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Series & Trilogias Literarias
— O que ela está fazendo aqui? — Nancy sussurra para mim, ao ver Natasha entrando pelas portas da Primark, a loja de departamento que estamos naquela tarde.
— Eu ainda me sinto culpada por todas as mentiras que contei pra ela — cochicho — e ontem, ela foi lá em casa, levar alguns documentos que o Simon pediu e estava toda tensa e chateada comigo. Então a convidei para vir fazer compras com a gente hoje.
— Ela não é a louca que vê fantasma? — Holly indaga.
— Gente, cala a boca, ela está vindo... — Abro um enorme sorriso de boas-vindas. — Oi Natasha, que legal que você veio!
Ela tenta sorrir, mas é como ver Vandinha Adams tentando ser feliz.
É muito assustador.
— Oi. Não sei se deveria ter vindo. Fazer compras não é bem meu passatempo favorito.
— E qual seria? — Holly arrisca perguntar e sinceramente não acho uma boa ideia.
— Eu gosto de ir a cemitérios. Louvar os espíritos.
Holly faz uma careta de horror e Nancy ri. Cutuco Nancy que engole a risada numa tosse.
— Acho fascinante. — Eu a encaro com um olhar compreensivo. — Aliás, amei nosso passeio no cemitério. Devemos fazer mais disso. Foi tão... Pitoresco. — Meu Deus, espero que ela não leve a sério essa minha sugestão.
— Gente, esse aqui é lindo! Não acha? — Olho para o lado e Holly está usando um casaco roxo, enquanto se mira no espelho.
— Você parece um palhaço. — Não consigo conter minha língua. Holly tinha tingido o cabelo de laranja com uma tinta duvidosa, o que fez com que alguns tufos tivessem caído e os que restaram se transformassem em um Bombril. — E daqueles assassinos. Como chama mesmo aquele filme? — Cutuco Nancy que experimenta uma touca ao meu lado.
— Pennywise — Nancy responde distraída.
— Isso! Aquele palhaço horroroso que arranca os braços de criancinhas quando sai do bueiro! Sabia que estava me lembrando alguém!
Holly tira o casaco com expressão horrorizada.
— Acha que está tão ruim assim? — Toca o cabelo desanimada.
Eu e Nancy sorrimos.
— Claro que não. — Nancy faz a falsa.
— Você podia raspar. Talvez fazer um estilo Sinéad O’Connor. — Opto pela sinceridade.
— Pirou? — Nancy me encara horrorizada.
— Não, ia ser legal. Podia tipo fazer cosplay da Sinéad, e ficar nas esquinas cantando Nothing comprares to you, ia ser demais! Talvez até o Simon Cowell engolisse aquelas palavras que disse pra você quando participou do X-Factor. Já pensou? Com essa onda de regravar músicas antigas, tenho certeza que ia dar supercerto! Já estou até vendo, eu vou ser amiga de uma cantora famosa! Quem precisa da Rihanna?
— Não quero ficar careca. — Holly parece que vai chorar.
— Julie, não seja maldosa! — Nancy me critica.
— Só estou sendo sensata! Você faz uma má escolha de cabeleireiro, Holly, e agora tem que lidar com as consequências. Aceite! — Saio andando pela loja, cansada de lidar com o chororô de Holly.
Obviamente só eu sou sensata naquele grupo. Não é à toa que sou a única casada.
Suspiro, ao me lembrar desse fato e miro minha aliança no dedo pela sétima vez naquela manhã.
Sim, eu sou uma respeitável senhora casada.
Senhora Bennett.
Soa tão imponente! Talvez eu devesse obrigar a todos a me chamarem só assim a partir de agora. Talvez comprar um colar de pérola e um casaco daqueles bem elegantes e clássicos, numa cor neutra e...
— Olha só esse casaco! — grito, fascinada ao me deparar com um casaco de pele sintética de estampa de leopardo.
— Não é exagerado? — Holly, o palhaço assassino, diz atrás de mim e eu a ignoro.
Pego o casaco e o visto, mirando minha imagem no espelho.
— Amei! — sussurro.
Ok, não era nem um pouco clássico, mas quem liga?
Eu sou uma jovem senhora casada. Nada de casacos insípidos para mim. Vou ser um novo ícone da moda, ditar uma nova tendência. Senhoras casadas descoladas e que usam animal print sim!
Talvez tingir meu cabelo de roxo e pôr um piercing no nariz?
— Eu gostei — Nancy elogia e eu sorrio.
— O que achou, Natasha? — Tento incluir a secretária de Simon na conversa.
— Eu preferia algo preto.
Claro. Natasha só usava preto. Fazia parte de seu estilo sombrio bizarro.
— Vai ser perfeito para eu usar em Paris!
— Ah, você é tão sortuda de ir passar o Dia dos Namorados em Paris! — Holly suspira.
— Sim, eu sou. — Suspiro também.
Finalmente eu ia ter minha lua de mel. Só que bem atrasada, afinal eu e Simon já tínhamos casado há duas semanas. Mas Simon havia sugerido que passássemos a lua de mel em Paris começando com o Dia dos Namorados. Naquele momento, eu não tinha percebido que Simon já sabia que ia viajar na manhã seguinte ao nosso casamento e que ficaria fora duas semanas.
Eu devia imaginar que Simon colocaria o trabalho na frente da nossa lua de mel.
Era típico dele!
— E você ainda não nos contou como foi sua grande noite! — Nancy pisca maliciosa.
Retiro o casaco e coloco na minha cesta de compras.
— Por que eu contaria? É particular!
— Não seja boba, estamos entre amigas! Como foi sua noite de núpcias? Aposto que foi romântica!
Eu miro as três, que esperam ansiosas.
Quer dizer, Nancy e Holly parecem ansiosas, mas Natasha está olhando fixamente para algum ponto além de mim e me pergunto se está vendo alguma sombra preta me seguindo ou algo assustador assim.
— Bem, se querem saber foi... perfeito.
Elas suspiram.
Natasha faz o sinal da cruz.
Definitivamente, fantasma.
— Ah conta mais detalhes! — Nancy insiste e finjo estudar minhas unhas, tentando inventar alguma coisa para satisfazê-las, porque a realidade tinha sido bem diferente.
A verdade é que eu tinha bebido além da conta (de novo!) e quando chegamos ao hotel, onde passaríamos nossa noite de núpcias, eu já estava vendo tudo dobrado e com o estômago pra lá de embrulhado. Simon teve que me tirar do carro e me arrastar pela recepção, onde, enquanto ele fazia nosso check-in, não consegui mais me segurar e vomitei na recepcionista.
E depois vomitei no cara que levava nossa mala. E então Simon teve que me carregar no colo até o quarto, não porque era romântico, mas porque minhas pernas já não estavam me sustentando, apenas para vomitar em cima dele antes mesmo que conseguisse me colocar ajoelhada em frente ao vaso sanitário.
Nem preciso dizer que depois disso eu apaguei em algum momento. Só acordando no dia seguinte, com uma ressaca monstruosa, sem consumar meu casamento e ainda me deparando com Simon todo vestido de executivo fodão dizendo que ia viajar para a Coréia com os acionistas da DBS.
— Mas é nossa lua de mel! Acabamos de casar! — Eu choramingara, ainda tentando me lembrar em que momento Simon tinha me dado banho. Antes ou depois de eu decidir que ia fazer um striptease? Não conseguia me lembrar muito bem, mas em algum momento entre uma sessão de vômito e outra eu ainda tinha tentado seduzir meu noivo, claro que sem sucesso algum.
— Eu queria te dizer antes, mas com esse negócio de casamento... — ele dissera distraído, enquanto mexia no celular.
— O casamento que deveria ter me contado que não seria de mentira, marido? — Ainda tentara dar uma de superior. Se era assim que Simon queria começar nosso casamento, ok, eu podia mostrar a ele quem era a madura e comprometida da relação: eu. (Claro que a noite regurgitando não contava, afinal, eu só queria experimentar todas as bebidas da minha festa de casamento. Tenho certeza que toda noiva fazia isso, não?)
Simon me lançara aquele olhar astuto que eu sabia o que significava mesmo antes de ele abrir a linda boca.
— E aquela página no Instagram que devia ter me contado?
Ops.
Culpada!
— Eu te expliquei ontem que foi algo inocente!
— Inocente? Tinha foto do minha bunda lá, Julie!
— Ai nossa, para de ser puritano, até o Justin Bieber já postou a própria bunda no Instagram!
— Justin Bieber não é parâmetro de comparação. Eu sou um executivo, não um cantor adolescente!
— Sério que ainda estamos discutindo isso? No nosso primeiro dia de casados? Não acha que deveríamos estar transando?
— Deveríamos ter transado ontem à noite, mas você decidiu fazer um cosplay da menina do Exorcista.
— Eu não sei o que aconteceu! Não costumo beber assim, nunca aconteceu antes.
Ele me lançara um olhar cético.
— Nunca? Esqueceu como nos conhecemos? Que eu te achei bêbada, desmaiada no meu carro e que no dia seguinte você também quase vomitou no meu corredor?
— Olha Simon, já que tocou no assunto, acho que deveríamos esquecer essa história e focarmos na outra. Aquela do osso cúbito, você me salvando de um atropelamento e tal.
— Por que faria isso?
— Porque é mais romântica e muito mais adequada para contarmos aos nossos filhos.
— Filhos?
— Sim, um dia nós vamos ter filhos. E não quero que eles fiquem sabendo desses deslizes alcoólicos da própria mãe. Como é que eu vou ser uma mãe firme quando nossos filhos forem adolescentes e eu quiser proibi-los de beber? Não vou ter moral alguma. Já posso imaginar o Simon Junior gritando algo do tipo “Eu sou alcoólatra e fumo crack porque você foi um péssimo exemplo, mamãe!”. E aí ele vai vender nossos móveis para comprar drogas e até seus vinis raros! Vai querer ficar sem seus preciosos discos, Simon? Acho que não!
— Simon Junior?
— Ok, não vou querer chamar meu filho de Simon. Acho que daqui a pouco vou sair e comprar um dicionário de nomes! Porque eu não vou deixar minha mãe chamar nosso filho de abóbora selvagem ou outra maluquice do tipo!
— Julie, você ainda esta bêbada? Por que está falando tanta merda?
— Foi você quem começou!
— Eu nem lembro mais do que estávamos falando quando você começou a delirar sobre filhos! Meu Deus, não estamos casados a nem vinte e quatro horas!
— Ah que bom que lembrou que não estamos casados a nem vinte quatro horas e já vai viajar para não sei onde e me abandonar!
— Abandonar?
— Ah claro, eu devia ficar feliz de saber que está indo para a Coréia em vez do clássico “Foi comprar cigarro e nunca mais voltou.”.
E então Simon começara a rir.
— Por que está rindo? — eu reclamara me levantando da cama, não sem alguma dificuldade, pois meu estômago estava sensível e minha cabeça latejava. E antes que eu tropeçasse nos próprios pés e enfiasse o nariz no chão, Simon segurara meu braço.
— Devia ficar na cama e se curar dessa ressaca. — Ele me colocara na cama de novo.
— Mas eu tenho que ir trabalhar!
— Não tem — explicara enquanto me fazia deitar e me dava um comprimido e um copo de água. — Tome isso e descanse. Quando se sentir melhor pode ir pra casa. Vai ficar essas duas semanas que estou fora de licença.
— Hum... Por que parece que está me manipulando?
— Porque estou. — Ele puxara a coberta para cima de mim. Sentando ao meu lado. — Depois da confusão com seu Instagram engraçadinho a fofoca está correndo solta e acho melhor ficar fora por um tempo. Até que tudo se acalme.
— Mas eu tenho trabalho a fazer...
— O trabalho ainda estará lá esperando por você quando voltar. — Ele acariciara meu rosto. — Depois da nossa lua de mel em Paris.
— Ah, então é verdade que vamos para Paris? — Eu me animara, segurando sua mão.
— Sim, no Dia dos Namorados.
— E quando você volta?
— Infelizmente nós nos encontraremos somente em Paris.
— Ah Simon...
— Mas eu prometo te recompensar. — Ele sorrira lindamente.
— Espero mesmo que sim! Lembre-se que estará me devendo duas semanas de fodas incríveis!
Ele rira e se abaixara, beijando meus lábios de leve.
— Agora volte a dormir. Está péssima, esposa.
E assim se passaram duas semanas e amanhã estaria com Simon de novo para finalmente ter minha lua de mel.
Volto ao presente e encaro os rostos ansiosos na minha frente.
— Bem, não vou entrar em detalhes porque é particular, mas envolveu morangos, champanhe e bolas eróticas — invento.
— Bolinhas eróticas? — as três repetem estupefatas e eu rio.
— Sim, minhas queridas. A gente resolveu inovar, sabe como é. Não quero que minha vida de casada caia na rotina.
— Mas você tinha horas de casada! — Holly comenta.
Ai que chata, para de estragar minha história!
— Eu nem sabia que curtia essas coisas, Julie! — Nancy está mais animada. — Ou foi o Simon que sugeriu? Ai meu Deus, vai dizer que o Simon é tipo aquele Christian Grey? Ele te amarrou?
Rolo os olhos do absurdo.
Quer dizer, até que não seria uma má ideia. Faço uma anotação mental para procurar o filme na Netflix e assistir com Simon, quem sabe assim ele não descobria seu dom interior? Será que eu aguentava umas palmadas?
— Não seja enxerida demais, Nancy! Já falei que não vou entrar em detalhes! Agora vamos para o caixa que ainda tenho que fazer minhas malas para a viagem. Estou tão ansiosa!
— Vai mesmo comprar esse casaco barato? — Holly torce seu nariz de herdeira rica.
— Qual o problema? Prefere me emprestar um dos seus da Burberry? — sugiro de maneira nada inocente. Mas ao que parece Holly não estava mais tão adepta a me emprestar suas roupas caras agora que eu tinha me mudado para o apartamento do Simon.
— Seu marido é rico, você pode comprar sua própria coleção de casacos de grife agora.
Hum, é verdade, não é?
Simon já era rico antes mesmo de ter alcançado o cargo de CEO da DBS. E ele tinha mesmo me dado um cartão de crédito antes de ir viajar, dizendo que eu podia precisar. Mas eu ainda não tive coragem de usá-lo para nada. Na verdade, era bem esquisito usar o dinheiro de alguém que não fosse meus pais.
— Pois eu gostei desse casaco e vou levar! — Ignoro sua reprovação e sigo para o caixa. E então sinto os dedos frios de Natasha no meu braço.
— Julie, se você quiser eu posso te ajudar.
Eu me viro a encarando sem entender.
— Ajudar em quê?
Ela olha para os lados para se certificar que ninguém está escutando e abaixa o tom de voz cavernoso.
— Com o lance do BDSM.
— BDSM? — grito e ela arregala os olhos.
— Não fala alto.
— BDSM? — sussurro.
— Sim. Eu, hum, já frequentei esses lugares.
Arregalo meus olhos surpresa.
Ora, ora, a gótica Natasha gostava de levar uns tapas?
Bem, por que estou surpresa? Acho que era a cara dela esse lance de calabouço e tal.
— Ok... Caso eu precise, quer dizer... caso eu, enfim... eu vou lembrar disso. — Sorrio, tirando os dedos dela que estavam presos no meu braço como garras.
— Certo. Eu preciso ir.
— Claro, tudo bem. Vamos marcar de almoçar quando eu voltar ao trabalho.
— Seria ótimo, já conhece o cemitério de Highgate? É esplêndido.
Ai merda, eu tinha esquecido. Sorrio amarelo.
— Vamos ver! — E me viro rumando para o caixa, tentando conter o arrepio na espinha só de me imaginar almoçando entre as lápides de novo.
***
Finalmente, Paris!
Rodopio em volta da suíte magnifica do Ritz, rindo sozinha. Mal posso acreditar que estou neste hotel maravilhoso. E para minha lua de mel!
E como se não fosse o bastante, meu novo marido é lindo e em breve estará aqui comigo para darmos início à sessão de sexo pós-casamento mais incrível de todos os tempos.
Miro minha imagem no espelho de novo, vestindo um conjunto rosa de renda e seda da Victoria Secret. Uau, estou muito sexy! Simon vai desmaiar de emoção quando me vir. Não, melhor não desmaiar. Já basta eu ter passado mal na noite de núpcias. Hoje tudo tem que ser perfeito.
Eu havia pensado em tudo nos mínimos detalhes!
Pego o celular e dou uma checada na minha planilha que intitulei “Cronograma de Lua de Mel de Julie e Simon”. Sim, além de ser sexy pra caramba eu também sou superorganizada agora que me tornei uma mulher casada. Além de profissional de sucesso, vale lembrar.
Simon chegaria a qualquer momento e então a gente transaria contra a porta. E depois no sofá ( tinha colocado um sinal de interrogação na coluna de “posições”, porque ainda não tinha certeza de qual seria) e por fim na banheira enorme do banheiro chique do Ritz.
Aí jantaríamos no L’Arpège para comemorar o Dia dos Namorados, porque eu tinha visto no Google que era um dos mais badalados da cidade!
Sim, por hoje já estava tudo planejado e só faltava Simon chegar.
Aliás, já não era para ele ter chegado?
Já estou me perguntando onde diabos ele tinha se metido quando o celular toca.
— Simon, cadê você? — Nem me dou ao trabalho de ser legal, porque minha maquiagem já está derretendo de tanta ansiedade.
— Estou a caminho do Louvre! — Sua voz chega exasperada até mim.
— Como assim? Estou aqui na nossa suíte te esperando! Simon, você não recebeu a planilha?
— Sim, recebi sua planilha ridícula e justamente estou seguindo suas instruções!
Reviro os olhos impaciente. Simon tinha rido quando eu lhe mandei a planilha há alguns dias e me chamado de exagerada. Mas eu não queria perder nenhum momento da nossa viagem, já que passaríamos apenas um fim de semana na cidade. Afinal, o workaholic do meu marido precisaria voltar ao trabalho na segunda.
— Louvre? O que está fazendo aí? Era para vir para o hotel!
— Não. Eu li a planilha! Dizia: às 15h no Louvre.
— Por que eu ia te mandar para o Louvre? A gente tinha que estar transando agora! E pelos meus cálculos, já era para estar na rodada do sofá!
— Não. Está escrito Louvre! Que merda, Julie, eu sabia que essa planilha não ia dar certo!
— Você deve ter visto errado! Será que não sabe nem interpretar uma planilha, Simon? Que porcaria de CEO é você que não sabe nem seguir um cronograma?
— Como posso saber o que se passa na sua mente maluca?
— Está bem, certo. Não vamos discutir. — Respiro fundo, pensando rápido. Não ia deixar aquele pequeno mal-entendido causado pela burrice do Simon atrapalhar nossa lua de mel. — Olha, ainda podemos fazer dar certo.
— Tudo bem, vou pedir para o motorista me levar ao hotel.
— Não, fique aí! — De repente tenho uma ideia genial.
— Por quê?
— Porque eu vou te encontrar! Me espere no Jardim das Tulherias, ok?
— Julie, sinceramente, estou cansado da viagem, melhor ir para o hotel.
— Simon, você jurou fazer as minhas vontades!
— Jurei quando? Só se for nos seus sonhos.
— Ok, não jurou, mas acho que é um bom momento para começar a fazer! Confie em mim, eu prometo que vai amar — digo com uma voz sexy.
— Pelo amor de Deus, o que vai aprontar?
— Aprontar? Não vou aprontar nada que você não vá amar, querido! Beijos! — Desligo e corro para colocar o casaco de estampa de leopardo que tinha comprado na Primark por cima da lingerie sexy.
Checo minha maquiagem, ajeito o cabelo e calço meus sapatos vermelhos.
Sim, Simon teria uma surpresa!
A alergia começa quando eu ainda estou no táxi. Primeiro era só um formigamento. Que foi se alastrando por toda minha pele e alguns minutos depois estou enlouquecida, me coçando inteira, com a pele vermelha e começando a sentir falta de ar.
Mas que merda de casaco é esse? Não é possível que esteja com uma reação alérgica!
Quando desço do táxi em frente ao Jardim das Tulherias e sinto o vento frio cortando meu rosto é quase um bálsamo.
Caminho apressada até o jardim, procurando Simon com o olhar enquanto minhas mãos estão aflitas coçando o pescoço. Minha nossa, preciso tirar esse casaco, mas como se estou só de lingerie por baixo?
Será que eu estava amaldiçoada? Primeiro foi a fatídica noite em que eu vesti apenas casaco para encontrar Simon no apartamento dele e me deparara com uma das maiores acionistas da DBS, e tive que fingir que eu era a cozinheira e para completar servi um camarão que quase matou a mulher envenenada.
Agora isso?
Simon tinha comentado uma vez que era uma pena que aquela noite tenha acabado em desastre e desde então eu vinha pensando em armar algo assim de novo para ele.
E achei que aqui, em Paris, na nossa lua de mel ia ser perfeito!
Eu ia encontrar Simon no romântico Jardim das Tulherias, faríamos nosso emocionante reencontro e então eu contaria a ele que estava pelada por baixo e o convenceria a entrarmos no Louvre, onde transaríamos atrás de alguma estátua de Rodin ou algo assim. Ia ser épico.
Mas agora eu só consigo pensar em tirar aquele casaco dos infernos e nem é pra transar.
— Julie.
Olho para o lado e lá esta ele.
Simon Bennett.
O CEO da DBS e o homem mais lindo do mundo.
Meu marido!
Por um momento esqueço a coceira e sorrio, indo em sua direção, lembrando que sentira sua falta em meus ossos. Era incrível que nos conhecíamos há tão pouco tempo e ele já me era essencial.
Simon sorri de volta e meu coração está em suas mãos quando ele me beija. Eu me deixo envolver pelo seu gosto tão familiar em minha língua. Seus braços me apertando como se nunca mais fossem soltar e suspiro, feliz como nunca.
— Porra, senti sua falta — ele diz quando finalmente paramos de nos beijar e eu levanto a mão para coçar o rosto.
— Eu também! Não acredito que estamos aqui!
— O que você tem?
— O quê? — Afasto-me enfiando a mão embaixo do casaco para coçar meu braço.
— Está passando bem? Está vermelha...
— Claro que estou! Estou vermelha de emoção de te ver. Vem, vamos caminhar.... — Seguro seu braço e o puxo começando a andar em direção a uma das fontes onde várias pessoas se espalham sentadas em volta enquanto tento ignorar a coceira que cresce de forma alarmante. — Ah aqui é tão romântico... — Suspiro deitando a cabeça em seu ombro e aproveitando para me esfregar nele, pra ver se a coceira passa, mas só piora e minha garganta começa a fechar.
— Julie, tem certeza que está bem? — Simon para, me encarando. — Está ficando roxa?
— Esse casaco maldito está me matando... — Paro de fingir que está tudo bem e enfio as unhas no meu pescoço e rosto, achando que vou morrer.
— Então tira...
— Não posso... — Luto para respirar. — Ai meu Deus, acho que vou sufocar...
— Julie...
Sem pensar, me livro do casaco assassino vendo os olhos de Simon se arregalando de horror quando corro para a fonte, sem me importar de estar apenas de calcinha e sutiã.
Ah que alívio! Me deito, deixando a água fria me acalmar.
— Que porra está fazendo? — Simon me puxa de dentro da fonte sem a menor cerimônia e antes que eu possa impedir, me envolve com o casaco maldito de novo.
— Não, tira isso de perto de mim! — Afasto a pele sintética com horror.
— Julie, está dando um espetáculo. — Simon ainda tenta me cobrir, enquanto eu o empurro, e com o canto do olho noto vários turistas se amontoando a nossa volta e observando a cena com curiosidade.
— Esse casaco me deu alergia. — Eu me encosto em Simon, morrendo de vergonha e ele finalmente entende, tirando o próprio casaco e me envolvendo.
— Caramba, Julie, o que estava pensando? — Simon me arrasta pelo jardim, e eu ainda tento esconder o rosto em seu peito, enquanto tenho certeza que vi alguns celulares gravando minha degradação.
Já consigo imaginar minha humilhação viralizando nas redes sociais! Que vexame!
— Era para ser uma surpresa...
— Morrer asfixiada de alergia pelo casaco vagabundo?
— Não era vagabundo! — Coço meu rosto, porque na verdade o formigamento apenas diminuiu, mas ainda não foi embora por completo.
Pegamos um táxi e não demora para estarmos de volta ao hotel, onde eu corro para tomar um antialérgico.
— Está melhor? — Simon indaga preocupado do outro lado do box, enquanto entro no chuveiro e verifico alguns arranhões que impingi a mim mesma na ânsia de me coçar.
— Ainda está coçando um pouco, mas acho que vai melhorar... — resmungo desanimada. — Não acredito que estraguei sua surpresa!
— Eu não acredito que vi você correndo de calcinha e sutiã pelo Jardim das Tulherias cheio de turistas — ele comenta divertido.
— Não foi engraçado!
— Na hora foi meio chocante, mas pensando agora foi engraçado sim. — Ele começa a rir.
— Era para ter sido romântico.
— Romântico? O que pretendia, Julie? — Ele entra no chuveiro e perco um pouco o rumo dos meus pensamentos ao vê-lo nu e lindo na minha frente.
Caramba. Simon parecia que ficava mais perfeito a cada dia que passava.
— A gente ia passear pelos jardins e depois entraríamos no Louvre e transaríamos em algum canto escondido, quando eu revelasse meus trajes por baixo do casaco.
Ele envolve minha cintura e sinto arrepios quando nossas peles molhadas se tocam.
— Isso pareceu sacana e não romântico.
— Uma boa sacanagem pode ser romântica. — Solto um gemido quando sua mão escorrega para minha bunda.
— Gosto desse seu argumento, Senhora Bennett. — Ele me aperta e sinto sua ereção.
— Nossa Simon, você me deixa com tanto tesão quando...
— Sente meu pau? — ele sussurra no meu ouvido.
— Não. Quando me chama de Senhora Bennett
Ele ri me empurrando devagar contra o box.
— Você às vezes é bem esquisita, Julie.
— Tá bom, eu gosto do seu pau também, satisfeito? — Rolo os olhos e ele me beija engolindo meus gracejos.
E derreto totalmente envolvendo meus braços em volta de sua cintura e fazendo minha própria excursão até sua bunda, a apertando assim como ele fez com a minha.
— Andou malhando, marido? — brinco quando ele desliza os lábios por meu pescoço.
— Você está muito engraçadinha hoje, Senhora Bennett. Achei que tinha dito pra mim na nossa última conversa por telefone que agora era uma senhora casada séria.
— Acho que vai demorar um pouco para chegar a esse estágio... — Enterro os dedos em seus cabelos e ele chupa meu mamilo. — Você se importa?
Ele enfia um dedo em mim, me fazendo revirar os olhos.
— Nem um pouco.
E no minuto seguinte, está me beijando de novo, enquanto ergue meus quadris e me penetra com vontade. Nossos corpos molhados se encaixando e deslizando um contra o outro com facilidade.
— Ah sim... — murmuro fincando minhas unhas em seus ombros e adorando senti-lo batendo em mim com força, num ritmo que faz tudo tremer.
— Adoro te foder assim, Senhora Bennett — ele rosna em meu ouvido intensificando os quadris e eu grito, perdida, o prazer devorando meus sentidos até explodir em um orgasmo alucinante.
***
— Agora eu sei por que você errou, Simon! Estava olhando o cronograma antigo, eu te mandei uma atualização!
— Por que tem que gritar? — Simon resmunga, mal abrindo os olhos. Ele está estirado na cama de bruços ao meu lado desde que saímos do banheiro e confesso que nem sei quanto tempo faz isso. Eu queria acordá-lo para darmos prosseguimento ao nosso roteiro fantástico, mas resolvi ter um pouco de consideração, já que tinha viajado várias horas para chegar ali. Então para passar o tempo eu estava fuçando no celular dele.
E era muito inocentemente. Eu não era dessas que ficava futricando o celular do marido para pegar possíveis deslizes. Claro que não.
Mesmo porque Simon devia saber o que acontecia quando se aprontava comigo. De vez em quando eu o lembrava do que aconteceu com os pneus do seu carro, massacrados por minha fúria.
— Está mexendo no meu celular? — Ele abre os olhos de vez agora.
— Sim, algum problema? Tem algo a esconder?... — Sorrio. Na verdade não estava fazendo nada demais, apenas usando a internet para achar onde se vendia o melhor macaron da cidade, porque estava morrendo de vontade de experimentar. Mas era divertido enfurecer Simon. — Vamos ver aqui quem te ligou... — Coloco nas últimas ligações e tem uma tal de... Sophia?
Giro minha cabeça em direção a Simon tão rápido quanto em um desenho animado.
— Quem é Sophia?
Simon se senta arrancando o celular da minha mão.
— Minha amante.
— Simon... — rosno e ele ri puxando meu rosto e depositando um beijo estalado na minha boca, antes de me soltar e voltar a atenção ao celular. — Isso, vai brincando! Sabe que conheço várias maneiras de se assassinar um marido, não é?
— Sophia é a namorada do Henry.
— Henry, seu amigo de escola? Não sabia que ele tinha uma namorada, ele estava sozinho na festa na casa dos seus pais...
— Aconteceu algumas coisas... Não estou muito por dentro, Henry andou meio esquisito ultimamente. E nem tivemos tempo de conversar...
— Por que ela ia te ligar? Ela é sua amiga também?
— Claro que sim. — Ele larga o celular e me abraça, me girando até que estejamos deitados. — Agora me diga, Senhora Bennett, o que temos no seu roteiro de viagem para a noite do Dia dos Namorados?
— Na verdade nós iriamos jantar em um restaurante muito badalado... — Passo meus braços em volta do seu pescoço.
— Iríamos? — Ele sorri vindo para cima de mim.
— Agora acho que precisamos matar o tempo perdido, e depois pedir serviço de quarto.
— É a melhor ideia do dia. — Ele me beija e tenho que concordar.
Eu tenho mesmo as melhores ideias!
Acho que já esta claro quem manda nessa relação, não é?
— Então feliz Dia dos Namorados, Senhora Bennett... — ele sussurra em meu ouvido e eu suspiro.
Melhor Dia dos Namorados de todos!
***
— Podemos comer macaron? — Peço quando entramos no táxi na tarde seguinte para a primeira parada do dia.
Infelizmente o passeio da manhã em Versalhes tinha sido cancelado por meu marido, que me convencera que sexo sacana era melhor do que qualquer excursão a um palácio antigo.
E depois de dois orgasmos maravilhosos eu não podia discordar dele.
— Você ainda está com fome? — Tínhamos comido no restaurante do hotel e acho que engordei uns três quilos, mas como é que eu podia dispensar o macaron?
— Por favor, Simon, podemos passar na Ladurée da Champs Élysées...
— Tudo bem, acho que posso fazer sua vontade, Senhora Bennett. — Ele beija minha mão e pega o celular.
Suspiro descontente.
— Não pode largar esse celular por um minuto?
— É a primeira vez que estou pegando no celular hoje.
— Não deveria pegar em nenhum momento. Estamos em lua de mel!
— Mas você pode? Ficou tirando foto da comida o tempo inteiro para postar no seu Instagram.
— É diferente! Você está trabalhando!
— Para seu governo, não estou trabalhando. Estou respondendo uma mensagem do Henry.
— Por que ele não foi no nosso casamento?
— Te falei que ele estava com algumas questões para resolver...
— Com a Sophia?
— Também.
— Então me conta, quero saber tudo sobre eles... Quando vamos nos encontrar?
— Deixa de ser curiosa. Olha, chegamos.
Ele desvia o assunto e eu também já não estou interessada no seu amigo e namorada, porque minha boca está salivando quando descemos do carro e entramos na Ladurée.
— Uau, é o paraíso do macaron!
— Ande logo e escolha o que quer, temos que ir para a Torre.
— Não seja chato, é difícil escolher! — Contemplo a vitrine cheia de biscoitos de todas as cores, como um arco-íris.
— Pega um de cada.
— Eu posso? — Arregalo os olhos de emoção como uma criança.
— Contanto que consiga comer tudo.
— Claro que consigo!
Simon faz o pedido e eu devo dizer que fico muito atraída por ele quando fala francês.
— Você fica tão irresistível falando francês!
Ele sorri, rodeando minha cintura e me levando para perto.
— Mais irresistível que os macarons?
— É um páreo duro! — Eu o beijo e seguimos para pagar, depois que a vendedora me dá a caixa cheia de macaron.
Já estou comendo antes mesmo que a gente saia na rua.
— Quer ir andando? — Simon sugere.
— Não é longe? — pergunto de boca cheia.
— Não é tão longe assim e pode ir comendo.
— Está bem!
Seguimos pela Champs Élysées, entramos em uma rua adjacente e eu continuo comendo os macarons como se nunca tivesse visto doce na vida.
— Julie, não precisa comer tudo agora. — Simon me observa divertido.
— Mas está tão delicioso!
Quando chegamos à Torre, já comi todos os macarons e estou seriamente enjoada. Mas não falo isso ao Simon, porque ele vai me criticar.
Então, engulo a vontade de vomitar e sorrio enquanto encaramos a fila e entramos no elevador.
— Não vai tirar fotos? — Simon me cutuca e eu sorrio tentando não cair com a súbita tontura.
— Não preciso tirar foto de tudo como uma turista boba!
— Você é uma turista boba!
— Ok, já que insiste. — Pego meu celular.
A porta do elevador se abre no primeiro andar.
— Podemos descer aqui? — E antes que Simon responda eu sigo o fluxo e salto.
— Achei que ia querer ir primeiro lá em cima.
— Vamos depois. — Começo a tirar foto de tudo, enquanto meu estômago está cada vez mais embrulhado.
Nós nos aproximamos do muro e ali já é bem alto. Sinto uma tontura.
— Deixa eu tirar algumas fotos suas. — Simon pega meu celular e eu sorrio, ignorando o enjoo.
Eu posso fazer isso. Não vou pedir para ir embora e estragar nosso passeio de novo. Então faço minha melhor pose instagramável...
E sem que possa prever ou evitar, sinto uma ânsia forte e a bile subindo pela garganta e no segundo seguinte estou expelindo uma nojenta onda de vômito arco-íris da minha boca, como aqueles memes.
— Puta que pariu, Julie! — Mal consigo ver Simon se aproximando, só sinto de novo a ânsia me dominando e desta vez corro para o muro e vejo o que restou dos macarons sendo levado pelo vento, enquanto vomito em umas das paisagens mais bonitas de Paris.
***
— Ah Paris é tão linda! — Tomo minha Pink limonade enquanto Simon toma um vinho. Estamos em um café da Champs Élysées e a noite está caindo.
— Está se sentindo melhor? — Simon me fita ainda meio preocupado.
— Sim, estou! Eu não devia ter comido tudo aquilo. — Estremeço ao lembrar da cena de filme de terror que protagonizei na Torre.
— Devo cancelar nosso jantar?
Simon queria me levar a um jantar romântico em um dos seus bistrôs preferidos em Paris, para comemorarmos o Dia dos Namorados, já que ontem ficamos na cama.
— Claro que não! Acho, aliás, que já estou com fome. — Tomo o resto da minha bebida.
— Então o que acha de irmos para o hotel descansar e sairmos mais tarde?
— Descansar ou transar? — Capturo seu olhar que não é nem um pouco sutil.
— Achei que era a intensão da lua de mel. — Sua mão acaricia meu joelho por baixo da mesa.
— Pois eu tenho outros planos. — Pego o celular, verificando meu roteiro. — Pelo meu cronograma temos que fazer o passeio de ônibus pela cidade.
Simon faz uma careta.
— Isso é tão bobo, Julie!
— Para você que já esteve em Paris muitas vezes! Eu só estive aqui uma vez e era Dia dos Namorados também, com o... — Eu me calo, porque não quero contar a Simon que vim a Paris com um ex-namorado.
Ele levanta a sobrancelha.
— Com quem?
— Com uns amigos — desconverso.
— Ou um amigo?
— Está bem, com um namorado!
— Ah, então já teve uma viagem romântica de Dia dos Namorados a Paris, Senhora Bennett?
— Não foi assim como imagina! A gente era estudante e sem grana, então ficamos em um hostel terrível que para tomar banho a torneira ficava aberta tipo três segundos e depois tinha que ficar abrindo de novo! E claro que não foi nada romântico ter que dormir em um quarto com vinte pessoas! Como vê, não tem com o que se preocupar.
— Por que eu estaria preocupado?
— Porque você gosta de ser o melhor em tudo! Tenho certeza que ficaria todo encanado se eu dissesse que meu Dia dos Namorados com meu ex aqui foi melhor!
— Foi?
— Simon, que pergunta! Não ouviu o que eu falei?
Simon não sabia que ele era realmente melhor em tudo?
Pelo menos para mim.
— Então, vamos? — Eu me levanto e Simon me segue mesmo a contragosto.
O frio está cortante quando andamos em direção ao local onde sai os ônibus turísticos. A fila está grande para entrar no ônibus coberto, mas há um sem fila à frente e muito melhor, pois é aberto em cima, o que é perfeito para ver a paisagem e tirar foto.
— Vamos naquele! — Puxo Simon.
— Julie, está muito frio para ir neste.
— Mas é o melhor! Nem está tão frio assim! — Estou usando um casaco novo que Simon comprou pra mim próximo ao hotel, já que não ia colocar o casaco de leopardo nunca mais na vida.
Sem escutá-lo, sigo em frente e entramos no ônibus. Apanho meus fones e subo animadíssima para o segundo andar.
Sento em um banco ao lado de Simon.
— Isso é tão legal! — Pego meu celular e começo a tirar fotos antes mesmo de o ônibus sair.
Simon sorri indulgente.
— Vamos ver se vai achar tão divertido quando estiver congelando.
— Não seja chato.
O ônibus inicia sua jornada pelas ruas lindas de Paris e sigo extasiada, tirando foto de tudo.
Dez minutos depois não estou sentindo meus dedos.
Mais dez minutos não sinto minhas mãos e nem meu nariz.
Já perdi a noção do tempo quando percebo que meu pé também está congelado.
Porém mantenho o sorriso e a animação. Não vou dar a Simon o gostinho da vitória e ouvir seu presunçoso “Eu avisei.”.
E para completar começo a sentir uma louca vontade de fazer xixi.
Meu Deus, quantas horas iríamos ficar nesse passeio?
Já não consigo nem sorrir, pois meu rosto está duro.
Nem vou falar dos meus dedos congelados, provavelmente vão gangrenar e cair a qualquer momento.
De repente o celular de Simon toca.
— Já volto. É importante. — Ele se levanta, indo atender no fundo do ônibus, onde não tem ninguém.
Meu Deus, a vontade de ir ao banheiro piora de forma alarmante e eu olho para trás. Simon está falando rápido com aquele tom de CEO poderoso.
O filha da puta está trabalhando na cara de pau!
Nem está se importando se a esposa congelou ou mijou nas calças!
— Que se foda! — Num arroubo de desespero me levanto e desço as escadas do ônibus.
O motorista sorri para mim, sem ter noção que se eu sorrir vou sujar seu ônibus.
— Eu preciso descer.
Ele fala algo em francês que eu não entendo.
Faço mímica para abrir a porta, mas ele continua sorrindo sem me entender.
Começo a bater na porta para ver se ele entende.
— Seu idiota, abre logo antes que eu mije nas calças!
O homem me encara assustado e para o ônibus, abrindo a porta. Não penso duas vezes antes de saltar. Vislumbro um restaurante e me apresso para lá.
— Julie? — Escuto a voz de Simon, olho para trás para vê-lo me encarando perplexo enquanto o ônibus se afasta e vira a esquina.
Continuo correndo para o restaurante e paro por um momento, enquanto meus olhos se adequam ao ambiente e reparo que é um lugar superchique.
Um garçom me encara curioso e me obrigo a andar devagar com a maior cara de pau possível, enquanto procuro o banheiro. Avisto uma placa indicando que fica no piso superior e subo as escadas reunindo a melhor classe que consigo dada às circunstâncias. E graças a Deus quando chego lá em cima, está vazio, então corro para o corredor e há várias portas, abro a primeira e é masculino com aqueles mictórios.
— Merda! — Corro alucinada para o próximo e também é.
Isso não está acontecendo!
O terceiro é um banheiro infantil com uma pequena privada.
— Que se dane.
Entro e abaixo a calcinha me sentando na privadinha e esvaziando a bexiga, finalmente.
Graças a Deus minha bunda não é grande coisa, pois cabe naquela privada minúscula.
Aliviada, me levanto, lavo as mãos e pego o celular que está tocando alucinadamente.
— Julie, que porra está fazendo? — Simon grita na linha.
— Eu precisava fazer xixi.
— Pelo amor de Deus, sério isso? Por que não me disse? Precisava sair do ônibus sem me avisar?
— Você estava no celular trabalhando, pensa que não percebi?
— Não é o que está pensando... — Percebo pela voz culpada dele que é exatamente como eu estou pensando.
— Achei que tínhamos combinado que não ia trabalhar na nossa lua de mel, Simon!
— Olha, eu preciso te contar uma coisa importante...
— Que coisa importante? — Fico em alerta com seu tom de voz.
O que Simon queria me contar?
De repente minha mente começa a tecer várias teorias...
— Simon, vai pedir o divórcio? Olha, eu juro que não dou mais vexame por causa da bebida e nem por causa de doce também...
— Não fala merda, Julie! Onde está? Vou descer e te encontrar.
— Não. Eu vou até você. Nos encontramos no bistrô que combinamos, está bem?
— Tudo bem. Pega um táxi e vem.
Desligo, ainda apreensiva com o que Simon tem que me contar.
— Senhora, o banheiro é só para clientes. — Um garçom se materializa na minha frente, falando inglês com um sotaque carregado.
Fico vermelha.
— Ah me desculpe. Era uma emergência. Você sabe... mulheres grávidas ficam indo toda hora no banheiro — minto.
— Ah claro. Sem problemas. Parabéns pelo bebê, senhora. — Ele sorri e eu sorrio de volta.
— Obrigada. — Levo a mão à barriga imaginária.
— Sua barriga ainda nem aparece, está de quanto tempo?
— Ah, muito pouco. Mas já sinto todos esses sintomas chatos, sabe? Tontura, enjoo, a vontade de comer descontrolada... Ai Meu Deus! — Empalideço, me dando conta de repente que eu estou mesmo com todos aqueles sintomas.
— A senhora está bem? — O garçom me encara preocupado.
— Eu... Eu preciso ir... — Saio do restaurante, com a mente correndo rápido. Tentando fazer contas, tentando dizer a mim mesma que é impossível.
Claro que é impossível.
Ou não?
Droga. Será?
Paro, tentando respirar e vejo uma farmácia do outro lado da rua.
Só tem uma maneira de saber.
***
Quando desço do táxi em frente ao bistrô, paraliso, sem saber como contar a Simon uma novidade muito inesperada.
Eu ainda não consigo nem pensar direito, para falar a verdade.
Comprei o teste e pedi para a funcionária se podia usar o banheiro e alguns minutos depois obtive a confirmação mais assustadora da minha vida.
E agora só me questiono como é que Simon vai reagir.
Sem contar a tal coisa importante que ele tinha que contar pra mim.
E se fosse contar que era bígamo? Que tinha outra família na Coréia?
E se tinha entrado para um grupo de Kpop e queria me contar que agora era o oitavo membro do BTS?
Ou pior, que ia mudar de sexo e se chamar Simone a partir de agora?
— Julie? — Levanto a cabeça e Simon está na minha frente. — Tudo bem? Estava preocupado. — Ele se aproxima.
— Sim, estou, quer dizer, ah Simon, não, não estou nada bem.
— O que você tem? Está passando mal de novo? — Ele toca meus ombros.
— Não, mas... acho que posso passar bem mal a partir de agora. Eu... — Respiro fundo e tomo coragem, sustentando seu olhar. — Simon, estou grávida.
— Acho que eu já sabia. — Ele sorri.
— O quê? — grito dando um passo atrás.
— Acho que desconfiei quando começou a vomitar hoje à tarde. E toda aquela comilança. Se parece muito com a Florence. — Ele cita sua cunhada que havia descoberto a gravidez há pouco tempo.
— E... Não está surtando? Não está fugindo correndo?
— Por que ia fugir, Julie? — Ele toca meu rosto de novo. — É inesperado, com certeza, mas... acho que curto a ideia. E você?
Fixo meu olhar em seu rosto animado. Ele parece feliz. Genuinamente feliz. E nem um pouco apavorado, como eu estou!
Claro, ele teve algumas horas para se acostumar à ideia e eu só sei da novidade há alguns minutos.
Porém, na minha mente imagino um bebê assim, bem parecido com Simon. Ou melhor, me recordo do meu sonho de ter uma filha que se casaria com o Príncipe George.
Sim, eu tive uma espécie de premunição, certeza!
Nossa, será que eu sou uma vidente?
Já posso me imaginar com um daqueles programas da TV como uma médium que atenderia as famosas de Hollywood como a Beyoncé!
— Julie? — Simon insiste e eu segurando sua mão, abrindo um sorriso.
— Estou muito assustada, mas estou feliz também. Puta merda, vamos ter um bebê!
— Sim, nós vamos. — Ele sorri e me beija, mas eu o paro.
— E o que tinha pra me contar?
— Acho que nem de perto é tão surpreendente quanto a sua novidade.
— Ah Simon, conta logo!
— Eu agora sou um dos acionistas da DBS.
— Como é?
— Eu recebi uma herança e resolvi investir em ações da DBS. Agora sou um acionista, assim como a Bárbara. Eu comprei uma parte de suas ações. Estava com ela ao telefone agora para confirmar alguns últimos detalhes.
— Oh Meu Deus, você é muito poderoso, Simon!
Ele ri.
— Sim, acho que eu sou. Isso te excita, Senhora Bennett?
— Porra, sim! — Eu o puxo para um beijo e Simon me abraça.
Uau.
Não é só o melhor Dia dos Namorados de todos, como também a melhor lua de mel de todas!
Eu mal podia esperar para tudo o que nos aguardava!
Juliana Dantas
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