele pense. Ele não pode dizer nada. Você está encarregado - lembrou Tara, com a mesma calma intensa. - Você tem o controle absoluto de tudo.

- Por enquanto - observou ele, mesmo sem haver restrições de tempo nos documentos que seu pai assinara. O poder dele não tinha limite.

- Seja realista, Ty - insistiu ela. - Seu pai vai ficar hospitalizado por pelo menos um ano. E depois disso, você sabe tão bem quanto eu, ele nunca será capaz de suportar esse tipo de estresse e tensão. Haverá um limite para o que ele poderá fazer. Portanto, essa fazenda é sua de agora em diante. E vai depender de você a melhor maneira de dirigi-la.

- Já vai ser muito duro para ele quando souber que estou deixando de lado o processo para reobter o título da terra. - Ty olhou fixamente para o uísque no fundo do copo, uma tensão acumulada aparecendo em seu rosto. - vou ter que deixar o processo, pelo menos agora, para cortar os altos custos legais. Mas abrir a terra dos Calder por causa do carvão... aí já é outra coisa.

- Abrir a terra! Você faz a ideia parecer um pecado - Tara censurouo. - Isto aqui é lama e grama, que podem ser dispensadas. Você estudou tudo sobre regeneração da terra na faculdade, Ty. Não faça como seu pai, condenando a ideia sem considerá-la. Fale com meu pai; deixe-o mostrar seus planos. Sei que ele pode ajudá-lo, se deixar.

- vou pensar no assunto - afirmou sucinto, encerrando a conversação sem prometer nada.

- Meu pai virá aqui daqui a umas duas semanas. Posso telefonar e dizer que você quer falar com ele. Sei que ele arranjará um jeito de passar mais dois dias aqui - disse ela, confiante.

- Droga, Tara! Eu disse que ia pensar sobre o assunto. - As palavras quentes foram praticamente cuspidas. - Não me pressione! - Ele virou as costas para a lareira, colocando o copo de uísque sobre a mesa ao passar por ela.

- Aonde você vai?

- Para algum lugar onde possa pensar em paz. - Ele agarrou o chapéu e enfiou-o na cabeça, puxando a aba sobre a testa.

Ela ficou gelada de raiva.

- Onde é esse lugar? A cama de Jessy, talvez? - sugeriu, sarcástica.

A frase o fez parar. Empertigou-se e franziu o cenho por sob uma máscara de indiferença.

- Eu ainda não tinha pensado nisso até você mencionar esse lugar, pode até ser que eu vá para lá.

A resposta totalmente inesperada inflamou-a.

- Então vá para ela! E vá para o inferno no caminho! - O orgulho ferido insistia em rejeitá-lo antes que ele sumisse das vistas dela. Quando os passos largos o levaram para fora do quarto, ela sentiu o ímpeto de ir atrás dele. - Você é um idiota, Ty Calder! - declarou ela, a voz zangada e trémula. - Posso lhe dar muito mais do que ela! Ela jamais conseguirá ajudá-lo como eu!

A porta bateu com violência. Tara estacou, explodindo em soluços impotentes de dor e fúria. Um leve ruído veio da sala de jantar. Tara olhou bruscamente em torno, retesada, tentando conter suas emoções. Era a jovem esposa do vaqueiro, que cozinhava e arrumava a casa para ela, de pé, hesitante na soleira da porta.

- Desculpe - disse ela. - Estava vindo perguntar sobre o jantar. A humilhação inundou-a, quando Tara percebeu que a mulher ouvira

quase tudo. O pensamento da história sendo espalhada pela fazenda era insuportável. Afinal de contas, nenhuma das mulheres gostava dela. Contariam tudo simplesmente porque ela era alguém e elas não.

- Saia! - As mãos crisparam-se, transformando-se em punhos rígidos a seu lado. - Saia da minha casa! - Ela estava quase gritando. Não quero ser espionada! Saia imediatamente!

Conseguiu controlar-se até a mulher desaparecer da sua frente. Aí, ela começou a descontrolar-se.

- Odeio você. Detesto tudo isso. Detesto esse lugar e essa terra! O telefone tocou, forçando-a a controlar os soluços amargos, tentando

engoli-los. Fez um esforço para reobter sua pose enquanto caminhava ereta até o telefone, fungando e enxugando o rosto.

- Residência dos Calder. Aqui fala a sra. Calder. - A voz saiu tranquila e controlada.

 

A bainha do robe de chenile cor de chocolate roçava os calcanhares de Jessy ao sair do banheiro, fresca após um banho, os pés descalços deixando marcas úmidas sobre o linóleo. Secou os cabelos longos e molhados Vigorosamente, espalhando gotas d'água sobre o assoalho.

Quando ela entrou na cozinha, imediatamente sentiu uma presença. Antes mesmo de vê-lo, já sabia que Ty encontrava-se na sala. Era algo no ar que instintivamente captava. Ele estava de pé imóvel no umbral da porta dos fundos, manuseando a copa do chapéu. O desordenamento dos cabelos escuros e pesados evidenciava a presença dos dedos enfiados por entre a massa de cabelos; os olhos toldados estavam atentos e pensativos.

- O café está fresco. - Jessy parou de esfregar os cabelos com a toalha. - Sirva-se.

Houve uma ligeira hesitação; por fim, ele pendurou o chapéu num prego ao lado da porta e desabotoou o casaco, abrindo-o. Uma certa energia represada parecia esconder-se por trás de cada movimento, enquanto ele pegava uma xícara na prateleira do armário, colocando café. Voltando-se, apoiou-se no balcão e sorveu pequenos goles de café, observando-a. Jessy podia sentir os olhos seguindo-a enquanto dirigia-se à geladeira.

- Ia mesmo fazer alguma coisa para o jantar. - Ela colocou a toalha molhada em volta do pescoço e abriu a porta da geladeira. - Já comeu? - Pegou um pacote de bife congelado e um prato de batatas cozidas.

- Não. - Ty mudou de posição quando ela os colocou no balcão ao lado dele.

- Que tal um hambúrguer e batatas fritas? - A despeito de toda a calma exterior, ela sentia os nervos à flor da pele.

- Pra mim, não. - Pousou abruptamente a xícara. - Jessy. - A voz era grave e insistente.

Quando ela ergueu os olhos, ele a pegou pela cintura e a puxou para junto de si com uma ânsia que fez o sangue de Jessy correr mais rápido nas veias. A boca de Ty mergulhou com ímpeto sobre seus lábios. As extremidades do seu bigode arranhavam a pele de Jessy enquanto a boca colava-se à dela. Sentiu as mãos dele penetrando em sua carne e os braços dele apertando-a contra o corpo longo e musculoso. A única separação entre eles era o espesso casaco de Ty. A força em ebulição dentro dele não dava trégua, era brutal em suas necessidades.

A raiva penetrou-a como faca de dois gumes. Contorceu-se para longe do beijo dele, afastando-se para lançar um olhar faiscante, a respiração descompassada com a pressão sufocante.

- Você brigou com ela, não foi? - acusou Jessy. - Por isso está aqui.

- Estou aqui. Não importa por quê- insistiu ele.

- O cacete, que não importa! - explodiu, terminando por sair dos braços dele. O robe de chenile enrolou-se em suas pernas longas, enquanto ela dirigia-se a passadas largas à porta dos fundos, abrindo-a com gesto brusco, indiferente ao ar frio em seus pés descalços. - Fora!

Cruzando a cozinha, ele fechou a porta com estrondo.

- Não vou merda nenhuma! - Lançou-lhe um olhar duro e consciente. - E você não quer que eu vá.

- Claro que quero, merda! - A mesma imprecação era lançada de um lado a outro, vontades determinadas entrando em conflito e sendo retribuídas.

- É uma merda - disse Ty entre dentes, agarrando-a novamente, ignorando a resistência vigorosa que ela oferecia. - É uma merda querer e não ter o direito de querer. É uma merda estar com você e saber que é errado.

Desta vez, quando a boca de Ty roçou os lábios de Jessy, o desejo era algo evidente - insistente e manifestando-se com a língua. Ela sentia-se indecisa - querendo e não querendo Ty, adorando e odiando aquele momento. Mas ficou com o beijo.

As resistências dentro dele começaram a se desfazer. Este desejo cego e injusto, sem consciência, tomava conta. Decidiu-se levá-la além dos limites que ela tentava impor. Amoldou-a contra seu corpo, sentindo os movimentos que haviam tomado conta do corpo de Jessy, tornando-o flexível e leve.

Como se percebendo o que estava acontecendo, ela cortou o beijo. Enfiou os dedos no casaco dele, virando a cabeça para o lado. Em seguida, ergueu o rosto, expondo o pescoço e a abertura na frente do robe, os seios pequenos pesando sob o tecido.

- Às vezes odeio você, Ty Calder - disse. O brilho nos olhos denotava um misto de raiva e lágrimas.

Por fim, ela se jogou por sobre ele com a mesma agressão feroz por ele demonstrada, a boca faminta e exigente enquanto terminava de abrir o resto do casaco. Ty tomou-a nos braços e carregou-a até o primeiro espaço vazio que encontrou, o grande tapete trançado diante da lareira. As chamas amarelas crepitantes forneciam suave luminosidade à cena.

Ele pousou-a sobre o tapete, a boca presa à dela, enquanto desabotoava-lhe o robe. Ela terminou de arrancá-lo com um movimento dos ombros, ao mesmo tempo em que Ty o puxava pelos braços, deixando-o caído por trás dela, sobre o tapete. Em seguida foi o casaco dele, as roupas e as botas que formaram uma pilha no chão enquanto ela se apoiava no robe feito almofada sobre o tapete, vendo-o despir-se.

A luz da lareira tornava o corpo nu de Jessy dourado, sombreando suas reentrâncias e jogando luminosidade sobre as curvas arredondadas. O cabelo ainda molhado fora retirado de seu rosto, delineando seus traços fortes e bem desenhados. Os braços longos o envolveram quando ele se aproximou de Jessy.

O calor aumentava em seus corpos, a pressão surgia de dentro para fora e de fora para dentro enquanto Ty beijava-lhe dos lábios aos mamilos, encontrando um porto seguro em ambos. Ela se contorcia por sob ele, e os quadris dela excitavam-no.

Havia harmonia no acasalamento, algo de natural e bom na junção dos dois. A sensação percorreu-o, doce e clara como o ar após a chuva. E assim ela o fitou quando rolou para cima dele, sentando-se sobre ele, os dedos dele entrelaçados com força, os movimentos dela graciosos como os de um salgueiro. A sensação de força que ela passava originava-se da terra Que a criara, altiva e indomável.

Em um instante de consciência, Ty compreendeu que a força do corpo de Jessy e seu espírito consistiam em algo que Tara jamais alcançaria. Ele podia ser rude e enérgico com Jessy porque sabia que ela retribuiria da mesma forma, senão até mesmo melhor do que recebera. Mas Tara se assustaria com tanta emoção. Ela não saberia dar todo seu amor daquele jeito - daquele jeito.

O peso e os braços dele a levaram de volta ao tapete, e o vigor que impulsionava seus desejos fizeram-na emitir os sons que lhe saíam da garganta. Uma sensação ardente mergulhou ambos num fluxo de bem-aventurança; as mentes deixavam de funcionar e os corpos faziam toda a comunicação necessária.

Enfiando os braços nas mangas do robe, Jessy amarrou o laço que o fechava. Enfiou a mão nos cabelos quase secos do pescoço, tirando-os de sob o robe. Ty surgiu calmamente na sala de estar, descalço e nu da cintura para cima, somente com as calças Levi's. Jogou-se sobre o tapete trançado onde ela estava sentada, entregando-lhe a escova que ele segurava.

- Você está suando - observou ela, pegando a toalha para secar o brilho da transpiração sobre as áreas musculosas dos ombros dele.

- É o fogo - murmurou, uma luz preguiçosa acendendo-se em seus olhos.

- Qual deles? - indagou Jessy em uma voz seca e provocante, colocando a toalha de lado para desembaraçar os cabelos.

A mão dele a deteve, arrastando-a, persuasiva, incitando-a a deitar-se novamente. Ele estava apoiado sobre o cotovelo, e ela abaixou-se de forma a descansar a cabeça sobre o antebraço musculoso. Os olhos meio fechados estudaram-na enquanto ele traçava lentamente um círculo, da maçã do rosto até a mandíbula e daí até os lábios, onde a pele estava irritada, devido aos arranhões do bigode.

- Ainda me odeia?

Um sorriso leve permaneceu nos lábios de Jessy, mas a luz de seus olhos tornou-se sombria.

- Às vezes. - Brincou pensativa com a escova. - Parece que eu odeio e não odeio você desde que o conheço.

- Por exemplo?

- Aquela vez em que você me beijou de brincadeira,«... mais umas duas vezes. - Mas ela preferiu não especificar.

A severidade tomou conta da expressão de Ty.

- Como quando me casei com Tara, suponho.

- Esta foi uma delas. - Jessy sentou-se novamente para terminar de escovar os cabelos. Ty girou em busca do maço de cigarros no bolso da camisa.

Fora tudo infinitamente agradável e confortável entre eles. Agora a velha irritação voltara, as dolorosas pontadas de culpa e constrangimento. O fósforo não acendia e ele praguejou amargamente a meia voz. Por fim, simplesmente segurou a caixa de fósforo e o cigarro numa das mãos, o fósforo em outra.

- Tentei afastar-me disso. Você sabe, Jessy.

- Eu adivinhei - ela admitiu, nenhum dos dois olhando para o outro. Ela parou de pentear os cabelos e estudava-lhe os pêlos escuros.

- Não é justo com você - disse ele.

- Acho que a decisão é minha sobre se é ou não justo.

- Talvez eu saiba que você merece mais do que está recebendo.

- O velho Nate Moore certa vez me disse que nunca se devia falar demais de barriga vazia. - Jessy desdobrou as pernas, ficando de pé. Tem certeza de que não quer mudar de ideia sobre o jantar?

Era uma troca deliberada de assunto, em que ela evitava um tema que não queria discutir. Ty soltou um suspiro forte, admirando a coragem inflexível dela. Nenhuma vez ela lhe pedira para mentir ou fazer promessas sem sentido.

- Não, obrigado.

Quando ela se dirigiu para a cozinha, o telefone tocou. Mudou de direção para atender, mantendo a frente do robe fechada, mas a parte inferior aberta sobre suas pernas longas e bem torneadas.

- Oi, pai - ela respondeu, assim que reconheceu a voz do outro lado da linha. - Quais são as novidades?

- A sra. Calder acabou de me telefonar. - A voz dele soava ríspida.

- Ela estava à procura de Ty e tinha grandes desconfianças de que eu poderia saber onde encontrá-lo. Ele está aí?

- Ty? - Ela repetiu o nome por causa dele, e o viu erguendo a cabeça interrogativamente em direção a ela.

- É Ty. - afirmou o pai, nada paciente. - Se estiver aí, diga-lhe para ir para casa imediatamente.

- O que houve? Aconteceu alguma coisa? - As perguntas dela puseram Ty de pé, cruzando o quarto para tomar-lhe o telefone das mãos.

- O que foi, Stumpy? - indagou ele. Uma carranca de surpresa surgiu em seu rosto. Cobriu rapidamente o bocal do aparelho para contar a Jessy. - É minha irmã. Ela desapareceu da escola. - Voltou-se ao telefone. - Já estou indo. - E desligou.

- O que quer dizer com desapareceu da escola? Ela foi raptada ou fugiu simplesmente? - quis saber Jessy.

- Não sei. - Ty pulava em um pé só, tentando enfiar as botas. Tara não lhe deu detalhes. Maldição, era só o que me faltava. Se ela fugiu, eu vou torcer aquele pescocinho.

- Então o Sr. Niles conseguiu localizá-lo. - Tara fervia quando ele atravessou a porta da frente. Ela vestia um negligê preto fino e um robe combinando, com enfeites formando a gola e correndo pela frente da camisola.

- Se você fizer isso outra vez, eu deixo você - ameaçou, a voz tremendo.

- Que história é essa sobre Cat? - perguntou Ty. - O que aconteceu com ela?

- Não sei. Telefonaram da escola, logo depois que você saiu, dizendo Que ela desaparecera. Eles não sabem há quanto tempo - respondeu com ódio.

- Ela fugiu ou o quê? - No momento estava mais preocupado com a irmã do que com o ódio da mulher.

- É o que parece, mas eles não têm certeza. Acham que duas amigas disfarçaram a ausência dela desde hoje pela manhã - explicou Tara, sucinta.

- Meu Deus, ela sumiu há tanto tempo? - A carranca acentuou-se com a raiva e ele cruzou a sala em direção ao telefone, tomando-o para discar um número. - Quem fala? - perguntou, quando uma voz respondeu.

- Jobe, arranque Repp Taylor do alojamento e mande-o vir à casa-grande agora! E se ele não estiver lá, quero que você venha aqui no lugar dele!

- É claro que você não está pensando... - ensaiou Tara.

- Vindo dela, eu não duvidaria de nada. - Ty interrompeu-a, pousando o fone para deixar a linha livre, em seguida discou outro número.

- Está telefonando para a polícia?

- Não. Ela pode ter ido ao hospital ver papai. - Aguardou impaciente que alguém respondesse. A telefonista do hospital atendeu e passou-o à enfermeira desejada. A resposta à pergunta inicial redundou num fluxo de mais indagações. Quando Ty se satisfez, nada mais podendo ser esclarecido, desligou. - Cat estivera lá no final da tarde. - Passou distraído a informação a Tara, os pensamentos tomando outro curso. - Saiu pouco depois da troca de turno. Pelo que eles se lembram, ela não estava acompanhada e não falou nada sobre voltar mais tarde.

O ruído surdo de botas atravessando a longa varanda infiltrou-se pela casa. Ao ouvir a aproximação de alguém, Ty olhou criticamente para a aparência de Tara.

- Vá lá para cima e coloque alguma coisa decente. Não quero que você fique andando por aí vestida desse jeito diante de meus empregados - declarou, tenso.

- Não imaginei que você ao menos tivesse percebido o que eu estava vestindo. - E trocara de roupa por causa dele, em uma vã tentativa de demonstrar que sentia falta dele quando saía de casa.

- Esse era o objetivo, não? - zombou mal-humorado. Tara girou sobre si mesma, até mesmo aquela satisfação perdida enquanto dirigia-se para as escadas. - Quando descer, faça café. Vai ser uma longa noite observou Ty.

A ordem enfureceu-a ainda mais. Ele a estava tratando como a uma empregada. Talvez outras esposas de vaqueiros esperassem os maridos como pequenas escravas, mas ela era diferente. Ela possuía talentos, para ele mais valiosos do que qualquer coisa que aquelas mulheres pudessem lhe oferecer, e ela sabia disso. Não ia ser reduzida à posição de servir-lhe café. Chegando a seus aposentos, Tara permaneceu lá.

Após observar a raiva de Tara, evidente em sua postura, Ty virou-se para as portas que se abriam para dar passagem a dois vaqueiros. Repp Taylor vinha à frente, com uma expressão de surpresa no rosto, com Joe Garvey seguindo-o de perto, completamente curioso com a convocação urgente de fim de noite.

- Jobe disse que você queria falar comigo imediatamente - iniciou Repp. fazendo um gesto em direção ao homem atrás dele.

- Vim junto para o caso de você precisar de mim - acrescentou Jobe, explicando rapidamente sua presença.

Ty não perdeu tempo, o olhar penetrante pousado em Repp Taylor.

- Onde está Cathleen?

- Cat? - Um olhar de espanto surgiu em seus traços finos. - Ela não está na escola?

A reação parecia verdadeira. Ty atirou uma pergunta sobre Garvey, capataz do grupo com que Taylor trabalhava, sem desviar os olhos do vaqueiro mais velho.

- Onde Taylor estava hoje?

- Estava aqui mesmo na sede, conferindo os trabalhos junto com o resto de nós. - O atarracado Garvey franziu o cenho; as rugas aprofundavam-se em sua testa.

- O que aconteceu com Cat? - perguntou Repp.

- A escola nos informou que ela não está lá - declarou Ty, continuando a buscar algum sinal de que Repp sabia mais do que estava dizendo.

- Parece que fugiu, e pensei que você poderia... saber alguma coisa.

- Por tudo que é... - Repp virou a cabeça, contendo o resto da exclamação com visível esforço. Por fim, balançou lentamente a cabeça, desacorçoado, como se o fato estivesse além de sua compreensão. - Não estou sabendo de nada. Desde o acidente ela vem falando em fugir da escola, mas juro que nunca pensei que ela faria isso.

- Por quê? Ela deu uma razão? Repp deu de ombros, vago.

- Ela queria ficar na fazenda e falava em arranjar um tutor se não conseguisse sair da escola. A perda da mãe e tudo o mais... acho que ela ficou com medo de que acontecesse algo com o pai ou você. E queria estar em casa se acontecesse.

- A idiotinha - resmungou Ty, finalmente convencido de que a explicação era tudo que Repp sabia. - Ela foi ao hospital. Onde está, ou o que pretende fazer depois disso não sei. - A voz era severa. - E as amigas? Nenhuma delas conhece você?

- Conheci umas duas - admitiu Repp.

- Quero que telefone para elas. Veja se consegue descobrir algo. Elas falarão para você antes de mim ou das autoridades. - Afinal de contas, Repp era namorado de Cathleen.

- Sim, senhor. - Ele foi até a extensão do telefone na sala de estar.

- Veja se sabem quanto dinheiro ela tinha - acrescentou Ty. E se pretendia viajar de ônibus ou pegar carona. - Em seguida, voltouse para o capataz, Jobe Garvey. - Quero um homem em cada portão da Triplo C, para o caso de ela estar a caminho de casa. Enquanto isso, vou entrar em contato com as autoridades para que comecem a procurá-la.

A lua nova assemelhava-se a uma lasca brilhante no céu negro. O brilho das estrelas não era suficiente para iluminar mais do que silhuetas delineadas contra o horizonte da campina. Sombras negras e formas escuras assomavam diante dela e ao lado, enquanto Cathleen arrastava-se pela vereda sulcada e pouco utilizada, tropeçando no chão acidentado que não conseguia enxergar.

Desejou uma lanterna umas mil vezes. E mais mil vezes desejou não ter se afastado da rodovia. Quanto mais andava, mais em dúvida ficava quanto à escolha do caminho certo para a fazenda. Devia ter pedido ao motorista que esperasse até que ela se certificasse, mas estava tão segura! Se se perdesse ali, nunca encontraria o fim da vereda.

O súbito bater de asas assustou-a quando um pássaro noturno, perturbado pela passagem da garota, voou do local onde se empoleirava para um pinheiro próximo. Cat deteve-se para tomar fôlego no ar frio da noite. Estava ofegante e fisicamente exausta, já arrependendo-se dos atos impulsivos que a haviam levado àquele ponto. Quando tomara a decisão, tais medidas drásticas lhe haviam parecido necessárias. Agora, sua bravata perdia a força.

Alguma coisa farfalhou no chão irregular ao lado da trilha, Cat pôs-se a caminho novamente. As pernas doíam como se tivesse andado quilómetros, e torcera o tornozelo tantas vezes que ele estava dolorido. Tinha que haver algo no fim dessa vereda, assim continuou caminhando, em vez de retornar.

Após mais um quilómetro e meio que pareceu três, objetos escuros começaram a tomar forma contra a escuridão do chão. Pareciam prédios pequenos e Cat apertou o passo. Não havia luzes à vista. Daquela distância não dava para ver se os prédios estavam abandonados ou se os ocupantes dormiam.

Um cavalo agitou-se desconfiado no curral, e Cat assegurou-se de que as construções não estavam vazias. Quando se aproximou, o local começou a parecer mais familiar, mesmo na escuridão. Confiança renovada conferiu-lhe nova explosão de energia, ao que ela disparou em uma corrida cheia de obstáculos, vencendo os últimos trinta metros até a casa.

- Quem é? - Uma voz ecoou do alpendre imerso em sombras.

- Tio Culley? Sou eu, Cat. - Ela correu, ofegante. - Já estava achando que estava perdida.

As tábuas estalaram sob os pés do homem; por fim, a sombra escura do tio saiu das trevas e ele desceu os degraus para falar com ela. A luz das estrelas na clareira conferiu-lhe forma e rosto.

- Cathleen. O que está fazendo aqui? - Agarrou-a pelos ombros, estendendo a mão para trazer o rosto da sobrinha para a luminosidade indistinta proporcionada pelas estrelas.- Está ferida?

- Não, só cansada. Caminhei todo o trajeto desde a estrada e... Agora a dor e a exaustão não eram importantes. Rapidamente, ela deixou as reclamações de lado para explicar o motivo que a levava ali. - No funeral você disse que se algum dia precisasse de ajuda, poderia contar com você. Estava sendo sincero?

- Estava, sim. - Por um segundo, ele abraçou a imagem preciosa da irmã, protetora e impetuosamente. Em seguida, Culley afastou-se, tomando consciência do contato físico. - Você disse que caminhou isso tudo. Deve estar cansada e gelada. Vamos entrar e preparar um café para você.

- Obrigada. - Sentia-se incomodada com o fato de o tio nem ao menos perguntar em que tipo de problema se metera. Já que ela o estava envolvendo, era no mínimo justo contar-lhe. Fez sua confissão enquanto galgavam os poucos degraus da pequena casa. - Fugi da escola. Simplesmente não conseguia mais ficar lá. - Os motivos soavam frívolos quando anunciados em voz alta, mas para ela eram bastante reais. - Sei que meu irmão vai ficar furioso quando souber... e ainda não estou preparada para enfrentá-lo.

- Ele pode ficar tão furioso quanto quiser. - Abriu a porta, estendendo a mão para acender a luz, pendurada sobre a cabeça, antes de deixar Cat entrar na casa. - Mas vou tomar providências para que ele não a obrigue a fazer o que não quer.

- Quero ir para casa, mas não consigo. Ele vai ficar insistindo para que eu volte à escola, e acho que não vou aguentar isso. Pensei que talvez... pudesse ficar aqui com você até que consiga bolar alguma coisa.

O rosto do tio pareceu irradiar carinho.

- Aqui é sua casa. Você é bem-vinda para ficar aqui o tempo que quiser.

Dentro da casa, ele a levou até a mesa, insistindo em pendurar o casaco para ela e trazer-lhe café, ansioso como um rapazola querendo agradála de todas as maneiras.

- Tem certeza de que não quer nada? Talvez algo para comer?

- Não, comi no hospital. - O calor do fogão penetrava em seu corpo dolorido, expulsando os calafrios. Toda a tensão e toda a ansiedade quanto à possibilidade de enfrentar naquela noite o irmão furioso dissolviam-se... o suficiente para que considerasse a oferta do tio. - Você tem algo doce... tipo uma torta de chocolate ou algo assim? - Na mesma hora em que fez a pergunta, Cat duvidou de que um solteirão se desse ao trabalho de fazer um bolo só para ele.

- Não. - O desapontamento surgiu em seu rosto. - Mas tenho alguns biscoitos comprados na mercearia. - Foi até o armário e retornou com uma lata contendo menos de doze biscoitos amanteigados. - Pronto. Olhou-a ansioso para ver se a alternativa obtinha a aprovação da garota.

Mesmo se não tivesse gostado dos biscoitos, Cat os teria comido. Pegou dois, mergulhando-os no café, e mordiscou a maciez da guloseima umedecida.

- Estão bons. Obrigada - tranqúilizou-o, ao que ele sorriu com uma espécie de alívio. Cat comeu os biscoitos e falou, contando-lhe a decisão de fugir, a visita ao hospital e a carona que pegara até a vereda. Ao estender a mão para pegar outro biscoito, percebeu que só restavam dois. Olha. - Empurrou a lata em direção a ele. - É melhor você comer esses antes que eu os devore.

- Vá em frente - insistiu ele, empurrando-os de volta. - vou comprar mais.

Após leve hesitação, ela meneou os ombros e pegou os dois últimos biscoitos, mergulhando-os no café.

- Ninguém entende como me sinto. - ela suspirou.

- Sabe que eu era quase da sua idade quando minha mãe morreu disse o tio. - Depois disso, nunca mais as coisas foram as mesmas.

- Nunca entenderei por que o avião caiu. - Raiva e frustração causadas por uma dor profundamente contida começaram a aflorar, e o cansaço tornava-a mais vulnerável. - Por que o tanque de óleo arrebentou? Por que ela tinha que morrer? Estou cansada de todo mundo me dizer que foi a vontade de Deus. Não foi. Não podia ter sido. Por que Ele ia querer fazer isso? Não era certo! - O queixo começou a tremer enquanto ela lutava contra as lágrimas que enevoavam seus olhos.

- Não foi certo - concordou ele, levantando-se da mesa, incomodado com as lágrimas. - Mas vou fazer alguma coisa. Já planejei tudo, portanto não se preocupe. vou resolver isso.

- Resolver o quê? - Cat franziu o cenho, perplexa, erguendo a cabeça e inclinando-a para o lado. - Não entendo.

Mas ele desviou-se do assunto e não explicou.

- Depois do dia longo que você teve, deve estar bem cansada. vou colocar lençóis na minha cama para você dormir.

- Mas...

- Eu não durmo muito mesmo - disse, antes que ela pudesse protestar. - Quando ficar cansado, tiro uma soneca no sofá.

- Então deixe-me fazer a cama.

- Você fica aí sentada e termina seu café e os biscoitos - insistiu o tio.

 

O xerife inclinou-se para diante em sua cadeira giratória, a barriga semelhante a um barril pressionada contra a borda da mesa onde descansava os braços.

- Olha, vou explicar novamente, sr. Calder - disse ele, a paciência já meio saturada, enumerando nos dedos os pontos que ia destacando. Ora, a lei diz que você não pode preencher um relatório de pessoa perdida antes de vinte e quatro horas ou mais. E a escola falou que não descobriram o desaparecimento de sua irmã do quarto até a hora do jantar na noite passada, ou seja, há quatorze horas. Você tem que esperar mais dez horas para responder seu relatório. Legalmente, não posso fazer nada até lá.

- Então faça algo ilegal, droga! - exigiu Ty, pondo-se de pé e apoiando os punhos sobre a mesa. - Quero que ela seja encontrada! E não pretendo esperar dez horas até que alguém comece a procurar. vou financiar uma busca particular se for preciso!

- Tem de compreender a posição da lei. - O xerife acomodou-se complacente na cadeira. - Adolescentes fogem o tempo todo. Após uma noite sozinhos, eles geralmente voltam para casa, chorando e falando de seu arrependimento. Vá para casa e aguarde o telefonema - sugeriu com um toque de presunção.

- Se ela não telefonar dentro de dez horas, volte a me procurar.

- Se acontecer alguma coisa a ela, vou voltar para ver você no inferno!

- Cansado por não ter dormido e frustrado com a falta de cooperação das autoridades, Ty voltou-se antes que pusesse suas ameaças em prática.

Passadas largas o levaram para fora do escritório recém-reformado do xerife, cortesia das novas taxas sobre as rendas geradas pelos mineradores de carvão da Dy-Corp. Blue Moon expandia-se tão rapidamente quanto eles eram capazes de povoar as ruas, às vezes até mais rápido, com casas pré-fabricadas em um pedaço de terreno a cinquenta metros da estrada, acessível através de um caminho aberto em meio ao pasto.

Já dentro dapick-up, Ty ligou o motor e pegou a rua de terra batida. Um cão correu atrás, latindo raivoso e mordendo os pneus, perseguindo o veículo. Quando Ty alcançou a auto-estrada de mão dupla, já estava um pouco mais calmo. Tornara-se claro que não ia conseguir qualquer ajuda externa para procurar Cat. Teria que organizar algo sozinho.

Após colocar apick-up na rodovia, fez um retorno de quase 180 graus estacionando em frente ao Sally's. Esfregou os olhos cansados enquanto galgava os degraus e entrava no bar: o lugar estava meio cheio com o pessoal do cafezinho da manhã. Não conhecia qualquer um deles, mas ouviu seu nome sendo murmurado de boca em boca. Deteve-se no balcão, sem pegar um banco.

- Oi, Ty. - Sally Brogan pareceu ligeiramente surpresa ao vê-lo. Como vai seu pai? Fui vê-lo semana passada e ele parecia bem melhor. Sem perguntar, ela encheu uma xícara de café e colocou-a diante dele.

- Está melhorando. Minha irmã por um acaso não esteve aqui? Talvez ontem à noite?

- Cathleen? Não. Por quê? - Percebeu as linhas severas e duras no rosto dele e insinuou-se um ar preocupado em seu rosto.

- Ela desapareceu... fugiu da escola. - Sorveu um gole do café. Posso usar seu telefone? Quero verificar se souberam alguma coisa sobre ela.

- Claro. Pode usar. - Ela movimentou-se em direção à porta de vaivém da cozinha. - vou perguntar nas mesas se alguém aqui se lembra de tê-la visto.

- Obrigado.

Ao entrar na cozinha, a cozinheira DeeDee Rains ofereceu-lhe um largo sorriso. - Há quanto tempo você não vem aqui! O que quer que prepare para você? Ovos e bacon! Quem sabe umas batatas fritas?

- Nada, obrigado - recusou Ty, dirigindo-se ao telefone na parede logo ao lado da porta.

- Fiz doughnuts hoje de manhã. - Enxugou as mãos no avental branco, pegando um guardanapo para enrolar duas roscas fritas. - Seu tio entrou pela porta dos fundos logo cedo e levou uma fornada para casa enquanto estavam quentes. Entretanto, não entrou para comer alguma coisa. Aquele doido do Culley, que figura.

Os doughnuts ainda exalavam um suave aroma que o fez lembrar que não comia há algum tempo; ele sorriu em agradecimento e aceitou as roscas que ela lhe ofereceu. A campainha do telefone soando ao longe finalmente parou e uma voz ecoou em seu ouvido.

- É você, Ty? - Era a voz de Jessy.

- Sou eu. Alguma notícia de Cat? - Cansado, apoiou os ombros na parede.

- Nada até agora - fez ela. - com você o mesmo?

- É. Deixe-me falar com seu pai.

- Claro.

Ouvia o ruído do fone sendo pousado do outro lado. Ouviu o murmurar abafado de vozes ao fundo, as palavras ininteligíveis. Por fim, Stumpy Niles atendeu.

- Falei com o xerife - disse Ty. - E ele ajudou tanto quanto uma gota d'água no deserto. Portanto, dependemos de nós mesmos.

- Poderia ter avisado - ofereceu Stumpy, secamente. - Não é muito inteligente contar com a ajuda de alguém além de você mesmo.

- Eu sei, não devo esperar que outra pessoa resolva meus problemas.

- Ty repetiu o dito que há muito ouvira. - Vamos começar a procurar Cathleen por nós mesmos. Quero que você organize os garotos em pares e corra cada palmo da estrada daqui a Helena. Quero que eles procurem em cada ponto de ônibus ao longo da estrada. vou chegar à casa-grande por volta das onze. Vamos usá-la como quartel general. Se encontrarem alguém que acha que a viu, devem telefonar imediatamente. Entendeu?

- vou colocá-los na estrada daqui a vinte minutos - prometeu Stumpy, contente ao constatar que alguma atitude estava sendo tomada.

Antes de sair da cozinha, agradeceu novamente DeeDee pelos doughnuts. Sally avisou que ninguém no restaurante se lembrava de ter visto Cat, mas ficariam de olho. Ty deixou algumas moedas sobre o balcão para pagar o café que não bebera e saiu do bar rumo à caminhonete. Bamboleou para dentro do veículo, comprimindo um doughnut entre os dentes enquanto ligava o motor. Deixou o segundo em seu guardanapo sobre o assento. A rosca estava tão fresca que à primeira mordida já quase se dissolvia em sua boca, ao mesmo tempo em que ele retornava à auto-estrada.

Uma buzina soou.

- Ei! - Um homem gritou de dentro de seu carro. - Tem um pneu arriado na traseira de sua caminhonete.

Ty acenou em agradecimento e encostou o carro ao lado das bombas de gasolina adiante, sem querer atrasar-se por causa de um pneu. Emmett Fedderson saiu lentamente da loja.

- O que deseja? - perguntou.

- Só um pouco de ar no pneu traseiro. Um deles está arriado - disse Ty, descendo da caminhonete para verificar o pneu, ainda mastigando o doughnut.

- É de DeeDee? - indagou Emmett, puxando a mangueira para a traseira da caminhonete.

- É. - Ty agachou-se e desatarraxou a tampa da válvula.

- Hoje toda a sua família está com a boca doce - observou o homem, passando a mangueira para Ty.

A observação o pôs em guarda instantaneamente.

- O que quer dizer? Minha irmã esteve na loja hoje de manhã?

- Sua irmã, não. Foi seu tio... O'Rourke. - Ele balançou a cabeça achando algo engraçado em seus próprios pensamentos. - Aquele doido do Culley estava esperando do lado de fora quando abri as portas hoje de manhã. Comprou dois pacotes de biscoitos, uma torta de chocolate e glacê, além de um saco de açúcar. Não imaginava que ele comprasse esse monte de doce nem em um ano.

- Torta de chocolate. - Ty não se deu conta de que pronunciara alto as palavras. Era o doce favorito de Cat. A visão de Cat abraçando O'Rourke no funeral passou por seu pensamento... compartilhando a dor, ele dissera na época.

- Você não vai calibrar aquele pneu? - Fedderson estimulou-o.

- vou... vou - respondeu distraído, encaixando a conexão da mangueira na válvula com igual desatenção. Era inacreditável. Jamais teria procurado Cat na fazenda Shamrock, nem em um milhão de anos. Terminando de calibrar o pneu, Ty ficou de pé. - Me faça um favor - pediu, sem esperar pela aquiescência de Fedderson. - Telefone para a Triplo C e fale com Stumpy Niles. Diga a ele para não mandar os homens. Diga que estou indo até a casa de O'Rourke e que ele não deve fazer nada até ter notícias minhas.

- Está certo. - O pedido o deixou curioso. - O que está acontecendo?

Ty não perdeu tempo em explicações. Naquele momento só queria chegar à casa de O'Rourke e verificar se seu palpite estava correto.

O segundo doughnut ficou esquecido sobre o assento. Naquele campo, não havia curtas distâncias. Ty ainda tinha uma hora ou mais pela frente.

Após deslizar a forma de bolo para o interior do forno pré-aquecido, Cat voltou ao balcão e pegou a tigela da batedeira. Limpou as laterais da tigela com o dedo, circulando pela cozinha até a mesa, lambendo a cobertura de chocolate dos dedos.

- Esta é a melhor parte - explicou a Culley, projetando a língua para limpar os cantos dos lábios, oferecendo-lhe a tigela. - Quer um pouco?

A boca de O'Rourke curvou-se, divertido, balançando a cabeça em recusa silenciosa.

- Termine você. - Sorrira mais nas últimas horas do que em toda a sua vida. Prazer e contentamento percorriam-no. Uma luz brilhava em seus olhos negros. Já passara dos cinquenta e mais uma vez a vida parecia valer a pena ser vivida.

com a tigela limpa, Cat lambeu cada resto da cobertura em seus dedos, levando a tigela para a pia.

- Há séculos não faço essa confusão na cozinha - declarou. - É divertido.

- Sua mãe costumava fazer muitos bolos - ele recordou. - Ela saía e trabalhava na fazenda o dia todo feito homem, aí voltava para casa, preparava nossa comida e arrumava a casa. - Mas ele não queria lembrar o passado. - Ainda sobraram dois doughnuts.

- Não consigo comer mais nenhum - afirmou Cat. - Já devo ter engolido uns doze. Além do mais, tenho que guardar espaço para o bolo. Preciso é de algum exercício. - Ela riu. - Depois daquela caminhada longa de ontem à noite, nunca pensei que diria isso novamente.

- Talvez mais tarde eu possa selar dois cavalos para darmos um passeio. Posso lhe mostrar a fazenda. É bem selvagem, não é muito boa para criação de gado... não tem água suficiente nem pastagem.

- Gostaria de ir, mas... - Olhou para a saia pregueada. - Não tenho nada para vestir além dessa saia horrorosa da escola. Ia pedir para a escola enviar minhas roupas para casa. Acho que essa não vai servir para montar.

- Bem que eu podia ter pensado nisso. - Culley franziu o cenho.

- Quando estava na cidade, podia ter comprado algumas roupas para você bater por aí.

Cat inclinou a cabeça para o lado, olhando-o, pensativa, com afeição.

- Você teria feito isso, não é?

Colocou a xícara de café na frente, deliciado com a maneira como ela o fitou, mas ao mesmo tempo meio consciente do que significava.

- Maluco, hem? - disse ele. - O maluco do Culley. - Ouviu o som de protesto que Cat esboçou e ergueu a cabeça, balançando os ombros, para demonstrar sua indiferença. - Sei que é assim que eles me chamam. Também sabia que eles jamais haviam considerado a palavra de um O'Rourke. E o maluco do Culley... eles não acreditavam em nada do que ele dissesse, nem que Culley jurasse sobre a Bíblia.

- Não é verdade. - O tio percebeu a indignação em sua defesa, determinada pelos brios da garota.

- Não esquente sua cabecinha com isso. - Sorriu, orgulhoso. Culley vivia há muito tempo naquele lugar para que não ouvisse cada ruído pertencente àquela fazenda. Além disso, seus sentidos estavam demasiado treinados para que não percebesse algum som não habitual. O ruído era fraco e ainda a alguma distância da casa, mas o fez erguer-se e ir até a janela. A súbita atenção do tio cortou bruscamente a conversa.

- O que foi?

- Vem vindo alguém. - Olhava fixamente pela janela para a abertura entre as árvores onde um veículo descendo o caminho longo estaria à vista. Cat aproximou-se para olhar também.

- É meu irmão. - Mesmo sem conseguir enxergar o motorista com nitidez, sem dúvida a pick-up pertencia à Triplo C. - Sei que é ele.

Culley voltou-se, olhando-a com atenção.

- Você quer vê-lo? - Observou a relutância da garota, sua indecisão, e tomou o comando. - Entre no quarto e feche a porta. Eu cuido disso. Você não precisa ir para casa se não quiser.

- Eu... - Não conseguiu concluir a frase, os dentes afundando em seu lábio inferior. Após outro segundo de hesitação, ela se virou e correu para o quarto.

Ainda se passaram dois minutos antes de a caminhonete fazer a curva e entrar no quintal. Culley esperou até que a porta do quarto estivesse bem fechada e se dirigiu para o pequeno alpendre fronteiro. Logo antes de sair da casa, hesitou e estendeu as mãos para o rifle na prateleira baixinha na parede ao lado da porta. Na sua idade, ele não era páreo para um jovem macho como Calder. E se o irmão de Cat fosse insistente, Culley poderia precisar de algo que compensasse a diferença.

Certificou-se de que a porta da frente fechara atrás dele silenciosamente; movimentos silenciosos eram hábito para ele. Culley foi até os degraus e parou para apoiar o rifle contra um poste fora de vista e ao alcance da mão; em seguida, enfrentou a entrada do caminho.

Antes de o motor desligar, Ty já estava fora da caminhonete, circundando o capo para enfrentar O'Rourke.

- O que o traz aqui em uma manhã quente de primavera como essa?

- O'Rourke tentou puxar conversa.

Ty estacou próximo aos degraus.

- Estou aqui para pegar Cathleen - afirmou, determinado.

- Cathleen? - O'Rourke fingiu leve surpresa, mas ele não era ator.

- Sei que ela está aí, portanto não finja que não sabe do que estou falando - desafiou Ty.

Fez-se curto silêncio enquanto O'Rourke tentava escolher a maneira mais acertada de lidar com a situação naquele instante, mesmo sem conseguir descobrir como Calder podia ter tanta certeza.

- Tudo bem. Ela está aqui - finalmente admitiu. - Apareceu aqui ontem à noite... cansada e com frio... e perguntou se podia ficar. Ela não queria ir para casa porque sabia que você ficaria aborrecido com o que ela fizera; estava com medo de que você a mandasse de volta para a escola. Disse-lhe para ficar aqui comigo o tempo que quisesse... e estava sendo sincero.

A explicação só fez aumentar a impaciência em relação a Cathleen.

- Ela já ficou tudo que podia. - Ty adiantou-se um passo, com a intenção de entrar na casa e pegá-la.

com uma rapidez marota que não correspondia à sua idade, Culley deitou a mão sobre o rifle escondido e mirou-o na altura da cintura.

- Acho que não - foi tudo o que disse.

Ty tremeu nas bases, a impaciência tomando conta dele enquanto olhava da boca do rifle para o homem que o segurava.

- Deixe-me passar, Culley. Não vou sair sem ela.

O ruído da arma sendo engatilhada soou exageradamente alto.

- Você está em uma propriedade particular, Ty - disse O'Rourke.

- E estou lhe avisando para cair fora. - A boca tremeu subitamente. As coisas mudam, não é? Há muito tempo, foi um Calder que tomou minha irmã e ordenou-me que saísse de sua terra. Agora eu tenho a irmã de um Calder, e sou eu quem ordeno que saia.

Nunca recue, diante de nada, certa vez lhe dissera o pai, pois isso só torna mais fácil recuar na próxima vez. E Cathleen encontrava-se naquela casa. Correndo um risco calculado, Ty soltou um suspiro furioso de ódio e fez uma meia-volta incompleta.

- Que se dane a garota! - resmungou e arrancou o chapéu para passar a mão nos cabelos. Em seguida, voltou-se para lançar suas reclamações em O'Rourke. - Toda a droga da fazenda ficou acordada a noite inteira e metade da propriedade está à procura dela. Deixou a mim e a todo mundo louco de preocupação, pensando que podia ter acontecido alguma coisa com ela. E o tempo todo estava aqui em sua casa, segura e aquecida. - Gesticulava com as mãos e o chapéu vivamente, enquanto defendia seus pontos de vista. - E não mandou nem uma palavra dizendo que estava bem. Você está certo, estou transtornado com ela!

A última frase foi lançada com um meneio do chapéu que bateu no cabo do rifle, apontando-o para o alto. Uma explosão ensurdecedora ecoou em seus ouvidos enquanto o braço completava o arco e arrancava o rifle das mãos de O'Rourke com um puxão. Ty subiu os degraus enquanto o homem de cabelos grisalhos ficava para trás meio curvado, tentando equilibrar-se.

Cathleen arremessou-se para fora da casa, atirando-se entre os dois homens, protegendo O'Rourke.

- Ty, não! Não faça isso! - ordenou apavorada e com raiva. - Ele só estava tentando me proteger.

- Ele não teria de protegê-la se você não tivesse se escondido na casa como uma criancinha idiota! - explodiu. - Estava com medo de ir para casa porque pensou que ia ser espancada? Sua garota mimada e sem modos! Você nunca apanhou... é isso que está errado em você! Não quer ficar na escola, aí foge! Será que já não tenho o suficiente para me dar dor de cabeça, a fazenda e papai em um hospital, para ainda ter que me preocupar com você?

- Desculpe. - As lágrimas saltavam dos olhos da garota enquanto enfrentava o irmão.

Ela parecia muito vulnerável, mas a irritação de Ty não o deixava comover-se, embora apagasse a raiva, deixando-lhe uma exasperação impaciente.

- Cresça, Cat - ordenou rudemente. - Ninguém me deu a mão quando tinha a sua idade, e é claro que não vou segurar a sua. - Deu meia volta no alpendre, dirigindo-se a passos largos para a caminhonete. Sem segui-lo de imediato, Cat olhou hesitante para o tio.

- Você não precisa ir com ele - disse O'Rourke calmamente. Um sorriso triste assomou em seus lábios.

- Preciso sim. - Impulsivamente, inclinou-se para ele e beijou-lhe abochecha, sussurrando um trémulo "Obrigada". - Em seguida, desceu correndo os degraus atrás do irmão.

O motor já fora ligado e apick-up já estava saindo da fazenda quando Culley lembrou.

- E o bolo? - gritou para a sobrinha, mas ela não o ouviu devido ao ruído do motor.

Ele guardou o bolo durante vários dias, até que a cobertura de chocolate secou e o bolo ficou muito duro para ser comido. Finalmente, jogou-o fora.

- A temporada de primavera do rodeio correu bem. - Ty estava sentado na cadeira ao lado da cama de hospital. Vestindo um terno de corte western, girou preguiçosamente o chapéu Stetson nas mãos, tentando encontrar uma maneira fácil de tocar no assunto que temia comentar com o pai.

- As perdas de inverno foram mínimas.

- Ótimo. - O pai agarrou a barra acima da cabeça com a mão ilesa e mudou ligeiramente de posição na cama. As caretas que tentava controlar indicavam a dor considerável que sentia. O corpo forte parecia esquálido e pálido, o bronzeado profundo desvanecera após todos aqueles longos meses no hospital. O acidente e a morte de Maggie o haviam envelhecido, embranquecendo-lhe os cabelos até as têmporas ficarem completamente grisalhas. Quando a dor novamente cedeu a um grau tolerável, ele deu uma olhada em Ty. - Trouxe-me charutos?

- Acho que o médico disse que você não deve fumar - lembrou Ty. O pai sofrera um colapso pulmonar no acidente; em seguida, instalara-se a infecção, enfraquecendo ainda mais a respiração.

- O médico também me disse que eu não conseguiria sobreviver contrapôs o pai secamente. - O que só vem mostrar o quanto ele sabe.

A referência à morte refletiu um outro tipo de dor nos olhos de Chase, e ele desviou o olhar. Ty sabia que ele estava pensando em Maggie. Ainda não se conformara com a perda da esposa, e provavelmente jamais superaria a ausência. Sem ela, o pai perdera o interesse em muitas coisas e parecia viver sem outro objetivo além de atravessar mais um dia.

Pareceu-lhe de bom alvitre mudar de assunto.

- Alguns dos amigos de Tara vieram do Leste para ficar alguns dias lá em casa durante o rodeio. Estavam loucos para ver como era o Oeste selvagem. Para falar a verdade, eles ainda estão na casa-grande. Por isso Tara não veio comigo hoje.

- Como está Cat? Veio com você?

- Veio. Ela precisou fazer umas compras, e não queria deixar para muito tarde, com medo que as lojas fechassem - explicou Ty. – Daqui a pouco ela chega. - Ergueu um canto da boca em um sorriso fraco que torceu a linha do bigode. - Ela recebeu as notas da escola, e estou certo de que vai mostrá-las a você.

- Certa vez ela falou em ficar na Triplo C e arranjar um professor particular - o pai lembrara vagamente. - Veja isso para ela. - O acidente não lhe alterara a vontade de atender a todos os caprichos da filha, não importando a extravagância dos mesmos.

- Não podemos pagar. - Ty olhou sombrio para o chapéu, em seguida ergueu o olhar para o pai. - Tenho cortado despesas em tudo o que posso.

- Você é quem manda. Faça o que achar melhor. - Junto com todo o resto, o pai parecia haver perdido o interesse na direção da fazenda.

- Tenho feito - afirmou Ty, respirando fundo antes de finalmente fazer a participação. - Você deve estar sabendo que deixei de lado o processo pelo título daqueles três mil hectares de terra. Enquanto isso, negociei um arrendamento para o terreno.

Durante alguns minutos, teve toda a atenção do pai para si.

- Por quê?

- Os honorários do advogado eram muito caros. Se o mercado do gado mudasse, talvez eu pudesse lutar pelo título de novo.

- Mas a posse está noventa por cento dentro da lei. Aquela terra está no nome dos Calder, de uma maneira ou de outra, há cem anos - protestou o pai, mas não vigorosamente.

- E ainda está. Por isso esperei até que eu tivesse o contrato de arrendamento assinado para deixar o processo de lado. Pode ser que seja novamente arquivado - garantiu Ty.

O pai afundou-se nos travesseiros.

- Talvez você esteja certo. - A voz irradiava derrota, o que magoou Ty mais do que uma briga feroz sobre a decisão que tomara. - Talvez não valha a pena lutar. Se eu não tivesse sido tão determinado na obtenção do título, não haveria motivos para voarmos até Helena e sua mãe não teria morrido.

- Não fale assim. Você não pode se culpar - insistiu Ty.

- Você não pode negar que é verdade. - Ofereceu um sorriso sem graça ao filho. - Acenda-me um cigarro.

Após certa hesitação, Ty enfiou a mão por dentro do terno e pegou um cigarro do maço no bolso da camisa. Acendeu-o e passou ao pai. Este deu uma longa tragada, soprando a fumaça para o teto.

- Falou com o dr. Haslind quando chegou? - observava a brasa do cigarro.

- Não. Não encontrei com ele. Por quê?

- Estou escalado para uma cirurgia segunda-feira de manhã. Eles acham que podem aliviar um pouco a pressão na coluna.

Durante um longo minuto Ty não conseguiu dizer nada.

- vou estar aqui.

- Você tem uma fazenda para dirigir.

- vou estar aqui.

Quando o levaram de maca pelo corredor do hospital até a sala de operação, Chase já estava inteiramente preparado para a cirurgia. Uma enfermeira havia lhe aplicado uma injeção, e ele sentia-se zonzo e pesado. A visão enevoada perscrutava os rostos acima dele. Ty dissera que estaria lá.

- Meu filho... - murmurou, a voz inarticulada.

- Sua família está na sala de espera do lado de fora da sala de cirurgia, sr. Calder - uma voz de mulher tranquilizou-o, parecendo vir de muito longe.

Havia algo que ele queria dizer ao filho. Era importante, mas encontrava dificuldade em lembrar o que era.

- Diga a ele... - Estava na ponta da língua. Fez um esforço violento, lutando contra a névoa suave que o envolvia. - ... direitos do minério. Lembrara, mas a voz estava baixa e enrolada. - ... obtenha os direitos do mine...

- O que foi que ele disse? - Um cirurgião-assistente lançou um olhar para a colega para ver se ela entendera.

- Alguma coisa sobre minerais. - Ela balançou a cabeça. - Alguns pacientes aparecem com as coisas mais loucas.

 

Ty chegou à casa-grande no final da tarde, vindo da terceira viagem ao hospital em pouco mais de uma semana. Estava cansado, consciente do calhamaço de trabalho acumulado à sua espera no escritório. Tara estava na porta para recebê-lo quando entrou.

- Bem-vindo ao lar. - Beijou-o de leve. - Como está seu pai depois da cirurgia? Você lhe deu minhas lembranças, espero.

- Dei, e ele vai bem, em franca recuperação até agora. - Em seguida correu os olhos pela sala de estar. - E.J. chegou? Expliquei a papai que você não fora comigo porque seu pai ia chegar.

- Ele e Stricklin chegaram logo depois do almoço. Vão passar a tarde na mina. - Fez uma pausa, observando-o criticamente. - Você parece cansado.

- Estou mesmo. - Ele encaminhou-se para o escritório, na esperança de adiantar parte do trabalho antes que Dyson e Stricklin voltassem.

- Você não deveria ter feito outra viagem até o hospital tão logo dePOiS da última. Nós dois estávamos lá para a cirurgia. E ficamos até o dia seguinte - lembrou Tara.

- Achei necessário - declarou Ty, sem explicar os motivos. Ao entrar no escritório, percebeu uma mulher de meia-idade com um vestido azul-marinho e um avental branco polindo o armário de bebidas. Tara seguiu-o quando ele estacou abruptamente. - Quem é você?

- Ty, quero apresentar-lhe a sra. Thornton. Ela está arrumando a casa para nós - explicou Tara.

Ele franziu o cenho, uma sobrancelha erguida.

- Desde quando?

- Desde que a empreguei... E uma excelente cozinheira chamada Simone Rae. Você terá a oportunidade de experimentar a habilidade culinária da moça no jantar de hoje. - Ela parecia quase inteiramente indiferente à surpresa e à contrariedade estampadas no rosto do marido diante das notícias.

- Como vai, sr. Calder? - A nova empregada inclinou respeitosamente a cabeça em direção a ele.

- Sra. Thornton. - Ele manteve o controle de seu descontentamento.

- Pode terminar a limpeza aqui em outra hora.

- Sim, Senhor. - Murmurou ela retirando-se silenciosamente do recinto.

- O que significa isso? - Virou-se para Tara quando ficaram sozinhos.

- Falei para você que precisava de ajuda extra - lembrou-o com um sorrisinho confuso.

- Quando me disse isso, pensei que ia contratar uma garota aqui da fazenda.

- Ty, você sabe que precisamos de gente treinada - insistiu. - E Doug Stevens e seu grupo vão chegar na semana que vem. Depois de todo o tempo que passou na França, não podia servir refeições malpreparadas para ele. Tinha de encontrar uma cozinheira decente.

- Ele que se dane, Tara - resmungou, impaciente, virando o rosto e lançando-lhe um olhar acusador. - Você sabe que estou tentando cortar todas as despesas que puder.

- Só que você não pode receber gastando pouco.

- Então não receba! - contrapôs, mais do que irritado. Os olhos escuros de Tara faiscavam.

- Se você dedicasse mais tempo a seus convidados em vez de ficar rondando por essa bendita fazenda...

- Não tenho tempo para receber convidados! - Ty interrompeu-a.

- Estou tentando dirigir essa fazenda e arranjar dinheiro suficiente para pagar pela comida de toda essa gente que está chegando... com seu convite.

- Convido-os para que possamos conhecê-los. - Ela lutava para não perder a calma. - Se você quer progredir, o que importa não é o que você sabe... mas quem você conhece. Não é possível que tenha ficado tão cego com todo esse sol e céu que não consiga ver isso. Algum dia essas pessoas poderão ser úteis a você.

- Como? Úteis do jeito que o senador Bulfert foi útil a meu pai? desafiou.

- Um deles pode ter influência para ajudá-lo na reobtenção do título da terra que seu pai considera tão importante. - Tara sabia que ele ainda era suscetível ao assunto, e usou o argumento para vencer a discussão. Ela percebeu a indecisão no rosto do marido, suavizando seu próprio semblante.

- Olha, Ty - começou, novamente em tom razoável. - Não sei laçar vacas ou marcar novilhos. Não consigo fazer trabalho de escritório. Portanto, deixe-me ajudá-lo do jeito que sei. Conheço uma série de pessoas importantes. Por favor, quando o grupo dos Stevens chegar, passe mais tempo com eles.

- Você sabe ser manhosa como uma bruxa - resmungou.

- Uma bruxa bonita, espero, - Ela soltou uma gargalhada suave, passando os braços em torno do pescoço do marido. Subjugou-o com o convite de seus lábios brilhantes.

O rugido retumbante da enorme escavadeira movida a diesel vibrava cortando o ar, enquanto arrancava a grama e o solo para expor o filão de carvão. Em outro local, pás mecânicas escavavam e traziam à superfície pedaços de carvão, anteriormente quebrados por explosões de dinamite, carregando-os para grandes caminhões que os transportavam até as usinas. O ir e vir de homens e máquinas era tão constante quanto o ruído ensurdecedor.

A terra possuía o aspecto desolado e revolvido de um campo de batalha. A vida vegetal que ainda sobrevivia nas bordas das covas estava coberta com camadas de poeira.

Quando Dyson e Stricklin surgiram dos escritórios temporários instalados no local, houve uma redução da atividade. Os caminhões vazios em fila que retornavam, para novos carregamentos de carvão começaram a parar.

Dyson voltou-se para o diretor da mina, Art Grinnell.

- Qual é o problema?

O olhar de Grinnell brilhou rapidamente, uma carranca em formação.

- Não sei - murmurou, mas faltava algo ao tom de voz do homem.

- vou ver. - Pediu licença e foi checar a causa da paralisação. - Ei, Rhodes! - chamou o homem de macacão voltando à fila de caminhões.

Enquanto observava os dois homens conversando, Dyson disse ao sócio:

- Vamos ver o que é. - Algo não lhe cheirava bem. Quando um homem ganhara a vida baseando-se na intuição como ele fizera, não ignorava os sinais de que algo não ia bem. Cruzaram a extensão de terra batida até onde os dois homens discutiam. - O que é?

- É só um problema mecânico em um dos caminhões, sr. Dyson. Grinnell tranquilizou-o de que não havia nada com que se preocupar, mas não o olhou nos olhos enquanto explicava, olhando de relance para o motorista chamado Rhodes.

- Segundo me lembro - Stricklin se manifestou -, ultimamente tem havido uma série de problemas mecânicos. É por isso que a produtividade foi baixa este mês. - A frase brusca era ligeiramente acusadora.

Os olhos de Dyson denotaram um sorriso ao olhar para o sócio. Era sempre tranquilizador quando Stricklin chegava à mesma conclusão através do raciocínio, quando Dyson a atingira por meio da intuição. Ambos suspeitavam de algo nesse caso, mas cada um considerando ângulos diferentes. Era o que os tornava uma parceria poderosa.

- É verdade. Tem havido mesmo - admitiu Grinnell; Dyson sentiu a relutância do homem em discutir o assunto.

- Qual é o problema com o caminhão parado ali adiante? - Stricklin questionou o motorista.

Por um segundo o motorista, Rhodes, olhou para o patrão em busca de instruções; por fim, apertou os lábios.

- O tanque de óleo quebrou.

- Quebrou? - O rosto habitualmente inexpressivo de Stricklin ficou carrancudo. - Como pode ter certeza?

- Não tenho certeza... não até que o mecânico dê uma olhada. Mas sem dúvida o tanque de óleo está quebrado, e se for como os outros, ele foi quebrado.

- Você está dizendo que ele foi deliberadamente quebrado?

- É, e se o cara que está fazendo isso não teve tempo de quebrar o tanque, ele jogou açúcar no tanque de gasolina. - Raiva e frustração vibravam na resposta meio resmungada. O motorista olhou novamente para Grinnell, consciente de que falara demais, mas decidido a colocar tudo em pratos limpos.

- Isto é suficiente, Rhodes - o administrador dispensou-o. - Vá ver o que pode fazer para levar o caminhão até a garagem. - Observou o motorista afastar-se; em seguida, hesitante, voltou a atenção aos proprietários da companhia.

- Há quanto tempo essa sabotagem vem acontecendo? - perguntou Stricklin.

- Há pouco mais de um mês. - Mudou de posição, desconfortável.

- Já dobrei a segurança noturna.

- Então triplique-a - orientou Dyson.

- Você tem ideia de quem está fazendo isso ou por que está fazendo?

- Stricklin, que raramente participava de relatórios e interrogatórios, fazia a maior parte das perguntas.

- Tenho uma boa ideia de quem acho que está por trás disso e por que está metido nisso - respondeu Grinnell, carrancudo. - É óbvio que ele quer atrasar nosso trabalho e criar tantos problemas e atrasos quanto puder. Quando uma máquina quebra, não é só o gasto do conserto que está envolvido, mas também o tempo perdido. Provavelmente ele pensa que se a exploração custar muito caro nós vamos fechá-la. E provavelmente acha que se não é capaz de parar-nos de um jeito, poderá parar-nos de outro.

- Quem exatamente você acha que está por trás disso? - Stricklin retirou os óculos e pôs-se a limpá-los com um lenço que pegou no bolso.

Fez-se um silêncio pesado, Grinnell olhando inquieto para Dyson, trocando o peso do corpo de um pé para outro.

- Sem querer desrespeitar sua filha, sr. Dyson, mas... só pode ser Calder. - Rapidamente pôs-se a defender suas razões, antes que um dos homens pudesse tecer comentários sobre suas conclusões. - Desde que soube da mina de carvão aqui, ele só lhe tem causado dissabores. Alguns dos outros fazendeiros da região o apoiaram, mas nenhum desceu tanto quanto ele. Ele já tentou todos os meios legais que podia usar. E pelo que ouvi do pessoal daqui, os Calder estão habituados a fazer suas próprias leis e a levar a cabo suas próprias ações de controle.

- Impossível! - foi a reação de Dyson. - Não é possível que Chase Calder pudesse ter maquinado esta sabotagem de uma cama de hospital.

- Stricklin recolocou os óculos, acertando-os sobre o nariz. - Além do mais, falei com ele e com outros que têm tido contato com ele. Ele perdeu a vontade de lutar. quanto a meu genro, nunca foi tão ferrenhamente contra a operação quanto o pai, e não ia se rebaixar a ponto de usar esse tipo de tática.

- Talvez o senhor esteja certo - concedeu Grinnell, mas não estava convencido. - É claro que o senhor conhece seu genro melhor do que eu. Só que me lembro de tê-lo visto entrar numa briga uma vez no Sally's Place, na cidade. Ele foi atrás de um dos nossos caras com uma garrafa de cerveja quebrada, o que me diz que sabe lutar sujo quando precisa.

- Não quero mais ouvir falar nessa história dos Calder serem os responsáveis por isso - declarou Dyson. - Outra pessoa está fazendo sabotagem. Peguem-no ou aumentem tanto a segurança de modo que ele não se arrisque a repeti-lo.

- Sim, senhor - respondeu, os lábios apertados, concordando em que não haveria mais discussões sobre o assunto. - Se o senhor não precisa mais de mim, vou voltar para o trabalho.

- É só. - Fez-se uma pausa enquanto Dyson observava sombrio Grinnell dirigir-se ao escritório; por fim, pareceu despertar e deu uma olhada em Stricklin. Por um acordo tácito, ambos saíram em direção ao carro estacionado a poucos metros. - Qual sua opinião, George? - perguntou E.J. por fim.

- É muita coincidência alguém quebrar o tanque de óleo de nossos caminhões... e o acidente aéreo de Calder ter sido causado por um tanque de óleo quebrado.

- Ou alguém pode estar tentando jogar suspeitas sobre os Calder sugeriu Dyson.

- Mas por quê? - Stricklin murmurou para si mesmo, abrindo a porta do carro e deslizando para trás do volante.

Abriram as janelas, mas o carro continuava quente, com o ar viciado pela quentura do sol. Stricklin abriu ao máximo as entradas de ar. Dirigindo lentamente em meio ao congestionamento em torno da área de mineração, aproximou-se da rodovia principal que levava à fazenda do velho Stockman, parando o carro para dar passagem a um enorme caminhãopipa cruzando a estrada diante deles.

- Cada vez que vejo um desses caminhões, estremeço só de pensar quanto estamos gastando no transporte de toda essa água. - Dyson

disse com desagrado.

É um investimento - replicou Stricklin, virando o volante para o caminhão.

Bem empregado. - Dyson inclinou-se para o lado, tentando obter a primeira visão de seu investimento, olhando além do caminhãopipa.

Depois do solo sujo de carvão, da terra árida em torno da área de mineração e da grama amarelada da pastagem circundante, o súbito trecho verde formava um contraste nítido. Era a primeira das áreas de mineração regeneradas plantadas e irrigadas para crescerem e formarem nova pastagem. Stricklin parou o carro para olhar enquanto o caminhão estacionava ao lado de um tanque portátil de água ligado ao sistema de irrigação.

- Isto certamente calou a boca dos ecologistas e silenciou a maioria dos fazendeiros - afirmou Dyson, balançando a cabeça em aprovação à cena. - Também é a grama mais cara do estado, claro. Tinha que ser verde.

- Mas serve a seus propósitos. É um projeto-modelo de recuperação. Gastamos o dinheiro agora e não precisaremos gastar mais no futuro. Podemos deixá-lo para a mãe natureza. - A situação económica ficava por conta de Stricklin. Não havia outra alternativa viável. - Ty precisava ver isso, principalmente agora que deixou de lado o processo de posse da terra.

- Não disse nada além disso, confiando no senso de oportunidade de Dyson. Afinal de contas, era ele quem promovia.

- É - concordou, pensativo. - Pensei em sondá-lo, por assim dizer, hoje à noite. Tara avisou que eles se encontram em apertos financeiros atualmente, ou seja, seria a hora certa para sugerir-lhe um negócio.

A menção a Tara acendeu uma luz carinhosa nos olhos azuis-metálicos de Stricklin.

- Tara tomou realmente conta de tudo desde que se tornou a senhora da casa. - Enfatizou levemente a palavra senhora, pois era assim que a via: uma senhora com posição e dignidade. - Ela é muito habilidosa em lidar com os convidados e assegurar a permanência deles de maneira impecável. Ela nasceu para receber.

- É verdade - concordou Dyson, orgulhoso ao ver a filha assumir a direção da casa de maneira tão harmoniosa, modificando-a lentamente de um simples casarão de um grande fazendeiro para o centro de uma nova vida social que atraía grande número de pessoas influentes. Ty se daria muito bem com ela a seu lado. E Dyson sabia que ele mesmo podia contar com Tara como aliada, sem nunca ter tocado no assunto com ela. Ele e a filha pensavam de forma bastante semelhante.

- Excelente refeição. Realmente excelente - assegurou E.J.

- Obrigada, papai. - Tomou o pai pelo braço enquanto deixava a sala de jantar, seguida por Ty, Stricklin e Cathleen. - Eu lhe disse que minha cozinheira fora um achado. Ela trabalhou na mansão do governador durante anos. Foi uma sorte que o restaurante que ela abriu em Helena tenha falido. Eu tinha jantado lá certa vez. Assim, peguei-a logo que soube de que ela estava à disposição novamente. E ela recomendou muito a sra. Thornton, cujas credenciais de qualquer maneira são impecáveis. Foi muito conveniente que as duas se conhecessem, pois assim elas puderam dividir o quarto. - Além disso, isso as mantinha relativamente isoladas dos outros empregados da fazenda, diminuindo a quantidade de fofocas sobre o que se passava na casa-grande; no entanto, Tara não mencionou o outro motivo que a levara a contratar a nova equipe importada.

Que tal um conhaque no escritório? - sugeriu Ty, interrompendo pai e filha quando chegaram à sala de estar.

- Evidentemente você não está me incluindo neste convite. - Cat sorriu de modo malicioso, já que somente em ocasiões especiais ela era autorizada a tomar vinho no jantar. - Portanto não vou ficar com vocês. Acho que vou enfrentar os insetos e dar uma volta.

- Posso ir com você, Cathleen? - perguntou Stricklin. - Depois dessa comida deliciosa, preciso de um pouco de exercício.

- Claro. - Ela deu de ombros, garantindo-lhe que não fazia objeção.

- Acho que com isso só sobram você e papai - declarou Tara. Preciso planejar os cardápios da próxima semana e ver com Simone se temos tudo de que ela precisará quando Doug Stevens chegar com seu grupo.

Houve uma debandada geral, sem pressa, cada um tomando diferentes direções. Ty e Dyson foram para o escritório. Serviu-se o conhaque e os dois homens acomodaram-se confortavelmente em poltronas semelhantes. Dyson envolveu o cálice diminuto entre as mãos, girando a bebida para aquecê-la.

- Esperava ter alguns minutos a sós com você para conversarmos, Ty. - Fez sua primeira jogada.

- Oh? - Ty enviou-lhe um olhar levemente curioso.

- Na verdade, é um pouco constrangedor para mim - confessou ele, com um pequeno sorriso de autocensura. - Não quero criar problemas, enquanto que ao mesmo tempo gostaria de tê-lo como sócio.

- Como sócio? - Ergueu a cabeça, ligeiramente surpreso.

- Não é só porque você se casou com minha filha. Quero que entenda isso, embora esta seja mais uma razão que me faria gostar disso... manter tudo em família, por assim dizer. - O sorriso acentuou-se mais um pouco, enquanto Dyson observava não haver resistência à ideia no rosto de Ty.

- Mas sempre gostei de você. Tem a cabeça no lugar e sabe como usá-la. Respeito essa qualidade. E é exatamente do que preciso em um sócio.

- Outra coisa que você precisa em um sócio é tempo - disse Ty. E estou ocupado até a raiz dos cabelos com a fazenda.

- Problemas? - Dyson interpelou-o, para que o genro não pensasse que Tara deixara escapar algumas informações.

- Alguns.

- Sim, compreendo que o negócio do gado está em declínio atualmente. - Assentiu, demonstrando compreensão. - E o fluxo dos poços de Broken Butte diminuiu consideravelmente, quer dizer, a renda não está mais crescendo como antes.

- Infelizmente - concordou Ty, bebericando o conhaque.

- Mas você tem outra fonte de renda à sua disposição... o carvão.

- Dyson sentiu o protesto em aproximação e ergueu a mão para detê-lo.

- Estou a par de todos os sentimentos de seu pai em relação ao assunto mineração de carvão, principalmente na terra dos Calder. Acredite, já ouvi tudo isso antes, e não só dele. - Sorriu para mostrar a pouca atenção que concedia a tais argumentos. - Os fazendeiros do Texas disseram a mesma coisa quando começou a perfuração de poços. Estavam certos de que, de alguma maneira, a perfuração arruinaria suas terras ou interferiria na pastagem do gado. E os pescadores gritaram que as plataformas no mar expulsariam os peixes. Poderia continuar infinitamente. Mas a cada vez os temores provaram-se infundados. Não estou lhe contando algo que ainda não sabe.

- Você defendeu muito bem sua opinião - concordou Ty. - No entanto, não se pode dizer o mesmo para a mineração de carvão. Basta olhar para um daqueles locais no Leste e ver o que foi feito com a terra.

- No passado, sim. Mas você sabe como são rigorosos os regulamentos atuais. Você tem que ir até a fazenda do Stockman para ver nosso projeto de regeneração. Mais ou menos no ano que vem, você não saberá que aquela terra algum dia foi tocada - insistiu. - Sem dúvida essa é a hora de entrar no negócio do carvão, com todos esses programas energéticos que requerem grandes companhias de energia para converter o carvão em combustível. A demanda vai ser grande, e o preço vai subir junto.

- Não tenho dúvida de que vai dar dinheiro. - Não discutiu as outras alegações de Dyson quanto aos regulamentos restritos para mineração de carvão, nem quanto às técnicas avançadas para recuperação do solo. Não era cético como o pai.

- A parceria que tenho em mente é umajoint venture para mineração do carvão naqueles três mil hectares de terra. Posso obter os direitos de mineração com facilidade por meio de minha companhia. - Dyson não disse que a requisição já tramitava nos canais governamentais, e a aprovação fora praticamente garantida pelos contatos que tinha. - Como seu pai acredita que a terra é dele por direito, eu não poderia, em sã consciência, começar a mineração do carvão naquele terreno, a não ser que houvesse algum acordo entre nós para divisão dos lucros.

- Aprecio o sentimento... - começou Ty, com leve movimento de cabeça denotando uma negativa.

- Não estou lhe pedindo uma resposta nesse momento - insistiu Dyson, antes que a oferta fosse rejeitada. - Gostaria que pensasse nisso. Se você concordar, vai se colocar em oposição direta aos desejos do seu pai, estou consciente. Já lhe disse antes... seu pai é da velha escola. Ele custa a aceitar mudanças; não é propenso a digerir novas ideias e novas direções. Mas o país vai necessitar do carvão sob esse chão. Alguém vai fazer a mineração aqui; é inevitável. Só que seu pai simplesmente não quer admitir isso.

- Eu sei. - Ele examinou o conhaque em seu cálice, em conflito entre a lógica e o sentimento.

- Chega de falar de negócios. - Dyson acomodou-se na cadeira, confiante com o final tão calmo da conversa. - O que acha do novo senador que substituiu o Bulfert?

A lua crescente começara a acender no céu, passando de dourado ao prateado. Uma nuvem de estrelas salpicava o firmamento negro-azulado, como se a mão de algum gigante tivesse tomado um punhado de diamantes e os houvesse lançado ao ar para que se dispersassem e brilhassem. Em meio à quietude, um coiote uivou. Era um ruído solitário em todo aquele vazio. As luzes principais da sede ficaram para trás enquanto o par vagava até a estrada, dirigindo-se para leste dos prédios da fazenda. Cat estacou, correndo os olhos pela escuridão do solo até onde este encontrava o horizonte distante. Uma brisa intrusa soprava, lançando os cabelos sobre seu rosto. Sacudiu a cabeça para afastá-los e voltou-se contra o vento.

- Ainda bem que está correndo essa brisa forte - murmurou ela para sua companhia silenciosa. A luz da lua tornava os cabelos louros de Stricklin prateados, a coloração ainda em processo de transição do dourado para o prateado amarelado, escondendo a idade. Os traços fisionómicos continuavam lisos, livres de rugas, e o físico musculoso em boa forma conferia-lhe a aparência de homem mais jovem.

- É, o vento refresca bastante o ambiente - disse ele.

- Não estava pensando nisso. - Cat sorriu suavemente. - A brisa impede que moscas e mosquitos façam uma festa no corpo da gente. Às vezes eles ficam tão fortes que podem comer você inteiro, juro.

- Eles podem ser uma chateação terrível - concordou ele.

- Olha. -Ela apontou para o céu. - Lá vai um avião. Está vendo aquela luz vermelha atravessando o céu?

- Estou. - Ele olhou por um minuto. - Me diga uma coisa, eles chegaram a saber a causa do desastre do avião de seu pai? Segundo a última coisa que ouvi, foi um tipo qualquer de falha no motor.

- Um tanque de óleo quebrado - disse em voz baixa, baixando a cabeça, o assunto retirando parte do prazer na caminhada noturna.

- Alguém sabe o que causou a quebra? - Stricklin continuou a analisar o perfil da garota.

Ela balançou a cabeça, dando uma olhada rápida em direção ao homem mais velho.

- Simplesmente aconteceu, acho.

Fez-se rápida pausa; então Cat estudou-o curiosa.

- com todas as viagens aéreas que você faz, não se preocupa com a possibilidade de acontecer algo com seu avião?

Ele sustentou o olhar que Cat lhe lançou durante um longo segundo devassando os olhos azuis.

- Não - disse por fim. - Nunca pensei muito nisso. - Enfiou a mão no bolso e retirou uma faca pequena.

Cat assistiu divertida a Stricklin correndo a lâmina sob as pontas das unhas.

- Por que gasta tanto tempo limpando as unhas? - Ao menos desta vez a faca estava limpa, pensou consigo.

Stricklin por um instante pareceu surpreso com a pergunta, em seguida deu de ombros.

- Acho que é um hábito. - Perscrutou a noite. - Ainda está se encontrando com aquele jovem vaqueiro?

Desta vez foi ela quem o olhou e franziu o cenho.

- Repp? Como é que você sabe sobre ele?

- Será que Tara deixou escapar algo que não devia? - contrapôs.

- Desculpe, não sabia que eu não devia saber.

- Não importa. - Balançou os ombros, tornando-se curiosa. - Afinal, o que foi que ela disse?

- Nada realmente, garanto a você - prometeu Stricklin. - Acho que ela só mencionou certa vez que você gostava de um certo vaqueiro, mas que seu pai pensava que você era muito jovem para namorar. Acho que ela contou que de vez em quando ajudava vocês dois a se encontrar.

- Eu o vi umas duas vezes sem meu pai saber - admitiu Cat, reduzindo o número de vezes que escapara para encontrar com Repp. - Ele achava que eu não devia namorar até completar dezesseis anos, e eu não queria esperar tanto tempo.

- Típico de jovens amores, acho. - Uma curva pouco acentuada formou-se em torno dos lábios dele. - Locais secretos de encontro. Todos muito românticos... esse tipo de coisa.

- Acho que sim - concordou ela, capaz de recordar aquele tempo com uma espécie de olhar divertido, diante do drama que ela fizera em torno daqueles momentos fortuitos. Claro, agora tinha dezesseis anos e podia namorar Repp abertamente.

- Você tinha locais para encontros secretos? - indagou Stricklin.

- Ora, se eu dissesse eles não seriam mais secretos - disse Cat, relutando em revelar o lugar especial, o escritório no hangar. Era algo particular entre ela e Repp que não devia ser compartilhado.

- Desculpe, estou me intrometendo, não é? Naturalmente você não ia querer divulgar o lugar. - A voz pareceu suavizar-se, sempre tão desprovida de sentimento. - Foi surpreendida alguma vez?

- Não, do contrário o local não seria mais secreto. - Mas lembrou da vez em que Repp pensara ouvir alguém do lado de fora. Acabaram constatando que era o vento soprando pela portinhola de acesso ao motor de um avião, a qual fora deixada destrancada.

Em algum lugar próximo um cavalo resfolegou. Cat voltou-se em direção ao ruído, percebendo em seguida o som quase completamente abafado de cascos roçando suavemente a grama. A súbita vigilância para um ruído noturno atraiu a atenção de Stricklin. Era difícil perceber qualquer coisa na escuridão imediata que os cercava. O couro de uma sela rangeu.

- Quem está aí? - perguntou Cat. Durante um longo minuto, não se ouvia nada além do som da brisa na grama alta. De repente, uma forma escura surgiu das brumas, e Stricklin retesou-se diante da aproximação silenciosa do homem. - Tio Culley. - Ela sorriu carinhosamente com o susto que ele lhe dera. - Não sabia que era você.

- Você está bem? - interpelou-a, os olhos escuros correndo desconfiados para Stricklin.

- Claro. Estávamos só caminhando para desgastar um lauto jantar - explicou Cat. - Você já conhece meu tio, não é, sr. Stricklin?

- Claro. Como vai, sr. O'Rourke? - A boca curvou-se em um sorriso, nada além disso.

- Bem. - Culley balançou a cabeça em um gesto de assentimento, mas o olhar não se desviou do homem um segundo sequer.

Cat sentiu um desconforto no ar, uma espécie de tensão que a deixou inquieta.

- Vai estar em casa amanhã, tio Culley? - falou para quebrar o mal-estar. - Estava pensando em ir a cavalo até Shamrock.

- Se você for, encontro-a perto do rio t saímos juntos a cavalo fez ele.

- vou deixá-los para que façam seus planos - disse Stricklin, dando um passo em direção à casa-grande. - Gostei do passeio, Cat.

- Boa noite, sr. Stricklin - fez ela, virando-se distraída para observálo retroceder até a casa.

- Como é que você está sozinha com ele? - questionou o tio.

- Sozinha? - Ela nem chegara a considerar que estivera sozinha com o homem, não no contexto que ele parecia indicar. - Só saímos para um passeio depois do jantar. Isto não significa ficar sozinha com alguém.

- Talvez não - desistiu de má vontade. - Mas é melhor ficar longe dele. Não confio nesse homem.

- Stricklin? Nunca o vi conceder mais do que um olhar a uma mulher em todas as vezes que o encontrei. - Cat zombou da ideia de que ele pudesse nutrir pensamentos amorosos em relação a ela. - Além do mais, ele é muito velho. E de qualquer maneira estou namorando Repp.

- Só lembre do que eu disse - insistiu Culley. - Você vai mesmo lá em casa amanhã?

- Claro. Encontro-o às três horas ao lado do rio.

Era uma daquelas tardes quentes e preguiçosas de verão que não encorajava muita atividade física. Era época de movimentos lentos e fala mansa. Quando Jessy desceu dapíck-up que estacionara em frente ao armazém da fazenda, havia um grupo barulhento que não prestara atenção ao sol fervente sobre suas cabeças. O ruído de gargalhadas estridentes e gritos de alegria ecoava do rio que cortava a sede. O som provinha do atual grupo de convidados divertindo-se na água límpida.

O sol cozinhava a porta metálica da caminhonete. Queimou a mão de Jessy quando ela a fechou e fez a volta em torno do veículo, rumo à entrada do armazém, protegida com uma tela. A abertura da tela perturbou as moscas que se arrastavam na rede. Zumbiram barulhentas enquanto ela entrava.

- Oi, Sid - cumprimentou o vaqueiro que estava apoiado ao balcão, com todo o peso do corpo sobre uma das pernas.

- Oi, Jessy. - Lançou-lhe um olhar e voltou à posição inicial, aparentando estar cansado, com calor, e inteiramente descontente com a vida. Um grande ventilador vibrava barulhento, buscando ar entre as pilhas de artigos enlatados, comestíveis e um sortimento variado de mercadorias.

- Onde está Bill? - Jessy olhou por toda a loja à procura de Bill Vernon em sua cadeira de rodas. Bill dirigia o armazém com o auxílio da esposa.

- Nos fundos - replicou Ramsey, lançando a cabeça na direção dos fundos da loja. - Ele está vendo se acha tabaco de mascar. Aqueles malditos turistinhas de Nova York vieram aqui e compraram tudo. Agora com certeza eu vou ter que ir até Blue Moon em busca de tabaco.

- Que droga - solidarizou-se Jessy, enfiando a mão no bolso da camisa para pegar a lista de suprimentos de que precisava para reabastecer sua despensa na choupana.

- Este lugar devia ser nosso - reclamou o vaqueiro. - Mas se transformou numa maldita loja de turistas, com esses almofadinhas que ela traz.

- Não havia necessidade de explicar que ela era a mulher de Ty. - Eles vêm aqui para comprar o artigo genuíno. Bill jura que vendeu maisjeans, camisas e chapéus em um mês do que vende normalmente em um ano. "Eles querem vestir o que os vaqueiros usam". - Aumentou o tom de voz, falando em uma mímica sarcástica. - Disse a Bill para colocar um balcão de souvenirs e nós traremos alguns cocos de vaca. Provavelmente esses idiotas vão pagar cinco dólares por cada pedaço. Ele ia fazer uma fortuna, diabos.

Jessy soltou uma gargalhada.

- Eu não me surpreenderia.

- Sabe o que ela disse ao Bill? - Novamente o ela, demonstrando desagrado nos olhos de Sid. - Disse a ele para dobrar o preço de tudo que vendesse aos amigos dela... e até mais se ele achasse que podia cobrar.

- Talvez ela saiba que eles podem pagar - Jessy sugeriu com um menear de ombros, sem querer participar da crítica a Tara. Foi bastante imparcial. - Além do mais, aqui tudo é vendido praticamente a preço de custo. Mesmo pelo dobro, ainda seria um preço justo.

- Talvez sim. - Ramsey afastou-se do balcão, esticando-se para puxar as calças, mas em seu rosto permanecia a expressão do desagrado.

Só que não gosto do que está acontecendo nessa fazenda. Ela não é mais a mesma.

Não era o primeiro resmungo desse tipo que ela ouvia, e isto a preocupava. O descontentamento parecia estar aumentando.

- O que quer dizer? - Tentou parecer casual.

- Isso aqui deve ser uma fazenda de gado. Você sabe o que estou fazendo? - desafiou, pressionando um dedo contra o peito. - Ela me pegou para levar seus hóspedes para passeios a cavalo. Metade deles nunca montou em um cavalo em toda a vida e se agarra na sela como se ela fosse voar. E a outra metade pensa que sabe montar e quer sair galopando feito doido pelas planícies em pleno calor! E todos soltando gritinhos sobre como é "liiindo" tudo isso! - zombou implacável. - Já é o suficiente para deixar um cara doente. - Voltou-se para o balcão. - Você tem sorte, Jessy, de estar trabalhando na sucursal Norte e não ter de aguentar isso.

- Acho que sim. - Ela não entrara em contato com nenhum dos hóspedes, mas as fofocas da fazenda a mantinham informada sobre as contínuas idas e vindas de cada grupo.

- Sabe o que devo fazer agora? - Ramsey não esperou que Jessy respondesse. - Nenhum desses almofadinhas consegue acordar cedo para ver o nascer do sol. Quer dizer, tenho ordens de organizar uma trilha a cavalo bem tarde para que eles possam ver o sol se pôr no pasto. E eles querem sentar em volta de uma fogueira. Uma fogueira! - Repetiu com uma careta de nojo. - Pode imaginar isso, com o capim seco do jeito que está! Eles vão ter fogo, tudo bem. Se tiver vento, eles vão ter é um incêndio desgraçado na pastagem!

- Você explicou isso, não explicou? - Jessy franziu o cenho.

- Claro. Eles não estão nem aí - resmungou. - Esse bando de convidados deve ser de verdadeiros dândis.

- Por quê? - A pergunta pareceu desconcertá-lo por um instante.

- Pelo que ouvi, dois dos caras devem ser bichas - murmurou.

- O quê? - Jessy tentou conter o riso.

- É. Bud Jobsen, o cara que faz a maioria dos trabalhos com o pessoal do moinho, é carpinteiro. Ela pediu a ele que construísse um zebo ao lado do rio.

- Um zebo? - contraiu o rosto, confusa. - O que é isso?

- Sei lá. Bud me mostrou uma foto. Me lembrou um coreto redondo com um teto em cima. Ele não entendeu direito a função disso, mas disse que achava que um zebo era um lugar para os gays sentarem.

- Nunca ouvi falar nisso. - Ela declarou com um murmúrio de perplexidade.

- Nem eu. - Balançou a cabeça, carrancudo. - vou te dizer uma coisa: não sei não. Sempre gostei do Ty, mas não está me agradando o jeito como ele está dirigindo as coisas, despedindo bons homens enquanto a mulher fica contratando essa cozinheira metida e a empregada. Sabia que ele até desistiu de lutar por aquele título de terra?

- Ouvi dizer - admitiu Jessy.

- Não consigo entender. - Ramsey soltou um suspiro profundo. A porta da despensa abriu e Bill Vernon manobrou a cadeira de rodas através da abertura. - Achou, Bill?

- Claro que sim. - Pegou a pequena caixa redonda pousada no colo e entregou-a a Ramsey.

- Talvez o dia não acabe tão mal, afinal de contas - declarou o cowboy, enfiando a mão no bolso e colocando algo em cima do balcão. - Obrigado, Bill. - Virou-se para a porta com passo saltitante. - Vejo você depois, Jessy.

- O que quer, Jessy? - indagou Bill.

- Praticamente tudo. Café, ovos... - A lista era interminável.

- É uma maldita de uma vergonha que o pessoal da segurança não tenha dado uma boa olhada no cara. - Dyson esfregou o queixo irritado, o braço descansando sobre a janela do carro. - Ela não conseguiu nem dar uma boa descrição dele... só que era um vaqueiro magro em um cavalo preto.

- Não é muito para começar - concordou Stricklin, reduzindo a velocidade do carro quando entraram no quintal da Triplo C.

- Talvez quase ter sido pego impeça o cara de tentar novamente sugeriu Dyson, esperançoso. - Ele já causou muito problema. - A boca mantinha-se contraída, um vinco denotando concentração marcado na testa. - Maldição, mas não consigo imaginar por que ele está fazendo isso. Por que volta repetidas vezes? Vocês têm alguma ideia?

- Nenhuma. - Girou o volante, subindo a elevação rumo à casa-grande.

- Não sei durante quanto tempo vamos conseguir abafar isso - fez ele carrancudo. - Ty mencionou, quando estivemos aqui há duas semanas, que ouvira falar de que estávamos tendo problemas na mina. Eu diminuí a importância do caso, tratando-o como algum vandalismo malévolo. Mas não posso deixá-lo pensar que vai arranjar problema se concordar em entrar no negócio comigo.

- Ele demonstrou como está considerando o negócio? - perguntou Stricklin, parando o carro diante da escadaria frontal.

- Não, mas tenho a impressão de que a decisão vai depender da gravidade da situação financeira dele. - Dyson desceu do veículo e deteve-se, olhando por cima do teto do carro, a atenção direcionada para o grupo risonho que se aproximava da casa-grande. - Lá vem Tara Lee.

Stricklin permaneceu no lado do motorista, observando as pessoas de roupa de banho e enroladas em toalhas, seguindo a garota de olhos verdes e cabelos negros molhados.

O homem que vinha com Cat estacou na base da elevação, dando uma olhada nas colinas com ar de fadiga. Mal chegado aos trinta, estava claramente fora de forma. A cintura redonda começava a desenvolver-se em uma barriga que parara de tentar disfarçar, músculos e energia enfraquecidos. Ao perceber que ele não vinha com ela, Cat se voltou.

- O senhor não vem, sr. Macklin?

- Tenho outra escolha? - contrapôs, contorcendo-se, levemente ofegante com a caminhada até o rio. - vou ter que falar com seu irmão. Ou ele vai mudar a casa para mais perto do rio ou o rio vai chegar mais perto da casa. Ninguém devia subir uma colina como essa depois de nadar a tarde toda.

Ela soltou uma gargalhada com a reclamação bem-humorada, voltando para o lado dele.

- Talvez seja melhor ajudar o senhor - declarou, tratando a situação com o mesmo espírito leve; ele apoiou o braço em torno dos ombros dela, em mostra sarcástica de dependência.

Sorrindo, começaram a subir a elevação, enquanto um trio de vaqueiros entrava no quintal da fazenda. Assim que Repp Taylor reconheceu Cat e não identificou o homem seminu em short de banho apoiado tão familiarmente nos ombros dela, esporeou o cavalo, afastando-se dos outros dois e dirigindo-se para a colina. O ruído surdo se aproximando com velocidade logo chamou atenção, fazendo com que o grupo que retornava reduzisse as passadas, olhando em torno com leve curiosidade.

Quando Repp puxou as rédeas do cavalo até parar a poucos metros de Cat, os traços finos e severos denotavam um ar de desagrado que não tinha nada a ver com sua aparência empoeirada e encalorada.

- Quero falar com você, Cat - declarou, com voz ameaçadora e categórica, desmontando.

Um tanto surpresa, Cat afastou-se do convidado, cujo braço já deslizara de seus ombros. Mas o sorriso da garota não demonstrava surpresa.

- Já vou encontrar vocês - assegurou ao grupo que assistia, dispensando-os de esperá-la, indo em direção a Repp.

O grupo recomeçou a galgar a elevação com Tara à frente.

- É o namorado de Cat - ela murmurou uma explicação aos hóspedes, demonstrando uma tolerância divertida com a intensidade do amor adolescente.

- O que você quer, Repp? - perguntou Cat. Em vez de olhá-la, o rapaz ficou observando o grupo ascender a elevação até o carro estacionado. - Algo errado? - Hesitante, ela olhou por sobre o ombro na mesma direção.

Ele esperou até que o grupo estivesse fora do alcance do ouvido antes de falar qualquer coisa; por fim, fez uma pergunta em voz baixa e áspera:

- Que ideia é essa de deixar um estranho se apoiar em você?

- O sr. Macklin? - À reação de assombro logo se seguiu uma necessidade de soltar uma gargalhada alta diante da constatação de que Repp estava com ciúme. - Foi uma brincadeira sem maldade. Ele estava brincando que não conseguia subir o morro, e fingi que o ajudava. Só isso.

- Não seja tão ingénua. Isto era só uma desculpa para colocar as mãos em você. - A impaciência o dominava como um vento de irritação.

- Para começar, você não tem nada a fazer com um homem que tem duas vezes a sua idade.

- Eu não estava fazendo nada com ele. - Não gostou do jeito com que tentava ditar-lhe ordens. - Todos nós passamos a tarde nadando no rio.

- Pior ainda... você desfilando meio nua para um bando de homens estranhos a devorarem com os olhos.

- Não vou ficar ouvindo essa conversa. - Contraiu os lábios, voltando-se empertigada para ir embora, furiosa com a atitude do rapaz. Mas Repp a agarrou pelo braço e a girou de frente para ele.

- Fique longe dele - ordenou.

- Eles são nossos hóspedes - insistiu ela.

- Você os convidou? - desafiou Repp.

- Não, mas...

- Então não é você que tem que ficar divertindo-os.

com um puxão violento do braço, Cat se libertou do aperto de Repp.

- Não me tente dizer o que devo fazer, Repp Taylor - avisou ela.

- Está na hora de alguém dizer. - Ele ergueu a voz.

- Bom, não vai ser você!

- Estou dizendo para ficar longe dele - Repp voltou a exigir.

- Não! - recusou, zangada, girando sobre os calcanhares e afastando-se a passos largos.

- Você não provou nada! Se você for, só vai conseguir se meter em encrenca! - Furioso com a desatenção obstinada a seus avisos, Repp negou-se a segui-la.

Cat deteve-se quando já estava suficientemente distante dele.

- Então meu problema é esse, não é? Não preciso da sua ajuda! Trechos da discussão foram carregados pelo vento preguiçoso da tarde, mas só uma pessoa estava escutando. Dyson fez a volta no carro, ficando de pé ao lado de Stricklin, ambos assistindo enquanto Cathleen corria para juntar-se aos outros que chegavam ao topo da colina e se dirigiam para a estrada.

- Uma briguinha de namorados - murmurou Dyson, divertido.

- É o que parece - concordou Stricklin. Não se falou mais do assunto, pois o grupo os alcançou e começaram as saudações e banalidades sociais. Dispersos, foram se encaminhando para a casa-grande. Stricklin ficou para trás seguindo Cat até a casa. - Espero que a briga com seu namorado não tenha sido séria - murmurou.

Ela fez uma pausa, lançando-lhe um olhar frio e analítico.

- Não gostaria de preocupá-lo com isso, sr. Stricklin - replicou friamente, descontente com a intromissão em seus assuntos particulares. Ao invés de juntar-se aos demais para os refrescos que aguardavam seu retorno, Cat foi direto para o quarto, tratar da mágoa e ultraje que sentira com a crítica de Repp ao seu comportamento.

O silêncio da casa pesava sobre o quarto. A escuridão do lado de fora transformava os vidros das janelas do escritório em espelhos. Ty pousou a caneta e descansou os cotovelos com a mão sobre a boca e o bigode, olhando fixamente as chamas da lareira de pedra. Fadiga tanto física quanto mental pesava-lhe sobre os ombros. Muitas pressões de diferentes lados juntavam-se dentro dele, fazendo-o ansiar pelo contentamento de outras épocas. Em pensamento, Ty conseguia ver as labaredas amareladas nos troncos da lareira e Jessy - a beleza forte de seus traços e aquele olhar de espera. Queria sentir novamente aquela emoção doce e poderosa que ela acendia dentro dele. Não era uma dor quente e febril. Era algo mais profundo do que isso.

- Ty? - O ruído suave de seu nome agiu como uma intromissão. Ele olhou em direção à fonte com uma carranca dura. Tara deslizou para dentro do escritório, a seda fina do robe e da camisola produzindo sons sussurrantes conforme caminhava. - Já passa de uma hora. Acho que você já trabalhou o bastante por hoje.

Ele retirou os braços da mesa para olhar o relógio, confirmando a hora avançada. As rugas de cansaço em seu rosto continuaram contraídas numa carranca.

- Não falta muito para terminar. - Mas não sentia vontade de dormir nem de trabalhar.

- O trabalho pode esperar - Tara insistiu, contornando a mesa e virando a cadeira giratória do marido para longe dos papéis. Ele se recostou e ela, com um movimento gracioso, fez meia-volta e sentou-se no colo de Ty. Este experimentou reações conflitantes... um traço de impaciência contrapunha-se à apreciação silenciosa da beleza de Tara. Ela mergulhou os dedos em seus cabelos. - Quando entrei ainda agora, você parecia envolvido em algum problema importante. Em que estava pensando? - Tara indagou com curiosidade e preguiça.

- Na fazenda - mentiu, aspirando o perfume do corpo da mulher, consciente dos desejos que a presença física lhe provocava.

- Gostaria que deixasse papai ajudar - disse, e acrescentou: - Mas a decisão é sua e não vamos discutir isso essa noite.

Descansou a mão sobre o peito dele. Ty captou o brilho do diamante em torno da opala negra no anel de casamento. Lembrou a ansiedade febril que sentira ao escolher a armação... anos atrás, parecia. Tomou aquela mão, tocando levemente o anel e pensando no significado de tudo aquilo.

- Está feliz, Tara? - Havia algo de preocupação por sob a indagação aparentemente descontraída, uma sensação de que não encontrara o que estivera buscando com aquele anel, e matutando se ela havia encontrado.

- Nunca fui mais feliz. - Havia ardor por sob a voz dela. - Está tudo acontecendo exatamente da forma que eu esperava. - Uma luz sôfrega acendeu-se em seus olhos, tão convicta e segura. - Sei que agora você está enfrentando problemas económicos. Seu pai deixou a fazenda nesse caos financeiro. Mas vamos superá-lo. Você já sabe que existe uma maneira de solucioná-lo - fez ela, aludindo cuidadosamente à proposta do pai. Sei que está angustiado com a decisão, mas você optará pela mais acertada. Então vai ver como tudo vai ser maravilhoso.

- É. - Mas havia falta de entusiasmo na resposta dele.

- Você não parece muito feliz - repreendeu Tara.

- Ultimamente não tenho tido muito com o que ficar feliz. - Deu de ombros e continuou a segurar a mão do anel, o dedão percorrendo a superfície lisa da opala negra. O anel parecia tomar-lhe mais atenção do que a conversa. - O que houve com Cat? Ela parecia estar de mau humor no jantar hoje.

- Teve alguma discussão boba com Repp. - Tara considerou o assunto fútil. - Aí ficou emburrada. Combinei de irmos todos cavalgar amanhã no final da tarde. Agora ela insiste em não ir, porque quer visitar o maluco do tio. Acho que você não devia deixá-la ir.

- Culley é inofensivo. - Ty não via motivo para negar. - Não se preocupe com ela.

A falta de atenção começou a incomodar Tara. Ele parecia mais envolvido em seus próprios pensamentos do que em todo o resto.

- Ty, em que está pensando? - Por fim acabou insistindo em saber, uma certa apreensão na voz.

Quando olhou para ela, uma das poucas vezes em que seus olhos se encontraram desde que Tara entrara na sala, havia um ar de arrependimento na preocupação estudada do olhar do marido.

- Estava pensando no compromisso de um homem e no que isso significava. - Por um segundo, o dedão pressionou o anel de casamento com mais força.

- Isso parece sério. - Tara tentou rir, mas durante um segundo sentiu medo do espectro de outra mulher. Ainda assim, havia segurança no comentário dele, e ela lançou mão do código de honra peculiar, seguido pelos homens da fazenda, para estreitar o vínculo do casamento que ligava Ty a ela.

- Acho sério, porque eu fui sincera nos votos que fiz a você quando nos casamos. Sou sua esposa... bem ou mal.

- É. - A resposta custou a vir. - Você é minha esposa. - Talvez o fato estivesse se adaptando à realidade. Talvez finalmente reconhecesse que tinha uma responsabilidade em relação a Tara... e ao casamento que haviam feito. Se não conseguia encontrar o conforto que desejava em seu casamento, ele não tinha o direito de buscá-lo em outro lugar. Dependia dele e Tara evitar que seu casamento se transformasse em impostura. Se a alma e o espírito haviam desaparecido do relacionamento, restando unicamente o ímpeto, então que fosse assim.

A convicção na voz de Ty proporcionou a Tara um sentido de vitória. Toda a confiança no sucesso final da competição se justificava. Transbordante de vitória, baixou a cabeça para beijá-lo. Ty teve um relance da lareira negra por trás da beleza que bloqueou quaisquer imagens que porventura subsistissem dentro dele. A quentura do corpo de Tara pareceu inundá-lo, trazendo a febre... a ânsia ardente que não o devorava mais como outrora.

Fora instalado um portão na cerca que separava a fazenda Shamrock da pastagem da Triplo C, proporcionando acesso fácil de uma para a outra.

Com a habilidade da prática, Cat manobrou o cavalo de forma a abri-lo em seguida fechou o portão atrás de si sem desmontar. Deixou o cavalo seguir seu próprio ritmo colina acima até o topo, salpicado de pinheiros Uma trilha apagada levava até o campo irregular, e Cat seguiu o caminho.

Ainda estava magoada com a discussão com Repp, e desanimada também. Em tempos como esse, parecia que não tinha a quem recorrer. Antes poderia reclamar com os pais, mas agora a mãe se fora. O pai, que sempre parecera poderoso e forte o suficiente para solucionar qualquer problema, tornara-se uma pessoa que ela queria proteger de qualquer coisa desagradável. Ty estava muito ocupado, e Tara, que às vezes era como irmã mais velha, ainda considerava os sentimentos de Cat infantis, jamais os levando a sério. Cada vez mais, quando a solidão e a insegurança tomavam conta de Cat, via-se buscando o tio para que tivesse a companhia de alguém que se importava com ela.

Culley sempre a interceptava em algum ponto da trilha e cavalgavam até a pequena fazenda juntos. Desta vez, ela percorreu todo o caminho até o quintal sem ver qualquer sinal dele. Embora nunca compreendesse como sabia que ela estava se aproximando das outras vezes, preocupou-a não vêlo. Desmontou em frente à casa, perscrutando o quintal vazio, prendendo as rédeas da montaria no poste que sustentava o teto da entrada. Foi até a porta de tela e tentou ver algo por entre a malha de arame.

- Tio Culley? - chamou, hesitante. Havia algo de estranho no silêncio. - Tio Culley! - A voz alteou-se, imperiosa.

Ouviu um som baixo vindo do interior da casa. A situação era um tanto alarmante. Embora a ideia nunca lhe tivesse passado pela cabeça antes, subitamente Cat se preocupou com o fato de o tio morar sozinho, completamente isolado e distante de qualquer auxílio. Se ficasse doente ou se machucasse, quem ia saber?

- Tio Culley? - gritou bem alto, caso ele estivesse no celeiro. - O senhor está aí? - De alguma maneira, achava que ele não estava do lado de fora, assim, entrou na casa, fechando a porta de tela silenciosamente atrás de si, ouvindo todos os ruídos. - Tio Culley? - A voz soou cavernosa na casa imersa em silêncio. A porta do quarto estava fechada. Mal dera um passo em direção a ela quando a porta abriu e o tio saiu, pálido e desgrenhado, a camisa desabotoada e meio para fora das calças. Os cabelos grisalhos caíam em tufos desordenados e meias de lã cinzas cobriam seus pés.

- Não esperava você hoje, Cat. - A voz não parecia normal, o tio estava empertigado e incomodado quando se aproximou dela. - Acho que você me pegou em uma soneca.

Ele realmente parecia ter acabado de sair da cama, e a preocupação da garota diminuiu com a explicação.

- Estava começando a me preocupar - admitiu. - Achei que podia ter acontecido algo com o senhor. - De súbito, percebeu algo branco envolvendo-lhe a cintura onde se abria a camisa desabotoada. - O senhor está ferido - disse ela, em feroz acusação.

- Não é nada para se preocupar. - O aceno da mão dispensou a apreensão. - Bati com as costelas quando um cavalo me deu um coice.

- É melhor me deixar dar uma olhada. - A voz dela era insistente, estendendo a mão para a camisa, querendo constatar se o tio tratara adequadamente as costelas feridas.

- Não. - Os olhos faiscaram em súbita negação. - Já lhe disse que só machuquei algumas. Agora me deixe em paz.

- Olha aqui, Culley O'Rourke. Sei ser tão teimosa quanto você alertou Cat.

- Se veio aqui para uma visita, tudo bem. Mas se veio só para meter o nariz onde não deve, pode ir embora.

Cat empertigou-se como se tivesse levado uma bofetada. O tio nunca falara assim com ela.

- É evidente que não sou desejada nem querida. Nada mais do que faço é certo. - Virou-se para a porta, o orgulho e os sentimentos feridos.

- Cathleen, desculpe. Eu... - A frase foi interrompida por um gemido de dor, seguido pelo ranger de uma cadeira sob certo peso. Alarmada, Cat voltou-se para ver o rosto pálido do tio agarrando as costas da cadeira. Correu até ele.

- O senhor está ferido. Não sei por que está tentando fingir que não é nada - acusou-o impaciente, ajudando-o a sentar. Quando tentou erguer a camisa, ele protestou, fraco, procurando detê-la. Mas era tarde demais: ela percebeu a mancha escarlate pingando através do trecho branco da atadura. - Está sangrando - acusou, num misto de perplexidade e preocupação. - Pensei que tinha dito que machucara as costelas.

- Foi só um arranhão - ele insistiu, a fraqueza que o acometera começando a ceder. - Estou bem, estou lhe dizendo.

- Não vou acreditar em suas palavras - retorquiu Cat, começando a desatar as ataduras amarradas de forma grosseira. Procurou ser o mais suave que pudesse, mas sem dúvida doía cada vez que erguia os tecidos da área ferida. À visão da linha longa e fina de carne púrpura aberta, quase vomitou. Fez um esforço para não nausear-se. - Tio Culley, o senhor tem de ir ao médico e tratar isso. - A experiência limitada da garota em primeiros socorros não englobava uma ferida tão séria como aquela.

- Não. - Ele balançou a cabeça, o rosto pálido e contorcido. - Só jogue um anti-séptico e coloque uma atadura limpa.

- Tio Culley, por favor. - Cat pediu que a ouvisse. - Sei que não gosta de médicos, mas isto não é um arranhão. Deixe-me ir até o médico e trazê-lo aqui. O senhor pode estar com uma infecção ou algo do tipo.

- Não. Não posso ir a um médico. Não posso deixá-lo ver isso. Agarrou as mãos dela, quase trincando os ossos dos dedos de Cat. - Cathleen, você tem que me prometer que não vai contar nada a ninguém sobre isso.

- Por quê?

Mais uma vez ele balançou a cabeça.

- Não faça perguntas. Simplesmente me prometa - implorou.

Ela fitou aqueles olhos súplices, em seguida olhou para a ferida aberta e lentamente meneou a cabeça.

- Não posso prometer isso. - Doeu negar algo ao tio. - Não quero que aconteça nada ao senhor. Tenho que chamar o médico. - Começou a afastar-se dele, para ir à fazenda pedir ajuda.

- Não. - Ele tentou chamá-la de volta. - Você não entende, Cathleen. O médico teria que relatar isso ao xerife.

- O xerife? - Cat hesitou, alguns centímetros distante dele. - Mas por quê?

Passou-se um longo momento em que ele pareceu dividido entre responder à pergunta da sobrinha e guardar silêncio.

- Porque... é um ferimento de bala. Cathleen olhou-o incrédulo.

- O quê? - A resposta a surpreendera inteiramente. - Mas... por que alguém ia atirar no senhor? E o que importa se o xerife descobrir?

- Apenas acredite em mim. - Lutava contra as perguntas dela. Não quero envolvê-la nisso.

Ela retornou à cadeira, caindo de joelhos em frente a ele.

- Se não me disser do que se trata, eu mesma vou ao médico e ao xerife - ameaçou, pois estava assustada com a falta de sentido de toda a situação. Culley estava agindo de maneira misteriosa e rebelde.

- Não quero deixá-la, Cat. - As lágrimas toldaram os olhos dele, mas não eram causadas pela dor. - Mas se o xerife descobrir, ele vai me prender... e nunca mais verei você.

- Mas por que ele prenderia o senhor? - persistiu ela.

- Porque eu... eu sei quem matou sua mãe.

Por um momento, a afirmação pousou em silêncio sepulcral, Cat olhando para ele.

- O quê? - Ensaiou um pequeno, leve ruído. Estava quase convencida de que ele estava maluco. - Ela morreu em um acidente de avião.

- Causado por um tanque de óleo quebrado - assentiu ele. - Mas não foi acidente. Foi premeditado. Alguém quebrou-o ao meio.

- Como... como é que sabe disso? - Ela hesitava, cética, embora o tio soasse tão convincente.

- Porque... - A angústia tomava conta de seu rosto. - Lembra daquela noite em que você encontrou com aquele garoto Taylor no hangar e pensou que ouvira algo?

- Sei - assentiu lentamente. - Era o senhor?

- Não. Era ele. Eu o vi mexendo em algo no motor. Depois que você e Taylor saíram e ele fugiu sorrateiro, fui ver o que era. Sabia que ele havia feito qualquer coisa no motor, mas não sabia o quê.

- O senhor quer dizer... que sabia que havia algo errado com o avião? Sabia e não disse nada a ninguém? - Olhava-o fixamente, recuando ao perceber que o acidente que matara a mãe e ferira o pai tão gravemente poderia ter sido evitado.

- Eu não tinha certeza... não sabia se ele tivera tempo suficiente antes de vocês o ouvirem. Se eu soubesse que Maggie... - A voz saiu atormentada, um ruído deprimente de se ouvir. - Não vê, Cathleen? Essa é minha punição. Pensei que havia algo errado com o avião, mas não disse a ninguém. E ... ela morreu. Não o seu pai. Ela morreu.

- Como o senhor pôde! - Ela começou a soluçar lágrimas furiosas, sofrendo novamente. - Como pôde matar minha mãe! - Bateu com os punhos nas pernas e coxas do tio, gritando desesperada, liberando toda a violência que contivera dentro de si desde que a mãe falecera tão inesperadamente.

Culley chorava com ela, mais silencioso mas não menos que a sobrinha. Quando por fim ela ficouexausta de soluçar sobre os joelhos do tio, a mão dele tocou-lhe os cabelos, mal acariciando-os.

- Por favor, não me odeie, Cathleen - sussurrou, rouco.

- Por quê? Por que não contou a alguém? - Era uma indagação plangente.

- Quem teria acreditado em mim? - raciocinou tristemente. - Talvez ele tivesse sido esperto e quebrado o tanque em um ponto onde ninguém visse. Talvez eles não tivessem encontrado mesmo se eu dissesse. E se encontrassem, era só a minha palavra de que ele fizera isso. E começariam a indagar o que eu estava fazendo lá... a dizer que fora eu que fizera aquilo.

- Fez-se uma longa pausa. - Muitas coisas aconteceram antes de você nascer, mas nunca foi segredo que eu não ligava se seu pai vivesse ou morresse. Os caras se lembram bem disso. Eles se lembram do Culley maluco, e teriam achado que eu fiz isso e não ele.

- Quem fez isso, Culley? - Ela ergueu o rosto banhado de lágrimas para olhá-lo.

- Stricklin estava no hangar naquela noite, provavelmente cumprindo ordens de Dyson.

- Não. - Olhou-o sem acreditar.

- Você vê? Nem você acredita em mim.

A tristeza nos olhos dele mesclava-se à ironia. Lentamente, Cat começou a compreender seu dilema. Quem acreditaria em tal história... especialmente vinda do tio, que fora hospitalizado durante tantos anos? Sentiu a frustração na desesperança de O'Rourke.

Concedendo que fosse verdade, ela teve de perguntar:

- Mas por que eles fariam isso?

- Calder tinha algo que eles queriam e que ele nunca daria, por isso tentaram se livrar dele. Só que por um acaso Maggie estava no caminho.

- Era assim que ele imaginava os fatos. Não importa a vítima inocente que ela fora, seu desejo de vingança não diminuíra. Ao tentar mudar de posição na cadeira, o movimento atingiu a ferida lateral, fazendo-o encolher-se e empalidecer com a dor perfurante. Culley pressionou a atadura frouxa contra a carne aberta na cintura.

- Deixe-me pôr um curativo limpo aí. - Cat enxugou as lágrimas das bochechas, erguendo-se para pegar novas ataduras. - Como isso aconteceu? Sabe quem atirou no senhor?

Enquanto Cat limpava a ferida com o anti-séptico da melhor maneira de que era capaz, dobrando uma tira de um lençol recém-lavado, Culley respondeu às perguntas entre gemidos de dor.

- Algum guarda de segurança... da mina de Dyson. Estive lá... várias noites quebrando os tanques de óleo do... equipamento deles. Às vezes jogava açúcar... nos tanques de gasolina se... não tinha tempo para outra coisa. Achei que isso poderia espantá-los e... fazê-los mostrar sua verdadeira face. Espantei-os, é verdade. Aquele lugar... tem mais guardas do que uma prisão. Mesmo assim, ainda não posso provar nada.

Ela prendeu o novo curativo no lugar com pequenas tiras de esparadrapo.

- Fiz o melhor que pude. - A preocupação em seus olhos denotava que poderia não estar muito bom. - Mas parece que o corte está bem feio, tio Culley.

- Nada de médico - repetiu.

- vou falar com Ty, explicar tudo que o senhor me contou e...

- Ele não vai acreditar em você. - Balançou a cabeça tristemente com a esperança que ela depositava no irmão mais velho. - Ele é casado com a filha de Dyson. Não vai acreditar em qualquer coisa contra o homem, sem provas.

- Mas o que o senhor vai fazer? Simplesmente não podemos permitir que eles continuem impunes.

- Eles não vão ficar impunes - tranquilizou-a Culley. - vou pensar em algo. Agora devem estar bem inquietos, pois sabem que alguém sabe de algo. Se você trabalha muito tempo em cima dos nervos de um homem, eles acabam entrando em colapso. Nesse momento, estão no limiar do sobressalto, sem saber quem desconfia do que fizeram. Por isso você tem que prometer não falar com ninguém sobre isso... nem com seu pai ou seu irmão... nem ao garoto Taylor... ninguém - insistiu. - Não podemos nos arriscar a deixar escapar algo.

- Mas... - Cat queria protestar contra o segredo, mas não encontrava argumentos adequados contra o raciocínio do tio. Quem acreditaria em uma história como essa sem provas? Ela mesma tinha dificuldade em engoli-la, mas estava convencida de que o tio acreditava na história.

- Posso ter sua palavra? - O olhar atento procurava os dela.

- Pode - concordou, após um segundo de hesitação. Mordiscou o lábio, ainda tentando decidir o que devia fazer sobre o tratamento da ferida. - vou fazer algo para o senhor comer - disse ela. - Depois vou voltar à fazenda e ver se arranjo algum medicamento no consultório do veterinário.

- É melhor não. Se alguém a vir com o remédio, vão começar a fazer perguntas e podem querer conferir qualquer história que você contar - alertou-a.

- Tenho que fazer algo. - A frustração aflorou na veemência da afirmação... Deteve-se, sem querer expressar as possíveis consequências. vou tomar cuidado. Ninguém vai me ver, prometo. Sou tão boa nisso quanto o senhor. - Tentou injetar um tom de leveza na conversa. - Veja só quantas vezes já escapei para encontrar com Repp sem ninguém me descobrir.

Quando voltou à casa-grande, a situação pareceu-lhe terrivelmente irreal. Duas vezes após o jantar, quase chamou Ty em particular para confiar-lhe a história, a fim de que ele dissesse ser um monte de bobagens, tornando o problema algo para se dar gargalhadas. Mas a vontade de proteger o tio foi mais forte. A despeito de suas razões, o tio poderia ser preso pelo que fizera; talvez o internassem novamente. Ele confiava nela, e não conseguiria traí-lo assim.

com a cabeça zonza de tantas dúvidas e pequenas suspeitas, Cat evitou passar o mínimo de tempo com Dyson ou Stricklin, apreensiva de que pudesse olhá-los de maneira estranha, inconscientemente. Havia muitos hóspedes para ocupar-lhes a atenção, bem como a de Tara e Ty, assim Cat duvidou de que sua ausência fora notada quando pegou a chave no escritório e saiu da casa-grande para ir ao consultório do veterinário pegar alguns remédios.

Só havia dois meios de transporte disponíveis - um veículo da fazenda ou um cavalo. Usar uma das caminhonetes poderia levantar dúvidas sobre onde ela estaria indo e sobre a necessidade de uma visita noturna ao tio. Só teoricamente ela possuía o domínio da fazenda e podia fazer o que bem quisesse por ser uma Calder. com dezessete anos, ainda sofria certas restrições, e caso as razões fossem insuficientes, a permissão poderia ser negada. Cat não queria criar mais histórias do que tivera que inventar para ocultar seus motivos. Um passeio a cavalo à noite, supostamente por prazer, provavelmente não levantaria tanta curiosidade, mesmo requerendo muito mais tempo.

Já passava da meia-noite quando voltou à sede da fazenda. A escuridão a obrigara a levar mais tempo na volta. Foi direto ao estábulo, retirou a sela do cavalo e limpou-o.

Só havia duas luzes acesas no segundo andar da casa-grande, indicando que os ocupantes haviam acabado de se recolher. Os convidados ficavam sempre acordados até tarde, assim Cat não se surpreendeu ao constatar que nem todos estavam na cama. Deslizou para dentro da casa, movimentando-se na sala de estar imersa na escuridão rumo à escada. A despeito da tentativa de silêncio, os degraus rangiam vez por outra sob seu passo.

No topo da escada, voltou-se para o corredor que levava a seu quarto, caminhando junto à balaustrada onde o piso era mais sólido e as tábuas rangiam menos sob seus pés. A porta de um quarto do lado oposto abriu, e Cat voltou-se com um susto demonstrando culpa. Sentiu o coração na garganta quando se viu fitando os olhos opacos de Stricklin. Por um segundo, o pânico atravessou-a loucamente.

O adiantado da hora e o silêncio do resto da casa tornavam tudo que Culley dissera sobre o homem que ela olhava mais verídico. Ele sempre parecera um peixe frio aos olhos de Cat; agora essa impressão afigurava-se mais ameaçadora.

- Você me assustou! - Por fim conseguiu emitir a confissão verdadeira. - Não posso ficar fora depois da meia-noite. Pensei que tinha sido pegada. - Cat observou-o de perto, afivelando um sorriso e tentando adivinhar se ele ia achar que estivera com Repp.

Os cantos da boca de Stricklin curvaram-se para cima, mas ela não sabia ao certo o que aquilo significava.

- Estava descendo para ver se achava um livro para ler. - Ele falou tão suavemente quanto ela, evitando qualquer comentário a respeito da explicação desajeitada.

Cat temia prolongar a conversação temerosa de que as suspeitas inculcadas por Culley não a deixassem agir naturalmente com ele. Tampouco queria fugir como um coelho assustado. O ruído de um dos quartos forneceu-lhe uma desculpa.

Relanceou a vista em direção ao som e sussurrou um rápido "Boa-noite", deslizando em seguida pelo corredor até seu quarto. Assim que a porta estava bem fechada, Cat quase soltou uma gargalhada histérica de alívio.

Stricklin desceu as escadas lentamente, raciocinando sobre pequenos detalhes que percebera - os pêlos de cavalo nas roupas da garota, o tempo que esteve fora da casa, e o medo que vira nos olhos dela, não um simples susto. A brincadeira vingativa na mina de carvão era o tipo de coisa que uma adolescente imaginaria.

Sozinho no escritório, Stricklin discou o número do telefone da mina. O chefe da segurança atendeu.

- Aqui é Stricklin. Está tudo calmo esta noite? - perguntou.

- Mais calmo é impossível - tranqúilizou-o o guarda. - com todos os holofotes que acrescentamos ao equipamento, aqui parece que é dia. Não há meio de alguém entrar alguns metros sem ser visto.

- Ótimo.

Durante longo tempo depois de desligar, Stricklin continuou sentado na cadeira atrás da mesa limpando as unhas. Gostaria de ter a intuição de Dyson nesse problema. Como em um jogo de xadrez, bloqueara a estratégia inicial do inimigo; agora esperava a próxima jogada, que com certeza estava por vir, mas sentia falta da habilidade do sócio para antecipar o local.

 

Começou como luta no céu, um ribombar suave de um trovão à distância. Em seguida espalhou-se; nuvens negras corriam a bloquear o sol com rapidez e violência, acompanhando a criação de uma tempestade de raios nas planícies. O ar quente e pesado originou repentino vento frio, doce com o aroma da chuva. O vento desapareceu, pairava calma absoluta sobre a terra.

A escuridão rapidamente instalou-se junto com a tempestade em progressão, e o ar subitamente se abriu com os raios recortados, chamas brancoazuladas de fogo que executavam uma dança da morte sobre o solo. Explosões de luz e estrondos dos raios seguiam-se sem intervalo, fazendo a terra vibrar, enquanto a chuva caía torrencialmente. Era uma dramática e apavorante demonstração da violência da natureza. Em quinze minutos a tempestade passara.

A 45 quilómetros da sede da Triplo C, não havia mais do que um sopro de chuva no ar. De pé no lote de alimentação com poças d'água alagando o solo esponjoso, Ty observava a destruição que a tempestade deixara para trás. As carcaças de dez bois mortos amontoavam-se em um canto do lote, onde se haviam juntado apavorados, berrando durante a tempestade, um grande alvo para o raio que explodira sobre eles. O peso dos corpos dos animais arrebentara uma seção da cerca, e o restante do gado debandara através da abertura, fazendo mais três reses pisoteadas até a morte na confusão. A sofisticada maquinaria de alimentação fora atingida, bem como o armazém dos grãos. Metade dos grãos provavelmente ficara inutilizada pela chuva torrencial.

O custo do prejuízo era estonteante, nada no seguro. com uma administração do porte da Triplo C, a teoria sempre preconizara que a fazenda seria suficientemente grande para absorver as perdas. Mas houvera muitos drenos nas reservas. Não restava nada para suavizar o desastre.

- Não sei o que dizer, Ty - Arch ofereceu, carrancudo. - vou lhe dizer quanto dos grãos pudemos salvar. com os preços atuais da alimentação, se tivermos que comprar mais grãos, a engorda do gado não vai render o suficiente no mercado para compensar o aumento. Vamos afundar mais e mais no vermelho.

- Vamos ter que engordar a maioria com grama e terminar a engorda com duas semanas de grãos. - Parecia a única alternativa viável, mesmo significando que o gado não produziria preços altos. Mais e mais as circunstâncias o empurravam para outra decisão.

- Desse jeito você não vai conseguir bom preço para eles - Arch alertou-o, expressando o que Ty já pensara.

- Você acha que não sei disso? - A impaciência tornara a voz áspera.

Goodman empertigou-se levemente com o tom duro.

- Parece que eles recolheram o resto dos bois. - Observou o trio de vaqueiros conduzindo um pequeno grupo do gado em direção aos lotes de alimentação, o comportamento frio e artificial. - vou ajudá-los com o portão.

Lábios apertados, Ty limitou-se a assentir com um gesto de cabeça, disfarçando o silêncio ao acender um cigarro, enquanto o homem se afastava. Sacudiu o fósforo e jogou-o ao chão molhado o suficiente para fazer o fósforo chiar levemente. Um caminhão entrava no quintal para carregar as carcaças do gado morto. Ty deixou os homens entregues a seu trabalho e dirigindo-se até a cerca para observar o gado sendo pastoreado até um lote vizinho.

Um mancava. Os demais provavelmente estavam alguns quilos mais magros com a corrida - quilos valiosos. Ty saltou a cerca e ficou de pé olhando do outro lado. Sem esforço consciente, percebeu Jessy entre o trio de vaqueiros. Quando o portão fechou-se atrás do último animal, ele esperou. Parecia não haver fim nas decisões desagradáveis que devia tomar.

Jessy vinha à frente dos vaqueiros quando chegaram até a cerca e desmontaram. Os cabelos cor de caramelo estavam enfiados sob o chapéu, proporcionando-lhe a visão do pescoço longo e elegante. Ela lhe deu um olhar límpido, o qual desviou para os lotes. Em seguida, voltou o rosto forte e nobre para ele.

- Que tempestade! - observou, preguiçosa.

- É - ele concordou. Olhando para ela e percebendo a dureza do comportamento de ambos, parecia haver coisas que não precisavam dizer. No entanto, havia certas coisas a concluir.

- Isso só aumenta seus problemas, não é? - disse Jessy, olhando novamente a destruição provocada pela tempestade, parte dela visível.

- É. - Lutava para encontrar um modo de chegar ao que queria lhe dizer. Não queria ser brusco.

- Alguns caras estão resmungando. Não estão contentes com a forma como tudo tem mudado ultimamente. - Descansou as mãos enluvadas sobre a cerca apertando-a levemente. - Eles reclamam que estão gastando muito mais tempo atendendo seus hóspedes do que trabalhando com os animais.

- Devem ficar felizes de estar trabalhando. - A irritação fez a resposta soar brusca. - Agora só posso pagar os regulares. Eles têm reclamado com você sobre as condições de trabalho?

- Não. Só ouvi o falatório. Pensei em passar à frente caso ninguém tivesse falado nada com você. - Ergueu um ombro, dando pouca importância ao que sabia.

Irritava-o um pouco saber que havia insatisfação entre os trabalhadores e que não soubera disso até agora.

- Não há muito que eu possa fazer a respeito.

Jessy fitou-o por entre as pálpebras cerradas. Sentia que ele perdera contato com algumas coisas básicas, o que não era surpreendente, considerando-se a pressão e responsabilidade que se acumulavam sobre ele ultimamente. Sem falar no constante fluxo de hóspedes que frequentavam a casa-grande. Culpava essas responsabilidades como causadoras da ausência de Ty na sua choupana. Mas olhando para ele, para a indiferença de que se revestia como uma barreira, ficou pensando se aquelas responsabilidades seriam as únicas razões.

- Imagino que não - disse ela.

- Jessy... - Algo na voz de Ty deixou-a apreensiva. Mentalmente, preparou-se. - O que tivemos foi bom. Verbo no passado.

- É, foi. - Voltou-se para ele. - E não me arrependo.

Ty sentia alguns arrependimentos, mas pareceu-lhe sem sentido citá-los.

- Nunca quis magoá-la. E sei que foi o que fiz.

- Não tem importância. - Ela balançou lentamente a cabeça, os lábios grossos recurvados em um sorriso triste. - Sempre soube que ela estava em primeiro lugar para você. - Sabia disso há muito mais tempo do que ele pudesse pensar. As lágrimas assomavam em seus olhos. Jessy desviou o rosto, olhando o horizonte, semicerrando os olhos para conter as lágrimas. - Talvez seja melhor pedir dispensa no fim do mês.

- Uma vez você me disse que eu era livre para ir embora ou para ficar, dependendo do que eu quisesse. Agora digo o mesmo a você. - Ty não conseguia pensar nela em outro lugar que não ali, onde podia ficar de olho nela e tomar conta. Mas não tinha direito de pedir-lhe isso.

- Obrigada, Ty. - A garganta doía, mas o orgulho insistia em demonstrar leveza. - É melhor voltar ao trabalho antes que eu seja acusada de desperdiçar o tempo do patrão.

Montou sobre a sela com a cabeça erguida, única maneira de evitar que o queixo tremesse. Doía respirar; doía viver. Há muito tempo a mãe lhe dissera que jamais uma mulher conquistara a solidão. Era uma batalha sem fim, especialmente nesses espaços solitários.

Enquanto Ty a observava afastar-se, jurou que nunca encontrara mulher mais honesta. Não houvera compromissos entre eles, não houvera promessas e Jessy não fingira ter sido iludida por ele. Fora tão honesta em relação a isto quanto com suas emoções. Lamentava o que acontecera. Mas a beleza madura de Tara o esperava - o tipo de beleza com o qual os homens sonhavam.

A meio caminho da sede, ele percebeu uma Cathleen molhada e enlameada cavalgando um cavalo imundo pelo acostamento de grama logo à frente da pick-up. Desacelerou a caminhonete, colocando-se lado a lado com ela.

- Foi pega pelo temporal? - Sorriu do estado das roupas encharcadas. Levariam um bom tempo para secar, mesmo se colocadas sob o sol quente.

- Como é que adivinhou? - disse sarcástica, molhada e infeliz.

- Amarre o cavalo na traseira e lhe dou uma carona.

Cat não hesitou em aceitar o oferecimento, levando o cavalo para a traseira da caminhonete e desmontando para amarrar as rédeas no párachoque. Em seguida, correu para a frente e subiu o lado de passageiros, os pés chafurdando nas botas molhadas.

- Está com frio? - Ty deu uma olhada na irmã.

- Não. Só molhada. - Sentia-se grudar enquanto tentava ajeitar-se no assento.

- Estava de novo no Culley? - Ty dirigia lentamente, olhando frequentemente pelo espelho retrovisor para o reflexo do cavalo. - Esta semana você foi lá quase todo dia.

Cat mordeu os lábios, nervosa. Ninguém comentara sobre isso, consequentemente não pensara que alguém tivesse percebido a frequência de suas visitas.

- Ele... não estava se sentindo muito bem.

- Por que não me disse? - Ty franziu o cenho.

- Era só um resfriado leve - disse rapidamente. - Hoje ele já estava de pé. Acho que gosta que eu vá lá e cuide dele, por isso demorou tanto a ficar bom.

- É mais do que provável que seja isso - concordou Ty, sorrindo vagamente enquanto os pensamentos desviavam-se para outros problemas mais importantes.

Assim que saiu do telefone, Dyson percebeu Stricklin entrando no escritório. Preparara uma bebida para colocar nas mãos de Stricklin assim que este entrasse.

- O que é isso? - Stricklin olhou sem entender para o drinque que ele lhe dava.

- Você conhece a superstição de que notícia ruim chega rápido. bom, as boas também - declarou Dyson, tocando o copo do sócio com o seu.

- Primeiro, faz quase duas semanas que não temos problemas com a mina. Segundo, conseguimos os direitos minerais daquela parte da terra da fazenda dos Calder. E terceiro... - Fez uma pausa de efeito. - Acabei de falar com Ty ao telefone. Ele está considerando minha proposta dejoint venture na mineração do carvão e quer que a gente vá lá discutir o assunto mais detalhadamente.

- Ele disse isso? - Stricklin custou a participar do estado de espírito comemorativo de Dyson.

- Parece que conseguimos. - Dyson saudou Stricklin com o copo, dando um gole e sorrindo amplamente. - E você estava tão preocupado semana passada - ralhou. - Tão convicto de haver algum motivo para Ty estar demorando tanto. Eu lhe disse que não havia motivo de desconfiança. Agora que ele vai juntar forças conosco possuímos um império de carvão e toda a água de que precisamos.

- Talvez exista outra razão por que ele queira nossa presença em Montana. Talvez esteja usando o negócio como desculpa - sugeriu Stricklin, raciocinando cauteloso sobre as possibilidades.

- Não. - Dyson balançou a cabeça de modo decisivo. - Ele vai entrar no negócio. com Chase fora de cena, as coisas estão acontecendo do jeito que previ.

- É - concordou um tanto distraído, sorvendo um gole da bebida, e logo depois outro com mais confiança. - vou rearranjar nosso horário para que possamos ir a Montana logo de manhã.

Cat observou o carro afastar-se da casa-grande com o irmão ao volante, novamente acompanhado por E.J. Dyson e seu sócio, George Stricklin. Os três haviam-se tornado praticamente inseparáveis desde que o aeroplano de Dyson pousara na pista de pouso particular da Triplo C no dia anterior.

Estava se tornando mais difícil acreditar que o par realizara a façanha que o tio sugerira. Conhecera E. J. Dyson durante toda a vida, bem como Stricklin. Mesmo antes de Ty casar com Tara, Dyson já era amigo da família. O pai discordara fortemente de Dyson na questão da mineração do carvão, mas continuava a demonstrar-lhe respeito.

Nenhuma das suspeitas do tio pareciam plausíveis. Sabia o quanto Culley amava a mãe - quase a adorava. Cat estava quase convencida de que ele estava tentando culpar alguém pela morte, por ser a única maneira de aceitar a morte de Maggie em seu íntimo.

- Cat, o que há com você? - A voz impaciente de Repp interrompeu as reflexões da garota.

Ela deu meia-volta, olhando-o sem ver por um instante.

- Desculpe. Estava só... pensando. - Os olhos escuros do rapaz vasculhavam os traços preocupados da namorada, tentando achar a origem da preocupação. Cat queria contar-lhe o terrível segredo que Culley a fizera carregar, mas a história começava a soar inacreditável demais.

Os olhos apreensivos incomodavam-no. Há uma semana ela lhe garantira que a briga por ciúme fora esquecida. Mas ela ainda estava com algo na cabeça que não ia lhe contar.

- Pensando em quê? - Repp interpelou-a. - Em seu pai? Quando o visitou no domingo, disse que ele estava bem melhor.

- E está. Há um entorpecimento nas pernas que o médico considera um bom sinal, pois significa que ele está readquirindo alguns sentidos. Ainda havia a necessidade de mais operações, mais terapia. A recuperação ainda era algo para o futuro.

Mesmo se quisesse confiar ao pai algumas das coisas que a preocupavam, não teria tido oportunidade. Ty pegara grande parte do horário de visita colocando-o a par da situação da fazenda.

- Então o que há? - ele insistiu.

- Nada, já lhe disse. - Cat tentou rir das perguntas que a embaraçava, correndo os olhos sobre ele para fitar a caminhonete aguardando a alguns metros. O vaqueiro ao volante acelerava o motor, impaciente. É melhor você ir embora. Depois lhe aviso sobre a festa de sábado.

- Faça isso. - Repp foi quase brusco com ela, irritado diante da recusa persistente em admitir que algo estava errado quando sabia muito bem que qualquer coisa não ia bem. Caminhou até apick-up e subiu para o assento de passageiros. Não olhou para ela até a caminhonete deixar o quintal. Cat vagava em direção à pista de pouso. Talvez ainda estivesse deprimida com a morte da mãe. Este fato devia contar para o estado de espírito da garota.

Cat não saíra andando com o objetivo de chegar ao campo de pouso particular, mas quando viu o hangar, dirigiu-se até lá, atraída pela lembrança daquela noite, quando o fato supostamente ocorrera. O sol do meiodia fervia a extensão de terra, criando ondas de calor no teto de zinco do hangar. O vento produzia o único som, soprando através do campo, agitando a biruta de medição do vento.

Quando Cat chegou à sombra fresca do hangar, a calma foi quebrada pelo ruído metálico de algo caindo. Ela gelou.

- Quem está aí? - indagou.

Uma cabeça surgiu por trás da capota do bimotor estacionado no hangar. O piloto de Dyson pareceu quase tão surpreso quanto Cat.

- Oi - fez ele. - Não ouvi você chegar.

Ela passou por baixo da asa para chegar até ao aeroplano de Dyson.

- O que está fazendo? - indagou curiosa. Ele tinha uma caixa de ferramentas à sua frente, um macacão manchado de óleo protegendo as roupas.

- Estou só checando o motor. - O homem de olhos azuis tinha a compleição franzina de alguém bem mais novo do que seus quarenta e tantos anos. Seu trabalho era voar e levava-o a sério, a atenção concentrada no avião enquanto respondia à indagação da garota. - Stricklin achou que o avião não estava com o barulho normal quando viemos ontem. Ele é muito nervoso com a segurança... quer tudo verificado mais de uma vez. Acho que esquece que eu também estou voando nesse pássaro.

- Tenho pensado sobre algo que talvez você possa responder. - Cat mordiscou hesitante o lábio, tentando colocar a pergunta cautelosamente.

- Após um acidente de avião, como podem saber a causa?

- bom... reúnem os destroços. Um bom mecânico geralmente pode dizer o que foi quebrado no impacto e o que funcionava mal antes do acidente, presumindo se a causa foi mecânica. - Fez uma pausa para enxugar as mãos em um trapo, antes de fechar a porta de acesso do motor. Ora, veja o acidente com seu pai; o óleo teria sido espalhado por todos os cantos quando o tanque se rompeu.

- Mas... eles poderiam determinar por que o tanque rompeu?

As sobrancelhas do piloto ergueram-se com a pergunta. Consideroua durante um minuto, por fim deu de ombros timidamente.

- Acho que poderiam. Mas não sei aonde chegariam fazendo isso, a não ser que estivessem verificando se fora defeito de fábrica ou algo assim.

- Está querendo dizer que uma vez encontrada a causa eles não investigam mais... a não ser que tenham motivos para acreditar que algo mais poderia estar errado? - a testa crispou-se com leves rugas.

- Eles tomam uma decisão com a arrecadação de informações. Os destroços, testemunhas oculares e, nesse caso, seu pai poderia verificar a queda brusca na pressão do óleo, já que estava pilotando o avião. - Mudou de posição, embaraçado. - O que aconteceu foi deixado de lado. Aviões particulares caem o tempo todo. Não é como um grande jato, onde muitas vidas estão em jogo e a responsabilidade tem de ser determinada.

- Entendo - murmurou, pensativa, olhando em seguida para o homem, sorrindo vagamente. - Você está certo, sem dúvida.

- Escute, eu... - Ficara inquieto com as perguntas sobre o acidente aéreo, preocupado em não ter lhe oferecido garantias satisfatórias de que a investigação fora realizada de maneira adequada.

- Não, tudo bem - ela o interrompeu. - Compreendo.

Ele hesitou, analisando-a; por fim, sua atenção recaiu sobre as mãos sujas.

- Acho melhor me lavar. O óleo está entranhado nas minhas unhas. vou precisar escavucar para limpá-las.

A imagem de Stricklin sentado no escritório naquela noite, limpando as unhas, passou pela mente de Cat... limpando com uma faca suja! Esquecera disso até que o comentário do piloto fê-la lembrar. Não chegava a provar nada, mas mesmo assim...

- Até logo - despediu-se do piloto e saiu do hangar, caminhando lentamente de volta, à casa-grande.

Não havia ninguém na sala de estar quando entrou na casa; tanto Tara quanto a empregada nova estavam ocupadas em outro lugar. Cat deslizou até o escritório sem que a vissem e fechou as portas. Estava determinada a provar ou a desmentir as suspeitas do tio sobre a causa do acidente, terminando com as dúvidas torturantes de uma vez por todas. Precisou dar vários telefonemas até encontrar o homem encarregado das investigações do acidente com o avião do pai.

- Sim, lembro-me do caso. - Assegurou-a da lembrança do caso.

- Terminamos a investigação e completamos o relatório definitivo há dois meses. Foi um problema mecânico, segundo me lembro, uma ruptura do tanque de óleo.

- Mas qual foi a causa? - A mão apertava o fone. Cat sentiu a hesitação do outro lado da linha. - O senhor poderia dizer que alguém mexera... cortando parcialmente o tanque ou algo no género?

- bom, acho difícil... - O tom de voz tentava descartar a ideia.

- Por favor. - Cat interrompeu-o antes que ele rejeitasse a possibilidade. - Tenho que saber o que aconteceu.

- Sabe o que está sugerindo?

- Sei - disse ela, firmemente. - Que alguém provocou o acidente deliberadamente.

- Estou lhe dizendo, Ty, não poderia Ficar mais contente com a nossa concordância no mesmo ponto - declarou Dyson quando se juntaram na sala de jantar para tomarem seus lugares à mesa. - De todos os possíveis locais que poderíamos ter escolhido naquela área, acredito que optamos pelo melhor para a nova fábrica de carvão. Temos uma fonte de água bem no local e um filão subterrâneo de alta qualidade betuminosa a menos de cem metros de distância. Nos primeiros anos, podemos fazer a mineração em um círculo em torno da nova fábrica. Isto permitirá uma operação altamente eficiente e económica, bem como muito rentável.

- Em quanto tempo você prevê a geração de renda da fábrica? - perguntou Tara, esboçando um gesto para dispensar a prova do vinho tinto, ordenando à empregada que enchesse as taças em volta da mesa. Sorriu para Ty, os olhos escuros brilhando de orgulho e excitação com a futura realização de seus sonhos.

- Isso é que é o melhor. - Dyson estava exultante. - com nossa já existente operação na terra de Stockman, temos homens e máquinas à disposição para iniciar a mineração de carvão, assim que tivermos estradas de acesso ao local. A indústria de carvão propriamente vai requerer algum tempo para a construção, mas usaremos a fábrica de Stockman nesse ínterim. O retorno monetário começará quase imediatamente.

Cat estivera ouvindo as discussões de negócios com um só ouvido, prestando pouca atenção ao que estava sendo dito. Preocupava-se com o telefonema, bem como com o esforço para conter as pontadas que sentia ao ver os acompanhantes do jantar. Estendeu a mão para o guardanapo de linho, desdobrando-o e pousando-o sobre o colo.

- Como seu advogado vai aprontar os papéis para a assinatura amanhã - dizia Dyson, tomando a taça de vinho entre as mãos -, acho que não é prematuro brindar a nossa nova sociedade, não é mesmo, Ty?

A atitude de Dyson atraiu a atenção de Cat. Surpresa com o anúncio, derrubou acidentalmente o garfo da salada, deixando-o cair ao chão. O talher bateu no solo ruidosamente, chamando a atenção para ela.

- Desculpe, eu... - Não se deu ao trabalho de concluir as desculpas, olhando Ty fixamente. - O que é isso de sociedade?

- Eu e E. J. vamos entrar no negócio de carvão juntos - replicou carinhosamente. Os traços duros e belos tinham uma expressão de calma determinação, irrevogável e firme, quando Ty ergueu o copo a Dyson.

- Esperava esse dia ansiosamente, desde que você e Tara se casaram.

- Dyson oferecia uma expressão de grande satisfação e Cat ficou observando-o, percebendo o traço de premeditação na afirmativa. O olhar correu para Stricklin, e caiu imediatamente, quando se deu conta de que ele a observava por sob aqueles óculos de lentes grossas. Mortificada pelas dúvidas e suspeitas não comprovadas, manteve-se em silêncio.

Durante todo o jantar, ela ouviu a conversa sobre o carvão com crescente inquietação... a tonelagem potencial que poderia ser minerada anualmente, vendas com diversas companhias, as fortunas a serem realizadas. O tempo inteiro temia que o irmão estivesse entrando em negócios com os dois homens que poderiam ser os responsáveis pela morte da mãe.

Ao fim do jantar, Cat conseguiu abordar o irmão antes que seguisse os outros até a sala de estar para-o café.

- Você não pode fazer isso - insistiu, tentando manter a voz baixa.

- Não pode fazer negócio com eles, Ty.

- Já está feito. - O olhar era duro, embora a voz estivesse imbuída de paciência.

- Você ainda não assinou os papéis - lembrou-o, perseverante. Ainda não é tarde demais para mudar de ideia. - Sabia que devia dar-lhe um motivo. Sem provas, relutava em contar-lhe suas suspeitas, influenciada pelos inúmeros protestos de Culley de que não acreditariam nela. - Sabe o que papai pensa sobre a mineração de carvão. Você não pode fazer isso.

- Financeiramente não tenho escolha. - A boca crispou-se. - Eu sou o responsável, Cathleen. Você estava no hospital sábado passado, ouviu-o dizer que a decisão cabia a mim. Depende de mim começarmos a produzir algum dinheiro, da maneira que considerar adequada. E é exatamente o que estou fazendo. Não há espaço para sentimentalismos em decisões de negócios, embora talvez você seja muito jovem para compreender isso.

- Não é realmente isso - protestou Cat. - E se eu lhe dissesse que...

- Ty? - Tara apareceu no umbral da porta. - Você não vai tomar café conosco? - Correu os olhos dos traços duros de Ty para a expressão desesperada e súplice da irmã do marido. - Qual é o problema, Cathleen?

- sorriu indulgente. - Ty não quer ceder e abrandar o horário de meianoite para a festa de sábado? vou falar com ele sobre isso para você. Enquanto isso, vou roubá-lo de você. Papai tem mil detalhes a discutir com ele.

Sua chance esvanecera-se; assim como a necessidade de contar-lhe o que ela e Culley suspeitavam. Só a visão de Tara lembrou-lhe que provavelmente não acreditaria que o pai de sua esposa seria capaz de fazer tal coisa. Ela mesma não tinha certeza.

 

Não houve avisos; não se deu uma palavra. Mas quando o primeiro topógrafo pisou na terra dos Calder para preparar uma nova estrada, as notícias reverberavam através da Triplo C como a propagação de uma onda.

Mal apick-up estacionara diante da casa-grande e Jessy já saíra do interior, correndo para os Degraus e atravessando a porta da frente. A tensão retesava cada milímetro de seu corpo longo quando perguntou à primeira pessoa que viu:

- Onde está Ty? Quero vê-lo.

Tara olhou-a, empertigada, friamente controlada.

- Acho que ele não quer ver você.

- Estou pouco ligando para o que ele quer, e deixe suas patas longe disso - retorquiu Jessy, sem tempo para ciumeiras. - Já entreguei minha demissão, vou receber meu pagamento e vou embora no fim do mês. Cadê ele? No escritório?

- Ele está ocupado. - Tara tentou bloquear a passagem para as portas abertas do escritório, mas Jessy foi mais ágil, desviando-se dela.

- Não vai demorar muito - ela prometeu carrancuda.

As vozes um tanto alteradas chamaram a atenção de Ty. Ele já estava saindo da escrivaninha quando Jessy entrou feito furacão na sala e estacou, as mãos na cintura em uma postura desafiadora.

- Só quero saber uma coisa. - A voz saiu dura e categórica, assim como a expressão nos olhos cor de avelã. - É verdade?

Fez-se um segundo de pausa, Ty quase fingiu não saber do que ela estava falando. Por fim, ele baixou o olhar e virou-se para pegar alguns papeis na mesa.

- É, é verdade. A Triplo C agora é uma fazenda de mineração de carvão. - A tensão na sala era pesada e opressiva, sacudindo-lhe os nervos.

- Não quis acreditar quando ouvi isso - declarou Jessy. - Pensei que você fosse um Calder. Pensei que gostasse da sua terra.

A decisão de Ty erguera um clamor de desaprovação entre os funcionários veteranos. Ty ficara amargurado ao constatar que mais uma vez tornara-se um estranho, quando seu único interesse fora evitar a quebra da fazenda. Aquilo o endureceu em relação a Jessy.

- Você quer mais alguma coisa?

- Quero que venha comigo. Tem algo que quero mostrar-lhe - afirmou, sem alterar a postura desafiadora um milímetro sequer.

- Agora estou ocupado. - Ty não desejava discutir com ela a respeito da decisão que tomara. Parecia mais fácil evitar qualquer oportunidade de que isso acontecesse.

- Você não está tão ocupado que não possa desperdiçar uma hora.

- A raiva alterava o controle sobre si mesma. - Alguma vez já lhe pedi algo, Ty? - perguntou, vendo-o hesitar. - bom, agora estou lhe pedindo isso.

Ele soltou um suspiro pesado.

- Tudo bem. vou com você. - com um gesto de irritação, jogou os papéis sobre a mesa, pegou o chapéu e enfiou-o na cabeça, seguindo-a para fora do escritório. Imediatamente Tara colocou-se ao lado do marido, tentando detê-lo. - São negócios, Tara - dispensou brutalmente seus protestos velados, saindo da casa com Jessy.

Não trocaram uma palavra quando ele subiu para o lado de passageiro, enquanto Jessy deslizava para trás do volante. com suave eficiência, ela pôs a caminhonete em movimento, afastando-se da casa-grande na direção leste da sede. Não lhe mostrou o rosto, nada mais do que o perfil de ossos fortes e marcados, a pele bronzeada e as rugas formadas pelo sol espalhando-se nos cantos do olho.

Durante longo tempo, os únicos ruídos eram o barulho do vento sobre a caminhonete e o zumbido alto do motor. Por trás dele, um rifle chocalhava dentro do porta-armas encaixado na janela traseira do utilitário, uma adaptação comum em quase todos os veículos da fazenda. As planícies forradas de capim amarelando sob o sol de verão formavam uma mancha azul do lado de fora da janela, enquanto a caminhonete corria ao longo da estrada. Ty esfregava pensativo a boca, o bigode arranhando a ponta do dedo, enquanto tentava adivinhar o destino desconhecido.

- Aonde estamos indo? - finalmente perguntou, quando fizeram uma curva na estrada e tomaram uma trilha irregular e com a vegetação crescida.

- Estamos quase chegando. - Ela foi igualmente brusca.

A trilha com dois sulcos desaparecia sob um emaranhado de ervas daninhas e cardos. A caminhonete sacolejou até parar no fim da trilha, em meio ao nada. Jessy desligou o motor e saltou da pick-up sem explicações. Impaciente, Ty lançou um ombro contra a porta de passageiro, abrindo-a e descendo.

Fragmentos de madeira podre e quebrada e tiras de papel alcatroado estavam espalhados entre as ervas daninhas. Parecia um antigo campo de lixo. Ty olhou em torno com uma expressão de nojo e mal oculta irritação por ter sido trazido ali.

- Cuidado onde pisa - Jessy avisou quando começaram a andar.

- Existe uma cisterna velha enterrada em algum lugar por aí.

- Que lugar é esse? - O olhar correu para ela.

- Aqui é onde sua avó vivia - disse-lhe. - Ela era colona.

Ty olhou de novo para os restos espalhados. Sabia muito pouco sobre a avó, exceto o fato de que morrera logo depois que o pai nascera. Sabia bem pouco a respeito do passado da família. Jessy conhecia melhor a história da família do que ele mesmo. Aquilo só fazia irritar mais os nervos estraçalhados.

- Naquela época eles se autodenominavam fazedores de ninho. O olhar vasculhava a vida vegetal parca e rala. - Queria que visse o que o arado fez a esta terra. Ela era coberta de grama... forte e alta como a que hoje você encontra na Triplo C.

Ty fitou aqueles lábios apertados e a expressão zangada. Ela se elevava ao lado dele, empertigada com o ressentimento. Ao voltar os olhos cerrados e claros para ele, Ty percebeu mais uma vez a força dos traços fisionómicos de Jessy, sem qualquer maquilagem.

- Olhe para isto - ela ordenou. - Porque é isso que acontece quando você rasga esse solo. Ele sofre a erosão e a ação do vento; nem as ervas daninhas conseguem mantê-lo fechado. Trezentos acres poderiam talvez alimentar uma vaca.

- Ele precisa ser semeado e... regenerado. - Ty concedeu que a terra se encontrava em péssimas condições, mais um deserto do que uma planície.

- Você acha que isso já não foi tentado? Milhões de acres de terras estão assim, rasgados. - A voz vibrava com o esforço de controlar-se. O pasto nativo não volta. Novos tipos foram plantados; foram usados alguns dos mais resistentes, mas é preciso muito cuidado, trabalho e água. Já se passaram cinquenta anos e ainda há lugares assim. Você quer destruir a terra por causa do carvão que há no subsolo? Destruí-la não para seu uso, mas para o de seus filhos também?

- com os diabos, Jessy. Não tenho escolha - atirou, sob a pressão crescente da censura. - Preciso do dinheiro para manter a fazenda em funcionamento.

- Que fazenda? - inquiriu. - Não vai sobrar nada quando eles terminarem de devorar todo o carvão. O que você está salvando, um lugar que será um deserto mirrado daqui a trinta anos?

- Você não compreende. - Ty tentava manter a calma.

- Não, é você que não compreende - replicou Jessy. - Você está agindo em nome do dinheiro... pelo lucro. São negócios, você diz. É o progresso. Você recebeu um legado, Ty. Uma tradição que se orgulha de proteger a terra e as pessoas. Você vai perder a ambos, porque acha o dinheiro mais importante. As pessoas construíram esta fazenda, e ela só poderá ser destruída por si mesma. E você será a alma desta destruição. Quando o coração não funciona bem, o restante vai definhando lentamente.

Após um longo instante, Ty esboçou alguma resposta.

- Você disse o que pensava - falou ele.

Em silêncio, percorreram o longo trajeto de volta à sede da fazenda. Todo o tempo, as palavras martelaram na cabeça de Ty. Quando Jessy o deixou na casa-grande, não disseram nada; simples cortesias pareciam supérfluas naquele momento.

Tara tentou acossá-lo com perguntas, mas Ty permaneceu na casa o suficiente para pegar as chaves do monomotor, saindo novamente. Após decolar, Ty sobrevoou sobre o local escolhido para a fábrica de carvão, circundado por camadas de capim, sob o qual havia ricos depósitos de carvão de baixo teor sulfúrico, a poucos metros abaixo da superfície. Os topógrafos da estrada formavam pontos coloridos na grama, e seus veículos pareciam do tamanho de brinquedos de criança vistos daquela altura.

Virando o aeroplano para leste, Ty continuou a voar sobre as pradarias do cerrado, onde a grama lutava para sobreviver contra a erosão do vento e da chuva, e contra as ervas daninhas. Em seguida, mudou de rumo, voando até a fazenda de Stockman.

Uma larga cobertura verde de grama cuidadosamente nutrida oferecia marcante contraste com o abismo negro do carvão, a névoa de poeira e das máquinas se arrastando. Mas a área regenerada subitamente pareceu pequena em comparação à esteira de terra mastigada pelo monstro das escavadeiras que devoravam o solo em busca do veio carbonífero sob a terra.

Ao voltar para a casa-grande, os ombros estavam mais leves e os passos largos mais autoritários. Foi diretamente ao escritório, telefonou para o pai no hospital e avisou da decisão de rescindir o contrato com Dyson.

- Fico contente. - A voz do pai parecia engasgada, mas acabou soando mais forte. - O que vai fazer agora que não vai mais ter o dinheiro?

- Cortar os gastos ao máximo. - Ty contou-lhe alguns dos seus planos aos quais o pai adicionou sugestões. Juntos chegaram a um programa plausível. Não salvaria a fazenda dos infortúnios financeiros, mas lhes daria uma chance de chegar a épocas melhores.

- E Dyson? - questionou o pai. - Ele vai lutar contra você... genro ou não.

- É possível - aquiesceu Ty.

- Não espere para descobrir. - Alertou-o o pai, e discutiram a melhor maneira de bloquear quaisquer atitudes que Dyson porventura tomasse.

- Vai ter que tomar cuidado com ele. Ele é esperto, muito esperto.

- vou tomar cuidado.

Após a conversa ao telefone, Ty começou a dar telefonemas para convocar os administradores dos vários campos e operações da fazenda a irem até a sede.

Durante a hora e meia seguinte, eles foram chegando de seus diferentes distritos. A maioria empertigada e fria, todos prontos a acatar as ordens de Ty, mas não a gostar delas. Haviam perdido a confiança em seu julgamento, sua decisão anterior fora contra os valores com os quais haviam sido criados e nos quais haviam aprendido a acreditar. Mas a opinião deles passou por uma mudança subjacente assim que ouviram o que Ty tinha a dizer:

- Quando um homem comete um erro, ele tem duas opções. - Ty disse a Wyatt Yates o mesmo que falara aos outros antes de o administrador da operação de criação de cavalos chegar. - Ele pode trincar os dentes e prosseguir, fingindo que está certo. Ou pode admitir seu erro e fazer tudo para consertá-lo. Achei que a mineração do carvão era a solução para os problemas financeiros em que estamos mergulhados. Mas ela só vai trazer mais problemas. vou rescindir o contrato e lutar para deter a operação.

- Você acha que pode fazer isso? - Yates fitou-o, ainda desconfiado.

- Não vou saber se não tentar. - Sabiamente, Ty não afirmou que poderia fazer qualquer coisa. - Enquanto isso, quero que você comece a telefonar para os criadores do Estado e venda aqueles dois garanhões. Encontre compradores para todos os animais jovens que puder, exceto aquele garanhão de dois anos e aquela égua de San Peppy. Vamos guardá-los para a futura procriação. Guarde as éguas cougar e venda todo o resto.

As instruções a Arch Goodman foram semelhantes, quando este chegou.

- Venda todo o gado engordado do lote de alimentação e guarde os grãos para engordar os novilhos que vão nascer nesse outono. Estamos cortando nossas perdas antes que os preços do mercado do gado caiam mais ainda.

- Jogando todo esse gado no mercado já baixo provavelmente vai levar os preços ainda mais para baixo - alertou Arch.

- No momento não posso me preocupar com o que a queda dos preços vai causar aos outros caras. Arranje um jeito de livrar-se do gado pelo melhor preço.

Quando Arch deixou o escritório, Tara entrou. Por trás do seu sorriso escondia-se a curiosidade.

- O que está acontecendo esta tarde? As pessoas estão entrando e saindo o tempo todo?

- Estou implementando mais algumas medidas para cortar os gastos na fazenda - replicou, o tom de voz ainda comercial, apesar do olhar suavizar-se sob o toque da mão dela. - Algumas delas você não vai gostar.

- Tais como? - Ela inclinou a cabeça para o lado.

- Você vai ter que despedir a cozinheira e a empregada, e avisá-las que não vamos mais precisar dos serviços delas após o fim do mês - declarou Ty.

- Você não pode estar falando sério. - O sorriso desapareceu do rosto de Tara; a primeira reação foi de incredulidade, seguida de indignação. - Você não pode fazer isso. Preciso delas. Temos convidados para o próximo fim de semana e para o resto do verão.

- Simplesmente você vai ter de explicar a seus convidados que eles vão ter de fazer as próprias camas e lavar os pratos ou distraírem-se sozinhos enquanto você fizer isso. Esta fazenda é de trabalho, não um hotel equipado com serviço de quarto e empregadas.

- Nunca ouvi nada tão absurdo em toda minha vida. - Tara faiscava. - Estas pessoas são importantes. Não posso pedir a eles que vão para a cozinha lavar os pratos.

- Quem sabe? Pode ser que eles gostem. - Meneou levemente os ombros.

- bom, não sou eu que vou descobrir - ela o informou, a respiração alterada de raiva. - Nem Simone nem a sra. Thorton vão embora. Esta é minha casa e você não vai me dizer como dirigi-la. Eu não lhe digo como administrar a fazenda.

- Você está errada. Esta casa é nossa e a fazenda é nossa. A casa não é estritamente de seu domínio, nem a fazenda é do meu. Ambas pertencem a nós dois - contrapôs Ty, brutalmente.

- Não ligo para a fazenda ou o que você faz com ela. Já lhe disse uma dúzia de vezes para contratar um administrador e deixá-lo dirigi-la, mas você não me ouviu.

- Ouvi e discordei.

- Então discordo de você quanto a despedir Simone e a sra. Thorton - rebateu Tara.

- Tenho que cortar despesas em todos os lados... o que inclui o orçamento da casa. Portanto, se você quiser pagá-las com seu próprio dinheiro, o problema é seu.

- Por que está tão preocupado com dinheiro novamente? - A voz inflamada denotava impaciência e confusão. - Pensei que a sociedade com papai resolveria tudo. Vai haver dinheiro mais do que suficiente assim que você começar a vender o carvão.

- Não vai haver dinheiro algum porque não vai haver qualquer venda de carvão - afirmou calmamente, ao mesmo tempo em que a porta da frente abria.

- O que quer dizer? Desde quando? - Mas as perguntas ficaram sem resposta com o som da voz de Dyson chamando-a. - Aqui, papai! - ela respondeu, atravessando o escritório para recebê-lo. - Ty estava acabando de me contar alguma besteira que você não ia mais vender o carvão. Eu...

Ty interrompeu antes que fosse mais além, enfrentando o olhar intrigado de Dyson.

- Fico contente de vê-lo aqui, E. J. Já ia explicar a Tara que decidi desistir de nosso acordo.

- Não entendo. - Dyson sorriu confuso. - Já está tudo acertado. O que foi? Não está satisfeito com os termos? Acha que deve receber uma parte maior?

- Não estou fazendo objeção aos termos. Não gosto é do uso da terra. Não vai haver mineração de carvão na propriedade dos Calder. - Ty anunciou, olhando de soslaio para Stricklin de pé no umbral da porta, ouvindo e deixando a Dyson toda a argumentação. - Sugiro que se dissolva a sociedade amigavelmente e vamos esquecer isso.

- Ela tem algo a ver com isso, não tem? - Tara acusou. - Você era a favor da ideia até ela vir vê-lo hoje à tarde.

- Vamos deixar Jessy fora dessa discussão. - Avisou calmamente. Recusava-se a deixar o nome dela entrar em uma discussão de família. Ela pode ter aberto meus olhos para algumas coisas, mas a decisão foi minha.

- Temos um negócio, Ty. - Dyson lembrou-o, deixando de lado a atitude aduladora. - Está tudo assinado legalmente.

- E estou lhe dizendo que estou anulando isso. bom, podemos fazer a rescisão de forma amigável ou não. Depende de você. - Mirou o homem, oferecendo-lhe a oportunidade de evitar uma confrontação constrangedora.

- Você não está pensando direito, garoto - insistiu Dyson. - Comigo, negócio é negócio. Está um pouco tarde para mudar de opinião.

- Nunca é tarde demais - Ty corrigiu-o. - Talvez tenha que me fazer mais claro. Você tem vinte e quatro horas para retirar os seus topógrafos da minha terra. Não vai haver estrada. Não vai haver mineração de carvão. Não vai haver fábrica de carvão.

- E estou lhe dizendo que temos um compromisso legal - Dyson refrescou-lhe a memória, tenso.

- Então é melhor você me processar por quebra de contrato! - Ty disparou.

- Você se esquece de uma coisa. Tenho os direitos minerais da terra. Não preciso de você como sócio. Fiz o negócio com você porque seria mais honrado fazer assim, a fim de que dividíssemos os lucros. Mas se você vai me passar um calote, não merece nenhum dinheiro. Ali existe uma fortuna, e se você é idiota a ponto de não enxergar isso, eu não sou. - O tom era quase ameaçador, alertando Ty de que prosseguiria com os planos com ou sem ele. - Pensei que você era esperto, garoto. Mas essa jogada foi de um idiota. Vamos tirar todo aquele carvão do solo. E do jeito que a coisa vai, você não vai receber um centavo.

- Agora é você quem está esquecendo uma coisa. - Ty replicou, a voz no mesmo tom. - Aquele pedaço de terra de que você fala é fechado por todos os lados. E vai ser um inferno para você cruzar a terra dos Calder para chegar lá.

- Fiz o que pude para evitar uma briga... pelo bem de Tara Lee...

Mas você me deixa sem alternativa - alertou Dyson. - O que quer que aconteça, será por sua culpa... foi você quem começou. - Duro de raiva, ele se voltou para a filha, uma personificação turbulenta de ódio a seu lado.

- Desculpe, Tara Lee, mas você está vendo como foi. - Atirou outro olhar negro em direção a Ty, em seguida virou-se para o sócio. - Vamos, Stricklin, vamos sair daqui.

Quando os dois homens saíram do escritório, Ty observou Tara lutando com o furor que sentia, todas as emoções passageiras favorecendo a vibração daquela beleza morena. Cruzou o recinto lentamente em direção a ele, a relutância evidente em seu corpo demonstrando como era difícil ir contra o orgulho e suplicar-lhe.

- Como pode fazer isto? - De súbito, surpreendentemente, ela se viu apertando o corpo contra o dele, os dedos agarrando a camisa do marido com uma espécie de desespero. - Não faça isso, Ty. Por favor.

Os braços de Ty a envolveram, inclinando o rosto para beijar os cabelos negros sedosos.

- Tente entender, Tara. Não é o que quero fazer. É o que tenho que fazer... pela fazenda... pela herança da terra.

Ela resistia à finalidade das palavras dele com um menear negativo de cabeça que roçava o queixo do marido. Soergueu os olhos escuros determinados e insistentes para ele, enquanto as mãos tocavam a mandíbula em uma carícia frenética.

- Não é tarde demais para mudar de ideia, Ty - incentivou-o. Posso falar com papai e ajeitar tudo. Basta explicar que você ficou confuso por um tempo. - As mãos puxavam a cabeça de Ty para baixo, os lábios quentes e ansiosos pressionados contra sua boca, beijando-o de forma ansiosa e selvagem. - Ele vai entender. - Entre os beijos, ela sussurrava as palavras na boca de Ty. - Sei que ele vai compreender. - Os lábios ferventes trabalhavam nos dele, acendendo impulsos que o fizeram crispar os braços em torno dela. - Tudo vai dar certo. Você vai ver. - A confiança perpassou-a.

- Não, Tara. - A voz áspera denotava o grau de perturbação de Ty, enquanto ele corria a boca pelas bochechas dela. - Não vou mudar de ideia.

As mãos dela empurraram-no pelo peito, afastando os corpos de ambos.

- Mas você fez um acordo com ele. Você deu a sua palavra. Pensei que sua palavra significasse algo.

- Tenho um compromisso prioritário que entra diretamente em conflito com o negócio que fiz com seu pai. - A voz ainda soava áspera enquanto ele tentava convencê-la. - Este compromisso deve ter precedência.

- Como você pode ser tão idiota? - Tara afastou os braços do marido, irritada e indignada novamente. - Não percebe como pode ficar rico? Existe uma fortuna naquele lugar.

- E ali vai ficar.

- Não, não vai. A companhia de papai vai tomá-la... toda a riqueza. E metade pode ser sua se me ouvir.

- Não. - Ty mantinha-se inflexível, insensível aos apelos ou exigência da mulher.

- Se é capaz de jogar fora uma oportunidade dessas, então nosso casamento evidentemente significa muito pouco para você. - Empertigou-se, indignada, orgulhosa, a vontade férrea. - Você está querendo sacrificar nosso futuro, o que significa que pouco se importa se vamos ter um futuro. Acho que você deixou isso bem claro.

- Tara... - Soltou um suspiro profundo.

- Quando meu pai deixar essa casa, irei com ele.

Irritou-o constatar que ela estava usando a questão para testar seu amor.

- Não faça ameaças vãs, Tara - atirou.

Não era o mais adequado a ser dito. Ele tirara a máscara de Tara, forçando-a a representar seu papel até o fim. Em última análise, ambos sairiam perdendo naquele jogo. com um ódio quase real, Tara saiu do escritório. Ty não podia chamá-la de volta, pois nenhum dos dois deixara espaço para um acordo.

Uma hora depois, ele estava ao telefone quando ouviu o baque de malas na escada. A voz de seu advogado mal registrava-se em sua mente enquanto Ty escutava os ruídos da partida - os passos, o abrir e fechar de portas, as portas do carro, as malas e a partida de um motor.

Subitamente, a porta da frente abriu e passos leves entraram na casa. Por um segundo, Ty admitiu para si mesmo como precisava do apoio e compreensão da mulher naquela conjuntura crucial. Mas foi sua irmã, Cathleen, que apareceu na porta.

- Aonde Tara vai? Ela não me disse nada que ia sair. - Cat teve que esperar uma explicação até ele sair do telefone.

com a passagem das primeiras vinte e quatro horas, uma espera tensa começou. Mais cedo ou mais tarde, Dyson ia começar a agir. Para Ty, era uma questão de tentar antecipar quando ele ia agir e o que faria, para que estivesse preparado para enfrentá-lo. Todos na fazenda estavam alertas, com ordens de relatar imediatamente a presença de qualquer estranho na sede, em seguida escoltar o invasor para fora da Triplo C, usando a força que se fizesse necessária. Ty transferiu todos os funcionários de que pôde dispor de suas tarefas regulares para o distrito norte da fazenda. A operação envolveu grande remanejamento de cavaleiros; incluindo a transferência temporária de Jessy para o campo leste, na Campina do Lobo.

A travessia da fazenda levou Jessy a passar por um trecho da estrada principal que levava a leste de Blue Moon. A poeira ia sendo deixada para trás da pick-up enquanto ela se dirigia para a lua alta do sol da manhã. Sua atenção concentrava-se na estrada, aguardando o desvio Sul. Ela não teria percebido o veículo escondido se a luz do sol não tivesse se refletido na janela, e os raios atingido seus olhos.

Piscando com a luminosidade perturbadora, virou a cabeça para o lado bruscamente, tentando evitar o raio de luz. No mesmo instante, ficou alerta e desacelerou a caminhonete, perscrutando o terreno acidentado e ondulado para localizar a causa do brilho repentino. Jessy já estava quase convencida de que algum vidro quebrado ao longo da estrada causara o reflexo, sendo seu alarma desnecessário, quando distinguiu um veículo de tração nas quatro rodas. O jipe invasor estava bem escondido, recuado da estrada em uma ravina, a cor verde confundindo-se com os arbustos de uma cerejeira silvestre.

Sem hesitar, desacelerou a caminhonete e virou o volante para sair da estrada e sacolejar pelo terreno irregular, em busca do motorista. Enquanto isso, pegou o microfone do rádio na faixa do cidadão, relatando a descoberta à base situada na sede. A trilha era tão fácil de ser seguida que quase dava vontade de rir. Estacas com bandeirolas vermelhas enfileiravam-se, levando Jessy diretamente ao grupo de topógrafos.

O ronco da caminhonete atravessando o chão duro lhes forneceu o aviso da aproximação de Jessy, mas eles permaneceram calmamente no raio de visão, os três agrupados em torno de um tripé. Jessy fez a volta em torno deles para estacionar na trilha. Pegou a espingarda 3030 de seu suporte na janela traseira antes de descer dapick-up. Segurava o rifle frouxamente, a extremidade enfiada em uma axila e a boca apontada para o chão. Dez metros a separavam dos homens.

- Vocês estão invadindo. Peguem seus aparelhos e vão saindo - ordenou tranquilamente.

- Estamos em terra do governo e estamos aqui a trabalho. - O homem de jaqueta caqui encarregou-se da resposta.

- Vocês estão dentro da cerca dos Calder. - Jessy não discutiu a respeito da propriedade da terra. - Tenho ordens de escoltar qualquer invasor na pastagem da Triplo C. - Mudou a posição do rifle, segurando-o pelo corpo. - vou repetir para irem andando.

Em seguida instalou-se aquele instante de ódio quando um homem é fisicamente ameaçado por uma mulher.

- Sugiro que você abaixe esse rifle antes que se meta em encrenca retorquiu o topógrafo.

- É você que está metido em encrenca, meu senhor. - Quando o homem deu um passo em díreção a Jessy, ela ergueu a arma e engatilhou-a, atirando três centímetros acima da cabeça dele. O homem estacou na mesma hora, tentando descobrir se fora proposital ou acidental.

- Tenho um rifle desde os doze anos, e já ganhei meus prémios na caça ao coiote. Agora, se você quer saber se uma mulher consegue acertar onde mira, basta dar outro passo. - Desta vez ela colocara o rifle apoiado no ombro. - Agora peguem suas coisas e vão andando.

Os três hesitaram, olhando um para o outro. Jessy mirou o rifle para a direita, para uma bandeira vermelha bem entre eles, sentindo o coice da arma em seu ombro quando deu o segundo tiro. O golpe da bala atingindo a cabeça da estaca os convenceu. Quando ela assestou uma terceira nos pés deles, os homens tiveram certeza de que falava sério.

- Sua mulher doida! - resmungou o homem de caqui, zangado, enquanto os outros dois reuniam apressados o equipamento, recolhendo o saco de estacas com bandeiras.

O ronco dos motores já chegava nos ouvidos de Jessy. Em questão de minutos, mais três caminhonetes com o emblema Triplo C apareceram em cena. Uma grande escolta acompanhou o grupo de topógrafos para fora da propriedade.

Quando Jessy chegou à estrada principal, outros funcionários da Triplo C já haviam convergido ao local, incluindo Ty e Cathleen. Enquanto duaspick-up seguiam o jipe dos topógrafos até o portão Leste, o restante se juntou em um encontro improvisado.

- Na base da adivinhação, eu diria que eles estavam nos testando para ver como reagiríamos. - Ty supunha que a estratégia dos topógrafos consistia em descobrir com que intensidade ele pretendia se opor a eles, caso realmente se opusesse.

- Ei, Ty! - Tiny Yates gritou, para trás na fila de caminhonete, ao lado da porta aberta da cabina. - Acabei de ouvir na casa-grande que acham que Ruth Haskell teve um ataque do coração. Estão preparando o aeroplano para levá-la até o hospital.

- Tia Ruth! - Cat gritou o nome da mulher que significara algo mais aproximado de uma mãe para ela. Os olhos verdes se arregalaram, marejados, quando ela olhou para o irmão.

 

Num túmulo próximo ao da família Calder, pousaram Ruth Haskell para descansar e a Triplo C acorreu em massa para as últimas homenagens à mulher calma que estivera sempre por trás dos Calder.

Quando o enterro terminou, Jessy continuou de pé sob a luz quente do sol, vestindo o mesmo vestido azul que usara no funeral de Maggie Calder. Lembrava-se de estar sentada com Ruth, lembrava-se da visita de Ty à casa. Por sobre as cabeças da multidão, tinha uma visão clara de Ty detendo-se para trocar algumas palavras com o sacerdote. O braço envolvia Cat pelos ombros, consolando silenciosamente a garota pálida e emocionalmente esgotada. Sentiu a compaixão fundo em seu peito por Cat, que perdera duas mulheres a quem fora ligada, e em tão curto período de tempo.

Movida pela pena à irmã de Ty, Jessy atravessou a multidão para oferecer suas condolências. Aproximou-se de Ty por nenhuma razão além dessa, embora seus olhos observassem as linhas tensas e preocupadas que tornavam os traços fisionómicos dele duros e implacáveis. Ouvira rumores de que Tara o deixara por causa da luta pendente com o pai dela. Como ele não oferecera quaisquer explicações sobre a ausência dela, ninguém perguntou. A despeito de compreender o problema da lealdade dividida, Jessy ainda considerava Tara uma idiota por deixar Ty quando ele precisava dela, se fora isso o que fizera. Mas Jessy não buscava restabelecer seu relacionamento com Ty. Aquilo ficara no passado. Ele fizera sua escolha e ela a aceitara.

Houve um breve momento em que seus olhos encontraram os olhos negros de Ty; em seguida, ela voltou a atenção para a irmã.

- Sinto muito, Cat - murmurou. - Pode parecer que sempre acontece algo ruim com alguém que você ama. Mas não é realmente assim. Simplesmente a vida às vezes é dura. Mas é isso que traz os bons tempos.

- Eu sei. - Cat fungou as lágrimas que constantemente chegavam aos olhos, conseguindo produzir um pequeno sorriso sem jeito. Os olhos percorreram longamente a multidão e voltaram ao irmão. - Pensei que Tara vinha ao funeral - disse em voz baixa, indicando como se sentia traída.

O olhar de Ty correu por Jessy, a mandíbula denotando um árduo orgulho.

- Devo ir atrás dela. É outro de seus jogos. - A explicação era quase um resmungo, seca e desprovida de emoção.

- Então é isso que você vai fazer - disse Jessy simplesmente.

Os olhos cor de avelã foram igualmente diretos quando Ty a olhou. Por fim, ele assentiu lentamente.

- É isso que vou fazer - disse.

- Ty. - Cat cutucou-o, olhando curiosa para dois homens que se aproximavam.

Os braços de ambos oscilavam harmoniosamente, ocultando as algemas que ligavam um pulso ao outro. A prisão permitira que Buck Haskell assistisse ao funeral da mãe na companhia de um guarda. Ele estava com o chapéu na mão, revelando os cabelos encaracolados que a idade tornara prateados, apesar de os traços ainda manterem muito da juventude, um pouco como uma criança que se recusava a crescer. Ofereceu um olhar humilde a Ty.

- Queria agradecer ao senhor haver tomado conta de minha mãe, e pelo enterro bonito que deu a ela. - Passou os olhos pelo túmulo aberto.

- Só queria que eles tivessem me deixado ir para casa enquanto ela estava viva. - O olhar triste, as palavras suaves saíam do homem com muita facilidade.

- Ao que eu saiba, você a matou. - Ty não encontrava pena em seu coração para aquele homem. - Cada vez que ela o visitava na prisão, ela morria mais um pouco por dentro, ao ver o que você se tornara. Por mim você apodreceria naquela cela.

Os olhos azuis de Haskell subitamente faiscaram de ódio.

- Ouvi dizer que alguém tomou um pedaço da preciosa terra dos Calder, e não há nada que você possa fazer. Você não é mais tão poderoso.

- Você enterrou sua mãe. Agora saia da minha terra - ordenou Ty, friamente.

Haskell deu um passo ameaçador em direção a ele, para ser retido por um puxão repentino das algemas. O guarda lhe disse algo, segurando-o pelo braço. Haskell o soltou com um sacolejão, os braceletes de metal se chocando, enquanto ele olhava novamente para Ty, voltando-se em seguida e deixando o guarda levá-lo.

Não houve tempo para se relaxar da tensão; a atmosfera delicada foi sacudida pelo ruído estridente de uma buzina. Ty girou sobre si mesmo em direção ao som, músculos e nervos retesados novamente. Umapick-up que vinha a toda velocidade freou com um barulho estridente, os pneus derrapando no cascalho da estrada do cemitério.

- Eles estão vindo - Repp Taylor desceu da caminhonete rapidamente, gritando o aviso. - Vem um monte deles... caminhões, aplanadores, os trabalhadores...

Antes que o segundo aviso fosse dado, Ty já se afastava de Cathleen, correndo para o veículo mais próximo. Xingou a si mesmo por não ter adivinhado que Dysõn escolheria esta hora para fazer seus movimentos, enquanto a parte principal da Triplo C estivesse assistindo ao funeral de um dos seus. Tinha que deter o equipamento enquanto ele estivesse na terra dos Calder. Quando atingisse a propriedade do governo, as chances de removê-lo seriam substancialmente menores.

Não foram preciso ordens para os homens correrem para os veículos, amontoando-se nas cabines e caçambas dos furgões. Todos vestiam seus melhores ternos e chapéus, e camisas brancas como pérola. Em menos de cinco minutos, o cemitério estava coberto com a poeira levantada pelos veículos que partiam em alta velocidade. As mulheres que ficaram para trás, incluindo Cathleen e Jessy, estavam ocupadas organizando-se em grupos. Embora o grupo delas fosse temporariamente de espera, elas representavam um papel, dependendo do resultado da confrontação e da rapidez com que ocorreria.

Uma dúzia de caminhões entupia a estrada, avançando em uma nuvem pesada de poeira que limitava a visibilidade do pára-choque do caminhão à frente, mas os veículos lotados de homens não reduziam a velocidade, correndo cegamente para interceptar a oposição. Os olhos ardendo com as partículas de sujeira no ar, eles lutavam por uma visão de algo se movendo à distância.

Havia uma caminhonete na vala, uma longa fenda denteada aberta ao lado do veículo. Um vaqueiro surgiu mancando ao lado da caminhonete e acenou com o chapéu, movendo o comboio para fora da estrada em direção a uma ravina.

- Eles acabaram de me pegar - gritou para os caminhões que desaceleravam e faziam a curva, cada qual seguindo sua própria reta irregular.

A menos de um quilómetro fora da estrada, encontraram-se com os veículos em marcha lenta, liderados por um aplanador de estrada, ainda na propriedade dos Calder. Aspick-ups circundaram a fila alongada de caminhões e máquinas, usando as paredes altas da ravina para encurralá-los, bloqueando ambas as extremidades. O aplanador de estrada parou com ruído enquanto os vaqueiros da Triplo C desciam das caminhonetes.

- Vocês estão em propriedade particular. - Ty colocou-se acima dos veículos amontoados. - Recuem e caiam fora.

- Temos direito ao acesso. - Veio um grito em resposta.

O motor a diesel do planador de estrada acelerou, resfolegando e soltando fumaça como um touro cavando o chão antes do ataque. A lâmina longa e angulada estava a centímetros acima do solo, menos uma escavadeira do que uma arma eficaz para afastar obstáculos do caminho. Juntou forças e começou a ribombar para diante, mirando as duas caminhonetes no seu caminho, pretendendo eliminar a barreira dos veículos da mesma forma que se livrara da pick-up por que passaram na vala ao lado da estrada.

Ty retirou-se para trás da primeira caminhonete no caminho do aplanador.

- Eles não querem ouvir - disse a Wyatt Yates, relanceando os olhos pelo rifle nas mãos do vaqueiro. - Talvez você possa limpar os ouvidos deles.

O cowboy esboçou um esgar e começou a atirar no aplanador em aproximação, as balas ricocheteando pela lâmina metálica com um lamento zangado. Outros vaqueiros no círculo juntaram-se à contenda, armados com os rifles do porta-armas das caminhonetes. Quando uma bala chegou perto da cabine do aplanador de estradas, o motor a diesel silenciou, o motorista saiu correndo da cabine em direção aos outros veículos. A um sinal de Ty, os tiros cessaram.

- Voltem e digam a Dyson que ele não vai atravessar a minha terra - gritou Ty.

- Ele vai atravessá-la. Talvez não dessa vez, mas ele vai atravessá-la - a admissão da derrota carregava um aviso.

Tornou-se óbvio, depois que o último veículo fora escoltado através do portão Leste, onde a estrada da fazenda se encontrava com a rodovia, que a próxima confrontação não demoraria a acontecer. Assim que deixaram a propriedade dos Calder, os caminhões e a maquinaria saíram da estrada e pararam.

Ty estava na caminhonete que Repp Taylor dirigia. Repp voltou uma carranca de preocupação para ele.

- Eles não estão indo embora.

- Nem nós. - Afirmou Ty. Dali para frente, ficariam a postos. Mas aquilo não podia durar muito. Nem ele nem Dyson podiam dispor de máquinas e homens parados por muito tempo.

Durante toda a tarde e começo da noite, manteve-se a vigília. Assim que a notícia da paralisação foi levada à sede, as mulheres se juntaram na cozinha do rancho para mandar sanduíches, café e sobremesas. Mudas de roupas começaram a chegar, juntamente com cobertores.

Ty prestou pouca atenção ao ir e vir de veículo de seu lado da cerca. Sentia-se inquieto enquanto tragava o cigarro e expelia a fumaça dos pulmões com impaciência. Observava a atividade em torno das máquinas ininterruptamente.

- Ty? - Seu nome sendo chamado ansiosamente perturbou a concentração. Olhou em volta e viu Cat correndo em sua direção. - Você está bem? O que está acontecendo?

- Nada. O que você está fazendo aqui? - Agarrou-a pelos ombros impedindo-a de correr para ele. - Você devia estar em casa.

- Não ia conseguir ficar lá. - O tom determinado em sua voz avisou-o de que ela não pretendia ser mandada de volta.

O olhar duro correu da irmã para Jessy que aproximava-se dele. Substituíra o vestido por jeans, botas e chapéu.

- Café? - Estendeu-lhe uma xícara, o vapor da infusão exalando um aroma gostoso. - Trouxe Cat comigo - admitiu.

- Já que está aqui - voltou a atenção para a irmã -, seja útil e me prepare um sanduíche. - Esperou até que Cat se afastasse antes de tragar novamente o cigarro já curto. - Aqui não é lugar para ela.

- Isto é a opinião de um homem - retrucou calmamente. - Mas não é um homem quem fica sentado em casa se preocupando. Cat estava com medo de que algo acontecesse com você. Você é praticamente tudo que sobrou para ela. Além disso, achei que seria tão duro para ela dormir sozinha em casa quanto na caçamba de uma das caminhonetes.

- Talvez - Ty concedeu de má-vontade, a atenção novamente concentrada nas máquinas estacionadas ao lado da rodovia. - Houve telefonema ou recado de Silverton, o advogado?

- Não. Alguém da sede teria entrado em contato com você pelo rádio se tivesse havido. - Jessy entendia que a paciência era algo que Ty aprendera, mas nem sempre ela combinava com ele. Naquele momento ela o importunava.

- Silverton está tentando obter uma injunção temporária ou restrição que impeça Dyson de entrar na terra. O processo foi desarquivado, contestando a propriedade da terra. - Explicava o que estava sendo feito, providências fora de suas mãos.

- O que acha que Dyson vai fazer depois?

- Não sei. - o cigarro acabou nos dedos de Ty. Jogou-o ao chão e apagou-o com a bota. - Isto pode ser um artifício para distrair nossa atenção, mantendo-nos ocupados aqui enquanto ele entra sorrateiramente por outro lugar. - com um movimento de cabeça, ele a mediu com o olhar.

- O que está fazendo aqui, Jessy?

A contenção serena dos traços dela situava-se além do entendimento de um homem. Tão calma e resoluta, aceitando seu destino, bom ou mau; mas ainda assim, isso não era tudo que Ty enxergava nela. Havia algo mais a que não conseguia dar nome, embora o sentisse, como o vago sentimento de glória que o perpassava após longos anos de busca.

- Achei que alguém devia ficar de olho em Cat - fez ela, removendo a preocupação dos ombros dele.

- Certo. - Uma estrela piscou na noite púrpura. Lembrou-se de Tara. Poderia ser ela tomando conta da irmã. Jessy percebeu a mudança na expressão de Ty, o olhar distante de um homem perturbado por seus sonhos. Culpada, afastou-se.

Quando a escuridão caiu sobre a terra, a tensão diminuiu. As vozes soavam mais baixas. Guardas noturnos foram designados e sacos de dormir estendidos dentro e fora das caminhonetes. Era quase meia-noite quando Jessy abrigou-se em um cobertor atirado em um canto de uma caminhonete. De onde estava, podia ver Cathleen dormindo nos braços de Repp Taylor. Mas Ty não descansava, e ela duvidou que o fizesse antes do amanhecer.

Por volta da metade da manhã do dia seguinte, um cavalo e cavaleiro vieram do Norte, aproximando-se das caminhonetes da fazenda apinhadas em torno do portão. Ty foi até o limite dos veículos antes de identificar o cavaleiro como Culley O'Rourke e não um de seus homens.

- Algum problema? - Culley desmontou, olhando em torno.

- Alguns. - Assentiu Ty, percorrendo o homem com os olhos. Cat comentou que você não estava se sentindo bem. - Ele parecia saudável, embora se movimentasse com cuidado.

O'Rourke traiu-se com um olhar de espanto por um segundo, em seguida disse:

- Estou bem. Esse caso com o Dyson vai arrebentar?

- Parece que sim. - Não ia ganhar nada discutindo a situação com o tio. Afastou-se do homem para o local onde podia ficar de olho no portão. - Sirva-se de café.

- Já vou. - O'Rourke pendurou o estribo na sela e afrouxou um pouco a cilha. Ficou aliviado ao ver Cathleen. - Então é aqui que você está? Procurei por você em tudo o que foi canto - declarou rispidamente.

- Tio Culley - o tom era minucioso e insistente -, temos que contar a Ty. Ele tem que saber do que suspeitamos. Nós dois juntos seremos capazes de convencê-lo.

- Não adianta, estou lhe dizendo - ele persistiu.

- Mas vai haver barulho aqui. Já houve alguns tiros. Se Dyson e seu sócio realmente tentaram matar meu pai, o que os vai impedir de tentar se livrar de Ty? Temos que avisá-lo, por via das dúvidas.

O apito estridente de uma sirene cortou o ar, quebrando a calma da manhã. com a aproximação, o ruído tornou-se mais alto, houve movimentação em torno do portão Leste. Cat agarrou a mão do tio e puxou-o junto com ela.

Um carro com a insígnia do xerife saiu da rodovia e entrou na pista, parando próximo ao portão. Ty apoiou um ombro no poste alto do portão que demarcava a entrada e aguardou Blackmore arrancar o corpo pançudo da dentro do carro, seguido de dois auxiliares uniformizados. Ele levantou a calça até a cintura, ajustando o coldre com a arma sobre os quadris, e por fim caminhou a passos largos para o portão em atitude arrogante.

- Os tempos mudaram, Calder - declarou Blackmore com ar de satisfação.- Você não pode mais fazer as coisas à sua maneira.

- É verdade? - Ty não modificou a posição relaxada enquanto riscava um fósforo no poste e acendia um cigarro.

- Já ouviu falar em servidão, não é? Tenho um papel comigo, registrado e legal, que declara que o governo tem a servidão para passar até a propriedade que possuem a oeste daqui. - Ele exibiu o documento selado e com firma reconhecida para a inspeção de Ty. - Este documento permite o acesso deles através de sua fazenda.

Uma carranca afinou a boca de Ty enquanto desdobrava o documento registrado. Não pensara que Dyson fosse capaz de obter um tão rapidamente. Em algum ponto, ele havia utilizado expedientes para eliminar muita burocracia.

- É uma servidão, tudo bem - concordou Ty calmamente. - Para uma largura de dez metros, mas esta descrição legal não me fornece uma ideia exata sobre a localização. Claro que vai concordar, xerife, que queremos isso legal. O governo não ia querer as pessoas viajando em uma estrada na qual não têm o direito de estar. vou contratar um topógrafo para verificar exatamente onde essa servidão se localiza. Evidentemente, é provável que isso leve algum tempo.

As veias do pescoço do xerife estufaram-se durante sua luta com a raiva.

- Você acha que é muito espertinho, não acha? Até o momento, Ty só fizera ganhar tempo.

- Só estou seguindo a lei.

- Um cidadão respeitável, não é? - zombou o xerife, voltando ao convencimento anterior. - Além desse papel que tem no bolso, estou com um outro. É um mandado para sua prisão.

Ergueu o queixo mais um palmo, desafiadoramente. Por trás dele, Ty podia ouvir o rumor de protesto dos homens.

- Sob que acusação? - indagou.

- Ataque com arma mortal, destruição maliciosa de propriedade, incitação à violência... tenho uma lista deles - garantiu o xerife.

- Isto é um monte de mentiras - rebateu Ty.

- Um juiz terá de decidir isso. - Ele sorriu. - bom, você vai vir comigo sem resistência ou vou ter de acrescentar resistência à autoridade na lista?

- Não. - Cat adiantou-se, colocando-se furiosa entre eles. - Você não vai levá-lo a lugar algum.

- Cat. - Ty segurou-a pelo braço e puxou-a para o lado. - Eles não podem me deter. vou estar fora sob Fiança em poucas horas. - Empurrou-a delicadamente para os braços do tio; em seguida voltou-se para a mulher alta e esguia a seu lado. - Jessy, telefone para Silverton por mim e avise-o sobre essa servidão e essas acusações falsas.

- Pode deixar.

- Ty, você não entende. - Cat debateu-se para livrar-se das mãos de O'Rourke. - Culley, explique a ele - exigiu zangada.

- Quieta, garota - avisou Culley em voz baixa. - Ou o xerife vai acabar prendendo nós três. Então como você ia ajudar seu irmão?

Ela deixou de lutar contra as mãos dele e ficou de pé rígida, assistindo a Ty caminhar até a viatura policial. O xerife ordenou ao irmão que virasse de costas, algemando-lhe os punhos por trás das costas.

- Isto não é necessário, xerife - murmurou Ty, diante da argola de metal prendendo-lhe os pulsos.

- Algemo todos os meus prisioneiros. É o procedimento legal - repreendeu, empurrando a cabeça de Ty para dentro do carro.

Quando o carro da polícia afastou-se com seu prisioneiro, Cat virou-se para gritar aos trabalhadores da fazenda:

- Por que não fizeram nada? Por que deixaram levá-lo? - Poucos olharam para ela.

Um trailer em Blue Moon fora convertido em local de pagamento e escritório de contabilidade da mina. Dyson recrutara temporariamente o escritório do administrador como base de operações, da qual dirigiu sua manobra tática e legal contra a fazenda Triplo C.

Ao fim de sua conversa ao telefone, embalou-se na cadeira giratória por trás da escrivaninha, olhando para outros dois ocupantes da sala com um ar de auto-satisfação.

- Ty está trancado em sua cela da prisão. E o xerife pode segurá-lo por vinte e quatro horas com certeza. - Deu uma olhada no relógio. Vinte e quatro horas antes que tenha de libertá-lo ou registrar queixa oficialmente e deixá-lo pagar fiança. É muito oportuno que amanhã seja sábado. - O brilho em seus olhos revelava que o momento fora escolhido e calculado propositalmente. - bom, se o juiz representar seu papel e estabelecer fiança assustadoramente alta, só na segunda-feira o Calder vai conseguir reduzi-la ou arranjar um jeito de pagá-la.

- Não precisa se preocupar com o juiz. - A tranquila segurança provinha de Stricklin, a cabeça ligeiramente inclinada, enquanto limpava as unhas.

Tara quebrou a vigília semelhante à de uma estátua à janela do trailer, voltando-se para a escrivaninha, os olhos escuros apelativos.

- É realmente necessário que Ty fique na prisão?

- A maneira mais rápida de ganhar uma batalha é separar um general de suas tropas. Não importa quão leais eles possam ser, sem liderança eles não vão saber o que fazer - explicou o pai, tolerante. - Tenho pouco mais de três dias, tempo mais do que suficiente para forçar os direitos de servidão a serem obedecidos. Por volta de segunda-feira, estaremos com as máquinas na terra e não haverá mais nada a fazer, exceto gritar.

Stricklin ergueu-se da cadeira, anunciando casualmente:

- vou dar uma passada na delegacia para ver se está tudo bem.

- Você é quem sabe. - Dyson deu de ombros, demonstrando sua indiferença, mas os olhos estreitaram-se astutos sobre o homem deixando a sala. - Não sei o que está acontecendo com ele ultimamente - murmurou. - Está constantemente checando e rechecando cada detalhe.

- Ele sempre foi muito minucioso com tudo. - Tara não via nada de diferente com ele, impaciente com um assunto tão distante de suas preocupações.

- Não assim.

- Pai, e se eu fosse ver Ty? - sugeriu um tanto ansiosa. - Poderia falar com ele... persuadi-lo.

- Deixe-me explicar uma coisa a você, Tara Lee. - Dyson levantou da cadeira, fazendo a volta à mesa para colocar as mãos sobre os ombros da filha carinhosamente. - Neste momento ele vai estar preocupado e frustrado por estar preso. Ele não ia ouvir o que quer que você dissesse. Mas ele vai ter três dias para fazer nada além de pensar. Depois disso, vai estar mais do que propenso a admitir o erro que cometeu.

- Por que ele tinha que fazer isso? - protestou Tara, dirigindo-se a ninguém em particular, impaciente com as ações de Ty, e preocupada também. Em sua mente não havia dúvidas de que o pai triunfasse no final, mas não queria a posição de Ty inteiramente arruinada no processo. Se quisessem chegar a algo, ele precisava sair disso com algo.

Uma mosca caminhou sobre a barba crescida de Ty, deitado no colchão puído da cela da prisão, as mãos fazendo de travesseiro sob a cabeça, o chapéu jogado sobre a testa. Ele mudou de posição, expulsando com uma das mãos a mosca de seu rosto. O inseto descreveu um círculo, zumbindo sobre ele para escolher o próximo local de pouso.

A julgar pela poesia vulgar rabiscada na parede, a nova prisão fora adequadamente estreada por ocupantes anteriores. Ty já lera todas pelo menos duas vezes. O isolamento e confinamento estraçalhavam-lhe os nervos. Ergueu-se inquieto, sentando-se à beira do catre, esfregando as mãos nas coxas.

Uma porta abriu nos escritórios além da porta trancada, e Ty ficou de pé, movendo-se até as barras. Era um inferno não saber o que estava acontecendo na fazenda ou quando iam libertá-lo.

- Onde está meu irmão? O que vocês fizeram com ele? - A voz de Cat filtrava-se claramente até a área da cela. - Por que não o deixaram ir? - Ty não ouviu a resposta murmurada. Esforçou-se para identificar a outra voz e saber quem viera com a irmã obter sua libertação, mas logo tornou-se evidente que ela estava sozinha. - Quero vê-lo - ela exigiu, a voz mais próxima da porta trancada entre as celas e o escritório.

- Não posso permitir que a senhorita veja o prisioneiro agora, não até recebermos o processo e as acusações. De qualquer maneira, prisões não são lugar para garotas - insistiu o xerife. Ty concordou. Não queria Cat ali.

- Como vou saber se ele está bem? Como vou saber que você não bateu nele? - insistiu Cat, beligerante.

Garotinha teimosa, Ty pensou para consigo, imaginando quem a deixara vir à cidade sozinha... não que sua irmãzinha algum dia tivesse se preocupado em obter permissão para fazer algo que quisesse.

- Cat! Estou bem - gritou Ty, certificando-se de que ela o ouvira.

- Agora vá para casa.

- Não! vou ficar aqui até você ser libertado.

Soltando um longo suspiro de exasperação, Ty balançou a cabeça diante da teimosia da garota. Não a queria na prisão.

- Estou sem cigarros. Vá comprar um maço para mim. - Por um instante, Ty pensou que ela ia negar o pedido.

- Já volto - prometeu. Em seguida, ele ouviu uma porta abrir e fechar, os ruídos do escritório voltando à normalidade, o som de telefones tocando, o grasnido do rádio e o ruído de uma máquina de escrever. com um movimento impaciente do corpo, voltou ao catre para esperar um pouco mais.

O sentimento de impotência de Cat a deixava a meio caminho da raiva e do medo. Todos sabiam que o xerife estava nas mãos de Dyson, e ela temia por Ty. Não importa quão insistentemente procurasse, não encontrava resposta.

Saiu da delegacia cegamente, caminhando sobre a nova calçada de concreto. Inicialmente, estava por demais preocupada para perceber o homem vindo em sua direção. Mas as passadas arrojadas logo diminuíram de intensidade ao reconhecer Stricklin. Toda a frustração armazenada chegou a seu ponto de ebulição quando ele estacou, o olhar correndo dela para o edifício.

- Veio ver seu irmão? - A pergunta denotava vivo interesse, os olhos opacos por trás dos óculos analisando-a.

- Eles não me deixaram vê-lo. - Cat irradiava tensão, imprudentemente abandonando qualquer senso de precaução. - Não é Ty que tem que ficar atrás das grades. É você. Ainda não posso provar que foi você que matou minha mãe, mas vou conseguir - proferiu a ameaça, em seguida passou por ele como um furacão, continuando seu caminho para a caminhonete que pedira emprestada a um dos trabalhadores da fazenda.

A acusação aberta deixou-o aturdido. Ele olhou em torno alarmado, mas ninguém vira ou ouvira o encontro. A porta da caminhonete bateu. com a presteza calculista de um computador, Stricklin mediu suas chances. Não era provável que tivesse outra oportunidade como esta, nem tampouco podia contar com o silêncio da garota.

Quando Cat estava saindo com a caminhonete para a rua, a porta de passageiro abriu subitamente. Ela olhou para o lado alarmada enquanto Stricklin subia napick-up e fechava a porta. Ela ia retirar o pé do acelerador e pisar no freio, mas o pé dele pisou no dela, afundando o pedal de aceleração. A caminhonete saltou para frente com repentina potência. No segundo seguinte, Cat concentrou a atenção em manter apick-up em linha reta na rua.

- O que está fazendo? Ficou louco? - Em pânico, atirava perguntas furiosas sobre Strikclin, percebendo com quem estava falando e as implicações de seu ato.

- Dirija para onde eu mandar - ordenou ele.

Cat não pretendia fazer nada disso. Primeiro pensou em jogar a caminhonete na vala, mas a mão dele agarrou o volante antes que ela pudesse virá-lo, mantendo-o em linha reta. Mesmo com a caminhonete em boa velocidade, Cat tentou abrir a porta e pular para fugir dele, mas Stricklin neutralizou também essa tentativa com facilidade, torcendo-lhe o braço por trás das costas. A dor foi tão forte que Cat sentiu que os ossos poderiam estalar a qualquer momento.

- Você não vai conseguir fugir assim - alertou-o com um gemido ofegante, mas temia que mesmo assim ele conseguisse.

Ele sentara junto com ela para dominar melhor o veículo, virando o volante para a rodovia. Pela janela, Cat percebeu os carros e caminhonetes estacionados em frente ao Sally's, o pequeno armazém do posto de gasolina. com a mão livre, tentou apertar a buzina e atrair a atenção de alguém, mas fracassou e a pressão em seu braço aumentou até ela gritar.

Rapidamente eles estavam fora da cidade, e qualquer chance de alguém os ver também desvanecera-se. Ela estava apavorada, finalmente se dando conta do perigo que estava correndo. com exceção de Ty, ninguém mais sabia que ela fora à cidade.

A oito quilómetros da cidade, Stricklin saiu da pista de duas mãos para seguir uma estrada de cascalho, atapetada de ervas daninhas e capim que denotavam a falta de uso. A estrada levava a alguns edifícios abandonados, invisíveis da rodovia. Os celeiros e galpões haviam desabado, transformando-se em entulho de madeira, mas a casa ainda estava de pé, amarelada e atingida pela ação do tempo, o teto curvado com aparência deprimente.

Depois de parar a caminhonete, ele puxou Cat para fora do veículo, empurrando-a a sua frente sem relaxar a pressão em seu braço. Um movimento repentino de cabeça fê-la parar, enquanto ele olhava em torno, considerando o local.

- Lembro-me de haver voado sobre esse lugar e pensado como ele parecia completamente esquecido... tão longe da rodovia - murmurou, de alguma maneira satisfeito consigo mesmo por recordar a existência do lugar, tão adequado a seus objetivos atuais. Mudou a pressão no braço da garota, torcido sob as costas, forçando-a a retornar àpick-up. - Veículos de fazenda parecem sempre ter tudo o que um homem possa precisar. Atrás do assento havia uma corda enrolada. Ele a pegou, em seguida empurrou Cat em direção à casa em ruínas.

Todas as janelas estavam cobertas de papelão, embora um pouco da luz do dia entrasse por entre as inúmeras fendas. O ar no interior estava quente e pesado, viciado com os odores de coisa velha e mofada e poeira. Teias de aranha enrolavam-se em seu rosto e cabelo, tentando envolvê-la em suas tramas de seda. Ela agitava as mãos frenética, pequenos gestos impacientes com o braço livre.

Depois de circularem pelos três quartos da casa, atravessando as tábuas podres do assoalho, Stricklin parou no quarto compartimento e soltou o braço dela com um empurrão que a atirou no meio do quarto. Parecia um quarto de dormir, e a única maneira de sair era a porta na qual Stricklin se postava de pé. Cat fitou-o desconfiada, esfregando o braço dolorido.

- Quem mais sabe sobre o acidente de avião? - perguntou, com doçura ameaçadora.

Cat elevou o queixo, desafiadora.

- Ninguém.

- Mentirosa - falou tranquilamente, a boca levemente recurvada num daqueles sorrisos dissimulados que lhe gelavam o sangue. - Mas não tem importância. É bastante fácil descobrir. - Enfiou a mão no bolso do terno e tirou uma caneta e um bloco com capa de couro. - Você vai escrever um bilhete para seu namorado.

- Repp? - Cat soltou o nome junto com um suspiro de susto e consternação, percebendo que Stricklin pensava que ela contara a ele. - Ele não sabe de nada.

- É muito nobre da sua parte. Tome. - Estendeu o papel e a caneta.

- Não. - Ela deu um passo para trás. - Não vou escrever nenhum bilhete para você.

- Acho que vai - murmurou ele.

Quando a porta trancada entre as duas celas e o escritório se abriu, Ty ficou de pé de um salto, indo até a porta de sua cela. Perdeu a rigidez quando reconheceu o homem de terno sendo admitido pelo xerife.

- Estava pensando quando você ia chegar - disse ele. Silverton lançou-lhe um olhar de compreensão, em seguida fitou incisivamente o xerife, demorando-se na porta.

- Gostaria de falar com meu cliente em particular. - Blackmore deu de ombros e afastou-se relutante. O advogado olhou para Ty, um sorriso iniciando em um canto da boca. - Ainda bem que sua polícia local não estava patrulhando a estrada em busca de infratores de velocidade, se não eu não estaria aqui com você.

- Daqui a quanto tempo pode me tirar daqui?

- Não posso fazer muita coisa até que as acusações oficiais cheguem, e eles vão esperar até o último momento, temo - replicou, prevenindo-o contra a esperança de ser solto logo. - Não posso arranjar a fiança até saber quanto o juiz vai querer. Pode apostar que não vai ser pouco. Eles vão tentar segurá-lo aqui o máximo que puderem.

- E a injunção? Teve sorte?

- Não muito - admitiu Silverton, a boca apertando-se em um traço de solidariedade enquanto Ty praguejava. - Não preciso lhe dizer como a lei pode ser estreita.

- Não. - Ty soltou um suspiro profundo. - Quero que entre em contato com Potter. Se o juiz ou algum funcionário daqui tiver porcarias escondidas do passado, Potter poderá lhe dizer tudo que quiser saber sobre eles, e há quanto tempo eles têm o nome sujo. Agora ele está velho e doente, mas a mente ainda está funcionando. Deixe-o contar alguns podres para nós.

 

As luzes do fim da tarde caíam sobre a terra, afastando as sombras provocadas pelo amontoado de caminhonetes que bloqueavam a estrada do portão Leste. Vaqueiros descansavam nas sombras, buscando alívio do calor do dia inteiro, o qual cozinhara superfícies metálicas até que ficassem quentes demais para serem tocadas. A aparente letargia do grupo não passava de fachada, uma forma de conservar energias. Eles estavam alertas, os olhos em constante movimento, observando e aguardando.

Quando um Chrysler de tom escuro coberto com uma camada de poeira reduziu a velocidade na rodovia e virou para a estrada, aqueles que estavam sentados no chão ficaram de pé, avançando em direção ao carro antes que ultrapassasse o portão. Os olhares desconfiados transformaram-se em sorrisos quando Ty Calder saltou do lado de passageiro. Depois que o carro voltou para a rodovia, eles o cercaram, recebendo-o com tapas nas costas calorosos.

- E aí, chefe?

- É, e aí? - ecoou outra voz. - Vamos ter que deixá-los passar?

- Silverton - Ty esboçou um gesto indicando o motorista do carro que acabava de pegar a rodovia -, vai arranjar uma injunção amanhã de manhã. Portanto, nada vai cruzar esta passagem de agora em diante, não importam as ordens oficiais. - Seguiu-se mais falatório, que foi decrescendo gradualmente conforme a curiosidade ia sendo satisfeita. Eles começaram a se dispersar, novamente buscando as sombras. Ty encheu uma xícara de café da grande garrafa térmica na traseira de uma caminhonete, em seguida procurou no bolso vazio da camisa. Repp Taylor estava apoiado no poste. - Tem um cigarro? - perguntou Ty, acendendo o que Repp finalmente lhe ofereceu, após um minuto de distração. - Pedi a Cat para comprar um maço, mas ela deve ter esquecido.

- Acho que há algo errado, Ty. - Os traços finos do vaqueiro denotavam preocupação, um pedaço de papel nas mãos. - Um garoto veio até aqui a cavalo ainda agora e disse que uma garota pedira a ele para entregar esse bilhete para mim. É de Cat. - Desdobrou o pedaço de papel e olhou novamente, sem lê-lo totalmente. - Ela diz que vai fugir e quer que eu encontre com ela esta noite.

- Fugir? - A testa de Ty encheu-se de vincos, enquanto estendia a mão para o bilhete.

- É. Também não consegui entender - admitiu Repp, o rosto contraindo-se de preocupação. - Ela diz que está cansada de discutir e brigar... e está preocupada porque você não a ouviu sobre o acidente aéreo.

- Acidente aéreo. - Ty chegara àquela parte do bilhete e estava igualmente confuso. - Não sei do que ela está falando.

- Nem eu. Sei que ela ainda está magoada com a perda da mãe, mas...

- Repp deu de ombros, incapaz de qualquer ideia além da conexão óbvia entre os dois fatos.

- O bilhete também diz para você não contar os planos dela a ninguém.

- Eu sei, mas tem alguma coisa errada nesse bilhete - Repp insistiu, carrancudo.

- Qual foi a última vez que alguém da fazenda a viu?

- Perguntei depois que o bilhete chegou. Acham que ela pegou a caminhonete de um deles por volta do meio-dia. - Repp o fitou com interesse profundo. - O que acha?

- Se realmente ela está pretendendo fugir, escolheu a hora errada.

Tornava-se difícil não se irritar com a irmã mimada. com todos os problemas por que passava no momento, a última coisa de que precisava era a fuga da irmã só para chamar sua atenção. Mas também compreendia que aquele era um sinal de insegurança, um grito silencioso para que alguém lhe demonstrasse que se preocupava com ela. Aos dezesseis anos, todos os sentimentos eram demasiado intensos - a dor, o orgulho, o amor, o ódio. com a morte da mãe e agora de tia Ruth, o pai no hospital sabe Deus durante quanto tempo, o afastamento de Tara e ele reconhecidamente ocupado demais para conceder à irmã muito de seu tempo, provavelmente ela se sentira completamente sozinha, rejeitada e indesejada.

Ty analisou a nota mais uma vez.

- Já que ela quer que você a encontre esta noite, ela deve estar se escondendo em algum lugar. Mais do que provavelmente ela foi ao mesmo lugar que da última fuga.

- A casa de O'Rourke?

- Quando ele saiu daqui? - perguntou Ty.

- Mais ou menos na mesma hora em que Cat... logo depois que o xerife te levou hoje de manhã. Ele não voltou desde então.

- Vamos. - Ty devolveu o bilhete e afastou-se da caminhonete. Vamos até à casa dele pegá-la. - com sorte, as coisas ficariam em paz até que ele voltasse.

Não perderam tempo na viagem até Shamrock. Viajaram tão rapidamente quanto o permitiam as condições da estrada. O sol se pondo flamejava no horizonte com uma coloração vermelho vivo que foi escurecendo até o púrpura onde a terra encontrava o céu. O'Rourke estava na frente da casa para recebê-los quando ouviu o ronco da caminhonete em seu quintal.

- Diga a Cathleen que estamos aqui para levá-la para casa - anunciou Ty com firme convicção enquanto descia da caminhonete.

- Cathleen? Ela não está aqui. - A negativa surpreendeu-os. - A última vez que a vi, ela estava na casa-grande.

- Não adianta encobri-la, Culley - declarou Ty, impaciente. - Sabemos que ela está aí. Ela mandou um bilhete para Repp, dizendo a ele que ia fugir e pedindo que se encontrasse com ela. Este é o único lugar em que ela poderia se esconder.

- Juro que ela não veio aqui. - Esfregou a cabeça em um movimento vago. - Ela não ia fugir - insistiu ele, expressando os pensamentos em voz alta. - Não quando estava tão preocupada com o que Dyson poderia fazer a você na prisão. Ela não iria fugir.

- No bilhete, ela se referiu ao acidente de avião - Repp ia perguntar ao tio da garota se sabia de algo.

- Ela falou nisso? - O olhar desviou-se rapidamente para o vaqueiro.

- Sobre o quê? - indagou Ty.

- Sobre Stricklin mexer no tanque de óleo - respondeu Culley, percebendo em seguida que nenhum dos dois sabia do assunto. - Ah, não gemeu de repente. - Vocês não acham que Stricklin ou Dyson descobriram que ela sabia o que eles fizeram? - Os olhos giraram selvagemente, correndo de um lado a outro. - Eles a pegaram. - Fitou Repp. - E estão achando que você também o viu naquela noite no hangar.

- Acho melhor você começar do princípio - avisou Ty, tentando separar as extravagâncias do homem dos fatos.

com as janelas forradas, o recinto estava imerso na escuridão. Os soluços silenciosos e sem lágrimas de Cat, cheios de frustração e autocomiseração, traduziam-se em suspiros ruidosos que revolviam a poeira arenosa que cobria o chão onde ela estava deitada, amarrada pelas mãos e pés. Os pulmões doíam com o entorpecimento da mesma posição forçada, o chão duro ferindo-lhe os ossos. Pior ainda, podia discernir coisas arrastando-se por sobre ela.

As tábuas do chão estalaram com os passos aproximando-se da porta. Ela susteve a respiração, o coração descontrolado com o medo. Alguém abriu a porta e o facho de uma lanterna quase cegou-a. Piscou, tentando afastar a cabeça da luz ofuscante. Stricklin entrou no quarto e ajoelhou-se para desamarrar a corda que a retinha.

- Logo seu namorado vai chegar.

Ela tentara de tudo, de gritos e xingamentos até os pedidos e persuasão, mas nada o demovera. Desta vez, Cat tentou o silêncio.

Quando ele a libertou das cordas, ajudou-a a levantar-se. Os músculos de Cathleen estavam doloridos e endurecidos de tal maneira que ela não conseguia andar sem tropeçar. Ele a guiou através dos quartos até a porta da frente, a lanterna mostrando o caminho. O ar puro parecia mais fresco do que ela se lembrava quando Cat deu o primeiro passo sob a luz da lua. Sorveu a brisa, os sentidos revivendo para saborear a sensação de frescor em sua pele, junto com os estalidos das ervas daninhas ao lado da casa. Coisas tão simples. Coisas tão belas.

- Vamos esperar na caminhonete - disse-lhe. - E quando seu namorado chegar, não tenha ideias bobas.

Pelo canto dos olhos, ela percebeu o movimento da mão de Stricklin acompanhando o aviso. Um segundo depois entreviu o brilho do metal sob a lua e se deu conta de que ele tinha uma arma. O pânico retesou-lhe os nervos. Durante as longas horas em que ficara amarrada na casa, ele saíra e arranjara uma pistola.

Enquanto aguardavam nas sombras da caminhonete, Cat rezou para que Repp não viesse. A audição parecia mais aguçada, os sons noturnos pareciam mais altos - o farfalhar da grama feito por algum animal, o bater de asas sobre sua cabeça e a música estridente dos insetos noturnos e grilos, todos unidos em uma cacofonia, e acima de todos os sons, o ribombar de seu coração.

Ao ouvir o ronco de um motor, tentou fingir que era um veículo passando na estrada, mas um par de faróis aumentou gradativamente a luminosidade com a aproximação deles dos prédios abandonados. Desesperada, Cat tentou pensar em uma maneira de avisá-lo; então, sentiu o círculo duro do cano da arma pressionado contra seu corpo. Empertigou-se e assistiu impotente a hpick-up rodar até parar. Os faróis varreram a caminhonete em que estavam, mas não invadiu as sombras que a ocultavam.

Ouviu o ruído de metal batendo contra metal quando a porta da caminhonete foi aberta e em seguida fechada. Cat abriu a boca para gritar-lhe um aviso, mas o grito ficou preso na garganta quando o cano pressionou sua cintura, exigindo silêncio. Passos soaram no cascalho.

- Cat? - O chamado quebrou o silêncio. - Cat, cadê você? Stricklin encostou a boca no ouvido de Cathleen.

- Responda. Diga a ele para vir aqui.

Os dentes se trincaram em protesto mudo antes que ela acabasse fazendo o que ele ordenava. Entre a arma e as garras apertando-lhe o braço, sentiu-se indefesa para resistir.

- Repp, estou aqui. - A voz soava trémula. - Do outro lado da pick-up.

Quando Repp contornou a caminhonete, Stricklin forçou-a a sair das sombras. A arma estava apontada para sua cabeça. Repp estacou sem mexer um fio de cabelo.

- Os jovens amantes se encontram pela última vez. - Stricklin murmurou, fazendo um gesto para Repp, mandando-o aproximar-se.

- Então foi você quem Cathleen e eu ouvimos no hangar aquela noite - acusou Repp, caminhando lentamente até Stricklin mandá-lo parar.

Cat olhava-o fixamente, assustada:

- Repp, você...

- Não adianta fingir que não sabemos - ele a interrompeu de pronto, voltando-se para Stricklin. - Você fez algo naquele tanque de óleo, não foi?

- Foi bem simples. - Stricklin foi bastante direto. - É uma pena que vocês dois estivessem lá naquela noite.

- O que planejou para nós? - Repp parecia tão calmo que Cat pensou em gritar.

- Vai ser um acidente muito trágico ... dois jovens namorados estacionados em algum canto afastado infelizmente são intoxicados pelo monóxido de carbono. Um pequeno ácido no cano de escapamento e vocês têm um vazamento que leva o gás a entrar no sistema de ventilação. Vai ser bem pouco doloroso, sem dúvida - comentou, parecendo garantir. - Claro, depois vou trancar as portas... Não ia querer que vocês tentassem fugir.

- Você não vai se livrar dessa - contrapôs Repp tranquilamente.

- Ninguém descobriu o último acidente... exceto vocês dois.

- E Dyson... ele sabe? - atirou como um desafio, levemente insolente. - Imagino que a ideia foi dele e você só fez o trabalho sujo.

- Isso é uma tentativa de criar um atrito entre meu sócio e eu? - A voz de Stricklin denotava diversão, tanto quanto ele se permitia externar.

- Não adianta. Dyson não tem nada a ver com isso. - com a arma fez Repp movimentar-se em direção à caminhonete. - Abra a porta e entre.

Repp hesitou longamente, como se estivesse pesando suas chances de atacar o homem. Cat tentou soltar-se para ir até ele, odiando a forma como se transformara ao mesmo tempo um instrumento e uma proteção para Stricklin.

- Abra a porta, já disse - repetiu a ordem.

Das sombras da casa, uma outra voz... a voz de Ty... respondeu.

- Ele não vai fazer isso, Stricklin.

Stricklin virou de súbito a cabeça em direção a ele. Neste segundo de distração, Repp agarrou o braço de Cathleen e a arrancou do domínio de Stricklin.

- Corra, Cat. Corra! - Empurrou-a pelos ombros para a penumbra da luz da lua, atirando-se ele mesmo sobre Stricklin.

Cat tropeçou nos primeiros passos, tentando reobter o equilíbrio. O coração batia loucamente, a respiração acelerada. Algo emergiu das trevas, dando um passo em direção a ela, sobressaltando-a e fazendo com que soltasse um berro.

Subitamente, todos os ruídos de luta, passos correndo, o terror selvagem, tudo diluiu-se sob o estrondo de uma explosão. Cat girou sobre si mesma. A cena paralisou-se por instantes. A figura em frente a ela cambaleava, dando um passo para trás. Atrás dele estava Stricklin, ao lado da caminhonete, o revólver na extremidade do braço esticado, um fio branco de fumaça saindo do cano.

Uma segunda explosão. Stricklin pareceu ser projetado para trás, um olhar de surpresa congelando-se em seu rosto enquanto ele deslizava pelo lado da pick-up até o chão. Cat correu para o homem de cabelos grisalhos caído sobre um joelho.

- Tio Culley. - Lançou-se ao lado dele, as mãos procurando sustentar o corpo arqueado. Lançando um olhar frenético por sobre o ombro, ela viu Repp sendo colocado de pé por dois homens. Ela não sabia de onde eles vinham, mas pareciam desarmados. Quando voltou o olhar ao tio, percebeu que ele apertava uma mão contra o peito. Algo escuro e molhado escorria entre seus dedos. - Atiraram no senhor.

- Tudo bem, garota. - Acariciou a mão da sobrinha, deixando uma mancha de sangue quente e pegajoso ali.

Ele pareceu ficar mais pesado nos braços de Cat. Teve que usar todo o corpo para sustentá-lo. Por fim, Ty estava a seu lado.

- Você está bem?

- Estou. - Antes que chamasse a atenção do irmão para a ferida no peito de Culley, Ty já estava desabotoando a camisa e pressionando um pedaço de pano no buraco escuro sobre a pele.

- Já tem uma ambulância a caminho, Culley - fez ele. - Desculpe. Repp estava no caminho e não conseguimos mirar em Stricklin a tempo.

- Eu... não podia deixá-lo atirar em Cathleen. E ele ia atirar. - A voz parecia cansada, embora ele fizesse esforço para sorrir para a sobrinha. Cat percebeu que ele se colocara na frente de propósito, interpondo-se entre ela e Stricklin. - Tomava conta dela há muito tempo. Sempre queria saber onde ela estava e o que estava fazendo. Menos hoje... hoje eu a decepcionei.

- Não, tio Culley, não - declarou ela. - Você veio. Você trouxe ajuda. E Ty acreditou no senhor, não foi?

- É. - Ele fechou os olhos, como se considerasse a afirmação. Um Calder aceitando a palavra de um O'Rourke.

- Não fale mais - alertou Ty. - Fique quieto.

O barulho das sirenes ecoou na noite. Houve uma confusão de vozes e pessoas, o espocar deflashes e refletores, as câmeras registrando fotos do corpo sem vida de Stricklin. Repp juntou-se a Cat, ao lado do tio, vigilante. A mandíbula do rapaz tinha um ferimento de aspecto horrível, onde a arma o atingira.

O café preto forte operou um efeito revigorante, e Ty enxugou a boca com as costas da mão, sentindo a barba arranhá-lo. Fazia mais de 36 horas que não se barbeava e trocava de roupa... ou dormia. O cansaço começava a atingir-lhe os ossos.

- Não sei o que foi mais difícil para Dyson engolir - Silverton estava sentado em frente a ele, em uma das poucas mesas ocupadas no bar de Sally's naquela manhã -, se a descoberta da traição de Stricklin ou ter de aceitar a injunção temporária que o impede de começar qualquer mineração de carvão naquela terra, que vai depender da decisão da Corte.

- Tenho certeza de que foram dois grandes golpes para ele - aquiesceu Ty, erguendo a xícara de café e sorvendo outro gole. Depois de passar a última hora relatando os acontecimentos da noite a um dos auxiliares do xerife, não sentia mais vontade de falar sobre Stricklin.

Sally Brogan deteve-se na mesa deles:

- Quer mais? - O bule estava na mão dela.

- Eu não - fez Ty com um movimento negativo de cabeça.

- Fiquei contente de saber que Culley saiu bem da cirurgia - afirmou Sally, enchendo a xícara do advogado até a borda.

- Os médicos estão confiantes em que ele vá estar novo em folha, logo. A bala raspou algum tecido do pulmão, mas felizmente não atingiu órgãos vitais. com exceção da perda de muito sangue, ele não foi ferido gravemente. - Engoliu o resto do café e pousou a xícara na mesa. Sorvendo o ar, deu uma olhada para o advogado. - Se já falamos tudo o que queria saber, acho que vou indo.

- O resto pode esperar - tranquilizou-o Silverton. - Você deve estar querendo ir para casa.

- Agora não. Ainda tenho que parar num lugar - admitiu Ty, empurrando a cadeira para levantar.

- Se está procurando por Tara - inseriu Sally -, ela está morando em uma das casas da companhia, a de postigos pretos.

- Obrigado. - Deixou a gorjeta na mesa junto com as moedas para o café e saiu.

Era uma construção de um andar e quadrada e a poeira interminável já sujava a pintura branca recente. As passadas longas e lentas tinham um quê de fadiga quando ele saiu da caminhonete estacionada ao lado da rua e caminhou até a porta da frente. Ty estacou, sentindo restos da velha excitação - a ansiedade que sempre o dominara antes de vê-la mais uma vez. Bateu os nós dos dedos levemente na porta.

A porta se abriu de imediato, como se ela estivesse do outro lado esperando por ele. Tara deu um passo atrás, deixando-o entrar. A luz do sol, formava um quadro com a beleza morena da mulher. Ela sempre possuíra o poder de excitá-lo... e ainda o tinha.

- Oi, Tara. - O rosto barbudo endurecia os traços fisionómicos, escurecendo o bigode.

- Ty. - A cadência familiar da voz dela o atingiu. Tara voltou-se com graça deliberada, desviando o olhar dele, embora toda a atenção estivesse concentrada nele. - Ouvi falar sobre a injunção.

- Não vai haver mineração de carvão... não na terra dos Calder, não na nossa geração. Eu disse isso a você.

- É. - Ergueu ligeiramente o queixo. Instalou-se o silêncio, pesado com todas as coisas a serem ditas. - Achei que meu pai estava certo. Achei que ele venceria. - Olhou para o marido. - Este foi meu erro, não é? Sempre estará entre nós. Só penso nisso nas últimas três horas, desde que soube da injunção.

- Eu sei, Tara - disse ele.

- É verdade, não é? - Ela chegou mais perto, perscrutando o rosto dele com atenção. - Você sempre soube que eu era desleal, preferindo ficar ao lado de papai do que ao seu lado.

- É.

A beleza de Tara tornava mais fácil para ele olhá-la. Os olhos escuros inundaram-se de impaciência, os lábios conciliadores.

- Ty. - Ela pronunciou seu nome da velha maneira. - Lembra-se de quando estávamos na faculdade? Naquela época você estava bastante apaixonado por mim. A vida ia ser tão maravilhosa para nós. Você ainda sente o mesmo, não é?

Um sentimento de vaga surpresa percorreu-o quando desviou o olhar. Certa vez ela significara toda a sua vida. Estivera em seu pensamento onde quer que fosse. Lembrou a fome ardente que ela evocara em seus sentidos, o tumulto do desejo e a forma como ela correspondia a seus desejos urgentes. Mas quando tentou reviver aqueles sentimentos e sensações, só conseguia ver a imagem forte de Jessy, a luz da lareira por trás dela.

Tara olhava-o fixamente, enxergando o vazio do olhar dele.

- Como você pode esquecer? - ela suspirou em protesto, a voz dolorosa.

- Não sei - admitiu meigamente. - Tudo o que sempre lhe pedi foi que ficasse a meu lado. Mas você estava sempre dois passos à minha frente, tentando guiar-me para onde queria ir.

- Estava tentando ajudar.

- Sei disso também - assentiu lentamente. - Tudo muda, Tara. E você não pode trazer os velhos tempos de volta, não importa o quanto queira.

- Mas eu amei você - protestou ela contra o definitivo das palavras dele.

- Eu já te amei. Não te culpo pelo que você é. Deve existir um homem por aí que vai servir melhor a você do que eu.

Ela cerrou os olhos por um instante; por fim abriu-os, faiscantes e acusadores.

- É Jessy, não é? Desculpe, mas eu a odeio. - Voltou-se, cruzando os braços. - Talvez porque ela floresça sob esse céu sufocante.

Ty hesitou, não encontrando algo mais a dizer.

- Seja feliz, Tara.

- Ah, sim. - A gargalhada irradiava certa fragilidade. - Tenho certeza de que vou representar o papel da divorciada alegre com perfeição. Suspirou. - Da próxima vez não vou cometer o erro de pensar que papai está sempre certo.

Mas não era só isso; Ty sabia. Há muito tempo eles seguiam estradas separadas. Virou-se e caminhou lentamente para a porta.

- vou ficar com o anel, Ty. - A voz suave seguiu-o, as lágrimas ali contidas. - Parte de minhas lembranças do que poderia ter sido.

O sol era um gigante brilhante irradiando luminosidade no céu azul de verão. O vento tomava velocidade quando ultrapassava as planícies onduladas. Ty saiu da casa sem olhar para trás.

Como um velho cavalo dirigindo-se para casa, o instinto fez todas as curvas e tomou todas as estradas certas; Ty não precisou fazê-lo conscientemente. Quando chegou na choupana escondida entre as árvores ao longo do rio, parou a caminhonete e saiu cansado de dentro.

As moscas faziam tentativas barulhentas de penetrar a rede da porta de tela, mas ele não prestou atenção a elas e entrou na casa. Jessy estava sentada na mesa, as mãos cruzadas, esperando. Ouvira-o chegar. As bochechas possuíam colorido, apesar da reserva decidida em sua postura.

- Acho que você não fez café - disse ele, procurando um começo.

- Tenho certeza de que há bastante café na casa-grande.

- Mas gosto de seu café - disse ele.

- Agora que o negócio com Dyson está quase terminado, já foi ver Tara? - A pergunta era quase ríspida.

- Já.

Jessy retinha demasiados sentimentos para que conseguisse ficar sentada calmamente. Levantou e deu um passo para o centro da sala, voltando-se em seguida para enfrentá-lo. ?- Ela vai voltar?

- Não pedi a ela para voltar, do contrário não estaria aqui. - Não encontrava as palavras certas que pudessem exprimir o poderoso carinho que o inundava. A garganta apertada com tudo a dizer impedia-o de tomá-la nos braços.

- Se está aqui só porque se sente agradecido ou obrigado... - O orgulho tão firmemente estampado em seu rosto o fez sorrir.

- Não, Jessy. Não é isso.

Os olhos que por tanto tempo o haviam observado com um ar de espera agora o analisavam cuidadosamente. A boca carnuda começou a desfazer os traços duros em um sorriso incerto.

- Se tem certeza... - Soltou o suspiro que estava retendo e deu um passo em direção a ele. - Se tem mesmo certeza...

- Tenho certeza, Jessy. - Não havia dúvida em sua voz. Uma emoção mais profunda que o tempo produzia um brilho nos olhos escuros de Ty. Os braços se abriram quando ela veio para ele. Ele inclinou a cabeça para beijá-la. A sensação do quarto rodopiando foi tão forte que Ty a apertou mais nos braços para que não fossem carregados no turbilhão.

 

A terra tinha uma aparência delgada, ainda com as cores do inverno em tons desmaiados e marrons, ao invés do verde vivo do verão. No horizonte infinito, nuvens pesadas de tempestade formavam rolos cinzentos, prometendo a chuva após longos meses de seca.

Há mais de um ano Chase Calder não punha os olhos na terra natal; e seu olhar ansioso não se desgrudara do solo pelos últimos quarenta quilómetros. Toda a saudade de casa que não se permitira sentir durante os compridos meses no hospital agora inundavam-lhe o peito. Percebeu todas as pequenas diferenças, as mudanças sutis.

- Parece que aquelas nuvens de chuva vêm para cá - observou asperamente para o motorista.

Ty deixou o olhar correr da estrada para a proximidade preocupante da massa escura.

- Espero que sim. Só Deus sabe como precisamos disso - flexionou as mãos no volante. - Todos os trabalhos foram reduzidos o quanto puderam.

- Qualquer coisa grande é sempre ineficiente; é a natureza do gado - replicou, com um traço de verdade. - É sempre uma luta tentar modernizar e implementar os trabalhos. Tem tanto papel que às vezes a parte da fazenda perde expressividade na pressão para se obter o lucro. Às vezes você tem que sofrer algumas perdas para vencer a batalha.

- É. - Ty sabia muito bem disso.

- Você teve um batismo de fogo. - Chase estudava o filho calmamente, consciente de tudo por que ele passara.

- Tropecei algumas vezes - admitiu Ty.

- Mas ficou com o que sabia. Ser um Calder significa ser um homem do gado e ter uma responsabilidade com a terra e os homens.

- Ainda vai demorar alguns meses até o tribunal decidir a questão daquela terra - declarou Ty, soltando um suspiro profundo.- E mesmo aí não vai ser definitivo. Dependendo da decisão da corte, se Dyson não apelar, nós o faremos.

- Não estou preocupado. - Um sorriso quebrou os traços duros e marcados. Por um instante, Ty olhou para ele e em seguida sorriu também.

- Nem eu... não se temos nós dois para detê-lo.

Os prédios da sede da fazenda estavam à vista e Ty desacelerou o carro. Veículos entupiam o quintal da casa, e uma multidão de vaqueiros com suas esposas adiantaram-se para receber o carro.

- O que é isso? - Só por um momento, Chase Calder ficou um tanto atordoado com o fluxo de pessoas.

A expressão de Ty suavizou-se, enquanto ficou sentado sozinho atrás do volante do carro parado.

- Acho que querem dar-lhe as boas-vindas à casa.

Após um instante de hesitação, Chase colocou a mão na maçaneta da porta. Uma leve alegria cresceu ao sair do carro sem auxílio. Uma muleta atravessava-se sob seu braço, mas ele não a usou ao se mover para diante. Quando uma garota de cabelos negros e olhos verdes da cor da terra dos Calder separou-se da multidão e correu para saudá-lo, Chase por um segundo foi transportado para um outro tempo, em que a jovem Maggie correra para seus braços. Apertou a filha contra si, a felicidade irradiando-se dela. Cat permaneceu ao lado dele, um braço envolvendo-o, como se nunca o fosse deixar, mas Chase era muito esperto para acreditar nisso. Já percebera Repp Taylor de pé ao lado, bem como a luz possessiva nos olhos do vaqueiro alto e magro quando olhava para Cat.

Depois de cumprimentar Repp, olhou zombeteiro de um para outro.

- Imagino que os dois fugiram para casar enquanto estive fora.

- Não, senhor. Cat ainda tem que crescer - disse ele carinhosamente, lançando um olhar para ela. - Ainda é muito mimada para dar uma boa esposa.

- Repp. - O tom de voz duro reprovava-o, mas Chase limitou-se a soltar uma risadinha.

Ty saiu mais lentamente do carro, ficando para trás para deixar o pai como centro das atenções. Aquele momento era dele - sua volta ao lar. Ao sair do carro, observou o pai com Jessy, falando com ela rapidamente, e dirigindo-se a outra pessoa. Em seguida, Jessy veio gingando com aquela graça de pernas longas para juntar-se a ele ao lado do carro. Ty sentiu o coração leve por esta mulher orgulhosa e pertencente à terra.

- É maravilhoso, não? - fez ela, olhando para o pai de Ty.

- É. - Ele passou-lhe um braço em torno da cintura, puxando-a para seu lado. Ela parecia pensativa. - Algo errado?

- Não. - Ela balançou a cabeça negativamente, sorrindo levemente.

- Quando falei com ele agora mesmo, sugeriu que eu adquirisse o hábito de chamá-lo de pai Calder.

- Não disse nada a ele, mas acho que adivinhou há muito tempo que eu casaria com você assim que o divórcio estivesse sacramentado. - Ty sorriu. - O que houve entre nós não foi exatamente um segredo.

- Não. - O sorriso dela era suave, o olhar era de felicidade. Houve um breve silêncio, a atenção de todos voltada para o homem alto e grisalho sendo saudado com um beijo na bochecha dado por Sally Brogan. Estou contente de ela ter vindo. - Voltou um olhar sério para Ty, como se alertando-o. - Seu pai é homem. Vai haver uma hora em que vai precisar dela, da companhia e afeição dela, mas isso não vai significar que deixará de amar sua mãe, ou mesmo esquecê-la.

- Eu sei. - Agora havia muitas coisas que entendia a respeito dos anseios e ilusões humanas. Mas também sabia que eles jamais se igualariam à força sólida de sentimentos mais duradouros.

Enquanto Chase abria caminho em meio à multidão, quase não viu Culley vacilando no extremo do grupo de pessoas. Detendo-se, Chase mudou de direção para encontrar o irmão de Maggie. Durante um longo segundo eles se olharam.

- Você parece bem - finalmente Culley afirmou.

- Você também. - Chase assentiu.

Em seguida a cabeça de Culley pareceu baixar, enquanto olhava para o chão.

- Sei o quanto você a amava. Eu...

- Nós dois a amávamos - cortou Chase, sereno. - Pode não existir mais nada, mas isso sempre compartilharemos.

- É... acho que sim.

Velhos amigos, homens e mulheres com quem ele trabalhara e crescera, apertavam-se para saudar Chase. E os mais jovens, para quem o patriarca dos Calder era mais conhecido pela reputação, vieram juntar suas palavras reservadas de boas-vindas com as dos demais. Havia muitas vozes masculinas ásperas, muitos sorrisos seguidos de olhos lacrimejantes.

O grupo custou a se desfazer, cada um querendo prolongar o momento de reunião o máximo que pudesse. A família Yates estava indo embora. Chase tinha acabado de dizer-lhes até logo e voltara-se para a multidão dispersa quando ouviu a observação do filho adolescente de Tiny Yates.

- O velho do Ty está melhor do que eu pensava, depois de ficar tanto tempo no hospital.

A frase o deteve, os olhos cheios de lágrimas brilhantes ao voltá-los em direção ao céu.

- Maggie. - A voz tremia com a emoção. - Você ouviu o que ele disse? O velho de Ty?

Juntos enfrentarão o futuro Luzes e sombras do caminho

E criarão seus filhos como verdadeiros Calder.

 

 

                                                                                                    Janet Dailey

 

 

 

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