Biblio "SEBO"
Um dia — sonhava Nathalia viria a conhecer um homem tão diferente que a despertaria para o amor. Hoje, Nathalia saia que era uma tola em entregar seu coração a Marius, um homem que nunca se casaria com uma moça pobre e, além de tudo, sua empregada no jornal. Nathalia era uma simples jornalista, que dava conselhos às leitoras desiludidas no amor. E ela também conheceu a desilusão, quando o despótico Marius esmigalhou com o seu poder uma paixão que nascia tímida, mas com a força de um turbilhão!
CAPÍTULO I
O impressionante edifício de aço e vidro da Lyon Publications dominava uma esquina inteira no final da Fleet Street, do mesmo modo como os jornais e revistas que publicava dominavam o mercado.
Como todas as manhãs, ao sair da estação do metrô e ter a primeira visão do edifício, Nathalia Rogers achou difícil crer na sorte que tinha por estar trabalhando ali. Não como uma repórter principiante, mas como assistente de Jessica Hibberd, a mais famosa de todas as colunistas dedicadas a responder consultas de leitores.
Nathalia havia ficado contrariada quando fora encaminhada àquela editoria. Não achava que fosse trabalho digno de suas pretensões lidar com cartas que choravam amores perdidos e dar atenção aos problemas de mulheres lamurientas implorando conselhos. Havia vindo para a Fleet Street para trabalhar em reportagem, e nada a não ser isso poderia satisfazê-la. Entretanto, o editor de variedades via as coisas de maneira diferente.
— Espere até começar a trabalhar com Jessie, queridinha, antes de decidir se deseja ou não o trabalho — dissera este. — Vai aprender mais coisas a respeito da profissão de repórter estando com ela do que escrevendo sobre crimes insignificantes ou acompanhando o Corpo de Bombeiros!
— Há outros assuntos, a não ser crimes insignificantes e incêndios — protestara.
— Não para você, meu bem! Esses são exatamente os assuntos que todos os repórteres principiantes recebem para afiar os dentes, durante pelo menos um ano! Pode considerar-se feliz pelo fato de Jessica ter lido a matéria que escreveu sobre asilos para velhos. Gostou de seu estilo e pediu que você fosse encaminhada.
— E a minha opinião do assunto não me dá direito a outra alternativa?
— Sem dúvida. — Kennedy Jones sorriu com afetação. — Sempre poderá desistir do emprego...
— Ah, não! Não desejo fazer isso!
— Então seja boazinha e faça o que digo. — Um sorriso sincero estampou-se agora no rosto delicado de Jones. — Nunca me passou pela cabeça que você não iria se interessar. Deve ter uma estrela na testa, para ter sido escolhida.
— Não vejo por quê. Trabalhar numa coluna de conselhos não vai me ensinar a coisa alguma sobre reportagem.
— Não seja obstinada, menina. Vai aprender a compreender pessoas e situações, e ser repórter é uma profissão baseada nisso. Não apenas em transmitir as notícias, mas transmiti-las de tal modo que as pessoas possam compreendê-las e senti-las.
— Os fatos devem falar por si mesmos — havia replicado Nathalia com firmeza. — A opinião do jornalista nunca deve transparecer.
— Agora você está falando como quem acaba de sair de um curso de jornalismo! Marius Lyon quer que seus redatores manifestem opinião, desde que a opinião seja de seu agrado, sem dúvida! Cada uma de nossas publicações tem personalidade própria e defeitos próprios. Não existe, hoje em dia, em nenhuma parte do mundo, nenhum jornal ou revista que lhe forneça as notícias simplesmente, de maneira imparcial.
Era uma verdade com a qual Nathalia tinha de concordar por força, embora com relutância, pois lamentava o desaparecimento do jornalisnno verdadeiramente imparcial. De modo que, uma vez que tivesse projetado o próprio nome, pretendia ser conhecida pela sua imparcialidade. Mas até que estivesse em posição de dar ordens em vez de recebê-las, teria de fazer o que lhe era dito.
— Muito bem, querida. — Jones interrompeu os seus pensamentos, com um trejeito. — Pretende trabalhar como assistente de Jessica Hibberd, ou devo oferecer o cargo a outra pessoa?
— Fico com o cargo — decidiu ela, e apresentou-se na sala de Jessica Hibberd naquela mesma manhã.
Jessica Hibberd, ou "a querida Jessie", como era conhecida por cerca de; cinco milhões de leitores, era tão parecida à idéia geral de uma velha tia a ponto de ser quase uma paródia desta. Era uma mulher sacudida, aproximando-se dos sessenta, o cabelo grisalho ondulado, emoldurando um rosto bem desenhado e sem maquilagem. Sua figura parecia ter sido feita para o conjunto azul-claro, tão intrínseco à sua aparência como a blusa branca fechada no colarinho por um camafeu. Mas a aparente falta de sofisticação escondia um cérebro ágil e uma vontade cuja força era sentida por todos os que se atreviam a mão seguir suas ordens, pois exigia obediência total em tudo o que fosse relacionado à sua coluna.
A dedicação de Jessica Hibberd aos leitores era tão profunda quanto destes por ela, e após algumas semanas de trabalho a seu lado, Nathalia compreendeu o porquê. Nenhum pedido de socorro era considerado ridículo ou insignificante demais para ser ignorado, e viesse de um senhor de oitenta anos que vivia num vilarejo perdido, ou dia esposa de um político, se informando discretamente sobre o que deveria vestir numa viagem à América do Sul, em companhia do marido, receberia sempre a mesma atenção e a mesma resposta afetuosa. Era dedicação até demais, pensava Nathalia por vezes, pois muitos dos pedidos que a coluna recebia podiam perfeitamente ser respondidos por outras seções do jornal.
— Você deixa que as pessoas se aproveitem — comentara um vez.
— Estou aqui para ajudar.
— Isso não significa fazer o trabalho de outros. Respondemos a três cartas sobre preços de gêneros alimentícios que jamais deveriam ter chegado às nossas mãos. Deveria tê-los enviado diretamente à página editorial.
— Acho que temos de saber a respeito do preço dos gêneros — dissera Jessica Hibberd calmamente. — Todas as coisas que afetam as nossas vidas, seja o custo do pão ou um novo desenho de vasos sanitários, podem concorrer para deprimir uma pessoa... e estamos aqui para lidar com depressão, seja causada pela inflação, por um aborto ou porque a máquina de lavar não funciona!
— Pois eu continuo achando que todos se aproveitam de você — resmungara Nathalia. — Realmente, você trabalha demais.
— Então terá de ajudar-me — foi a resposta tranqüila. — Já está perfeitamente capaz para lidar com as cartas por si mesma.
Ser encarregada de responder a qualquer das cartas para "a querida Jessie", sem ter que submetê-la a Jessica Hibberd, era realmente uma honra rara, desfrutada apenas por duas outras jornalistas, numa equipe de doze. Lembrando-se, que vindo trabalhar na coluna, Nathalia admirou-se de como sua atitude havia mudado num período tão curto de tempo. Compreendia agora o que Kennedy Jorres havia pretendido dizer quando afirmara que o estudo dos problemas das pessoas iria ajudá-la a ser uma repórter melhor. Poderia ter dito, da mesma forma, que a compaixão iria ajudá-la a ser uma pessoa melhor, pois tudo o que aprofunda a consciência de alguém a respeito dos que o cercam, deve refletir inevitavelmente na qualidade do seu trabalho.
Desde então passou a ser encarada como assistente pessoal de Jessica Hibberd; com uma ponta de inveja, as outras repórteres deram-lhe o afetuoso apelido de "Jessie Júnior". Não se incomodando, descobriu que as diligentes pesquisas que muitas das consultas exigiam eram mais do que compensadas por ocasionais cartas de agradecimento que recebia. Às vezes os signatários expressavam o desejo de conhecer "a querida Jessie" pessoalmente, mas isto era algo que Jessica se recusava terminantemente a admitir, e preveniu Nathalia para que não o fizesse tampouco.
Nathalia recordou esse comentário enquanto atravessava a entrada de mármore da Lyon Publications e subia num dos elevadores até o décimo segundo andar. Era estranho pensar que, tendo trabalhado ali por um ano, nunca houvesse visto o homem que controlava o vasto império. Na realidade, ocorreu-lhe agora, Jessica Hibberd era uma das poucas pessoas que conheciam pessoalmente Marius Lyon. Isso não era de todo estranho, pois a maior parte dos magnatas da imprensa evitavam aparecer pessoalmente. Não tinham escrúpulos de espalhar os nomes e as fotografias de todo mundo pelas páginas de seus jornais e revistas, e usavam sua própria posição para assegurar que a mesma coisa não lhes acontecesse.
Nathalia entrou em sua sala, pendurou o casaco no armário e, sem se preocupar em verificar a aparência no espelho que havia atrás da porta, sentou-se à mesa. Felizmente, Jessica Hibberd havia conseguido evitar que seu departamento fosse transformado num salão sem divisões, o que demonstrava a consideração que havia por ela.
Por alguma razão, Nathalia pensou em seu invisível e desconhecido empregador, ao começar a abrir as cartas empilhadas sobre a mesa. Trezentas e dez ao todo, e era apenas a primeira remessa. Voltou-se na cadeira e espiou através da divisão de vidro: sua colega na sala contígua tinha uma pilha semelhante. Se as cartas continuassem a chegar nessa quantidade, seria necessário aumentar outra vez a equipe.
Olhou para o relógio, surpreendendo-se quando notou que eram dez e meia. Não era próprio de Jessica Hibberd estar atrasada. Na melhor das hipóteses, tinha uma tendência a chegar à redação antes de qualquer outra pessoa, e ficar até mais tarde também. Não que viesse fazendo isso nas últimas semanas. Agora que pensava a respeito, Nathalia lembrou-se de que Jessie vinha realmente saindo mais cedo. Estava tomando café, quando finalmente a colunista apareceu. Na superfície parecia estar tão imperturbável como de hábito, mas quando veio postar-se ao lado da mesa de Nathalia para examinar algumas das respostas, esta notou que as mãos estavam tremendo.
— Há alguma coisa errada?
— Não, querida. — A voz de Jessica Hibberd estava calma como sempre, e sem dizer mais nada encaminhou-se para sua própria sala. Durante o resto do dia trabalhou com feroz energia, e por volta das cinco, todos os que a cercavam estavam exausto?, embora ela própria não demonstrasse sinal de fadiga quando chamou Nathalia à sua sala para discutirem as cartas a serem publicadas na edição de quinta-feira.
O telefone tocou e Jessica Hibberd apanhou-o como se estivesse para explodir. As cores fugiram de suas faces, enquanto escutava, e, sem uma palavra, Nathalia foi até o armário que havia sob a janela e apanhou uma garrafa de uísque. Colocou um pouco num copo e o deu para Jessie. O copo foi levado até um par de lábios pálidos e ao mesmo tempo Jessie colocou o telefone no gancho.
— Era do hospital. — A voz de Jessica Hibberd estava fraca, mas firme. — Meu marido deu entrada esta manhã e acabam de avisar-me de que ele será operado amanhã cedo.
Nathalia não pôde esconder seu espanto.
— Não sabia que o sr. Hibberd estava doente.
— Claro. Não costumo comentar meus assuntos domésticos.
— Sinto muito, não pretendia me intrometer.
— Não seja boba. É a última pessoa no mundo que eu pensaria estar se intrometendo. — A cabeça grisalha baixou sobre a mesa e modo que os olhos ficassem escondidos. — Frank tem uma lesão no coração. Por muito tempo temos debatido se deveria ou não submeter-se à operação; há muito risco e não estávamos seguros. Mas agora não há mais escolha. A operação tem de ser feita.
— Quer que eu a acompanhe até o hospital?
— É muito gentil de sua parte, mas eu preferiria que ficasse aqui e escrevesse a coluna por mim. Se puder, naturalmente.
Nathalia ficou muda. Muitas vezes imaginara como iria sentir-se, caso lhe pedissem para fazer a coluna toda, mas a simples idéia dava-lhe frio no estômago. Entretanto, agora que a antecipação se tornava realidade, não sentia medo. Talvez fosse porque a oportunidade partia da má sorte pessoal de Jessie e Nathalia quisesse ajudá-la.
Tentando afastar a ansiedade, Nathalia voltou à sua sala para escrever a coluna. O trabalho revelou-se mais difícil do que havia esperado, em parte porque não tinha simpatia pelo autor da carta que tinha sido instruída a colocar em destaque. O tom em que estava escrita a irritava, por ser muito lamentoso. Imaginou se Jessica Hibberd teria escolhido essa carta se estivesse em estado normal.
Durante a época em que trabalhou no departamento de variedades, tinha de atravessar constantemente o grande salão da redação, dominada pelo sexo oposto, desfilando diante de centenas de pares de olhos subitamente inquietos. Após um ligeiro embaraço inicial, havia aprendido a aceitar e capitalizar os assobios e os comentários eróticos dedicados ao seu belo par de seios, fartos, empinados e provocadores, aliados a uma cintura delgada e flexível, cujos dotes aprendera a destacar com um andar suavemente ondulante, que perturbava visivelmente a população masculina que a rodeava.
Tendo sido a única menina de uma família muito liberal, e educada com mais três irmãos, Nathalia nunca ficara embaraçada por aspectos físicos e sempre aceitara seu corpo voluptuoso e deliciosamente feminino com a mesma facilidade com que aceitava o físico forte e bronzeado dos irmãos e a atitude destemida destes diante da vida.
Dois deles se haviam estabelecido como fazendeiros na África, e o terceiro enfrentava os rigores do trabalho de prospecção de petróleo no Alaska; esta era a única sombra numa vida que até ali havia sido predominantemente agradável. Até demais, pensava às vezes, e imaginava se alguma paixão não correspondida poderia imprimir mais calor ao que escrevia. Trabalhar na coluna "Querida Jessie" era o que mais se aproximava disso, pois ao menos ali era possível sofrer os problemas dos outros.
Afastou-se do espelho e foi apanhar a bolsa, parando quando um dos mensageiros entrou.
— A senhora Hibberd está por aí?
— Saiu há muito tempo.
— Que azar! Há uma garota que deseja vê-la. Uma moça em dificuldades... — sorriu ele, malicioso.
— A senhora Hibberd jamais recebe as pessoas assim. É uma das regras da coluna.
O rapaz saiu da sala e, quase imediatamente, tornou a colocar a cabeça pela porta.
— Poderá dizê-lo pessoalmente—murmurou, desaparecendo rapidamente no momento em que uma jovem magra, de cabelo escuro, com uma expressão trágica no rosto, entrou na sala com precipitação.
— Senhora Hibberd, graças a Deus está aqui! Se não puder ajudar-me só me restará o suicídio!
CAPÍTULO II
Nathalia olhou para a intrusa com desânimo, as esperanças de conseguir livrar-se da jovem desvanecendo-se quando reconheceu sinais de histeria na face pálida e no corpo trêmulo.
— Receio não poder ajudá-la — começou apressadamente. — Não sou...
— Sei que normalmente não recebe as pessoas, mas estou desesperada! Tem obrigação de ajudar-me.
— Escreveu para a coluna? — perguntou Nathalia, desconcertada pela angústia do rosto delicado que tinha diante de si. A garota não deveria ter mais de dezoito anos e lembrava o aspecto frágil de uma flor não desabrochada. Era uma comparação muito imaginosa, pensou, e tratou de afastá-la, encolhendo os ombros e endurecendo o coração ao tom lacrimoso da voz suplicante.
— Não posso aconselhá-la a não ser por meio da coluna — disse com firmeza. — Nunca o fazemos. Nunca. Deve escrever-nos. Respondemos a todas as cartas que recebemos e...
— Não tenho tempo para esperar... Preciso da resposta agora... esta noite. Ou então será tarde demais.
— Por que não nos escreveu antes?
— Não havia condições. O problema somente surgiu há pouco... há três horas, para ser exata. — A garota estendeu a mão e segurou a de Nathalia, apertando-a fortemente. — Não pode recusar-me sua ajuda. É para isto que está aqui, não é verdade?
— Não estou recusando. Estou somente esclarecendo que apenas lidamos com problemas através de correspondência.
— Não podem estabelecer regras tão ridículas quando estão lidando com gente — retrucou a garota. — Seres humanos não podem ser tratados como fichas em gavetas de arquivo.
— Podem, e você sabe perfeitamente disto. — Nathalia tentou manter a voz serena. — Por que não vai para casa e não nos escreve? Ou então pode fazê-lo na portaria, se preferir, e deixar a carta na recepção. Iremos examiná-la em primeiro lugar, pela manhã.
— Será tarde demais! — gritou a moça. Amanhã pela manhã estarei casada ou morta.
A incongruência das palavras era superada pelo modo dramático pelo qual as mesmas estavam sendo ditas, e constatando que a moça estava realmente histérica, Nathalia tentou pacificá-la.
— Tenho certeza de que as coisas não podem estar tão ruins — disse suavemente, esperando que as comportas se abrissem.
Nathalia havia encontrado histórias semelhantes muitas vezes, antes. Uma garota de dezoito anos amando desesperadamente, contra a desaprovação de uma família que tinha força suficiente para fazer prevalecer a desaprovação. Mas, no caso de Cathy Joyce — como a garota dizia chamar-se — a história era ligeiramente diferente, pois os pais eram substituídos por um tio com o qual vivia e que parecia exercer sobre a menina um estranho domínio. Sua mãe havia morrido quando tinha doze anos e o pai se casara com uma mulher muito mais jovem, que, não desejando arcar com a responsabilidade de manter a criança, finalmente havia persuadido o tio a trazê-las para morarem em sua casa.
— Ele é pior do que qualquer pai poderia ser — lamentava-se a moça. — Tem conceitos da Idade Média e, em alguns aspectos, encara qualquer pessoa com menos de vinte e cinco anos como a uma criança de primário... quando se trata de decidir algo.
— Tenho certeza de que está exagerando.
— Não estou! Não me permite ter opinião própria e me trata como um bebê. E Célia o encoraja.
— Célia? — perguntou Nathalia.
— Minha madrasta. Pensei que ficaria contente em se ver livre de mim, mas agora sei que não é assim. Se eu me casasse, ela não poderia continuar vivendo com o meu tio.
— Eu não sou...
— Não diga que não vai me ajudar. Precisa dizer-me que sim. Cathy Joyce olhou implorando para o rosto de Nathalia.
— Amo Alex desesperadamente. Se não puder casar-me com ele, eu me matarei.
— Onde vive?— perguntou suavemente.
— Em Londres. O que isso tem a ver com o problema?
— Sabem que está apaixonada?
— Claro que sabem! Conheço Alex há um ano e, desde que o conheci, não olhei para mais ninguém.
— E tem certeza de que ele a ama?
— Quer casar-se comigo. A idéia de fugirmos foi dele. É por isso que estou aqui, Porque não sei se deveria.
Finalmente, ali estava a razão principal, e, colocada diante desta, Nathalia procurou ganhar tempo. Era muito raro que Jessica Hibberd respondesse com um sim ou um não inequívoco a qualquer questão que lhe fosse colocada. — Você deve ser uma pessoa muito especial, para aceitar uma resposta curta e direta — dizia com freqüência —, e alguém que é capaz de aceitar e agir de acordo com um conselho desse tipo não tem necessidade de pedi-lo! Por isso, é sempre melhor oferecer alternativas. Dizer sim, se... ou não, mas... Assim você deixa as pessoas com uma opção.
— O que seu namorado faz? — perguntou, ainda procurando ganhar tempo.
— É mecânico. Trabalha em uma oficina em North London. É encarregado do departamento de manutenção e consertos.
— Então ganha o suficiente para mantê-la?
— Dinheiro não é problema — replicou a garota, com um gesto impaciente da cabeça. — É apenas meu tio que faz tanto barulho a respeito disso.
— Por que exatamente ele faz objeções a Alex?
— Eu já lhe disse: porque ele quer que eu vá para a universidade.
— Não é uma idéia tão má...
— Não estou interessada em obter um diploma. Eu quero casar-me e cuidar de Alex. Eu o amo e desejo viver com ele. Se não puder fazer isso, pouco me importa morrer! — Ela irrompeu em ruidosos soluços e Nathalia levantou-se de um salto, dando volta à mesa.
— Chorar não vai ajudá-la a resolver o problema, Cathy. E certamente não posso conversar com você enquanto está fazendo tanto barulho. Espere um minuto, vou arranjar um pouco de café.
Saindo da sala, desceu o corredor até o grupo de máquinas automáticas, voltando pouco depois com dois copinhos de café.
— Por que é tão importante para você tomar uma decisão nessa noite? — perguntou à moça.
— Alex colocou-me um ultimato. Disse que, se realmente o amo, devo fugir com ele.
— Poderia dizer-lhe igualmente que, se ele a ama, deve esperá-la.
— Ele esperou um ano.
— Você tem apenas dezoito anos — persistiu Nathalia. — Não seria tão terrível para ele esperar um pouco mais.
— A idade não tem nada a ver com isso — disse a garota, zangada. — Está sendo tão má quanto minha madrasta.
— Estou simplesmente sugerindo que, se você e Alex esperassem, seu tio e sua madrasta poderiam modificar seus pontos de vista...
— Eles nunca mudarão! Eu lhe disse, Célia deseja manter-me no berçário para sempre.
— Se ouvisse seu tio e fosse à universidade — insistiu Nathalia —, logo perceberiam que você não é mais criança. Estou certa de que, dentro de uns seis meses, você poderia tornar-se noiva de Alex com a bênção deles.
A resposta da garota foi curta e rude, tão inesperada que Nathalia sentiu-se enrubescer.
— Sinto não estar lhe dando a resposta que deseja ouvir.
— É porque está do lado deles, eis por quê!
— Não estou do lado de ninguém! Você me contou a situação e estou apenas tentando fazê-la ver que não será o fim do mundo se não fugir com Alex esta noite.
— É o fim do meu mundo! — gritou a garota. — É isso o que não compreende. Alex vem me pedindo para fugir há seis meses, e agora disse que seria a última vez. Se eu não o fizer, vai parar de me ver.
— Com certeza não fala sério — disse Nathalia, tentando soar conciliadora. — Não, se a ama realmente.
— Está falando sério. Ele conhece meu tio e diz que, se eu não ns impuser agora, nunca mais conseguirei fazê-lo. E por isso que tenho de tomar uma decisão.
Nathalia olhou para Cathy.
— Quando as pessoas nos escrevem pedindo conselhos, é porque estão diante de alternativas sem perspectiva de escolha. Mas você não tem esse tipo de problema: Alex deseja que fuja com ele e você deseja casar-se com ele. Então, para que precisa que eu lhe diga o que fazer? Como você mesma disse, tem idade suficiente para votar, o que é suficiente também para casar-se.
A garota deu um salto e ficou de pé, o rosto inundado de felicidade.
— Não sabe o que significa para mim ouvir isso! É a primeira pessoa com quem pude falar, durante meses.
Com isso, Cathy dirigiu-se para a porta, deteve-se na soleira, dando outro sorriso resplandecente, e depois desapareceu de vista.
Num passo mais vagaroso, Nathalia seguiu pelo mesmo caminho. Pra uma infelicidade que justamente naquela noite Jessica Hibberd não estivesse na redação. Franziu a testa, perguntou a si mesma se o conselho de sua chefe à garota teria sido diferente do seu próprio. Parecia uma história muito estranha para os dias atuais, como se o tempo tivesse parado, na casa de Cathy Joyce, ou como se houvesse na história algum detalhe velado, que a garota evitara mencionar. Mas havia tal convicção no que dissera, que Nathalia estava certa de que, embora a história pudesse estar incompleta ou então ter sido exagerada, era basicamente verdadeira.
Zangada consigo mesma por não ter-se lembrado de anotar o endereço da moça, tentou novamente afastá-la de seus pensamentos e nesse esforço, ligou o aparelho de televisão. Iria contar a história toda a Jessie no dia seguinte. Não que fosse fazer diferença então, pensou Nathalia, com súbita convicção, e teve uma premonição de Cathy Joyce ao lado de seu bem-amado Alex, a caminho de um futuro talvez menos risonho que o dos contos de fadas, mas um futuro em que estariam juntos para enfrentar o que surgisse.
A intenção de Nathalia de relatar o seu encontro com Cathy Joyce a Jessica não se materializou. Chegando à redação pela manhã, encontrou um recado sobre a mesa, pedindo-lhe para cuidar de todos os assuntos da coluna. Pelo resto do dia, esteve muito ocupada para pensar em qualquer outra coisa a não ser o trabalho. Mas, no fim da tarde, pegou um táxi e dirigiu-se ao National Heart Hospital, e, na sala de espera no primeiro andar, encontrou-se com sua chefe, e ficou sabendo que o estado do marido era estacionário.
Com a disposição sombria, Nathalia voltou à redação, e sua tristeza apenas começou a se desvanecer à medida que se concentrou na preparação da próxima coluna. Trabalhar para um jornal era como precisar alimentar perpetuamente um monstro faminto: assim que uma edição estava terminada, outra tinha de estar sendo preparada. Olhou para a pilha de cartas sobre a mesa. Era ótimo seguir uma carreira e ser independente, mas às vezes sonhava com o anonimato de um lar e o porto seguro de um par especial de braços. Teve curiosidade de saber se os homens também se sentiam dessa maneira, às vezes. Levantariam também os olhos do trabalho, desejando estar no conforto de seus lares ou na paz de seus jardins? Pela divisão de vidro viu Kennedy Jones passando. Era difícil acreditar que ele pudesse alguma vez ansiar pela paz do lar. Tudo com que se preocupava era o jornal e o aumento da circulação que refletia o seu sucesso. A porta abriu-se e ele entrou, estatura mediana, aproximando-se dos quarenta anos, com olhos perpetuamente avermelhados de cansaço e o odor de tabaco impregnado nas roupas uma nota conflitante com suas maneiras suaves e a voz delicada.
— Ainda está feliz, dando conselhos aos desvalidos? — perguntou. — Ou já está pronta para voltar ao mundo dos vivos?
— Se isso é uma oferta para voltar ao departamento de variedades...
— Claro que é, querida!
— Então a resposta continua sendo não! Estou me divertindo demais aqui.
— Trata-se de uma doida varrida, gente! — Ele sorriu. — Incomoda-se em tomar um drinque comigo, mais tarde?
— Seu convite é encantador. A que horas?
— Vou ligar para você quando estiver livre. Antes disso tenho uma reunião com Marius Lyon.
Diante de uma pequena mesa numa adega de vinhos, acompanhada por Kennedy Jones, à noite, ela soube que havia acontecido alguma coisa desde seu encontro anterior.
— Levou alguma bronca do chefão?
Nem sequer cheguei a ver o bruto. Alguém de sua família sofreu um acidente e ele foi correndo ao hospital.
— Eu nem sabia que ele tinha família!
— Essa é uma das compensações de ser um magnata do jornalismo. Você lava as roupas dos outros em público, mas pode manter a sua própria resguardada!
— Conte mais alguma coisa — pediu ela, intuindo algum escândalo. — Sua mulher fugiu com o motorista?
— Que idéia, querida, ele nem é casado. Isto é... — E ele se deteve enquanto um homem volumoso vinha cumprimentá-los. Era Jack Lane, editor de Artes e Espetáculos, um jornal rival, e Nathalia observou, divertida, como os dois homens, que eram conhecidos opositores na Fleet Street e tentavam diariamente derrotar um ao outro, trocavam cumprimentos efusivos.
— Apresento-lhe nossa nova conselheira para os desiludidos — disse Kennedy Jones, em tom desgostoso. — O que importa é o homem, e não o que ele tem... sinceramente, sua tia Nathalia!
— E com essa nota aproveito para despedir-me — sorriu Nathalia —, deixando vocês dois para as fofocas e a bebedeira.
Não dando atenção aos pedidos para continuar com eles, deixou-os com sua conversa e caminhou por toda Fleet Street antes de se decidir a procurar um táxi.
Um táxi se aproximou e ela subiu, dando o seu endereço ao motorista, esquecendo-se de Marius Lyon e todo o resto, enquanto seus pensamentos voltavam a concentrar-se em Cathy Joyce.
Se apenas pudesse descobrir o que a garota havia feito.
Pelo resto da semana, Nathalia continuou supervisionando a coluna "Querida Jessie", colocando de lado as poucas cartas que sentia necessitarem da experiência pessoal da mulher mais idosa. Era agradável estar no controle, e ela se espantava por ter sido capaz de pensar em não aceitar o trabalho. Havia sido bom que Kennedy Jones tivesse conseguido calar seus protestos. Sabia agora o que ele quisera dizer, ao declarar que, aprendendo coisas sobre os problemas de outras pessoas, iria tornar-se uma repórter melhor. O que tivera intenção de dizer — mas o fizera de maneira suavizada — era que ela necessitava tomar consciência do sofrimento para apreciar sua própria vida, pobre de acontecimentos, e sentir-se agradecida por ela. Não havia nada mais suporífero do que o sentimento de complacência.
Nathalia havia crescido numa atmosfera despreocupada e culta, e seu desejo de tornar-se repórter havia sido recebido com pasmo. Seu pai esperava que um estágio num jornal local poderia contribuir para livrá-la do "micróbio jornalístico", mas o sucesso apenas aumentara o seu desejo de chegar à Fleet Street, e quando finalmente conseguira obter o trabalho no Today's News, sentira que sua carreira estava apenas começando.
Embora aceitando o fato de ver a filha viver sozinha em Londres, exercendo uma profissão das mais rudes, seus pais ainda a tratavam como uma criança, quando voltava para casa em ocasionais fins de semana. Era gratificante ser adulada e mimada, mas era igualmente agradável deixar a casa de Sommerset e voltar para o seu apartamento acanhado em Maida Vale. Dois dias de café na cama, cerejas na hora do almoço e cantatas de Bach no domingo à tarde enviavam-na de volta correndo, com alegria, para as ruas barulhentas e as multidões de Londres. Mas agora, em meio à movimentação comum às tardes de sexta-feira, sentiu necessidade da quietude da casa dos pais, e num impulso lhes telefonou para dizer que ia visitá-los no fim de semana.
Quando voltou à redação, na segunda-feira, encontrou Jessica Hibberd em seu posto novamente. Seu marido estava em franca recuperação e, embora fosse permanecer no hospital por mais um mês, estava fora de perigo.
— Foi maravilhoso saber que esteve controlando tudo — disse Jessica a Nathalia enquanto tomavam café. — Com Frank tão doente, eu não poderia ter-me concentrado em coisa alguma.
Nathalia estava ruminando a resposta quando um dos mensageiros entrou com uma carta. Supôs que fosse alguma que havia sido esquecida no malote que era trazido à redação, de manha, mas ficou surpresa ao notar o súbito rubor que invadiu o rosto de Jessica enquanto esta a lia.
— Alguma coisa errada? — perguntou Nathalia.
— Não sei. Deve haver, mas não consigo imaginar o quê. Incapaz de deduzir coisa alguma dessa resposta, Nathalia esperou.
— É de Marius Lyon — continuou Jessica Hibberd. — Está me enviando um cheque, de valor realmente assombroso, e também a minha demissão.
— A sua... o quê? — perguntou Nathalia, incredulamente.
— Ele me demitiu. — A carta foi apanhada novamente e estudada. — Está bastante clara e objetiva; meus serviços não são mais necessários para a coluna "Querida Jessie" e me chamam a atenção a que o título pertence ao jornal e que, nos termos de meu contrato, não posso trabalhar numa coluna de conselhos em qualquer outro jornal nacional, durante os próximos três anos.
— Não pode ter sido demitida! — Nathalia ainda estava incrédula. — Deve haver algum engano. Sua página é uma das mais populares.
— Não há engano quanto a este cheque. — Jessica Hibberd agitou-o no ar. — E suficiente para que eu me aposente. Marius Lyon está se assegurando de que eu não tenho nada para me queixar financeiramente.
— Mas não pode deixá-lo demiti-la! É uma coisa monstruosa.
— Ele tem o direito, você sabe — disse Jessica. — Apesar disso, concordo em que a coisa toda é decididamente ridícula. — Ela se levantou. — Ninguém vai me despedir sem ter ao menos a cortesia de contar-me o porquê.
Apanhando a bolsa, ela saiu, deixando Nathalia a ponderar sobre o funcionamento do cérebro do homem que controlava aquela complexo império.
Quando estava pronta para ir almoçar, Jessica Hibberd ainda não havia voltado; enquanto comia um sanduíche de queijo e mastigava uma maçã, seus pensamentos eram de preocupação e ansiosos. Muito antes do necessário, estava de volta à sua sala.
Jessica já estava à sua mesa, e embora ainda parecesse mais corada que de hábito, já estava recomposta.
— Então — perguntou Nathalia —, puxou o leão pelo rabo?
— Ninguém faz isso — disse Jessica seriamente. — Mas consegui fazê-lo pedir desculpas. Tudo foi um engano.
Nathalia ficou em sua própria mesa e esperou pelo resto. Mas nada mais foi dito, e o único som que atravessava a sala era o martelar da máquina de escrever. Concluindo com pesar que não lhe seria contada a razão da carta de Marius Lyon, nem o motivo pelo qual mudara de idéia, pôs-se a examinar suas próprias cartas.
Levantando o olhar enquanto procurava uma resposta adequada a uma delas, surpreendeu Jessica Hibberd encarando-a com tal intensidade que não pôde deixar de notá-lo.
— Tem certeza de que tudo está em ordem? — perguntou.
— Perfeitamente. Só que... — A mulher afastou a cadeira e foi postar-se perto da janela. — Veio alguém à redação para me ver enquanto estive fora? Não estou falando sobre esta manhã, refiro-me à semana passada, quando estava no hospital.
Nathalia pensou por um momento.
— Ninguém importante, ou teria lhe contado. Apenas o pessoal habitual e alguém do Citizen's Advice Bureau. Também veio um homem de um novo movimento religioso.
— Estava pensando em algum dos nossos leitores. Algum deles por acaso chegou a chamar?
— Não, que eu saiba. A não ser que tenha falado com Joan ou com Helen. — Nathalia referia-se às duas outras assistentes que trabalhavam para a coluna. — Na verdade, dificilmente... — Então estacou, lembrando-se do acontecido. — Que idiota eu sou! Claro que veio alguém para vê-la! Uma garota chamada Cathy Joyce, não consegui livrar-me dela. Estava tão desesperada para falar com alguém que nem sequer me deu oportunidade de dizer-lhe que eu não era Jessica Hibberd!
— E o que aconteceu?
Nathalia enrubesceu.
— Tentei convencê-la a ir embora e escrever para nós, mas ela se achava num estado por demais desesperado para ouvir-me.
— O que ela desejava?
— Conselhos sobre seu namorado.
— E você os deu?
— Receio que sim — disse Nathalia lentamente. — E me arrependi logo em seguida.
— Porquê?
Havia uma calma desusada na voz de Jessica Hibberd.
— Porque, para mencionar algo que você me disse apenas esta manhã, minha resposta estava mais baseada em simpatia do que em empatia. A garota desejava fugir, entende, e parecia incrivelmente contrariada por estar sob o controle do tio.
— E você lhe disse que ela devia fugir?
— Disse que ela tinha idade suficiente para viver sua própria vida. Que podia partir se desejasse.
A voz de Jessica Hibberd estava angustiada.
— Estou sempre lhe dizendo para nunca dar respostas tão inequívocas!
— Eu sei — desculpou-se Nathalia —, e fiquei furiosa comigo mesma, depois. Pensei em telefonar, mas não tinha seu endereço, nem pude encontrá-lo. Sei que não devemos dar respostas firmes às pessoas, mas, como ela veio até aqui, implorando que lhe dissesse o que fazer...
— Compreendo que deve ter sido difícil para você. — Jessica voltou para sua cadeira. — Ela disse mais alguma coisa a respeito de si mesma?
— Apenas que seu namorado era mecânico. Não se tratava de ele não ter condição de se casar, e sim, de que sua madrasta e seu titio não desejavam que se casasse de modo algum.
— Isso não é de surpreender. Ela mal tem dezoito anos.
— Eu sei, mas...
Nathalia estacou, intrigada pelo que Jessica Hibberd havia acabado de dizer.
— Como soube que ela tem apenas dezoito anos? Eu não lhe disse a idade.
— Marius Lyon contou — disse Jessica Hibberd pesarosamente
— Cathy Joyce Lyon é sua sobrinha.
Por um longo momento Nathalia ficou sem fala. Como a garota pudera enganá-la! Que audácia tivera, vindo até ali à procura de conselhos quando sabia muito bem que sua posição tornava proibitiva para qualquer pessoa empregada de Marius Lyon proferi-los Lentamente o choque se desvaneceu e, ao mesmo tempo, ela começou a avaliar o desespero que havia trazido a garota até ali.
— Devo contar a verdade a Lyon — disse —, suponho que foi por isso que ele a demitiu. Provavelmente pensou que foi você quem aconselhou a sobrinha a fugir.
— Sim.
— Como descobriu que ela esteve aqui?
— Ela revelou isso enquanto estava delirando. Receio que tenha seguido seu conselho. Assim que ficou ferida, ela e o namorado foram envolvidos num engavetamento, na estrada; estavam seguindo para Gretna Green. O rapaz saiu do acidente ileso. Mas Cathy ficou seriamente ferida.
— Então era essa a moça pela qual Marius Lyon esteve mantendo vigília dia e noite. — Nathalia expeliu o ar dos pulmões num longo suspiro. — Que coisa ridícula foi acontecer! Não me surpreende que ele ficasse zangado — murmurou.
— Zangado é uma palavra muito suave!
— O que disse quando lhe contou que fui eu?
— Não fiz isso.
— Está dizendo que... ?
— Não lhe contei quem aconselhou sua sobrinha. Primeiro, por que não sabia quem havia sido, e, além disso, porque sou tecnicamente responsável por qualquer conselho que venha desta coluna
— Não é responsável por mim — disse Nathalia —, e não vou deixar que leve a culpa por mim.
— Não pode assumir a culpa dessa maneira. Você não podia imaginar que a fuga iria terminar em tragédia.
— Mesmo assim, deveria ter permanecido com a boca fechada.
— Era preciso haver uma pessoa com muito mais experiência do que você, para fazer isso. Se você tinha alguém implorando por um conselho, seria muito difícil manter-se calada.
— Fico surpresa por Lyon não tentar descobrir quem foi o responsável — murmurou Nathalia.
— Ele ainda pode tentar — disse Jessica Hibberd seriamente — mas eu me recusarei a dizer.
— Acho que ele tem o direito de saber. — Nathalia levantou-se. — Eu vou vê-lo.
— Não seja tola — disse Jessica, com força inesperada. — Tenho esperanças de que você assuma a frente da coluna quando eu sair, e se você lhe contar o papel que desempenhou na fuga da sobrinha. — Sua voz extingüiu-se quando viu a expressão do rosto de Nathalia. — Eu vou sair, minha cara. Isso não tem nada a ver com Marius Lyon, entretanto. Decidi enquanto Frank estava no hospital. Desejo passar mais tempo com ele. Talvez viajar. E até escrever o livro que eu sempre tenho prometido a mim mesmo escrever.
— Mas não havia pretendido sair agora?
— Estava dando a mim mesma mais três meses, até que Frank se recuperasse completamente de sua operação. Então íamos nos retirar para o campo e descobrir como aproveitar nosso lazer!
Jessica fez sinal para que Nathalia se sentasse.
— Quando recebi a carta de Lyon, esta manhã sofri um choque terrível. Afinal de contas, há um mundo de diferença entre decidir aposentar-se e ser sumariamente dispensada. Foi por isso que fiquei tão abalada. Mas agora ficou tudo esclarecido e...
— Dificilmente. Lyon ainda não sabe a verdade.
— Não há razão para que saiba. Não pode culpar a si mesma pelo acidente de Cathy Lyon. Esqueça-o e pense no futuro.
— Não poderia escrever a coluna — murmurou Nathalia —, ainda não tenho experiência suficiente. Basta o caso de Cathy para provar isso.
— Não prova coisa alguma. Agora, pelo amor de Deus, pare de pensar sobre si mesma em termos derrotistas. É inteligente e boa redatora. Não vai achar fácil fazer essa página, mas depois de três meses, nunca mais desejará deixá-la.
— Por que não pode ficar e supervisionar?
— Porque a imagem de "Tia Jessie" precisa de modificações. Minhas idéias e padrões não combinam com os atuais. Tenho notado este fato cada vez mais. Minha relutância em dar respostas firmes está agora ultrapassada. Estamos vivendo a era dos especialistas, até mesmo especialistas em romantismo, e os leitores querem que se lhes diga o que devem fazer.
— Desejam ser pajeados...
— Talvez, mas é isso o que desejam. Afinal, somos uma nação privilegiada com nossos subsídios e nossa medicina gratuita. — Jessica Hibberd deteve-se e sorriu. — Lyon ficaria furioso, se me ouvisse falar desta maneira!
Nathalia não replicou, por demais mergulhada em seus próprios pensamentos para dar muita atenção aos dos outros. Dirigir a página “Querida Jessie" significava não apenas um salário maior, mas também prestígio, e embora pudesse não desejar fazê-lo por mais que uns poucos anos, o fato poderia levá-la a outras tarefas mais importantes. Entretanto, aceitar o que Jessica Hibberd estava lhe oferecendo tão generosamente, sem eximi-la completamente da culpa do acidente com Cathy Lyon, era impossível. A perspectiva de falar com Marius Lyon e contar-lhe a verdade era assustadora, mas não tanto quanto viver com a consciência pesada.
CAPÍTULO III
O tamanho da sala e o tamanho do homem que a ocupava foram duas coisas que chamaram a atenção de Nathalia simultaneamente. Ambos eram grandes, desarmantes e inesperados.
Tinha mais de dois metros de altura e a constituição de um jogador de futebol americano: ombros maciços e um peito forte que se afunilava para dar lugar a uma cintura estreita. Nathalia havia ouvido referências tão freqüentes à sua pessoa, como sendo o mais jovem dos magnatas da imprensa do país, que ficou surpresa pelo espesso cabelo grisalho que lhe cobria a cabeça altiva, como uma verdadeira juba de leão.
— Bem? — Sua voz era firme e forte como a aparência. — O que há mesmo em relação a você e à minha sobrinha?
Nathalia umedeceu os lábios e desejou não ter entrado na sala tão precipitadamente. Vendo o rosto quadrado e duro que estava voltado para ela, com seu volumoso e dominante nariz, a boca grande agora apertada numa linha fina e reta, compreendeu por que Jessica Hibberd havia tentado preveni-la. Mas era tarde demais para voltar atrás; estava ali e precisava ir até o fim.
— Não foi a senhora Hibberd que aconselhou à sua sobrinha que... que se casasse. Fui eu.
— Você!. .
Nathalia anuiu e, com agitação, começou a explicar o que havia acontecido. Não teve oportunidade de falar, entretanto, pois ele interrompeu-a irritadamente:
— Que demônios a fizeram acreditar que tivesse o direito de aconselhar uma criança daquela idade a fugir e casar-se?
— Uma moça de dezoito anos não é uma criança.
— Isto depende da pessoa. Cathy é um bebê! De qualquer modo, sua idade é irrelevante. O que importa é o princípio envolvido. Não tinha nada que incitá-la, ou fosse a quem fosse, a desafiar sua família. A coluna de Jessica Hibberd é dedicada a fornecer conselhos baseados no senso comum, e não a encorajar a anarquia!
Surpresa por esse ataque ilógico — pois não podia imaginar o que a anarquia tinha a ver com o conselho que havia dado à sobrinha, Nathalia tentou defender-se, mas outra vez ele se recusou a ouvir, interrompendo-a, tomado de fúria sempre crescente.
— A unidade familiar é o único fator estável na sociedade atual — trovejou ele. — Destrua a unidade familiar e terá destruído tudo!
— Se uma família é realmente unida, não pode ser afetada por conselhos de outras pessoas — rebateu ela acaloradamente. — E eu não tinha intenção de destruir ninguém, quando disse a Cathy o que achava que devia fazer.
— Devia ter ficado calada! — A voz dele estava ainda mais alta. — Como se atreve a fazer-se de árbitro do que as outras pessoas devem ou não devem fazer?
— Somos pagas para aconselhar!
— São pagas para ajudarem as pessoas a encontrar suas próprias soluções. E isto não significa virar suas vidas ao avesso! Você dominou minha sobrinha e agiu como se fosse Deus em pessoa!
— Ela estava histérica e desesperada, e não consegui desvencilhar-me dela de outra forma. Eu não desejava dar-lhe nenhum conselho, senhor Lyon, mas não tive nenhuma escolha.
— Não deveria tê-la recebido.
— Ela invadiu a redação antes que pudesse impedi-lo.
— Então deveria tê-la mandado embora!
— Não queria ir sem uma resposta. Eu já disse, ela estava histérica. Ameaçou-me, dizendo que, se não a ajudasse, iria matar-se!
— Não me diga que acreditou nessa baboseira!
— Não se pode eliminar uma ameaça de suicídio dizendo que é baboseira. Se não aprendi mais nada, desde quando comecei a trabalhar com a senhora Hibberd, aprendi ao menos isto!
Ele abriu as mãos, como se estivesse cedendo, mas de modo algum a sua ira parecia atenuar-se.
— A agitação de minha sobrinha torna o seu comportamento ainda menos desculpável, se quer saber. Se ela estava histérica, a última coisa que deveria fazer era dizer-lhe que fugisse e se casasse.
— Sua sobrinha me disse que no dia seguinte estaria casada ou morta! — explodiu Nathalia. — Que mais me restava?
— E acreditou?
— O suficiente para não correr riscos. De qualquer maneira, não lhe disse textualmente que deveria fugir. Simplesmente lhe expliquei que tinha idade suficiente para decidir por si mesma.
— Encorajou-a para que fugisse com aquele... — O punho de Lyon cerrou-se e desabou sobre a mesa numa pancada que ecoou pela imensa sala. — Deveria ter sido obrigada a ficar ao lado de Cathy nos dois últimos dias. Assim poderia apreciar os resultados de seu trabalhinho...
Parou de falar, a voz embargada de emoção; Nathalia encarou-o agastada pela injustiça da acusação que lhe fazia.
— Insiste em achar que eu não deveria ter falado com sua sobrinha, muito bem, mas não pode culpar-me pelo acidente.
— Você foi a responsável pela sua fuga! Se ela não tivesse fugido com aquele... Alex, não estaria onde está, agora. Acho que tem toda a culpa!
— Porque isso é muito mais fácil do que culpar a si próprio! — Zangada pela deslealdade de Lyon, o medo que tinha dele desapareceu. — É ridículo ouvi-lo falar sobre o valor da unidade familiar. Pelo que Cathy me contou, não pode gabar-se de que haja muita unidade na sua família!
— Não sabe nada sobre minha família.
— O que sei é que Cathy precisou procurar uma pessoa estranha porque não tinha mais ninguém a quem recorrer. Não tem nenhum respeito pela madrasta e teme-o como ao demônio!
— Como se atreve a dirigir-se a mim nesses termos?
— E por que não deveria? — gritou Nathalia. — Não se preocupou muito com o que disse a mim.
— Porque o seu conselho meteu Cathy no hospital... quase a matou.
— Seria melhor dizer, a sua rigidez! Se Cathy pudesse procurá-lo para que a ajudasse com seus problemas, ela não teria nenhuma necessidade de procurar uma estranha. Mas tinha medo de falar com o senhor. Via-o como a um ditador!
— Nada sabe sobre o relacionamento entre nós.
— Sei o que ela me contou.
— Costuma sempre construir suas opiniões baseada em fatos unilaterais?
— Formou uma opinião a meu respeito sem fato nenhum! Não fico nem um pouco surpresa de que Cathy tenha preferido procurar os conselhos da coluna "Querida Jessie".
— Se já terminou...
— Ah! Não gosta de ouvir a verdade, então?
— Não a sua versão da verdade. É uma jovem intrometida, cuja irresponsabilidade quase custou a vida a Cathy.
— Não ouviu nada do que eu disse?! — sufocou Nathalia.
— E quanto antes puder deixar o emprego... — continuou ele, como se ela nem tivesse aberto a boca — ...tanto melhor.
— Está me demitindo?
— Esperava que eu lhe conferisse uma medalha de ouro?
— Esperava justiça.
— De um ditador rígido? — perguntou ele, destacando as palavras.
Com uma exclamação de ódio, Nathalia saiu correndo em direção aporta.
— Receberá o salário de três meses, a título de compensação — ouviu-o dizendo atrás de si.
— Use-o para comprar um chicote! — retorquiu ela e bateu a porta com toda a força.
Jessica Hibberd soube fazer algo melhor que dizer: "Eu avisei!", quando Nathalia lhe revelou o desenlace de sua entrevista com Marius Lyon. Em lugar disso, ofereceu-se para telefonar ao editor de um jornal domingueiro, que sabia estar procurando um redator.
Aquelas palavras haviam sido proferidas com mais convicção do que sentia realmente e, durante os dias seguintes, achou difícil lembrar-se dele sem rancor. Por mais que tentasse analisar a situação vista pelo ângulo de Lyon, não conseguia justificar sua fúria nem sua recusa desarrazoada em admitir que ele próprio deveria responsabilizar-se por parte da culpa. Unidade familiar, pois sim! Tentou lembrar-se de algumas das coisas que Cathy havia dito a seu respeito e a respeito da madrasta, mas apenas palavras vagas voltavam-lhe à memória. Como teria ouvido bem mais atentamente se ao menos desconfiasse que o tio a que Cathy se referia era o ilustre e despótico Marius Lyon!
Ao fim de uma semana Nathalia foi visitar Jack Lane, decidida a tentar conseguir um trabalho por sua própria iniciativa. Sua confiança revelou-se inteiramente justificada e, quando o deixou, após uma breve mas agradável entrevista, foi com a segurança de que iria começar a trabalhar novamente na segunda-feira.
Inexplicavelmente, pensou em Cathy Joyce — Cathy Lyon, como sabia agora ser o seu verdadeiro nome — deitada, ferida, em algum leito de hospital. Tentou lembrar-se em que hospital estaria. Vários nomes vieram à sua mente, sem saber ao certo qual seria. Recomeçou a andar e, avistando uma cabine telefônica, entrou e discou o número do Middlessex Hospital. Sua memória, se bem que vaga, revelou-se precisa quando soube que Cathy Lyon encontrava-se ali, internada como paciente particular, e que seu progresso era razoável dentro do que se poderia esperar.
Desligando, Nathalia prosseguiu em seu caminho para casa, tão imersa nas recordações de seu primeiro e único encontro com a infeliz garota, que se encontrou diante da entrada da Lyon Publications, quase mesmo sem dar pelo fato.
— Pode dizer que é a força do pensamento positivo — disse uma voz divertida, e Nathalia olhou em redor, para ver Jessica Hibberd a seu lado. — Passei a tarde toda tentando ligar para seu apartamento.
— Eu estive com Jack Lane — explicou Nathalia. — Começo a trabalhar para ele na segunda-feira, mas agora estou a caminho de casa.
— Ainda não você não vai para casa. Vamos tomar algo antes disso.
Apenas quando estavam diante de suas xícaras fumegantes, num café próximo, a colunista revelou por que estivera tentando entrar em contato com Nathalia.
— Cathy deseja vê-la.
— Acabo de ligar para o hospital onde ela está internada, para saber como está passando — disse Nathalia. — Mas não acho que seria uma boa idéia visitá-la.
— Ficou muito aborrecida quando soube de sua demissão.
— Quem contou a ela?
— O próprio tio.
— Deve ter apreciado muito fazê-lo — disse Nathalia, amargamente — "Botei na rua aquela criatura intrometida que a aconselhou a fugir." — Posso até ouvi-lo...
— Deve ter dons telepáticos — disse Jessica Hibberd, com seriedade. — Essas foram as palavras exatas que ele usou!
A raiva que Nathalia estava sentindo cresceu. Que homem odioso! Nem mesmo o fato de sua sobrinha estar hospitalizada impedia que lhe atirasse na cara que seus planos haviam fracassado. Que azar ter acontecido o acidente! Se este não tivesse ocorrido, a moça poderia estar casada a esta altura, e livre de sua prepotência.
— Cathy realmente deseja vê-la — repetiu Jessica Hibberd. — Foi por isso que ligou para mim. Não sabia de que outro modo poderia entrar em contato com você.
— Seria melhor se eu não a visitasse — repetiu Nathalia. — Lyon ficaria furioso se descobrisse.
— Não saberá de nada. E a garota está tão ansiosa por falar-lhe...
Nathalia suspirou. Por mais que temesse a ira de Marius Lyon se este descobrisse que havia ido visitar sua sobrinha, sabia que não teria paz de espírito enquanto não fosse.
— Bem, então irei assim que permitirem que receba visitas — disse por fim.
— Se disser que é da família, deixarão que entre quando bem entender.
— Serei transformada em residente permanente do hospital se Lyon chegar subitamente é me encontrar ali.
— Está na América esta semana — informou Jessica Hibberd, enquanto saíam para a rua. — Por que não dá um pulo ao hospital esta noite?
— Está dizendo que não há perigo? — perguntou Nathalia, cautelosamente.
— A violência de Marius Lyon é apenas verbal, nunca passa disso!
— Acredito piamente, mas apenas enquanto ele está na América!
Um táxi vinha passando lentamente, e, vendo-o como enviado pela mão do destino, Nathalia decidiu pará-lo.
— Vou visitar Cathy agora mesmo, então. Telefonarei quando voltar para casa.
— Não esqueça. E deixe esse complexo de culpa lá no hospital!
A imaginação de Nathalia vislumbrava Cathy envolta numa mortalha de tristeza, e a primeira visão da garota deitada sobre uma estreita cama hospitalar não modificou sua opinião. Era um arremedo da jovem que vira na última semana: pálida como um lírio, justificava o amargo rancor do tio, e, pela primeira vez, parte do rancor da própria Nathalia contra o homem refluiu. Se tinha visto a sobrinha nesse estado, não era nada surpreendente que tentasse magoá-la.
— Estou tão contente por ter vindo — disse francamente Cathy Lyon e levantou uma das mãos. — Aposto que nunca esperou me ver nestas condições.
— Acidentes acontecem — disse Nathalia, consciente da inadequação da resposta. — Mas ouvi dizer que está fazendo esplêndidos progressos.
— Então deve ter fontes melhores do que eu! Eu não estou fazendo progresso nenhum.
— Isso não é verdade. Apenas alguns dias atrás estava na lista de pacientes em perigo de vida e agora já pode receber visitas, de outro modo, eu não estaria aqui.
— Chama a isso de melhora? Os médicos dizem que levará alguns anos até que eu possa andar novamente.
— Os médicos não são infalíveis...
— Oh, estes são! — disse Cathy. — Meu tio sempre obtém o melhor.
— Então mostre a seu tio que às vezes pode estar errado, predisponha seu cérebro para andar em breve! Deve tentar, Cathy, não pode ficar deitada, sentindo pena de si mesma.
— Você sentiria pena de si mesma se estivesse em meu lugar — disse Cathy, sombriamente. — Pensei que seria mais simpática.
Mantendo sua simpatia em guarda, Nathalia disse:
— Está viva e irá melhorar, portanto, para que necessita de comiseração?
A moça corou, zangada, o tom pálido de suas faces tingindo-se de rubor.
— Sempre soube que jornalistas eram duros. Você é exatamente igual a meu tio.
Nathalia sentiu um momentâneo triunfo. Ir até ali e entregar-se à comiseração teria sido a pior coisa possível.
— Você não pensou que eu fosse dura na noite em que veio me pedir conselhos.
— Pensei que fosse a senhora Hibberd. Devia ter-me dito que não era.
— Não me deu oportunidade. De qualquer modo, eu era sua assistente.
Cathy reagiu imediatamente ao uso do passado.
— É por isso que desejava vê-la. Sinto muito por meu tio tê-la demitido. Não tinha direito de fazer isso, disse isso a ele.
— Não deveria tê-lo feito — disse Nathalia com a voz ligeiramente incerta. — Se não tivesse me ouvido naquela noite, não estaria aqui agora.
— Eu teria fugido com Alex fosse qual fosse o seu conselho. Eu apenas desejava confirmação. Se não me desse o conselho que eu desejava teria pensado que você era igual a todos os outros, que nutria preconceitos contra Alex porque ele é pobre.
— Se eu soubesse como você é rica — disse Nathalia, secamente — provavelmente teria lhe dado um conselho diferente.
— É isso! — Cathy estava sombria novamente. — Sabia que iria dizer isso. Apenas porque Alex tem de trabalhar para viver e não pode manter...
— Não estava pensando na posição financeira do seu namorado — interrompeu Nathalia. — Apenas ia dizer que teria pensado com mais cuidado sobre vocês dois. Garotas ricas de dezoito anos têm mentalidade diferente da das pobres.
— Eu não fui criada como herdeira. Até o momento em que vim viver com meu tio, meu passado não teve nada de extraordinário. Meu pai jamais aceitou qualquer ajuda financeira de Marius, os dois eram inteiramente diferentes. Papai era suave e não tinha nenhum traço mundano e... bem, você conhece meu tio.
— Um homem esperto — disse Nathalia com tato, e afastou-se indo sentar-se numa cadeira próxima à janela. — Quanto tempo terá de permanecer no hospital?
— Que diferença faz? Sou prisioneira, esteja aqui ou em casa.
— Não deveria dizer isso.
— É verdade. Suponho que saiba que meu tio não vai me deixar ver Alex.
— Não, não sabia disso — admitiu Nathalia.
— Bem, pois não vai. — A cabeça escura moveu-se inquieta sobre o travesseiro, embora o corpo permanecesse rígido. — Gostaria de saber como eu o conheci?
Percebendo que Cathy desejava conversar sobre o namorado — como se assim pudesse sentir sua presença — Nathalia concordou e o gesto desatou uma torrente de palavras. Era o tipo de história que podia ser lida numa revista antiga; era difícil acreditar que pudesse acontecer nos dias atuais. Entretanto os fatos reais freqüentemente são mais estranhos que a ficção. A história, da maneira contada por Cathy, realçava isto. Sua vida havia transcorrido sem maiores acontecimentos até ã morte de sua mãe, quando tinha doze anos. Durante os dois anos seguintes ela se aproximara mais do pai, e era uma proximidade cada vez mais sólida quando — passando férias em Durban — ele conhecera Célia Maddon, casando-se com ela apenas uma semana depois de se terem conhecido, e trazendo-a para Nairóbi, onde viviam. O casamento não mudou o ritmo de vida de Arthur Lyon. Se isso iria durar muito tempo eram apenas conjecturas, pois passados três meses ele morreu de um ataque cardíaco. Durante o funeral, Célia encontrou o cunhado pela primeira vez, e Marius, impressionado com seu sofrimento silencioso e pela maneira serena e eficiente com que controlava uma garota tempestuosa e desorientada de catorze anos, ofereceu-lhe imediatamente a hospitalidade de sua casa até que ela decidisse onde e como desejava viver. Se decidiu! Marius é estúpido demais para perceber que ela jamais pretende partir. Pretende tornar permanente a situação.
— Como?
— Casando-se com ele.
— Você se incomodaria?
— Não. Merecem um ao outro. Ele é um bruto e Célia é uma cadela, fria como gelo!
— Está exagerando... — disse Nathalia sem muita convicção.
— Estou é subestimando, pelo menos quanto a Célia. Por mais que eu não goste de meu tio, acho que ele é bom demais para ela. Tenho certeza de que foi Célia que o indispôs com Alex.
— Ainda não me contou nada a respeito dele — interveio Nathalia, com determinação, lutando contra a curiosidade de saber mais sobre Marius Lyon.
Mas não havia muita coisa a dizer. Alex tinha vinte e quatro anos, seus pais viviam em Liverpool, mas ele morava em Londres. Mecânico de profissão, seu passatempo eram as corridas de automóveis, e foi no autódromo de Brands Hatch que Cathy o conhecera. Haviam se sentido imediatamente atraídos um pelo outro, e não suspeitando de que sua amizade com ele iria esbarrar contra a desaprovação familiar, ela o convidara para visitá-la.
— Nas primeiras semanas Marius não disse nada a respeito — continuou Cathy. — Mas uma noite chamou-me ao escritório e disse que não desejava que eu visse Alex novamente. Disse que eu era jovem demais para saber o que desejava e que Alex pretendia casar-se comigo somente porque era sua sobrinha.
— Tinha alguma razão específica para dizer isso?
— Meu tio nunca precisa de razões para o que diz ou faz. No momento em que pensa alguma coisa, esta se transforma em fato consumado!
— Seguramente ele deve ter baseado o que disse em alguma coisa mais sólida do que apenas instinto — persistiu Nathalia.
— Foi Célia — disse Cathy solenemente. — Ela detestou Alex no momento em que o conheceu. Sabia que se eu me casasse com ele não teria mais razão para permanecer na casa.
Cathy estava repetindo o que havia dito a Nathalia na primeira vez em que se viram e, como antes, não havia maneira de saber até onde aquilo era verdade. Se Célia pretendia tornar-se esposa de Marius Lyon, sem dúvida iria desencorajar qualquer coisa que pudesse afastá-la de sua órbita. Mas, afinal, tendo vivido em sua casa durante quatro anos, não poderia dizer que sua posição já estava segura?
— Ninguém está seguro na vida de meu tio — respondeu Cathy, quando Nathalia perguntou em voz alta. — Ele é o tipo de homem sobre quem uma mulher não pode ter certezas. Célia tinha medo de que se eu me casasse com Alex, Marius lhe pedisse para procurar outro lugar para morar. Pode imaginar como ela está feliz agora, sabendo que vou ficar enfiada numa cadeira de rodas nos próximos anos. Isso lhe dará tempo mais do que suficiente para amarrar meu tio.
— Pelo que você me contou sobre ele não deveria pensar que isso será tão fácil.
— É muito gentil com ela — disse a garota mais jovem, com má vontade.
— Talvez, se eles se casassem, ficassem mais compreensivos em relação a você e Alex.
O rosto de Cathy se iluminou. Era um pensamento que evidentemente não lhe havia ocorrido antes e dirigiu um olhar interrogativo a Nathalia.
— No momento não posso imaginar como vou ver Alex, quanto mais me casar com ele. Meu tio proibiu que viesse à nossa casa e, como estou enfiada na cadeira de rodas... inferno! — explodiu ela repentinamente.
— As coisas não estão tão pretas assim — arriscou Nathalia cautelosamente. — Não acha que seu tio poderia mudar de opinião em poucas semanas? Desde que veja você melhorando e a sua zanga tenha tido oportunidade de esfriar... quero dizer, ele ficou abatido quando você fugiu.
— Razão ele tem para ficar abatido. Se não visse tudo em termos de dinheiro, não seria tão cético. Ele não consegue acreditar que alguém possa me amar por mim mesma.
— Não posso crer que isso seja verdade!
— Pois é! — gritou Cathy. — Ele mesmo disse isso. Foi odioso com Alex. Já lhe contei. É por isso que decidimos fugir: para mostrar a meu tio que iríamos nos casar com ou sem seu consentimento. E, agora, não posso nem sequer ver Alex. Até minhas chamadas telefônicas são vigiadas. — Ela rompeu em soluços e, temendo que uma enfermeira a ouvisse e entrasse, Nathalia apressou-se em acalmá-la.
— Por favor, não chore, suplicou. — Se o fizer, está dando força a seu tio. Se você e Alex amam um ao outro, têm de provar isso.
— Como?
— Mostrando que, mesmo não podendo se encontrar, não mudarão de opinião. Após alguns meses tenho certeza...
— Alguns meses! — exclamou Cathy chorando ainda mais alto. Desta vez, o choro provocou a vinda de uma enfermeira que lançou em Nathalia um olhar de petrificante desaprovação enquanto retirava o relógio do bolso da blusa e segurava o pulso de Cathy entre o indicador e o polegar.
— Chega de visitas — disse em tom firme. — Elas a deixam muito excitada.
— Não estou excitada. — Cathy fez um esforço para deter as lágrimas e olhou implorante para Nathalia. — Por favor, fique.
— Já fiquei tempo demais.
— Mas é a única pessoa a quem posso falar. Prometa que virá me ver novamente?
— Muito bem — disse Nathalia disfarçando a relutância.
— Amanhã?
— A semana que vem.
— Dê-me o número de seu telefone — replicou Cathy. — Assim poderei localizá-la se for preciso.
Com um ligeiro sorriso, Nathalia deu o número e depois partiu mas, sentada no ônibus que descia a Oxford Street, resolveu não se envolver nos problemas da garota. À primeira vista, a recusa de Marius Lyon em aprovar o noivado da sobrinha parecia arbitrária, mas na verdade ele bem poderia ter razão para se opor ao namoro. Mesmo as objeções da desconhecida Célia podiam ser válidas. Afinal, Nathalia conhecia apenas a opinião de Cathy sobre Alex, e, considerando o excesso de dramatização da garota, tudo o que ela dissera deveria sofrer um certo desconto. Mas o problema de Alex, se este era ou não um jovem adequado, não era algo com que pretendesse se preocupar. Havia agido assim uma vez perdendo por isso seu emprego; não pretendia repetir o erro. Iria deixar a família Lyon resolver seus próprios problemas.
Entretanto, essa resolução foi destruída por Cathy, que telefonou na manhã seguinte, logo cedo, suplicando-lhe que fosse visitá-la outra vez. Tão convincente foi que Nathalia sentiu-se incapaz de recusar, e às três horas da tarde estava outra vez ao lado da cama da moça.
A segunda visita foi menos traumatizante que a primeira. Tendo já conversado suficientemente sobre a madrasta e o tio, Cathy parecia satisfeita em discutir generalidades e demonstrou particular interesse no trabalho que Nathalia havia feito na coluna "Querida Jessie".
Com Marius Lyon ainda na América, não tinha medo de encontrá-lo acidentalmente no hospital, embora soubesse que, quando ele voltasse à Inglaterra, teria de planejar suas visitas com mais cautela. Não que houvesse muito tempo livre depois do final da semana; começar um novo trabalho era sempre algo enervante, e os termos do contrato de Jack Lane haviam sido tão vagos que ela não tinha ainda uma idéia clara do que ele pretendia que fizesse.
Tudo pareceu ser a palavra mais adequada para descrever isso durante os três primeiros dias no The Monitor. Foi cobrir um desfile para o editor de moda, que estava doente, entrevistou um astro pop que havia acabado de vender seu primeiro milhão de discos, e fez uma rápida viagem até Brighton para ver um médium que declarava estar em contato com o espírito de Karl Marx. Apenas a entrevista com o astro pop apareceu no jornal, e mesmo esta foi impiedosamente cortada pela metade.
Mas sua frustração desapareceu quando, ao visitar Cathy logo no início da noite de quarta-feira, encontrou a garota sentada, parecendo consideravelmente melhor. Como eram ridículos os problemas de trabalho quando comparados aos de saúde.
Quando enfiou a chave na porta do apartamento ouviu o telefone tocar, e uma premonição que podia ser o próprio Alex desfez-se para sua satisfação quando levantou o receptor e ouviu a voz de Jessica Hibberd.
— Jack deve estar fazendo você trabalhar demais — resmungou ela com bom humor. — É a segunda vez que tento encontrá-la em casa.
— Não culpe Jack. Estive visitando Cathy depois que saí do trabalho.
— Cathy Lyon?
— Parece surpresa — replicou Nathalia. — Se não fosse por seu conselho eu não teria ido pela primeira vez.
— Eu desejava que você a visse para colocar a consciência em ordem, não para que se tornasse sua guia...
— E o que a faz pensar que estou sendo?
— Tenho uma intuição latejando nos ossos. — O silêncio se desfez e, depois de um certo tempo razoável, Jessica Hibberd voltou a falar. — Percebo que meus velhos ossos têm razão. Estava com esperança de que você desmentisse o que eu havia dito.
— Cathy não tem ninguém para quem se voltar — admitiu Nathalia lentamente.
— Há uma multidão de pessoas para acorrer ao seu menor desejo. Não deixe que se aproveitem de você.
— Não deixarei.
— Quer dizer que ainda não lhe pediu para funcionar como intermediária entre ela e o namorado?
O modo com que Nathalia inspirou proporcionou a resposta e Jessica Hibberd resmungou com exasperação:
— Francamente, Nathalia, não sabe fazer outra coisa a não ser se envolver com problemas de outras pessoas?
— Veja só quem fala — retorquiu Nathalia.
— Pelo menos eu tenho experiência para isso. Você o faz sem pensar.
— Eu sei — confessou Nathalia amargamente —, é porque Cathy irá ficar numa cadeira de rodas nos próximos dois anos.
Desta vez foi Jessica Hibberd quem prendeu a respiração.
— De modo que continua se sentindo culpada. Eu tinha esperança de que não fosse assim.
— Não se trata de uma questão de culpa. É simplesmente porque gosto de Cathy e penso que ela gosta de mim. Se visitá-la posso lhe ser útil, por isso não posso recusar.
Houve outra pausa.
— Diga-me como ela é. Eu somente falei com ela pelo telefone.
— Ela não se parece nem um pouco com o tio. É magra e morena, um pouco como um elfo. Não é uma grande figura, tem um rosto estreito e pontudo. Tem um modo entrecortado de falar; num momento, age como adulta, e logo em seguida, como criança.
— Você certamente parece tê-la estudado — disse Jessica Hibberd seriamente. — Esta é a descrição mais vivida que já ouvi fazer de alguma pessoa. Faz com que ela se pareça como filha de Alice no País das Maravilhas e Branca de Neve.
— No momento é mais como Branca de Neve — admitiu Nathalia.
— E qual dos anõezinhos é você?
— Sei qual você é — provocou Nathalia. — Dunga!
— Está bem, então sou a intrometida. Mas não pode culpar-me. Afinal fui eu quem insistiu para que fosse ver Cathy no hospital, e se está começando a se envolver com sua vida, então eu...
— Fiquei envolvida no momento em que abri a boca e lhe disse para fazer aquilo. Nada do que possa dizer pode alterar o que sinto a respeito. Estou atolada até o pescoço.
— Avise-me antes que suba acima de sua cabeça — disse Jessica Hibberd — posso jogar-lhe um salva-vidas.
— Não vou esquecer a oferta — replicou Nathalia, e, deliberadamente, mudou de assunto, perguntando sobre os progressos de Frank Hibberd.
Quando finalmente desligou o telefone, ficou parada perto do mesmo com indecisão, sabendo que se não ligasse para Alex Bedford imediatamente poderia faltar-lhe coragem para fazê-lo mais,tarde. Com um suspiro discou seu número e, ouvindo a campainha tocar várias vezes, estava por desligar, agradecida, quando ele atendeu. Pareceu surpreso quando soube quem estava lhe telefonando, e havia uma reserva inconfundível em sua voz, como se estivesse inseguro sobre se o chamado era uma armadilha ou não. Mas à medida que ela continuou falando-lhe sobre Cathy, seu tom mudou, e antes que o chamado terminasse Nathalia convidou-o para tomar café em seu apartamento.
Gostasse ou não, havia forjado a si mesma um elo entre dois apaixonados infelizes, e rezou aos céus para que essa sua segunda intervenção não terminasse tragicamente como a primeira.
CAPÍTULO IV
Cathy não dera qualquer descrição de Alex, e Nathalia não foi surpreendida pelo jovem magro e louro que se apresentou à sua porta, às nove horas da noite. Acomodou-o numa poltrona e ele tagarelou como se a conhecesse há anos, considerando-se seguro como se ela estivesse completamente a seu lado.
— Creio que há uma grande vantagem em ser sueco ou suíço — disse ela com firmeza, durante uma pausa momentânea em sua conversação. — Eles sempre são neutros — acrescentou, notando o seu olhar de incompreensão.
Imediatamente ele percebeu o que queria dizer, embora não parecesse desconcertado pelo fato.
— Mesmo os neutros podem ter um ponto de vista. Afinal, sentados sobre a cerca, provavelmente vêem as coisas duma maneira menos influenciável!
— Ainda assim, 'permanecem neutros, como os três macacos sábios. — Alex pareceu não entender e ela completou: — Não falar, não ver, não ouvir.
— Certamente não há nada de mau no fato de Cathy e eu desejarmos nos casar — protestou ele. — E não pode culpar-me pelo acidente, do modo que o tio dela faz. Quando abri os olhos e vi que Cathy estava presa embaixo do carro, e eu completamente ileso, teria dado dez anos de minha vida para trocar de lugar com ela.
— Tenho certeza de que vai ficar boa — tranqüilizou-o Nathalia, perturbada ao notar um tênue véu de transpiração sobre as suas feições miúdas e bem traçadas.
— E quem pode ter certeza? — irritou-se ele. — Falou com os médicos?
— Não, não o fiz. Tenho as notícias através de Cathy.
— Então só Deus sabe qual é a verdade! Tenho certeza de que não irão lhe contar se ela vai-se tornar uma aleijada pelo resto da vida.
— Não deve pensar assim — Nathalia estava chocada. — Cathy está muito melhor do que antes.... Mesmo nos últimos dias, tem sido uma pessoa completamente diferente.
— Como eu poderia saber? — disse ele amargamente. — Eles não me deixam chegar perto.
— Tentou falar com Marius Lyon?
— Seria mais fácil falar com o Dalai Lama! Mas um dia vou fazer com que Lyon fale comigo, pode anotar minhas palavras.
O couro cabeludo de Nathalia comichou de apreensão.
— Não está planejando fazer alguma loucura, não?
— Não, a não ser que pense que minha loucura é desejar casar-me com Cathy.
— Não quis dizer isso.
— O que quis dizer, então?
Concluindo que pergunta rude merecia uma resposta igualmente rude, disse:
— Cathy não está em estado, mentalmente ê fisicamente, de casar-se seja com quem for no momento. Necessita de repouso e tratamento.
— Não precisa me dizer isso. — Alex se pôs de pé num salto e caminhou pela sala. — Ela necessita de tudo o que não tenho condições de lhe proporcionar: cuidados, atenção, os melhores médicos, os melhores fisioterapeutas. Todas as coisas que o dinheiro de Marius Lyon pode comprar. A única coisa que não pode comprar é a felicidade! Sou o único que pode lhe dar isso. — Girou sobre si mesmo e olhou para Nathalia, os olhos castanho-claros inquiridores. — Concorda comigo, não é verdade?
— Não o conheço suficientemente bem para concordar ou discordar — disse cuidadosamente.
— Mas convidou-me para vir aqui... para falar sobre Cathy. Não pode estar contra nós.
— Eu sou neutra — reafirmou ela. — E desejo que Cathy fique o mais calma possível. A única razão por que concordei em vê-lo foi fazer com que Cathy parasse de se preocupar.
Alex colocou as mãos nos bolsos das calças e balançou-se pensativamente sobre os calcanhares.
— Você é honesta — disse lentamente. — Posso dizer isso a seu favor.
— Muito obrigada!
— Não, falo sério. Não me entenda mal. Você não é como imaginei — disse ele, subitamente. — Pensei que fosse mais velha e tivesse um rosto mais duro!
— A idéia de todo homem a respeito das mulheres que exercem a profissão de jornalista — brincou ela. — Sinto muito desapontá-lo.
— Não foi nenhum desapontamento. — Ele se aproximou. — Você realmente é um pedaço de mulher.
Ele estava bastante descontraído e foi passando infantilmente uma das pernas sobre o braço da poltrona, atitude que o fez parecer ter menos do que os vinte e quatro anos que Nathalia sabia que tinha.
— Pensa que estou atrás do dinheiro de Cathy? — perguntou ele laconicamente.
— Não sei, você está?
— Ela não tem nenhum. Sempre foi assunto de conjeturas se ela iria continuar ou não a ser mantida pelo tio no estilo a que está acostumada!
— Certamente não iria fazê-lo se ela se casasse com alguém que ele não aprovasse.
— Então eu respondi sua pergunta, não é? — disse ele. — Como Sua Alteza, Lyon, o Rei da Selva, não me aprova, se eu e Cathy nos casássemos, ela teria de viver com o meu salário.
A afirmativa fez com que Nathalia se perguntasse novamente por que Marius Lyon desaprovava Alex Bedford. Seria simplesmente por causa de sua falta de dinheiro ou haveria outra razão maior? Embora fosse bem educado, Alex Bedford obviamente tinha um passado e uma família vinda da classe operária, o que poderia não se enquadrar nas idéias preconcebidas de Marius Lyon sobre o noivo aceitável para sua sobrinha.
— Se finalmente você e Cathy se casassem — arriscou ela — e o tio dela ainda se recusasse a...
— Nós daríamos um jeito — interveio Alex. — Não posso mantê-la rodeada de diamantes, mas também não iria passar fome! Sou encarregado de uma oficina em North London — acrescentou. Não há nada que eu não saiba a respeito de automóveis.
— Que modéstia!
— Não ganho nada sendo modesto.
— Ouvi dizer que também é piloto.
— É meu hobby. Mas estou mais interessado em desenvolver carros de corrida. Melhorar o desempenho da máquina, coisas como isso.
— Você coloca a questão como se houvesse problemas.
— E há problemas. Desenvolver carros de corrida é uma coisa que exige dinheiro. Se eu tivesse a cobertura apropriada, poderia produzir um carro vencedor em seis meses. Mas do jeito que é... — encolheu os ombros. — Em lugar disso, eu corro um bocado.i Ganho dinheiro extra e conquisto um monte de garotas. Não tem idéia de como os corredores automobilísticos são populares.
— É melhor que não deixe Cathy ouvir isso!
— Estou falando sobre meu passado — sorriu ele. — Depois que conheci Cathy não houve mais ninguém para mim. Quais são as minhas chances de conseguir vê-la?
— Não existem, a não ser que consiga a aprovação de Lyon. Poderia entrar às escondidas enquanto ela está no hospital, mas depois não terá mais nenhuma chance.
— Então o que posso fazer?
— Não sei. Tem certeza de que Lyon não deseja falar com você?
— Absoluta. — Alex aproximou-se e parou diante de Nathalia. — E quais são as chances de você persuadi-lo a mudar de idéia?
— Ainda menores do que as suas. Destesta-me tanto ou mais do que a você.
Alex sacudiu a cabeça.
— Isso é estranho para mim. Pelo que tenho ouvido, ele não costuma deixar escapar uma mulher bonita.
— Não, quando a despediu — disse Nathalia crispando-se, e levantou-se. A conversa havia ido longe demais. Prometera a Cathy ver Alex e cumprira a promessa. Deixar o encontro atingir o estágio em que se comprometesse a ajudar e encorajar o plano estava definitivamente fora de suas cogitações.
Sabendo que Cathy estaria ansiosa por notícias de Alex, Nathalia foi visitá-la no intervalo do almoço no dia seguinte. Felizmente era sexta-feira, o que significava que as principais notícias de sábado haviam descido na quinta à noite. Seu próprio artigo, o primeiro trazendo sua assinatura, deveria aparecer no jornal de segunda, e estava sobre sua mesa esperando pela revisão-final.
Se achasse a exigüidade do aposento por demais confinante. Um leão na jaula, pensou ela involuntariamente, e virou a cabeça para o outro lado.
— Natalia trabalha para The Monitor agora — disse Cathy, interrompendo o relato do tio sobre o encontro que havia tido com um senador americano.
Lyon parou no meio da sentença e relanceou os olhos para Nathalia antes de voltar a olhar para a sobrinha. — Não há falta de emprego em Fleet Street para bons jornalistas.
— Então admite que Nathalia era eficiente, está certo?
— Devia ser, ou Kennedy Jones jamais a teria empregado!
— Você a empregou — disse Cathy.
— Indiretamente.
— Mas demitiu-a diretamente!
As faces de Nathalia arderam.
— Cathy, por favor...
— Por que não devo dizê-lo? — resmungou Cathy. — Você não tem nenhum motivo para ficar embaraçada com o que aconteceu. Marius não está.
— Nunca fico embaraçado com meus próprios atos — fez notar ele, a voz profunda destituída de inflexão.
— É porque não se preocupa com as pessoas. — Rápidas lágrimas brilharam nos olhos de Cathy.
— Eu me preocupo com você — disse ele, e veio até a cama, afagando com a mão enorme sua cabeça. Era um gesto inesperadamente carinhoso e Nathalia observou fascinada como ele continuava afagando as longas mechas de tabelo, falando a Cathy com as inflexões suaves que se poderiam usar para acalmar uma potranca nervosa.
— Você melhorou maravilhosamente enquanto estive fora. Voltou quase ao normal. Os médicos dizem que você poderá voltar para casa na semana que vem.
— Preferiria ficar aqui — murmurou Cathy. — Detesto meu dormitório em casa.
— Foi redecorado para você — disse, olhando para o lado.
O homem voltou-se novamente para a sobrinha: — Bem, creio que você e a senhorita... querem conversar a sós. Virei vê-la esta noite. Entretanto será mais ou menos cedo, porque vou jantar com o primeiro-ministro.
— Vai ensiná-lo a governar o país?
— Tenho certeza de que prefere que eu faça isso em vez de tentar governar sua vida.
— Não tenho mais vida para ser governada.
Mais uma vez Cathy estava sombria, seu bom humor desaparecera. Com uma careta Marius Lyon dirigiu-se à porta, fez um sinal de cabeça cumprimentando Nathalia e saiu.
Mal fechou a porta, Cathy estendeu os braços na direção de Nathalia.
— O que disse Alex? Mandou algum recado para mim? Como estava ele? Viu-o a noite passada, não é?
— Sim, e ele me pareceu muito bem. — Olhando com apreensão por sobre o ombro como para assegurar-se de que a porta estava fechada, Nathalia contou seu encontro com Alex, forçada pela insistência de Cathy a lembrar-se de cada palavra que haviam trocado.
— Faz parecer como se ele estivesse aqui, junto com você. — Lágrimas rolaram dos olhos de Cathy e manchas de cálida excitação brilharam em suas faces. — É uma contadora de histórias maravilhosa, Nathalia.
— Eu não estou contando histórias — reprovou Nathalia. — É a verdade.
— E pensa que ele ainda me ama?
— Naturalmente.
— Disse-lhe que ainda o amo?
— Ele não deve ter achado necessário que eu dissesse isso. — Nathalia olhou para o relógio e levantou-se. — Devo ir. Apenas vim vê-la porque sabia que estava ansiosa para saber o que aconteceu.
— Voltará esta noite?
— Não tenho nenhuma intenção de repetir a história toda — disse Nathalia, sacudindo a cabeça.
— Quando vai ver Alex novamente?
A pergunta fez Nathalia perceber a dificuldade de sua posição. Tendo concordado em encontrar-se uma vez com Alex, seria impossível não fazê-lo novamente. Entretanto, era exatamente isso o que não desejava fazer.
— Não combinamos um segundo encontro. Creio que o próximo passo a ser dado é convencer seu tio.
— É inútil. Marius jamais deixará que eu o veja.
Cathy explodiu em ruidosos soluços. Aquilo foi inesperado e desconcertante, e Nathalia correu a abraçá-la.
— Não chore, querida. Tenho certeza de que as coisas darão certo para você. É apenas uma questão de tempo. Se apenas conseguisse aprender a controlar esse temperamento com seu tio, tenho certeza de que poderia convencê-lo a deixar que veja Alex.
— Eu tento não perder a paciência — soluçou Cathy. — Mas não consigo evitar. Falo antes de pensar. Este sempre foi meu problema.
— Pelo menos conhece os seus problemas — disse Nathalia, tentando acrescentar algum humor à conversação. — Isso é meio caminho para resolvê-los. Estendeu um lenço de papel à garota e esperou até que as lágrimas tivessem parado completamente, antes de apanhar a bolsa e ir embora.
— Se eu não voltar logo à redação, serei despedida.
— Virá me ver amanhã?
— Não estou certa. Agora seu tio está de volta e...
— Ele sabe que tem vindo visitar-me. Não deve deixar de vir por causa dele. — Outra vez as lágrimas pareceram iminentes e, precipitadamente, Nathalia concordou e apressou-se a sair.
No corredor fez uma pausa e inspirou profundamente. Seus nervos ainda estavam abalados e ficou surpresa ao notar que sua pele estava úmida. Estava reagindo a Marius Lyon tão infantilmente quanto Cathy. Era incrível que um simples homem — embora rico e importante — pudesse fazê-la sentir-se dessa maneira.
Com as mãos enterradas no bolso do casaco, dirigiu-se a Gower Street à procura de um táxi. Um Rolls-Royce verde-escuro, que estivera parado poucos metros adiante, deslizou em sua direção e, quando estava diante dela, o vidro ray-ban baixou deixando o rosto bronzeado de Marius Lyon aparecer.
— Posso ter sido precipitado demais a esse respeito. — Ele abriu a porta do carro. — Entre.
Resolvendo que discutir não seria dignificante ela obedeceu. Ao procurar fechar a porta, seus dedos escorregaram na maçaneta e a porta abriu-se novamente, de modo que Lyon teve que inclinar-se e fechá-la. Ela estremeceu ao sentir a pressão de sua perna contra sua coxa e observou-lhe o perfil — o nariz volumoso firme, sobrancelhas espessas e pesadas pálpebras cobrindo os olhos — antes que se acomodasse novamente no assento e o motorista colocasse o carro novamente em movimento.
Dentro do automóvel ele parecia maior do que havia parecido no quarto do hospital. Nathalia baixou os olhos e estes pousaram sobre as unhas espatuladas de uma mão enorme. Sua forma era muito bonita, conforme notou, os dedos bastante longos.
— O emprego ainda está à sua disposição. — As palavras bruscas assustaram-na. — A senhora Hibberd gostaria que você assumisse a direção da coluna "Querida Jessie''.
— Estou trabalhando para The Monitor.
— Seu salário seria consideravelmente maior — continuou Lyon, como se ela não houvesse dito nada. — Estou oferecendo-lhe o emprego de volta, senhorita... hum...
Ele resmungou e Nathalia não pôde dizer se a expressão era de divertimento ou zanga.
— Suponho que Cathy esteja usando-a como intermediária para entrar em contato com Alex Bedford — comentou ele.
A afirmação apanhou Nathalia de surpresa e pela segunda vez naquele dia ficou furiosa pela sua falta de percepção. Deveria ter adivinhado que um homem com a experiência de Marius Lyon saberia como funciona uma inteligência ingênua como a de Cathy.
— Não o negue — insistiu ele, no mesmo tom tranqüilo.
— Não ia negar. Se me disser o que mais deseja saber, lhe pouparei o aborrecimento de outras adivinhações inspiradas. — Novamente, notou que o havia provocado, pois ele se voltou e encarou-se com um brilho de um tom cinza tão escuro nos olhos que estes pareciam quase pretos.
— Bem, ótimo, — disse afinal, na voz mais suave que já o ouvira usar.
Ela afastou-se mais para o canto.
A mão dele moveu-se e Nathalia afastou-se tão violentamente que ele se deteve e a encarou. Um brilho passou-lhe pelos olhos, a mão afastou-se, subindo para o bolso superior do casaco para apanhar uma caixa de couro de crocodilo contendo charutos.
— Não costumo bater nas mulheres que passam pela minha vida — disse ele em tom coloquial. — Tenho outras maneiras de colocá-las na linha.
— Não sou uma de suas mulheres!
Ignorando o comentário, ele encostou o fósforo ao charuto.
— Sobre Bedford — disse. — Creio que não me ouviria se lhe pedisse para não servir como intermediária...
— Não, a não ser que me desse uma boa razão, que não seja a sua objeção irracional.
— Mas nem sabe qual é a minha objeção!
— É o fato de Alex não ser rico.
Lyon ficou por tanto tempo em silêncio que percorreram toda a extensão de Fleet Street sem uma palavra. Apenas quando o carro se deteve diante da porta do The Monitor ele despertou de seus pensamentos.
— Deixarei que minha sobrinha se encontre com Alex desde que você prometa estar presente em cada uma das ocasiões.
— Deve estar brincando! Não pode fazer-me babá de Cathy.
— Estas são as minhas condições. Se deseja sua felicidade...
— Não é o que deseja também?
— Naturalmente. Mas acredito que posso consegui-la mantendo Alex fora de sua vida. Você acredita no oposto. Nenhum de nós saberá quem está certo a não ser que lhes proporcionemos uma oportunidade de se encontrarem.
— E se descobrirem que se amam mesmo?
— Nesse caso poderão casar-se, se e quando Cathy puder caminhar novamente.
As palavras demoraram a gravar-se no cérebro de Nathalia, mas, quando o fizeram, encheram-na de tristeza.
— Está dizendo que ela... ela pode jamais voltar a caminhar normalmente?
— Os médicos ainda não sabem com segurança. — Marius Lyon olhou para a ponta de seu charuto. — Estou lhe revelando isto confidencialmente. Não deve ser repetido.
— Naturalmente. — Ela piscou rapidamente para deter a súbita torrente de lágrimas que ameaçava-se precipitar. — Mas por que justamente eu devo estar presente quando se encontrarem? Por certo sou a última pessoa em quem confia!
— Pelo contrário. Já aconselhou uma vez a Cathy que fugisse... com o desastroso resultado e creio que dificilmente será capaz de encorajá-la a fazê-lo novamente!
As palavras atingiram-na como uma faca numa ferida aberta.
— E tem coragem de acusar-me de ser agressiva? — disse ela, estremecendo.
— Apenas faço o que devo fazer. — Ele saiu para a calçada e esperou que ela o seguisse. — Concorda com minhas condições? perguntou novamente
— Tornou-me impossível a recusa, não é? — disse ela mansamente. — Sempre consegue as coisas à sua maneira, não é verdade?
— Sim, consigo. E aconselho-a a lembrar-se disso no futuro.
CAPÍTULO V
Com Marius Lyon de volta à Inglaterra, Nathalia tinha o cuidado de certificar-se de que ele não estava no hospital quando ia visitar Cathy. Isso significava telefonar antes de cada uma das visitas, mas esse pequeno aborrecimento era melhor do que o embaraço de encontrar-se com ele cara a cara.
Viu-o ainda uma vez mais depois da extraordinária conversa em seu carro, mas foi apenas por um rápido momento, certa vez em que deixava o hospital ao mesmo tempo em que ele chegava em companhia de um dos médicos.
Quando Nathalia voltou a visitar Cathy, foi surpreendida pela presença inesperada de Lyon. Nathalia notou que o tom áspero era uma máscara para seus sentimentos, pois era inconfundível a maneira suave e possessiva com que acariciava o braço da sobrinha. No momento, parecia mais um urso simpático do que um leão, pensou inconseqüentemente e, não desejando atrapalhar, apanhou o casaco e dirigiu-se para a porta.
— Espere. — Não havia rudeza na voz de Marius Lyon quando este a chamou; era apenas um chamado e ela sentiu-se compelida a atender. — Eu a levarei para casa.
— Não estou ilido para casa — mentiu.
— Desejo falar-lhe, da mesma maneira.
Relutando desafiá-lo abertamente, embora irritada por ter de fazer o que ele ordenara, ficou esperando ao lado da porta sentindo uma estranha agitação enquanto ele fazia os arranjos para vir buscar Cathy no hospital, no dia seguinte.
— Não é preciso desperdiçar seu valioso tempo — disse Cathy voltando à aspereza anterior. — Basta que mande o motorista.
— Tempo gasto com você jamais é desperdiçado — respondeu Lyon com inesperado humor. — Aprendo a controlar meu temperamento com você: é bom para a minha alma!
Nathalia suavizou uma gargalhada, transformando-a numa tosse; a última coisa que desejava era deixar que Cathy pensasse que estava ao lado de Marius Lyon, embora, observando a maneira como ele lidava com a garota, tivesse vontade de dar uma boa sacudida em Cathy. Teria ele sempre se comportado de uma maneira tão controlada e conciliatória em relação à sobrinha ou também se sentia culpado pelo que havia acontecido com ela?
— Virei apanhá-la pela manhã, Cathy — disse ele. — Encomendei uma cadeira de rodas especial para você e alguém vai trazê-la até aqui para mostrar-lhe como se usa.
— O que há de especial com ela? — perguntou Cathy despreocupadamente.
— É motorizada e tem toda uma variedade de acessórios. Trouxe-a dos Estados Unidos.
— Deve ter sido mais barata que um bracelete de diamante. Não é dessa maneira que você geralmente recompensa as mulheres que passam pela sua cama? — retrucou Cathy, com leve rancor.
Por um instante ele ficou em silêncio, embora a sua expressão ficasse anuviada.
— Considere-se feliz por não ser exatamente uma de minhas mulheres — disse, a calma da voz ocultando uma espécie de selvageria. — Eu faria com que lamentasse terrivelmente um comentário desse tipo.
Cathy ruborizou-se, e, olhando os dois, Nathalia observou a similaridade de espírito de ambos. Entretanto, o macho estava destinado a vencer todas as batalhas. Era tão forte e autoritário que ninguém
— muito menos uma simples fêmea — podia opor-se a ele.
— Alguém me deu uma vez um jogo chamado Famílias Felizes, disse Nathalia quebrando o silêncio. — E observando vocês dois repentinamente lembrei-me dele!
Cathy caiu na risada.
— Somos uma família feliz, não é verdade Marius? Algemados pelo ódio! Não acha que nosso relacionamento seria uma boa história para seus leitores? Tio perverso controla a vida de sobrinha inválida!
— Um dia poderá controlar sua própria vida.
— Como posso viver uma vida numa cadeira de rodas?
— Vai voltar a caminhar novamente — disse Lyon em voz baixa.
— Mas enquanto isso...
— Enquanto isso vou morrer de tédio — completou Cathy.
— Enquanto isso pode receber Alex uma vez por semana. Estando pronta para outra resposta sarcástica, Cathy, atônita,
quedou-se em silêncio. Por vários segundos ficou olhando o tio. Então, vendo por sua expressão que não estava brincando, inclinou-se em sua direção.
— Pretende realmente deixar-me ver Alex?
— Sim, desde que a senhorita Rogers esteja presente todas as vezes.
— O que é que Nathalia tem a ver com isso?
— Simplesmente quero que esteja presente quando encontrá-lo. É a única coisa que estou estipulando.
— Que idéia maluca! Por que não posso vê-lo sozinha?
— Não desejo discutir o assunto. Já coloquei as minhas condições. É pegar ou largar.
— Tenho idade suficiente para fazer o que acho melhor — retorquiu Cathy. — E não pretendo ser tratada como uma imbecil.
— É uma inválida — cortou Lyon rudemente. — E totalmente dependente de mim. É bom que não esqueça!
— Que coisa odiosa para dizer! — Cathy irrompeu em soluços ruidosos, e com uma exclamação obscena, Marius Lyon afastou-se da cama.
Por um minuto inteiro permaneceu em silêncio, observando a sobrinha, depois, com um suspiro dirigiu-se para a porta.
— Vou esperá-la no corredor — disse em voz baixa a Nathalia. — Espero que consiga inculcar-lhe um pouco de bom senso.
À porta fechou-se e imediatamente Nathalia correu até a cama e abraçou Cathy amorosamente, sentindo como se a diferença de idade entre elas fosse mais do que apenas três anos. Muitas famílias tinham problemas de um tipo ou de outro, mas nunca vira uma tão complicada. Como os autoritários e obstinados Lyons criavam dificuldades a respeito de seus problemas!
— Pare de chorar! — disse energicamente, ao ver que Cathy continuava sem dar sinais de recuperar o autocontrole. — Está sendo terrivelmente estúpida a respeito de tudo isso. Se tivesse um mínimo
— E o que tenho para ficar contente?
— Seu tio está permitindo que se encontre com Alex. Não percebe que é o primeiro passo para uma capitulação?
— Isso é o que você pensa! Apenas está deixando que eu o veja porque sabe que vou ficar impossível se isso não acontecer.
— Isso não é verdade — replicou Nathalia.
— Então por que insiste em que você esteja presente?
— Porque não é o tipo de homem que suporte ceder completamente. Tem que fazê-lo passo a passo. — Nathalia inspirou profundamente e, da maneira mais despreocupada que pôde, contou parte do que havia acontecido entre ela e Marius Lyon na semana anterior.
— Portanto — concluiu —, veja como o julgou mal. Se puder convencê-lo de que você e Alex estão realmente apaixonados, não irá se opor a que se casem, quando estiver bem novamente — acrescentou depressa. Apenas quer que eu esteja a seu lado para ficar certo de que você não fará nenhuma bobagem enquanto continua nesse estado.
Uma série de expressões diferentes passou pelo rosto de Cathy antes que ela por fim falasse.
— Então vai ser meu cão de guarda. Será que Marius receia que eu engravide? Bem, afinal acho que poderia ter sido pior.
Sem esperar pelo restante, Nathalia saiu na ponta dos pés. Estava esperando o elevador quando teve consciência de que alguém a observava e voltando-se viu a maciça figura de Marius Lyon vindo em sua direção.
— Disse que iria esperá-la — disse ele diante de sua surpresa. — Desejo falar-lhe.
— Sobre o quê? Já conseguiu o que queria.
— Sempre consigo. Avisei-a a esse respeito. — Fez sinal para que o precedesse para o elevador e desceram até o térreo. Se me disser para onde vai — disse quando saíram para a rua — terei prazer em levá-la.
— Para casa — replicou ela, após ligeira hesitação, começando outra vez a ser invadida pela excitação.
— Pensei que ia para outro lugar.
— Eu menti. Disse a primeira coisa que me veio à cabeça.
— Ao menos é honesta.
— Sempre procuro ser.
— Lembrar-me-ei disso. — Abriu a porta do carro para ela, que entrou desgraciosamente e sentou-se no assento dianteiro olhando-o de alto a baixo enquanto fechava a porta e dava a volta vindo acomodar-se ao volante. Usava automóvel diferente esta noite: pequeno e escuro, com uma máquina ruidosa que rugiu assustadoramente quando foi posta em movimento.
Lyon ficou em silêncio por um momento, enquanto cruzavam um trecho movimentado.
— Não deveria acreditar em tudo que Cathy diz a meu respeito.
— Não preciso ouvir Cathy — disse Nathalia docemente. — Há pilhas de pastas a seu respeito no departamento de documentação do jornal.
Ela olhou pela janela, surpresa ao ver que estavam em St. John's Wood.
— Veio na direção certa.
— Seu endereço estava no departamento do pessoal — disse ele e fingiu não ouvir a exclamação que ela soltou. — Mora num dos blocos próximos, me lembro bem...
— Na esquina da próxima travessa — disse ela com frieza, permanecendo distante quando Lyon parou o carro, abriu-lhe a porta e acompanhou-a até a entrada do prédio.
— Ambos temos uma responsabilidade moral com relação a Cathy — disse ele, subitamente. — Sinto-me tão culpado diante dela quanto você.
— Ficaria agradecida se deixasse que eu me arranje com minha culpa a meu modo.
— Não, enquanto preciso de sua ajuda.
— Farei tudo o que posso por ela, senhor Lyon, mas não quero que fique me incomodando.
— Então pare de combater-me e faça o que digo — disse ele, rudemente. — Cathy tem uma longa luta diante de si se deseja voltar a caminhar. Se eu puder ter certeza de que Alex é o homem certo para ela... Não vamos falar de passado. Minha preocupação é com o futuro. Basta que esteja em minha casa todas as semanas, quando Alex vier. Ao final de três meses podemos comparar nossas informações e ver onde chegamos.
— Está enganado se pensa que vou espionar Cathy!
— Poderá se arrepender se não o fizer.
— Está me ameaçando? — indignou-se ela.
— Sim, estou. Se não fizer o que peço, pode estar certa de que vou conseguir que seja despedida do The Monitor. E tomarei providências para que nunca mais consiga outro emprego em Fleet Street!
— Não se atreveria! — Ela olhou-o com fúria, a convicção se desvanecendo ao ver a expressão que havia em seus olhos. Oh, sim, ele se atreveria. Certamente se atreveria.
— Eu não apenas o detesto, senhor Lyon — disse gelidamente. — Eu o desprezo.
Sua gargalhada dura não demonstrava qualquer diversão e seguiu-a enquanto se virava sobre os calcanhares e entrava no vestíbulo. Quando se voltou para entrar no elevador, viu-o ainda parado nos degraus, uma sombra alta é escura; mas, ao contrário de uma sombra, sabia que não desapareceria de sua vida com a chegada do dia seguinte.
Durante toda a semana que transcorreu depois de seu encontro com Marius Lyon, Nathalia não foi visitar Cathy. A arrogante afirmativa de Lyon ao assegurar-lhe que podia comandá-la, forçando-a a proceder como ele queria, havia feito com que ficasse furiosa. Desejava ter coragem para fazer frente àquela sua autoconfiança. Seguramente nunca se atreveria a fazer com que a despedissem de seu novo emprego, nem tentaria evitar que conseguisse outro... Se o fizesse, estaria correndo o risco de que ela fosse queixar-se ao Sindicato dos Jornalistas, fato que poderia muito bem resultar numa greve de sua própria equipe. O problema era que antes que isso acontecesse, Nathalia teria de provar o envolvimento de Lyon; isto poderia ser difícil, senão impossível. Algumas poucas palavras bem escolhidas no ouvido certo e a participação do poderoso Marius Lyon não deixariam o menor vestígio, nem qualquer prova que pudesse ser usada contra ele. Entretanto não foi a ameaça de ser forçada a deixar Fleet Street que finalmente a levou à elegante casa que Lyon ocupava em Belgravia, mas um telefonema de Cathy, perguntando chorosamente quando viria visitá-la.
— Alex deseja vir ver-me — lamentou-se ela. — Mas Marius insiste em que esteja presente. Por favor, venha... sinto-me tão miserável ...
Reconhecendo-se vencida, Nathalia foi.
A casa de Marius Lyon surpreendeu-a. Estava situada no fim de uma ala de grandes casas mais altas que o nível da rua, construídas de um lado de um tranqüilo quarteirão dominado por Embassy.
Cathy fez a cadeira de rodas deslizar agilmente para a sala de estar. A semana passada fora do hospital havia contribuído para restaurar a cor de suas faces, embora ainda houvesse uma perceptível tensão em sua voz e em seus movimentos.
— Alex deverá chegar a qualquer momento. Sabe que é a primeira vez que vou vê-lo depois de seis semanas? Sinto-me agitada, como se estivesse doente.
— Você parece muito bem — assegurou-lhe Nathalia. — Está positivamente resplandescente. Não teria sido melhor se o convidasse para o jantar?
— Ele vai voltar para o trabalho. Está fazendo horas extras para ganhar um dinheiro a mais.
Nathalia estava se esquecendo de que Marius Lyon era apenas tio de Cathy e, por mais que a amasse, não seria com profundidade de sentimentos de um pai. O que faria o meu próprio pai se subitamente eu lhe dissesse que pretendia casar-me com um jovem sem um centavo? perguntou a si mesma. Iria também suspeitar que aquele amor fosse por interesse ou iria confiar em meu julgamento, fazendo tudo que pudesse para ajudar-me? Certamente, se ficasse convencido da sinceridade do amor do homem que a escolhesse, nunca iria permitir-lhe lutar pela vida enquanto uma pintura caríssima pendesse acima de sua lareira. Marius Lyon parecia acreditar que uma pessoa devia trabalhar pelo que necessitasse, sem olhar para ninguém mais à procura de ajuda. Ela suspirou. Imaginou se alguém o havia ajudado quando ele próprio estivera lutando pelo sucesso. Precisava examinar novamente os recortes a seu respeito na biblioteca. Seria interessante ler algo sobre o início de sua carreira.
Uma batida na porta anunciou a chegada de Alex, e Nathalia afastou-se para uma extremidade do aposento, fazendo-se o menos inoportuna possível ao ouvir as exclamações entremeadas de prazer de Cathy e ao ver os cálidos gestos amorosos de Alex, quando este se ajoelhou ao lado da cadeira de rodas. Passaram-se vários segundos antes que qualquer um deles se desse conta de que estava semi-oculta atrás de uma cortina, e então Alex atravessou a sala em sua direção, parecendo mais um dançarino de bale do que um mecânico. Mas suas mãos, quando segurou as dela, eram surpreendentemente fortes, a pele dura e áspera.
— Alô, Nat! Então você é a nossa Santa Milagrosa, hein? Também a nossa vigilante?
— Se sou, ninguém me disse nada a respeito.
— Muito bom. Estava com receio de que você me transformasse num sapo caso eu não saísse na hora certa!
— Provavelmente te transformaria num carro de corrida — sorriu Cathy. — Então poderia sair correndo para qualquer lugar!
— Coloquei um ponto final em meus dias de piloto — sorriu ele ao voltar para a poltrona ao lado dela. — Não irei a Brands Hatch até que você possa vir comigo.
— Isso pode levar meses. Talvez mais.
— Tolice! Não tenho intenção de deixar minha esposa em casa o tempo todo — mesmo que ela esteja presa a uma cadeira de rodas.
As faces de Cathy arderam.
— O que... o que está querendo dizer?
— Que pretendo me casar com você assim que seu tio concorde.
— Ele nunca o fará enquanto eu não puder andar.
— Não estou sugerindo que seja amanhã — replicou Alex. — Estava pensando para daqui a alguns meses, quando ele tiver consciência de que a maneira mais rápida de lhe devolver a saúde é deixar você se casar comigo.
— Acha realmente que ele o faria? — perguntou Cathy animadamente.
— Claro que acho. Foi por isso que ele cedeu e me deixou vir aqui. — Ele olhou ao redor da sala. — Ele cuida de você muito melhor do que eu poderia sonhar.
Nathalia sentiu-se mais intrusa do que em qualquer outra ocasião de sua vida e, com leve murmúrio, saiu da sala. Marius Lyon havia insistido para que viesse à sua casa cada vez que Alex e Cathy se encontrassem, mas não havia estipulado que teria de permanecer na mesma dependência, e ela pretendia tirar o máximo de vantagem da falha que havia no trato.
O tempo passou devagar enquanto permanecia no hall. Sabia que havia outras salas nas quais poderia ir sentar-se, mas não estava com vontade de explorá-las. Inquietamente, aproximou-se da porta da rua e espiou através de uma das estreitas janelas que havia ao lado desta. Estava escuro lá fora e uma lâmpada de rua refletia na calçada molhada de chuva. Pôde distinguir as luzes de muitos carros passando pelo quarteirão, mas os vidros duplos abafavam a maior parte do som e era como olhar para uma tela de televisão com o volume baixo.
Subitamente percebeu que não estava só. Um delicado perfume fez com que suas narinas estremecessem e, voltando-se, viu que estava sendo observada por uma mulher tão sutil em aparência e vestimenta como o aroma que flutuava ao seu redor acompanhando-a, à medida que chegava mais perto.
Sem que ninguém lhe dissesse, Nathalia soube que era Célia Lyon. Não que a mulher fosse de alguma forma o que havia imaginado.
— Você deve ser Nathalia — disse a mulher.
— Você é a madrasta de Cathy...
— Sim, sou. Mas por que está no hall? Pensei ter ouvido Alex chegando...
— Está na sala de estar com Cathy. Não me pareceu haver nenhum mal em deixá-los a sós por uns instantes.
A mulher encolheu os ombros e, voltando-se, abriu a porta da pequena sala de descanso. — Achará mais confortável esperar aqui.
— Que sala agradável! — comentou Nathalia.
— É a favorita de meu cunhado. Sempre vem aqui para relaxar quando teve um dia difícil! — Fez um gesto para Nathalia sentar-se, então postou-se à sua frente, com expressão curiosa.
— Tem mais idade do que pensei, senhorita Rogers. Marius deu-me a impressão de que tinha a mesma idade de Cathy. Disse que era uma criança.
Pequenos dentes afiados morderam o carnudo lábio inferior, mostrando um embaraço que Nathalia sabia ser falso.
— Tenho vinte e um — disse ela comportadamente. — Dificilmente poderia ser chamada de criança nos dias de hoje.
— Isso depende do caráter de cada um, creio eu. Cathy será sempre um bebê, não importa que idade tenha — disse a mulher, e acrescentou:
— Parece-me que trabalhou para meu cunhado.
— Sim. Mas a única vez que o vi foi quando me demitiu!
Célia Lyon riu. Era sua primeira ação espontânea e fê-la parecer surpreendente-mente bonita.
— Receio que às vezes ele seja bastante desligado. Na verdade é por ser basicamente um tímido. Grandes homens geralmente o são.
— Creio ser melhor voltar para o lado de Cathy — murmurou a Nathalia.
— Não há necessidade de sair correndo. Conte-me o que acha de minha enteada.
Ligeiramente enfastiada ao ver que precisava falar sobre alguém que encarava como amiga, Nathalia disse, de modo tenso:
— Gosto bastante dela.
— Cathy e eu fomos deixadas sem um centavo, apenas com uma pequena pensão.
— A pobreza é relativa — comentou Nathalia.
— É relativa na proporção da riqueza dos parentes, pelo menos no que me toca. — A mulher riu-se da própria piada. — Marius não poderia ter sido mais generoso. É tão maravilhoso encontrar alguém com um senso tão forte de família.
— Forte demais, receio — murmurou Nathalia.
— Por que não deseja que Cathy se case com Alex? Minha cara menina, eu concordo inteiramente com ele.
— Sei que Alex é pobre, mas...
— E Cathy é jovem demais. Esta é a principal razão. E por favor, não me diga novamente que ela tem dezoito anos. Em matéria de experiência, não passa de uma criança.
— Pode ter razão ao dizer que Cathy é jovem demais para sua idade — disse calmamente — mas ao menos o senhor Lyon concordou em deixá-la ver Alex. Talvez isso proporcione a vocês dois a oportunidade de rever sua opinião a respeito dele.
— Estamos contando com que Cathy reveja a sua própria opinião.
Lembrando-se da cena ocorrida há pouco na sala de estar, Nathalia duvidou disso. A verdadeira falta de sentimentalismo com que Alex havia falado sobre seu futuro com Cathy a havia impressionado muito mais do que qualquer explosão apaixonada. Mas não era aconselhável dizê-lo, por isso, olhou diplomaticamente para o carpete.
Que tendência tinha Marius Lyon para chegar quando menos era esperado!, pensou Nathalia, e ficou olhando enquanto ele se adiantava. O tamanho do aposento encolheu diante de sua corpulência, embora ele se movimentasse com a leveza de uma pantera. Mas naquela noite pouco tinha de uma pantera: havia tido uma disputa difícil e estava drenado de toda energia. Deixou-se afundar pesadamente numa poltrona e, sem uma palavra, Célia foi até o bar lateral e preparou-lhe uma dose de uísque. Ainda em silêncio colocou o copo entre suas mãos e ele o esvaziou de um gole.
— Assim está melhor — comentou Lyon afinal, a voz vibrante novamente.
— Não sei como consegue, Marius — disse Célia. — Já ouvi falar de cochilos rápidos, mas os seus são simplesmente ridículos. Dois minutos de inconsciência e volta completamente recarregado!
Ele sorriu.
— Tenho um metabolismo único.
— É melhor não deixar que seus inimigos descubram o segredo.
— Os inimigos não podem atingir-me agora.
— Alguém pode estar seguro disso? — não pôde evitar de perguntar Nathalia.
Ele a olhou com ligeira surpresa, mas passou-se um momento antes que respondesse.
— Com respeito aos inimigos, sim. Atinge-se um estado tal de sucesso que se torna quase impossível que eles se aproximem. Mas há outras pessoas das quais alguém jamais consegue fugir.
— Outras?
— As pessoas a quem se ama — esclareceu Lyon e mudou bruscamente de assunto, perguntando à cunhada onde estava Cathy.
— Está com Alex, na sala de estar.
Com uma blasfêmia ele se levantou tenso, e fuzilou Nathalia com o olhar.
— Pensei que havia ficado claro que não deveria deixá-los sozinhos.
— Não sou carcereira deles — replicou ela rapidamente. — Alex não vai raptar Cathy. Ele simplesmente deseja casar-se com ela!
— Sobre o meu cadáver!
— Então por que está deixando que se encontrem? Pensei que estivesse encarando o assunto com a mente aberta...
— A minha mente está aberta — resmungou ele. — É a sua que está fechada! Se não estivesse, iria notar por si mesma o tipo de homem que ele é. Minha única esperança é que Cathy seja realmente uma Lyon e acorde para a realidade antes que seja tarde demais!
Nathalia sufocou a necessidade de jogar-lhe na cara como estava errado. A julgar pelo seu olhar, ele não estava com disposição para ouvir abstrações. Com efeito, estava tão furioso que parecia um animal selvagem controlado por uma correia muito tensa. Nathalia estremeceu. Longe dela dizer alguma coisa que fizesse a correia ceder.
— Há quanto tempo Alex está aqui? — perguntou Lyon, destacando as palavras.
— Cerca de uma hora. Não me lembro de que tenha estipulado quanto tempo ele poderia ficar. :
— Eu também não falei em visitas de vinte e quatro horas! Vá até lá e acabe com isso.
Ressentida com o ultimato, ela saiu.
Bateu à porta da sala de estar e lentamente virou a maçaneta, dando tempo para que Alex se afastasse de Cathy; mas, quando entrou, encontrou-o inclinado sobre a cadeira de rodas, os braços ao redor dos ombros dela. Sem qualquer embaraço, ele se endireitou e outra vez ela pensou ter notado nele algo semelhante a um fauno. Talvez fosse a maneira fácil pela qual se movia, ou as suas cores. Sem dúvida era totalmente oposto à volátil garota a seu lado e seria perfeitamente capaz de controlá-la, justamente por esse motivo.
— Meu tempo terminou? — perguntou ele despreocupadamente.
— Não precisa marcar ponto para entrar ou sair — disse ela com um leve sorriso. — Como vê Cathy apenas uma vez por semana, não há necessidade de apressar-se.
— Também não vejo por que deva ser apenas uma vez por semana — interrompeu Cathy. — Se Marius resolveu me deixar ver Alex, por que não pode ser decente a esse respeito e deixar que nos encontremos sempre que quisermos?
— Seria melhor que você mesma discutisse esse assunto com seu tio.
— Marius nem irá querer falar a esse respeito. Uma vez que resolve alguma coisa, nada mais consegue demovê-lo.
— Nem tente — disse Alex. — Pessoalmente, considero uma milagre que esteja deixando ao menos que nos encontremos.
— Eu seria sua esposa, não fosse aquele acidente — disse Cathy com calor. — Quando penso nisso... — pareceu pronta a dissolver-se em lágrimas, e Alex inclinou-se e beijou-a na face.
— Nós ainda temos o futuro pela frente. Prometo-lhe isso. — Desvencilhando-se de suas mãos, dirigiu-se para a porta.
— Eu gostaria que você não precisasse fazer essas horas extras — lamentou-se Cathy.
— Precisaremos do dinheiro extra quando nós nos... — ele se deteve, mas não tentou encobrir o que havia começado a dizer.
Havia algo extraordinário em sua atitude, sentiu Nathalia. Como se acreditasse ser apenas uma questão de tempo para que ele e Cathy ficassem juntos. Talvez fosse uma forma de tentar fingir que o acidente jamais havia acontecido e que Cathy não teria de enfrentar uma cadeira de rodas, por muito tempo, possivelmente até o resto de sua vida.
Atravessando o hall com Alex, em direção à porta principal, Nathalia lhe disse o que tinha em mente e ficou surpreendida com sua reação brusca:
— Cathy não irá ficar em nenhuma cadeira de rodas por toda a vida... nem por alguns anos. O tio dela está apenas tentando assustá-la.
— Por que iria fazer isso?
— Talvez seja mais correto dizer que está tentando assustar a mim. Tem esperanças de que eu volte atrás — esperanças de que eu não queira Cathy caso ela não possa voltar a andar.
— E você faria isso? É bastante jovem: que vida teria, casado com alguém que não pudesse andar?
— Não fale de coisas desagradáveis.
— Estou tentando fazer com que veja os fatos.
— As ilusões, quer dizer. — Ele parecia divertido. — Só porque Lyon diz uma coisa, esta não é necessariamente verdade. Lembre-se disso, Nat, antes de começar a citá-lo para mim, ou não se importa com as sessões de lavagem cerebral?
Ela enrubesceu.
— Ninguém está fazendo lavagem cerebral em mim.
— Então tampe os ouvidos quando ele começa a falar — aconselhou Alex, e levantou a mão num gesto de despedida. — Até a semana que vem, Nat, a não ser que possa persuadir o grande ditador a deixar-me vir antes disso. Talvez se lhe dissesse que pensa que minha visita fez algum bem a Cathy...
— Eu o farei — se achar que realmente fez — retorquiu Nathalia, ouvindo sua risadinha enquanto descia em direção à mobilete estacionada à beira da calçada, a poucos centímetros do cintilante Rolls de Marius Lyon.
Qual seria a melhor coisa que podia fazer pela felicidade e pelo futuro de Cathy? perguntou-se intimamente, enquanto fechava a porta e encostava-se à mesma. Tinha certeza de que os encontros de Cathy com Alex iria,m ajudá-la psicologicamente. Entretanto, também receava que, à medida que o bem-estar físico da moça progredisse, a proximidade do rapaz pudesse torná-la inquieta e ansiosa por maiores intimidades; este era um detalhe a ser considerado. Mesmo não podendo caminhar, Cathy poderia levar uma vida física normal; os pensamentos de Nathalia precipitaram-se para diante, fazendo-a visualizar imagens que a encheram de vaga inquietação. Apesar do que Alex havia dito, não pensava que ele tivesse consciência dos problemas envolvidos caso se casasse com uma inválida. Dinheiro ajudaria, sem dúvida, e, se Lyon fosse generoso, muitos dos problemas de Cathy poderiam ser superados. Seria essa a esperança de Alex? Suspirou. Todo o seu futuro parecia estar dominado pelas pálidas perspectivas de Cathy e pela personalidade dominante de Marius Lyon. Era tempo de parar de pensar a respeito deles e retomar o curso de sua própria vida. Não ia permitir que um homem arrogante se alimentasse de sua culpa e a usasse como vinha fazendo.
CAPITULO VI
A esperança que Nathalia alimentara de despedir-se de Cathy e partir morreu quando soube que esperavam que ficasse para o jantar.
— Conheci sua madrasta — disse Nathalia em voz alta e as palavras, saindo sem que tivesse pensado em proferi-las, fizeram-na perceber a força da associação das idéias. — Foi encantadora comigo.
— Encantadora como uma tigela de iogurte — retorquiu Cathy.
— Parece uma tigela de creme, mas, quando você experimenta, é aguado e azedo!
— Receio não conhecê-la suficientemente bem para emitir uma opinião — ponderou Nathalia.
— E nem queira! — Cathy agitou-se inquietamente na cadeira.
— Consegue vê-la como esposa de Marius?
— Não consigo ver ninguém como esposa dele — disse Nathalia, sem mentir. — Creio que não seria um papel muito invejável.
— Pois eu não vejo por quê. Quando Marius chegar a convencer-se de que alguém o ama pelo que é e não pelo que pode proporcionar, será um supermarido. É muito carinhoso e terrivelmente excitante...
— Cuidado com o que diz a respeito dele — preveniu Nathalia —, ou eu poderia pensar que gosta dele.
— Eu gostava dele até que começou a ditar ordens a respeito de Alex. Jamais imaginei que pudesse ser tão determinado a fazer com que as coisas aconteçam como ele quer.
— Você também é muito determinada...
— Apenas no que diz respeito à minha vida: não em relação à dos outros!
O ponto era válido e Nathalia concedeu-o. Quanto mais falava com Cathy, tanto mais a descobria sensível. Quando alguns anos de experiência tivessem eliminado a sua ingenuidade, poderia muito bem chegar a transformar-se numa jovem magnata por sua própria conta!
— Vamos até meu quarto aprontar-nos para o jantar — disse Cathy repentinamente e, sem esperar pela resposta, fez sua cadeira deslizar na direção do elevador, no hall.
Este subiu silenciosamente passando por dois andares e deteve-se no terceiro. Ali também a casa era maravilhosamente mobiliada, e os dormitórios, cada qual com seu próprio banheiro, davam para um pequeno corredor.
— Célia e eu dividimos este andar — disse Cathy, enquanto Nathalia seguia a cadeira de rodas através do carpete cor de canela para o vasto dormitório que tinha vista para todo o quarteirão. — E meu tio ocupa o de cima. Ele tem seu próprio terraço no roof e paredes de vidro que sobem quando se aperta um botão!
— Para quê?
— Para evitar a brisa fria quando ele vai tomar sol pelado!
As palavras trouxeram uma imagem tão vivida à mente de Nathalia que, temendo que suas faces se ruborizassem, voltou-se depressa para o espelho sobre a penteadeira e fingiu estar ajeitando o cabelo.
— Gosto dessa sua mecha branca — comentou Cathy. — Ela lhe dá muito charme.
Nathalia continuou penteando o cabelo. Embora tivesse esperança de evitar Marius Lyon ao ir à sua casa naquela noite, tinha, por via das dúvidas, tomado cuidado com sua aparência, para a infeliz eventualidade de não conseguir evitá-lo; agora sentia-se satisfeita por ter escolhido um conjunto verde combinando com uma leve blusa branca que, quando tirou o casaco, deixava transparecer sua pele rosada. Isso, evidentemente, proibia o uso de qualquer espécie de sutiã, deixando-lhe os jovens seios inteiramente à vontade.
— Nunca havia percebido como você é atraente!
— Fico constrangida quando começa a me adular — disse Nathalia, despreocupadamente. — Seria melhor que guardasse os elogios para sua madrasta.
— Ela gostaria muito.,Adora que lhe digam o quanto é maravilhosa. É claro que não vai acreditar se eu o disser. Sabe que simplesmente não a suporto.
— Que tal descermos? — sugeriu Nathalia rapidamente, ansiosa por manter Cathy afastada de um assunto que iria apenas deixá-la abatida.
— Por que essa pressa? Não gosta que eu critique a minha amada madrasta? Quando você a conhecer tão bem quanto eu, não irá gostar dela também. Sabe? As vezes chego a pensar que apenas se casou com meu pai para poder se introduzir na vida de Marius.
— Não está deixando o preconceito subir-lhe à cabeça? — perguntou Nathalia, com bastante tato. — Afinal de contas, quando se casou com seu pai não tinha qualquer idéia de que ele ia morrer tão subitamente.
— Mas ela se casou com ele com a intenção de fazê-lo voltar à Inglaterra e arranjar um emprego com Marius. Isto tê-la-ia trazido diretamente para os braços de meu tio!
— Assim mesmo, ela ainda seria esposa de seu pai — insistiu Nathalia. — E não posso imaginar seu tio fazendo alguma coisa para... não, tenho certeza de que está errada!
— Não estou! — Cathy recusava-se a ser dissuadida. — Não sei o que pretendia fazer a respeito de meu pai — provavelmente planejava envenená-lo para o afastar de seu caminho — mas tenho certeza absoluta de que tinha os olhos voltados para Marius!
— Não diga coisas assim! Além de serem injuriosas, são horríveis!
— Os fatos freqüentemente são horríveis.
— Os fatos são realçados pelos preconceitos das pessoas — retorquiu Nathalia. — Você diz isso e deve admitir, além do mais, que é extremamente preconceituosa. De qualquer maneira, seu tio tem a sua própria cabeça e ninguém pode forçá-lo a fazer algo que não deseje. Parece ter um senso de família tão forte que nunca faria qualquer coisa para ferir seu pai.
— Eu não disse que Marius teria feito isso. — Cathy estava indignada. —Estava apenas dizendo o que Célia poderia ter feito. De qualquer modo, as coisas terminaram exatamente da maneira que ela queria. Papai morreu alguns meses depois de casar-se e nós fomos transferidas para cá. — A cadeira de rodas saltou para diante até o centro do quarto. — Mas pensei que ela conseguiria fisgá-lo antes. Quero dizer, quatro anos é tempo demasiado para perseguir uma presa!
— Que metáforas horrorosas você usa!
— Horrorosas ou não, elas se adaptam muito bem à realidade.
Nathalia não insistiu mas, embora soubesse que seria mais discreto deixar a conversação se extinguir, as observações de Cathy haviam espicaçado sua curiosidade até um ponto em que tinha de ser satisfeita. Apesar dos inúmeros casos amorosos de Marius Lyon, ela o sentia como um homem que desejava perpetuar o que o seu talento e a sua força haviam criado. Isto significava gerar filhos que herdassem seu império e, por extensão, implicava na necessidade de uma esposa. Assumindo como verdadeira essa hipótese, seguramente a loura Célia poderia tê-lo conquistado. O fato de não tê-lo feito indicaria que ele não desejava casar-se com ela?
Especulativamente, comentou o pensamento a Cathy que saltou sobre a oportunidade como um cão diante de um osso.
— Durante os primeiros dois anos, Marius via em Célia somente a viúva de papai e, para ele, tal fato tornava-a absolutamente intocável. Foi apenas no ano passado que começou a vê-la como mulher e imaginar que poderia possuí-la. — Ela franziu a testa. — Mas não acho que ele a tenha possuído até agora.
— Fico surpresa de que não possa ser mais positiva — disse Nathalia, sarcasticamente. — Imaginei que você os estivesse vigiando para descobrir!
— Eu o fiz, uma vez ou outra, mas jamais vi coisa alguma.
Nathalia não conseguiu evitar o riso. Havia algo tão desarmante na franqueza de Cathy que era difícil zangar-se com ela.
— Vamos descer e jantar, sugeriu, mudando de assunto. — Estou com muita fome.
— O gongo ainda não soou — disse Cathy, detendo-se ao ouvir a reverberação do mesmo através da casa. — É falar no diabo... Apertou um botão de um dos lados da cadeira e as rodas moveram-se. — Eia, eia!
Quando saíram do elevador, no térreo, Marius e Célia apareceram na entrada da sala de estar e apenas então Nathalia soube com certeza que não iria jantar sozinha com Cathy. Sentiu-se embaraçada, pois achava estar sendo uma intrusa, certa de que a garota havia ajeitado as coisas deliberadamente para que ficasse, sem que ninguém mais soubesse. Mas nisso estava errada pois, quando entraram na sala de jantar, Marius Lyon indicou-lhe uma cadeira à sua direita e disse:
— Cathy escolheu a refeição desta noite em sua honra e pode acreditar que foi necessária toda a minha influência para conseguir que fosse executada a tempo.
A curiosidade de Nathalia foi satisfeita quando olhou para a mesa. O sortimento de pequenas tigelas de prata polida, recheadas com grande variedade de diferentes molhos demonstrava que iriam jantar em estilo oriental, fato confirmado pelo primeiro prato que foi colocado à sua frente.
— Então está trabalhando para outro jornal — disse Célia, continuando a desempenhar o papel de graciosa anfitriã.
— Estou trabalhando para The Monitor.
— Acho que uma moça deve ser muito forte para enfrentar os rigores de Fleet Street sem ficar empedernida. Jornalismo é um trabalho tão rude...
— É muito gratificante.
— Não duvido que o aspecto financeiro seja, mas...
— Não estava falando a respeito de dinheiro — interrompeu Nathalia, já um pouco irritada pela afetação forçada da outra. — Estava me referindo ao trabalho em si.
— E qual é o trabalho que você faz?
— No momento estou fazendo um pouco de tudo. 0 editor ainda não decidiu onde irá me colocar.
O desapontamento de Célia diante da resposta fez com que Nathalia notasse como o seu trabalho poderia parecer insípido e dirigisse um olhar rápido ao anfitrião. Mas esse parecia inteiramente alheio à conversação dando-lhe a certeza de que havia fechado a mente ao que se passava ao redor, pensando em outras coisas mais importantes. Célia estava falando novamente.
— Diga-me, senhorita Rogers, é uma dessas mulheres emancipadas, que acham que uma carreira é mais importante que o casamento?
— Eu não gosto da expressão mulher emancipada — disse Nathalia sem rodeios. — Me parece uma expressão muito antiquada.
— Receio ser uma pessoa antiquada — foi a resposta. — Nunca apreciei a idéia de ter um emprego. Acho que é porque já nasci dona-de-casa...
— Algumas mulheres fazem ambas as coisas.
A entrada do mordomo para perguntar onde desejavam tomar café pôs um fim ao diálogo, que estava se tornando cada vez mais explosivo.
— Não quero café — disse Marius, aparentemente retornando ao presente. — Tenho de sair. Mas pode servi-lo na sala de estar. — Olhou para Cathy. — E você vai para a cama.
— Mas não estou cansada...
— Assim mesmo, você vai para a cama. O fisioterapeuta disse que deveria ter o máximo possível de descanso.
— Nathalia pode ficar comigo?
— Tenho de ir para casa — disse Nathalia rapidamente, ansiosa para evitar qualquer argumentação em contrário.
— Quando voltará para ver-me novamente?
— Telefonarei para combinarmos.
— Eu a levarei até em casa, disse Marius Lyon, afastando a cadeira e levantando-se.
— Por favor, não se preocupe. Posso conseguir um táxi facilmente.
— Apanhe seu casaco. — Ignorando o comentário, olhou para Célia, que estava em pé, como uma pomba solitária.
— Não havia necessidade de levar-me até em casa — repetiu ela quando partiram..— Eu poderia facilmente conseguir um táxi.
— Eu não sabia se você tinha ou não uma conta de despesas no The Monitor!
— Não costumo cobrar minhas despesas particulares.
— Então, não é como a maior parte dos jornalistas — disse.ele sério. — Talvez eu devesse ter sido mais cuidadoso antes de demiti-la.
— Supunha que sempre fosse cuidadoso antes de fazer alguma coisa.
— Às vezes meu temperamento leva a melhor sobre a ponderação. — Ele olhou-a de soslaio. — Deve pensar que somos uma família extremamente beligerante.
— Digamos que creio hão ter visto o lado melhor de qualquer um de vocês!
Desta vez, seu riso foi mais alto e demorado.
— Minha vida era extremamente tranqüila até que Cathy e Célia vieram morar comigo. Ter uma mulher e uma criança em casa torna as coisas mais movimentadas.
— Não achou que fosse muito incômodo? — perguntou ela, a curiosidade vencendo o usual embaraço que sentia quando estava perto dele.
— Mas é gratificante também — anuiu ele. — Achei interessante ter a meu lado um cérebro jovem que pudesse ajudar a desenvolver. Cathy era uma criança brilhante... tinha uma capacidade enorme para aprender.
— Ela continua brilhante, porém creio que não é mais uma criança.
As mãos dele apertaram o volante, e ela ficou desolada por ter introduzido o assunto na conversa. Se não o tivesse feito, talvez descobrisse mais alguma coisa a respeito de suas atitudes e seus sentimentos.
— Nada do que possa dizer irá mudar a minha opinião»
— Como pode ser tão rígido? — retrucou ela, quase gritando.
— Isso torna a coisa ainda mais perigosa.
— O que está querendo dizer?
— Que você persiste em ver Alex através das lentes cor-de-rosa de Cathy. A garota lhe desfiou o novelo sobre a maneira pela qual Alex se apaixonou antes de saber quem era ela, e você engoliu a pílula completamente. Se pudesse olhar para esse rapaz de modo objetivo, iria vê-lo como é realmente.
Com esforço, Nathalia controlou seu crescente mau humor.
— Se continua tão obstinadamente contra ele, por que permite que se encontre com Cathy?
— Eu já lhe disse. Cathy não pode sofrer nenhuma tensão. E se a presença de Bedford pode ajudá-la a ficar melhor... também tenho esperanças de que o conhecendo mais a fundo ela recupere o bom-senso.
— Levou-me a crer que havia uma chance de que mudasse sua opinião a respeito de Alex. Mas do jeito que está falando sobre ele...
— Se eu tivesse sido completamente sincero, você não teria concordado em fazer companhia a Cathy por ocasião das visitas de Alex.
— É claro que não! — disse ela com calor. — Então levou-me deliberadamente a acreditar que tinha a mente aberta em relação a Alex...
— Disse que estava disposto a verificar quem estava com a razão — corrigiu ele. — E sei que eu estou certo!
— É o homem mais cabeçudo que já encontrei! — explodia ela.
— E você é a mulher mais cabeçuda que eu encontrei!
Com um pisão zangado no freio ele deteve o carro, e Nathalia precipitou-se para diante, a cabeça batendo fortemente contra o pára-brisa.
— Tem necessidade de ferir todas as pessoas que entram em contato com o senhor? — reclamou ela tempestuosamente. — Não pode ser mais cuidadoso com o que faz?
— Desculpe-me, pensei que estivesse usando o cinto de segurança. Por favor, perdoe-me. Jamais pensei em feri-la.
Sua voz estava tensa, as palavras entrecortadas, e o mau humor de Nathalia desfez-se tão subitamente como havia sobrevindo. Esfregando a testa, sentiu um intumescimento sob os dedos.
— Ficará satisfeita em ver a família Lyon pelas costas, não é verdade? — disse ele com a mesma voz suave que havia usado para falar com Célia, e então, com um gesto que a apanhou de surpresa, segurou seus ombros e puxou-a contra seu peito.
Apesar da noite fria, Lyon não usava sobretudo e, através do tecido fino de seu smoking, Nathalia pôde sentir o martelar de seu coração, o calor e a força que emanavam dele. Os braços fortes ao seu redor eram surpreendentemente leves e, embora o seu tamanho a fizesse imaginar que estava presa no abraço de um urso, era um urso desusadamente gentil. Para um homem tão grande, era excepcionalmente leve no toque. O queixo de Lyon levemente contra uma de suas têmporas e uma das mãos ergue-se para afastar-lhe o cabelo da testa e tocar a pele machucada.
— Poderia exigir uma compensação... — disse ele, enigmaticamente.
— Sofrerei em silêncio...
— Duvido que o silêncio seja uma de suas virtudes! — Lyon afastou-a ligeiramente, embora ela ainda permanecesse tão perto que podia ver as pupilas de seus olhos. Era como vê-lo numa tela de televisão, cuja câmara estivesse tentando penetrar até o coração do homem, através de suas feições. Entretanto o rosto nada revelava, permanecia tão implacável e duro quanto ela acreditava que fosse. Na verdade, talvez um pouco menos, pois havia um brilho inesperadamente cálido em seus olhos e uma insuspeita ternura na maneira pela qual seus dedos lhe acariciavam os ombros, massageando-lhe levemente a carne, despertando-lhe sentimentos contraditórios e fazendo-a imaginar os movimentos de um tigre satisfeito.
Tigres, leões, pensou ela intrigada. Imagens muito apropriadas para aquele homem incrivelmente masculino.
— Tive a impressão de que estava aborrecido durante o jantar desta noite.
— Por que deveria estar?
— À tagarelice feminina... — disse ela vagamente.
— Algumas garras à mostra... — e, vendo seus olhos arregalarem-se, ele sorriu. — Célia é excessivamente protetora em relação a Cathy e a mim.
Nathalia ficou realmente pasma por ele se mostrar tão ingênuo. Seria a sério que ele imaginava a cunhada protetora para com ele? Protetora de seus próprios interesses e pretensões em relação a ele seria mais correto e mais próximo da verdade.
— Posso notar a discordância cintilando atrás desses seus olhos dourados — a sua voz era um murmúrio divertido, vindo do fundo da garganta.
— Todos nós vemos um ao outro com olhos diferentes — disse ela, apressadamente.
— Quer dizer que não vê minha cunhada do modo que eu a vejo? Sua rapidez desconcertou-a.
— Sabe melhor do que eu — defendeu-se ela. — É natural que a veja de maneira diferente.
— Célia nunca agrada às outras mulheres — concedeu ele. — Mas fez um trabalho excelente com Cathy.
— Pensei que fosse obra sua.
Ele voltou-se completamente e encarou-a; depois, como se dando conta de que ela não havia usado de sarcasmo, esfregou o lado do rosto com perplexidade.
— Jamais pensei ouvi-la dizer isso...
— Agora sei um pouco mais a seu respeito. — Ela olhou as próprias mãos, perguntando-se por que estas teriam se entrelaçado. Cathy falou bastante sobre si mesma esta noite, e naturalmente a sua participação fez parte do assunto. . A maneira como a encorajou a pensar por si mesma, a usar o cérebro... e fazê-la tomar consciência do que se passa pelo mundo.
— Ela tem uma ótima cabeça — disse ele. — É por isso que desejo que a desenvolva. Será uma idiota se se precipitar para o casamento.
— Não, se estiver genuinamente apaixonada. O casamento não precisa obrigatoriamente interromper o seu desenvolvimento intelectual.
— Quantas mulheres conhece que tenham continuado suas carreiras após o casamento?
— Muitas. Particularmente se têm condições financeiras para serem auxiliadas no trabalho doméstico.
— Não importa quanta ajuda tenham, continuam esmagadas entre dois mundos. Entre o desejo de cuidar das crianças e do marido, e o desejo de ter sucesso na carreira.
— Os homens têm lar e família assim como carreiras, também.
— Mas são diferentes das mulheres — assegurou Lyon. — Eles se sentem culpados quando deixam o lar e vão para o trabalho, mas ainda estou para conhecer a mulher que não tenha impulsos de correr para casa quando pensa que seu filho começou a chorar por algum motivo. E não diga que é porque não consegue ajuda!
— Não tinha intenção de dizê-lo. Concordo com seu ponto de vista.
— Mas este é um momento memorável! É a primeira vez que concorda comigo em alguma coisa!
— Foi a primeira vez que disse alguma coisa válida.
Ele atirou a cabeça para trás e riu, um riso forte que ecoou ao redor dela.
— A adulação não funciona com você, não é verdade, Nathalia? — Ele nunca a havia chamado pelo nome, e ela se perguntou se tinha consciência de tê-lo feito.
— Nathalia... — falou ele novamente, respondendo à questão não formulada. — Seu nome combina com você. É doce e no entanto tem força e dureza. O seu fim será numa casa no campo, com cães no gramado e bebês no tapete! — Colocando as mãos sobre o volante, deu-lhe umas pancadinhas, pensativo. — Minha sobrinha e eu parecemos ter invadido sua vida nas últimas semanas. Espero não termos causado muito transtorno.
— Eu não tenho ninguém que faça objeções, se é isso que deseja saber — disse ela, quase ríspida.
— Você não acredita em encenações, não? — disse ele com leve sorriso.
— Por que deveria?
— Muitas mulheres acreditam que se tornam mais desejáveis quando um homem acredita que há outros à sua frente.
— Não vejo por que deveria me sentir mais desejável... — Ela se interrompeu, percebendo, tarde demais, a armadilha para onde suas palavras a haviam levado.
— Você tem razão, Nathalia — disse vagarosamente Marius Lyon. — Você não tem necessidade de aumentar ainda mais os seus encantos. — E, após uma pausa. — Eu já a considero desejável demais como é.
— Não! — exclamou ela. — Não é preciso fingir.
— Quem está fingindo? — Com essas palavras, ele a atraiu para seus braços; foi um gesto inesperado e ela não apresentou nenhuma defesa. Não que isso servisse para resistir à paixão que transbordava de seu beijo. Não houve um crescimento gradual de emoção, apenas uma intensidade que a envolveu num trabalho e a subjugou. Foi súbito demais para que correspondesse; Nathalia permaneceu inerte naquele abraço: um autômato ao qual ele tentava incutir um sopro de vida.
Seu rosto afastou-se um pouco para trás, para olhar em seus olhos, o que viu ali pareceu satisfazê-lo, pois ele puxou-a novamente para si e beijou-a novamente. Agora ele o fez com lenta deliberação, despertando-lhe as emoções como um demônio atiçando as chamas do inferno. Os lábios de Lyon e- suas mãos tocavam Nathalia até que, os sentidos em chamas, sentiu em seu corpo um estremecimento convulsivo, obrigando-a a colocar os braços ao redor de seu pescoço, fazendo-a demonstrar sua submissão com os lábios entreabertos oferecendo-se ao conquistador.
Ele não se aproveitou dessa vantagem, continuando a acariciá-la com suavidade, encorajando-a com seu perfeito controle e fazendo com que ela perdesse os últimos vestígios de receio. Nathalia não fez qualquer movimento quando os dedos experientes desfizeram os botões de sua blusa, e quando aquelas mãos excitantes e cálidas pousaram sobre seus seios, estes agitaram-se num prazer intenso, fazendo cada parte de seu corpo jovem ansiar com a necessidade de entregar-se àquele homem.
Havia sido beijada muitas vezes antes com paixão, mas nunca havia correspondido com tal abandono, nem tivera de lutar consigo mesma com tantas forças para não se render completamente. O que havia nele que a fazia ansiar por ser possuída, que lhe despertava uma urgente necessidade de acariciar seus cabelos, tocando a maciça coluna de seu pescoço, que se elevava nos ombros musculosos? Talvez fossem o próprio tamanho e a força daquele homem que provocavam nela essa necessidade.
Várias vezes se beijaram, a coxa forte dele fazendo firme pressão contra a dela, a mão cálida percorrendo seu corpo, movendo-se suavemente para suas costas, deslizando pela espinha abaixo, acariciando-lhe os ombros e envolvendo sua cintura: durante todo o tempo sentiu seu coração debatendo-se contra o peito, como um pássaro engaiolado tentando escapar das barras que o confinavam. Sentiu a umidade de sua pele quando a acariciou e apenas ao descobrir que ele tinha a camisa desabotoada notou que estava apoiada contra seu peito nu, um peito forte, forrado de pêlos espessos e macios como plumas.
— Não antecipei isto quando me ofereci para trazê-la para casa.
— A voz dele estava rouca e quase inaudível.
— Alegra-me que não fosse premeditado — sussurrou ela em resposta.
— Não pensei que fosse acontecer esta noite — admitiu ele passeando a ponta da língua sob sua orelha. — Mas eu a desejei no momento em que a vi, e ainda a desejo.
— Tem uma reunião para ir, lembra-se?
— Posso encurtá-la bastante — disse ele suavemente. — Se voltar depressa para você, deixará que fique?
— Fique? — perguntou ela trêmula.
— Com você... esta noite.
— Não! — um som agudo, mais alto do que havia pretendido.
— Não —repetiu mais suavemente. — Eu nunca... eu não poderia!
— Não acredita em amor?
— Oh, sim. É por isso que eu... quero dizer, é por esse motivo que não desejo precipitar as coisas. Deve estar pensando que é uma posição estúpida da minha parte.
— Extremamente estúpida nos dias de hoje. Mas é uma estupidez que me deixa feliz. — Seus braços rodearam-na novamente, envolvendo-a como se fosse uma criança. — Querida — disse ele rouca-mente, e depois outra vez, com mais ansiedade: — Querida!
Mais uma vez seus lábios procuraram pelos dela e Nathalia devolveu-lhe beijo por beijo até que o não que havia dito com tanta firmeza poucos minutos antes se tornasse insignificante, e cada um dos nervos de seu corpo pulsasse com desespero implorando por ser subjugada. Mas ele pareceu lembrar-se de sua afirmação anterior, e com enorme esforço retirou as mãos de Nathalia de seu pescoço e afastou-se.
— Jamais seduzi uma mulher num carro — disse ele, de modo tenso — mas sempre há uma primeira vez e, como deixou claro que não...
Com as mãos trêmulas ela abotoou a blusa e ajeitou o cabelo.
— Creio que deveria levar-me para casa, senhor Lyon.
— Eu também, senhorita Rogers. — A sua voz estava pronunciadamente divertida. — Depois da última meia hora não crê que poderia chamar-me Marius?
O embaraço invadiu-a.
— Iria parecer estranho. Nunca pensei a seu respeito desse modo.
— Ao menos pensou em mim.
— Certamente — replicou ela. — E com um bocado de desagrado!
Um riso trovejou em sua garganta.
— Não tem medo de mim, Nathalia, essa é uma das coisas que me agradam em você. — Sua mão estendeu-se e descansou sobre seu colo, cálida e pesada, íntima em sua pressão. — É uma das muitas coisas que me agradam em você.
Ele colocou o carro em movimento, e em poucos momentos chegaram ao bloco de apartamentos.
— Não precisa se preocupar em descer — disse ela rapidamente —, já deve estar atrasado para o seu compromisso.
Ela saltou do automóvel mas, quando chegou à entrada, encontrou-o ao seu lado.
— Não ganho um beijo de boa-noite?
— Já o ganhou. — Nathalia tentava manter a voz despreocupada, mas estava tremendo tanto que isto se tornava difícil.
— Costuma racionar os beijos? — perguntou ele.
— Claro que não!
— Então tenho direito a mais um. — Ele inclinou a cabeça para seu rosto e beijou-lhe suavemente a testa. — Boa noite, meu anjo, durma bem.
Ela havia chegado ao elevador quando ouviu o carro se afastando, e mesmo quando já não o conseguia ouvir, o som permaneceu em seus ouvidos e ela visualizou Lyon dirigindo através das ruas escuras, manejando quinze mil libras de luxo, e nem por isso deixando o luxo influir em sua vida cotidiana. Era nisso que residia a força do seu império editorial: em sua habilidade em saber oferecer ao público o que este desejava e em sua perspicácia para conseguir estar freqüentemente adiante, intuindo por antecipação o que faria sucesso.
Despindo-se para ir dormir, fez uma pausa para examinar-se no espelho do banheiro: alta e magra, vestindo apenas uma calcinha rosa pálida, com o cabelo caindo sobre seus ombros nus e a face limpa da maquiagem, parecia uma escolar. Entretanto não havia nada de infantil na curva langorosa de sua boca, que ainda brilhava, avermelhada pela pressão dos lábios de Marius. Também não havia nada de infantil em seus seios firmes, cheios e empinados. O que lhe havia acontecido esta noite? O demônio deveria ter tomado conta de seus sentidos, pois de outro modo jamais teria correspondido com tal abandono e com um desejo tão intenso. Um dia — sempre pensara — viria a conhecer um homem diferente dos outros que iria despertá-la, que saberia deixá-la plenamente consciente do prazer de ser mulher. Mas nunca havia suposto que iria ser alguém como Marius.
— Não! — disse em voz alta. — Estou ficando louca, não é possível.
Mas não era apenas possível; era um fato consumado. Precipitadamente, vestiu a camisola e se atirou na cama. Mal conhecia aquele homem. Quase todas as suas conversas haviam terminado ou em discordância declarada ou em hostilidade mal disfarçada. Mesmo naquela noite, ao descobrir que ela havia deixado Alex a sós com Cathy, havia parecido suficientemente zangado para batê-la, entretanto apenas um pouco mais tarde aninhara-a em seus braços como se ela fosse a única mulher que ele desejasse abraçar, e ela se apoiara contra seu peito como se aquele fosse o único lugar onde desejasse estar. E tinha de concordar que era.
Na penumbra do quarto, defrontou-se com um terrível pensamento. Estava apaixonada por Marius Lyon.
— Não! — gemeu novamente e, sentando-se na cama, acendeu a luz. Mas a claridade nada fez para dissipar a sua imaginação desenfreada, e idéias loucas, uma após outra, continuaram revolvendo seu cérebro.
Incapaz de permanecer na cama, dirigiu-se à cozinha para preparar uma bebida quente. Era uma tola por ter entregue o coração a um homem que jamais desejaria casar-se com ela. Era estúpida em pensar que o faria. Era um magnata, com enorme poder, enquanto ela fora apenas uma pequena engrenagem em seu império. O que teria em comum com um homem desse tipo? Ele desejava possuí-la, levá-la para a cama, e isso não queria dizer que a amasse. Era uma coisa amarga de aceitar, especialmente porque ela mesma desejava a profundidade de um relacionamento real, mas não queria admitir que a verdade seria viver em um mundo de faz-de-conta. Eram um homem e uma mulher com muitos anos de diferença de idade e um vasto abismo de experiências separando-os e que, apesar disso, estavam sendo atraídos um para o outro por cordões intangíveis, embora fortes como o aço, da atração física mútua. E não havia nada mais, ao menos no que dizia respeito a Marius.
Graças a Deus não trabalhava mais para ele. Não que necessitasse estar no mesmo edifício para sentir sua presença. Não importava onde estivesse, sentia-se inundada por ele: era como se ele pudesse estender-se mentalmente e atraí-la para si como um ímã atrai um alfinete.
Segurando uma xícara de leite quente, retornou à sala e ligou o aquecedor elétrico apesar de o aquecimento central proporcionar calor uniforme à atmosfera, estava tremendo. O que sabia sobre Marius, além do que lhe dissera Cathy, que jamais poderia — sob quaisquer circunstâncias — ser considerado imparcial? Mesmo assim, suas críticas ao tio haviam sido permeadas de elogios: seu despotismo benevolente para com os amigos e a família; a generosidade para com o irmão — com o qual nada tinha em comum — e sua pronta oferta de um lar para a viúva e a sobrinha quando o irmão falecera.
Nada disso sugeria um homem a quem faltasse generosidade e não apenas financeira. Teria sido fácil para Marius ter instalado Célia e Cathy numa outra casa onde não fosse incomodado por elas. Mas, tendo consciência de que uma garota de catorze anos ainda necessitava de um pai, a quem poderia se voltar em busca de conselho e afeição, havia aberto as portas de sua própria casa para ela.
Nathalia suspirou. A bondade de Marius não havia frutificado qualquer recompensa, pois agora, quatro anos mais tarde, era encarado como ditador pela única pessoa cujo amor se esforçara por obter.
O calor do aquecedor impregnou sua camisola de seda, e ela terminou por relaxar-se na poltrona, as pernas dobradas por baixo do corpo, os braços cruzados sobre o peito. Como Marius havia ficado excitado com sua proximidade. Havia sido estranho descobrir que podia despertar-lhe o desejo com tanta facilidade. Pois havia concluído que era um homem de controle de ferro: mas mesmo o ferro tem um limite de resistência, e era incrível pensar que o seu ponto fraco era ela. Mas não devia continuar pensando desse modo. Fazê-lo iria levá-la apenas a aborrecimentos e esperar demais de alguns beijos inesperados seria infantil. Como Célia Lyon iria rir se pudesse vê-la agora, a suposta jornalista empedernida, cheia de despeito por um amor não correspondido, lamentando-se por isso como um cisne à morte.
Mas como poderia esquecer Marius se o continuasse vendo? O sentimento de culpa que ele havia despertado nela em relação a Cathy era forte demais para permitir que esquecesse os problemas da moça e, enquanto Cathy fosse inválida e necessitasse dela, sentia-se na obrigação de ficar disponível.
A imagem dele instalou-se vivamente em seu cérebro, diminuindo ainda mais a pequena sala com sua altura e corpulência. Era um homem que inspirava amor e ódio. De fato, havia feito exatamente isso com ela, despertando-lhe primeiro a ira, que havia arrefecido rapidamente, depois fazendo nascer uma relutante admiração que havia inexplicavelmente transformado em amor. Um amor que, sabia-o com desespero, iria permanecer para sempre em seu coração.
CAPITULO VII
Por desejar tão desesperadamente ver Marius, Nathalia usou de toda a sua força de vontade para resistir aos chorosos telefonemas de Cathy pedindo que fosse visitá-la.
Sua esperança de que Marius a procurasse desvaneceu-se à medida que os dias passavam sem uma palavra de sua parte, embora não pudesse deixar de estremecer todas as vezes que o telefone tocava em sua mesa. Havia sido uma tola em pensar que Marius poderia querer aprofundar o relacionamento entre ambos, forçando a sua resistência inicial. Mas obviamente ele não estava nem sequer interessado nela para insistir em tentar ter um caso, como havia sido direto ao perguntar se podia passar a noite com ela. Seu corpo tremia todo de excitação quando se lembrava e, apesar disso, considerava-se bastante satisfeita consigo mesma por ter recusado. Como estaria se sentindo mal agora, se não o tivesse feito. Não passaria de um caso a mais na vida de Marius — e ele na sua —, e não era isso que desejava.
Sem convite, um pensamento errante invadiu seu cérebro: o que teria acontecido se tivesse dito sim? Teria passado uma noite em seus braços, para depois enfrentar dias de solidão — como estava fazendo agora? —, ou o fato de entregar-se inteiramente poderia ter despertado interesses mais profundos que pudessem levar a algo mais do que uma noite de prazer?
Amargamente, deu-se conta de que não caberia ali a palavra amor. Uma noite de prazer era um modo melhor de expressar o que teria acontecido. Se tivesse sentido que era o amor que impelia o desejo dele de levá-la para a cama poderia não ter achado tão fácil dizer não.
Na sexta-feira decidiu ir a Wiltshire visitar os pais. Não podia encarar a perspectiva de permanecer em Londres e divertir-se com outros rapazes que a haviam convidado, nem lhe parecia atraente a perspectiva de ficar sozinha. Uma ida à casa dos pais pareceu-lhe a solução natural.
Como sempre, a casa cinza de pedras deu-lhe outra perspectiva e fez com que a agitação de Londres parecesse a anos-luz de distância. Mas, se as peças da mobília e os retratos de família nas paredes a enchiam de contentamento, também faziam com que percebesse que não poderia levar a vida inteira sozinha; então pensou em todos os homens que conhecia e descartou-os um por um. Como eram fracos ao serem comparados com Marius, fracos não apenas em aparência física, mas em personalidade e realizações. Sentiu-se espicaçada pela curiosidade a respeito de seu passado, e lamentou não ter prestado mais atenção quando Cathy falara a respeito. Com firmei! afastou os pensamentos e forçou-se a ouvir o pai, que informava cor detalhes sobre a sua antiga rixa com o fazendeiro local sobre o direi de passagem por sua propriedade.
Na segunda-feira pela manhã, voltou à redação e soube que Cathy havia ligado três vezes. Sabendo que teria de falar com a garota mais cedo ou mais tarde, decidiu fazê-lo imediatamente.
— Que bela amiga você é —, disse Cathy. — Sai com meu tio nunca mais ouço falar de você!
— Tenho estado ocupada — escudou-se Nathalia.
— Nunca esteve ocupada demais para vir visitar-me quando estava no hospital. Não está zangada com alguma coisa, está? Marius deixou-a aborrecida, por acaso?
— É claro que não. O que a faz dizer isso? — Nathalia não percebeu como sua voz estava cortante até que Cathy respondeu:
— Então ele a deixou aborrecida! É por isso que não tem vindo à nossa casa?
— Seu tio não tem nada a ver com isso — retorquiu Nathalia. — Eu já lhe disse que tenho estado ocupada.
— Gostaria de poder dizer o mesmo sobre mim mesma. Isso aqui tem estado mais parecido a um necrotério, ainda mais com Marius na Austrália e Célia perambulando por aí como uma alma penada sem casa para assombrar.
— Não sabia que seu tio estava fora. — A voz de Nathalia foi estudadamente casual.
— Ele partiu um dia depois que você esteve aqui. Foi inesperado, me parece. Mas não vamos falar dele. Eu telefonei por causa dei Alex.
Nathalia forçou-se a prestar atenção no que Cathy dizia, mas era difícil, pois todos os seus pensamentos voavam para Marius. Então ele havia viajado para a Austrália um dia depois que a levara pari casa! Era por isso então que não a procurara durante a semana! B ela que havia acreditado que ele não desejava vê-la novamente. Claro que nada lhe garantia que Marius iria desejar vê-la quando voltasse para casa. Poderia muito bem ter decidido o contrário. Precisa v£ tomar cuidado para não ver apenas o que desejava em seu silêncio, Apenas o tempo — e as atitudes de Marius quando voltasse — pode demonstrar se as suas esperanças eram fundamentadas ou não.
— Ainda está na linha? — perguntou Cathy.
— Claro que estou. Estava falando de seu tio.
— Estava falando de Alex!
— Que há de errado com Alex?
— Nada! Mas ele vem visitar-me hoje e você deveria estar aqui. Se não estiver, Marius ficará furioso.
— Nunca pensei que a ouviria admitindo que não deseja desobedecer a seu tio! — disse Nathalia, alegremente. De fato era realmente espantoso como se sentia leve.
— Não é que eu queira obedecer-lhe — replicou Cathy —, mas, se não o fizer, Célia lhe contará tudo. E se eu não me encontrar com Alex nos termos de Marius, não poderei vê-lo de maneira nenhuma.
— Pare de preocupar-se sem motivo — replicou Nathalia. — Estalei aí por volta das seis. Antes, se conseguir escapar.
As esperanças de deixar a redação antes da hora normal foram condenadas ao desapontamento. A chegada de uma estrela hollywoodiana a Londres, acompanhada do sétimo marido, fez com que tivesse de ir ao hotel Savoy para entrevistá-los. Aborrecida consigo mesma por ter sido tão lenta, telefonou a Cathy para explicar que chegaria atrasada. Por mais que lhe desagradasse o papel de acompanhante, havia prometido fazê-lo, e sentia-se com remorsos por não ter conseguido estar na casa de Marius a tempo. Indubitavelmente, Alex e Cathy deviam estar bem mais felizes sem sua presença, mas no momento estava mais preocupada com sua própria paz de espírito. Entretanto, era ridículo sentir essa espécie de remorso. Seria por estar apaixonada por Marius que desejava obedecer-lhe, ou era porque alguma parte de sua mente lhe dizia que ele poderia estar certo sobre Alex? Juntando apressadamente as laudas datilografadas do artigo, submeteu-o a Jack Lane, esperou receber sua aprovação, e depois precipitou-se para fora do edifício e deu sinal a um táxi.
Quando finalmente chegou a Belgravia, Alex poderia muito bem ter ido embora, mas ao menos poderia dizer que não havia deixado de passar por lá.
Eram oito e meia quando finalmente entrou no elegante hall da casa de Marius, e sem sequer se deter para entregar o casaco ao mordomo, precipitou-se diretamente para a sala de estar.
Esta estava vazia, e ela parou com incerteza na porta.
— Pensei que a senhorita Lyon e o senhor Bedford estariam aqui — murmurou para o mordomo.
— O senhor Bedford saiu e a senhorita Cathy recolheu-se. — Não havia qualquer expressão na voz discreta.
— A senhorita Lyon não está doente, está? — perguntou rapidamente.
— Creio que estava aborrecida e foi deitar-se.
— Acha que eu poderia vê-la?
O homem olhou na direção de uma porta fechada no outro lado do hall.
— Por favor, espere aqui um momento, senhorita. Acredito que o senhor Lyon deseje vê-la antes.
O coração de Nathalia deu um salto. Cathy havia dito que Marius estava na Austrália...
— O patrão voltou no começo da noite — explicou o mordomo, como se adivinhasse seus pensamentos, e deslizou pelo piso de mármore em direção ao aposento oposto. Voltou quase imediatamente e inclinou a cabeça para Nathalia. Nervosa como uma colegial diante da sala do diretor, Nathalia entrou para ver Marius. Este levantou-se à sua entrada, mas não esboçou nenhum movimento em sua direção.
— Pensei que havíamos decidido não deixar Cathy e Alex se encontrarem a sós.
Sua voz estava tão cáustica que varreu as boas intenções de que ela viera munida, e ao invés de concordar com ele, o que teria feito de outro modo, ergueu o queixo num desafio.
— A decisão foi sua, não minha.
— Foi por isso que desobedeceu? Sabe perfeitamente que não quero que os dois se encontrem sozinhos!
— Não acontecerá nada, caso se encontrem!
— Como pode estar tão certa? — Ele estendeu a mão e ela deu um passo para trás, receando que ele fosse batê-la, mas era apenas um gesto furioso. — Alex tirou Cathy da cadeira de rodas e sentou-a no colo — trovejou ele. — Acha que isso é engraçado...
— Acho que é natural — interrompeu ela. — Eles se amam.
— É o dinheiro dela o que ele ama!
— Não pode provar isso.
— Dou-lhe minha palavra. Se Cathy fosse uma moça qualquer, Alex jamais teria olhado para ela.
— Sempre pode deserdá-la — explodiu Nathalia, e arrependeu-se imediatamente das palavras, notando uma expressão estranha no rosto de Lyon. — Não quis dizer isto — consertou rapidamente. — Falei sem pensar.
— De qualquer modo, é uma boa sugestão. Cheguei a pensar nisso.
— Não poderia fazê-lo. Seria monstruoso.
Lyon sentou-se numa pequena poltrona, enchendo-a completamente com o volume do corpo.
— Em que posição pensa que Cathy estaria se seu pai não tivesse morrido? — perguntou calmamente.
A pergunta tomou Nathalia de surpresa.
— Não sei. Suponho que você seria simplesmente o tio rico que iria enviar-lhe um magnífico presente de casamento.
— Um pouco mais que isso, talvez — considerou ele —, mas certamente Cathy não seria uma herdeira. Foi apenas depois que começou a viver comigo que comecei a encará-la mais como uma... irmã... do que como uma sobrinha. Parece-me que se Arthur estivesse vivo hoje, Cathy não precisaria se preocupar se os seus admiradores desejam a ela própria ou a seu dinheiro.
— Tem necessidade de colocar as coisas dessa maneira?
— Fica revoltada por falar em dinheiro? — perguntou Lyon sarcasticamente. — A classe média geralmente tem esses escrúpulos...
— Digamos simplesmente que não gosto do modo como fala sobre dinheiro. — Ela virou-se para um lado, lutando contra a vontade de chorar. Muitas vezes, desde o último encontro, havia dito a si mesma para não acalentar esperanças tolas a respeito de Marius Lyon. Mas nunca havia imaginado que quando se encontrassem novamente iriam brigar como se jamais estivessem estado nos braços um do outro. Sem dúvida, ele não parecia lembrar-se. Forçou-se a olhá-lo novamente.
— Se terminou de me repreender, gostaria de ir embora.
As palavras tiveram um efeito fulminante sobre ele, pois o rubor invadiu seu rosto, fazendo sua pele tingir-se novamente; levantou-se de um salto da cadeira e aproximou-se numa longa passada.
— Meu temperamento sangüíneo! — exclamou ele. — É a primeira vez que a vejo desde que... e estrago tudo gritando desse modo com você. — Suas mãos pousaram sobre os ombros dela, dando-lhe um leve safanão. — Mas a culpa é sua. Você tem um hábito aborrecido de puxar a cauda do leão!
— Isso não é verdade — retorquiu ela, receosa demais de mostrar-lhe como estava feliz. — Estava furioso comigo, mesmo antes que eu entrasse na sala, e ficou ainda mais furioso assim que me viu — disse ela, intrigada.
— Por que percebi quanto senti sua falta. Você tem ocupado por demais meus pensamentos, Nathalia, e não gosto disso.
— Então afaste-me deles.
— Você foi capaz de me esquecer? — Deduzindo a resposta do rubor que invadiu o rosto dela, deu uma risada triunfante. — Parece que ambos fomos apanhados, não é?
Ela concordou, com os olhos fulgurando.
— A única diferença é que eu não me importo com isso e você sim — disse ela, com a esperança de que ele negasse, mas ao invés disso suas mãos caíram para o lado do corpo, afastando-se dela.
— Parece cansado — comentou ela.
— É verdade. Cansado e velho. — Ele flexionou os braços como se achasse as roupas muito apertadas. — Cansado e velho — repetiu.
— Deveria tomar um banho quente e ir para a cama — disse ela.
— Sozinho ou com você?
— Creio que ficaria muito surpreso se eu dissesse comigo!
— Simplesmente pensaria que você estava usando um privilégio feminino para mudar de idéia. — Como sempre, estava dizendo a última palavra e isto a deixou ligeiramente revoltada.
— Por que me deseja, Marius? Pode ter quantas mulheres quiser sem ter de pedir duas vezes.
— Talvez por achar agradável uma mudança. O homem é um caçador, não se esqueça. Gosta da emoção da caçada.
— Está falando por meio de clichês!
— Porque a sua pergunta foi estereotipada! Não precisa que eu lhe conte porque a desejo. — Outra vez Lyon estava próximo dela, seu calor quase tangível. — Você tem um corpo delicioso pelo pouco que pude ver dele e um rosto adorável.
— Isso é tudo que espera de uma mulher: um corpo e um rosto?
— Até agora tem sido suficiente... — Ele fez uma pausa, franziu a testa e depois foi postar-se diante de uma bandeja que estava sobre um bufê próximo à janela. — O que deseja tomar? — perguntou.
— Nada, obrigada. — Ela tentou manter a voz isenta de desapontamento. — Eu não comi nada, e se beber com o estômago vazio...
Lyon observou-a em silêncio, depois serviu-se de um uísque.
— Tenho perto de quarenta anos — disse ele subitamente. — Não lhe pareço velho demais?
— Apenas quando faz uma pergunta dessas!
Ele pareceu não se divertir com isso e encostou-se junto à lareira, observando-a com seriedade.
— Por favor sente-se — pediu Nathalia. — Não posso suportar que olhe para mim de tão alto.
— Quer que eu perca todas as minhas vantagens? Estou fazendo o máximo para mantê-la em seu lugar.
— Qual é o meu lugar? — perguntou ela.
— O berço, que eu saiba. Você não passa de uma criança, Nathalia, como Cathy.
— Sou quatro anos mais velha que sua sobrinha, e milênios mais velha quando se trata de experiência.
— Verdade? E daí?
~- Daí, você está sendo infantil quando fala comigo desse modo. — Ela baixou os olhos para o carpete e perguntou a si mesma se devia continuar, decidindo por fim que, se não o fizesse, iria lamentá-lo quando estivesse sozinha. — Quando me levou para casa outro dia... quando me beijou e eu... — Ela se concentrou no carpete mais intensamente. — Acha que eu correspondi como se fosse meu pai?
— Pelo amor de Deus! — explodiu ele. — O que está tentando provar?
Nathalia decidiu levantar a cabeça e encará-lo.
— Que eu... eu acho que é o homem mais atraente que eu já conheci.
Lyon colocou o copo sobre a lareira e lentamente veio colocar-se bem diante dela. Uma das mãos segurou-lhe o rosto enquanto a outra afastava o cabelo de sua testa.
— O rosto de uma criança — murmurou. — Essa boca cheia, esse narizinho, mesmo a maneira com que sua testa se curva: um rosto de bebê.
— Eu não o beijei como um bebê — murmurou ela, e antes de conseguir deter-se, colocou os braços ao redor de seu pescoço.
Esse contato terminou por destruir as defesas de Marius e ele abraçou-a com força, erguendo-a completamente do solo. Era sua primeira demonstração de força e ela sentiu um delicioso prazer por isso, curvando seu corpo de encontro ao dele, esfregando-se e aconchegando-se o mais possível.
— Nathalia, não — disse ele roucamente.
— Deveria ser eu a dizer isso — lembrou ela, e não pôde dizer nada mais, pois um par de lábios firmes pousaram sobre os dela sufocando-lhe sequiosamente as palavras.
Nathalia perdeu a consciência do tempo; tudo o que sabia é que estava sendo arrastada por uma onda de sentimentos que tornava impossível qualquer pensamento coerente. Não saberia dizer se haviam passado minutos ou dias quando, suavemente, Marius soltou seus braços e afastou-a de si.
— É melhor irmos comer alguma coisa — disse roucamente. — Creio que a fome está me fazendo tremer.
A refeição pareceu relaxá-lo e parte da fadiga abandonou seu rosto. Mas continuava cansado, podia-se notar, pois contentava-se em permanecer sentado, tranqüilamente, sem entabular nenhuma conversação, suas pálpebras baixando ocasionalmente. Nathalia poderia ter permanecido sentada diante dele para sempre, saboreando a cena e o prazer que sentia de estar ali, mas tinha consciência do dia exaustivo que ele enfrentara e, às dez horas, levantou-se.
— Está cansado, Marius. Irei ver Cathy por alguns minutos e depois voltarei para casa.
— Cathy tomou um sedativo antes de você chegar.
— Estava doente?
— Estava histérica. Quando cheguei em casa e descobri que não estava aqui, mandei Alex embora. Cathy ficou muito agitada por isso e... — ele enterrou a cabeça nos ombros e não terminou a sentença.
— Espero que não tenha feito uma cena — suspirou Nathalia. — Para uma pessoa tão esperta, não sei como não tem idéia de como conseguir o que deseja pacificamente.
— Pensa que me divirto lutando contra Cathy?
— Então deveria tentar ser mais diplomático.
— A última vez que fui diplomático, ela terminou por fugir. Ela é teimosa e cabeçuda, e se lhe estender o dedo mínimo, fugirá com meu braço.
— Não pode mantê-la amarrada para sempre.
— Apenas até que ela aprenda o suficiente para saber que estou certo. — Ele deixou escapar um bocejo. — Não discuta comigo, Nathalia, estou cansado demais.
Instantaneamente, ela ficou apreensiva.
— Deveria estar na cama.
— Irei dormir assim que levá-la para casa.
— Não é preciso, vai ser muito fácil pegar um táxi.
— Não — disse ele decididamente, e acompanhou-a até a porta. Quando a abriu, a porta principal abriu-se também e Célia entrou, elegante, num vestido de veludo negro e um casaco também negro que realçava seu louro prateado.
— Marius! — gritou, precipitando-se para diante, oferecendo os lábios para o seu beijo. — Não esperávamos você até amanhã. Por que não me avisou? Teria ido ao aeroporto.
— Eu mesmo não sabia. — Seu beijo foi afeiçoado e ele manteve o braço sobre o ombro dela. — Parece que está muito bem, Célia.
Ela deu um sorriso gentil e aproximou-se um pouco mais, virando-se para olhar Nathalia enquanto o fazia.
— Esteve com Cathy?
Nathalia sacudiu a cabeça.
— Fiquei presa na redação e cheguei aqui tarde demais. Cathy já está deitada.
— Então eu levarei a senhorita Rogers — disse Célia, dirigindo-se para o carro.
— Eu insisto que não há necessidade de levar-me para casa — disse Nathalia rapidamente enquanto Marius se afastava. — Irei de táxi.
— Marius não iria gostar disso.
Desceram os degraus da frente e Célia abriu a porta de um Mercedes.
— Ele não gosta que as mulheres saiam sozinhas à noite. Se levarmos em consideração alguns jornais que ele publica — acrescentou ela, pondo o motor em movimento —, ele próprio é bastante antiquado.
— Quer dizer que ele prega uma coisa e pratica outra.
Célia anuiu e concentrou-se em dirigir, o que fazia muito bem.
Nathalia relanceou o olhar para Célia, perguntando a si mesma o quanto havia de certo no que dizia e o que era apenas dito por conveniência. Mas não conseguiu descobrir coisa alguma.
— Só lamento — continuou — que Cathy seja tão desagradável com Marius. Ele tem sido maravilhoso para ela, e para mim também — interrompeu Célia.
— Ele tem forte senso familiar — concluiu Nathalia com a voz mais despreocupada que conseguiu.
— Exatamente! Ele acha que a unidade familiar tem a maior importância social. Suponho que seja porque provém de um lar desfeito.
— Não sabia disso.
— Seu pai desapareceu quando tinha dois anos e Arthur tinha dez. A mãe ganhava a vida limpando escritórios. É o tipo de história que você lê e não consegue crer que poderia acontecer realmente. Isso faz com que o seu sucesso seja muito mais espetacular, naturalmente. Arthur ganhou uma bolsa de uma escola particular e foi adotado por um clérigo e sua esposa, porém Marius permaneceu com a mãe e deixou a escola quando tinha quatorze anos. Toda a sua educação foi adquirida na escola noturna, quando tinha mais de vinte anos.
— Li algo sobre essa parte de sua vida — disse Nathalia involuntariamente — mas desconhecia o que acabou de me contar. Isso explica por que é tão ambicioso. Não há motivação mais forte para um homem do que o desejo de proporcionar à mãe todo o conforto que esta nunca teve quando ele era criança.
— Marius era muito devotado a ela — concordou Célia. — Sempre pensei que foi por isso que nunca se casou.
— O senhor Lyon não me parece ter nenhuma fixação materna — disse Nathalia calmamente.
— Não quis dizer isso. — A resposta foi rápida e positiva. — Quis dizer simplesmente que ele deve ter procurado uma esposa com as mesmas qualidades que a mãe tinha; não a encontrando, não quis ficar com uma segunda opção.
Lembrando-se de diversas mulheres de sociedade e de estrelas do cinema cujos nomes haviam estado ligados ao dele, Nathalia pôde imaginar facilmente por que Lyon havia achado difícil encontrar alguém com as qualidades de sua mãe. E nem se poderia esperar que as encontrasse no rol dos nomes com os quais costumava estar ligado.
— Foi por isso que Marius ficou contente quando Cathy e eu viemos morar com ele — continuou Célia. — Isso deu-lhe novamente uma família.
— Deveria casar-se e formar a sua própria — disse Nathalia antes de conseguir deter-se.
— Ele o fará, muito em breve. — A cabeça loura voltou-se repentinamente. — Por favor, esqueça o que eu disse senhorita Rogers. Falando consigo dessa maneira eu... esqueci que é jornalista.
— Estou aqui como amiga de Cathy — replicou Nathalia. Houve um profundo suspiro.
— Por favor, não fique aborrecida comigo, mas fui bastante indiscreta falando a respeito de Marius e de mim e... — Célia hesitou novamente e, mudando inteiramente de assunto, perguntou onde deveria dobrar quando entraram em St. John's Wood.
Nathalia deve ter dado a resposta correta, embora não tivesse consciência de ter falado, tão abalada ficara com as palavras tranqüilas e devastadoras que Célia havia proferido. Iria realmente Marius casar-se com essa mulher que, de acordo com Cathy, casara com seu pai como uma forma de se insinuar na vida de Marius? A idéia de uma ação premeditada desse tipo era horripilante, indicando uma determinação quase maníaca que não suportaria qualquer interferência. Olhou para Célia sub-repticiamente. Estaria mentindo? Teria insinuado deliberadamente que iria casar-se com Marius para deixar claro que se considerava com direitos sobre ele?
Nathalia suspirou. A única maneira pela qual poderia confirmar ou não o que Célia havia dito seria perguntando diretamente a Marius. Mas nunca chegaria a fazê-lo. Ele não era o tipo de homem que permitiria que seus motivos fossem questionados. Além disso não tinha qualquer direito de interrogá-lo. Alguns beijos — não importando o quanto haviam sido apaixonados — não eram uma porta aberta para o seu coração.
Entretanto, mais tarde, já deitada em sua cama, procurou imaginar como Marius se sentia exatamente em relação a ela. Com certeza a desejava, mas iria além disso? Rememorando o amigável companheirismo com o qual haviam estado sentados juntos havia poucas horas, desejaria poder acreditar que havia algo mais profundo entre eles, mas sua inteligência não lhe permitia que fizesse isto. Marius era um homem mundano, acostumado às atenções femininas, e não seria necessário nenhum esforço de sua parte para sentir-se completamente à vontade com uma garota jovem como ela, e mais ainda sabendo que estava apaixonada por ele.
A mortificação destruiu-lhe a confiança, e Nathalia mergulhou num mar de recordações amargas, todas as palavras de Célia voltando para feri-la.
"Marius ficou satisfeito quando Cathy e eu viemos para morar com ele... ele fazia parte de uma família novamente... Marius e eu..."
— Não — gemeu Nathalia em voz alta, e enterrou a cabeça no travesseiro. — Deveria ser: Marius e eu... Marius e eu!
CAPITULO VIII
Os dias passavam sem uma palavra da parte de Marius. Começou por sair para almoçar com um jovem repórter policial que vinha sendo um dos seus mais persistentes admiradores desde que a conhecera há seis meses e, embora tentasse fingir interesse nele, ao olhar para seu rosto via apenas Marius. O esforço para concentrar-se no que ele estava dizendo havia lhe provocado uma dor de cabeça e sentiu-se gratificada quando pôde voltar ao escritório. Algumas garotas podiam ser capazes de amar um homem e ainda assim flertar com outros. Mas ela não era assim. Era um pensamento sóbrio, mas fez com que ela se desse conta de que poderia ter muitos meses de desconsolo, senão anos, diante de si. Entretanto não podia deixar-se consumir por tais pensamentos. Mal conhecia Marius. Se não o visse novamente, acabaria por esquecê-lo em pouco tempo.
Afinal nada havia de especialmente perigoso com ele. Era inteligente, bonito, mas outros homens também o eram. Era rico, é claro, e podia proporcionar a uma mulher tudo o que o seu coração desejasse; entretanto, ela o amaria ainda que fosse pobre e não pudesse dar-lhe tudo o que quisesse.
— Eu o amo — gritava seu coração, silenciosamente. "Marius, Marius..." ,
O telefone soou e ela agarrou-o; a expectativa morrendo quando ouviu a voz de Cathy insistindo para que fosse lá imediatamente.
— Não posso, estou ocupada. — De maneira nenhuma Nathalia iria apresentar-se na casa de Marius naquele dia.
— Precisa vir — gritou Cathy. — Alex vai embora por sua causa. Meu tio ficou furioso porque você não estava aqui e ele...
— Eu já falei com ele e lhe contei por que não estava.
— Ele disse o que iria fazer?
— Não estou entendendo...
— Sobre Alex. — Cathy estava gritando, a voz entrecortada de soluços. Marius obrigou Alex a viajar para a Austrália.
— Não seja boba. Não pode obrigá-lo a isso.
— Você não conhece Marius — disse Cathy amargamente. — Ele pode obrigar qualquer pessoa a fazer qualquer coisa. Qualquer coisa! Tem poder e não se importa de como usá-lo desde que consiga o que deseja. — Começou a chorar. — Se Alex for para a Austrália minha vida inteira estará estragada!
Os soluços tornaram impossível entender o resto de suas palavras e, cheia de angústia, Nathalia prometeu ir vê-la imediatamente.
Correndo através das ruas de Londres num táxi, achou difícil pensar com lucidez; recusou-se mesmo a pensar, determinada, na verdade, a não julgar Marius sem ouvir o seu lado da história.
Mal entrou no hall de mármore preto e branco, a cadeira de rodas precipitou-se em sua direção. Cathy estava tensa e pálida.
— Eu nunca deixarei que me separem de Alex — gritou. — Eu o seguirei nem que tenha de me arrastar de joelhos! A jovem explodiu em ruidosos soluços e Nathalia, apressadamente, empurrou a cadeira para a sala de estar e fechou a porta.
— Pelo amor de Deus, pare de ser histérica — disse no tom mais áspero que conseguiu emitir. — Diga-me o que aconteceu.
A aspereza deu resultado, pois Cathy soluçou, parou de chorar e assoou o nariz. Em frases entrecortadas mas inteligíveis, contou o que havia acontecido, parte do que Nathalia não sabia. Marius havia voltado da Austrália inesperadamente na noite anterior e havia encontrado Alex e Cathy sozinhos no dormitório da garota. Lyon quase atirou Alex para fora da casa, descendo depois para esperar por Nathalia.
— Bem, foi estúpido de sua parte levá-lo para o quarto — disse Nathalia.
— Apenas fomos para lá porque Célia saiu de casa — explicou Cathy. — Mas Marius ficou furioso. Ficou louco com você também, mas deve saber disso, se o viu na noite passada.
— Ele se acalmou bem rapidamente — retorquiu Nathalia — e não disse uma palavra sobre essa viagem de Alex para a Austrália. Estou certa de que não é seu tio que está fazendo isso. Não pode forçar Alex a ir.
— De que lado você está? — gritou Cathy.
— Do seu lado, naturalmente, mas ainda não consigo acreditar no que me disse. — Aproximou-se mais da garota. — Tem certeza de que é seu tio que está forçando Alex a ir embora? Quero dizer, por que Alex deveria ir se não deseja isso?
— Porque Marius conseguiu convencê-lo de que estará fazendo isso para o meu bem. Disse que eu não poderei caminhar por vários anos e que vou precisar de tratamentos caros e muitos cuidados. Disse que se Alex não parasse de me ver, iria me jogar na rua.
— Isso nunca faria.
— Mas fez Alex acreditar que sim. — As lágrimas começaram a correr novamente. — É por isso que Alex vai para a Austrália. Nem virá para ver-me antes de ir embora.
As lágrimas aumentavam e Nathalia, nada podendo fazer, sentiu renascer sua raiva por Marius. Mas tinha de controlar-se; tentar saber de tudo antes de julgá-lo.
— Talvez você possa fazer Alex mudar de idéia. — Cathy talava normalmente agora, voz enrouquecida de tanto chorar. — Eu vou andar novamente! Sei disso. O fisioterapeuta esteve aqui esta manhã e concordou comigo. — Cathy jogou para o lado os cobertores que lhe cobriam as pernas e mostrou. — Olhe, posso movê-las!
Nathalia olhou as pernas finas, já começando a se atrofiar depois de dois meses de inatividade, mas, embora olhasse atentamente, não conseguiu ver sinal de movimento.
— Posso mexer os músculos das pernas — disse Cathy com animação. — Ponha as mãos e sinta.
Constrangida, Nathalia assim o fez e com emoção sentiu o súbito movimento de músculos sob os dedos.
— Isso é maravilhoso — murmurou — mas não deve ficar excitada demais. É apenas um começo.
— Mas é um começo. E isso que estou tentando dizer. Serei a mulher de Alex não importa o que Marius diga. Alex é o único rapaz que amei em toda a vida.
— Você nem fez dezenove anos ainda — lembrou Nathalia. — Tem a vida toda pela frente.
— Não me apaixonarei por mais ninguém, se é isso que você esta insinuando — retorquiu Cathy. — Tem que fazê-lo mudar de idéia. Alex não pode ir para a Austrália.
— Por que ele iria me ouvir?
— Porque se lhe disser que eu vou andar novamente, ele acreditará em você. Por favor, veja-o por mim — implorou Cathy. — Iria pessoalmente, se pudesse andar. — Nathalia ainda hesitava e, vendo sua relutância, a zanga de Cathy retornou.
— Está assustada pelo que Marius poderá dizer? Tem de obedecer-lhe como se não tivesse um cérebro próprio?
— Claro que não.
— Claro que sim — arremedou Cathy. — Você é tão má quanto Célia. Também está louca para ser agarrada por ele. Vocês duas são iguais. — O agressivo discurso foi o suficiente para despertar a ira de Nathalia; embora soubesse que estava reagindo ao nome de Célia como um touro diante de um pano vermelho, não conseguia evitá-lo.
Durante os dois meses seguintes, os nervos de Nathalia foram levados ao limite de resistência. Sua intenção de elaborar uma nova vida para si mesma era frustrada pelo conhecimento de que não poderia abandonar Cathy e, uma vez que seus encontros com a garota traziam Marius constantemente aos seus pensamentos, não via qualquer outra maneira de evitá-lo.
Não o vira desde que se indispuseram e, revivendo a cena, descobriu que Lyon nem se dava ao esforço de defender ou explicar seus atos. Agira simplesmente como se acreditasse nos direitos divinos de um rei; quando desejava algo, tinha de ser como queria. Bastava-lhe pensar novamente nisso para tremer de indignação. Mas, infelizmente, a raiva não conseguia sufocar o amor e, embora o odiasse, ainda sofria por ele; embora desprezasse sua pessoa, continuava o desejo ardente de sentir-se presa em seu abraço.
Ficou mais magra e mais pálida, mas isso combinava com sua figura, fazendo-a parecer uma modelo, conforme dissera Sandra Sinclair. Decidiu tirar vantagem do fato e gastou o aumento de salário que Jack Lane lhe havia dado comprando uma porção de roupas novas, todas mais sofisticadas do que as que usava geralmente e mudou também de penteado.
Apenas seus pais não se deixaram enganar pela sua aparência mudada e, embora não fizessem perguntas, a consciência de que sabiam de sua infelicidade manteve-a afastada deles, forçando-a a preencher os fins de semana solitários de outra maneira. Por esse motivo, começou a corresponder às atenções dos homens atraentes que conhecia, mas nenhum conseguiu deixá-la excitada a ponto de esquecer Marius e, voltando para o apartamento após um jantar, algumas horas dançando ou tentando reencontrar-se nos braços de outro, atirava-se na cama entregue às lágrimas, perguntando-se por quanto tempo ainda seu ardente desejo de pertencer a Lyon iria continuar.
Era loucura continuar desejando um homem que não existia. Sua imaginação havia criado para ele um caráter que lhe era estranho, transformando uma sombra em substância e era pela substância que ela sofria.
No esforço para voltar a encará-lo como sabia que era realmente, gastou horas relendo todos os recortes a seu respeito que havia nos arquivos do The Monitor. Muitas e diferentes mulheres haviam estado ligadas a ele, às vezes durante meses inteiros, outras vezes apenas algumas semanas ou poucos dias e depois eram substituídas por outro nome ou rosto famoso. Era muito revelador a respeito de sua prudência o fato de nunca haver nenhum comentário sobre algum noivado ou casamento iminente. Nada semelhante a isso em qualquer notícia sobre ele. Lado a lado com seus casos amorosos, Nathalia leu sobre os seus negócios — um golpe bem-sucedido seguindo-se a outro, fazendo-o transformar-se de magnata de província num monstro nacional. Apesar de tudo isso, Lyon permanecia sorrindo enigmaticamente, o cabelo tão espesso aos quarenta como fora aos trinta.
A imagem dele, mesmo em fotografia, sempre quebrava seu ânimo, e ela guardava os recortes na pasta, fazendo votos de nunca os ver novamente, e depois voltava inevitavelmente, ávida por ler mais a respeito de seus sucessos.
Deliberadamente, recusou-se a deixar Cathy falar a respeito do tio, e a garota, intuindo que se o fizesse poderia abalar os laços de amizade que lhe eram tão preciosos, raramente falava sobre Lyon: não obstante havia muitas ocasiões em que Nathalia vinha à casa deles, encontrando-a revoltada — fosse por algo que ele havia dito ou arranjos que houvesse feito para o seu bem-estar.
Foi através dos tradicionais mexericos de Fleet Street que soube que The Monitor estava sendo comprado pela Lyon Publications, e na segunda-feira pela manhã foi à redação para se certificar de que era novamente empregada de Marius.
— Todos os nossos empregos estão assegurados — disse-lhe Jack Lane, chamando-a à sua sala. — É provável que haja mudanças, naturalmente, mas depende de nós assegurar que elas não aconteçam na Seção de Artes e Espetáculos.
Ele hesitou e a boca de Nathalia ficou seca. Por que teria Jack mandado chamá-la? Marius havia ordenado que a demitisse? Sabendo como o detestava, não seria nenhuma surpresa se ele o tivesse feito.
— Como se sentiria em assumir novamente a coluna "Querida Jessie"? — inquiriu Jack e, vendo que estava atônita, acrescentou: — Kennedy Jones não perdeu tempo para telefonar e me perguntar. A senhora Hibberd está se afastando definitivamente e o grande chefe branco sugeriu seu nome.
Nathalia não pôde acreditar. Que o próprio Marius colocasse seu nome à frente era tão inacreditável que obrigatoriamente deveria haver uma razão lógica para isso. Poderia estar se sentindo culpado por tê-la demitido anteriormente, ou seria meramente uma maneira de mostrar-lhe quão pouco significava para ele? Certamente, a atitude indicava que Lyon não mais tinha qualquer objeção em tê-la trabalhando dentro dos limites de seu próprio edifício.
— Não recuse — aconselhou Jack. — Sei que gosta de trabalhar na geral, mas se o próprio Lyon sugeriu...
— Falarei com Kennedy antes de decidir-me — murmurou ela.
— Então vá e acerte isso depressa. E se decidir não aceitar, pense numa boa desculpa!
Meia hora depois Nathalia encontrou-se na sala de Kennedy, que a cumprimentava com a mesma ilusão que seria dedicada a uma amiga há muito perdida, enquanto lhe apresentava um contrato já preparado e mostrando excitadamente qual seria seu novo salário.
— Por que um aumento tão substancial? — perguntou ela, olhando o contrato.
— Ordens de cima, meu anjo. Houve um brilho especulativo nos olhos de Kennedy Jones — Ouvi dizer que é amiga da sobrinha dele.
— Você sabe como tudo começou — disse ela rigidamente.
— Jessie contou-me. Como é o leão em seus próprios domínios? Muito feroz?
Ela encolheu os ombros.
— Não o vejo há meses.
— Ouvi dizer que estava em boa amizade com ele, queridinha.
Ela forçou um sorriso e, despreocupadamente, caminhou até a porta, murmurando que havia várias coisas que desejava conversar com Jessie.
— Ainda não estou segura sobre assumir a coluna — avisou — portanto, não conte demais com isso.
— Será uma bobinha se não aceitar, meu amor. É uma chance única.
Nathalia riu e abraçou Jessica, imaginando onde estaria agora se ela estivesse em sua sala na noite em que Cathy viera procurá-la. Rapidamente afastou o pensamento.
— Então, finalmente vai se aposentar?
— Eu o teria feito há meses se não tivesse saído.
— Fui demitida — disse Nathalia. — Não finja que esqueceu.
— Duvido que esquecesse. Mas ao menos, Lyon está providenciando a compensação. Não deixe que o orgulho a impeça de aceitar a oferta.
— Não se trata de orgulho. — Nathalia teve relutância em dizer mais, mas sabia que teria de dizer algo. — Ainda continuo me encontrando bastante com Cathy, mas eu... eu não vejo Lyon. Tivemos umas discussões...
— Então não falemos dele. — Jessica Hibberd abriu uma gaveta da mesa e retirou uma enorme pilha de cartas. — Estes são casos interessantes que separei, entre os quais você poderia escolher alguns para examinar, já que vai assumir a página.
— Oh, Jessica — agradeceu Nathalia. — Se todas as pessoas fossem tão compreensivas como você...
Naquela noite Nathalia decidiu-se a escrever a Marius uma nota de agradecimento. Lyon lhe havia oferecido a posição porque era uma boa jornalista, e ela ia reconhecer sua atitude. Realmente, o tato de que desejava tê-la trabalhando novamente em seu próprio jornal era uma indicação clara de que não mais a encarava sob qualquer ângulo pessoal. E, no entanto, mesmo se permanecesse no The Monitor, estaria ainda trabalhando para ele, embora tivesse de admitir que a volta ao Today's News parecia colocá-la muito mais próxima a ele. Sorriu ligeiramente. Considerando que ia visitar Cathy em sua casa todas as semanas e jamais tinha sequer uma fugidia visão de Lyon, dificilmente poderia fazê-lo num prédio do tamanho do Palácio de Buckingham! Afastando os pensamentos pessoais sobre ela, escreveu uma breve nota e despachou-a. Ele havia demonstrado que conseguia colocar os negócios na frente dos desencontros pessoais e, portanto, pretendia mostrar-lhe que sabia fazer o mesmo. Considerando sua conclusão, contou tranqüilamente a Cathy sua nova posição e ficou surpresa ao descobrir que a garota já sabia de tudo.
— Marius disse que iria lhe oferecer o trabalho.
— Não sabia que estava em condições de conversar com ele!
— Ouvi-o comentando a respeito, com Célia. Estava ouvindo escondida — disse ela, ruborizando-se.
Nathalia sufocou a curiosidade de saber se Marius havia dito qualquer outra coisa a seu respeito. Cathy podia ser egocêntrica, mas poderia muito bem perceber alguma coisa, mesmo numa pergunta formulada com absoluta inocência. Lamentando-o, decidiu mudar de assunto, mas, antes que o pudesse fazer, Cathy falou novamente.
— Célia estava falando a seu respeito. Foi por isso que eu ouvi. Ela não gosta de nossa amizade, você sabe. — Os olhos escuros revelaram-se especulativos. — Talvez não seja nossa amizade que a está preocupando. Pode ser que esteja pensando que Marius...
— Seu tio e eu não somos amigos — cortou Nathalia, bruscamente.
— Marius estava terrivelmente interessado em você. Posso dizer isso por causa do modo com que ele a olhava. Conheço-o muito bem.
— Você é tão imaginativa quanto Célia... Não o vejo há meses!
— Desde que Alex foi para a Austrália... — murmurou Cathy, e seu rosto pálido, que havia ficado ainda mais magro ultimamente, fê-la parecer ter mais do que seus dezoito anos. — Eu ainda o amo, Nathalia. Afastá-lo não me fez esquecer.
— Devia tentar. Afinal, Alex foi embora porque acreditava estar fazendo o melhor por você.
— Ele foi porque Marius o obrigou a ir.
— Não adianta nada discutir isso. Você não pode mudar a situação, portanto devia acostumar-se a viver de acordo com ela.
— E quem disse que não posso mudá-la? — Cathy jogou de lado o cobertor que cobria suas pernas e as levantou, primeiro uma, depois a outra. — Quem disse que não posso mudar a situação? — repetiu ela triunfalmente. — Ainda não contei a ninguém, mas estou começando a andar.
— Desde quando? — perguntou Nathalia.
— Há mais de uma semana. A senhorita Evans desejava contar a Marius, mas fiz com que jurasse manter segredo. Ela pensa que desejo esperar até poder surpreendê-lo correndo pela escada abaixo para abraçá-lo.
— E não fará isso? — perguntou Nathalia, já sabendo que resposta receberia.
— Não! — protestou Cathy. — No momento em que puder me equilibrar nos meus próprios pés vou ao encontro de Alex. Daqui a um mês, dois no máximo, estaremos juntos.
— Escreveu para ele contando?
— Não. Se ele soubesse que tenho o seu endereço, poderia deixar Sydney. Vou esperar até que seus próprios olhos lhe mostrem que não sou nenhuma inválida e que não vamos precisar do dinheiro de Marius para que eu volte a ficar boa.
Nathalia ficou na dúvida se deveria tentar dissuadir Cathy de seus planos. Não que a garota fosse lhe dar ouvidos nessa sua disposição. Observou Cathy enquanto ela voltava a cobrir as pernas com o cobertor. Não havia dúvida de que a sua vontade de estar com Alex espicaçara-a a ponto de fazê-la se empenhar num esforço maior para seguir todas as instruções do fisioterapeuta. Fosse o que fosse o que Marius dissesse sobre Alex, não seria capaz de negar isso.
— Não vai contar a Marius que já sou capaz de caminhar, vai? — perguntou Cathy ansiosamente.
— Sabe que não. Creio que deveria contar-lhe pessoalmente.
— Não! Jamais!
Uma voz rouca fez com que elas se voltassem para ver Célia entrando na sala de estar. Como sempre, estava vestida de modo elegante, com um casaco de marta combinando com a cor de seus cabelos.
— Por que está sendo tão radical, Cathy? — perguntou ela.
— Não é da sua conta.
A cor invadiu-lhe a pele opaca.
— Exatamente quando começo a pensar que está ficando adulta, você age como criança.
— E não é isso que deseja? Enquanto continuo sendo um bebê, pode forçar Marius a lhe oferecer um lar. Deveria sair e procurar um emprego, Célia — disse Cathy rudemente. — Viver essa vida de luxo esta fazendo com que você engorde.
Célia ignorou o comentário e olhou para Nathalia com comiseração.
— Não consigo entender como suporta vir aqui.
— Gostaria que Nathalia ficasse longe, não é? — disse Cathy, furiosa. — Mas isso não iria ajudá-la a apanhar Marius mais rapidamente. Ele jamais se casará com você!
— Não esteja tão certa disso.
Houve uma batida na porta e o mordomo entrou para dizer que o carro estava pronto.
— Obrigada — disse Célia, tão imponente quanto uma rainha. — Vou sair por um momento.
— Onde vai? — perguntou Cathy.
— Marius está oferecendo um jantar aos diretores do The Monitor e vou desempenhar o papel de anfitriã. Percebe o que quero dizer sobre não ficar tão certa? Só porque você não quer que algo aconteça, isto não quer dizer que possa evitá-lo. — Dirigiu-se à porta e deteve-se para olhar outra vez para Nathalia. — Algum tempo atrás tive a esperança de que você ajudasse minha enteada a se tornar mais madura, mas me parece uma causa perdida! — Fechou a porta atrás de si.
— Estúpida! — murmurou Cathy.
— Você está agindo da mesma maneira... — disse Nathalia conciliadora.
— Eu pensei que não gostasse dela...
— Não gosto, mas isso não significa que você tenha o direito de ser rude gratuitamente.
A cadeira de rodas moveu-se com inquietação sobre o carpete.
— Marius não pode ser estúpido a ponto de se apaixonar por ela.
— Célia é elegante e atraente — forçou-se a dizer Nathalia.
— Gelada e dura, isso sim.
— Da mesma maneira que muitas das outras mulheres que ele conheceu...
— Que conheceu, sim... — repetiu Cathy — mas jamais pediu alguma em casamento.
— Como sabe disso?
— Uma vez ele me contou. Disse que nunca pediu a nenhuma mulher para se casar com ele.
Nathalia tentou não reter essas palavras, pois estas o traziam tão vividamente ao seu cérebro que se transformavam em dor física.
— Por que está franzindo o rosto assim? — perguntou Cathy.
— Estou tentando visualizar seu tio casado — disse Nathalia sem fugir à pergunta. — Se você realmente não gosta de Célia, deveria ficar satisfeita se ele casasse com ela.
— Porquê?
— Porque vai fazer de sua vida um inferno. É autocrático, dominador e...
— Não seja idiota — cortou Cathy. — Marius será um marido maravilhoso.
— Desde que sua esposa aceite ser uma escrava!
— Você não pode acreditar nisso! Marius pode ser duro na superfície, mas é feito de creme por dentro.
— Tem certeza de que estamos falando da mesma pessoa? — perguntou Nathalia, mantendo a calma, num esforço para disfarçar suas emoções. — Devo supor que está se referindo ao mesmo homem que estava atacando alguns momentos atrás?
— Eu apenas odeio Marius quando se trata de Alex — confessou Cathy, desviando a cadeira para o lado oposto da sala. Esta parou ao lado da mesa e, agarrando-se a um canto dela, ela começou a levantar-se.
Com o coração batendo forte, Nathalia observou como Cathy se erguia lentamente. Uma perna fina moveu-se para diante sobre o piso, seguida após um instante pela outra; depois ambas começaram a mover-se para diante, em passos incertos e arrastados.
— Veja — disse Cathy triunfante. — Já consigo caminhar.
As lágrimas encheram os olhos de Nathalia, e ela correu para a frente, abraçando a garota.
— Tenha cuidado — pediu. — Não faça nenhuma tolice.
— Sei exatamente o que estou fazendo. Todos os meus planos estão traçados.
Nathalia afastou-se.
— Não quer me contar? — perguntou cuidadosamente.
— Ainda não. Espere até que eu possa caminhar de verdade. Então descobrirá.
Quando Nathalia viu Cathy novamente, não foi feita nenhuma referência à sua saúde, e relutante em começar uma conversação que inevitavelmente levaria a Marius e Alex, Nathalia manteve a palestra centralizada em seu próprio trabalho. Felizmente este lhe proporcionava bastante assunto. A coluna "Querida Jessie" era agora chamada "Bate-Papo" e Nathalia fora convidada para realizar palestras em escolas, associações femininas e até em shows femininos na televisão. Várias vezes descobrira que a sua aparência jovem e glamourosa causava surpresa, mas uma vez que começava a falar geralmente com base em notas bem preparadas — era capaz de impor respeito, e, quando já havia participado de uma dúzia de palestras bem sucedidas, a confiança, que a princípio fingira ter, tornou-se real.
Seu receio inicial de que poderia encontrar Marius casualmente na redação havia desaparecido, e não olhava mais com apreensão ao redor quando passava pelo hall de recepção para tomar o elevador, ou pelos longos corredores quando ia de uma sala para outra.
Apenas nas proximidades do Natal, Lyon voltou novamente a ocupar seus pensamentos, pois sempre dava uma festa para os redatores-chefes e, como ela previra, recebeu um convite também. Sabendo que causaria comentários caso não fosse, ficou na dúvida se deveria faltar alguns dias antes da festa e fingir que estivera gripada. Seria uma maneira fácil de se esquivar, mas cheirava a covardia e, determinada a testar a si mesma e provar que havia conseguido superar o sofrimento, devolveu o cartão de convite com resposta afirmativa.
— Essas festinhas geralmente terminam à meia-noite — informou-lhe Robin Summers enquanto almoçavam, alguns dias antes da festa. Era o editor de noticiário do jornal: o homem mais jovem a ocupar tal cargo. Nathalia o conhecera ao voltar ao Today's News e haviam imediatamente se tornado amigos. Mais tarde Robin havia demonstrado que estava disposto a assumir mais seriamente esse relacionamento, mas como Nathalia não respondesse à sugestão, não fez mais nenhuma pressão. Era bom ter um caso com alguém que ocupasse um cargo que absorvesse uma parcela tão grande de suas energias, deixando assim pouca disposição ou tempo para a caça. O pensamento fê-la sorrir, embora não o notasse até que ele comentou a respeito.
— Incomoda-se em contar a piada, Jessie? — Era a sua maneira favorita de chamá-la e que usava sempre que desejava provocá-la.
— Estava pensando na sorte que tenho por conhecê-lo.
— Pois eu gostaria de conhecê-la um pouco mais. Continua determinada a dedicar-se inteiramente à carreira?
— Viaja mais rápido quem viaja sozinho!
— Pois eu acho que os viajantes ainda poderiam juntar forças para um ocasional fim de semana.
— Pergunte-me novamente daqui a seis meses, se não tiver encontrado outra viajante até então...
— Não vou encontrar ninguém mais. — Robin inclinou-se sobre a mesa, o rosto magro e enigmático. — Não se esqueça de que vai à festa comigo. A que horas devo apanhá-la?
— O mais tarde possível. Se Robin ficou surpreso com a resposta, não o demonstrou, embora Nathalia imediatamente se criticasse por ter falado, pois seria impossível explicar que desejava chegar quando a festa já estivesse em pleno andamento, o que diminuiria o risco de Marius falar com ela durante suas perambulações pelo salão.
Robin não esqueceu de sua resposta e, na noite da festa, não a chamou antes das oito. A expressão de seu rosto quando lhe abriu a porta demonstrou eloqüentemente que o dinheiro que havia gasto em seu vestido fora bem aproveitado e uma agradável sensação de autoconfiança rodeou-a como um escudo quando desceu com ele até o pequeno carro esporte vermelho.
Chegando ao salão de banquetes do Savoy, o coração de Nathalia batia com tanta força que nem ouvia o que seu acompanhante falava quando recebeu uma taça de champanhe das mãos de Robin fingindo estar alegre. Ninguém lhe notou nada de estranho enquanto se movia de um grupo para outro.
Nervosa demais para concentrar-se e procurar seu lugar à mesa, deixou que Robin o fizesse, e ficou observando-o enquanto ele percorria a lista de convidados. Era um rapaz bonito, pensou involuntariamente, quase como uma edição mais velha de Alex, embora com uma constituição mais forte. O cabelo tinha o mesmo tom de loiro e ambos tinham os mesmos modos descontraídos.
— Estamos bem próximos da mesa principal — disse ele —, a uma distância mínima de Sua Alteza, o patrão.
A taça tremeu em sua mão e um pouco de champanhe derramou-se.
— Tome cuidado — disse Robin, aparando-lhe a mão.
— Meus dedos escorregaram — justificou-se Nathalia. — Melhor não beber mais nada com o estômago vazio.
O olhar dele era inquiridor, mas não fez nenhum comentário e ela sentiu-se agradecida. Robin sabia que era amiga de Cathy e que ia todas as semanas à casa de Marius, embora jamais lhe tivesse perguntado algo a respeito, ou mesmo comentado sobre os murmúrios a respeito de sua volta ao Today 's News.
— Não se volte agora — sussurrou Robin — ou irá pisar a cauda do leão.
Nathalia ficou rígida como um cadáver, mas não houve mudança de expressão em seu rosto.
— Alô, Robin — disse uma voz profunda. — Foi uma matéria excelente a que você escreveu para o jornal de ontem. Havia pensado em ligar para cumprimentá-lo, mas sabia que iria vê-lo esta noite.
— Fico contente de que tenha gostado. — Robin recebeu o cumprimento sem se alterar e, ainda senhor de si mesmo, tratou de assumir o comando sobre Nathalia. Sua mão, amparando-lhe o cotovelo, era quente e firme quando fê-la virar-se, suavemente mas com firmeza, para encarar Marius.
Os olhos de Nathalia focalizaram uma larga extensão de camisa, depois, sem outra saída, subiram, indo deter-se na boca larga e fina.
— Boa noite, Nathalia — disse Marius. — Que tal estar de volta ao Today's News?
— Um jornal é sempre muito semelhante a outro. — Essa voz seria a sua, perguntou ela a si mesma, esse fiozinho trêmulo e inseguro?
— Então a tinta de impressão não pode estar correndo em suas veias — replicou ele. — O jornalista verdadeiro vai até o fim do mundo pelo jornal em que trabalha!
— Talvez as mulheres levem mais tempo para desenvolver essa lealdade. — Nathalia maravilhou-se diante de sua habilidade em replicar com inteligência, mas deu um suspiro de alívio quando dois outros homens vieram juntar-se ao grupo.
Um começou a conversar com Robin e o outro com Marius, deixando-a livre com seus próprios pensamentos. Ela os manteve presos como um animal na defensiva mas, de repente, deu-se conta de que Marius não estava mais falando com ninguém e havia vindo parar a seu lado.
— Como vai? — perguntou ele, tão baixo que apenas ela pôde ouvir.
— Trabalhando bastante. — Ela olhou para o colarinho branquíssimo que lhe rodeava o pescoço.
— Continua vindo à minha casa... — Era uma afirmação não uma pergunta.
— Não me ordenou que não o fizesse.
A mandíbula de Lyon endureceu, mas quando falou não havia zanga em sua voz.
— Com tempo suficiente, Cathy acabará por esquecer Alex.
Nathalia não respondeu e Marius também ficou em silêncio. Ela olhou para Robin e viu que ele ainda estava conversando. Desesperadamente, imaginou se poderia correr para a toalete, mas decidiu em lugar disso manter sua posição. Respirou profundamente e percebeu que Marius estava inclinando a cabeça e sentiu que olhava para seus seios.
— Está com uma aparência particularmente adorável esta noite — disse ele tranqüilamente.
Apenas então ela levantou os olhos para os dele. Foi um choque olhar dentro dos mesmos e ver-se refletida, e Nathalia sentiu-se como se estivesse mergulhando em suas profundezas. Com esforço afastou os olhos dos dele.
— Está sendo mais polido agora do que quando nos vimos pela última vez — disse friamente.
— Eu estava zangado com você.
— E agora?
— O tempo cura todos os males.
— Quer dizer que me desculpou?
— Compreendo apenas por que estava zangado. Foi ingenuidade esperar que me compreendesse, há uma geração entre nós.
Sobre o ombro ela viu Célia aproximando-se dele. A fúria percorreu-a, fazendo-a agredir Marius:
— Vejo que minha mãe está se aproximando.
Os olhos dele se apertaram.
— Sua mãe?
— Bem, poderia ser — disse Nathalia docemente. — Ela é da mesma geração que você!
Desta vez o chiado de sua respiração foi audível e ele girou quando Célia chegou a seu lado.
— Alô, Nathalia! Não estava certa de que fosse você. Parece tão sofisticada, não é verdade, querido? — perguntou a Marius, que olhou outra vez para Nathalia.
— Não se deixe levar pelas aparências — replicou ele. — Ela é tão criança quanto Cathy.
Outra vez Nathalia olhou para Robin e, como se tivesse consciência de seu embaraço, ele se aproximou e colocou o braço ao redor de sua cintura, ao mesmo tempo estendendo a mão a Célia, a quem encontrava pela primeira vez.
— Marius falou-me de sua inteligência — disse Célia com muito charme —, ou não é diplomático da minha parte dizer-lhe isto?
— É sempre diplomático dizer coisas simpáticas às pessoas — sorriu Robin. — E para isso que existem essas reuniões: tapinhas mútuos nas costas e garras bem retraidinhas!
— Creio que é tempo de irmos trocar uns tapinhas nas costas de outras pessoas. — A voz de Marius parecia preguiçosamente divertida quando colocou a mão no braço de Célia e partiu na direção de outro grupo.
— Isso nos deixa livres pelo resto da noite — murmurou Robin. — Agora podemos nos divertir.
Nathalia desejou endossar o comentário, sabia que havia cometido um erro em ter esperanças de atravessar incólume por essa experiência. Que tola havia sido, imaginando que ver Marius outra vez iria ajudá-la a convencer-se de que não o amava realmente. Seu primeiro vislumbre havia lhe revelado a estupidez de tal esperança; gostasse ou não, Marius Lyon seria sempre uma parte de sua vida, uma parte não satisfeita, destinada a permanecer para sempre como um oásis de desolação. Não conseguia evitar que seus olhos o procurassem — não que tivesse que procurar muito, sua cabeça e ombros estavam sempre mais altos do que os dos outros. Sob a luz do candelabro, o seu cabelo grisalho parecia mais prateado e, quando Lyon se voltou e olhou momentaneamente em sua direção, Nathalia soube que a memória não a havia enganado. Ele estava mais grisalho, o cabelo das têmporas quase branco. Deliberadamente, afastou os olhos e dirigiu a Robin um sorriso tão largo que este respondeu, puxando-a para si.
— Vamos para a nossa mesa — sugeriu.
Ela acompanhou-o. Outras pessoas já faziam o mesmo, e dentro de poucos momentos Marius e outros diretores sentaram-se na mesa principal. Por uma desafortunada coincidência estava sentado num ponto quase oposto a ela e bastava-lhe erguer os olhos do prato para encará-lo diretamente. Da primeira vez que fez assim, seus olhares se encontraram e, dali por diante Nathalia teve o cuidado de não olhar em sua direção, focalizando a atenção em Robin e no jantar. Finalmente a refeição terminou, os discursos foram feitos e, depois, todos começaram a dançar. Marius e Célia ocuparam a pista em primeiro lugar. Seguidos quase que imediatamente pelos demais diretores e suas esposas.
— Suponho que seja a cunhada — murmurou Robin ao ouvido de Nathalia, quando também começaram a dançar.
— Sim. É a madrasta de Cathy.
— E futura tia, não lhe parece?
— Poderia muito bem ser. — Nathalia aninhou-se contra Robin, desejando conseguir pensar apenas nele.
Ele correspondeu encostando a face à dela; fechando os olhos, Nathalia sentiu como se houvesse outros braços ao seu redor. A música parou, houve aplausos polidos, então o ritmo mudou, tornando-se mais lento. Robin aproximou-se para tirá-la novamente, mas um braço interceptou seu caminho e, com um sentimento próximo ao desespero, Nathalia soube o que iria acontecer.
— Prerrogativas de proprietário — disse Marius tranqüilamente e saiu dançando com Nathalia.
— Não queria dançar com você — disse ela em voz arrastada.
— Prefiro as mulheres difíceis. Ou não gosta de lembrar da última vez em que a tive nos braços? — Zangada pela crueldade, Nathalia recusou-se a mostrar o quanto ele a estava ferindo.
— É perda de tempo relembrar coisas que terminaram.
— Não creio que já terminamos. Aliás, lamento-o freqüentemente. — Ele a fez rodopiar. — E você não?
— Poderia ser uma boa história para os meus filhos — retorquiu ela. — É sempre simpático vangloriar-se de ter tido um caso com o patrão.
— Não é tão tarde, ainda está em tempo...
Ela afastou-se de seus braços e ergueu a cabeça para olhá-lo; sua boca estava formando uma linha rígida e havia algo maldoso em seus olhos.
— Por que está tentando ferir-me, Marius?
Os olhos dele percorreram toda a sua figura como se estivessem despindo e ela sentiu o corpo inteiro se aquecendo sob a intensidade de seu olhar. Na sala apinhada, com suas luzes fortes e música alta, ainda assim pareceu-lhe estar em um mundo feito só para os dois.
— Mulheres bonitas e jovens sempre me provocam — disse ele. — Particularmente se ainda permanecem num desafio.
— Teria sido de alguma ajuda se tivesse me possuído? — perguntou ela num tom amargo.
— Isto é uma oferta?
Ela suspirou com um estremecimento, e nesse instante Robin passou dançando com Célia.
— Certamente que não — respondeu, em tom aparentemente despreocupado. — Estou noiva de Robin.
Não houve mudança no rosto de Marius, embora ela sentisse o tremor de suas mãos e notasse que o havia apanhado de surpresa.
— Ele é um homem de sorte.
— Eu também tenho sorte. Robin é exatamente a pessoa que tenho procurado. — Estava tagarelando sem prestar atenção, dizendo qualquer coisa que viesse à sua cabeça. — Provavelmente vai querer que eu pare de trabalhar, de modo que vai ter de achar outra pessoa para cuidar da coluna de conselhos.
— Não posso imaginá-la como dona-de-casa.
— Eu desejo ter filhos — explicou ela em voz clara. — Muitos filhos. Deveria casar-se também, Marius. Acabará por ficar velho demais.
Os olhos dele cintilaram.
— É a idade da mãe o que importa, e Célia tem apenas 33 anos... Nathalia cambaleou, sentindo-se invadida por uma tontura.
— E quando será?
— Ê sobre isso que gostaria de falar com você.
Desta vez ela parou de dançar, apenas recomeçando quando ele a puxou para si.
— O que isso tem a ver comigo? — murmurou.
— Desejo que Cathy faça um cruzeiro marítimo. Ela tem constantes rusgas com Célia e, quanto antes estiverem separadas, melhor.
— Devo supor que pretende casar-se enquanto Cathy estiver fora.
— Sim — disse ele em voz baixa —, mas gostaria que não falasse disso a ninguém.
— Nem mesmo a Cathy?
— A ninguém.
Lyon a guiou para a margem da pista. Várias pessoas afastaram-se de modo respeitoso, abrindo-lhes caminho. Foram deixados a sós, meio ocultos por uma alta planta verde.
— Cathy precisa mudar de ares — continuou ele. — Reservei uma suíte no Tanberg Castle para uma excursão à África do Sul. Levará cerca de seis semanas. Esperava que pudesse ir com ela.
— Eu?
— Não sabia que estava noiva de Robin, mas estou certo de que ele poderá arranjar-se sem você por um curto período de tempo.
— Não — disse ela rapidamente. — Ele não iria gostar disso de modo algum.
— Falarei com ele.
— Não — disse ela novamente. — Não se trata apenas disso. Eu é que não desejo ir.
Lyon ficou em silêncio por um momento.
— Cathy precisa de você — disse finalmente. — Ela não irá se você não for.
— Não posso viver minha vida em função de Cathy. E não é honesto de sua parte esperar que o faça.
Seus olhos umedeceram e, notando-o, Lyon baixou a cabeça em sua direção.
— Por que ficou tão abatida? Gosta de Cathy, não gosta? Por que se recusa a ir com ela, uma vez que Robin não se opõe?
Nathalia fechou os olhos, imaginando o que ele diria se lhe contasse que o verdadeiro motivo pelo qual tinha objeções à viagem era o conhecimento de que, enquanto estivesse fora com Cathy, ele estaria se casando com outra mulher.
— Tenho minha própria vida para viver — disse com voz rouca.
— Tem certeza de que não pode dispor de seis semanas?
— E o que acontecerá quando Cathy voltar? Devo continuar dando-lhe assistência se necessitar de mim?
— Ela não terá necessidade de você, exceto como uma amiga normal. Cathy está começando a sentir novamente as pernas. Em questão de alguns meses estará andando. — Notando que os olhos de Nathalia se alargavam, deu um sorriso.
— Cathy não é muito boa para manter segredo. Pensa que não sei... — Ele deu um profundo suspiro. — Vocês duas tratam-me como um tolo.
— Eu não — começou ela, depois parou, sabendo que ele tinha razão parcialmente. — Cathy deseja surpreendê-lo — disse ela desajeitadamente, sentindo-se terrivelmente culpada quando viu o súbito alívio em seu rosto.
— Foi por isso então que não me contou?
— Sim. Ela... deseja esperar até que possa descer as escadas sozinha para abraçá-lo.
Foi como se um peso tivesse sido tirado de sua consciência; ele lançou a cabeça para trás e riu.
— Deveria ter adivinhado. A mente feminina trabalha de modo muito estranho... — hesitou. — Sobre o cruzeiro... espero que pense a respeito.
— Pensarei, mas não estou fazendo nenhuma promessa. — No salão, a música parou e, com alívio, viu Robin vindo em sua direção. — Querido! — Gritou e estendeu as mãos para ele, consciente de que Marius a observava enquanto ia se aninhar nos braços de Robin.
— Você tinha a cara de quem desejava ser resgatada — murmurou este, depois.
— Eu estava tão obviamente abatida?
— Não mais do que Célia Lyon — sorriu ele —, ela estava tão ansiosa em voltar para o Grande-Chefe como você para deixá-lo.
A desolação sufocou Nathalia, e foi presa de uma momentânea depressão, que parecia paralisá-la.
— Vamos embora. Estou cansada desta festa.
— Tem certeza de que é da festa?
— Vou buscar meu casaco — disse ela, voltando-se.
Somente quando estava sentada ao lado de Robin, no carro, foi que conseguiu respirar mais facilmente e, enquanto corriam ao longo do Embankment, ela baixou o vidro e saboreou o ar frio da noite.
— Está apaixonada por Marius Lyon, não é? — inquiriu Robin, tão prosaicamente como se estivesse discutindo o tempo. — Sempre suspeitei, mas esta noite tive certeza.
Nathalia olhou seu perfil e, aborrecida por todos os subterfúgios que vinha usando, soube que chegara a vez de ser verdadeira.
— Sim, estou.
— Pobre querida. A mão de Robin acariciou a sua. — Há alguma coisa que eu possa fazer para ajudá-la?
— Ninguém pode ajudar-me — disse ela, com ênfase. — Conseguirei passar por cima disso com o tempo. — Deixou escapar meio sorriso. — Marius disse uma vez que uso clichês demais. É verdade. Creio que sim, mas somente consigo pensar em um clichê no momento.
— Como o tempo cura todas as feridas? — perguntou Robin. — É verdade, meu anjo, é verdade.
CAPÍTULO IX
Ver Marius novamente serviu para reviver todo o amor de Nathalia por ele, e uma noite insone sucedeu-se a outra, fazendo com que se tornasse cada vez mais magra e pálida.
— Se você perder mais algum peso, acabará desaparecendo —, disse Robin uma noite, quando veio à sua sala para convidá-la para jantar. — Talvez devesse participar daquele cruzeiro, afinal. Lyon concordará em deixar que outra pessoa cuide da coluna e...
— Se fosse apenas o cruzeiro! — gemeu ela, e explodiu em lágrimas.
— Ei, por que isso tudo? — Robin abraçou-a e afagou-lhe a cabeça. — Diga-me, Nathalia, será bom para você desabafar um pouco.
Ela hesitou, relutante em exibir Marius sob uma luz desagradável e também não desejando atrapalhar os planos de Cathy.
— Diga-me — insistiu Robin. — Editores de notícias sempre conseguem a história no final.
Ela dirigiu-lhe um sorriso e afastou-se dele. Sentiu que a observava enquanto limpava as lágrimas, mas Robin não fez nenhum esforço para encorajá-la a confiar nele. O silêncio foi ligeiramente reconfortante e, olhando para seu rosto, sério e cheio de preocupação por? ela, decidiu seguir seu conselho e confiar-lhe seus pesares. Ele não poderia mudar a situação, mas ao menos contar-lhe a história iria fazer com que tivesse a impressão de ter um aliado. Com a voz entrecortada, começou a falar, e uma vez que começou, as palavras fluíam livremente.
— Cathy não tem intenção de ir à África. Planejou deixar o navio em Le Havre e voar para a Austrália. É onde encontrará Alex, o rapaz com o qual ela quer se casar. — Precisamente até onde foi possível, Nathalia contou a Robin sobre a fuga anterior de Cathy, seu acidente e sobre a ameaça que Marius havia usado para fazer Ale sair da Inglaterra.
— Lyon disse que iria parar de custear o tratamento de Cathy se Alex não fosse embora. Foi por isso que Marius e eu brigamos.
— Que ameaça mais desprezível!... — sussurrou Robin. — Te certeza de que fez isso?
— Nunca o negou. Era a única maneira de dobrar Alex. Mas agora que Cathy é capaz de andar, vai atrás dele.
— Marius não suspeita de nada?
— Ele pensa que Cathy está simplesmente começando a readquirir o uso das pernas. Não tem idéia de que ela está quase inteiramente boa. Robin segurou o lábio inferior.
— E está fazendo que você participe de todo o esquema?
— Que mais posso fazer? Marius insiste que eu vá com ela nesse cruzeiro e se eu lhe contar o que ela está planejando, Cathy jamais voltará a me olhar na cara.
— Isso iria preocupá-la?
— Não realmente — disse Nathalia honestamente —, mas eu não posso traí-la.
— Lyon poderia considerar que você está sendo desleal com ele se não o fizer.
— Ele não merece qualquer lealdade. Eu odeio Marius pelo que fez.
— Odiá-lo é uma coisa, estar em conivência com Cathy é outra.
— Que mais posso fazer?
— Não estou certo... por que não vamos até lá juntos esta noite? — Notando a hesitação de Nathalia, acrescentou: — Você tem hora de visita com ela?
— Claro que não. Mas sempre vou em dias específicos e Marius sabe disso, dessa maneira nós não nos encontramos.
— Bem, por uma vez, corra o risco — insistiu Robin —, afinal de contas, estarei com você.
— Muito bem... — Nathalia sorriu. — Estou me sentindo muito melhor agora que lhe contei toda a história. Gostaria de ter tido a lembrança de fazê-lo antes.
— Eu também. Talvez ajudasse você a não parecer um esqueleto.
— Estou com a aparência tão má?
— Um esqueleto muito sexy — corrigiu ele. — A magreza realça os seus seios.
— Pare com isso! — exigiu ela, repentinamente feliz demais para sentir embaraço, e agarrou-sé ao braço de Robin enquanto deixavam a redação.
Foi apenas quando já estavam se dirigindo a Belgravia, depois do jantar, que ela perguntou a Robin se ele tinha algum plano em mente em relação a Cathy.
— Penso dizer-lhe que sei o que ela pretende fazer, e fingir que estou a seu lado — disse ele.
— E depois?
— Não sei. De uma coisa eu tenho certeza, entretanto. Que Lyon não procedeu da maneira que você contou. Se ele acreditasse que sua sobrinha estava tremendamente apaixonada por esse Alex, jamais faria qualquer coisa para feri-la.
— É um homem dominador e tudo tem de ser feito a seu modo — disse Nathalia rigidamente.
— Um homem emocional e obstinado — corrigiu Robin —, mas é também gentil, — Robin estacionou o carro diante da casa branca de esquina e seguiu Nathalia pelas escadarias.
Ela havia telefonado para avisar que vinha e Cathy, ainda em sua cadeira de rodas, estava esperando na sala de estar para recebê-los. Observando-a no papel de anfitriã, Nathalia ficou surpresa com o charme que a garota sabia demonstrar; dando-lhe mais algum tempo para amadurecer, iria se tornar uma mulher de personalidade.
Robin parecia pensar assim também, pois dentro de alguns minutos ele e Cathy estavam conversando como se se conhecessem havia anos. Ele começou a falar sobre Alex, dizendo que era também entusiasta das corridas, e que havia visto Alex várias vezes em Brands Hatch. Isso tornou Cathy mais expansiva com ele e, quando Robin e Nathalia se levantaram para partir, Cathy pediu-lhe para vir visitá-la novamente.
— É uma garota muito meiga — comentou Robin quando deixaram a casa e partiram.
— Então talvez possa entender agora por que não posso contar a Marius o que ela planeja fazer. Eu iria me sentir muito mal se falhasse com ela.
Ele concordou.
— É uma pena que eu não possa ver esse Alex, e conversar com ele. Então poderia ter alguma idéia do motivo por que Lyon não gosta dele.
— Eu lhe disse o motivo. Lyon pensa que Alex está apenas atrás do dinheiro de Cathy.
— E você?
— Já não sei mais nada. Eu provavelmente lhe daria o benefício da dúvida; coisa que Marius não faria, naturalmente.
— Lyon é um hábil homem de negócios. — Robin mudou a marcha. — Isso não significa entretanto que ele seja infalível. Talvez fosse uma boa idéia se eu...
Ele ficou em silêncio e rodaram por vários quilômetros sem que ninguém falasse.
Finalmente Nathalia quebrou o silêncio.
— Tem algum plano em mente? — disse a Robin. — Afinal era por isso que desejava conhecer Cathy.
— Algo está começando a se formar — murmurou ele —, mas gostaria de deixar a idéia fermentar por algum tempo. Incomoda-se se não lhe responder no momento?
— De modo algum. Desde que prometa não contar a Marius o que está acontecendo.
— Também não sou nenhum traidor — sorriu ele.
Durante a quinzena seguinte Robin acompanhou-a todas as vezes em que foi visitar Cathy e, na quarta ocasião, Nathalia sentiu definitivamente que estava sobrando, pois os dois não fizeram qualquer tentativa de incluí-la na conversa, e logo estavam profundamente empenhados na discussão sobre poesia e literatura.
Cathy estava usando um penteado diferente, as longas mechas escuras afastadas do rosto, formando uma trança francesa. Esta realçava as linhas puras de seu rosto, fazia-a parecer mais madura, embora, ao mesmo tempo, mais vulnerável. Estava usando um vestido longo também. E não estava mais com o cobertor sobre as pernas. Observando os dois, Nathalia ficou surpreendida pela rápida afinidade que se havia desenvolvido entre eles, e desejou ter tido a inspiração de trazer Robin antes. Talvez se o tivesse feito, Cathy não estivesse agora fazendo planos para ir à Austrália.
Uma súbita corrente de ar fê-la voltar-se, o coração subindo-lhe à garganta, mas a inquietação diminuiu quando viu que era Célia. No primeiro instante, a mulher olhou para Robin sem reconhecê-lo, depois lembrou-se e, cumprimentando-o com calor inesperado, foi sentar-se perto de Nathalia.
— É seu noivo? — perguntou despreocupadamente.
Nathalia concordou. Estava mentindo com relutância, embora, diante do que havia dito a Marius na noite da festa, não pudesse dizer a verdade.
— Os ventos nupciais parecem estar rondando — comentou Célia.
— Eu sei. Gostaria de... de cumprimentá-la. Marius contou-me sobre a decisão. Naturalmente, pediu-me para não dizer nada a Cathy.
— Percebo. — As pesadas pálpebras de Célia, de longos cílios, baixaram, ocultando seus olhos. — Quando lhe contou?
— Durante a festa.
— Deve ter ficado arrasada.
— Por que deveria?
— Por que sei como se sente a respeito dele. — Havia compaixão em seu rosto. — Você deixou tudo muito óbvio.
Com as faces ardendo, Nathalia voltou-se para o outro lado. Que Célia não gostasse dela era suportável; mas merecer sua pena era uma idéia inconcebível.
— Simplesmente por estar apaixonada por Marius — respondeu ela friamente —, não deveria crer que todas as mulheres o desejam.
— Não é o seu caso, naturalmente... Não é preciso fingir comigo.
Nathalia lutou para manter o autocontrole, e o orgulho ajudou-a a vencer a batalha.
— Marius é um homem atraente e importante. Não seria surpresa se eu ficasse lisonjeada pela sua atenção, mas nunca pensei nele em termos de qualquer compromisso. — Forçou-se a sorrir. — De qualquer maneira, é muito velho para mim.
— Já que insiste... — A resposta tinha um toque de descrédito, e Célia levantou-se e saiu da sala.
Agitada demais para ficar onde estava, Nathalia levantou-se também.
— Vou tomar um pouco de ar — explicou e, ao notar que Robin e Cathy nem sequer haviam ouvido, saiu de sala, quase correndo. Abrindo a porta dianteira, parou na escadaria, sentindo o ar frio sobre a pele. Da rua vinha o brilho de faróis e o ruído de motores, enquanto à distância ouvia-se o som de um carrilhão. Mais alguns carros passaram rapidamente e então um deles veio estacionar diante; da casa.
Trêmula, reconheceu o Rolls de Marius, e viu-o descendo do automóvel. Havia nele um ar de cansaço que não tinha visto desde a noite em que ele voltara da Austrália. Tampouco parecia feliz; ninguém podia pensar que estivesse se preparando para o casamento. Talvez seu cansaço viesse da sobrecarga de trabalho, em virtude de seus esforços para arranjar as coisas de tal modo que pudesse desfrutar de uma longa lua-de-mel. Irritada com seus pensamentos, pois não lhe importava o que Lyon iria fazer com sua vida, tratou de voltar para dentro da casa, mas ele a havia visto e a interceptou.
— Não costuma visitar Cathy às sextas-feiras. Há algo errado?
— Não. Mas Robin desejava vê-la e esta era sua única noite livre.
— Quer dizer que ele está aqui com você?
— Naturalmente. — Nathalia ficou muito satisfeita em poder dar-lhe esta resposta. — Onde mais poderia estar?
— Chegou a algum acordo com ele a respeito do cruzeiro?
Fazendo que sim com a cabeça, ela entrou para o hall. Marius tirou o casaco e deixou-o cair sobre uma poltrona.
— Em que sala estão? Nathalia indicou a pequena sala de estar, e, com uma rápida inclinação de cabeça, Lyon passou por ela e entrou na sala.
Piscando para afastar as lágrimas, Nathalia voltou à companhia de Cathy e Robin, desejando ter tido o bom senso de não ter saído dali.
— É uma pena que não possa vir à Austrália conosco — estava dizendo Cathy quando Nathalia entrou. — Iríamos formar um grupo maravilhoso.
— Não creio que Nathalia consiga imaginar-se cortejada por Alex — provocou Robin.
Cathy encarou-o e enrubesceu.
— Sabe que não quis dizer isso. Honestamente, Robin, eu...
— Você não tem sido honesta faz anos — continuou ele a provocar. — Você já nasceu mentindo, mesmo para si própria.
— Que coisa horrível para dizer. — O temperamento de Cathy, sempre a ponto de explodir, ferveu.
— Vou trocar a palavra mentindo por representando — disse Robin, tranqüilamente. — Você adora dramatizar as coisas, e as pessoas levam-na a sério.
— Quanto cobra por sessão de análise? — perguntou Cathy, asperamente.
— Um beijo — replicou ele e, inclinando-se, beijou-a.
Quando se endireitou, Cathy dirigiu a Nathalia um olhar interrogativo.
— Não se preocupe comigo — sorriu esta. — Robin e eu somos apenas bons amigos e não passa disso! Pode se considerar mais do que bem-vinda para ele.
— Eu amo Alex! — disse Cathy furiosamente, fuzilando a ambos com um olhar. — Se acham que é divertido brincar comigo...
— É mais que divertido — interrompeu Robin —, é revigorante! Vamos ver se um segundo beijo é tão gostoso quanto o primeiro.
— Se me tocar outra vez, eu grito!
— Se fizer isso, e seu tio aparecer, vou contar-lhe tudo sobre o seu planozinho sem-vergonha.
— Não iria se atrever!
— Pois tente! — Deliberadamente ele inclinou-se e beijou-a novamente, mas desta vez na testa, afagando-lhe a cabeça com as mãos.
— Você é uma menina maravilhosa, e quando sarar de sua paixonite por Alex, estarei esperando por você. — Robin olhou para Nathalia e convidou: — Vamos embora?
— E não volte mais! — gritou Cathy.
— Se eu não voltar, Nathalia também não voltará, e você não poderá arranjar-se sem ela para fazer o seu suposto cruzeiro.
— Você é um monstro! — replicou Cathy furiosamente.
— É por isso que as mulheres me adoram — concordou ele e, apressadamente, empurrou Nathalia para fora da sala, enquanto Cathy girava a cadeira à procura de algo para atirar contra ele.
— Suponho que haja algum método em sua loucura. — Sondou Nathalia quando ela e Robin se viram na rua.
— Estava testando as reações de Cathy a um beijo.
— E?
— E correspondeu ao meu beijo com ardor demais para alguém que se diz apaixonada por outro.
— Cathy necessita de atenção — disse Nathalia com seriedade. — Não a interprete mal por ter correspondido.
— Não estou fazendo isso. — Robin também estava sério. — Mas acho que, se Lyon não fosse tão obstinado, Cathy teria desistido de Alex há muito tempo. É apenas por ser tão obstinada quanto o tio que Cathy jamais admitirá, mesmo a si própria, que poderia ter mudado de idéia.
— Mas ela ama Alex — insistiu Nathalia. — Eu vi os dois juntos, você não.
— Você nos viu juntos, também...
Nathalia havia perdido um ponto. Havia verdade no que Robin estava dizendo. Notara como Cathy lhe correspondia e todas as mudanças em suas atitudes nas duas ultimas semanas. Entretanto, a garota ainda insistia em ir à Austrália. As passagens estavam compradas e os planos já estavam feitos.
— Faltam dez dias para a partida — disse Robin, quando ela lhe lembrou isso. — Muita coisa pode acontecer nesse tempo. Eu tenho alguns planos também.
— E não pretende contar-me alguma coisa?
— Vou fazê-lo quando voltar.
— Para onde vai?
— Vou viajar a serviço. Ficarei fora alguns dias. Na realidade, parto amanhã.
— Sentirei sua falta.
Quando Nathalia beijou Robin ao se despedir e entrou em seu? apartamento, percebeu quanto era verdadeira a sua última afirmativa. Jamais poderia chegar a amar Robin mas, ao menos, quando estava com ele, a falta de Marius parecia mais suportável. A imagem de Lyon veio invadir sua mente, os espessos cabelos grisalhos e os ombros largos; sua boca enérgica que podia se tornar tão macia e suave. Breve toda aquela ternura seria de Célia e aqueles ombros largos iriam servir de travesseiro para a cabeça loira daquela mulher. A consciência disso era tão devastadora que ela deixou-se afundar numa poltrona e apoiou a cabeça com as mãos, rezando para ter forças de viver durante a próxima semana, até que ela e Cathy deixassem Londres.
Ao pensar em todos os subterfúgios usados por Cathy, encheu-se de tristeza: fingir que iriam permanecer a bordo, a louca corrida ao aeroporto, quando tivessem chegado a Le Havre e depois o longo vôo à Austrália sabe lá com que resultado. Entretanto, Cathy parecia confiante que tudo iria sair bem, e Nathalia rezou para que realmente saísse, afastando seu desapontamento pelo fato de Robin não ter sido capaz de oferecer-lhe qualquer conselho ou ajuda.
Sua ausência deixou um branco em sua vida mas resolutamente recusou-se a sair com qualquer outro, achando muito menos cansativo ficar consigo mesma e embalar-se na autopiedade do que fingir uma alegria que na realidade não sentia.
Na terceira noite, Cathy surgiu inesperadamente em seu apartamento, trazida pelo motorista, e deixou-se cair numa poltrona. Apenas quando a porta se fechou atrás do homem é que Cathy se levantou. Ainda estava lenta nos movimentos, mas caminhava melhor a cada dia.
— Não passa de uma fraude fazer com que o pobre homem a carregue quando pode caminhar tão bem quanto ele — disse Nathalia.
— Foi Marius quem me transformou nesta fraude — respondeu Cathy. — Onde está Robin?
— Viajou a serviço.
— Mas ele não é repórter...
— Assim mesmo, viaja uma vez ou outra.
— Sente a falta dele?
— E você, sente? — contra-atacou Nathalia.
— Ele não é o meu namorado — respondeu Cathy encolhendo os ombros.
— Nem meu. — Nathalia levantou-se. — Vou fazer um pouco de chá.
Estava ocupada na cozinha quando notou que Cathy havia vindo observá-la.
— Seria muito simpático se você se casasse com ele, Nathalia! Robin é bacana demais para que deixe alguma outra agarrá-lo.
— E por que não o faz você mesma?
— Dentro de duas semanas estarei com Alex — disse Cathy, como se não tivesse ouvido a pergunta. — Essa é a verdadeira razão por que gosto de Robin... porque ele me lembra Alex.
— Ambos são loiros. É a única semelhança. Robin é muito mais forte.
— Detesto homens fortes. Sempre acabam tentando dominar a gente.
Nathalia levou a bandeja de chá para a sala e mudou de assunto como havia mudado de ambiente. Uma hora mais tarde, o motorista voltou para apanhar Cathy e, ao som da campanhia, esta se acomodou imóvel na poltrona, onde ele a havia deixado.
— Irá ver-me no sábado? — perguntou Cathy enquanto era levantada. — Marius não estará em casa. Ele e Célia foram convidados para passar o fim de semana fora.
— Pouco me importa se ele está ou não em casa — disse Nathalia.
— Então irá?
— Sim. — Apenas quando Cathy partiu Nathalia arrependeu-se da promessa. Mesmo entrar na casa de Marius estava se tornando difícil. Por mais que lhe desagradasse a idéia do cruzeiro iminente e todas as mentiras que o envolviam, este serviria para afastá-la dele agora, e quando voltasse, seria sem Cathy. Marius ficaria furioso com ela por não lhe contar o que a sobrinha estivera planejando e, embora se assustasse com a simples idéia da terrível cena que iria se passar entre ela e Lyon, sabia que ao menos seria a última. Depois disso ele jamais iria desejar vê-la novamente. Não que ela esperasse, vê-lo também: a essa altura estaria casado com Célia.
As lágrimas embaçaram-lhe os olhos. Mas, uma vez realizada a viagem, iria romper com o passado. Isso significaria abandonar Fleet Street e procurar trabalho num campo diferente do jornalismo, mas era o único modo de Nathalia poder começar a afastar Marius dei sua cabeça.
CAPÍTULO X
O sábado foi um dia inesperadamente claro. Um sol pálido tingiu o céu azul e uma suave brisa agitou a grama de Hyde Park, quando Nathalia por ali passava em um táxi. Em um impulso, fê-lo parar quadras antes de seu destino e fez o resto do caminho a pé, sentindo prazer com o exercício e decidindo que iria passar o próximo fim de semana no campo. O prazer desapareceu, quando se lembrou que no final da semana estaria na Austrália. Como Marius ficaria bravo! Afastando o pensamento com precipitação, subiu as escadas e apertou a campainha.
Cathy veio ao hall para recebê-la, sinal de que estava sozinha na casa, além dos empregados.
— Fico contente por ter decidido vir para o almoço — sorriu ela. — Mandei preparar algo especial para celebrarmos.
— O que vamos celebrar?
— Não sei. Simplesmente estou feliz.
Nathalia olhou-a curiosamente. Cathy parecia satisfeita consigo mesma.
— Robin deve voltar hoje — disse casualmente, e não se surpreendeu quando viu Cathy corando.
— Isto faz com que você tenha motivos para celebrar — disse a garota, com sua costumeira agilidade e, sabiamente, Nathalia decidiu não fazer comentários. O almoço foi excelente, assim como o vinho que o acompanhou. Foram duas garotas sonolentas que voltaram à sala de estar e deixaram-se relaxar, ouvindo música, observando através da sonolência como o céu azul se tornava nublado e o sol se perdia entre as nuvens.
Um torpor agradável invadiu Nathalia e, mesmo sabendo que era causado pelo vinho e não por felicidade, negou-se firmemente a analisá-lo. Em algum lugar à distância a campainha tocou e ouviram-se vozes. Mas sentiu-se cansada demais para prestar atenção e permaneceu na poltrona, com os pés estendidos na direção do fogo crepitante. Que luxo possuir uma lareira além do aquecimento central! Ficou subitamente rígida, ao sentir suas mãos presas entre um par de mãos quentes. Levantando o rosto, avistou Robin.
— Você chegou! Como soube que eu estava aqui?
— Adivinhação.
— Quando voltou para a Inglaterra?
— Há uma hora atrás.
— Fico contente que tenha vindo à nossa procura tão depressa — provocou ela e deu uma rápida olhada para Cathy. Não havia dúvida quanto às duas manchas vermelhas nas faces da garota, e nem quanto ao brilho nos olhos escuros que examinavam o recém-chegado.
Soltando as mãos de Nathalia, este se aproximou de Cathy e ergueu-lhe o queixo para olhar em seus olhos.
— Contente em me rever?
— Fico sempre contente em ver meus amigos. Por onde andava?
— Fiz uma viagem muito, muito longa.
— Deve ter feito bom tempo. Está vermelho como uma beterraba!
O sorriso dele foi rápido, depois foi substituído por uma expressão composta de tristeza e ansiedade.
— O que diria de uma surpresa?
— Que adoro surpresas. Há algo que trouxe para mim?
— Pode-se dizer que sim. — Ele voltou-se, e enquanto passava por Nathalia esta notou que sua expressão ainda estava tensa. Ele abriu a porta, fez sinal a alguém do outro lado e depois se afastou para permitir que outro homem, mais jovem, passasse adiante.
— Alex! — exclamou Cathy.
— Alô, Cathy — disse ele e avançou com relutância, as mãos nos bolsos do casaco, o rosto armado num sorriso nervoso.
— Para um casal de pombinhos — resmungou Robin — não estão muito amorosos!
Somente então Cathy se moveu. Lentamente colocou-se de pé e transpôs a distância que a separava de Alex.
— Já posso caminhar — disse em voz emocionada.
— Estou vendo. Nunca pensei que voltaria a andar. Seu tio disse...
— Eu o preveni para que não acreditasse nele.
Uma expressão de desapontamento cruzou o rosto de Alex, mas Cathy não pareceu ter notado.
— Não posso crer que você tenha voltado — balbuciou. — Ia encontrar-me com você na próxima semana. Já tinha as passagens e tudo o mais. Marius não sabe, naturalmente, mas...
— Robin contou-me o que você estava planejando — interrompeu Alex. — E por isso pediu que viesse com ele.
— Ele foi... — Cathy respirou e conteve-se, depois falou novamente. — O que quer dizer com pediu que viesse com ele? Não entendi.
Alex olhou de relance, por sobre o ombro, para Robin que estava silenciosamente encostado à porta, com os braços cruzados sobre o peito. Para alguém normalmente tão calmo e afável, parecia particularmente zangado como se os seus pensamentos fossem desagradáveis. Percebendo que estava sendo deixado por sua própria conta, Alex dirigiu-se novamente para Cathy.
— Robin visitou-me na Austrália — disse ele. — Contou-me que você pretendia ir a meu encontro e ele... ele fez-me ver que se mentisse a seu tio desse modo, ele nunca iria perdoá-la.
— Pouco me importa o que ele iria fazer! Ia à Austrália porque desejava estar com você!
— Desejava ou deseja? — perguntou Robin, dirigindo-se a Cathy pela primeira vez desde que Alex havia entrado na sala. Ela o encarou e, apesar da grande distância, seus olhares se encontraram e prenderam-se um ao outro.
— Não entendo o que quer dizer.
— Claro que entende. Pelo amor de Deus, seja honesta consigo mesma se não tem intenção de o ser com os outros. Quer ou queria estar com Alex?
Cathy virou-se para outro lado e aproximou-se de Alex. O rubor invadiu todo o seu rosto e também o dele, mas nenhum dos dois fez algum movimento para se tocarem, e, após um longo lapso de tempo, ela deu um passo atrás e sentou-se numa poltrona próxima.
— O que aconteceu? — sussurrou. — Eu vinha contando as horas que nos separavam, e agora que está aqui... não compreendo. Ajude-me, Alex.
Outra vez este se voltou para olhar Robin, mas este ainda lhe devolvia o olhar implacavelmente, de modo que Alex endireitou os ombros e se aproximou de Cathy.
— A única maneira que eu achei de ajudá-la era contar a verdade — disse sem rodeios. — Você não irá gostar, mas é o que devo fazer, foi por isso que voltei. — Robin passou a língua pelos lábios, demonstrando receio. — Se não fosse por Robin, não estaria aqui agora. Ele comprou minha passagem e ameaçou... fez-me ver que, se deixasse você ir à Austrália sem lhe contar a verdade...
Cathy ergueu a cabeça.
— Que verdade?
— Se você fosse para lá, iria arruinar todos os meus planos.
— Planos para o quê?
Ele hesitou, com embaraço sensível.
— Para montar minha própria escuderia.
— Você já os alimentava quando estava aqui — relembrou Cathy.
— Mas nenhuma possibilidade de realizá-los! Foi por isso que fui a Austrália. Com o dinheiro de seu tio teria a chance de conseguir realizar o negócio antes de ficar velho demais para dirigi-lo!
— Eu não consigo entender. — Cathy parecia receosa, como se entendesse mas não estivesse querendo admiti-lo para si mesma.
— Sei que Marius arranjou-lhe um trabalho e comprou-lhe uma passagem, mas...
— Foi mais do que isso. — A voz de Alex estava estrangulada. — Além disso, deu-me três mil libras e prometeu a mesma quantia cada ano, até que eu conseguisse juntar o suficiente para abrir minha própria oficina. Com esse dinheiro e mais o que posso ganhar trabalhando, serei capaz de abri-la em três anos. E não será uma oficina modesta, também. Será um lugar sensacional. Capaz de ajustar e consertar qualquer marca de carro do mundo! — Ele abriu os braços: — Foi por isso que voltei com Robin. Tinha de avisá-la para não vir à minha procura; se o fizesse teria arruinado tudo.
Nathalia pôs-se em pé de um salto, com o único pensamento de ficar perto de Cathy. Mas quando se moveu para diante, Robin estendeu o braço e deteve-a. Silenciosamente, sentou-se outra vez, percebendo que nesse momento Cathy tinha de ser deixada só para encontrar as próprias palavras para a própria tragédia.
— O que está tentando dizer — disse Cathy numa voz aguda —, é que se estivermos juntos, meu tio irá parar de lhe dar as três mil libras anuais e você prefere ter o dinheiro e sua oficina a mim.
— Não posso mantê-la a não ser que esteja numa posição adequada.
— Não creio que me manter tenha algo a ver com isso. — Não era à toa que Cathy era sobrinha de Marius Lyon, e a irritação em seu rosto estava aparente. — Você se casaria comigo se estivesse certo de ter o dinheiro de Marius também. Mas agora que meu tio o convenceu que devia ser uma coisa ou a outra, você escolheu o dinheiro.
— Eu não tive escolha. Ele me disse que você jamais iria voltar a andar novamente. E que se eu a levasse comigo, iria lavar as mãos a seu respeito.
— Não íamos precisar da ajuda dele — disse Cathy zangada. — Poderíamos ter dado um jeito.
— Você fala assim porque não sabe o que significa viver com o dinheiro contado. Você sempre teve tudo o que quis e...
— Muitos casais se mantêm ganhando muito menos do que você — disse ela rancorosamente.
— Casais comuns, sim, mas não quando a esposa é inválida. E Marius disse que era isso que você iria ser. Como podia saber que ele estava mentindo?
— Poderia ter perguntado ao médico.
— Posso até imaginá-lo conversando comigo. Alex estava igualmente zangando agora. — Se eu tivesse ido procurá-lo, ele iria atirar-me pela janela.
— Então poderia ter perguntado para mim.
— Como poderia tê-lo feito? — disse ele, violentamente. — Seu tio disse que você não sabia o quanto estava doente.
— De qualquer maneira, haveria algo que se poderia fazer. Não sei o que seria mas... — Um ar desanimado tomou conta de seu rosto. — Mas tenho certeza que haveria algo.
De modo indefeso, Alex encarou-a.
— Não teria funcionado para nós, Cathy, não se você tivesse de passar o resto da vida numa cadeira de rodas. Foi isso que me assustou mais que qualquer outra coisa. Eu poderia ter dado um jeito no problema econômico, devo admitir isso, mas não podia enfrentar a idéia de estar ligado a uma inválida. Foi por isso que aceitei a oferta de seu tio.
— Por que não me disse a verdade?
— Não desejava feri-la.
— Teria se casado comigo se Marius não tivesse dito que lavaria as mãos a meu respeito se fugíssemos novamente.
— É claro que teria — disse Alex rapidamente. — Ao menos com sua ajuda, poderia ter lhe dado todo o luxo a que está acostumada. Teria alguém para cuidar de você e...
— Poupe-me os detalhes — interrompeu Cathy com rancor. — Você estava certo, afinal de contas. Era o meu dinheiro que você queria. Eu vinha em segundo lugar.
— Não seja amarga, Cathy.
— Não estou sendo — disse ela em voz baixa. — Simplesmente estou furiosa porque Marius estava certo.
Alex esfregou os pés no carpete.
— Dirá algo a ele? Acho que não há razão para que lhe conte o que ia fazer. Pode realizar o seu cruzeiro da mesma forma, sem ter de aborrecê-lo.
— Creio que Marius irá divertir-se quando lhe contar a verdade. Ao menos assim terá chance de dizer: "Eu lhe falei!"
— Ficará furioso com você. Não diga nada, Cathy.
— Não se preocupe comigo, Alex. Se Marius me atirar na rua, não vou correndo atrás de você! De qualquer modo, sairá da história toda puro e imaculado. Vou dizer a Marius que você estava tão afoito em não quebrar o acordo com ele que veio voando da Austrália para impedir-me de o fazer. Ele pode até decidir aumentar os seus honorários para ficar longe de mim!
— Não coloque as coisas desse modo — disse Alex, na defensiva.
— E de que outra maneira poderia colocá-la? Talvez você prefira que eu lhe peça para parar de mandar o dinheiro? Afinal, se não tenho intenção de casar-me com você, ele não precisa pagar-lhe para ficar longe de mim!
Imediatamente, Alex ficou amarelo e, notando-o, Cathy riu cruelmente.
— Não se preocupe, eu não faria isso. Ajudá-lo a conseguir sua escuderia é um preço pequeno demais por ficar sabendo o tipo de pessoa que você é.
— As coisas poderiam ter funcionado para nós — disse ele rouca-mente. — Se não fosse aquele acidente, estaríamos casados agora.
— Fico feliz por não estarmos — replicou ela. — Sou bastante desprezível, mas não tão desprezível a ponto de merecer você!
Alex girou sobre os calcanhares e saiu. Robin dirigiu um olhar para Cathy e também deixou a sala, fechando cuidadosamente a porta n atrás de si.
Nathalia não sabia o que dizer ou fazer; assim permaneceu onde estava e esperou.
— Por que não estou arrasada como deveria? — perguntou Cathy subitamente. — Acha que por ter sido tão grande o choque, eu fiquei bestificada?
— No fundo, talvez você nem esteja ferida. Podia ser apenas o seu orgulho.
— Não se tem muito orgulho quando se acredita que se vai ficar presa numa cadeira de rodas. — Olhou na direção da porta. — Tudo que sinto é uma espécie de alívio.
— Então, devemos ficar agradecidas por Alex ter vindo até aqui. Pelo menos ele evitou que eu fizesse uma viagem desnecessária.
— Robin evitou a viagem desnecessária, não Alex. Diga-me a verdade, Nathalia, você estava mesmo no escuro sobre sua viagem à Austrália?
— Completamente.
— Então suponho que foi Marius quem o enviou. — Havia dureza-na voz de Cathy. — Deve ter ficado com medo que eu tentasse procurar Alex de algum modo e decidiu que eu deveria saber da verdade antes de tomar conhecimento da minha idiotice.
— Por que não pergunta a Robin? — disse Nathalia, ao ouvir a porta abrir-se atrás de si. — Ele está aqui agora.
— É o que farei. — Cathy estendeu a mão num gesto imperioso na direção do homem alto e louro que havia parado a alguma distância. — Foi Marius que o mandou atrás de Alex?
— Não. Lyon acha que eu fui passar uma semana de férias n«! Escócia. A viagem à Austrália foi por minha conta.
— Mas por quê? Você não sabia que arranjo Marius havia feito com Alex.
— Eu apenas sabia que não acreditava em sua versão do que havia acontecido. Eu não podia ver seu tio como um tipo de homem que iria impedir que você se casasse com alguém, se acreditasse que esse alguém estivesse realmente apaixonado por você. Se eu tivesse o mesmo nível de Marius Lyon, ter-lhe-ia perguntado sobre a verdade, mas, mesmo estando apaixonado por sua sobrinha, não me sentia no direito de questionar o que ele havia feito. A única maneira de saber a verdade era perguntar à outra pessoa que sabia.
— Então você foi à Austrália e evitou que eu fizesse o papel de idiota! — concluiu Cathy.
— E também evitou que ferisse seu tio. Alex tem razão quanto a isso. Não há razão para que saiba o que você ia fazer.
— Ainda assim pretendo dizer-lhe a verdade — reinterou ela. — Ficará muito agradecido a você, Robin. Pode mesmo promovê-lo ao cargo de editor de um de seus jornais!
Robin disse uma frase de baixíssimo calão enquanto Cathy o olhou com reprovação.
— Não deseja tornar-se um editor?
— Pelos meus próprios méritos. Robin havia ficado inesperadamente zangado. — Não foi a intenção de cavar a minha carreira que me levou à Austrália.
— Sei disso — disse ela tranqüilamente. — Você já admitiu antes que me ama.
— Então — disse ele —, o que pretende fazer a respeito?
— Estou esperando para ver o que você pretende fazer.
— Nada — disse ele. — Por enquanto, já fiz tudo que pretendia.
— Então é a minha vez — completou Cathy e levantou-se para ir em sua direção. Um de seus pés prendeu-se no tapete, fazendo-a tropeçar e agarrar-se às pressas a uma poltrona, para evitar a queda. — Estava pronta a voar através de meio mundo para os braços de um homem que não existe. Entretanto não consigo atravessar metade da sala para abraçá-lo!
Em dois passos, Robin se pôs a seu lado, erguendo-a no colo para pô-la no sofá.
— Você precisa amadurecer bastante — repreendeu ele —, mas eu a amo e estou disposto a esperar.
— Será que consigo amadurecer bem depressa? — sussurrou ela, colocando os braços ao redor de seu pescoço.
Nathalia saiu da sala na ponta dos pés. Ainda estava pasmada com a facilidade com que Cathy havia aceito a verdade sobre Alex e concluiu com amarga ironia que a avaliação de Marius sobre a sua sobrinha era realmente melhor que a dela própria. Talvez os esforços de Célia para fazer de Cathy uma criança a tivessem motivado a se voltar ansiosamente para o primeiro homem que despertasse nela a certeza de que era mulher.
Mas tudo isso era passado. O futuro de Cathy estava em Robin este, sem dúvida, iria ajudá-la a descobrir o seu verdadeiro potencial.
O prazer pelo futuro de seus amigos fê-la notar como era vazio seu próprio. Marius também iria casar-se, e a idéia de Célia em seus braços era tão dolorosa que confirmou sua decisão de não poder continuar trabalhando para ele. Resolveu entregar seu pedido de demissão a Kennedy na segunda-feira. Entretanto, devia voltar a seu, apartamento e ficar por ali.
Dirigiu-se para a porta de saída quando a voz de Robin fê-la deter-se.
— Por que está saindo disfarçadamente, Nathalia?
Ela girou sobre si mesma.
— Eu creio que você e Cathy gostariam de ficar a sós.
— Ora, porque não vai à... — disse ele sem elegância, abrindo a porta atrás de si, indicando-lhe que voltasse para a sala de estar.
Com relutância, obedeceu, e sentiu prazer ao ver o rosto radiante de Cathy.
— Acha que Marius aceitará Robin, ou terei de fugir com ele também?
— Tenho certeza que aceitará — disse Nathalia, com calor.
— Então talvez ele possa persuadir Robin de que não precisamos ficar noivos em um ano.
— Não pretendo mudar de idéia a esse respeito — interrompeu Robin, com firmeza. — Desejo estar certo de que não está me aceitando apenas por uma questão de despeito.
— Você sabe que não é assim — protestou ela. — Se não estives tão furiosa com Marius não teria sido tão obstinada quanto a Alex.
— Assim mesmo, não vamos nos precipitar para o casamento Quero que você faça o cruzeiro, o cruzeiro verdadeiro e não pense em fugir dessa vez para outro lugar.
— Monstro — protestou Cathy.
— E quando voltar — continuou ele —, vou começar a cortejá-la da maneira antiga e tradicional.
Cathy riu.
— Célia ficará furiosa. Ela nunca vai conseguir que Marius desaprove você e, uma vez que eu me casar, seus dias aqui estarão contados. Terá de aceitar a oferta de Marius e achará um lugar para mesma.
— Agora não mais — disse Nathalia mecanicamente, parando ao sentir dois pares de olhos fitando-a com curiosidade. Tarde demais, lembrou-se da promessa a Marius de não contar nada sobre seu casamento. Entretanto agora parecia tolice manter segredo sobre algo que não mais iria preocupar Cathy. — Seu tio vai casar-se com Célia.
— Isto é besteira — disse Cathy com firmeza. — Há algum tempo eu tinha receio de que o fizesse, mas não agora. Você não deve acreditar em nenhuma palavra de Célia. É tudo apenas o que ela deseja.
— Não foi somente Célia quem me disse. Marius também o fez.
Isso surpreendeu Cathy.
— Marius lhe disse? Quando?
— Na noite da festa da redação.
— E por que não me contou?
— Ele sabe que você não gosta de Célia. É por isso que ficou em silêncio. Acho que a intenção dele é... casar-se quando você estiver fazendo o cruzeiro.
— O que você acha disso? — perguntou Cathy a Robin.
— Talvez seja verdade — disse ele em tom neutro.
— É verdade — reiterou Nathalia, e, temendo desatar em lágrimas, apesar de os dois estarem observando-a, voltou-se cegamente para a porta. — Voltarei para casa se não se incomodarem — disse indistintamente, e sem esperar pela resposta, correu para o hall.
Estava novamente na porta da rua quando Robin a alcançou.
— Vou levá-la para casa — disse ele —, e também gostaria de me desculpar. Cathy e eu ficamos tão envolvidos que não nos lembramos de como você deveria estar se sentindo.
— Estou ótima — mentiu ela —, estou feliz por vocês dois.
— Estava me referindo a você e Marius — disse ele, ajudando-a a descer a escada. — Esperava que você tivesse superado, mas obviamente isso não aconteceu.
— Mais cedo ou mais tarde conseguirei. — Um táxi ia passando e ela fez sinal. — Não se preocupe em levar-me para casa, Robin, prefiro ir sozinha.
— Vou para lhe fazer companhia...
— Não. — Rapidamente ela subiu e fechou a porta. — Por favor, volte para Cathy. Prefiro ficar sozinha.
— Se acha que assim está bem... — Ele afastou-se, permanecendo na calçada até que o táxi virou a esquina, desaparecendo de sua vista.
Nathalia sentia-se oprimida pela solidão de seu apartamento, e ficou caminhando agitadamente do dormitório à sala e dali à cozinha. Era-lhe impossível fechar a mente a tudo que havia acontecido; e a lembrança da felicidade de Cathy e Robin apenas aumentava sua própria autopiedade.
Aborrecida consigo mesma, decidiu trabalhar um pouco. Felizmente havia trazido um pacote de cartas, e começou a lê-las, mas mesmo afundar-se nos problemas de outras pessoas não a ajudou a esquecer os próprios, e assim afastou a pilha de cartas e descansou a cabeça nas mãos.
Felizmente havia feito Marius acreditar que estava noiva de Robin. Assim ele jamais saberia o verdadeiro motivo de sua demissão do jornal. Iria alegar que não desejava trabalhar ao lado de Robin ao invés de sua necessidade dolorosa de fugir dos próprios sentimentos e afastar-se de Lyon. Irritada por deixar Marius ocupar novamente todos os seus pensamentos, foi para a cozinha preparar uma xícara de chá, detendo-se ligeiramente no hall, onde viu sua imagem refletida no espelho. Como estava pálida e magra não era de admirar que Robin estivesse preocupado com ela.
A campainha tocou estridente, fazendo-a deter-se, espantada. Á campainha tocou novamente e sua surpresa transformou-se em apreensão.
— Quem é? — perguntou, dando um passo à frente, porém sem abrir a porta.
— Marius.
Seu coração começou a martelar. O que estava fazendo em Londres e por que viera a seu apartamento?
— Abra a porta — ordenou ele. Desajeitadamente ela virou a chave e Lyon empurrou a porta entrou, inundando o minúsculo hall com sua altura e corpulência
— Eu... eu pensei que havia saído para... para o fim de semana — balbuciou ela.
— Eu não conseguiria agüentar nem mais um dia, tinha de vê-la.
— A mim? — Sentiu a boca seca e teve tanta dificuldade pari falar que resolveu que seria mais seguro dizer só o necessário.
— Sim, a você! — respondeu ele com voz áspera. — Mas metade das coisas que havia planejado dizer-lhe, não me parece mais necessária.
Agarrou-lhe o braço e empurrou-a rudemente para a sala.
— Que tipo de jogo está fazendo? — disse ele. — Você me fez acreditar que estava noiva de Robin quando todo esse tempo... sacudiu-a e seus dentes começaram a bater. — Por que queria que eu acreditasse que ele iria casar-se com você?
Ela não conseguiu pensar em nenhuma mentira razoável que pudesse satisfazê-lo, pois Marius estava fuzilando-a com tal fúria nos olhos que sentiu que nada do que dissesse iria merecer sua aprovação.
— Muito bem — berrou ele —, estou esperando pela resposta.
— Não sou obrigada a responder. Não é meu proprietário.
— Mas serei! — Ele estava gritando e, notando-o, baixou subitamente a voz. — Nathalia — disse com emoção —, não ouviu o que eu disse?
— Sim — disse ela em voz alta e afastou-se dele. Entretanto, a distância era tão pequena; ele poderia vencê-la facilmente em três passos ou até dois.
— Eu sabia que ficaria contente com o namoro de Cathy e Robin — continuou ela, forçando-se a parecer alegre — e suponho que está querendo... demonstrar sua gratidão, mas, mas... não é necessário. Eu apenas joguei o verde e as coisas deram certo.
— Minha determinação em possuí-la não tem nada a ver com a minha satisfação por você ter apresentado Robin a Cathy. Desejo-a Nathalia, e tenho certeza absoluta de que me deseja também.
— Está enganado — disse ela, lembrando-se de que ele iria casar-se com Célia.
— Sei que me deseja! Cathy disse-me...
— Cathy? — indignou-se Nathalia, pois imediatamente descobriu o que havia acontecido. Robin havia contado a Cathy que ela estava apaixonada por Marius, e Cathy, inadvertidamente contara a ele. — Seguramente não crê em tudo o que Cathy lhe diz. Ela é a maior mentirosa do mundo. Somente porque certa vez me senti atraída por você, isso não quer dizer que o desejo. É um homem muito atraente, Marius, muito importante. Isso é o suficiente para virar a cabeça de qualquer garota.
A pele dele ficou ainda mais vermelha. Isso fazia seu cabelo parecer tremendamente grisalho, revelando novamente como havia ficado ainda mais branco nas têmporas.
— E por que Cathy iria mentir para mim? — perguntou ele.
— Ela diria qualquer coisa para evitar que se casasse com Célia, você sabe disso.
— Ah, sim, Célia. — Marius deu um passo à frente. Estava muito mais próximo de Nathalia agora. — Estava me esquecendo totalmente de Célia.
— Tinha imaginado isso. — Nathalia riu nervosamente. — Gosta demais de mulheres, Marius, mas mesmo em nossa época permissiva, os homens não costumam ter uma noiva e uma amante!
— E quem disse que eu tenho? — replicou ele pesadamente. — Na verdade, nos últimos quatro meses não tive mulher alguma.
— Não pode ter sido por falta de oportunidade. — Nathalia falava sem saber o que dizia.
— Foi por falta de desejo. Se não pudesse ter a mulher que eu, queria, não me interessava ter nenhuma outra.
Ele permanecia onde estava, no entanto o magnetismo que transpirava dele começou a envolvê-la, e a excitação agitou-lhe as entranhas fazendo com que começasse a tremer.
— Fico surpresa por Célia se fazer tão difícil — disse, com a voa mais despreocupada que conseguiu emitir.
— Tenha dó! — brincou ele. — Não percebe o que estou tentando dizer?
Nathalia recusava-se a acreditar no que seus sentidos estavam lhe dizendo. Desejava Marius com tanto desespero que temia que a necessidade que sentia dele estivesse fazendo-a ver em suas palavras mais do que elas traduziam realmente. Em alguma parte remota de si mesma encontrou uma fonte inesperada de forças que lhe deu coragem de erguer a cabeça e olhar diretamente para ele.
— Pena é a última coisa de que preciso, Marius. Se deseja demonstrar-me como está satisfeito por eu ter apresentado Robin a Cathy, então peça a Kennedy Jones que me dê uma boa referência.
Marius olhou para ela sem compreender.
— Uma referência?
— Vou demitir-me. Desejava arranjar um trabalho em outro lugar há muito tempo, mas você se aproveitou de minha culpa e isso impediu que eu o fizesse. Agora que Cathy está com Robin, estou livre.
— Livre, coisa nenhuma. Você é minha. — Ele estendeu a mão derrubando a cadeira que servia de escudo entre eles. — Minha! — repetiu, e puxou-a para si com tanto ardor que expulsou o último sopro de fôlego de seu corpo. — Eu nunca deixarei que vá embora. Se Cathy estiver errada e você não me ama realmente, então farei com que mude de idéia, mesmo que leve o resto de minha vida.
— Como pode falar comigo dessa maneira? — reclamou ela. — Vai casar-se com Célia, você mesmo disse.
— E você disse que ia casar-se com Robin estava mentindo, ou pensa que são apenas as mulheres que têm orgulho?
— Quer dizer...
— Quer dizer que eu a amo! Somente a você. Naquela noite quando disse que estava noiva, teria sido capaz de matá-la. Então quando perguntou sobre Célia, deixei que você acreditasse no que quisesse — Suas mãos acariciaram-lhe o rosto. — Desde o momento em que a conheci, não houve mais ninguém. Isto é muito desgastante para meus nervos — completou com a voz quebrada. — Não gosto de ser solteiro.
— Pobre Marius — lamentou ela, tremendo entre o riso e as lágrimas.
— Pobre mesmo, sem você — sussurrou ele e encostou a face à dela. Percebendo que ela ainda não havia se tranqüilizado, afastou a cabeça e olhou-a nos olhos. — O que ainda a incomoda?
— Célia. Ela também disse que iria casar-se com você. Ela o disse com toda convicção.
— Conhecendo-a, querida, foi provavelmente você mesma quem colocou as palavras em sua boca.
Nathalia tentou lembrar-se, mas estava tão excitada nos braços que a rodeavam que não lhe vinha nenhum pensamento coerente. Além disso, o que importava o passado, se o futuro era tão maravilhoso? Estremeceu com violência e Marius carregou-a através da sala até o seu quarto. Abraçando-a com força, sentou-se, mantendo-a no colo e acomodando-a contra seu peito.
— Ainda não consigo acreditar — murmurou Nathalia. — Quando descobriu que me amava?
— Quando você entrou em minha sala e confessou que era a pessoa que havia aconselhado a Cathy que fugisse.
— Mas você me demitiu!
— Apenas para não vê-la novamente. — Ele pareceu inesperadamente ansioso. — Pois sou velho demais para você, Nathalia, você precisa de um jovem.
— Preciso de você. — Ela cruzou os dedos através dos cabelos espessos. — De qualquer maneira, você mesmo disse uma vez que era a idade da mãe que importava! — Notou que ele prendia a respiração e percebeu que ele era tão sensível à sua proximidade quanto ela mesma à dele.
— Pode acabar me seduzindo com palavras como essas — disse Marius, estremecendo. Não era mais aquela imagem de urbanidade que exibia perante o mundo, mas a de um homem atormentado de desejos por uma mulher. — Se eu fosse apenas dez anos mais jovem ...
— Ou se eu fosse dez anos mais velha. Eu é que sou imatura demais para você, Marius. Iria cansar-se de mim, achar que sou infantil e inexperiente... ,
— Já faz tanto tempo que nos beijamos que já nem me lembro Riais se é mesmo infantil e inexperiente...
Seus lábios, sequiosos, procuraram os dela que, sabendo-se amada verdadeiramente e não apenas desejada como objeto sexual, nada mais havia que a impedisse de corresponder. Deixando de lado os escrúpulos de pudor, deixou que ele soubesse o quanto ansiava por tê-lo, apertando-se desejosamente contra seu corpo sólido, abrindo-lhe os botões da camisa para poder tocar sua pele. Sentiu a aspereza dos pêlos de seu peito e, ao mesmo tempo, Marius estremeceu violentamente com o corpo todo. Então Nathalia sentiu suas mãos cálidas percorrendo-lhe o corpo, acompanhando suavemente suas curvas e detendo-se amorosamente na curva de seus seios, que latejavam de desejo. Por baixo da camisa, ela passou-lhe as mãos pelas costas, sentindo-lhe a musculatura. Resmungando, ele afastou-a de si num gesto um tanto brusco. Seu rosto estava pálido, a respiração acelerada e uma tênue camada de transpiração brilhava em seu lábio superior. Repentinamente, tinha um aspecto de total vulnerabilidade e, sabendo que fora ela que o havia provocado, Nathalia sentiu-se quase a ponto de chorar.
— Sou inteiramente sua, Marius! Quero que me possua! — gemeu ela, o corpo todo ardendo por entregar-se.
— Seria melhor que esperássemos ter as alianças nos dedos. Serão suficientes três dias, mocinha — retrucou Marius, trêmulo. — Não quero que venha se queixar depois, dizendo que a seduzi para que se casasse comigo.
— Incomodar-se-ia se fosse você quem tivesse de dizer isso?
— De modo algum!
— Então... — murmurou ela docemente, apertando-se outra vez contra Marius.
Roberta Leigh
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