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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O DIA DO RELÂMPAGO - P.2 / J. J. Benitez
O DIA DO RELÂMPAGO - P.2 / J. J. Benitez

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

Tomamos café da manhã e nos despedimos do casal. Tínhamos que voltar para Edwards.

E quando estávamos prestes a embarcar no “Renegade” com assentos de pele de zebra, Curtiss fez um sinal para que o seguisse.

Havia esquecido alguma coisa...

Henry, o cão amarelo, latia furiosamente, encarcerado distante.

Covarde!

E caminhou até o olival.

Uma vez entre as "arbequinas", o general perguntou:

- Essas árvores te dizem alguma coisa?

Eu passeei entre elas e inspecionei-as incluindo os galhos, troncos e os milhares de verdes.

- Nada, general... Desculpe.

Curtiss sorriu benevolente, e disse:

- Eu li em seus diários. O Mestre plantou a muda de oliveira que lhes entregamos, no Massada...

Recordei.

- E o fez, com amor, na chamada "casa das flores", em Nahum.

Eu entendi.

Aquela muda procedia da "Gold”...

O general adivinhou meus pensamentos:

- Sim, era uma destas "Arbequinas" que vocês levaram... Ela era uma muda destas...

Na memória surgiu Curtiss, pouco antes do segundo "salto", no topo do planalto do Massada, em Israel. Ele tinha nas mãos um cilindro de vidro... Com os olhos úmidos, estendeu-as para Eliseu, entregando-lhe a muda de oliveira que havia no cilindro...

E Curtiss falou:

- Um apelo final... Levem também este menino, e o plantem em nome dos que ficam deste lado... Será o humilde e secreto símbolo de uns homens que apenas estão buscando a paz. Uma paz sem fronteiras. Uma paz sem limitações de espaço..., ou tempo. Obrigado! E repetiu: Boa sorte!

Hipócrita!

Mas isso, agora, não importava...

 

 

 

 

Passado o tempo, quando estávamos no topo do Monte Hermon (atual fronteira entre o Líbano e Israel), meu irmão, o engenheiro, acabou dando a muda de presente para Jesus de Nazaré. Ele fez isso em seu 31º aniversário (21 de agosto do ano 25). O Mestre ficou encantado e recebeu a Eliseu, com as seguintes palavras:

 

- Um presente de outro mundo para o Senhor de todos os mundos...

 

E acrescentou, satisfeito:

 

- Será plantada como um símbolo da paz... A paz interior: a mais desafiadora...

 

Semanas mais tarde, realmente, o Homem-Deus a plantaria, com amor, em um dos canteiros da "Casa das Flores", em Nahum, à esquerda do portão de entrada. E lá permaneceu, até que o Destino decidiu mudá-la de lugar [91].

 

Então eu compreendi por que fiquei emocionado ao ver o bosque de oliveiras pela primeira vez...

 

Curtiss cortou uma rama e a deu para mim. Eu Iria guardá-la para sempre.

 

Voltamos para o “Renegade II".

 

Henry ainda estava latindo, especialmente em Inglês.

 

O general, de saco cheio, pegou uma pedra e tentou apedrejá-lo.

 

- Desertor!

 

E empreendemos nossa viagem de volta para a base.

 

Eu admito: foi um fim de semana singular, emocionante e profético.

 

 

[91] Ampla informação sobre o broto de oliveira em Cavalo de Tróia 2 - Massada, Cavalo de Tróia 6 - Hermon e Cavalo de Tróia 7 - Nahum. (N. do.)

 

 

14 de agosto

Na segunda-feira, 13 de agosto (1973), eu retornei aos meus principais deveres em Edwards.

 

Ou seja: a revisão dos diários no "vespeiro" (sempre com escolta), (Walter ainda era cabo); as conversas com o cacto Josué e ficar em dia com os segredos da área restrita (leia-se: bar de Joco, o japonês ).

 

Os "falcões" continuavam a sua, obstinados.

 

Eles não sabiam que eu sabia...

 

E foi na terça, dia 14, que se desencadeou a surpresa das surpresas.

 

Aconteceu no início da manhã, logo após sentar na frente da tela do computador.

 

Eu digitei. Eu procurei os diários e comecei a lê-los.

 

Oops... Após 130 linhas do terceiro erro, se apresentou uma nova anomalia.

 

Eu li, intrigado.

 

Mais uma vez!

 

Como eu podia ser tão idiota?

 

Quando relatava a minha aventura ao pé do que chamei de "pedra dos grafites”, perto da torre das "Verdes" e investigava o texto gravado no topo do penhasco [92], detectei outros possíveis erros no texto.

 

Eu tinha originalmente escrito:

 

A cerca de 15 ou 16 metros acima do solo podia ser visto um texto (?) gravado na rocha.

 

Era aramaico antigo.

 

Eu li com dificuldade.

 

A gravação era impecável. Não parecia recente. Alguém teve muito cuidado...

 

Pensei subir ao topo do arenito e inspecionar mais de perto. As letras eram perfeitas e com idênticas dimensões. Apenas uma palavra aparecia mais destacada.

 

Sim, subiria a rocha e exploraria...

 

 

[92] Ampla informação em Cavalo de Tróia 9 - Caná. (N. do a.)

 

 

O texto - ou o que quer que fosse - começava com uma frase: "Eram 200, os que desceram sobre o cume do monte Hermon."

 

Eu disse. Não faço idéia.

 

Os demais eram cinco colunas de nomes. Lidos da direita para a esquerda, diziam textualmente:

 

Primeira coluna: SEMIHAZAH (era a única palavra destacada). Ao seu lado se liam: "chefe dos encantamentos."

 

Pois bem, onde deveria estar "chefe dos encantamentos" eu li: "chefe dos encantamentos depois de morto (SEMIHAZAH 3, 5)."

 

Não era possível.

 

Voltei a ler, decomposto.

 

Outro maldito erro!

 

Não recordo de ter escrito algo semelhante...

 

Semihazah, que eu saiba, não corresponde a nenhum escrito bíblico. Como menciono na mesma passagem, os nomes ne gravação da rocha poderiam pertencer a anjos caídos.

 

Mas o desastre não parava por aí...

 

Na mesma página, para meu desespero, eu achei duas anomalias.

 

Eu passei o dia trancado na controversa questão.

 

Tomei notas e cheguei a uma conclusão: era um idiota que merecia um prêmio...

 

O quinto erro surgiu ao ler a lista de nomes dos referidos e supostos anjos rebeldes.

 

Eu, inicialmente, tinha escrito no Ravid:

 

E continuava a referida primeira coluna:

 

Ar'teqo'f (segundo chefe e conhecedor dos sinais da terra).

 

Ramt'el (terceiro conspirador).

 

Hermoni (o que ensinou desencantar).

 

Segunda coluna:

 

Baraq'el (o que ensinou os sinais dos raios).

 

Kokab'el (aquele que conhece as estrelas e pratica a ciência das estrelas).

 

Zeq'el (aquele que sabe dos relâmpagos).

 

Rama’el (o sexto).

 

Terceira coluna:

 

Daniel (o que sabe as plantas).

 

Asa 'el (o décimo de todos eles)

 

Matar'el (aquele que conhece os venenos).

 

Iah'el (aquele que conhece os metais).

 

Quarta coluna:

 

Anan'el (aquele que conhece os enfeites).

 

Sato'el (décimo quarto).

 

Shamsi (o que conhece os sinais de sol).

 

Sahari'el (aquele que conhece e ensina os sinais da lua).

 

O quinto erro encontrado era o seguinte: em vez de "Zeq'el (aquele que sabe dos relâmpagos)" aparecia "Zeq'el (será o dia do relâmpago) (3, 4)."

 

Muito estranho.

 

Quanto ao sexto erro (?) (já não sabia mais o que pensar), foi detectado 12 linhas depois.

 

No "porta-aviões", quem isto escreve redigiu, naquela época:

 

“A quinta e última coluna aparecia apagada na sua totalidade. As letras tinham sido marteladas intencionalmente. Eu não podia reconstruir nem um dos quatro supostos nomes."

 

Eu estava falando, como eu disse, da estranha gravação na "pedra dos grafites”.

 

O que eu estava lendo, naquele dia 14 de agosto de 1973, naquele computador, não tinha nada a ver... Dizia assim:

 

"Na quinta e última coluna lia-se Besa'el (viverá o não vivido). Êxodo 3, 3.”

 

Eu permaneci na frente do monitor, intrigado.

 

Além de faltar um texto, e de apresentar uma citação bíblica errada, aquela frase acrescentada - "viverá o não vivido" - deixou-me chocado e comovido.

 

"Viverás o não vivido", como relatei, era uma frase que eu sonhei em Nazaré em 24 de fevereiro do ano 26. No sonho profético, a insula de Nahum, onde vivíamos, estava pegando fogo. Ali morreram os meninos "lua", os trigêmeos, filhos de Gozo, a prostituta. Neste sonho, quem isto escreve recolhia do solo, um pedaço de papiro, meio queimado, onde se lia, em aramaico: "viverá o não vivido". [93]

 

Para meu desespero, algum tempo depois, a ínsula, na realidade, seria destruída em um incêndio causado por Kuteo, o samaritano. No incidente, os papiros que relatavam as viagens secretas do Mestre (antes de sua vida de pregação) também foram reduzidos a cinzas.

 

Intrigante!

 

Eu poderia admitir que tivesse me equivocado, no momento de escrever os diários, mas não de uma forma tão estranha...

 

Seis erros!

 

Retornei para o alojamento dos oficiais e, na solidão do meu quarto, eu repassei as notas, supostamente bíblicas, que detectei nas ditas anomalias.

 

Surpresa...

 

Realmente, como eu imaginava, não existiam. Deixe-me explicar: As notas em questão, não existiam ou não tinham relação com o que eu li no monitor, no "vespeiro" [94].

 

Foi instantâneo.

 

Eu tive um pressentimento.

 

Eliseu poderia ter lido os diários?

 

Era mais do que provável...

 

E eu reagi de forma inesperada.

 

Em vez de continuar por este caminho, eu optei por esquecer.

 

Eu quero acreditar que eu estava com medo.

 

 

[93] Ampla informação em Cavalo de Tróia 9 - Caná. (N. do a.)

[94]Semihazah (3, 5) não existe.

Zeq'el (3, 4) muito menos.

Êxodo (3, 3) diz: «E Moisés disse: Agora me virarei para lá, e verei este estranho caso, porque a sarça não se queima.»

Não há relação, portanto, com o tal Besa'el, nem com nada do que foi redigido inicialmente por quem isto escreve. (N. do m.)

 

 

Alguém voltou a tocar no meu ombro...

 

E o fez por alguma coisa particularmente importante.

 

Mas eu, idiota e covarde, virei a página.

 

Desci para o bar de Joco e preferi conversar com o japonês.

 

Colocou-me a par dos acontecimentos.

 

E eu me esqueci dos erros... Por enquanto.

 

No sábado, 11, enquanto desfrutava do fim de semana na casa de campo de Curtiss, Nixon e seu conselheiro, Kissinger, reuniram-se na residência de verão do presidente, em Camp David.

 

Os rumores sobre esta reunião eram negros e tempestuosos: "Do que falam os dois mentirosos quando se encontram?"

 

Joco colocou o dedo na ferida:

 

- Sempre contra uma terceira...

 

Gerald Warren, porta-voz da Casa Branca, saiu de encontro aos rumores e assegurou que Nixon e o judeu não «tocaram no assunto "Watergate”. »

 

- Mentira podre! - Joco berrou. Estas malditas fitas gravadas enforcarão todos nós!

 

E lembrei-me da conversa com Estrela, na manhã de sábado, enquanto estávamos cozinhando.

 

A generala mostrou sua preocupação pela vida de Curtiss.

 

A intuição feminina sempre atinge o alvo, embora incomodasse, ou prejudicasse a nós homens.

 

Algo se "cozinhava", também na Casa Branca...

 

Ao mesmo tempo, a tensão no Oriente Médio dava outra torcida.

 

A Líbia entrou em cena novamente e advertiu os EUA, que as empresas petrolíferas estrangeiras poderiam ser nacionalizadas, se eles continuassem com a sua política evasiva em relação às demandas legítimas da Líbia. O ministro do Petróleo, Ezdin Mabrook foi muito claro: "A Occidental será seguida por outras..." [95]

 

O diabólico plano Rapto de Europa estava em andamento...

 

 

[95] Na segunda-feira, 13 de agosto (1973), Armando Hammer, presidente da Occidental Petroleum Corporation anunciou que a petrolífera havia recebido U$ 135 milhões da Líbia, referente ao pagamento de 51% de suas ações. (N. do m.)

 

 

As empresas petrolíferas norte-americanas, por sua vez, continuavam a pressionar o Pentágono, para que invadissem a Líbia ou "anulassem" o Coronel Gaddafi [96].

 

Mas, o que já estava ruim, ficou pior...

 

A estúpida e venenosa CIA voltou a fazer besteira.

 

Os Serviços de Informações árabes descobriram que a Agência Central de Inteligência (?) americana e a embaixada dos EUA em Beirute passavam informações secretas aos judeus.

 

Naquela mesma terça-feira, 14, o líder da Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP), Dr. George Habbash, foi interceptado por caças israelenses enquanto voava de Beirute para Damasco. A cagüetagem veio à tona e o clima ficou cada vez mais quente na região.

 

A guerra se aproximava.

 

- Eu tenho uma cabana perto do vulcão Mauna Kea, no Havaí... Se estourar a guerra eu te convido.

 

Guardei as palavras de Joco.

 

Naquele momento eu não poderia imaginar que, em questão de meses, acabaria visitando a citada cabana do japonês.

 

 

[96] Até 1973 tinham sido colocados em prática um total de seis planos para executar ou "anular" Gaddafi. Todos eles falharam. Cerca de 31% dos conselheiros das petrolíferas dos EUA são militares da reserva, ou não tão da reserva... (N. do m.)

 

 

16 de agosto

Claro, eu não escapei do meu destino.

 

Ninguém escapa...

 

Voltei para o "vespeiro" e continuei remoendo os enigmáticos erros. Eu não cheguei a nada de concreto.

 

Foi na quinta-feira, 16 de agosto, que as coisas mudaram.

 

Foi um giro de 180°.

 

Eu estava imerso na leitura dos diários quando, de repente, a venda dos olhos caiu e eu comecei a ver claramente...

 

Oh, meu Deus!

 

Isso foi o que eu vi e o que eu experimentei: 89 páginas depois do sexto "erro" (agora eu entendo que devo colocar a palavra entre aspas) apareceu "aquilo"...

 

O novo "erro" não era impossível: era duplamente impossível.

 

Não era eu que estava errando, mas "Papai Noel".

 

Foi esta circunstância que, como eu digo, me derrubou do cavalo. O computador central não costumava cometer erros.

 

Eu explico.

 

Naquela época, eu tinha escrito no Ravid: «Partimos de Damiya no sábado, 16, e, por segurança, passamos a noite no vão de Josué. Eu viajava na primeira charrete. Tar nos seguia na sua. (Estávamos indo para a fortaleza de Machaerus.)

 

Naquele domingo, 17 de novembro, o nascer do sol ocorreu às 6 horas, 5 minutos e 15 segundos. O ocaso - segundo "Papai Noel" - ocorreria às 16 horas e 37 minutos. A lua apareceria às 19 horas e 43 minutos e se esconderia às 10 horas e 6 minutos, em condição de minguante. Tudo estava calculado. Melhor dizendo, quase tudo...

 

Pois bem, ao ler no monitor, do "vespeiro", notei que as horas do nascer do sol e da lua não estavam escritos da maneira que eu costumava escrever, e além do mais, os valores não estavam corretos.

 

Eu li com espanto: «Naquele domingo, 17 de novembro, o nascer do sol ocorreu às 3,1 horas, 27 minutos e 025 segundo (número). »

 

Um pouco mais adiante, detectei outro intrigante "erro": «... A lua apareceria às 3,5 horas, 33 minutos e 34 segundos (Ezequiel). »

 

Os ocasos de ambos estavam corretos.

 

Como eu disse, eu fiquei perplexo, sem saber o que pensar.

 

Este tipo de dados era fornecido por "Papai Noel". Eles eram corretíssimos.

 

Além disso - pensei – o que fazem estas palavras, "Número" e "Ezequiel", após os valores?

 

Eu jamais escrevi isso...

 

Naquela mesma noite eu me certifiquei que as horas que acabara de ler no "vespeiro" não eram exatas. O sol não saiu às 3,1 (forma absurda de definir um orto solar), mas às 6. Nem a Lua o fez às 3,5 (!). Sua aparição em Israel, naquela data (17 de novembro do ano 26), foi registrada às 19 horas.

 

E, como eu disse, eu "despertei”...

 

Não precisava ser muito inteligente para descobrir que alguém havia manipulado os diários, mesmo que fosse de uma maneira aparentemente pouco grave.

 

Mas quem?

 

Essa foi outra questão sem muito fundamento.

 

Apenas Eliseu tinha acesso ao "berço" e, claro, ao lugar onde os documentos estavam depositados: "Papai Noel".

 

E eu levantei a questão crucial: Que interesse tinha o engenheiro de alterar algumas palavras (supostamente de segunda ou terceira ordem), e outros tantos números?

 

O que aquela loucura estava escondendo?

 

Então bateram na porta do quarto.

 

Nossa!

 

Eu sempre era interrompido no mais interessante...

 

Abri e a vi.

 

Estava belíssima, como sempre.

 

Ela estava vestindo a túnica azul que eu amava.

 

O cabelo, preto e livre, acariciava sua cintura. Parecia uma Apache, mas não...

 

Era a intuição.

 

Então, sem palavras, ela disse: "finalmente!"

 

Deu meia volta e afastou-se pelo corredor.

 

Ela caminhava na ponta dos pés.

 

Sim senhor... Tinha um traseiro incrível.

 

Fechei a porta e tentei me concentrar.

 

Não foi fácil.

 

Os nervos haviam se desamarrado e rolavam pelo chão. Ali se agitavam como cobras...

 

Era necessário começar desde o princípio.

 

E assim eu fiz.

 

Eu me vesti de paciência e fui anotando “erros” na ordem em que foram aparecendo.

 

Primeira versão:

Até o sétimo. (Zacarias 2, 7)

...e cada erro conduz à luz. (Zacarias 3, 1)

...em uma centena de crepúsculos, no ano 025, com a ajuda do mestre construtor Wailos, Eutiques e Turing.

Chefe dos encantamentos depois de morto (Semihazah 3, 5)

Zeq'el (será o dia do relâmpago) (3, 4)

Na quinta e última coluna lia-se Besa'el (viverá o não vivido). Êxodo 3, 3.

 

O sétimo erro – referente ao sol e da lua – eu o deixei separado.

 

Eu não soube o que fazer com essas horas.

 

E eu comecei a ficar tonto com o assunto. Eu dei voltas e voltas, à procura de um sentido. Mudei as frases de posição, alterei os números, traduzi tudo para o grego, e para outros idiomas, suprimi palavras...

 

Mas o que eu estava procurando?

 

Eu me detive, exausto.

 

Eu não sabia...

 

Eu sequer tinha certeza de que "aquilo" seria uma "mensagem".

 

Eram apenas suposições...

 

E eu me perguntei, pela enésima vez: "Alguém está tentando me dizer alguma coisa?"

 

Que absurdo!

 

Eliseu estava morto...

 

«A menos que as "anomalias" tivessem sido introduzidas nos diários, antes de "regressar" para 1973...»

 

Pareceu-me um comentário óbvio.

 

E aceitando algo assim, que sentido teria?

 

Uma das frases (?) me chamou a atenção desde o primeiro momento: "e cada erro conduz à luz (Zacarias 3, 1).”

 

Certo.

 

Cada equívoco na vida - se você consegue ficar atento - leva à verdade (supondo que a verdade exista).

 

E eu disse: "Será que esses erros conduzem à luz?"

 

Mas para que luz? Existe um fim neste labirinto?

 

Eu estava ficando obcecado...

 

E nisto, de madrugada, voltaram a bater na porta do quarto.

 

Nossa!

 

Abri e encontrei novamente a belíssima mulher de cabelos negros: a intuição.

 

Ele me olhou intensamente.

 

Fiz sinal para que entrasse, mas negou com a cabeça.

 

E me transmitiu:

 

"Dispense o supérfluo."

 

E sorriu, satisfeita, e se retirou.

 

Dispensar o supérfluo? O que era supérfluo naquela loucura toda?

 

Voltei a repassar os seis erros detalhadamente.

 

E eu tomei uma decisão.

 

Eu apaguei citações bíblicas. Afinal de contas eram falsas, ou não relacionadas ao texto em questão.

 

Isto foi o que obtive:

Até o sétimo.

...e cada erro conduz à luz.

...em uma centena de crepúsculos, no ano 025, com a ajuda do mestre construtor Wailos, Eutiques e Turing.

Chefe dos encantamentos depois de morto

Zeq'el (será o dia do relâmpago)

Na quinta e última coluna lia-se Besa'el (viverá o não vivido).

 

Eu continuei sem rumo.

 

Aquilo era ilógico para quem isto escreve.

 

Apenas as duas primeiras frases mantinham certa consistência (?): Até o sétimo e cada erro conduz à luz.

 

Inverti a ordem, pontuei e li: "E cada erro conduz à luz. Até o sétimo.”

 

O instinto avisou.

 

Isso realmente tinha mais sentido. Mas eu continuava em branco.

 

"E cada erro conduz à luz..."

 

Eu tinha identificado sete erros, apesar de que, um deles - justamente o sétimo - não estava sendo contemplado naquele momento.

 

Eu senti um calafrio.

 

"E cada erro conduz à luz... Até o sétimo.”

 

O autor ou autores das "anomalias" parecia conhecer a psicologia do receptor. Eu tinha desconsiderado o sétimo "erro" (por enquanto).

 

"E cada erro conduz à luz..."

 

Fiquei emocionado.

 

E de repente, um raio de esperança iluminou-me.

 

Não foi a razão que chegou a essa conclusão, foi o instinto: "Eliseu está vivo."

 

A lucidez foi breve.

 

Enredei-me novamente nas frases e a prudência - criatura maldita! - Prevaleceu.

 

E assim transcorreram as horas, intermináveis como ​​desertos de pedra...

 

Então me lembrei do aviso da bela intuição:

 

"Dispense o supérfluo."

 

Examinei de novo a charada e tomei outra decisão.

 

Dispensaria o que está errado e as palavras que apareceram repetidas no texto original.

 

Foi assim que eu construí o que segue a seguir:

 

E cada erro conduz à luz.

 

Até o sétimo.

 

Em uma centena de crepúsculos e Turing.

 

Depois de morto

 

Será o dia do relâmpago

 

Lia-se Besa'el (viverá o não vivido).

 

Não avancei muito mais, mas duas frases exigiram minha atenção:

 

"Depois da morte será o dia do relâmpago."

 

Lá fiquei eu, novamente bloqueado.

 

Quem tinha que morrer? Que diabos era o dia do relâmpago? Alguém morreria naquela data?

 

Voltei a me desesperar.

 

O amanhecer iluminava e eu escurecia.

 

Foi quando bateram na porta pela terceira vez.

 

Eu sabia.

 

Era a intuição. Estava voltando para me auxiliar.

 

Assim foi.

 

Ao abrir, deparei-me com ela em minha frente, a dois passos.

 

Desta vez, ela sorriu e apontou para o meu peito.

 

E sussurrou:

 

"Guie-se pelo coração."

 

Ela tinha razão, como sempre.

 

Enfrentei novamente as seis frases.

 

Desta vez, eu as colori.

 

"E cada erro que leva à luz" de vermelho.

 

Foi ao acaso: a primeira cor que me veio à mente.

 

"Até o sétimo" de verde.

 

"Em uma centena de crepúsculos e Turing" de azul.

 

E eu deixei-me levar pelo conselho da bela intuição: "que fale o seu coração."

 

Eu apaguei “e Turing".

 

Eu deduzi que estava sobrando. "Turing" era uma ratificação, nada mais.

 

Assim eu interpretei.

 

Era como se Eliseu tivesse adicionado, ao enigma, um elemento de distração e, ao mesmo tempo, uma confirmação de que aquilo era obra sua. Como eu disse, ele adorava Turing, o mago da informática.

 

De repente eu parei.

 

"Ser guiado pelo coração."

 

E eu continuei pintando em azul “depois de morto”.

 

Foi assim que apareceu a seguinte frase: "Em uma centena de crepúsculos depois de morto" (azul).

 

"Será o dia do relâmpago" colorido em preto.

 

E estava faltando a última frase.

 

Qual cor usaria para pintá-la?

 

Não me veio nada à mente.

 

Foi quando eu decidi colocar a mão na caixa, e sem olhar, tirar uma caneta, aleatoriamente (?).

 

Saiu a violeta.

 

"Lia-se Besa'el (viverá o não vivdo)" foi pintado de violeta.

 

"Guie-se pelo coração", repetiu a bela mulher.

 

E eu suprimi "Lia-se Besa'el".

 

Não havia nenhuma razão para isso. Foi puro instinto.

 

E o "código" - como eu tinha começado a chamar as frases – apresentou-se com um novo visual:

 

E cada erro conduz à luz (vermelho).

 

Até o sétimo (verde).

 

Em uma centena de crepúsculos depois de morto (azul)

 

Será o dia do relâmpago (preto).

 

Viverá o não vivido (violeta).

 

Era a quarta estrutura.

 

Eu permaneci atordoado.

 

Aquilo tinha muito sentido.

 

E a bela mulher falou novamente: "Deixe-se guiar pelo coração."

 

Mudei a posição de uma das frases.

 

Eu gostei mais.

 

E o código tomou nova forma:

 

E cada erro conduz à luz.

 

Até o sétimo.

 

Em uma centena de crepúsculos depois de morto

 

Viverá o não vivido.

 

Será o dia do relâmpago.

 

Vermelho, verde, azul, violeta e preto [97].

 

Era a quinta estrutura...

 

Passei um longo tempo na frente do código.

 

Uma coisa estava clara para quem isto escreve: se Eliseu estava tentando se comunicar - sabendo como ele sabia da minha proverbial falta de jeito - a fórmula tinha de ser extremamente simples.

 

E mais uma vez eu me surpreendi.

 

"Por que eu dava como certo que o engenheiro estava vivo?"

 

Felizmente, eu me foquei no que realmente importava: as frases.

 

"Em uma centena de crepúsculos depois de morto" me deixou obcecado.

 

 

[97] Nas palavras do Mestre... "Quem tem ouvidos para ouvir, que ouça." (N. do a.)

 

 

Eu fiz todos os tipos de cálculos.

 

Eu não consegui decifrar a frase.

 

Eu lancei mão de todas as hipóteses que foram enviadas para mim.

 

Referia-se ao próprio Eliseu?

 

Aceitando-se que estivesse morto, quando ocorreu a morte?

 

Era óbvio.

 

A morte - se é que ele morreu – devia ter ocorrido às 21 horas de 28 de Junho (1973). Foi nesse momento que eu vi o "berço", enquanto afundava nas profundezas do Mar Morto.

 

Eu consultei o calendário.

 

Nossa!

 

"Uma centena de crepúsculos" (?) coincidia com o 6 de outubro.

 

Era nessa primeira semana de outubro, que Rapto de Europa tinha planejado o início da guerra entre árabes e judeus.

 

O instinto tocou em meu ombro, mas eu não me dei conta da sutileza.

 

Lá fiquei eu​​...

 

Seria o dia 06 de outubro, o dia do relâmpago?

 

O resto do código - ou o que fosse - não me dizia nada.

 

E uma voz soou 5 x 5 dentro de mim: "Eliseu está vivo!"

 

O toque era nítido: "Vivo!"

 

Mas isso significava que ele tinha "voltado" para o Mestre...

 

Meu Deus!

 

Eliseu estava tentando me comunicar que ele estava com o Filho do Homem?

 

Eu não entendi.

 

Por que iria voltar ao tempo do Homem-Deus?

 

Já meditei, mas voltei à estaca zero.

 

Que razão ou razões Eliseu podia ter para, manipular novamente os eixos dos swivels, e voltar ao tempo de Jesus?

 

E o mais intrigante: por que tentava se comunicar com quem isto escreve?

 

O que eu fazia no meio disto tudo?

 

Se fosse verdade que o engenheiro estava de volta ao ano 28 de nossa era, por assim dizer, o que pretendia?

 

Eu estava exausto...

 

Ainda assim, eu refleti sobre essas já mencionadas razões:

 

Por gratidão ao Galileu? Ele tinha curado-o...

 

Eu não sei.

 

Eliseu era frio e calculista.

 

Desejava continuar o que eu não pude terminar? Ele tinha a intenção de seguir o Mestre durante o resto de sua vida de pregação?

 

Se assim fosse, eu senti uma imensa inveja...

 

Retornou por causa de Ruth, a ruiva?

 

Eu não acreditei.

 

Para resgatar o cilindro de aço, com as amostras?

 

Isto se encaixava com a personalidade e com o "trabalho" dos "escuros”...

 

Por uma mistura de tudo isso?

 

Quem sabe!

 

E a lógica retornou e se impôs: "Você está saindo do foco..."

 

Talvez ela estivesse certa. Eu tinha visto a nave, afundando-se no Mar de Sal

 

"Vivo! - censurava a voz interior. Ele está vivo e tenta dizer alguma coisa!”

 

"Ele está morto! '", Insistia a razão.

 

"O código não é casual! - Escutava na minha mente. Nada é por acaso... »

 

Sim, eu sabia. Nada é por acaso. Nada...

 

Mas a razão pegava pesado.

 

E nisto estava, quando bateram na porta novamente.

 

Eu pensei: a bela intuição...

 

Ela vai me tirar da dúvida.

 

Abri e fiquei desapontado.

 

Não era a bela mulher que andava na ponta dos pés.

 

Era um policial militar...

 

Nossa!

 

Domenico estava me chamando.

 

Às 08:00hs da manhã da sexta-feira, 17 de agosto, eu entrava no escritório do assistente do General Curtiss, no hangar vermelho.

 

Este seria mais um dia que não iria esquecer facilmente...

 

Domenico não olhou para mim.

 

Acho que não percebeu a minha chegada.

 

Em cima da mesa apareciam cinco grandes fotografias coloridas.

 

O assistente contemplava-as com a ajuda de uma lupa.

 

Eu vi-o concentrado e sombrio.

 

Permaneci em silêncio, do outro lado da mesa, aguardando.

 

As imagens me alertaram.

 

Alguma coisa estava acontecendo...

 

Finalmente percebeu minha presença.

 

Ele levantou o rosto e eu captei uma sombra de preocupação em seus olhos.

 

- O que está acontecendo? – Perguntei, enquanto olhava de canto de olho, para as foscas superfícies das fotos.

 

Ele pegou uma e entregou-me, ao mesmo tempo em que sugeria:

 

-É melhor você se sentar...

 

Então eu o fiz e procedi à análise da fotografia.

 

Era uma foto tirada por um satélite.

 

"Mais uma", disse a mim mesmo.

 

Mas não. Aquela era diferente...

 

Em um primeiro momento, não distingui grande coisa.

 

Tratava-se do Mar Morto, como de costume.

 

À esquerda, aparecia a costa da Jordânia.

 

Abaixo eu li: "16 de agosto. 1973... 12 horas 12 minutos... Coordenadas... »

 

Esse era o ponto em que tinha afundado o "berço".

 

O dia 16 era o dia anterior.

 

Eu hesitei.

 

Aquelas malditas fotos nunca me diziam nada.

 

O assessor indicou um ponto, a cerca de meio quilômetro ao oeste do Wadi Mujib.

 

Eu voltei a inspecionar a imagem, mas eu só encontrei uma mancha.

 

E a olhei, sem conseguir compreender.

 

Domenico, em seguida, abriu uma das pastas e tirou um par de documentos.

 

Entregou-me e convidou-me à ler.

 

Era um relatório confidencial procedente do Pentágono (seção cartográfica do CTID: Centro de Desenvolvimento Tecnológico e Industrial).

 

Eu li rápido, então fui atropelado pela confusão.

 

Eu cruzei um olhar com o assistente.

 

Ele assentiu com a cabeça, em silêncio.

 

- Mas...

 

Ali reconheciam que o "berço" estava a 92 metros, enterrado na lama do leito do Mar Morto.

 

Voltei para a fotografia, mas eu continuei em branco.

 

Apenas se distinguia um ponto...

 

E eu comentei: farto:

 

- Isto pode ser o cocô de uma mosca...

 

Domenico sorriu relutantemente e me incentivou a ler todo o relatório.

 

A equipe do Pentágono incluiu inúmeros dados técnicos que endossavam, supostamente, a descoberta.

 

O autor (ou autores) citava(m) "o inconfundível perfil do módulo" e a "clara ausência do trem de pouso".

 

A detecção - rezavam os papéis – havia sido possível graças aos sensores hiper-espectrais de alta resolução espacial [98], com a ajuda de Raios-X e a "canalização ultra-sônica."

 

Os satélites, finalmente, conseguiram penetrar na lama e localizar a nave.

 

Eu não sei explicar, mas aquilo me cheirava a algo suspeito.

 

É verdade que as descobertas militares dos EUA, passam de dez anualmente, e é improvável que venham à luz. Tudo era possível, mas...

 

Eu acabei dando de ombros e exclamei:

 

- Quem sabe...!

 

Domenico contemplou-me, perplexo.

 

- A Informação - argumentou - vem de cima.

 

- É onde existe mais merda...

 

A assistente me incentivou a continuar inspecionando o resto das fotografias.

 

Então eu o fiz.

 

Desta vez eu empalideci...

 

As quatro imagens eram diferentes. Muito diferentes...

 

Domenico adiantou-se ás minhas intenções e me cedeu a lupa.

 

- O que é isso? - Perguntei depois de uma primeira e detalhada observação.

 

Meu companheiro respondeu:

 

- Sinceramente, não sei... Parece um dos nossos.

 

Nas fotos, nítidas e bem focadas, aparecia um corpo. Era um cadáver.

 

Eu li no verso: "Mar Morto. 11 de agosto de 1973. Jordânia. Identidade desconhecida".

 

Não havia nenhuma dúvida. As imagens foram tiradas em uma praia na costa oriental do Mar Morto (região Jordaniana).

 

Inspecionei-as várias vezes, cada vez mais nervoso.

 

 

[98] Os radiômetros hiper-espectrais, altamente secretos, geravam informação em 36 canais (desde o visível até o infravermelho), com uma sensibilidade de 12 bits. Os radiômetros forneciam 15 imagens diárias da área selecionada, com uma capacidade de penetração de 120 metros. Não importava que fosse rocha, lama, argila ou água. A informação era capturada em paralelo, conseguindo em torno de 406 linhas/minuto. Por outro lado, os geradores de raios-X trabalhavam entre 10kV e 250kV. (N. do m.)

 

 

- Não pode ser...

 

- Parece ser sim.

 

E repeti:

 

- Não é possível...

 

- É sim, Jasão... É por isso que eu te chamei.

 

Na primeira foto aparecia o corpo, de bruços, a uma curta distância da água. Ele usava um traje branco, aparentemente de astronauta.

 

Eu fixei-me nos detalhes.

 

Era similar aos que usávamos no projeto Swivel e, mais especificamente, na operação Cavalo de Tróia.

 

Ele estava usando o capacete.

 

Nas proximidades apareciam os pés de vários soldados. Eram botas. O fotógrafo era um soldado, obviamente.

 

Na segunda imagem, o "astronauta" (?) aparecia de costas.

 

Eu passei com a lupa sobre o capacete, mas a viseira era escura, não permitia ver o interior.

 

No ombro esquerdo se distinguia a bandeira norte-americana (13 por 7 centímetros), costurada no traje.

 

E vieram os calafrios.

 

- Não é possível - repetia.

 

Eu continuei aproximando a lupa do traje.

 

Afirmativo.

 

Era idêntico ao que Eliseu e eu usávamos quando eu fui empurrado para as águas do Mar de Sal [99].

 

Domenico permaneceu em silêncio, com a cabeça baixa.

 

 

[99] No jargão do projeto, os chamávamos de ases. Os russos têm outro nome para os trajes de astronautas: Sokol. Os ases consistiam de duas camadas, com 92% de fibra "nomex" 3% de P-140 e o restante em "Kevlar". A camada externa recebia um tratamento especial - semelhante ao da "pele de serpente" - que tornava o traje praticamente invulnerável. A área em contacto com a pele era de algodão "w-7", o que impedia a perda de calor e absorvia a transpiração. Todos estavam equipados com emissores de onda de rádio e pequenos kits de sobrevivência. (N. do m.)

 

 

A terceira fotografia me desconcertou um pouco mais.

 

Era uma ampliação do braço direito.

 

Uma maleta metálica, de tamanho médio, estava algemada ao seu pulso.

 

Eu não entendi...

 

Eu perguntei, mas Domenico não soube o que responder.

 

Na face visível da maleta, podia ser visto parte de um número gravado no metal.

 

Parecia ser 1357.

 

Não fazia nem idéia.

 

Que eu saiba, no "berço" nós não carregávamos esse tipo de maleta.

 

A última fotografia era outra ampliação. Neste caso, do peito do astronauta.

 

A lupa tremeu.

 

Eu logo reconheci o emblema circular, de sete centímetros de diâmetro, que indicava ser de Cavalo de Tróia. Aparecia sobre o coração.

 

Eu estremeci e Domenico percebeu isso.

 

Ele se apressou a pegar o rosário e começou a murmurar as orações, com os olhos fechados.

 

No centro do peito, na altura esterno, quase era possível ler um sobrenome.

 

Deus abençoado!

 

Aparecia costurado no traje.

 

Voltei a interrogar Domenico.

 

Nenhuma resposta.

 

Ele continuou com as Ave-Marias.

 

"Não - eu disse - não é...»

 

Sim, era. Pelo menos, esse era o nome que eu li.

 

Era Eliseu!

 

O seu nome (real) aparecia no peito.

 

As cinco letras estavam deterioradas, mas legíveis.

 

- Deus! Não é possível...

 

O assistente interrompeu o terço e disse:

 

- Você está vendo... Parece que sim. Fim do Pesadelo.

 

- Curtiss já sabe?

 

- Está a caminho...

 

Eu apontei para as fotos e perguntei, mesmo sabendo a resposta:

 

- Quais são as garantias de que isso é autêntico?

 

- Garantias? - gritou Domenico, surpreso. Elas vêm “de cima”!

 

E lembrei-me de Eliseu e os "escuros do inferno". Eles também vinham “de cima”...

 

- Não sei o que pensar - lamentei.

 

O assistente levantou-se.

 

O rosário balançou nervosamente.

 

E Domenico extravasou:

 

- Eu vou te dizer o que você tem que pensar... Eliseu morreu.

 

Ele hesitou por uns instantes, mas continuou, com coragem e determinado:

 

- Provavelmente se afogou... Talvez ele tenha morrido com o impacto. Isso é o que importa!... Morreu!... Nós lhe prestaremos honras militares...

 

- À merda, com as honras!

 

- Quando Curtiss chegar, perguntarei e avisaremos a esposa e a família...

 

E o código me veio à mente.

 

Que situação estranha!

 

Aquelas frases não se encaixavam com o que eu tinha em minha frente.

 

Ele estava ficando obcecado?

 

Não fiz mais comentários e abandonei o local.

 

Eu caminhei sem rumo.

 

Eu estava muito confuso e angustiado. Eu não podia ignorar o que eu tinha acabado de ver, mas algo me puxava em outra direção... Eu não sei explicar.

 

Foi, sem dúvida, um dos momentos mais difíceis daquela trama toda.

 

As esperanças nascidas em função do código estavam desaparecendo, segundo a segundo.

 

Eu acabei no bosque de Josué.

 

Eu conversei muito com o cacto de olhos cor de mostarda.

 

Tentei colocar ordem no galinheiro da mente. Foi quase impossível.

 

Josué olhava e exclamava:

 

- Coitado!

 

Ele deu uma de confessor:

 

- Comecemos pelo princípio. O que você viu?

 

Falei-lhe de uma mancha em uma foto de satélite.

 

- Você tem razão - disse ele. Isto é manipulável...

 

Falei também dos documentos do Pentágono...

 

- Um momento - interrompeu admirado - o que tem a ver com Ellsberg?

 

- Nada...

 

- E com Colson?

 

- Muito menos... [100]

 

- E com o ignorante de Nixon?

 

A pergunta me incomodou, mas eu continuei com as explicações:

 

- As outras fotografias são outra história...

 

- Por quê?

 

- Elas mostram um cadáver, vestido de astronauta. Dizem que é Eliseu...

 

- Quem disse?

 

- Está escrito o nome no peito...

 

- Isso não significa nada. Você viu o rosto dele?

 

- Não.

 

 

[100] Charles Colson era assessor de Nixon e se viu envolvido no escândalo de "Watergate". Uma das "aventuras" de Colson consistia em entrar no escritório do psiquiatra de Ellsberg para tentar encontrar documentos que desprestigiassem o tal Ellsberg. Ellsberg havia passado para a imprensa, os chamados "Documentos do Pentágono" sobre os abusos dos EUA no Vietnã. (N. do a.)

 

 

- Quando foi que apareceu?

 

- Faz uma semana... Tinha uma maleta algemada ao pulso.

 

- Uma maleta? Assim como “O homem que nunca existiu”!

 

- A que você se refere?

 

- São coisas minhas... Você não havia nascido. [101]

 

E de repente, me lembrei de algo que podia ser importante.

 

Eu não me dei conta quando estava no escritório do assistente.

 

- Como ele morreu?

 

Eu não prestei atenção às palavras do cacto.

 

- Afogado? Ele insistiu. Machucado? Ele morreu no momento do impacto?

 

- Não sei - eu gaguejei. Eliseu era um atleta...

 

- O que você lembra?

 

- O "berço" estava parado no ar quando fui empurrado para a água...

 

- Nível?

 

- 30 pés (cerca de 10 metros).

 

 

[101] A "Operação Mincemeat", idealizada por Ewen Montagu, foi um bem sucedido plano de contra-informação britânico, colocado em prática em 30 de abril de 1943, durante a Segunda Guerra Mundial.

Consistia em tentar convencer o alto comando alemão (OKW), de que, acidentalmente, eles (os alemães) tinham interceptado documentos secretos, com detalhes dos planos operacionais dos Aliados, que falavam em invadir a região dos Bálcãs (Grécia) e da Sardenha, em vez da Sicília (ocupada pelos alemães), que era o objetivo real.

Foi um sucesso. Os alemães dividiram suas forças e a invasão da Sicília ocorreu sem grandes problemas.

O plano consistia em abandonar, em águas espanholas, um cadáver vestido de oficial do Exército britânico, que seria levado pela força das ondas até a praia de El Portil em Punta Umbría, Espanha. Este corpo estaria carregando falsos documentos secretos dos Aliados.

Para o sucesso do plano, os aliados estavam contando que haveria colaboração entre os serviços secretos alemães e as autoridades espanholas. Isto, porque a Espanha, embora oficialmente neutra na guerra, simpatizava com planos de Hitler e estava cheia de agentes Abwehr (organização de inteligência militar alemã). Como é sabido, o plano funcionou com perfeição.

Em 1953 Ewen Montagu escreveu um livro sobre a operação, intitulado “O homem que nunca existiu”, que depois foi transformado em filme. (N. do t.)

 

 

- Havia combustível?

 

- Os tanques de reserva entraram em operação ao ficar estacionário sobre o Mar Morto.

 

- Isso significa que...

 

O cacto calculou. Eu o ajudei:

 

- Sobravam 492 quilos...

 

- A quanto queimava o "berço"?

 

- Naquele momento, se bem me lembro, a uma taxa de 6 quilos por segundo.

 

E acrescentei:

 

- Quando eu saltei ainda tínhamos 40 segundo...

 

- Vamos ver – Josué meditou... Você foi empurrado, submergiu na água e retornou para a superfície...

 

- Assim foi.

 

Não sabia onde ele queria chegar...

 

- Tudo isso ocorreu, eu suponho, em torno de 20 ou 30 segundos...

 

Eu concordei:

 

- Mais ou menos...

 

- Na realidade, observou a nave pouco antes de retornar à superfície...

 

Eu estava de acordo. Vi afundando quando eu comecei a subir.

 

- A nave, portanto, não tinha consumido todo o combustível quando cruzou contigo debaixo d’água...

 

Desta vez fui eu quem fez os cálculos.

 

Ele estava certo.

 

Quando eu a vi perder-se nas profundezas do Mar de Sal, poderia ter transcorrido 15 ou 20 segundos depois que eu fui empurrado por Eliseu. Talvez menos. Lembrei-me de que, segundos antes do meu parceiro me empurrar, ele gritou, enquanto olhava para os controles: "restam 40 segundo!"

 

Nossa! As observações do cacto me deixaram perplexo.

 

A nave não caiu no lago violentamente. Desceu suavemente. Não houve impacto.

 

Em outras palavras, entrou no Mar Morto com metade do combustível de reserva.

 

Quando eu cruzei com o "berço", de acordo com essas estimativas, havia combustível para mais 20 segundos, no mínimo. E eu pensei: "Vinte segundos é uma eternidade..."

 

E a questão do capacete - a idéia de que tinha me assaltado pouco antes - retornou com força.

 

Ali deixei o bom Josué, fazendo cálculos.

 

E eu retornei novamente para a área restrita.

 

Pelo caminho ia matutando.

 

Eliseu teve tempo de ativar a inversão de massa... E "desaparecer"!

 

Mas, o que devia pensar sobre o corpo?

 

Se ele se afogou (?) em 28 de junho, por que ele apareceria 44 dias depois? Além disso: se o "berço" estava a 92 metros, na lama, como explicar a presença do "astronauta" na margem? Quem encontrou o corpo? Em que circunstâncias? Em que ponto exatamente?

 

E o mais importante, por que o capacete não foi retirado?

 

Muitas perguntas sem resposta...

 

Talvez Domenico estivesse certo.

 

"Fim do pesadelo".

 

Talvez eu devesse aceitar a idéia de que Eliseu estava morto.

 

Ou não?

 

E sobre o código?

 

Seria tudo, uma manobra orquestrada pelos "escuros do inferno"?

 

Estava delirando...

 

E o que pensar da estranha maleta metálica, algemada ao pulso direito do corpo?

 

O que havia nela?

 

Talvez o cilindro de aço, com as amostras do Mestre e de sua família?

 

Eu rejeitei a idéia.

 

Isso não era possível.

 

O cilindro estava perdido em Beit Ids...

 

Talvez continha algo do que Eliseu não tivesse falado.

 

Mais um segredo?

 

Ao entrar no escritório do assistente de Curtiss, no hangar vermelho, fui direto para as fotografias do "astronauta".

 

Domenico me seguiu intrigado.

 

- O que é isso?

 

Eu não respondi. Só queria ter certeza.

 

De fato.

 

E fiquei novamente confuso.

 

O corpo, encontrado na margem do Jordão, usava um capacete com viseira escura.

 

Que estranho!

 

Como eu já relatei, segundos antes deste explorador ser empurrado por Eliseu nas águas do Mar de Sal, o engenheiro começou a retirar o meu capacete, e, em seguida, fez o mesmo com o seu. Ambos os capacetes tinham viseiras transparentes. Lembro-me de que o meu estava manchado de sangue [102].

 

Como era possível que o cadáver, supostamente de Eliseu, estivesse usando capacete, e com viseira escura?

 

Será que ele voltou a encaixá-lo depois? Por que razão? Se ele pretendia saltar, o capacete, na água teria sido um incômodo.

 

Ou não eram estas, as suas intenções?

 

 

[102] Em Cavalos de Tróia 9 - Caná, no final da sua aventura, a major escreve: «O engenheiro acionou o sistema hidráulico e, instantaneamente, o alçapão localizado no piso do módulo se abriu completamente.

Vi as águas azuis, a pouco mais de dez metros, riscadas pelos gases de peróxido de hidrogênio.

- Vamos Major...! Você tem que saltar!

Eu indiquei que eu estava usando o capacete.

Eliseu assentiu com a cabeça e pediu desculpas pela falha.

O retirou e fez o mesmo com o seu.

- Agora! - Ordenou o engenheiro - Não há tempo nem combustível...

Ele olhou para os controles, e confirmou:

- Restam 40 segundos!

Mas eu segui hesitando...

- Vamos, porra!

Eliseu não esperou. Ele acabou empurrando-me no vácuo.

E eu caí...

Eu senti o toque quente dos gases no cabelo e na pele.

Depois me choquei com água...

Depois, tudo azul.

Eu afundei. » (N. do a.)

 

 

Eu tive que sentar.

 

Tudo estava escuro ao meu redor.

 

Reli o relatório do Pentágono e analisei as outras fotos novamente.

 

Não disse nada para Domenico sobre o assunto do capacete.

 

O assistente não conseguiu esclarecer minhas dúvidas.

 

Não sabia muito.

 

As fotos do "astronauta", aparentemente, foram tiradas pelo exército jordaniano, e depositadas na embaixada dos EUA em Amã. De lá, foram remetidas para o Pentágono.

 

Domenico não sabia quando elas realmente foram feitas, mas na parte de trás do papel aparecia a referida data: 11 de agosto (sábado).

 

Também não sabia como o corpo havia chegado até a praia.

 

"Alguém avisou – eu suposto - e as autoridades foram até o lugar."

 

Fazia sentido.

 

E eu pensei, "faz 50 dias que o "berço" afundou, sempre supostamente... Esse cadáver, aceitando que seja de Eliseu, deve estar em avançado estado de decomposição... ou muito me engano, ou a identificação pode ser lenta e trabalhosa... De qualquer forma, que explicação, forneceu a embaixada, para as autoridades jordanianas?"

 

Deixei-os para lá...

 

Foi naquela nova revisão das fotografias quando eu vi:

 

Aproximei a lupa e quase confirmei.

 

Era outro detalhe "impossível".

 

Domenico me observava com curiosidade.

 

Para ele, eu era quase alienígena.

 

O traje de astronauta aparecia um pouco rasgado na altura do joelho esquerdo.

 

Isso era impossível...

 

Como já relatei anteriormente (ver nota [99] na página 287), a camada externa era protegida por um composto coloidal, que resistia à agressões físicas e químicas. O impacto de um calibre 22 norte-americano, à dez metros, não lhe afetava.

 

E eu me perguntei: "Como ele pode estar rasgado?"

 

Também não fiz comentários a respeito.

 

Menos mal...

 

Curtiss se apresentou no hangar vermelho às 16 horas e 6 minutos.

 

Chegou nervoso e com o charuto apagado entre os dedos. Estava soltando faíscas. O Pentágono havia informado-o pela manhã. Era sempre o último a ficar sabendo das notícias... Dizia isso.

 

Domenico começou a tremer, e com razão.

 

O general analisou as fotografias, enquanto o ajudante se ocupava do quepe.

 

Curtiss rosnou.

 

Ele exigiu os documentos do Pentágono e continuou rosnando de maneira surda.

 

Domenico começou a empalidecer.

 

Isso significa "tempestade à vista."

 

O chefe do projeto olhou para mim, mas não me viu. E ele continuou fazendo sons roucos e ininteligíveis.

 

Domenico ateou fogo no charuto, ressuscitando-o, e o general, com os documentos e as fotografias na mão, dirigiu-se para o "fumódromo".

 

A raiva de Curtiss salpicava...

 

Ele deteve-se, virou-se e dirigindo-se para quem isto escreve, berrou:

 

- Precisamos conversar você e eu!

 

O tom soou como um bombardeio à bombordo.

 

O que eu havia feito dessa vez?

 

A bordoada da porta foi coisa de cinema.

 

Não sabia o que fazer.

 

Eu me sentava? Fugia?

 

Eu escolhi esperar.

 

E a gritaria começou.

 

Curtiss falava com o Pentágono.

 

Depois vieram as maldições e os adjetivos depreciativos.

 

Domenico se escondeu atrás dos papéis. Nem respirava. Os telefones lançavam fumaça...

 

- Eu sei que é sexta-feira, seu pé no saco! - berrava Curtiss. Isso tem prioridade!... Encontre este trapalón do cacete!

 

Silêncio.

 

Em seguida, mais gritos e sutilezas:

 

- Como você não encontra o oficial de operações?... Seus soviéticos!... Seus inúteis!... Encontre-o e o tragam-me pelas bolas!... Você entendeu?... Então é isso!... Maldito jevas!

 

Domenico traduziu e ruborizou:

 

- Jeva, em Cuba, significa marica...

 

- E trapalón?

 

- Vem do Português: trapalhão... Trapaceiro.

 

Curtiss os chamou de tudo.

 

Ninguém estava onde deveria estar...

 

Ele os chamou de traidores, prostitutas de rua, pinguços, auxiliares ralés e militares de quinta (?).

 

O repertório era interminável.

 

- O que está caçando no Alasca?... Maldito!... Tragam-no!... É uma ordem!

 

Em seguida, foi a vez dos políticos.

 

Ele chamou-os de vampiros, preguiçosos crônicos, cornocratas, bajuladores e marginais, entre outros adjetivos que eu não recordo.

 

Uma hora depois, em plena tempestade, eu me retirei.

 

Se o general me chamasse, Domenico sabia onde me encontrar.

 

O bar de Joco era um incêndio. Os rumores consumiam tudo. E eu ouvia espantado.

 

Nixon tinha se dirigido à nação, declarando-se inocente no caso "Watergate" [103].

 

 

[103] Como deve se recordar, a invasão da sede do Partido Democrata em Washington D. C., por parte dos "encanadores" ou espiões de Nixon, ocorreu em 17 de junho de 1972. As escutas ilegais ocorreram no hotel "Watergate". (N. do a.)

 

 

Meus companheiros militares o chamaram de traidor e papudo mentiroso.

 

Ele disse que não iria renunciar...

 

E as gargalhadas foram de morte.

 

Joco o chamou de inútil.

 

Kissinger e a CIA seguiam incendiando o Chile, mas pela porta dos fundos, de acordo com seus hábitos.

 

Allende, o presidente legítimo, alertou para a possibilidade de uma guerra civil. Mas Nixon e "macacos" olhavam para o outro lado.

 

Para piorar a situação, os aviões-caça judeus tinham interceptado outro avião. E obrigaram-no a pousar na cidade de Lod. No bar de Joco havia rumores de que, no aparelho, estava viajando Salah Khalaf, um terrorista que dirigia a organização Setembro Negro.

 

E eu pensei, "Outro truque de Rapto de Europa para esquentar o clima..."

 

A guerra estava uivando nas proximidades.

 

Todos a ouviam, mas ninguém fazia nada.

 

Malditos políticos e malditos militares!

 

A maioria dos meus colegas segue as regras, eu sei, mas alguns são vilões e corrompidos.

 

O dinheiro e o poder os dominam.

 

Pobre iluminados!

 

Eles não sabem que a única coisa que levarão deste mundo é a mala das memórias...

 

Mas, mesmo assim, eles cumprem seu "contrato".

 

Eu comecei a perceber que não dava pé.

 

Eu me senti derrotado.

 

Curtiss não me chamou.

 

E eu optei pela coisa mais sensata: retirar-me para o meu quarto e seguir pensando.

 

Os pensamentos eram como o Mar Vermelho da Bíblia: de repente se abriam para, em seguida, se fecharem com um estrondo.

 

E eu me vi sendo sacudido por águas turbulentas:

 

"Eliseu... Estava vivo?... O código... Um cadáver no Mar de Sal... Fim do Pesadelo... Eu vou te dizer o que você tem que pensar... Precisamos conversar você e eu... O que está caçando no Alasca?... Havia combustível para 20 segundos... Eu apontei para o meu capacete e ele o retirou, e fez o mesmo com o seu... Uma centena de crepúsculos depois de morto...”

 

Eu me rendi, abraçado ao código.

 

Em boa hora...

 

18 de agosto

Eu dormi profundamente.

 

E amanheceu aquele fim de semana inesquecível.

 

Decisivo, eu diria, na presente história.

 

Após tomar o café da manhã e passear um pouco pelo bosque de Josué, encerrei-me novamente no alojamento dos oficiais.

 

Não tive notícias de Curtiss. Melhor assim...

 

E, mais sereno, dediquei o tempo à algo que havia deixado de lado conscientemente, não sei se, por medo ou preguiça. Suponho que, pela primeira opção.

 

E eu pensei: "Por que eu não enfrentei aquela última parte do código muito antes?

 

Eu teria economizado tempo, energia e, acima de tudo, desgostos.

 

Quem sabe...

 

O Destino não mede como nós.

 

O chamado “sétimo erro" (no código) apresentou-se a mim no anoitecer de sábado, 18 de agosto de 1973.

 

Mas irei passo a passo...

 

Peguei papel e caneta e me dispus a desmascará-lo.

 

O texto em questão, como deve recordar, dizia assim:

 

"Nesse domingo, 17 de novembro, o nascer do sol ocorreu às 3,1 horas, 27 minutos e 025 segundo (número)".

 

Um pouco mais adiante, continuava como se segue:

 

"A lua apareceria às 3,5 horas, 33 minutos e 34 segundos (Ezequiel)."

 

Senti um palpite.

 

Ali se escondia alguma coisa... Que estupidez! Até mesmo um cego poderia ver isto!

 

Eu coloquei o código - em cores - à vista e comecei a cercar.

 

Eu comparei.

 

Eu aproximei-o e o afastei.

 

Eu suprimi palavras.

 

Eu adicionei outras...

 

Foi um trabalho em vão.

 

Assim transcorreram várias horas.

 

O "erro" parecia ser de ferro. Eu não era capaz de atingi-lo.

 

E, aborrecido, eu pensei em desistir.

 

O especialista em números era Eliseu... Não havia o que discutir.

 

E nisto eu estava, prestes a jogar a toalha, quando bateram na porta.

 

Era a bela intuição!

 

Não entrou.

 

Ela estava deslumbrante...

 

E sussurrou do corredor:

 

- Os números!

 

Os números?

 

E a bela se afastou, na ponta dos pés.

 

Fechei a porta da imaginação e foquei a minha inteligência (?) nos números que apareciam no referido “sétimo erro".

 

Eu ignorei as palavras, organizei os números em uma fileira, tal e como se apresentavam no "erro", e li:

 

17-3,1-27-025-3,5-33-34

 

Eu olhei várias vezes.

 

Eu seguia no escuro.

 

Que homem tão desajeitado!

 

Alterei a posição dos dígitos.

 

Inverti a ordem.

 

Comecei pelo final...

 

Absolutamente nada.

 

Casei uns números com outros.

 

Divorciei-os.

 

Eu fiz todas as diabruras que me vieram à mente, e algumas mais.

 

Eles não disseram nem “mu”.

 

Eram números dóceis e sofridos...

 

E as combinações, cálculos e especulações provocaram uma fumaceira no meu cérebro. Era lógico.

 

Eu desisti pela segunda vez.

 

Optei por deixar de lado, por enquanto, e dar outro passeio.

 

Eu comi alguma coisa e ventilei a mente.

 

Logo eu estava de volta no meu quarto.

 

Era incrível.

 

Alguma coisa estava me puxando, e pelo nariz.

 

E seguiram as cabalas, as anotações, os quebra-cabeças e a fumaça no cérebro.

 

Nada.

 

O "sétimo erro" era à prova de fogo.

 

Eu estava equivocado ao considerá-lo uma anomalia?

 

A única coisa que eu tinha certeza era que não tinha sido falha minha.

 

E de repente, quando o sol estava indo embora, entediado, eu recebi aquela espécie de faísca.

 

Que burro!

 

Por que eu não vi isso antes?

 

Por razões de segurança, eu comecei do zero. Resgatei os seis primeiros "erros" e observei, com alívio, que os números que acompanham as falsas citações bíblicas, eram os mesmos que eu estava cercando desde a manhã.

 

Nossa!

 

E eu li, atordoado: "Zacarias 2,7 - Zacarias 3,1 - no ano 025 - Semihazah 3,5 - (será o dia do relâmpago) (3,4) e Êxodo (3.3)".

 

Então me lembrei do sussurro da bela intuição:

 

"Os números!"

 

Extraí os dígitos das referidas falsas citações bíblicas e arrumei-os em uma fileira (na ordem que apareceram):

 

2,7-3,1-025-3,5-3,4-3,3

 

Duas vezes Nossa!

 

Esses números eram praticamente idênticos aos contidos no "sétimo erro". Que são os seguintes:

 

17-3,1-27-025-3,5-33-34

 

O 17 era o único que não se repetia.

 

Eu o suprimi.

 

E as duas fileiras ficaram como se segue:

 

2,7-3,1-025-3,5-3,4-3,3 (citações bíblicas)

 

3,1-27-025-3,5-33-34 (“sétimo erro")

 

Eu estava pasmo.

 

Se não fosse pelas vírgulas, os números praticamente eram gêmeos.

 

Aquilo não tinha cara de casualidade, nem de menos do que isto.

 

O 3,1 na primeira linha cruzada em “Xis”, com o 3,1 da segunda. Assim como o 2,7 e 27.

 

O 025 e o 3,5 mantinham posições idênticas em ambas as linhas.

 

Na "cauda", novamente se repetia o “Xis”.

 

Assombroso!

 

Em criptografia, o duplo cruzamento é usado para ratificação (!).

 

Coincidência? Eu duvido.

 

Nossa! Aquilo tinha me vencido...

 

E cheguei a uma brilhante conclusão: eu, desajeitado até dizer chega, teria necessitado de mil anos para construir algo assim (?).

 

Simplesmente, era simples e difícil.

 

O autor era um gênio.

 

Mas ainda não tinha visto tudo...

 

Pressenti que estava acariciando algo. Podia sentir na ponta dos dedos...

 

Alguém estava tentando se comunicar com quem isto escreve.

 

E este alguém só poderia ser Eliseu...

 

Eliseu?

 

Deus! Eu tinha acabado de ver o seu cadáver... Melhor dizendo, seu suposto cadáver.

 

E os céus tiveram piedade de mim. O que mais posso pensar?

 

Nisto voltaram a bater na porta.

 

Era a bela, mais uma vez.

 

Ela piscou, emocionada, e sugeriu:

 

- As vírgulas...

 

E se afastou na escuridão do corredor.

 

Que maravilhoso e magnífico traseiro!

 

Deixei a banalidade de lado e debrucei-me novamente sobre o código.

 

Duas vezes Nossa!

 

Eu apaguei as vírgulas, como a intuição aconselhou, e foi isso que apareceu:

 

27 31 025 35 34 33

 

31 27 025 35 33 34

 

Pares de números idênticos, embora em posições diferentes, giravam em torno do 025 e do 35.

 

E os “Xis”, surgiram em todo o seu esplendor.

 

Como eu disse, quem isto escreve não teria conseguido algo assim, nem em mil anos...

 

Não foi um calafrio que eu experimentei. Foi uma cadeia de calafrios.

 

"Alguém" se aproximava, sigilosamente...

 

E foi contemplar a dupla seqüência – de forma panorâmica - quando meu cérebro de piloto reagiu...

 

Deus Santo!

 

Como eu não tinha visto muito antes?

 

E eu era um aviador?

 

Um idiota! Isso sim...

 

Olhei para o relógio.

 

Ele informava 21 horas.

 

E eu escrevi triunfante:

 

27° 31' 025” - 35° 34' 33”

 

31° 27' 025” - 35° 33' 34”

 

Eram coordenadas geográficas!

 

Eu estava flutuando...

 

Eu tinha conseguido!

 

Para ser exato: Eu quase tinha conseguido.

 

Eram coordenadas, mas faltava algo vital: a longitude e a latitude.

 

O que indicavam? Tinha que encontrar alguma coisa em particular neste local? Que local? Por que umas coordenadas?

 

Tal foi a emoção, que a mente ficou inundada.

 

Eu não pude dar um passo.

 

Eu queria chorar, mas não sabia como.

 

Deixei-o e correu para o bar de Joco.

 

Alguém, na verdade, tinha chegado até mim.

 

Finalmente...

 

A bela intuição nunca trai, nem se equivoca. Assim afirmava o saudoso Mestre.

 

Os supostos erros não eram erros.

 

Alguém lançou "anomalias" nos diários, e de propósito.

 

Esse "alguém" - eu sabia - era Eliseu, o engenheiro.

 

E seguiu martelando aquele pensamento: Está vivo!

 

Mas, se era assim, por quê? Que sentido tinha tudo aquilo? O que ele estava tentando me comunicar? Por que não disse nada quando estávamos na nave? Teria sido mais fácil...

 

Isto já não tinha mais solução. A situação era esta.

 

E eu dormi inquieto.

 

Eu tive sonhos absurdos.

 

A bela, que caminhava na ponta dos pés, apareceu nos sonhos e repetiu, obsessivamente:

 

- «Número... Ezequiel... Número... »

 

A palavra "Número" (eu não entendi por que falava de "Número" em vez de "Números") foi repetida 226 vezes.

 

Foi cansativo.

 

Perseguia-me. Onde quer que fosse, inclinava-se sobre mim e sussurrava as citadas palavras.

 

A palavra "Ezequiel" foi pronunciada 137 vezes.

 

Quando se inclinava, dava para ver os seios. Isso me confortava.

 

No domingo, 19, coloquei o alojamento de cabeça para baixo e comprovei, com espanto, que não dispunha de um único mapa onde pudesse estudar as coordenadas.

 

Conformei-me.

 

Também não possuía a informação chave: as referidas longitude e latitude.

 

Sem elas, não havia nada a fazer.

 

Devia esperar até segunda-feira. Então iria até o “Dryden” ou NASA Dryden Flight Research Center (Centro de Investigações de Vôo Dryden), localizado perto do alojamento dos oficiais, e resolveria o problema.

 

Resolver o problema?

 

Eu era mais tonto do que aparentava.

 

Primeiro eu tive que resolver a questão da latitude e longitude.

 

E ainda assim...

 

Olhei de novo para as coordenadas:

 

27 ° 31 '025 '- 35 34 '33 "

 

31 ° 27 '025 '- 35 33 '34 "

 

Aquilo admitia múltiplas combinações.

 

Várias...

 

E lembrei-me dos sonhos.

 

Por que a bela insistia nas palavras "Número" e "Ezequiel"? Por que repetiu-as 363 vezes?

 

O instinto avisou.

 

Ali havia algo escondido.

 

E eu me lembrei do conselho do Filho do Homem, "procure sempre a pérola dos sonhos."

 

"Números" (não "Número") é o quarto livro do Pentateuco (como um tolo eu insisti em "Números").

 

"Ezequiel", entretanto, é o quinto dos livros proféticos do Antigo Testamento.

 

E qual relação tinha com o que eu buscava?

 

Aparentemente nenhuma.

 

Mas eu tentei e tentei todas as fórmulas que apareceram em minha mente.

 

Tentei encaixar "Números" e "Ezequiel" entre as coordenadas.

 

Aquilo era misturar água e óleo.

 

O desastre foi completo.

 

"Números" é o relato da peregrinação dos judeus através do deserto.

 

Bem, a minha também foi uma peregrinação...

 

Quanto a "Ezequiel", já se sabe: a visão da carruagem de fogo e o livro...

 

E de repente, me lembrei de algo contido no referido texto de Ezequiel (2, 8): "E tu, ó filho do homem, ouve o que eu vou te dizer, não sejas rebelde como esta casa rebelde. Abra a boca e come o que eu vou dar."

 

Agora, sabendo o que sei, "aquilo" era mágico e maravilhoso.

 

E outra frase, também de Ezequiel (2, 3), retumbou na memória: "Filho do homem, eu te envio aos filhos de Israel, a nação dos rebeldes, que se rebelaram contra mim."

 

Eu disse: mágico...

 

O esforço se prolongou toda a manhã.

 

Negativo.

 

"Números" e "Ezequiel" não tinham pinta de latitude e longitude...

 

Eu estava errado, é claro.

 

E por um tempo eu desabei na cama, perdido.

 

Eu não sabia para onde ir.

 

E bateram na porta novamente.

 

Eu pulei, animado.

 

Socorro!

 

Era a linda, belíssima, do traseiro fenomenal.

 

Também não quis entrar. Olhou para mim e disse:

 

- Sobram letras...

 

E desapareceu na escuridão da imaginação.

 

Nossa!

 

Como sobraram letras?

 

Voltei para a mesa e revisei o desastre.

 

"Números”...

 

E bateram novamente.

 

Era ela, a intuição.

 

Não me permitiu perguntar.

 

Estava séria.

 

E disse:

 

- Número, no singular...

 

E afastou-se.

 

Desta vez, nem olhei para o traseiro.

 

No singular?

 

Eu repassei o chamado "sétimo erro" e me dei conta.

 

Eu estava equivocado.

 

Na "anomalia" não falava de "Números", no plural, mas "número", no singular.

 

A bela foi muito explícita: "sobram letras."

 

E a isso eu me dediquei, com 100% da minha capacidade.

 

«Sobram letras...»

 

E fui removendo-as das palavras "Número" e "Ezequiel".

 

E nisto estava, quando de repente, eu vi a luz.

 

Duas vezes Nossa!

 

"Número" continha o "n", de north e "e" de east. O resto das letras estava sobrando.

 

Fiquei agradavelmente surpreso.

 

"Ezequiel" por sua vez, possuía a inicial de east (três vezes). O resto também sobrava.

 

Compreendi.

 

Se tivesse trabalhado com "Números", no plural, eu teria encontrado o “s” de south, e tudo ficaria mais confuso [104].

 

O coração deu um pulo.

 

“'N”, com maiúscula, e "E" também em maiúscula.

 

North e East (Norte e Leste)!

 

E a ratificação, sempre obrigatória em criptografia: a letra "e" (east) se repetia três vezes.

 

Eu não tive dúvida.

 

Poderia ser uma pista...

 

O problema, agora, eram as múltiplas combinações que se derivavam a partir das sequências numéricas interpretadas como coordenadas geográficas.

 

Eu tinha que me armar de paciência e procurar.

 

Uma das combinações tinha que me dizer alguma coisa.

 

Tinha que manter algum tipo de conexão com o código. Essa era a chave.

 

Os seis "erros" e o sétimo tinham que formar um todo.

 

E lembrei-me: "Cada erro conduz à luz. Até o sétimo.”

 

Mensagem recebida.

 

Seis “erros” e umas coordenadas...

 

Eu sei que eu estava no caminho certo.

 

Um código e umas coordenadas.

 

Mas as dúvidas, selvagens, atacaram por trás:

 

E para que servia aquele mistério?... Se Eliseu estava vivo, o que pretendia?... E se, quem isto escreve, não fosse capaz de resolver o enigma?

 

 

[104] Os diários, em Inglês, falam de number (número). No plural teriam sido numbers. O "s" em inglês, é a inicial de South (sul), assim como o "e" que em inglês é East (leste) (N. do a.)

 

 

É claro que, a esta altura, o código já era parte de mim mesmo:

 

E cada erro conduz à luz.

 

Até o sétimo.

 

Em uma centena de crepúsculos depois de morto viverá o não vivido.

 

Será o dia do relâmpago.

 

(Coordenadas)

 

Que mistério!

 

O resto do dia eu comi os punhos impaciente. Eu dei voltas. Eu dei uns trancos no código, para que falasse, e usei a imaginação. Nada

 

A do traseiro espetacular, não deu sinais de vida.

 

Uma pena...

 

E no bar de Joco corriam rumores sobre um plano para matar Nixon.

 

Eu ignorei.

 

E eu dormi entre as coordenadas, ao sul da razão...

 

20 de agosto

Nessa segunda-feira, o sol nasceu às 5 horas e 18 minutos.

 

E ele o fez timidamente e amarelo, como se soubesse o que ia acontecer.

 

Fazia pouco tempo que eu estava olhando pela janela. Eu o esperava ansiosamente.

 

Eu também senti alguma coisa.

 

Este dia, 20 de Agosto (1973), seria mais importante, do que eu imaginava...

 

Eu pensei cuidadosamente.

 

A maneira mais rápida e eficaz para resolver a questão controversa das múltiplas combinações, era submeter as coordenadas a um dos poderosos "washington". Assim eram chamados os computadores do Dryden, o Centro de Pesquisa de Vôo da NASA.

 

Em segundos, a máquina iria oferecer a lista completa dos locais sugeridos pelos números (sempre respeitando as posições norte e leste).

 

Esperei na rua, nervoso.

 

Eles abriram as portas e, às sete da manhã, eu invadi o centro.

 

Eu tinha alguns contatos entre o pessoal. Eles me ajudariam com os "washington".

 

Mas, ao cruzar o hall, em direção ao elevador, alguém veio ao meu encontro.

 

Era a bela de cabelo até a cintura!

 

Fiquei surpreso.

 

Era madrugadora!

 

O que estava fazendo no Dryden?

 

Ali tudo era técnica e pura razão. Nenhum daqueles cientistas trabalhava com a intuição. Além disso, de acordo com eles, era uma criatura pouco recomendável...

 

Passou ao meu lado e, sem parar, sussurrou:

 

- Nada de computadores...

 

Eu me virei, perplexo.

 

Já não estava mais ali.

 

A forma como se apresentava, e desaparecia, deixava-me transtornado. Não estou sendo sincero. Seu traseiro também me transtornava

 

Eu hesitei.

 

O processo de busca das coordenadas, pela forma tradicional, com réguas, esquadros e paciência, era uma tortura.

 

E, ao longo do caminho, eu decidi não seguir o conselho da bela.

 

Eu estava impaciente. Eu estava seguro de que a intuição iria compreender.

 

Peguei o elevador e me apresentei no andar dos "washington".

 

Mas...

 

Não havia dado cinco passos quando, dei de frente com Slimy, o diretor que babava.

 

Conversava com dois cientistas.

 

Slimy mostrava algumas fotografias.

 

Eu as reconheci: eram as fotos do corpo do astronauta.

 

Como tinham chegado até ele?

 

Isso não importava.

 

Eles me viram.

 

Saudamos-nos e, ainda não sei como, dei meia volta e fugi pelas escadas.

 

A bela estava certa, como sempre...

 

Não permitiria que Slimy, e nem ninguém, metesse o nariz em minha pesquisa.

 

Eu consegui mapas, e com o material necessário, refugiei-me em uma das salas de reuniões, livre de câmeras de segurança e de olhos curiosos.

 

Eram 7 horas e 20 minutos, quando comecei o histórico rastreamento.

 

E a manhã passou voando...

 

Foram horas de suspense, envolvido em uma artesanal busca de não se sabe o quê.

 

Mas o entusiasmo e a curiosidade eram tais, que apararam qualquer tipo de arestas.

 

Ao longo das primeiras tentativas, nenhuma das coordenadas disse nada.

 

Elas pareciam mudas ou caiam em lugares remotos e absurdos.

 

Aquilo não tinha relação com o que eu sabia ou o que eu intuía...

 

E eu continuei.

 

Foi às 12 horas e 20 minutos que eu quase caí da cadeira.

 

Era a pesquisa número 171.

 

Olhei e conferi, atordoado.

 

Eu não podia acreditar no que estava à minha frente...

 

Era a última coisa que eu teria imaginado.

 

Empalideci.

 

Eu verifiquei e comprovei.

 

Eu examinei os esquadros. Tudo em ordem.

 

Não havia erro.

 

A posição detectada no mapa estava OK.

 

E eu li, pela enésima vez:

 

31° 27' 025’’Norte

 

35° 33' 34’’ Leste

 

- Impossível! – Eu repetida. Impossível!

 

Eu estava sonhando? Era outro dos meus incríveis sonhos?

 

Eu me belisquei, como um tolo.

 

Não estava sonhando. Era real!

 

Voltei a mobilizar os instrumentos e eles cravaram.

 

Exatamente!

 

Mas, teimoso e cético, eu me recusei a aceitar as evidências.

 

Saí da sala e busquei novos mapas.

 

Que burro!

 

O resultado foi o mesmo, é claro.

 

Não havia nenhuma dúvida.

 

"Aquilo" era obra de Eliseu...

 

Os "erros" foram planificados pelo engenheiro.

 

Eu percebi que estava tremendo.

 

Eu verifiquei novamente.

 

Idêntico! ... Idêntico!

 

A combinação 171 fornecia uma localização em...

 

Droga! Eu precisava de uma lupa...

 

O ar condicionado fez o que pôde, mas não foi o suficiente. Eu comecei a suar.

 

Eu estava querendo pular, gritar... Contive-me.

 

Como era possível? Ninguém tinha uma lupa no Dryden.

 

Acontece...

 

Eu tive que voltar para o pavilhão dos oficiais e suplicar.

 

Joco me contemplava, atordoado.

 

Eu subi, desci, corri, discuti, negociei... E acabei pagando cem dólares por uma lente de aumento vagabunda.

 

Não sei quem a vendeu para mim.

 

Pilotos ladrões!

 

Voltei para Dryden e as letras do mapa dançaram animadas pela lupa.

 

Incrível!

 

Ali estava, como um presente...

 

Um presente? Tudo dependia...

 

As coordenadas em questão indicavam um ponto no Mar Morto, a oeste de Ein Gedi, na margem jordaniana. Especificamente, a pouco mais de quatro quilômetros da costa, em frente a confluência dos Wadis Mujib e Hidan.

 

Assombroso!

 

Este era o lugar perto do ponto no qual afundou o "berço" em 28 de junho!

 

As imagens de satélite, como o hipotético leitor deve recordar, indicaram a provável posição da nave, em frente ao referido Mujib, à 330 metros de profundidade, aproximadamente.

 

Incrível!

 

Eu tive que fazer um esforço considerável para continuar o trabalho de localização das coordenadas restante.

 

Nem preciso dizer que nenhuma das combinações apontou algo interessante.

 

O peixe foi vendido...

 

O "sétimo erro" tinha sido esclarecido.

 

Fiz minhas anotações, devolvi o material e os mapas, e me isolei no meu quarto, no alojamento dos oficiais.

 

Senti-me bem, muito bem...

 

Mais do que isso: eu me sentia cheio até a borda da alma.

 

Mas a felicidade rapidamente se esgotou.

 

Ao repassar o código, os fogos de artifício foram se consumindo conforme eu lia:

 

"E cada erro conduz à luz".

 

Compreendido.

 

"Até o sétimo."

 

Eram as coordenadas!

 

"Uma centena de crepúsculos depois de morto."

 

Isso me conduzia, eu estava supondo, ao 6 de outubro. Mas aí terminava o assunto.

 

"Viverá o não vivido."

 

Não fazia nem idéia.

 

Permanecia em branco.

 

E eu comecei a desmoronar.

 

"Será o dia do relâmpago".

 

Nada. Zero.

 

Eu não conseguia entender o significado das últimas frases, mas eu sabia que elas estavam ali por algum motivo...

 

Compreendi: era um longo caminho. O código não estava resolvido, muito pelo contrário.

 

Eu tentei me acalmar.

 

Peguei papel e caneta e fiz um balanço do que eu tinha conseguido. Isto foi o que eu desenhei:

 

  1. Era evidente que Eliseu teve acesso aos diários. E ele o fez no Ravid.

 

  1. O engenheiro, habilmente, inseriu uma série de erros e anomalias nos referidos diários. Todos amarrados em um código.

 

  1. Se a "pérola" tivesse caído em outras mãos, os leitores teriam encontrado dificuldade para detectar essas anomalias. Só eu tinha condições de descobri-las e meu irmão sabia.

 

"E cada erro conduz à luz..."

 

E eu me perguntei pela enésima vez: "Que luz? O engenheiro estava se referindo a quê?”

 

Aquilo não era um jogo...

 

Eliseu perseguia alguma coisa. Mas o quê?

 

Era uma situação insustentável.

 

De repente a esperança se apresentava, mas, logo em seguida, as fotos de um cadáver a colocavam para correr.

 

E a razão e a intuição voltaram a lutar dentro de mim:

 

- Você está louco! - Proclamava a razão. Eliseu está morto!

 

- Não! - Gritava a bela do outro lado.

 

Muitas complicações. Muita tensão. Muitas incógnitas.

 

Naqueles momentos críticos eu não sabia, mas tudo tinha uma razão.

 

O Destino é sábio...

 

E às 15 horas e 20 minutos bateram na porta.

 

Oh!

 

A intuição, novamente?

 

Estava sentindo falta de seu caminhar elegante na ponta dos pés, os cabelos negros, suas aparições oportunas... E outras coisas.

 

Era um policial militar.

 

Que decepção!

 

O guarda me conduziu ao hangar vermelho.

 

Curtiss me chamava.

 

Domenico encolheu os ombros. Ele não sabia o que o general queria.

 

- Sente-se - ordenou o chefe do projeto, sentado em sua cadeira giratória.

 

Eu me reuni com sofá negro e acolchoado, das molas sonoras.

 

Nixon nem olhou para mim. Ele passou o dia sorrindo para o nada, como um estúpido.

 

O general foi direto:

 

- O que você acha das fotos?

 

Eu estava supondo que ele se referia às do corpo do astronauta, encontrado em uma praia do Mar Morto.

 

- Não sei - eu pensei em alta velocidade, em uma vã tentativa de ir além das palavras de Curtiss. Seria bom inspecionar o corpo e confirmar se realmente se trata de Eliseu...

 

Olhei para o general, e continuei com a verdade:

 

- Tenho dúvidas...

 

- Estamos trabalhando nisso – cortou o general - mas os jordanianos não facilitam as coisas

 

- O que está acontecendo?

 

- Estes do Pentágono são uns incompetentes. Eles acreditam que toda a montanha é orégano...

 

- Eu não entendo.

 

- Os jordanianos são árabes, mas não estúpidos. Pedem explicações... Por exemplo: O que fazia um astronauta norte-americano, flutuando em suas águas?

 

Os jordanianos estavam certos, eu pensei:

 

Curtiss continuou os esclarecimentos:

 

- O Pentágono exigiu a repatriação do corpo, mas estes miseráveis de Amã se recusam... São uns chapadeiros!

 

- Chapadeiros?

 

Curtiss me contemplou com benevolência e aclarou:

 

- Em que mundo você vive? ... Um chapadeiro é um caipira.

 

- Nossa!

 

E eu disse o que eu pensava:

 

- É natural que os jordanianos solicitem uma explicação.

 

- Todas as explicações que forem necessárias - interveio Curtiss - mas não terão dinheiro...

 

E acompanhou as palavras com o gesto internacional, agitando os dedos, indicador e polegar, da mão direita.

 

- Além do mais - acrescentou - exigem que a autópsia seja compartilhada e em território jordaniano.

 

- Por quê?

 

A pergunta era desnecessária.

 

- Não confiam. Lembre-se de que estamos à beira de uma guerra, e que nós apoiamos os seus inimigos, os judeus.

 

- Por falar nisso, Israel já sabe?

 

O general sorriu maroto, e proclamou:

 

- Estes sabem de tudo, antes que aconteça...

 

E voltei ao assunto da autópsia:

 

- O que pensa fazer?

 

O general não respondeu. Ele se levantou. Caminhou até a pintura da Anunciação, de Fra Angelico, e lá permaneceu por alguns segundos, olhando para a Senhora, extasiado.

 

Não parecia ter reparado no livro aberto, sustentado por Maria na perna direita. Como deve recordar, neste livro estava escrito, "Marte, alerta."

 

Finalmente voltou para a cadeira giratória, acendeu um charuto e soltou a fumaça furiosamente.

 

E gritou:

 

- Esses excrementos ordenam que eu vá até Amã, imediatamente, que acompanhe a autópsia e a repatriação de Eliseu...

 

Presumi que ele estava falando dos chefões do Pentágono. Eu não teria sido tão benevolente na hora de qualificá-los...

 

- Quer que eu te acompanhe? Eu posso ser útil...

 

Eu hesitei, mas acabei soltando:

 

- Embora eu não acredite que se trate do cadáver de Eliseu.

 

Olhou-me, como olham os generais, mas não disse nada, por enquanto.

 

Deixou a fumaça branca dançar à vontade, e começou a expulsar os anéis.

 

Curtiss apreciava o suave balanço daquelas criaturas...

 

Então replicou:

 

- Eu sei que seria útil, mas não, obrigado... Eu quero que você fique fora disso tudo.

 

Lançou novos anéis e rosnou:

 

- Estamos açoitando estrume!

 

- Eu não te entendo...

 

- Não importa. Continue na sua. Ninguém vai incomodá-lo.

 

E retornou ao tema do cadáver de Eliseu

 

- Então você tem dúvidas...

 

Concordei com a cabeça e o general permaneceu em silêncio e pensativo.

 

A partir desse momento, tudo se precipitou.

 

De repente, apareceu a bela.

 

Por onde entrou?

 

Que pergunta boba...

 

Ela veio para o meu lado, inclinou-se para quem isto escreve, e murmurou:

 

- Fale do código.

 

Nixon, eu sei, tentou ver seus seios.

 

E a bela intuição desapareceu.

 

Como ela fazia isso?

 

O general também não a viu. Que mistério!

 

E eu disse:

 

- Sim, senhor. Eu tenho sérias dúvidas sobre a morte de Eliseu.

 

- Eu não entendo. Este astronauta tem o seu nome no peito.

 

Eu decidi. Fui até a mesa de mogno e procurei algo para escrever.

 

Nossa!

 

Tudo sobre a mesa, eram documentos e pastas confidenciais.

 

Eu hesitei.

 

Curtiss adivinhou as minhas intenções, e as dúvidas, e me convidou para que escrevesse sobre uma das pastas: a mais próxima de mim.

 

Então eu fiz.

 

E, enquanto eu escrevia o código, olhei para o título da pasta: "Top Secret: GOG”

 

Nossa!

 

Curtiss me seguiu com curiosidade.

 

"E cada erro conduz à luz.

 

Até o sétimo.

 

Uma centena de crepúsculos depois de morto viverá o não vivido.

 

Será o dia do relâmpago. ”

 

Das coordenadas eu não falei, para o caso de...

 

Eu lhe entreguei a pasta e esclareci:

 

- Eu tenho sérias dúvidas..., por isto.

 

Curtiss pegou a pequena pasta e leu o código.

 

- O que isso significa?

 

E eu expliquei até onde considerei adequado.

 

Ele ouviu atentíssimo.

 

A fumaça, branca e traidora, quase me sufoca.

 

-... E eu interpreto – continuei - que a frase "uma centena de crepúsculos depois de morto", pode conduzir ao dia 6 de outubro.

 

Notei que empalideceu.

 

E eu pensei: “tanto tabaco o matará...”

 

- Repete! Ele ordenou com uma voz fraca.

 

- O quê?

 

- Quero que repitas, cacete!

 

E eu falei novamente sobre o dia 6 de outubro.

 

- O resto do código - acrescentei - não está resolvido. "Viverá o não vivido" e "será o dia do relâmpago" não faz sentido para mim.

 

Estrela e Paulo VI continuaram a conversa, como uma partida de tênis.

 

Nixon, nas alturas, sorria.

 

Joco estava certo: era um inútil, ou seja, um mentecapto (o pior dos piores).

 

- Repete! – o general ordenou novamente.

 

Fiquei alarmado.

 

O que estava acontecendo com ele?

 

- O código diz, "e cada erro...”

 

- Não, essa parte não – interrompeu-me. Estou me referindo ao lance do dia 06 de outubro... Repete!

 

Eu fui mais detalhista. Talvez eu não tivesse explicado claramente.

 

- A frase "uma centena de crepúsculos depois de morto" pode equivaler a 100 dias após a precipitação do "berço" no lago salgado... Em outras palavras: o próximo dia 06 de outubro.

 

Fiquei em silêncio, esperando.

 

Curtiss pediu:

 

- Continue... Segue!

 

Tive de repetir:

 

- O resto do código, como eu disse, não está decifrado. "Viverá o não vivido" e "será o dia do relâmpago"...

 

Não me deixou terminar.

 

- Isso...! O dia do relâmpago!

 

- O que disse?

 

E ele disse, quase para si mesmo:

 

- Seis de Outubro: o dia do relâmpago!

 

- Claro - eu sugeri timidamente.

 

Ele se levantou.

 

A palidez era evidente. Eu pensei que ele estivesse doente.

 

Ele deixou cair a pasta sobre a sofrida mesa de mogno e caminhou, lentamente, concentrado em seus pensamentos, até o sofá das molas sonoras.

 

Alguns dos documentos contidos no "GOG" escaparam da pasta.

 

Eu não pude evitar.

 

A vista percorreu-os avidamente.

 

"Um deles era um mapa militar".

 

Eu reconheci as ilhas do Caribe e do Sul da Flórida. Este último aparecia destacado em um círculo vermelho.

 

E eu li: "Zona de Duplo Impacto”.

 

Em um canto do mapa, alguém tinha escrito à mão: "29 de agosto de 2027".

 

Desta vez fui eu quem empalideceu.

 

Outro documento era um segundo mapa, também de origem militar (muito detalhado), onde se via o arco vulcânico indonésio.

 

Em vermelho lia-se: "Erupção total."

 

Devolvi os documentos para a pasta e voltei minha atenção para o general.

 

Eu consegui parcialmente.

 

A mente continuava presa em “GOG”.

 

2027?

 

Isso estava longe...

 

E de repente, pensei no hipotético leitor destas memórias.

 

Como o Mestre dizia: "Quem tem ouvidos para ouvir, que ouça..."

 

Curtiss tirou o retrato de Nixon na parede.

 

Nossa!

 

Outra camuflagem...

 

E apareceu um cofre a prova de fogo, de combinação mecânica, bem simples e patética.

 

O general abriu e vasculhou em seu interior.

 

Ele pegou um papel, leu-o superficialmente e, uma vez seguro, voltou para a cadeira giratória.

 

O cofre ficou aberto, libidinoso, mostrando o mais íntimo.

 

Oh Deus!

 

Eu nunca mais queria voltar a passar pelo mesmo...

 

Ele me entregou o papel e ordenou:

 

- Leia, mas lembre-se: somente para seus olhos...

 

Fiquei de pé ao lado da mesa.

 

Estrela e Paulo VI esticaram os pescoços, a partir das fotos, mas não conseguiram ler. Má sorte, irmãos.

 

O documento - pequeno - mostrava o selo circular da presidência dos Estados Unidos da América, com a águia, as estrelas e a legenda: «President’s eyes only» (apenas para os olhos do presidente).

 

As informações em questão não podiam ser copiadas. Não possuía numeração ou registro de nenhum tipo. Os serviços de informações o chamam de “Fly” ("documento que voa"). Tinha uma faixa azul na borda direita.

 

A primeira leitura - rápida e superficial – jogou-me no chão.

 

Não era possível...

 

Levantei a vista acima do papel.

 

O general praticava seu esporte favorito: anéis de fumaça branca.

 

Ele parecia estar em outro mundo...

 

Pensei em perguntar sobre a credibilidade do que tinha diante de mim. Eu não o fiz. Teria sido imprudente.

 

Era um documento fly, para Nixon.

 

Isso era importante.

 

Era do conhecimento de quatro militares, Kissinger, e pouco mais.

 

Os anéis flutuavam, extremamente entediados.

 

Ninguém respirava no "fumódromo". Muito menos eu.

 

E eu fiz uma segunda leitura, mais tranquila.

 

Meu cérebro entrou em zona vermelha.

 

Deus Santo!

 

Comecei a entender...

 

O documento - de 26 linhas – anunciava para Nixon que o início da quarta guerra árabe-israelense seria em 06 de outubro (1973).

 

Seis de outubro! O dia do Yom Kippur, ou Dia do Perdão, um dia sagrado para os judeus.

 

Eu estava perplexo.

 

O código falava em 6 de outubro!

 

Hora do ataque, quase simultâneo, de egípcios e sírios contra Israel (Hora “H”): 13h58min (hora local, no Cairo, Jerusalém e Damasco). A travessia do canal de Suez seria às 14 horas.

 

Fonte de informação: generais árabes Ismail, Baha el-Din Nofal e Mustafa Tlas.

 

Malditos Militares!

 

Tudo estava planejado e acordado...

 

Ataques iniciais: Canal de Suez e Colinas de Golã.

 

Não me surpreendeu a data, mas sim, a relação com o código.

 

Nós sabíamos há meses, que estava se preparando uma guerra.

 

Curtiss falou, no alto do Massada, sobre o chamado Rapto de Europa, um plano diabólico para afundar as economias do Japão e do Velho Mundo. O estopim era um conflito armado entre árabes e judeus. Deduzi que, em fevereiro deste mesmo ano (1973), Curtiss já sabia a data do início da quarta guerra [105] árabe-israelense.

 

Obviamente, se o general sabia, certamente Eliseu também sabia.

 

Não devia esquecer quem era o engenheiro e a qual organização pertencia...

 

A informação secreta também contemplava o número de baixas em ambos os lados: entre 2.000 e 3.000 mortos no exército judeu e talvez 10.000 na passagem do canal, entre os egípcios.

 

Duração do conflito: 30-45 dias (no máximo).

 

Pontes aéreas e marítimas: a URSS participaria com 3,5 milhões de dólares; Estados Unidos «investiriam» 2,2 milhões e, também armas, equipamentos, aviões, tanques, etc. Os "Antonov 22» russos aterrissariam no Cairo e Damasco. Os navios soviéticos atravessariam o Bósforo (Estreito de Istambul) e desembarcariam equipes mortais, em Alexandria e Lataquia, entre outros portos. Os “Galaxy C5” levariam abastecimento para Israel. Ao todo, os EUA planejavam "ajudar" seus aliados com 22.000 toneladas de armas e munições.

 

Nome de código da operação militar: "Barq” (Relâmpago em árabe).

 

Eu tinha lido perfeitamente.

 

Barq!

 

Meus joelhos tremiam tanto que eu tive que me apoiar, discretamente, na mesa.

 

Curtiss ainda estava em seu mundo.

 

Seis de Outubro: o dia do relâmpago!

 

E o código trovejou na memória:

 

"Será o dia do relâmpago".

 

 

[105] Ampla informação sobre Rapto de Europa em Cavalo de Tróia 2 - Massada.

De acordo com o Major (ver Cavalo de Tróia 9 - Caná), o fato de estarem cientes da iminência da guerra árabe-judaica, acelerou o segundo "salto" no tempo. (N. do a.)

 

 

O cessar-fogo estava previsto para o final naquele mês de outubro.

 

Todas as forças (soviéticos e norte-americanas) passariam para o estado de "alerta 3» (situação de emergência nuclear).

 

Nota final: Kissinger desejava uma perda moderada no exército judeu ("recuperável"), para apaziguar o "orgulho árabe ferido".

 

Malditos políticos! Todos...!

 

Enxerguei nítido, como a claridade provocada por um relâmpago.

 

O código estava praticamente resolvido.

 

"E cada erro conduz à luz".

 

Afirmativo.

 

"Até, o sétimo."

 

As coordenadas... Afirmativo.

 

"uma centena de crepúsculos depois de morto"

 

Seis de outubro!

 

"Viverá o não vivido".

 

Negativo.

 

Seguia no escuro...

 

"Será o dia do relâmpago".

 

O início da quarta guerra árabe-israelense!

 

Seis de outubro!

 

Uma pista decisiva...

 

Faltava somente esclarecer "viverá o não vivido".

 

Curtiss - tenho certeza - percebeu a minha emoção, mas se manteve em um discreto silêncio.

 

Agradeci-lhe no mais íntimo.

 

A conversa estava sendo providencial...

 

Devolvi-lhe o documento e acrescentei, emocionado:

 

- Mensagem recebida, general... Obrigado!

 

- Você não poderia saber - disse Curtiss, enquanto se levantava e se dirigia novamente para o cofre.

 

Ele guardou o papel, reposicionou o retrato do rançoso e voltou para o sofá.

 

E ele insistiu:

 

- Você não podia saber isso...

 

- Realmente, senhor.

 

E realizei uma correção mental: «Mas Eliseu, outro "escuro do inferno", sim, ele sabia... »

 

E o general desembocou no assunto principal:

 

- Então você acha que Eliseu pode estar vivo...

 

Não esperou por uma resposta, e exclamou, enquanto observava um daqueles sutis anéis de fumaça branca cubana:

 

- Interessante...

 

E sorriu malicioso.

 

O que ele estava pensando?

 

Em nada de bom, eu deduzi...

 

O resto da conversa foi igualmente instrutiva, especialmente para quem isto escreve.

 

Curtiss queria falar sobre os diários.

 

Era outra das razões para a sua chamada.

 

Aparentemente tinha concluído a leitura e resumiu a experiência:

 

- Fascinante..., seja verdade ou não!

 

Não gostei do comentário.

 

- É verdade, senhor. Nos diários eu conto a verdade, pelo menos aquela que eu testemunhei e aquela sobre a qual eu tive conhecimento.

 

- Você acredita, seriamente, que Jesus Cristo foi assim?

 

- Jesus de Nazaré...

 

- Isso...

 

- O Jesus dos diários, general, é mais lógico e desejável do que aquele que as igrejas vendem...

 

Curtiss negou com a cabeça, e respondeu com certo cansaço:

 

- Para alguém com a minha fé, isso é o de menos.

 

Não era a minha intenção de entrar naquela polêmica. Isso eu aprendi com o Mestre.

 

E o general continuou com o que realmente lhe interessava:

 

- Eu quero te fazer...

 

Ele hesitou.

 

- Eu quero te fazer - como definir - algumas sugestões e alguns comentários, em relação aos diários.

 

A palavra "sugestões" estava carregada de dinamite.

 

Eu fui tudo ouvidos, e cautela.

 

Ele começou pela "sugestão" de menor importância:

 

- Não faria mal se acrescentasse uma nota sobre a morte de seu companheiro...

 

Fiquei espantado, mas eu respondi:

 

- Por que eu faria uma coisa dessas? Nós não temos certeza de que Eliseu está morto.

 

E disparei fulminante:

 

- Pode ser que esteja bem vivo, como acaba de comprovar...

 

Curtiss sorriu. E respondeu:

 

- Por isso é importante...

 

- Eu não entendo.

 

- Se esses diários vierem a público – coisa que eu evitarei enquanto for general - e Eliseu não estiver morto, sua vida estaria em perigo...

 

Ele olhou para mim por cinco ou seis segundos.

 

Então ele perguntou:

 

- Eu me fiz entender? Fui claro?

 

Naquele momento eu não captei o duplo sentido da advertência.

 

Seria mais tarde, após acontecer o que aconteceu, que eu compreendi.

 

Eu esquecia, com frequência, que Eliseu era um "escuro".

 

- Eu digo isso para o seu bem – frisou Curtiss.

 

O instinto tocou em meu ombro.

 

Devia aceitar...

 

E eu prometi pensar sobre isso.

 

- E falando de sua segurança – comentou o general - não se esqueça, por favor, do que eu recomendei na casa de campo...

 

Fiquei surpreso com aquele "por favor". Não era o estilo de Curtiss.

 

Também não soube o que ele queria dizer.

 

- Independente do que acontecer - aclarou - e do que você ver, não renuncie a "Raio negro”...

 

Que obsessão!

 

Eu disse que sim, apenas para dizer algo...

 

O charuto, apagado há algum tempo, foi aceso pela segunda vez.

 

Curtiss sugou avidamente, como se fosse sua própria vida, e foi liberando palavras e fumaça ao mesmo tempo:

 

- Não renuncie! É uma ordem!

 

Que diabos estava acontecendo com "Raio negro"?

 

- Por falar nisso - de repente o general lembrou - falando sobre esta maldita nave, amanhã, cedo, apresente-se no escritório do meu ajudante.

 

Ele sorriu malicioso, e arredondou:

 

- Terá uma surpresa...

 

Nossa! As surpresas de Curtiss me horrorizavam.

 

Segunda sugestão.

 

Ele ficou sério, apontou para mim com o charuto, e soltou sem o menor pudor:

 

- Você deve se trancar no "vespeiro" até nova ordem, e modificar os diários...

 

- O quê está dizendo? Modificá-los?

 

Ele assentiu com a cabeça, em silêncio, e esperou por minha reação.

 

Permaneci pensativo.

 

O que pretendia aquele miserável?

 

Ele me olhou com frieza e continuou:

 

- Foi o que eu disse. Altere os diários em tudo o que vá contra os princípios da Santa Madre Igreja e, especialmente, no que fere a Santíssima Virgem.

 

Pensei a toda velocidade. Se eu me recusasse, estaria morto...

 

Eu tinha que ganhar tempo. Precisava resolver o código.

 

O acesso ao "vespeiro" era vital. Ninguém devia me incomodar.

 

Eu seria capaz de simular que trabalhava nos "retoques"?

 

Seria sim.

 

Estava decidido: Eu diria que sim...

 

Mas simulei certa resistência:

 

- Mas general, isto não seria correto.

 

- Homem de Deus! E quem vai saber?

 

- Eu, general... Eu saberei.

 

- Eu insisto: estes diários nunca verão a luz do dia. Não precisa se preocupar.

 

- Neste caso - pressionei – qual a necessidade de mudar alguma coisa?

 

- Vou ficar mais tranquilo...

 

E acrescentou convencido:

 

- A Virgem merece outro tratamento.

 

De repente, como se uma idéia surgisse, ele clamou, triunfante:

 

- Além disso, se os documentos fossem publicados, te crucificariam.

 

- Eu não sou o protagonista...

 

- É a mesma coisa. Quem se atrever a trazê-los à luz, será crucificado. O poder da Santa Madre Igreja vem de cima.

 

- Você tem razão em um ponto. Primeiro, eles crucificaram Ele. Depois crucificarão quem os tornar público [106].

 

E lamentei:

 

- Que importa enganar o mundo pela segunda vez?

 

 

[106] Ambos estavam certos. O autor de Cavalo de Tróia, pela transcrição dos diários do major, sofreu todo o tipo de críticas e ataques. O pior deles: um atentado, do qual ele saiu ileso (ou quase). Podemos dizer: as palavras de Curtiss e do major foram proféticas... (N. do e.)

 

 

Curtiss se alegrou.

 

- Eu vejo que você, finalmente, compreende. No mundo existem apenas falsários.

 

Eu deduzi que ele queria dizer ordinários. Ele continuou:

 

- O mundo! O que o mundo sabe?

 

Ele apontou, com o charuto, para o cofre e comentou, desta vez, carregado de razão:

 

- Estes pobre-coitados nascem, vivem mal, pagam impostos e morrem sem saber que são enganados por políticos e militares. Aproxima-se uma guerra preparada - como todas - e ninguém descobre... O povo é uma ralé.

 

Ele tinha toda a razão. Mas estava escondendo uma coisa: os militares mandam nos políticos.

 

Eu não quis estender o assunto e silenciei os pensamentos.

 

- Mãos à obra! - ordenou Curtiss, assumindo que eu aceitava as "sugestões". Você tem muito trabalho! Você tem que alterar os diários!

 

E alertou, sutilmente:

 

- Quando concluíres as "reformas", eu voltarei a lê-los... na íntegra.

 

Mensagem recebida.

 

E Curtiss passou para outro assunto.

 

- Eu tenho uma dúvida...

 

Eu percebi que eu não sabia como colocá-la.

 

- Você diz que...

 

- Por que você mudou o seu estilo no final dos diários?

 

Eu achava que sabia o que ele queria dizer, mas eu me fiz de rogado.

 

- Como disse?

 

- Os últimos capítulos - acrescentou - não têm nada a ver com os primeiros...

 

- Pode ser mais explícito? Os diários contam uma única história.

 

- Sim e não... Até Beit Ids, e o caso sombrio do "Matador", tudo é denso, com um mesmo estilo. Depois os diários mudam. Eles falam de coisas fúteis como a Chipriota, os dados de Tomé ou a segunda esposa de Mateus...

 

E Curtiss arriscou:

 

-Você parece distraído...

 

- Distraído? Não conhecerá ninguém mais atento do que eu e mais obcecado pelos dados...

 

- Talvez eu não tenha usado o termo correto. Eu entendo... Não é bom ou ruim... É o seu estilo, mas me chamou a atenção. Isso é tudo.

 

- Você sabe que eu não sou um escritor – eu me justifiquei. A minha área é a física quântica...

 

E eu me perguntei, revoltado comigo mesmo: Por que eu estava me justificado para aquele mentiroso e traidor?

 

- Ah, isso não... Você também é bom em tintas e pinturas, tomar referências e em ruivas...

 

Eu empalideci.

 

Eu pensei que tivesse suprimido as alusões ao meu amor por Ruth.

 

Talvez não fosse isso.

 

Eu tinha que pisar em ovos.

 

Curtiss era rápido como uma cobra.

 

- Não sei - eu improvisei. Talvez eu tenha pensado que, um estilo mais descontraído, poderia ser do agrado de todos, incluindo do Mestre.

 

Ele me olhou com espanto. E perguntou:

 

- O Mestre leu os diários?

 

Não me permitiu responder. E acrescentou:

 

- Você falou de mim para Jesus Cristo?

 

Eu neguei com a cabeça, estupefato.

 

- Desculpe – ele corrigiu - Jesus de Nazaré...

 

E ele continuou enroscado naquele absurdo:

 

- Então, você falou do General Curtiss para o Salvador?

 

Eu me senti preso.

 

O próprio geral veio em meu auxílio:

 

- Eu entendo: você deixou isso para o final... Então, o que você dirá?

 

Eu fiquei de boca aberta, desconsertado.

 

- Você falará dos meus charutos? De Estrela? Da plantação de oliveiras? De minha atuação decisiva em Cavalo de Tróia? De como tiramos os diários do “vespeiro”? De toda a minha devoção à Santíssima Mãe do Redentor?...

 

- É possível.

 

- Eu deixarei por bem enquanto não utilizar comigo essas licenças poéticas e literárias...

 

E soltou uma gargalhada.

 

- Então o Mestre construiu um barco nas colinas de Beit Ids...

 

Eu assenti com a cabeça.

 

- E a tal Rebeca se apaixonou por ele...

 

Eu disse que sim.

 

- E João foi um orgulhoso, e um presunçoso...

 

Eu fiquei sério.

 

- E colocaram o pênis na boca Yehohanan...

 

Eu o interrompi:

 

- Não são licenças literárias. Eu nunca minto senhor.

 

E, eu disparei da linha de flutuação:

 

- Eu não fui treinado para mentir... Assim como outros.

 

Curtiss não captou a dica, ou deixou passar.

 

- Bem, também não é grave... Além disso, se encaixa com o que eu te propus...

 

- Eu não me lembro.

 

- Eu lhe disse para tentar reduzir a credibilidade da história... Bem, com esse estilo "casual", você conseguiu. Bravo!

 

Fiquei em silêncio. Discutir não era proveitoso.

 

E Curtiss sorriu agradecido. Aparentemente, quem isto escreve tinha aceitado todas as sugestões.

 

Sim, aparentemente...

 

E saltou para outro assunto:

 

- E agora responde sobre algo que me consome.

 

Ainda podia ser pior... E eu me preparei.

 

- Vou tentar senhor.

 

- Fale-me sobre a morte...

 

Eu tremi.

 

- Ele te explicou, segundo o que eu li.

 

- Ele o fez em várias oportunidades...

 

- Eu sei que era um tema de particular interesse para Eliseu.

 

- Ele era, e ele é...

 

Senti medo nos olhos do general. E lembrei-me das palavras de Estrela, a esposa, na manhã de sábado, 11, enquanto nós cozinhávamos, "Curtiss teme por sua vida."

 

Eu tentei fugir:

 

- Tudo, ou quase tudo, está nos diários...

 

Ele não permitiu:

 

- Eu sei, eu sei... Mas você O viu... Ressuscitado.

 

Eu assenti.

 

- E é a melhor prova - acrescentei – de que há vida depois da morte...

 

- Fale-me! Dê-me detalhes...

 

- Que detalhes?

 

- Você me garante que eu vou continuar vivo depois da morte?

 

Seus olhos lacrimejaram.

 

Ele pegou, tremendo, outro charuto e acendeu, sem deixar de olhar para mim.

 

- De acordo com Ele, sim... Após a morte, desperta para a realidade.

 

- Eu não quero filosofia - replicou. Dê-me respostas claras e simples...

 

- A realidade espiritual não é filosofia. Ela tem sua própria gravidade...

 

- Mas como é isso da morte? Em que consiste? Qual é o procedimento?

 

Eu comecei a rir.

 

- Nós não falamos do manual... Mas eu sei que a morte é um sonho doce.

 

E utilizei as palavras do Homem-Deus

 

- a morte, General, é simples, como tudo que é genial. Você dorme, e, de repente, você acorda em um lugar que você não conhece.

 

- Quão rápido?

 

- Não existe tempo...

 

- Você sabe que está morto?

 

- No começo não... Eles fazem você entender.

 

- Eles?

 

- Digamos que sejam os anjos, embora eles não sejam isso.

 

- E quem me julga?

 

- Ninguém. Não se morre para ser julgado...

 

- Mas a Santa Madre Igreja diz...

 

- Ninguém julga ninguém. Nos mundos “MAT” se entra para outros fins [107].

 

- Sim, a invenção de Eliseu.

 

- Bendita invenção! Deveria ser ensinado nas escolas...

 

Ele assentiu mecanicamente, mas eu duvido que chegou a entender completamente o significado de minhas palavras.

 

- Então, os comunistas...

 

- Eles também não serão julgados, senhor. Não é necessário. Lembra do "presente"?

 

- O quadro-negro, sim...

 

Mas Curtiss seguia erre por erre:

 

- Me garante que não vou para o inferno, com os russos?

 

- Eu garanto que você estará com os russos, mas não no inferno. Esse lugar não existe, muito menos o purgatório, ou o limbo. São invenções humanas para assustar e escravizar. O Pai Azul não precisa de vingança. O amor não a utiliza.

 

- Então, se não há inferno, o que existe? O que fazemos com os comunistas?

 

Eu sorri, cansado.

 

Nem em mil anos teria assimilado a mensagem de esperança do Filho do Homem.

 

Em suma, era o seu "contrato".

 

- Depois da morte, senhor, existe vida, o conhecimento, aventura, amor, o não tempo, as surpresas, fraternidade espiritual, admiração infinita, gratidão e Belinte.

 

- Belinte! A beleza e a inteligência do Pai na hora de criar...

 

 

[107] Ampla informação sobre MAT em Cavalo de Tróia 6 - Hermon e Cavalo de Tróia 9 - Caná. (N. do a.)

 

 

- Afirmativo.

 

- E me garante que verei Jesus Cristo depois do doce sono da morte?

 

Ele percebeu e corrigiu:

 

- Jesus de Nazaré...

 

- O que eu sei, porque Ele me disse, é que você O verá, no seu devido tempo, embora ali não possamos falar de tempo, no sentido convencional. Lembre-se: é a realidade...

 

Ele não escutou.

 

- Mas a Santa Madre Igreja diz que verei a Deus logo após morrer, se eu fui uma pessoa boa...

 

Meu Deus... Eu precisava de paciência!

 

- Não é isso, Curtiss, não é isso...

 

E eu tentei outra abordagem:

 

- Nós não estamos preparados para ver o Pai Azul, assim cara a cara, da mesma forma que não devemos nos aproximar do sol.

 

- Eu entendo, mas eu O verei?

 

- Esse é o nosso penúltimo objetivo. Eu te garanto isso.

 

- Me garante, então, que eu serei feliz depois da morte?

 

- Garantido 100%, senhor.

 

Fiquei espantado. De onde tirava tanta certeza?

 

Que pergunta boba!

 

- E Estrela? Estará ao meu lado?

 

"Quem sabe - pensei. Ela é mais inteligente do que você.”

 

Mas eu fui por um caminho menos comprometedor:

 

- Isso não importa Curtiss. A felicidade não é um assunto de um ou de dois, mas de todos.

 

- Ele te disse?

 

- Exato...

 

- Eu não me lembro de ter lido nos diários...

 

Eu sorri malicioso.

 

- Você possui segredos!

 

- Mas eu não os levarei para o túmulo, senhor.

 

Curtiss era obsessivo:

 

- Eu sou um pecador... A Santa Madre Igreja diz que temos que fazer penitência e arrepender-nos... Jasão, eu não me salvarei!

 

Não tinha sentido ficar discutindo. Curtiss não era culpado. O seu "contrato" era seu "contrato".

 

Mas eu gritei

 

- Você vai ser feliz! Faça o que fizer e pense o que pensar!

 

Eu estava assombrado. Era a primeira vez que eu gritava com um general...

 

E ele respondeu, mansamente:

 

- É tão fácil?

 

- Temos que desaprender General. O Pai Azul não é o que vendem por aí.

 

Eu deixei correr por alguns segundos e soprei em sua mente:

 

- Pai, é o nosso navegador... Você voaria com alguém em quem você não confia? O Número Um não é o que você pensa... É o TODO, elevado à enésima potência. Ele já te salvou. Você possui uma alma imortal. Isto, a vida, é aparecer na imperfeição. Depois você continuará a aventura e voará até Ele, mais rápido que supersônico. Desfrute do que você tem, porque, depois da morte, tudo vai ser diferente!

 

E a conversa derivou para o assunto mais próximo.

 

No dia seguinte, 21 de agosto, Curtiss voaria para Washington D. C.

 

Lá, ele se reuniria com os executores do Pentágono.

 

Não mencionou Kissinger.

 

E finalizaria os preparativos para as reuniões com os déspotas de Amã.

 

Ele prometeu me manter informado sobre os acontecimentos relacionados ao cadáver do suposto Eliseu, tanto se fosse realizada a autópsia ou não.

 

Nosso contato seria através de Domenico.

 

Enquanto isto, eu me ocuparia do que foi “acertado”: a correção dos diários e o ajuste do conteúdo, conforme o pensamento e os dogmas da Santa Madre Igreja...

 

Aquilo prometia, embora não fosse minha intenção, mudar uma única vírgula.

 

Ninguém me incomodaria.

 

Continuaria dispondo das chaves do "vespeiro" e de uma escolta. Seria minha única ocupação, até nova ordem.

 

Curtiss revisaria os diários depois do seu regresso da Jordânia. Eu disse sim para tudo. O que mais eu poderia fazer?

 

E o Destino sorriu zombeteiro.

 

Nós nos despedimos.

 

Eu caminhei até a porta e, quando eu estava prestes a sair do "fumódromo", o general me chamou.

 

Ele havia ficado em pé. Em sua mão esquerda ele segurava o rosário de prata.

 

A voz se apresentou humilde. Fiquei alarmado.

 

Bateu continência, com seu charuto, e exclamou:

 

- Foi um prazer trabalhar contigo.

 

Eu sorri e correspondi à saudação:

 

- Obrigado, meu general!

 

Senti fogo no estômago. Outra vez aquele sentimento... Parecia um aviso.

 

Curtiss, em seguida, sem deixar de saudar, acrescentou:

 

- Que Ele te abençoe... Passe o que passar!

 

Eu tive um pressentimento.

 

Escurecia quando os guardas me deixaram no alojamento dos oficiais. O sol fugiu naquele dia, às 18 horas e 36 minutos.

 

Foi mais um dia para não esquecer, sem dúvida.

 

21 de agosto

De acordo com as ordens do chefe do projeto Swivel, na primeira hora da manhã de terça-feira, 21 agosto (1973), apresentei-me no escritório do assistente do general Curtiss.

 

Domenico, como sempre, tinha tudo sob controle.

 

Curtiss, naquela manhã, voava para Washington D. C.

 

Ele estava acompanhado de três diretores da fracassada (?) operação Cavalo de Tróia.

 

Slimy, o babão, era um deles.

 

Aquele, sem dúvida, foi outro dia emocionante...

 

Domenico mostrou-as.

 

Eu contemplei-as, espanto.

 

O ajudante sorriu, satisfeito, e me incentivou a pendurá-las no peito, sobre a camisa azul.

 

Não eram deslumbrantes, como se supunha, mas ali estavam...

 

Curtiss jamais esquecia.

 

E Domenico disse:

 

- Devemos esperar os fumegadores entrarem em funcionamento.

 

Tomamos café e conversamos sobre trivialidades.

 

No fundo, nós dois estávamos assustados.

 

Domenico manifestou sua preocupação.

 

Ele queria mudar o estofamento do "Renegade", mas não sabia o que fazer.

 

E me consultou:

 

- Pensei em uma cor vermelho cereja, mas eu também gosto da pele do leão Siberiano... O que eu devo escolher Jasão?

 

Enquanto acariciava as novas "TSSC", as credenciais prometidas por Curtiss (vermelho e violeta), que autorizavam o acesso à "cidade subterrânea", eu aconselhei-o a não fazer besteira. Os assentos de pele de zebra eram muito atraentes.

 

«A "cidade subterrânea"! – Eu pensei. Eu nunca a visitei... »

 

Era o coração do Fog, a área restrita de Edwards.

 

Minhas credenciais habituais - nível 4 azul - não permitiam muita coisa...

 

Os fumegadores foram ativados às 12 horas e 28 minutos.

 

A área restrita foi coberta com uma névoa densa e irritante.

 

Deixamos os pertences pessoais no escritório da assistente (especialmente os metálicos) e nos dirigimos ao exterior do hangar vermelho.

 

A PM estava esperando em um jipe.

 

Tudo foi cuidadosamente programado por Domenico e pelos serviços de segurança do Fog.

 

E o veículo se dirigiu rapidamente, em direção ao hangar número 5, no canto leste da área restrita. No "5" estava um dos acessos para a "cidade subterrânea".

 

As ordens do ajudante, recebidas de Curtiss, eram precisas: mostrar-me "Raio negro", a nave que deveria ser transportada até a Jordânia e de lá, "lançada" para a busca do "berço", logo após o final da quarta guerra árabe-israelense.

 

Eu ignorava em que nível da "cidade subterrânea" estava "Raio negro".

 

Domenico também não comentou.

 

E a tensão foi aumentando.

 

Eu tinha escutado rumores sobre a misteriosa nave, mas não sabia o que era na realidade. Os rumores asseguravam que a tecnologia era mágica, e que teria feito o "berço" ficar envergonhado.

 

Quem isto escreve sentia um carinho especial pelo "berço".

 

Foi a nossa casa por um tempo.

 

Lá morava o fiel "Papai Noel". Eu devia minha vida a ele...

 

E, não sei por que, mesmo sem vê-lo, eu me posicionei contra "Raio negro".

 

Entramos no hangar "5" e nos dirigimos à área do elevador duplo que conduzia à "cidade subterrânea".

 

Domenico ficou na frente de uma porta e pegou um telefone de parede. Acionou-o, digitando em um teclado. Eu li a seqüência "5 + 5 = 1".

 

E, inquieto, esperou.

 

Eu já tinha visto esta seqüência numérica.

 

Os policiais militares mantiveram-se a uma distância segura, atentos.

 

Alguém respondeu do outro lado da linha, e o assistente respondeu com uma contra-senha, enquanto assentia com a cabeça:

 

- Clave de sol...

 

Clave de sol?

 

Então eu me lembrei.

 

Tanto a seqüência numérica (5 + 5 = 1), com as claves de sol, apareciam pintadas no abajur existente sobre a mesa de cabeceira, no aposento no qual fiquei, na casa de campo de Curtiss em Pablo Bay, perto da cidade de São Francisco.

 

Não soube o que pensar.

 

Era tudo muito estranho...

 

Dez segundos depois, abriu-se uma das portas do elevador duplo.

 

Domenico me convidou para entrar primeiro.

 

Eu fiz e fui pego de surpresa.

 

A PM permaneceu do lado de fora.

 

Cheirava a ozônio.

 

Era um cheiro intenso, picante e inconfundível.

 

Eu não pude explicar a origem [108], não naquele momento...

 

Não tive tempo para tomar referências, embora, verdade seja dita, não havia o que observar.

 

O elevador era especial. Nunca vi nada parecido.

 

Era alumínio puro, sem botões, sem sinais de alerta, sem letreiros ou indicações, sem chaves de segurança ou de emergência... Todo polido como um espelho. Seis faces imaculadas, nas quais nos refletíamos por todos os lados.

 

Não soube o que fazer.

 

Domenico não fez nenhum movimento.

 

Ninguém apertou em nada.

 

Mas, o que iríamos apertar?

 

Acho que eu estava com a boca aberta, como um pateta.

 

Em nosso retorno ao hangar vermelho, o assistente me deu algumas explicações sobre os singulares elevadores; únicos, eu diria...

 

 

[108] O ozônio é uma forma alotrópica de oxigênio (O³). Em grego, a palavra ozein significa "cheirar". É um gás azul que aparece durante as tempestades e em proporções muito pequenas (entre 20 e 100 partes por bilhão). (N. do m.)

 

 

Eles trabalharam sem motores. Os tradicionais cabos tracionadores, de aço, foram substituídos por lasers sólidos. Esses "cabos" eram conectados ao computador que controlava um “mecanismo” inexistente. As ordens eram executadas remotamente. Possuía sistemas magnéticos que detectavam terremotos segundos antes que eles ocorressem. Isso possibilitava a abertura das portas e a equipe pudesse evacuar imediatamente. Deslocava-se a uma velocidade de 10 metros por segundo, podendo variar a velocidade, dependendo das circunstâncias.

 

Ninguém podia acessá-los sem a permissão do computador. Era impossível a entrada com câmeras, armas, ou um simples lápis. Qualquer material, que não fosse o pré-programado, fazia soar os alarmes e o elevador ficava bloqueado. Uma bala, ou uma goma de mascar na boca, eram detectadas pelo computador e a máquina parava. A segurança era tal que, antes de autorizar a entrada na "cidade subterrânea", o computador verificava as próteses ou os implantes dentários do convidado.

 

Em suma, se alguém tentasse burlar as normas, o sistema descobriria e o traidor era expulso imediatamente e, o que era pior, condenado ao isolamento, por toda vida, em uma prisão árabe.

 

A traição, no Fog, equivalia ao suicídio.

 

Domenico olhava para o teto do elevador. Melhor dizendo, contemplava-se.

 

Por que, nos elevadores, todo mundo olha para o chão ou o teto?

 

A "viagem" durou cinco segundos.

 

Foi como voar.

 

Não houve nenhum barulho ou solavancos.

 

Então fiz os cálculos.

 

Descemos cerca de cinquenta metros.

 

Era o nível "9".

 

A porta se abriu, e o cheiro de ozônio ficou mais forte, quase sufocante.

 

Os olhos começaram a lacrimejar.

 

Ali mesmo começava um longo e estreito corredor, de apenas um metro de largura, com as paredes e o telhado também de alumínio.

 

E, bloqueando a referida passagem, dois tipos enormes, com cerca de dois metros de altura.

 

Eu fiquei estupefato.

 

Vestiam umas singulares indumentárias transparentes, possivelmente de plástico, feitas em uma única peça.

 

Eles usavam seus capacetes (escafandros), também transparentes.

 

Sob as roupas de proteção, distinguiam-se uns trajes semelhantes aos dos mergulhadores, também em uma única peça.

 

Poderia ser de neoprene [109].

 

Eram de cor violeta.

 

No peito exibiam letras grandes, com cerca de três centímetros cada, na cor dourada.

 

Eu pensei que se tratava das iniciais dos nomes e sobrenomes. Mas não. Em seguida eu percebi: as letras eram as mesmas: DSR.

 

Não fazia nem idéia...

 

Nos pulsos direito se sobressaíam uns “relógios” (?) enormes, com cerca de 10 centímetros de diâmetro, sem agulhas ou dígitos.

 

Também me surpreendeu.

 

Não vi garrafas de oxigênio nas costas e muito menos, os habituais dispositivos respiratórios, existentes nos trajes de astronautas ou roupas de mergulhadores.

 

Um deles, o que estava à frente, um pouco mais velho que o segundo, dirigiu-se a Domenico e falou.

 

A voz surgiu metálica e distorcida:

 

- Vênus... 635.

 

Cada vez que falava acendiam uns "LEDs" (?) vermelhos, localizados nas laterais do capacete (na altura das orelhas).

 

E o assistente respondeu rapidamente:

 

- Clave de sol...

 

Aquilo era surreal.

 

O do escafandro assentiu com a cabeça, deu um passo adiante, e se fixou em minhas "TSSC".

 

Considerou OK e indicou para acompanhá-los.

 

Eles deram meia-volta e desceram por um corredor longo e reto.

 

O cheiro de ozônio era insuportável.

 

 

[109] O neoprene ou duprene faz parte da família das borrachas sintéticas. A estrutura baseia-se em policloropreno ou polímero de cloropreno. É a primeira borracha artificial produzido em escala industrial. É um excelente isolante térmico e elétrico. A marca "DuPont", foi o inventora, com base nas conclusões de Nieuwland, Professor da Universidade de Notre Dame. (N. do m.)

 

 

Tomei referências, como sempre.

 

A passagem era perfeitamente iluminada. Do piso saía uma luz amarelada que era refletida no teto e nas paredes.

 

Era muito estreito, como já disse. Duas pessoas teriam dificuldades ao se cruzarem.

 

Tentei visualizar o final, mas eu não consegui. Devia ter mais de cem metros.

 

E o pobre Domenico começou a espirrar.

 

Um dos "cães de guarda" – porque disto se tratavam - se virou e ordenou silêncio.

 

Domenico se reprimiu como conseguiu. E ele teve que lançar mão de um lenço.

 

Os espirros acabaram escapando pelos ouvidos.

 

Os guardas caminhavam lentamente, quase em câmera lenta, medindo cada movimento e pisando delicadamente.

 

Foram necessários 10 minutos para percorrer aquela centena de metros.

 

Pensei que nunca chegaríamos.

 

O assistente estava nas últimas...

 

Finalmente chegamos a uma porta, também metálica.

 

Ali terminava corredor. Não havia outra saída.

 

Um dos guardas disse algo – eu não consegui ouvir – e a porta abriu-se de baixo para cima, em absoluto silêncio.

 

E entramos...

 

Domenico não tinha me advertido.

 

Não me falou da "cidade subterrânea", muito menos de "Raio negro".

 

Eram as ordens de Curtiss. Depois eu soube.

 

E fomos parar em uma espécie de vestiário, todo em alumínio, provido de "chuveiros", cabines para trocar de roupa, banheiros e armários.

 

Não faltava nada.

 

O guarda número "1", o que solicitou a senha, falou novamente e ordenou que nos despíssemos..., "completamente".

 

E assim o fizemos.

 

Nossa!

 

Domenico estava usado calcinha...

 

Uma vez nus, escoltaram-nos para os "chuveiros", e lá nós fomos borrifados (a expressão correta seria pulverizados) com um produto incolor e inodoro. Parecia um desinfetante, mas não tenho certeza.

 

Evaporava-se rapidamente.

 

Curiosamente, a pele mantinha-se seca.

 

Perdemo-nos de vista por um segundo.

 

As luzes dos escafandros pulsavam constantemente.

 

Eu deduzi que eles estavam conversando entre si ou com um terceiro.

 

Eles estavam muito interessados ​​em nossas mãos. Eles não deixavam de observá-las. Eu não sei por que razão...

 

O assessor continuou com os espirros.

 

A "ducha" se prolongou por uns dois minutos.

 

Ordenaram que saíssemos e apontaram para as cabines. Ali esperavam dois trajes de neoprene, semelhante aos que eles usavam, mas na cor preta, igual telefone.

 

Tínhamos que entrar neles, mas antes era necessário urinar.

 

Insistiram, e muito.

 

E nós o fizemos, é claro.

 

Como eu disse, eram trajes de neoprene, mas sem iniciais.

 

Examinei o meu com desconfiança.

 

Era um material de dois milímetros de espessura, muito leve. Deduzi que o neoprene tinha sido tratado com algum tipo de "spandex" (talvez um "superflex 2”), proporcionando-lhe uma maior flexibilidade. Ao retornar à superfície, Domenico confirmou a suspeita, acrescentando que o neoprene continha nitrogênio puro. O processo era realizado durante a fabricação. O ar era expulso e, em seu lugar, era injetado o referido nitrogênio. Isso o tornava inalterável.

 

No Fog cuidavam até do último detalhe...

 

Depois nos entregaram os trajes de proteção, de plástico, e ajudaram a ajustar o escafandro. Eu não soube como o oxigênio chegava ao interior do protetor.

 

O assistente de Curtiss teve problemas.

 

Percebia-se que fazia muito tempo que não voava.

 

Tiveram que ajudá-lo na hora de entrar no neoprene e no traje protetor.

 

Não me autorizaram a ajudá-lo.

 

E eu mantive-me a uma curta distância, observando.

 

Se desejássemos falar - explicaram - podíamos fazê-lo livremente, mas sem levantar a voz. Eles também salientaram isso: "nada de gritos".

 

- Vocês estão prontos? - Perguntou o número "1".

 

Nós levantamos os polegares e deixamos o vestiário.

 

O "1" colocou-se à frente e o guarda "2" fechou a pequena comitiva.

 

E eu me perguntei, mais uma vez: "Onde diabos nós estávamos indo? O que era "Raio negro"? Por que nos obrigaram a utilizar aqueles trajes? Por que o escafandro?”

 

O instinto tocou meu ombro.

 

Atenção!

 

Nós percorremos outro corredor estreito – com cerca de cinco metros - também trabalhado em alumínio e com idênticas luzes, e acabamos chegando a uma segunda porta de metal.

 

Ali terminava o corredor.

 

Aquilo era como uma ratoeira.

 

O "1" falou com alguém (suponho que alertou sobre a nossa presença) e, naquele momento, a porta se levantou. E o fez em um segundo e sem ruído.

 

Em seguida, surgiu uma claridade azul...

 

Eu fiquei, por um momento, deslumbrado.

 

Foram alguns segundos.

 

O número "2", às minhas costas, terminou empurrando-me sem a menor cerimônia.

 

E desemboquei em uma varanda ou terraço, tudo de vidro.

 

Meu Deus!

 

Ali estava "Raio negro!"

 

Fiquei atônito.

 

Eu não sabia para onde olhar...

 

Domenico já o tinha visto anteriormente, mas também ficou surpreso.

 

Os guardas se posicionaram, um de cada lado, daqueles perplexos visitantes.

 

E o "1", esclareceu:

 

- Vocês dispõem de seis minutos... Nada de perguntas!

 

Tentei me recompor.

 

Como eu disse, eu não sabia para onde olhar.

 

Tudo era novo para quem isto escreve.

 

E eu me disse: “É apenas uma observação, nada mais."

 

Contei outros cinco guardas, também muito altos, no fosso de arena que cercava aquela "coisa". Vestiam-se como aqueles que nos acompanhavam, e com as mesmas iniciais no peito.

 

Nenhum portava arma.

 

Para quê? Aquele era um bunker inexpugnável...

 

Eu absorvi com o olhar, o que foi possível, o que não foi muito.

 

Como eu disse, estávamos em uma espécie de plataforma (isolada por um material plástico) e aproximadamente à 14 metros e um enorme cubo de vidro (?), com cerca de 50 ou 60 metros de largura.

 

Deus do céu!

 

O que era aquilo?

 

- Cinco minutos...

 

A voz do vigia soou 5 por 5 no interior do escafandro.

 

E eu continuei tomando referências...

 

O formidável cubo me lembrou um "aquário". Aparecia cheio até o topo, com um líquido (?) espesso, de cor azul índigo.

 

No recipiente flutuava uma esfera, de uns 40 metros em diâmetro.

 

Ela era escura e brilhante, como o grafite, e oscilava de forma quase imperceptível.

 

Os guardas que caminhavam pela arena que rodeava o enorme cubo de vidro, se aproximaram da plataforma.

 

Nós estávamos quase ao nível do fosso.

 

Eu percebi como piscavam os LEDs vermelhos dos escafandros.

 

Eles conversavam entre si.

 

Eu não consegui entender, por que eu não podia ouvi-los.

 

Contemplaram-nos, curiosos, e acabaram retornando para suas posições.

 

Eles eram muito altos, e jovens. Nenhum era negro.

 

O nível "9" era imenso.

 

Mas eu não quis me distrair com o que estava ao redor.

 

E eu me concentrei novamente em “Raio negro".

 

Cheguei à conclusão de que a nave estava submersa em ozônio líquido; daí o permanente cheiro que estava por toda parte.

 

Fiquei maravilhado.

 

O ozônio líquido é altamente instável.

 

Aquilo era uma bomba!

 

Como eles conseguiram controlá-lo?

 

Eu não tinha idéia de como eles o fabricavam [110].

 

Eu pensei que atuava como um desinfetante. O ozônio tem uma capacidade muito elevada como um bactericida (superior, inclusive, ao cloro).

 

Mas o que ele protegia? O que era "Raio negro"? O que a esfera continha?

 

Ninguém deu uma explicação. Nem uma única palavra...

 

Honestamente, eu senti medo.

 

"Raio negro" não me agradou.

 

- Três minutos...

 

Eu não localizei janelas, nem motores, ou sistemas de propulsão que eu conhecesse...

 

Nada.

 

A esfera era lisa, com uma característica que me deixou confuso. Ao fixar o olhar em um ponto dessa esfera - não importava qual - da superfície em questão, nascia um pequeno raio curvo, com as cores do arco-íris. O raio curvo (?) não ia além das paredes do grande "aquário".

 

 

[110] Domenico explicou no hangar vermelho: para obter o trioxígeno (ozônio) líquido, faziam o ar passar por tubos concêntricos, nos quais saltava uma descarga de 15 kV, com uma frequência de 50 Hz. Na sequência, separava-se o ozônio por destilação fracionada. O último processo consistia de irradiação com luz ultravioleta na condensação. As placas de metal, que cobriam os tubos geradores de ozônio, eram segredo militar. Sobre a forma como eles conseguiam mantê-lo no grande "aquário", sem risco de explosão, o assistente não sabia ou não quis me dizer. (N. do m.)

 

 

Domenico, ao regressar ao seu escritório, confirmou a observação, mas não sabia como interpretá-la.

 

Era um efeito óptico, nada mais?

 

Eu nunca vi nada igual...

 

Olhasse para onde olhasse, ali aparecia o feixe curvo com as cores do arco-íris.

 

Durava tanto quanto a observação.

 

Quando piscava, o arco-íris desaparecia. E voltava a aparecer.

 

Era um belo espetáculo, mas dava certa agonia.

 

- Fim do tempo - interveio o número "1". Sigam-me...

 

Os guardas nos obrigaram a deixar o local e voltar para o vestiário.

 

Ali trocamos de roupa e refizemos o caminho previamente percorrido.

 

Os guardas nos escoltaram até o final.

 

Não houve despedidas, nem saudações, nem um infeliz sorriso.

 

Eram blocos de gelo.

 

Não cheguei a ver mais nada, na rápida turnê pelo nível "9" da "cidade subterrânea", no Fog.

 

E não foi pouco...

 

Às 15 horas nós sentávamos novamente no escritório de Domenico, no hangar vermelho.

 

Devolvi as "TSSC" e trocamos idéias sobre o que tínhamos visto na "cidade subterrânea".

 

Domenico esclareceu algumas dúvidas, não muitas.

 

Ele disse que não sabia nada sobre o interior de "Raio negro".

 

Eu não acreditei, mas seguimos falando sobre outros assuntos.

 

A nave, aparentemente, estava pronta para partir.

 

Não consegui tirar dele, nada mais do que isso.

 

E sorriu malicioso, quando o pressionei.

 

Mensagem recebida.

 

No projeto trabalhavam 1.086 pessoas, entre técnicos e cientistas. Dez vezes mais do que em Cavalo de Tróia.

 

Todos juraram lealdade a Curtiss e assinaram o "Protocolo 4" [111].

 

Eu também perguntei sobre as iniciais que os guardas tinham no peito: "DSR".

 

De maneira também confidencial, a assistente veio a dizer que os tipos, de dois metros de altura, integravam um seleto "clube" que chamaram de "Serviço de Custódia Direta" ou algo assim. Eles eram militares (filhos e netos de militares). Somente brancos. Somente pessoas religiosas. Somente solteiros. Eles prestavam serviços especiais em lugares especiais. Os contratos eram por toda a vida.

 

E insinuou algo que me deixou perplexo: uma vez retirados de serviço "DSR", quase todos faleciam... "inexplicavelmente".

 

- E não pergunte mais - suplicou Domenico.

 

Eu me retirei do Fog ao pôr do sol e com um gosto amargo na boca.

 

Por que Curtiss tinha solicitado para que eu não renunciasse a “Raio negro"? O que estava por trás daquele projeto?

 

Nossa!

 

Então me dei conta. Era dia 21 de agosto...

 

Naquela data, ha 1.979 anos atrás, em Belém, o Homem-Deus nascia na Terra.

 

E eu adormeci com a imagem do Filho do Homem, lá, ao longo do Yam, com o braço erguido, despedindo-se de quem isto escreve.

 

Como eu sentia saudade!

 

E dela também...

 

Eu encontrei o amor tarde demais e no lugar errado.

 

Isso não importava. Eu a amaria para sempre.

 

Era incrível...

 

A aventura parecia um distante e nebuloso sonho. Mas eu sabia que não foi sonho.

 

 

[111] “Protocolo 4” era um termo de confidencialidade. O assinante concordava em não revelar a natureza do seu trabalho. O compromisso alcançava a sua família, até a quarta geração. Em caso de não cumprimento, a família poderia ser "anulada" (assassinada) e as posses e o dinheiro passavam diretamente para o governo. Este era o meu caso... Éramos (somos) os escravos modernos. (N. do m.)

 

 

O resto da semana foi relativamente calmo.

 

Eu me tranquei no "vespeiro".

 

Eu revisei os diários até a última linha.

 

Não encontrei novos "erros" ou "anomalias".

 

E a velha convicção se fez forte dentro de mim.

 

Eliseu estava vivo!

 

Eu não sabia como nem onde, mas estava vivo...

 

E, várias vezes, eu revi o código:

 

“E cada erro conduz à luz. Até o sétimo. Em uma centena de crepúsculos depois de morto viverá o não vivido. Será o dia do relâmpago.”

 

 

Foi naqueles dias de agosto, que eu me propus seriamente: eu tinha que viajar para a Jordânia ou Israel e me apresentar, no dia 06 de outubro, no local indicado pelo código.

 

Coordenadas:

 

31° 27’ 025’’ Norte

 

35° 33’ 34’’ Leste

 

Eu tinha que encontrar uma desculpa para deixar a base de Edwards.

 

Mas qual?

 

Podia dizer a verdade para Curtiss.

 

Não parecia uma boa idéia. Eu não confiava nele.

 

O general conhecia o código, mas não as coordenadas.

 

E o Destino, eu sei, sorriu gozador, de uma das esquinas da vida.

 

Tudo estava minuciosamente calculado...

 

Quando é que vou aprender?

 

Aquela semana foi intensa no bar de Joco.

 

Os rumores circulavam como locomotivas sem freio.

 

O FBI, o serviço secreto e a polícia de Nova Orleans tinham descoberto uma trama - assim disseram - para acabar com a vida do presidente. Naturalmente, Nixon se partiu de tanto rir ao ouvir a notícia. Joco o chamou de teimoso.

 

Na quarta-feira, 22, Nixon, o esclerosado, como o japonês também o chamava, fez outra das suas: nomeou Henry Kissinger como novo Secretário de Estado. Aqueles que conheciam um pouco sobre os venenosos tentáculos de Henry começaram a tremer.

 

Kissinger estava substituindo William Rogers, outra "vítima" do caso "Watergate".

 

A nomeação de Nixon deveria ser aprovada pelo Senado. Mera formalidade.

 

E eu me perguntei: «Com Kissinger no topo, o que seria de Curtiss? Ambos se odiavam... »

 

Joco chamou Kissinger de brutamontes, zangão e guloso.

 

Eu, sem querer, lembrei-me de Henry, o cão amarelo e covarde do general.

 

Em 24 de agosto, sexta-feira, Domenico colocou-me a par das atividades de Curtiss na Jordânia.

 

O general, e chefe do projeto Swivel, tinha viajado para Amã na companhia de três diretores de Cavalo de Tróia e dois militares forenses.

 

Os Jordanianos não davam o braço a torcer.

 

Eles exigiam dinheiro em troca da repatriação do corpo do astronauta, assim como, uma explicação oficial por parte de nosso governo e, como eu já disse, uma autópsia compartilhada.

 

Domenico me mostrou o telex.

 

Eu fiquei estupefato.

 

Amã exigia dinheiro e um carregamento de armas. Especificamente: um milhão de dólares americanos e um avião carregado de granadas.

 

- Eles estão loucos – proclamou o assistente.

 

- E Curtiss, o que pensa fazer?

 

Domenico encolheu os ombros.

 

A decisão era assunto do Pentágono.

 

- Por falar nisso - esclareceu desnecessariamente - estão soltando faíscas...

 

O cadáver do suposto Eliseu havia sido transferido para a base aérea Jordaniana de Muwaffaq Salti, na região de Azraq, a leste de Amã.

 

Ali esperavam Curtiss e o resto.

 

O general, segundo Domenico, rugia contra todos.

 

Chamava os do Pentágono de medíocres. Os árabes eram qualificados de corruptos sanguessugas...

 

De acordo com os comunicados do general, a equipe despachada para a Jordânia havia tido acesso ao cadáver. A inspeção - muito superficial e sempre sob vigilância jordaniana - foi negativa.

 

A putrefação, aparentemente, era intensa e isso dificultava os trabalhos de identificação.

 

- Irão precisar de amostras - Domenico disse. Sobretudo da dentadura... Depois farão a comparação com os registros da USAF.

 

O assessor seguia convencido: aquele cadáver era o de Eliseu.

 

Eu não tinha tanta certeza...

 

No dia seguinte, Sábado, 25 de agosto de Domenico me chamou na primeira hora da manhã.

 

Novidades.

 

Os do Pentágono haviam se movimentado rapidamente, e autorizaram a entrega das armas.

 

Um “Galaxy” já estava voando para a base Muwaffaq Salti, a sede da famosa Legião Árabe (ALAF).

 

Transportava 10.000 granadas de mão (ofensivas) e 5.000 do tipo antitanque.

 

Era um carregamento "dizimado".

 

O assistente de Curtiss explicou, satisfeito: as granadas foram manipuladas pela Divisão de Pesquisa e Desenvolvimento do Exército. Nisso, os do "RD" eram habilidosos...

 

Uma vez que a Jordânia estava posicionada do lado árabe e que, presumivelmente, se uniria ao Egito e a Síria na iminente guerra contra Israel, o Pentágono deu a ordem para "modificar" as armas exigidas por Amã.

 

Em granadas de mão, o sistema de ignição, que geralmente funciona "por tempo" foi anulado. Isso significava que, ao retirar o pino e acionar a alavanca de disparo, a granada explodiria imediatamente.

 

O lançador seria morto ou mutilado.

 

Com as antitanque sucedia algo parecido. A Divisão de Pesquisa e Desenvolvimento lançou o protocolo "TE", alterando, assim, o dispositivo elétrico de magneto.

 

Resultado: o projétil explodiria na cara do lançador.

 

Nem perguntei o que era "TE". Eu me senti enojado.

 

O “Galaxy” chegaria naquela noite na base Jordaniana de Azraq.

 

Das 15.000 granadas "doadas" pelos EUA, 1.500 foram manipuladas.

 

Os medíocres, e Domenico, preferiram o termo: “dizimadas”.

 

O assistente piscou e gritou feliz:

 

- Como diz Curtiss, tomem isso, déspotas!

 

26 de agosto

E chegou o domingo, 26 de agosto (1973).

 

Era outro dia para ficar na história...

 

Ao receber o "carregamento", Amã autorizou a autópsia e a repatriação do cadáver do astronauta.

 

Os médicos legistas atuaram imediatamente.

 

Eram cinco, três jordanianos e dois norte-americanos. Aqueles de meu país pertenciam à Marinha e a Força Aérea. Foram selecionados por Curtiss.

 

De acordo com a informação fornecida pelo general, a autópsia começou às 7 da manhã (hora local de Azraq).

 

Passei boa parte desse domingo no escritório de Domenico, atento ao telefone e telex.

 

Os resultados chegaram às 16h34min, em um longo relatório dos médicos legistas norte-americanos. No cabeçalho se lia umas frases de Curtiss.

 

Elas diziam textualmente: "Aos cuidados de Jasão. As diatomáceas também conduzem à luz.”

 

Nossa!

 

Aquilo me preveniu.

 

E seguiam 62 páginas.

 

Eu li avidamente.

 

Era um trabalho minucioso, muito profissional, onde se percebia a mão experiente e segura do forense da Marinha.

 

Como já disse, o código era conhecido apenas por Curtiss e por quem isto escreve.

 

Domenico, que também leu o relatório dos forenses, não soube interpretar a "mensagem" de Curtiss sobre as diatomáceas. Nem eu expliquei a ele.

 

Geral não poderia ter enviado o relatório. Era confidencial. No entanto, ainda não sei por que razão, ele quebrou as regras e o fez chegar ao escritório do assistente.

 

Em boa hora...

 

Ao lê-lo fiquei desconsertado.

 

Pouparei o hipotético leitor destas memórias, das referidas 62 páginas, repletas de termos médicos e descrições tão entediantes quanto desagradáveis.

 

Eu sempre admirei o talento e o sangue frio dos forenses.

 

Apenas vou me referir aos capítulos que, em minha opinião, lançavam luz sobre o grande dilema: estávamos diante do corpo do engenheiro?

 

A julgar pela descrição, e pelos resultados, os especialistas contaram com o apoio de uma aparelhagem mais do que aceitável.

 

A autópsia, propriamente dita, durou 10 horas.

 

Foram realizadas análises histopatológicas, químicas e bacteriológicas, e se contou com o auxílio de uma sala de raios X

 

Os forenses se guiaram pelo tradicional método de Virchow [112], que se caracteriza por um reconhecimento global das vísceras (in situ-no local) e pelo exame das mesmas, uma vez extraídas do corpo.

 

Foi retirado o traje e se observou nele, um nome ("semi-apagado") idêntico ao nome de Eliseu.

 

"Rasgadura no traje, na altura do joelho esquerdo."

 

E o relatório centrou-se em uma inspeção detalhada e completa do cadáver.

 

Em resumo, isto foi o que ele dizia:

 

«Macho. Branco. Tipo caucasiano. Idade: 30 a 40 anos. Constituição Atlética. Altura: 1,73 metros... »

 

A cor do cabelo também combinava com o de Eliseu.

 

Por enquanto, tudo coincidia...

 

Os forenses insistiram em algo de particular importância: o estado de putrefação do cadáver era avançado. O rosto estava desfigurado. Nem Curtiss, nem os diretores reconheceram Eliseu.

 

Era um fato registrado no laudo pericial.

 

Eu lembro que eu já imaginava isso...

 

O corpo, como eu disse, foi encontrado nas águas do Mar Morto (costa da Jordânia) em 11 de agosto (1973). Assim estava registrado na parte de trás das fotografias.

 

 

[112] Virchow (1893) realizou uma síntese dos métodos forenses aplicadas até o momento. A saber: Morgagni (método clássico, 1761); Rokitansky (ele foi o primeiro a realizar na dissecção local das vísceras); Gohn (aperfeiçoou o método de Rokitansky, formando grupos dos órgãos de cadáveres) e Letulle (fazia uma grande incisão oval no peito e abdômen, procedendo em seguida, uma extração em massa das vísceras). Virchow também se baseou nos estudos do professor Thoinot e conseguiu um método que foi aceito na maioria dos países. Seus cortes "interligados" são a base da maior parte das regulamentações de autópsias. Virchow defendia o reconhecimento pleno, respeitando as ligações inter-orgânicas. (N. do m.)

 

 

O tipo de sangue - AB negativo – também era o mesmo do engenheiro.

 

Mas na descrição externa do corpo, de repente, eu descobri um fato que me alarmou: "... Observa-se uma tatuagem - dizia o relatório – de 18 cm, em forma de íris, sobre o tórax. A flor (azul) parece brotar do coração”.

 

Eu recordei.

 

Eliseu não gostava de tatuagens.

 

Ele não tinha nenhuma...

 

Eu o tinha visto nu em várias ocasiões. Lavei-o quando contraiu aquele grave problema intestinal, ocorrido em setembro do ano 25, no vau de Colunas [113], e também no final da nossa aventura (últimas semanas do ano 27 e os primeiros dias de janeiro do ano 28), quando ele entrou em coma [ 114].

 

Eliseu não apresentava nenhuma tatuagem!

 

Aquele cadáver não era o do meu companheiro!

 

Eu suspeitei naquele momento, mas fiquei em silêncio.

 

O instinto tocou meu ombro.

 

Atenção!

 

A dentadura também não coincidia.

 

A de Eliseu era saudável e impecável.

 

O relatório forense falava de dentes em luta e arruinados.

 

Podia ser devido ao impacto com a água?

 

Parecia improvável.

 

Então eu li algo que também me deixou confuso.

 

Eu matutei bastante, mas não se encaixava.

 

Os pés, joelhos, zona dorsal da mão esquerda e couro cabeludo apresentavam escoriações e feridas de diferentes tipos. Os forenses falaram do roçar do corpo com pedras e com o fundo do lago.

 

 

[113] Ampla informação sobre a gastrenterite sofrida por Eliseu em Cavalo de Tróia 7 - Nahum. (N. do a.)

[114] Ampla informação em Cavalo de Tróia 9 - Caná. (N. do a.)

 

 

Isso era impossível, por dois motivos: porque o corpo estava vestido com um traje, e com o correspondente calçado; e porque, no Mar Morto, os corpos flutuam. Jamais afundam. As lesões em questão não poderiam ser causadas após a morte. A menos que...

 

A idéia era tão louca que eu a deixei de lado.

 

Em seguida, a equipe médica entrou em cheio na necropsia ou exame interno do cadáver (a autópsia propriamente dita). O estudo era sistemático e na seguinte ordem: coluna vertebral, crânio, pescoço, tórax, abdômen, trato urogenital e extremidades.

 

A leitura não me disse nada até que cheguei à inspeção dos planos profundos e da cavidade bucal.

 

Ali se apresentaram os primeiros sinais de submersão (afogamento): as vias aéreas estavam preenchidas pela típica espuma traqueobrônquica. A glote também estava coberta pela dita espuma [115]. Os pulmões apareciam cheios de água e significativamente aumentados, dando a impressão de que eles não cabiam no peito [116]. O coração estava praticamente abraçado pelos pulmões.

 

Eu não saía do meu espanto.

 

Como era possível? O cadáver estava usando um escafandro e um traje especialmente projetado. Era difícil que entrasse água.

 

Não foram localizadas as manchas de Tardieu (observadas em mortes por estrangulamento ou sufocação). O relatório, pelo menos, não se refere a elas.

 

A abertura do tórax e do abdômen - executada simultaneamente por uma única incisão, oval e elipsóide - reservava outras surpresas...

 

Após as análises correspondentes, procedeu-se à extração (separadamente) dos dois pulmões. Foi realizada secção hilo.

 

O relatório apontava congestionamento e cianose marcada no lado direito do coração.

 

Os grandes vasos venosos apareciam distendidos e com sangue escuro.

 

O esôfago e estômago abrigavam ar e água, bem como lama, vegetação e outros materiais estranhos.

 

Eles coletaram amostras de tudo.

 

 

[115] A espuma em questão se forma pela mistura de muco e água nos movimentos respiratórios convulsivos agônicos. A água desce até os brônquios principais e expulsa o ar residual. Isto provoca a hiper-distensão dos pulmões (enfisema líquido). (N. do m.)

[116] A pressão sobre a superfície externa tinha deixado a típica impressão ou "cova". Também apareceram as manchas de Paltauf (hemorragias cutâneas grandes). A palpação - segundo o relatório - proporcionava uma sensação crepitante (estralos). Ao cortar os pulmões, apresentou-se abundante líquido espumoso. (N. do m.)

 

 

Também encontraram areia no fluido brônquica.

 

Estava ficando cada vez mais confuso.

 

O Mar Morto está encravado em um deserto. Em suas águas é difícil encontrar vegetação. Como chegou ao estômago e região brônquica do suposto Eliseu?

 

A lividez cadavérica era típica de um afogamento. Era mais clara do que nos outros tipos de asfixias mecânicas.

 

O fenômeno teria sido explicado, em parte, pela hemo-diluição e a permanência do corpo em água fria. Não era o caso. O Mar Morto mantém temperaturas que variam entre 21 e 31°C.

 

Eu não conseguia entender o singular caso.

 

O cadáver apresentava também a chamada "cútis anserina" por causa do rigor mortis, e uma extensa maceração cutânea, com enrugamento generalizado da pele de mãos e pés. Esta pele possui o aspecto luvas e meias, respectivamente.

 

E eu me disse, mais uma vez: "Isso não é possível... A maceração da pele requer contato do corpo com um meio líquido". E aquele corpo estava usando um traje que não permitia este contato.

 

A partir daí, as surpresas se sucederam...

 

A água contida nos pulmões e estômago foi analisada nos laboratórios da base Jordaniana.

 

Não era água salgada!

 

Era doce!

 

Fiquei perplexo.

 

Quanto à argila encontrada no líquido bronquial, também não pertencia ao Mar Morto.

 

Não possuía aragonita, um dos elementos presentes na lama do Mar de Sal (aragonita, halita e gipsita)!

 

E o que dizer da concentração de íons!

 

O potássio, cálcio e magnésio apareciam em concentrações mais baixas do que as existentes no Mar Morto.

 

Eu não podia acreditar no que lia.

 

Repassei mais uma vez.

 

Correto.

 

Eu tinha lido certo.

 

As análises foram claras e decisivas: o homem morreu por afogamento em água doce, no entanto foi encontrado flutuando no Mar Morto, onde a salinidade varia entre 27 e 27,5% [117].

 

Água doce!

 

Alguém estava brincando conosco...

 

E as surpresas foram aumentando.

 

No exame das vísceras, surgiu a "adipocera", um evidente endurecimento e inchaço das gorduras do corpo. A gordura havia ficado branca e rígida [118], aderida ao tecido ósseo e muscular.

 

Mas o mais desconcertante é que o fenômeno da "adipocera" exige em torno de cinco a seis meses de processo de putrefação.

 

Eu fiz as contas de novo.

 

Essa pessoa deve ter falecido em fevereiro ou março (1973) e o "berço" se precipitou no lago em 28 de junho.

 

Com efeito, as contas não fechavam...

 

Para terminar o emaranhado labirinto, o relatório forense indicava a presença de ninhos de Calliphoridae, uma mosca que deposita seus ovos em áreas úmidas das feridas, boca e olhos, basicamente. Estas "moscas varejeiras" se reproduzem algumas horas após a morte do hospedeiro.

 

Supondo-se que o corpo estava protegido pelo escafandro e o traje hermético, estas moscas não tinham como estar lá...

 

Eu fiz um balanço.

 

A autópsia falava de um homem com as características físicas de Eliseu (incluindo o grupo sanguíneo).

 

 

[117] Quando a morte por afogamento ocorre em água salgada, à aspiração, seguem-se outras graves perturbações na química do sangue e do equilíbrio de fluidos. Uma delas é a concentração osmótica do sangue no leito capilar pulmonar, aumentando o teor de sal. No caso de afogamento em água doce, a água atinge o sangue através da barreira alvéolo-capilar, provocando excesso de fluido e hemólise, com elevação dos níveis plasmáticos de potássio e diminuição dos níveis de sódio. O miocárdio sofre uma agressão anóxica (ausência quase total de oxigênio) e o resultado é uma fibrilação ventricular. Na água salgada não ocorre a fibrilação nem a hemólise. (N. do m.)

[118] A "adipocera" (graxa de cadáveres) ocorre como resultado de uma hidrogenação do ácido mais insaturado: ácido graxo em ácidos mais elevados, isto é, convertendo-se o ácido graxo em esteárico opaco. Ou o que é o mesmo: C17 H33. COOH + H2 = C17 H35. COOH. (N. do m.)

 

 

Ele havia sofrido morte por submersão e estava usando um traje do projeto Swivel (super secreto), com o sobrenome de Eliseu costurado no peito.

 

Aparentemente, era o engenheiro.

 

Mas não...

 

O que era que não se encaixava?

 

Em primeiro lugar, a água doce. A pessoa não tinha morrido no Mar Morto.

 

Em segundo lugar: a tatuagem em seu peito.

 

Terceiro: as feridas nos pés, joelhos, zona dorso da mão esquerda e no couro cabeludo. Estava protegido pelo traje.

 

Quarto: a "adipocera" e os ninhos de Calliphoridae. O indivíduo morreu bem antes da data em que o berço se precipitou no Mar de Sal

 

Quinto: a lama encontrada no interior do cadáver não era do Mar Morto.

 

De qualquer forma, para que ir em frente...

 

O instinto me advertiu novamente.

 

Não precisava ser muito esperto para deduzir que aquele infeliz não tinha nada a ver com o engenheiro.

 

E eu me perguntei: "Se assim fosse, o que fazia aquele corpo naquela história? Quem ele era realmente? Por que o utilizaram? Quem o lançou nas águas do Mar de Sal?”

 

Nesses momentos, não sei por que, retornaram à minha mente, as imagens dos misteriosos envelopes lacrados que havia recebido no quarto do alojamento dos oficiais, no "vespeiro", e na casa de campo de Curtiss: “Marte alerta" “blasfêmia” e “Renúncia, traidor".

 

Eu não fiz comentários.

 

Eu deduzi que Domenico também tinha reparado naquele amontoado de bobagens.

 

Até mesmo um cego poderia ter visto...

 

Curtiss captou... E me advertiu.

 

O assistente, no entanto, escolheu o silêncio.

 

Um significativo silêncio...

 

Eu sou um desastre.

 

Por que eu não percebi muito antes?

 

Domenico, na verdade, não era o que parecia...

 

Mas vamos por partes.

 

Não quero me desviar.

 

O laudo pericial foi concluído.

 

Foi encontrada água no estômago, numa quantidade superior a 500 ml.

 

Isso significava que o enigmático personagem estava vivo quando caiu (ou foi jogado) na água [119].

 

Foram detectadas hemorragias no ouvido médio e nas células mastóideas.

 

E a autópsia foi completada com exames complementares tradicionais: radiológicos, microscópicos, químicos e bioquímicos.

 

Foi assim que se percebeu a opacidade dos seios paranasais (indicativo de submersão ou afogamento intravital: enquanto o sujeito estava vivo) e uma grande colônia de protozoários ciliados e de diatomáceas, as decisivas evidências biológicas, sobre as quais o general fazia alusão no cabeçalho do relatório: "As diatomáceas também conduzem à luz."

 

As análises, de fato, identificaram três tipos de diatomáceas [120]. Todas elas apareciam na medula dos ossos longos, assim como, no sangue do coração e demais órgãos irrigados pela circulação sistêmica. Os testes foram repetidos com exemplares existentes no cérebro, pulmão, fígado e rins.

 

Não havia nenhuma dúvida.

 

O personagem se afogou em uma luta.

 

A respiração agitada do infeliz, tentando sobreviver, arrastou o ar e a água (com diatomáceas). Primeiro foram bombeadas para o coração e a partir daí distribuídas pelos outros órgãos.

 

 

[119] Se a quantidade de água presente no estômago for superior a 500 ml, os forenses assumem que a pessoa morreu por afogamento (asfixia intravital, por entrada de líquido nas vias aéreas). Após a morte não é possível que o estômago receba tanta água. Também se observou o descolamento das mucosas esofágicas (resultante dos vômitos violentos causados pela ingestão abundante de água nos momentos finais). Foi detectada água no duodeno. (N. do m.)

[120] As diatomáceas são algas microscópicas, muito resistentes, também conhecidas como Bacillariophyta. A maioria é unicelular, embora também existam colônias na forma de tiras, estrelas, etc. A carapaça é de sílica e possui um plasma claro, com grandes vacúolos e pirenóides. Elas vivem na água e em terra. Os restos se acumulam no fundo do mar, formando a assim chamada "terra de diatomáceas" (Diatomito ou Kieselguhr), amplamente utilizado industrialmente. Na atualidade se conhecem em torno de 25.000 espécies, ainda que, os cientistas suspeitem que o número possa chegar a 100.000. (N. do m.)

 

 

De acordo com especialistas, a identificação das diatomáceas pode levar ao local exato em que se registrou a submersão ou afogamento. Em outras palavras, cada diatomácea procede de um ponto do planeta.

 

Eu deduzi que os forenses tinham perfeito conhecimento do risco de contaminação existente no processo de investigação.

 

Eu imaginei que eles tomaram todas as precauções possíveis.

 

Dei por certo o fato de que as diatomáceas localizadas no interior do corpo eram de fora do laboratório.

 

Neste caso, as diatomáceas detectadas foram: Scoliopleura lorami, Opephora mutabilis e Scoliopleura peisonis.

 

Naquele momento, eu não sabia o lugar de onde procediam. O relatório também não falava sobre isso.

 

Ali terminava o trabalho dos peritos.

 

Em suma: o afogado não morreu no Mar de Sal

 

O general Curtiss estava tentando comunicar algo, mas eu não estava pronto...

 

Conformei-me. Eu esperaria seu retorno à Edwards.

 

No entanto, sobre a maleta, nenhuma palavra. Eu achei estranho o relatório não a mencionar.

 

Domenico falou com Curtiss na primeira hora de segunda-feira, 27 de agosto.

 

O chefe do projeto se mostrou preocupado.

 

A equipe havia realizado o embalsamamento do cadáver, mas a papelada para o repatriamento do corpo era um assunto trabalhoso, quase agonizante, que dependia inteiramente dos Jordanianos.

 

Curtiss, de saco-cheio, chamou os árabes de eguariços e trogloditas.

 

Ninguém sabia quando conseguiriam sair daquele buraco.

 

O Pentágono começou a ficar impaciente, e com razão.

 

Se os jordanianos descobrissem que as granadas foram "dizimadas" Curtiss e o resto não sairiam vivos do país.

 

Para piorar a situação - segundo Domenico - o "Galaxy", que tinha transportado as armas acabou fugindo como um coelho. Precisavam de um transporte, urgentemente, que aterrissasse na Base Aérea de Azraq e resgatasse o general, a equipe, e o caixão com o corpo do misterioso personagem.

 

Mas não era tão simples...

 

A situação no Oriente Médio continuava a deteriorar-se, tal e como previa o sinistro plano Rapto de Europa.

 

Representantes do rei da Jordânia, e o presidente egípcio vinham realizando intensas e freqüentes reuniões, a fim de restabelecerem as relações diplomáticas. [121]

 

A guerra, eu insisto, estava uivando cada vez mais perto.

 

Se a Jordânia estabelecesse relações com o Egito, dada a iminência do conflito com Israel, a situação de Curtiss, e dos seus, poderia ficar seriamente comprometida. E não eram frases feitas.

 

Curtiss sabia. O Pentágono sabia. Kissinger sabia. Nixon sabia.

 

A situação agravou-se.

 

As explicações secretas do governo dos EUA, sobre a presença do astronauta no Mar Morto, não foram do agrado de Amã. A Embaixada dos EUA na Jordânia emitiu uma nota confidencial ao rei Hussein, explicando que o falecido era um membro de uma expedição conjunta e humanitária, entre judeus e norte-americanos, para a pesquisa sobre o mosquito Anopheles, comumente chamado de mosquito-prego (transmissor da malária). A Jordânia, é claro, não engoliu a história.

 

E Curtiss voltou a insultar políticos e militares, chamando-os de baderneiros e bastardos.

 

O general - segundo Domenico – estava subindo pelas paredes.

 

Eu dividi meu tempo entre o "vespeiro", na revisão dos diários, e nas pesquisas, no Dryden, sobre a natureza e a origem das diatomáceas encontradas no corpo.

 

No Fly Research Center da NASA, não sabiam muito. E me remeteram aos departamentos oceanográficos das universidades.

 

Tudo o que eu consegui descobrir naquele momento, foi que, as referidas diatomáceas procediam da Hungria, Texas e “Baja California Sur” (um dos 31 estados Mexicanos, localizado no golfo da Califórnia).

 

Minha confusão se multiplicou.

 

Aquele infeliz havia se afogado há milhares de quilômetros do Mar Morto!

 

 

[121] O Egito rompeu suas relações com a Jordânia em 1972, como consequência do plano do rei Hussein de estabelecer um reino árabe unido que cobria a margem oriental do rio Jordão e também a ocidental, ocupada pelos judeus. A Síria, por sua vez, havia rompido relações com Amã em 1971, como protesto pela atitude Jordaniana contra os comandos palestinos. (N. do m.)

 

 

O assistente interrompeu as primeiras investigações sobre as diatomáceas.

 

Ele tinha uma boa notícia. Melhor dizendo, duas.

 

Finalmente...

 

O Pentágono havia subornado os militares jordanianos com uma boa soma de dinheiro e, com isto, a documentação para o retorno do "astronauta" foi, milagrosamente, agilizada.

 

A segunda boa notícia era sobre o avião de carga C-141, que estava voando em direção à base de Azraq. Domenico não soube me dizer onde eles haviam encontrado-o. Eu deduzi que poderia proceder de uma das bases dos EUA na Turquia. Chegaria à Jordânia naquela mesma noite.

 

De acordo com o assistente, logo após o C-141 aterrissar, carregariam o caixão, e a equipe fugiria daquele lugar, indo para Atenas. Ali seriam pegos outros norte-americanos e ocorreria uma nova escala na base, de uso compartilhado, em Torrejón, Madrid (Espanha).

 

Se tudo corresse bem, até o dia 30, quinta-feira, Curtiss e o resto estariam de volta à Edwards.

 

Se tudo corresse bem...

 

E tudo foi perfeito, ou quase...

 

O avião partiu da base de Azraq e pousou em segurança em Atenas.

 

Curtiss se comunicou com seu assistente.

 

O general parecia mais relaxado.

 

Algumas horas depois, o C-141 dirigia-se para a Espanha.

 

Domenico anunciou:

 

- O general tem uma surpresa para você...

 

E não disse mais nada. Curtiss provavelmente não lhe informou sobre o assunto.

 

Uma surpresa?

 

Eu não gostava das surpresas de Curtiss.

 

E ele me deu, hoje eu creio que ele me deu...

 

Em Atenas, os familiares, de uma série de pilotos norte-americanos, se juntou ao grupo. Retornavam também aos EUA.

 

Eu me tranquei no "vespeiro" e me dediquei aos meus afazeres.

 

Mas, quando chegou às 15 horas daquele dia 28 de agosto, bateram na porta.

 

Era Walter.

 

Domenico voltava a me chamar em seu escritório, no hangar vermelho.

 

O que havia acontecido desta vez?

 

Eu encontrei o assistente desmoronado em sua cadeira, pálido como uma vela.

 

Ele segurava o rosário com as duas mãos, com força, e o beijava incessantemente.

 

Olhou-me, mas não me viu.

 

De vez em quando suspirava e dizia:

 

- Deus!... Deus!... Deus!...

 

Eu não consegui fazer com que respondesse às minhas perguntas.

 

Ele beijava e beijava a pequena cruz e, de repente desmaiou.

 

Pedi ajuda.

 

O que estava acontecendo?

 

Vieram dois tenentes e tentaram reanimá-lo.

 

Eles buscaram água. Foi inútil.

 

Domenico estava fora de ação.

 

Eu perguntei o que estava acontecendo

 

Os tenentes pareciam mudos.

 

Compreendi. Estavam escondendo algo.

 

Não me olharam.

 

Finalmente entrou um capitão. Ele tinha um telex nas mãos.

 

Ele observou a cena e se dirigiu até um dos telefones, ordenando o envio de uma ambulância.

 

E deixou o papel em cima da mesa do assistente.

 

Eu não insisti. Ninguém queria falar.

 

Logo chegaram os enfermeiros e levaram Domenico.

 

Ele deixou cair o terço.

 

Eu me abaixei e o recolhi, a fim de devolvê-lo, mas o assistente já não estava mais ali.

 

Foi então, ao ficar sozinho, e perto da mesa, que eu reparei no telex que o capitão trouxe.

 

Eu coloquei o rosário sobre a mesa e "algo", mais forte do que eu, empurrou-me para ler o texto.

 

Eu tive que lê-lo uma segunda vez.

 

Deus!

 

Eu não sabia o que fazer...

 

E eu compreendi o porquê do desmaio de Domenico e o silêncio dos tenentes.

 

Tinha que haver um erro...

 

Saí do escritório e procurei o capitão.

 

Eu pensei que eu estava no meio de um dos meus sonhos... Mas não.

 

Eu interroguei o capitão e o homem abaixou a cabeça.

 

E assentiu, com a cabeça, em silêncio.

 

Era verdade!

 

O C-141, no qual o general Curtiss estava viajando, havia desaparecido às 22h50min (hora local da Espanha).

 

Eu tive que sentar.

 

O telex era claro e implacável: «Um avião de carga Lockheed C-141A-10-LM Starlifter, da USAF, perdeu o contato com a torre de controle da base conjunta hispano-americana de Torrejón, perto de Madrid, quando estava se aproximando da mesma...»

 

Meu Deus! Outra vez...!

 

O capitão foi me fornecendo novos relatórios.

 

O avião havia caído em uma área arborizada perto da cidade de Pastrana.

 

Não havia nenhuma dúvida.

 

Era o C-141 no qual viajavam os três diretores de Cavalo de Tróia, o caixão com o "astronauta", os forenses (legistas) e Curtiss, assim como, os familiares de pilotos, que retornavam de uma viajem turística pela Grécia.

 

As primeiras notícias não falavam de sobreviventes.

 

Alguém, caridoso, me serviu um uísque.

 

Como eu disse tudo estava confuso.

 

O repique dos teletipos, com novas informações, não cessava. Mas, algumas vezes, no entanto, elas eram contraditórias.

 

Eles falavam de 24 vítimas. Eles nunca mencionaram o caixão.

 

Número de registro C-141: 63-8077.

 

O que importava o registro?

 

Serial Number: 300-6008.

 

O capitão verificou. Correto.

 

Tripulação: 7. Ocupantes: 18.

 

Isso representava um total de 25... Porquê falavam de 24 vítimas?

 

Número de horas voadas pelo C-141: 14.372.

 

E um fato que me intrigou: ninguém sabia o ano em que foi construído (!).

 

Eu não conseguia entender o que aconteceu...

 

O avião podia ser velho, mas a tripulação (dois pilotos e dois engenheiros) era excelente. Eu os conhecia.

 

Curtiss era um homem perigoso. Eu não concordava com suas idéias, mas também não lhe desejava uma morte assim.

 

Senti uma enorme tristeza.

 

E eu pensei em Estrela, a generala. Já haviam lhe dada a notícia? O capitão disse que não sabia. Era melhor esperar. Eu concordei. Convinha confirmar tudo.

 

E eu notei como o coração estava acelerado.

 

Os teletipos “pingaram” até tarde da noite.

 

O hangar vermelho estava virado de cabeça para baixo.

 

Todos conheciam (e odiavam) Curtiss.

 

O C-141 estava transportando uma carga de oito toneladas; muito pouco. Ele possuía quatro motores Pratt-Whitney TF-33-P-7, com 91 cavalos de empuxo cada. O peso máximo de decolagem (autorizado) era de 147 toneladas.

 

Depois da escala em Torrejón, o avião tinha programado continuar até a base de McGuire em New Jersey, e de lá, para Edwards.

 

Domenico não retornou.

 

Às três da manhã forneceram a lista dos mortos, bem como, a identidade do único sobrevivente. Curtiss e o resto apareciam no telex. O ocupante sobrevivente era o navegador William H. Ray. Os moradores, de um povoado próximo do local do acidente, havia resgatado-o do meio do metal retorcido e fumegante. Ele teria sido levado para o hospital mais próximo.

 

O aparelho - diziam - perdeu altitude na aproximação e caiu sobre uma plantação de oliveiras. O C-141 se partiu em dois e pegou fogo.

 

Ao amanhecer, começaram a chegar fotografias do sinistro.

 

Eu estava afundado...

 

Os restos do avião estavam espalhados entre carvalhos e oliveiras. Alguns bombeiros apagavam os focos de incêndio.

 

Deus!

 

O aparelho aparecia de cabeça para baixo.

 

Que estranho...

 

O impacto teve que ser muito violento. O telex falava de 250 nós (463 Km/h) quando se chocou com a colina.

 

E, não sei porquê, me veio à mente, um sonho que tive na casa de campo de Curtiss. Nele, eu vi os restos de um avião e as peles de Callas, Puccini, Onassis e Kempis penduradas nas árvores.

 

Estremeci.

 

Por que, no sonho, não se viam os restos de Curtiss?

 

O Destino tocou em meu ombro novamente, mas eu não percebi... Eu era demasiadamente bronco para perceber as sutilezas.

 

E eu segui pensando em Estrela.

 

Pobre mulher!

 

Suas palavras soaram "5 x 5" no meu cérebro:

 

- Curtiss teme por sua vida...

 

Mas, eu me concentrei nas fotografias e nas informações que os teletipos seguiam fornecendo, que esqueci, por um tempo, dos temores da generala.

 

Deus Bendito!

 

Em pouco mais de um mês, haviam morrido cinco diretores e o chefe do projeto Swivel...

 

Não era estranho?

 

No final da manhã de quarta-feira, 29, tentei localizar Domenico.

 

Eu não consegui.

 

Disseram-me que havia abandonado a base, na companhia de Estrela.

 

Eu supus que o assistente havia se recuperado.

 

Parecia uma boa idéia. A Generala precisava de ajuda e companheirismo.

 

Achei que estavam viajando para a casa de campo.

 

Eu tinha que entrar em contato para dar as condolências. Mas eu queria fazê-lo em pessoa.

 

Deixei para mais tarde...

 

E chegou um momento quando tudo estava dito sobre o acidente. Eu pensei assim...

 

E decidi me retirar.

 

O hangar vermelho e o pessoal relacionado ao projeto Swivel estavam em um caos. Após a morte de Curtiss, ninguém sabia o que fazer e, o que era pior, ninguém se importava.

 

Falei com o capitão e manifestei que desejava pegar uns dias de folga.

 

Ele assentiu e compreendeu.

 

Tomou nota e nos despedimos.

 

E fui refugiar-me no bar de Joco.

 

O japonês entendeu o meu silêncio e limitou-se a encher o copo de um bom uísque. Isso foi tudo o que eu pedi.

 

A base estava consternada.

 

Foi ali, no bar, onde eu soube que estava se preparando um vôo especial para levar os especialistas da UAAI para Madrid [122].

 

Eles eram os melhores dos melhores entre os investigadores de acidentes aéreos.

 

Eles deviam realizar um exame dos restos do C-141 e tentar esclarecer as causas do acidente.

 

No aparelho - segundo Joco - voaria também uma unidade da AFI 91-204, outro grupo altamente especializado em acidentes "Classe A" (aqueles em que ocorrem mortes, invalidez permanente, perda de equipamentos e danos à propriedade do governo, com valor superior a dois milhões de dólares). Eram os investigadores que investigavam os investigadores. Algo como "assuntos internos", ou corregedoria do UAAI. Um dos líderes da AFI era o tenente-coronel Hansen, um velho conhecido.

 

 

[122] USAF Aircraft Accident Investigation. (N. do m.)

 

 

O vôo decolaria de Edwards às 6 da manhã da sexta-feira, 31 de agosto (1973).

 

Foi então que eu a vi entrar nas instalações.

 

Nossa!

 

Como estava linda! Parecia uma Apache...

 

Reluzia a bela cabeleira negra, até a cintura, e túnica azul, transparente.

 

Fez-se o silêncio.

 

Deteve-se um instante junto de quem isto escreve e sussurrou:

 

- Siga adiante!

 

E a bela intuição desapareceu de vista.

 

O bar recuperou o habitual clima ruidoso e Joco me deu uma piscada maliciosa. O japonês a conhecia. Em uma ocasião, ela entregou-lhe um envelope com um bilhete...

 

Mas creio que já falamos sobre isso.

 

Eu não hesitei.

 

Eu resolvi aceitar o conselho da bela, e sexta-feira, às 5 da manhã, pouco antes do amanhecer, dirigi-me ao KC-130F, de quatro motores, que transportaria os especialistas para a base de Torrejón.

 

Eu me apresentei a Hansen, e o homem, compreendendo, me abraçou.

 

Não tive que dar muitas explicações. Desejava colaborar para o esclarecimento do ocorrido.

 

Ele permitiu minha entrada no KC-130F e me ofereceu o apoio de sua equipe... "Para tudo o que fosse necessário."

 

Ele disse que estava orgulhoso de mim.

 

Eu não entendi o por quê.

 

A verdade é que aquela atitude, tão generosa, acabou favorecendo-me, e como!

 

O que eu consegui na Espanha se deve, em grande parte, ao tenente-coronel Paul M. Hansen.

 

Acomodei-me e tentei relaxar.

 

Tínhamos pela frente, uma viagem de dezesseis horas.

 

E comecei a organizar, com lápis e papel na mão, o que deveria ser a minha investigação.

 

Primeiro trataria de conversar com o sobrevivente, o tenente Ray. Em seguida, visitaria o local do acidente e interrogaria as testemunhas, se houvessem.

 

Meu castelhano estava um pouco enferrujado.

 

Isso não importava.

 

O Pai Azul cuidaria dos detalhes...

 

Depois veríamos.

 

E em um momento da viagem, de repente, como se tudo estivesse mágica e cuidadosamente calculado, veio à minha mente a lembrança de uns sonhos estranhos, todos relacionados com a Curtiss.

 

Fiquei espantado.

 

Agora, sabendo o que eu sabia, esses sonhos assumiam um valor muito especial.

 

A "pérola" dos sonhos...

 

O primeiro, como eu já relatei em seu devido momento, ocorreu em fevereiro do ano 26, durante a nossa aventura.

 

No sonho, quem isto escreve estava em Saidan, no "pombal". Eu estava olhando pela janela. Era uma noite estrelada, linda. De repente, no sonho, alguém tocou no meu ombro direito, e o fez algumas vezes. Eu me virei, mas não havia ninguém. Então ouvi uma voz desconhecida dizendo (em aramaico): "É hora de voltar à realidade."

 

Eu não entendi e retornei para a janela.

 

Logo, porém, alguém voltou a tocar no ombro (desta vez no esquerdo) e por três vezes. Eu me virei, assustado, mas o "pombal" seguia vazio. E aquela voz soou novamente na minha cabeça ("5 x 5"): "Pare de olhar para fora da janela e regresse para a realidade."

 

Desta vez, a voz o fez em Inglês.

 

E neste momento bateram na porta do quarto. Era o Mestre.

 

Ele sorriu, estendeu seu braço esquerdo, e me entregou uma das ampolas de barro, usado por quem isto escreve na visita a Caná [123]. No interior eu encontrei um pequeno pergaminho. Ele estava escrito em Inglês! Ele dizia: "Curtiss te precederá no reino dos céus (Isaías 29: 8)." Mais abaixo dizia: “Fique atento, mas mantenha a calma! Não temas, nem desanime o seu coração (Is 7, 3).”

 

Fim do sonho.

 

 

[123] Ampla informação em Cavalo de Tróia 9 - Caná. (N. do a.)

 

 

Eu me lembro que eu consultei.

 

As referidas citações de Isaías não me disseram nada.

 

Também não entendi o lance de Curtiss, não naquele momento.

 

Isaías (29, 8) fala de "sonhos", mas não me dei conta... [124]

 

Quanto à segunda parte (Isaías 7, 3), "Papai Noel", confirmou o que eu suspeitava: que se tratava de um erro (?). A frase “Fique atento, mas mantenha a calma! Não temas, nem desanime o seu coração..." não correspondia ao versículo 3, mas ao 4.

 

Fiquei intrigado e surpreso com o sonho, mas isso foi tudo.

 

Curtiss tinha dois nomes na vida real. Um deles era Isaías...

 

E foi durante o vôo, quando, de papel na mão, comecei a brincar com os números das citações bíblicas.

 

Depois do que eu passei com o código, me pareceu normal...

 

Era noite fechada sobre o Atlântico.

 

Eu fiquei hipnotizado.

 

Eu olhava para os números, mas não acreditava.

 

Era mágico! Como era possível?

 

Isaías 29, 8 e Isaías 7, 3 podiam ser lidos de outra forma: 29-8-73!

 

Meu Deus! Era a data da morte do general!

 

Claro...

 

Curtiss (Isaías) te precederá no reino dos céus!

 

Eu fiquei lívido.

 

E eu compreendi a segunda parte do sonho: “Fique atento, mas mantenha a calma! Não temas, nem desanime o seu coração..."

 

Atento, sim...

 

O Destino me reservava novas e importantes surpresas.

 

 

[124] Em Isaías (29, 8) diz assim: "Será como quando o faminto sonha que está comendo, mas, porém, quando acorda está com o estômago vazio; ou como quando o sedento sonha que está bebendo, mas desperta cansado e sua alma com sede. Assim será com toda aquela multidão das nações, que guerrearem contra o monte Sião" (N. do m.)

 

 

Não teria medo, passasse o que fosse. Não desanimaria o meu coração.

 

O Mestre estava comigo...

 

E me lembrei dos conselhos (na verdade uma ordem) do general: "Não importa o que aconteça, ou o que você ver, não renuncie..."

 

Mensagem recebida.

 

O segundo e não menos estranho sonho, também relacionado a Curtiss, me intrigou, mas eu não soube interpretá-lo; não naquele momento.

 

Era lógico.

 

As coisas chegam quando elas têm que chegar...

 

Sabia que o Destino estava observando com atenção.

 

Vejamos: este segundo sonho ocorreu na noite de 26 de Julho, no meu quarto no alojamento dos oficiais.

 

No sonho, eu vi um menino nu, de bruços. Tinha o rosto de Curtiss. Uma mulher lhe abria as costas com uma faca e tirava algo preto. Colocava-o em um recipiente de vidro e mostrava para mim. Eu pensei que era pólvora. Eu provei. Não era pólvora.

 

Acordei quando uma nuvem latejante estava me atacando.

 

O terceiro sonho - também já relatado - não me deixou menos atônito.

 

No sonho (ocorrido no sábado, 11 de agosto, na casa de Curtiss, em Pablo Bay), ocorreram dois eventos, cada qual mais surpreendente.

 

O primeiro era a mensagem da bela intuição, depositado em um envelope, no bar de Joco. Em uma cartolina branca, que estava dentro, dizia: 29 DE AGOSTO.

 

No sonho, eu somei os dias que faltavam até este misterioso 29 DE AGOSTO: Deu 17. E eu disse: "1 + 7 = 8. Nossa! O "8" é o número de morte, de acordo com Eliseu”.

 

O segundo e alarmante evento (contemplado dentro do sonho) era o aparecimento de umas fotografias. Nelas eu vi os restos fumegantes de um avião, espalhadas pela floresta.

 

No começo eu pensei que era "Raio negro".

 

Nada disso...

 

Era um avião, com a cauda em forma de "T".

 

Curtiss não estava entre os mortos pendurado nos galhos de árvores.

 

Eu, ao menos, não vi sua pele.

 

De fato, os sonhos são o quintal dos céus...

 

O resto da viagem foi tranquila.

 

Pensei muito e conversei com o tenente-coronel Hansen.

 

Em 1° de Setembro, sábado, às 07h00min (hora local) aterrissamos na base aérea de Torrejón de Ardoz, a pouco mais de 10 quilômetros a leste de Madrid.

 

Levaram-nos para os alojamentos e Hansen, coerente, permitiu que seus homens descansassem.

 

Na parte da tarde, apesar de estarmos no final de semana, eles iriam começar a trabalhar.

 

Deixei os poucos pertences no dormitório de pilotos e optei por começar a investigação imediatamente.

 

Eu me senti estranhamente nervoso.

 

Alguma coisa estava para acontecer. Eu sabia...

 

E às nove, após algumas pesquisas, eu fui para o quarto 109 do hospital militar.

 

Lá encontrei o tenente e navegador William H. Ray, o único sobrevivente do acidente.

 

Eu não observei nenhuma vigilância. E por que deveria ter?

 

Ray era jovem. Ele estava sozinho e entediado.

 

Ele apresentava a perna direita engessada.

 

Ficou surpreso ao ver um homem velho, de uniforme, com o cabelo branco.

 

Ele tentou saudar, mas eu fiz um sinal, tranquilizando-o.

 

Depois, conforme íamos conversando, Ray confessou. No início pensou que era outro dos oficiais que o assediavam a toda hora.

 

Ele estava saturado.

 

Em dois dias ele foi interrogado trinta vezes.

 

Por ali passavam médicos, pilotos, engenheiros, policiais militares, inspetores, controladores e até mesmo pessoal da CIA. Ele tinha sido fotografado e gravado, e o fizeram assinar uma declaração de confidencialidade. Ele não podia falar do ocorrido nem com sua família.

 

Eu o tranquilizei.

 

- Eu estou aqui - eu falei - porque quatro dos passageiros eram colegas meus...

 

Ele me contemplou, desolado, e expliquei quem eram esses colegas.

 

- O general - respondeu - eu me lembro dele. Era um peixe grande.

 

- Muito grande...

 

- Após o desembarque em Atenas, ele pediu permissão para descer e esticar as pernas...

 

Eu coloquei minha mão esquerda na testa do jovem e comprovei que ele não tinha febre.

 

Eu sorri e o rapaz se sentiu agradecido.

 

Com este gesto, eu acho, acabei conquistando-o.

 

E ele me falou com franqueza.

 

Não sabia o que tinha acontecido.

 

Todos morto, menos ele...

 

Ele começou a chorar.

 

A verdade é que ele teve sorte. Melhor dizendo, assim estava programado...

 

Ray sofreu múltiplas contusões, sem maiores consequências, e fratura do fêmur e do perônio direitos.

 

Ele se recuperava bem.

 

E o tenente começou a contar o que sabia. Não era muito, mas valeu a pena...

 

Eles estavam em plena aproximação com a base de Torrejón, quando aconteceu "aquilo”...

 

- Faltavam pouco mais de cinco minutos para tocarmos o solo - continuou. Tudo estava indo bem... Você sabe... De primeira classe...

 

Compreendi. Tudo no C-141 funcionava perfeitamente.

 

Eu deixei-o falar.

 

Eu não tomava notas. Isso o tranquilizou.

 

- Eu me lembro que estávamos vendo as luzes da base, ao fundo... Fim de vôo - pensei. Outra tripulação nos substituiria... Então escutamos aquelas palavras... Elas entraram em nossa frequência... Todos nós a ouvimos... Os quatro que estavam na cabine...

 

- Que palavras?

 

- Fox dois...

 

- Fox dois?

 

- Exato... Quem as pronunciou era norte-americano. O sotaque era texano...

 

Fiquei intrigado.

 

Nada disso aparecia nos relatórios que tinha lido em Edwards.

 

- As palavras – Ray acrescentou - foram pronunciadas lentamente e com segurança... E repetiu-as várias vezes.

 

- Quantas?

 

- Talvez quatro.

 

E eu pensei: "Isso teria que estar gravado na caixa preta...»

 

Mas eu não quis interromper.

 

-Nesse momento sentimos que o aparelho estava tremendo... Ouvimos um barulho na parte de trás do avião... Foi como uma explosão... O C-141 vibrou e caímos...

 

Não pude conter-me e perguntei:

 

- Soaram os alarmes?

 

- Negativo. Soaram mais tarde, depois daquele ruído...

 

- E antes da explosão?

 

- Negativo. Tudo estava "tranquilo", como lhe disse. Após a detonação, o painel de alarmes ficou louco.

 

Fiquei em silêncio.

 

Em minha mente instalou-se uma imagem assustadora.

 

- Os pilotos conseguiram alinhar o aparelho, mas foi apenas uma miragem... Ouvimos gritos... Foi anunciado um incêndio... Os sinais luminosos e acústicos converteram a cabine em um hospício... Nós não sabíamos o que fazer ou para onde ir... Tudo foi assustadoramente rápido...

 

O tenente fez uma pausa.

 

As recordações doíam como estilhaços.

 

- Precipitamo-nos contra o terreno... O impacto foi muito violento... Estávamos voando a 250 nós (cerca de 500 quilômetros por hora)... Tudo começou a girar... Seguiam os gritos... Havia fogo!... O capitão gritava: "Merda, merda!”... Então, paramos de girar... Eu estava de cabeça para baixo, preso pelos cintos... Consegui me soltar e caí... Os pilotos e o outro engenheiro estavam mortos... Destroçados... Dava para escutar gemidos... Havia fumaça e fogo por toda parte... A perna direita estava doendo... Havia cheiro de carne queimada...

 

Ray se deteve, exausto.

 

Eu dei-lhe água.

 

Nisto entrou uma enfermeira. Ela me olhou de cima a baixo. Deixou uma medicação sobre a mesa, sorriu e desapareceu na mesma velocidade que tinha chegado.

 

Eu tinha pressa, mas não devia forçar o voluntarioso Ray. Estava fazendo muito...

 

- Eu não podia mover a perna direita – ele continuou. E eu comecei a gritar em desespero... As chamas estavam em torno de mim... Eu pensei que minha hora tinha chegado... Eu queria rezar, mas eu estava aterrorizado... Então apareceu aquele homem... Falou comigo em espanhol... Eu não entendia... Ele arriscou sua vida... Ele veio até mim e tentou levantar-me. Não conseguiu... Depois acabou conseguindo. Agarrei-me desesperadamente ao seu pescoço. Então me tirou daquele lugar...

 

Chegou um segundo homem... Eles conversavam entre eles... Gritavam... Finalmente, entraram em acordo e me carregaram... Mais um minuto e as chamas teriam me devorado...

 

Isso foi tudo, e não foi pouco...

 

Insisti no assunto dos alarmes luminosos e acústicos da aeronave e Ray ratificou o que já tinha mencionado: antes da explosão, tudo funcionava corretamente. Não houve nenhum aviso. Foi em função do "estremecimento" do C-141, que se precipitaram contra o solo.

 

Ray confirmou que a altitude do aparelho, no momento da "explosão" (?), era de 3.000 pés (mil metros).

 

Saí do aposento às 12 horas e 10 minutos.

 

Sentia-me profundamente decepcionado.

 

A terrível imagem seguia firme em minha mente.

 

E eu ainda não tinha visto tudo naquela dramática história...

 

No fim de semana fiz o melhor que podia fazer.

 

Eu sei: os céus me protegeram.

 

Troquei de roupa no mesmo sábado, dia 1, e aluguei um veículo.

 

Eu perguntei como chegar ao local do acidente e, à paisana, e fui até Hueva.

 

Eram 14 horas e 13 minutos.

 

Hueva era uma vila pacata, escondido entre os carvalhos e oliveiras.

 

A viagem foi tranquila. Apenas 35 quilômetros de Torrejón.

 

Fiz uma pausa antes de entrar na população e hesitou.

 

Estava procurando o local do acidente?

 

Hueva estava encravada entre colinas.

 

Olhei em volta.

 

Havia hectares e hectares de florestas.

 

Eu levaria muito tempo para encontrar o ponto de impacto.

 

E aproximadamente à cinco quilômetros a oeste, havia uma colina mais saliente. No mapa estava identificado como Carabo, com 928 metros.

 

Era o lugar que estava procurando?

 

Eu fiz os cálculos - rapidamente - e considerei que Ray estava certo: a partir daquele ponto, a 250 nós, o C-141 precisaria de 5 minutos e 25 segundos para pousar na base.

 

Finalmente o senso comum prevaleceu.

 

Entraria na localidade e pediria ajuda. Os moradores certamente sabiam do local onde o avião caiu.

 

E assim eu fiz.

 

Eu percorri dez ou doze ruas, conversei com vários homens e mulheres com quem cruzei, e acabei sentado entre eles, tomando um excelente vinho.

 

Eles foram amáveis e comunicativos.

 

Todos lamentaram o triste acontecimento.

 

E todos aqueles que eu interroguei, coincidiram em alguns pontos. Um deles particularmente importante, do meu ponto de vista: a aeronave voava a baixa altitude e envolta em chamas.

 

Insisti neste detalhe das chamas e - mais uma vez - todos concordaram.

 

A tragédia ocorreu pouco antes de onze horas da noite.

 

As pessoas saíram de suas casas e viram o C-141 quando se dirigia para Torrejón.

 

"O barulho era enorme - diziam eles. O aparelho estava caindo, e o fazia, envolto em chamas vermelhas e azuis...”

 

Depois eles ouviram um estrondo.

 

E eles saíram em direção ao cemitério. Eles deduziram que o avião tinha caído.

 

Mas, em função do nervosismo, estavam correndo na direção errada.

 

O fogo alertou-os e dirigiram-se então para o ponto certo: o Serrano, uma área arborizada.

 

Aquelas pessoas, assim como a maioria dos moradores da região, conheciam as aeronaves militares. Torrejón ficava próximo. No entanto, o comentário sobre as chamas azuis e que o aparelho voava "roçando os telhados", pareceu um pouco exagerado.

 

Sim e não...

 

"Foi uma noite horrível."

 

Após o acidente, os destroços ficaram espalhados em um raio superior a um quilômetro.

 

"Foi espantoso - declaravam. Quando chegamos, somente se via fogo e fumaça... O aparelho se partiu em dois e estava de cabeça para baixo."

 

Eu consegui falar com Antonio Beas e Victor Martinez, dois moradores que participaram ativamente do resgate do tenente Ray. Na verdade, todo o povo participou.

 

Carregaram o navegador nos braços, colocaram-no em um carro e o transportaram para o hospital em Guadalajara, a 38 km. Ali foi atendido pelo serviço de guarda. Pouco tempo depois era transferido para o hospital militar de Torrejón.

 

Naquela noite, eles montaram um perímetro de proteção em torno do C-141 e, ao amanhecer, os militares norte-americanos (exclusivamente) começaram a remover os corpos e os destroços do avião.

 

A PM proibiu a passagem de civis.

 

Houve os prós e os contras...

 

Aquilo era propriedade do povo e, no entanto, ninguém podia atravessar o perímetro policial.

 

Após a remoção dos destroços, os militares formaram uma corrente e "lado a lado" pentearam o lugar. Carregaram até o último vestígio do desastre. Eles usaram a estrada de Fuentelencina.

 

"Eles carregavam sacos e mais sacos..."

 

Poucas horas depois, o bosque estava "limpo".

 

No domingo, 2 de setembro (1973), regressei para Hueva, e com mais calma.

 

Os moradores, atenciosamente, me levaram até a área do acidente, à dois quilômetros para o leste, e perto da estrada entre Fuentelencina e Pastrana. Especificamente até as coordenadas 40° 27' 49"N e 2° 55' 55"W. Lá estavam os restos da cabine, a 954 metros de altitude. Mais a oeste, a 114 metros, se encontrava o resto do avião, a 949 metros de altitude e 2,210 Km de Hueva. O trem de pouso estava catapultado vários metros para o oeste, a 930 metros de altitude.

 

Eu fiquei lá durante toda a manhã, inspecionando.

 

Eu não consegui encontrar nada de anormal.

 

Os carvalhos e oliveiras apareciam mutilados e carbonizados.

 

A PM tinha feito um bom trabalho...

 

Um estranho silêncio dominava o lugar.

 

Na segunda-feira, dia 3, eu não saí da base.

 

Eu troquei algumas idéias com o tenente-coronel Hansen, mas não falei nada sobre Ray ou sobre minha visita ao local do acidente.

 

Aparentemente, de acordo com investigações preliminares, o acidente era resultado de uma série de lamentáveis erros dos pilotos.

 

Eu fiquei estupefato.

 

Não foi isso, o que o navegador contou...

 

E o instinto tocou meu ombro novamente.

 

Fique atento!

 

Alguém não estava dizendo a verdade.

 

Eu perguntei se eu tinha permissão para ver os restos mortais dos passageiros, e também do C-141. Hansen disse que sim, brindando-me, inclusive com a sua companhia.

 

Aquele foi um dia igualmente angustiante...

 

Os restos mortais dos 24 falecidos tinham sido depositados em um necrotério improvisado, em um dos hangares normalmente não utilizados. Policiais militares patrulhavam do lado de fora.

 

Aquele destacamento me surpreendeu.

 

Os mortos não precisam de vigilância...

 

O espetáculo era desolador.

 

Longas tábuas brancas, com pés em forma de tesoura, serviam de mesas.

 

Elas formaram um "U".

 

Alguém, sensível e respeitoso, posicionou um crucifixo de madeira entre os braços do "U".

 

Aos pés do crucifixo queimava uma vela e um pequeno incenso.

 

Eu agradeci...

 

Eu não sabia por onde começar.

 

O tenente-coronel permaneceu na porta do hangar, conversando com alguns oficiais do 401° Tactical Fighter Wing.

 

Fez-me um sinal para que ficasse a vontade e inspecionasse.

 

Hansen estava pálido. Eu compreendi.

 

Eu deduzi que a visita não era de seu agrado. Ele tinha seus motivos.

 

Eu nem sequer sabia o que procurar naquele lugar. E tentei tranquilizar-me.

 

Eu desejava reconhecer os restos mortais do general Curtiss, ou talvez dos diretores que o acompanhavam.

 

Realizei uma primeira e rápida inspeção. Olhei por cima, sem entrar em detalhes. Aquilo era um caos!

 

Depois eu caminhei lentamente pelas tábuas, tentando encontrar algo familiar.

 

Impossível... Aquilo era um massacre!

 

Os corpos – melhor dizendo, o que restou deles - apareciam destroçados e queimados. A fragmentação múltipla era extrema e muito grave.

 

Eu senti náuseas...

 

Eu tinha diante de mim, umas massas disformes, negras e retorcidas, onde se adivinhavam as formas (somente isso: se adivinhavam).

 

Os corpos estavam sem cabeça, sem membros, severamente mutilados e com as vísceras expostas, e calcinadas.

 

Mesmo sendo um médico, a visão de tal mortandade me encolheu a alma.

 

Em uma extremidade do "U" foram alinhados braços e mãos (insisto: o que restou deles). Perto estavam os restos de pés e pernas.

 

Parei na frente de várias das cabeças.

 

Apareciam trituradas.

 

Não reconheci Curtiss, muito menos os diretores.

 

A identificação das vítimas – considerando que fosse feita - seria um processo lento e quase humanamente impossível. A deterioração e, acima de tudo, a fragmentação e queimadura dos corpos, complicava significativamente o trabalho dos médicos legistas.

 

Levei uma hora para me acostumar com o lugar.

 

Hansen, entediado, terminou me fazendo um sinal e se retirou.

 

Como eu disse, eu não fui capaz de reconhecer os restos mortais de Curtiss, nem de nenhum outro.

 

O Cristo na cruz olhava para o chão, com uma boa razão.

 

Aquilo não passava de morte e tristeza.

 

E, não sei por que, eu continuei a procurar...

 

Procurar?

 

O que eu esperava encontrar?

 

Eu não tinha idéia...

 

Mas eu continuei passeando diante dos restos.

 

De vez em quando eu me inclinava sobre uma perna ou um tórax e tentava "ler".

 

O que tinha acontecido? Porquê o C-141 caiu?

 

E o céu guiou-me, eu tenho certeza.

 

Foi em uma das inspeções minuciosas, que notei algo que me chamou a atenção. Alguns corpos apresentavam restos de roupa. A maioria não. Pensei no fogo ou em um “blast” (síndrome da onda explosiva) [125]. Era como se "algo" tivesse arrancado as suas roupas, despindo os corpos.

 

E a velha idéia regressou à minha mente.

 

Foi uma explosão que derrubou o C-141?

 

As fraturas múltiplas, dilacerações, esmagamentos e mutilações que estava vendo, apontavam nessa direção.

 

 

[125] O "Blast" (literalmente "detonação ou explosão") conduz ao desnudamento dos corpos, como resultado da pressão e depressão dos gases em uma detonação. A expansão do gás localizado sob a roupa termina causando o arraste da mesma e a mutilação do corpo ("sucção"). Dependendo da pressão atmosférica no local da explosão, se registra a expansão dos gases, que podem atingir velocidades de cerca de 1.500m/s. Como é sabido, o efeito da pressão positiva está em relação inversa com o quadrado da distância da explosão. Se o corpo se encontra perto do local da explosão, ele é severamente despedaçado. Se ele está muito próximo, o resultado é a desintegração. (N. do m.)

 

 

Mas rejeitei a idéia. Eram apenas suposições.

 

O "detalhe" das roupas, no entanto, me colocou em alerta.

 

Continuei a inspeção e detectei outro detalhe que me deixou confuso.

 

Voltei a contar e comprovei que estava certo.

 

O número de mortos era de 24, sem contar o cadáver do suposto Eliseu.

 

Por que, então, apareciam apenas onze pernas e 12 pés? Onde estava o resto?

 

Eu mesmo me respondi: se desintegrou.

 

Como era possível?

 

No impacto contra o solo, os corpos podem ficar seriamente mutilados, mas não desintegrados.

 

E eu lembrei: "O acidente foi penteada por soldados, e lado a lado. Era difícil que uma perna ou um pé permanecessem perdidos na floresta.”

 

Alguma coisa não encaixava.

 

Estavam faltando 39 pernas e 38 pés...

 

Aquilo não era normal.

 

Só recebi uma resposta: Os passageiros foram desintegrados pela explosão, e em pleno vôo.

 

Isso significava a detonação de um artefato explosivo no interior do C-141 ou talvez...

 

Não, isso seria uma barbaridade.

 

E ignorei a idéia que tinha acabado de chegar à minha mente: um míssil.

 

E quanto ao caixão com o cadáver do suposto Eliseu, nem rastro.

 

Fiquei mais uma hora no hangar. O resultado foi negativo.

 

Como eu disse, eu não fui capaz de identificar Curtiss, nem os outros.

 

Na porta, dois legistas comentavam:

 

- As ordens são estas...

 

Eu escutei.

 

- Não há outra opção além de "fazer caldeira."

 

Caldeira, no jargão dos forenses da USAF, era "fazer panela de açougueiro" com os restos de uma catástrofe. Em outras palavras, preencher os caixões da melhor forma possível. Não importavava mesclar os restos. Para atingir o peso aproximado da vítima, o caixão era carregado de ferro e até mesmo com os restos do avião acidentado. O caixão era lacrado e ninguém estava autorizado a abri-lo, muito menos os familiares.

 

Eu abandonei o local, espantado, e com uma imensa dúvida: "o que eu estava enfrentando naquele momento?"

 

Eu decidi visitar também os restos do C-141, o avião de carga da Força Aérea, que caiu na noite de 28 de agosto.

 

Os guardas me acompanharam a um segundo hangar, não muito longe do primeiro, também em desuso, onde foram armazenados os restos do quadrimotor a jato.

 

A vigilância era superior ao que foi observado no improvisado necrotério.

 

Um sargento da PM bateu continência ao me receber e se ofereceu para me acompanhar.

 

Parte da equipe de Hansen trabalhava em meio aos destroços.

 

Eles usavam macacões brancos e óculos especiais (provavelmente infravermelhos).

 

Eles iam e vinham, examinando aquela ruína.

 

O que sobrou do aparelho aparecia espalhado pelo pavimento do recinto.

 

Os militares tinham posicionado pequenos cartazes entre a sucata retorcida e carbonizada, identificando as diversas partes do avião.

 

Alguns tiravam fotos.

 

Outros mediam, faziam anotações, e aproximavam aparelhos dos restos. Pareciam contadores "Geiger-Müller”.

 

E eu me perguntei: "Por que estavam procurando radioatividade?"

 

Um oficial da AFI veio até mim e colocou-se à minha disposição:

 

- O que deseja ver major?

 

Não soube o que dizer.

 

Eu também não sabia que diabos eu procurava naquele hangar...

 

A louca idéia do míssil seguia navegando em minha mente.

 

Eu não fui capaz de expulsá-la.

 

E deixe o Destino fazer seu trabalho.

 

Eu adotei a postura da docilidade.

 

E, sem dizer uma palavra, iniciei outra exaustiva exploração, sempre sob o olhar atento do oficial e do PM.

 

O C-141 estava destroçado e consumido pelo fogo.

 

O impacto com o solo foi mais violento do que eu esperava.

 

Pobre Curtiss! Pobre equipe!

 

E, seguindo o costume, fiz uma primeira avaliação geral. Depois eu fui para os detalhes.

 

O trem de pouso, três motores, e a cauda em forma de "T" eram reconhecíveis. O resto - fuselagem e asas - era uma constelação de fragmentos negros e retorcidos, difíceis de identificar.

 

Eu andei um pouco sem rumo, sem saber para onde dar uma olhada.

 

O que realmente estava procurando?

 

Será que eu estava diante do resultado de uma lamentável série de erros humanos, como afirmava o tenente-coronel Hansen?

 

As versões, de Ray, o sobrevivente, e das testemunhas do acidente (moradores de Hueva) não apontavam nesta direção.

 

E a incômoda idéia seguiu instalada na minha cabeça: "Poderia tratar-se de um atentado? Foi um míssil? Por quê? Quem desejava a morte de Curtiss?”

 

Ocorreram-me mais de dois nomes.

 

Nixon e Kissinger destacavam-se na lista.

 

E havia o cadáver do suposto Eliseu. Um corpo igualmente incômodo, que exigia muitos esclarecimentos.

 

Sim, havia razões para o atentado, e muitas.

 

E "alguém" dirigiu meus passos, mais uma vez.

 

Eu quero acreditar que, num primeiro momento, chamou a minha atenção porque era a única coisa que se sobressaía no hangar.

 

Sim e não...

 

Os céus estavam atentos.

 

Aproximei-me e circulei lentamente.

 

A cauda do avião, ou empenagem, era idêntica à que tinha visto no meu sonho.

 

Ele se salvou parcialmente.

 

O estabilizador vertical tinha cinco metros de altura. Ele estava quase intacto. O horizontal também permanecia em seu lugar. [126]

 

Examinei a unidade auxiliar de potência.

 

Não parecia ter sofrido danos significativos.

 

O leme, no entanto, tinha desaparecido.

 

O mesmo acontecia com os de profundidade.

 

O oficial e o PM observavam meus movimentos com curiosidade.

 

Foi então que acabei descobrindo aqueles buracos no meio da bandeira norte-americana, que aparecia estampada, na parte superior do estabilizador vertical.

 

A cauda descansava sobre o estabilizador horizontal direito. Se fosse o contrário, a área das perfurações teria ficado oculta.

 

Coisas dos céus!

 

O fato é que me chamou a atenção.

 

Inclinei-me sobre o dito estabilizador vertical e verifiquei que a bandeira, realmente, estava perfurada por seis orifícios de uma polegada (2,54cm) de diâmetro cada um.

 

Os guardas estavam conversando entre eles, distraidamente, a cerca de cinco passos. Não prestaram atenção para minhas manobras.

 

Passei meus dedos, dissimuladamente, sobre a bandeira e descobri que as crateras eram de fora para dentro do aparelho.

 

Eu tentei medi-los.

 

Calculei uns três centímetros.

 

Eram idênticos.

 

Parecia um impacto múltiplo, como se a cauda tivesse sido metralhada.

 

Que estranho!

 

Intrigado, eu repassei o resto do estabilizador vertical e descobri outros orifícios, muito similares.

 

 

[126] A empenagem ou "conjunto de cauda" constitui a parte traseira do avião. Basicamente dispõem de duas grandes áreas: o estabilizador vertical e estabilizadores horizontais. O leme está ligado ao estabilizador vertical e mantém o avião na direção desejada. Por sua vez, os lemes de profundidade também estão ligados ao estabilizador horizontal. No final do avião, sob a cauda, ​​se encontra a chamada unidade de alimentação auxiliar: uma pequena turbina que bombeia ar e que permite a ignição dos motores, entre outras tarefas. (N. do m.)

 

 

Uma série - contei doze buracos – distribuía-se ao longo da referida bandeira.

 

Não mantinham a ordem.

 

O diâmetro dos orifícios era ligeiramente maior (cerca de cinco centímetros).

 

As crateras também eram semelhantes às da bandeira (de fora para dentro).

 

Uma terceira onda de "impactos" (?) aparecia sobre o número do quadrimotor - 21072 - pintado no meio da cauda.

 

Estes furos eram menores do que os anteriores.

 

Contei 35.

 

Eu levantei e contemplei o estabilizador vertical como um todo.

 

O oficial e o PM e continuavam conversando, alheios a quem isto escreve.

 

Também verifiquei os perfis dos orifícios situados sobre o "21072" e deduzi que tinham a mesma origem dos anteriores. As crateras se dirigiam de fora para dentro.

 

Eu somei o número de furos (53) e tentei refletir sobre o que estava diante de mim.

 

Não sabia o que pensar.

 

Pareciam Impactos de projéteis, dirigidos a três áreas da cauda. Mas porquê de diferentes diâmetros?

 

O C-141 tinha sido metralhado do ar? Ou talvez do solo?

 

Eu deduzi que os investigadores haviam localizado-os. No entanto, não estavam assinalados.

 

E eu também pensei: "Poderiam ser impactos naturais, consequência da colisão com o solo ou com as árvores?”

 

E enquanto estava nisto - pensando – ela se apresentou...

 

Ela vestia uma esvoaçante túnica azul, deliciosamente transparente.

 

Ele vinha na ponta dos pés.

 

Desviou o oficial e o PM e avançou até quem isto escreve.

 

Ela sorriu e sussurrou em meu ouvido:

 

- Regresse à cidade e procure...

 

Senti um intenso e adorável cheiro de jasmim.

 

Então, ela se afastou.

 

Que traseiro incrível!

 

Continuei no hangar o resto da tarde.

 

Analisei o C-141 minuciosamente.

 

O oficial e o PM acabaram exaustos e sentaram em um canto.

 

Eu pude verificar o aparelho à vontade, mas não encontrei nenhum outro impacto suspeita ou qualquer coisa relevante.

 

E retornei para o alojamento dos pilotos, convencido de que os 53 orifícios na cauda do avião era um assunto preocupante.

 

Eu sei disso. Ele me ensinou: "Nada é o que parece."

 

Eu segui o conselho da bela intuição, é claro.

 

A terça-feira, 4 de setembro, foi dedicada inteiramente à Hueva e seus habitantes.

 

Os moradores lembravam bem daquele homem velho de cabelos como a neve, tão curioso quanto tenaz, e com um castelhano costurado com alfinetes.

 

Voltei a conversar com os mesmos, e com alguns mais.

 

Eu percorri o povoado de cima a baixo.

 

Eu passei pela Rua Atrás da Igreja, pela do Tropeço, pela travessia do Norte, pelo Passeio de São Roque e pela Rua da Costa, entre outras.

 

Como eu disse, Hueva era uma vila de pouco mais de uma centena de almas.

 

Ali era difícil guardar um segredo.

 

E confiei nos céus.

 

Eu não sabia o que procurar, mas eles (os moradores e os céus) ajudariam.

 

E assim foi...

 

Repassei os acontecimentos daquela fatídica noite, desde o princípio, e cada um ofereceu sua versão, a mesma que eu já tinha ouvido.

 

Nada mudou substancialmente.

 

Eles escutaram o barulho. Eles viram a aeronave à baixa altitude. Estava em chamas. Depois colidiu com o solo. Depois resgataram Ray. Depois vieram os soldados. Depois, nada...

 

Na parte da tarde, com o retorno da maioria dos homens para o povoado, a coisa me animou.

 

E de repente, em uma das conversas, uma das mulheres mencionou algo que me alertou.

 

Eu tinha ouvido direito, mas, a pedido de quem isto escreve, ela repetiu.

 

Tratava-se de um pastor.

 

Ele testemunhou o impacto, quando estava um pouco afastado da aldeia.

 

Aparentemente, recolheu algo e o guardou.

 

Eles não souberam me dizer se esse "algo" pertencia ao C-141.

 

Não souberam, ou não quiseram...

 

Tentei localizar o pastor. Não foi possível.

 

"Anda pelas colinas - explicaram os moradores. Retorna à noite.”

 

E esperei, naturalmente.

 

O pastor - cuja identidade não devo divulgar por razões de segurança - era um homem jovem, na casa dos 30 anos, de poucas palavras, e desconfiado.

 

Relutantemente aceitou minha presença.

 

Depois, ao ver como saíam alguns dólares da minha carteira, foi tornando-se mais e mais comunicativo...

 

Nós estávamos sozinhos e eu ofereci-lhe cem dólares.

 

Mão santa.

 

Ele respondeu todas as minhas perguntas. Melhor dizendo, quase todas.

 

Confirmou a versão da moradora. Naquela noite, ele estava perto do local da queda do aparelho. Ele o viu voando muito baixo. Ele vinha da região do reservatório de Entrepeñas. Sobrevoou a cidade vizinha de Valdeconcha e caiu a cerca de 300 metros da Estrada Municipal 200, a leste de Hueva.

 

O aparelho - de acordo com o pastor - voava com uma língua de fogo na cauda.

 

"Eram chamas azuis..."

 

Depois, ele chocou-se contra o solo e percorreu mais de 700 metros, envolto em uma bola de fogo.

 

Por último, no C-141 ocorreram várias explosões.

 

Quando perguntei se ele viu outros aviões nas proximidades, deu de ombros, e desviou o assunto e o olhar.

 

Eu senti que ele estava escondendo algo.

 

Serviu vinho e queijo, e caiu em um significativo silêncio.

 

Compreendi.

 

Eu ofereci outros cem dólares e o indivíduo disse:

 

- Por esse preço eu não me lembro de mais nada...

 

Maldita raposa!

 

Fiquei interessado pelo objeto que ele tinha encontrado no local do sinistro, e o pastor apressou-se a negar novamente.

 

Não tinha pego nada. Foi isso que transmitiu aos militares que o interrogaram.

 

Extraí outra nota e repeti a pergunta:

 

- Você roubou alguma coisa no local do acidente?

 

O pastor empalideceu.

 

Tomou-me o dinheiro e proclamou – pelo mais santo - de que ele não havia roubado nada. E acrescentou:

 

- Nem mesmo encontrei onde o avião caiu...

 

Ele caiu em sua própria armadilha. E não teve outra opção, a não ser esclarecer que foi em outro lugar que encontrou "aquilo".

 

- Aquilo?

 

- As barras...

 

- Que barras?

 

Ele deu de ombros novamente.

 

Desta vez, foi sincero. O pastor não sabia do que se tratava.

 

Eu implorei para que me mostrasse.

 

Ele sorriu malicioso, e fez o gesto internacional de dinheiro.

 

Eu me conformei.

 

Eu ofereci outros cem dólares e o cara desapareceu da minha presença.

 

Logo ele voltou com um pequeno pacote.

 

Ele depositou-o sobre a mesa e começou a desembrulhar-lo com grande mistério.

 

E, à luz da humilde lâmpada, ficaram expostas duas hastes de 5 e 8 centímetros de comprimento e cerca de 8 milímetros de espessura. Eram brancas e brilhantes.

 

Eu perguntei se eu podia tocá-las.

 

Ele balançou a cabeça afirmativamente e eu peguei uma delas.

 

Era metal. Melhor dizendo, uma liga...

 

Era pesada ​​e parecia especialmente dura. Eu imaginei que sabia o que era...

 

O pastor assegurou que havia encontrado-as no bosque, a certa distância do ponto onde o avião caiu.

 

Insisti sobre o assunto e ele foi categórico: não as encontrou nos destroços do C-141. Foi mais para o leste...

 

E eu propus algo.

 

Eu compraria as barras dele, por mais cem dólares, desde que ele aceitasse levar-me ao lugar exato onde as encontrou.

 

Ele pensou por cinco segundos.

 

Pediu mil dólares, e só pela barra mais curta.

 

Pechinchamos como quitandeiros. Finalmente chegamos a um acordo.

 

Eu fiquei com a barra pequena por U$ 500.

 

Ele me fez jurar que não contaria para ninguém.

 

E assim foi.

 

Na manhã seguinte, ao amanhecer, me levaria ao local onde encontrou as barras.

 

Apertamos as mãos e fechamos negócio.

 

Eu poderia confiar nele? Não muito, mas eu não tinha escolha...

 

Tarde da noite retornei para o carro alugado. Lá dentro, eu examinei a barra de metal e tentei ligar os pontos.

 

Malditos bastardos!

 

E a velha idéia prosperou: o C-141 tinha sido abatido...

 

05 de setembro

Passei a noite no veículo.

 

A tensão e as negociações com o indivíduo me esgotaram.

 

Acordei por volta das cinco da manhã, assustado.

 

As suspeitas eram insuportáveis.

 

Fomos nós (os norte-americanos) que derrubamos o aparelho em que viajava o general e a equipe de diretores? Fomos capazes de uma atrocidade como essa?

 

Temos feito coisas piores...

 

E a maldita barra - possivelmente de titânio – me revoltou o estômago.

 

Eu tinha que ter certeza.

 

Era preciso ir até o o lugar onde o pastor disse que as encontrou, e inspecioná-lo cuidadosamente para, em seguida, analisar o metal.

 

Eu sabia onde e como fazê-lo.

 

E pouco antes do amanhecer, eu atravessei ao povoado e sentei-me do lado de fora da casa do pastor.

 

A aldeia estava dormindo, enrolada em preto e branco.

 

E esperei.

 

É engraçado: a minha vida é uma permanente espera.

 

O amanhecer surgiu através das colinas, me viu, e ficou violeta, minha cor favorita.

 

Felizmente eu tinha alguém em minha mente...

 

O pastor logo deu sinais de vida.

 

Primeiro acendeu uma luz na casa. Então eu vi sombras. Finalmente, a porta se abriu e apareceu o “negociante de dólares".

 

Ele ficou surpreso quando me viu, mas não disse nada, nem bom dia.

 

E fez um gesto para que o seguisse.

 

O povoado, como eu disse, estava no último sono. Logo abririam os olhos e as janelas.

 

Saímos da aldeia rapidamente e em silêncio.

 

Logo paramos em um curral de pedra.

 

O jovem abriu um pequeno portão e deixou sair umas vinte meninas brancas e lanosas.

 

Uma delas assumiu o comando e puxou as irmãs.

 

O pastor resmungou alguma coisa e foi atrás das ovelhas.

 

Nisto, eu vi aparecer um cão alto e bagunceiro, com o corpo pintado com traços em preto e branco.

 

Ele me recordou um perdigueiro, mas não tenho certeza.

 

Seus olhos eram como âmbar e a cauda era cortada.

 

Cheirou-me, curioso, me dando a sua aprovação.

 

Depois deu um salto e lançou-se a galope, atrás do mestre.

 

O bagunceiro alcançou o pastor e tratou de fazer festa, mas o dono respondeu com um chute.

 

O pobre animal gritou um pouco – não muito - e ficou para trás.

 

E assim, sem trocar uma palavra, subimos e descemos todos os tipos de morros. A marcha durou quase duas horas.

 

O bagunceiro era o único preocupado com quem isto escreve. Ele parava e esperava. Isso fez com que eu recordasse de Zal, o cão do Mestre. Ele também tinha um olhar acariciante.

 

Nós marchamos sempre para o leste.

 

As ovelhas conheciam o caminho. Elas não se detiveram em nenhum momento.

 

O cão, ocasionalmente, se desviava e se perdia entre os carvalhos e oliveiras. Eu o via demonstrar. Ele era um caçador nato. Eu deduzi que estávamos em terra de coelhos e lebres.

 

Eu tentei tomar referências, mas os horizontes apareciam e desapareciam em cada colina. Eu desisti.

 

Em um determinado momento, o pastor contornou uma aldeia, pelo sul, e continuou até o nordeste.

 

Depois, ao voltar à base, eu soube: era o povoado de Valdeconcha, relativamente perto de Hueva. A estrada municipal (a 2007) o visitava diariamente.

 

Fiz alguns cálculos mentais.

 

Não estávamos longe do acidente do C-141, calculei em torno de três quilômetros.

 

Uma hora depois - cerca de dez – nos detivemos em um barranco de profundidade média, com o leito cheio de pedras vermelhas e encostas arborizadas.

 

Fim da viagem.

 

O pastor deu outra resmungada e as merinas pararam.

 

E elas começaram a zanzar, a procura de talos frescos.

 

O louco por dólares se dirigiu até mim e apontou para uma árvore próxima.

 

- Foi ali...

 

Aproximei-me do lugar indicado, mas não vi nada de especial.

 

Era uma Amoreira de tronco grosso e uma grande copa, com folhas em forma de coração.

 

E eu me perguntei: "O que fazia aquela Amoreira, solitária e perdida, no meio de uma tribo de carvalhos?"

 

Eu não me dei conta naquele momento. O céu fala assim, por sinais...

 

Folhas em forma de coração!

 

- Ali eu encontrei-as - insistiu o pastor, enquanto indicava a base da Amoreira.

 

Não esperou por uma resposta.

 

Retirou-se até a sombra de um carvalho e se concentrou com um pequeno lanche.

 

Eu me esforcei para descobrir onde estávamos.

 

Eu consegui mais ou menos.

 

Não possuía mapas e muito menos uma bússola.

 

Eu tinha que me aproveitar do sol e da imagem dos distantes povoados de Hueva e Valdeconcha, assimcomo das estradas que costeavam os bosques. Uma delas, como já disse, era a que ligava Pastrana com Valdeconcha e outra localidade chamada Alhóndiga, mais ao norte. Em paralelo, para o oeste, corria outra estrada distrital (CM-200), que desembocava em Fuentelencina.

 

Estas foram as minhas referências.

 

Quando retornei à base, comprovei que hastes, possivelmente de titânio, foram encontradas a 4,5 quilômetros (em linha reta) do ponto de impacto do C-141.

 

E a idéia da derrubada do aparelho seguiu conquistando-me.

 

Mas eu precisava de mais informações.

 

Eu dei uma pausa e brinquei um pouco com o bagunceiro.

 

Suas orelhas eram longas e finas e bem enroladas atrás da linha do olho.

 

As pulgas o devoravam...

 

Então eu tentei a sorte. Tomei a Amoreira como referência e comecei a inspecionar a área, circulando ao redor da árvore.

 

E assim transcorreram quinze ou vinte minutos.

 

Eu não notei nada de anormal.

 

Talvez eu estivesse errado...

 

O pastor tinha acendido um cigarro e me contemplava, ganancioso.

 

Eu estava com fome, mas me contive.

 

E continuei na busca... Do quê?

 

Então, ocorreu algo providencial.

 

O cão, como um bom caçador, espreitava por entre as árvores.

 

E de repente ficou imóvel, apontando o focinho rosa para uma grande rocha. O corpo era uma seta. A pata esquerda aparecia dobrada. A pose era perfeita. O bagunceiro (eu nunca soube o seu nome) tinha detectado algo e a indicava

 

Três segundos depois, viu um coelho correr. E o cão foi atrás dele.

 

O pastor não se mexeu.

 

Eu sabia que o das pulgas pegaria o coelho.

 

E eu notei aquele olhar sobre mim.

 

Eu não gostei.

 

Eu pensei na carteira. Ainda havia seiscentos dólares...

 

Será que ele pensava em me roubar?

 

Afugentei a idéia. Tudo o que importava era o que importava...

 

Não sei porquê, mas acabei aproximando-me da rocha.

 

Então eu vi.

 

Fiquei perplexo.

 

Abaixei-me e dei uma olhada para onde o pastor continuava sentado. A rocha me escondia, em parte.

 

E eu dediquei toda a minha atenção para o inesperado "achado."

 

Ao dar-me conta de sua natureza, eu senti um calafrio.

 

Deus santo!

 

Poderia chegar a sessenta centímetros.

 

Eu olhei com atenção.

 

Não havia nenhuma dúvida.

 

Era um pedaço da fuselagem de um avião. Ele pertencia à área de uma janela. Parte do material plástico aparecia encaixada no metal.

 

Eu medi a distância até a Amoreira. Cinco metros.

 

E as idéias começaram a me atropelar.

 

Meu Deus!

 

Movi a peça com cuidado e, quando a virei, eu encontrei algo que congelou meu sangue.

 

Sobre o plástico que formava a janela, pelo lado de dentro, aparecia uma massa viscosa.

 

Era carne humana!

 

Distingui um pedaço do osso - talvez o parietal – encravado no material plástico.

 

Deus abençoado!

 

Era parte de um crânio!

 

No osso, pendurada, uma longa mecha de cabelo.

 

Corri meus dedos sobre a estrutura metálica e verifiquei que havia outros restos humanos, também projetados contra a fuselagem. Eles apareciam desintegrados.

 

Tudo se encaixava...

 

Eu podia sentir meus joelhos tremendo.

 

Levantei-me e tentei me controlar.

 

Não foi fácil. O coração deduzia o que tinha acontecido naquele lugar, na noite de 28 de Agosto de 1973.

 

Não foi um acidente, é claro.

 

Malditos! Malditos bastardos!

 

Eu não tinha tempo para nada.

 

O bagunceiro retornava para junto do mestre. Ele trazia o coelho entre os dentes.

 

O pastor se levantou, pegou a peça e a guardou.

 

Eu o vi caminhar em minha direção.

 

Dei a volta na rocha e fiquei em pé, no outro lado da “descoberta”.

 

Não desejava que ele a visse.

 

E, de repente, o cão saiu correndo.

 

Ele passou pelo pastor e foi para a Amoreira. Lá ele começou a latir, e de forma furiosa.

 

Saltava. Ele colocava as patas no tronco e dirigia o olhar para o topo da árvore. Tinha detectado alguma coisa na ramagem.

 

- Vim me despedir - disse o jovem ao chegar onde eu estava. Você saberá voltar?

 

Eu disse que sim com a cabeça, embora fosse apenas uma suposição.

 

O cão estava transtornado. Ladrava desafiante.

 

O pastor também olhou para o topo da Amoreira, mas não fez nenhum comentário.

 

Ele deu meia-volta e se afastou. Mas, quando tinha dado apenas quatro passos, retornou.

 

Ele olhou para mim e sorriu malicioso.

 

Ele pegou uma mochila e tirou alguma coisa de dentro.

 

Mostrou-me e exclamou:

 

- Ele é seu por U$ 500...

 

Na palma da mão brilhava a segunda barra de metal.

 

Fiquei desconcertado.

 

Aquele sujeito era pior do que eu imaginava.

    

Eu tentei pensar rapidamente.

 

O possível titânio era uma prova. Melhor se estivesse comigo do que com ele...

 

Eu concordei sem negociar.

 

Entreguei o dinheiro e o cara me passou a barra.

 

Ele, então, conduziu as ovelhas e se perdeu na ravina, indo para o norte.

 

O bagunceiro, histérico, continuava latindo, pulando e cavando o chão.

 

O que estava acontecendo com o nobre animal?

 

Voltei a olhar para o topo da árvore atentamente, mas continuei sem ver nada de anormal.

 

Eu ouvi um assobio e o cão reagiu imediatamente.

 

Esqueceu-se da árvore e, contrariado, jogou-se na corrida, atrás do pastor.

 

Foi a última vez que eu vi o bagunceiro.

 

Eu lhe devia muito...

 

Aproximei-me da Amoreira e inspecionei os ramos cuidadosamente.

 

Negativo. Talvez tenha detectado a presença de um animal.

 

Uma cobra?

 

Não tinha sentido eu me preocupar com aquele assunto. O objetivo da viagem estava concluído, ou quase isso.

 

Isso eu considerei.

 

E quando estava disposto à regressar para Hueva (por assim dizer), ela apareceu...

 

Minha Nossa!

 

O que fazia tão longe da civilização?

 

Caminhava com desenvoltura entre as pedras.

 

Sem pressa, desceu a ladeira e chegou até quem isto escreve.

 

A espessa massa de cabelo negro flutuava, de forma sensual. Ela deixava solta de propósito.

 

Sorriu-me.

 

Ela apontou para a Amoreira e aconselhou com voz doce:

 

- Sobe...

 

Em depois seguiu o seu caminho, para lugar nenhum.

 

Ela caminhava descalça e na ponta dos pés.

 

Deus! Eu estava perdendo o juízo?

 

O que devia fazer? Seguia o conselho da bela intuição?

 

Consultei o relógio.

 

Tinha tempo sobrando, aceitando que soubesse encontrar o caminho de volta.

 

Eu observei novamente a copa da árvore.

 

Uma pequena brisa começou a mover-se entre as folhas.

 

Por que tinha que subir?

 

Que diabos havia escondido entre os galhos?

 

Só havia uma maneira de descobrir...

 

Iria subir, sim.

 

Assegurei-me de que o pastor e seu rebanho estavam longe.

 

Então eu pulei e agarrei-me aos primeiros galhos.

 

A Amoreira tinha seus anos de idade. Era esplêndida.

 

A copa se apresentou, diante de mim, fechado e enorme. Calculei quatro metros de envergadura.

 

Os ramos fugiam em direção ao céu e, pelo caminho, se encontravam e se emaranhavam uns nos outros, em curvas impossíveis. Pareciam serpentes no cio.

 

Era um trabalho maravilhoso da natureza. A belinte...

 

Eu procurei, mas não vi nada além daquela beleza.

 

Com uma santa paciência, a ramagem se converteu em uma fogueira de lenha. Os ramos dançavam como línguas de fogo.

 

Eu pensei em descer.

 

Eu já não tinha idade ou disposição para tais aventuras.

 

E a brisa, rápida, me fez mudar de idéia.

 

Agitou as folhas em forma de coração e alguma coisa, lá de cima, deu-me uma piscadela.

 

Eu pensei ter visto alguma coisa...

 

Não era possível.

 

Eu subi um pouco mais e quase tive-o na mão.

 

Deus...!

 

Acabei me colocando à sua frente e, admito, eu estremeci como as folhas da Amoreira.

 

A folhagem da árvore tornava-o praticamente invisível.

 

Eu toquei-o, desconfiado.

 

Era o que eu pensava, realmente.

 

Em uma das forquilhas da labiríntica ramagem - cravada na madeira - aparecia outra peça do avião.

 

Deus abençoado!

 

Tinha quase dois metros de comprimento.

 

Era parte do leme do C-141.

 

Lembrei-me que, na visita ao hangar, a cauda estava sem ele.

 

Como eu pude, eu me movimentei e confirmei as primeiras suspeitas: estava muito deteriorado, mas conservava um dos três acessórios responsáveis pela articulação do estabilizador vertical.

 

Observei também a articulação e uma das vigas.

 

Não havia nenhuma dúvida.

 

E nisto acabei descobrindo um total de cinco orifícios, em desordem, semelhante aos 53 que eu detectei na cauda em "T".

 

Apareciam nas proximidades da borda de saída com as crateras em idêntica situação: de fora para dentro.

 

Miseráveis!

 

Eu permaneci lá por mais de uma hora, tomando anotações mentais sobre o que eu tinha em minha frente.

 

Era coincidência, que as barras de metal, a peça da fuselagem do avião e parte do leme do C-141 tivessem aparecido em uma área de dez metros de diâmetro e a quase cinco quilômetros do local onde o avião caiu?

 

Não, não era casualidade...

 

O avião tinha sido abatido.

 

Mas as surpresas não terminaram por aí.

 

Pouco antes do meio-dia, terminada a inspeção, eu decidi descer.

 

E eu disse a mim mesmo: "Agora começa a problema... Será que vou encontrar o caminho de volta para a aldeia?”

 

O Destino, eu acho, sorriu zombeteiro...

 

A questão é que, em uma das manobras de descida, quando a mão esquerda buscou apoio na união de vários ramos.

 

Eu senti algo estranho. Eu havia tocado uma superfície úmida e macia.

 

Dirigi uma rápida olhada para "aquilo" e levei um susto mortal.

 

Reagi mal e acabei perdendo o equilíbrio. Que homem mais desajeitado!

 

E então, precipitei-me para o solo. Os ramos foram golpeando-me e acabaram amortecendo minha queda.

 

Acabei com os ossos no chão. O tombo foi coisa de cinema.

 

Mas os céus me protegeram. Levantei-me na mesma velocidade na qual eu caí.

 

Tateei a roupa. Só apresentava hematomas e arranhões. O orgulho – este sim - estava gravemente ferido...

 

Olhei em volta, como um completo idiota. Ali não havia ninguém. Pelo contrário, o silêncio estava me observando com espanto.

 

Nossa!

 

E rebusquei na memória.

 

O que tinha acontecido? O que foi que eu toquei na árvore?

 

Eu não podia acreditar no que tinha visto e muito menos na minha falta de jeito.

 

Eu pensei em voltar e confirmar a "visão", mas não me senti com ânimo. Não foi necessário.

 

A "visão" estava ao pé da árvore. Ele havia caído junto comigo.

 

Apareceu de cabeça para baixo. Aproximei-me desconcertado.

 

Era o que eu pensava que era!

 

Eu o virei e retrocedi desmoralizado. Uma legião de formigas vermelhas o devorava.

 

Eu inspecionei à distância e cheguei à "brilhante conclusão", de que tinha muito a ver com a derrubada do C-141.

 

Era o pé direito de um adulto. Na verdade, o que restava dele. O calcanhar estava faltando.

 

Através da carne, e das implacáveis formigas, distinguiam-se os ossos cubóide e navicular.

 

O polegar aparecia amputado na altura da primeira falange.

 

Não precisava ser muito esperto para deduzir que pertencia a um dos passageiros do avião de carga que caiu no bosque de Hueva.

 

Sentei-me em uma pedra, desanimado.

 

Não havia nenhuma dúvida.

 

O C-141 foi atacado e posteriormente caiu.

 

E eu entendi a excitação do cão...

 

Eu acabei procurando uma valeta no solo e depositei o pé, sepultando-o sob uma pilha de pedras.

 

Então fiz o meu caminho de volta para Hueva.

 

Eu já tinha visto mais do que o suficiente.

 

A desmoralização era tanta que eu limitei-me a andar, e andar sem pensar. Isso me salvou.

 

Eu não podia acreditar. Alguém tinha derrubado o aparelho.

 

O sol teve piedade de quem isto escreve e me levou pela mão até a aldeia.

 

Naquela tarde, na base, alguém me avisou: Hansen e os seus homens retornariam aos Estados Unidos no dia seguinte, quinta-feira. A investigação estava concluída.

 

Eu iria com eles.

 

Eu peguei os mapas da região e me tranquei no quarto.

 

Necessitava refletir e sintetizar o que tinha vivido naqueles bosques.

 

Eu sabia a resposta de antemão, mas eu queria ser objetivo.

 

Eu desenhei. Fiz cálculos. Eu consultei os mapas. Voltei a calcular. Voltei a desenhar...

 

Afirmativo. O resultado foi o mesmo.

 

Eu me senti desolada novamente.

 

O C-141 foi abatido, e nós o fizemos, os próprios norte-americanos!

 

Eu tinha deduzido isso ao longo da investigação. Agora estava claro.

 

Em resumo, isto foi o que investiguei:

 

  1. As barras metálicas, presumivelmente de titânio [127], podiam ser parte da carga explosiva alojada na ogiva de um míssil ar-ar [128]. Como piloto, infelizmente, eu sabia muito a respeito...

Com o impacto, as hastes de titânio se projetam em anel, sendo picotadas e agindo como estilhaços. O titânio (especialmente projetado para isso) destrói tudo em seu caminho, em um efeito guilhotina. No caso de C-141, parte da cauda foi destruída, cortando cabos, sistemas hidráulicos e possivelmente afetando as turbinas. Isto explicava os numerosos e misteriosos orifícios que encontrei na referida cauda, assim como, a falta de roupas em muitos dos corpos, e a desintegração de outros.

Por razões não difíceis de imaginar, alguns dos estilhaços caíram ao pé da Amoreira. E o mesmo aconteceu com o leme e com o pé humano. Ambos ficaram retidos entre os ramos. O pedaço de fuselagem, com parte do crânio, foi lançado um pouco além da árvore.

 

  1. Que tipo de míssil ar-ar contém hastes de titânio?

Segundo minhas informações, o AIM-9 Sidewinder, um míssil guiado por calor [129], com uma carga explosiva de 9,4 quilos.

O maldito círculo estava se fechando, inexoravelmente.

 

  1. E eu me fiz uma pergunta lógica: que aeronaves militares dispõem deste tipo de armamento?

A resposta foi dramática: aparelhos norte-americanos ou caças aliados.

Em outras palavras, o F-4 Phantom II.

 

"Coincidentemente", esse tipo de “interceptor” e caça-bombardeiros estavam destacados nas bases aéreas de Torrejón e Zaragoza, a nordeste de Madrid [130].

 

Eu tive que dar uma pausa por várias vezes.

 

Aquilo era desolador...

 

 

[127] O titânio é um metal tetravalente cujas qualidades de leveza e resistência mecânica (ponto de fusão de 1.660°C) o tornam especialmente atraente para a indústria aeroespacial e bélica. (N. do m.)

[128] O diâmetro da ogiva oscila de torno de cinco polegadas. No seu interior acumulam-se em torno de 200 barras, normalmente distribuídas em camadas concêntricas. Cada barra de titânio alcança 30 centímetro de comprimento por 4 a 8 mm de diâmetro. (N. do m.)

[129] A ogiva do Sidewinder contém explosivo do Tipo PBXN-3 de grande potência. Ele consiste basicamente de octogeno (HMX), com 86%, e de nylon, com 14%. Sua eficácia é maior do que a de seus irmãos, mísseis Falcon e Sparrow. O raio de ação do Sidewinder é de nove metros. Naquela época, eram fabricados pela Ford e NAMMO, entre outros. O peso era de 85 kg, com um comprimento de três metros e um diâmetro em torno de 13 centímetros. Alcance efetivo: de 1 a 30 Km. O custo de cada míssil: U$ 85.000. (N. do m.)

[130] Naquela época (1973), ambas as bases eram para utilização conjunta. Em determinadas ocasiões, dependendo das circunstâncias, o F-4 podia ser armado com quatro mísseis "Sidewinder" (fabricados pela General Electric) e seis Sparrow, assim como 7.500 kg de carga lançável (incluindo armas nucleares). O "Phantom" também utilizava um canhão de 20 mm (M-61), localizado sob a fuselagem. (N. do m.)

 

  1. O local do impacto do avião com o terreno não tinha relação com o barranco onde foram encontradas as hastes de titânio e os restos humanos e do C-141. A dedução era simples: o aparelho foi atingido por um míssil e acabou caindo a quatro quilômetros, nas proximidades da Hueva. Isto explicava a versão de Ray, o navegador, e dos moradores, "que viram o avião em chamas antes de cair na floresta."

 

  1. Os dados apontavam que o disparo foi feito por trás (possivelmente as "seis" da posição dos pilotos do quadrimotor) e a partir de um nível superior. Por isso, o F-4 não foi captado pelo radar do C-141. O míssil tinha que acertar a parte de trás do aparelho.

 

  1. As palavras ouvidas no rádio pela tripulação do C-141 foram igualmente importantes. "Raposa dois" é o termo usado pelos pilotos quando eles lançam um míssil "Sidewinder".

 

  1. A meteorologia não esteve envolvida no incidente. As condições do tempo, naquele momento (quase onze da noite), eram as seguintes: não havia precipitação, a velocidade média do vento era de 4,6 Km/h (muito pouco) e visibilidade de 10 km (mais do que suficiente).

 

  1. Uma vez que o alcance de um Phantom, em combate, é de 640 quilômetros, e de 3.700, em missão de translado, cheguei à conclusão de que, o caça que tinha disparado o míssil, procedia de Torrejón. Da base de Zaragoza até Hueva são 300 quilômetros em linha reta. O piloto do caça – de acordo com o navegador - tinha um sotaque texano.

 

Como dizia meu avô, caçador de patos, "fácil de deduzir"...

 

Em última análise, 24 assassinatos.

 

O vôo de Atenas para Torrejón tinha transcorrido normalmente. De repente, quando faltavam cinco minutos para o pouso, o C-141 se estremeceu. Eles ouviram gritos. Surgiu o fogo. Dispararam os alarmes do cockpit e o aparelho perdeu altitude, precipitando-se contra o solo.

 

Lamentei não ter tido tempo para interrogar os controladores de tráfego aéreo militar de Torrejón, apesar de que, presumi que seus lábios estariam selados.

 

E lembrei-me das palavras do Tenente-Coronel Hansen. Por que falou de uma série de lamentáveis erros dos pilotos?

 

Aquele assunto cheirava muito mal...

 

E eu acabei formulando a pergunta chave: A quem poderia interessar a morte de Curtiss?

 

Eu tratei de ser frio.

 

Cavalo de Tróia, aparentemente tinha falhado.

 

Curtiss era o responsável e, além do mais, se recusou, com todas as suas forças, a dar a luz verde para "Raio negro".

 

Kissinger odiava-o. O Pentágono o invejava e odiava em partes iguais.

 

E havia o outro, e não menos delicado assunto: as gravações magnéticas que comprometiam a carreira de Nixon, o trapaceiro. Curtiss possuía uma cópia e a guarda de ferro do Presidente (Erlichman, Dean, Colson e Magruder, entre outros) sabiam disto, com toda certeza.

 

Era mais do que provável que teriam ido contra o general.

 

E à minha mente retornaram, mais uma vez, os temores da generala. Falando nisto, o que seria dela?

 

Também não poderia esquecer o incômodo e irritante tema do suposto cadáver de Eliseu. Ao derrubar o C-141 não só acabaram com a vida de Curtiss, como também, destruíram a "isca" que havia levado o general ao ponto desejado.

 

Diabólicos, sim...

 

E eu me perguntei: "E os diretores do projeto? Por que eles tinham que ser aniquilados? Aquela operação era parte de um plano mais obscuro? Eram apenas "danos colaterais"?"

 

Eu senti falta da bela intuição.

 

Meu Deus! Eles já haviam matado seis companheiros...

 

Quem era o próximo?

 

Sobravam cinco diretores vivos e quem isto escreve. Melhor dizendo, cinco diretores, Eliseu e eu.

 

Eu estremeci.

 

O que eu estava enfrentando?

 

E lembrei-me das cartas anônimas recebidas, no alojamento dos oficiais, na casa de campo de Curtiss e no "vespeiro".

 

Eles me chamavam de “traidor”...

 

Eu gostaria de desvendar o mistério, mas não consegui. Eu não tinha idéia de quem movia os fios.

 

O que ficou claro, é que tinha poder.

 

E naquele instante, eu percebi a presença da bela.

 

Ela se aproximou e disse: "Perigo..."

 

Eu sabia: eu poderia ser o próximo, a menos que fosse fiel ao conselho do general: «Não importa o que aconteça, ou o que você veja, não renuncie a "Raio negro”. »

 

E ficou claro.

 

Minha vida dependia de minha astúcia.

 

Fiz um firme propósito: seguiria em frente.

 

Continuaria a investigação.

 

E eu faria em silêncio.

 

Primeiro trabalharia com as barras de metal. Eu as colocaria nas mãos de um laboratório especializado e averiguaria a natureza das mesmas. Depois - se fosse titânio - iria puxar o fio. Com um pouco de sorte, e contatos, as características da liga me levariam ao míssil específico e este, por sua vez, ao F-4 que o disparou.

 

Depois...

 

Nisto bateram na porta.

 

"Nossa - eu pensei – a bela"

 

E me apressei a abrir a porta da imaginação.

 

Mas não...

 

A porta real foi golpeada uma segunda vez.

 

Eu me equivoquei.

 

Não era a intuição, com sua túnica azul. Era o tenente-coronel Hansen, de uniforme. Má sorte!

 

Ele tinha uma pasta debaixo do braço.

 

O homem teve a gentileza de me avisar, que o avião de volta para casa, decolaria no dia seguinte, às 07:00.

 

O destino não seria Edwards, mas a base Bolling, perto de Washington D. C.

 

Eu estranhei a mudança, mas não perguntei. Meus pensamentos estavam em outro planeta. Nós militares também fomos treinados para perguntar para dentro.

 

Isso foi tudo, ou quase tudo.

 

Hansen se despediu com um sorriso e acabou entregando-me a pasta azul.

 

- Dê uma olhada – comentou em voz baixa. É confidencial, mas era o seu general. Você tem o direito de saber o que aconteceu no C-141... Amanhã você me devolva.

 

A pasta continha um esboço do que deveria ser o relatório oficial dos investigadores sobre o acidente do quadrimotor em que viajava Curtiss e o resto.

 

O relatório, resumido (21 linhas), era acompanhado por uma notável coleção de fotografias coloridas, dos restos humanos e do C-141.

 

Eu li atentamente e com crescente indignação.

 

Começava com os dados técnicos do aparelho [131] e prosseguia como eu disse, com um texto tão sucinto, quanto duvidoso.

 

"O acidente - dizia o relatório – era consequência dos erros dos pilotos e dos controladores de Torrejón". [132]

 

Caso encerrado.

 

Voltei a lê-lo incrédulo.

 

 

[131] O avião Lockheed C-141A-10-LM Starlifter tinha um comprimento de 51,3 metros, com uma envergadura de 48,8, e uma área de asa de 300 metros quadrados. A altura da cauda no chão era de 12 metros. Carga útil: 28,8 toneladas. Peso máximo de decolagem: 147 toneladas. Velocidade máxima: 912 km por hora. Avião de carga da Força Aérea Norte-Americana. (N. do m.)

[132] Em essência, o texto preliminar dizia o seguinte: «O vôo partiu de Atenas com destino à base McGuire (EUA), com escala em Torrejón (Madrid).»

Achei estranho, mas eu continuei lendo.

«A tripulação foi autorizada a fazer uma aproximação por ILS na pista 23 da base de Torrejón. »

«Na aproximação, os pilotos se esqueceram de usar o protocolo de descida.»

Textual: «Não calibraram o altímetro (29,92 pol. Hg) para a altitude local (30,17 pol. Hg)» «Não conectaram o radar de altitude»

«O piloto foi autorizado a descer de nível (estava voando a FL60), mas, devido à intensidade de tráfego naquele momento, a autorização foi confusa... Os pilotos não sabiam se foram autorizados a descer para 5.000 ou 3.000 pés... A tripulação entrou em acordo e responderam que desceriam para 3000... O controlador de Torrejón não respondeu. »

Eu não podia acreditar no que lia.

«O controlador também não se deu conta da manobra do C-141 e sua descida para 3.000pés (embora estivesse na tela).» (!)

«Os pilotos informaram novamente que estavam descendo para 3.000 pés, mas a torre (um segundo controlador) também não percebeu o erro.»

«Quando o aparelho estava a 3.000 pés (1.000 metros) de altura, os instrumentos do painel detectaram e reportaram a presença de uma colina em frente e acima do nível do avião.»

«O piloto respondeu "que tudo parecia claro à frente e que tinha as luzes da base aérea visíveis lá embaixo no vale".»

«A uma altitude de 929 metros (3.050 pés), e a uma velocidade de 463 quilômetros por hora (250 nós), o C-141 se chocou contra o terreno perto da borda de um planalto. O aparelho se elevou, virou e se chocou contra um barranco. »

«No momento do acidente, a tripulação tinha dormido oito horas (nas últimas sessenta). Várias teclas do painel de comando estavam na posição errada, como sinal de fadiga dos pilotos. »

«Ironicamente, se a tripulação tivesse estabilizado em 3.000 pés, mesmo com o conjunto de altímetro ainda em 29.92, não permitindo que a aeronave descesse mais ainda, eles teriam conseguido transpor o terreno, por 179 pés»

«As condições climáticas informavam céu nublado a 20.000 pés (6.666 metros) e 10 Km de visibilidade.»

O relatório estava assinado pelo tenente-coronel da USAF, Paul M. Hansen. (N. do m.)

 

 

Eu tinha lido perfeitamente.

 

O preliminar - com o devido respeito à Hansen e aos investigadores - parecia um insulto ao profissionalismo dos pilotos e dos controladores militares.

 

Não era justo.

 

É claro que, não apareceu uma palavra (ou uma única fotografia) sobre os 53 furos existentes na cauda do C-141.

 

Revi os mapas da área e descobriu que a colina citada no relatório (929 m) não existia. A única elevação perto dessa altitude (928 metros) foi o Carabo - já mencionado – que se levanta a mais de seis quilômetros do lugar do sinistro (!).

 

Como sempre, a coisa mais fácil é culpar os mortos.

 

Naquela noite eu dormi pouco, e mal.

 

Alguém estava jogando pás de terra sobre a verdade. Eu não permitiria isso.

 

Continuar a investigar e, no momento certo, eu a revelaria.

 

Pobre ingênuo!

 

Eu também pensei na cópia dos diários. Ela havia ficado em poder de Curtiss.

 

O que eu poderia fazer para recuperá-la? Eu tinha que traçar um plano e eu com ele.

 

Mas eu devia ser excessivamente cauteloso. Eu podia sentir o hálito do lobo na nuca...

 

Meia hora antes do amanhecer, eu me apresentei na pista.

 

A visão do KC-130F, que nos levaria para o meu país, provocou, em quem isto escreve um familiar formigamento.

 

Alguma coisa estava prestes a acontecer.

 

Em um primeiro momento, eu não me dei conta de sua presença.

 

A equipe da UAAI e os outros investigadores de Hansen iam e vinham, ocupados no transporte do material e de suas respectivas mochilas.

 

Em seguida, o amanhecer se apresentou e começou a pintar os rostos e as coisas.

 

O dia chegou quase de mão dada com a alvorada.

 

Eu consultei a meteorologia.

 

Ela anunciava tempo calmo, com uma pressão atmosférica de 1.017,2 milibares.

 

Eu senti falta do "berço".

 

Um vento tímido, montado em rajadas de 9,3 Km/h, também chegou para dizer adeus. Ele acordou todos nós.

 

Foi então que eu notei sua presença.

 

De frente para a cauda do KC-130F visualizei um pequeno trator. Arrastava um reboque verde. Nele repousava um solitário caixão, enrolado descuidadamente em uma bandeira norte-americana.

 

Ninguém lhe dava atenção.

 

Eu caminhei até o reboque e permaneci ao lado do caixão, intrigado.

 

Quem era?

 

Ninguém tinha comentado nada comigo.

 

Por que apenas um dos corpos? O que aconteceu com os outros? Ou não era um dos passageiros do C-141?

 

A alvorada já tinha visto tudo e se afastou, definitivamente.

 

Então, sobre as colinas distantes, apareceu ele, redondo, e com um amarelo muito recente. E o sol começou a refletir nos Phantom que cochilavam nas pistas.

 

Mas alguém me tirou de minhas observações.

 

Senti uma mão em meu ombro esquerdo.

 

Era Hansen.

 

Devolvi-lhe a pasta azul e aproveitei para perguntar sobre a identidade do morto.

 

Ele sorriu brevemente e apontou para a pasta, esquivando-se da pergunta com outra pergunta:

 

- O que você acha?

 

Ele não estava disposto a colocar as cartas na mesa, por isso, dissimulei:

 

- Parece um relatório resumido... Demasiado até.

 

- São as ordens.

 

- Ordens?

 

O tenente-coronel se deu conta do deslize e escapou da enrascada, respondendo a minha pergunta anterior, a respeito do caixão.

 

- É o seu general...

 

Retificou:

 

- Quero dizer, o que comentaram que sobrou dele.

 

Eu apontei para o caixão e fiz uma pergunta desnecessária:

 

- Curtiss?

 

Ele assentiu e acrescentou:

 

 -Nós o levaremos para casa...

 

- Conseguiram identificá-lo?

 

- O que isso importa... Ele está morto.

 

Eu sabia que naquele caixão não estava o corpo do general. Ninguém conseguiu identificar ninguém. O interior poderia conter ferro e os restos mortais de outros...

 

Os legistas “fizeram um caldeirão” e pronto.

 

Não houve comentários. Para quê?

 

E Hansen, notando a surpresa em meu rosto, tentou aliviar-me:

 

- Os outros serão transladados, pouco a pouco...

 

- Os outros?

 

- Sim - acrescentou - os outros 23 cadáveres.

 

Ele sorriu mais uma vez, de forma maliciosa, e disse:

 

- Os chefões não querem que o povo sofra com a visão de tantos caixões...

 

- Eu não entendo.

 

E ele explicou:

 

- O Vietnam ainda dói na memória...

 

- Quando serão repatriados?

 

Ele deu de ombros e concluiu:

 

- Isso depende do Sr. Kissinger.

 

Cheguei à conclusão de que o “recente” secretário de Estado estava pensando, principalmente, na catástrofe chamada "Watergate".

 

- Quais são os planos para ele?

 

E indiquei o caixão.

 

- O funeral será realizado sábado, em Arlington. A cúpula irá participar.

 

Malditos bastardos!

 

Hansen retirou-se e deu atenção aos seus homens.

 

Eu continuei junto ao caixão.

 

Os sentimentos andavam revoltos e contraditórios.

 

Curtiss não tinha sido um homem que eu admirasse. Além disso, considerei-o um traidor... Tentar clonar o Mestre pareceu-me uma aberração.

 

Agora, no entanto, vendo o caixão, senti uma imensa piedade.

 

Ninguém merece uma morte tão cruel.

 

Em suma, o general tinha cumprido o seu "contrato".

 

O Galileu disse muitas vezes: "Não julgueis, mesmo que você ache que tenha razão."

 

Sim, ninguém é superior a ninguém.

 

Curtiss, no final, havia mostrado sinais de humanidade.

 

E me fez alguns favores, e notáveis.

 

Agora, o general conhecia a verdade (ou parte dela).

 

Desejei-lhe sorte e me retirei.

 

Logo, a PM carregou o caixão e se dirigiu lentamente para o compartimento de carga do KC-130F.

 

Não havia música, nem honras.

 

Eu fiquei em posição de sentido e bati continência.

 

Senti um nó na garganta.

 

E nisso, quando os seis policiais militares caminhavam com o caixão até a rampa de acesso ao compartimento do aparelho, uma rajada de vento, cúmplice do Destino, arrancou a bandeira que mal cobria o caixão e levou-a embora. E foi perder-se entre os Phantom que espiavam o cortejo, desde o falso horizonte da pista.

 

Eu aplaudi o simbolismo.

 

Os céus, como eu disse, falam esse idioma.

 

Mensagem recebida.

 

Ninguém se preocupou com a bandeira.

 

E o KC-130F terminou engolindo o caixão do suposto Curtiss.

 

Às 9 horas, 16 minutos e 14 segundos decolamos pesadamente, da base de Torrejón, em direção aos céus e ao desconhecido.

 

É claro: eu assistiria ao funeral do general.

 

O que eu não imaginava, é que na base de Bolling - ao pé da escada da aeronave - aguardava outra surpresa...

 

O vôo foi tranquilo.

 

Pensei muito e fiz planos.

 

A raiva pela derrubada do C-141 se misturou com os pensamentos e tudo ferveu na mesma panela.

 

Eu tinha que analisar as barras de metal. Essa era a primeira coisa a fazer.

 

Eu tinha que resolver o problema da cópia dos diários.

 

Se eu não conseguisse recuperá-la, teria que partir para um plano "B". Ou seja, iria imprimir uma segunda cópia e retirá-la-ia da base de Edwards. Como fazer? Não tinha nem idéia.

 

Eu também tinha que pensar: Para quem entregar estes diários e, acima de tudo, como fazer isso sem que colocasse sua vida em perigo. A minha - praticamente consumida - não contava.

 

Teria que selecionar, aleatoriamente, nomes de jornalistas. Seria a solução ideal. O mundo ficaria assombrado. A USAF tinha conseguido a proeza das proezas. A verdadeira mensagem do Homem-Deus estaria acessível a todos. Nada de filtros. Nada de mutilações e interesses bastardos. Estes diários poderiam trazer esperança para milhões de pessoas.

 

Que se ferrem as proibições e protocolos de confidencialidade!

 

E, como eu digo, eu desenhei um plano.

 

É claro, não esquecia a "data" no Mar Morto: 6 de outubro.

 

O instinto gritava que Eliseu estava vivo.

 

Não podia me descuidar.

 

Faltava um mês!

 

Primeiro eu tinha que conseguir abandonar a base de Edwards, onde eu estava designado. Desta vez eu não tinha desculpa.

 

Eu tinha que pensar, pensar e pensar...

 

Era imprescindível que viajasse para Israel, ou para a Jordânia, e de lá, para as coordenadas do código.

 

Não era tarefa fácil.

 

A situação política no Oriente Médio seguia piorando.

 

E tudo isso devia ser executado corretamente, eficácia e o máximo de prudência.

 

O desaparecimento de Curtiss traria problemas e muita confusão dentro do, já alterado, projeto Swivel.

 

Eu não me equivoquei...

 

Pousamos em Bolling com segurança. Eram 15 h. (hora local em Washington D. C.) de quinta-feira, 6 setembro de 1973.

 

Quando saí do aparelho para a pista, fiquei atordoado.

 

Ao pé da escada aguardavam o comandante da base, Estrela, dois de seus filhos, e o fiel Domenico, o assistente de Curtiss. Ninguém mais.

 

Também não houve música ou honras militares.

 

Desgraçados!

 

Nós nos abraçamos.

 

Estrela, a generala, aparecia curvada, consumida e de luto.

 

O mundo desabou ao vê-la.

 

Eu deixei que me inundasse com aqueles comunicativos olhos azuis.

 

Ela tentou sorrir, mas a vontade não deixou.

 

E as lágrimas, incontrolável, correram pelos olhos de todos.

 

Um dos filhos me expressou a gratidão da família por eu ter ido ao local do sinistro e por acompanhar os restos mortais de seu pai.

 

Não soube o que responder.

 

Senti-me sangrando por dentro.

 

Eu não devia revelar o que havia descoberto na Espanha. Não fazia sentido acrescentar dor à dor...

 

Foram momentos tensos, como desenhados por uma mão inimiga.

 

Eles baixaram o caixão.

 

Alguém, sabiamente, o havia coberto com uma segunda e impecável bandeira.

 

Estrela se agarrou ao meu braço e o três (ela, a dor e quem isto escreve) caminhamos lentamente atrás do caixão.

 

O KC-130F estacionou à sudeste, perto da capela. Foi outro detalhe do coronel da base, velho amigo de Curtiss.

 

E os policiais militares, com o caixão nos ombros, caminharam cerimoniosos até a capela funerária.

 

Nós marchamos atrás.

 

Olhávamos, mas não víamos.

 

Ao longe, podia se ouvir o rugido das turbinas, decolando e pousando. A vida seguia, inexplicavelmente.

 

A capela era quase infantil, com quatro discretos vitrais, todos em azul, e representando a ascensão do Senhor.

 

O coronel da base tinha disposto rosas brancas sobre o altar.

 

Um Cristo de gesso, com os braços abertos, recebeu os restos do suposto Curtiss.

 

A imagem era muito feia...

 

Deus! O general, agora provavelmente estaria com Ele

 

O Capelão da base, a pedido da família, conduziu a reza do rosário.

 

Eu permaneci perto de Estrela, em silêncio, e lembrei-me dos bons momentos na casa de campo do general, em Pablo Bay. Em seguida, apareceu na memória, a última imagem de Curtiss, no "fumódromo" com o rosário de prata na mão esquerda. Era o entardecer de 20 de agosto. O general, em pé, bateu continência à sua maneira, com o charuto. E com a voz humilde exclamou:

 

- Que Ele te abençoe... Passe o que passar!

 

Eu estremeci.

 

Lembro-me que, naquele momento, um pressentimento me atacou.

 

O instinto nunca se equivoca... Ou sim?

 

Após o rosário, a família e Domenico permaneceram na capela, ao lado do caixão.

 

Eu escolhi o lado de fora.

 

Precisava respirar. A dor era encorpada e sufocante.

 

O outono começava a surgir nas pontas das folhas das castanheiras.

 

O céu o permitia.

 

E logo Domenico se apresentou. Nós conversamos e ele me crivou de perguntas sobre a queda do C-141.

 

Eu falei sobre questões menores, apontando que a morte foi instantânea, e que Curtiss não sofreu. Nem eu acreditava nisso.

 

Eu não falei sobre o possível atentado.

 

E, de repente, o assistente percebeu que tinha esquecido alguma coisa.

 

Ele extraiu uma folha de papel do bolso esquerdo da jaqueta e comentou:

 

-Eu quase me esqueci... Desculpe... Foi chamado pelo assistente de Haig... O general deseja falar contigo.

 

Ele me estendeu a folha e eu li as anotações:

 

«Pentágono. Dez horas da manhã de sexta-feira 7 de setembro. Escritório do General Alexander Haig. Entrar em contato com o assistente... »

 

- Do que se trata?

 

Domenico não soube esclarecer.

 

- Deve ser importante - acrescentou. Haig é o novo chefe do projeto Swivel...

 

Domenico compreendeu a minha confusão e disse:

 

- Você esteve ausente e, obviamente, não sabe... Kissinger acaba de nomeá-lo... Isso, pelo menos, são os rumores que se escutam nos bar de Joco. A nomeação, como você sabe, nunca será oficial.

 

E eu me perguntei, "Como é que Haig sabia que eu regressaria no dia 6?"

 

Que pergunta boba!

 

Amigo íntimo de Curtiss, Haig era o braço direito de Kissinger. Em 4 de janeiro, foi nomeado vice-chefe do Estado-Maior do Exército. Naquele momento também desempenhava o papel de chefe de gabinete na Casa Branca.

 

Em outras palavras: Haig sabia de tudo...

 

E eu acho que chegou o momento de falar sobre um assunto que eu não mencionei antes. O cargo de chefe de gabinete da Casa Branca era um disfarce, perfeitamente estudado. Era a forma ideal para desviar a atenção "de outros assuntos mais notáveis."

 

O general Curtiss também desempenhou um cargo oficial, e de grande brilho. Mas disto, eu não devo falar...

 

E com as primeiras estrelas, a viúva e os filhos se retiraram.

 

Um dos rapazes estava indignado. Não conseguia entender por que a USAF não lhes permitia que vissem o corpo de seu pai:

 

Dei de ombros e respondi:

 

- Melhor assim...

 

Estrela me observou e compreendeu. Guardou silêncio e levou o rapaz.

 

Veríamo-nos no sábado, no Cemitério Nacional de Arlington, em Washington D. C.

 

O cemitério dos heróis...

 

Eu me retirei, junto com Domenico, para o alojamento de oficiais da base de Bolling e lá continuamos conversando até altas horas.

 

Não conhecia pessoalmente o general Haig e comecei a me preocupar. O que desejava? Eu já não tinha mais nada com o fracassado (?) projeto Cavalo de Tróia.

 

E o instinto tocou meu ombro, novamente.

 

Atenção: Perigo!

 

07 de setembro

Na sexta-feira, 7 de Setembro (1973), eu me apresentei no “ninho dos beatos” com uma hora de antecedência. Assim Curtiss chamava o Pentágono.

 

Eu conhecia o "ninho" de outros tempos e sabia que os filtros de segurança são irritantemente lentos.

 

Os cabelos brancos, a minha aparência de idoso e a patente de major causaram desconfiança. Eu fui paciente e sorri o tempo todo.

 

Finalmente, um dos guardas me conduziu ao meu objetivo: Quinto anel, Segundo Andar, Sala 540 [133].

 

No Pentágono tudo é funcional, solenemente chato, mal iluminado (de propósito) e já construído com dupla intenção. As portas não são apenas portas e as paredes têm a capacidade de ouvir.

 

No "ninho" todo mundo anda devagar, precisamente porque tudo é para ontem...

 

Todo mundo insinua que sabe, mas, na verdade, ninguém sabe quem é quem.

 

O Pentágono, assim como a CIA, é o lugar na América do Norte, com mais espiões por metro quadrado.

 

O Pentágono - como Curtiss amaldiçoava - não era apenas um ninho de ratos com fome de poder, mas acima de tudo, o autêntico cérebro do mercado mundial. Ali, guerras eram planejadas (a 15 anos). Ali se decidia o destino de países, a respeito da fome, a respeito de contaminações virais ou desinformação da sociedade. Mas o povo norte-americano é cego e não vê. Se o mundo soubesse, o Pentágono seria atacado e demolido.

 

 

[133] Perder-se no Pentágono é fácil. O "ninho", que começou a ser construído em 11 de setembro de 1941, foi inaugurado em 1943. É, sem dúvida, um dos maiores edifícios de escritórios do mundo. Existem 131 escadas normais e 25 mecânicas, assim como cinco andares visíveis e outros sete subterrâneos, com acesso limitado. O "ninho", soma 31 quilômetros de corredores, 700 pontos de água, 12 mil armários de metal, 100 cofres de alta segurança e outros 477 "portáteis". São 7.000 câmeras de vigilância (interior e exterior), 23 mil funcionários e 3.000 trabalhadores de apoio, 9.000 vagas de estacionamento, 4.200 relógios e cerca de 4 milhões de metros quadrados de escritórios. São mais de 12.000 microfones ocultos. Consomem-se 5.000 xícaras de café por dia e ocorrem em torno de 200 mil telefonemas diários. Existem 17 patrulhas em constante vigilância externa. As internas, nem se fala. O "ninho" recebe 2.000 jornais diários (de todo o mundo) e possui uma biblioteca com cerca de 500.000 volumes. Possui 865 banheiros (quando foi construído, havia banheiros para brancos e para os negros). Nos porões - o autêntico "coração" do "ninho" - estão guardados parte dos restos de instrumentos encontrados nas naves "não-humanas" que caíram em Roswell e na Alemanha (?). (N. do m.)

 

 

O assistente de Haig me esperava. Ele era um tenente-coronel. Atendeu-me com delicadeza e com uma curiosidade mais que descarada. Eu me senti como um fóssil do Quaternário (pré-histórico).

 

Eu compreendi que sabia alguma coisa sobre Cavalo de Tróia.

 

O general me recebeu um minuto depois da minha chegada.

 

Alexander Meigs Haig considerava o tempo como um presente de Deus. Tudo, na sua vida, estava medido.

 

Ele levantou-se quando me viu e esperou que me aproximasse. Eu saudei e ele respondeu, com uma ameaça de um sorriso.

 

Percebi como ele me perfurava com aqueles olhos azuis, sempre atentos a quase tudo. Percorreu-me de cima a baixo e, eu suponho, decepcionei-o.

 

Eu não possuía condecorações e o uniforme aparecia tão desgastado como meu coração.

 

Mas Haig, no entanto, estava nos trinques. O uniforme formado um todo com o olhar.

 

O cabelo, mais branco do que loiro, movia-se, ondulante e cuidadosamente da esquerda para a direita, como ordenava a tradição da família.

 

O barbear estava além do humanamente razoável.

 

A camisa, de um branco brilhante, quase o estrangulava. Eu diria que era nova e engomada com carinho. O nó da gravata preta tinha sido testado quatro ou cinco vezes.

 

A voz era um trovão.

 

Haig era frio e prático; acima de tudo prático. Ninguém sabia se ele tinha coração. Corriam apostas sobre isso.

 

Naquela época, tinha cerca de 50 anos.

 

Sobre a mesa, e nas paredes, as fotografias lutavam umas com as outras. Eu contei 17. As favoritas eram as de General MacArthur. Elas estavam sempre na primeira linha. Também contemplei algumas da Guerra do Vietnã, com Nixon, com McNamara, com o general Westmoreland e com Kissinger [134].

 

O general Haig era católico, anticomunista beligerante, e péssimo político.

 

 

[134] O general Haig nasceu em 1924 no seio de uma família católica. Ele ingressou na Academia de West Point e se formou em 1947. Ele estudou economia na Universidade de Columbia e foi assessor de MacArthur na Coréia. Ele trabalhou no Pentágono e foi professor em West Point. Destacou-se como Secretário de Estado Adjunto, com McNamara, e foi um herói na Guerra do Vietnã. Nixon o havia promovido como assistente militar de Kissinger e teve acesso ao Conselho de Segurança Nacional. (N. do m.)

 

 

Assim como o General MacArthur (falecido em 1964), Haig não teria se importado de lançar a bomba atômica sobre chineses ou soviéticos. "Os problemas – ele dizia - teriam sido cortados pela raiz."

 

Em uma parede, ao lado da bandeira, havia pendurada uma placa de madeira com um lema "Fide et opera" ("Fé e Trabalho").

 

Mais adiante, sobre outra mesa, se alinhavam medalhas e condecorações: Estrela de Prata por seu heroísmo, uma de bronze, o Purple Heart, a Distinguished Service Cross e a Distinguished Flying Cross, entre outros.

 

Em uma extremidade da referida mesa observei um cachimbo amarelo, feito de sabugo (sabugo de milho), similar ao usado pela citado MacArthur.

 

E mais fotos...

 

Ele me convidou para que sentasse e continuou explorando-me descaradamente. Eu me senti desconfortável.

 

E eu continuei perguntando-me: "O que ele pretende?"

 

Ele falou com o assistente por telefone e pediu café.

 

- Você quer alguma coisa, rapaz?

 

Nossa! Isso sobre o "rapaz" me deixou perplexo.

 

Era óbvio que ele sabia da minha idade (36 anos) e ele estava ciente do meu "problema".

 

Ele não perguntou sobre a minha saúde.

 

Eu disse que não desejava nada e permiti que continuasse me estudando.

 

Um ordenança serviu o café e se retirou, rapidamente.

 

Ele acendeu um cigarro e começou:

 

- Ouça major... Eu sei o quanto apreciava Curtiss...

 

Negativo.

 

Eu não apreciava o general falecido.

 

Começamos mal...

 

- Eu ocupo o seu lugar agora - prosseguiu, confirmando os rumores. E eu tenho grandes planos para você...

 

"Para mim? - Pensei. Você está cego?”

 

Ele fez uma pausa e lançou o olhar azul através da janela do escritório.

 

Uma névoa branca e premonitória acabava de se posicionar sobre o rio Potomac e ameaçava engolir o Capitólio e a capital federal.

 

Então Haig voltou à realidade e continuou:

 

- Curtiss era um bravo anticomunista, mas a vida continua...

 

Foi direto ao ponto:

 

- Você sabe que o Dr. Kissinger está ansioso para recuperar o que é nosso?

 

- Eu não compreendo - eu menti. Eu sabia que ele estava falando sobre o "berço".

 

- Eu me refiro à nave que você pilotou – ele teve o cuidado de esclarecer. Uma nave que é nossa e que pode cair nas mãos dos russos.

 

Oh, não!... De novo não!

 

E eu me aventurei:

 

- Mas isso não é garantido, General...

 

Não permitiu que continuasse.

 

- Escute, e escute bem, rapaz... Eu quero recuperar esta nave a qualquer custo, antes que o mundo livre tenha que se lamentar. Estou sendo claro?

 

Eu assenti em silêncio.

 

- Pois bem, eu sei que você é peça fundamental nesta operação.

 

Ele acendeu outro cigarro com as brasas do último.

 

Parecia que naquele “ninho dos beatos” ninguém pensava com a cabeça. Nós não tínhamos certeza de que Eliseu estava vivo...

 

Fazia quatro meses que Haig havia sido nomeado chefe de gabinete do Presidente. Como eu disse: um disfarce perfeito. Mas o assunto "Watergate" estava deixando todo mundo louco...

 

- Conhece “Raio negro"?

 

Eu disse que sim.

 

- Então eu insisto: ninguém melhor do que você para dirigir a operação de resgate. Você já esteve lá e conhece o traidor, o seu co-piloto. Saberá como convencê-lo a voltar para casa...

 

A palavra "convencer" estava pingando sangue.

 

Eu não consegui me segurar:

 

- Meu general, ninguém está em condições de garantir que Eliseu retornou. E vou dizer mais uma coisa: ele não é um traidor...

 

- Não discuta comigo.

 

Eu fiquei sem palavras.

 

O olhar azul metálico desapareceu. Quando insistia em algo, Haig era temível. No Capitólio e na Casa Branca o apelidaram de presidente "37 e meio".

 

O nevoeiro tinha se fixado em nós e avançava lentamente.

 

- Você está disposto a considerar a minha oferta?

 

- Que oferta? Você pode ser mais específico?

 

- Um general não precisa ser específico – me fulminou. Para isso existem os subordinados.

 

Eu engoli minhas palavras e pensamentos. Eu estava me movimentando em areia movediça.

 

Mas ele gostou da minha sinceridade.

 

- Vou repetir uma única vez: você aceitaria comandar “Raio Negro”?

 

Ele me viu hesitar.

 

- Não há necessidade que tome a decisão agora.

 

- "Raio negro" não conseguirá... - Eu murmurei.

 

- Nada é certo na vida, rapaz, exceto Haig.

 

Olhos azuis espada recuperaram o brilho e o general continuou:

 

- Você sabe o quê mais? Eu gosto que fale pouco e de frente, como um soldado.

 

- Eu tenho que pensar sobre isso - eu tentei escapar.

 

- Esse é o meu conselho, rapaz. Pense nisso. Há tempo. Uma guerra se aproxima. "Raio negro" será enviado quando terminar o conflito entre árabes e judeus.

 

E arredondou ameaçador:

 

- "Raio negro" irá com você ou sem você...

 

- E, quando supõem que terminará esta guerra?

 

Eu recordava do documento secreto que Curtiss me mostrou em seu escritório. Nele constava o codinome da guerra - "Relâmpago" - e a sua duração máxima: 45 dias a partir 06 de outubro. Isso nos situava em Novembro ou, no mais tardar, em Dezembro (1973).

 

O general não respondeu com uma data.

 

Ele era inteligente.

 

- Não se preocupe com isso agora - tentou me acalmar. Pense, apenas, neste novo serviço para a pátria. Repito: tome o tempo necessário.

 

- O que queres que eu faça?

 

Mas Haig não mordeu a isca.

 

- Descanse. Você precisa. Tem sofrido muito...

 

Ele olhou para mim com cumplicidade.

 

- Algum dia me falará D’Ele...

 

O novo chefe do projeto Swivel, de fato, sabia mais do que aparentava. Tinha que ser extremamente cauteloso...

 

Apontando a porta do escritório, Haig disse:

 

- No início de dezembro deve retornar aqui. Se aceitar, as ordens estarão prontas...

 

Foi então que me lembrei das repetidas advertências de Curtiss sobre "Raio negro": "Se te oferecerem para participar do projeto – ele dizia - aceite. A sua vida depende disso.”

 

E lembrei-me também do estranho sonho que tive no bosque de Josué: Eliseu corria em direção ao sol. De repente ele parava. Virava-se para quem isto escreve, e gritava: "Aceite..., aceite!"

 

E voltei a surpreender a mim mesmo:

 

- O que eu ganho em troca?

 

E Haig me olhou com desprezo, e calculou a resposta:

 

- Escute rapaz, e escute bem...

 

Eu estava gostando daquilo sobre o "rapaz".

 

- Nesta vida, a prioridade é a honra. Depois, está a pátria. Depois... Deus.

 

Baixei os olhos com nojo.

 

E eu pensei no C-141, abatido por nós mesmos.

 

Maldita pátria!

 

- Mas eu te entendo - suavizou o tom. Não te resta muito tempo de vida, e você deseja desfrutá-la.

 

Não era isso, mas eu deixei por isso mesmo.

 

O general, aparentemente, tinha tudo planejado. Era provável que ele estivesse esperando por esse momento.

 

Ele estendeu a mão até uma gaveta, abriu-a, tirou um papel e entregou-o a mim, enquanto esclarecia:

 

- Isto é para você, se você concordar em comandar "Raio negro".

 

Eu li incrédulo.

 

Era um documento com borda azul, ou seja, altamente secreto.

 

Nele se estabelecia a minha licença definitiva da USAF, com a patente de coronel, e com uma compensação especial de dois milhões de dólares "por danos físicos e mentais."

 

Eu senti pena de mim mesmo. Minha vida só valia dois milhões de dólares...

 

Tanto a baixa do exército, como a "compensação", seriam efetivadas no retorno de “Raio negro".

 

O documento aparecia sem data.

 

Tentei pensar rápido.

 

Curtiss estava certo.

 

Esses abutres eram capazes de qualquer coisa...

 

O nevoeiro atingiu o Pentágono e começou a devorá-lo.

 

Devolvi o documento e me mantive em silêncio.

 

E Haig declarou:

 

- Pense...

 

- Eu vou pensar senhor. Seguirei o seu conselho. Eu vou tirar uma folga e pensar sobre isso.

 

Então Haig tentou mostrar um sorriso, mas ele não estava acostumado a tais fraquezas. Não conseguiu.

 

- Escute rapaz, e escute bem... Por enquanto recupere as forças e reflita. Tire umas férias. Ninguém irá te incomodar. Conversaremos em dezembro.

 

Levantou-se e deu por encerrada a entrevista.

 

- Prepare-se para a glória...

 

Sorri forçosamente, bati continência, e dei-lhe as costas, retirando-me.

 

O assistente consultou o calendário e solicitou para que eu entrasse em contato com ele no final de novembro, a fim de agendar uma nova entrevista.

 

Curtiss estava certo.

 

Ao sair do "ninho", o nevoeiro já não era mais branco. Ao devorar o Pentágono tornou-se sujo. Notei que estava perdido.

 

Caminhei, e caminhei sem rumo. Eu tinha que me decidir: perseguir Eliseu e sobreviver (?) ou renunciar a "Raio negro" e morrer.

 

08 de setembro

A cerimônia fúnebre do general Curtiss foi breve e comovente.

 

Uma lástima que o caixão não contivesse seus restos mortais...

 

Mas isso era só do conhecimento da cúpula do Pentágono - ali presentes – além de quem isto escreve.

 

Na fila da frente estava Haig, é claro.

 

Desta vez sim, houve disparos de fuzis e uniformes impecáveis, carregado com medalhas, e cavalos pretos puxando o caixão, e bandeiras amarradas (apenas por precaução).

 

Curtiss (?) foi sepultado às 11 horas e 16 minutos.

 

Neste sábado, 8 de setembro, quase tudo estava perfeito.

 

O dia estava radiante, com uma pressão atmosférica impecável (1.018,1 milibares) e a umidade equilibrada (50%); nem mais nem menos, como o general gostava. A visibilidade fez o seu melhor (20,9 Km) e o vento começou a andar na ponta dos pés (11,7 Km/h), mas não passou disto. O sol, seguindo o conselho de alguém, aqueceu os bosques do Cemitério Nacional de Arlington, e o fez com temperatura média excelente: 23°C. Os carvalhos ficaram firmes à passagem do cortejo e os cedros do Líbano anunciavam o outono, deixando cair folhas amarelas. Foi a sua forma de saudar o velho soldado.

 

Às Cerejeiras silvestres tocou o mais difícil: simular que era primavera e vestir os bosques com flores brancas e perfumadas.

 

Sei que Curtiss agradeceu, de onde quer que estivesse...

 

Estrela e seus filhos formaram um cacho.

 

Domenico seguiu-os a uma curta distância, de lenço na mão, chorando incontrolavelmente.

 

Os chefões marchavam atrás, com seus pensamentos em outro lugar.

 

Quanto à Haig, cochichava com outro general. Eu acho que tentava convencê-lo de alguma coisa.

 

Eu escolhi a distância e repassei na memória as imagens do C-141, destroçado e em chamas.

 

Malditos mentirosos!

 

Os disparos de outros fuzis me recordaram que estávamos no enterro número treze.

 

Nossa!

 

Na tristeza cabem muitas pessoas...

 

Não houve discursos, por solicitação da generala.

 

E pouco a pouco, uma vez enterrado o caixão, os “beatos” foram cumprimentando Estrela e sua família. E os veículos oficiais foram embora. Mas o bosque não moveu uma folha; sabendo que o mais importante estava por chegar.

 

Estrela permaneceu em frente ao túmulo.

 

Os filhos e Domenico foram para os carros estacionados perto das formosas e perplexas sakuras, as cerejeiras vindas do Japão.

 

Lá eles esperaram pela mãe.

 

Era a minha vez.

 

Eu caminhei até o túmulo e surpreendi a generala em meio a um pranto sereno e silencioso. Segurava um rosário entre os dedos.

 

Eu não disse nada. Não havia necessidade.

 

E depositei uma rosa vermelha sobre a lápide branca. Em seguida, retrocedi e me situei ao lado da mulher.

 

Ela, então, sem uma palavra, ficou na ponta dos pés e me beijou na bochecha esquerda.

 

Eu acho que eu respondi com um sorriso, mas não tenho certeza.

 

E lá ficamos um tempo, com os olhos e corações fixos no nome gravado na pedra: Curtiss.

 

No caminho de volta para o carro, Estrela me segurou por um momento.

 

Estávamos longe. Eles não podiam ouvir-nos.

 

Os verdes e amarelos das árvores aproximaram-se, curiosos.

 

- Eu preciso me encontrar contigo...

 

- Claro – eu respondi-lhe, ansioso para satisfazê-la em tudo.

 

Ele me olhou intensamente e eu senti como se estivesse me afogando no azul de seus olhos. Eu não tive dúvida. Tinha que ser um azul roubado: era demasiadamente celeste...

 

Ela estava linda. A tragédia deixa as mulheres bonitas e desejáveis. Eu nunca soube o por quê.

 

- Precisamos nos encontrar... A sós.

 

Ela observou o grupo de familiares e o fez, creio eu, com desconfiança.

 

E ela insistiu:

 

- É importante que nós nos encontremos...

 

- Hoje eu ficarei em Washington. Eu retorno no domingo... E acrescentei:

 

- Podemos nos ver onde você desejar...

 

O azul se iluminou, até quase ficar transparente. Mas ela rejeitou a oferta:

 

- Não, aqui não.

 

Não conseguia entender.

 

Na verdade, eu nunca consegui entender as mulheres; e continuo sem entender, eu acrescento.

 

Eu percebi que estava tremendo.

 

Aquilo estava sendo demais por ela. Mas por quê? O que estava procurando? O que estava pretendendo?

 

Eu ofereci meu braço e ela se agarrou a ele com força. E o fez com ambas as mãos.

 

Caminhamos lentamente e silenciosamente. Em um determinado momento, ela suspirou.

 

Ele parou de novo e comentou baixinho, como se tivesse medo que pudessem ouvi-la:

 

- Na terça-feira, dia onze, seria um bom dia...

 

Ela acalmou-se, em parte, e continuou:

 

- Conhece o hotel Florência em São Francisco?

 

Eu assenti e fiz uma piada sobre os coquetéis do Bar Norcini, no piso térreo deste hotel. Eu freqüentava-o com outros pilotos.

 

Pois bem, marcamos ali: às 14 horas.

 

Curtiss sorriu do céu.

 

Foi a primeira vez (e a última) que um soldado lhe dava uma rosa vermelha...

 

Regressei para Edwards na tarde de domingo, 9 de setembro.

 

Eu o fiz na companhia de desconsolado Domenico.

 

Ele passou metade da viagem interrogando-me.

 

Ele queria saber todos os detalhes sobre a entrevista com Haig.

 

Não dei com a língua nos dentes.

 

E protegi-me, como pude, atrás do "acidente" do C-141.

 

- Haig – eu menti - deseja obter informações de primeira mão sobre o que aconteceu.

 

Domenico, além de esperto, era particularmente sensível. Não acreditou em mim. E soltou á queima roupa:

 

- Você também não acredita na versão oficial, não é?

 

Eu desviei o olhar. Não deseja entrar em um território tão pantanoso.

 

Precisava de provas. Tinha que analisar as hastes do suposto titânio.

 

Na base tudo eram rumores e apostas. Ouvi dez nomes para ocupar a vaga. O de Haig soava com força...

 

Eu mantive o silêncio sobre o que eu sabia.

 

O trabalho na área restrita estava quase paralisado. Todos esperavam pelo "novo".

 

Percebia-se uma calma tensa.

 

Joco me colocou a par dos acontecimentos: Haig era o seu favorito para comandar o projeto Swivel. Quanto à iminente guerra entre árabes e judeus, o japonês definiu a situação com uma expressão muito ao estilo de Curtiss "bando de canalhas".

 

Em seguida, entrou em detalhes [135].

 

No dia seguinte, segunda-feira, eu não dei ouvidos às recomendações do Domenico para que esquecesse a área restrita.

 

 

[135] A tensão no mundo estava aumentando, de acordo com o diabólico plano Rapto de Europa. As medidas de segurança, em torno das embaixadas judaicas em todo o planeta, aumentaram significativamente. Kissinger e a maldita CIA continuaram a alimentar a fogueira do golpe no Chile. A CIA tinha gasto mais de U$ 400 milhões em subsídios para os descontentes. Allende era um cadáver. Assim avaliava a inteligência militar dos EUA. O vice-presidente Ford e a Fundação Ásia eram os imbatíveis testas-de-ferro de Kissinger. Dias antes, "funcionários" da CIA tinham atentado contra a vida do ministro do Planejamento Nacional, jogando um dispositivo explosivo no jardim de sua residência. Mas os imprestáveis da CIA falharam. Allende rejeitou a renúncia apresentada pelo chefe da Marinha, almirante Raúl Montero. A embaixada da Arábia Saudita em Paris foi atacada por um comando palestino. Compras de armas no Oriente Médio aumentaram dramaticamente, atingindo 10.000 milhões de dólares. Alguém estava esfregando as mãos... Finalmente, Joco me falou de Ricky, o trapaceiro (assim Nixon era chamado). Ele tinha acabado de descobrir que, estavam grampeados, os telefones de seu irmão, Donald. Ricky, aparentemente, temia que seu irmão pudesse estar envolvido em negócios sujos com o milionário Howard Hughes. Os telefones foram grampeados pelo Serviço Secreto. (N. do m.)

 

 

Eu me entrincheirei no "vespeiro" e coloquei em marcha dois assuntos..., prioritários.

 

Na noite anterior, adiantando-me aos acontecimentos, pedi emprestado de Domenico, o seu "Renegade II", o maravilhoso jeep que sofria de estrabismo. Ele não teve problemas em emprestá-lo, desde que eu soubesse cuidar dos estofados de pele de zebra. Eu jurei por Callas.

 

E, ao amanhecer, como é meu costume, eu me dediquei ao primeiro dos objetivos.

 

Seguindo as recomendações do falecido general, introduzi nos diários, algumas breves alusões à morte de Eliseu.

 

Eu suspeitava que o engenheiro estivesse vivo, mas eu considerei que esses comentários poderiam evitar males maiores.

 

Tenho certeza de que, quando chegar a hora, o hipotético leitor destas memórias terminará entendendo-o.

 

Não farei mais comentários a respeito. Tudo chegará à sua hora...

 

O segundo assunto, naquela manhã de segunda, 10 de Setembro (1973), foi a ativação do computador.

 

Logo depois, diante desse pecador, se apresentava uma nova cópia - em papel - dos diários.

 

Eu deduzi que era o momento certo para imprimi-los e levá-los para fora da base. O ambiente estava tão rarefeito em Edwards, que talvez pudesse passar facilmente as folhas de ofício pela PM.

 

Eu pensaria em algo. Eu me precipitei, é claro...

 

E a segunda cópia do "tesouro" foi guardada no "vespeiro".

 

Eu só tinha acesso a ele. Não tinha por que haver problemas.

 

Eu o tiraria do Fog, e da base, no meu retorno da cidade de Francisco [136].

 

E ao meio-dia, conforme o planejado, eu abandonei Edwards, rumo a Inyokern, no nordeste, a cerca de duas horas da base.

 

Lá ficava a Estação Naval de Testes de Artilharia. Ali eu tinha um excelente contato.

 

Eu coloquei em suas mãos uma das barras de metal, obtidas em Espanha, e solicitei para conduzisse uma investigação completa dos componentes.

 

A análise era confidencial.

 

Ele concordou encantado. E não fez perguntas.

 

Finalmente chegava um pouco de emoção à sua vida...

 

 

[136] Supõe-se que o major se refere à cidade de São Francisco. (N. do. a.)

 

 

Ele prometeu me informar o mais breve possível.

 

E às 17 horas eu cheguei á Estrada estadual 178, e dirigi-me para a cidade de Francisco.

 

Eu me sentia desconfortável.

 

O encontro com Estrela tinha me intrigado.

 

Eu não conseguia interpretar suas palavras.

 

Eu não sabia o que ela desejava, exatamente.

 

Cheguei ao hotel Florência tarde da noite.

 

Ele era um lugar discreto, com madeira antiga, elevadores antigos, garçons antigos, pinturas antigas, ao estilo renascentista, aspirações antigas, e uma cozinha italiana de primeira.

 

Ele ficava próximo ao centro e da Union Square.

 

Descansei bastante.

 

A imagem da generala, afundada e arrasada pelas lágrimas, aparecia a todo o momento na memória. Sentia um profundo apreço por aquela, bela e inteligente, mulher.

 

Mas - eu me perguntava várias vezes - o que ela queria de mim.

 

Pensei, até mesmo, em algo absurdo: ele tinha se apaixonado por quem isto escreve?

 

Com as mulheres (e homens) nunca se sabe...

 

Poderia ser outra coisa. Mas o quê?

 

Que eu soubesse Estrela não participava dos "assuntos" de Curtiss. Como eu já disse, ela era mais inteligente do que seu marido.

 

Eu fiz cálculos e cabalas, mas não cheguei a nenhum lugar.

 

Estava em branco.

 

De uma coisa, sim, eu tinha certeza: o encontro não era gratuito ou por acaso, muito menos um capricho feminino.

 

Eu tinha que saber esperar.

 

Não havia outra opção...

 

Eu passeei por Francisco e às 13 horas encontrava-me sentado no hall, tremendo como um adolescente em seu primeiro encontro.

 

E a imagem de Ruth, a ruiva, sentou-se ao meu lado.

 

Querida Ma’ch...

 

Como eu sentia falta dela!

 

Estrela se apresentou meia hora antes do previsto.

 

Ela estava vestida de preto e azul. Não estava sozinha.

Ao lado dela aparecia um dos filhos; aquele que havia protestado pelo assunto do corpo.

 

O jovem carregava uma maleta de couro, cor de sangue.

 

Eu fiquei confuso e, por que escondê-lo, muito chateado.

 

A generala, nervosa, olhou em volta continuamente.

 

Ele acabou me perguntando:

 

- Será que você foi seguido?

 

- Seguido?

 

Ele assentiu com a cabeça e continuou a inspecionar os que entravam e saíam.

 

- O que está acontecendo? Por que teriam que me seguir?

 

Não esclareceu as perguntas e se dirigiu ao bar. Nós a seguimos.

 

Sentamo-nos em um canto do Norcini e solicitei dois coquetéis. O filho não queria nada.

 

Ele estava sério. Suas mãos suavam.

 

De vez em quando me olhava, inquieto.

 

Foram minutos de tenso silêncio; uma situação embaraçosa.

 

Ninguém falava nada.

 

Ansiosa, ela olhava para mim. Depois desviava o olhar azul para as sombras do bar.

 

Ele parecia procurar alguém.

 

E chegaram os coquetéis salvadores...

 

Estrela escolheu um "mango amarelo", a base de vodka, suco de laranja e xarope.

 

Eu optei por um "washington" com muito uísque ("Corvo Real"), licor ácido de maçã e arando (mirtilo).

 

Delicioso.

 

E, sem saber o que dizer, eu levantei a taça e propus um brinde:

 

- Ao general, onde quer que esteja!

 

Eu não tive sorte. Eu soube algum tempo depois...

 

Estrela empalideceu.

 

Notei como os olhos azuis ficaram nublados, mas não compreendi.

 

Eu sei: eu sou muito desajeitado...

 

A mulher reagiu e terminou somando-se ao brinde:

 

- Por Curtiss...!

 

Ela hesitou por alguns segundos e concluiu:

 

- Onde quer que esteja!

 

Nunca esquecerei aquele brinde...

 

- Então - eu a encorajei - o que é tão importante que você tem para me dizer?

 

Ela negou com a cabeça e tomou um segundo gole.

 

Depois, mais animada, disse:

 

- Eu não falei que eu tinha que comunicar alguma coisa...

 

Eu olhei para ela, intrigado. Cada vez eu entendia menos.

 

Ele apontou maleta vermelha que olhava por entre as cadeiras e depois indicou o saco negro e perolado que estava apoiando nos joelhos.

 

Eu seguia sem entender.

 

Ela perguntou novamente:

 

- Você tem certeza?

 

- Sobre o quê?

 

- Que ninguém te seguiu...

 

- Sinceramente, não sei.

 

E eu a abordei, sem contemplações:

 

- Eu não entendo. O que está incomodando você?

 

Ela não escutou.

 

- Então podem ter te seguido...

 

- Sim, é possível, mas...

 

- Estamos correndo um grande risco.

 

Foi nesse momento que eu comecei a me perguntar: "O desaparecimento do marido a está perturbado”

 

E voltei à carga:

 

- O que está acontecendo? O que você teme?

 

- Isso - mais uma vez apontou a pacífica maleta - e isto...

 

E apontou, para o saco negro, com o dedo indicador direito.

 

Depois ficou olhando ao redor, agitadíssima. O belo azul dos olhos queria fugir.

 

E eu explodi:

 

- Por Deus... Acabe com isto de uma vez!

 

E, misteriosa, se aproximou do meu ouvido esquerdo. Senti um intenso aroma de alecrim.

 

E sussurrou:

 

- Antes de partir para a Jordânia, o general me fez prometer uma coisa...

 

Eu assenti com a cabeça, desorientado.

 

- E eu tive que jurar a ele que iria cumprir. Eu fiz sobre rosário de prata. Você se recorda dele?

 

Eu lembrava muito bem.

 

E, impaciente, eu esperei.

 

- Bem, se algo acontecesse...

 

Ele hesitou, mas recuperou as recordações.

 

- Se acontecesse alguma coisa irreparável com ele - repetiu - eu deveria entregar-te essa maldita maleta...

 

Outra pausa.

 

Estrela estava tendo dificuldade para falar.

 

Eu tentei ajudá-la:

 

- O que ela contém?

 

- Eu não sei e não quero saber...

 

Eu olhei para a maleta e a pobre ruborizou.

 

Eu compreendi: Estrela estava mentindo.

 

Ela, a maleta, não era culpada de nada.

 

Eu não fui capaz de adivinhar o conteúdo.

 

Então eu descobri que alguém tinha amordaçado-a com um cadeado brilhante. Era de prata. Esse "alguém" só poderia ser Curtiss...

 

- A partir de agora ela é sua...

 

A mulher acenou com a cabeça e o filho, atento e cerimonioso, levantou-se, e me entregou a maleta e uma pequena chave.

 

Estrela também se levantou e disse, aliviada:

 

- Eu cumpri a minha parte.

 

Beijou-me no rosto e filho apertou minha mão com força. Seus olhos se desviaram.

 

Senti alguma coisa.

 

O que estava acontecendo?

 

A generala caminhou alguns passos e de repente deteve-se. Ela regressou até mim e falou:

 

- Desculpe... Eu quase me esqueci.

 

Ela abriu a bolsa, tirou um pequeno pacote e colocou-o em minhas mãos.

 

- Isso também é para você...

 

Ela deu um pesaroso sorriso e concluiu:

 

- Em nome do General...

 

Eu tentei convidá-los para comer.

 

O "Kuleto", do hotel, era um restaurante aprazível e de qualidade. O restaurante faz parte de uma rede de restaurantes italianos na Union Square.

 

Ela se recusou.

 

Era óbvio que ela estava com pressa, além de estar muito nervosa.

 

E eu os vi afastarem-se, apressadamente, pela Rua O'Farrell.

 

Eu também olhei em volta, preocupado.

 

Será que eu estava sendo seguido ou era paranóia da generala?

 

Estrela - eu já comentei - era uma mulher equilibrada e inteligente. Ele nunca falava por falar...

 

Eu não comi.

 

Eu me tranquei no quarto e eu coloquei a tímida maleta sobre a cama.

 

Era relativamente pesada. O que havia nela?

 

Curtiss era capaz de qualquer coisa...

 

Por que ele deu a ordem para que fosse entregue a mim se ele morresse? E, acima de tudo, o que eu tinha que ver com aquela confusão?

 

O pequeno pacote também não me disse nada. A vista, não parecia grande coisa.

 

Ele estava embrulhado, com cuidado, em papel jornal.

 

Tirei o envoltório e me deparei com uma caixa de papelão, amarela e solitária. Ela pesava pouco.

 

E eu me distraí.

 

Como acontece muitas vezes, em um primeiro momento eu prestei mais atenção na embalagem do que no conteúdo.

 

Eu desamassei as folhas do jornal e verifiquei que era o “The Guardian”, um dos jornais da cidade de Francisco.

 

Correspondia ao jornal do último dia 11 de agosto.

 

Naquele sábado, pelo que eu me lembrava, quem isto escreve estava na casa de campo do general.

 

Fiquei espantado por Curtiss ter comprado um jornal de esquerda. Seu anticomunismo era raivoso.

 

Boa parte de uma das páginas do “Bay Guardian”, como ele também era conhecido na região, estava dedicada à situação conturbada no Chile [137].

 

Na parte inferior do tablóide notei um pequeno anúncio. Alguém o tinha destacado em vermelho, com a mão.

 

O texto impresso dizia: "Enviado o pacote." Achei estranho, mas acabou ficando nisso.

 

 

[137] Allende decidiu incluir os chefes das forças armadas em seu gabinete ministerial. No novo governo aparecia o comandante do Exército, general Prats; da Marinha, o almirante Montero e da Força Aérea, Ruiz Danyau. (N. do m.)

 

 

E eu comecei a abrir a caixa.

 

Aparentemente servia para guardar lenços. Deveria ter 16 por 16 centímetros.

 

Mas eu me detive. Tentei adivinhar o conteúdo.

 

Eram documentos secretos? Dinheiro? Uma carta de Curtiss, reconhecendo a sua culpa em Cavalo de Tróia?

 

Que ridículo!

 

Curtiss nunca se arrependia de nada...

 

Não consegui pensar em mais nada. E permaneci alguns segundos, a certa distância da caixa de amarela.

 

O instinto me advertiu. Ali se escondia algo pouco ou nada agradável...

 

Deveria abri-la ou esquecê-la?

 

Eu não poderia esquecê-la. E eu optei pelo mais insensato.

 

Ao abri-la, eu encontrei um saco de plástico preto, perfeitamente selado.

 

Voltei a recuar. Aquilo não me agradou.

 

O instinto nunca se engana... Mas a curiosidade me venceu e eu rasguei o saco.

 

Nossa!

 

Esta figura foi um gênio até quando estava para morrer...

 

Aqui estava o famoso rosário de prata e uma fita magnética.

 

O crucificado piscou para mim, como nos velhos tempos.

 

E ouvi uma voz na minha mente: "Confia."

 

Ao Rosário, e a fita, Curtiss tinha anexado uma nota. Reconheci a letra amontoada do General. E ali dizia: "18,5 minutos de gravação. Esmague estes pederastas.”

 

Fiquei intrigado. Eu não entendi.

 

Quem eram os "pederastas"? Por que tinha que esmagá-los?

 

Pensei nos Beatos do Pentágono, mas eu não tive certeza...

 

Não era difícil imaginar que a fita continha algo explosivo. Mas o quê?

 

E à minha mente chegou uma idéia tenebrosa.

 

Eu a enxotei a patadas.

 

Curtiss era surpreendente, mas não até esse extremo. Ou sim?

 

E a idéia retornou e ficou.

 

"Watergate"!

 

Mas eu consegui afugentá-la.

 

Eu já tinha muito com que me preocupar...

 

Eu guardei o rosário e a fita, e tentei me distrair com o que parecia mais importante: a maleta vermelha cor de sangue.

 

Desta vez não tentei adivinhar o conteúdo.

 

Fui direto para o cadeado de prata, que dócil e belo, permitiu que o abrisse. Nem mesmo gemeu.

 

Ao abrir fiquei sem respiração. Não era possível!

 

Como o Mestre tinha razão! Nunca faça planos para além da sua sombra!

 

Acariciei-os. Deus abençoado!

 

Que grande detalhe por parte do general! Era a última coisa que eu pensaria.

 

Mas, por que ele fez isso?

 

Eu tinha que pensar. Eu tinha que pensar. Eu tinha que pensar.

 

Eu folhei-os nervosamente. Não estava faltando nada.

 

Era a cópia dos diários! Aquela que conseguimos tirar do "vespeiro" na noite de 1° de agosto, nas caixas de pêssegos, e graças à "brilhante operação militar" que Curtiss dirigiu pessoalmente!

 

O general tinha encadernado-os em uma sugestiva capa azul.

 

Em letras douradas eu li um título que soou bem: "Cavalo de Tróia".

 

O "tesouro" havia retornado para mim, e da forma mais inesperada!

 

E eu brindei por Curtiss, mentalmente, onde quer que ele estivesse.

 

Eu tinha um problema a menos...

 

Sentei-me ao lado das folhas e me perguntei: "E agora?."

 

Minha Nossa!

 

Agora eu possuía duas cópias...

 

Eu tinha que pensar, sim.

 

E foi nesse momento que ele apareceu, com os olhos injetados de sangue.

 

Eu não posso explicar como chegou, mas ali estava ele, no meio da sala.

 

Era o medo...

 

Olhei-o de cima a baixo. O medo não tem rosto.

 

Ele não se mexeu. Eu sabia que, mais cedo ou mais tarde, ele iria me devorar.

 

Eu pensei que foi o cheiro do "Watergate", que o atraiu.

 

Se Nixon foi capaz de dar a sua bênção ao Rapto de Europa - o que levaria à quarta guerra árabe-israelense, e que colocaria o mundo à beira da III Guerra Mundial - por que eu ficaria surpreso por ele ter eliminado Curtiss?

 

Nixon era capaz de fazer isso, e muito mais, apenas para permanecer no topo.

 

Por isso, o medo se apresentou...

 

Se a fita de 18,5 minutos de duração continha o que eu imaginava (as provas do respaldo da Casa Branca na espionagem ao Partido Democrata), o "presente" de Curtiss era dinamite pura.

 

Eu poderia ter o mesmo destino que o general e os cinco Diretores mortos...

 

E o medo se aproximou e fez um sinal.

 

Também não devia esquecer a cópia dos diários, outro segredo que eu estava tentando difundir.

 

Se Kissinger e o Pentágono descobrissem, eu seria um homem morto.

 

Eu estava brincando com fogo.

 

E lembrei-me da segunda cópia, escondida no "vespeiro" e das cartas anônimas, e dos temores de Estrela...

 

Despedaçar-me-iam!

 

O medo, então, deu mais um passo.

 

Eu não estava pensando com a cabeça.

 

Eu tinha que esconder a fita e as cópias, e fugir!

 

Não, era melhor que destruísse tudo!

 

E ouvi uma voz dentro de mim. Ela sussurrava: "Como pode ser isso? O mundo tem o direito de saber...”

 

Eu me recusei a ouvir.

 

Não houve tempo para mais nada.

 

O medo caiu em cima de mim e tentou me estrangular.

 

Eu gritei que iria destruir tudo.

 

O medo não ouviu. Ele continuou a me estrangular.

 

Finalmente escapei como consegui. Eu juntei minhas coisas apressadamente, paguei a conta do hotel, e saltei sobre o "Renegade".

 

Então voamos para o sul. O medo corria perto do jipe.

 

Acelerei.

 

Foi assim que eu corri - literalmente – da cidade de Francisco.

 

Eu não tenho certeza sobre quem dirigiu durante a primeira hora. Raramente eu senti tanto pânico como naquela hora...

 

Só estou tentava escapar de mim mesmo. Em última análise, isto é, o medo...

 

Você não sabe o que é "habitada" por um Deus e, portanto, sente medo.

 

E, como eu disse, nós voamos.

 

Eu não sabia para onde estava indo, mas isso não importava.

 

De vez em quando eu olhava no espelho e via o medo a uma curta distância. Ele era rápido.

 

Até que, em uma delas, ao consultar o espelho principal, eu a vi.

 

Oh!

 

Ela estava sentada no banco de trás.

 

O vento esvoaçava os cabelos negros. Ela o deixava fazer. Observava-me, divertida.

 

Era a bela!

 

Inclinou-se para quem isto escreve e acariciou meu cabelo. Eu senti um calafrio.

 

Era a primeira vez que a intuição me tocava.

 

Então ele sussurrou em meu ouvido: "Não destrua nada..."

 

E fez-se silêncio na imaginação.

 

Quando eu olhei de novo ela tinha ido embora.

 

Como ele fazia isso?

 

Mão santa.

 

Eu tirei o pé do acelerador e fui inundado por uma benéfica paz.

 

O medo ficou sentado ao pé da estrada. Ele parecia derrotado.

 

Deduzi que iria procurar outras presas.

 

Continue na Rota federal 101 e tentei descobrir o que havia acontecido.

 

Ao deixar a localidade de Salinas, eu parei.

 

E caminhei por um tempo pela baía de Monterrey.

 

Eu tinha me deixado intimidar por uma perturbação, imprópria de alguém que sabe que é habitado pelo Pai Azul.

 

Não voltaria a acontecer...

 

Algumas ondas me tocaram e acenaram, dando-me razão.

 

Se você descobre que você é "habitado", só você te fará sombra.

 

Sentei-me perto do mar e tomei uma séria, muito séria decisão: os diários eram prioridade; Ele era prioridade; a sua mensagem era prioridade...

 

Eu não tinha chegado até ali para me deixar subjugar por uma criatura pré-histórica, como o medo.

 

E alguém, mais do que familiar, chegou-se na ponta dos pés dentro de mim e disse: "Confie!"

 

Bem ali, com vista para o rochedo, havia um pequeno restaurante de estrada.

 

Eu visitei-o.

 

Eu comi alguma coisa e desenhei sobre a toalha de papel branco.

 

A bela estava certa: eu não deveria destruir nada. Disto, o medo e o tempo se ocupariam...

 

Eu pensei bastante.

 

E a noite surgiu e se aproximou da toalha com curiosidade.

 

Batizei o plano: "Bela 1".

 

Primeiro retornaria à base e esconderia a fita e a maleta. Depois, talvez na sexta-feira 14, eu me ocuparia de...

 

Mas eu tenho que ir passo a passo.

 

E naquela noite de terça-feira, 11 de setembro (1973), entrei no alojamento dos oficiais de Edwards, quando todos já estavam dormindo.

 

E eu fui descansar.

 

"Basta para cada dia o seu mal", repetia o Galileu.

 

Como eu sentia saudade!

 

Será que nunca voltaria a vê-Lo?

 

O dia tinha sido intenso e inesquecível.

 

No dia seguinte, quarta-feira, ao devolver o "Renegade" Domenico me deu a notícia:

 

- Os corpos do C-141 estão sendo repatriados.

 

Honestamente, eu não me importei.

 

O major chamou a minha indiferença e comentou:

 

- Um destes corpos é o de Eliseu...

 

- Eliseu?

 

Ele assentiu com a cabeça e me mostrou a comunicação - confidencial - procedente do Pentágono.

 

Eu li incrédulo.

 

Ele tinha sido enterrado em Arlington, na manhã de 11 de setembro!

 

Domenico arredondou:

 

- A família estava lá...

 

E me repreendeu:

 

- Você deveria ter estado presente.

 

Não respondi.

 

Aqueles abutres eram capazes de qualquer coisa.

 

Eu sabia que o caixão depositado no quadrimotor que caiu perto de Torrejón, se desintegrou com o impacto. Eu imaginei o que estava enterrado em Arlington.

 

Malditos bastardos!

 

E felicitei-me pelas retificações feitas nos diários sobre a morte do engenheiro.

 

Curtiss estava certo, mais uma vez.

 

Domenico tentou sacar água de meus pensamentos, mas não conseguiu.

 

Eu devia continuar alerta...

 

Naquela tarde, recebi notícias do meu contato na Inyokern.

 

Conversamos em código, conforme estabelecemos:

 

- Afirmativo major - disse o cientista. O pão (barra de metal) contém veneno (titânio)...

 

- Você tem certeza?

 

- Eu cozinhei três vezes.

 

- É saboroso?

 

- Muito...

 

- E o veneno?

 

- A 92%. O resto é aço...

 

- Como é que pode, o pão conter aço?

 

- Para você ver, meu amigo... Não se pode confiar em ninguém...

 

- Que tipo de aço?

 

- Série "4140".

 

- Eu entendo.

 

A barra de metal, em suma, como eu suspeitava, era de titânio de alta pureza, com uma pitada de aço.

 

Não havia dúvida: aquilo era parte da ogiva de um míssil, e adulterado.

 

O C-141 foi abatido por um "caça", presumivelmente norte-americano.

 

Eu fiquei de recolher as análises, quando fosse possível:

 

- Devo-te uma, querida.

 

- Espero que sim...

 

E dediquei-me de corpo e alma, ao estabelecido: "Bela 1".

 

O golpe de estado no Chile, e a contínua deterioração da situação no Oriente Médio agitaram os ânimos na área restrita de Edwards. A confusão e ansiedade tornaram-se insuportáveis.

 

A guerra estava próxima.

 

Todo mundo sabia que Nixon e Kissinger estavam por trás, atiçando o fogo.

 

Foram momentos difíceis para quem isto escreve.

 

Será que eu tinha me enganado?

 

Talvez a guerra entre árabes e judeus não eclodisse em 6 de outubro, mas bem antes.

 

Eu confiei no código e em Curtiss. Seguiria o programado.

 

Joco estava indignado.

 

Será que ninguém estava vendo? Ninguém se dava conta das manobras da CIA para derrubar Allende, o presidente constituído do Chile? Os rumores se atropelavam uns aos outros. "Allende - diziam – tinha se suicidado". [138]

 

Aquela agitação me favoreceu.

 

Na quinta-feira, 13, no entanto, eu caí de novo no desânimo.

 

Treze aviões "Mig-21”, sírios, foram derrubados pela Força Aérea israelense.

 

Na base de Edwards falou-se de provocação orquestrada por Kissinger e os judeus.

 

Eu estava prestes a arrumar as malas e voar para Israel.

 

Alguma coisa me segurou.

 

Depois da guerra, eu soube: a derrubada dos aviões sírios foi outra manobra dos árabes, após a cúpula realizada no Cairo, entre o Egito, a Síria e a Jordânia. Ambos os lados (russos e norte-americanos) se empenhavam em suas campanhas de provocação tanto contra Israel, bem como, contra o mundo árabe. Tudo estava valendo.

 

 

[138] Após o golpe militar no Chile, os rebeldes exigiram a renúncia imediata de Allende. A petição foi assinada pelo comandante-chefe do Exército, o general Augusto Pinochet; o da Força Aérea, Gustavo Leight; o novo chefe da Marinha, o almirante Jorge Toribio Merino e o, também novo, diretor geral da polícia, César Mendoza. Todos eles formavam a chamada "Junta Militar de Governo", presidida por Merino. Ao mesmo tempo foram elevados de cargo, o almirante Raúl Montero e o diretor-geral da polícia, José María Sepúlveda. O golpe teve início nas unidades da Marinha, que isolou o porto de Valparaíso. Era o quarto atentado contra a vida de Salvador Allende. Em 16 de janeiro de 1971, a CIA tentou pela primeira vez. Uma poderosa bomba foi descoberta no jardim do palácio presidencial. Em 20 de julho de 1972, um grupo extremista (financiado pela CIA) tentou invadir a casa do Chefe de Estado chileno. Os 25 membros do comando foram presos pela polícia. Em 16 de setembro do mesmo ano, novamente tentaram assassinar Allende. A nível internacional, tudo estava virado de cabeça para baixo, como pretendia o plano Rapto de Europa. Os serviços secretos israelenses tinham dado o alerta: guerrilheiros palestinos poderiam atacar no aeroporto de Orly, em Paris. Possuíam foguetes Strela. Para piorar a situação, o Egito e a Síria tinham retomado as relações diplomáticas com a Jordânia. Era outro sinal claro: a guerra estava próxima... (N. do m.)

 

 

E a situação dramática, como eu disse, me favoreceu.

 

Era o momento certo para tentar tirar, do "vespeiro" e da base, a segunda cópia dos diários.

 

E eu ativei o plano "Bela 1".

 

Mas antes eu averiguei no Dryden (Flight Research Center da NASA) e consegui que me emprestassem um equipamento, com os mais recentes sistemas de localização por satélite.

 

Eles o chamavam de "Navstar Global Positioning”.

 

Tratava-se de um dispositivo de tamanho reduzido, que trabalhava com os satélites, e que poderia me ajudar na fixação das coordenadas do código, com uma precisão de 100 metros [139].

 

É claro, eu continuava pensando que Eliseu, meu companheiro, ainda estava vivo.

 

Onde ele estava?

 

Esse era o mistério...

 

Conversei com Joco e aventurei-me a pedir-lhe três favores.

 

Ele aceitou sem saber.

 

Eu sempre serei grato a ele.

 

Primeiro favor: deveria ir me encontrar às 13 horas de sexta-feira, 14, na porta do “vespeiro” e me ajudar a carregar "algo" em seu velho e enferrujado “Cowboy” de 71.

 

Sem problemas.

 

Segundo favor: em seguida (se tivéssemos sorte) teria que me levar para a cidade de Francisco, e no mesmo veículo.

 

Ele sorriu e concordou.

 

- Finalmente um pouco de emoção... - Exclamou.

 

Terceiro favor: poderia me emprestar sua cabana no Havaí por alguns dias?

 

Sem problemas.

 

 

[139] O "Navstar" ou Navegador Estrelar, trabalhava com o apoio de quatro satélites militares simultaneamente. Os sinais recebidos forneciam a posição do sujeito em tempo real. O "Navstar" trabalhava com a latitude, longitude, altitude e tempo (sem a necessidade de incômodos relógios atômicos). A precisão superava os 95%. Foi o sistema precursor, que deu início ao atual Sistema de Posicionamento Global (GPS) que utiliza esta constelação de satélites (N. do m.)

 

 

Ele não fez perguntas.

 

E na sexta-feira, 14 de setembro, no horário combinado, eu vi Joco chegar, ao volante do "Cowboy". Os Beatles pintados no chassi sorriram. Era um bom sinal.

 

O japonês estacionou em frente ao "ninho" e colocou-se à minha disposição.

 

Eu não sei como ele conseguiu entrar na área restrita, e não perguntei.

 

Walter e a escolta ajudaram a carregar os sacos de plástico preto que eu tinha preparado (supostamente de lixo) e o fizeram rindo, por conta dos Beatles.

 

O "negócio" foi mais simples do que eu havia imaginado.

 

Jogar os sacos de "lixo" na parte de trás do "Cowboy", em plena sexta-feira, quando a metade da população do Fog estava presa na barreira de controle desaída, foi um sucesso completo.

 

A PM também estava ansiosa para pendurar os uniformes...

 

Eles viram Joco e seu inconfundível e simpático "Cowboy" e nem olharam.

 

Aquelas palavras - "siga, siga..." – soaram como a glória.

 

Assim, escapamos de Edwards (os diários e quem isto escreve).

 

Joco nunca soube.

 

O resto da viagem foi inesquecível.

 

Joco era fã dos Beatles, naturalmente, e ouvimos o repertório inteiro, incluindo adaptações e orquestrações de Mauriat e Caravelli.

 

O japonês cantou. Principalmente Across the universe, Something y Norwegian wood.

 

Eu fiz o mesmo e cantei, em voz alta, a minha favorita: Michelle.

 

Depois entoei Yesterday.

 

Discutimos sobre as letras.

 

Eu assegurei que eram medíocres.

 

Joco freou em seco e me fulminou com o olhar.

 

Eu esclareci:

 

- Letras medíocres e músicas caídas do céu.

 

O japonês me perdoou e continuou cantando:

 

"Por que ela teve que ir embora?... Eu não sei... não quis me dizer... E eu disse algo que não devia... Agora eu anseio por ontem... Ontem.”

 

Na metade da viagem eu comprei duas maletas: uma na cor marrom escuro e outra cor laranja berrante e chamativa.

 

Era parte do plano...

 

Convidei Joco para ficar no hotel Florência. Isso era o mínimo...

 

O japonês passou o fim de semana com seus amigos e parentes.

 

Eu aproveitei o sábado e o domingo para vasculhar Francisco em busca de um apartamento, no centro, pequeno e discreto.

 

Depois de meditar eu optei por Chinatown, o bairro chinês da cidade de Francisco.

 

Ele ficava a 800 metros do hotel.

 

"Perfeito", disse a mim mesmo.

 

E eu fiquei procurando. Havia muitas ofertas.

 

Finalmente escolhi um casebre na Rua Stockton, pouco freqüentada por turistas.

 

O bairro era tranquilo, com um mercado de peixe e dezenas de becos malcheirosos. Era o que eu precisava.

 

Isso me recordou Hong Kong.

 

E aluguei dois quartos com direito a banheiro compartilhado. O extermínio de percevejos e baratas corria por conta do locatário.

 

Eu não reclamei. Eu o considerei adequado para os meus propósitos.

 

A dona da casa, uma velha chinesa cobrou o aluguel adiantado: U$ 120 por mês. Eu paguei três meses.

 

E "Bela 1" seguiu em frente.

 

Continue atento às notícias do Oriente Médio.

 

Deixaram-me arrepiado.

 

A Interpol passou aviso para todas as polícias do mundo: "um grupo de terroristas árabes havia deixado o Líbano com a intenção de realizarem atentados na celebração do ano judaico."

 

Os jornais de Washington falavam de um relatório confidencial, no qual se revelava que a Líbia tinha comprado da França um sistema de mísseis antiaéreos, de alta mobilidade, destinado à defesa do país contra um possível ataque dos judeus. Os mísseis foram posicionados nas proximidades das bases militares líbias. Eles eram do tipo "Crotale" superiores aos “Sam-D”.

 

Mas o que me assustou e me colocou em alerta, foi uma notícia procedente de uma agência no Cairo: "Israel - dizia a agência - está concentrando tropas e carros blindados ao longo de suas fronteiras com a Síria, depois do combate aéreo da última quinta-feira, 13 setembro, no Mediterrâneo. Neste confronto entre aeronaves sírias e judaicas, 13 "Mig" sírios foram derrubados.”

 

A guerra parecia iminente. Eu tinha que agir com rapidez e destreza.

 

Estavam faltando 19 dias para 06 de outubro e eu ainda tinha trabalho para fazer em meu país...

 

Joco retornou para Edwards na tarde de domingo, 16 de setembro.

 

Eu o vi feliz e intrigado.

 

Ao me entregar as chaves de sua cabana, no Havaí, ele disse:

 

- Eu não sou cristão... Algum dia, você deveria falar-me sobre Ele. Você me deve isso.

 

Eu prometi.

 

Nós nos abraçamos.

 

Demoraria bastante para vê-lo novamente.

 

Ele sabia que eu não tinha intenção de descansar no Havaí...

 

E no dia 17, segunda-feira, eu fui ao banco e retirei parte das minhas economias.

 

Depois eu procurei um lugar onde pudesse espiralar as páginas que eu havia retirado do “vespeiro”. Um dos porteiros do hotel me ajudou a carregar os sacos pretos em um táxi. E coloquei no veículo, a maleta marrom, recém-adquirida.

 

Algumas horas mais tarde, por volta de meio-dia, tudo estava pronto.

 

Regressei ao Florência.

 

Eu depositei a maleta marrom, com os diários espiralados, debaixo da cama e repassei o plano.

 

Eu lancei mão da maleta laranja e a enchi com tudo o que cruzou o meu caminho, incluindo dois vasos de flor. Eu senti pena das violetas...

 

E perto das 15 horas – de maleta na mão - Eu me encaminhei até a porta do Dragão, o arco de entrada para Chinatown. A Grant Avenue estava movimentada.

 

Aquele velho, arrastando uma chamativa maleta laranja, era o foco de atenção dos transeuntes.

 

Esta era a idéia...

 

Às vezes eu parava e fazia de conta que descansava.

 

Se alguém estivesse me seguindo, estava sendo muito fácil.

 

Como eu disse, era isso que eu pretendia: Que o suposto vigilante soubesse o meu destino.

 

Algumas pessoas na rua se ofereceram para ajudar. Agradeci, mas não.

 

Era preciso continuar a caminhar e ser notado.

 

Eu me detive seis ou sete vezes em Chinatown.

 

Fiz de conta que olhava vitrines.

 

Dei algumas voltas ao redor da praça de Portsmouth, tomei saquê e assisti a um jogo de xadrez chinês.

 

Eu não fui capaz de averiguar se era seguido.

 

Uma vez no casebre, depositei a maleta no chão, atrás da porta de entrada, e em uma posição específica, formando um ângulo de 45 graus, com uma das paredes.

 

Se alguém entrasse no apartamento, na minha ausência, a maleta seria derrubada ou deslocada.

 

Se o intruso voltasse a colocá-la no lugar, provavelmente não acertaria o ângulo original.

 

Isso demonstraria que eu estava sendo seguido.

 

Depois do que eu descobri com o C-141, eu tinha que ser extremamente precavido.

 

Assim terminou naquele dia. Retornei para o hotel e me instalei confortavelmente no bar Norcini.

 

E revisei o "Bela 1". Tudo estava saindo conforme o planejado.

 

Tomei um delicioso coquetel: um "Russo" (a base de baunilha, Kahlua e vodka).

 

Naquela noite eu dormi como um bebê.

 

Em minha mente ferviam outras idéias. Mas ainda era cedo para ativar a segunda fase de "Bela 1".

 

Eu tinha que ser paciente e atento ao mesmo tempo.

 

Mais importante ainda, é claro, era o encontro com o Mar Salgado

 

Mas tudo tinha o seu tempo...

 

E na terça-feira, 18, pousava em Hilo, a capital da ilha do Havaí.

 

Por que eu estava ali?

 

Supostamente, para tomar uma decisão importante.

 

Necessitava calma.

 

Minha bagagem era composta de duas maletas e uma bolsa.

 

Uma das maletas- cor de sangue – continha os diários encadernados em azul, e entregues por Estrela, a pedido de seu marido.

 

A outra - marrom escuro - guardava a segunda cópia, espiralada em Francisco.

 

E eu me preparei para a nova e aparentemente pacífica aventura.

 

O Destino - eu sei – achou engraçado...

 

Joco, prudentemente, me fez um pequeno e rústico mapa.

 

Chegar à sua cabana era fácil, mas nem tanto...

 

Eu falei cabana?

 

Eu contratei os serviços de um táxi e providenciei um estoque de mantimentos. Eu não sabia quanto tempo eu ficaria na ilha.

 

Depois, procuramos uma empresa que vendesse máquinas de escrever. Eu pretendia atualizar os diários.

 

Não havia muita escolha.

 

Acabei comprando uma velha Underwood (possivelmente do Paleolítico) de carro amplo e teclado espanhol. Ela tinha 40 anos, pelo menos, mas se soltava cada vez que era tocada.

 

Eu adquiri papel, bastante papel...

 

Em seguida, fomos para o extremo norte da ilha.

 

Lá havia um hotel de luxo, construído pelo próprio Rockefeller em 1965. Era chamado de Mauna Kea Beach.

 

Era uma das referências no mapa de Joco.

 

Fim da viajem de carro. Ali eu tiinha que contratar os serviços de alguém que conhecesse o caminho.

 

Não foi difícil.

 

Dois jovens brigaram para levar os pacotes. Eu tive que colocar ordem.

 

Eles tomaram o caminho da praia e me guiaram até a cabana.

 

O hotel ficava a 800 metros o lar de Joco. Era uma questão de descer até a areia e continuar para sul. Não tinha como se perder.

 

A brincadeira me custou cem dólares...

 

Ao pisar na areia branca, o Oceano Pacífico, desconfiado, veio através das ondas para tentar descobrir quem era o novo inquilino.

 

Ele não teve sucesso.

 

As ondas eram ridiculamente pequenas que morriam antes de nascer.

 

Ele ficou desapontado.

 

Por que não vou com a cara do Pacífico?

 

A cabana (?) de Joco ficava na costa oeste do Havaí, a certa distância de Kalaoa, uma vila de pescadores e plantadores de cana-de-açúcar.

 

Era pura madeira de acácia, pintada de forma desigual, e com um único luxo: uma varanda apaixonada pelo pôr do sol.

 

Nos dias claros - se você olhasse para o leste – distinguia-se a silhueta verde escura do Mauna Kea, um vulcão extinto, com 4.208 metros de altura, constantemente visitado por uma família de nuvens brancas, atarracadas e pouco recomendáveis (possivelmente nascidas no odiado Pacifico).

 

O resto era selva colorida e rios de lava negra endurecida, que buscavam o oceano inutilmente.

 

Eu vi relâmpagos azuis, vermelhos, amarelos e verdes. Eram papagaios.

 

Ao pé da cabana se estendia - indolente e feminina - uma praia de 1.200 metros de extensão. Ele vestia uma areia branca, farinhenta e perfumada de algas, que morria no hotel Rockefeller.

 

E às 17 horas - finalmente - eu tomei posse da velha cabana.

 

Maldito safado!

 

O japonês não me advertiu...

 

A cabana consistia de um único aposento, sem luz e água, e mal sustentada por troncos apodrecidos.

 

No alto bocejava um ventilador de madeira, obviamente, inútil.

 

E sobre as paredes?

 

Fiquei atônito.

 

Eu inspecionei-as, incrédulo.

 

Joco não era bem certo...

 

Eu sabia que ele adorava os Beatles, mas não tanto...

 

Eu contei 240 fotografias em preto e branco.

 

Todas dos Beatles!

 

Desde o início, em 1960, até 1972.

 

Os Beatles cantando. Os Beatles comendo. Os Beatles correndo. Os Beatles contemplando carros em miniatura. Os Beatles com suas namoradas. Sem as namoradas. Os Beatles com a dupla de comediantes formada por Morecambe & Wise. No show de Ed Sullivan. Com Cassius Clay. Lennon com Eleanor Bron...

 

Em suma, praticamente tudo sobre eles.

 

Algumas das imagens apareciam assinadas por pessoas que eu não conhecia: Dave Sheppard, Alan Pinnock, Steve Torrington e Richard Jones, entre outros.

 

Não sobrava um espaço nas paredes.

 

Na verdade não era a cabana de Joco, mas a dos seus ídolos, os Beatles.

 

No centro da sala, havia uma mesa e sobre ela, uma antiga lamparina a óleo, da época da Guerra Civil, pelo menos.

 

Não havia cadeiras. Não havia cama. Não havia chuveiro. Não havia pratos...

 

Eu jurei que iria estrangulá-lo com minhas próprias mãos.

 

Minto.

 

Em um canto, pendia uma rede de nós brancos, vindo não se sabe de onde.

 

Olhamo-nos, mas não fizemos nenhum comentário. Tudo estava dito e mais do que dito...

 

A pia e o vaso sanitário estavam na parte de trás da casa, entre as palmeiras.

 

Faltavam vidros nas janelas. O vento, os mosquitos e os papagaios iam e vinham à vontade.

 

Aquilo era o desastre dos desastres...

 

Mas eu não desanimei. Eu estava lá por um motivo. Ou seja: para trabalhar.

 

E me organizei.

 

Eu utilizei a maleta marrom como assento e instalei a Underwood sobre a mesa. A lamparina a óleo ficou emocionada.

 

E naquela mesma noite eu comecei a pensar e colocar no papel.

 

E todas as manhãs, depois de tomar banho de mar, eu escrevia, e o fazia febrilmente.

 

Eu atualizei os diários (até a chegada ao Havaí).

 

A Underwood se portou como uma profissional.

 

Na parte da tarde era outra questão.

 

Eu me jogava na rede e fazia girar em minha mente, os nomes dos mais prestigiados jornalistas dos Estados Unidos.

 

Eu tinha que escolher um.

 

Eu tinha que decidir para quem entregar os diários...

 

Essa era a grande dúvida.

 

E assim transcorreram os cinco dias seguintes.

 

Pouco antes do pôr do sol caminhava pela areia e me dirigiu à Mauna Kea Beach.

 

Lá, entre os pacientes Budas de pedra e papagaios incansáveis, desfrutava do único luxo do dia: um cocktail gelado, servido por Kawai, um barman com a pele cor de cobre e olhos puxados.

 

O meu favorito era o "ketel", bem trabalhado com vodka, Amaretto e suco de laranja.

 

Ali eu ficava pensando...

 

O retorno à cabana, sempre pela costa, era inquietante.

 

A floresta se envolvia com a noite e emitia sons indecifráveis.

 

O Pacifico ficava me olhando do alto das ondas. Não lhe dirigia a palavra.

 

E a questão da escolha do jornalista estava se complicando. Não era uma tarefa fácil.

 

Eu esbocei uma lista de jornais que podiam publicar os diários (talvez por entregas): The New York Times, The Washington Post, Newsday (Long Island), New York Post, Daily News (Nova York)...

 

Ou devia pensar na TV?

 

Naquela época, as grandes redes eram quatro: ABC, PBS, CBS e NBC.

 

Conforme avançava, o panorama resultava pouco convincente.

 

Algo não ficava do meu agrado...

 

Eu fiz outra lista de jornalistas que se destacavam em 1973 [140].

 

Negativo.

 

A maior parte estava interessada apenas em política, corrupção e escândalos sexuais.

 

Muitos destes jornalistas, além do mais, eram confidentes da CIA, ou agentes dos serviços de inteligência militar dos Estados Unidos (ou dos soviéticos).

 

Eu não deveria confiar.

 

Se eu entregasse as memórias para a imprensa dos EUA, a história poderia acabar no lixo, ou em um lugar pior...

 

E as dúvidas me devoraram.

 

Quem estaria interessado em uma viagem através do tempo e na verdadeira história do Filho do Homem?

 

O que lhes importava era despedaçar Nixon, o trapaceiro...

 

Havia também outro perigo, já apontado pelo general Curtiss: dependendo das mãos onde caíssem, os diários poderiam ser manipulados.

 

Sempre terminava o dia com dor de cabeça...

 

Eu pensei, até mesmo, em alguns "anti-Nixon" [141], na hora de entregar o meu "tesouro". Mas não.

 

 

[140] Entre as minhas notas apareciam os seguintes informantes: Vanocur, correspondente da NBC; Daniel Schorr, da rede de televisão CBS; Marvin Kalb (autor do livro Kissinger); Goodman, presidente da NBC; Tom Wicker, vice-diretor do New York Times; James Reston, também do New York Times; Jack Anderson, Mankiewicz, colunista do Los Angeles Times; Hines, editor científico do Chicago Sun Times; Rowland Evans; Mary McGrory, colunista do New York Post; Marquis Childs, do St. Louis Dispatch, em Washington D. C.; Robert Woo Dward e Carl Bernstein, ambos do Washington Post; Zabludovsky, da televisão mexicana, Howard Smith da rede de televisão ABC; William Randolph Hearst; John Chancellor da NBC; Anthony Lewis, colunista do New York Times; Jim Hougan, da revista Harpers; Deborah Davis; Adrian Havill; Seymour Hersh; Walter Cronkite; Janet Cooke; David Rudenstine; Daniel Ellsberg e Tad Szulc, entre outros. (N. do m.)

[141] Em 27 de junho de 1973, a imprensa do meu país publicou uma lista de "inimigos" da Casa Branca, de acordo com Nixon. No total, 206 nomes que provocaram risos e indignação. Ali apareciam políticos, líderes sindicais, astros do cinema, jornalistas, empresários, professores e investigadores. Nixon considerava-os "os mais perigosos". Os que mais me chamaram a atenção eram aos atores e atrizes. Lembro-me de Jane Fonda, que lutava contra a Guerra do Vietnã, Gregory Peck, presidente da Academia de Ciências Cinematográficas de Hollywood; Barbra Streisand "por suas tendências democratas", Steve McQueen e Paul Newman, "que apoiaram os candidatos democratas", de acordo com a Casa Branca. Pouco faltou para que eu entrasse em contato com Gregory Peck. Eu pensei seriamente. Primeiro eu iria entrevistá-lo. Depois veríamos... Não foi necessário. Eu também matutei sobre o nome de Arthur Schlesinger, antigo conselheiro do presidente Kennedy, e o de Wiesner, presidente do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, com quem Cavalo de Tróia havia tido contato. (N. do m.)

 

 

E eu comecei a me desesperar.

 

Conseguir que fossem publicados os diários de quem isto escreve, não era tarefa fácil. Além disso, eram milhares de páginas.

 

Por incrível que pareça, não era uma operação oportuna.

 

E nisto estava - sem saber o que fazer - quando chegou o entardecer de segunda-feira, 24 de setembro.

 

Os céus têm tudo planejado... milimetricamente.

 

Eu não consigo assimilar o conselho que o Mestre deu-me: "Confie...!"

 

Eu sou humano, eu sei...

 

Naquele dia, às cinco horas, eu larguei tudo e fui para o hotel.

 

Ele estava farto.

 

Não conseguia definir o nome do jornalista.

 

Minhas intenções eram simples: aproveitaria o pôr do sol, conversaria um pouco com alguém, e beberia um cocktail.

 

Enquanto caminhava pela praia, eu me consolava: "Aparecerá, não tenha dúvidas..."

 

E eu creio que apareceu, mas não como imaginava...

 

O Mauna Kea Beach chegava ao Pacífico de uma maneira ampla.

 

Ao pé do edifício, no meio de um terraço, havia uma aconchegante cabana de madeira e bambu. Lá, eu refugiava-me diariamente. Ali esperava a magia do crepúsculo e ali pensava e planejava.

 

Pois bem, naquela tarde, quando a noite tecia as primeiras sombras, eu a vi.

 

Era ela!

 

Como ela tinha chegado até Mauna Kea?

 

Que pergunta boba...

 

Caminhei lentamente até a cabana.

 

Os bambus olhavam-na, em transe. E o mesmo acontecia com Kawai, o barman.

 

Não os culpo.

 

Era belíssima. Estava sentada em um dos bancos altos.

 

A princípio não me viu. Ela segurava um copo vazio entre os longos e delicados dedos.

 

Então eu notei.

 

Nossa!

 

Aparecia um arco-íris em cada unha. Eu não conhecia esta moda...

 

Kawai serviu-lhe um “mai tai”: manga, amaretto e suco de abacaxi, bem ligado, e frio.

 

Parei ao seu lado. O cabelo preto, desta vez, aparecia amarrado para trás. O pescoço era interminável.

 

Ela usava a túnica azul e transparente que me deixava louco.

 

Ela tomou um gole, desceu do banco, e caminhou na ponta dos pés até quem isto escreve.

 

O garçom perguntou se eu queria alguma coisa.

 

Eu não respondi.

 

Aquela criatura me transportava...

 

Kawai insistiu:

 

- O que vai ser senhor?

 

A Bela chegou até mim, colocou seu copo na minha mão, e sussurrou muito séria: "Não pense mais sobre o jornalista. Nós vamos te dizer quem é... Para isso ele nasceu.”

 

- O que vai tomar? - Insistiu o barman.

 

Eu não respondi.

 

E a Bela se perdeu em algum lugar.

 

Que tremendo traseiro!

 

- Não sei - eu gaguejei, finalmente. Deixo isso por sua conta.

 

O rapaz de esmerou.

 

Eu coloquei o copo sobre o bar e permaneci um tempo em silêncio, observando-o.

 

Parecia um arco-íris!

 

Kawai me serviu um "azul" (gelado): rum, curaçau azul e pina colada.

 

Fantástico!

 

Continuei ausente enquanto o garçom confessava o segredo do “Blue”: as cascas de laranja tinham que ser "delicadamente perfumadas."

 

Não consegui entender muito bem a recomendação da bela.

 

Quem eram "eles"?

 

Quem era o jornalista, nascido para receber o meu legado?

 

Eu poderia confiar na intuição? É claro.

 

Pois bem, ali terminou a busca pelo jornalista. Ela sabia...

 

Jantei alguma coisa no hotel e, tarde da noite, cumpri o ritual: acariciei um Buda de pedra ajoelhado, e me dirigi para a praia.

 

Desta vez fui eu quem se deixou ser beijado pelo mar.

 

Ele ia e vinha entre os meus pés descalços. Eu deixava fazer.

 

O Homem-Deus tinha razão: a intuição é um anjo; atua por pura misericórdia...

 

Mas as surpresas não haviam terminado naquela noite... Não senhor.

 

Deviam ser umas dez da noite.

 

A lua, em minguante, estava na metade da escuridão

 

Ao fundo, entre os arbustos, eu distingui a dança azul da lamparina a óleo.

 

Não havia sentido, eu continuar na ilha. Juntaria as minhas coisas e colocaria em prática a fase final do plano.

 

Próxima parada: Washington D. C. Faltavam onze dias para o dia 6 de outubro.

 

Eu não deveria me descuidar.

 

Eu entrei na cabana e a lamparina piscou. Eu estava cansado.

 

Pensar acaba cansando mais do de uma pá e uma picareta...

 

A lamparina se esforçou e piscou novamente.

 

Foi então que me aproximei da mesa e descobri-o.

 

Alguém tinha depositado-o entre as brancas e submissas teclas da Underwood.

 

Tentei memorizar...

 

"Aquilo" não era meu.

 

Alguém havia entrado na cabana!

 

Olhei ao meu redor. Negativo. Não vi ninguém.

 

Peguei a lamparina e andei pelo aposento, cada vez mais inquieto.

 

Negativo, negativo...

 

Tudo estava no lugar. Aparentemente, não estava faltando nada.

 

Regressei para a mesa e contemplei a Underwood novamente. A pobre não soube esclarecer o mistério. Sabia escrever, mas não sabia falar.

 

Entre o teclado, aparecia um envelope, idêntico aos recebidos em outras ocasiões.

 

Maldito seja!

 

Alguém estava me seguindo...

 

Examinei o lacre. Era igual aos outros: Um pentagrama invertido...

 

Alguém estava ciente da minha estadia na cabana de Joco.

 

Mas, quem sabia?

 

Só o japonês...

 

Abri o envelope e encontrei outra cartolina branca.

 

Assim como as anteriores, apresentava um emblema azul, gravado no canto superior esquerdo. A estrela de cinco pontas, também invertida, ostentava um círculo vermelho no centro. Ao redor da estrela lia-se a já conhecida legenda: "Ultra fidem" ("Além da Fidelidade").

 

No centro da cartolina, alguém havia escrito (datilografado e em Inglês): "A Bíblia triunfará."

 

Fiquei intrigado.

 

Abaixo da frase destacavam-se duas gotas vermelhas de 2 e 4,4 cm de diâmetro, respectivamente.

 

Parecia sangue.

 

Não encontrei remetente e muito menos selos...

 

Alguém, obviamente, tinha se dado ao trabalho de viajar até o Havaí, esperar que eu fosse para algum lugar, entrar na cabana, e depositar o envelope.

 

Era o quarto anônimo.

 

Aquilo não me agradou.

 

E lembrei-me das outras "advertências" (?) "Marte Alerta - blasfêmia - renuncia traidor - a Bíblia triunfará."

 

O que estava acontecendo? Por que estavam me seguindo? Como souberam...?

 

E o mais importante: o que representavam aquelas ameaças?

 

Será que tinha alguma coisa a ver com a derrubada do C-141?

 

Eu andei ao redor da cabana, com a lamparina na mão, mas não vi nada de estranho. (Na verdade, não se via porra nenhuma.)

 

Também não ouvi nada de anormal, a não ser o tagarelar dos papagaios.

 

E as ondas do Pacífico ao longe.

 

Eu não percebi nenhuma luz no mar. Tudo era preto.

 

Regressei para o interior e tentei pensar rapidamente. Estava em perigo? Os diários corriam Perigo?

 

Os diários!

 

Eu revisei minhas coisas novamente.

 

As maletas estavam trancadas e as chaves estavam comigo. Eu nunca me separava delas.

 

Abri e verifiquei que tudo estava em ordem.

 

A confusão tomou conta de mim.

 

Sentei-me sobre a maleta marrom e esperei a claridade do amanhecer.

 

Ele tinha que agir, e rápido. E eu agi, naturalmente.

 

A minha estadia no Havaí chegou ao fim...

 

O amanhecer apresentou-se, pontual e violeta, e me acompanhou.

 

Eu fui para a parte de trás da casa e examinei as estacas que a ancoravam ao solo.

 

Não demorei a encontrar o que buscava.

 

Em um canto, a areia tinha fechado o espaço sob o piso da cabana.

 

Cavei furiosamente até que consegui um poço de dimensões aceitáveis.

 

Depois busquei a maleta vermelha e introduzi-a na abertura, cobrindo-a com areia.

 

Eu contemplei a "sepultura" e fiquei satisfeito.

 

Por que estava fazendo isso?

 

Eu não sei, simplesmente fiz.

 

Eu gravei uma marca na estaca mais próxima e voltei para o interior da casa.

 

Aparentemente, ninguém estava vigiando meus movimentos.

 

Digo bem: aparentemente...

 

E tomei a decisão de abandonar o lugar.

 

Eu deixei tudo, inclusive a fiel Underwood, e carreguei, unicamente, a maleta marrom com os diários espiralados em Francisco.

 

E eu fui para o hotel Rockefeller.

 

Mas quando eu tinha andado uma dúzia de passos, eu parei.

 

Voltei para a cabana e parei na frente de uma das fotos dos Beatles.

 

Na imagem via-se George Harrison na companhia de Ravi Shankar, um grande tocador de sitar (instrumento musical hindu). Era uma foto tirada em setembro de 1970 no Royal Albert Hall. No final daquele ano, Harrison lançou um álbum triplo, com o título: All Things Must Pass ("Tudo deve acontecer).

 

Pois bem, eu não sei por que razão, eu escrevi ao pé da fotografia: "Tudo acontece, mas nada é o que parece"

 

E eu assinei.

 

Depois eu segui meu caminho.

 

Eu me despedi do mar, com um intenso olhar e decolei de Hilo, rumo ao continente.

 

Aterrissei na capital federal no final da tarde de terça-feira 25 de setembro, 1973.

 

Eu realizei duas escalas, em uma tentativa de enganar os potenciais seguidores.

 

Pobre ingênuo!

 

Eu cheguei moído.

 

Eu não saí do quarto do hotel.

 

E dediquei o tempo a duas questões, cada qual mais importante.

 

Em primeiro, eu repassei o que restava para ser feito.

 

"Bela 1" tinha dado resultado, até certo ponto.

 

Faltava a elaboração de um código que deveria ser entregue ao jornalista que fosse selecionado.

 

Depois me dediquei, com atenção, à situação nacional e internacional.

 

Eu li, atentamente, o material impresso que fui capaz de pegar e fiquei colado à tela da TV.

 

Na minha ausência, o Dr. Kissinger tinha sido ratificado pelo Senado como secretário de Estado. Votos a favor: 78. Contra: 7.

 

"Nada bom para mim - eu pensei - e também para Eliseu, supondo que ele ainda esteja vivo."

 

De qualquer forma, na semana anterior, do México, a viúva de Salvador Allende tinha feito algumas declarações explosivas: seu marido, o presidente legítimo do Chile, não cometeu suicídio, ele foi assassinado. Apresentava ferimentos de bala no peito e no estômago.

 

Joco e os militares de Edwards disseram: "Allende foi suicidado."

 

Kissinger tinha muito a ver com aquele golpe de estado.

 

Em relação ao Oriente Médio, os cascos da guerra já podiam ser ouvidos do outro lado da sala...

 

A tensão estava prestes a romper a corda.

 

A guerra era iminente.

 

Em 18 de setembro, o rei Hussein da Jordânia, fez um anúncio esclarecedor: Libertaria todos os acusados ​​de crimes políticos [142]

 

Eu tinha que agir rapidamente.

 

Era necessário entrar em Israel com a maior brevidade.

 

O 6 de outubro era a data chave.

 

"O dia do relâmpago - recordei – viverá o não vivido."

 

A quê Eliseu estava se referindo?

 

Uma coisa estava clara: se a guerra estourasse, e eu não estivesse no Mar Morto, adeus ao código e, talvez, adeus a tudo.

 

Eu tinha que entrar em Israel antes que 06 de outubro.

 

 

[142] Foi mais um sinal da iminência da quarta guerra entre árabes e judeus. O rei Hussein comunicou a decisão, ao governador militar, o general Ziad al-Rifai,. O decreto de anistia afetava a "todos os condenados, detidos ou procurados por delitos políticos, tanto se estivessem na Jordânia e no exterior." Entre os beneficiários estava Mohamed Daud, conhecido como Abu Daud, líder de comando do Fatah. Um total de 754 detidos foi libertado. (N. do m.)

 

 

Meu Deus! Estavam faltando10 dias!

 

Eu estava prestes a pular etapas do estabelecido, e voar para Tel Aviv.

 

Eu me segurei. A elaboração do código também era importante.

 

Isso eu tinha em mente. O plano era simples e complicado ao mesmo tempo.

 

Eu desejava construir uma chave, um código, ao estilo de Eliseu, e entregá-lo ao homem ou a mulher escolhido como depositário dos diários. Se não resolvesse o código, não teria acesso ao "tesouro".

 

Eu interpretei isso como uma prova de interesse pelo assunto e de fidelidade à quem isto escreve.

 

Mas eu não quero me adiantar aos acontecimentos. Eu devo ir passo a passo.

 

No dia seguinte, quarta-feira, 26 de setembro, eu coloquei em marcha a fase final de "Bela 1".

 

Eu entrei, no início da manhã, no Cemitério Nacional de Arlington, em Washington D. C., e realizei uma primeira verificação: Eliseu estava sepultado naquele cemitério? Isso, pelo menos, era o que o Pentágono assegurava.

 

Eu sabia que o engenheiro não poderia estar enterrado naquele lugar, mas deixei que o funcionário o comprovasse.

 

De fato: Domenico tinha razão. Os “beatos” tinham feito o seu trabalho.

 

Ali constava o sepultamento de meu companheiro e, recentemente.

 

Malditos bastardos!

 

Eles tinham tudo sob controle. Bem, quase tudo...

 

Indicaram-me como chegar à sepultura e caminhei, surpreendido, entre os álamos e carvalhos.

 

Os cortejos fúnebres não tardariam a acontecer e perturbar os pombos com os disparos de fuzil [143].

 

Eu finalmente encontrei o túmulo.

 

 

[143] Naquela época (1973) o número de sepulturas em Arlington estava se aproximando de 200.000. Quase todos os enterrados eram veteranos de guerra. Arlington foi inaugurado em 1864. O cemitério gigantesco, de propriedade do Exército, está localizado na margem ocidental do rio Potomac (Virginia). O terreno pertencia ao General Lee, comandante das forças do Sul na Guerra Civil. Cada dia são realizadas, em Arlington, em torno de 20 cerimônias fúnebres. Neste cemitério estão os túmulos de John F. Kennedy e seu irmão Robert, ambos assassinados (provavelmente pela mesma organização que derrubou o C-141 no qual viajava o general Curtiss). (N. do m.)

 

 

O nome real do engenheiro aparecia gravado na lápide branca.

 

Data da morte: 1973 (nada mais).

 

E eu me perguntei: "Quem estava enterrado naquele lugar?"

 

Malditos mentirosos!

 

Permaneci na área por um bom tempo, tentando esclarecer as conspirações dos bastardos do Pentágono.

 

Eu não consegui.

 

Ao entardecer, uma modesta ameixeira fornecia a sua sombra para a sepultura.

 

Eu andei por Arlington durante quatro dias.

 

Eu voltei ao túmulo do suposto Eliseu.

 

Eu meditei. Eu fiz cálculos.

 

Eu meditei diante do túmulo do soldado desconhecido.

 

Eu estudei a sentinela. Eu somei os seus passos...

 

Eu rezei diante da laje cinza que cobre o túmulo de Kennedy. Eu somei as letras que formam o nome e o sobrenome do presidente.

 

E pouco a pouco, fui construindo o código que eu precisava.

 

O número "21" foi fundamental.

 

E na sexta-feira, dia 28, eu me apresentei na sede da U. S. Postal Service (Correios).

 

Ali recebi um banho de água fria...

 

Eu precisava contratar uma caixa postal - exatamente a "21" - mas não foi possível. O "21" tinha dono.

 

Eu só pude preencher um requerimento e aguardar que o ponto ficasse livre.

 

Eu não me preocupei muito.

 

O "21" não era uma prioridade, por enquanto. Eu esperaria.

 

O código estava quase completo. Dizia assim:

 

"A sentinela que vela o túmulo te revelará o ritual de Arlington.

 

Chave e ritual conduzem a Benjamin.

 

Abra teus olhos diante de John Fitzgerald Kennedy.

 

O irmão dorme em 44-W. A sombra da nespereira (ameixeira) cobre-o ao entardecer.

 

Passado e futuro são o meu legado. "

 

A segunda frase - "chave e ritual conduzem a Benjamin" – ficou em suspenso, à espera do "21".

 

Lidas na vertical, as primeiras palavras do código formavam uma frase, confirmando assim, a chave [144].

 

Também aprendi com Eliseu...

 

E me preparei para a grande aventura: Israel.

 

O que aconteceria em 6 de outubro no Mar Morto?

 

Eu revisei as caixas metálicas, e a bagagem; e em 30 de setembro, domingo, abandonei a capital federal, com destino a Tel Aviv.

 

A sorte estava lançada...

 

 

[144] As primeiras palavras do código, elaborado pelo major, são as seguintes:

«The guard...»

«Key and ritual...»

«Open your eyes...»

«The brother...»

«Past and future...»

Ou o que é o mesmo: "The key open the past" ("A chave abre o passado"). (N. do. a.)

 

 

01 de outubro

A viagem foi longa.

 

Os nervos me devoraram.

 

A razão e a bela intuição não fizeram outra coisa, a não ser discutir entre elas.

 

Lembro-me que diziam: "Eliseu está morto... Não - replicava a bela - o engenheiro está vivo... Que diabos você está fazendo neste avião da PanAm? ... – perguntava a razão. Volte para casa!... Em frente! – intervinha novamente a Intuição... Ânimo! ... Você viverá o não vivido."

 

Após o desembarque em Tel Aviv (Israel), recebi o primeiro susto.

 

O funcionário da alfândega contemplou minha bagagem e mirou-me fixamente.

 

Eu conhecia esta tática. Fui treinado para isso.

 

Eu sustentei o olhar e esperei.

 

- Abra...

 

Ele apontou para as duas caixas metálicas que me acompanhavam. Ao lado estava a maleta marrom com os diários espiralados em Francisco, e uma mochila.

 

Obedeci em silêncio.

 

Ao descobrir o conteúdo, o oficial ficou pálido.

 

- O que é tudo isso?

 

- Eu sou um biólogo - respondi com uma frieza que até hoje me assusta.

 

E apressei-me a mostrar uma carta - mais falsa do que o Iscariotes – da Universidade de Stanford (Califórnia), no qual o reitor afirmava que este colaborador fazia parte da equipe de Stanley Cohen e Herbert Boyer [145].

 

Não vou aborrecer o hipotético leitor destas memórias com os detalhes de como eu obtive a referida carta. Eu sei que imaginará facilmente...

 

A questão é que o Departamento de Biologia da Universidade de Stanford me encarregava da delicada missão de coleta de uma bactéria chamada Clostridium, de alto interesse científico [146], assim como, uma alga verde, muito específica, chamada Dunaliella [147].

 

Na missiva, quem isto escreve estava autorizado a navegar, e recolher amostras, em frente aos mananciais de Mazor, ao sul do oásis de En Gedi, na costa ocidental do Mar Morto (território judeu). Nestes mananciais, a concentração de sulfato é muito elevada.

 

Em suma: o oficial judeu estava diante de uma espécie de Professor Maluco, responsável pela captação de glicerol através das algas do Mar Morto [148].

 

Eu acho que ele começou a ter alucinações... O cara leu a carta, mas, obviamente, não entendeu muita coisa.

 

Ele retornou para as caixas metálicas e solicitou que informasse a respeito do conteúdo.

 

Eu guardei a carta e me armei de paciência. Aquilo iria demorar... E eu fui assinalando e descrevendo:

 

- Binóculos Sailor... 8 x 30... Carregados com nitrogênio seco... Ângulo de visão: 8,2 graus... Campo: 143 metros...

 

E eu continuei:

 

- Câmera de vídeo com carcaça à prova d'água... Capaz de atingir 75 metros de profundidade... Equipamentos de iluminação 2 x 25 W...

 

- E para quê você precisa de tudo isso?

 

- Bactérias...

 

- Que bactérias?

 

- Está na carta...

 

- Ah!... Continue...

 

 

[145], Cohen e Boyer conseguiram transferir com êxito, pela primeira vez, genes de fora do material hereditário de certas espécies. Foi a base para a clonagem. (N. do m.)

[146] O Clostridium habita, principalmente, o fundo do Mar Morto. São bactérias patogênicas. Entre as espécies podemos citar: Clostridium tetani - tétano; Clostridium botulinum - botulismo e Clostridium perfringens - gangrena. Foi descoberta em 1891 por Lortet, pesquisador e aventureiro. Foi a primeira demonstração de que no Mar de Sal existe vida. (N. do m.)

[147] O Dunaliella é uma alga fotossintética unicelular, caracterizada por sua alta tolerância à salinidade, que vive em grandes colônias, nas águas superiores do Mar Morto. É particularmente atraente por sua capacidade para formar e acumular o glicerol. Para isso, assimila o dióxido de carbono, transformando-o no referido glicerol. É utilizado em produtos farmacêuticos (como um substituto de açúcar) e na indústria (como solvente, para explosivos, as resinas glicerofitálicas, anticongelantes, e umectantes, entre outras utilidades). (N. do m.)

[148] Caso surgisse algum contratempo, quem isto escreve possuía uma segunda carta de recomendação - igualmente apócrifa - assinada pela Universidade de Los Angeles (UCLA), na qual me apresentava como um eminente ornitólogo, encarregado de supervisionar a migração das gaivotas "Guincho-comum" e a “Toutinegra falsa listrada”, comum no Neguev e ao longo da costa do Mar Morto durante o outono. (N. do m.)

 

 

- Câmera fotográfica submarina com Flash SB-102... Capacidade de até 60 metros de profundidade... Sonar de varredura lateral, modelo CM800 / S... O equipamento pode ser conectado ao "Navstar”...

 

O funcionário começou a sentir tonturas.

 

- Sonda hidrográfica dual-frequency (38 kHz), para penetração na lama... Sensores de temperatura... Sonda EQ32... Vibrocorer (coletor de sedimentos) miniaturizado para obter amostras de lodo... Mini-grupo gerador, de corrente trifásica... 380 volts... Sonda de multi parâmetros, com memória opcional de 1,5 MB... Perfilador de sedimentos com frequência primária de 100 kHz e um transdutor de 22 por 22 centímetros...

 

O funcionário estava se afogando. Eu pressentia.

 

Mas eu fui implacável...

 

- Garrafa hidrográfica..., cabos de lastro...

 

- Tudo bem!

 

O oficial ordenou que recolocasse o equipamento nas caixas e perguntou:

 

- Como disse que se chamam estas bactérias?

 

- Qual delas?

 

- Tudo bem... Siga Professor!

 

E o oficial deu a luz verde.

 

A maleta marrom e a mochila não foram molestadas.

 

E às 10 horas e 10 minutos daquela segunda-feira, 1° de outubro, eu abraçava novamente o meu amigo Marcos, o árabe cristão do revólver Magnum 44, com cabo de marfim, e que salvou a minha vida na foz do Mujib.

 

Ele havia recebido meu telegrama à tempo.

 

E lá estava ele, no aeroporto Ben Gurion, pronto para me servir.

 

Nós carregamos a bagagem em uma velha picape RN-20, uma Toyota de segunda geração, branca da poeira do deserto, mas com quatro cilindros competentes...

 

E partimos para Belém.

 

Marcos não permitiu que me hospedasse em um hotel.

 

Ele me ofereceu sua casa. Eu sabia que a hospitalidade é sagrada para um árabe.

 

Eu não discuti.

 

Eu perguntei sobre a situação no país.

 

Marcos balançou a cabeça negativamente.

 

Mensagem recebida.

 

Nós não falamos mais sobre o assunto.

 

É claro que não falei nada sobre a iminente guerra. Para quê?

 

E eu falei para ele, sim, sobre meus planos.

 

Eu tinha que instalar-me na costa jordaniana do Mar Morto no dia seguinte. Especificamente no Mujib. Ele conhecia a região.

 

- O que você precisa?

 

- Um barco.

 

- Grande ou pequeno?

 

- Para duas ou três pessoas...

 

- Quanto tempo?

 

- Eu ainda não sei.

 

E ficou em silêncio.

 

De certa forma recordava-me o fiel Tarpelay. Como eu sentia falta! De todo mundo!

 

Chegando a Belém, deu alguns telefonemas.

 

Ao voltar para a Toyota comentou:

 

- Resolvido. Partiremos ao amanhecer...

 

Eu quis adiantar-lhe algum dinheiro. Ele se recusou.

 

Eu era seu amigo.

 

E os nervos seguiram me devorando...

 

02 de outubro

Na madrugada de terça-feira, 2 outubro, partimos para a Jordânia.

 

Eu decidi que a maleta marrom, com os diários, permaneceria em Belém. Era o mais seguro.

 

O dia estava quente e dourado, com promessas de temperaturas agradáveis (não superiores à 25°C). O céu azul era interminável.

 

Senti um nó no estômago.

 

Faltava pouco para comprovar, se o código tinha algum sentido, ou se era fantasia de quem isto escreve.

 

"E cada erro conduz à luz..."

 

Ao cruzar a cidade de Jerusalém percebi a tristeza nos rostos. As pessoas tinham pressa, mas não sabiam por quê.

 

Pressentiam algo, sem dúvida.

 

Os corações transbordavam medo. Antes de uma guerra, todo mundo se lamenta sem saber por quê.

 

Marcos também pressentia alguma coisa. Como árabe, ele sabia do ódio ancestral de seus irmãos em relação aos judeus, e vice-versa.

 

E pensar que os "judeus", que partiram do Egito no Êxodo, eram beduínos! [149]

 

Nós ouvimos o rádio.

 

A situação ficava cada vez pior.

 

Tropas jordanianas e sírias tinham estabelecido uma frente conjunta na região do Golã, ao leste. Os canhões apontavam para a Galiléia.

 

O locutor (árabe) falava de um iminente ataque por parte de Israel... (!)

 

Intoxicação pura.

 

As agências de notícias internacionais se referiam a uma dispersão das forças israelenses ao longo da fronteira sul com o Líbano. E justificavam-se pela presença de guerrilhas na região.

 

Outras notícias anunciavam a evacuação de milhares de civis judeus das Colinas de Golã.

 

Marcos seguia dirigindo a camionete. Seu rosto estava sério.

 

 

[149] Ampla informação em Cavalo de Tróia 8 - Jordão (N. do. a.)

 

 

Por sua vez, o rei da Jordânia tinha acabado de se manifestar na revista norte-americana Time, advertindo que, se Israel não se retirasse dos territórios ocupados, a guerra seria inevitável. Hussein solicitava a Tel Aviv que aceitasse os termos da resolução 242 do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Esta resolução persuadia o exército judeu a abandonar os territórios árabes "em troca da paz, garantida por fronteiras seguras e reconhecidas".

 

Tudo estava preparado.

 

Tudo se encaminhava para o abismo...

 

- Você quer que eu fique contigo no Mujib? – Perguntou, subitamente, o guia.

 

Eu fui rápido e contundente:

 

- É importante que regresse à Belém... Esta noite.

 

- Por quê?

 

Eu respondi com a primeira idéia que surgiu em minha mente:

 

- A maleta...

 

Ele olhou para mim sem entender.

 

- Você se refere à sua maleta?

 

Eu assenti com a cabeça.

 

- O que há com essa maleta?

 

- Alguém virá para buscá-la - improvisei - em meu nome...

 

O árabe deu de ombros e concordou.

 

- Confie - acrescentei.

 

Nossa!

 

Eu estava imitando o Homem-Deus.

 

Atravessamos a ponte Allenby perto de Jericó, quando eram cerca de sete horas da manhã.

 

Tudo estava calmo na fronteira.

 

Ninguém fez perguntas. Ninguém registrou a Toyota.

 

Também não vi soldados nas proximidades.

 

E eu me perguntei: "Estou errado?"

 

Não era possível.

 

Eu tinha lido aquele documento secreto no "fumódromo", o escritório do general Curtiss na área restrita de Edwards. Ali se anunciava o 06 de outubro como o início da quarta guerra árabe-israelense.

 

Estavam faltando quatro dias!

 

Eu poderia confiar nos beatos do Pentágono?

 

Nesse maldito aspecto, é claro que sim.

 

E fomos para Amã, a capital.

 

Eu fiz compras - principalmente mantimentos (suficiente para uma semana) - e Marcos fez algumas chamadas telefônicas.

 

- O barco está em Mazra'a - anunciou triunfante.

 

Eu também consegui uma barraca de acampamento e um velho, muito velho, rádio transistor.

 

E fomos para o sul.

 

A aldeia de Al Mazra'a fica próxima de Lisan, na parte sul do Mar Morto.

 

Eu conheci o lugar durante a aventura na cidade de Sal..

 

Como eu disse, Marcos sabia dos meus planos como "biólogo", e de minha intenção de ficar por alguns dias nas praias jordanianas do Mar Morto. Nunca lhe falei quem eu era realmente, nem por que estava ali. Ele também não perguntou.

 

Minha idéia, em suma, era simular que estudava as águas.

 

Eu desejava montar acampamento perto da foz do leito seco do Mujib.

 

A partir dali, com a ajuda do barco, passaria o pente-fino no lago em busca de quem sabe o que.

 

Eliseu se apresentaria? Faria com o "berço"? Limitar-se-ia a deixar uma mensagem?

 

Eu não queria me perder novamente em especulação e me foquei no imediato.

 

A Toyota não poderia transpor os canyons do Mujib e eu não desejava que Marcos estivesse fora de Israel, quando eclodisse o conflito armado. Assim, eu usei todos os tipos de desculpas - incluindo a da maleta - para ficar sozinho no wadi.

 

Eu havia estudado os mapas até a exaustão e considerei que o Mujib era o lugar ideal para montar acampamento. Não havia estradas que chegassem até o local. Ninguém me incomodaria.

 

Daquele local, até o ponto sugerido (?) pelo código, havia apenas quatro quilômetros e pouco.

 

Atravessamos a cidade de Mdab e, sempre pela estrada 35, fomos até Al Karak. Ali nós paramos.

 

Era meio-dia.

 

Estava faltando pouco mais de cinco horas para o pôr do sol.

 

Tínhamos tempo, mas não devíamos dar bobeira.

 

Naquela noite, eu queria pernoitar no Mujib.

 

O guia deu outro telefonema. Eu o ouvi discutir, em árabe.

 

Algo não estava certo...

 

O dono do barco, aparentemente, solicitava uma soma em dinheiro, pouco razoável.

 

Nossa!

 

Retomamos a marcha e entramos em um caminho esquecido e poeirento, que se lançava, suicida, por entre os canyons brancos e tostados.

 

Marcos seguiu mudo, atento ao tortuoso caminho.

 

Quantas recordações!

 

A poeira e a desolação nos rodeavam.

 

Ao fundo, e ao longe, refletiam os azuis do Mar Morto.

 

E eu me vi com Ele, caminhando, animadamente, por aquelas paragens.

 

Quantas e maravilhosas recordações bateram na porta!

 

E em torno de 13 horas, nos detivemos em Al Mazra'a, outra prisioneira do sol.

 

Era uma aldeia beduína. Os habitantes trabalhavam na cidade vizinha de Potásio, um pouco mais ao sul.

 

Se você ficasse na ponta dos pés, podia ver o lago.

 

Marcos me fez um sinal. Eu tinha que deixar somente ele negociar.

 

Os beduínos sabem tudo...

 

Eu assenti com a cabeça e me tornei sua sombra.

 

A cerimônia de negociação teve um longo preâmbulo. Marcos perguntou pela família. Bebemos chá e mais chá.

 

E o padrão, por sua vez, interessou-se pelo clã de Marcos.

 

Uma hora mais tarde - sem ter visto o barco - o guia chegou a um acordo com o chefe beduíno.

 

Nós fomos até uma enseada que fazia de porto, e ali eu conheci o que seria meu companheiro pelos próximos dias: um barco de madeira, com oito metros de comprimento.

 

Marcos e quem isto escreve o revisamos minuciosamente.

 

Ele era simples, mas suficiente para os meus propósitos.

 

A pintura branca do casco estava desbotada. Os azuis do convés estavam ali à força, não por vontade própria...

 

Na verdade, viver no Mar de Sal exige coragem.

 

Eu sabia por experiência própria...

 

Tinha um motor italiano (um "Fita"), nascido na Segunda Guerra Mundial.

 

Tinha uma batida valente e decidida.

 

O beduíno jurou pelo seu sangue que "aquela jóia" poderia voar a uma velocidade de 3 a 4 milhas por hora. "Deus a tinha dotado – disse isso - de 12 cavalos e 2 cilindros. Algo nunca visto no Yam ".

 

Possuía, além disso, partida elétrica, e uma alça vermelha (para manuseio).

 

"O cúmulo dos luxos", segundo o padrão.

 

A pobre não tinha nome.

 

Ele havia sido levado pelos žnun, os gênios e espíritos malignos do lago. Isso assegurou o proprietário, em voz baixa.

 

Eu conhecia um pouco do assunto...

 

E foi batizada como a “Sem nome”.

 

Logo depois, após carregar os equipamentos, a embarcação partiu para o norte. Nós rebocamos um pequeno bote, necessário para o retorno de Marcos e dos beduínos que nos acompanharam.

 

Alcançamos o promontório bem tarde da noite.

 

Tudo transcorreu sem problemas.

 

A Sem nome ficou encalhado na costa de pedras e os homens ajudaram a descarregar as caixas e a pequena mochila com os meus pertences.

 

Montamos a barraca, e depois jantamos.

 

Nós nos despedimos e deixamos que Deus fizesse o seu trabalho. E ali fiquei eu, sob sua proteção.

 

Marcos e o restante embarcaram no bote, perdendo-se na noite.

 

O guia retornaria no dia seguinte para Belém.

 

Ele prometeu voltar dentro de uma semana. Eu sabia que era improvável.

 

Se a guerra eclodisse, as fronteiras com Israel ficariam fechadas.

 

A lua, infiel, havia fugido com outro, às 21 horas e 12 minutos.

 

Isso não importava.

 

As estrelas, vestidas de branco, saíram para me cumprimentar.

 

E, de repente, me dei conta, o lago tinha se apagado. Ele era negro como breu.

 

E as dúvidas começaram a me rondar: "Eliseu estava lá? Era tudo uma má interpretação de quem isto escreve?”

 

Não podia ser...

 

E eu me refugiei no código: "E cada erro conduz à luz..."

 

Acabei dormindo, vigiado por 8.000 estrelas brancas e outras tantas dúvidas negras...

 

03 de outubro

Aquela quarta-feira amanheceu às 5 horas e 34 minutos.

 

O céu azul me saudou.

 

O lago estava aceso novamente.

 

Agora fazia o de sempre: refletia o que viesse à mão.

 

Eu sintonizei o rádio e alguém, invisível, colocou vida no deserto de pedra no qual eu me encontrava.

 

As notícias não eram ruins: eram piores.

 

Ambos os grupos - árabes e judeus – acusavam-se mutuamente. E os russos e norte-americanos esfregavam as mãos. Na vida sempre existem os idiotas úteis...

 

O locutor falou de temperaturas moderadas. Não ultrapassaríamos os 28°C. Isso nós veríamos...

 

E os ventos se mostraram inquietos. Eles brincavam por um tempo na margem do Mujib. Eles faziam míseras ondas e corriam para outros lugares, montados em velocidades moderadas. Nenhum ultrapassava os 14,4 quilômetros por hora.

 

Tomei um banho, mas eu não consegui acalmar os nervos.

 

Devo ser honesto: eu estava tão alvoroçado que eu não sabia o que fazer ou para onde olhar.

 

Eu estava que – como dizia meu avô – não passava uma agulha.

 

Eliseu estava me observando do lago? Ou talvez das falésias vermelhas?

 

Que absurdo!

 

Eliseu estava morto.

 

Não, não estava...

 

Eu estava ali por algum motivo.

 

O código...

 

Fantasias!

 

Não, não eram...

 

Eu sei: estava tudo confuso.

 

O que eu estava fazendo no meio do nada, e em um território onde estava a ponto de explodir uma guerra?

 

Faltavam três dias!

 

Olhei ao meu redor até cansar de olhar.

 

Negativo.

 

Eu não notei nada de estranho. O vento ia e vinha, ondulando a superfície do Mar Morto. Isso era tudo.

 

Eu saí da água sem deixar de olhar para trás. Eu estava com medo, e não sabia por quê.

 

E eu decidi que deveria manter-me ocupado. Não importava com o quê.

 

Se Eliseu estivesse vivo, no dia 6 daria sinais de vida. Era tudo com o que eu tinha que me preocupar.

 

E eu tentei espantar as malditas e negras dúvidas.

 

Eu tomei o café da manhã e me ocupei dos equipamentos, transportando-os para o convés do barco.

 

Eu revisei até o último cabo.

 

Oficialmente, eu era um caçador de bactérias, mas na realidade, aquela aparelhagem tinha outra finalidade, tão importante quanto improvável: os instrumentos deveriam ajudar-me a descobrir algo sobre o "berço".

 

Poderia detectá-lo?

 

E cedo, antes que o sol despertasse, enchi o tanque da Sem nome e me lancei ao mar.

 

O barco foi parceiro desde a primeira batida. Era um barco inteligente.

 

Entendemo-nos com o olhar...

 

Ativei o "Navstar" e naveguei na direção indicada na tela do “localizador”.

 

Era o primeiro a ser feito: localizar as coordenadas que apareciam no código.

 

E foi naquele momento, para explorar a superfície do lago, que eu senti a sua falta.

 

Parei o motor.

 

Procurei entre os aparelhos.

 

Negativo.

 

Eu o tinha esquecido em terra?

 

Como eu pude ser tão idiota?

 

Regressei até a foz do Mujib.

 

Eu coloquei a barraca de cabeça para baixo.

 

Negativo.

 

Eu tinha esquecido o visor IR! [150]

 

Será que o deixei em Washington D. C.? Provavelmente...

 

Amaldiçoei minha cabeça ruim.

 

Se a nave estivesse flutuando sobre o Mar de Sal, logicamente "camuflada" pelo infravermelho, eu não poderia vê-la. O visor IR era fundamental...

 

Não tardei a me conformar.

 

Por que eu pensava que o "berço" estava no lago?

 

Era absurdo...

 

Se assim fosse, ao ver-me na Sem nome, o engenheiro teria dado sinais de vida.

 

Por que esperar até 06 de outubro?

 

E perdido nesses pensamentos, voltei à bordo e me dirigi ao ponto indicado pelo "Navstar".

 

Coordenadas:

 

31° 27' 025'' (N)

 

35° 33' 34'' (E)

 

O Mar Morto, como eu disse, estava deserto.

 

Ao longe, na costa judaica, gritavam os brancos e verdes do oásis de Ein Gedi.

 

Eu não respondi. Eu me fiz de tonto.

 

Os penhascos jordanianos estavam tendo um dia ruim. Eu os vi vermelhos e sérios. Os arenitos de Nubian observavam com desconfiança: "O que fazia aquele estúpido humano sob um sol escaldante e uma enorme manta keffiyeh xadrez vermelha sobre a cabeça?"

 

O vento tornou-se mais forte e fez a Sem nome sacudir. Mas nada sério.

 

 

[150] O visor IR era um binóculo de visão infravermelha, com características especiais. Trabalhava com baterias, CR-123, com uma duração de 30 horas. Não necessitava de ajuste interpupilar. A distância de detecção era de 300 metros, com uma faixa de foco de 10 cm até o infinito. Usava lentes de 26 milímetros, com um campo de visão de 40-A (1 km - 640 m). A resolução era excelente: 28-38 lp / mm (G2 positivo). (N. do m.)

 

 

Eu finalmente cheguei ao ponto desejado.

 

Eu olhei para todos os lados.

 

Negativo.

 

Eu verifiquei o "Navstar" cinqüenta vezes.

 

Afirmativo.

 

Era o lugar indicado no código. Eu estava nas coordenadas exatas.

 

Eu voltei a inspecionar o lago.

 

Parei o motor.

 

O vento e a corrente nos empurraram lentamente para o sudeste.

 

Negativo.

 

Liguei novamente o motor "Fita" e retornei para as coordenadas.

 

Tomei referências.

 

Uma marca no alto das falésias vermelhas, e outra mais abaixo, na costa. Serviriam no caso do "Navstar" parar de funcionar.

 

E eu comecei a fazer cálculos, com a ajuda dos equipamentos.

 

Foi quando eu percebi aquela estranha sensação.

 

Olhei para o relógio. Era 11h50min.

 

Eu não sei explicar...

 

Eu senti uma presença atrás de mim. Eu senti que estava sendo observado.

 

Os cabelos se arrepiaram. Eu me virei, mas ali, obviamente, não havia nada nem ninguém.

 

Eu verifiquei a superfície do lago. Negativo.

 

O vento soprava nada mais.

 

Mas eu poderia jurar...

 

E eu me dediquei ao que eu tinha que me dedicar.

 

A distância entre as coordenadas e a praia do acampamento (em linha reta), era 4,27259354 km.

 

Até o outro lado - também em uma linha reta - era 12,20740645 quilômetros.

 

Eu batizei o local das coordenadas como "ponto vermelho".

 

Certo. E agora?

 

Eu voltei a inspecionar a superfície do Yam.

 

Eu podia jurar que alguém estava me observando...

 

Isso era ridículo.

 

Ali não havia ninguém.

 

E o resto da manhã eu dediquei à medição da profundidade.

 

A estimativa dos aparelhos foi de -720 metros. Isso representava uma profundidade real de 320 metros.

 

Eu estava, portanto, na fossa Sul [151].

 

Nossa!

 

Ali não havia nenhuma forma de ancorar a Sem nome.

 

E, de repente, senti novamente aquela sensação.

 

Eu me virei rapidamente. Negativo.

 

E eu pensei: "Se a nave estivesse flutuando sobre o lago, ainda que não pudesse vê-la, e avançasse para aquele lugar, era provável que colidisse com ela."

 

A idéia parecia um perfeito absurdo.

 

Mas a sensação continuava em pé. Alguém observava.

 

Eu fiz alguns cálculos, em uma vã tentativa de me distrair.

 

O "berço", se eu lembrava corretamente, tinha afundado perto da costa da Jordânia. Talvez a 500 metros da costa. Por quê o código indicava aquele ponto, a pouco mais de quatro quilômetros?

 

Eu finalmente me decidi.

 

Dirigi a Sem nome para o local onde, supostamente, poderia encontrar-se o "berço".

 

Se estivesse ali, não tardaria a perceber...

 

Mas, como eu imaginava, o barco seguiu navegando.

 

E eu me tranquilizei: "Pura fantasia...»

 

 

[151] A referida fossa sul se estende desde o Wadi Mujib até a zona de En Gedi. A profundidade oscila em torno -730 metros. (N. do m.)

 

 

O calor se tornou insuportável e eu não tinha escolha, a não ser voltar para a praia de pedra.

 

Naquela noite, eu jantei guisado de carne, em conserva, e frio.

 

Eu não desejava acender fogueira.

 

E eu adormeci abraçando a uma estrela.

 

Eu tinha que confiar...

 

04 de outubro

O amanhecer se apresentou naquela quinta-feira, às 5 horas e 35 minutos.

 

Chegou menos violeta do que o habitual.

 

Por que eu não percebi sua tristeza?

 

Algo estava chegando...

 

Eu sintonizei o rádio.

 

Más notícias.

 

Eu decidi tomar um banho.

 

Eu repassei o código pela enésima vez, e tomei uma decisão.

 

 

E cada erro conduz à luz.

 

Até o sétimo.

 

Uma centena de crepúsculos depois de morto

 

Viverá o não vivido.

 

Será o dia do relâmpago.

 

 

 

É isso aí.

 

Eu tinha que ser muito rigoroso e ajustar-me aos ditames da chave: "Uma centena de crepúsculos...»

 

Tomei café da manhã e ovos mexidos.

 

E, como eu disse, eu tomei a decisão de ir para o mar somente ao amanhecer e ao entardecer. Unicamente.

 

Era o que o código sugeria.

 

Se algo acontecesse, tinha que acontecer ao pôr do sol...

 

Permanecer o dia todo no lago representava um desgaste significativo e desnecessário.

 

A umidade era superior a 85%. Era sufocante.

 

As temperaturas subiam implacavelmente.

 

Apenas ao entardecer, com a chegada da brisa do Mediterrâneo, se suavizavam os vermelhos daquele forno.

 

E foi naquela manhã de quinta-feira, 4 de outubro, que me ocorreu algo que prometia...

 

Eu estava perto, muito perto da praia de pedra.

 

Eu poderia dar uma olhada.

 

Eu dispunha dos instrumentos necessários.

 

Eu não tinha mais nada para fazer...

 

E eu rumei para o lugar que os satélites Big Bird e Landsat haviam indicado. Como deve recordar, em 21 de julho, Curtiss e os diretores perceberam "algo" que aparecia preso entre as agulhas das falésias submarinas da costa da Jordânia, não muito longe do Mujib.

 

De acordo com especialistas de Cavalo de Tróia, aqueles restos pertenciam ao "berço".

 

Era a plataforma, ou trem de pouso da nave.

 

De acordo com as imagens captadas pelos citados satélites, os quatro pontos de apoio estavam a 60 metros de profundidade e a 140, aproximadamente, da costa onde estava instalado o acampamento.

 

Era uma oportunidade que, sinceramente, eu não tinha considerado.

 

E às 6 horas e 35 minutos, aproveitando o relativo frescor da manhã, dirigi a Sem nome para a área estimada pelos satélites artificiais.

 

Eu tive um pressentimento...

 

Eu o rechacei.

 

E preparei o "ROV" [152], um robô de pequeno tamanho e de alto desempenho.

 

Ele era capaz de se mover em águas turvas ou inacessíveis.

 

Era pequeno e bonito, como um bebê.

 

 

[152] O "ROV" (veículo de controle remoto) era a última novidade em exploração submarina. Foi alugado em Washington D. C, com o restante equipamento. Estava capacitado para descer até 200 metros de profundidade, e capturar imagens em alta resolução (570 linhas e 0,2 lux em cores e 430 e 0,03 em branco e preto). Um motor elétrico, sem escovas, proporcionava-lhe uma velocidade de 3 nós. Possuía quatro hélices, lâmpadas halógenas de quartzo e propulsão multidirecional. O cordão umbilical de 7 milímetros de diâmetro, reunia os sistemas de transmissão e de ancoragem em um só guia. Comprimento máximo: 250 metros. (N. do m.)

 

 

O manejo era simples.

 

Tinha um monitor com tela de 15 por 20 centímetros.

 

O guia tinha sido reforçado com aço trançado dois milímetros.

 

Eu ancorei o monitor ao convés e lancei o robô na água.

 

E o "ROV", começou a busca.

 

O fundo, realmente, era rochoso, com uma floresta de agulhas negras.

 

Eu o fiz descer até 40 metros. A escuridão era quase total.

 

E o "ROV" seguiu procurando.

 

Ele desceu até 50 metros. Negativo.

 

Tudo se resumia em escuridão e rochas nuas.

 

60 metros.

 

Eu diminuí a velocidade e tentei movê-lo suavemente.

 

O penhasco submerso corria até o nascimento da fossa sul. Logo, a profundidade cairia para 300 a 330 metros.

 

E ali eu o mantive, a 60metros, por quase duas horas.

 

O calor era opressivo.

 

Negativo.

 

Eu não conseguia encontrar o trem de pouso.

 

E eu tentei, mais uma vez...

 

O "ROV" focou em uma das agulhas de pedra e pensei ter visto alguma coisa.

 

Nossa!

 

Eu ajustei a imagem e detive a navegação do robô.

 

Minha nossa!

 

Era o trem de pouso!

 

Os satélites não tinham errado.

 

Ali estava espalhada!

 

Aproximei o "ROV" e tive mais detalhes.

 

Eu distingui a armação metálica, retangular, na qual estavam fixados os quatro pontos de apoio...

 

Meu Deus!

 

Depois contemplei as antenas dos radares de pouso, as sondas de detecção de cada uma das pernas e a escadaria. Melhor dizendo, parte dela, e sujeita ao "cinturão".

 

O que havia acontecido?

 

E eu me vi assaltado pelas velhas dúvidas: O "berço" realmente afundou? Será que a nave estava em outro lugar do Mar Morto? Por que o trem de pouso se soltou? O que aconteceu com Eliseu?

 

Mas as surpresas não terminaram por aí...

 

Uma hora depois, a 180 metros de profundidade, e a cerca de 200 da costa, o "ROV" descobriu outros restos, supostamente do "berço".

 

Eu fiquei perplexo.

 

Também apareciam espalhados pelo escarpado.

 

Aquilo não foi detectado pelos satélites...

 

O robô circulou várias vezes pela área e ofereceu algumas imagens familiares.

 

Eu as reconheci...

 

Não havia nenhuma dúvida.

 

Uma das peças era o “steerable”, uma das antenas de direção, localizada na parte superior do módulo.

 

A parabólica estava quase intacta.

 

Eu também observei parte da “egress” ou plataforma de saída.

 

E um pouco mais além, a 190 metros de profundidade, o "ROV", localizou o restante da escadaria, que ajudava a entrar e sair do "berço".

 

Eu podia sentir a alma congelar.

 

Não era só o trem de pouso...

 

Ali estavam outras partes da nave.

 

Meu Deus!

 

Ela tinha se despedaçado ao chocar-se com a água?

 

Eu não sei...

 

Eu esqueci a promessa que fiz a mim mesmo e continuei rastreando o fundo até boa parte da tarde.

 

Só encontrei naufrágios...

 

Voltei ao acampamento e analisei as imagens do "ROV" à exaustão.

 

Cheguei a uma triste conclusão: Eu tinha me equivocado.

 

A nave afundou! Eliseu provavelmente estava morto.

 

E quanto ao código?

 

Naquela noite eu não consegui dormir.

 

Retornava para Israel? Faltavam dois dias para, a não menos suposta, eclosão da guerra.

 

Talvez tudo fosse imaginação minha...

 

05 de outubro

Ao amanhecer daquela sexta-feira, 5 de outubro, liguei o rádio.

 

Eu estava confuso e desesperado.

 

O que eu ouvi também não me aliviou.

 

Golda Meir, a primeira-ministra de Israel, tinha acabado de voltar de Viena. Um grupo terrorista palestino, aparentemente, tinha seqüestrado um trem... [153]

 

O que isso me importava?

 

Eu mudei de estação.

 

A iminente guerra (?) já não me importava.

 

O "berço" estava lá, no fundo do Mar de Sal, destroçado...

 

Eliseu tinha morrido...

 

O locutor falou sobre a Síria. Citou um jornal de Beirute, Al Bayat. Segundo o jornal, Damasco havia acabado de declarar estado de alerta em todas as suas unidades e chamado os reservistas e os oficiais reformados.

 

"O ataque israelense – gritava o locutor - é iminente."

 

A Síria aparentemente estava avisando o restante dos países árabes sobre as concentrações de tropas judaicas na fronteira do Golã.

 

Que loucura!

 

Todas as notícias giravam em torno do mesmo assunto: Israel preparava-se para atacar a Síria e o Líbano.

 

A jogada era perfeita.

 

Eu já sabia. Tudo era uma mentira.

 

 

[153] O jornal Al Nahar publicou uma mensagem de "As águias da revolução palestina", que assumiam a responsabilidade pelo sequestro de um trem em Viena. Este comboio foi atacado por palestinos no final de setembro. Os guerrilheiros exigiram de Bruno Kreisky, chefe de governo da Áustria, o fechamento imediato do campo de trânsito de Schoenau, ocupado por imigrantes judeus russos, com destino a Israel. Golda viajou à Viena para tentar convencer Kreisky da necessidade de manter aberto, e em pleno funcionamento, o referido Castelo Schoenau. Os guerrilheiros ameaçaram a Rússia com represálias contra suas embaixadas em todo o mundo, se Moscou continuasse autorizando a saída de judeus soviéticos. Golda voltou para Israel sem um acordo com os austríacos. (N. do m.)

 

 

De Moscou também chagavam notícias: a URSS tinha colocado em órbita, oito satélites da série "Cosmos", e em um único dia!

 

Pesquisas Espaciais e Científicas?

 

Mentira!

 

Tudo estava programado para monitorar a guerra.

 

Eu mudei novamente de estação.

 

Os jordanianos se juntaram ao coro: "Israel está se preparando para um ataque em massa."

 

Era incrível! A opinião pública estava sendo manipulada novamente.

 

Desliguei o maldito rádio e avaliei, seriamente, a possibilidade de regressar Belém.

 

Era uma questão de organização. Eu poderia carregar o equipamento na Sem nome e navegar neste mesmo dia até a Baía de Lisan. Ali devolveria a embarcação e contrataria um veículo que me transportasse até a fronteira.

 

Se agisse rapidamente - e assim estava escrito – na madrugada de sexta-feira para sábado poderia estar de volta na casa de Marcos.

 

Mas, obviamente, isso não estava escrito...

 

E minha reação não teve nada a ver com a lógica.

 

Alguma coisa estava me puxando em direção ao lago.

 

Eu não sei explicar.

 

Eu havia encontrado parte da nave. Se eu tentasse, talvez eu tivesse a sorte de encontrar o resto.

 

Quem sabe...

 

Estes não eram os propósitos iniciais de quem isto escreve, quando viajei para Israel e Jordânia. Mas o que isso importava?

 

As circunstâncias haviam mudado. Eu pensei isso.

 

Tinha os meios necessários para encontrar o "berço".

 

Eu estava no lugar certo e não tinha pressa. Ninguém estava me chamando.

 

Havia abundância de combustível e poderia esticar a comida por dez dias. Além disso, se fosse necessário, havia a possibilidade de reabastecer em Mazra'a.

 

Isso ficou claro.

 

Não se apresentaria outra oportunidade como aquela.

 

Eu tinha a obrigação moral de rastrear o lago e tentar encontrar meu companheiro.

 

Pobre tolo!

 

E o Destino me observou e sorriu, zombador...

 

E eu preparei tudo.

 

Eu coloquei no barco o resto da guia do "ROV", proporcionando-lhe assim, 250 metros de cabo. Era tudo o que eu tinha.

 

E às sete horas da manhã, eu coloquei a Sem nome no extremo da fossasul. A profundidade, naquele ponto, era de 200 metros.

 

O lago continuava deserto.

 

O robô, como eu disse, poderia descer a um máximo de 250 metros. Eu sabia que a profundidade alcançava entre 300 e 330 metros, dependendo da área.

 

Isso não importava. Passaria o pente-fino ao redor da fossa. Isso era o suficiente, por enquanto. Se não achasse a nave, buscaria um barco maior e solicitaria mais cabo.

 

Mais cabo?

 

A empresa onde eu tinha alugado o "ROV" ficava em Washington... O "pedido" não era tão simples como se imaginava.

 

Mas eu não quis pensar nestas "bobagens".

 

A situação era essa...

 

É engraçado.

 

A localização do trem de pouso, e as restantes partes da nave, apagaram o código de minha mente. O principal objetivo daquela viagem - averiguar se Eliseu ainda estava vivo - tinha desaparecido.

 

Quão frágil é a vontade humana!

 

Voltei a revisar os instrumentais, instalei a ancoragem do monitor no convés, revisei a guia do robô e, satisfeito, lancei-me na água.

 

Assim começou aquela nova e incrível aventura

 

O "ROV" mergulhou dócil.

 

E em segundos surgiu a escuridão.

 

Os holofotes buscavam e procuravam.

 

Cem metros.

 

Negativo.

 

O monitor continuava a mostrar rampas acarpetadas de pedras, que se precipitavam, inevitavelmente, para o grande abismo.

 

Que visão angustiante!

 

A solidão, naquele mundo, era para sempre ...

 

Escuridão e trevas.

 

O robô não achava um único vestígio de vida. Era a morte líquida.

 

As agulhas mostravam suas bordas, surpreendidas pelas lâmpadas halógenas.

 

Cento e cinquenta metros.

 

Em uma das encostas apareceu um naufrágio. Eu detive a marcha do "ROV".

 

O aparelho inspecionou os restos minuciosamente.

 

Alarme falso. Era um velho navio de ferro, caído à bombordo e com o casco comido pelo sal.

 

O encontro me entreteve um pouco.

 

O "ROV" levantou uma coluna de poeira e a solidão agradeceu.

 

Duzentos metros.

 

O cabo-guia se aproximava do limite.

 

Olhei para o relógio. Marcava 11 horas e 20 minutos.

 

O sol, loiro e redondo, tinha escolhido sentar no topo. E me olhava, curioso.

 

Aparentemente, ele não tinha intenção de seguir em frente.

 

Comecei a suar abundantemente. Eu tinha que fazer uma pausa e descansar.

 

Eu estava exausto. O sono bateu na porta, e com razão.

 

E nisso, as imagens do monitor ficaram estranhas.

 

Agitaram-se e o fundo de pedra desapareceu.

 

Wow, interferência!

 

Interferências? Naquele abismo?

 

Eu tratei de pensar.

 

As perturbações na recepção radioelétrica, só poderiam ter duas origens: naturais, por causa da estática atmosférica; ou artificiais causadas por aparelhos elétricos. Havia uma terceira possibilidade - interferência intencional - mas não a considerei.

 

O céu estava azul. A presença de estática atmosférica, gerada por uma tempestade, não fazia sentido.

 

Eram interferências ou estática industrial, nascida em aparelhos elétricos?

 

Eu estava no meio do Mar Morto.

 

Os sistemas elétricos conhecidos estavam muito longe: em Ein Gedi (quase 21 Km) e a cidade de potásio, ao sul do Yam (quase 38 Km).

 

Eu não consegui entender. Aquilo não fazia sentido.

 

Tentei recuperar o sinal. Negativo.

 

Eu lutei com os controles e as escalas de cinza por cinco minutos. Impossível.

 

A imagem desapareceu, definitivamente. Aquilo era um enxame de linhas e pontos brancos.

 

Eu não conseguia distinguir absolutamente nada.

 

O que estava acontecendo?

 

Eu não podia ser tão azarado...

 

E eu tive um pressentimento. Olhei ao meu redor.

 

O lago continuava cor rosa e azul e muito quieto. Ele parecia estar na expectativa.

 

O que estava acontecendo?

 

Manipulei novamente o monitor. Foi inútil. O robô, aparentemente, estava avariado.

 

Dez minutos mais tarde, aborrecido, eu desliguei-o.

 

"Se o defeito fosse grave - eu disse - adeus..."

 

Eu não queria ser agourento.

 

Pensei em içá-lo, mas eu estava cansado. Eu o faria mais tarde...

 

E fui sentar-me na popa, junto ao cabo do leme. Eu me cobri com escandaloso keffiyeh xadrez vermelho e branco e tentei pensar. Que situação!

 

O "ROV" tinha estragado em plena busca.

 

Ali estava, morto, a 200 metros de profundidade. Minto: 210 metros...

 

"Que má sorte - me censurava - que azar!"

 

O silêncio voava à vontade pelo Yam.

 

"E se eu não conseguisse fazê-lo funcionar?" Espantei a idéia.

 

"Ele tinha que entrar em operação! Eliseu estava lá embaixo, em algum lugar!... Eu tinha que encontrar o "berço"!”

 

A Sem nome às vezes brincava com o vento e oscilavam entre si. Eles não tinham mais nada para fazer...

 

E o sono atrasado cobrou o seu preço.

 

Terminei cochilando. Não sei quanto tempo permaneci naquele limbo.

 

Talvez cinco minutos...

 

A questão é que, de repente, fui acordado por um barulho.

 

Foi um golpe seco. Tocou na quilha, perto da proa.

 

Nossa!

 

E no mesmo instante, antes que eu chegasse a reagir, a embarcação estremeceu. Foi uma sacudida breve e intensa.

 

Tirei o turbante.

 

O que havia sido isso?

 

Eu me pus em pé e, alarmado, explorei as águas. Pensei em um bloco de betume.

 

Às vezes, escapavam do fundo, através das rachaduras, e flutuavam à deriva, impulsionado pelas correntes e os ventos. Eu já tinha visto-os durante a estadia do Mestre, na cidade de Sal

 

Alguns eram enormes, como hipopótamos.

 

Percorri o lago com a vista.

 

O vento não era intenso.

 

Devia soprar a uma velocidade média de 13 Km/h. Negativo. Ali não se distinguiam blocos asfalto.

 

Não vi nenhum barco.

 

Eu estava perplexo.

 

Foi um sonho? Talvez...

 

E me tranquilizei, relativamente.

 

Voltei a sentar e refletir.

 

Não foi muito, o tempo que pude dedicar para pensar.

 

De repente, a Sem nome experimentou outra sacudida.

 

Ela cabeceou e eu pensei que estivesse se movendo.

 

Demorei alguns segundos para reagir... Será que estava sonhando novamente?

 

Levantei-me e vi que, de fato, a embarcação navegava... Sem motor!

 

Acho que empalideci. O que estava acontecendo?

 

Eu fui até a escotilha do motor. O motor "Fita" estava mudo, mais perplexo do que quem isto escreve.

 

Eu me belisquei. Não estava sonhando.

 

O barco navegava! Ele o fazia devagar, mas estava navegando... E rumava para o oeste, para o centro do lago.

 

Eu fui em direção à proa. Os nervos desmoronavam a medida que eu caminhava e se contorciam no convés.

 

O que diabos acontecia?

 

Então eu vi.

 

Parei surpreso.

 

Não era possível...

 

O cabo do "ROV" estava tenso! Algo o puxava! O roçar com a madeira o fazia gemer.

 

Minha nossa!

 

Algo arrastava a Sem nome...

 

Eu precisei de alguns segundos para entender... e não consegui.

 

Eu não podia acreditar no que via.

 

Quem, ou o quê, estava puxando o barco?

 

E retornou o pressentimento. Eu o expulsei, é claro. Não poderia ser o "berço”...

 

Eu tentei agir friamente.

 

Era um animal? Impossível. Naquele mar não havia vida, com exceção de algumas malditas bactérias.

 

Estava diante de um ser fantástico e desconhecido?

 

Isso eram lendas...

 

Minto. Sim, ali havia um animal: eu.

 

Como eu não percebi?

 

Que estupidez!

 

Debrucei-me sobre a proa e verifiquei que a guia continuava tensa.

 

O que ser que fosse puxava com firmeza e delicadeza. Ele parecia não querer machucar a embarcação.

 

Um “animal” (?), preso ao cabo, teria se comportado de forma diferente.

 

Mas o que eu estava pensando?

 

Olhei para as águas. Negativo. Não distingui bolhas, pelo menos nas proximidades da Sem nome.

 

O monitor resistia, ancorado no deck de madeira.

 

O sol tinha começado a andar, não menos perplexo.

 

Quanto tempo se prolongou o arraste? Eu ignoro. Perdi a noção do tempo...

 

Eu não sabia se gritava, chorava, ou me jogava no mar. Eu estava ficando louco?

 

E o medo mostrou a cabeça, sem rosto, através da escotilha do motor.

 

Nossa!

 

Mas, de repente, o cabo soltou e o barco reduziu a marcha.

 

Atrevi-me a agarrar a guia e notei que não suportava o peso do robô.

 

Eu fui recolhendo o cabo e introduzindo-o na Sem nome.

 

Merda!

 

O "ROV" tinha se perdido...

 

E ao alcançar a extremidade da guia fiquei novamente atordoado.

 

Santo Deus!

 

Aparecia seccionado perfeitamente, como se o aço trançado fosse cenoura.

 

Ao tocar na tal extremidade, eu me feri.

 

Não era possível! Aquilo era uma loucura... O que havia cortado o aço?

 

Consultei o relógio: 11 horas e 53 minutos.

 

Olhei para o horizonte novamente. Nem uma alma...

 

Nada blocos de asfalto. Nem uma única bolha. Nada. Comecei a me preocupar.

 

O sol e a solidão estavam me fazendo ter visões... Mas não.

 

Aquele cabo, cortado como manteiga, não era uma alucinação.

 

E o pressentimento se tornou cada vez mais forte. Mas, como um idiota, eu continuei ignorando-o.

 

Eu era um cientista... Melhor dizendo, um cientista estúpido.

 

Eu não consegui chegar a uma única explicação, relativamente razoável, sobre o que tinha acontecido.

 

E não consegui porque, simplesmente, ela não existia. Isso eu pensei...

 

No final, os pensamentos centraram-se no robô. O que eu diria para a empresa proprietária?

 

A quê absurdos se chega, em situações críticas!

 

Retornei para a popa e tentei reconstruir, mais uma vez, o que aconteceu.

 

Primeiro foi o golpe sob a quilha. A Sem nome estremeceu e começou a navegar, sem motor. Depois o cabo... O "VOR" se perdeu.

 

Fim da loucura.

 

Mas as reflexões duraram pouco.

 

De repente, a cinco metros da popa, no meu nariz, por assim dizer, surgiu "aquilo".

 

Era laranja e do tamanho de uma bola de rugby. Pensei em uma bóia.

 

De onde havia escapado?

 

A pergunta era inútil.

 

O Mar Morto era um lixeiro. Poderia ter vindo de qualquer lugar.

 

Flutuou um tempo perto da Sem nome (eu acho que se divertindo, ao ver aquele perfeito idiota).

 

Eu notei algo estranho na "bóia".

 

E a curiosidade ligou o motor.

 

Eu me aproximei e descobri que não era uma bóia. Parecia isso, mas não era...

 

Mas parecia familiar.

 

Eu a tirei da água e, ao examiná-la, eu percebi...

 

E nisto estava, quando de repente, a 10 metros, vi aparecer uma segunda "bóia".

 

Nossa!

 

E agora, o que estava acontecendo?

 

Joguei a primeira dentro da embarcação e "pesquei" a segunda.

 

E eu fiquei olhando para a água - como um idiota – esperando para ver se surgia mais alguma...

 

Não houve mais "bóias".

 

Eu desliguei o motor e contemplei a “pesca” perplexo.

 

Estudei-as lentamente.

 

Elas eram iguais.

 

Tratava-se de duas, das doze baterias ou acumuladores que havia no "berço". Na nave, como já expliquei anteriormente, se armazenava uma dúzia dessas baterias de lítio. Elas estavam distribuídas estrategicamente e costumávamos usá-las em questões menores. A voltagem nominal era de 3,7 V.

 

Às vezes, como já foi mencionado, eram usadas ​​para a alimentação de lanternas. A carcaça era selada e garantia a flutuabilidade. Tinham 30 cm de comprimento e pesavam, aproximadamente, 500 gramas.

 

E levantei a grande pergunta: Como chegaram à superfície?

 

Lembrei-me de que os satélites tinham detectado um conjunto de armazenamento à 330 metros de profundidade, na fossa sul, e em torno de 500 metros do Mujib.

 

Inexplicavelmente, essas baterias apareciam ativadas e agrupadas, como balões, e fixadas ao fundo do lago.

 

As fotos de satélite, tiradas em julho, advertiam que a "mancha laranja" era uma fonte de calor de origem química. Na sala das "tempestades" em Edwards, discutimos muito sobre o assunto.

 

Pouco tempo depois, em 21 de julho, as baterias se apagaram (?) de uma forma igualmente misteriosa.

 

Permaneceram ativas por 23 dias.

 

Ninguém, na área restrita, conseguiu explicar o enigma dos acumuladores.

 

E eu repeti a pergunta: Como chegaram à superfície do Yam?

 

Naquele momento, a Sem nome estava longe da fossa sul. Sob a quilha tínhamos 210 metros de água e o cacho de acumuladores foi detectada a 330 metros.

 

Algo não estava batendo.

 

"Eles podem ter sido lavados pelas correntes", eu disse a mim mesmo.

 

Nesse caso, onde estava o resto das baterias?

 

Continuei a inspecioná-las.

 

Que estranho!

 

Por que se apresentaram junto ao barco, logo após o arraste da Sem nome, e do corte do cabo?

 

E, de repente, reparei em uma fita preta, adesiva, que abraçava o Equador dessas baterias.

 

Ele não me lembrava de tê-las visto antes...

 

Eu retirei uma delas e encontrei uma palavra, escrito em preto, e em grandes caracteres.

 

Ao ler quase caí para trás...

 

Deus!

 

Eu limpei bem a superfície.

 

Reconheci a caligrafia nervosa de Eliseu. Deus abençoado! Era ele! Estava no lago!

 

Levantei-me e explorei o horizonte como se minha vida dependesse disso.

 

O Yam continuava azul e adormecido.

 

E eu li novamente: "iôbi".

 

A palavra era hebraico sagrado.

 

Queria dizer Belinte: a beleza e a inteligência de Ab-b, na hora da criação de [154].

 

Eu senti um calafrio.

 

Aquela palavra só era conhecida por três pessoas: Curtiss, o engenheiro e eu. Era um termo afortunado que eu repetia com frequência nos diários.

 

Ela tinha sido escrita, obviamente, por Eliseu. Então, ele escondeu-a debaixo da fita adesiva.

 

E eu me perguntei, como um perfeito idiota: "que sentido tinha tudo aquilo?"

 

 

[154] Belinte (iôbi) era uma palavra usada pelo Mestre. Foi uma invenção Sua; uma licença literária. Belinte, como tal, não existe em aramaico nem em hebraico, muito menos no koiné (grego internacional). Ele usava o termo "iõbi", que poderia ser traduzido como a soma, do início das palavras iôfi ("Beleza", em hebraico) e bina ("Inteligência", também em hebraico sagrado). "Iobi", portanto, seria o equivalente a Belinte. (N. do m.)

Mais informações em Cavalo de Tróia 9 - Caná. (N. do.)

 

 

A resposta foi fulminante: "Uma centena de crepúsculos depois de morto viverá o não vivido..."

 

Mas eu continuei no mundo da lua.

 

Eu sou desajeitado, eu sei. Eu sempre fui assim. O meu avô me dizia.

 

E a estranha sensação retornou: alguém estava me observando.

 

Eu cansei de explorar o Yam. Eu não encontrei nenhuma outra bateria.

 

O segundo acumulador continuava no convés. Ele também apresentava uma fita adesiva preta, que o rodeava pela cintura.

 

Ocultava outra mensagem?

 

Não tirei a fita. Eu queria adivinhar... Impossível.

 

Entrar na labiríntica mente do engenheiro era impossível. Eu desisti.

 

O acumulador, eu sei, também riu de mim.

 

Eu retirei a fita e, ao encontrar a palavra, o meu coração quase escapou pela boca.

 

Empalideci.

 

Eu tentei suprimi-las, mas elas foram mais fortes do que eu... E as lágrimas caíram sobre a Sem nome. A embarcação não sabia o que fazer.

 

Chorei nervosamente.

 

Não havia nenhuma dúvida. Eliseu estava vivo!

 

Ele sabia do meu grande amor por Ruth e tinha escrito um termo que eu usava nos diários quando me referia a ela:

 

"MATCH".

 

Fiquei surpreso. O apelido estava escrito incorretamente.

 

Eu permaneci no lago até o final da tarde.

 

"Uma centena de crepúsculos depois de morto..."

 

E retornei para a praia de pedra. O ânimo se acalmou, pouco a pouco.

 

As perguntas, no entanto, fizeram fila na entrada da barraca. Eram de todas as cores...

 

Não havia dúvida: Eliseu ainda estava vivo, mas, como ele conseguiu? Por que ele estava ali? O que ele pretendia? Aquilo era um jogo? Quem isto escreve tinha que fazer o quê? Devia entrar em contato com ele? Mas como? Foi o "berço", que tinha arrastado a Sem nome? Eliseu foi quem cortou o cabo? Por que não se apresentava de uma vez? O que estava esperando?

 

E o código soou "5 x 5" na memória:

 

E cada erro conduz à luz.

 

Até o sétimo.

 

Uma centena de crepúsculos depois de morto

 

Viverá o não vivido.

 

Será o dia do relâmpago.

 

E com o amanhecer, eu caí em um sono profundo... [155]

 

 

[155] Eu estava esquecendo. Os acumuladores (baterias) apresentavam seus respectivos números. A princípio, eu os tomei como código de referência de fabricação. Na primeira eu li: "53-13-57". A segunda bateria tinha gravado a seguinte seqüência: "41-4-35". Como o Mestre dizia: "Quem tem ouvidos para ouvir, que ouça..." (N. do m.)

 

 

06 de outubro

Eu tive um sonho misterioso. Mais um...

 

E recordei-me das palavras do Homem-Deus: "Encontre a pérola nos sonhos."

 

Em um primeiro momento, eu atribuí ao stress daqueles dias.

 

Agora eu não sei o que pensar... Além disso: nem sequer sei se foi um sonho.

 

Isto é o que eu recordo:

 

Era sábado, 6 de outubro.

 

No sonho, eu olhava para um calendário árabe e confirmava. Estava marcado em vermelho.

 

Era um dia excelente, embora não soubesse por quê. Que absurdo!

 

Na barraca de acampamento, na foz do Mujib, eu não dispunha de nenhum calendário.

 

Eu saí precipitadamente da barraca. E ficava gritando: "É o dia do perdão"

 

Eu saltei para dentro da Sem nome e naveguei a toda velocidade, para o "ponto vermelho".

 

O sol me viu e também correu para o oeste. Eu corri mais rápido.

 

E, chegando ao lugar marcado pelo "Navstar" eu a vi.

 

Apareceu de repente.

 

Eu deduzi que tinha permanecido "camuflada" pelo IR (infravermelho). Pura precaução. Era o "berço"!

 

Flutuava suavemente, tranquila.

 

O sol arrancava-lhe brilhos vermelhos. Que ladrão!

 

Notei uma coisa: no alto da nave faltava uma antena de direção. E eu me lembrei que eu tinha visto esta parabólica entre agulhas rochoso fundo do lago.

 

Eu me aproximei até cinqüenta metros.

 

Eliseu tinha que estar lá dentro.

 

Então eu vi. Era ele!

 

Ele acenou com o braço levantado e, sem esperar por uma resposta, saltou na água.

 

Ele estava vivo!

 

Eu olhei o relógio.

 

Que mania!

 

Por que eu me preocupava tanto com o tempo? Aquilo era apenas um sonho...

 

17 horas, 10 minutos.

 

Faltavam 11 minutos para o pôr do sol.

 

"Nossa! – disse a mim mesmo. E do quê se pode falar em 11 minutos?”

 

Eliseu nadou em direção ao barco. Que estranho! Ele nadava como os cães...

 

Eu pensei em me aproximar.

 

Eu não tive tempo.

 

Nisto eu ouvi um rugido. Eu olhei para cima e pude ver uma formação de aviões de combate. Eram "Mirages".

 

Eles procediam do norte. E voavam a baixa altitude.

 

Eles logo sobrevoariam o "berço". Eu poderia jurar que o tinham visto.

 

Gritei para Eliseu e apontei os cinco aviões.

 

O engenheiro estava ciente.

 

Ele levantou o braço direito da água e direcionou uma espécie pacote de azul, como cigarros, para o "berço". Eu não soube o que era.

 

E imediatamente, a nave desapareceu de vista.

 

Compreendi.

 

O engenheiro tinha ativado algum tipo de comando e "Papai Noel" executou a "camuflagem".

 

"Papai Noel", o querido computador central!

 

Eu também sentia saudades dele...

 

Três segundos depois, os caças nos sobrevoaram, a 150 metros de altura.

 

Eles tinham a estrela de David na fuselagem... E estavam armados até os dentes.

 

Foi um trovão.

 

E nisto eu acordei.

 

Olhei em volta, angustiado.

 

A luz do dia jogava com as frestas na barraca.

 

E um estampido balançou a lanterna pendurada no teto.

 

Os caças! Eliseu!...

 

E lembrei-me do sonho.

 

Saí do colchonete e, desconsertado, abandonei a barraca.

 

Uma formação de três F-4 acabava de sobrevoar a praia do Mujib. Eles estavam indo para o oeste.

 

Quase lambiam as pedras... Eram judeus.

 

Ao perderem-se no horizonte, eu tive a impressão de ouvir explosões. Pareciam tiros de canhão.

 

Ouviam-se muito além da margem ocidental do Mar Morto.

 

Os F-4 “Phantom“ estavam indo naquela direção.

 

Sim, eram canhões. Os disparos eram contínuos.

 

Olhei para o relógio: 14 horas e 20 minutos. Eu tinha dormido toda a manhã...

 

E, de repente, lembrei-me do início do sonho: 06 de outubro! As imagens me atropelaram.

 

Eu vi Curtiss, com o documento "azul" e secreto, que anunciava a quarta guerra árabe-israelense.

 

Eu vi também o código e o "berço", flutuando no Yam.

 

A guerra havia estourado!

 

Eu corri para o interior da barraca e liguei o rádio. Passei de uma estação para outra. A confusão era total.

 

Levei um tempo e paciência para tentar entender o que estava ocorrendo.

 

Todos - árabes e judeus - proclamavam uma grande vitória.

 

As emissoras falavam de um ataque simultâneo lançado pelo Egito e pela Síria às 13h58min.

 

Fazia 22 minutos!

 

A Sexta Frota norte-americana no Mediterrâneo estava em alerta máximo.

 

O Egito, aparentemente, estava atacando o Sinai. A Síria fazia pelo leste, na região do Golã.

 

Malditos bastardos!

 

O plano Rapto de Europa estava em andamento.

 

Maldito Nixon! Maldito Brezhnev!

 

Era Yom Kippur, o Dia da Expiação ou do Perdão, um dia sagrado para os israelitas. Tudo ficava paralisado no país. Os judeus, onde quer que estivessem, se retiravam para orar e pedir perdão pelos pecados cometidos durante o ano. Nada funcionava, exceto os serviços de emergência.

 

Os árabes tinham previsto tudo... Melhor dizendo, os russos e os meus compatriotas.

 

E, perplexo e angustiado, eu continuei a ouvir.

 

Caças sírios - MiG-21 - atacavam as Colinas de Golã, a nordeste da Galiléia.

 

A artilharia estava lançando uma cortina de fogo e balas sobre os veículos judeus e sobre o Quartel General da Brigada de Israel, em Naffaj.

 

Setecentos tanques sírios avançavam furiosos para o nordeste de Israel.

 

Dois minutos mais tarde - 14 horas - a 640 quilômetros a sudeste, 8.000 soldados egípcios começavam a cruzar o Canal de Suez, atacando a península do Sinai [156].

 

Mil canhões, enterrados nas dunas da margem oeste de Suez, disparavam ao mesmo tempo contra os 600 judeus que defendiam as fortificações da Linha Bar-Lev.

 

Os soldados egípcios portavam lança-granadas russas RPG-7 e mísseis antitanque, também soviéticos, do tipo Sagger.

 

Os sírios, por sua vez, havia sido presenteado por Moscou com os temidos foguetes Sam 6 e Sam 7.

 

Os aviões judeus caíam como moscas.

 

Ao voar baixo, para tentar evitar os Sam, os Skyhawk, Mirages e Phantom israelitas se deparavam com a armadilha mortal dos canhões antiaéreos CSU-23, capazes de disparar 4.000 projéteis por minuto.

 

Uma hora após o início da guerra, os exércitos judeus estavam sendo massacrados [157].

 

 

[156] Em 1967, após a chamada "Guerra dos Seis Dias", o Sinai e as Colinas de Golã ficaram sobre poder de Israel. Eles eram territórios egípcios e sírios, respectivamente. (N. do m.)

[157] De acordo com o Instituto de Estudos Estratégicos, em Londres, Israel dispunha de um exército de 30.000 homens, com a capacidade de mobilizar outros 300.000 em 72 horas. O potencial militar dos egípcios era de 298.000 homens. A Síria contava com 132 mil soldados. Israel totalizava 1.700 tanques. Egito 1.955 e Síria em torno de 1.200. Os judeus possuíam 488 aviões de guerra; e os egípcios e sírios 620 e 326, respectivamente. Na artilharia, egípcios e sírios tinham três vezes o poder de fogo de Israel. (N. do m.)

 

 

Os beatos de Washington se pronunciaram e tiveram o descaramento de proclamar que “aquela guerra tinha sido uma surpresa."

 

Malditos políticos e malditos militar!

 

Hipócritas!

 

Fiquei colado ao rádio, até que ela apareceu.

 

Oh!

 

Eu a vi recortada na entrada da barraca.

 

O cabelo ocultava seus belos seios.

 

Ela me olhou, muito séria, e exclamou, enquanto apontava para o lago:

 

- Está na hora... Vamos lá!

 

Ela deu meia volta e se afastou nas pontas dos pés.

 

O que fazia a bela intuição no meio de uma guerra?

 

Não demorei nem um segundo para sair da barraca. Bem, ele já não estava mais ali...

 

Como ela fazia isso?

 

Ao longe - para o Sinai - eram ouvidos disparos. O chão tremia e o céu ficava ferido.

 

Eram 16 horas e 30 minutos.

 

Sim, havia chegado o momento, o grande momento...

 

Eu saltei para o interior da Sem nome e dirigi-me para o "ponto vermelho".

 

"Uma centena de crepúsculos depois de morto viverá o não vivido..."

 

Faltavam 51 minutos para o pôr do sol.

 

- Vamos... Vamos lá!

 

Os gritos incentivaram a Sem nome. Ela parecia saber o que estava acontecendo. E então voou...

 

O céu, no oeste, começou a ficar vermelho. Era sangue humano que salpicava.

 

Os Sam 6 machucavam os azuis várias vezes.

 

Os aviões judeus morriam...

 

Depois eu soube: naquele momento entraram em ação 240 aviões egípcios e mais de 3.000 foguetes.

 

Lutava-se em terra, no ar, no canal e, principalmente, nos corações. Eram três mil anos de ódio.

 

Que grande amnésia é a guerra!

 

Eu estava a 360 ​​quilômetros do Sinai, e a 200 das Colinas de Golã, mas o fogo e a morte caíam dentro de mim.

 

Vi passar novas esquadrilhas de aviões judeus. Nenhum prestou atenção em mim.

 

O dia tornou-se pastoso, como os olhares dos homens na guerra.

 

E os ventos se agitaram raivosos.

 

A guerra é assim: são todos contra todos.

 

E chegou um momento em que o sol se recusou a avançar. Eu sabia o que lhe esperava, no oeste.

 

A Sem nome precisou de 40 minutos para chegar ao "ponto vermelho".

 

O "Navstar" alertou.

 

Nós estávamos nas coordenadas indicadas pelo código.

 

17 horas, 10 minutos.

 

Faltavam 11 para o pôr do sol, assumindo que o sol decidiu descer. Não o culpo.

 

Mil canhões, vomitando balas, eram muitos canhões...

 

As explosões, o vermelho sangue, e os rastros dos Sam 6 e Sam 7, tinham se incorporado à paisagem.

 

Vi aviões F-4, Mirages, Baraks, Skyhawks (tipo A-4) e até Mystères e Super Mystères.

 

Todos judeus. Todos voando baixo. Todos desesperados.

 

Mais de cinquenta me sobrevoaram. Eu não os vi retornar às suas bases.

 

"Nada bom", eu pensei.

 

17 horas e 15 minutos. Faltavam seis para o grande momento.

 

O "berço" apareceria? Eu chegaria a ver Eliseu? O que tinha acontecido?

 

Parei o motor.

 

O vento se deu conta e nos empurrou para o sudeste. Ele ficou revoltado, com rajadas de 27,8 quilômetros por hora.

 

Eu não me importei. Eu estava preocupado com outra coisa.

 

O sol ainda estava na dúvida: Descia ou não descia?

 

Eu fiquei com os sentidos em alerta. Eu tinha que ter muito cuidado.

 

A nave estava próxima, eu sabia...

 

Talvez estivesse "camuflada" pelo IR. Por isso eu não a via.

 

Os reflexos rosa fugiram do Lago. O vento deixou cair outros azuis, mas ninguém reclamou.

 

O sol, valente, continuou descendo sobre o Sinai.

 

17 horas e 20 minutos.

 

E começou a ficar escuro.

 

Os nervos voltaram a se desatar, e eu os vi serpentear pelo convés.

 

Repassei o código mentalmente. Eu tinha que me entreter com alguma coisa...

 

"E cada erro conduz à luz.

 

Até o sétimo.

 

Uma centena de crepúsculos... »

 

Uma voz, dentro de mim, me interrompeu:

 

- Confie!

 

Foi então que observei aquele borbulhar, logo à frente, a poucos metros.

 

Atenção!

 

Foi breve. E fez-se silêncio.

 

O bombardeio continuava ao longe, mas eu o ignorei.

 

Atenção!

 

O coração bombeava ansioso.

 

Os calafrios me percorreram.

 

Mais uma vez aquele pressentimento: Eu me senti observado...

 

Não soube o que fazer.

 

Eu olhava, mas não conseguia ver. Eu ouvia, mas não podia escutar.

 

Isso sim: eu podia sentir...

 

A nave estava ali. Eu a sentia...

 

Então eu imaginei ter ouvido um segundo borbulhar, mais perto. Eu diria que na proa.

 

Os cabelos se arrepiaram.

 

Eu pensei tudo em segundos: Eliseu? Ele nadava em minha direção? O "berço"? O que devia fazer? Ligava o motor? Ou esperava?

 

A água continuou agitando a proa.

 

Engoli em seco, tomei coragem, e fui até o lugar das borbulhas.

 

Fui até a proa. Eu estava suando. Estava com medo.

 

Por que eu tinha medo?

 

Eu não sei.

 

Finalmente eu olhei para a água.

 

O coração o fez uma fração de segundo antes de mim.

 

Deus abençoado!

 

Que susto!

 

Eu não vi nada... Alarme falso.

 

Tentei me recompor. Eu acariciei o coração, e o pobre e diminuiu o ritmo.

 

Estava começando a ver fantasmas...

 

Sentei-me na proa.

 

O sol desapareceu no Sinai. Que coragem! Será que engoliu a maldita guerra? Ele foi abatido?

 

17 horas e 21 minutos.

 

O vento tornou-se o mestre e continuou empurrando a Sem nome.

 

O que ele estava fazendo?

 

Era hora do encontro com Eliseu... Eu pensei assim.

 

"Uma centena de crepúsculos depois de morto viverá o não vivido..."

 

Mas o que tinha que viver? Qual era o jogo? Ou não era um jogo?

 

Eu o amaldiçoei. E gritei o seu nome, até quase ficar rouco.

 

Então eu ouvi risadas.

 

Minha nossa!

 

Risadas? No meio do nada? Eu estava pior do que eu imaginava...

 

Vinham da popa.

 

Eu hesitei.

 

E eu escutei novamente. Eu conhecia aquelas risadas...

 

Eu me decidi. E caminhei até o leme.

 

A embarcação me chamava. Flutuava a esmo. Eu a ignorei.

 

Mas o vento balançou a Sem nome e ouvi a voz do barco, pedindo ajuda.

 

Eu senti pena.

 

E eu esqueci as risadas. Estava alucinado...

 

- Estou indo, querida! - Gritei. Estou chegando!...

 

E as risadas soaram novamente. Também da popa, e mais claras.

 

Eu fiquei atordoado.

 

Eu não estava tendo alucinações.

 

Os habitantes do Lago falavam, constantemente, de lindas sereias, com cabelos loiros e olhos verdes, que “hipnotizavam” homens curiosos e imprudentes. Depois de seduzi-los com os seus risos e canções, os arrastavam para a "floresta petrificada" em Lisan, e os devoravam.

 

Fui até a popa, com cautela. Cautela ou medo?

 

Eu não acreditava em lendas, mas nunca se sabe...

 

Deus Santo!

 

O coração pulou na água, definitivamente.

 

E, perplexo diante daquela "visão", só consegui dar um passo atrás.

 

E, o Destino sorriu ironicamente.

 

Minha constante falta de jeito e a má sorte (?) fizeram com que eu topasse com a parte alta da escotilha do motor e que me precipitasse na água, de costas.

 

Eu não pude evitar.

 

Eu caí com tudo.

 

Nossa!

 

O turbante, mais inteligente, ficou pelo caminho.

 

Quando eu surgi na superfície, ele flutuava perto da popa.

 

A Sem nome também tinha ficado sem palavras.

 

E ouvi a risada novamente.

 

Risada não: gargalhada.

 

Ao olhar para cima em direção ao barco, descobri uma mão, aberta e estendida para quem isto escreve.

 

E uma voz familiar aconselhou:

 

- Vamos lá, major...!

 

Eu me agarrei com as duas mãos e o engenheiro me puxou, levantando-me como uma pluma.

 

Eu fiquei contemplando-o no meio do barco, com a boca aberta.

 

Era ele!

 

Ele aparecia nu, com uma pequena tanga preta.

 

Eu o percorri dos pés a cabeça, incrédulo.

 

Os esforços e os sacrifícios tinham valido a pena.

 

Eliseu, sem deixar de sorrir, permitiu que o examinasse.

 

Tinha o cabelo preto e longo, sem um único fio de cabelo branco.

 

O envelhecimento do passado era uma recordação.

 

Tinha o corpo musculoso, sem um traço das "recentes" (?) doenças.

 

A pele brilhava, firme e bronzeada.

 

O engenheiro não aparentava nem vinte anos...

 

A dentadura aparecia branca e impecável.

 

Meu Deus!

 

Eu o tinha visto agonizando... [158]

 

Os olhos tinham luz própria. Ele parecia feliz e sereno.

 

 

[158] Ampla informação em Cavalo de Tróia 9 - Caná. (N. do. a.)

 

 

Pendurava no pescoço, a placa de identidade, e uma pequena caixa de vidro (?), em uma tonalidade azul turquesa.

 

Eu a vi no sonho! Era de pequenas dimensões, como um maço de cigarros. Eu não sabia o que era.

 

Finalmente nós nos abraçamos. Não houve palavras.

 

De repente, outra formação de F-4 voou sobre nós a baixa altitude.

 

O estampido nos assustou.

 

A morte - preta e vermelha - lutava no horizonte.

 

- Vamos lá, major! - Disse Eliseu, enquanto apontava as luzes dos Phantom. Este não é o melhor lugar para conversar...

 

Ele estava certo.

 

Eu liguei o motor e rumamos para o Mujib.

 

Mas, de repente, eu me dei conta:

 

- E quanto ao "berço"?

 

O engenheiro apontou a caixa azul e disse:

 

- Não tem problema...

 

E perguntou maliciosamente:

 

- Tem cerveja gelada no acampamento?

 

No começo não me dei conta.

 

Como ele sabia do acampamento? A minha pergunta era estúpida. E eu escolhi o silêncio.

 

Às 18 horas e 40 minutos, já escurecendo, nos sentamos na porta da barraca e saboreamos algumas cervejas (não geladas, é claro). E iniciamos uma longa conversa.

 

Eliseu foi esclarecendo dúvidas, embora não todas...

 

Ele começou pelo início.

 

O que aconteceu naquele sábado, 17 de janeiro do ano 28 D.C., quando eu perdi a consciência na praia Saidan? [159]

 

- Assustamo-nos. Você tinha vomitado sangue e desmaiou...

 

 

[159] Ampla informação em Cavalo de Tróia 9 - Caná. (N. do. a.)

Eliseu sabia resumir.

 

 

- Te transportamos até o "pombal" no casarão dos Zebedeus.

 

Ele fez uma pausa.

 

Eu sei que não gostava de lembrar-se daqueles momentos, mas era necessário. Ele continuou:

 

- Eles fizeram todo o possível. Chamaram os melhores "auxiliadores”...

 

Ele negou com a cabeça.

 

- Estavas morrendo... Assim, as horas passavam. Kesil e Abril não se moviam do seu lado... Mas você não reagia a nada.

 

Ouvimos os canhões ao longe.

 

- Eu pensei muito – prosseguiu Eliseu. Eu não tinha mais o que fazer... Finalmente tomei uma decisão. E na segunda-feira, 19, subi ao Ravid. Fiquei lá por três dias. Eu estava desesperado. Eu não sou médico. Eu achava que estava morrendo. Eu não sabia o que fazer.

 

Foi o único momento da conversa (ou melhor, do monólogo), em que Eliseu empalideceu.

 

- Eu tinha lido os diários, e com cuidado.

 

Ele olhou para mim, em busca da minha compreensão.

 

Eu sorri. O assunto não tinha importância.

 

- E, nisto, eu amadureci um plano...

 

Não precisa ser muito esperto para imaginar a que plano ele estava se referindo.

 

- Eu trabalhei a idéia durante esses dias - continuou. “Papai Noel” deu uma mão.

 

Ele recuperou o sorriso e continuou:

 

- O plano era simples. Em primeiro lugar eu te devolveria para 1973. Era a única maneira de salvar sua vida... Depois retornaria para o Mestre.

 

Eu fingi não entender.

 

- Retornar?

 

- Você sabe o que quero dizer...

 

Eu fingi surpresa.

 

- Se tudo corresse bem – ele disse - uma vez concluída a vida pública do Filho do Homem, eu retornaria para 1973 e me encontraria contigo em algum lugar.

 

Seguiu resumindo:

 

- Como fazer? Como te avisar? A solução foi o código...

 

Eu deixei-o falar. Eu tinha muitas dúvidas, mas decidi esperar.

 

- Introduzi uma série de pequenos erros nos diários. Eu sabia que os detectaria...

 

Sorri novamente, com malícia.

 

 -Você é rigoroso e sua memória não tem igual. Mais cedo ou mais tarde você iria perceber... E assim foi obviamente.

 

Eu assenti em silêncio.

 

- Se os diários tivessem caído em outras mãos, as anomalias em questão, teriam passado despercebidas, quase com certeza.

 

Ele falava com razão.

 

E eu interrompi-o:

 

- Como você sabia que a guerra começava hoje?

 

Ele olhou para mim, perplexo.

 

Eu compreendi.

 

Eliseu - não devia esquecer - pertencia (ou tinha pertencido) à elite da Inteligência Militar. A pergunta era desnecessária.

 

- Por que você tinha que voltar até 1973 e encontrar-se comigo?

 

- Para te entregar uma informação. Esse era o plano. Eu retornaria para o Homem-Deus - eu gosto desta expressão - seguiria os seus passos, escreveria um novo diário, e simplesmente iria te entregá-lo.

 

Fiquei perplexo.

 

Agora eu entendia.

 

Esta era a verdadeira razão para o retorno de Eliseu ao tempo do Filho do Homem?

 

Eu desconfiei.

 

Além disso, onde estava a informação?

 

Mas não interrompi.

 

- E durante esses dias no Ravid, como eu disse, eu trabalhei no código e nos detalhes dos novos "saltos" no tempo.

 

Não saía do meu espanto.

 

- Na quinta-feira, 22, estava tudo pronto...

 

Como eu disse, eu estava atordoado. Assim, tão simples? E eu me lembrei de algo que eu não sei se já mencionei nestes diários: o QI do engenheiro era três vezes o deste aturdido explorador

 

- Naquela mesma quinta-feira retornei para Saidan e descobri que as coisas continuavam iguais, ou pior. Você continuava inconsciente e magro. Kesil e Abril não sabiam o que fazer: você não comia ou bebia... Continuavam os vômitos de sangue...

 

- E o Mestre?

 

- Te visitou duas vezes. A segunda foi naquela tarde do dia 22. Eu estava junto.

 

- O que aconteceu?

 

- Nada. Melhor dizendo, tudo...

 

- Eu não entendo.

 

- Entrou no "pombal". Ele se sentou ao teu lado na beira da cama, e te contemplou. Ele não disse nada. Nem uma palavra. Abril, de vez em quando, molhava a tua testa.

 

- Depois de um tempo, Ele se inclinou sobre ti, te levantou e te abraçou carinhosamente. Você parecia um boneco...

 

- Ficamos emocionados e tememos o pior.

 

O engenheiro ficou em silêncio. Ele se recuperou e continuou:

 

- O Mestre voltou a deixá-lo na cama. Levantou-se e, também em silêncio, preparou-se para sair da sala. Seus olhos estavam úmidos. Quando passou, senti aquele olhar firme. Eu entendi. E preparei tudo para aquela noite.

 

- Ele não disse nada?

 

- Apenas me olhou com intensidade.

 

Eu me lembrava daquele olhar...

 

- Eu contratei um carro, como outras vezes. Kesil me acompanhou. Abril chorava...

 

Ele fez uma pausa e foi sincero:

 

- Realmente, esta mulher estava muito apaixonada por você.

 

Eu não fiz comentários.

 

- E em plena noite nos dirigimos para as portas de Migdal. A partir daquele ponto, como em outras ocasiões, eu iria a pé até o "berço". Eu te carregaria. Em Saidan tive que repreender Abril. Ela queria te acompanhar. E ela ficou lá, destroçada... Mas ao chegarmos às muralhas de Migdal, surgiu outro problema.

 

Eu não fui capaz de imaginar.

 

- Kesil, que insistiu em viajar no carro, preparou-se para me acompanhar até o topo do Ravid. Não me deixaria sozinho contigo, no meio da escuridão. Não houve maneira de convencê-lo. Eu também não sabia o que dizer...

 

Eu compreendi a situação.

 

- Kesil te carregou e nos dirigimos até o Ravid.

 

- Procurei uma desculpa. Eu juro. Eu não a encontrei.

 

- E ao chegar à "zona morta" perto da macieira de Sodoma, fiz uma última tentativa para que ele regressasse para Saidan.

 

- Ele perguntou por quê. E me desarmou.

 

- Eu não podia dizer a verdade, e você sabe disso...

 

Eu concordei.

 

- O que você fez?

 

Ele balançou a cabeça negativamente, lamentando o que aconteceu.

 

- Eu não tive outra escolha, a não ser nocauteá-lo.

 

Eu fiquei sério.

 

- O que eu poderia fazer? Falar que éramos astronautas e que escondíamos uma nave no alto do penhasco?

 

E lá ficou ele, desacordado.

 

Eu te carreguei e me apressei para chegar ao "berço".

 

- Kesil soube da existência da nave? Chegou a vê-la?

 

A resposta me deixou petrificado:

 

-Quando retornei para a época do Mestre, em janeiro daquele ano 28, eu tive a sensação de que Kesil sabia de tudo...

 

- Por quê?

 

O engenheiro não respondeu.

 

- E então?

 

- Trabalhei rápido. É curioso: o que mais deu trabalho foi o traje espacial... Demorei uma hora para te colocar nele. Entrei em pânico. Você parecia morto... E, em uma das manobras, ao te acomodar no assento do co-piloto, você sofreu outro ataque de vômito de sangue. O escafandro ficou manchado. Pensei em te livrar dele, mas o tempo estava se esgotando. Kesil poderia se apresentar no "porta-aviões" a qualquer momento. Você sabe que ele era teimoso e corajoso...

 

Ele ficou mais alguns segundos de silêncio e exclamou, quase para si mesmo:

 

- Pobre amigo!

 

Pressenti algo grave, mas não perguntei.

 

- E às quatro da madrugada daquela sexta-feira, 23 de janeiro, "Papai Noel" ativou o J85 e iniciamos o vôo em direção ao Mar Morto.

 

Final de tua aventura...

 

Eliseu prosseguiu o relato, agora com mais calma.

 

Nós jantamos e conversamos até 3 horas e 37 minutos de domingo, 7 de outubro.

 

A lua, crescente, acompanhou-nos, atenta, até as 3 horas, 49 minutos e 58 segundos.

 

Depois, exausta diante de tanta guerra, fugiu.

 

A constelação de Órion, no alto, chorou betelgeuses, Mintakas, bellatrixes, rigeles, alnitakas e não sei quantas mais lágrimas.

 

O vôo do Ravid até o Mar Morto - de acordo com Eliseu - foi tranquilo, tendo como únicas preocupações, o meu estado e a escassez de combustível.

 

- "Papai Noel" pilotou com maestria...

 

E o engenheiro continuou resumindo:

 

- Quando a nave ficou estacionária sobre o lago, os tanques de reserva entraram em ação.

 

Isso eu lembrava.

 

Disponibilidade: 492 quilos. Ou, o que representava 80 segundo.

 

Eu o interrompi.

 

- O que teria acontecido se o "salto" no tempo tivesse ocorrido na data estabelecida oficialmente [160]

 

Eliseu sorriu amargamente. E declarou:

 

- Nem você nem eu estaríamos aqui, agora... Mas isso não estava escrito.

 

Nossa! Que mudança! O engenheiro acreditava no Destino.

 

- O computador central obedeceu e realizou a inversão de massa que nos levaria para as 21 horas de 28 de Junho de 1973.

 

Ele fez outra pausa e proclamou:

 

- Missão cumprida, major!

 

Contemplou minha cara de surpresa e acrescentou:

 

- Missão cumprida... Ou quase.

 

Assim estava melhor.

 

Havia muito para contar...

 

- Eu tive que te empurrar - lamentou o engenheiro. O seu estado não era bom e o tempo corria, inexoravelmente...

 

Eu também lembrado disso.

 

De repente, Eliseu parou a narração.

 

Eram duas da manhã.

 

Consultou a caixa azul e se levantou. Ele caminhou até a água e ficou distraído por um período de um minuto.

 

A noite se retorcia vermelha e branca pelo oeste. O bombardeio não cessava.

 

Eu imaginei que o engenheiro vigiava o "berço", ou melhor, a "Papai Noel".

 

Quando ele voltou, eu perguntei:

 

- O que é isso? Para que serve? - E apontei para a caixa azul. Eu nunca a vi no "berço”...

 

O engenheiro se esquivou do assunto:

 

- Major, há coisas que você não conhece... Onde estávamos?

 

Eu me conformei.

 

- Você disse que me empurrou... e eu caí na água.

 

- Eu não tive escolha... Restavam 40 segundos. Tudo foi planeado milimetricamente. "Papai Noel" tinha o comando...

 

- Eu não entendo... A nave afundou. Eu a vi descer. Ela balançava...

 

 

[160] O segundo "salto" no tempo ocorreu à 01h00min da madrugada de 10 de março de 1973. Os astronautas deveriam estar de volta ao Massada na noite de 19-20 março. A estação receptora de fotos começaria suas transmissões em 1° de Abril (1973). Cavalo de Tróia, portanto, tinha que abandonar o Massada alguns dias antes. De acordo com o major, Curtiss e a equipe resistiram na "piscina" até 28 de Março, quarta-feira.

Ampla informação em Cavalo de Tróia 2 - Massada. (N. do. a.)

 

 

Ele sorriu maliciosamente.

 

- Essa era a idéia, major...

 

Eu olhei para ele, intrigado.

 

- Esse era o plano - continuou. Era isso que eu pretendia: que você acreditasse que a nave tinha afundado.

 

- Não afundou?

 

- Sim e não, como você gosta de escrever...

 

Eu esperei atento.

 

- Quando o "berço" desceu até 30 metros, o computador acionou o cinturão gravitacional [161] e os motores auxiliares nos aproximaram do fundo, lentamente. A bolha protetora era um escudo e um "flutuador" perfeito.

 

Eu estava de boca aberta.

 

- Ao chegar a 325 metros de profundidade, "Papai Noel" passou para a próxima fase do engano: os acumuladores.

 

Eu fiquei sem respiração.

 

Eliseu se deu conta e sorriu, satisfeito.

 

- As doze baterias que você conhece, foram agrupadas em um cacho e programadas para emitir energia no momento apropriado. Um peso de 24 Kg iria mantê-las no fundo. E assim foi feito. “Papai Noel” liberou os "balões" e lá permaneceu, a cinco metros do lodo. Os cálculos foram precisos. O peso não foi absorvido pelo lodo graças ao "empuxo" dos acumuladores. Em oito dias seriam ativadas automaticamente.

 

E lembrei-me das fotografias recebidas em Edwards.

 

Os satélites detectaram uma "mancha laranja" (os acumuladores) em 6 de julho e a 330 metros de profundidade, no que chamávamos de "fossa sul" do Mar Morto. Distância para a costa da Jordânia: meio quilômetro.

 

Fiquei assombrado.

 

 

[161] De acordo com o Major, o cinturão de gravidade era um dos sistemas defensivos do "berço". Da membrana externa partia uma poderosa emissão de ondas gravitacionais que envolvia e protegia a nave como uma "esfera" invisível. Podia ser ajustado na distância e na intensidade. Nada nem ninguém era capaz de penetrar esta barreira. O major comenta nos diários, que esta "bolha gravitacional" será a solução, no futuro, para os acidentes aéreos, rodoviários e ferroviários.

Ampla informação em Cavalo de Tróia 1 - Jerusalém. (N. do. a.)

 

 

E eu perguntei, inocentemente:

 

- E se o cinturão gravitacional tivesse falhado?

 

- A nave teria ficado presa na lama do fundo...

 

- Meu Deus! Você arriscou!

 

O engenheiro permaneceu sério.

 

- Não major... Na vida, você deve sempre ter um plano B. E eu tinha...

 

Ele permaneceu em silêncio por alguns segundos. Finalmente, ele declarou, e voltou a me surpreender:

 

- Você sabe o que o Homem-Deus pensou sobre a morte?

 

Eu não imaginava o que estava por vir, mas eu esperei.

 

- Ele dizia que a morte é um plano B...

 

Mensagem recebida.

 

E completada a expulsão das baterias - de acordo com o engenheiro - "Papai Noel" levou o "berço" para a superfície.

 

- A nave emergiu "camuflada", a 140 metros da costa da Jordânia. Ali eu procedi a liberação do trem de pouso e de outras partes do "berço". Algumas delas, você já viu. Continuam ali, espalhadas pelo precipício subaquático.

 

- Desta forma - eu complementei - todos acreditariam que a nave havia se destroçado na queda...

 

- Era a coisa certa a ser feita - acrescentou Eliseu - assim ninguém suspeitaria. Nosso encontro tinha de ser livre de maus pensamentos...

 

- Mas não foi bem assim - eu disse. Parte da equipe de diretores não acreditou...

 

- Eu sei.

 

- E há algo pior...

 

E contei-lhe de "Raio negro" e do programado por Kissinger e pelo general Haig.

 

Ele ouviu a sério, e respondeu:

 

- Eu também sei...

 

Eu fui um idiota, mais uma vez. Eu não solicitei um esclarecimento. Como ele poderia saber? Naquela época (Outubro de 1973) "Raio negro" não tinha sido "lançado".

 

Eliseu continuou:

 

- Após a operação de liberação da plataforma de desembarque, e do resto das peças, eu pude me dedicar ao importante...

 

- O importante?

 

- Sim, você... “Papai Noel” e eu acompanhamos os seus movimentos. O vento, e as correntes, como nós tínhamos deduzido, te empurraram para lado da Jordânia.

 

- O que teria acontecido se eu fosse parar na margem judaica?

 

Eliseu negou com a cabeça e acrescentou:

 

- Isso não poderia acontecer...

 

Ele acrescentou, divertido:

 

- Além do mais, estava no plano B...

 

Nossa!

 

- Finalmente, quando comprovamos que os beduínos tinham tomado conta de você, eu levei a nave para o centro do lago, submergimos até 100 metros, e "Papai Noel", executou uma nova inversão de massa.

 

- Retornaste ao tempo do Mestre?

 

- Afirmativo.

 

- Para qual momento?

 

- Na segunda-feira 26 janeiro daquele ano 28 da nossa era.

 

- Para quê?

 

- Eu já te disse: Eu queria seguir os passos D’Ele. Tornei-me sua sombra por dois longos anos...

 

- Meu Deus! Conte-me...

 

Ele ficou em silêncio. Manipulou a caixa azul e tirou alguma coisa. Depois ele abriu a palma da mão direita e me mostrou.

 

Nossa!

 

- E isso?

 

- É para você...

 

Era uma "pérola" negra, semelhante à que tinha aparecido pendurada no meu pescoço naquele dia 28 de junho!

 

Era um “DR”, um “leitor de sonhos”! Ele me entregou e comentou:

 

- Tudo está aqui... Precisa apenas a descriptografia. Você já sabe como fazer...

 

Eu estava perplexo.

 

- Então foi você...

 

O engenheiro adivinhou meus pensamentos e assentiu.

 

- Foi você - eu repeti confuso - que pendurou o “DR” no meu pescoço...

 

- Eu fiz isso no Ravid, antes de te colocar no traje.

 

Mediu bem as palavras e declarou:

 

- Os diários não devem se perder...

 

Eu não prestei atenção. Estava fascinado.

 

- Mas diga-me! O que aconteceu com o Mestre? O que aconteceu nesses dois anos?

 

Ele apontou a "pérola" com o indicador direito.

 

E, quando estava prestes a falar, eu explodi:

 

- O que aconteceu com Ruth? Foi curada pelo Homem-Deus? Eu sei que curou... Ela está bem? Casou? Recordava de mim?

 

Eliseu solicitou calma e limitou-se a repetir:

 

- Tudo está ali, major... É mais emocionante que leia.

 

Não tirei dele mais nenhuma palavra, exceto o maldito “tudo está lá”...

 

Então falamos de mil coisas.

 

Ele riu muito ao comentar o assunto das interferências, o arraste da Sem nome e a perda do robô. Foi ele, é claro...

 

E, de vez em quando, o engenheiro repetia:

 

- O mundo tem o direito de saber a verdade. Não esconda os diários. Escreve irmão, escreve!

 

Uma hora antes do nascer do sol, eu o transportei até o "ponto vermelho".

 

Não houve despedida.

 

Antes de se atirar na água, ele exclamou:

 

- Lehaim!

 

E desapareceu na noite.

 

Nunca mais voltei a vê-lo...

 

E eu respondi, um pouco tarde:

 

- Para a vida!

 

Permaneci no local por um longo tempo.

 

O amanhecer surgiu ás 5 horas e 37 minutos.

 

Ele chegou violeta e tranquilo, como sempre. Mas, ao ver o sangue derramado, fugiu, pálido, e converteu-se em dia.

 

Permaneci no Mujib por mais dois dias.

 

A guerra continuava teimosa, estúpida e odiosa.

 

O encontro com Eliseu modificou meus planos, em parte.

 

Eu fiz um balanço.

 

O engenheiro me trouxe de volta para o meu tempo. Depois "voltou" para o tempo de Jesus (janeiro de 28). Ele viveu mais dois anos ao seu lado e, aparentemente, tinha escrito um diário. Estava contido na "pérola". Agora eu tinha que voltar para a base de Edwards e fazer a descriptografia.

 

Isso eu faria quanto fosse possível.

 

"O diário de Eliseu" - assim eu o batizei – tinha prioridade sobre todo o resto.

 

E eu pensei muito: O que aconteceu naqueles dois anos de vida pública?

 

Teria que esperar para descobrir...

 

Na terça-feira 9 de outubro, eu decidi voltar para Belém. Eu tracei um plano.

 

As fronteiras estavam fechadas. Só poderia entrar em Israel clandestinamente. O acesso menos comprometido seria pela costa judaica do Mar Morto.

 

Mas antes de partir do Mujib, peguei uma das frigideiras de ferro, e gravei no fundo: "le Nezah netzajim" [162].

 

Depois parti rumo ao sul.

 

Ao navegar sobre a fossa, soltei a frigideira. Ela afundou na escuridão.

 

Assim acalentei, em parte, o meu coração...

 

 

[162] O major não explica o porquê desta expressão hebraica. Segundo meu mestre de Cabala, Dr. Larrazabal, "le nétzaj netzajim" pode ser traduzida como "para a glória das glórias." (N. do. a.)

 

 

Ao entardecer atingi a costa de Lisan. Eu devolvi a Sem nome e deixei os equipamentos de presente. Eu pensaria em alguma coisa para me justificar com a empresa proprietária. O "Navstar" ficou comigo.

 

Eu tive que caminhar até a aldeia de Mazra'a e ali, com paciência e dinheiro, eu negociei meu translado para o litoral judeu. Especificamente para En Gedi.

 

Isso me custou uma fortuna.

 

E naquela mesma noite, a Sem nome me prestou um novo serviço, deixando-me próximo ao sul do oásis. Ao desembarcar, o beduíno que a pilotava, se afastou rápido.

 

Eu me afeiçoei ao barco...

 

No dia seguinte, quarta-feira, 10 de outubro, eu telefonei para Marcos, e retornei para a cidade de Belém.

 

Ele ficou bendizendo o bom Senhor. Todo mundo pensava que eu estava morto.

 

Durante 20 dias, eu não saí de Belém.

 

A guerra continuou, tal como previsto em Rapto de Europa.

 

Dediquei tempo e esforço para escrever e trabalhar no projeto de uma segunda chave de código, fundamental para os meus propósitos.

 

Eu atualizei os diários e fiz alguns ajustes.

 

Em 22 de outubro, segunda-feira, começou a se falar, realmente, de um cessar-fogo. As armas, no entanto, não foram silenciadas até o sábado, dia 27.

 

A sangrenta guerra durou 21 dias.

 

Ele matou 2.378 soldados judeus. Os árabes nunca revelaram o número de vítimas. [163] Entre os sírios e egípcios se falou de 18.800 mortos.

 

Em 11 de novembro, finalmente, se assinou um acordo de paz.

 

Alguns esfregaram as mãos...

 

Europa e Japão - como pretendia Rapto de Europa - afundaram economicamente. Os países árabes, produtores de petróleo, fecharam a torneira para o Ocidente em retaliação à vitória de Israel.

 

 

[163] De acordo com algumas agências internacionais, a Síria devia ter perdido cerca de 3.500 soldados. O número de mortos nos exércitos egípcios foi superior a 15.000. Isso nunca foi confirmada. Os Sírios capturaram 119 soldados judeus (entre 6 e 8 de outubro). Destes, 42 foram mortos. A Síria se recusou a entregar à Cruz Vermelha, os nomes dos prisioneiros israelenses. Ela o fez, finalmente, em 28 de fevereiro de 1974. Os árabes perderam 2.200 tanques e 450 aviões. Israel, por sua vez, perdeu 800 tanques e 115 aviões de combate. O número de prisioneiros árabes em poder de Israel passava de 8.800. Entre o Egito e a Síria se somou 400 prisioneiros judeus. (N. do m.)

 

 

E os traficantes de armas e mantimentos (com o Kremlin e o Pentágono no controle) embolsaram da ordem de 21 bilhões de dólares... Em 21 dias!

 

Os povos, árabes e judeus, nunca souberam...

 

Quando os ânimos se acalmaram um pouco, realizei algumas viagens curtas por Israel e concluí a montagem do meu segundo código, também no mais puro estilo "Eliseu" [164].

 

Então, conforme o planejado, eu dividi os diários em duas partes. Uma retornaria para os Estados Unidos com quem isto escreve. A segunda, e mais volumosa, ficaria em Israel.

 

A maior parte do "tesouro" foi dividida em seis blocos.

 

Cada um foi protegido em sacos duplos de plástico preto, refratários à luz.

 

Eu numerei-os e me dediquei a envolvê-los em um pano grosso de estopa.

 

Costurei-os com linha azul e contemplei-os por um tempo.

 

"Quem seria o destinatário daquela, incrível e fascinante, aventura com o Homem-Deus?"

 

Deixei nas mãos do Destino. Ele sabe...

 

Eu coloquei os pacotes na maleta marrom e tranquei com chave.

 

No final de novembro (1973), faltando poucas horas para a viagem de volta aos EUA, entreguei, ao guia Marcos, a maleta marrom com os diários.

 

E eu disse:

 

- Alguém virá para buscá-la... Não sei quem, nem quando.

 

Ele não fez perguntas. Ele limitou-se a guardá-la.

 

Eu sabia que estava nas melhores mãos.

 

Depois, com lágrimas nos olhos, nos despedimos.

 

Também nunca mais voltei a vê-lo.

 

 

[164] O major, sem dúvida, refere-se ao seguinte código:

VÊ, ENVIO O MEU MENSAGEIRO DIANTE DE TI MARCOS 1.2

HAZOR É O SEU NOME E AS SUAS ASAS LEVAR-TE-ÃO AO GUIA MARCOS 6.2.0

O NÚMERO SECRETO DAS SUAS PENAS É O NÚMERO SECRETO DO GUIA, O QUE HÁ DE PREPARAR O TEU CAMINHO MARCOS 1.2

Ampla informação em Cavalo de Tróia 2 - Massada e Cavalo de Tróia 3 - Saidan. (N. do. a.)

 

 

Na finalização dos diários, na casa de Marcos, escrevi: "O que me reserva o Destino? Devo aceitar a oferta do General Haig? Devo participar de "Raio negro"?

 

«E o mais importante: eu imagino o que está contido no "DR", mas estou ansioso para ler este diário.

 

Eu sei que viverei o não vivido... »

 

Em Ab-b, às 12 horas

De 12 de julho de 2012

(De acordo com a Igreja Católica, o dia de Jasão).

 

 

                                                                  J. J. Benitez

 

 

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