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Nossa antiga casa será derrubada, e eles vão construir ruas no local. Eu disse à minha irmã:
— Ethelinda! Se eles realmente demolirem Morton, será um trabalho pior que a Revogação das Leis!
Depois de alguma consideração, ela respondeu, que se falasse o que estava em sua mente, ela afirmaria que os papistas tinham algo a ver com isso. Que eles não perdoaram Morton devido ao Senhor Monteagle, quando ele descobriu o Complô da Pólvora, pois, sabíamos que, em algum lugar de Roma, havia um livro conservado por gerações, dando um relato da história secreta e privada de cada família inglesa de notoriedade, e registrando os nomes daqueles a quem os papistas guardavam rancor ou um pouco de gratidão.
Ficamos em silêncio por algum tempo, contudo, tenho certeza que o mesmo pensamento estava em nossas mentes.
Nosso ancestral fora um seguidor de Morton e sempre foi dito entre os familiares, que ele estivera com o Senhor Monteagle, quando este encontrou Guy Fawkes e sua lanterna escura sob a Casa do Parlamento, e a pergunta passou por nossas mentes:
“Ele estava marcado com um sinal negro naquele terrível livro misterioso, que foi mantido a sete chaves pelo Papa e pelos Cardeais em Roma?”
Foi terrível, entretanto, de alguma modo, bastante ameno de se pensar. Muitos dos infortúnios que aconteceram conosco ao longo da vida, e que chamávamos de isenções misteriosas, alguns vizinhos atribuíram isso à nossa falta de prudência e previsão, que foram contabilizados de uma só vez, como se fôssemos objetos do ódio mortal de uma ordem tão poderosa como os jesuítas, dos quais vivíamos com medo desde que lemos as Escrituras.
Se esta última ideia sugeriu, o que minha irmã falou a seguir, não posso dizer, mas conversamos sobre a prima em segundo grau e jesuíta. Sobre ela ter conexões literárias, e a partir disso, o pensamento surpreendente surgiu na mente da minha irmã, pois, ela exclamou:
— Biddy!
Meu nome é Bridget, e ninguém além da minha irmã, me chama de Biddy, e ela continuou seu raciocínio.
— Suponha que você escreva algum relato sobre o casarão dos Mortons. Eles conheceriam a verdade sobre aquele lugar.
Fiquei satisfeita com a noção, confesso, mas me senti envergonhada de concordar com tudo, e, embora, resistindo por modéstia, este pensamento veio à minha mente enquanto eu ouvira falar do lugar em seus antigos dias. Escrever era tudo o que eu podia fazer para os Mortons, sob quem nossos ancestrais viveram como inquilinos, por mais de trezentos anos.
Concordei, e, por medo de erros, mostrei ao Senhor Swinton, nosso curador, que ajeitou os erros de escrita.
O casarão dos Mortons está situada a cerca de oito milhas do centro de Drumble, nos arredores de uma vila, que, quando a casa foi construída, era provavelmente tão grande quanto Drumble naqueles dias, e me lembro de quando havia um longo pedaço de estrada, bastante solitária, com cercas altas em ambos os lados, entre a vila de Morton e Drumble.
Agora, é tudo rua, e Morton parece apenas um subúrbio perto de uma grande cidade.
Nossa fazenda estava onde a Rua Liverpool está localizada agora, e as pessoas costumavam praticar tiro exatamente onde a capela Batista é construída neste instante.
Nossa casa era mais velha que o casarão, pois, tinhámos a data de 1460 em uma das vigas cruzadas.
Meu pai estava bastante orgulhoso desta vantagem, já que o casarão não tinha data inferior a 1554, e me lembro de sua afronta a Senhora Dawson, a dona do casarão, em uma noite, quando ela veio beber chá com minha mãe, e Ethelinda e eu éramos meras meninas.
Minha mãe, percebendo que a Senhora Dawson não permitiria que qualquer casa na paróquia fosse mais velha que a sua, e que ela estava ficando muito raivosa, quase insinuando que os construtores forjaram a data para depreciar a família do escudeiro, e configurando-se assim, que o casarão tinha o sangue mais velho entre as casas, mamãe pediu à Senhora Dawson para nos contar a história do velho Senhor John Morton, antes de irmos para a cama.
Sentamos ao redor da lareira e ela começou a contar a história.
O Senhor John Morton vivera algum tempo sobre a Reforma. Os Mortons tomaram o lado direito, então, quando Oliver Cromwell chegou ao poder, ele deu suas terras para um de seus seguidores puritanos, um homem que fora apenas de fé e vendedor ambulante, até que a guerra eclodiu, e o Senhor John teve que ir viver com seu mestre real, em Bruges.
O nome do seu seguidor era Carr, que veio morar no casarão, e, tenho orgulho de dizer que nossos ancestrais tiveram uma boa vida ali.
Ele trabalhara duro para conseguir pagar o aluguel, porque ele sabia ser melhor que pagá-lo a um Cabeça Redonda[1]. Todos sabiam que as estradas até Morton eram solitárias e os Cabeça Redonda se poupavam de buscar dinheiro de nossos ancestrais.
Ruídos estranhos foram ouvidos na casa, e logo o casarão recebeu o crédito de ser assombrado, porém, como esses ruídos nunca foram ouvidos antes ou depois que Richard Carr viver lá, deixo você adivinhar se os espíritos malignos não sabiam bem sobre quem tinham poder sobre rebeldes cismáticos, e mais ninguém. Eles não incomodavam os Mortons, que eram verdadeiros e leais, seguidores fiéis do rei Carlos, em palavras e ações.
Finalmente, o velho Oliver morreu, e as pessoas disseram que naquela noite brutal e tempestuosa, sua voz foi ouvida no alto do ar, onde se ouvia os gansos selvagens, clamando por seu verdadeiro seguidor, Richard Carr, para acompanhá-lo na terrível perseguição que os demônios estavam dando a ele, antes de levá-lo para o inferno.
De qualquer forma, Richard Carr morreu dentro de uma semana, e se convocado pelos mortos ou não, ele foi até o seu mestre, e, ao mestre de seu mestre também.
Então, sua filha Alice tomou a posse.
Sua mãe estava de alguma maneira se relacionando com o General, que estava começando a chegar ao poder nessa época.
Foi quando Carlos II voltou ao seu trono, e muitos dos puritanos furtivos tiveram que abandonar sua terra mal adquirida, e se viraram para a direita. Alice Carr ainda estava em Morton para reinar lá.
Ela era mais alta que a maioria das mulheres, e de uma grande beleza, ouvi dizer. No entanto, mesmo bela, Alice era uma mulher severa.
Todos sabiam que ela fora educada duramente pelo seu pai, e após ser dona do casarão, com plenos poderes, ela estava pior que nunca, odiando os Stuarts, muito além do ódio que seu pai nutria.
Naquele maio, quando as crianças catavam folhas de carvalho para enfeitar seus chapéus, ela fechou as janelas do grande salão e permaneceu sentada o dia todo na escuridão e luto.
Foi dito que o rei conseguiu que seu primo, o Duque de Albemarle, a convidasse ao conselho, e ele fora tão cortês, como se ela fosse a Rainha de Sabá, e o rei Carlos se assemelhava à Salomão, rezando para que ela o visitasse em Jerusalém.
Mas ela não foi.
Ela vivia uma vida muito solitária, apenas com um servo e uma criada. E os inquilinos não pagariam a ela o dinheiro, porque seu pai comprara as terras do Parlamento, e pagou o preço em bom ouro vermelho.
Todo esse tempo, o Senhor John estava em algum lugar nas plantações virginianas, e os navios navegaram de lá, apenas duas vezes por ano, mas seu mestre real fora enviado para casa, e para casa ele veio naquele segundo verão, após a Reforma Protestante.
Ninguém sabia se a Senhora Alice ouvira falar de seu desembarque na Inglaterra ou não. Os aldeões sabiam, e sem surpresas, o esperaram em seus melhores vestidos, com grandes ramos de carvalho para recebê-lo, enquanto ele cavalgava para a aldeia em uma manhã de julho, com muitos cavaleiros de aparência risonha ao seu lado, conversando alegre e agradavelmente ao encontrar o povo da aldeia.
Eles entraram no lado oposto da estrada de Drumble, na verdade, Drumble não um lugar como eu lhe disse. Entre a última cabana na aldeia e os portões do antigo casarão, havia uma parte sombria da estrada, onde os galhos quase se encontravam no alto e faziam uma escuridão verde.
Se você notar, quando muitas pessoas estão falando alegremente fora de portas, sob a luz do sol, eles vão parar de falar por um instante, quando eles avistarem a sombra verde e ficarão em silêncio por algum tempo, depois, falarão mais grave e lento, voltando a suavidade em seguida.
Portanto, os velhos falaram que os cavaleiros fizeram, e várias pessoas seguiram para ver o orgulho de Alice Carr ser derrubado.
Eles costumavam dizer que os cavaleiros tinham que curvar seus chapéus emplumados ao passar sob os galhos caídos.
Imagino o Senhor John esperando que a senhora reunisse seus amigos, se preparado para uma espécie de batalha, para defender a entrada da casa, mas... Ela não tinha amigos.
Ela não tinha relações mais próximas, além do Duque de Albemarle, e ele estava louco com ela por se recusar a visitar o conselho do rei, e assim, salvar sua propriedade, de acordo com sua recomendação.
Bem, o Senhor John montou em silêncio, e o som dos pés de muitos cavalos, com o desajeitado caminhar dos tamancos do povo da aldeia, eram tudo que se ouvia.
Pesado como o grande portão era, o balançaram em suas dobradiças, até eles subirem para os degraus do casarão, onde a senhora estava, em seu vestido simples, puritano, com suas bochechas em um vermelho suave, seus grandes olhos piscando como bolas de fogo, e ninguém atrás dela ou perto dela, porém, ao longe, a velha criada trêmula estava, pegando seu vestido, em terror suplicante.
O Senhor John foi pego de surpresa, ele não levaria espadas ou armas bélicas rumo a uma mulher para forçar uma entrada, e isso fez dele ridículo aos seus próprios olhos e aos olhos de seus companheiros desdenhosos também, então, ele virou-o ao redor, enquanto ele subia os degraus, e falou com a jovem.
Lá eles o viram, chapéu na mão, falando com ela, e ela, elevada e impassível, segurando-se firme, como se fora uma rainha soberana com um exército nas costas.
O que eles conversaram, ninguém ouviu, mas ele voltou, muito sisudo e mudou o seu olhar, embora seu olho cinzento mostrou aquele ar de falcão mais do que nunca, como se avistasse o caminho para o seu fim, embora, ainda longe.
Ele não era um homem que aceitava a zombaria, contudo, parecia professar que mudara de ideia e não queria perturbar uma senhora em suas posses.
O Senhor John e seus cavaleiros voltaram para a pousada da aldeia, e lá ficaram o dia todo. Pegaram os ramos de carvalho e fizeram uma fogueira no verde da aldeia, queimaram um desenho rabiscado, que alguns chamaram de velho cabeçudo, e outros de Richard Carr.
A criada da senhora falou aos aldeões depois, que a Senhora Alice subiu os degraus ensolarados do casarão e caminhou para a sombra fria da casa, sentou-se e chorou, como sua pobre serva fiel nunca a vira fazer antes, e não imaginaria sua jovem orgulhosa patroa o fazê-lo.
Durante todo o dia daquele verão, ela chorou, e por muito cansaço, cessou por um tempo, suspirando como se seu coração estivesse despedaçado.
Elas ouviram através das janelas superiores, que estavam abertas devido ao calor, os sinos da aldeia tocando alegremente através das árvores, e, rajadas de refrães das canções alegres cavalheirescas, ela ouviu, todas em favor dos Stuarts.
Tudo o que a jovem disse foi uma ou duas vezes:
— Oh! Deus! Não tenho amigos!
E a criada, de idade, sabia ser verdade, sem poder contradizê-la, e como ela disse muito tempo depois, que tal choro cansado mostrou uma grande tristeza em suas mãos.
Suponho, que foi a agonia mais triste que a mulher orgulhosa teve.
Os cavaleiros se afastaram do casarão Morton no dia seguinte, tão leve e descuidadamente, como se tivessem alcançado seu objetivo que era a tomada de posse do casarão pelo Senhor John.
Lentamente, a criada foi até o armazém da aldeia, e a Senhora Alice foi vista caminhando, tão orgulhosa como sempre em seus passos, apenas um pouco mais pálida, e muito mais triste.
A verdade é, como me falaram, que ela e Senhor John se amavam, e aquela raiva amorosa se segurava nos degraus do casarão.
Ela, de maneira profunda, tomava as impressões de toda a sua vida, no fundo de seu coração, como se fossem queimadas no coração do Senhor John, que era um homem galante, e tinha uma espécie de graça estrangeira e ar cortês sobre ele.
O jeito que ele amava era muito diferente, o jeito de homem, eles me dizem.
A Senhora Alice era uma mulher bonita, e talvez, ele leu em seus olhos amolecidos, que ela aceitaria seu carinho, e assim, todos os problemas legais sobre a posse da propriedade chegariam ao fim, de uma maneira fácil e amena.
Ele veio para ficar com seus amigos da vila. Eles o encontraram em suas caminhadas favoritas, com o chapéu emplumado na mão, implorando para ela, e ela olhando suave e adorável do que nunca, e, por último, os caseiros foram informados do casamento, em seguida, a posse estava quase na mão.
Depois que se casaram, ele ficou por um tempo com ela no casarão, porém, em seguida, voltou para o conselho. Eles dizem que a recusa obstinada dela em ir com ele para Londres, foi a causa de sua primeira briga, no primeiro dia de sua vida de casado, devido as tais vontades ferozes e fortes, de ambos os lados.
Ela disse que o conselho não era lugar para uma mulher honesta, em contrapartida, o Senhor John acreditava saber o melhor e ela devia confiar nele.
Ele deixou-a sozinha. No início, ela chorou mais amargamente, então, ela tomou o seu velho orgulho, e foi novamente arrogante e sombria.
Pouco a pouco, ela tentou confortar-se com longas orações, choramingando pela ausência de seu marido, mas não era de nenhuma utilidade tal coisa.
Alice o amava ainda, mesmo com um amor terrível. Uma vez, dizem, ela colocou o vestido de sua empregada e foi até Londres para descobrir o que o segurava lá, e algo que ela viu ou ouviu, a mudou completamente, pois, voltou como se seu coração estivesse estilhaçado.
Dizem que a única pessoa que ela amava com toda a força selvagem de seu coração, provara ser um traidor, e, se sim, que maravilha! Porque, se ela era uma criatura sombria, então, era uma grande honra para seu pai ser casada com um Morton. Ela não esperava muito dele, além de ser um traidor.
Depois de seu desânimo, veio sua religião. Todos os velhos pregadores puritanos eram bem-vindos no casarão dos Mortons. Certamente, isso foi o suficiente para enojar o Senhor John.
Os Mortons nunca se importaram em ter religião.
Então, quando o Senhor John surgiu querendo uma saudação alegre e uma declaração de amor terno, sua senhora exortou-o, e orou sobre ele, citando o último texto puritano que ela ouvira falar, e ele a xingou e seus pregadores, fazendo um juramento mortal de que nenhum deles encontraria porto ou seriam bem-vindos naquela casa.
Ela olhou com desdém para ele e afirmou que ele procurasse no condado da Inglaterra, a tal casa que ele falou que os pregadores não seriam aceitos, porque, na casa que seu pai comprou e ela herdou, todos os que pregavam o Evangelho seriam bem-vindos, e que deixasse que os reis fizessem as leis, porque os lacaios dos reis, declaravam seus juramentos falhos.
Ele não disse nada e seu silêncio foi o pior sinal para ela. O homem rangeu os dentes e cavalgou de volta para a bruxa francesa que o enganara.
Antes de se afastar de Morton, ele chamou alguns espiões.
Ele desejava pegar sua esposa em sua audácia feroz e puni-la por desafiá-lo com seus modos puritanos.
Ele contou os dias até o mensageiro chegar, com lama até o topo de suas botas longas de couro, para dizer que a senhora convidaria os pregadores puritanos da vila, para uma reunião de oração, depois, um almoço, e que dormiriam em sua casa, após o jantar.
O Senhor John sorriu, pagando o mensageiro, cinco peças de ouro, e em linha reta, rumou o seu cavalo. Após longos dias, ele chegou à Morton, a tempo, pois, era o mesmo dia da reunião de oração.
Os almoços eram à moda rotineira do campo.
As pessoas em Londres podiam almoçar às três da tarde, mesmo acordando na madrugada e seguindo o dia de trabalho, famintas, no entanto, os Mortons se agarravam aos bons e velhos costumes, e quando os sinos da igreja tocavam às doze horas, era a hora da refeição.
Quando o Senhor John veio cavalgando para a aldeia, ele sabia que devia afrouxar os passos. Ele lançou um olhar para a fumaça que surgia correndo para cima, de um fogo recém-feito, logo atrás da floresta, onde ele sabia estar a chaminé da cozinha do casarão. Ele parou no ferreiro, e fingiu questionar o homem sobre as ferraduras de seu cavalo, mas ele tomou poucas vezes as respostas, estando mais ocupado por um velho servo, que estava conversando com o ferreiro.
Sua conversa foi encerrada, e o Senhor John levantou-se em linha reta, subiu em sua sela, limpou a garganta, falando em voz alta:
— Minha senhora está tão doente!
O ferreiro ficou parado, pensando se o que o homem dizia era verdade, porque toda a aldeia sabia da festa naquele dia no casarão, já que as galinhas foram compradas e os cordeiros mortos.
— Sua senhora está doente? — perguntou o ferreiro, como se ele duvidasse da palavra do Senhor John.
— Minha senhora está muito doente, bom mestre Fox. Sua doença é aqui. — continuou ele, apontando para sua cabeça. — Vim buscar minha pobre esposa, porque a levarei para Londres, onde o médico do rei deve prescrever seus remédios. — e ele cavalgou lentamente.
A senhora estava tão bem como sempre fora em toda a sua vida, e mais feliz do que fora muitas vezes, entretanto, em poucos minutos, alguns daqueles que ela estimava tão altamente e que conheciam e valorizavam seu pai morto, cairiam sobre ela.
Muitos dos pregadores cavalgavam de longe.
Estava tudo em ordem em seus quartos, e sobre a mesa na grande sala de jantar, a comida estava posta.
Ela entrara em inquietações apressadas, deu a volta na sala e subiu a grande escadaria de carvalho para ver se o quarto da torre, onde o velho Mestre Hilton, o mais velho entre os pregadores, ficaria instalado.
Enquanto isso, as donzelas abaixo, carregavam as poderosas rodadas frias de carne temperada, cortes de cordeiro, tortas de frango e todas essas provisões, quando, de repente, elas não sabiam como, todos se encontravam tomados por braços fortes, com capuzes jogados sobre suas cabeças, depois amordaçados e levados para fora da casa para o verde do jardim, onde, com ameaças sobre o que aconteceria com eles, eles foram mandados embora, com muitas palavras vergonhosas.
O Senhor John nem sempre podia comandar seus homens, muitos dos quais foram soldados nas guerras francesas, de volta à aldeia e eram rudes por natureza.
Os criados e pregadores se afastaram como lebres assustadas. A senhora estava ainda no quarto do pregador de cabeça branca, agitando o pote doce na penteadeira, quando ouviu um passo nas escadas ecoando.
Não foi o passo medido de qualquer puritano, era o barulho de um homem de guerra, chegando cada vez mais perto, com passos rápidos e sonoros.
Ela sabia de quem era o passo, seu coração parou de bater, não por medo, porém, porque ainda amava o Senhor John, mas ela deu um passo à frente para encontrá-lo, e, então, ficou parada e tremeu. O pensamento falso e lisonjeiro veio diante dela, que daria algum impulso rápido de reviver o amor com um passo apressado desejando a ternura apaixonada do marido. Mas quando ele chegou à porta, ela ficou apática como sempre.
— Minha senhora! — falou ele. — Você está reunindo seus amigos para algum banquete? Posso saber quem são os convidados que estão se divertindo em minha casa? Alguns companheiros sem graça, vejo, da loja de carne estão aqui também. Há bebidas e temo por um bêbado mais afoito.
Contudo, pelo olhar dele, ela viu que ele sabia sobre tudo, então, ela falou com uma distinção fria.
— Mestre Ephraim Dixon, Mestre Zerubbabel Hopkins, Mestre Perkins e alguns outros ministros piedosos vão passar a tarde em minha casa.
Ele foi até ela, e em sua raiva, esbofeteou-a. Ela não colocou nenhum braço para se salvar do golpe, mas avermelhou um pouco com a dor. Ela pegou seu lenço de um lado e olhou para a mancha vermelha em seu pescoço branco.
— Isso me serve bem! — zombou. — Me casei com um dos inimigos do meu pai. Um daqueles que caçaria o velho até a morte! Dei a casa de meu pai e suas terras ao inimigo, quando este homem veio como um mendigo à minha porta. Segui meu coração perverso e rebelde, em vez de cuidar das palavras de meu pai moribundo, pedindo vingança, mas fraquejei.
Ele a amarrou os braços. Ela não lutou contra e ficou calada. Em seguida, empurrando-a para que ela fosse obrigada a sentar-se ao lado da cama.
— Sente-se! — ordenou ele. — Ouça como eu vou receber os velhos hipócritas que você ousou colocar em minha casa! Casa dos meus antepassados, muito antes de seu pai, aquele ambulante asqueroso, que vendia seus bens e enganava os homens honestos.
E, abrindo a janela do quarto logo acima dos degraus do casarão, onde ela o esperava em sua beleza pura há três anos, ele cumprimentou os pregadores, enquanto eles cavalgavam até o casarão, com uma linguagem tão horrível, que os velhos se viraram horrorizados e voltaram para as suas casas.
Enquanto isso, os homens do Senhor John, que estavam na sala, obedeceram às ordens de seu mestre. Eles atravessaram a casa, fechando cada janela e porta, mas deixando tudo como estava, as carnes frias na mesa, as carnes quentes no espeto, tudo como se estivesse pronto para um banquete, e então, o servo-chefe do Senhor John, veio e disse ao seu mestre que tudo estava pronto.
— O cavalo está pronto? — o Senhor John questionou.
Com zombaria, eles vestiram a mulher indefesa em suas vestes de cavalgar. O Senhor John levou-a escada abaixo. Ele e seu homem a amarraram a garupa do cavalo, e Senhor John em seguida montou no cavalo.
O homem fechou e trancou a grande porta, e os ecos do estrondo atravessaram o casarão vazio com um som sinistro.
— Jogue a chave... — exclamou o Senhor John. — Para longe! Minha senhora pode ir procurá-la quando eu deixar seus braços em liberdade. Até lá, sei, como o casarão dos Mortons deve ser chamado.
— A casa de Senhor John será chamada de Casa do Diabo, e você será seu mordomo! — ela gritou.
Mas a pobre senhora devia ter segurado a língua, e o Senhor John só riu.
Enquanto ele passava pela vila, com seus homens o seguindo, o povo saiu e ficou em suas portas. Com pena dele, lamentaram, por ter uma esposa louca, e elogiaram o seu cuidado com ela, e da chance que ele lhe deu para ela se tratar, levando-a para ser vista pelo médico do rei.
Mas, de alguma forma, o casarão recebeu um nome horrível, as carnes assadas e cozidas, os patos e as galinhas, tiveram tempo de cair em pó, antes que qualquer ser humano ousasse entrar, e, de fato, ninguém tinha direito de entrar.
O Senhor John não voltou para Morton, e quanto à Alice, alguns disseram que ela estava morta, outros afirmaram que ela estava louca, e calou-se em Londres, e poucos homens falaram que o Senhor John a levara para um convento no exterior.
— O que aconteceu com ela? — perguntamos ao rastejar até a Senhora Dawson.
— Não sei! Como eu saberia?
— O que você acha? — perguntamos pertinazmente.
— Não sei! Ouvi dizer que depois que o Senhor John foi morto na batalha de Boyne, ela se soltou e voltou vagando de volta para Morton, para a casa de sua antiga criada, mas, de fato, ela estava louca realmente, e não tenho dúvidas que o Senhor John vira a doença chegando e se aproveitou disso. Ela costumava ter visões e sonhos, alguns achavam uma profetisa, outros a achavam bastante louca. O que ela proferiu sobre os Mortons foi horrível. Ela os condenou a morrer, e que a sua casa seria destruída pelo seu próprio povo. Dizem que, em uma noite de inverno ela se desviou, e na manhã seguinte encontraram a pobre louca congelada até a morte no pátio da casa das reuniões para oração em Drumble, e o Senhor Morton decentemente enterrou a pobre ao lado do túmulo de seu pai.
Ficamos em silêncio por um tempo.
— Quando o velho casarão foi aberto, Senhora Dawson? Por favor!
— Oh! Quando o Senhor Morton, avô do nosso escudeiro Morton, tomou a posse, que era um primo distante do Senhor John, e um homem muito quieto. Ele abriu as janelas e portas para colocar ar fresco na casa. Os fragmentos estranhos de alimentos foram coletados e queimados no quintal, mas de alguma maneira, aquele velho salão de jantar sempre teve um cheiro de açougue, e ninguém gostava de fazer refeições ali, pensando nos velhos pregadores cinzentos, cujos fantasmas podiam estar perfumando as carnes, esperando por um banquete, que jamais tiveram. Fiquei feliz quando o pai do escudeiro construiu outra sala de jantar, mas nenhum servo da casa conseguia entrar no velho salão de jantar após o escurecer, posso assegurar a vocês.
— Me pergunto, se a maneira como o último Senhor Morton teve que vender suas terras para o povo de Drumble foi como ver a profecia da velha Senhora Morton? — perguntou a minha mãe, meditando.
— De jeito nenhum! — respondeu a Senhora Dawson, bruscamente. — A Senhor Alice era louca e suas palavras não valiam. Gostaria de ver os mascates de Drumble oferecendo-se para comprar as terras do escudeiro. Além disso, há uma implicação estrita agora. Eles não podem comprar a terra, mesmo se quiserem.
Lembro-me de Ethelinda e eu. Ouvimos a palavra mascates, que era a mesma palavra que fora colocada na boca do Senhor John ao insultar sua esposa pelo seu grau de nascimento e vocação de seu pai. Pensamos:
“Veremos!”
Infelizmente! Vimos.
Logo depois daquela noite, nossa boa e velha amiga, a Senhora Dawson, morreu. Lembro-me bem, porque Ethelinda e eu fomos postas de luto pela primeira vez em nossas vidas.
Um querido irmãozinho nosso morrera no ano anterior, e então, nossos pais falaram que éramos muito jovens para tão coisa, que não havia necessidade usar vestidos pretos.
Choramos pelo querido irmão, que teve pouco tempo em nossos corações, sei. Até hoje me pergunto como seria ter um irmão.
Porém, quando a Senhora Dawson morreu, tornou-se uma espécie de dever, que a família do escudeiro entrasse naquela cor preta.
Muito orgulhosas e satisfeitas, Ethelinda e eu, estávamos com nossos novos vestidos. Recordo de sonhar que a Senhora Dawson, ela estava viva de novo, chorando, porque pensou que meu novo vestido seria tirado de mim após os dias de luto.
Foi quando me dei conta da grandeza da vida do escudeiro, sua família consistia nele, sua esposa, que era uma senhora frágil e delicada e seu único filho, que era chamado de pequeno mestre pela Senhora Dawson, mas para nós, ele era apenas o jovem escudeiro.
Chamava-se John Marmaduke. Ele sempre foi chamado de John, e depois da história da Senhora Dawson sobre o velho Senhor John, pensei que ele não gostasse do tal nome.
Ele costumava andar pela aldeia com seu casaco escarlate brilhante, seu longo cabelo encaracolado, caindo sobre seu colarinho de renda, vestindo seu chapéu preto de abas largas, com penas sombreando seus alegres olhos azuis. Ethelinda e eu pensamos que nunca houve um rapaz de tal beleza naquela aldeia.
Para vê-lo, a Senhorita Phillis ia correndo através da vila, em sua charrete, com seus belos cavalos árabes, rindo quando encontrava o vento oeste, e seus longos cachos dourados voando atrás dos cavalos.
Você teria pensado que eles eram irmãos, em vez de sobrinho e tia. A Senhorita Phillis era irmã do escudeiro, no momento em que escrevo, não creio que ela tinha acima de dezessete, e o jovem escudeiro, seu sobrinho, em torno de seus dez anos.
Lembro da Senhora Dawson, pedindo para irmos até o casarão para ver a Senhorita Phillis, que se vestiria para ir com seu irmão até um baile na casa de um grande senhor, para homenagear o Príncipe William de Gloucester, sobrinho do bom e velho George III.
Quando a Senhora Elizabeth, empregada da Senhora Morton, nos viu tomando chá no quarto da Senhora Dawson, ela perguntou a Ethelinda e a mim, se não gostaríamos de entrar no quarto da Senhorita Phillis, e assistir à troca de seu vestido, e nos fez prometer não tocar em nada.
Prometemos ficar de cabeça erguida e mãos encolhidas para ganhar tal privilégio. Ela nos guiou. Ficamos juntas, de mãos dadas, em um canto fora do caminho da mulher, corando nossas faces, com as mãos geladas, até que a Senhorita Phillis nos deixou à vontade, jogando todos os truques cômicos, só para nos fazer rir, o que finalmente fizemos, apesar de todos os nossos esforços para aparentar seriedade para que a Senhora Elizabeth não se queixasse de nós para nossa mãe.
Ainda recordo o cheiro do pó de arroz com o qual o cabelo da Senhorita Phillis fora polvilhado, e como ela balançou a cabeça, como um potro jovem, para trabalhar o cabelo solto que a Senhora Elizabeth estava arrumando sobre uma almofada.
Então, a Senhora Elizabeth queria colocar um pouco de cor no rosto da Senhorita Phillis, mas ela resmungou e foi pegar uma toalha molhada, dizendo que preferia a sua palidez a ter qualquer cor, e quando a Senhora Elizabeth queria apenas tocar suas bochechas mais uma vez, ela se escondeu atrás da grande poltrona, espiando para fora, com seu rosto doce e alegre, primeiro de um lado, depois de outro, até que ouvimos a voz do escudeiro na porta, perguntando, se ela estava vestida para se apresentar para madame, sua cunhada.
A Senhora Morton não podia andar e era incapaz de sair para qualquer grande festa. Ficamos todas em silêncio em um instante, até que a Senhora Elizabeth não pensou mais em rosear as bochechas de Phillis, mas em como obter o lindo vestido azul para a sua senhorita, o mais rápido possível.
Ela tinha laços cor de cereja nos cabelos e no seu decote. Seu vestido estava aberto na frente, para uma saia de seda branca estufada. Ficamos tímidas e seguimos assim, até que ela estava completamente vestida. E foi como um alívio, quando a Senhora Elizabeth nos disse para irmos ao salão da Senhora Dawson, onde minha mãe estava sentada, nos esperando.
Quando estávamos dizendo o quão alegre e cômica a Senhorita Phillis fora, veio um lacaio.
— Senhora Dawson! — falou ele. — O escudeiro me pede para levar a Senhora para a sala oeste, para cumprimentar a Senhorita Morton, antes que ela vá.
Ficamos agarradas à nossa mãe. A Senhorita Phillis parecia bastante tímida quando entramos e ficou na porta. Acho que confirmamos que nunca tínhamos visto nada tão bonito como ela, pois, ela foi muito escarlate em nosso olhar fixo de admiração, e, para aliviar-se, começou a jogar todas as travessuras, girando e sacudindo a anágua de seda rica, desenrolando seu leque, um presente de madame para completar seu vestido, e nos espiando, primeiro de um lado, depois do outro, assim como ela fizera lá em cima, atrás da poltrona, e, em seguida, pegou o seu sobrinho, e insistindo que ele dançasse um minueto com ela, até que a charrete chegasse. Ele não queria, e a proposta o deixou muito irritado, pois, era um insulto à sua masculinidade aos dez anos.
— Seria bom a dança para as meninas em seus papéis de tolas! — resmungou ele. — Para os homens? Não!
Ethelinda e eu pensamos que nunca ouvimos um discurso tão raivoso antes.
Com a carruagem posta, o escudeiro veio do quarto de sua esposa, para mandar o pequeno valente para a cama e entregar sua irmã para a carruagem.
Lembro de uma boa conversa sobre duques reais e casamentos desiguais naquela noite.
Acredito que a Senhorita Phillis dançou com o príncipe William. Ouvi muitas vezes que ela ficou sozinha no baile, porque ninguém chegou perto dela, pela enorme admiração por sua beleza e boas maneiras, e isso assustava seus pretendentes.
Em um dia ou dois, depois que a vi correndo pela aldeia, olhando exatamente como ela fez antes de dançar com um duque real, porque pensamos que ela se casaria com um grande senhor, a pobre da sua mãe morreu, e não havia ninguém, apenas a Senhorita Phillis para confortar seu irmão. Depois, o jovem escudeiro foi embora para alguma grande escola no sul, e Senhorita Phillis ficou sozinha, e reinou em seu pônei.
Não ouvimos tanto sobre os atos no casarão, já que a Senhora Dawson estava morta. Houve rumores de uma conversa sobre contas que antes eram pagas semanalmente, sendo depois permitido correr para o quarto dia do mês, e, em seguida, em vez de ser resolvido no quarto dia, foram adiadas para o Natal, e muitos disseram que isso estava arruinando as finanças da Senhorita Phillis.
Outro rumor também passou pela aldeia, que o jovem escudeiro na faculdade, esbanjava dinheiro, e ele usou mais dinheiro do que seu pai poderia dar. Mas quando ele desceu para Morton, bonito como sempre, duvidei de tal coisa, porque ele parecia tão sensato, porém, suas atitudes mudaram com o passar do tempo.
Sua tia era muito afeiçoada a ele, porém, a recíproca não era verdadeira. Muitas foram as horas que os vi andando juntos, às vezes, tristes o suficiente, outras, alegres como sempre.
Gradualmente, meu pai ouviu falar das vendas de pequenos pedaços de terra, não incluídos no acordo, e, finalmente, as coisas ficaram bem ruins. As culturas foram vendidas ainda verdes, por qualquer preço que as pessoas pudessem pagar, de modo que havia apenas dinheiro para sobreviver.
O escudeiro finalmente cedeu a tristeza, e não saiu de casa, o jovem filho ficara em Londres, e pobre Senhorita Phillis costumava ir falar com os trabalhadores, tentando salvar o que ela podia.
Por esta altura, a Senhorita Phillis tinha trinta anos, Ethelinda, dezenove e eu, vinte e um, quando nossa mãe morreu.
O escudeiro morreu também, eles dizem que a causa fora de um coração partido na extravagância de seu filho, e, embora os advogados mantivessem seus olhos abertos, começou os rumores de que a fortuna da Senhorita Phillis se fora também.
De qualquer forma, os credores caíram sobre a propriedade como lobos. Foi penhorado tudo o que se podia e não podia ser vendido. Tudo estava nas mãos de um advogado que também queria obter o que podia para ele, e não tinha pena do pobre jovem escudeiro, que não tinha um teto para sua cabeça.
Phillis foi morar sozinha em uma casinha na vila, no final da propriedade, que o advogado permitiu que ela tivesse, porque ele não podia deixá-la sem amparo.
Sabíamos como ela vivia, pobre senhora, contudo, ela disse estar bem na saúde. Isso era tudo o que devíamos saber.
Ela veio ver meu pai, pouco antes dele morrer, e ele estava com aquela ousadia de um moribundo, que sabe que sua pergunta não terá muito tempo para uma resposta, então, ele perguntou, se ela ansiava saber o paradeiro do jovem escudeiro, porque ele não fora visto em Morton, desde o funeral de seu pai.
A Senhorita Phillis disse que ele fora para o exterior, mas que seu contato com ele era quase nulo, mal sabia sobre o que ele fazia da vida, e que tinha a sensação de que, mais cedo ou mais tarde, ele voltaria para Morton, e devido à isso, ela devia se esforçar para manter um lar, quando ele estivesse cansado de vagar tentando fazer sua fortuna.
— Tentando fazer sua fortuna ainda? — perguntou meu pai, com seus olhos questionadores, dizendo mais que as palavras.
Ela balançou a cabeça, com um significado triste em seu rosto, e entendemos tudo. Ele estava, por certo, em alguma mesa de jogos francesa, se ele não estivesse em uma inglesa.
A Senhorita Phillis estava certa.
Um ano depois da morte do nosso pai, ele voltou, parecendo velho e abatido. Ele veio à nossa porta, em uma noite de inverno.
Ethelinda e eu ainda vivíamos na fazenda, tentando mantê-la e fazê-la prosperar, mas era um trabalho duro. Ouvimos um passo chegando na trilha de pedra reta, e então, os passos pararam bem nossa porta, sob a varanda, e escutamos a respiração de um homem, rápida e curta.
— Devo abrir a porta? — indaguei.
— Não! Espere! — disse Ethelinda.
Não tínhamos certeza de quem era, pois, vivíamos sozinhas, e não havia nenhuma casa perto de nós. Seguramos nossos suspiros e veio uma batida.
— Quem é? — choraminguei.
— Onde a Senhorita Morton mora? Digo, a Senhorita Phillis!
Não tínhamos certeza se responderíamos a ele, porque assim como nós, ela vivia sozinha.
— Quem é? — questionei novamente.
— Seu Senhor! — respondeu ele, orgulhoso e irritado. — Meu nome é John Morton. Onde a Senhorita Phillis mora?
Abrimos a porta e imploremos para ele entrar e perdoar nossa grosseria.
Oferecemos comida e descanso, mas ele só ouviu as instruções que lhe demos para chegar até a casa de sua tia, e não tomou conhecimento de nossas desculpas.
Capítulo 2
Pensamos sobre falar ou não com a Senhorita Phillis viveu, mas acredito que isso seria uma maneira de salvar aquela boa mulher em nossas memórias.
A Senhorita Phillis, que nos lembrávamos como um anjo por sua beleza, e como uma princesinha pela influência imperiosa que ela exercia, que sentíamos orgulho em sermos seus escravos, era agora uma mulher cansada, simples, em vestido caseiro, cuidando da velhice e olhando para o horizonte de sua janela.
Naquela época não ousei falar um pensamento tão insolente, nem mesmo para mim, mas ela parecia que não tinha a comida nutritiva adequada que ela precisava.
Um dia, lembro-me da Senhora Jones, a esposa do açougueiro, dizendo, à sua maneira atrevida, que ela não ficou surpresa ao ver a Senhorita Morton tão sem sangue e pálida, uma vez que ela só comia carne aos domingos, porque vivia de sopa, pão e manteiga, no resto da semana.
Ethelinda colocou seu rosto severo, um olhar que tenho medo até hoje, e disse:
— Senhora Jones! Você fala isso por que deseja que a Senhorita Morton compre a carne de seu açougue? Você não sabe como ela é delicada? Ela tem berço! Sabe escolher o melhor! Sinto muito se no sábado, ela compra do novo açougueiro de Drumble! Não é Biddy? — ela olhou para mim. — Levamos nossos ovos ao mercado em Drumble todos os sábados, porque sabemos que o povo de Morton, sempre barganha.
Eu não queria que Ethelinda me colocasse naquela história, mas respondi, raivosa como um leão:
— Dois pães doces, um xelim o pedaço. Um quarto de cordeiro, são dezoito pences por libra.
Então, a Senhora Jones, bufou, dizendo:
— A carne desde novo açougueiro serve o suficiente para a Senhora Donkin, a viúva do grande dono do moinho, e serviria um Morton mendigo também.
Quando estávamos sozinhas, eu disse a Ethelinda:
— Receio que teremos que pagar por nossas mentiras no grande dia do acerto de contas com Deus!
Ethelinda respondeu, muito bruscamente, como uma boa irmã:
— Fale por si, Biddy! Eu nunca disse uma palavra além. Só fiz perguntas! Como eu poderia ajudá-la, se você contasse mentiras?
Depois, o pobre escudeiro veio morar com sua tia, a Senhorita Phillis, e nos aventuramos a falar um pouco sobre isso.
Tínhamos certeza que estavam morando juntos, porém, cada qual com seus problemas. Ele tinha uma tosse ruim, às vezes, embora orgulhoso demais, se esforçando para não tossir quando qualquer um estava perto.
O vi varrendo o esterco da estrada, para tentar estrume para a pequena horta no terreno atrás da casa, que Senhorita Phillis não conseguia cuidar.
Ele disse um dia, em sua grande e lenta maneira, que ele sempre gostou de experimentos na agricultura.
Acreditamos que as duas ou três fileiras de repolhos que ele cultivou, eram tudo o que tinham para viver naquele inverno, além do pouco de refeição e chá que eles conseguiram no armazém da aldeia.
Uma sexta, à noite, eu disse a Ethelinda:
— É uma pena levar esses ovos para Drumble para vender, e nunca oferecer um ao escudeiro, em cujas terras nascemos.
Ela respondeu:
— Pensei tantas vezes sobre isso, podemos fazer isso? Eu, por exemplo, não ouso oferecer os ovos ao escudeiro, e quanto à Senhorita Phillis, parece impertinência nossa.
— Vou tentar isso! — respondi.
Então, naquela noite, peguei alguns ovos amarelos frescos, da nossa galinha faisão, ovos que não haviam igual em um raio de vinte milhas, e os coloquei suavemente no cesto. Após o anoitecer, os deixei em um dos pequenos assentos de pedra, na varanda da Senhorita Phillis.
Mas, infelizmente, quando fomos ao mercado em Drumble, no início da manhã seguinte, os ovos estavam todos quebrados e espirrados, fazendo uma piscina amarela feia na estrada bem na frente da casa de campo.
A Senhorita Phillis se aproximou em seguida, para chamar-nos. Ela parecia um pouco distante e ficamos quietas.
Suponho termos afrontado o jovem escudeiro, pois, ele não chegou perto de nossa casa.
Bem, veio um inverno difícil, e provisões subiram seus valores. Tivemos muito trabalho para controlar as despesas. Se não fosse pelo bom gerenciamento da minha irmã, ficaríamos endividadas.
Ela propôs ficarmos sem o almoço, apenas tomando um café da manhã e chá. Concordei, você pode ter certeza.
Fiz alguns bolos de batata para o chá. Eles tinham um cheiro saboroso e, para ajudar Ethelinda, que não estava muito bem, cozinhei um pedaço de toucinho defumado.
Enquanto estávamos sentadas, a Senhorita Phillis bateu à nossa porta e a deixamos entrar.
Só Deus sabe como ela parecia branca e abatida. O calor da nossa cozinha a fez cambalear, e por um tempo ela não pode falar, mas olhava para a comida na mesa, como se temesse fechar os olhos e assim perderia a visão que tinha dos pratos. Era um olhar ansioso, como o de algum animal faminto, pobre alma!
— Se quiser... — disse Ethelinda, com medo de falar, desejando pedir a ela para compartilhar nossa refeição.
Não falei, mas entreguei o bolo quente amanteigado. Ela o levou até os lábios, como se para prová-lo, mas caiu para trás na cadeira, chorando.
Jamais vimos um choro de um membro dos Mortons, e foi algo terrível. Ficamos em silêncio e horrorizadas.
Ela se recuperou, entretanto, não provou a comida, pelo contrário, ela cobriu o bolo com as duas mãos, como se tivesse medo de perdê-lo.
— Se você me permitir! — falou ela, de uma forma imponente, para compensar sua cena chorosa. — Vou levar o pedaço de bolo ao meu sobrinho.
Ela se levantou para ir embora, porém, mal podia suportar a fraqueza, e teve que sentar novamente, entretanto, sorriu para nós, e disse estar um pouco tonta, mas logo ficaria bem. Enquanto sorria, os lábios sem sangue foram puxados para trás sobre seus dentes, fazendo seu rosto parecer forçado.
— Senhorita Morton! — exclamei. — Honre-nos tomando chá conosco desta vez. O escudeiro, seu pai, uma vez fez um almoço para nosso pai, e estamos orgulhosas disso até hoje.
Coloquei um pouco de chá, que ela bebeu, mas seus olhos pareciam culpados por se alimentar e seu sobrinho não.
Quando ela se levantou para ir, olhou para o bolo com os olhos tristes de um lobo, como se ela não pudesse deixá-lo, e, finalmente, ela quebrou em um grito baixo:
— Oh! Bridget! Estamos morrendo de fome! Estamos morrendo de fome, por falta de comida! Posso suportar! Não me importo, mas ele sofre! Oh! Como ele sofre! Deixe-me levar um pouco de sua comida para ele?
Mal podíamos falar.
Nossos corações estavam em nossas gargantas e as lágrimas escorriam em nossas bochechas como chuva. Fizemos uma cesta e levamos até a sua porta, sem nos aventuramos a falar uma palavra, uma vez que sabíamos o quanto seria custoso dizer tal coisa.
Quando a deixamos na casa, fizemos nossa habitual cortesia, mas ela caiu em nosso pescoço e nos beijou.
Por várias noites, ela pairou em volta de nossa casa sobre o crepúsculo.
Demos alimento para ela, o máximo que podíamos, em silêncio, com a mais profunda cortesia possível, e assim, nos sentimos honradas.
Pensávamos que ela nos permitiria saber de sua angústia e esperávamos que ela nos permitisse continuar servindo-a de alguma maneira.
No entanto, em uma noite, ela não apareceu e saímos de nossa casa, no vento frio sombrio, olhando para o escuro, esperando a sua figura fina e abatida surgir, tudo em vão.
No final da tarde seguinte, o jovem escudeiro apareceu na frente de nossa casa.
Nosso telhado era baixo e ele se inclinou quando olhou para nós, tentando formar palavras, mas nenhum som saiu de seus lábios.
Nunca vi uma aflição tão grande. Nunca!
Finalmente ele me pegou pelo ombro e me levou para fora de casa.
— Venha comigo! — afirmou ele, quando estávamos ao ar livre, como se isso lhe desse forças para falar audivelmente.
Não precisava de uma segunda palavra. Deixei minha irmã e o segui.
Entramos, eu e ele, na casa da Senhorita Phillis, uma liberdade que eu jamais tomara antes.
Os móveis estavam lá, era claro que eram fragmentos do velho esplendor do casarão dos Mortons.
Sem fogo, com cinzas frias na lareira. Um velho sofá, outrora branco e dourado, que apenas afirmava a pobre queda de sua antiga propriedade. Nele, estava a Senhorita Phillis, muito pálida de olhos fechados.
— Diga-me! — ele engasgou. — Ela está morta? Acho que ela está dormindo, mas ela parece tão imóvel...
Ele não conseguiu falar a palavra terrível novamente. Me inclinei, não senti calor, somente uma atmosfera fria parecia cercá-la.
— Ela está morta! — respondi tristemente. — Oh! Senhorita Phillis! Senhorita Phillis!
Como uma tola, comecei a chorar. Ele sentou-se sem uma lágrima, olhando vagamente para a lareira vazia.
Não me atrevi a chorar mais, quando o vi tão triste. Eu não sabia o que fazer. Não poderia deixá-lo, e ainda assim, eu não tinha desculpa para ficar ali.
Fui até a Senhorita Phillis e suavemente coloquei um véu sobre seu rosto.
— Ela precisa dos cuidados... — disse ele. — Ela precisa ser arrumada para o funeral. Quem está apto para fazê-lo senão você e sua irmã, filhas do bom e velho Robert Sidebotham?
— Oh! Senhor! — falei. — Este não é um lugar adequado para você. Deixe-me buscar minha irmã. Falarei com ela para que o Senhor possa nos dar a honra de dormir em nossa pobre casinha.
Eu não esperava que ele aceitasse o convite, mas, depois de alguns minutos em silêncio, ele concordou com a minha proposta, para meu espanto.
Me apressei para voltar para casa, e disse a Ethelinda sobre o ocorrido. Choramos, agitamos o fogo e espalhamos na mesa a pouca comida que tínhamos. Corremos e fizemos uma cama em um canto da sala, no chão.
Enquanto eu estava pronta para ir, vi Ethelinda abrir o grande baú em que guardávamos nossos tesouros, ela tomou um vestido que fora do casamento da minha mãe, e, percebendo o que ela queria, subi as escadas e peguei um pedaço de renda rara e velha, uma peça de Bruxelas, que recebi de minha madrinha, a Senhora Dawson.
Amontoamos essas coisas sob nossas capas, trancamos a porta atrás de nós e partimos para fazer tudo o que podíamos para o pobre cadáver da Senhorita Phillis.
Encontramos o escudeiro sentado, assim como o deixei. Eu mal sabia se ele me entendia, quando lhe disse como destrancar nossa porta, e lhe dei a chave, embora eu falasse alto, mesmo com o sufocamento da dor em minha garganta.
Por fim, ele se levantou e foi.
A vestimos e então, quando tudo acabou, olhamos para ela a uma pequena distância.
— Um Morton morreu de fome! — afirmou Ethelinda solenemente. — Não ousamos imaginar que tal coisa estava nas chances de ser vivenciadas por nós. Somos testemunhas que uma elegante mulher morrera porque não tinha o que comer. Você se lembra daquela noite, quando éramos crianças, e ela, uma jovem alegre, nos espiando por trás de seu leque?
Não choramos, mas, seguimos perplexas.
Depois de um tempo, eu disse:
— Pergunto-me se, afinal de contas, o jovem escudeiro foi à nossa casa. Ele tinha um olhar estranho sobre ele. Se eu ousasse, iria e veria se ele realmente chegou lá. Ele, talvez, não consiga abrir a porta. A noite está negra como breu, o ar muito frio. Vou lá me certificar.
E assim fui, sem encontrar uma criatura no caminho, pois, já passava das onze. Cheguei em nossa casa, a janela com as persianas velhas encolhidas. Eu podia espreitar bem entre elas, e ver tudo o que acontecia lá dentro. Ele estava lá, sentado na frente do fogo, sem derramar uma lágrima, mas parecia ver sua vida diante das brasas.
A comida que tínhamos preparado não foi tocada. Uma ou duas vezes, durante minha longa vigília, de mais de uma hora o observando, ele se virou em direção à comida, e fez como se comesse, e depois estremeceu de volta.
Finalmente ele a agarrou, rasgando com seus dentes, rindo e se alegrando com ela, como se fosse um animal faminto.
Não pude deixar de chorar, então.
Ele se empanturrou de grandes pedaços, e quando não podia mais comer, parecia que sua força para o sofrimento voltara. Ele se jogou na cama, com a tal paixão de desespero que eu jamais ouvira falar, pelo menos, nunca vi.
Eu não podia suportar testemunhar aquela dor. Voltei para a casa da Senhorita Phillis. A falecida estava deitada, tão calma e quieta, que era difícil acreditar que ela estava morta e não apenas dormindo.
Suas provações terminaram.
Eu e Ethelinda a velamos.
Quando a pálida madrugada cinzenta entrou, fazendo-nos tremer depois de nossa vigília, o escudeiro voltou.
Tínhamos medo mortal dele, não sabíamos o motivo.
Ele ficou de pé e olhou para sua tia por um minuto ou dois. Então, subiu no sótão, acima da sala onde estávamos e trouxe um pequeno embrulho de papel. Pediu que ficássemos de vigia por mais um tempo.
Depois fomos para casa em busca de comida. Era uma geada preta amarga, ninguém na estrada, todos em suas casas.
Logo, o ar escureceu, e uma grande tempestade de neve se levantou. Na casa onde a Senhorita Phillis morara, não havia nem fogo, nem combustível. Então, nos sentamos e trememos até o amanhecer. O escudeiro não voltou naquela noite, nem no dia seguinte.
— O que devemos fazer? — perguntou Ethelinda, quebrada por completo. — Morrerei se ficar aqui outra noite! Devemos contar aos vizinhos e pedir ajuda para o vigário!
— Sim! Devemos! — afirmei.
Saí e contei a notícia na casa mais próxima, tomando cuidado, você pode ter certeza, para não falar da fome e do frio que a Senhorita Phillis suportara em silêncio. Já era ruim o suficiente que eles entrassem e fizessem suas observações sobre os pobres móveis, pois, ninguém conhecia seus amargos problemas, tanto quanto Ethelinda e eu, que, na ocasião, ficamos chocadas com a nudez do lugar.
Ouvi dizer que um ou dois fofoqueiros falaram, que tínhamos guardado a morte por duas noites, porque tínhamos um grande motivo: éramos ladras, e pelo julgar da renda em seu boné, roubamos suas coisas.
Ethelinda teria contradito, mas a impedi, isso salvaria a memória dos orgulhosos Mortons da vergonha em morrer na pobreza, e quanto a nós, não nos importávamos em viver nela.
As pessoas se apresentaram gentilmente. O dinheiro não queria enterrá-la bem, não grandemente, como o fez em seu nascimento, e muitos foram convidados para o funeral, que esqueceram de uma visita quando ainda estava viva.
Entre eles, foi o escudeiro Hargreaves, do casarão de Bothwick, um que ficava sobre os pântanos. Ele era uma espécie de primo distante dos Mortons.
Assim, quando ele chegou, foi convidado a ir lamentar a estranha ausência do escudeiro Morton.
O escudeiro Hargreaves começou, quando lhe pediram para que levasse a cabeça do caixão.
— Onde está seu sobrinho? — perguntou ele para a falecida.
Respondi:
— Ninguém o viu desde às oito horas da manhã, da última quinta-feira.
— Mas o vi ao meio-dia de quinta-feira! — disse o escudeiro Hargreaves, com um ar firme. — Ele foi aos pântanos para me contar da morte de sua tia e me pedir um pouco de dinheiro para enterrá-la, com a garantia de seus botões de ouro de sua camisa. Ele disse que eu era um primo, e que teria pena um cavalheiro em tão grande necessidade. Os botões eram o primeiro presente de sua mãe para ele, e que eu os guardasse, pois, um dia ele faria sua fortuna e voltaria para resgatá-los. Ele não sabia que sua tia estava tão doente ou teria se separado desses botões mais cedo. Dei-lhe dinheiro, mas não consegui guardar em meu coração os botões. Ele me pediu que não contasse sobre seu pedido, mas se ele não está aqui, é meu dever dar toda a pista que puder.
E assim, a pobreza deles foi exposta!
Mas as pessoas esqueceram tudo isso na busca do escudeiro, no lado da relva.
Durante dois dias eles procuraram em vão. No terceiro dia, mais de uma centena de homens saíram de mãos dadas, passo a passo, para não deixar nenhum pé de chão por explorar.
Encontraram o homem morto, congelado, com o dinheiro do escudeiro Hargreaves e os botões de ouro de sua mãe a salvo no bolso de seu colete.
O deitamos ao lado de sua pobre tia Phillis.
Depois que o escudeiro John Marmaduke Morton foi encontrado morto daquela maneira triste, nos pântanos sombrios, os credores pareciam perder todo o controle da propriedade, que de fato, durante os sete anos em que a tiveram, drenaram como uma laranja sugada. Porém, por muito tempo, ninguém parecia saber quem era o dono verdadeiro do casarão Morton e das terras.
A velha casa caiu no desprezo, as chaminés estavam cheias de ninhos de pássaros, a fachada escondida pelas longas árvores não podadas, as janelas quebradas, ninguém sabia como ou porquê, pois, as crianças da vila falaram de uma história, sobre a casa ser assombrada.
Íamos, às vezes, nas manhãs de verão para colher algumas das rosas que estavam sendo estranguladas pelas ervas daninhas espalhadas por toda parte. Costumávamos organizar um pouco o velho jardim, mas não éramos mais jovens, e abaixar a nossa velha coluna fazia doer as costas.
Mesmo assim, sentíamos mais felizes se desobstruíssemos algumas passagens, mesmo que em um espaço tão pequeno.
No entanto, não íamos lá de boa vontade à tarde, e deixávamos o jardim, muito antes da primeira sombra do anoitecer.
Não escolhemos perguntar às pessoas sobre quem era o novo escudeiro ou onde ele morava. Mas, um dia, um grande advogado londrino veio ao Morton e houve um enorme alvoroço.
Ele veio em nome de um tal General Morton, que era escudeiro, embora estivesse longe, na Índia.
Ele escrevera para o homem, e eles provaram que o General era o herdeiro, embora ele fosse um primo muito distante, mais distante que o Senhor John, acho.
O homem mandara dizer que iriam pegar dinheiro dele que estava na Inglaterra, e colocar a casa em reparos minuciosos, pois, as três primeiras irmãs dele, que viviam em alguma cidade no Norte, queriam morar no casarão até seu retorno.
Então, o advogado mandou chamar um construtor e lhe deu instruções.
Achamos que seria melhor se ele tivesse contratado John Cobb, o construtor e carpinteiro dos Mortons, aquele que fizera o caixão do escudeiro, e do pai do escudeiro, antes disso.
Em vez disso, veio uma tropa de homens robustos, batendo e cambaleando no salão.
Ethelinda e eu não nos aproximamos do lugar, até que eles partissem com suas bagagens. E então, que mudança!
As velhas janelas do porão, com suas pesadas vidraças de chumbo, cobertas de cipós e rosas, foram tiradas, e grandes janelas de caixilho estavam em seu lugar. Novas grades no interior, todas modernas, novas e fumegantes, ao invés das de latão que seguravam os poderosos troncos de madeira no tempo do velho escudeiro. O tapete quadrado, debaixo da mesa de jantar, que servira à Senhorita Phillis, não era suficientemente bom para os novos Mortons. A sala de jantar estava toda atapetada.
Espreitamos a velha sala de jantar, aquela sala onde o jantar para os pregadores puritanos fora disposto. A sala tinha um cheiro úmido, terroso e era usada como depósito de madeira. Fechamos a porta mais rápido do que abrimos e saímos desapontadas.
O casarão não era mais como o nosso honrado casarão Morton.
— Afinal, estas três senhoras são Mortons! — disse-me Ethelinda. — Não devemos esquecer que, devemos ir e pagar nosso dever para com elas, assim que aparecerem na igreja.
Por isso, fomos, mas ouvimos um pouco delas, antes de prestarmos nossa homenagem, porque sua empregada estivera na aldeia, a criada para todos os trabalhos, como ela logo deixou sair de sua fala, quando a interrogamos. Ela era uma filha de um bom fazendeiro, homem honesto de Northumberland.
Que trabalho ela fez com o inglês da Rainha!
Diz-se que o povo de Lancashire falava muito bem, e sempre pude entender sua língua, quando a Senhora Turner me disse seu nome, tanto Ethelinda quanto eu, juramos que ela disse Donagh, e temíamos que ela fosse uma mulher irlandesa.
Suas senhoras eram o que se pode chamar de depois da flor da juventude.
A Senhorita Sophronia Morton tinha sessenta anos, a Senhorita Annabella, era mais nova três anos, e a Senhorita Dorothy, ou Baby, como a chamavam quando estavam sozinhas, era mais jovem dois anos.
A Senhora Turner era muito confidencial para nós, já que ela ouvira falar de nossa antiga conexão com a família, e também porque ela era uma conversadora, e estava feliz se alguém a ouvisse.
Então, ouvimos na primeira semana, que as senhoras desejavam o quarto de dormir do leste, no qual, ninguém dormia nos velhos tempos do escudeiro, e que havia dois degraus para entrar no aposento, e, disse a Senhora Sophronia, que ela nunca deixaria uma irmã mais nova ter um quarto mais elevado que ela.
Ela era a mais velha e tinha direito aos degraus. Então, ela se trancou por dois dias, enquanto desembrulhava suas roupas, depois saiu, parecendo uma galinha que pôs um ovo, e desafiava qualquer um a tirar-lhe essa honra.
Entretanto, suas irmãs eram muito amáveis, isso deve ser dito. Suas irmãs não tinham mais de duas penas negras em seus chapéus, enquanto ela sempre teve três.
A Senhora Turner disse que, uma vez, quando pensaram que a Senhorita Annabella recebera uma proposta de casamento, a Senhorita Sophronia não se opôs, e deixou que ela usasse três penas naquele inverno, mas quando tudo acabou como fumaça, a Senhorita Annabella teve que arrancar a pobre pena e a devolveu.
Pobre Senhorita Annabella!
Ela era tão bela, a Senhora Turner disse, e grandes coisas a esperavam.
Seu irmão e sua mãe a mimaram, em vez de educá-la, e assim, estragaram sua boa aparência, o que a velha Senhora Morton sempre esperara que fizesse a fortuna da família.
Suas irmãs estavam zangadas com ela, por não casar com um grande cavalheiro rico, no entanto, como ela costumava dizer à Senhora Turner, como ela poderia?
Ela estava disposta a isso, mas nenhum cavalheiro rico veio perguntar-lhe.
Concordamos que a culpa não era realmente dela, mas suas irmãs pensavam ser, e, aos poucos, ela perdera a beleza, e suas irmãs estavam sempre lançando seus apontamentos sobre se ela tivesse usado seus belos dons.
Havia algumas senhoras Burrells de quem ouvira falar, cada uma se casara com um lorde, e essas senhoras Burrells não eram tão belas assim.
Então, a Senhorita Sophronia costumava fazer a pergunta pela regra dos três, e colocá-la desta maneira: se a Senhorita Burrell, com um par de olhos tolerável, um nariz arrebitado e uma boca larga, casou com um barão, que grau de par teria a nossa bela Annabella?
O pior era que a Senhorita Annabella nunca teve ambição. Ela queria casar com um pobre homem em sua juventude, mas foi puxada por sua mãe e suas irmãs, lembrando-a do dever que tinha para com sua família.
A Senhorita Dorothy dava o seu melhor, a Senhorita Morton sempre a elogiou por isso, mesmo que não tivesse nem metade da boa aparência da Senhorita Annabella.
Acredito que a Senhora Turner nos disse tudo isso antes de avistarmos as senhoras.
Elas souberam, através da Senhora Turner, de nosso desejo em prestar-lhes nossos respeitos, então, nos aventuramos a ir até à porta da frente, modestamente.
Raciocinamos antes e concordamos que entraríamos pela porta da frente, porque, se fôssemos com nossas roupas de todos os dias, segurando um modesto presente, uma dúzia de ovos, chamando a Senhora Turner na porta dos fundos não seria a entrada apropriada para nós. Não éramos criadas dos Mortons e sim, antigas amigas.
Humildemente tomamos posição como de seus visitantes, e fomos até a porta da frente para prestar nossos respeitos e oferecer nosso presente de boas-vindas à Senhorita Morton.
Subimos as escadas largas, ao longo da galeria, subindo dois degraus, até o quarto da Senhorita Sophronia.
Ela arrumou alguns papéis apressadamente ao entrarmos. Ouvimos depois que ela estava escrevendo um livro, que seria chamado de “A Dama de Chesterfield” ou “As Cartas de uma Dama para seu Noivo”.
E a pequena sobrinha sentou-se ali, em uma cadeira alta, com uma tábua plana amarrada às costas, com os pés escondidos na cauda da cadeira, de modo que ela não tinha nada a fazer, a não ser ouvir as cartas de sua tia, que foram lidas em voz alta para ela, à medida que eram escritas, a fim de marcar seu efeito sobre seus modos.
Eu não tinha certeza se a Senhora Sophronia gostava de nossa interrupção, mas sei que a pequena Senhora Cordelia Mannisty gostou.
— A jovem está torta? — perguntou Ethelinda, durante uma pausa em nossa conversa.
Eu notara que minha irmã descansava seus olhos sobre a criança, embora, por um esforço, às vezes, conseguisse olhar para outra coisa.
— Não! Senhora! — disse a Senhorita Morton. — Mas ela nasceu na Índia, e sua espinha dorsal nunca endureceu corretamente. Além disso, eu e minhas duas irmãs nos encarregamos dela durante uma semana, e seus sistemas de educação, eu diria, sem educação, diferem tão inteiramente de minhas ideias, que quando a Senhorita Mannisty vem a mim, me considero afortunada em desfazer a bainha que fora feita durante uma quinzena de ausência. Cordelia, minha querida! Repita para estas boas senhoras a lição de geografia que você aprendeu nesta manhã!
A pobre Senhorita Mannisty começou a nos contar sobre um rio em Yorkshire, do qual nunca ouvimos falar, embora eu ousasse dizer que conhecêssemos, e, depois, ela falou mais sobre as cidades visitadas, porque eram famosas, e tudo o que me lembro que entendi na época é que Pomfret era famosa pelos bolos Pomfret, o que eu sabia antes.
Ethelinda ofegou seu fôlego, quase sufocada de espanto, e quando acabou, ela exclamou:
— Muito querida! É maravilhosa!
A Senhorita Morton parecia um pouco descontente, e respondeu:
— De jeito nenhum! Boas meninas podem aprender tudo o que quiserem, até mesmo os verbos franceses. Sim, Cordelia! Elas podem! Porque ser boa é melhor que ser bonita. Não pensamos na aparência aqui. Você pode descer, criança, e ir para o jardim, e tenha cuidado ao colocar seu gorro ou você terá sardas.
Levantamos para sair e seguimos a menina para fora da sala. Ethelinda enfiou a mão no bolso.
— Aqui está seis pences, minha querida! Isso é para você.
A pequena senhorita parecia não ter certeza se ela aceitaria as moedas, mas suponho que nossos rostos eram bondosos, pois, finalmente o sorriso entrou em seus olhos, não em sua boca, porque ela vivia com pessoas sérias demais para isso e, olhando melancolicamente para nós, ela agradeceu:
— Obrigada! Mas, você não quer ir ver a tia Annabella?
Dissemos que gostaríamos de prestar nossos respeitos, se pudéssemos tomar essa liberdade, e talvez ela nos mostrasse o caminho. Mas, na porta de uma sala, ela parou e disse, tristemente:
— Não posso entrar! Não é minha semana de estar com a tia Annabella.
Então, ela foi lenta e pesadamente em direção à porta do jardim.
— Aquela criança é acobardada por alguém! — disse eu à Ethelinda.
— Suponho... — o discurso de Ethelinda foi cortado pela abertura da porta, em resposta à nossa batida.
A outrora bela Senhorita Annabella Morton estava diante de nós e nos pediu que entrássemos. Ela estava vestida de branco, com um chapéu de veludo virado para cima, com duas ou três penas negras curtas e inclinadas, com uma cor muito bonita em suas bochechas.
No início, ela parecia tão diferente de qualquer outra pessoa que vira, e me perguntava o que a criança encontrara para gostar nela.
Mas, quando a Senhorita Annabella falou, fiquei sob o encanto. A voz dela era muito doce e combinava bem com a maneira de agir. Ela falava sobre os encantos da natureza, lágrimas, tristeza, e a conversa me lembrava um pouco a poesia, muito bonita de se ouvir, embora eu nunca conseguisse entendê-la tão bem como uma prosa direta e confortável.
Ainda assim, mal sei porque gostei da Senhorita Annabella. Tive pena dela, embora não saiba se deveria.
A sala parecia muito confortável, uma espinheira em um canto, e um bom sofá para se deitar. De vez em quando, conseguimos que ela falasse de sua sobrinha pequena, e ela também tinha seu sistema de educação.
Ela disse esperar desenvolver as sensibilidades e cultivar os gostos da menina. Enquanto estava com ela, sua querida sobrinha lia obras de ficção, e adquiria tudo o que a Senhorita Annabella podia transmitir sobre as belas-artes.
Não sabíamos muito bem o que ela estava insinuando na época, mas depois, por um questionamento e usando nossos próprios olhos e ouvidos, descobrimos que ela lia em voz alta para sua tia, enquanto se deitava no sofá.
Santo Sebastião ou o Jovem Protetor, era o que elas estavam lendo nessa época, e, como era em cinco volumes e a heroína falava inglês quebrado, que precisava ser lido duas vezes para torná-lo inteligível, as leituras duraram muito tempo.
Ela também aprendeu a tocar na espineta[2], não muito, pois, nunca ouvi acima de duas músicas, e uma era “Deus, exceto o Rei”, e a outra não sabia o nome.
Imagino que a pobre criança foi ensinada por uma tia, e assustada pelos modos afiados e numerosas fantasias da outra.
Ela podia gostar de sua gentil e pensativa tia, a Senhorita Annabella, com sua voz suave e romances intermináveis, com doces aromas que pairavam sobre o quarto adormecido.
Ninguém nos guiou em direção ao quarto da Senhorita Dorothy quando deixamos a Senhorita Annabella, por isso, não vimos a mais jovem Senhorita Morton neste primeiro dia. Cada uma tinha muitos mistérios a serem explicados por nosso dicionário, chamado: Senhora Turner.
— Quem é a pequena Senhorita Mannisty? — perguntamos em um só fôlego, quando vimos nossa amiga no salão.
Soubemos haver uma quarta menina Morton mais jovem, que não era bonita, nem espirituosa, nem nada, então, a menina Sophronia, a mais velha, permitira que ela se casasse com um Senhor Mannisty, e sempre falou dela como:
“Minha pobre irmã Jane!”
Ela e seu marido foram para a Índia, e ambos morreram lá. O general fizera uma espécie de acordo com suas irmãs, de que elas se encarregassem da criança, porém, nenhuma delas gostava de crianças, exceto a Senhorita Annabella.
— A Senhora Annabella gosta de crianças? — indaguei. — Então, essa é a razão das crianças gostarem dela!
— Não posso dizer que ela gosta de crianças, pois, nunca tivemos uma em nossa casa a não ser a Senhorita Cordelia, mas ela gosta muito dela.
— Pobre menina! — ponderou Ethelinda. — Ela nunca brinca com outras meninas?
Tenho certeza de que desde aquela época, Ethelinda a considerava doente, por esta mesma circunstância, e que seu conhecimento de geografia era um dos sintomas da desordem, pois, ela costumava dizer:
— Gostaria que ela não soubesse tanto de geografia! Tenho certeza de que não é assim que vive uma criança.
Se sua geografia estava certa ou não, não sei, mas a criança se apegou as tias.
Poucos dias depois de termos visitado as irmãs e tempo suficiente para tê-la passado para a semana da Senhorita Annabella, vi a Senhorita Cordelia em um canto da igreja, brincando, em estranha humildade, com algumas garotas rudes da aldeia, que eram tão peritas no jogo, quanto ela era descuidada e lenta. Hesitei um pouco, e finalmente a chamei.
— Querida? Como você chegou aqui? É tão longe de casa!
Ela ficou vermelha e depois me olhou com seus olhos grandes e sérios.
— A tia Annabella me mandou para o bosque para meditar. Ouvi essas garotinhas brincando e rindo. Tenho meus seis pences. Vim até elas, e disse a uma que eu lhe daria o dinheiro se ela pedisse às outras para que me deixassem brincar com elas.
— Minha querida, elas são criancinhas muito rudes, e não são companheiras adequadas para uma Morton.
— Sou uma Mannisty, senhora! — ela implorou, com tanta súplica em seus modos, que se eu não soubesse que algumas delas eram meninas más e malandras, eu não resistiria ao seu anseio por amiguinhas de sua idade.
Fiquei zangada com elas por levarem seu dinheiro, mas, quando ela me disse qual era a menina que pegava as moedas, fiz menção de reclamar, e ela se agarrou a mim, dizendo:
— Oh! Não, senhora! Você não deve fazer isso. Dei as moedas porque quis. Elas apenas aceitaram.
Me afastei, pois, havia verdade no que a criança dizia. Mas até hoje, não contei a Ethelinda o que aconteceu com seus seis pences.
Levei a menina Cordelia comigo para a nossa casa, troquei meu vestido para me apresentar adequadamente, e a levei de volta para o casarão.
No caminho, para compensar sua decepção, comecei a falar de minha querida Senhorita Phillis, e de sua brilhante e bonita juventude.
Eu não mencionava seu nome desde sua morte, apenas para Ethelinda, e isso somente aos domingos e nos momentos de silêncio.
Eu não falaria dela a uma pessoa adulta, mas de alguma forma, para a Senhorita Cordelia, isso foi muito natural.
Não falei dos seus últimos dias, é claro, mas de seu cavalo, de seus pequenos cães negros do rei Charles e de todos os seres vivos que estavam felizes em sua presença quando a conheci.
Levei a criança ao jardim do casarão para mostrar onde o jardim da Senhorita Phillis estava. Estávamos no fundo de nossa conversa, e ela se abaixando para limpar a trama das ervas daninhas na barra de seu vestido, quando ouvi uma voz aguda, gritando:
— Cordelia! Cordelia! Sujando seu vestido, ajoelhada na grama molhada? Não é minha semana, mas direi o que fez para a sua tia Annabella.
A janela foi fechada com um puxão. Era a senhorita Dorothy.
Me senti quase tão culpada quanto a pobre menina Cordelia, pois, eu ouvira da Senhora Turner que ofendemos Dorothy, por não visitarmos seu quarto naquele dia em que prestamos nossa homenagem as suas irmãs. Pensei que ela, ao ver a menina Cordelia comigo, despejara a sua raiva de mim na pobrezinha, e não por ajoelhar-se sobre a grama molhada. Então, pensei em tomar o touro pelos chifres.
— Você me levará até sua tia Dorothy, minha querida? — perguntei.
A menina não tinha vontade de entrar no quarto de sua tia Dorothy, como evidentemente fizera na porta da Senhorita Annabella. Pelo contrário, ela apontou para mim a uma distância segura, depois foi embora no passo medido que lhe foi ensinado a usar naquela casa, onde coisas como correr, subir dois degraus de cada vez, ou saltar três, eram consideradas atitudes indignas e vulgares.
O quarto da Senhorita Dorothy era o menos preposicional de todos. De alguma forma, tinha um aspecto norte, embora enfrentasse diretamente o sul, e quanto à própria Senhorita Dorothy, ela era mais como uma prima Betty que qualquer outra coisa.
Se você não sabe o que é uma prima Betty, explico:
Quando eu era menina, havia pobres mulheres malucas divagando sobre o campo, uma ou duas, em cada distrito. Elas nunca fizeram nenhum mal, que eu saiba. Elas nasciam doidas, pobres criaturas ou se perdiam no amor. Elas perambulavam e eram bem conhecidas nas casas de fazenda, onde frequentemente conseguiam comida e abrigo, por tanto tempo quanto suas mentes inquietas lhes permitiam ficar em um lugar.
A esposa do fazendeiro ajeitava uma fita, uma pena, ou uma velha seda, para agradar à vaidade inofensiva dessas pobres mulheres loucas.
Elas eram chamadas de prima Betty, e fizemos disso uma espécie de provérbio para qualquer pessoa vestida com um estilo vistoso.
Então, agora você sabe como era a Senhorita Dorothy.
Seu vestido era branco, como o da Senhorita Annabella, mas, em vez do chapéu de veludo preto que sua irmã usava, ela vestira, mesmo dentro de casa, uma pequena touca de seda preta.
Isto soa menos exagerado que uma prima Betty, mas espere até que eu lhe diga como foi forrado... Com tiras de seda vermelha, largo perto do rosto, estreito perto da borda, para tocar os raios do sol nascente.
Seu rosto era como o sol, redondo como uma maçã e com o rouge que jamais faltava em suas bochechas.
Ela me disse uma vez, que uma senhora não estava vestida, a menos que ela colocasse seu rouge na face.
Ela tinha os cabelos puxados em um penteado justo, de modo que sua testa estava bastante coberta com ele, e não nego que desejei estar em casa, e não na frente da entrada de seu quarto.
Ela fingiu que não sabia quem eu era, e me fez contar tudo sobre mim, porém, ela sabia tudo e esperava que eu tivesse me recuperado de meu cansaço no outro dia.
— Que cansaço? — perguntei, imóvel.
Oh! Ela compreendera que eu estava muito cansada depois de visitar suas irmãs, caso contrário, é claro, eu não teria motivos para desistir de ir ao seu quarto.
Ela continuava me aludindo de tantas maneiras, que eu preferia que ela me batesse no rosto, assim ficaríamos quites, porque eu só queria que ela fizesse as pazes com a Senhorita Cordelia por se ajoelhar e sujar o vestido.
Eu disse o que pude para endireitar as coisas, mas não sei se fiz algum bem.
A Senhora Turner me disse, que como ela era desconfiada e ciumenta de todos, e da Senhorita Annabella em particular, que fora colocada sobre ela em sua juventude devido a sua beleza, mas mesmo com a beleza desaparecida, elas não pararam de atormentar e a Senhorita Dorothy foi a pior de todas.
Se não fosse pelo amor da pequena Senhorita Cordelia, a Senhorita Annabella teria desejado morrer. Ela almejou muitas vezes ter a varíola quando bebê.
A Senhorita Morton era imponente e fria para ela, porque ela não cumprira seu dever para com sua família, e foi colocada no canto por seu mau comportamento.
A Senhorita Dorothy falava continuamente com ela e insistia no fato de que ela era a mais velha, mesmo apenas dois anos.
Preciso falar das regras que foram feitas para a Senhorita Cordelia!
Ela devia comer suas refeições de pé, isso era uma coisa! Outra regra era beber dois copos de água fria antes de comer qualquer pudim, e isso só fazia a criança odiar a água fria.
Depois, havia tantas palavras que ela não podia usar. Cada tia tinha seu próprio conjunto de palavras, que eram inoportunas ou impróprias por alguma razão, ou por outra.
Dorothy não a deixava dizer vermelho e devia substituir por rosa, carmesim ou escarlate.
A Senhorita Cordelia costumava vir até nós, e nos dizer ter uma dor no peito tão frequente, que começamos a ficar desconfortáveis. Questionamos a Senhora Turner para saber que mal a sua mãe morrera, e muitos frascos de geleia de groselha eu lhe dei, e só piorou sua dor no peito. Você acredita nisso?
A Senhora Morton falou para a menina que nunca falasse dor de estômago, uma vez que não era apropriado dizer isso, assim, a menina quando estava com dores de barriga, afirmava ser no peito, depois de muita groselha, a dor de barriga só piorou.
Eu disse que as famílias antigas, como os Mortons, geralmente achavam que o sangue aristocrata era bom demais para expor suas queixas e, expressar com palavras sofisticadas, tinham um som melhor.
Pensei que tivera a visão certa ao dizer isto, quando Ethelinda colocava que muitas vezes ouvira falar do Senhor Toffey ter a gota e ser manco, e isso não me incomodava.
Embora eu conte todas essas peculiaridades das Senhoritas Mortons, elas eram, no essencial, mulheres boas, até mesmo a Senhorita Dorothy teve seus momentos de bondade, e realmente amava sua sobrinha pequena, embora, ela estivesse sempre colocando armadilhas para pegá-la fazendo coisas erradas.
A Senhorita Morton eu tinha que respeitar, mesmo que não gostasse de sua presença.
Elas nos convidavam para tomar chá. Colocávamos nossos melhores vestidos, e levando a chave de casa no bolso, andávamos devagar pelo vilarejo, desejando que as pessoas que viveram em nossa juventude, pudessem nos ver agora, indo tomar chá com a família no casarão, não no quarto da governanta, mas com a família.
Mas desde que eles começaram a tecer em Morton, todos pareciam muito ocupados para nos notar, por isso nos inclinamos em nos contentar em lembrar que se nunca fomos percebidas na nossa juventude, por que seriamos agora?
Depois do chá, a Senhorita Morton nos convidara a falar da verdadeira família antiga, que elas nunca conheceram, e você pode ter certeza de que contamos toda a pompa e grandiosidade deles e seus modos imponentes, mas não falamos do que era para nós, a memória de um sonho triste e terrível.
Então, elas pensaram no escudeiro em seu coche como um alto xerife, e na senhora deitada em seu quarto, de manhã, em sua túnica de veludo de Genova, que era um pedaço de veludo que o escudeiro trouxe da Itália quando ele fora em uma grande viagem, e na Senhorita Phillis, indo a um baile na casa de um grande senhor e dançara com um duque real.
As três senhoras não estavam cansadas de ouvir a história do esplendor que se passava ali, enquanto elas e sua mãe passavam fome, na miséria de Northumberland, e quanto à Senhorita Cordelia, ela se sentou em um banco, no joelho de sua tia Annabella, com a mão no joelho dela, escutando de boca aberta e despercebida, atenta a tudo o que podíamos dizer.
Um dia, a criança veio chorar em nossa casa.
Era a velha história, a tia Dorothy fora indelicada com a tia Annabella!
A menina disse que fugiria para a Índia, e contaria ao seu tio, o General, e parecia em um tal paroxismo de raiva, dor e desespero, que um pensamento repentino veio sobre mim.
Pensei em tentar ensinar-lhe algo sobre o profundo pesar que nos espera em alguma parte de suas vidas, e sobre a forma como deveria ser suportado, contando-lhe o amor e a resistência da Senhorita Phillis por seu sobrinho esbanjador e bonito.
Assim, de pouco a pouco, cheguei a mais detalhes e lhe contei tudo.
Os grandes olhos da criança enchendo-se lentamente de lágrimas, que transbordaram e desceram pelas bochechas, sem serem notadas, enquanto eu falava.
Quase não precisei fazer com que ela prometesse não falar para ninguém, porque ela disse:
— Não contarei! Nem mesmo para a tia Annabella.
E, até hoje, ela jamais pronunciou nada sobre o assunto, nem mesmo a mim, mas ela tentou se tornar mais paciente, e silenciosamente útil na estranha casa que ela foi lançada.
De vez em quando, a Senhora Morton ficava pálida, cinza e abatida, em meio a toda a sua rigidez.
A Senhora Turner nos sussurrou que, por todos os seus olhares severos e indiferentes, ela estava doente e que a morte a esperava. Que houve uma visita secreta de um grande médico em Drumble, que lhe disse que esperar pelo pior.
Nem mesmo suas irmãs sabiam disso, mas isso atormentou a mente da Senhora Turner e ela nos contou.
Muito tempo depois disso, ela manteve sua semana de disciplina com a Senhorita Cordelia, e caminhou na sua marcha de soldado sobre a vila, repreendendo as pessoas por terem famílias grandes demais, e assim, acabavam queimando muito carvão, e comendo muita manteiga.
Uma manhã, ela mandou a Senhora Turner buscar suas irmãs, e, enquanto elas não chegavam, ela pegou um velho medalhão feito para seus cabelos, na época que elas eram crianças, e, jogando o olho do medalhão em um pedaço de fita marrom, ela amarrou-o ao redor do pescoço da Senhorita Cordelia, e beijando-a, disse-lhe que ela fora uma boa menina, e que devia temer a Deus e honrar o rei.
Enquanto a criança a olhava maravilhada com a ternura incomum com a qual isto foi dito, um espasmo terrível passou sobre seu rosto, e Cordelia correu para chamar a Senhora Turner.
Mas quando ela veio, e as outras duas irmãs também, ela desejou felicidades e ninguém entendeu o que ela falou, depois ponderou que os sinais de uma morte próxima surgia e que o médico alertara.
A Senhorita Dorothy legou seu quarto, pelos dois degraus acima, à Senhorita Annabella, como sendo a próxima em idade.
Logo, elas saíram de seu quarto chorando e foram para o quarto da Senhora Annabella, sentaram de mãos dadas, pela primeira vez desde a infância, ouvindo o som do pequeno sino que seria tocado por ela, caso, em sua agonia, ela precisasse da presença da Senhora Turner.
Ela não tocou o sino.
O meio-dia se tornou crepúsculo.
A Senhorita Cordelia andou pelo jardim, nas longas sombras negras e verdes, e estranhos sons do vento noturno através das árvores se rastejaram até o fogo da cozinha.
Finalmente a Senhora Turner bateu à porta da Senhorita Morton, e não ouvindo resposta, entrou e a encontrou fria e morta, sentada em sua cadeira.
Suponho que algum tempo ou outro, havíamos contado sobre o funeral que o velho escudeiro teve, o pai da Senhorita Phillis, quero dizer. Fora uma procissão de meia milha até o túmulo.
A Senhorita Dorothy me chamou, para dizer que o cortejo seguiria o caixão da Senhorita Morton, mas com pessoas trabalhando em moinhos e outros falecidos, não conseguimos reunir mais de vinte pessoas, homens e mulheres, e um ou dois foram pagos por sua perda de tempo em seguir o cortejo.
A pobre Senhorita Annabella não quis entrar no quarto de dois degraus acima, nem ousou, pois, a Senhorita Dorothy, em uma espécie de despeito por não ser legado o quarto a ela, continuou dizendo à Senhorita Annabella que era seu dever ocupar o quarto, que era o desejo moribundo da Senhorita Sophronia, e que a Senhorita Sophronia iria assombrar a Senhorita Annabella, se ela não deixasse seu quarto quente e cheiro doce.
Dissemos à Senhora Turner que tínhamos medo que a Senhorita Dorothy se exaltasse com Senhorita Annabella, e ela apenas balançou a cabeça, o que, de uma mulher tão faladora, significava muito.
Mas, assim que a Senhorita Cordelia começara a entristecer, o General voltou para casa, sem que ninguém soubesse que estava voltando.
A palavra dele foi afiada e repentina.
Ele mandou a Senhorita Cordelia para a escola, antes que ela tivesse tempo de nos dizer que amava muito seu tio, apesar de seus modos apressados.
Ele levou suas irmãs para Cheltenham. Ele estava sempre aqui, ali e em todos os lugares, e muito civilizado para nós, deixando a chave do casarão conosco, sempre que eles saíam de casa.
A Senhorita Dorothy tinha medo dele, o que era uma bênção, pois, isso a mantinha em ordem, e realmente lamentei muito quando ela morreu. Quanto à Senhorita Annabella, ela se preocupou demais com suas funções até ferir sua saúde, e a Senhorita Cordelia teve que deixar a escola para cuidar de sua querida tia.
A Senhorita Cordelia não era bonita, porque tinha um olhar muito triste e sério demais para isso, mas ela tinha maneiras vitoriosas, e teria a fortuna de seu tio algum dia, então, logo ela seria cortejada.
Mas o General disse que seu marido tomaria o nome dos Mortons.
A Senhora Turner estava morta, e não havia ninguém para falar sobre os assuntos que não podíamos ouvir, mas eu podia ver a Senhorita Cordelia ficando mais magra e pálida, cada vez que eles voltavam ao casarão dos Mortons, e eu ansiava em dizer a ela para arrancar de si o espírito triste.
Um dia, não meio ano antes da morte do General, ela veio nos ver, e nos disse, corando como uma rosa, que seu tio havia dado seu consentimento, e assim, embora o homem tivesse se recusado a tomar o nome de Morton, e quisesse se casar com ela sem um centavo, e sem a licença do tio, tudo tinha finalmente dado certo, e eles se casariam imediatamente.
A casa deles seria uma espécie de lar para sua tia Annabella, que estava triste com a morte do General.
— Caras velhas amigas... — disse nossa jovem senhora. — Vocês gostarão dele! Tenho certeza que sim! Ele é tão bonito, corajoso e bom. Você sabe, ele diz que um parente, de seus antepassados, viveu em Morton, na época que nasceu a vila.
— Seus antepassados? — questionou Ethelinda. — Ele tem antepassados? Esse é um bom ponto sobre ele, em todo caso.
— Qual é o nome dele? — perguntei.
— Senhor Marmaduke Carr. — disse ela, soando cada “r” com a velha rebarba de Northumberland, que foi suavizada em um belo orgulho e esforço para dar distinção a cada letra do nome amado.
— Carr? — indaguei. — Carr e Morton! Algo assim?
Entretanto, ela estava demasiado absorvida no pensamento de sua própria felicidade para perceber meus pobres ditos.
Ele foi e é um bom cavalheiro.
Eles não viveram no casarão.
Ethelinda chegou com duas notícias.
— Nunca mais diga que sou supersticiosa! Não há ninguém vivendo em Morton que conheça a tradição de Senhor John Morton e Alice Carr, no entanto, a primeira parte do casarão que o construtor do Drumble derrubou, foi a velha pedra da sala de jantar, onde o grande jantar para os pregadores se moldou, carne da carne, migalha da migalha! E a rua que eles vão construir através das salas pelas quais Alice Carr foi arrastada em sua agonia de desespero, pelo ódio abominável de seu marido, será chamada de Rua Carr.
E a Senhorita Cordelia teve um bebê, uma menina, e escreveu duas linhas no final da nota de seu marido, para dizer que ela queria chamá-la de Phillis.
Phillis Carr!
Estou feliz que ela não tenha levado o nome de Morton. Gosto de manter o nome de Phillis Morton em minha memória, porque apenas existiu uma Phillis Morton.
[1] Eram a oposição parlamentar ao governo de Carlos I.
[2] Instrumento musical de cordas beliscadas, dotado de teclado, da família dos cravos.
Elizabeth Gaskell
O melhor da literatura para todos os gostos e idades