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Series & Trilogias Literarias
Londres, Inglaterra, 1870
Christopher Ulric, alfa da alcateia de Kent, suspirou aborrecido no canto do salão de baile, oferecido pelo conde de Alberg em sua luxuosa mansão em Londres.
Christopher não era muito de conversa e sempre estava sério, com olhar de poucos amigos.
Olhava as pessoas naquele baile, que achava deveras enfadonho, de cima para baixo e não conseguia se animar ou ser gentil ao ponto de convidar uma dama para dançar.
Na verdade, estava ali no canto, querendo se esconder um pouco dos olhares das matriarcas.
Todos sabiam que era um conde rico e sua aparência chamava demais a atenção para o bem de sua saúde e, apesar de causar estranhamento, arfados e gritinhos escandalosos de mocinhas afetadas pela sua fisionomia, o admiravam pela sua beleza e imponência.
Ele causava sentimentos controversos, o que muitas vezes o deixava estafado.
Um ponto forte que se destacava sobre ele era o seu jeito misterioso, o ar de predador, o homem de poucas palavras e olhar penetrante que tinha um charme sombrio, mas inebriante.
Era um ser enigmático.
Para falar a verdade, até os homens ficaram ressabiados com ele, pois tinha fama de estranho e de poucos amigos e que ninguém poderia negligenciar ou tomá-lo por um tolo.
Christopher Ulric somente puxava conversa sobre negócios, nada mais, e carregá-lo a um baile era uma missão praticamente impossível, exceto dessa vez.
Passar temporadas nas casas de campo de outros nobres, somente se regateando com jantares, bailes e piqueniques nos campos e jardins, como os lordes ofereciam na primavera e verão, absolutamente impensável.
Participar de jogos de bobos, muito menos, pois ele conhecia como funcionava os subterfúgios das damas para conseguir marido e ele jamais estaria no alvo de ninguém.
Até mesmo porque acasalar com uma humana era algo que nunca passaria na sua cabeça.
— Alfa, precisa parar de rosnar, está assustando as pessoas — Thomas sussurrou.
— Não sei por que o deixei me convencer a vir a este baile.
— Precisava espairecer, conhecer um pouco o prazer e, quem sabe, encontrar algo que melhore seu humor.
Christopher olhou para Thomas, que o olhava com um malicioso sorrisinho no canto da boca.
— É um descarado e ludibriador.
— Eu? Imagine, somente quero seu bem, alfa.
— Quer que eu arrume uma companheira, mas aqui somente há humanas e se pensa que uma dessas mocinhas, que tombam com um olhar de um cavalheiro, possa ser minha companheira, está louco.
— Não quero que encontre uma companheira. Estas mocinhas são muito inocentes e afetadas para um alfa como o senhor, e são crianças, o que me resta salientar é que meu senhor necessita de uma mulher forte.
Apenas quero que se divirta. Dançar e fazer uma social na alta-roda não cairá um pedaço. Soube que há na corte algumas viúvas ricas que são bem fogosas. Nada impediria uma boa aventura com uma destas damas.
— Existe o bordel para isso.
— Oh, mas uma nobre viúva e rica não pode ser comparada a uma moça de um bordel, alfa.
Christopher suspirou.
— Essas nobres fazem muitas perguntas e podem querer caçar um novo marido.
— Não sei para quê um marido se podem ter amantes.
— Não sei por que quer dar de alcoviteiro, não vou arrumar uma companheira aqui.
— Nem aqui e nem em outro lugar, pois parece que nenhuma loba lhe agrada.
Christopher rosnou baixo. Quando Thomas tirava seu tempo para atormentá-lo era implacável.
— Esses humanos são exploradores, prefiro ficar em meu condado onde os humanos sob nossa proteção me respeitam.
— Todos aqui o respeitam.
— Todos aqui pensam que sou um ogro. Olhe como me olham.
— Não exagere, apenas se espantam com seu tamanho e seus olhos.
— Poderia esmagá-los com um tapa.
— Poderia, mas não o fará.
Christopher suspirou e tomou um gole do seu brandy.
— Sabe que não gosto de vir à Londres expor vocês desta maneira.
— Eu sei, não podemos andar num bando porque as pessoas enlouqueceriam, no máximo, dois de nós. Nosso tamanho, cabelos e nossos olhos delatariam que somos um grupo diferente. E aqui em Londres seríamos
considerados uma aberração da natureza. Demônios devoradores de criancinhas.
— Seríamos em qualquer lugar.
— Bem, é um fato.
— Sim, mas precisamos negociar nossa safra de vinhos e nossos queijos. E você ficou de fechar aquele negócio para nossas novas pipas de carvalho nobre.
— Assim é, como todos os anos.
— O que te incomoda? Não consegue ficar quieto?
— Essa tintura está pinicando minha cabeça. Acho que Guertha misturou algo diferente nas ervas dessa tal henna dessa vez. Também irrita meu nariz.
— Trazer estas especiarias do Oriente não é fácil, nem barato, Thomas.
— Eu sei, alfa, mas não poderíamos encontrar outra coisa, tipo uma peruca?
— A moda da peruca já passou. Foi há cem anos.
Thomas rosnou.
Christopher olhou de soslaio para Thomas e deu um leve sorriso.
Thomas tinha os cabelos loiros longos até o meio das costas, com mechas negras largas e olhos âmbares realmente brilhantes.
Um tipo meio exótico para sua boa convivência entre os humanos.
— Não quero ter que matar ninguém para salvar sua pele de uma caçada aos lobos, como da outra vez.
— Não irá e isso foi há dez anos, ninguém se lembra deste ocorrido.
— Claro que não — disse irônico. — Londres pipocou de folhetins dizendo que havia lobisomens na cidade.
— Nossos lobos somente perderam um pouquinho o juízo e se envolveram numa briga. Os humanos foram estúpidos e estavam bêbados e aumentaram um pouco as coisas. Ninguém levou isso a sério.
— Os lobos se transformaram na cidade, na frente de humanos. Mataram um deles e tive que matar o outro imbecil.
— Bem, mas, como disse, não cometeremos o mesmo engano outra vez.
— Claro que não, pois estamos somente eu, você e Rubric aqui. E tem sido assim desde então. Se comportem, senão os colocarei numa jaula.
Thomas riu e tomou de sua bebida, pois ele gostava de provocar o alfa; apesar de Christopher ser um lobo muito justo e tranquilo, estava sempre sério, ponderado e gostava que tudo andasse dentro dos conformes
e de seguir as regras.
Thomas era beta de Christopher, e seu corpo musculoso estava forrado com um elegante traje de baile. Uma casaca preta e uma camisa branca com colete de brocado branco e um plastrom com alfinete de rubi.
Tinha 1,87m de altura.
Usava sempre uns pequenos óculos de aro e lentes redondas e azuis para ocultar seus olhos muito amarelos. Umas das invenções dos tempos modernos que tinha sido extremamente útil para os lobos.
Ele era provido de um humor que muitas vezes irritava Christopher, mas era seu melhor amigo e podia contar com ele para todas as horas. Até para irritá-lo.
Christopher rosnou novamente e olhou ao redor, ajeitando sua casaca preta elegante, e olhando a hora no seu relógio de bolso em ouro, que guardava no pequeno bolso do colete de brocado cinza e a corrente
era presa no botão.
Realmente se sentia aborrecido com toda aquela pompa, conhecia todos os modos de um cavalheiro se portar e era muito gentil com as damas, que o olhavam quase desmaiando, na verdade uma o tinha feito aos
seus pés uma vez e foi aterrador.
Por pouco, não tinha caído em uma presepada de um casamento forçado para reparar a honra da dita moça embusteira.
Em um destes bailes, ele tinha escapulido para o jardim e do nada a moça tinha surgido e se jogado em seus braços e simulado um desmaio.
Obviamente que sua amiga histérica estava a postos para forjar um flagrante e com seus gritos chamar a todos para ser testemunha da imprudência de um casal enamorado e de um homem desonrando a reputação
da dita dama, se não fosse Thomas estar em seu encalço para a proteção de seu alfa e arrancado as mocinhas embusteiras para longe e ameaçando-as.
Havia sido um desastre, e ele acreditava que elas tinham ficado traumatizadas, mas, com certeza, jamais se aproximariam nem dele e nem Thomas novamente.
O que ele desconfiava era que sua má fama de homem mau, tinha despontado na alta sociedade, com palavras sussurradas nos chás da tarde.
O que teria feito se a sociedade hipócrita o obrigasse a reparar a honra de uma lady?
Ele, um alfa, um lobo.
Seria uma catástrofe.
Ao se lembrar disso, todos seus sentidos o avisaram para sair dali, e o fez.
Tomou o último gole do brandy, soltou o copo na mesa e fez sinal para Thomas que revirou os olhos e o seguiu.
Eles estavam quase saindo do salão para se encontrar com Rubric, que já havia saído e os esperaria na carruagem, pois não era adepto a festas, quando sentiu seu corpo levar um choque e um cheiro adocicado
invadiu suas narinas.
Seu lobo saltou dentro dele e ele se virou, olhando com seus olhos aguçados ao redor.
Algo estava o chamando, algo estava fazendo seu lobo poderoso saltar dentro dele.
— O que foi, alfa?
— Não sei, algo estranho.
Christopher cheirou fortemente e começou a voltar e dar a volta no salão.
Thomas queria perguntar, mas apenas seguiu seu alfa, com seus instintos alertas sobre qualquer ameaça sobre eles.
Então, Christopher a viu.
Uma doce e pequena dama entrando no baile com um homem.
Ela era linda e delicada e estava enganchada em um homem mais velho, que parecia ser seu pai.
Christopher sentiu seu mundo girar, seu coração bateu enlouquecido no peito e sua garganta ficou sufocada.
Tudo nele reagiu, inclusive seus instintos sexuais.
A sensação foi tão forte que pensou que ficou tonto e ele não entendeu direito no primeiro momento o que estava acontecendo.
Mas não se preocupou com explicações, pois estava focado demais nela para raciocinar algo lógico.
Seu vestido era de cetim pérola com rendas douradas, com desenhos na barra e um V invertido na frente da saia dupla, com um decote ombro a ombro com renda, frufrus e pedrarias.
Seu corpete era apertado deixando sua cintura muito fina e a saia caía até o chão como um sino invertido, ostentado por uma crinolina e sobressaía uma cauda atrás um pouco mais comprida, com muitos babados
e drapeados, deixando-a imponente e estranhamente elegante.
— Por que elas usam tantas roupas e estas armações nas saias? — Thomas perguntou.
— Ah, se eu soubesse. Talvez para que você não consiga chegar perto delas?
— Acredito que sim — disse rindo. — Pelo menos, isso está mais bonito que aquelas gaiolas de pássaros que usavam debaixo da saia um tempo atrás. Aquilo, sim, era impraticável. Nossas lobas não gostaram
daquilo. E também não gostam dos espartilhos, pois apertam demais.
— É a moda, meu caro, necessitamos acompanhar sua vigência.
Thomas riu, mas Christopher somente sorriu, porque estava mais atento à sua pequena humana do que com as divagações de Thomas.
— E vejo que algo chamou sua atenção.
— Sim.
Então ele se aproximou mais e observou cada pedacinho dela.
Suas mãos e braços delicados estavam adornados com uma luva longa de cetim pérola que ia até acima do cotovelo. Seu cabelo era um loiro acobreado e estava perfeitamente preso em um difícil penteado e ornado
com pérolas e sua face era linda e suave.
Tudo nela era suave como uma brisa.
Possuía olhos azuis brilhantes, bochechas levemente rosadas e seus lábios eram lindos e perfeitos e ele automaticamente desejou beijá-los.
A maneira que ela cobria o rosto com o leque, ostentado por uma mão pequena e enluvada, e a forma como acentuava a cabeça em seus cumprimentos muito educados, deixavam-na parecendo um anjo.
O momento que ela abaixou o leque, com toda sua finesse, e iluminou seu rosto com um sorriso, Christopher pensou que nunca tinha visto algo tão angelical, tão belo.
Tudo nela o chamava. Tudo nela o fez cair como um tolo.
Tudo nela era dele.
— Thomas, quem é ela?
— Não sei, milorde, mas me parece algum anjo que caiu de uma nuvem.
Ele tinha pensado o mesmo.
— Descubra.
— Sim, alfa.
Thomas sumiu de seu lado e ele ficou espreitando atrás dos pilares, seguindo-a sem que o percebessem, sem conseguir tirar os olhos dela.
Ele a queria, não sabia como, mas em seu coração a mensagem gritava alta e clara que ela deveria ser sua.
Não soube quanto tempo ele a vigiou e o enfurecia quando aquele homem a tocava. Tinha vontade de rosnar e saltar sobre sua garganta, mastigá-la e cuspi-la fora.
O que seria dela, seu pai? Um tio?
Christopher observou ela se afastar de todos e ir para a varanda, pois parecia necessitar de ar e, sem pensar duas vezes, ele a seguiu.
Ela parou na frente do balaústre, respirou fundo e bebeu um gole de champanhe e se abanou com o leque, mais avidamente que antes e ele ficou ainda mais encantado.
Somente ela existia ali naquela varanda, entre o balaústre e as duas estátuas enormes de leões que ficavam nas laterais das portas que os separava da balbúrdia do baile, mas, para ele, somente ela existia
no mundo todo.
Ele queria chegar perto dela e conversar, mas estava paralisado, porque não estava entendendo o que se passava com ele.
Ela tirou as luvas e colocou sobre o balaústre e bebeu um enorme gole da bebida, abanou-se com o leque e se contorceu, parecendo incomodada.
Contrariando seu juízo, ele se aproximou, com as mãos nas costas.
— Está uma bonita noite — ele disse tranquilamente com sua voz profunda.
Ela se virou, o olhou e deu de cara com seu peito, então ela ergueu os olhos lentamente e quando encontrou os seus olhos de um azul tão claro quanto o céu, e cabelos loiros longos até a altura dos ombros
com mechas mais escuras, arfou de susto e deu um passo atrás.
Com o movimento brusco, quase derrubou sobre si a taça de champanhe e ele rapidamente a segurou, mas algumas gotas caíram sobre sua mão.
— Oh, meu Deus! — exclamou assustada.
— Perdoe-me, eu não quis assustá-la.
Ela ergueu seus lindos olhos para ele novamente e ficou o olhando com os olhos arregalados, com a deliciosa boquinha rosada formando um “O”.
Seus olhos fixos um no outro era como um grande apagão do mundo.
Ele não conseguia respirar e ela muito menos.
Foi como uma onda magnética os acometendo e ambos ficaram aturdidos, sem ação. E as palavras estavam esquecidas.
Então, sem tirar os olhos dos dela, ele tirou o lenço do bolso e ofereceu a ela.
A moça estava o olhando tão deslumbrada, assustada e desorientada, que Christopher teve uma certeza na vida: Nunca, nenhuma mulher tinha o olhado assim.
Assombradas, assustadas e com desejo, sim, muitas delas, entretanto, não como ela.
Havia algo diferente no jeito dela olhá-lo e ele gostava.
Queria ter o olhar quente dela sobre ele, porque o olhar dela entrou pelos seus olhos e o atingiu bem na alma, como um baque impiedoso.
— Pegue o lenço, por favor — ele sussurrou.
Ela engoliu em seco, pois a sua voz era forte, poderosa e causava algo estranho em seu estômago e em no resto de seu corpo.
— O quê? — perguntou confusa, como se as palavras dele soassem distorcidas.
— O lenço, milady, para secar sua mão que está molhada.
Ela arfou e respirou fundo, soltou a taça no balaústre e pegou seu lenço e secou sua mão.
— Obrigada, sou uma desajeitada.
— Não, a culpa foi minha, pois estava distraída e eu cheguei abruptamente. Espero que não tenha arruinado seu vestido.
Ela se olhou e deu leves batidinhas com o lenço na sua saia.
— Não, está... perfeito.
— Parecia estar desconfortável.
— Sim, está um pouco apertado demais, sabe, o espartilho, e eu fiquei com dificuldade de respirar e estava muito quente lá dentro.
— Por que usa tão apertado?
— Moda, damas, sabe como é.
— Não sei, mas não conheço do assunto. Se incomoda não devia usar.
— Todas as damas devem usar. E isso não é assunto para discutir com um cavalheiro, é absolutamente indelicado.
— Oh, perdoe-me!
Christopher franziu o cenho ao perceber que espartilhos era o motivo de duas conversas naquela noite. Algo estava errado com sua cabeça.
Ou talvez fosse um sinal.
Ela sorriu, sem jeito e com as bochechas coradas, o que a deixou mais divina.
— Permita-me cumprimentá-la adequadamente.
Sem tirar os olhos dos dela, ele segurou sua mão, inclinou-se e a trouxe para seus lábios, o que deixou Evellyn sem ar nenhum.
O toque dele foi algo tão eletrizante que paralisou seus sentidos. Ela olhou inebriada ele beijar sua mão, ainda com seus olhos fixos nos dela.
Ele era chocante, magnético e brutalmente lindo.
Ela estava inebriada e não entendia o que estava acontecendo, mas achou que não era adequado sentir aquelas coisas que nem sabia o que significava, pois era absolutamente inédito para ela.
— Eu sou...
— Evellyn!
Ela saltou pelo susto, arfou e puxou sua mão rapidamente e se afastou de Christopher, olhando com os olhos arregalados para o homem que se aproximava como um búfalo.
— O que está fazendo aqui, Evellyn? Eu estava te procurando.
— Oh, eu... bem, estava abafado lá dentro, somente vim tomar um pouco de ar.
— Venha, tenho pessoas para te apresentar. Não saia do meu lado novamente.
— Sim, milorde. Este cavalheiro estava apenas...
— Depois, Evellyn, tenho pessoas importantes esperando.
O homem olhou para Christopher.
— Boa noite, conde, perdoe-me por não poder ficar e conversar. Quem sabe outra hora.
Christopher ficou horrorizado com a grosseria do homem. Parecia tão enciumado de a moça falar com ele que nem se apresentou, ou permitiu que se apresentasse, mal o cumprimentou e saiu praticamente arrastando-a
pelo braço.
Mas o homem parecia saber quem ele era, pois o chamou de conde.
Devia ser mais um dos idiotas que o achavam uma aberração.
— Depois sou eu que sou a besta! — ele rosnou furioso.
Christopher não estava zangado pelo homem não falar com ele ou cumprimentá-lo adequadamente como regia a boa educação, pois não se importava com ele.
Estava zangado por ele ter levado sua dama.
Nem tinha se apresentado a ela.
Christopher rosnou de raiva por aquele homem ser tão grosseiro com a dama, que deveria ser um pai muito severo.
Ele respirou fundo para se acalmar e ao seu lobo que saltava dentro dele. Olhou sobre o balaústre e viu que ela tinha esquecido suas luvas.
Ele foi até lá e as pegou.
Deveria devolvê-las... Trocar duas palavras mais com ela.
Ele cheirou as luvas e fechou os olhos, pois o cheiro dela estava impregnado no tecido e era simplesmente delicioso.
O tecido era tão suave deslizando entre seus dedos, assim como era sua pele, suave e macia, perfumada, que ele estava desejando tocar novamente.
Precisava falar com ela novamente.
Ele voltou para dentro do salão e ficou observando-a de longe.
Thomas voltou ao seu lado, mas Christopher não o olhou, pois não queria perdê-la de vista.
— Quem é ela, Thomas?
— Alfa, ela se chama Evellyn Longhard, e aquele velho segurando-a pelo braço é o seu marido, o conde de Rockswood.
Christopher sentiu suas vistas escurecerem e ele olhou para Thomas, estupefato.
— Ela é casada? Pensei que fosse seu pai!
— Sim, ela tem dezoito anos e é casada há dois anos com aquele homem ali. Um homem poderoso e, pelo visto, parece que muitas pessoas não gostam dele.
— Como descobriu isso?
— Parece que, por aqui, todo mundo sabe da vida de todo mundo.
Christopher rosnou e olhou para ela e sentiu seu coração despedaçar.
De alguma forma, em seu coração, ele sabia que ela era sua companheira, o que poderia não admitir prontamente, já que ela era humana, mas os lobos sabiam quando as encontravam.
Era algo que badalava dentro deles como um sino gigante da catedral.
Ele sabia de rumores de algo inédito entre os casais de lobos, mas não tinha dado tanta importância até o momento.
Mas somente saber que ela pertencia a outro homem e não poderia nem sequer cogitar em tê-la, mesmo que tivesse que passar por cima do fato de ela ser humana e ter que aceitá-lo por ser um lobo, doía como
nunca pensou que doeria.
Às vezes, não gostava de ser lobo por ter que fingir ser outra pessoa na frente de humanos, isso o irritava, pois achava que eles eram tolos gananciosos e estúpidos, então preferia ficar entre os seus.
Sentia-se livre e feliz entre sua raça. Podia se transformar e correr. Eram divertidos e felizes, e ele amava seu lar, mas agora sentiu a felicidade ir embora.
Seu coração murchou e teve que se controlar para não se transformar e saltar no meio daquela multidão e tomá-la daquele homem.
Ele tinha que ir e deixá-la.
Então, foi como se seu olhar sobre ela a tivesse chamado, Evellyn se virou e seus olhos se encontraram.
Céu bendito!
A maneira que o olhou, com os olhos estalados e com as bochechas rosadas e toda sua beleza, com aqueles doces lábios rosados que arfavam, nervosos, que pareciam querer dizer algo, seu olhar até estava
desiludido e perdido, triste e confuso.
— Alfa, precisamos ir. Controle-se, pois seus olhos estão cintilando!
Christopher rosnou e olhou para Thomas.
— O quê?
— Seus olhos, alfa, estão cintilando.
— Inferno!
Christopher olhou novamente para ela que parecia agora estar vendo um fantasma, e ele tomou toda a força de seu ser e de seu lobo. Rapidamente enfiou a mão no bolso e abriu os pequenos óculos de lentes
azuis e os colocou.
Girou e saiu do salão, passando por todos que o olhavam espantados e quando chegou à sua carruagem, se escorou nela e puxou o ar com força.
O ar da noite cortou violentamente seus pulmões e uma faca invisível cortou seu coração.
Sua alma sofreu.
— Alfa, o senhor está bem?
Christopher rosnou, gemendo. Não estava bem, pois havia uma dor inexplicável em seu peito.
— Alfa, o que sente? — Rubric perguntou aturdido e olhou para Thomas indagativo. — O que houve lá dentro?
— Inferno, se eu sei! — Thomas disse respirando fundo.
— Estou bem. Por que este nome me soa familiar? Longhard? — Christopher perguntou.
— Hã... Bem... Ele é o dono da propriedade de Dover.
Christopher rosnou e olhou para Thomas.
— O quê?
— Sim, milorde. O próprio traste.
Bem, agora ele tinha dois motivos para querer matar o velho bastardo.
— Vamos embora.
— Sim, alfa. Rubric, vamos para casa em Belfort, o conde precisa descansar — disse para o cocheiro, que era um de seus lobos.
— Sim, senhor.
— Belfort não. Eu quero ir para Kent — Christopher disse.
— Mas, alfa, nossos pertences estão na sua casa aqui em Londres. Belfort é só quinze minutos daqui e amanhã temos uma reunião com os compradores.
— Você fica e termina as negociações de nossa safra e a compra das pipas, eu estou partindo para Kent.
Thomas, agora, o olhava realmente atordoado. Jamais em sua vida tinha visto Christopher abrir mão de seus compromissos.
Ele era comprometido demais com sua alcateia e seus negócios para tal coisa.
— Sim, o farei, como deseja. Não se preocupe, eu cuidarei de tudo, mas me diga o que está acontecendo, alfa.
— Se ficar aqui, eu invadirei aquele salão e tomarei aquela humana daquele homem, me entende?
Thomas piscou aturdido e pensou um pouco e eles ficaram mudos por um tempo longo demais. Thomas olhou para Rubric, que estava olhando-o com os olhos arregalados também.
— Já vejo — disse desconcertado. — É melhor partir imediatamente, como deseja.
Ele entrou na carruagem e voltou para Kent e, daquele dia em diante, Christopher Ulric se isolou em sua propriedade no interior da Inglaterra e nunca mais retornou à Londres e sua alma seguiu murcha e
triste.
Ele tinha encontrado sua companheira e a tinha perdido, isso num único dia e nem sequer tinha conversado direito com ela, se apresentado, não pôde convidá-la para uma dança.
Não pôde dizer o quanto ela era preciosa, graciosa e encantadora. Como ele se ajoelharia e a honraria. Quanto a amaria.
Tinha orgulho de ser o que era, de ter a magia dos lobos, ele não achava que era uma criatura amaldiçoada ou uma besta do diabo.
Ele amava se transformar e correr livre no bosque, caçar.
Até este dia, pois pensou, pela primeira vez, que fora amaldiçoado.
Condado de Kent, Inglaterra, 1873.
Três anos depois...
Quando a carruagem parou na frente da casa da propriedade de Hollan Dover, que ficava bem na divisa da propriedade de Thanet, o cocheiro abriu a porta e a ajudou a descer os degraus da carruagem, segurando
sua mão enluvada.
Sua criada pessoal, Maggie, desceu atrás dela.
Enquanto ele e o ajudante descarregavam os baús com seus pertences, Evellyn ficou boquiaberta olhando para a casa.
Ficava ao sudeste da Inglaterra e era o mais longe de Londres e de Rockswood que conseguiria ir, pelo menos por enquanto.
Pelo menos, aquela era a propriedade que lhe convinha.
Ela olhou ao redor e ficou apreensiva com o estado da casa, pois parecia totalmente abandonada.
A casa era grande, com uma frente quadrada, de dois andares, mas as janelas estavam sujas, o mato estava alto, os musgos tomavam conta das paredes e o jardim estava arruinado.
Não havia nem um criado sequer para recepcioná-la?
Evellyn tinha sua cabeça fervilhando, pois as atitudes que teve que tomar, depois do resultado desastroso da leitura do testamento, estava deixando-a louca.
Por que os homens tinham que ser mesquinhos e malvados?
Sua mãe havia lhe dito que devia ser uma guerreira para sobreviver, e ela tinha sido, até agora.
Mas não queria sobreviver e aguentar tudo, ela queria viver e ser livre. Então lutou para ser livre, mas agora estava colhendo as consequências. E a consequência estava ali, bem na sua frente, em ruínas.
O fato dela ser uma mulher moderna, à frente de seu tempo, não dava o direito da família do seu finado marido deixá-la naquela situação deplorável em que se encontrava.
Não era que ela o amasse e tivesse seu coração partido por sua morte, pois tinha sido uma bênção, se não fosse seu filho malvado e inescrupuloso para continuar atormentando sua vida.
Ah, mas o orgulho masculino ferido podia ser terrível.
Não era justo.
Aos dezesseis anos, fora obrigada a se casar com um homem que não amava, tão velho que tinha idade para ser seu pai.
Seu pai fez um acordo, porque ele era um conde e ambos tinham interesses em comum nos negócios, e para agradar o conde de Longhard, aceitou seu pedido de casamento.
E ela era a mercadoria barganhada.
Seu pai manteria sua boa posição na sociedade, com uma boa pensão mensal e, em troca, entretanto, quem tinha se casado com o velho era Evellyn.
Mas ao fim, ela tentou se acostumar ao casamento, ser uma boa esposa, mas não foi possível, porque não conseguia aguentar os desmandos do marido, o conde de Rockswood, vinte e cinco anos mais velho que
ela.
Ele possuía maneiras rudes, cometia exibições grotescas com suas amantes e suas depravações.
Ela podia ser moderna demais, mas era uma dama correta e não conseguia seguir as regras que a sociedade londrina impunha, muito menos suportar seu marido.
Se, pelo menos, pudesse ser um pouco feliz com tais exigências, não reclamaria, mas não era o caso.
Pelo menos, já tinha tido suficiente de pessoas mandando nela, tolhendo seus desejos e suas necessidades. Nutrindo sua infelicidade.
Aguentar uma vida infeliz era demais para ela, pois ansiava a felicidade e depois que pensou que estando viúva seus problemas tinham acabado, estava redondamente enganada, pois outro pesadelo havia começado
e sua vida tinha se tornado insuportável.
Evellyn suspirou e, com a chave de ferro, abriu a porta e sentiu vontade de chorar quando viu por dentro.
A casa não estava somente abandonada, estava arruinada. Como Rupert podia tê-la mandado ali, sem nem uma criada? Alguém que fizesse a limpeza?
Ele havia mentido sobre ter criados na casa, sobre estar bem conservada.
Que novidade!
Se ela ainda não tinha entendido como era ser totalmente retalhada, agora estava tendo a visão verdadeira dos fatos.
A pintura estava gasta, o chão estava coberto de sujeira, havia vidraças quebradas e o vidro estava sujo, o cheiro de mofo era quase insuportável.
— Milady, onde estão os empregados? — a criada perguntou.
— Eu não sei, Maggie. Talvez os encontremos mais tarde.
Ela não acreditou nas suas próprias palavras, mas, pelo olhar de horror de Maggie, viu que seu destino era lastimável.
Ela tentou engolir o choro quando percebeu sua realidade, aquilo também era mais um castigo, ele não havia sido misericordioso, afinal.
Secou uma lágrima teimosa e suspirou.
Como faria para cuidar daquela casa sozinha? Quem cozinharia? Lavaria as roupas e lençóis.
Ela não sabia fazer nada destas coisas.
Suspirou e esfregou a testa que estava doendo.
Tudo ficaria bem, ela conseguiria e seria feliz.
Evellyn ficava repetindo aquela frase tantas vezes para tentar se convencer de que seria certo.
O cocheiro desceu seus baús e os colocou no hall e olhou para ela e para a casa como se tivesse vendo um fantasma.
— Milady, tem certeza de que é esta a propriedade que a senhora queria ficar?
— Sim, senhor. É Hollan Dover, não é?
— Sim. Não ouviu que estas terras são...
— São o quê?
— Assombradas.
— Assombradas? Olha, senhor, isso são apenas histórias, fantasmas não existem.
— Aqui dizem que não há apenas fantasmas, dizem que tem lobos selvagens. Dizem que quem entra nestes bosques não saem vivos.
— São apenas histórias, não há lobos selvagens aqui, nem monstros assassinos.
— Boa sorte com isso.
Antes que ela pudesse pedir uma ajuda para colocar os baús no quarto, ele tinha partido, quase correndo. A atitude do homem a tinha deixado com medo.
Bem, já que estava ali e não tinha outro lugar para ir teria que se adaptar.
A primeira coisa que fez foi abrir as janelas para arejar a casa e deixar a claridade entrar.
Estava tão cansada da longa viagem que todos seus músculos doíam. Seus olhos ardiam e seu estômago roncava de fome, mas não poderia descansar agora, teria que limpar tudo.
Queria encontrar uma cama e dormir, descansar o corpo dolorido, mas, infelizmente, não tinha tempo para isso.
Os móveis na casa estavam cobertos com lençóis, mas, pelo que podia ver, depois de limpos, estaria bem.
A casa estava fria e teria que arrumar lenha para as lareiras. Se ela estava sozinha, então teria que aprender a fazer coisas que nunca tinha feito antes, pois seria muito injusto deixar todos os afazeres
para Maggie, que era muito trabalhadora, mas pequena e franzina.
Não era correto, mas na altura dos acontecimentos nada estava correto.
Evellyn retirou as luvas de couro e o chapéu, olhou para seus baús e para a escada que levava ao segundo andar. Teria que levar suas coisas devagar, porque não conseguiria subir as escadas com um baú,
mas não se abalou.
Foi entrando em cada cômodo, abrindo as janelas e retirando os lençóis; tossia no processo, pela poeira que levantava no ar.
Assim seguiu seu dia, mas quando a noite caiu, estava esgotada, com o cabelo despenteado e o vestido sujo.
A cozinha havia sido limpa, mas não poderia cozinhar ali, pois não havia nenhuma comida.
Tinha demorado um tempo considerável para colher lenha seca e trazer para acender o fogo, já que parecia ter chovido há poucos dias, mas não teve coragem de entrar no bosque fechado que havia ali perto,
parecia sombrio demais e, devido ao pavor do cocheiro, tinha ficado com medo.
Outra luta foi conseguir tirar água do poço, já que teve que colocar uma corda e um balde para alcançá-la.
Evellyn se asseou em uma pequena bacia, colocou um vestido limpo e simples.
— Obrigada por ter vindo comigo, Maggie.
— É minha honra, senhora. Quem amarraria seu espartilho se eu não estivesse aqui? Quem fecharia os botões nas costas dos vestidos?
— Bem, talvez eu tivesse que andar sem ele.
— Oh, seria um escândalo, madame.
— E quem iria reclamar do escândalo, Maggie? As árvores?
A moça soltou uma risadinha.
— Acho que não, senhora.
— Acho que deveria procurar aqueles modelos com fechos na frente. Assim eu mesma poderia colocá-lo.
— É bonito, madame.
— Não se preocupe, Maggie. Sobrevivemos ao primeiro dia. Ficaremos bem.
— A senhora acha? Não me parece justo.
— O que achava justo? Continuar vivendo naquela casa com aquele devasso?
A garota ficou vermelha como uma pimenta.
— Ahn, não senhora, acho que não.
— Sei porque veio. Queria fugir de lá tanto quanto eu. Não precisa esconder de mim. E não a julgo. Na verdade, fico feliz que tenha vindo. Aqui viveremos em paz. Nem que tenha que ser somente nós duas.
Talvez na vila encontremos alguém para trabalhar aqui.
— Sim, madame. É possível.
Ela suspirou e olhou seu vestido.
— Deus Santíssimo, se eu colocar um avental e uma touca ficarei igual a você.
A moça riu, cobrindo a boca com a mão.
— Por favor, senhora, seria um sacrilégio.
Evellyn riu.
— Vá para seu quarto descansar, trabalhou muito hoje. Ficarei um pouco na sala, depois me recolherei.
— Mas precisa que a vista com a roupa de dormir.
— Hoje não. Eu darei conta de mim mesma. Vá dormir, pois amanhã teremos um longo dia. Como estavam os aposentos dos empregados?
— Não muito bem — sussurrou e Evellyn a olhou.
— Pode dormir ali?
— Os colchões estão... um tanto podres, mas coloquei uma manta no estrado, estarei bem.
Evellyn piscou aturdida.
— Pegue um dos quartos aqui em cima.
— Oh não, milady, não posso fazer isso.
— Por favor, Maggie, não quero que fique mal acomodada, estamos só você e eu aqui e tenho obrigação de provê-la.
— Sou apenas uma criada, senhora, sou acostumada a isso.
— Pegue o quarto do fim do corredor, Maggie, e não discuta comigo.
A garota espremeu as mãos e a olhou com os olhos marejados, nitidamente agradecida.
— Obrigada. Boa noite, senhora — disse fazendo uma reverência e saiu do quarto.
Evellyn respirou fundo, desceu as escadas e foi para a sala da frente, levando um candelabro de três velas. Foi para frente da lareira, avivou-a com o atiçador de fogo e colocou mais um pau de lenha. Em
seguida, acendeu o lampião e várias velas, pois não gostava do escuro.
Ela ficou pensativa, lembrando-se dos últimos acontecimentos em Londres. Em como tinha se apressado na sua decisão de partir, antes que chegasse o inverno, porque, felizmente, tinha tido um pouco de juízo
e não fugido com quilos de neve sem saber exatamente para onde estava indo.
Mas com isso não teve tempo de averiguar o estado que se encontrava a casa e, muito menos, ter percebido o embuste que Rupert tinha feito a ela, mentindo sobre os empregados e a condição da propriedade.
Pelo menos, ainda tinha tempo de providenciar que a casa ficasse aquecida antes que o inverno chegasse.
Então, cortou uma fatia de pão que estava sobre uma travessa na mesinha de centro e deu uma mordida.
Evellyn olhou para suas mãos e estavam machucadas pelo trabalho e pelas lascas de madeira e deveria passar um unguento para aliviar a dor.
Nunca tinha feito algo tão pesado e de baixa linhagem, mas se não fizesse, quem faria?
Sentada na poltrona, em frente ao fogo, comeu o pão, queijo e tomou o vinho que tinha levado na viagem.
Na verdade, pensando friamente, aquilo não era de todo mal. A liberdade podia ter seu preço e ela pagaria.
Talvez pudesse resgatar seus antigos sonhos onde pudesse ver as cores vivas das borboletas e contemplar as nuvens no céu. Sentir o cheiro da relva, da terra molhada ou ouvir o som dos pássaros que sempre
lhe trouxe alegria, pois tudo tinha ficado tão cinza.
Ela almejava a vida, a grandeza de pensamentos. Queria poder pensar e falar livremente. Ter sua alma expandida de sonhos e vontades. Ser respeitada. Talvez ser somente deixada em paz para viver como quisesse.
Quando levou mais um pedaço de pão à boca, sorriu pela sua situação: ela estava comendo na cadeira em frente a uma lareira e não na mesa pomposa, com pratarias e cristais.
Tinha trabalhando como uma criada, estava muito cansada e somente tinha pão e queijo para comer e estava se sentindo feliz, porque estava fazendo algo que antes era proibido, insensato e negligente e,
agora ela podia fazer.
Sua situação não era para sorrir, mas algo dentro dela disse que ficaria bem, que poderia ser dona de sua vida. Pela primeira vez na vida, ninguém ali a incomodaria e lhe daria ordens.
Nunca mais queria receber ordens de ninguém. Nunca mais deixaria que um homem a humilhasse ou a tocasse sem que ela quisesse.
Naquele momento algo se transformou dentro dela, porque uma ponta de esperança apareceu. Uma força nova a avivou.
Sua situação estava ruim, mas pior do que o inferno que ela passara com seu marido e com Rupert, não poderia ser.
Dinheiro e posição social não eram tudo, porque havia coisas que era pior que isso. Pelo menos para ela.
Ela necessitava ser feliz, porque sua alma morreria sem isso e não permitiria.
Tinha conseguido manter-se firme até agora e com esta atitude de Rupert sabia que queria dobrá-la. Bem, ele não a conhecia bem, que o chutou para fora de sua vida.
Lutaria e mesmo que fosse difícil, venceria.
Agora precisava vender suas joias, talvez na vila no qual tinham passado, pudesse vendê-las, talvez houvesse uma loja de penhores.
Talvez em alguma outra cidade próxima.
Não pôde fazê-lo em Londres, e nem pensou que necessitaria, mas no estado que a casa estava, precisaria para ajudar na sua manutenção e se sustentar até arrumar um trabalho.
Tinha a previsão de uma mesada mensal, que poderia contratar alguns empregados e comida, que Rupert prometeu enviar, mas como já tinha conhecido seu plano de retaliação, duvidava que ele enviaria algum
dinheiro. Mas se vendesse algumas joias poderia arrumar a casa de forma adequada.
E guardaria a outra parte para algo que precisasse futuramente, alguma roupa ou produto de necessidade íntima, mas nada luxuoso.
Afinal, ela não pretendia nunca mais ir a um baile enfadonho em Londres ou naquelas festas horrorosas, ouvindo tantos fuxicos e maledicências, tendo que se cuidar prontamente a cada passo para que um lorde
não a comprometesse com suas atitudes estúpidas.
Mas poderia trabalhar. Ela tinha muitas habilidades, descobriria uma forma de usar uma delas para ganhar dinheiro.
Uma dama não deveria trabalhar, mas não tinha mais ninguém para subsidiá-la.
Era desesperador, mas forçou a ideia na sua cabeça de que tudo ficaria bem. Ela sorriu mais, pegou a taça e tomou um gole do vinho e quase a derrubou quando ouviu um uivo.
Evellyn arregalou os olhos e ofegou, levantou da poltrona e ficou quieta tentando ouvir. Talvez seus ouvidos tivessem lhe pregado uma peça, mas não. Logo outro uivo soou e ela arfou com os olhos arregalados.
Temerosa, foi até a janela e tentou olhar para fora, mas tudo estava muito escuro, pois o céu estava nublado e não podia ver a lua para clarear a noite. Nem sequer podia ver as estrelas. Toda aquela escuridão
causou um medo obtuso que insistiu em invadir seu coração, deixando suas mãos trêmulas.
Então ouviu outro uivo e se assustou mais, parecia mais perto, depois outro e mais outro.
Agora eles pareciam muito perto da casa e ela se afastou da janela e ficou parada no meio da sala, espremendo as mãos, respirando com dificuldade.
— Oh, meu Deus! Não posso crer que estas lendas são verdadeiras, que realmente existem lobos ferozes neste condado — disse temerosa.
Não havia nenhum criado na casa, um homem forte que pudesse protegê-la, empunhar uma arma e afugentar os lobos perigosos.
Ou qualquer outro perigo.
Já tinha sentido muitos temores na vida, mas de se sentir desprotegida em uma propriedade isolada no meio do nada nunca fora uma delas.
Então os uivos silenciaram e sem ouvir mais nada, ela voltou para sua cadeira. Mal sentou e se assustou novamente com uma batida na porta, quase a fazendo desmaiar de susto.
Trêmula, Evellyn soltou o pão sobre a mesa, arregalou os olhos e olhou para a direção da porta, nervosa.
Era tarde, já estava escuro. Quem poderia bater à sua porta àquela hora? Um calafrio de medo percorreu seu corpo.
Se fosse um intruso? Como poderia se defender?
Mas um intruso não bateria na porta.
Ela foi até a porta e tentou ouvir algum barulho.
Se ficasse quieta, talvez fosse embora.
Ela encostou mais o ouvido à porta para ouvir, então saltou para trás, dando um gritinho, quando houve outra batida brusca.
— Quem é? — ousou perguntar, temerosa.
— Eu gostaria de saber quem está na casa! — veio a voz retumbando como um trovão.
— Por... Por quê?
— Sou Christopher Ulric, e esta propriedade é privada e faz parte do condado de Kent, portanto está fechada. Fui informado que, pela manhã, uma carruagem veio para cá e vejo que há fogo na chaminé. Se
é um invasor, deverá ir imediatamente.
Ela engoliu em seco pela voz forte e poderosa, que causava um arrepio na espinha.
Pensou em dizer que somente se chamava Evellyn, pois tinha jurado que não usaria mais o título, mas se o usasse, com certeza o homem não ousaria fazer-lhe mal.
— Bem, Sr. Ulric, eu sou a condessa Rockswood, me chamo Evellyn Longhard e sou herdeira desta casa e hoje tomei posse dela. Não sou uma invasora.
Houve um silêncio lá fora e ela encostou o ouvido à porta para ouvir, parecia que ouviu um rosnado.
Será que os lobos estariam ali por perto? Mas o homem e os lobos não poderiam estar juntos na frente da sua porta.
— Senhor?
O silêncio se estendeu e ela franziu o cenho.
— Senhor, está aí?
— Que bem-feito, Sra. Longhard. Então lhe dou as boas-vindas e ficaria muito grato se eu pudesse cumprimentar a dama sem a porta no meio.
Ela se espantou como ele estava falando.
— Talvez o senhor devesse vir amanhã, pois a hora está muito adiantada, já está escuro.
— Enxergo perfeitamente bem para lhe ver à noite.
— Não é hora para visitas, é descortês.
— Está com medo de mim?
— Ora, não, claro que não. De onde tira tal disparate, somente não é o momento adequado.
— A senhora costuma atender a porta?
— Hã... meus criados já se recolheram.
Houve outro silêncio.
Obviamente que ele estranhou tal comentário.
E não era verdade, tinha um receio sobre ele, afinal, estava sozinha na casa e ele era um desconhecido.
Quem inferno era Christopher Ulric?
— Eu tenho um bom vinho, queijo fresco e uvas na minha carroça, estou voltando da vila, permita-me entrar e faremos um brinde de boas-vindas. Se nós seremos vizinhos, devemos ser amigos. Não tema, não
a machucarei, nem a insultarei de qualquer forma. Sou muito respeitado na região.
Ela ficou se debatendo se deveria abrir ou não, estava se tornando insistente e era estranho.
Um cavalheiro não agiria assim, mas ela não estava em Londres, estava no interior da Inglaterra, no campo, e ali as atitudes poderiam ser diferentes, as pessoas poderiam ser mais amigáveis e desprovidas
de regras rígidas como em Londres.
Era uma mulher livre, viúva, então poderia mudar um pouco seu comportamento.
Seria bom ter um amigo.
Sabia que não devia, mas a curiosidade foi maior, destrancou a porta e a abriu.
Bem, se ela não teve um ataque em seu coração nesse momento, não teria mais em sua vida, porque a visão que tinha na sua frente era de outro mundo.
Evellyn literalmente abriu a boca de espanto e deu dois passos para trás.
Christopher Ulric era espantoso, diferente e fascinante. Era o homem mais alto, forte e lindo que já viu na sua vida.
Ele estava vestindo uma camisa bege com o colarinho aberto, e seu plastrom estava desatado caindo em seu pescoço, usava o colete marrom, sem a casaca e a calça marrom estava coberta com uma bota de montaria
quase até o joelho.
Seu cabelo loiro estava longo e despenteado e balançava levemente com o vento, e as mechas mais escuras e fios mais claros, o deixavam exótico, mas seus olhos... eram incríveis, e ela nunca poderia esquecê-los.
Sem contar seu tamanho, era tão alto quanto a porta, o que devia ser uns dois metros de altura. Surpreendentemente grande comparado com seus 1,60m.
Ela quase não conseguia respirar. Estava espantada com ele, mas ele também estava com ela, porque a forma devastadora que a olhava de cima a baixo parecia quase surreal e ultrajante. Porém, o mais chocante
de tudo é que ela o reconheceu. Era o homem que falara com ela no baile, anos atrás.
O homem que havia tomado seus pensamentos, seus sentidos.
O silêncio perturbador tomou conta deles, e ambos ficaram um pouco perdidos, então ele piscou, pigarreou, o que a assustou um pouco, pois pareceu mais um rosnado.
Christopher ficou intrigado quando seu lobo disse que havia chegado alguém na casa abandonada e quando, ao longe avistou a fumaça, resolveu averiguar o que estava ocorrendo na casa da Sra. Portrart, a
viúva que morrera há alguns anos.
Mas pensou que sua mente lhe estava lhe pregando uma peça, pois quanto mais se aproximava, o cheiro da fêmea tomou conta dele.
E agora, a vendo ali, parada na sua frente, estava tão atordoado que pensava que não conseguiria se conter.
A alegria que alagou seu coração era vibrante.
Ele tentava pensar para assimilar a visão que estava tendo. Precisava ser cauteloso e ponderado, se é que fosse possível.
Foi difícil de encontrar as palavras para sair daquele silêncio absurdo.
— Boa noite, Sra. Longhard.
Oh e sua voz, cadenciada, forte e hipnótica.
Ele fez uma reverência extremamente educada e ela quase suspirou com um seguido súbito desmaio.
— Oh... boa… boa noite.
— Aceitaria tomar uma taça de vinho comigo? Eu garanto que é dos melhores da região.
— Vinho? Eu… não sei se seria adequado a esta hora.
— Está sozinha?
— Não…
Ele passou os olhos pelo hall e para a sala e seu ouvido aguçado não captou sequer nenhum barulho vindo de dentro da casa.
— Senhora, não precisa mentir para mim sobre isso, pensando que eu a atacaria ou algo do gênero. Eu prometo que está segura comigo.
Estava?
— Não estou pensando nisso.
— No que pensa, então?
Ela apertou os lábios, porque, inconsequentemente, sua mente estava pensando coisas pervertidas.
Nunca tinha pensado isso na sua vida, nunca tinha desfrutado em ver o corpo masculino, mas aquele ali era deslumbrante de roupa, imagine sem ela.
— Nada! — ela respondeu rapidamente e tapou as bochechas com as mãos, porque ficaram vermelhas e quentes.
Ele sorriu, lentamente, porque pôde ver o desejo nos olhos dela e ficou fascinado, porque ela era simplesmente adorável e mais linda envergonhada.
Quanta saudade tinha sentido, e que emoção lhe transbordava o peito ao vê-la. Tanto que sua garganta estava embargada.
Ela parecia cansada e abatida, mas estava mais linda do que nunca.
O que inferno ela estava fazendo ali?
Evellyn tinha o cabelo preso em um coque meio desmontado e seus olhos eram ainda mais lindos do que se lembrava, brilhantes e vivazes, apesar da olheira.
Seu vestido era preto e estava tão simples, fechado até o pescoço e de mangas longas e justas, abrindo em sino até o chão e ele percebeu que não usava nenhuma armação que as moças finas usavam.
Sua aparência, desleixada, poderia tolher seus predicados, mas ele a achou a mulher mais encantadora e linda que já havia posto os olhos.
A beleza exterior se tornou efêmera, quando algo dentro dele se revirou e seus olhos viam muito mais do que qualquer um poderia ver.
Ele via sua alma e se viu refletido nela. Ele viu a esperança e desejo. Ele viu sua companheira.
— Um vinho, então?
— Está bem.
Ele deu meia volta e foi até sua carroça, pegou uma garrafa de vinho, outro embrulho e uma cesta e voltou à casa.
Ela deu espaço e permitiu que ele entrasse e o levou até a sala.
Quando ela fechou a porta e viu o homem sozinho com ela na sala ficou com medo. E se a atacasse?
Mas era um cavalheiro e estava nervosa demais para atinar seus pensamentos.
Evellyn achava que tinha realmente perdido o juízo.
Não sabia como agir direito, pois nunca esteve sozinha com um estranho antes.
— Aconchegante — ele disse olhando ao redor.
— Não precisa mentir, não está aconchegante. A casa estava totalmente desprovida de limpeza e móveis, eu não sabia que seria assim e agora eu devo arrumar tudo e consertar algumas coisas. Por favor, sente-se.
Ele foi até a lareira e colocou tudo sobre a mesa de centro e sentou.
— Está aconchegante, porque está quente e limpa.
— Certo, hum... obrigada, então.
Ele queria fazer mil perguntas.
— Sra. Longhard, por que está sozinha aqui nesta casa? Por que não veio com seus criados?
— Não tenho criados.
— Por que não? Isso seria... confuso.
— Bem, ganhei a casa de herança, quer dizer, somente passou para mim e eu vim... eu vim ver como estava, vou ficar aqui por um tempo.
Era uma mentira, mas estava envergonhada por ter que assumir para aquele estranho que estava sozinha.
Na verdade, estava se sentindo humilhada.
Seus brios ainda estavam muito estraçalhados para sentir orgulho daquilo tudo.
Era só uma questão de tempo.
Ele estreitou os olhos, a observando, olhou para suas mãos e trincou os dentes.
Onde estava o infeliz de seu marido que permitia tal coisa?
Ele queria matar o bastardo.
— Está ferida! — resmungou, quase zangado apontando para suas mãos delicadas.
— Não é nada, foi com a madeira, as catei lá fora para a lareira e a limpeza toda. Tive sorte de ter água no poço. Eu me acostumarei, a casa precisa de reparos e devo fazê-lo.
— Não respondeu minha pergunta. Por que não tem criados?
— Eu pensei que havia criados aqui e quando cheguei estava vazia e agora preciso contratar alguém.
Ele piscou aturdido.
— Eu posso ajudá-la com os consertos.
— Pode?
— É claro, é minha obrigação auxiliá-la em tudo que necessite.
— Obrigação?
— Ajudar nossos vizinhos.
— Oh. Isso não acontece em Londres.
— Mudou definitivamente de Londres?
— Sim. Grande mudança, não acha?
Onde está seu marido?
— Prefiro a calmaria do campo, entre os meus, onde me sinto seguro.
Onde está seu marido?
— Entendo o que quer dizer.
— Creio que aqui no interior, não estamos seguindo as mesmas regras que Londres.
Onde está seu marido?
— Realmente não, o que me deixa feliz.
— Não era feliz em Londres?
— Não.
Onde está seu marido?
Aquela pergunta estava na ponta de sua língua e ele não aguentava mais segurar.
— Onde está seu marido? — finalmente perguntou.
Ele a olhou por um longo momento, quando ela o olhou com os olhos arregalados e ficou vermelha como um tomate e seu semblante demonstrou dor.
Então eles ficaram se olhando de forma intensa e aterradora.
— Não tenho mais marido.
— Ele morreu?
— Sim, há alguns meses. Como sabe que tinha um marido?
— Eu sei...
Ela ficou esperando que ele respondesse.
— Eu a vi no baile anos atrás, em Londres, e a senhora tinha um marido.
Era verdade e isso a perturbou imensamente. Ele se lembrava dela!
— Bem... sim, eu me recordo, mas agora sou viúva.
A informação caiu na sala como uma bomba e então ele ficou chocado olhando para ela, que estava tensa, envergonhada na cadeira.
— Estupendo! — A palavra saiu antes que ele segurasse a língua e ela o olhou novamente com os olhos arregalados.
— Estupendo?
— Quer dizer, eu lamento.
— Oh, obrigada.
— Pode ser feliz novamente.
Ela piscou uma e outra vez e o impressionante foi que esta frase, saída dos lábios dele, a acalmou e alegrou e ela sorriu lentamente e um brilho chegou ao seu olhar e ele sorriu também.
Ele não a estava julgando, parecia contente. Estranho.
— Sim, eu posso ser feliz. É o que desejo.
Ele passou as mãos nervosamente sobre suas coxas, abriu o embrulho que continha uma peça de queijo e tirou a rolha da garrafa de vinho, servindo a taça que havia na mesa.
— Um momento.
Ela levantou e foi rapidamente na cozinha e trouxe outro prato e outra taça.
— Isso é descortês, eu deveria arrumar a mesa.
— Estava sentada aqui comendo seu pão e seu queijo quando cheguei?
— Sim.
— Bem, então aqui está bem confortável para mim.
Aquilo a espantou, mas achou bom. Depois que ele serviu, eles comeram o queijo e beberam o vinho.
— Oh, mas este queijo é delicioso e este vinho, como tem o sabor diferente dos que costumava tomar, parece tão mais encorpado e delicioso — disse espantada.
— Obrigado.
Ela o olhou sem entender.
— É minha produção. Fui eu que produzi o queijo e o vinho.
— Oh! Verdade?
— Sim, eu estava voltando da vila, a qual tinha levado para abastecer o armazém.
— Fascinante, perfeito, é um grande produtor, Sr. Ulric. É o melhor queijo e vinho que já provei na vida.
Ele sorriu de forma tão deliciosa que Evellyn sentiu algo acender dentro dela. Uma, porque soube que seu elogio soou tão sincero que tocou o coração dele e isto a deixou feliz; e outra, porque a maneira
que ele a olhava era atordoante.
Ele quase a devorava com os olhos, se deliciava literalmente a olhando.
Era perturbador e, ao mesmo tempo, avassalador porque esquentava seu coração.
Christopher estava desconcertado.
Ela era tudo que tinha esperado. Somente ao ouvir a voz dela através da porta, suas memórias ficaram tão vívidas, lembrando-se de como era deslumbrante, graciosa, meiga, linda de uma maneira que fez seu
coração saltar no peito, mas agora a vendo, era tudo isso e muito mais.
Quem diria que uma coisinha preciosa destas, cairia nas suas garras, bem ali, debaixo do seu nariz.
Os deuses estavam sorrindo para ele.
Agora ele acreditou piamente que a lenda dos companheiros de alma era verdadeira e que quando os deuses disseram que um pertencia ao outro, nada no mundo os separaria.
Um dia eles se encontrariam, se pertenceriam e se amariam mais que tudo no mundo.
Tinha se sentido tão miserável desde que tinha deixado Londres e a deixado para trás e agora tinha uma segunda chance com ela vindo parar bem ali.
Sozinha.
Ele morreria antes de deixar esta chance passar novamente.
— Desculpe a pergunta, minha senhora, mas nem sequer trouxe uma acompanhante, uma aia?
— Oh, sim, Maggie veio comigo, ela já se retirou para seus aposentos. Estava muito cansada, coitadinha.
Ela se sentiu envergonhada pela maneira como ele a olhou. Realmente estupefato.
Parecia que sua situação estava de causar um espanto exacerbado.
— Creio que não conheço muito bem as leis, mas como viúva teria que ter uma boa propriedade, uma renda, empregados. Não... não tinha um herdeiro?
Ele se arrependeu logo de perguntar, porque o brilho dos olhos dela apagou de vez.
Ela pensou em negar, mas o que ela deveria esconder? Não gostava de mentir e, para ele, parecia ainda mais errado.
Era atordoante, mas sentia-se segura perto dele, não sentia medo.
Estranho!
Ela não poderia contar a ele sua desgraça, ou poderia?
Bem, era sua vida, sua realidade, não tinha porque mentir. Se fossem amigos, era natural contar as coisas.
— Não.
— Lamento.
— Bem, isso não importa. Eu escolhi ficar aqui.
— Mas você é uma condessa.
— Sim, eu sou...
Ele ficou olhando-a intensamente esperando que ela falasse, mas ele percebeu que ela estava omitindo as coisas e não queria ser rude.
— Isso é passado, agora tenho que aprender a viver por mim mesma.
Ele piscou aturdido. Queria fazer mil perguntas, porque aquilo era inaceitável. Mas ele viu naquilo uma oportunidade de se aproximar dela.
— Vai conseguir.
— Sim, eu vou.
— Vou ajudar.
— Não precisa se…
— Vou ajudar, tudo que precise, pode vir a mim.
— Sr. Ulric…
— Eu insisto, quero ser seu... amigo.
Ela ficou boquiaberta quando ele segurou sua mão e nem conseguiu piscar.
Aquele contato e a maneira que a olhou eram surreais, seu corpo todo reagiu como se tivesse levado um choque.
Aqueles incríveis olhos azuis eram tão hipnotizantes, eram tão claros como o céu em dia ensolarado e ela ficou olhando para eles, embasbacada.
Lindo, era tão lindo.
— É... É muita gentileza sua.
— É uma honra.
Ela puxou a mão da dele, porque parecia que formigava e o contato a deixou atordoada.
Algo estava errado com ela.
— O senhor é casado?
— Não, estava esperando a mulher certa.
— Oh...
Houve um silêncio por um momento e comeram calados, encabulados um com o outro.
— O senhor tem uma grande produção?
— O suficiente para me manter bem ocupado.
— O senhor não tem filhos? Pensei em oferecer-me como tutora.
— Tutora? Mas uma condessa não pode trabalhar! — disse espantado.
— Sim, sou uma condessa, mas se não fizer algo para que tenha uma renda mensal satisfatória para manter esta casa e contratar empregados, eu morrerei de fome. Então, o senhor tem filhos? Quer dizer, disse
que não é casado, mas nenhum filho?
— Não tenho filhos.
— Oh...
Houve outro silêncio entre eles e ela disfarçou nervosa quando o olhou e ele olhava fixamente para ela. Era como se uma tocha acesa passasse por seu corpo.
— O senhor sabe se na vila eu poderia conseguir um trabalho como tutora? Ou dama de companhia, ou governanta? Sou fluente em francês e sei tocar piano, sou boa nos bordados…
— A senhora sabe contas?
— Contas? — perguntou espantada.
— Sim, para lidar com livro de contas.
— Bem... sim, eu sei bem de contas e sei ler e escrever muito bem e…
— Está contratada.
— O quê? — disse espantada.
— Preciso de alguém que lide com minhas contas, meu contador faleceu e eu necessito de um, não gosto realmente de lidar com os livros.
— Vai confiar seus livros a mim? Uma mulher? — perguntou assombrada.
— O que há de errado nisso?
— Ninguém contrata uma mulher para as contas.
— Bem, eu faço.
— Sr. Ulric, isso...
— Está decidido, a partir de amanhã, todas as tardes, pode ir a minha casa para ver as contas, porque isso realmente me aborrece. É somente depois da colina. Será muito bem remunerada.
— Eu... não sei o que dizer.
— Milady, não queria uma renda? Estou lhe dando uma. Não era o que desejava?
Não era o que ela esperava, mas foi o que surgiu no momento.
— Eu não sei. Garotas são criadas para serem esposas e damas da sociedade. Isso é novo para mim. Quer dizer, eu não esperava um desfecho destes.
Ela ainda estava boquiaberta, pois aquilo era uma responsabilidade muito grande, mas não estava em condições de recusar um trabalho.
Deus Santo, um trabalho remunerado. E as perguntas que ele fazia a deixava tonta.
A realidade bateu novamente na sua cara. Ela estava pobre e precisava de um salário. Seu pai morreria se visse isso, mas bem, não tinha mais um pai. Não tinha mais uma família para voltar.
A dor daquilo ainda dilacerava seu coração.
— Está bem, eu aceito. Muito obrigada pela confiança, eu prometo não decepcioná-lo.
— Ótimo, então amanhã começa. Mas a senhora não respondeu minha pergunta.
— Que pergunta?
— O que você queria ser, Sra. Longhard?
Ela piscou aturdida o olhando.
— Bem, quando eu souber a resposta eu lhe direi.
— Feito. Um brinde ao nosso acordo.
Ele ergueu sua taça e ela fez o mesmo e eles beberam do vinho.
Uma nova vida estava sorrindo para ela e um lindo Sr. Ulric.
Christopher olhou para ela e levantou, pois estava ficando louco perto dela.
Uma reação tão atípica que se não saísse dali logo, saltaria sobre ela para lhe roubar um beijo, porque aqueles lábios eram tão perfeitos e pareciam gritar para que fossem beijados e quando ela sorria,
seu coração se derretia.
— Eu devo me retirar, já é tarde e a senhora precisa descansar.
— Oh, sim, claro!
Ela o acompanhou até a porta.
— Vejo a senhora amanhã?
— Sim, amanhã à tarde.
Ele segurou sua mão e beijou seu dorso, lentamente e quando sentiu sua pele, seu lobo saltou mais forte.
Tocá-la era maravilhoso, e ela sentiu o mesmo, pois o doce e inocente ato retirou a respiração de Evellyn.
— Boa noite, Sra. Longhard.
— Boa noite, Sr. Ulric. Ah, senhor!
— Sim?
— Eu... Eu ouvi uivos, pareciam de lobos... Isso era real ou coisa de minha cabeça? Eu ouvi as lendas deste lugar, mas achei que não era verdade, existem lobos realmente aqui? — perguntou apreensiva.
Ele ficou olhando para ela, seriamente, como se estivesse pensando se respondia ou não.
— Sim, é verdade, existem lobos.
— Oh meu Deus!
— Eles não a machucarão, os lobos fazem parte da nossa comunidade há muitos anos.
— Mas...
— Eles não a machucarão, nunca, acredite em mim.
Ela suspirou e assentiu, querendo acreditar nisso.
— Quando estiverem aqui por perto será para sua proteção.
— Os lobos me darão proteção?
— Sim. Eu direi e eles farão.
— Vai dizer aos lobos?
— Sim, eles me obedecem.
— Os lobos o obedecem? Nunca ouvi tal coisa, é uma espécie de encantador de lobos? — perguntou com um sorriso, o que o fez sorrir lindamente também.
Sorrir, um simples ato que parecia tão longe dele e que ela estava ressuscitando.
Era revigorante.
— Sim, sou uma espécie disso.
— Bem, se diz, vou acreditar. Pode me mostrar algum dia como faz?
— Será uma honra.
Ele beijou sua mão novamente, foi embora e ela, muito atordoada, foi guardar as louças, só então percebeu que ele havia deixado o vinho e a peça inteira de queijo com a cesta de uvas.
Por um momento ela pensou que era um terreno perigoso trabalhar para ele, pois havia alguma coisa diferente nele, só não sabia o que era.
Christopher era exótico, muito grande. Ele quase tinha que se abaixar para passar pela porta, mas era tão lindo, gentil e encantador. Sua mão ainda estava queimando onde ele havia beijado.
Evellyn foi até seu quarto carregando o candelabro de três velas e o colocou sobre a penteadeira, depois foi até a lareira e avivou o fogo e olhou, apreensiva, para a porta do quarto adjacente.
Aquele ali deveria ser o quarto do lorde e o do lado o de sua esposa, como era de costume, um quarto para cada.
Eram poucos casais que dividiam a cama todas as noites.
Ela passou a chave na porta para se sentir mais segura e voltou para a penteadeira, sentou na banqueta e abriu uma caixa de madeira que estava sobre ela.
Trouxe o pequeno pano de linho branco para observar na luz das velas e suspirou.
Ela passou os dedos sobre o pequeno bordado no lenço, que continha as iniciais C. U.
O lenço era dele, que no baile havia se esquecido de devolver. Era a única coisa que tinha restado dele. E as lembranças e sonhos.
— Agora eu sei seu nome. Christopher Ulric. Mas o que estaria fazendo naquele baile?
Ela ficou pensativa, pois estava confusa. Devia ter perguntado, mas estava muito atordoada para raciocinar com aquele homem gigante na sua frente.
Somente um nobre estaria naquele baile, mas ali na sua casa estava agindo como um homem sem tantas posses.
Nem sequer se apresentou como um nobre. Deveria ser o administrador da tal propriedade que falou.
Ela suspirou confusa e sonhadora, tinha sonhado tanto sobre aquele lenço, lembrando sobre aquele dia no baile. No quanto aquele homem desconhecido tinha enchido sua vida de suspiros.
Quanto o tinha imaginado como os heróis dos livros de romances que lia escondida na biblioteca, os poemas de amor, sonhos encantados que ela tinha sonhado, mas que tinham ficado somente nos sonhos.
A vida era diferente. Não havia nenhum conto de fadas ou cavaleiros que salvavam as princesas.
Relutando fortemente de sair de seus pensamentos ela suspirou.
Tinha se sentido tão culpada porque era uma mulher casada e não conseguia esquecer aquele homem do baile.
E com estes pensamentos ela dormiu.
Aquela noite, Evellyn teve seus sonhos tomados por aquele homem magnífico: Christopher Ulric.
No dia seguinte, desvendaria os mistérios do nobre ou não nobre homem.
Quando amanheceu, Evellyn, não conseguia tirar o belo Ulric da cabeça.
Parecia que necessitava vê-lo, e que a manhã pareceria uma eternidade até que fosse à sua propriedade. Mas tinha muitas coisas para fazer pela manhã, muitas coisas a limpar e isso serviria para distraí-la.
Estava tomando uma xícara de chá e comendo o pão com queijo e isso a lembrou que deveria ir até a vila e comprar comida, não poderia ficar comendo pão com queijo o tempo todo.
Talvez necessitasse uma vaca para ter o leite, mas não sabia como tirar o leite da vaca e acreditava que Maggie tampouco soubesse. Melhor seria comprar o leite.
Precisava de carne, mas não tinha como ter uma criação, pois não entendia nada daquilo, mas uma vaca comia capim era só colocar ali fora e estava alimentada, mas e para comer? Poderia criar umas galinhas,
mas quem teria coragem de matar e depená-las? Então deveria comprar a carne. E os legumes?
Ela suspirou, pois deveria anotar tudo em um papel para se organizar, e, quando levou a xícara à boca, uma batida na porta a assustou, quase a fazendo derrubar a xícara.
— Santo Cristo, estas pessoas deveriam bater com menos força — sussurrou.
Maggie foi atender a porta e Evellyn quase derrubou a xícara novamente quando um grito agudo ecoou pela casa.
Segurando a saia, Evellyn foi correndo para a porta e quando ela chegou, a viu aberta e Maggie estava desmaiada no chão.
Piscou atordoada quando um bando de homens e mulheres estrondosamente altos e belos, como nunca vira, e com olhos diferentes, estavam atravancando a soleira de sua porta.
Evellyn abriu a boca de espanto e se afastou assustada, encantada e sem mais adjetivos para descrever. Não conseguia respirar, atônita com aquela visão.
— Acho que sua criada se assustou e desmaiou — um deles disse.
Evellyn foi até a garota e abanou a mão no rosto dela.
— Maggie!
Então, assombrada, olhou para aquelas pessoas novamente. Ainda não sabia como ela mesma não tinha desmaiado.
— Quem... quem são vocês?
— Bom dia, Sra. Longhard. Nosso alfa nos mandou para ajudá-la a arrumar sua casa — uma das mulheres disse com um sorriso deslumbrante.
— O quê?
— Nosso alfa nos pediu que a ajudasse. Creio que o conheceu ontem à noite.
— Quem?
— Christopher Ulric. Ele disse que estava sem criados.
— Oh.
— Sim, milady, faremos os consertos que necessita — um dos homens disse.
— E nós arrumaremos e limparemos — disse uma das mulheres.
— Trouxemos carne de lebre, alguns perdizes, um pedaço de frango e peixe, pois não sabíamos o que a senhora apreciava e alguns legumes, leite fresco e pão quentinho.
Evellyn piscou aturdida e demorou a assimilar tudo.
— Eu... Eu agradeço, mas acho que não posso pagá-los para fazer isso, e...
— Não precisa nos pagar, nosso alfa toma conta disso.
— Oh, bem, não sei o que significa alfa, mas isso é muito.
Ela não estava conseguindo assimilar as informações corretamente, alfa, Sr. Ulric, tudo era como um grande nó na sua cabeça.
— Não o suficiente, milady, e será temporário, mas nosso alfa não permitirá que fique desconfortável aqui.
— Como vocês podem ser assim tão altos? E... seus olhos são diferentes, como...
— Milady, nossa família é assim, não é defeito nenhum.
— Não disse que era defeito, pois eu acho bonito. Como que seu cabelo tem mais de uma cor?
— Nascemos assim.
— Oh... E... vocês são da família do Sr. Ulric?
— Sim, de certa forma somos uma família. Cuidamos uns dos outros e agora cuidaremos da senhora.
— Oh...
Aquilo era estranho e inusitado e assustador.
Se ele era o senhor das terras, como enviava sua família para limpar sua casa? Talvez fosse somente um administrador.
Ela não estava entendendo nada e tentou dominar seu medo e fazer com que suas mãos parassem de tremer.
Eles não esperaram ela argumentar ou questionar.
Uma das mulheres pegou Maggie no colo, como se não pesasse nada, a colocou sentada na cadeira e a outra lhe deu um copo de água.
Quando a garota voltou a si, ficou olhando para eles, assombrada, foi gritar novamente, mas Evellyn, nervosa, tapou sua boca.
— Querida, por favor, não grite.
A garota somente assentiu, muda e com os olhos tão arregalados que quase poderiam saltar de suas órbitas, mas, pelo menos, não houve mais nenhum grito, o que Evellyn agradeceu.
O bando gigantesco entrou na sua casa e foi fazendo as coisas, limpando e arrumando a cozinha, enquanto os homens foram consertar o telhado, limpar as pedras, outro foi arrumar o jardim e consertar o poço.
Evellyn e Maggie ficaram perdidas, boquiabertas e com medo deles. Tinham medo de chegar perto, mas não conseguiam parar de olhá-los.
O coração de Evellyn estava tão fora do prumo que doía no peito.
Queria gritar e mandá-los embora, mas algo a impedia.
Depois de um tempo, acuada num canto, como um cachorrinho assustado, vendo que eles não a machucariam, e que estavam ali ajudando e arrumando sua casa, por fim, Evellyn sorriu e agradeceu e seu medo foi
se apaziguando.
Depois acertaria as contas com o Sr. Ulric, mas estava agradecida com sua gentileza.
Eles eram maravilhosos, tanto em sua personalidade como fisicamente. Sentia-se como uma tola olhando para os homens e as mulheres, em ver como eram deslumbrantes.
Ela fazia perguntas e elas sorriam e se olhavam e respondiam, mas Evellyn sabia que estavam escondendo algo e se sentiu um pouco enganada, mas não seria indelicada de ofendê-los, pois estavam a ajudando.
Eram as primeiras pessoas que realmente estavam ajudando depois de tantos meses tortuosos sendo rejeitada como se fosse uma criminosa.
E tinha que admitir, por mais estranho, louco e espaçoso que Christopher Ulric era, ele era maravilhoso.
À tarde, ela faria suas perguntas diretas a ele e teria suas respostas.
O que também espantou Evellyn foi que as mulheres tomaram conta da cozinha, limparam tudo e fizeram o almoço, forçaram-na a sentar-se à mesa posta e a comer, como uma dama.
Ela estava desconcertada.
Quando a tarde chegou, Evellyn ficou olhando pela janela e pensando no que teria que fazer. Ir trabalhar.
Uma moça de sua estirpe, criada e vivendo até então em uma vida de luxo estava tendo que ir para outra propriedade trabalhar com os livros para receber algumas libras para pagar suas despesas.
Se tivesse tido um herdeiro nada disso teria acontecido, mas isso era algo que não podia governar.
Com a morte de seu marido e sem um herdeiro, tudo passou para as mãos do filho, fruto de seu primeiro casamento, que era igual ao pai.
Pedir a abertura de um processo para ter seus direitos tinha sido uma tolice, além de ter custado dinheiro, tinha arrancado muitas lágrimas e, pior de tudo, sua dignidade.
O filho ficou com tudo e ela apenas com uma casa em Kent e algumas libras. Era isso ou ficar à sua mercê na mansão em Rockswood e isso era impensável.
Apesar de não ser o que merecia e o que lhe era de direito, ela resolveu sair de Londres e viver sua vida.
Claro, que se ela tivesse aceitado o pedido de casamento de Rupert Longhard teria sua vida financeira como sempre teve, provida e rica como uma condessa merecia.
Mas deixar que um homem deplorável tocasse nela e quebrasse sua alma novamente, era inaceitável.
Evellyn não queria mais uma posição na sociedade, ela queria conhecer a felicidade. Nem que tivesse que viver sozinha e isolada, em paz.
Agora ela estava livre para viver sua vida, mas o conde a tinha feito em pedaços minúsculos, tão pequenos que ela pensava que não conseguiria colar.
Evellyn confiou no seu advogado, que, por fim, tinha sido comprado por Rupert Longhard, e então, ela tinha perdido todas as chances de conseguir sair daquele casamento de forma digna e, financeiramente
estável, como havia planejado.
Doce ilusão que ela seria vitoriosa em uma batalha entre homens e mulheres numa Londres carimbada por regras tão rígidas que sufocavam.
Depois disso, pediu ajuda à sua família, mas, para piorar tudo, foi impedida de voltar para casa, porque seu pai era antiquado demais para receber a filha viúva que tinha insultado o magistrado soltando
um monte de impropérios muito inconcebíveis publicamente e recusado o novo pretendente que lhe impunham.
Sem querer, ela tinha jogado a vergonha sobre a casa de seu pai, o conde de Avengard.
A sociedade era hipócrita. Uma mulher devia ser submissa ao marido e aceitar tudo o que ele quisesse, mas ela não tinha conseguido. Tinha lutado pelos seus direitos e pela sua dignidade, mas o que conseguiu
em troca foi insultos, uma armadilha e duas opções: casar com Rupert para voltar a ter o luxo de Rockswood ou sair de Londres.
Bem, ali estava ela, sozinha no meio do nada.
Somente tinha vinte e um anos e parecia que sua alma estava velha e seu corpo cansado.
A propriedade que Rupert lhe ofertou no condado de Kent, deveria lhe servir, não que tivesse outra opção.
A princípio, ela tinha ficado apreensiva, porque havia muitos rumores e lendas sobre o lugar.
Era um local isolado, que não possuía muita vida ao redor, o que, por um lado, ela agradeceu, pois pessoas eram a última coisa que ela queria ter contato.
E quanto aos rumores e lendas, bem... que escolha ela tinha em sua atual situação? Afinal, aquilo tudo era bobagem, apenas lendas e superstições.
Havia coisas muito piores.
E talvez aquelas pessoas estranhas e belas fizessem parte da tal lenda; eles podiam ser diferentes, mas não pareciam fantasmas, nem monstros ou devoradores de pessoas.
Milhões de coisas se passavam na sua cabeça enquanto Maggie lhe arrumava o cabelo.
Havia ficado nervosa para escolher a roupa, o penteado, o chapéu, coisa que nunca realmente havia se preocupado.
Mesmo não querendo admitir tal pensamento, ela queria que o Sr. Ulric a achasse bonita.
Não, aquilo era um péssimo pensamento. Estava indo à sua propriedade para trabalhar e não ser cortejada.
Ela suspirou nervosa. Sua cabeça estava uma bagunça.
— Que Deus queira que este seja o caminho certo a percorrer.
— Não se preocupe, milady. A senhora é extremamente adorável, se me permite dizer, não deve se reprimir pelos acontecidos.
— Eu sei, Maggie, vou tentar manter isso em mente.
— E essas pessoas ficarão aqui? Eu ficarei sozinha com eles?
— Se eles não te devoraram até agora, não o farão mais — disse com um sorriso e a garota riu, mas suspirou ainda amedrontada.
— Quem no mundo teria olhos como aqueles?
— Entendo seu medo, Maggie, mas, apesar de serem diferentes, parecem ser boas pessoas, estão nos ajudando.
— Viu o tamanho deles?
— Sim, eu vi. Vai ficar tudo bem, eu prometo.
Evellyn não sabia se acreditava em suas próprias palavras, mas estava sem opções.
Ela respirou fundo, tentou afastar seu medo e sua ansiedade e os deixou na casa com suas tarefas e foi a pé até a propriedade de Christopher Ulric, porque tinha uma carroça no celeiro, mas não tinha um
cavalo. Teria que comprar um. Mais uma coisa para a sua lista.
Quando chegou ao topo da colina e olhou o vale, abriu a boca de espanto.
Ele havia dito que era uma propriedade pequena, mas não era. A casa era enorme, de dois andares. Feita de tijolos à vista, de blocos quadrados estilo da época Elisabetana e nas laterais havia uma torre
maior que se sobressaía em adornos de colunas com hastes longas nas quatro pontas. No meio, onde era a porta principal, sua frente era arredondada.
Ao lado, havia outra casa enorme que parecia um galpão. De um lado, ela podia ver a enorme plantação de parreiras de uvas; atrás, havia um enorme pasto com vacas de leite.
Havia um enorme lago com patos e gansos que desfilavam elegantemente. Havia um cercado onde tinha ovelhas que pareciam bem gordas e cheias de lã, e cabras.
Tudo era bem organizado, limpo e magnífico.
— Oh, meu Deus! Isso não é muito para ele?
Ela titubeou, porque, como ele dava a ela as contas de uma propriedade daquele tamanho? Será que tinha ido ao lugar certo?
Olhou ao redor, mas não havia outra propriedade. Um pouco distante, havia várias casas menores. Talvez ele morasse ali.
Mas ele disse que fazia sua produção e precisava de ajuda com as contas, então deveria ser o dono.
Não se vestia como um dono de propriedade daquele tamanho, parecia mais um cervo. Mas se fosse o administrador teria liberdade para contratar ela para as contas.
Sua cabeça dava voltas de tantas perguntas e respirou fundo.
— Bem, logo saberemos.
Ela desceu a colina e chegou a casa, já estava cansada de caminhar. Respirou fundo e se abanou com o leque.
Ajeitou seu vestido preto e os fios que haviam se soltado do penteado abaixo do chapéu.
Quando foi bater à porta com a aldrava, a porta se abriu, assustando-a, e um mordomo tão alto quanto os outros homens que conhecera apareceu.
Ela arfou e quase caiu para trás.
— Olá, Sra. Longhard. É uma honra tê-la aqui, milady.
— Oh… olá, senhor... — disse arfando.
Deus Santíssimo, o que eram aquelas pessoas?
— Nosso alfa está impaciente à sua espera.
Lá vinha ele com esse negócio de alfa.
— Estou no horário, acredito. Levei um pouco mais de tempo que imaginei para atravessar a colina.
— Veio a pé?! — perguntou assombrado.
— Sim, não tenho um cavalo para colocar na carroça.
— Bem, providenciar-lhe-ei um. Foi um descuido de nossa parte, pois se soubesse teria enviado o cocheiro buscá-la. O alfa se aborrecerá por meu descuido, é capaz de fazer um tapete com minha pele. Peço
perdão, milady, por tê-la feito andar tanto. Não acontecerá novamente.
Ela piscou aturdida.
— Não foi sua culpa eu não ter um cavalo, não precisa se desculpar. Posso ver seu alfa? Na verdade, o Sr. Ulric? Ele... é o administrador desta propriedade, não é?
— Administrador? — O homem piscou aturdido. — Não, milady, o Sr. Christopher Ulric é o conde do condado de Kent.
Ela abriu a boca de espanto.
— O quê?
— Christopher Ulric é o conde de Kent.
Ela arfou quase sem ar porque o condado de Kent era enorme, ele era um conde e esteve sentado na sua cadeira como uma pessoa comum, tomando vinho e comendo queijo com ela.
Era um conde e ela estava arfando.
— Está bem, milady?
— Esta realmente é a sua propriedade? Quer dizer o condado? Até a vila? — perguntou estupefata. — A minha casa?
— Sim, milady.
— É enorme e eu…
— Venha, siga-me, por favor. Milorde está ansioso para vê-la.
Ela fechou a boca e o seguiu. Ele estava ansioso?
E bem, por dentro, a mansão era extremamente luxuosa e refinada. Digna do conde de Kent.
O mordomo abriu a porta de uma das salas e ela entrou e ali estava ele, parado diante da janela, impecavelmente vestido e penteado e com as mãos postas nas costas.
Usando uma casaca cinza, com colete de brocado bordô, e seu plastrom estava impecavelmente arrumado no colarinho com um alfinete de rubi.
Seu cabelo longo estava solto, mas impecavelmente penteado.
Quando ele se virou e a olhou, ela quase derreteu numa poça no chão.
Ele estava deslumbrante, um conde, um legítimo lorde e um alfa, seja lá o que isso significava. Lindo e imponente e o mundo todo ficou para trás.
Eles ficaram ali por minutos incontáveis, somente se olhando.
Ela pensou que havia algo se movendo em seu estômago.
Então, a sensação somente piorou quando ele deu um suave sorrisinho e inclinou a cabeça um pouco para o lado e depois fez uma reverência.
— Boa tarde, milady.
Ela piscou aturdida e então, trêmula, fez a mesura honrosa e educada devida a um lorde.
— Boa tarde, milorde. Teria dito isso ontem se tivesse me contado que era um conde e sua propriedade não era uma choupana com um parreiral e duas vacas.
Ele sorriu lindamente o que o deixou mais deslumbrante.
— Desculpe-me, mas pensou que eu fosse quem?
— O administrador do conde.
— Bem, sou o próprio.
— Agora sei disso.
— Minha casa é sua casa.
— Então toda esta propriedade é sua?
— Sim, gostou dela?
— Oh sim, é magnífica, fiquei atordoada olhando da colina, é realmente fabulosa.
— Fico contente que goste.
— Pensei que o conde de Kent vivesse em Maidstone.
— Tenho minha casa lá, mas não gosto de viver naquela propriedade, gosto daqui porque meus lobos e eu nos sentimos mais confortáveis e seguros.
— Seus lobos?
— Sim, os lobos são meus lobos.
Ela piscou aturdida.
— Aqueles lobos que estavam uivando ao redor da minha casa?
— Sim.
— Não são perigosos?
— Não são, apenas atacam se forem atacados. Eles guardam nossa casa. Aqui é sua casa.
Ela estava ainda mais espantada.
— Então essa lenda que falam é verdadeira?
— Alimentamos a lenda para que as pessoas não se aproximem.
— Dizem que no bosque há bestas assassinas, que devoram pessoas.
Ele sorriu.
— Lobos devoram animais, atacam humanos se forem perseguidos por eles. Para se defender, somente isso. Protegem suas fêmeas e seus filhotes. O bosque é onde gostam de caçar e brincar.
— Então não quer pessoas vindo aqui?
— Não. Nosso intento é ficarmos longe de pessoas.
— Não gosta muito de pessoas?
— Quanto menos, melhor. Os humanos podem ser difíceis.
— Oh... acho que sim, pessoas são um pouco difíceis, algumas muito.
— Que bom que concorda. Gosto de paz.
— Eu também. Estranho que se refira a pessoas como humanos.
Ele sorriu e não respondeu.
— Mas o senhor não agia como um conde, pois estava vestido ontem com tanta simplicidade... e disse que havia ido abastecer o armazém.
Ela olhou-o e agora ele estava vestido formalmente, impecável. Tão lindo.
Não que estivesse no dia anterior, ela desconfiava que ficava lindo até cheio de lama.
— Ontem estava no trabalho, hoje estou aqui para recebê-la. Achei que a ocasião exigia, afinal, não é todo dia que recebo uma preciosidade em minha casa. Por gentileza, sente-se.
Ela sentiu-se verdadeiramente lisonjeada e sorriu. Olhou para a sala e era realmente luxuosa, como a sua casa em Londres era. Foi até uma poltrona belíssima e se sentou e acomodou as mãos juntas sobre
o colo.
— Deseja alguma coisa para beber, milorde? — perguntou o mordomo parado na porta da sala.
— Um chá.
— Certamente.
O homem desapareceu e fechou a porta e ele sentou confortavelmente na poltrona e eles ficaram se olhando, mudos por um momento.
— Por que mandou aquelas pessoas na minha casa?
— Prometi ajudá-la. Não deveria fazer serviços pesados. Machucou suas mãos ontem e não posso permitir que o faça novamente.
— Sua preocupação me comove, milorde, muito obrigada.
— Tudo por ti.
Aquela frase quase a fez tombar da poltrona. Como ele tinha o dom de fazer isso?
— Todos são tão... altos e... diferentes aqui.
— Isso a assusta?
— Bem, sim.
— Somos diferentes, mas não precisa ter medo de nós. Eu conversei com eles e entenderam tudo e por isso nos mostramos a você sem reserva, sei que compreende que nossa aparência não deve ser mencionada
abertamente por aí.
— Não entendo, como se estivessem escondidos aqui?
— De certa forma sim, não gostamos de intrusos em nossa casa.
— Não me considera uma intrusa?
— Acredite, minha doce senhora, não é uma intrusa.
— Eu não sabia que pessoas podiam ter olhos assim, ser tão grandes e seus cabelos...
— Somos de uma linhagem com algumas características peculiares, somente isso.
— Linhagem? De onde vocês vêm?
— Do norte.
— Oh. Norte de onde?
— Noruega. Vadso, mais precisamente, fazendo divisa com a Finlândia. Bem na ponta.
— Oh, bem norte.
Ele sorriu.
— Sente medo de nós, Evellyn?
A forma como ele perguntou, a olhando com o olhar fixo e intenso e pronunciando seu primeiro nome com um sotaque que era tão inglês, misturado um sotaque diferente atingiu o seu âmago.
Apertou as pernas e se moveu na poltrona e arregalou os olhos quando ela o olhou por soltar um rosnado.
Estava excitada.
— Está rosnando?
— Não imagina o quanto posso rosnar, querida, se continuar desse jeito.
— Que jeito?
— Me embriagando com seu cheiro.
— Diz que cheiro mal?
— Não, preciosa, cheira mais bem que tudo nesta vida.
— Oh! — exclamou com as bochechas vermelhas. — Não sei se devo ter isso como um elogio descarado ou um insulto.
Christopher soltou uma gargalhada tão deliciosa e alta que o choque do impacto que sua risada causou nela foi apavorante e ao mesmo tempo delicioso e ao fim, ela sorriu, com suas bochechas ainda mais vermelhas.
Então ambos ficaram encabulados, e o silêncio imperou entre eles, ficaram se olhando, desviando o olhar, porque a atração era tão forte que parecia palpável.
Então quando já não sabiam o que fazer, a porta se abriu e o mordomo entrou, trazendo uma bandeja.
Ele colocou sobre a mesinha e encheu as duas xícaras do jogo de chá vitoriano com borda de ouro e serviu-os.
Evellyn ficou olhando para o homem sem piscar, olhando suas feições, seus olhos âmbares, seu cabelo multicolorido.
E ela só percebeu que o fazia fixamente, quando ele parou na sua frente, lhe oferecendo a xícara e suas mãos tremeram tentando segurá-la sem que derrubasse tudo. Estava tão abismada com as fisionomias
diferentes que não conseguia se controlar.
O homem saiu e ela engoliu em seco e tomou o chá e quase engasgou quando olhou para Christopher e ele também bebia, mas seu olhar estava focado nela, sobre a borda da xícara.
Suas mãos tremeram mais do que já estavam de nervoso.
— O senhor sentou na minha sala bebendo vinho e comendo queijo. Não se apresentou como conde e acho até que minhas más maneiras o assustaram.
— E no que isso importa?
— Um conde não faz isso.
— Ah, já vejo, porque eu sou um conde, eu devo ficar sentado na minha mesa de carvalho, fumando charutos e bebendo em um cálice de cristal e batendo o pé descontraidamente.
— Bem, é o normal.
— Gosto de participar das etapas dos trabalhos. Isso impulsiona meu povo a trabalhar, sabem que seu alfa está do lado deles.
— O que é ser um alfa?
Ele respirou fundo e a olhou profundamente.
— Veja, eu sou dono desta propriedade e da vila e de todas as outras deste condado, com exceção da casa que a senhora mora. Todas estas pessoas que vivem aqui estão sob meu comando, minha responsabilidade
e eu vou provê-los e protegê-los.
— Como um conde.
— Sim, esse é o nome dado à minha posição nobre, um título na Inglaterra. Com meu povo ocorre o mesmo, vivemos em grupos e unidos, eu sou como uma espécie de chefe e eles me chamam de alfa.
— Oh, mas por que saiu de seu país com seu povo e veio para cá?
— Meu pai adquiriu esta propriedade como dote de minha mãe que era inglesa e ele se tornou conde. Depois de alguns anos, ele faleceu.
— Sinto muito por seu pai.
— Já faz muito tempo.
Fazia mais anos do que ela poderia imaginar, mas ele não podia dizer isso a ela... por enquanto.
— Você não me parece tão assustada conosco, Sra. Longhard.
— Eu... eu estou espantada sim, posso dizer um pouco chocada, mas não sou uma conhecedora de outras culturas e países, eu nunca saí de Londres, então serei um pouco ignorante de achá-los diferentes, quero
dizer, são espantosos. Todos aqui são assim?
— Sim, todos do meu povo são assim.
— Acredito que devam causar certo pânico por aí.
— Sim, mas dificilmente saímos de nossa propriedade.
— Adorarei conhecê-los, e aprender sobre sua cultura.
Ele sorriu, pois achou que Evellyn era maravilhosa e curiosa, forte e com os pés no chão.
Se fosse aquelas mocinhas tolas e mimadas que havia topado em Londres, elas estariam desmaiadas no chão, com seus gritinhos histéricos, mas não sua companheira.
Ela era digna de ser sua alfa.
O pensamento dançava na sua mente como uma carícia. Sua companheira. Ela estava bem diante dele, não estava gritando e nem correndo dele e seu povo.
— Não se assustou quando meu grupo chegou a sua casa?
— Bem, sim, me assustei, e fiquei com medo, e... céus, seus olhos e cabelos, não consigo entender. Mas foram amáveis e atenciosos. Eu gostei de fazer amizade com eles e, claro, minha criada desmaiou de
susto.
Inacreditável.
Ele a tomaria, logo. Podia ver claramente ela nua na sua frente. Sua mente estava divagando, e seu membro, que estava rijo e implorando para tomá-la, o estava matando.
Queria se enterrar dentro dela e amá-la com loucura, sentir sua essência, deixar que seu perfume o embriagasse e entorpecesse.
Estava se sentindo um libertino.
Bem, ela o olhou e ficou perturbada porque percebeu que ele estava excitado, pois não estava dando para esconder.
Suas bochechas ficaram vermelhas e olhou rapidamente para o outro lado.
Ele deveria ficar envergonhado de si mesmo por envergonhá-la, mas não estava.
— Obrigada pela sua hospitalidade, mas eu... eu acho que seria melhor o senhor me mostrar os livros, afinal, não vim aqui para uma visita.
— Oh sim, claro.
Ele não queria exatamente que ela fizesse aquilo, foi uma desculpa que achou para trazê-la para perto dele. Uma desculpa, para poder vê-la todo dia e que ela começasse a vê-lo com outros olhos.
Ele levantou e ela o seguiu, eles saíram da sala e entrou na biblioteca e foi até uma mesa grande de carvalho e ela suspirou, olhando todos os livros.
— Que biblioteca maravilhosa.
— Fique à vontade para pegar qualquer livro que queira.
— Seriamente? Eu poderia?
— Se lhe agrada, não vejo porque não.
— Obrigada — agradeceu com um imenso sorriso.
Ele fez sinal para que Evellyn se sentasse e abriu um livro grande com capa de couro e ela piscou para prestar atenção.
— Aqui estão as saídas e as anotações de entrada. As despesas do mês passado estão nesta pilha e a deste mês aqui. E nesta aqui os ganhos...
Ele continuou falando e ela devorava cada palavra avidamente.
Enquanto explicava, Ulric ficou ao seu lado e foi se abaixando, até estar próximo ao seu ouvido e ela não conseguia mais se concentrar com ele falando tão perto.
O seu hálito quente causava um arrepio em sua coluna e ela começou a respirar com dificuldade.
— Está me entendendo, Sra. Longhard?
— Sim... sim. Mas eu não gostaria que me chamasse mais de Longhard.
— É seu nome.
— Sim, mas quero usar meu nome de solteira, pelo menos aqui, se milorde não se importar.
— Isso não é usual, mas se lhe agrada, sim, o farei, como deseja. Qual seu nome de solteira?
— Morgan.
— Posso chamá-la de Evellyn?
— Não é apropriado.
— É apropriado, pelo menos quando estivermos a sós eu a chamarei de Evellyn e você pode me chamar de Christopher. De acordo?
— Sim.
— Então, diga meu nome.
Ela engoliu em seco e virou o rosto para olhá-lo e seus olhos se perderam ali.
Ele estava tão perto.
— Diga.
— Christopher — sussurrou.
Ele estava debruçado sobre ela, apoiado na mesa e seus lábios estavam tão próximos que com um movimento ele os tocaria.
Ela queria se afastar, mas não conseguia se mover.
Christopher se aproximou mais, olhando para seus lábios tão beijáveis e atrativos.
Ele nunca tinha sentido tanta atração por uma mulher como por ela. Beijá-la era quase como uma necessidade, uma sede de água fresca no deserto escaldante.
Aproximou-se mais e seus lábios quase estavam se tocando, então, ela pigarreou e se virou para os papéis.
O ambiente ficou pesado e ele constrangido, mas isso passou rápido, então sorriu e se afastou.
E quando ela pensou que ele sairia da biblioteca, ele foi até o aparador, pegou um copo de brandy e sentou na poltrona, cruzou as longas e musculosas pernas e ali ficou.
Ela tentou ignorá-lo, mas de dois em dois segundos seus olhos levantavam e o encaravam e ele continuava ali, na mesma posição, olhando-a com o olhar quente como o covil do inferno.
Como conseguiria fazer aquelas malditas contas com ele a olhando daquele jeito?
— O senhor vai ficar aí?
— Ficarei. Calado, eu prometo, mas ficarei, no caso de ter perguntas sobre as contas.
— Pensei que isso o aborrecia.
— Os livros sim, a senhora não.
Ela piscou aturdida e suas bochechas ficaram queimando novamente. Ela engoliu em seco e abaixou o olhar para os livros.
Tentou fortemente se concentrar no trabalho, mas foi uma missão quase impossível.
Só esperava que aquilo não se repetisse, porque seria demitida em uma semana sem conseguir somar um mais um.
Evellyn respirou fundo quando desceu da carroça e entrou no armazém.
Ele havia fornecido dois cavalos para sua carroça, já que ela se recusou que a carruagem fosse buscá-la e levá-la todas as tardes.
Já haviam tido uma discussão sobre tantas pessoas estarem trabalhando na sua casa sem que ela pagasse.
A cada dia que passava estava mais desconcertada com o comportamento do conde e atordoada com a maneira que a olhava, pois a despia com os olhos.
Evellyn observava as pessoas trabalhando em suas tarefas, mas também percebeu que, de certa forma, eles evitavam ficar um pouco ao seu redor. Quando saía da casa e via um grupo deles, de repente haviam
sumido.
Talvez porque seus sustos, ao encontrá-los, tivessem incomodado um pouco o conde, mas ela estava se acostumando com todos eles e, principalmente, com o Christopher.
Ela não conseguia entender os sentimentos que estavam a atordoando, de pensamentos pecaminosos que dançavam na sua mente cada momento que ele estava na sua frente.
E seus sonhos e desejos estavam aflorados.
Se envolver com ele seria errado, muito errado, mas não sabia se conseguiria se conter.
E o estranho era que aquele povo todo a olhava com uma expectativa nos olhos, parecia que sabiam de algo que ela não sabia.
Havia algo de muito misterioso naquela casa e ela estava ficando louca. Sem contar que não saberia se uma hora seu coração pararia de bater por causa de algum susto, que eram frequentes e cada vez mais
estranhos.
O comportamento deles era diferente de qualquer um que já vira.
Suspirou, afastando seus devaneios e entrou no armazém.
— Bom dia.
— Posso ajudá-la?
— Hã, sim, senhora, eu preciso das coisas nesta lista e a senhora tem carne fresca?
— Ah, é a senhora que está morando na antiga casa da Sra. Portrart?
— Sim, sou eu.
— É bem-vinda à nossa vila. Se o conde a deixou ficar é porque pode.
— O que isso significa?
— Significa que nada por aqui acontece sem sua permissão.
— Ah, claro.
— Mas a casa é minha, então ele não poderia me expulsar se não quisesse que eu ficasse, de qualquer maneira.
— Poderia.
— Poderia?
— Ele poderia mandar seus lobos a comerem no jantar.
— O quê?
O homem ao lado da mulher soltou uma risada, que a fez ter medo.
Christopher parecia ser bem poderoso e todos o respeitavam.
Ela o tinha visto andar com um lobo ao seu lado, tranquilamente e ela quase desmaiou.
Bem, se ele tinha o poder de fazer algo assim, o que mais poderia fazer?
— Sim, e se deixou a senhora ficar na casa é porque pode.
— O que me pode dizer sobre ele?
— Não posso dizer nada.
— Oh, claro, entendo.
— Só o que posso dizer é que o conde é um homem bom. Tem sua criação de gado e ovelhas e cabras, e tem uma boa produção de uvas, que faz seu próprio vinho, e seu queijo e que tem fama de ser perigoso.
— Perigoso?
— Na verdade, ninguém ousa entrar no condado, nós que ficamos na vila e nos mantemos aqui. Nada de ir até suas terras, lá perto dele, na colina.
— Eu o conheci e não vi nada de perigoso.
— Está brincando? Viu o tamanho daquelas pessoas? Dá medo, mas dizem que tem um mistério na mansão, que fazem rituais de sangue, essas coisas, matam os intrusos e os comem.
Ela riu.
— Sério que espalham boatos tão sem fundamento?
— Não é sem fundamento, dizem inclusive que há lobos na propriedade, dentro da casa, muitas vezes ouvimos os uivos daqui, mas o lorde é muito correto conosco, na vila nunca falta nada. Ele cuida de nós.
— Se ele cuida de vocês, por que estão espalhando estes boatos maldosos.
— Não são maldosos, milady, são fatos e é uma advertência para que intrusos não entrem, entende?
— Hum... não sei se entendi direito, mas acho um pouco grosseiro ficar falando deles assim, somente são um pouco diferentes de nós. Quer dizer, soube que eles são do norte, por isso sua aparência é bruta
e que os nórdicos possuem certo ar exótico, quer dizer, seus olhos tão claros.
— Já tinha visto pessoas do norte?
— Não.
— Ah sim, dizem que são descendentes dos vikings... bárbaros.
Ela sorriu e viu do que Christopher havia dito, as pessoas da vila se encarregavam de colocar medo nos visitantes. Ela já não estava com medo.
— Oh. Pode ser. No entanto, eles foram muito gentis comigo e me ajudaram a arrumar minha casa.
— Sim, milady, estamos cientes e que, inclusive, seus lobos estão rondando sua casa. Cuidado com eles, eles atacam pessoas invasoras.
— Bem, acho que não estou invadindo minha própria casa.
— Oh, não, milady não está — a senhora riu e colocando o pão enrolado num pano. — Está trabalhando para o lorde, correto?
— Sim, estou cuidando de suas contas.
— Uma mulher cuidando dos livros de contas?
— Bem, o lorde não tem um filho para que possa tutorar, então me ofereceu o livro de contas, já que sou boa com elas.
— Hum... Cuidado com ele, tem fama de ser sedutor.
— Sedutor? Imagina, não vi tal coisa, o lorde é muito respeitoso.
— Sei... a maioria das mulheres por aqui quereria que não fosse tão respeitoso.
— Ora, que ousadia, senhora! Não deveria falar assim.
— Foi só um alerta... mais um.
— Obrigada pelos seus avisos.
— Tome, aqui tem o pote de mel que pediu.
— Obrigada.
Evellyn pegou sua cesta de compras e foi para a carroça com o intuito de voltar para casa.
Sua incursão na vila tinha sido, no mínimo, curiosa e todos os olhos caíram sobre ela. Com tudo, teve uma certeza: aquelas pessoas tinham orgulho, medo e respeito por seu conde.
Mas havia algo misterioso no ar que ela ainda não tinha descoberto o que era.
Bem, o que poderia ser, além de eles serem tão diferentes e deslumbrantes fisicamente?
***
Evellyn estava distraída andando pelo corredor da mansão quando se deparou com um lobo, parado a olhando.
Ela gritou, andou para trás e se chocou contra a parede. Não se moveu, nem sequer respirou por um minuto longo demais e o lobo deu um passo à frente e estava com os olhos fixos nela.
— Oi... olá, lobinho...
Ele tinha o pelo dourado com mechas negras e seus olhos eram amarelos brilhantes. Era de causar medo, espanto, mas era magnífico.
— O que faz aqui dentro? Como... como entrou aqui? — ela sussurrou temerosa.
O lobo deu um passo à frente, sentou e então ela se deu conta que ele era manso, apesar de ser realmente enorme e temível.
Não que ela entendesse realmente de lobos. Somente sabia que eram ferozes, mas aquele ali não parecia querer devorá-la.
Ela estendeu um pouco a mão para alcançá-lo, mesmo que o medo a deixasse quase sufocada.
— Você é lindo, lobinho...
— Thomas, o que está fazendo? — Christopher perguntou mentalmente do alto das escadas e somente o lobo ouviu.
O lobo virou a cabeça e olhou para cima e Evellyn seguiu o olhar e o viu na escada, vestindo somente um robe.
— Somente estou tirando uma parcela de seu medo, alfa, ajudando sua preciosa companheira.
— Muito obrigado pela ajuda, agora vá correr no bosque — ele disse em voz alta.
— Mas alfa...
— Vá.
Evellyn olhou para o lobo, que girou a cabeça e a olhou. Ele fez um barulho que ela estranhou, parecia uma risadinha, misturada com um rosnado, mas, para seu espanto, o lobo abaixou a cabeça até o chão
como se fosse uma reverência, girou e saiu pelo corredor em direção ao hall.
Ela estava estupefata e olhou de volta para Christopher.
— Ele obedeceu ao senhor!
— Como eu disse, eles me obedecem, e obedecerão a você também.
— A mim?
— Sim.
Ela abriu a boca para questionar, mas ele se virou e sumiu no corredor.
Ela respirou fundo, ainda colada na parede, tirou o lenço da sua bolsinha de tecido que estava presa no pulso e secou a testa. Estava suando, trêmula e com os pensamentos embaralhados.
— Meu Deus...
Ela ainda ficou ali por um minuto, porque suas pernas estavam bambas, engoliu em seco e seguiu seu caminho, mas naquele dia foi difícil de fazer qualquer conta e Christopher não apareceu na biblioteca.
***
Ele parou na porta e ficou a olhando.
Suavemente passava os dedos sobre as teclas do piano de cauda, e parecia estar serena, com o pensamento longe, divagando sobre algo que a fazia feliz, porque tinha o mais doce e leve sorriso em seus lábios.
A suave luz que entrava pela janela e beijava sua face, lhe dava um ar tão etéreo que ele não conseguia tirar os olhos fascinados dela.
Seu coração retumbava no peito e queria tanto tocá-la.
— Você toca?
Evellyn assustou-se e o olhou, arfou com os olhos esbugalhados e ele quase rosnou e saltou sobre ela e a cobriu de beijos.
— O que disse? Eu... estava somente...
— Perguntei se toca piano, acho que comentou algo sobre isso, parecia muito perdida em seus pensamentos.
— Sim, eu toco, me lembrava de quando tocava em minha casa.
Ele se aproximou lentamente, com os olhos fixos nos dela, andando como se fosse um predador, o que a fez engolir em seco.
Cada vez que ele fazia aquilo, e se aproximava seus pensamentos coerentes fugiam.
— Por favor, tocaria para mim?
— Tocar para o senhor?
— Aprecio a bela música. Mas aqui, infelizmente, ninguém toca além de mim.
— Oh, o senhor toca?
— Sim, mas agora gostaria de ouvi-la.
Ela piscou e demorou um pouco a atinar tudo e então se sentou na banqueta e começou a tocar Moonlight Sonata, uma música de Beethoven.
Ele se sentou na poltrona, cruzou as pernas e acendeu um cachimbo e ficou ali, olhando-a tocar, e quando aquela música maravilhosa encheu o ambiente e seus ouvidos, Christopher sentiu como se o paraíso
estivesse dentro daquela sala.
A graça com que ela tocava, era como uma carícia nas teclas, a doce carícia de sua companheira. A música era delicada como ela.
A admiração por Evellyn transbordava de seu coração.
Não havia nada mais lindo do que vê-la ali, contra a luz, tocando em seu piano. Talvez fosse melhor e mais linda entre seus braços, o que ansiava desesperadamente.
Mas não imaginou que sua companheira seria assim, tão doce um momento e tão vivaz e cheia de vida, de paixão pela vida.
Ela queria viver e ele queria que vivesse ao seu lado.
E assim, ela tocou mais uma e mais outra e então ele sentou na banqueta ao seu lado e ambos tocaram juntos e foi simplesmente perfeito e mágico e, ao fim, estavam rindo com a música, os contagiando, e
sorrindo lindamente um para o outro.
Quando pararam de tocar, ela o olhou feliz, e ele correspondeu o sorriso.
— Toca belissimamente, minha lady.
— Obrigada, o senhor também.
— Reparei que tirou o luto.
— Sim. Reverenciei o nome de meu marido, mas está na hora de começar a viver novamente e não quero ter mais nenhuma relação com os Longhard.
Ela pigarreou e ele franziu o cenho.
Isso o deixou pensativo, mas o alegrava que ela não quisesse ter relação com o ex-marido, isso significava que não nutria sentimentos por ele. Queria que nutrisse sentimentos por ele.
Lentamente, Christopher tomou sua mão, trouxe para seus lábios e beijou docemente.
— Estou feliz que esteja aqui, Evellyn.
Com o coração pulsando no peito, ela o olhou nos olhos e ele veio se aproximando e lentamente tocou em seus lábios. Um beijo tão suave como um carinho de borboleta. E se afastou lentamente.
Ela pensou que a beijaria novamente, mas ele deslizou sua face na dela lhe fazendo um carinho e sua pele era tão macia, recém-barbeada e aquilo foi tão delicioso que ela fechou os olhos somente para sentir.
Ele estava fazendo o carinho que os lobos costumavam fazer em suas companheiras, acariciar a face um do outro e aquilo a deixou tão hipnotizada que não podia se mover. Toques suaves com efeitos intensos.
Christopher fechou os olhos para sentir e então beijou sua bochecha e se afastou, olhando-a e eles se perderam ali naquele olhar.
Beijou-a novamente e, dessa vez, mais intensamente, segurando-a pela nuca.
Não havia nada mais perfeito no mundo. O roçar de seus lábios, o gosto, o prazer de tocar sua língua, de tomar seus sentidos, de amar sua boca com reverência.
Ele se afastou e levantou da banqueta e ofereceu sua mão.
Aturdida e pisando numa nuvem, ela o olhou e lentamente deslizou sua mão entre a sua e levantou e eles foram fazer um passeio pelo jardim.
Depois tomaram chá e era engraçado, porque ele fazia-a se sentir como uma visita, como uma dona do lugar, menos a sua encarregada de contas.
— Isso é realmente tão bonito.
Ela sorriu olhando para o parreiral de uvas. As fileiras das parreiras estavam perfeitamente alinhadas pelo campo e no meio de cada fileira havia um espaço de dois metros.
As folhas estavam verdes e viçosas e os cachos de uvas estavam grandes e maduros.
— Estamos nos preparando para iniciar a colheita.
Ela sorriu e olhou para ele, arrumando seu chapéu para proteger o rosto do sol.
— Nunca vi uma colheita de uvas e como se faz o vinho.
— Então a verá.
— Que uvas têm aqui? Aquelas ali parecem diferentes.
— Temos três qualidades de uvas. Daquele pilar para aquele lado temos a Chardonnay, aqui no meio temos a Pinot Noir e daquele mastro para lá, ficam as Pinot Meunier.
— Interessante, eu não entendo de vinhos, então não sei diferenciar uma da outra.
— Vou te ensinar. Gostaria de aprender?
— Adoraria.
— A Inglaterra é a maior produtora de vinhos da Grã-Bretanha, ainda que minha produção seja pequena, comparada aos outros produtores europeus. Acredita-se que a vitivinicultura tenha sido introduzida no
país pelos romanos e também tem sido um importante produtor de vinho na Idade Média. Esta área da Inglaterra é muito boa para o cultivo, tem as correntes do Golfo, o que ajuda a moderar o clima da região,
tornando-o mais propício ao desenvolvimento de vinhedos, especialmente para estas qualidades de uvas que produzo.
— Então as melhores produções são ao sul?
— Sim, aqui o clima é um pouco mais quente, especialmente em Kent e Sussex. Ainda assim, temos a preocupação com a ocorrência de geadas na primavera, pouca frutificação e podridão no outono, considerando-se
o clima frio e úmido da Inglaterra.
— Então a colheita ocorre agora?
— Sim, iniciaremos daqui a dois dias. Normalmente as uvas precisam permanecer nas videiras até o final de outubro, ou até o começo de novembro. Consequentemente, somente cepas que amadurecem com mais facilidade
e que tenham boa resistência a fungos são adequadas.
— Provei alguns vinhos franceses além dos ingleses, mas não sou entendida em nada no assunto. Além de beber o vinho e comer as uvas.
Ele a olhou e sorriu.
— A principal característica dos vinhos ingleses é sua alta acidez. Eu tenho outras plantações, mas aqui é onde eu faço minhas experiências, aprendo e aplico as técnicas de vinificação.
— E o que são aquelas lá? Por que estão separadas?
— Tenho estudado o solo das minhas terras e aqui há o mesmo tipo de solo encontrado na região de Champagne, na França, e vem demonstrando potencial para elaborar vinhos espumantes.
— Espumantes?
— Sim. Tenho produzido uma pequena quantidade de um vinho espumante rosado Brut. Ele é elaborado a partir de 53% Pinot Noir, 38% Chardonnay e 9% Pinot Meunier, com 18 meses em contato com as leveduras.
Apresenta cor rosa-salmão e perlage fino e delicado.
— O que é perlage?
— São as borbulhas de gás carbônico que são evidenciadas quando colocamos a bebida na taça. É fundamental para avaliar a qualidade do espumante.
— Fascinante.
— Os aromas lembram frutas vermelhas como morangos e framboesas, bem como notas florais, minerais, tostadas e de frutos secos.
— Parece delicioso.
— Sim, é delicioso. No palato, é frutado, equilibrado, tem boa cremosidade, acidez refrescante e final persistente.
— Acredito que seja gostoso e agradável ao beber, pede a companhia de frutos do mar ou carnes brancas.
— Muito bem.
— Você é muito engenhoso, milorde.
Ele se aproximou tanto dela que ela parou de respirar.
— Você gostaria de provar minha iguaria?
— Adoraria.
— Você merece os melhores vinhos, o melhor espumante.
Ele passou os dedos pela sua mandíbula, contornou os seus lábios e lentamente pela garganta e desviou para seu ombro, o que arrancou um arrepio pelo seu corpo.
— Você merece um vinho que acaricie seu paladar, como a carícia de um amante. Que avive seus sentidos e inebrie sua libido. Que você desfrute do prazer de beber o melhor. Sempre te darei o melhor.
Evellyn estava hipnotizada com sua voz, que saía de seus lábios em um sussurro, com a voz rouca, olhando-a intensamente, acariciando seu coração e sua alma, hipnotizando-a.
Não conseguiu se mover do lugar quando ele se aproximou de seus lábios e tocou os lábios nos seus.
Um doce e suave beijo.
Fechou os olhos e pareceu que seu corpo flutuou, que o chão sumiu e que o mundo todo deu um giro completo.
Christopher se afastou e ela não conseguia abrir os olhos e se escorou em seu peito e ele a segurou pela cintura, e quando percebeu estava nos braços dele; olhando-se intensamente e ela mergulhou no azul
de seus olhos e um encantamento aconteceu em seu coração.
Beijou-a novamente, um beijo mais lento, mais profundo que roubou o ar, que fez o corpo todo arrepiar e tremer. Ela arfou e se afastou, aturdida, assustada com suas emoções, com seus sentimentos aflorados,
sensações que a assustaram.
Foi como se todo seu corpo acendesse e queimasse.
Evellyn o olhou com os olhos arregalados e quase não encontrou suas palavras, porque estavam perdidas em uma névoa, assim como seus pensamentos.
— Isso é...
— Intenso.
— Sim, não, é...
— Nosso.
— O quê?
— Esse beijo, o que há nessa atração, é singular. É nosso. Só nosso.
— Não é apropriado, milorde, eu vou... hum, eu vou voltar para meus livros.
Ela alisou a saia, virou nos calcanhares e se afastou.
Christopher ficou olhando-a se afastar e até que ela não sumiu de suas vistas, pela lateral da mansão, ele não conseguiu parar de olhar.
Era como se não pudesse perdê-la de vista.
Então, respirou fundo e colocou a mão sobre o coração, porque estava batendo descompassado, estava excitado, inebriado e perdido.
Beijá-la era maravilhoso.
Nunca o beijo tinha sido tão bom, delicioso e o deixado com gosto de mais, de entrar fundo, de não soltar nunca mais.
Ele sorriu e olhou o céu, que por muito tempo não tinha o achado tão bonito e poético.
Ele tinha sua companheira.
Evellyn acompanhou o começo da colheita. Todas as pessoas da propriedade estavam engajadas no processo.
Quem não estava no campo colhendo os cachos de uva para a moagem, estava limpando e organizando as pipas e utensílios utilizados.
Tudo era esterilizado com água fervente que era aquecida em um grande tonel sobre uma fogueira.
As uvas eram colhidas cuidadosamente, colocadas em cestas e com uma carroça eram levadas para o pavilhão, depois eram colocadas em um moedor que era impulsionado manualmente por dois homens, girando uma
roldana.
As uvas moídas caíam dentro de uma mastela redonda de carvalho e várias mulheres a rodeavam e iam fazendo uma limpeza nas uvas.
Evellyn olhava atentamente o que estavam fazendo, pois estava ávida para aprender e vê-los trabalhando era impressionante e maravilhoso.
Ver um deles sozinho era chocante, mas ver todos juntos era quase surreal.
Ela nem sabia expressar seu espanto e seu encantamento. Ao mesmo tempo que ainda havia uma pontada de medo, havia algo inexplicável que sentia por eles.
Christopher chegou ao seu lado e com um lindo sorriso fazia questão de explicar o que estavam fazendo.
— Agora eles vão separar um pouco dos ráquis e folhas dos grãos para que possam ser colocados naquelas mastelas maiores, para que a massa possa fermentar.
— Mas ali somente colocaram a metade, havia mais espaço para mais.
— Quando fermenta a massa dobra de tamanho, de encher demais, vai derramar, e, acredite, não vai querer ver isso.
Ela riu, entusiasmada.
— Depois de fermentados devem ser peneirados novamente.
Ela observou alguns pegarem as uvas de uma das mastelas com um balde e iam despejando sobre uma grande peneira e três pessoas com as mãos, as esmagavam e a massa formada caía dentro da grande mastela.
Suas mãos e antebraços ficavam roxos pela tinta que a casca da uva soltava, mas isso não importava.
— Quanto tempo ela fica ali?
— Agora eles vão diluir açúcar em água para misturar à massa até chegar ao grau de álcool e fermentação desejado, depois retiramos dali, passamos por uma peneira mais fina, espremendo até tirar todo o
sumo e, com a ajuda de uma bomba, que são movidas pelos meus homens, o líquido vai para as pipas grandes de carvalho para curtir.
— E está pronto?
— Não, depois tiramos o líquido delas, filtramos e limpamos os resíduos e devolvemos para lá.
— O que mais?
— Alguns produtos ajudam nessa filtragem, uma espécie de reação química que joga a sujeira para o fundo e então a tiramos fora, para não deixar o vinho amargo. Depois de todas as filtragens, que levam
uns quinze dias cada, deixamos o vinho envelhecer nas pipas, até chegar ao cume de podermos tirar dali e engarrafar.
— Fascinante.
— Venha, acho que vai gostar de ver isso.
Do lado de fora, debaixo de um grande carvalho, algumas uvas foram colocadas em uma mastela de carvalho e ela piscou atordoada quando algumas mulheres entraram descalças dentro e pisoteavam a uva com os
pés nus.
Elas faziam isso cantando uma música bela e que ela não entendeu a língua.
Era escandaloso, porque elas erguiam as saias acima dos joelhos e ficavam descaradamente mostrando as pernas desnudas para todos os homens.
Evellyn achou aquilo tão pecaminoso e escandaloso, mas era tão fascinante.
O interessante é que elas erguiam as saias não para se mostrar aos homens, para que não molhassem na uva pisoteada e embalassem a sua dança.
O violino puxava a dança e elas saltitavam, batiam palmas e rodopiavam.
Elas sacudiam a saia durante a dança, o que tornava tudo um grande baile sensual. Usavam coroas de flores nos cabelos e estavam tão lindas. Olhou para os homens que tocavam instrumentos musicais e cantavam
junto e os outros batiam palmas formando um imenso coro.
O conde Christopher se aproximou, batendo palmas e com um lindo sorriso embalava as mulheres.
Evellyn sentiu inveja das mulheres e ciúmes por ele olhá-las com tanto prazer, mas não parecia olhá-las com cobiça. Era estranho.
Não tinha nenhuma ideia se aquilo era normal ou não, nunca tinha visto ou ouvido falar de rituais de fazer vinho. Parecia tudo muito depravado, mas escandalosamente sedutor e belo. Era tão mágico que podia
jurar que estava em uma terra encantada.
Evellyn parou de respirar quando ele se aproximou dela novamente.
— O que estão fazendo? Podem beber o vinho de ser pisado com os pés?
— É uma técnica antiga, era normal moer a uva com os pés. Aqui temos um moedor, portanto o que estamos fazendo ali é somente um ritual, mas antigamente sem o moedor era normal e sim, o bebiam.
— Ritual?
— Sim, estamos agradecendo aos deuses pela colheita farta. Faz parte da tradição do meu povo.
— As moças estão erguendo seus vestidos e estão sem meias e sem as anáguas e... podemos ver suas ceroulas! — tentou cochichar, escandalizada.
— Parece muito chocada, Sra. Morgan.
— As moças mostrarem suas pernas assim não me parece... decente.
— Acredite, é decente. Nós aqui não olhamos de forma depravada para nossas mulheres como seus homens são capazes de fazer.
Ela piscou aturdida.
— Não sei se entendi exatamente.
— Nós não temos vergonha do corpo, nem temos vergonha de estarmos nus diante um do outro.
Ela arregalou os olhos.
— Nus diante uns dos outros? Vocês ficam nus diante uns dos outros?
— São ossos do ofício. E antes que desmaie pela informação escandalosa, lhe garanto que nenhum macho a olharia de forma desrespeitosa se estivesse nua.
Ela arfou e abriu a boca pelo susto. Piscou algumas vezes e ele sorriu. O que a desconcertou mais ainda.
— Bem, milorde, garanto que nenhum dos seus machos teriam a oportunidade de me ver nua.
— Nem eu?
Ela arfou com seu disparate e piscou aturdida quando ele sorriu, descaradamente, de forma tão depravada e sensual que ela quase tombou em seus joelhos.
— Não é elegante falar tal coisa para uma dama. Esse assunto está totalmente fora das regras de etiqueta e da decência. O senhor é o quê? Um libertino?
Ele riu. Uma gargalhada alta e deliciosa. O que a fez ficar com as bochechas vermelhas.
— Não me insulte, milorde.
— Querida, minha intenção não é insultá-la.
— Certamente o assunto não é apropriado. O que pensa que sou?
— Perdoe-me, não cometerei mais nenhuma gafe com a senhora.
— Obrigada.
Ela arfou e se virou, retirando os fios de cabelo que insistiam em lhe cair no rosto com o vento.
— Evellyn, eu nunca desrespeitarei você. Isso para nós é normal, não somos depravados aqui, somos naturais assim. Nós somos a lenda do lugar. Algumas coisas são invenções, outras não.
Ela estava muito tonta para aceitar tal coisa.
— As mentes criam as fantasias, contos populares, fantasias.
— É o que acha? Que mentes criam lendas? Não pensa que uma lenda não é criada do nada? Pode ter um fundo de verdade nelas.
— Não... eu... bem, não sei. Nunca acreditei em lendas e fantasias.
— No que acredita, Sra. Morgan?
— No que podemos ver.
— Talvez sim, mas deseja muito mais. É uma romântica e admira os sonhos. O que deseja, então, Sra. Morgan?
— Eu não sei.
— Está aqui fazendo parte disso, parte da lenda do lugar, está aqui presenciando um ritual pagão e posso jurar que passa algum desejo em sua mente. Diga-me.
Ela ficou aturdida e não ia responder, mas respirou fundo.
— Posso... ser livre aqui? Com vocês?
— Se aceitar o que você é, pode ser livre e ir lá e dançar com elas. Ser sua alfa, suas amigas. E todas estas pessoas te honrarão, como se fosse uma rainha, e eu me empenharei para te dar tudo o que necessita
e te fazer feliz.
Ela olhou para ele apertando as mãos, engolindo em seco de nervoso, chocada com suas palavras.
— Quer que eu vá lá com elas?
— A pergunta é: A senhora quer? Não há estes pudores e vergonhas entre nós, milady.
— Isso seria inaceitável em Londres. Isso parece mais uma orgia.
— Ah! O escândalo pecaminoso. Garanto que nunca viu uma orgia para poder comparar.
Ela o olhou, escandalizada.
— Claro que não, senhor, por quem me tomas?
— Eu tomo que é uma senhora cercada de tabus, de regras e que está temerosa que a julguem vulgar, indecente, mas está fascinada pelo pecado de nossos atos mundanos e deseja de todo coração se juntar a
elas e dançar descalça perante o fogo ou na mastela.
Ela estava muito chocada para responder prontamente, depois de pensar em xingá-lo e ir embora, pensou que sim, aquilo lhe agradava, mesmo não parecendo certo.
— Não sei se posso.
— Considere como um ato de bravura, milady. Vamos, aqui ninguém a julgará. O que acontece aqui, jamais será mencionado fora daqui.
Ela respirou fundo e desviou o olhar dele porque ela ficava desconcertada e seu corpo reagia de forma abertamente descarada e desavergonhada diante dele.
— Vamos, Sra. Morgan, deve perder a vergonha e esquecer um pouquinho suas regras de etiqueta. Lobos não conhecem esta palavra. E deveria tirar suas botas e suas meias e entrar ali e viver uma emoção na
sua vida. Ou é covarde para tal coisa?
Lobos?
Ela abriu a boca para perguntar do que ele estava falando, mas ele não deu a oportunidade, pois deu meia volta e recomeçou a cantar e bater palmas, se afastando dela.
Não sabia se estava confusa por ter falado de lobos, ou estava mais ultrajada por tê-la chamado de covarde ou pelo convite escandaloso.
Ele era depravado.
— Eu não sou covarde! — gritou e ele somente a olhou de longe, sorriu e continuou batendo palmas e cantando com seu povo.
Sim, ela provaria que não era uma covarde. E uma pontinha de aventura pipocou em sua mente. Era uma mulher livre e poderia cometer uma loucura dessas.
Ela se encheu de coragem, desamarrou as botas e retirou suas meias.
E, então, quando ela se levantou, soltou um gritinho, porque Christopher estava novamente na sua frente.
Se ele não tivesse a agarrado pelos braços, ela tinha caído para trás. Pegou-a nos braços e foi com ela para a mastela e a colocou dentro.
Ela gritou e riu quando sentiu as uvas esmagarem sob seus pés e ele entrou atrás.
Segurou suas mãos e começou a andar e as mulheres ao redor deles cantavam e batiam palmas.
Evellyn entrou naquela aventura e puxou as saias para cima e começou a dançar e então sua inibição se foi e riu, alegre.
Christopher estava enfeitiçado por ela.
Sua companheira era ousada e gostava de quebrar regras e isso era bom.
E, pela primeira vez, ele a viu rir livremente, seu rosto estava iluminado. E sua risada era deliciosa, e atingiu seu coração em cheio, como uma carícia. Ele queria dizer isso a ela, o quanto a adorava
e que ele tinha chorado por ela durante todo aquele tempo. E ela estava ali, na sua frente.
O destino tinha os colocado frente a frente novamente e, desta vez, ela estava livre para ele.
E não haveria nada, nem ninguém que o impediria de tomá-la para si dessa vez.
E aquela aventura descarada, pagã e deliciosa inebriou os dois, que dançaram juntos, embalados pela música, palmas e risadas de seu povo. O que somente os aproximou de forma tranquila, cálida e forte.
Não havia nada mais perfeito no mundo.
***
Evellyn o olhou de boca aberta, com as bochechas vermelhas, vendo como seu corpo era másculo e bonito.
Christopher erguia aquelas cestas pesadas, fazendo seus músculos retesarem e o suor brilhava com o sol.
Ela não conseguia achar desrespeitoso que ele ficasse sem camisa na frente das mulheres e elas não pareciam incomodadas em nada. Não ficavam de cochichos escandalizados como as moças de Londres faziam,
até mesmo fingindo desmaios descarados para chamar a atenção ou provar sua inocência fingida. Nem sequer ficavam ruborizadas.
Tudo naquela propriedade era fora do comum. Ela nunca tinha visto um conde que deveria manter sua posição, sua pose formal, agir daquele jeito.
Christopher se envolvia com os empregados sem nenhum pudor, sem nenhuma ressalva. E admirava isso nele.
E agora vendo todos reunidos, trabalhando harmoniosamente, cada um com suas funções, ela olhava atenta para eles.
Nunca tinha visto descendentes de vikings, mas realmente havia algo de errado, de inusitado na forma daquelas pessoas.
Um dos rapazes tinham os olhos brancos. Brancos!
A princípio, ela pensou que fosse cego, mas o rapaz chegou até ela e lhe trouxe um cacho de uva fresco para ela comer e sorriu tão lindamente. Não tropeçou, nem caiu, andando rapidamente. Ele não era cego.
Como alguém poderia ter olhos brancos? Outros tinham amarelos, brilhantes que pareciam ouro. E os outros azuis e verdes, claríssimos que eram quase translúcidos, claro como a água.
Uma mulher tinha os olhos avermelhados, com rajados prateados.
E seus cabelos? Todos tinham cabelos mesclados.
Eram altos além do que seria normal. E seus corpos eram perfeitos e os homens eram muito fortes.
Até as mulheres eram fortes. Ela olhou aturdida uma delas erguer uma pipa de carvalho do lugar.
Aquilo pesava muito.
Ela tinha muitas perguntas, mas sabia que seria deselegante e descortês ficar fazendo perguntas por causa de suas características físicas e eles sempre a observavam e a olhavam com atenção.
Atenção demais.
Acreditava que os cochichos eram sobre ela.
Começou a pensar que o diferente ali não eram eles e sim ela. Não tinha os cabelos coloridos, olhos claros assim, e era muito baixa perto deles. Na verdade, se sentia minúscula.
Mas se tudo aquilo era perturbador, o conde Christopher Ulric era o que mais lhe causava torpor.
Na verdade, ele a atraía como um ímã.
Ela mal conseguia tirar os olhos dele, mal conseguia fazer seu cérebro funcionar quando ele estava por perto.
E a forma como a olhava era demais para manter sua sanidade mental. Seu olhar queimava, era intenso, sedutor, queimava o sangue em suas veias.
Ela deveria sentir medo deles, mas não sentia. De uma forma muito estranha aquele ali parecia seu lar e se sentia feliz entre eles. E sabia que havia algo de errado com eles, mas não queria saber o que
era. Ou o que eram.
Evellyn olhou encantada todos os processos de fazer o vinho.
Depois que as uvas eram esmagadas, ia para grandes tonéis de carvalho em forma de barris para fermentar, grandes quantidades de açúcar era colocado e mais algum líquido que ela não conseguiu pronunciar
os nomes.
Eram mexidos com grandes pás, o que exigia muita força, coisa que aquelas pessoas possuíam.
Depois, que foram peneirados para separar os bagaços, folhas e caules e o líquido finalmente foi colocado nas enormes pipas de carvalho.
Era um trabalho intenso e cansativo, mas ao ver o resultado, Evellyn realmente tinha se encantado com todo o processo e até os ajudou em algumas tarefas e não se importou de suas mãos ficarem roxas pela
tinta da uva.
E, mais uma vez, ela tinha visto como Christopher Ulric era modesto, pois ele somente tinha dito que tinha uma pequena produção de vinho e aquilo ali não tinha nada de pequeno.
Ela o admirou ainda mais por isso.
Ao entardecer, ela estava cansada e pronta para ir para casa.
Aquele não era o trabalho que foi contratada para fazer, mas adorou aprender, olhar tudo e sentiu-se fascinada.
***
Evellyn ainda não estava tão acostumada a eles e com aquelas pessoas dentro de sua casa, mas não podia negar, gostava deles.
— A senhora deve ser especial — uma das lobas disse, a olhando e sorrindo.
— Por quê? — Evellyn perguntou enquanto tomava uma xícara de chá.
— Porque eu nunca vi nosso lorde nervoso por causa de uma senhora.
— Sim, ele estava andando na biblioteca de um lado a outro e correu como um louco esta manhã, acho até que fez uma vala ao redor da propriedade — disse a outra loba.
— Ambrose disse que estava meio louco.
— Ahn... não sei se as senhoras deveriam falar assim de seu lorde, mas se ele estava um pouco alterado por causa de uma senhora, provavelmente não sou eu.
— Pode se enganar, milady, mas não nos engana. Está tão acuada quanto ele.
— O que quer dizer?
— Que mesmo estando com medo dele e de nós, não consegue pegar sua bagagem e partir daqui, porque nos admira.
— Vimos como olhava para ele e como seus olhos brilhavam, como dançou e pisou nas uvas.
— A senhora faz parte daqui, quer queira ou não.
— Quanto mais cedo aceitar, menos vai sofrer.
— Aceitar o quê?
— Que é a verdadeira companheira do nosso alfa e será nossa alfa também.
— Espero que participe da nossa festa hoje à noite.
— Festa?
— Oh, sim, a celebração da colheita. Como futura alfa, deve participar.
— Sim, aprender. Deixar o seu lado de humana de lado.
Evellyn arfou aturdida, olhando-as com os olhos arregalados e abriu a boca para questionar, mas elas sorriram, pegaram os balaios e saíram da cozinha.
Ficou ali, perdida no mundo como uma folha seca vagando no vento.
Os homens estavam enfileirados de um lado e, em frente a eles, estava a fila das mulheres, que estavam com bonitos vestidos, mas Evellyn percebeu que algumas estavam sem seus espartilhos.
Eles estavam com os cabelos presos em rabos de cavalo, pois a maioria deles mantinha os cabelos compridos e as mulheres estavam com os cabelos presos como os penteados que a moda exigia.
Seguindo languidamente a música que tocava, os passos eram dados com leves toques nas mãos, um passo para frente, outro para trás, somente ao som dos violinos.
Um giro, um passo para frente, um passo para trás, um rodopio e um toque na mão do parceiro.
Mas mesmo sem sua roupa de baixo estar completa, ela nunca tinha visto mulheres tão maravilhosas, com sorrisos tão abertos e tão soltas, dançando sob o luar com três fogueiras enormes esquentando e clareando
a clareira.
De um lado havia vários fogos menores com espetos recheados de carne sendo virados de tempos em tempos, que eram chamadas de fogueira de caçador.
Os homens estavam espalhados por todos os lados em pequenos grupos, bebendo em suas canecas e conversavam e riam.
Então a música ficou mais rápida e, batendo palmas, eles iam saltitando, contando os passos e cruzando um com outro.
— Parece que a surpreendi — Christopher sussurrou ao seu ouvido, o que a fez sentir um arrepio percorrer seu corpo.
— Isso é tão... bonito e parecem tão felizes.
— Porque estão felizes.
Eles desfizeram as filas e os músicos trocaram a música mais rápida e era vibrante e cadenciada.
Foram ao redor da fogueira e dançavam e saltavam, com seus cabelos ao vento, pois os homens soltaram o cordão que os prendia e as damas soltaram as presilhas que prendia os delas, longos a maioria até
a cintura, e eram magníficos com aquelas mechas.
Evellyn ofegou e ficou vendo aquilo boquiaberta.
As mulheres se soltaram mais e dançavam e riam, erguendo suas saias e estavam descalças.
Christopher olhou para ela, observando seus olhos arregalados, sua boca suave abrindo-se em um “O”.
Era algo tão natural dela quando estava espantada com algo, mas, apesar de estar escandalizada, estava hipnotizada.
Nunca tinha visto tal coisa. Tal beleza e tal liberdade.
— Isso também não me parece muito cristão — ela sussurrou sem tirar os olhos deles.
— Porque não é.
— O que é então?
— Uma celebração pagã. Estão dançando para agradecer a colheita, louvar os deuses. Dar a boas-vindas ao inverno que se aproxima. Lobos gostam de dançar ao redor da fogueira e honrar nossa raça.
— Por que... por que fariam uma celebração pagã?
Ela o olhou, imaginando que ele olhava a dança, mas não, ele olhava para ela. Estava sério, com o olhar fixo sobre ela e era mais quente que as chamas da fogueira.
— Porque somos pagãos.
Ver seu rosto na penumbra recebendo as nuances das cores avermelhadas e laranjas das chamas do fogo o deixava tão deslumbrante que ela perdeu o fôlego.
E aquela conexão entre eles era mais quente que as chamas.
Ele segurou sua mão, beijou seu dorso e se aproximou mais dela, olhando-a intensamente.
— Somo seres na natureza, amamos e vivemos esta conexão intensamente. O mundo sussurra suas bênçãos a todo momento e meu povo o saúda e o festeja sempre.
— É da sua cultura?
— Sim, é o que eu sou. Isso te incomoda?
Por um momento não sabia responder porque estava um pouco chocada, mas, afinal, ela vivia chocada desde que tinha chegado ali.
— Não.
Ele sorriu lindamente.
— Fico contente, Evellyn. Venha, vamos comer.
— Seu povo come muita carne.
— Sim, muita, mas nenhum humano.
Ela riu pela sua brincadeira.
Depois que fizeram a refeição e dançaram, uma tempestade chegou, o que impediu que Evellyn voltasse para casa.
O que era um problema, porque já estava inebriada pelo vinho, pela dança e participar daquilo tudo, daquela festividade tão indecente e maravilhosa a fez perder quase todo seu juízo.
Dançar com Christopher a deixou ainda mais perturbada.
Ela tentou fugir de sua atenção e correu para a biblioteca e tentou fazer seu trabalho aguardando a chuva passar.
O que foi uma perda de tempo.
***
A tempestade estava caindo impiedosa, a noite havia entrado e a impedindo de partir. Os relâmpagos acendiam o céu e os trovões eram fortes que faziam a casa tremer.
Ele estava ali, sentado na poltrona olhando para ela, o que estava a deixando louca.
Com um castiçal de velas acesas sobre a mesa de carvalho, ela tentava fazer as anotações no livro, mas estava difícil, porque não conseguia se concentrar.
Talvez estivesse bêbada.
— Terá que passar a noite aqui, senhora — ele finalmente falou.
— Logo a tempestade passará e irei para casa.
— Não passará.
— Não é apropriado eu passar a noite aqui.
— Aqui nesta sala não, mas no meu quarto, sim.
Ela arfou e derrubou a caneta tinteiro e o olhou com os olhos arregalados.
Ela juntou alguns papéis e levantou, aturdida.
— Não pode fazer este tipo de comentário, milorde. Isso não é atitude de um cavalheiro.
— Tenho sido muito cavalheiro, pelas nossas circunstâncias, milady.
— O que pensa que sou?
— É a mulher mais linda que pude colocar os olhos.
Ela abriu a boca para contestar, mas ficou sem argumento.
— O senhor mal me conhece, milorde.
— Eu conheço o suficiente. Eu sei muito bem a mulher que é para mim, o problema aqui é que você não sabe.
Christopher levantou e foi até ela, olhando-a daquela maneira intensa que sempre a desmontava.
Ele era um predador realmente e ela não conseguia fugir dele.
Talvez não quisesse mais fugir dele. Porque tudo nela o ansiava.
Evellyn estava na frente da lareira e segurava os papéis, tentando se controlar porque suas mãos tremiam.
A proximidade dele era perturbadora e seu corpo reagia de forma absurda.
Bem que a senhora a tinha alertado que ele era sedutor e entendia porque as mulheres o desejavam. Ele era perturbador, lindo de forma estrondosa e seus olhos claros a enfeitiçavam.
Então lentamente, roubando-lhe o ar, ele passou os dedos em sua nuca, acariciando a pele, os fios que caíam soltos do penteado intrincado no topo da cabeça que deixavam sua nuca a mostra.
Sua pele parecia muito sensível ao seu toque, roubando-lhe o ar, enviando uma onda de excitação pelo seu corpo, fazendo todos os pelos do corpo eriçar.
Ela olhou para seus lábios e desejou beijá-los. Mas o jeito que a olhava, sabia que se passava muito mais na cabeça dele.
Era um predador exótico e selvagem, que parecia que iria dar um bote a qualquer momento.
Um bote sobre ela.
Christopher tomou os papéis de suas mãos e os jogou sobre a poltrona, sem tirar os olhos dos dela. E então a beijou, envolvendo-a de forma que seu corpo se encaixasse no dele. A fome com que a beijava
desnorteou seus pensamentos. Era muito mais forte, muito mais depravado, intenso e inusitado.
Ela não conseguia pensar e somente sentiu seu beijo.
E ele a tomou com tudo o que tinha.
Foi muito vago perceber que ele a tomou nos braços e foi andando pela casa com ela. Subiu as escadarias, abriu e fechou a porta com o pé e então colocou-a no chão.
Ela arfou e piscou aturdida, pois ele a tinha levado ao seu quarto.
Deus Santíssimo! Ela não conseguia de mover, protestar, estava em choque e queria recuar, mas seu corpo não obedecia.
A paixão estava à flor da pele e queria viver o momento pecaminoso.
— Meu bem, há uma coisa que tem que aprender sobre mim.
— O quê?
— Eu cuido do que é meu e... não consigo resistir ou esperar mais, anseio fervorosamente te tomar, te fazer minha. Nosso tempo acabou, Evellyn. Está na hora de desvendarmos nossos segredos.
Ele a puxou para si e a beijou e ela simplesmente sentiu seu mundo virar do avesso.
Era mais intenso que antes.
O beijo daquele homem queimou sua mente, e acendeu seu coração rapidamente, fazendo-a sentir sensações que não conhecia por seu corpo todo.
Depois disso, ela perdeu a noção do tempo, suas limitações e barreiras, como se estivesse hipnotizada.
Somente soube que estava perdida em seus braços quando sua língua invadiu sua boca, num beijo tão intenso que não pensou ser possível.
Ele embrenhou as mãos em seus cabelos, desmontando seu penteado e deixando-os cair pelas costas.
A mão em suas costas a trouxe para ele, roçando sua pélvis em seu membro excitado, arrancando um gemido de ambos.
Estava totalmente perdida nos braços daquele homem magnífico que parecia tê-la enfeitiçado, estava-a devorando. Beijando-a de forma alucinada.
Um espasmo atravessou seu corpo e espalhou-se rapidamente por suas pernas quando ele tomou seu seio em sua mão e não conseguiu entender direito, mas ele rasgou seu vestido, que foi ao chão, os cordões
de seu espartilho foram cortados, mas não percebeu que ele o fez com suas unhas afiadas.
Tudo era tão estranho, tão novo, tão maravilhoso, que ela não conseguia dizer que não fizesse aquilo, que era escandaloso, depravado.
Evellyn estava aturdida, enquanto um desejo enorme e desconhecido avultava-se e a deixava sem razão, tombada no meio do prazer.
Ela mal o percebeu tirando sua casaca, suas botas e ele estava de joelhos na frente dela, deslizando as mãos pelas suas pernas e retirando suas meias e a liga.
Ele ficou em pé na sua frente novamente e tirou sua camisa, e ela olhou seu corpo forte que tanto admirava. Ela tocou seus ombros largos e sua pele era quente e macia.
Segurando-a pelos quadris, ele aconchegou-se mais, fazendo-a perceber o quanto estava excitado e desejoso por ela, ela sentiu o pulsar de seu membro, implorando que o deixasse tomá-la.
Sabia do que se tratava, pois embora o corpo de um homem ainda constituísse um mistério parcial para ela, pois nunca tinha visto um homem inteiramente nu, sua ingenuidade não era tão grande quanto a falta
de experiência.
Sexo sempre tinha sido doloroso e repugnante. Mas com Christopher parecia ser diferente, porque ele era diferente. Era intenso e apaixonado e a tocava como se estivesse desesperado e amava fazer isso.
Evellyn não se sentia amedrontada e deixou que Christopher continuasse a explorar sua boca, que a sua língua se entrelaçasse à dele.
Com um gemido rouco de prazer, ele abraçou-a mais ainda, tocando-a em todas as partes de seu corpo, sentindo suas curvas.
O que ela sentia em seu sexo era indescritível, era prazer: um prazer que estava fazendo algo acontecer dentro dela.
Era como se em seu ventre houvesse sido acesa uma fogueira que a estava queimando.
Os lábios dele a devoravam com paixão crescente e o comportamento sensual, porém instintivo de Evellyn, levou-o aos limites da resistência.
Suas mãos enterraram-se nos cabelos claros dele enquanto as chamas cresciam pelas carícias ousadas, pelo toque intenso que transformavam o seu sangue em lava.
As portas do puro e cru prazer haviam sido abertas. E eles não tinham palavras para descrever o que sentiam e seus movimentos seguiam o instinto que vinha de suas almas, seus corpos estavam agindo por
conta própria.
Christopher tomou Evellyn nos braços, se perguntou exatamente o que devia fazer agora, porque estava perdido, tão embriagado com seu toque seu gosto.
Parecia que era a primeira vez que tocava uma mulher e o prazer que emanava disso era delicioso demais para seu próprio bem.
Ela era a coisa mais doce que já cheirou. Sentia agora a fome mais pura que nunca o tocou antes. Doce e igualmente tentadora. Ela o atraía a um nível que nem sabia que existia. Um nível tão primitivo que
só o que queria era marcá-la de vez. Fazê-la sua, dar tudo dele para ela.
Marcar o seu corpo delicado com o seu toque, reivindicar o doce calor da sua boca, de seu sexo. Queria enterrar-se dentro dela, bem fundo, com força, inteiro, até que ela gritasse por piedade e seu nome.
Até que ele a mordesse e a fizesse dele. E percebeu, muito pouca coisa existia além dessa vontade. O que também o tornava extremamente perigoso e enlouquecido.
As mãos dele acariciavam seus braços, iam até a sua cintura tocando sobre a sua camisa de linho fino, e podia sentir o contorno de seu corpo.
Tocou seus seios enquanto espalhava aqueles beijos insanos e ardentes pelo seu pescoço e ombros, depois traçando um caminho inflamável até o bico dos seus seios.
Puxou o cordão do decote e a camisa se abriu, deslizando pelos seus ombros.
E finalmente ela estava totalmente nua diante dele.
Christopher a olhou de cima abaixo e morreu de ardor somente pela sua visão.
Seus lábios estavam entreabertos, respirando com dificuldade, suas bochechas rosadas pelo calor, pela expectativa do ato, pela luxúria que a havia arrebatado.
Evellyn sentiu o corpo dele aproximar-se lentamente, empurrando-a para a cama até ficarem deitados sobre o colchão macio.
— Toque-me, Evellyn.
Com a respiração difícil, ela deslizou suas mãos pelos ombros e pelas costas e sentiu sua pele quente e provocante, torneando seus músculos fortes.
Então ele começou suas carícias, explorando seu corpo, tocando seus seios e ela arfou quando ele sugou com força um deles.
Sua mente dizia para impedi-lo de continuar, pois aquilo não era certo. Era muito errado passar por aquela experiência sem ser casada com ele.
Pensava que era pecado, que era tudo menos apropriado, mas estava muito além de uma condição sã para parar.
Tinha apenas aquela sensação que deveria, podia e queria...
Ele suspirou, deslizando a mão até seu sexo e ergueu a cabeça para observar a reação dela.
Por um instante, ela ficou tensa. Então, ele tocou delicadamente o mamilo intumescido com os dentes e a penetrou com os dedos, e uma onda de desejo correu por suas veias. Sua respiração estava acelerada.
A pressão aumentou o suficiente para deixá-la excitada de uma forma até então desconhecida. Inconscientemente, arqueou o corpo e gemeu.
Seus lábios envolveram seu seio e a boca movia-se gentil e forte, mordendo, lambendo, provocando, explorando, exigindo.
Todas as suas defesas acabaram porque Christopher estava em seus braços, desejando-a e tocando-a com tanta devoção e carinho e era tão bom.
Não sabia se era certo ou errado, mas não podia resistir. Não imaginara que seu corpo poderia experimentar algo tão prazeroso. Sentia-se viva, pela primeira vez na sua vida.
Queria retribuir e agradá-lo também. Queria puxá-lo para mais perto e tocá-lo da mesma maneira que ele a tocava. Queria tudo dele, tudo que tinha direito. Seus braços envolveram o pescoço dele, o corpo
arqueando ao contato do dele, seu peito musculoso roçando o seu.
A pressão do seu toque aumentou, fazendo-a gemer mais alto. Christopher abafou seu grito com seu beijo. Jamais fora beijada de maneira tão ardente, tão devassa. Não imaginara que beijar um homem pudesse
ser tão delicioso. Queria mais.
Ele retirou a mão de seu sexo para abrir os botões da calça. Ela sussurrou algo, mas ele não ouviu. Estava cego e surdo, só queria saborear a inocência dela.
Beijou-a novamente, com ardor, enquanto se livrava do resto de suas roupas.
Quando o seu corpo musculoso se moveu sobre o dela, totalmente nu, já não pensava em protestar. Suas longas pernas se abriram, ansiosa para aceitar o contato do corpo dele. Estremeceu quando o sentiu junto
a si.
Não imaginara como seria se aproximar de um homem tão excitado, forte e grande. Uma pontada de medo a acometeu, o medo da dor.
Também aprendera um pouco ouvindo outras mulheres comentando sobre os próprios relacionamentos. Sabia que jamais se submeteria a um homem daquela maneira, ou que se entregaria assim sem medo.
Se ele a tomaria com cuidado, se ele também pensaria em nada além da própria satisfação.
Mas a sensação que experimentava acabara com suas convicções. Abandonava-se como qualquer mulher apaixonada, porque ele se preocupava, a tocava reparando-a, lhe dano prazer, e isso quase arrancou lágrimas
dela.
Mesmo sabendo que Christopher estava mais envolvido pela excitação do que por sentimento, não conseguia resistir. Estava inebriada de tanto prazer, vibrando com a descoberta do desejo. Ela o queria.
— Esperei por tanto tempo, Evellyn — gemeu ele contra os lábios dela.
Sua mão desceu pelos quadris dela e a ergueu, deixando-a numa posição tão íntima que a fez estremecer.
— Minha querida, eu lhe quero muito.
Evellyn também, mas não conseguia falar. Apertou os ombros dele. Tremia, sentindo o prazer crescente que a dominava, como um jato de luz obstruindo a razão.
Seus mamilos latejavam. Estavam tão inchados que doíam de vontade de serem tocados. E ele voltou a tomar seu tempo a eles, sorvendo-os para o calor de sua boca e os comprimindo, raspando seus dentes, que
pareciam afiados demais, mas a sensação era forte demais para ela atinar.
O raspar da língua dele era demais para se suportar. Brutal e arrebatador conforme lambia o agonizado bico, passando também os dentes, enquanto ela enterrava as unhas na pele nua e morna dos ombros dele.
Evellyn gemeu alto quando Christopher sugou com tamanha força e que foi como um raio atravessasse todo seu corpo e explodisse em seu sexo, fazendo-a se contorcer.
Era demais, mas ela queria mais.
Cada toque, cada lambida e carícia eram como um fragmento de sensação correndo até o seu útero e explodindo que nem dedos em chamas cercando o seu clitóris e explodindo no interior do seu corpo.
E ela não tinha ideia de como controlar aquilo. Não pôde se controlar, seu corpo tinha tomado posse de seu juízo, ele implorava para ser tomada. Pela primeira vez em sua vida, ela conhecia a luxúria e
o prazer.
— Evellyn, você é deliciosa, me deixa louco.
Ela precisava de mais e ele parecia adorar infligir sua tortura.
— Por favor, Chris... — ela sussurrou, arqueando seu corpo para senti-lo mais perto, sentindo sua pele queimar.
Ele arfou e fechou os olhos quando ela o chamou assim, tão íntimo e tão pessoal, tão desesperada, tão entregue a ele.
Nada de conde, de milorde, de senhor, de alfa.
Chris.
Só Chris.
Aquilo foi como uma explosão dentro de seu coração.
Um segundo depois, o gemido dela encheu seus ouvidos e ele abocanhou seu sexo com a boca tão inteiramente, de forma tão intensa e luxuriosa, depravada, que ambos quase alcançaram seu orgasmo.
Aquele homem era o próprio demônio emanando fogo.
Ele fez sexo com sua boca, penetrou-a com a língua e seu rosnado que retumbava contra sua carne sensível parecia muito animalesco.
Ele a penetrou com dois dedos e movimentou dentro dela, e então ela teve um orgasmo, intenso, gemeu desesperada e ele aproveitou sua loucura e sua mente viajando, seu corpo gritando e ele entrou nela,
inteiro, acomodando-se.
Tomando-a como desejava.
Ele rosnou, porque a sensação era poderosa demais, boa demais.
Tão fortemente quanto a sua carne o apertava, flexionando e ordenhando seu membro para que penetrasse ainda mais, sua vagina o tomava.
Era um prazer agonizante, a sensação mais doce que podia imaginar. A cada investida do quadril dele para dentro dela, ou ao sair e sentir como se fosse perder o mundo todo, as sensações só cresciam e ela
se agarrou a ele como se tudo fosse desmoronar, como se o mundo fosse apagar.
— Tão maravilhosa, tão minha. Você é minha, Evellyn! — rosnou perdido de desejo e prazer.
— Sim... sou sua.
Ele rosnou, a respiração pesada com o suor deslizando pela sua têmpora.
— Minha companheira!
Levantando o olhar para ela, seus olhos cintilaram, suas presas cresceram e seu lobo se agitou desejando reivindicar sua fêmea.
Um tom profundo de azul brilhante tomou conta de seus olhos e ela o olhou e piscou aturdida, e sua mente estava perdida demais para entender o que estava acontecendo.
Estava inebriada demais para sentir medo dele, ou na verdade entender que ele realmente tinha modificado sua fisionomia.
E quanto a ele, não conseguia apontar um motivo para tal sentimento, estranho demais à sua natureza para compreender.
Queria mordê-la e transformá-la em sua loba.
Ele rosnou e afastou a boca e intensificou seus impulsos dentro dela, selvagem, com golpes fortes e poderosos.
A potência se desenrolou, cercou, penetrou, mais fortemente, mais animalesco, ele rosnou de forma diferente e intensa que quase a assustou.
Ela era dele e ele dela.
Eram parte um do outro agora. Um pertencia ao outro em corpo, mente e alma. O controle a abandonou.
Evellyn ficou selvagem, tão livre quanto uma tigresa agora, esforçando-se para alcançar o mistério do ato em si que era tão fascinante, além de seu alcance.
Entregou-se às sensações, entregou-se a ele, ao seu amante. E tudo porque ele se entregara a ela.
Ele lhe sussurrou palavras impetuosas ao pé do ouvido, pecaminosas, elogiosas, podia jurar até que falava em outra língua, sua boca deslizou pela sua mandíbula e seu ombro, queimando.
Sua magia se soltou no quarto e turvou sua mente e Christopher estava fora de si, sua magia estava forte demais para conseguir controlar, mas ele não podia mordê-la sem que ela soubesse a verdade, seria
desleal e errado.
Mas seu lobo foi mais forte e ele a mordeu no ombro, não completamente, mas o suficiente para marcar seu acasalamento.
Ele estava perdido demais no seu desejo e na magia que se soltou sem comandar. Era um impulso sobrenatural mais poderoso que seu juízo.
Ela gemeu e se contorceu debaixo dele e ambos alcançaram o clímax, que foi tão esmagador que ela gritou o nome dele e ele rosnou ferozmente.
Estava aterrorizada, mas se sentia amada. Inebriada e entregue e não percebeu exatamente o que havia acontecido.
A mordida foi uma picada que se misturou ao seu êxtase e ela quase não percebeu o que ele havia feito, nem Christopher.
Ele reagiu com um êxtase explosivo e com um rugido rouco, chamou-a, segurou-a com tanta força que ela achou que a absorveria.
E depois, despencou sobre ela, suspirando seu nome com verdadeira satisfação e devoção.
Os corpos estavam úmidos de suor e ele tomou sua boca num beijo ardente e demorado que só a deixou desesperada por mais.
Ele não conseguia parar as sensações que eram muito fortes. Então ela sentiu o gosto metálico do sangue na boca, seus dentes roçaram na sua língua e pareciam grandes e afiados.
— Chris...
— Shhh, está tudo bem, meu amor.
Christopher rosnou e contraiu seus dentes e fez com que seus olhos voltassem ao normal, o que foi uma verdadeira luta e ele tombou para o lado, respirando com dificuldade.
A partir daí, ela era quase inconsciente do que aconteceu, ele a puxou para seus braços, abraçando-a com força e ela caiu em um sono profundo.
Ele a olhou e a amou mais do que nunca, mas tinha a mordido sem contar a verdade a ela antes. Temeu por sua sanidade e o medo tomou seu coração, porque tinha cometido um erro: um erro que podia custar
sua companheira.
Evellyn acordou, envolvida pelos braços fortes de Christopher. Estava tão quente, tão perfeitamente encaixada nele que não queria se mover.
O cheiro dele a deixava tonta.
Ele beijou sua testa e ela, ao vê-lo assim, em seus braços, sentiu que tudo estava certo e era maravilhoso.
Aquele sonho estava tão bom...
Ele beijou seus lábios e ela devolveu o beijo, então soltou um suspiro e ficou olhando para ele, para aquele rosto tão belo, para aqueles olhos tão diferentes, mas divinos.
Então, a realidade tomou sua mente, ela saiu do sonho...
Não, aquilo não era um sonho...
Ela tinha passado a noite com ele e tinha feito coisas escandalosas, agido de forma depravada, como se estivesse enfeitiçada ou algo.
Estava espantada consigo mesma.
Levantou atordoada da cama, puxando o lençol consigo. Estava nua, pelo amor de Deus!
Era a primeira vez que ficava nua completamente com um homem, nunca tinha ficado nua com seu marido, estava depravadamente enroscada na cama, nua com ele.
Desajeitada, tentava se cobrir e, encabulada, ficou na frente do fogo, que alguém tinha reavivado.
Algum empregado devia ter entrado e acendido o fogo. E haviam trazido água e toalha na bacia de louça.
Eles tinham a visto ali, nua com ele.
Suas bochechas queimaram e pensou que sua mente rodopiou.
Enquanto sensações estranhas acometiam seu corpo, fazendo-a tremer, sua face queimava de vergonha. Não conseguia encará-lo.
O que tinha feito?
Tinha se entregado àquele homem, tinha sido maravilhoso e surreal, em algum momento teve e a sensação que perdeu os sentidos, que tinha visto os olhos dele brilhar, e os sons que ele fazia…
Sua cabeça estava queimando.
— Não sinta vergonha, Evellyn. Nós somos adultos, livres, e você é minha agora, não precisamos nos sentir envergonhados do que fizemos e você não precisa esconder seu corpo de mim.
Ela olhou-o e sentiu vontade de chorar, ele era tão lindo e carinhoso e acariciou seu rosto com tanta doçura quando chegou até ela.
— Nunca imaginei que seria assim.
— Foi intenso e foi maravilhoso. Também devo dizer que foi mais do que imaginei e sonhei, mais do que minha vã consciência pudesse prever.
— Nunca pensei que houvesse tal paixão. E que me tornaria tão perdida e desorientada. Tão sugada pelo poder do amor e da paixão.
— Entregamo-nos de corpo e alma e pode haver mais.
— Mais?
— Sim, ainda podemos alcançar mais.
— Isso não é certo. Nós não somos casados e isso... mulheres decentes não podem desfrutar disso, assim. O que vão pensar de mim? Alguém entrou aqui e me viu. Todos saberão.
— Você é minha companheira e estamos acasalados. Isso te faz muito importante e reverenciada, tanto nesta alcateia quanto em outra. Meu povo, tanto aqui em minha casa, como na vila, ou em qualquer lugar
que vá, a reverenciará, querida. Você não é a simples mulher de um conde, é a companheira de um alfa.
Acasalados?
Ela piscou aturdida, às vezes ela não entendia o que ele falava.
— Não entendo.
— Logo entenderá. Eu te darei o que deseja, o que necessita e não precisa mais voltar para aquela casa velha, esta é sua casa agora.
— Milorde…
— Por favor, chega destas formalidades, somos íntimos agora e você é minha. Chame-me de Christopher e você será minha Evellyn.
— Christopher… mas isso não pode ser.
— Por que não?
— Nós nos conhecemos há apenas algumas semanas, você me contratou para ver suas contas e você é um conde e eu…
Ele a beijou, não a deixando falar. Devorou sua boca, com loucura, fazendo seus pensamentos apagarem.
Logo que a soltou, ela suspirou, atordoada demais.
— Você nunca saiu de meus pensamentos. E agora que a tenho aqui não permitirei que recue. Olhe.
Ele foi até uma caixa na escrivaninha e a abriu, pegou as luvas de seda e mostrou a ela.
Ela ficou olhando e piscou aturdida.
— Lembra-se? Você as perdeu no baile, em Londres quando nos vimos pela primeira vez. Eu guardei pensando que era a única coisa sua que eu tinha. Nunca a esqueci. Tenho vivido na tristeza desde então. Agora
você está aqui e nunca mais poderemos nos separar.
Ela pegou as luvas e ficou com a garganta embargada e o olhou confusa e a avalanche de emoções que a tomavam a deixavam atordoada.
— Minha vida não é de todo normal e não me importo com estas convenções, regras de etiqueta e tudo mais que sua sociedade impõe. Eu sigo minhas próprias regras, pois há outras coisas mais importantes.
O que importa agora é que eu a encontrei e será minha loba.
— Loba?
— Sim, querida, minha loba, é o que eu sou, um lobo; e além de conde, sou um alfa. Está na hora de você saber a verdade.
Evellyn ficou olhando para ele, a princípio espantada e com medo, então ele sorriu e ela pensou que estava brincando e se abrandou.
Quando foi perguntar sobre sua brincadeira, um criado bateu à porta e entrou, colocou a bandeja com o café da manhã na mesinha.
Ela deu um gritinho com as bochechas vermelhas e se escondeu atrás de Christopher.
Quando ela viu que o homem não saiu, ela ousou espiar. Christopher era tão grande que literalmente sumia atrás dele e então ela se deu conta.
Christopher estava totalmente nu na frente dela, na frente do criado e não parecia nem um pouco envergonhado, enquanto ela estava quase desmaiando de vergonha.
Evellyn se espantou agora que olhou bem para o criado. Ele tinha os cabelos longos e brancos, presos num rabo de cavalo, e seus olhos eram verdes, muito claros, quase brancos. E também era alto e forte,
mesmo parecendo ter uma idade avançada.
Oh… um alerta bateu em sua mente e seu olhar caiu sobre um quadro sobre a lareira. Havia um casal pintado ali e era de outro mundo.
A verdade que ela estava tentando jogar para debaixo do tapete somente para não enfrentar a realidade.
Aquele povo não era normal.
E não era porque eram de outro país, havia algo sobrenatural ali.
Observando o quadro parece que deu um estalo dentro de sua cabeça.
A mulher era estonteante com os olhos azuis muito claros, realmente iguais aos de Christopher.
O homem era enorme, com os ombros largos e também tinha o cabelo longo e com vários tons, mas seus olhos eram verdes, muito claros também.
Eles não pareciam pessoas normais, nem um pouco. Na outra parede havia outro quadro e ali estavam seus pais novamente, Christopher adulto e uma moça muito bonita, todos com cabelos multicoloridos e seus
olhos...
O mordomo fez uma reverência respeitosa e deixou o quarto.
— Estes são meus pais e minha irmã.
— Onde eles moram?
— Minha mãe mora aqui, mas no momento ela está passando uma temporada com minha irmã que mora em outra alcateia. Ela ganhou um bebê e, meu pai, infelizmente morreu em 1814, durante a guerra contra Napoleão.
Ele foi pego numa emboscada e seu ferimento não pôde ser remediado e nós o perdemos. Era um homem fascinante.
Ela olhou para Christopher com cautela e baratinada.
— Alcateia?
— Nossos grupos se chamam alcateias.
— Pensei que isso era para grupo de lobos.
— Assim é.
Ela franziu o cenho e pensou um pouco.
— Você disse 1814?
— Sim.
Ele olhou cautelosamente para ela. Bem, era chegada a hora.
— Não se assuste, Evellyn.
— Estamos em 1873, então… você… a pintura, você está com a aparência de hoje… como pode? — ela sussurrou confusa.
— Evellyn…
— O que está havendo?
Ela se afastou dele, assustada.
Parecia que todas as imagens estranhas que havia registrado nas últimas semanas pipocavam na sua cabeça.
— Eu não sou um homem normal.
— O que quer dizer?
— Eu sou um lobo, na verdade, um shifter de lobo.
— Um o quê?
— Eu posso me transformar em lobo quando eu quero, e eu estava procurando minha companheira.
— Companheira?
— Você é minha companheira, Evellyn Morgan. Eu soube disso desde o início. No baile. Você era a pessoa errada, mas eram os motivos certos, mas agora tudo está certo.
— Quer dizer como uma noiva? — perguntou confusa.
— Para nós, companheira é aquela pessoa que foi feita para nós para termos uma vida juntos, uma esposa, como vocês dizem. Eu estive esperando ansiosamente por tantos anos, pelo dia em que seria agraciado
com minha companheira e, por fim, você chegou. Encontrei-a antes, mas estávamos impossibilitados de estarmos juntos. Agora não há nada que nos impeça.
— Tantos anos? Quantos anos? — disse amedrontada.
— Eu tenho duzentos e dois anos, Evellyn, e vou viver mais uns duzentos anos e você... viverá comigo.
Ela foi andando para trás com os olhos arregalados e ele, em todo seu tamanho, com aquele corpo glorioso, forte, com aquela pele dourada, com músculos firmes e mostrando toda sua virilidade, caminhava
para ela.
— Chris… você realmente está me assustando.
— Não há volta, meu amor, nós já começamos nossa união nessa cama. Nossos sentimentos estão unidos, sentimos o mesmo um pelo outro.
Ela piscou aturdida. Sim, tinha se entregado a ele e seria o certo ter um compromisso.
— Não tema, meu amor, tudo está bem. Eu não vou te machucar, nunca, mas eu preciso te dizer a verdade sobre mim.
— Por que está fazendo isso?
— Porque os deuses criaram você para mim, minha Evellyn, e eu estou tão feliz porque você é linda, inteligente, valente, tudo que eu queria. E percebi como você se encantou com tudo, mesmo achando diferente
e achando que não era certo, quis fazer parte de nossas vidas.
— Não…
— Permita-me dizer que sei como se sente. A senhora me deseja e sente a mesma atração por mim, não pode negar isso, senão não teria parado na minha cama.
— Como ousa falar assim?! Dessa forma tão descarada? Não tem vergonha?
— Não, vergonha é algo que não faz parte de minha espécie.
— Santo Deus!
Ele respirou perdido e exasperado, já não sabia o que dizer a ela. Nunca tinha falado tanto na vida com uma mulher.
— Sou o que sou. Perdoe-me se não sou polido como os lordes de Londres, pomposos como nos seus bailes ou sou conhecedor de poesias para encantar seus ouvidos como as damas gostam. A única coisa que sei
e posso dizer é que a amo, fervorosamente, com todo meu ser e espero, humildemente, que aceite ser minha companheira e que me permita mordê-la para que se transforme em minha loba.
Agora Evellyn estava em completo choque o olhando, muda, porque seu cérebro parou, suas palavras se esvaíram.
Ele a amava?
Ela estava apaixonada por ele?
Sim estava, pois não tinha negado nada a ele, tinha se entregado descaradamente porque quando a beijou, soube que o queria mais do que tudo.
Ele queria mordê-la? Transformá-la em loba?
Ela não conseguia respirar. Gritou e saltou para trás batendo na cama, quando, de repente, ele se transformou em lobo.
Um enorme, magnífico e poderoso lobo de pelagem clara com mechas marrons rajadas de pelos branco e pérola e lindos olhos azuis.
Evellyn ficou olhando-o com os olhos arregalados e não conseguia respirar e antes que sequer piscasse, ele voltou ao normal.
O que quase a fez desmaiar.
— Assim, meu amor, simples assim, você é minha companheira agora e minha missão será te fazer feliz e amá-la.
— Você virou um lobo! — gritou tremendo e correndo para trás da cama.
— Você também virará uma.
Ela arfou e olhou para a porta, pensando em correr por ela.
— Não, preciosa, não faça isso, sei que devo contar isso de forma errada e está assustada, e talvez eu devesse ter contado antes de termos acasalado, mas foi no calor do momento. Estive perdido em minha
mente. Se me der a oportunidade conversaremos com mais calma e contarei tudo.
Ela olhou-o com os olhos arregalados e assustados e ele lamentou o que tinha feito.
Como deveria saber como agir? Era uma situação inusitada para ele, transformar uma humana em loba e companheira.
Humanos não entendiam a magia dos lobos.
— Por favor, Evellyn, isso é o certo a fazer, somos companheiros, e esta noite nos acasalamos. O ritual foi iniciado. Não há volta. Eu tentei me convencer que não, que a esqueceria, mas não pude. Pensei
em você todos os dias, todos os momentos e fui muito triste nestes três anos.
— Eu não tenho escolha nisso?
— Tem e você escolheu e não se preocupe, o tempo de negação virá e depois irá embora, porque não há como negar que é minha, pela forma como se entregou a mim, quente, intensa, apaixonada, desfrutando de
cada toque que eu te dei.
Ela se sentiu envergonhada, com as bochechas quentes, sua mente dava voltas e a verdade daquilo era assustador.
— Você deveria ter me dado a escolha antes.
— Eu dei, de forma equivocada, mas dei. Na verdade, nenhum de nós pode fugir disso.
— Eu nunca tive escolha de nada na minha vida, e nunca ninguém realmente quis saber o que eu desejo e o que eu sinto. Nunca ninguém se preocupou com meus sentimentos.
— Eu me preocupo. Mordi-te sem me controlar e peço perdão, mas era inevitável.
Ela piscou aturdida e se lembrou da dor do ombro e colocou a mão sobre ele e olhou sua mão ensanguentada e uma lágrima escorreu pela bochecha.
— Você me mordeu?
— Eu sinto muito, foi mais forte do que eu, meu lobo a queria demais. No calor do momento perdi a razão, mas está tudo bem, pequena. Eu cuidarei de você.
— Não, você não deu escolha! Eu confiei em você, disse que se importava.
— Eu me importo.
Ela não disse nada, se virou e começou a se vestir.
— Evellyn, por favor, me escute.
— Serei assim agora? Agora vou me transformar em loba?
— Não, eu preciso morder você completamente para te transformar, preciso recitar um encantamento antigo para poder passar minha magia para você, somente aí poderá se transformar.
— Aqueles lobos todos no outro dia, são como você?
— Sim, são minha alcateia.
— Todas essas pessoas com os olhos estranhos e os cabelos...
— Sim, somos todos assim, diferentes. A cor dos nossos cabelos é a mesma cor da pelagem do nosso lobo.
— Meu cabelo e meus olhos vão mudar?
— Sim.
— Santo Deus! Agora o quê? Vou uivar para a lua também? Vou matar pessoas?
Ela estava apavorada e ele ficou aterrorizado com os pensamentos que ela estava tendo. As coisas fugiram de seu controle.
— Não é assim, Evellyn.
Ela vestiu sua chemise, a jaqueta e a saia, colocou as meias e as botas e juntou seu espartilho, pois não conseguiria colocá-lo, mesmo que quisesse, pois estava sem os cadarços. Sua blusa estava rasgada,
o que a fez corar de desespero.
Precisava sair o mais rápido possível dali. Estava sentindo uma dor no estômago, achava que vomitaria, desmaiaria.
Cada peça que pegava e agora olhando para o espartilho sem ser posto se sentiu uma mundana, envergonhada de si mesmo.
Ela abraçou o espartilho contra o peito, com o cabelo solto caindo sobre os ombros e a dor que ele viu ali, doeu fundo em seu coração.
— Por favor, não tema, não pode ir desse jeito.
— O que acontece quando as pessoas descobrem o que vocês são?
— Muitos humanos não nos entendem, nos temem e nos caçam. Está segura aqui na nossa vila, temos poucos humanos e que nos respeitam, são nossos protegidos, você está protegida entre nós, nunca deixarei
que ninguém te machuque.
— Como pode isso? Como pode se transformar em lobo?
— É mágica, meu amor. No mundo há muita mágica e ser um lobo é fascinante, não há maldade aqui, ou nada errado. Somos o que somos e eu te mostrarei que será feliz assim.
— Quem era o lobo que encontrei no corredor?
— Era Thomas, meu beta.
Ela respirou fundo, gemeu e esfregou os olhos. Sim, ela quase tinha desmaiado quando viu o homem pela primeira vez, com seu cabelo loiro, com mechas negras muito salientes, compridos e lisos até o meio
das costas e seus olhos muito amarelos, parecendo uma barra de ouro.
Estava se sentindo desesperada.
— Tive uma má experiência com homens, não quero ser maltratada novamente, milorde, nem tratada como uma escrava e isso… é assustador…
— Ah, meu amor, mas aqui há uma grande diferença do que vivia com seu estúpido marido em Londres. Aqui conhecerá a paixão, o amor e a liberdade. Ser uma loba ao meu lado te dará poder. E eu… eu te darei
meu coração, minha alma e minha inteira devoção. Nunca te machucarei.
— Tenho medo.
— Não tenha, eu não vou te machucar, olhe nos meus olhos e veja, meu amor.
Ela estava congelada e mal conseguia respirar, então, lentamente ele chegou até ela, tomando seu rosto entre as mãos e a olhando intensamente.
Ela olhou aqueles olhos azuis tão incríveis e ele deslizou seus lábios nos seus, somente numa carícia.
— Se entregue para mim, eu prometo que vou cuidar de você. Como minha alfa comandará esta alcateia ao meu lado.
— Não quero ter deveres, quero ser livre.
— Todos nós somos cumpridores dos nossos deveres. Mas quando o assunto é amor, devemos ser livres para amar. Eu te amo livremente, de coração aberto, e você? Pode fazer isso? Ser feliz, Evellyn? Seja feliz
comigo.
— Como pode saber que sou sua companheira? Promete-me devoção e depois me trairá com outras mulheres, como os homens sempre fazem.
— Não, isso nunca acontecerá. Lobos são muito diretos. Eu sei que é minha desde a primeira vez que a vi. É o instinto. Eu te esperei por tantos anos, aqui, frio e sozinho, somente esperando por você. E
jamais tocarei outra mulher. Lobos são fiéis e leais, Evellyn. Aqui nenhuma loba me tocará, porque sabe que não pode mais me tocar. Respeitarão a mim e a você.
— Isso é...
— Destino, nosso destino. Olhe como tudo se encaixou. Você era casada em Londres. Fica viúva, então vem a mim, bem aqui, ao meu lado, para que eu a encontrasse. Tantos lugares para você fugir na Inglaterra
e você vêm aqui.
— Isso parece uma grande coincidência.
— Isso, são companheiros destinados a ficarem juntos. O universo conspirou para que nos encontrássemos da primeira vez e como não era possível naquela época, nos colocou juntos de novo. Não sente isso
por mim? A paixão que demonstrou ali naquela cama não era de verdade?
— Não nego que sinto uma atração muito grande, uma... Uma coisa grande no meu coração... Nem sei explicar.
— Hoje, eu mal consegui me conter, esperando o momento que viesse a mim. Não estava ansiosa para me ver novamente?
Ela assentiu, porque estava ansiosa, mal tinha conseguido fazer alguma coisa correta durante todo o dia, somente pensando na ânsia de seus beijos, contando os minutos para vê-lo novamente.
— Uma chance, Evellyn... Deixe-me te provar o quanto a quero e que ser o que somos não é mau.
Ele a beijou intensamente e a olhou.
— Diga sim, Evellyn… — sussurrou entre seus lábios. — Diga que me quer. Ama-me e sabe disso. Nossos sentimentos são recíprocos. Ama-me tanto quanto eu te amo. Sentiu toda essa avalanche de emoções tanto
quanto eu. Sabe o quanto isso que temos é grande.
Ela o olhou novamente, dentro de seus olhos e não conseguiu negar.
— Sim...
Ela suspirou e foi em direção à porta.
— Evellyn!
— Eu preciso de um tempo para pensar.
— Mas disse sim.
— Sim, eu o amo, não vou mentir, mas aceitar isso tudo é demais para mim. Não posso aceitar virar uma loba. Preciso ir para casa.
— Esta casa é sua, não precisa partir, não queria que voltasse para aquela casa, aqui tem todo o conforto que merece. Têm criadas para te vestir, cuidar de você. Tem a mim. Você pertence aqui, a este quarto,
essa casa. Você pertence a mim.
A última frase atiçou o resto de sua revolta.
— Eu me livrei de um pai que não se importava com meus sentimentos. Livrei-me de um marido que não me amava e só me via como um vaso oco para produzir seu herdeiro. Eu me livrei de um enteado que só me
queria para ser sua prostituta. Abri mão de ser condessa para ser eu mesma e não o que os outros queriam que eu fosse! Eu não quero outro homem para mandar em mim. Eu quero ser livre! Eu não pertenço a
ninguém! E não quero ser um animal.
Ele piscou atordoado e chocado, pois não esperava uma reação dessas, que ela o rejeitasse.
Evellyn saiu do quarto deixando-o ali, sem ação. Ela não o aceitava, não o amava. O via como mais um homem mau em sua vida. Um animal.
Ele sempre pensou que uma companheira o aceitaria prontamente, ele conhecia o desejo dela, mas nunca imaginou que ela o rejeitaria, ainda mais depois da noite de amor que tinham tido.
Foi tão maravilhoso, tão perfeito.
Pela primeira vez na vida, Christopher Ulric não sabia o que fazer.
Evellyn correu pela casa e chegou em frente da casa e havia um cavalo encilhado sob a quilha, ela não pensou duas vezes e o montou, com certa dificuldade.
— Senhora! Espere, está chovendo! — um dos lobos gritou, mas ela não deu atenção e continuou cavalgando.
Ela correu pelo campo, o mais rápido que pôde, cavalgando como nunca, pois precisava ficar longe dele.
Quando chegou a sua casa, entrou e trancou a porta e caiu sentada na poltrona.
Olhou sua roupa desmantelada, seu cabelo, sem as roupas íntimas e se sentiu uma mulher vulgar.
Todas aquelas palavras que seu marido dizia a ela, a insultando, a tornando uma mulher vulgar estava gritando na sua mente.
Seu coração batia violentamente no peito e havia um desespero tomando conta de seus pensamentos.
O medo puro e cru latejava dentro dela.
Porque sim, sabia que era verdade, pois tinha agido como uma libertina. Mas ele estava certo, ela tinha amado tudo.
Ela abraçou a si mesma e chorou aos soluços, porque o amava, verdadeiramente.
Estava apaixonada e ele podia se transformar em lobo.
Que magia havia neles que podiam de transformar em animais?
O quanto isso era errado?
O que ela faria com aquela enxurrada de sentimentos conflitantes em seu coração?
Como poderia ficar longe dele, se ela o adorava?
O quanto era grande o seu amor por ele? Grande ao ponto de aceitar ser como ele?
Ela não sabia, mas, naquele dia, não conseguiria ter as respostas.
— Milady, a senhora está bem? Necessita de algo?
— Vou para meu quarto e não quero ser perturbada.
Ela levantou da poltrona e subiu as escadas correndo e se trancou no quarto, como se o próprio inferno estivesse do lado de fora.
E, enquanto isso, Christopher sofria com seu próprio infortúnio, com seu próprio sentimento de desespero.
Ele respirou fundo e pegou as luvas que pertenciam a Evellyn e acariciou o tecido, as cheirou fechando os olhos.
O tecido não tinha mais seu cheiro, mas ele o imaginava na sua cabeça, lembrava-se, e agora ela estando perto o tempo todo, era um afrodisíaco e ele estava ficando louco.
Tinha cometido um erro e não sabia se ela o perdoaria. Como era difícil de lidar com algo desconhecido.
Não sabia como agradá-la, como fazê-la voltar e perdoá-lo, fazê-la entender como era grande e importante ser sua companheira.
Ele odiava se sentir impotente e acuado, zangado consigo mesmo e com as circunstâncias.
Talvez somente precisasse de tempo e ela o aceitaria, pois sabia que ela o amava.
Talvez somente precisasse provar a ela que ser uma loba e estar ao seu lado era o melhor para ela.
Que ele a amava, verdadeiramente.
Evellyn somente saiu do quarto no outro dia. Entrou na cozinha seguida de Maggie e as duas lobas estavam preparando a refeição.
— Bom dia, milady, levantou cedo. Já levarei seu desjejum para a sala de jantar, sente-se melhor hoje? — uma loba disse fazendo uma reverência.
— Obrigada, Clarence, mas eu quero que vocês vão embora.
As duas se olharam aturdidas.
— Embora? Quer que façamos algo em Thanet para a senhora?
— Não, digo embora para suas casas, de vez, não trabalham mais para mim.
— Mas, milady, estamos aqui porque nosso alfa pediu, não pode ficar sozinha para fazer estas tarefas.
— Bem, sou a dona desta casa e estou pedindo que vão embora. Cuidarei de mim mesma de agora em diante. Agradeço pelo que vocês têm feito por mim, mas não é mais adequado que trabalhem aqui. E quando chegarem
à sua casa, digam ao seu alfa que me envie meu pagamento, pois não voltarei mais para cuidar de seus livros.
— Nosso alfa não vai gostar disso.
— Diga ao seu alfa que não tem que gostar de nada. Obrigada pelo que fizeram por mim, realmente apreciei muitíssimo.
— Foi nossa honra, senhora.
— A senhora já sabe?
— Sim, eu sei e...
— Claro que sabe, não percebeu que seu cheiro mudou?
— Oh, é mesmo! Eles acasalaram — cochichou a outra.
Evellyn ficou olhando para as duas lobas tão altas, que tinham os cabelos presos e suas mechas eram belíssimas. Uma tinha os cabelos castanhos com mechas loiras e alguns fios prateados. A outra tinha o
cabelo preto com mechas claras de um lado e uma mecha marrom do outro lado intercalando com as mechas claras e ambas tinham os olhos verdes claríssimos.
— O que quer dizer de meu cheiro? — Evellyn perguntou, constrangida.
— Estão acasalados. O alfa não a mordeu para que se transformasse, mas fizeram seu ciclo e... está marcada. Não totalmente, mas o suficiente para outro lobo saber que pertence a ele.
Por um segundo, Evellyn ficou chocada olhando para elas, com os olhos arregalados e levou a mão ao ombro, na curva de seu pescoço.
Aquilo a irritou.
— Não sou propriedade de ninguém!
— Está com medo de nós?
— Acha que vamos machucá-la?
Evellyn sentiu a garganta embargar.
— Não. Não acho que me machucariam, porque... bem... nunca o fizeram. Não fisicamente pelo menos, mas há outras maneiras de machucar alguém. Mas eu acho que não estou preparada para lidar com isso agora.
Não sei como lidar com seu alfa e... nem com vocês. Não sou um pedaço de carne que se compra no armazém e definitivamente não pertenço ao seu alfa e nem a ninguém!
As duas mulheres se olharam espantadas novamente.
— Toda nossa alcateia já lhe aceitou. Queremos a felicidade de nosso alfa e a sua.
— Alguns bufaram porque a senhora é humana e pensam que é fraca para liderar nossa alcateia ao lado de nosso alfa, mas a maioria pensa ao contrário. Há coisas que não podem ser mudadas.
— Bem, a senhora pode mostrar a estes lobos o quanto estão errados.
— Pode sentir medo agora e se afastar, mas uma hora vai ter que aceitar quem a senhora é.
— E quem eu sou? — perguntou aturdida.
Era muita informação para processar.
— A senhora é a condessa do Lobo.
— Sua companheira de alma e ele esteve esperando-a.
— Será hoje e sempre, porque os deuses a mandaram para ele para que desfrutassem e liderassem juntos.
— É seu destino, senhora.
Elas fizeram uma reverência respeitosa e saíram.
Evellyn olhou pela janela e viu as duas mulheres falarem com os lobos que estavam trabalhando no jardim e eles olharam para a casa, e por um minuto ela sentiu medo.
Mas eles pareciam preocupados e não raivosos. Então, juntos, seguiram para a casa de seu senhor.
Ela respirou fundo e olhou para a sua casa vazia e sentiu algo muito estranho em seu coração. Era um sentimento novo e aterrador.
A sensação que tinha era que o vazio não estava dentro daquela casa e sim dentro de seu coração.
Já tinha sentido a solidão antes, mas agora era diferente, era como se finalmente seu coração estivesse frio.
Ela não tinha noção do que aconteceria, ou o que deveria fazer. Mal tinha dormido e seu corpo estava acometido de sensações estranhas.
Ele disse que não se transformaria, porque não a havia mordido, e dito tais palavras, mas algo estava acontecendo com seu corpo, com sua mente.
Isso e a dor em seu coração.
Maggie, que ainda mantinha os olhos arregalados por ter ouvido a conversa que não entendeu nada, arrumou a mesa do café e Evellyn sentou para comer.
— Sente-se, Maggie.
— Eu, milady? — perguntou com espanto.
— Sim. Sente-se e tome chá comigo.
— Mas...
— Sente-se.
Sem jeito, a moça sentou e Evellyn lhe serviu o chá e colocou um pão em seu prato.
A condessa lhe serviu chá.
A moça olhava-a como se estivesse enlouquecido.
Bem, mas quem não era louco naquelas bandas? Agora que tinha se acostumado com as pessoas esquisitas ao seu redor tinham ido embora.
Bem que a fama do lugar o precedia.
— Vamos, coma, Maggie. As lobas fazem um pão delicioso, realmente, e esta geleia de uva é divina, um manjar dos deuses.
— Lobas?
— Sim, acho que terei que te contar uma história, mas será nosso segredo, e você prometerá que isso ficará entre nós. Prometi que não contaria a ninguém, mas como você vai onde vou, deve saber, caso algo
mais aconteça.
— Sim, milady.
Evellyn contou tudo o que sabia e o que tinha visto na propriedade de Christopher Ulric e o que aquelas pessoas estranhas eram.
Com um surto de susto, Maggie ficou com os olhos esbugalhados.
Depois, a menina sorriu, encantada, como se Evellyn lhe tivesse contado uma história de conto de fadas.
Evellyn pensou que necessitariam de mais um bule de chá, talvez com algumas gotas de rum.
***
Christopher estava em um canto do galpão, sentado à mesa, tomando uma taça de vinho com um pedaço de queijo. Somente iluminado com um candelabro de três velas.
As imensas pipas de carvalho com cheiro de vinho deixavam o local com um aroma peculiar.
Ele não se mexeu quando Thomas se aproximou e sentou, pegando uma taça e colocando vinho. Depois de saborear, se recostou na cadeira e esticou suas longas pernas e cruzou os calcanhares.
— Nossa safra foi boa este ano, alfa — Thomas disse.
— Sim.
— Teremos um vinho de boa qualidade.
— Sim.
— Sabe, eu acho que tudo tem seu tempo.
— Do que fala?
— Assim como as uvas, precisamos cuidar dos galhos, podá-los, cuidar de seu crescimento, esperar que a chuva seja boa e generosa para molhar a terra e esperar os cachos amadurecerem até o ponto certo para
colhê-las e fazermos o vinho. Assim acredito que foi com sua companheira.
Christopher respirou fundo e tomou um gole de vinho e não disse nada. Não queria falar dela.
— Nunca achei que uma mocinha da sociedade londrina fosse sua companheira, sempre as achei fracas e afetadas. São como bonecas marionetes que jogam um jogo perigoso. Mas a nossa senhora, Evellyn, é diferente.
Ela talvez tenha que ter ficado três anos longe para crescer e se tornar forte. Agora está preparada para o senhor.
— Ela não está preparada, ela foi embora, Thomas.
— Foi embora porque está assustada, porque é natural que pense que não pode conviver conosco ou ser sua companheira. Talvez nem tenha acreditado na magia, mesmo a vendo acontecer, mas acredito que isso
vai passar.
— Quebrei sua confiança em mim. Fui um tolo apaixonado e cego, que me deixei levar pelas emoções. Não agi com responsabilidade.
— Quando se está no calor de um momento com uma dama daquela, qualquer um perderia a mente.
— Fui precipitado.
— Mas ela o perdoará.
— Não tenho certeza disso.
— Ela o ama.
— Acha isso?
— Acho e acho mais. Aquela menina, naquele baile, não estava preparada, mas esta mulher aqui está. Ela é forte e anseia esta liberdade e sopro de vida que nós demos a ela. Não abrirá mão disso. Não sei
como era sua vida de casada, mas lhe garanto que não é nada comparado ao que o senhor já deu a ela e o que ainda pode dar. Ela pode estar assustada, mas não é tola. Basta lembrar como ela moeu as uvas,
como dançou ao redor da fogueira. Como acolheu os lobos dentro de sua casa e jogou seu medo longe. Quem faria tal coisa?
— Isso é. Espantei-me de como ela lidou com os lobos sem histeria, sem medo.
— Ela já está cativada pelos lobos.
— Talvez seja o instinto de ser minha companheira.
— Sim. Olhe, no começo, eu pensei que nosso povo não aceitaria que tomasse uma humana como companheira, mas nossos lobos são muito inteligentes e têm o coração bom. Eles a acolheram porque viram que era
uma boa pessoa e que isso deixaria o senhor feliz. Eles acreditam nas lendas.
— Acha que ela pode ir embora de Kent?
— Se fosse assim, já teria ido. Faz três dias que revelou a verdade e ela continua lá. Não irá embora.
Christopher piscou aturdido e olhou para Thomas, que jogou seu longo cabelo de duas cores para trás do ombro, e o olhou com um sorriso.
Sim, o que ele dizia era certo.
Ela não era mais uma menina, mas uma mulher pronta para viver um desafio que uma alfa necessitava.
Somente precisaria de tempo.
— Talvez eu devesse falar com ela em breve.
— Talvez sim.
— Vou mostrar que sou bom para ela.
— Os deuses a fizeram para o senhor, então não acredito que haja alguma força nesta terra que faça com que ela fique longe por muito tempo.
***
Evellyn tinha saído para cavalgar, pensar e estava cada dia mais difícil de evitar que seus pés a levassem para a mansão de Christopher novamente.
Não conseguia tirá-lo da cabeça um segundo do dia e sentia terrivelmente sua falta.
Na verdade, sentia falta de todos eles.
Estava se sentindo um saco vazio.
Ela seguiu pelas colinas e foi a um lugar desconhecido, mas era um belíssimo lugar, como um oásis, e as árvores belas e frondosas deixavam suas folhas caírem pelo outono.
O céu estava nublado e o frio começava a se intensificar, mas mesmo assim a paisagem era bucólica e a natureza enchia seus pulmões de vida.
Ela desceu do cavalo e sentou no campo, então, ouviu o barulho de uma cachoeira e foi andando a pé até lá e levando o cavalo pela rédea.
Ao se aproximar ouviu mais barulho, risadas e conversas, gritos e brincadeiras na água. Ela amarrou a rédea num arbusto e se embrenhou para observar.
E lá estavam eles.
Ela arfou e tentou se esconder de sua vergonha ao observar todos aqueles homens nus, então arfou novamente e arregalou tanto os olhos que doeram.
Os homens não estavam sozinhos, havia mulheres ali e crianças.
Todos nus, banhando-se.
Que tipo de descaramento era aquele? Não tinham vergonha, nem pudores?
Ela piscou com a boca literalmente aberta e olhou para o lado de cima do lago, onde havia grandes pedras e uma pequena cachoeira e então ela o viu.
Esplendorosamente nu sobre uma pedra, com os cabelos molhados caindo em parte sobre o rosto. Christopher estava olhando direto para ela com seu olhar intenso e poderoso.
E jurou que seu olhar brilhou. Seu corpo reagiu a ele, seus sentidos se agitaram dentro dela e sentiu que seu corpo estava formigando. Ela gemeu pela sensação forte e estranha, como o fogo a queimando.
Então arfou e saiu correndo, quase caindo ao se enroscar nos matos. Olhando de volta para os outros lobos, viu que agora estavam olhando para ela.
Uma loba acenou alegremente. Uma jovem que sempre lhe colhia flores.
Um lobo em forma animal correu na margem e saltou para dentro do lago e no meio do caminho ele se transformou, caindo na água.
Ela arregalou mais os olhos e arfou, deu um passo atrás, cambaleando e se enroscou nos matos, quase caindo por causa de suas saias justas e pesadas. Correu, pegou o cavalo e só parou quando estava chegando
em casa e então ouviu um uivo e se virou assustada. Olhou para o alto da colina e viu Christopher, parado e nu.
Ele se transformou em lobo e então ficou a olhando por alguns minutos e ela pensou que ele viria atrás dela, mas ele se virou e foi embora, em direção à sua casa.
Ela se virou, entrou em casa e fechou a porta e arfava, porque respirar estava difícil.
Eles estavam descaradamente se abrindo para ela. Revelaram seu imenso segredo. Eles eram de verdade e não com um conto.
Era assustador e tão... fascinante.
Quando a palavra tomou forma em sua mente, o coração que batia descompassado contra seu peito pareceu amenizar.
Ele confiava nela, porque senão não teria revelado seu segredo.
Aquilo era de se levar em conta. Verdadeiramente.
Ela ouviu os uivos e olhou assustada para o bosque que havia à sua frente.
Ele disse que os lobos a protegeriam, então não deveria ter medo deles. Mas isso foi antes de saber a verdade e fugir.
E se agora eles não gostassem mais dela?
Ela olhou para seu punhado de lenha e respirou fundo. A noite seria fria e deveria se prevenir.
Evellyn viu o bafo sair de sua boca, como uma fumaça, e sentiu como se seu coração estivesse igualmente congelado.
Ela se virou para a colina e sabia que ele estava depois dela e seu coração doeu.
Como era difícil ficar longe.
Estava com medo de tudo aquilo, mas a saudade dele, a saudade de sua voz, de seu olhar, de seu toque, era ainda pior. Seu coração estava tão espremido que doía fisicamente.
Então, se perguntou por que deveria temê-lo? Ele a tinha tratado com tanto cuidado, tanto amor. Nunca tinha sentido tanto carinho e recebido tanta reverência de um homem.
Uma lágrima escorreu e não conseguiu secar porque estava com as mãos cheias de lenha.
— Posso ajudá-la com isso.
Ela se assustou, gritou e derrubou a lenha, se virou e deu de cara com um enorme lobo de pelagem clara com mechas marrons e rajados de pelo branco e pérola e lindos olhos azuis.
Evellyn arregalou os olhos e ficou paralisada o olhando, mas quando olhou ao redor, não viu ninguém. Engoliu em seco sem entender quem tinha falado com ela e era a voz de Christopher.
Era o lobo que viu no quarto e na colina.
Aquele lobo era Christopher e ela ficou ali, aturdida, pregada no chão, olhando-o.
Aquela informação caiu como uma marretada bem no estômago.
Ele entendia seu desespero, pois havia ficado insano por muito dias, e quase não conseguia se conter e corria pelo bosque como um condenado, nadava no lago, na água gelada e nada parecia aliviá-lo.
Nunca tinha sentido tal desconcerto na vida, nunca sua libido esteve tão descontrolada. Ele mal conseguia ficar com as presas contidas, com os olhos normais e estar excitado o tempo todo doía. Somente
achou que era hora de enfrentar Evellyn e decidir seu futuro. Ele queria e necessitava de sua fêmea e tinha medo que ela estivesse acometida do mesmo desatino. E pior, é que estava.
— Sim, meu amor, fui eu que falei com você.
— Chris? É... É você mesmo?
Chris, ela o chamou de Chris, seu coração tombou no peito e se regozijou.
— Sim, sou eu. Não tema, minha querida Evellyn, eu não vou machucá-la — disse mentalmente e ela podia ouvi-lo bem dentro de sua cabeça, o que a espantou.
Ela piscou aturdida e olhou bem para ele. Ela nunca tinha visto um lobo antes de chegar à Kent, mas teve que reconhecer que o animal era lindo, divino e imenso.
Nunca imaginou que lobos fossem daquele tamanho, talvez fossem grandes assim por serem shifters.
E ao pensar que aquele animal em particular era Christopher, fazia sua cabeça girar. Ela olhou para o lado, para a casa e para ele.
— Não corra, Evellyn.
— Não irei.
— Soube que andou espreitando minha casa.
— Não. Bem, eu... estive.
— Por quê?
— Curiosidade e... eu pensei que deveríamos falar. Não sei exatamente.
— Estou aqui para falar.
Ela assentiu, nervosa e espremeu as mãos e houve um silêncio entre eles.
— Você não gosta do meu lobo?
— Bem... Sim... Ele é bonito.
Um prazer inenarrável invadiu o coração de Christopher.
— Então, toque-o.
— Acho que não é uma boa ideia.
— Ele não vai machucá-la, porque eu o comando, coração. Quando estamos em forma de lobo nós mantemos controle sobre ele. Nossos sentidos são como o dos humanos, um pouco mais selvagens, mas temos consciência
do que estamos fazendo e podemos nos comunicar em pensamento.
— Gosta disso?
— Gostamos de correr em forma de lobo e ficar unidos à natureza. Isso nos deixa felizes. Sou feliz como sou. Não é possível ter paz na vida se não conseguimos ser felizes por nós mesmos. Tenho orgulho
da minha raça.
Isso, de certa forma, a acalmou e ele deu mais um passo à frente e ela não recuou, o que era maravilhoso.
— Tenho tido paciência, Evellyn, e tenho te dado tempo, mas pensei que era a hora de falarmos. Fiquei contente que esteve se aproximando e que não demonstre mais nojo de mim.
— Eu não senti nojo, senti medo.
— É compreensível. Eu acho que não fui muito sutil ao lhe contar a verdade. Peço que me perdoe. Fugir para sempre não vai ajudar a nenhum de nós dois. Temos que enfrentar esta situação juntos.
Ela respirou fundo e se encolheu pelo vento forte.
— Vamos, Evellyn, me toque.
Devia e queria tocá-lo. Algo dentro dela desejava isso.
Com a mão trêmula e ainda temerosa, ela tentou afastar seu medo e não sair correndo ou desmaiar e ele se aproximou. Ele sentou na sua frente, e choramingou, o que a fez sorrir.
Empurrando seu medo, porque ele podia ser lindo, mas era realmente enorme e sabia que lobos eram ferozes e podiam matar uma pessoa, mas mesmo assim ficou encantada.
Era como se algo dentro dela tivesse se revirado, então o tocou, afundou os dedos nos longos pelos. Era muito macio, como fios de seda, e a emoção que a invadiu era maior do que tudo. Era realmente mágico
e sentiu vontade de chorar.
Queria chorar por vê-lo daquele jeito, porque estava morrendo de saudade dele, queria chorar porque seu coração doía e clamava por ele. Porque o amava e ele era um lobo e já tinha sofrido com um coração
partido antes, mas agora tudo tinha outro significado. Era tão grande que não sabia lidar.
Como poderia amar um homem que se transformava em lobo?
Mas amava.
Seus olhos se encheram de lágrimas e ela se ajoelhou diante dele e olhando para seus olhos soluçou.
Christopher deu um passo à frente e se aninhou nela e ela o abraçou e chorou. Soltou o desespero que estava em seu peito e o medo foi embora.
Ele gemeu sentindo seus braços ao redor de seu pescoço e quase chorou ao ouvir seus soluços.
Que os deuses o ajudassem, ele não desistiria dela. Porque sua companheira era muito preciosa. E era dele.
Ele se transformou e ela arfou e caiu para trás, sentada no chão e olhou para ele com os olhos arregalados, quando surgiu na sua frente, em forma de homem, completamente nu, com seu cabelo caindo pelo
rosto e seus lindos olhos azuis olhando para ela.
Ela não conseguia respirar, então, ele engatinhou sobre ela, e ela gemeu quando ele roçou sua bochecha na dela, suavemente.
— Eu sinto muito, mas precisava tocar você, Evellyn. Sinto saudade.
Como segurar as lágrimas e suas emoções depois disso, depois de ouvir isso, depois de ter presenciado tal magia?
Ele se afastou e olhou para ela novamente.
— Desculpe fazê-la chorar, somente queria te ver feliz.
Com as mãos trêmulas, ela acariciou seu rosto.
— Devo confessar que nunca pensei que receberia tal declaração de um lobo.
Ele deu um pequeno sorriso no canto da boca, pela brincadeira que ela fez.
Estava brincando com ele. Isso era estupendo.
— Perdoa-me?
— Não precisa pedir perdão, não fez nada de errado.
— Mas se afastou de mim.
— Eu estava com medo. Não quero ser mercadoria de ninguém.
— Entendi seu ponto. Quando eu disse que você me pertencia pensou que a via como um objeto, que não me importava com seus sentimentos. Não é verdade, pois você pertence a mim, assim como eu pertenço a
você, porque somos companheiros e não objetos um do outro. Mas é minha porque é o meu amor, e será o único nesta vida.
Uma lágrima escorreu, pois aquelas palavras a tocaram, profundamente.
— Não queria que sentisse medo de mim.
— Talvez tenha medo de mim.
Ele virou a cabeça para o lado, observando-a.
— Isso não parece bom.
— Não é.
— Vou ajudá-la com a lenha.
Ele levantou e ofereceu sua mão e ela levantou do chão.
E aturdida, ela o viu catar a lenha e ir para sua casa.
Ela respirou fundo, porque se um dia imaginasse que um homem desprovido de qualquer roupa andaria assim, levando um feixe de lenha para sua casa, estaria louca.
Tentou se recompor e andou atrás dele.
Quando ele colocou a lenha ao lado na lareira da sala, virou-se e ela suspirou sentindo suas bochechas queimarem.
— Desculpe, mas quando nos transformamos de lobo para homem, não temos as roupas postas.
Ela respirou fundo e assentiu.
— Sim, milorde, eu entendi. Parece ser meio depravado, mas já entendi que vocês são diferentes quanto a isso e não se envergonham.
Ele riu, o que a desconcertou.
— Lobos não são depravados, minha senhora. Lobos são o que são. Não vemos maldade na nudez nem no sexo. Somos criaturas da natureza e amamos a vida como ela é. O homem que coloca regras que deixam as pessoas
constrangidas.
Evellyn piscou aturdida e foi para o sofá e se sentou e ele ficou emocionado, porque viu que ela estava dando uma chance de conversarem, o que fez a esperança flamejar em seu coração.
Ela piscou algumas vezes, tonta e seu torpor foi cortado pela sua risadinha.
— Se você pudesse ver sua cara, querida.
— Isso não é engraçado.
— Para mim é.
— Ficar nu na frente de uma dama não é educado, senhor.
— A outra noite não reclamou de minha nudez.
— Oh, Deus Santíssimo!
Ela suspirou e desviou o olhar o que ele achou gracioso e sorriu.
— Naquele dia minha mente estava perdida, milorde.
— Perdida de amor nos meus braços e eu também a vi nua e confesso que morreria para ter isso novamente. Não pode negar o que há entre nós, Evellyn.
Ela abriu a boca de espanto. Aquela constante situação de choque estava acabando com seus nervos, nunca na sua vida pensou que teria tantos choques um atrás do outro, mas pensou que deveria se acostumar
ou fugir para longe.
Talvez ir embora dali.
Ir para onde? Não voltaria para Londres nem que para isso dependesse sua vida.
Ficar ali? Era ficar perto dele o que a deixaria louca.
Mas na verdade ela tinha sentimentos por ele e eram enormes.
Ela esfregou a testa. Sim, como poderia negar?
— Não posso negar, mas não consigo ser assim tão isenta de pudores. Não tem vergonha?
— Nós somos lobos, não temos vergonha do nosso corpo.
— Pois não sou uma loba e nem uma... mulher perdida, então se quer falar, por favor se cubra... ali tem uma manta.
Ele pegou a manta que havia sobre o sofá, se cobriu e sentou na poltrona.
Houve um enorme silêncio.
Ela o olhou e respirou fundo. Ele era tão diferente de tudo no mundo. Era sério, ponderado até amedrontador, emanava poder que lhe dava arrepios, mas ao mesmo tempo podia ser espirituoso, galante e encantador.
E quando a tocava, era tão delicioso e delicado, e no segundo seguinte a segurava com força, dominando-a e aquilo tudo era tão bom. Ele prestava atenção nela, no que desejava, no que gostava.
Seu marido nunca tinha se preocupado assim com ela. Era frio e bruto. Não havia amor, não havia paixão, somente obrigação, serviço e medo e ela odiava ter sexo com ele.
Nunca tinha visto o corpo de seu marido, assim como ele nunca viu o dela, faziam o ato debaixo das cobertas, com as camisolas postas e ele sempre era seco e a machucava.
Ela odiava.
Mas Christopher era tão diferente e tinha sido tão maravilhoso.
Ela engoliu o nó que se formou na garganta porque queria chorar novamente, mas respirou fundo. Chega de lágrimas, teria que ser prática.
Mas uma coisa era certa, não podia se livrar dele, porque estava enredada irrevogavelmente e por mais temeroso que seu mundo fosse, estava feliz ao lado dele e tinha se sentido triste e miserável estes
dias que esteve longe.
Talvez se ela jogasse para debaixo do tapete os seus medos e suas convenções de sociedade aquilo ficasse mais leve. Se tentasse ver o mundo pela visão dele, as coisas não seriam temerosas.
Se ela não gostava das convenções de Londres, por que não seguir as dele?
Ter liberdade. Uma que nunca conhecera antes.
— O... O que é isso no seu braço? Tive curiosidade de perguntar antes, mas achei inadequado, mas agora eu gostaria de saber.
Ele olhou seu braço musculoso e a olhou.
— É uma tatuagem.
— Tatuagem? O que é isso?
— Um desenho feito com tinta e agulhas, com uma haste feita de bambu com uma ponta afiada como uma agulha, que perfura a pele e está embebida de tinta.
— Tinta, como tinta de escrever?
— Feita de nanquim animal, extraído da lula, fuligem e água.
— Oh, para que serve?
— Uma visão estética. Nós, lobos, gostamos delas. Aqui, olhe.
Evellyn o olhou e viu que tinha colocado a manta em sua cintura ela pigarreou, ainda sentindo o rosto queimar e ele se aproximou, mostrando seu braço.
Ela engoliu em seco e olhou para seu braço musculoso, ele era tão perfeito.
Christopher se ajoelhou à sua frente e ela quase não acreditou que ele fizesse tal coisa, ficar prostrado diante dela.
— O que significa este desenho?
— Esta é uma Triskele, um antigo símbolo druida. Significa a energia divina. Ele abre as portas para o plano energético dos deuses. É uma forma de tríade, que os celtas consideravam sagrado. Corpo, coração
e mente.
— Na Noruega se cultua os celtas? Não eram os hum... deuses nórdicos?
— Meus ancestrais eram nórdicos e celtas.
— Oh.
— Esta escrita aqui é em norueguês, significa: “A ti Senhor Odin, toda honra”.
— Como vieram parar aqui? Me fale um pouco de sua família.
— Meu pai se chamava conde Ivar Ulric, um poderoso alfa na Noruega. Morávamos em Narvik. Ele veio para a Inglaterra há duzentos anos, para se acasalar com minha mãe. Ele havia se apaixonado por ela em
uma de suas incursões e soube que não poderia deixá-la para trás. Ela foi para o norte e teve a mim e minha irmã, mas quando seu irmão morreu sem herdeiros, ela herdou o condado e meu pai veio com ela
e decidiram viver aqui. Então, ele trouxe parte de sua alcateia para cá.
— Meu meio-irmão, Kivan, que era filho de sua primeira companheira, que morreu, ficou na Noruega como alfa lá e eu me tornei alfa aqui quando meu pai morreu.
— Christopher não me parece um nome escandinavo. Ulric sim.
— Como minha mãe era inglesa, ela escolheu meu nome.
Ela saltou da poltrona quando veio um barulho de fora e levantou e espiou na janela. E arfou cobrindo a boca.
Havia três lobos na frente da casa e, de repente, eles se transformaram em homens e ela gritou, pois estavam todos nus.
Olharam diretamente para a casa e se viraram e aqueles três homens gigantes foram para o bosque e dali a pouco vieram arrastando enormes troncos de árvores e levaram para trás da casa.
Não eram galhos, eram troncos, enormes e pesados, uns que um homem normal não conseguiria erguer, mas eles podiam.
Fantástico, Amedrontador.
— O... O que eles estão fazendo?
— Cortarão sua lenha.
— Oh. Não é necessário.
— É necessário, ou pensa em atravessar o inverno com gravetos do bosque, Evellyn?
Ela suspirou e se sentiu derrotada.
O que pretendia? Sim, ela tinha pensado nisso. Colher gravetos no bosque.
Ela se voltou e sentou no sofá e tentou não olhar para ele e ficou espremendo as mãos no colo.
— Não gosto quando se sente assim, perdida na minha frente.
— Não posso evitar.
— Fiquei com medo que fosse embora para Londres.
— Não quero me encontrar com meu enteado, nunca mais.
— Por que ele a encontraria e por que isso seria um problema?
— Acho que Rupert ficou um pouco zangado comigo porque não aceitei me casar com ele, e porque o processei.
— Exigiu seus direitos. Eles estavam errados.
— Sim, eu sei, mas não quero falar disso.
— Ok, eu não desejo aborrecê-la, Evellyn.
Ela respirou fundo e ficou olhando para ele, que pegou suas mãos, devagar.
— Querida, olhe para mim. Eu sinto muito. Pode falar qualquer coisa comigo. Não quero que tenha medo ou vergonha de mim, nunca.
— Você mudou as coisas.
— Deixei minhas emoções me levar, fui precipitado. Deixei-me levar pelo calor do momento e esqueci que é humana e não pensa como nós.
— Isso é tudo muito diferente para mim.
— Entendo. Tentarei ser paciente.
Ele era tão lindo, com seus cabelos loiros longos, seu rosto parecia tão sereno, mas havia uma tormenta em seu olhar, triste.
— Você gosta realmente de mim?
— Sim, eu me apaixonei no baile. Fiquei tão arrasado quando soube que era casada. Tentei te esquecer, mas você nunca saiu do meu coração. Muitas vezes pensei em ir até Londres e roubá-la. Tentei me conformar,
mas meu coração estava triste.
— Nos vimos por um minuto.
— Foi o suficiente, para reconhecê-la, para meu lobo reconhecê-la. No começo fiquei confuso, mas agora entendo o que sinto.
— Sonhei com você, muitas vezes.
— Sonhou?
— Não tenho medo de você, do seu lobo. Tenho medo de gostar dessa loucura e querer me juntar a ela. De não conseguir dizer não. Eu fiz uma promessa.
— Que promessa?
— Que nunca mais ia deixar ninguém me machucar.
— Não vou te machucar, vou cuidar de você, com minha vida. Os lobos cuidam de suas companheiras. Elas são presentes que os deuses enviam para nós, para termos uma família forte e para que possamos protegê-las
e amá-las. Quando a vi no baile eu a achei a coisa mais preciosa que já tinha visto, como uma pérola pura e tive medo que aquele homem tirasse seu brilho.
— Acho que ele se foi.
— Não, eu vi seu brilho e estava cintilante como uma estrela, aquele dia que dançou na mastela. Quando eu a amei naquela cama, e quando olha para mim. Meu coração brilhou e ele morrerá se me deixar.
— Não sei se sou forte para assumir uma posição ao seu lado. É mais do que um conde. Eu fui criada para ser condessa, mas... não entendo dessa sua magia e de seus lobos, da sua cultura, não sei se seria
forte para isso.
— Querida, você foi criada para ser o que eles queriam, mas agora pode ser você. Eu sei que é forte, porque senão meu lobo teria a rejeitado, mas ele não o fez, ele a ama, assim como eu, com toda minha
alma.
— Não sei.
— Eles quebraram seu coração, mas eu a vi feliz, rir e dançar e sei que gosta dessa liberdade que experimentou. Está pensando que quero te prender, mas não é verdade, quero te libertar para que seja você
mesma e seja feliz.
— Todos não fazem? O coração de uma mulher nunca é levado em conta.
— Mas eu prometo levá-lo em conta, já o faço.
A sinceridade estava cravada em seus olhos, e ela acreditava em suas palavras, tinha jurado nunca mais acreditar, mas sabia, de algum modo, que ele estava dizendo a verdade.
— Pode acreditar em mim?
Ela demorou em responder e uma lágrima escorreu.
— Sim, eu posso.
— Vamos devagar, o tempo nos ajudará. Pode perguntar o que quiser.
— Como podem se transformar?
— Magia. Nosso mundo é regido pela magia e somos conectados com a natureza. Fomos criados por uma bruxa há dois mil anos. Somos provenientes de uma maldição que acometeu nosso rei. Nosso único problema
são os humanos. Temos que nos ocultar deles.
— Soa tão estranho quando fala assim, humanos... parece assustador.
— Pode achar que somos assustadores, Evellyn, mas você viu algum de nós machucá-la? Eu a machuquei?
— Não, todos têm sido tão bons comigo. Me ajudado e eu... me acostumei com vocês.
— E de mim? Acostumou-se comigo?
— Sim.
Ele sorriu e acariciou seu rosto docemente.
— Ser um lobo é um segredo, faz parte de nossas leis não mostrarmos quem somos aos humanos, não porque temos medo deles, mas porque precisamos proteger nossa família, nossas mulheres, nossos filhotes.
É minha obrigação mantê-los seguros. Na vila há poucos humanos que nos conhecem, nos temem e nos respeitam. Eu cuido deles e eles cuidam de nós. Mas não podemos confiar nos humanos. Eles, em sua maioria,
não são confiáveis, então não contamos a eles quem somos. Praticamente todos os humanos que descobrem sobre nossa existência, sobre o que somos não reagem bem e temos que matá-los, porque é muito difícil
encontrar um humano que não queira nos matar por medo do que somos ou simplesmente porque odeiam algo que não seja natural.
— Todos pensam que somente os humanos são criaturas de Deus.
— O que eles não sabem é que o mundo não gira em torno de suas poucas crenças. Há muito mais. Nós somos apenas uma parte dela. Nós precisamos lutar para sobreviver, proteger nosso lar. Se um humano ou
mesmo um lobo o ameaçar, eu o matarei. Sem remorsos.
— Acho que entendo isso.
— Temos algumas leis que em geral todas as alcateias seguem, São leis que servem para nossa sobrevivência e para manter os humanos longe. Manter-nos incógnitos. Mas cada alcateia tem o poder de criar suas
próprias regras. Todos têm em mente que expor um lobo pode expor a todos. Ninguém quer isso.
— Confiou em mim para me contar.
— Acreditando que é minha companheira, sim, eu devia confiar. Tenho te observado e já conheço seu coração. Sei que é boa, que nunca faria mal a nenhum de nós. Mas você deve estar ciente que daqui por diante
todos seus atos devem ser medidos com responsabilidade para proteger a alcateia. Eles serão sua responsabilidade também.
Lentamente ela tocou em seu rosto.
E ele suspirou, com os olhos fechados, segurou sua mão e beijou sua palma e ele deitou a cabeça em seus joelhos.
O coração de Evellyn tombou no peito. Ele era tão forte e másculo, tão grande e estava ali, de joelhos diante dela, dizendo que a amaria e a cuidaria.
Ela tocou em seus cabelos e acariciou sua cabeça.
Jamais pensou em sua vida que receberia tal declaração de amor, tal ato de louvor e carinho. Valorizando-a, dedicando um momento tão terno a ela.
Ela tinha sonhado com o amor quando era jovem e ainda não conhecia a vida com estes sonhos. Já havia desistido deles. Ela tinha perdido as esperanças de ser realmente amada.
Mas Christopher estava oferecendo isso e era tão precioso e ela sentia algo tão arrebatador em seu coração, como se aquilo fosse tão certo e perfeito, que suas ressalvas, pelo menos a maioria delas, estavam
se esvaindo como fumaça.
Assim como seus medos.
— Podemos ir devagar com isso?
Ele a olhou e sorriu lentamente.
— Podemos. Quero que me conheça, meu povo, e então, um dia poderá vir livremente.
Ela sorriu e suspirou, se abaixou e eles se encostaram a testa um no outro.
— Eu tenho meu próprio lobo?
Ele riu e a olhou.
— Você tem.
— Seria um escândalo se vissem vocês nus desse jeito, andando pela casa e no meu quintal, no lago.
Ele riu e adorou o som de sua risada. Há tempos não ria tão livremente, ela lhe dava este sopro de liberdade.
Era como se outra parte dele estivesse aparecendo. E ele gostou disso.
— Por isso vivemos aqui. Para sermos nós mesmos. Temos que estarmos atentos, mas ninguém chega até a esta propriedade sem passar pela vila. Tenho um lobo lá que me avisará se alguém passar.
— Vamos fazer as coisas devagar. Eu continuo indo a sua casa para ver os livros e...
— Sim! Então pode nos conhecer, ver como vivemos, quer dizer mais do que já viu. Poderá nos entender. Agora que já sabe quem somos, meus lobos podem se mostrar.
— Está bem, eu farei isso.
Ele assentiu e beijou sua mão.
— Obrigado, Evellyn. Eu prometo que não vou te decepcionar novamente.
— Vou confiar em você.
— Pode confiar, de todo coração.
— E vai me prometer não me morder de novo.
— Não o farei, prometo. Não soube lidar com você, mas agora é diferente.
Ela suspirou e ele levantou e a puxou para si e ela se deixou abraçar.
E depois de tudo ela suspirou profundamente e o abraçou de volta, o que aliviou o coração de ambos.
— Eu a amo, Evellyn.
Ela suspirou, porque essa frase entrou fundo em seu coração, o que aliviou sua dor e afastou seus temores.
O amor verdadeiro, ela desejava tanto isso e ele estava lhe dando.
Então era hora de ela lutar por ele.
— E eu o amo, Christopher.
As semanas foram passando e Evellyn voltou a ir todas as tardes para a propriedade de Christopher, para cuidar dos livros, mas, acima de tudo, ele estava empenhado em cortejá-la.
Christopher fez de tudo para incluir Evellyn no convívio dos lobos, para que ela perdesse seu medo, para que os entendesse e, o que ela viu, foi uma vida comum, cheia de magia, de bondade e de alegria.
Ela percebeu que seu medo era infundado, porque não havia nada a temer deles. Eles a reverenciavam e a ajudavam em tudo e queriam agradá-la.
Alguns lobos mais velhos eram um pouco carrancudos e a olhavam com alguma ressalva, mas os mais jovens lhe traziam flores, frutas e muitas vezes vinham perto dela em forma de lobo.
E ela adorava ver os filhotes e brincar com eles.
Nos primeiros dias se assustou, mas logo passou, depois ela somente tinha admiração.
E quanto ao seu conde?
Bem, o amor estava aflorando mais e mais no peito, de forma confiante e ela não conseguia mais esconder o quanto estava apaixonada por ele.
E no mais, ela teve uma certeza na sua vida: estava aceitando a ideia de ser mordida e receber a magia e viver por si mesma a magia que eles viviam e gostavam de demostrar.
Ela não via mais a magia deles de forma errada. Ela achava lindo.
Christopher se sentiu o homem mais feliz do mundo o dia que ela disse que seria divertido correr no bosque.
Ele tinha uivado como um tolo.
Ambos já estavam perdidos de amor um pelo outro, de forma irrevogável.
Naquela manhã, eles foram cavalgar pelos campos, o que havia se tornado um hábito dos dois. Ela usando a sela feminina, na qual suas duas pernas ficavam para o lado esquerdo na sela. O novo modelo de saia
vigente na época não permitia cavalgar escarranchada, pois era muito justa nas pernas. Mas viu muitas das lobas usando somente uma saia mais larga e montar como os homens e achou que um dia o faria também.
Era maravilhoso cavalgar pelos campos e ela se sentiu livre e feliz. E quando olhava para ele, andando naquele garanhão negro maravilhoso, ela via como ele era poderoso.
Evellyn já pensava que Christopher fazia parte do ar para respirar.
Assim que pararam sobre uma colina Christopher veio até ela segurando-a pela cintura e a desceu do cavalo, os dois sentaram na relva, sob uma toalha. Em seguida, ele tirou uma bolsa dos seus alforjes e
uma garrafa de vinho e duas taças e um queijo enrolado num pano e uma cesta de frutas.
Ele serviu o vinho e deu uma taça a ela. E quando ela tomou um gole, riu e tapou a boca com a mão.
— Oh, milorde, esse é diferente.
— Gostou?
— É delicioso. É o espumante que falou?
— Sim. Minha safra especial. Pensei que podia me chamar de Christopher.
— Tudo bem, Christopher.
Ele pegou um cacho de uva e ergueu sobre sua boca. Encabulada, mas com o entusiasmo do gesto, ela abriu a boca e ele colocou o gomo na sua boca.
Ela fez o mesmo com ele e o beijo delicioso que seguiu daqueles gestos suaves e carinhosos, teve gosto de uva.
Eles tomaram o espumante e tiveram bons momentos juntos no pequeno piquenique.
Christopher havia mantido certa distância dela, tentando não carregá-la para sua cama novamente o estava quase impossível.
Mas ali, naquele ambiente e momento bucólico, ele a beijou e se Evellyn ainda tinha algum muro ou ressalva sobre ele, caiu por terra, pois correspondeu ao beijo, sôfrega e extasiada.
Beijá-lo era maravilhoso.
E ela estava pensando se ele a pediria em casamento.
Bem, ela poderia ser uma amante, não precisaria se casar, pois em Londres muitas mulheres eram amantes.
As viúvas, muitas vezes tomavam jovens solteiros ou até os casados, já que traição no casamento pelo homem era aceitável.
Se elas podiam fazer isso, ela também podia. Mas faria porque queria e não porque alguém ditava.
Ninguém exigiria mais nada dela. Mas Christopher não exigia, porque com ele ela recebia mais do que ansiava.
E adorou lhe dar prazer, tocá-lo e se pudesse usufruir daqueles momentos descarados como as outras lobas, bem, ela aceitaria isso.
Ela estava pronta para amar seu lobo.
Mais tarde, em sua propriedade, ela observou curiosa a movimentação dos lobos, que já estavam completamente familiarizados com ela.
Ela foi até a frente da propriedade ver o que estavam fazendo.
— O que vão fazer? — perguntou curiosa olhando o bando de homens gigantes aglomerados na frente da casa.
— Vamos caçar — Christopher respondeu com um sorriso.
— Oh. Longe daqui?
— Está vendo aquele bosque que se estende até aquelas montanhas?
— Sim.
— Caçamos ali, há cervos, coelhos, armamos armadilhas para faisões e codornas. Aqui na propriedade criamos porcos, cabras e vacas são para o leite, mas temos algumas para o corte. Está na hora de reabastecer
a casa.
— Mas não vejo ninguém levando armas, vão caçar com o quê?
Todos riram olhando-a e ela ficou sem jeito.
Ele olhou-a com um lindo sorriso.
— Vamos caçar, linda dama, como lobos. Afinal, lobos adoram correr, espreitar sua presa, emboscá-las e então saltamos sobre ela, mordemos sua jugular e é isso, está morta para o jantar.
Ela olhou para Christopher com os olhos arregalados.
Certamente estava esperando que ele dissesse que era uma brincadeira. Mas ele não disse, então, eles se transformaram em lobos.
Ela soltou um grito e deu alguns passos para trás, batendo na porta e com a mão no peito. E saíram correndo para o bosque, deixando suas roupas caídas no chão e uma Evellyn boquiaberta.
Depois ela riu. Talvez nunca se acostumasse com aquilo.
Quando os lobos voltaram carregando seus troféus de caça, alguns em forma de lobo com o animal na boca e outros em forma de humano nu com o animal na mão, ela quase vomitou, mas o brilho no olhar deles,
de satisfação, de alegria por poder fazer aquilo, por terem sucesso na busca da refeição, era inegavelmente reconfortante.
Os lobos agiam com seu lado animal, caçando para sua sobrevivência.
Eram dois lados que ela conseguiu compreender.
E ela o amou e entendeu muitas coisas. Ela entendeu o amor verdadeiro.
O amor que podia enfrentar as dificuldades de mãos dadas, pois o amor de verdade se fortalecia dia após dia e conheciam as diferenças um do outro e aprendiam a aceitar e conviver. Eles eram fortes, juntos.
Evellyn estava em sua casa e se assustou com o som do tiro que veio de fora.
Será que os lobos estavam caçando com armas naquela manhã?
Ela foi até a porta, mas antes que a abrisse, ela abriu num estrondo e Evellyn gritou quando dois homens enormes invadiram sua casa. E com eles, Rupert.
Um dos homens a agarrou e a arrastou de dentro da casa e a jogou no chão.
Ela gritou e tentou se virar. Os homens a puxaram do chão e ela olhou aterrorizada para Rupert, que era alguém tão perverso e desprezível quanto seu pai.
Ele segurou dolorosamente seu rosto, fazendo-a gemer.
— Rupert? O... o que está fazendo?
— Está na hora de ir para casa, condessa.
— Não vou a lugar nenhum com você.
— Eu fui paciente, esperei que você desistisse da sua loucura de ficar aqui isolada nesta tapera, sem nenhum luxo, sem criados e sem dinheiro. Mas você é muito teimosa.
— Você me enganou.
Ele riu e balançou a cabeça, com as mãos nas costas.
— Enganar você é sempre muito fácil.
— Prefiro morar num chiqueiro a morar com você.
— Onde estão as joias? Ousou me roubar, mas que atitude inapropriada.
— As joias são minhas! Minha mãe me deu! Você ficou com tudo o que eu tinha, não precisa das joias.
— Não, querida, as joias me pertencem, assim como você me pertence, tudo que é seu é meu. Você não tem direito a nada se eu não quiser, e não fui eu que disse isso, foi o juiz. Mas eu sou generoso e te
darei todo o luxo que é de sua posição, querida madrasta, mas suas fantasias e sua teimosia terão que ficar aqui. Eu a levarei para casa e nos casaremos. Cumprirá com suas obrigações como a condessa que
é. Como uma Longhard. Estou farto de ver você arrastar o nome da minha família na lama.
Ela olhou para a casa quando ouviu as coisas quebrando e sentiu vontade de chorar.
— Você é um miserável.
Então, ela ouviu o grito de Maggie.
— Maggie!
— Cale-se! Não quero ouvir seus gritos e nem suas lamúrias, pois se tem uma coisa que eu odeio são gritos de mulher histérica.
— Achamos as joias, milorde.
Os homens saíram da casa e traziam a caixa que era de sua mãe e ela gemeu pela dor nos seus cabelos e em seu coração.
— Coloquem-na na carruagem e vamos embora.
Eles arrastaram e a colocaram dentro da carruagem.
— Rupert, não pode fazer isso!
— Fique quieta.
— Solte-me! Não tem o direito de fazer isso, não sou obrigada a me casar com você.
— Uma vez minha, sempre minha, para fazer o que eu quiser.
Quando a carruagem começou a sair da propriedade, ela entrou em pânico e gritou por ajuda.
Onde estaria o lobo que havia visto mais cedo? Sempre havia um lobo que ficava na sua propriedade.
Ele não deu mais bola para seus gritos e eles pegaram a estrada, em direção à vila.
Apavorada, Evellyn arfou quando ouviu um uivo e suas esperanças acenderam. Eles impediriam que Rupert saísse de Kent. Christopher viria por ela.
Ela olhou pela janela que ia a toda velocidade e viu dois lobos correndo, em forma de animal, atrás da carruagem.
Os homens que estavam no assento do cocheiro começaram a atirar e ela gritou assustada. Ela reconheceu os lobos, um era o cor pérola e preto, Thomas, e o enorme lobo de pelo pérola com mechas marrons:
Christopher.
— Christopher! — ela gritou.
O homem atirou no lobo que esganiçou seu uivo de dor. Com o baque ele tombou, rolou pela estrada e ficou desacordado.
O outro lobo levou um tiro, mas tentou correr, mas com a pata ferida perdeu força e a carruagem se afastou.
Então o lobo parou de correr e voltou para ajudar seu alfa.
— Não! — ela gritou assustada, agarrando-se contra a porta da carruagem e olhando para a estrada e, horrorizada, tentou abrir a porta e saltar, mas Rupert a agarrou e a puxou.
— Chris! — gritou apavorada.
Rupert puxou-a fortemente pelos cabelos para dentro da carruagem, jogando-a no assento e ela começou a bater nele e espernear.
— Solte-me, seu bastardo!
— Cale a boca, mulher estúpida.
Ela o arranhou no rosto com suas unhas e ele gritou pela dor e se afastou.
Então, ele lhe deu um forte soco no olho e Evellyn desmaiou.
***
— E agora, alfa, o que faremos?
— Eu quero minha mulher de volta! — rosnou, enquanto Thomas, com uma pinça, arrancava a bala de seu peito e a jogava numa tigela de metal.
— Acho que devemos matá-lo, alfa. É um imbecil por tratá-la mal daquele jeito — disse a loba, que limpava seu sangue com um pano com água quente.
— E por ter atirado no senhor. Podia ter morrido.
— Você foi atingido.
— Foi só um arranhão, estou bem, alfa — disse Thomas.
— Um de nossos lobos foi morto.
— Quem? — Christopher perguntou aturdido.
— Silver, ele estava na vila e veio correndo atrás da carruagem e eles atiraram nele. E não resistiu ao ferimento. Trevor, que estava na propriedade da milady, vai sobreviver.
— Maldição! O que aqueles homens queriam roubando-a desta maneira?
— Não sei, alfa, encontramos a criada, desacordada com um ferimento na cabeça, mas vai viver. Ela nos disse que era Rupert Longhard.
Christopher rosnou alto em fúria.
— Devem estar indo para Londres — Christopher disse.
— Então eu acho que devemos ir buscá-la.
— Não conseguiremos alcançá-los antes que cheguem a Londres.
— Isso quer dizer que devemos ir até Londres — Christopher disse.
— Na cidade, sequestrar uma condessa e matar um conde? — a loba argumentou espantada.
— Parece um plano bem idiota — Thomas disse.
— Bem, é o que vou fazer — Christopher disse.
— Alfa, tem certeza?
— É a única certeza que tenho agora.
Thomas rosnou.
— Estou dentro.
Thomas costurou a ferida, colocou uma bandagem em seu peito e Christopher rosnou pela dor ao levantar, segurando o peito e seus olhos cintilaram e seu beta conhecia aquele olhar.
— Está muito ferido para ir, alfa.
Ele rosnou novamente.
— Estou bem o suficiente para arrancar a cabeça daquele bastardo. Sempre me chamaram de besta, agora vou mostrar quão besta posso ser.
Seu lado assassino estava reverberando sob a pele.
— Vamos lá, lobos, está na hora de matarmos alguns humanos bastardos e mostrar a eles o que acontece quando machucam um dos nossos! — Christopher disse.
Mansão Longhard, Londres.
— Por que não está vestida ainda, Evellyn! O reverendo está nos esperando.
— Acha que vou vestir este vestido de noiva, assim facilmente?
— O vista, agora!
— Acho que não posso, ele me parece furado.
Ele pegou o vestido, arregalou os olhos e arfou de raiva.
— Você rasgou todo o vestido!
— Não me vestirei para cerimônia nenhuma.
— Você! Arrume outro vestido! — gritou para a criada que estava com os olhos esbugalhados e saiu correndo do quarto tão rápido que Evellyn mal a viu.
— Não adianta trazer outro, eu o rasgarei.
— Pois então, eu a levarei de camisola mesmo. É o que quer?
— O reverendo sabe de sua falcatrua, Rupert? Sabe que me sequestrou, que está querendo me forçar a casar?
— É sua obrigação, mulher, pois está no testamento do meu pai.
— Pois eu abri mão do maldito testamento, simplesmente porque não desejo isso. Abri mão de minha fortuna, de minha reputação, de meu conforto para ser livre e prefiro morrer a ser forçada desta maneira
a um casamento. Cortarei sua garganta na noite de núpcias! Fique com o dinheiro e me deixe em paz!
— Não seja tola!
Ela foi correr, mas ele a agarrou pelos cabelos que estavam soltos e ela gritou e se virou, o que fez com que seu anel machucasse sua face e ele a agrediu com uma bofetada, que fez seu lábio sangrar e
quase a derrubou.
Evellyn lutou bravamente contra Rupert, que parecia completamente fora de si. Gritou e tombou sobre ele e quando a soltou para se escorar na mesa, ela cambaleou e conseguiu se afastar dele, passou a mão
em uma faca sobre a mesa e, ofegante, o ameaçou com ela.
— Não se aproxime ou eu te mato.
— Não é forte para isso, pombinha.
Ela fez cara de nojo pelo apelido nojento que seu pai usava.
— Jamais me casarei com você!
— Não seja estúpida, quem em sã consciência abriria mão de uma fortuna por causa de casamento? Perdeu o juízo? É para isso que servem os casamentos, condessa, dinheiro e herdeiros.
— Não. Para mim é muito mais, para mim é amor.
Ele riu.
— O amor é conto de românticas estúpidas. Isso não existe. Acho que anda lendo muitos livros de poesias e romances. Bem que meu pai dizia que uma mulher não deveria saber ler.
E ela se deu conta de tudo na sua vida.
Ninguém mais no mundo a amaria e lhe daria tanto zelo e carinho como Christopher.
Ele tinha lhe oferecido tudo o que ela gostava. Parecia, verdadeiramente, que o que a fazia feliz, o deixava feliz.
Ali estava o amor verdadeiro.
O amor que prezava e oferecia felicidade, sem nenhum esforço, porque mesmo que Christopher fosse complicado por ser um lobo, amá-lo era fácil, suave e perfeito.
Ele era um cavalheiro, cuidadoso e permitia que ela fizesse o que ninguém mais fazia. Ele lhe dava liberdade.
Eles tinham tocado piano, apreciado os livros, trabalhado e se amado.
Tinham compartilhado.
Ele sempre perguntava se a carne estava saborosa e ao seu gosto, perguntava se estava com frio, se gostava de flores, se estava feliz.
Gostava de ouvi-la, suas ideias e seus desejos.
Christopher não a tratava como seu capacho, sua escrava, e sim como uma companheira. E ela amava quando ele a chamava de companheira.
Agora ele estava morto e seu coração estava doendo tanto que mal conseguia respirar.
Ela precisava dele.
Se não tinha mais Christopher, por que teria razões para viver?
Porque o homem mais maravilhoso do mundo estava morto.
As lágrimas quentes banharam sua face e o desespero invadiu seu coração, dilacerando o que restava de suas esperanças.
Ele tentou pegá-la novamente, porque havia se distraído em seus pensamentos infelizes, mas ela conseguiu se desvencilhar e foi até a janela e colocou a faca em seu pescoço.
— O que está fazendo, Evellyn? Solte esta faca!
— Eu cortarei meu pescoço.
Agora Rupert olhava para ela realmente espantado.
— Não seja tola, Evellyn!
— Se der mais um passo, eu juro que corto minha garganta. Prefiro morrer a ter uma vida nesta casa.
Houve um estrondo no andar de baixo que os assustou. E um rosnado que fez o chão tremer.
E mais um retumbou e houve gritos e coisas quebrando.
Evellyn piscou aturdida e seu corpo todo tremeu, mas não foi de medo.
Ela olhou para a porta do quarto com uma esperança renascida.
Um uivo ecoou e ela arfou.
Os lobos estavam na casa.
Eles estavam atacando e invadindo a mansão.
Eles haviam vindo por ela.
Rupert parecia perdido e assustado e saltou para o outro lado da cama.
Evellyn gritou e viu a porta estraçalhar e cair de seus trincos e pedaços de madeira saltaram para todo lado e ele apareceu na porta.
Christopher estava descalço e somente usava a calça, mostrando seu peito desnudo, musculoso e poderoso.
Seus dedos estavam alongados e havia enormes garras, seu rosto estava deformado, como uma besta.
Os olhos brilhavam e emanava pura fúria e seu maxilar parecia alongado e seus dentes eram presas enormes.
Seu cabelo estava desalinhado e ele cobria todo o vão da porta.
Ela estava chocada demais para gritar, ninguém tinha dito que poderiam adquirir aquela forma tão assustadora e selvagem, mas ela soube que fazia parte da magia dos lobos, mas o reconheceu, e uma coisa
era certa: por mais aterrorizante que ele fosse, não sentiu medo dele.
Havia um tecido amarrado ao redor do seu peito e estava sujo de sangue, onde a bala devia tê-lo atingido e Evellyn não conseguia acreditar que ele não estava morto.
A força de seu lobo o havia salvado. E ele tinha vindo salvá-la.
Tinha vindo por ela.
Ele rosnou alto e forte, furioso, vendo-a daquele jeito, somente com a chemise de linho branca, longa até seus pés descalços, o cabelo solto e despenteado e havia uma gota de sangue em seu pescoço e ela
estava com os olhos vermelhos de choro e assustada. Parte de seu lindo cabelo caía sobre seu rosto.
Segurava uma faca e sua mão tremia.
Ver sua companheira tão machucada e sangrando era demais.
Ele olhou para Rupert, que gritava como uma menininha histérica, acuado no canto do quarto.
Christopher emanava ódio pelos poros.
Ele deveria desafiar o conde bastardo a um duelo pela afronta causada à sua lady. Era assim que os nobres resolviam suas pendências e afrontas, mas não era um conde normal, ele era um lobo e o humano miserável
merecia a morte por ter machucado sua companheira. Por ter a roubado dele.
— Christopher... — ela sussurrou com a voz fraca e titubeante.
Ele olhou para ela novamente e ela arfou e tirou o cabelo do rosto.
Quando ele viu os machucados, o roxo em seu olho e seu lábio cortado que sangrava, sua ira simplesmente desatou e agora não haveria mais nenhuma chance de misericórdia.
Christopher rosnou tão alto que as vidraças tremeram e Rupert se encolheu, horrorizado.
Os covardes eram assim, tinham coragem de espancar uma mulher, frágil, tomar-lhe à força, mas ao enfrentar um homem, maior que eles, agiam como criancinhas choronas.
Imaginem enfrentar uma besta selvagem.
Christopher tinha nojo de homem sem caráter, sem honra.
A honra era uma das características mais fortes de um lobo e nenhum lobo de sua alcateia machucava uma fêmea.
E ele não teria misericórdia daquele covarde.
Christopher rosnou furioso, saltou pelo quarto, e com o braço bateu nas duas hastes da cama, que se partiram ao meio, e o dossel desabou.
Ele chegou até Rupert e o pegou pelo pescoço, ergueu-o do chão e cravou-o contra a parede que se pode ouvir a madeira se quebrando.
O homem tentou gritar, mas somente conseguiu arfar sufocado e olhava Christopher com os olhos arregalados de medo.
— Vou dizer quem eu sou antes de matá-lo, seu verme, covarde. Eu sou o conde de Kent. Christopher Ulric. Sou o alfa de uma alcateia de lobos que estão lá embaixo matando seus capangas e destruindo sua
bela e rica vida — disse com sua voz rouca e animalesca.
— O conde... de... Kent? — perguntou sufocado.
— Eu fui o homem que sustentou e ajudou a Sra. Portrart, a viúva rica que seu pai roubou e exilou em Kent. E agora o filho faz a mesma coisa com a madrasta. Isadora Portrart era sua tia. Seu pai a colocou
naquela casa e a deixou lá, isolada do mundo depois que seus filhos morreram. Ela ficou um pouco louca, mas era uma boa senhora e nós cuidamos dela até que veio a falecer. Ele mandava uma mesada medíocre
para que se sustentasse e tinha poucos empregados. Os Longhard nunca foram homens de caráter. Nunca trataram suas mulheres com respeito e dignidade.
— Eu... não sabia de... nada disso.
— Oh, claro que não — disse irônico. — No entanto, eu o matarei pelo fato de ter machucado minha companheira. Mas por tê-la humilhado e a feito chorar, eu arrancarei o seu coração.
Christopher cerrou a mão e socou o peito do homem enquanto ainda o segurava pelo pescoço com a outra, quebrando sua caixa torácica e moendo seu coração.
Ele puxou a mão ensanguentada e com um puxão em sua mandíbula arrancou a cabeça de Rupert, o soltou e ele caiu morto e sua cabeça rolou pelo chão.
Rosnou alto e depois uivou tão forte que Evellyn teve certeza de que toda Londres ouviu e logo ele teve resposta de seus lobos que estavam no andar de baixo.
Christopher se virou lentamente e a olhou.
Evellyn ainda estava com o braço estendido, segurando a faca com a mão trêmula e estava em choque, olhando-o com os olhos arregalados.
Ele andou lentamente dando a volta nos escombros da cama, olhando-a e ele teve medo que ela gritasse com medo dele.
Aquela deveria ter sido uma cena grotesca e ela o acharia um monstro, pela atitude e por sua fisionomia.
Tentou preparar seu coração para sua rejeição, o que o deixou com o peito dolorido por antecipação.
Mas ela fez algo que o surpreendeu até a morte.
Ela soltou um soluço, deixou a faca cair e correu, se jogando em seus braços.
— Christopher!
Ele não conseguia acreditar no que estava vendo. Ela não o estava repudiando pela sua aparência horrenda e por ter sangue em suas mãos e em seu peito, por ter matado o homem com tanta brutalidade. Com
isso, sentiu vontade de chorar e a abraçou fortemente.
— Evellyn...
Ele não se transformou e ela chorou e acariciou seu rosto, desesperada, aliviada.
Ela estava acariciando sua besta. A forma mais feia e aterrorizante dele. Não ele, como homem, ou o lobo, pois já o tinha feito, mas a sua forma Dhálea, a forma humana misturada com a lupina.
Ela aceitava tudo dele, que não conseguia respirar.
— Pensei que estivesse morto.
— Como poderia morrer e deixá-la? Não poderia — disse com a voz animalesca.
— Pensei que não suportaria viver sem ti. Ele queria me obrigar a casar com ele. Eu preferia a morte.
— Nunca mais permitirei que alguém te machuque. Sinto muito.
Com a mão trêmula e o rosto banhado nas lágrimas, ela olhou seu peito ferido e tocou a bandagem.
— Não se preocupe, vou curar em breve. Nós lobos nos curamos rápido.
Ela o olhou nos olhos.
— Amo você.
— E eu amo você.
E ela o beijou.
Nada na sua vida o tinha surpreendido tanto. Sua companheira era corajosa. Era maravilhosa.
Ela não tinha mais medo dele.
Ele passou o braço pelas suas costas e o outro atrás de seus joelhos e a pegou no colo.
— Temos que ir.
Ela assentiu freneticamente, agarrando-se em seu pescoço.
Ele correu para fora do quarto e saltou pelas escadas e viu vários homens caídos mortos pelo chão, os capangas de Rupert e seus lobos haviam tacado fogo na casa, que já ardia em chamas.
Era a melhor forma de encobrir todos os seus rastros.
Ele saiu correndo para a rua, velozmente, assustando pessoas, que gritavam e outras que gritavam fogo, e outras que gritavam lobos.
Mas nada daquilo importava.
Eles correram pelas ruas de Londres em um grupo, e depois, se separaram.
— Vamos, Rubric! — Christopher gritou entrando em uma carruagem, com ela ainda nos braços, que estava com o rosto escondido em seu pescoço.
Outra carruagem atrás deles, governada por outro lobo, seguiu atrás e correram pelas ruas escuras e ao longe, se separaram.
Quando saíram de Londres, Christopher respirou fundo, aliviado e a embalou em seus braços.
Só então ele voltou à sua forma humana.
Mas ela não estava se importando com isso, continuava agarrada a ele, e com seu rosto embrenhado em seu pescoço e com o coração acelerado no peito.
Ele somente continuou abraçando-a, aquecendo-a em seus braços e acariciando suas costas e seus cabelos.
— Está tudo bem, meu amor, estamos indo para casa. Está segura agora.
Evellyn estava assistindo a dança e ouvindo as risadas, melancólica, um pouco longe da festa, segurando o xale sobre os ombros.
Os lobos estavam dançando ao redor da fogueira, com seus cabelos soltos, a maioria descalços e ela sentiu sua garganta embargar.
Havia aquela magia vibrante e uma beleza naquele simples ato que não sabia explicar. Algo que a maioria não entendia e ela sentia seu coração arrebatado desta magia.
Ela prendeu a respiração quando sentiu a presença dele atrás de si. Não se moveu, recuou ou disse alguma coisa.
Sentir seu corpo contra o seu lhe dava tanta força, tanta alegria e segurança. Era impossível evitar.
O amor que existia dentro dela era permanente, sabia disso. E o medo estava tão distante, como a fumaça que com o tempo se dissipa.
Ele sentiu o perfume dos seus cabelos e delicadamente mexia em um dos cachos desprendidos do penteado.
— Eles estão comemorando sua volta e pedindo aos deuses que levem a alma do nosso lobo que foi assassinado.
— Eu sinto muito.
— Era um bom lobo. Ele se sacrificou pela sua alfa.
— Consideram-me sua alfa?
— Sim.
— Eles são bons.
— Todos pensam que somos aberrações, demônios e que estas terras são amaldiçoadas. Mas acredite, minha bela Evellyn, ao mesmo tempo em que podemos ser mortais, ter poderes e força incomum, podemos amar
e valorizar nossa companheira como nenhum humano faz. Permita que eu possa fazer deste lugar o seu lar, assim como é o meu. Permita que este céu, que nos brinda com seu encantamento, nos abençoe.
Ela lentamente se virou e admirou seu rosto tão belo, aqueles olhos tão claros que pareciam resplandecer a beleza do céu azul num dia ensolarado de verão e, ela via ali, o amor profundo que ansiava lhe
dar.
— Pois bem, meu conde lobo, encantador e feroz, eu aceito ser sua companheira e sua loba, sua alfa.
Ele piscou aturdido e Christopher sentiu seu mundo girar desgovernado.
— Tem certeza?
— Sim, eu quero isso. Quero dançar com eles ao redor da fogueira, quero correr com você pelo bosque e lhe dar o meu amor e aceitar o seu. Para toda a eternidade. E se algum dia mais algum humano malvado
me raptar, eu quero ter força para deixar minhas garras alongadas, meus dentes sobressaírem, para que eu mesma possa matá-lo, antes que me espanque. Eu serei forte e merecedora de estar ao seu lado e governar
esta alcateia.
— Meu coração está enaltecido de ouvir isso — disse emocionado.
— Quando eu cheguei aqui, você me fez uma pergunta. O que eu gostaria de ser? Na época, eu não sabia. Bem, agora eu sei a resposta. Eu quero ser sua loba.
Ele segurou seu rosto entre as mãos, olhando-a com tanta emoção, com a garganta embargada, com a felicidade o invadindo como uma grande avalanche.
Ele a beijou profundamente e, rindo, os dois se abraçaram fortemente.
E então, ele segurou em sua mão, entrelaçando seus dedos nos dela e uivou, chamando a atenção de todos que os olharam em expectativa.
— Hoje, meus lobos, temos algo para comemorar, além de termos feito justiça por ferirem nossa querida condessa, temos a honra de apresentar minha companheira e sua alfa. Ela será uma de nós.
Todos gritaram e rosnaram alegres e Evellyn arfou aturdida como eles estavam vibrando pela notícia que ela seria sua alfa.
— Honrem sua alfa, como ela merece! — Christopher gritou.
E o fizeram.
Todos os lobos ajoelharam-se sobre o joelho direito e colocaram a mão direita em punho sobre o coração e uivaram.
— Seja bem-vinda, meu amor.
Ela riu, emocionada, como jamais imaginou ser possível e o abraçou.
Com a felicidade palpitando no peito, eles correram, se juntaram aos seus lobos e dançaram felizes ao redor da fogueira, deixando as botas abandonadas e rodando as saias, com seus cabelos soltos ao vento.
E naquela noite, mesmo já no inverno, o céu estava estrelado e as chamas e a dança os aqueceram e a lua cheia os abençoou.
Mais tarde, quando a neve chegou, brindando-os com sua beleza, os dois, inebriados, correram para o quarto e iluminados pela luz das chamas da lareira selariam seu amor para a eternidade.
Christopher embrenhou as mãos em seu cabelo solto e puxou-a para ele e reivindicou os lábios, sem mais pedir autorização.
Seu beijo era arrebatador e exigente, mas Evellyn separou os lábios para ele, aceitando o que ele lhe dava e exigindo mais, o que lhe permitiu possuir o que lhe pertencia.
Quando ele usou seu corpo para empurrá-la contra a cama, ela permitiu. Nunca quebrando a conexão.
Se o toque dos seus lábios já foi intenso, ficou ainda mais quando ele arqueou os quadris contra ela, deixando-a sentir o contorno duro de seu membro através de suas calças.
Ela só se agarrou a sua camisa e saboreou a sensação de sua língua se empurrando em sua boca e roçando a dela mais e mais, tendo a certeza de que ela amava estar com ele.
Beijaram-se como selvagens, como se eles estivessem de volta ao mundo encantado, somente deles, se escondendo do mundo.
Tudo estava exatamente como se lembrava dele, quente, poderoso e sensual.
As suas roupas foram arrancadas de seu corpo e ela pôde ouvir o rasgo de sua chemise, mas não se importou e sentiu o contato da camisa de algodão de Christopher contra seus mamilos, o que a fez se empurrar
ainda mais contra ele.
Ela estava hipersensível e excitada, demais para sua sanidade. Seus dedos estavam em seu cabelo, e ela apertou-os com força contra ele.
Não houve muitos rodeios e ele se impulsionou dentro dela, roubando-lhe o ar em um beijo, tomando-a de uma vez, penetrando-a inteiramente.
Ele moveu-se uma e outra vez e com os olhos arregalados ela o viu se transformar, suas presas crescerem, seus olhos cintilarem e parecia que seu tamanho havia aumentado consideravelmente, mas não sentiu
medo, repulsa, nada, ela o amou e estava ciente do que se transformaria e estava bem.
Quando um tremor de prazer tomou conta dela, ele grunhiu em resposta e parou o beijo para estudar o seu rosto enquanto ambos recuperavam o fôlego que sumia com seus movimentos.
E tinha um amor os rodeando, que lhes dava uma certeza um pertencia ao outro. Um lutaria pelo outro, amaria e cuidaria, porque um elo que somente os lobos poderiam vivenciar.
Evellyn não se sentiu com medo ou vergonha quando Christopher gemeu e tornou-se evidente que ele estudava seu corpo nu, mas ela sentiu o rubor do desejo que queimava em seu pescoço e bochechas ao perceber
o olhar possessivo que brilhou em seus olhos.
A respiração de Christopher era dura quando ele baixou o olhar e parou para olhar com fome em seus seios e todo seu corpo. Ele realmente a achava atraente e perfeita.
Em seguida, ele se inclinou e chupou um mamilo rosa como se fosse difícil demais para resistir, como se fosse a fruta mais doce, a mais proibida que ele conseguiria alcançar.
Foi tudo acontecendo muito rápido, mas isso não importava. Ela jogou a cabeça para trás contra o travesseiro e mesmo em meio a tanta felicidade queria mais.
Christopher realmente era um homem grande, e ela estava extremamente sensível. Seu pênis duro a preencheu, e o prazer era tão forte que tudo o que conseguia fazer era gemer e empurrar seus quadris para
cima para tirar mais dele.
Evellyn curvou-se ao prazer, gritando seu nome quando seus olhos se fecharam. Então ela enrolou as pernas em torno de seus quadris e o acompanhou em cada impulso.
Christopher tomou dela e deu tudo de si no processo. O tempo todo ele a manteve presa, sob seu corpo másculo e quente que se banhava de suor.
Ambos não conseguiam pensar, e ela só sentia a força entrando nela, afagando, exigindo.
Ele rosnou e a tomou com mais força, impulsionando seus embates dentro dela, com vigor, para impulsionar a satisfação dele em seu interior, e tudo na sua mente se apagou. Ele a tomou, marcando-a como sua
em cada investida, o desejo e prazer cegando-os até que ele a mordeu no ombro. E quando a mordeu, ela gritou pela dor que logo esvaiu e a magia estalou no quarto, liberada, dançando com as cores do arco
íris.
O vento sobrenatural apagou as velas e tomou posse do corpo dela, enquanto ele entoava as palavras mágicas que ela não entendia.
As sensações que a acometeram eram surreais e ela arfou para tomar ar e todo o mundo parou, para eles nada mais existia a não ser eles dois e aquele fenômeno.
Tudo em suas mentes virou um grande distúrbio, um emaranhado de sonhos e pensamentos desconexos.
A magia dançou entre eles como uma onda magnética e ela ficou inebriada quando abriu os olhos, tentando absorver o ar e tudo estalou como luzes brilhantes e um prazer indescritível arrebatou seu corpo.
Nada poderia ser comparado àquilo e era tão forte e poderoso que ela se agarrou nele e choramingou e as lágrimas rolaram de seus olhos.
Mas não estava com medo, não dele, não de sua magia, estava somente entregando sua vida, inteira, abertamente a ele e a magia estava tomando posse dela.
Então, eles foram exauridos com o forte orgasmo que os arrebatou e ele tombou sobre seu peito.
Ele girou e a trouxe para cima dele e tornou-se mais suave, colocando beijos contra suas bochechas, sua têmpora, e depois abaixo de sua orelha, chupou o lóbulo em sua boca.
Evellyn era a mulher mais ousada e sensual e era livre para ser dele. A única mulher que ele tocaria a partir de agora e a amaria com loucura e devoção.
Por fim, com mais uma mordida e a récita do encantamento, ela seria uma loba, seria sua companheira, sua alfa e tudo estava exatamente como deveria ser e depois de tudo, eles dormiram abraçados, amados
e prontos para enfrentar sua longa jornada juntos.
Christopher e Evellyn corriam alegremente pelo bosque, em forma de lobos e era magnífico, pois atrás deles vinha seu filhote, com toda energia e felicidade de uma criança e de um lobinho correndo livre
na natureza.
E seu pai, juntamente com outros lobos, o levaria, em breve, para caçar com eles, para que aprendesse.
Christopher e Evellyn, em sua corrida, tomaram impulso e saltaram o pequeno riacho e pararam do outro lado, quando viram que seu pequeno filhote freou e choramingou na borda.
— Vamos, bebê, dê impulso. Você consegue — Evellyn disse mentalmente.
E seu pequeno choramingou novamente sapateando com suas pequenas patinhas no chão.
Ela sorriu, pois ele era precioso. Um lobinho com pelo pérola e branco, com apenas pequenas mechas escuras nas pontas das orelhas e no rabo e lindos olhos azuis como seu pai.
— Vamos, filho, você consegue. Não é uma grande distância, vá para trás, corra e dê o impulso — Christopher disse.
O lobinho choramingou novamente, mas fez o que seu pai disse, andou de ré alguns metros, correu pegando velocidade e saltou.
Christopher e Evellyn prenderam a respiração e com o coração pulsando de entusiasmo, apreensão e orgulho, viram seu pequeno filhote saltar o riacho e cair perfeitamente em suas patas, do outro lado.
Evellyn riu e vibrou e foi até ele, fazendo o carinho de lobo em sua face e lambendo-o.
— Muito bem, meu amor!
O pequeno, eufórico, olhou para seu pai com os olhos cintilantes de adrenalina, de euforia e esperando ver nos olhos do pai, orgulho dele.
E ele viu.
— Muito bem, filho.
Então, Christopher foi até seu filhote, lambeu sua face e depois sua companheira.
Inflou o peito, olhando-o com os olhos brilhando, com alegria enchendo-o, demonstrando tanto amor pela sua companheira maravilhosa, uma loba com pelo marrom claro, pérola e brancos, e olhos azuis-claros
que haviam clareado depois de se transformar.
Era a loba mais linda que já vira e seu filhote era o seu bem mais precioso. Seu herdeiro.
Christopher uivou elegantemente e seu uivo ecoou pelo bosque e pelas montanhas de Kent e anunciava o orgulho que ele tinha de sua companheira e seu filhote, e contando que ele tinha feito um grande feito.
Em seguida, convidou sua alcateia para correrem com eles e eles foram respondendo, com seus uivos, cada um de forma singular.
Os lobos corriam e saltavam, se transformando de forma humana à lobo, deixando para trás suas roupas e caindo no solo já correndo em sua forma animal, rindo e se regozijando.
Eles estavam felizes, celebrando mais uma maravilhosa colheita de uvas e a produção abundante de seu delicioso vinho.
Quanto aos acontecidos em Londres, a morte do conde de Rockswood repercutiu, mas ninguém ligou a condessa aos acontecimentos e, como não havia mais nenhum herdeiro, seus bens voltaram para ela.
Mais uma vez, a cidade foi cercada por histórias mirabolantes sobre lobos e lobisomens, sobre monstros e aberrações, mas ninguém sabia a verdade e as histórias divergiram.
Ninguém descobriu quem foi a donzela que foi sequestrada por uma besta selvagem.
Seus lobos haviam espalhado pistas falsas e seguido caminhos diferentes para o norte. Tirando o foco da carruagem de Christopher que seguiu para Kent, ao sudeste.
Mais uma vez, os lobos correram perigo e conseguiram se afastar deles e nenhum humano conheceria a magia deles.
E ali, ninguém se aproximaria novamente e sua alcateia estaria feliz e segura.
Mas se algum dia alguém tentasse prejudicar um dos seus novamente, ou sua preciosa família, Christopher Ulric mostraria que não era apenas um conde com seus vassalos.
Ele era um conde lobo, um alfa e mortal.
Janice Ghisleri
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