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Em 1925 eu fui para Oklahoma buscando conhecimento sobre serpentes, e eu saí de lá com um terror de serpentes que vai durar pelo resto da minha vida. Eu admito que seja besteira, já que há explicações naturais para tudo o que eu vi e ouvi, mas não me impressiona menos. Se fosse apenas a velha estória, eu não teria ficado tão amedrontado. Meu trabalho como um etnologista de cultura indígena americana me endureceu para todos os tipos de lendas extravagantes, e eu sei que os homens brancos ganham dos peles vermelhas em seu próprio jogo em se tratando de invenções fantásticas. Mas eu não posso esquecer o que vi com meus próprios olhos no asilo para loucos da Cidade de Guthrie.
Eu liguei para o asilo por que alguns dos velhos colonos com quem conversei me disseram que eu encontraria algo importante ali. Nem os indígenas nem os homens brancos falariam sobre as lendas do deus-serpente que eu fora rastrear. Os recém chegados operários do petróleo, é claro, nada sabiam de tais assuntos, e os velhos pioneiros estavam visivelmente assustados quando eu falei com eles. Não mais que seis ou sete pessoas mencionaram o asilo e aqueles que o fizeram foram cuidadosos o bastante para falar em sussurros. Mas esses sussurros diziam que o Dr. McNeill poderia me mostrar uma relíquia muito terrível e me contar tudo que eu queria saber. Ele poderia explicar por que Yig, o meio-humano pai das serpentes, é uma figura temida e evitada em Oklahoma, e por que os velhos colonos tremem de medo dos festivais secretos dos índios que tornam os dias e noites de outono horríveis com os incessantes tum-tums de tambores.
Foi com o faro de um cão na trilha que eu fui para Guthrie, pois eu passara muitos anos coletando dados sobre a evolução da adoração das serpentes entre os índios. Eu sempre tive a impressão, pelas sutilezas de lenda e arqueologia, que o grande Quetzalcoatl – o benigno deus-serpente dos mexicanos – possuía um protótipo mais velho e mais obscuro; e durante os últimos meses eu praticamente provei isso com uma série de pesquisas estendendo da Guatemala às planícies de Oklahoma. Mas tudo era tão fascinante quanto incompleto, pois além da fronteira o culto da serpente era cercado de medo e cuidados.
Agora parecia que uma nova e copiosa fonte de dados iria se revelar, e eu procurei o chefe do asilo com uma empolgação que não tentei esconder. Dr. McNeill era um homem pequeno, de barba feita, já de alguma idade, e eu logo vi por sua fala e maneiras que ele era um estudioso de não poucas realizações em outros ramos além de sua profissão. Sério e incerto quando eu primeiro informei minha incumbência, seu rosto ficou pensativo conforme ele cuidadosamente analisou minhas credenciais e a carta de recomendação que um bondoso ex-agente indígena me havia dado.
“Então, você tem estudado a lenda de Yig, hein?” ele refletiu. “Eu sei que muitos dos nossos etnologistas de Oklahoma tentaram a ligação com Quetzalcoatl, mas não acho que algum deles tenha traçado as etapas intermediárias tão bem. Você fez um trabalho extraordinário para um jovem, como você aparenta ser, e você certamente merece todos os dados que nós possamos dar.
“Eu não acho que o velho Major Moore ou qualquer dos outros tenha lhe contado o que é que eu tenho aqui. Eles não gostam de falar a respeito, e nem eu. É muito trágico e muito horrível, mas isso é só. Eu me recuso a considerar que seja qualquer coisa sobrenatural. Há uma estória sobre isso que eu vou te contar depois que você tiver visto – uma estória triste e demoníaca, mas uma que eu não chamaria de mágica. Ela meramente mostra a força que as crenças possuem sobre certas pessoas. Eu admito que há ocasiões em que sinto um calafrio que é algo além de físico, mas à luz do dia eu culpo os meus velhos nervos. Eu não sou mais um jovem rapaz, ora!
“Para ir logo ao ponto, a coisa que eu tenho aqui é o que você chamaria de uma vítima da maldição de Yig – uma vítima fisicamente viva. Nós não deixamos a maioria das enfermeiras vê-la, ainda que elas saibam o que está aqui. Há apenas dois velhos rapazes que eu deixo alimentá-la e limpar seus aposentos – eram três antigamente, mas o bom e velho Stevens faleceu há alguns anos. Eu suponho que terei que treinar um novo grupo em breve; pois a coisa não parece envelhecer ou mudar muito, e nós, velhotes não duramos para sempre. Talvez a ética de um futuro próximo nos deixe dar-lhe um pouco de misericórdia, mas é difícil dizer.
“Você viu aquela janela de vidro fosco no porão perto da ala leste quando você veio pela rua? É ali que ela está. Eu vou te levar lá agora. Você não precisa fazer nenhum comentário. Apenas olhe pelo painel móvel da porta e agradeça a Deus que a luz não é mais forte. Então eu vou te contar a estória – ou o tanto que eu consegui juntar dela.
Nós descemos em silêncio, e não conversamos enquanto caminhávamos pelos corredores do porão aparentemente deserto. Dr. McNeill destrancou uma porta de aço pintada de cinza, mas era apenas uma divisória levando a outro pedaço de corredor. Por fim ele parou diante de uma porta marcada B 116, abriu um pequeno painel de observação que ele só conseguia utilizar nas pontas dos pés e bateu algumas vezes no metal pintado, como que para acordar o ocupante, seja lá o que for.
Um tênue fedor veio da abertura quando o doutor a destrancou e eu imagino que as batidas suscitaram um tipo de resposta baixa, sibilante. Finalmente ele gesticulou para que eu o substituísse na abertura, e eu o fiz com um tremor crescente. A janela de vidro fosco, com barras, próxima ao solo do lado de fora, permitia a entrada de apenas uma palidez fraca e incerta; e eu tive que olhar na toca malcheirosa por alguns segundos antes que eu pudesse ver o que rastejava no chão coberto de palha, emitindo de tempos em tempos um sibilo fraco e inexpressivo. Então a silhueta começou a tomar forma, e eu percebi que a entidade rastejante tinha alguma semelhança com uma forma humana deitada sobre a barriga. Eu me apoiei na maçaneta da porta enquanto tentava não desmaiar.
A coisa se movendo era quase do tamanho de um humano, e inteiramente despida. Não tinha cabelo ou pelo algum, e a parte das suas costas era amarelada e pareceu sutilmente escamosa na luz tênue e macabra. Ao redor dos ombros era salpicada de marrom e a cabeça era curiosamente achatada. Quando ela olhou para cima para sibilar para mim eu vi que os pequenos olhos redondos eram abominavelmente antropoides, mas eu não consegui estuda-los por muito tempo. Eles se prenderam em mim com uma persistência horrível, de modo que eu fechei a portinhola arfando e deixei a criatura sozinha para rastejar sem ser vista em seu forro de palha e luz espectral. Eu devo ter cambaleado um pouco, por que vi que o doutor estava gentilmente segurando-me o braço enquanto me guiava para longe. Eu estava gaguejando repetidamente: “M-mas por deus, o que é aquilo?”
Dr.McNeill me contou a estória em seu escritório particular, comigo estirado em uma poltrona de frente para ele. O vermelho e dourado do fim da tarde mudavam para o violeta do começo da noite, mas eu ainda estava perplexo e imóvel. Eu me ressenti de cada toque do telefone ou da campainha, e eu poderia xingar as enfermeiras e ajudantes que de vez em quando chamavam o doutor para fora do escritório. A noite veio, e eu achei bom que meu anfitrião tivesse acendido todas as luzes. Mesmo sendo um cientista, meu entusiasmo pela pesquisa estava esquecido diante de um êxtase de medo como o que um menino sentiria enquanto ouve contos de bruxas.
Parece que Yig, o deus-serpente das tribos das planícies centrais – provavelmente a fonte primária do Quetzacoatl ou do Kukulcan mais ao sul – era um demônio bizarro, meio antropomorfo, com caprichos arbitrários e excêntricos. Ele não era de todo mau, e costumava mostrar boa vontade para com aqueles que lhe dirigiam o devido respeito e à suas crianças, as serpentes; mas durante o outono ele se tornava anormalmente voraz, e tinha de ser afastado por meio de rituais específicos. Era por isso que os tum-tums batiam incessantes durante os meses de agosto, setembro e outubro no território dos índios Pawnees, Wichitas e Caddos; e por isso os curandeiros faziam barulhos estranhos com chocalhos e apitos, curiosamente da mesma forma como faziam os Astecas e os Maias.
A principal característica de Yig era uma incansável devoção a seus filhos – uma devoção tão grande que os peles vermelhas quase temiam se proteger das cascavéis venenosas que se aglomeravam na região. Contos terríveis insinuavam a sua vingança contra os mortais que o desrespeitavam ou feriam sua prole rastejante; sua punição preferida consistia em transformar a sua vítima em uma cobra pintada, depois das torturas adequadas.
Nos velhos tempos dos Territórios Indígenas, o doutor continuou, não havia tanto segredo sobre Yig. As tribos das planícies, menos cautelosas do que os nômades do deserto ou que os Pueblos, conversavam abertamente sobre suas lendas e cerimônias de outono com os primeiros agentes do governo na região e permitiram que uma parte considerável desses conhecimentos se espalhasse pelas regiões vizinhas e assentamentos dos brancos. O grande medo veio com a corrida por terras de 1889, quando houve rumores de alguns incidentes extraordinários, e tais rumores se baseavam no que pareciam ser provas tangíveis. Os Índios diziam que os novos homens brancos não sabiam lidar com Yig, e posteriormente os colonos viriam a concordar. Hoje em dia nenhum veterano em Oklahoma, seja de pele branca ou vermelha, abre a boca para dizer uma palavra sobre o deus-serpente que não sejam apenas vagas pistas. E mesmo assim, o doutor prosseguiu com ênfase, o único horror autêntico de que se tem notícia foi uma lamentável tragédia, sem qualquer feitiçaria. Foi tudo muito material e cruel – até mesmo a última parte, que causou tanto tumulto.
O Dr. McNeill fez uma pausa e limpou a garganta antes de continuar sua estória especial, e eu senti uma sensação como quando as cortinas do teatro se abrem.
A coisa toda começou quando Walker Davis e sua esposa Audrey deixaram o Arkansas para se estabelecer nas novas terras abertas ao público na primavera de 1889 e terminou no território dos Wichitas – ao norte do Rio Wichita, no que é hoje o Condado de Caddo. Há uma pequena vila chamada Binger ali agora, e a ferrovia a atravessa; fora isso o lugar está menos mudado do que outras partes de Oklahoma. Ainda é uma região de fazendas e ranchos – até que bem produtivos atualmente, já que não há nenhum grande campo de petróleo por perto.
Walker e Audrey vieram do Condado de Franklin, nas montanhas Ozark com um carroção coberto de lona, duas mulas, um cachorro ancião e inútil chamado “Lobo”, e todos os seus pertences domésticos. Eles eram típicos caipiras das colinas, um tanto novos e talvez um pouco mais ambiciosos que a maioria, e procuravam uma vida de melhores pagamentos pelo seu trabalho duro do que tinham em Arkansas. Ambos eram indivíduos magros, quase pele-e-osso; o homem alto, de pele cor de areia e olhos verdes, e a mulher baixa e morena, com um cabelo negro e escorrido que sugeria uma ascendência indígena.
Em geral, havia pouca coisa excepcional sobre eles, e salvo por um único detalhe suas fichas não teriam diferido de milhares de outros pioneiros que se bandearam para os novos territórios naquela época. Esse detalhe era o medo quase epiléptico que Walker tinha de cobras, o qual alguns atribuíam a causas prenatais, enquanto outros diziam vir de uma sombria profecia com a qual uma velha pele vermelha o assustou quando era criança. Qualquer que fosse a causa, os efeitos eram claros; apesar de sua coragem para coisas em geral, a simples menção de uma cobra o deixaria pálido, enquanto a visão do menor das espécimes lhe causaria um choque as vezes próximo de uma convulsão.
Os Davis deixaram sua casa cedo naquele ano, na esperança de estar em suas novas terras para arar os campos na primavera. A viagem era lenta; as estradas eram ruins em Arkansas, enquanto nos Territórios Indígenas haviam grandes trechos de colinas vermelhas e áridas sem quaisquer estradas. Conforme o terreno foi se tornando mais plano, a distância de suas montanhas nativas os deprimia mais do que eles poderiam ter imaginado; mas eles encontraram gente afável nas agências do governo, enquanto a maioria dos índios parecia amigável e civilizada. De vez em quando eles encontravam um colega pioneiro, com quem cumprimentos simples e expressões de amigável rivalidade eram trocados.
Graças à estação do ano não haviam muitas cobras à vista e Walker não sofreu com sua fraqueza especial. Nas primeiras etapas da viagem também não havia lendas indígenas sobre serpentes para atormentá-lo, já que as tribos então estabelecidas ali não compartilhavam as mesmas crenças de seus vizinhos do oeste. E o destino fez com que fosse um homem branco em Okmulgee no Condado de Creek que deu aos Davis a primeira pista sobre as crenças em Yig; uma pista que teve um efeito curiosamente fascinante sobre Walker e fez com que ele fizesse inúmeras perguntas em seguida.
Não demorou para o fascínio de Walker se tornar um grave caso de pavor. Ele passou a tomar precauções extraordinárias a cada noite que acampavam, sempre limpando qualquer vegetação que encontrasse e evitando lugares rochosos sempre que possível. Cada arbusto seco e cada fenda nas rochas grandes como lajes lhe pareciam abrigar serpentes malignas, enquanto qualquer figura humana que não fosse obviamente parte de um assentamento ou grupo de emigrantes lhe parecia um deus-serpente em potencial até a proximidade provar o contrário. Felizmente, nenhum encontro ocorreu nesse período para lhe abalar ainda mais os nervos.
Conforme eles se aproximavam do Condado de Kickapoo foi ficando cada vez mais difícil evitar acampar perto das rochas, até que finalmente não era mais possível, e o pobre Walker ficou reduzido ao jeito pueril de repetir algumas das rezas e feitiços anti-serpentes que aprendera na infância. Duas ou três vezes uma cobra foi vista e essas visões não ajudaram os esforços de Walker para manter alguma compostura.
Na vigésima segunda tarde da jornada um vento selvagem os obrigou a acampar no local mais abrigado possível, pelo bem das mulas; e a Audrey convenceu seu esposo a aproveitar uma colina que se erguia singularmente alta sobre o leito seco de um antigo tributário do Rio Canadá. Ele não gostou do relevo rochoso do lugar, mas permitiu-se ser derrotado desta vez, guiando os animais carrancudo para a encosta da colina que pela natureza do terreno não permitiria aproximar o carroção.
Audrey, enquanto isso, examinando as rochas perto do carroção notou um farejar diferente pelo velho e fraco cachorro. Pegando uma espingarda, ela seguiu a trilha do cão e agradeceu às estrelas por ter se antecipado a Walker na descoberta: ali, aninhada em uma falha entre dois rochedos estava uma visão que ele não faria bem nenhum em presenciar. Visível como um único volume mas talvez compreendendo três ou quatro indivíduos, estava uma massa se contorcendo que não poderia ser nada menos que uma ninhada de cascavéis recém-chocadas.
Ansiosa para evitar que Walker sofresse um choque, Audrey não hesitou em agir, segurando a arma firmemente pelo cano e batendo com a coronha e de novo e de novo nas figuras que se contorciam. Sua repulsa era enorme, mas não chegava a ser um medo. Ela finalmente viu que sua tarefa estava feita e se virou para limpar o porrete improvisado na areia vermelha e na grama seca e morta próximas. Ela devia, refletiu, cobrir o ninho antes que Walker terminasse de amarrar as mulas. O velho Lobo, uma mistura manca de pastor e coiote que era, havia sumido, e ela temeu que ele tivesse ido buscar seu dono.
Passos ouvidos naquele instante provaram que seu medo estava correto. Um segundo a mais e Walker teria visto a coisa toda. Audrey se moveu para pega-lo caso ele desmaiasse, mas ele apenas cambaleou. Então o puro medo que havia no rosto dele foi se tornando uma mistura de incredulidade e raiva, e ele começou a repreender a esposa com a voz trêmula.
“Meu Deus, Aud, por que você tinha de fazer isso? Você não ouviu as coisas que disseram sobre o diabo-cobra Yig? Você devia ter me falado, e a gente teria ido pra outro lugar. Você não ouviu que esse diabo se vinga de quem machuca os filhos dele? Por que você acha que os Injus dançam e batem nos tambores durante todo o outono? Essa terra é amaldiçoada, eu te digo – cada alma com quem conversamos disse a mesma coisa. Yig domina isso aqui, e ele vem no outono buscar as vítimas e transforma-las em cobras. Droga, Aud, nem por dinheiro os Injuns ou os Canayjin matam uma cobra!”
“Só Deus sabe o que você arrumou pra você, mulher, esmagando uma ninhada inteira das crias do Yig. Ele vai te pegar, com certeza, cedo ou tarde, a menos que eu consiga comprar um amuleto ou feitiço de algum curandeiro Injun. Ele vai te pegar, Aud, certo como um dia após o outro, ele vai vir de noite e te transformar numa cobra pintada!”
Durante todo o resto da viagem o Walker repetiu essas profecias assustadoras. Eles cruzaram o Rio Canadá perto de Newcastle e logo em seguida encontraram os primeiros verdadeiros índios das planícies da viagem – um grupo de Wichitas enrolados em cobertas, cujo líder conversava abertamente sob o efeito do whikey oferecido e ensinou ao pobre Walker uma longa reza de proteção contra Yig em troca de um quarto da garrafa daquele líquido inspirador. Ao final da semana eles alcançaram o local que haviam escolhido no território dos Wichita e os Davis se apressaram em marcar as fronteiras de seu terreno e arar as terras para a primavera, antes mesmo de começar a construir uma cabana.
A região era plana, terrivelmente batida pelo vento, e com uma parca vegetação natural, mas prometia fertilidade se cultivada. Alguns afloramentos de granito ocasionais diversificavam um solo de arenito vermelho, e aqui e ali uma grande rocha plana se estendia pelo chão como uma laje feita pelo homem. Parecia haver poucas cobras ou possíveis ninhos para elas; então Audrey persuadiu Walker a construir a cabana de um cômodo sobre uma vasta placa de pedra. Sobre um chão desses e com uma lareira de bom tamanho até o clima mais úmido poderá ser controlado – embora logo tenha ficado evidente que umidade não seria uma das características da região. Troncos foram trazidos no carroção do bosque mais próximo, há algumas milhas na direção das montanhas Wichita.
Walker construiu a cabana com uma chaminé larga e um rústico abrigo para os animais com a ajuda de alguns outros pioneiros, ainda que o mais próximo ficasse a mais de uma milha de distância. E em troca ele ajudou esses pioneiros a erguer as suas próprias casas, de forma que muitos laços de amizade foram formados entre os novos vizinhos. Não havia nada que pudesse ser chamado de vilarejo entre ali e El Reno, seguindo a ferrovia umas trinta milhas ou mais para o nordeste; e antes que muitas semanas tivessem passado as pessoas da região se tornaram próximas, apesar das distâncias. Os índios que estavam começando a se juntar aos ranchos eram em sua maior parte inofensivos, ainda que algo briguentos quando incendiados pelas bebidas que encontravam apesar das proibições.
De todos os vizinhos os Davis encontraram mais afinidade com Joe e Sally Compton, que também vieram de Arkansas. Sally ainda está viva, conhecida hoje em dia como Avó Compton; e seu filho Clyde, à época só um bebê de colo, é um dos homens mais importantes do Estado. Sally e Audrey se visitavam com frequência e suas cabanas ficavam a apenas duas milhas uma da outra; e nas longas tardes de primavera e de verão elas trocavam estórias de Arkansas e conversavam sobre seus novos lares.
Sally sentia dó da fobia de Walker por cobras, mas talvez tenha feito mais para agravar do que para curar o nervosismo que Audrey vinha desenvolvendo com as incessantes rezas e profecias sobre a maldição de Yig. Ela tinha uma quantidade excepcional de estórias de cobras e causava uma impressão fortíssima com a melhor delas – o conto sobre um homem do Condado de Scott que foi mordido por toda uma horda de cascavéis de uma vez e inchou tão monstruosamente pelo veneno que seu corpo se rasgou com um estouro. É desnecessário dizer que Audrey não repetia essas histórias para seu marido e ela implorava aos Comptons para que tomassem cuidados para não espalhá-las na região. É um mérito de Joe e Sally o fato deles terem atendido a esse pedido com a maior fidelidade.
Walker semeou o milho cedo e pelo meio do verão se ocupou com uma boa colheita do feno nativo da região. Com a ajuda de Joe Compton ele escavou um poço que redeu uma água de ótima qualidade, ainda que ele planejasse um poço artesiano para o futuro. Ele não teve muitos sustos com cobras e tornou a sua propriedade o mais inóspita possível para visitas rastejantes. De tempos em tempos ele cavalgava até o amontoado de cabanas em forma de cone que era a aldeia principal dos Wichitas e tinha longas conversas com os velhos e curandeiros sobre o deus-serpente e como aplacar a sua ira. Feitiços e rezas estavam sempre disponíveis em troca de whiskey, mas a maior parte das informações que ele recebia não eram tranquilizadoras.
Yig era um deus poderoso. Ele era um remédio amargo. Ele não se esquecia das coisas. No outono suas crias estariam famintas e selvagens e Yig estaria faminto e selvagem também. Todas as tribos tomavam cuidados contra o Yig quando chegava a colheita do milho. Eles lhes davam algum milho e dançavam com roupas específicas ao som de apitos, chocalhos e tambores. Eles mantinham os tambores batendo para afastar Yig e pediam a ajuda de Tir, de quem todos os homens são filhos, assim como as cobras são filhas de Yig. Era um mal agouro a mulher dos Davis ter matado as filhas de Yig. Os Davis deveriam recitar muitas vezes os feitiços e as rezas quando a colheita do milho chegasse. Yig é Yig. Yig é um deus poderoso.
E quando a colheita do milho chegou Walker tinha conseguido deixar a sua esposa em um estado de nervos deplorável. As rezas dele e encantos emprestados dos índios se tornaram um incômodo; e quando os rituais dos índios começaram no outono o vento trazia sempre as batidas dos tambores para adicionar uma trilha sonora sinistra. Era enlouquecedor sempre ter as batidas abafadas roubando as planícies vermelhas. Por que aquilo nunca parava? Dia e noite, semana após semana, aquilo sempre continuava em ritmos incansáveis, tão persistentes quanto o vento empoeirado que as carregava. Audrey odiava as batidas mais do que seu marido as odiava, pois ele as enxergava como um elemento adicional de proteção. Foi com essa sensação de proteção intangível contra o mal que ele partiu para a colheita do milho e preparou a cabana e o estábulo para o inverno que se aproximava.
O outono fora anormalmente quente e, exceto pela culinária primitiva dos Davis, eles mal utilizaram a lareira de pedra que o Walker havia construído com tanto cuidado. Algo naquelas nuvens estranhamente quentes e cheias de poeira pesava nos nervos de todos os colonos, mas acima de todos nos de Audrey e Walker. A ideia de uma maldição-serpente pairando sobre eles e o estranho e incessável ritmo dos tambores indígenas formavam uma combinação maléfica que qualquer elemento bizarro adicional tornaria insuportável.
Apesar disto, diversas celebrações foram realizadas em uma ou outra cabana depois que as colheitas eram ceifadas; assim eram inconscientemente mantidos aqueles curiosos rituais de celebração da colheita tão antigos quanto a própria agricultura. Lafayette Smith, que viera do sul do Missouri e tinha sua cabana umas três milhas a leste da de Walker era um violinista até que bem passável; e suas melodias serviam para que os festeiros se esquecessem das batidas monótonas dos tum-tums distantes por um momento. Então o Halloween se aproximou e os colonos planejaram outra festa – desta vez, sem que eles soubessem, de uma linhagem ainda mais antiga que a agricultura; o temível Sabbath das bruxas dos primeiros arianos, mantido vivo através das eras na escuridão da meia noite em bosques secretos, e que ainda hoje possui um tema de horror, ainda que sob uma máscara de comédia e segurança. O Halloween cairia numa quinta feira e os vizinhos concordaram em se reunir pela primeira vez na cabana dos Davis.
Foi naquele dia trinta e um de outubro que a onda de calor terminou. A manhã fora fria e cor de chumbo e quando o sol subiu os ventos incessantes haviam passado de abafados para cortantes. As pessoas tremiam por não estarem preparadas para o frio e o velho Lobo de Walker Davis se arrastou pesadamente para dentro para um canto perto do forno. Mas os tambores distantes seguiam batendo, da mesma forma que os brancos continuavam inclinados a manter suas proteções de escolha. Lá pelas quatro da tarde os carroções começaram a chegar à cabana dos Walker; e ao anoitecer, depois de um memorável assado de carnes, o violino de Lafayette Smith inspirou um grupo de bom tamanho a demonstrar seus passos de dança grotescos naquele cômodo que, apesar do bom tamanho, estava lotado. As pessoas mais novas faziam amizade e de vez em quando o velho Lobo uivava lúgubre e agourento para alguma frase especialmente espectral do violino esganiçado do Lafayette – um instrumento que ele nunca havia ouvido antes. A maior parte do tempo, contudo, esse veterano combalido dormiu durante a festa; ele já havia passado da idade de se interessar pelas coisas e vivia principalmente em sonhos. Tom e Jennie Rigby haviam trazido a sua collie chamada Zeke, mas os caninos não fraternizaram. Zekeparecia estranhamente incomodada com algo e farejou curiosa pela cabana a noite toda.
Audrey e Walker formavam um belo casal e a Avó Compton ainda se lembra bem deles dançando naquela noite. Suas preocupações pareciam esquecidas por um momento e Walker estava barbeado e surpreendentemente arrumado. Lá pelas dez horas todos já estavam felizmente cansados e os convidados começaram a se despedir de família em família, com muitos apertos de mãos e afirmações do quanto todos haviam se divertido. Tom e Jenne acharam que os sinistros uivos de Zeke enquanto eles iam para o carroção eram uma demonstração de vontade de ficar e não ir embora para casa; já Audrey disse que deveriam ser os tambores o irritando, já que as batidas distantes pareciam ainda mais sombrias após a festa e a alegria que sentiam.
A noite estava fria, e pela primeira vez Walker colocou uma grande tora na lareira e ajeitou as cinzas para mantê-la queimando até de manhã. O velho Lobo se arrastou até o brilho vermelho e desmaiou em seu coma costumeiro. Audrey e Walker, cansados demais para pensar em feitiços contra cobras e rezas, caíram na cama de madeira de pinheiro e estavam dormindo antes que o despertador barato preso à cabeceira tivesse contado três minutos.
E de muito longe as batidas ritmadas daqueles tum-tums infernais ainda pulsavam com o vento gelado da noite.
Dr. McNeill fez uma pausa aqui e removeu os seus óculos, como se a visão embaçada do mundo real tornasse a visão das memórias mais clara.
“Você logo vai perceber” disse ele, “que eu tive uma dificuldade enorme para entender o que aconteceu depois que os convidados foram embora. Há trechos, contudo, em que eu consegui deduzir o que houve.” Depois de um momento em silêncio ele continuou com a sua estória.
Audrey teve sonhos terríveis com Yig, que apareceu para ela com a aparência que Satanás tem nas ilustrações baratas que ela já tinha visto. E foi com esse ecstasy de pesadelo que ela acordou subitamente e viu o Walker já desperto, sentado na cama. Ele parecia estar ouvindo atentamente a alguma coisa, e a silenciou com um sussurro quando ela começou a lhe perguntar o que era.
“Shhh, Aud!” ele murmurou. “Você não está ouvindo um chiado? Será que são gafanhotos?”
Certamente havia um som dentro da cabana. Audrey tentou analisar o ruído e ficou impressionada com algo ao mesmo tempo horrível e familiar flutuando nas bordas de sua memória. E acima de tudo, despertando um pensamento terrível, as batidas monótonas dos tambores vinham sem trégua pelas planícies iluminadas por uma meia Lua coberta pelas nuvens.
“Walker-será-que–é-a-maldição de Yig?”
Ela podia senti-lo tremendo.
“Não, menina, eu não acho que seja assim. Ele tem o cropo de um homem, se você olhar de longe. Foi o que o Chefe Águia Cinza disse. Isso é algum roedor que entrou aqui para fugir do frio – não gafanhotos, eu acho, mas alguma coisa assim. É melhor eu levantar e pisar neles antes que cheguem na despensa.”
Ele se levantou, procurou o lampião que eles penduravam ao alcance e chacoalhou a caixa de fósforos presa à parede ao lado. Audrey se sentou na cama e viu o brilho do fósforo se tornar a luz do lampião. Então, quando seus olhos começaram a absorver o cômodo inteiro, as próprias telhas tremeram com os gritos simultâneos dos dois. Pois a iluminação revelou que o plano chão de pedra era uma massa marrom e rastejante de cascáveis enroladas em direção à lareira, e que agora viravam suas cabeças horríveis na direção do aterrorizado homem segurando o lampião.
Foi apenas por um instante que Audrey viu essas coisas. Os répteis eram de todos os tamanhos, em quantidade incontável, e aparentemente de diversos tipos; e enquanto ela olhava, viu duas ou três serpentes recuarem suas cabeças para armar um bote contra Walker. Ela não desmaiou – foi a queda de Walker no chão que apagou o lampião e a deixou na escuridão absoluta. Ele não havia gritado uma segunda vez – o medo o havia paralisado e ele caiu como se atingido por uma flecha silenciosa disparada de algum arco fantástico. Para Audrey, parecia que o mundo todo girava, se misturando ao pesadelo que a acordara.
Qualquer movimento voluntário era impossível, eis que a vontade e o senso de realidade a abandonaram. Ela tombou para trás inerte sobre o travesseiro, esperando despertar desse pesadelo logo. Sua mente não pôde fazer nenhum sentido do que havia ocorrido durante algum tempo. Então, pouco a pouco uma suspeita de que estaria acordada de verdade passou a baixar sobre ela; e então ela foi tomada por uma crescente mistura de pânico e horror que a fez querer gritar apesar do medo que a mantia muda.
Walker estava morto e ela não fora capaz de ajuda-lo. Ele havia morrido por conta das cobras, assim como a velha bruxa havia previsto quando ele era um menino. O velho Lobo também não pôde ajudar – provavelmente nem havia acordado do seu estupor senil. E agora as coisas rastejantes deviam estar vindo pegá-la, rastejando mais perto a cada momento no escuro, talvez agora se enroscando nos pés da cama e deslizando sobre os cobertores de lã. Inconscientemente ela se arrepiou sob as roupas e tremeu.
Devia ser a maldição de Yig. Ele havia mandado suas crias monstruosas na noite de Halloween, e elas tomaram Walker primeiro. E por que isso – Ele não era inocente? Por que não vir direto para ela – ela não havia matado as pequenas cascavéis sozinha? Então ela pensou na maldição como contada pelos índios. Ela não seria morta – mas transformada em uma serpente pintada. Ugh! Então ela ficaria como uma daquelas coisas que ela viu no chão – aquelas coisas que o Yig havia mandado para pegá-la e juntá-la às suas crias! Ela tentou murmurar a prece que o Walker a havia ensinado, mas descobriu que não conseguia emitir qualquer som.
O tique-taque do relógio soava acima dos enlouquecedores tambores. As cobras estavam demorando – será que elas estavam demorando de propósito apenas para acabar com seus nervos? Algumas vezes ela pensou sentir um peso ou uma pressão nas cobertas, mas todas as vezes eram apenas as contrações automáticas de seus nervos sobrecarregados. O relógio soou no escuro e uma mudança veio devagar nos pensamentos dela.
Aquelas cobras não poderiam demorar tanto! Elas não seriam mensageiras de Yig, então, mas apenas cobras normais que fizeram ninho sob a rocha e foram atraídas pelo calor do fogo. Elas não vieram por ela, talvez – talvez elas tivessem satisfeitas com o pobre Walker. Onde elas estavam agora? Foram embora? Enrolaram-se perto do fogo? Ainda estariam rastejando sobre o cadáver de sua pobre vítima? O relógio soou e os tambores distantes continuaram.
Com o pensamento do corpo de seu marido caído ali na escuridão um raio de horror atingiu Audrey. A estória de Sally Compton sobre o homem do Condado de Scott! Ele também havia sido mordido por várias cascavéis e o que aconteceu com ele? O veneno apodreceu sua carne e inchou o cadáver até que a coisa toda estourou – estourou com um barulho horrível. Era isso que estava acontecendo com Walker logo ali no chão de pedra? Instintivamente ela sentiu que estava tentando ouvir algo horrível demais para admitir.
O relógio ticou novamente, mantendo um certo ritmo com as distantes batidas que o vento trazia noite adentro. Ela desejou que fosse um relógio de badalo, que permitisse saber quanto tempo essa vigília surreal já durava. Ela amaldiçoou o fato de não ter desmaiado e imaginou que espécie de alívio a manhã traria, enfim. Provavelmente algum vizinho passaria por ali – sem dúvida alguém visitaria – será que a encontrariam sã? Será que ela ainda estava sã?
Escutando com morbidez, Audrey notou algo em que teve que concentrar todo o esforço de sua mente antes que pudesse acreditar; algo que tão logo identificado ela não sabia se trazia alívio ou terror. O rufar distante dos tambores dos índios havia parado. Eles sempre a enlouqueceram – mas não havia o Walker os considerado uma proteção contra os inomináveis terrores de fora do universo? O que eram aquelas coisas que ele repetia ao seu ouvido em sussurros depois de conversar com o Chefe Águia Cinza e os curandeiros Wichitas?
Ela não sentiu alivio algum com esse novo e repentino silêncio afinal! Havia algo sinistro nele. O tique-taque do relógio parecia anormal sozinho. Finalmente capaz de se mover, ela tirou as cobertas de seu rosto e olhou na escuridão para a janela. As nuvens deveriam ter se aberto depois que a Lua surgiu, pois ela viu claramente o quadrado formado pela janela contra um fundo de estrelas.
Então sem qualquer aviso veio aquele som aterrorizante – aquele abafado e podre estalo de pele esticada e podridão escapando no escuro. Deus! – a estória da Sally – aquele fedor obsceno e este silêncio cortante! Era demais. A mordaça irreal a soltou e a noite reverberou com o grito de Audrey, um grito de puro e cru pavor.
A consciência não a abandonou com o choque. Quanta misericórdia seria! Entre os ecos de seu grito Audrey ainda via o céu estrelado pela janela à frente, e ouvia o tique-taque profano daquele relógio. Ela ouviu outro som? Aquela janela ainda era tinha o formato de um quadrado? Ela não estava em condições de pesar as evidências ou distinguir fato e alucinação.
Não – aquela janela não era mais um quadrado. Algo estava obstruindo o canto de baixo. Nem era mais o tique do relógio o único som ali. Havia, sem qualquer dúvida, uma respiração pesada que não era nem dela nem do pobre Lobo. O Lobo sempre dormia em silêncio e seus suspiros eram inconfundíveis. Então Audrey viu contra as estrelas a silhueta demoníaca de algo humanoide – a forma ondulante de uma cabeça e ombros tropeçando devagar em sua direção.
“Aaaaah! Sai daqui! Sai daqui! Sai, seu diabo-cobra! Sai daqui, Yig! Eu não quis matar elas – ele ia ficar com medo delas! Não, Yig! Eu não quis machucar seus filhos – não chegue perto de mim – não me transforme em cobra!”
Mas a figura meio visível da cabeça e ombros apenas se aproximava da cama, devagar e em silêncio.
Houve um estalo repentino na mente de Audrey e em um segundo ela foi de uma criança aterrorizada para uma fúria louca. Ela sabia onde o machado ficava – pendurado na parede perto do lampião. Ficava ao alcance e ela o encontraria mesmo no escuro. Antes que ela pensasse qualquer outra coisa já o tinha em mãos, e ela avançava para os pés da cama – na direção da cabeça monstruosa que se aproximava a cada instante. Se houvesse alguma luz ali, o seu olhar não seria uma visão agradável.
“Toma isso, monstro! E isso, e isso, e isso!”
Ela estava gargalhando loucamente agora, e suas risadas aumentavam enquanto ela via que a luz das estrelas estava dando lugar a um tênue amanhecer.
O Dr. McNeill limpou a transpiração da testa e colocou os óculos novamente. Eu esperei que ele retomasse a estória e, como ele ficou quieto, falei:
“Ela sobreviveu? Ela foi encontrada? Houve alguma explicação?”
O doutor limpou a garganta.
“Sim – ela sobreviveu, de certa forma. E tudo foi explicado. Eu te disse que não havia nada sobrenatural nessa estória – apenas um horror material, cruel e miserável.”
Foi Sally Compton quem a encontrou. Ela havia cavalgado até a cabana dos Davis no dia seguinte para conversar com Audrey sobre a festa, e não viu nenhuma fumaça saindo da chaminé. Era esquisito. O dia estava quente de novo, mas Audrey estaria cozinhando algo àquela hora. As mulas estavam fazendo barulho no abrigo e não havia sinal do velho Lobo no seu lugar costumeiro próximo à porta.
No geral, Sally não gostou do visual do lugar, então ela desmontou hesitante e bateu à porta. Ela não teve resposta, mas aguardou um pouco antes de tentar abrir a rústica porta de madeira. A trava, pelo que ela viu, estava destrancada; e ela a abriu devagar. Então, o que viu ali a fez recuar, tossir e se agarrar ao batente para se equilibrar.
Um odor terrível saía pela porta, mas não foi isso que a atordoou. Foi o que ela viu. Dentro daquela cabana mal iluminada havia acontecido algo monstruoso e três coisas no chão chocariam o observador.
Perto da lareira apagada havia um grande cão – a podridão roxa na pele enrugada pela velhice e a carcaça inchada havia estourado com veneno de cascavel. Ele deveria ter sido mordido por uma verdadeira legião de répteis.
À direita da porta estavam os restos retalhados do que havia sido um homem – vestindo um camisão de dormir e com os restos de um lampião ainda seguro à mão. Nele não havia nenhum sinal de mordida de cobra. Próximo a ele estava caído o machado ensanguentado.
E se contorcendo no chão estava uma coisa horrível de olhar vazio e que havia sido uma mulher, mas agora era apenas uma caricatura muda. Tudo que a coisa podia fazer era soltar um chiado como um sibilo de serpente.
Tanto o doutor quanto eu limpávamos gotas de suor frio de nossas testas a essa altura. Ele serviu algo em um copo sobre sua mesa, tomou um gole e me ofereceu outro copo. Eu só podia sugerir trêmulo e estupidamente:
“Então Walker só havia desmaiado – os gritos o acordaram e o machado fez o resto?”
“Sim.” A voz do Dr. McNeill era grave. “Mas foram as cobras que causaram a sua morte. Foi o medo dele agindo de duas formas – foi o medo que o fez desmaiar e foi o medo que o fez encher sua esposa com as estórias que a fizeram surtar quando ela pensou ver o demônio-serpente.”
Eu refleti por um instante.
“E Audrey – não é estranho como a maldição de Yig pareceu agir sobre ela? Eu suponho que as serpentes sibilando devem ter sido suficientes para impressioná-la.”
“Sim. Houveram alguns períodos de lucidez no começo, mas eles se tornaram cada vez mais raros. O cabelo dela ficou branco nas raízes conforme cresceram e depois foram caindo. A pele dela ficou manchada e quando ela morreu –“
Eu interrompi.
“Morreu? Então o que foi aquilo – aquela coisa que eu vi no porão?”
McNeill falou com sobriedade.
“Aquilo é o que nasceu três quartos de ano depois. Havia mais três deles – dois eram ainda piores – mas esse é o único que sobreviveu.”
H. P. Lovecraft
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