Criar um Site Grátis Fantástico
Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O DESPERTAR DA ESCURIDÃO / Jonathan R. Cash
O DESPERTAR DA ESCURIDÃO / Jonathan R. Cash

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio "SEBO"

 

 

 

  

     O LIVRO DO APOCALIPSE sempre foi motivo de curiosidade e temor para as pessoas, porém de fé e esperança para os cristãos — que nele encontram a declaração da vitória final de Cristo sobre o mal.

     Se, por um lado, temos certeza de que o registro do Apocalipse é fidedigno, há uma pergunta: como, porém, aqueles fatos pré-anunciados ocorrerão? É impossível responder a isso com certeza, mas pode-se imaginar. Porém, nada do que se imagina certamente chegará próximo da realidade... quando chegar o momento.

     Neste primeiro volume, temos um planeta muito diferente daquele que hoje conhecemos. As nações estão divididas entre várias etnias, religiões e vertentes políticas, tudo beira o caos por conta das diferenças absurdas que nasceram entre os povos. No entanto, tal situação — caótica para os homens de bem — é completamente propícia aos inimigos de Deus, que dela se aproveitam para se fortalecer e iniciar os primeiros movimentos que darão início à maior batalha de que se tem notícia, revelada no Apocalipse desde o começo dos tempos: o Armagedom.

 

 

 

 

                             O MISTÉRIO DOS SÉCULOS

     OS PICOS COBERTOS DE gelo das montanhas atingiam o céu da pequena cidade suíça. Enquanto o sol rompia no horizonte, a neve irradiava sua luz como que de cristal — ofuscante, porém bela. As luzes das ruas apagadas indicavam o fim da noite, enquanto a alvorada começava a despontar em fulgor. As crianças se colocavam a caminho da escola, os carros tumultuavam as ruas e o sino da cidade batia no ritmo, pacientemente, como que anunciando o início de mais um daqueles dias de sempre.

     Lá em cima da cidade, em uma estrada estreita e sinuosa, uma limusine branca cintilante descia cuidadosamente pelo terreno cheio de curvas. Quando entrou na cidade, as crianças que seguiam para a escola pararam de repente e ficaram ali aterrorizadas, como se um monstro agourento se aproximasse delas. Quando o carro passou, elas viram uma palavra em letras grandes na placa: "PAZ".

     No interior da limusine, os olhos penetrantes do único passageiro viam o sol nascente do lado de fora. Em seguida, voltaram-se para o espelho, enquanto o homem lentamente arrumava a gravata.

     — Televisão, Canal 6 — ordenou ele.

     Em resposta à sua voz, a imagem digital exibiu uma repórter recontando sombriamente as velhas notícias da semana, porém, ainda horripilantes.

     "Ninguém parece ter alguma resposta concreta. Com várias explosões nucleares atrás de nós, a maioria dos especialistas acredita que existam mais pelo caminho. Alguns afirmaram", gaguejou ela, "que seria necessário um milagre para nos tirar deste apuro".

 

     Um sorriso malicioso de satisfação lentamente formou-se em seu rosto.

     — Desligar televisão — ordenou.

     Ele sabia que as pessoas do mundo ansiavam por um planeta sem guerras. As recentes operações nucleares, limitadas entre algumas das nações asiáticas, haviam enviado imagens horríveis para as telas de televisão do mundo. Essas cenas de devastação atenuaram a dor da alma das pessoas. Ninguém se sentia mais seguro no frágil planeta. A tortura psicológica de pavor e de pânico infectou o mundo inteiro.

     A limusine seguiu em direção ao abrigo de um hotel colossal de estilo vitoriano, que se elevava sobre a cidade. Um par imponente de leões hostilmente ficava de cada lado da entrada.

     Quatro carregadores andaram às pressas e atentos em direção ao veículo. Um abriu a porta, e o homem rapidamente saiu. Immanuel Bernstate era alto e chamava a atenção por sua beleza. Seus cabelos eram negros e estavam impecavelmente arrumados. Sobrancelhas gros-sas moldavam seus olhos azul-claros. Usava um terno preto feito sob medida, um lenço branco e uma gravata de seda vermelho-viva.

     Immanuel atravessou a passos largos as portas de mogno e recebeu os cumprimentos apreensivos de Theodore Gentile, um homem obeso com pouco cabelo e traços comuns. Theodore, que crescera nas colinas de videiras da França, tinha muitos bens e geralmente não hesitava em deixar que qualquer pessoa percebesse isso. Era dono de apartamentos de cobertura em Paris, Londres, Nova Iorque e Roma.

     — Prazer em vê-lo novamente, Immanuel — exclamou Theodore, obviamente mentindo.

     — Obrigado, Theodore — respondeu Immanuel calmamente. A ansiedade no rosto de Gentile era visível. Immanuel olhou diretamente em seus olhos e transmitiu a mensagem de que ele estava no comando. Seria necessário controlar Gentile se quisesse que seu plano ti-vesse êxito e, até agora, sua estratégia estava funcionando.

     Theodore Gentile era um poderoso banqueiro internacional; no entanto, transformava-se em um banana quando estava com Immanuel, com quem seu único encontro havia sido em uma reunião das Nações Unidas, que felizmente tratou de esquecer.

     — O grupo está pronto — murmurou Theodore, sentindo o colarinho apertado no pescoço largo.

     — Excelente.

     Theodore logo encerrou o confronto e graciosamente acenou para Immanuel para que o acompanhasse até a sala de reuniões. Eles atravessaram o saguão e seguiram por um corredor cheio de elevadores. O silêncio embaraçoso persistiu até que entraram em um elevador vazio e as portas se fecharam. Immanuel olhou fixo para Theodore.

     — Se você não está do nosso lado, está do outro — ameaçou Immanuel. — Pessoas são descartáveis. Bancos são descartáveis. Nações são descartáveis.

     — Por favor, não me interprete mal. Sua vontade é minha vontade, Immanuel — murmurou Theodore. — Confio em você e acredito que o plano pode funcionar. Só não entendo como. Seria preciso um milagre! — suspirou Theodore.

     Immanuel sorriu.

     As portas do elevador se abriram no sexto andar e Immanuel fez um sinal para Theodore sair primeiro. Tímido, ele caminhou até o apartamento 696. Lá dentro, andaram até chegar a um grande armário no quarto principal.

     Em cima do armário, e invisível aos olhos humanos, estava o anjo caído conhecido como Blasfêmia. General com cinco insígnias no exército de espíritos hostis de Satanás, ele era o comandante superior que liderava muitos milhões de demônios. A missão desses demônios na terra era promover o plano de seu chefe, de dominar o mundo e espalhar o mal por todo o universo. Blasfêmia respondia a ninguém mais senão ao próprio Satanás, contudo, nem sempre concordava com as decisões de Lúcifer. Na verdade, sonhava em destruir Satanás e apos-sar-se de seus poderes.

     — Chegou a hora. Execute o plano, Immanuel — ordenou Blasfêmia.

     A ordem telepática de Blasfêmia cessou, e um sorriso largo e presunçoso surgiu no rosto de Immanuel enquanto sonhava com um mundo sob o controle de um super-homem — ele mesmo!

   De repente, a parede do armário se abriu, exibindo um grande computador. Theodore colocou a mão esquerda no scanner no meio da unidade.

     — Agente 00169.

     Uma luz verde piscou. Impaciente, Immanuel esperou por sua vez.

     — Agente 00666.

     Novamente, a luz verde piscou, e eles ouviram um pequeno clique enquanto uma grande porta se abria, exibindo uma caverna. Ali, o agente Babel impedia a entrada para um túnel antigo feito de carvão de pedra. Era visivelmente limpo, porém sombria, mente ilumina-do com inúmeras velas. Immanuel e Theodore seguiram Babel pelo túnel frio e escuro. Eles caminharam em silêncio cerca de 45 metros até Babel quebrar o gelo.

     — Quando chegarmos ao fim do túnel, entrarei primeiro na sala que guarda o cristal. Vocês ficam do lado de fora até que eu tenha terminado. O agente 00169 em seguida entrará sozinho e completará os requisitos para a ad-missão na sala. O agente 00666 seguirá. Alguma pergunta?

     Theodore balançou a cabeça negativamente, mas Immanuel estava visivelmente incomodado com as medidas de segurança.

     — Vamos acabar logo com isso! — ordenou Immanuel.

     O agente Babel entrou primeiro e voltou alguns instantes depois. Theodore seguiu, tentando concluir as palavras em sua cabeça. Em alguns minutos, ele receberia o endereço mais importante de sua carreira no banco.

     A sala tinha o formato de um triângulo. Luzes violetas em miniatura estavam embutidas no teto. Theodore foi em direção a um enorme cristal, que ocupava o centro da sala. Um campo eletromagnético de energia pareceu impedir seu corpo de prosseguir assim que ele colocou a mão no eletrodo. Era como se um alienígena o estivesse possuindo, checando suas credenciais até seus fios de DNA. Sem que Theodoro percebesse, Blasfêmia estava usando o dispositivo de segurança para realinhar e re-programar a mente dele. Theodore se esforçou para lembrar seu código de segurança pessoal, necessário para admissão na câmara. A luz e a energia que vinham da pedra intensificaram a força espiritual que detinham e envolveram o espírito dele. Seu cérebro foi alimentado com sinais inaudíveis que diziam: "Obedeça a seu mestre. Obedeça a seu mestre. Obedeça a seu mestre Immanuel".

     Empoleirado bem acima de Theodore, estava Blasfêmia, rindo de maneira descontrolada.

     Metodicamente, Theodore balançou a cabeça concordando com o que ouvira enquanto digitava lentamente seu código de segurança. Vagou pela sala e depois começou a rastejar seu corpo hipnotizado em direção à porta. Seus olhos estavam vítreos e sua conduta era de submissão.

     — Gostando da viagem? — perguntou Immanuel. Theodore abriu a boca, mas só conseguiu sussurrar algo obsceno. Agora ele já não podia prejudicar o plano de Immanuel.

     — Por favor, próximo passo, Sr. Bernstate — disse o agente Babel.

     Seguro, Immanuel entrou na sala e aproximou-se do cristal.

     No instante em que tocou a pedra, as luzes ficaram mais fortes, e a sala se encheu de uma energia que emitia algum tipo de força sobrenatural. Ele parecia se alimentar do poder do cristal, reunindo força, confiança e sabedoria.

     — Você atingirá seus objetivos e realizará seus piores sonhos, mas deve ter paciência. Esses poucos privilegiados foram condicionados a aceitar nossa proposta, mas devem ser convencidos. Não se desespere. Seu mestre logo se unirá a você. Ele irá ajudá-lo a executar as aspirações da Ordem por meio da revelação do mistério dos séculos — proferiu Blasfêmia.

     A luz do transmissor do cristal foi desaparecendo. As ordens de Blasfêmia foram claras. A corrida final estava começando, e o relógio marcava o tempo. Centenas dos maiores líderes de todos os tempos haviam recusado este prêmio e ido para o túmulo.

     De repente, uma voz o arrebatou de sua indescritível alegria.

     — Sr. Bernstate, está tudo em ordem? O grupo está ansioso à sua espera — interrompeu o agente Babel.

     — Está tudo em ordem. Podemos continuar — ordenou Immanuel.

     — Ativação sequencial, Armagedon — ordenou Babel.

     A parede de pedra dividiu-se em duas partes, exibindo um elevador. Os homens entraram nele sem dizer uma só palavra. Babel abriu um painel e passou um cartão de segurança. O elevador começou a descer a uma velocida-de incrível. Theodore ficou pálido quando seu estômago veio parar na boca. Immanuel estava em um de seus transes autoinduzidos.

     As portas abriram-se dando vistas para uma grandiosa câmara medieval. Camadas de blindagem vindas do reino bizantino guardavam a sala. Obras de arte dos primeiros anos da Igreja Católica acrescentavam um ar de religiosidade à atmosfera excêntrica. No centro deste cenário opulento estava uma mesa de reunião e 12 cadeiras de ouro e platina.

     Immanuel e Theodore receberam os cumprimentos cordiais de Lorde Birmingham, o hierarca do comitê europeu de banqueiros e mentor da "Ordem". Um homem alto e de aparência distinta, seu sorriso era astuto, porém contagiante. Lorde Birmingham era membro de uma das famílias reais mais ricas da Europa. Tinha o poder de destruir bancos, moedas correntes do país e até países pequenos.

     — Como está, Theodore? — perguntou Lorde Birmingham, sem dar atenção à resposta. — Você está pronto?

     O rosto rosado de Theodore trazia um olhar vazio e fixo.

     Ele respondeu usando o restante das células cerebrais que não haviam sido transformadas pelo cristal.

     — Tenho de falar hoje? — murmurou Theodore, mostrando uma sinceridade incomum na voz.

     Todos os treze homens que participavam da reunião riram alto — motivo que os levou a arrancar o charuto cubano da boca para não engasgar.

     Lorde Birmingham voltou sua atenção para Immanuel.

     — Sr. Bernstate, ouvi muitas coisas boas sobre o senhor e seu trabalho. Algumas de suas opiniões particulares sobre negócios bancários e política no século 21 merecem nossa atenção.

     Immanuel sorriu, gracioso.

     — Fiquei admirado com seu trabalho e suas realizações, e fico agradecido pela oportunidade de ajudar a Ordem a alcançar seus objetivos — respondeu Immanuel.

     Lorde Birmingham sondou Immanuel e disse:

     — Tenho certeza de que o senhor compreende que, como novo componente da Ordem, seu papel será um pouco limitado até que suas credenciais sejam totalmente investigadas. — O tom de Lorde Birmingham mudou para o de um professor ensinando um aluno. — Estou curioso para saber sobre sua nacionalidade, sua família e sua infância. Nossos operadores têm registrado seu nível de inteligência desde os últimos dez anos. Parece que você apareceu do nada na terra aos trinta anos de idade. Uma pequena nave espacial despejou você, enquanto seguia caminho para o sol, para que você pudesse salvar nosso planeta doente?

     As conversas dispersas na câmara, de repente, cessaram.

     — Pensei que uma solução seria um bom remédio, sem levar em conta a sua procedência — ofereceu Immanuel. — Perdoe-me. O senhor quer algumas respostas para esta estranha perda de documentos. Muito bem. Nasci na Suíça e cresci em uma pequena vila perto de Genebra. Morei lá até completar 22 anos. Foi nesta época que a cidade foi destruída, além de todos os seus registros. Minha família mudou-se para Israel. Éramos agricultores e não tínhamos um visto nem qualquer tipo de registro que definisse nossa identidade. Então, mudei-me para a Alemanha...

     Lorde Birmingham interrompeu Immanuel com um simples gesto da mão.

     — Conheço sua história enquanto estava na Alemanha e suas brilhantes realizações nos negócios bancários e na política.

     Immanuel o interrompeu com um sorriso.

     — Sem dúvida. O que o senhor realmente quer saber é se sou judeu, certo?

     Lorde Birmingham olhou-o bem nos olhos e balançou a cabeça.

     — Bem, vamos ver. Meu pai era alemão e minha mãe, árabe — disse Immanuel.

     — Bernstate, responda a pergunta e não me venha com seus joguinhos.

     Immanuel olhou de relance pelo santuário à procura de aliados, mas só encontrou olhares frios. Voltou os olhos direto para os olhos de Birmingham.

     — A verdade é que não tenho certeza.

     — Lorde Birmingham agarrou Immanuel:

    — Não basta, Bernstate. Você não está se associando a um country club! Nós e nossos pais trabalhamos por quase um milênio para que chegássemos à nossa forma de justiça social e paz mundial. Não permitiremos que uma montanha, um vale, um grão de areia... — Lorde Birmingham hesitou um pouco ou um judeu destrua nossos planos.

     Immanuel permaneceu calmo, enquanto Birmingham continuava seu discurso.

     — Você se orgulha de ter a resposta para nossas dificuldades de controle regional. Sem dúvida, grande parte dessas dificuldades está relacionada à religião islâmica. Por isso, você deve saber que um judeu jamais teria o respeito do mundo árabe. As mãos de Birmingham começaram a suar à medida que o tom de sua voz ficava mais enfático. — O dinheiro e o poder vindos daqueles campos petrolíferos vão parar em nossas mãos a qualquer preço.

     Immanuel acalmou Lorde Birmingham e o grupo.

     — Meu plano — ele tossiu —, nosso plano dará certo. Deixe-me falar com a Ordem no final da reunião, e eu esclarecerei a vocês, caros senhores, sobre todas as fases de nossa estratégia para manter viva a nova ordem mundial nas páginas da história.

     Immanuel teve a atenção deles, e sabia que o poder do inferno estava do seu lado.

    

     Bem distante, no topo de uma montanha no deserto, contemplando o Mar Morto, General Blasfêmia pensava com seus botões. O Mar Morto era o local perfeito para a reunião dos demônios. Eles estavam próximos de casa, perto do inferno do planeta. Na disputa da melhor visão de Lúcifer, milhares de anjos caídos esperavam impacientes as ordens para a próxima missão contra os filhos do Deus Jeová. Seu coração insensível ansiava partir em disparada e propalar pela terra o engano religioso, o ódio, o fanatismo e a violência. As vitórias contra seu inimigo, o Deus Jeová, foram limitadas e curtas. Ao longo dos séculos, a espada do arcanjo Miguel havia retalhado a obra da vida desses demônios.

     O bando de criaturas zombou com total prazer quando centenas de demônios repulsivos anunciaram a chegada de Lúcifer. Seus servos cuidadosamente estenderam um tapete negro sobre a areia que levava ao seu trono, alisando cada dobra para não instigar um dos odiosos acessos de raiva de Lúcifer, que era conhecido como o Senhor e Príncipe do Mundo, bem como o Chefe Superior do Exército do Mal. Antes, fora a criatura mais bela do Deus Jeová. No entanto, sua sabedoria pervertida e seu orgulho desmedido o convenceram a dar início a uma revolução contra Deus. Ele viu Jeová como um Deus fingido que pensava mais na fé, na esperança e no amor do que nas necessidades essenciais da vida: poder e realização pessoal.

     O rei, assim nomeado por si mesmo, e suas tropas precipitaram-se contra a multidão e pararam diante dela. Seus servos curvaram-se em sinal de constrangida submissão enquanto os demônios zombavam e assobiavam. Ele se virou para a multidão e ergueu as mãos, levantando um clamor rouco.

    

     À quilômetros de distância, no cume de uma montanha do outro lado do Mar Morto, o arcanjo Miguel sondava cada movimento que os rebeldes faziam. Ele e seu grupo de guerreiros angelicais haviam acabado de receber uma ordem vinda do trono de Deus para não travar batalha contra o inimigo.

     Miguel era o anjo mais poderoso de Deus. Suas enormes asas douradas chegavam ao chão. Com os cabelos reluzentes e da cor do marfim, olhos azuis e músculos fortes, ele parecia sobrenatural. Suas vestes de seda cobriam o seu corpo de três metros de altura, e uma espada frequentemente embainhada ficava ao lado de seu corpo.

     Miguel tinha milhões de tropas sob seu comando. Ele era uma criatura majestosa, abençoada com todo o atributo de bondade e verdade. Cumpria todas as ordens com a rapidez de um raio e uma precisão admirável; por isso, sua presença provocava calafrios em seus inimigos. Servia a Deus sem interesses, nunca se colocando no caminho da missão de seu Capitão. Virou-se e encarou seu exército santo.

     — Amigos e guerreiros, nosso fiel Deus me informou que Seu plano para a história da humanidade está chegando ao seu clímax final. Nosso Deus Todo-poderoso e Criador do universo conhece nossas inquietações em relação à ordem de cessar-fogo. Sua Santa Palavra prometeu um fim para todas as formas de sofrimento, violência e idolatria. Para realizar esse milagre, Ele pede que sejamos pacientes. As orações dos santos serão respondidas no tempo do nosso Deus. Tenham zelo pela fé e estejam preparados para a batalha ao chamado do nosso amado Deus.

     Miguel hesitou, fitando os olhos com ternura nos seguidores devotos de Jeová. Um vento soprou com ímpeto no topo da montanha e o suspendeu em direção ao céu que cobria o deserto.

     — Deixem que o inimigo tenha seu momento de glória. Temos o único Deus verdadeiro ao nosso lado! Paciência, jovens soldados, e a recompensa da obediência será de vocês.

     Sons de júbilo ecoaram pelos ares do deserto. O grupo todo voava em círculos ao redor de Miguel como um sinal de apoio geral. Miguel juntou-se à comemoração dos anjos enquanto vagavam pelo ar, cantando louvores ao Criador, o Deus Jeová.

    

     Enquanto isso, Lúcifer estava sentado em seu imponente trono diante de seus servos. De lá, ele podia ver seu inimigo, do outro lado da montanha, participando daquela alegre festa. O espetáculo o deixou impaciente. Voltou-se novamente para o grupo de demônios e ordenou que Blasfêmia se aproximasse dele. — General Blasfêmia, aproxime-se do trono do todo-poderoso — ordenou o egoísta Satanás.

     Blasfêmia arrastou-se de quatro, mantendo a cabeça baixa e olhando para o chão. Fez pouco caso da submissão que devia mostrar; no entanto, ele já tinha experimentado a fúria de Lúcifer. Com intenção de evitar um embaraço e uma possível confrontação que seria fatal, ele parou a alguns metros de Lúcifer e curvou-se em sinal de uma submissão nada espontânea.

     — Que notícias você me traz? — perguntou Lúcifer, enquanto se orgulhava de sua própria presunção.

     — Conversei com nossa agência de inteligência, senhor — respondeu Blasfêmia, enfrentando o olhar assombroso de Lúcifer.

     Lúcifer soltou um assobio, babando para todos os lados.

     — Quem lhe deu permissão para ficar observando minha alma? De uma vez por todas, coloque-se em seu lugar, ou terá de enfrentar as consequências de sua estupidez!

     Blasfêmia baixou os olhos no mesmo instante.

     — Mil desculpas, mestre, mas...

     — Cale a boca, servo inútil, ou vou acusá-lo de alta traição e lançá-lo ao abismo!

     Houve silêncio absoluto na reunião. Ninguém ousou falar ou mesmo respirar para não dar margem à ira pungente de Lúcifer. Satanás examinou cada centímetro de seu exército à procura de qualquer sinal de rebelião.

     — Continue o que estava dizendo — ordenou Lúcifer.

     Blasfêmia limpou a garganta.

     — Seu humilde servo apresenta os dados mais recentes que obteve enquanto espionava nosso inimigo. Os relatórios confirmam que eles foram enfraquecidos por nossas forças, quero dizer, suas forças superiores. — Blasfêmia fez uma pausa. — O inimigo parece estar dando para trás. Jeová ordenou um cessar-fogo.

     Os demônios soltaram rojões. Gritos agudos de egotismo e triunfo encheram o ar enquanto eles se ostentavam, cheios de soberba e satisfação. A alegria do momento, de repente, foi interrompida quando viram Lúcifer se levantar para mostrar sua autoridade.

     — Basta! — gritou ele.

     A espontânea festa cessou com o som de um grito estridente.

     — Posso continuar, mestre? — perguntou Blasfêmia.

     — Quais são suas fontes? — zombou Lúcifer.

     — Na noite do último domingo, as luzes que cercam as paredes da sala do trono do Deus Jeová estavam acesas, assim, ordenei que nossos melhores homens espiassem naquele momento. Sem querer, ouvimos a ordem que Jeová deu a Miguel para parar de resistir às nossas forças. Ordenou que Miguel retirasse suas tropas de algumas das principais regiões espalhadas por todo o globo. Infelizmente, os cristãos ainda terão a proteção da oração; no entanto, alguns generais responsáveis pela proteção das doutrinas do cristianismo serão retirados definitivamente do campo de batalha mundial.

     Lúcifer saltou de alegria. Detestava os cristãos, mas adorava a ideia de religiosos indiferentes. Esta era sua oportunidade de ouro para levar, com astúcia, milhões a se afastarem de Jeová. Era a hora de pagar-lhe na mesma moeda por tê-lo expulsado do paraíso.

     — O senhor me concede a permissão para analisar esses dados e comentar sobre suas implicações?

     — Permissão concedida, mas seja rápido. Não tenho tempo a perder, caso seja confirmada a exatidão destas informações!

     Lúcifer inclinou sua fronte ainda no trono, prevendo uma oportunidade para repreender Blasfêmia.

     — A retirada do inimigo de posições estratégicas me preocupa. Eles devem estar tramando alguma coisa — disse Blasfêmia. Jeová é muito esperto. Lembra-se de Jesus Cristo na cruz? Nossa maior vitória tornou-se nossa maior e mais humilhante derrota. Jeová guerreou contra nossas forças por mais de sete mil anos e nunca deixou tantos postos expressivos sem guarda. Talvez Ele esteja nos atraindo para uma cilada. As passagens bíblicas profetizam...

     Lúcifer saltou de seu trono e colocou suas garras no pescoço de Blasfêmia.

     — Nunca mais mencione a Bíblia para mim! Aquela porcaria é o livro de autopromoção do inimigo e não tem feito outra coisa senão destruir as obras de minha vida mais do que qualquer arcanjo, igreja ou santo todos juntos!

     Blasfêmia suplicava misericórdia, enquanto Lúcifer apertava seu pescoço.

     — Não existe misericórdia no meu dicionário! — Lúcifer estava a uma pequena distância do rosto de Blasfêmia. — Então, quer dizer que você andou lendo esse lixo de novo, meu querido Blasfêmia?

     A reunião foi tomada de medo. Muitos dos demônios haviam secretamente examinado as Escrituras de Jeová após Lúcifer ter deixado ordens expressas para que fosse banida qualquer leitura ou até pensamento sobre a Bíblia.

     Blasfêmia respirava com dificuldade; seu rosto estava vermelho e seus olhos, arregalados.

     — Mestre, meditei nas tolices de Jeová antes de o senhor dar a ordem há quase dois mil anos. Pensei que fosse sábio...

     Lúcifer encerrou a conversa assim que resmungou com Blasfêmia.

     — Vou lhe mostrar o que é sábio! Vou lhe dizer o que pensar! Você não é nada sem minha orientação. Você me acompanhou durante a grande guerra civil dos céus há muito tempo e saiu da presença de Jeová. Você preferiu me seguir a ficar sob as ordens daquele ditador e fez de mim seu senhor e salvador! Se não fosse eu, você ainda estaria se curvando diante de Jeová! Obedeça ou morra como um covarde!

     Lúcifer desfez suas garras letais.

     — Mestre, será um prazer obedecer a todos os comandos que procedam de seus lábios. Minhas motivações sempre estiveram de acordo com a expansão do seu reino. — Blasfêmia ofegou. — Pensei que fosse inteligente ler o livro do inimigo para que pudéssemos explorar Seus pontos fracos. Um Jeová mais fraco é um Lúcifer mais forte. Salve Lúcifer!

     As tropas se juntaram em louvor.

     — Salve Lúcifer! Salve Lúcifer!

     Lúcifer soltou seu repressor, e Blasfêmia logo desapareceu no meio de seus colegas assim que se sentou na areia quente. Lúcifer voltou para o trono.

     — A guerra dos séculos logo findará com nossa rápida vitória sobre as forças de Jeová de ódio, intolerância e arrogância. Nossa rebelião pelo controle dos céus é a batalha que deve ser vencida! Os hipócritas da justiça adoram fazer o mundo acre, ditar que somos a força do mal destinada ao inferno. Ouçam-me, meus filhos. Verdade é um termo sonhado por nosso inimigo mortal para aqueles que não concordam com Suas ideias abstratas. O Deus Jeová é um mentiroso!

     Os demônios soltaram vivas de alegria.

   Lúcifer levantou-se de seu majestoso trono e fitou, com audácia, os olhos no sol que ardia no céu.

     — Este refúgio é um sinal de Jeová de que Suas opiniões não podem passar a prova do tempo. O reino de Jeová sucumbirá com um estrondo ensurdecedor, e meu reino prevalecerá para sempre!

     O barulho que vinha do arraial começou a aumentar até se transformar em um rugido de arrebentar os ouvidos.

     — Ele sabe que o tempo está contado. Sua base de força está se desfazendo à Sua volta. Ele não terá onde se esconder. Quando O encontrarmos, não teremos misericórdia!

     Satanás fez um movimento para que seu principal general se apresentasse diante de todos. Blasfêmia passou por seus companheiros e sentou-se ao lado oposto de seu chefe.

     — Em que posso ser útil, senhor? — gracejou Blasfêmia.

     — Assuma o controle de todos os bancos do mundo. Comece a aplicar a pressão política e monetária em todos os governos para facilitar uma nova ordem mundial, dispondo-se de qualquer método possível. Irei fornecer-lhe um arsenal de armas espirituais. O poder está em suas mãos, Blasfêmia. Vá e vença em nome de Lúcifer! Chegou a hora de começar a contagem final para o Armagedon.

     Blasfêmia prestou continência ao seu chefe e convocou muitos de seus oficiais de alto escalão para que se apresentassem a fim de acompanhá-lo nesta importante missão.

     — Companheiros, preciso de sua total atenção por um momento — insistiu Blasfêmia. — Manterei contato direto com Immanuel Bernstate, nosso porta-voz na terra. Nenhuma transação subliminar deverá ser feita com ele. Quem violar esta ordem será acusado de traição e julgado em seguida.

     Blasfêmia fitou os olhos nos demônios, perscrutando algum vestígio de insubordinação.

     — Uma conferência está em andamento na Suíça com alguns dos homens mais influentes do mundo. Vocês devem convencer esses otários a endossar inequivocamente nosso plano para a harmonia e a paz mundial. Preparem-se para uma emocionante tarde de sedução sobrenatural!

     Blasfêmia e seu bando saíram às pressas em direção ao norte e desapareceram nas nuvens.

     Enquanto isso, distante, o arcanjo Miguel chorava.

    

     Lorde Birmingham convocou a reunião internacional de banqueiros. Todos esses homens eram membros ativos da Ordem. Eram conspiradores que indiretamente controlavam o mundo por meio de suas cuidadosas contribuições políticas. Tinham relações para alteração de taxas de juros, estoque de moeda e tudo que fazia uma nação funcionar em termos financeiros. Na mente pervertida desses homens, o mundo era um tabuleiro de xadrez cujas peças eram movidas por eles.

     — Meu pai me ensinou que a melhor maneira de matar uma cobra é dar-lhe um golpe fatal na parte de trás da cabeça — começou Lorde Birmingham. — Senhores, a Federação Asiática é esta serpente. Nosso primeiro problema é descobrir uma maneira de ferir fatalmente este monstro. Segundo, o sistema bancário corre o terrível risco de ter um colapso, principalmente nos Estados Unidos. Quando isso acontece, como maximizamos nossos lucros sem destruir o sistema que alimentamos? Por último, como vamos unificar todos os governos neste momento em que o mundo parece estar se desestabilizando à nossa volta?

     Continuou:

     — Precisamos ter o controle de todos os bancos, ter todos os líderes mundiais comendo na nossa mão e todos os cidadãos do mundo ao nosso lado. Nenhum ser humano na face da terra já realizou tamanha proeza. O que realmente precisamos agora é de um deus!

     O coração de Immanuel começou a bater forte, enquanto ele imaginava o mundo aos seus pés. Queria ter certeza de que Birmingham seria o primeiro a cair de joelhos e adorá-lo. Sabia que precisava de reforços do inferno para convencer seus companheiros de que ele dispunha da chave para destrancar o mundo de seus sonhos.

     Lorde Birmingham sentou-se e ficou em silêncio por um instante, esperando que suas palavras tivessem total impacto.

     Em seguida, ele falou:

     — Theodore, eis aqui sua grande chance. As metas são simples. As barreiras são intransponíveis. Você vem se gabando às escondidas de seu plano executável para a nova ordem mundial. Embora tenha receio de que seu intelecto nunca consiga corresponder ao tamanho de seu ego, eu o desafio a provar-me o contrário.

     Theodore afrouxou a gravata e bebeu um gole de água. Suas mãos começaram a tremer. Seu comportamento estava falando mais alto que suas palavras. O sangue cor-ria para a região facial, e sua respiração ficou descompassada. Algo estava terrivelmente errado.

 

     — O senhor está bem, Sr. Gentile?

     — Estou, Lorde Birmingham — mentiu Theodore. Desesperado, ele tentava concentrar-se em suas palavras.

     Os homens davam risadinhas descaradamente.

     Theodore fechou os botões de sua jaqueta e subiu à plataforma. Forçou um sorriso enquanto olhava ao redor da mesa. Não conseguia pôr em foco outra coisa senão os olhos hipnóticos de Immanuel Bernstate. Parecia que acabara de ver um fantasma.

     — Sr. Gentile, o senhor gostaria de um recesso de dez minutos para colocar a cabeça no lugar? — perguntou Lorde Birmingham.

     — Não... não... obrigado, senhor. Assim que expuser os detalhes de meu plano, eu... eu... ficarei bem.

     Immanuel estava ficando impaciente. Ele precisava da ajuda de Blasfêmia para desviar por completo esta conversa. Blasfêmia estava atrasado. Immanuel levantou-se sem a permissão de Lorde Birmingham.

     — Eu gostaria de dizer algo. Como o senhor mesmo sugeriu, Lorde Birmingham, façamos um intervalo de dez minutos para formar nossas idéias. É evidente que Theodore está tenso, e certamente não desejamos colocar sua saúde em jogo por causa desta reunião.

     Lorde Birmingham concordou.

     — Theodore, o que acha de um rápido recesso para relaxar e conversar com alguém?

     A arrogância de Theodore foi instigada pelo tom que usara. Não conseguia entender o que estava acontecendo, no entanto, não deixaria escapar esta oportunidade. A raiva que o atravessava abriu sua mente.

     — Estou me sentindo bem. Nunca minha mente esteve melhor, e não gostei da insinuação de Immanuel de que estou fora de controle. Vamos adiante com a reunião.

     Immanuel estava desesperado. Este devia ser seu momento de glória. Sabia que Theodore havia recebido informações importantes de um dos agentes indiscretos de Blasfêmia. Ele também sabia que Theodore usaria isso para se sair bem. Immanuel procurou uma forma de ganhar para si o crédito por essas novas idéias, para que recebesse autoridade sobre este projeto. Sem saber como acabar com o discurso de Theodore, Immanuel resolveu permanecer em silêncio e colocar sua fé em Lúcifer e Blasfêmia.

     — Senhores da Ordem — começou Theodore —, gostaria de aproveitar esta oportunidade para agradecer-lhes pela chance de falar a este ilustre grupo de líderes mundiais. Meu objetivo hoje é fornecer-lhes informações que mudarão a vida de cada um. O mundo precisa de nossos recursos e de nossa ingenuidade para que se transforme em uma nova era. Já detemos as capacidades de formar bens a partir do ar escasso. Aprendemos a sutil arte de pagar por favores políticos. Até descobrimos formas de reprogramar a mente humana por meio da televisão, da música e da história reescrita. Contudo, negligenciamos uma parte importante desta equação misteriosa e, sem ela, nunca alcançaremos nossa única ordem mundial.

     Os membros da ordem começaram a sussurrar entre si, o que fez Theodore parar por um momento. Ao ganhar de novo a confiança, Theodore continuou.

     — Reconheço que acusei todos os presentes e que minhas observações não são populares, mas eu imploro que me concedam apenas os cinco minutos que mudarão a vida de vocês para sempre!

     Irritado, Lorde Birmingham assumiu o controle da situação.

     — O senhor tem cinco minutos por respeito a seu querido pai, já falecido, e meu amigo íntimo.

     Immanuel estava meditando. Concentrava todas as suas energias mentais e espirituais em Blasfêmia. "Preciso de seu poder. Eu rogo sua presença e suas armas para difundir nosso domínio sobre a terra", orava ele.

     Theodore perguntou:

     — Por que as pessoas crêem em determinadas coisas? Por que as pessoas de todas as nações querem morrer por seus princípios? Que doutrina universal tende a dividir as nações em vez de aproximá-las cada vez mais? Qual a causa da maioria das guerras?

     Admirado com a falta de respeito da Ordem, Theodore fez uma pausa. Ele sabia que a história iria reconhecê-lo como o primeiro cidadão do mundo a prenunciar um período de paz e prosperidade.

     De repente, o chão começou a tremer. Um dos estimados alces de Lorde Birmingham caiu ao chão. As preces egoístas de Immanuel haviam sido respondidas. Blasfêmia e um batalhão inteiro de espíritos sinistros invadiram a câmara. Ele começou a dar ordens aos gritos para seus soldados e para Immanuel.

     — Demônios, quero que todos os 100 soldados da Subdivisão Delta se apoderem do corpo de Theodore e o destruam! Subdivisão Alfa, comece a exaltar Immanuel e seu plano sagaz para uma nova ordem mundial. Encha a mente obstinada daqueles mortais de visões de uma terra sob seu comando. Faça uma lavagem cerebral neles para que abracem Immanuel como seu líder destemido. Não deixe que nenhuma onda cerebral fique intacta à sua influência. Deixe Lúcifer orgulhoso.

     Blasfêmia gostava de toda oportunidade de amedrontar suas vítimas não desconfiadas.

     Lorde Birmingham levantou-se rapidamente de sua cadeira, enquanto gritava para todos se afastarem do animal quebrado.

    

     Enquanto isso, os covardes se amontoaram embaixo da mesa, pensando na hipótese de um terremoto. Immanuel era o único que estava gostando do espetáculo caótico.

     Birmingham pegou a cabeça do alce do chão e pediu que Lorde Winchester o acompanhasse até sua sala.

     — A reunião será interrompida por quinze minutos. Peça para os funcionários limparem esta bagunça!

     Theodore, junto com o restante dos homens, levantou-se do chão. Os banqueiros perceberam que Immanuel era o único que permanecera calmo durante o fiasco.

     Lorde Birmingham e Lorde Winchester estavam na sala ao lado, tentando dar um jeito na cabeça do alce. Winchester era o amigo mais confiável de Birmingham.

     — Eu sei que você tem uma relação sentimental com esse alce, mas você quase perdeu as estribeiras. O que está acontecendo com você? — perguntou Lorde Winchester.

     — O que vou lhe mostrar tem de ficar entre essas quatro paredes!

     Birmingham assentou a cabeça do alce sob os esgalhos. Levantou a pele da parte de trás do pescoço do animal, deixando um buraco de fechadura à mostra. Tirou a chave do bolso de sua roupa de lã.

     — Você é supersticioso, amigo? — perguntou Lorde Birmingham.

     — Eu acho que sorte é para idiotas — disse Lorde Winchester, dando risadinhas.

     — Ah, mas existe uma diferença entre uma simples sorte e um poder sobrenatural — retrucou Lorde Birmingham.

     Ele colocou a chave no buraco e acionou o mecanismo. Resmungou enquanto abria lentamente um grande painel escondido na lateral do pescoço do alce. Segurou a respiração enquanto metia a mão dentro da cabeça do animal à procura do tesouro. Lorde Winchester estava perplexo. Curioso, queria saber o que havia de tão valioso ali dentro para fazer um bilionário tremer. Birmingham cuidadosamente tirou um bloco de pedra. Sua respiração normalizou um pouco mais quando descobriu que os blocos estavam sãos e salvos. Logo em seguida, colocou a mão novamente dentro do objeto em busca do outro bloco, que tirou de lá segundos depois.

     — Afinal de contas, o que é isso? — indagou Lorde Winchester.

     — Estes são alguns dos catalisadores para nossa nova ordem mundial.

    

     Blasfêmia entrou em disparada na sala para ver o que eles estavam fazendo. Seus olhos se arregalaram quando percebeu o que havia ali. Ele estava à procura daqueles blocos de pedra há centenas de anos. Lúcifer devia ser informado desta descoberta? Não, ele trataria do assunto a seu modo sem a interferência de Lúcifer. Agora ele poderia atrair Israel para uma cilada diabólica, e fazê-lo à sua maneira.

     Lorde Winchester ainda estava a divagar.

     — Deve estar faltando alguma coisa. Duas pedras sem valor com gravuras que parecem ciscos de galinhas vão mudar o mundo para sempre?

     — Essas são as tábuas que Moisés recebeu de Deus — disse ele esperando até que a verdade sensibilizasse Lorde Winchester. — Estes são os Dez Mandamentos!

     Eufórico, Lorde Birmingham agarrou nos ombros de Winchester.

     — Estes são os Dez Mandamentos que os judeus perderam há tanto tempo e vêm procurando desde a recolonização da nação de Israel. Meus homens os encontraram enquanto faziam escavações sob o templo em Jerusalém. Os Mandamentos estavam dentro da arca da aliança! O governo ignorante daquele tempo sabia que se tratava de uma questão política delicada, assim pediu-me que desaparecesse com elas. Ansioso, atendi a esse pedido mais que depressa. O Oriente Médio sempre foi um espinho na minha carne. Com essas pedras antigas e a arca, podemos fazer Israel andar na linha.

     Lorde Winchester estava perplexo.

     — Como?

     —Deixe que cuido dos detalhes. Por ora, manter esta descoberta em segredo é imperativo.

     Lorde Birmingham cuidadosamente colocou as relíquias de volta em seu lugar seguro e nada comum.

     — Confio em você mais do que em qualquer outra pessoa, Lorde Winchester, mas toda fé tem limites. Entendeu?

     — Certamente. Seu segredo está seguro comigo.

     Lorde Birmingham e Lorde Winchester juntaram-se aos outros conspiradores.

     — Senhores, tomem os seus lugares para que possamos retomar o que ficou pendente nesta reunião — instruiu Lorde Birmingham.

     Assim que os homens se sentaram, Theodore aproximou-se da plataforma. Immanuel fechou os olhos e fez um sinal para Blasfêmia que, por sua vez, pairou sobre Theodore e cravou suas enormes garras no crânio de Theodore.

     — Homens da Ordem. — Theodore agarrou-se à plataforma.

     — É um prazer anunciar a solução para todos os seus dilemas com relação à nova ordem mundial.

     Blasfêmia começou a envolver a mente e o espírito de Theodore, enquanto se apoderava parcialmente de seu corpo. As expressões faciais de Theodore tornaram-se extravagantes. Estranhamente ele ficou em silêncio e mostrou dificuldade para respirar.

     — Meu objetivo na Terra é destruir — disse Theodore sem pensar, com um tom discrepante. Ele lutava para retomar sua identidade. — Quer dizer, meu objetivo no mundo é promover as metas do Lorde Bir... — Blasfêmia agarrou firme o espírito agonizante de Gentile. — Quer dizer, Lorde Lúcifer.

     Birmingham saltou da cadeira.

     As asas monstruosas de Blasfêmia começaram a envolver Theodore enquanto ganhava controle sobre ele. Theodore franziu a testa para Lorde Birmingham.

     — Seus avarentos incompetentes nunca terão êxito. Vou arrancar seu dinheiro e seu poder e mandá-lo direto para o inferno.

     Theodore deu um golpe na mesa e começou a asfixiar Lorde Birmingham, que estava atordoado. Uma convulsão após outra se apoderava do corpo de Theodore. Os banqueiros ficavam apavorados à medida que assistiam à horrível cena. Immanuel "corajosamente" precipitou-se em direção à mesa no momento em que Blasfêmia soltou suas garras mortais do corpo de Theodore. Immanuel agarrou Theodore e o lançou ao chão. Seu corpo estava inconsciente.

     — Alguém chame um médico! — gritou Immanuel, que assumiu o controle da situação.

     Lorde Birmingham parecia são e salvo quando se levantou do chão de mármore onde estava caído. Immanuel agachou-se sobre Theodore e segurou seu pulso.

     — Que ele morra como o animal que é — sussurrou Birmingham.

     — Não posso fazer isso — respondeu Immanuel com falsa compaixão.

     — Acho que ele está longe de ser útil — suspirou Lorde Birmingham. — Gostaria de saber se ele realmente tinha a resposta para nossas dificuldades.

     Immanuel foi sombrio ao dar sua resposta encenada:

     — Para ser honesto com o senhor, ele tinha.

     Aguçaram-se os ouvidos na câmara. Os homens juntaram-se ao redor de Immanuel.

     — Theodore e eu tivemos uma reunião particular na semana passada. Eu havia acumulado anos de trabalho esmerado para descobrir a solução para a paz mundial e queria comparar opiniões com Theodore. Estava ansioso para ouvir as idéias das quais ele vinha se gabando. Lamentavelmente, suas conclusões estavam baseadas em informações equivocadas. Ao ouvir minhas informações, desesperado, ele quis ganhar o crédito por este plano — mentiu Immanuel.

     — Theodore furtou alguns papéis de minha mesa sobre os quais eu estava trabalhando. Eu havia reunido um grande estoque de conhecimento sobre a história dos impérios do mundo e as razões para a queda desses impérios. Eu sabia que a história seria nosso mestre. Poderíamos usar os erros do passado para proporcionar um novo futuro de glória. Theodore estava pronto para apresentar esta inteligência como sendo sua. Ao que parece, os deuses semearam seu destino para ele.

     Os homens rodeavam Immanuel enquanto ele tomava o pulso de Theodore. As pálpebras de Theodore estavam bem fechadas, mas seus olhos dardejavam desenfreadamente.

     Blasfêmia estava pendurado no lustre de cristal.

     — Podem acreditar em Immanuel. Ele deve ser o herói de vocês. Ele se importa com os seus interesses. Immanuel tem os atributos que a Ordem precisa para trazer o mundo aos seus pés. Acreditem em Immanuel. Immanuel... Immanuel — celebrava Blasfêmia.

     Os sinais transcendentais de Blasfêmia penetravam no desejo de ferro de Lorde Birmingham.

     Immanuel estava prestes a começar quando Theodore começou a recuperar a consciência. Ele lutava para murmurar algum tipo de acusação em relação a Immanuel. Dizia algo sobre uma trama para destruir a Mãe Terra. Immanuel estava determinado a ser o bom samaritano.

     — Ele não sabe o que está dizendo. Levou um safanão na cabeça. Parece que está chamando por sua mãe.

     Immanuel era convincente.

     — Tragam o médico aqui rápido! Esta reunião tem de continuar a qualquer custo — berrou Lorde Birmingham.

     Os olhos de Theodore estavam bem abertos, e ele entrava em pânico diante de Immanuel e Blasfêmia.

    

     — É o diabo! Oh, meu Deus, é o diabo! Vá embora daqui, seu demônio abominável!

     Immanuel e Lorde Winchester se esforçavam para segurá-lo.

     — Acabe logo com ele — sussurrou Immanuel para Blasfêmia.

     — Será um prazer.

     Blasfêmia desceu a pique do lustre reluzente e estendeu suas enormes mãos para o alto. Os demônios que estavam com ele seguiram seu exemplo e precipitaram-se em direção à frágil presa. Theodore passou a ter convulsões assim que as tropas de Satanás invadiram seu corpo. De repente, seu corpo ficou imóvel, e o medo se apoderou dos pretensos governantes do mundo.

     As portas do elevador se abriram no momento em que o médico correu para o lado de Theodore. Assim que colocou as mãos no pescoço de Theodore, o médico procurou ouvir o pulso.

     — Este homem está morto — declarou o médico. — Afinal, o que aconteceu?

     Immanuel deu um passo para frente.

     — Ao que parece, trata-se de uma overdose.

     — Do que ele está falando? — perguntou o médico confuso.

     — Cocaína e sabe-se lá mais o quê — respondeu Immanuel.

     O médico chamou seu assistente para que removesse o corpo. Lorde Birmingham, abalado, deu um tapinha nas costas de Immanuel.

     — Filho, eu lhe devo a minha vida. Vamos tentar deixar esta tragédia para lá e voltar aos negócios já. Suba à plataforma, Immanuel, e vamos nos reunir novamente.

     Os homens tentaram se reagrupar, enquanto se sentavam. Numa atitude pouco comum, Immanuel respirou fundo e fechou os olhos.

     — Eles estão prontos? — orou Immanuel em espírito.

     — Eles foram reprogramados de acordo com a sua vontade. Para líderes mundiais, a mente deles está surpreendentemente impotente para se defender de nossos ataques. O único obstáculo que podemos ter pela frente chama-se Lorde Winchester.

     Blasfêmia aproximou-se de Lorde Winchester e sentou-se em seus ombros.

     — Immanuel, você está bem? — perguntou Lorde Birmingham, preocupado.

     — Estou bem.

     Lorde Birmingham estava com os olhos lixos em Immanuel. — Existe um provérbio antigo, porém certo, que se aplica ao dia de hoje mais do que nunca, cujas palavras dizem o seguinte: "O que não tem valor para um homem é tesouro para o outro". Nos últimos séculos, a Ordem realizou um trabalho de mestria no controle dos recursos do mundo. Vocês convenceram o povo, de forma brilhante, a acreditar que existe uma necessidade urgente de uma nova ordem mundial de paz e justiça. Quero felicitar os esforços de Lorde Birmingham pela recente ação rápida dos meios de comunicação que popularizou o governo internacional pelo povo e para o povo.

     Immanuel começou a aplaudir, dando início a uma reação em cadeia de aplausos, começando com Lorde Winchester. Todos se levantaram ao mesmo tempo para prestar homenagem ao seu astuto chefe. Lorde Birmingham curvou-se em sinal de reverência. E voltou sua atenção novamente para Immanuel, que começou a falar.

     — Deixe-me dar primeiro uma breve ilustração histórica. Que invasor conquistou o Império Romano? Nenhum! A queda deste antigo império poderoso deve-se à corrupção interna e consequente anarquia. Por que a Revolução Francesa foi um câncer detectado no microscópio da história? O único princípio de unificação era a liberdade, que logo levou ao caos nacional e a uma impiedosa batalha sangrenta.

     — Todos nós sabemos que o experimento americano sórdidamente fracassou. Os sistemas político e econômico estão se desintegrando. Todos esses impérios tentaram assumir o controle do mundo com seus sistemas divergentes de despotismo, totalitarismo, liber-dade e democracia. Todos foram varridos ao longo do tempo por falta de um componente essencial.

   — O mundo nunca se unificará por meio do puro socialismo ou do puro capitalismo nem por uma combinação dos dois. A democracia apenas levará à privação do tesouro público pelos cidadãos até que finalmente se tornará um sistema falido. O despotismo levará a uma rebelião no campo e a uma ilegalidade social. O socialismo, finalmente, exaure o espírito e a vontade das massas e promove rebeliões que paralisam o industrialismo. Além disso, ele indubitavelmente levará a economia ao fim. O capitalismo cria o descontentamento entre as classes sociais e coloca o rico em oposição ao pobre. Cada um desses sistemas inventados pelo homem tem seus benefícios. Entretanto, senhores, todas as ideologias possuem erros que se multiplicam ao longo do tempo.

    

     Immanuel colocou as duas mãos sobre a plataforma.

     — Meus amigos, a história nos ensinou uma lição inestimável: o mundo nunca alcançará a paz e a harmonia política com o mesmo pensamento político dualista do passado.

     Pisou forte na plataforma mais por uma atitude teatral do que por emoção.

     — Para que a nova ordem mundial trabalhe em nosso favor, será necessária uma torrente de novas ideias e convicções confirmadas. Temos de mudar a maneira de pensar das pessoas, sua forma de comer e até sua maneira de respirar. Deve haver um avanço espetacular, uma nova era e um objetivo nobre para se viver como um cidadão do mundo.

     Immanuel fitou os olhos em suas anotações, em seguida respirou fundo novamente e fechou os olhos.

     — Devo continuar? Eles estão preparados para ouvir isto? perguntou Immanuel para Blasfêmia.

     — Todos, menos Lorde Winchester. Ele já tem sua ideia formada e não arredará o pé um centímetro — respondeu Blasfêmia.

     Immanuel levantou a cabeça enquanto abria os olhos. Um sorriso de orelha a orelha se abriu em seu rosto.

     — Devemos convencer todos os países a adotar um código universal de crença e conduta. Por gentileza, peço aos senhores que deixem para fazer suas considerações sobre meu projeto inicial após a apresentação de todos os detalhes do meu plano.

     Os homens acenaram com a cabeça em sinal de concordância, exceto Lorde Winchester, que se absteve.

     — Nossa nova ordem mundial será um tremendo sucesso se, e somente se, imaginarmos um novo sistema religioso universal.

     A expressão do rosto de Lorde Winchester deixou claro que este plano não teria seu apoio.

     — Este será o catalisador que levará a mente universal à harmonia possível de ser implementada. Por exemplo, hoje temos protestantes, católicos, judeus, budistas, muçulmanos, ateístas, humanistas e uma série de outros que crêem ser detentores da verdade. Isso provoca lesões e está dividindo a Mãe Terra. Não podemos sanar uma unidade dinâmica se partes do corpo estão em guerra umas contra as outras. Este novo sistema religioso estará baseado em princípios de um deus de amor e fraternidade. Deve ser algo que agrade a maioria dos cida-dãos do mundo. As vozes da minoria que se levantarem contra nosso projeto serão silenciadas para que uma transição pacífica seja garantida para nossa ordem mundial. Esta nova crença terá princípios de cada uma das principais religiões do mundo, além de novas revelações de um homem nomeado por deus, e reunirá todos os povos para a formação da Igreja Mundial. Este homem de deus criará um sistema religioso democrático baseado em princípios segundo a vontade dos cidadãos. Aquele que envenenar a mente de nossos irmãos com heresias será rapidamente eliminado. Seu destino será a morte pelo bem da humanidade.

     — O novo sistema político mundial reunirá as três esferas do mundo em uma sociedade. As comunidades asiáticas, americanas e europeias irão trabalhar em conjunto para que haja mudanças. As eleições democráticas serão realizadas para eleger os líderes mundiais. Estes terão um trabalho próximo a um presidente da Federação Mundial. A Ordem decidirá quem será o presidente e lhe dará a autoridade necessária para implementar nossos objetivos. Seu poder não terá limites, mas nós estaremos exercendo influência discretamente dos bastidores. Assumiremos o controle da economia, dos meios de comunicação, da política e da Igreja. Esta é apenas uma visão superficial do meu plano. Estou certo de que os senhores têm perguntas.

     Lorde Winchester levantou-se com ímpeto da cadeira:

     — Immanuel, você é um sujeito que tem muita lábia. Não concordo com nada disso! Sou contra você e suas soluções, que estão baseadas em fantasia. Seus motivos são duvidosos e seus métodos, bisonhos. É um esquema sobrenatural que faria sucesso em um filme de Hollywood. Não acredito em Deus nem nos milagres deste assim chamado mundo invisível. Esta idéia de um homem de deus jamais funcionará. A única maneira de ele prender o coração do mundo, a única maneira pela qual ele poderia me convencer seria se eu testemunhasse agora mesmo alguns milagres sobrenaturais que pudessem ser vistos, tocados e sentidos.

     Winchester sentou-se novamente. A câmara incendiou-se de conversas, com defensores de ambos os lados.

     — Senhores, senhores. Lorde Winchester acredita que os atos falam mais que as palavras. Estou quase concordando interrompeu Immanuel.

     — Blasfêmia, preciso que você use seus poderes — orou Immanuel em silêncio.

     — Vou mandar Lorde Winchester para o inferno em uma montanha-russa! — disse Blasfêmia com orgulho.

     A cadeira em que Winchester estava começou a tremer. Depois começou a subir devagarzinho. O Lorde estava paralisado de medo, e seus músculos congelaram. Os outros homens pularam da mesa e colaram-se às paredes. Apenas Immanuel continuou calmamente sentado. Lorde Winchester e sua cadeira permaneceram suspensos próximos ao teto que ficava a seis metros do chão. Blasfêmia, sem esforço, erguia o bilionário de quase noventa quilos.

     A cadeira, então, começou a descer suavemente do teto até chegar ao piso de mármore. Lorde Winchester tremia enquanto tentava parar em pé.

     Os homens lentamente rodearam Lorde Winchester e consolaram o companheiro. Cada homem olhou para Immanuel, que continuava estranho a si mesmo. Immanuel conseguira o que queria.

    

                                             GUERRA ESPIRITUAL

     STEPHEN TIROU os ÓCULOS que usava para leitura. Gotas de suor escorriam sem parar por seu rosto e pescoço. Seu corpo estava extremamente quente. Pelo 14o. dia consecutivo, o termômetro ultrapassara os 37°C. Stephen era um americano de ascendência africana, grandalhão, de olhos castanhos e semblante sincero. Como era uma pessoa distinta, tinha muitos amigos que estavam dispostos a fazer qualquer coisa por ele ou por sua família. Stephen estava com os olhos fitados no estranho ar-condicionado, sonhando com os bons tempos em que o conforto era um presente, não um luxo.

     Apenas os afortunados e influentes desfrutavam de um ar-condicionado nos dias de crise econômica. Os Estados Unidos, antes o "lar dos fortes e destemidos", haviam sido assolados e rebaixados ao título de Estados Unidos, lar dos fracos e desolados. A devassidão e a ilegalidade consumiam a grande águia como um câncer que se espalha pelo corpo. Justiça econômica e ganância dos capitalistas eram as palavras mais novas encontradas nos jornais e nos noticiários da televisão. A sociedade americana havia se dividido em uma cultura visivelmente exagerada de religiões distintas e diversas etnias. Era conhecida como uma sociedade de mistura racial e assimilação cultural. Infelizmente, os componentes dessa miscelânea eram agora altamente inflamáveis.

     Inúmeras cidades haviam passado de metrópoles magnificentes para grandes infernos. A polícia e a guarda nacional eram impotentes quando desordeiros ignoravam suas armas. A atitude desesperada dos agitadores estava baseada em uma triste verdade. Para eles, era melhor morrer do que viver sem dinheiro, sem esperança, sem justiça e sem o que comer. Dezenas de milhares estavam sendo assassinados enquanto o ódio racial e o conflito entre classes alimentavam as chamas da injustiça social.

     Enquanto Stephen recordava os acontecimentos perturbadores do momento, sua mente voltava aos tempos felizes. Lembrou-se do dia em que pediu sua esposa, Sabrina, em casamento. Seu coração vibrou quando se lembrou da alegria, do amor e da segurança que eles sentiram quando começaram a vida em um país que lhes permitia concretizar seus sonhos. Lembrou-se do nascimento de seu único filho, Stephen Jr., dos jogos de beisebol no parque e das excursões em família para acampar nas montanhas. Suspirou quando se deu conta de que os bons dias se haviam ido. Lutava para entender o propósito do Senhor por trás desse massacre e desespero da nação, no entanto, estava convencido de que havia uma razão para tudo isso. Voltou-se para a carta que estava escrevendo para seu antigo chefe.

     "Prezado senhor, espero que esteja bem e animado ao ler esta carta. Sempre gostei de meu trabalho no St. Louis Herald Times. Desejo sucesso ao jornal nesta nova era da história americana. Eu estaria mentindo se não admitisse a grande tristeza que estou sentindo por ter sido demitido. Espero que o senhor reconsidere sua decisão."

     Stephen esforçava-se por encontrar as palavras certas.

     "Eu sei que o senhor acha que não posso ser um jornalista objetivo porque sou cristão. Infelizmente, isso parece ser uma opinião geral. A ideia de que todos os cristãos são fanáticos judiciosos ou pregadores do Apocalipse e mentirosos parece estar se espalhando mais rápido do que minha capacidade de compreender. Reconheço que diversos crimes foram cometidos nos últimos cinco anos por aqueles que professam a fé cristã, mas essas ações não caracterizam os verdadeiros discípulos de Jesus Cristo. Parece haver um pequeno grupo bem organizado em alerta que declara publicamente a fé na doutrina cristã. Não posso enfatizar o suficiente que eles não seguem os princípios de Deus e seriam denunciados como hipócritas pelo próprio Cristo.

     "Infelizmente, eu estava presente quando um 'estranho' usou uma arma para assassinar um médico e uma enfermeira que praticavam abortos. Este assassino não era um dos membros do movimento pró-vida nem era meu parceiro ou parceiro de qualquer outro membro de nossa organização. Acredito que este homem era um impostor cujo plano era destruir nosso movimento de paz. Condeno este ato covarde de violência! Nunca defenderei o conceito de que 'dois erros constituem um direito'.

     "Oro para que o senhor reconsidere sua decisão. Sinceramente, Stephen Wallace."

     Lágrimas se formavam em seus olhos enquanto ele se lembrava das palavras de Cristo para que "regozijasse" quando perseguido por Seu nome. Imprimiu a carta e assinou no final. Sua esposa Sabrina bateu delicadamente na porta.

     — Está tudo bem com você, meu bem?

   — Tudo bem — disse Stephen.

     Releu a carta à procura de erros. O calor e a falta de sono começaram a prejudicar sua mente cansada. As palavras e as frases começaram a ficar embaralhadas, enquanto a carta se tornava confusa. Aos poucos foi pegando no sono...

     — Querida, deixei o emprego na semana passada — murmurou Stephen.

     Sabrina deu-lhe um olhar repreensivo de traição.

     — Por que você não me contou antes? Você já está em casa há três dias agindo como se seu cachorro acabasse de morrer e me ignorando a todo custo! Você não confia mais em mim? O que vamos fazer para pagar as contas? Vamos acabar na rua sem uma peça de roupa para vestir! Você não se preocupa comigo? Você não...

     Stephen acordou do pesadelo e saltou do assento enquanto Sabrina beijava-lhe levemente o pescoço.

     — Estou preocupada com você, Stephen. Você mudou muito nesses últimos dias. — Olhou para a mesa onde estava a carta. — É seu mais novo artigo? — sorria ela entusiasticamente, enquanto se dirigia à carta.

     — Não — gritou Stephen.

     Ele simplesmente impediu que a carta chegasse às mãos da esposa. Sabrina ficou assustada.

     — O que há de errado, Stephen?

     Olhou em seus olhos castanhos à procura de uma pista. Ele rapidamente desviou os olhos, perturbado com seu comportamento enganoso.

     — Você está desanimado desde o fim de semana. Está tudo bem no trabalho? — perguntou Sabrina.

     Ele olhou bem em seus olhos.

     — Sente-se, querida. Tenho más notícias.

     — O que é?

     Ela suavemente acariciou suas mãos. Stephen olhava para baixo, incapaz de encará-la nos olhos.

     — Faltei com a verdade — murmurou Stephen.

     Ela apertou a mão dele em sinal de apoio. Não havia um vestígio de reprovação. Stephen estava surpreso com sua reação.

     — Fui demitido do jornal na sexta-feira por insubordinação.

     Sabrina já vinha esperando por isso há algum tempo. Esticou-se para abraçar o marido.

     — Por quê? — perguntou ela.

     — O assassino no grupo pró-vida somado ao meu artigo politicamente incorreto foram suficientes — disse Stephen. — Esta carta é minha última tentativa de salvar meu emprego.

     Desanimado, entregou a carta à esposa. Enquanto ela lia as palavras dirigidas ao antigo patrão do marido, uma sensação de paz tomou seu espírito preocupado. O pesadelo que ele temia nunca se tornou real. Ele podia sentir o consolo do Espírito Santo.

     Sabrina colocou a carta na mesa de centro.

     — Perfeito. Você disse a verdade com amor. Deus nos mostrará as razões que estão por trás dessa adversidade.

    

     Timothy estava sentado no telhado do principal jornal da cidade. Estava sozinho e distraído. Desocupado há uns três dias, não tinha a menor ideia do que faria a seguir. Estava curioso por saber para onde seu próximo trabalho iria levá-lo. Timothy tinha quase um metro de altura e era forte. Suas asas brancas eram pequenas e traziam laços dourados. Da última vez que mediu, no dia anterior, sua velocidade máxima era de quase três mil quilômetros por hora.

    

     Timothy foi condecorado com a categoria de Primeira Classe Particular no exército celestial de Deus Jeová. Seu trabalho era esperar as orações dos santos. Então, ele voava até o posto de comando nas nuvens e retransmitía a principal oração a um capitão. De vez em quando, ele era obrigado a pelejar com um dos conspiradores de Lúcifer. A força e o poder que ele exibia não eram determinados por ele, mas pela fé e pelas orações dos santos. Às vezes, era impedido por uma nuvem de demónios que tentavam roubar essas orações. Seu trabalho era árduo, mas gratificante, e ele o amava.

     De repente, percebeu que precisava tomar algumas decisões importantes, e rápido. Devia deixar seu posto e sair à procura de seu santo Stephen? Talvez devesse informar ao quartel sobre a ausência de Stephen. Não, ele jamais desobedeceria ao Deus Jeová. As ordens Dele estavam perfeitamente expressas. Deixaria sua posição estratégica em apenas uma circunstância. Tinha permissão para sair do escritório do jornal e seguir rumo à central de comandos apenas para retransmitir orações. Nada mais, nada menos que isso.

     "De onde vem esse terrível pensamento?", pensou Timothy assim que começou a procurar um intruso importuno.

     — Não perca tempo me procurando, seu bebezão; vá atrás de seu santo chorão. Pude ouvido choramingando por você ao cruzar toda a cidade.

     A adrenalina de Timothy aumentava, enquanto ele olhava ao redor. Ansioso, sacou sua arma à vista aberta. Olhou para todos os lados, mas nada viu.

     — Na, na, na, na! — zombou a criatura invisível.

     Timothy fitou os olhos nos ares-condicionados barulhentos da vizinhança. Uma criatura como que um fantasma se esquivou.

     — É você, Bart? Apareça e lute como um demônio! — exigiu Timothy, seguindo na ponta dos pés em direção ao mastro empoeirado. — Eu sei que você está tentando encher minha cabeça com besteiras. Por que você não vai procurar um idiota que lhe dê ouvidos?

     De ponta-cabeça, Timothy desceu a pique o buraco cheio de fumaça. Bart entrou em pânico. Saiu em disparada pelo cano e atravessou a sala de redação. Timothy vinha fervendo atrás dele. Perseguiu o demônio pelos escritórios, mesas e pelos corredores cheios de pessoas.

     — Você não vai escapar de mim! — gritou Timothy, ofegante.

     — Seu inútil! Você nunca vai me pegar com essas suas asinhas — vociferou Bart.

     Bart atravessou uma parede a todo vapor e cruzou as ruas agitadas da cidade.

     — Venha, sua lesma, estou bem aqui — zombou ele.

     Timothy deu partida em seu motor angelical em sobre-marcha enquanto disparava em direção ao fantasma.

     — Estou farto de suas gracinhas. Você está morto! — bradou Timothy.

     Mirou tempestuosamente seu punhal na direção de Bart, que o aborreceu sem recuar até o último instante. Timothy passou correndo por Bart, que estava às gargalhadas, contudo, fez uma rápida curva em U.

     — É isso aí, meu chapa. Estou furioso agora.

     Timothy lançou sua espada no coração perverso do demônio. Bart escapou da investida e subiu em direção às nuvens.

     — Venha me pegar, seu cabeça-dura — escarnecia Bart.

     Timothy estava prestes a sair quando parou e se lembrou de suas ordens.

     — Venha me pegar, seu covarde! — gritou Bart.

     Timothy inclinou-se como uma flor sem a chuva da primavera. Ele havia passado por idiota mais uma vez. Observou Bart voar ao longe.

     — Lúcifer é rei! — disse Bart com orgulho. — Lúcifer e Bart governam o mundo.

     Bart observava Timothy desaparecer. De repente, do nada, algo agarrou o pescoço esquelético do demônio, que suplicou por misericórdia, enquanto era lançado de volta à cidade poluída.

     — Ai! Ajudem-me! Não! O que está acontecendo? — entrou em pânico o demônio sem ação. — Lúcifer, mestre, preciso de você — gemeu o demônio sem forças.

     — Você precisa, meu jovem, é de um jeito nesta postura retrucou Alexius, coronel e comandante angélico responsável pela área metropolitana de St. Louis.

     Alexius soltou sua presa, que estava desorientada.

     — Vocês, demônios, nunca desistem. Sua cortina de fumaça logo será cortada pela luz de Cristo. Mal posso esperar para vê-los correr quando todas as obras do mal forem expostas. Nunca vou entender como um terço de vocês, anjos, puderam deixar os ensinamentos da infância. Seu Criador, o Deus Jeová, ainda lamenta a traição de vocês.

     Alexius não estava com paciência para ouvir respostas malcriadas, principalmente vindas de um demônio subalterno.

     — Senhor, é claro que sinto muito por meus diversos pecados e falhas. Eu apenas estava me divertindo um pouco com aquele sujeitinho. Não houve um dano sequer. Se me deixar ir, prometo nunca mais ser malvado.

     Alexius fingiu-se surdo à voz de seu prisioneiro. Bart persistiu.

     — Não tive mesmo a intenção de machucar ninguém. Verdade! Vamos relevar e esquecer essa história, certo?

     Sua insinuação de quem não estava arrependido atingiu o senso de proteção de Alexius. Bart fez uma nova tentativa.

     — Por que alguém tão poderoso e prestigioso como o senhor se preocuparia em deter alguém tão insignificante como eu? — alcovitou Bart.

     Alexius lançou um olhar para Bart que derreteria um diamante.

     — Você tentou desafiar um de meus soldados. Como ousa distorcer essa questão, tornando-a uma rixa de parquinho de diversões? Eu me recuso a permitir que este ato passe impune. Infelizmente, para seu governo, seus superiores estão mobilizando seus soldados para uma campanha histórica geral de morte e engano. Eles não terão tempo para salvá-lo.

     — O que... o que vocês vão fazer comigo? Vocês vão me mandar para o grande abismo? Por favor, eu imploro. Não me mande para aquela terrível masmorra!

     Alexius fitou o demônio tremendo.

     — Não, vou fazer algo quase tão ruim quanto isso. Você vai se ajoelhar e se desculpar com Timothy. Para que isso seja mais emocionante, convocarei todos os anjos da vizinhança para que testemunhem sua humilhação. Alguma pergunta, Sr. Espertalhão?

     Bart ficou louco. Sem mais nem menos, soltou uma de suas garras que estavam presas por Alexius. Reuniu todas as forças de um superdemônio e acertou com o punho cerrado o rosto daquele que o atormentava. Alexius foi pego de surpresa. O punho de Bart acertou em cheio o queixo de Alexius que, atordoado com a pancada, soltou sem querer seu prisioneiro. Bart não era idiota. Safou-se voando para as estrelas.

     — Nunca me curvarei para gente como você ou para um de seus idiotas! — gritou Bart.

     Alexius recuperou os sentidos. Sem esforço algum, diminuiu a distância que havia entre Bart e ele.

     — Alto lá, se é que sabe o que é melhor para você! — ordenou o anjo de Deus.

     Bart desobedeceu, seguindo seus instintos. Cruzou a estratosfera voando no sentido oposto, fazendo piruetas, curvas e mergulhos de cabeça na tentativa de fazer Alexius perdê-lo de vista. A mente de Bart começou a estourar sob a pressão. O demônio, que vivia andando fora de linha, sabia que seria apenas uma questão de tempo para cair nas mãos de Alexius.

     — Não adianta correr. Desista agora e, quem sabe, eu possa ter um pouco de misericórdia de você — ordenou o oficial.

     Bart ignorou a proposta e concentrou-se em aumentar sua velocidade e agilidade. De repente, Alexius surpreendeu o fantasma e cravou suas mãos na garganta de Bart.

     — Solte-me, seu marmanjo sentencioso! — gritou Bart.

     Contorcia-se, cuspia e ferroava o demónio. Bart brigava com toda a fúria que dispunha, mas não estava à altura do coronel.

     — Seu julgamento está à sua espera em St. Louis. Foi você mesmo quem escolheu seu caminho de destruição e sofrerá as consequências de sua escolha. Você recusou a oportunidade de receber misericórdia.

     Alexius abriu um grampo do cinto e soltou um pequeno objeto parecido com metal que estava ali. Era do tamanho de uma bola de golfe, de cor púrpura e azul, e reluzia com raios prateados de luz.

     — Senhor Deus Jeová, Criador dos céus e da terra, envia este malfeitor insensível e obstinado para o cativeiro que ele lhe é por direito — orou Alexius.

     Bart começou a delirar gritando alto e de forma incompreensível. Seus átomos se transformaram e variavam enquanto o raio de energia que vinha da arma de Alexius se punha em ação. Seu corpo espiritual foi se desfazendo lentamente até chegar a uma única célula dentro do aparelho. Alexius prendeu o vaporizador no cinto. Uma paz agradável encheu o ambiente assim que a presença de Bart foi retirada de cena.

     Alexius agarrou-se a uma onda de gravidade e desceu flutuando até a multidão alvoroçada. Timothy avistou o anjo.

     — Timothy Butler da Primeira Ordem pronto para novo trabalho, senhor.

     Alexius pairava sobre a superfície da terra. Suas asas suavemente se dobraram enquanto examinava o soldado.

     — Fiquei sabendo que você anda tendo alguns aborrecimentos — disse o anjo superior preocupado.

     Timothy permaneceu em posição de sentido.

     — Sim, senhor — o anjo admitiu relutante. — Nada que esteja fora do meu alcance, senhor.

     — Quero elogiá-lo por nosso esforço mais recente com seu santo, Stephen. Você tem feito um excelente trabalho protegendo-o e levando suas orações ao céu com segurança. Fique em paz, soldado — ordenou Alexius, enquanto passava a mão de leve no ombro do anjo.

     — Tenho uma surpresa para você.

     Seus olhos voltaram-se para o cinto. Timothy ficou confuso, depois esperançoso.

     — O senhor vai deixar que eu experimente sua espada? Não imagina há quanto tempo espero pela chance de...

     — Não, filho. Presenciei a tentação e a reprimenda pela qual Bart fê-lo passar. Você fez a coisa certa em não abandonar seu posto. Estou muito orgulhoso de você, meu jovem anjo. Talvez esteja interessado em saber que Bart encontrou um obstáculo quando caminhava pelas nuvens. Eu o encontrei saindo às pressas da terra em direção à sua base. Para tristeza dele, se deparou com um visitante que não esperava. Eu!

     Mais uma vez Alexius insinuou seu cinto. Timothy entendeu a mensagem.

     — O senhor acabou com ele, não é mesmo? O que pretende fazer com ele? Tenho ótimas ideias aqui comigo.

     — Timothy, Timothy, Timothy. Lembre-se da perfeita e imutável Palavra de Deus. O livro de Judas registra que o arcanjo Miguel pelejou com Lúcifer pelo corpo de Moisés. Nem mesmo ele repreendeu ou deu sua sentença, mas deixou o julgamento para o Senhor, que julga com justiça. Quando Deus Jeová julgar os mortais, Ele, junto com os santos, julgará os anjos também. Tenha paciência e lute o bom combate de acordo com as regras e não com as imaginações do seu coração!

     Timothy abaixou a cabeça em sinal de arrependimento. Alexius lançou-se ao céu e veio parar sobre Timothy, pegando uma trombeta dourada que escondia sob suas imponentes asas. Multidões de anjos que estavam do outro lado da grande campina responderam ao toque de guerra.

     — Companheiros na causa de Cristo, sejam bem-vindos a uma das mais emocionantes, porém solenes, ocasiões.

     Alexius procurou Timothy em meio à multidão e fixou os olhos nele.

     — Como sabem, Deus Jeová ordenou um cessar-fogo para certas unidades de nossa milícia. Muitos de nós não se mostraram incomodados com este decreto e estão ocupados em manter a paz pública. Um recente evento pode trazer alguma luz sobre as estratégias de guerra de nosso inimigo. Um demônio subalterno do exército de Lúcifer, na verdade, tentou desafiar um dos nossos!

     Os anjos começaram a murmurar uns com os outros. A maioria queria saber por que os demônios perderiam tempo tentando desafiar os anjos. O inimigo vinha somente zombando dos mortais desde a Criação. Seria apenas uma casualidade ou uma nova política para sondar e destruir homens e anjos da mesma maneira?

     — Prezados anjos, capturei um agente do inimigo. Este demônio foi pego desafiando um de nossos melhores agentes, Timothy Butler. Meu primeiro instinto foi acreditar que este se tratava de um incidente isolado, uma vez que este discípulo do Diabo sempre teve um caráter duvidoso. No entanto, o final dos tempos está se aproximando depressa. Lúcifer sabe que seu tempo está chegando ao fim. Eu não ficaria surpreso com qualquer coisa que ele ou seus demônios pudessem tentar fazer.

     Alexius apertou levemente um botão no incinerador. Um espectro de luzes e sons jorrou para todos os lados. O show se espalhou por todo o céu coberto de estrelas. Uma nuvem de íons se formou ao redor de Alexius e depois convergiu para uma enorme bola de energia explosiva, que começou a girar em volta de um ponto central. Partículas de luz rompiam na órbita e vinham com ímpeto em direção a determinados pontos. Os anjos puderam distinguir uma cabeça, depois um tórax, braços, pernas e, por fim, as asas escameadas. Os olhos de Bart se abriram. Seu corpo estava duro. Os únicos sinais de que ele ainda estava vivo eram os olhos esbugalhados e o vapor que saía de suas narinas. Bart percebeu que não estava no controle. Era um infeliz.

     Alexius abaixou-se até chegar ao nível dos olhos de Bart.

     — Bem-vindo de novo ao mundo real, Bart.

     Bart estava com a boca completamente fechada. Uma névoa negra de raiva e desprezo esvaía-se de seu espírito enquanto observava os anjos se colocarem ao seu redor.

     — Timothy Butler, por favor, dê um passo à frente — pediu Alexius.

     Nervoso, Timothy olhou para a multidão ao redor. Parecia confuso enquanto se aproximava do ponto de luz.

     — Timothy, agradeço por estar presente durante este interrogatório decisivo. — O anjo se mostrava firme, porém era gracioso. — Estamos aqui para determinar a sentença deste demônio que tentou desafiar nosso companheiro Timothy Butler.

     — Bart, como sabe, este não é um tribunal de justiça. Deus Jeová é o único verdadeiro Juiz no universo. Ele exercerá esse direito no final da história. No entanto, eu o advirto a não levar esta situação em banho-maria. Você pode acabar sem escapatória a qualquer momento.

     Bart ignorou o anjo. Estava ocupado enviando sinais de socorro para seu supervisor. Alexius foi até o prisioneiro e obrigou-o a olhar em seus olhos. Ele estava há centímetros de distância do rosto de seu tirano.

     — Bart, pelo que vejo, você tem três opções. Você pode continuar relutante em silêncio e esperar que alguém forte o suficiente venha resgatá-lo. — Alexius sorriu com esta possibilidade. — Alguém de sua insignificante estatura e duvidoso passado poderia apodrecer na cadeia antes de os reforços chegarem. Aqueles fantasmas o consideram um fantoche descartável.

     — Sua segunda opção é recuperar sua liberdade sendo fiel a uma simples ordem: cair de joelhos em sinal de arrependimento à vista de todos os meus anjos e desculpar-se publicamente com sua vítima, Timothy.

     As palavras de Alexius cortaram o coração arrogante de Bart.

     Seu rosto magro intumescia enquanto fervia de uma raiva repulsiva e iníqua. O simples pensamento de humilhar-se em público fez com que seu rosto ficasse da cor de um tomate maduro.

     — Sua última opção é explicar por que seu comando supremo quer que você desafie espíritos que estão do lado de Deus Jeová. Quero relatórios das reuniões a portas fechadas. Quero evidências incontestáveis que confirmem suas afirmações. Quero as táticas de guerra que Satanás está tramando para iniciar uma segunda guerra civil do universo. Quero datas. Quero horas. Quero a verdade!

     Os olhos de Alexius estavam fincados no diabinho enquanto mantinha as mãos no cinturão para seu desmoralizador de demónios. Ele reduziu o sensor que ficava ao lado do aparelho. O campo de força que calava a boca de Bart diminuiu sua ação. Os olhos do fantasma cintilaram de entusiasmo. Devagar e em silêncio, ele começou a esticar os músculos do queixo. Então, um som agudo e alto vibrou dos céus. Seu bramido de socorro podia ser ouvido a centenas de quilômetros de distância.

     A paciência de Alexius estava se esgotando. Colocou as mãos ao redor do pescoço de Bart.

     — É hora de decidir seu destino. Não vou tolerar mais sua demora. O que você escolhe? — perguntou Alexius.

     O cérebro de Bart não parava de funcionar. Ansiava ver o dia em que Satanás esmagaria as forças do céu, principalmente Alexius. Não disse uma palavra.

     — Bart! — bradou Alexius. — Fale agora ou terá de encarar um futuro fora de seu controle.

     Irônico, o vilão limpou a garganta.

     — Nunca vou me curvar para qualquer um dos animais hipócritas e legalistas que declaram falsamente o status angelical!

     Bart estava ficando assustado. Não conseguia se lembrar da última vez que tivera um público deste tamanho.

     — Nunca deixarei que me prendam nesta repugnante e tortuosa máquina do tempo.

     Alexius ficou chocado com a resposta do demônio. Com uma voz que parecia um alto-falante de dez mil watts, ele disse:

     — Um seguidor de Satanás prefere a traição à humilhação ou ao bom senso. O reino de Lúcifer terá de vir ao chão com uma queda poderosa. As palavras de Jesus permanecem fiéis: "Todo reino dividido contra si mesmo ficará deserto, e toda cidade ou casa dividida contra si mesma não subsistirá".

     Os anjos voaram em todas as direções. Gritos de júbilo subiram pelo ar.

     Bart queria vomitar. Viu quando os servos de Deus cruzaram o céu, entoando louvores ao seu Criador. Pouco depois, Alexius acalmou a multidão.

     — Bart, parece que você optou por entregar os segredos internos. A meu ver, sua escolha é a mais insensata. Satanás ficará indignado quando receber a notícia de sua traição. Com certeza, eu não gostaria de estar em seu lugar.

     Os anjos aplaudiram. Os olhos diabólicos de Bart flamejavam de desprezo e ódio. Usou cada centímetro da força que dispunha para se livrar do campo de força.

     — Veremos quem serão os idiotas quando Lúcifer assumir o controle do planeta! — A saliva acidífera do Diabo espumava e pingava dos bigodes do queixo. — Não se preocupe, Alexius, vou lhe contar a verdade. Como pode ver, os demônios são capazes de fazer o bem e o mal. Temos escolha. Vocês, suas pragas, agem como se não tivessem. Sempre fazendo a coisa certa. Que chatice! Vocês são estúpidos robôs que obedecem a seu Deus, sem se importar se isto faz sentido ou não. Mesmo com todos os dados de suas espionagens no mundo, você e seu bando não são espertos nem fortes o suficiente para afetar nossos planos.

     A multidão estava atordoada com Bart. Sem saída, o demônio continuou a vomitar suas asneiras. Alexius apanhou sua espada reluzente e colocou-a no ombro de Bart.

     — Conte tudo. E lembre-se, a menor distorção da verdade pode resultar em um erro para toda a eternidade. Primeiro, quero saber se Satanás ordenou a seus demônios tentar os anjos do Altíssimo. Quero saber seus motivos e conhecer seu plano de longo prazo.

     Alexius examinou os olhos impenetráveis do adversário, à procura de credibilidade.

     — A resposta é não e não! Satanás não ordenou que eu tentasse seu precioso anjinho — respondeu o rebelde.

     — Logo suponho que você resolveu tentar Timothy por sua conta, sem interferência de outros?

     — Eu não disse isso. Alexius resolveu cooperar.

     — Então quem ordenou que tentasse meu companheiro? — indagou Alexius com muita paciência.

     Bart fez uma pausa. Queria observar o rosto de seus inimigos quando soltasse a verdade.

     — Blasfêmia, o general que carrega cinco estrelas no exército de Satanás, deu a ordem.

     Uma luz brilhou na cabeça de Alexius.

     — Blasfêmia recebeu permissão de Satanás para ordenar a tentação dos anjos? — perguntou Alexius.

     — Não tenho a menor ideia, e não dou a mínima para o relacionamento complicado entre eles!

     Alexius estava convencido de que o demônio dizia a verdade, o que era, de fato, um caso raro.

     — Por que Blasfêmia queria que você perdesse tempo tentando espíritos? — perguntou Alexius.

     Bart olhou em sua direção com um olhar de repreensão.

     — Blasfêmia é esperto demais para desperdiçar seu tempo e o meu. Eis o problema de vocês, anjos do Todo-Poderoso. Vocês não dão ao inimigo o crédito que ele merece. Este será o grande desastre para sua derrota final!

     O insulto despertou Alexius.

     — Blasfêmia — continuou o demônio — disse que devíamos ser bonzinhos e dar uma chance ao inimigo para abandonar o navio antes de ele afundar. Disse que está por um fio para que rompamos os poderes da justiça e da assim chamada verdade absoluta. Após esse período de intenso conflito, governaremos o universo evoluído para sempre. Por meio de nosso tentador, é provável que alguns dos anjos do Deus Jeová caiam em si e se unam ao lado que está com a prosperidade e o poder!

     — Uma pergunta, demônio inexperiente. Quando ouviu falar que o Diabo é bom?

     — Meu querido Alexius, a bondade é um recurso para nós e não uma ordem. Bondade é uma demonstração clara de ilusão. É usada para obter poder e influência pessoal. Bondade não é bom nem é mau; é um conceito. Veja: nós, filhos das trevas, usamos a bondade para promover nossos programas individuais. Mas também temos a maldade à nossa disposição para atingir nossos objetivos. Somos espertos o suficiente para usar qualquer coisa que funcione! A doutrina é simples. Faça o bem para que o mal possa crescer!

     Alexius estava surpreso. Nunca ouvira o dogma dos demônios colocado de forma tão eloquente.

     — Suas palavras me ensinaram muito sobre a capacidade de sedução de Satanás — admitiu Alexius. O coronel parecia um pouco intrigado. — Por que você é apenas um soldado raso? Se o mal está aumentando, como você diz, parece que você ficou de fora.

     Bart baixou a cabeça, envergonhado. Não tinha resposta. Alexius examinou o demônio e percebeu a confusão. Colocou a mão no ombro de Bart e deu um palpite:

     — Talvez o Pai da Mentira esteja mentindo para você.

     Aquelas palavras partiram o espírito de Bart. Ele não queria crer em uma coisa dessas. Bart sentiu-se como se fosse um lobo encurralado por leões famintos. Respondeu da única maneira que pôde encontrar para aliviar a pressão. Mergulhou com ímpeto em direção à cidade adormecida.

     — Você está mentindo! Como pode mentir assim? Nunca mais minta para mim. Mentiroso! Mentiroso! Mentiroso!

     Bart estava distante quando começou a pensar que tudo isso não passava de um terrível pesadelo. O espírito agitado ofegava como se estivesse à procura de um hospício. Descobriu um lugar solitário e fez um mergulho em busca de liberdade. Sem tempo, escondeu-se dentro de um transformador no limite da cidade.

     Assim que recuperou a compostura, uma forte rajada de vento sacudiu seu refúgio. A fúria fê-lo tremer dos pés à cabeça. De repente, uma chicotada forte rebentou o frágil esconderijo de Bart. O fantasma ficou desacordado. Quando recuperou a consciência, seus olhos caíram sobre Alexius. Pela primeira vez na vida, ele queria saber se estava do lado errado.

     — Bart, sua lista de crimes contra a humanidade, os anjos e Deus é muito grande — declarou Alexius. — Por suas ações, você provou que não merece clemência no futuro. Meu coração lamenta pelo triste final que você escolheu. Por isto, você está sentenciado ao isolamento até o dia do juízo.

     O demônio fechou bem os olhos para o mundo externo. Como desejava fazer o mesmo com os ouvidos! Ele agira como um animal desde o princípio e agora estava sendo tratado como tal. A justiça fora indiferente para com ele. Subitamente, um trovão explodiu do céu. Torrentes de luz cobriram a escuridão. Alexius levantou as mãos para o céu.

     — Prepare-se para se encontrar com seu Criador!

     Bart estava amedrontado. Abriu violentamente os olhos manchados de lágrimas e, impotente, viu quando Alexius deu uma sugestão para Timothy. O jovem anjo localizou o botão preto que trazia escrito "Calabouço Profundo" e deslizou o dedo no sensor. Com os olhos fechados, punhos cerrados e o coração insensível, Bart foi transportado para sua cela, seu último lar antes das chamas do inferno.

    

                              ALGUNS HOMENS SÃO BONS

     As cartas de solicitação da estação de notícias de St. Louis estavam sobre a mesa do estúdio central. A WLIB TV 5 era a única estação de televisão que restara em St. Louis desde que as outras estações haviam fechado por falência há alguns anos. Logo após a revolta nacional, o governo assumira firme controle sobre os meios de comunicação de âmbito nacional. Aqueles que transmitissem notícias diferentes da versão do governo eram severamente punidos e, de vez em quando, retidos.

     Na WLIB, os produtores estavam finalizando suas histórias politicamente corretas. Diretores espiavam por sobre os ombros, esperando os artigos já prontos. Vários repórteres encontravam-se em cabinas de som, gravando as notícias do dia. Editores realizavam as edições de vídeo e som para finalizar a sinopse das notícias. À medida que o prazo final para apresentação do noticiário das 18 horas se aproxi-mava, a tensão no escritório aumentava.

    

     — Trinta segundos para entrar no ar — gritou o cameraman.

     Os locutores saíram carregando os papéis.

     — Está faltando a matéria principal na minha pauta — disse em pânico o jornalista principal.

     — Vinte segundos — gritou o diretor do programa.

     Uma funcionária estendeu a mão de onde estava sentada, agarrou o script e saiu em disparada para a mesa do estúdio central. O estúdio foi poupado de outro desastre.

     — Cinco segundos. Atenção.

     O caos da sala de redação foi substituído no mesmo instante por um ar de profissionalismo.

     — No ar — gesticulou com os lábios o cameraman, enquanto apontava para a câmera do estúdio.

     — A seguir, aqui no Canal 5, às seis horas: os problemas de dinheiro continuam. Teremos as últimas cifras e a resposta do governo — noticiou Ken Action.

     — Como o Oriente Médio está à beira de uma guerra, um oficial europeu diz que tem a resposta para um acordo de paz — acrescentou Sally Winter.

     — E ainda hoje, em nossa reportagem especial, a guerra civil sangrenta dos Estados Unidos. Sinais de paz em uma república que está com os nervos à flor da pele — anunciou Ken.

     — A seguir, as notícias do dia que mudarão sua vida — informou Sally chamando os comerciais.

     — Tudo em ordem — disse o diretor pelo sistema de som do estúdio.

     O clima do estúdio no mesmo instante mudou do profissional para o informal, como se bons amigos conversassem sobre suas travessuras do fim de semana.

     Enquanto isso, no canto da sala de redação, o diretor de notícias, Ben Stanwick, descansava em seu confortável escritório. Ben era um homem de meia-idade cujos cabelos estavam ficando grisalhos rapidamente. Eventualmente observava o drama que acontecia do lado de fora de seu escritório.

     Voltando-se para seu mais novo produtor executivo, Ben Stanwick disse:

     — Como pode ver, Sr. Wallace, meu jornal corre para cá e para lá na mais perfeita tranquilidade, como nosso país.

     Stephen Wallace sorriu.

     — Sr. Wallace, preciso de um homem de fibra e de postura firme nesta posição importante. — O diretor de notícias fez uma pausa para formar as ideias. — Tenho o maior respeito por você, Stephen. Você assumiu uma postura fir-me, e eu admiro isso.

     — Sou grato por me dar esta oportunidade. Pensei que ficaria na rua pedindo esmola. O Senhor tem sido bom para comigo — admitiu Stephen.

     Ben parecia envergonhado quando diminuiu a voz.

     — Tenho de lhe pedir um favor, mesmo não querendo ter de fazê-lo. Você não pode compartilhar sua fé cristã com seus companheiros de trabalho.

     Ben esperava que Stephen compreendesse as circunstâncias. Stephen era inteligente o bastante para esperar esta proposta como condição de trabalho. Ele permaneceu em silêncio enquanto observava seu novo chefe esforçar-se por achar as palavras.

     — Tenho um amigo que foi processado pela Comissão de Oportunidades Igualitárias de Trabalho por compartilhar sua fé no trabalho. Foi informado de que estava criando um ambiente de trabalho que não era saudável. A co-missão tinha ouvidos em toda parte. Arrisquei meu trabalho ao contratar você, por isso, por favor, não me decepcione! Stephen mostrou os dentes.

     — Quando começo?

     Ben olhou de relance para o produtor executivo que seria dispensado. Os pés dele estavam sobre a mesa e ele estava mascando um chiclete. Não parecia nem um pouco interessado no noticiário ao vivo que estava em curso.

     — O produtor executivo sairá do jornal na sexta-feira. Apareça bem cedo na segunda.

     Os dois se levantaram e se dirigiram para a porta.

     — Obrigado, de verdade — disse Stephen. — Como você me conseguiu este trabalho?

     Ben sorriu.

     — Digamos que meu chefe pensa como eu.

     Stephen animou-se. Estava convencido de que Deus estava no controle de tudo, até de ter sido demitido do jornal.

     Ben colocou o braço no ombro de Stephen e disse:

     — Estou contente por Deus tê-lo enviado.

     A paz do momento se foi quando abriram a porta da cova dos leões. Seguindo os passos de Ben pela turbulenta sala de redação, Stephen orava em silêncio: "Jesus, ajuda-me a fazer a diferença aqui neste lugar".

     O singelo pedido de Stephen Wallace saiu flutuando direto para a sala do trono do Deus Todo-Poderoso. Timothy, que havia sido renomeado o principal anjo da guarda de Stephen, pegou a oração no meio do caminho. Levar as sinceras palavras até o Senhor era uma tarefa que mexia com sua adrenalina. Entusiasmado, ele examinou seu novo companheiro, Daniel.

     Daniel fora designado para a classe de soldados rasos. Menor que Timothy, Daniel tinha os olhos azuis da cor do mar, cabelos enrolados e nariz pequeno. O anjinho também tinha um sorriso contagiante.

     Ansioso, o novo soldado havia acabado de ser selecionado do rol de soldados para apresentar-se ao campo de batalha. Sua vidinha sempre girava em torno de tarefas seguras, como registrar e organizar as orações de cristãos na região de Missouri. Dia após dia, Daniel separava os pedidos que a Agência Central de Oração, mais conhecida como ACO, enviava. Com as diversas mudanças se aproximando rapidamente, Deus Jeová estava ordenando transferências de 30% do pessoal da parte de processamento para o campo de treinamento. Estava claro para Daniel que uma batalha de proporções bíblicas estava garantida em um fu-turo próximo.

     — Daniel, a principal obrigação de um anjo da guarda não é guardar, mas comunicar. Seu principal trabalho será transmitir as orações para a ACO. — Timothy ergueu a voz para conseguir a atenção total do recruta. — Você deve ficar de guarda 24 horas por dia. Uma oração sincera pode ser feita a qualquer hora e em qualquer lugar. Muitos anjos inexperientes abandonam seus postos, principalmente quando seus protegidos dormem. Esteja alerta o tempo todo. Você nunca sabe ao certo quando aquele para o qual foi nomeado pode acordar.

     Timothy colocou a oração de Stephen em um decodificador espacial. Daniel observava todos os movimentos do mestre.

     — O que você está fazendo agora? — perguntou o anjo curioso.

     — Estou captando a mensagem de nosso santo. Uma vez terminada esta parte, você a introduz no sistema central de computadores. Esta informação delicada é automaticamente enviada para a ACO. Assim que recuperada, ela é automaticamente transmitida na veloci-dade da luz para a sala do trono de Deus.

     O soldado inexperiente observava perplexo.

     — Por que você tem de ir à ACO se este equipamento faz todo o trabalho? — perguntou o anjo intrigado.

     — Fico surpreso em ver que alguém que já trabalhou na ACO não conheça o sistema de funcionamento interno da agência — comentou Timothy.

     Daniel ficou arrasado. Lágrimas brotaram de seus olhos.

     — Ninguém nunca me explicou. Por isso, não pensei que teria de perguntar.

     Timothy sentiu-se péssimo.

     — Perdão. Machuquei você. Seu trabalho deve ter sido estritamente controlado. No campo de batalha, o conhecimento de guerra, a comunicação, o evangelismo e uma série de outros fatores são importantes. Por favor, aceite minhas sinceras desculpas.

     — Então, por que todo esse esforço e trabalho extra? — perguntou Daniel.

     A disposição de Timothy tornou-se mordaz.

     — O exército de encrenqueiros de Satanás — respondeu o anjo.

     Daniel ainda estava confuso.

     — Veja, jovem soldado, os espiões experientes do Maligno inventaram um sistema intrigante para bloquear as ondas sonoras. As orações são engolidas por um enorme buraco negro de energia ionizada reversa. Assim que são feitas, as orações se perdem no espaço. As tropas de Lúcifer têm um número suficiente dessas máquinas para impedir quase 10% das petições.

     A ira justificada de Daniel veio à tona assim que ele voou em torno de Timothy.

     — Por que o Rei do universo permitiria que uma coisa dessas acontecesse? — questionou o recruta. — Não tem sentido!

     A paciência de Timothy chegou ao limite. Os modos de Daniel estavam deixando-o perturbado. Com um movimento rápido do braço, Timothy segurou uma das asas de Daniel.

     — Venha já aqui e ouça-me — ordenou Timothy.

     — Estou indo! Estou indo! — respondeu Daniel sem pensar.

     Timothy soltou sua presa e observou quando Daniel prontamente veio voando para seu lado.

     — Existem algumas verdades tão profundas e tão secretas que somente o Deus Todo-Pode-roso sabe as respostas. Devemos guardar a fé e reconhecer que teremos todas as verdades na segunda vinda de Jesus Cristo.

     Timothy disparou em direção ao céu, tendo Daniel no seu rastro. Assim que Timothy ganhou velocidade, Daniel, menos ágil, ficou para trás, tropeçando na fumaça deixada por Timothy. Em poucos segundos, os dois estavam a quilômetros de distância um do outro.

     — Espere por mim! — gritava o anjo humilhado. — Não consigo voar tão rápido!

     A distância entre os dois chegou a dezesseis, e depois a trinta quilômetros. Um sentimento de traição começou a dominar Daniel ao perceber que seu amigo e mestre o abandonara. Daniel reduziu a velocidade à de um jato e desistiu de seguir Timothy. Ficou pairando sobre parte de uma nuvem onde não havia poluição, barulho nem homens à vista. Ao olhar para o sul, o rio Mississipi apareceu diante de seus olhos como uma serpente azul fazendo seu caminho pela paisagem verde da floresta do Mississipi.

     Daniel jamais tivera a chance de contemplar tamanho esplendor. Sua posição de balconista havia lhe reservado um humilde escritório na Agência Central de Oração. Daniel estava como um cãozinho curioso, investigando tudo enquanto flutuava de uma nuvem para outra. Contudo, não fazia a menor ideia do perigo que o espreitava a distância. Uma onda de demônios rapidamente desceu em sua direção. Eles disputavam entre si para ver quem teria permissão de sacrificar o cordeiro angelical. A medida que a nuvem negra de demônios avançava em direção à sua inocente vítima, Daniel con-fundiu-a com uma nuvem escura. De repente, seu pior pesadelo tornou-se realidade.

     Garras afiadas como lâminas encostaram nele. A força violenta do vento bateu no seu corpo e lançou-o pelo ar. Daniel desceu em um aglomerado de nuvens, ocultando-se da vista dos demônios por um instante.

     — Dividam-se! Vasculhem a região. Não deixem um centímetro de nuvem sem ser revistado — ordenou o demônio que estava no comando.

     O anjo estava em estado de choque. Felizmente, uma nuvem que se expandia camuflou perfeitamente seu pequeno corpo. Ele sabia que aqueles cachorros demoníacos do submundo iriam encontrá-lo mais cedo ou mais tarde. O que fazer? Correr? Permanecer escondido? Lutar? Onde estava Timothy quando ele mais precisava dele? Fechou os olhos e chorou em silêncio. Pôde ouvir o grupo que o procurava se aproximando. Por que Timothy o deixara naquela situação?

     Um demônio apontou no esconderijo de Daniel.

     — Tropas, movam-se para o setor superior desta nuvem — bramiu um demônio, que estava perto, para seu comandante.

     O grupo de encrenqueiros no mesmo instante convergiu para a nuvem que escondia Daniel. O anjo espremeu-se no canto mais escuro da nuvem.

     — Alto! — gritou o líder dos demônios.

     Daniel permaneceu em silêncio e imóvel, como uma estátua. Os demônios mergulharam de cabeça em direção àquele peque, no ponto indistinto. Quase sem visibilidade alguma, foi possível apenas ouvir os grunhidos e gemidos daquelas criaturas no momento em que confundiam outro ponto escuro com Daniel.

     — Eu o achei! — gritou um enquanto batia em seu companheiro.

     — Ai! Seu imbecil! É o meu braço! — gritou o demônio machucado.

     Em meio àquele frenesi todo, era demônio batendo na cabeça de outro, corpo contra corpo e espírito amaldiçoando outro. Depois de alguns minutos, Daniel percebeu que o som da batalha mudara. Os demônios desbocados pararam de praguejar. Em vez disso, começaram a despejar seu lixo de ofensas verbais no Deus Jeová. Então, o anjo, ainda escondido, ouviu os gritos de dor de um demônio que voava alguns metros acima de sua cabeça. De repente, Daniel percebeu que o demônio parara de voar. Ele havia sido pego e lançado para baixo como um monte de feno.

     — Daniel! Meu nome é Tiberius, capitão do exército santo de Deus. Tudo em ordem. Pode sair agora.

     O soldado inexperiente não saiu do lugar. Pensou ser mais um dos truques de Satanás.

     — Daniel! Sou eu, Timothy. Apareça.

     Daniel continuou em silêncio. Aqueles ratos não iriam enganá-lo. Quem quer que fosse o demônio, ele estava se saindo muito bem no seu trabalho.

     — Ouça-me, Daniel. Eu o deixei para trás para ensinar-lhe uma lição muito valiosa. A atmosfera que cerca o planeta é controlada por forças hostis. Na Bíblia, em Efésios 2.2, Deus diz que Satanás é o "príncipe da potestade do ar". Portanto, a regra número um é: nunca parar em território inimigo. Timothy foi interrompido pelo recruta super-zeloso.

     — Por que você não me disse isso antes? — gritou Daniel. — Não sou nenhum idiota!

     — Eu sei. Também sei que você não sabe de tudo o que acontece na guerra da terra. Deve acreditar em mim. Estou fazendo isso para seu próprio bem. Não quero que seja pego de surpresa no campo de batalha. Você nunca esteve em uma situação de grande perigo. Os soldados de Deus e eu seguimos todos os passos do inimigo!

     Daniel saiu planando em direção à voz de Timothy.

     — Estou indo, Timothy. Sinto muito por não ter acreditado em você.

     Timothy foi o primeiro a avistar o jovem anjo. Correu para encontrá-lo no meio do caminho.

     — É bom vê-lo inteiro — disse Timothy.

     Seu sorriso fez brotar lágrimas nos olhos de Daniel.

     — Pensei que você tivesse me deixado para trás para servir de refeição para os demônios — confessou abalado.

     Tiberius consultou seu relógio atômico.

     — Detesto interromper este momento de alegria, mas a cidade do Kansas precisa de minha equipe de anjos imediatamente.

     Timothy checou seu altímetro e disse:

     — Acompanhe-me, companheiro. Temos uma longa jornada pela frente.

     — Para onde estamos indo?

     — Para a ACO. Temos uma oração para entregar!

    

     Stephen Wallace manobrava seu carro antigo no estacionamento da WLIB TV 5. Ameaçava um temporal na metrópole de St. Louis. A cidade toda estava sob a ameaça de uma inundação nesta escura manhã de segunda-feira. Assim que colocou o carro na vaga do estacionamento, Stephen jogou seu aparelho de barbear elétrico no banco traseiro e pegou o guarda-chuva. Enquanto corria em direção à porta, uma repentina rajada de vento arrancou o guarda-chuva de suas mãos. Dentro de segundos, ele estava encharcado.

     Aproximou-se da porta. Assim que passou pela recepcionista, desviou a atenção da moça por causa do barulho que seus sapatos molhados estavam fazendo.

     Stephen abriu a porta da sala de redação.

     — Bem-vindo à arca de Noé — provocou Ben.

     — Obrigado, senhor — respondeu Stephen, deixando um rastro de água atrás de si.

     Enxugou a água que escorria de seu rosto enquanto Ben lhe mostrava seu novo escritório.

     — Você tem dez minutos para se enxugar e juntar-se a nós. Sua reunião da manhã deve começar no máximo às 9h15, em ponto.

     Ben apertou a mão molhada de Stephen e sumiu pela porta. Enquanto Stephen desembrulhava sua pasta, o Senhor falou ao seu coração: "Defenda a verdade em todo o tempo".

     Sentiu arrepios atravessarem-lhe o corpo todo ao mesmo tempo em que sentia a presença do Espírito Santo.

     O momento foi interrompido quando vários membros da equipe entraram para fazer as apresentações.

     — Olá, Sr. Wallace. Sou Camelita Rodriquez. Todos me chamam de Cammy. Faço o jornal das seis. Puxa, você precisa de ajuda por aqui.

     Cammy tinha quase 30 anos. O estresse no ramo das notícias havia-lhe proporcionado alguns fios brancos em meio aos cabelos escuros.

     — É um prazer conhecê-la, Sra. Rodriquez. Ambos sorriram cordialmente um para o outro. Um homem esbelto entrou e apresentou-se.

     — Sou Bubba Taylor, produtor das cinco.

     Bubba usava um óculos de armação fina que normalmente escorregava pelo nariz. Tinha uma voz alta que podia sobrelevar os ruídos da sala de redação. Era visível que ele tinha quase 40 anos; no entanto, vestia-se como um jovenzinho cabulando as aulas.

     Os dois deram-se as mãos. A força do aperto de Bubba surpreendeu Stephen.

     — Prazer em conhecê-lo, Bubba — disse Stephen, soltando a mão e fazendo-lhe uma massagem.

     Cammy sorriu em voz baixa. Stephen examinou suas anotações.

     — Por que vocês não se sentam? — disse o novo produtor executivo.

     Antes de ele ter a chance de falar, os dois âncoras do Canal 5 entraram na sala. Stephen levantou-se para cumprimentá-los.

     Com voz forte e polida, o âncora principal apresentou-se. — Olá, Sr. Wallace. Ken Action.

     Webster deve ter colocado a ilustração de Ken perto dos adjetivos arrogante, vaidoso, egoísta e convencido quando fez seu dicionário.

     — Bom, Ken, é um prazer conhecê-lo pessoalmente. Por favor, sente-se.

     A falta de entusiasmo de Stephen após o encontro com a celebridade de St. Louis incomodou o ego inseguro de Ken. — Olá, sou Sally Winter. Prazer em conhecê-lo.

     Sally era uma agulha no palheiro da mídia. Era a parte incorrupta de ouro puro que brilhava no meio de uma porção de ouro formada por idiotas. Mesmo com seu status de estrela, ela era naturalmente modesta e atenciosa.

     Sally Winter e Ken Action estavam de casamento marcado para outubro próximo. Isso intrigava seus amigos mais próximos. Eles não conseguiam entender por que esta jovem meiga e conhecida da Geórgia era noiva de um homem pretensioso como Ken.

     Stephen educadamente estendeu a mão.

     — Sally, finalmente é um prazer conhecê-la pessoalmente. Ouvi ótimos comentários a seu respeito.

     Sally ficou vermelha de vergonha. Ambos sentaram-se e sorriam um para o outro.

     — Em primeiro lugar, gostaria que soubessem algumas coisas a meu respeito. Trabalho na mídia há 20 anos. Penso que já vi tudo o que este ramo de atividade pode lançar sobre uma pessoa.

     Stephen fez uma pausa para esperar a atenção de Ken. — Ken, você se importaria de participar da reunião?

     Ken acordou de uma soneca. Ele detestava essas reuniões e gostava de expressar seu desinteresse.

     — Perdão. Meu turno normalmente começa às 15h, não às 9h.

     O tom de Ken foi mais apático do que sincero em desculpar-se.

     Todos podiam ver que Ken estava testando Stephen.

     — Eu entendo, Ken. O objetivo desta reunião, no entanto, é trocar informações, não dormir. Qualquer pessoa pode ser substituída se vier a ser um empecilho ao sucesso deste departamento.

     Sally deu-lhe um olhar de repreensão. Ken permaneceu quieto.

     — Não sei se posso falar por todos aqui — disse ela —, mas quero dizer que estou totalmente do seu lado.

     Todos, exceto Ken, rapidamente defenderam sua posição. — Obrigado, Sally. Sabia que poderia contar com você como participante ativa da equipe.

     Ken mordeu a língua. Stephen sorriu para Sally, e depois para Ken.

     — A primeira norma desse ramo é instituir um código de conduta nesta estação de televisão. Minha preocupação é reforçar nossa posição nos índices de audiência. Resumindo, as pessoas querem a verdade. Meus planos são de que elas apenas tenham isso. Ben e eu decidimos que o ponto de vista político de vocês deve ser deixado em casa. Quer seja conservador, quer seja liberal, ele não é bem-vindo no noticiário das seis. Estou cansado de ver uma matéria ostensivamente pró-constitucionalista seguida de uma visivelmente pró-nacionalista. Esta estação de televisão não deve ser usada como um veículo para inculcar nos cidadãos uma visão de mundo particular de uma pessoa. Deve mos oferecer uma reportagem imparcial, não uma máquina de propaganda da esquerda ou da direita.

     Ninguém disse uma palavra. Todos eles sabiam que a maioria dos repórteres e produtores mais importantes consideraria isso uma declaração de guerra.

     Stephen sorriu nervosamente enquanto se inclinava para frente.

     — Eu sei que parece impossível, mas meu plano é bastante simples. Primeiro passo: nós nos tornamos jornalistas, não ativistas sociais. Quero ver as duas versões da matéria apresentada, seja qual for o preço a ser pago. Aqueles que não se comprometerem com esta norma serão prontamente dispensados. Segundo passo: concordaremos em nunca mais soltar ferroadas fora de contexto. Quando nossa estação é procurada, quem a procura precisa sentir que será de fato citado. Terceiro passo: todas as matérias me serão submetidas antes de serem veiculadas. Aqueles que não cumprirem esta ordem poderão ter a demissão imediata.

     Os olhos de Ken fecharam-se rápido.

     — Isso vale para editores, produtores, repórteres e âncoras.

     Ken arregalou os olhos que davam-lhe aparência de sono.

     Será que ele estava sendo ameaçado? Podia pegar seu talento e ir para onde bem entendesse. Sem ele, este departamento de notícias não seria nada.

     — Digamos que eu esteja digitando uma matéria às 10h30 para o programa das onze. Como conseguirei a confirmação para meu script uma vez que você está em casa dormindo? — escarneceu Ken.

     — Você tira o telefone do gancho, disca meu número, que estará no terminal do seu computador, pergunta por mim e depois lê seu script — instruiu Stephen, que demonstrava mais paciência que Ken.

     Ken ficou estranhamente em silêncio.

     Stephen pegou a seção de notícias locais do jornal e, com ousadia, leu as manchetes do dia.

     — "Cidade de St. Louis censura orçamento da Previdência Social". "Porte ilegal de armas espalha violência". "Igreja local que prega mensagens de ódio logo será fechada". "Seminário voltado para o amor espiritual recebe elogios de líderes locais". "O número de mortes locais na guerra civil atinge 2.000".

     Fechou o jornal e jogou-o na lata de lixo à vista de todos.

     — Para que fazer isso? — perguntou Bubba. — Tem notícias boas naquela seção.

     Stephen balançou a cabeça, não acreditando no que ouvia. — Boas notícias? Quatro de cinco dessas manchetes são tendenciosas. Na verdade, acredito que os autores nem mesmo reconhecem sua própria parcialidade. Pessoal, precisamos ser jornalistas responsáveis cujas notícias sejam apresentadas na totalidade. Não podemos simplesmente divulgar notícias adequadas à nossa visão de mundo. Quero fatos e não ficções engenhosamente dissimuladas.

     Ken Action interrompeu de forma abrupta:

     — Dá um tempo! Você está começando a parecer um daqueles fanáticos religiosos da direita!

     — Não sou um extremista da direita, mas sou cristão — respondeu Stephen.

     — Ah, isso é ótimo! Fale sobre parcialidade — murmurou Ken.

     — O problema é que os liberais não se colocam no lugar dos conservadores. Não tentam entender o outro lado da faceta política. O mesmo também se aplica ao movimento conservador. Nesta época, nos Estados Unidos, a tendência visível da mídia local e nacional é o liberalismo. É a ideologia moderna do movimento nacionalista atual — explicou Stephen.

     Ken girou os olhos mostrando um nítido desdém. Stephen menosprezou sua bizarrice.

     — Stephen, você acha que temos predisposição para a esquerda ou para a direita? — perguntou Cammy.

     Stephen fechou as duas mãos sobre a mesa. Encostou-se na cadeira e pensou se responderia a pergunta.

     — Tenho a opinião de que existe uma tendência de 90% em relação ao ponto de vista liberal ou nacionalista, o que é perfeitamente compreensível, com nosso governo solicitando às estações matérias pró-constitucionalistas.

     — Tudo bem, deixando de lado esse assunto, vamos dar uma boa olhada nessas manchetes. "Cidade de St. Louis censura orçamento da Previdência Social". Algum problema aqui?

     Nenhuma palavra. Depois de um silêncio embaraçoso, Sally humildemente se manifestou.

     — O termo "censura" tem uma conotação negativa.

     — Acertou na mosca!

     Stephen pegou o dicionário para ver o significado da palavra "censurar".

     — E só uma palavra — disse Bubba.

     — Bubba, palavras significam coisas. Temos o dever de sermos bons jornalistas e bons autores. Devemos ter cuidado em usar palavras que dizem exatamente o que querem dizer. — Stephen encontrou a palavra logo em seguida. — Censurar: criticar severamente. Fazer cortes, reprovar ou repreender. — Fechou o dicionário e colocou-o no meio da mesa. — É claro que uma pessoa que acha que a transferência de pagamentos é desumano, negligente ou cruel usaria esta palavra. Este é o ponto de vista liberal. Agora, imaginem como os conservadores ou constitucionalistas poderiam usar essa manchete da forma que quisessem.

     Stephen esperou sugestões. Todos estavam espantados.

     — E quanto a esta outra? "Orçamento da Previdência Social é cortado para o bem do país". Alguém poderia me dizer como escrever essa manchete com alguma coisa que se assemelhe à credibilidade jornalística?

     Cammy ergueu a mão.

     — O que acha desta: "Orçamento da Previdência Social reduzido em torno de 40%"?

     — Boa! — exclamou Stephen. — E a manchete seguinte: "Porte ilegal de armas espalha violência"? Alguma dessas palavras expressa a idéia central desta notícia?

     Cammy, Bubba e Sally foram unânimes em balançar a cabeça respondendo que não. Enquanto isso, Ken mantinha sua pose hostil, como que a de uma estátua.

     — Vocês estão totalmente certos. As palavras falam por si mesmas. É a mensagem que é parcial. Alguns podem até rotulá-la de manipuladora. Ela parece dizer que um número maior de atos de violência está ocorrendo por causa do aumento do porte ilegal de armas. O que ela não diz é que me incomoda. Ela não diz que a violência aumentou em 300% depois que todas as armas foram banidas pelo governo. Esses fatos importantes estavam convenientemente ausentes da matéria.

     Sally lembrou-se de ter apresentado aquela matéria na noite anterior.

     — Gostaria de ter recebido estas estatísticas antes de veicular a notícia. Onde as conseguiu? — perguntou Sally.

     — Pesquisa!

     Ken girou os olhos novamente. Preferiu resmungar a dar um pouco de atenção. Ninguém reagiu à sua atitude.

     — Confiamos exclusivamente nos nossos informantes para obter todas as matérias e informações novas. Isso tem de acabar. Tenho em mente a contratação de dois novos funcionários nesta semana cuja principal responsabilidade será reunir fatos. Com este conhecimento decisivo, estaremos equipados para apresentar as duas versões de uma matéria.

     Stephen pegou a caneta e analisou a manchete que seria discutida em seguida.

     — "Igreja local que prega mensagens de ódio logo será fechada". — Stephen tentou desesperadamente manter o equilíbrio e imparcialidade. Respirou fundo e orou para que o Senhor controlasse sua língua.

     — E o que vocês me dizem dessa manchete? Algum problema nela? — perguntou Stephen.

     — Eu usaria o termo "que espalha" em vez de "que prega" observou Ken.

     — A palavra "ódio" me incomoda um pouco — disse Cammy. Talvez outro termo como "engano" ou "violência" soaria melhor.

     Stephen ensaiou um sorriso formal enquanto pensava no próximo passo.

     — Pessoal, a mídia parece estar em uma perseguição à religião. Ken interrompeu seu novo chefe.

     — Se isto for verdade, então, por que o jornal fez uma matéria sobre o seminário de consciência espiritual? Parece ser uma matéria positiva a favor da religião em nossa comunidade.

     Sally balançou a cabeça concordando e disse:

     — Stephen, posso entender seu ponto de vista sobre todas essas outras matérias. Mas tenho de admitir que parece haver um equilíbrio nesta questão da religião.

     Stephen olhou para os sapatos molhados enquanto batia a caneta na mesa e orou em silêncio: "Senhor, por favor, conceda-me a sabedoria necessária para explicar Tua posição. Abre os olhos dessas pessoas para a verdade".

     Naquele momento, Timothy e Daniel entraram na sala.

     Acabavam de chegar da Agência Central de Oração. Timothy localizou a oração de Stephen do outro lado da sala e a decifrou em seu decodificador de orações.

     — Daniel, fique aqui enquanto entrego este pedido. Preste atenção em outras orações do santo! — Timothy saiu correndo. — Fique com os olhos abertos naqueles rebeldes — ordenou.

     A voz de Timothy ecoava enquanto pegava distância e foi sumindo à medida que ele corria em direção ao céu. Daniel se pôs no canto do escritório perto dos pés de Sally Winter.

     — Esta igreja "que prega mensagens de ódio" que está nas manchetes é a minha igreja! — disse Stephen.

     Os olhos de Sally se arregalaram, o queixo de Cammy caiu e Bubba ficou inquieto. Ken cruzou os braços, encostou-se no assento e sorriu maliciosamente.

     — Por que o jornal está dizendo que sua igreja está pregando o ódio? Tenho amigos que trabalham lá, e não creio que tiveram a intenção de mentir — perguntou Sally.

     Stephen sabia que a guerra espiritual acabara de começar.

     — Existe uma minoria sem papas na língua neste país tentando destruir a Igreja de Cristo. Como jornalistas objetivos, precisamos separar o que é fato e o que é ficção. Quando li essa matéria pela primeira vez, ficou-me tristemente claro que os repórteres tinham um conhecimento muito pequeno sobre este delicado assunto.

     O rosto de Stephen ficava vermelho e molhado à medida que o sangue subia para a cabeça.

   — Um repórter do jornal de nossa cidade apareceu em cena e conversou apenas com os ativistas que se levantaram contra nós — nem o pastor ou qualquer outro membro da igreja foi procurado. Pessoal, isto é jornalismo barato.

     Sally parecia confusa e um pouco preocupada.

     — Então por que o governo está para fechar sua igreja? Parece uma injustiça!

     Stephen balançou a cabeça.

     — Eu usaria o termo crime. Há cerca de seis meses, o Departamento de Justiça ordenou que o FBI acabasse com as igrejas. A primeira coisa que eles fizeram foi ameaçar todas as igrejas que professavam a fé cristã por todo o país com a perda de seu benefício de isenção de imposto se continuassem a pregar a Bíblia toda. Dentro de um mês, a ameaça deixou de ser simplesmente uma ameaça e eles nos imputaram uma taxa no valor de 30 mil dólares. Não dispúnhamos daquela quantia. Eles estão reavendo a propriedade hoje.

     Sally estava enfurecida.

     — Acho que devemos fazer uma matéria de três minutos sobre este assunto.

     — Tudo bem, Sally. Se estiver falando sério, conseguirei o número do telefone do pastor para você. Talvez você queira entrevistar alguns membros também. Além disso, irei colocá-la em contato com um dos centenas de membros que assistimos quando estão com necessidade. — Stephen fez uma pausa para juntar as ideias. — Entre em contato com a Receita e o escritório do congresso para obter sua réplica.

     — Se queremos esta matéria para o programa das seis, preciso sair agora mesmo — disse Sally, que imediatamente se levantou para apertar a mão de Stephen. — Obrigada por ser honesto. Estava ansiosa para trabalhar para um chefe de respeito — elogiou.

     — Por nada.

     Stephen sentiu-se encorajado pela prontidão de Sally em ver a verdade e lutar por ela. Fez algumas anotações antes de fazer o resumo da reunião. Ken resmungou sobre um processo do governo e da estação não estar na ativa em seis meses. Stephen ignorou-o.

     — Tudo bem, esta última manchete é interessante. "Seminário voltado para o amor espiritual recebe elogios de líderes locais". O que vocês acham disso?

     Ken resolveu participar da conversa.

     — Foi exatamente assim porque participei do seminário. Foi fantástico! Todos com quem conversei concordaram com a filosofia. Essas grandes ideias como paz na terra por meio da harmonia espiritual foram discutidas.

     Stephen escolheu suas palavras com cuidado. — Isto parece um dos grupos da Nova Era.

     — Isso mesmo — respondeu a estrela do noticiário. — Na verdade, este é o principal grupo da Nova Era. Segundo ele, a terra logo entrará na nova era de Aquário — sem guerras, sem fome, sem brigas, só paz e amor.

     Stephen sabia que não se tratava de um movimento religioso baseado na Bíblia e decidiu mudar o rumo da conversa potencialmente explosiva.

     — Existe alguma coisa nesta manchete que incomoda vocês? — sondou Stephen.

     Silêncio encheu o ar. Stephen esperou a resposta, paciente. — A meu ver, temos uma fantástica visão de uma versão da história — disse Stephen.

     — Afinal, o que você quer dizer com isso? Que outra versão existe para a história? — perguntou o âncora.

     Stephen parou para avaliar sua próxima ideia.

     — Um conhecido meu foi tirado deste evento pacífico. Foi dito que ele questionava a doutrina religiosa do convidado especial.

     Stephen abriu a boca para dar continuidade ao seu pensamento quando Ken interveio.

     — O rapaz era visivelmente um encrenqueiro. Ele teve a coragem de se levantar e insultar este distinto grupo de ministros à vista de todos — opôs-se Ken.

     — Meu amigo me disse que sua declaração não foi bem-vinda. Segundo ele, afirmou que Jesus é Deus e queria saber o que eles achavam disso. Este grupo prontamente o retirou da reunião.

     Stephen rapidamente levantou a mão para impedir o próximo ataque verbal.

     — Ouça, Ken, meu objetivo não é tomar partido de uma religião em particular. O que quero fazer é ser fiel à verdade.

   Ken ainda teimou.

     — Este seminário foi bom. O direito religioso, do qual você evidentemente é um membro legítimo, poderia aprender coisas boas com essas pessoas amantes da paz.

     Stephen prudentemente ignorou sua observação.

     — Temos um noticiário a ser apresentado daqui a aproximadamente oito horas. Cammy, Bubba, o que vocês têm em mente?

     Bubba manifestou-se primeiro.

     — Acho que devemos ignorar essas matérias de cunho religioso. Esta não é uma questão na qual normalmente lidamos no passado.

     — Estou com Bubba. Acho que devemos nos concentrar na política, na guerra e nos crimes — disse Cammy.

     Stephen estava perturbado com as opiniões apresentadas.

     — Gente, vocês sabiam que dois terços dos americanos se consideram religiosos?

     Cammy e Bubba pareceram assustados. Ken despreocupadamente olhou para o relógio e se levantou.

     — Sinto muito, mas tenho de ir. Tenho uma consulta com o dentista daqui a 20 minutos. Espero que em nossa próxima reunião possamos pôr um ponto final neste papo de religião.

     Ken saiu da sala. Stephen fez o possível para manter sua postura profissional.

     — Entendo suas preocupações em introduzir a questão da religião em nosso noticiário. Devo dizer-lhe que a guerra civil tem suas raízes na religião. Cammy, escolha um repórter para cobrir as vantagens e desvantagens deste seminário religioso.

     Stephen passou os olhos em algumas notícias oficiais.

     — Os rumores de uma nova corrente nos Estados Unidos parecem estar se intensificando. Vamos fazer um artigo sobre como isto pode afetar a média dos americanos. Além disso, veja se você consegue encontrar alguma ligação entre as Nações Unidas e esta nova ideia de dolarização.

     Cammy e Bubba atenciosamente fizeram algumas anotações.

     — O objetivo das Nações Unidas para promover a paz acabou de ser oficializado. Parece que eles querem colocar suas tropas em solo americano. Vamos realizar uma pesquisa para descobrir a reação das pessoas sobre esta questão. Parece que esta ideia pode virar nossa constituição de pernas para o ar. Vamos preparar uma matéria incluindo a opinião de um advogado local sobre a questão de tropas estrangeiras em nosso território. Saberemos ao certo se temos opiniões conflitantes de modo que poderemos ver as divergências sobre a questão.

     — Quais são as últimas estatísticas sobre o índice de desemprego em St. Louis? — perguntou Stephen.

     Cammy examinou suas anotações e balançou a cabeça, desesperada.

     — Chega a outro número inteiro. Agora está em 24%.

     Stephen ficou triste.

     — Em vez de apresentarmos os novos números, vamos preparar algo mais detalhado, com histórias pessoais descrevendo os efeitos verídicos de se perder o ganha-pão. Devemos fazer uma série de uma semana destacando uma pessoa desempregada por dia. Podemos discutir o motivo pelo qual esta pessoa perdeu o emprego, que efeitos a crise econômica e a guerra civil tiveram em sua demissão, quais são seus planos para o futuro e o que ela está sentindo. Uma série de interesse humano com uma pitada de política funcionaria perfeitamente.

     Cammy e Bubba estavam impressionados. Stephen levantou-se dando a entender que a reunião estava encerrada.

     — Obrigado pela presença de vocês e pela valiosa contribuição.

     Não deixem de manter contato no que se refere a essas matérias.

     Cammy e Bubba voltaram rapidamente para suas mesas na sala de redação. Stephen sentou-se e tirou da gaveta um bloco de anotações.

     "Prezada Sally, minha esposa e eu gostaríamos de convidar você e Ken para um jantar esta noite. Que tal lá pelas sete, logo depois do noticiário? Por gentileza, responda o mais rápido possível. Obrigado!"

    

     O Corvette vermelho cortava caminho ao atravessar o tráfego da hora do rush, provocando o destino a cada oportunidade.

     Dentro dele estava Ken Action, confortavelmente sentado ao volante de seu mais novo brinquedo.

     — Ken Action, é melhor reduzir a velocidade e dirigir como uma pessoa normal! — gritou Sally enquanto afundava o salto do sapato no carpete escuro.

    Ken ignorou sua observação, lançando um sorriso na direção dela.

     — Veja isto, doçura — gabou-se Ken quando colocou a terceira marcha.

     O carro passou dos 110 para os 150 quilômetros por hora em menos de três segundos. O tráfego nas pistas ao redor do Corvette parecia parado.

     — Sinta a força. É como se a máquina e eu fôssemos um! Ah!

     — Para mim, você tem duas opções: reduzir a velocidade deste carro e agir como um adulto ou parar na rua mais próxima e me deixar sair! — ameaçou Sally.

    Ken espertamente tirou o pé do acelerador e pisou no freio. — Sinto muito, querida. Só estava me divertindo um pouco.

     — Tenho algo para lhe dizer: cresça! Eu sei que você estava tentando se divertir, mas não ponha nossa vida em perigo. — Sally abaixou a voz. — Tenho a intenção de passar o resto da minha vida com você. Talvez seja preciso mais tempo para eu endireitá-lo.

     Ken concordou balançando a cabeça.

     — Se alguém pode fazer isso, esse alguém certamente é você. — Ken foi para a pista da direita e começou a dirigir devagar. — Eu não estou com vontade de ir a esse jantar. Stephen me dá arrepios. Ele é um encrenqueiro metido a espertalhão que quer as coisas do seu jeito, do contrário, sem chance.

     — Ken, ele é seu chefe. Será que preciso lembrado que ele tem autoridade para demiti-lo?

     Ken riu tanto que quase perdeu o controle do carro.

     — Eles não vão demitir Ken Action. Sou quem as pessoas procuram quando buscam notícias reais. Sou o rosto mais conhecido desta região. Se não fosse por mim, a estação estaria em terceiro lugar e a caminho da falência!

     Sally ignorou a arrogância de Ken como já havia feito centenas de vezes. Sabia que a vaidade dele não passava de uma leve capa disfarçada. A insegurança de Ken fazia com que ela o amasse ainda mais.

     Assim que viraram a esquina, Ken assumiu um comportamento desagradável.

     — Não quero ir a este jantar. Prometo que vou ser repugnante seja o que acontecer. Eu...

     — Cale a boca, Ken! Se me ama, terá de ser atencioso com Stephen e sua esposa.

     — Vou me comportar, a menos que ele continue com aquele papo de religião de novo.

     Ken cuidadosamente parou na entrada da casa de Stephen.

     — Falei sério. Comporte-se — advertiu Sally.

     Enquanto se dirigiam à porta, deram-se as mãos em silêncio. A casa de Stephen era uma modesta casa de fazenda feita de tijolos que ficava na periferia. Um arranjo repleto de flores acompanhava a calçada.

     Enquanto Ken seguia Sally pela calçada, Stephen abriu a porta e cumprimentou seus convidados com entusiasmo. Ficou surpreso em ver Ken. Queria saber o que Sally havia feito para convencê-lo a ir.

     — Bom... olá, Sally.

     Stephen graciosamente apertou a mão de Sally, que sorriu sem dizer uma palavra. Stephen logo olhou para Ken.

     — Ken, não tenho palavras para expressar o quanto é importante para nós que você tenha reservado um tempo em sua agenda lotada para vir jantar conosco.

     Stephen ficou entusiasmado em ver Ken, mas o entusiasmo logo perdeu o brilho.

     — Obrigado pelo convite. Sally me disse que sua esposa coloca muitos chefes de cozinha no bolso — respondeu Ken.

     Sabrina, a esposa de Stephen, ouviu sem querer o elogio enquanto saía da cozinha.

     — Bom... obrigada pelo voto de confiança — disse Sabrina enquanto cumprimentava seus convidados. — Ken e Sally, é um prazer conhecê-los. Gosto de verdade de assistir vocês dois no noticiário da noite.

     Sally ficou vermelha.

     — Obrigada pelas palavras de carinho.

     Sally acompanhou Sabrina até a cozinha. Sabrina levantou a voz assim que virou o corredor da sala de estar.

     — Vocês, rapazes, ficam aqui e se acomodem. O jantar estará pronto em cinco minutos. Por isso, não toquem naquela sobremesa que está na mesa!

   As duas logo desapareceram pela porta da cozinha. Ken olhou para Stephen, que imediatamente tentou quebrar o gelo. — Sente-se, por favor — disse Stephen.

     Ken foi sentar-se na cadeira de reclinar de Stephen e afundou em suas almofadas macias. Ignorando Stephen, puxou a alavanca que ficava no lado da cadeira, que logo ficou na posição de reclinar. Ken estendeu os músculos e olhou para o teto. Esperava irritar Stephen. Para sua decepção, Stephen ficou mais amigável, sentando-se no sofá e tentando relaxar.

     — Essa cadeira é uma beleza, meu amigo. Ela literalmente abre os braços e abraça você. Eu me esparramo nela todas as noites. É a segunda melhor coisa depois do céu.

     Ken forçou um sorriso. A gelada não impediu Stephen de continuar a falar.

     — Quando era criança, você já fazia planos de ser âncora? — perguntou Stephen.

     — Que isso! Queria ser piloto de avião de combate. Queria usar meus talentos superiores para salvar o universo. Tinha costume de assistir àqueles filmes de Guerras nas Estrelas várias vezes, fingindo ser Luke Skywalker. Quando descobri o quanto os empregos na área de pilotagem eram escassos, formei-me em Comunicação com o sonho de ser uma estrela do noticiário.

     — Por que... — Stephen foi interrompido no mesmo instante.

     — Meu primeiro trabalho na televisão foi em Montana — o estado onde o ar é frio, mas as mulheres são quentes.

     Ken ria consigo mesmo. Stephen sorriu para ser educado.

     Tentou dizer algo, mas Ken continuou a se gabar.

     — Depois de Montana, recebi uma proposta de emprego em Birmingham, no Alabama. É óbvio que fui um sucesso imediato.

     Stephen decidiu sentar-se e relaxar. Aguentaria firme esse show de petulância.

     — Ah, deixe-me lhe contar como são as mulheres do sul. Elas falam como rainhas vindas do céu. São doces, sedutoras, mas espertas. Esta é a razão pela qual vou me casar com Sally. Ela...

     — Por acaso ouvi meu nome, Ken? Você não está inventando histórias a meu respeito, não é? Stephen é esperto demais para acreditar nessas suas histórias.

     Todos riram, menos Ken.

     — O jantar está na mesa — anunciou Sabrina.

     Stephen e Ken correram para a mesa. Ken alegremente passou por Stephen e foi o primeiro a sentar-se. Pegou uma colher e estendeu a mão para servir-se da lasanha que pegava fogo.

     — Você se importa se fizermos uma oração primeiro? — perguntou Stephen.

     Sally deu um tapa na mão de Ken.

     — Onde estão seus modos, rapaz? No sul, sempre fazemos uma oração antes da refeição.

     — Desculpa, pessoal. Por favor, vá em frente com a oração desculpou-se Ken.

     Stephen orou.

     — Senhor Jesus, agradecemos-Te pelas bênçãos da vida. Obrigado pela presença de Ken e Sally aqui esta noite. Pedimos que o Senhor toque na nossa vida. Nutra nosso corpo com o alimento e nosso espírito com Tua presença. E no Teu nome que oramos. Amém.

     Stephen rapidamente abriu os olhos e pegou a colher que estava perto da mão de Ken. Sem hesitação, Stephen enfiou-a na comida.

     — Vejam os reflexos — riu Sally.

     — Veja só, sou um cavalheiro. Estas senhoras distintas e aplicadas devem ser servidas primeiro — disse Ken com um sorriso.

     Ken pegou as cenouras e colocou os legumes no prato de Sally, ignorando o seu prato.

     — Obrigada, Ken. Eu sabia que você tinha modos; só não sei quando ou onde eles dão o ar da graça — brincou Sally.

     O jantar continuou sem qualquer ataque verbal. Terminado, Stephen não hesitou em ajudar as senhoras com os pratos. Ken, relutante, seguiu seu exemplo.

     — Vocês gostariam de um café? — perguntou Sabrina. Ken foi o primeiro a responder.

     — Pode apostar. Com bastante creme e açúcar, e uma dose extra de cafeína, por favor.

     Sabrina olhou para Sally.

     — Sim, obrigada. Seria muito bom. Sabrina voltou para a sala de estar com uma

     bandeja de café nas mãos. Seus olhos brilhantes e alegres iluminaram a sala. Colocou a bandeja na mesa de centro.

     — Espero que gostem. É uma mistura de café com algumas especiarias. Vai cacau, noz-moscada e um pouquinho de hortelã da Irlanda.

     Sally bateu palmas em silêncio.

     — Adoro chocolate. Sonho com chocolate. Vivo de chocolate! Na verdade, preferiria me encher de chocolate a ficar perdida em uma linda ilha deserta por uma semana.

     Todos riram, inclusive Ken. Era visível que ele estava se divertindo muito, ainda que sua arrogância nunca permitisse que ele o admitisse. Olhou para seu relógio de ouro e cutucou sua noiva.

     — Vamos ter de ir logo — disse Ken enquanto batia com o dedo em seu Rolex.

     Sally apenas olhou para seu relógio.

     — Oh, fique quieto, seu desmancha-prazeres. Temos mais uma hora para desfrutar da companhia deles.

     Olhou para Stephen para ver se ele aprovava o que disse.

     — Cammy é excelente. Ela pode redigir grande parte do programa. Sentem-se e relaxem — ordenou Stephen despreocupado.

     Ken afundou onde estava sentado.

     — Vocês frequentam alguma igreja aqui da região? — perguntou Sabrina.

     Ken ignorou a pergunta. Sally sorriu enquanto encolhia os ombros.

     — Na verdade, não. Não me entenda mal. Acredito em Deus e sei que deveria estar indo à igreja. Nunca mais fui a uma igreja desde que mudei para cá no ano passado.

     Sabrina sorriu.

     — Vocês deveriam ir conosco neste domingo. Nossa igreja é uma igreja cristã e não está afiliada a nenhuma denominação. É formada apenas por pessoas que crêem na Bíblia e se reúnem para ouvir a Palavra de Deus — disse Sabrina de forma delicada e sem um tom ameaçador.

     Ken deu um pulo, vindo parar na beira da cadeira.

     — Sinto muito, gente. De minha parte, não estou interessado. Se vocês gostam desse papo de religião, melhor para vocês, mas não me forcem a aceitá-lo.

     — Tenho a impressão de que levar Ken à igreja seria como mandar um porco para o matadouro. Ele só vai saber espernear e guinchar — provocou Sally.

     — Sally, você está convidada para ir conosco — disse Sabrina.

     Sally olhou para Ken, perscrutando seus sentimentos sobre a questão.

     — Obrigada pelo convite, mas acho melhor não.

     A consciência de Sally estava deixando-a muito nervosa.

    — Sinto-me como se fosse uma cristã. Você sabe, uma pessoa não precisa ir à igreja para ser chamada de cristã.

     Sabrina sentou-se depressa na beira da cadeira.

     — Deixe-me lhe fazer uma pergunta, Sally. O que torna uma pessoa cristã?

     Ken girou os olhos e voltou a encostar-se em seu assento. Sally ficou pensando na pergunta.

     — Bem, acho que ela deve ser o melhor que puder. Amar as pessoas e fazer o que é certo. Obedecer aos Dez Mandamentos. — Sally gaguejava enquanto formava ideias do que ainda restava. — Ela deve crer em Deus!

     Sabrina sorriu para Sally e apertou-lhe a mão. Stephen podia sentir a temperatura de Ken subindo. Sem que ninguém percebesse, Stephen orou em silêncio ao Senhor.

     "Senhor Jesus, eu Te peço apenas um favor. Não quero riqueza, fama, nem mesmo saúde. Só quero sabedoria para falar da verdade de Tua salvação com paciência e amor. Por favor, Senhor, ajuda Sally e Ken a enxergarem que o Senhor morreu na cruz para libertar as pessoas do pecado. Abra o coração deles para que tenham um relacionamento pessoal Contigo. Amém."

    

     A sala de redação no Canal 5 estava quase vazia. Praticamente todos estavam fazendo o horário do jantar. Timothy e Daniel, os soldados espirituais do Deus Todo-Poderoso, estavam sentados na beira do telhado da estação de TV. Balançavam os pés lá no telhado. Timothy estava ensinando a Daniel os principais pontos da guerra dos anjos.

     — Quando um daqueles demônios fedorentos e grosseiros tentar violar seu espaço aéreo, use este artifício uma, duas, três vezes bem na cara feia dele.

     Timothy pulou e flexionou os músculos. Aos poucos foi contorcendo seu corpo angelical. Só para fazer uma demonstração, ele gritou com toda a força de seus pulmões. Girou como um redemoinho desenfreado. Seus braços e pernas giravam freneticamente, como uma serra de arco pronta para derrubar uma árvore.

     — Uau! — exclamou Daniel. — Foi o melhor golpe que já vi.

     Timothy tentou permanecer humilde.

     — Veja, é preciso anos de treinamento intenso e... — Timothy ficou em silêncio, olhando para o céu.

     Daniel não tinha a menor idéia do que estava acontecendo.

     — O que está acontecendo? Você está ouvindo alguma coisa?

     Timothy continuou em silêncio.

     — Por que não consigo ouvir o que você está ouvindo?

     Timothy se concentrava nas ordens que estava recebendo.

     — É o nosso santo. Ele está pedindo orientação e poder do Espírito Santo. Ele quer que o Senhor converta não-cristãos a Cristo. Eles irão precisar de apoio para vencer esta perigosa operação!

     Timothy tentou cobrir todas as suas bases enquanto analisava esta delicada situação.

     — Daniel, fique em sua estação. Proteja nosso posto com todos os recursos de que dispõe. A batalha na casa de Stephen pode vir parar aqui. — Timothy colocou a mão tremendo no ombro de Daniel. — Pratique aqueles movimentos que lhe mostrei. Fique bem atento aos movimentos das tropas do inimigo!

     Timothy bradou para o céu e dirigiu-se para a casa de Stephen. Daniel esticou os músculos e procurou o horizonte. Esperava ter momentos de paz, mas se preparava para a guerra.

     — Você acertou na mosca do ponto de vista exterior com sua definição de cristão — disse Sabrina.

     — O que você quer dizer? — perguntou Sally.

     Sabrina olhou para Stephen que, por sua vez, fez-lhe um sinal para que continuasse a conversa. Ele achava que Ken poderia estar mais aberto à Sabrina do que para ele.

     No campo espiritual, uma infinidade de demônios sabia como lidar com Ken e Sally.

     O coração de Sabrina estava partido com a falta de interesse de Ken por Deus. Ken sentou-se, olhando pela janela.

     — A melhor parte do cristianismo não são as leis, mas o relacionamento — disse ela a Sally.

     — Ah, sim. Amizades são muito importantes.

     Ouvindo a resposta de Sally, Sabrina teve certeza de que ela era cega em relação a Deus. As mentiras do Maligno estavam formando um imenso obstáculo na vida dela, que apenas Deus poderia arrancar.

     Enquanto os demônios continuavam a atacar Sally e Ken sem piedade, um vigia entrou na sala correndo em estado de total histeria. Fez continência para seu comandante, que estava controlando o movimento.

     — O exército da salvação está se aproximando rapidamente do norte. O tempo estimado para sua chegada é de dois segundos!

     Damien, comandante da ação demoníaca, mal teve tempo de engolir.

     — Defenda suas posições, principalmente ao redor de Ken Action. Precisamos dele para nossos planos futuros.

     Antes mesmo de poder soltar outra ordem, o capitão do exército da salvação chutou-lhe bem no traseiro. Ele saiu voando pelo ar, indo parar no fogão da cozinha. Sete anjos altamente treinados atacaram de tocaia a sala. Os guer-reiros vindos do céu estavam nitidamente em número maior, mas não estavam sem prática. Os demônios agarraram-se a Sally, mantendo suas posições.

     Eles falavam aos seus ouvidos:

     — Você é uma boa pessoa. Pessoas boas vão para o céu. Nunca seja uma fanática por Jesus.

     Seus avisos satânicos estavam incomodando a jovem da região sul. Dois sargentos angelicais fortemente armados atacaram as posições dos demônios. Suas espadas de ouro resplandeciam enquanto derrotavam seus adversários. Um rápido movimento expulsou as pestes que infestavam Sally. Sem hesitação, os demônios apavorados deram no pé. Damien saiu voando da cozinha, onde acabara de ser forçado a pedir desculpas. Percebeu que o plano de guerra tinha de ser modificado antes que fosse tarde demais. Perder esta batalha significaria perder a alma de Sally e de Ken, o que provocaria a ira de seus superiores. Preferiu sacrificar o destino eterno de Sally em troca de Ken.

     — Demônios, todos no chão! — gritou Damien.

     Os demônios rapidamente se amontoaram no canto da sala. — Cerquem Ken Action. Deixem Sally para lá. Quero quatro demônios ao redor dele, um de cada lado. Outros quatro reforcem suas posições do ar. O restante realize manobras ofensivas para distrair o inimigo. Vocês devem manter o inimigo ocupado e longe de Ken Action. Nossa reputação está em jogo. Lutem até morrer!

     A hoste de demônios assumiu suas posições. Enquanto preparavam suas linhas de defesa, Timothy entrou feito uma explosão na sala à procura de ação. Pulou no mastro da chaminé e esperou por ordens.

     Titus, o tenente da guarda, prudentemente revisou seu plano de guerra.

     — Anjos, quero cobertura ao redor de Sally. Ela tem de ser protegida contra as investidas do Diabo.

     Titus perscrutou a sala e localizou Timothy.

     — Timothy, quero que você e Demétrius acabem com o exército de demônios que está atormentando Ken Action. Dêem o máximo de si!

     Timothy foi o primeiro a mergulhar no anel de fogo, executando de modo brilhante sua manobra de movimentos giratórios e suas pancadas. O demônio que vigiava a posição norte de Ken foi lançado para o teto. No mesmo instante, foi substituído por um demônio que, sem mostrar misericórdia, deu um golpe na cabeça de Timothy com uma manopla. Timothy caiu desmaiado no chão.

     Stephen, Sabrina, Ken e Sally não sabiam da violenta guerra que os cercava. Sabrina demonstrava amor, bondade e paciência enquanto continuava a compartilhar o Evangelho.

     — O relacionamento do qual estou falando é o relacionamento com o próprio Deus. Jesus Cristo tem primazia sobre todas as relações que existem na terra.

     Sally estava espantada com a nova luz de verdade que estava brilhando em seu caminho. Estava confusa, mas aberta à mensagem de Sabrina.

     — Como alguém pode ter um relacionamento com Deus? Ele está no céu e nós, na terra. Não faz sentido para mim — admitiu Sally.

     Ken interrompeu.

     — Vou lhe dizer como! Você vai a uma igreja que prega ódio todos os domingos, pula para cima e para baixo nos corredores deixando que o Espírito a conduza, conversa com as paredes mostrando uma fé cega, grita para os céus em diferentes línguas e declara que todos que não partilham de sua fé irão queimar para sempre no inferno!

     Os demônios que vigiavam Ken dançavam de alegria. Tudo que haviam despejado nele estava jorrando de sua boca. Stephen entrou na conversa.

     — Deixe-me dar-lhe um exemplo. Sabrina e eu temos um relacionamento. A maneira pela qual nutrimos essa relação é chamada de comunicação.

     Sally corou enquanto Stephen e Sabrina se olhavam nos olhos. Sentiu inveja do compromisso nítido que devotavam um ao outro. Os demônios estavam ficando enjoados. Na mente pervertida desses demônios, o amor, fruto de renúncias, era lamentavelmente inocente e sincero. Eles queriam saber como alguém podia aproveitar a vida sem fazê-lo do jeito deles.

     Sabrina continuou a explicar com seu jeito delicado.

     — Os relacionamentos são regados pela comunicação. É assim que mantemos nosso relacionamento com Deus. Você não percebe? Conversamos com Deus por meio de nossas orações. Ele fala conosco por meio de Sua Palavra, a Bíblia. Se não nos comunicássemos com Deus, nosso relacionamento com Ele sofreria as consequências. Pense no que aconteceria se você e Ken não conversassem. Você poderia esperar um casamento duradouro? É claro que não!

     Sally permaneceu em silêncio, tentando absorver tudo que ouvia. Ken intencionalmente interrompeu seus pensamentos.

     — Sally, por favor, não se deixe levar pelas palavras vazias dela. Não posso suportar a idéia de me casar com uma fanática nascida de novo!

     Os demônios de Damien continuaram com seu ataque implacável sobre Ken. Eles estavam infetando o espírito de Ken em um transe de transformar a mente.

     — O Deus deles não é real. É uma ilusão criada pelos oprimidos. Todos os cristãos são fanáticos. Eles não têm direito de falar sobre seu Deus detestável, inexistente e impotente. Se Sally se tornar uma deles, você irá perdê-la para sempre — diziam os demônios.

     — Como temos esse relacionamento? — perguntou Sally.

     Ken Action ficou horrorizado em ouvir aquelas palavras vindo da boca de Sally. Pensou no próximo passo. Até ele, com todos os seus defeitos morais, reconhecia os limites de seu comportamento atrevido. Sally era uma mulher de mente independente que não conseguia se deixar humilhar. Ken não tinha ação.

     Stephen abriu a Bíblia sobre a mesa de centro. Passou os olhos de relance nas páginas e parou no livro de João.

     — Antes de ler este texto, quero explicar a importância deste Livro. Ele é a mente de Deus. E a carta deixada por Deus para a humanidade. Literalmente falando, quando lemos a Bíblia, estamos ouvindo Deus falar conosco. — Stephen citou a Palavra do Senhor: — "Seca-se a erva, e cai a sua flor, mas a palavra de nosso Deus permanece eternamente".

     — Oh, eu creio no que a Bíblia diz — respondeu Sally. — Sempre cri. Só não tenho reservado um tempo para lê-la. Sempre pensei que ela dizia que você deveria ser uma pessoa boa e, então, Deus iria deixá-lo entrar no céu.

     Damien ria em silêncio enquanto seus demônios vigiavam Ken.

     A barreira espiritual era intransponível para Timothy e para seus dois companheiros angelicais. A guerra estava empatada.

     Sabrina pegou a Bíblia do colo de Stephen.

     — A Palavra de Deus mudará sua vida para sempre — disse Sabrina. — Você sabe, é como se fôssemos computadores. A Bíblia é um tipo de disquete. Nós tiramos o disquete velho, com todos os seus erros, e inserimos um disquete novo e perfeito dentro de nós. Com essas informações novas e cristãs no seu interior, você se torna uma nova criatura!

     Ela olhou para a Bíblia e leu João 3.3.

     — "Em verdade, em verdade te digo que, se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus".

     Sabrina colocou a Bíblia na mesa.

     — Essas são palavras de Jesus. Ele estava falando com um homem profundamente religioso chamado Nicodemos. Jesus estava dizendo a um líder religioso como entrar no céu. Veja, Sally, a religião não promete para você a entrada no reino dos céus. Um relacionamento pessoal com Jesus Cristo lhe dá as chaves.

     Ken parecia ter formigas nas calças. Entretanto, os outros ignoravam sua encenação.

     — Ninguém nunca descreveu o cristianismo para mim desta forma — confessou Sally, enquanto colocava sua xícara de café na mesa.

     — Se não é preciso ser uma pessoa boa para entrar no céu, então, você pode fazer o que bem entender? Isso não faz muito sentido para mim! — admitiu Sally.

     — É claro que faz! — interveio Ken com tom de sarcasmo. Esses cristãos saem por aí e matam médicos que praticam aborto o tempo todo, e fazem tudo isso em nome da sua religião! Tenho certeza que este Livro fala que os homicidas não entrarão no céu!

     Um silêncio assustador encheu a sala. Sabrina olhou para Stephen, que assumiu o controle da situação.

     — A Bíblia ordena que não cometamos homicídios sob quaisquer circunstâncias. Essas pessoas que assassinaram aqueles que cometiam abortos terão de responder pelos seus crimes. Eu realmente duvido da salvação dessas pessoas violentas e irresponsáveis. Você sabe, só porque carregam o nome de cristãos não significa necessariamente que o sejam. Deus será o Supremo Juiz! — esfregou as mãos, liberando um pouco o nervosismo.

     — A Bíblia tem uma resposta para sua pergunta. Aqui está. Abriu em Romanos 3.28 e leu: — "Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, independentemente das obras da lei."

     Ken inclinou-se sobre o ombro de Stephen para ele mesmo dar uma olhada nas palavras que Stephen lia.

     — Isso parece mais uma salada de termos jurídicos. Afinal de contas, que considerações você está fazendo? — cuspia Ken enquanto endurecia o coração.

     Stephen ignorava Ken enquanto avançava algumas páginas de sua Bíblia.

     — O capítulo 8, versículos 1 a 3, explica nos mínimos detalhes. "Agora, pois, já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus. Porque a lei do Espírito da vida, em Cristo Jesus, te livrou da lei do pecado e da morte. Porquanto o que fora impossível à lei, no que estava enferma pela carne, isso fez Deus enviando o Seu próprio Filho em semelhança de carne pecaminosa e no tocante ao pecado; e, com efeito, condenou Deus, na carne, o pecado."

     Stephen gentilmente fechou a Bíblia e sorriu para Sally.

     — O cristianismo é muito mais do que uma simples religião.

     É um relacionamento com o Deus que criou o mundo. Ele quer que conversemos com Ele e quer conversar conosco. Somente os que são perdoados entram no céu!

     — Esse povo é louco! — murmurou Ken enquanto se dirigia para o carro. — Você tem cinco minutos, Sally, ou vai ter de pegar um táxi para ir para casa!

     Sally estava visivelmente abalada; contudo, de uma forma milagrosa, sua mente estava começando a ser transformada depois de anos de crenças equivocadas.

     — Você é perdoada quando faz a oração de reconhecimento de seus pecados; no entanto, você deve sentir o que diz. Sua oração deve vir do coração — instruiu Stephen.

     — O que devo dizer? — perguntou Sally.

     — Apenas diga para Deus que você é uma pecadora, uma pessoa que nem sempre faz o que é certo. Diga a Ele, do fundo do coração, que você precisa Dele em sua vida para guiá-la, para falar com você, para ser seu Senhor e Salvador — orientou Sabrina.

     Sally baixou a cabeça.

     — Senhor Jesus, sou pecadora. Quero ir para o céu para estar Contigo. — Lágrimas brotavam nos olhos de Sally. — Por favor, salva-me dos meus pecados. Vem para a minha vida. Ajuda-me a tornar-me a melhor cristã que puder. — Lágrimas escorriam por seu rosto. — Perdoa-me por não ter feito isso antes. Amém.

     Sally abraçou Stephen e Sabrina. — Muito obrigada!

     — Nós amamos você — expressou Sabrina.

     O exército da salvação pulou de alegria. Sua missão estava completa. Os céus estavam em festa. A alegria do líder se transformou em agonia, e uma expressão triste cobriu seu rosto.

     — O que há de errado? — perguntou um dos anjos.

     — É maravilhoso saber que Sally está salva agora. Contudo, não é tão maravilhoso o fato de que ela irá se casar com Ken Action.

 

 

                                                                                Jonathan R. Cash

 

 

 

                                         

O melhor da literatura para todos os gostos e idades

 

 

              Biblio"SEBO"