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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O CASAMENTO PERFEITO / Penny Jordan
O CASAMENTO PERFEITO / Penny Jordan

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

3º livro da série Família Crighton

O CASAMENTO PERFEITO

 

Tullah Richards tem consciência que não devia ficar nutrindo fantasias sobre seu chefe. Quando começou a trabalhar na empresa, estava convencida que nutria o maior desprezo pelo mulherengo Saul Crighton. Mas quanto mais ela trabalha e socializa com ele, mais vem a perceber que este dedicado pai solteiro de três filhos é a personificação do casamento perfeito. Ela sabe disso, só precisa encontrar uma maneira de provar a Saul.

 

Tullah pegou o fone com cansaço ao ouvi-lo tocar. Tinha acabado de entrar em seu apartamento. A despeito de a companhia para a qual trabalhava estar fazendo cortes nas admissões e promoções de funcionários, a quantidade de trabalho que passava por sua mesa parecia crescer a cada dia. Oficialmente ela encerrava o expediente às cinco e meia, mas naquele dia, bem como em todas as noites das últimas seis semanas ou coisa assim, ela tinha ficado tra­balhando até depois das nove. Mas ela não teria que aguentar aquilo por muito mais tempo... Graças a Deus.

— Tullah Richards — ela anunciou suavemente ao te­lefone com aquela voz ligeiramente rouca e sensual da qual seus amigos zombavam, dizendo ser sexy demais para quem se dizia tão séria e profissional.

— Tullah! Que maravilha. Tenho tentado encontrá-la o dia inteiro. Ainda está de pé este fim de semana, não está?

Tuflah sorriu ao reconhecer a voz de Olivia. Elas ha­viam trabalhado juntas alguns anos antes e continuavam sendo boas amigas, apesar de Olivia estar agora casada e com uma filhinha, morando no interior de Cheshire, en­quanto Tullah permanecera em Londres, determinada a perseverar no caminho profissional que havia escolhido.

Mas não por muito mais tempo. Por uma estranha revira­volta do destino, ela também logo estaria de mudança para Haslewich...

— Sim, se ainda estiver de pé para você — ela respon­deu.

— Estamos ansiosos — Olivía afirmou. — A que horas você acha que estará chegando?

— Acho que por volta das cinco. Tenho um encontro com o responsável pela mudança à uma da tarde, vamos dar uma olhada em diversos imóveis que eles seleciona-ram para mim.

— Imóveis... Soa bastante imponente — Olivia disse, brincando com a amiga.

Tullah riu.

— Assim espero — concordou. — Na verdade, já disse a eles que não poderei bancar nada mais caro que um apar­tamento de um quarto, ou melhor, uma casinha de um co­modo, apesar de entender que, com o fluxo de novos mo­radores que Haslewich recebe vindos de Aarlston-Becker, os imóveis aí devam estar muito disputados.

— Alguns estão mesmo — Olivia concordou. — Acho que, no começo, os figurões da Aarlston-Becker pensa­vam que poderiam trocar suas casas de dois andares na ci­dade por mansões de sete quartos no campo, com espaço para estábulos e jardins no estilo de Gertrude Jekyll, você sabe, aquela paisagista do final do século 19, começo do século 20. E a realidade não era bem essa. Os imóveis são mais baratos aqui, mas... Existem algumas casinhas real­mente lindas em Haslewich mesmo. Minha tia-avó Ruth já tem quatro novos vizinhos na Praça da Igreja, onde ela mora, e com toda certeza teremos de lidar com um aumento na quantidade de carros. Aliás, o que você vai fazer com seu apartamento de Londres?

— Ah, bem, tive muita sorte quanto a isso. Sarah, a moça que dividia o apartamento comigo, vai casar e ela e o marido estão comprando-o, assim não perderei tempo esperando por um comprador. Apesar que a oferta de tra­balho que me ofereceram prevê que cabe a eles arcar com os custos da mudança, inclusive empréstimos que eu ve­nha a precisar, além de me garantir um financiamento de casa própria.

— Essa garota é das minhas — Olivia riu. — Estou an­siosa para você mudar logo para cá. Vai ser como nos ve­lhos tempos. Às vezes nem posso crer que faz mais de três anos que deixei a empresa. Tanta coisa aconteceu. Caspar e eu casamos, tivemos Amélia, os negócios começaram a melhorar ano passado e o tio Jon e eu temos conversado ultimamente sobre contratar um advogado.

— Hummm... Bem, você com certeza fez a coisa certa quando largou a companhia — Tullah assegurou. — A quantidade de demissões desde então é assustadora.

— Mas eles vão lamentar sua perda — Olivia respon­deu. — Fiquei extremamente orgulhosa de você quando soube que a Aarlston-Becker queria contratá-la.

— Eu e mais uma dúzia — Tullah sentiu-se compelida a dizer —, e só porque eles decidiram se transferir para Haslewich quase no último minuto, ao invés de seguir adiante com o plano original de levar a sede da companhia para Haia. Os incentivos britânicos acabaram sendo bem melhores.

— Bem, pode estar certa de que estará trabalhando em uma multinacional de primeira classe — Olivia disse, cheia de entusiasmo. — Meu primo Saul está impressio­nado desde que começou a trabalhar com eles, há seis me­ses. Como você, ele recebeu uma proposta logo que eles se transferiram e...

— Saul — Tulíah a interrompeu, com uma pungência incomum tomando conta de sua voz normalmente suave e rouca.

— Hummm... Ele é primo meu por parte de pai, bem, talvez primo de segundo ou terceiro grau. Nunca sei bem, com essa nossa família tão embaralhada. Você não deve lembrar dele, apesar de ele ter ido ao casamento e ao batismo da Amélia também. Alto, moreno e...

— Belo — Tullah suspirou corajosamente e acrescen­tou, sendo bem direta: — Até onde me lembro, Olivia, você tem pelo menos meia dúzia de primos de segundo e terceiro grau que correspondem a esta descrição.

— Talvez — Olivia concordou e sua voz suavizou le­vemente ao continuar —, mas só um Saul.

— Quisera eu... — Tullah murmurou entredentes. En­tão, levantando a voz, continuou. — Lembro vagamente dele. Bera moreno, um tanto autoritário e bem galante, pelo que lembro. Falou muito que era um ótimo pai, mas pelo que lembro foi sua tia Jenny quem ficou tomando conta dos filhos dele. Eu achava que esse seu lado da fa­mília morava em Pembroke — acrescentou com desdém.

— E moravam... Moram. É que desde que o tio Hugh se aposentou, ele e Ann passam boa parte de seu tempo viajando pelo exterior. Tio Hugh é um navegador bem preparado e, bem, para encurtar a história, Saul agora é di­vorciado e achou melhor que os filhos crescessem em um ambiente onde tivessem fortes vínculos familiares, e na verdade este foi o motivo principal para que ele aceitasse o emprego na Aarlstons. É realmente uma coincidência que vocês dois estejam trabalhando para o departamento legal da empresa, mas também, trata-se de uma grande multinacional. Eles despertaram muito antagonismo na região. Tia Ruth comentou que a chegada deles a fez lem­brar de quando os americanos chegaram durante a Segun­da Guerra Mundial; só que eles traziam meias de seda e chocolate para serem aceitos na comunidade. Tia Jenny estava dizendo outro dia que a opinião geral do povo local tende a ser favorável ao influxo de moradores, ou ao me­nos favorável ao estímulo à economia que eles vão trazer. Ela ouviu isso de seu sócio, Guy Cooke. Aliás, fique sa­bendo que a enorme família de Guy Cooke é de Hasle-wich; eles estão aqui desde o início dos tempos.

— Hummm... Bem, é bom saber que não terei de lidar com o comité regional de despejo — Tullah disse, melan­cólica.

Olivia riu.

— Você? De jeito nenhum! Vai ser ótimo que você passe o final de semana conosco, Tullah. Estou realmente ansiosa.

— Eu também — Tullah correspondeu com um sorri­so.

Contudo, após pôr o fone no gancho, ela já não estava sorrindo. Saul Crighton. Ela não havia percebido que ele estava morando em Haslewich agora ou, ainda pior, traba­lhando na Aarlston-Becker. É claro que ela sabia que OJi-via já havia tido uma certa queda por ele, apesar de Tullah não entender o porquê. De acordo com a opinião geral e as fofocas que ouvira no casamento de Olivia e Gaspar, Saul chegou bem perto de conseguir separá-los ao tentar, com o maior sangue-frio, persuadir Oiivia a ter um caso com ele, apesar de ele ainda estar casado na época. E, como se isso não fosse ruim o bastante, Tullah também ouviu as mesmas duas pessoas conversarem sobre o fato de uma das primas adolescentes de Olivia, Louise, ser uma próxi­ma vítima em potencial da necessidade grosseira e egoísta que Saul tinha de alimentar sua auto-estima da única ma­neira que aparentemente sabia, ou seja, lisonjeando e se­duzindo meninas jovens, imaturas e vulneráveis até con­seguir um romance.

Tullah sabia tudo sobre aquele tipo de homem, e co­nhecia também o tipo de devastação que sujeitos assim podiam acarretar, como deixavam suas vítimas magoadas e com raiva de si mesmas. Ela deveria saber. Afinal de contas...

Mas não havia sentido em ficar relembrando o passado. Havia definitivamente posto uma pá de cal naquele episó­dio de sua vida, quando foi morar e trabalhar em Londres. A mesma moça que, quando muito jovem, havia se apai­xonado tão intensa e perniciosamente por um homem ca­sado, o qual se aproveitou com frieza de sua ingenuidade e inexperiência, de sua confiança na sinceridade dele quando dizia que a amava e que seu casamento era uma grande mentira, simplesmente não existia mais. Como ela fora capaz? Não havia cura para o que sofrera: ela havia sido destruída pelo trauma de descobrir como seu amado a enganara, ao saber que não só ele não tinha nenhuma in­tenção de deixar a esposa como também que ela era apenas mais uma em uma longa íista de casos que ele acumu­lara através dos anos.

Sendo honesta consigo mesma, ela agora conseguia ver que nem foram tanto seu amor e adoração juvenis que lhe deixaram cicatrizes tão profundas, mas a humilhação, a raiva de si mesma que passou a nutrir, a consciência de ter sido tola e crédula.

A esposa dele lhe disse naquela época, aparentando cansaço, que a única razão pela qual ela não o havia dei­xado eram os filhos.

— Eles ainda precisam dele, apesar de eu não — ela confessou a Tullah de maneira bem direta, e Tullah, humilhantemente ciente do quanto sentira falta do pai depois que ele e sua mãe se divorciaram, teve de morder o lábio inferior com força para não chorar como se fosse ela a criança.

Através dos anos ela conheceu boa quantidade de ho­mens que sofriam das mesmas necessidades egocêntricas; criaturas rasas e vaidosas, donos de um charme perigosa­mente sedutor que podia enganar com a maior facilidade as vulneráveis e as ingénuas. Até segunda ordem, ela não tinha dúvida de que Saul Crighton era mais um daqueles.

Ela lembrava que ele a convidara para dançar no casa­mento, olhando-a do alto de seu mais de um metro e oiten­ta, franzindo o cenho quando ela recusou, tão sucinta e abruptamente quanto uma criança.

Ela também lembrava de ver que Oiivia estava toman­do cuidado demais com ele. Ela explicou, ao ver que Tul­lah a observava, que ele estava passando por um momento difícil, com uma enorme responsabilidade nas costas.

— Ele e a esposa... estão separados — ela explicou, um tanto desconfortável com a ausência de resposta de Tul­lah, que nada disse por não querer discutir com Oiivia dizendo que aquilo não a surpreendia. Afinal de contas, aca­bara de ouvir que Saul tentara seduzir Olivia para que se afastasse de Caspar.

Foi Max Crighton, outro dos primos de Olivia, filho mais velho de Jon e Jenny, que explicou toda a situação.

— Saul gosta das novinhas... Ainda está nessa fase — Max contou, cheio de cinismo. — Veja bem, ele não faz exatamente a linha fiel. Tão logo percebeu que havia per­dido Olivia, começou a fazer o mesmo jogo com minha irmã Louise.

Tullah passou uma boa meia hora escutando Max ex­plicar as intricadas relações interfamiliares que existiam entre os vários membros dos Crighton. Ele mesmo deixa­va bem elaro ser do tipo de homem que gostava de jogar charme, mas Tullah considerou muito mais fácil para sua cabeça lidar com as tentativas bastante explícitas de Max de envolvê-la do que com a sinistra e muito mais dissimu­lada pseudo-sinceridade de Saul, principalmente ao ver Louise toda serelepe, observando-o com a boca trémula e o coração saltando dos olhos. Não, ela não havia gostado nada de Saul Crighton... nem um pouquinho.

— Você está parecendo muito pensativa e preocupada — Gaspar comentou com a esposa enquanto caminhava em direção à cozinha, deixando os artigos que trouxera para ler sobre um móvel e indo até a mesa onde sua mulher estava para tomá-la nos braços e beijá-la.—Hummm... Que beijo gostoso.

— Hummm... bastante — ela concordou. — Falei com Tullah hoje. Ela confirmou que vem neste fim de semana.

— Ah, então entendi. É a possibilidade de atuar como casamenteira que está deixando-a pensativa...

— Bem, Tullah está com vinte e oito anos, na hora de se estabilizar — Olivia respondeu, na defensiva. — E ela é tão maternal...

— Maternal? — Caspar gargalhou alto. — Estamos fa­lando da mesma Tullah? A Tullah que parece ter saído diretamente da fantasia de todo homem...? Algo entre Clau­dia Schiffer e uma gatinha de SOS Malibu? A mesma Tul­lah com aqueles olhos negros maravilhosos e cachos e a boca com aquela expressão graciosamente enfezada nos lábios que a faz parecer tão provocante e ao mesmo tempo tão mais vulnerável e menos inteligente, se é que você me entende... e...

— GCaspar — Olivia disse, em tom de aviso.

— Desculpe — Gaspar respondeu, sem muita intenção. Seus olhos brilhavam enquanto ele reconhecia —, talvez eu tenha exagerado... Mas você tem que concordar comi­go que ninguém jamais pensaria que ela é uma advogada altamente qualificada. É como se o seu sex-appeal extra­polasse os limites, enquanto seu QI...

— Gaspar — Olivia disse, em um tom mais severo.

— OK, OK... calma. Você sabe perfeitamente bem que gosto de louras petulantes com olhos luminosos e... Tudo o que estou tentando dizer — acrescentou, pacientemente — é que Tullah pode ser estonteante, sedutora e extrema­mente sexy, mas maternal...

— Isto é porque você a está julgando pela aparência — Olivia falou, muito seriamente. — Como você mesmo disse, ela é altamente qualificada. Na verdade, começou a trabalhar em um pequeno escritório, você sabe, mas lidar com tantos casos de divórcio e custódia a abalou tanto que ela decidiu passar a trabalhar para corporações. Os pais dela mesmo se divorciaram quando ela ainda era adoles­cente e, pelo que ela me contou, parece que foi bastante traumático para ela.

— Hummm... é provável mesmo. — Trocaram longos olhares de compreensão mútua. A infância de Caspar não tinha sido das mais fáceis; ele ficou sendo passado para lá e para cá, da mãe para o pai e vice-versa, sendo deixado em segundo plano, enquanto os pais começavam outros casamentos, formando novas famílias, as quais, na cabeça de Caspar, pareciam suplantá-lo.

A infância de Olivia tampouco tinha sido desprovida de problemas. Seu pai, David, irmão gémeo de seu tio Jon, desapareceu quando se recuperava de um sério infarto: simplesmente saiu e foi embora, sem deixar pistas de para onde estava indo ou do que pretendia fazer e, quanto à mãe...

Tânia, sua mãe, após sofrer de uma desordem alimen­tar por anos a fio, estava morando no sul da Inglaterra. Várias semanas antes, ela telefonara a Olivia para dizer, muito animada, que havia um novo homem em sua vida, e queria que a filha o conhecesse.

— Estive pensando que um dos primos de Chester po­deria ser perfeito para Tullah — Olivia disse a Caspar.

— Um deles? — ele repetiu, levantando as sobrance­lhas.

— Bem, há tantos para ela escolher — ela se defendeu — e agora que Luke e Bobbie estão casados... Bem, talvez isto possa dar um empurrão de estímulo nos outros. Afinal de contas, não é falta de segurança financeira que os está detendo.

— Você soa como um dos personagens de Jane Austen

— Gaspar zombou. Olivia riu mais uma vez.

— Você quer dizer, "é fato universalmente reconheci­do que um homem que tenha fortuna está necessariamente em busca de uma esposa", não é? Mas eu estava me refe­rindo mais às necessidades emocionais — ela disse a Gas­par com muita dignidade. — Agora me deixe ver... Temos James e Aliester, Niall e Kit — ela contava nos dedos os primos.

— Ela não pode casar com todos eles — Gaspar inter­rompeu-a.

— É claro que não — ela respondeu, olhando-o de for­ma mordaz. — Mas tenho certeza que um deles... Afinal, pense no que ela tem em comum com eles.

— O quê?

— Bem, para começo de conversa, a mesma profissão

— ela respondeu, levantando os olhos em direção ao teto.

— Homens... Francamente! — E, balançando a cabeça, voltou-se para o jornal que estava começando a ler antes de ele chegar.

— Livvy...

Ela olhou para Gaspar, que conduziu gentilmente sua cabeça em direção a ela.

— Veja, sei que você tem boas intenções, e seus primos e Tullah têm, sim, algo em comum, mas ela é uma mulher, uma profissional altiva de quase trinta anos de idade. Você não acha que, se ela quisesse se ajeitar com alguém e ter filhos, já teria encontrado um parceiro por si mesma a esta altura do campeonato? Olivia mordeu o lábio.

— Você está tentando me dizer que eu não deveria me meter?

— Bem...

— Eu estava só pensando em oferecer um ou dois jan­tares aqui... retornar convites... este tipo de coisa.

— Hummm... Suponho que eu deva entender isto como um elogio, que você adora o casamento e a maternidade de tal maneira que quer infligir, ou melhor, compartilhar a sensação com pessoas amigas.

— Suponho que sim — ela concordou. — Por falar nis­so... Você se lembra como conversamos, outra noite des­tas, que já estava na hora de começarmos a pensar em um irmão ou irmã para Amélia?

— O que, você não está...

— Ainda não — respondeu, timidamente. — Mas real­mente temos que...

— Ah, sim, temos mesmo — Gaspar concordou, rindo, conduzindo-a até a porta da cozinha e subindo as escadas com ela.

 

— Então, encontrou algo aqui do seu agrado? — Olivia perguntou a Tullah ansiosamente quando a amiga retor­nou das visitas que fizera, acompanhada de um corretor, aos imóveis que a imobiliária seiecionara.

— Na verdade não, a não ser esta bonequinha. — Tul­lah riu, parando um pouco de embalar em seus braços Amélia, filha de dois anos de idade de Gaspar e Olivia, para responder a pergunta.

—Ah, bem, se é disso que você gosta, não era uma casa que você devia estar procurando, e sim um homem — Olívia brincou com ela.

— Não, obrigada — Tullah replicou, o sorriso que es­tava em seu rosto desaparecendo enquanto ela devolvia Amélia à mãe.

— Tullah... — Olivia começou, mas parou ao ver a ma­neira que a outra olhou para ela. Apesar de boas amigas, Tullah sempre fora do tipo distante e, a despeito de sua aparência voluptuosa e sensual, os homens da empresa para a qual trabalhara logo aprenderam a tratá-la com muito cuidado.

Olivia sabia a razão da cautela de Tullah com o sexo oposto, e sabia também que Tullah não gostava de conver­sar sobre sua vida amorosa.

Sabia que a única vez que Tullah havia baixado a guar­da com os homens foi quando se relacionou com um ho­mem casado que Olivía sabia muito bem que não tinha a menor intenção de se separar da esposa. Será que, por ser aquele homem já comprometido, ela se sentia segura?

— Então nenhum dos imóveis serviu? — Olivia per­guntou, calorosamente.

Tullah fez cara feia.

— Bem, os apartamentos modernos de quarto-e-sala que eles me mostraram eram viáveis em termos de preço, mas muito mal localizados, e as casinhas ou eram grandes demais ou muito caras, ou ambas as coisas. Mas uma, con­tudo... — Ela fez uma pausa enquanto Olivia aguardava. — Bem, tinha tanta coisa contra, e até o corretor disse que ela só havia sido incluída na lista na última hora, mas...

— Mas... — Olivia a encorajou a continuar, paciente­mente.

Tullah olhou para ela de maneira tristonha e admitiu:

— Mas foi amor à primeira vista.

— Ah, querida... — Olivia condoeu-se. — Tanto as­sim?

— E tem mais — Tullah concordou sardonicamente, contando nos dedos cada ponto. — Preço caro demais, casa longe demais do trabalho. Precisa de uma fortuna em reformas. Talvez desinsetizar a madeira, novas instala­ções elétricas e sanitárias, imagine só. Não tem sequer um sistema de esgoto decente.

— Então, o que exatamente tem na casa? — Olivia per­guntou, acrescentando, solícita. — Tem que haver algo que a tenha atraído tanto.

— Ah, mas tem — Tullah concordou. — O lugar é cer­cado por terras de cultivo. Tem a vista mais maravilhosa do rio. Tem um jardim enorme. É uma das metades de uma só construção dividida em duas, e a outra metade é de duas irmãs idosas e viúvas que aparentemente viajam muito para a Austrália para visitar parentes. O caminho que leva à casa só dá para uma casa-grande, que nem dá para ver de lá.

— Uma casa na fazenda... — Olivía parecia intrigada e levemente excitada. — Onde exatamente fica esta casi­nha, Tullah? Parece...

— Eu sei que parece horrível — Tullah completou para ela — e com certeza não é o tipo de coisa que uma profis­sional razoável e em sã consciência sequer cogitaria com­prar. Mesmo que seja uma pechincha, e certamente não é, pode levar meses até estar pronta para morar.

— Bem, você pode ficar aqui sempre que precisar — Olivia ofereceu generosamente, e quando Tiillah fez que não com a cabeça, ela perguntou. — Então o que você fez? Disse ao corretor que era impraticável?

— Não — Tullah admitiu com urn sorriso envergonha­do. — Fiz uma oferta...

Ambas ainda estavam rindo quando Caspar entrou na cozinha e ele, como era de se esperar de um homem, não conseguiu compreender muito bem o motivo das risadas mútuas, nem depois de Olivia explicar.

— Saul ligou quando você estava fora — ele disse a Olivia. — Vai chegar um pouquinho depois do combinado para o jantar, parece que teve problemas com a babá, mas disse que com certeza estará aqui até as oito e meia.

— Tudo bem. Convidei Saul, Jon e Jenny para jantar hoje conosco — ela explicou a Tulíah. — O que, aliás, me lembra da sua casinha na fazenda... — Olivia parou de fa­lar ao ver que a pequena cadela retriever dourada soltou um tímido uivo de objeção quando Amélia puxou seu rabo e deu uma bronca maternal na filha, livrando o ca­chorro de seu puxão. — Não, Amélia, assim você machu­ca a Flossy. Você tem de ser delicada com ela.

Umas duas horas depois, Tullah estava de pé em frente ao lindo espelho vitoriano do quarto de hóspedes de Oli­via, observando sua aparência e pensando que gostaria muito mais de passar uma noite relaxante com Olivia e Gaspar do que ter de ficar sentada conversando amenida­des com os convidados durante o jantar. Já havia estado com Jon e Jenny antes, e com Saul e, apesar de ter simpa­tizado com o casal o mesmo não podia dizer de Saul...

Comprou o vestido que havia escolhido para usar na­quela noite por uma verdadeira pechincha, coagida pela mãe e pela irmã de Hampshire durante um final de semana de compras e, como já havia dito na ocasião, não achava que fizesse muito seu estilo.

Lucinda, sua irmã, balançou a cabeça como boa irmã mais velha e disse para deixar de ser boba.

— É claro que faz seu estilo. Este tom de creme é per­feito para a cor da sua pele e do seu cabelo, e o vestido não poderia ser mais fácil de vestir. Se eu não estivesse tão enorme no momento, ficaria tentada a comprá-lo para mim mesma.

— Bem, você não vai ficar grávida para sempre—Tul­lah respondeu, mas Lucinda fez que não com a cabeça e suspirou.

— Acredite em mim, no ponto em que estou, três me­ses parecem ser para sempre, e além do quê, tenho minhas dúvidas se um dia serei novamente magra o suficiente para usá-lo, ou mesmo se terei oportunidade para tal.

A cor do vestido de fato lhe caía bem, Tullah teve que reconhecer, mas ainda tinha consciência de que o efeito estreito, delgado e levemente aderente do tecido sedoso e de corte enviesado não era algo que ela escolheria natural­mente.

O decote do vestido era discreto o bastante, mas a ma­neira com que o tecido se deslocava, o modo com que pendia generosamente de suas curvas... Felizmente ela ti­nha selecionado um casaco do mesmo tecido, e o comprou também. Ao vesti-lo, percebeu que ficaria com calor com aquele casaco.

Lá embaixo a campainha soou.

Tullah vestiu o casaco, correu até a porta do quarto e desceu as escadas, esperando ver Jon e Jenny na entrada com Olivia. Parou bruscamente ao chegar lá e ver que o primeiro a chegar havia sido o primo de Olivia, não seus tios.

— Tullah — Os olhos de Olivia se arregalaram ligeira­mente de satisfação ao ver a amiga. "Não banque a casa­menteira" , Caspar havia dito a ela enfaticamente, mas na verdade... era um desperdício... — Você se lembra de Saul, não é? — Ela continuou a sorrir de Tullah para Saul, que estava ao seu lado.

— Sim — Tullah concordou friamente, fingindo não ver a mão que Saul estendeu em sua direção e tomando cuidado para ficar do outro lado de Olivia, longe do alcan­ce de seu olhar direto.

— Sim... Bem, Caspar está na sala de jantar, Saul, se você desejar uma bebida. Você deu um jeito no problema com a babá? — Olivia disse, sorrindo.

— Felizmente, sim — ele confirmou. — Desde o caso da custódia que tenho de ter mais cuidado em escolher a babá...

Enquanto o escutava, Tullah ficou contente que nem ele nem Olivia estavam olhando para ela, pois sabia que seu rosto devia estar transparecendo seus sentimentos. Que tipo de pai seria Saul para ter de ser coagido pela jus­tiça a escolher uma babá aceitável para seus filhos? Eram muitos os casos impressionantes de crianças pequenas deixadas aos cuidados de babás incompetentes, ou em certos casos, sem babá alguma, muitas vezes com resulta­dos chocantes. Com toda certeza não seriam dificuldades financeiras que estariam impedindo Saul de contratar uma boa babá.

Pessoalmente, ela considerou errado o bastante que ele escolhesse sair durante uma das visitas dos filhos ao invés de passar seu tempo com eles, e ficara até surpresa de Oli­via tê-lo encorajado a isto.

— Eu vou ajudar na cozinha — ela se ofereceu, balan­çando a cabeça quando Olivia sugeriu que ela se juntasse aos homens para um drinque enquanto esperavam pela chegada de Jon e Jenny. A última coisa que ela queria era ter de passar um minuto além do estritamente necessário conversando com Saul Crighton.

— Olivia estava me dizendo que você em breve estará se juntando a nós na Aarlston-Becker — Saul comentou com Tullah, fazendo que não com a cabeça quando Gas­par tentou encher sua taça de vinho novamente. — Melhor não — ele disse ao outro. — Vou dirigir.

Bem, ao menos ele tinha algum senso de responsabili­dade, refletiu Tullah, ainda que ela não pudesse ter em alta conta um homem que parecia considerar mais sua car­teira de motorista que os próprios filhos.

— Sim, isso mesmo — ela concordou, respondendo a pergunta e depois se voltando para Jon, que estava senta­do do outro lado, para perguntar se a chegada da grande multinacional à região teve algum efeito em seus negó­cios.

— Bem, realmente tivemos uma verdadeira explosão de casos de transferência de posse — Jon respondeu, sor­rindo — apesar de que, como você sabe, todo o trabalho interno e corporativo da Aarlston é executado pelo depar­tamento legal da empresa. Olivia estava dizendo que você se especializou em lei europeia.

— Sim, isso mesmo — Tullah concordou mais uma vez entre uma colherada e outra da deliciosa vichyssoise, uma sopa cremosa de batata e alho-poró. Ela própria gos­tava de cozinhar, apesar de não dispor de muito tempo.

— Tullah passou um ano trabalhando em Haia — Oli­via contou ao tio, sorrindo para a amiga. — Mais uma coi­sa que você e Saul têm em comum — disse, voltando-se para Tullah. — Saul trabalhou lá por um tempo. Foi assim que conheceu Hillary.

— Sua esposa? — Tullah perguntou a Saul, com um tom indiferente na voz.

— Ex-esposa — ele a corrigiu com calma, mas ela per­cebeu que ele a fitava como se ciente da animosidade dela.

Ela desconfiou que estar ciente não queria dizer que ele estivesse particularmente preocupado. Mas também, por que estaria? Saul podia ser considerado, dentro de qual­quer critério normal, um homem muito atraente e elegante e, a julgar pelo modo com que Olivia e Jenny falavam 1 com ele, dava para ver que elas tinham uma queda por ele. j Ele certamente não era o tipo de homem que jamais se queixaria de falta de companhia ou de aprovação por parte das mulheres, mas ela seria uma das exceções. Tullah ad­mirava bastante a maneira amigável e calorosa com que Caspar o tratava, levando-se em consideração que Saul tentou deliberadameníe destruir o relacionamento de Cas par e Olivia.

— Saul, a Aarlston parece ser uma ótima empresa para se trabalhar, de acordo com o que você nos disse sobre eles — Jon interveio diplomaticamente.

— E são — Saul confirmou, e disse mais. — Na verdade, a empresa é reconhecida como líder no campo da igualdade sexual, sendo também uma das primeiras mul­tinacionais não só a oferecer creche para as funcionárias com filhos, mas também a introduzir a licença-paternída-de automaticamente tão logo a criança nasça. Com certeza ela foi ótima para mira em relação à quantidade de tempo que tive de me ausentar por causa das crianças, especial­mente devido ao processo de custódia.

— Sempre fico impressionada de ver como muitos ho­mens parecem desenvolver um forte instinto paternal quando estão sob ameaça de perder os filhos — Tullah co­mentou, provocando Saul e dirigindo-lhe um olhar ácido.

— Alguns pais podem desenvolver, uma tendência a subestimar seu papel na vida dos filhos — Jon concordou amistosamente.

Saul nada disse, mas Tullah sabia que estava sendo atentamente observada por ele, e a forma com que ele a olhava não indicava que sua concentração nela se devia a qualquer tipo de desejo masculino ou de aprovação.

Tanto melhor! Se ela tinha conseguido achar um ponto fraco por debaixo de sua arrogância e autoconfiança, óti-mo. Ainda podia se lembrar da angústia que seu pai cau­sou a todos ao insistir em seus direitos de visita, os quais em geral ele acabava se esquecendo de exercer ou, quando lembrava, acabavam sendo visitas insuportáveis nas quais Tullah ficava vendo televisão em seus aposentos, proibida de perturbá-lo enquanto ele trabalhava. Mas também, é claro que o que ele queria nãq era a companhia dos filhos. Não, o que ele queria era simplesmente privar a ex-esposa da companhia deles e tornar a vida dela o mais difícil pos­sível.

Olivia começou a recolher os pratos de sopa vazios e Tullah se apressou em ajudá-la.

— Não precisa... — Olivia começou, mas Tullah fez que não com a cabeça e rapidamente recolheu o seu pró­prio prato e o de Jon, mas ficou tensa ao perceber que Saul tinha pego seu próprio prato e o estava passando para ela.

A tentação de simplesmente ignorá-lo foi tão forte que ela quase o fez, mas antes de lhe dar as cosias, seus olha­res se cruzaram.

A compreensão cínica que ela pôde ver foi desconcer-tante, porém foi quase nada em comparação ao modo cal­mo, mas determinado, com que ele virou o jogo, dizendo a ela:

— Sente-se, eu cuido disso — e se levantou, parecendo se impor a ela com a altura. Pegou os pratos que ela segu­rava com o maior jeito e então, ao afastar-se, disse caloro­samente a Olivia — Esta sopa estava deliciosa. Você pre­cisa me dar a receita.

— Ah, mas é bastante simples — Olivia começou a di­zer enquanto ambos caminhavam em direção à cozinha.

— Você só vai precisar é de uma boa batedeira.

— Saul está determinado a garantir um lar estável para as crianças, não é? — Jenny comentou quando ele e Olívia já estavam na cozinha e não poderiam escutar. — Eu realmente o admiro pelo que ele está tentando fazer.

— Por que um homem que é pai solteiro atrai muito mais simpatia do que unia mulher na mesma situação? — Tullah perguntou, de modo azedo. — E Saul não é se­quer um pai solteiro em período integral. — Ela fez silên­cio quanto a porta da cozinha se abriu e Saul e Olivia vol­taram.

Tullah notou que havia deixado Jenny um pouco sur­presa pelo seu comentário hostil, mas estava ficando mui­to irritada de ouvir Saul ser elogiado por algo que de fato não merecia.

— Você teve muitas oportunidades de visitar os mu­seus enquanto estava trabalhando em Haia?

— Alguns — Tullah respondeu a Saul, nitidamente não querendo prolongar o papo. Estava decidida a não alimentar qualquer conversação com ele. Quanto mais ficava sentada ouvindo as pessoas, mais claro ficava como to­dos, mas principalmente Jenny e Olivia, tinham Saul em alta estima, o que, por alguma razão, a fez ficar mais de­terminada ainda a manter sua animosidade para com ele. Por que, afinal de contas, um homem deveria ser elo­giado simplesmente por se responsabilizar por seus pró­prios filhos durante um final de semana por mês, ou fosse qual fosse o acordo firmado no caso de Saul? Mesmo as­sim, parecia que ele não conseguia passar o tempo todo com eles, dando um jeito de encontrar alguém para tomar conta deles para poder sair para jantar e se deleitar com a admiração e afeição de suas parentas. Que pai!

Ela ainda se lembrava muito bem como seu pai havia feito a mesma coisa, deixando os filhos com a mãe dele, com a desculpa de ter uma reunião de negócios.

— Tullah... Eu estava falando com Saul na cozinha so­bre a casinha que você viu hoje à tarde. Tullah se apaixo­nou por uma casinha que viu hoje à tarde — ela explicou aos outros. — É...

— É totalmente fora de questão — Tullah a interrom­peu rapidamente — e completamente impraticável.

— De vez em quando é bom não sermos práticos, nos permitirmos sonhar acordados... fantasiar — ela ouviu Saul dizer. — Afinal, nossos sonhos são parte importante daquilo que nos faz humanos.

Tullah sentiu um pequeno frisson de sensação lhe per­correndo a espinha, mas quando encarou-o para rebater o que ele havia dito viu que ele estava olhando para Olivia... e que ela tinha um sorriso largo nos lábios".

Ela sentiu a cabeça doer. Estava cansada e sabia bem que era uma estranha em meio àqueles parentes tão liga­dos uns aos outros que dividiam a mesa com ela.

— Quando Louise entra de férias da faculdade? — Saul perguntou a Jenny com um tom aparentemente for­tuito.

Tullah enrijeceu o corpo com o choque e o horror de ouvir Saul perguntar a Jenny tão casualmente sobre sua fi­lha, uma menina que devia ser quase vinte anos mais jo­vem que Saul, e de quem ouvira falar que tinha uma forte queda por ele. Viu que Jenny também pareceu desconfor­tável, pois ela trocou rápidos olhares com o marido antes de responder, rapidamente.

— Na .verdade, nem tão cedo, apesar de ela ter dito que viria para casa antes. Parece que suas aulas terminam um pouquinho depois do encerramento oficial do período.

Estava bem claro que Jenny estava desconfortável de conversar com Saul sobre a filha, e não era de admirar, considerando que Tullah sabia da situação entre eles. De fato, Tullah ficou mesmo impressionada com a tolerância de Jenny e com a tremenda cara-de-pau e a evidente des­consideração de Saul pelos sentimentos de Jenny e Jon.

De modo geral, Tullah sentiu um grande alívio quando a noite finalmente se encerrou e Jon e Jenny se levantaram para ir embora. Poucos depois Saul fez o mesmo, após re­cusar uma dose de licor.

Gaspar se ofereceu para acompanhá-lo e, quando am­bos já tinham saído, Tullah acompanhou Olivia até a cozi­nha para ajudá-la com a louça.

— Saul é um amor — Olivia começou, calorosamente, enquanto punha os pratos na lavadora. — Só espero...gostaria... — Ela parou de falar ao ver a expressão de Tul­lah. — Você não gosta dele, não é? — perguntou à amiga.

— Desculpe, Olivia — Tullah disse —, mas não gosto. Eu sei que ele é seu primo, que é da sua família, mas... — Respirou fundo e levantou a cabeça, forçando a si mesma a encarar Olivia, que tinha uma expressão de desalento.

— Ele tem tudo que eu mais detesto em um homem, Oli­via. Eu sei que você... que você e ele... — Balançou a ca­beça de modo estranho. — Quer dizer, veja só a maneira que ele deixou os filhos para vir para cá esta noite. Um ho­mem assim não merece ser pai. Ele...

— Tullah... — ela ouviu Olivia interrompê-la com um tom de aviso contido, mas já era tarde demais. Tullah acompanhou seu olhar e, ao se virar, deu de cara com Saul, logo atrás dela, com uma expressão de fúria.

— Para seu governo, a única razão pela qual deixei meus filhos, de acordo com sua interpretação maldosa, para vir aqui hoje foi porque Olivia me pediu...

— Saul... — Olivia interveio, tentando contemporizar.

— Tullah não teve a intenção... ela não entendeu que...

— Não, ao contrário, entendi perfeitamente — Tullah objetou sumariamente.

— Eu voltei para me certificar se ainda está de pé dei­xar Meg com você segunda-feira à noite — Saul pergun­tou a Olivia, ignorando Tullah completamente.

— Sim, claro que está. Caspar irá pegá-la na escola e trazê-la.

Saul deu a volta para ir embora, mas pareceu hesitar e voltou-se para Tullah, fulminando-a com o olhar, falando calmamente:

— Espero que você se mostre mais criteriosa e respon­sável em suas atitudes no trabalho do que em suas atitudes com seus conhecidos — ele disse, friamente. — Porque, caso contrário...

— Caso contrário o quê? — Tuílah o desafiou, empi­nando o queixo. Ele podia ser hierarquicamente superior a ela na empresa, mas estava envolvido com o lado transa-| tlântico do negócio e graças aos céus, eles dificilmente teriam muito contato um com o outro.

— Tenho de ir, Livvy — Saul disse, ignorando-a mais uma vez. — Prometi a Bobbie que voltaria antes da meia-noite. Ela e Luke querem passar algum tempo com tia Ruth e Grant antes de voltarem para Boston.

— É, eu sei — Olivia respondeu. — Acho que foi ma­ravilhoso que Ruth e Grant tenham feito um acordo pré-nupcial de passar seis meses por ano na Inglaterra e seis meses nos Estados Unidos.

— Uma decisão digna de Salomão —Saul concordou, sorrindo. Seu sorriso desapareceu ao se voltar para Tullah e dirigir-lhe um curto aceno de cabeça antes de dar um su­mário " boa-noite".

Tullah mal pôde esperar para que a porta se fechasse atrás de Saul para dizer, com a voz rouca:

— Você se importa se eu for dormir, Livvy? Estou com um pouco de dor de cabeça e...

— Não, não, pode subir — Olivia assegurou. Tullah sabia que seu antagonismo contra Saul a havia perturba­do, mas não havia como se desculpar nem voltar atrás no que dissera.

Uma hora depois, já na cama, aninhada nos braços de Caspar, Olivia disse a ele, sonolenta:

— Não consigo entender porque Tullah não gosta de Saul, logo dele, que é sem dúvida um dos homens mais le­gais que se pode conhecer. Tio Hugh costumava dizer que Saul fez bem ao decidir trabalhar no ramo industrial, pois, a despeito de suas qualificações, ele não tem agressivida­de para se destacar num tribunal. Luke, por outro lado, tem de sobra e...

— Hummm... Ela realmente parece não gostar dele — Gaspar concordou, beijando-a no alto da cabeça e depois acrescentando. — Que bom que você não escolheu a ele para ser o pai dos filhos que você decidiu que Tullah de­seja ter. — Ele riu ao pensar na ideia.

— Saul e Tullah... Não, nunca daria certo — Olivia disse, rindo.

— Papai...

— Hummm — Saul respondeu, abaixando-se para tirar, um fio de cabelo do rosto da filha mais nova. Ela estivera chorando durante o sono, em mais um dos pesadelos que andava tendo desde que foi viver Estados Unidos com a mãe e o padrasto. Após acordá-la gentilmente e acalmá-la, Saul a observou com ternura à luz do pequeno abajur de criança enquanto esperava que terminasse de dizer o que havia começado.

— Você não vai sair e nos abandonar, vai?

Ele conseguiu dar um jeito de resistir ao impulso de ar­rancá-la da cama e abraçá-la bem forte.

— Bem, às vezes tenho que sair para trabalhar — ele respondeu com calma — e às vezes você também vai em­bora, quando tem de ficar com a mamãe, mas prometo que nunca ficarei longe muito tempo, boneca.

— Eu tenho que ficar com mamãe mesmo que não queira?

Saul sentiu um aperto no coração.

Tentou explicar aos filhos, da melhor maneira que pôde, que eles eram filhos de Hillary tanto quanto dele, e que ela os amava e os queria com ela. Os outros dois, Ro-bert e Jemima, haviam entendido, apesar de terem deixa­do claro que seu desejo era ficar com ele. Mas com Meg, contudo, estava sendo bem mais difícil explicar que não era só uma questão legal, mas também sua própria convic­ção de que, em determinada época de suas vidas, os três filhos iriam querer ter contato com a mãe e, se ele cedesse agora, iria se sentir culpado não só por privá-los de um laço afetivo que eles precisavam ter, mas no final seria provável que eles acabassem culpando-o por tomar uma decisão daquelas, quando eles não tinham maturidade emocional para opinar. E foi por isso, por causa deles, que ele fez de tudo para que seu divórcio e a subsequente cus­tódia fossem menos amargos, dentro do possível.

Levara muito tempo para que ele esquecesse o telefo­nema que recebeu de Hillary três meses antes, exigindo aos gritos que ele tomasse um avião até os Estados Unidos e pegasse os filhos, pois eles estavam destruindo sua rela­ção com o marido, que havia exigido que ela decidisse en­tre os filhos do primeiro casamento e ele.

Como era de se esperar, em se tratando de Hillary, ela havia escolhido o marido. Hillary jamais tinha sido mater­nal. Eles haviam se casado impetuosamente e sem de fato conhecerem um ao outro, e Saul ainda se sentia culpado pelo fato de, mesmo sabendo como Hillary era mal prepa­rada para lidar com duas crianças pequenas, ter cedido ao seu desejo de ter um terceiro filho para tentar remendar o casamento fracassado.

Mas por mais que se arrependesse das razões que leva­ram à concepção de Meg jamais se arrependeria de tê-la, e estava determinado a jamais deixar que ela soubesse que tinha sido, em vários sentidos, o último prego no caixão do casamento deteriorado dos pais.

"Eu nunca quis ter filhos. Não gosto de crianças", Hil­lary jogara na cara dele de modo petulante em um de seus frequentes embates. E Saul sentia vergonha de lembrar que tinha retaliado, em um tom tão desaforado quanto o dela, "bem, com certeza você não parece gostar dos meus."

Dele. Bem, eram com certeza dele, pela lei e pelo san­gue.

— Mas como você vai fazer? — Ann, mãe de Saul, per­guntou a ele, ansiosa, na primeira vez que ele disse estar disposto a lutar pela custódia integrai dos filhos.

— Veja — Saul respondeu à mãe —, você e papai têm suas próprias vidas para viver. Todos nós sabemos como papai está ansioso para se aposentar. Eu vou dar um jeito, não se preocupe com isso.

E até segunda ordem estava mesmo dando seu jeito, apesar de vezes, como naquela noite, em que a babá de sempre não podia ir e ele era forçado a engolir seu orgulho e pedir ajuda à família.

É claro que uma solução seria contratar alguém por tempo integral, para morar com eles, mas ele não queria que as crianças se sentissem como um peso que ele estava transferindo para os outros, e com certeza não queria que elas pensassem que ele não as amava ou não as queria por perto, principalmente a pequena Meg, que havia voltado dos Estados Unidos com uma insegurança e uma carência de cortar o coração.

— Você se divertiu na casa da tia Livvy? — Meg per­guntou a ele.

— Sim, bastante, obrigado — Saul mentiu. Quando Olivia lhe telefonou para convidá-lo, dizendo toda animada que sua amiga, aquela recém-contratada para trabalhar na mesma empresa que ele, estaria no jantar e lembrando-o que eles já haviam se encontrado no casa­mento com Caspar e no batizado de Amélia, ele não pode­ria imaginar a noite que lhe esperava.

Sim, ele lembrava de Tullah. Qual macho heterosse­xual com sangue nas veias não lembraria? Ela tinha o vi­sual, a aparência que produzia um apelo instantâneo à psi­que masculina. Havia algo na combinação daqueles cabe-', los grossos e brilhantes, aquela pele suave e o corpo ma­ravilhosamente delineado por curvas que sugeriam uma sensualidade e uma exuberância que produziam um efeito bem mais imediato e estonteante nos hormônios masculi­nos que qualquer mulher magrela, do tipo modelo, que a mídia gostava tanto de enaltecer.

Qual homem que, ao ver a boca carnuda e suave de Tullah, e seus seios ainda mais carnudos e suaves, poderia.. resistir a imaginar como seria perder-se no puro prazer de tocá-la, acariciá-la, fazer amor com ela?

Estes pensamentos podiam ser politicamente incorretos, mas sem dúvida representavam uma parte importante do que fazia dele um homem e eram, ao menos na cabeça de Saul, aceitáveis, conquanto permanecessem restritos e con­trolados na imaginação. Mas havia acabado de descobrir naquela noite que Tullah tinha sua maneira muito própria de garantir que quaisquer fantasias íntimas masculinas que a envolvessem fossem afastadas bem rapidamente.

Talvez fosse o choque causado pelo contraste entre a suave e feminina exuberância do corpo aparentemente ca­loroso de Tullah e seus modos hostis e incisivos, chegan­do a beirar a agressividade, o que o deixava tão descon­certado com a animosidade dela por ele. Ou talvez fosse simplesmente um gene masculino de vaidade, por ela ser tão desdenhosa e altiva para com ele. Ele não sabia o que era. O que sabia era que ele passara por momentos difíceis tentando se controlar para não revidar ao tratamento agressivo e aos comentários venenosos, tanto como acu­sado quanto como protagonista.

E o problema não se limitava ao fato de que ela era me­ramente uma amiga de Olivia. Havia outras complica­ções. Ela iria trabalhar para a mesma empresa e...

Meg soltou um pequeno ronco, o que significava que havia finalmente caído no sono. Ao se abaixar para beijá-la delicadamente na bochecha e cobri-la, Saul pensou iro­nicamente o que diabos ele tinha fêito de tão terrível para merecer tantos problemas.

Primeiro, seu casamento com Hillary, depois o proble­ma que enfrentara com Louise, e finalmente Tullah. Can­sado, voltou para seu quarto e jogou o robe que vestia so­bre uma cadeira antes de puxar as cobertas e se recolher.

Era irónico o efeito que um mau casamento, uma má relação, causava. Ele agora estava na verdade gostando de dormir sozinho. Era um alívio poder acordar de manhã sem Hillary por perto, ambos já prontos para começar o próximo round em sua constante batalha. Exausto, fechou os olhos.

Saul suspirou prazerosamente em seu sono, inalando profunda e sensualmente o perfume delicioso da mulher em seus braços; ela não tinha cheiro de perfume caro e sim seu próprio aroma, bastante especial, profundamente feminino e intensamente erótico. Ele estava bem ciente disso e dela durante todo o jantai', e lhe doía fazer o que estava fazendo, sentir o cheiro dela: ele provou daquele aroma em seus lábios enquanto beijava a suave curva de seu pescoço, mordiscando-o todo, passando pelo maxilar até chegar à boca.

Seu cabelo era como uma nuvem escura de cetim suave e sedoso, pesado, tão perfumado quanto ela por inteiro, com seus braços curvilíneos e macios e os contornos ine­briantes e femininos de seus seios. Ele deliberadamente se permitiu demorar no prazer, pelo qual tanto ansiava, de beijar aquela boca.

Tocando a suavidade aveludada da parte interna de seu antebraço, ele sentiu o corpo dela tremer todo enquanto ! ele gentilmente acariciava seu cotovelo com a ponta da} língua, até que ela afastou o braço para poder abraçã-lo :J forte, pedindo que fizesse amor " direito" com ela.

— "Direito"... O que você quer dizer com "direito" ? O que é " direito" ? — ele zombou à meia-voz enquanto ela o abraçava mais e mais forte, seus mamilos duros roçando < contra sua pele, levando-o à loucura de tanto desejo.

— Pare de falar e me beije — ela sussurrou, voltando insistentemente o rosto dele em direção ao dela com a mão, seus lábios entreabertos...

— Hummm... — Saul passou a mão pela parte inferior de seu corpo, tentando não se deter em nenhuma parte es­pecífica, nem mesmo no calor acetinado da parte interna de suas coxas, que fê-la tremer ao ser acariciada. — Ah, eu vou beijá-la sim, Tullah — ele falou, com a voz emba-çada. Ela gemeu suavemente mais uma vez e se contorceu avidamente contra ele. — Vou beijar você até que essa boca deliciosa, irresistível e gostosa que você tem fique...

— Papai... papai. Acorde. Estou me sentindo mal... Saul abriu os olhos com relutância e piscou, aturdido ao ver o filho.

— Estou me sentindo mal — Robert repetiu, com insis­tência. — Eu...

— Certo, tudo bem... vamos lá... — Saul já estava de pé, tomando Robert nos braços e correndo para o banheiro com ele.

Robert havia tido crises sérias de gastrenterite quando bebé, tão sérias que o médico chegou a levantar a possibi­lidade de ele não sobreviver. Ele havia sobrevivido, mas seu sistema digestivo era muito sensível.

Saul sabia, por experiência, que as crises de Robert eram lancinantes, mas, felizmente, curtas. De toda forma, tudo levava a crer que ele não conseguiria mais dormir muito naquela noite, o que provavelmente não era de todo mau, considerando a natureza extremamente erótica e enormemente inapropriada do sonho do qual seu filho o acordara.

O subconsciente era uma coisa estranha, uma coisa muito estranha, ele concluiu, e baniu com veemência a se­dutora e insistente imagem de Tullah deitada em sua cama, voluptuosamente nua, ainda quente após fazerem amor.

Que ele sonhasse com ela já era ruim o suficiente, mas muito pior era ter gostado tanto daquele sonho, ter ficado tão excitado com ele, tão determinado a continuar sonhan­do que chegou mesmo a relutar em ser acordado e atender a Robert.

Ele nem se lembrava da última vez que havia tido um sonho daqueles. Na verdade, para ser honesto, não se lem­brava de jamais ter tido um sonho tão intenso e excitante. Nem mesmo com...

— Papai...

— Está tudo bem, Robert.

Rejeitando severamente seus pensamentos, tratou de cuidar do filho.

 

—Amiga vou cruzar os dedos para que a oferta que você fez para a casinha na fazenda seja aceita — Olivia prometeu enquanto dava um abraço de despedida em Tullah.

Ao corresponder ao abraço, Tullah sentiu-se culpada por saber que não tinha sido exatamente uma hóspede per­feita. Era totalmente contra seus princípios agir de manei­ra escusa ou desleal. Não podia fingir compartilhar da ótica cor-de-rosa com que Olivia via o primo, mas tampouco queria partir sem tentar explicar a Olivia o porquê de não gostar daquele tipo de homem.

— Livvy, quanto à noite de ontem... — ela começou um tanto sem jeito — imagino que você deve ter pensado que exagerei em relação a Saul e...

— Bem, você me surpreendeu muito — Olivia admitiu tristemente, interrompendo-a. — Você deve ser a primei­ra mulher que já vi ter uma reação assim com Saul.

Tullah abriu a boca para alegar que a outra mulher não devia tê-lo em tão alta conta, do contrário não teria se di­vorciado, mas antes que pudesse dizer alguma coisa, Oli­via continuou:

— Mas veja bem, talvez seja melhor assim. A situação já está difícil o bastante no momento com Louise se dila­cerando de paixão por ele.

— Sim — Tullah concordou. — Compreendo que seja uma situação esquisita para... para os pais dela. Deu para ver como Jenny pareceu desconfortável ontem à noite quando Saul perguntou a ela quando Louise voltaria para casa.

Todo o desprazer e desaprovação que sentia pelo com­portamento de Saul de não apenas permitir, mas também encorajar ativamente a queda de Louise por ele, transpa­receu na maneira com que falou.

— É típico desse tipo de homem não pensar duas vezes se estaria ofendendo ou ferindo Jon e Jenny ao tocar no nome de Louise. Era óbvio que eles não estavam nada fe­lizes com a situação, e ninguém poderia culpá-los. Quer dizer, sei que é seu primo, Livvy — Tullah disse a ela in­cisivamente, com as emoções lhe turvando os olhos en­quanto lembrava como se sentira pelo casal na noite ante­rior. — Mas que tipo de homem... qual homem decente, carinhoso, maduro, de bem consigo mesmo, em paz com a própria sexualidade, precisa ficar seduzindo uma série de meninas mais jovens e ingenuas para massagear o pró­prio ego?

Quando Tullah parou para respirar, viu que Olivia pa­recia bastante chocada.

— Desculpe — disse, com pesar. — É claro que sei que você não pensa o mesmo que eu e que sua opinião sobre Saul é bem diferente da minha, especialmente tendo em vista o... o relacionamento que você e ele...

— Tullah, Saul e eu... — Olivia começou, mas parou ao escutar o choro de Amélia, que estava brincando alegremente a poucos metros no jardim. — Ah, não! Prova­velmente ela tentou pegar outra abelha — explicou a Tul­lah. — Amélia, querida...

— Ah, querida — Tullah condoeu-se enquanto troca­vam outro abraço rápido e se afastaram. Oíivia foi salvar tanto a abelha indignada quanto sua filhinha, enquanto Tullah entrava em seu carro.

— Acho que descobri por que Tullah não gosta de Saul — Olivia comentou com Caspar no jantar, muitas horas depois de Tullah ter ido embora.

— Hum... Você quer dizer que existe uma razão, e não é só por ela ser uma mulher de gosto e bom senso in­comparáveis, que não pode deixar de preferir um tipo como eu? — Caspar brincou.

— Não, lamento dizer que monopolizei essa marca em particular de bom gosto e bom senso — Olivia o informou com seriedade, tentando não rir.

— Ah, bem, prossiga então. Qual a razão profunda­mente traumática por trás de tanta aversão?

— Não tem graça, Gaspar. Ao menos não quando se sabe do passado de Tullah. Os pais dela se divorciaram quando ela era adolescente e, pouco depois, um homem mais velho... um amigo da família, na verdade, por quem ela tinha uma forte queda, o qual, ao invés de ver que o que ela estava mesmo procurando era um pai substituto, resolveu usar a inocência e ingenuidade de Tullah para alimentar a própria vaidade. Ela tinha apenas dezesseis anos de idade e achava que o amava. Ele disse a ela que seu casamento estava acabado, ela caiu na conversa dele e agora parece que concluiu, de maneira totalmente equivocada, que Saul está fazendo com Louise a mesma coisa que o tal homem fez com ela.

— Ahhh... Agora começo a entender. E é claro que você explicou a ela... — Caspar disse, enquanto começa­va a se servir de um pouco mais de pudim.

— Não... Amélia foi brincar de novo de pegar abelhas e começou a chorar antes que eu pudesse terminar de falar e, quando consegui acalmar Amélia e afastar a abelha, Tullah já tinha ido embora. Você acha mesmo que devia comer isto tudo? — ela perguntou ao marido. — Este cre­me é cheio de colesterol e você...

— Preciso de energia — Gaspar retrucou. — Ou você mudou de ideia quanto a tornar a vida de nossa caçadora de abelhas mais emocionante e com um pouquinho mais de competição com a presença de um irmão ou irmã?

— De jeito nenhum — Olivia respondeu, continuando com um tom provocante. Mas se formos fazer isso, posso imaginar maneiras muito melhores de usar este creme...

— E quais são? — Gaspar perguntou insinuantemente.

— Achei que você não conseguiria chegar a tempo — Olivia comentou calorosamente com Saul ao encontrá-lo com os filhos na sala de espera do aeroporto.

A família toda havia se reunido para se despedir de Ruth e Grant, que estavam de partida para os Estados Uni­dos, como faziam duas vezes por ano.

Após cinquenta anos de separação, um pensando ter sido traído pelo outro, encontravam-se agora unidos e felizes, e resolveram fazer valer o burlesco acordo de manter a agradável rotina de passar três meses em Haslewich e três meses na casa de campo de Grant na Nova Inglaterra.

Seriam Bobbie, a neta americana de Ruth, e seu primo Luke, que iriam sentir mais falta deles, Olivia reconhe­ceu. Para a viagem foi feita uma concessão muito especial a Joss, o filho mais novo de Jon e Jenny, que sempre fora muito apegado a Ruth e Jack, irmão de Olivia. Ambos iriam viajar com o casal e passar um tempo na Nova Ingla­terra com aquele ramo da família.

— Hummm... Eu estava com medo de não chegar a tempo — Saul respondeu após abraçar Ruth demorada­mente e apertar a mão de Grant. — Robert teve outra noite daquelas.

— Ah, querido, ele está...?

— Ele está bem agora — Saul assegurou, antecipando sua pergunta e indicando com a cabeça os três filhos, que estavam misturados a um pequeno grupo de membros mais jovens da família, incluindo Joss e Jack.

— Com Robert passando mal e Meg tendo pesadelos fica mesmo difícil ter uma noite de sono — Olivia disse, demonstrando compreensão.

— Fica mesmo — Saul admitiu, entristecido. — E não só por causa das crianças.

Mas quando Olivia olhou para ele como quem não en­tendera, ele simplesmente balançou a cabeça. Não havia a menor chance de falar, nem mesmo com Oíivia, sobre seu sono ter sido perturbado não só pelas crianças, mas prin­cipalmente pelos sonhos com sua convidada de fim de se­mana, sonhos de uma sensualidade tão intensa que, se ele não fosse um homem maduro de trinta e tantos anos, fica­ria envergonhado só de lembrar.

— Ah, vovô... Gostaria tanto de ir com o senhor — Bobbie disse com um tom choroso na voz, abraçando for­te o avô ao ouvir a chamada para o embarque.

— Muito obrigado — Luke, seu marido, brincou, olhando ao redor em busca de alguém que segurasse sua filhinha enquanto consolava a esposa.

— Deixe que eu seguro — Saul se ofereceu, pegando a menina com jeito e colocando-a confortavelmente contra o ombro, enquanto Meg veio para perto dele e ele sentiu sua mãozinha segurando a dele.

— Posso dar uma olhada na Francesca? — ela pediu. Enquanto observava o bebé adormecido, Meg o infor­mou, toda comunicativa — Minha amiga da escola, a Grace, bem, a mãe dela vai ter um bebé. Nós vamos ter outro bebé algum dia, papai? — completou, franzindo a testa.

— Não seja boba, Meg. Só as mães podem ter filhos, e nós...

Saul ficou aborrecido consigo mesmo ao ver que Robert tinha escutado o que ele disse e estava implicando com a irmã menor.

— Eu não sou boba — Meg respondeu, alterada. — Sou, papai?

Jemima, sua filha mais velha, olhava para os dois irmãos com desaprovação. Sua Jeminha, Saul assim a chamava. Sentia que o fim do casamento tinha sido bem mais sofrido para ela do que para os mais novos. Aos oito anos de idade ela já era mentalmente madura para sua ida­de, estava começando a entender a complexidade das re­lações adultas e que os adultos não eram infalíveis.

Ele sempre achou que ela saíra mais à mãe do que a ele, e ficou surpreso ao descobrir como ela quisera tão apaixo­nadamente voltar para a Inglaterra e ficar com ele.

— Nossa mãe não vai ter mais filho nenhum — ela dis­se aos irmãos com um tom severo na voz. — Ela não gosta de crianças.

Saul perdeu o fôlego.

O que Jemima disse era essencialmente verdade. Hillary não gostava de crianças e já tinha informado a ele que, como seu novo marido tampouco gostava, ela havia deci­dido submeter-se a uma esterilização.

— Algo que deveria ter feito antes de casar com você — ela disse a ele, incisiva e amarga, ao comunicar-lhe que não se opunha a que ele tivesse a guarda integral dos filhos.

— Ela ama vocês — ele disse aos três filhos, que o fi­tavam. E como poderia não ser verdade? Hillary podia não gostar de crianças, mas certamente teria amor pelos filhos. Qual mãe não teria?

Aos oito, sete e cinco anos de idade, os três haviam sido concebidos com intervalos curtos demais para uma mulher que não era particularmente maternal, ele reco­nhecia. E também reconhecia que boa parte da responsa­bilidade com eles nos primeiros anos, especialmente quanto a Jemima e Robert, havia caído sobre os ombros de Hillary.

Com Meg havia sido diferente; sua última e desespera­da tentativa de salvar e fortalecer o casamento através da concepção de Meg havia sido um erro danado, sobretudo para com a própria Meg.

Seis semanas após seu nascimento, ele chegou em casa certa tarde, levado sabe-se lá por que intuição paternal, e encontrou Hillary a ponto de partir para os Estados Uni­dos, sem as crianças e, ao que parecia, sem a menor inten­ção de avisar nada a ele.

Mais tarde naquele dia, sem conseguir persuadir Hillary a mudar de ideia, foi pegar os filhos, que estavam com a babá, e prometeu mentalmente que, mesmo talvez tendo falhado como marido e amante, não falharia como pai...

— Quando Louise vem nos visitar de novo? — Meg perguntou mais tarde, enquanto voltavam para casa. — Eu gosto dela.

— Ela não gosta de você — Jemima disse, com despre­zo na voz. — Ela só vem aqui para ver papai.

— Jem... — Saul avisou, olhando pelo retrovisor de cara feia, ao mesmo tempo em que supervisionava Meg.

Eram todos tão vulneráveis... cada um a seu modo. Meg com seu medo de escuro, tão carente; Rob e sua ma­nia de achar que meninos não choram, preferindo ficar se sentindo mal, e Jem... grande, corajosa, com um quê de ci­nismo e uma defesa planejada que se apresentava como um misto de desdém e raiva.

O que Tullah disse no sábado o fez lembrar de Jemima.

Tullah...

Não comece, avisou a si mesmo. Você já tem proble­mas demais para procurar por mais um.

— É impressionante imaginar que o primeiro ano de Louise e Katie na faculdade já esteja quase no fim — Jen-ny comentou com Jon enquanto iam para casa após se des­pedir de Ruth e Grant.

— É mesmo — Jon respondeu.

— Eu ainda tinha minhas esperanças que, agora que Louise está na faculdade, aquela queda que ela tem por Saul fosse desaparecendo aos poucos. Ela às vezes me deixa preocupada, Jon. É tão geniosa e cabeça-dura.

— Nem me diga — Jon respondeu com indiferença na voz. — Ela é mesmo uma Crighton, de cabo a rabo.

— Temo que ela venha a ter uma vida difícil se não aprender a se dobrar um pouquinho de vez em quando — Jenny suspirou. — É difícil acreditar que ela e Katie são gémeas. Às vezes demonstram ter temperamentos tão di­ferentes.

— Não é tão difícil entender — Jon comentou. — E só ver como David e eu somos diferentes.

Jenny olhou para o marido. Após todos aqueles anos e tudo que David fizera, Jon ainda punha o irmão na frente ao falar sobre ele.

— Você acha que um dia ainda teremos notícias dele? — ela perguntou, referindo-se ao fato de que, quando es­tava internado em recuperação de um infarto, o irmão de Jon e pai de Olivia havia simplesmente ido embora de suas vidas, sem dar qualquer explicação. Já fazia mais de três anos e eles ainda não sabiam nada de concreto sobre ele.

— Quem sabe? Pelo papai, eu desejo e espero que ele dê notícias. O velho não vai admitir, você sabe como ele é cabeçudo, mas acho que ele suspeita que não foi só a doença de Tiggy que o fez ir embora. É claro que não po­demos nos arriscar a lhe dizer a verdade, mas ele se agarra à sua teimosia como se fosse uma bengala, ao invés de usá-la como um porrete para dar na cabeça de todos nós.

Jenny riu.

— Ben está ficando velho — ela disse ao marido.

— E não estamos todos? — Jon respondeu, emotivo.

— O que vamos fazer em relação a Louise? — Jenny tocou no assunto espinhoso. — Da última vez que ela veio para casa se tornou um tormento com essa fixação em Saul, se oferecendo para ficar com Hugh e Ann daquele jeito, e depois... com Saul morando agora tão perto, vai ser ainda pior.

— Ela é sua filha. — Jon disse, e ainda zombou. — Esse tipo de coisa é função da mãe.

— É sua filha, também — Jenny não perdeu tempo em retaliar, concluindo, triunfante — e como você mesmo disse, ela é com toda certeza uma Crighton. A parte qual­quer brincadeira, Jon, teremos de fazer alguma coisa... di­zer algo. Se fosse Katie, por exemplo, ela estaria mortifi­cada de pensar que alguém tomasse conhecimento de seus sentimentos, mas por outro lado ela nunca perseguiria ninguém como Louíse está perseguindo Saul.

— É uma pena que Ruth não vá estar aqui enquanto Louise estiver de férias. Ela se sai muito bem com1 esse tipo de coisa. O melhor mesmo seria se Saul encontrasse alguém... casasse de novo.

— Saul casar de novo? — Jenny franziu o cenho. — Você acha que ele faria isso? Ele ficou muito abalado ao se separar de Hillary, Lembro que ele me disse na época que se sentia um fracassado. Que havia fracassado não só com Hillary e consigo, mesmo, mas com seus pais, com a família, sua criação e suas crenças... com tudo. Ele disse até que, mesmo sabendo que não amava mais Hillary, es­tava pronto para continuar com o casamento em nome das crianças.

— A propósito, o que você achou da convidada de Oli-via no último fim de semana? — Jenny perguntou ao ma­rido. — Ela era bem anti-Saul, não era?

— Ah, era? — Jon perguntou, com uma expressão meio boba no rosto. — Não prestei muita atenção ao que ela disse — ele admitiu, sorrindo para Jenny.

— Ainda bem que é você quem está dirigindo o carro, senão eu ficaria tentada a empurrá-lo para fora. Por que sempre que um homem põe os olhos em uma moça um pouquinho mais bonita esquece que ela pode ser alguém com pleno uso de suas faculdades intelectuais?

— Não esqueci — Jon objetou com um tom falsamente ofendido. — É claro que ela é inteligente... e muito bem qualificada, mas você tem de admitir que ela é... bem, que elaé...

— Sexy — Jenny completou em um tom perigosamen­te dócil.

— Sexy — Jon revirou os olhos. — Isto é o mesmo que chamar o Grand Canyon de vale. Ela é...

— Pare de babar, Jon — Jenny disse, em tom de aviso. — Parece que está senil. Veja bem — ela acrescentou —, dá para dizer que ela parece ser mais chegada às amigas que aos homens. Ela não parece fazer o tipo que gosta de flertes, nem tampouco parece lançar mão de seus, diga­mos, predicados.

— Não, ela faz mesmo o tipo sério. Ainda assim, morar em Haslewich provavelmente a fará dar uma desacelera-da. Aliás, quando é que Max e Madeleine vêm nos visitar novamente?

Jenny olhou para ele de maneira judiciosa.

Max, seu filho mais velho, era um advogado de tribu­nal, em rápida ascensão em um dos escritórios mais con­ceituados de Londres. Era também a epítome de seu tio David, com todos os seus defeitos, além de vários outros defeitos próprios. E além disso ele era lindo e sensual, ca­sado com uma jovem muito dócil, mas um tanto sem gra­ça, com a qual se envolveu somente por ser filha de um destacado j uiz da Corte Superior e neta de um membro da Câmara dos Lordes.

Ainda se deveria adicionar ao quadro os ingredientes altamente voláteis que eram um bebe, que Max não havia desejado, do que não fazia segredo, e várias clientes bem relacionadas as quais, de acordo com as fofocas, ele sedu­zia até conseguir o que queria, razão pela qual Jenny sen­tiu um aperto no coração ao imaginar que Max pudesse vir a conhecer Tullah.

É claro que ele iria investir com tudo, simplesmente porque ele era aquele tipo de homem, mas felizmente Tul­lah não parecia ser do tipo de mulher que chegaria perto de corresponder.

Ao ouvi-la suspirar, Jon olhou para a esposa com um brilho nos olhos.

— Bem, com certeza não foi de mim que o seu filho e a sua filha herdaram esta libido tão altamente desenvol­vida.

A boca de Jersny começou a formar um círculo, como se ela fosse protestar, antes que ela percebesse que ele es­tava zombando dela, e ela disse:

— Ah, não? E quanto à noite de ontem, hein?

— O que tem isso? — Jon perguntou se fingindo de inocente, mas corou levemente.

Jenny balançou a cabeça e refrescou a memória de Jon.

— Não fui eu que tive de mentir a Joss, dizendo que precisava ir para a cama uma hora mais cedo por estar com dor de cabeça.

— Não. Mas você veio comigo assim mesmo — ele lembrou a ela.

— Era minha função como sua esposa — ela retaliou com firmeza. — Afinal, um homem da sua idade... uma dor de cabeça podia ser... podia ser...

— Uma desculpa para fazer minha esposa ir para a cama comigo para eu poder fazer amor com ela — Jon su­geriu suavemente, e acrescentou: — Bem, esta noite nós não precisamos de desculpa, não é mesmo? Temos a casa toda só para nós.

— Duas vezes em uma só semana — Jenny protestou, em tom de brincadeira.

— O que você quer dizer com duas vezes em uma só semana — Jon murmurou. — Nós passamos da meia-noite ontem!

— Bem, esta é a última. — Tirando os sapatos de salto alto, Tullah sorriu ao olhar para a mãe em meio às caixas caprichosamente fechadas. — Obrigada por me ajudar. — Balançou a cabeça e acrescentou com tristeza: — Eu não tinha ideia de ter tantas coisas.

— Bem, você não pode chegar perto dos trinta sem acumular algumas coisas — a mãe respondeu.

Tullah dirigiu-lhe um olhar irónico.

— Você só lamenta que eu também não tenha acumu­lado marido e filhos, não é? — brincou.

A despeito da separação de seu primeiro casamento, depois do pai de Tullah tê-la deixado pela secretária, Jean continuou sendo uma romântica incurável, e casou pela segunda vez quando Tullah tinha seus vinte e poucos anos, após ser intensamente cortejada por um homem que havia conhecido durante as férias.

Tullah gostava do padrasto, que tinha verdadeira ado­ração pela mãe dela. Era um homem gentil cuja primeira esposa havia morrido dez anos antes que ele e sua mãe se conhecessem; não tinha nada a ver com seu pai.

— Não é que eu queira que você se case, querida — Jean retrucou. — É só que... Bem, não dá para deixar de achar que, se seu pai e eu não tivéssemos nos divorciado e aquele homem horroroso não tivesse...

— O divórcio não foi sua culpa. — Tullah a relembrou. — E, quanto àquele homem horroroso... Eu devia ter per­cebido as verdadeiras intenções deie, em vez de ser tão crédula.

— Querida, mas você tinha apenas dezesseis anos — a mãe objetou. — Ainda assim, talvez agora que você vai sair de Londres pode ser que encontre alguém que valha a pena.

— Tenho cá minhas dúvidas. Haslewich é território dos Crighton e, a julgar por...

— Território dos Crighton? — Jean parecia confusa. Tuílah riu.

— Desculpe. É só uma piadinha. Olivia, que na época assinava ainda Crighíon, e já trabalhou comigo, mora em Haslewich. A família dela é da região.

— Olivia... Ah, sim, você foi ao casamento dela.

—- E ao batismo de sua filha também. Ela me convidou para ficar hospedada em sua casa no mês passado, quando tive de ir a Haslewich para me encontrai- com o corretor imobiliário.

Tullah levantou-se, foi até a pequena cozinha e come­çou a encher uma chaleira com água.

— Ué... Você não parece ter gostado muito. Vocês duas sempre se deram bem, não é?

— Ah, sim, nós nos damos bem. É só que Olivia tem um primo... um tipo de primo. Ela tem tantos primos que não sei bem que tipo de primo é Saul.

A mãe foi até a cozinha.

— Descafeinado para mim, querida, se for café o que está fazendo — disse à filha. — Mas quem é Saul?

— Saul é... Sauí — respondeu de modo evasivo, en­chendo as xícaras de café de água quente. Completou, en­quanto entregava uma das xícaras à mãe. — Ele é outro Ralph... mas um pouco pior.

Tullah parou e franziu a testa antes de tomar um gole de seu café, e então explicou a situação.

— Ele tem filhos, três filhos, duas garotas e um menino — Tullah acabou dizendo. — Então seria de se esperar que, como pai, ele ao menos entendesse um pouquinho como Jenny e Jon devem estar se sentindo.

— Como ele é? Bonito?

Tullah olhou para a mãe cuidadosamente. As vezes, como agora, a astúcia de Jean ainda tinha a capacidade de surpreendê-la. Instinto maternal ou simplesmente uma ca­racterística de sua personalidade? Tullah não sabia bem. Só sabia que jamais ficara tão feliz na vida do que quando a mãe foi conversar com ela, muito delicadamente, sobre o que achava que estava acontecendo em relação a Ralph e pediu a Tullah para que se abrisse com ela.

A dor de descobrir que estava sendo traída, de não ser amada por Ralph, podia ter desaparecido há muito tempo, junto com seus sentimentos de adolescente por ele, mas a humilhação, a angústia e a culpa ainda estavam com ela, ainda que amainadas pelo tempo. A única coisa boa em todo aquele episódio foi saber que a mãe a entendia, não a rejeitava e acreditava nela.

— Hummm... Acho que sim — confirmou de maneira evasiva, sem encarar os olhos da mãe e olhando para outro lado, fingindo observar os azulejos da cozinha enquanto dizia — Se você gosta do tipo, eu, pessoalmente, não pos­so dizer o mesmo. De qualquer forma — concluiu, defen­siva — acho muito superficial se atrair por um homem só pela aparência.

— Ah, sim, realmente — a mãe concordou, muito sé­ria, mas depois começou a rir.

— Mãe! — Tullah a reprovou, mas também não conse­guiu deixar de sorrir.

— Bem. você está certa — Jean cedeu quando ambas pararam de rir. — Uma cara bonita e mesmo um corpo bom não valem muita coisa, a não ser que sejam acompa­nhados por...

— Um bom cérebro — Tullah contrapôs severamente.

— Bem... que tenha bom coração, ao menos — a mãe acrescentou. — Mas ele é... sexy? — perguntou, mali­ciosa.

— Sexy... — Tullah tentou olhar para a mãe com repro­vação, mas não conseguiu. Seus olhos brilhavam da mes­ma maneira que os de Jean.

Elas, e a irmã de Tullah, tinham o mesmo senso de hu mor peculiar e jovialidade, o que as ligava de uma maneíi ra que excluía o pai, que não era dos mais bem-humorados.

— Bem, ele tem três filhos — ela disse à mãe, em toi de brincadeira.

— Não quer dizer nada. Qualquer um pode...

— OK, tudo bem. Ele é sexy — Tullah afirmou e de­pois fez silêncio, impressionada consigo mesma não só por admitir aquilo, mas ainda mais por ter tentando repri­mir uma percepção feminina de algo que, para qualquer outra pessoa, ela juraria não ter lhe passado pela cabeça.

— Então... então ele é bonitão, sexy... e tem três filhos. Então me diga o que há de errado com ele — disse a mãe, após tê-la desarmado.

— Ele é divorciado... ele é... Ele é que nem o Ralph e eu simplesmente não gosto dele — Tullah explicou.

— Hummm... Bem, Olivia tem algum outro primo?

— Mãe! — Tullah reclamou.

— Está certo — Jean aceitou placidamente. — Mas você não pode me culpar por tentar. Não estou ficando mais jovem. Quero aproveitar meus netos e... tudo bem, tudo bem... Agora me diga, quais destas caixas você vai querer que guardemos para você, e quais você pretende levar?

— Vou ter de deixar a maioria destas coisas com você por enquanto — Tullah confessou. — Até que minha casa nova esteja pronta para ser habitada, estarei morando pra­ticamente em um quarto.

Após se recuperar do choque de terem aceito sua oferta pela casinha na fazenda, o que a deixou mais impressiona­da foi o entusiasmo e a ansiedade que sentiu ao saber que ela seria sua. Até agora tinha sido uma mulher urbana que só ia para seu apartamento para comer e dormir. A ideia de querer um "lar" fora, até então, totalmente extrava­gante, mas agora ela estava ciente, constrangida, das re­vistas de papel brilhante de decoração postas cuidadosamente fora do alcance dos olhos, cheias de imagens de fornos de fazendas tradicionais, que ela tinha começado a comprar desde que ficara encantada com o forno verme-lho-vinho de Olivia.

Ela também se apaixonara perdidamente pela filha de dois anos de Olivia, lembrou pungentemente, mas nem por isso tinha começado a pesquisar vitrines de lojas in­fantis ou...

A mãe de Tuílah sorriu.

— Lucinda está convencida de que Stafford está come­çando a sorrir direito.

Tullah ficou olhando para a mãe. Como ela conseguia? Às vezes podia garantir que a mãe era quase uma bruxa do bem. Como ela conseguia pinçar de maneira tão precisa o que ela estava pensando? Observou cuidadosamente o rosto de Jean. Não havia qualquer sinal de malícia, então por que ela havia escolhido exatamente aquele momento para falar sobre o bebé da irmã?

— Ele ainda não tem idade para sorrir direito — ela re­plicou prontamente e depois xingou a si mesma entre den­tes ao ver que a mãe estava boquiaberta. — Livvy disse que os bebes não sorriem direito antes de seis meses de idade — ela explicou, na defensiva — e Stafford tem ape­nas dez dias.

— Você sorriu desde o dia em que nasceu — a mãe contou, com toda a calma.

Tullah dirigiu-lhe um olhar contundente.

— Saul... — a mãe ficou pensando. — É um nome de homem bastante forte, não é mesmo? Soa confíável... ho­nesto...

— Você quer dizer, um bom pai em potencial, não? — Tullah respondeu com amabilidade ácida. — Aposto que aquelas três crianças pensam a mesma coisa toda vez que são enviadas de volta à casa da mãe tão logo ele consegue se livrar delas. Não dá para entender por que homens como ele sempre fazem tanta questão de fazer valer seus direitos de custódia. Bem, na verdade, é claro que enten­do. Na maior parte das vezes só querem perturbar as ex-esposas.

— Tullah — a mãe objetou —, você não sabe.

— Eu sei que ele não conseguiu sequer renunciar a um jantar em família para ficar com os filhos — Tullah disse à mãe, de modo incisivo — e para mim já é o suficiente.

— Que bom que você resolveu trabalhar com empresas — a mãe opinou. — Se você fosse trabalhar na vara de fa­mília seria com certeza considerada impiedosa.

— Sim, e imagine só o que eu gostaria de fazer com ho­mens do tipo Saul Crighton que existem neste mundo!

 

— E agora vou subir com você para lhe apresentar nosso novo chefe.

— Novo chefe? — Tullah perguntou enquanto come* cava a seguir a colega que a estava mostrando seu novoj ambiente de trabalho.

— Sim, é que houve alguns remanejamentos. Neill Radcliffe, o chefe deste departamento, foi transferido] para Nova York e seu lugar foi ocupado pelo então sub-chefe da área internacional, Saul Crighton. Você vai gos­tar dele. Não é exatamente uma promoção para Saul, mas :J ele é pai solteiro com três crianças pequenas para tomar | conta. Nossas atividades europeias não são muito distan­tes, como seriam os Estados Unidos caso precissem dele em uma emergência.

— Saul Crighton... — Tullah não conseguiu deixar de repetir, ignorando todo o resto do que Barbara estava con­tando.

— Sim — a colega respondeu, fazendo uma pausa ao apertar o botão do elevador. — Algo errado?

— Não — Tullah mentiu.

Saul Crighton era seu novo chefe. Será que eleja sabia quando Olivia a convidou para jantar e, se sabia, por que não dissera nada?

Porque... Porque ele era aquele tipo de homem, por isso, Tullah espumou enquanto a porta do elevador se abria. Porque sendo aquele tipo de homem, ele gostaria de vê-la cavar a própria sepultura no trabalho.

Bem, chefe de departamento ou não, quem estava lhe dando o emprego era a empresa e não ele. Mas Tullah re­conheceu que sua tentativa de tranquilizar a si mesma não tinha base ao lembrar da maneira raivosa com que ele olhou para ela ao ouvi-la falar mal dele com Olivia.

Bem, era tarde demais para fazer algo, mas a despeito de seu queixo empinado e seu ar altivo, sentia as pernas bambas ao seguir a nova colega pelo corredor até a porta no fim onde se lia " Saul Crighton, Diretor".

Diretor. Tullah engoliu em seco. Olivia não tinha fala­do nada sobre Saul ter sido escolhido para fazer parte da diretoria.

Barbara bateu de leve na porta e abriu. Conduziu Tul­lah para dentro do escritório confortavelmente mobiliado, mas sem traço de ostentação, ocupado por uma sorridente mulher de meia-idade que saudou a ambas calorosamente e se apresentou como Marsha, secretária de Saul.

— Ele não se encontra no momento — informou a Tul­lah. — Mas se desejarem esperar, logo deve estar de volta. Não se encontrava no momento. Tullah mal tinha lido mais de dois parágrafos de um artigo na primeira página do Finnancial Times do dia quando a porta externa se abriu e Saul entrou, trajando jeans muito, muito justos e uma camisa branca de algodão com as mangas arregaçadas e aberta no pescoço, não terno e gravata, como ela es­perava. Seu cabelo estava ligeiramente desgrenhado, como se tivesse corrido até sua sala e não caminhado do típico jeito folgado de um executivo sénior.

— Tullah — ele a saudou com um sorriso, estendendo-lhe a mão enquanto ela se levantava e o encarava com re­lutância. — Lamento tê-la feito esperar. Tive um pequeno problema em casa.

— Algo com as crianças? — a secretária perguntou, so­lidarizando-se.

Saul olhou para ela com tristeza.

— De certa forma. O novo morador da casa deu um jei­to de pegar um CD-Rom que esqueci de guardar.

— Ah, meu Deus...

— Ah, meu Deus, mesmo — Saul concordou com indi­ferença, e explicou para Tullah. — Tive a péssima ideia de prometer às crianças que lhes daria um cachorro. Es­queci como esses filhotes têm dentes afiados e como pre­cisam de alguém tomando conta deles. O filhote ainda está sentindo falta da mãe e faz questão de nos mostrar o tempo todo. Chora a noite inteira, toda noite.

— Você precisa colocar um relógio despertador em­brulhado em um cobertor na cestinha onde ele dorme — Tullah disse, sem pensar.

Saul olhou para ela, intrigado, e perguntou:

— Ué, mas para quê? Do jeito que os bichos são inteli­gentes, tenho minhas dúvidas que um tique-taque de reló­gio o vá fazer dormir.

— Talvez não — Tullah disse friamente. — Mas irá lembrá-lo do conforto de sentir e ouvir a batida do cora­ção da mãe.

— Ah... sim... claro. — A boca de Saul se encurvou li­geiramente nas extremidades, denotando um riso contido.

Ela estava errada ao dizer à mãe que ele era bonito. Aquele homem era mais que simplesmente bonito, ele era...

Ele era outro Ralph, lembrou a si mesma severamente, um divorciado que parecia não se importar com nada a não ser ficar destruindo noivados ao tentar seduzir Olivia e, pior ainda, encorajando Louise em sua fixação juvenil.

— É uma ótima ideia. Vou tentar hoje à noite, do con­trário...

— Não deve ser fácil — Marsha o interrompeu com um sorriso. — Ele deve ficar acordando não só você, mas as crianças também.

— Bem, sim... ele teria feito isso... — Saul fez uma pausa e olhou para Marsha um pouco envergonhado. — Eu acabei cedendo na noite passada e o levei para dormir comigo. Acho que você deve ter razão em relação ao des­pertador — ele disse a Tullah. — Acordei hoje de manhã e vi que ele estava todo espalhado e confortável no alto da cama, bem ao meu lado. Com certeza não pode continuar assim. Mal acabei de conseguir convencer Meg a dormir em seu próprio quarto.

A simpatia que Tullah começava a sentir por ele se eva­porou quando ela concluiu, irritada, que a razão para ele não querer a filha em seu quarto só podia ser por ele pre­ferir ter em sua cama alguém de mais idade e com propó­sitos bem diversos.

Qual o problema com ela, pensou consigo mesma. Es­tava se derretendo como uma pateta com as imagens sen­timentais que havia formado na cabeça; memórias de seu próprio cachorro em casa, e de como o levava escondido para o quarto, apesar de proibida de fazê-lo.

— Só vou ter tempo de entrar no chuveiro e trocar de roupa antes de me encontrar com Paul, então vou cuidar daqueles papéis hoje à tarde antes de pegar o vôo para Bruxelas.

— Eu vou fazer um café — disse a secretária, levantan­do-se apressadamente.

— Por favor — Saul concordou, sorrindo para Marsha de uma maneira à qual Tullah reagiu com uma expressão de desprazer nos lábios, instintivamente retorcendo os de­dos dos pés. Porque seu corpo se recusava, de maneira tão ridícula e teimosa, a reconhecer aquilo que seu cérebro "tentava transmitir, perguntou-se, irritada ao sentir sua reação à proximidade física de Saul.

Ela podia até mesmo sentir seu cheiro, constatou contrariada, mas não foi por contrariedade que deu um passo para trás, e o aroma que sentia vindo de sua pele não era desagradável, longe disso. Na verdade... Ela engoliu em seco, virando a cabeça só para ter certeza de estar fora do alcance daquele cheiro que era uma mistura masculina ir­ritante, sutil e devastadora, provocando um efeito indese­jável em seus sentidos.

— Temos uma equipe ótima aqui do lado europeu, Tul­lah — Saul disse — e realmente espero que você goste de fazer parte da equipe.

Boas-vindas ou aviso, Tullah se perguntou após ele acenar com a cabeça brevemente, liberando-a e entrando rapidamente para sua sala privativa. Mas ele deixou a por­ta aberta, e ela não pôde resistir ao impulso de dar uma olhada no ambiente antes de sair da sala, do que logo veio a se arrepender.

No caminho para o que era obviamente seu banheiro particular, ele havia tirado a camisa, parando apenas para abrir um armário, escondido atrás de painéis em seu escri­tório, que revelava as camisas brancas e os ternos formais que Tullah esperava vê-lo usar.

Os músculos de suas costas se contraíram ao estender o braço para pegar as roupas. Sua pele era toda bronzeada e ela se pegou imaginando até onde iria aquele bronzeado, mas parou, perplexa com o rumo que seus pensamentos estavam tomando e com o modo com que tinha ficado lá, pasma. Mas não foi nada comparado ao que ela sentiu quando Saul inesperadamente virou e olhou para ela como se soubesse que ela estava lá parada. Sua expressão era indecifrável, ao passo que a expressão dela ficou cons-trangedoramente fácil de decifrar quando ela começou a corar e teve de se voltar e caminhar rapidamente em dire-ção à porta, esforçando-se para escapar tanto do escrutí­nio dele quanto de sua própria vergonha.

— Ah, não!

— Algo errado? — Tullah perguntou a Barbara de ma­neira solícita quando a jovem soltou um lamento de cons­ternação.

— Pode-se dizer que sim — confirmou com tristeza. — Tenho dentista marcado para daqui a meia hora e pre­ciso ir embora agora mesmo, mas acabo de ver que o rela­tório que Saul me pediu para as quatro da tarde ainda está na minha mesa. Achei que tivesse levado com o resto do material que ele queria. — Olhou para Tulíah com um olhar pidão. — Será que você poderia levar para mim? É porque se eu não for agora irei me atrasar e meu dentista é rigoroso em relação à pontualidade. Já perdi minhas duas últimas consultas. Não posso perder outra.

Como posso dizer não, pensou Tullah consigo mesma.

— Você é um anjo e prometo retornar o favor com ju­ros — Barbara agradeceu fervorosamente enquanto vestia o casaco e procurava sua bolsa.

Depois que ela foi embora, Tullah olhou com desapro­vação para relatório que ela havia deixado. Até então ela ainda não havia tido muito contato com Saul, e era assim que gostaria que as coisas continuassem.

Pegou o relatório e se dirigiu ao corredor. Com sorte ele não estaria mais em sua sala. E se estivesse... Se esti­vesse, tudo o que precisava fazer seria entregar o relatório e ir embora.

Ao caminhar para o escritório de Saul, sentiu que o ar condicionado do corredor a fez tremer ligeiramente e la­mentou não ter trazido seu tailleur.

A porta da ante-sala onde ficava a secretária dele esta­va aberta, mas não havia sinal dela na mesa e Tullah per­cebeu ao dar uma olhada lá dentro, que, felizmente, tam­pouco havia sinal de Saul em sua própria sala.

Rapidamente entrou e foi direto à mesa de Saul, com a intenção de deixar o relatório sobre ela e sair logo, mas um recorte de jornal sobre um caso que se desenrolava nas cortes europeias e que era de seu interesse lhe chamou a atenção. Se vencessem, o caso abriria um importante pre­cedente no campo da lei internacional e Tullah estava tão entretida com a leitura que, mesmo vendo com o canto do olho a porta se abrir, não registrou de verdade o que estava acontecendo, até que viu Saul entrar e percebeu que ele estava pingando, quase completamente nu a não ser pela toalha enrolada na cintura. Tinha acabado de sair de seu banheiro privativo.

— Tullah, o que você está fazendo aqui? — O tom rís­pido de sua voz, além da forma zangada com que olhava para ela, nada fez para ajudá-la a dissipar o vermelho que tingira seu rosto.

Tentou olhar para o outro lado, para qualquer outra di-reção que não para ele, para aquele corpo que agora ela sa­bia que era masculino demais para ficar desfilando aber­tamente na frente dela do modo que estava fazendo. Ele devia estar se preparando para sair à noite. Era terrível que ela o tivesse flagrado descomposto mais uma vez. Mas o que mais a atormentava era perceber que foi ela quem fi­cou sem graça, ao passo que ele...

— Eu... eu estava saindo — ela disse apressadamente, começando a se afastar da mesa.

— Não, não estava não — Saul respondeu prontamente. Tullah ficou tensa quando ele caminhou em direção a ela, olhando para ela e para a mesa, evidentemente que­rendo ver o que havia chamado a atenção dela.

— Ah, o caso Epsberg — ele disse. — Você está acom­panhando?

— É... estou, sim — Tullah afirmou.

Por que raios ele não vestia logo uma roupa? Será que ele não sabia, não percebia...? Engoliu em seco, petrifica­da de ver o que ela mais tarde procurou se convencer de ter se tratado apenas de espanto e não de uma perigosa reação feminina à visão daquele braço forte e úmido, com pêlos negros, se aproximando dela para pegar o papel que ela estava lendo.

— Hummm... Na sua opinião, qual será o veredicto fi­nal?

Não era de admirar que ele estivesse olhando para daquele jeito. Ela estava se comportando como uma completa idiota, reconheceu, furiosa. Será que aquele homem não tinha o menor senso de... de...? Como ele fazia para manter o corpo tão musculoso assim? Afinal de contas, ele não era nenhum atleta de vínte e poucos anos.

Para sua consternação, ouviu de repente ele dizer sua­vemente, como se estivesse lendo seus pensamentos.

— futebol, com as crianças.

— Futebol?

De um jeito ou de outro, a despeito de seu rosto infla­mado, Tullah conseguiu olhá-lo nos olhos.

— E mesmo? — Ela começou, com toda a intenção de lhe dar o tipo de passa-fora que sabia que ele precisava ouvir. Tinha de arrumar uma forma de se reafirmar e de­movê-lo de qualquer impressão que pudesse ter de que ela tivesse se excitado pelo seu... por ele... porque, é claro, não era o caso. Não mesmo... de jeito nenhum.

Mas antes que ela pudesse terminar o que estava para dizer, Saul prosseguiu, afável, esticando o braço em dire-ção a ela enquanto apontava para o machucado que ela se­quer havia notado.

— Acho que sim. Eu não estava prestando atenção e Meg chutou meu braço ao invés da bola.

Tullah fechou os olhos.

Ele achou que ela estava olhando para o seu machuca­do! Graças a Deus ele havia inadvertidamente informado isso a ela antes que ela começasse a dizer o que lhe passa­va pela cabeça. Tremeu ligeiramente, aliviada.

— O ar condicionado está um pouco forte aqui, não está? — Saul comentou.

— Talvez você sinta a temperatura mais agradável se vestir umas roupas — Tullah bateu de volta.

— Talvez — Saul concordou seriamente. — Mas não estava me referindo a mim mesmo. Você tremeu — ele acrescentou, enquanto Tullah ficou olhando para ele, sem entender muito bem.

— Eu não estou com frio — Tullah negou sumaria­mente.

— Não?

O modo demorado e carregado de intenções com que Saul fitou seu corpo inteiro fê-ía enrijecer-se, e ela se viu automaticamente seguindo o olhar de Saul de cima a bai­xo, até que parou, furiosa, ao entender a razão de seu co­mentário.

Era possível ver claramente a protuberância enrijecida de seus mamilos sob a fina blusa de seda, apesar de ela es­tar usando um sutiã.

Conseguiu resistir à tentação de cruzar os braços para cobrir os seios. Deixar que ele tivesse a última palavra e admitir uma derrota era algo que a tirava do sério, mas o que mais poderia fazer?

Dizer a ele de novo que não estava com frio, que a ver­dade era... a verdade era o quê?

Que por alguma razão inimaginável seu corpo, o corpo dela, havia tomado a decisão de reagir sexualmente a ele sem conceder a ela a oportunidade de objetar cerebral ou | emocionalmente a isto?

E por quê? Ela nem mesmo gostava dele como homem, | que diria... Tullah logo fixou seu olhar para longe de SauL na direção da porta da sala da secretária, e começou a ca­minhar para fora. Estava com a boca seca e seu coração ,| palpitava como o de uma romântica tola e ridícula.

Qual era a droga do problema com ela, se perguntou | com desprezo por si mesma ao alcançar a segurança da sala da secretária, fechando a porta atrás de si com firme­za tão logo saiu da sala de Saul. Hoje em dia as mulheres não ficam mais com os joelhos tremendo só de ver um ho­mem seminu que acabou de sair do banho.

Ou ficam?

 

— Pode esquecer a academia. Aumenta demais os im­postos — Tullah bufou ao lançar a última demão de tinta no teto de seu recém-decorado quarto de dormir. Olhou para baixo para localizar Olivia, que a observava, e per­guntou. — O que você acha? Já dei duas demãos, você acha que será preciso uma terceira?

— Não, parece ótimo. Muito bom — Olivia afirmou, inclinando a cabeça para o lado enquanto observava o quarto recém-pintado. — Gosto muito deste tom de areia — disse a Tullah. — É suave e caloroso, sem ser intrusivo.

— Esta cor faz parte da lista de cores tradicionais do National Trust — Tullah disse à amiga. — No começo eu estava um pouco preocupada que fosse ficar meio pálido demais, mas devo admitir que gostei muito.

Tullah desceu da escada e ficou ao lado de Olivia para avaliar seu trabalho.

— Então como vão as coisas, à parte os músculos dolo­ridos das suas costas? — Olivia brincou enquanto des­ciam as escadas em direção à cozinha, onde ainda estavam sendo instaladas as fiações.

— Bem, como você pode notar, a coisa promete — Tullah disse a ela fazendo graça, arruinando a cena séria ao não conseguir conter o riso.

Olivia começou a rir quando ambas olharam ao redor da cozinha, de onde foram retiradas as instalações origi­nais da década de sessenta, e observando o emaranhado de fios e canos que pendiam de buracos no gesso.

Dez minutos depois, quando já tinham parado de rir e estavam tomando xícaras de café fresco, o eletricista e seu companheiro estavam voltando do almoço e foram recebi­dos com o comentário que eles podiam não dar muito pela cozinha, mas que ela definitivamente tinha potencial, e depois ambas caíram na gargalhada, sem que os trabalha­dores compreendessem.

— Vamos — Tullah chamou Olivia. — Vamos voltar ao meu quarto lã em cima. É o único local habitável no momento. — Quando estavam lado a lado, admirando a vista da janela do quarto de Tullah, ela brincou. — Toda vez que questiono se rainha decisão de comprar este lugar foi boa, venho para cá e contemplo a vista.

— Hummm... Fico realmente com inveja desta vista. Como está se dando com suas vizinhas de porta, a propó­sito?

— Muito bem. Elas são maravilhosamente gentis e so­lícitas, ficam de olho nos operários enquanto estou no tra­balho e sempre insistem para que eu vã jantar com elas. Elas viajam para fora do país de novo no fim do mês, e vou sentir sua falta.

— Então a vida está lhe sendo boa e você está bastante contente com sua decisão de se mudar para cá, não é?

— Noventa por cento — Tullah concordou, e acrescen­tou suavemente. — Você deveria ter me avisado que Saul iria ser meu novo chefe.

— Eu não sabia, não naquela noite — Olivia se defen­deu. — Ele só nos contou depois, quando você já tinha ido embora. Não foi exatamente uma promoção para ele, mas posso entender por que aceitou. Agora que ele está com a guarda das crianças, é natural que queira ficar perto delas.

— Ele está com a guarda das crianças? — Tullah fran­ziu a testa. Quando mencionaram os filhos de Saul pela manhã, ela pensou que eles estavam com ele para uma vi­sita prolongada ou algo assim. — Isso não é muito co­mum, não é? — ela perguntou, incisiva. — A mulher dele deve...

— Hillary, a ex-mulher, foi quem quis que ele ficasse com a guarda dos filhos — Olivia interveio. — Parece que seu novo marido não estava preparado para viver com três filhos que não eram dele, e disse a Hillary para escolher entre eles ou ele.

— E ela escolheu ele? Olivia deu de ombros.

— Ela nunca foi do tipo maternal e não escondia que lamentava ter de cuidar de três crianças pequenas.

— Pobrezinhos. Que horrível para eles, saber que nem a mãe nem o pai os queriam de verdade.

— Saul quer os filhos sim — Olivia a corrigiu com fir­meza. — Mas tampouco quer que haja qualquer animosi­dade entre ele e Hillary por causa dos filhos. Ele sempre achou que a felicidade e o bem-estar emocional deles eram importantes demais para que ele e Hillary ficassem brigando na justiça pelas crianças só para perturbar um ao outro. Mas nunca vi ninguém agir tão rápido quanto ele agiu quando Hillary ligou para pedir que ele fosse buscar os filhos que estavam com ela nos Estados Unidos. Olivia fez uma breve pausa.

— Devo admitir, contudo, que fiquei um pouco surpre­sa quando ele insistiu que Hillary mantivesse plenos direi­tos de visita, mas acredito que faça sentido se pensarmos a longo prazo e geralmente Saul pensa assim. Ele acha que vai chegar uma época em que os filhos vão querer co­nhecer a mãe melhor, e que a mãe também vai querer mais proximidade com os filhos. Ele diz também que se eles a visitarem com frequência, o mito da mãe distante vai se dissipar. De toda forma, no momento os três preferem fi­car com ele. Claro que vão se sentir inseguros e, apesar de ele não fazer alarde sobre isso, não é fácil para ele. A pe­quena Meg sofre com os piores pesadelos, Robbie tem problemas de estômago e Jemima, bem, sempre foi uma menina meio distante e observadora, mas eu sei que Saul está preocupado na maneira como ela está se fechando em si mesma. Esta foi uma das principais razões que o leva­ram a se mudar para cá. Ele é um pai maravilhoso — fina­lizou.

Tullah sorriu por educação. Por mais que Olivia pro­clamasse as virtudes de Saul, não conseguiria fazê-la mu­dar de ideia. Afinal de contas, como poderia ele ser um bom pai de verdade se tentara abertamente ter um caso, com Olivia enquanto ainda estava casado?

— Olha, a verdadeira razão pela qual eu vim vê-la foi para convidá-la a jantar conosco no sábado — Olivia disse.

Tullah olhou para ela com desconfiança.

— O bom samaritano Saul não vai estar lá, vai? — per­guntou, incisiva.

— Não, ele vai estar em Bruxelas, a negócios — Olivia afirmou, ignorando o sarcasmo da outra. — Mas os filhos dele estarão. Estão passando o fim de semana conosco en­quanto Saul está fora.

— Eles estão ficando com vocês? Por que ele não con­trata uma empregada que more com eles? Com certeza ele pode bancar.

— Sim, ele pode bancar, mas quer que os filhos cres­çam em um ambiente de família grande. Foi por isso que ele mudou para cá, em primeiro lugar. Ele conversou so­bre isso com todos nós antes de mudar para cá e todos con­cordamos com sua decisão. Somos uma família, Tullah — disse com firmeza —, e como tal, acreditamos em nos aju­dar uns aos outros. Isso é que é ser uma família. Ah, a gen­te discute e briga, mas no fim do dia... — Balançou a ca­beça levemente. — Claro que Saul poderia pagar uma em­pregada para morar com eles e, mesmo se não pudesse, mas achasse que fosse o melhor para os filhos, daria um jeito de trabalhar e se virar em dois para poder pagar. Acontece que ele não quer que eles cresçam se sentindo isolados, se agarrando a ele como se ele fosse a única pes­soal Ele quer que eles saibam o que é a convivência entre adultos de sexos opostos, que participem da troca inerente ao dia-a-dia da vida em família, que vejam que os adultos podem brigar e discutir e mesmo assim continuar juntos, e quer também, claro, que os filhos cresçam junto dos pri­mos.

Olivia fez uma pausa e continuou.

— Obviamente ele tenta fazer o possível para que suas viagens a trabalho sejam breves e, quando está fora, as crianças costumam ficar conosco ou com Jon e Jenny. Quando Maddy está por aqui, ela gosta de ficar com eles, pois acha que eles fazem companhia ao seu filho Leo, ela não quer que ele cresça mimado e sozinho...

— Maddy...? — Tullah perguntou.

— Sim, a mulher do meu primo Max. Eles moram em Londres. Max é advogado de tribunal, trabalha para um dos escritórios mais respeitados de Londres, se não o mais respeitado. — Fez uma cara feia. — Não posso dizer que ele seja uma das pessoas que mais gosto no mundo, apesar de que não deveria dizer isso, já que todos dizem que ele é tão parecido com meu pai. Talvez seja até por isso mes­mo que eu não goste muito dele... Bem — ela continuou, rapidamente se recompondo —, Max é com toda certeza a menina dos olhos de vovô, seu favorito, e quando ele e a família vêm para cá, sempre ficam na casa de vovô.

— Gaspar não se importa de vocês ficarem com os fi­lhos de Saul, Livvy? — Tulíah perguntou, curiosa.

— Gaspar? Não. Por que diabos se importaria? Tullah não conseguiu manter seus olhos nos de Olivia.

— Bem... Afinal de contas, você e Saul...

— Eu e Saul nada — Olivia explodiu, balançando a ca­beça. — É a segunda vez que você toca neste assunto. Es­cute, eu posso admitir que quando Gaspar e eu reatamos, ele de fato mantinha uma certa distância de Saul e o enca­rava meio como se fosse um rival. Mas ele logo entendeu qual era a real situação entre mim e Saul... Bem, ele entendeu que nós reagimos de maneira exagerada aos proble­mas que estávamos tendo de encarar, somado ao fato de que muitos anos atrás, quando eu era adolescente, tinha uma grande queda por Saul, a qual na época ele ignorou sábia e completamente. Hoje Gaspar sabe que a relação entre mim e Saul jamais representou uma ameaça ao meu amor por ele. Nós somos primos, Tullah, só isso — enfa­tizou —, e meus sentimentos por ele, meu amor por Saul, são de prima. Na verdade, ele e Caspar se tornaram ami­gos bem próximos — acrescentou com um sorriso, e mu­dou de assunto. — Bem, e quanto ao jantar no sábado?

— Adoraria ir — Tullah aceitou.

Não havia sentido em ficar batendo na mesma tecla quanto ao que tinha escutado no casamento sobre o supos­to adultério de Saul com Olivia. Era evidente que Olivia o encarava apenas como um primo, sem conotação sexual. Mas e Saul? Será que ele encarava Olivia da mesma for­ma? E o que dizer da filha adolescente de Jon e Jenny, à qual ele seduzia?

— Vi uma casa maravilhosa outro dia — Tullah disse à amiga, dez minutos depois, enquanto caminhava com ela até o carro. — Não que eu pudesse bancar, a não ser que ganhe na loteria — disse, rindo. — Fica no fim desta viela — apontou com a cabeça na direção do caminho depois de sua própria casa. — É linda, uma casa antiga de fazenda, toda de tijolinho e com janelas rústicas de pedra. Tem até um laguinho. Você já viu?

— É... sim. É linda — Olivia concordou. — Na verda­de, Tullah...

— Eu sei. — Tullah riu outra vez. — Com certeza tem potencial. E se o dono fosse solteiro e razoavelmente apresentável, eu ficaria tentada a fazer dele um homem honesto. Eu e metade da população feminina de Cheshire ainda por cima, sem dúvida — acrescentou com um sorri­so tristonho, mas para sua surpresa Olivia não parecia compartilhar de seu divertimento.

Tullah fechou a cara enquanto observava a amiga par­tir. Esperava não ter ofendido ou magoado Olivia com seus comentários sobre seu relacionamento com Saul. Com certeza não queria aborrecê-la, não tinha a menor in­tenção de se meter em algo que não era de sua conta.

Então Saul tinha a guarda dos três filhos. Caminhou de volta para casa, ainda intrigada com a nova perspectiva em sua opinião sobre a personalidade de Saul.

— Olá. Sou a Meg. Quem é você?

Tullah, que havia subido ao segundo andar da casa de Olivia e Caspar para deixar seu casaco no quarto deles, parou, um pouco surpresa, para olhar para a pequena figu­ra de pijamas que aparecera subitamente na porta aberta do quarto do casal.

— Olá, Meg. Eu sou a Tullah — respondeu. Sempre gostara de crianças, sempre se dera muito bem com elas e tinha de admitir que algo naquela pequena teria tocado o mais duro dos corações.

Tinha herdado do pai a pele atraente, de tonalidade le­vemente azeitonada, mas também tinha cachos marrons-dourados e olhos amendoados, com os cílios mais grossos que já vira e as covinhas mais lindas de ambos os lados da boca.

Mas, além da curiosidade em seus olhos, Tullah podia ver uma remota sombra de apreensão e, lembrando do que Olivia havia dito sobre a garotinha sofrer de pesadelos, agachou-se ao lado dela e perguntou, puxando assunto.

— Você não deveria estar na cama?

— Bem, sim, devia mesmo — Meg admitiu, sorrindo de maneira irresistível —, mas tia Livvy disse que uma amiga muito especial dela vinha jantar e eu queria ver você.

— Ah, bem, agora que você já me viu, talvez deva vol­tar para a cama, não acha? — Tullah sugeriu. — Em que quarto está dormindo?

— Neste aqui — Meg disse a ela, dando a mão a Tullah e apontando para um dos quartos. — Você pode me botar para dormir? — ela pediu. — Meu papai sempre me põe para dormir, mas ele não está aqui. Ele teve de viajar por causa do trabalho. Minha mãe mora nos Estados Unidos — acrescentou, incoerentemente. — Nós pegamos um avião para vê-ta, mas eu não gostei. Jem e Robbie também não gostaram. Nós não gostamos do Palmer... ele é o novo papai da mamãe — explicou, desorientada. Mas Tullah, a quem Olivia já tinha falado sobre o casamento de Saul, sa­bia exatamente o que ela queria dizer. Palmer era, sem dú­vida, o parceiro que não queria que os filhos do primeiro casamento de Hillary morassem com eles.

Tullah achou extremamente difícil entender o porquê. Era fácil demais se apaixonar por aquela boneca olhando para ela com tanta confiança enquanto caminhavam até o quarto para dormir.

Ao abrir a porta indicada por Meg, Tullah percebeu que ela não era a única ocupante do amplo quarto com quatro camas de solteiro. Os traços dos rostos das crianças que a observavam deitadas nas camas lembravam muito Saul, principalmente a menina mais velha, Tullah pensou.

Enquanto Tullah levava Meg para a cama com os len­çóis bagunçados, que era obviamente a dela, a menina in­formou, sussurrando alto:

— Aquela cama é para quando Amélia for grande o bastante e nós quatro estivermos juntos, mas ela ainda precisa dormir no berço.

— Ela poderia dormir, quer dizer, se você não a acor­dasse o tempo todo — resmungou a mais velha do trio para Meg enquanto sentava-se na cama e observava Tullah,

— Eu não fico acordando — Meg se defendeu, indig­nada. — Só fui dar uma olhadinha...

— Não foi não! Você estava mexendo nela, eu vi!

— Só estava fazendo cócegas. Ela queria que eu fi­zesse.

— Quem é você? — perguntou uma voz desconfiada de garoto a Tullah, enquanto ela arrumava a cama de Meg.

— Ela é uma amiga especial da tia Livvy — Meg infor­mou ao irmão antes que Tullah pudesse dizer algo. — Meu papai sempre lê uma história para nós quando vamos para a cama. Você pode ler para nós? — pediu a Tullah, com os olhos transbordando inocência.

Tullah parou. Os outros dois ainda a estavam observan­do em silêncio e ela podia ver que havia uma pequena es­tante com livros infantis ao lado da cabeceira. Olivia já tinha lhe dito que os outros convidados ainda não haviam chegado e que não havia nada que ela pudesse fazer para ajudar na cozinha.

— Bem, uma curtinha, então — ela concordou. — Qual você gostaria que eu lesse?

— Esta aqui — Meg disse, se enfiando debaixo da cama para apanhar um livro que Tullah não havia visto.

— Os Ventos nos Salgueiros?

— Papai lê um capítulo toda noite quando ele está em casa.

Tullah pôs Meg na cama e virou-se para olhar para a menina mais velha.

— Bem, não posso prometer ler o capítulo inteiro. Você lembra onde foi que ele parou?

— Lembro sim, foi aqui — Jemima informou a Tullah, saindo da cama para virar as páginas para ela.

Jemima ficou perto de Tullah e ela sentiu seu corpo em desenvolvimento. Ao contrário de Meg, tinha olhos aten­tos e desconfiados, além de uma leve tensão no corpo, como estivesse sempre pronta a rebater algo.

— Você tem que ler devagar — aconselhou. — Meg ainda é muito pequena para entender as palavras.

— Não sou, não — Meg reclamou.

— É sim — Jemima a contradisse tranquilamente. — O pai às vezes tem que explicar as palavras mais complica­das até para mim — disse a Tullah.

— Bem, se eu ler uma que você não entenda, pode me interromper que eu explico, está bem? — Tullah prome­teu. — Bem, estão prontos?

Dez minutos depois, para seu próprio espanto, ela esta­va tão entretida com a história quanto as três crianças. Meg estava sentada na cama, os olhos abertos e abraçando as cobertas e, em dado momento, Robert e Jemima tam­bém se amontoaram na cama de Meg. Tullah cumpriu o papel de adulta responsável ao pedir para que se cobris­sem para não se resfriarem, apesar de a noite não estar es­pecialmente fria...

Quando chegou ao fim do capítulo, Tullah fechou o li­vro, relutante.

— Ah, você não pode ler mais? — Meg pediu. Tullah fez que não com a cabeça.

— Lamento, mas não posso. Se não descer logo, Livvy vai subir para ver onde estou.

— Tio James vem jantar também — Meg informou. — Ele é legal, eu gosto dele. Você tem um papai? — pergun­tou a Tullah.

— É...bem...

— Não foi isso que ela quis dizer — Jemima disse a Tullah. — O que ela está perguntando é se você é casada. Meg acha que maridos e papais são a mesma coisa.

— Ah... sim, entendi — Tullah agradeceu, séria. — Bem, não, não sou casada, Meg.

— Nossa mamãe e nosso papai não são mais casados, são? — A menina surpreendeu Tullah ao dizer isso, olhan­do para os irmãos como que pedindo confirmação ao que dissera.

— A mãe e o pai são divorciados — Robert concordou, impassível. — Nossa mãe mora nos Estados Unidos.

— É, mas nós moramos aqui com papai, não é? — Meg insistiu, e Tullah pôde ver que a ansiedade turvou mo­mentaneamente seus olhos enquanto perguntava.

— Meus pais são divorciados também — ela disse gen­tilmente, como que os tranquilizando.

— E você morava com seu papai? — Meg perguntou, curiosa.

— Não, eu morava com a minha mamãe, minha mãe — Tullah explicou.

Vários minutos depois ela ouviu um carro parando em frente à casa de Olivia. A qualquer momento Olivia subi­ria para ver o que estava acontecendo. Estava na hora de terminar a conversa e lembrar às crianças que realmente já estava na hora de elas estarem dormindo.

— Nossa mamãe não nos quis.

A fala desolada e quase fria de Jemima deixou Tullah arrepiada. Ela podia quase que sentir a tensão que emana­va do corpinho de ossos demarcados da menina, mas por mais que desejasse tomá-la nos braços e confortá-la, Tul­lah lembrou a si mesma que era, afinal de contas, uma completa estranha para os filhos de Saul.

— Às vezes os adultos têm de fazer escolhas que po­dem... podem parecer dolorosas — ela começou a dizer, escolhendo cuidadosamente as palavras, apesar de saber que se fosse ela no lugar da ex-esposa de Saul, de jeito ne­nhum... de maneira nenhuma priorizaria suas necessida­des sexuais em detrimento das necessidades emocionais dos próprios filhos.

A porta do quarto se abriu, fazendo entrar uma luz forte do corredor, e também uma imponente figura masculina.

— Papai! — Meg gritou, pulando da cama e correndo para os braços dele, cheia de excitação.

— O que está havendo aqui? — Tullah ouviu Saul per­guntar em um tom jocoso enquanto pegava a menina no colo e, com a destreza de um mágico, a passava para o ou­tro braço para poder abraçar também os outros dois filhos.

— Tullah estava lendo uma história para nós — Meg disse a ele.

— Hummm... Estou vendo, e foi ideia dela, não foi? — Saul perguntou, com indiferença. — Vocês três deveriam estar dormindo, não cansando Tullah fazendo-a ler para vocês. Desculpe — ele dirigiu-se agora a Tullah.

— Não tem problema — Tullah respondeu, sincera­mente. — Eu estava gostando.

Estava gostando, mas agora se sentia bastante descon­fortável e deslocada e algo mais, também. Algo que ela não estava preparada para reconhecer ou explorar. Tudo o que ela sabia era que, por alguma razão, estar naquele quarto mal-íluminado com Saul enquanto ele se empolei­rava naquela pequena cama, cercado por seus filhos, a fez sentir-se tão estranhamente sem fôlego, tão tocada por dentro, vulnerável e emotiva, de uma maneira tão esquisi­ta que era como se... como se...

— Ah. então vocês estão aqui — a voz queixosa de Olivia quebrou o silêncio. — O jantar está quase pronto.

— Eu vou livrá-la destes três — Saul se ofereceu, mas Olivia fez que não com a cabeça.

— Agora eles vão ficar aqui mesmo, e você também pode jantar conosco. O que houve que você voltou tão cedo? — ela perguntou enquanto Saul colocou cada um dos filhos em sua respectiva cama e falou com um tom pa­ternal severo para que dormissem.

— Ah, a reunião foi cancelada. Foi transferida para ou­tra data, então resolvi pegar logo um avião de volta ao in­vés de esperar até amanhã.

— Desça quando estiver pronto — Olivia lhe disse. — Tenho de cuidar de algo na cozinha — explicou, e se reti­rou apressadamente, deixando Tullah sozinha com as crianças e Saul.

— Boa noite, papai — Meg murmurou, sonolenta, le­vantando a cabeça do travesseiro para beijar Saul, que se inclinou para beijá-la, e então, para a consternação de Tul­lah, acrescentou: — Quero que Tullah me dê um beijo, também.

Tullah avançou lenta e desconfortavelmente, com cui­dado, dando a volta por Saul enquanto ele se dirigia à cama de Robert.

— Boa noite, Tullah. Obrigada por ler para nós — Meg disse a ela, amavelmente, enquanto Tullah a beijava deli­cadamente.

Podia sentir Saul de pé atrás dela, senti-lo quase como se seus corpos e suas peles estivessem se tocando. Seu rosto se inflamou devido ao rumo traiçoeiro que seus pen­samentos estavam tomando. Não que tivessem qualquer razão para tal, concluiu, mal-humorada, cinco minutos depois, ao começar a descer as escadas.

E não podia nem começar a pensar em por que seu co­ração de repente parecia querer tomar parte em um núme­ro de circo, dando cambalhotas e piruetas estonteantes e de perder o fôlego. Não era possível que tal reação tivesse sido causada pela proximidade de Saul. Impossível, desagradável e indefensável, concluiu, e era seguida arfou rui-!; dosamente ao pisar em falso em um dos degraus irregula­res de Olivia, sendo projetada para frente. Gritou por ins­tinto, mas Saul já estava pronto para segurá-la, atendendo ao seu grito de socorro, e agarrou-a rapidamente, quase le­vantando Tullah do chão, impedindo que ela caísse.

Abalada e ofegante, tudo o que Tullah pôde fazer foi se agarrar debilmente a ele, mas depois pensou consigo mes­ma, indignada, que devia estar parecendo uma atriz de segunda categoria tentando conseguir um papel em " ...E o vento levou". Só que ela não era uma coisinha frágil e leve, e sim uma mulher moderna e saudável, que tinha or­gulho de sua rebeldia de manter suas curvas rebeldemente femininas, .controladas em três sessões semanais na aca­demia de ginástica e em muitos passeios ao ar livre, quan­do encontrava uma brecha em sua agenda cheia de com­promissos.

Mas se o efeito de ajudá-la, de segurá-la, envolta em f seus braços contra seu peito, estivesse impondo nele qual­quer tipo de tensão, Saul com certeza não estava dando nenhuma demonstração disso, Tuílah reconheceu.

Sim, o coração dele começou a bater mais acelerada- $ mente. Seus músculos se enrijeceram quando ele juntou | seu corpo ao dela, mas da posição aconchegante e segura de um corpo contra o outro, com a cabeça dela enfiada de maneira tão protetora no espaço confortável entre seu om­bro e seu maxilar, que pareciam feitos para ela, ela não pôde ver ou sentir qualquer evidência de tensão.

— Eu... você pode me soltar agora — Tullah disse a Saul naquilo que pretendia que fosse uma cortada com um tom de voz gentil e educado. Mas acabou soando revolta­da, recatada e terrivelmente ofegante.

— Está muito bem, até por que temo que rainha resis­tência e meu vigor estejam no fim. Não sou mais o mesmo — Saul disse, com indiferença.

Sentindo-se mortificada, Tulíah imediatamente come­çou a se afastar à medida que ele cuidadosamente a colo­cava no chão. Talvez tivesse sido injusto da parte dela sentir que ele não estava sendo nada galante ao dizer que ela era pesada demais, mas ela era, afinal de contas, uma mulher, e como tal, podia se permitir abdicar um pouco da lógica quando queria.

— Desculpe se sou pesada demais — ela disse, sem sinceridade alguma, uma vez no chão, a uma distância cautelosa dele. Desceu mais um degrau da escada, agora prestando atenção em onde pisava e segurando o corri­mão.

— Nunca disse que você é pesada demais — Saul mur­murou antes de se inclinar para frente e, quase sem pensar, ajeitar a gola da blusa dela.

Tullah ficou boquiaberta, pega de surpresa pela intimi­dade inconsciente daquele toque cuidadoso, quase pater­nal. Podia facilmente imaginá-lo tocando os filhos daque­le jeito e mal conseguiu pensar muito profundamente em suas palavras. Se ele queria dar para trás e fingir que não tinha dado a entender que ela era pesada demais... : A mão dele ainda estava em seu ombro e seus dedos to­cavam a carne exposta na altura da clavícula. Lá era cima, as crianças estavam em silêncio. Estavam compíetamente a sós naquela escada estreita.

Se Saul não quis dizer que ela era pesada demais, então o que ele quis dizer exatamente?

Tullah virou a cabeça em direção a ele, com a intenção de perguntar, mas não o fez; não poderia, pois a pequena ação de virar a cabeça desacomodou a mão dele de seu ombro, fazendo-a escorregar para o colo.

Tullah congelou ao sentir o toque cálido e forte da pal­ma e dos dedos da mão de Saul contra seu peito e tentou freneticamente afastá-lo de si.

Para seu estupor, podia sentir o tecido de sua roupa co­meçar a ceder, puxado pela combinação do peso da mão de Saul e seu próprio movimento, expondo a curva supe­rior de seus seios. Podia ouvir claramente o som da respi­ração de Saul enquanto ele olhava para seu corpo todo, e sabia que seu " me solta" raivoso foi dito segundos depois do necessário. Passou alguns segundos sem dizer nada, sem fazer nada, sem rejeitar a presença da mão de Saul contra seu seio, e pior ainda, sem fazer nada para deter sua própria reação aguda.

Ao tirar a mão do corpo de Tullah, Saul pensou consigo mesmo que diabos ele pensava estar fazendo. Era um ho­mem adulto, droga, com certeza tinha suficiente controle sobre si mesmo para não permitir que aquelas visões ator­mentadoras que tinha do corpo nu de Tullah passassem de imagens de sua mente, visões que faziam seu corpo doer e seus dentes ranger: aquele corpo pronto a receber seu to­que, a ser lenta e sensualmente explorado por suas mãos e por sua boca.

Ele tinha visto o olhar de raiva e choque que ela lançara ao se afastar deíe e sabia perfeitamente bem que as fanta-

sias que o atormentavam não eram algo que ela gostaria de compartilhar.

— Ah, aí estão vocês. Eu estava voltando à sua procura — Olivia disse, surgindo no corredor logo abaixo deles.

Tullah se apressou em descer os degraus que faltavam, desconfortavelmente ciente de como seus seios começaram a doer, como se... como se o quê? Não como se ela tivesse realmente desejado que Saui a tocasse e acariciasse.

Claro que não. Que pensamento ridículo. Aquilo a irri­tou e fez aumentar a antipatia que já tinha por ele e que, seja lá por qual razão, se refletia em seu corpo de uma ma­neira tão básica e sexual. A dor em seus seios era um lem­brete desconfortável de que deveria simplesmente deixar para lá, esquecer.

— Ah, não acredito em você. Você não podia ter feito isso — Tullah protestou entre gargalhadas após James ter relatado algumas das explorações às quais ele, o irmão e os primos de Chester se dedicavam na juventude.

— Ah, mas isso não foi nada — James disse, sorrindo para ele — e se você não acredita em mim, pergunte a Saul. Era ele quem tomava conta de nós nas férias de verão.

— Pobre Saul, deixávamos você maluco, não é mes­mo? — Olivia interrompeu. — Ainda me lembro de quan­do seus pais vinham para ficar em Queensmead com vovô, os outros vinham de Chester e você tinha de tomar conta de nós.

— Também me lembro bem — Saul concordou como­vido, acrescentando —, fico surpreso de não ter ficado de cabelos brancos já aos dezoito anos.

Enquanto os ouvia brincando um com o outro de ma­neira amigável, Tullah se pegou sentindo uma certa inve­ja. Apesar de ela e sua irmã terem sempre sido razoavel­mente próximas e de sua mãe ter feito de tudo para garan­tir que o divórcio não as afetasse demais, Tullah foi muito afetada pela separação. A irmã estava na faculdade, longe de casa, quando eles se separaram e Tullah se sentiu muito só, extremamente isolada, portanto era difícil para ela dei­xar de sentir um pouco de inveja de Olivia e seus primos, de seu companheirismo, de seu senso de união, da história da família à qual pertenciam, do fato de saberem nitida-; mente que, a despeito do quanto pudessem brigar e de| suas diferenças, nada jamais quebraria os laços de famíliaj que os uniam uns aos outros.

,—Ainda me lembro de quando você nos ensinou a pescar — Tullah ouviu James dizer a Saul.

— Eu também — Saul concordou, fazendo uma careta — Especialmente de quando você me ignorou quando eu disse para me deixar pegar a linha e acabou caindo na água.

— Você nos fez voltar todos a Queensmead e estava tentando secá-lo em frente ao fogão quando a tia Ruth chegou. Nós achamos que ela ia ficar fula da vida, mas ela só olhou para nós e disse a James que subisse, tomasse um banho quente e vestisse roupas secas — Olivia disse. — E no dia seguinte ela nos levou para nadar e providenciou que tivéssemos aulas de primeiros socorros em caso de afogamento.

— Quando penso nisso fico imaginando como nós não o deixamos de cabelo branco, Saul, ou como você não tenha no mínimo tentado nos afogar de desespero — disse James.

— Não pensem que não fiquei tentado a fazê-lo — Saul respondeu com um tom de indiferença.

Tullah não se lembrava de ter passado uma noite tão agradável, e contou isso a Olivia depois, quando ambas estavam relaxadas, tomando uma xícara de café enquanto os homens lavavam a louça.

— James é muito divertido — ela acrescentou caloro­samente.

— É mesmo, não? — Olivia concordou com um sorriso de satisfação. — Achei que você gostaria dele. Você de­via aceitar o convite que ele fez de mostrar o castelo de Chester. Não faz muito tempo que prisioneiros eram man­tidos lá, a história é fascinante.

— Ele estava me dizendo que é especialista em casos de indenização médica.

— Sim, isso mesmo. Apesar de que ninguém diria ao escutá-lo falar aqui hoje. Ele realmente é um promotor de primeira linha. Luke, o irmão dele, é que parece ser bom promotor, mas Luke na verdade prefere defender, o que me lembra que preciso dar uma ligada para Bobbie. Ela está louca para conhecê-la.

Tullah pareceu surpresa.

— Ela também vem de uma família de advogados — Olivia explicou. — Do lado do pai, apesar de ele ser na verdade político. Bobbie diz que sente falta do ritmo agi­tado de sua vida profissional, por mais que queira passar estes primeiros anos em casa com sua filhinha, Francesca. Jon e eu esperamos conseguir persuadi-la ajuntar-se a nós em meio expediente no escritório em Haslewich.

Quando os homens voltaram da cozinha, Tullah deu uma olhada no relógio e levou um susto ao ver como já era tarde.

— Nossa, preciso ir embora — anunciou, terminando seu café e se levantando. — Não havia percebido que ho­ras eram.

— Escute, por que você não deixa seu carro aqui e pega uma carona com James? — Olivia sugeriu ao ver Tullah bocejar. — Você pode voltar e pegá-lo de manhã.

A sugestão era tentadora, não só por ela ter apreciado a companhia de James durante o jantar, mas porque en­quanto pensava se aceitava ou não viu Saul de rabo de olho. Pela expressão fechada em seu rosto, parecia que ele não tinha gostado muito da ideia de Olivia.

Sofia por que iria passar a noite lá e isso significaria que, quando ela voltasse para pegar seu carro, teria de en­contrá-lo outra vez?

Que tipo de mulher ele achava que ela era? Do tipo que achava, da maneira mais automática e estúpida, que só porque um homem a havia salvado instintivamente de cair da escada teria interesse pessoal e sexual por ela? Que ri­dículo; como era típico do homem que ela sabia que ele era. Vaidade e prepotência andavam lado a lado com ho­mens assim. Ela já deveria saber.

Claro que ela não estava deliberadamente dando corda para uma antipatia gratuita por Saul. Por que precisaria? Ela já tinha antipatia por ele, não havia necessidade de achar que estava criando algo em sua mente.

— Não, não precisa mesmo — ela afirmou a James, que começou a reiterar a oferta de Olivia.

—Que pena — ele meio que brincou, meio que falou sério enquanto agarrava a mão dela, ao invés de simples­mente apertá-la em despedida.

Para Saul ela fez pouco mais que oferecer a ponta dos de­dos com uma expressão de desdém, mantendo o máximo de distância física possível, o que a deixou ainda mais irritada e sentindo-se ridícula quando, ao se acomodar no carro, cin­co minutos depois, percebeu que ainda sentia na pele o ca­lor do corpo de Saul contra o seu quando ele a segurou na escada, mesclado a um senso de segurança e prazer.

 

Eca... Quando chegasse o outono ela precisaria se lem­brar de chamar alguém para aparar aquela linda árvore, um plátano bem crescido que ficava ao lado da casa e que havia entupido as calhas com folhas mortas por anos a fio. Por isso estava se empoleirando no alto da escada que comprara naquela manhã com o propósito específico de remover as folhas das calhas, de modo a manter a.água da chuva longe das paredes externas.

Subiu a escada. Usava um jeans e uma camiseta, além de grossas luvas de borracha. No começo balançou um pouco, mas logo descobriu que, para conseguir concentrar a atenção em sua auto-imposta tarefa e não pensar na altu­ra, era preciso evitar movimentos rápidos demais e olhar para baixo.

— Ah! Peguei você! — exclamou com prazer ao des­cobrir um bolo grosso de folhas e restos entupindo a calha totalmente. Não era de admirar que houvesse traços de in­filtração na parede de um dos quartos.

Alegremente concentrada em sua tarefa, Tullah perce­beu muito vagamente o carro que se aproximava pela pis­ta, e mesmo ao ouvi-lo parando, supôs que fosse simples­mente alguém à procura de suas vizinhas.

Só quando ouviu a voz familiar de Meg foi que perce­beu estar enganada.

Pensou que Olivia tivesse resolvido dar um pulo em sua casa e trazer as crianças com ela e gritou:

— Espere aí, estou descendo.

— Papai, papai, olha só, é a Tullah! Papai!

Saul estava com as crianças.

Imediatamente Tullah se voltou para olhar, e logo se arrependeu. Para ser honesta, jamais se sentira particular­mente confortável com alturas ou escadas e fora apenas por causa de sua enorme determinação em ser inde­pendente que se dispôs a subir. Mas o choque de ver Saul olhando para ela com o cenho franzido, combinado com a conclusão constrangedora, desagradável e vertiginosa de que se encontrava ainda na metade da escada, a fez de re­pente perder o sangue-frio. Seus olhos se arregalaram de aflição à medida em que ela se agarrava com força.

— Não olhe para baixo — ela ouviu Saul alertá-la, irri­tada por ele interpretar acertadamente o que ela estava sentindo. — Não! Não olhe para baixo — ele repetiu de maneira ainda mais enfática, mas ela ignorou a instrução e levou a mão trémula à testa, tentando lutar contra a ver­tigem.

Não estava fazendo a coisa certa. Tullah ouviu Jemima e Meg ofegarem de susto, seus rostinhos empalidecendo ao olhar para ela.

— Tullah, ponha as duas mãos na escada. Desça deva­gar! — ela ouviu Saul a orientando.

Tullah engoliu em seco. Podia ouvir o que ele estava dizendo: sabia o que devia ser feito. Pelo amor de Deus, ela podia ver por si mesma o que deveria fazer, mas por alguma razão totalmente incompreensível simplesmente não conseguia fazê-lo. Não conseguiria descer as escadas, de jeito nenhum... não mesmo. Portanto, ao invés disso, ela tentou se virar, mas parou quando Saul soltou o que pareceu um grito enlouquecido de raiva.

— Não! Não! Não! Fique onde está!

Fique onde está. Será que aquele homem estúpido não estava vendo que era exatarnente o que ela estava tentan­do fazer...? Que a última coisa que pretendia ou queria fa­zer seria ir aonde quer que fosse? Se pudesse, apenas fe­charia os olhos e voltaria para o chão firme, pois não ha­veria como descer de volta o resto daquela escada horren­da, vacilante e insegura, que balançava perigosamente a cada respiração sua. E se ela conseguisse voltar sã e salva para o chão, a primeira coisa... bem, a primeira coisa que pretendia fazer seria voltar e loja e dizer a eles o que ela achava daquela escada supostamente infalível e comple-tamente segura. Se havia algo que ela não estava sentindo naquele momento era segurança...

— Corra, papai, ela vai cair — ouviu Meg exclamar an­siosa.

Ao lado dela, Robert disse, enfadado:

— Garotas...

Tullah fechou os olhos debilmente. Sentia-se mais se­gura assim. Ao menos não via o chão que ondulava abaixo de si, nem a escada que balançava para lá e para cá» apesar de sentir a oscilação mesmo assim. Mas o melhor de tudo era que, com os olhos fechados, não via a cara indignada de Saul!

— Largue a escada, Tullah. Largue a escada!

Por mais que tentasse, Tullah não conseguia responder ao comando conciso de Saul, nem mesmo ele estando pa­rado bem junto à escada, logo abaixo dela, olhando na di-reção correia.

— Escute, tudo o que você precisa fazer é descer da es­cada e se virar que eu a ajudo a descer. Não poderia ser mais simples.

— Eu,., eu não consigo — Tullah admitiu com a voz vacilante. — Eu não consigo soltar. — E quanto a se vi­rar... Sentiu um leve calafrio, enrijecendo-se quando Saul subiu mais um degrau em direção a ela, certa de que a es­cada não aguentaria o peso de ambos, apavorada com a possibilidade de escorregar e jogar ambos no chão, ex­pondo-os a sabe-se lá quais ferimentos.

Saul praguejou entre dentes e, antes que Tullah pudes­se entender o que ele estava fazendo, ele a alcançou, dan­do um jeito de se equilibrar na escada enquanto tirava as mãos dela do apoio. Quando ela começou a entrar em pâ­nico ele ordenou:

— Fique quieta, sua criatura estúpida, do contrário nós dois vamos cair! — Então a jogou por sobre o ombro mui­to habilmente, à moda típica dos bombeiros, e começou a descer a escada, enquanto ela arfava de olhos fechados.

— Tullah, você estava tão engraçada — Meg disse rin­do quando Saul finalmente pisou no chão com sua carga e a pós de pé, e acrescentou para o pai. — Você foi muito esperto, papai, de salvar Tullah assim.

Salvá-la? Os olhos de Tullah brilharam de indignação, soltando faíscas enquanto ela levantava a cabeça e jogava os cabelos para trás dos ombros. Em algum ponto da descida seus cabelos haviam se soltado da presilha e seus ca­chos pendiam em total desalinho.

— Eu não precisaria ser salva se você não me tivesse deixado apavorada com aqueles gritos ensandecidos — Tulíah acusou Saul, na defensiva. — Estava indo muito bem até você chegar.

— Estava mesmo? — Saul perguntou com um tom áci­do na voz. — Diga para mim, Tullah, quantas vezes você já subiu em uma escada de verdade antes,?

— Bem, eu já havia conseguido subir nesta antes sem problema algum — informou-lhe com arrogância.

— Subir a escada é a parte mais fácil — Robert infor­mou-a desnecessariamente. — Descer é que é o problema.

— Obrigado, Robert, mas creio que Tullah já demons­trou tal fato — Saul interveio calmamente. Então, voltan­do-se para Tullah de modo que as crianças não conseguis­sem ouvir o que ele estava dizendo, acrescentou suave­mente. — Se eu fosse outro tipo de homem, acharia muito lisonjeiro que você esteja pronta a subir tão alto só para cair em meus braços, Tullah, mas se você quiser mesmo ficaria...

— Não quero! — Tullah respondeu com veemente ani­mosidade, mas ao mesmo tempo preocupando-se em não deixar que as crianças ouvissem suas paíavras. Ela igno­rou tanto a expressão de divertimento em sua boca quanto o convite ao bom humor da piada com a qual ele tentava quebrar o gelo. — O último lugar do mundo em que eu gostaria de estar seria em seus braços — ela respondeu, ácida — e você é o último homem que eu...

— Cuidado, Tullah — Saul a interrompeu sumaria­mente. — Do contrário...

— Do contrário o quê? — ela murmurou, furiosa. — Do contrário você vai pensar que eu estou lhe lançando al­gum tipo de desafio sexual, por que você é esse tipo de ho­mem, não é? Do tipo que tem um certo prazer pervertido de conseguir capturar outra mulher para sua lista, do tipo que...

— Meu Deus — Saul suspirou, com todo o bom humor desaparecendo de seu rosto, substituído por raiva. — O homem que ficar com você vai realmente arrumar um pro­blema. Mas vou lhe dizer uma coisa, só por dizer, Tullah. De modo algum tal homem seria eu. Para começo de con­versa...

— Para começo de conversa, não sou seu tipo — Tul­lah disparou de modo virulento, os lábios retorcidos. — Não, você prefere garotas ingénuas e vulneráveis, não é mesmo? Garotas jovens demais para saber quem você é...

Tullah estava literalmente tremendo de emoção ao jo­gar as palavras nele como se fossem bofetadas, por de­mais tomada pela intensidade de seus sentimentos para perceber que as crianças podiam perceber, ou mesmo ou­vir, o tom amargo do diálogo à meia-voz, até escutar Meg chamar pelo pai, com uma voz ligeiramente trémula.

Saul reagiu imediatamente, forçando um sorriso na boca ao voltar-se para a filha mais nova, suavizando a voz ao se ajoelhar e pegá-la no colo.

Para sua própria confusão e horror, Tulíah sentiu um grande nó na garganta e seus olhos começaram a se encher de lágrimas ao reconhecer a urgência e a intensidade com que ele respondeu ao chamado de Meg.

Ela não teria como negar que, ali pelo menos, ele esta­va se mostrando diferente de seu próprio pai e do homem que havia traído o amor imaturo e infantil que um dia sen­tira por ele; a prova de seu carinho e preocupação com os filhos estava bem ali, na frente de seus olhos.

Os olhos de Saul encontraram os de Tullah por sobre a cabeça de Meg, que agora repousava no ombro do pai. Tullah não conseguiu encarar o desprezo frio que vinha dos olhos dele.

Jemima e Robert chegaram mais para perto do pai, la­deando-o de um modo quase protetor. Tullah engoliu as lágrimas, contendo-se.

— Foi muito legal da parte de seu pai trazer vocês para me ver — ela começou.

— Papai não nos trouxe para ver você — Jemima a in­terrompeu. — Estávamos indo para casa quando a vimos na escada. Papai achou que você não parecia estar em se­gurança.

Indo para casa. Tullah franziu a testa ao olhar para o fim da pista logo após sua própria casa. Só havia uma úni­ca casa lá, a casa que ela havia descrito a Olivia, não fazia muito tempo, como a casa de seus sonhos.

Saul morava lá!

— Desculpe se atrasei vocês — ela finalmente conse­guiu dizer, com a voz rígida, cuidadosamente evitando encarar o rosto de Saul.

— Você vai nos visitar qualquer hora dessas, não vai? — Meg tentou persuadi-la, saindo dos braços do pai para se aproximar de Tullah, pousando a mãozinha de modo convidativo em seu braço. — Gostaria que você lesse mais histórias para mim, e você pode brincar com a minha nova Barbie se quiser... ela tem muitas roupas e seu pró­prio carro e...

Atrás de Meg, Jemima soltou um som de enfado de irmã mais velha.

Tullah observou cautelosamente enquanto Saul ins­truía os filhos a se despedir e entrar no carro.

A escada ainda estava encostada na casa. Tullah olhou-a com desaprovação.

— E tudo culpa sua — ralhou. — Se não fosse por você...

Cair nos braços dele. Até parece que ela queria isso. Nossa, ela preferia... preferia... preferia se jogar em um ninho de cobras, concluiu incisiva e desonestamente.

— Ah, está faltando uma coisa.

— E mesmo? O quê? Achei que já tinha armazenado tudo aqui — Oiivia comentou festivamente enquanto ob­servava Tullah, que franziu o cenho ao olhar para os ossos e restos de galinha que estava cozinhando em fogo alto. — Aliás, para que você vai usar isto? — perguntou, curio­sa. Mas se ela estava achando que ia mudar o rumo da conversa, estava enganada.

— Sopa de galinha cora alho-poró — Tullah informou sucintamente antes de continuar. — Você devia ter me dito antes que a casa depois da minha pertencia a Saul.

— Ah, bem... Galinha com alho-poró. É uma das mi­nhas sopas favoritas.

— Não está pronta ainda, e não vai ficar nunca se você não parar de me distrair — Tullah avisou Olivia.

— Hummm... Sabendo de sua opinião sobre Saul eu achei que você ficaria sem jeito se eu lhe dissesse que a casa pela qual se atraiu tanto pertencia a ele.

— Isso não é nada perto de como eu fiquei ao descobrir que ele não estava trazendo as crianças para me visitar, como pensei; estava apenas indo para casa — Tullah dis­se, demonstrando estar sentida.

— Esqueça o Saul — Olivia pediu — e me diga o que achou de James.

Esquecê-lo! Ah, se pudesse... Olivia mal sabia como Tullah desejava de fato obedecer ao seu pedido.

— James? Gostei dele — disse a Olivia, corn sincerida­de. — Ele é divertido.

— Você gostou dele? Sabia que iria gostar. Você deve­ria convidá-lo para jantar. Os homens gostam de comida caseira.   ,

Tullah olhou para a outra, desconfiada.

— Eu gosto de comida caseira — informou com toda a clareza —, razão pela qual estou preparando sopa para mim mesma.

— Bem, você terá bastante sopa para você e mais um. Comer sozinha é deprimente. Comer acompanhada é muito mais divertido — Olivia disse, propositalmente persuasiva.

— Mas não vou comer sozinha — Tullah disse, escon­dendo um sorriso.

— Você já convidou James para jantar...? Por que não disse logo? — Olivia perguntou, excitadíssima.

— James, não. Mary e Ivy, minhas vizinhas — Tullah corrigiu.

Olivia olhou para ela com ironia.

— Mas você e James têm se falado, não é?

— Temos, sim — Tullah reconheceu, meio reprimida, mas finalmente cedeu e admitiu: — Vamos nos encontrar para tomar uns drinques na quarta-feira.

— Eu tinha certeza que vocês dois se dariam bem — Olivia disse, sorrindo.

— Ele é bem legal. Eu gosto dele. — Tuliah disse, mas acrescentou de maneira bem clara: — Mas só como amigo.

— É claro — Olivia concordou, com um tom obediente na voz.

— Mary e Ivy também são ótima companhia. É muito interessante escutar o que elas têm para contar. Elas co­nhecem bem a história do local. Eu não sabia, por exem­plo, que o local onde a Aarlston acaba de se instalar já foi um campo de batalha.

— Foi mesmo, durante a Guerra Civil — Oiivia confir­mou. — Na época, Haslewích era um ponto estratégico, no cruzamento entre os acessos principais para sul, norte, leste e oeste. Na época dos romanos todo o sal extraído daqui era transportado por mulas de Haslewich a Chester e de lá iam para o exterior. O " wich" de Haslewich vem de uma palavra que queria dizer salinas, e foi através do sal que a região prosperou tanto no começo.

— Obrigada pela lição de história — Tullah brincou.

— Bem, a cidade é de fato muito interessante — Olivia defendeu sua cidade natal — e ainda está fazendo história atualmente, se tornando um moderno centro de negócios e de tecnologia. Aliás, que tal seu novo emprego? — ela perguntou, mudando de assunto.

— Eu estou adorando — Tullah disse, com sincerida­de. — Não sei se é a companhia em si, ou por ela ter se estabelecido no interior e não na cidade, sei lá. Mas com certeza eles têm uma atmosfera de trabalho muito boa no departamento, há uma noção genuína de trabalho de equipe, um senso de cooperação e verdadeira boa-vontade para com os colegas.

— Hummm... Bem, dizem que em qualquer negócio a atmosfera do local e as atitudes dos trabalhadores com frequência refletem o homem ou a mulher que se encontra no topo e Saul tem mesmo fama de extrair o melhor da­queles sob sua supervisão. Dizem que ele consegue moti­var as pessoas, injetando-lhes auto-estima.

— Bem... pouco vi Saul e, pelo que ouvi, ele não passa muito tempo no escritório — Tullah disse a ela, fazendo pouco dos elogios a Saul.

— Talvez não, mas posso apostar que ele mantém tudo sob suas rédeas e sabe exatamente o que está se passando e, quanto a passar muito tempo fora... — Ela franziu a tes­ta. — Talvez esteja acontecendo no momento, mas só pode ser temporário. Afinal de contas, a maior razão pela qual ele se transferiu para o departamento europeu da companhia foi exatamente paia poder passar mais tempo em casa com as crianças.

Tullah digeriu os comentários da amiga em silêncio. Por mais que quisesse manter-se fiel à sua concepção de Saul como um pai ausente.e negligente, estava sendo for­çada a reconhecer que simplesmente não era verdade.

Podia também ser teimosa e cabeça-dura a ponto de querer se agarrar à convicção de que Saul teria usado, de uma maneira ou de outra, seus conhecimentos de Direito para ganhar injustamente a guarda dos filhos, mas tinha de ser honesta e reconhecer que não era o caso.

As crianças estavam com Saul não porque ele se deter­minou a conseguir sua guarda por qualquer razão egoísta, mas pura e simplesmente porque a lei reconheceu que era o desejo dos filhos, da ex-esposa de Saul, e que estaria indo ao encontro dos melhores interesses das crianças.

E daí? Saul podia ser o melhor pai do mundo, mas isso não alterava o fato de ele ter tentando seduzir Olivia e es­tar jogando com uma prima que ainda não tinha nem vinte anos. Uma moça com idade para ser sua filha e, além de tudo, parenta próxima.

E Saui era um homem suficientemente carismático, sensual, másculo, aliás, másculo até demais, para fazer até mesmo uma mulher como ela, Tullah, sentir o coração ba­ter cada vez mais forte e seu corpo reagir à sua presença, que diria uma garota ingénua e sem experiência.

— Devo dizer que estou ansiosa pelo baile de máscaras da Aarlston — Olivia comentou. — Parece que vai ser o grande evento de verão. Pelo que estou sabendo, vai sei-no Fitzburg Place.

— É, eu sei — Tullah afirmou. — Parece que eles vão recriar o tipo de evento que eles costumavam fazer em Londres no século dezoito, com direito a um quarteto to­cando Haendel e gôndolas no canal artificial e no lago. Todos terão de usar roupas à moda do século dezoito e máscaras. O bufe será reproduzido a partir de um menu de festa de casamento oitocentista e o final será uma espeta-cular queima de fogos.

— Hummm... Promete ser uma coisa. Todos os funcio­nários da Aarlston serão convidados, além de metade da cidade, pelo que ouvi dizer, e toda a aristocracia local, in­clusive o conde. Na verdade, Bobbie comentou outro dia, e sugeriu que fizéssemos uma viagem, só as garotas, até Londres, para escolher nossas roupas. Podíamos passar a noite lá e assistir a um show — Olivia se entusiasmou. — Mal posso esperar para me ver trajando, ou melhor, toda ataviada no estilo Ligações Perigosas. Não que nenhuma de nós vá ofuscar você — acrescentou enquanto Tullah ainda ria. — Você tem o corpo perfeito para este tipo de vestido, cheio de curvas sedutoras e cinturinha fina.

— Que pena, então, que eu esteja vivendo no século vinte e não no século dezoito — Tullah respondeu, com indiferença.

— Seu tipo de corpo nunca sai de moda — Olivia ga­rantiu.

— Seria legal passar uns dois dias em Londres — Tul­lah disse. — Quando você pensa em viajar?

— Depende. Não estou certa ainda, mas avisarei.

— Tem certeza de que não tenho como persuadi-la a tomar outro drinque? — James perguntou a Tuílah.

Tullah fez que não com a cabeça, de modo decidido.

— Eu realmente preciso ir embora, tenho trabalho para terminar ainda esta noite.

— É uma pena — James suspirou. — Pensei que fosse conseguir persuadi-la a jantar comigo. Quem sabe uma próxima vez...

Tullah sorriu.

Ela ficara contente de James ter ligado e sugerido se encontrarem depois do trabalho para tomar um drinque e gostou de vê-lo de novo, mas o bar que ele escolheu para o encontro estava começando a ficar cheio e ela falou a verdade ao dizer que tinha trabalho à sua espera em casa.

— Bem, ao menos permita que a acompanhe até o car­ro — James ofereceu enquanto Tullah levantava de seu

lugar e começava a caminhar entre o agora lotado bar, em direção à saída. — Nossa, veja só, é o Saul —James disse a ela, chamando o outro homem antes que Tuilah pudesse impedir.

Saul parecia estar sozinho e, pela cara que ele fez, não ficara mais contente que ela, Tullah reconheceu ao vê-lo caminhar em direção a eles. Sua irritação só aumentou ao perceber que as mesmas pessoas que bloqueavam seu ca­minho se afastavam prontamente para dar passagem a Saul, dentre elas uma mulher espaçosa e ruidosa que sor­riu para ele de modo oferecido quando ele passou.

— Já estamos indo embora — ele ouviu James dizer calorosamente a Saul. — Tentei persuadir Tulíah a ficar para mais um drinque, mas parece que ela tem outros pla­nos para esta noite.

— Entendo — Saul disse educadamente, mas Tullah percebeu o olhar frio que ele lhe dirigiu. — Bem, espero que tenham uma boa noite — acrescentou, formalmente.

— Bem, a minha parece que não será das melhores — James anunciou de born-humor. — Pelo menos não de­pois de Tullah declinar de meu convite para jantar por causa do trabalho que a aguarda em casa.

— Você vai para casa para trabalhai? — Sauí pergun­tou de modo incisivo.

Por que ele estava olhando para ela daquele jeito, Tul­lah se perguntou, desconfiada. O que ele estava pensan­do? Que ela não era boa o bastante para seu cargo se pre­cisava levar trabalho para casa?

— Há aspectos de certas coisas com as quais estamos lidando nos quais quero me concentrar melhor — Tullah respondeu, na defensiva.

— É óbvio que se trata de uma funcionária muito dedi­cada, Saul — James comentou com um sorriso irónico —, infelizmente para mim. Mas você não vai escapar tão fácil da próxima vez — ele avisou, de brincadeira. — Da pró­xima vez. será serviço completo. Um jantar longo e rela-xante, e depois...

— Se você estiver tendo problemas com o trabalho...

— Saul interrompeu James para questionar Tullah com severidade.

— Não há problema algum — Tullah negou, incisiva.

— Eu simplesmente acho que é mais fácil absorver assun­tos complicados ficando sossegada, longe de coisas que me distraiam.

Atrás dela, o ruidoso grupo que ajudava a lotar o bar aumentou ainda mais ao receber mais conhecidos, um dos quais deu um passo para trás, empurrando Tullah de modo que ela teve de se esforçar muito para não balançar. Só que ela não contava que Saul se mexesse ao mesmo tem­po, então ao invés de preservar a distância entre eles, o que Tullah conseguiu foi acabar com a mão espalmada no corpo de Saul, seu corpo tão perto do dele que ela chegou a sentir seus seios contra o peito dele, que respirou fundo.

Com as bochechas vermelhas, Tullah deu um passo para trás, se afastando dele e dizendo apressadamente a James:

— Eu realmente preciso ir embora. Não, não precisa me levar até o carro. Ainda está claro e provavelmente você e Saul querem conversar. — Ela tocou seu braço ra­pidamente, e antes que James pudesse dizer qualquer coi­sa, aproveitou o vão que abriu no grupo e pegou seu rumo em díreção à saída com determinação, sem ousar olhar para trás.

— O quanto exatamente você e Tullah se conhecem? — Saul perguntou a James, articuladamente, logo que ela virou as costas.

— Não tão bem quanto eu gostaria — James admitiu, com tristeza, e acrescentou. — Posso lhe pagar uma be­bida?

— Não, obrigado — Saul respondeu, olhando para o relógio enquanto falava. — Tenho um encontro no Gros-venor em cinco minutos.

— No Grosvenor? ~~ James fez uma careta. — Então o que está fazendo aqui?

— Achei ter visto alguém conhecido — Saul respon­deu de modo vago. No final das contas, era mesmo verda­de. Ele tinha visto James e Tullah e, ao vê-los juntos, rea­giu instintivamente e de uma maneira que não tinha inten­ção de discutir com seu parente.

De certa forma, aquilo na verdade o fez sentír-se descon-fortavelrnente ciente de não ser tão maduro quanto julgava.

 

Oíivia podia achar que mulheres curvilíneas nunca saem de moda, mas os costureiros não pareciam concordar, Tullah bufou, indignada, enquanto apertava o cinto das calças.

Ao comprido e nas coxas, as suaves calças de lã na cor creme serviam perfeitamente, mas na cintura... Gemeu ao perceber que, mesmo fechando o cinto no último furo, as calças ainda escorregavam da cintura. O problema era que, mesmo tendo mandado apertar as calças ao comprá-las, tinha perdido peso, principalmente devido à tensão e ao estresse naturais da mudança de emprego e de casa. O problema era que sempre perdia peso na região do meio do corpo, o que a fazia pensar, com tristeza, que parecia mais com Dolly Parton do que uma elegante modelo de passarela.

Mas não havia tempo para trocar de roupa agora; se não saísse logo para o trabalho, acabaria se atrasando. Pelo menos o blazer disfarçaria as calças frouxas na cintura.

O que dissera a Olivia quanto a estar adorando o novo emprego era totalmente verdadeiro. Chegou até a se pegar cantarolando de manhã ao ir para o trabalho; uma diferen­ça enorme da maneira com que costumava se sentir nos meses anteriores, quando ainda estava no seu antigo tra­balho.

— ... Entrou meio que em pânico hoje de manhã — Barbara começou a lhe informar, meia hora depois, quan­do já estava sentada à escrivaninha. — Derek caiu doente com um problema de estômago quando estava para viajar para Haia hoje de manhã com o chefe.

Tullah franziu a testa ao ouvi-la. Derek era seu superior imediato e na noite passada mesmo ela tinha trabalhado em casa até tarde para ajudá-lo com os toques finais nos documentos que ele queria para a viagem a Haia.

— Alguém terá de viajar no lugar dele — Tullah co­mentou, desnecessariamente. — É tarde demais para can­celar a viagem.

— É, eu sei — Barbara concordou, revirando os olhos e sorrindo de modo zombeteiro enquanto acrescentava — Que pena que não serei eu. Não me importaria de passar umas duas noites em viagem com nosso chefe sexy.

Tullah levantou as sobrancelhas, mas não disse nada, concentrando sua atenção na tela do computador que ha­via acabado de ligar.

O interfone ao lado do computador tocou. Ela atendeu, sem tirar os olhos da tela, e disse, automaticamente:

— Tullah Richards...

— Ah, Tullah... ótimo... Pode vir à minha sala, por fa­vor?

— Claro.

Tullah ainda estava olhando para a tela quando pôs o fone de volta no gancho, mas não estava mais prestando atenção nela. O que Saul queria com ela?

Ao se levantar e pegar o elevador para ir até sua sala, repassou na mente todo o trabalho que esteve em suas mãos desde que começara a trabalhar na empresa. Até en­tão, sabia que não havia nada de que Saul pudesse recla­mar. Na verdade, na noite passada mesmo, ao trabalhar com Derek, ouviu dele que estava muito satisfeito, não só com seu trabalho, mas também como a maneira dinâmica com que ela assimilava e lidava com as coisas.

Não era só o elevador que estava fazendo os músculos de seu estômago se manifestarem um tanto nervosamente ao caminhar pelo corredor que levava à sala de Saul.

Ao abrir a porta da ante-sala, Marsha saudou-a com um breve sorriso e lhe disse que podia entrar, pois Saul a es­tava aguardando.

Saul estava no telefone quando ela abriu a porta. Ele franziu a testa ao vê-la e fez um gesto indicando-lhe que se sentasse. Estava usando um traje formal, de negócios, apesar de ter tirado o terno e desafrouxado a gravata.

— Bem, é muito lisonjeiro de sua parte, Travis, mas posso lhe garantir que ele pode me substituir. Na verdade, ele fez um curso de pós-graduação na faculdade de direito de Harvard, especializando-se em direito internacional, e tenho de admitir que neste particular é mais qualificado que eu.

Houve uma breve pausa enquanto o homem do outro lado da linha começou a faiar novamente e, mesmo sem querer, Tullah pôde ouvi-lo alegar do outro lado do Atlân­tico que a quantidade de graduações e títulos não importa­va tanto quanto a experiência prática.

— Fico contente com o que diz, Travis — Saul o inter­rompeu. — Mas reitero que Thierry é mais do que qualifi­cado para a tarefa. Apenas dê tempo a ele...

— Desculpe — Saul disse brevemente a Tullah quando finalmente encerrou o telefonema.

Tullah aguardou em silêncio, na expectativa de que ele, considerando-se o ego e a vaidade que ela sabia que ele ti­nha, fizesse algum comentário sobre o fato de o america­no do outro lado da linha não estar contente com o colega francês que fora promovido para o cargo de chefe da área jurídica internacional da empresa, que era de Saul.

Um pouco para surpresa dela, não houve qualquer refe­rência ao assunto. Ao invés disto, ele perguntou a elaf for­mando um pequeno vinco na testa.

— Sabe que Derek ficou doente antes de viajar?

— Sim — Tullah respondeu.

— Sei que você tem trabalhado muito com ele neste caso pendente dos direitos de patente. Ele será levado ao juiz logo pela manhã em Haia.

— Sim, estive trabalhado mesmo com ele nisso. Derek me pediu para pesquisar o histórico da empresa e sob quais termos a patente foi comprada da primeira esposa dos detentores dos direitos, que os obteve como resultado do acordo de partilha após o divórcio. Foi uma das primei­ras patentes obtidas pela empresa, há mais ou menos uns vírtte anos.

— E tem certeza de que se trata de uma patente de vinte e cinco anos?

— Sim, não tenho a menor dúvida, apesar de ter tido muita dificuldade para encontrar os documentos originais da patente — Tullah informou a ele. — O que estão usan-

do contra nós é que a família da segunda esposa alega que a validade da patente original era de apenas dez anos e não vinte e cinco e que todos os royalties e lucros obtidos de­pois desses dez anos devem ser revertidos a eles.

— Eles dizem que estão de posse do documento que prova que a patente era de apenas dez anos — Saul avisou Tullah, franzindo mais ainda a testa.

— Eu sei. Avaliei esse ponto. O caso é muito complexo e intrincado, bem fascinante do ponto de vista puramente legal, mas suspeito que a patente tenha sido originalmente registrada para dez anos, mas depois Gerard Lebruck, o dono original dela, mudou de ideia e alterou para vinte e cinco sem destruir o documento anterior. É claro que na­quela época as leis de patente não eram tão complicadas e monitoradas de perto quanto hoje em dia, e apesar de ter certeza que a família Lebruck acredita que a patente que têm seja genuína, na verdade não é.

— Hummm... Bem, parece que você viu mesmo todos os detalhes dos fatos, o que é muito bom. — Saul deu uma olhada no relógio. — Não vai haver tempo para arrumar outra pessoa para o lugar de Derek, portanto lamento di­zer que você terá que viajar no lugar dele.

— Eu? Mas...

— Nosso vôo sai em três horas, o que lhe dá tempo de ir até sua casa e fazer uma mala para o pernoite — Saul continuou. — Marsha esta arrumando um carro e um mo­torista para levá-la em casa para pegar o que for necessá­rio e depois levá-la direto ao aeroporto. Eu a encontro lá. Ah, e seria bom se você levasse roupas bem formais. É claro que Claus van der Laurens, fundador da empresa, está aposentado agora, mas ele ainda mora em Haia e mantém grande interesse na companhia. A maioria das ações ainda é da família, como você sabe, e eu imagino que ele vá nos convidar para jantar.

Seus pensamentos se encontravam em pleno caos en­quanto Tullah olhava para ele. Uma coisa era soar positi­va e assertiva ao confirmar para Saul a alegação da empre­sa de que a patente tinha validade de vinte e cinco anos, mas fazer o mesmo em um tribunal era outra coisa...

Seu coração começou a bater rápida e nervosamente. E se ela cometesse algum erro? E se ela levasse a empresa a perder o caso e a patente, logo uma das primeiras, sobre a qual fora construído todo o sucesso da empresa.

— Eu não acho... — ela começou, vacilante, mas Saul a interrompeu novamente.

— Sem discussão, Tullah — ele reiterou incisivamen­te. — Quero você no aeroporto daqui a três horas para pe­gar o próximo vôo.

Seu blazer preto neutro, mais a camisa de seda creme deveriam ser formais 0 suficiente para a audiência na cor­te, Tullah concluiu ardorosamente enquanto começava a fazer a mala, na verdade uma bagagem de mão. Teria de viajar com a roupa que estava usando; simplesmente não havia tempo para se trocar e dar uma passada de olhos no relatório antes de sair.

Resolveu incluir outra camisa, só para o caso de acon­tecer algo com a primeira ou de a audiência se estender além do previsto. Um par de calças de cetim bronze e uma blusa enganosamente recatada de gola fechada abotoada até a garganta na frente, mas que deixava as costas à mos­tra até quase a cintura infelizmente, o blazer cobriria as costas foram as únicas roupas que lhe vieram à mente que poderia considerar adequadas para um jantar com o fun­dador da empresa. Já havia comparecido a vários almoços de negócios em seu emprego anterior, mas seu guarda-roupa realmente não estava muito bem equipado de trajes eíegantes para jantares formais.

Roupas de baixo, maquiagem, um par de jeans e uma blusa informal caso tivesse a oportunidade de visitar al­gum dos museus e pronto, era tudo o que caberia na baga­gem de mão, que fora o que Saul lhe aconselhara levar.

— Assim não teremos de ficar esperando peias malas quando chegarmos — ele disse. — Derek não teve tempo de me deixar suficientemente a par da situação antes de caif doente, não tanto quanto eu gostaria, e há umas coisi-nhas que eu gostaria de abordar com você.

É claro que a sua primeira prova de fogo no novo em­prego, a primeira chance que teria de mostrar seu traba­lho, teria de ser conduzida debaixo dos olhos hostis de Saul. E não havia qualquer dúvida: ele a hostilizava. Não a ponto de ela poder fazer qualquer reclamação concreta; ele com certeza sempre se portava de maneira meticulosa­mente educada nas raras ocasiões em que se deparavam no trabalho.

Sem dúvida haveria quem dissesse que era tudo culpa dela; que uma certa ponderação e quem sabe um pouco de bajulação deliberada pudessem mudar o quadro, mas Tul~ lah simplesmente não fazia as coisas assim. Nunca fizera e nunca faria, muito menos no que dizia respeito a Saul Crighton.

Mas isso seria esquecer o fato de que ele era seu chefe e, como tal, fazia parte de seu trabalho prestar atenção a ele e às suas ordens, ao menos que dizia respeito a trabalho.

Sentiu um pequeno arrepio ao terminar de arrumar a maleta. A casa ainda estava ligeiramente fria e úmida, apesar do novo sistema de aquecimento central que havia instalado. A empresa de calefação havia dito que era por causa da espessura das paredes. Ao descer rapidamente as escadas em direção ao carro que a aguardava, desejou que o clima úmido e sombrio esquentasse um pouco antes do baile de máscaras.

As notícias de que todos os funcionários locais da em­presa seriam convidados ao baile de máscaras havia gera­do enorme expectativa e o evento prometia mesmo ser tre­mendamente espetacular. Lord Astlegh, dono do Fitzburg Place com seus jardins projetados à moda da Renascença italiana, estava recebendo uma soma considerável pelo uso de seus incomparáveis e lendários jardins.

— Eles escolheram Fitzburg Place por causa dos ca­nais artificiais que levam ao lago, também artificial — Olivia explicou a Tullah. — Saul estava nos dizendo que o diretor regional da empresa achou que os canais seriam uma forma de homenagear os primeiros diretores da em­presa, que são holandeses.

— Amsterdam encontra Veneza, que encontra o car­naval -— Tulíah murmurou com um sorriso enquanto Oli­via ria.

Mas naquele momento ela não se sentia muito inclina­da a sorrisos, Tullah admitiu para si mesma, sentindo um vazio quando o motorista lhe disse que estavam chegando ao aeroporto.

— Providenciei bilhetes em seu nome — Marsha avi­sou a Tullah antes de sua partida, — Mas você vai ter que pegá-los no balcão da companhia aérea.

Como estavam viajando na primeira classe, Marsha também avisou a Tullah que ela não precisava chegar duas horas antes do vôo, como de costume, mas sim qua­renta e cinco minutos. Contudo, enquanto aguardava o funcionário que estava procurando sua passagem pela se­gunda vez entre vários papéis, sem dar sinais de encon­trar, Tullah sentiu o estômago se revirar de ansiedade.

— Eu a quero naquele vôo — Saul havia lhe dito e com certeza não havia nenhum elogio naquilo.

Ele ficaria furioso com ela se, por alguma razão, ela não estivesse lá... independente do porquê.

— Desculpe — o funcionário disse, relutante. — Mas parece não haver nenhuma passagem em seu nome.

— Não... não há passagem em meu nome? — Que dia­bos ela deveria fazer? Tullah olhou em volta, desesperada, à procura de um telefone quando, para seu grande alívio, viu que Saul caminhava resolutamente em sua direção.

Para seu alívio! Não teve tempo de analisar a forma com que sua ansiedade se dissipou, ou mesmo a maneira profunda com que sentiu que, de alguma maneira, Saul daria um jeito em tudo e que, para ele, o funcionário da companhia aérea apareceria com uma passagem em dois tempos, se preciso fosse.

— Ah, Tullah, que bom que já chegou.

— Eles não estão encontrando a minha passagem — Tullah meio que balbuciou. — Marsha me disse que deve­ria retirá-la no balcão, mas eles dizem que não há nada em meu nome.

— Não, está certo. Eu a retirei antes, logo que cheguei

— Saul disse, tranquilamente.

— Você a pegou? — Pausando cuidadosamente entre uma palavra e outra, Tullah lutou para controlar sua ira.

— Você pegou a minha passagem? — ela reiterou, mor­dendo as sílabas, enfatizando as palavras ao tentar engolir sua raiva ao massacrar as palavras tão rudemente quanto gostaria de fazer com ele.

Será que ele não percebia o que a fizera passar?

— Algo errado? — ela ouviu Saul perguntar-lhe, fran­zindo levemente o cenho enquanto se aproximava e punha a mão em seu ombro.

Tullah se afastou dele raivosamente de modo que o atendente no balcão, que estava olhando para eles, não conseguisse ouvir suas palavras nem observá-los.

— Sim. Tem algo errado, sim — ela sibilou. — Não lhe ocorreu, tudo leva a crer, que retirar minha passagem po­dia ter feito eu perder o vôo, o qual você, aliás, já havia avisado que eu deveria pegar quase como uma situação de vida ou morte! O atendente me disse que não havia passa­gem para mim — informou-lhe, a voz começando a tre­mer de maneira reveladora.

— Claro que havia passagem para você — Saul afir­mou. — Eu...

— Você a retirou. Sim, sei disso, agora... mas eu não sabia dez minutos atrás, quando estava me perguntando que diabo estava acontecendo e como eu faria para embar­car sem a passagem!

Saul olhou para ela pensativo e circunspecto.

— Entendo o que diz, mas creio que está exagerando. Eu tinha a intenção de estar aqui para encontrá-ía quando você chegasse, mas recebi uma chamada e tive de atender.

— De Louise, sem dúvida — Tullah disse de modo do­cilmente virulento, por demais tomada pela raiva e pelo nervosismo do medo de perder o vôo para sequer pensar em monitorar as palavras ou parar e avaliar a situação an­tes de perder a linha.

— Louise? — Saul disse rispidamente, seus olhos se apertando ao observar o rosto corado e a boca tensa de Tullah. — Não, não era Louise — ele disse com uma voz tão gelada que quase lhe queimou a pele. — Para falar a verdade, era Jemima. Ela estava meio atormentada por não conseguir encontrar o urso.

— Urso? — Tullah repetiu. Agora que o choque havia começado a se dissipar, bem como sua explosão movida a raiva, Tullah começou a se sentir um pouco enjoada e tré­mula.

O que havia dado nela? Era, por natureza, uma mulher de temperamento intenso, talvez demais às vezes, mas ja­mais havia perdido o controle de maneira tão aguda e exaltada no ambiente de trabalho.

— Sim, o urso — Saul afirmou, explicando sucinta­mente. — Nós... Eu dei o ursinho a Jemima quando ela era pequena e ela... — fez uma pausa. — Ela está chegando a uma idade na qual se envergonha de precisar de um brin­quedo favorito na hora de dormir. Mas quando acordou hoje de manhã e não achou o urso e ficou um pouco ner­vosa, por saber que eu não estaria em casa esta noite.

Tullah mordeu o lábio, visualizando o sentimento de Jemima com muita facilidade, jamais admitiria a nin­guém, sob nenhuma hipótese: mas após o divórcio de seus pais era se sentia muito mais reconfortada se tivesse seu ursinho consigo na nora de dormir. Ele virou um misto de mascote e amuleto para ela, razão pela qual o havia trazi­do consigo na bagagem de mãof em vez de deixá-lo em casa.

A audiência no tribunal da manhã seguinte não seria de modo algum a primeira vez que ela poria os pés em um tri­bunal, mas seria a primeira em que o faria por seu novo emprego, e a primeira em que estaria sob o olhar afiado e, sabia bem que bastante crítico, de Saul Crighton.

De forma alguma ela teria sido sua escolha para a tare­fa; ele é que não tinha alternativa. Eía era apenas alguém que tinha as informações necessárias para o caso.

Só que ela sabia que boa parte de sua ansiedade sobre a aparente falta da passagem havia sido gerada por sua apreensão com o que a aguardava. Mas é claro que jamais admitira a Saul.

— Escute, já estamos na hora do check-in. Você já está pronta?

— Estarei tão logo me dê minha passagem — Tullah disse, bem objeti vãmente.

O vôo foi breve e tranquilo e havia um carro com mo­torista os aguardando no aeroporto para levá-los ao hotel. Não era um dos hotéis internacionais modernos pelos quais passaram no caminho, mas sim um bem menor e muito mais luxuoso o qual, de acordo com o que Saul ex­plicou, havia sido a mansão de um comerciante muito rico.

Dava para notar que os atuais donos procuraram man­ter o estilo original da construção, com sua entrada e esca­darias grandiosas ornamentadas com enormes e sombrias pinturas a óleo, em sua maioria retratos de homens de ex­pressão séria e crianças e mulheres de ar respeitoso.

A entrada era iluminada por um candelabro enorme, en­quanto os uniformes discretos dos funcionários do hotel re-fletiam as cores sombrias, porém vistosas, das pinturas.

Tullah não saberia dizer se era por acaso ou de propó­sito, mas a recepção cheirava a especiarias como canela e noz moscada, dentre outras que não saberia dizer o nome.

Ao respirar prazerosamente aquele aroma, não se con­teve e perguntou avidamente a Saul:

— O homem que construiu isto comerciava com as ín­dias Orientais Holandesas?

Sua perguntou provocou um inesperado sorriso de aprovação em Saul.

— Sim, para falar a verdade era mesmo. Poucas pes­soas são tão rápidas em fazer a ligação entre as especiarias usadas para aromatizar o ambiente e o comércio que pos­sibilitou a construção da mansão.

— Devia ser incrivelmente excitante esperar peia che­gada de uma carga vinda de tão longe.

— Hummm... caso ela de fato chegasse e o barco não tivesse sido abordado por piratas, ou se a carga não tivesse sido arruinada pela água salgada, ou os lucros devorados pelos subornos que os comerciantes tinham de pagar — ao ver a expressão murcha de Tuílah, o sorriso de Saul se alargou um pouco enquanto ele concordava. — Bem, de­via ser muito excitante, sim, excitante e romântico e está quase além de nossa compreensão moderna avaliar como seria terminar uma viagem destas, de um lado a outro do mundo, apoiando-se tão somente no talento, na esperança, no vento e nas marés.

— O carregador vai levá-los a seus quartos — a recep­cionista anunciou com um sorriso quando terminou de conferir suas reservas. Ao se voltarem para seguir, ela acrescentou para Saul. — Lamento que as acomodações que providenciamos não sejam tão boas quanto a suíte para dois que havia sido originalmente solicitada, mas es­peramos que tenham uma boa estadia conosco.

Ao se voltar para acompanhá-la, Saul disse calmamen­te a Tullah:

— Marsha havia originalmente reservado uma suíte com dois quartos separados ligados por uma sala comum, de modo que Derek e eu pudéssemos passar algum tempo discutindo sobre o caso com mais facilidade. De toda for­ma, pedi a Marsha que mudasse as reservas hoje pela ma­nhã, de modo que nenhum de nós dois se sinta desconfor­tável ou interprete algo da maneira errada.

Tullah olhou para ele. Tamanha consideração e preo­cupação iam totalmente de encontro a tudo que ela acredi­tava sobre ele. Ela foi pega tão desprevenida que simples­mente não foi capaz de dizer nada.

Saul puxou a manga do paletó para dar uma olhada no relógio e disse:

— Sugiro que tiremos meia hora para nos instalarmos e então a levarei para o tribunal onde o caso está sendo jul­gado, para que possa se familiarizar com tudo. Tenho um encontro de negócios esta noite, mas não terminará tarde, por isso não hesite em bater na porta de meu quarto se, du­rante a noite, se deparar com qualquer problema relativo ao processo. A coisa começa cedo amanhã de manhã. Es­pera-se, se sua informação estiver correta, que as coisas se resolvam favoravelmente, e depois teremos o jantar com Claus van der Laurens. Os elevadores ficam nesta dire-ção...

Tullah seguiu-o em silêncio. Não fazia ideia tie por que se sentiu de repente tão... tão sozinha, só porque ele lhe disse que ia sair para jantar... sem ela.

 

—T ullah respirou fundo.

— Mostramos então, como prova, uma cópia da paten­te, assinada e datada conforme nossas alegações, além de uma cópia da carta original, confirmando a venda e a transferência da patente do detentor original dos direitos para a empresa, junto com uma cópia do acordo de trans­ferência.

Tullah sentiu, do outro lado da sala de audiência, que Saul a observava e automaticamente se pegou virando a cabeça para encarar seu oihar fixo, imóvel. Ela não queria olhar para ele, não transmitir a ele a mínima impressão de que sentia necessidade de seu apoio ou aprovação, mas sentia intensamente tal necessidade, enquanto esperava que avaliassem a prova que havia acabado de apresentar. Parecia que havia um elo magnético entre ele e ela, uma sensação de proximidade... de camaradagem, de estarem unidos, algo que não poderia ser analisado ou discutido em termos lógicos.

Vinte e quatro horas atrás ela poderia ter declarado, de maneira bastante veemente, que não precisaria de SauS para compartilhar uma vitória, e certamente não tinha ne­nhum desejo de que ele testemunhasse um possível fracasso, mas à medida que a tensão crescia na sala de au­diências, Tullah foi percebendo cada vez mais o senso de força e calma da presença silenciosa de Saul.

Não havia nada como a atmosfera de uma sala de au­diências para fazer uma pessoa sentir-se vulnerável e iso­lada, TuJlah lembrou a si mesma, e a proximidade que ela poderia criar entre membros de uma mesma equipe ou empresa poderia resultar em companheiros improváveis no mundo real além de suas portas.

Companheiros?

Seu coração acelerou um pouco e, do outro lado da sala, ela viu Saul levantar as sobrancelhas, criando um vinco pronunciado na testa.

A prova que apresentara ainda estava sendo avaliada. Ela tentou não demonstrar nenhum nervosismo e perma­necer completamente impassível. Não tinha a menor dú­vida da validade da alegação da empresa, ou de que a pa­tente de vinte e cinco anos tinha precedência sobre a de menor validade da outra parte, mas como Saul a avisara pela manhã, não era bom ser confiante demais, e sabiam que a outra parte poderia trazer na última hora provas das quais não tivessem conhecimento.

E se houvesse alguma prova que ela tivesse deixado de apurar em sua pesquisa, que lhe tivesse escapado? Já po­dia sentir um princípio de pânico. Seria suficientemente ruim perder o processo e, com ele, uma das patentes mais valiosas da empresa, mas fracassar na frente de Saul... A despeito da ligação visual silenciosa que sentia entre eles, uma vez que o caso fosse dado por encerrado as coisas voltariam ao normal, eles se tornariam antagonistas de novo e ela não deveria ligar muito para o apoio mental dele.

A outra parte foi agressiva, mas para alívio de Tullah, ninguém apresentou qualquer prova inesperada. Ela sen­tiu a tensão lhe revirando os músculos do estômago, sen­do o único som a quebrar o silêncio o constante ruído das folhas de papel que estavam sendo estudadas.

O que Saul estaria pensando: Será que ele achava que venceriam? Haveria algo que ela deveria ter feito para ga­rantir o veredicto e não fez?

Após o que pareceu uma eternidade, foi anunciado que o júri havia chegado a um veredicto.

Tullah prendeu a respiração ao se levantar, mantendo seu rosto profissionalmente impassível, mas mesmo as­sim sem resistir a dar uma olhada rápida para Saul. Bus­cando o quê? Confirmação? Certeza de que ele estava fe­liz com a forma com que ela conduzira o caso? Também não conseguiu resistir à tentação extremamente rião-pro-fissional de cruzar os dedos e fazer uma pequena prece em silêncio, pedindo pela vitória.

O veredicto foi lido lenta e cuidadosamente. Tullah respirou fundo de alívio ao ouvir a confirmação da valida­de e autenticidade da patente da corporação.

De repente ela tomou consciência de coisas que não ha­via percebido antes, como o sol penetrando a sala de au­diências através da janela e que lá fora, alheia à atmosfera temerosa e abafada do recinto, a vida seguia seu curso normal. Ouviu o som dos carros e das pessoas passando, algumas assoviando.

Respirou fundo mais uma vez e sentiu uma onda de alí­vio, como bolhas efervescentes e vertiginosas de felicidade.

— Muito bem!

Ela não se afastou ao sentir Saul tocar seu braço. Ao in­vés disso, ficou simplesmente onde estava, aliviada de­mais para tentar esconder suas emoções, segurando o pes­coço com a mão e dizendo com a voz rouca:

— Tive medo que eles dessem ganho de causa à outra parte, mesmo sabendo da validade de nossa patente. Bo­bagem, eu sei.

— Não é bobagem. É uma reação bastante razoável, devo dizer — Saul a contradisse e explicou quando ela olhou para ele como quem não entendeu. — Segurança em excesso pode ser tão ruim quanto ignorância. Saber da possibilidade de haver perigos e ciladas é estar pronto para lidar com elas.

— Passei mesmo por momentos difíceis quando tenta­ram alegar que o detentor original da patente havia muda­do de ideia e escrito ã empresa informando que só estava disposto a vender a patente por um período de dez anos. — Tullah fez uma pausa, hesitante. — Você acha...

—Não — Saul negou vividamente, balançando a cabe­ça. — No meu ponto de vista, aquilo foi simplesmente uma tática para ganhar tempo durante a audiência... uma tentativa de fazer com que o júri decidisse que seria preci­so adiar a sessão para certificar-se da existência de taí do­cumento. Eles não ganhariam nada, mas enquanto estives­se sendo feita a pesquisa, todo o dinheiro relacionado à patente teria de ficar retido em juízo, o que teria um péssi­mo efeito nos lucros da empresa. Nem mesmo uma com­panhia do tamanho da Aaríston está livre de ser leiloada, e se você quer saber o que eu penso, estou meio inclinado a achar que havia algo mais por trás desta alegação de que a patente original não seria válida.

— Você quer dizer que alguém pode estar por trás de uma tentativa de desestabilizar a companhia?

— Bem, já aconteceu antes — Saul disse, com indife­rença. — Seja como for, ao menos nesta ocasião, se houve algo escuso por baixo dos panos... — Deu de ombros. — Você se saiu muito bem, principalmente se considerarmos que você foi jogada de repente no meio do furacão.

— Eu estava muito nervosa — Tullah reconheceu. De repente parecia ser a coisa mais normal do mundo admitir a ele como estivera apreensiva. O alívio e a euforia que es­tava sentindo por vencer produziu um senso de proximi­dade e de camaradagem com Saul que, por ora, pôs de lado quaisquer considerações outras e diferenças. Estava feliz até mesmo com o braço protetor que ele estendeu para protegê-la das pessoas que saíam todas ao mesmo tempo da sala de audiências e recebeu bem o gesto de ca­valheirismo à moda antiga. Admitiu, com tristeza, que seus instintos femininos estavam sobrepujando sua cons­ciência mais moderna de igualdade e do politicamente correto.

— Eu sugeriria um almoço para comemorar — Saul disse. — Mas está tarde agora para almoçar, e...

Tullah balançou a cabeça.

— Não estou com muita vontade de comer — ela disse, desanimada. — O que realmente preciso é subir para o rneu quarto e escrever meu relatório enquanto ainda está fresco na minha mente.

— Hummm... Bem, se você tem certeza de que não se importa, tem algo que eu gostaria que fizesse — Saul a informou sem especificar o que era. — A propósito, Claus providenciou um carro para nos pegar às sete e meia.

— Estarei pronta — Tullah assegurou.

Uma vez que o ordálio da audiência havia sido venci­do, ela estava já se preparando para encontrar o fundador da empresa, apesar de que Saul também estaria lá.

Apesar de que...

Ela fez uma pausa, incapaz de resistir a dar uma olha-dinha rápida nele. Algo estranho estava ocorrendo com ela, algum extraordinário e inesperado coquetel de emo­ções e reações que se combinavam para lhe dar uma sen­sação de leveza e excitação... um senso de expectativa, uma verdadeira falta de ar.

Alguém a empurrou por trás, forçando-a a chegar mais perto de Saul. Ele imediatamente a segurou mais forte e abaixou a cabeça para olhá-la. E manteve o olhar.

Ele de fato tinha os olhos mais excepcionalmente be­los, de cor tão profunda e tão cálida que... E aqueles cí­lios... Ela levantou a mão, sentindo um desejo de tocá-los para ver se eles eram tão suaves e sedosos quanto pare­ciam ser, mas parou, sentindo uma vertigem e engolindo em seco. Que diabos estava pensando? Fazendo...?

— Tullah.

Saul estava se inclinando e aproximando ainda mais dela, com os olhos momentaneamente turvos de preocu­pação, como uma sombra passando pelo sol.

Uma sensação elevada, como um presságio, como se estivesse prestes a passar por uma mudança vital, essen­cial, a fez estremecer: uma sensação assustadora e crista­lina de que subitamente, ali e naquele exato instante, em meio a todo aquele cenário mundano de pessoas se empurrando para frente e para trás ao redor dela, ela estava se deparando com algo de imensa importância.

Saul levantou a mão em direção.-ao rosto dela, fazendo-a já visualizá-lo segurando o pescoço dela com as mãos, que sentia seu calor... sua força... sua paixão... sua... a ca­pacidade que ele tinha de mudar a vida dela como um todo, fazendo-a sentir que nada jamais seria como antes.

Ela estremeceu como uma sonâmbula e arrastou seu olhar para longe dele, dando um passo para trás, permitin­do que a multidão agitada se interpusesse entre eles.

— Eu... eu tenho que ir — ela disse a ele de modo niti­damente artificial. Então, sem lhe dar qualquer chance de responder, começou a se dirigir à saída, primeiro cami­nhando e depois correndo, tomada por uma sensação de pânico que sobrepujava a apreensão que havia sentido an­tes do julgamento. O que sentia ali era diferente; era pes­soal... era...

Ela lembrou, cheia de ansiedade, de ter lido em algum lugar sobre uma experiência conduzida nos Estados Uni­dos segundo a qual era mais provável que os homens se atraíssem e se apaixonassem por mulheres que vissem imediatamente depois de um algum tipo de experiência que estimulasse sua adrenalina ou após um incidente que os desafiasse ou alarmasse. Mas com certeza o mesmo não se aplicava às mulheres; certamente elas eram imunes a este tipo de vulnerabilidade.

Não era possível que ela estivesse se sentindo atraída por Saul, simplesmente não era possível. Aprofundou-se cuidadosamente em todas as razões pelas quais não seria possível que isso estivesse acontecendo, soltando um sus­piro de alívio ao enumerá-los.

Frente a esses motivos todos, tão sólidos e enraizados, o que se opunha? Apenas uma breve e fugaz sensação, que durara um mero instante, mal dando tempo a ela para de­finir o que era.

Ainda assim, aquelas sensações continuavam lá, ator­mentando-a, tão efémeras que poderiam voar para longe ao mínimo sopro de realidade e lógica. Mas, para sua irri­tação, elas se recusavam a abandoná-la, voltando toda vez que tentava bani-las.

Um olhar; uma batida de coração a menos; uma breve sensação de falta de ar e vertigem; uma percepção pecu­liar de que um evento primoroso se aproximava... Mas o que, afinal, significava aquilo? O que seriam aqueles sen­timentos a não ser o mero produto de uma imaginação so­brecarregada de trabalho? Não significavam nada, nern mesmo... coisa alguma,., nada... nada mesmo, e com cer­teza não era nada com que valesse a pena continuar se preocupando.

Ela tinha mais o que fazer. Tinha outros planos para o resto da tarde, como Saul. Saul. Ali estava ela, novamente começando a pensar nele mais uma vez,

O Mauritshuis estava praticamente vazio, permitindo que Tullah passeasse lentamente, pintura por pintura; à vontade, absorvendo a completa opulência do uso de co­res e formas, luz e sombra, apreciando os pequenos deta­lhes de cada grande trabalho da coleção do mestre Ver-meer que tinha ido ver.

Um suspiro voluptuoso de prazer lhe veio aos lábios quando parou em frente a um de seus favoritos, a "Vista de Delft". Perdida em sua observação, não percebeu que alguém se aproximava da pintura, até que um breve movi­mento lhe chamou a atenção. Virando a cabeça, congelou ao ver Saul.

— O que está fazendo aqui? — ela perguntou.

— O mesmo que você — ele respondeu, com indife­rença. — Gosta de Vermeer? — ele perguntou, apontando com a cabeça a pintura que ela estava apreciando.

— Se gosto? — A boca de Tullah curvou-se para baixo em sinal de profundo desprezo. — Não se pode simples­mente gostar de um trabalho desta categoria — ela res­pondeu, de modo sucinto.

Ela parou abruptamente ao perceber que ele zombava dela; rugas de expressão se formavam no canto dos olhos dele, denunciando o riso que ele tentava conter.

— Você parece com a Meg quando alguma coisa a dei­xa fula — ele observou, com bom humor. — Tomara que você não saia batendo os pezinhos.

Tullah olhou para ele, furiosa. Como poderia ela ja­mais considerá-lo atraente, ou se preocupar que corresse o perigo de querer...?

— Se eu sair batendo meus pezinhos, será por que você estará debaixo deles — ela respondeu.

Saul levantou as sobrancelhas.

— Sou totalmente a favor de mulheres fortes e capazes de se afirmar, mas há um ponto no qual a auto-afirmação se torna agressão, e você...

— Eu o quê? — Tullah continuou, desafiando-o. Saul balançou a cabeça.

— Esqueça — ele disse, sardonicamente. — É impos­sível quando se trata de você, não é mesmo, Tullah? Tome cuidado, contudo, para não julgar mal o inimigo que está tão determinada a destruir. Você pode acabar descobrindo que acabou por atacar a si mesma com os espinhos agudos de suas palavras.

Após dizer isso, ele deu-lhe as costas e se afastou dela.

— Vamos lá, você não pode me deixar terminar esta garrafa de vinho sozinho e já sei que não adianta insistir com Saul, pois ele é abstêmio e jamais poderá ser persua­dido a agir contra sua vontade.

Bem que Tullah tentou, sem muita convicção, objetar quando Claus van der Laurens insistiu em encher sua taça com o vinho extremamente encorpado e saboroso que ha­via pedido para acompanhar a refeição na qual comemo­raram o igualmente excelente triunfo de Tullah na sala de audiências, mas foi forçada a reconhecer que o fundador da empresa tinha Saul em alta conta. E não apenas isso, ele gostava mesmo de Saul e o tratava quase como se fos­se da família.

E se um homem perspicaz e astuto como Claus van der Laurens nutria tamanha estima por Saul, como ficaria ela e seus sentimentos negativos e hostis para com ele?

A partir da conversa naquela noite, ficou evidente que o holandês era um homem muito dedicado à família. Ele explicou a Tullah que a única razão pela qual sua esposa, não estava presente era porque sua neta mais velha havia acabado de dar à luz e ela fora ficar com ela, para ajudá-la.

— Saui estava me dizendo que vocês dois são grandes fãs de um de nossos maiores pintores — Claus comentou enquanto Tullah bebia seu vinho.

— Sim. Sim, realmente aprecio muito seu trabalho — ela concordou, franzindo ligeiramente o cenho. O que mais Saul teria dito a Claus van de Laurens sobre ela? Nada, ela esperava, que prejudicasse sua carreira.

— Tenho um pequeno ambiente decorado em seu esti­lo por um de seus alunos — ele disse a ela, balançando a cabeça enquanto admitia. — É muito bom à sua maneira, mas para quem já viu o trabalho do mestre...

— Ele tem um olho para os detalhes... — Tullah res­pondeu, mas sua mente já não estava mais voltada para seu pintor favorito.

Claro que era impossível que ela estivesse errada quan­to a Saul, mas... Mas sem dúvida alguma, seu ponto de vista sobre ele parecia ir de encontro à opinião extrema­mente favorável que a maioria das pessoas tinha sobre ele, a qual declaravam abertamente. O que aquilo queria dizer exatamente? Que eles estavam errados e ela estava certa ou que...

Não havia dúvida de que ele era um homem extrema­mente carismático e sexy. Bastava que ela observasse a reação das outras mulheres no restaurante à sua presença para saber disso... ou reconhecer as reações físicas de seu próprio corpo, lembrou a si mesma com tristeza.

Seu anfitrião estava agora falando sobre o baile de máscaras no qual ele e sua família seriam os convidados de honra da empresa.

Já passava da meia-noite quando eles finalmente dei­xaram o restaurante e Saul chamou um táxi para levá-los de volta ao hotel. Havia algo de positivamente desconcer-tante em dividir o interior sombrio de um táxi de madru­gada com um homem extremamente sexy e atraente, Tul­lah pensou com seus botões, ou ao menos era uma desculpa que ela arrumou o perigoso crescimento que sentia da percepção de Saul como homem.

Determinada a ignorar tais sentimentos ridículos e in­defensáveis, virou a cabeça deliberadamente para a díre-ção oposta à dele e ficou observando a escuridão das ruas, mas quando foram brevemente detidos por um sinal de trânsito, ela sentiu-se compelida a olhar para ele.

Para sua surpresa, Saul estava encarando-a, com os olhos levemente apertados enquanto olhavam um para o outro em silêncio. Tullah foi a primeira a desviar o olhar, mas antes disso seu olhar parou, denuncíadoramente, so­bre a boca de Saul.

O vinho devia estar causando aquele efeito, concluiu enquanto o táxi estacionava em frente ao hotel. Era um vi­nho bastante encorpado e vigoroso e suspeitava que bem mais forte do que pensava. Ela não se sentia bêbada, sen­tia-se apenas... apenas... Sentia-se intrigada por querer sa­ber como seria ser beijada por Saul, se era verdade o que se dizia de homens com aquele tipo específico de lábio in­ferior, sensualmente encurvado para baixo. Seria ele do tipo que se apressava e estragava as coisas, cobiçosamen­te ávido por prazeres mais íntimos, ou daria tempo ao tempo, explorando de maneira sensual e aproveitando ao máximo a deliciosa intimidade de um beijo longo, demo­rado e extremamente apaixonado?

Será que ele...?

— Eu acho que seria bom se você solicitasse que tele­fonassem pela manhã, já que nosso vôo sai às dez — Saul a avisou com indiferença, cortando a natureza altamente volátil de seus estranhos pensamentos eróticos.

— O que está tentando dizer? — Tullah perguntou, re­tomando a carga toda e respirando fundo, o que causou tanto efeito nas curvas de seu corpo que fez um homem a vários metros dela ficar boquiaberto, desejando, cheio de inveja, estar no lugar de Saul. Numa época de mulheres ossudas e magrelas, era raro ver uma com formas de ver­dade, cheia de curvas femininas deleitáveis e deliciosas.

Tullah, que viu o olhar duro que Saul dirigiu a ele sem fazer ideia do porquê, pensou no que diabos ele teria feito para Saul encará-lo com tanta hostilidade antes de com­pletar, de modo imperioso:

— Na verdade, já pedi que ligassem, mas se você pre­tende insinuar que eu... que eu...

Ela começou a soçobrar levemente frente à reprovação de Saul e ao modo com que ele a olhava, arqueando as so­brancelhas.

— Eu não estou bêbada — ela falou, chamando para a briga, mas depois soltou um pequeno soluço que a entre­gou. — Só tomei quatro taças — ela começou a protestar enquanto Saul tomou a frente rumo aos elevadores.

— Quatro taças, mas praticamente uma garrafa inteira — Sauí murmurou com indiferença.

Tuilah arfou e tentou negar, dizendo em tom de quei­xume:

— Claus ficava enchendo minha taça...

— Exatamente — Saul concordou sardonicamente e avisou. — Só espero que você tenha algum remédio para dor de cabeça, pois acho que vai precisar amanhã de ma­nhã.

— Saul, você é mesmo um estraga-prazeres — Tullah disparou.

— Não é questão de ser estraga-prazeres — Saul retor­nou calmamente. — É mais uma questão de conhecer Claus. Ele é um anfitrião generoso, mas tem uma cabeça de ferro fundido. Já o vi beber sozinho duas garrafas de vi­nho fino sem demonstrar o mínimo efeito, mas o resultado pode ser letal quando não se está acostumado a beber.

Tullah abriu a boca para alegar que era uma mulher de quase trinta anos e que era perfeitamente capaz de saber quando parar de beber, mas o elevador chegou e os passa­geiros que estavam dentro começaram a sair, fazendo-a perder a chance.

De certo modo, ela não tinha ilusões sobre a razão pela qual Saul insistiu tanto em levá-la até a porta de seu quar­to, o que nada tinha a ver com qualquer desejo de tentar entrar ou ir para sua cama.

— Estou perfeitamente sóbria — ela disse a ele com ir­ritação enquanto ele tirava a chave de sua mão para intro­duzir na fechadura.

— O que foi agora? — ela perguntou quando ele abriu a porta para ela e seguiu-a para dentro do quarto. — Não sou uma de suas filhas, sabia? Você não tem que ficar me supervisionando enquanto me dispo e nem fiscalizar se escovei os dentes direito antes de ir para a cama...

Ela fez uma cara de contrariada ao ver que ele a igno­rou e desapareceu em direção ao banheiro, logo retornan­do com um copo, para então abrir o pequeno refrigerador, tirar uma garrafa de água, abrindo-a e enchendo o copo.

— Beba isto — disse a ela sucintamente. — Provavel­mente não vai impedir a ressaca pela manhã, mas pelo me­nos vai evitar que fique totalmente desidratada.

— Está certo, papai — Tullah zombou, fingindo-se de mansa, e pegou o copo de suas mãos. Mas de algum jeito ela deixou o copo escorregar e o susto da água gelada mo­lhando sua blusa e pele a fez arfar de indignação. — Veja só o que você fez agora — ela acusou Saul enquanto co­meçava a afastar o tecido molhado de seu corpo.

Ela pensou ter ouvido Saul resmungar consigo mesmo ao desaparecer para dentro do banheiro pela segunda vez, mas estava envolvida demais na tentativa de tirar as rou­pas encharcadas, removendo primeiro a blusa e depois o sutiã, jogando-os no chão com aversão.

— Aqui, pegue esta... — ela ouviu Saul instruí-la, irri­tado, mas ao se virar e olhar para ele de maneira vacilante, surpresa de vê-lo ainda em seu quarto, pôde ver o choque nos olhos dele e seu maxilar enrijecendo enquanto ele per­guntou, ainda mais irritado. — Mas que diabos você pen­sa que está fazendo?

O que ela estava fazendo?

Tullah olhou para ele intrigada. O que ele queria dizer? Ela não estava fazendo nada. Ela estava apenas... Ao des­viar o olhar do rosto furioso e incrédulo de Saul para as roupas que havia tirado, subitamente tudo se iluminou em sua mente. Ela soltou uma risadinha sem graça, e depois outra, e zombou dele de maneira coquete.

— Qual o problema, Saul? Nunca viu uma mulher nua antes?

Ela zombou dele, fazendo um biquinho de falsa raiva, e pensou ouvi-lo dizer fervorosamente.

— Ah, meu Deus, não posso acreditar no que está acontecendo! Claus, você é o culpado. — Apesar de seus risinhos ainda borbulharem como champanhe fresco, Saul jogou a toalha que estava em suas mãos para ela e disse enfaticamente: — Tome, cubra-se.

— Não quero me cobrir — Tullah respondeu, fazendo cara de menina levada. — Qual o problema, Saul — ela arrulhou. — Você não gosta do meu corpo? A maioria dos homens...

— Bom Deus, acho que já é o bastante. Fique quieta — Saul ordenou raivosamente enquanto tentava envolver o corpo de Tullah com a toalha.

Tullah riu.

— Assim não vai adiantar nada — ela avisou. — Você precisa enrolar com força e prender as pontas aqui. — Ela então tocou, maliciosamente, o vão de pele entre seus seios e então provocou, cheia de atrevimento — O que foi, Saul? Não quer me tocar?                                            

— O que eu quero no momento — Saul disparou, com a paciência desgastada além do seu limite — é ir para a ; cama.

— E o que mais? — Tullah sussurrou, dando um passo à frente para se aproximar mais dele. Por alguma razão ela não conseguia tirar os olhos da boca de Saul, olhando fixo com curiosidade e fascínio.

— Tullah — Saul disse, como que avisando.

Ele sabia que eia não tinha ideia do que estava fazendo; ; que aquele vinho caro e amadurecido que ela havia bebido j era a causa de sua repentina perda de inibição e não seus ' sentimentos reais por ele. Mas, meu Deus, será que ela não fazia a menor ideia do que estava fazendo com ele, do que a visão daqueles seios magníficos desnudos estava fa­zendo com ele e o que ele queria fazer com eles e com ela? Ele teria de ser de pedra para resistir à mensagem tantalizante de inocência e sedução que ela estava transmitin­do, a despeito de sentir o que sentia por ela...

— Tullah — ele gemeu, e houve uma leve cintilação de nervosismo no olhar dela, mas era leve demais, tarde de­mais, e ele tirou a toalha que ela estava segurando e a to­mou em seus braços.

— Saul... — Tullah arfou com entusiasmo, seus olhos se abrindo de prazer e surpresa. — Beije-me — ela pediu impetuosamente. — Eu quero que você me beije agora! — E, para enfatizar o que dizia, ela se inclinou ainda mais, deixando-se tomar em seus braços, abraçando-o enquanto pressionava sua boca contra a dele.

Saul considerava homens que tiravam proveito de mu­lheres embriagadas algo mais que abominável, simples­mente inaceitável; um tipo de homem que ele não era, ja­mais quis ser e não seria ali que passaria a fazer parte da categoria.

O homem tinha a responsabilidade de proteger a mu­lher, de salvaguardá-la mesmo quando ela mesma... Ele, afinal de contas, tinha suas próprias filhas, meninas que um dia poderiam estar na mesma situação vulnerável em que Tullah se encontrava. O que ele acharia de um ho­mem, qualquer que fosse, que ousasse tirar proveito de sua inocência... de sua...

— Saul — Tullah murmurou provocativamente em sua boca.

Não adiantava, era tarde demais, era impossível resistir ao convite que ela lhe fazia tão naturalmente, à maneira irresistível que se oferecia a ele. Será que ela não sabia o quanto ele... mas como seria possível, se...

Saul fechou os olhos e resistiu à tentação de aproveitar o movimento suave e delicado de sua boca contra a dele enquanto ela tentava seduzi-lo e conseguir extrair uma reação dele.                                                               :

Tullah soltou um pequeno suspiro de decepção. Saul não iria lhe corresponder, não iria beijá-la e ela jamais saberia. Ela estava para afastar seus lábios dos dele quando Saul inesperadamente pressionou sua boca contra a dela, tomando o controle do beijo, tomando controle dela en­quanto virava a mesa com maestria e começava a beijá-la carinhosamente. Um leve tremor de sensação percorreu o corpo de Tullah e então ela tentou se afastar, mas logo viu que não conseguiria fazê-lo. E, o que era pior, ela nem ao menos queria.

Por um momento ela tentou resistir, mas então cedeu vertiginosamente à .perigosa excitação que a fazia tremer da cabeça aos pés e correspondeu avidamente ao beijo de Saul.

Não se lembrava de jamais ter sido beijada por ninguém daquela maneira... ou de beijar alguém daquele jei­to. Na verdade, mal podia reconhecer-se naquela mulher sensual e desinibida que não apenas correspondia, mas in­citava e prolongava ativamente as deliciosas sensações dos beijos lentos e demorados mais e mais íntimos e apai­xonados.

Seria mesmo ela quem soltava aqueles gemidinhos eróticos de prazer e aprovação que faziam Saul apertá-la ainda mais forte e explorar os suaves segredos de sua boca ainda mais demoradamente?

Seu coração batia tão forte que parecia a ponto de ser arremessado de seu peito contra a parede. Ela tinha certeza que Saul também podia sentir. Como não sentir, se a es­tava abraçando tão forte, se estava...

Ele a estava beijando mais e mais lentamente agora, mais profundamente. Hummm... Tullah soltou um suspiro suave e demorado de prazer, abrindo os olhos para olhar dentro dos olhos de Saul e ficando sem fôlego e tonta ao ver a maneira com que ele retribuía seu olhar, percebendo a intensidade de sua excitação pela maneira como suas pupilas se dilatavam. Sentindo-se confusa, ela estendeu a mão para tocar o rosto dele, aterrorizada tanto pelo modo com que ele estava reagindo a ela quanto pela forma com que ela correspondia.

Saber que ele estava excitado e vulnerável criou um laço entre eles, uma consciência compartilhada, ainda que não expressa por palavras, mas do modo inexplicável e ir­racional com que se correspondiam, com seus desejos e necessidades recíprocas. Em seu estado emocional forte­mente alterado e com as inibições normais tão relaxadas, ela não podia deixar de corresponder à atração.

Havia um senso revigorante e maravilhoso de liberta­ção e liberdade em expressar suas necessidades físicas e emocionais de maneira tão aberta e fácil, em ser capaz de baixar a guarda e reconhecer que o desejo por ele, o qual finalmente se permitia demonstrar, sempre existira, desde que se conheceram. Sempre existiu, apesar de ela ter ten­tado sufocá-lo com todas as suas forças, ter tentado man-tê-io subterrâneo, escondido, apesar de ter tentado negar sua existência devido ao medo de repetir sua infância e sua adolescência, quando amou homens que não só não eram merecedores, como incapazes de corresponder.

Mas Saul não era assim. Daquela vez seria diferente, daquela vez...

Ela suspirou de felicidade e se aninhou ainda mais em seus braços, pressionando seu corpo amorosamente con­tra o dele.

— Saul — ela sussurrou, sua imaginação inundando seus sentidos com vívidas promessas de sensualidade. — Vamos para a cama... quero que você me leve para a cama...

O gemido que Saul soltou não foi totalmente causado por saber que ela se encontrava claramente longe de estar sóbria. A sensação do corpo dela contra o dele e o modo inocentemente sensual com que se mexia em seus braços estavam afastando qualquer sombra de autocontrole e ul­trapassando setis limites, ele admitiu melancolicamente enquanto lutava para se controlar, mas por fim perdeu o embate e não teve como evitar corresponder a ela.

E é claro que ela sabia o que estava acontecendo com ele. Ele pôde perceber na maneira velada e femininamente triunfante com que ela o fitou, deixando os olhos percor­rer seu corpo, muito lenta e deliberadamente, até voltar a seu rosto.

— Saul — ela sussurrou.

Talvez, se ela já não estivesse seminua, se ele não ti­vesse cedido à tentação de abraçá-la e beijá-la, talvez en­tão tudo tivesse sido diferente, mas ele já tinha cedido e fez uma última e desesperada tentativa de evitar o inevitá­vel dizendo, rispidamente:

— Tullah, não posso...

O olhar zangado, mas muito objetivo, que ela lançou para a parte de baixo do corpo de Saul, mais a acusação "mentiroso", deixou claro que ela não havia com­preendido.

Abraçando-a gentilmente, ele tentou explicar.

— Não. Quero dizer que não podemos... não tenho... não posso...

Os olhos de Tullah se iluminaram.

— Ah, tudo bem — ela disse a ele, alegremente. — Eu tenho. Estão no banheiro. — Ela fez uma pausa ao ver que ele não podia conter a surpresa em seu olhar.

Talvez ele estivesse sendo antiquado, mas Tullah nun­ca lhe dera a impressão de ser uma mulher que costumava praticar sexo casual, muito pelo contrário. A despeito de suas qualificações e habilidades profissionais, havia nela uma gentileza e uma hesitação que o faziam crer que sua experiência sexual era bastante limitada, que tinha tido poucos homens, mas eis que...

— Não havia nenhum no seu banheiro? — ela pergun­tou, franzindo ligeiramente a testa. — Achei que fosse algo que o hotel providenciasse automaticamente, em se tratando da Holanda, e...

Saul começou a sorrir.

— Eu não sei — respondeu. — Talvez tenha. Não re­parei.

— Está vendo, então na verdade podemos sim — ela murmurou enquanto se aproximava para tocá-lo. — Hummm... que coisa boa — ela disse a ele com a voz ras-cante, e ele cedeu à tentação de acariciar as curvas de um de seus seios.

— Nem metade do quanto ainda vai ficar — Saul asse­gurou, com a língua pesada enquanto a tomava nos braços para gentilmente pô-la na cama, enquanto ela se segurava passando as mãos pela parte de trás de sua cabeça e levan­tava seu rosto em direção ao dele para beijá-lo.

Hummm... Beijar era uma atividade altamente subesti­mada, um território pouquíssimo explorado em seu currí­culo, Tullah concluiu, perplexa, enquanto o envolvia ain­da mais firmemente com os braços, abraçando-o ainda mais forte.

Ela podia sentir suas mãos acariciando seu corpo, tocan­do sua pele gentilmente, e a sensação era maravilhosa. Ela respirou fundo em um êxtase de prazer feminino, arquean­do as costas voluptuosamente enquanto arrancava, impa­cientemente, a camisa dele, protestando sob seus beijos.

— Não é justo. Você pode me tocar, mas eu não posso tocá-lo...

— Você quer me tocar? — Saul perguntou.

Tullah olhou sonhadoramente em seus olhos e então deixou que seu olhar percorresse todo seu corpo, avalian­do-o, sentindo a súbita aceleração de excitação de mulher que se dava sob a potência de seus desejos e pensamentos até então secretos.

— Sim — ela disse, ousadamente. — Quero sim.

Por um momento, o súbito e agudo prazer de paixão masculina nos olhos dele a fizeram vacilar e sentir-se um pouco tensa e nervosa. Então Saul a soltou e se afastou um pouquinho. Ele rapidamente abriu e tirou a camisa e a lar­gou antes de convidá-la, enrolando as palavras.

— Vamos lá então, toque-me.

Ela hesitou. Por alguma razão a proximidade física de um homem, um homem de verdade cujo torso era tornado ligeiramente rude pelos pêlos grossos, sedosos e escuros e cuja pele irradiava um leve lustro que nada tinha a ver com nenhum produto de beleza caro, mas sim com a for­ma com que ele correspondia a ela como homem, tudo es­tava lhe causando tamanho efeito afrodisíaco que ela che­gou a sentir uma vertigem pela intensidade de seu desejo. Ela se viu incapaz de saber o que queria mais. Talvez sim­plesmente olhar para ele, tocá-lo, explorar seu corpo com os dedos ou, sentiu seu coração pular dentro do peito, ce­der a uma necessidade pouco familiar para ela, o desejo de mulher adulta que sentia avançar, de pôr seus lábios con­tra os dele para respirar seu cheiro, tocá-lo, beijá-lo, sentir seu gosto, cada respiração, e assim sentir também sua rea-ção masculina ao contato com ela.

— Se continuar me olhando desse jeito nós vamos pra­ticar o sexo mais seguro que duas pessoas poderiam prati­car — Saul a avisou, e acrescentou de maneira bem crua. — Ao menos pela primeira vez. Faz muito tempo que não faço isso, Tullah, e meu corpo está reagindo ao seu como se eu fosse um adolescente, e não um homem adulto. Eu não posso...

— Quanto tempo? — ela perguntou, curiosa.

Ele fez uma pausa antes de respondê-la, contraindo os lábios antes de contar, sumariamente,

— Hillary e eu estamos separados há mais de dois anos e antes... Se você quer uma resposta sincera, deve fazer uns dois ou três...

— Meses — Tullah completou. Saul franziu o cenho.

— Dois ou três meses? Tente outra vez. Dois ou três anos era o que eu ia dizer — completou, categoricamente.

— E se você quer a verdade mesmo, a última vez foi antes do nascimento de Meg, e mesmo antes...

Tullah ficou olhando para ele.

Não podia ser verdade, mas Saul não parecia estar mentindo. Talvez a bebedeira do vinho ainda estivesse lhe obscurecendo o pensamento. Ela olhou bem dentro de seus olhos e perguntou a ele, zombando.

— Se eu ajudar com o resto de suas roupas, você me ajuda com as minhas?

Era mais do que Saul poderia aguentar. Ela era mais ca­paz de aguentar do que ele. Uma abordagem direta, mes­mo de uma mulher que ele queria tanto quanto Tuliah, era algo a que ele poderia resistir, mas se vinha junto com seu senso de humor, seu calor, sua sedução, sem contar o que ele próprio sentia por ela, era mais do que ele poderia su­portar. Ela o tirava do sério.

Ele segurou sua mão e começou a beijar a ponta de cada um dos dedos e depois os chupou lenta e demorada­mente, enfiando-os na boca até que Tullah sentisse que ia desmaiar ou explodir com o prazer que ele proporcionava.

Tullah não conseguiria lembrar depois como ou quan­do eles finalmente se despiram, se foi antes de ele come­çar passar a ponta da língua na palma de sua mão e depois na parte de dentro do pulso, ou se teria sido depois de ele começar a traçar em seus seios perfeitos os mesmos cír­culos tantalizantes de um prazer erótico quase insupor­tável, finalmente abocanhando cada mamilo, manipulan­do-os carinhosamente até que ela gemesse alto de prazer e desejo.

Tudo o que ela sabia era que, em um determinado pon­to, ela estava deliciosamente, maravilhosamente solta para tocá-lo e acariciá-lo, ele todo, em toda e qualquer parte que lhe agradasse, para dar prazer a ele e a si mesma com a exploração atenta da pele de Saul, com sua aprecia­ção desinibida de sua masculinidade e da reação de seu corpo ao dela. E quando ela fez biquinho, não querendo deixar que ele a largasse para ir ao banheiro pegar as ca­misinhas, ele disse a ela, suavemente, que havia outros meios pelos quais ele poderia dar prazer a ela, dar prazer a eles dois, mas ela estava envolvida demais com a inten­sidade emocional e sexual do momento para recusar ou alegar que aquela era uma intimidade à qual ela não estava acostumada, que jamais tinha chegado a ser tão íntima as­sim de ninguém.

Certamente era essa a razão por que, quando ele a dei­tou gentilmente na cama e lentamente abriu suas pernas, ela não fez objeção, observando-o de maneira sonhadora enquanto ele a acariciava ternamente com os dedos antes da paixão que sentia finalmente lhe tomar por inteiro e ele abaixar a cabeça e pôr sua boca nela, possuindo-a com uma fome quente e ávida que fez seu coração disparar e seu corpo queimar. Foi dominada por uma violenta enxur­rada de desejo que a pegou tão desprevenida que ela che­gou a gritar, atordoada pelo que sentia e tentando evitar o clímax tão imediato. Mas era tarde demais. A forte espiral que levava ao cume já havia dado a partida e agora não ti­nha mais volta, não havia como parar o que os carinhos ín­timos e apaixonados que Saul estava fazendo haviam de­sencadeado.

E também não tinha como evitar ser varrida por uma inevitável e lânguida maré de exaustão. Ao deitar, em paz, nos braços de Saul, ele sorriu ironicamente ao observai' seus olhos fechados e sentir o sono afrouxar seu corpo.

Seria maldade acordá-la, apesar de seu corpo doer de de­sejo por ela, tanto que... que ficar na cama não seria uma boa ideia, ele disse a si mesmo convictamente. A última coisa que ele queria era estragar sua recém-começada rela­ção ao se portar como se fosse o tipo de homem egoísta a ponto de exigir a satisfação de seu próprio desejo.

Afastou seu corpo do dela, relutantemente, parando apenas para beijá-la rapidamente na ponta do nariz, pegou suas roupas e saiu quietinho.

 

Tullah acordou de um pulo só com o barulho estridente do despertador. Respirou fundo de dor quando abriu os olhos e percebeu que estava sofrendo de uma de suas fe­lizmente raras enxaquecas. Lembrou que a causa era não só o estresse de sua atuação na sala de audiências, mas também o excesso de vinho.

É claro que ela não havia trazido nenhum analgésico... lógico, e duvidava que fosse ter tempo de arrumar algum a caminho do aeroporto. Ainda tinha de tomar banho e se vestir, mas graças aos céus ninguém esperava que ela es­tivesse toda produzida logo no café da manhã. A última pessoa que ela queria ver no momento era Saul Crighton, não só por se sentir tão indisposta, mas também por lem­brar tão bem que ele se recusou com firmeza a beber mais de uma taça de vinho na noite anterior.

Ela talvez lembrasse muito vagamente do que aconte­ceu desde que Saul a colocou no táxi, mas ela tinha as me­mórias mais extraordinárias e embaraçosas de vívidos so­nhos eróticos que tivera na noite anterior, e do homem que estava com ela no sonho... com ela! De acordo com o que sonhara, foi ela quem tomou a iniciativa. Mas, graças a Deus, ninguém, a não ser ela mesma, jamais tomaria co­nhecimento daquele sonho nem do que ele proporcio­nou... a intensa sensualidade do desejo que ela havia sen­tido... compartilhado... mostrado... ninguém jamais sabe­ria, muito menos Saul.

Havia uma explicação perfeitamente racional por que ela teve de sonhar com Saul Crighton um sonho tão se­xualmente explícito, concluiu de maneira afobada e tal­vez, quando sua enxaqueca passasse, ela conseguisse en­contrar uma explicação.

Mas era humilhante ser forçada a confrontar o fato de que o segredo que ela acreditou ter escondido tão bem, até de si mesma, no final das contas não estava tão bem es­condido quanto ela pensava.

E claro que era inadequado e ilógico que ela tivesse ta­manha consciência de Saul como homem, mas tudo o que tinha que fazer para reprimir aqueles sentimentos... aque­las emoções, era lembrar a si constantemente quem ele realmente era, que ele com certeza não era o amante terno, apaixonado e sensual de seu sonho, mas sim uma paródia fraca de tudo o que ela acreditava que um homem deveria ser. Sim, ele tinha a aparência, o jeito, a figura externa da real masculinidade, mas era apenas uma máscara que não queria dizer nada... assim como o sonho da noite anterior também não significava nada.

Ai... Ela recuou ao sair da cama. Sua cabeça começou a doer como se tivesse levado uma pancada. Ela realmente não devia ter bebido tanto vinho.

— Você tem certeza que está bem?

Não, é claro que ela não estava bem, longe disso, mas Saul era a última pessoa no universo para quem admitiria, Tullah reconheceu ao se virar em direção a ele.

— Sim. Estou ótima... É só uma dor de cabeça, só isso.

Eles entraram no avião uns dez minutos mais cedo. O momento da decolagem fez Tullah trincar os dentes de dor, sua cabeça parecendo prestes a explodir.

Se Saul dissesse uma só palavra ou uma só frase com as palavras "ressaca" ou "vinho" ela iria pular sobre ele, Tullah pensou consigo mesma amargamente enquanto fe­chava os olhos e torcia para que a dor pulsante diminuísse.

Saul, como era de se esperar, não estava passando pelo mesmo problema. Sua cabeça estava inclinada para ler o jornal que tinha em mãos.

Tullah ouviu os comissários de bordo se aproximarem com bandejas de comida, mas a mera ideia de comer lhe dava náuseas. Sabia que se sua enxaqueca tomasse seu rumo típico, levaria no mínimo um dia, talvez dois, para que ela voltasse ao seu estado normal.

Seus ataques de enxaqueca haviam começado quando seus pais se divorciaram e cresceram durante sua adoles­cência, a ponto de acontecerem pelo menos uma vez a cada duas ou três semanas. Quando entrou nos vinte anos, contudo, ficaram menos e menos frequentes e agora já fa­zia mais de um ano desde a última.

Apesar daquela estar prometendo ser das piores, o que fazia Tullah estremecer no momento não era tanto os ful­gurantes raios de luz que queimavam através de seus olhos fechados, mas sím as vívidas lembranças do sonho da noite passada que lhe queimavam na memória.

Ela não tinha como evitar. Soltou um pequeno e audí­vel gemido quando uma determinada sequência lhe veio à mente. Como poderia sonhar que dizia aquelas coisas... fazia aquilo? Soltou outro gemido, refletindo de maneira sentida que era ótimo que a raça humana não tivesse, em sua maioria, a capacidade de ler a mente dos outros. Ela morreria, simplesmente morreria se Saul Crighton jamais chegasse perto de supor o que ela tinha sonhado com ele, sussurrado para ele que queria que ele tirasse a roupa, que queria que ele... E o pior de tudo era que seu corpo, por baixo do nível da enxaqueca, ignorava completamente a rejeição indignada e afetada de sua mente ao sonho e in­sistia em mostrar reações constrangedoras às cenas im-plausíveis que ela parecia ter criado durante o sono, o que queria dizer que... queria dizer que uma parte dela real­mente deve ter desejado... deve ter gostado...

— Tente beber um pouco de água.

Tullah abriu os olhos e fez uma cara feia, fechando-os rapidamente mais uma vez para bloquear a visão da mão magra e bronzeada de Saul que lhe oferecia um copo de água.

— Beba — Saul insistiu com a mesma voz firme e au­toritária que ela o via usar com os filhos. Por alguns se­gundos ela se divertiu com a ideia de ter o prazer de recu­sar, mas quando estava quase cedendo, Saul disse incisi­vamente.

— Eu avisei ontem à noite que você ficaria desidratada após beber aquela quantidade de álcool.

— Bebi três ou quatro taças de vinho... quatro no máxi­mo — Tullah alegou. — Sei muito bem o que está pensan­do e está errado. Não estou de ressaca. É uma enxaqueca.

— Já conversamos sobre isso — Saul a relembrou. Já? Tullah não lembrava de ter tido tal conversa. Na verdade, sentia-se culpada por não lembrar de muita coisa depois de entrar no táxi com Saul, o que era extremamente irritante, considerando-se a indesejável clareza com que continuava se lembrando do sonho. Talvez tivesse esco­lhido a carreira errada, pensou. Após a noite anterior ela com certeza poderia se candidatar a um emprego como roteirista dos filmes mais picantes de Hollywood.

— Em breve estaremos aterrissando — Saul avisou.

Quando Tullah chegou na recepção do hotel pela ma­nhã, pálida como um fantasma e claramente sem disposi­ção alguma para conversar, ele primeiro achou que fosse por ela ter se arrependido da noite anterior. Ele havia pas­sado metade da noite se preparando para ouvir algo do tipo, e a outra metade tentando arrumar um jeito de lidar com sua esperada rejeição a ele e ao que ambos comparti­lharam na noite anterior. O que ele não estava preparado para lidar, pois sequer considerou a possibilidade de algo assim ocorrer, era que ela agisse como se simplesmente nada tivesse acontecido. Ele levou um certo tempo para começar a entender o porquê.

Ela não estava deliberadamente ignorando a intimida­de que houve entre eles por se arrepender; ela simples­mente não lembrava, o que não era nada lisonjeiro, espe­cialmente levando-se em conta que ele...

Mas, no momento, o que mais o preocupava, mais que seu ego ferido, era que ela não estava bem mesmo.

— É uma enxaqueca — ela disse, na defensiva, e ele não tinha qualquer razão para duvidar. Até porque, por mais forte que o vinho estivesse, não poderia fazer com que ela ficasse doente do jeito que estava agora.

Quando o avião começou a descer, Saul deu uma olha­da rápida nela. Sua tez estava branca como cera, seu lábio superior sinistramente adornado por gotinhas de suor, e também havia reparado na maneira como ela reagiu quan­do acenderam as luzes no avião, quase recuando ao fechar os olhos. Quando o avião estava taxiando na pista ela já estava tremendo e transpirando.

— É uma enxaqueca — ela alegou com um murmúrio. — Uma enxaqueca. Eu não estou...

— Sim. Tudo bem, eu sei — Saul lhe garantiu enquan­to discretamente chamava a comissária de bordo para per­guntar se eles poderiam descer antes dos demais passa­geiros.

Tullah não sabia se tinha alguma relação com o pouso ou não, mas por alguma razão a dor pulsante dentro de sua cabeça e os dardos de luz brilhante que vinham junto se tornaram ainda mais intensos, a ponto de ela mal conse­guir respirar, quanto mais se mexer. Um lado de seu corpo parecia estranhamente pesado e inerte, e ficou aterroriza­da ao tentar mexer o braço e perceber que por algum mo­tivo ele simplesmente não respondia aos comandos de seu cérebro.

— Sintomas típicos de enxaqueca — ela pensou ter es­cutado a comissária dizer a Saul com uma voz compreen­siva enquanto era gentilmente ajudada por ambos a ficar de pé. — Eu sei, eu mesmo sofro de enxaquecas, de vez em quando...

Tullah tentou dizer que estava bem, que podia adminis­trar a situação, que não havia necessidade de Saul pegá-la no colo, carregando-a como se ela fosse um bebé, mas as palavras simplesmente lhe faltaram.

Teve uma impressão desconexade movimento e de dor, de calor e de frio, do cheiro reconfortante e familiar de Saul e do odor bem menos agradável da gasolina e da sujeira do avião, então de alguma maneira eles foram pa­rar dentro de um carro e Saul estava dizendo algo ao mo­torista.

Depois foi a corrida, o carro sacolejando, quase insu­portavelmente desconfortável; sua alegria quando o carro parou e a alegria ainda maior ao sentir-se aquecida e con­fortável, ao ouvir aquelas vozes ansiosas de criança. No final veio a maravilhosa paz e a magnífica escuridão de um quarto acolhedor.

Ela acordou rapidamente por uma vez, sentindo-se grogue e vagamente consciente de alguém a ajudando a se despir, dando-lhe algo para beber e um remédio e depois acomodando-a de novo na cama, dizendo que voltasse a dormir.

Podia sentir a medicação começando a fazer efeito len­tamente, tão lentamente... os tentáculos de dor estavam começando enfim a soltar sua cabeça.

— O que há de errado com Tullah, papai? — Meg per­guntou ao pai, ansiosamente parada na porta aberta do quarto, equilibrando-se em uma só perna.

Todos receberam severas instruções, pelas últimas quatro horas, para não fazer qualquer barulho nem ir ao quarto onde Tullah estava. Meg ficou um tanto assustada ao ver seu pai carregando Tullah nos braços, mas ele disse aos filhos que ela ficaria bem, que só estava com uma dor de cabeça muito forte.

Meg viu que a doutora Julie foi chamada e ela e o papai tiveram uma longa conversa, até que ela escreveu algo em um papel e entregou a ele, então papai pôs ela e os irmãos no carro e foram todos à farmácia para comprar alguns re­médios para Tullah. Tia Jenny também estava na farmá­cia. Ela disse a papai que Louise estava em casa.

Tinha ficado literalmente apavorado quando Tullah praticamente desmaiou sobre ele quando estavam para sair do avião. Só conseguiu pensar quando estavam a ca­minho de casa nas histórias de horror que já tinha lido em revistas e jornais sobre pessoas que vieram a falecer após contrair formas mais agressivas de meningite, por isso a primeira coisa que fez após chegar em casa com Tullah foi conferir se havia algum tipo de brotoeja em seu corpo. Sua primeira preocupação foi com ela, e não com seus fi­lhos, o que reconheceu um tanto envergonhado.

Não. Seu medo essencial era mesmo por ela, por Tul­lah, pela mulher que tinha conseguido ultrapassar as bar­reiras de autoproteção que ele havia erguido contra seu sexo. A mulher que...

— Quando ela vai acordar? — Meg perguntou ao pai.

— Não tão cedo — respondeu com segurança. Pensou consigo mesmo o que mais poderia acontecer e levantou da cama onde estava sentado, simplesmente observando Tullah enquanto ela dormia.

Como seria possível para ele se apaixonar tão profun­damente de maneira tão rápida e arrebatadora? Havia jurado a si mesmo que jamais se permitiria se apaixonar no­vamente. Afinal de contas, sua vida já era complicada o suficiente e ele já havia cometido o pecado de casar com a mãe de seus filhos principalmente por luxúria e pela cren­ça equivocada de que seu desejo mútuo seria uma base fir­me o bastante para estruturar seu casamento. Tinha o compromisso de pôr os filhos em primeiro lugar e de man­ter suas vidas livres de qualquer trauma além daqueles pe­los quais já haviam passado. Ele não queria amar Tullah... não queria amar ninguém. É claro que houve uma época em que ele achou que... teve esperanças... se fosse hones­to, teria de admitir que esperou que ele e Olivia... mas aquilo tinha sido tão somente uma recaída sem sentido por paixonite juvenil e ele não tardou a reconhecer que Olivia estava certa em não permitir que ele ressuscitasse o passado.

Mas o que ele sentia por Tullah era diferente... diferen­te de qualquer coisa que já havia sentido até então: na ver­dade estava pasmo de ver que não considerava a possibi­lidade de dividir sua vida com ninguém mais que não fos­se Tullah, que viesse a sentir por outra algo semelhante ao que sentia por Tullah.

Mas o que ela sentia por ele, se é que sentia alguma coi­sa? Ela o quis na noite anterior... não quis? Ele sabia um pouco da história de sua vida, Olivia havia comentado. Um homem que a magoou muito, um homem que certa­mente não a merecia, um homem que, felizmente, a dei­xou escorrer pelos dedos.

Já passava de quatro da tarde e ele precisava ir para o escritório. Inclinou-se e beijou Tullah gentilmente, sor­rindo silenciosamente enquanto ela continuava a dormir.

— Não, você não vai acordá-la! — Saul disse mais uma vez para Meg, severamente, enquanto caminhava em sua direção.

— Onde você está indo? — Louise perguntou à mãe. Tinha chegado no dia anterior, e ficou irritada ao desco­brir que Saul tinha viajado a negócios e que teria de espe­rar o dia inteiro para vê-lo.

Sabia muito bem que seus pais não aprovavam seu amor por Saul, mas era problema deles. Ela o amava e es­tava determinada a tê-lo.

— Eu vou dar um pulo até a casa de Saul enquanto ela está no trabalho — Jenny avisou à filha. — Ele quer que eu dê uma olhada em Tullah e nas crianças.

— Tullah. — Louise se enrijeceu toda. Tinha ouvido Olivia falar sobre Tullah, uma velha amiga dela que havia mudado para a região para trabalhar na Aarlstons e que, Louise ficou desconcertada ao saber, tinha viajado com Saul para Haia.

Folgava em saber que era muito pouco provável que Saul se interessasse por ela. Seu único interesse no mo- . mento era pelas crianças, mas Louise estava determinada a mudar aquilo.

— O que ela está fazendo na casa de Saul? — ela per­guntou, suspeitando.

— Parece que ela se sentiu mal na viagem de volta... uma enxaqueca. Saul a levou para casa com ele. — Jenny fez uma pausa quando o telefone começou a tocar. Ela ti­rou o fone do gancho e imediatamente reconheceu a voz da mulher que era responsável pela creche particular que Ruth e ela tinham feito para as jovens mães solteiras lo­cais e soltou um suspiro, já prevendo que aquele seria um longo telefonema.

— Não diga — Louise sibilou. — Pois pode deixar, não se preocupe com Saul. Eu vou até lá ficar com as crianças.

— Louise — Jenny objetou, mas já era tarde demais. Louise já havia pego as chaves do carro de Jenny e estava abrindo a porta da cozinha.

Jenny suspirou de exasperação, dividida entre respon­der à urgência que podia sentir na voz da mulher que lhe ligara e correr atrás de Louise para impedi-la de ir até a casa de Saul, mas acabou dando preferência ao senso de responsabilidade e compromisso que mantinha com a cre­che e ficou com o fone colado ao ouvido, observando Louise partir com o carro.

A ideia da creche para mães solteiras tinha sido origi­nalmente de Ruth, devido à sua própria gravidez secreta quando jovem, quando fora forçada a dar sua filha para adoção.

A fortuna que veio a acumular anos mais tarde através de sua perspicaz atuação especulativa no mercado de ações tornou possível a Ruth comprar uma casa que viria a transformar em uma hospedaria para períodos curtos, na qual jovens mães solteiras sem ter onde ficar pudessem encontrar abrigo.

Agora já eram uma instituição de caridade registrada com não só uma, mas quase doze casas, além, de uma mansão enorme que havia sido abandonada, a qual conse­guiram convencer o conselho local a vender a preços bem reduzidos. A instituição era apadrinhada por um membro da casa real e era sustentada não só por doações de pes­soas da cidade e pelos lucros do baile de inverno que pro­moviam todo ano em Queensmead, além de outros even­tos sociais de menor porte, mas também por doações arre­cadadas nas ruas e pela generosa ajuda da própria Ruth.

Jenny envolveu-se de bom grado, trabalhando junto a Ruth na empreitada, e agora era co-administradora da ins­tituição. Ainda bem que Guy Cooke, seu sócio no antiquá­rio, estava disposto a dedicar mais tempo aos negócios, já que ela estava se envolvendo cada vez mais com a admi­nistração da instituição, e ela até já podia ver que logo Guy iria querer comprar sua parte na loja.

De toda forma, enquanto ouvia o que a mulher tinha a dizer ao telefone, caiu-lhe na consciência a culpa de não ter sua mente totalmente concentrada no problema que lhe estava sendo relatado. A última coisa que Saul precisava ou queria no momento era Louise batendo à sua porta. Jenny estava cada vez mais preocupada com o comporta­mento da filha.

Que ela tivesse uma queda por Saul não era exatamente surpreendente, considerando-se que se tratava de um ho­mem extraordinariamente belo e com um leve toque de tragédia nas circunstâncias de sua vida, além de maduro na medida certa: a combinação de fatores tinha realmente um apelo muito forte para uma moça jovem e já bastante passional, prestes a se tornar mulher, o caso de Louise. O que Jenny de fato não gostava era da obstinada determina­ção da qual Louise estava sendo capaz. Aquilo lhe parecia tão distante de suas próprias experiências. Jenny tinha sido uma adolescente tímida e desajeitada que nem em so­nhos seria capaz de perseguir um homem da maneira que Louise estava perseguindo Saul. Havia momentos em que ficava incomodada de ver como a filha lembrava seu filho mais velho, Max, quando se tratava de não medir esforços para conseguir o que queria.

Parecia que ambos tinham herdado o gene do egoísmo que era tão marcadamente perceptível no tio David, irmão gémeo do marido de Jenny, gene este que, graças a Deus, parecia não fazer parte de Jon.

Tullah acordou com a agitação. Ouviu o som de uma criança gritando e o ruído mais abrasivo e exasperado de uma voz feminina mais velha mandando-a parar.

— Mas você não pode ir lá! Papai disse que ninguém pode entrar lá!

Tullah pestanejou quando alguém abriu a porta do quarto em que estava e a luz entrou. Felizmente, sua enxa­queca já havia passado, apesar de que ela ainda não se sentia completamente normal. Os remédios não tinham ajudado muito, pelo jeito. Aquelas crises sempre a deixa­vam se sentindo enervada, enfraquecida e com o cérebro pesado.

Esforçou-se para sentar e reconheceu vagamente a jo­vem alta e de olhar raivoso que estava parada na porta olhando para ela. Agarrou-se ao edredom ao perceber que estava nua; alguém havia tirado suas roupas.

— Papai tirou sua roupa — Meg a informou, já dispos­ta a bater papo. — Ele teve de fazer isso, porque você fi­cava dizendo que estava com muito calor.

Tullah deu um sorriso debilitado para a garotinha.

— Meg — ela exclamou, virando-se para olhar para a outra pessoa no quarto.

— Esta é Louise — Meg disse.

Louise... sim, claro. Bem, dava para Tullah entender bem por que Saul estaria interessado nela. Ela era uma jo­vem incrivelmente bonita, apesar de não ter nada da me­nina tímida, introvertida e ingénua que Tullah imaginava que fosse.

— Oi.Eu...

Mas antes que Tullah pudesse se apresentar direito, Louise a interrompeu de maneira incisiva.

— Eu sei exatamente quem você é e sei o que você pre­tende;, mas vou lhe dizer que está perdendo seu tempo. Saul é meu... e vai continuar sendo meu — disse a Tullah, em tom de desafio.

Saul viu o carro de Jenny e ouviu a confusão ao sair de seu escritório, onde havia ido deixar uns papéis junto a outros documentos e coisas do trabalho. Ele viu Louise parada ao pé da cama, olhando para Tullah com ferocida­de, enquanto Tullah se mantinha agarrada ao edredom com Meg aninhada na cama ao seu lado.

Avaliando rapidamente a situação, Saul reagiu com presteza e ignorou Louise, por quem passou direto, foi para perto de Tullah e pôs a sua mão entre as dele. Sentou-se ao seu lado, inclinou-se para beijá-la na boca, encobrin­do a exclamação de pasmo que se formava em seus lábios.

— Que bom que você está acordada. Como você está se sentindo agora, minha querida?

Sua querida...

Três olhares femininos se concentraram em Saul.

Dava para ver que os olhos de Louise transmitiam ira­do estupor, enquanto nos de Tullah ele viu apenas estupor, mas nos de Meg... parecia que Tullah havia roubado mais de um coração deste lado específico da família Crighton, pelo que percebia.

— Louise, você chegou bem na hora de saber das boas novas — ele prosseguiu, inclinando o corpo de maneira estratégica para que Louise não visse a expressão de Tul­lah.

— Que boas novas? — ela perguntou com um tom ne­fasto na voz.

— Tullah e eu... Tullah e eu estamos apaixonados — ele disse a ela, com toda calma.

Ouviu Tullah ofegar de susto atrás de si. Ha sua frente, o rosto de Louise passava de branco a vermelho e branco de novo.

— Você não pode amá-la... não é possível — ela disse a Saul, com raiva. — Eu amo você! Eu quero você, e não é ela quem vai me deter! — E então deu meia-volta, des­ceu as escadas correndo e saiu da casa.

Tullah se encolheu ao ouvir o som de Louise batendo a porta da frente.

— Por que Louise está com tanta raiva? — Meg per­guntou com uma vozinha trémula.

Saul levantou para ir atrás dela, mas antes de descer disse a Tullah:

— Ela não está em condições de dirigir. Tenho de levá-la em casa. Não pense em ir ao trabalho tão cedo. — Ele sorriu para Meg, que o observava com um pouco de ansie­dade. — Você toma conta de Tullah para mim até eu vol­tar, não é Maggie? E não deixe que ela se levante.

Não deixar que ela se levantasse. Mas como ela pode­ria se levantar, Tullah espumou após ele sair, como, se não fazia ideia de onde estavam suas roupas... e o que ele quis dizer ao falar para Louise que eles estavam apaixona­dos?

Como ele podia ser tão cruel com ela se estava tão claro o que ela sentia por ele?

Ela ainda estava espumando quando ele voltou meia hora depois, dizendo delicadamente a Meg que descesse, pois ele queria conversar com Tullah a sós.

Ele queria falar com ela!

— Você se importa de me dizer o que tudo isto signifi­ca ou vou ter de adivinhar?

— Sim. Eu sei que lhe devo uma explicação. O que acontece é que... bem, a coisa toda é um tanto constrange­dora, na verdade. Veja você, a Louise acredita que... ela pensa que...

— Ela está apaixonada por você — Tullah completou incisivamente.

— Ela está apaixonada pela ideia de estar apaixonada por mim — Saul a corrigiu suavemente. — É apenas uma fase que ela está vivendo e eu...

— E você o quê? Você está cansado de se regozijar com a admiração inocente da menina, de brincar com suas emoções, e então decidiu usar a mim para se livrar dela? Bem, para o seu governo...

Ela parou para respirar e depois franziu a testa ao ver a expressão de Saul. Ele a interrompeu sumariamente.

Você realmente acha que... que eu encorajaria deli-beradamente uma garota da idade dela a pensar... acha que meu ego seria do tipo que... que eu sou tão vaidoso e fraco que preciso desse tipo de coisa vindo de uma adoles­cente...? — Saul parou de falar e balançou a cabeça. — Mas é isso que você realmente acha?

— Você poderia me dar uma boa razão para eu pensar diferente? — Tullah perguntou, mas por alguma razão sua voz soou antes fraca e defensiva que acusadora.

— Pode perguntar a quem quiser — Saul a informou tranquilamente. — Sem contar que ela é uma parenta mi­nha, jovem, vulnerável e... Meu Deus, ela tem idade para ser minha filha! — ele respondeu de maneira enfática en­quanto caminhava de lá para cá. — Você acredita mesmo que...

— Não importa o que eu acredito — Tullah o interrom­peu.

A reação dele a havia chocado. Ela não esperava que ele negasse de maneira tão veemente ou intensa. Sua re­volta e suas negativas pareciam tão genuínas, mas é claro que não poderiam ser... poderiam?

— Sua relação com Louise não é da minha conta — ela acrescentou enfaticamente, tentando se agarrar à seguran­ça de saber que não importava o quanto Saul pudesse pa­recer atraente, era só aparência mesmo.

Mas ela deveria ter tentado conter a si mesma e não pôde deixar de reconhecer que cair das alturas por aciden­te era uma coisa, mas se jogar do alto de uma montanha era outra completamente diferente.

— Eu não tenho relação alguma com Louise. Ao me­nos não do tipo que você está tentando sugerir — Saul res­pondeu severamente.

— Bem, você com certeza me enganou direitinho — Tullah devolveu. — Assim como tentou enganar Louise sobre você e mim... Você tem de dizer a verdade a ela. Eu não quero...

— Eu vou dizer a verdade a ela — Saul interrompeu — mas...

— Mas o quê? — Tullah perguntou, desconfiada.

— Mas não agora. — Tullah ficou olhando para ele bo­quiaberta, e ele acrescentou. — Você viu por si mesma, você própria reconheceu que ela realmente está com uma paixonite das grandes por mim. E está em uma idade vul­nerável. Quanto mais tento falar com ela, ter tato com a situação, mais ela se convence de que no final... — Ele fez uma paifsa e balançou a cabeça. — A melhor maneira, a mais delicada, de convencê-la que está errada, de que ago­ra é hora de ela seguir com sua vida, se concentrar em seus estudos e desenvolver uma relação real com alguém que corresponda a seus sentimentos, seria convencê-la de que existe outra pessoa em minha vida. Você não concorda?

Tullah olhou para ele, apertando os olhos. O que ele es­tava dizendo fazia sentido e, pelo que tinha visto de Loui­se, tinha de reconhecer que ela estava longe de ser a meni­na tímida e vacilante que tinha fantasiado. Na verdade, era , | bem capaz de se agarrar obstinadamente à sua determina­ção de fazer Saul corresponder sexualmente a ela e era bem provável também que a única coisa que talvez a fi­zesse desistir seria alguma evidência concreta de Saul es­tar com outra mulher.

— Outra mulher — ela concordou cuidadosa e inten­cionalmente. — Mas não eu.

— Mas você é a escolha perfeita, a escolha óbvia — Saul insistiu. — Ela já sabe de sua existência, já a viu na minha casa... — Parou e acrescentou suavemente: — Na minha cama.

O rosto de Tullah corou.

— Esta não é a sua cama!

Mas Saul a ignorou e continuou.

— Pelo que sei, Meg já disse a ela que eu a despi e a trouxe para a cama. — Saul ignorou a expressão de con­trariedade de Tullah. — Além disso, ao que me parece, ela já havia tirado suas conclusões sobre o tipo de relaciona­mento que mantemos antes mesmo de vir aqui tentar con­frontá-la.

— Não temos um relacionamento — Tullah alegou.

— Poderíamos ter — Saul tentou persuadi-la, acres­centando com indiferença: — Você estava tão preocupada com o bem-estar moral de Louise, com o perigo que re­presenta para ela ficar com ideia fixa em mim... Era de es­perar que você aproveitaria a chance de tentar protegê-la.

Tullah abriu e fechou a boca. Ele estava certo, claro, mas...

— E eu pensava que você... — e parou.

— Você pensava o quê? Que eu estava me aproveitan­do da vulnerabilidade dela? Nem sempre é o mais velho quem provoca, sabia, Tullah? Sei que há muitos casos de homens que deliberadamente procuram satisfazer seus próprios egos da maneira mais egoísta, o que é, na minha opinião, absolutamente imperdoável, mas há exceções também, há casos em que... — Saul fez uma pausa. — Ele a magoou muito, não foi?

— O quê? — Tullah enrijeceu defensivamente antes de perguntar, perplexa — Como... como você soube... quem foi que contou...?

— Olivia mencionou por alto sua história — Saul disse gentilmente. — Mas não seria difícil supor que você devia ter alguma história muito sofrida em seu passado. O que aconteceu?

Tullah tentou resistir ao som suave da voz dele, mas não conseguia.

— Ele era um amigo da família... do meu pai... e após o divórcio de meus pais... — Ela abaixou a cabeça e mor­deu o lábio. — Ele parecia tão bom, tão carinhoso... Ele era alguém que eu achava ser um amigo no começo, mas então foi se tornando mais próximo. Ele dizia que me amava... que estava esperando que eu crescesse. Disse que ficaríamos juntos para sempre, que...

Para sua humilhação, ela sentiu que suas emoções ameaçavam subjugá-la. Que diabos ela estava fazendo, deixando Saul, logo Saul, vê-la em um estado tão vulnerá­vel, tão... tão... Tullah jamais havia dito a ninguém com maiores detalhes como tinha sido tola... como... como ti­nha sido estúpida. E contar ali para Saul...

— Você ainda o ama?

A pergunta de Saul a deixou aturdida. Ela levantou a cabeça e olhou para ele.

— Amá-lo? Não, é claro que não! Acho que nunca o amei de verdade! Só estava apaixonada pela ideia de estar apaixonada. Só queria sentir que era amada... desejada...

— Você precisava de ajuda, compaixão, compreensão e, acima de tudo, de alguém que tivesse sabedoria o bastante para entender pelo que estava passando e porquê. — Saul disse a ela com ternura. — Que nem Louise, agora. Seus olhos se encontraram.

— Nós não podemos fingir que... que estamos envolvi­dos — ela objetou, mas sabia que sua voz estava perdendo a convicção. — Você está realmente falando sério? — ela lhe perguntou quando ele continuou simplesmente a olhar para ela. — Você realmente acha que Louise vai se con­vencer só por que viu... porque...

— Sim, eu estou falando sério — Saul respondeu — e, como deu certo para Luke; aliás, deu certo até demais... Homem de sorte — ele terminou, de um jeito curioso.

— O que foi que deu certo com Luke? — ela perguntou a ele, confusa.

Mas ele limitou-se a balançar a cabeça e sorrir para ela.

— Confie em mim, Tullah, tudo será para melhor, eu prometo.

E então, antes que Tullah pudesse detê-lo, ele se incli­nou e a tomou nos braços, beijando-a de maneira firme na boca. Um beijo perturbadoramente familiar, bem como a textura cálida e firme de sua boca. Tão familiar, na verdade, que ela devia mesmo já tê-lo beijado antes de verdade e não só em sonho.

Tullah se afastou dele e perguntou, abalada.

— Mas para que isto? Eu...

— Isto — Saul informou a ela — é para selar nosso acordo, mas isto...

Com os olhos arregalados de estupor, Tullah viu que Saul envolveu seu rosto com as mãos, olhando bem no fundo de seus olhos, quase que a hipnotizando, depois ob­servou seus lábios entreabertos sem pressa e então...

Tarde demais, Tullah lutou para se livrar, para impedi-lo de fazer aquilo, mas a boca de Saul já estava tocando e acariciando a dela e seu coração ricocheteava no peito como se fosse feito de borracha.

Como era possível que ela sonhasse de maneira tão precisa com o beijo de Saul? Aquela sensualidade tão in­tensa simplesmente não poderia existir de verdade, só po­deria ser produto de sua própria imaginação, de seus so­nhos causados pela febre, não poderia partir dele... Não, isso nunca. Não, aquele desejo não poderia ser por Saul. Ele foi só um alvo conveniente, só isso.

E era por causa daquele sonho miserável que, em vez de estar lutando para afastá-lo, ela estava lutando consigo mesma para não o abraçar, para não deitar a cabeça no tra­vesseiro e pedir a ele que fizesse mais, muito mais que apenas beijá-la.

Ela queria que ele... queria que ele... com um pequeno sobressalto ela percebeu que, das duas uma, ou tinha fala­do seu desejo em voz alta, ou Saul tinha lido sua mente, pois de repente a pressão de seu beijo se aprofundou e ela sentiu as mãos dele acariciando seu corpo nu por debaixo das cobertas, ciciando sensualmente sobre sua pele antes de finalmente pegar seus seios e manipular seus mamilos já eretos com as pontas dos dedos enquanto ela gemia'de prazer incontrolável com os lábios junto aos dele.

Ela o desejava tanto. Tanto!

Como se estivesse sentindo sua hesitação e ambivalên­cia, seus carinhos hipnóticos lentamente cessaram. Tullah podia sentir que ele a observava... esperava.

Esperava pelo quê? Por permissão para atormentá-ía ainda mais?

Sentiu que ele foi tirando as mãos do seu corpo à medi­da que seus músculos foram se enrijecendo, deixando-a nervosa, doendo... querendo...

— E isto então foi para quê? — Tullah balbuciou quan­do Saul finalmente encerrou a prazerosa exploração de sua boca. Como ela conseguiu resistir àqueles tentadores convites paia retribuir ela realmente não sabia e, em uma tentativa de retomar algum tipo de controle sobre uma si­tuação a qual, para dizer a verdade, ficava cada vez mais grave e fora de controle, ela se esforçou para manter uma distância segura entre ambos e encará-lo como quem não gostara do acontecido, algo ainda mais difícil por seu ca­belo estar, sem dúvida, bagunçado como uma nuvem de cachos e também por ela ter de se enrolar à roupa de cama para cobrir-se.

— Isto foi para mim mesmo — Saul admitiu de manei­ra ultrajante, deixando-a sem munição para mais ataques.

Tudo o que ela conseguiu foi dizer, com a voz vacilante:

— E por quanto tempo esta nossa suposta relação pre­cisa durar? Porque eu...

— Não por muito tempo. Louise vai voltar para a uni­versidade no final de setembro — ele disse: — Então eu devo...

— Setembro? — Tullah quase engasgou. — Mas são meses! Eu... nós não podemos... eu não posso...

— Pense nisto como um nobre sacrifício que você está fazendo em benefício de uma representante do mesmo sexo — Saul troçou. — Deve ajudar o tempo a passar mais rápido.

— Louise jamais aceitará — Tullah objetou. — Nós não parecemos...

— Amantes — Saul completou para ela. — Então só precisamos dar um jeito de ser convincentes, não? Não se preocupe — ele a aconselhou.

— Não vai dar certo — Tullah objetou, fazendo que não com a cabeça, mas Saul apenas riu.

— Faremos dar certo — ele disse. — Espere e verá.

 

— Bem, tenho que confessar que você é mesmo sur­preendente — Olivia disse a Tullah. — Você e Saul... E eu aqui, pensando que você ia se interessar por James, quando o tempo todo você... eu achei que você era total­mente contra o Saul. Você disse que...

— Eu sei, eu sei — Tullah concordou, desculpando-se.

Ela sabia que aquela conversa seria especialmente difí­cil. Andava apavorada de ter que encarar Olivia e as per­guntas que ela faria e mencionou a Saul, que simplesmen­te franziu o cenho por alguns instantes e então se ofereceu para explicar tudo em seu lugar.

— Acovardar-me atrás de você como se eu fosse uma frágil heroína vitoriana? — Tullah perguntou, contunden­te. — De jeito nenhum! Não quero e nem preciso de você para me esconder ou proteger, Saul! Estou sim­plesmente mostrando os problemas que... que esta situa­ção que você criou vai causar. Olivia é minha amiga. Ela vai ficar pensando por que diabos eu não disse nada para ela e também...

— E também o quê? — Saul a encorajou.

Estavam na cozinha dele durante a conversa. De algu­ma maneira ele havia conseguido persuadi-la que não deveria voltal para casa, apesar de sua enxaqueca já haver passado, antes de terem discutido os detalhes de sua atua-ção como casal. Uma coisa levou a outra e, antes de ela saber onde estava, se pegou ajudando a preparar o jantar e a botar as crianças para dormir, o que incluía a leitura de alguma história. É claro que Saul insistiu então que ela não poderia ir embora antes de beber algo. e no final, como já era muito tarde, ela concordou, relutantemente, que deveria passar a noite lá, principalmente porque daria mais verdade e seriedade ao tal "plano".

Foi quando estavam tomando uma xícara de chocolate quente antes de dormir que ela tocou no assunto da reação de sua família às " novidades", mais especificamente a de Olivia.

— Bem, você teve... teve uma relação especial com ela

— ela sentiu-se compelida a observar — e ela deve pen­sar, sentir,..

— Nós somos primos e também bons amigos, amigos íntimos — Saul concordou, começando a franzir o cenho.

— Mas como devemos dizer que nos apaixonamos inten­sa e profundamente durante nossa viagem a Haia, não vejo como poderia ter falado com Olivia sobre nossa rela­ção antes de ela ter acontecido, e na verdade...

— Não foi isso que eu quis dizer — Tullah o interrom­peu, sacudindo a cabeça com irritação.

Será que ele tinha de ser tão obtuso, ou simplesmente pensava que ela não sabia o que já houvera entre ele e Olivia?

— Você e Olivia jã foram mais que... mais que sim­plesmente primos, ou mesmo bons amigos — ela o lem­brou de maneira bem objetiva — e ela pode pensar...

— Agora espere um pouco — Saul a interrompeu, de cara feia. — Houve uma época em que eu achei, por pura tolice minha, que tinha uma queda por Olivia, quando éra­mos ambos jovens demais! A coisa poderia ter ido adiante e se transformado em algo mais sério, mas o que houve foi... — Ele fez uma pausa, com um vinco pronunciando-se em sua testa, e perguntou: — Você já conversou sobre isso com Olivia?

— Não... não em maiores detalhes — Tullah reconhe­ceu. — Afinal de contas, não é mesmo da minha conta e...

— Então Olivia não lhe disse nada sobre...

— Olivia não disse coisa alguma — Tullah o interrom­peu. — Se você quer saber, duvido que fosse desconfiar de que algo pudesse ter acontecido no passado entre você e Olivia se não fosse por uma conversa que ouvi de duas convidadas no casamento dela com Caspar, comentando sobre vocês dois. E depois Max confirmou tudo.

— Falando sobre nós...? O que elas estavam dizendo? — Saul perguntou, colocando sua xícara na mesa e se pondo de pé em frente a Tullah, demonstrando que não permitiria que ela fugisse da pergunta. A maneira com que a encarou, encostado na mesa e com os braços cruza­dos, fez com que ele parecesse nem tão ameaçador assim, mas estava claro que ele realmente estava disposto a ex­trair cada palavra dela, nem que levasse a noite inteira.

— Elas diziam... — Tullah respirou fundo e forçou-se a olhá-lo nos olhos. — Diziam que não era de surpreender que seu casamento tivesse acabado, já que você havia traí­do sua esposa com Olivia, quase fazendo ela e Caspar romperem também. Também disseram algo sobre Louise ter aparentemente substituído Olivia em suas preferên­cias... afetivas.

— O quê? — Saul rangeu os dentes. — Quem eram? Descreva-as para mim!

— Eu não sei — Tullah respondeu. — Eram só duas mulheres. Duvido que consiga reconhecê-las se as encon­trar de novo — respondeu, sinceramente.

— Mas você lembrou do que elas disseram e acreditou no que ouviu. Você na realidade pensou que... — Ele se virou e apoiou as mãos na mesa, posicionando-se de cos­tas para ela. — Olivia e eu sempre fomos próximos e real­mente houve uma época em que pensei... Hillary, minha ex-esposa, foi quem quebrou nossos votos matrimoniais, não eu, e foi ela que também tentou se colocar entre Caspar e Olivia, mas felizmente Caspar... E quanto a Louise... ela era praticamente uma criança quando Olivia e Caspar se casaram. Uma criança de dezesseis anos de idade... Max tem seus próprios interesses, é claro. Seu casamento I está longe de ser estável, e mesmo que fosse, ele é o tipo de pessoa que gosta de procurar problemas. — Ele espaçou as palavras lentamente e com bastante cuidado enquanto se virava para confrontá-la. — Eu era um homem de trinta e cinco anos de idade, caminhando para trinta e seis. Você faz alguma ideia do que eu seria se eu tivesse... |

Tullah teve de morder o lábio inferior com força para tentar conter a tremedeira que denunciava seus sentimentos.

— Eu tinha quinze anos quando meus pais se divorciaram — ela contou, com a voz vacilante. — Meu... John ti­nha quase quarenta anos, mas isso não o deteve.

Ela parou e fechou seus olhos para evitar as lágrimas que já sentia que ameaçavam rolar e, para seu estupor, viu-se caindo nos braços de Saul. Ele a abraçou forte, pas­sando a mão em suas costas do mesmo modo que um adul­to faria para consolar uma criança. Tullah afundou seu rosto em prantos no ombro firme e confortável de Saul, que tentava controlar os soluços dela.

— Desculpe, desculpe... — ela disse, entre soluços. — Eu...

— Eu também — ela o ouviu murmurar. — Lamento muito não poder pôr minhas mãos nele, seja quem for, onde quer que esteja, e mostrar o que acho de um homem que faz o que ele fez a uma criança inocente como você era. Meu Deus, ele devia ser...

A calorosa e protetora proximidade de seu corpo, o modo com que ele a estava abraçando era tão reconfortan­te e tranquilizador que foi um choque para ela descobrir que, mesclado à sua reação natural àquelas coisas, havia um traço agudo e inesperado de desejo físico, uma neces­sidade de que ele a abraçasse, não apenas do modo protetor com que abraçaria uma criança, mas pelo prazer da atração de um homem por uma mulher. Instintivamente, ela se aproximou ainda mais, querendo, buscando um si­nal de que ele a queria tanto como mulher quanto ela o queria como homem, querendo provar subconscientemente sua feminilidade e testar a masculinidade dele e, quando o corpo de Saul se enrijeceu ao contato com o dela, a emoção intensa do choque fez sua pele arrepiar. E não era por raiva nem por medo.

Enquanto sua mente a avisava que ela estava fazendo um jogo perigoso, suas emoções a instilavam a corresponder à mensagem silenciosa da linguagem de seu corpo de maneira igualmente eloquente.

Era uma tamanha mistura de emoções e sensações po­derosas de uma só vez que ela se sentiu simultaneamente protegida, segura e desejada. Inebriante demais para ela, reconheceu, percebendo o perigo no qual estava se meten­do. Afastou-se dele, relutantemente. Por um momento, pensou que ele fosse reclamar, puxá-la para perto de si> mas ele permitiu que ela mantivesse certa distância.

— A culpa também foi minha — Tullah disse, com a voz contida. — Eu sabia... Eu queria...

— Você queria alguém para ocupar o lugar do seu pai — Saul a interrompeu, incisivo. — Você queria alguém que a confortasse e lhe desse segurança, alguém que a amasse. Você queria o seu pai, Tullah, e o que você teve foi... E você ainda achou que eu... que Louise... — Tullah começou a tremer ao ouvir o tom de raiva na voz dela, mas para sua surpresa, ao invés de transformar a raiva em pa­lavras, ele simplesmente disse, calmo: — Bem, pelas cir­cunstâncias eu suponho que não posso culpá-la. Mas es­pero que você saiba que eu jamais iria, jamais poderia...

— Sim. Sim, eu sei — Tullah concordou, engolindo em seco e acrescentando em seguida, exaurida: — Afinal de contas, é por isto que você está passando por todo este problema, não é? Fingindo que você e eu...

Eles não conseguiram terminar a conversa, pois Jemima apareceu de repente, dizendo que havia descido por­que não conseguia dormir.

— Você e Saul — Olivia repetiu, e ficou pensando. — Eu jamais poderia sequer imaginar.

— Eu sei... foi algo bastante chocante para mim, tam­bém — Tullah disse, sendo bem honesta.

— Hummm... bem, Louise não está muito satisfeita — Olivia avisou. — Jenny estava me dizendo que Louise anda falando que você forçou a barra para entrar na vida e na cama de Saul, e que...

— Ela disse o quê? Ao contrário, ela não poderia estar mais errada — Tullah informou a Olivia, resolutamente.

— Bem, seja como for, Jenny está bastante feliz — Oli­via prosseguiu. — Ela espera que agora a filha entenda que Saul está fora de alcance e finalmente volte a si, supe­rando essa paixonite.

— Esperamos todos! — Tullah murmurou piedosa­mente, entre dentes.

— É uma pena que você não possa anunciar seu noiva­do no baile de máscaras — Olivia continuou, — Seria um local maravilhoso e o vestido que você vai usar lhe cai tão bem. Aliás, você já mostrou o vestido a Saul? Eu ainda não mostrei o meu a Caspar. Quero fazer uma surpresa.

— Que noivado? — Tullah perguntou, nervosa. — Nós não...

— Não... eu sei. Saul disse que vocês dois concluíram que é melhor esperar Hugh e Ann voltarem para anunciar oficialmente que estão juntos e disse também que você quis manter tudo bem discreto até que as crianças se acos­tumem à ideia de ter você por perto. Agora, veja você, eu acho que as crianças estão alguns passos à frente de vocês, pois Meg me disse outro dia desses que vai ser a dama de honra quando Tullah e papai" se casarem" e que você vai ser a mãezinha dela.

— O quê? — Tullah se assustou. — Nós não... eu não...

Aquilo era algo sobre o que ela estava bem determina­da. Ela tinha deixado claro para Saul que de jeito nenhum iria deixar que as crianças fossem atingidas pelo que eles estavam fazendo.

Para sua surpresa, a reação de Saul fora tomá-la nos braços, dizendo com uma voz carregada de emoção.

— Tullah, Tullah, eu poderia amá-la só por isso. As crianças não serão atingidas — ele garantiu. — Pode estar certa.

Foi só mais tarde que ela entendeu exatamente o que ele havia dito. O que ele havia dito, sim, mas dificilmente o que ele quis dizer. Ela devia ter em mente, forçou-se a pensar, que ele havia usado a palavra "poderia" querendo dizer que seria possível que ele a amasse. Mas era bem evidente que não era o caso, o que não era problema, já que ela com certeza não o amava, não poderia amá-lo e não o amaria. Como poderia amá-lo?

— Ainda bem que você e Saul têm bons empregos — Olivia disse, rindo, aparentemente ignorando o estado de choque em que Tullah se encontrava. — Vai ser uma fa­mília e tanto para sustentar. Meia dúzia, no mínimo, eu di­ria, e...

— O quê? — Tullah grunhiu em protesto. — Olivia... nós não...

— Tudo bem, tudo bem — Olivia a tranquilizou. — Eu entendo. Mas você foi feita para ser mãe, Tullah. As crianças já a adoram e posso apostar que Saul mal pode esperar para vê-la com um bebé... com o filho dele em seus braços. Ele é esse tipo de homem. Adora crianças, sempre adorou.

— Ele... ele adora? — Tullah exclamou fragilmente. A imagem que Olivia acabara de descrever, de Tullah deita­da na cama segurando seu bebe, o bebé deles, enquanto Saul e as outras três crianças a observavam, embevecidos, a deixou por demais confusa para que pudesse revelar a Olivia o verdadeiro propósito por detrás de sua "relação" com Saul.

Afinal de contas, não haveria mal nenhum se Olivia soubesse a verdade, mas parecia que, longe de imaginai" que a súbita descoberta do " amor" que sentiam um pelo outro fosse uma encenação, Olivia estava se deleitando com o rumo que as coisas tomavam. Ao ouvi-la, Tulíah reconheceu que, por mais tolo que fosse, ela simplesmen­te não conseguiria resistir a se permitir o perigoso prazer de acompanhar o entusiasmo de Olivia, de fingir para si mesma, e para Olivia, que ela e Saul tinham um futuro em comum.

É claro que ela iria esclarecer tudo a Olivia tão logo ti­vesse uma boa oportunidade, pensou com convicção.

Em nome dos céus, o que diabos estava acontecendo com ela? Ela não estava... não foi.., não teve... ela era uma mulher emancipada e não...

— Nós podemos sempre usar sua consultoria no nosso escritório, se você sentir vontade de voltar ao trabalho —-Olivia continuou. — Na verdade, estamos ficando tão so­brecarregados de trabalho que já pedi a Bobbie que acei­tasse trabalhar em meio expediente. Estamos tendo até de publicar anúncios para um bom advogado de tribunal.

— Olivia — Tullah sentiu-se impelida a dizer à amiga. — Saul e eu nem mesmo... Nós mal... Nós nem mesmo fa­lamos ainda sobre... sobre o futuro, ou sobre formar uma família — ela finalmente conseguiu dizer, com sinceri­dade.

— Não é conversando que se faz uma família, nem fi­lhos — Olivia disse, maldosamente. — Escreva o que lhe digo — acrescentou, sabiamente. — Daqui a um ano você e Saul vão...

— Daqui a um ano Tullah e Saul vão o quê? — Caspar perguntou, aparecendo em boa hora após fazer uma pausa em seu estudos, interrompendo uma conversa que, para Tullah, estava ficando cada vez mais capciosa.

— Deixa para lá — Olivia disse ao marido. — E não se esqueça que você e Saul e Jon terão de experimentar suas fantasias amanhã. — Quando ele resmungou, ela o relem­brou: — O baile é neste fim de semana, Cas...

— Eu sei, eu sei — ele concordou. — Como poderia deixar de saber se você não tem falado de outra coisa nas últimas semanas, sobre isso e sobre Tullah e Saul?

Tullah usou a abençoada desculpa de ter de fazer umas compras para escapulir antes que Oíivia fizesse ainda mais perguntas.

Ela e Saul casados, com uma família, filhos... um bebé... bebés deles mesmos. Ah, mas é claro que era abso­lutamente impossível e Olivia seria a primeira a concor­dar se soubesse o que estava se passando de verdade. Sim, era completamente impossível. Totalmente e completa-mente e era melhor que ela se lembrasse sempre disso, pois do contrário...

Do contrário, se ela fosse tola o bastante para se deixar levar por aquela encenação ridícula que Saul havia arma­do de eles formarem um casal... Mas é claro que ela não seria tão tola, não é?

Agradecia pelo baile de máscaras estar se aproximan­do. Faltavam apenas alguns dias, o que pelo menos des­viaria a atenção das pessoas sobre o suposto romance en­tre ela e Saul.

A impressão geral que suas colegas de trabalho lhe transmitiram foi, no mínimo, de uma inveja saudável.

— Sua sortuda, ele é lindo, um verdadeiro galã e muito, muito legal — uma delas disse, dando voz à sua inveja.

Tullah riu e concordou e então percebeu, cheia de de­dos, que estava sendo fácil demais fingir que estava apai­xonada por Saul.

Fácil demais?

— Eu não vou deixar ela tirar Saul de mim — Louise disse passionalmente enquanto caminhava de lá para cá no quarto que dividia com sua irmã gêmea, também de fé­rias da faculdade.

— Ela já tirou — Katie observou, pragmaticamente. — Você só o quer porque não pode tê-lo. A propósito, já ter­minou aquele trabalho da faculdade? — ela perguntou. — Você sabe que o professor Sifnmonds disse que...

Louise fez uma cara feia e imitou a irmã.

— Professor Simmonds? Ele é um chato. E o que ele sabe?

— Sabe o bastante para reprová-la se você perder mais uma de suas aulas e não apresentar seus trabalhos — Katie avisou a irmã. — Ele está de olho na gente, Lou. Ele sabe que eu fiquei no seu lugar em algumas das aulas. Ele até me chamou de Katherine na semana passada e me disse que quer vê~la e que você deve aparecer com todos os tra­balhos que deve.

Louise fez um careta ainda maior.

— Velho intrometido e bisbilhoteiro.

— Ele não é velho — Katie objetou. — Ele é um dos professores mais jovens que já deram aula por lá e tam­bém não é bisbilhoteiro. Supõe-se que você seja uma de suas alunas e, se você continuar perdendo as aulas dele...

— Você concordou em se fazer passar por mim.

— Não concordei não. Você disse que eu tinha que fa­zer. Eu não tenho tempo, Lou. Tenho meus próprios tra­balhos de faculdade para fazer. Você sabe como a mamãe e papai vão se aborrecer se você for expulsa. Vão achar que você também puxou o tio David, que nem Max.

Louise fez cara de quem não gostou da referência.

— Bem, não é o caso. Não sou nem um pouquinho pa­recida com tio*David.

— E, sim — Katie a contradisse. — Quando você põe uma ideia na cabeça, é como se tivessem lhe vendado os olhos. Você não pode forçar alguém a amá-la e, se pudes­se, deveria fazer com que o professor Simmonds a ame. Você precisa muito mais do amor dele do que do de Saul... tio Saul —- ela enfatizou. — Você realmente precisa arre­gaçar as mangas, Lou — ela aconselhou com seriedade.

— Ah, pelo amor de Deus, não comece de novo. E Saul não é tio — Louise disse, irritada. — Tudo bem, eu vou fazer o trabalho da faculdade. Satisfeita?

Mas não era no trabalho que ela estava pensando meia hora depois que Katie saiu. Tinha de haver alguma manei­ra de fazer Saul enxergar como aquela Tullah era errada para eíe, e que era ela quem servia para ele de verdade. Ela descobriria uma maneira. Ah, descobriria mesmo.

 

Um tanto nervosa, Tullah ajeitou o pesado brocado de seu traje alugado. Os tons de carmesim e ouro da roupa combinavam à perfeição com a cor de sua pele, e a másca­ra que acompanhava conferiam um tom misterioso às suas feições semi-escondidas.

Saul sugeriu apanhar Tullah para ir ao baile de másca­ras e estava a caminho.

— As meninas querem ver você usando sua fantasia — ele explicou. — Principalmente Jem,

As crianças iriam todas passar a noite em Queensmead. Havia espaço mais que suficiente lá, Olivia disse quando a gémea de Louise, Katie, se ofereceu para tomar conta delas.

— Você vai gostar dela — Olivia disse a Tullah. — Ela não é infantil como Louise. Na verdade, apesar de fisica­mente serem exatamente a mesma coisa, em termos de temperamento não poderiam ser mais diferentes.

Tullah e Saul tinham planejado deixar os filhos dele em Queensmead no caminho para o baile.

— Você já conheceu o avô de Livvy? — Saul pergun­tou a Tullah e, quando ela fez que não com a cabeça, ele deu um sorriso irónico. — Bem, ele é uma verdadeira figura, do tipo bem antiquado. A honra e a integridade da "família" são muito importantes para ele. Ele e meu pai são meios-irmãos. O pai deles casou duas vezes, e há uma grande diferença de idade entre o avô de Olívia e o meu pai. Eles nunca foram especialmente próximos. Ben, o avô de Olivia, não é muito fácil para se fazer amizade e, lendo nas entrelinhas, suspeito que ele ache que meu pai, sendo filho mais novo e tendo uma mãe que veio de uma família bem rica, foi mais favorecido pela sorte. Ben foi, na verdade, o sobrevivente de um par de gémeos e o que se sabe é que ele cresceu sabendo que seu pai jamais supe­raria a perda de seu primogénito e, de certa forma, até cul­pava Ben por isso.

— Ah, pobre homem — Tullah demonstrou compai­xão imediatamente. — Que triste.

— Sim, acho que sua vida tem sido mesmo muito triste em vários sentidos — Saul concordou, pensativo. — E mesmo assim, até agora nunca vi as coisas desta maneira, sempre tive a tendência a achar que ele era mais um sujei­to terrivelmente esquisito e um tanto espírito de porco. Com certeza sou grato por ser filho do meu pai e não dele. A vida de Jon quando era criança e adolescente não foi nada fácil. David sempre foi a menina dos olhos do pai e . o pobre Jon sempre foi colocado à sombra do irmão.

— David é pai de Olivia, não é? — Tullah perguntou, interessada.

— Sim — Saul afirmou. — Ele desapareceu depois de um ataque cardíaco. Ninguém sabe para onde ele foi, ou por quê, apesar de que tenho para mim que... — Parou de repente, e Tullah teve a sensibilidade de não pressioná-lo.

Ela desconfiava, devido às coisas que Olívia dizia às vezes, que sua amiga passara por momentos difíceis com os pais, principalmente com o pai, e que ele tinha certas falhas de personalidade, o que queria dizer que Olivia não lamentava muito o fato de ele não fazer mais parte de suas vidas.

— Mesmo quando eu era criança, sempre fui mais pró­xima de Jenny e Jon — ela admitiu a Tullah em uma oca­sião. — Vovô sempre dizia que Max deveria ser filho de David e eu de Jon.

Tullah só havia encontrado Max e sua paciente, sofre­dora e discreta esposa, Madeleine, umas duas vezes, e logo formou uma opinião sobre ele: ele era um aventurei­ro, um homem que gostava de viver a vida em alta veloci­dade, um sujeito não agraciado com a capacidade de ser gentil ou sensível. Ele certamente não devia ser muito bom para sua esposa, se fossem verdade os rumores que ouvia sobre sua infidelidade.

Ela ficou tensa ao ouvir Saui chegar lá fora, seu coração já começando a bater rápido demais. Era por causa daquele espartilho apertado que fazia parte da fantasia que estava usando, que a fazia ficar com a respiração curta, concluiu ir­ritada enquanto descia as escadas, um dos castigos que fa­ziam parte da cintura miraculosamente pequena que o laço apertado do corpete conseguira moldar. Não era, de forma alguma, por causa da chegada de Saul, é claro.

Era claro!

Como ela, Saul já estava vestido com sua fantasia e, quando abriu a porta, Tullah sentiu um aperto na garganta.

Realisticamente, poderia haver um quê de ridículo e tolo em um homem do século vinte e um com calças batendo nos joelhos, meias brancas compridas, um casaco comprido brocado, carregando uma bengala e um chapéu de três pontas, mas o que seus sentidos lhe comunicavam era algo bastante diferente.

Georgette Heyer tinha grande parte naquilo, Tullah concluiu, sentindo seu coração disparar e descobrindo que estava perigosamente próxima daquilo que seu equivalen­te do século dezoito chamaria de desfalecimento, mas a Tullah do século vinte e um seria mais direta e diria sim­plesmente tratar-se de um ilógico e pouco recomendável surto de luxúria.

— Eu deveria estar usando uma peruca, mas minha ca­beça coçava tanto com aquilo que desisti de usar — ela ouviu Saul contar ironicamente. — O que nunca vou en­tender como diabos alguém conseguia viver uma vida mi­nimamente normal vestindo estes troços.

— Eu... eu suponho que eles não usassem isso tudo — Tullah conseguiu responder, entre vertigens. — Suponho que eles, como nós, usavam coisas mais práticas durante o dia-a-dia.

Ela havia posto a capa que fazia parte do traje e cobria a fantasia antes de descer as escadas, subitamente tímida e acanhada de Saul vê-la, e correu agora até a porta.

— Não podemos nos atrasar — ela disse.

— Não vamos nos atrasar — Saul respondeu calma­mente, acrescentando. — Onde está sua maleta? Guarda­rei no porta-malas.

Sua maleta... Claro, havia esquecido lá ern cima! Foi o comentário inocente de Olivia sobre o fato de ela e Saul sem dúvida estarem se aproveitando bastante da rara au­sência de crianças, que iri am dormir em Queensmead, que fez com que Saul dissesse a ela que seria estranho se, de­pois do baile, ela insistisse em voltar para casa sozinha, e ela relutou muito em passar a noite na casa de Saul, ir com ele pegar as crianças de manhã e comparecer ao almoço de família que Jenny estava planejando para todos eles em Queensmead.

— É... é lá em cima — ele disse a ele, vacilante. — Eu vou...

— Não, fique aqui. Eu pego — Saul disse, subindo as escadas bem mais facilmente do que ela o faria usando aquelas saias cheias e exageradas. O traje fazia maravi­lhas à sua aparência, algo com o que ela não estava muito certa de se sentir muito confortável. Olivia riu quando ela mostrou sua contrariedade e expressou suas dúvidas em relação àquele espartilho tão apertado que deixava sua cintura tão fina que quase podia ser abarcada pela mão de um homem, e seus seios firmes e voluptuosamente arre­dondados.

— Você tem tanta sorte — ela confessou a Tullah. — Acho que vou precisar da ajudinha de um bom enchimen­to para conseguir a aparência arredondada típica dos seios do século dezoito. — Fez uma pausa e disse, maliciosa­mente. — Nunca tinha reparado que você tem um sinal aí — e riu quando Tullah tentou puxar o laço pendurado de seu espartilho para esconder a pequena mancha escura, linda e provocativãmente posicionada de maneira que, normalmente, a única pessoa a vê-la seria ela mesma ou um amante.

No segundo andar, no quarto de Tullah, Saul logo viu a maleta. O quarto em si era arrumado e limpo, e ao mesmo tempo irresistivelmente feminino, com um par de chinelos de cetim meio escondidos debaixo da cama, um pe­queno pote laqueado cheio de batons na penteadeira e o aroma do perfume de Tullah pairando no ar. Ele deu uma olhada rápida na cama e então virou para o outro lado.

Ele tinha reclamado que as calças curtas de cetim que faziam parte de seu traje estavam um pouco apertadas dos lados, mas lhe disseram que era o estilo da época. Estilo ou não, era desconfortável demais quando Tuílah estava por perto e ele... Rapidamente pegou sua maleta e se diri­giu à porta.

O espartilho era sem dúvida apertado demais, Tullah concluiu ao ver Saul voltar e descobrir que ela estava ten­do, dificuldade em respirar. Nada a ver com o fato de o es­tilo justo do traje dele revelar que Saul tinha coxas extre­mamente poderosas e que... Corando, ela olhou para o ou­tro lado ao perceber que direção seus pensamentos esta­vam tomando.

Ela ficaria feliz quando aquelas semanas finalmente passassem e Louise estivesse sã e salva de volta à univer­sidade e aquela relação pudesse terminar, pensou enquan­to se sentava no banco da frente do carro de Saul, e então se virou para falar com as crianças no banco de trás.  

— Mas que negócio é este? — Katie perguntou, olhan­do de modo constrangedor para a irmã.

— O que lhe parece? — Louise respondeu, piruetando em frente ao espeiho do quarto que dividia com a irmã. — E um baile à fantasia do século dezoito.

— Sim, mas onde você conseguiu isto e o que pretende fazer? Você não foi convidada para o baile!

— Hummm... — Louise murmurou, sem dar atenção e franzindo a testa, enquanto abaixava um pouco mais a parte da frente de sua fantasia e virava de lado para obser­var o efeito.

— Você não tem entrada para o baile de máscaras — Katie continuou. — Você não pode ir...

— Quem vai me deter? — Louise perguntou, rindo.

— Você não quer dizer que vai entrar de penetra, não é? Você não pode — Katie protestou, abismada. — E se nossos pais descobrirem e...

— Não vão descobrir — Louise garantiu. — Veja — disse à irmã, e foi até a grande caixa no chão do quarto. — Quando eu puser esta máscara, ninguém vai me reco­nhecer!

Katie foi forçada a admitir que estava certa, mas ainda assim sentiu a desconfortável consciência de que tinha de dissuadir Louise do que ela planejava.

— Por que você quer ir? — ela perguntou. Louise levantou a sobrancelha:

— Por que você acha? Saul vai estar lá.

— Ele estará com Tullah — Katie a lembrou. — Você não deveria fazer isso.

— Ah, não? E quem vai me impedir? Seu precioso pro­fessor Simmonds?

— Ele não é o meu professor, é o seu — Katie lembrou a ela, acrescentando. — Bem, ele é seu tutor, de toda for­ma, Ah, Louise, você já pensou como papai e mamãe fica­rão aborrecidos se...

— Eles não ficarão aborrecidos porque eles não vão sa- ber — Louise disse, com firmeza, acrescentando. — Te- nho de fazer algo para mostrar a Saul como ele está sendo bobo. Só preciso de uma chance para mostrá-lo. Não está na hora de você ir para Queensmead tomar conta das crianças?

— Lou, desista e venha comigo — Katie pediu, mas Louise simplesmente balançou a cabeça.

— Não — disse, irada. — Já estou decidida.

— Certo, estamos todos prontos? — Olivia perguntou. Eles tinham chegado em Queensmead quinze minutos antes, ou algo assim, e as crianças já estavam todas em suas respectivas camas.

Tullah foi apresentada ao avô de Olivia, um homem idoso e magro que olhou para ela de maneira penetrante e disse que Saul era um homem de muita sorte, e logo de­pois anunciou que iria passar a noite em seu escritório e não queria ser perturbado.

Tullah foi até o segundo andar com Olivia para ajudar a acomodar as crianças e, a pedido de Meg, tirou a capa para que vissem sua fantasia. Os olhos de Meg se arrega­laram de admiração ao vê-la, mas foi a expressão no rosto de Jemima, enquanto ela tocou, hesitante, o rico tecido do traje que emocionou Tullah. Agindo por instinto, ela abra­çou bem forte a menina mais velha, que disse, asfixiada:

— Você é tão bonita! Eu queria ser bonita.

— Você é... você é — Tullah disse a ela, emocionada.

— Não sou não — Jemima negou. — Minha mãe dizia que eu era a criança mais sem graça que ela já vira.

Tullah sentiu sua respiração parar na garganta com a dor que podia ouvir na voz de Jemima. Como a ex-mulher de Saul, por mais difícil que sua vida pudesse ser na época, por mais infeliz que o casamento a fizesse sentir-se, podia ter dito algo tão cruel e falso para a própria filha?

— Se ela disse isso, então acho que sua mãe precisa de óculos — Tullah disse carinhosamente. — Porque você com certeza não tem nada de sem-graça.

— Você só está dizendo isso por que eu pareço com pa­pai e você o ama — a menina replicou, tristemente.

— Ah, Jemima — Tullah quase chorou enquanto a abraçava ainda mais forte. — Simplesmente não é verda­de. Você não é sem graça, eu juro. Não mesmo. Ao con­trário, acho que você vai crescer e virar uma verdadeira destruidora de corações.

Pobrezinha, Tullah pensou cinco minutos depois, quando ela e Olivia desceram de volta. Como a mãe dela podia ter dito aquilo, especialmente se era tão evidente que não era verdade?

Será que era por isso que Jemima estava sempre tão quieta e introvertida, porque parecia escolher roupas cho­chas e quase feias? Se era, então no futuro ela faria a ga­rota saber que era atraente e que merecia usar roupas bo­nitas e coloridas, e que seria bom se ela e Saul adiassem aumentar a família até que a menina se sentisse mais con­fiante. A última coisa que Tullah queria era fazê-la sentir-se ainda mais insegura.

Tullah ficou tensa de repente. O que ela esta fazendo... que diabos estava pensando? Ela e Saul não iriam formar uma família. Ela não tinha papel nenhum a desempenhar na vida de Jemima. Será que ela estava ficando completa-mente louca?

Apesar de que, em sua maioria, os eventos da noite ocorreram ao ar livre, uma marquise foi erigida para ser­vir de vestiário, e como Olivia comentou com Tullah ao chegarem, estava certamente quente o bastante para que eles dispensassem suas capas.

— Os organizadores tiveram sorte com o tempo. Está uma noite adorável. — Enquanto pegavam suas entradas, ela disse—Estas máscaras são uma ideia legal, não acha? Elas realmente fazem um bom disfarce, ainda que não no seu caso — ela acrescentou jocosamente, dando uma olhada sugestiva no decote de Tullah. — Eu duvido muito que Saul tenha dificuldade em reconhecê-la. Por causa de seu colo, quis dizer — ela acrescentou enquanto Tullah a olhava de maneira suspeita.

Ela ainda estava rindo quando ambas se juntaram aos homens e, para constrangimento de Tullah, Caspar pediu para saber qua! era a piada.

Saul estava conversando com alguém de costas para eles e só se virou quando Olivia estava na metade da ex­plicação a Caspar. Ao ver Tullah, ele pareceu congelar por um segundo, seu corpo todo se enrijecendo enquanto ele a observava.

Então Olivia exortou-o.

— Saul, é verdade, não é? Mesmo usando a máscara, você reconheceria Tullah graças a seus seios, não é?

Rindo de novo, ela apontou para a pequena mancha ne­gra no seio de Tullah, enquanto ela instintivamente levou a máscara ao rosto para esconder como ficara corada.

— Eu poderia reconhecer mesmo sem isso — ela ouviu Saul responder calmamente a Olivia. — Mas concordo que é bem... chamativo — e depois, para consternação de Olivia, acrescentou com uma voz sensual — e muito, muito bons de beijar.

— Ah, pobre Tullah, agora a deixamos constrangida — Olivia zombou enquanto Tullah soltou um som levemente agoniado entre dentes. — James deve vir também. Imagi­no seja terá chegado — Olivia comentou.

— Cerca de quinhentas pessoas foram convidadas — Saul avisou. — Então, mesmo que ele ja esteja aqui, tal­vez não o vejamos.

— Os jardins não estão lindos? — Olivia entusias­mou-se.

— Lindos mesmo — Caspar concordou, imper­turbável. — Apesar de que tenho para mim que no sécu­lo dezoito eles seriam iluminados com fogo e não eletricidade.

Olivia não se fez de rogada.

— Pode acreditar... mas eu suponho que as tochas elétricas sejam bem mais seguras. Adoro como fizeram estas cabines e pavilhões. Ah, veja só isto! — ela exclamou, ex­citada, enquanto uma tropa de acrobatas saltava e dava cambalhotas por trás deles, seguidos por um comedor de fogo. — Ah, Saul, é maravilhoso! Nunca vi nada assim — ela reconheceu.

Nem Tullah, que estava tão distraída e boquiaberta com o ambiente quanto Olivia.

À distância puderam ver a magnífica tela de fundo do salão, além dos limites da festa, incluindo os jardins pri­vativos que cercavam o local. Abaixo deles, no canal arti­ficial que desaguava no lindo lago com uma caverna e um templo, gôndolas ondulavam levemente na água plácida, pintadas em cores vibrantes, cada uma com seu gondo­leiro.

Tullah sorriu ao ouvir o som do quarteto começando a tocar, animando a pista de dança a vários metros de onde estavam.

— Vamos dançar? — Saul sugeriu, oferecendo o braço a Tullah, como quem faz a corte.

— Olhem bem, vocês dois — Olivia avisou enquanto Tullah se aproximava de Saul. — Só se lembrem que, não sendo oficialmente noivos ainda, vocês não devem ficar juntos sem uma dama de companhia.

— A madame está perfeitamente segura em minha companhia — Saul respondeu, com bom humor. — E quanto à dama de companhia, este luar brilhante não está aqui para guardá-la e protegê-la? Apesar de que, devo ad­mitir, me deparando com tamanha beleza... tamanha ten­tação...

Tullah tentou rir junto com os outros, mas seu peito es­tava extraordinariamente apertado, como num desejo de­sesperado... uma necessidade.

— Eu não estou com muita vontade de dançar — ela mentiu, se afastando de Saul. — Eu... estou com sede. Onde posso arrumar uma bebida?

— Eu vou pegar algo para você. O que gostaria de be­ber? — Saul ofereceu-se educadamente, mas um tanto distante, Tullah pensou.

Dez minutos depois, quando Saul já tinha voltado com a bebida de Tullah, Oíivia e Caspar estavam dançando e, quando Saul foi detido por um dos membros da diretoria que queria discutir afgo com ele, Tullah resolveu sair para explorar os arredores por si mesma. A visão de um casal se beijando apaixonadamente nas sombras fez seu cora­ção doer de inveja.

Ela estava sendo ridícula, ralhou consigo própria. Ela não estava apaixonada por Saul, como poderia estar? Só porque havia descoberto que ele não era o homem que ela pensava que fosse? Não era razão para que ela fosse de um extremo ao outro e mudasse de ódio para amor.

— Com licença...? — Tullah franziu o cenho quando uma mulher mascarada a abordou.

— É a minha amiga — a outra disse com urgência na voz. — Ela caiu e se machucou. Será que você podia aju­dar?

Enquanto falava, ela já ia puxando Tullah na direção do labirinto de plantas que era uma parte famosa dos jar­dins da propriedade, um lugar que Tullah presumia estar fora do alcance dos convidados da festa, mas a mulher es­tava caminhando tão rápido, na verdade, quase correndo, que foi bastante difícil para Tullah acompanhar o passo e lidar com suas próprias saias antiquadas para conseguir perguntar alguma coisa. A urgência e o alarme da outra também foram prementes, por isso ela só hesitou ligeira­mente antes de se permitir ser íevada para dentro do labi­rinto.

Tullah perguntou, ansiosa:

— O que aconteceu à sua amiga? Se ela caiu e se ma­chucou não é melhor procurarmos ajuda profissional para ela? Há uma tenda de primeiros-socorros aqui e...

— Não, não há tempo. Ela está com medo, entende? Ela não quer que eu a deixe. Está muito escuro no labirin­to e ela odeia o escuro...

Havia um certo nível de prazer amedrontador na voz da outra e Tullah tinha a estranha e perturbadora convicção de já conhecê-la, apesar de não conseguir localizar onde teria escutado aquela voz rouca antes.

— É por aqui — ela conduziu Tullah, entrando nos lon­gos túneis verdes que, como ela havia dito, eram bastante escuros e sombrios àquela hora da noite.

Ainda bem que a mulher sabia aonde estava indo, Tullah reconheceu, pois ela certamente jamais conseguiria descobrir o caminho... Elas haviam dado tantas voltas que já estava confusa. Ela ia comentar exatamente isso, mas levou um susto quando, totalmente de repente, a outra a deixou e partiu por um espaço na parede de plantas. Mas quando'Tullah a seguiu, não havia sinal dela, a avenida de um verde sombrio estava já totalmente deserta.

Presumindo que a mulher não havia percebido que a perdera, Tullah esperou que ela reaparecesse. Após vários minutos, ao ver que ela não vinha mais, a confusão e a ir­ritação de Tullah começaram a virar raiva.

O que estava acontecendo? Estaria alguém, uma de suas colegas talvez, fazendo algum tipo de brincadeira? Se fosse, não estava achando nada agradável. Estava frio lã dentro, e muito escuro, e Tullah já estava começando a desejar ter trazido sua capa.

— OK! — ela gritou, com firmeza. — A brincadeira acabou, eu desisto! Agora venha e me tire daqui!

Silêncio.

Ela não iria começar a entrar em pânico... ainda, Tullah disse a si mesma. Afinal de contas, deveria ser um proces­so suficientemente simples seguir seus passos, não seria? Ela estava começando a concluir que havia sido enganada, atraída até lá para ser largada ali mesmo, uma brinca­deira cretina.

Certamente tudo o que ela precisava fazer era se con­centrar e tentar lembrar das voltas que deram. O problema era que havia caminhado com tanta pressa para dentro do labirinto, nervosa pela suposta amiga que havia caído, que não havia prestado muita atenção na rota que tomaram e, para ser honesta, jamais tivera mesmo muito senso de di-reção. Na verdade, a outra mulher a apressara tanto que a pequena bolsa que estava carregando devia ter caído de seu braço em algum momento, pois percebia agora que não estava mais com ela.

Ela começou a tremer e esfregar os braços, tentando conter os arrepios de frio que percorriam sua pele. A lua, que antes parecia brilhar tão forte, era toda sombra sobre o labirinto. As paredes verdes deviam ter no mínimo três metros, Tullah refletiu, se esforçando para tentar visuali­zá-las como se fossem menores para tentar dominar seu pânico crescente, como se fosse possível enxergar por so­bre elas. Se ao menos... Quanto tempo ela seria deixada lá e por quê?

Se aquilo era o que alguém chamava de pegadinha, era uma das mais cruéis. Não podia pensar em ninguém que a detestasse tanto para submetê-la a algo assim. Ou conhe­cia...? Ela tremeu mais uma vez, mas não de frio. Louise! Era por isso que ela achava que reconhecia a voz. Tinha sido Louise! Louise a enganara para enfiá-la no labirinto, como uma armadilha.

Mas para quê? Cedo ou tarde alguém daria por sua fal­ta. Cedo... ou tarde. Quanto tempo mais tarde... e quanto tempo antes de a encontrarem?

Uma pequena bolha de histeria aflorou em sua gargan­ta. O labirinto ficava fora da festa, ela estava certa. Ali se­ria o último lugar que qualquer um pensaria em procurá-la. Seu corpo inteiro sucumbiu à sensação de derrota e cansaço.

Saul franziu o cenho ao procurar mais uma vez entre as pessoas na pista de dança. Fazia mais de meia hora desde que tinha finalmente se livrado de seu companheiro de di-retoria e, apesar de ter procurado muito por Tullah, não via nem sombra dela. Quando perguntou a Olivia, ela fi­cou surpresa ao saber que Tullah não estava com ele; suas colegas de trabalho balançaram as cabeças e ficaram olhando, curiosas, quando ele saiu, suspeitando que tives­se havido uma briga de casal.

— Saul — Ele olhou com raiva Louise correndo atrás dele e jogou o corpo para o lado no último minuto, habil­mente evitando que ela caísse em seus braços, como era sua óbvia intenção.

— Louise, o que está fazendo aqui? — ele perguntou. Louise fez um biquinho provocante para ele. Ela sabia que era provocativo porque tinha praticado no espelho. Uma boa parte dos garotos da universidade já havia de­monstrado atração por ela e a chamava para sair, mas só havia um homem pelo qual ela se interessava, apenas um. Saul.

— Você não disse como estou bonita — ela disse a ele, ignorando a pergunta e recuando para dar uma pequena voltinha na sua frente. Ela ficou feliz corn a maneira que o espartilho forçava seus seios para cima e para fora, deixando-os mais encorpados e com uma linha divisória que ela não tinha naturalmente. Katie não aprovara muito quando a vira.

— Se este espartilho estivesse um pouco mais baixo você correria o risco de mostrar os mamilos — ela disse à irmã de modo bem direto.

Louise limitou-se a fazer cara feia. Saul, contudo, lon­ge de ficar impressionado com a generosa fartura de car­ne, mal a olhou.

Mas ela tinha visto o modo com que ele olhara para Tullah antes, quando ninguém sabia que ela os estava ob­servando, escondida na segurança de sua máscara e certi­ficando-se de estar na sombra. Mas até aí, os homens sem­pre tiveram mesmo uma queda por aquele tipo de mulher excessivamente corada que Louise francamente conside­rava chamativa demais.

— Está procurando por alguém? — ela perguntou a Saul maliciosamente, tirando vantagem de sua preocupa­ção para passar o braço no dele e se aproximar.

— Sim... Tullah — Saul respondeu curto e grosso. — Você a viu?

Louise podia senti-lo se afastar dela enquanto ela ten­tava se encostar, o que fez sua raiva de Tullah crescer, afastando a culpa que sentira quando largou a outra mu­lher no labirinto. E claro que Tullah não estava correndo nenhum perigo real. Alguém, algum dos empregados de Lorde Astlegh, iria ínspecionar o labirinto no fim da noi­te, apesar de fora da área da festa, e ela própria iria passar lá, em todo caso, quando tivesse certeza de que ninguém a veria. Era uma noite cálida e Tullah não seria exposta a qualquer perigo. Tudo o que Louise queria era tirá-la do caminho por um tempo, para fazer Saul ver que ela simplesmente não servia para ele, e eis que ela percebia que Saul, sem querer, tinha tornado sua tarefa ainda mais fácil.

Tentando ao mesmo tempo esconder seu triunfo e soar convincentemente casual, Louise deu de ombros e mentiu.

— Sim, na verdade eu a vi...

— Onde? — Saul perguntou sem permitir que ela ter­minasse e pela primeira vez ele se aproximou dela, com os olhos flamejantes.

— Bem, foi há uns vinte minutos atrás ou algo assim — Louise respondeu loquaz. — Ela estava dançando com al­guém. Eu.,.

—Dançando? — A expressão de Saul refletiu sua per­plexidade. Ele procurou pela pista de dança por algum tempo, esperando ver Tullah., mas não a viu dançando.

— Sim... com um homem alto que usava uma peruca — Louise improvisou. — Eles estavam rindo de algo e depois caminharam juntos em direção ao estacionamento.

— O quê? — Saul parecia trovejar.

Aquilo era maravilhoso. Seu plano estava funcionando melhor do que ela esperava, Louise reconheceu enquanto tirava vantagem de Saul ter baixado a guarda para pôr a mão em seu braço, de maneira possessiva, chegar ainda mais perto dele e dizer suavemente:

— Eu lamento, Saul, mas ela, e fosse quem fosse seu acompanhante, pareciam bastante... íntimos. Ela...

Tomada pelo aparente sucesso de seu plano, Louise es­tava distraída demais para perceber que do canto do olho, Saul viu o tecido acetinado da bolsa que ela havia enfiado no bolso de sua capa após perceber que Tullah a deixara cair. Tramar uma armadilha e deixar Tullah no labirinto para impedir que ela se interpusesse entre si e Saul era uma coisa, mas deixar que ela perdesse a bolsa era uma ofensa bem diferente, o tipo de coisa que ela jamais faria. A bolsa seria devolvida a Tullah juntamente com sua li­berdade assim que Saul tivesse sido persuadido a tirar Tullah de sua vida.

Com a mente ocupada por seus planos, Louise nem se­quer percebeu que Saul se aproximou e tirou a bolsa de seu bolso, até que ele perguntou de modo severo:

— Onde você arrumou isto?

Louise sentiu que seu rosto corava, denotando sua culpa.

— Louise — Saul disse, com uma expressão de ira. — Eu sei que esta bolsa é de Tullah. Agora diga, onde a con­seguiu?

Dez minutos depois ele finalmente conseguiu extrair a verdade de Louise, que ficou sob a vigilância de Olivia. Tudo que Saul conseguiu fazer foi sacudir a cabeça quan­do Olivia, sem entender o que se passava, perguntou o que estava havendo.

— Não tenho tempo para contar. Apenas fique de olho em Louise para mim, sim? E quanto a você, minha garota — ele ameaçou Louise amargamente —, considere sorte sua não ser minha filha e eu não ter nenhuma autoridade sobre você. Porque se eu tivesse... Você diz que é uma mulher, Louise, mas seu comportamento é o de uma criança irresponsável e imatura e é assim que a vejo, como uma criança, e é assim que sempre vou vê-la.

Louise conseguiu conter as lágrimas que estavam pres­tes a brotar de seus olhos. De repente se sentiu como se não conhecesse Saul, como se ele fosse um estranho, uma figura autoritária e severa que lhe parecia tão sem atração j e irritante quanto seu professor. Seu professor. Ela podia até imaginar a reação dele se um dia soubesse o que tinha acabado de acontecer. Não que ele fosse descobrir, claro. Fez força para segurar as lágrimas. Olivia a observava com um misto de irritação e simpatia.

— Saul está certo, sabe, Lou — ela disse gentilmente. — Já é hora de você começar a crescer.

— Eu sou crescida — Louise replicou categoricamente e naquele momento percebeu que era verdade; que havia um enorme e doloroso vazio dentro dela onde antes ficava seu amor por Saul; que tudo o que ela queria era fugir de sua família e da cena de humilhação a que seria submetida e, mais que tudo, fugir de Saul. Agora não teria mais como ela passar o resto do verão em Haslewich, de jeito ne­nhum. Não mesmo...

Saul levou dez minutos para chegar ao labirinto e, uma vez lá, não perdeu tempo. Seu pai e o conde eram da mes­ma época; quando crianças ele e o irmão chegaram a visi­tar o salão com seus pais, quando eles ficavam em Queensmead. Costumavam brincar no labirinto com os fi­lhos do conde e Saul, com seu cérebro rápido e analítico, logo dominou a intrincada estrutura.

Ele só esperava conseguir lembrar com precisão, do con­trário teria de ir ao salão de festas e buscar alguém que pu­desse, na ausência do conde, arrumar um mapa do labirinto.

Tullah piscou os olhos com lágrimas de raiva quando mais uma tentativa de descobrir o caminho para fora do labirinto a levou para um beco sem saída.

Ela estava com frio e cansada e,.-o que era pior, come­çando a prestar atenção demais nas imagens mórbidas e certamente fora da realidade produzidas por sua imagina­ção. Afinal, não era possível que ficasse perdida lá até morrer de fome. Era óbvio que alguém aparava aqueles impecáveis muros verdes que a aprisionavam e, além do mais, Louise não lhe transmitira a impressão de querer acabar com sua vida, mas sim com sua relação com Saul.

Sua relação com Saul. Se Louise ao menos soubesse da verdade...

Ela fechou os olhos. Descansaria apenas um pouqui­nho e depois tentaria novamente encontrar a saída.

Ficou tensa ao pensar ter ouvido alguém chamar seu nome, alguém... Saul, chamar seu nome. Ficou tão parali­sada pela enorme onda de alívio que tomou conta dela que levou vários instantes até conseguir responder.

— Saul... Estou aqui... aqui... — ela gritou enquanto começava a correr pela longa e sombria avenida verde, movida mais pelo instinto que pela lógica, pela emoção, pelo alívio, e mais do que tudo pela necessidade imperati­va não só de ser resgatada, mas de estar com Saui.

E então, de repente ele estava lá, emergindo da escuri­dão no fim do tunel escuro.

Saul!

Sem parar nem hesitar, Tullah correu em direção a ele e se jogou em seus braços.

Saul estava lá, graças a Deus. Graças a Deus! Ela sabia, que alguém acabaria sentindo sua falta e começaria a pro­curar por ela. Claro que ela sabia, mas ainda assim... ainda assim...

Ela sabia que ficaria emotiva e aliviada, independente de quem a resgatasse, mas o fato de ser Saul tornou muito mais natural e instintiva sua entrega às emoções que, em outras circunstâncias, teria tentado controlar, como uma adulta. Mas nos braços de Saul era fácil se permitir a sen­sação de alívio, a liberação de suas lágrimas e a vulnera­bilidade de se agarrar a ele, trémula, tiritando, abandonan­do-se totalmente em seu calor, sua presença, sua proteção.

— Ah, Saul, estou tão feliz em vê-lo! — ela disse atro­pelando as palavras, incapaz de contê-las. — Estou tão contente que você tenha me achado!

— Eu também — ela o ouviu responder com a voz rou­ca, quase como se lhe doesse falar. — Eu também.

Estranho como era diferente, como ele sentiu a diferen­ça de quando se tratava da mulher que queria, da mulher que desejava e ansiava, como se fosse uma fome. A mu­lher que amava, cujo corpo podia sentir perto do seu, Saul reconheceu enquanto a envolvia com seus braços. Abra­çando-a, embalando-a enquanto ela soluçava de choque e alívio em seu ombro, ele a reconfortou do mesmo jeito que faria com um de seus filhos.

— Ah, Saul, eu achei que fosse ficar aqui para sempre, que jamais encontraria a saída... que ninguém jamais sa­beria o que teria me acontecido — Tullah admitiu, alivia­da demais pela presença dele para se preocupar em como ele a poderia considerar frágil e tola.

Em resposta, os braços de Saul se apertaram em volta dela com ainda mais força.

—Eu jamais permitiria que isso acontecesse—ele dis­se, com firmeza. — Nem que tivesse que arrancar cada maldito pedaço deste labirinto com minhas próprias mãos.

— Eu acho que o conde não ficaria muito satisfeito — Tullah soluçou, dividida entre lágrimas e risadas.

— Não estou nem aí. Tudo o que me importa é que a descobri e você está a salvo. Tudo o que me importa é você — ele disse, com a voz subitamente mais grossa e profunda.

Tullah olhou para ele, hesitante.

— Você não precisa fazer o papel do amante ansioso — ela o relembrou. — Só estamos nós dois aqui.

— Quem disse que estou interpretando? — Saul repli­cou.

Ela se sentia tão maravilhosamente bem em seus bra­ços que ele estava começando a perceber que ela não tinha feito qualquer movimento para se afastar. Ele olhou para o rosto dela. A íuz da lua emprestava uma tonalidade pra­teada à pele e às maçãs do rosto de Tullah, bem como ao seu maxilar tão frágil e delicado, à suave curva de seu pes­coço e ao contorno ainda mais delicado de seus seios.

Ele respirou fundo e disse:

— Se você continuar me olhando desse jeito, terei de beijá-la.

Os lábios de Tullah se mexeram quando sentiu que ti­nha de engolir, mas ela não desviou o olhar.

— Tullah — Saul avisou com uma voz crua ao ver que o olhar dela finalmente escorregou de seus olhos para sua boca e lá se deteve.

— Ela jamais sonhara que algo pudesse parecer tão certo, tão natural, tão instintivo e fácil, e ainda assim tão místico e tão predeterminado, algo quase espiritual, que parecia como se ela e Saul estivessem sendo atraídos um ao outro por uma força maior que eles.

Ela se movimentou delicadamente, de um lado para ou­tro, nos braços de Saul, que começou a beijá-la lentamen­te, demorando-se na lenta fusão de suas bocas, passando a mão nos cabelos dela, abarcando seu rosto com as mãos e abraçando-a como se seus lábios fossem uma fonte afro­disíaca da qual ele bebia. Gradualmente ele sentiu a rea-çao dela, a suave aquiescência de seu corpo, e o beijo fi­cou mais íntimo, mais exigente, à medida que ele se torna­va um amante mais dominador e menos suplicante. Um homem, o homem dela, Tullah reconheceu enquanto se delrciava em reconhecer o desejo dele e a própria necessi­dade de corresponder.

— Você sabe que eu amo você, não sabe? — Saul mur­murou quando finalmente se afastou da boca de Tullah e beijou o meio de seus seios com ternura.

— Eu... Você tem certeza? — Tullah perguntou, hesi­tante.

— Você não? — Saul perguntou, gentilmente. Tullah lançou-lhe um olhar inseguro e então admitiu.

— Sim... — e acrescentou, em uma explosão de ansie­dade. — Mas eu não queria amar você, Saul, e até eta noite você não me amava e...

— O quê? Mas é claro que a amava! Talvez não logo de imediato, quando a vi no casamento de Olivia, ou depois no batizado de Amélia. Apesar de ter tentado puxar assun­to. — Deu de ombros. — Quando soube que você estava entrando para a empresa e Olivia convidou nós dois para aquele jantar, eu pensei... mas depois você acabou deixando claro que eu seria a última pessoa por quem você se in­teressaria.

— Porque eu pensava que...

—Eu sei o que você pensava — Saul cortou, com indi­ferença.

— Desculpe — Tullah disse. — Mas...

— Eu sei.

— Você acha que nós um dia ficaríamos juntos se não tivéssemos nos forçado a fingir... que estávamos tendo um envolvimento? — Ela perguntou.

— Ah, eu acho que acabaria dando um jeito — Saul as­segurou suavemente, — Mas felizmente não tive necessi­dade. O estratagema de Luke funcionou tão bem para mim quanto para ele.

— O estratagema de Luke...? O que você quer dizer?

— Quando Bobbie veio para Chester, Luke fingiu que estava tendo uma relação com ela para se livrar de uma ex-namorada que estava tentando recomeçar um romance terminado havia muito tempo.

— Como você e eu e Louise — Tullah murmurou en­quanto se aninhava ainda mais no calor dos braços dele.

— Hummm... e quando o destino me deu a oportunida­de de fazer a mesma coisa, eu me lembrei de como havia funcionado com Luke e como no final ele e Bobbie acaba­ram até casando. Foi então que decidi fazer o mesmo para ver se daria certo comigo também.

— Você acha que um dia teríamos descoberto o que sentimos um pelo outro se não fosse o que aconteceu esta noite, se não fosse por Louise? — Tullah perguntou.

— Tenho certeza que sim — Saul respondeu positiva­mente. — Duvido muito que eu fosse aguentar ficar muito tempo lutando contra meus instintos mais básicos, princi­palmente considerando que meu corpo já sabe como da­mos certo juntos — ele sussurrou antes de abaixar a cabe­ça e começar a beijá-la mais uma vez.

Tullah teve de aguardar até que ele tivesse terminado para perguntar.

— O que você quer dizer? Nós não fizemos... nunca fi­zemos...

— Ah, fizemos sim — Saul disse a ela com um sorriso malicioso, e então abaixou a cabeça para começar a sus­surrar para Tullah exatamente o que ela havia dito a ele na noite em que fizeram amor.

Tullah ficou olhando para ele, atônita.

— Mas achei que tinha sido um sonho! Saul riu.

— Não foi sonho nenhum — disse, zombeteiro. — Quer que eu prove?

Suas mãos já estavam percorrendo o corpo dela, esti­mulando seus sentidos, fazendo sua sensualidade aflorar calorosamente para a vida sob seu toque, seus lábios se abrindo avidamente à proximidade dos dele, e os dele se aproximando atraídos pelo fogo brando que emanava dos lábios dela. O medo que ela sentiu, o frio, o desconforto e o nervosismo que havia passado, estava tudo esquecido, e não foi por causa do ar frio o tremor que sentiu no corpo quando Saul delicadamente libertou seus seios da com­pressão do espartilho e começou a brincar com eles e a acariciá-los com a boca, mais e mais apaixonadamente.

Tullah gemeu com voz rascante e seu corpo inteiro rea­giu à boca de Saul em seus seios, com a cabeça jogada para trás expondo o contorno bem delineado de seu pes­coço.

O luar fazia o corpo de Tullah parecer alabastro de cor creme e Saul grunhiu de vontade ao trazê-la para si, aper­tando-a contra ele e sussurrando com uma voz crua.

— Você sabe o quanto eu a quero neste momento?

— Eu também quero você — Tullah admitiu, emocio­nada. — Mas... — Ela olhou ao redor, demonstrando in­certeza.

— Eu sei — Saul concordou. — Este não é o lugar cer­to e, além disso, se não voltarmos logo alguém vai acabar mobilizando uma equipe de busca para nos encontrar. En­tão, por mais que eu queira tê-la só para mim...

Ele parou e então ajeitou novamente o vestido de Tul­lah, beijando-a delicadamente na boca e depois um pouco menos delicadamente ao sentir que ela se aproximava dele, suas mãos se agarrando às dele como se ela ainda es­tivesse com um pouco de medo que ele fosse desaparecer.

— Eu a amo tanto, você sabia? — ele sussurrou contra sua boca com muita emoção e então a soltou e acrescen­tou, de modo mais objetivo. — É melhor voltarmos. Olivia ainda deve estar tomando conta de Louise até agora.

— Louise...? Como você soube que eu estava aqui? — Tullah perguntou.

— Eu vi a ponta da sua bolsa saindo do bolso da capa de Louise. Ela tentou alegar não saber de nada no começo, mas logo consegui extrair a verdade dela.

— Minha bolsa! Eu a deixei cair. Louise deve tê-la pe­gado. — Ela tiritou levemente. — Ah, Saul, eu lamento muito por ela. É evidente que ela o ama muito.

— Não mais — Saul garantiu, com indiferença. — Na verdade, suspeito que no momento eu seja o número um na lista negra dela, onde irei permanecer por um longo tempo. Ela pelo menos disse que voltaria para buscar você depois — ele disse a Tullah com uma expressão séria. — Mas, por Deus, quando eu penso... eu não sabia se a sacu­dia ou se batia nela.

Ele viu o olhar de Tullah e balançou a cabeça.

— Não, claro que não — ele reconheceu em tom de reprimenda. — Eu jamais usaria violência para dissuadir uma criança e em muitos sentidos Louise ainda é uma criança, apesar de ela não gostar que lhe digam isso.

Ele fez uma pausa e sua voz ficou ainda mais séria.

— Você quer casar comigo, Tullah? — Ele se aproxi­mou, pegando sua mão e levando-a a seus lábios enquanto se ajoelhava em frente a ela com um dos joelhos e, para o pasmo deleite de Tullah, continuou a pedi-la em casamen­to como se ela fosse mesmo uma dama do século dezoito e ele seu nobre galanteador.

— Sim — ela sussurrou suavemente. — Sim, sim, sim!

— Não é só a mim que você está levando — ele avisou quando finalmente saíram do labirinto. — Tem as crian­ças também.

— Eu sei — Tulíah afirmou.

— O que me lembra — Saul acrescentou, seus olhos brilhando de modo divertido e com algo além que fez o coração de Tullah começar a bater mais forte enquanto ele a trazia para seu lado. — Hoje as crianças vão dormir em Queercsmead, o que quer dizer que teremos a casa inteira só para nós dois, o que quer dizer...

Ele fez uma pausa e Tullah o encorajou.

— O que quer dizer que...?

— O que quer dizer — ele zombou dela ternamente — que você terá amplas oportunidades de mostrar para mim o quanto consegue lembrar daquele seu sonho... cada se­gundo... cada beijo... cada toque... cada...

— Saul — Tullah o repreendeu, ofegante.

 

— Bem, tudo está bem quando termina bem — Olivia comentou com Gaspar quando estavam no gramado de Queensmead, sob o forte sol de agosto, observando Tul­lah e Saul entre os convidados de seu casamento. — Amé­lia ficou uma lindeza vestida de dama de honra, não fi­cou? — ela comentou afetuosamente, passando a mão na barriga enquanto falava. — Ela fica me perguntando se vai demorar muito até o bebé sair da minha barriga.

— Hummm... bem, mais seis meses devem ser um tem­po insuportavelmente longo para ela.

— Jenny disse que ela recebeu uma carta de Louise no início da semana. Parece que ela está se divertindo na Itá­lia e trabalhando muito. Jenny acha que ela está finalmen­te superando aquela paixonite por Saul.

— Bem, Saul com certeza deixou bem claro que ela não tinha a menor chance com ele quando ele descobriu que Louise tinha deixado Tullah no labirinto — Caspar respondeu.

— Hummm. Acho que foi isso que funcionou como um verdadeiro balde de água fria e fez Louise voltar a si — Olivia concordou. — É uma graça a maneira com que os filhos de Saul se dão bem com Tullah, não é? — ela perguntou a ele, observando com um sorriso enquanto Jemi-ma se posicionava bein ao lado de Tullah. — Principal­mente Jem. Ela está começando a sair de sua concha devi­do à influência de Tullah.

Sorrindo com carinho para Jemima, que segurava sua mão, Tullah apertou sua mão como que para assegurá-la de seu carinho e se dirigiu a seu marido.

Tinham valido a pena todo o esforço e os telefonemas secretos e encontros aos quais teve de comparecer para ver o rosto de Saul quando ele se voltou para ela no altar e percebeu que seu vestido de noiva era praticamente uma cópia do traje que ela havia usado na noite em que se de­clararam um ao outro no labirinto.

Ela havia feito questão do mesmo tema para a festa de casamento. De acordo com o que Olivia havia dito, a jul­gar pela ânsia e interesse do fotógrafo do jornal local, seu casamento seria o assunto do verlo em Haslewich.

Tullah limitou-se a rir. Não estava minimamente inte­ressada no que os outros pensavam, não mesmo. Foi por Saul que ela aguentou as maçantes sessões de prova e as intermináveis discussões sobre tecidos e padrões, e cada segundo daquilo estava valendo a pena, só para ver o bri­lho no olhar de Saul, Tullah reconheceu enquanto sentia que ele a observava e voltava-se para ela para lhe dar um sorriso.

— Eu já lhe disse como você está bonita? — ele per­guntou de repente.

— Claro que já, papai — Jemima respondeu no lugar de Tullah. — Você j á disse isso a ela um montão de vezes.

Saul olhou para Tullah com ligeira melancolia.

— Você tem certeza que vai ser uma boa ideia levar as crianças para Portugal conosco? — ele perguntou a ela, referindo-se ao fato de que, na manhã seguinte, todos os cinco tomariam um avião para férias de um mês. — Uma lua-de-mel e tanto que você terá.

Apesar de ele estar sorrindo, Tullah sabia o que estava causando a pequena sombra que podia ver no fundo de seus olhos. Ela sabia porque eles já haviam conversado sobre o assunto, ou melhor, Saul havia falado sobre o as­sunto ao perguntá-la como se sentia em relação ao tema certa noite, quando ela estava deitada em seus braços, fe­liz da vida, o corpo ainda sensível após fazerem amor.

— Você tem certeza de que não se importa... de as crianças irem conosco quando formos a Portugal? Não parece justo com você. Afinal de contas, é a sua lua-de-mel.

— Nossa lua-de-mel — Tullah o relembrou com firme­za. — E sim, tenho certeza. Vamos ser uma família, Saul, e quero que as crianças se sintam seguras do meu amor por elas, como se sentem em relação a você. Se isso signi­fica sacrificar o prazer de estar a sós com você, então é um sacrifício que faço com a maior boa vontade. Nós vamos ter tempo de sobra para viajar, só nós dois, daqui a algum tempo, quando eles tiverem aceito minha presença em sua vida e nas vidas deles. Nada vai mudar minha relação com você. Sim, é claro que eu gostaria de poder viajar a sós com você — ela admitira. — Mas eu e você somos adultos e as crianças não.

— Você é uma mulher muito especial e rara, sabia? — Saul sussurrou.

O casamento perfeito

Tullah sorriu de modo muito feminino e astucioso en­quanto se aninhava nos braços de Saul. Ela não tinha qual­quer intenção de corrigi-lo e dizer a ele que ela era tão so­mente uma mulher apaixonada, muito apaixonada.

Ela estava relembrando aquela conversa e aquela noite, enquanto balançava a cabeça assertivamente e dizia a ele suavemente:

— Nossa lua-de-mel será maravilhosa e as crianças es­tarem conosco só a tornará ainda mais maravilhosa.

Ela sabia que ele achava que, sendo divorciado e pai de três crianças, estaria privando-a do direito de começar o casamento de igual para igual, ambos "novos" para o ca­samento, prontos a concentrar-se exclusivamente um no outro, mas Tullah, apesar de apreciar sua preocupação, não viu motivo para ela.

Ela amava as crianças e havia assegurado a ele, não só por elas serem parte dele, mas por serem elas mesmas também. Agora que ela o conhecia e conhecia as circuns­tâncias de seu primeiro casamento, a verdade era que aquele matrimónio anterior havia sido, como ele já admi­tira, um erro desde o primeiro momento, e Tullah já não tinha mais dúvidas sobre a capacidade dele de permanecer fiel aos seus votos de casamento, longe disso.

Ele a amava e havia mostrado de tantas, tantas manei­ras diferentes, na cama e fora dela.

Ao sentir que ele olhava para ela, Tullah devolveu o olhar.

— Bem, ao menos temos a noite de hoje — ele murmu­rou. — As crianças vão pernoitar na casa de Olivia.

— E nós temos de acordar às oito para pegá-los e che­gar ao aeroporto — Tullah lembrou com um sorriso, mas apesar de estar brincando, não podia esconder dele a ex­pressão em seus olhos. E sabia que ele percebia muito bem que ela estava ansiosa pela noite que tinham pela frente, tanto quanto ele... estavam ambos ansiosos. Ansio­sos por uma vida inteira juntos.

 

                                                                                Penny Jordan  

 

                      

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