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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O CORAÇÃO DE GISELLE / Penny Jordan
O CORAÇÃO DE GISELLE / Penny Jordan

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

Ele a queria... Mas ela poderia se render?

Saul Parenti exigia sempre o melhor. Por isso, contratou a competente Giselle Freeman para trabalhar com ele. Apelidada de "Rainha do Gelo", ela possuía uma beleza fria e um porte austero. Mas, para Saul, por trás de atitudes tão rígidas havia uma mulher intensa! Traumas de infância levaram Giselle a se retrair do mundo, da vida... Agora, o destino a colocara junto ao único homem que poderia derrubar suas barreiras ao desafiá-la. A atração era inegável, e a única solução seria render-se aos apelos de seu desejo!

 

 

 

 

                                                CAPÍTULO UM

Assim que entrou no estacionamento subterrâneo, Giselle viu um carro saindo de uma das preciosas vagas, o espaço era compartilhado pelo escritório de arquitetura para o qual ela trabalhava e por outras tantas e diversas empresas sediadas no mesmo moderno quarteirão. Rapidamente, ela girou o volante do pequeno carro na mão contrária, passando por uma rota de saída, o cérebro e o corpo automaticamente focando em pegar a vaga antes que alguém mais a visse. Só quando contornou o fim da rota de saída e já rumo à vaga é que ela percebeu que um reluzente, caro e imponente carro esportivo, ocupado por um homem igualmente reluzente, abonado e imponente, severamente bem vestido, estava parado bem ao pé da vaga. Ele, obviamente, estivera aguardando que o ocupante saísse. Ele a olhou, tinha a expressão peculiar de arrogância misturada a um desprezo machista. Ela hesitou por um segundo, a determinação quase desvanecendo, mas quando percebeu o modo como o olhar dele se movimentou deliberadamente de seu rosto para o corpo, como se fosse um pedaço de mercadoria sob análise e então rejeição, uma injeção de pura fúria feminina a fez adentrar a vaga pela qual ele estivera esperando. Ela podia sentir a brutalidade fria do olhar e leu nos lábios dele, Que diabos...? quando a boca máscula e bem delineada pronunciou assim que ela passou, o corpo inteiro tremendo, as mãos úmidas de transpiração conforme ela se agarrava ao volante. Ela não estava reagindo assim só por causa da arrogância que a enfurecera. Naquela manhã, recebeu um telefonema inesperado pedindo-lhe para chegar cedo ao escritório, a fim de estar presente logo depois da reunião dos sócios. Ela não podia se dar o luxo do atraso; a necessidade dominava e esmagava a culpa que ela normalmente sentiria perante a ausência de boas maneiras no trânsito. Então ele lhe dera aquele olhar, aquela olhadela audaz, arrogante e odiosa para seu corpo, que revelava tão claramente exatamente que tipo de homem ele era: destruidor, insensível, completamente fixado nos próprios desejos e necessidades.

A necessidade dela pela vaga no estacionamento era muito maior, Giselle sabia. Precisava estar no escritório há quinze minutos... Ele, por outro lado, parecia o tipo que normalmente tinha um motorista para cuidar de coisas tão mundanas tais como estacionar o carro.

Dentro do carro, começou a trocar os sapatos comuns para dirigir pelos sapatos de salto. O som de um motor dando ré a fez expirar de alívio. Ele obviamente havia se afastado, em alta velocidade e sob alta indignação, sem dúvida.

Tendo movimentado o carro por alguns metros a fim de deixar outro veículo ultrapassá-lo, Saul Parenti encarou com uma incredulidade furiosa a ladra que lhe roubara a vaga. O fato de tal proeza ter sido cometida por uma mulher acrescentou uma ofensa ao contexto. Saul tinha o sangue de gerações de homens poderosos correndo nas veias, homens no controle, autoridades, soberanos absolutos, e agora aquele sangue estava correndo ainda mais quente e rápido. Saul nunca poderia se descrever como um misógino, longe disso, ele gostava de mulheres. Gostava muito delas. Mas, em geral, o lugar onde mais gostava delas era na cama, não em uma vaga de estacionamento pela qual estivera esperando com uma paciência que ia além da sua natureza. Sem outra vaga disponível, estacionou prontamente de um dos lados, obstruindo a passagem de dois veículos, e desligou o carro. Abriu a porta, erguendo do assento do carro sua figura musculosa de l,95m. Giselle não se deu conta de que sua conquista seria desafiada até sair de seu pequeno carro. O trajeto curto entre o estacionamento e a calçada, que a levaria até o escritório, era o momento no qual ela normalmente estava acostumada a pôr a máscara de profissional, aquela que escondia o fato de reprovar o interesse masculino que tão comumente era direcionado a ela no trabalho. Estava envolvida demais em assumir seu disfarce de arrogância defensiva, costas retas, olhar no horizonte e queixo erguido, tudo para dizer que ela era intocável, para ficar ciente do perigo, até ser tarde demais, e ela ser forçada a dar meia-volta ou se arriscar em direção ao homem que estava bem entre ela e a saída.

— Não saia tão rápido. Quero ter uma palavrinha com você.

Bem, ela certamente não queria trocar nenhuma palavra com ele. Giselle tentou passar por ele, então arfou em choque quando ele lhe bloqueou a passagem, se aproximando, até ela sentir que cada partícula de seu ser estava preenchida pelo cheiro másculo genuíno, todo sombrio, acrescido de forma dominadoramente erótica de algo mais intenso, como o toque de uma luva de veludo cravada de perigo.

— Você está no meu caminho — ela disse enquanto lutava para se manter e soar tranqüila, sem perceber que lhe dera uma abertura perigosa.

—: E você está na minha vaga — ele replicou.

— Achado não é roubado — ela gracejou, e então desejou não tê-lo feito quando ele pareceu se aproximar ainda mais, a presença a paralisando e encarcerando de algum modo.

— A posse de alguma coisa pertence àquele que é forte o suficiente para pegar o que quer e se agarrar, quer isso se aplique a uma vaga de estacionamento ou a uma mulher.

E ele era um homem do tipo que certamente possuiria sua mulher. O conhecimento de tal fato penetrou a armadura protetora de Giselle de algum jeito, e agora que o fizera... Ela estava começando a se sentir tonta, fraca, preenchida por uma excitação febril trazida pelo confronto das palavras, um desejo perigoso de continuar provocando, de testar o autocontrole dele. Protetoramente, Giselle ergueu a mão até o coração numa tentativa de acalmar sua batida crescente. Ela não devia se sentir assim. Nem agora nem nunca, por esse homem nem por homem algum. Tentou desviar o olhar, quebrar o feitiço que a sexualidade dele lhe tinha colocado, mas ao invés disso, o olhar dela deslizou negligentemente para o rosto dele e ficou perdido ali. Ela não gostava dele, Giselle concluiu. Não gostava dele nem um pouco. Era arrogante demais. E másculo demais para deixá-la confortável. Por isso não gostava dele? Por que sabia instintivamente que o estigma de sexualidade masculina era muito perigoso e que não estava tão protegida daquilo como sabia que deveria estar? É claro que não, assegurou-se resolutamente.

Saul analisou a mulher em frente a ele com um experiente olhar masculino. Alguns homem poderiam considerá-la fria, o visual princesinha intocável parecia um desafio sexual, e ficar curiosos o suficiente para ver o quanto de interesse masculino precisaria ser aplicado até aquele gelo rachar, mas ele não seria um deles. Gostava de mulheres que fossem discretas e sensualmente luxuriosas e condescendentes, não damas frias que pudessem exigir que os outros derretessem aquele gelo. Entretanto, mesmo que ela fizesse seu tipo, agora sua atenção estava focada na vingança, e não na sedução.

— Deixe-me passar — Giselle exigiu, reafirmando-se numa tentativa de lembrar a realidade da situação.

A exigência aumentou a fúria impaciente de Saul. Ela tomara sua vaga e estava inclinada a discutir, resistente, recusando-se a admitir que estava errada. A atitude dela o fazia querer rebaixá-la a seu lugar. Ele não se moveria e ela iria se atrasar. Determinada a fugir, Giselle rapidamente deu um passo para um dos lados dele, mas ele a pegou, agarrando seus antebraços em um aperto ferozmente hostil. Ela podia sentir a pressão dolorosa na carne, máscula e bruta, destruindo as camadas de tecidos entre eles, então era quase como se ele estivesse lhe tocando a pele nua. Uma sensação de choque capturou o corpo dela tão poderosamente quanto o aperto dele, fazendo-a se assustar e transformando suas mãos em punhos que ela desejava bater contra o peito dele.

— Me solte — ela insistiu furiosamente.

Soltá-la? Não havia nada que ele quisesse mais do que aquilo. Ela já havia causado mais problemas a ele em cincos curtos minutos do que ele jamais permitira qualquer mulher lhe causar. Ele a encarou diretamente. O rosto dela estava lívido e calmo, os olhos queimando de raiva, a boca... Ainda segurando-a com uma das mãos, ele tirou a outra mão do braço dela, a esticou e, usando o polegar, removeu-lhe o batom dos lábios muito deliberadamente, como se estivesse numa preparação para beijá-la. Ela ficou parada, chocada diante do gesto tão íntimo, e o instante se prolongou quando os olhares se sustentaram. Incapaz de se mover, Giselle ficou atordoada pelo turbilhão de sensações que o olhar sobre sua boca causava, e pela ânsia de... fazer o quê? Se inclinar em direção a ele? O som alto repentino de uma buzina de carro perto deles fez Saul libertar sua prisioneira, fazendo-a se afastar assim que ele a soltou. Que tipo de coisa o havia possuído? E o que teria acontecido se eles não tivessem sido perturbados? Ele perguntou a si quando Giselle se aproveitou da interrupção para fugir.

Para alívio de Giselle, ele não a seguiu até o elevador que, graças a Deus, estava vazio. Dentro dele, subindo a caminho do escritório, com o coração acelerado e a mente tumultuada, precisava se controlar para não pensar no que tinha acabado de acontecer, mas, ao invés disso, se concentrar no motivo pelo qual todo mundo havia sido chamado ao escritório.

Nos últimos dois anos, na verdade virtualmente desde que ela se juntara à prestigiada empresa de arquitetura, a companhia estivera trabalhando em um projeto caro e suntuoso para um bilionário russo, que envolvia transformar uma pequena ilha adquirida na costa da Croácia em um luxuoso resort de férias para os abonados. A crise financeira deixara o projeto em compasso de espera, muito devido aos temores dos sócios da empresa, porém, no dia anterior, tarde da noite, tinham recebido a notícia de que a ilha tinha novo proprietário, outro bilionário, um empresário muito bem-sucedido que havia visto os planos para a ilha e agora queria discuti-los. Tais notícias haviam alarmado os sócios rumo a uma reação imediata. Todos relacionados aos projetos, não importando o quão inferiores estivessem na escala hierárquica, haviam sido instruídos a se disponibilizar depois da primeira reunião da manhã, caso o novo proprietário da ilha quisesse discutir qualquer aspecto planejado. A esperança era que ele desse sinal verde para ao projeto adiado... Mas é claro que não havia garantias disso. Com a ameaça de demissões pairando sobre eles, naturalmente os arquitetos mais jovens, como Giselle, estavam mantendo os dedos cruzados para que ele fosse favorável aos planos.

Giselle saiu do elevador e seguiu para o escritório que dividia com diversos arquitetos iniciantes, todos homens, com exceção dela, e todos determinados à sua maneira a mostrar a ela e aos sócios que eles eram um investimento mais rentável para a firma do que ela jamais poderia ser.

— Está tudo bem — disse Emma Lewis, a assistente compartilhada entre eles, quando Giselle entrou no escritório. — A reunião foi adiada em uma hora. Aparentemente o novo proprietário está atrasado.

Giselle expirou de alívio e disse a ela:

— Pensei que ia me atrasar. Tive de vir de carro porque vou ter uma reunião num terreno esta tarde, e o trânsito estava horroroso.

Emma, de 34 anos, em comparação à Giselle, em seus 26, e casada com um pesquisador que estava trabalhando em um contrato nos Emirados Árabes Unidos, tratava os arquitetos jovens quase do mesmo jeito que tratava seus dois filhos, mimando-os com afeição extrema e fazendo o máximo possível para acabar com qualquer rixa. Giselle gostava dela e era muito grata ao apoio que Emma lhe dava.

— Onde está todo mundo? — Giselle perguntou a Emma, apenas para resmungar a continuar: — Não, não me diga... Deixe-me adivinhar. Estão todos no banheiro masculino, tentando descobrir como evitar qualquer culpa que possa ser distribuída enquanto reivindicam qualquer possível aplauso.

Emma estourou de rir.

— Algo assim, eu espero. Vou trazer um café, e então te contar as últimas notícias que ouvi de nosso possível novo cliente.

Giselle assentiu.

Cinco minutos depois, ela estava dando um gole no café enquanto ouvia Emma.

— Eu nunca teria visto se não tivesse levado Timmy ao dentista, porque a revista era de meses atrás, e eu não consegui acreditar quando a abri e o artigo sobre Saul Parenti apareceu bem na minha frente. Você pensaria que ele era italiano com esse sobrenome, não é? Mas ele não é. Aparentemente a família dele tem o próprio país, e o primo dele é um Grão-duque. É em algum lugar perto da Croácia, é pequeno, mas aparentemente ele, Saul Parenti, quero dizer, é incrivelmente rico pelos próprios méritos, embora seja primo de um duque, porque o pai dele estava envolvido em um monte de negócios no Oriente Médio.

— Fascinante — Giselle aplaudiu amavelmente.

— A mãe dele era americana e tinha um alto cargo em uma dessas ações humanitárias. Ela e o marido faleceram na América do Sul enquanto ela estava trabalhando lá, em conseqüência de um terremoto.

Giselle assentiu, para mostrar que estava seguindo a história de Emma, mas intimamente a última coisa que ela estava com vontade de fazer era ouvir as fofocas. O comentário sobre a morte dos pais de Saul Parenti fez um volume assustador de náusea e medo defensivo surgir insidiosamente dentro dela.

A porta do escritório se abriu para permitir a entrada de um dos outros arquitetos iniciantes, Bill Jeffries. Vigorosamente empostado e confiante, entrou no escritório parecendo satisfeito. Bill se considerava um conquistador. Tentou algumas investidas em Giselle quando ela se juntara à equipe. Como o havia rejeitado, agora era o alvo de uma crescente animosidade e hostilidade sexual, e Giselle sabia perfeitamente bem a razão da piadinha quando simulou um calafrio e protestou:

— Brrr... Está frio aqui! —Antes de fingir notá-la e então dizer: —Ah, desculpe... Não vi você aí, Giselle.

Giselle não disse uma palavra. Estava bem acostumada à malícia e provocação de Bill, e sabia que tinham origem no fato de ela ter recusado resolutamente todas as tentativas de flertar quando ela se juntara à equipe, as dele como as dos outros homens com quem trabalhava. Bill havia escolhido acolher o comportamento reservado dela como algo de cunho pessoal e, ela não tinha a intenção de dizer aquilo a ele, longe de ser pessoal, a reserva gélida era um mecanismo defensivo que ela usava contra todos os homens que tentavam mostrar algum tipo de interesse pessoal para com ela. Se Bill e outros sujeitos como ele escolhiam ficar ofendidos porque ela não recebia bem seus galanteios, então que assim fosse.

— Bill, estava acabando de contar para Giselle o que li sobre Saul Parenti. — Emma quebrou o silêncio hostil. — Giselle, ainda não te contei tudo. Aparentemente, ele é incrivelmente rico, com uma reputação de barganhar muito duramente em tudo que envolve seus negócios e seus interesses românticos. No que diz respeito a mulheres, ele gosta de preparar o terreno, deve ser um amante maravilhoso, mas disse publicamente que não tem a intenção de se casar.

— Ouviu isso, Senhorita Rainha do Gelo? — Bill zombou de Giselle. — Parece que nosso novo cliente é o homem perfeito com quem você pode se aquecer para tirar essa calcinha. — Ele fez um escárnio desagradável.

— Bill! — Emma protestou.

— Está tudo bem, Emma — Giselle assegurou à assistente pessoal. — Minha profissão é arquitetura, Bill — ela apontou calmamente. — Não prostituição.

— Isso se você conseguir manter seu trabalho. E, vamos encarar, você certamente não vai ganhar comissões com seus atributos femininos — ele zombou em resposta.

— Eu não preciso usar artifício nenhum, seja feminino ou de qualquer outro tipo, para manter meu trabalho — Giselle não conseguiu resistir a se voltar para ele acusadoramente, fazendo-o corar de raiva.

Bill era um daqueles empregados que gostava de bancar o bonzinho em frente àqueles que ele achava que iria impressionar e ao mesmo tempo era o tipo de pessoa que colocava a si em primeiro lugar. Bill gostava de se aproveitar do fato de ser homem para ter os outros ao lado dele no escritório, e a fim de excluí-la, mas Giselle nunca vira nenhuma evidência real de que fosse o sujeito apto a trabalhar em equipe que ele tanto gostava de alardear.

No escritório dos sócios, a atmosfera estava densa com uma mistura de tensão e determinação, a tensão vindo do sr. Shepherd, um dos sócios, e a determinação de Saul Parenti, o homem a quem ele precisava convencer de que sua firma estava disposta a aceitar o desafio proposto.

— Sim, é claro que aceito o fato de você querer conhecer e conversar com a equipe que vai trabalhar nas mudanças de projeto que você solicitou. Talvez um almoço com os outros sócios esteja envolvido nos planos?

— Eu gostaria de conhecer todos envolvidos com o projeto... Funcionários dos cargos mais altos e mais baixos — Saul enfatizou vivamente.

Ele não tinha tempo a perder. Já estava atrasado graças à mulher que havia roubado sua vaga e ao telefonema de seu primo. Aldo, cinco anos mais jovem e recém-casado, podia ser o Grão-duque de Arezzio graças ao fato de o pai dele ter sido o mais velho dentre os filhos, mas ele ainda recorria a Saul quando precisava de conselhos financeiros. Saul deu de ombros por dentro. Ele havia feito o máximo para ajudar o jovem primo a construir algumas reservas para os cofres reais de Arezzio, o pequeno país outrora formava a fronteira entre o Império Austríaco e a Croácia, mas Aldo não era um homem de negócios, estava mais para um acadêmico. Ele não gostava da austeridade curta e grossa dos negócios modernos e preferia passar o tempo catalogando os livros raros na biblioteca de seu castelo em Arezzio.

Saul era grato pelo fato de seu pai não ter sido o primogênito e por ele ter sido poupado do oneroso dever de se tornar o Grão-duque de Arezzio, sendo forçado a se casar e conceber um herdeiro. Ele pode não ter aprovado quando Aldo se casara com Natasha, pois não achava que Natasha amasse seu primo, mas ficaria muito satisfeito quando aquele casamento rendesse uma criança, o que significaria que ele estaria não uma, mas duas gerações distante do título. Ele acreditava ser como sua mãe. Assim como ela, amava a empolgação, a aventura de novos desafios e as exigências sobre sua energia. A vida dela fora o trabalho humanitário. Ela havia amado o marido e sem dúvida amara o filho também, mas a maternidade não havia sido o foco na vida de sua mãe. A visão dele agora é que seria errado trazer uma criança ao mundo quando sabia que teria pouco tempo para ela. Dadas todas as circunstâncias, financiar o primo, e desse modo, parte do país em si, era um preço baixo a se pagar pela sua liberdade pessoal. Saul podia ver que o sócio da empresa de arquitetura encarregada de desenvolver o complexo que o proprietário anterior havia planejado criar na ilha não aprovava as exigências de Saul. Ele sempre ficava irritado quando as pessoas não conseguiam entender por que ele tomava as decisões que tomava e atrasavam a execução das ordens ligadas àquelas decisões. Essa falha delatava uma falta de visão e de precaução, assim como um discernimento financeiro ruim. O que sem dúvida era a razão pela qual a empresa estava à beira da falência, ou teria estado se ele não tivesse acabado de confirmar que tinha a intenção de mantê-los funcionando e de seguir em frente com a renovação do desenvolvimento da ilha. No fundo, Saul guardava o pensamento de que deveria expandir seu interesse financeiro em tais projetos, incluir uma firma arquitetônica em sua carteira de títulos seria financeiramente benéfico. Por enquanto, no entanto, tinha a intenção de deixar claro que não pagaria o tipo de comissões que eles esperavam e manteria um controle bem mais intenso dos orçamentos e projetos do empreendimento. Ele era um bilionário exatamente porque tomava e mantinha o controle, com sua fortuna crescente, enquanto outros homens ricos estavam perdendo dinheiro.

— Quero conhecer todos, porque quero deixar claro para eles que de agora em diante são minhas instruções que deverão ser seguidas e minha aprovação deverá triunfar — ele informou ao sócio majoritário. — Os planos anteriores estavam fazendo o dinheiro vazar como se estivesse em um escorredor de macarrão.

— Nossa instrução original era que nenhum gasto fosse poupado — o sr. Shepherd protestou defensivamente.

Saul lhe concedeu um olhar frio.

.— O que sem dúvida explica porque um dos seus funcionários da equipe júnior escolheu fazer um piso . de uma casa de veraneio, que ficará exposto ao tempo, com ladrilhos feitos à mão, não resistentes a baixas temperaturas.

— Um erro que com certeza teria sido detectado — o sócio o assegurou.

— É claro. Mas eu prefiro que aqueles que trabalham para mim não cometam tais erros, para começo de conversa. — Saul olhou para seu relógio de pulso, e desta vez o sócio ficou de. pé.

— Acredito que toda nossa equipe esteja no prédio. Vou providenciar para que todos aqueles que trabalharam no projeto sejam convocados — disse a contragosto.

— Tenho uma idéia melhor — Saul disse a ele. — Por que você não me mostra o escritório em vez disso e me apresenta a eles durante o trajeto?

Muitas vezes valia a pena ver no que as pessoas estavam trabalhando. Fortunas podiam ser construídas e destruídas nessas circunstâncias.

O rumor havia se espalhado pelo escritório. "O projeto vai continuar, e ele vai manter a gente aqui". E naturalmente o humor de todo mundo ficou otimista e alegre, com toda a equipe aliviada por ter a preocupação dos últimos meses, quando eles não sabiam se iam ou não ficar desempregados, finalmente ser dissipada. Giselle estava aliviada como todos os outros. Trabalhou duro para chegar onde estava, para se qualificar e conseguir um emprego que a capacitaria para se manter pela vida adulta, porque precisava se sustentar. A porta que dava para o escritório se abriu, e todo mundo ficou sem silêncio quando o sr. Shepherd, um dos sócios, entrou, era um evento sem precedentes. Mas não foi a visão dele que fez a cor do rosto de Giselle desaparecer, deixando-a alva quando ela encarou o homem que o estava acompanhando. Era o sujeito do estacionamento. O homem cuja vaga tomara, o homem que agora era o cliente mais importante deles, Giselle reconheceu quando ouviu o sócio apresentá-lo.

— O sr. Parenti deseja conhecer todos que trabalharam ou que vão trabalhar nos planos para o projeto da ilha — anunciou.

— Saul — O novo cliente corrigiu o homem mais velho. — Não sr. Parenti. — Respeito, até onde ele compreendia, era algo a ser merecido, não aplicado, e ele não tinha dúvida alguma sobre sua habilidade de merecer o respeito alheio.

Enquanto falava, estava analisando os ocupantes da sala, o olhar frio e analítico, sem perder nada, até que viu e reconheceu Giselle. Quando chegou nela, permitiu que seu olhar se demorasse um pouco mais, assim ela ficaria ciente da identificação dele e seria forçada a reconhecer o erro que cometera quando lhe roubara a vaga. Giselle sentiu a raiva no olhar dele queimando a consciência dela, mas todos aqueles anos se obrigando a nunca parecer extremamente vulnerável a fizeram sustentar as forças e encará-lo de cabeça erguida. Por quê? Por que de todos os homens estacionando seus carros ela precisava roubar a vaga daquele homem? Giselle agonizou internamente. Não havia razão para pensar que seu comportamento fora incomum e fruto do desespero... Aquilo não significaria nada para o homem que estava seguindo lentamente em direção a ela. Um a um, ele falou com todos os funcionários juniores, perguntando a eles em qual parte do projeto trabalhavam. Com o estômago tenso de apreensão, Giselle esperou, e esperou, sabendo que aquela desforra iria chegar, e sabendo também que ele estava gostando de arrastar o tormento dela. E então estava parado em frente a ela, a personalidade magnética poderosa fazendo-a dar um passo atrás.

— E você, srta...?

— Giselle. Giselle Freeman.

— E sua contribuição para o projeto foi...?

— Trabalhei na parte de ar-condicionado, com uma proposta ecológica a ser incorporada — ela disse formalmente.

— Uma proposta que, acho bom dizer, está estourando o orçamento? — Saul apontou assim que permitiu que o próprio olhar deslizasse lenta e completamente por sobre ela.

Ele captou o olhar que Bill lhe deu e supôs que ela não era popular entre eles, do mesmo jeito como se mostrara para com ele. Aquilo significava que ela não era boa para trabalhar em equipe e que obstruiria o trabalho de qualquer projeto em que participasse. Ele estava surpreso com o fato de a firma tê-la mantido no quadro. O coração de Giselle martelava de medo. Ela fora transferida para trabalhar na questão dos ares-condicionados exatamente porque o orçamento estava estourado e porque ela era conhecida por ser boa em trabalhar dentro do que era orçado, mas mal ela conseguiu dizê-lo quando nem mesmo o sr. Shepherd interveio em sua defesa. Saul Parenti estava jogando, ela sabia. Ele pediria que fosse retirada do projeto, ela podia adivinhar, e então provavelmente seria demitida. Um suor frio começou a lhe brotar na pele, e o estômago estava revirando de náusea. Não podia perder o emprego. Não deveria. E sob o medo havia um desprezo furioso por aquele homem que estava usando seu poder para atormentá-la, desprezo que ela não ousava permiti-lo enxergar.

— Não estou feliz com a disposição das vagas de estacionamento do complexo — Saul continuou, se voltando para o sócio majoritário e quebrando o silêncio tenso que havia tomado o cômodo. — Talvez Giselle devesse trabalhar nisso, enquanto alguém com mais experiência assume a parte do ar-condicionado.

Giselle podia sentir o próprio rosto queimar. Ele não só insultara a habilidade profissional dela como marcara um ponto no placar daquele desentendimento matinal. Ele a humilhara publicamente, admitiu impotente, assim que o sócio assegurou asperamente a Saul que, sim, certamente, ela poderia fazer exatamente aquilo.

Quando Saul Parenti saiu do escritório com o sr. Shepherd, Giselle ergueu o queixo. Não iria deixar ninguém, muito menos ele, saber o quanto estava magoada e amedrontada. Ela ainda estava ousando desafiá-lo, Saul pensou furiosamente quando a viu de queixo erguido. Bem, logo aprenderia que aquele era um erro perigoso. Perigoso para ela.

 

                                             CAPÍTULO DOIS

Muitas horas depois, ainda sentado em um dos escritórios dos sócios enquanto eles discutiam os detalhes dos planos revisados, Saul percebia que seus pensamentos ainda estavam se desviando irritantemente para Giselle. Não havia precedentes de que qualquer mulher tivesse ocupado seus pensamentos quando deveriam estar focados em problemas mais importantes, e tirar esse projeto do desastre que estava sendo para seguir rumo a um empreendimento financeiramente bem-sucedido era importante para ele num nível profissional e pessoal. Seu sucesso como empresário havia lhe rendido muitos concorrentes ressentidos, que ficariam felizes em vê-lo declinar.

— Não tenho tempo de investigar todos os detalhes de cada parte do projeto e de seus custos para assegurar que seu pessoal está fazendo o que os instruí a fazer — Saul apontou severamente. — No entanto, é essencial que eles façam exatamente isso para esse projeto ser bem-sucedido e, principalmente, financeiramente viável.

— Concordo — o sr. Shepherd assentiu.

— Ótimo. Para assegurar que meus desejos sejam executados, o que proponho é que você providencie um de seus melhores arquitetos juniores para ser meu auxiliar, alguém que seria diretamente responsável por assegurar que os planos se adequassem às minhas exigências e para alertar a mim e a você em caso de falhas. Devo exigir alguém bem qualificado e capaz para atuar em tal papel — Saul disse preventivamente.

— É claro... E eu acho que conheço exatamente a pessoa certa. Você a conheceu mais cedo... Giselle Freeman.

Saul encarou o outro atentamente para se assegurar de que ele não estava tentando fazer alguma piada ridícula. A última pessoa que desejaria em tal função seria Giselle Freeman. A expressão do homem mais velho, no entanto, estava completamente séria e isenta de humor, deixando Saul livre para batalhar com uma variedade de emoções desconhecidas. Era muito raro para ele ser pego desprevenido, e ainda mais raro ainda descobrir que estava em uma situação na qual não queria estar e da qual não poderia facilmente sair. Shepherd poderia não estar brincando, mas a suspeita da Saul era de que ele podia estar tentando descarregar um membro indesejado e ineficiente de sua equipe sobre ele. Saul certamente não permitiria que aquilo acontecesse, e felizmente, por causa de sua suspeita, conseguia agora ver um modo de rejeitar a recomendação.

— Sim. Eu me lembro. Ela tem trabalhado nos projetos de ar-condicionado. Tive a impressão de que ela não é muito popular entre os colegas. Qualquer um que me assista do modo que imagino terá de ser capaz de trabalhar bem com outras pessoas.

— Há um pouco de hostilidade com Giselle naquele escritório — o sócio concordou. — Mas não é culpa dela. -— Ele suspirou, e então continuou:—A verdade é que Giselle é muito mais qualificada do que seus colegas. Ela se formou com honras e ganhou um prêmio aclamado internacionalmente pelo seu projeto de conclusão de curso. Ela é uma profissional dedicada, trabalhadora, tem qualificações para uma carreira brilhante. A realidade é que por causa do nosso declínio, não temos um trabalho aqui que coloque suas habilidades em melhor uso. Ela é extremamente leal, no entanto. Uma funcionária exemplar. Eu soube que no primeiro ano conosco ela foi abordada por dois headhunters diferentes, ligados a representantes internacionais. Um dos trabalhos oferecidos foi no Golfo Pérsico, o outro, foi cm Cingapura, mas ela escolheu ficar conosco.

Ela só tem trabalhado nos projetos de ar-condicionado porque o camarada que o estava fazendo antes causou uma confusão tão grande que tivemos de transferi-lo para outra função com menos exigências.

A expressão de Saul ficava mais austera a cada palavra de elogio do sócio a Giselle. Uma série de elogios não era, afinal, o que ele havia desejado ouvir, mas agora que ele ouvira de fato, e se ela era tão boa quanto o outro estava alegando, pareceria decididamente estranho e pouco profissional se ele permitisse que seus sentimentos pessoais afetassem as decisões de negócios. Ela poderia não ser atraente como mulher, mas como arquiteta aparentemente era a "melhor da turma". E ele simplesmente não tinha tempo a perder peneirando dentre um punhado de possíveis candidatos com habilidades infinitamente inferiores. A verdade era que o projeto precisava ser encaminhado e completado com certa velocidade caso quisesse o lucro que planejara.

— Muito bem — Saul concordou, antes de avisar —, mas se eu descobrir que ela não é apta para o trabalho, então vou querer que você a leve de volta e me forneça outra pessoa.

Em acordo com o sócio majoritário, Saul determinou severamente que se Giselle quisesse ser escalada para assisti-lo, então havia uma coisa que ela deveria aprender, e rapidamente. Ela deveria obedecer às regras criadas por ele ou encarar as conseqüências.

— Imagino que você vá querer ela comece assim que possível? — disse o sócio.

— Sim — Saul confirmou.

Ele suspeitava que Giselle Freeman fosse querer trabalhar para ele tanto ou menos do que ele mesmo a queria, e aquilo certamente proporcionaria a ele certa quantidade de satisfação cínica, aquilo e a certeza de que ela soubesse o quanto havia errado ao lhe tomar a vaga no estacionamento. E já tinha um plano para se assegurar de que ela soubesse daquilo, no entanto. Ele já havia confirmado que o departamento de Recursos Humanos tinha cópias das chaves de todos os carros da empresa, e agora as chaves reserva do carro de Giselle estavam no bolso dele.

Não deveria estar perdendo sua valiosa energia mental com Giselle, Saul advertia-se. Tinha coisas muito mais importantes em que pensar, uma das mais urgentes eram os problemas financeiros comumente enfrentados pelo primo. Normalmente, Saul gostava de solucionar problemas. Prosperava consertando uma variedade de problemas, arrumava a bagunça e, então, encontrava soluções. Fazer aquilo tinha sido o modo de superar a desolação em função do desespero durante os longos meses depois da morte dos pais, quando ele lutara para enfrentar a perda. Eles morreram no desabamento de um prédio depois que foram ao encontro de vítimas de um desastre causado por um terremoto na América do Sul. A dor que a morte de seus pais lhe trouxe o deixou chocado. Ele não se preparara para sofrer, assim como não se preparara para a morte. Jurou então que nunca teria um filho, para poupar a criança caso causasse involuntariamente a ela a dor que ele mesmo sofrerá. Foi aí que reconheceu totalmente o quanto era feliz por seu primo mais novo ser o herdeiro do título da família e das terras, e não ele, por aquele peso estar nos ombros do primo, por só restar ao outro a responsabilidade de cumprir o dever e de priorizar o pequeno país ilhado em detrimento dos próprios desejos.

Aldo não era como ele. Era um acadêmico gentil e tranqüilo, nada tinha a ver com a intrigante filha de um oligarca russo que agora era sua esposa, e por quem ele estava óbvia e desesperadamente apaixonado. Pobre tolo. Saul não acreditava em amor. Desejo, luxúria, anseio sexual, sim. Mas aliar aquelas coisas às emoções e chamar de amor, não, nunca. Aquilo não era para ele. Se Aldo prosperava em tradição e continuidade, Saul prosperava em desafios magistrais. E o projeto da Ilha de Kovoca certamente estava se transformando em um desafio considerável. Sem fundos prévios e de orçamento estourado, o projeto original havia contribuído para a derrocada financeira do proprietário anterior da ilha, que, parecia para Saul, tinha desejado superar Dubai em seus planos. Saul já havia feito um risco vermelho sobre os projetos de seu predecessor para um hotel subaquático, com passarela submersa e uma estrada conectando o hotel e a ilha até a ilha principal. Assim como riscara um plano igualmente superambicioso de transformar o único pico da ilha em um resort de esqui, com neve importada.

Era uma pena que, por enquanto, ele não pudesse fazer um rabisco semelhante no envolvimento de Giselle Freeman naquele projeto.

Todo mundo podia estar celebrando o fato de o novo proprietário da ilha de Kovoca ter dado o sinal verde para o projeto do proprietário anterior e por estar dando continuidade a ele, mantendo seus arquitetos. Todos estavam entusiasmados em demonstrar seu comprometimento trabalhando até tarde, más Giselle tinha outro cliente para cuidar, e por esse motivo estava agora a caminho do estacionamento para pegar o carro. Ela dirigiria até os escritórios miseráveis de uma pequena instituição de caridade que, tendo recebido um lote de terra, agora estava ávida para transformá-lo em um centro comunitário e em acomodações para desabrigados. A instituição de caridade havia rogado por ajuda de um arquiteto para o projeto, e Giselle aceitara trabalhar sem comissão, em seu tempo livre, com o consentimento de seus empregadores para usar suas instalações. Era importante não apenas que o novo prédio se harmonizasse com seus arredores -e providenciasse os recursos que a instituição queria, mas também que fosse viável para construir e administrar, e Giselle passava grande parte de seu tempo livre procurando maneiras de alcançar estes três objetivos. Além disso, esta noite, quando chegasse em casa, Giselle também teria de enviar um e-mail à enfermeira-chefe do asilo onde sua tia-avó morava para ver se a tia já havia se recuperado do resinado.

. O asilo de Meadowside era excelente, e seus moradores idosos estavam realmente bem cuidados, mas também era uma instalação extremamente cara. O dinheiro investido a partir da venda da casa da tia-avó Maude pagava apenas metade das despesas mensais, e Giselle pagava a outra metade. Era o mínimo que podia fazer, dado o que a tia-avó havia feito por ela: acolhido, cuidado e amado apesar de tudo que havia acontecido. Giselle sentiu os músculos do estômago começando a tensionar. Era sempre assim, sempre que era obrigada a pensar, no passado. Ela sabia que nunca seria capaz de esquecer o que tinha acontecido. Mesmo agora, se o guinchar dos pneus de um carro a pegasse desprevenida, o som tinha o poder de fazê-la congelar de pânico. As lembranças, as imagens estavam sempre lá: a estrada molhada, a escuridão, a mãe lhe dizendo para segurar o carrinho com seu irmão enquanto eles se preparavam para atravessar a rua. Mas ela não segurara o carrinho. Ela soltara. Estava começando a ofegar, o coração martelando de forma doentia. Os sons, gritos, pneus guinchando, o vidro se quebrando, o girar das rodas do carrinho quando caíra ali na estrada, os cheiros... Óleo, chuva, sangue. Não! Estava acabado... acabado... Não havia retorno da terra dos mortos. Entretanto, para Giselle, nunca estaria acabado de fato... Não para ela. Pelo menos ninguém mais além da tia-avó tinha conhecimento da situação. Inicialmente, após as mortes da mãe e do irmãozinho, Giselle continuara a morar com o pai em uma vizinhança gentil, um clínico geral dedicado, que a levava e buscava na escola juntamente aos seus outros filhos. Aquela época fora a mais sombria da vida de Giselle. O pai dela, dominado pelo próprio luto, a excluíra, rejeitando-a, sem querê-la por perto. Esse era o jeito como sempre se sentia, porque ela lhe lembrava o que havia perdido. A distância emocional dele só aumentara a culpa e tristeza dela. E então a tia-avó viera para uma visita, e fora providenciado para que, quando ela voltasse para sua própria casa, Giselle fosse embora com ela. Ansiara para o pai insistir que ela desejava ficar, assim como ansiara para ele abraçá-la e dizer que a amava, que não a culpava. Mas ele não o fizera. Ela podia ver no rosto dele, a última vez que o vira, quando ele assentira em concordância às sugestões da tia-avó, desolado e cansado, o olhar evitando-a. Ele morreu de infarto menos de seis meses depois.

Giselle começou a andar mais rapidamente, como que para escapar das próprias lembranças dolorosas. Mesmo agora, quase vinte anos depois, não conseguia suportar pensar no que havia acontecido. A tia-avó tinha sido maravilhosamente gentil e generosa em acolhê-la, e Giselle queria fazer tudo que podia para assegurar que a agora muito velha senhora fosse bem cuidada. Sem seu emprego é óbvio que seria impossível para ela conseguir o dinheiro necessário para manter a tia-avó em sua excelente casa de repouso. E aquilo significava que, não importa o quão ela poderia se ressentir pessoalmente de Saul Parenti e de sua atitude para com ela, Giselle precisava ser grata ao fato de que ele estava dando continuidade ao projeto e mantendo a empresa de pé.

Absorvida nos próprios pensamentos, Giselle seguiu automaticamente até o carro estacionado, mas quando se aproximou da vaga, em vez de enxergar o próprio carro, tudo que conseguiu ver foi o capo completamente polido de um carro bem maior no espaço onde o dela deveria estar. Automaticamente, ela reduziu o passo e então parou enquanto olhava em volta, em dúvida se tinha errado o local onde havia estacionado. O clique de uma porta se abrindo captou sua atenção. Ela se virou em direção ao som, o coração martelando quando viu Saul Parenti saindo do carro de capo extenso, aquele que estava estacionando onde ela esperara ver o próprio carro. Ele vinha em direção a ela. A reação foi imediata, um instinto vindo do âmago, além da lógica ou da razão, fazendo-a confrontá-lo e exigir, antes que pudesse pensar sobre o atrevimento que seria fazê-lo:

— Onde está o meu carro? O que você fez com ele? A resposta dela confirmou todos os julgamentos

que ele já havia feito e reforçou a determinação crescente dele de colocá-la em seu devido lugar.

— Eu o tirei da minha vaga de estacionamento — ele disse significativamente.

— Tirou? — Giselle sentiu a pasta que ela estava segurando escorregar do abraço quando o choque a atingiu, deixando escapar os papéis assim que o objeto caiu no chão. — Tirou? — ela repetiu. — Como? Para onde?

Ela sabia que a própria voz estava trêmula sob o peso das emoções em choque, mas quando se abaixou para pegar o conteúdo da pasta, ficou impotente para se controlar. Ela odiava o efeito que aquele homem parecia ter sobre ela. Ela havia odiado desde o primeiro conflito entre eles e odiava ainda mais agora.

— Como? — ele estava repetindo de forma ofensiva. — Como carros estacionados ilegalmente normalmente são removidos? E para onde...

Tendo dado um passo atrás para ficar ao que ela esperava ser uma distância segura do inebriante cheiro sexual de Saul, Giselle deu um jeito de recompor a determinação para insistir:

— Meu carro não estava estacionado ilegalmente, e se você o fez ser guinchado e rebocado, então é você quem está infringindo a lei.

Ah, sim, ela definitivamente era uma mulher briguenta, Saul concluiu quando se curvou para reaver uma folha de papel desgarrada que havia flutuado para perto de seus pés. Automaticamente, ele passou os olhos na impressão e então pausou para ler mais lentamente antes de perguntar:

— Você está trabalhando de graça nesse projeto?

Desesperada para recuperar o papel, Giselle o pegou de volta, quase arrancando das mãos dele devido ao medo de tocá-lo acidentalmente.

— E se estiver? — ela se defendeu categoricamente. — Não tem nada a ver com você, e você não tem o direito de me questionar.

Lá estava ela de novo, desafiando-o com sua hostilidade deliberada, quando por direito ela deveria estar se humilhando, admitindo a culpa anterior e buscando pelo perdão dele.

— Você acha que não?

O tom sedoso da voz dele tinha um efeito excitante sobre ela, fazendo os pelinhos da nuca se arrepiar, a pele reagir como se ele a tivesse tocado, acariciado.

— Tomei conhecimento por intermédio do sr. Shepherd que seu trabalho é muito importante para você...

— Ele te disse isso? —As palavras foram ditas antes que Giselle pudesse contê-las. Ela tremeu intimamente de apreensão, incapaz de esconder o medo abalador que fez os olhos verdes escurecerem até alcançar um tom de jade. Ela não tinha percebido que o sr. Shepherd, ao menos, sabia o quanto a segurança profissional importava para ela, quanto mais então que ele discutia tal fato com terceiros. Então ele havia descoberto algo que a fazia se sentir vulnerável. Saul regozijava.

— Ele disse que você recusou ofertas de trabalho bem mais prestigiosas e oportunidades de carreira para permanecer com a empresa, algo que ele parece considerar um símbolo de lealdade. Eu, por outro lado, acredito que sua motivação deva ser bem mais poderosa e estou curioso para saber exatamente qual é.

Saul estava esperando pela resposta dela, Giselle sabia, assim como sabia que ela não queria respondê-lo.

— Por que ficar em um emprego para o qual você é superqualificada e, devo ousar dizer, mal remunerada? A menos, é claro, que você tema que todas essas suas qualificações sejam meramente pedaços de papel e que, na verdade, você não esteja apta para o trabalho ao qual seria requisitada a executar em um nível mais alto.

A acusação dele sacudiu Giselle em um repúdio imediato.

— É claro que estou apta ao trabalho. — O orgulho furioso refletiu na voz e no olhar que Giselle deu a ele. — E tenho confiança de que poderia fazer qualquer trabalho que me oferecessem.

— Você está confiante agora? — A afirmação dela mostrou outro filamento da sua personalidade. Com a revelação de cada nova camada, ele se sentia cada vez mais compelido a conhecê-la mais. Porque ela o enfurecia e o contrariava. Porque ela era tão diferente de todas as mulheres que ele conhecia.

Ela estava obviamente determinada a não responder, mas Saul estava igualmente determinado a ter sua resposta. Ele mudou o curso, falando de forma cativante:

— Corrija-me se eu estiver errado, mas o projeto da Ilha de Kovoca é, pelo que entendo, tudo que existe entre seus empregadores e a falência... E com essa falência virá a perda do seu emprego?

A boca de Giselle ficou seca, e o coração começou a palpitar de modo desgraçadamente pesado quando ela reconheceu a ameaça nas palavras dele. E foi forçada a ceder:

— Sim, está certo.

— Considerando que seu chefe sugeriu que as coisas serão facilitadas se você me der apoio, para assim assegurar que todos os projetos redesenhados e custos estejam alinhados às minhas exigências, eu acharia simplesmente natural que eu tivesse o direito de inquirir sobre sua confiabilidade e sua honradez, em todos os âmbitos profissionais.

Calada devido ao choque pelo que acabara de saber, Giselle só conseguia olhar para ele com um assombro intimidado.

Isso não podia estar acontecendo... Ele, o atormentador dela, não podia estar ali dizendo que ela trabalharia diretamente com ele, que como conseqüência, ela se reportaria a ele e, desse modo, estaria sob o poder dele. Giselle reconhecia que já estava sob o poder dele, enquanto lutava contra o pânico que estava invadindo suas veias com toda força. Se pelo menos pudesse lhe dizer para encontrar outra pessoa para assisti-lo. Se ao menos pudesse se virar e ir embora... Se ao menos não a afetasse do jeito que afetava. Pelo menos ele não sabia o quanto estava vulnerável a ele como mulher. Giselle tentou se acalmar. Um homem como ele devia estar tão acostumado a despertar desejo entre o sexo feminino que simplesmente tomava isso como fato, assim como ele parecia poder escolher entre as lindas mulheres que andavam em rebanhos a seu redor, pelo que Emma lhe contara. Bem, certamente nunca a escolheria. Graças a Deus.

— Não é decisão minha que você seja meu apoio nesse projeto — Saul apontou. — E considerando o que já conheço a respeito de sua inclinação para delitos, devo avisá-la que você vai estar sob avaliação. Ao primeiro sinal de que você esteja usando os mesmos métodos inescrupulosos que usou para conseguir acesso à minha vaga de estacionamento, você estará demitida.

— Eu cometi um erro... — Giselle tentou se defender, mas Saul não estava no clima de compaixão.

— Um erro muito grande — concordou. — E você vai cometer outro se não mostrar alguma honestidade agora e me dizer por que recusou dois trabalhos prestigiosos. Eu não vou ter alguém de cuja moral suspeito trabalhando para mim em um cargo de confiança.

O propósito dele era claro e aquilo fez Giselle empalidecer. As acusações dele podiam ser injustas, e ela podia estar furiosa, mas fúria era um luxo com o qual ela não podia arcar, Giselle foi forçada a admitir. Ela deu um suspiro profundo e disse, tão calmamente quanto pôde:

— Sim, bem. Vou te contar.

A resposta dela não foi o que Saul estava esperando, e definitivamente não a que ele desejara. Erguendo a cabeça, Giselle continuou:

— Eu recusei as outras ofertas de trabalho porque a tia-avó que me criou precisa de cuidados em tempo integral agora e, além do mais, para ajudar a criar um fundo monetário com o propósito de assegurar que o cuidado seja tão bom quanto o que ela me proporcionou. Não posso esperar que ela vá embora de Yorkshire depois de ter passado a vida toda lá, mas espero estar aqui para ela, fazendo tudo que posso para me certificar de que ela tenha todo o conforto e cuidado que merece. Trabalhar aqui em Londres significa que posso vê-la regularmente. Se eu trabalhasse no exterior, isso não seria possível.

Contrariando todas as próprias expectativas, Saul sentiu um arranco indesejado de respeito relutante... E algo mais.

— Você foi criada por sua tia-avó? O que aconteceu com seus pais? — ele se sentiu impelido a perguntar, as palavras quase arrancadas contra a vontade.

— Eles morreram e fiquei órfã — Giselle respondeu tão segura quanto foi capaz, orgulhosa do quanto deu um jeito de manter a voz calma.

Droga, droga. Saul amaldiçoou internamente como conseqüência da violência de seu ato ter ficado clara para ele juntamente a algo mais, algo que tocara sua parte mais profunda, não importando o quanto pudesse desejar que não o afetasse. Aquela única palavra, órfã, tinha tanta ressonância para ele, era tão pessoal e tão particularmente enraizada em seu histórico emocional. Ele pode ter forçado uma confissão de Giselle Freeman, mas não ia ser capaz de forçar uma demissão, considerando o que ela acabara de lhe contar. Ele começou a virar de costas para ela, e então algo o fez parar. .

— Quantos anos você tinha quando... quando perdeu seus pais?

— Sete.

Sete! Um pensamento, uma lembrança fugaz de si mesmo naquela idade, nebulosa e sombria: a mãe gargalhando enquanto esfregava uma mancha de sujeira do rosto dele, a maneira como, enquanto criança, sentira aquele amor por ela e sua felicidade porque ela estava lá diante dele, misturada à luz do sol. Saul sentiu o sabor ácido da revolta contra o que quer que fosse que permitia que crianças fossem privadas do amor de seus pais. Ele tinha 18 anos e já achara difícil o suficiente enfrentar, embora àquela época já se considerasse independente e adulto.

Mais lembranças estavam surgindo dentre os obstáculos, Giselle queria se livrar delas. Em meio ao desespero para fechar a porta para aquelas lembranças, Giselle fez um pequeno som agonizante de protesto. Desejava desesperadamente que seu carro estivesse ali. Se estivesse, poderia ter passado por Saul, entrar no veículo e escapar, dando um fim à humilhação. Saul, ouvindo aquele murmúrio angustiado e reconhecendo a dor contida nele, uma dor que ele mesmo tinha sentido e conhecido, se ouviu dizer antes que pudesse se conter:

— Perdi meus pais quando tinha 18 anos. Nessa idade, você acha que todo mundo é imortal.

Silenciosamente, eles olharam um para o outro. O que ele estava fazendo? Saul zombou de si. Aquele não era o tipo de conversa que ele tinha com qualquer pessoa, muito menos com uma mulher que havia entrado em conflito com ele e de quem particularmente ele já havia concluído que não gostava. A palavra órfã havia feito aquilo. Sete anos de idade e acolhida por uma tia-avó que Giselle agora precisava ajudar a sustentar.

— Que aconteceu a seus pais? Os meus morreram fazendo trabalho humanitário no sítio de um terremoto, quando um enorme tremor conseqüente destruiu o prédio onde eles estavam. Depois da morte dos meus pais, eu quis conversar a respeito, mas ninguém deixava. Acho que pensavam que ia ser muito... — ele parou.

— Muito doloroso para você. — Giselle completou, a voz falhando levemente, como uma ferida não cicatrizada, uma chaga ainda recente.

O que havia sido um confronto hostil entre eles, de um modo ou de outro, guinara categoricamente para alguma outra coisa e para algum outro lugar, um território familiar para ela e ao mesmo tempo, ainda inexplorado. Será que era porque Giselle tinha medo demais? Porque machucava demais? Ela falou lentamente no início, o esforço de verbalizar sobre algo tão profundamente traumático e pessoal fazia a garganta dela arranhar.

— Minha mãe e... meu irmão foram mortos num acidente na rua. Meu pai morreu de infarto onze meses depois do acidente.

— Sinto muito. — E sentia mesmo, Saul reconheceu. Sentia pela criança que ela fora, sentia pela perda dela, sentia por ter feito a pergunta, agora que conhecia toda a extensão da tragédia.

— A vida é tão frágil — Giselle se ouviu dizendo a ele.' — Meu irmão só tinha seis meses de vida. — Ela estremeceu. — Não consigo imaginar como pais devem se sentir quando perdem um filho, especialmente um tão jovem, ou como lidam com a responsabilidade de proteger tal vulnerabilidade. Eu nunca teria um segundo de paz. Eu nunca conseguiria... Eu nunca ia querer uma responsabilidade dessa.

Havia uma determinação nas palavras dela que encontrou um eco nele. Ela havia falado demais, revelado e se delatado demais, Giselle reconheceu. Entretanto, não deveria viver no passado, mas, ao invés disso, viver no presente, com as obrigações para com a tia-avó. Determinadamente, ela concentrou os pensamentos na questão que levara àquela conversar inesperada e íntima demais, dizendo a Saul:

— Se você quiser cancelar minha assistência agora que tem a resposta para sua pergunta...

Queria que ele desse fim ao trabalho como assistente, Saul reconheceu, ignorando o fato de que ele mesmo quis dar fim nele anteriormente, quando deixou seu instinto masculino de dominação tomar conta.

— Você não teria sido minha escolha. No entanto, eu não tenho tempo para entrevistar outros candidatos. É claro que se você quiser declinar... — Ele deixou a oferta no ar.

— Você sabe que eu não posso — Giselle disse inflexivelmente.

Saul deu de ombros.

— Duvido que qualquer um de nós esteja feliz com a situação, mas por motivos diferentes, parece que devemos tolerá-la e tirar o máximo proveito.

Giselle expirou. Conversar sobre o passado a esgotara emocionalmente e fisicamente, e agora ela se sentia terrivelmente fraca e trêmula, porém ainda havia uma coisa de que ela precisava saber:

— Meu carro... — ela começou e então parou quando percebeu o quanto a voz tinha soado fraca e aguda. Ela estava perigosamente perto dos limites de seu auto controle, Giselle sabia. A cabeça estava começando n doer devido ao estresse do confronto. Os lábios estavam secos. Ela os umedeceu com a ponta da língua.

Saul observou o movimento revelador da ponta da língua dela, o olhar deslizando contra a vontade até o pequeno movimento da garganta quando ela engoliu.

Algo dentro dele doía e se revirava, uma emoção que não reconhecia, dando vazão a um impulso de esticar a mão e tocá-la, abraçá-la. Saul deu um passo em direção a ela. Imediatamente, Giselle se afastou dele, com um suspiro que o trouxe de volta à realidade. Que diabos havia de errado com ele? Saul se reprimiu. A última coisa que sentia por ela era desejo, e a segunda última coisa que ele queria era que ela o desejasse. Dando um passo atrás para mais longe dela, ele pegou o celular e falou ao aparelho, anunciando:

— Pode trazer o carro de volta agora.

Menos de cinco minutos depois, Giselle viu quando seu carro foi guiado pelo estacionamento em direção a ela. Um motorista uniformizado saiu e entregou as chaves a Saul antes de seguir para o carro reluzente. Sem uma palavra, Giselle entrou no carro. Não fazia idéia de como eles tinham conseguido as chaves, e não perguntaria. Estava começando a suspeitar que, para um homem como Saul Parenti, qualquer coisa era realizável. Saul a observou dirigir para longe. Fogo e gelo, uma mistura perigosa projetada para servir de tentação ao homem mais determinado quando combinada em uma mulher. Ele, entretanto, podia e iria resistir àquela tentação.

 

                                       CAPÍTULO TRÊS

JÁ haviam se passado quase duas semanas desde que Giselle iniciara suas novas obrigações no impressionante prédio moderno de escritórios, que era o quartel-general do império de negócios de Saul Parenti, e é claro que não estava nem um pouco desapontada por, nem uma vez durante aquelas semanas muito atribuladas, não ter visto Saul em pessoa e por aquele escritório com fachada de vidro que a assistente pessoal indicara como sendo dele ter permanecido vazio. Longe disso. Estava satisfeita porque ele não estava em evidência e por ter sido capaz de assumir seu novo papel sem ter de disputar com a presença dele. Ou pelo menos estivera satisfeita até algo vir à tona naquela manhã, enquanto estava chegando o último lote de projetos retrabalhados entregues a ela. Será que ela havia captado um simples erro? Será que era um truque para tentar surpreendê-la, instituído por Saul em pessoa? Ou será que era... e o estômago dela ficou tenso diante de tal pensamento... uma tentativa deliberada de fraudar a Parenti Organisation, arquitetada por um de seus próprios colegas?

Qualquer que fosse a opção em que ela resolvera acreditar, em qualquer uma das três opções o efeito principal era o mesmo, ela teria de relatar o que vira para Saul Parenti. Giselle olhou para o escritório da assistente pessoal de Saul, Moira Wilson, perguntando-se se deveria discutir sua preocupação com ela. Gostava daquela mulher mais velha, que foi além de sua função para fazê-la se sentir em casa em seu novo ambiente. Na primeira manhã ali, Moira revisara tudo com ela, informando com um sorriso:

— Vou repassar algumas informações para você. Primeiramente, aqui todos nós nos tratamos pelo primeiro nome, Saul insiste nisso. Mas não interprete isso como falta de disciplina ou de respeito. Ele exige e consegue ambos. Tenho alguns formulários do setor de Recursos Humanos aqui para você preencher, informações pessoais, esse tipo de coisa. Enquanto você estiver aqui, seu salário será aumentado de acordo com os níveis que Saul paga àqueles que trabalham para ele, e você vai participar do bônus anual, do plano de saúde e receberá o auxílio para o combustível. Qualquer despesa ocorrida no trajeto do seu trabalho deve ser enviada ao departamento financeiro mensalmente, e devo avisá-la que não temos a cultura de forjar tais despesas, se é que você me entende.

Aquela última informação foi acompanhada por um olhar austero, que assegurava que Giselle sabia exatamente o que ela queria dizer.

— Eu nunca forjo minhas despesas. Seria contra meus princípios fazer isso — Giselle respondera sinceramente.

— Excelente. Tenho certeza de que você vai se adaptar bem aqui — fora a resposta de Moira antes de acrescentar: —Ah, e quando você preencher o formulário com dados pessoais precisarei dos dados do seu passaporte.

— Meu passaporte?

— Sim. Você tem um, não tem? Se não, devemos providenciar um para você, apenas em caso de você ser solicitada para viajar para o exterior com Saul como representante da empresa, para reuniões em terrenos e esse tipo de coisa. Saul tem interesses muito pessoais e ávidos por todos os seus projetos, e ele é muito presente ao checar seus progressos.

— Sim — ela possuía um passaporte, Giselle confirmou. Também estava acostumada a viajar para o exterior para conferências e reuniões em terrenos com clientes, então por que sentia aquela sensação estranha, que ela se recusava a nomear, na espinha? Estava acontecendo agora, diante da lembrança, como se alguém tivesse dado um toque ligeiro em sua pele. O que estava acontecendo a ela? Nada, Giselle assegurou a si furiosamente.

Nada estava acontecendo e nada iria acontecer. Normalmente, gostava de visitar os diversos terrenos nos quais trabalhava, especialmente quando ficavam fora do país. Aquilo compensava o fato de ela ter sentido falta dos tipos de viagem para o exterior, desfrutadas pela maioria de seus amigos quando estavam crescendo. A tia-avó simplesmente não tivera dinheiro para aquele tipo de luxo. Além disso, as circunstâncias da vida, a tragédia terrível que ainda a assombrava e a preenchia de culpa, transformaram-na em uma pessoa sempre cautelosa ao permitir que os outros se aproximassem, até mesmo como amigos. Então ela não se juntara aos grupos de excursão para outros países durante seus vinte e poucos anos, mesmo quando poderia ter custeado a viagem sozinha. Em vez disso, concentrou-se em conseguir as melhores qualificações acadêmicas que podia. Giselle julgava que Moira estava na casa dos cinqüenta anos, o que a surpreendera. Por causa dos comentários de Emma sobre o estilo de vida de Saul, ela havia imaginado que a assistente pessoal dele seria glamorosa e em idade de se casar, não uma mulher da idade de Moira, mesmo que fosse uma cinquentona inteligente e elegante. A aparência dela era bem similar à das outras mulheres que Giselle vira nos escritórios, deixando-a intensamente ciente da deterioração das próprias roupas. Não havia nada que ela pudesse fazer a respeito, no entanto. Apenas dois dias antes ela havia recebido uma carta informando que infelizmente as taxas referentes aos cuidados e acomodações da tia-avó seriam aumentadas em vinte por cento, valor não muito distante do aumento esperado em seu salário. Havia casas de repouso mais baratas, mas Giselle estava determinada que a tia-avó continuaria aproveitando o nível de conforto que tinha onde estava, mesmo que significasse que ela teria de continuar sem as roupas novas que ficara tentada a comprar, tendo constatado o quão vistosas eram as outras mulheres trabalhando ali.

Agora, enquanto olhava o escritório espaçoso, Giselle admitia que preferia em vários âmbitos o novo ambiente de trabalho, mesmo que tivesse de trabalhar para o diabo em pessoa, Saul Parenti. Duvidava que os antigos colegas sentissem sua falta. Os homens com quem havia trabalhado tinham demonstrado bem claramente antes da partida que ressentiam o fato de ela ter sido selecionada para o que eles consideravam uma oportunidade prestigiosa e que alavancaria a carreira de qualquer um, e é claro que o próprio orgulho não permitira contar a eles que ela teria preferido não ser escolhida. Entretanto, eram as palavras bem-intencionadas de Emma que ainda estavam enviando ondas escaldantes de humilhação que queimavam dolorosamente através das emoções de Giselle.

Emma havia conversado com ela em particular.

— É justo também que seja você a pessoa escalada para trabalhar para Saul Parenti. Se fosse qualquer outra pessoa, as outras garotas estariam espumando de ciúme diante do pensamento de alguém ter a oportunidade de trabalhar tão perto de um homem tão fabulosamente sensual. Mas é claro que elas não vão ter ciúmes de você porque todas sabem que não há risco de você atraí-lo, não com sua atitude com os homens e com o modo como você os ignora. Especialmente não com um homem como Saul, que pode ter qualquer mulher que quiser.

Giselle sabia que era ridículo da parte dela se sentir humilhada pelos comentários de Emma, ou se sentir menos mulher de algum modo. Afinal, Giselle sempre tinha deixado claro que não estava interessada em flertar nem em atrair homens, rejeitando os avanços deles e saindo em retirada todas as vezes que demonstravam algum interesse. A última coisa que queria era um homem a perseguindo, qualquer homem, e especialmente um homem como Saul Parenti. Por que especificamente? Será que Giselle tinha medo de ficar vulnerável a ele? Será que tinha medo de desejá-lo de fato?

Giselle ficou de pé, em pânico por causa dos próprios pensamentos, e então afundou de volta à cadeira. É claro que não. Não tinha nada a ver com algo assim. Sabia que estava perfeitamente segura com relação a desejar Saul Parente, e mesmo se fizesse algum julgamento errôneo, bobo, sabia que era impossível, sob qualquer circunstância, surgir alguma coisa em meio àquele desejo. Será que, conforme Emma havia deixado claro, Saul Parenti nunca a consideraria desejável? Não! Era porque ela não queria que ele a desejasse, assim como ela não queria que homem nenhum a desejasse. Ela se refugiou num desdém raivoso, interpelando Emma:

— Será que tudo precisa se reduzir a sexo? Emma riu e disse a ela:

— Para a maioria de nós... sim. — Antes de acrescentar: — Homens não conseguem evitar deixar de ser homens, e eles são predadores por natureza. Está nos genes. Mas no seu caso... Bem, o que estou tentando dizer, Giselle, é que...

— E que um homem como Saul Parenti não me consideraria desejável o suficiente para querer se esforçar em tentar me seduzir?

— Bem, você realmente envia uma mensagem de "mantenha distância" para os homens, você deve admitir, e homens como Saul Parenti têm muitas mulheres totalmente prontas para dar a eles o que querem, por isso não ficarão preocupados com uma mulher que lhes dá um gelo. Eu não te chateei, não é? — Emma perguntou ansiosamente.

Giselle meneou a cabeça.

— Não, é claro que não. — Giselle assegurou a ela. E aquela era a verdade. É claro que ela não estava chateada porque Emma havia falado a verdade e dito que Saul não estaria interessado nela. Não queria que ele estivesse. Não podia se apaixonar. Não podia se,comprometer com ninguém, e principalmente não podia gerar uma criança dentro daquele compromisso. Nunca deveria ter vim filho. Nunca. De qualquer forma, a aparência dela e o fato de Saul Parenti considerá-la ou não atraente não eram assuntos com os quais ela deveria estar se ocupando. Em vez disso, deveria focar no motivo pelo qual estava ali e no que estava sendo paga para fazer.

Õ escritório providenciado era bem planejado e perfeito para suas funções, tinha janelas amplas, enchendo o ambiente de luz natural. Tinha todo o equipamento de que poderia precisar, incluindo uma mesa grande no meio do cômodo sobre a qual ela podia espalhar as cópias de desenhos arquitetônicos e projetos, do mesmo modo que fizera mais cedo, com os novos desenhos e clistos que lhe haviam sido enviados. Giselle os revisou vagarosamente. Tinha ficado preocupada com eles por tanto tempo, retornando para checar e então checar outra vez caso tivesse cometido um erro, e não percebera o quanto já era tarde. Analisando o escritório, viu que quase todo mundo já tinha ido para casa. Moira fora embora também, sem dúvida, sem Giselle ter a oportunidade de conversar com ela e pedir seu conselho. Definitivamente, havia uma irregularidade ali. As telhas terracota à prova de gelo da casa de veraneio e da área ao redor, que levava ao primeiro piso escalonado das piscinas, tinha sido modificada conforme Saul instruíra. Mas as telhas utilizadas em substituição eram consideravelmente mais caras e vinham de um fornecedor cujo nome Giselle não conseguia se lembrar de ter visto na lista dos aprovados por eles. Por precaução, ela enviou um e-mail a alguns fornecedores aprovados, e dois retornaram informando custos bem abaixo do aquele cotado, o que significava que, por engano ou por questão de projeto, a pessoa responsável pelos desenhos modificados e pelos materiais estava recomendando uma aquisição que custaria bem mais do que precisava. Para piorar a situação, as telhas recomendadas tinham um desenho em relevo fora do padrão, o que significava que, no futuro, se alguma delas precisasse ser substituída, precisariam ser especialmente fabricadas sob um custo muito alto. E, pior de tudo, a pessoa responsável pela recomendação e pelos custos era seu colega e adversário Bill Jeffries. Giselle enviou um e-mail para ele, a fim de checar discretamente se não havia acontecido um erro, mas aparentemente ele estaria fora por uma semana, e como havia previsão de Saul retornar de uma viagem ao exterior na manhã seguinte, não havia jeito de Giselle esperar e restringir os projetos e custos até Bill Jeffries retornar ao escritório. Ela precisava da opinião e do conselho de outra pessoa, Giselle concluiu, tomando uma decisão. Giselle ficou satisfeita por ver Moira através do vidro que separava todos os escritórios do mezanino; e ela já estava colocando o casaco e se preparando para sair. Giselle a fitou hesitantemente e então, observando Moira seguir em direção à porta, recolheu os papéis da mesa e correu para interceptá-la.

— Pelo que você me falou, prefiro pensar que isso é algo que você precisa discutir com Saul — Moira julgou firmemente, uma vez que Giselle tinha chega do ao final da história.

— Sei que não é esperado que ele retorne até amanhã, e presumo que tenha uma agenda cheia. Talvez você...? — Giselle começou, apenas para ver Moira menear a cabeça negativamente.

— Na verdade ele já chegou e está no escritório — ela disse. — Por que você não vai lá e dá uma palavrinha com ele agora?

O coração de Giselle foi a pique. Não era o que esperava nem o que desejava ouvir.

Testemunhando a hesitação e a relutância dela, a assistente pessoal de Saul insistiu:

— Realmente acho que você deveria ir, Giselle. Esse parece um problema potencialmente sério para mim, e Saul não vai te agradecer por demorar a informá-lo. — Moira olhou para o relógio de pulso. — Desculpe... Tenho de correr. Mas sei que Saul está planejando trabalhar até tarde e posso lhe assegurar que ele vai querer saber o que você acabou de me contar. É para isso que você está aqui, afinal.

Era tarde demais agora para desejar que tivesse ficado quieta e não tivesse procurado pelo conselho de Moira. Dando um suspiro profundo, Giselle virou a cabeça em direção ao escritório de Saul. Assim como os outros escritórios do mezanino, o de Saul também tinha fachada de vidro. Podia até ser maior do que os outros escritórios e ter uma aura de particularidade sagrada, mas, fora aquilo, não era mais prestigiosamente mobiliado do que o escritório dela, Giselle notou, e era equipado como uma área de trabalho prática. Como Saul instituía uma política de trabalho de "portas abertas", Giselle apenas bateu brevemente à porta de vidro, que ficava freqüentemente semiaberta, antes de entrar no escritório de Saul. A luminosidade do sol de fim de tarde brilhava no ambiente, cegando-a momentaneamente, então ela não percebeu até a visão clarear que Saul não estava lá, apesar de o laptop estar aberto sobre a mesa e de o casaco estar pendurado nas costas da cadeira.

Giselle quase derrubou os papéis que estava abraçando junto ao corpo quando a porta que conectava o escritório interno de Saul com o escritório externo se abriu, e Saul em pessoa adentrou. As palavras naturais dele, "Moira, se você pudesse dar um jeito de preparar um café e um sanduíche enquanto eu tomo um banho, serei eternamente grato a você", mudaram para um tom abrupto e bem menos hospitaleiro, "Ah, é você", quando ele percebeu que era Giselle em seu escritório, e não sua assistente pessoal. Não era o jeito abrupto dele que estava enviando um rubor quente e constrangido através do corpo dela, no entanto. Giselle se deu conta daquilo, enquanto lutava para manter o equilíbrio sob o latejar crescente do coração, quando percebeu que ele estava começando a desabotoar a camisa quando adentrou o cômodo. As abotoaduras já estavam soltas, revelando o braço vigoroso coberto por pelos escuros quando ele os esticou para passar as mãos nos cabelos, num gesto de irritação. Estava sem a gravata, e os botões superiores da camisa estavam abertos, então ela conseguia ver as linhas do início de sua penugem corporal. O ímpeto de atenção feminina que a atingiu quase a nocauteou com um poder estranho, assustador. Não estava acostumada a se sentir daquele jeito, e o fato de estar se sentindo de tal modo a insultava e irritava, fazendo-a agarrar os papéis ainda mais apertadamente junto ao corpo.

— Posso voltar amanhã se você estiver ocupado demais para me ver agora.

— Estou indo para Nova York amanhã. Se for urgente demais a ponto de você vir me ver agora, então é melhor você me contar o que quer que seja que a tenha trazido até aqui. Sente-se — ele comandou antes de falar ao interfone: — Charlie, você se incomodaria em me trazer um café expresso duplo com um sanduíche dali do outro lado da rua? Coloque na minha conta. Estarei no meu escritório.

Charlie era o porteiro, conforme era do conhecimento de Giselle.

— Certo — ele disse a Giselle depois que finalizou o pedido. — Qual é o problema?

— Estou um pouco preocupada com o custo de um dos novos projetos — Giselle respondeu. — Estou com a papelada aqui.

Saul fez um som exasperado.

— Não conseguirei ver enquanto você estiver abraçando a papelada assim, não ? Traga até aqui e coloque na mesa.

Um feixe de luz do sol que penetrava as sombras em torno da mesa dele deu à camisa branca barata que Giselle estava usando uma opacidade que fez o olhar de Saul se arrastar automaticamente para os seios dela assim que ela colocou os papéis sobre a mesa. O olhar dele se prolongou onde a luz estava esquadrinhando no tecido barato, como se houvesse uma necessidade masculina de remover o que cobria a pele dela e explorar a sensualidade ali embaixo.

Ela deveria focar no motivo de estar ali e se esquecer do jeito como sua proximidade a Saul Parenti a estava fazendo se sentir, Giselle pensou. Mas como poderia se concentrar quando podia quase sentir o olhar crítico de Saul, o que só fazia salientar os comentários de Emma a respeito dela? A chegada do porteiro com o café e o sanduíche foi um alívio bem-vindo, permitindo a ela ajeitar os papéis e então recuar da mesa enquanto Saul agradecia a Charlie, recompensando-o com um sorriso caloroso e algumas palavras de provocação masculina a respeito do time favorito do porteiro. Então, havia um lado humano em Saul Parenti, mesmo que ela não estivesse muito propensa e enxergá-lo. Giselle não fazia idéia por que aquilo lhe causava uma sensação de perda e exclusão. Ela não queria que ele fosse legal com ela. Nem um pouco. — Então, qual é o problema exatamente? — Saul quis saber, se recostando na cadeira e bebendo o café.

— É esse projeto redesenhado aqui — Giselle disse. Ela precisou se inclinar à mesa para apontar a parte do projeto em questão, um tanto concentrada em passar pela provação de dizer logo o que precisava dizer e do que havia feito para se dar ao trabalho de se preocupar com o fato de aquela pose ter deixado seus seios alinhados ao olhar de Saul.

No entanto Saul estava ciente. Assim como o corpo dele também estava. E estava reagindo muito especificamente àquelas curvas macias dos seios com seus mamilos rijos. Ele aproximou a cadeira da mesa a fim de ocultar o aperto revelador em suas calças conforme sua ereção dilatava de maneira exigente contra o tecido. A fome pelo sanduíche que o porteiro trouxera de repente fora substituída por um tipo de fome muito diferente e ainda mais insistente.

— E sua conclusão? — Saul interrompeu Giselle bruscamente. Precisava tirá-la do escritório e retomar o controle de seu corpo, e quanto mais cedo, melhor.

O rosto de Giselle queimou. Era óbvio que Saul não queria escutá-la e pensava que ela estava desperdiçando o tempo dele.

— Há três possibilidades — ela respondeu decisivamente, se aprumando e se afastando da mesa. — Uma: a pessoa que esboçou o projeto e seus custos cometeu um erro. Dois: eles sabiam o que estavam fazendo e essa é uma tentativa deliberada de fraudar sua companhia...

— E a terceira? — Saul questionou, reconhecendo, agora que Giselle havia se afastado dele, que ela de fato descobrira algo que poderia ser muito sério. Ele não estava disposto a agradecê-la, no entanto. Não enquanto a reação de seu corpo à presença dela estivesse tão intensa e indesejada.

— Três: você está me testando de propósito, aprontando um erro para ver o que vou fazer.

Saul a encarou, a raiva o deixando louco para se livrar dela.

— Deixe-me entender direito. Você realmente está sugerindo que eu me sujeitaria a esse tipo de joguinho?

Giselle ergueu a cabeça.

— Por que não? Você tirou meu carro do lugar.

Saul saiu de detrás da mesa e andou em direção a ela. Imediatamente, Giselle deu um passo atrás. Ela conseguia sentir o perfume másculo e aquilo a estava deixando tonta, fraca, acendendo um desejo profundo, sombrio, pulsante, que estava tomando conta de todo seu corpo.

— Aquilo não foi nada mais do que um indicativo da minha irritação naquele dia — Saul disse a ela secamente.

Giselle justificou suas suspeitas:

— Você não me quer aqui.

— Não — Saul concordou —, não quero.

E então ele fez o que havia jurado não fazer, se amaldiçoando baixinho quando a tocou, puxando-a furiosamente para seus braços e a beijando com toda a fúria contida que ela incitara nele desde o instante em que a vira pela primeira vez. Giselle tentou resistir. Ela certamente queria resistir. Mas a mão que ergueu para empurrá-lo desenvolveu vontade própria e logo estava deslizando ao longo do braço nu sob a manga da camisa, e o corpo que devia estar recuando, ao invés disso, estava se derretendo nos braços dele. A mão dele alcançou o seio dela, afastando o tecido entre a pele e o toque dele, usando de toda a urgência e impaciência similares à de um jovem inexperiente. Sob a pressão de seu beijo ele podia sentir o sabor, o arfar de retribuição inegável a ele. Ele queria devorá-la, consumi-la, tomá-la e guiá-los até que ambos estivessem igualmente saciados, até mesmo enquanto a raiva que ela deveria fazê-lo sentir rugia e queimava a indignação de seu desejo. Era impossível, Giselle reconheceu, era totalmente incapaz de resistir à tempestade que a açoitava; era capaz apenas de se dependurar no homem que causara aquilo e rezar para sobreviver enquanto seu corpo abria todos os caminhos e baixava os obstáculos para admitir a ferocidade perturbadora, retumbante que a estava possuindo agora. Era o que ela temera, o que havia negado para si por tanto tempo, e ela tinha estado tão certa em fazê-lo porque sofrer o que estava sofrendo agora certamente iria destruí-la.

Uma porta bateu em algum outro lugar do prédio o som explodiu na tensão sensual que os cercava, fazendo-os separar. O peito de Saul estava se movimentando de forma ofegante enquanto ele lutava por controle; o corpo inteiro de Giselle estava tremendo. Sem uma palavra, ela se virou e correu, fugindo como se estivesse sendo possuída pelo diabo em pessoa, sem parar até alcançar o próprio escritório, onde rapidamente agarrou seu casaco e sua bolsa, não ousando olhar para trás quando abandonou o prédio. Saul a observou em silêncio. Queria que ela fosse embora. Queria que aquilo não tivesse acontecido. Queria...

Saul fechou os olhos quando seu corpo lhe disse exatamente o que queria, não importando o que pudesse pensar sobre desejo e não importando o quanto quisesse negá-lo. Enrolando os papéis que Giselle deixara para trás, Saul os bateu na mesa quando a raiva contra sua indesejada ânsia física por ela atacou seu autocontrole.

 

                                               CAPÍTULO QUATRO

GISELLE podia ver no visor iluminado de seu pequeno relógio ao lado da cama que eram quase duas e meia da manhã, mas era impossível dormir. Como poderia dormir depois do que havia acontecido? Não fazia idéia do motivo que fizera Saul beijá-la. Apenas podia presumir que tinha sido um jeito de puni-la. Tinha ficado tão bravo quando ela ousara sugerir que ele pudesse ter tentado lográ-la. O que ele esperava que ela fizesse? Tinha deixado claro que não a queria como sua assistente. Até mesmo disse que estaria esperando que ela se provasse inapta para o trabalho, assim ele poderia exigir um substituto. Na verdade, pelo que sabia, suas suspeitas estavam corretas, e a raiva dele poderia ter surgido porque ela não havia caído na armadilha. Será que ele a beijara como forma de tentar forçá-la a ir embora? Como se ela simplesmente pudesse ir embora. Se simplesmente pudesse pedir, até mesmo implorar a seus empregadores que enviassem outra pessoa em seu lugar.

Pegou um jornal a caminho de casa, na esperança desesperada de um milagre, encontrar um anúncio de emprego, um recurso para escapar. Ela até mesmo consultara a internet para checar alguns websites com ofertas de emprego, mas na realidade ninguém estava contratando durante a crise, e, por mais que ela odiasse admitir, o salário incrementado que Saul Parenti estava pagando significava a impossibilidade de conseguir outro emprego em Londres que pagasse o equivalente. Por mais que fosse resistente ao ataque, seu orgulho ainda sofreria todos os dias por precisar passar pela porta da Parenti Organisation e, embora sua suspeita de que Saul estivesse fazendo tudo que podia para manipular sua saída, a dívida com a tia-avó era tamanha que ela simplesmente teria de tolerar aquilo. Sem a tia-avó... Giselle tinha pavor de pensar no que teria acontecido se ela não tivesse aparecido e lhe oferecido um lar, um porto seguro. Fora tão boa para ela, amparando-a, protegendo-a, porém Giselle flagrara fragmentos de conversas entre adultos, que se convertiam em sussurros, e então meneios de cabeça e olhares compreensivos, assim que percebiam que ela estava lá. Sabia que estavam falando dela, sabia também das suspeitas a respeito dela. Quando criança, tivera pesadelos, sonhava com vozes fantasmagóricas vindo para acusá-la e mãos fantasmagóricas vindo para arrastá-la para a escuridão. Tal questão nunca fora discutida entre elas, mas Giselle sabia que sua tia-avó conhecia o segredo que nunca podia ser mencionado. Como ela podia não saber, quando essa fora a causa direta das mortes da mãe e do irmão e a causa indireta da morte de seu pai? Ela não sabia os detalhes exatos, no entanto, como o fato de Giselle ter desobedecido à mãe deliberadamente, largando o carrinho, recuando para a calçada, e então observando quando a cinética do carrinho o carregou com o bebê dentro, e também a mãe dela, que havia agarrado a alça desesperadamente, seguirem diretamente para baixo das rodas dianteiras de um caminhão. Ela nunca conseguiria. dormir. Estava assustada demais com as lembranças que emergiriam caso o fizesse. Não deveria ir rumo à escuridão e à estrada torturante. Já sabia aonde aquilo levava e nos horrores que aguardavam por ela ao fim. Se sua vida ao menos pudesse ser diferente. Se ao menos ali, naquele instante, houvesse braços masculinos confortantes esperando para enlaçá-la, um peito forte masculino para ela se recostar, e a proteção de um homem que entendesse e perdoasse tudo que havia para ser entendido e perdoado, e ainda assim continuasse a amá-la. Mas não havia. Nunca haveria; nunca poderia haver. O tipo de homem que queria amar, o tipo de amante com quem queria compartilhar tal intimidade, seria o tipo de homem que carregaria em seus genes uma necessidade pelas coisas tradicionais da vida: um relacionamento, compromisso, filhos. Filhos! Um tremor aplicou um choque no corpo dela. Não poderia, não deveria ter filhos nunca. E, igualmente, não poderia e não deveria nunca colocar um homem em uma posição na qual amá-la significasse ser privado de seu direito de ser pai. As marés selvagens de promiscuidade sexual e a suposta "diversão" que proporcionavam não eram para Giselle. Mesmo que a própria natureza não a tivesse inclinado contra elas, suspeitava que sua criação pela tia-avó o faria. Até agora, até existir Saul Parenti, Giselle fora livre para acreditar que sua sexualidade estava sob controle, e que não havia qualquer tipo de perigo de seu desejo físico por um homem fazê-la querer quebrar as regras que impusera. Até agora. Aqueles poucos minutos nos braços de Saul, com os sentidos famintos sob os beijos, a carne clamando pelo toque dele, haviam mudado tudo. Como um gênio libertado de uma garrafa por uma pessoa que não acreditava que tais coisas pudessem existir, Giselle agora precisava lidar com algo que nunca acreditara possível. Como era possível para ela, dentre todas as pessoas, sentir tal onda incontrolável de desejo por um homem de quem ela efetivamente não gostava? Aquilo contrariava tudo o que conhecia e entendia a respeito de si. Mais propriamente tudo o que pensara saber e entender a respeito da pessoa que queria ser. Dentro da mente ela podia ver mais uma vez o pequeno grupo da família: a mãe, preocupada, tensa e impaciente, o bebê, a criança boa, dormindo no carrinho, enquanto ela, a criança má, desobedecia às instruções da mãe, ignorando-a para se render à necessidade interna de seguir os próprios instintos. Como conseqüência, dois membros do trio morreram, enquanto ela, a terceira, sobrevivera. Desde então, trabalhava incessantemente para ser "boa" e para se corrigir, mas agora, graças a Saul, estava sendo forçada a aceitar que o lado teimoso e negligente de sua própria natureza não foram banidos. Nada podia voltar ao que era antes de o beijo selvagem de Saul ter arrancado de Giselle a proteção criada pela própria ilusão, um beijo feito para lhe mostrar a realidade física e crua de seu desejo. Como acontecera, quando sempre fora tão cuidadosa e tão controlada? Ela não sabia. O que sabia, no entanto, era que tentar negar a verdade seria inútil, tão inútil quanto tentar conter a maré. Aquilo havia cauterizado a realidade nos sentidos dela e marcado com a dor de seu calor violento. Talvez aquele fosse seu castigo por causa do passado? O preço agonizante que deveria pagar por tudo que fizera? Ser atormentada por uma necessidade que nunca seria satisfeita.

Giselle podia não saber por que estava sendo forçada a suportar a agonia do desejo físico por um homem de quem não gostava, e o qual sabia não gostar dela, mas o que sabia mesmo era que Saul nunca deveria descobrir sua fraqueza. Nunca deveria saber que o desejava, que o desejo provocava nela era dominador e, o mais humilhante de tudo, era único na experiência dela e só sentido por ele. Como amor. O pensamento perigoso deslizou até ela, só para ser instantânea e freneticamente negado. Não! O que sentia por Saul não se parecia nada com amor de modo algum. Era meramente físico, e nada mais. O único consolo era Saul não sentir desejo por ela com uma ânsia igualmente irracional e dominadora. Porque se sentisse... Mas não, não deveria ousar pensar aquilo.

Os olhos de Giselle estavam secos e ardidos devido à falta de sono e à emoção suprimida, e soube que deveria dormir. Já eram quatro horas da manhã e precisaria estar no escritório às nove, ou arriscar-se às seqüelas do orgulho. Tirar um tempo de folga porque não conseguia suportar encarar Saul não era uma opção à qual Giselle queria se permitir.

Saul estava olhando pela janela de maneira sorumbática e viu Giselle quando entrou no prédio. Não devia tê-la beijado. Desejava furiosamente que não tivesse beijado. Beijá-la transgredia suas barreiras morais a respeito daquele tipo de intimidade com alguém que empregava e, ainda mais perturbador, bem no fundo, sabia que também rompia suas defesas emocionais.

Então por que tornar o buraco naquelas defesas ainda maior, desperdiçando o tempo que deveria dedicar a outras coisas, bem mais importantes, e não apenas ficar pensando a respeito do que acontecera, como enfatizando aquilo ativamente? Porque precisava dar importância àquilo, para focar no assunto e surgir com um plano para lidar com aquilo e com suas conseqüências em potencial. Saul se virou abruptamente e atravessou o escritório resolutamente.

Giselle seguiu de forma apreensiva diretamente para seu escritório, desesperada para evitar Saul, permitindo-se apenas se sentir segura quando já fechava a porta detrás de si com um suspiro de alívio... Apenas para perceber que não estava segura e que Saul estava lá, nas sombras, observando-a.

— Precisamos conversar — ele disse decisivamente sem encará-la de modo algum quando cruzou a frente da janela e ficou ali, olhando para fora. Estava de costas para ela, então não podia ler sua expressão, mas Giselle sabia que se escolhesse fazê-lo, poderia virar e vê-la exposta pelo feixe de luz do sol impiedoso invadindo o escritório.

— O que aconteceu entre nós foi um erro e não devia ter acontecido — ele disse.

Giselle podia sentir a dor atiçando a raiva.

— Você acha que eu quis que acontecesse? — ela o desafiou. — Bem, não quis. Porque você é quem você é, ouso dizer que você acredita que todas as mulheres querem... ser fisicamente íntimas de você e que esperam que a intimidade leve a um relacionamento. Bem, eu não. Não quero e nunca vou querer.

A raiva declarada foi sincera o suficiente para surpreender Saul e fazê-lo se virar para fitá-la.

— É fácil o suficiente dizer isso, mas me mostre uma mulher que não reivindica ser livre, e que então declara que tudo que sempre quis foi a maternidade desde o minuto em que deu um jeito de engravidar de um homem que ela enxerga como seu vale-refeição, e eu vou te mostrar um mentiroso — Saul retaliou brutalmente.

As palavras dele atingiram Giselle tão violentamente, como se tivessem sido golpes físicos, trazendo à tona o medo mais profundo dela.

— Eu nunca serei essa mulher — ela disse colericamente. — Eu nunca vou ter um filho. Nunca! E com relação ao... que aconteceu, desejo com todo meu coração que não tivesse acontecido.

Ela falava sério, Saul reconheceu, e assentiu, e lhe informou asperamente:

— Somos dois. Pela primeira vez, parece que estamos de acordo.

Quando passou por ela, indo em direção à porta, Giselle deu as costas para ele e fingiu estar absorta nos projetos sobre a enorme mesa ao seu lado.

De volta ao próprio escritório, no entanto, Saul descobriu que nem Giselle nem o beijo eram fáceis de esquecer. Na noite anterior, em sua casa incrivelmente elegante no bairro Chelsea, Saul não fora capaz de dormir, apesar do conforto de sua cama com seus lençóis de algodão egípcio estratosfericamente caros, novos e amaciados à perfeição todos os dias pelo pequeno e discreto exército de empregados do qual desfrutava, pois Giselle estava impregnada nele tão eficazmente, como se fosse um bom montante de pedregulhos colocados sob aqueles lençóis apenas para irritá-lo deliberadamente. E agora não conseguia apagá-la de seus pensamentos. Na verdade, a presença dela em seus pensamentos fora bem além da mera irritação, Saul reconheceu, lembrando como ficara em claro observando o raiar do dia, a luz acinzentada adentrando a janela que preferia manter aberta, gravando linhas borradas através do vidro. A cabeça podia estar querendo criar uma imagem pouco lisonjeira dela, mas a lembrança não estava nem perto de cooperar, assim como seu corpo! Contra a vontade, lembrou-se como foi abraçá-la. Se fechasse os olhos agora, quase seria capaz de sentir o corpo dela tremendo contra o dele, estimulando nele o desejo de cobrir sua boca e tomar o movimento doce e suave dos lábios como refém. Imaginou Giselle tremendo vigorosamente sob cada abraço, os dedos entrelaçados aos dele enquanto lhe mantinha as mãos presas às costas e lhe sugava os mamilos até ela convulsionar de prazer com essas carícias. Abruptamente, Saul puxou os pensamentos de volta ao controle. Nunca fora fã de banhos frios, mas agora era exatamente daquilo de que precisava, e de ser forçado a reconhecer que aquela situação não o agradava nem um pouco.

Saul não estava acostumado a nada, o que quer que fosse, fora de controle, muito menos o próprio corpo. De pronto, Saul revisou as mulheres que havia levado para a cama nos últimos cinco anos. Nunca sentira qualquer necessidade de se provar macho por meio de uma lista de conquistas sexuais, mas seu apetite fora estimulado e satisfeito por algumas mulheres muito bonitas, habilidosas e atraentes ao ego de um homem, mulheres que não roubavam vagas de estacionamento ou que o preenchiam com um senso de culpa irracional misturado a compaixão guarnecida por raiva porque usavam roupas surradas que as faziam se destacar do jeito errado. É isso, Saul decidiu severamente. Ele deveria vestir Giselle com o mesmo tipo de roupa que as outras mulheres em sua empresa usavam e, em vez de chamar a atenção dentre elas, forçando-o a se focar nela de tal maneira, ficaria misturarada ao papel de parede, por assim dizer. Problema resolvido! Impacientemente, Saul interfonou a sua assistente pessoal e lhe deu suas instruções. Ele ouviu o suspiro introspectivo dela e quis saber:

— Qual é o problema?

— Saul, se me permite dizer, não acho que vá ser muito bem aceito por Giselle ser ordenada a se apresentar na loja exclusiva Harvey Nichols a fim de ser abastecida com algumas roupas novas de trabalho para que a aparência dela fique de acordo a de suas outras empregadas.

— Se ela discutir, diga-lhe que não tem escolha — Saul comandou antes de finalizar a ligação.

Estava satisfeito, não apenas porque resolvera o problema, mas porque, mais importante ainda, sentia que havia encontrado uma causa. Estava focando em Giselle porque ela se destacava das outras mulheres. Uma vez que ela parasse de ser diferente, ele pararia de notá-la, e quando parasse de notá-la, pararia de... Desejá-la? Ele não a desejava, Saul assegurou a si. Não de fato. Desejar uma mulher, qualquer mulher, era o primeiro passo perigoso rumo à estrada na qual não tinha intenções de viajar. Seu pai quase adorava sua mãe, e veja aonde aquilo o levou. Morto porque sua mãe se recusara a desistir do trabalho humanitário e o pai não fora capaz de suportar a distância. Saul não queria nunca se arriscar a amar uma mulher naquele grau. Melhor, de longe, amar de jeito nenhum, e era exatamente o que tinha a intenção de fazer. Não pretendia amar nunca e não pretendia ter um filho nunca. Crianças eram tão vulneráveis, reféns impotentes do destino, com emoções tão delicadas, que um pai poderia maculá-las acidentalmente à menor frase, ao gesto mais breve. Não queria a obrigação de carregar tal responsabilidade. A mãe dele, em particular, tinha sido encarregada da responsabilidade de tê-lo. Podia se lembrar vividamente de como, após uma quinzena maravilhosa com os pais, no primeiro verão depois que fora matriculado no internato, implorara à mãe para permitir ficar com eles o tempo todo.

— Eu podia estudar e aprender com os livros — ele disse. — Você poderia me ensinar assim como ensina às outras crianças... Você e papai.

.—Não Saul — a mãe dele se recusou, tranqüilamente, mas de modo firme. — Se seu pai e eu dedicássemos nosso tempo a você, então como poderíamos fazer o trabalho que é tão importante para ajudar a todos as milhares de crianças que não têm os privilégios que você tem? Elas têm tão pouco e precisam de tanto.

Elas têm você. Saul lembrou a vontade de protestar, aos oito anos. Mas é claro que não o fez, sabendo o quanto tal comentário teria desagradado a sua mãe, para quem tinha sido tão importante que ele entendesse as necessidades das crianças com as quais trabalhava, todas vindas de campos de guerras e áreas devastadas por desastres. Crianças tão mais merecedoras do tempo e do amor dela.

 

                                     CAPÍTULO CINCO

— Saul fez o quê?

Moira suspirou silenciosamente para si quando ouviu o tom de ultraje na voz de Gisele.

— Instruiu-me para providenciar um horário para você na Harvey Nichols para as quatro horas desta tarde, com um de seus assistentes pessoais de vestuário. Ele sente que... —A assistente pessoal pausou, tentando encontrar as palavras certas. — Saul explicou que devido às despesas com o tratamento de sua tia-avó, você não pode arcar com...

— Com o quê? — Giselle a interrompeu furiosamente. — Com a compra das minhas próprias roupas?

— Ele simplesmente sentiu que seria mais fácil para você se encaixar aqui se fossem providenciadas algumas roupas profissionais adequadas enquanto você estiver trabalhando aqui. Ele pensou que isso te ajudaria se...

— Me ajudaria? Me constrangendo assim?

— Não pensei nem por um minuto que essa fosse a intenção, Giselle. — Moira tentou confortá-la e apaziguá-la. — Na verdade, tive a impressão de que ele mais propriamente te admira pelo que você está fazendo, assim como eu certamente admiro. Não deve ser fácil para você.

O corpo de Giselle se enrijeceu quando ouviu a pena na voz da mulher mais velha.

— O que não deve ser fácil para mim? Usar roupas baratas? Consigo pensar em um monte de coisas que seriam bem mais difíceis de suportar.

Moira tentou outra conduta.

— Grande parte dos negócios de Saul vem de um alto escalão financeiro internacional, e tudo diz respeito a convencê-los de que se tornar sócios de Saul e investir em seus projetos de construção trará bons retornos. Por essa razão, ele acredita que é importante manter o tipo certo de imagem. Temos uma equipe majoritariamente jovem, e os padrões de elegância deles tende a ser alto.

— Então não é para o meu benefício que ele lhe deu instruções para que eu seja humilhada e apadrinhada — Giselle a desafiou —, mas para o dele?

— Para o benefício dele e para o seu — Moira insistiu.

— Eu não vou fazer isso — Giselle disse a ela furiosamente. — Ele pode conseguir outra pessoa da empresa... Na verdade, gostaria que ele conseguisse.

— Gostaria? Isso significaria ser mandada de volta aos seus empregadores sob descrédito. Saul é o cliente mais importante deles. Consigo entender como você se sente, mas você tem que pensar no seu currículo e no seu futuro. E com os cuidados de sua tia para providenciar, correr qualquer tipo de risco com seu potencial de renda pode não ser uma boa idéia.

O que Moira estava dizendo fazia sentido, Giselle sabia. Mas aquilo não significava que ela precisava ouvir aquilo de bom grado. A onda de fúria impulsionada pela adrenalina que o anúncio de Moira trouxe baixava agora, deixando Giselle emocionalmente ferida e trêmula.

Moira colocou a mão sobre o braço de Giselle.

— Entendo como você deve se sentir, e certamente é como me sentiria se fosse você — ela disse calmamente.

Não, não sabia, Giselle pensou intimamente. Como poderia saber? Como alguém poderia saber? Ela fora a pessoa sujeita à humilhação por Saul. Ela era a pessoa que fora zombada, insultada e... beijada até ser reduzida a um desejo doloroso liquefeito.

— Não posso e não vou permitir que Saul compre minhas roupas. E já que não posso arcar com a compra do tipo de roupa que ele parece julgar necessário àquelas pessoas que trabalham para ele...-

—Não é Saul quem vai pagar por elas; é a empresa. Se, como empregada, você fosse solicitada a usar um uniforme, você não contestaria que seu empregador providenciasse tal uniforme, não é? — Moira desafiou vivamente, e continuou, sem lhe dar tempo para responder:— É a mesma coisa. Saul solicita que você use o mesmo "uniforme" que os outros empregados.

— Não vou fazer isso — Giselle repetiu. — E vou dizer isso a ele.

— Você não pode — Moira disse a ela, dando um passo a frente de Giselle quando esta fez menção de ir até a porta. — Ele não está aqui. Está voando para Nova York esta manhã. Não decida agora, Giselle. A reunião à qual você precisa ir não acontecerá antes das quatro da tarde.

Aquela era a punição pela noite anterior, Giselle concluiu depois que Moira tinha saído. Giselle tinha certeza. O celular tocou enquanto ainda estava pensando na situação. Era Emma.

— Você nunca vai adivinhar — Emma disse sem preâmbulos assim que Giselle atendeu a ligação. — Bill Jeffries foi convocado das férias e suspenso do trabalho até segunda ordem porque Saul Parenti questionou alguns de seus custos. Eu deveria avisá-la Giselle, que Bill está culpando você e querendo seu pescoço também. Você tem sorte por estar trabalhando no escritório de Parenti e não aqui.

Ouvindo Emma, Giselle segurou o celular mais apertadamente, dividida entre a descrença por Saul realmente levar suas descobertas seriamente o suficiente para reportá-las aos sócios para mais investigações, e entre a percepção de que afinal ela devia estar errada sobre ele ter tentado lográ-la, e ainda entre o reconhecimento de que a porta para a rota de fuga de Parenti havia acabado de se fechar.

Uma hora depois, a caminho da máquina de café, uma das garotas do escritório lhe sorriu e perguntou se estava se adaptando bem. Giselle não conseguia evitar, mas notara o quanto Aimee estava elegante. O terninho preto dela não estava surrado devido ao excesso de lavagens, mas daí ele provavelmente nunca deve ter chegado perto de uma máquina de lavar, Giselle refletiu pesarosamente. Parecia caro demais para isso.

— Ah, é meu aniversário no fim deste mês, você é bem-vinda para se juntar a nós para alguns drinques depois do trabalho se estiver disponível.

As outras garotas não pareciam receptivas e amigáveis, Giselle reconheceu, e o convite para os drinques seria um que teria gostado de aceitar se... Se o quê? Se pudesse arcar com roupas do mesmo jeito que elas podiam? Não eram apenas as roupas caras que a separavam de suas colegas, Giselle lembrou. Eram as atitudes diferentes delas em relação a Saul também. O motivo pelo qual ele não queria se comprometer e sossegar, era provavelmente porque não conseguia imaginar mulher alguma como boa o suficiente, Giselle pensava cinicamente enquanto voltava ao escritório com o café. As outras pareciam ávidas e prontas para adorá-lo, enquanto ela o rejeitava.

Por volta das três horas da tarde decidira o que tinha de fazer a respeito da questão de Saul lhe providenciar novas roupas de trabalho ou, mais propriamente, a decisão fora conseqüência do telefonema de Emma. Por mais furiosa e ressentida que se sentisse com aquilo, teria de aceitar a imposição de Saul. Quando Giselle foi até Moira para informar sua decisão, não conseguiu encarar o olhar da mulher mais velha. Agora não havia nada que desejasse mais do que a independência financeira para recusar essa função de assistente e as roupas que ele julgava boas o suficiente para combinar com tal posição. Mas é claro que não podia. Não enquanto a tia-avó, fosse tão dependente dela financeiramente. Sem a tia-avó ela teria terminado em um orfanato ou coisa pior. Giselle sentiu o velho enjôo e o medo crescendo dentro dela. Era culpa de Saul ela estar se sentindo daquele jeito, com seus velhos medos sendo desenterrados para atormentá-la.

Giselle conseguia sentir a pena de Moira no silêncio que as cercava.

— Sua vida aqui vai ficar muito mais fácil se você puder aceitar que Saul é a lei em pessoa — disse a Giselle, quebrando o silêncio. — E que não gosta de ter suas decisões questionadas.

Meia hora depois, saindo para a rua, Giselle testemunhou um jovem casal parando para trocar um beijo carinhoso, e o coração dela se revirou no peito. Uma emoção perigosa a estava preenchendo, um sentimento agudo e cauterizante de dor e pesar porque ela nunca seria beijada daquele jeito, porque para ela nunca haveria uma época em que seria tomada nos braços de um homem em um momento íntimo de confiança e amor. Aquela emoção ainda a estava incomodando mais de uma hora depois, quando estava sentada no provador particular da Harvey Nichols segurando uma xícara de café enquanto esperava que a responsável pela compra das roupas e que suas assistentes retornassem com uma seleção de peças para ela experimentar. Por que depois de tantos anos administrando perfeitamente bem o ato de não pensar em tudo que estaria perdendo depois de seu voto de permanecer solteira, as emoções e o corpo a traíam agora, fazendo-a reagir do jeito como fizera diante de Saul, dentre todos os homens? O que estava acontecendo? Sempre soubera que não havia escapatória do fardo que deveria carregar. Sabia e aceitava aquilo graças ao fato de ninguém mais além da tia-avó saber do terrível segredo que precisava ocultar. Será que fora atormentada o suficiente pela própria culpa? Não precisava da crueldade extra provinda das sensações que tivera no dia anterior, abraçada ao corpo de Saul. Não havia lugar em sua vida, e nunca haveria, para a velha necessidade feminina de apoio de um homem forte o suficiente para carregar seus problemas já que ela mesma estava cansada demais de carregá-los. Não havia lugar nem mesmo para um impulso violento de desejo feminino tão forte que a dor ainda estava pulsando dentro dela. O problema era que ela crescera tão acostumada a se desligar do que a maioria das mulheres consideraria reações "normais" ao sexo masculino que crescera complacente, Giselle tentava se tranqüilizar enquanto bebia o café. Saul Parenti não tinha poderes mágicos que a tornavam mais vulnerável a ele do que a outros homens. Ela simplesmente permitira que sua defesa protetora escorregasse um pouco, era isso. Nada mais do que isso. O guinchar das roldanas da cortina do vestiário sendo movimentadas a alertou ao fato de que a assistente de compras estava retornando. Terminando de beber o café rapidamente, Giselle alisou o tecido escuro da saia e tentou disfarçar seu constrangimento por até mesmo estar ali.

— Nós muitas vezes orientamos clientes que perderam peso e que consideram difícil julgar o que cairia bem para eles — a assistente de compras informou a Giselle com um sorriso encorajador, meia hora depois, após tê-la persuadido a vestir um terno preto, aparentemente peça de um estilista popular dentre muitas mulheres de negócios.

Giselle não respondeu. Estava ocupada demais olhando para o próprio reflexo no espelho de corpo inteiro.

— Experimente o casaco — a outra a estimulou.

— A saia é tamanho 38, mas o casaco é tamanho 40 porque você tem um bom busto.

Um bom busto? O que significava aquilo? Giselle logo descobriu quando vestiu o casaco e percebeu como os ombros moldados e o corte acinturado acentuavam o volume dos seios. Em pânico, ela o tirou, sacudindo a cabeça enquanto dizia à assistente de compras:

— Não, eu não poderia usar isto.

— Mas você ficou adorável nele. Serviu perfeitamente.

— Não. É muito... É muito revelador. Preciso de roupas profissionais, comportadas, que pareçam elegantes, não roupas que desviem a atenção para... Para o meu corpo.

A mulher riu.

— Eu poderia entender isso se tivesse trazido algumas roupas mais apertadas, por exemplo. Devo dizer que fiquei tentada, porque você tem as formas perfeitas para isso. Confie em mim — informou a Giselle — essas peças ficarão perfeitas em você.

Giselle observava com um desconforto e ansiedade crescentes conforme a pilha de roupas aumentava, lindas roupas elegantes, roupas para alguém cuja vida incluía todas as coisas que a dela não tinha e não podia ter. Mas não havia nada que pudesse fazer ou dizer. Saul havia dado instruções de que ela deveria ter um vestuário apropriado para um de seus funcionários, e Moira a alertara para não desafiá-lo. Se Giselle o desafiasse, iria puni-la? Como? Beijando-a outra vez? Tocando seu corpo, os seios, estimulando seus mamilos até ela ansiar para que ele...? Furiosamente, com o rosto em brasa, o coração martelando, e com aquela pulsação chocantemente sensual emanando sua mensagem no íntimo, Giselle lutou para afastar seus pensamentos perigosos.

Três xícaras de café depois, estava tudo acabado, ela e suas roupas novas estavam sendo guiadas até um táxi para serem levadas para casa. Até mesmo a corrida de táxi aparentemente seria incluída na conta, que seria paga pelo seu novo empregador. Giselle conseguia sentir o rosto queimando novamente diante da idéia de o departamento de contas inspecionar a nota fiscal da nova roupa íntima. Ela considerou pelo menos uma das peças muito pequenas, mas a assistente insistira que ela precisaria daquilo. Como alguém que tinha uma vida como a dela possivelmente precisaria de algo tão... sensual e sedutor? Assim como dos vestidos de noite que foram incluídos, apesar dos protestos de que era pouco provável que um dia fosse usá-los...

Seu apartamento ficava em Notting Hill tecnicamente. Ela o havia comprado com o dinheiro de um fundo pensionista após a morte dos pais, recebera a quantia no 25° aniversário, pouco antes de a crise no país começar a atacar. Sabia que outras mulheres poderiam considerar o apartamento vazio e ausente de feminilidade, mas não se importava. Uma decoração focada em flores ou que refletisse qualquer tipo de calor sensual feminino não era para ela. Aquilo poderia despertar potencialmente desejos e necessidades aos quais Giselle não podia se permitir. Preferia seu lar como era, mesmo que outros pudessem considerá-lo frio e impessoal. Quando não estava trabalhando nem dirigindo para o norte para visitar a tia-avó, passava a maior parte do tempo que podia visitando os museus de Londres, andando pelos parques da cidade ou simplesmente sentada em alguma cafeteria vendo o mundo passar. Um mundo de casais, família e felicidade do qual ela era e sempre seria excluída. O quarto principal do apartamento se dava ao luxo de possuir um closet. Pela primeira vez desde que os moradores anteriores tinham deixado o imóvel, o espaço teria algo que combinava com seu projeto caro, Giselle refletiu quando começou a desempacotar as roupas novas. Roupas que, sabia, teria de se obrigar a usar. Eram apenas roupas, tentou dizer. Não as havia escolhido e não representavam um presente, ou melhor, nem eram uma forma de penitência, e era naquilo que deveria se concentrar quando as vestisse. Não no quanto elas a fariam parecer elegante e polida, mas no quão doloroso seria ter de usá-las. Deveria pensar nelas como uma penitência a qual era forçada. Uma penitência imposta por Saul a fim de castigá-la. Giselle ergueu o queixo. Bem, certificaria-se de que ele nunca saberia que fora bem-sucedido em humilhá-la... de novo. Ela não permitiria que ele soubesse como realmente se sentia nem mesmo através de um olhar. Em vez disso, agiria como se estivesse "grata" pela "gentileza", e desse modo, o privaria de qualquer satisfação por saber que a atingira.

 

                                            CAPÍTULO SEIS

Da galeria com lateral de vidro que abrangia toda a extensão de seu escritório, Saul podia ver o saguão da recepção lá embaixo com seu ir e vir atribulado. O olhar dele focou em uma pessoa assim que cruzou o salão: Giselle, parecendo bem mais elegantemente vestida do que na última vez em que a vira. Então obedecera às instruções. Ótimo. Aquela, é claro, era a única razão para estar observando-a, para se assegurar de que havia obedecido. Então por que a visão de dois homens de sua equipe gerencial se virando para vê-la passar, mostrando uma discreta, porém bastante definida apreciação masculina, fez os pelos dele se eriçarem como os de um possessivo cão de guarda? Porque não queria flertes entre seus membros da equipe distraindo-os do trabalho, Saul disse a si severamente. Era esse o motivo.

Chegou de Nova York pouco depois do meio-dia, mais cedo do que havia planejado. E só porque as reuniões em Nova York haviam ido bem, Saul refletiu, afinal a situação em outra área de sua vida estava longe de estar boa. Recebeu uma ligação desnorteada de seu primo enquanto estava em Nova York, a partir da qual deduzira que Aldo havia sido vítima de um golpe no esquema de pirâmide, e provavelmente tinha perdido os vinte milhões que Saul lhe dera quando percebera o quanto o outro estava enrolado financeiramente. Ser um Grão-duque podia parecer uma posição nobre, mas nem o ducado nem o país em si eram ricos, e até agora todas as promessas do oligarca russo de ajudar o novo genro haviam falhado, por cuja filha Aldo havia se apaixonado tão profundamente e se casado. Saul não queria ver seu primo financeiramente atrelado ao russo. Já era ruim o suficiente que estivesse emocionalmente atrelado à filha.

Saul sorriu com desagrado e desgosto. Havia um passado e alguma hostilidade entre Natasha, a esposa do primo, e ele... Principalmente porque ele havia rejeitado as investidas de Natasha. Mulheres! Natasha era briguenta, ciumenta, sem qualquer escrúpulo sobre usar o primo dele para conseguir seus objetivos, e Saul evitava a companhia dela o máximo possível. Normalmente tentaria resolver a bagunça dos casos de Aldo sem ter de visitar Arezzio, mas dessa vez seria impossível, o que significava que teria de voar para lá. Era uma pena que não estivesse envolvido com ninguém no momento. Outra mulher pendurada a ele e compartilhando sua cama definitivamente ajudaria a deixar Natasha em xeque. Quase como se possuído pelos instintos de um animal rumo ao lar, sua atenção se voltou para Giselle e permaneceu ali.

Sem que ele se encorajasse a fazê-lo, seu olhar deslizou por sobre a curva dos quadris dela antes de subir até a blusa branca, que mais sugestionava modestamente do que revelava a curva de seus seios. O que havia começado como um exercício mental se transformara em algo bem mais pessoal e íntimo com tal velocidade que o corpo estava reagindo ao escrutínio visual antes que ele pudesse detê-lo. O que diabos estava acontecendo? Ela não era seu tipo, a atitude dela o irritava do jeito que mulher alguma jamais fizera, atritando contra ele feito lixa, e ainda assim, toda vez que fazia um movimento para colocá-la em seu devido lugar, algo que dizia ou fazia, algo que inadvertidamente revelava sobre si, o fazia experimentar uma pontada de empatia e um sentimento de camaradagem. Era como um espinho sob sua pele, uma pedra no sapato, uma irritação de que não conseguia escapar. Tal qual sua necessidade crescente de saber mais li respeito dela. Giselle não era apenas a primeira, mas a única mulher que já conhecera que lhe havia dito que queria permanecer solteira e sem filhos, e que falava sério. Será que ela havia tomado aquela decisão porque, assim como ele, ficara órfã?

Ela estava parada no meio do saguão, e estava olhando em volta como se suspeitasse de que alguém a estivesse seguindo... ou observando? Saul se afastou da vidraça. Não era de seu feitio permitir que alguém adentrasse sua cabeça quando não tinha o direito de estar ali. Ele só estava sentindo aquele desejo pulsante crescente e inescapável todas as vezes que a via porque fazia mais de seis meses que havia terminado o último relacionamento. Aquele também era o motivo de não conseguir esquecer como foi beijar Giselle, tocá-la e senti-la correspondendo como se também estivesse conduzida pela mesma necessidade compulsiva furiosa que o havia compelido. A última mulher que andou encontrando começou a fazer suposições, e juntamente àquelas suposições vieram exigências, que então o levaram a deixar claro que não tinha a intenção de torná-la, assim como a qualquer outra mulher, uma pessoa permanente em sua vida. Pensara que seus pais eram permanentes, mas o deixaram, e a morte de ambos ensinou a ele que não se podia confiar que nada é ninguém estariam sempre ali. Será que Giselle se sentia assim? Será que entendia, de um jeito que ninguém entendia ou conseguiria entender, que era impossível para ele se arriscar e sofrer tal nível de dor outra vez e sobreviver? Se ele contasse a ela, será que ela...?

Xingando baixinho, Saul refreou os pensamentos. Nunca havia discutido os sentimentos de perda dos pais com ninguém, e nunca teve a intenção de fazê-lo. Era mais seguro manter aqueles pensamentos para si. Daquele jeito não era possível ser magoado ou se sentir traído quando o inevitável acontecesse. Sabia que Natasha indubitavelmente magoaria e trairia Aldo, e provavelmente mais cedo do que tarde. Os pensamentos voltaram ao primo. Sim, Natasha magoaria Aldo, mas certamente não através de Saul. Levar outra mulher com ele definitivamente ajudaria a manter Natasha distante. O olhar se voltou para Giselle e ficou ali enquanto avaliava e refletia sobre a situação, trabalhando com a velocidade e clareza concentradas de um homem acostumado a tomar decisões imediatas.

— Moira — disse a sua assistente pessoal cinco minutos depois, entrando no escritório dela — vou ter de voar para Arezzío. Providencie um voo com a equipe usual do jato particular, certo?

— Para quando?

— O mais rapidamente possível. Vou levar Giselle comigo. Resolvi que seria bom matar dois pássaros com uma só cajadada e visitar Kovoca também. Tenho algumas questões relacionadas com projeto que podem ler mais bem organizadas com uma visita ao terreno.

Após assentir, Moira perguntou:

— Você vai ficar na ilha? Em caso positivo, vou avisar ao zelador da casa.

— Sim — Saul confirmou.

Era tarde demais para mudar de idéia agora, ou para ouvir a voz interior que estava questionando o raciocínio por trás daquilo que estava fazendo. Ou o motivo pelo qual Giselle estava ocupando tanto os pensamentos dele. E daí se estivesse? Aquilo não significava nada. Em quinze minutos, Moira já estava reportando a ele que um jato particular executivo estaria esperando na pista de pouso do aeroporto Luton às seis da tarde. Saul olhou para o relógio.

— É melhor eu ir. Diga a Giselle que pode tirar o restante do dia de folga e que vou buscá-la em casa às três e meia. Isso deve nos dar bastante tempo para chegar até Luton.

— Quanto tempo você espera que essa viagem dure? — Moira perguntou.

— Não mais do que cinco dias, possivelmente menos. Poderei ser mais preciso uma vez que tiver conversado com Aldo e checado propriamente o que está acontecendo.

O coração de Giselle estava martelando pesadamente contra as costelas. Ainda estava em choque por saber que teria de acompanhar Saul em uma viagem de campo para Kovoca, uma viagem que não podia recusar, já que obviamente era parte do trabalho e se opor estava fora de questão. Aquilo a faria parecer pouco profissional e, pior, poderia levar Saul a adivinhar que... Adivinhar o quê? Que tinha medo de ficar sozinha com ele por causa do modo como a fizera se sentir quando a beijara? Não podia se colocar naquela posição. E não o faria. Ao invés disso, iria se concentrar em ser completamente profissional. Giselle olhou para a cama sobre a qual havia colocado suas roupas. Viagens de campo, por sua experiência, normalmente pediam roupas para uso em ambientes externos, o que significava calças jeans e, conforme ela já sabia por ter visto os relatórios dos agrimensores que o terreno da ilha era irregular, iria precisar de um par de sapatos confortáveis. Moira a avisara, no entanto, que Saul estava combinando a viagem à ilha a uma visita ao seu primo, o Grão-duque de Arezzio, para o que Moira descrevera vagamente como um "negócio familiar". Giselle olhou para o relógio. Eram quase três da tarde. Olhou para a cama outra vez, revisando, a fim se certificar de que havia colocado tudo de que precisava. Calças jeans, duas camisas brancas novas, roupas íntimas, sapatos confortáveis, meias para usar com eles, e ela iria viajar usando o terno de trabalho e uma das camisas brancas. Tomara a precaução de checar pela Internet, uma vez tendo chegado em casa, apenas para ver como estaria o tempo em Kovoca e Arezzio nesta época do ano, supondo corretamente que estaria mais quente do que em Londres.

Três e dez. Era melhor correr. A única mala que tinha era a que usava quando viajava para o norte por alguns dias para ver a tia-avó. Havia quase acabado de arrumar as malas quando a campainha tocou. As roupas íntimas que estava segurando escorregaram das mãos no momento em que o coração se acelerou. Por que estava tão nervosa? Será que era excitação, não nervosismo? É claro que não era excitação. Por que seria? A campainha soou outra vez, forçando-a a correr até a porta.

Saul estava parado ao degrau, e uma enorme, polida e cara limusine escura estava estacionada à calçada.

— Pronta?

— Não totalmente. Moira disse três e meia — Giselle argumentou defensivamente, voltando ao corredor e então desejando não tê-lo feito quando ele a seguiu para dentro. — Não vou demorar, no entanto, se quiser esperar no seu carro.

— Nunca confio em uma mulher quando diz que não vai demorar. Pela minha experiência, mulheres têm uma idéia de tempo muito flexível.

— Isso pode ter mais a ver com seu gosto por mulheres do que com a verdade nua sobre o sexo feminino em geral — Giselle não conseguiu resistir em apontar enquanto se apressava pelo corredor, pausando apenas para se virar para ele e acenar na direção da sala, convidando-o a sentar, antes de assegurar: — Só vou levar quinze minutos.

Saul assentiu. Não estava preparado para admitir que havia ficado curioso para ver onde e como ela vivia. Pegá-la em casa tinha sido meramente eficaz em termos de economia de tempo. Agora que estava lá, no entanto, estava preparado para admitir que era impossível aprender alguma coisa a respeito da vida dela devido à rigidez impessoal da decoração. Onde estavam as fotografias? Os bibelôs e amostras de algazarra feminina que estava acostumado a ver nos lares das mulheres que namorara ao longo dos anos? Não havia nada no ambiente para dizer a alguém qualquer coisa sobre a mulher que morava ali. Olhou para o relógio. Quinze minutos, Giselle tinha dito, e tinha alguns minutos sobrando. Abrindo a porta do corredor, Saul andou em direção ao que supunha ser o quarto. A porta estava aberta, e conseguiu ouvir o som do zíper de uma mala. Da soleira, olhou dentro do quarto. Assim como a sala, estava sem qualquer tipo de quinquilharia feminina, desnudo e frio.

— Esse é o seu quarto? — ele perguntou, fazendo Giselle, que não tinha ficado ciente da presença atrás dela até ouvir sua voz, girar imediatamente para confrontá-lo.

— Sim — ela confirmou asperamente, quase reprimindo a palavra, como se estivesse relutante em fazer até mesmo uma pequena revelação.

— Parece mais com uma cela de uma freira do que com o quarto de uma mulher moderna — foi a avaliação dada por Saul de modo igualmente breve.

O ar sibilou dos pulmões de Giselle como se tivesse dado um bufar doloroso com toda força, mas não estava pronta a deixá-lo sem resposta.

— Provavelmente porque você está comparando com os tipos de quartos preferidos por um tipo de mulher muito diferente de mim.

Assim que falou, tanto o tom de voz quanto a expressão deixaram claro a que esse tipo "diferente" de mulher era, na opinião dela, inferior. Pensando nas mulheres que tinham compartilhado a cama com ele e nos altos valores que atribuíam a si e a suas necessidades, Saul tinha de admitir que Giselle tinha substância, mesmo que estivesse entrando em uma briga para qual estava pouco preparada e na qual, mais importante, ele não tinha a intenção de deixá-la vencer.

— Não tão diferente quanto você pode gostar de achar — ele lhe assegurou delicadamente, abaixando-se para recolher do chão a calcinha de renda que deve ter caído da cama enquanto estava arrumando a mala.

Nas mãos de Saul, a delicada peça íntima cor da pele de algum modo parecia ainda mais deliberadamente sensual do que pareceu quando a assistente de compras insistiu em incluí-la nas aquisições.

— O gosto por usar um tipo de roupa íntima que um homem gosta de ver e de tocar em uma mulher deve ser um traço feminino universal.

— Não foi escolha minha — Giselle rebateu quanto esticou a mão para tomar a calcinha dele.

Mas em vez de largar, Saul fechou a mão em torno dela e questionou:

— Foi presente de um amante então, foi?

— Não! — Giselle sabia que estava perdendo o autocontrole para a mistura de raiva e constrangimento que a estava invadindo, e que fora incitada por este homem que estava apreciando tanto atormentá-la de propósito. Ela queria recuperar aquele controle, mas não conseguia. Era como ser capturada em uma teia fina, quanto mais se debatia tentando se libertar, mais enredada ficava. Era parecido com contar mentiras.

Mentiras, como podiam enganá-lo com sua oferta fácil de segurança. Tal como a oferta de empréstimo feita por um vigarista. Assim como o vigarista, o pagamento das mentiras exigido em troca do que foi dado vinha com um interesse extra, com a intenção de criar uma carga intolerável que nunca poderia ser reduzida. Mas como poderia dizer a verdade um dia, toda a verdade, sem ser julgada e rotulada pela perversidade em si? Ela deu e continuaria a dar todos os passos de que precisava para se assegurar de que a história nunca poderia se repetir. Será que com certeza aquilo era tudo que precisava fazer?

Saul, observando-a, viu o conflito desaparecer do rosto dela tal como sangue esguichando de uma veia aberta. A mudança súbita nela, de raiva para algo que parecia assustador demais até mesmo para murmurar, não trouxe satisfação alguma a ele, entretanto. Seus instintos diziam que ele não havia assegurado a vitória, mas mais propriamente algo ou alguma outra pessoa.

— Você vai precisar de um vestido de noite — ele a avisou, quase distraidamente.

Quem ou o quê havia causado aquele medo quase despido que ele vira capturá-la? Por que deveria querer saber ou se importar? Sempre se recusara a permitir às mulheres que levava para a cama que trouxessem as emoções para o relacionamento. Mas não tinha levado Giselle para a cama, e não estava tendo um relacionamento com ela. Mais um motivo para não questionar as reações emocionais dela.

— Um vestido de noite?

' — Sim. Moira deve ter dito a você que estaremos visitando Arezzio antes de ir a Kovoca...?

— Ela disse que você tinha alguns negócios de família para cuidar — Giselle concordou.

— Negócios de família, sim, mas dificilmente você vai comer sozinha em seu quarto como alguma governanta vitoriana. E como a esposa do meu primo gosta da formalidade de ser a Grã-duquesa e de se arrumar para o jantar, você vai precisar de uma roupa apropriada. Ou você estava imaginando que queria arrumada para mim? — Saul zombou grosseiramente.

— Certamente não — Giselle retrucou.

— Ótimo. Não gostaria que você tivesse a impressão errada só porque...

Giselle o interrompeu.

— Você já disse, e eu não tive. — Ela não o queria mencionando aquele beijo, não ali no quarto, onde desde que aquilo acontecera dificilmente houvera uma noite em que ela não ficara acordada por causa das lembranças e de como ele a fizera se sentir.

Ficou feliz pela declaração dele, de que precisaria de um vestido de noite, ter lhe dado a desculpa para ficar um pouco longe. A privacidade gélida do closet deu a ela uma oportunidade muito ansiada para pressionar as mãos contra o rosto quente e tentar cessar o palpitar do coração acelerado. Acelerado porque estava furiosa demais, Giselle assegurou, e não por qualquer outro motivo, nem por um minuto pelo fato de o quarto dela estar preenchido com o cheiro másculo do homem que perturbara seus sonhos nas últimas duas semanas e cujo toque já estava gravado em seu corpo e sentidos. Pegou cegamente os dois vestidos de noite que a assistente de compras havia selecionado, grata pela sábia recomendação de que o tecido de jérsei sedoso não iria amassar e seria fácil de embalar. Giselle voltou ao quarto. Saul observava enquanto abria a mala e guardava apressadamente os vestidos que estava segurando. As mãos estavam tremendo levemente. Observando-a, teve uma selvagem urgência repentina de atirar a mala no chão, então pegar as mãos dela e colocá-las sobre o corpo dele enquanto a despia das barreiras rumo à possessão. O que faria caso ele agisse? O. que faria se ali, agora, ele fizesse o que seu corpo estava ansiando para fazer desde o minuto em que colocara os olhos nela? Uma urgência dominadora de descobrir o invadiu, arrastando-o em direção a ela. Queria preencher o corpo dela com o seu. Queria levá-la consigo rumo ao fogo, abraçando-a até as chamas consumirem a ambos. Queria... Queria Giselle, Saul reconheceu.

Giselle fechou a mala outra vez e, então, pegou na alça para erguê-la da cama. Mas Saul a impediu, pegando a mala tão facilmente como se pesasse menos do que a bolsa de mão. Giselle não esperava que Saul fosse dirigir, então estava despreparada para ficar sozinha com ele no carro. Era uma experiência incomum ficar sentada no banco da frente de um carro guiado por um homem. Aquilo era algo que casais faziam, ou pessoas que compartilhavam algum tipo de intimidade, diferente do tipo de intimidade que estavam dividindo agora, presos juntos no luxuoso interior fechado do veículo. Sob o perfume do couro caro do carro ela conseguia sentir o cheiro da pele de Saul, não apenas a colônia que estava usando, mas sua pele de verdade, quente, vivida e máscula. Conseguia ver as mãos no volante, fortes e capazes, de dedos longos e unhas limpas, apele bronzeada. As mãos cujo toque sentira contra a própria pele. Como devia ser se sentar em um carro ao lado de um homem, daquele mesmo jeito que estava sentada ao lado de Saul, porém no papel de amante? Para outras mulheres, aquele tipo de intimidade, a proximidade física, mental e emocional de um homem, um amante, era algo garantido. Mas nunca passaria pela vida com um homem que amasse e que pudesse amá-la também. Do nada, uma dor ardente de perda surgiu dentro dela. Uma sensação de desespero infrutífero que a aterrorizou e enfureceu. Por que estar com Saul Parenti e sua... virilidade lhe davam essa consciência de tudo que não podia ter, de tudo que não poderia se permitir ter? Ele seria o último tipo de homem por quem se sentiria atraída se estivesse em posição de se permitir ficar atraída por alguém. Afastou o olhar dele determinadamente e se concentrou na estrada a frente, que agora estava agitada em função do tráfego. Não levou muito tempo para Chegarem ao aeroporto. Assim que mudou de pista pura pegar o desvio, Saul perguntou:

— Você já esteve em Kovoca? Giselle meneou a cabeça negativamente.

— Vi fotografias e vídeos e li os relatórios dos agrimensores. A terra surge de maneira bastante íngreme no lado oeste da ilha, e como há uma montanha no lado leste, faz sentido construir o resort na área relativamente plana no meio dos dois. Pelas fotos, vi que parece incrivelmente lindo.

— E é — Saul confirmava, conforme as construções do aeroporto surgiam gradualmente a frente deles. — É como uma jóia verde em meio a um mar azul-turquesa. Meu avô sempre lamentou o fato de Arezzio não ter acesso ao mar e suponho que esse seja parte do motivo pelo qual comprei a ilha, parte, porém não o motivo inteiro. Nenhum homem controlado pelo sentimento pode esperar se tornar bem-sucedido.

— E o sucesso é muito importante para você?

-— Muito — Saul concordou, impassível. — Qualquer homem que negue que sinta o mesmo está mentindo. Sucesso importa. Alimenta a alma masculina e nutre o orgulho masculino de um jeito muito parecido com o qual o desejo de um homem por uma mulher nutre o orgulho feminino.

Giselle lançou um olhar enfurecido.

— Essa é uma observação ridiculamente machista e totalmente falsa. Mulheres não precisam ser desejadas por um homem para sentirem orgulho.

       — Talvez não. Mas quando um homem as deseja, sentem — Saul insistiu.

Giselle teria respondido e dito o que pensava de sua arrogância ególatra se não tivesse percebido de repente que Saul estava dirigindo diretamente até o reluzente jato particular estacionado a apenas alguns metros deles na pista de pouso.

 

                                              CAPÍTULO SETE

O jato estava quase pousando. Saul, que tinha passado a maior parte do voo trabalhando, desligou o laptop, o movimento moldando o tecido da camisa apertadamente ao longo dos ombros e do peito. Através do algodão, Giselle conseguia ver o sombreado escuro dos pelos. O estômago dela se revirou, os músculos se contraíram em protesto contra a ciência da presença da sexualidade. Tentou desviar o olhar, mas de algum modo o cérebro interpretou erroneamente o comando que lhe dera porque, em vez disso, o olhar deslizou para mais acima. Ele desabotoou os botões de cima da camisa e afrouxou a gravata que estava usando quando entraram a bordo. A sombra das cinco da tarde sobre o maxilar dele estava mais escura agora, a escuridão de algum modo delineava a forma da boca masculina na qual o olhar dela parecia se concentrar com tanta avidez, apesar das tentativas de desviá-lo.

Com o rosto queimando, Giselle olhou para o outro lado. Mais alguns segundos e estaria revivendo aquele beijo. Embora seus instintos gritassem para pensar em outra coisa, qualquer outra coisa, ela não conseguia. E então era tarde demais para fazer qualquer coisa além de se render às lembranças sensuais a invadindo. Como era possível ser tão afetada por um único beijo? Será por jejuar por tanto tempo? Negado a si qualquer expressão da própria sensualidade? Ou será que era porque Saul Parenti tinha algum poder demoníaco especial de afetá-la e por isso era impotente em resistir? A voz de Saul, avisando "Vamos pousar em um minuto", a trouxe de volta à realidade. Através da janela da cabine, Giselle conseguia ver a região campestre que sobrevoavam. O sol estava se pondo contra um cenário de fundo de montanhas imponentes com picos de neve, os declives mais baixos eram cobertos por florestas e a luz lânguida riscava ao longo das águas calmas de um enorme lago. Estavam perdendo altitude agora, e conseguia ver cidades e vilas aglomeradas em vales, abraçando os limites do lago, a rota seguindo o leito de um rio desaguando do lago até uma barragem artificial e dali serpenteando por um enorme vale. À esquerda podia ver uma cidade de tamanho considerável, com pontes de pedra estendidas sobre os rios, um castelo alto construído em um ponto superior onde um afloramento de rochas havia resistido às tentativas do rio de atingi-lo e as montanhas surgindo detrás dele. A cidade fora construída em um bom ponto estratégico, Giselle reconheceu. Além dos limites da cidade no delta plano da embocadura do rio estava a estrada. O avião tocou o solo suavemente quando o sol começou a baixar no horizonte em um brilho cor-de-rosa e dourado, deixava o céu ricamente azul. Um homem num uniforme intensamente decorado com cadarços dourados, um ajudante de campo oficial de algum tipo, Giselle supôs, ergueu uma das mãos ornadas por luvas brancas em uma saudação séria a Saul quando saiu do avião e pisou no solo. Um carpete vermelho estendia-se do avião até um carro que os aguardava. Embora Giselle tivesse ficado ao fundo quando Saul saudou o oficial uniformizado e apertou sua mão, ouviu o outro homem dizendo a Saul:

— Bem-vindo ao lar, senhor — no momento em que os escoltou ao carro que esperava, sentando no banco do passageiro, uma vez tendo-os acomodado seguramente na opulência do banco de trás em couro branco.

Como uma janela de vidro os separava do motorista, que também usava uniforme, e do oficial, Giselle se sentiu livre para conversar com Saul.

— Eu percebi que ele disse "bem-vindo ao lar" para você. Você cresceu aqui?

Ela realmente não morria de vontade de saber tudo que havia para se saber. Nem um pouco. Não, estava simplesmente arrumando assunto assim não iria continuar pensando naquele beijo, era isso, Giselle assegurou-se.

— Não exatamente, embora Arezzio tenha sido o lar do meu pai quando estava crescendo. Passei algumas das minhas férias escolares aqui, no entanto. Fiquei num internato na Inglaterra e algumas vezes era mais fácil para os meus pais voarem para Arezzio para passar um período comigo do que eu me juntar a eles. Londres é onde passo a maior parte do tempo, embora tenha meu próprio apartamento em Arezzio dentro do palácio real.

A vida dele era um mundo à parte, tanto que poderiam estar morando em planetas diferentes. E estava feliz com isso, Giselle disse a si impetuosamente. Recebia bem tudo que a tornava mais forte, tanto quanto era impossível que... O quê? Que desejasse que ele a levasse para a cama? O corpo dela tremeu intimamente com a monstruosidade do que estava sendo revelado. Deveria parar de pensar assim. Deveria se libertar do feitiço sob o qual estava.

Determinadamente, perguntou a Saul:

— Essa é a construção que conseguia ver do avião?

— Sim. Foi originalmente construído como uma fortaleza, alguns dizem que tão longinquamente quanto a época em que os bárbaros invadiram o Império Romano. Mas suspeito que isso seja mais lenda do que verdade. Embora certamente seja datado da época em que os grandes castelos da Europa foram construídos. Você não conseguiu ver do avião, mas um novo palácio foi acrescentado à fortaleza original durante a época da Renascença, um dos meus ancestrais fez um casamento diplomático com o apoio dos Mediei e sua visita a Florença para cortejar e reivindicar a mão da noiva resultou num retorno com mais do que uma esposa florentina. Há rumores de que possuía em sua comitiva um chef de cozinha que fora treinado pelo chef que Catarina de Médici levou para a França, um perfumista, um artista e vários artesãos habilitados em criar os tipos de coisas admiradas pelos florentinos. Era uma mulher muito ambiciosa, com um desejo de criar uma dinastia.

— Parece fascinante — Giselle disse sinceramente.

— Meu primo é um acadêmico cujo conhecimento de tais questões é bem mais extenso do que o meu. Tenho certeza de que ficará satisfeito em mostrar os registros que temos sobre os dotes da noiva florentina.

Quando Giselle se movimentou no banco ao lado, Saul sentiu o próprio corpo respondendo à proximidade com uma avidez masculina poderosa e um desejo que o pegou desprevenido. Nunca havia experimentado algo assim antes, e seu instinto de sobrevivência pela independência emocional lutava contra aquilo, assim como estava lutando contra o desejo de seu corpo. Giselle sentiu o movimento do ar quando Saul se afastou dela, muito obviamente colocando uma distância entre eles. A atitude a preencheu com uma sensação de desolação que lhe queimou o orgulho. Será que pensou que ela queria ficar perto? Bem, não queria. Moveu-se para mais perto da própria janela e olhou para fora fixamente, embora não houvesse nada para ver além da escuridão agora que o sol havia se posto. As luzes da cidade estavam à frente, logo acima deles. A cidade era obviamente muito velha. Uma vez que tinham cruzado a ponte, a estrada se abriu rumo a uma área imponente, bem iluminada com lâmpadas decoradas, enquanto a fachada magnífica da construção Renascentista no lado oposto da área era clareada por holofotes suaves. Tudo parecia muito imponente e régio. Havia luz suficiente para revelar a bandeira flamulando no topo da construção, as portas guardadas por homens de uniforme, os casacos azuis da mesma cor do fundo da bandeira. Seria fácil ficar intimidada além da conta por aquele tipo de pompa, Giselle admitiu alguns minutos depois, quando as enormes portas lustrosas de madeira foram abertas com um floreio para revelar um enorme corredor de entrada arredondada, invadido por uma luz de um candelabro que Giselle suspeitava ser maior do que a área inteira de seu apartamento. Diversos conjuntos de portas se abriram pelo corredor, cujas paredes eram pintadas com o tom de azul agora familiar dos brasões do ducado, e a luz dos cristais do candelabro se fragmentava e dançava no piso de madeira totalmente encerado. Uma escadaria de degraus de mármore levava até uma plataforma com galerias, as paredes repletas de retratos de homens de aparência arrogante, autocráticos que exibiam uma forte semelhança com Saul. Mas foi a mulher no meio do caminho das escadas que chamou e manteve a atenção de Giselle. Ela era, Giselle pensou, simplesmente a mulher mais linda que já vira. Alta e esguia, de cabelo escuro, abundante e brilhante que caía nos ombros e emoldurava a simetria perfeita do seu rosto. Não eram necessárias jóias no pescoço e nos pulsos nem a modelagem do vestido que estava usando para dizer a Giselle que aquela mulher estava acostumada a ter o melhor de tudo.

— Saul. — Os lábios dela sorriram quando quase ronronou o nome de Saul.

Desceu as escadas com um desembaraço gracioso, ficando em frente a Saul de modo que Giselle, que estava ao lado, foi forçada a dar um passo atrás para um degrau mais baixo, excluída do círculo íntimo que a outra mulher estava formando com o ângulo do corpo.

A mão dela estava no braço de Saul, o anel de casamento e o enorme solitário que estava usando brilharam quando captaram a luz.

Havia uma possessividade predatória na atitude dela para com Saul, Giselle reconheceu. Uma intimidade que atritava friamente contra seus sentidos, fazendo-a sentir uma inquietação interna e repugnância, porque Giselle já tinha certeza de que aquela mulher era a esposa do primo de Saul. E estava igualmente certa de que a outra desejava Saul. Sem ver o rosto dele era impossível ver se era ou não receptivo ao desejo, mas certamente nenhum homem iria deixar de ficar tentado por tal beleza... e disponibilidade? Giselle deu outro passo para baixo dos degraus, e então ficou rígida de choque quando, do nada, a mão de Saul se curvou em torno do braço dela, puxando-a. Automaticamente, Giselle tentou se desvencilhar, mas Saul não deixaria. Pôde ver o modo como o olhar de Natasha se fixou na mão de Saul em seu braço.

— Pensei que você estivesse vindo sozinho — Natasha disse a Saul. — Já que Aldo tem negócios da família tão importantes e particulares para discutir com você.

— Pensou errado. — A resposta de Saul foi inequívoca. — Onde está Aldo? — completou.

— Está na biblioteca... onde mais? — Natasha deu de ombros de forma petulante. — Fico entediada com esses livros que ele acha tão fascinantes, e o alertei. Mas logo vou me divertir um pouco quando meu pai adquirir um novo iate, e eu passar o verão como anfitriã. Você deve se juntar a nós, Saul. Meu pai vai te apresentar a muitas pessoas influentes. Há negócios a serem feitos na Rússia para aqueles com os contatos certos.

— Temo que meus planos para o verão dependam muito do que Giselle queira fazer, Natasha.

A voz de Saul ostentava alguma coisa que não lamentação, mas não foi aquilo que fez Giselle se virar para ele com uma exigência chocada de explicação nos lábios. Ele a silenciou beliscando o braço dela rispidamente.

— Deus. — O sorriso de Natasha foi tão letal quanto arsênico. — Sua nova amiga deve realmente ter talentos especiais se você ainda imagina estar usufruindo dela em três meses, Saul. Você normalmente não mantém suas amantes por muito tempo.

Caso tivesse sido a amante de Saul, então as observações ofensivas da esposa do primo teriam sido a gota d'água para lhe causar embaraço e raiva, Giselle sabia, mas agora era Saul quem era a causa daquelas emoções, não Natasha. O que estava fazendo? Por que não dissera à outra mulher que a relação deles era profissional? Giselle o olhou acusadoramente, pronta para corrigir Natasha, mas houve um olhar nos olhos de Saul que a avisou para não fazê-lo, lembrando-a do quanto já estava em seu poder, e do quanto era financeiramente dependente da boa vontade dele, não importando o quanto pudesse se ressentir daquela realidade.

— Diga a Aldo que vou conversar com ele mais tarde, certo, Natasha?

— Mais tarde? Por que você não pode conversar com ele agora?

— Você acabou de dizer que está ocupado e, além disso, tem sido uma semana longa. Estive em Nova York, e Giselle ficou em Londres. Temos muita coisa para colocar em dia.

Assim que falou, Saul se virou para Giselle para lhe dar um olhar que dizia abertamente que o tipo de coisa para colocar em dia que ele tinha em mente envolvia uma cama e o corpo de Giselle nu para sua satisfação. Embora soubesse que aquele olhar era fabricado e nada significava, e embora estivesse furiosa com ele, o olhar ainda tinha o poder de fazê-la derreter em meio à resistência e de deixá-la trêmula por dentro, no limite de um desejo acelerado e pulsante que arqueava e ansiava quase dolorosamente dentro dela. Estava claro que Natasha estava igualmente ciente do que Saul queria transmitir. Os lábios dela se comprimiram, e o olhar enrijeceu sobre ambos, mas especialmente sobre, Giselle reconheceu.

— O jantar será às dez horas — ela anunciou friamente.

— Vamos comparecer — Saul respondeu. — Mas não atrase nada por nossa causa. Vá em frente sem nós. Como disse, temos muita coisa para colocar em dia.

O rosto de Natasha era lindo, mas um lindo furiosamente bravo, Giselle reconheceu. E não era a única que estava furiosamente brava com Saul também. Ele havia enlaçado o braço de Giselle agora e a estava guiando em direção às escadas, provavelmente se recusando a soltar caso ela exigisse uma explicação pelo comportamento dele em frente a Natasha, Giselle concluiu, relutante em admitir que poderia teimar ali mesmo se não tivesse desenvolvido uma repulsa tão imediata pela outra mulher.

 

                                               CAPÍTULO OITO

— Quero saber o que está acontecendo — Giselle exigiu assim que sentiu que estavam fora do alcance de Natasha. Assim que falou, tentou se desvencilhar de Saul, mas mais uma vez ele se recusou a deixá-la ir.

—Ainda não — ele respondeu assim que chegaram ao topo das escadas. — Este lado.

As paredes do corredor amplo estavam cobertas por mais retratos. Eles se detiveram por diversas portas antes de finalmente chegarem ao conjunto de portas duplas imponentes que bloqueavam todo o corredor.

Quando Saul fez surgir uma chave para destrancar as portas, Giselle tentou não parecer surpresa, mas reconheceu que ele ficou ciente de sua reação quando se virou para ela enquanto destrancava e abria a porta e disse sucintamente:

— Considero este apartamento tão particular quanto minha casa em Londres, assim como prefiro que permaneça exatamente desse jeito, particular.

O cômodo dentro das portas duplas tinha toda a elegância esperada em tal construção, com projeto e decoração em estilo barroco, mas de um jeito descompromissado inesperadamente agradável aos olhos e aos sentidos. A luz do candelabro preenchia o ambiente, formando sombras suavemente delicadas.

— Seu quarto fica para este lado — Saul disse.

Quarto dela? Então, apesar do que sugerira a Natasha, não tinha intenção real de que fossem amantes. Mas é claro que sabia daquilo. Sabia mas desejava o contrário? É claro que não.

— Não vou a lugar algum até você me dizer o que está acontecendo — ela repetiu — e por que você deixou Natasha pensar que...

— Pensar o quê?

— Você sabe perfeitamente bem o quê. Você sugeriu que éramos amantes.

— Sim, sugeri.

A confissão inesperada deixou Giselle momentaneamente incapaz de pensar em alguma resposta diferente de um fraco e queixoso "Por quê?".

— Não é óbvio? — Saul a desafiou com um leve dar de ombros. — Você viu Natasha. Você a ouviu. Ela deixa muito óbvio o que deseja.

O que ele queria dizer era que Natasha havia deixado bem claro que o desejava, Giselle sabia. Um ataque de emoção impotente, desesperado, a agarrou pelo pescoço e a sacudiu feito um cão enraivecido sacudindo a presa. Será que com certeza não estava se sentindo ciumenta e desesperada porque Natasha queria Saul e era tão obviamente mais o tipo de mulher que nunca poderia ser?

Em aflição, Giselle disse a única coisa na qual conseguia pensar para se proteger:

— Você deve ter dado algum motivo para acreditar que seus... sentimentos iriam ser correspondidos — ela acusou. Assim como fizera com ela quando a beijara. Com um homem como Saul aquilo bastava para transformar uma mulher em um doloroso trapo de desejo... um beijo. Conforme já sabia.

— Não. Nunca — Saul se defendeu bruscamente.

— Se isso for verdade, por que você simplesmente não diz que não está interessado? Em vez de... se refugiar detrás de um relacionamento falso comigo.

— Natasha está casada com meu primo — Saul respondeu. — Ele a ama. Está embriagado por ela, na verdade, e acredita que ela o ama. A verdade é que Natasha voltou suas atenções para Aldo e o persuadiu depois que deixei claro que estava perdendo seu tempo em tentar me persuadir. Natasha não gosta que lhe neguem o que deseja. É perfeitamente capaz de quebrar os votos de casamento ruidosamente, e eu não duvidaria que se deitaria e esperaria por mim em minha cama se pensasse que iria conseguir o que quer.

— E o que seria?

Giselle pôde ver pela expressão de Saul que ela o havia irritado, de novo. Será que a puniria desta vez como fizera? Beijando-a? A onda de desejo doentio que explodiu dentro dela a deixou fraca e perturbada. Ela se odiava pelo que estava acontecendo a si ainda mais do que se ressentia de Saul por causar aquilo.

Em pânico, acusou-o:

— Você planejou isso o tempo todo, não foi? Você me trouxe aqui com a intenção de me usar, de sacrificar minha posição profissional fingindo que sou apenas mais uma boba que deseja rastejar para sua cama e que não consegue pensar em outra coisa. Você é tão completamente imoral e desonesto quanto a esposa do seu primo. Vocês dois se merecem. Você provavelmente quer dormir com ela. Era realmente aquilo que Giselle pensava? Que era o tipo de homem que trairia seu parente mais próximo? Saul ficou chocado por perceber o quanto a opinião a respeito dele o incomodava. Deu um passo em direção a Giselle, e então parou assim que ela, por sua vez, deu um passo atrás para se afastar.

— Sim, trouxe você aqui comigo parcialmente na esperança de que sua presença fosse deixar claro para Natasha que não estou interessado nela... E não estou mesmo.

— Só parcialmente? — Giselle o desafiou. — Então, quais são os outros motivos?

— Você está esperando secretamente que tudo isso se deva ao fato de eu querer levar você para a cama?

— Não!

Estava dizendo não, mas seu olhar, o movimento convulsivo da garganta, o arfar do peito a traíam, tanto que de repente e ardentemente Saul soube que, indo contra todas as possibilidades, compartilhava a necessidade indesejada que também o estava guiando. Não poderia haver outra explicação para aquele olhar selvagem, desvairado, impotente de raiva combinada a desejo nos olhos dela, que descrevia tão exatamente o que ele mesmo estava sentindo. Saul adivinhava agora como ela se sentia e a estava atormentando, pronto para humilhá-la, outra vez, Giselle concluiu, e seguiu em pânico rumo a mais um furioso "Não!" antes de completar para dar mais ênfase:

— Você seria o último homem que eu desejaria como meu amante.

Aquilo foi o suficiente, mais do que suficiente, Saul reconheceu, para romper seu autocontrole reprimido.

— Mentirosa — sussurrou contra os lábios dela assim que a tomou nos braços. — Isso é o que você, o que nós dois queremos e precisamos — ele disse.

Giselle ficou perdida, incapaz de se proteger, incapaz de resistir ao dilúvio torrencial da própria reação carregada de desejo, incapaz de resistir às palavras e a ele. O corpo derreteu nos braços de Saul. Os lábios se entreabriram sob os dele. Ela se agarrou, dócil e suscetível, ansiosa para ir de encontro e se encaixar em todas as necessidades dele, ainda que como mulher já tivesse sido originada a partir de uma costela e já fosse parte dele em sua posição de homem, ainda que já estivesse possuída, rendida. Tudo que não tinha a ver com Saul deixava de ter importância. Tudo além da ânsia que sentia, que agora a estava dominando, guiando, consumindo. Sob a possessão de sua boca, Saul sentiu a hesitação e a olhou nos olhos. Em suas profundezas enfumaçadas, conseguia ver a confusão turvando o calor exposto da excitação de Giselle. Podia ver naqueles olhos confusos anuviados de desejo tudo que ele mesmo estava sentindo. Sentiu Giselle estremecer em seu abraço e instintivamente apertou os braços em torno dela. Queria dizer que não havia nada a temer, mas ao mesmo tempo sabia que ambos tinham tudo para temer em relação ao que estava acontecendo. Queria dizer que ela podia confiar nele, que não iria deixá-la cair ou decepcioná-la, e que em seus braços ela estaria segura e protegida... Mas como poderia dizê-lo quando ele mesmo não conseguia confiar em si?

— Não!

A negação trêmula sussurrada de Giselle casou com a oposição áspera dele:

— Sim.

Era tarde demais para recuar agora, tarde demais para fazer qualquer coisa além de se render à necessidade e ao domínio de Saul, Giselle concluiu sem ajuda, e um pequeno gemido inarticulado foi emitido na garganta quando a ponta da língua dele inquiriu seus lábios.

O movimento atormentador da língua de Saul era mais do que Giselle podia suportar. A dor que Saul fizera se desatrelar dentro dela era demais. Giselle o tocou, os dedos apertavam os músculos do antebraço e então os ombros, enquanto tentava aumentar o contato da língua dele contra sua carne torturada. Por um segundo, não houve nada, e então houve tudo: a boca sobre a dela, as mãos a agarrando, movimentando-a, trazendo-a para mais perto. No minuto em que ela ergueu as mãos até a nuca de Saul para abraçá-lo ainda mais, as mãos dele deslizaram por baixo do casaco e acariciaram seu corpo, rapidamente e delicadamente, no roçar mais simples de uma carícia. Mas aquilo ainda era suficiente para deixar seus nervos sensíveis e fazer sua pele formigar. Giselle abriu os olhos e olhou para baixo, encontrou a pele bronzeada das mãos magras de Saul lhe abarcando os seios, fazendo-a tremer furiosamente com um prazer que certamente era intenso demais para ter conhecido, .assim como o desejo que o corpo sentia. Se podia corresponder a uma carícia tão sutil tão intensamente, qual seria a resposta quando ele a desnudasse para seu toque e seu gosto? Quando a abraçasse e guiasse ambos rumo à satisfação definitiva? A tentação de descobrir revirava dentro dele. Os dedos lhe abriram a blusa, libertando os seios da prisão de seda rumo à possessão da carícia, enquanto seus lábios a provocaram e roçaram com força nos dela até entreabrirem em um gemido suave de prazer e a língua ser capaz de assentar um ritmo lentamente sensual entre a umidade da boca de Giselle, combinado à investida dos dedos másculos em seu mamilo intumescido. Sob a luz da lâmpada, o olhar de Saul se deleitou na forma perfeita e na pele alva dos seios de Giselle, a palidez contrastando com a escuridão inchada de seus mamilos tremulantes. A dor no próprio sexo ereto pulsou furiosamente, lutando contra o autocontrole, enquanto suas mãos se movimentaram para mais abaixo para tirar a saia do caminho. Giselle o observava com um torpor, a atenção focada no rápido movimento habilidoso das mãos que revelavam o quanto estava familiarizado com roupas femininas e suas amarrações. Não teve forças para se mover ou para falar. Todo seu sistema de resposta racional estava apagado. Sentiu-se como se estivesse fora de si, como se tivesse se tornado uma pessoa diferente, uma pessoa que desejava e ansiava pelo vivido toque íntimo prometido por Saul no afastar da saia. Sob a seda delicada da roupa íntima Saul conseguia ver o montículo delicado de seu sexo, erigindo da carne levemente côncava que o cercava de modo que podia sinalizar a presença da sensualidade que o tecido i cobria. Seda sobre seda foi a sensação retransmitida sobre a pele quando afagou a calcinha contra a plumagem de seu corpo lívido, o polegar sondando o cós da roupa íntima enquanto os dedos encontravam a pele nua da coxa logo abaixo da perna da calcinha. O calor e a umidade do desejo a teriam chocado e constrangido em qualquer outra ocasião, Giselle pensou furiosamente, mas agora a mensagem que lhe enviando clamava pela sensação do toque mais íntimo de Saul, fazendo-a se inclinar audaciosamente em direção a ele. Em resposta, Saul pegou uma das mãos dela com a mão que estava livre e a colocou sobre sua ereção. A outra mão deslizava por dentro da calcinha enquanto a usava para estimulá-lo, a fim de abarcar a ávida carne delicada e então deslizar os dedos para dentro do calor úmido que os grandes lábios inchados do sexo haviam exposto tão ansiosamente para se oferecer. Enquanto a explorava, a mão de Giselle apertava a ereção e se agarrava a ele, acariciando com movimentos ávidos, urgentes, que eram recíprocos ao ritmo no qual a estava estimulando. Ela ansiava que ambos pudessem se livrar de suas roupas, assim poderia ficar livre para explorá-lo por inteiro, e não apenas com as mãos. Ele não podia esperar muito mais, Saul sabia. Agora, tudo que queria fazer era separar as coxas voluntariosas e se afundar nela, sem parar, até chegar ao ápice e desabar contra seu corpo, com a melodia do clímax lhe preenchendo os ouvidos e o auge do orgasmo exigindo de Saul a exultação quente e úmida da satisfação. Ele baixou a cabeça e tomou o mamilo dela na boca, lambendo e mordiscando eroticamente sobre a carne tesa, pressionando a mão livre contra as costas de Giselle, de modo que pudesse embalá-la com uma sexualidade deliberada contra sua boca e seus dedos. Sugava-lhe o seio profundamente, estimulando também o clitóris. De algum modo, com uma necessidade provinda mais da urgência do que da habilidade, Giselle deu um jeito de abrir o zíper das calças de Saul, e agora a mão dela estava envolvendo a ponta de seu sexo quente e rígido. A carne masculina se movimentava eroticamente em meio à carícia, extraindo um gemido de Saul que arfou contra o seio dela. A resposta à intimidade fez Giselle tremer furiosamente diante da sensualidade crua do que Saul fazia. Ávida, ela o pressionou para mais perto, movimentando o corpo contra sua mão, movimentando a própria mão contra o corpo dele, a ereção aumentada pelos sons combinados que compartilhavam sensualmente, pelo prazer proporcionado pelos dedos exigentes sobre a carne úmida, ávida e quente, pela respiração acelerada e os genuínos gemidos traidores de necessidade guiada pelo desejo. Ela reclamou quando a boca de Saul abandonou seu seio, mas o som foi rapidamente sufocado pela intimidade do beijo invasivo, explorador que lhe deu, e pela ciência de que, logo o movimento rítmico da língua dele contra a dela seria espelhado pelas possessivas investidas masculinas do corpo preenchendo o dela. Ela não podia esperar pelo prazer, sabia que aconteceria... E então aconteceu. O som agudo e intrusivo do celular de Saul corroendo feito ácido a intimidade compartilhada entre eles.

Durante uns bons segundos Saul tentou ignorar aquela exigência aguda, mas o telefone estava no casaco, que deixara sobre uma das cadeiras quando entraram em seus quartos, não estava à mão, de modo que pudesse silenciá-lo sem largar Giselle.

— É melhor você atender. Pode ser algo importante.

Assim que falou, Giselle sentiu como se estivesse quebrando a bolha protetora que a havia envolvido, e agora, nítida e terrivelmente, estava totalmente ciente da própria nudez e humilhação. Era diferente para Saul. Era só fechar o zíper discretamente enquanto pegava o telefone. Giselle ficou grata porque pelo menos estava de costas enquanto atendia a ligação, desse modo dando chance de se contorcer desajeitadamente em suas roupas enquanto o ouvia falando.

— Sim, Aldo, Natasha disse que você estava na biblioteca. Sim, é claro que posso descer e conversar com você agora. Dê-me apenas cinco minutos e estarei aí.

A chicotada cruel da realidade despiu a tepidez da sensualidade e do desejo de Giselle tão facilmente, e sem dúvida tão displicentemente quanto Saul havia feito tudo, reconheceu pesarosamente, sofrendo intimamente. Como pôde ter se comportado daquele jeito? Como pôde ter perdido tudo no qual acreditava a respeito de si e a respeito do modo como tinha de viver sua vida?

— Preciso ir. Mas primeiro vou te mostrar seu quarto. — Saul não se permitiu olhar para Giselle enquanto recolocava o celular no bolso do casaco. Caso ousasse, não saberia se seria capaz de manter a promessa ao primo de descer em cinco minutos, porque se a olhasse, com o corpo ansiando do jeito como estava, não se consideraria capaz de se afastar.

Uma palavra de Giselle, um olhar, um som mínimo, seria todo o necessário para fazê-lo buscá-la. Era por que isso que não podia confiar em si e encará-la.

Silenciosamente, Giselle seguiu Saul até um par de portas abertas que levavam a outro cômodo, uma biblioteca dessa vez. Saul a atravessou tão rapidamente que não teve tempo de dar mais do que uma olhada superficial. Saul estava abrindo outro conjunto de portas duplas que iam da biblioteca até uma entrada retangular, com uma das escadarias levando ao topo e outra levando para baixo. Não a olhou uma única vez enquanto atravessavam os cômodos amplos e elegantemente mobiliados com seus rebocos em gesso, tetos pintados e móveis antigos, e Giselle convencia-se de que estava feliz por ele não tê-la fitado, ignorando a dor pelo desejo insatisfeito que a consumia, confirmando a mentira de seu pensamento.

— Este apartamento tem entrada privativa — Saul estava informando, a fala rápida e formal, as atitudes reservadamente distantes. — As portas no lado oposto deste corredor levam a uma sala de jantar, e mais à frente fica a cozinha. Como eu, meus pais também valorizavam sua solidão e privacidade.

Será que aquilo significava um aviso para ela não interpretar nada a partir da intimidade que haviam compartilhado? Se assim fosse, não havia necessidade daquilo. Afinal, Giselle tinha as próprias razões para saber que nunca poderia haver qualquer intimidade real. Nenhuma intimidade real, talvez, mas, ah, o quanto o corpo dela ansiava e, sim, gritava internamente pela libertação e satisfação às quais lhe foram negadas. Uma satisfação que teria recebido se o celular de Saul não tivesse tocado alguns minutos depois, Giselle tinha certeza.

Não. Não, ela não deveria se permitir sentir daquela forma. Em vez disso deveria ficar aliviada, feliz porque Saul havia parado naquela hora. Não deveria? Nem tanto. Não havia riscos indesejados. Estava tomando pílula, afinal, prescrita alguns anos atrás para cuidar do ciclo desregulado, e continuara a tomar mesmo não havendo necessidade contraceptiva para fazê-lo. Não havia perigo de engravidar. Nenhum risco de um dos dois criar uma situação in-desejada, já que nenhum deles queria qualquer tipo de compromisso.

Saul começou a subir as escadas, e obviamente ficou esperando ela fazer o mesmo.

— No piso seguinte, há quatro quartos, cada um com banheiro próprio. Providenciei para que um quarto de hóspedes fosse preparado para você — estava dizendo, ainda com a mesma voz contida e distante que dizia claramente o quanto desejava pouco retornar à mesma intimidade que estiveram compartilhando.

Provavelmente estava aliviado e grato por terem sido interrompidos, Giselle pensou quando chegou ao topo das escadas e a uma plataforma com galerias com corredores nas laterais. De maneira obediente, foi até um deles, rumo a uma porta ao fim, que Saul abriu. Tomando o cuidado de evitar o contato visual, Giselle entrou, a tristeza particular brevemente eclipsada pela descoberta de que o quarto parecia saído de uma das casas do Tesouro Nacional que a tia-avó dela tanto amava visitar. Uma cama feminina com dossel estava coberta com tecidos em seda de padrão azul e creme, que ecoavam a cor do carpete padronizado e das paredes pintadas em painel. Uma mobília dourada decorava o quarto e incluía um diva aos pés da cama e uma bela escrivaninha com cadeira. Duas poltronas mais brutas e aparentemente mais confortáveis estavam alinhadas em cada lateral da lareira, e cada lado da cama tinha um par de portas.

— As portas levam a um banheiro e a um closet — Saul informou, acrescentando: — O jantar não será servido até as dez, se você se recorda.

Giselle assentiu e viu Saul se virar e sair do quarto.

Só agora podia relaxar e se permitir respirar apropriadamente, deixar o corpo tremer com a necessidade que ainda lhe doía por dentro. Deveria encontrar algo para fazer que iria redirecionar e ocupar seus pensamentos, devolvê-los a... a... A quê? A sanidade? A sanidade que fora negada? Mas, não... Não deveria seguir tal caminho. Onde estava seu laptop? Precisava trabalhar, ser profissional, pensar apenas naquelas coisas que não envolviam suas emoções.

Alguém já havia desfeito as malas, pendurou as poucas roupas que trouxera consigo em um dos armários que preenchiam duas paredes do closet. A bolsa do laptop fora cuidadosamente colocada na bancada da penteadeira, e Giselle a apanhou com um alívio grato, as mãos tremendo enquanto abria o zíper e tirava o laptop. Trabalho: trabalho era a panaceia, a cura, o antídoto para a doença que a estava ameaçando. Como pôde ter deixado as coisas ficarem tão fora de controle? Coisas? Por coisas se referia ao próprio desejo, à própria ânsia, ao próprio saudosismo, à necessidade do toque de Saul, à possessão, à...? Afastando o laptop cegamente para longe, Giselle começou a caminhar pelo closet.

Podia estar ouvindo Aldo, mas a mente não estava totalmente focada no que o primo falava, Saul sabia. Em vez disso, seus pensamentos, assim como a ansiedade que ainda lhe atormentava o corpo, pertenciam a Giselle. Como aquilo havia acontecido? Como uma mulher que começara irritando-o e enfurecendo-o de algum modo desenvolvera o poder de se infiltrar em seus pensamentos e em seus sentidos a tal extensão que sua presença ali dominava tudo o mais? O que estaria fazendo? Será que estava sofrendo tanto quanto ele? Será que pensava no prazer que teriam compartilhado se não tivessem sido interrompidos?

— O pai de Natasha me ofereceu a oportunidade de investir em uma mina de diamantes que acrescentou recentemente aos seus investimentos. Se eu puder dar um jeito de recuperar alguma coisa desse esquema de pirâmides, Natasha quer que eu vá em frente, mas Ivan não pode confirmar se os diamantes estão sendo extraídos de maneira ética — Aldo estava dizendo.

Os comentários fizeram Saul fazer uma careta zombeteiramente para si diante da idéia de o pai de Natasha estar envolvido em qualquer coisa que fosse remotamente ética. Não era a primeira vez que Saul desejava que o primo não tivesse sido pego pelo feitiço de Natasha.

— Vou providenciar dinheiro suficiente para cobrir todas as suas despesas — Saul assegurou. — Só queria que você tivesse me consultado antes de se envolver nesse esquema.

— Eu faria, mas Natasha disse que não havia necessidade. Agora, é claro, a pobre querida se sente absolutamente terrível e está convencida de que você vai colocar a culpa nela. Você não deve fazer isso, Saul. Se eu fosse mais homem, mais como você, mais como o tipo de marido que ela merece, então teria percebido o perigo por conta própria. Não é culpa de Natasha estar casada com um sujeito tão fraco, um fracassado.

— Você não é nenhuma dessas coisas, Aldo. Você é um bom administrador, um bom marido e, quando você e Natasha tiverem um filho, você vai ser um bom pai, o melhor dos pais, porque você vai estar presente para seus filhos.

Quando Aldo meneou a cabeça, o coração de Saul doeu por ele. Uma mulher como Giselle nunca envergonharia e humilharia o homem com quem tivesse comprometido a si e ao seu futuro do jeito que Natasha estava fazendo com seu primo. A ciência daquilo, e simplesmente tão chocante quanto o pensamento por trás daquilo, fez Saul congelar na cadeira. O que diabos estava fazendo, conectando tais pensamentos entre si? Três palavras, Giselle, compromisso e futuro, foram como um fogo cáustico por dentro, produzindo uma verdade indigesta que não queria reconhecer. Indo contra todas as possibilidades, contra tudo que sempre desejara, de algum modo uma conexão entre Giselle e suas emoções estava feita. Aquela conexão deveria ser dissolvida e destruída.

 

                                         CAPÍTULO NOVE

Não foi bom tentar trabalhar. Não conseguia. Giselle suspirou de frustração. O que havia acontecido não podia ser afastado dos pensamentos e ser jogado para baixo do tapete dos outros pensamentos e ações atribulados, não importava o quanto desejasse que pudesse ser. Olhou para o relógio: nove horas. O que Saul estaria fazendo agora? Será que estava com o primo? Com Natasha? O ciúme, tão afiado e veloz quanto as presas de uma serpente, picou o coração dela. Aquilo era errado, Giselle sabia. O que estava alimentando era errado. Uma batida repentina à porta do quarto fez Giselle enrijecer e olhar. Saul. Voltara. Para terminar o que havia começado? A emoção que a queimou não era de negação, relutância ou qualquer uma das coisas que deveriam ter sido. Em vez disso, estava morrendo de desejo, de satisfação e excitação. Estava a meio caminho quanto a porta foi aberta... Só que não era Saul que havia batido, era Natasha, e a aparição desinflou as emoções de Giselle tão eficazmente quanto uma agulha perfurando um balão de uma criança. A outra mulher parecia já estar vestida para o jantar, o vestido vermelho dava um realce perfeito à pele morena e ao cabelo escuro. Estava tão apertadamente moldado ao corpo que deixava muito pouco para a imaginação. Será que os seios eram de verdade?, Giselle flagrou-se pensando. Estava usando um colar de rubis e diamantes que devia custar uma fortuna e braceletes combinando em ambos os pulsos. O cabelo estava preso para cima de modo que caía em cachos perfeitamente penteados, a maquiagem estava imaculada e as unhas estavam pintadas exatamente na mesma tonalidade de escarlate do vestido.

— Pensei que deveria aproveitar a oportunidade de ter uma palavrinha com você enquanto Saul está conversando com Aldo. Você sabe, é claro, que Saul nunca vai se comprometer com você e que você não vai ter um futuro com ele?

— Sim, sei disso — Giselle concordou. Ver que a resposta não havia exatamente agradado à outra mulher deu a Giselle certa quantidade de satisfação pouco fraternal.

— E você não se importa? Você não liga que esteja apenas te usando para sexo, e que vá descartá-la uma vez que tiver enjoado de você? Que nunca vá se comprometer a você e, mais importante, nunca, nunca vá permitir que você gere o filho dele? Ele me queria, mas se sentiu obrigado a sair de cena uma vez que percebeu que Aldo queria se casar comigo. — Natasha continuou, sem dar a Giselle a chance de dizer alguma coisa. — Saul nunca vai se casar, veja só. Nunca vai se casar e nunca vai ter um filho, especialmente um menino, porque ele sabe que esse menino vai ter de ficar à sombra do meu filho com Aldo... quando tivermos um.

Ela pausou, um pequeno indício de testa franzida arruinou seu rosto perfeitamente delicado como se algo a desagradasse, antes de continuar:

— Assim como ficou em segundo plano com relação a Aldo. É claro que seu orgulho não pode suportar essa idéia. Saul tem de ser o primeiro em tudo. Quando criança, sendo o segundo homem dentre os primos, cresceu se ressentindo por ter de ficar à sombra de Aldo. É isso que o guia agora. Se fosse você, procuraria outra pessoa.

Ela se virou e estava abrindo a porta antes que Giselle pudesse dizer alguma coisa. Se fosse alguém que esperava comprometimento de Saul, alguém que almejava desesperadamente carregar o filho do homem que amava, então as palavras cruelmente calculadas de Natasha teriam destruído seus sonhos e esperanças. Se fosse esse alguém. Mas não era, e em vez disso, as declarações de Natasha e o certificado de garantia que carregavam liberaram nela uma mistura potente de emoções e de uma sensação inebriante de estar sendo libertada das restrições que colocara para si anteriormente. Embora Natasha não soubesse, o que disse sobre Saul o tornava o homem perfeito para Giselle. Não. Não o homem perfeito, mas o amante perfeito. Agora podia admitir e aceitar a corrente de desejo que a estava possuindo, agora podia abrir as comportas e deixar a onda elevá-la. Agora, se Saul se aproximasse, certamente conseguiria se permitir tocar o fogo e deixá-lo consumi-la sem qualquer medo do futuro.

Já havia passado das nove. Hora de se arrumar. Depois do banho, Giselle foi até o closet e abriu o armário, tirando os dois vestidos de noite. Vestidos de noite providenciados e pagos por Saul. Não eram provocativos como o vestido de Natasha, mas eram elegantes. Eram vestidos para uma mulher confiante com relação a si, confiante com sua sensualidade e em relação aos sentimentos do homem com quem a compartilhava. Vinte minutos depois estava em frente ao espelho do closet olhando para o próprio reflexo. Houve uma batida à porta e desta vez era Saul, usando terno e tão másculo e belo que seu coração literalmente deu uma cambalhota dentro do peito quando comparou a formalidade do jeito que estava agora com a intimidade com a qual o vira mais cedo. E como queria vê-lo mais tarde? O coração deu outra cambalhota.

— Não estou totalmente pronta, sinto muito. Só preciso pentear meu cabelo — ela disse, tentando soar calma quando ele entrou no quarto.

— Deixe assim. Combina com você do jeito que está — ele disse.

Giselle o fitou com dúvida. Ela vira por si só que cachos do cabelo haviam se soltado do pregador, e agora estavam encaracolando levemente no pescoço e na nuca.

— Está bagunçado — ela protestou. — Parece que... — Ela parou abruptamente, percebendo que estivera prestes a dizer que parecia que ela havia acabado de sair da cama.

— Está ótimo — Saul insistiu, completando: — além disso, não temos muito tempo. Não se preocupe, no entanto. Posso prometer que Aldo não vai notar. Ele não vai ter olhos para mais ninguém além de Natasha, pobre tolo. Falando em Natasha, pensei que você gostaria de usar isto.

Assim que falou, Saul enfiou a mão no bolso e tirou um deslumbrante colar de diamantes e um par de brincos de brilhante.

—Eles pertenceram à minha mãe — Saul completou.

— Sua mãe? — Giselle meneou a cabeça. — Ah, não... Eu não poderia usar.

— Ela desejaria que você usasse. — Assim que comentou, Saul reconheceu para a própria surpresa que era verdade. A mãe teria gostado de Giselle. — Você deveria usar. Conhecendo Natasha, vai estar enfeitada como uma árvore de natal.

— Ela está — Giselle concordou distraidamente.

— Você a viu? — Saul perguntou.

— Ela veio me ver. Queria me avisar que você nunca se comprometeria a mim ou me permitiria gerar seu filho. Disse que você não poderia tolerar a idéia de um filho seu ficar em segundo plano em relação a um filho de Aldo.

—É verdade que nunca tive a intenção de ter filhos, mas essa decisão não tem nada a ver com não receber o ducado como herança. Deixe-me pôr isto para você, o fecho é um pouco complicado — disse a Giselle, colocando o colar de diamantes com torno do pescoço dela antes que pudesse impedi-lo.

No espelho podia ver os diamantes reluzindo, e Saul atrás dela, as mãos no gancho do colar. Não precisava vê-lo, no entanto, para ficar ciente de sua presença. Podia senti-la com todas as células de seu corpo.

— Então, se não é por causa da herança do ducado, então por que você não quer filhos? — perguntou numa tentativa de se distrair da consciência física da proximidade.

— Tê-los não é um problema tão importante quanto me conhecer e saber que meu trabalho significa que teriam de ficar em segundo plano em minha vida, assim como o trabalho da minha mãe significava que eu tinha de ficar em segundo plano.

Saul havia terminado de prender o colar, mas não se afastou. Estava se abrindo de um jeito que ela não tinha esperado, e as palavras lhe tocaram as emoções de um jeito que a fez ansiar de desejo de confortá-lo e, ao mesmo tempo, a encheram de medo porque ela se sentia daquele modo.

— Minha experiência ensinou que uma criança merece ser a número um na lista de prioridades dos pais. Meus compromissos e estilo de vida significam que não posso garantir que sempre estarei presente para meu filho quando precisar de mim. Em minha opinião, é mais benigno não ter filhos do que impor a eles minha ausência. E quanto a cobiçar o ducado, se é isso que Natasha tentou sugerir, o título de Aldo e as responsabilidades assumidas, assim como o dever de gerar um herdeiro, como ele deve fazer, são as últimas coisas que eu iria querer.

Ele fez uma pausa e então, como se as palavras estivessem sendo arrastadas sem que fosse capaz de controlá-las, disse:

— Meus pais não puderam estar presentes quando precisei que estivessem. Não vou impor isso a uma nova geração. Minha mãe costumava dizer que eu era muito sortudo, e que não deveria invejar o tempo que dedicava às crianças que estava tentando ajudar porque eu já possuía tanta coisa. E eu não invejava, era muito orgulhoso do trabalho dela com aquelas crianças que não tinham nada. Mas não conseguia entender que às vezes uma criança precisava de seus pais, e supliquei para vê-los mais. Não vou ser pai de filhos que serão...

— ... magoados do mesmo jeito que você foi, porque eles terão de vir em segundo plano? — Giselle concluiu.

— Sim. — A voz de Saul foi sucinta. Falara demais, revelara-se demais, e instintivamente quis retroceder e se distanciar da própria vulnerabilidade e de Giselle.

Como conseqüência, ele foi curto e grosso:

— Você pode colocar os brincos sozinha?

Giselle assentiu. Podia sentir que Saul estava se afastando, e entendia o motivo. O que lhe contara dera muito para se pensar a respeito, no entanto. Sabia que Saul tinha falado sério. Sentira pela voz e vira em sua expressão... E, é claro, entendia, de um jeito que nenhuma mulher deve ter compreendido, por que se sentia daquele jeito. Por causa da própria experiência. Aquilo formava um laço entre eles. Mas era um laço que suspeitava Saul não querer. E ela queria? Como poderia responder à questão honestamente quando sabia que a resposta que deveria dar não era a que estava em seu coração?

— Pronta? — Saul perguntou, depois que terminou de colocar os brincos.

— Sim — Giselle respondeu.

— Ah, aí estão vocês dois.

Aldo devia ter a mesma altura e alguma semelhança na aparência, mas olhar para Aldo era como comparar uma pálida sombra da realidade de tudo que Saul era, Giselle reconheceu assim que Saul a apresentou ao primo. Foram servidos drinques antes do jantar numa antessala vermelha, a decoração era um cenário perfeito para o vestido e as jóias de Natasha, e então o jantar foi servido em uma sala ainda mais formal. Giselle presenciou o afeto genuíno que Saul sentia pelo primo e o amor e respeito recíprocos de Aldo por Saul. Ao fim, sentaram-se numa antessala branca, e Natasha, que ficara bebendo regularmente a noite toda, ficou truculenta quando reclamou da falta de vida social em Arezzio. Havia passado da meia-noite, mas Giselle não estava cansada. Em vez disso, estava sensível de tensão nervosa. Durante a noite toda só uma coisa estivera na mente dela. Uma coisa. Um objetivo.

Saul deu uma olhadela discreta para o relógio.

— Acho que é hora de Giselle e eu irmos — informou a Aldo e Natasha, ficando de pé e olhando Giselle de modo inquiridor quando o fez.

De maneira obediente, Giselle também se levantou, trocando desejos de boa-noite com seus anfitriões antes de caminhar com Saul pelo corredor que levava ao apartamento. Quando eles chegaram à porta do quarto, Saul disse a ela bruscamente:

— Vou dizer boa-noite aqui.

O coração de Giselle se partiu.

— Mas e o colar e os brincos? — ela protestou.

— Você pode me entregar de manhã.

— Não acho que eu vá conseguir desabotoar o colar.

— Então durma com ele.

A voz de Saul estava cáustica agora enquanto se afastava. Mais alguns segundos e teria ido embora. O desespero a preencheu.

— Eu preferiria... — Eu preferiria dormir com você. Esteve prestes a dizer, guiada pela ousadia de sua necessidade, mas Saul não a deixou terminar.

Balançando a cabeça, disse grosseiramente:

— Giselle, apenas deixe aí, ok? Porque se você não deixar... — Ele pausou e então falou severamente: — Se eu entrar nesse quarto com você, se eu te tocar, então aviso que não vou parar até você estar deitada nua sob meu corpo e gritando meu nome de desejo.

A voz dele ficou abafada quando Giselle se movimentou de modo trêmulo em direção a ele e colocou as mãos sobre seus ombros.

— Não me conte — ela sussurrou atrevidamente contra a boca de Saul. — Mostre-me.

Abrindo a porta, Saul a tomou nos braços, beijando-a furiosamente enquanto chutava a porta para fechá-la detrás deles e carregava Giselle até a cama. Antes que a tivesse colocado ali, Giselle já havia deslizado as mãos para dentro do casaco e começara a desabotoar a camisa, sôfrega pela visão, pelo perfume e pelo tato. Enquanto a beijava, a língua inquirindo a recepção delicada da boca feminina sentindo a própria língua se envolvendo à dele, Saul abria o zíper do vestido, arrancando-o então do corpo, aprofundando o beijo, a paixão aumentando nele enquanto abarcava seus seios. Ele a sentou na cama, com a intenção de tirar o casaco e a camisa, mas Giselle meneou a cabeça para impedi-lo, insistindo:

— Não, deixe-me fazer. Quero fazer isso.

Saul supunha ter sido despido por uma mulher antes, mas, caso tivesse ocorrido, não conseguia se lembrar, e certamente não conseguia se lembrar de mais nada tão inebriantemente erótico quanto a concentração absorta do olhar de Giselle sobre seu corpo, os sons superficiais crescentemente rápidos da respiração, que faziam os seios se movimentarem enquanto tirava o casaco e os dedos encontravam os botões da camisa e os abria.

— Quero que você se deite.

Quando se abaixou para provar o sabor da pele do pescoço dele, Saul agarrou os cabelos dela. Ele a queria inteira, ali, agora. Queria entreabrir as pernas dela e erguê-la sobre si, ir para dentro dela e senti-la recebendo-o dentro de si. A língua dela pincelou contra o pomo de Adão dele. Saul gemeu e arqueou contra a boca de Giselle, implorando:

— Pare de me atormentar.

— É você quem está me atormentando.

A confissão veio imediatamente após ele tê-la puxado para si, removendo o vestido dos quadris, abraçando-a e beijando-a, estimulando tanto seus sentidos a ponto de ela não ter nem mesmo percebido que tinha se despido sozinho, até colocá-la contra o corpo e ela ter descoberto que onde havia estado algum tecido agora havia carne máscula nua e rija. As mãos de Saul seguiram para acariciar entre as pernas entreabertas, fazendo um calor úmido explodir dentro dela. As mãos subiram, circundaram, envolvendo-lhe as nádegas e, então, erguendo-lhe os quadris enquanto ele a deslizava por seu tronco até poder capturar o mamilo vivido com a boca.

Estava tão úmida e ávida. Saul podia sentir o sumo encharcando-lhe a pele. O sexo estava inchado, abrindo-se para as investidas da mão e dos dedos dele como uma flor rara, abrindo as pétalas, expandindo e tremendo freneticamente sob o toque. Giselle queria tocar Saul tão intimamente quanto a estava tocando. Queria conhecê-lo, senti-lo e prová-lo. Queria acariciar a extensão e a amplitude dele com as mãos e com os lábios. Momentaneamente privada do toque de Saul e do contato com o corpo, Giselle gritou em protesto. Mas foi um tipo de grito muito diferente que irrompeu dos lábios dela quando a preencheu com a investida firme e proposital de seu corpo. Enlaçou as pernas em torno do corpo dele, e arfou de prazer em um ímpeto delirante. Nunca mulher alguma o envolvera e acariciara de forma tão sedutoramente surpreendente, fazendo-o ansiar de forma impotente pelo movimento doce, apaixonado dos músculos enquanto ela se movimentava. E então Saul sentiu a tensão pouco familiar, porém instantaneamente reconhecível, a tensão súbita no corpo dela, o fôlego preso. Tudo retransmitindo a ele a verdade indesejada e inimaginável sobre a virgindade dela. Saul soube. Giselle podia dizer. Conseguiu sentir a tentativa de recuar, mas o corpo dela lutou contra aquilo, defendendo furiosamente a necessidade de prazer que lhe fora prometida. Os músculos o envolveram em protesto enquanto ela agarrava seus ombros e puxava.

— Não — ela disse. — Não poderei suportar se você parar agora. Por favor, não.

Foi a honestidade dela que o minou. Isso e a dor por sua necessidade óbvia, o primeiro e único homem a quem ela se entregara. Ainda havia perguntas que precisava e queria fazer, afinal. Mas estava se movimentando contra ele, se abrindo para ele, Saul reconheceu, tomado por um choque de excitação furiosamente masculina, que o levava mais fundo, o corpo tomando conta do dela, preenchendo-a, guiando o prazer de ambos até se movimentarem como um só, presos, dois corpos talvez, mas com um único objetivo que os estava levando ao cume juntos.

Giselle chegou lá primeiro, gritando. Sentiu o corpo dela se enrijecer e, então, expandir em torno dele em uma sucessão de movimentos explosivos que fizeram do alívio uma série de expulsões quentes, pulsantes. Aconteceu, Giselle pensou agradecida, nos braços de Saul, a cabeça descansando no peito ainda úmido e latejante, e uma euforia fraca de alívio pós-orgasmo. Agora sabia tudo que havia para saber, havia experimentado a intensidade crescente de cada carícia e prazer que havia para experimentar. Havia cruzado a barreira rumo à verdadeira condição de mulher e agora estava completa, realizada, repleta da satisfação intensa à qual Saul a levara e então compartilhara.

— Eu quis que isso acontecesse.

Saul pôde sentir e ouvir as palavras delicadas, re-verberando contra sua pele, sentir o eco tocando seu coração e suas emoções.

— Eu queria que acontecesse, e queria você.

Giselle não fazia idéia por que se sentiu tão compelida a dizer tais palavras. Não eram uma defesa ou mesmo uma justificativa, não precisava de nada daquilo. Eram mais uma declaração, uma afirmação, uma simples declaração orgulhosa de sua alegria, e sua crença na probidade do que havia acontecido. Nenhuma mulher o olhara, tocara ou desejara do jeito que Giselle fizera, e observá-la preencheu Saul com uma sensação interior, como se algo duro e implacável em seu peito tivesse se tornado um fardo pesado, indesejado, que agora estava se despedaçando e se dissolvendo, de modo que ali onde houvera rigidez e um revestimento de aço havia agora leveza e a fonte mais ridícula de felicidade efervescente.

Agarrando a toalha que Saul enrolara carinhosamente em volta dela, Giselle estava sentada em um banquinho na cozinha cinza, preta e branca ultramodema do apartamento real enquanto Saul lhe preparava ovos à Benedict. Já eram mais de duas horas da madrugada, mas Giselle jamais se sentira mais desperta e mais viva. Sentada junto a Saul, enquanto lhe dava garfadas cheias da comida deliciosa, saboreando cada segundo

da intimidade igualmente deliciosa que estavam compartilhando, ele fez então a pergunta pela qual estivera esperando estar apta a receber e relaxada o suficiente para responder.

— Você era virgem — ele disse baixinho, seguido por um delicado: — Por que você escolheu perder sua virgindade comigo?

Não tinha nada a ver com algo profundamente emocional que pudesse ter sugerido o desenvolvimento de um relacionamento verdadeiro entre eles. Aquela ciência a ajudou a se concentrar na resposta, e respondeu sinceramente:

— Você já sabe. Bem, mais ou menos.

— Sei? — ele questionou.

— Sim — Giselle confirmou, assentindo com a cabeça. — Eu queria você. Aquilo me chocou e me assustou no começo. Foi relativamente fácil, antes de te conhecer, não desejar ninguém. Eu sabia, é claro, que não poderia e não deveria porque sabia... Bem, sentia que seria ruim para mim por causa da...

— Por causa da sua infância?

— Sim — Giselle concordou, grata por ele ajudá-la a ultrapassar o bloqueio contra o qual estivera lutando. — Sim... Exatamente por causa disso. Sabia que não poderia... Sabia que não deveria ter um filho... filhos. Não queria ser promíscua e ter uma progressão de homens na minha vida e na minha casa e, além disso, tinha medo de começar a gostar de um deles, ou de começarem a gostar de mim, mas com você foi diferente.

— Porque você sabia que eu iria compreender sua infância?

— Siiiim...

Giselle esperava que Saul não tivesse ouvido a pequena hesitação em sua confirmação e a questionasse mais profundamente. Não podia contar o segredo mais profundo e mais sombrio que a separava da realização e da felicidade que as outras mulheres eram livres para desejar... Não agora, quando estava tão feliz, quando se sentia tão completa e tão... Tão normal.

— Fiquei com tanto medo e com tanta raiva quando percebi que te desejava, mas então continuei escutando sobre sua visão das... coisas.

Saul sabia que se referia ao fato de ele não querer um filho, e ele se abaixou para beijá-la na cabeça.

— Hoje, quero dizer, ontem, quando nós chegamos — Giselle se corrigiu, se contorcendo num prazer imediato quando Saul beijou a lateral do seu pescoço, a mão procurando o seio desejoso sob as camadas da toalha e acariciando-o delicadamente enquanto ela falava. — Quando você me beijou e tudo o mais, eu te desejei tanto. — Ela o encarou. — Eu te desejei antes, e isso me fez ficar acordada à noite, pensando e imaginando. Sabia que não conseguiria suportar não saber, passar o restante da minha vida desejando. Primeiro achei que o destino estivesse me tentando e atormentando... Rindo de mim porque não podia ficar com você. Mas então pensei que talvez o destino estivesse realmente tentando me dar alguma coisa, compensar as coisas para mim, e que deveria aceitar... se você quisesse. E então esta noite, quando você não quis entrar no quarto comigo, fiquei tão desesperada.

— Não queria porque sabia o que aconteceria se entrasse — Saul disse.

— E agora que aconteceu, você se arrepende? — Giselle perguntou ansiosamente.

— Você se arrepende? — Saul empurrou a resposta de volta.

— Não — Giselle respondeu a ele, simples e sinceramente.

— Ótimo — Saul disse a ela, sem responder a pergunta, e puxando-a para junto de si, beijou-a até nada mais importar.

De algum modo retornaram ao quarto, ao dele desta vez porque, conforme disse explicitamente dentre carícias crescentemente íntimas, era mais perto que o dela, e ele estava próximo de não conseguir chegar até qualquer cama, graças ao modo como o estava beijando e tocando. Desta fez não houve restrição ou hesitação. Sua condição feminina se regozijou diante da presença rígida e completa dele e o enlaçou, apertando-o, ansiando para se movimentar para ainda mais fundo e mais rapidamente. O orgasmo dela foi imediato e intenso, lhe tirando o fôlego de modo que não conseguiu nem verbalizar o prazer. Saul gritou, no entanto, um berro profundo de exultação quando o corpo de Giselle recebeu o presente que o alívio dele libertou e o corpo dele bombeou o prazer sobre a prontidão suave e quente dela. Mais um banho, com Giselle adormecendo dessa vez, e então estavam de volta à cama. Ela adormeceu assim que a cabeça tocou o travesseiro. Saul não dormiu. Em vez disso, apoiou a cabeça nas mãos, o cotovelo sobre o travesseiro, e a observou, franzindo a testa. O que estava acontecendo com ele? Não sabia. Era só sexo, imaginou. Era isso. Apenas sexo. O que acontecera era apenas um evento exclusivo e extraordinário. Não significava nada além daquilo. E, além do mais, deveria estar pensando em Aldo, não em si e certamente não em Giselle.

As discussões que tivera com o primo mostraram que a situação estava ainda pior do que suspeitara no início. Aldo não havia apenas investido seu dinheiro, ou mais propriamente o dinheiro que Saul lhe dera, no esquema fraudulento com seus níveis de benefícios altos além da conta, o que já deveria servir de alerta para qualquer um que entendesse o mundo financeiro de que todo investimento deveria não ter só o pró, mas também o contra. Aldo também investira o dinheiro do Estado. Dinheiro necessário para pagar professores, enfermeiras e médicos, e para administrar serviços públicos e infraestrutura. Quando Saul perguntou a Aldo por que não disse nada antes de fazer tais investimentos, por que não procurou seu conselho, Aldo respondeu envergonhadamente que havia sido instruído a não discutir o esquema com ninguém porque o acesso era limitado a apenas alguns investidores especialmente selecionados.

— Natasha achou que, se você soubesse, iria querer investir também. Por favor, não a culpe — Aldo implorou. — A culpa é totalmente minha. A única culpa de Natasha nisso, além de me amar, é ter desejado provar para você que poderíamos ser independentes de sua generosidade. É bem mais orgulhosa do que eu, Saul, e sente que já que sou o Grão-duque, eu deveria ser...

— ...mais rico que eu? — Saul respondeu fazendo uma careta, mas sabendo que o primo não queria mencionar que Natasha desejava que o marido fosse superior a ele em todos os parâmetros, pois sentia que aquilo iria punir Saul por não desejá-la.

Agora, no entanto, salvar o primo da humilhação pública de ser declarado falido, e do efeito secundário que aquilo teria no país e em suas finanças, era bem mais importante para ele do que a malevolência de Natasha. Revisou mentalmente o próprio espólio para determinar com qual de seus bens poderia lucrar mais prontamente e facilmente a fim de que pudesse recuperar as finanças de Aldo. Talvez fosse uma pena que tivesse comprado a ilha, mas já o tendo feito, não estava preparado para vendê-la e dá-la como perdida. Havia outros bens que podia vender, entretanto, assim como sua parte em um novo bloco de escritórios na Cingapura. Aldo era da família, e algumas vezes a família precisava vir em primeiro lugar.

 

                                         CAPÍTULO DEZ

Giselle acordou de uma vez para descobrir que estava presa à cama pelo peso da perna de Saul, acomodada sobre a parte inferior do corpo dela, e por causa do braço dele agarrando-a para seu lado. Era uma prisão bem-vinda, no entanto, que a possibilitou deitar silenciosamente naquele cativeiro e admirar os eventos mágicos da noite e a felicidade que lhe tinham trazido.

Agora estava acordada outra vez, desta vez para descobrir que tinha a cama, dele, totalmente para si, e que podia se espreguiçar languidamente nela, enlevada pelo fastio docemente pesado que tomava posse de seu corpo tão intimamente e intensamente como quando Saul a possuíra durante a noite. Saul era seu amante perfeito, em todos os sentidos. Com ele não havia necessidade de se sentir culpada por causa da dor que poderia lhe causar no fim das contas, ou temer as próprias emoções. Sabia que este prazer que a preenchia e a cercava como uma fofinha nuvem cor-de-rosa era apenas transitória e só podia ser aproveitada muito brevemente. E saber daquilo lhe trazia segurança, e talvez até fortificasse a doçura do momento, afinal, sabia que só poderia acontecer por enquanto, por este curto período precioso além do qual não iria vislumbrar até que tivesse de fazê-lo. O tempo juntos, assim como a intimidade que trouxera, não poderia continuar uma vez que retornassem a Londres. Seria impossível. Sabia daquilo. Não havia necessidade de Saul lhe dizer, e esperava que acreditasse nela e confiasse nela o suficiente para saber daquilo. Não queria nem um único segundo dessa época especial estragado ou frustrado por qualquer tipo de desacordo ou desconfiança entre eles.

Como lidaria com a realidade da vida uma vez que estivesse de volta a Londres, Giselle descobriria assim que estivesse de volta. Se Saul escolhesse findar o contrato dela, então assim seria. Seria uma atitude sensata e prática a se tomar, e aquela agitação aguda, torturante de angústia dentro do peito era simplesmente um arco-reflexo e não significava alguma coisa de fato, Giselle imaginou firmemente. Apesar disso, foi o suficiente para fazê-la sair da cama e seguir para o próprio quarto, onde tomou banho e se vestiu com uma das blusas e com a saia que a assistente de compras lhe recomendara. Saul, já de banho tomado e vestido quando a beijara mais cedo naquela manhã, dissera que teriam de ficar em Arezzio por mais tempo do que havia planejado originalmente devido à complexidade da situação financeira do primo. Giselle abraçou aquela notícia, regozijando sob a perspectiva de ter a intimidade deles estendida tal como um avarento que ganhava uma moeda do mais puro ouro. Estava escovando os cabelos, quando uma empregada usando vestido preto e coque no cabelo apareceu para dar um recado. Parecia jovem e tensa. Giselle pôde notar, sentindo imediatamente por ela quando fez uma pequena reverência e informou que a Grã-duquesa a mandara, para ver se Giselle gostaria de acompanhá-la para uma viagem de compras na cidade. Acompanhar Natasha a qualquer lugar era a última coisa que Giselle queria fazer. Mas as boas maneiras a compeliram a aceitar o convite da outra mulher e a seguir a empregada pelos agora mais familiares corredores e lances de escadas até chegar a uma sala ensolarada decorada em tons de amarelo pálido e azul cobalto, onde Natasha estava sentada em um sofá com brocados dourados.

— Ah, aí está você — cumprimentou Giselle, analisando-a com desdém antes de alisar a mão por sobre uma roupa de seda amarela que Giselle sabia ser de grife, infinitamente superior e bem mais cara.

— Um sócio do meu pai abriu uma loja aqui na cidade, e nesta manhã ele ligou para dizer que chegaram algumas roupas de um novo estilista que conhece e que vou amar.

Era fim de tarde. A viagem ao shopping não tinha sido um sucesso, pelo menos no que dizia respeito a Giselle. Natasha passou o tempo flertando com o odiosamente pegajoso amigo do pai dela, que a encorajou a experimentar e desfilar em frente a ele usando uma seleção de roupas incrivelmente curtas e apertadas, todas pareciam exigir que ela murchasse a barriga e pulasse para caber dentro do tecido, enquanto se inclinava na direção de Natasha de um jeito que fazia o estômago de Giselle revirar e incitava sua indignação e pena em favor de Aldo. Pobre Aldo. No retorno ao palácio, Aldo ficou tão genuinamente satisfeito por ver a mulher ter a chance de se distrair com um velho amigo, que Giselle sentiu vontade de perguntar a Natasha se ela sabia o quanto era sortuda e se tinha noção do que estava arriscando perder ao demonstrar seu desprezo pela adoração e amor de Aldo. Mas Giselle lembrou que não estava em posição de repreender ninguém a respeito de emoções, ou de aliar desejo sexual àquelas emoções, quando mesma estava tão determinada a não fazê-lo.

Agora os quatro estavam sentados no salão azul e amarelo, e Aldo estava contando que aquele tinha sido o cômodo favorito da avó dele e de Saul.

— É por isso que sempre bebemos chá aqui... Porque era um hábito dela.

Natasha emburrou a cara quando Aldo disse aquilo e insistiu que queria era um coquetel de vodca e champanhe, o mesmo coquetel que estivera bebendo na loja de roupas, Giselle sabia. E então sentiu ainda mais pena de Aldo quando o rosto gentil dele ficou levemente sombrio. O álcool não pareceu melhorar o humor de Natasha, que agora estava exaltado outra vez depois que Aldo sugerira muito discretamente que talvez já tivesse roupas caras o suficiente.

— O quê? — ela desafiou o marido antes de virar o drinque, o terceiro desde que eles tinham se sentado ali. — Agora você tem a intenção de negar o único prazer que me sobrou, é? Já que ser bom de cama não é exatamente seu forte, não é, querido? Talvez você devesse pedir algumas dicas a Saul.

Giselle pôde ouvir o bufar de Saul quando parou atrás dela, e não era de se admirar. O pobre Aldo devia estar atormentado, embora estivesse simplesmente meneando a cabeça e dizendo gentilmente:

— Acho que você está constrangendo um pouco nossa convidada, Natasha.

— Isso é possível? — Natasha retaliou. — Alguém consegue constranger uma das mulheres de Saul? Acho que não.

Giselle suspeitava que a bebida tivesse levado o humor de Natasha àquele limite onde poderia facilmente sair da mera truculência para algo mais desagradável. Por consideração a Aldo, não queria provocá-la a ultrapassar aquele limite, embora os músculos de seu estômago se contraíssem defensivamente de desgosto por ela.

Em vez de retaliar, decidiu se retirar e disse baixinho, evitando olhar para alguém:

— Estou bastante cansada. Se vocês me dão licença, acho que vou para o meu quarto.

— Vou com você — Saul disse imediatamente. — Tenho trabalho a fazer.

— Sinto muito por aquilo — Saul se desculpou no minuto em que ficaram sozinhos. — O comportamento de Natasha foi horroroso. Eu não sei como Aldo a suporta.

— Ele a ama e tem medo de perdê-la — Giselle avaliou assim que destrancou a porta que levava ao apartamento particular e a segurou aberta para Giselle.

— Lamento desesperadamente por qualquer criança que acabem tendo... Acho que Natasha vai ser uma mãe exigente, com padrões severos com qualquer criança que tenham, mas especialmente um filho. Ela é tão competitiva que uma... criança mais sensível vai achar difícil lidar com isso. — Ele pausou, refletindo sobre o modo como havia se comportado. — Se você me perguntasse, diria que existe um grau de instabilidade em Natasha. Eu não tinha notado antes, mas hoje...

— Acho que só se comportou daquele jeito por causa da bebida.

— Você a está defendendo? — Saul ergueu as sobrancelhas. — É muito caridoso da sua parte, mas acho que o comportamento dela apontou bem claramente para algum tipo de instabilidade emocional e até mesmo mental, e isso só pode levar a uma imensa distribuição de tristeza a todos próximos.

Giselle teve um pequeno calafrio involuntário e Saul adivinhou o motivo imediatamente.

— Você está pensando na sua infância?

— Sim — Giselle foi forçada a admitir. — Eu só estava pensando no quanto vai ser difícil para os filhos de Aldo e Natasha.

— Porque Natasha vai negligenciá-los emocionalmente?

— Sim. E... —Ela pausou, e Saul a incitou:

— E?

         — E porque elas vão ter de suportar o estigma de serem envenenadas pela instabilidade emocional da mãe e pelo medo de terem herdado isso. Serão julgadas por isso. As pessoas sempre julgam.

— Você soa como se falasse da sua experiência pessoal.

Era tarde demais agora para reconhecer que chegara perigosamente perto de um lugar muito perigoso e desejar ter ficado calada.

— Fui julgada por causa do acidente, porque sobrevivi, e eles... não. — Ela se forçou a admitir. — Pelo meu pai e, ouso dizer, pelos outros.

— Seu pai te julgou? Por que alguém deveria te julgar por algo sobre o qual você não tinha controle? Você era uma criança. Não deviam te culpar. Não foi sua culpa.

Não foi sua culpa. Ansiara tanto ao longo dos anos ouvir aquelas palavras, sentir que alguém sabia e compreendia sua dor e queria ajudá-la. Sentir que as pessoas não a culpariam ou lhe virariam as costas. Que não escolheriam a morte em vez de viver com ela. Assim como o pai fizera. Ouvira os cochichos depois da morte dele, murmurados por adultos bem intencionados consumidos demais pela própria curiosidade e pelo choque para perceber que uma criança de sete anos era perfeitamente capaz de traduzir o que estavam dizendo quando comentavam que o pai dela havia tido um infarto porque não quisera viver após as mortes da mãe e do irmão de Giselle. O corpo dela tremeu novamente, mas dessa vez os braços de Saul estavam em torno dela. Não queria pensar no passado, não queria sair para conversar a respeito nem ser ofuscada por ele. Tudo que queria era ficar naquele instante, nos braços de Saul. Ergueu o rosto para receber o beijo dele. Saul a beijou e continuou beijando-a enquanto a despia, e cada resvalada de tecido deslizando do corpo a fazia se sentir como se estivesse abandonando outra camada indesejada de inibição, como se estivesse, libertando o lado apaixonado e sensual de sua natureza que fora reprimido por tanto tempo. Apenas nos braços de Saul, na cama de Saul, realmente sentia que havia se transformado em si mesma e se tornado verdadeiramente livre, que havia alcançado e tocado sua verdadeira essência. Mas sabia que o prazer e sua intensidade só poderiam lhe pertencer por um período muito curto. Aquilo significava não desperdiçar um minuto, por isso as mãos dela estavam apressadas na determinação de despi-lo, assim como na dele de despi-la.

Saul previra a necessidade dela e eles já estavam na cama, e ele estava deitado de costas e a erguendo sobre si de modo que pudesse controlar o próprio prazer. A carne dela rapidamente envolveu Saul, a própria ânsia esmagando o desejo dela de retardar o prazer compartilhado e fazer durar. As mãos de Saul lhe agarraram os quadris, segurando-a enquanto ele a movimentava para cima e para baixo sobre seu órgão rijo, lenta e deliberadamente, até que o prazer tomou forma de um tormento quando ela implorou por mais, mais fundo, mais forte. Ele a guiou, levando-a mais adiante, quando então o corpo desfaleceu e o agarrou, e ela foi atormentada por orgasmo depois de orgasmo, até que finalmente arrancou o último vestígio de prazer dela e a preencheu com o próprio alívio.

Exausta demais para se mover, Giselle deitou contra o corpo dele quando uma compreensão indesejada a atingiu. Estava apaixonada por Saul. O pânico explodiu dentro dela. Não. Aquilo não deveria acontecer.

Não deveria amar Saul. A dor mais terrível a estava agarrando, a dor de ter um véu protetor rasgado para revelar os limites de uma ferida tão funda cuja dor real sabia não ter nem mesmo começado a sentir. Amava Saul. Não! Sim, amava. É claro que amava. E ele a desejava. Desejava, só isso. Tal intimidade não iria e não poderia durar, mas por enquanto ele estava ali, e por enquanto ela poderia e iria agradecer por isto.

— Vou começar a ganhar peso se nós continuarmos a fazer isso — Giselle reclamou em tom de zombaria para Saul três horas depois, assim que ela se sentou na cama comendo sofregamente o salmão defumado com pães e queijo cremoso que havia trazido quando perceberam que haviam de fato perdido a hora do jantar.

— Hum? Então vou ter vir com um exercício para me certificar de que você vai perder esse peso — Saul a provocou.

Ele ficou pensando nela o tempo todo em que estiveram separados mais cedo naquele dia, desejando impacientemente estar com ela, algo que nunca experimentara. Aquilo por si só devia ter sido suficiente para preocupá-lo, mas estranhamente, quando estava com Giselle, tudo no qual parecia ser capaz de pensar era nela. Haveria tempo suficiente quando retornassem a Londres para colocar as coisas em perspectiva apropriada e terminar o que nunca deveria ter começado de fato. Mas havia começado, e estava absolutamente certo de que poderia terminar aquilo? É claro que estava. Compromisso não estava nos seus planos. Mas então nem Giselle em si estivera nos planos quando a conhecera. Aquilo era diferente, Saul disse a si impacientemente. Compromisso e Giselle entravam em campos diferentes da vida. Então por que estava pensando nos dois juntos? Saul tirou o prato da cama, e então pegou a mão de Giselle, puxando-a para perto de si.

 

                                           CAPÍTULO ONZE

Retornariam para Londres naquela tarde, Saul cancelara a visita à ilha porque precisava marcar algumas reuniões em consideração aos problemas financeiros de Aldo. Agora, naquela manhã, Giselle estava explorando a parte antiga da cidade sob o sol de maio e tentando imaginar que seria capaz de encontrar forças para viver sem Saul em sua vida. Sabia que deveria fazê-lo. Giselle tinha tudo planejado. Quando ele lhe dissesse que estava acabado, iria lhe entregar a demissão e colocar o apartamento à venda. Aí compraria uma pequena casa em Yorkshire e então poderia cuidar da tia-avó. Longe de Londres e cuidando da tia-avó, não seria capaz de fraquejar e fazer papel de boba implorando a Saul para levá-la de volta à sua cama. Porque se apaixonara. O desespero a fez tremer. Havia cedido tão facilmente à tentação e quebrado as próprias regras. Mas nem tudo estava perdido. Saul não a amava. Iriam embora. Ela ainda poderia manter a promessa.

Saul não conseguia se concentrar na complexa tarefa financeira na tela do computador em frente. Não conseguia se concentrar em nada mais além de Giselle, reconheceu severamente.,E aquilo significava...? Não significava nada além de que, por enquanto, a queria em sua vida e em sua cama. Por enquanto. Até que ambos concordassem que o que quer que estivesse queimando dentro deles já estivesse reduzido a cinzas e ambos estivessem livres para seguir caminhos separados. Tentou voltar ao trabalho, mas a dor interior se recusava a ser ignorada. Queria ficar com Giselle. Sabia que ela estava passando a manhã explorando a cidade velha. Queria estar com ela. Não apenas na cama, mas com ela. Queria ver a expressão dela enquanto explorava sua cidade natal. Queria ver nos olhos dela. Queria... Xingando baixinho, desligou o laptop e se levantou. Não devia ser complicado encontrá-la. A parte velha da cidade não era muito grande e conhecia cada pedaço sinuoso de suas ruas estreitas. Uma vez do lado de fora, começou a caminhar vivamente, e então mais rapidamente conforme a urgência lhe crescia por dentro. Quando finalmente a viu, Giselle estava a meio caminho da rua, longe, parada na calçada de uma das ruas mais movimentadas, exatamente onde se dava a abertura para a praça da cidade. Estava completamente parada, o olhar aparentemente fixado do outro lado. No começo, Saul pensou que estivesse esperando para atravessar, e então percebeu que ela estava observando uma jovem mãe que estava tentando lutar com um carrinho com um bebê dentro e uma criança de uns três anos de idade, que estava tentando empurrar o carrinho e se recusando a segurar a mão da mãe.

Saul começou a andar em direção a Giselle.

Giselle viu a mãe com seus dois filhos quando ela mesma estava prestes e atravessar a rua inesperadamente movimentada, com o tráfego seguindo em alta velocidade em direção à praça. O garotinho havia agarrado a alça do carrinho e estava tentando empurrá-lo, enquanto sua atormentada mãe o censurava, insistindo que segurasse sua mão. Giselle sabia quais palavras a outra devia estar dizendo, afinal, estavam gravadas em seu coração, na voz da própria mãe.

— Segure no carrinho. Segure minha mão. Não solte. Não empurre. Não...

A criança estava tentando se livrar da mão da mãe. Soltou o carrinho para brigar com ele por mais um instante e... Negligente com a própria segurança, Giselle mergulhou no trânsito fervilhante abstraída com relação aos sons das buzinas e aos gritos de advertência dos motoristas, apenas um pensamento em mente enquanto o tempo voltava para e ela entrava pela porta aberta do próprio passado. Ela deveria salvá-lo. Ela deveria salvar a todos, não apenas a si. O que Giselle estava fazendo, correndo cegamente em meio ao trânsito daquele jeito? Ia ser morta. Saul reagiu automaticamente, guiado pelo maior medo conhecido pelo homem, aquele de perder a coisa que mais amava acima de tudo. Mal registrou que a própria reação significava pular atrás dela, cobrindo a distância com velocidade sobre-humana, tirando-a de quase debaixo das rodas de um carro que se aproximava e arrastando-a para a segurança da calçada.

— O que você estava fazendo? Tentando se matar? Giselle podia sentir a batida raivosa do coração de Saul contra seu peito. Podia ouvir as vozes dos espectadores preocupados, que tinham visto o que havia acontecido, e agora estavam se aglomerando em volta deles para perguntar se estava bem. Mas aquelas coisas estavam distantes. Tudo no que conseguia pensar, tudo o que conseguia perguntar era: "O carrinho... o bebê... está tudo bem?"

Saul fitou o rosto pálido e então olhou para a rua.

— Todos os três estão bem — respondeu sinceramente.

Todos os três. Todos os três, mas não os três da família dela. Giselle havia salvado a si, mas deixara a mãe o irmão morrerem. Ela os mandara para a morte. Ela...

Um soluço seco terrível rasgou a garganta dela.

— Eu os matei. Foi minha culpa. Eu não devia ter soltado o carrinho. Eu devia tê-los salvado ou morrido com eles. — Ela não estava olhando para ele, Saul notou, o coração se revirando no peito.

— Giselle?

Ela o encarou imediatamente.

— Desculpe — disse educadamente, tão educadamente como se fosse um estranho, Saul reconheceu.

De repente, ficou desesperado para fazê-la olhar para ele e ficar com ele, para fazê-la... Fazer o quê? Reconhecer o que ele havia acabado de reconhecer, quando temeu que pudesse perdê-la, e dizer a si o que queria dizer, que era sua vida e que nunca ia querer deixá-la sumir de sua visão outra vez? Será que isso era amor? Caso fosse, não me admirava que tivesse ficado com medo. Era tão grande, tão sufocante, tão espantoso, que qualquer ser humano podia ser perdoado por temer quando confrontado pelo seu poder. Queria contar a Giselle o que havia descoberto, mas agora não era a hora, quando estava sofrendo tão obviamente em função do choque.

— Vou te levar de volta ao palácio — ele disse — e então vou ligar para um médico.

— Não. — Giselle o impediu. — Não. Eu não preciso de um médico. Estou perfeitamente bem.

Não era verdade, é claro, e podia ver através da expressão austera de Saul que ele não acreditava.

Saul olhava para a cama onde Giselle estava deitada, onde adormeceu rapidamente, totalmente vestida. O quase acidente óbvia e naturalmente a havia chocado. Havia chocado a ele. Ainda podia ouvir o guinchar de protesto dos pneus e freios dos carros que felizmente haviam conseguido evitar atropelá-la. Na cama, Giselle se movimentou de modo irrequieto em seu sono induzido por uma dose de conhaque, um queixoso "Não!" saiu de sua garganta seguido por um movimento quase violento dos membros, como se estivesse tentando correr, e então gritou:

— Mamãe, não!

O grito agoniado estava tão repleto de terror que o som dilacerou o coração de Saul e o fez se levantar. Foi até a cama assim que ela abriu os olhos, e então lutou para se sentar. Teve o pesadelo outra vez, pela primeira vez em anos, e dessa vez parecera tão real, cada detalhe tão claro e definido. Ela foi capaz até mesmo de sentir o cheiro da chuva misturado ao perfume da mãe, e então o cheiro de sangue, sangue em todo lugar, nas roupas e nas mãos. Ela olhou para eles e. então fechou os olhos, lágrimas angustiadas caindo deles para queimar seu rosto do mesmo jeito que o ácido da culpa estava lhe queimando a alma.

— Giselle? — Ela sentiu Saul alcançá-la e pegá-la nos braços. — Fale comigo — ele comandou. — Conte-me qual é o problema.

Giselle abriu os olhos outra vez. Estava fatigada demais para lutar para se proteger e ocultar a culpa por mais tempo. Ela perderia Saul de qualquer maneira, então qual era o problema se tivesse de olhar e ver o desgosto em seus olhos?

Ela expirou de frustração.

— Foi a mãe... A mãe com o carrinho e o garotinho. Eles me lembraram... Eu pensei...

A voz dela estava tão baixa que Saul teve de se curvar para ouvir o que estava dizendo.

— Eu deveria tê-los impedido. Eu não deveria ter largado a mão da minha mãe e o carrinho. Se eu não tivesse...

Ela estava falando da própria infância, Saul percebeu, começando a entender que, de algum modo, ver a mãe com seu carrinho e seu filhinho deviam tê-la lembrado do acidente terrível que havia lhe roubado a mãe e o irmãozinho.

— Eu deveria ter morrido com eles. Era o que meu pai achava. É por que isso que ele me mandou embora em vez de me deixar ficar. Não conseguia suportar me ver, porque eu não os salvei. Sabia que eu deveria ter morrido.

Saul ficou assustado.

— Não, Giselle — ele assegurou, abraçando-a. — Não. Isso não é verdade.

— Sim, é — Giselle insistiu. — Foi minha culpa. Se eu tivesse segurado neles... Mas eu não segurei. Eu larguei. Eu soltei e eles morreram. Mamãe estava brava comigo porque eu não queria sair. Estava escuro e chovendo, mas ela disse que precisávamos sair porque Thomas iria parar de chorar. Ela me disse para colocar Thomas no carrinho, e então disse que caminharíamos pelo parque e que eu poderia ir ao balanço. Mas então, quando estávamos quase chegando ao parque, mudou de idéia e disse que iríamos cruzar a rua em vez disso. Ela me disse para segurar sua mão dela, mas eu não quis. Queria ir para o parque, conforme ela havia prometido. Ela agarrou meu braço, mas me libertei, e então ela começou a atravessar a rua. Eu gritei para parar porque tinha um caminhão vindo, mas ela não ia parar, e então... E então foi tarde demais. Foi minha culpa eles terem sido mortos.

— Não. — Saul rejeitou a culpa dela imediatamente, horrorizado por pensar na dor e na culpa que ela deve ter tolerado. — Não. Não foi sua culpa. Foi um acidente, e você não deveria ser culpada. — Ele tirou o cabelo úmido do rosto dela e ordenou: — Olhe para mim.

Silenciosamente, Giselle olhou.

— Você realmente acha que o destino iria ter desejado ou permitido que você morresse quando já havia te prometido para mim?

As palavras dele fizeram Giselle arregalar os olhos.

— O que... o que você quer dizer?

— Quando eu te vi se jogar naquele trânsito e pensei que poderia te perder, percebi a verdade. Eu te amo, Giselle. Acho que provavelmente me apaixonei por você naquele estacionamento desgraçado quando você roubou minha vaga e então me desafiou. O destino nos uniu naquele dia porque queria que ficássemos juntos.

— Não — Giselle protestou, entrando em pânico imediatamente. — Você não pode me amar. Você não deve me amar. Nós não devemos nos amar.

— Por que poderemos nos machucar? — Saul inclinou a testa contra a dela e então lhe beijou o nariz. — E por isso que você sente que não deveria amar ninguém e por isso que não quer um filho, não é? Por causa do que aconteceu com sua mãe e com seu irmão?

Giselle hesitou. Agora era hora de contar tudo a ele. Ela queria. Queria desesperadamente. Mas, de algum modo, as palavras não vinham. Estava com muito medo de dizê-las, então, ao invés disso, ela assentiu. Afinal, era a verdade ao seu modo, mesmo que não fosse a verdade por completo. Será que com certeza poderia passar estes tempos mais doces junto a ele? Será que poderia ter um pouco mais de tempo antes de desistir dele para uma mulher que fosse capaz de lhe dar ela nunca poderia?

— Eu não queria que você soubesse. Não queria que você me culpasse e me olhasse do jeito que meu pai olhou. Eu poderia tê-los salvado, Saul, mas não salvei... Eu os deixei ir — ela disse emocionada.

— Não. Você pensa assim agora, mas você era uma criança... O que você poderia ter feito?

Ele podia imaginar a cena tão facilmente, a estrada escura e molhada, a mãe cansada e impaciente para chegar em casa, a cabeça em outras coisas, pisando na rua, esperando que a criança de quem ela soltara a mão a seguisse. A idéia de todos aqueles anos carregando a culpa que nunca deveriam ter permitido que carregasse lhe fez surgir um enorme nó na garganta assim como uma promessa em seu coração de que a amaria tanto que ela nunca sentiria dor outra vez.

— Eu te amo — ele disse, sabendo, enquanto dizia tais palavras, que falava sério, e surpreso apenas por ter sido tolo o suficiente para lutar contra a verdade por tanto tempo, quando seu corpo e seu coração já haviam reconhecido e se rendido ao amor por Giselle. — Não havia nada que você pudesse fazer ou ser que pudesse me impedir de te amar — ele disse suavemente. — Nada. Quero me casar com você, Giselle.

Imediatamente, enrijeceu entre os braços dele.

— Não. Você não pode. Você não pode querer se casar comigo.

Saul estava se divertindo e a provocou:

—Ah, já sei... Você já tem um marido, não é? Muito bem, então, esse casamento vai ter que ser anulado. Afinal, você nunca foi dele propriamente, não do jeito que você se transformou em minha mulher, meu amor, minha vida — ele disse, a voz engrossando quando se inclinou para beijá-la. — O destino tinha a intenção de nos unir — Saul insistiu firmemente. — Tenho mais certeza sobre isso do que de qualquer coisa. Encontrar um ao outro, amar um ao outro, ficar juntos é o nosso destino mútuo e compartilhado. O destino nos deu até mesmo uma infância bagunçada, assim poderíamos compreender um ao outro. Paralelamente à crueldade pelas perdas que tivemos, o destino forjou um laço e uma ponte para que nós pudéssemos cruzar saindo de nossa solidão em separado rumo a um futuro juntos.

— São palavras lindas — Giselle respondeu. — Mas...

— São mais do que palavras — Saul assegurou. — São minha promessa a você por nosso futuro juntos, e nós vamos ter um futuro juntos, Giselle. O que temos é especial demais para não compartilharmos.

Cada palavra dita era como uma punhalada em seu coração. Ela queria tanto o que ele estava lhe oferecendo, mas como poderia confiar que a amaria como ela era, para sempre?

— Casamento normalmente quer dizer filhos — ela disse de forma rouca —, e nunca vou poder conceber seu filho, Saul. Meus sentimentos com relação a isso nunca vão mudar.

Ele lhe segurou as mãos.

— E eu disse que quero que seus sentimentos mudem? A verdade, Giselle, é que estou feliz por você não querer filhos. Meus sentimentos nesse assunto não mudaram. Você e eu poderemos viajar juntos, ficar juntos, trabalhar juntos. Juntos, vamos construir prédios de enorme beleza, imenso poder e paixão onde quer que sejamos chamados. Não poderemos fazer isso, nos comprometer completamente a isso e um ao outro e ter filhos. Nossas criações serão nossa prole, nossa dádiva.

Ele falava tão eloqüentemente, tão crédulo e tão tentadoramente que Giselle ficou tonta diante da amplitude e da profundeza do comprometimento com ela e com o futuro.

— Você promete? — ela perguntou. — Você promete que está falando sério, Saul?

— Não precisamos de filhos para provar nosso amor, Não preciso de nada ou de ninguém além de você, Giselle.

Palavras tão emotivas, delicadas, aliviando-lhe as mágoas, preenchendo-a de coragem, alimentando o amor por ele.

— Eu te amo, Giselle.

— E eu te amo também.

Lá estava, dito. Uma promessa dada e recebida. Um compromisso selado. Um amor compartilhado.

Seria errado se render ao amor de Saul e entregar seu amor em troca? Se eles não tivessem filhos, o amor estaria seguro. Nunca precisaria saber sobre aquela... Aquela outra coisa. Certamente iria abandoná-la de desgosto caso soubesse. Mas ele não precisava saber, precisava?, argumentou internamente com a própria consciência, Se estavam destinados a ficar juntos, conforme dissera, então ela estaria destinada a não ter um filho e não ter de contar.

A tentação era demais, especialmente quando ele a beijava do jeito que estava fazendo agora...

 

                                       EPÍLOGO

Casaram-se três meses depois na catedral, em Arezzio, mantendo a tradição da família Parenti. Giselle usou um vestido de noiva branco da Chanel. Saul insistiu para que usasse branco. A tia-avó assistiu à cerimônia e Giselle viu no rosto da velha senhora o quanto estava feliz pela sobrinha-neta. Natasha, usando um de seus vestidos curtos e apertadíssimos favoritos, encarou Giselle quando deixou a nave nos braços de Saul, como sua esposa, mas não se importou. Estava feliz demais, preenchida demais de amor e gratidão para sentir qualquer coisa além de pena de Natasha. Saul havia negociado as dívidas de Aldo e restaurara discretamente as finanças do país rumo à estabilidade. Uma vez que tivessem retornado da lua de mel, o trabalho iria começar na ilha, e o novo resort seria o projeto pessoal de Giselle, um presente de casamento de Saul.

Agora havia pouco tempo para alguns minutos finais com a tia-avó enquanto Saul ficava com Aldo, antes de partirem para a lua de mel.

— Queria que seu pai estivesse aqui hoje para te ver tão feliz, Giselle. Ele te amava tanto.

— Meu pai me amava? — Ela ficou chocada demais para conter as palavras. — Como ele poderia se me mandou embora?

— Ah, Giselle. Ele me pediu para levar você porque sentia que havia muitas lembranças ruins para você ao lado dele. Queria que você fizesse um recomeço. Sentia-se tão culpado pelo que acontecera, e por sua mãe.

— Ele se sentia culpado? Eu pensei que ele me culpasse.

—Nunca. —A tia-avó balançou a cabeça vigorosamente. — Ele se culpava. Ficou preocupado, achando que o que você testemunhou iria deixar uma cicatriz, e achava que ficar com ele apenas tornaria as coisas piores. Ficaria tão orgulhoso se visse como você está hoje. Você se casou com um homem bom, Giselle, um homem que te ama como você merece ser amada, e posso ver que você o ama do mesmo jeito. Isso é bom. Ninguém deveria se casar por qualquer razão menor do que o melhor amor que há. — Ela pausou, e então perguntou gentilmente: — Você contou tudo a Saul, espero eu?

Giselle não conseguiu encarar o olhar questionador da tia-avó.

— Contei a ele tudo que precisava saber — ela respondeu.

Ela apertou a mão de Giselle.

— Fico tão contente. Não deveria haver segredos entre um casal que se ama. Segredos podem causar danos tão terríveis.

Saul estava se aproximando. Giselle beijou o rosto da tia-avó e quando olhou para seu marido sentiu o agora familiar tremor da necessidade dolorosamente doce de possuir o corpo dele. Certamente, nada poderia lhe estragar a felicidade. Será que agora poderia finalmente deixar o passado para trás?

— É hora de irmos — Saul disse. Assentindo, Giselle lhe deu a mão, do mesmo modo que lhe dera seu coração.

Agora, finalmente, estavam a sós, juntos no bangalô de um complexo de resorts luxuoso e exclusivo. O mordomo havia recolhido os vestígios da refeição de início da noite, eles haviam caminhado na praia particular e nadado nus sob a luz da lua, e agora estavam celebrando seu compromisso do jeito mais íntimo e particular possível. Saul estava espalhando beijos tão suaves pelo corpo dela que eram quase respeitosos, e o amor que compartilhavam certamente era do jeito que dissera: destinado e forte o suficiente para manter afastado até o mais sombrio dos medos. E a culpa? Será que poderia ser afastada também? Deveria ser. Deveria ser entregue ao passado. Porque não havia lugar para culpa na vida com Saul. Nada poderia machucá-la agora que possuía seu amor. Nada poderia feri-la. Estava segura, o amor deles estava seguro e não tinha nada a temer.

— Você é tudo que desejo e tudo que sempre quis - Saul disse, do mesmo jeito que dissera quando oficializaram a união. — Só você, apenas você e mais nada. Ela sabia que falava sério. Será mesmo que nada poderia estragar as coisas agora? Será que o destino havia decidido ser condescendente, e permitir a ela ser feliz? Será que poderia ser feliz? Sim. Sim, porque aquilo não poderia feri-los agora.

— Me ame — ela implorou a Saul, se agarrando a ele com paixão selvagem. — Me ame, Saul.

Sob o beijo de resposta, ela fez uma prece mental pela felicidade deles antes de se oferecer ao altar do amor compartilhado. Nada poderia separá-los agora. Nada poderia prejudicar ou destruir o que eles tinham. Nada. 

 

                                                                  Penny Jordan

 

 

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