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O CARBÚNCULO AZUL / Arthur Conan Doyle
O CARBÚNCULO AZUL / Arthur Conan Doyle

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

O CARBÚNCULO AZUL

 

Fui visitar meu amigo Sherlock Holmes na segunda semana após o Natal, com a intenção de cumprimentá-lo. Estava recostado no sofá, envolto num chambre azul, o cachimbo do lado direito e os jornais espalhados, certamente consultados há pouco. Numa cadeira ao seu lado, estava dependurado um chapéu de feltro, velho, sujo e rasgado. Uma lente e um fórceps estavam no assento da cadeira, indicando que o chapéu havia sido examinado.

- Você está ocupado - disse eu - talvez tenha sido inoportuno.

- Nada disso. É bom ter um amigo perto para poder discutir minhas pesquisas. O problema é muito simples - e apontou o velho chapéu - mas há alguns pontos, relativos a ele, que me parecem interessantes.

Sentei-me na poltrona e esfreguei as mãos aproximando-as da lareira enquanto por fora se formavam cristais de gelo nas vidraças.

- Suponho - observei - que, como costuma acontecer, isso tem a ver com alguma história misteriosa e é a pista que vai permitir descobrir e punir o culpado...

- Não, não. Nenhum crime - disse Sherlock Holmes, rindo. - Trata-se de um desses engraçados incidentes que aparecem quando quatro milhões de seres humanos se acotovelam dentro de poucas milhas quadradas. Entre a ação e a reação dessa colméia humana, tudo pode acontecer na maior combinação de fatos possíveis, e podem surgir estranhas e bizarras situações que nem sempre são crimes. Disso já temos experiência...

- Tanto são - ponderei - que dos últimos seis casos que anotei, três deles não se caracterizavam como crime.

- Exatamente. Você está falando dos esforços que fiz no sentido de recuperar os documentos em poder de Irene Adler, ao singular caso da Senhorita Mary Sutherland e à aventura com o homem do beiço torto. Bem, não duvido que este caso do chapéu se enquadre na mesma categoria de inocente. Você conhece o comissário Peterson?

- Sim. - Este troféu pertence a ele...

- É o chapéu dele?

- Não, não. Ele o encontrou. Não se sabe quem é o dono. Examine-o, não como um chapéu velho, mas como um problema intelectual. Mas, em primeiro lugar, deixe-me contar como isto chegou às minhas mãos. Chegou no dia de Natal, junto com um belo ganso gordo, que, a estas horas, sem dúvidas, está sendo preparado ao fogo, na casa de Peterson. Sãos estes os fatos: às quatro horas da manhã, mais ou menos, no dia de Natal, Peterson, um homem direito, como você sabe, estava de volta de uma festa, à caminho da sua casa, passando por Tottenham Court Road. À sua frente caminhava um homem de altura mediana, cambaleando sob a fraca luz dos lampiões de gás, levando às costas um ganso, devidamente abatido. Quando chegou à esquina de Goodge Street, ele foi atacado por um bando de vagabundos. Um deles derrubou o chapéu do homem e este, tentando se defender, levantou a bengala, que quebrou a vitrine da loja, atrás dele. Peterson correu para socorrer o homem, mas este, vendo um homem fardado dirigindo-se rapidamente na sua direção, temendo ser responsabilizado pelo dano à vitrine, largou o ganso para sair em disparada pelas vielas que ficam atrás de Tottenham Court Road. Também os vagabundos correram, fugindo de Peterson, que ficou sozinho no campo de batalha, de posse dos troféus da vitória, um chapéu velho e sujo e um ganso, um dos melhores que podia esperar receber no Natal.

- Que ele certamente restituiu ao dono...

- Meu caro, aqui está o problema. É verdade que havia um cartãozinho onde estava escrito "Para a Senhora Henry Baker" preso à perna esquerda do ganso, e é verdade também que as iniciais "H.B." podiam ainda ser lidas no forro do chapéu. Mas, como há milhares de pessoas com o nome Baker e várias centenas com o de Henry Baker, nesta cidade, não é fácil restituir, a qualquer um deles, uma coisa perdida...

- E o que foi que o Peterson fez?

- Ele me trouxe o chapéu e o ganso na manhã do dia de Natal, pois sabe do meu interesse pelos mais simples dos problemas. O ganso ficou guardado até hoje, mas apesar da geada, percebia-se que o ganso devia ser comido sem demora. Quem o achou tratou portanto de fazer e dar à ave o destino de todos os gansos, enquanto eu fico com o chapéu do cavalheiro que perdeu o seu jantar ou sua ceia de Natal.

- Ele não pôs um anúncio no jornal?

- Não.

- E que pista você poderá usar para identificar o homem?

- Somente a que pudermos descobrir.

- Do chapéu dele?

- Exatamente.

- Você está brincando. O que se pode extrair deste velho chapéu esfarrapado?

- Aqui está a lente. Você conhece meus métodos. Veja o que pode encontrar da individualidade de quem o usava!

Peguei o chapéu nas mãos, virando-o de um lado para o outro, meio contra a vontade. Era um chapéu preto comum, arredondado, bastante gasto. O forro de seda vermelha estava descorado. Nome de fabricante não havia, mas, como Holmes havia dito dava para ler as iniciais "H.B.". Havia um furo na aba, onde se prendia o elástico, mas dele só o sinal. Estava cortado, sujo, manchado em vários pontos, alguns descorados, e se tentara disfarçá-los com tinta preta.

- Nada de especial - disse lhe, devolvendo o chapéu.

- Ao contrário, Watson, ver você pode ver tudo. O que precisa é raciocinar. Você é muito tímido e tem medo de expor suas conclusões.

- Bem, então me diga o que se pode obter do exame deste chapéu...

Holmes pegou-o com aquele seu ar introspectivo tão peculiar.

- Sugere menos do que poderia, no entanto há algumas coisas bastante complexas e outras que parecem propiciar indícios; o homem é um intelectual, isso está bem claro; atualmente encontra-se em péssimas condições de vida, o que vem perdurando há uns três anos; antes disso levava a vida numa boa posição social. Fora um homem previdente, mas decaiu de lá para cá, o que indica um retrocesso moral, que, com as perdas de seu patrimônio, causada por algo pernicioso, como a bebida, talvez, e daí a razão da esposa deixar de cuidar dele e, inclusive, deixar de amá-lo.

- Meu caro Holmes!

- Ele ainda possui orgulho próprio - disse Holmes, sem se incomodar com a minha surpresa. - É homem de vida caseira, sai pouco, é de meia idade, tem cabelos grisalhos, cortados recentemente, e usa vaselina neles. Estes são os fatos que podemos deduzir da análise do chapéu. E ainda, é muito provável que não tenha gás em sua casa...

- Você certamente está brincando, Holmes!

- Absolutamente. Será possível que depois dos indícios que expus, você ainda não descobre mais nada?

- Sei que não sou nenhum retardado, mas devo confessar que não consigo acompanhá-lo. Por exemplo, como foi que deduziu que o nosso homem é um intelectual?

Para responder Holmes colocou o chapéu na própria cabeça, que escorregou pela testa, indo parar no nariz.

- É uma questão de capacidade cúbica - explicou ele - um homem de cabeça grande deve ter mais coisas dentro dela.

- E a perda do seu patrimônio?

- Este chapéu está sendo usado há três anos. Essa aba plana com a borda curva para cima começou a ser usada há cerca de três anos. É chapéu de ótima qualidade. Veja o forro bom e a fita de seda ao seu redor. Se ele pôde comprar há três anos e não comprou outro, certamente indica que os negócios não vão bem para ele.

- Realmente, parece que tens razão. E quando à ser previdente e à decadência moral?

Sherlock Homes riu.

- Aqui está, ser previdente, - disse colocando o dedo sobre o arrebite e o nó do elástico - nunca são vendidos com os chapéus, mas colocados depois, como precaução contra o vento, e a pedido do freguês. Depois o elástico arrebentou e ele não consertou, o que é um sinal de imprevidência. Por outro lado, percebe-se que ele tentou esconder as manchas que apareceram, passando tinta sobre elas, que indica um resquício de respeito pessoal.

- Bem, sem dúvida, é um raciocínio admissível.

- Os outros pontos notados, como que o homem é de meia idade, tem cabelos grisalhos cortados recentemente e que usa vaselina, resultaram de um exame simples do forro. Através das lentes vê-se os cabelos cortados pelo cabeleireiro que se grudam e têm cheiro de vaselina. Agora, o pó sobre ele, repare, não é arenoso como da rua, mas leve como o de dentro de casa, porque o chapéu fica dependurado quase o tempo todo e as marcas de umidade provam que o dono transpirava muito e, portanto, não estava em boa forma física.

- Mas, e a esposa, que não o ama mais, como você disse?

- Este chapéu não é escovado há tempo. Se eu visse você com o pó acumulado no chapéu, tendo sua esposa deixado-o sair nesse estado, pensaria logo que você estava perdendo o amor dela.

- Mas ele pode ser solteiro!

- Não senhor. Ele estava levando o ganso para casa como uma oferta de paz para a cara metade. Não se esqueça do cartão na perna da ave.

- Você tem resposta para tudo. Mas porque disse que não há gás na casa dele?

- Por causa de alguns pingos de vela aqui, veja. As pessoas estão acostumadas a subir as escadas com o chapéu numa das mãos e a vela na outra. Pelo menos, que eu saiba, não pingam gotas de vela das armações de gás. Satisfeito?

- É tudo muito engenhoso - respondi rindo - mas, desde que você garante que não há crime e nada de grave aconteceu, senão a perda de um ganso, não acha que está perdendo muita energia com as suas investigações?

Sherlock Holmes já tinha aberto a boca para responder quando nesse instante a porta se abre com violência e o comissário Peterson entra correndo, as faces coradas, com a expressão de quem está atordoado.

- O ganso, Sr. Holmes, o ganso... - exclamou ofegante.

- Hein? O ganso? O que houve com ele? Ressuscitou e voou pela janela da cozinha? - perguntou Holmes virando-se no sofá para ver de frente o homem assustado.

- Olhe isso. Veja o que minha mulher encontrou no papo do ganso!

Estendeu a mão entreaberta exibindo uma bela pedra azul cintilante, do tamanho de um bom grão de feijão, mas com um brilho intenso como se emanasse a luz.

Sherlock Holmes sentou-se, dando um assobio.

- Ora, Peterson, isto é um tesouro de grande valor! Espero que saiba o que tem aí!

- Um diamante, Sr. Holmes! Uma pedra preciosa. Ela corta o vidro como se ele fosse massa.

- É mais do que uma pedra preciosa. É a pedra preciosa!

- Não será o carbúnculo azul da Condessa de Morcar? - explodi.

- É exatamente. Devia conhecer o tamanho e a forma, uma vez que li os anúncios no The Times, todos estes dias. É a única na espécie e seu valor inestimável. A recompensa oferecida de 1.000 libras não é a vigésima parte do valor da peça.

- Mil libras! Deus do céu! - o comissário caiu na cadeira estupefato, olhando-nos, ora um ora outro..

- É a recompensa oferecida, e sei que há valores estimativos de ordem sentimentais em torno da pedra que levaram a condessa a oferecer a metade da sua fortuna para tê-la de volta - informou Holmes.

- Foi perdida, se não me engano, no Hotel Cosmopolitan - relatei.

- Isso mesmo - exclamou Holmes. - No dia 22 de dezembro, portanto, há cinco dias, John Horner, um encanador, foi acusado de ter tirado uma pedra do porta-jóias da Condessa de Morcar e a evidência foi tão forte, que o caso vai ser levado ao tribunal. Acho que guardei alguma coisa por aqui - procurou as datas nos jornais empilhados até que tirou um, alisou-o enquanto o dobrava e leu o parágrafo seguinte:

 

ROUBO DE JÓIAS NO HOTEL COSMOPOLITAN

John Horner, de 26 anos, encanador, foi acusado, no dia 22 do corrente, de ter subtraído do porta-jóias da Condessa de Morcar a gema conhecida como "Carbúnculo Azul". James Ryder, camareiro do andar superior do hotel, testemunhou, dizendo ter levado Horner ao quarto de vestir da condessa no dia do roubo para que ele soldasse a grade da lareira, que se achava solta. Permaneceu algum tempo no local e depois, sendo chamado, foi-se embora, deixando Horner sozinho. Ao voltar constatou que Horner havia se retirado, o cofre estava arrombado e o porta-jóias da condessa vazio, sobre a mesa. Ryder deu logo o alarme e Horner foi preso na tarde do mesmo dia, mas a pedra não foi encontrada, nem nos bolsos, nem no quarto do indiciado. Catarina de Cusack, a empregada pessoal da condessa, declarou ter ouvido o grito angustiado de Ryder, quando ele descobriu o furto, e entrara no quarto às pressas, tendo visto as coisas como descrito pela outra testemunha. O inspetor Bradstreet, da Divisão B, depôs como prendeu Horner, que lutou e protestou inocência em altos brados. Como havia mais uma acusação de furto contra o acusado, o magistrado se recusou a tratar do caso sumariamente e transferiu-o para o tribunal. Horner, que havia dado sinais de intensa emoção durante a apresentação, desmaiou no final e foi carregado para fora da sala.

 - Hum! Isto, quanto à polícia, - disse Holmes jogando o jornal para o lado - a questão para nós agora é estabelecer a seqüência dos fatos a partir do porta-jóias arrombado até o papo de um ganso em Tottenham Court Road. Você vê, Watson, nossas pequenas deduções assumiram de repente um aspecto mais importante e responsável. Aqui está a pedra, a mesma pedra que vem do ganso, do ganso que vem de Sir Henry Baker, o cavalheiro do chapéu velho e todas aquelas suposições com que aborreci você. Agora precisamos nos dedicar a procurar este senhor e descobrir o que ele representa neste mistério. Para isso, vamos começar experimentando o método mais simples de todos: um anúncio em todos os vespertinos. Se nada conseguir, usaremos outros métodos.

- Que vai dizer?

- Me dê um lápis e aquela tira de papel.

Achado na esquina de Goodge Street um ganso e um chapéu de feltro. O Sr.

Henry Baker pode obter tais objetos às 18:30 h, hoje, em Baker Street, 221B.

- Está claro e conciso, não?

- Muito bom, mas será que ele vai olhar os jornais?

- Bem, é lógico que ele vai olhar os jornais, pois foi uma grande perda.

Estava tão amedrontado devido à sua infelicidade com a vitrine e, em seguida, a aproximação de Peterson, que só se lembrou de fugir, mas depois deve ter-se arrependido do ato impulsivo de largar o ganso. E outra coisa, estamos expondo seu nome e seus amigos e mesmo conhecidos farão comentários e o questionarão. Oh! Peterson,você poderia ir à Agência de Anúncios e mandar colocar este nos jornais vespertinos.

- Qual deles, Sr.?

- Oh! no Globe, no Star, Pall Mall, St. James Gazette, Evening News, Standard, Echo e outros que venha a se lembrar.

- Muito bem, Sr. Holmes. E esta pedra?

- Ah! Sim, deixe-a comigo. Obrigado. E mais, Peterson, na volta compre outro ganso e deixe-o aqui comigo também, porque precisamos ter um à mão para entregar ao cavalheiro no lugar do que a sua família está comendo.

Quando o comissário saiu, Holmes pegou a pedra e olhou-a contra a luz.

- É uma coisa bonita, não? - perguntou. Veja como brilha e cintila.

Funciona como centro e objeto do crime. Toda jóia serve para isso. É a isca predileta do diabo. Nas pedras maiores, cada faceta pode representar um ato sangrento. Esta não tem 20 anos. Foi encontrada nas margens do rio Amoy, no sul da China, e é surpreendente que tenha as características do carbúnculo, diferente apenas pela cor azul, em vez de vermelha. Apesar de encontrada há poucos anos, tem uma história sinistra, com dois assassinatos, um envenenamento, um suicídio e furtos, tudo por causa deste grão, com peso de apenas quatro gramas, de carvão cristalizado. Quem poderia dizer que este brinquedo precederia enforcamento e prisão? Vou fechá-la na minha caixa forte agora, e escrever à condessa informando-a que a jóia está comigo.

- Você acha que esse homem, Horner, é inocente?

- Não posso dizer.

- Mas você pensa que o outro, Henry Baker, teve algo a ver com o caso, não é?

- Penso ser bem mais possível este Henry Baker ser inocente e não ter a mínima idéia de que a ave que ele carregava era mais valiosa do que o peso dela em ouro. Mas isto vou descobrir com um teste muito simples, com a resposta ao nosso anúncio.

- E não pode fazer mais nada por enquanto?

- Nada.

- Neste caso, continuarei a fazer as minhas visitas profissionais, mas voltarei à tarde, na hora que mencionou no anúncio, porque apreciaria ver resolvido esse caso complicado.

- Gostaria de vê-lo aqui. Janto às 19 horas. Há um pombo selvagem para comer, creio. Em vista dos recentes acontecimentos, devo pedir à Sra.

Hudson que examine o papo da ave.

 

 Me atrasei num cliente e havia passado das 18 horas quando cheguei de volta a Baker Street. Ao me aproximar da casa vi um homem alto, com boné escocês, o sobretudo abotoado até o pescoço, esperando abrirem a porta, no semicírculo da claridade da luz acima da porta. No momento em que cheguei a porta foi aberta e entramos juntos no apartamento de Holmes.

- Sr. Henry Baker, creio, - disse Holmes se levantando da sua poltrona, saudando o visitante com aquela jovialidade que tinha facilidade de assumir.

- Peço o obséquio de tomar esta cadeira perto do fogo, Sr. Baker. A noite está fria, e vejo que se adapta melhor com o clima de verão, em vez do de inverno. Ah! Watson, você chegou na hora. É aquele o seu chapéu, Sr.

Baker?

- Sim, senhor, sem dúvida é o meu chapéu.

Era um homem grande, de ombros curvos, cabeça enorme, rosto largo e olhar inteligente, de barba em ponta, cabelos grisalhos. O nariz e as faces estavam vermelhos e a sua mão tremia um pouco, o que me fez lembrar os prognósticos de Holmes a respeito dos hábitos do homem. A casaca abotoada seguia fechada até em cima, com a gola em pé. Seus pulsos magros apareciam nas mangas sem sinal dos punhos de camisa. Falava baixo, vacilante, escolhendo as palavras com cuidado, transmitindo a impressão de um homem preparado e letrado, sofrendo problemas financeiros.

- Guardamos estas coisas por alguns dias, - disse Holmes - porque esperávamos por um anúncio seu, dando o endereço. Não entendo porque não reclamou pelos jornais.

O visitante riu, um pouco envergonhado.

- Os xelins não têm chegado à mim ultimamente, - explicou. Acreditei que os vagabundos que me assaltaram haviam levado tanto o meu chapéu como o ganso, e não queria gastar mais dinheiro com o objetivo improvável de recuperá-los.

- Naturalmente. E sobre ela, a ave, fomos obrigados a comê-la.

- Comê-la? - nosso visitante fez como se fosse levantar-se, surpreso.

- Sim, ninguém teria proveito dela se não o fizéssemos. Mas creio que aquele outro ganso em cima do bufê, mais ou menos do mesmo tamanho, e bem fresco, servirá aos teus propósitos tão bem quanto o outro...

- Oh! Certamente - concordou o Sr. Baker, suspirando aliviado.

- Na verdade, ainda temos as penas, as pernas, o papo da sua ave, se ainda os quer...

O homem deu uma gargalhada.

- Talvez me servissem como lembranças da minha aventura - respondeu ele - porém além disso não posso ver para que servem os disjecta membra da minha antiga companheira. Não, senhor, penso que, com sua permissão, me darei toda atenção e cuidado à excelente ave que vejo ali.

Sherlock Holmes me lançou um olhar eloqüente, encolhendo os ombros.

- Ali está o seu chapéu, então, e a ave, - disse ele. - A propósito, o senhor se importa em nos dizer onde obteve o outro ganso? Eu mesmo compro as aves e raras vezes vi ganso mais perfeito.

- Sim, senhor, - disse Baker, que já se havia levantado e colocado a nova propriedade sob o braço. - Há uns poucos de nós que freqüentamos a Taberna Alfa, perto do Museu - estamos praticamente dentro do Museu durante o dia, compreende? Este ano o nosso hospedeiro, de nome Windgate, instituiu "O Clube do Ganso" pelo qual, entrando com alguns níqueis por semana, pudéssemos receber um ganso no Natal. Paguei os meus pences e o resto o senhor já sabe. Fico-lhe muito grato, senhor, eis que um boné escocês é impróprio para minha idade.

Com um gesto pomposo, fez uma vênia para nós dois e foi-se, solenemente.

- Acabou-se a participação do Sr. Baker - disse Holmes, depois de ter fechado a porta. - Está mais do que provado que ele não sabe nada do caso.

Está com fome, Watson?

- Não muito. - Então sugiro que do jantar façamos uma ceia, e seguimos a pista enquanto está quente.

- Certamente.

Era uma noite de muito frio e por isso vestimos as capas e enrolamos o cachecol no pescoço. Fora as estrelas brilhavam num céu sem nuvens, e o ar que respirávamos saía como fumaça das nossas bocas. Em quinze minutos já estávamos em Bloomsbury, na Taverna Alfa, que é uma pequena casa de bebidas na esquina de uma das ruas que descem para Holborn. Holmes empurrou a porta do bar e pediu dois copos de cerveja para o proprietário, com seu avental branco e o rosto vermelho.

- Sua cerveja deve ser excelente, se for apetitosa como seus gansos, - disse Holmes.

- Meus gansos! - o homem pareceu surpreso.

- Sim, não faz meia hora que estive conversando com o Sr. Henry Baker, que é membro do seu "Clube do Ganso".

- Ah! sim, agora entendo. Mas, veja o senhor, aqueles gansos não são nossos.

- Verdade? De quem são, então?

- Bem, eu encomendei duas dúzias a um vendedor na feira de Covent Garden.

- Mesmo? Conheço alguns deles. Qual deles foi?

- Breckinridge é o nome dele.

- Ah! Não o conheço. Bem, à sua saúde, senhor, e prosperidade para a sua casa. Boa noite.

- Agora vamos ao Sr. Breckingridge, - continuou Holmes, abotoando o sobretudo, quando saímos para o ar gelado. - Lembre-se, Watson, que apesar de se ter uma coisa tão doméstica, como um ganso, na ponta de uma corrente, temos na outra ponta um homem que pode receber uma pena de sete anos de prisão, a menos que seja comprovada a sua inocência. É possível até que nossas investigações venham a comprovar seu envolvimento, mas temos uma pista que nem a polícia tem. Vamos para o sul em marcha acelerada!

Assim atravessamos Holborn, descemos Endell Street e entramos pelos cortiços do mercado de Covent Garden. Uma das maiores bancas tinha o nome de Breckinridge e o proprietário, um homem rude, rosto afilado, suiças grossas, ajudava um jovem a fechar a banca.

- Boa noite. Está frio, hoje, - disse Holmes.

O negociante concordou com um aceno de cabeça, após um rápido olhar ao meu amigo.

- Pelo que vejo, vendeu todos os gansos hoje - continuou Holmes, apontando as mesas de mármore, vazias.

- Posso lhe vender quinhentos, amanhã.

- Não me serve.

- Bem, há alguns na banca junto ao lampião, ali.

- Ah! Mas me foi indicado para comprar do senhor.

- Por quem?

- O proprietário do "Alfa".

- Ah, sim, mandei-lhe duas duzias.

- Eram aves excelentes. De onde vieram?

Para surpresa minha, a esta pergunta o homem se irritou e levantou a voz:

- Ora, senhor! - empinou a cabeça colocando as mãos nos quadris. - O que é que o senhor quer saber? Fale logo, diretamente.

- Já disse, claramente. Gostaria de saber de quem comprou os gansos para o "Alfa".

- Não lhe conto, e pronto!

- Puxa! Não é assim de tão grande importância; mas não sei por que o senhor ficou tão zangado por uma coisa tão pequena.

- Zangado? Você ficaria zangado também se tivesse tanta amolação como eu.

Quando combinamos um negócio, entregamos a mercadoria com acerto de contas, aí deve ser o fim; porém a toda hora "Onde estão os gansos?" ou "A quem vendeu os gansos?" ou ainda "Quanto quer pelos gansos?" Temos que achar que são os únicos gansos no mundo, com tanta falação!

- Bem, mas eu não tenho nada a ver com as pessoas que lhe fizeram perguntas - disse Holmes, casualmente. - Se o senhor não quer dizer, desisto da aposta, é só isso. É que sempre aposto sobre minha própria opinião e apostaria que aqueles gansos foram criados no campo.

- Bem, então o senhor perdeu a aposta porque foram criados na cidade - bramiu o homem.

- Que nada!

- Eu digo que foram!

- Não acredito.

- Pretende saber mais de galináceos que eu que cuido deles desde a infância? Eu lhe digo que todas aquelas aves vendidas ao "Alfa" foram criadas na cidade.

- Você não vai me convencer disso.

- Aposta, então?

- Vou apenas receber o seu dinheiro, porque sei que tenho razão. Mas vá lá, uma libra, só para lhe ensinar a não ser tão teimoso. O vendedor deu risada.

- Traga aí os livros, Bill - ordenou ele.

O rapaz arrancou dois volumes, um fino e outro grosso, capas ensebadas, que se espremiam entre outros na prateleira, e os jogou sob a luz do lampião.

- Agora, Sr. Presunçoso, pensei que tivesse vendido todos os gansos, mas quando o senhor acabar de ler verá que temos um ainda. Vê este pequeno livro?

- Sim.

- Aquela é a lista de quem eu compro, está vendo? Bem, deste lado são criadores do campo e os números ao lado dos nomes, são as contas deles no livro grande. Agora. Vê esta página com tinta vermelha? Bem, estes são os nomes dos que eu compro na cidade. Veja o terceiro nome. Leia-o para mim!

- Senhora Oakshott, Brixton Road, 117-249 - leu Holmes.

- Muito bem. Agora abra o livro grande.

- Aí está, Senhora Oakshott, 117 Brixton Road, fornecedora de ovos e galináceos. - Agora, veja qual foi a última anotação. - Dezembro, 22.

Vinte e quatro gansos a 7 xelins e 6 pence cada.

- Muito bem. Está aí. E debaixo?

- Vendidos ao Sr. Wingate do "Alfa" a 12 xelins - E agora, o que mais tem a dizer?

Sherlock Holmes parecia muito aborrecido. Tirou uma libra do bolso e jogou-a sobre a mesa, saindo como um homem que nada tinha a contestar.

Alguns metros adiante ele parou sob o lampião, rindo para mim.

- Quando você vê um homem com aquelas suiças, pode ter certeza que ele vai aceitar uma aposta. Não duvido que se eu tivesse oferecido 100 libras ele não me teria dado as informações que eu precisava, mas, com a idéia de ganhar de mim, contou-nos mais do que precisávamos saber. Bem, Watson, penso que estamos terminando as nossas pesquisas, vamos hoje ou amanhã até a casa da Sra. Oakshott? Está claro que há outras pessoas interessadas nesse assunto, pelo que falou aquele mal-educado, e eu...

Parou de falar porque surgiu um tumulto na banca de onde havíamos saído.

Vimos um homem, com uma cara fina como de um rato, a reclamar para Breckinridge, enquanto este, da porta da sua banca o ameaçava de punhos fechados.

- Já chega de você e seus gansos, gritou Breckinridge. - O diabo que os carregue, venha outra vez com essa história e eu solto os cachorros em cima de você! Traga aqui a Senhora Oakshott e me entenderei com ela, mas o que você tem com isso? Comprei os gansos de você?

- Não, mas um deles era meu, mesmo - choramingou o homem.

- Então peça-o à Senhora Oakshott.

- Ela me mandou falar com você.

- Bem, você pode pedir ao rei da Prússia que não me incomodo. Já chega!

Saia daqui!

Chegou a correr atrás do homem, que sumiu na escuridão.

- Ah! Talvez este nos poupe uma viagem a Brixton Road - cochichou Holmes.

- Vamos ver o que podemos tirar daquele sujeito.

A passos largos, no meio da multidão, que ainda passeava pelas bancas, meu amigo logo alcançou o homenzinho e lhe tocou o ombro, que o fez voltar-se pálido, assustado, como percebi à luz de gás.

- Quem é você? O que quer de mim? - perguntou ele com a voz trêmula.

- Me desculpe - disse Holmes, brandamente - mas eu não pude deixar de ouvir o que aquele vendedor lhe disse. Acho que posso ajudá-lo.

- Você? Quem é você? Como pode saber qualquer coisa sobre o assunto?

- Meu nome é Sherlock Holmes e minha obrigação é saber o que os outros não sabem.

- Mas disto você não sabe nada.

- Desculpe-me, mas sei de tudo. Você está querendo localizar os gansos que foram vendidos pela Senhora Oakshott, de Brixton Road, para um vendedor chamado Breckinridge que, por sua vez, vendeu ao Sr. Windgate da "Alfa" e por este vendido aos membros do seu clube, do qual o Sr. Henry Baker é um deles.

- Oh! É justamente com o senhor que eu precisava me encontrar - disse o homenzinho com as mãos estendidas e os dedos trêmulos. - Nem posso dizer o grande interesse que tenho nesse negócio.

Sherlock Holmes chamou um carro que ia passando, informando:

- Neste caso é melhor discutir o assunto numa sala aquecida do que neste mercado frio. Diga-me, antes de mais nada, a quem tenho o prazer de ajudar?

Por um instante o homem hesitou:

- Meu nome é John Robinson - respondeu olhando-nos de soslaio.

- Não, não, o seu nome verdadeiro - disse Holmes, indulgente - sempre é mais difícil conversar com alguém pelo pseudônimo.

O rosto do questionado se cobriu de rubor.

- Bem, eis meu nome: James Ryder.

- Precisamente. O camareiro-mor do Hotel Cosmopolitan. Tenha a vontade de subir neste carro e eu logo lhe direi tudo o que o senhor deseja saber.

O homenzinho olhou com medo, alternando de um para o outro de nós, com os olhos semicerrados, parecendo querer prever se estava com sorte ou na beira de uma catástrofe. Mas pulou para dentro do carro e logo depois estávamos na sala de Baker Street. Nada se falou durante a viagem, mas a respiração ofegante e o contínuo e agitado mexer com suas mãos indicavam a tensão nervosa em que se encontrava.

- Cá estamos! - exclamou Holmes com alegria. - Um fogo é sempre agradável num tempo destes. Você está sentindo muito frio, Sr. Ryder, por obséquio, sente-se naquela cadeira de vime. Eu vou calçar meus chinelos antes de começarmos a tratar do assunto. Pronto! Você quer saber o que aconteceu àqueles gansos?

- Sim, senhor.

- Oh! Melhor, quer saber sobre aquele ganso. Imagino que era uma ave em que você estava interessado: branca, com uma lista preta através do rabo.

Ryder tremia de emoção:

- Oh, senhor, - gritou ele, - pode-me dizer para onde é que ele foi parar?

- Veio parar aqui.

- Aqui?

- Sim, era uma ave maravilhosa, não me admiro que você estivesse tão interessado nela, pois ela pôs um ovo depois de morta, o ovo mais bonito, brilhante e azul que jamais vi. Está aqui no meu museu.

Ao levantar-se acompanhando Holmes, cambaleou e apoiou-se na prateleira, ao seu lado. O cofre foi aberto e Holmes ergueu o carbúnculo, que brilhava qual uma estrela. Ryder ficou com o olhar parado, estonteado, sem saber se a reclamava, ali mesmo, ou se fingia não reconhecê-la.

- Não adianta, Ryder, acabou-se a farsa, sente-se ou você vai cair no fogo da lareira. Ajude-o a sentar-se de novo, Watson. Não tem sangue suficiente para enfrentar a prisão. Dê-lhe umas gotas de conhaque. Isso, agora parece mais vivo. Na verdade é praticamente um pigmeu!

O homenzinho, olhava amedrontado para o seu acusador.

- Tenho todos os elos e provas que posso precisar e portanto não há mais quase nada que possa me contar, que eu não saiba. Contudo, esse quase nada é bom me passar para que eu possa encerrar o caso. Você sabia, desta pedra azul da Condessa de Morcar?

- Foi Catarina Cusack quem me falou dela - disse ele com voz estridente.

- Hum, sim. A aia da condessa. Bem, a tentação de ficar com riquezas obtidas com facilidade foi demais para você e tem sido assim inclusive para homens melhores do que você. Mas não teve o menor remorso no modo de obtê-la. Para mim você tem tudo para se tornar um ladrão dos mais pífios.

Você sabia que aquele moço, Horner, o encanador, tinha um delito qualquer no seu passado e que a suspeita cairia sobre ele. Que fez então? Você e sua aliada, Cusack, preparam uma armadilha nos aposentos da madame para que ele fosse chamado e ficasse sozinho lá. Então, quando ele já tinha saído você forçou o porta-jóias e depois vocês fizeram os depoimentos que comprometeu o seu colega. Então...

Ryder jogou-se no tapete e agarrou os joelhos do meu amigo.

- Pelo amor de Deus, tenha dó! - implorou ele. - Pense no meu pobre pai!

Na minha mãe! Partiria o coração deles. Nunca fiz isso antes! E não vou fazer nunca mais! Juro sobre a Bíblia. Oh! Não me deixe ir ao tribunal.

Por amor de Cristo, não!

- Sente-se na cadeira! - ordenou Holmes, severo. - Muito bem, você com a sua baixeza não pensou no seu colega, o pobre Horner, que está preso por um crime que nem sonhou em fazer.

- Irei embora, Senhor Holmes, sairei do país e assim a acusação sobre ele ficará nula.

- Hum, falaremos sobre isso depois. Vamos agora ouvir você contar toda a verdade. Como aconteceu que a pedra estava no papo do ganso e como foi que o ganso chegou ao mercado? Diga a verdade porque aí está a sua chance de escapar do castigo.

Ryder molhou com a língua os lábios secos.

- Eu vou contar exatamente como aconteceu, senhor - disse ele. - Depois que Horner foi preso, me pareceu melhor dar um sumiço na gema antes que a polícia pensasse em dar uma busca nos meus aposentos. Não havia lugar seguro no hotel, então saí como se fosse cumprir ordens e fui até a casa da minha irmã. Ela é casada com um homem chamado Oakshott e mora em Brixton Road, onde engorda galináceos para o mercado. Cada homem que eu encontrava na rua me parecia um policial ou umdetetive e, apesar de ser noite de frio intenso, eu suava fartamente antes de chegar a Brixton Road.

Minha irmã até perguntou o que eu tinha, porque estava muito pálido e eu lhe disse que estava preocupado com o roubo da jóia no hotel. Depois fui ao quintal, fumar cachimbo e planejar o que fazer.

Ajeitou-se na cadeira e continuou:

- Há tempos tive um amigo que saiu do caminho certo e recebeu pena de cumprir sua sentença na penitenciária de Pentoville, há pouco tempo. Um dia em que nos encontramos me havia contado como os ladrões escondiam mercadorias roubadas. Estava inclinado a procurá-lo para que me ajudasse naquele mister. Encostado no muro eu olhava os gansos que me rodeavam e me veio a idéia para despistar o melhor detetive que desconfiasse de mim.

Interrompeu-se novamente para melhor se acomodar e molhar os lábios:

- Minha irmã tinha me prometido, há algumas semanas, que me daria um ganso dos melhores para o Natal e eu sabia que a oferta era para valer. Então pensei em pegar o meu ganso ali mesmo, enfiar no papo dele a pedra e levá-lo para a casa de Maudsley, meu amigo, em Kilburn. Havia um pequeno alpendre no quintal e para trás dele enxotei um dos gansos, um branco, grande, com uma lista preta no rabo. Agarrei-o e, abrindo o seu bico, enfiei a pedra o mais fundo que pude para chegar ao papo. A ave bateu as asas para se libertar e lá veio a minha irmã para saber o que havia e eu, nervoso, deixei escapar o ganso que foi para o meio dos outros. - "O que é que você estava fazendo com aquela ave, Jim?"- perguntou-me ela. - "Bem,"- respondi. - "Você mesma disse que me daria uma para o Natal e eu estava apalpando-a para ver qual era a mais gorda". - "Ah!"- exclamou ela - "nós já escolhemos uma para você. É aquele branco ali. Há vinte e seis deles, dentre os quais sairá um para você, um para nós e duas dúzias para o mercado." - "Obrigado, Maggie"- disse eu - "mas eu prefiro aquela que eu peguei agora mesmo". - "Mas a outra tem mais de três quilos" - disse ela - "e a engordamos especialmente para você". - "Não faz mal, quero a outra, vou levá-la hoje". - "Oh! Muito bem, mate-a e leve-a". Bem, fiz então o que ela disse, Sr. Holmes, e levei a ave para Kilburn. Contei ao meu amigo o que tinha feito, somos muito amigos, e ele riu bastante. Depois pegamos uma faca e abrimos o ganso. Meu coração parou de bater, não havia gema nenhuma e percebi logo que eu havia me enganado. Deixei a ave e corri de volta para a casa da minha irmã e fui direto para o quintal. Não havia mais nenhuma ali. E perguntei à Maggie onde estavam os gansos e ela me disse que enviara para o vendedor, Breckinridge de Covent Garden. Ainda perguntei se haviam duas aves com lista no rabo e ela confirmou, acrescentando que nunca conseguira distinguir uma da outra. Bem, então percebi tudo e como um doido corri até a banca de venda desse Breckinridge. Mas ele já tinha vendido todas e de forma nenhuma quis me dizer para quem havia vendido. Os senhores mesmos o ouviram. Minha irmã está achando que estou ficando louco, e às vezes acho que ela tem razão. E agora, que sou ladrão marcado, sem ter conseguido a riqueza pela qual perdi meu caráter, Deus que me ajude! Deus me ajude!

E ele chorou convulsivamente, com o rosto nas mãos. Houve um grande silêncio, quebrado apenas pelo tamborilar dos dedos de Sherlock Holmes sobre a mesa. Então meu amigo levantou-se e abriu a porta.

- Saia! - ordenou ele.

- Como, senhor! Oh! Deus o abençoe!

- Nenhuma palavra mais e saia já daqui!

E não foi preciso dizer mais nada. Ouviu-se uma correria e um esparramo na escada, um bater de porta e o som da corrida na rua.

- Afinal de contas, Watson, - disse Holmes, pegando o seu cachimbo, - eu não sou empregado da polícia para suprir suas deficiências. Se Horner estivesse em perigo, seria diferente, mas este camarada não dará testemunho contra ele e o caso será encerrado. Estou cometendo um crime em deixá-lo ir, mas estou lhe salvando a alma. Ele não fará outra. Está apavorado. Mande-o para as grades e você fará dele um prisioneiro para o resto da vida.

Encheu o peito com um suspiro:

- Além disso, estamos na ocasião de perdoar. O acaso pôs em nosso caminho um problema e a sua solução é a nossa recompensa. Se você quiser ter a bondade de tocar a campainha, doutor, começaremos outra investigação em que uma ave também será a principal personagem.

 

                                                                                 Arthur Conan Doyle

 

 

                      

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