Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O BADEJO / Artur Azevedo
O BADEJO / Artur Azevedo

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

O BADEJO

 

Comédia em três atos, em verso

Representada pela primeira vez no Rio de Janeiro, no Teatro São Pedro de Alcântara, no dia 15 de outubro de 1898, por iniciativa do CENTRO ARTÍSTICO pelo corpo cênico do ELITE-CLUB

 

 

PERSONAGENS               ATORES

 

JOÃO RAMOS                    Senhor FREDERICO COSTA

LUCAS                               Senhor ORLANDO TEIXEIRA

BENJAMIN FERRAZ         Senhor TEIXEIRA JÚNIOR

CÉSAR SANTOS              Senhor ANTÔNIO SANTOS

UM COZINHEIRO              Senhor COLOMI CASTELÕES

UM COPEIRO                    Senhor CARLOS DE FREITAS

AMBROSINA                      Senhorita CONSTANÇA TEIXEIRA

DONA ANGÉLICA            Dona OLGA PRUDENTE

 

 

ATO PRIMEIRO

Sala de visitas, bem mobiliada, em casa de João Ramos. Três portas ao fundo, dando para o jardim. Uma porta à direita comunicando com a sala de jantar e outra à esquerda, dando para os dormitórios. À esquerda uma mesa com álbuns, porta-cartões, etc. À direita um sofá. Consolo ao fundo. Piano. Cadeiras.

 

 

CENA I

JOÃO RAMOS (Só.)

 

[RAMOS (Só.)]         — O almoço com certeza vai custar-me

Uns duzentos mil réis, afora os vinhos;

Mas se caso a Ambrosina, ainda é barato,

Porque muito me custa a senhorita.

Das minhas rendas a metade vai-se

Em vestidos, chapéus, leques e luvas,

Espetáculos, bailes e concertos;

Ela casada, cessam tais despesas;

É preciso, porém, que o noivo seja

Um rapaz sério e não nenhum pelintra

Que deseje viver à minha custa:

Pior seria a emenda que o soneto.

Mas não são as despesas que me ralam;

Não sou unhas-de-fome, Deus louvado;

Rala-me a idéia de bater a bota,

E deixar a pequena sem marido,

Exposta sabe Deus a que perigos!

Dirão que meto minha filha à cara

Dos pretendentes; ora adeus! que o digam!

A Ambrosina já fez vinte e dois anos:

            É tempo de arranjar-lhe casamento.

 

 

CENA II

JOÃO RAMOS, DONA ANGÉLICA, o COZINHEIRO

 

ANGÉLICA — Ora aqui tens o nosso cozinheiro.

Desejavas ouvi-lo: aqui to trago.

Entra, Fabrício.

            (O cozinheiro entra.)

            Quer saber teu amo

            O que arranjaste para o almoço. Fala.

O COZINHEIRO      — Não pode ser melhor o meu cardápio.

RAMOS         — Cardápio? Não conheço essa palavra!

O COZINHEIRO      — Foi arranjada pelo Castro Lopes.

Eu não digo menu, que é francesismo.

RAMOS         — Temos um cozinheiro literato!

O COZINHEIRO      — Literato não sou, mas sou purista;

Embirro com palavras estrangeiras.

Hoje, que tudo se nacionaliza,

Nacionalize-se a cozinha!

RAMOS         — Bravo!

O COZINHEIRO      — Eu, diante do fogão, diante do forno,

Sou até jacobino!

RAMOS         — Jacobino?

Lá como cozinheiro pode sê-lo,

Mas tão somente como cozinheiro,

Pois, conquanto eu viesse com dez anos

Para o Brasil, sou português, entende?

Jacobinos dispenso em minha casa!

O COZINHEIRO      — Sou jacobino apenas cozinhando.

RAMOS         — Pois cozinhando não devia sê-lo:

            Você é um artista!

O COZINHEIRO      — Eu, um artista?

RAMOS         — Sim, um artista da arte culinária,

E a arte não tem pátria! Porém,

vamos...

            Diga lá o que temos para o almoço.

O COZINHEIRO      — Em primeiro lugar os acepipes.

Hors-d’oeuvres não direi nem que me

rachem!

            Temos uma salada de lagostas.

RAMOS         — Muito boa lembrança. Que mais temos?

O COZINHEIRO      — Sardinhas, azeitonas, rabanetes,

            Manteiga fresca...

           

RAMOS         — E além dos acepipes?

O COZINHEIRO      — Um enorme badejo.

ANGÉLICA   — Que badejo!

            Tão grande nunca vi!

RAMOS         — E está bem fresco?

ANGÉLICA   — Vivo à casa chegou.

O COZINHEIRO      — Soltou, coitado,

Nas minhas mãos o derradeiro alento!

De camarões uma fritada temos,

Um primor culinário! Três galinhas

De cabidela. Espargos em manteiga.

E, para terminar, um bom churrasco.

Sorvetes de caju, frutas à ufa,

Queijo do reino, requeijão de Minas,

Baba de moça e doce de laranja.

Se não satisfizer este cardápio,

Que a espada de Vatel me arranque a vida

À exceção dos espargos e do queijo,

O meu almoço é todo brasileiro!

RAMOS         — Mas a vinhaça é toda portuguesa:

Bucelas para acompanhar o peixe,

Depois Colares da viúva Gomes,

Vinho do Porto para a sobremesa

E duas garrafinhas de Champanha

Da marca Assis Brasil.

O COZINHEIRO      — Estou contente,

Pois vejo que o Brasil também figura

Muito embora num rótulo.

ANGÉLICA   — E os licores?

RAMOS         — Deve ter vindo do armazém do Castro

            Uma garrafa de Beneditinos.

(Ao cozinheiro.)

Bom. Pode retirar-se, e se o almoço

Ao meu gosto estiver, conte comigo.

O COZINHEIRO      — Nenhuma recompensa mais desejo

            Que salvar os meus créditos de artista...

RAMOS         — Da arte culinária. Vá s’embora.

(O cozinheiro vai se retirando.)

É verdade. Ouça cá. Diga ao copeiro

Que se apresente, pra servir a mesa,

Encasacado e de gravata branca.

(O Cozinheiro sai.)

 

 

CENA III

JOÃO RAMOS, DONA ANGÉLICA

 

ANGÉLICA               — Espero agora que afinal me contes

            A história deste almoço.

RAMOS         — É muito simples.

Lembras-te que no baile do Cassino,

O César Santos, moço encaminhado,

Com porcentagem numa casa forte,

Namorou nossa filha à rédea solta?

ANGÉLICA   — E depois desse baile, muito embora

Nós moremos tão longe da cidade,

Muitas vezes nos passa pela porta,

E até parado fica ali na esquina.

RAMOS         — Muito bem. Dize mais: não te recordas

Que, quando fomos ao Teatro Lírico,

Ao benefício da Maragliano,

O Benjamin Ferraz, que é moço rico,

Estava na platéia e não tirava

Do nosso camarote os olhos lânguidos?

E acabado o espetáculo, correndo

Postou-se à porta pela qual saímos,

E suspirou quando passou por ele

Ambrosina?

ANGÉLICA   — Um suspiro escandaloso,

            De olhos voltados e de mão no peito!

RAMOS         — E ele não passa pela nossa porta?

ANGÉLICA   — Todas as tardes passa, embora chova.

            O outro passa de bonde e este a cavalo.

RAMOS         — Pois eu, sabendo dessas passeatas,

Embora tu não me dissesses nada,

Como os achei à mão, ambos, anteontem,

Por mero acaso, na confeitaria,

Fi-los sentar-se à mesa em que eu me

            [achava, Paguei-lhes o vermute, apresentei-os

Um ao outro, mostrei-me muito amável,

E lembrei-me afinal de convidá-los

Para almoçar conosco hoje, domingo.

ANGÉLICA   — Porém com que intenções os convidaste?

RAMOS         — Minha amiga, bem sabes que os bons

            [noivos

Dificilmente conquistar-se podem

Vendo-os passar no bonde ou no cavalo;

É preciso atraí-los; casamentos,

É de portas a dentro que se arranjam.

Se teu pai não me houvesse convidado

Para jantar na casa dele um dia,

Por sinal que era o dia dos teus anos,

Talvez não nos casássemos tão cedo;

Mas convidou-me e, por cautela, à mesa,

Ao lado teu me fez ficar sentado.

Quando veio o peru, éramos noivos;

Tratavas-me por tu à sobremesa;

Um mês depois estávamos casados,

E dez meses depois éramos três!

ANGÉLICA   — Mas meu pai convidou-te a ti somente.

            E tu a dois convidas...

RAMOS         — O que abunda

Não prejudica, diz o velho adágio.

Teu pai não era tolo, minha amiga,

Apesar de ter sido sapateiro,

E se não estava outro mancebo à mesa,

É que não tinhas outro namorado...

ANGÉLICA (Rindo.)

            — Sabes tu lá se o tinha ou se o não tinha!

RAMOS         — Com este almoço dois coelhos mato

            De uma só cacheirada!

ANGÉLICA   — És econômico!

            Para dois namorados, dois almoços!

RAMOS         — Se fossem vinte, vinte almoços? Boas!

            Colocada a Ambrosina entre os dois

            jovens,

            Escolher poderá muito à vontade.

ANGÉLICA   — Mas é preciso preveni-la disso.

RAMOS         — Justamente ela aí vem. Vamos falar-lhe.

 


CENA IV

RAMOS, DONA ANGÉLICA, AMBROSINA

 

AMBROSINA           — A bênção, papai? Bom dia!

RAMOS         — Deus te abençoe, minha filha.

            Mas como tu vens casquilha!

Há muito que não te via

Tão enfeitada e catita!

AMBROSINA           — Oh! Admira-se? Entretanto,

            Ontem papai pediu tanto

Que me fizesse bonita!

Vê como estou imponente?

Que tal acha o meu vestido?

RAMOS         — Muito espantado.

AMBROSINA           — Duvido

Que papai diga o que sente.

RAMOS         — De modas eu não entendo;

Sou ferragista, e asseguro

Que tenho juízo seguro

Sobre o que compro e o que vendo.

Quando alguém conhecer queira

A qualidade de um prego,

As minhas luzes não nego,

Posso falar de cadeira;

Mas quanto a farandulagens,

Fitinhas, laços, tetéias,

Sou muito curto de idéias!

Cá comigo é só ferragens!

Mas, minha filha, acredita,

Quando o contrário suponhas:

Com qualquer trapo que ponhas,

Acho-te sempre bonita.

(Dá-lhe um beijo.)

Bom. Temos que conversar

Sobre outro assunto, faceira.

Senta-te nesta cadeira;

Entre nós dois vais ficar.

 

(Coloca três cadeiras no proscênio; a do centro para Ambrosina, a da direita para Angélica, e da esquerda para si. Sentam-se todos três. Pausa.)

 

            Fala, Angélica!

ANGÉLICA   — Ora essa!

            Fala tu!

RAMOS         — Tu!

ANGÉLICA   — Tu!

RAMOS         — Mulher,

Olha que eu não sei sequer

Por onde é que é que se começa!

AMBROSINA           — É coisa grave?

RAMOS         — Oh! bem grave!

ANGÉLICA   — Anda! é o princípio que custa!

AMBROSINA           — Tanta hesitação me assusta!

RAMOS         — Não é nada que te agrave:

            Trata-se de casamento.

AMBROSINA           — De casamento?

RAMOS         — É verdade!

(Embaraçado e muito comovido.)

— Menina, chegaste à idade...

Chegaste ao feliz momento...

A felicidade tua

É o nosso constante fito,

E nós...

(Passando os dedos nos olhos.)

            Lágrimas?... Bonito!...

(A Angélica.)            Agora tu continua.

ANGÉLICA   — Valha-te Deus! que maricas!

Por qualquer coisa tu choras!

Vamos! basta de demoras!

RAMOS         —Eu... tu... eu...

ANGÉLICA   — Vê em que ficas!

(Arremedando-o.)

Eu... tu... eu...

RAMOS         — Então que queres?

Nem eu ouso, nem tu ousas!

Fala tu: para estas coisas

Têm mais talento as mulheres!

ANGÉLICA   — Minha filhinha, teu pai

Convidou para um almoço

Aquele moço...

AMBROSINA           — Que moço?

RAMOS         — Dize-lhe o nome.

ANGÉLICA   — Lá vai:

O César Santos?... Aquele

Que toda a tarde passeia

No bonde das cinco e meia?...

AMBROSINA           — Sei quem é.

RAMOS         — Tu gostas dele?

AMBROSINA           — Eu não gosto nem desgosto...

ANGÉLICA   — E foi também convidado

Aquele outro namorado?...

Quem é já sabes, aposto!

RAMOS         — Dize o nome!

ANGÉLICA   — Espera lá!

            Ou falas tu ou eu falo!

RAMOS         — Bom.

ANGÉLICA   — Aquele do cavalo?

RAMOS (Fingindo que está montado a cavalo.)

            — Hein? Patati, patatá!

AMBROSINA           — O Benjamin?

ANGÉLICA   — Justamente:

            O Benjamin.

RAMOS         — Desse gostas,

            Ou não gostas nem desgostas?

AMBROSINA           — Sim... não... É-me indiferente! ...

Ambos à casa hoje vêm,

Pra que eu escolha?...

RAMOS         — Decerto.

Examina-os bem de perto;

Vê qual dos dois te convém.

AMBROSINA           — Oh! nenhum deles me traz

            À vida novos encantos...

RAMOS         — Sim?

AMBROSINA           — Nem o tal César Santos,

            Nem o Benjamin Ferraz.

ANGÉLICA   — Mas tu gostas de outro?

AMBROSINA           — Não.

Não acho quem me cative;

Até hoje nunca tive

Cuidados no coração.

Quando o César Santos passa,

E eu estou acaso à janela,

Não fujo... não saio dela...

Ele sorri... Acho graça...

Faz mal que eu também sorria?...

Namoro?... talvez que o seja;

Mas nisso amor ninguém veja...

Quando muito é simpatia.

ANGÉLICA   — Filha, lá disse o poeta:

“Simpatia é quase amor”...

RAMOS         — Pois seja o poeta quem for,

Disse uma asneira completa!

Não foi Camões com certeza!

ANGÉLICA   — Foi Casimiro de Abreu

RAMOS         — Uma tolice escreveu;

            Digo-o com toda a franqueza!

AMBROSINA           — Quando passa o Benjamin,

Montado no seu cavalo,

E, sem tenção de esperá-lo,

Vejo-o sorrir para mim,

Eu lhe sorrio também...

Mas... que exprime este sorriso?

Que com ele simpatizo...

E papai diz muito bem:

Não é este sentimento

Um quase amor. Que esperança!

Minhalma livre descansa,

Descansa o meu pensamento!

Não me persegue o desejo

De os ver passar pela porta.

E quando os vejo, que importa?

Que importa quando os não vejo?

Se papai julga que devo

Desde já mudar de estado,

Antes que tenha falado

Meu coração, não me atrevo

A contrariá-lo, oh! não!...

Mas entre os dois pretendentes,

Ambos pessoas decentes,

Não faço a menor questão.

RAMOS (Erguendo-se.)

            — Bravo!

(Ambrosina e Angélica também se erguem.)

AMBROSINA           — Papai, se quiser,

            Estude, examine, escolha;

            Mas permita que eu me encolha...

RAMOS         — Qualquer te serve?

AMBROSINA           — Qualquer.

(Lucas entra como um raio. Surpresa geral. Alegria.)

 

 

CENA V

JOÃO RAMOS, DONA ANGÉLICA, AMBROSINA, LUCAS

 

LUCAS          — Que Deus esteja nesta casa!

TODOS (Contentes.)          — O Lucas!

LUCAS          — O Lucas, sim, que, sem mandar aviso,

Abalou de São Paulo ontem cedinho,

Passou parte da noite num teatro,

Dormiu no Grande Hotel, onde espichado

Na cama, refletiu: de manhã cedo

Tomo o meu banho, faço a minha barba

E ao palacete vou do velho Ramos

Causar uma surpresa àquela gente.

Como é domingo, encontro o velho em casa

E chego a tempo de papar-lhe o almoço.

RAMOS         — Fizeste bem, rapaz, mas que diabo!

            Devias começar por abraçar-nos...

(Abraçando Lucas.)

            Assim! Aperta-me estes velhos ossos!

LUCAS          — As saudades são tantas, que receio

            Esmagá-lo!

RAMOS         — Esmagar-me? Então tu julgas

            Que assim se esmague um português valente?

ANGÉLICA (Abrindo os braços.)

            — Eu também quero o meu abraço!

LUCAS          — É justo.

ANGÉLICA   — Mas vê lá: não me esmagues!

            LUCAS          — Oh!descanse!

            Muito bem sei como se abraçam damas!

            (Abraça-a.)

ANGÉLICA   — Agora, abraça a tua irmã de leite.

LUCAS          — Ambrosina! Meus Deus! nestes três anos

            Que diferença fez!

RAMOS         — Desenvolveu-se...

            Deitou corpo... cresceu...

LUCAS          — Que diferença!

Deixo um fedelho e encontro uma senhora,

E mais linda que um anjo! Isto é possível...

ANGÉLICA   — Bem sabes que ela tem a tua idade!

RAMOS         — Abraça-a, vamos!

LUCAS          — Não! eu não me atrevo!

Na minha idade já se não abraçam

Moças da minha idade...

ANGÉLICA               — Ora que tolo!

LUCAS          — Só num jogo de prendas, por sentença!

AMBROSINA           — Sou tua irmã.

LUCAS          — És minha irmã de leite.

Essa irmandade não me impediria

De casar-me contigo...

(Comicamente cerimonioso.)       Enfim, senhora,

Como de Vossa Excelência os pais ordenam,

Venha esse abraço!

AMBROSINA (Lançando-se nos braços dele.)

— E esmaga-me, se queres!

— Como está mamãezinha?

LUCAS          — Boa e fera;

São seu único mal saudades tuas.

Mandou-te umas lembranças de São Paulo.

ANGÉLICA   — É sempre a mesma tua mãe!

LUCAS          — Coitada!

Não quis que eu viesse ao Rio de Janeiro,

Sem coisinhas trazer para Ambrosina;

E durante a viagem vim comprando

Tudo quanto se encontra no caminho:

Queijos de Itatiaia e Campo Belo,

E beijus de Belém. Essas lembranças

Lá estão no Grande Hotel.

RAMOS         — Por que motivo

Não vieste hospedar-te em nossa casa?

Pois não sabes que é teu tudo que é nosso?

LUCAS          — Bem sei, mas receava incomodá-los.

TODOS         — Oh!

LUCAS          — Demais, moram longe da cidade,

            E eu a negócio vim, não a passeio.

RAMOS         — E a casa como vai!

LUCAS          — De vento em popa!

Se a coisa prosseguir como tem ido,

Eu serei, num futuro não remoto,

Quase tão rico como o velho Ramos!

(Dá uma pequena pancada no ventre de Ramos.)

RAMOS (Rindo.)

            — O velho Ramos não é rico.

LUCAS          — É rico;

Mas tem o sestro de dizer que é pobre,

Porque receia que lhe peçam chelpa.

RAMOS         — Que grande malcriado me saíste!

LUCAS          — Mas que me importa a mim o velho Ramos?

            Bem se me dá que seja rico ou pobre!

(Tomando ambas as mãos de Ambrosina.)

Quem me interessa és tu, és tu somente,

Minha querida irmã, que tanto prezo!

(Com certa hesitação na voz.)

Então? quando se faz este casório?

Já deves ter um noivo, ou, pelo menos,

Um namorado, ou dois... Com esses olhos,

E essa boca de fada, e esta elegância,

E este pai, apesar de não ser rico,

Deves ter pretendentes aos cardumes!

AMBROSINA           — Tenho dois namorados.

LUCAS (Com um sorriso forçado.) — Dois apenas?

AMBROSINA           — Pode ser que outros haja, mas ignoro.

RAMOS         — Não podias chegar mais a propósito:

            Hoje vêm ambos almoçar conosco.

AMBROSINA           — Convidou-os papai, para que eu possa,

Depois de examiná-los bem de perto,

Escolher o que deva ser meu noivo;

Mas eu já disse que nem de um nem de outro

Faço questão, e escolha qualquer deles.

LUCAS          — Que singular filosofia a tua!     

            Mas quem são esses dois rivais famosos?

RAMOS         — O Benjamin Ferraz e o César Santos.

LUCAS         — Não conheço.

RAMOS         Vais vê-los dentro em pouco.

São dois tipos um do outro bem diversos.

O César Santos, guarda-livros hábil,

Interessado está numa das casas

Mais importantes desta praça; é moço

Ajuizado, refletido e sério;

Tem feito economias, e de parte

Já pôs alguns vinténs; possui dois prédios.

O Benjamin Ferraz é muito rico:

Herdou dos pais e ainda há de herdar dos tios,

Que fazendeiros são. Monta a cavalo,

Veste-se muito bem, e desconfio,

Pela sua maneira de exprimir-se,

Que literato ele é nas horas vagas.

LUCAS         — E nas que não são vagas esse moço

            Em que se ocupa?

RAMOS         — Ora essa é boa! ocupa-se

Em ter muito dinheiro. Eu não conheço

Melhor ocupação.

LUCAS          — Prefiro o outro.

            (Mudando de tom.)

E por amor do guarda-livros hábil

E do janota que tão bem se exprime,

Temos então almoço ajantarado?

RAMOS         — Lagostas... um badejo... uma fritada...

            Galinhas... um churrasco... espargos,

[frutas, Sorvetes, queijos, doces e mais doces,

E Bucelas, Colares e Champanha!

LUCAS          — Não há que ver: tirei a sorte grande!

Eu vim ao cheiro de uns modestos bifes,

E caio em plenas bodas de Camacho!

Não esperava tanto!

RAMOS         — Vai, Angélica,

Dar uma vista de olhos à cozinha,

E manda pôr mais um talher à mesa,

E vê lá se o copeiro pôs casaca.

ANGÉLICA   — E tu, anda buscar na adega os vinhos.

(Sai.) RAMOS         — Tens razão. Já lá vou. Cá tenho a chave.

(A Lucas.)      Quando há comes e bebes nesta casa,

Ela trata dos comes e eu dos bebes.

Bom. Até logo. Ó minha filha, fica

Fazendo companhia ao nosso Lucas. (Sai.)

 

 

CENA VI

AMBROSINA, LUCAS

 

LUCAS          — Com que então, vais casar?

AMBROSINA           — Mas vê como estou fria...

            Oh! pelo gosto meu mais tempo esperaria;

Porém papai não pensa infelizmente assim,

E, pelos modos, quer ficar livre de mim.

LUCAS          — Não creias que teu pai de ti livrar-te queira:

Tem medo de morrer deixando-te solteira,

É o que é. A intenção é boa; apenas, eu

Me parece que o pior processo ele escolheu.

O tal César e o tal Benjamin vão pensar

Que o João Ramos a filha à força quer casar;

Mais prudente seria esperar que viesse

O noivo e não chamá-lo à casa, me parece.

AMBROSINA           — Tens razão.

LUCAS          — Não se mete à cara de ninguém

            Noiva que, como tu, tanto atrativo tem.

AMBROSINA           — Isso é bondade tua.

LUCAS          — E se ao velho não falo

Deste modo, é porque não quero apoquentá-lo.

Tu bem sabes de quanto eu lhe sou devedor:

Ele foi para mim um grande protetor,

Tão amigo, tão bom, tão desinteressado,

Que um altar tem cá dentro e é para mim

            [sagrado.

            Nas tristes condições em que eu ao mundo

            [vim,

Se não fosse teu pai, que seria de mim?

Quando nasci, o meu já estava morto há.

            [meses;

Minha mãe a miséria, a fome algumas vezes

Sofreu, mas resistiu. Tu nasceras também;

Adoeceu tua mãe; era preciso alguém

Que as vezes lhe fizesse, e a minha então,

            [coitada,

            Que era pobre, tão pobre, e pobre

            [envergonhada,

Sozinha neste mundo, ao deus-dará, sem pão,

Precisava de alguém que lhe estendesse a

            [mão...

E foi, como faria uma africana escrava,

Contigo dividir o leite que eu mamava.

AMBROSINA           — Pobre da mamãezinha!

LUCAS          — Eu fui muito feliz,

E ela também: teu pai, meu pai fazer-se quis.

Nem eu nem minha mãe saímos desta casa

Que nos cobriu a nós como de um anjo a asa.

Quando cresci, o velho à escola me enviou

E depois no comércio emprego me arranjou.

Para São Paulo fui. Sou quase independente.

E a quem o devo? A ele... a ele unicamente.

AMBROSINA           — De nada valeria o muito que te fez,

            Se tu não fosse bom.

LUCAS          — Não seria, talvez,

            Tão bom, se ele não fosse a bondade em

            [pessoa.

            Isso é o que me fez bom, e isso é o que te

            [fez boa.

Mas falemos dos dois namorados. Teu pai

Quer que escolhas; pois bem: examiná-los vai

Minuciosamente, e um dos dois com certeza

Preferirás ao outro ao sairmos da mesa.

Está dito?

AMBROSINA           — Pois sim.

LUCAS          — Por meu lado, eu também

            Verei dos dois qual seja o que mais te convém.

 

 

CENA VII

AMBROSINA, LUCAS, JOÃO RAMOS, DONA ANGÉLICA

 

RAMOS         — Pronto! podem chegar os convidados!

No aparador alinham-se as garrafas,

E o diabo do copeiro, de casaca,

Parece até um cidadão conspícuo!

ANGÉLICA               — Que bonito badejo é o rei da festa!...

RAMOS         — Custou-nos vinte e cinco bagarotes

No mercado; não pode ser, portanto,

Um peixinho de pouco mais ou menos.

(Esfregando as mãos.)

Não tardam por aí os dois rapazes.

LUCAS          — Eles que venham, porque estou com fome!

(Toque de campainha elétrica.)

RAMOS         — Falai no mau...

(Indo ao fundo e falando para fora.)

            Ó senhor César, entre!

(Entra César Santos cerimoniosamente.)

 

 

CENA VIII

AMBROSINA, LUCAS, JOÃO RAMOS, DONA ANGÉLICA, CÉSAR SANTOS

 

CÉSAR         — Minhas senhoras... Senhor Ramos... Creio

            Que esperar não me fiz por muito tempo.

RAMOS         — Pontualíssimo foi, foi cavalheiro.

            (Apresentando.)

            Minha mulher.

CÉSAR         — Minha senhora, folgo

            De conhecê-la.

ANGÉLICA   — E eu igualmente folgo.

            Faça favor.

 

(Toma-lhe o chapéu e a bengala, que vai colocar sobre um móvel, ao fundo.)

 

RAMOS (Mostrando Ambrosina.)

— É minha filha. O amigo

Há muito que a conhece. Já com ela

Dançou num baile do Cassino.

CÉSAR         — É exato.

Foi uma honra que esquecer não pude,

Pois me deixou recordações bem doces.

AMBROSINA (Cumprimentando.)

            — Agradecida.

RAMOS         — O meu amigo Lucas.

Quase meu filho... Um filho malcriado,

Que ao pai não tem o mínimo respeito,

E lhe dá piparotes na barriga!

Mas é um herói! — tem só vinte e dois anos

E é já negociante conceituado

Na praça de São Paulo!...

CÉSAR         — Cavalheiro.

            Consinta que lhe aperte a mão.

LUCAS          — Não creia

No que lhe está dizendo o senhor Ramos.

Como lhe devo a posição que ocupo,

É muito exagerado a meu respeito,

Para dar mais valor ao seu trabalho.

CÉSAR         — As coisas como vão lá por São Paulo?

LUCAS          — Que coisas?

CÉSAR         — Os negócios. Interessa-me

            O comércio, e de nada mais cogito.

LUCAS          — Os negócios vão bem.

CÉSAR         — Não me parece;

A baixa do café tem sido o diabo,

E esperança não há de que tão cedo

Ele suba,

(A Angélica.)            não acha Vossa Excelência?

ANGÉLICA   — Senhor eu não entendo dessas coisas;

Só sei que tudo está bem caro agora,

E que um badejo, que custava dantes

Dez mil réis, quando muito, agora custa

Vinte e cinco mil réis!

CÉSAR         — A carestia

Faz com que o povo sofra e sofra muito;

Mas o comércio sofre mais que o povo.

Na nossa praça a crise está medonha;

Muitas casas estão arrebentadas;

O câmbio esteve a cinco, é bem verdade,

E subiu depois disso a sete e meio,

Mas de novo tem ido para baixo,

E não há confiança nos efeitos

Do plano financeiro do governo.

Não acho que endireite a nossa praça,

Enquanto a taxa não subir a doze,

Pelo menos.

(A Ambrosina.)         Não acha Vossa Excelência?

AMBROSINA           — Eu nunca pude perceber o câmbio.

CÉSAR         — Pois eu lhe explico: o câmbio representa...

RAMOS         — E eu que não lhe ofereço uma cadeira?

Faz favor de sentar-se? Então? Sentemo-nos!

Tanto se paga em pé como sentado!

(Sentam-se todos.)

Mas sobre outros assuntos conversemos,

E deixemos tranqüilos os negócios.

Estes belos domingos foram feitos

Pra que a gente se esqueça da semana.

CÉSAR         — Pois assunto não há que mais me agrade

            Do que câmbio, café, preços-correntes...

RAMOS         — Qual! isso é bom lá para baixo. Em casa

            Gosto de ouvir falar de frioleiras.

LUCAS (Baixo a Ambrosina.)

            — Desconfio que o noivo não te serve.

RAMOS         — Eu sou negociante de ferragens,

E por meu gosto, não teria em casa

Nem trincos, nem martelos, nem argolas,

Nem pontas de Paris, nem dobradiças,

Nem nada que lembrasse o meu comércio.

Quando aos domingos eu me sento à mesa,

Desgostam-me os talheres, acredite,

Porque os tenho na loja; na cozinha

Não entro, só para não ver panelas!

Causam-me horror grelhas e caçarolas!

ANGÉLICA   — E a história do canário?

RAMOS         — Ah! é verdade!

Lembras-te ainda? Estávamos casados

Havia um mês, se tanto. O pai da Angélica

Um canário mandou-lhe de presente.

Ela estimava-o. Muito bem. Pedi-lhe

Um belo dia que o mandasse embora!

CÉSAR         — O canário não era ferramenta!

RAMOS         — Não, mas era preciso dar-lhe alpiste,

E o alpiste naquele tempo — sabe? —

Vendia-se nas lojas de ferragens.

(Novo toque de campainha elétrica.)

ANGÉLICA   Tocaram.

RAMOS (Erguendo-se.)

            — Bom! é ele com certeza! É o Benjamin Ferraz!

(Vai ao fundo e fala para fora.) A casa é sua.

(Erguem-se todos. Entra Benjamin Ferraz.)

 

 

CENA IX

AMBROSINA, LUCAS, JOÃO RAMOS, DONA ANGÉLICA,

CÉSAR SANTOS, BENJAMIN FERRAZ, depois um COPEIRO

 

BENJAMIN   — Minhas senhoras... cavalheiros... peço

Mil perdões por chegar um pouco tarde.

Foi do meu alfaiate a culpa inteira.

Uma porção de tempo estive à espera

De uma sobrecasaca que não veio.

LUCAS (À parte.)

            — Começa mal...

BENJAMIN   — Esta já tem três meses,

E já não está na moda; os figurinos

Sobrecasacas apresentam hoje

Fechadas mais em cima, e mais compridas,

Dando pelo joelho. Quando eu entro

Pela primeira vez em qualquer casa,

Com toda a correção quero ser visto,

Todas as regras sei do savoir-vivre.1

(A Angélica.)

Depois deste cavaco indispensável,

Permita, Excelentíssima Senhora,

Que lhe ofereça a rosa mais bonita

Que esta manhã no meu jardim banhavam

As lágrimas do orvalho matutino.

A rainha das flores simboliza

A rainha do lar, a esposa honesta,

A carinhosa mãe!

RAMOS (À parte.)

            — Parece um brinde.

ANGÉLICA   — Muito obrigada pelo seu presente.

BENJAMIN   — Não há de quê minha gentil senhora.

(Angélica põe a rosa ao peito. Benjamin volta-se para Ambrosina.)

Para Vossa Excelência eu trouxe — e espero

Que seja recebido com bondade —

Este raminho de violetas brancas,

Também do meu jardim. Flores modestas,

Que o seu perfume docemente escondem.

Simbolizam a cândida inocência

Da bela virgem recatada e pura.

AMBROSINA           — Agradecida.

RAMOS         — À vista dos discursos.

Desobrigado estou de apresentar-lhe

Mulher e filha.

ANGÉLICA (Tomando o chapéu e a bengala de Benjamin.)

            — Com licença.

BENJAMIN   — Graças.

RAMOS (Indicando César.)

            — Este já foi por mim apresentado.

BENJAMIN   — Folgo de vê-lo.

RAMOS         — O meu amigo Lucas.

            É quase um filho.

LUCAS          — Temos um fonógrafo?

RAMOS         — Não tem ao pai o mínimo respeito...

LUCAS          — E lhe dou piparotes na barriga;

            Falta-me o savoir-vivre...

BENJAMIN   — Oh, não! não creio!

LUCAS          — Vim almoçar de jaquetão coçado!

BENJAMIN   — Se é quase um filho, está no seu direito.

RAMOS         — Mas é um herói! Tem só vinte e dois anos...

LUCAS          — Vinte e dois anos e três meses justos.

RAMOS         — E é já negociante acreditado

            Na praça de São Paulo!

BENJAMIN   — Então? já houve

            Com essa idade marechais em França!

(Apertando a mão a Lucas.)

            Eu tenho muita honra em conhecê-lo.

LUCAS          — A honra é toda minha, cavalheiro.

(Angélica, que tem saído, volta e diz baixinho a Ramos.)

ANGÉLICA   — O almoço está servido.

RAMOS (Muito alto.) — Meus senhores...

ANGÉLICA (Tapando-lhe a boca.)

            — Espera que o copeiro dizer venha.

RAMOS (Baixo.)

— É verdade, o copeiro de casaca...

(Entra o Copeiro.)

Ei-lo! Faz um vistão! Gosto daquilo!

O COPEIRO             — O almoço está na mesa. (Sai.)

RAMOS         — Meus amigos,

Vamos ao nosso almoço, prontamente,

Que já temos o estômago a dar horas.

(Benjamin e César oferecem ambos o braço a Ambrosina.)

BENJAMIN   — O meu braço aqui tem, minha senhora.

CÉSAR         — Minha senhora, ofr’eço-lhe o meu braço.

AMBROSINA           — E agora? Aceito o que chegou primeiro.

 

(Dá o braço a Benjamin. César dá o braço a Angélica. Saem todos.)

 

RAMOS (Saindo, a Lucas.)

            — Cada qual no seu gênero, não achas?

LUCAS          — Acho.

RAMOS         — A Ambrosina escolhe... escolhe um deles!

            (Sai.)

LUCAS (Só.)            — Escolhe um deles? Pois sim!

Meu velho, pelo que vejo,

Perdes o tempo e o latim,

Pra não dizer o badejo.

 

[(Cai o pano.)]

 

 


ATO SEGUNDO

A mesma sala

 

CENA I

AMBROSINA (Entrando.)

 

— Valha-me a Virgem Maria!

Que grande aborrecimento!

Vim descansar um momento!

De tanta sensaboria

Horrorizada fugi!

Que só de negócios trate

O tal Senhor César Santos!

Cacete conheço uns quantos,

Porém daquele quilate

Confesso que nunca os vi!

E o Benjamin? Que fofice!

Que tipo insignificante!

Não abre a boca o pedante,

Que não diga uma tolice,

Ou que não fale de si,

Das visitas que recebe,

Ou do extrato que o perfuma,

Ou dos charutos que fuma,

Ou dos licores que bebe!

Quantas asneiras ouvi!

 

 

CENA II

AMBROSINA, LUCAS

 

LUCAS          — Vamos! Então? Que me dizes

            De um e de outro namorado?

AMBROSINA           — Cada qual mais enjoado!

LUCAS          — Pobres moços!... infelizes! ...

            Pois nenhum deles te agrada?

AMBROSINA           — Não.

LUCAS          — És muito rigorosa!

AMBROSINA           — Seria bem desditosa

            Com quaisquer deles casada.

LUCAS          — Também vais logo aos extremos!

Pelas impressões primeiras

Incompletas e ligeiras,

Jamais levar nos deixemos...

Gente nova, estranha gente

Não há, que nos apareça,

E aos nossos olhos pareça

Aquilo que é realmente;

Pois nesta coisa medonha,

Que se chama sociedade,

Ninguém sai da intimidade

Sem que uma máscara ponha.

Não julguemos à ligeira;

Toda a gente se mascara:

Uns cobrem parte da cara

E os outros a cara inteira.

Quem se revela maluco

Tem muitas vezes juízo,

E nos parece ter siso

Um velho crânio sem suco.

Finge de franco o sovina,

Faz-se virtude a mazela...

Julgas Penélope aquela?

Repara que é Messalina!

AMBROSINA           — Naquele maldito almoço

Muito a custo me contive...

Se o mundo enganado vive,

Não vivo eu!

LUCAS          — Ouve...

AMBROSINA           — Não ouço!

Defendê-los tu! Que idéia!

És cacete por teu turno!

Toma hoje mesmo o noturno

E volta pra a Paulicéia!

LUCAS          — Não vive o mundo enganado,

Não toma a nuvem por Juno:

Diz que o gatuno é gatuno,

Diz que é malvado o malvado,

E, sem que o disfarce o iluda,

Quando o seu chapéu lhes tira,

Cumprimenta uma mentira,

Uma máscara saúda;

Mas não se trata do mundo

E sim do juízo que fazes

Sobre dois pobres rapazes

Que não conheces a fundo.

Durante esse almoço triste,

Que te não deixou saudades,

Não lhes viste as qualidades,

Mais que os achaques não viste...

Quem sabe se os namorados

Produzirão outro efeito

Quando, com arte e com jeito,

Os vejas desmascarados?

AMBROSINA           — Com ou sem máscara, dize,

Aquele Manel de Soisa

Me falará noutra coisa

Que não seja o câmbio e a crise?

LUCAS          — Vejam que grande desgraça!

Mas esse assunto varia,

Porque, enfim, lá vem um dia

Sobe o câmbio e a crise passa!

AMBROSINA           — E o outro?... aquele janota,

De trinta milhões herdeiro,

Vidrinho de água de cheiro,

Fátuo, ridículo, idiota?

De uma penhora estou livre,

Se com tal tipo me caso!

LUCAS          — Menina, não faças caso:

            Tudo aquilo é savoir-vivre.

AMBROSINA           — Muito agradecida, Lucas:

Falo-te de coisas sérias,

E com insulsas pilhérias

A quanto eu digo retrucas!

Vou no meu quarto fechar-me!

E que ninguém me apareça!

Estou com dor de cabeça:

Escusam de ir lá chamar-me!

(Sai arrebatadamente.)

 

 

CENA III

LUCAS (Só.)

 

LUCAS (Só.)            — Tem razão, coitadinha! Eu, no seu caso,

Também arranjaria uma enxaqueca...

Qualquer dos dois galãs é o mais ridículo.

César Santos é todo positivo:

Outro assunto não tem para a palestra

Senão coisas da praça. As raparigas

Antipatizam necessariamente

Com tais assuntos, e falar-lhes nisso

É o mesmo que se a gente as obrigasse

A ler nas folhas tão somente a parte

Comercial. E o Benjamin? Que parvo!

Um fenômeno quase! O próprio Édson,

A matutar, duvido que inventasse

Tão engenhosa máquina de asneiras!

Entretanto — quem sabe? — os dois rapazes

São talvez excelentes criaturas...

É o que preciso averiguar quanto antes;

Mas para isso necessário fora

Que eu conseguisse conversar com ambos,

Cada um de per si...

(Vendo entrar César Santos.)

Oh, que pechincha!...

O César Santos!... Vou puxar por ele...

Também eu ponho agora a minha máscara.

 

 

CENA IV

LUCAS, CÉSAR SANTOS

 

CÉSAR         — Onde é que se meteu dona Ambrosina?

            Vim procurá-la.

LUCAS          — Foi para o seu quarto,

            Queixando-se de dores de cabeça.

CÉSAR         — Está naturalmente aborrecida

Por ter ouvido tantas baboseiras

Do Benjamin Ferraz. Que grande tipo!

Lá o deixei a falar do seu cavalo

Que, a dar-lhe ouvidos, é o melhor do mundo!

LUCAS          — Não; ela não se queixa das toleimas

Do Benjamin Ferraz; pelo contrário...

Acha-lhe certa originalidade.

Queixa-se do senhor.

CÉSAR         — De mim?

LUCAS          — Por certo,

Pois o senhor não vê que a moça é fútil,

E só gosta de ouvir futilidades?

Falta de educação... Oh! eu conheço-a

Desde pequena, e sei dos seus defeitos.

O senhor só conversa em coisas sérias...

CÉSAR         — Não há nada mais sério que o comércio.

LUCAS          — Pois sim! Vão lá dizer-lho! Não crê nisso!

CÉSAR         — Falta-lhe então critério?

LUCAS          — Do comércio

Ela só toma a sério os armarinhos

Da Rua do Ouvidor.

CÉSAR         — No entanto, julgo

Que o velho Ramos, ferragista honrado,

Foi no comércio que ajuntou dinheiro,

E do comércio vive, e vive a filha...

LUCAS          — Ela quer lá saber dessas bobagens!

CÉSAR         — Bobagens?

LUCAS          — Esse é o termo que ela emprega.

Falem-lhe em bailes, falem-lhe em teatros!

Bem se lhe dá que o câmbio esteja frouxo,

Ou que encontre na praça tomadores,

Ou que pela manhã subindo a sete,

Baixe de tarde a seis e sete oitavos!

CÉSAR         — Tenho pena, confesso: gosto dela,

            E dói-me vê-la assim tão leviana.

LUCAS          — Gosta dela?

CÉSAR         — Decerto; e pretendia

            Pedi-la em casamento ao pai.

LUCAS          — Deveras?

Que me diz? Nesse caso fiz asneira!

Se de tais intenções eu suspeitasse,

Não me exprimira assim a seu respeito!

Pobre Ambrosina! E ela, com certeza,

Gosta igualmente do senhor! ... Que diabo!...

Hei de sempre mostrar-me um criançola!

Tem graça agora se, por minha causa,

Perde Ambrosina um casamento destes!

Senhor, não faça caso do que eu disse!

Ela não gosta do comércio? Embora!

Peça a menina, case-se com ela!

O comércio virá depois... Que bruto

E que indiscreto fui!

CÉSAR         — Sossegue, Lucas:

Se ela não me aceitar para marido,

Eu não me atiro ao mar por causa disso.

LUCAS          — Ah! bom! já vejo que não gosta dela...

CÉSAR         — Gosto... gosto... é bonita... é bem bonita...

            Veste-se muito bem... toca piano...

LUCAS          — E bandolim também, que é moda agora.

CÉSAR         — Se é fútil, não faz mal; bem sei que as moças

São, pouco mais ou menos, todas fúteis!

Sim... depois de casada... em vindo os filhos.

Há de neles pensar, no seu futuro,

E todo o dia, quando eu volte à casa,

Perguntará decerto pelo câmbio.

LUCAS          — Sabe que mais? Aqui ninguém nos ouve.

Confesse que se casa co’Ambrosina

Como se casaria... ande, confesse!...

Com qualquer outra moça tão bonita,

Que fosse filha de outro velho Ramos.

(César sorri.)

Este sorriso não me engana: é certo!

(Contendo a indignação.)

Faz você muito bem! (Consinta, amigo,

Que o trate por você...) Todas as moças

São parecidas umas com as outras

Quando se vestem bem, tocam piano

E bandolim. É próprio de pascácios

Preferir esta àquela, desde que haja

Beleza... e dote. Nós, os do comércio,

Mesmo tratando de formar família,

Não nos devemos esquecer que somos

Antes de tudo negociantes...

CÉSAR         — Toca!

Tu és da minha escola! Tu consentes

Que eu te trate por tu?

LUCAS          — Pois não!! consinto!

CÉSAR         — O casamento é uma sociedade;

Toda a mulher é sócia do marido:

Usa e assina o seu nome, e tem metade

De quanto lhe pertence.

            Isso é conforme.

LUCAS          — De direito é conforme, mas de fato

Tudo o que é dele é dela, e vice-versa.

Logo, é justo — não é? — que a nossa noiva

Nos traga um capital igual ao nosso.

CÉSAR         — Tu tens vinte e dois anos?

LUCAS          — E três meses.

CÉSAR         — Falas que nem um velho! Não conheço

Quem tão bem raciocine nessa idade!

Se assim pensassem todos, não veríamos

Tantas desgraças que provêm — pudera! —

Da pobreza dos cônjuges!

LUCAS          — Em França

Rapariga não há, bonita embora,

Que sem ter dote casamento arranje.

Aquilo é que é país!

CÉSAR         — E no comércio

            A francesa é caixeira do marido.

LUCAS          — Tinha eu então razão quando dizia

            Que a ti tanto te faz uma como outra...

CÉSAR         — Tinhas toda a razão. A ti, to digo,

Pois vejo que não és nenhum poeta,

Nem nenhum visionário impertinente,

Que viva numa nuvem cor de rosa.

És de Dona Ambrosina irmão colaço:

Peço-te, pois, que essa impressão destruas

Que nela produzi; dize-lhe Lucas,

Que tenho aspirações, que tenho sonhos,

Eu sou muito capaz de fazer versos.

Numa página até do livro-caixa!

LUCAS          — Vai tranqüilo.

(À parte.)       Caiu como um patinho,

            E por um triz não lhe esmurrei as ventas!

 

 

CENA V

LUCAS, CÉSAR SANTOS, JOÃO RAMOS,

BENJAMIN FERRAZ, DONA ANGÉLICA

 

RAMOS         — Então? Que é isso? Desertaram ambos?

ANGÉLICA   — Ambrosina onde está, que não a vejo?

LUCAS          — Para o seu quarto foi co’ uma enxaqueca.

ANGÉLICA   — Qual! minha filha nunca teve disso!

LUCAS          — Nesse caso, fez hoje a sua estréia.

ANGÉLICA   — Valha-me o bom Jesus! vou ter com ela!

LUCAS          — Um vidro tenho aqui de sais ingleses...

(Angélica sai sem lhe dar ouvidos.)

RAMOS         — Deixe. Não será nada. A senhorita

Bebeu Bucelas e bebeu Colares:

Não estando acostumada a tais misturas,

Sentiu-se incomodada.

CÉSAR         — Não; não creia:

            Muito pouco bebeu durante o almoço.

(Senta-se a examinar um álbum de fotografias.)

BENJAMIN   — Diz muito bem. Nos cálices apenas

            Os lábios virginais umedecia.

RAMOS         — Gosta de ver retratos, senhor César?

CÉSAR         — É divertido.

(Ramos senta-se ao lado de César, e vai lhe mostrando os retratos.)

RAMOS         — Aqui me tem, no tempo

            Em que eu tinha, talvez, a sua idade.

(Lucas aproxima-se de Benjamin, que está sentado no sofá.)

LUCAS (À parte.)

            Vou penetrar nesta alma de ocioso.

(Alto, sentando-se ao lado dele.)

Quer saber o motivo da enxaqueca?

Qual mistura de vinhos; qual histórias!

RAMOS         — Esta é minha mulher. Foi bem bonita.

CÉSAR         — Ainda se parece.

BENJAMIN   — Eu desconfio

Que indisposta ficou dona Ambrosina

Por tanto ouvir falar ao César Santos

Em transações da praça.

LUCAS          — Pois engana-se.

RAMOS         — Este é o meu sogro. Já lá está, coitado!

LUCAS          — Foi o senhor a causa da enxaqueca.

BENJAMIN   — Eu? Ora essa! Não compreendo, Explique-se!

RAMOS         — A Ambrosina, quando era mais mocinha.

LUCAS          — Ela, aqui para nós, é muito tola;

Não gosta de o ouvir falar; diz ela

Que o meu amigo só de si se ocupa.

 

BENJAMIN   — Não costumo falar da vida alheia.

RAMOS         — O falecido meu compadre Lopes,

            Padrinho da pequena.

CÉSAR         — Eu conheci-o.

            Teve uma loja de calçado.

RAMOS         — É isso.

            Na Rua da Quitanda. Era bom homem.

LUCAS          — Ela não aprecia o seu estilo...

É tão mal preparada! Só lhe agradam

Palavras corriqueiras... É bonita,

Elegante, não nego, mas — que pena! —

Falta-lhe o savoir-vivre. Uma burguesa!

RAMOS         — Este é o Freitas Simões, que foi meu sócio.

            Hoje é o senhor visconde d’Alcochete!

BENJAMIN   — Pois tenho pena que ela me deteste:

            Tencionava pedi-la em casamento.

LUCAS          — Pedi-la em casamento? Oh, desastrado!

Meu Deus, fi-la bonita! Meu amigo,

Não faça caso do que eu disse! Pílulas!

Por minha causa perde a rapariga

Um casamento destes! Não! não! casem-se!

Virá depois o savoir-vivre! Diabo!...

Hei de ser sempre uma criança estúpida!...

RAMOS         — O Gouveia da Rua do Mercado.

BENJAMIN   — Não; eu não desanimo por tão pouco,

E lhe agradeço até, meu caro jovem,

Ter-me instruído sobre os gostos dela...

RAMOS         — Conhece? É o Nazaré da Rua Sete,

            Mas no tempo em que usava a barba toda.

BENJAMIN   — Eu tratarei de transformar-me, creia;

Mas se inda assim nas suas boas graças

Não cair, paciência... Outra donzela

Talvez encontre menos exigente.

O que me agrada nela é a formosura

Com que a dotou a natureza pródiga;

Outra coisa não é, porque sou rico,

E ainda espero em Deus herdar bastante,

LUCAS          — Em Deus? Sim, tem razão; é Deus quem

            mata...

RAMOS         — Este é o doutor Galvão, que é nosso médico.

BENJAMIN   — De bom grado eu seria o seu marido,

Por ser senhora muito apresentável,

Que faria figura no grand monde1

E enfeitaria bem um camarote

Do Lírico; entretanto, um sacrifício

Não quero que ela faça, está bem visto.

CÉSAR         — Este conheço eu muito: é o João Moreira.

BENJAMIN   — Modéstia à parte, a um homem desta estofa,

Que é moço, e não é feio, e tem saúde,

E é milionário ou quase milionário,

E viajou por toda a culta Europa,

E anda trajado no rigor da moda,

E faz figura em cima de um cavalo,

E fuma disto...

 

(Mostra o charuto que fuma, e faz menção de tirar outro da algibeira.)

            Quer provar?

LUCAS          — Não fumo.

BENJAMIN   — A um homem desta estofa nunca faltam

            Mulheres que o pretendam, que o disputem,

            Que se agatanhem para conquistá-lo!

(Aproxima-se de Ramos e César, que têm acabado de per­correr o álbum.)

LUCAS (À parte.)

— O outro é tolo e malandro; este é só tolo...

É muito fácil vê-lo pelas costas.

 

 

CENA VI

LUCAS, JOÃO RAMOS, CÉSAR SANTOS,

BENJAMIN FERRAZ, DONA ANGÉLICA

 

RAMOS (A Angélica que entra.)

            Então? Que é?...

ANGÉLICA   — Não é nada. Aquilo passa.

RAMOS         — Não quero que os amigos se retirem

Sem ver a nossa chácara. Proponho

Um pequeno passeio.

CÉSAR         — É bem lembrado.

BENJAMIN   — É conveniente um pouco de exercício

Depois do lauto almoço que tivemos,

E ao nosso anfitrião faz tanta honra.

RAMOS         — Bondade sua, meu amigo. Angélica,

            Vai buscar os chapéus destes senhores.

BENJAMIN (Indo buscar o seu chapéu.)

            — Então? Não se incomode, Excelentíssima! CÉSAR (Idem.)

            — Oh! pelo amor de Deus, minha senhora!

RAMOS         — Vamos! Não vens, Angélica?

ANGÉLICA   — Não. Fico

            Fazendo companhia à nossa filha.

LUCAS          — E eu faço companhia a dona Angélica.

RAMOS         — Vamos então nós três. Eu vou mostrar-lhes

            Uma nascente de água ali no morro...

 

(Saem César, Benjamin e Ramos, que continua a falar indistintamente, até que a voz se perca ao longe.)

 

 

CENA VII

LUCAS, DONA ANGÉLICA, depois AMBROSINA

 

ANGÉLICA   — Qual enxaqueca! qual nada!

            Ambrosina, meu rapaz...

LUCAS          — Santos não quer ser chamada,

            Nem ser madame Ferraz.

ANGÉLICA   — Sabias?

LUCAS          — E uma enxaqueca

Astutamente arranjou,

Para livrar-se da seca

Que o papai lhe reservou.

O Ferraz alambicado

Debalde se encareceu,

E o César — pobre coitado! —

Chegou, viu, mas não venceu.

ANGÉLICA   — Vês que menina exigente?

LUCAS          — No seu direito ela está!

É bonita, inteligente,

E tem um dote... oh, lá lá!

Deixe! O que não se faz hoje

Fazer-se pode amanhã...

Sossegue, que não lhe foge

O seu príncipe Charmant.1

ANGÉLICA   — A galope os desenganos

À casa podem chegar...

Ela tem vinte e dois anos:

Não deve mais esperar.

LUCAS          — Momento melhor aguarde;

Não é preciso correr.

Espere, que nunca é tarde

Para uma asneira fazer.

Gosto a senhora teria

Se Ambrosina de qualquer

Daqueles tipos um dia

            — Franqueza! — fosse mulher?

ANGÉLICA   — Tu não dizes o que sentes:

            Dois tipos eles não são.

LUCAS          — Deixe-se de panos quentes!

            É cada qual mais tipão!

ANGÉLICA (Depois de certa hesitação.)

— Ah! se o meu genro escolhido

Fosse por mim, só por mim,

De minha filha o marido

Serias tu.

LUCAS          — Eu?

ANGÉLICA   — Tu, sim!

(Ambrosina aparece á porta e escuta o diálogo.)

Que outro genro achar podemos

Melhor do que tu?

LUCAS          — Perdão.

            Sobre outra coisa falemos.

ANGÉLICA   — Não te agrada o assunto?

LUCAS          — Não.

            E mais na carta não deite...

ANGÉLICA   — Ambrosina...

LUCAS          — Tá tá tá!

            Ela é minha irmã de leite...

ANGÉLICA               — Impedimento não há.

LUCAS          — Há, e um grande impedimento:

O impedimento moral:

Semelhante casamento

Seria tão desigual...

ANGÉLICA   — Desigual por que motivo?

LUCAS          — Não é preciso dizer.

ANGÉLICA   — És quase um filho adotivo:

            Deves ser franco!

LUCAS          — Vou ser.

De uma... alugada era filho

Quando nesta casa entrei,

E seria um maltrapilho

Sem a proteção que achei.

ANGÉLICA   — És tolo.

LUCAS          — Se seu marido

Não me desse proteção,

Eu me teria perdido...

ANGÉLICA   — Quem sabe? Talvez que não.

LUCAS          — Não! Essa idéia me humilha!

Eu não pago tanto amor

Pretendendo a mão da filha

Do meu santo protetor!

ANGÉLICA   — Adeus, minhas encomendas!

Não me entendeste, rapaz!

Eu não digo que pretendas,

Pois pretendido serás.

LUCAS          — Se eu me casasse com ela,

Que diriam por aí?

O mundo é tão tagarela!

ANGÉLICA   — Ora! que diriam?

LUCAS          — Xi!

“O Lucas, aquele intruso

Noiva e dote abiscoitou!

De confiança um abuso

Friamente praticou!

Parecia não ter vícios,

Mas vede o pago que deu

A todos os benefícios

Que do velho recebeu!”

Já vê que esse casamento

De modo algum me convém,

E que todo o fundamento

Os meus escrúpulos têm.

ANGÉLICA   — São tolos esses assomos

            De dignidade.

LUCAS          — Talvez.

ANGÉLICA   — Nós aqui em casa não somos

Nenhuns fidalgos, bem vês.

Meu marido foi caixeiro

E hoje apenas é patrão,

E meu pai foi sapateiro,

Depois de ser remendão.

Somos, sim, família honesta

E temos alguns vinténs;

Mas, se a fidalguia é esta,

Filho, também tu a tens.

A razão por que não queres

Ser meu genro essa não é;

Mas — anda lá! — tu preferes

Mentir...

LUCAS          — Mentir! eu?

ANGÉLICA   — Olé!

Apesar de não ser fina,

Claramente vendo estou

Que não gostas de Ambrosina,

Já cá não está quem falou.

(Vai retirar-se, mas Lucas toma-lhe a passagem.)

LUCAS          — Não gosto de Ambrosina? Engana-se!

            [Ambrosina

            É a flor que me perfuma, o Sol que me

            [ilumina!

Supunha o meu afeto apenas fraternal,

Mas hoje, quando entrei, alegre e jovial,

E uma senhora achei na tímida criança

Que do passado meu era a melhor lembrança,

Deslumbrei-me, e senti que uma

            [transformação.

Meu Deus! se me operava aqui no coração!

Não pode calcular como os dois namorados

Tão senhores de si, risonhos, confiados,

Me encheram de ciúme, e como revivi

Quando por serem tão ridículos, os vi

Perder terreno... Oh, não! não diga, por

            [piedade.

Que eu não gosto daquela esplêndida beldade!

Eu amo-a loucamente, eu amo-a com fervor!

Amor não pode haver maior que o meu amor!

Mas peço-lhe por Deus que guarde este

            [segredo

Que murmuro a tremer e balbucio a medo.

Não me devo casar com sua filha, pois

Que um abismo fatal existe entre nós dois!

Se o meu segredo for por mais alguém sabido,

Juro-lhe que disparo um revólver no ouvido!

AMBROSINA (Mostrando-se.)

— Vamos! Dispara! O teu revólver onde está?

Eu quero ver morrer um homem! Vamos lá!

LUCAS          — Ambrosina!

AMBROSINA           — Acho bom, porém, que, antes do tiro

Com que te vai matar, demos ambos um giro

Até a pretoria e até a igreja.

ANGÉLICA (A Lucas.)

            — Aí tens:

            És noivo; aceita os meus sinceros parabéns.

AMBROSINA           — Mau! Feio! Escutei tudo ali daquela porta.

Se não dissesses “Amo”, eu cairia morta!

O que te sucedeu me sucedeu a mim:

Se tão cedo não vens, talvez que o Benjamin,

Ou o César — um dos dois — fosse o meu

            [noivo agora.

            Mas tu chegaste a tempo. Ao ver-te, sem

            [demora

Me pareceu que Deus te conduzia aqui

Para arrancar-me ao outro e oferecer-me a ti.

ANGÉLICA (A Lucas.)

            — Então? Que dizes tu?

LUCAS          — Digo... Não digo nada!

            Foi de tal modo pelo acaso combinada

            Esta cena de amor que ninguém... sim,

            [ninguém

Me poderá dizer: — “Tu não andaste bem”.

Estes castelos no ar é bom que os não

            [façamos,

Todavia, sem ter ouvido o velho Ramos.

Não podemos saber como ele acolherá

Esta conspiração...

ANGÉLICA   — Eu vou falar-lhe já.

LUCAS          — Já? Isso não!

ANGÉLICA   — Por quê?

LUCAS          — Convém primeiramente

Desiludi-lo de um e de outro pretendente.

Eu disso me encarrego. E só depois que os tais

Saírem... — sairão, e cá não voltam mais,

Prometo-lhes!... —

ANGÉLICA               — Bem bom! bem bom!

AMBROSINA           — Isso me alegra.

LUCAS          — Só depois eu farei o meu pedido em regra.

AMBROSINA           — E o tiro? Pum!

LUCAS          — Dá-lo-ei, se à tua decisão

            O velho opõe um veto...

AMBROSINA           — Há de lhe dar sanção.

            (Ouvem-se vozes.)

ANGÉLICA   — Eles de volta aí vêm.

AMBROSINA (Beijando a mãe.)

            — Mamãe, muito obrigada.

ANGÉLICA   — Se soubessem os dois que a praça foi

            [tomada...

 

 

CENA VIII

LUCAS, DONA ANGÉLICA, AMBROSINA,

JOÃO RAMOS, CÉSAR SANTOS, BENJAMIN FERRAZ

 

RAMOS         — Que estopada lhes dei! Confessem ambos!

CÉSAR         — Não diga tal! Foi um passeio esplêndido!

BENJAMIN   — Tem uma bela chácara. Algum dia

            Hei de mostrar-lhe a minha: um paraíso!

CÉSAR         — Já ficou boa da enxaqueca?

AMBROSINA           — O Lucas

            Um remédio me deu de efeito pronto.

LUCAS (À parte.)

            — Só me faltava ser antipirina...

CÉSAR (Com esforço.)

— Numa linda cabeça como a sua,

Onde brilham dois olhos tão formosos,

A enxaqueca devia ser vedada.

AMBROSINA (Rindo-se.)

            — Que bela frase!

CÉSAR (À parte.)

            — Decididamente

            Falta-me o jeito para as coisas fúteis!

BENJAMIN   — A enxaqueca, senhora, é mal terrível,

Porque desvia do trabalho o cérebro,

E o trabalho é a alavanca do progresso,

É o comércio, a lavoura, a indústria, é tudo!

AMBROSINA (Rindo-se.)

            — Falou bonito!

BENJAMIN (À parte.)

            — Decididamente

            Não tenho queda para as coisas sérias!

RAMOS         — Mas que remédio milagroso é esse?

Durante o almoço estavas macambúzia

Nem provaste do célebre badejo!

E agora tão risonha achar-te venho!

Verias tu, durante a nossa ausência,

Um passarinho verde?

AMBROSINA           — Não vi nada;

            Mas o fato é que estou muito contente.

RAMOS         — Bom. Nesse caso, vais tocar um pouco

De bandolim. Desejo que os amigos

Antes de nos deixar te batam palmas.

AMBROSINA           — Com mil vontades. Senhor César Santos?

            Senhor Forjaz?...

BENJAMIN   — Ferraz, Excelentíssima.

AMBROSINA           — Peço toda a indulgência.

CÉSAR         —Oh!

BENJAMIN   — Ora essa!

ANGÉLICA   — Na sala de jantar corre mais fresco

            E o bandolim lá está.

RAMOS         — Para lá vamos!

            Entrem, senhores meus!

CÉSAR (Oferecendo o braço a Ambrosina.)

            — Minha senhora?

BENJAMIN (Idem.)

            — Minha senhora?

AMBROSINA (Entre os dois.)

— Dois? Pois bem! não quero

Que nenhum se desgoste por tão pouco,

E aceito o braço que ambos me oferecem.

(Sai pelo braço de ambos.)

ANGÉLICA   — Malcriados! Esquecem-se da velha!

RAMOS (Oferecendo-lhe o braço.)

            — Aqui tens, minha amiga.

ANGÉLICA   — É pão com rosca.

RAMOS (A Lucas, passando com Angélica pelo braço.)

            — Não vens?

LUCAS          — Por ora não. Logo que possa

Safar-se, venha ter aqui comigo.

Preciso dar-lhe duas palavrinhas.

RAMOS         — Quantas quiseres, Lucas. Até logo.

            (Sai com Angélica.)

LUCAS (Só.)            — Que dirás, minha mãe, quando souberes?

 

[(Cai o pano.)]

 

 


ATO TERCEIRO

A mesma sala

 

CENA I

LUCAS, só

 

(Lucas está olhando para o lado da sala de jantar, de onde chegam os sons de um bandolim.)

 

[LUCAS (Só.)]

Não há que ver: João Ramos não se lembra

De que o espero aqui há meia hora.

Ele está preso ao bandolim da filha,

O olhar interessado, o ouvido atento,

A boca aberta, as mãos sobre os joelhos.

Oh, que velho tão bom! que pai ditoso!

Neste instante ninguém capaz seria

De arrancá-lo daquele doce enlevo!

Ouvindo aqueles sons melodiosos,

Ele talvez na mente rememore

O tempo em que Ambrosina era assinzinha,

E no seu colo adormecia às vezes.

(O bandolim cala-se. Aplausos.)

Ela acabou. O velho levantou-se.

Para este lado olhou. Viu-me.

(Faz um sinal para dentro.)

            Ora graças

Ele aí vem finalmente. Ei-lo comigo.

Queira Deus que lhe agrade a minha idéia.

Do contrário não temos nada feito.

 

 

CENA II

LUCAS, JOÃO RAMOS

 

RAMOS         — Lucas, meu filho, desculpa,

E não me acuses a mim,

Pois quem teve toda a culpa

Foi aquele bandolim.

Quando a pequena dedilha

As duas cordas, sei lá!

Deixa de ser minha filha:

É um anjinho que aí está!

Minh’alma sinto levada

Para outro mundo melhor;

Não vejo nem ouço nada

Do que se passa em redor!

Se o copeiro me dissesse:

— “Há fogo em casa, patrão!”

Talvez por isso não desse,

Nem lhe prestasse atenção!

Não me queiras mal, portanto,

Se mais depressa não vim;

Quem te fez esperar tanto

Foi aquele bandolim.

LUCAS          — Mas vamos ao que se trata.

RAMOS         — Estou sempre ao teu dispor.

Alguma negociata

Tu me desejas propor?

Queres que eu seja teu sócio?

LUCAS          — Não senhor; para tratar

Aqui de qualquer negócio,

Havia de procurar

Ocasião mais propícia,

Sem César nem Benjamin,

E não iria à delícia

Roubá-lo do bandolim.

RAMOS         — Oh, meu rapaz! tu me assustas!

            Onde queres tu chegar?

LUCAS          — Sossegue; as almas robustas

Não têm de que se assustar.

Uma inverossimilhança,

Que poderá fazer rir,

É — não acha? — uma criança

A um velho os olhos abrir;

No entanto, o fato é patente!

RAMOS         — Mas não me dirás, enfim?...

LUCAS          — Trata-se precisamente

Da dona do bandolim.

Dos dois moços namorados,

Que hoje almoçaram aqui,

Já foram bem estudados

Pelo senhor?

RAMOS         — E por ti?

LUCAS          — Por mim o foram, e juro

            Que nenhum deles convém!

RAMOS         — Ó Lucas, eu te asseguro

            Que são dois homens de bem!

LUCAS          — É César Santos matreiro

Um caça-dotes ruim,

Que faz questão de dinheiro

E não faz de bandolim!

RAMOS         — Semelhante impertinência

            Me espanta nos lábios teus!

LUCAS          — Proponho uma experiência

            E o aconselho...

RAMOS         — Ora adeus!

Dás-me um conselho? Ao que vejo,

Inverteram-se os papéis!

LUCAS          — Mal empregado badejo

De vinte e cinco mil réis!

(Ouve-se o bandolim.)

RAMOS         — Deus te dê o que te falta!

            Ouves? LUCAS          — Ouço.

RAMOS         — Plim, plim, plim!

Sabes que mais, meu peralta?

Não resisto ao bandolim

(Quer retirar-se. Lucas toma-lhe a passagem.)

— Venha cá! Falo sério! Não se ria!

César Santos não gosta de Ambrosina,

Ou antes, gosta, como gostaria

            De outra qualquer menina

            Que fosse linda e que tivesse dote...

            Ele quer dar-lhe um bote!

RAMOS         — Mas como sabes disso?

LUCAS          — Ele em pessoa

            Me declarou que assim pensava.

RAMOS         — É boa!

LUCAS          — Fingi-me um patifão da sua laia;

Captei-lhe a confiança prontamente,

E dei-lhe um vomitório de poaia.

RAMOS         — E vomitou?

LUCAS          — Duvida!... O Lucas mente?...

RAMOS         — Não vês que isso foi pala?

            Quis brincar, está visto!

LUCAS          — Pois bem, eu pela experiência insisto!

RAMOS         — Lá vem de novo a experiência! Fala!

            Como é que me aconselhas que manobre?

LUCAS          — Chame-o de parte e diga-lhe que é pobre,

Que sua filha não tem dote... Invente!...

E se ele, ouvindo essa tremenda história,

Não se puser ao fresco incontinenti,

As mãos entregarei à palmatória.

RAMOS         — Em todo o caso, é boa essa armadilha,

Porque me custaria ver casada,

Por ter um dote apenas, minha filha,

Quando com tantos outros é dotada...

LUCAS          — Eu vou lá para dentro e aqui lho mando.

Mas não tenha vergonha:

Invente uma catástrofe medonha.

Suspire, se puder de vez em quando...

Coisas dirá incríveis, conjecturo;

Não se importe: ele é homem

Desses que todas as araras comem

E que o reino do céu tem já seguro

Diga que o jogo e os seus fatais caprichos

Levaram-lhe a maquia;

Que cem contos de réis perdeu nos bichos,

Cem na roleta, cem na loteria,

E cem na Bolsa!

RAMOS         — Xi! que jogatina!

            — E o Benjamin Ferraz?

LUCAS          — Ora! Ambrosina

            Já tem um bandolim: outro dispensa.

RAMOS         — Achas então que o moço?...

LUCAS          — É mesmo um bandolim... de carne e osso.

            Esse em dote não pensa.

RAMOS         — Eu creio mesmo que não pensa em nada.

LUCAS          — Mas fica essa figura reservada para depois.

            Eu vou mandar-lhe o tipo.

            Meus parabéns sinceros lhe antecipo. (Sai)

 

 

CENA III

JOÃO RAMOS, [só]

 

[RAMOS (Só.)]         — É levado da breca este meu Lucas!

Mas não é que ele teve uma lembrança

Que não acudiria a toda a gente?

Eu vou mentir... mas, ora adeus! se o faço,

É para o bem da minha filha amada,

E a mentira que vou pregar só pode

Prejudicar o próprio mentiroso,

Pois se a pílula engole o César Santos,

Vai dizer por ai que estou quebrado;

Mas como a ninguém devo, que me importa?

Ele aí vem. Temos cena de comédia!

Coragem! vou pregar uma mentira

Pela primeira vez na minha vida...

 

 

CENA IV

JOÃO RAMOS, CÉSAR SANTOS

 

CÉSAR         — Desejava falar-me, senhor Ramos?

RAMOS         — Desejava falar-lhe, senhor César.

(Dando-lhe uma cadeira.)

Tenha a bondade, sente-se.

CÉSAR         — Obrigado.

(Senta-se. Ramos senta-se também.)

            Estou às suas ordens.

RAMOS         — Meu amigo,

O senhor, uma noite, no Cassino,

Minha filha encontrou, dançou com ela,

E no dia seguinte pela porta

Começou a passar de nossa casa

Todas as tardes, mesmo se chovia.

Se à janela a pequena me bispava,

Tirava-lhe o chapéu amavelmente,

E lhe sorria assim de certo modo...

Achando no senhor um bom partido,

Por saber, de pessoas fidedignas,

Que está perfeitamente encaminhado,

Para almoçar comigo convidei-o,

E preparei um suculento almoço

Com algum sacrifício...

CÉSAR (À parte.)

            — Sacrifício?

RAMOS         — Para não parecer que eu convidava

Um namorado, e lhe impingia a filha,

O Benjamin Ferraz, aparecendo,

Foi também convidado.

(À parte.)      Esta mentira

Não estava no programa.

(Alto.)             O que eu queria,

Trazendo-o para junto de Ambrosina,

Era fazer com que se aproximassem

E se entendessem de uma vez por todas.

Ficam-lhe abertas desta casa as portas.

CÉSAR (Erguendo-se.)

            — Muito obrigado, senhor Ramos.

RAMOS         — Sente-se.

(César senta-se.)

Antes, porém, que as coisas vão mais longe,

Uma revelação fazer-lhe quero

Imposta pela minha lealdade.

(À parte.)       Lá vai!

(Alto.)             Sou pobre.

CÉSAR (Erguendo-se como tocado por uma mola.)

            — É pobre!

RAMOS         — Muito pobre.

            Infelizmente perdi tudo. Sente-se.

CÉSAR (Seco.)

            — Estou perfeitamente.

RAMOS (Erguendo-se.)

Nesse caso,

Levanto-me eu também, meu caro amigo.

CÉSAR         — Mas como foi?...

RAMOS         — Cavalarias altas!

            Joguei na baixa.

CÉSAR         — E perdeu tudo?

RAMOS         — Tudo,

A começar pelo juízo... Apenas

Desse naufrágio me escapou a honra.

CÉSAR (Naturalmente.)

            — Mas de que vale a honra sem dinheiro?

RAMOS (Depois de estremecer como se o esbofeteassem.)

— Basta! não é preciso ouvir mais nada!

Lucas, vem cá!

CÉSAR         — Que significa isto?

RAMOS         — A experiência fica em meio apenas.

 

 

CENA V

JOÃO RAMOS, CÉSAR SANTOS, LUCAS

 

RAMOS (A Lucas que entra.)

— Imaginavas que este sujeitinho,

Ouvindo-me dizer que eu era pobre,

Ao fresco se pusesse incontinenti;

Pois bem: sou eu, vais ver, que o ponho fora

Da minha casa honrada, e, se o não ponho

A pontapés, é porque nesta idade

Não há mais pontapés que deixem marca!

CÉSAR         — Senhor!

RAMOS (A Lucas.)

— Quando eu lhe disse que era pobre,

Mas que era honrado, respondeu-me, filho,

Que a honra nada vale sem dinheiro!

LUCAS          — O dinheiro sem honra há quem prefira.

(Vai buscar a bengala e o chapéu de César Santos.)

RAMOS         — Saia já desta casa!

(Movimento de César. Com mais força.)

            Saia!

LUCAS          — Saia...

            E nada lhe responda: é o mais prudente.

 

(César encolhe os ombros, toma o chapéu e sai com arrogância. João Ramos fica muito agitado, a percorrer a cena.)

 

 

CENA VI

JOÃO RAMOS, LUCAS

 

RAMOS         — Que cinismo! que despejo!...

            Quatro murros merecia!...

LUCAS          — Então? eu não lhe dizia?

Mal empregado badejo!

Vamos lá! Não se apoquente,

Que está salva a sua filha...

Mas olhe que se ele a pilha!...

RAMOS         — Não a pilhou felizmente!

LUCAS          — Temos o outro namorado

            E uma nova experiência...

RAMOS         — Mas esse — tem paciência —

É moço muito educado,

Incapaz de dar-me um couce

Como aquele sevandija!

(Falando para a porta por onde César saiu.)

Há de haver quem te corrija,

Meu descarado!

LUCAS          — Acabou-se.

Não se trata desse agora,

Mas do bandolim Ferraz...

RAMOS         — Que também me deixe em paz!

Que também se vá embora!

Se um bruto casa com ela,

Um dia prego-lhe um tiro!

LUCAS          — Esteja calmo.

RAMOS         — Prefiro

Que vá de palma e capela

Quando morrer!

(Pausa, durante a qual o velho procura serenar-se.)

            Mas que dizes

Do tal namorado piegas?

Já agora acredito às cegas

Em tudo de que me avises!

LUCAS          — Não creio que ele pratique

Uma ação indecorosa:

Mas é muito tolo... é prosa...

Presta-se muito ao debique,

E de ridículo a dose

Que traz em si, permanente,

Refletirá fatalmente

Sobre a mulher que ele espose.

Há de ser um desconsolo,

Meu caro, que a filha sua,

Sempre que sair à rua

Vá pelo braço de um tolo.

Ele tem muitas patacas,

E ainda há de herdar de uns matutos,

Para comprar mais charutos

E novas sobrecasacas;

Mas todo esse cobre junto,

Toda essa bela milhança,

Entrando em conta a esperança

Dos sapatos de defunto,

Que vale nas mãos de um homem

Desses — e é grande a cambada! —

Que, não produzindo nada,

Enormemente consomem?

Quem vive dessa maneira,

E do seu fausto se gaba,

Por via de regra acaba

Por não ter eira nem beira.

Ambrosina — coisa horrível! —

Nas mãos desse desfrutável,

Tem a pobreza provável,

Tem a miséria possível!

RAMOS (Erguendo-se.)

            — Qual há de ser o espantalho?

LUCAS          — À puridade lhe diga:

— “Quer casar coa rapariga?

Pois bem: procure trabalho!”

Se o senhor assim o avisa,

Faço todas as apostas

Em como, voltando as costas,

Ele aqui nunca mais pisa.

RAMOS         — Pois manda-o cá!

LUCAS          — Vou mandá-lo.

Verá como a coisa pega!

Fale-lhe teso!

RAMOS         — Sossega:

            Teso, bem teso lhe falo! (Lucas sai.)

 

 

CENA VII

JOÃO RAMOS, [só]

 

[JOÃO RAMOS (Só.)]

— Oh! venturoso o pai que lhe entregar a filha!

Vinte e dois anos só! Quando este bigorrilha

Contar os que já conto, há de ser um portento!

Aquilo sim, senhor, aquilo é que é talento!

É ele a boca abrir, são flores e mais flores!

Até me faz lembrar Jesus entre os doutores!

Devia tê-lo feito entrar na Academia...

Que brilhante orador, que bacharel daria!...

 

 

CENA VIII

JOÃO RAMOS, BENJAMIN FERRAZ

 

RAMOS         — Venha, meu caro amigo, e me desculpe

Se o privei de mais doce companhia;

Mas é preciso que nos entendamos

Sobre assunto que muito me interessa.

BENJAMIN   — Antes de prosseguir, Senhor João Ramos,

Cumprimentá-lo quero entusiasmado:

Tem uma filha verdadeiramente

Artista; o bandolim, nas delicadas

Mãos de dona Ambrosina, diviniza-se!

Ouvi três peças cada qual mais bela!

Que brio! que expressão! que sentimento!...

RAMOS         — Gosta muito de música?

BENJAMIN   — Muitíssimo.

RAMOS         — E que instrumento é o seu?

BENJAMIN   — Nenhum.

RAMOS         — É pena.

BENJAMIN   — Mas tive um primo que tocava flauta.

RAMOS         — Queira sentar-se aqui nesta cadeira,

            E prestar-me atenção.

BENJAMIN (Sentando-se.)

            — Sou todo ouvidos.

RAMOS (Depois de sentar-se também.)

— Há quinze dias, no Teatro Lírico,

Num camarote eu estava coa família

E o senhor na platéia.

BENJAMIN   — A companhia

            Cantava o Mefistófeles, de Boito.

RAMOS         — Mas o senhor pouca atenção prestava

À Margarida, ao Fausto e ao Mefistófeles,

E do meu camarote não tirava

Os olhos, com binóculo ou sem ele.

Bom. Nós éramos três no camarote...

BENJAMIN   — O senhor, a senhora dona Angélica

            E a nossa genial bandolinista.

RAMOS         — Ora, não creio que os olhares fossem

Dirigidos a mim, que sou marmanjo,

Nem a minha mulher, que é mulher velha;

Não é preciso, pois, ser muito esperto

Para ver que o seu alvo era Ambrosina.

(Benjamin sorri.)

Acabado o espetáculo, na porta

O senhor esperou por nós... por ela,

Quero dizer, e suspirou tão alto,

Que a atenção provocou de toda a gente!

BENJAMIN (Suspirando.)

            — Ai! não sei suspirar de outra maneira!

RAMOS (À parte.)

            — Vá suspirar pro diabo que o carregue!

(Alto.)             Já na manhã seguinte o seu cavalo

Passava com o senhor em cima dele,

E nas outras manhãs esse passeio

Reproduzido foi às mesmas horas.

E se à janela minha filha estava,

O senhor lhe fazia um cumprimento,

Caracolando com mais graça, e ela

Correspondia ao cumprimento.

BENJAMIN   — Vejo

            Que tudo sabe.

RAMOS         — Eu sou bom pai.

BENJAMIN   — Decerto.

RAMOS         — Achando no senhor um bom partido,

Para almoçar comigo convidei-o,

E, pra não parecer que convidava

Um namorado e lhe impingia a filha,

O César Santos...

BENJAMIN   — Onde está?

RAMOS         — Muscou-se

            (Continuando.)

            Muscou-se

O César Santos, que conosco estava,

Foi também convidado. O que eu queria,

Trazendo-o para junto de Ambrosina,

Era fazer com que se aproximassem

E se entendessem de uma vez por todas.

BENJAMIN (Erguendo-se.)

— Senhor João Ramos, eu não sei quais sejam

Os sentimentos dela a meu respeito,

Porque, se bem que nos aproximássemos,

Inda não conversamos um com o outro;

Se ela quiser ser minha esposa amada

E da minha riqueza ter metade,

O mais feliz serei dos namorados;

Se não quiser, o mais inconsolável.

Inda há poucos momentos eu gostava

De sua filha pela formosura

Com que a dotou a natureza apenas;

Mas depois que a ouvi, arrebatado,

Naquele doce bandolim, que as pedras,

Como a lira de Orfeu, mover podia,

Sinto aqui dentro uma impressão mais forte!

Isto é amor, não é namoro; isto

É mais que amor, talvez; paixão, quem sabe?

RAMOS (Erguendo-se.)

            — Paixão? Não exagere meu amigo!

BENJAMIN (Idem.)

— As paixões, meu senhor, assim começam.

O que é preciso para transformar-nos?

Um simples bandolim!

BENJAMIN   — Antes que as coisas

Vão mais longe, meu caro, é indispensável

Que sobre um grave assunto conversemos,

Muito mais positivo e mais...

BENJAMIN   — Permita

Que o interrompa. Eu sei de que se trata.

Sou rico, sou riquíssimo: não quero

Coisa nenhuma. Ela tem dote? Guarde-o!

Nada tenho com isso. O meu dinheiro

De nós ambos será. Divido tudo;

Só não divido o coração, que é dela!

RAMOS (À parte.)

            — O Lucas enganou-se.

BENJAMIN   — Ela que faça

Do dote o que quiser. O meu desejo

Era esposar uma donzela pobre...

Dona Ambrosina tem um patrimônio

No nome de seu pai: isso me basta,

Porque dote melhor não há que a honra.

RAMOS (Entusiasmado.)

— Sim, senhor! Isto é que é falar! Amigo,

Quero apertá-lo nos meus braços! Viva!

(Depois do abraço.)

Mas não é disso que eu tratar queria...

BENJAMIN   — Então fale, senhor! Ordene! Imponha

As condições que desejar, contanto

Que não me negue a mão de sua filha,

Porque eu não posso mais passar sem ela!

A tudo estou disposto!

RAMOS         — A tudo?

BENJAMIN   — A tudo!

RAMOS         — A trabalhar também?

BENJAMIN   — Eu não percebo.

RAMOS         — Vai perceber. Exijo que o meu genro,

Embora seja rico, muito rico,

Tenha um meio de vida; que trabalhe;

Que em qualquer coisa ocupe a inteligência,

E que produza, não consuma apenas.

BENJAMIN   — Aceito a condição. Não tenho jeito

Para coisa nenhuma nesta vida,

Mas estou pronto a trabalhar!

RAMOS         — Deveras?

BENJAMIN   — Faço-me industrial: monto uma fábrica,

Ou lavrador e compro uma fazenda,

Ou negociante e abro uma casa.

RAMOS         — Bravo!

BENJAMIN   — Se o senhor consentir, serei seu sócio

            Na loja de ferragens.

RAMOS         — Bela idéia!

BENJAMIN   — Ou serei simplesmente seu caixeiro,

E a vida levarei a contar pregos!

Finalmente, disponho-me ao trabalho!

 

RAMOS         — Trabalhará?

BENJAMIN   — Trabalharei, contanto

Que não me negue a mão de sua filha,

Porque eu não posso mais passar sem ela!

RAMOS         — Dê-me algum tempo. Vou pensar no caso.

(À parte.)       Pois já não me parece tão ridículo!

BENJAMIN   — Oh! temos muito tempo: este pedido

Não é ainda o oficial; se o fosse,

Eu seria incorreto. Ao vir pedir-lhe

Oficialmente a mão de sua filha,

Vestirei a casaca e trarei luvas.

(Vai sentar-se a examinar o álbum.)

RAMOS (À parte.)

            — Voltou a ser ridículo, coitado!

 

 

CENA IX

JOÃO RAMOS, BENJAMIN FERRAZ, LUCAS,

depois AMBROSINA, depois DONA ANGÉLICA

 

(Lucas entra e, admirado de encontrar Benjamin, dirige-se a João Ramos.)

 

LUCAS          — Então ele ficou?

RAMOS         — Meu filho, o resultado

            Da experiência foi o mais inesperado!

LUCAS          — Que me diz o senhor?

RAMOS         — O pobre Benjamin,

Depois que minha filha ouviu ao bandolim,

Deitou paixão violenta, e ao trabalho se

            arroja!

            Até diz que quer ser caixeiro lá na loja!

(Afasta-se e vai para junto de Benjamin.)

LUCAS (À parte.)

— Maldito bandolim! desperta uma paixão

Que vai dificultar a minha situação!

(Ambrosina entra e, admirada de encontrar Benjamin, dirige-se a Lucas.)

AMBROSINA           — Então ele ficou?

LUCAS          — Menina, o resultado

            Da experiência foi o mais inesperado!

AMBROSINA           — Lucas, que estás dizendo?

LUCAS          — O nosso Benjamin...

AMBROSINA           — Acaba! Ele que fez?

LUCAS          — Graças ao bandolim,

            Deitou paixão por ti, e ao trabalho se arroja!

            Até diz que quer ser caixeiro lá na loja!

            (Afasta-se.)

AMBROSINA (À parte.)

— Maldito bandolim! Se adivinhasse tal,

Ou eu não tocaria ou tocaria mal!

(Entra dona Angélica e, admirada de encontrar Benjamim, dirige-se a Ambrosina.)

ANGÉLICA   — Então ele ficou?

ANGÉLICA   — Mamãe, o resultado,

            Da experiência foi o mais inesperado!

AMBROSINA           — Que estás dizendo, filha?

AMBROSINA           — O senhor Benjamin,

            Quando me ouviu tocar, deitou paixão por

            [mim!

ANGÉLICA   — Paixão?

AMBROSINA           — Paixão violenta! E ao trabalho se arroja!

            Até diz que quer ser caixeiro lá na loja!

ANGÉLICA   — E que intentas fazer?

AMBROSINA           — Com ele conversar.

Livres do apaixonado havemos de ficar.

Leve papai pra dentro e tudo lhe revele...

Diga que o Lucas me ama e que eu sou noiva

[dele.

LUCAS (Descendo entre as duas senhoras.)

            — Que estão a cochichar?

            Vai lá pra dentro, vai!

            Lá irá ter mamãe, lá irá ter papai.

LUCAS          — Com ele ficas só? Vê lá o que vais fazer! AMBROSINA           — Nesta combinação não tens que te meter.

(Lucas encolhe os ombros e sai.)

            Chame papai.

ANGÉLICA   — Ó João, vem cá; de ti preciso

            Na sala de jantar.

RAMOS (Erguendo-se, à parte.)

            — Oh, que mulher de juízo!

            Já tudo compreendeu... e quer deixá-los sós.

            (A Angélica.)

(Angélica sai.A Ambrosina.)

            Um maridão! (Sai.)

AMBROSINA           — Pois sim!

(Olhando para Benjamin.)

            Agora nós!...

 


CENA X

BENJAMIN FERRAZ, AMBROSINA

 

(Benjamin está tão entretido com o álbum, que Ambrosina se aproxima dele sem ser pressentida.)

AMBROSINA — Senhor Ferraz?

(Benjamin estremece, levanta-se e deixa o álbum.)

BENJAMIN   — Minha senhora?

            Ninguém aqui?... Ninguém!... Só nós!...

(Quer retirar-se.)

AMBROSINA           — Oh! venha cá..... não vá-se embora...

            Meto-lhe medo?

BENJAMIN   — Estamos sós...

AMBROSINA           — Não é razão para fugir-me.

BENJAMIN   — Mas eu não devo aqui ficar.

            Do savoir-vivre às leis sou firme!

            Vou para a sala de jantar.

AMBROSINA           — Espere... Peço-lhe que fique...

BENJAMIN   — Devo, portanto, obedecer.

AMBROSINA           — É necessário que eu lhe explique...

            Tenho uma coisa que dizer.

BENJAMIN   — Tremendo estou! De que se trata?

AMBROSINA           — Dessa... paixão que tem por mim.

BENJAMIN   — Paixão terrível, insensata,

            Que devo àquele bandolim!

AMBROSINA           Pois bem, senhor: de mim se esqueça...

Não alimente essa paixão...

Busque outra moça que o mereça

E tenha livre o coração!

BENJAMIN   — Porém seu pai, minha senhora...

AMBROSINA           — Só do que é seu pode dispor:

            Não quererá impor-me agora

            Um casamento sem amor!

BENJAMIN   — Essas palavras, proferidas

Pelos seus lábios virginais,

São cruéis armas homicidas!

Não são palavras: são punhais!

AMBROSINA           — Esta satisfação aceite...

BENJAMIN   — Quem é, senhora, o meu rival?

AMBROSINA           — Lucas, o meu irmão de leite.

BENJAMIN   — Ele?! No entanto...

(À parte.)       Então? que tal?

(Alto.)             Amam-se?

AMBROSINA           — Oh! — desde pequenos!

BENJAMIN (Levando a mão ao peito.)

            — Data, senhora, esta afeição

            De menos tempo...

AMBROSINA           — Muito menos.

BENJAMIN   — Mas não tem menos intenção!

AMBROSINA           — Senhor não vá ficar magoado,

O savoir-vivre assim o quer...

Quem o lugar achar tomado,

Outro procure se quiser.

BENJAMIN   — Diz muito bem.

            (Vai buscar o chapéu e a bengala.)

            Oh! fados cegos!

Mágoa cruel comigo vai!

E eu estava pronto a contar pregos!

A ser caixeiro de seu pai!

(Limpa uma lágrima.)

AMBROSINA           — Outra o compreenda! outra o console!

BENJAMIN   — Vou viajar, pois só assim

Do peito meu talvez se evole

O último som do bandolim!

Adeus, ó sonho meu perdido!

AMBROSINA           —Não se despede de meus pais?

BENJAMIN   — Bastantemente despedido

            Já estou aqui. Para que mais?

            Que Deus a faça venturosa

            Hei de a rezar pedir a Deus!

            Adeus, quimera cor de rosa!

            Sonho... ilusão... visão, adeus! (Sai.)

AMBROSINA (Só.)

                        — Pobre rapaz!

 


CENA XI

AMBROSINA, JOÃO RAMOS, LUCAS,

DONA ANGÉLICA, depois o COPEIRO

 

RAMOS         — Ambrosina!

            Vem cá, filhinha, vem cá!

ANGÉLICA   — Não assustes a menina!

RAMOS         — O Benjamin onde está?

AMBROSINA           — Deixou-lhe muitas lembranças.

LUCAS          — Foi-se?

AMBROSINA           — Foi... rezar por mim

RAMOS         — Oh, senhor, estas crianças!

            Coitado do Benjamin!

ANGÉLICA   — Mas tu... tu nada nos dizes?

RAMOS         — Mulher, que posso eu dizer?

            Felizes, muito felizes

            Conto que ambos hão de ser.

            (Entre Lucas e Ambrosina.)

            Mas como nem um momento

            Eu me lembrei, filhos meus,

            De que era este casamento

            Aconselhado por Deus?

            Como visse os dois maganos

            Crescerem nas minhas mãos,

            Durante vinte e dois anos

            Considerei-os irmãos!

            Não me entrou na fantasia,

            Nem um minuto sequer,

            Que dois irmãos algum dia

            Fossem marido e mulher!

            E eu, tonto, andava à procura

            De um genro na multidão,

            Sem reparar que a ventura

            Tinha ao alcance da mão!

(Deixando-os.)

A culpa tiveste-a, Lucas!

Não foste franco, por quê?

E vocês, suas malucas,

Tiveram medo, de quê?

LUCAS          — Temiam que o casamento

            Não lhe agradasse talvez...

RAMOS         — Se não há impedimento!

Valha-me Deus, que vocês!...

Que todo o mundo respeite

A suspirada união!

Beberam do mesmo leite?

Pois comam do mesmo pão!

O COPEIRO

(Entrando.)    — O jantar está na mesa.

RAMOS         — Sim, senhor. Pode sair,

            Mas vá, com toda a presteza,

            Essa casaca despir!

(O Copeiro sai.)

            As etiquetas dispenso!

            Eu para luxos não dou!

ANGÉLICA   — Do badejo que era imenso,

            Um bom pedaço ficou.

RAMOS         — Do tal almoço é sobejo!

            Manda-o da mesa tirar!

            (Dona Angélica sai.)

LUCAS          — Mal empregado badejo!

RAMOS         — Meus filhos, vamos jantar.

 

[(Cai o pano.)]

 

1 Trad.: bom-tom, etiqueta.

1 Trad.: alta sociedade

1 Trad.: Encantado

 

                                                                                 Artur Azevedo  

 

                      

O melhor da literatura para todos os gostos e idades

 

 

           Voltar à Página do Autor