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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O CASAMENTO DE MANCHESTER / Elizabeth Gaskell
O CASAMENTO DE MANCHESTER / Elizabeth Gaskell

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

Biblio VT

 

 

 

 

Natal de 1858.
O Senhor e a Senhora Openshaw vieram de Manchester para se estabelecerem em Londres.
Ele era, como é chamado em Lancashire, um vendedor de uma grande empresa de manufatura, que estava ampliando seus negócios e abrindo um armazém na cidade, onde o Senhor Openshaw estava agora para administrar seus interesses.
O Senhor Openshaw gostou bastante da mudança, pois, ele tinha uma espécie de curiosidade sobre Londres, entretanto, ele nunca conseguiu tempo hábil para satisfazer estas curiosidades durante suas breves visitas à metrópole.
Ele sentia um estranho e astuto desprezo pelos habitantes, porque sempre os imaginou como pessoas boas, no entanto, preguiçosas, que só se importava com a moda e a aristocracia e passava os dias na Rua Bond e em outros lugares, arruinando o bom inglês. Sendo assim, ele estava pronto para desprezar essas pessoas, como o habitual.
As horas que os homens de negócios mantinham na cidade, o escandalizavam também. Ele estava acostumado com o povo de Manchester e seus jantares no começo da noite e consequentemente, as noites se tornavam mais longas.
Ainda assim, ele estava satisfeito em ir para Londres, embora, não confessasse de modo nenhum, nem mesmo para si.

 


 


Ele sempre falava sobre seus passos aos amigos, como se isso fosse uma exigência semelhante aos empregadores, e se vangloriava do adocicado aumento considerável de salário.

Seu salário, de fato, foi tão generoso que ele conseguiu comprar uma casa maior que aquela que morava.

Ele se obrigava a dar um exemplo aos londrinos, de como um humilde homem de negócios de Manchester se importava com a sua condição.

O interior da casa fornecia uma mobília com um grau incomum de conforto e, no inverno, ele insistia em manter grandes fogueiras, que as lareiras permitiam fazer, em todas as salas, mesmo que a temperatura estivesse menos fria.

Além disso, seu senso Norte de hospitalidade era tal que, se ele estivesse em casa, dificilmente um visitante deixaria a casa sem levar consigo um pedaço de carne e alguma bebida.

Todo criado da casa tinha seu quarto aquecido, boa comida, sendo tratado gentilmente, pois, seu dono desprezava qualquer economia ao conforto, enquanto ele se divertia seguindo todos os seus hábitos e rotinas comuns, desafiando o que os vizinhos pudesse pensar.

Sua esposa era uma mulher bonita, gentil, de idade e caráter adequados.

Ele tinha quarenta e dois anos, ela, trinta e cinco.

Ele era barulhento e decidido, ela, calma e dedicada.

Eles tinham dois filhos, ou melhor, devo dizer, ela teve dois:

A mais velha, uma menina de onze anos, era filha da Senhora Openshaw com Frank Wilson, seu primeiro marido. O mais novo era um garotinho, Edwin, que podia apenas tagarelar, e a quem seu pai se deleitava em falar no mais amplo e ininteligível dialeto Lancashire, desejando manter o que ele chamava de “verdadeiro sotaque saxônico”.

O nome cristão da Senhora Openshaw era Alice, e seu primo foi seu primeiro marido. Alice era sobrinha órfã de um capitão da marinha em Liverpool. A jovem era uma criaturinha quieta e séria, de grande encanto pessoal em meados dos seus quinze ou dezesseis anos, com características regulares e uma tez florida, entretanto, muito tímida, acreditando ser muito estúpida e desajeitada, era frequentemente repreendida por sua tia, a segunda esposa de seu tio.

Assim, quando seu primo, Frank Wilson voltou para casa, após uma longa ausência no mar, primeiro, ele foi gentil e protetor para com ela, segundo, atencioso, e, por fim, desesperadamente apaixonado, e deste modo, ela mal sabia como ser grata por seu carinho. E, verdadeiramente, ela preferia que ele permanecesse na primeira ou segunda etapa daquele comportamento, visto como, seu amor intenso a intrigou e assustou.

Seu tio não ajudou nem atrapalhou o caso de amor, apesar de que este se desenrolasse sob seus olhos descuidados.

A madrasta de Frank tinha um temperamento tão variável, que não havia como saber se o que ela gostava em um dia, ela gostaria no dia seguinte.

Por fim, a tia foi a tais extremos de irritação, que Alice fechou seus olhos e correu cegamente para agarrar a chance de escapar da tirania doméstica da mulher, aceitando o casamento com o primo, e, gostando dele mais que qualquer outra coisa no mundo, exceto seu tio, que estava nesse momento no mar, ela partiu em uma manhã e se casou com o rapaz, tendo como sua única testemunha e dama de honra, a empregada de sua tia.

A consequência disso foi que Frank e Alice foram para uma pensão humilde, e a Senhora Wilson se recusou a recebê-los, rejeitando Norah, a calorosa empregada doméstica, por ajudar o casal no tal casamento, fadado à desgraça.

Quando o capitão Wilson voltou de sua viagem, ele foi cordial com o jovem casal, e passou muitas noites na pensão com eles, fumando seu cachimbo e bebendo seu grogue[1].

Ele disse, por uma questão de tranquilidade conjugal, que não podia convidá-los para viver sua casa, porque sua esposa estava zangada com eles, ainda. Eles não estavam, no entanto, muito descontentes com isso.

A semente da infelicidade futura estava na disposição arrebatadora e apaixonada de Frank, o que o levou a se magoar devido à timidez, a falta de expressão de carinho, e a falha no dever conjugal de sua esposa.

Ele estava atormentado, e a ela também, em menor grau, pela ansiedade em imaginar o que aconteceria com ela, durante sua próxima ausência, quando ele partisse para mais uma missão em alto mar.

Por fim, ele foi até seu pai, insistindo para que Alice fosse novamente recebida sob seu teto, porque ela ficaria sozinha enquanto ele viajava.

O Capitão Wilson estava, como ele mesmo expressou, “quebrado”, e não estava disposto a se submeter às emoções envoltas naquele pedido, e o fato de voltar a lidar com a fúria da esposa, caso cedesse. No entanto, ele sentiu que seu filho dizia a verdade.

Desde modo, ele tentou convencer a esposa em aceitar Alice de volta.

Antes que Frank partisse, ele teve o alívio de ver a sua esposa instalada no velho sótão, na casa de seu pai, porque coloca-la no melhor quarto de hóspedes, era um passo além dos poderes de submissão ou generosidade da Senhora Wilson.

A pior parte disso foi que a fiel Norah teve que ser dispensada, uma vez que não havia lugar para ela na casa da Senhora Wilson, porque o seu lugar como empregada doméstica fora ocupado, e certamente, mesmo que não fosse, ela perdera para sempre o respeito que a Senhora Wilson depositava nela.

Norah consolou sua jovem patroa com agradáveis profecias, que eles teriam uma casa própria em um futuro não distante, da qual, qualquer que fosse o serviço que ela pudesse prestar, ela esperava o chamado de Alice.

Uma das últimas ações que Frank fez antes de zarpar, foi levar Alice para ver Norah mais uma vez, na casa de sua mãe, e então, ele foi embora.

O sogro de Alice ficara cada vez mais fraco com o avanço do inverno. Ela era de grande utilidade para sua madrasta nos cuidados de enfermagem e o divertia com seu sorriso franco e palavras acolhedoras, e, embora houvesse ansiedade suficiente na casa, existia, quem sabe, mais paz naquele momento que anos atrás, pois, a Senhora Wilson não tinha um coração ruim, apenas precisava de estímulos para suavizar seu coração tão amargo.

Seu coração fora tocado pela visível aproximação da morte de alguém que ela amava, e, da condição solitária da jovem Alice, deprimida pela ausência de seu marido, esperando seu retorno em uma angústia interminável.

Este estado de ânimo em ceder um pouco, Norah teve a permissão para ir até à casa dos Wilsons, cuidar de Alice, quando seu bebê nasceu, e permaneceu para cuidar do Capitão Wilson.

Antes de receber uma carta de Frank, que tinha navegado para as Índias Orientais e a China, seu pai morreu.

Alice aliviava seus pensamentos quando lembrava que o Capitão Wilson segurara o bebê em seus braços, o beijando e o abençoando, antes de sua morte.

Depois disso, examinando seu testamento, descobriu-se que ele deixara menos propriedades do que as pessoas foram levadas a acreditar por seu estilo de vida, e que o dinheiro que havia, passaria para a sua esposa.

Isto não significava muito para Alice, já que Frank era agora o Primeiro Imediato[2] do navio e, em uma ou duas viagens, seria capitão. Enquanto isso, ele deixara mais de duzentas libras, o que totalizava todas as suas economias, no banco, para algum momento de emergência.

Quando chegou a hora de Alice ter notícias de seu marido, ela ficou apreensiva, uma vez que, em uma carta, ele mencionava que estava chegando à Índia.

As semanas passaram e nenhuma informação de que o navio chegara lá pousara nas mãos de Alice, e seus temores se tornaram mais opressivos.

Até a Senhora Wilson ficou preocupada. Alice percebia que a viúva do Capitão Wilson segurava um semblante angustiado e isso a preocupou ainda mais.

Chegou o dia que, em resposta ao seu pedido no escritório de navegação sobre o paradeiro do marido, eles disseram que perderam a esperança em ter notícias do navio e enviaram uma reivindicação sobre o que ocorrera para as autoridades competentes.

Seu marido sumira para sempre, e foi assim que ela sentiu pela primeira vez um anseio, amor ardente pelo bom primo, o querido amigo, o protetor solidário, que agora estava morto.

Primeiro, sentiu um desejo exaltado de lhe mostrar a sua filha, agora seu único bem. Sua dor era, no entanto, silenciosa, ao contrário do escândalo que a Senhora Wilson fazia.

A Senhora Wilson chorava pelo seu enteado como se ele e ela sempre vivessem em perfeita harmonia, e que evidentemente entendia que era o seu dever jorrar lágrimas frescas sempre que se deparasse com um rosto estranho se aproximando.

Ela não se cansava de mencionar a condição de desolação da pobre viúva e no desamparo da filha órfã do enteado, muitas vezes, expressando isso como se gostasse da emoção em contar a triste história, incansavelmente.

Assim, passaram os primeiros dias da viuvez de Alice, e, gradualmente, sua vida voltou à rotina. Mas, como se a jovem criatura estivesse sempre envolvida em grandes apuros, sua bebezinha começou a ficar aflita e doente.

A misteriosa doença da criança acabou se revelando como um problema na coluna vertebral, susceptível de afetar a saúde, mas não de encurtar a vida, pelo menos, assim disseram os médicos.

Alice sustentou o seu longo e sombrio sofrimento em silêncio. Somente Norah percebeu o que Alice suportava.

Ninguém, além de Deus, sabia de sua dor.

Foi assim que a Senhora Wilson se aproximou dela, em um dia que a Senhora Wilson estava envolta em uma violenta agonia, ocasionada por uma diminuição no valor da propriedade que seu marido lhe deixara, e tal redução fazia com que sua renda quase não chegasse a suprir as suas necessidades para conseguir se sustentar, muito menos, Alice.

A pobre Alice não podia entender como algo que não tocasse a saúde ou a vida, causaria tal sofrimento e amargura, e ela recebeu a notícia com repulsa, pensando ser egoísmo da Senhora Wilson.

Quando, naquela tarde, a Senhora Wilson começou a explicar sobre suas perdas, dizendo como ela planejara consultar este ou aquele médico, e dar para a pequena criança este ou aquele conforto, e um pouco de luxo posteriormente, porém, todas as chances disso acontecer estavam nulas naquele instante, o coração da Alice foi tocado e ela se aproximou da Senhora Wilson com carinho.

A mulher de coração duro não fez desfeita, e suplicou que não importava o que acontecesse, a família devia permanecer unida.

Depois de muitas conversas nos dias seguintes, foi tratado que a Senhora Wilson compraria uma casa em Manchester, mobilhando-a, em parte, com os móveis que ela tinha, e o resto, Alice ajudaria a comprar com as duzentas libras que seu falecido marido deixara no banco.

A Senhora Wilson era de Manchester, e, naturalmente ansiava retornar à sua cidade natal e reatar algumas conexões que deixara quando partira com o Capitão Wilson.

Elas encontraram uma boa casa pelo valor que podiam pagar e criaram uma pousada, alugando quartos para pessoas sem muitas libras nos bolsos.

Alice ficou a cargo do cuidado da casa, Norah, a sempre disposta e fiel Norah, ofereceu-se para cozinhar, limpar e fazer qualquer coisa, para que ela pudesse apenas permanecer com a família Wilson.

O plano foi bem-sucedido.

Por alguns anos, seus primeiros hóspedes permaneceram fiéis em seus pagamentos e tudo correu bem, porém, com aquela triste exceção da deformidade crescente da garotinha.

Ah! Como Alice amava aquela criança, não cabia às palavras dizer!

Depois, veio o infortúnio...

Seus inquilinos partiram e nenhum hóspede novo surgiu.

Depois de alguns meses, tornou-se necessário mudar para uma casa menor, e a gentil consciência de Alice foi dilacerada pela ideia de que ela não seria um fardo para a sua sogra carregar, e que devia sair e buscar sua própria manutenção, mas para isso, ela deveria deixar a sua filha! O pensamento veio como o estrondo de um sino fúnebre, sobre seu coração.

Por vezes, o Senhor Openshaw usava a casa da Senhora Wilson para hospedar-se. Ele começara sua vida de empreendedor ainda jovem, trabalhando como um moço de recados e varredor de um armazém, depois, tentado todos os níveis de emprego possíveis para manter uma vida descente em Manchester, lutando com força e energia de caráter.

Ele usava cada momento de tempo livre para estudar e se aprimorar, um bom exemplo de autodidata. Ele era um contador de capital, um bom estudioso de francês e alemão, um negociante perspicaz e comerciante visionário. Ele também compreendia os mercados e o impacto dos acontecimentos, tanto próximos, como distantes dele e, ainda, sustentava boa atenção para apresentar detalhes sobre os fatos.

Creio que ele nunca viu um ramalhete de flores-do-campo sem pensar se a sua cor iria ou não, formar contrastes harmoniosos nas próximas estampas primaveris postas sobre as musselinas[3].

Ele se apresentou em sociedades literárias e de debates, e se lançou de coração e alma na política.

Deve-se reconhecer que ele conseguia diferenciar um homem tolo de um patife, e derrubando seus oponentes mais pela força barulhenta de sua linguagem que pela força calma de sua lógica.

Havia algo do ianque[4] em tudo isso. De fato, sua teoria era paralela ao famoso lema ianque:

“A Inglaterra açoita a criação, e Manchester açoita a Inglaterra!”

Um homem assim, como se pode imaginar, não tinha tempo para se apaixonar, ou qualquer bobagem desse tipo.

Na idade em que os homens jovens passam pela corte de belas jovens e pelo matrimônio, ele não tinha meios de manter uma esposa e era prático demais para pensar em ter uma. E, como estava ele em circunstâncias favoráveis para a sua ascensão, ele considerava as mulheres quase como um ônus para o mundo, e que devia ter o mínimo possível de contato com elas.

Sua primeira impressão de Alice foi nebulosa, e ele não se importava o suficiente com ela para 1orna-la importante em sua vida.

“Uma mulher bonita, sim... Mas, não!”

Seria essa a sua descrição sobre ela, porque ele estava com muito medo do jeito calmo dela ser de uma indiferença e preguiça de caráter, o que seria extremamente discordante com sua natureza ativa e enérgica.

Entretanto, ele começou a pensar sobre ela, quando ele descobriu a pontualidade com que seus desejos eram atendidos por Alice, bem como o despertara de manhã, com suaves toques em sua porta, no momento exato das batidas dos ponteiros do relógio, assim como a sua água de barbear escaldante estava posta em sua frente, e a lareira em sua chama brilhante, e, também, quando o seu café estava exatamente como a sua peculiar vontade ditava, pois, ele era um homem que apresentava sua teoria sobre tudo, baseado no que ele sabia sobre ciência.

Não que Alice tivesse algum mérito em particular, porque ele não queria admitir isso.

Para dissipar a sua inquietação, ele começou a considerar que devia se hospedar em outra pousada, decidido a esquecer a bobagem do sentimento que o aborrecia.

O Senhor Openshaw estivera muito ocupado em todos os seus dias, para ser introspectivo. Ele não sabia haver ternura em sua natureza, e se ele percebesse a existência abstrata dessa tal ternura, ele a consideraria como uma manifestação de alguma doença em uma determinada parte dele.

Contudo, inesperadamente, ele foi induzido à piedade, e a piedade o levou à ternura. Porque aquela pequena criança indefesa tomou a atenção do Senhor Openshaw, quando era carregada por uma das três mulheres da casa, ou, pacientemente ela ficava jogando bolinhas coloridas, sentada na cadeira, sem nenhuma capacidade e força, para se mover.

Ele observou os grandes olhos azuis, cheios de expressão séria não desatenta, que dava ao pequeno rosto delicado, um olhar além de seus anos, com a voz suave e poucas palavras, ao contrário da contínua tagarelice de uma criança da sua idade deveria, por certo, ter.

Um dia, ele desprezou a sua hora de almoço para ir à busca de algum brinquedo para a pequena menina. Ele estava cansado de observar a menina brincando com aquelas bolinhas eternamente.

Esqueci o que ele comprou para a menina, mas, quando ele deu o presente, que ele teve o cuidado de fazer de maneira breve e brusca, e evidentemente, quando ninguém estava por perto para vê-lo oferecer o brinquedo, ele quase se emocionou com o clarão de encanto que pairou sobre o rosto daquela criança, e ele não pôde esquecer, durante toda aquela tarde, a imagem deixada em sua memória, que surgia e ressurgia, pelo efeito brilhante de uma alegria repentina no rosto da menina.

Após um tempo longe da pousada da Senhora Wilson, ele retornou e encontrou seus chinelos colocados perto da lareira da sala de estar.

Depois que Alice retirou a xícara com o resto do seu chá, e em silêncio como de costume, ela parou por um instante segurando a maçaneta da porta. O Senhor Openshaw parecia estar mergulhado em seu livro, embora, na verdade, não leu uma linha do que estava escrito, mas fazia isso porque desejava sinceramente que a mulher fosse embora e não fizesse nenhum discurso de gratidão. No entanto, ela disse:

— Estou muito agradecida, senhor! Muito obrigada!

Ela se foi, mesmo antes dele falar:

— Está bem, minha boa senhora! Já chega!

Por mais algum tempo, ele não deu nenhuma atenção aparente à criança. Ele até endureceu seu coração para desconsiderar seu súbito rubor de cor e seu pequeno sorriso tímido de reconhecimento, quando a viu por acaso.

Contudo, isto não podia durar para sempre, e, apresentando uma segunda chance à ternura, não houve recidiva.

O inimigo insidioso, tendo assim entrado em seu coração, com o pretexto de compaixão pela criança, logo assumiu a contorno mais perigoso de interesse pela mãe da pequena menina.

Ele estava ciente dessa mudança de sentimento, e tentava desprezar, lutando bravamente contra isso. Não cedeu, mas internamente se rendeu e acarinhou este sentimento, muito antes de expressar por palavra, ação ou olhares para Alice.

Ele observava os modos dóceis e obedientes de Alice para com sua madrasta, o amor que ela inspirara na sofrida Norah, pelo desgaste dos anos, mas, primeiro, ele analisava o afeto apaixonado, profundo e intenso que existia entre ela e sua filha.

Alice e a filha falavam pouco com os hóspedes, ou quando alguém estava por perto. Porém, quando estavam sozinhas, elas conversavam, murmuravam, cantarolavam, e tagarelavam tão continuamente, que o Senhor Openshaw se perguntava o que elas encontravam de tão interessante para dizer uma para a outra, e em seguida, ele se irritava, porque elas estavam sempre tão quietas diante dele.

Durante esse tempo, ele estava perpetuamente planejando pequenas novas distrações para a criança.

Seus pensamentos corriam, de forma perturbadora, sobre a vida desolada que a precedia, e, muitas vezes ele voltava do dia de trabalho carregado com a mesma coisa que Alice ansiava, mas não fora capaz de obter.

Uma vez, ele trouxe uma cadeirinha com rodas para puxar a pequena sofredora pelas ruas, e assim, dar pequenos passeios nas muitas noites daquele verão.

O Senhor Openshaw empurrou a cadeirinha com a pequena menina, independentemente das observações de seus conhecidos sobre seu ato.

Um dia, no outono, ele largou o jornal, quando Alice entrou com o café da manhã, e ele disse, com a voz mais indiferente que pôde supor:

— Senhora Frank, há alguma razão para que nós dois não possamos estar juntos?

Todos os hóspedes a chamavam cordialmente pelo nome do falecido marido, mesmo que Alice desejasse ser chamada por seu nome, assim, enterrando a dor de sua viuvez.

Alice ficou parada em perplexidade maravilhada.

O que ele queria dizer com aquilo?

Ele retornou a leitura de seu jornal, como se não esperasse nenhuma resposta, assim, ela encontrou o silêncio como uma saída segura, e continuou organizando calmamente o café da manhã dele, sem que outra palavra passasse entre suas bocas.

Assim que ele estava saindo de casa para ir ao armazém como de costume, ele voltou seus olhos para trás e colocou a cabeça na porta da cozinha iluminada e arrumada, onde as mulheres se reuniam no café da manhã:

— Você vai pensar no que eu disse, Senhora Frank? Deixe-me saber a sua opinião sobre isso, hoje, à noite!

Alice ficou grata por sua madrasta e Norah estarem muito ocupadas conversando sobre a rotina dos afazeres e não deram muita importância para o discurso do Senhor Openshaw.

Ela decidiu não pensar no assunto durante todo o dia, e, é claro, o esforço em não pensar a fez raciocinar ainda mais.

À noite, ela não levou o chá como de praxe, e deu a missão para Norah. Entretanto, o Senhor Openshaw quase derrubou Norah, quando ela estava saindo pela porta, empurrando-a para fora e chamando:

— Senhora Frank!

Alice subiu ao seu chamada.

— Bem! Senhora Frank... — continuou ele com a voz ansiosa. — Qual a sua resposta? Não demore muito, pois, tenho muito trabalho para concluir nesta noite!

— Mal sei o que o senhor quis me dizer! — expressou a sincera Alice.

— Bem! Eu devia pensar que você adivinharia o que eu esperava dizer. Você já foi casada, eu não. No entanto, desta vez, vou deixar bem clara as minhas palavras. Você quer que eu seja seu marido, e isso significa que me sirva, me ame, me honre e todo o resto? Porque, se você quiser, farei o mesmo por você, e serei um pai para a sua filha, e isso é mais do que está escrito no livro de orações. Afirmo, sou um homem de palavra. O que digo, sinto, e prometo, assim farei! Agora, preciso de sua resposta!

Alice ficou em silêncio.

Ele começou a beber o chá, como se a resposta fosse sem importância para ele, mas, com a demora em responder, ele ficou impaciente.

— Bem... — ponderou.

— Senhor! Quanto tempo posso ter para pensar sobre a sua proposta? — perguntou Alice.

— Dou-te três minutos! — ele olhou para o seu relógio. — Você já teve dois minutos, então, isso te dá cinco minutos no total. Seja uma mulher sensata, diga SIM, e sente-se para tomar chá comigo, e conversaremos um pouco sobre o nosso relacionamento, já que, depois do chá, estarei ocupado com minhas tarefas para finalizar. Mas, se falar Não... — ele hesitou por um momento para tentar manter a voz no mesmo tom e continuou. — Não direi mais nada sobre o assunto. Que fique claro! Então, pagarei o aluguel de um ano pelo meu quarto, amanhã e, partirei. Acabou o tempo, Alice! Sua resposta é sim ou não?

— Por favor, senhor! Você é tão bom para a pequena Ailsie!

— Entendi a sua resposta superficial! Sente-se confortavelmente ao meu lado no sofá, e vamos tomar nosso chá, juntos! Fico feliz em saber que você é tão boa e sensata, quanto pensei que você fosse.

Este foi o segundo cortejo de Alice Wilson.

A vontade do Senhor Openshaw em acelerar o processo era muito forte diante das circunstâncias em torno da pequena menina.

Ele acomodou a Senhora Wilson em uma confortável casa e assim, a tornou bastante independente dos inquilinos.

O pouco que Alice disse em relação aos planos, foi em nome da Norah.

— Não! — afirmou o Senhor Openshaw. — Norah cuidará da Senhora Wilson enquanto ela viver, e, depois disso, ela viverá conosco, ou, se ela assim desejar, nós podemos manter Norah na pousada e a cuidaremos, para o seu bem. Ninguém que fora bom para você ou para a criança, ficará sem recompensa. Se a menina sente falta de alguém que a cuide, arranjarei uma garota inteligente e sensata para ser sua enfermeira, uma que não vá esfregar geleia de mocotó nos pés da criança, como faz Norah, vez ou outra. Uma enfermeira criteriosa, que seguirá as instruções dos médicos, que, como você deve saber, Norah, não o faz, porque os procedimentos dão dor à pobrezinha. — ele suspirou. — Sei que é difícil ver uma criança sofrendo, porém, é necessário. Se o tratamento é imprescindível, segurarei a pequena menina, de joelhos, enquanto ela gritar de dor, se isso fizer bem às pobres costas dela.

A menina, sentada na cadeira, o olhou com seus olhos apavorados e ele continuou:

— Não! Menina! Mantenha seus olhares calmos para quando chegar a hora, não tenho certeza de quando isso ocorrerá, mas isto sei... — ele voltou seus olhos para Alice, — Norah vai poupar a criança e enganar o médico, se ela puder. Agora digo, dê uma ou duas chances para a criança, e então, quando o bando de médicos fizerem o seu melhor, e, talvez, a velha Senhora Wilson tenha partido, nós teremos Norah de volta ou faremos algo melhor para ajudá-la!

O grupo de médicos não poderia fazer nada de bom à pequena Ailsie. Isso estava além seus poderes.

O Senhor Openshaw insistiu em ser chamado de pai, para que Alice não mais sustentasse toda a responsabilidade sobre a educação da criança em suas costas.

Era a melhor decisão para ser tomada, porque as suas boas maneiras, propósitos bem definidos, e seu humor inesperado, somados ao seu real e forte amor pela menina indefesa, infundiu um novo elemento de brilho e confiança na vida da criança, e, apesar de suas costas permanecessem as mesmas, sua saúde, de modo geral, foi fortalecida pelo amor familiar que surgia, e Alice, nunca indo além de um sorriso tímido, teve o prazer de ver sua filha ser ensinada a rir.

Quanto à vida de Alice, ela era feliz.

O Senhor Openshaw não exigiu nenhuma demonstração de afeto ou expressão de ternura por parte dela para com ele.

De fato, estes gestos mais acalorados o enojavam. Alice podia amar profundamente, mas não havia necessidade para falar sobre isso.

A exigência perpétua de palavras amorosas, olhares, carícias, e a interpretação errônea de que suas atitudes eram ausências de amor e afeto, fora a grande dura prova da ex-vida de casada.

Tudo corria bem, sob a orientação do forte senso, coração cordial e vontade intensa de seu marido. A cada ano que se passava, sua prosperidade aumentava.

Com a morte da Senhora Wilson, Norah voltou para a casa de Alice como a babá do pequeno Edwin, recém-nascido, e cujo posto, ela não recebeu sem um forte discurso do pai orgulhoso e feliz, que declarou que se ele descobrisse algo errado na conduta de Norah, ela seria demitida.

Norah e o Senhor Openshaw não usavam termos muito cordiais um com o outro, ou reconheciam ou apreciavam recíproca e plenamente as suas melhores qualidades.

Esta era a história anterior da família Lancashire, que agora se mudara para Londres.

Eles estavam lá, há cerca de um ano, quando o Senhor Openshaw informou para a sua esposa que estava determinado a curar rixas antigas, e pediu ao seu tio e tia Chadwick, que o visitasse em Londres.

A Senhora Openshaw não conhecia os tios de seu marido, porque anos antes de se casar com ele, houve uma briga. Tudo o que ela sabia era que o Senhor Chadwick era um pequeno fabricante em uma cidade do interior no sul de Lancashire.

Ela estava extremamente satisfeita que a ferida do passado, entre o marido e os tios, estava para ser curada em breve e começou a fazer preparativos para tornar a visita agradável.

Eles chegaram a Londres, finalmente.

Ir à Londres foi um evento tão grande para eles, que a Senhora Chadwick pedira para as costureiras providenciarem boas roupas de dormir, de toucas noturnas para baixo, e isso também se estendeu para os vestidos, fitas e colares. Certamente, ela podia viajar para um lugar isolado no Canadá, que seu estoque de roupas daria para abrir uma loja.

Uma quinzena antes do dia da partida para Londres, ela chamara os seus conhecidos para se despedir formalmente, dizendo que ela precisava de todo o tempo livre possível para fazer as malas.

Foi como um segundo casamento em sua imaginação, e, para completar isso, ela precisava de um guarda-roupa inteiramente novo. Seu marido, no último dia de compras antes de partirem, deu para a sua esposa uma linda pérola e um broche de ametista, dizendo:

— Londres verá que as pessoas de Lancashire sabem escolher belas coisas!

Durante algum tempo depois que o Senhor e a Senhora Chadwick chegaram à casa de Openshaw, não houve oportunidade de usar o tal broche, mas, por fim, eles receberam uma ordem para visitar o Palácio de Buckingham, e o espírito da realeza exigiu que a Senhora Chadwick usasse suas melhores roupas ao visitar a residência de sua soberana rainha.

No seu retorno, ela trocou apressadamente seu vestido, pois, o Senhor Openshaw planejara uma visita à Richmond, para tomar chá e apreciar o luar.

Assim, por volta das cinco horas da tarde, o Senhor e a Senhora Openshaw, com o Senhor e a Senhora Chadwick, partiram para o passeio noturno.

A empregada e cozinheira sentaram para um breve descanso, e Norah mal sabia onde descansar suas costas, porque ainda estava envolvida em andar ao redor do berço para cuidar do menino até que dormisse, e ao sentar-se ao lado da inquieta Ailsie até que ela pudesse adormecer.

Em seguida, a empregada da casa, Mary, bateu gentilmente na porta do quarto das crianças. Norah foi até ela, e elas falaram em sussurros para não acordá-los.

— Norah! Desça! Há alguém na sala, e ele que quer te ver!

— Quer me ver? Quem é?

— Um cavalheiro!

— Um cavalheiro? Que disparate!

— Bem! Um homem está esperando, e ele pergunta por você. Ele tocou à campainha da porta da frente, e entrou na sala de jantar!

— Você não devia deixa-lo entrar! Não sabe quem é! — exclamou Norah.

— Eu não queria que ele entrasse, mas, quando ele soube que você morava aqui, passou por mim, sentou-se na primeira cadeira e disse para te chamar porque ele queria falar com você. — ela ficou pensativa por alguns instantes. — Não há fogo aceso na sala, e o jantar já está pronto!

— Ele vai roubar nossas colheres! — reclamou Norah, colocando medo em suas palavras.

Norah se preparou para sair do quarto, olhando para Ailsie, que estava dormindo tranquila.

Ela desceu, com o medo apreensivo agitando seu peito.

Antes de entrar na sala de jantar, ela se muniu de uma vela e, entrou, olhando ao seu redor, na escuridão, para seu visitante.

Ele estava de pé, ao lado da mesa. Norah e ele se olharam, o reconhecimento gradual vinha aos olhos deles.

— Norah? — perguntou ele.

— Quem é você? — indagou Norah, com a voz em um tom agudo de alarme e incredulidade. — Não te conheço, homem! — tentou Norah, com palavras vazias de descrença, para acabar com o terrível fato diante dela.

— Estou tão mudado assim, que é incapaz de me reconhecer? — questionou o homem. — Ouso dizer que estou um pouco mudado. No entanto, Norah, me diga! — ele respirou profundamente. — Onde está a minha querida esposa? Ela está viva?

Ele se aproximou de Norah e tentou pegar a mão dela, entretanto, a mulher se afastou dele, olhando para o homem o tempo todo, com seus olhos fixos, como se ele fosse um objeto horrível.

Porém, ele era um sujeito bonito, bronzeado, com barba e bigode, dando-lhe um aspecto estranho, mas seus olhos...

Não havia não perceber quem ele era.

Aqueles olhos ávidos e bonitos, eram os mesmos que Norah observara há meia hora, até que o sono deitou suavemente sobre eles.

— Diga-me, Norah! Posso suportar a verdade! Temi isso tantas vezes. Ela está morta?

Norah ainda sustentava o silêncio e ele novamente perguntou:

— Ela está morta? — ele se agarrou às palavras ditas e aos olhares de Norah, tentando adivinhar se eles mostravam confirmação ou contradição.

— O que devo dizer? — lamentou Norah. — Oh! Senhor! Por que você veio? Como você descobriu a nossa morada? Pensamos que você estava morto, de fato. Nós fizemos até o funeral! — ela derramou palavras soltas e perguntas, para assim ganhar tempo, como se o tempo a ajudasse realmente.

— Norah! Responda a minha pergunta, é sim ou não? Minha esposa está morta?

— Não! Ela não está morta! — assegurou Norah, lenta e pesadamente.

— Oh! Que alívio! Ela recebeu as minhas cartas? Oh! Talvez você não saiba. Onde ela está? Oh! Norah, diga-me tudo! Rápido!

— Senhor Frank... — continuou Norah, finalmente, quase impelida pelo desespero em orar para que Alice não voltasse naquele momento e o encontrasse em sua sala.

Norah não conseguia analisar o que era melhor a ser feito ou dito, apressando-se em algo decisivo, porque ela não podia suportar aquela situação:

— Senhor Frank! Nunca recebemos suas cartas, e os homens disseram que o senhor e todos os outros do navio, naufragaram. Pensamos que o senhor estava morto, e agora vejo que não era verdade. Então, a pobre Senhorita Alice e sua pequena criança doente e indefesa... — ela respirou profundamente. — Oh! Senhor! Você deve adivinhar! — chorou a pobre criatura, explodindo em um exaltado ataque de choro. — De fato, não posso dizer isso! Não foi culpa de ninguém. Que Deus nos ajude nesta noite! — ela lamentou.

Norah sentou, porque tremia demais para ficar de pé. Ele pegou as mãos dela nas dele, e as apertou com força, como se, por pressão física, a verdade pudesse ser arrancada.

— Norah... — desta vez, seu tom era calmo, contudo, envolto em desespero silencioso. — Ela se casou novamente?

Norah balançou tristemente a cabeça, afirmando a resposta para o homem. Sua mão se soltou lentamente das mãos de Norah e ele desmaiou.

Havia conhaque na sala.

Norah forçou algumas gotas na boca do Senhor Frank, esfregou as mãos em seus pulsos, e, quando ele voltou seus sentidos, antes que a mente se derramasse em uma enxurrada de memórias e pensamentos, ela o levantou, descansando a cabeça dele em seus joelhos.

De repente, ele caiu de joelhos.

— Onde ela está? Diga-me neste instante!

Ele parecia alucinado e desesperado. Norah sentia que poderia estar em perigo físico. Ela tinha medo de lhe dizer a verdade, então, ela preferiu ser covarde e usou sua perspicácia aguçada pela sensação de desespero entre eles.

Ele devia deixar a casa, imediatamente. Ela teria pena dele depois, isso era certo, contudo, Norah devia tomar as rédeas da situação, para proteger Alice de um grande susto.

Essa necessidade ficou clara diante dela.

— Ela não está aqui! Isso é o suficiente para que você. Nem posso dizer exatamente onde ela está. Vá embora! Apenas me diga onde posso encontrá-lo amanhã, e falarei tudo. Meu Senhor e minha Senhora podem voltar a qualquer momento, e o que eles pensarão de mim, ao ver um homem estranho em sua casa?

Tal argumento era muito mesquinho para tocar a mente entusiasmada dele.

— Não me importo com o que eles pensarão! Se seu Senhor é um homem, ele deve entender a minha angústia, sabendo o marinheiro naufragado que sou, mantido durante anos, aprisionado entre os selvagens, sempre, sempre, sempre pensando em minha esposa e em meu lar, sonhando com ela nas intermináveis noites, e falando com ela, embora minha amada não pudesse ouvir, durante os dias. Eu a amava mais que todo o céu e a terra, juntos. Diga-me onde ela está, neste instante, mulher miserável!

Os ponteiros do relógio tocaram às dez.

Em momentos desesperados exigem medidas desesperadas.

— Se você sair dessa casa agora, irei até você amanhã e lhe direi tudo, prometo! E mais... Para acalmar seu coração, verá a sua filha agora! Ela está dormindo no andar de cima. Oh! Senhor! Você tem uma filha, você não sabe disso, não é mesmo? Ela é uma garotinha fraca, com um coração e uma alma além de seus anos. A criamos com tanto cuidado! Pensamos por muitos anos que ela morreria a qualquer instante. Vigiamos, e, nada de ruim se aproximou dela durante este tempo, e nenhuma palavra dura foi dita para a pobrezinha. Agora você exige coisas, pretendendo pegar o seu coração e esmagá-lo dentro de suas mãos? Estranhos são gentis com ela, mas, o Senhor Frank, seu legítimo pai, não a estima, se deseja permanecer aqui por mais tempo! — Norah tomou um breve fôlego e continuou. — Sou sua enfermeira e babá, amo e cuido da pequena como se fosse minha. Faria qualquer coisa por ela. O coração de sua mãe bate como bate o dela, e, se ela sofre uma dor, sua mãe sofre com ela. Se ela está feliz, a sua mãe sorri e fica feliz também. Se ela fica mais forte, sua mãe se torna saudável, se ela perde a força, sua mãe enfraquece. Se ela morrer, bem, não sei... Nem todos podem deitar-se e morrer quando assim desejam. Enfim... Suba as escadas, Senhor Frank! Veja sua filha! Vê-la fará bem ao seu pobre coração. Faça isso rapidamente e vá embora! Em nome de Deus, espere por mais esta noite! Amanhã, se necessário, você pode fazer qualquer coisa! Mate-nos se quiser, ou mostre-se como sendo um grandioso homem, que Deus abençoará para sempre! Venha, Senhor Frank! O olhar de uma criança adormecida certamente lhe dará paz!

Ela o levou para o andar de cima, e a princípio, quase o ajudando a guiar os passos trêmulos, até chegarem perto da porta do quarto.

Ela quase esquecera a existência do pequeno Edwin, quando ela acidentalmente mirou a luz da vela sobre o berço do menino, e inteligentemente, ela afastou a luz daquele canto do quarto, deixando na escuridão, e colocou a luz sobre a cama de Ailsie, adormecida em seu sono de criança.

A menina jogara as cobertas para baixo, e sua deformidade, ao deitar-se de costas para os dois, era visível através de sua singela camisola de menina. Seu pequeno rosto, desprovido do brilho de seus olhos, parecia esmorecido e tinha uma expressão comovente nele, mesmo quando dormia.

O pobre pai olhou melancólico, as grandes lágrimas desceram lentamente e caíram pesadamente sobre a sua barba, enquanto ele tremia seu corpo.

Norah ficou furiosa consigo mesma por estar impaciente com aquela cena tão emocionante. Ela acreditou que a espera durou cerca de meia hora, antes de Frank sair daquele estado de lamento. Então, em vez de ir embora, ele caiu de joelhos à beira da cama, e enterrou seu rosto no lençol.

A pequena Ailsie mexeu-se desconfortavelmente.

Norah o puxou para cima com pavor. Ela não podia dar mais tempo para ele, mesmo que fosse para rezar. Não havia mais tempo, porque, certamente, o momento seguinte traria Alice e o marido para casa.

Ela o pegou à força pelo braço, mas, enquanto ele ia, seus olhos pousaram na outra cama, e ele parou seu andar. A inteligência voltou à sua face e suas mãos se apertaram.

— Outra criança? — perguntou ele.

— Filho dela! — respondeu Norah. — Deus cuida dele neste momento! — garantiu instintivamente, pois, a aparência de Frank excitava seus medos, e ela precisava lembrar que Deus devia os proteger.

— Deus não olhou por mim! — pronunciou o homem, em desespero.

Seus pensamentos aparentemente recuaram sobre seu estado desolado e abandonado, mas, Norah não teve tempo para compaixão.

No dia seguinte, ela seria tão afetuosa quanto seu coração podia ser, mas naquele momento, não!

Ela o guiou para fora da casa, fechou a porta e a trancou, como se ela colocasse parafusos para impedir que ele tentasse entrar novamente.

Em seguida, ela voltou à sala de jantar e apagou todos os vestígios de sua presença, na medida do possível.

Ela subiu para o quarto das crianças e sentou-se lá, com a cabeça deitada sobre as mãos, pensando no que estava por vir.

Demorou um bom tempo até que o Senhor Openshaw e Alice retornaram, no entanto, eram apenas onze horas da noite.

Ela escutou as vozes altas e graves de Lancashire nas escadas, e, pela primeira vez, ela compreendeu o contraste da desolação do pobre homem que saíra em desesperança, solitário.

Ela quase perdeu a paciência ao ver a Senhora Openshaw entrar, sorrindo calmamente, bem vestida, feliz, perguntando sobre seus filhos.

— Ailsie adormeceu confortavelmente? — ela sussurrou para Norah.

— Sim!

Sua mãe se inclinara sobre a filha, olhando para o sono da menina, com os olhos brandos de amor. Talvez, a garotinha sonhava com quem olhara para ela por último!

Então, ela foi para Edwin, com menos ansiedade no semblante, no entanto, com mais orgulho. Ela se despediu de Norah e desceu para jantar.

Havia uma porta de passagem entre o quarto das crianças e o quarto do Senhor e da Senhora Openshaw, para que eles pudessem ter as crianças sob seus cuidados durante a noite.

No início da manhã seguinte, a Senhora Openshaw foi desperta pelo chamado assustado de Ailsie:

— Mãe! Mãe!

Ela se levantou, vestiu seu chambre[5], e foi até o quarto da menina.

Ailsie estava sonolenta, e em um estado de pavor incomum.

— Quem era ele, mãe? Diga-me!

— Quem, minha querida? Não há ninguém aqui! Você sonhou, amorzinho! Acorde! Veja! É plena luz do dia! Está tudo bem!

— Está bem! — declarou Ailsie, olhando à sua volta, depois se agarrou à sua mãe, novamente apavorada. — Mas, um homem esteve aqui na noite passada, mãe!

— Bobagem, meu pequeno cisne! Nenhum homem jamais se aproximou de você!

— Ele estava aqui, com Norah. Um homem com barba. Ele se ajoelhou e tentou orar! Norah sabe que ele estava aqui, mãe! — a menina falou irritada, esperando que sua mãe acreditasse em suas palavras, enquanto a Senhora Openshaw balançava a cabeça negativamente.

— Bem! Perguntaremos para Norah! — falou a Senhora Openshaw, docemente. — No entanto, não falaremos mais sobre isso agora. São cinco horas da manhã, é muito cedo para você se levantar. Devo ir buscar um livro e ler para você?

— Não me deixe sozinha, mãe! — exclamou a criança, agarrando-se a ela.

A Senhora Openshaw sentou-se à beira da cama conversando com Ailsie, e lhe contando o que eles fizeram em Richmond na noite anterior, até que os olhos da menina se fecharam lentamente e ela mais uma vez, adormeceu.

— O que houve? — perguntou o Senhor Openshaw, enquanto sua esposa voltava para a cama.

— Ailsie acordou assustada, falava uma estória absurda, de um homem que orou ao pé de sua cama! Foi um sonho, suponho!

E nada mais foi dito e os dois adormeceram em seguida.

A Senhora Openshaw esquecera o ocorrido, quando se levantou por volta das sete horas. Contudo, ela ouviu uma aguda discussão acontecendo no quarto das crianças. Era Norah, falando raivosamente com Ailsie, uma coisa muito incomum.

O Senhor e a Senhora Openshaw escutaram com espanto a conversa.

— Segure a sua língua, Ailsie! Não me faça ouvir nenhum de seus sonhos! Nunca mais mencione essa história novamente!

Ailsie começou a chorar.

O Senhor Openshaw abriu a porta, antes que sua esposa pudesse dizer uma palavra.

— Norah! Venha aqui!

A enfermeira estava à porta, desafiadora. Ela percebeu que fora ouvida, e estava desesperada.

— Não quero mais ouvir você falar dessa maneira com Ailsie! — afirmou ele e fechou a porta.

Norah estava infinitamente aliviada, pois, ela temia algum questionamento sobre a discussão, mas um pouco de culpa, por falar grosseiramente com a menina, pairou sobre seu coração.

O Senhor Openshaw desceu, carregando Ailsie, e o robusto Edwin, vindo passo a passo, o pé direito em primeiro lugar, sempre segurando a mão de sua mãe.

Cada criança foi colocada em uma cadeira junto à mesa do café da manhã, e então, o Senhor e a Senhora Openshaw ficaram juntos, aguardando a aparição de seus visitantes e fazendo planos para o dia.

Houve uma pausa.

De repente, o Senhor Openshaw virou-se para Ailsie e falou:

— O que fez acordar a sua mãe no meio da madrugada, com a história de um homem à beira de sua cama?

— Pai! Tenho certeza que o vi! — disse Ailsie, querendo chorar. — Não quero irritar Norah, mas eu não estava dormindo, mesmo que ela afirme o contrário. Bem, eu estava dormindo, mas acordei com o barulho, e apesar de estar assustada, mantive meus olhos quase fechados, mesmo assim, vi o homem nitidamente, grande e com barba. Ele fez alguma oração sobre o pé da minha cama. Então, ele olhou para Edwin. Contudo, Norah o pegou pelo braço e o levou embora, após terem sussurrado sobre algo que não sou capaz de lembrar!

— Pequena! Você deve ser razoável! — avaliou o Senhor Openshaw, que sempre foi paciente com Ailsie. — Não havia nenhum homem na casa ontem à noite. Nenhum homem entra em nossa casa sem a minha permissão, como você sabe, muito menos, ser capaz de subir até o seu quarto. Mas, às vezes, sonhamos com coisas estranhas e o sonho é tão parecido com a realidade, que podemos confundir o que é real ou não!

— No entanto, não foi um sonho, pai! — garantiu Ailsie, chorando verdadeiramente.

Logo depois, o Senhor e a Senhora Chadwick desceram, com um ar sério e abatido.

Durante todo o café da manhã, eles ficaram em silêncio e desconfortáveis.

Assim que as coisas do café da manhã foram tiradas da mesa, e as crianças foram levadas para cima, o Senhor Chadwick começou, de maneira evidentemente calma, a perguntar se o seu sobrinho estava certo de que todos os seus criados eram honestos, pois, a Senhora Chadwick tinha naquela manhã, perdido um broche muito valioso, que ela usara no dia anterior. Ela se lembrou de tirar a peça, quando voltou do Palácio de Buckingham.

O rosto do Senhor Openshaw contraiu-se em linhas duras. E mesmo antes que seu tio conseguisse terminar de falar, ele chamou a cozinheira.

— Mary! Esteve alguém aqui ontem à noite, enquanto estávamos fora?

— Um homem, senhor, veio falar com Norah!

— Falar com Norah? Quem era ele? Por quanto tempo ele ficou em minha residência?

— Não sei dizer por quanto tempo ele permaneceu aqui, senhor. Ele chegou, talvez cerca de nove da noite. Subi para contar a Norah, ela estava com as crianças, foi quando ela desceu para falar com ele. Ela saberá quem ele era, e por quanto tempo ele ficou dentro de sua casa!

Ela esperou por mais um momento para que ele fizesse mais perguntas, no entanto, o Senhor Openshaw a dispensou e a mulher voltou para os seus afazeres.

Um minuto depois, o Senhor Openshaw fez menção de sair da sala, mas sua esposa colocou a mão no braço dele.

— Não fale com ela diante das crianças! — sussurrou ela. — Vou subir e interrogá-la!

— Não! Preciso falar com ela. — declarou ele, voltando-se para seu tio e sua tia, — Querida esposa, sabemos que Norah é sua velha criada, tão fiel. Sempre foi uma boa mulher, e acredito que nos respeitou. Mas, entendo que isso diz respeito ao amor. Penso que Norah foi conquistada por algum sujeito imprestável, pois, ela está na época da vida, como dizem, que as mulheres rezam por maridos, seja qual for! Por certo, o deixou entrar em nossa casa, o homem fugiu com o broche. Certamente, olhou para roubar outras coisas, também. Digo que Norah tem o coração mole, por isso, não falou a verdade! Isso é tudo, minha esposa!

Era curioso notar como seu tom e seus olhos mudaram, enquanto ele falava com sua esposa, mas ele era um homem decidido, além de tudo.

Ela sabia, melhor que ninguém, que não devia se opor, então, ela subiu e assegurou para Norah que seu marido queria falar com ela, e que ela cuidaria das crianças enquanto isso.

Norah levantou-se, sem dizer uma palavra. Seus pensamentos eram estes:

“Se eles me humilharem, nunca saberão através de mim, a verdade! Não ajudarei! O Senhor Frank pode vir, e então, só Deus terá piedade de nós! Vou deixar isso nas mãos de Deus!”

Você pode imaginar o olhar de determinação de Norah, quando ela encarou o Senhor Openshaw sozinho, esperando-a na sala de jantar, uma vez que o Senhor e a Senhora Chadwick deixaram o caso nas mãos de seu sobrinho, vendo que ele o assumiu com enorme veemência.

— Norah! Quem era o homem que veio à minha casa ontem, à noite?

— Homem, senhor? — Norah fingiu surpresa, mas era apenas para ganhar tempo.

— Sim! O homem que Mary deixou entrar. Ela subiu ao quarto das crianças para te avisar da presença dele e que você desceu para falar com o sujeito. E, o mesmo homem, não duvido, foi o mesmo homem que Ailsie viu, e que julgamos ser um sonho. Ela o viu rezar, depois olhar para meu pequeno filho e vocês sussurrarem. Também, ele é aquele que levou o broche da Senhora Chadwick, no valor de dez libras. Agora, Norah! Não me faça de tolo! Estou tão certo, assim como meu nome é Thomas Openshaw, que você não sabia nada sobre este roubo. Porque sei de sua honestidade. Mas, talvez tenha feito vistas grossas para protegê-lo. Lamento que você seja como todas as outras mulheres, e tenha dado um lugar afetuoso em seu coração para um patife repleto de galanteios, que se aproveitou de tal oportunidade, e fugiu com algumas coisas que nos pertenciam. Norah, não é culpa sua! Entretanto, você não deve ser tão ingênua novamente. Diga-me... — continuou ele, — Qual é o nome dele? Por certo, te falou um nome falso, todavia, será uma pista para a polícia!

Norah se explicou.

— Você pode fazer essa pergunta e zombar de mim por ser uma solteirona. Pode também duvidar da minha credulidade, como você está fazendo agora, Senhor Openshaw... Apenas afirmo que você não receberá resposta nenhuma de mim! Quanto ao broche e a história de furto, se algum amigo viesse me ver, de fato, o que o desafio a provar tal coisa, ele estaria acima de fazer coisas dessa natureza desprezível, e, além disso, há coisas muito mais importantes que um mero boche! — Norah queria dizer, em meias-palavras sobre Alice, mas ele entendeu que ela se referia aos seus bens e propriedades.

— Agora, minha boa senhora! — disse ele. — Vou lhe dizer sinceramente... Nunca confiei em você, mas minha esposa gostava de você, e julguei que você tinha muitas qualidades. Entretanto, se pensa que vai me enrolar com este seu discurso sem nexo algum, terei que chamar a polícia para te prender e talvez, você possa expressar a verdade em um tribunal de justiça, já que você não que me falar, aqui, somente entre nós, de forma silenciosa e civilizada. Agora, a melhor coisa que você pode fazer é me dizer calmamente quem é o sujeito... — ele a olhou firmemente. — Olhe aqui! Isso está fora de qualquer conduta respeitosa que um empregado deve para seu patrão. Um homem vem à minha casa, pergunta por você, você o leva lá para cima, falta um broche valioso no dia seguinte, sabemos que você, Mary e cozinheira são honestas neste tocante, entretanto, você se recusa a nos dizer quem é o tal homem. De fato, você já me contou uma mentira sobre ele, dizendo que ninguém esteve aqui na noite passada. Agora, digo, o que você pensa que um policial diria sobre isto? Um juiz logo a faria dizer a verdade, minha boa senhora!

— Não há criatura nascida neste mundo que poderá tirar isso de minhas palavras! Lamento! — garantiu Norah. — Não, a menos, que eu decida contar!

— Isso é o que vamos ver! — respondeu o Senhor Openshaw, crescendo a sua raiva, que transbordava de seus olhos.

Então, tentando se acalmar, ele pensou antes de falar novamente:

— Norah, por sua senhora, minha esposa que estimo tanto, não quero ir às extremidades neste caso, sabe o que falo. Seja uma mulher sensata, se você puder... Não é uma grande desgraça, afinal de contas, ser enganada devido a um amor. Pergunto-lhe, mais uma vez, como amigo e não como seu patrão... Quem é esse homem que você deixou entrar em minha casa, ontem, à noite?

Sem resposta. Ele repetiu a pergunta em um tom impaciente. Ainda sem resposta. Os lábios de Norah foram colocados na determinação de não falar.

— Lamento, há apenas uma coisa a ser feita diante de seu silêncio. Mandarei chamar um policial e te interrogar!

— Você não vai fazer isso! — expressou Norah, o encarando. — Não o fará, senhor! Nenhum policial me tocará! Não sei nada sobre o broche, mas, sei o seguinte... Desde os meus vinte e quatro anos, tenho pensado mais em sua esposa que em mim. Desde que a vi, uma pobre menina sem mãe, colocada na casa de seu tio, tenho pensado mais em servi-la que em servir a mim mesma! Tenho cuidado dela e de sua filha, como ninguém jamais cuidou de mim. Não o censuro, senhor... Porém, digo ser uma pena, entregar a vida para certas pessoas como fiz, pois, no final, elas se voltarão contra você e o abandonarão. Por que a minha senhora não vem, ela mesma, desconfiar de mim? Talvez, ela é a pessoa certa para ir até à polícia! Não se preocupe, não ficarei aqui em sua casa, nem tão pouco presa injustamente pela polícia, ou julgada por um juiz que jamais ficará a favor de uma empregada sem nome. Não posso permanecer aqui, ao lado de um senhor que não confia em mim. Vocês são azarados, de alguma maneira. Acredito que há uma maldição pairando sobre vossas cabeças. Vou deixá-lo imediatamente. Sim! Eu também deixarei a pobre Ailsie. Deixarei todos vocês! Nada bom virá até você!

O Senhor Openshaw ficou totalmente surpreso com o discurso de Norah, a maior parte do qual foi completamente incompreensível para ele.

Antes que ele pudesse decidir o que dizer, ou o que fazer, Norah deixara a sala.

Não creio que ele tivesse realmente a intenção de chamar a polícia para prender a velha serva de sua esposa, uma vez que ele, por nenhum momento duvidara da perfeita honestidade dela. Todavia, ele tinha a intenção de obrigá-la a dizer quem era o homem, e nisto, ele ficou perplexo.

Ele estava, consequentemente, muito irritado, quando voltou para seu tio e tia em um estado de grande impaciência e perplexidade, e disse-lhes que não conseguira tirar nada da mulher, e que, certamente, algum homem estivera em sua casa na noite anterior, mas que ela se recusava a dizer quem era.

Nesse momento, sua esposa entrou, muito agitada, e perguntou o que acontecera com Norah, porque a mulher pegara as suas coisas e apressadamente fora embora da casa.

— Isto parece suspeito! — ponderou o Senhor Chadwick. — Não é a maneira pela qual uma pessoa honesta agiria!

O Senhor Openshaw manteve seu silêncio. Ele estava muito perturbado. Contudo, a Senhora Openshaw se virou contra o Senhor Chadwick, com uma ferocidade repentina que ninguém jamais vira nela.

— Você não conhece Norah, senhor! Ela se foi porque está profundamente ferida por ser suspeita de algo que ela jamais faria. Certamente, se eu tivesse tempo para falar com ela, ela teria me dito a verdade! — Alice torceu suas mãos.

— Devo confessar... — continuou o Senhor Chadwick a seu sobrinho, em voz baixa, ignorando Alice. — Não consigo te entender, sobrinho. Você costumava ser bom em suas palavras e sempre conseguia o que queria, porém, agora, quando há todos os motivos para desconfiança, você simplesmente não faz nada! Sua esposa é uma mulher muito boa, admito, mas ela pode ter sido enganada, assim como outras pessoas, suponho. Se você não mandar chamar a polícia, eu o farei!

— Muito bem! — respondeu o Senhor Openshaw, com semblante sério. — Não posso esclarecer os fatos sobre Norah. Ela não falará nada para tirar a suspeita que está caindo sobre seus ombros. Portanto, lavo minhas mãos sobre isso, já que tenho certeza que Norah é honesta, porque ela viveu muito tempo com minha esposa, e não desejo humilhar Norah!

— Então, ela será forçada a falar a verdade. Isso, em todo caso, será uma coisa boa!

— Muito bem! Muito bem! Estou muito aborrecido com este problema! — ele pegou a mão da esposa. — Venha, Alice, precisamos ver como estão os nossos filhos. Quando eles souberem sobre o afastamento de Norah, ficarão, com certeza, tristes! Tio, digo-lhe... — afirmou ele, voltando-se uma vez mais para o Senhor Chadwick, bruscamente, depois que seus olhos caíram sobre o rosto pálido de Alice, com lágrimas, e semblante apreensivo. — Afinal, não terei como mandar chamar a polícia! Comprarei para a minha tia um novo broche, duas vezes mais bonito e valioso, ainda hoje. Entretanto, não acusarei Norah. Sinto muito, tio!

Ele e sua esposa, deixaram a sala.

O Senhor Chadwick esperou silenciosamente o casal se afastar e então, disse a sua esposa:

— Mesmo que Tom tenha escolhido isso, não aceito, e estou indo silenciosamente pedir a ajuda de um detetive, mulher! Ninguém precisa saber sobre isso, fui claro?

Ele foi à estação de polícia e fez uma declaração sobre o caso. Ele ficou satisfeito com a impressão que as evidências contra Norah pareciam causar. Todos os homens concordaram em sua opinião, e medidas deveriam ser imediatamente tomadas para descobrir onde ela estava. Muito provavelmente, como eles sugeriram, ela fora imediatamente encontrar o tal homem, que aparentemente era seu amante.

Quando o Senhor Chadwick perguntou como eles a encontrariam, eles sorriram, balançaram a cabeça e falaram que havia meios misteriosos, mas infalíveis.

Ele retornou à casa de seu sobrinho com seu semblante sagaz, confiando que sua suspeita era certeira. Porém, ele foi recebido por sua esposa com um rosto arrependido.

— Oh! Meu marido, encontrei meu broche! Estava apenas grudado por seu alfinete na beira de minha seda marrom, que usei ontem, lembra? Tirei-o com afobação e ficou preso no tecido quando pendurei minha bata no armário. Agora mesmo, quando eu ia dobrá-la, lá estava o broche! Estou muito triste por duvidar da inocência da pobre Norah!

Seu marido murmurou algo muito parecido com:

— Maldita hora que te dei aquele broche! — ele arrancou seu chapéu e correu de volta para a delegacia, esperando chegar a tempo de impedir que a polícia procurasse por Norah, mas um detetive acabara de sair para fazer o serviço de busca.

Onde estava Norah?

Um pouco furiosa com a tensão do temível segredo. Ela mal dormira durante a noite, por pensar no que devia fazer.

Dentro do amedrontador estado de espírito, Norah chegara às perguntas de Ailsie, mostrando que ela vira o homem, como a criança inconsciente chamara o pai. Por fim, veio a suspeita de sua honestidade.

Ela estava pouco menos nervosa enquanto corria escada acima e vestia seu chapéu e o xale, deixando tudo o resto, mesmo sua bolsa, para trás, porque naquela casa, ela não queria mais ficar. Isso era tudo o que ela sabia ou era claro dentro de seus pensamentos. Ela não voltaria a ver as crianças, pois, temia que isso a enfraquecesse.

Seu medo aflorara ao pensar no retorno do Senhor Frank para reclamar sua esposa. Ela não sabia dizer que remédio havia para uma tristeza tão grande, e ela não queria ficar ali para testemunhar.

O desejo de fugir do evento que estava por vir, seria o motivo mais forte para sua partida, do que sua dor pelas suspeitas dirigidas contra ela, embora, este último fora o derradeiro golpe para o rumo que ela tomou.

Ela percorreu o caminho em passos acelerados, soluçando em um choramingar triste, porque não ousara fazer isso durante a noite passada, por medo de alguém na casa ouvir seu pranto.

Então, ela parou. Uma ideia lhe veio à mente, de que ela deixaria Londres e voltaria para a sua cidade natal, Liverpool.

Ela passou as mãos na altura de seus bolsos, em busca de sua bolsa, enquanto se aproximava da estação da Praça de Euston, com a intenção de voltar para Liverpool. Mas, um lamento a atingiu ao lembrar de que deixara a bolsa na casa de Alice.

Sua pobre cabeça doía, com seus olhos inchados por chorar durante um bom tempo. Ela parou para pensar.

De repente, o pensamento que lhe passou pela mente, de que deveria descobrir onde estava o pobre Senhor Frank.

Ela não fora gentil com ele na noite anterior, embora seu coração tivesse sangrado por ele desde então. Ela se lembrou sobre o que ele disse, quando ela perguntou por seu endereço, no momento em que ela o empurrava para fora da casa. Era um hotel em uma rua não muito distante da Praça Euston.

Lá ela foi, com uma intenção que não sabia, mas, talvez, apenas para aliviar sua consciência, dizendo-lhe o quanto ela tinha pena dele.

Em seu estado devastado, ela se sentia inapta para aconselhar, ajudar ou fazer qualquer outra coisa, entretanto, somente lamentar e chorar, ela sabia.

As pessoas da pousada disseram que a tal pessoa estivera lá, se hospedado no dia anterior, mas saíra logo após a chegada, deixando sua bagagem aos cuidados do hotel, mas não retornara.

Norah pediu licença para sentar-se e esperar o retorno do cavalheiro.

A dona da pousada, bastante segura no depósito da bagagem contra qualquer lesão provável, porque ela acreditava que talvez Norah desejasse roubar as bagagens do homem, mostrou para Norah uma sala, e trancou silenciosamente a porta do lado de fora. Norah estava totalmente cansada e adormeceu em um sono incontrolável.

Ela dormiu por algumas horas.

O detetive a seguiu, avistou Norah, antes dela entrar no local. Ele pediu para a dona do estabelecimento para detê-la por cerca de uma hora, sem dar nenhum motivo para tal coisa, além de mostrar sua autoridade, o que fez com que a dona fizesse o que ele pedira, sem pestanejar.

Ele voltou à delegacia para relatar os seus procedimentos. Ele podia levar Norah para a polícia, mas seu objetivo era rastrear o homem que cometera o roubo. Ele desejava usar Norah como um chamariz.

Então, ele ouviu falar da descoberta do broche, e consequentemente, não se importou em voltar.

Norah dormiu até a noite de verão começar a nascer. Quando acordou, alguém estava à porta e ela imaginou ser o Senhor Frank, rapidamente ela empurrou vertiginosamente seus cabelos grisalhos desalinhados que cairam sobre seus olhos, e ficou olhando para a porta.

Ao invés do Senhor Frank, quem surgiu na porta foram o Senhor Openshaw e um policial.

— Esta é Norah Kennedy! — disse o Senhor Openshaw.

— Oh! Senhor! — reclamou Norah. — Não toquei no broche, de fato, não toquei! Oh! Senhor, estou cansada em ser mal interpretada!

E quase desmaiando, ela caiu de joelhos, e para sua surpresa, o Senhor Openshaw a levantou muito ternamente.

Até mesmo o policial ajudou a deitá-la no sofá, e, ao desejo do Senhor Openshaw, ele foi buscar vinho e sanduíches, para que ela pudesse se alimentar, porque era visível seu cansaço e exaustão.

— Norah... — falou o Senhor Openshaw, em sua voz mais gentil, — O broche foi encontrado! Estava pendurado na bata da Senhora Chadwick. Peço desculpas! Peço perdão por tê-la incomodado com isso. Minha esposa está com o coração partido. Se alimente, Norah! Primeiro beba este copo de vinho. — disse ele, levantando a cabeça dela, ajudando Norah a segurar a taça.

Enquanto bebia, ela se lembrava de onde estava, e de quem estava esperando. De repente, ela empurrou o Senhor Openshaw, dizendo:

— Oh! Senhor, você deve ir! Se ele voltar, ele o matará!

— Pobre de mim! Norah! Não sei quem é este homem. Mas, alguém foi embora e nunca mais voltará. Alguém que a conhecia e que temo ser seu amor.

— Não o entendo, senhor! — assegurou Norah.

O jeito gentil e triste do Senhor Openshaw a desorientava ainda mais que suas palavras. O policial deixara a sala ao desejo do Senhor Openshaw, e os dois estavam sozinhos.

— Você sabe o que quero dizer... Quando digo que alguém se foi e nunca mais voltará. Quero dizer que ele está morto!

— Quem? — indagou Norah, tremendo.

— Um pobre homem foi encontrado no Tamisa nesta manhã, afogado!

— Ele se afogou? — perguntou Norah, tristemente.

— Só Deus sabe! — respondeu o Senhor Openshaw, no mesmo tom. — Seu nome e o endereço de nossa casa, foram encontrados em seu bolso, isso foi a única coisa que foi encontrada com ele. Lamento dizer, minha pobre Norah, mas você é obrigada a ir e identificá-lo!

— Para quê? — perguntou Norah.

— Para dizer quem é. Para que a polícia possa entender qual foi a razão do suicídio, se foi suicídio realmente. Não tenho dúvidas de que ele foi o homem que foi vê-la em nossa casa, ontem, à noite. É muito triste, eu sei! — ele fez pausas entre cada pequena palavra, de modo a tentar trazer os sentidos de Norah.

— Senhor Openshaw! — declarou, finalmente. — Tenho um segredo terrível para lhe contar! Entretanto, prometa que jamais falará para ninguém, e devemos escondê-lo para sempre! Pensei em fazer isso tudo sozinha, mas vejo que não posso. Pobre homem, sim! A pobre criatura morta e afogada é o Senhor Frank, o primeiro marido de minha senhora!

O Senhor Openshaw sentou-se, como se fora baleado. Ele não falou nenhuma palavra, mas, depois de um tempo, acenou para que Norah continuasse.

— Ele veio até mim na outra noite, quando... Deus seja louvado! Vocês estavam todos fora de casa, passeando em Richmond. Ele me perguntou se sua esposa estava morta ou viva. Fui muito bruta com ele, e pensei mais em vocês voltando para casa e o avistando, que em seu doloroso sofrimento. Afirmei que ela estava casada novamente, muito contente e feliz. Agora ele está morto!

— Deus me perdoe! — exclamou o Senhor Openshaw.

— Deus perdoe a todos nós! — disse Norah. — O pobre homem precisa de perdão, talvez, menos que qualquer um de nós. Ele estivera entre os naufragados, não sei o quê, e escrevera cartas que nunca chegaram à minha pobre senhora!

— Ele viu a sua filha?

— Ele a viu, sim! O levei para dar outro fim aos seus pensamentos revoltos, pois, eu acreditava que ele estava enlouquecendo diante de mim. Vim procurá-lo aqui, como prometi ontem. Oh! Senhor, deve ser ele o homem morto!

O Senhor Openshaw tocou a campainha. Norah ficou atordoada demais para perguntar o que ele fazia. Ele pediu para a dona da pousada, alguns materiais para escrever, então, rapidamente ele escreveu uma carta e depois falou para Norah:

— Escrevo para Alice, para dizer que estarei inevitavelmente ausente por alguns dias. Que te encontrei, e, que você está bem. Digo que envio para Alice, através de você, o meu amor, e que amanhã voltará para casa. Você deve ir comigo ao tribunal de polícia, porque você precisa identificar o corpo. Pagarei caro para manter nomes e detalhes fora dos papéis oficiais!

— Mas, aonde vai, senhor?

Ele esclareceu:

— Norah! Devo ir com você, e olhar o rosto do homem a quem tanto magoei, inconscientemente, é verdade, entretanto, sinto que o matei. Deitarei minha cabeça no túmulo, como se ele fosse meu único irmão. Imagino o quanto ele me odiou! Não posso ir para casa, para os braços de minha esposa até que tudo o que eu possa fazer por ele esteja feito, de fato. Depois que estes dias terminarem, não falaremos sobre isso. Sei que manterá este segredo terrível. — ele apertou a mão dela, e eles nunca mais falaram sobre o assunto.

Norah foi para casa de Alice no dia seguinte.

Nem uma palavra foi dita sobre a causa de sua partida abrupta um ou dois dias antes.

Alice, implicitamente obediente àqueles a quem amava tanto por natureza como por hábito, ficou totalmente calada sobre o assunto, apenas tratou Norah com o mais terno respeito, para compensar as suspeitas injustas do marido e dos tios.

Alice também não perguntou o motivo para o Senhor Openshaw ficar ausente durante a visita de seu tio e sua tia, pois, ele dissera que isso era inevitável.

Ele voltou quieto, e a partir daquele momento, curiosamente, ele mudou.

Mais atencioso e talvez menos ativo, com a mesma conduta, mas com novas e diferentes regras.

Para Alice, ele dificilmente seria mais gentil do que sempre foi, mas ele parecia olhar para a sua esposa como se ela fosse algo sagrado, sendo tratada com reverência, e com muito mais ternura.

Ele se lançou aos negócios e fez uma grande fortuna, e metade foi dividida com ela.

Anos depois destes eventos, poucos meses após a morte de sua mãe, Ailsie e seu pai, como ela sempre chamou o Senhor Openshaw, dirigiram-se para um cemitério, um pouco afastado da cidade, e ela foi levada até uma lápide por sua empregada, que voltou para a carruagem.

Na lápide, as iniciais “F.W.” e uma data sobre o nome. Isso era tudo que se podia saber sobre quem estava enterrado ali.

Junto à sepultura, o Senhor Openshaw contou-lhe a história, e pelo triste destino daquele pobre pai.

Ele nunca avistara o sorriso de sua filha, e agora ela derramava as suas lágrimas que ele jamais viu cair de seus olhos.

 

 

 

[1] Bebida alcoólica quente feita à base de rum, água e açúcar.
[2] Oficial, cuja função vem imediatamente abaixo a do comandante de um navio. É quem assume o comando da embarcação em caso de incapacidade, de impedimento ou morte do capitão.
[3] Tecido muito leve e transparente, usado na confecção de vestuário feminino.
[4] Relativo à Nova Inglaterra (região dos EUA).
[5] Roupão, o mesmo que robe de chambre.

 

 

                                                                  Elizabeth Gaskell

 

 

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