Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O BARÃO DE PITUAÇU / Artur Azevedo
O BARÃO DE PITUAÇU / Artur Azevedo

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                   

 

 

Artur Azevedo

 

 

 

 

PERSONAGENS: BERMUDES DOUTOR ALBERTO DOUTOR GOUVEIA JOSÉ (moleque) SINFRÔNIO O FEITOR O COZINHEIRO QUINCAS  UM SUJEITO  MILU JEANNETE (cocote) CATARINA  FRASQUITA (cocote) MARIANA (cocote)  MARION (cocote) Espectadores, criados de botequim, cocotes, etc.

#
#
#

#
#

ATO I Sala bem mobiliada em casa de Alberto. Uma porta à direita, outra à esquerda e outra ao fundo.
 
CENA I Milu, sentada a ler um livro e Alberto, que entra calçando as luvas.
 
MILU Vais sair?
 
ALBERTO Vou.
 
MILU São quase horas de jantar.
 
ALBERTO Não janto em casa.
 
MILU (deixando o livro)  Não jantas em casa?
 
ALBERTO Não. Pois tu mesma não recebeste um chamado urgente pelo telefone? Vou ver um doente no Pedregulho.
 
MILU Maldita profissão. Não há meio de ficares duas horas em casa!
 
ALBERTO Que queres, Milu? Se assim não fosse, estávamos bem aviados!
 
MILU  Se eu soubesse que havia de passar uma vida assim, não casava com um médico.
 
ALBERTO Você bem sabia... por que quis?
 
MILU Ora! eu vejo outras que são também casadas com médicos, e têm sempre os maridos ao pé de si, e não têm telefone em casa...
 
ALBERTO Infelizmente para eles isso quer dizer que não têm clinica. A vida patriarcal não se coaduna com a profissão de médico.
 
MILU O que é sei eu.
 
ALBERTO Que é?
 
MILU Eu sei.
 
ALBERTO Explica-te.
 
MILU Ora, você bem sabe... O que eu desejo é que não suponha que eu sou tola.
 
ALBERTO Não te entendo.
 
MILU É; a Medicina é a capa. O telefone serve para arredar suspeitas. (Erguendo-se) Maldita hora em que a gente saiu da Bahia. Lá ao menos não há umas mulheres tão assanhadas como aqui na Corte.
 
ALBERTO Bom, agora ciúmes! Iaiazinha, vê que já estamos casados há dois anos, e que isto é ridículo.
 
MILU Eu bem sinto que já não sou para o senhor a mesma que dantes era. O senhor, na Bahia, também clinicava, e nunca passou noites fora de casa, e jantava sempre com sua mulher. É verdade que lá não tínhamos telefone. ALBERTO
 
Censuras-me por ter metido em casa esse melhoramento? Ora, valha-te Deus!
 
COPLAS
 
ALBERTO Dantes pro médico ter clínica E aos seus doentes fazer fé, Devia ter tílburi próprio, Nunca jamais andar a pé! Hoje, porém, se quer o médico Na bolsa alguns vinténs meter, Além do mencionado tílburi, Um telefone deve ter, Sim, meu amor, além do tílburi, Um telefone deve ter.
 
MILU Pois sim, mas foi preciso que a gente viesse para esta terra para o senhor mudar de vida, que nem parece o mesmo.
 
ALBERTO Milu, eu afirmo-te...
 
MILU (chorando)  Vá para o diabo! Qualquer dia meto-me num vapor e vou para a casa de meus pais.
 
ALBERTO Vem cá... Valha-me Deus!
 
MILU (repelindo-o)  Lá ao menos há quem me estime.
 
ALBERTO Não digas tolices... ouve...
 
MILU O que mais me dói é o senhor querer fazer-me de tola. Eu não nasci ontem, nem sou nenhuma inocente. Podia dizer logo: "Milu, eu gosto de Fulana e não gosto de você."
 
ALBERTO Para que lhe havia de dar!
 
MILU Ainda ontem achei no seu bolso um ramo de violetas.
 
ALBERTO Comprei na Rua do Ouvidor.
 
MILU Saia daí!
 
ALBERTO No ponto dos bondes de Vila Isabel. Pergunta ao Viana da Charutaria. Ele viu.
 
MILU (chorando)  Sou muito infeliz!
 
ALBERTO Sabes que mais? Não estou para te aturar!
 
MILU Isso sei eu muito bem. Pois dê cá trezentos mil réis, e no dia dez embarco no Espírito Santo. Morta por isso estou eu.
 
ALBERTO A senhora deve estar onde estiver seu marido! 
 
MILU Isso é se eu tivesse marido. O senhor é meu hóspede e nada mais. Passam-se horas e horas e eu aqui sozinha.
 
VOZ DE GOUVEIA Pode-se entrar?
 
ALBERTO Olha, aí tens o Gouveia para te fazer companhia. (Gritando) Entra, Gouveia. (A Milu) Já não te podes queixar.
 
MILU Antes só do que mal acompanhada.
 
 
CENA II Milu, Gouveia e Alberto.
 
GOUVEIA (apertando a mão de Alberto)  Vais sair?
 
ALBERTO Vou, mas fica. Faze companhia a minha mulher, que está muito nervosa. Janta com ela.
 
GOUVEIA (aproxima-se de Milu, apertando-lhe a mão)  Então, que tem, Dona Milu?
 
MILU Nada.
 
GOUVEIA Há de ser do tempo.
 
ALBERTO (descendo) Ia-me esquecendo... tem paciência, Milu; vai ao gabinete buscar o meu estojo. 
 
(Saída falsa de Milu, para a direita baixa)
 
GOUVEIA Quando percebi que era Dona Milu que estava no aparelho, disfarcei o mais que pude a voz. Gostaste? Mandei-te para o Pedregulho. Não podia ser mais longe.
 
ALBERTO És um grande homem.
 
GOUVEIA Vais jantar com a Jeannette?
 
ALBERTO Vou. Desde ontem que não a vejo.
 
GOUVEIA Decididamente: vocês estão caídos um pelo outro.
 
ALBERTO Eu estou, ela não sei. Que queres? Pago o meu tributo. Casei tão moço...
 
GOUVEIA E a Jeannette é tão bonita!...
 
ALBERTO O diabo é que minha mulher anda com a pedra no sapato.
 
GOUVEIA Sim?
 
ALBERTO Já desconfia do próprio telefone. Oh! esperta é ela...
 
GOUVEIA Olha lá, hein? Seria melhor que te deixasses disso... Dona Milu é provinciana... tem um arzinho de santa, mas é muito sagaz... Eu sou mais velho que tu e posso dar-te conselhos.
 
ALBERTO Guarda-os para quem tos pedir. (Gritando) Então? O estojo? (A Gouveia) Eu peço-lhe sempre o estojo para disfarçar... É um trambolho que levo na mão. (Vendo entrar Milu e disfarçando) Mas dizias tu...
 
GOUVEIA Que há três dias não saio da Secretaria da Agricultura. O Ministro me considera muito, mas não há meio de lhe apanhar um engenhocentral para o Comendador Salgado.
 
ALBERTO Deveras? (Toma o estojo das mãos de Milu)
 
GOUVEIA Já desisti. Era negócio para meter cinco ou seis contos no bolso sem trabalhar.
 
ALBERTO Não há como ser advogado.
 
GOUVEIA Administrativo, meu amigo, administrativo. Não confundas.
 
ALBERTO Até logo. Ó Gouveia, vê se aplacas os nervos de minha mulher. (Quer dar um beijo em Milu, ela volta-lhe o rosto) Tolinha... Adieu! (Sai ao fundo. Gouveia acompanha-o até a porta)
 
 
CENA III Gouveia e Milu.
 
GOUVEIA Então? sempre com ciúmes de seu marido?
 
MILU Olhe, seu doutor, eu lhe previno que se vem repetir as bobagens do outro dia, fecho-me no meu quarto e não lhe apareço mais.
 
GOUVEIA Por que há de ser assim tão ingrata, Dona Milu? Eu amo-a como ninguém a amou nesta vida; consagrei-lhe todos os meus cuidados, todos os meus pensamentos... e a senhora faz-me sofrer tormentos que o Dante não imaginou para o seu inferno! Sacrifiquei-lhe tudo, tudo! até o meu próprio futuro político. O Ministro do Império, que me considera muito, ainda há dias me ofereceu a presidência do Sergipe... Recusei, recusei porque não queria interpor tantas léguas entre os seus lábios e os meus!
 
MILU Que atrevimento! (Quer sair para a direita)
 
GOUVEIA (embargando-lhe a passagem)  Atrevimento, sim, porque o meu amor é atrevido. Já não estou na idade em que as paixões são balbuciantes e tímidas. Por isso, expando-me com o risco de ofendê-la e magoá-la. Oh! mas creia que não é esse o meu desígnio! Adoro-a, e sentiria muito causar-lhe o menor desgosto.
 
ROMANCE O amor em meu peito mora E o faz com força bater. E tão casto como a aurora Por trás do monte a nascer,  Senhora! Senhora! Não vê que me faz sofrer?
 
Piedade um triste implora E não lhe ofende o pudor: Um anjo do céu não cora De ouvir qualquer pecador.  Senhora! Senhora! Não vê que morro de amor? (Declamando)
 
Então não me responde?
 
MILU Respondo que não sei o que mais admire: se o seu atrevimento, se o cinismo com que o senhor engana o Alberto, que tão seu amigo se mostra, e sai de casa deixando-nos sozinhos e até lhe recomendando que me aplaque os nervos.           GOUVEIA Ora, o Alberto! Mas a senhora não vê que o abomino, que o odeio... e que se finjo ser amigo dele é para estar ao lado da senhora... falarlhe... expor-lhe os meus tormentos, e pedir a misericórdia do seu amor.  
 
MILU O senhor tem palavreado... mas para cá vem de carrinho. Hei de ser sempre a esposa honesta que até hoje tenho sido... E sinto-me tão forte nesta minha elevada resolução, que se não chamo o feitor para pô-lo no meio da rua, é porque tenho toda a confiança em mim. O senhor está muito enganado se me supõe como essas moças da Corte, que vão atrás de cantigas de bacharéis. Boas!
 
GOUVEIA Oh! não imagine um momento que eu a confunda com outra mulher! Nem a própria Vênus Capitolina... nem a Gioconda de da Vinci seriam capazes de substituí-la no meu pensamento. Quer saber duma coisa? Ainda a semana passada estive em casa do Ministro da Guerra, que me considera muito, e lá encontrei uma das senhoras mais lindas, mais espirituosas e mais provocantes do Rio de Janeiro. Ela o que fez, Santo Deus, ela o que fez para que eu queimasse incenso e mirra nos seus altares. Resisti, porque a sua imagem, Dona Milu, de tal forma me enche o espírito, que não há meio de ocupá-lo com outra mulher!
 
MILU Pois olhe, faz mal; se realmente precisa de distrações desse gênero, convença-se de que errou a porta. Acho bom que o senhor aproveite a boa fortuna que encontrou em casa do Ministro da Guerra, mas ainda melhor me parece que aceite a presidência de Sergipe. Dizem que em Sergipe há moças muito bonitas.
 
GOUVEIA Não zombe assim do meu afeto. Não me obrigue a recorrer a meios extremos para alcançar a sua piedade!
 
MILU De que meios extremos quer falar?
 
GOUVEIA Cá sei.
 
MILU Diga! Não gosto de reticências!
 
GOUVEIA Não... Para que afligi-la?
 
MILU Pois é coisa que me possa afligir?
 
GOUVEIA Naturalmente. Trata-se de pessoa que lhe toca muito de perto.
 
MILU De meu marido? Sabe alguma coisa a seu respeito?
 
GOUVEIA Não... não... senhora... esqueça-se das minhas palavras.
 
MILU Oh! Conte-me tudo, pelo amor de Deus! Há muito tempo que desconfio... e quero ter certeza...
 
GOUVEIA É melhor que não a tenha.
 
MILU Mas não vê que isso vai ser o meu desespero? Diga-me tudo.
 
GOUVEIA Não lhe digo nada.
 
MILU Nesse caso sabê-lo-ei dos próprios lábios de meu marido. E então conto-lhe tudo. Digo-lhe que foi o senhor quem me deu o alamiré para seduzir-me.
 
GOUVEIA Não faça isto!
 
MILU Se o senhor teima em estar calado, convenço-me de que pretendeu caluniá-lo!
 
GOUVEIA Caluniá-lo?!... Eu?!... Oh!... A senhora não me conhece!
 
MILU Para certos homens, todos os meios são bons para conseguirem os seus fins.
 
GOUVEIA Pois a senhora acredita que, se seu mando fosse um modelo de fidelidade conjugal, eu ousaria declarar-me, como tenho feito?
 
MILU Diga-me tudo. Olhe que se arrepende.
 
GOUVEIA Pois bem, já que a todo transe o quer saber, saiba-o: — Ele tem uma amante!
 
MILU Uma amante!...
 
GOUVEIA Uma amante, sim senhora. Uma mulher por quem a despreza, por quem a substitui infamemente! (Milu fica estática. Gouveia toma-lhe a mão, e continua com fogo) Enquanto a senhora sozinha, aborrecida, metida entre estas quatro paredes, pensa em seu esposo e aguarda ansiosamente o momento em que ele volte da rua, para recebê-lo com singelos e honestos carinhos; ele delicia-se lá fora nos braços de uma cortesã, e traz para o lar doméstico o rosto sulcado por beijos vendidos. Essa ingratidão fez com que o meu amor recrudescesse. Não é só amor; é também piedade. Ofereço-lhe um coração virgem de afetos... um coração onde a senhora entrou sem desalojar ninguém... um coração que de noite e de dia palpita por ti... (Transportado) Oh! não imaginas como te amo e como sofro por te amar assim. Dize-me, dize-me que poderei alimentar uma vaga esperança de que os teus rigores cessarão um dia. (Pausa) Então, Milu? Não me respondes? Dize-me; posso esperar?
 
MILU (retirando a mão e afastando-se)  Me deixe.
 
GOUVEIA (à parte)  É minha.
 
 
CENA IV Gouveia, Milu, José, depois Bermudes.
 
JOSÉ (entrando a correr)  Iaiazinha! Iaiazinha! Uma grande notícia: Sinhô Bermudes, o tio de ioiô, vem aí.
 
MILU Que dizes?!
 
JOSÉ Vem de carro. Quando dei com ele, já vinha atravessando o jardim!
 
MILU Que felicidade!
 
A VOZ DE BERMUDES Ó de casa! Ó de casa!
 
MILU (correndo para a porta)  Entre! Entre!
 
BERMUDES (entrando)  Ora Deus Nosso Sinhô esteje nesta casa. Venha de lá um abraço, Iaiá! (Abraça-a)
 
TANGO Chega agora da Bahia, Com três dia, Com três dia de viage... Pra um homem andá nas ondas  hediondas, É preciso ter corage!
 
Não gostei d'água sargada,  Só me agrada, Só me agrada água do pote. Tava o barco tão danado, que, enjoado, Não saí do camarote.
 
Mas, finalmente, Graças a Deus,  Aqui estou co minha gente,  Aqui estou co filhos meus. (Declamando) Então vocês não quiseram ir me buscá a bordo?
 
MILU Não sabíamos que vossemecê viesse.
 
BERMUDES Como não sabia? Então o telegrama?
 
MILU Que telegrama? Não recebemos telegrama algum!
 
BERMUDES Antes de embarcar, passei um telegrama para o meu sobrinho.
 
MILU Até agora não o recebemos.
 
BERMUDES Home! Pois vinha a casa e o nome, tudo direitinho.
 
MILU Provavelmente se desencaminhou. O serviço é tão mal feito.
 
BERMUDES Eu, quando digo que isto de porguesso é tudo uma farofada! Faça favô de me dizê pra que serve o telégrafo?
 
MILU Mas, dê-me... dê-me notícias do papai, da mamãe e do Tonico.
 
BERMUDES Tá tudo bom, Iaiá! O compadre teve umas febrinha, mas não foi coisa de cuidado. Foi para cinco dias na Itaparica e se arrestabeleceu. A comadre, essa não há mal que lhe chegue, e meu afilhado está empregado em negócio de estrada de ferro. Tá mesmo um doutorão o diabo do engenheiro, e muito bonito moço, benza-lhe Deus. Anda namorando uma moça da Rua Quinze Mistério, e aquilo tá ali, tá de casamento tratado. (Dando com José) Olha isto! O diabo deste moleque como está um homem.
 
JOSÉ Bênção!
 
BERMUDES Deus te faça branco. Anda, vai lá na carruage buscá minha mala e o resto. (José sai ao fundo. A Milu) Teu pai te mandou três quartinha... uma se quebrou na viage... Tua mãe te mandou um cesto de manga e um frasco de doce de araçá feito pela Maximiniana. O Tonico te mandou muita arrecomendações.
 
MILU Maximiniana está boa?
 
BERMUDES Tá boa. Inda a semana passada, teve um moleque.
 
GOUVEIA Dona Milu, tenha a bondade de me apresentar a seu tio.
 
MILU Ah! desculpe. (Apresentando-o) O Senhor Doutor Gouveia.
 
GOUVEIA (apertando-lhe a mão)  Já o conhecia de nome. É muito estimado nesta casa.
 
BERMUDES Vossoria é doutô em Medicina ou em Leses.
 
GOUVEIA Sou advogado.
 
BERMUDES E é amigo de meu sobrinho?
 
MILU Oh! muito! muito amigo de meu marido.
 
GOUVEIA Para o servir, meu caro senhor.
 
BERMUDES  Encontra-se a necessidade co desejo, porque eu vim na Corte tratá daquela questãozinha das terra. (A Milu) Te alembras? O Coroné Casimiro tomou conta do que é meu, e não há forças humana que ponha aquele desavergonhado de lá para fora. O persidente da Provinça caçoou comigo até agora, hoje amanhã, hoje amanhã, não houve meio de fazê com que o home despache meus papé.
 
GOUVEIA Oh! descanse; há juízes em Berlim.
 
BERMUDES Que me importa os de Berlim! Eu quero é que haja disso no Rio de Janeiro. O compadre, que é home sisudo me aconselhou que viesse me entendê diretamente co Ministro, e eu vim.
 
GOUVEIA Creia que não pôde confiar a sua causa em melhores mãos que as minhas, porque o Ministro me considera muito.
 
BERMUDES Ora muito que bem, porque toda a minha desgraça foi ter ido atrás de um rábule muito ordinário, um tal Secundino Barbosa.
 
GOUVEIA O senhor trouxe os seus documentos?
 
BERMUDES Tá tudo aqui. (Tira uma papelada do bolso) Trago sempre os documento no bolso, porque o seguro morreu de véio.
 
GOUVEIA (tomando os papéis)  Dá licença?
 
BERMUDES Tem toda, seu doutô. 
 
(Gouveia senta-se à mesa e dispõe-se a examinar os papéis)
 
MILU Seu doutor, entre para o gabinete do Alberto, e lá examinará esses papéis à vontade. Preciso conversar com meu tio.
 
GOUVEIA Pois não, minha senhora. Com licença. (Sai pela porta da esquerda)
 
 
CENA V Bermudes e Milu.
 
BERMUDES É um home bem apessoado. É mesmo um advogado, não?
 
MILU Parece... Eu pouco entendo destas coisas.
 
BERMUDES Ele disse que é amigo do Ministro... É mesmo?...
 
MILU Sei lá... O mesmo diz de toda a gente que tenha certa posição. Está sempre se gabando das amizades e da importância que tem... e dos empregos que lhe oferecem e não aceita. Só sei que quis ser deputado e teve dez votos. Já ouvi dizer que escreve nas folhas, defendendo o Governo, mas já ouvi também dizer que isso não é exato... que ele é que se gaba que os artigos são seus...
 
BERMUDES Nesse caso é um home todo cheio de imposturias?
 
MILU Não... não sei com certeza, é o que se diz... No Rio de Janeiro mentese tanto. E quando assim fosse? Julga vossemecê que nesta terra a mentira seja um vício, e a hipocrisia uma infâmia? Demore-se quinze dias na Corte e verá que não estamos em Camamu.
 
BERMUDES Terra grande, Iaiá, terra grande... isso é que eles diz que é porguesso. Mas, meu sobrinho? Por onde anda? Se demora muito?
 
MILU É dele justamente que lhe quero falar.
 
BERMUDES Apois.
 
MILU Vossemecê não podia chegar mais a propósito.
 
BERMUDES Por que, Iaiá? Temos novidades no beco? (Milu quer falar, mas é acometida pelo pranto, e atira-se nos braços de Bermudes, chorando dolorosamente) Que é isto, Iaiá? Que tem você? Por que está chorando?
 
MILU Eu sou a mais infeliz das mulheres!
 
BERMUDES Uê!
 
MILU Alberto é um mau marido.
 
BERMUDES Mau marido? Meu sobrinho?
 
MILU Há dois anos apenas estamos casados, e já me despreza e abandona por causa de outra mulher...
 
BERMUDES Por causa de outra muié! Não é possive! Tire por fora, Iaiá. Meu sobrinho é um home de bem. Quem foi que lhe meteu isso na cabeça?
 
MILU Não queira saber por que meio vim ao conhecimento desta verdade terrível. O que é certo é que meu marido tem uma amante.
 
BERMUDES (tapando vivamente a boca de Milu)  Bico, Iaiá! não diga nomes feio. Ó meu Nosso Sinhô do Bonfim, é preciso vir ao Rio de Janeiro para ouvir certos nomes na boca das moça. — Não acredito nessa demoralízage. Meu sobrinho era incapaz de se meter com outra muié... (Milu continua a chorar. Fazendo-lhe festas) Coitadinha da Iaiá!... Não chore. Deixe que, se isso for verdade, eu e seu marido ajustemo nossas continha... Mas não chore, não chore, Iaiá. Mesmo antes de jantá, eu mostro a ele de quantos paus se faz uma jangada.
 
MILU Alberto não vem jantar em casa.
 
BERMUDES Pois ele deixa de jantá com Iaiá?
 
MILU Não só deixa de jantar comigo, como me faz ficar na companhia desse Doutor Gouveia, que daqui saiu, recomendando-lhe que me aplaque os nervos.
 
BERMUDES Nervo de boi merecia ele no lombo. Minha Nossa Sinhora! Numa ocasião que devia ser de tanta alegria, venho te encontrá chorando. Ora, meu sobrinho! Deixe está, Iaiá. O negócio fica por minha conta, mas há de me prometê que não chora mais.
 
MILU Pois bem, restitua-me Alberto tal qual era há um ano, e só me verá sorrir.
 
BERMUDES Deixa a coisa comigo.
 
 
CENA VI Bermudes, Milu e José.
 
JOSÉ (entrando)  Iaiazinha, eu pus as malas do Senhor Bermudes no quarto dos hóspedes.
 
MILU Fizeste bem.
 
JOSÉ Firmina está pedindo a chave da despensa.
 
MILU Eu vou lá. Vou dar algumas ordens para o jantar. Quando quiser, vá entrando... o seu quarto está preparado. (Sai pela direita baixa)
 
JOSÉ (consigo)  Coitadinha! como chorou!
 
 
CENA VII Bermudes e José.
 
JOSÉ (a Bermudes, que ficou pensativo)  Sinhô Bermudes está cada vez mais moço!
 
BERMUDES Cala a boca, moleque! Tu continuas a ser pernóstico... e então, agora na Corte, faço ideia!
 
JOSÉ Ih! Sinhô Bermudes não imagina. Eu me matriculei cidadão fluminense. Já conheço esta cidade na palma das mãos! Quando vossemecê quiser passear, me leve, e eu lhe mostro como estou um carioca da gema! Até já tenho partido...
 
BERMUDES Partido! Pois aqui moleque também se mete em política?
 
JOSÉ Não é partido político, não sinhô. Como político, eu sou republicano. É partido de capoeirage. Eu sou guaiamu.
 
BERMUDES Tu é o que, moleque do diabo?
 
JOSÉ Guaiamu, legítimo guaiamu, de princípios. Esse partido é a facção mais adiantada da flor da gente. Quando houver rolo, hei de convidar o Sinhô Bermudes.
 
BERMUDES Apois.
 
JOSÉ Verá como eu sei entrar bonito. (Fazendo uns passes de capoeira)
 
BERMUDES Pra lá, moleque!
 
COPLAS
 
JOSÉ A fama já me apregoa, 
 
Eu sei armar um chinfrim,  Não há na Corte pessoa  Que não se esconda de mim. Sou formado em capoeira, pois talento tenho até,  no pé! Pra passar uma rasteira, O Brasil como eu não tem  ninguém! Olá! Nesta terra não há,  Olé! Pé melhor que o meu pé,  Oh! Quem me disse não viu,  Olô! Sou feliz porque sou,  Olu! Porque sou guaiamu! Quis a polícia levar-me Um dia para o xadrez, E para catrafilar-me Os pândegos eram três. Com três belas cabeçadas, Pus a todos três no chão,  Pois não! E soltando gargalhadas, Esquipático fugi  Dali! Olá, etc. (Declamando)  Sinhô Bermude, pode-se informar. Não há aí quem não conheça o Zeca Baiano! Agora, não imagine que eu sou um mau moleque. Não, sinhô! Olhe, por Iaiazinha, aqui está quem é capaz de se atirar ao fogo.
 
BERMUDES E por meu sobrinho?
 
JOSÉ Ioiô é homem... não precisa tanto de minha amizade. — Quem dera que ele estimasse tanto Iaiazinha como eu.
 
BERMUDES Moleque, tu está pondo defeito em teu sinhô?
 
JOSÉ Ora! Então o Senhor Bermudes pensa... que eu não ouvi tudo?
 
BERMUDES Tudo o quê?
 
JOSÉ As queixas e as lágrimas de Iaiazinha. Para que serve a porta do quarto, senão para a gente ouvir o que se diz na sala?
 
BERMUDES Então, seu diabo... você sabe quem é essa desavergonhada que meu sobrinho tem fora de casa...
 
JOSÉ Eu, Sinhô Bermude? Eu não me meto com a vida de ioiô. Posso ver as coisas, mas é como se não visse nada. Bem sei que ela é francesa e que se chama Jeannette, bem sei, mas desta boca nunca saiu nada a esse respeito. Não sinhô; ninguém pode dizer que Zeca Baiano seja linguarudo.
 
BERMUDES (depois de pensar)  Pois olha; amenhá hás de me levá na casa dessa francesa. Tenho o meu plano!
 
JOSÉ O melhor é arranjar isso com a lavadeira dela, uma ilhoa minha conhecida, que mora num cortiço na Cidade Nova. É melhor que vossemecê se entenda com essa mulher.
 
BERMUDES Tá bom, vou pensá; esta noite hei de arresorvê tudo e amenhá de menhá te falo.
 
JOSÉ Mas, Sinhô Bermudes não diz nada a ioiô que fui eu quem disse.
 
BERMUDES Não digo, não. Fica descansado.
 
JOSÉ Aí vem Iaiazinha.
 
 
CENA VIII Bermudes, José e Milu.
 
MILU (entrando)  Vamos jantar.
 
BERMUDES Vamos, Iaiá... eu confesso que estou morrendo de fome. A bordo não comi nada.
 
MILU José, vai ao gabinete e diz ao Senhor Doutor Gouveia que venha jantar. Vamos indo.
 
BERMUDES Iaiá não espera o homem?
 
MILU Ele conhece a casa e infelizmente não é de cerimônia.
 
BERMUDES Apois. (Sai com Milu pela direita baixa)
 
 
CENA IX José, depois Gouveia.
 
JOSÉ (só)  Eu disse tudo porque parece que é em benefício de Iaiazinha. Se este tabaréu acabar com as bilontrages de ioiô, merece uma comenda. (Chamando à porta) Jantar!
 
GOUVEIA (entrando com uma carta na mão)  Em vez de examinar os papéis do velho, escrevi uma carta a Milu. Hei de arranjar meios de fazer com que lhe chegue às mãos.
 
JOSÉ Iaiazinha e Sinhô Bermude já estão na mesa.
 
GOUVEIA (consigo)  Homem, este moleque... (Alto) Vem cá... queres ganhar uns cobres?
 
JOSÉ Isso não se pergunta.
 
GOUVEIA Entrega esta carta a Dona Milu. (José tem um movimento de indignação, mas contém-se) Não é o que supões... o assunto desta carta é muito sério.
 
JOSÉ (sorrindo)  Posso então entregar na presença de ioiô?
 
GOUVEIA (vivamente)  Não!
 
JOSÉ (sorrindo e tomando a carta)  Seu doutô, para me enganá era preciso que nascesse de novo e se formasse outra vez.
 
GOUVEIA Vamos, deixa-te de luxos... Toma. (Quer dar-lhe dinheiro)
 
JOSÉ Guarde o seu dinheiro. Nada de pagamento adiantado. Pode ser que não faça a coisa a seu gosto.
 
GOUVEIA É provável que ela responda. Na ocasião em que me trouxeres a resposta, podes contar com dez mil réis. (Saindo) Todo o cuidado, hein?... todo o cuidado! (Sai)
 
JOSÉ (só)  Que patife! que grande patife! Deixa estar, que te ensino!... Iaiazinha, coitada!... tão pura!... tão séria!... tão virtuosa, que nem parece uma senhora casada. (Abrindo a carta com um movimento impetuoso e febril) Bendita a hora em que ela se lembrou de me ensinar a ler.
 
A VOZ DE MILU José!
 
JOSÉ (sem prestar atenção e lendo a carta)  "Meu doce amor"... Tratante! "Convence-te de que te mereço muito mais do que esse Alberto que não sabe apreciar-te devidamente."
 
A VOZ DE MILU José, vem servir a mesa, José!
 
JOSÉ Já vai, Iaiazinha. (Continuando a ler) "Se corresponderes a este afeto sublime"... (Guardando a carta) Bom, por ora, não preciso saber o resto. Deixa estar, que hás de receber uma boa lição das mãos dum negro.
 
 
CENA X José e Bermudes.
 
BERMUDES (entrando com um guardanapo na mão. Música até o final)  Então, moleque, não ouves? Que estás fazendo metido na sala de visitas? 
 
(Toque de campainha elétrica na porta)
 
JOSÉ Tem gente aí. (Saída falsa pelo fundo)
 
BERMUDES A hora é má. Quando a janta tá na mesa, não se arrecebe visita.
 
JOSÉ (voltando com um telegrama na mão)  É o telegrama. (Dá-lhe)
 
BERMUDES O meu telegrama! Eu cheguei primeiro! Quando digo que isto de porguesso é uma farofa... (Sai, acompanhado por José. Forte na orquestra)
 
 
ATO II Sala luxuosa em casa de Jeannette. A esquerda, duas janelas de sacada, à direita duas portas e outra ao fundo. Divã e mesa ao centro.
 
 
CENA I Jeannette e Alberto.
 
JEANNETTE (de penteador, repoltreada no divã. Alberto está ajoelhado aos seus pés)  Va t'en, mon petit chéri, tu est ici depuis trois heures. Ta femme doit être inquiête.
 
ALBERTO Je t'ennuie?
 
JEANNETTE Oh! non! tu ne m'ennuies jamais... mais enfin... tu dois penser à tout... et à ta femme.
 
ALBERTO Toujours ma femme!...
 
JEANNETTE Du reste, j'ai une migraine affreuse.
 
ALBERTO Milu n'est pas toute seule.
 
JEANNETTE Qu'est ce que c'est ça, Milu?
 
ALBERTO Milu... ma femme. Nous avons maíntenant chez nous un vieil onde de Bahia.
 
JEANNETTE Eh! bien, ton víeil oncle aussi remarquera tes absences et t'en voudra.
 
ALBERTO Ne suis-je pas médecin? Je luí dirai comme je dis toujours à ma femme, que j'ai eté chez un malade.
 
JEANNETTE On ne te croira pas. Tu as la mine pas trop ch:ffonne, mon petit.
 
ALBERTO (erguendo-se)  Eh! bien! Je m'en vais. Adieu, Jeannette.
 
JEANNETTE (dando-lhe modestamente a mão)  Adieu, je vais sommeiller... (Alberto sai muito desconsolado. Jeannette fecha os olhos; passados alguns minutos, Alberto volta)
 
ALBERTO Esqueci-me do estojo! Sempre este trabalho! (Vai buscá-lo sobre a mesa)
 
JEANNETTE (sem abrir os olhos)  Tu es encore lá?
 
ALBERTO Je m'en vais; mais le porterais un grand poids sur le coeur.
 
JEANNETTE Pourquoi donc?
 
ALBERTO Je te trouve froide, je te trouve un je ne sais quoi que me fait un drôle effet. Tu n'étais pas comme ça au commencement de notre amour.
 
JEANNETTE Je suis toujours la même Jeannette. C'est toi quí me regardes avec d'autres yeux.
 
ALBERTO (ajoelhando de novo)  Dis-moi que tu m'aimes toujours... et que ton coeur n'est occupé que de moi...   JEANNETTE Mais oui... mais oui... je te le répête toujours, mon cher. Je suis toute à toi, et je n'ai pas d'autres soucis en tête. Ah! 
 
ALBERTO Oh! merci. Ces paroles me font du bien!
 
JEANNETTE (estendendo-lhe a mão)  Adieu?
 
ALBERTO Adieu! (Beija-lhe as mãos) Jusqu'ã?
 
JEANNETTE (fechando os olhos)  Quand tu voudrais, tu sais... (Volta o rosto)
 
DUETINO
 
ALBERTO Ma charmante, si je t'aime,  Je t'aimerais plus encore  Sans cette froideur extrême.
 
JEANNETTE Va t'en! va t'en! car ta Jeannette dort!
 
ALBERTO (à parte) Ela deseja dormir! O meu dever é partir! (Alto)  Sur tes lêvres, avant de m'en aller, Il faut, Jeannette, que je pose Um doux baiser...
 
JEANNETTE Oh! non! non! non! Laisse-moi donc!  Demande-moi toute autre chose;  Mais il vaut mieux [que tu] ne me Demandes rien! Vá t'en! va t'en! car ta Jeannette dort!
 
ALBERTO Je vais, je vais! adieu mon cher trésor!
 
JEANNETTE Adieu!
 
ALBERTO Pense à moi.
 
JEANNETTE Je penserai à toi.
 
ALBERTO (afastando-se)  Adieu. (Perde-se a voz no bastidor. Jeannette verifica se está só e ergue-se muito esperta)
 
 
TRADUÇÃO DA CENA I:
 
JEANNETTE Vai-te embora, queridinho; já estás há três horas aqui. Tua mulher deve estar encucada.
 
ALBERTO Eu te enfado.
 
JEANNETTE Oh! não! tu nunca me enfadas... mas enfim... tu deves preocupar-te com tudo... e com tua mulher.
 
ALBERTO É minha mulher a dar-lhe!...
 
JEANNETTE Ademais, estou com uma enxaqueca horrível. ALBERTO
 
Milu não está sozinha. JEANNETTE
 
Que quer dizer Milu?
 
ALBERTO Milu... minha mulher. Estes dias está lá em casa um tio meu vindo da Bahia.
 
JEANNETTE Está bem, teu tio velho também notará tuas ausências e ficará de olho em ti.
 
ALBERTO Será que não sou médico? Eu lhe direi como sempre digo a minha mulher, que estive na casa de um doente.
 
JEANNETTE Não acreditarão em ti. Tu não tens o rosto muito abatido, queridinho.
 
ALBERTO Está bem! Vou-me embora. Até logo, Jeannette.
 
JEANNETTE Até, vou dormir...
 
JEANNETTE Tu ainda estás aí?
 
ALBERTO Vou-me embora, mas carregarei um grande peso no coração.
 
JEANNETTE Ora por quê?
 
ALBERTO Acho-te distante, acho-te um não sei quê que me provoca um efeito estranho. Tu não és a mesma do começo de nosso amor.
 
JEANNETTE Sou sempre a mesma Jeannette. És tu que me olhas de outra forma.
 
ALBERTO Dize-me que me amarás para sempre... e que teu coração não é de outro senão meu.
 
JEANNETTE Mas sim... mas sim... eu to repito sempre, queridinho. Sou toda tua e não tenho outro cuidado na alma. Ah!
 
ALBERTO Muito obrigado. Essas palavras me fazem um bem...
 
JEANNETTE Adeus?
 
ALBERTO Adeus!... Até?
 
JEANNETTE Quando quiseres, tu sabes...
 
DUETINO
 
ALBERTO Meu encanto, se te amo,  Te amaria mais ainda Sem esta frieza extrema.
 
JEANNETTE Vai-te embora! vai-te embora! pois tua Jeannette dorme!
 
ALBERTO Nos teus lábios, antes de ir-me embora,  É preciso, Jeannette, que eu deposite Um doce beijo...
 
JEANNETTE Oh! não! não! não! Deixa-me pois! Pede-me outra coisa qualquer; No entretanto é preferível que tu  Nada me peças.
 
Vai-te embora! vai-te embora! pois tua Jeannette dorme!
 
ALBERTO Eu vou, eu vou! adeus meu caro tesouro!
 
JEANNETTE Adeus!
 
ALBERTO Pensa em mim!
 
JEANNETTE Pensarei em ti.
 
ALBERTO Adeus!
 
 
CENA II Jeannette, só.
 
JEANNETTE  Oh! quel cacete! Ii n'a pas le sou, ce pauvre garçon, et il serait gentil de rester d'une bonne foi chez sa femme. Ces messieurs s'imaginent qu'on les aime pour les beaux yeux, ou par besoin d'aimer quelqu'un. Eh, non! non! non! D'abord, je ne suis pas venue au Brésil pour aimer et étre aimée... Je veux m'enrichir et retourner lábas au plus vite pour chercher un mari. Qu'est ce que dirait ma vieille mêre si elle me voyait retourner en France sans dot? Je veux un amant riche... vieux comme le monde et vilam comme un singe, pourvu qu'il soit riche.
 
 
TRADUÇÃO DA CENA II: Oh! que cacete! Não tem cheta, esse pobre rapaz e será fineza ficar de boa fé junto a sua mulher. Esses senhores creem-se amados por seus belos olhos, ou pela necessidade de se amar a um qualquer. Eh, não! não! não! Pra começo de conversa não vim ao Brasil para amar e ser amada... Quero enriquecer e voltar pra lá o mais depressa possível para buscar um marido. Que é que direi a minha velha mãe se ela não me vir voltar à França sem um dote? Quero um amante rico... velho como o mundo e safado como um mono, contanto que seja rico.
 
 
CENA III Jeannette e Catarina.
 
CATARINA (fora)  A madama dá licença?
 
JEANNETTE Ah! é você, Catarina. Entra.
 
CATARINA (entrando com uma bandeja na mão, contendo roupa)  Venho trazer-lhe a bela da roupinha. Quer conferir o rol?
 
JEANNETTE A criada terá esse cuidado! Vá pôr essa roupa sobre a cama.
 
CATARINA Venho já, porque tenho de lhe falar de um negócio de muito interesse.
 
JEANNETTE De interesse para quem?
 
CATARINA Para a madama. Nada, que se fosse para mim, tínhamos muito tempo.
 
JEANNETTE Pois vá e volte. (Senta-se no divã. Saída falsa de Catarina) Que peut elle me vouloir cette femme? (TRADUÇÃO: Essa mulher, o que pode querer de mim?) (Inclina-se no divã)
 
CATARINA (voltando com a bandeja vazia e a toalha)  Ora, cá estou. Diga-me cá a madama, como vamos de amores?
 
JEANNETTE  Oh!... amores... qu'est-ce que c'est ce ça? (TRADUÇÃO: quê que é isso?)
 
CATARINA Ainda está com a pasta o doutozinho?
 
JEANNETTE Que quer você, Catarina? É cadáver mais agarrado.
 
CATARINA Pois quer saber? Não me parece que seja aquele o homem que mais lhe convenha.
 
JEANNETTE Também a mim. Que hei de fazer?
 
CATARINA Ponha-o a andar. Faça-lhe o mesmo que fiz ao meu Antônio, que foi muito bom enquanto não achei coisa melhor.
 
JEANNETTE Pois sim, mas eu não tenho coisa melhor.
 
CATARINA Quem disse?
 
JEANNETTE Digo eu.
 
CATARINA Pois diz mal! (Em tom de confidência) Trago-lhe um fazendeiro...
 
JEANNETTE Um fazendeiro? Oh! mon idéal!
 
CATARINA Fica desde já prevenida de que não se trata de um bonito homem. (Gesto de indiferença de Jeannette) De mais a mais, veste-se mal e fala como um campônio. Mas ou eu me engano, ou há ali bagalhuça grossa.
 
JEANNETTE Bagalhuça? Não sei o que é...
 
CATARINA (explicando)  Bagalhuça? (Faz com os dedos sinal de dinheiro)
 
JEANNETTE Ah! Je comprends ça. (Faz o mesmo sinal)
 
CATARINA Parece-me que isso quer dizer a mesma coisa em todas as línguas.
 
JEANNETTE Mas onde foi você achar um fazendeiro?
 
CATARINA É cá uma história. Ele é que me procurou. Soube não sei por que cargas d'água que eu era a lavadeira da madama; foi lá ter à estalagem e pediu-me que lhe falasse a seu respeito.
 
JEANNETTE Oh! l'imbécile! Não precisava incomodar você; bastava escrever-me um bilhete.
 
CATARINA Foi melhor assim. Apanho uma molhadura.
 
JEANNETTE Ah!
 
CATARINA E conto que a madama também não se esqueça de mim. Ah! minha rica senhora, os tempos andam bicudos. O sabão e a goma estão pela hora da morte.
 
JEANNETTE Deixe estar, Catarina...
 
CATARINA A madama quer receber o homem?
 
JEANNETTE Certamente.
 
CATARINA Já?...
 
JEANNETTE (sentando-se)  Já...
 
CATARINA Ele ali está na esquina, à espera de que lhe eu faça um sinal da janela.
 
JEANNETTE Deixa ver? (Ergue-se e vai à janela) É aquele?
 
CATARINA Sim. Disfarce, que está a olhar para este lado.
 
JEANNETTE (vindo à cena)  Como é feio.
 
CATARINA Qual feio! Há lá homens feios!
 
JEANNETTE Alberto saiu agora mesmo, não é natural que volte. Manda-o entrar. Eu vou lá dentro pôr um vestido. Não lhe quero aparecer de peignoir.
 
CATARINA Faça-se o mais bela que lhe for possível. (Jeannette sai) Foi mais fácil do que eu supunha. Tiro e queda! (Vai à janela e chama por gestos) Ele aí vem... Queira Deus que não seja pr'aí um unhas-de-fome, que me dê uma tuta-e-meia. (Vai à porta do fundo) Entre... suba... por aqui!...
 
 
CENA IV Catarina e Bermudes.
 
BERMUDES Então, a francesa quis?
 
CATARINA Com muita dificuldade. Primeiro que a resolvesse, tive que suar as estopinhas. Espere um pouco. Ela já aí vem.
 
BERMUDES Você é uma muié sabida. Vá pra Bahia, que há de fazê um fortunão!
 
CATARINA Agora, venha lá o que prometeu.
 
BERMUDES Sim, senhora, não há dúvia. Aqui tem você cinco mil réis.
 
CATARINA Cinco mil réis. Ora tire o cavalo da chuva.
 
BERMUDES Acha muito?
 
CATARINA Muito? Agora acho! Pois eu tive o trabalhão que tive e o senhor oferece-me cinco mil réis?
 
BERMUDES Está bem, senhora, pro via disso, não briguemos. Aqui está mais cinco tostões, e não me aborreça.
 
CATARINA Faz favor de dobrar a parada?
 
BERMUDES Tá bão, dobro... Tome outros cinco tostões.
 
CATARINA Perdão, o dobro seria onze mil réis.
 
BERMUDES Ó muié do diabo, você pensa que dinheiro se acha no meio da rua? Tome lá mais uns níqueis, e vá-se embora com Deus e a Virge Maria.
 
CATARINA Mas, meu rico senhor!...
 
BERMUDES Oh! meu rico sinhô do Bonfim! Tome lá mais dois vinténs e vá-se com todos os diabos para o meio do inferno!
 
CATARINA Com efeito! Sete mil, duzentos e quarenta réis!
 
BERMUDES Tá muito bem pago. Você pensa que eu nasci onte, seu diabo? Credo! que regateira!
 
CATARINA (à parte)  E o Zeca Baiano, que me disse... Esta cá me fica... (Sai zangada)
 
 
CENA V Bermudes, depois Jeannette.
 
BERMUDES Este diabo pensa que dinheiro é farinha... Oh! mas que luxo! Tudo isto à custa de Iaiá, coitadinha. Não vá-se a madama demorar muito... Duas horas tá pingando... e às duas horas chega o Barão de Pituaçu. Se as bichas pega, meu sobrinho há de arrecebe uma boa lição. É ela... Uê!... É bem bonita!
 
JEANNETTE (entra com muita faceirice, simples e elegantemente vestida)  Monsieur!...
 
BERMUDES Dona madama...
 
JEANNETTE Donnez vous la peine de vous asseoir. (TRADUÇÃO: Queira sentar-se)
 
BERMUDES Me descurpe, madama, mas eu não sei tratá língua de francês. Eu só falo brasileiro, e é quanto basta para que todo o mundo me entenda.
 
JEANNETTE Faça o favor de se assentar. (Senta-se no divã e arranja-lhe um lugar ao lado)
 
BERMUDES Com todo o gosto, mesmo porque estou cansado.
 
JEANNETTE (chegando-se muito para Bermudes e requebrando-se)  Que deseja?
 
BERMUDES Não é o que a madama pensa.
 
JEANNETTE Comment?
 
BERMUDES Eu sou da reserva, sou home véio e sisudo. Já passei da idade em que a gente dá cabeçada pro via do rabo-de-saia. (Jeannette afasta-se) Não há nada mais pió do que um home de idade quando dá pra essas tolices. Eu não vim da Bahia pra andá correndo atrás das muié; eu vim pro mode aquela questáozinha das terra. A madama não leu no Correio da Bahia?
 
JEANNETTE (erguendo-se)  Mas então que deseja o senhor?
 
BERMUDES Eu vou logo dizendo tudo, porque não gosto de está com impaliação. Eu tenho aqui na Corte um sobrinho, que é casado cuma moça muito boa, uma santa que merece muitas atenção. A madama virou a cabeça de meu sobrinho.
 
JEANNETTE (à parte)  C'est le víeil onde.
 
BERMUDES Meu sobrinho já não faz caso nem nada da pobre da Iaiá, e eu quero acabá com esta pouca vergonha. (Ergue-se) Apois...
 
JEANNETTE Eu não fui buscá seu sobrinho... ele é que me procurou.
 
BERMUDES Eu sei disso perfeitamente... não curpo a madama... a madama faz o seu negócio... tá no seu direito. Não quero meu sobrinho de graça, não. Eu sou matuto, é verdade, mas não sou estúpio, que não compreenda estas coisas. Também não vim nesta casa pra lhe dizê: Ó dona madama, dê cá pra cá meu sobrinho e tome lá tanto, cumo fiz co a lavadeira. Não senhora. O que eu quero é dá home pro ele.
 
JEANNETTE Não compreendo.
 
BERMUDES Já vai compreendê. Faça favá de se assentá. (Senta-se ela no divã e ele numa cadeira) Saberá a madama que está nesta Corte o home mais rico da Bahia, o Barão de Pituaçu, e esse home está apaixonado...
 
JEANNETTE Por mim?
 
BERMUDES Haverá de sê por mim? Não vive senão pensando na madama. Ele passou um dia aqui na sua casa, viu-lhe na jinela e d'entonces para cá, não drome sossegado, nem nada!
 
JEANNETTE Oh!
 
BERMUDES Até mete pena.
 
JEANNETTE Pauvre homme!
 
BERMUDES Eu, sabendo disso, arresolvi vir-lhe pedir que bote Alberto no oio da rua, e no lugar dele fique o Barão.
 
JEANNETTE É rico?
 
BERMUDES (depois de soltar um assobio prolongado)  Não carcula! Metade da Bahia é dele. Nunca ouviu falá no Barão de Pituaçu?
 
JEANNETTE Non.
 
BERMUDES Oh! Home! Só fazenda de madeira tem seis, e escravatura assim. (Gesto) Ações do banco, apóliças. Aí nem se conta. Soube levá o home co jeito, em menos de seis mês pode ir pra estranja, podre de rica.
 
JEANNETTE E que tal... como figura?
 
BERMUDES Aí é que a porca troce o rabo, se ela tem rabicho.
 
JEANNETTE É velho?
 
BERMUDES Isso não... e muito jóvio... Pode sé meu neto.
 
JEANNETTE Então é muito feio?
 
BERMUDES Também não é feio: é até um bonito rapaz.
 
JEANNETTE Pois se é moço e bonito, não sei em que me possa desgostar?
 
BERMUDES Por uma coisa muito simples: ele não é branco.
 
JEANNETTE Oh!
 
BERMUDES (erguendo-se) 
 
Mas descanse; também não é mulato.
 
JEANNETTE Então é preto.
 
BERMUDES Preto como um tição... Mas que arma... que bão home... e muito inteligêntio: tem viajado por todas essas Európias. A madama no começo há de sentir certa arrepugnação, mas depois de conversá dez minuto co ele, verá que é o mió dos home!
 
JEANNETTE (depois de refletir)  Não sei... só vendo...
 
BERMUDES Ele ficou de vir aqui às duas horas. (Ouve-se passar um carro)
 
JEANNETTE Parou um carro à porta.
 
BERMUDES Talvez seja o Barão. (Correndo à janela e voltando) Não me enganeime: é ele! Se não qué arrecebê o home, inda estemos em tempo. Eu encontro ele no corredô, e digo que chore na cama, que é lugá mais quente.
 
JEANNETTE Olhe, saia por aqui. Logo que ele tiver entrado, abra aquela porta que dá para o corredor, e desça.
 
BERMUDES Veja lá, dona madama; olhe que metade da Bahia é dele!
 
JEANNETTE Já sei.
 
 
 
CENA VI Jeannette, depois José.
 
JEANNETTE (só)  Un nêgre! Oh! bah! qu'est ce que ça me fait? (TRADUÇÃO: Um preto! Oh! Bah! O que é que isso me provoca?) 
 
(Vai abrir a porta do fundo. Entra José vestido exageradamente à última moda e de monóculo, cumprimentando gravemente)
 
JOSÉ Madame...
 
JEANNETTE Monsieur...
 
RONDÓ
 
JOSÉ Madama, consinta  Que eu tenha a distinta (Tamanha Qu'acanha!) De a cumprimentar;  Com todo o respeito  Solícito preito, Dengoso, Garboso, Que vim tributar.
 
Causar-lhe desgosto  Bem pode o meu rosto Distinto, Mas tinto  Da cor do carvão;  Mas, quando me sonde,  Verá que se esconde Brancura, Candura No meu coração!
 
Madama, consinta  Que eu tenha a distinta (Tamanha Qu'acanha!) De a cumprimentar;  Solícito preito  Com todo o respeito, Dengoso, Verboso, Lhe vim tributar!
 
Sei que não mereço  Das damas apreço, Beijinhos, Carinhos, Por ser um tição.  Ninguém me deseja, Muito embora eu seja O nervoso, Famoso, Famoso Barão. (Declamando)  Entretanto, madama, consinta.
 
JEANNETTE Donnez-vous la peine de vous asseoir, monsieur le baron.
 
JOSÉ Avec plaisir, madame. (Senta-se, fazendo muitas cerimônias para Jeannette sentar-se antes dele)
 
JEANNETTE J'ai causé aveo ce monsieur qui m'a parlé si bien de vous.
 
JOSÉ (sem perceber) Oui, madame.
 
JEANNETTE Ce monsieur, ce vieux fazendeiro... il a oublíé de me laisser son nom.
 
JOSÉ Madame, je parle bien le français, mais... mas eu prefiro falar em português, para não perder o costume.
 
JEANNETTE Como quiser.
 
JOSÉ Merci. Dis donc.   JEANNETTE (à parte)  Il ne pane pas français.
 
JOSÉ Não esteve aqui um monsieur da Bahia?
 
JEANNETTE Mas é justamente o que eu lhe estou dizendo... Um velho que me falou muito do Senhor Barão... o me preveniu da sua visita.
 
JOSÉ Ah! bem... eu compreendi... eu compreendi... Nesse caso ele disse tudo... tudo o que há...
 
JEANNETTE Pouco mais ou menos.
 
JOSÉ (escolhendo os termos)  Madama... eu sei que um distinto cavalheiro... um dos ornamentos do high-life fluminense... consagra certa afeição a vossa excelência... Mas, como o meu amigo e patrício, o Senhor Bermudes... mostrou-se muito amargurado por ser esse moço seu sobrinho, e casado com Iaiazinha... quero dizer, com uma interessante senhora, também da Bahia... vossa excelência acompanha o curso das minhas ideias?
 
JEANNETTE Oh! monsieur le baron!
 
JOSÉ Eu me conheço... Esta cor... esta maldita cor...
 
JEANNETTE Oh!
 
JOSÉ Esta nódoa da Bíblia... o preconceito social... as conveniências, etc., etc. Mas, dizia eu, não pelos meus encantos, mas pela minha posição... pelo meu título... pela minha fortuna... poderia alcançar um sorriso, e, deste modo, fazer um benefício, restituindo um chefe de família aos braços da estremecida esposa.
 
JEANNETTE E o Senhor Barão é solteiro?
 
JOSÉ Je suis garçon tout à fait. Solteiro e livre como os pássaros que cortam o espaço... o espaço azul. Não quis ligar o meu destino ao de uma mulher... Sempre julguei que as brancas não quisessem casar comigo, e eu não gosto de pretas: abomino a minha raça no belo sexo.
 
JEANNETTE A Europa é mais adiantada: não faz questão de raças.
 
JOSÉ Foi o que me animou... Quando estive em Paris...
 
JEANNETTE Ah! o Senhor Barão já esteve em Paris?
 
JOSÉ Umas poucas de vezes.
 
JEANNETTE Em que hotel morou?
 
JOSÉ (atrapalhado)  Como?
 
JEANNETTE Pergunto em que hotel morou em Paris?
 
JOSÉ Ah! no Hôtel de Ville. (TRADUÇÃO: Na Prefeitura).
 
JEANNETTE Oh! (Sorri)
 
JOSÉ (à parte)  Disse asneira. (Com desembaraço) Quando estive em Paris pela primeira vez, reconheci que as cocotes me davam preferência, algumas; e quase todas não me repeliam. Foi o que me animou, porque vossa excelência é francesa... (Lembrando-se) Ah! madama, peço-lhe que aceite este insignificante cadeau... souvenir do nosso primeiro tête-à-tête... (Dá-lhe um estojo. Jeannette ergue-se e faz examinar a joia perto da janela)
 
JEANNETTE Oh! les beaux diamants...
 
JOSÉ (à parte, sempre sentado)  Brilhante de Paris... Senhor Bermudes deu quinze mil contos por eles. (Alto) Com a fortuna de que disponho, poderia dar-lhe coisa melhor, mas o que me mandou o Luís de Resende, que é o meu fornecedor... Mais tarde colocarei no seu colo alabastrino um riquíssimo colar de pérolas, cependant... Vossa excelência gosta de pérolas?
 
JEANNETTE (descendo)  Oh! Beaucoup.
 
JOSÉ Moi aussi.
 
JEANNETTE (pondo-lhe a mão sobre os ombros)  E de mim? Gosta um bocadinho de mim?
 
JOSÉ Je vous aime... não lhe digo mais nada... Ou antes, digo-lhe tudo nesta carta (Tirando uma carta, à parte) A carta do Doutor Gouveia (Alto)... nesta carta que escrevi... porque receava não ter expressões que... Vossa excelência sabe: quando se escreve, diz-se tudo... e falando a gente deixa muita coisa em branco. (Dá-lhe a carta e ergue-se)
 
JEANNETTE (lendo)  "Meu doce amor: Convence-te de que te mereço muito mais do que esse Alberto que não sabe apreciar-te devidamente. (Interrompendo) Oh! pauvre Alberto! (Lendo) Se corresponderes a este afeto sublime, eu esconderei o nosso amor nas trevas do mais profundo mistério. (Interrompendo) C'est gentil. (Lendo) Tu..."
 
JOSÉ (tomando-lhe a carta)  Leia depois... veja que me vexa. (Deixa a carta sobre a mesa do centro)
 
JEANNETTE Mas para que esse mistério de que fala nessa carta? Oh! não! pelo contrário... terei todo o prazer em aparecer em público com o senhor. O senhor será a minha fantasia... o meu capricho... O mais que poderão dizer de mim é que sou uma mulher original... e haverá muitas, muitas que me invejem.
 
JOSÉ Isso! isso! Comme ça! Não tenha vergonha de ser minha... Não faça caso da sociedade... Que tem a minha cor? Não sou um homem como os homens?
 
JEANNETTE (ouvindo passos na escada)  Mon Dieu!
 
JOSÉ Que é?
 
JEANNETTE Ele!
 
JOSÉ Ele quem?
 
JEANNETTE Alberto.
 
JOSÉ Ioiô.
 
JEANNETTE Comment?
 
JOSÉ Nada.
 
JEANNETTE Vou despedi-lo.
 
JOSÉ Bravô! JEANNETTE Venha cá. (Leva-o para a porta da direita segundo plano) Quando ele entrar, abra aquela portinha e saia. Depressa.
 
JOSÉ Esta noite venho buscá-la para irmos ao Santana.
 
JEANNETTE Oui. (José saí depois de beijar a mão de Jeannette)
 
 
TRADUÇÃO DAS PASSAGENS FRANCESAS DA CENA VI:
 
JEANNETTE Queira sentar-se, Senhor Barão.
 
JOSÉ Com prazer, senhora.
 
JEANNETTE Conversei com este senhor que me falou tão bem do senhor.
 
JOSÉ Sim, senhora.
 
JEANNETTE Esse senhor esse velho fazendeiro... esqueceu-se de me deixar seu nome.
 
JOSÉ Senhora, falo bem o francês, porém... Obrigado. Diga logo.
 
JEANNETTE Ele não fala francês.
 
 
CENA VII Jannette e Alberto.
 
JEANNETTE (só)  Je vais le mettre à la porte.
 
ALBERTO (entrando)  Je n'ai pas pu souffrir ton absence. Me voilá de nouveau. Comme je t'aime!
 
JEANNETTE C'est un scie.
 
ALBERTO Hein?!
 
JEANNETTE Tu m'embêtes à la fin! Finissons, Alberto, je suis lasse de toi. Fiche-moi la paix.
 
ALBERTO Jeannette!
 
JEANNETTE Adieu!
 
ALBERTO Qu'est ce que ça veut dire?
 
JEANNETTE Ça veut dire qui j'en ai par dessus la tête! Laisse-moi!
 
ALBERTO Jeannette... tu... mais... tu não estás no teu juízo. Entrou aqui alguém na minha ausência?
 
JEANNETTE Eh! bíen, oui! Sache-le donc: j'ai un amant.
 
ALBERTO Oh!
 
JEANNETTE Un monsíeur que me convient plus que toi. Je ne veux plus d'homme marié. Tu est pauvre et as besoin de ton argent pour ta famille... tu vois, je suis franche... je ne t'ai jamais trompé... et je ne te trompe pas dans ce moment.
 
ALBERTO Ça c'est un... Isto é um desaforo!
 
JEANNETTE Tout ce que tu voudras, en portugais ou en français. Adieu, tu ne veux pas sortir? Eh! bien, alors c'est moi qui sors. (Sai pela direita, primeiro plano, e fecha a porta)
 
 
TRADUÇÃO DA CENA VII:
 
JEANNETTE Vou levá-lo à porta.
 
ALBERTO  Não tenho conseguido suportar tua ausência. Eis-me aqui de novo. Como te amo!
 
JEANNETTE  É um saco. Tu me enches! Terminemos... estou cansada de ti. Deixa-me em paz. Adeus.
 
ALBERTO Que é que quer dizer isso?
 
JEANNETTE Quer dizer que eu tenho a cabeça no lugar! Deixa-me! Está bem, sim! Saiba-o logo: tenho um amante. ALBERTO Oh!
 
JEANNETTE Um senhor o qual prefiro a ti. Não quero mais homem casado. Tu és pobre e precisas de teu dinheiro para tua família... vê bem, sou franca... nunca te enganei... e não te engano agora.
 
ALBERTO Isso é um...
 
JEANNETTE O que quiseres, em português ou em francês. Adeus, não queres sair? Então sou eu que saio.
 
 
CENA VIII Alberto (só).
 
ALBERTO (indo à porta por donde saiu Jeannette)  Jeannette! Jeannette! Ecoute-moi. Oh! Meu Deus! que mulher ingrata! (Cai soluçando numa cadeira que está junto da mesa do centro e, passados alguns segundos, dá com a carta e abre-a) A letra do Gouveia! Sim, é a sua letra... (Lendo) "Meu doce amor, convence-te de que te mereço muito mais do que esse Alberto," Oh! "que não sabe apreciar-te devidamente." (Com um gesto) Ah! preciso encontrar esse homem. Vou procurá-lo! (Vai a sair arrebatadamente) Ah! o estojo! (Volta a buscar o estojo na mesa do centro e sai)
 
 
ATO III O jardim do Teatro Santana, em noite de espetáculo, durante um entreato. A cena representa o espaço compreendido pela fachada do teatro, que se vê ao fundo. Pelas separações da coluna entrevê-se a sala do teatro iluminada. A cena está cheia de espectadores e cocotes, que passeiam. De vez em quando atravessa a cena um criado de botequim ou um vendedor de flores.
 
CENA I Espectadores, Gouveia, Frasquita, depois Bermudes.
 
CORO  Oh! que espetáculo! Ri-me a fartar! Eu cá divirto-me: Não há negar! Não pode mágica Haver melhor! A peça, o público Sabe de cor!
 
E se algum sujeitinho exigente Esta peça não pode aplaudir, Venha cá pro jardim, certamente Terá muito que ver e ouvir. Oh! que espetáculo! etc.
 
(Continuam as coristas a passear até o final do ato)
 
GOUVEIA (entrando pela esquerda)  Amanhã... às oito horas... Não penso noutra coisa... Ainda me parece um sonho!
 
FRASQUITA (indo ao encontro de Gouveia)  Olá, Gouveia... é hoje?
 
GOUVEIA Hoje o quê?
 
FRASQUITA Vais pagar-me a ceia no Louvre?
 
GOUVEIA É sempre assim! Tenho-te convidado um milhão de vezes e tens sempre recusado. Hoje estou comprometido.
 
FRASQUITA Não admito compromissos. — Não será tão grosseiro que te negues a ir cear comigo.
 
GOUVEIA Pois sim... daqui a pouco...
 
FRASQUITA Que mais esperas? Isto hoje está muito aborrecido. Tem pouca gente.
 
GOUVEIA Preciso falar com alguém. Eu previno-te quando for ocasião...
 
FRASQUITA Bom... eu estou por aqui. (Afasta-se)
 
GOUVEIA (consigo)  Amanhã... — oito horas. Que deliciosos momentos vou passar! E esta espanhola... esta Frasquita que me obriga a cear em sua companhia? Pois eu posso pensar noutra que não seja ela, a minha querida Milu, que amanhã... às oito horas... Entretanto, vou cear com a Frasquita — é um meio como outro qualquer para fazer passar o tempo... Até a hora da entrevista, os minutos me parecerão séculos. (Tirando um bilhete e lendo) "Amanhã... às oito horas da noite espero-te no portão dos fundos da chácara. Acharás o portão encostado: empurra e entra. — Milu." Recebi este bilhete ainda agora... no hotel, e tenho-o lido quinhentas vezes. O diabo é que estou sem dinheiro, e esta ceia... Oh! lá vem o Bermudes! está tudo arranjado!
 
BERMUDES (entrando pela esquerda)  Ó seu doutor, estimei muito encontrá vossoria.
 
GOUVEIA Oh! Senhor Bermudes! como tem passado?
 
BERMUDES Vamos indo: — Que notícia me dá do meu negoço?
 
GOUVEIA O seu requerimento já deu entrada na Secretaria.
 
BERMUDES Apois.
 
GOUVEIA Estive com o Ministro (o senhor sabe, o Ministro me considera muito), prometeu despachar favoravelmente. A coisa depende um pouco da informação da seção e ao empregado que tem de informar não seria mau fazer presente duma pelega de cem.
 
BERMUDES Que qué dizê uma pelega de cem?
 
GOUVEIA Pois não sabe? Uma pelega de cem é uma nota de cem mil réis.
 
BERMUDES Quê, seu doutó, pois é preciso dá dinheiro aos empregado?
 
GOUVEIA Fale baixo. O senhor não conhece este Rio de Janeiro! Se tem aí cem mil réis, disfarce e passe, porque amanhã muito cedo irei ter com o empregado e lhe levarei até a informação já pronta para ele copiar. Está feito de tal maneira, que o Ministro, embora não me quisesse servir não teria remédio senão concordar com ela.
 
BERMUDES Que diabo! Se destes cem mil réis depende o aviamento da minha questãozinha, aqui tem o cobre. (Dando-lhe dinheiro) Mas muito me conta vossoria... os empregado da nação, hein?
 
GOUVEIA (guardando o dinheiro) 
 
É verdade! (À parte) Pobres empregados! (A Sinfrônio, que passa) Oh! viva!... Como tem passado?...
 
 
CENA II Bermudes, Gouveia, Sinfrônio e figurantes.
 
SINFRÔNIO Assim, assim... Viu a pernambucana como voltou magra de São Paulo? Eu tantas vezes lhe disse: — Minha filha, não te deixes levar por aquele valdevinos. Deu-lhe uma vida de cão. Bem-feito. Oh, com licença, vai ali a Ambrosina. Ainda não lhe dei as boas-noites. É uma bela pequena! Muito honesta! (Afasta-se apressado para o fundo)
 
BERMUDES Que home é este?
 
GOUVEIA Um pobre diabo que se constituiu amigo e conselheiro de todas estas infelizes... Trata-as de filhas, dá-lhes conselhos muito úteis e sobretudo muito desinteressados, que nenhuma delas aproveita... e tem invariavelmente a mesma frase, tratando de cada uma delas, seja qual for: Muito honesta! muito honesta!
 
 
CENA III Bermudes, Gouveia, Marion, Quincas, depois Sinfrônio e Mariana, depois figurantes.
 
MARION (entrando pelo braço de Quincas)  Gouveia, ma dernière conquête... Je te la présente. (Apresenta-lhe que o cumprimenta)
 
QUINCAS  Estou-me desemburrando.
 
GOUVEIA A Marion é boa mestra. (Marion afasta-se para o fundo, rindo-se. A Bermudes). É uma portuguesa: está a depenar aquele menino, que recebeu há dias a legítima paterna.
 
BERMUDES Ah! muié danosa! E que faz o juiz de orfo?
 
GOUVEIA Pois se ele está emancipado.
 
BERMUDES Quá emancipado! Emancipado é uma boa mançaranduba no lombo.
 
SINFRÔNIO (voltando, a Gouveia)  Viu a Marion? Com um menino pelo braço. Estou farto de lhe dizer: Minha filha, procura gente séria; não estejas a desmamar crianças. Mas qual! é pregar no deserto. Estes demônios não se convencem de que eu falo em seu benefício.
 
BERMUDES Aquilo é uma desavergonhada, seu homel.
 
SINFRÔNIO Não diga isso, coitada. É até muito honesta! muito honesta! (Indo a Mariana, que passa) Mariana, eu estava uma noite destas na Maison Moderne, e ouvia sua voz... Você fazia um barulho infernal num gabinete particular... Não continue, minha filha, não se prejudique.
 
MARIANA  Ora vá dar conselhos às suas filhas. (Afasta-se à esquerda)
 
SINFRÔNIO (a Bermudes)  Esta francesa é muito honesta, mas é doida...
 
BERMUDES É macriada. (Frasquita, que tem estado ao fundo, desce a Gouveia)
 
FRASQUITA Quando quiseres, vamos.
 
GOUVEIA Espera. Só o tempo de me ver livre deste matuto.
 
FRASQUITA Quem é? (Continuam a falar baixo)
 
SINFRÔNIO (a Bermudes)  O senhor não é da Corte?
 
BERMUDES Não sou, não. Deus me livre! Sou da Bahia.
 
SINFRÔNIO Então não conhece aquela espanhola que está ali a conversar com o Silveira? É...
 
BERMUDES É muito honesta, já sei...
 
SINFRÔNIO Mas é tola. Não sabe aproveitar a maré do carvoeiro. O Visconde das Dores do Indaiá tem uma paixa enorme por ela; deixou-o por um pelintra, que não lhe dava uma de x.
 
BERMUDES Veja que desgraça!
 
SINFRÔNIO (a Frasquita, que tem acabado de conversar com Gouveia e vem passando da direita para a esquerda)  Frasquita, minha filha, venha cá: você já tomou juízo?
 
FRASQUITA Agora estou mais sossegadinha.
 
BERMUDES (a Gouveia)   Seu doutô, o senhor também conhece elas todas.
 
GOUVEIA Ah! elas me consideram muito.
 
BERMUDES Apois. (Continua conversar baixo)
 
FRASQUITA (a Sinfrônio)  Dou-lhe uma notícia: o Visconde voltou.
 
SINFRÔNIO Voltou? Bravo, dá cá um abraço.
 
FRASQUITA Oh! mas no lo quero. É muito velho... 
 
SINFRÔNIO Deixa disso.
 
FRASQUITA Oh! descanse!... também não quero o outro... é muito moço... Nada, meu amigo, a experiência foi cara. Quando lhe mandei pedir aqueles vinte mil réis emprestados... que por sinal nunca paguei...
 
SINFRÔNIO Oh! oh! oh! oh!
 
FRASQUITA Nunca paguei, nem pago. Esteja tranquilo. Quando lhos mandei pedir, não tinha o que comer, acredite.
 
SINFRÔNIO Bem feito, minha filha... você estava tão bem... não me quis ouvir... Bem sabe que sou um amigo desinteressado.
 
FRASQUITA Adiós. Apareça. Ainda estou na mesma casa. Vá almoçar comigo amanhã.
 
SINFRÔNIO Amanhã, não posso; fiquei de ir almoçar com a Rosa Paulista.
 
FRASQUITA Então vá jantar.
 
SINFRÔNIO Para jantar estou comprometido com a Berta, Qualquer dia destes lá vou.
 
FRASQUITA Quando quiser. Adíos. (Afasta-se)
 
SINFRÔNIO Adeus, minha filha. (A Bermudes e Gouveia) Muito honesta! muito honesta! Lá vai a Florinda. Vou pedir-lhe notícias da Pitoca. (Afastase, apressado, pelo fundo)
 
BERMUDES Este home é um almanaque!
 
GOUVEIA Ó Senhor Bermudes, quer ir à caixa?
 
BERMUDES Que caixa? Caixa d'água?
 
GOUVEIA Não; a caixa do teatro.
 
BERMUDES Pois treatro tem caixa?
 
GOUVEIA O palco... o lugar onde estão os atores. Eu dou-me muito com o Vasques... Considera-me muito...
 
BERMUDES É algum Ministro? 
 
GOUVEIA Não... — o Vasques? Pois não sabe? Aquele que representa... que vai pedir a mão da princesa em casamento...
 
BERMUDES Ah! o jocoso... O diabo tem muita graça!
 
GOUVEIA Pois vamos vê-lo. É o mesmo homem fora da cena.
 
BERMUDES Vamos lá vê o Vasque. 
 
(Saem pela direita alta)
 
 
CENA IV Sinfrônio, um sujeito, depois Alberto e figurantes.
 
SINFRÔNIO (com o braço por cima dos ombros do sujeito)  Pra que há de você amargurar a pobre menina com tantos ciúmes? Coitada, é uma injustiça. Ainda ontem, lá no Lucinda, ela queixouse-me de você, e eu disse-lhe: — Florinda, minha filha, vá descansada, que eu falo ao Guimarães.
 
ALBERTO (entrando, a Sinfrônio)  Sinfrônio. (Ao sujeito) Desculpe. (Sujeito retira-se) Você sabe de uma que me aconteceu? A Jeannette deixou-me.
 
SINFRÔNIO (com um pulo) 
 
Hein?!
 
ALBERTO Pôs-me na rua... como a um cão.
 
SINFRÔNIO (resoluto)  Eu vou lá!
 
ALBERTO (puxando-o pelo casaco)  Não, não vá! Está tudo acabado. Depois do que se passou, é impossível uma reconciliação entre nós.
 
SINFRÔNIO (muito interessado)  Mas como foi isso, meu Deus?
 
ALBERTO Você não imagina. Não pode imaginar! Saio, deixo-a um pouco fria, é verdade, dizendo que me ama, e mais isto e mais aquilo. Dou três voltas, apertam-me as saudades, volto e encontro-a outra.
 
SINFRÔNIO Ora esta!
 
ALBERTO Completamente mudada. Nunca a vi assim. Disse-me todas! Finissons! Fiche-moi la paix. Je suis lasse de toi.
 
SINFRÔNIO Oh! ela disse isso?
 
ALBERTO É verdade!
 
SINFRÔNIO Je suis lasse de toi, quer dizer: Estou farta de ti?
 
ALBERTO Pois é.
 
SINFRÔNIO Eu não sou muito forte em francês.
 
ALBERTO Fiche-moi la paix é um desaforo muito maior. Nunca se diz a ninguém: Fiche-moi la paix! Os franceses tudo suportam, tudo, menos o tal Fiche-moi la paix.
 
SINFRÔNIO E que quer dizer Fiche-moi la paix?
 
ALBERTO Quer dizer: Deixe-me em paz, não me aborreça!
 
SINFRÔNIO Eu acho o Je suis lasse de toi mais forte.
 
ALBERTO Em português não há dúvida, mas em francês o Fiche-moi la paix é mais canalha que Je suis lasse de toi.
 
SINFRÔNIO Ora senhor! Uma rapariga tão... tão honesta. Pois olhe, não é por falta de bons conselhos meus: — Jeannette, minha filha, aquele moço é um tesouro; não se desfaça dele. Quantas vezes eu lhe disse isto. — Você é que não devia meter-se nestas coisas... um homem casado...
 
ALBERTO E você é solteiro?
 
SINFRÔNIO Eu? Ora viva! Eu sou casado, mas desafio que haja marido mais fiel à sua mulher do que eu. Sou amigo destas desgraçadas por humanidade, por filosofia. Muita, festa para cá, muito agrado para lá, toma mais isto, vá lá mais aquilo, etc.; mas nunca passou disto. Quem disser o contrário mente. Mas não se trata de mim. Diga-me, há mouro na costa?
 
ALBERTO Naturalmente.
 
SINFRÔNIO E sabe quem é?
 
ALBERTO Um amigo íntimo.
 
SINFRÔNIO É sempre assim.
 
ALBERTO Um patife em quem eu depositava tanta confiança, que ainda há dias o deixei em casa sozinho com minha mulher, a jantar com ela. O Gouveia.
 
SINFRÔNIO O Gouveia?
 
ALBERTO É verdade. Apanhei sobre a mesinha da sala carta dele. Conheço a sua letra e o seu estilo. Não me resta a menor dúvida. Ele deve estar aqui no Santana.
 
SINFRÔNIO Está. Ainda há pouco conversávamos. 
 
ALBERTO Era desnecessário este bilhete anônimo que achei no consultório. (Tira um bilhete e lê) Se quer saber quem é o novo amante da sua ingrata Jeannette, vá hoje ao Santana, vê-lo-á com ela. Ela também deve estar.
 
SINFRÔNIO Não; está só ele.
 
ALBERTO Não importa! Vou procurá-lo!
 
SINFRÔNIO Olhe lá, não dê escândalo. Você é um médico.
 
ALBERTO Esteja tranquilo. Escândalo por quem? Pela Jeannette? Não o merece, Quero apenas dizer-lhe umas coisas que tenho atravessada na garganta.
 
SINFRÔNIO Aquela Jeannette. Deixe estar, que amanhã vou visitá-la e conversar com ela a seu respeito.
 
GOUVEIA (entrando e aproximando-se)  Ó Alberto, por aqui!
 
ALBERTO (a Sinfrônio)  Dá licença, temos que falar! (Sinfrônio retira-se)
 
 
CENA V Alberto, Gouveia e figurantes.
 
GOUVEIA Teu tio ficou a conversar no corredor das cadeiras com um amigo da Bahia. Íamos à caixa e não chegamos a entrar. (Estende-lhe a mão) Como vais?
 
ALBERTO Pois o senhor atreve-se ainda a estender-me a mão.
 
GOUVEIA Hein?
 
ALBERTO Nunca o supus um miserável que escrevesse esta carta. (Mostra-lhe. Gouveia fica petrificado) Não lha esfrego na cara para não dar um escândalo. Infame, há tantas mulheres no Rio de Janeiro e o senhor não achou senão esta que me pertencia, que eu amava e que devia — por minha causa, não por ela — merecer-lhe algum respeito. Ela nada me disse, encontrei esta carta por acaso. Essa mulher ama-o. Se isso lhe dá prazer, exulte. Ama-o e é sua. Ela mesmo mo disse. Vá, vá ter com sua amante... Naturalmente espera-o. Quanto a mim, nunca mais hei de vê-la, nunca mais! Fique, porém, sabendo que, de ora em diante, se tiver a petulância de olhar para mim, dou-lhe uma bofetada! (Sai)
 
 
CENA VI Gouveia, depois Frasquita.
 
GOUVEIA (fica como sem acordo, depois olha cautelosamente em volta de si, como para certificar-se de que os insultos de Alberto não foram percebidos. Vendo que ninguém olha para ele, anima-se)  Ninguém ouviu. (Pausa) Bom; para um marido ultrajado a cena foi o menos violenta possível. Outro fosse ele, e me daria um tiro. — Mas, como diabo se entende isto? E o bilhete de Milu? (Tira-o) É o seu papel... cá está o seu monograma! (Aspirando) E o seu perfume. Se ele fez cena em casa, se ela lhe declarou que era minha, como nada me diz no bilhete? (Lembrando-se) Tolo que sou! o escândalo foi posterior à remessa deste adorado papel. Mas ficaria ela em casa? Estou perplexo, não sei o que faça...
 
FRASQUITA (vindo tomar-lhe o braço)  Vamos?
 
GOUVEIA (assustando-se)  Hein? Ah! és tu? (À parte) Já não me lembrava.
 
FRASQUITA Anda daí.
 
GOUVEIA Vamos (À parte) Mesmo porque o mais previdente é retirar-me. (Sai de braço com Frasquita pela esquerda)
 
 
CENA VII Alberto, Sinfrônio, figurantes.
 
ALBERTO (continuando uma conversação com Sinfrônio)  Disse-lhe o diabo à cara, e acabei ameaçando-o esbofeteá-lo se tivesse a petulância de olhar para mim.
 
SINFRÔNIO E ele?
 
ALBERTO Ele nem pio. Engoliu tudo calado. Nunca vi um covarde assim.
 
SINFRÔNIO Mas não condene a pobre Jeannette.
 
ALBERTO Hein?
 
SINFRÔNIO Você sabe o que houve?... quem sabe... Talvez alguma intriga. E se ela fez o que fez, foi despeitada e enraivecida? Que diabo! Eu tenho muita pena destas desgraçadas. São tão fracas, tão ingênuas, coitadinhas. Imagine que o Gouveia, para conquistá-la mais depressa, lhe fosse dizer cobras e lagartos a seu respeito. Afinal de contas, que lhe fez ela? Disse o tal Fiche... Como é?
 
ALBERTO Fiche-moi la paíx.
 
SINFRÔNIO O tal Fiche-moi la paix. Mas essa carta? Que prova essa carta? Se fosse escrita por ela, vá! Mas por ele!
 
ALBERTO Isso é verdade, mas...
 
SINFRÔNIO Mas o quê?
 
ALBERTO Ela disse que tinha um amante. J'ai un amant.
 
SINFRÔNIO J'ai un amant — é — tenho um amante? 
 
ALBERTO É.
 
SINFRÔNIO Acho mais forte o fiche. Talvez dissesse que tinha um amante para vingar-se de você. É que lhe encheram a cabeça de caraminholas.
 
ALBERTO Quem sabe mesmo?
 
SINFRÔNIO Olha, se quer, vamos até a Rua do Conde; faço-lhe companhia, serei o primeiro a dizer-lhe: — Jeannette, minha filha, vem cá, vamos acabar com isto.
 
ALBERTO E este bilhete? Este maldito bilhete anônimo?
 
(Os figurantes começam a apontar para a esquerda e a rirem-se. Alguns saem. Alberto e Sinfrônio não dão por isso)
 
SINFRÔNIO Ora, esse bilhete não vale nada, e a prova é que ela não está no teatro. — Vamos até lá. Você vai ver como a pobre pequena está muito sossegadinha em casa a pensar em você.
 
ALBERTO Pois vamos... — mesmo porque (confesso a minha vergonha) gosto muito daquele diabo. 
 
(Tem aumentado o rumor)
 
SINFRÔNIO O que é isto?
 
 
CENA VIII Alberto, Sinfrônio, depois José, Jeannette, depois Bermudes, figurantes.
 
CORO Vem dando o braço à francesa,  Janota cor de carvão, Nós vamos rir, com certeza,  A custa desse tição. Ah! ah! ah! ah!  ah! ah! ah! ah!
 
É parente do príncipe Obá.
 
(Entra José, vestido como no segundo ato, trazendo pelo braço Jeannette ricamente vestida. Admiração de Alberto)
 
ALBERTO É o meu moleque José,  Vou corrê-lo a pontapé.
 
SINFRÔNIO (detendo-o) Não faça tal, Aguardemos o final da festa. (À parte)  Eu, que a supunha tão honesta!
 
COPLAS
 
JOSÉ Eu supus que nos achássemos Num país americano, Caminhando a largos passos Para a civilização. Fantasia foi do espírito, Laborei num puro engano, Pois dum modo tão ridículo Injuria-se o Barão, O Barão, O Barão de Pituaçu, Como se fosse algum zulu.
 
CORO O Barão, O Barão de Pituaçu Não é pr'aí nenhum zulu.
 
JEANNETTE Il n'a pas une peau blanche,  Mais je l'aime éperdument!  J'en refoule; je suis franche!  Le voilá! C'est mon amant!
 
 
TRADUÇÃO DO TRECHO FRANCÊS DA COPLA:
 
JEANNETTE Ele não tem a pele alva, Mas amo-o perdidamente! Insisto nisso; sou franca! É isso aí! Ele é meu amante!
 
 
JOSÉ Sem tardar vai tudo raso! Temos murro e cachação! Quem me ofenda, por acaso, Tem que haver-se co Barão, C'o Barão,  C'o Barão de Pituaçu, — Que é capoeira e guaiamu.   (Faz o gesto de capoeira)
 
CORO (arremedando)  C'o Barão, O Barão de Pituaçu,  Diz que é capoeira e guaiamu!
 
CONCERTANTE
 
JEANNETTE Je l'aime, une peau blanche,  Quand même! Por ele, juro, apaixonada 'stou!  Censuram, Murmuram, Que bem me importa? Independente sou!
 
CORO Que ama Proclama! Isto nos faz embasbacar, senhor! Um bode Não pode Da alva pombinha usufruir a flor!
 
BERMUDES (aparecendo e dominando a cena) Meu sobrinho, Agora espero que hás de entrá no bom caminho; Vê, a madama Que tu tanto ama, De braço dado co José E será sua, se o não é!
 
JOSÉ (atônito, ajoelhando aos pés de Alberto) Meu Ioiozinho, meu Ioiozinho,  Ai não sapeque O seu moleque. Senhor Bermudes, nestas funduras,  Foi-me metendo,  Sempre dizendo  Ser pro seu bem.
 
JEANNETTE Est-il possible, juste ciel.
 
SINFRÔNIO Pobre pequena! que papel! (A Jeannette)  Minha filha, aqui tem meu braço, Por você,  Bem vê,  Tudo faço. (Dá o braço a Jeannette e retira-se com ela)
 
CORO  Ah! ah! ah! ah! O caso é muito engraçado, O caso é novo e faz rir; Um moleque disfarçado Pôde a francesa iludir, Ah! ah! ah! ah!  É parente do príncipe Obá.
 
(Os coros cercam José. Bermudes afasta-se com Alberto) ATO IV Jardim da casa de Alberto, num arrabalde. À direita, a entrada da casa com escada e alpendre; um lampião de gás que a seu tempo dará luz. Ao fundo um muro, e além, em perspectiva, o Corcovado. À esquerda, a grade da entrada. Na cena, árvores, canteiros, mesas e três cadeiras de jardim.
 
CENA I Alberto, Milu e Bermudes.
 
BERMUDES (têm acabado de jantar e tomam café no jardim; José distribui as xícaras numa bandeja em que há também uma garrafinha de conhaque e cálices)  O café é bão?
 
MILU É torrado em casa.
 
ALBERTO Quer um cálice de conhaque, tio Bermudes?
 
BERMUDES Quá, conhaque nem quá história! Vocês co seu francesismo deita a perdê a indústria nacioná. Pra depois do jantar não há nada como um copinho de cotreia e um cachimbo. O cachimbo cá está... como não há cotreia, paciência. (Tira o cachimbo, acendendo-o)
 
ALBERTO Questão de rótulo. Prove o conhaque, e verá que não há de se dar mal.
 
MILU Aqui tem um cálice.
 
BERMUDES Vá lá. (Bebendo) Irra que é forte!
 
JOSÉ (que tem bebido um cálice às escondidas)  Não acho.
 
MILU Você não sai hoje, Alberto?
 
ALBERTO Não. Hoje sou todo teu.
 
MILU Admira. Há três meses é este o primeiro sábado em que ficas em casa.
 
BERMUDES E de hoje em diante só não ficará com Iaiá por força maior; não é assim, meu sobrinho?
 
ALBERTO Certamente. (Toma uma das mãos de Milu e acaricia)
 
BERMUDES Apois!
 
MILU Vossemecê foi um anjo bom que entrou nesta casa.
 
BERMUDES Não me agradeça, Iaiá; agradeça ao Barão de Pituaçu. (Vendo José e erguendo-se) Vá lá para dentro, moleque. 
 
(José sai requebrando-se e levando a bandeja, xícaras etc.) ALBERTO Meu tio...
 
MILU Que história é essa do Barão de Pituaçu?
 
ALBERTO (vivamente)  Não é nada.
 
MILU Não; eu quero saber...
 
ALBERTO É melhor que nada saibas.
 
MILU Ora.
 
BERMUDES Pois há de sabê, sim senhô. Meu sobrinho, Iaiá, tinha uma doente que lhe tomava todo o tempo. A moléstia era muito cheia de complicâncias, e, se eles arvasse a doente, ganhava fama que nem o defunto Valadão. Mas eu cheguei da Bahia; Ialá se queixava-se de que seu marido não parava em casa... Eu tratei de me informá e sube que a doente era uma muié da vida... Então, fiz uma intrigage de todos os diabos. Fui na casa da muié e disse a ela que meu sobrinho não prestava para nada cumo médico, que botasse ele pra fora e chamasse um doutá da Bahia que está na Corte: o Barão de Pítuaçu. A muié aceitou o meu conselho. Quando meu sobrinho encontrou outro doutô em casa da moça, deu um cavacão, e agora... agora, acabou-se a história. Agora, Iaiá tá livre da tal doente.
 
MILU Mas o Alberto nunca me falou em semelhante mulher.
 
BERMUDES E fez ele muito bem. Como era uma muié da vida, Iaiá podia mardá. ALBERTO Com licença, vou para o gabinete estudar um pouco. (Ergue-se e entra em casa)
 
CENA II Bermudes e Milu.
 
MILU (levantando-se)  Vê, seu sobrinho não pôde sustentar esta comédia.
 
BERMUDES Que comédia?
 
MILU Então vossemecê me supõe tão tola, que acredite numa palavra do que esteve para aí a dizer?
 
BERMUDES Iaiá, óie... é um véio que lhe fala. A gente pra sê feliz, principalmente as moça, deve fingi que acredita em certas coisas... já se sabe, cando essas coisas é pra seu bem.
 
MILU De toda essa história mal arranjada, de todos esses mistérios, concluo que se passou um fato extraordinário na vida de meu marido. Não quero saber qual foi, contanto que vossemecê me assegure que, de hoje em diante, ele será para mim o que não tem sido até hoje.
 
BERMUDES Isso juro até pelas minhas arminhas benditas! Iaiá, de hoje em diante, há de vivê satisfeita.
 
MILU Deixe-me dar-lhe um abraço e um beijo. (Dá-lhos)
 
BERMUDES Muito bem. Agora vá fazer o mesmo em seu marido, Iaiá. (Entra José)
 
MILU Com mil vontades. (Sai)
 
BERMUDES E eu vou procurá o tá seu Doutô Gouveia pra sabê se o Ministro já arresolveu qualquer coisa. (Julgando-se só) Meu sobrinho há de se emendá... a lição foi boa... e depois o sermão que eu preguei a ele... (Vendo José) Olá, seu barão!
 
 
CENA III Bermudes e José.
 
JOSÉ O que é que o Senhor Bermudes qué que eu faça daquela roupa?
 
BERMUDES Que roupa?
 
JOSÉ A roupa do Barão de Pituaçu.
 
BERMUDES Fica co ela pra ti. A molecage anda por perto de duzentos mil réis, mas não me arrependi. — Vai buscá meu chapéu e meu chapéu de só.
 
JOSÉ Senhor Bermudes, vai procurar o seu Doutô Gouveia?
 
BERMUDES
 
Não é da tua conta. JOSÉ É... é... é que eu queria dar um conselho ao Senhor Bermudes.
 
BERMUDES Moleque, onde é que tu já viu preto dá conselho a branco?
 
JOSÉ Pois não! Neste país tem havido muito conselheiro preto!
 
BERMUDES Nenhum deles nunca foi moleque como tu, apresentado!
 
JOSÉ Isso é o que resta averiguar. Enfim o que eu lhe queria dizer era para seu bem.
 
BERMUDES Diz, diabo, diz.
 
JOSÉ Seu Bermudes, não se fie no tal Doutor Gouveia.
 
BERMUDES Por quê?
 
JOSÉ Aquilo é um tratante, um caradura.
 
BERMUDES Moleque!
 
JOSÉ Moleque é ele!
 
BERMUDES Hein? Varra a púia.
 
JOSÉ (explicando)  O Doutor Gouveia.
 
BERMUDES Apois.
 
JOSÉ Senhor Bermudes não podia entregar a questão a um advogado mais chinfrim. Aquilo mente por quantos dentes tem na boca.
 
BERMUDES É amigo de meu sobrinho.
 
JOSÉ Ioiô é muito fácil em fazer amizades... e vai abrindo a sua porta a todo o mundo sem saber quem mete em casa. Senhor Bermudes há de ver que o Doutor Gouveia não tarde em dar-lhe uma facada.
 
BERMUDES (levando a mão ao ventre)  Hein?
 
JOSÉ Não é facada de sangue; é de dinheiro.
 
BERMUDES De dinheiro já deu.
 
JOSÉ Então?
 
BERMUDES Mas não foi para ele; foi para um empregado.
 
JOSÉ Olhe, Senhor Bermudes, o Ministro mora nesta mesma rua... naquele chalé azul... vossemecê vai lá e fala mesmo com o homem... Aposto que o Ministro ainda não tem notícia de sua pretensão.
 
BERMUDES Ó moleque de uma figa! se o doutô me disse que falou com ele!
 
JOSÉ Qual falou, nem meio falou! Vá até lá, vá até lá, não lhe digo mais nada. Eu vou buscar o seu chapéu. (Saída falsa)
 
BERMUDES Hein? Este moleque é pernosco e é mais sabido que muito doutô. O diabo é capaz de ter razão, e não me custa nada i na casa do Ministro. Tá decidido. Vou lá.
 
JOSÉ (entrando com o chapéu e guarda-chuva de Bermudes)  Está aqui. (Dá-lhos)
 
BERMUDES (pondo o chapéu)  É o chalete azu, não é?
 
JOSÉ Senhor Bermudes vai lá?
 
BERMUDES Vou sim. Se tu acertaste, moleque, podes contar com a molhadura.
 
 
CENA IV José, depois feitor e cozinheiro.
 
JOSÉ (só)  Bom. É tempo de preparar as coisas. (Chamando para dentro) Psiu! Ó seu Joaquim! Psiu! venha cá e traga seu Manduca. — O feitor é homem pra dez, e o cozinheiro não lhe fica devendo nada. O patife há de ficá bem escorvado. — Psiu! venham cá. (Entram o feitor e o cozinheiro. Tipos característicos. José recebe-os solenemente) Meus senhores, façam favor de se abancar.
 
O FEITOR  Essa agora!...
 
O COZINHEIRO  Pra que quer você que a gente se abanque?
 
JOSÉ Os amos estão lá para dentro. Sentem-se e sem cerimônia. (Dá uma cadeira a cada um. O feitor e o cozinheiro sentam-se e José senta-se entre eles. Pausa) Meus senhores, o momento é solene; e eu vou revelar um grande um terrível segredo. (Voltando a cadeira para o lado do feitor) Seu Joaquim, você é amigo do seu patrão?
 
O FEITOR  Se sou amigo de seu doutore? Pois não me tratou ele com tanto carinho, cando estive tan doente?
 
JOSÉ E estima a sua patroa?
 
O FEITOR  Pois se ele é um anjo, sem desfazer em ninguém! Nan foi ela a minha enfermeira? Nan cuidou de mim como se cuidasse de seu pai dela?
 
JOSÉ (apertando-lhe a mão)  Muito bem. (Voltando a cadeira para o lado do cozinheiro) Agora, seu Manduca, você também é baiano.
 
MANDUCA Legítimo. Não digo isso a Deus e a todo o mundo porque não sou vaidoso... não gosto de me gabar...
 
JOSÉ Portanto, deve possuir um coração de ouro. — É amigo de seu patrão?
 
MANDUCA Eu sempre fui amigo de quem me dá trabalho. Mas, por que...
 
JOSÉ Não interrompa o orador. E da sua patroa?
 
MANDUCA Desde que seja preciso fazer um sacrifício por ela, podem contar comigo!
 
JOSÉ Muito bem. Eu não esperava de vocês outra coisa, senão essas declarações leais! (Endireitando a cadeira) Agora eu! Era escravo de Iaiá. Um dia, ela me passou a carta de liberdade e eu declarei que queria ficar nesta casa, escravo como dantes, até o dia em que me pusessem na rua. Me parece que não preciso dizer mais nada!
 
O COZINHEIRO  Mas foi pra isto que esta cabeça de breu mandou me chamar?
 
O FEITOR (erguendo-se)  Está a mangar com a gente, o dianho!
 
O COZINHEIRO (erguendo-se)  Tenho mais que fazer: vou arrumar a cozinha.
 
JOSÉ (sem se erguer, puxando-os pelo fato)  Ouçam o resto. Abanquem-se. (Os dois sentam-se de novo) Que fariam vocês se nesta casa se introduzisse um infame, e pretendesse seduzir Iaiá?
 
OS DOIS (erguendo-se ao mesmo tempo)  Hein?
 
O FEITOR  Seduzir a patroa? Isso é lá possível?
 
O COZINHEIRO  Eu dava-lhe muita bordoada!
 
O FEITOR  Eu desancava-o! rachava-o de meio a meio.
 
JOSÉ (erguendo-se)
 
Pois saibam que esse infame existe!
 
OS DOIS  Quem é?
 
O FEITOR  Como soubeste disso?
 
JOSÉ O burro quis fazer de mim pau-de-cabeleira. Deu-me uma carta para eu entregar a Iaiá. Uma declaração de amor.
 
O COZINHEIRO  Como você sabe que é uma declaração de amor?
 
JOSÉ Abri e li a carta. Transgredi um artigo da Constituição do Império.
 
O FEITOR  E depois entregaste a carta?
 
JOSÉ Não entreguei, não. Respondi por minha conta.
 
O FEITOR  Tu?
 
JOSÉ Respondi, sim. Fui ao quarto de Iaiá... tirei uma folha de papel marcado com o nome dela, e um envelope... botei um pingo de perfumância, e, como eu escrevo muito mal, pedi a seu Braga da venda para escrever o seguinte, pouco mais ou menos: "Amanhã, sábado, vai ao portão dos fundos da chácara; se o portão estiver encostado, empurra e entra", e deixei a carta no Hotel Globo, onde vai jantar todos os dias.
 
O COZINHEIRO  Que arteiro!
 
O FEITOR  Bom; e agora?
 
JOSÉ Agora. (Toma-lhes as mãos e trá-los ao proscênio)
 
TERCETO
 
JOSÉ Haja cautela.
 
OS DOIS  Pois haverá.
 
JOSÉ E na esparrela O tipo cairá. (Com mistério) A hora marcada Vocês estarão Fazendo emboscada Por trás do portão.
 
OS DOIS  Por trás do portão.
 
JOSÉ O tipo, isso eu juro, De manso entrará Com os olhos no escuro Buscando Iaiá.
 
OS DOIS  Buscando Iaiá.
 
JOSÉ Dá dois ou três passos Dizendo: Milu, Vem! corre aos meus braços! Onde é que estás tu?
 
OS DOIS  Onde é que estás tu?
 
JOSÉ Vocês vão sem bulha, A porta fechar, A fim de que o pulha Não possa escapar.
 
OS DOIS  Não há de escapar.
 
JOSÉ E o pintalegrete Reduzam a pó! No corpo o cacete  Lhe cante sem dó!
 
OS DOIS Daremos sem dó.
 
JOSÉ Depois que lhe derem  Pancada a fartar,  Depois que estiverem  Cansados de dar...
 
OS DOIS  Cansados de dar...
 
JOSÉ Vocês o conheçam: — Pois era o senhor!  — Desculpa lhe peçam: — Perdoe, seu doutor.
 
OS DOIS  Perdoe, seu doutor.
 
JOSÉ E tragam-no em braços Aqui pro jardim. Pois esses devassos Castigam-se assim.
 
O COZINHEIRO (interrompendo o canto e declamando)  Mas por que não lhe dá você a tunda?... e nos passa procuração?
 
O FEITOR  É verdade! por quê?
 
JOSÉ Por dois motivos: Primó: — Porque eu sou capoeira e posso matá-lo com uma cabeçada na boca do estômago; secundó: — Porque não sou egoísta, e quis dividir com vocês dois o prazer de castigar o infame...
 
Os DOIS  Ah! bom... (Continua o canto) — Pode ficar descansado,  Que há de levar O marau,  De forte pulso alentado,  Famosa tunda de pau!
 
JOSÉ Haja cautela.
 
OS DOIS  Pois haverá.
 
OS TRÊS  E na esparrela  O tipo cairá. Cautela... Cautela... Vamos para lá... Vão para lá...
 
(O feitor e o cozinheiro saem. A cena tem escurecido gradualmente)
 
 
CENA V José, depois Gouveia (da esquerda).
 
JOSÉ (só)  Nunca mais o bicho há de ter vontade de fazer declarações de amor a senhoras casadas. (Vendo entrar Gouveia) Olá! ele por aqui?
 
GOUVEIA Alberto está em casa?
 
JOSÉ Está, sim senhor.
 
GOUVEIA Vai-lhe dizer que estou aqui.
 
JOSÉ Sim, senhor. (Vai saindo)
 
GOUVEIA Olha. (José volta) Já recebi a resposta daquele bilhete que entregaste a Dona Milu. Toma lá os dez mil réis que eu prometi. (Dá-lhos)
 
JOSÉ Muito obrigado. (À parte) Vou dar cinco mil réis ao feitor e cinco mil réis ao cozinheiro. (Entra na casa depois de acender o lampião do alpendre, alumiando assim os primeiros planos da cena)
 
 
CENA VI Gouveia (só)
 
GOUVEIA Depois da cena de ontem, julguei que nenhuma explicação fosse possível entre mim e Alberto. Entretanto, estava a jantar no Globo, quando o criado me veio dizer que me chamava. Era o Alberto. Pedia-me que cá viesse depois jantar, e disposto a perdoar-lhe. E acrescentou: — Já tenho a explicação de tudo. É extraordinário! Ah! mulheres! Mulheres! Naturalmente Milu achou meios e modos de explicar a minha carta, e ele engoliu a pílula. Entretanto, ela fez mal em não me prevenir... posso escorregar... por isso hei de falar o menos que puder... E a entrevista de noite? Falta apenas uma hora e ele está em casa. Ei-lo.
 
 
CENA VII Gouveia e Alberto.
 
ALBERTO Não te mandei entrar porque aqui no jardim podemos conversar a gosto. Minha mulher está lá dentro entretida. Antes de mais nada, dá cá um abraço! Pobre Gouveia, que descompostura te passei, que coisas te disse! e como lá por dentro devias rir-te de mim. Tudo por causa de uma mulher. (Abraça-o)
 
GOUVEIA (sem perceber)  É... é... tudo por causa...
 
ALBERTO Desculpa, meu velho... eu não sabia nada... e tu compreendes... eu gostava dela... andava iludido...
 
GOUVEIA É...
 
ALBERTO Depois percebi que estavas combinado com o meu tio, se bem que lhe não falasse a teu respeito, e soube que a carta foi feita para ser entregue pelo moleque. Respirei. Também porque não disfarçaste a letra?
 
GOUVEIA Ora... para quê?
 
ALBERTO Hás de convir que o moleque saiu-se perfeitamente... Lembrou-me o Mascarillo das Preciosas ridículas Entretanto, meu tio, um matuto lá dos sertões do norte da Bahia, nunca leu Molière.
 
GOUVEIA (à parte)  Cada vez entendo menos!
 
ALBERTO E sabes? Vou pôr no olho da rua o Barão de Pituaçu.
 
GOUVEIA O Barão?
 
ALBERTO Sim, não o quero em casa. Demais, há muito tempo que é livre. Nada! um sujeitinho destes não nos convém em casa. Estou desmoralizado. Com que cara queres tu que eu olhe para este moleque, que sabe tudo!
 
GOUVEIA É, tens razão.
 
ALBERTO Bem, agora que estamos de pazes feitas, vais fazer-me um favor. Hoje mesmo hás de entregar a Jeannette um anel de brilhantes que tenho em meu poder e lhe pertence.
 
GOUVEIA Pois não.
 
ALBERTO Não quero conservá-lo nem mais um momento em meu poder. Vou buscá-lo... está no meu gabinete escondido.
 
GOUVEIA Sim.
 
ALBERTO Mas não me falas senão por monossílabos. Olha que está tudo acabado, homem de Deus! Esquece-te do que te disse ontem! (Entra em casa. José aparece à direita, terceiro plano)
 
 
CENA VIII Gouveia e José.
 
GOUVEIA (julgando-se só)  Está doido... — pobre rapaz, está doido... não diz coisa com coisa... O moleque... o Barão de Pituaçu... Molière... quem diria?... Agora começo a ter repugnância da tal entrevista... a mulher de um doido...
 
JOSÉ (aproximando, a meia voz)  Senhor Doutor... Iaiá mandou dizer que não se esqueça, às oito horas.
 
GOUVEIA Ah! ela...
 
JOSÉ Eu não sirvo para estas coisas, não senhor... obedeço por ser Iaiá.
 
GOUVEIA Mas Alberto está em casa...
 
JOSÉ Qual! não tenha susto. Ioiô não fica em casa, não.
 
GOUVEIA Bom! Toma lá mais cinco mil réis. (Dá-lhos)
 
JOSÉ (à parte)  Estes cinco são para mim. (Alto) Muito obrigado! (Sai por onde entrou)
 
GOUVEIA (só)  Isto está uma confusão de todos os diabos.
 
 
CENA IX Gouveia, Alberto, depois Milu.
 
ALBERTO (entrando)  Aqui tens. Faze-me este favor hoje mesmo. A Jeannette tinha-me dado este anel para que eu mandasse mudar a gravação e eu esqueci-me.
 
GOUVEIA Queres, pois, que eu lhe entregue isto?
 
ALBERTO Sim.
 
GOUVEIA Não é preciso dizer-lhe mais nada?
 
ALBERTO Nada... Que queres tu que eu diga à Baronesa de Pituaçu?
 
GOUVEIA (à parte)  Temos outra.
 
MILU (entrando)  Alberto, teu tio saiu?
 
ALBERTO Parece que sim. Olha quem está aqui.
 
MILU Ah! (Secamente) Boa-noite.
 
GOUVEIA Boa-noite, Dona Milu... (À parte) Que frieza! quanta dissimulação!... Ah! mulheres. (Alto) Até sempre.
 
ALBERTO Já.
 
GOUVEIA (com intenção, olhando de soslaio para Milu) Tenho que ir.
 
ALBERTO Não te detenho porque vou também sair.
 
GOUVEIA Boa-noite. (Indo apertar a mão de Milu, piscando-lhe os olhos) Boa noite.
 
MILU (admirada)  Boa-noite.
 
GOUVEIA (à parte)  Quanta dissimulação! Ah! mulheres!... (Sai)
 
 
CENA X Alberto e Milu.
 
MILU Tu vais sair?
 
ALBERTO Não.
 
MILU Pois não acabaste de dizer?...
 
ALBERTO Para que ele se fosse embora mais depressa. Quero estar só contigo. Vou refazer a nossa lua-de-mel. (Senta-se ao lado dela)
 
MILU Ora; Deus queira!
 
ALBERTO Por que trataste o Gouveia com tanta frieza?
 
MILU Ultimamente comecei a embirrar muito com ele.
 
ALBERTO Por que, coitado?
 
MILU Não sei... antipatias súbitas, que não se explicam.
 
ALBERTO Nem se discutem.
 
MILU (depois de uma pausa)  Vocês são muito amigos?
 
ALBERTO Amigo é um modo de dizer. Eu estimo-o porque não tenho razão de queixa contra ele.
 
MILU Conhece-o bem?
 
ALBERTO (dizendo por dizer)  Conheço...
 
MILU (brincando com o anel de médico de Alberto)  Se te dissessem alguma coisa de mal contra ele, serias capaz de não crer?
 
ALBERTO Conforme. Se me dissessem, por exemplo, que ele roubou o sino de São Francisco de Paula...
 
MILU Isso não. — Mas se dissessem que ele namora senhoras casadas.
 
ALBERTO Isso pode ser. O que não creio é que as senhoras casadas o namorem a ele. Coitado, nesse ponto é um pouco tolo, dizem, mas afinal de contas, os seus namoros são tão inofensivos...
 
MILU (deixando-lhe a mão) Achas então que é digno de desculpa o sujeito que namora a mulher do seu amigo?
 
ALBERTO Perdão, mas tu não me disseste que ele namorava a mulher de nenhum amigo...
 
MILU (depois de uma pausa)  E não crês que ele o faça?
 
ALBERTO Homem, essas palavras! Dar-se-á o caso que o Gouveia?...
 
MILU (vivamente)  Não é de mim, nem de ti que se trata. (Erguendo-se) Entretanto, fazes-me um grande obséquio se lhe fechasses a nossa porta.
 
ALBERTO Milu, o Gouveia faltou-lhe ao respeito?
 
MILU Não.
 
ALBERTO Vejo pela tua cara que sim.
 
MILU Ora! que tem a minha cara?
 
ALBERTO Dize-me tudo!
 
MILU Deus me livre!
 
ALBERTO Então é certo que...
 
MILU Tu zangas-te, fazes um escândalo e quem sofre sou eu.
 
ALBERTO Não... juro-te que não me zangarei.
 
MILU Ora, isso dizes...
 
ALBERTO E faço. Acredita que usarei de toda a prudência. Que te disse ele?
 
MILU Que me amava.
 
ALBERTO Oh!
 
MILU Aí está... vês? Eu não devia ter-te dito nada. Quanto mais se...
 
ALBERTO Quanto mais o quê? Que mais fez, que mais disse esse homem?
 
MILU Tudo.
 
ALBERTO Tudo o quê?
 
MILU Que tinhas uma amante.
 
ALBERTO Miserável. (Quer sair)
 
MILU Alberto! (Ele volta) Aí está! Aí está! Eu devia ficar calada. Se tudo te disse, foi para que conhecesses o amigo que recebes em tua casa.
 
ALBERTO E eu, que o mandei chamar pelo telefone para pedir-lhe perdão e abraçá-lo.
 
MILU Agora, vais procurá-lo, brigar com ele... dar um escândalo! E o meu nome virá à baila. E hão de dizer por aí que eu fui a amante desse patife! No Rio de Janeiro essas coisas dizem-se com uma facilidade extraordinária! Não! Não quero que faças nada! (Abraçandoo) Escreve-lhe uma carta muito simples, dizendo-lhe que tua mulher tudo te comunicou... e que lhe não cortas a cara a chicote para não envolveres o meu nome num escândalo. Despede-o assim de tua casa e de tua amizade, e ama-me sempre, meu Alberto, sempre; tanto mais que... (Chorando e rindo ao mesmo tempo. Bermudes aparece) Tanto mais que tenho uma grande notícia a dar-te... tu... eu... nós temos um filho!...
 
ALBERTO Ah!
 
 
CENA XI Alberto, Milu, Bermudes.
 
BERMUDES (da esquerda)  Muito bem! Era isso o que faltava nesta casa! Bela notícia! Amanhã de manhã vou passar um telegrama à comadre. O diabo é se a notícia chega à Bahia depois da criança nascê. A comadre é que vai pulá de satisfeita! (Abraçando a Milu) Nossa Senhora do Parto lhe dê uma boa hora, Iaiá!
 
ALBERTO Então? onde foi o passeio?
 
BERMUDES Mal sabem vocês. Vim da casa do Ministro.
 
ALBERTO Oh! foi à casa do Ministro?
 
BERMUDES Fui, e bendita a hora em que o moleque me aconseiou que fosse... Óie que o tá seu Doutô Gouveia é um tratante muito desavergonhado. O Ministro nem conhece ele. O malandro há de me dá conta dos meus papé...
 
ALBERTO Isso fica a meu cuidado!
 
MILU Conte-nos.
 
BERMUDES Eu fui. Bati. Veio um sordado e preguntó o que eu queria. Falá a sua insolência, o Sinhô Ministro. Sua insolência não fala a ninguém! Apois. E eu já ia me arretirando, quando o Ministro mesmo me chamou da janela. Subi, e ele preguntou-me o que desejava, mas que falasse depressa, porque ele estava muito atropelado. — Não diga isso, Sinhô Ministro: vossa insolência nunca viu atropelo. Atropelo é um home a cavalo, o cavalo empacado, a muié na garupa, uma criança no braço, o chapéu de só aberto, uma porteira rezinguenta, um charco adiente. Isso é que é atropelo. O Ministro começou a rir como um perdido e uns home que tava lá também começou a rir... e parece que foi por isso que me escutou com tanta atenção. O Doutô Gouveia nunca em sua vida falou ao Ministro, nem entregou a papelada a ele. Ele só conhece Doutó Gouveia de nome, e por síná que lhe fez umas osenças muito feia. Eu contei a ele toda a minha questãozinha das terra. O home ficou irado e prometeu que amenhá mesmo tomaria as porvidências, e que eu fosse na Secretaria. Quando eu disse a ele que o Doutô Gouveia me pediu cem mil réis pra dá a um empregado, o Ministro deu um pulo na cadeira e disse que vai proibi pelas foia que o patife tenha entrada na repartição. 
 
(Ouvem-se pancadas e gemidos)
 
OS TRÊS Que é isto? que é isto?
 
CENA XII Os mesmos e Gouveia, depois o feitor, o cozinheiro, depois José.
 
(Gouveia atravessa a cena desancado, coxeando e sai correndo pela direita)
 
O FEITOR (de pau em punho)  Desculpe, Senhor Doutore, eu não sabia.
 
ALBERTO O Gouveia! Que quer isto dizer?
 
O FEITOR  Aquele senhor entrou na chácara pelo portão dos fundos...
 
O COZINHEIRO  Nós supusemos que fosse um ladrão, e demos-lhe uma tunda de pau!
 
ALBERTO Mas, expliquem-nos...
 
JOSÉ (entrando)  Eu explico tudo, Iaiá.
 
BERMUDES Eu logo vi que era coisa deste moleque.
 
JOSÉ Seu Doutô Gouveia me deu uma carta de namoro para eu entrega a Iaiá.
 
MILU A mim?
 
JOSÉ Eu li a carta, e em vez de entregá-la a Iaiá, entreguei-a certa pessoa que ioiô sabe quem é...
 
ALBERTO (tossindo)  Bem, bem...
 
JOSÉ Mas eu respondi a carta, em nome da Iaiá, dando-lhe uma entrevista na chácara.
 
ALBERTO Com que fim, demônio?
 
JOSÉ Com o fim de lhe arranja a sova que ele levou e foi muito merecida.
 
ALBERTO Olha que não me ficas nem mais um dia em casa!
 
BERMUDES Eu tomo conta de ti, moleque. Quero te meter nos estudos — (José vai cumprimentar o feitor e o cozinheiro) Vocês, meus filho, se alembre de que, numa famia, a confiança é tudo.
 
COPLA FINAL
 
BERMUDES Há sempre em casa bonança,  Sem uma nuve siqué, Quando existe confiança  Entre o marido e mute.
 
CORO  Haja sempre confiança...
 
BERMUDES Apois.
 
CORO Entre o marido e muié.

 

 

                                                                  Artur Azevedo

 

 

              Voltar à “Página do Autor"

 

 

                                                   

O melhor da literatura para todos os gostos e idades