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Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O ANEL DE NOIVADO EMPRESTADO / Gina Wilkins
O ANEL DE NOIVADO EMPRESTADO / Gina Wilkins

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

B.J. Samples. Detective privado. Quase a pavonear-se de orgulho, B.J. saiu do seu carro e começou a andar pelo caminho que conduzia à casa principal daquela quinta do Missouri. Na verdade "quinta" não era a palavra adequada, mansão teria sido mais correcto. Era uma casa grande com pilares, varandas, janelas enormes, fontes e uma piscina. Havia até uma pista de aterragem privada nas traseiras. Apesar de ter tido uma infância difícil, Daniel Castillo, que no presente se chamava Daniel Andreas, a vida correra-lhe muito bem.

Para B.J. não fora nada fácil dar com ele. Estivera a semana toda a tentar localizá-lo e finalmente conseguira a pista que a tinha levado àquela quinta enorme no leste do Missouri, a uma hora de carro de Saint Louis. Custara-lhe bastante, mas conseguira a informação. E desejava contar aos seus três tios, proprietários da agência de investigação onde ela trabalhava.

Abrandou à medida que se ia aproximando da porta de entrada da casa. Tinha a sensação estranha de que alguém a vigiava. Olhou à volta, mas não viu ninguém, nem sequer uma sombra numa das janelas enormes da casa.

Talvez fossem só os nervos. Afinal de contas, ela não estava habituada a fazer trabalho de campo. A sua especialidade era as investigações por computador. A única razão pela qual lhe tinham atribuído aquela missão era porque não tinha muita importância a nível de trabalho. E também porque seria difícil meter-se nalguma confusão.

Talvez fosse o sítio em si que a perturbava. Quando foi levantar a aldraba da porta, tremeu-lhe um pouco a mão. E como podia evitá-lo? A única mansão que visitara com regularidade durante a sua adolescência fora a da sua tia Michelle, que era rica. Se bem que com os quatro filhos de Tony e Michelle e a sua variedade de animais de estimação, aquela enorme mansão sempre fora um lugar alegre e acolhedor.

 

 

 

 

Olhou para a camisa verde e as calças caqui que vestira nesse dia. Talvez devesse ter-se vestido de um modo mais formal. Mas já era demasiado tarde para aquele tipo de lamentações. A porta abriu-se e um homem calvo com um casaco cinzento de malha brilhante, camisa azul e calças de ganga muito amachucadas olhou para ela com má cara.

- Sim? - resmungou.

Não parecia um mordomo. Nem um agricultor, na verdade. Parecia o vilão de um filme. B.J. endireitou-se para parecer alta, mas com o seu metro e cinquenta e cinco de estatura era bastante mais baixa do que aquele homem de qualquer modo, e tratou de se expressar com a maior segurança possível.

- Estou à procura de Daniel Andreas. Está em casa? O homem franziu a testa.

- Daniel Andreas?

B.J., que nunca fora uma mulher muito paciente, controlou um sopro.

- Sim, foi o que eu disse.

De repente, a compreensão pareceu iluminar as feições do homem.

- Oh, finalmente chegou. Tenho a certeza de que ele ficará contente. Entre.

B.J. não fazia ideia do que aquele homem estava a dizer.

-Eu não...

- Daniel! - gritou o homem, enquanto praticamente a puxava para o interior da casa. - Ah, estás aí. Olha quem chegou; a tua esposa.

B.J. olhou na mesma direcção e ficou boquiaberta. Perguntou-se que aspecto teria Daniel após treze anos. Naquele momento a resposta estava à sua frente: estava fantástico. Por um instante ele ficou a olhar fixamente para ela, sem expressão no rosto. Duvidou sinceramente de que a reconhecesse. Além dos anos que tinham passado, B.J. tinha a certeza de que, naquele tempo, não lhe causara a mesma impressão que ele a ela.

Antes que conseguisse dizer alguma coisa, ele aproximou-se dela com movimentos rápidos e elegantes. Talvez um pouco ameaçadores. Um sorriso deslumbrante iluminou-lhe a cara, mas B.J. reparou na expressão séria dos seus olhos escuros antes de lhe agarrar num braço e a puxar.

- Querida! Fico tão contente por teres finalmente chegado.

A seguir beijou-a nos lábios com tanto ardor que se tivesse continuado assim B.J. ter-se-ia derretido.

Quando se afastou dela, não lhe deu oportunidade de dizer nada. Mesmo que tivesse dado, ela também não teria conseguido pronunciar palavra. Ele pôs-lhe as mãos sobre os ombros e olhou para o homem calvo, que os observava com um sorriso nos lábios.

- Bernard, podes deixar-nos a sós um momento? Temos muita coisa para pôr em dia.

Bernard? B.J. perguntou-se se aquele seria o verdadeiro nome do homem.

O homem assentiu.

- Tu e a tua esposa podem usar a sala das traseiras. Ninguém vos incomodará. Eu aviso-vos quando tiverem de ir. Enquanto isso, telefonarei para o chefe para lhe dizer que a tua esposa virá finalmente connosco.

-Ah, mas...

Daniel apertou-lhe os ombros, apagando qualquer manifestação de protesto.

- Sim, faz isso - disse ao outro homem. Bernard olhou para B.J. com uma expressão carrancuda.

- Aconteceu alguma coisa, senhora Andreas?

Ela olhou para Daniel desconcertada. O olhar que ele lhe devolveu incentivou-a a olhar para Bernard com um sorriso superficial nos lábios.

- Só preciso de falar com o meu... bom, com Daniel a sós um momento.

O homem pareceu relaxar e voltou a esboçar aquele sorriso trémulo.

- Por aqui, senhora.

Conduziu-os até a uma pequena sala elegantemente mobilada e fechou a porta para os deixar a sós.

B.J. virou-se imediatamente para Daniel e não fez nada para esconder o seu aborrecimento.

- O que raios foi isso?

- Por favor, fala baixo - ele deixara de sorrir e o seu rosto era, de repente, uma máscara inexpressiva que a observava com atenção. - Não fazes ideia de como acabas de complicar tudo.

Ela esteve prestes a abrir a boca com a surpresa. Ela complicara tudo? Onde estavam, num manicómio de luxo?

Enquanto tentava acalmar-se e não começar aos gritos, observou atentamente o homem que tinha à frente, comparando-o com o rapaz que conhecera brevemente no passado. Ele tinha-a fascinado quando ela tinha catorze anos e ele dezasseis. Já naquela altura era um adolescente muito atraente, com o seu cabelo preto e grosso, as suas feições clássicas e os seus olhos pretos grandes e olhar sensual.

Alguns dos seus primos tinham medo dele devido ao seu génio, mas B.J. nunca sentira isso. Para ela, ele possuía qualquer coisa que a levara a viver pensamentos românticos e fantasias amorosas. Ele fora o primeiro rapaz por quem se apaixonara e depois disso jamais o esquecera.

No presente, era um homem de quase trinta anos. Continuava a ser bonito e parecia mais seguro de si próprio. As calças de ganga, a t-shirt e as botas que usara enquanto jovem tinham dado lugar a um casaco escuro que tinha ar de ter custado uma pequena fortuna, uma camisa branca sem gravata, calças de antracite e uns sapatos muito elegantes.

O seu aspecto era o de um homem rico, poderoso, embora também tivesse um certo ar de perigo. No entanto, B.J. não ia permitir que ele se desse conta de que se sentia intimidada.

Levantou o queixo, pôs as mãos à cintura e dirigiu-se a ele num tom firme.

- É evidente que houve um erro. Não sei quem é que tu e Bernard esperavam, mas enganaram-se na pessoa. Eu chamo-me...

- Brittany Samples - interrompeu-a calmamente. Reconheci-te assim que entraste.

Pela segunda vez desde que chegara, ele deixara-a sem fala. Como diabos a identificara com tanta rapidez? Tinham passado mais de doze anos, por amor de Deus. Na última vez que a vira ela era uma menina tímida

de catorze anos com aparelho nos dentes e muito magra.

Bom, continuava a ser bastante magra. Há muito tempo que se dera por vencida quanto a desenvolver uns seios maiores ou umas ancas mais voluptuosas. No entanto, era já uma mulher feita de vinte e sete anos. Usava o cabelo castanho escadeado, com um estilo que lhe tinham dito que favorecia o seu rosto de rapaz, e maquilhava-se para destacar os seus olhos azuis.

O facto de ela o ter reconhecido com tanta facilidade não diminuiu a sua surpresa. Afinal de contas, ela fora à procura dele. Tinha na sua carteira uma fotografia dele bastante recente. E, na sua memória, guardara uma imagem dele durante anos. Duvidava que ele pudesse dizer o mesmodela.

- Eu, quer dizer, não esperava que me reconhecesses - apontou num tom hesitante. - Como é que...?

Ele fez um movimento com a mão direita para a calar.

- Agora não há tempo para isso. Temos de ver como vamos sair da confusão que criaste sem que nenhum dos dois corra mais perigo.

- A confusão que criei? - repetiu ela com incredulidade. Então assimilou o que lhe dissera depois. - Perigo? De que estás a falar?

Daniel levou a mão à parte de trás do pescoço e massajou-se, enquanto franzia a testa, concentrado.

- Talvez devêssemos dizer-lhes...

- A verdade? - perguntou ela ao ver que ele não dizia nada.

- Isso não vai funcionar. -Olha...

Deu um passo na direcção dele, aproximando-se o suficiente para lhe tocar no peito com o dedo indicador.

- Não sei o que se está aqui a passar, mas já chega. A única coisa que vim fazer aqui foi...

Ele agarrou-lhe a mão e retirou-a do peito, mas não a largou.

- Bernard acha que és a minha esposa. Se tiver alguma razão para suspeitar que nenhum de nós é quem disse que era, matam-nos. E, na verdade, ele não é o único por aqui que anda armado. A casa está infestada de tipos armados e todos lhe obedecem.

Brittany sentiu um aperto no estômago. Não acredito.

- Acredita, Brittany.

Para controlar o medo que sentiu de repente, B.J. decidiu fixar-se em como Daniel a tinha chamado.

- Chamam-me B.J. Qualquer homem que mereça ser chamado de meu marido devia saber.

Ele ignorou o seu sarcasmo e continuou.

- Não temos muito tempo, por isso ouve-me. Como chegaste até aqui?

- Vim de carro desde Saint Louis. Porquê?

- É teu ou é alugado? -Alugado. Eu não...

Ele parecia mais concentrado nos seus próprios pensamentos do que nas tentativas de B.J. em dirigir o interrogatório para ele.

- Tens bagagem?

- Não, deixei-a no hotel. Daniel...

Ele olhou para a mão direita que ainda agarrava.

- Não usas aliança. Não és casada?

- Não - não conseguiu evitar fixar a aliança que ele usava na mão esquerda. - E onde está a tua esposa verdadeira?

- Eu explico-te isso depois.

Enfiou a mão pela gola da camisa branca e tirou uma corrente de ouro fina que desabotoou rapidamente. Momentos depois agarrou-lhe novamente na mão esquerda. Enquanto lhe colocava um anel no dedo olhou para ela nos olhos.

Aturdida, ela olhou para a aliança simples de aspecto antigo.

- Isto é uma aliança de casamento - disse.

Uma batida forte na porta avisou-os da entrada brusca de Bernard, que os surpreendeu ali quietos, de mão dada.

- Lamento interromper a reunião, mas na verdade temos de ir.

- Há um problema, Bernard. A minha esposa acaba de me dizer que não pode vir connosco - disse Daniel num tom pesaroso, enquanto lhe colocava um braço pelos ombros.

Bernard franziu o sobrolho com uma expressão séria.

- Qual é o problema?

- A bagagem dela extraviou-se no aeroporto. A única roupa que tem é a que está a usar - disse aquilo com tanta serenidade que até B.J. esteve prestes a acreditar.

Bernard passeou o olhar pelo seu traje informal de camisa e calças caqui e assentiu, como se de repente, tivesse percebido alguma coisa.

- Não há problema. Poderá comprar tudo o que precisar quando chegarmos. No complexo temos várias lojas que as mulheres tanto gostam.

Depois de uma breve pausa, Daniel disse:

- É que na sua bagagem há várias coisas que, para a minha esposa, têm um grande valor sentimental. Não gostaria de se ir embora sem que as malas aparecessem.

Bernard mexeu-se com nervosismo, enquanto a sua expressão carrancuda parecia agora mais suspeita. Ao fazer um movimento, B.J. viu que estava armado.

- Tenho a certeza de que o chefe se encarregará de tudo. Porque não vamos andando e eu faço algumas chamadas pelo caminho?

B.J. pareceu detectar uma leve expressão de desculpa no olhar que Daniel lhe dedicou.

- Na verdade não há necessidade de te incomodares tanto. Nas malas está a morada de casa, não está, querida?

B.J. recordou com um calafrio a arma que Bernard usava ao ombro e assentiu sem dizer nada.

- Então tenho a certeza de que enviarão tudo para casa assim que aparecer. Em qualquer caso, também não tinha nada assim tão valioso, pois não?

Brittany abanou a cabeça, como claramente se esperava dela.

Daniel sorriu-lhe para lhe dar ânimo. Bernard pareceu relaxar um pouco.

- Então, está tudo tratado. Vai ver, senhora Andreas, vai correr tudo bem.

Oxalá pudesse acreditar.

Daniel quase conseguia sentir meses de intrigas a repetirem-se como um eco nos seus ouvidos. Já para não mencionar como uma sucessão rápida de imagens da sua vida lhe passava pelo pensamento. Uma lembrança significativa do seu passado materializara-se naquele dia e, naquele momento, estava sentado ao seu lado em forma de mulher, no jacto privado de Judson Drake.

Daniel reparara no quanto estava pálida. E não era de estranhar. Certamente tinha a cabeça às voltas.

Pensara que estava preparado para qualquer eventualidade que pudesse surgir durante a viagem. Para o que não estava de todo preparado era para que Brittany Jeanne Samples entrasse pela porta daquela casa... directamente para os seus braços.

Daniel disse para si que Brittany não tinha mudado muito em treze anos. Embora, sem dúvida, os sinais de maturidade fossem visíveis. A última vez que a vira usava aparelho nos dentes, naquele momento tinha os dentes perfeitamente alinhados. Antes, a sua cabeleira castanha brilhante chegava-lhe à cintura. Naquele momento, usava um corte de cabelo despenteado que lhe assentava muito bem.

A sua figura não se desenvolvera significativamente desde a adolescência, mas em vez da trapalhice de adolescente, Brittany movia-se com a graça esbelta de uma mulher. E os seus olhos continuavam a ser de um azul surpreendentemente intenso, com aquelas pestanas compridas e brilhantes.

Alguns diriam que era engraçada, ou até bonita. Mas definissem-na como definissem, ela continuava a atraí-lo com a mesma força que o fizera apaixonar-se aos dezasseis anos.

Não esperara voltar a vê-la e muito menos naquelas circunstâncias. Ainda não tivera oportunidade de analisar o que sentia, tendo-a tão perto, além de medo por causa da sua segurança e preocupação pelo resultado dos planos que passara tanto tempo a elaborar. No entanto, em algum lugar do seu pensamento continuava viva a lembrança inquietante de que Brittany Jeanne Samples era o único ser humano que o vira a chorar.

Há treze anos, Brittany fora a única pessoa, com excepção da sua família de acolhimento, que não tivera medo dele. Daniel sabia que naquele momento também não tinha medo. Estava furiosa, mostrava-se precavida, mas não era medo o que sentia.

No entanto, deu-lhe umas palmadas na mão e esboçou um sorriso corajoso.

- Sei o quanto odeias andar de avião, ainda por cima num destes tão pequeno. Estás bem?

- Estou bem.

- Não se preocupe, senhora Andreas - disse Bernard numa tentativa desajeitada para ser simpático. O senhor Drake só contrata os melhores pilotos.

A sua expressão tensa manteve-se.

- Tenho a certeza - disse B.J.

- Apetece-lhe alguma coisa? Um refrigerante? Ou uma água?

- Não, obrigada.

Daniel confiava que Bernard atribuísse a tensão de B.J. ao seu medo de andar de avião, tal como fora sua intenção ao mencioná-lo. Bernard não era muito inteligente, mas também não era totalmente idiota. B.J. não estava a comportar-se, nem pouco mais ou menos, como uma esposa carinhosa que ia a caminho de um complexo de luxo na companhia do seu marido. Teria de estar atento a ela a cada minuto para a proteger. Teria passado perfeitamente sem aquela complicação.

Viajaram durante, pelo menos, quatro horas. Enquanto Bernard jogava numa consola de vídeo que havia no jacto privado e Daniel lia o que parecia ser um livro sobre a guerra entre a América e Espanha, B.J. limitou-se a olhar pela janela.

Recusou as revistas que Bernard lhe ofereceu e não teve interesse em ver televisão. Também não conseguiu dormir. Passou o tempo a perguntar-se para onde iriam e porquê e o que esperar quando chegassem.

Teria cometido um erro grave alinhando no jogo de Daniel? Por acaso não devia ter esclarecido que ela não era a esposa de Daniel? Ou talvez ter lidado com aquilo como se fosse uma brincadeira? Mas dera-lhe muito pouco tempo para aquela opção e a sua cara estava muito séria quando lhe dissera que a sua vida corria perigo.

A pistola que tinha visto debaixo do casaco de Bernard parecia ter ilustrado muito bem aquela advertência.

No entanto, estaria realmente mais segura naquele momento, dirigindo-se sabia Deus para onde ou para fazer o quê?

Daniel dirigia-se a ela ocasionalmente num tom carinhoso e solícito que a deixava nervosa. Custou-lhe muito responder adequadamente, embora parecesse que as suas habilidades como actriz eram melhores do que pensara, já que Bernard não parecia ter notado nada estranho entre eles. Talvez porque Daniel mencionara várias vezes o seu suposto medo de andar de avião e comentado o quanto estava a ser corajosa, apesar da angústia que devia estar a sentir.

Ela não tinha medo de andar de avião, mas sem dúvida aquele pesadelo de viagem poderia traumatizá-la permanentemente.

Quando finalmente aterraram, foi noutro aeroporto privado. Pelo que B.J. conseguiu adivinhar, o aeroporto fazia parte de um luxuoso complexo à beira do oceano. Viu piscinas e cabanas, construções baixas e refúgios, praias privadas e dois campos de golfe.

Estariam na Florida? Ou talvez na Carolina do Sul? Não fazia ideia.

Talvez aquele lugar lhe tivesse parecido bonito se a estadia tivesse sido voluntária. Mas as circunstâncias não eram essas e só lhe ocorreu em sair dali.

- Está a ver, senhora Andreas? - perguntou Bernard. - Já estamos em terra, sãos e salvos.

Teria adorado esbofetear o seu sorriso de condescendência. Mas em vez disso limitou-se a assentir. Daniel falou por ela, novamente.

- A minha esposa está exausta depois desta viagem. Espero que possam conduzir-nos à nossa suíte rapidamente para que possamos descansar um pouco.

B.J. esperava que na suíte houvesse uma porta de serviço por onde poder fugir assim que ninguém a visse. Pelo menos poderia telefonar aos seus tios para que fossem salvá-la o mais rápido possível. Decidiu que faria aquela chamada assim que descobrisse onde estava.

Bernard saiu do avião com eles. Um homem esperava para os receber. Contrastando com o aspecto musculado e baixo de Bernard, aquele homem era bonito, esbelto e lisonjeador. No entanto, o seu sorriso tinha qualquer coisa que gelou o sangue nas veias de B.J.

O seu cabelo loiro excessivamente penteado brilhava ao sol e os seus olhos eram de um verde brilhante. Tinha um perfil perfeito, um bronzeado perfeito, uns dentes perfeitos e um físico perfeito. B.J. teria apostado qualquer coisa em como aqueles atributos não eram naturais.

Como diria o seu tio Jared, o cowboy, aquele tipo parecia hábil o suficiente para entrar por uma fechadura.

- Daniel - disse, enquanto lhe estendia a mão. Fico contente por te ver novamente. E esta... - virou-se para B.J. - deve ser a tua encantadora esposa.

- Sim, esta é B.J. - respondeu Daniel com um tom orgulhoso. - Querida, quero apresentar-te Judson Drake, o homem de quem tanto te falei.

Judson Drake. Quase podia apostar que aquele não era o seu verdadeiro nome.

Esteve prestes a estremecer quando Drake lhe estendeu a mão e apertou-a mais tempo do que era necessário.

- É um prazer conhecê-la, senhora Andreas.

- Senhor Drake - murmurou.

Por muito que a enervasse que lhe chamassem senhora Andreas, B.J. não lhe disse para a tratar pelo seu nome próprio.

- Bernard disse-me que teve problemas. Sei que a sua bagagem se extraviou.

Ainda não tinha largado a mão e B.J. retirou-a com um leve puxão antes de responder:

- Sim. Quis ficar em terra para esperar que ma enviassem, mas...

- Tolices - Drake fez um gesto desdenhoso com a mão. Aqui nas nossas lojas temos tudo o que possa precisar. Vou tratar de tudo para que escolha o que desejar. Diga apenas o meu nome nas lojas e qualquer coisa que precise será sua.

- É muito generoso da sua parte - disse Daniel, mas posso cuidar das necessidades da minha esposa acrescentou com um toque de orgulho ferido. - Se fizer com que carreguem as suas compras para a nossa suíte, será suficiente.

Drake olhou para Daniel com um ar de especulação que B.J. não conseguiu analisar.

- Considera-o feito. Tenho a certeza de que ambos estão cansados e com fome. Talvez gostassem de desfrutar de algumas das instalações do meu complexo durante o que resta do dia. Amanhã poderemos falar de negócios, Daniel.

Daniel pareceu considerar um momento a sugestão antes de inclinar a cabeça.

- Obrigado. Pelo bem da minha esposa, acho que será o melhor.

Se voltasse a dizer "minha esposa" naquele tom petulante mais uma vez, B.J. dar-lhe-ia um pontapé. Com força. E não se importaria com quem estivesse a olhar.

- Deixem que vos acompanhe à suíte. Bernard trata das malas, Daniel.

B.J. segurou a mala de lona debaixo do braço. Enquanto pensava com nostalgia no telemóvel que tinha lá dentro, deixou-se conduzir até ao edifício principal do complexo. Passaram por outras pessoas, a maioria casais de aspecto rico, mas além de sorrir a alguns, Drake não se distraiu com ninguém.

Atravessaram um hall muito bem decorado e enquanto entravam no elevador foi observando as muitas atracções do complexo.

Drake chegou-se muito perto dela, mais do que B.J. achou necessário, já que o elevador não era assim tão pequeno para requerer tal proximidade. A caminho da luxuosa suíte, Drake apoiou a mão casualmente na sua cintura, logo por cima da curva suave da sua anca.

Drake era tão vaidoso e estava tão seguro do seu charme com as mulheres que era como se esperasse que ela caísse rendida aos seus pés; inclusive com o seu "marido" ali ao lado. Perguntou-se como reagiria Drake se lhe dissesse que o toque da sua mão lhe dava vontade de se lavar com lixívia.

Judson Drake disse-lhes que os deixaria para que relaxassem, parou um pouco para recordar a Daniel que programariam uma reunião para a manhã seguinte e saiu rapidamente da suíte.

Assim que a porta se fechou, B.J. virou-se para olhar para Daniel.

- Se aquele homem voltar a tocar-me mais uma vez, vou dar-lhe um murro naqueles dentes.

Daniel olhou para ela com pesar antes de lhe responder:

- Tenho a certeza de que o seu gesto não tinha intenção nenhuma, querida. É simplesmente um tipo simpático.

Ela observou-o, com incredulidade, enquanto ele tirava um dispositivo electrónico do bolso e o passeava pelo quarto. Depois de estar há dezoito meses a trabalhar para os seus tios, imediatamente adivinhou o que se estava a passar. Acreditava mesmo que os quartos estavam sob escuta?

Onde diabos se metera? E em que confusões se teria metido Daniel desde que saíra do rancho Walker, o lar de acolhimento para adolescentes problemáticos?

 

Daniel fez um gesto a BJ. para lhe dizer que podia continuar a falar. Ela disse para si que se Drake estivesse a ouvi-los, pelo menos ia aproveitar.

- Aquele homem causa-me repulsa. É evidente que pensa que é um presente do céu para as mulheres, mas vai sair-lhe o tiro pela culatra. É um baboso.

Daniel revirou os olhos.

Querida, estás cansada, é só isso comentou sem perder o tom apaziguador. - Foi um dia muito enervante para ti.

Certamente. Mais do que enervante.

Recentemente dissera aos seus tios que tinha vontade de levar a cabo missões mais emocionantes, que implicassem mais desafio do que as investigações através do computador que tinha estado a fazer durante os meses passados. Nunca imaginara que aquela missão inócua se desenvolveria de um modo tão estranho.

De repente ocorreu-lhe outra coisa.

- Tenho de telefonar para casa.

Daniel voltou do quarto e guardou o pequeno dispositivo novamente no bolso. Pelo seu tom de voz, B.J. entendeu que estava tudo bem, mesmo antes de ele falar.

Agora podemos falar com toda a liberdade. Pelo menos poderemos fazê-lo até saírmos e voltarmos, depois voltarei a passar o dispositivo pelos quartos.

- Tenho de telefonar para casa - repetiu ela. – Mas primeiro... O que achas de me pores a par do que raios se está a passar?

Ele fez uma careta como primeira resposta ao seu aborrecimento, enquanto despia o casaco e o punha sobre as costas do sofá que combinava com o resto dos móveis elegantes e delicados do quarto decorados em excesso. Pelo menos isso era o que parecia a B.J. Ela preferia decorações mais simples, menos pomposas. A sua ideia de decoração num complexo de férias teria incluído vime e algodão, almofadas grandes e cadeiras confortáveis.

Sem lhe responder directamente, Daniel aproximou-se do móvel bar, abriu um frigorífico pequeno e espreitou.

- Apetece-te beber alguma coisa? Temos refrigerantes, sumo e água. A não ser que precises de alguma coisa mais forte e, tendo em conta tudo o que se passou, não seria de estranhar.

Ela ia rejeitar cortesmente a sua oferta quando, de repente, se deu conta de que tinha sede.

- Apetece-me uma garrafa de água.

Daniel levou-lha e fez-lhe um gesto para que se sentasse. Ela escolheu uma cadeira que sacrificava a comodidade a favor do estilo e sentou-se na beira com a garrafa de água na mão.

Não desviou os olhos da expressão distante do rosto de Daniel, enquanto se sentava no sofá em frente a ela e bebia um gole do seu refrigerante com um ar notavelmente relaxado. Como podia estar tão tranquilo naquela situação tão estranha? E qual era exactamente a situação?

- Estou à espera - recordou ela. - Eu gostaria de saber o que estou a fazer aqui. Porque é que permites que pensem que sou tua esposa. Quero saber no que estás metido e porque é que pareces seguro de que correrei perigo se disseres a verdade. E gostaria, sobretudo, de saber quando poderei ir-me embora.

Ele levou algum tempo para responder, coisa que só conseguiu zangá-la mais, enquanto parecia estar a ponderar as palavras; ou a tentar decidir o que ia ou queria contar-lhe.

- Dois ou três dias - disse finalmente, respondendo à sua última pergunta. - É o que vou precisar.

- É o que vais precisar para quê? Bolas, Daniel, conta-me!

Ele olhou para ela um momento antes de desatar a rir-se. Mas de que raios estaria a rir-se?

- Mudaste. Costumavas ser tão doce, tão fácil de agradar. A filha perfeita, a estudante modelo, a que nunca se metia em confusões, a que nunca dizia nada que incomodasse os outros, excepto talvez o teu irmão e irmã mais velhos.

Lembrava-se de todas aquelas coisas dela? Ela fora exactamente como ele a descrevera. Só nos últimos três ou quatro anos se dera conta do quanto estava cansada de agradar a toda a gente, excepto a si própria. De viver uma vida protegida, onde não acontecia nada de interessante; uma vida sem aventura que chegara a um ponto em que era cada vez mais cansativa e aborrecida.

Desejara a emoção. Devia ter recordado aquele velho ditado de ter cuidado com o que se deseja.

- Ainda não respondeste às minhas perguntas continuou ela num tom resmungão.

Ele hesitou brevemente antes de continuar.

- Não posso contar-te muito. Só que te deparaste com uma situação muito complicada, como pressuponho que tu própria terás percebido.

- Continua.

- Judson Drake pensa que tenho uma esposa rica no Texas. Obrigou-me a convidá-la para vir fazer este passeio de luxo, mas eu já tinha uma desculpa conveniente para explicar a sua ausência. Quando apareceste na quinta a perguntar por mim, quando ninguém devia saber que estava lá, e a perguntar, na verdade, com uma pronúncia texana muito marcada, Bernard relacionou tudo. E embora reconheça que não é muito esperto, foi capaz de chegar a essa conclusão.

Então porque é que não lhe disseste que eu não era a tua esposa? Esperto como és - disse ela, acrescentando um tom de sarcasmo à sua pronúncia texana, - devias ter conseguido inventar outra explicação para a minha chegada. Digamos, por exemplo, a verdade.

Não teria servido. Eu disse a Drake que sou de classe média alta: escolas privadas, faculdade privada, um casamento fortuito com uma mulher rica. Nessa história não há menção alguma a lares de acolhimento. Se contasse como te conheci de verdade então teria estragado tudo.

- Então a história da esposa é tão falsa como o teu passado privilegiado?

Ele assentiu sem mostrar expressão alguma.

- Porque é que lhes disseste essas coisas?

- Não posso explicar-te agora.

- Esperas que simplesmente aceite o que me contaste e que continue com esta charada durante os próximos dois ou três dias?

- Oxalá pudesse dizer-te que tens a opção de te recusares. Infelizmente não tens. Estas pessoas são perigosas, Brittany...

-B.J.

- Desculpa. B.J. Estes homens não aceitarão que agora mude, de repente, a minha história. Uma mera pista de que tentei enganá-los e tu e eu desapareceremos sem deixar rasto. É assim que eles funcionam.

- Então porque é que tu estás aqui?

Ele bebeu um gole do seu sumo antes de responder.

- Há uma grande quantia de dinheiro envolvido para qualquer um que seja suficientemente esperto para ficar com algum.

- Dinheiro? - ela olhou para ele com os olhos semicerrados. - Estás a fazer isto por dinheiro?

Ele encolheu os ombros e bebeu o resto da sua bebida.

B.J. pousou a garrafa de água numa mesa. Simplesmente não sabia se podia acreditar em alguma coisa do que lhe estava a dizer.

Ela pensara que talvez fosse dizer-lhe que era um espião a trabalhar para o ministério do interior, para a polícia ou qualquer outra instituição dedicada ao cumprimento da lei. Ter-lhe-ia sido mais fácil de acreditar nisso? E se assim fosse, teria sido porque teria gostado de pensar que Daniel estava do lado da lei?

- Então o que, na verdade, me estás a dizer - começou ela a dizer devagar - é que estás a tentar deslindar uma vigarice de uns homens muito perigosos. E eu não tenho outra escolha senão ajudar-te porque cheguei ao lugar errado na altura errada.

- Isso mais ou menos resume tudo.

- E se me negar, então talvez "desapareça" silenciosamente. E se concordar, talvez acabe por cometer um erro grave, e mesmo assim acabe morta.

- Não cometerás esse erro. A única coisa que tens de fazer é recordar alguns pormenores que te vou contar antes de voltarmos a sair.

- E o que é que vou dizer à minha família quando lhes telefonar?

- Não podes telefonar para eles. Também não confio nos telefones fixos nem nos da recepção. Tanto uns como outros podem estar sob escuta.

Ela abanou a cabeça.

- Vais ter de pensar num modo para que possa telefonar. A não ser que queiras que os meus tios venham estragar o teu plano maravilhoso, é claro.

O que não lhe parecia tão má ideia.

- E como saberiam onde encontrar-te? Não tiveste tempo de telefonar a ninguém quando viemos embora.

- Na verdade, eu também não sei onde estamos reconheceu ela. - Mas não me surpreenderia que os meus tios conseguissem localizar-me em vinte e quatro horas. Recordas-te quem são, ou não?

Ele franziu o sobrolho.

- Sei muito bem que o teu tio Jared é rancheiro, já que passei quase um ano a viver com a sua família.

- E os meus tios Tony, Joe e Ryan são detectives privados. E muito bons na verdade. E para eles é muito importante proteger a família; mesmo que seja empregada deles.

- Trabalhas para D'Alessandro & Walker?

- Então sempre te lembras.

- Vagamente. Parecia que a tua família procurava todas as semanas uma desculpa para dar uma festa no rancho. Não é difícil recordar alguns pormenores sobre eles.

- Então também te deves lembrar de que somos uma família muito, muito unida - às vezes isso era muito cansativo, tinha estado prestes a acrescentar. Todos irão procurar-me.

- Podes enviar-lhes um e-mail. Na minha bagagem tenho um computador portátil. Podes usá-lo. Não guardes uma cópia do e-mail.

E o que devo dizer-lhes? perguntou.

- Que decidiste que precisas de uns quantos dias de férias e que não se preocupem contigo. Tens vinte e sete anos. Não tens de pedir permissão para tirar uns dias livres, pois não?

Ele recordava muitas coisas dela. É claro, ela também sabia que ele tinha vinte e nove anos, porque era dois anos mais velho do que ela.

- Não é uma coisa que tenha feito antes. Quero dizer, desaparecer assim, impulsivamente.

Embora com frequência tivesse desejado fazê-lo.

- Então já é altura de fazeres algo do género, não achas?

- Talvez. Mas certamente não escolheria este sítio para vir de férias.

- A sério? - inquiriu Daniel. - E qual seria a tua primeira escolha?

- Bom... Não sei. Na verdade nunca pensei em ir de férias sozinha.

Ele sorriu.

- Mentirosa.

Está bem, talvez ultimamente se tenha permitido sonhar um pouco, afastando-se da rotina habitual.

- Acho que pensei nisso algumas vezes - disse entredentes.

- E para onde?

- Para qualquer sítio. Quase nunca saí do Texas. Sempre quis ir para um sítio diferente e exótico como Singapura. Ou Hong Kong. Ou Bali - então negou impacientemente com a cabeça. - Bolas, estás a fazê-lo outra vez; estás a distrair-me das perguntas às quais não queres responder.

Sem parar de sorrir com aquele ar fastidioso e inescrutável, ele limitou-se a olhar para ela.

Podes, pelo menos, assegurar-me de que não estarei a infringir a lei se aceder a ajudar-te com esta charada?

Ele não mudou de expressão. Nem se incomodou em falar.

Ela franziu o sobrolho com um ar verdadeiramente aborrecido; claro que supunha que não o afectaria.

De modo que as opções são: cooperar com tudo aquilo que disseres mesmo que não me contes porquê, ou recusar-me a fazê-lo e assim arriscar-me a que Bernard me faça desaparecer.

- As opções não mudaram desde que te expliquei isso da primeira vez.

- Talvez me tenha custado todo este tempo a acreditar o que se está a passar verdadeiramente - resmungou ela.

- Como presumo que vás escolher a opção que nos manterá vivos, temos de falar sobre umas quantas coisas.

Embora a tivesse incomodado que Daniel assumisse que acabaria por escolher por fazer o que ele queria que fizesse, B.J. também não podia discutir com ele. Não tinha nenhum desejo de enfrentar a arma de Bernard.

Acho que tens razão. Já que vou representar um papel, seria útil ter o guião - de repente, ocorreu-lhe uma coisa. - Espera um momento. Alguma vez mencionaste o nome da tua esposa? Ao tipo baboso apresentaste-me como B.J.

- Não há problema.

No seu tom de voz havia qualquer coisa inquietante, mas antes que B.J. conseguisse defini-la, ele continuou a falar.

- Tens de te lembrar de muito pouco. Estamos há dois anos casados. És dona de casa e além disso prestas ajuda voluntária à comunidade. Todos os assuntos financeiros e de negócios deixas para o teu marido.

- Oh, caramba, obrigada por fazeres de mim uma mulher tão progressista e moderna.

Ele ignorou-a, uma coisa que a BJ. pareceu que fazia com muita facilidade.

- No Outono passado sofreste um aborto espontâneo e depois disso estiveste um pouco abatida. Se antes não tinhas muito interesse pelos meus negócios, agora muito menos; e isso significa que sou livre de usar a tua fortuna à discrição.

Quanto mais lhe contava, menos B.J. gostava do papel que tinha de representar. Uma dona de casa muito triste. Maravilhoso.

- E suponho que adoro o chão que tu pisas, não? Isso parecia encaixar com o conto machista que ele inventara.

Daniel parecia quase divertido com a sua pergunta resignada.

- É claro. Eu fui o típico marido terno e solícito desde que perdeste o bebé. O que, é claro, faz com que tenhas menos necessidade de questionar o que faço fora de casa.

- Então não me amas? - era estúpido perguntar aquilo a um homem que era quase um estranho, mas em seguida disse para si que aquilo era apenas uma farsa.

B.J. sentiu um leve calafrio pelas costas quando ele fixou os seus olhos escuros nos dela um instante antes de responder.

- Eu quis fazer Drake pensar que mais do que te amar a ti, amo o teu dinheiro.

Ela desviou o olhar dele e olhou para as mãos.

- Então eu diria que estás em sarilhos, já que eu não tenho dinheiro nenhum.

- A minha esposa tem de sobra - corrigiu ele.

O anel de ouro que usava na mão esquerda brilhou. Ela tocou-lhe com a outra mão.

- E por acaso usas uma aliança de mulher pendurada num fio ao pescoço? No caso de alguém se cruzar no teu caminho?

- É o anel de casamento da minha mãe. Uso-o há mais de doze anos.

Apesar da falta de emoção na sua voz, B.J. sentiu-se tensa. Sabia o suficiente sobre o destino da sua mãe para entender o quanto aquele anel devia significar para ele. Usava-o desde que saíra do rancho Walker e depois disso parecia que usava como aviso de... Do quê? Da sua mãe? Da injustiça da sua morte?

- Cuidarei bem dele - assegurou ela.

- Obrigado - então ele levantou-se e olhou para o quarto. - Se te apetecer descansa um pouco. Certificar-me-ei de que ninguém te incomoda.

- Na verdade... - pôs-se também de pé e levou a mão ao estômago. - Estou cheia de fome. Há horas que não como nada.

O sorriso que ele esboçou então foi breve e pareceu-lhe genuíno.

- Isso não pode ser. Serviço de quartos ou restaurante?

Desviou o olhar do seu sorriso maravilhoso e olhou com pesar para a sua roupa amachucada devido à viagem.

- Talvez seja melhor o serviço de quartos. Seguindo o seu olhar, ele assentiu.

- Que tamanho vestes?

- O médio. Porquê?

- E quanto é que calças?

- Trinta e sete. Porque é que me estás...?

- Vais precisar de roupa.

Pegou no telefone que havia numa mesa. B.J. ouviu-o, espantada, encomendar com rapidez e eficiência o almoço e depois pedir uma selecção variada de roupas, sapatos e lingerie para que enviassem tudo para a suíte para que a sua esposa pudesse escolher. Apesar de ter sido um rapaz muito pobre, Daniel parecia ter-se adaptado muito bem à vida de luxo.

Desligou o telefone e dirigiu-se para o quarto.

- Vou ligar o computador. Podes enviar o e-mail, enquanto eu desfaço a mala.

Ela seguiu-o até ao quarto. Aquele quarto também era excessivamente formal para o seu gosto. Decorado ao estilo francês, realçava madeiras esculpidas, metros e metros de chintz, e tecido de linho a forrar as cadeiras pequenas e os bancos que não pareciam suficientemente fortes para suportar muito peso, muito menos o de Daniel.

A quem ocorrera pensar que aquele quarto servia para passar férias? Não se imaginava a repousar os pés em cima de uma daquelas mesas, nem a dar voltas pela suíte com os pés e as pernas cheios de areia. Talvez as pessoas que escolhiam aqueles quartos para passar férias não se deitassem na areia.

Daniel desatou a rir-se ao ver a cara que fazia.

- Não gostas da decoração?

Incomodava-a que lhe adivinhasse o pensamento com tanta facilidade, já que ela nunca conseguia adivinhar o que ele estava a pensar.

- Liga o computador. Tenho de escrever o e-mail. Ele dirigiu-se à sua pasta.

- Na verdade - disse num tom casual, - só vais poder enviá-lo depois de eu ter lido a mensagem. Lamento, mas tenho de me assegurar de que estás a salvo, enquanto estiveres sob a minha protecção.

Ela levantou o queixo num gesto desafiante.

Fica sabendo que trabalho há mais de um ano na agência de investigação. Sei cuidar de mim sozinha.

- Como acho que estiveste a trabalhar sentada a uma secretária, em frente a um computador e a fazer chamadas telefónicas, duvido que tenhas aprendido muito sobre como te defenderes.

Sem lhe dar oportunidade de replicar, abriu o computador, ligou-o e então afastou-se.

- Avisa-me quando tiveres acabado e introduzirei o meu código para que possas enviar o e-mail. Depois de o ler, é claro.

- Cretino - murmurou entredentes, enquanto se sentava na cadeira minúscula em frente à mesa.

Surpreendeu-a novamente com uma gargalhada.

Não é a primeira vez que me chamas isso recordou. - E não acho que seja a última - então ficou mais sério. - Mas sairás deste complexo sã e salva. Dou-te a minha palavra.

A mensagem foi aprovada e enviada quando chegou o jantar. Daniel lera cada palavra cuidadosamente, ponderando as implicações e tentando prever a reacção da sua família quando o lesse. B.J. dizia-lhes simplesmente que não conseguira localizar Daniel e que queria tirar uns dias de férias para pensar no seu futuro. Despedira-se deles e prometera telefonar-lhe muito em breve.

- Todos sabem que ultimamente estava cada vez menos satisfeita com o meu emprego - reconhecera contrariada. - Todo o dia sentada ao computador não era o que tinha em mente quando convenci os meus tios a empregarem-me.

- A maior parte do trabalho de um investigador privado consiste em fazer exactamente isso - apontara ele, encolhendo os ombros. - Pelo menos pelo que eu sempre ouvi dizer.

Foi o que descobri.

- Então o que queres fazer? - perguntou ele, enquanto teclava discretamente a palavra-chave do seu computador, enquanto a mantinha distraída com a conversa.

- Não sei - suspirou B.J. - A única coisa que sei é que ainda não descobri.

Apenas vinte minutos depois, Daniel, sentado em frente a ela na pequena mesa de sala de jantar, observava-a deleitado. Parecia que nem a confusão provocada pela situação em que se vira envolvida, juntamente com um dia inteiro de viagem, diminuíra o seu apetite. Comia com tanto prazer que Daniel se perguntava o que faria para se manter tão esbelta.

Recordava que sempre gostara de comer quando eram adolescentes. Sempre fora a primeira a pôr-se na fila para receber outro pedaço de carne nos churrascos que frequentemente eram organizados no rancho dos Walker.

Não falaram muito durante a refeição. Ele supôs que ela estaria a pensar nas coisas que lhe dissera, tentando assimilá-las e preparando-se para o papel que lhe fora imposto.

Acabavam de começar a sobremesa quando alguém bateu à porta. Daniel fez um gesto a B.J. para que continuasse a comer a tarte de morango que parecia estar a gostar tanto e levantou-se para ver quem estava à porta.

Uma jovem atraente com um vestido curto, vermelho e sandálias da mesma cor estava no corredor com um bengaleiro cheio de roupas.

- É o senhor Andreas?

Ele não conseguiu evitar fixar-se no cabelo dourado pelo sol, nos lábios brilhantes e carnudos, nos ombros bronzeados, nos seios altos e firmes e nas suas pernas compridas e morenas. Afinal de contas era um ser humano.

-Sim.

O seu sorriso brilhou, tal como os seus olhos. Uns olhos como os de Elizabeth Taylor, pensava Daniel. Não tinha dúvida nenhuma que eram lentes de contacto que lhe davam aquela cor, mas o resultado era bastante bonito.

- Sou Heather, da loja Beachfront. Sei que a sua pobre esposa chegou sem bagagem.

- Sim. Um mal-entendido das linhas aéreas - virou-se para a pequena zona de sala de jantar ao outro lado do quarto. - B.J.?

Ela já se tinha levantado e dirigia-se para eles. Tinha o cabelo um pouco despenteado, tirara a pouca maquilhagem que pusera e a camisa e as calças caqui eram um pouco grandes em contraste com a sua figura magra.

Muitos homens talvez tivessem preferido os encantos femininos de Heather. No entanto, Daniel estava cada vez mais fascinado com os pormenores subtis e naturais de BJ.

- Heather, esta é a minha esposa disse, enquanto a ajudava a empurrar o bengaleiro para o interior da suíte. - Querida, tenho a certeza de que irás gostar de ter uma coisa diferente para vestir.

Reparou que Heather olhava para B.J. com surpresa, como se tivesse esperado que fosse diferente. Daniel pensou que a jovem estaria habituada a homens muito ricos, com esposas elegantes e muito bem arranjadas.

E não era de estranhar que a jovem pensasse algo do género, é claro. Quando ele considerara brevemente atribuir o papel da sua "esposa" para a viagem, aquele seria exactamente o tipo de mulher que teria seleccionado. Alguém que parecesse rica e mimada e um pouco desligada do mundo real.

Rejeitara a ideia de usar alguém só porque se preocupava que a situação acabasse por ser demasiado complicada.

E claro, não teria conseguido imaginar que o destino se interporia no seu caminho para lhe oferecer uma esposa a fingir. Nem que a escolha do destino caprichoso seria inclusive mais complicada e enganosa do que qualquer uma que ele pudesse ter encontrado sozinho.

 

A pedido de Daniel, Heather deixou a roupa para que B.J. a examinasse sozinha e prometeu voltar uma hora depois para ir buscar o cabide e fazer a conta do que comprassem.

Quando Heather saiu, Daniel retirou a coberta do bengaleiro.

- Aqui tens, uma loja ambulante, com o teu tamanho.

Com as mãos à cintura, B.J. contemplou o bengaleiro um momento antes de voltar a olhar para a sua expressão presunçosa.

- Tu adoras estalar os dedos e ter uma data de pessoas prontas para te agradar, não é assim?

Ele franziu a testa, como se surpreendesse que lhe perguntasse aquilo.

- É claro.

- Diz-me, o que fizeste nos últimos treze anos, Daniel?

Não fazendo caso novamente do que ela dizia, Daniel virou-se para o bengaleiro e retirou uma roupa.

- Isto ficar-te-ia bem.

Era um vestido amarelo, curto e de algodão, sem alças e desenhado para se atar ao corpo.

- Na verdade não é o meu estilo.

- Sim, mas recorda-te que estás a representar um papel. És rica, tens estilo e estás habituada à moda de design.

Segundo a tua história, sou uma deprimida, e demasiado egoísta para perceber que estás a roubar-me a fortuna. Achas que uma pessoa assim usaria vestidos muito curtos e coloridos?

- Ah, mas também adoras o teu marido, que te trata como se fosses uma peça de porcelana delicada e valiosa. Sem dúvida quererias vestir-te para lhe agradar.

Ela franziu o sobrolho, perguntando-se se era sempre tão rápido na altura de encontrar um argumento contra. Por uma vez gostaria de ganhar uma das suas escaramuças verbais.

- Eu não gosto de amarelo.

- Nesse caso... - voltou a pendurar o vestido e tirou um parecido, mas fúchsia. - Gostas mais deste?

- Talvez eu própria devesse escolher - disse, enquanto se aproximava do bengaleiro.

- Como é importante que tenhas a imagem que Drake espera, sinto-me obrigado a ajudar-te na escolha.

- E quando começaste a falar desse modo? Tu não costumavas falar assim quando te conheci anos atrás. Naquela altura eras Daniel Castillo - não conseguiu evitar acrescentar.

Não se surpreendera ao descobrir, através de uma fonte de confiança, que no presente usava o nome de solteira da sua mãe, mas queria que ele soubesse que a sua máscara não tinha apagado da sua mente a realidade de quem ele fora no passado.

Por um momento, o sorriso de satisfação desapareceu dos seus lábios. Reparou na sombra efémera de umas quantas lembranças dolorosas reflectidas no seu olhar antes de se esconder novamente por trás da máscara insossa que com tanta facilidade usava.

- Sim, bom, tu não és a única a representar um papel.

Então mudou de tema ao retirar várias roupas do cabide e dar-lhas a ela.

- Acho que estas vão ficar-te bem. Porque é que não as experimentas no quarto?

Ela olhou para ele por cima do monte de roupa. Esperas uma passagem de modelos? Com o mesmo sorriso habitual, Daniel sentou-se no sofá e pôs o braço sobre as costas.

- Acho que ia gostar muito disso.

B.J. sentiu a tentação de lhe fazer uma sugestão que ele não ia gostar muito, mas mordeu a língua. Para começar, não estava habituada a usar tal linguagem. E, além disso, tinha a impressão de que Daniel tinha razão.

Tendo em conta o seu gosto para roupa, jamais passaria por uma mulher rica e ociosa. A sua pobre mãe passara anos a tentar ensinar-lhe a fixar-se mais na moda do que na comodidade.

Respirou fundo.

- Quando isto terminar, vais dever-me muito por te salvar a pele.

- Tecnicamente, estás a salvar-nos a pele aos dois apontou tranquilamente. - Mas quando isto terminar, certamente pagarei o que tu quiseres que pague.

- Fico contente por concordares. Pensar nesse castigo ajudar-me-á a superar esta situação.

Ele fez uma careta, como se tivesse consciência dos castigos que lhe pudessem acontecer.

- Experimenta a roupa - disse. - Tens menos de uma hora antes de Heather voltar.

Daniel revelou-se muito difícil de agradar. Enquanto B.J. teria ficado com a primeira coisa que ficasse bem, ele parecia ter um olho clínico para as roupas que melhor se adaptavam à sua figura esbelta, rejeitando as que ficavam demasiado largas ou as que não combinavam com o seu tom de pele. Começava a sentir-se como uma manequim quando finalmente ele aprovou alguns vestidos de Verão, incluindo o fúchsia, vários conjuntos de calças e top e um clássico vestido preto de noite.

- Isto é muita coisa! - protestou ela. - Não vamos estar aqui tanto tempo.

- Nunca se sabe - respondeu ele, enquanto encolhia os ombros. - Além disso, a roupa fica-te bem. Devias ficar com ela.

- E quem vai pagá-la? - inquiriu num tom descarado.

- Isso devia ser indiferente para ti.

- No entanto, importo-me.

- Vamos, experimenta os fatos-de-banho, BJ.

- Não penso fazer uma passagem de fatos-de-banho para ti - respondeu ela.

Daniel suspirou.

- Então escolhe alguns. Não podes estar num complexo à beira-mar sem ter um fato-de-banho ou dois. E certifica-te de escolher camisas de dormir suficientes e lingerie para vários dias.

Ela ia dizer qualquer coisa, mas conteve-se. Não podia falar de roupa interior com Daniel. Além disso, precisava de roupa interior limpa, embora fossem lá estar apenas alguns dias.

Ficou em silêncio e fechou a porta do quarto para completar as suas compras sem que Daniel opinasse mais.

Heather acabava de sair com o bengaleiro quando alguém bateu à porta. Como já tinham retirado os pratos da comida, B.J. olhou para Daniel com curiosidade.

- E agora quem será?

Ele encolheu os ombros e aproximou-se da porta com movimentos cautelosos, como se estivesse preparado para o perigo, como se esperasse encontrá-lo do outro lado da porta.

Não conseguiu evitar perguntar-se novamente o que ele teria andado a fazer nos últimos treze anos. Através das fontes habituais conseguira muito pouca informação sobre ele.

Ele espreitou pela mira, relaxou visivelmente e abriu a porta. Momentos depois fechou-a novamente e virou-se para ela. Nos braços tinha uma cesta gigantesca coberta por celofane e com um laço dourado brilhante.

- É para ti.

- Para mim?

Franziu o sobrolho e aproximou-se da mesa onde ele estava a colocar a cesta.

Através do papel de celofane que envolvia a cesta viu uma infinidade de produtos de beleza: loções corporais, cremes hidratantes, gel de banho e protectores solares. Uma variedade de cosméticos ao seu dispor. Também havia pequenos sabões de diferentes formas e cheiros, produtos para o cabelo, uma escova e um espelho; tudo o que uma mulher de férias podia precisar. Nunca reparara muito nas marcas, mas suspeitava que as dos artigos da cesta deviam ser das mais caras.

- Também pediste isto? - perguntou a Daniel.

Ele abanou a cabeça, enquanto tirava um pequeno cartão. No cartão viam-se as letras douradas em relevo do nome do complexo. Ele segurou-o de modo a que ambos conseguissem ler o que dizia.

Não acho que precise de melhorar nada, mas talvez estas coisas lhe sejam úteis durante a sua estadia. Por favor, peça qualquer coisa que precise. Judson Drake.

B.J. franziu o nariz.

- Bolas.

Daniel abanou a cabeça.

Vais ter de superar a tendência de estremecer cada vez que ouves o nome dele. É o nosso anfitrião e acho que dar-lhe um pouco de graxa não calhava nada mal.

B.J. tremeu novamente.

- Se algum de nós tem de dar graxa àquele tipo asqueroso, é melhor seres tu.

- Não é o meu tipo - murmurou Daniel, enquanto lhe deslizava o dedo pelo lábio inferior, que sobressaía com uma careta.

O seu pensamento encheu-se de imagens, de lembranças do beijo com que Daniel a recebera na quinta do Missouri. A sério que só tinham passado oito horas desde então? Parecia que tinha passado mais tempo. No entanto, ainda sentia o calor dos seus lábios sobre os seus.

Deixou cair a mão e olhou para a roupa amachucada que voltara a vestir depois de experimentar a roupa nova.

- Porque é que não vestes um desses vestidos novos e assim poderemos sair para beber alguma coisa e ouvir um pouco de música? É melhor que nos deixemos ver.

Ela pensou um instante. Podia sair para beber qualquer coisa, ou ficar ali na suíte com ele, sozinhos, o resto da noite.

- Uma bebida parece-me bem - disse, talvez com demasiada urgência.

Ele sorriu.

- Vou refrescar-me um pouco enquanto tu terminas de te arranjar. Não demoro.

Ela virou-se para o quarto e deixou-o junto à janela com vista para a praia. Se tivesse em conta os estragos que o sorriso de Daniel lhe estava a causar, tinha de reconhecer que a melhor opção era sair para dar um passeio.

O sol pôs-se quando saíram da suíte, embora a temperatura continuasse a ser muito agradável. B.J. que se sentia como se estivesse a brincar aos disfarces, vestiu o vestido fúchsia. Era demasiado decotado e demasiado curto para o seu gosto e o rosa era talvez um pouco forte. Mas achou que era bastante discreto quando o comparou com alguns dos modelos que viu assim que entraram numa sala ao ar livre. Sentir-se-ia muito mais cómoda de calças de ganga e de t-shirt.

Porque lhe parecera uma coisa quase obrigatória para vestir aquele vestido, também se tinha maquiIhado e para isso tivera de abrir a cesta que Drake lhe enviara para a suíte. Disse para si que não tinha de gostar dele para se aproveitar da sua generosidade, sobretudo porque certamente ele teria outros motivos para fazer aquilo. No entanto, de algum modo, não lhe parecia de todo bem.

Daniel dissera-lhe que estava bonita mas, como habitualmente, não fora capaz de perceber se a sua expressão fora um elogio verdadeiro ou se fora por educação. Enquanto olhava disfarçadamente à sua volta na sala para as mulheres elegantes e belas que ocupavam as mesas iluminadas por velas, não conseguiu evitar pensar que parecia um simples pardal numa gaiola exótica.

Daniel, por outro lado, encaixava muito bem entre o público elegante. Tinha o cabelo preto e brilhante, ainda um pouco húmido depois do duche e usava uma camisa fina branca e umas calças beges que contrastavam sedutoramente com o tom bronzeado da sua pele e acentuavam a sua figura alta e esbelta.

Ela reparou na quantidade de mulheres belas que se viravam para olhar para Daniel ao passar em direcção a uma mesa vazia que estava um pouco afastada. Perguntou-se se seria apenas paranóia o que a fazia pensar que vira surpresa nos seus olhos por um homem como Daniel estar com uma mulher como ela.

- O que se passa? - perguntou Daniel, enquanto lhe puxava a cadeira para que se sentasse.

Incomodava-a que ele percebesse as suas mudanças de humor com tanta facilidade.

- Nada.

Ele aproximou a cadeira tanto da dela que os seus joelhos se tocavam debaixo da pequena mesa redonda.

- Para manter as aparências - disse quando ela olhou para ele.

- Não tenho a certeza de que alguma coisa que possamos fazer consiga convencer alguém de que encaixo num sítio como este - murmurou B.J., enquanto fazia um gesto com a mão para abranger a sala.

O chão era de lajes de pedra e havia palmeiras anãs e enormes vasos de barro com flores tropicais. No tecto havia vários candeeiros coloridos e dúzias de velas acesas.

No meio daquela espécie de pátio circular havia um quinteto que interpretava uma música sensual. Uma pista de dança de madeira rodeava o quiosque de música, tornando-o facilmente acessível de qualquer mesa, e vários casais bronzeados, de cabelos loiros dourados e vestidos de marca, aproveitavam a ocasião para demonstrar as suas habilidades para a dança. O lugar era muito diferente dos bares que a sua família estável de classe média costumava frequentar no Texas.

Daniel franziu o sobrolho.

- Por que motivo ia parecer que não encaixas neste lugar?

Ela encolheu os ombros um tanto coibida.

- Jamais poderia permitir-me estar num complexo como este pelos meus próprios meios.

Isso não te torna inferior em relação a nenhuma das pessoas que aqui está. Não confundas o dinheiro com a classe, Britt... B.J.

Uma bonita loira com uma espécie de páreo, descrição que parecia encaixar com todos os que trabalhavam naquele complexo, parou junto à mesa.

- O que vão desejar?

- Querida?

B.J. olhou para Daniel. Seria bom se pedisse uma cerveja.

- Porque é que não pedes tu o que quiseres para os dois, querido?

Ele esboçou um sorriso, dando-lhe um vislumbre da covinha na sua face esquerda. B.J. recordou o fascínio que sentira por aquela covinha aos catorze anos.

- Então champanhe, já que é a tua bebida favorita... Ele olhou para a empregada e pediu uma marca que B.J. não reconheceu; certamente bastante cara.

- O champanhe é a minha bebida favorita? - murmurou quando a empregada se afastou.

- Pareceu-me o adequado neste momento.

Como estava a ficar nervosa ali sentada tão perto dele, a olhá-lo nos olhos, fez um esforço sobre-humano para desviar o olhar e concentrar a atenção na banda de música. O reflexo das luzes brancas minúsculas sobre as suas cabeças cobria de estrelas a superfície brilhante do piano de cauda e os restantes instrumentos.

Por cima da música suave, estilo blues, B.J. ouviu o som do oceano. A brisa suave pulverizava o cheiro das flores tropicais pelo recinto e o bamboleio suave dos bailarinos era quase hipnótico.

A empregada regressou com o champanhe.

Devo reconhecer que aquele nojento gere, pelo menos, um sítio muito bonito.

Embora tivesse esboçado um leve sorriso, Daniel olhou à volta, como se quisesse avisá-la, sem dizer nada, de que tivesse cuidado ao falar.

É muito bonito murmurou. - À primeira vista. Outro aviso de que o perigo espreitava sob a beleza exótica daquele lugar. B.J. olhou à volta e viu Bernard e outro homem numa mesa perto do palco. Embora os homens não estivessem a olhar para ela, não tinha dúvidas de que os tinham visto entrar e de que os tinham controlado. Tremeu sem conseguir evitar.

Daniel rodeou-lhe os ombros com o braço; sobre a sua pele nua, o tecido da sua camisa pareceu-lhe muito suave.

- Tens frio? -Não.

Certamente não tinha frio. Naquele momento não, de qualquer modo.

- Podemos falar com liberdade, desde que o façamos em voz baixa.

O seu fôlego praticamente lhe roçava a têmpora ao falar, de modo que as possibilidades de que alguém conseguisse ouvi-los eram mínimas, nem sequer da mesa do lado. A mesa que ele escolhera estava, em parte, escondida pelos ramos pendentes de uma planta enorme que havia ao lado e B.J. duvidou de que a sua escolha tivesse sido acidental.

Suspeitava que cada movimento de Daniel fosse deliberado e calculado. Incluindo a carícia leve dos seus lábios ao falar-lhe ao ouvido.

- Devias tentar sorrir para mim de vez em quando e tentar fingir interesse no que te digo.

- E tenho de te olhar nos olhos com adoração? - interrogou num tom demasiado adocicado.

Ele desatou a rir-se e deu-lhe um beijo na face.

- Isso, certamente, seria óptimo.

  1. ter-se-ia afastado se não soubesse que Bernard estava por perto. Tinha medo de que lhe fizesse falta mais talento dramático para fingir que o toque dos lábios de Daniel era uma coisa à qual estava habituada.

- Eu, bom, verei o que posso fazer.

- Relaxa, B.J., não te vou morder... Ainda. B.J. deu-se conta de que tentava chateá-la.

- Sempre tiveste uma veia insuportável.

- Continuas a pensar que fui eu quem te colocou aquela cobra na mochila? - inquiriu ele.

- Tenho quase a certeza de que foste tu. Vi-te a rir quando dei um grito e atirei a mochila para uns arbustos.

Ele sorriu com uma certa nostalgia.

- Foi divertido.

- Reconheces que foste tu.

Como Daniel se limitou a olhar para ela, B.J. começou a duvidar.

- Não foste tu?

Ele abanou a cabeça.

-Então quem...?

Daniel levantou a taça de champanhe.

- Talvez queiras ter uma conversa com o teu primo Jason quando voltares para casa.

Ela semicerrou os olhos, imaginando o seu primo, brilhante e pouco convencional, Jason D'Alessandro.

- As brincadeiras de mau gosto não são o estilo de Jason. Olha, se tu tivesses culpado os meus primos Aaron ou Andrew Walker, talvez tivesse acreditado. Os gémeos estavam sempre a meter-se em confusões quando eram pequenos. Bolas, agora já têm vinte e um anos e estão sempre a tramar alguma.

- Nunca percebi como conseguias lembrar-te de quem era cada membro da tua família. Quantos primos tens?

- O meu pai era filho único, mas a minha mãe tem cinco irmãos. Entre todos eles, e um irmão que morreu anos atrás, têm quinze filhos. Dois dos meus primos mais velhos, Shane e Brynn, já têm filhos também.

- Shane já é pai?

Como Shane era o filho dos pais adoptivos de Daniel, este recordava-se dele suficientemente bem para se surpreender.

- Sim. Ele e Kelly casaram-se alguns anos depois de tu te teres vindo embora do rancho. Têm duas filhas: Annie, que tem oito anos, e Lucy, que tem quatro.

- E continuam a viver no rancho? Ela assentiu.

- Shane aumentou a casa quando Lucy vinha a caminho, mas à parte disso, nada mudou muito desde que tu te vieste embora.

- Como estão...? - interrompeu a pergunta, bebeu outro gole de champanhe, então pousou a taça em cima da mesa. - Apetece-te dançar?

Aparentemente decidira, naquele momento, fechar a porta ao seu passado. Seria porque teria medo que alguém o ouvisse? Ou simplesmente porque não gostava de recordar os velhos tempos?

- Não danço muito bem.

- Não há nenhum problema. Além disso, Bernard e o seu amigo parecem estar à espera que façamos alguma coisa. Não devíamos decepcioná-los.

Ela olhou involuntariamente para a mesa que havia junto ao palco. Bernard olhava para eles naquele mesmo instante e não tentava fingir que estava a fazer outra coisa. Quando viu que ela olhava para ele, assentiu e levantou o copo em jeito de saudação.

Embora não tivesse havido nada de ameaçador naquele gesto, B.J. sentiu um aperto no estômago.

- Na verdade, sinto-me bastante cansada.

- Então vamos voltar para a suíte... depois de uma dança.

Daniel levantou-se e estendeu-lhe a mão esquerda, onde a aliança de ouro reflectiu a luz da vela que havia na mesa.

Como de costume, Daniel não se enganou ao dizer-lhe que não havia problema que não soubesse dançar. Ele apertava-a de tal modo contra o seu corpo e movia-se tão devagar que a única coisa que teve de fazer foi mover-se com ele. Não teve de lhe recordar que estavam a ser observados, mas não teve outra opção senão agarrar-se a ele como se não houvesse mais ninguém em todo o complexo.

Sentiu os seus lábios na sua face e só o instinto a levou a inclinar a cabeça para que ele tivesse melhor acesso. Pensou que naquele momento era melhor agir simplesmente sem pensar. Cada vez que começava a perguntar-se no que estaria Daniel metido ou porque é que ela não se esforçara mais para sair daquela situação, começava a sentir a cabeça às voltas.

Tinha a ideia inquietante de que devia estar mais ansiosa, menos inclinada a cumprir as instruções de Daniel. Ela continuava a tentar convencer-se de que Daniel não estava a fazer nada de ilegal. Talvez fosse um polícia infiltrado ou talvez um investigador privado. Disse para si própria que ele fizera um esforço para a convencer de que não era melhor do que os outros homens com os quais estava ali para fazer negócios. E pressupunha que isso só quereria dizer que a verdade era exactamente o contrário.

Ou por acaso aquele amor de menina continuava a influenciá-la? Talvez por isso fosse incapaz de acreditar no pior lado do rapaz que jamais esquecera; do homem cujo sorriso ainda conseguia fazer com que o seu pulso acelerasse. Já para não mencionar o modo como ela reagia quando estava tão perto do seu corpo esbelto e musculado.

Jamais deixara que as hormonas dominassem o seu bom-senso e aquele não era exactamente o melhor momento para começar.

Naquele momento tinha a face apoiada sobre o seu ombro. Quando soavam os últimos acordes da música, levantou-lhe a cara para que ela olhasse para ele.

Antes que ela conseguisse dizer alguma coisa, ele encostou os seus lábios aos dela.

- Bom - disse ele quando levantou a cabeça uns segundos depois, - agora podemos voltar para a suíte.

B.J. pestanejou, atordoada, e deu-se conta de que havia outros casais que abandonavam a pista. Ninguém parecia prestar-lhes demasiada atenção, mas se alguém o tivesse feito, veriam apenas um casal desejoso de continuar com o beijo onde o tinham deixado. Enquanto Daniel a conduzia para a suíte com um braço a rodear-lhe a cintura, ela soube que aquela fora a impressão que ele quisera dar.

Quando entraram na suíte uns minutos depois, B.J. estava bastante pálida. Daniel fez-lhe um gesto para que não dissesse nada, enquanto ele voltava a passar o aparelho para localizar microfones escondidos. Custava-lhe que ela se tivesse visto envolvida naquela história. Era lógico que estivesse tão cansada, tendo em conta tudo o que suportara naquele dia.

Provavelmente não devia tê-la pressionado para que saísse para beber um copo e dançar, mas tinha a certeza de que a saída fora útil. Certamente reforçara a sua história de que a sua "esposa" estava totalmente apaixonada por ele, tão atenta ao seu cortejo hábil que não tinha interesse em nada do que acontecia à sua volta.

Com a certeza de que não tinha entrado ninguém para lhes pôr algum microfone na suíte, enquanto tinham estado fora, Daniel virou-se para B.J.

Estás exausta. Precisas de dormir um pouco.

Ela assentiu e avançou uns passos para o quarto, então ficou gelada quando viu que ele a seguia.

- Isto... Onde vais dormir? No sofá?

Por acaso acabava de lhe ocorrer que o casamento fingido também incluía partilhar o quarto?

- É uma cama enorme - apontou, enquanto mexia a mão naquela direcção. - Ambos podemos dormir nela sem necessidade de nos incomodarmos durante a noite.

Ela olhou para ele e depois olhou para a cama.

- Não acredito.

Daniel levou a mão à parte de trás do pescoço num gesto impaciente.

- Confia em mim, Brittany. Comigo estás totalmente a salvo. Não podemos arriscar-nos a que alguém suspeite que o nosso casamento não é o que dissemos, portanto partilharemos a cama, mas só para dormir. Pensei em dormir umas horas e depois tenho de trabalhar um pouco no computador antes da minha reunião de amanhã com Drake.

B.J. suspirou e não foi difícil adivinhar que ela interpretara que Daniel não tinha interesse nenhum em aproveitar do facto de ir partilhar a cama com ela. Para ele, ela continuava a ser a menina adolescente por quem não mostrava nenhum interesse em particular.

Aquilo não fora verdade então, nem tão pouco o era no presente. Mas Daniel não viu razão nenhuma para partilhar isso com ela. B.J. sentir-se-ia muito mais confortável em ter de partilhar a cama com ele assim que visse que não tinha de se preocupar com a possibilidade de ele fazer alguma insinuação não desejada.

Pelo menos, ele assumia que seriam não desejadas. Porque caso não fosse assim, isso criar-lhe-ia mais problemas.

Ela levantou o queixo com um leve ar de orgulho que ele conhecia muito bem e passou a mão pelo cabelo curto.

- Podes dormir onde quiseres. Estou tão cansada que nem sequer vou reparar se estás na mesma cama. E amanhã, depois de termos descansado, espero que encontres a maneira de me tirar desta confusão para que possa voltar à minha vida de sempre o mais depressa possível.

Ele assentiu.

- Espero na sala até ires para a cama. Vou tentar não te incomodar quando me deitar ou quando voltar a levantar-me.

Ela assentiu e virou-se para a casa de banho.

- Na verdade - disse B.J. num tom ainda frio, prefiro mesmo que me chames B.J.

- Vou tentar lembrar-me. -Fá-lo.

A porta da casa de banho fechou-se de repente e Daniel tremeu levemente.

 

B.J. não esperava adormecer tão depressa, mas o seu corpo parecia ter outros planos. Vestida com o pijama mais discreto que conseguira encontrar, adormeceu tão profundamente que só acordou quando Daniel se deitou ao seu lado talvez uma hora depois dela. Embora tivesse acordado cedo, um pouco antes das sete da manhã, ele já se tinha levantado e na almofada só se via uma pequena marca como prova de que ele estivera ali.

Era difícil acreditar que acabava de passar uma noite inteira na cama com Daniel Andreas. E que dormira que nem uma pedra. Não sabia se era dos nervos, de esgotamento ou se por causa de ambas as coisas, mas ficara simplesmente inconsciente.

Tomou um duche prolongado na casa de banho enorme e elegantemente decorada. Depois de pôr um pouco de creme hidratante e maquilhar-se discretamente, vestiu um dos conjuntos novos: uma t-shirt sem mangas verde, uns corsários verdes e brancos e umas sandálias verdes. Viu-se ao espelho e pensou com aborrecimento que parecia uma daquelas mamãs que vão com os seus filhos aos jogos de futebol, a caminho de uma reunião da associação de pais. Ela era tão diferente de tudo isso.

O seu olhar reparou no reflexo da aliança que usava no dedo: o anel da mãe de Daniel.

Sentou-se devagar na beira da cama, sem deixar de olhar para o anel. Uma aliança de ouro simples, um pouco riscada; um momento entesourado no tempo.

Uma série de imagens diferentes sobrepuseram-se na sua mente naquele momento. Daniel aos dezasseis anos: moreno, engraçado e magro. Zangado. Com a roupa gasta e o cabelo despenteado, e uma conversa que constava sobretudo de monossílabos e palavrões.

Daniel aos vinte e nove anos: elegante, com um aspecto refinado, culto. As suas emoções bem escondidas atrás de uma máscara social agradavelmente insossa. Às vezes custava-lhe a acreditar que fosse a mesma pessoa.

E, no entanto...

Talvez tivesse mudado exteriormente, mas continuava a ser o rapaz que chorara à frente dela quando lhe contara que encontrara o corpo sem vida da sua mãe. Ele recordar-se-ia desse momento cheio de força com a mesma clareza do que ela? Tinha a certeza disso. Talvez essa fosse a razão pela qual ocasionalmente olhava para ela como se preferisse estar noutro sítio que não ali com ela.

Entrou no quarto tão silenciosamente que nem se deu conta da sua presença até que ele pigarreou.

Quando ele se levantou, foi muito difícil para ela, de repente, olhar para ele nos olhos. Não parava de recordar a sua cara de aborrecimento quando lhe assegurara que não tinha intenção de lhe fazer nenhuma insinuação durante a noite. Fora mais ou menos como se lhe tivesse dito directamente que não o atraía e que qualquer prova do contrário fora meramente uma manobra para os observadores.

Não conseguia evitar pensar nas loiras belas e bem dotadas que havia no complexo. Talvez fossem mais do agrado de Daniel.

  1. disse para si própria num tom firme que não se tratava de ela querer ter alguma coisa com ele. Daniel podia ser um criminoso. Para começar, estar com ele era estar em sarilhos.

- Bom dia.

O orgulho obrigou-a a olhar para ele nos olhos.

- Bom dia.

- Dormiste bem?

- Sim, bastante bem, obrigada.

Ela não teve de lhe perguntar o mesmo. Embora soubesse que ele não dormira mais do que umas poucas horas, tinha um aspecto descansado. Estava bem penteado e elegantemente vestido com uma camisa creme e umas calças castanhas perfeitamente engomadas. E embora ela tivesse acabado de tomar banho e se tivesse vestido e maquilhado mais do que o normal, ao seu lado sentia-se mal vestida.

- Estás muito bonita - disse ele. Ela olhou para a roupa.

- Pareço uma mamã de uma série cómica. Só preciso de um colar de pérolas para completar a imagem.

- Ou isto.

Daniel tirou um estojo rectangular do bolso das calças e deu-lho. Em vez de o aceitar, B.J. olhou para ele com desconfiança.

- O que é isso?

- Não vais saber até o abrires. -Eu não...

Daniel suspirou, enquanto ele próprio abria o estojo, deixando a descoberto uma pulseira de diamantes incrustados num aro plano de ouro.

B.J. não percebia muito de joalharia, pois só usava uns brincos de diamantes muito pequenos, de meio quilate cada um, que os seus pais lhe tinham oferecido quando terminara a faculdade, mas os diamantes daquela pulseira pareciam-lhe de pelo menos três quilates.

- Não estás à espera que use isto, pois não? Daniel tinha tirado a pulseira do estojo.

Claro que sim.

- Porquê?

- Porque Daniel Andreas estava de tão bom humor esta manhã depois de uma noite romântica com a sua esposa que passou pela joalharia do complexo e escolheu uma peça valiosa para ela. Como algumas pessoas já sabem que a comprei, devias usá-la preferivelmente sem essa cara de asco.

- Não é asco. A pulseira é sem dúvida muito bonita. Só que não é...

- Não é o teu estilo, eu sei - pegou-lhe na mão direita e pôs-lhe a pulseira. É necessário que te recorde outra vez que enquanto estiveres aqui, tu não és tu?

Com uma expressão carrancuda fixou a vista na pulseira que ele lhe colocara com tanta facilidade. Não gostava da sensação horripilante de que podia estar a transformar-se noutra pessoa. Sim, há algum tempo que queria fazer algumas mudanças na sua vida, mas aquilo era mais drástico do que tinha em mente.

- Então quais são as minhas instruções para hoje? perguntou com resignação.

Talvez tivesse tentado aborrecê-lo de propósito; talvez porque era incómodo para ela tê-lo tão perto, pondo-lhe aquela pulseira de diamantes no pulso. Devia ter previsto que o seu sarcasmo não o desconcertaria.

- Estás hospedada num complexo de luxo à beira do oceano. Aproveita isso. Deita-te junto à piscina, ou dá um passeio pela praia. Vai fazer compras às lojas.

Passa o dia no salão de beleza. Faz uma massagem, uma limpeza de pele, manicura ou pedicura. Ou... passou-lhe a mão pelo cabelo despenteado - podes ir a um dos cabeleireiros.

Envergonhada, retirou-lhe a mão, pois ultimamente não tivera tempo para ir ao cabeleireiro. Por isso acabara por ser ela a cortá-lo sozinha de vez em quando, só para que não lhe incomodasse nos olhos. Apesar de tudo, não estava assim tão mal.

- Se calhar fico na suíte e vejo televisão.

Na verdade prefiro que saias, nem que seja um pouco. Para que te vejam. Mostra a pulseira, age como se estivesses habituada a que te tratassem assim.

- Pensava que era suposto agir como se estivesse deprimida e tudo isso.

Ele sorriu brevemente.

- Estiveste deprimida, mas estás a responder aos meus cuidados diligentes.

- E enquanto passeio pelo complexo, deleitando-me no resplendor dos teus cuidados, o que vais estar tu a fazer?

- Tenho um negócio para fazer com o nosso anfitrião.

- E não vais dizer-me qual é esse negócio? Ele deu-lhe um beijo na têmpora.

- Nada com que tenhas de te preocupar, minha rainha.

- Quero divorciar-me - disse com aborrecimento. Aquilo fê-lo rir-se e Daniel afastou-se dela.

Dou-te o divórcio assim que me for possível fazê-lo sem contratempos.

- Ainda bem.

- Deves estar cheia de fome. Queres tomar o pequeno-almoço já?

Ela encolheu os ombros.

- Sim, tenho fome. Avançou para a porta.

- Há um bufete no restaurante lá de baixo. Ao passar vi que tinha muito bom aspecto.

Olhou com nostalgia para a mesinha pequena da sala de jantar da suíte, mas suspeitava que Daniel queria sair por alguma razão. Como já tinha reparado, Daniel parecia ter uma razão para tudo o que fazia.

B.J. encheu o seu prato de comida e foi para a sua mesa. Hesitou um instante ao ver que Daniel já estava sentado e que Judson Drake estava com ele. Repentinamente ficou sem muito apetite, enquanto ocupava o seu lugar e punha o prato na mesa cumprimentava Drake com um assentimento.

- Bom dia, senhora Andreas - Drake levantou-se quando ela chegou e sentou-se quando ela o fez.

- Senhor Drake.

- Espero que esteja a gostar da sua estadia aqui.

- É um complexo lindo. Aquilo, pelo menos, era verdade. Ele reparou no seu prato bem cheio.

- Para mim é sempre um prazer ver que uma mulher aprecia os esforços do nosso cozinheiro.

Detestava realmente aquele tipo. Embora se mostrasse extremamente simpático, aquele homem tinha qualquer coisa que lhe dava vontade de lhe dar um murro. E nunca se imaginou a ser uma mulher particularmente violenta.

Meteu na boca um pedaço de brioche para evitar ter de lhe responder.

O movimento da sua mão desviou o olhar de Drake para a pulseira de ouro.

- Muito bonita - disse, tocando-lhe com a ponta dos dedos. - Embora não tanto como a proprietária.

Os seus dedos roçaram-lhe o pulso um pouco mais do que o necessário. Não conseguia suportar o descaramento daquele tipo. Parecia tão convencido de que com o seu encanto poderia atravessar a reserva que ela demonstrara em relação a ele. E a ele não parecia importar-lhe nada que Daniel estivesse ali ao seu lado.

- Obrigada - disse, enquanto retirava a mão e se virava para Daniel com um sorriso deslumbrante e cheia de adoração. - Foi o meu marido que me ofereceu. É um homem tão doce e terno.

- Doce - repetiu Drake, olhando para Daniel com uma expressão curiosa.

Parecia que o homem que ele conhecia como Daniel Andreas fosse tudo menos "doce".

Daniel pegou na mão esquerda de B.J. e levou-a aos lábios.

- Sim, esse sou eu - murmurou junto aos seus nós dos dedos. - Um homem doce.

Olhou para ela nos olhos sem lhe largar a mão e B.J. foi incapaz de desviar o olhar. Tinha uns olhos tão pretos, tão reflexivos, que quase conseguia ver-se reflectida na sua profundidade. Se não soubesse que era impossível, teria achado que Daniel gostava muito do que estava a ver.

- Bom... - num tom um pouco menos afável do que um momento antes, Drake levantou-se. - Vou deixar que continuem com o vosso pequeno-almoço. Daniel, encontramo-nos no meu escritório às dez. E, já agora, de todas as vezes que me tinhas falado da tua linda Brittany anteriormente... Não lhe tinhas feito justiça.

Com o que a B.J. lhe pareceu um sorriso particularmente superficial, assentiu e afastou-se dali.

- É o homem mais nojento que conheci na minha vida - murmurou B.J. num tom furioso.

-É só...

- Espera um momento - pousou o garfo na mesa bruscamente e olhou para Daniel com uma expressão carrancuda. - Ele chamou-me Brittany.

- Sim. Bom, ele não sabe que...

- Disse que lhe tinhas falado sobre mim, sobre Brittany, anteriormente. Ou por acaso percebi mal?

Daniel suspirou com resignação.

- Não percebeste mal. Quando falei com Drake sobre a minha esposa chamei-lhe Brittany. Felizmente, ele parece aceitar que utilizemos a tua alcunha quando estamos juntos.

- Inventaste uma esposa chamada Brittany?

Ele olhou à volta para se certificar de que ninguém os ouvia.

Quando pensei numa mulher texana, o nome de Brittany surgiu no meu pensamento. Presumi que fosse devido a uma velha lembrança, além disso, soa a texana rica.

- É por isso que prefiro usar as minhas iniciais disse ela entredentes. - A minha mãe pôs-me um nome que nunca gostei. Mesmo assim...

Daniel pegou na chávena de café para beber um gole.

- O facto de, por coincidência, ter usado o teu nome não significa nada, é claro. Foi simplesmente mais fácil para nós a longo prazo.

B.J. aceitou a indirecta de que não queria falar mais sobre o assunto e concentrou-se no pequeno-almoço. Talvez não significasse nada que tivesse posto o seu nome à sua esposa imaginária, mas era muito interessante para ela que o tivesse feito.

B.J. saiu naquela manhã, não porque Daniel lhe tivesse pedido mas porque as empregadas estavam desejosas de limpar a suíte e ela não queria incomodá-las. Esteve a ver montras durante um tempo, mas as coisas expostas não lhe interessavam muito.

Finalmente, decidiu dar um longo passeio pela praia. Não fora à praia muitas vezes e era agradável passear pela areia e deixar que a brisa lhe acariciasse a pele, enquanto ouvia o vaivém suave das ondas. Passeou devagar, parando com frequência a observar um ou outro redemoinho, a examinar as bonitas conchas ou a contemplar com deleite as brincadeiras dos golfinhos a uma certa distância da praia.

Quando os golfinhos desapareceram, virou-se e começou a andar novamente, afastando-se um pouco do complexo. Pela frente só havia areia, rochas e relva. Se continuasse a caminhar certamente chegaria a outras praias privadas ou a outro complexo.

Com um pouco de sorte e umas quantas chamadas telefónicas, poderia estar em Dallas nessa mesma noite, de regresso a casa. Fazendo isso, deixaria Daniel ali sozinho para explicar o desaparecimento da sua esposa rica e ingénua. Mas a sua partida faria com que a história de felicidade parecesse de repente o que era, uma mentira, e Drake começaria a questionar tudo o resto que Daniel lhe tivesse dito.

Se o que Daniel lhe dissera fosse verdade, então Drake fá-lo-ia "desaparecer sem deixar rasto". Quer dizer, matá-lo-ia.

Abrandou e parou.

Não sabia o que Daniel estava a fazer, nem se era um polícia ou um criminoso. Não sabia se o que lhe contara era verdade, nem se estavam realmente em perigo.

Tentou convencer-se de que não era um problema seu. Ele era um homem adulto, que saberia cuidar de si sozinho.

Mas e se o matassem se ela fugisse? A incerteza e o sentimento de culpa persegui-la-iam toda a vida.

Olhou para a mão esquerda, para o anel da mãe de Daniel.

- Maldição.

Com um suspiro, virou-se para voltar para o complexo.

Enquanto voltava para trás e fazia torpemente o caminho para o complexo disse para si que era uma estúpida, uma ingénua, uma idiota sem remédio, uma...

- Senhora Andreas.

Bernard saíra sabia Deus de onde e materializara-se à frente dela de um modo tão imprevisível que B.J. apanhou um grande susto.

-Mas de onde...?

- Lamento tê-la assustado - disse num tom suave, com os olhos brilhantes e olhar de desculpa. - Pensei que me tinha visto chegar.

O que era mentira. Ele sabia exactamente o que estava a fazer. Mas B.J. não disse nada e respondeu-lhe com um sorriso nervoso:

- Não, a culpa é minha. Estava a sonhar acordada e nem reparei por onde ia. O meu marido diz que a maior parte das vezes estou na lua. Tenho a mania de me pôr a pensar, de tal modo que às vezes nem sei por onde vou.

Ele reparou na pulseira e sorriu com ar cínico.

- Tenho a certeza de que tem muitas coisas em que pensar. Estava a regressar ao complexo?

- Sim. Acho que vou ler um pouco junto à piscina. É tão bonita com aquelas flores tropicais. É quase como estar numa ilha, não acha?

- Bom, sim, acho que era o que o chefe tinha em mente quando a desenhou.

- Que inteligente da parte dele. Tenho de o elogiar quando voltar a vê-lo passou ao seu lado e então virou a cabeça com uma expressão interrogante. - Desculpe, estava à minha procura por alguma razão?

- Oh, bom, não, eu... Na verdade não estava à sua procura. Só estava a dar um passeio pela praia.

O sorriso que fez foi deliberadamente vago.

Ela caminhou então muito mais depressa do que à ida, já que a praia depressa deixara de lhe chamar tanto a atenção.

Bernard seguira-a. Se tivesse tentado, ter-lhe-ia permitido pôr em prática o seu plano de sair dali?

Algo lhe dizia que a resposta era negativa.

 

Daniel encontrou B.J. na suíte horas depois, quase à hora do jantar. Estava enroscada numa cadeira a ler um livro que devia ter comprado na loja do andar de baixo, mas não parecia ter lido muito.

Depois de fazer a passagem habitual com o dispositivo electrónico perguntou-lhe se tinha saído.

- Fui dar um passeio esta tarde - respondeu, enquanto pousava o livro. - Mas não gostei muito porque havia algumas presenças muito desagradáveis.

Presenças? - repetiu ele, confuso por um momento.

- Uma em particular chamada Bernard. Daniel franziu o sobrolho.

- Seguiu-te? -Sim.

- Para onde?

- Comecei a passear pela praia e afastei-me bastante, na verdade.

Até onde teria querido ir?, pensava Daniel.

- E ele impediu-te? B.J. abanou a cabeça.

- Eu já tinha dado a volta para regressar quando me apareceu à frente.

E o que te disse? - perguntou um pouco mais aliviado.

B.J. contou-lhe o que falara com Bernard.

- E depois disso não me apeteceu voltar a sair.

- Bernard não te fará nada desde que não suspeite de nada.

Ela não parecia demasiado contente com a explicação.

- Detesto que me vigiem. Sobretudo sem eu saber.

- Certamente sentiu curiosidade em saber para onde ias.

Ela olhou para ele zangada.

Não tinha nada a ver com isso.

Daniel deixou-se cair na cadeira e observou a sua expressão.

- Então já tinhas virado para regressar? Antes de saberes que Bernard estava a vigiar-te?

Ela olhou para as mãos. -Sim.

- Sentiste a tentação de continuar a caminhar?

O seu comentário levou-a a olhar para ele na cara.

- Muito.

O que te fez mudar de opinião?

Ao ver a sua expressão carrancuda, Daniel compreendeu que não ia responder àquela pergunta directamente. Em vez disso, BJ. fez-lhe uma pergunta a ele.

- Bernard ter-me-ia impedido se eu tivesse continuado a andar?

- Sim - respondeu Daniel.

- Então suponho que fiz bem em dar a volta, não? As minhas razões não importam.

A certeza de que ela tinha voltado pelo seu bem despertou em Daniel sentimentos que naquele momento não queria analisar. Não lhe ocorrera avisá-la de que não saísse do complexo, enquanto ele estava em reunião com Drake; pensara que lhe deixara bem claro que não a permitia ir-se embora. O facto de que não o tivesse recordado novamente e de que o seu descuido pudesse ter concluído num mal para ela, e certamente também para ele, provocou-lhe um grande nervosismo.

- Prometi que cuidaria de ti - recordou Daniel. Mas tu também tens de tomar cuidado.

Ela levantou o queixo.

- E tive. E sou totalmente capaz de cuidar de mim sozinha.

- Eu sei - Daniel pegou-lhe na mão. - Simplesmente não tens experiência com homens como estes. BJ. não consegues imaginar o quanto são perigosos.

Imaginei com clareza o que te poderia acontecer se eu desaparecesse.

Ele apertou-lhe os dedos um instante.

- Eu também sei cuidar de mim sozinho - acrescentou com brusquidão. - Mas obrigado por te preocupares comigo.

- Não tenho a certeza de conseguir preocupar-me com um homem que me meteu numa confusão como esta. Mas talvez ainda me preocupe, um pouco, com o rapaz que conhecia.

Às vezes a sua franqueza apanhava-o desprevenido e penetrava as barreiras firmes que construíra para proteger as suas emoções. Era uma habilidade que ela demonstrara ter há treze anos, quando os dois eram adolescentes e parecia que ainda possuía esse talento.

- Esse rapaz já não existe - replicou ele.

Ela olhou para ele com tanta intensidade que ele esteve prestes a encolher-se visivelmente.

- E o que lhe aconteceu? - questionou ela.

Um sem-fim de imagens dos últimos doze anos passaram-lhe pela mente, sendo que apenas algumas eram agradáveis.

A vida continuou.

- Daniel, diz-me o que andaste a fazer desde que saíste do rancho.

- Sobreviver - deu-lhe outro aperto suave nas mãos antes de a soltar e se pôr de pé. - Devíamos preparar-nos para ir jantar. Espero-te aqui, enquanto mudas de roupa.

- Temos de sair? Não podemos jantar aqui? Embora tivesse gostado de ceder perante a súplica que viu no seu olhar, Daniel negou, com tristeza, com a cabeça.

- Receio que tenhamos um jantar esta noite. Ela fez uma careta de asco.

- Por favor, diz que não temos de jantar com aquele tipo asqueroso.

- Receio que sim. Lamento muito. Farei o possível para que nos retiremos cedo.

B.J. levantou-se com uma expressão chateada.

- Diz que me dói a cabeça e que não posso jantar convosco esta noite.

- Preciso de ti para que faças isto comigo, B.J. Por um momento, Daniel pensou que ela ia negar-se

e, se o fizesse, não podia fazer muito para a obrigar a acompanhá-lo. Mas então, ela passou a mão pela cabeça, suspirando.

- Maldição.

Daniel disfarçou um sorriso ao ver a sua expressão contrariada.

- Isso é um sim?

Ela olhou para ele com uma expressão desafiante.

- Cada vez estás mais em dívida comigo e, estou a avisar-te, penso cobrá-la.

- Não tenho a menor dúvida de que o farás.

  1. vestiu o vestido preto para o jantar. Era um modelo sem mangas, com um decote discreto em bico, que contornava suavemente as suas curvas esbeltas. Assentava-lhe bem, mas era a cor o que parecia complementar o seu estado de espirito naquela noite: sentia náuseas só de pensar que tinha de jantar com aquele nojento do Drake.

O casaco antracite de Daniel era apenas um tom mais claro do que o seu vestido, mas a sua camisa branca e as suas calças cinzentas-claras davam um toque de cor ao conjunto. Enquanto o observava a pentear-se, decidiu que talvez a noite não fosse tão horrível se pelo menos pudesse deleitar-se um pouco olhando para Daniel.

- Quando eras mais novo eras engraçado - disse ela, enquanto inclinava a cabeça. - Mas agora és ainda mais bonito. Suponho que esse pormenor é importante para um bandido.

B.J. achou graça quando ele deixou cair o pente.

- Dizes umas coisas muito desagradáveis.

Ela encolheu os ombros, bastante agradada consigo própria por o ter incomodado.

- Só digo a verdade.

Ele virou-se para ela e cruzou os braços.

- A verdade é que tu eras uma menina magricela com aparelho nos dentes na última vez que te vi.

Foi a sua vez de se sentir incomodada.

- Nunca achei que fosse uma beleza - disse ela com brusquidão.

- Nem eu pensei que te transformarias numa - então Daniel sorriu e agarrou-lhe a cara com as duas mãos. - Mas a verdade é que assim foi.

Ela sentiu um arrepio que a percorreu.

- Pára de dizer essas coisas. Ambos sabemos que eu não sou...

- Não. Tu és a única que duvida da tua aparência dizia aquilo, enquanto lhe acariciava a face com o polegar, muito perto dos lábios. - Quanto a mim, passei as últimas quarenta e oito horas a tentar não pensar no quanto és desejável. E fracassei totalmente, devo dizer-te.

O coração de B.J. começou a bater muito depressa de tal modo que mal conseguia falar. Ele estava apenas a retribuir por o ter feito passar vergonha e, certamente, estava a fazê-lo muito bem.

- Agora estás a mostrar-te do mais inoportuno outra vez.

- Na verdade, e por muito lamentável que te pareça, só estou a ser sincero beijou-lhe a ponta do nariz antes de a largar e afastar-se dela. - E agora temos de ir. Quanto mais depressa formos, mais depressa voltaremos para a suíte.

E quando regressassem, pensava B.J. enquanto se virava rapidamente para a porta, ia fechar-se no quarto e Daniel que se arranjasse como quisesse.

Drake já estava à espera deles num dos restaurantes mais formais do complexo.

Não estava sozinho. Levantou-se para receber os seus convidados e então virou-se para a sua acompanhante, uma loira escultural com uma cara perfeita e um corpo deslumbrante.

- Daniel e Brittany Andreas, permitam-me apresentar-vos Ingrid Jorgensen.

Sem olhar para Drake, B.J. sorriu educadamente à outra mulher, que parecia bastante aborrecida.

- Por favor, chama-me BJ.

A mulher franziu levemente a testa. -B.J.?

- São as minhas iniciais. Fica-me melhor do que o meu nome.

Ingrid pareceu perder interesse a meio da breve explicação. Ou talvez tivesse tanto botox no rosto que não conseguia expressar nenhuma emoção, pensou BJ.

Drake, que estava sentado de um lado da pequena mesa redonda, com Ingrid à sua esquerda, BJ. à sua direita e Daniel em frente, virou-se então para B.J. com um dos seus sorrisos encantadores.

- Espero que tenhas passado um bom dia.

- Magnífico - respondeu ela, notando que a tratava por tu. - Dei um longo passeio pela praia - como ele provavelmente já sabia, já que mandara o seu cão de guarda segui-la. - E depois passei algumas horas relaxada a ler um livro.

- Tomei a liberdade de pedir o jantar antes - disse Drake quando vários empregados chegaram com várias travessas de aperitivos. - Acho que o meu cozinheiro fez uma coisa para cada gosto.

- Tenho a certeza de que vamos gostar do jantar comentou Daniel. - Não somos esquisitos com a comida, pois não, tesouro?

B.j. sorriu-lhe com uma expressão melosa.

- Com excepção dessa tua terrível intolerância à lactose - virou-se para Ingrid. - O pobre fica muito mal quando prova algum produto lácteo. Acontecia o mesmo ao meu avô - acrescentou com um suspiro.

Ingrid fez uma expressão de horror devido ao excesso de informação. Daniel ia tirar um pedaço de queijo de uma travessa e teve de se contentar em tirar um cogumelo no seu lugar. Com o olhar, prometeu vingança a B.J.

-Ah, e a minha esposa tem uma alergia horrível ao chocolate. À excepção disso, comemos tudo.

Oh, que golpe tão baixo. Sobretudo quando Drake lhe deu umas palmadas na mão, dizendo-lhe:

- Fico contente por saber. Pedi o vulcão de chocolate, especialidade do chef, para sobremesa. Vou pedir que te tragam outra coisa, B.J. Uma salada de frutas, talvez?

  1. evitou suspirar, pensando no delicioso bolo de chocolate que podia ter salvado, de algum modo, a noite.

Óptimo.

Prometeu a si própria que faria Daniel pagar por aquilo, embora tivesse sido ela a começar.

- Fala-nos um pouco de ti, B.J. - pediu Drake, enquanto iniciavam o segundo prato. - Daniel e eu não parámos de falar toda a noite.

B.J. e Ingrid tinham comido em silêncio e nenhuma das duas prestara demasiada atenção à conversa dos homens sobre os acontecimentos mundiais. B.J. costumava participar activamente nas conversas durante as refeições, mas não tinha nenhum interesse em particular em nada do que Drake tivesse para dizer.

- Receio que não tenha nada de interessante para vos contar sobre mim. Talvez Ingrid queira contar-nos alguma coisa.

- Bom - disse Ingrid, enquanto levantava a vista do prato, animada pela primeira vez em toda a noite. - A verdade é que sou cantora. Bom, agora trabalho com sucesso como modelo, mas espero...

- O teu marido disse-me que participas activamente em várias organizações de beneficência - disse Drake a B.J., como se Ingrid não tivesse estado a falar. - Suponho que farás parte do conselho de várias fundações no Texas.

E isso seria uma coisa que ele poderia comprovar facilmente através da Internet.

- Sempre gostei de me manter no anonimato. Prefiro fazer as doações sem ninguém saber.

Ao ver que Daniel olhava para ela com uma expressão de aprovação, virou-se para a séria Ingrid.

- Eu gostaria de saber mais sobre a tua carreira de modelo e de cantora. Parece muito atraente, comparando com a minha vida. Que tipo de música interpretas?

Ingrid olhou para Drake com um ar desafiante.

- Eu adoro música country. Como Faith Hill, ou Shania Twain.

Uma cantora country chamada Ingrid Jorgensen seria certamente uma novidade, pensava B.J. com um sorriso disfarçado.

- Eu adoraria ouvir-te cantar. Vais actuar aqui, no complexo?

O olhar que Ingrid dirigiu a Drake foi de ressentimento evidente. -Não.

- Com tanto local disponível? - B.J. olhou para Drake com uma surpresa exagerada. - Surpreende-me.

Drake parecia verdadeiramente aborrecido, apesar do seu sorriso forçado.

- Receio que não tenha muitos clientes aqui que sejam fãs de música country.

- Eu não teria tanta certeza. O country é um estilo de música que agrada a muita gente, garanto.

- Foi isso que lhe disse - disse Ingrid com emoção.

- Só porque não gosta de country não significa que mais ninguém goste.

- Tens de compreender que a senhora Andreas é do Texas, Ingrid. Os gostos musicais daqui são um pouco... diferentes.

- Mas apreciar uma mulher bonita e cheia de talento é uma coisa universal - acrescentou Daniel com suavidade, enquanto sorria a Ingrid. Eu, que também sou texano, também gostaria muito de te ouvir cantar.

A recriminação foi subtil mas evidente. Daniel acabava de deixar claro que não toleraria que ninguém insultasse, nem sequer subtilmente, a sua esposa.

Fosse qual fosse a relação ou a estrutura de poder entre Daniel e Drake, este último assentiu.

- É claro. Ingrid, talvez possas preparar um número com o grupo na Sala Oceano para amanhã à noite.

- Eu adoraria - replicou Ingrid.

Sem deixar de sorrir com os dentes cerrados, Drake pegou no seu copo de vinho e olhou demoradamente para B.J. por cima do rebordo.

- Acho que arranjaste uma amiga para a vida - comentou Daniel mais tarde. - Ingrid esteve prestes a beijar-te a mão quando viemos embora.

B.J. engoliu em seco ao lembrar-se do olhar que Drake lhe fizera quando lhe dera as boas noites.

- Acho que também ganhei um inimigo. É evidente que o nojento do Drake não gosta quando uma mulher o enfrenta. Já estava bastante aborrecido porque não caía aos seus pés cada vez que me sorria daquela maneira enjoativa.

Havia uma enorme lua cheia que iluminava o caminho pela praia de volta à suíte. Mas apesar da claridade, B.J. não conseguia ler a expressão nos olhos de Daniel.

- Não te preocupes com Drake. Há boas hipóteses de que amanhã a esta hora já não estejamos aqui, e não terás de voltar a vê-lo.

Perguntou-se se voltaria a ver Daniel depois de sair dali.

- Vamos embora amanhã?

- Disse que existem boas hipóteses. Depende de algumas coisas.

Que tipo de coisas?

Na verdade não esperava que lhe respondesse, e não o fez. Em vez disso despiu o casaco e colocou-lho pelos ombros.

- Melhor?

Ela não se dera conta de que estava fresco até sentir o calor do casaco sobre os seus ombros. O tecido suave cheirava ao Daniel, pensou, enquanto fechava um pouco mais o casaco para se proteger da brisa marinha fresca. O cheiro era subtil e um pouco misterioso.

- Obrigada.

A lua estava por trás de Daniel, iluminando, com o seu resplendor, a sua camisa branca mas ao mesmo tempo escurecendo-lhe o rosto ainda mais.

- De nada.

O passeio fora ideia de Daniel. B.J. supôs que ele quereria fingir aquele hábito aos olhos dos que os vigiavam, fingindo que para ela os passeios pela praia eram uma coisa habitual; ou talvez a sua intenção fosse minimizar a importância do passeio que ela fizera naquela manhã.

Duvidava de que ele estivesse a adiar o regresso à suíte. Daniel não parecia preocupado por ter de passar outra noite no mesmo quarto com ela.

Na verdade, era ela que ficava nervosa por ter de lutar contra uma atracção não desejada e contra alguns impulsos que podiam conduzi-la a uma série de problemas se se deixasse levar. Aquilo era uma paixão que começara de um modo bastante inocente anos atrás e que no presente se complicara devido a um desejo plenamente adulto.

Apesar de a ter seduzido essa tarde na suíte, B.J. não acreditava que Daniel se preocupasse em perder o controlo dos seus impulsos com ela se passassem muito tempo a sós, a começar pelo facto de Daniel nunca perder o controlo.

Não eram o único casal que passeava naquela noite balsâmica, mas ninguém parecia prestar-lhes atenção. No entanto, B.J. tinha a sensação estranha de que estavam a ser vigiados. O facto de não conseguir ver quem o fazia provocava-lhe ainda mais inquietação.

Daniel rodeou-lhe os ombros com o braço e apertou-a suavemente contra o seu corpo, de modo que pudessem caminhar comodamente e falar em voz muito baixa. Sabia que não devia interpretar o gesto como algo diferente do que era; ela não era a única a ter consciência de que estavam a ser observados.

- Ainda não me disseste porque foste ao Missouri à minha procura.

- Claro que já.

- Não. Se mo tivesses dito, lembrar-me-ia.

Ela pensou nos dois dias que passara com Daniel e deu-se conta de que ele tinha razão. Não lhe dissera a razão pela qual o tinha localizado.

- Acho que estive um pouco distraída.

- É compreensível. E então?

- Procurei-te para te convidar para uma festa.

Era evidente que não fora aquilo que esperara ouvir.

-Para uma festa?

- Uma festa surpresa para celebrar o vigésimo quinto aniversário do tio Jared e da tia Cassie. Foi ideia da filha deles, Molly. Está a tentar reunir a maior parte das pessoas que os seus pais acolheram no rancho durante os últimos vinte e cinco anos. Localizou a maioria, mas tu e mais meia dúzia desapareceram do mapa quando se foram embora.

- Francamente, surpreende-me que me tenhas encontrado.

- Não foi fácil, sobretudo porque mudaste o apelido. Mas lembrei-me de que uma vez me tinhas dito que quando te fosses embora do rancho talvez começasses a usar o apelido de solteira da tua mãe - concluiu num tom ligeiramente interrogativo.

Ele encolheu os ombros.

- Inventei uma identidade falsa para Drake, usando o apelido da minha mãe. Pensei que não seria um problema, já que nunca usei esse nome, caso ele investigasse.

- Também usaste o meu nome - recordou ela.

- Sim. Como disse, foi uma coincidência estranha. -Hum.

- Portanto... isto tudo por causa de uma festa.

- Uma grande festa - acrescentou. - Haverá muita gente.

- E isso só contando com a tua família. O comentário fez B.J. rir-se

- Bom, sim. Mas também haverá outras pessoas. O tio Jared e a tia Cassie fizeram parte das vidas de muitas pessoas nestes últimos vinte e cinco anos.

- Tenho a certeza disso.

B.J. olhou para as ondas coroadas de espuma branca à luz da lua.

- Eu, bom, pensava que também te tinham mudado a vida a ti. Pelo menos foi o que me disseste no dia em que partiste.

Isso foi há muito tempo - disse ele passado um bocado.

- Lembras-te do que me disseste nesse dia? Disseste-me que ias fazer alguma coisa com a tua vida e que depois regressarias para agradecer aos Walker pelo que tinham feito por ti.

Como acabo de te dizer, isso foi há muito tempo. Era um adolescente. Mal me lembro daqueles dias e surpreender-me-ia que se lembrassem de mim.

Pois claro que se lembram de ti, Daniel. Fizeste parte das suas vidas durante um ano inteiro. Ainda têm a tua fotografia juntamente com a de outros rapazes que acolheram e falam de ti com frequência quando recordam os velhos tempos.

Ele permaneceu em silêncio.

- Adorariam voltar a ver-te - acrescentou ela.

- Achas mesmo que se orgulhariam se soubessem que me transformei num bandido? - perguntou ele sem levantar a cabeça.

- É isso que és?

- Foi o que tu me chamaste esta tarde.

- E estava certa?

- Oh, sim. Estavas certa.

Ela mordeu o lábio inferior, a tentar interpretar o seu tom de voz e não as suas palavras.

- Não queres dizer-me pelo menos porque é que estás aqui?

- Já te disse. Estou aqui pelo dinheiro.

No seu tom de voz havia certeza. Tanto quanto ela sabia, ainda não lhe tinha mentido. Quando lhe fazia alguma pergunta a que ele não queria responder, Daniel simplesmente ignorava-a. Portanto quando dizia que estava ali pelo dinheiro, ela pressupunha que devia acreditar nele.

- Isso é verdade? - questionou ela de qualquer modo.

- Se estás a tentar encontrar justificação para as minhas acções, esquece. Já te disse: não sou o rapaz que costumava ser.

O seu tom um pouco áspero contrastava com o seu modo de a agarrar. Aos olhos de qualquer pessoa, podiam ter estado a dizer entre si palavras doces ao ouvido.

B.J. olhou para Daniel com uma expressão nostálgica que esperava que ele não reparasse. Talvez tivesse mudado, mas enganava-se se pensava que ela não conseguia encontrar uma justificação, ou pelo menos uma explicação, para o homem em quem se transformara. Para ela fazia sentido, em parte, que após uma infância de privações e infelicidade, ele perseguisse o poder e a riqueza.

Sempre odiara que a pobreza pela qual passara tivesse conduzido à morte da sua mãe. Era lógico que no presente sentisse a necessidade de não voltar a estar à mercê de ninguém.

No entanto, ela tinha esperado que ele procurasse a sua fortuna por uma via legítima. Através de estudos, de uma carreira profissional. Teriam sido as suas opções assim tão limitadas depois de ter saído do rancho? Ou por acaso fora ele quem as entendera assim?

- Jared e Cassie não se vão importar com o que fizeste desde que partiste. Adorariam ver-te.

Daniel respondeu com uma certa nostalgia na voz.

- Há anos que fechei as portas do meu passado. Preferiria não voltar a abri-las.

E, no entanto, quando tinha necessitado de um nome para uma esposa fictícia, escolhera um que pertencia ao seu passado. Talvez essa porta não estivesse tão fechada como ele queria acreditar.

Embora tivessem caminhado devagar, afastaram-se um pouco dos edifícios de pouca altura que compunham o complexo. A música da sala ao ar livre já mal se ouvia de onde estavam. Daniel parou uns momentos a observar o oceano prateado sob a luz da lua.

- Isto é tudo muito bonito, não é?

B.J. assentiu, enquanto retirava uma madeixa de cabelo da cara.

- Muito diferente de Dallas.

Ele virou-se para ela, rodeou-lhe o pescoço com os braços e agarrou nas suas mãos com suavidade à altura da sua cabeça.

- Eu gostaria muito que me contasses exactamente como me encontraste, mas talvez devêssemos concentrar-nos novamente nos nossos respectivos papéis durante um tempo. Seria muito estranho que um marido que deseja mimar a sua mulher não parasse para a beijar durante um passeio romântico pela praia.

Ela pigarreou.

- Talvez a esposa seja das que preferem ser beijadas num local menos público.

Ele tocou-lhe na face com os lábios.

- Talvez esteja tão embevecida pelo seu marido que nem sequer repara se há pessoas à volta.

Por muito idiota que soasse, B.J. não duvidou que seria possível. Ali tão perto de Daniel, a olharem-se nos olhos, custava-lhe acreditar que não fossem as duas únicas pessoas no planeta.

- Estás muito seguro de ti próprio, não estás? conseguiu dizer, retirando importância ao assunto.

Ele desatou a rir-se e o seu fôlego fez-lhe cócegas na têmpora.

- Só estou a interpretar um papel, querida.

Ela disse para si que ele não tinha de lho recordar o tempo todo. Era pouco provável que fosse interpretar as suas intenções a sério.

Se havia uma coisa que não precisava de todo era apaixonar-se por um homem que reconhecera, mais ou menos, que era um bandido.

Daniel beijou-a na face e depois na comissura dos lábios. Imediatamente pousou os seus lábios sobre os dela com suavidade.

Estavam simplesmente a interpretar um papel, recordava-se B.J. para si, enquanto lhe deslizava os braços pela cintura. Estava a representar, pensava, enquanto inclinava a cabeça e entreabria os lábios para cooperar no beijo. No entanto, quando ele a apertou um pouco mais entre os seus braços e o seu beijo se tornou mais apaixonado, ela esqueceu-se de que estava a representar para outra pessoa que não ele.

Independentemente da sua motivação, não havia dúvida de que Daniel Andreas beijava muito bem.

O abraço inicial durou muito tempo, tal como o beijo que se seguiu. Naquele momento, estava colada a ele e era impossível não reparar que pelo menos ele estava um pouco excitado.

E isso só demonstrava que era um homem, dizia ela para si, enquanto afastava a cabeça para terminar o beijo. Ninguém conseguia evitar responder a beijos como aquele. Ela própria estava prestes a derreter-se.

- Acho que é altura de voltar - disse Daniel, de repente, com voz rouca.

Deu-lhe a mão quando ela teria preferido afastar-se dele. Enquanto dizia para si que a actuação ainda não tinha terminado, abrandou e tentou aparentar que estava completamente dedicada a ele de regresso à suíte.

O problema era que era demasiado fácil para ela fazê-lo. E ela estava cada vez mais preocupada porque, pelo menos da sua parte, não estava de todo a fingir.

 

Às três da manhã, Daniel estava deitado às escuras na sala da suíte. Sozinho. B.J. deitara-se assim que tinham voltado do passeio, mas dissera-lhe que primeiro tinha de trabalhar um pouco.

No entanto, depois de acabar, não fora capaz de ir para o quarto.

Em vez disso deitara-se no sofá desconfortável e ficara a olhar para o tecto.

Depois daqueles beijos na praia, beijos que tinham começado para alguém que pudesse estar a observá-los, mas que, em seguida, tinham dado lugar a algo mais, não confiava em si próprio quanto a meter-se na cama com B.J.

Dissera-lhe a ela que provavelmente ir-se-iam embora no dia seguinte. Na verdade, só havia cinquenta por cento de possibilidades de que pudesse terminar o negócio com tanta rapidez. No entanto, ia fazer tudo o que estivesse na sua mão para que aquilo terminasse o mais rápido possível.

Drake e os seus homens eram perigosos, mas começava a sentir que Brittany Jeanne Samples era a verdadeira ameaça à vida que criara.

Demasiado inquieta para esperar Daniel na suíte, B.J. vestiu um biquini preto e um páreo às cores sobre fundo preto e decidiu que já era altura de ir experimentar a piscina.

Não via Daniel desde a noite anterior. Mas quando acordara encontrara um bilhete seu em cima da almofada, que Daniel parecia não ter usado naquela noite.

Querida, estarei em reunião a manhã toda. Espero que te entretenhas até que vá ter contigo.

Suspeitava que tanto a malícia como o querer continuar a representar um papel fora o que o levara a acrescentar:

Vou guardar a lembrança de ontem à noite no meu pensamento até voltar a ter-te nos meus braços. O teu Daniel.

Por favor! Por acaso Daniel teria uma ideia tão bonita do casamento, ou só estaria a gozar?

De um modo ou outro, guardou o bilhete na mala de lona em vez de o deitar fora e não queria passar muito tempo a examinar os motivos que a tinham levado a fazê-lo.

Ao guardar o bilhete deu-se conta de que lhe faltavam tanto o telemóvel como a carteira. Desde que tinha chegado ao complexo não tinha precisado deles, de modo que não fazia ideia de quando teriam desaparecido.

Podia pensar que outra pessoa lhe tinha revistado a mala e levara as coisas que faltavam, porém não tinha dúvidas de que Daniel era o ladrão. Insistira tanto em que ela colaborasse com ele naquela charada que não descuidaria nada que pudesse sugerir que era tudo uma farsa.

Sabendo que perderia tempo se voltasse para a suíte para procurar as suas coisas, B.J. dirigiu-se para a piscina.

Mesmo sabendo que fora desenhada pelo próprio Drake, não conseguiu deixar de admirar a beleza da piscina, rodeada de plantas tropicais, com aquelas cataratas de aspecto tão natural e aquelas linhas tão belas.

Escolheu uma espreguiçadeira debaixo de um chapéu e pediu um sumo de laranja a um empregado que pareceu surgir do nada e então deitou-se e abriu o livro que comprara no dia anterior. Quinze minutos depois, voltou a fechá-lo. Estava demasiado inquieta para ler e o seu corpo desejava... qualquer coisa, qualquer coisa que lhe pareceu mais certo definir como um pouco de exercício.

Entrou na piscina, que estava vazia àquela hora da manhã. A água quente e agradável rodeou-a como o abraço de um amante. Para não pensar naquelas coisas, nadou durante um momento até que não conseguiu continuar. Embora estivesse cansada fisicamente, nada parecia ter mudado. Quando saiu da piscina continuava a pensar em Daniel.

Enxugou a cabeça e a cara com a toalha que deixara junto à piscina e ao virar-se para a espreguiçadeira, parou de repente.

Havia um homem sentado na cadeira ao lado da espreguiçadeira. Era jovem, mais ou menos da sua idade, com o cabelo loiro, uns olhos azuis de expressão amigável e um sorriso agradável. Tinha a pele do nariz a cair devido ao sol e tinha as faces muito vermelhas.

Apesar do seu aspecto inocente, B.J. perguntou-se se seria outro empregado de Drake.

- Bom dia - disse ela calmamente, enquanto se dispunha a atar o páreo.

- Vejo que já esteve a fazer exercício.

- Sim, um pouco.

- Eu acabo de vir de correr um pouco pela praia apontou. - Eu gosto de me levantar cedo. Mas a minha esposa, bom, quando está de férias gosta de começar o dia a partir do meio-dia. Dormir é um luxo para ela.

Pela sua maneira de falar, deu-lhe a impressão de que era recém-casado.

- Estão em lua-de-mel? Sim. Nota-se muito? Ela encolheu os ombros.

- Deu-me essa impressão.

Ele desatou a rir-se com timidez.

- A minha esposa, Natalie, diz que sou demasiado falador. Se preferir que me vá embora...

- Não. Eu também saí um momento para matar tempo, enquanto o meu marido está numa reunião.

- Também estão em lua-de-mel?

- Não, estamos casados há alguns anos - disse automaticamente, recordando o que Daniel lhe dissera. Estamos a combinar as férias com uma viagem de negócios.

- É um sítio maravilhoso, não acha? Natalie e eu poupámos durante um ano para passar uns dias aqui.

- Sim, é um complexo paradisíaco.

- Já agora, meu nome é Kurt. Kurt McGuire. Somos de Tulsa.

- Eu sou BJ. Sam... Andreas. De Dallas.

- Ah, sim? Dois estados vizinhos.

Embora a distância entre Dallas e Tulsa fosse grande, B.J. assentiu.

- É verdade.

- Sou procurador; bom, acabo de passar nos exames, mas já tenho emprego no escritório do meu tio. A minha esposa é estudante de Medicina no terceiro ano. O que é que você e o seu marido fazem?

De repente ocorreu-lhe que Daniel não lhe dissera qual era suposto ser a sua "profissão".

- O meu marido dedica-se aos investimentos disse. - Eu mantenho-me ocupada com obras de caridade - acrescentou, como Daniel lhe pedira.

- Têm filhos?

De repente recordou que aquele era o momento para aparentar tristeza.

- Não, até agora não tivemos sorte nesse aspecto. Talvez fosse melhor actriz do que pensara. Kurt deu-lhe umas palmadas amigáveis no joelho. O gesto foi mais fraternal do que descarado.

- Tenho a certeza de que tudo se vai resolver em breve.

Naquele momento ouviu-se pigarrear atrás deles. Tanto B.J. como Kurt viraram a cabeça e viram que Daniel se aproximava deles com uma expressão carrancuda.

Kurt retirou a mão do joelho rapidamente.

- Dá-me a impressão de que é o seu marido.

- Sim, é Daniel - B.J. sorriu. - Daniel, este é o meu novo amigo, Kurt McGuire. Kurt, o meu marido, Daniel Andreas.

Daniel olhou para o outro homem com dureza até pousar o olhar na mão que tinha posto no joelho de B.J.

Kurt pigarreou e levantou-se.

- Prazer em conhecê-lo, Daniel. Eu estava, bom...

- A dar umas palmadas na perna da minha esposa?

- perguntou Daniel num tom suave quando o outro hesitou.

- Daniel - B.J. lançou-lhe um olhar de advertência.

- Bom, tenho a certeza de que a minha esposa já deve ter acordado e deve estar pronta para tomar o pequeno-almoço - Kurt sorriu a B.J. com um ar tímido e afastou-se.

B.J. pôs as mãos à cintura e olhou para Daniel com ar aborrecido.

- Foste mal-educado.

- Aquele tipo tem de aprender a controlar as mãos.

- E achas que tinhas de ser tu a dizer-lhe.

Se vir que volta a pôr-te a mão na perna, vais ver a lição que lhe vou dar.

Ela emitiu um gemido de incredulidade.

- Permite-me recordar-te que não somos realmente...

- Sei que só estavas a ter uma conversa amigável com aquele homem - interrompeu Daniel rapidamente. - É nele em quem não confio, não em ti.

- É um tipo agradável e simpático que está em lua-de-mel e que estava à espera que a esposa acordasse. E tu foste muito desagradável para ele.

Ela virou-se para pegar no livro e na toalha, com a intenção de voltar para a suíte. Mas Daniel agarrou-a por um braço e obrigou-a a virar-se.

- Certamente terás razão. Não devia culpar aquele tipo por se sentir atraído por ti. Bonita como estás esta manhã, não terá conseguido resistir.

  1. revirou os olhos.

- Sim, bom, embora te surpreenda, tenho a certeza de que foi mais o aborrecimento do que o meu corpo de deusa que o incentivou a meter conversa comigo de um modo tão amigável. E tu... já terminaste as tuas reuniões de hoje?

Ele hesitou um momento, como se tivesse preferido continuar a discutir sobre Kurt, mas então abanou a cabeça.

- Não, tenho de regressar. Só queria dizer-te que Drake está desejoso que usufruas do spa ou dos salões de beleza. Não posso almoçar contigo, mas Drake pediu que nos preparem um piquenique para jantar numa ilha também na sua propriedade que é perto da costa. Diz que é um sítio paradisíaco e que só os seus convidados mais privilegiados lá podem ir.

- Eu, bom... - olhou para um lado e para o outro para ver se havia alguém a ouvir. - Pensava que íamos embora hoje.

- Disse-te que existia a possibilidade de nos irmos embora hoje - recordou. -Agora já tenho as minhas dúvidas. Enquanto isso, continuamos a representar o papel. Portanto encontramo-nos no porto às cinco.

Não foi uma pergunta. Ele esperava que ela se encontrasse lá com ele. E como concordara em cooperar, limitou-se a assentir.

- Vou lá estar.

Ele pôs-lhe as mãos nos ombros e deu-lhe um beijo longo e apaixonado nos lábios.

- Encontramo-nos às cinco, então - disse quando finalmente se afastou dela.

Antes que lhe desse tempo para recuperar a voz, ele já se tinha ido embora. Ficou a olhar para ele, enquanto passava a mão pelos lábios. Se não soubesse que era impossível, teria assegurado que Daniel tivera realmente ciúmes.

E se não tivesse escolhido uma vida de crime, ou o que quer que fosse, Daniel teria triunfado como actor.

Quase uma hora depois de ter deixado B.J. junto à piscina, Daniel ainda a imaginava sentada na espreguiçadeira, a sorrir àquele homem que lhe pusera a mão no joelho.

Sabendo que B.J. não tinha confiança no seu aspecto físico, não se surpreendia que ela nem sequer tivesse suspeitado que Kurt McGuire podia ter gostado. Talvez daquela vez ela tivesse tido razão; até um recém-casado feliz podia ter reparado no quanto B.J. estava bonita com aquele biquini preto que se adaptava à sua figura esbelta como uma segunda pele.

Ele certamente reparou. Vê-la ali, a sorrir a outro homem, fora como um pontapé na barriga.

Era a primeira vez na sua vida de adulto que Daniel sofrera um ataque de possessividade como aquele. Já para não falar dos ciúmes que sentira quando vira B.J. a sorrir a outro.

- Daniel? - Drake falou num tom seco. - Continuas connosco?

Daniel virou-se e assentiu.

- Sim. Só estava a ver a paisagem.

Terás tempo para isso mais tarde. Agora, concentremo-nos no negócio, está bem?

Boa ideia. No que se referia a B.J., tinha também de se concentrar no negócio e esquecer tudo o resto.

B.J. pensou em pedir qualquer coisa para almoçar na suíte. Mas, além de estar um dia tão lindo, estava farta de estar ali sentada sozinha.

Portanto foi até ao terraço de um café e sentou-se numa mesa com uma vista maravilhosa do oceano.

Quando o empregado chegou, pediu um prato de salmão e salada, acompanhado por pão integral.

Enquanto bebia um gole de chá de menta, disse para si que podia desfrutar daquela maravilhosa refeição sem sentir falta de Daniel. Na verdade, só tinham estado juntos dois dias e a sua relação fora mais em benefício de outras pessoas do que no seu próprio benefício.

Além disso, como ele mostrara muito pouco interesse em ir a uma festa que apenas o levaria a reviver o seu passado, BJ. duvidava que fossem ver-se novamente quando abandonassem aquele lugar.

O que não queria dizer que não fosse pensar nele. Fá-lo-ia com frequência. Infelizmente, ele fascinava-a tanto no presente como o fizera no passado.

- Boa tarde, Brittany.

Levantou a vista do seu prato de salada e salmão com uma expressão carrancuda ao ouvir o seu nome.

- É B.J. - disse ela automaticamente e então viu quem se dirigira a ela. - Olá, Ingrid!

- Olá, B.J.! - a loira apontou para a cadeira do lado.

- Estás à espera de alguém?

- Não. O meu marido está numa reunião até logo à tarde. Gostarias de te sentar comigo?

Agradada, Ingrid assentiu e ocupou o lugar com um ar entusiasmado.

- Não adivinhas o que estive a fazer esta manhã! Embora B.J. se surpreendesse por a outra estar tão faladora, continuou:

- A ensaiar?

- Sim. A banda ajudou-me a preparar três canções. Vou praticar um pouco depois do almoço, só para assegurar que tudo vai correr bem.

- Tenho a certeza de que serás maravilhosa - disse B.J., embora não estivesse segura de tal coisa.

Ingrid tinha uma voz um pouco estridente. Drake não parecera entusiasmado com a ideia de ela actuar em público no complexo, embora isso pudesse não ter nada a ver com o seu talento. Provavelmente preferia que as suas mulheres permanecessem discretamente ao seu lado, para as controlar e para lhe aquecerem a cama, mas sem que chamassem muito a atenção para si próprias.

- Estou um pouco nervosa - disse, enquanto aceitava com um sorriso de agradecimento um copo de chá de menta gelado do empregado. - É que há muito tempo que não canto com uma banda de verdade e isso tudo. E sei que Judson não queria que cantasse aqui. Portanto quero fazê-lo particularmente bem para que veja que estava enganado quanto ao meu talento.

- O senhor Drake e tu estão há muito tempo juntos?

- Bom, na verdade não estamos juntos, já sabes ao que me refiro. Conhecemo-nos numa festa há uns meses e depois disso fiquei com ele - disse Ingrid. - Prometeu que me ajudaria a lançar a minha carreira profissional - acrescentou com certa amargura. Mas, por enquanto, só me arranjou algumas passagens de modelos para que eu esteja ocupada quando ele está fora, em viagem. De certeza que deve ter mulheres em todos os outros sítios onde vai e, sem dúvida, também lhes fará grandes promessas.

B.J. reparou que Ingrid parecia mais incomodada pela falta de oportunidades profissionais do que pelo facto de Drake ter outras mulheres.

- Come um pouco de pão com manteiga - ofereceu B.J.

Ingrid aceitou automaticamente, distraída.

- O teu marido é muito bonito. E muito agradável. Comigo sempre foi muito educado, sem nunca sequer se mostrar tenso por isso. Há quanto tempo estão casados?

- Dois anos.

- E não têm filhos?

- Não - B.J. fez um esforço por aparentar tristeza novamente. - No Outono passado sofri um aborto. Continuamos a tentar, mas por enquanto não tivemos sorte.

- Bolas, lamento muito. Tenho a certeza de que em breve terão um filho - disse Ingrid num tom animado.

- E tentar é muito divertido, não achas? Afinal de contas, és casada com um homem forte e é evidente que ele está louco por ti.

B.J. achava graça ao esforço de Ingrid para a animar, embora fosse notório que a outra não tinha o hábito de fazer aquele tipo de coisas.

- É um homem forte, não é?

Ingrid, visivelmente aliviada de que tivesse passado o momento emocional, assentiu com entusiasmo.

- E muito bonito. Judson também, mas se Daniel não fosse casado, deixa que te diga que teria ido atrás dele. Algumas mulheres já tentaram, porque, para elas, uma aliança não significa nada. Mas Daniel mantém-nas todas à distância. Ontem à noite, quando vos estive a observar percebi a razão. Fazem um casal perfeito.

-Achas mesmo?

- Oh, sim. Quero dizer, eu ainda não estou pronta para assentar e ter filhos, mas se estivesse, gostaria de ter uma relação como Daniel e tu têm. É bonito, rico e poderoso, e trata-te como uma rainha. É o sonho de qualquer mulher.

- Sim... acho que tens razão.

Ingrid olhou para um lado e para o outro antes de se inclinar para B.J. para falar mais baixo.

- Suponho que não te importas muito que Daniel esteja envolvido com Judson, eh? Quero dizer, sei que

vão ganhar muito dinheiro, mas espero que não se estrague tudo no final.

E o que raios era suposto responder àquilo?

-Eu, bom...

- Eu sei, eu sei. É suposto não falarmos sobre os negócios dos homens. Judson deixou-me isso bem claro e presumo que o teu Daniel também. Mas, diabos, uma mulher não pode estar com eles o dia todo sem adivinhar que estão a tramar alguma coisa suspeita. Inclusive, ouvi Daniel dizer a Judson que tinham de ter cuidado para que a polícia federal não descobrisse o que estão a planear antes que o dinheiro chegasse. Não te enerva que ajam como se fôssemos demasiado estúpidas para percebermos?

- Sim - disse B.J. devagar, enquanto pousava o garfo na mesa e juntava as mãos. De repente, estava sem apetite. - Sim, é verdade.

B.J. bebeu um gole de chá para evitar ter de dizer mais alguma coisa.

De repente Ingrid olhou para ela e ficou com um brilho no olhar.

- Eh, tenho uma ideia.

- Que ideia? - perguntou com uma certa desconfiança, passado alguns segundos.

- Porque é que não vens ouvir-me ensaiar depois de almoço? Assim podes dar-me a tua opinião.

- Bom, não percebo muito de música. Eu...

- Por favor - pediu Ingrid em voz baixa. - Sentir-me-ia melhor se alguém me desse a sua opinião sincera. Nenhuma das pessoas que trabalha para Judson se atreveria a dizer-me o que pensa. E além disso acrescentou com um sorriso, - tu és do Texas e conheces a música country.

B.J. não teve coragem para negar, embora preferisse rock a country. Além disso, não tinha nada melhor para fazer.

- Posso ir ver-te um pouco - concedeu finalmente.

- Às três tenho de voltar para a suíte para me arranjar e encontrar-me com Daniel. Mas até lá, estou livre.

- Óptimo - disse Ingrid satisfeita.

 

Como Daniel lhe pedira, ou melhor, ordenara, B.J. apareceu no porto às cinco em ponto. Tinha pensado em aparecer dez minutos mais tarde, mas decidiu no último momento que seria uma coisa infantil e ridícula.

Disse para si que ela estava acima desse tipo de coisas. Mas se Daniel se armasse em mandão ou lhe dissesse coisas desagradáveis, ia dizer-lhe umas coisas também.

Sentiu-se tremendamente decepcionada ao ver Bernard à espera no molhe com Daniel. Por acaso ver-se-ia obrigada a suportar ter de ir fazer um piquenique com Bernard? Se assim fosse, podia imaginar uma enxaqueca repentina, que utilizaria como desculpa para interromper a saída. Na verdade, depois de passar um momento com Bernard era de estranhar que tivesse de fingir uma saída.

Bernard estava com a sua roupa habitual: umas calças de ganga, uma t-shirt azul e um casaco de linho branco com o qual ficava parecido com um frigorífico. Tinha-o arregaçado devido ao bom tempo da tarde, mas B.J. sabia que não o tiraria onde pudesse ser visto por qualquer hóspede, porque tinha de ocultar a arma que escondia no coldre.

Depois de vestir, em algum momento da tarde, uma camisa branca, uns calções caqui e uns ténis, Daniel adiantou-se para a cumprimentar com um sorriso e as mãos estendidas para pegar nas dela.

- Pontual, como sempre - disse ele, dando-lhe um beijo na face.

Ela limitou-se a olhar para ele. Talvez ele se esquecera da cena à beira da piscina, mas ela queria que ele descobrisse que ela não.

Boa tarde, senhora Andreas.

Ela assentiu.

- Bernard.

- O senhor Drake fez os possíveis para se certificar de que desfrutavam de um piquenique maravilhoso. O chef fez uma comida especial para si.

- Que atencioso.

B.J. deixou que Daniel a ajudasse a entrar na lancha, onde se acomodou num banco bem acolchoado. Daniel sentou-se ao seu lado e Bernard pôs-se ao comando da lancha e fez um gesto com a cabeça a um adolescente moreno que estava ali para os ajudar a zarpar.

A travessia durou meia hora e B.J. teve de reconhecer que o tempo passou de um modo muito agradável. Gostava de estar no mar. Sem se preocupar com o vento que despenteava o seu cabelo, colocou os óculos de sol e virou o rosto para a brisa fresca e salgada.

A ilha era tão bonita como a fotografia de um calendário. Bernard amarrou o barco no molhe.

Além de uma franja de praia de areia branca, havia uma cabana situada no meio da paisagem. Coberta por um pitoresco telhado de palha, o local tinha três lados abertos que podiam fechar-se para o proteger do clima com uns toldos que se enrolavam ou desenrolavam dependendo das necessidades. No fundo tinha instalada uma cozinha: um grelhador enorme e uma bancada, debaixo da qual havia armários que sem dúvida estariam cheios de provisões. Duas portas marcadas com uma silhueta feminina e uma masculina respectivamente indicavam as casas de banho.

O chão de pedra fora varrido recentemente, de modo que parecia que a cabana tinha uma manutenção regular, talvez diária. Duas mesas enormes e várias cadeiras proporcionavam assentos para mais de uma dúzia de pessoas. Algumas tochas rodeavam a cabana para iluminar algumas festas à noite e, no tecto da cabana, também havia luzes.

Há luz eléctrica? perguntou B.J. com surpresa.

- Atrás da cabana há uns geradores enormes - explicou Bernard. - Agora não estão ligados, já que o senhor Andreas e você não precisarão de electricidade para o piquenique. As casas de banho têm clarabóias no tecto que proporcionam a iluminação necessária durante o dia.

Deixou uma cesta enorme em cima de uma das mesas e deu a Daniel um conjunto de chaves.

- Esta é a chave de todos os armários e das casas de banho. Estão fechados porque às vezes há pessoas que desembarcam, apesar dos cartazes que dizem que isto é propriedade privada; mas com frequência enviamos lanchas de patrulha para que não se torne um problema. Nos armários encontrarão tudo o que precisam. Estejam à vontade, enquanto aqui estiverem.

Daniel pousou uma caixa de plástico que tinha provisões para o piquenique em cima da mesa, junto à cesta.

- Vais jantar connosco?

B.J. sentiu alívio quando Bernard negou.

- Voltarei para vir buscá-los mais tarde. O senhor Drake deseja que tenham uma refeição calma e relaxada, a sós.

B.J. alegrava-se por Bernard se ir embora, mas só de pensar em estar sozinha na ilha de Drake com Daniel sentia-se desconfortável. Sobretudo depois dos beijos que tinham partilhado quando tinham estado sozinhos na praia.

Depois de observar um momento a lancha a desaparecer à distância, B.J. virou-se para Daniel com um sorriso forçado nos lábios.

- Como achas que Drake acabou por se tornar no dono desta ilha?

Daniel encolheu os ombros.

- Quem sabe? Ele diz que dá festas frequentemente para pessoas famosas que querem fugir dos paparazzi. Outras vezes, como hoje, tem convidados que só querem passar um dia relaxado e umas horas longe dos telemóveis e dos computadores. Durante a época alta, diz que a ilha é reservada diariamente. É também um local onde as pessoas gostam de se casar.

B.J. observou as árvores, as flores e a praia e não duvidou que a ilha de Drake teria uma procissão diária de visitantes a fugir do stress da vida diária.

Então virou-se para a cesta da comida.

- Deixa ver o que temos aqui. Estou cheia de fome. Daniel desatou a rir-se, embora lhe tivesse parecido que estava abstraído.

- Tens sempre fome.

- Bastante. Tenho sorte de ter o metabolismo dos Walker. A família Samples tende a ser mais robusta. O meu irmão sai a eles.

- E a tua irmã? Lembro-me de que era bastante esbelta.

Dawne tem uma figura que provoca acidentes onde quer que passe - respondeu B.J. com naturalidade.

- Acho que herdou o melhor dos Samples e dos Walker.

- Como tu.

Não procurava um elogio. Para disfarçar o seu nervosismo, B.J. abriu a cesta do piquenique e começou a tirar o que lá estava dentro.

- Ena, isto está cheio de coisas.

Daniel tinha estado de pé ao seu lado muito quieto, a olhar para o mar na direcção em que Bernard desaparecera.

- Espera - disse Daniel saindo do seu alheamento.

- Vou buscar as almofadas dos bancos.

Além das almofadas de cores brilhantes tirou umas toalhas individuais de palha do armário e pôs duas na mesa.

- Daniel, o que se passa? - perguntou BJ. com uma expressão preocupada. - Estás a agir de um modo muito estranho desde que Bernard se foi embora.

- Lamento muito. Acho que estou apenas distraído.

- Não continuas zangado por ter falado com Kurt, pois não?

Porque se estivesse, tinha a intenção de lhe deixar claro que...

Mas Daniel negava com a cabeça e respondeu-lhe num tom firme.

- Não me zanguei com isso. Só queria que tivesses cuidado com quem falas, enquanto estás aqui, só isso. Nunca se sabe quem está a trabalhar para Drake.

Na sua expressão continuava a haver qualquer coisa estranha. B.J. inclinou a cabeça e olhou para ele nos olhos.

- Como correram as reuniões hoje? Ele encolheu os ombros com pesar. -Mal.

Portanto era por isso que estava assim. B.J. continuou a tirar as coisas da cesta, pensando que durante a refeição ele talvez quisesse falar mais.

Se calhar acabaria por lhe contar alguma coisa do que estava a fazer ali, visto que estavam completamente sozinhos naquele momento.

- Isto - disse uns minutos depois não é o que eu chamaria piquenique. Acho que nunca comi coisas tão refinadas num piquenique.

Talvez Drake tivesse descoberto que B.J. gostava de marisco, porque lhes tinha enviado um verdadeiro festim: patas de santola, gambás marinadas em sumo de limão e vegetais: salada russa, espargos marinados, um sortido de queijos e bolachas de água e sal e carnes frias cortadas em rodelas finas, além de fruta fresca e delicados folhados para a sobremesa. Nada de chocolate, disse para si com um suspiro.

Daniel levantou a vista do seu prato, que era de porcelana da China e não de papel como os que usavam em casa para fazer um piquenique.

- Drake adora exibir-se - disse Daniel. - Isto tudo foi planeado para nos demonstrar que está habituado ao melhor do melhor, para ele e para os seus amigos.

- E de onde tira o dinheiro? - inquiriu B.J., como se achasse que ia obter uma resposta directa. - Herdou-o ou algo do género?

- Absolutamente. Judson Drake é o que se pode chamar um homem que se fez a si próprio Incluindo o seu nome, na verdade.

- Isso já tinha imaginado. Não há nada naquele tipo que soe a verdadeiro.

Daniel encolheu os ombros e colocou um pouco de caranguejo na boca.

- Sim, bom...

Ela olhou para ele com aborrecimento.

- Tenho plena consciência de que não é o único que está a inventar uma personagem do nada.

Daniel sorriu e levantou o copo antes de beber um gole do vinho que Drake lhes tinha enviado com a comida.

Ela abanou a cabeça, totalmente surpreendida.

- Esta situação é muito estranha.

- Não fazes ideia do quanto murmurou Daniel, enquanto pegava no seu copo.

- Diz-me o que fizeste desde que saí do rancho pediu Daniel uns minutos depois, enquanto apoiava os braços na mesa. - Andaste na faculdade? Sempre trabalhaste para os teus tios?

B.J. não se iludiu pensando que ele estava assim tão interessado na sua vida. Na verdade, o que Daniel queria era que continuasse a falar sobre si própria para que não lhe perguntasse mais nada. Mas como sabia muito bem o quanto era teimoso, B.J. pensou que era melhor deixá-lo conduzir a conversa. Pelo menos por enquanto.

- Andei na Universidade do Texas onde estudei Contabilidade, como o meu pai e o meu irmão.

- E não era o que gostavas?

- Não. Trabalhei no escritório do meu pai durante um ano e depois tive de o deixar para não ficar louca. De modo que tentei trabalhar em grandes superfícies. Isso durante seis meses. Depois disso realizei vários trabalhos nos quais tenho de usar o computador e fui trabalhar com os meus tios há pouco mais de um ano. Localizar-te foi a primeira missão fora do escritório que me encarregaram.

Daniel parecia bastante surpreendido.

- Encontraste-me assim tão facilmente, sendo a tua primeira missão?

- Eu não disse que tinha sido fácil - respondeu ela.

- Estava prestes a dar-me por vencida quando, por acaso, conheci uma pessoa que tinha a certeza de que te tinha visto com Drake e indicou-me a quinta.

- Quem? E o que te levou a Saint Louis para começar? Eu não vivo ali.

- Eu sei. Mudas-te muito. Há três semanas enviaste à tua tia Maria um cartão pelo seu aniversário e tinha o carimbo de Saint Louis. Ela mostrou-mo. Também me deu a tua fotografia. Se abriste a minha carteira quando ma tiraste, deves ter visto a fotografia. Ela disse-me que a tinhas tirado da última vez que foste vê-la, há uns três anos.

- Eu não mexi nos teus pertences - disse, um pouco incomodado. - Simplesmente guardei-os para que ninguém os encontrasse. E disseste que foste ver a minha tia?

- Sim. É a única parente que tens viva, portanto pensei que se calhar de vez em quando entrarias em contacto com ela. Mas parece que fazes mais do que isso. Disse-me que lhe envias dinheiro todos os meses, cada vez um pouco mais, desde que saíste de casa aos dezoito anos.

Daniel parecia incomodado.

- Só tentei ajudá-la um pouco.

- Segundo ela, foi mais do que um pouco. Disse-me que se não fosses tu há muito tempo que teria acabado num lar.

Com cara de poucos amigos, Daniel dobrou o guardanapo de linho e atirou-o para cima da mesa.

- Parece que tiveram uma conversa muito animada.

E parecia que Daniel não gostava da ideia.

- Não tentei tirar-lhe informação. Se bem te lembras, o meu único objectivo era encontrar-te para te convidar para uma festa. Ela disse que estavas em Saint Louís. Localizei o código postal, mostrei a tua fotografia em todos os hotéis da zona e quando já me tinha dado por vencida alguém mencionou que te tinha visto com Drake. Uma pista levou-me a outra e agora aqui estamos.

- Sim, aqui estamos - repetiu Daniel entredentes. É um milagre que as pessoas do círculo de Drake não tenham descoberto as tuas investigações. Aparentemente durante a tua investigação não foste captada pelo seu radar.

- Suponho que tiveste sorte. E muita sorte também por Bernard pensar imediatamente que eu era a tua esposa e não ter feito muitas perguntas.

- E sorte de que tu tivesses tanto sangue-frio e não estragasses tudo, dizendo que eu não era o teu marido.

- Não me deste a oportunidade de o fazer. Acho que nunca vi ninguém mover-se tão depressa como tu o fizeste assim que me reconheceste.

Daniel sorriu com pesar.

- Quando a tua vida corre perigo, não perdes muito tempo a considerar as opções.

B.J. escolheu uma tarte de cereja que tinham incluído na cesta.

- A tua tia ama-te muito. E está muito orgulhosa de ti. Disse-me que és um homem de negócios de sucesso. Não sabia o tipo de negócio, mas pensa que está relacionado com computadores.

Daniel olhou para a água e continuou a franzir o sobrolho.

B.J. acabou a tarte e pegou no copo de vinho.

- Incomodou-te muito que fosse vê-la, não?

- Incomoda-me que me tenhas encontrado tão facilmente - reconheceu. - Talvez tenha sido uma arrogância da minha parte pensar que a minha tia estaria a salvo mesmo que Drake descobrisse que o que lhe tinha contado era mentira.

- Não há razão nenhuma para te preocupares com ela, porque os vossos apelidos são diferentes. Não há nada que te relacione a ela.

- Todavia, tu encontraste-me.

Eu tinha os documentos antigos que havia no rancho - recordou ela. - Molly deu-mos e encontrou o nome da tua tia e o número de telefone dela.

- Um convite para uma festa não parece, uma justificação para invadir de tal modo a minha intimidade.

- Tens toda a razão.

Ele parecia surpreendido de que lhe tivesse dado razão com tanta facilidade e que não tivesse tentado defender-se.

- Desculpa - acrescentou ela. - Não pensei na possibilidade de que tivesses boas razões para não querer que ninguém te encontrasse. Eu concentrei-me simplesmente em demonstrar as minhas qualidades aos meus tios e Molly está mais ou menos obcecada com o plano de fazer aos seus pais uma festa surpresa. Nenhum de nós pensou no teu direito a ser deixado em paz. Ocorreu-nos que quererias estar na lista de convidados, que te apeteceria vir à festa. Certamente, a mim nunca me passou pela cabeça, a nenhum de nós, que encontrar-te seria pôr a tua vida em perigo.

- Não havia maneira de tu saberes isso - reconheceu ele.

- Isso não é desculpa. Devíamos ter imaginado que se tivesse querido estar em contacto com a minha família, terias pelo menos ligado nos últimos doze anos. Então ele olhou para ela.

- Pensaste em mim depois de ter partido? Dessa vez foi ela que teve de desviar o olhar.

- Claro que sim. Eras meu amigo.

É claro, para ela fora mais do que um amigo. Estivera perdidamente apaixonada por ele, mas não tinha de o mencionar naquele momento.

- Eu também pensava em ti às vezes - murmurou ele. - Recordava como costumavas dizer-me sempre que não devia ficar preso ao passado. Que com o meu futuro podia fazer o que quisesse.

- Tenho a certeza de que várias pessoas te disseram isso. Sei que o tio Jared e a tia Cassie também te diziam isso.

- É verdade reconheceu. - Mas quando tu me disseste, por alguma razão, acreditei.

B.J. brincou com o guardanapo que tinha no colo, dobrando-o distraidamente entre os dedos.

Eu era apenas uma adolescente. Surpreende-me que levasses a sério o que te dizia.

- Tudo o que me dizias eu levava a sério.

- E o que aconteceu depois de teres partido? Como chegaste até... aqui?

Há apenas uns momentos ele mostrara-se aberto com ela. De repente, fechara-se novamente.

- Disse-te que ia fazer alguma coisa com a minha vida.

- E em que é que te transformaste?

Depois de hesitar um momento, ele respondeu com desprezo.

- Num homem próspero. Ou pelo menos, caminho para lá.

Ela continuou a olhar para ele, procurando, na sua expressão, significados escondidos nas palavras.

- Ter muito dinheiro é a tua ideia de conseguir alguma coisa?

- É claro. Talvez o dinheiro não possa comprar a felicidade, mas certamente pode proporcionar tudo o que um homem precisa para estar confortável durante a procura.

- Que estranho. Há apenas dois dias avisaste-me para ter cuidado para não confundir riqueza com classe e carácter.

- Eu disse isso?

- Disseste. Estavas a tentar acalmar-me quando te disse que me sentia deslocada entre as pessoas ricas do complexo.

- Bom, sim, mas não te disse que eu me sentia deslocado aqui, ou que fosse alguém que desejasse ser admirado pela minha maneira de ser, como tenho a certeza de que acontece contigo. Viver uma vida de luxo, ter tudo o que desejo com apenas uma chamada telefónica... É isso a que aspiro.

- Tolices.

O seu comentário zangado provocou-lhe uma gargalhada de surpresa.

- Como dizes?

- Não sei por que motivo estás aqui exactamente, mas acho que há muito mais razões além de simples ambição. Talvez queiras o dinheiro para a tua tia. Ou talvez odeies Drake por alguma razão e queiras derrubá-lo. Ou talvez estejas a ser impulsionado pelo desafio de enganar um bandido. Mas não é só o desejo de riqueza que te motiva.

Ele pareceu momentaneamente desconcertado, mas em seguida pegou na garrafa de vinho e aproveitou para desviar o olhar.

- Queres mais?

- Não, obrigada - ela levantou-se, saiu da cabana e começou a andar devagar pela praia. De vez em quando via-se algum búzio ou algum pedaço de madeira à deriva arrastado até à areia. Ela levara algumas bolachas que naquele momento lançou às gaivotas que voavam e grasnavam à volta dela.

B.J. desatou a rir-se quando os pássaros se atreveram o suficiente para lhe roubar os pedaços com o bico.

- Desavergonhadas.

- Lembras-te do dia em que demos de comer aos gansos do Canadá que viviam nos lagos do rancho do teu tio? Eram tão agressivos que quase nos derrubaram para nos tirar o pão das mãos.

Ela não reparara que Daniel estava atrás dela até ele ter falado.

- Lembro-me - disse, virando-se para olhar para ele. - Rimo-nos tanto que fiquei com soluços.

- Era a primeira vez que me ria assim desde há meses - murmurou ele. - Desde o dia em que tinha encontrado a minha mãe.

Também fora o dia em que tinha chorado. Ainda recordava o momento em que a sua gargalhada dera lugar às lágrimas. Ele envergonhara-se das suas lágrimas, talvez a pensar que ela se sentiria desconfortável, ou pior ainda, com pena.

Mas ela tinha compreendido, de algum modo, as emoções que ele guardara tanto tempo. Umas emoções que tinham sido desencadeadas pela sua gargalhada. E apesar de ser nova, tinha catorze anos, dera-lhe a mão e dissera-lhe com firmeza que compreendia a sua necessidade de chorar. Ela própria também o fazia de vez em quando mesmo não tendo passado um terço do que Daniel passara.

Sem que ninguém pedisse, também lhe assegurara que ninguém descobriria que não era tão duro como queria fazer toda a gente acreditar.

Ele tinha-lhe agarrado o braço quando ela se virou. O beijo que lhe tinha dado então fora breve, trôpego e inesperado. Ela suspeitara que o fizera para a distrair. Preferia deixá-la com a lembrança do beijo do que com a da sua fraqueza temporária.

Mas ela recordava ambas as coisas. Vividamente.

Limpou as migalhas das mãos e virou-se para ele.

- O dinheiro é assim tão importante para ti? Não é demasiado tarde para voltar atrás, pois não?

- Os meus negócios são muito importantes para mim - respondeu Daniel num tom seco. - E é demasiado tarde para esquecer tudo agora. Só lamento que tu te tenhas visto envolvida nisto tudo.

B.J. sentiu um nó na garganta, enquanto se virava. -E eu.

 

Daniel desviou o olhar de B.J., que estava sentada numa das espreguiçadeiras com o livro que tirara da sua mala de lona, e olhou para o relógio pela enésima vez na última hora.

Já passava das sete e Bernard ainda não os tinha ido buscar.

Olhou novamente para B.J. Não falara muito mais com ela desde que lhe dissera que lamentava estar envolvida naquilo com ele.

Aquilo magoara-o um pouco, embora não pudesse culpá-la por ela se sentir assim.

Ela fizera-o recordar coisas que ele tentara esquecer de todas as formas. E pesavam-lhe as decisões que tomara desde aquele beijo inocente no rancho Walker.

Talvez fosse apenas o silêncio entre ambos o que o chateava. Não era normal que B.J. estivesse tanto tempo calada. Juntamente com a demora de Bernard, a atitude de B.J. estava a pô-lo nervoso.

Ela estava zangada por ele não querer contar-lhe mais coisas sobre o seu negócio com Drake. Sabia que não se acalmaria se lhe dissesse que com a sua atitude só estava a tentar protegê-la.

Sentou-se numa cadeira ao seu lado.

- É bom o livro?

Ela marcou a página e fechou-o.

- Não é mau. Daniel, quando é que Bernard vai voltar?

Estava tão chateada com ele que até tinha vontade de que o outro chegasse?

- A qualquer momento.

- Suponho que não vamos embora hoje do complexo.

- Receio que não.

Outra noite na suíte com ela. Daniel perguntou-se se sobreviveria à experiência. A noite anterior fora bastante difícil, sabendo o quanto ela estava perto.

Em relação a B.J. tivera de se valer de toda a sua força de vontade para não estragar tudo. As suas lembranças dela eram demasiado especiais para se arriscar a magoá-la naquele momento. E magoá-la-ia se lhe permitisse fantasiar, tornar-se romântica, ou deixar-se levar pela atracção que havia entre eles. Por muita justificação que ela tratasse de atribuir às suas acções, não era alguém que ela pudesse admirar.

O problema era que quando ela olhava para ele via o adolescente que ele fora. E quando o tratava assim, de repente, era para ele tremendamente tentador fingir que não se tornara em alguém que certamente não seria do agrado dela.

- Espero que Bernard não demore muito.

- Estás farta da minha companhia? - perguntou num tom ligeiro.

- Eu é que prometi a Ingrid que assistiria ao espectáculo desta noite.

Ele surpreendeu-se.

- Combinaste isso no jantar de ontem à noite?

- Não. Hoje encontrei-me com ela por acaso quando estava a almoçar e depois estive a vê-la a ensaiar.

- E que tal?

- Não foi mau, na verdade. Com um pouco de prática, e se alguém a aconselhasse que não se preocupasse tanto em imitar outros cantores, poderia ser bastante boa.

- Suficientemente boa para assinar um contrato?

- Não sei - reconheceu ela. - Não sou perita. Mas acho que tem tanto talento como alguns cantores de algum sucesso. E certamente tem muito bom aspecto.

- Então gostas dela?

- Não desgosto - explicou B.J., enquanto franzia a testa. - Só que não tenho muito em comum com ela.

- Sem dúvida alguma.

- Talvez seja um pouco... ambiciosa. Mesmo assim merece ser mais bem tratada do que Drake a trata, que é de forma insultante e condescendente. Espero que tenha sucesso com a sua carreira musical para que possa deixá-lo de uma vez.

- Não te enganes, B.J. Ingrid está com Drake porque quer. Não sei o que pensa dele, mas gosta das vantagens que ir para a cama com ele lhe trazem. Mas se vai fazer-te sentir melhor, quando terminar o fím-de-semana, ela passará à história. Drake deixou escapar que está a ficar aborrecido com ela.

B.J. franziu o sobrolho.

- Tenho a certeza de que planeia dar-lhe um presente generoso de despedida. Esse é o seu estilo.

- Pelo menos terá a oportunidade de actuar esta noite. Talvez isso a leve a algo melhor para ela.

Daniel olhou novamente para o relógio.

- A que horas é o espectáculo?

- As nove. Sentir-me-ia mal se o perdesse, já que lhe prometi que estaria presente.

A lealdade de B.J. para uma mulher que acabava de conhecer, e de quem não gostava assim tanto, pareceu-lhe comovedora. Esperava que a fé de B.J. noutras pessoas, por exemplo nele, não lhe partisse, um dia, o coração.

- Se Bernard aparecer, devemos ter tempo para trocar de roupa e assistir à actuação.

- É muito estranho que ainda não tenha chegado, pois Drake aprecia muito que tudo funcione ao minuto no seu complexo.

- Sim, bom, Drake não está muito contente comigo neste momento. Certamente disse a Bernard que viesse ter connosco quando lhe apetecesse.

- E porque é que Drake não está contente contigo? Disse-me que queria ir para a cama com a minha esposa esta noite. Quando lhe disse que não, zangou-se. B.J. revirou os olhos.

- Como?

- É claro, se estiveres interessada, podes sempre dizer-lhe que mudaste de opinião.

O livro acertou-lhe directamente no peito.

- Canalha. Acabaste de inventar isso só para me chatear.

Ele sorriu, agradado por ver um brilho de humor no seu olhar.

- Disse-te que não seria a última vez que me chamarias canalha.

- Já estou convencida de que foste tu quem colocou aquela cobra na mala.

Ele pousou o livro sem parar de sorrir.

- Não. Deu-me um ataque de riso, mas não fui eu.

- Hum - olhou para ele como se continuasse sem acreditar no que lhe dizia.

De repente, Daniel sentiu um desejo irrefreável de a beijar. Talvez parte dos seus pensamentos se tivessem revelado na sua expressão, porque B.J. deixou de sorrir, enquanto olhava para ele atentamente.

- Pára com isso - disse num tom quase feroz.

- Não estou a fazer nada.

- Estás a olhar para mim dessa maneira tão estranha, igual à que utilizas quando estás a fingir alguma coisa à frente de Drake e dos seus homens.

- Não estou a fingir que tu me atrais se é a isso que te referes.

B.J. corou, ao mesmo tempo que franzia o sobrolho.

- Se este é o teu modo de me distraíres para que não te pergunte nada sobre os teus negócios com Drake, nem te incomodes. Decidi que não quero saber nada de nada.

- A sério que te custa tanto acreditar que te considero atraente?

- Digamos que duvido muito de que eu seja o teu tipo.

Tinha de reconhecer, embora não lho dissesse, que nisso tinha razão. O seu "tipo" seria alguém mais sofisticado, alguém com quem só desejasse passar umas horas. Alguém como Ingrid, embora ao lado de B.J. os encantos de Ingrid desaparecessem.

O seu aborrecimento crescente em relação ao seu "tipo" de mulher resultara em períodos celibatários cada vez mais prolongados. Parecera-lhe muito mais fácil concentrar-se nos negócios em vez de se relacionar com mulheres que o deixavam vazio.

Quanto a procurar uma relação que fizesse sentido, bom, não tinha estado disposto a arriscar-se a isso. Do seu ponto de vista, amar era uma coisa muito dolorosa. Duvidava que B.J. compreendesse isso, apesar da intuição que às vezes demonstrava em relação a ele.

E como não tinha intenção de ser ele a partir o seu coração gentil, levantou-se bruscamente e começou a passear com nervosismo pela cabana, olhando de vez em quando para o horizonte para ver se Bernard chegava. Ainda não tinha escurecido, mas faltava muito pouco. Acabaria Drake por os deixar ali a passar a noite para deixar claro quem mandava?

- Acho que devias começar a pensar na possibilidade de que talvez passemos a noite aqui.

Daniel falava num tom firme, mas ela não suspeitava nem por um momento que estivesse a brincar. Sem dúvida parecia falar a sério.

- Então devo preocupar-me? - perguntou ela, a tentar falar num tom mais prático possível.

- Não. Aqui estaremos a salvo. E tenho a certeza de que amanhã de manhã, Bernard apresentará uma "história" elaborada sobre como, por acaso, não foi possível regressar ao complexo.

- E tens ideia de por que razão não nos vai ser possível regressar?

Ele assentiu com seriedade.

- É uma mensagem, é claro. Hoje não cooperei com Drake e está a dar-me um exemplo da facilidade com que pode fazer-nos desaparecer.

- Não cooperaste?

Ela tentara disfarçar a esperança, mas Daniel devia ter percebido.

- Não quer dizer que me afaste do negócio com ele. Só estou a pressioná-lo um pouco para que o acordo "" seja mais proveitoso para mim, e ele sabe.

- Então este é o seu modo de se vingar de ti? - questionou muito decepcionada. Ele olhou para o relógio e para o sol que se estava a pôr.

- Acho que sim. Desde o começo que a ideia deste piquenique me fez suspeitar.

- E só dizes agora.

- Lamento muito, B.J. A sério que não pensei que se atrevesse a fazer alguma coisa estando tu no meio. Mas tenho a certeza de que pensa que ao estares tu também, o aviso será ainda mais ameaçador para mim.

- Os homens e os seus métodos.

- O pior de tudo é que tem razão. Fazer-te isto a ti é muito mais efectivo do que qualquer outra coisa que pudesse ter feito para me ameaçar.

- Disseste que não corremos perigo.

Não. Não vai acontecer-nos nada. Não é que seja muito confortável, mas estamos a salvo.

- Vamos perder a actuação de Ingrid.

- Isso certamente será um benefício extra para Drake. Estava zangado contigo e com ela por o obrigarem a autorizar o concerto.

- Já te disse que não consigo suportar aquele tipo?

- Eu também não o teria como meu melhor amigo.

- Então porque é que não cortas com esse canalha nojento de uma vez por todas? Podemos partir assim que regressarmos amanhã ao complexo, a qualquer hora.

Daniel suspirou, enquanto passava a mão pela cabeça.

- É demasiado tarde para fazer isso.

Não é nada ela avançou um passo e falou-lhe com uma preocupação que parecia chegar-lhe ao coração. - Podes voltar para o Texas comigo. Os meus tios poderão ajudar-te com Drake se te der problemas. Fala com Jared. Tenho a certeza de que ele poderá... bom...

- Reformar-me? - perguntou Daniel com ironia, e então abanou a cabeça. - A questão é que... não quero reformar-me, B.J. -Mas...

- Olha - respondeu num tom áspero. - Não me confundas com o adolescente que costumava ser. Não estou à procura de um lar de acolhimento, nem de um mentor. Estou a viver a minha própria vida e não preciso que ninguém me diga como fazê-lo.

Incluindo ela. Ela virou-se.

- Muito bem. Se preferes seguir os passos de Judson Drake aos de Jared Walker, tens todo o direito a fazê-lo.

- Bolas, B.J. - parecia que ia dizer mais alguma coisa, mas no último momento virou-se bruscamente para os armários da cozinha. - Vi um isqueiro num destes armários - acrescentou. - Vou ver se consigo acender as tochas antes que escureça.

B.J. viu como estava zangado. Sabia que o seu comentário o insultara. No entanto, Daniel não devia esperar que ela pedisse desculpa, porque não pensava fazê-lo.

Admirava muito o seu tio, um ex-oficial da marinha que se tornara rancheiro, cujo aspecto rude escondia um coração tão grande como o céu. Embora sempre tivesse sustentado a família, além dos rapazes que acolhera no seu lar, Jared jamais teria acesso ao tipo de dinheiro ou estatuto social que Drake exigia. Mas quando se tratava de personalidade, Drake não chegava aos calcanhares do seu tio.

Partia-lhe o coração pensar que Daniel ficara mais impressionado com as posses e ostentação de Drake do que pela decência calada e firme de Jared.

Daniel não se transformara no homem que ela esperara encontrar. B.J. deu-se conta, com tristeza, de que empreendera aquela viagem com demasiadas fantasias de adolescente na bagagem.

As tochas ardiam, projectando uma luz suave dourada no interior da cabana e nos arredores. Daniel acendera todas, além da lareira, e aquilo tudo dava tanta luz que B.J. podia ter ficado a ler se tivesse sido capaz de se concentrar na história.

Estava à entrada da cabana, a ver as estrelas num céu de veludo preto e as cristas brancas das ondas que morriam na borda. Era um cenário muito romântico. Em si, não havia nada de ameaçador, porém não era por isso que a mensagem subjacente era menos insidiosa.

- Temos comida de sobra, se te apetece comer alguma coisa - disse Daniel, que saiu da cabana para se juntar a ela.

Sabes, eu adoro beber chocolate à noite - disse com pesar. - Foi muito mau da tua parte dizer a Drake que era alérgica ao chocolate.

- Foste tu quem começou, dizendo que eu tinha intolerância à lactose respondeu Daniel. - Tal como o teu avô, pois! - acrescentou com pesar.

B.J. desatou a rir-se sem conseguir evitar quando se lembrou da cara que ele fizera, já para não falar dos olhares de Drake e Ingrid.

- Lamento muito, mas pareceu-me que merecias, tendo em conta o que tinha passado.

- Já sei que não mereces tudo o que te está a acontecer. Sobretudo depois de, por minha culpa, teres de passar a noite aqui. Não seria nada estranho se procurasses um coco para mo atirares à cabeça.

O seu tom de pesar fez B.J. sorrir novamente, que no fundo se alegrava de que não estivessem o tempo todo zangados. Como tinham de passar a noite ali, o tempo que estivessem juntos passaria pelo menos de um modo muito mais agradável se se dessem bem, e isso implicava que não devia meter o nariz nos assuntos de Daniel.

Assim que a noite passasse e ela regressasse a Dallas, deixaria para trás os pensamentos velhos e começaria a pensar em Daniel como um caso perdido. De qualquer modo, duvidava que voltasse a vê-lo. Ele tentaria ser feliz com o dinheiro e ela tentaria encontrar a felicidade no emprego, ou na família.

E talvez, em vez de se sentir decepcionada pelo que Daniel fazia com a sua vida, no futuro sentiria prazer ao recordar os dias breves e emocionantes que passara com o rapaz valente dos seus sonhos de adolescente.

 

Às nove e meia, B.J. e Daniel tinham a certeza de que Bernard não ia voltar para ir buscá-los.

-Acho que tinhas razão - disse B.J. depois de olhar para o relógio. - Temos de passar a noite aqui. E ainda por cima perdemos o espectáculo de Ingrid. Espero que tenha corrido bem.

Daniel levantou a vista das cartas que tinha na mão e pousou-as em cima da mesa. Então apoiou os cotovelos na mesa e observou-a com um sorriso nos lábios.

- Fico contente por saber que a rapariga agradável que eu recordava se transformou numa mulher igualmente agradável.

Fora um elogio simples. Não esperara que ela deixasse também as cartas em cima da mesa e se levantasse com mau aspecto.

- Tenho sede outra vez, apetece-te alguma coisa? Porque é que lhe tinha incomodado tanto que ele pensasse que se transformara numa mulher tão agradável? Seria por ela pensar o contrário no caso dele?

"Se preferes seguir os passos de Judson Drake em vez dos de Jared Walker, tens todo o direito a fazê-lo".

Daniel cerrou os punhos por baixo da mesa. Ela não o compreendia, é claro. Não podia compreender, tendo sido educada num ambiente tão diferente do dele.

B.J. vestiu o casaco porque tinha começado a ficar fresco e, naquele momento, sentava-se na areia com os joelhos dobrados e a garrafa de água ao lado. Daniel reparou na sua expressão sombria.

Céus, como era linda. O que era estranho era que não se dera conta disso ao princípio, pensando então que era simplesmente engraçada. Bonita. Mas quanto mais tempo passava com ela mais apreciava a sua beleza genuína; tanto a sua beleza interior como exterior.

No entanto B.J. mostrava-se abertamente decepcionada com o homem em quem ele se transformara. Via-o mais parecido com Judson Drake do que com Jared Walker, o tio que adorava.

O pior de tudo era que não podia deixar de lhe dar razão.

Cada vez que se sentava à volta de uma fogueira ao ar livre ficava um pouco melancólica. Naquele momento estava a pensar nas fogueiras no acampamento do Rancho Walker: as crianças a falar, as gargalhadas, a conversa dos adultos, as canções.

O seu irmão, as suas irmãs, os seus pais, os seus tios e os seus primos: a sua família. Embora com frequência fosse cansativo, naquele momento sentia falta de todos.

Estaria a sua mãe preocupada com ela? Tinha a certeza disso, já que Layla Walker sempre se preocupara muito, sobretudo com os seus três filhos. Naquele momento Layla estaria a perguntar-se o que teria acontecido à sua filha para se ir embora assim, sozinha e tão repentinamente, algo muito pouco característico dela.

B.J. não se surpreenderia se os seus tios já estivessem à procura dela, independentemente do e-mail que lhes enviara.

- Tens frio? - perguntou Daniel, enquanto se ajoelhava ao seu lado.

Com o queixo apoiado sobre os joelhos, B.J. não desviou o olhar das chamas. -Não.

- Não estás nervosa por termos de passar a noite aqui?

- Não, é claro que não. Acampei muitas vezes. Sentindo que ele continuava a olhar para ela com preocupação, B.J. levantou a cabeça para olhar para ele.

- Estou bem, Daniel. É que me pus a pensar na minha casa e na minha família.

- Estavas a lembrar-te das fogueiras nos acampamentos no rancho? - olhou para ela e depois para a fogueira.

Era estranho ouvi-lo expressar os seus pensamentos com palavras, como se tivesse vislumbrado claramente as suas lembranças, como se também fossem as suas.

-Sim.

- Eu também me lembro. Divertia-me muito, tal como gostava de muitas coisas durante essa época.

- Sentavas-te sempre mais afastado e nunca te juntavas nas canções ou quando se contavam histórias.

Não sabia fazê-lo. Aquelas reuniões familiares tão quentes e acolhedoras eram uma experiência nova para mim.

- Estavas tão zangado, estavas sempre com má cara.

- Estava zangado - concordou. - Mas tu nunca pareceste preocupada que pudesse discutir contigo.

-Não.

- Porquê?

Ela ficou pensativa um momento e depois respondeu com sinceridade.

- Pela forma como tratavas Molly. Só tinha onze anos e não parava de falar e de chatear as pessoas e, embora fosse evidente que também ficavas nervoso, nunca te ouvi responder-lhe mal.

Ele parecia surpreendido.

- Ao fim e ao cabo, era apenas uma menina. Quando começava a tagarelar, eu tentava evitá-la, mas nunca cheguei a zangar-me.

- Nem ninguém. Isso continua igual - B.J. ficou um momento em silêncio. - Ela gostava muito de ti. Todos gostavam. Molly chorou quando tu te foste embora.

- Que eu me lembre, ela chorava cada vez que um dos rapazes acolhidos se ia embora.

- Bom... sim - reconheceu B.J. - Mas ela sentia a tua falta. Todos... sentimos a tua falta.

Se Daniel percebeu um ligeiro tremor na sua voz, ignorou-o. Em vez disso atirou outro ramo para a lareira.

- Bom, queres jogar outro jogo? Às damas, talvez? Xadrez?

- Não, obrigada continuou a olhar com solenidade para as chamas. - Acho que vou ficar aqui um pouco.

Ela sentiu que ele olhava para ela, mas não desviou o olhar. Passados uns momentos, Daniel levantou-se.

- Vou começar a preparar um sítio onde possamos dormir. Não, não te levantes, eu trato disso.

Ela relaxou e decidiu que não discutiria com ele e, apesar do esforço consciente de não pensar nas lembranças e nas fantasias, aqueles pensamentos não foram assim tão fáceis de erradicar.

Daniel improvisou umas camas pondo as almofadas das cadeiras sobre as duas mesas baixas. Depois de ajudar B.J. a deitar-se numa delas, Daniel apagou a maioria das tochas, atirou mais uns troncos para a fogueira e depois deitou-se também.

- Não é muito confortável, pois não?

B.J. pôs-se de lado, com a cabeça apoiada num braço.

- Lamento que não haja nenhuma manta, com tudo o que Drake guarda nos armários, podia ter metido umas mantas também.

- Estou bem - disse ela.

- Se precisares de alguma coisa durante a noite, diz-me.

- Obrigada.

Fechou os olhos e tentou dormir. Não ia ser fácil, em cima daquela mesa tão dura, com o ar fresco da noite, o barulho do oceano e o som dos pássaros. Já para não mencionar no quanto estava perto de Daniel.

Aparentemente devia ter adormecido. Acordou de repente, assustada, ao dar-se conta de que já não estava sozinha.

-O que...?

- Estavas a tremer - murmurou Daniel, enquanto a abraçava. - Não há mantas, mas eu posso oferecer-te o calor do meu corpo.

A verdade era que tinha frio, pensava. Encolheu-se e estava a tremer, de modo que o calor de Daniel nas costas era agradável. Mesmo assim...

- Não acho que seja boa ideia - disse B.J.

- Vamos dormir e pronto - garantiu ele, enquanto se aninhava mais com ela. - Dormimos juntos na primeira noite.

Sim, mas isso fora numa cama tão grande que tinham passado a noite inteira quase sem se tocar.

- Dorme, B.J.

Pareceu-lhe mais fácil ouvi-lo do que discutir. Desfrutando do calor que a envolvia, B.J. adormeceu novamente.

Ainda não tinha amanhecido quando acordou outra vez. Ela e Daniel estavam colados um ao outro.

Mal se atrevendo a respirar, ficou muito quieta, a tentar decidir se ele continuava a dormir. A sua respiração era profunda e tranquila, e cada vez que respirava o seu fôlego acariciava-lhe a parte de trás do pescoço.

Através da roupa sentiu o calor que irradiava do seu corpo: um corpo lindo... Sem dúvida que Daniel era muito bem feito da cintura para cima.

E da cintura para baixo...

As suas coxas eram rijas. E o vulto que tocava na sua anca era sem dúvida substancial.

- Estás acordada? - a sua voz foi um estrondo grave ao ouvido.

De repente estava totalmente acordada.

- Hum - foi apenas o que conseguiu emitir.

- Tens frio? Como? -Hum.

- Dormiste um pouco?

- Um pouco. E tu?

- Algumas horas. Uma mesa não é o sítio ideal para dormir, pois não?

Ela humedeceu os lábios.

- Parece que não.

Sem pensar, mudou de posição. Ao fazê-lo ficou mais colada ao sexo de Daniel; algo que não esperava.

- Claro que - disse Daniel num tom rouco, - talvez não seja tão desconfortável afinal de contas.

Ela mexeu-se instintivamente para uma postura menos íntima. O pior foi que Daniel se mexeu ao mesmo tempo e acabaram mais próximos do que antes.

- Talvez devêssemos levantar-nos - disse ela com uma certa exasperação.

O sorriso repentino de Daniel foi visível à ténue luz do amanhecer, um sorriso atrevido.

Franziu o sobrolho para disfarçar e tentou falar com normalidade apesar dos batimentos rápidos do seu coração.

- Comporta-te.

- Sei que devia - disse ele num tom reflexivo. Mas não se mexeu.

B.J. sentiu um aperto no estômago.

- Isto... Daniel?

- Sim. Vou levantar-me.

Mas em vez de o fazer, retirou-lhe uma madeixa de cabelo da cara e permaneceu onde estava, tinham os seus corpos colados. B.J. deu-se conta de que ele estava cada vez mais excitado. Portanto pôs-lhe a mão no peito. Certamente para o empurrar. Pelo menos foi o que disse para si. No entanto, cerrou o punho, acariciando-lhe a pele sob a roupa muito devagar.

Oh, era tão forte, tão firme, sem dúvida um homem em que alguém podia apoiar-se.

Mas não um homem em quem se pudesse confiar completamente, disse para si bruscamente, enquanto tentava controlar o desejo que a queimava por dentro.

Não funcionou. Quando Daniel baixou a cabeça, ela levantou a cara para lhe dar as boas-vindas.

Os seus beijos anteriores tinham começado com um público em mente. E, embora depois tivessem perdido um pouco o controlo, havia sempre a realidade dos espectadores, do papel que estavam a interpretar.

Naquele momento não havia público, nem razão para actuar. Nada podia pará-los, excepto a força de vontade, o que, pensava B.J., não seria suficiente.

Fantasiara com aquele homem, com um momento como aquele, metade da vida.

Ele apoiou o peso num cotovelo e agarrou-lhe a cara com as duas mãos, inclinou-lhe a cabeça para ter melhor acesso à sua boca. Passou um bom tempo a explorar-lhe os lábios, mordiscando-os, contornando-os com a ponta da língua. E, depois, afastando-os para poder introduzir a língua.

Assim que a língua dele entrou na sua boca e tocou na sua os toques eram tão sensuais e rítmicos que B.J. começou a mover as ancas instintivamente ao mesmo ritmo. Enquanto murmurava palavras tranquilizadoras ao mesmo tempo que continuava a beijá-la, Daniel passou-lhe a mão pela barriga e deslizou os dedos, tão perto do seu sexo ardente que ela acabou por gemer.

Então ele deslizou os dedos um pouco mais para baixo e ela arqueou-se em resposta às carícias doces e levantou o joelho para que ele se posicionasse mais intimamente entre as suas pernas. Não havia razão para fingir que algum deles estava controlado, nem porquê negar a necessidade que os impulsionava.

- BJ. - murmurou ele.

B.J. alegrou-se de que não lhe tivesse chamado Brittany, que gostasse da mulher em que ela se transformara.

Colocou as mãos por baixo da sua camisa e acariciou-lhe as costas quentes e suaves, enquanto o beijava novamente. Só que dessa vez o beijo foi lento e não desafogado; deliberado e não impetuoso.

Não pensava que pudesse fazer-lhe um convite mais evidente.

Ele ficou quieto um momento. O suficiente para que B.J. compreendesse a batalha que tinha no seu interior entre o desejo e o bom-senso. E B.J. alegrou-se quando o desejo ganhou.

Quando ele inclinou a cabeça e começou a beijá-la no pescoço, ficou claro o seu propósito.

Mais beijos levaram-no até ao decote da sua blusa, até aos seus seios excitados. A sua atenção dividia-se entre os seus lábios que deslizavam pelo seu decote e os movimentos dos seus dedos entre as suas coxas, até que finalmente começou a tocá-la na zona mais sensível do seu corpo.

Ela tremeu, enquanto gemia o seu nome. Ele voltou a beijá-la na boca, a tentar acalmá-la, mas só conseguiu excitá-la mais.

- Não pares - pediu ela quando ele levantou a cabeça.

Ele olhou para ela nos olhos: brilhavam como dois azeviches à luz do amanhecer.

- Quero que tenhas a certeza - disse Daniel com voz rouca. Porque depois não vou pedir desculpa.

- Não te vou pedir isso - disse, enquanto se movia contra o seu sexo excitado.

O gemido que lhe arrancou encheu-a de satisfação e levou-a a continuar a mover-se.

O homem que ela achara incapaz de se deixar levar pelas suas emoções, demonstrou que podia ser vítima de uma paixão cega tal como qualquer outro mortal.

Imediatamente, ele acariciou-a por todos os lados, e começou a despir-lhe a roupa com um nervosismo que a encheu de emoção. Os seus movimentos eram nervosos, primitivos, impetuosos e, no entanto, tão naturalmente habilidosos que a conduziram à beira do abismo.

Caíram juntos por esse abismo, enchendo as sombras da cabana silenciosa de gemidos de prazer. E talvez de uma certa ansiedade, por parte de ambos, pelo que viria depois do prazer.

Um barco veio buscá-los depois do amanhecer. Não era Bernard que o conduzia, era um jovem com um ar determinado.

- O meu nome é Greg. O senhor Drake pediu-me que vos pedisse desculpa pela inconveniência - disse rapidamente antes que B.J. e Daniel tivessem a oportunidade de dizer o que quer que fosse. Houve um mal-entendido e pensou-se que lhes tinham enviado um barco ontem à noite. Até esta manhã não se tinham dado conta de que continuavam aqui na ilha. Sinceramente esperamos que não tenham sofrido nenhum percalço durante as horas que passaram aqui.

Daniel olhou para o jovem com aborrecimento, enquanto considerava dar-lhe um murro, embora fosse apenas pela satisfação de bater em alguém. Mas, fazer alguém que não tinha nada a ver com aquilo pagar pela sua raiva, não serviria de nada.

Mais tarde descarregaria o seu aborrecimento com quem merecia, decidiu, enquanto se virava.

Daniel certificou-se de que B.J. ia confortavelmente sentada na lancha antes de se sentar em frente a ela em vez de se pôr ao seu lado. Na verdade, não confiava em si próprio se se sentasse ao lado de B.J. Assim que chegassem ao complexo, teriam de voltar a assumir os seus respectivos papéis de marido e mulher devotos.

Nenhum percalço? Greg não fazia ideia do mal que aquelas horas tinham causado. As barreiras emocionais que tantos anos lhe tinham custado a erguer e reforçar, mostravam já rachas profundas e não sabia o que lhe custaria para as reparar novamente.

Daniel tinha medo de que não voltassem a ser tão seguras e impenetráveis como anteriormente.

 

O Daniel Andreas que saiu da lancha no porto desportivo do complexo não era o mesmo homem que fizera amor apaixonadamente com BJ. há apenas uma hora antes. Aquele homem era duro, estava tenso e a sua expressão destilava raiva contida.

Era um homem perigoso.

Enquanto se vestiam mal tinham falado, à excepção de lhe ter dado umas quantas instruções sobre como devia comportar-se quando regressassem ao complexo. Basicamente, ela tinha de aparentar certa confusão. Mas não tinham falado de nada pessoal, nem discutido sobre o que acontecera entre eles.

Pelo modo como Daniel se comportava naquele momento, ninguém diria que tinham passado a noite juntos.

Bernard adiantou-se para os cumprimentar no porto, ao chegar com uma expressão de evidente sinceridade falsa.

- Lamento muito terem ficado presos na ilha. Houve uma confusão sobre quem tinha de...

Daniel interrompeu o seu discurso com um murro seco. Inclusive, enquanto B.J. emitia um gemido de surpresa perante a rapidez do golpe, outro homem de casaco apareceu não se sabia de onde e avançou para Daniel.

Ela atirou-se a Daniel, agarrou-lhe um braço e puxou-o para o afastar de Bernard.

- Daniel Andreas! Perdeste a cabeça?

- Isto - disse Daniel sem afastar a vista de Bernard

- foi pelo desconforto que a minha esposa sofreu durante toda a noite.

- Pelo amor de Deus, Daniel, isso não era necessário - B.J. interpretava o seu papel com um ar de desespero. - Ouviste Bernard dizer que foi um mal-entendido.

A raiva pareceu desaparecer lentamente do rosto de Bernard, enquanto olhava para B.J. Fez um gesto brusco com a cabeça para dispensar o homem que se aproximava e passou as costas da mão pelo lábio inferior, de onde escorria um fio de sangue.

B.J. aproveitou a vantagem para falar novamente.

- Peço desculpas pelo meu marido, Bernard. É muito protector comigo.

- Não tem de se desculpar, senhora Andreas. Um homem deve proteger o seu bem mais prezado, não é verdade, Daniel?

Daniel moveu novamente o braço, como se desejasse realmente dar outro murro a Bernard. Mas B.J. tinha-o bem seguro.

- Quero falar com Drake - resmungou Daniel. Agora.

- Lamento muito, mas o senhor Drake está fora do complexo esta manhã. Tenho a certeza de que quererá falar contigo assim que chegar.

- Ainda bem - disse B.J. com firmeza. - Assim o meu marido poderá acalmar um pouco o seu génio.

Tentou conceder desespero ao seu tom de voz, lembrando-se da voz da sua mãe quando estava zangada com o seu marido.

Bernard fez um gesto para o caminho que levava de volta à suíte.

- Tenho a certeza de que quererão descansar e refrescar-se um pouco. Assim que estiverem prontos, o serviço de quartos levar-vos-á café e um lanche à suíte.

- Obrigada - disse B.J., tentando segurar Daniel com firmeza. Nós gostaríamos de ir um pouco para a suíte. Vamos, Daniel.

Ela ficou surpreendida quando ele a seguiu sem oferecer resistência.

  1. já estava habituada a que Daniel passasse o dispositivo pelos quartos para ver se havia microfones escondidos e ele fê-lo rapidamente. Só então regressou para perto dela, que estava sentada na sala.

- Representaste a cena com Bernard na perfeição disse, surpreendendo-a. - Exactamente como esperava que fizesses.

- Quem estava a representar? - inquiriu com ar desafiante. - Pensei que te atiraria ao chão e que depois pediria àquele tipo para te dar um tiro. Não viste a cara de Bernard quando lhe deste o murro? Estava furioso.

Daniel flectiu a mão com uma expressão pesarosa.

- Aquele tipo tem um queixo de pedra. Pensei que tinha partido a mão.

- E porque é que o agrediste? Ele encolheu os ombros.

- Não posso permitir mostrar-me fraco à frente destes tipos. Eles sabem que eu sei que nos deixaram na ilha de propósito. Não podia deixar isso passar sem fazer alguma coisa.

- Esta situação é cada vez mais ridícula - murmurou BJ. - Acredito que os homens têm um cromossoma estragado que os leva a comportarem-se como imbecis.

- Não vou negar - disse ele com um certo humor. Mas como isto é o que temos, tenho de aproveitar qualquer oportunidade que me leve a sair vencedor no jogo.

- Deixa-me adivinhar: aquele que morrer fica com mais brinquedos?

- Algo do género. Quem ficar vivo mais tempo fica com mais brinquedos.

Ela engoliu em seco.

- E as pessoas que se cruzam no caminho? Depois de hesitar um momento, ele respondeu:

Normalmente, e apesar das melhores intenções do jogador, acabam por ser atropeladas.

B.J., que não conseguiu suportar mais, virou-se bruscamente para o quarto.

- Vou tomar um duche. Ele não tentou pará-la.

Dez minutos depois estava com a cara debaixo do jorro de água quente que caía como uma cascata sobre a sua cabeça. O banho acalmou-lhe o nervosismo e relaxou-a, mas não conseguiu fazê-la esquecer as lembranças da noite anterior que, sem dúvida, obcecá-la-iam o resto da vida. Também não conseguiu fazer desaparecer o medo de que algo terrível aconteceria a Daniel se continuasse pelo caminho que seguia: fosse qual fosse.

Quando as mãos grandes de Daniel se apoiaram sobre os seus ombros, ela emitiu um gemido entrecortado, a ponto quase de engolir água. Esquecera-se de como podia ser tão silencioso, o quanto o seu comportamento era imprevisível. E quando aquelas mãos deslizaram para abraçar os seus seios redondos e pequenos, ela gemeu e derreteu-se entre os seus braços.

- Ocorreu-me - murmurou ele, - que esta manhã não tive oportunidade de te dizer o quanto foi especial para mim.

Ela apoiou-se sobre ele.

- Não, é verdade, não me disseste.

- Foi... - virou-a e olhou para ela nos olhos com um sorriso terno nos lábios - espectacular.

Não conseguia continuar zangada com ele se olhava para ela daquela maneira. Colocou-lhe os braços à volta do pescoço e levantou a cara para o beijar.

As suas mãos deslizaram avidamente pela sua pele molhada e escorregadia, parando com frequência para explorar e acariciar. B.J. enroscou as suas pernas nas dele, saboreando a sensação do seu pêlo sobre a sua pele suave, a potência dos músculos das suas pernas. Deleitou-se com as diferenças entre eles e com o modo como encaixavam na perfeição.

Ao princípio tinha estado nervosa, preocupada por Daniel poder ficar decepcionado por o seu corpo não ter curvas voluptuosas. No entanto o ar de apreciação quando olhava para ela nos olhos, quando lhe tocava, quando explorou o seu corpo molhado com a boca, garantiu-lhe que as suas formas esbeltas eram o que o atraía.

A água começava a arrefecer, em contraste com a temperatura de B.J., que começava a aumentar. Afundou-lhe as mãos nos cabelos molhados e arqueou as costas para trás, enquanto ele encostava a cara às suas coxas.

- Daniel?

Ele levantou-se e desligou a água.

- Da última vez fizemo-lo à pressa. Desta vez podemos ir com calma.

Não sabia porque é que tinha voltado a mudar de frio e distante para quente e apaixonado. Não era capaz de manter o seu humor estável, já que nunca sabia quando estava a representar um papel e quando se estava a mostrar como era na verdade. Se tivesse um pouco de bom-senso, afastar-se-ia dele, para não se apaixonar por Daniel mais do que já estava.

Mas parecia que quando se tratava de Daniel, o bom-senso desaparecia.

Sem se enxugarem, atiraram-se para cima da cama que tinham partilhado de um modo tão platónico. Apesar do que Daniel dissera no duche, B.J. esperava que a partir dali tudo fosse mais rápido.

Em vez disso abrandou, beijando-a devagar desde o pescoço até aos dedos dos pés e de volta para cima. Pegou-lhe na cara entre as mãos e beijou-a na boca, nas pálpebras e no nariz. Mas mesmo assim não se apressou.

Quando ela não conseguia suportar nem mais um minuto, quando começava a perguntar-se se ia satisfazer, em algum momento, a avidez que a consumia por dentro, ela subiu com energia para cima dele e tomou conta da situação.

Naquele momento era Daniel que gemia, que começava a exigir-lhe. E foi a vez de B.J. de o provocar, de brincar com ele, dando-lhe um pouco de prazer e parando para o deixar louco de desejo.

Quando o controlo que com tanta habilidade exercia o abandonou, B.J. maravilhou-se com a ferocidade do seu olhar para lhe dar a volta e pôr-se por cima e, então, ela também se libertou e deixou de pensar com coerência.

B.J. acabava de recuperar o fôlego quando alguém bateu à porta. Ela abriu os olhos justamente quando Daniel se endireitava.

- Deve ser a comida - disse ele, enquanto passava a mão pelo cabelo despenteado. - Já vai.

Fazer amor com Daniel deixara-a entorpecida, mas a mera menção a comida encheu-a de entusiasmo. Sentou-se na cama.

- Óptimo, tenho fome.

Daniel desatou a rir-se e inclinou-se para a beijar.

- Porque é que não me surpreende? - perguntou a sorrir quando se afastou para olhar para ela.

Vestiu um robe e dirigiu-se para a sala. BJ. levantou-se a seguir e vestiu também o robe, arranjou um pouco o cabelo quase seco e seguiu-o com a esperança de receber uma bandeja cheia de brioches e outras delícias.

Mas não era o pequeno-almoço que os esperava à porta da sala. Era Judson Drake.

B.J. ficou gelada. Drake olhou para ela de cima a baixo com o seu olhar frio. Como Daniel tinha o mesmo aspecto que ela, acabados de sair da cama, devia ser evidente o que tinham estado a fazer antes de ele chegar. Ela sentiu um calor nas faces.

A cena encaixava na perfeição com a história que Daniel contara, é claro. No entanto, não teria previsto que Drake os encontrasse assim. Não queria sequer pensar que houvesse premeditação no modo como Daniel fizera amor com ela.

- Senhora Andreas - disse Drake com um certo tom brincalhão que a fez arrepiar-se. - Só queria vir pedir desculpas pela incompetência do meu pessoal ao deixá-los ontem à noite na ilha. Sei que o teu marido se zangou, com razão, ao chegar ao complexo. Felizmente, parece que lhe passou o aborrecimento desde o seu encontro com Bernard.

B.J. não respondeu, limitou-se a fechar os olhos e a cruzar os braços.

- A minha esposa tem fome e precisa de tempo para recuperar da situação pela qual passámos - disse Daniel num tom terminante. - Se nos dás licença...

- É claro. De facto, acaba de chegar a comida Drake afastou-se para deixar que um empregado empurrasse um carrinho cheio. - Por favor, diz-me se puder fazer alguma coisa para compensar a tua esposa. E, Daniel, espero que possas reunir-te esta tarde comigo, enquanto a tua esposa descansa.

- Não seria mau se apanhasse o primeiro barco e me fosse embora daqui - resmungou Daniel, conseguindo que B.J. sentisse um rasgo de alegria no coração.

Drake arqueou uma sobrancelha.

- Isso seria muito mau - murmurou - para ambos. Daniel deixou que passassem mais uns segundos de silêncio e depois assentiu.

Vejo-te mais tarde. Mas agora gostaria de dar atenção à minha esposa.

- É claro.

Drake avançou um passo para B.J., sem dúvida com a intenção de lhe pegar na mão ou algum outro gesto do género. Mas B.J. e Daniel moveram-se ao mesmo tempo: ela recuou e Daniel pôs-se entre Drake e ela.

- Então até mais tarde - disse Daniel.

O outro homem semicerrou os olhos, tentando disfarçar a sua raiva, mas depois assentiu.

- Senhora Andreas - disse, enquanto fazia uma reverência breve e tensa antes de sair.

O empregado saiu imediatamente depois.

- Não sei se continuo com fome - disse B.J. a tremer. Mas Daniel já estava a levantar os guardanapos que cobriam as delícias.

- Brioches, framboesas frescas, bacon. Ou talvez te apeteça antes uma omeleta. Ou talvez...

Ela suspirou.

- Está bem, se calhar vou mesmo comer - murmurou, enquanto o estômago lhe dava voltas. - Mas aquele tipo continua a meter-me medo.

Comeram em silêncio durante uns minutos, mas B.J. não foi capaz de saborear a comida.

- Porque é que me tratas sempre como se fosse uma menina diante daquele tipo asqueroso?

Daniel encolheu os ombros.

- Lamento muito. Encaixa com a nossa história.

- Que mulher gostaria de ser tratada assim?

- Surpreender-te-ias - respondeu ele num tom seco. Algumas só querem ser mimadas.

- Não vejo uma mulher assim interessar-te.

- Não. Não me interessaria.

- Tal como não me interessaria um homem que precisa de ser elogiado o tempo todo. Tenho a certeza de que Drake é assim.

- Sem dúvida - Daniel bebeu um gole de café. Então, que tipo de homem procuras? questionou.

- Não estou à procura - respondeu ela com descaramento. - Mas se conhecesse alguém que me interessasse, seria um homem que me tratasse de igual para igual. Um homem que valorizasse a minha inteligência e as minhas opiniões, que não quisesse transformar-me no ideal de Hollywood da mulher perfeita.

- Qualquer homem que não te valorize como és, não merece a tua atenção.

Ela olhou para ele e não disse nada.

- Esta tarde vou reunir-me várias horas com Drake - disse Daniel, mudando de conversa bruscamente. - Talvez seja melhor ficares na suite para, bom, recuperares do que passámos.

- Oh, por favor. Nenhuma das mulheres que Drake gosta teria de ficar na cama o dia todo só por ter passado uma noite ao ar livre.

No entanto sentir-me-ia melhor se permanecesses afastada de Bernard e de outros empregados de Drake. Pelo menos sem eu estar presente.

Ela levantou a cabeça bruscamente. Embora o seu tom fosse calmo, ela ficou com o pulso acelerado.

- Há razão para me preocupar?

- Só não gosto de pensar na possibilidade de que tu possas ser usada contra mim - reconheceu. - Passarmos a noite na ilha foi um aviso. A próxima vez não será assim tão subtil.

Haverá uma próxima vez?

- Se eu for astuto, não. Mas gostaria, de qualquer modo, que fechasses a porta à chave quando eu sair. Põe o cartão de Não Incomodar e descansa umas horas, vê televisão, lê, o que quiseres. Já sei que não és assim tão delicada, mas certamente estás cansada. Ia saber-te bem passar uma tarde sem fazer nada.

Não achava graça que lhe ordenassem que ficasse na suíte, mas também não queria cruzar-se com Bernard. E também não lhe apetecia particularmente sair dali.

Quanto mais depressa termine as minhas reuniões com Drake, mais depressa poderemos voltar para casa - acrescentou Daniel.

Por muito que detestasse Drake, por mais preocupada que estivesse com o envolvimento de Daniel, por muito que inquietasse ambos a presença dos perigos que corriam ali no complexo, por muito que sentisse falta da sua família, não tinha vontade de se despedir de Daniel novamente. E dessa vez seria para sempre, a não ser que ele fosse à festa que os seus tios iam dar. Mas isso parecia improvável.

Por muito que tivesse tentado resistir, estava a apaixonar-se por ele. O que só servia para demonstrar que era uma idiota por se apaixonar por um homem que não conhecia.

B.J. nunca fora uma daquelas pessoas que gostasse de passar uma tarde sem fazer absolutamente nada. Sobretudo quando não fora ela a decidi-lo.

Passeou o olhar com descontentamento pela roupa estranha pendurada no seu roupeiro e decidiu vestir-se com a única coisa de que gostava: a sua roupa. A camisa verde e as calças caqui estavam lavadas e passadas a ferro e B.J. vestiu-as quase com ar desafiante. O arrebatamento de rebeldia foi desaparecendo quando começou a passear pela suíte.

Não conseguia dormir e, naquele momento, não queria ler nem ver televisão. Oxalá soubesse melhor o que se estava a passar naquelas reuniões com Daniel e Drake nos últimos três dias. Parecia claro que lhe estava a armar uma armadilha. Mas o que seria? Um desfalque? Uma fraude?

Surpreendia-a pensar que fizera amor duas vezes com um homem que não sabia se era polícia ou criminoso.

Embora se fosse polícia, não lho teria contado já?

Alguém bateu à porta. B.J. aproximou-se com cuidado, recordando a advertência de Daniel. Espreitou e franziu o sobrolho. Não esperava aquela pessoa.

- Ingrid? - abriu a porta e olhou com curiosidade para a mulher que tinha à frente. - Que surpresa.

Como uma modelo, com um vestido sem alças branco, Ingrid pôs-lhe uma mão no ombro.

- Estás bem?

- Sim estou, obrigada.

- Descobri o que lhes aconteceu ontem. Não posso acreditar que aquele estúpido do Bernard os tivesse deixado na ilha toda a noite.

- Pensou que outra pessoa tinha ido buscar-nos repetiu B.J. obedientemente.

Ingrid emitiu um som desdenhoso.

Aquele tipo é mais idiota do que sei lá o quê. Ouvi dizer que o teu marido lhe deu um murro na boca. Lamento muito ter perdido isso.

Foi Drake que te contou? - perguntou B.J. com surpresa.

Não lhe parecia que Drake tivesse o hábito de contar coisas a Ingrid.

- Bom... não. Foi outra pessoa. Alguém que o viu. A única pessoa que vira a cena fora o jovem que conduzira a lancha que os fora buscar à ilha. Ao ver a expressão evasiva de Ingrid, B.J. tirou as suas próprias conclusões, mas limitou-se a dizer:

- Lamento ter perdido a actuação de ontem à noite.

- A culpa não foi tua. Embora a verdade é que me aborreceu bastante ver que não estavas presente ontem à noite. Pensei que não terias querido ir depois de ver o ensaio.

- Que ideia! Desejava ver a actuação. Que tal correu?

- Bastante bem. acho eu - reconheceu Ingrid. - As pessoas elogiaram-me muito quando acabei.

- Tenho a certeza de que foste fantástica. Oxalá tivesse visto.

- És muito simpática, sabias? - Ingrid sorriu com uma certa inocência. - Não queres sair? - inquiriu Ingrid fazendo um gesto com a mão para a suíte. - Vamos fazer qualquer coisa diferente. Algo caro que possamos pôr na conta de Judson, já que por culpa do seu pessoal incompetente ficámos ambas decepcionadas. Pensou nas instruções de Daniel em ficar na suíte.

- É que eu...

Vamos - afirmou Ingrid. Será divertido. Não vais querer ficar o dia todo aqui à espera do teu marido, pois não?

B.J. abanou a cabeça com uma onda repentina de temeridade.

Não, não é isso que quero fazer. Vamos então.

- Óptimo. Ah, e não te preocupes com a roupa acrescentou Ingrid, olhando para as calças verdes e a camisa caqui dela. Estás bem.

Para B.J. era indiferente, porque nem sequer isso ia fazê-la mudar de opinião. Colocou a mala ao ombro, saiu da suíte com Ingrid e fechou a porta.

 

B.J. e Ingrid passaram a tarde toda a deixar-se mimar no spa e no salão de beleza. B.J. teria pensado que detestaria cada minuto das sessões de massagem, deixando-se esfregar e tocar por mãos estranhas. Mas não tinha sido assim tão mau.

Quando ela e Ingrid saíram do salão de beleza, B.J. tinha a pele suave e brilhante, o cabelo leve e sedoso e sentia as pernas ágeis. Olhou para as unhas das mãos e dos pés que tinham sido arranjadas e decidiu que podia fazê-lo novamente, embora não tão depressa.

- Vejo-te por aí - disse Ingrid, seguindo a direcção oposta ao sair do balneário. - Foi divertido.

- Sim, gostei muito.

Passara a tarde de um modo muito agradável, melhor pelo menos do que estar sentada na suíte toda a tarde, à espera que ele regressasse.

Na verdade, pensava, enquanto abrandava o passo, não estava pronta de todo para voltar para a suíte. Não tinha vontade de voltar a ver Daniel naquele momento, agora que tinha a certeza de que se apaixonara por ele.

Virou-se bruscamente e dirigiu-se para a praia, evitando as zonas onde havia mais gente para passear devagar por uma parte da praia que estava mais deserta. Queria estar uns minutos sozinha antes de ter de o enfrentar.

Foi até à beira da água e deixou que as ondas lhe acariciassem os dedos dos pés. A brisa despenteou-lhe um pouco o cabelo arranjado. Estava mais suave do que nunca e emanava um delicado cheiro a flores. Perguntou-se se Daniel notaria a diferença.

E então fez uma careta ao dar-se conta do que estava a pensar. Ela nunca fora das que se arranjava para nenhum homem e aquela não era certamente a melhor altura para começar.

De todos os modos, o que é que estava a fazer? Como conseguiria explicar a alguém os últimos quatro dias? Viver uma aventura com um homem não era nada normal nela. E o que ia dizer? Que estava a apaixonar-se por aquele homem apesar das dúvidas que tinha sobre a sua moralidade?

Os seus pais pensariam que se dirigia para um mau caminho. A sua irmã acharia que perdera o juízo e as suas amigas jurariam que tinha sido hipnotizado para que se comportasse assim. E talvez tivessem razão.

Mas ali estava. E não tinha intenção de deixar Daniel até que ele quisesse livrar-se dela.

Um búzio meio enterrado na areia chamou-lhe a atenção. Baixou-se para o apanhar, sacudiu-o e examinou-o. Era lindo, pensou, enquanto o guardava no bolso, com a intenção de o levar para casa como lembrança.

Embora não precisasse de nada para recordar cada minuto que passara com Daniel naquele complexo. Pelo contrário, tinha medo de que essas lembranças a obcecassem o resto dos seus dias.

- Isso tem um preço, sabes.

Fechou os olhos e controlou um gemido antes de se virar para Judson Drake. Por muito que lhe custasse reconhecer, devia ter ouvido Daniel e ter regressado directamente à suíte.

- B.J.?

Daniel esperava encontrá-la sentada no sofá com o seu livro, ou na espreguiçadeira do terraço, já que parecia gostar tanto do mar.

Só lhe levou alguns minutos a perceber que não estava em nenhum sítio da suíte.

- Maldição.

Não lhe ocorrera pensar que ela pudesse sair apesar de lhe ter pedido que ficasse na suíte. Cooperara tanto até ao momento que ele assumira que ela continuaria a fazer o que lhe pedia, enquanto estivessem ali.

Ao recordar o brilho de desafio nos seus olhos, disse para si que deveria ter percebido logo.

B.J. não era a marioneta de ninguém, disse para si. Até ao momento jogara o jogo dele porque ele a convencera de que era para o seu próprio bem, mas isso não queria dizer que ela fosse aceitar cegamente tudo o que lhe dissesse.

Lembrou-se da última vez que saíra sozinha, quando Bernard a seguira pela praia. Felizmente, nessa ocasião ela não se arriscara, nem pusera em perigo o disfarce. Sentiu um aperto no estômago perante a possibilidade de que talvez daquela vez não tivesse sido tão sensata. Tentou dizer a si próprio que era o seu plano que mais o preocupava, mas assim que abriu a porta para sair da suíte para procurar B.J., já estava convencido de que as suas preocupações eram todas por causa dela.

Drake estava na praia à frente de B.J., com as pernas abertas e os pés firmemente no chão, a sorrir-lhe com aquele sorriso que certamente teria praticado ao espelho duzentas vezes e que se calhar deslumbrava muitas mulheres com o seu brilho e brancura.

- Como te disse, isso tem um preço.

Ela não queria perguntar qual seria. Só o seu sorriso era suficiente para a afugentar.

- Talvez possas pôr na nossa conta.

Ele desatou a rir-se com um som tão falso que B.J. ficou com os nervos à flor da pele.

- Considerá-lo-emos como o meu presente para ti. Podes pensar em mim quando olhares para ele.

B.J. não estava com paciência para brincar com ele.

- Imagino que as reuniões com o meu marido terminaram por hoje. Deve estar à minha procura. Acho que devia voltar para a suíte.

Drake não se afastou do seu caminho.

- Tenho a certeza de que ele sabe que estás a salvo no meu complexo.

- Que estranho, ontem à noite à uma da manhã não me sentia nada a salvo.

O comentário frio era mentira, é claro, já que se sentira perfeitamente a salvo com Daniel. Mas tinha de representar um papel e talvez se incomodasse Drake o suficiente, ele sairia do caminho.

- Ah, continuas zangada comigo pelo que se passou. Entendo. Deves ter-te sentido aterrorizada ao perceberes que ninguém ia buscar-vos.

Ela franziu a testa.

- Contrariada talvez e um pouco nervosa. Mas aterrorizada não. Ao fim e ao cabo, estava com o meu marido.

- Ah, sim. Daniel, o Protector. Ela assentiu.

- O teu marido é um homem muito interessante. Um pouco temperamental.

- Cuida bem de mim - era a resposta que Drake teria esperado dela.

- Hum - adiantou a mão e deslizou-lhe um dedo pelo braço. - És uma mulher que qualquer homem teria orgulho em cuidar.

Que asco! Conseguiu não afastar o braço com brusquidão, mas só podia esperar que ele não percebesse a repulsão que sabia que havia no seu olhar.

- Estou prestes a fazer do teu marido um homem muito rico, sabes?

Talvez quisesse impressioná-la, fazendo-a sentir-se em dívida para com ele. Em vez disso, B.J. adoptou uma expressão de aborrecimento.

- Os assuntos de negócios deixo-os para Daniel.

- Não te impressionam, eh? Não gostarias de andar cheia de diamantes, B.J.?

- Tenho todos os que quero. E dinheiro para comprar mais, se desejar - acrescentou, lembrando-se da sua suposta fortuna. Se Daniel tiver a satisfação de fazer dinheiro sozinho, então apoio totalmente os seus esforços.

- Não gostas de ostentação, pois não? Roupa simples, joalharia simples, um anel de casamento tradicional. Eu ter-te-ia comprado algo muito mais espectacular se te tivesses casado comigo. Só para demonstrar a toda a gente o quanto estaria orgulhoso de seres a minha esposa.

B.J. tocou instintivamente na aliança que usava.

- Esta aliança tem um valor sentimental importante para o meu marido e para mim. Agora, se me dás licença, será melhor que...

Drake acariciou-lhe novamente o braço.

- És muito leal ao teu marido. Talvez de um modo bastante estúpido.

Ela mordeu o lábio e não disse nada.

Ele avançou um passo para ela e ela balançou-se sobre os dois pés para se preparar, caso tivesse de escapar dele e começar a correr.

Suponho que não faz sentido então que te convide para jantar comigo um dia. Em Paris, talvez.

- A minha esposa e eu adoraríamos jantar um dia em Paris - disse Daniel num tom comedido, enquanto aparecia por trás de Drake e colocava o braço nos ombros de B.J. e a afastava do outro. - Não é verdade, querida?

Ela olhou para ele aliviada.

- Teria de ver na minha agenda, é claro.

Daniel sorriu e deu-lhe um beijo na ponta do nariz.

- A minha esposa e a sua agenda social - disse com indulgência. Essa é apenas uma das coisas que adoro nela.

O sorriso de Drake era decididamente superficial.

- Daniel. Fico contente por te ver. Jantam connosco esta noite?

B.J. conteve a respiração até que Daniel abanou a cabeça. Agarrava-a com um pouco mais de força e baixara um pouco a voz ao responder.

- Obrigado, mas B.J. e eu temos planos para esta noite. Vamos celebrar um aniversário e gostaríamos de o comemorar em privado.

- É o vosso aniversário de casamento? - inquiriu Drake num tom céptico.

- Não - Daniel olhou para B.J. nos olhos, sorrindo só para ela. - É outro tipo de aniversário. Um que nós gostamos de celebrar à nossa maneira.

B.J. sentiu-se corar, o que certamente fortaleceria a actuação que Daniel estava a fazer diante de Drake. Mas Daniel olhava para ela, naquele momento, de um modo que as pernas lhe começaram a tremer. Não lhe custava imaginar do que se tratava o "aniversário especial" que estava a inventar.

Aparentemente Drake também tirara as suas próprias conclusões. Com aspecto de ter comido qualquer coisa amarga, assentiu.

- Então vemo-nos de manhã para assinar os papéis. Amanhã a esta hora terão mais coisas para celebrar.

- Amanhã? - perguntou B.J. a Daniel assim que Drake os deixou sozinhos. - Vamos ter de ficar outra noite?

- Só mais uma - respondeu ele, enquanto observava a sua expressão angustiada. - Prometo.

- Isso foi o que disseste ontem.

- Consegui evitar jantar com Drake - disse esperançado.

Ela negou-se a sorrir.

- Dando a entender que vamos passar a noite na cama?

- Desculpa. Foi a primeira desculpa que me ocorreu.

Mas não parecia nada arrependido.

- Sabes o quanto a minha família deve estar preocupada comigo? Nunca na vida estive fora tantos dias sem dizer a ninguém onde estou.

- Então agora talvez te vejam como uma adulta em vez de como a irmã mais nova. Assim tratar-te-ão com mais respeito.

- Dás sempre a volta em teu benefício, não dás?

- E não é isso que faz sempre um bom bandido?

O tom de humor na sua voz tornou-se sinistro e em vez de a fazer sorrir, B.J. sentiu um nó na garganta.

- Parece que sim - respondeu ela.

Ele acariciou-lhe o cabelo e passou os dedos pelas pontas recém-cortadas.

- Cortaste o cabelo. -Sim.

- Fica-te bem. E pintaste as unhas das mãos e dos pés de cor-de-rosa.

  1. deveria ter pensado que se daria conta de tudo.

- Ingrid e eu passámos algumas horas no spa e no salão de beleza. Foi a minha maneira de a compensar por não ter estado presente na actuação de ontem à noite.

- Estás muito bonita.

- Não me vais repreender por sair da suíte embora me tenhas dito para não o fazer?

- Não fazia mal ires ao salão de beleza. Quanto a dar um passeio sozinha pela praia... - encolheu os ombros. - A julgar pela cara que tinhas quando te encontrei com Drake, acho que percebeste o que eu queria dizer sem ter de te dizer: "eu bem te avisei".

Ela suspirou.

- Acho que tinhas razão. Alegrei-me tanto de te ver. Ele virou-a para que olhasse para ele.

- Demonstra-me isso.

Aquela seria outra actuação? Por acaso Daniel pensava que Drake continuava por ali a vigiá-los? Ou talvez Bernard?

Consciente desses possíveis curiosos, levantou a cara para ele. Continuava vagamente zangada com ele, ainda preocupada com o resultado daquela charada... Mas não parecia disposta a perder a oportunidade de o beijar.

- Daniel?

Ao seu lado, Daniel mexeu-se um pouco, o seu rosto meio escondido pelas sombras do anoitecer que escureciam o quarto. Ele estava grogue, totalmente satisfeito.

-Hum?

Ela deitou-se de lado, apoiou-se sobre o braço direito e tocou-lhe na cara com a mão esquerda.

- Tens de fazer a barba Ele desatou a rir-se.

- Era isso que querias dizer-me?

- Não. Era outra coisa, mas distraí-me.

Havia tantas coisas que a distraíam em Daniel, sobretudo estando ele nu entre os lençóis e com a pele ainda suada e brilhante do esforço.

-Hum.

Ele pareceu distrair-se também novamente, enquanto lhe deslizava a mão das costas para o peito.

- Espera. Quero perguntar-te uma coisa.

- Ainda bem. Não sei se tenho força para mais alguma coisa. Pelo menos por enquanto.

- Tens medo do que possa dizer-te, não tens? - questionou ela com exasperação.

- Não tenho medo... Estou só a ser cauteloso.

- Bom... Quando vamos comer? Estou morta de fome.

Ele ficou uns segundos quieto e depois desatou a rir-se. B.J. sentiu um aperto no coração. Não ouvira Daniel rir-se muitas vezes, mas guardaria para sempre o eco daquela gargalhada.

- Só há uma coisa que quero que me prometas sussurrou, enquanto Daniel a deitava sobre a cama.

Depois de um jantar romântico à luz das estrelas numa das mesas mais afastadas da sala, tinham ido para a pista de dança onde a orquestra colaborara com o momento e só tocara temas muito românticos, o que lhes permitiu dançar agarrados ao som da música.

- O quê? - perguntou ele, surpreendido.

- Diz-me que isto não é uma coisa casual. Embora seja só esta noite.

- B.J. - agarrou-lhe a cara com as duas mãos e olhou para ela nos olhos com intensidade.

- Não é casual. Seria muito mais fácil se fosse.

A verdade que brilhava nos seus olhos era inconfundível. Era bom actor, mas não podia ser assim tão bom.

- Era só isso que queria saber - murmurou ela, enquanto ele a apertava entre os seus braços novamente.

Pelo menos por enquanto.

 

B.J. deveria ter tido sono, mas uma hora depois de ter regressado à suíte estava completamente acordada. Tinham feito amor e embora fosse difícil de acreditar que cada vez pudesse ser melhor do que a anterior, assim era. Algo lhe dizia que uma vida inteira junto de Daniel...

Mas não. Não devia pensar nisso porque era uma coisa que nunca saberia.

- Daniel? - chamou, quando um pensamento a levou a outro.

- Tens outra vez fome? - questionou ele com uma consternação fingida.

Ela desatou a rir-se, mas depois ficou séria.

- Aqueles papéis que Drake disse que iam assinar amanhã... Foi nisso que estiveste a trabalhar esta semana?

Embora estivessem meio às escuras, BJ. viu que a expressão relaxada de Daniel dava lugar a uma expressão tensa. Em parte partia-lhe o coração que a intimidade que partilhava com ela acabasse à porta do quarto.

- Sim - respondeu ele sem dizer mais nada.

- E depois?

-Vou-me embora. O mais rápido possível. Fugiria de Drake quando tivesse o seu dinheiro?

- Para onde vais?

- Para longe de Drake. Amanhã a estas horas vai estar... aborrecido comigo. Saberá que foi enganado de um modo que lhe vai custar muito caro.

Ela humedeceu os lábios.

-E eu?

- Tu estarás a salvo. Tenho um plano para te tirar daqui quando me for embora.

Concentrando-se com esforço nas suas perguntas em vez de na sua dor, olhou para a mão que tinha apoiada sobre o seu peito. A aliança de ouro emprestada mal se via na escuridão, mas B.J. sentia o seu peso, enquanto a sua mão descansava sobre o coração dele.

- E tu estarás a salvo?

O seu silêncio era, em si, uma resposta agoirenta.

- Voltarei a ver-te? - embora a sua voz fosse apenas um sussurro, B.J. sabia que ele a ouvira.

O facto de não lhe responder partiu-lhe o coração.

- O que esperavas, B.J.? - interrogou ele num tom áspero depois de alguns minutos dolorosos. - Disse-te o que sou, o tipo de vida que levo. Não há lugar para ti nela.

Como fora parva, dizia para si com raiva, enquanto tentava controlar as lágrimas. Sempre tivera consciência de que aquele momento chegaria.

Mas não era por isso que a magoava menos.

Desviou a cara para o outro lado, afastou os lençóis e foi vestir o robe.

- Acho que vou tomar um duche. Sinto-me um pouco... Suja.

Ele fez menção de a impedir, mas ficou quieto.

- Deixa-me um pouco de água quente - disse apenas.

Talvez ele também se sentisse sujo. Quando se levantou tinha as pernas a tremer. Antes de entrar na banheira, cobriu a cara com as mãos para tentar controlar as suas emoções, pelo máximo tempo possível. Negava-se a perder o controlo à frente de Daniel, por muito que tivesse acontecido entre eles.

Guardaria as lágrimas para depois de se despedirem.

Daniel ficou a olhar para a porta da casa de banho um bom bocado e então levantou-se da cama e começou a passear com rapidez e fúria. Teria gostado de atirar alguma coisa à parede daquela suíte luxuosa e cansativa, mas se o fizesse, B.J. teria saído a correr para ver o que se estava a passar. E o que queria era estar uns minutos sozinho.

Maldição, não precisava daquilo; não o tinha pedido. Tinha estado a trabalhar na perfeição sozinho, sem ninguém especial na sua vida. Um homem sem passado, sem futuro, apenas com a determinação triste de atingir os seus objectivos.

B.J. fazia-o sentir demasiado, desejar demasiado, fazia-o arrepender-se de muitas decisões que tomara nos últimos anos.

Tinha de a enviar de volta ao Texas, para a família que a amava e protegia, para os pais, irmãos, tios, tias e primos. Todos eles quereriam algo melhor para ela; alguém que não fosse ele. Nunca pertencera àquele círculo, não fora mais do que um estranho generosamente acolhido. Sabia isso desde que estivera com eles anos atrás, desde que a beijara a primeira vez. E também sabia isso desde que lhe dissera adeus; um adeus que sempre pensara que seria para sempre.

Oxalá tivesse sido permanente. Visto que teria sido muito mais seguro para ela... E Deus sabia que muito menos doloroso para ele.

Vestiu o robe, colocou a mão na sua mala e tirou um telemóvel. A água continuava a correr, de modo que parecia que teria mais uns minutos de privacidade.

Já era altura de fazer alguma coisa produtiva com aqueles minutos, antes que tudo para o que trabalhara tanto se desmoronasse à sua volta.

B.J. respirou fundo, enquanto levava as mãos ao cinto do robe para o tirar. Só que, de repente, deu-se conta de que não tinha levado a camisa de dormir para a casa de banho.

Suspirou novamente. Por alguma razão, não tinha vontade de se vestir à frente de Daniel. Preferiria sair da casa de banho com a sua dignidade intacta e completamente vestida.

Portanto deixou a água a correr e foi ao quarto, que encontrou vazio. A porta da sala estava entreaberta. B.J. franziu o sobrolho ao ouvir o som grave da voz de Daniel da divisão do lado.

Com quem estaria a falar? Demasiado curiosa para não espreitar, B.J. aproximou-se devagar da porta e espreitou. Daniel estava sozinho na sala, de costas para ela, a falar ao telefone. Pela sua forma de falar ficou claro que não queria que o ouvisse. O que, é claro, só lhe espicaçou ainda mais a curiosidade.

- Quero-a fora daqui amanhã - disse num tom como se não tolerasse discussão. - Cedo.

B.J. mordeu o lábio, dando-se conta de que sem dúvida estavam a falar dela e inclinou-se um pouco mais para a porta.

- Não, não quero saber dos pormenores, só quero que a tires daqui antes que estrague tudo. Quanto mais tempo ficar, mais oportunidade tem de dar um passo em falso. Estamos demasiado perto do pagamento para nos arriscarmos.

B.J. pareceu-lhe que ele se preocupava mais com o seu plano do que com ela, o que só atiçou a sua indignação.

Como podia comportar-se como se ela fosse um estorvo? Por acaso não fizera tudo o que lhe pedira à frente de Drake e dos outros?

- Sim, faz perguntas. Mas consegui distraí-la. Por enquanto.

Ela franziu o sobrolho. Distraíra-a com certeza. Doía-lhe a alma só de pensar que fizera amor com ela para lhe manter a mente demasiado ocupada para fazer mais perguntas. Assegurara-lhe que para ele não era algo passageiro; mas talvez cada um definisse o termo de um modo diferente.

- Olha, simplesmente trata dela, pode ser? Deixo isto nas tuas mãos.

"Trata dela". B.J. repetiu aquelas palavras na sua mente. Havia várias maneiras de as interpretar, pensava, enquanto regressava à casa de banho e fechava a porta sem fazer barulho, para a seguir entrar na banheira.

Mas finalmente disse para si o que achava instintivamente, que era que nem o Daniel que ela conhecera nem o homem que conhecia no presente lhe faria mal. Nem permitiria que outra pessoa o fizesse.

Prometeu a si própria que não estava a imaginar. Não tentava enganar-se, dizendo para si que as acções dele tinham sido nobres ou altruístas. Dissera-lhe que estava ali por dinheiro e ela acreditara nele. Mas jamais teria medo dele.

- B.J.? Estás bem?

Fechou rapidamente a torneira, dando-se conta, de repente, de que estava a correr há um bom bocado e retirou o cabelo molhado da cara. Vou já sair.

Daniel acordou-a com um beijo suave nos lábios. Ela pestanejou meio adormecida e deu-se conta de que ainda mal estava a amanhecer e que ainda nem entrava luz através das cortinas finas da varanda. Não recordava o momento em que adormecera.

Só lhe viu a cara quando olhou para ele, mas rapidamente reparou que estava vestido, sentado na cama, a olhar para ela.

- O que se passa? Para onde vais?

- Tenho de sair. Mas primeiro quero dizer-te uma coisa.

Ela acordou de repente. A chamada telefónica que ouvira na noite anterior veio-lhe à cabeça, dando-lhe a certeza de que o que precisava era de se despedir dela.

- Já está, não?

A pergunta não pareceu surpreendê-lo. Teria gostado de pensar que parecia triste.

- Sim - respondeu Daniel.

Ela engoliu em seco antes de continuar.

- O que queres que faça? Ele tocou-lhe na cara.

- É só isso que queres perguntar-me?

- Responder-me-ias se te perguntasse mais alguma coisa?

Ela pareceu ver a sombra de um sorriso.

- Possivelmente não.

- Já calculava.

Ele inclinou-se e beijou-a.

- Obrigada por tornares as coisas mais fáceis.

- Continuas em dívida comigo - sussurrou ela. Ele apoiou um momento a sua testa na dela.

- Eu sei - então endireitou-se e começou a falar com mais brusquidão. - Tenho de ir. Daqui a pouco virá uma pessoa buscar-te, alguém que te levará para um sítio seguro. Quero que vás directamente para Dállas assim que tiveres oportunidade. Promete-me isso, BJ.

- Prometo.

Ela reparou que ele relaxava e soube que estava mais tranquilo com o que lhe dissera. Aparentemente, ele confiava na sua palavra tanto como ela confiava na dele.

Ele jamais teria de saber o quanto aquela promessa lhe custara, nem o quanto desejava pedir-lhe que a deixasse ficar com ele.

Acedeu a partir em parte porque tinha medo de que ele corresse perigo se ela ficasse ali. E em parte porque não conseguia suportar se lhe dissesse que nem sequer lhe passara pela cabeça pedir-lhe que ficasse com ele.

Desviou os lençóis, endireitou-se e apoiou-se sobre um cotovelo para o ver avançar para a porta.

- Daniel?

Ele parou na porta e virou a cabeça com um olhar impaciente.

- O que se passa?

- Só quero que saibas que estou apaixonada por ti. Teve pelo menos a satisfação de o ver perder parte do seu controlo férreo, sabendo que aquilo era uma coisa que poucas pessoas eram capazes de conseguir. Apanhara Daniel Andreas totalmente desprevenido. -B.J. eu...

- Vai brincar aos teus jogos de poder, Daniel - disse ela com doçura. - Não estou a pedir-te nada. Só precisava de o dizer em voz alta.

Ele tinha controlado novamente a sua expressão. A força com que abriu a porta foi o único sinal de que as suas palavras o tinham afectado.

- Cuida de ti, B.J.

- Eu digo o mesmo.

Ele respirou fundo, como se lhe custasse.

- Como sempre fiz.

E dizendo aquilo, saiu.

Quando ouviu a porta da sala fechar, B.J. permitiu-se finalmente derramar as lágrimas que não quisera derramar à frente dele.

Embora estivesse um pouco amachucada porque a usara umas horas no dia anterior, B.J. vestiu novamente a sua roupa. Não guardou nada na sua mala de lona excepto as suas coisas. Não queria levar nada daquele complexo.

A suíte estava tão silenciosa sem Daniel. Ainda lhe parecia ouvir o eco da sua declaração de amor a flutuar na quietude do ambiente. Não sabia de onde tirara a coragem para dizer aquilo a Daniel, mas como não esperara que ele as repetisse, não a magoara, pelo menos não tanto como o facto de ter partido sem comentar nada a respeito.

Não lamentava ter-lhe dito. Daniel não tinha recebido muito amor na sua vida. Mesmo que fosse apenas uma vez ela tinha querido que ele soubesse que, às vezes, o amor chegava como um presente, sem expectativas nem cargas. E se ele não sentia o mesmo, talvez um dia o facto de ela o ter considerado digno do seu amor significasse alguma coisa para ele.

Alguém bateu à porta quando estava a terminar de abotoar a camisa.

Colocou a mala ao ombro, atravessou a sala e abriu a porta. Um homem de aspecto robusto com uma farda de empregado estava do outro lado. Não era exactamente o que esperara.

- Sim?

- Senhora Andreas?

Ela assentiu. Que génio, pensava B.J. com ironia ao ouvi-lo dirigir-se a ela.

- O seu marido pediu-me que viesse buscá-la. Ele e o senhor Drake desejam que se junte a eles para tomar o pequeno-almoço.

Ela franziu o sobrolho, confusa. Daniel não dissera nada sobre o pequeno-almoço. Mas dissera que alguém iria buscá-la. Talvez aquilo também fizesse parte do esquema, caso alguém estivesse a observá-la ou algo do género.

- Eu, bom...

O homem abriu um pouco mais a porta.

- Estão à sua espera insistiu.

- Está bem - respondeu B.J.

Sentiu-se orgulhosa de que não lhe tremesse a voz apesar do sem-fim de emoções que formavam redemoinhos no seu interior. O seu acompanhante sorriu, enquanto fechava a porta, e B.J. teve uma sensação estranha ao ver o seu sorriso, mas disse para si que eram só as suas paranóias. Disse para si que confiava em Daniel, que ele não enviaria ninguém que pudesse ser uma ameaça para ela.

Com a cabeça bem erguida, permitiu que o homem a conduzisse pelo corredor.

Estava a custar muito a Daniel concentrar-se no que se supunha que estava a fazer. Embora Drake estivesse a dar-lhe um sermão sobre algo que devia ser de interesse, não era a sua voz que Daniel ouvia, mas umas palavras completamente diferentes: "Só quero que saibas que estou apaixonada por ti".

Mas porque demónios teria pensado que ele merecia um presente desse calibre?

Sabia que não duraria, é claro que não. Ela estava aturdida pelo romance da noite anterior, porque tinham feito amor.

Ou talvez fosse apenas a lembrança de um adolescente agitado que já não existia e de uma jovem a quem as expectativas de uma família grande e carinhosa tivessem suplantado.

Assim que regressasse à sua vida de sempre voltaria a assentar os pés na terra. Não era amor. Embora durante uns dias se tivesse aproximado muito desse sentimento.

- Estás outra vez distraído, Daniel.

Drake tinha pior aspecto do que nunca quando Daniel olhou para ele do outro lado da mesa. Talvez fosse o contraste de imagens na sua mente.

- Continua. Estou a ouvir.

Drake entrelaçou os dedos e observou friamente Daniel.

- Sabes, sempre ouvi o meu instinto. Graças a esse sexto sentido evitei muitas situações arriscadas ao longo dos anos.

Daniel arqueou uma sobrancelha.

- Tenho a certeza disso.

Ele próprio respeitava muito o instinto de Drake e por isso mesmo tivera tanto cuidado.

- Sim, bom, ultimamente recebi alguns sinais da tua parte que me deixaram consternado. De modo que tomei medidas para me certificar de que vais cooperar, enquanto concluímos o nosso negócio. Daniel arrepiou-se.

- De que estás a falar?

- Há uns dias que te observo com a tua esposa. Foi... uma experiência instrutiva para mim.

Daniel permaneceu em silêncio, observando o outro com os olhos semicerrados, todo o seu corpo estava tenso.

- Enganaste-me em relação a ela, sabes. Oh, maldição.

- De que forma?

- Deste a entender que te tinhas casado com ela por dinheiro. Que fazias o que ela queria para que não te perguntasse muitas coisas sobre os teus negócios com as empresas dela.

Daniel encolheu os ombros, aliviado ao perceber que Drake continuava a engolir a história do casamento.

- Essa é a verdade, basicamente. Mantenho-a feliz e ela não me pede mais.

- Mas essa não é a verdade. Não acrescentaste que estavas apaixonado pela tua esposa.

Daniel deu uma gargalhada e a reacção de incredulidade não foi de todo fingida. -Acorda, Drake.

- Bom, já acordei, Daniel. Não sou desse tipo de homens que desenvolve sentimentos por nenhuma mulher em particular, é claro, mas eu gosto de me considerar suficientemente esperto para julgar as fraquezas que tenho à frente. E Brittany é a tua fraqueza. Não farias nada que arriscasse a segurança da tua esposa.

B.J. estava a salvo. Tratara disso. O que não queria dizer que tinha de gostar do que aquele imbecil estava a dizer sobre ela.

- Não tenho intenção de arriscar a segurança da minha esposa. Agora, podemos voltar ao negócio...

- Ela não era o que eu esperava, sabes. Pensei que te sentisses atraído por alguém como Ingrid: bela, sofisticada, cheia de curvas. Não pensava que te tivesses apaixonado por alguém que parece que saiu da escola, que não tem muitas formas e que é demasiado inocente para ser particularmente interessante.

Daniel cerrou os punhos ao ouvir o resumo depreciativo e inadequado dos encantos de B.J.

- Sim, bom, há gostos para tudo - conseguiu dizer num tom ligeiro. - Sobretudo quando há dinheiro suficiente pelo meio.

- Hum. A devoção que dedicas à tua esposa é enternecedora. E muito útil. Nunca me tinha ocorrido que pudesse ser uma ferramenta muito útil para me certificar de que tu não me darias problemas durante as nossas... negociações.

Daniel resmungou com impaciência.

- A minha esposa não tem nada a ver com os nossos negócios. E não te dei razão para desconfiares de mim. Não precisas de me convencer a cooperar, cooperei o tempo todo. Portanto continuemos com isso.

- Mas, sabes, sou o tipo de homem que aproveita qualquer acontecimento fortuito nos negócios - murmurou Drake. - Essa habilidade sempre foi muito útil para mim. E acho que devias saber que quis certificar-me para que não te ocorra fazer nenhuma tolice, enquanto concluímos os nossos negócios. Tenho a certeza de que não tens isso em mente, mas de qualquer modo...

- De que raios estás a falar, Drake?

- Da tua esposa, é claro. Não te preocupes, está perfeitamente a salvo. E continuará assim desde que tu continues a cooperar. Assim que me certificar de que tudo corre de acordo com o planeado poderás ir ter com ela.

Daniel começou a pôr-se de pé.

- O que fizeste?

- Será melhor que volte a sentar-se, senhor Andreas - avisou Bernard do seu lugar habitual, ao fundo da sala de conferências de Drake ao mesmo tempo que levava instintivamente a mão ao bolso.

Um homem robusto e com olhos frios e sorriso duro bateu à porta e entrou naquele momento.

- Está tudo tratado, senhor Drake.

- Obrigado, Paul - Drake olhou para Daniel com um olhar inequívoco de satisfação. - Paul levou a tua esposa para um lugar seguro. Pelo menos por enquanto. Portanto... Tirando esse obstáculo, podemos prosseguir.

Uma onda de ódio deixou Daniel momentaneamente sem palavras. Odiou Drake, por se ter atrevido a ameaçar B.J., e a si próprio, por a ter metido naquilo.

Fora tão descuidado, tão arrogante. Ela representara o seu papel de forma tão convincente que Drake acreditara ainda mais do que ele previra.

Devia ter previsto o que Drake faria se uma pessoa inocente convenientemente se cruzasse no seu caminho.

- Maldito sejas, Drake! O que fizeste com ela? - exigiu saber com um grito, enquanto se levantava, alheio a Bernard e à sua arma. - Onde está a minha esposa?

Para sentar Daniel novamente foi preciso Bernard e o homem que acabava de chegar.

Drake limitou-se a olhar para ele com ironia.

- Já te disse que ela estará a salvo desde que tu cooperes, Daniel. Não se pode chamar cooperar a isto.

Daniel ficou quieto na cadeira.

- Muito melhor, muito melhor - replicou Drake, enquanto fazia um gesto com a cabeça aos seus empregados para que o soltassem.

Drake abriu novamente o relatório que tinha à frente, como se não se tivesse passado nada.

- Queres voltar a isto? E, na verdade, Daniel, se tentares convencer-me de que não estás apaixonado por B.J. será uma perda de tempo. É muito comovente, não achas, Bernard?

Bernard desatou a rir-se.

 

Imbecil! O homem que ela pensava que fora enviado por Daniel fechara-a num armazém. Segundo o seu relógio tinha passado quase meia hora, embora tivesse parecido uma eternidade.

Não sabia porque é que estava ali. O homem que a tinha empurrado lá para dentro e fechado a porta à chave não lhe dissera nada.

Não conseguia evitar recordar a conversa de Daniel na noite anterior, na suíte. Ordenara a alguém que a tirasse dali, claro que também tinha acrescentado que não queria saber dos pormenores.

Seria aquela a sua ideia para que permanecesse a salvo? Para que não estorvasse?

Se assim fosse, supunha que a teria deixado fechada na suíte. Ou ter-lhe-ia pedido que não saísse. Depois do encontro na praia com Drake no dia anterior, devia ter sabido que não teria pressa em voltar a sair sozinha.

Não. Passava-se alguma coisa. Na verdade não acreditava que o homem que a fechara ali trabalhasse para Daniel. Tinha a certeza de que era um dos homens de Drake.

O que queria dizer que Daniel não sabia onde estava. Estaria preocupado com ela e isso significava que não se poderia concentrar no que estava a fazer com Drake. O que, pensava com angústia, seria certamente a razão daquilo tudo.

Drake devia ter suspeitado que se passava alguma coisa estranha, que Daniel não estava a ser totalmente sincero nos negócios. Certamente Drake teria mandado fechá-la ali para garantir a cooperação de Daniel. Se fosse assim, era evidente que tinham convencido todos do seu casamento falso.

E ela, pensava B.J. com um gemido de frustração, devia ter feito todos pensarem que não era muito inteligente. Como exemplo disso, deixara conduzir-se ao perigo sem oferecer resistência.

- Estúpida! Estúpida!

Naquele momento alguém abanou a porta, como se tentasse abri-la, e B.J. levantou-se, pronta para se defender. Tivera aulas de defesa pessoal, defender-se-ia se tivesse de o fazer.

- B.J.? - perguntou Ingrid, enquanto espreitava com cuidado. - Estás aí?

B.J. apressou-se para a porta.

- Ingrid? Sim! Estou aqui.

Ingrid entrou no armazém e deixou a porta entreaberta.

- Eu bem que achei muito estranho quando vi Paul a levar-te pelos corredores das traseiras do edifício. Segui-vos, às vezes sou um pouco curiosa, mas também porque tive um mau pressentimento. Quando Paul te enfiou aqui com um empurrão e fechou a porta à chave, escondi-me e esperei que se fosse embora. Desculpa ter levado um bocado a encontrar uma chave para poder tirar-te daqui.

- Oh, Ingrid, obrigada - B.J. deu-lhe um abraço espontâneo.

- Não queria acreditar no que aquele tipo tinha feito disse Ingrid com indignação. - Sei que Judson está por trás disto. Tenho a certeza de que gozou com isto à frente do teu marido. Judson gosta de se sentir poderoso, sabes, e se pensar que pode tirar mais a Daniel ao fechar-te aqui, não hesitará nem um momento.

B.J. pensou que tinha de encontrar o modo de Daniel ficar a saber que estava bem.

- Tenho de encontrar o meu marido - disse, enquanto se aproximava da porta, pensando em que cada vez lhe era mais fácil referir-se a ele dessa maneira.

Ingrid agarrou-a por um braço.

- Espera, está a passar-se alguma coisa aí fora. Vi algumas coisas quando procurava uma chave.

- O que viste?

Ingrid falou com urgência, em voz baixa.

- Acho que houve uma cilada ou algo do género. A polícia já sabe. Vi Bernard algemado e meterem-no num carro preto e grande. Eu... Lamento, B.J., mas acho que Judson e Drake estão metidos num sarilho.

  1. tinha a cabeça às voltas.

- Temos de ir ver o que se passa.

- Oh, eu, bom...

Está bem, eu vou - disse ela ao ver o medo reflectido no rosto de Ingrid. - Tu, volta para o teu quarto e faz as malas. Se prenderem Drake, certamente quererás sair do complexo o mais rápido possível. Suponho que tens para onde ir.

- Sim, claro, tenho um apartamento em Los Angeles.

- Espero que corra tudo bem para ti, Ingrid. E obrigada por me tirares daqui.

- Sim, claro, devia-te uma, não? Talvez nos voltemos a ver.

- Talvez.

Com um sorriso, B.J. virou-se e avançou apressadamente pelo corredor por onde Paul a obrigara a avançar.

Como os empregados estavam bem trenados, não havia grande rebuliço no complexo, apesar de terem algemado o chefe. B.J. ouviu as pessoas a falar do escândalo assim que chegou ao hall do corredor principal, mas os empregados pareciam continuar com as suas actividades, talvez por não saberem o que fazer.

Dirigiu-se para o balcão da recepção para perguntar se alguém sabia alguma coisa de Daniel. Mas, de repente, alguém pôs-lhe a mão no ombro.

Levou um momento a reconhecer o jovem moreno que estava de pé atrás dela. E então lembrou-se.

- Tu és Greg, não és? Da lancha. Ele assentiu, aliviado.

- Tenho uma mensagem para si. Da parte de Daniel.

B.J. agarrou-lhe um braço.

- De Daniel? Onde está? Está bem?

- Um momento - Greg abriu um telemóvel, carregou numa tecla e pô-lo no ouvido. - Já a tenho - disse um instante depois. - Está com bom aspecto.

B.J. agarrou-lhe a manga com força. É Daniel? Posso falar com ele? Ele abanou a cabeça.

- Sim, eu digo - disse Greg ao telefone.

B.J. ficou a olhar para ele perplexa, enquanto fechava o telemóvel e o guardava no bolso.

- Onde está?

- Teve de se ir embora - respondeu Greg. - Tenho instruções para me certificar de que apanha um avião para o Texas.

- Não compreendo. Daniel foi-se embora? Sem se despedir nem nada?

- Bom, já se foi embora. Estava à espera para se certificar de que você estava a salvo.

Do outro lado do hall, dois homens vestidos com fatos pretos e transmissores na mão meteram-se no elevador. Estariam a revistar o complexo, talvez à procura de Daniel?

- Não sei o que se está a passar - afirmou ela, sabendo o quanto parecia confusa.

Greg deu-lhe umas palmadas no braço num gesto que demonstrava compreensão.

- Fico contente por estar bem. Esta manhã atrasei-me um pouco quando fui buscá-la e quando cheguei à suíte tinha desaparecido. Estava à sua procura quando chegou a polícia federal e a partir daí foi o caos. Encontrei Ingrid quando ela ia para a suíte e ela disse-me que estava bem. Então telefonei a Daniel e disse-lhe. Tenho de lhe dizer que ficou como um louco quando não sabia onde você estava.

B.J. mordeu o lábio, guardando a sua reacção para si.

- Daniel pediu-me que lhe dissesse que lamenta muito que Drake a metesse no meio. Daniel está muito aborrecido consigo próprio por não ter previsto que poderia acontecer algo do género.

- E qual é a sua relação com Daniel? - perguntou ela, farta já de tanto mistério.

Greg encolheu os ombros.

- Pediu-me que lhe fizesse alguns favores e prometeu-me uns quantos em troca.

Era evidente que Greg não ia dar-lhe mais informações. Mesmo assim, ela tentou.

- Onde está?

- Com toda esta confusão, conseguiu ir-se embora justamente quando a polícia chegou.

- E o que lhe teria acontecido se tivesse ficado? questionou, enquanto olhava com aborrecimento para os olhos escuros de Greg.

Mas ele limitou-se a encolher os ombros.

- Sabe como encontrá-lo. Ligue-lhe. Eu gostaria de falar com ele.

- Não atenderia - disse Greg num tom mais suave e compreensivo. - Agora que sabe que você está a salvo, certamente terá desligado o telemóvel.

B.J. disse para si que não pensava perguntar-lhe mais nada. Se havia uma coisa de que não precisava, era que aquele homem sentisse pena dela.

- Está bem - disse passado um pouco. - Agora quero ir para casa.

- Então será melhor que vá à suíte fazer a mala. Daniel disse-me para me certificar de que você levava tudo.

Ela abanou a cabeça.

- Na suíte não há nada que queira levar.

- Tem a certeza?

- Absoluta.

- Ah, é verdade - meteu a mão no bolso. - Isto é seu, acho eu.

Aceitou a sua carteira e o telemóvel e guardou-os na mala. Ia-se embora com tudo com que chegara ali, pensava. Com tudo, excepto com o seu coração.

Greg fez um gesto para a saída.

- Bom, vamos ver se conseguimos ir embora...

- B.J.? Estás bem?

B.J. virou-se para um homem que atravessava o hall em direcção a ela com uma mistura de preocupação e alívio no rosto. Era um homem alto e esbelto de uns cinquenta anos, com cabelo preto um pouco grisalho e uma cicatriz fina na sobrancelha esquerda.

B.J. não desatou a chorar ao vê-lo simplesmente por orgulho. Mas abraçou-se a ele e apoiou a cabeça com alívio sobre o seu peito.

-TioRyan!

- Por acaso sabes o quão preocupados estivemos todos contigo? A tua mãe esteve prestes a telefonar à Guarda Republicana.

- Como me encontraste...? Não, não importa. Não quero saber. E nem sequer estou surpreendida. Só fico contente por te ver.

O irmão da sua mãe levantou-lhe um pouco a cara para olhar para ela atentamente com um ar preocupado.

- Estás bem?

- Estou bem - assegurou ela.

Fisicamente era a verdade. Emocionalmente... Eventualmente recuperar-se-ia.

- O que está a acontecer aqui?

B.J. virou a cabeça, perguntando-se se Greg estaria mais disposto a responder às perguntas do seu tio do que às dela. Mas Greg não ficou à espera. Já não estava onde tinha estado há um momento e também não estava no hall.

- Dir-te-ei o que sei a caminho de casa - disse ela ao seu tio. - Vamos sair daqui, está bem?

- Tens tudo?

- B.J. agarrou a mala com força.

- Aqui não resta nada para mim - murmurou e virou-se para a saída.

O tio Ryan devia ter percebido que ela não estava com paciência para falar, porque não insistiu para que lhe contasse o que se estava a passar durante o longo voo de regresso a Dallas no jacto privado da D'Alessandro e Walker, a agência dos seus tios.

-B.J.?

Ela olhou para o seu tio, que a observava do outro lado do corredor.

-Sim?

- Não te importas que a tua mãe veja isso antes de lhe dares uma explicação sobre o que estiveste a fazer?

Ao princípio ela não sabia ao que se referia. Então viu que ele assentia com a cabeça em direcção às suas mãos. Quando reparou na aliança, corou.

Como podia ter-se esquecido do anel de Daniel? Ou da pulseira de diamantes que usava no pulso esquerdo?

- Eu... É uma longa história - disse, enquanto tapava o anel com a outra mão.

- Já imaginava. Temos tempo, se quiseres falar. Como ia explicar ter-se deixado levar pela loucura do esquema de Daniel?

- O que descobriste sobre Daniel Andreas? - perguntou B.J. em vez de responder.

- Não muito - reconheceu Ryan. - Nos últimos dez anos há muito pouca documentação sobre ele.

- Há alguma possibilidade de que seja um agente federal?

- Talvez. Se for esse o caso, é um agente secreto.

- Mas podia ser um bandido.

- Essa é outra possibilidade.

- Podias descobrir.

- Ainda tenho uns quantos contactos na polícia federal. Mas se for um agente secreto, nem ele nem os seus superiores vão gostar que façamos perguntas sobre ele. E se é procurado, vão querer saber o que nós sabemos sobre ele.

O que podia conduzi-los directamente à sua tia, que se preocupava tanto em protegê-lo, pensava B.J., enquanto mordia o lábio.

Ela olhou para o seu tio.

- Não faças nada ainda - disse ela. - E agradecer-te-ia que não dissesses nada sobre isto - acrescentou, enquanto tirava o anel do dedo.

- Se é isso que queres.

- Obrigada.

Deu-lhe a sensação estranha de que faltava qualquer coisa na mão, enquanto guardava o anel na carteira para não o perder. Foi então que se deu conta de que faltava a fotografia de Daniel que tinha na carteira. Ele devia ter ficado com ela quando lhe tirara as coisas.

Nem sequer deixara a B.J. uma fotografia sua, pensava com um aperto no coração. Sabia que a sua intenção não fora deixar-lhe o anel da sua mãe.

Com tudo o que se tinha passado à volta, parecia que ambos se tinham esquecido do anel.

Assim que pudesse, corrigiria aquele descuido.

 

O chá repousou o suficiente para ser mais amargo do que calmante, mas B.J. bebeu um gole com um sorriso nos lábios.

- Está delicioso.

Maria Sánchez devolveu-lhe o sorriso.

- Fico contente por ter companhia. Sobretudo se for a de uma amiga de Daniel.

- Estou a tentar encontrá-lo novamente - confessou B.J. - Esperava que pudesse dar-me uma nova pista.

- Daniel não permanece no mesmo sítio muito tempo - disse Maria com pesar. - E não me vem ver o suficiente. Aquele rapaz precisa de um lar permanente.

- Sabe onde está agora, senhora Sánchez? A mulher olhou para ela.

- Queres convidá-lo para outra festa?

- Não. Tenho uma coisa que lhe pertence e que gostaria de lhe devolver pessoalmente - B.J. mostrou a mão à mulher, revelando a aliança de ouro que descansava na palma da sua mão.

Maria ficou a olhar para o anel.

- O anel da minha irmã. -Sim.

- De onde o tiraste? Daniel nunca o perde de vista.

- Ele... emprestou-mo. Agora preciso de lho devolver.

Maria pousou na mesa a sua chávena e olhou para B.J. com uma intensidade brutal.

- Sabes o que aconteceu à mãe de Daniel, não sabes? B.J. assentiu.

- Sei que foi morta por dois ianques que entraram na sua casa para a roubar.

- Estava a tentar educar o seu filho sozinha depois de o pai de Daniel ter sido assassinado numa discussão num bar. Anita não tinha recebido uma formação propriamente dita e tinha alguns problemas de saúde aos quais nunca prestou demasiada atenção. Não tinha muito dinheiro e a casa onde se via obrigada a viver era propriedade de traficantes de droga. O edifício foi derrubado há anos. De qualquer modo, a minha irmã tinha a intenção de sair dali assim que pudesse, mas foi assassinada antes de conseguir fazê-lo. Daniel encontrou-a ao voltar da escola.

- Deve ter sido horrível para ele - disse B.J.

- Os assassinos levaram uma televisão velha, alguns brincos de ouro que o meu cunhado tinha oferecido a Anita e dez dólares - disse Maria com amargura. Teriam levado a aliança se lha tivessem conseguido tirar, mas ficava-lhe muito apertada e certamente teriam pressa em ir-se embora.

B.J. apertou no punho o anel de ouro que tanto significava para Daniel.

- Queria ficar com Daniel, mas naquele momento eu estava a lutar contra um cancro de mama - acrescentou Maria. - Não havia mais ninguém. Estava tão zangado e era tão rebelde naquela altura que me preocupava que pudesse meter-se em sarilhos. Esteve em dois lares de acolhimento onde não encaixou antes de o enviarem para o rancho do teu tio.

- O meu tio tem uma relação especial com os adolescentes problemáticos - afirmou B.J. - Certamente porque ele foi também um.

- Assim que Daniel voltou para casa notei diferença; foi quando eu já podia cuidar dele. Continuava a ser um rapaz muito calado, mas respeitoso e concentrado nos seus estudos. Viveu comigo até terminar o bacharelato e depois disso cuidou de mim.

- E sabe o que andou a fazer estes anos? - perguntou B.J. num tom baixo.

- Diz-me que trabalha com computadores. Acho que me diz isso para que não me preocupe com ele acrescentou Maria.

Sabe como localizá-lo agora?

- Tenho o número do telemóvel dele para usar em caso de emergência. Ele telefona-me duas vezes por semana.

B.J. olhou fixamente para a mulher.

- Sei que é pedir muito, mas podia dar-me o número?

Maria considerou a sua pergunta um momento e então sorriu.

- Quando vieste ter comigo da outra vez e me contaste sobre a festa, ajudei-te porque pensei que seria agradável que Daniel visitasse o rancho novamente e pudesse agradecer às pessoas que foram tão boas com ele.

- E houve outra razão sem ser essa?

- Reconheci-te de uma fotografia que Daniel tem sempre com ele que é tão valiosa para ele como o anel da sua mãe.

B.J. estava perplexa.

- Uma fotografia...? Minha? Maria assentiu.

- Na fotografia eras uma menina e estás junto a Daniel. Ao fundo vêem-se cavalos e tu estás a sorrir para ele. E embora seja uma fotografia velha, vê-se que havia muito carinho entre vocês.

B.J. recordava que Cassie tirara aquela foto num dia quatro de Julho durante uma celebração no rancho.

- O meu Daniel é um bom homem, B.J., mas está muito sozinho. Precisa de um lar, de uma família. Dei-te aquela pista porque acho que sempre teve carinho por ti. E pelo que me disseste hoje, acho que tu também tens.

B.J. não se incomodou em negar.

- Sim. Muito. Maria sorriu.

- Então vai procurá-lo. E podes dizer-lhe que fui eu que te enviei.

B.J. suspirou, enquanto olhava para o anel.

- Não vai ser fácil. Daniel esconde tanto as emoções, que não tenho a certeza de que vá demonstrá-las agora.

- Então ensina-o. As coisas mais importantes na vida às vezes não são fáceis de expressar, B.J.

Enquanto olhava para ela nos olhos e via ali reflectida a experiência, B.J. surpreendeu-se que Maria pudesse continuar a mostrar-se tão optimista e esperançada.

Daniel avançou arrastando os pés pelo beco escuro atrás do edifício sombrio de apartamentos de Chicago onde vivia há duas semanas e meia. As botas pesavam-lhe e dificultavam os seus movimentos, mas não tanto como aquele cansaço extremo.

Tinha uma barba de vários dias e o cabelo mais comprido, penteado para trás e cheio de gel. A t-shirt suja e as calças de ganga que usava não ficavam muito bem nem eram muito confortáveis.

Não conseguia evitar recordar os fatos impecáveis que vestira no complexo de Drake no mês anterior. Poucas pessoas que o tivessem visto então reconhecê-lo-iam naquele momento. Que era precisamente o que pretendia, claro estava.

Ao aceder a outro beco ainda mais horrível, tentou não pensar mais no que acontecera no complexo de férias. Talvez B.J. pensasse que não era importante para ele, afinal de contas, cortara completamente o contacto com ela e não tentara falar com ela desde então, nem sequer para lhe dizer o quanto lamentava que Drake a tivesse ameaçado.

Saberia B.J. que não deixara de estar presente no seu pensamento desde que se separaram, apesar de ter feito os possíveis para não pensar nela?

Não tinha medo de muitas coisas, mas só de pensar em permitir-se amar alguém, particularmente B.J., começava a tremer.

Uma agitação à sua esquerda foi o único aviso antes que alguém se lançasse sobre ele pelas costas.

Daniel cambaleou e caiu para a frente, mas recuperou o equilíbrio no último momento. Ia virar-se para lutar, mas outra pessoa agarrou-o pelo outro lado e deu-lhe um murro no queixo que o fez ver estrelas.

Imediatamente recebeu outro golpe no estômago e Daniel tentou usar os punhos e as botas de algum modo, para se defender das duas bestas que o estavam a assaltar.

Daniel viu o brilho de uma faca bem a tempo de se desviar para o lado e evitar a facada. Usou o impulso para dar um pontapé na tíbia ao atacante, que gritou e cambaleou para trás. Infelizmente, não deixou cair a faca.

Com um olho na arma, Daniel deu uma cotovelada no estômago do outro atacante, seguido de um pontapé forte no joelho. Enquanto aquele coxeava e praguejava, Daniel tentou dar um pontapé no braço do homem da faca, que respondeu furiosamente dando-lhe uma facada.

Daniel sentiu a dor e o calor do sangue, mas continuou concentrado na discussão. Nem sequer quis distrair-se quando ouviu um grito e alguém a correr para eles.

- É uma rapariga - disse o tipo da faca antes de se virar para Daniel. - Trata dela, Mike.

O da faca tentou esfaqueá-lo novamente. Dessa vez, Daniel agarrou-lhe no pulso e levantou-lhe o braço por cima da cabeça. Ouviu-se o som de um osso e um grito de dor.

Daniel acabou com o tipo dando-lhe um pontapé no joelho, o que provocou outro grito.

Então pegou na faca do chão e virou-se para ajudar quem quer que tivesse ido ajudá-lo.

Arqueou as sobrancelhas com surpresa ao ver uma mulher magra de calças de ganga e uma t-shirt cor-de-rosa inclinada sobre um homem que imobilizara de barriga para baixo, com o braço torcido nas costas.

- Estás a partir-me o maldito braço! - gritou o tipo.

- Vou partir-te o maldito pescoço se te mexeres avisou a mulher.

Então Daniel reconheceu aquela voz com a mesma força como se lhe tivessem dado outro golpe.

-B.J...!

Depois de imobilizarem ambos os assaltantes, Daniel tirou o telemóvel e fez uma chamada rápida.

Esperou até que as sirenes estav am muito perto antes de se virar para B.J., que tinha estado muito calada, a observar os agressores que seguravam.

- Vamos sair daqui.

- Antes que a polícia chegue? - questionou ela.

- Estarão aqui em menos de um minuto. Estes dois não conseguem correr.

- Mas não precisamos de...?

Ele resolveu o assunto dando-lhe um leve puxão no braço.

- Vamos.

 

Daniel não tinha a certeza se o calor que sentia no braço era devido à ferida ou à sensação que as mãos de B.J. provocavam.

Tinham subido ao seu apartamento e ela estava a tratar-lhe da ferida com um pouco de álcool e umas ligaduras.

Observou o seu perfil, enquanto ela acabava de guardar as coisas no estojo, reparando que ainda tinha o cabelo despenteado por causa da discussão. Não tinha muita maquilhagem e tinha uma mancha no nariz, mas para ele estava tão bonita como estivera com a roupa cara do complexo.

E estava há um mês a tentar esquecer-se dela.

- Bolas, B.J., diz-me porque é que vieste - disse Daniel num tom que até lhe soou receoso.

Ela parou com uma atitude defensiva e adoptou uma expressão sombria.

Precisava de te devolver uma coisa.

Meteu a mão no bolso e tirou a aliança de ouro.

Em vez de pegar nela, ele juntou ambas as mãos à altura dos joelhos. Desde que saíra do complexo sabia que não tinha o anel que tantos anos usara ao pescoço. Mas cada vez que tinha pensado no anel durante o último mês, não o tinha imaginado pendurado ao pescoço mas posto no delicado dedo de B.J.

- Onde aprendeste artes marciais?

A sua pergunta pareceu surpreender B.J. Ela desceu a mão onde tinha o anel e olhou para ele nos olhos.

- Saía com um professor de tae kwon do na faculdade. Antes de terminarmos cheguei ao cinturão castanho.

- Não usaste essa habilidade quando o homem de Drake te meteu no armazém.

Ela olhou para ele nos olhos com indignação.

- Pensei que era a pessoa que tu ias enviar. E eu... tinha a cabeça noutra coisa.

Daniel virou-se de lado e pegou-lhe na mão.

- B.J., porque é que vieste? Podias ter-me enviado o anel através da minha tia.

- Já te digo. Mas, primeiro, quero perguntar-te uma coisa.

- O quê?

- Por que motivo é que aqueles tipos te atacaram? Não esperava aquilo.

- Acho que foi um castigo. Digamos que lhes estraguei um negócio - respondeu passado um momento.

- De drogas?

Ele não respondeu. Passado um momento, B.J. suspirou.

- Só queria ver se serias sincero comigo desta vez. Sei que és um agente federal, que trabalha clandestinamente. Sei que no mês passado estavas a tentar armar uma armadilha a Drake para o prenderes e que ele pensou que querias entrar no seu cartel de droga com o dinheiro da tua esposa rica.

Daniel semicerrou os olhos e cerrou os lábios com irritação.

- Queres dizer-me mais alguma coisa sobre mim próprio? - perguntou com cortesia, largando-lhe as mãos e cruzando os braços, como se quisesse proteger-se.

- Porque é que não me disseste antes o que fazias? Porque é que me deixaste pensar que eras um bandido?

- Eu não disse isso. Tu é que disseste - recordou ele.

- No entanto não me corrigiste. Porquê?

- Pensei que era melhor para a tua segurança se não soubesses de nada.

- Essa não é razão.

Ele olhou para ela com raiva.

- Não queria que o idealizasses. Não sou um herói romântico, nem o protagonista de nenhum filme. Escolhi esta profissão porque o salário é muito bom, os empregos mais rotineiros aborreciam-me e gosto do risco.

Está bem, estou a perceber. És um polícia duro. A sua expressão carrancuda tornou-se mais ameaçadora.

Não queria que confundisses o rapaz que fui com o homem que sou agora.

- Claro, porque devo ser demasiado estúpida para ver a diferença disse ela então num tom exageradamente afectado.

- Eu não disse isso - resmungou com impaciência.

- Olha, sei que não és tola. Só que...

- Sabias que estava apaixonada por ti quando éramos adolescentes.

- Talvez. E então tu...

- Disse-te no complexo que estava apaixonada por ti.

Ele engoliu em seco com dificuldade.

- Sim, é verdade.

- E tu pensavas que eu continuava a confundir-te com o rapaz que foste.

- Bom...

Ela sorriu-lhe, embora de forma insegura.

- Sei que não és a mesma pessoa de há treze anos, Daniel. Eu também não sou. Ambos fizemos as nossas vidas depois disso. Mas acho que ainda há um vínculo.

- E como me encontraste desta vez? - Daniel mudou bruscamente de assunto. - Como sabes a minha profissão? Foram os teus tios?

- Falei com a tua tia outra vez. Embora ela não saiba exactamente o que fazes, tem as suas suspeitas. Deu-me informação suficiente para te localizar.

-Maldição!

- Se te fizer sentir melhor digo-te que ninguém mais a contactou para te procurar - apontou B.J. - Eu gosto muito dela, Daniel. É uma mulher muito simpática.

Ele franziu o sobrolho.

- Em relação à tua profissão... Bom, isso adivinhei sozinha. Levou-me um tempo e indagar um pouco, mas a verdade é que sabia que tinhas de estar a trabalhar do lado da lei. O Daniel que eu conhecia não trabalharia com traficantes de droga quando perdera tanto por causa das drogas.

Ele olhou para ela com tristeza. Disse-te que não me idealizasses.

- Não consigo evitar fazê-lo, um pouco, pelo menos - murmurou ela. - Admiro o que fazes, sejam quais forem as razões que, segundo tu, te motivam. Valorizo o quanto foste bom para a tua tia. E impressiona-me que tenhas chegado até onde estás, sozinho.

Ele ia falar, mas ela não lhe deu oportunidade.

- Isso não quer dizer que sejas perfeito - afirmou com firmeza. - Às vezes és um cretino. Mandão e arrogante. Deixar-me no complexo foi uma coisa horrível...

- Então onde queres chegar com tudo isto?

- Quero chegar a que sei exactamente quem és. O homem, o polícia, o cretino.

- Queres parar de me chamar isso?

- Começa a incomodar-te?

B.J. sentiu alívio ao ver um certo humor nos seus olhos escuros.

- Sim. B.J., quero que saibas que não estou a rejeitar os teus sentimentos, tu és muito especial para mim, mas...

- Mas o quê? - insistiu ela quando ele se calou.

- Mereces melhor - disse ele apressadamente. Mereces alguém que saiba como criar um lar. Uma família. Alguém que não te traga perigo nenhum.

-Daniel...

Daquela vez ela teria de o ouvir.

- Não vivi no mesmo sítio mais de dois meses seguidos desde que saí de casa da minha tia aos dezoito anos. Jamais tive o que se pode chamar de uma relação séria. Mudei de identidade tantas vezes, que metade do tempo já não sei quem sou.

- Magoa-me pensar que te valorizes tão pouco. Sei que tens medo de não saber cuidar de ninguém, porque te culpas pelo que aconteceu à tua mãe, por não estares lá para ela.

Daniel sentiu um calor ao ouvi-la repetir as palavras que lhe dissera um dia no rancho, tantos anos atrás.

- Era apenas um adolescente e estava muito afectado pelo que se passara e por tê-la encontrado. Disse-te coisas que não disse a ninguém.

- Eu sei. E a sério que não estou a confundir-te com aquele rapaz agitado e triste, Daniel. Mas quero ter a certeza de que tu não estás a confundir o passado com o presente, que já não tens medo de te arriscares a amar alguém por essa culpa confusa pela morte da tua mãe. Preocupas-te porque a tua tia se relaciona contigo e por isso quase nunca a visitas. Quanto a mim: não preciso de protecção. Não me vai acontecer nada por te amar.

- Como podes dizer isso depois do que te aconteceu por minha culpa? - perguntou com raiva, enquanto lhe agarrava com tanta força a mão direita que fez uma careta de dor. - Não suportaria se te acontecesse alguma coisa, B.J. - acrescentou num tom tenso, como se lhe faltasse o ar.

A esperança atendia-lhe o coração e ameaçava afogá-la.

- Talvez seja o momento adequado para cobrar aquela dívida.

Ele passou a mão pelo cabelo.

- O que é que queres?

- Uma resposta sincera - sussurrou ela.

Ele fez uma cara como se tivesse preferido que lhe pedisse que lhe desse um rim, afastou-se dela e levantou-se.

- Não vou brincar contigo.

- Ainda bem. Eu estou a falar muito a sério. Disseste-me que estavas em dívida comigo e é só isso que quero de ti: uma resposta.

Ele suspirou.

- De acordo. Pergunta.

Agarrando-se à lembrança da expressão que vira nos seus olhos quando lhe dissera que não aguentaria vê-la em perigo, respirou fundo.

- Amas-me?

Apesar de ter acedido a responder, B.J. pensou que não ia fazê-lo. Estava meio de costas para ela, quando finalmente respondeu:

- Sim.

Não disse mais nada, nem deu mais explicações. Nenhum estímulo. Dera-lhe exactamente o que ela pedira e mais nada.

Mesmo assim, aquilo deu-lhe mais razão para ter esperanças...

- Vais dar-nos uma oportunidade?

- Não funcionaria disse ele em voz muito baixa. Esse tipo de coisas não é o meu forte. Viajo demasiado. É sei o quanto é difícil estar casado com alguém com um emprego como o meu, sem saber se vais ficar viúva de um dia para o outro.

- Isso seria difícil para mim - reconheceu ela. Mas podia aprender a lidar com isso se estás comprometido com o teu emprego. Jamais te pediria que o deixasses por mim.

é a única coisa que sei fazer. Não me vou enganar a mim próprio pensando que sou especial num mundo em que aparecem mais três criminosos cada vez que colocamos um atrás das grades. Mas pelo menos posso dizer que tentei melhorar as coisas, caso a caso.

- Como o tio Jared e os meninos que acolhe, ajudando alguns dos muitos que estão metidos em confusões...

- Jamais serei o homem que Jared é. Algumas das coisas que fiz...

- Daniel... - ela levantou-se e pôs-se à frente dele. Será que não descobriste nada sobre a nossa história familiar quando estiveste connosco? Jared é sempre o primeiro a negar que seja o herói de alguém. É simplesmente um homem com defeitos e uma bagagem emocional muito forte por ter sido educado por um pai alcoólico e uma mãe que morreu demasiado jovem, já para não mencionar que teve de passar a sua juventude em lares de acolhimento antes de procurar um sítio onde se estabelecer. Depois escolheu tentar contribuir com o seu grãozinho de areia. Não me digas que tu não és como ele, Daniel. Ambos sabemos que és.

Ele parecia surpreendido.

-Não...

- Não estou a confundir-te com ele. No entanto, sempre o admirei, de modo que não é de estranhar que me apaixone por alguém que me recorde dele de algum modo. Estou apaixonada por ti, Daniel Andreas, ou Castillo, ou López, ou Smith, seja lá quem fores ou faças o que fizeres. E não vou deixar de te amar mesmo que voltes a rejeitar-me. Passarei o resto da minha vida a sentir a tua falta.

- Tu mereces melhor.

- É verdade. Mereço melhor - respondeu ela com calma. - E tu também mereces melhor do que tiveste. Mereces um lar de verdade. Alguém que te ame pelo que és. Uma oportunidade para te perdoares por coisas que não podias controlar. Então o que vais fazer em relação a isso?

Ele suspirou longamente.

- O que achavas de voltar a responder como senhora Andreas? Preferiria não ter de voltar a usar o apelido Castillo, já que essa parte da minha vida ficou para trás há muito tempo.

Tendo em conta que Daniel nunca avisava, devia ter esperado algo do género.

- Podia habituar-me.

- Tens a certeza? - perguntou num tom veemente. Porque desta vez não penso desculpar-me se mudares logo de opinião.

Ela sorriu ao recordar a primeira vez que tinham feito amor.

- Não mudarei de opinião. E não preciso de pedidos de desculpa, porque não tenho dúvidas de que podemos fazer com que isto funcione. Amo-te, Daniel.

Ela viu o quanto lhe custou olhar para ela nos olhos e responder:

- Eu também te amo. Que Deus tenha piedade de ti disse, enquanto se adiantava e a abraçava. - E... achas que poderei encontrar um emprego em Dallas? Talvez o departamento de polícia precise de pessoal.

A sua pergunta surpreendeu-a um pouco, mas recuperou em seguida.

- Tenho a certeza de que algum dos meus tios poderá colocar-te no departamento de polícia de Dallas... Mas tens a certeza de que é isso que queres fazer? Que queres deixar o que estás a fazer para te estabeleceres num sítio?

Ele encolheu os ombros, mas ela entendeu que era uma coisa que queria fazer.

- Parte da razão pela que fiz este tipo de trabalho tão bem foi porque não estava preso a nada nem a ninguém. Se acontecesse alguma coisa à tia Maria, já tinha tratado de tudo para que cuidassem dela. Agora as coisas mudaram. Como Drake afirmou, tu és a minha fraqueza.

Ela franziu o sobrolho.

Não é uma crítica - assegurou ele ao ver a cara dela. - Sinto-me bem só de pensar que alguém ficará preocupado comigo se não chegar a casa.

- Estás a subestimar os sentimentos da tua tia por ti. Ela ama-te muito e preocupar-se-ia se soubesse que não chegas a casa.

- Mais uma razão para que me estabeleça num só local e tenha um emprego um pouco mais seguro. Assim poderia vê-la. E ser esposa de um polícia não é muito agradável, mas é o melhor que posso oferecer-te agora.

- Então aceito - disse ela em seguida. - Com alegria.

Mas quero que tenhas a certeza da tua decisão, Daniel, porque depois não vou pedir desculpas.

Ele sorriu.

B.J. apoiou a cara no seu peito.

Bom... Acho que vais ter de inventar mais uma história que nos sirva de desculpa.

Ele arqueou as sobrancelhas com curiosidade.

- O quê?

- É suposto Jared e Cassie não saberem da festa surpresa até ao mês de Outubro, que é quando vai ser. Não sabem que Molly me pediu para te encontrar. Mas como não tenho intenção de esperar quase quatro meses para contar à minha família que estamos juntos, teremos de dizer que nos encontrámos completamente por acaso.

- E se lhes dissermos que te raptei e te torturei até que concordaste casar-te comigo?

Ela sorriu, enquanto negava com a cabeça.

- Nunca acreditariam nisso. Daniel tocou-lhe na face.

Então talvez devêssemos dizer-lhes que estou apaixonado por ti desde os dezasseis anos e que finalmente fui suficientemente esperto para fazer alguma coisa.

- Já gosto mais disso - murmurou B.J., enternecida pelo tom de verdade na sua voz. - Talvez nos ocorra uma variação disso.

Ele deslizou-lhe a mão por trás da cabeça e inclinou-se para lhe dar um beijo apaixonado. Enquanto o abraçava, B.J. disse para si que não importava o que os outros dissessem.

Eles sempre tinham parecido ser feitos um para o outro. De um modo ou outro, ter-se-iam encontrado novamente. Daquela vez era para sempre.

 

 

                                                                  Gina Wilkins

 

 

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