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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O DIABO DOS NÚMEROS / Hans Magnus Enzensberger
O DIABO DOS NÚMEROS / Hans Magnus Enzensberger

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio "SEBO"

 

 

 

  

                                               A SÉTIMA NOITE

      - Estou preocupada – disse a mãe de Robert. – Eu realmente não sei o que está acontecendo com este menino. Antes, ele vivia no pátio ou no parque, jogando futebol com Albert, Charlie, Enzio e os outros. Agora fica aí, enfiado nesse quarto, o dia inteiro. Em vez de fazer a tarefa da escola, abriu uma folha enorme de papel e só fica desenhando coelhos.

      - Silêncio! – disse Robert. – Você está me confundindo e, eu preciso me concentrar.

      - E fica o tempo todo murmurando números, números, números. Isso não pode ser normal.

      Ela falava sozinha, como se Robert nem estivesse no quarto.

      - Antes, nunca se interessou por números. Pelo contrário: sempre xingou o professor por causa das tarefas cheias de contas. Ora, vá tomar um pouco de ar fresco! – exclamou afinal.

 

 

 

 

      Robert ergueu a cabeça da folha e disse:

      - Você tem razão. Se continuar contando coelhos, vou ficar com dor de cabeça.

      E saiu de casa. No parque, havia um grande gramado em que não se via um único coelho.

      - Oi, Robert! – disse Albert ao vê-lo chegando . – Quer jogar com a gente?

      Enzio, Gerhard, Ivan e Karol também estavam lá. Jogavam futebol, mas Robert não estava com vontade. “Eles não fazem nem idéia de como as árvores crescem”, pensou.

      Quando chegou em casa, já era bem tarde. Depois do jantar, foi direto para a cama. Por precaução, enfiou um belo pincel atômico no bolso do pijama.

      - Mas desde quando você vai dormir tão cedo assim? – admirou-se a mãe. – Antes, queria ficar acordado até não poder mais!

      Robert, porém, sabia exatamente o que queria, e sabia também pó que não podia contar nada a sua mãe. Afinal, ela não acreditaria, mesmo se ele lhe explicasse que coelhos, árvores e até conchas sabiam contar, e que ele era amigo de um certo diabo dos números.

      Mal adormecera, lá estava o velho, já a postos.

      - Hoje vou lhe mostrar uma coisa muito legal – disse.

      - O que você quiser, mas não me venha de novo com coelhos. Passei o dia todo me atormentando com eles. E sempre confundindo os brancos e os marrons.

      - Esqueça isso! Venha comigo.

      O diabo dos números levou Robert ata uma casa branca, parecida com um cubo. Ela era toda branca por dentro também, até mesmo as escadas e as portas. Entraram então num quarto grande,vazio e branco como a neve.

      - Mas aqui não se pode nem sentar – queixou-se Robert. – E que blocos são esses?

      Caminhou até uma grande amontoado de blocos a um canto e os examinou mais de perto.

      - Parece vidro ou plástico – constatou. – Uma porção de cubos grandes. E tem alguma coisa brilhando dentro deles. Devem ser fios elétricos ou coisa assim.

      - Eletrônica – disse o velho. – Se você quiser, podemos construir uma pirâmide.

      O diabo dos números pegou então os primeiros cubos e os dispôs em fileira no chão branco.

      - Vamos em frente, Robert.

      E os dois continuaram com a construção, até que a fileira de cubos ficou assim:

      - Pare! – exclamou o diabo dos números. – Quantos cubos nós já temos?

      Robert contou-os.

      - 17. É um número torto – disse.

      - Não tão torto quanto você pensa. Basta subtrair 1.

      - O que dá 16. Outra vez um número que saltou. Um 2 que saltou quatro vezes: 2 elevado a 4.

      - Olha só... Ficando esperto, hein? Mas vamos em frente com a construção. Vamos colocar os próximos blocos sempre em cima da risca entre os dois de baixo, como fazem os pedreiros.

      - Tudo bem – disse Robert. – Mas isto nunca vai ser uma pirâmide. Embaixo, as pirâmides são ou triangulares ou retangulares, e isto aqui é uma reta. Isto aqui vai ser um triângulo.

      - Ótimo – respondeu o diabo dos números. – Então vamos construir um triângulo mesmo.

      E seguiram assentando os blocos até o triângulo ficar pronto:

      - Pronto! – exclamou Robert.

      - Pronto? Pois agora é que a coisa começa de fato.

      O diabo dos números subiu por um dos lados do triângulo e escreveu um 1 no último cubo lá de cima.

      - Como sempre... – murmurou Robert. – Você e esse seu 1!

      - Mas é claro! – respondeu o velho . – É com o 1 que tudo começa. Você sabe!

      - E o que é que vem agora?

      - Você já vai ver. Em cada cubo nós vamos escrever a soma do que está em cima dele.

      - Uma obra de arte – disse Robert, tirando do bolso seu pincel atômico e escrevendo:

      - Nada além de uns – comentou. – Por enquanto, nem preciso de calculadora.

      - Logo os números vão aumentar. Siga em frente! – exclamou o diabo dos números. E Robert escreveu:

      - Facílimo, uma brincadeira de criança – disse.

      - Não seja tão convencido, meu caro. Espere só para ver no que vai dar.

      Robert continuou a fazer as contas e a escrever:

      - Já dá para ver que os números nas bordas serão sempre uns, não importa quanto a gente desça. E os números logo ao lado deles, na diagonal, eu também já posso ir escrevendo, porque formam simplesmente a seqüência dos números comuns: 1, 2,3, 4,5, 6,7 ...

      - E o que acontece com a fileira seguinte, na diagonal logo ao lado de 1, 2,3,4,5,6,7...? Dá uma lida nos quatro primeiros.

      O diabo dos números tinha outra vez aquele sorrisinho astuto nos lábios, e Robert pôs-se a ler da direita para a esquerda, e de cima para baixo:

      - 1,3,,6,10... Esses números me parecem conhecidos...

      - Os cocos, os cocos! – exclamou o velho.

      - Ah, claro! Isso mesmo! Já lembrei: 1,3,6, 10 são os números triangulares.

      - E como é que se chega neles?

      - Infelizmente já esqueci – disse Robert.

      - Muito fácil:

      - ... 15 + 6 = 21 – continuou Robert.

      - Então!

      E assim Robert foi escrevendo cada vez mais números nos cubos. Por um lado, tudo foi se tornando mais fácil, porque ele já não precisava se pendurar lá em cima; mas, por outro, os números malditos não paravam de aumentar.

      - Ah, não – disse ele. – Você não pode exigir que eu calcule esses números todos de cabeça.

      - Como você quiser – disse o velho. – Só não fique nervoso. Com mil diabos se eu não posso fazer isso num segundo!

      E, a uma velocidade espantosa, preencheu todo o triângulo.

      - Fica bem apertadinho nos cubos de baixo – disse Robert. – 12 870! Nossa!

      - Ah, isso é fichinha. Tem muito mais coisa neste triângulo.

     

      E bem se pode dizer isso! Talvez vocês estejam pensando que ele só serve para quebrar a cabeça. Errado! É justamente o contrário. Ele foi feito para os preguiçosos, os que não gostam de passar um tempão fazendo contas. Se, por exemplo, vocês quiserem saber quanto dá a soma dos doze primeiros números triangulares, só precisam descer pela fileira diagonal, a que começa com 1,3,6,10. Corram o dedo por ela até o décimo segundo cubo da fileira. Aí, é só buscar o número logo abaixo à esquerda. Que número é esse?

      Desse modo, vocês se pouparam o trabalho de ter que calcular quanto é 1+ 3 + 6 + 10 + 15 + 21 + 28 + 36 + 45 + 55 + 66 + 78.

 

      - Você tem idéia do que foi que nós construímos? – perguntou o diabo dos números. – Isto não é somente um triângulo: é um monitor! Como uma tela de computador. Você pensa que os cubos todos têm uma vida eletrônica interior por quê? Eu só preciso ligar essa coisa, e ela vai acender.

      O diabo dos números então bateu palmas uma vez, e o quarto ficou escuro. Depois, bateu uma segunda vez, e o primeiro cubo lá de cima iluminou-se de vermelho.

      - Outra vez o 1 – disse Robert.

      Quando o velho bateu palmas de novo, o cubo mais alto se apagou, e a fileira logo abaixo pôs-se a brilhar como um farol vermelho.

      - Você poderia talvez fazer esta soma? – pediu ele.

      - 1 + 1 = 2 – murmurou Robert. – Nada de muito sensacional!

      O diabo dos números bateu palmas ainda uma vez, e então a terceira fileira tingiu-se de vermelho.

      - 1 + 2 + 1 = 4 – disse Robert. – E nem precisa continuar batendo palmas.Eu já entendi. É o nosso velho conhecido, o 2, saltando. A próxima fileira dá 2 x 2 x 2 ou 2 elevado a 3, que é igual a 8. E assim por diante: 16, 32, 64. Até o final do triângulo, lá embaixo.

      - A última fileira – disse o velho – dá 2 elevado a 16, que já é um número bem grandinho. Se você quiser saber com exatidão, 65 536.

      - Melhor não!

      - Tudo bem.

      O diabo dos números bateu palmas, e o quarto ficou de novo no escuro.

      - Você não quer rever alguns outros velhos conhecidos? – perguntou ele.

      - Depende.

      E o velho bateu palmas três vezes, acendendo novamente os cubos: alguns ficaram amarelos, outros azuis, e outros, ainda, verdes ou vermelhos.

      - Está parecendo desfile de Carnaval – disse Robert.

      - Você está vendo as escadinhas de mesma cor que descem em diagonal da direita para a esquerda? Vamos somar todos os números de cada uma dessas escadinhas e ver quanto dá. Comece bem lá em cima, com a vermelha.

      - A primeira só tem um degrau – disse Robert. – 1, como sempre.

      - E a amarela, logo embaixo?

      - A mesma coisa: 1.

      - A próxima é a azul. São dois cubos.

      - 1 + 1 = 2

      - Depois, a verde logo embaixo. Dois cubos verdes.

      - 2 + 1 = 3

      E Robert agora já sabia como ir em frente:

      - Vermelha de novo: 1 + 3 + 1 = 5. Amarela: 3 + 4 + 1 = 8. Azul: 1 + 6 + 5 + 1 = 13.

      - E o que seria isto: 1, 1, 2, 5,8, 13...

      - Os números de Bonatchi, é claro! Os números-coelhos.

      - Por aí você vê quanta coisa tem dentro do nosso triângulo. A gente poderia continuar por vários dias., mas acho que, para você, já basta por hoje, não é?

      - Isso você nem precisa repetir – concordou Robert.

      - Está bem então: chega de tanta conta.

      O diabo dos números bateu palmas, e os cubos se apagaram.

      - Mas nosso monitor é capaz de muito mais. Se eu bater palmas outra vez, sabe o que vai acontecer? Os números pares vão se acender em todo o triângulo, e os ímpares permanecerão apagados. Posso?

      - por mim...

      O que Robert viu então foi, de fato, uma surpresa.

      - Mas isso é demais! Um desenho. Triângulos dentro do triângulo, só que estão de cabeça para baixo!

      Robert ficou pasmado.

      - maiores e menores – completou o diabo dos números. – Os menores parecem cubos, mas, na verdade, formam um triângulo. Os médios compõem-se de 6 cubos, e o maior, de 28. Claro que esses são todos números triangulares. Por enquanto, somente os números pares estão amarelos.Mas o que você acha que vai acontecer se acendermos todos os números do nosso monitor que podem ser divididos por 3, 4 ou 5? Eu só preciso bater palmas, e você vai ver. Por qual deles começamos? Pelo 5?

      - Isso – disse Robert. – Todos os números divisíveis por 5.

      O velho bateu palmas, os números amarelos se apagaram e números verdes brilharam em seu lugar.

      - Com isso eu nem teria sonhado – disse Robert. – De novo, só triângulos, mas são outros agora. É a mais pura bruxaria!

      - Pois é, meu caro. Às vezes eu pergunto a mim mesmo onde é que termina a matemática e começa a bruxaria.

      - Fantástico! Você realmente inventou tudo isso?

      - Não.

      - Então quem foi?

      - Nem o diabo sabe! O triângulo dos números é coisa muito antiga, bem mais velha do que eu.

      - Mas você também me parece bem velhinho.

      - Eu? Permita-me dizer que sou um dos mais jovens habitantes do paraíso dos números. Nosso triângulo tem no mínimo 2 mil anos. Eu acho que a idéia foi de algum chinês. Mas ainda hoje brincamos com ele e seguimos descobrindo novos truques que podem ser feitos.

      “Se continuarem brincando”, Robert pensou, “provavelmente os truques nunca mais terão fim.” Isso, porém, ele não disse.

      Ainda assim, o diabo dos números o entendeu.

      - É, a matemática é mesmo uma história sem fim – disse. – Você procura, procura, e sempre acaba encontrando algo novo.

      - E vocês não podem parar nunca? – perguntou Robert.

      - Eu não, mas você sim – sussurrou o diabo dos números. E, ao fazê-lo, os cubos verdes foram se apagando, e ele próprio foi se tornando cada vez mais magro, até ficar um palito, parecendo criança que não come feijão. O quarto estava agora um breu, e logo Robert tinha esquecido tudo: os cubos coloridos, os triângulos, os números de Bonatchi e até seu amigo, o diabo dos números.

      Dormiu, dormiu e, quando ele acordou na manhã seguinte, sua mãe lhe perguntou:

      - Você está tão pálido, Robert. Teve sonhos ruins?

      - Hã? Eu? Eu não, como assim?

      - Estou preocupada.

      - Ora, mamãe – respondeu Robert -, a senhora sabe muito bem que não se deve falar no diabo, senão aparece o rabo...

 

      Alguém aí quer saber que desenho o monitor forma quando se acendem todos os números divisíveis por 4? Pois não. Para isso, não precisa ser nenhum diabo dos números. Vocês mesmos podem descobrir! Peguem um lápis de cor e pintem todos os números que aparecem na tabuada do 4. para os números muito grandes, usem uma calculadora. É só pegar o número, digitar dividido por 4, e vocês verão se a conta dá certo. Logo aí na página seguinte tem um triângulo para vocês pintarem.

 

                                                 A OITAVA NOITE

      Robert estava em pé lá na frente, junto à lousa. Sentados na primeira fileira, estavam os dois melhores amigos que tinha em sua classe: Albert, o jogador de futebol, e Bettina, a menina das tranças. Como sempre, os dois brigavam.

      “Era só o que me faltava”, Robert pensou. “Agora estou sonhando também com a escola!”

      Então a porta da sala se abriu, mas quem entrou não foi o professor Bockel: foi o diabo dos números.

      - Bom dia – disse ele. – Estou vendo que vocês já estão brigando de novo. O que foi agora?

      - A Bettina está sentada no meu lugar – respondeu Albert.

      - Ora, então troque de lugar com ela.

      - Mas ela não quer – disse ele.

      - Escreva na lousa, Robert- pediu o velho.

      - Escrever o quê?

      - Escreva um A de Albert e um B de Bettina. Albert à esquerda, Bettina à direita.

      Robert não entendeu por que deveria escrever aquilo, mas pensou: “Se ele quer assim, para mim tanto faz”.

 

A B

 

      - Muito bem. Agora, Bettina – prosseguiu o diabo dos números -, sente do lado esquerdo e Albert do lado direito.

      Que engraçado! Bettina não protestou. Levantou-se obediente e trocou de lugar com Albert.

 

B   A

 

escreveu Robert na lousa.

      Nesse momento, a porta se abriu e Charlie entrou, atrasado como sempre. Sentou-se à esquerda de Bettina.

 

C B A

 

escreveu Robert.

      Mas Bettina não gostou nem um pouco.

      - Se é para eu me sentar à esquerda, então quero ficar na ponta! – disse ela.

      - Pelo amor de Deus – resmungou Charlie. – Como você quiser!

      E os dois trocaram de lugar:

 

B C A

 

      Então quem não se conformou foi Albert.

      - Prefiro sentar ao lado da Bettina! – exclamou.

      E Charlie foi tão bondoso que, sem mais, levantou e cedeu o lugar a Albert:

 

B   A C

 

      “Se continuar assim”, Robert disse para si próprio, “ a gente já pode esquecer esta aula de matemática.” E assim foi de fato, porque agora Albert também queria sentar-se na ponta.

      - Então vamos todos precisar levantar – disse Bettina. – Eu não vejo motivo, mas se tem que ser... Venha, Charlie!

      E, quando já estavam todos sentados de novo, ficou assim:

 

A B C

 

      Mas claro que isso não durou muito tempo.

      - Não, não fico nem mais um minuto ao lado do Charlie – afirmou Bettina.

      Ela era de fato de dar nos nervos. E, como não sossegasse, os dois meninos precisaram ceder. Robert, então, escreveu:

 

C A B

 

      - Agora chega! – disse ele.

      - Você acha? – perguntou o diabo dos números. – Os três ainda nem experimentaram todas as possibilidades. Que tal se vocês sentassem assim: Albert à esquerda, Charlie no meio e Bettina à direita?

      - Nunca, nunquinha! – exclamou Bettina.

      - Não seja tão resmungona, Bettina – disse o velho.

      A contragosto, os três se levantaram, sentando-se então da seguinte maneira:

 

A C B

 

      - Você está notando alguma coisa, Robert? Ei, Robert, estou falando com você! Aqueles três ali com certeza não estão percebendo nada.

      Robert olhou para a lousa:

 

ABCBA

BABCA

BAC

ABC

CAB

ACB

 

      - Parece que já esgotamos todas as possibilidades – disse ele.

      - Isso eu também acho – concordou o diabo dos números. – Mas não é possível que a classe de vocês tenha só quatro alunos. Desconfio que estão faltando alguns outros.

      E mal ele terminara de falar, Doris escancarou a porta. Estava quase sem fôlego.

      - Mas o que está acontecendo aqui? O professor Bockel não veio? E quem é o senhor? – perguntou ela ao diabo dos números.

      - Estou aqui apenas em caráter excepcional. O professor Bockel tirou uma licença. Disse que não agüenta mais. A classe de vocês é bagunceira demais para ele.

      - É, bem que se pode dizer isso – respondeu Doris. – Olha aí, estão todos sentados nos lugares errados. Desde quando esse lugar é seu, Charlie? Quem senta aí sou eu!

      - Então sugira você, Doris, onde cada um deve sentar – disse o diabo dos números.

      - Eu simplesmente seguiria a ordem alfabética – opinou ela. – A de Albert, B de Bettina, C de Charlie, e assim por diante. Seria o mais fácil.

      - Como você quiser. Vamos ver como fica.

      Robert anotou na lousa:

 

A B C D

 

      O problema é que os outros não estavam de acordo com a ordem sugerida por Doris. A classe virou um inferno. Bettina era a pior de todos. Mordia e arranhava quem não lhe cedesse o lugar. Todos se empurravam e se acotovelavam. E, passado algum tempo, os quatro começaram a achar divertida aquela brincadeira maluca. Trocavam de lugar cada vez mais rápido, de tal modo que Robert mal conseguia acompanhar com suas anotações na lousa. Por fim, o bando dos quatro já havia experimentado todas as possibilidades, e na lousa se lia então:

 

ABCD

BACD

CABD

DABC

ABDC

BADC

CADB

DACB

ACBD

BCAD

CBAD

DBAC

ACDB

BCDA

CBDA

DBCA

ADBC

BDAC

CDAB

DCAB

ADCB

BDCA

CDBA

DCBA

 

      “Que bom que hoje não estão todos aqui”, pensou Robert, “do contrário isso não acabaria mais.”

      Mas foi nesse instante que a porta se abriu e, num estrondo, entraram Enzio, Felicitas, Gerhard, Heidi, Ivan, Jeannine e Karol.

      - Oh, não, por favor! – gritou Robert. – Por favor, não sentem, senão eu vou ficar louco!

      -Está bem- disse o diabo dos números. – Vamos parar por aqui. Podem ir para casa todos vocês. Estão dispensados das outras aulas.

      - E eu? – perguntou Robert.

      - Você pode ficar mais um pouquinho.

      Os outros correram para o pátio, e Robert se pôs a examinar o que estava escrito na lousa.

      - E então, o que você acha? – perguntou o diabo dos números.

      - Não sei. A única coisa que está clara para mim é que isso vai sempre aumentando: existem cada vez mais possibilidades. Enquanto estávamos só em dois, foi tudo bem: 2 alunos, 2 possibilidades, 3 alunos, 6 possibilidades. Mas, Mas, com 4 alunos, as possibilidades já são... um minutinho...24.

      - E se houver só 1 aluno?

      - Ora, como assim? Aí é claro que só há 1 possibilidade também.

      - Experimente multiplicar os números – sugeriu o velho.

 

      ALUNOS:              POSSIBILIDADES

     

1

1

2

1 x 2 = 2

3

1 x 2 x 3 = 6

4

1 x 2 x 3 x 4 = 24

 

 

 

      - Ah-ah – disse Robert. – Muito interessante.

      - Se o número de pessoas participando da brincadeira é cada vez maior, fica chato escrever desse jeito. Podemos encurtar isso. A gente escreve o número de participantes e põe um ponto de exclamação depois:

 

4 ! = 24

 

      E isso se lê: quatro bum!

      - Se nós não tivéssemos mandado Enzio, Felicitas, Gerhard, Heidi, Ivan, Jeannine e Karol para casa, o que você acha que teria acontecido?

      - Uma confusão dos diabos – disse o diabo dos números. – Eles teriam experimentado uma quantidade infernal de possibilidades, e posso lhe garantir que isso demoraria à beça. Somando com Albert, Bettina e Charlie, seriam 11 pessoas, o que significa que nós teríamos então onze bum! Possibilidades diferentes. Imagine só quanto daria isso.

      - De cabeça, ninguém é capaz de fazer uma conta dessas. Mas, aqui na escola, eu sempre estou com a minha calculadora. Escondida, é claro, porque o professor Bockel não admite que se trabalhe com ela.

      E Robert se pôs a digitar:

     

1 x 2 x 3 x 4 x 5 x 6 x 7 x 8 x 9 x 10 x 11 =

 

- Onze bum! – disse – são exatamente 39916800. Quase 40 milhões!

- Viu só? Se tivéssemos começado a experimentar todas elas, daqui a 80 anos ainda estaríamos todos sentados aqui. Seus colegas de escola já estariam de cadeira de rodas, e nós precisaríamos contratar 11 enfermeiras para empurrá-los para lá e para cá. Mas, com um pouquinho de matemática, tudo vai mesmo mais rápido. Aliás, acabo de ter uma idéia. Dá uma olhada pela janela e veja se os seus colegas ainda estão lá fora.

- Acho que foram comprar um sorvete e, agora, já estão indo para casa.

- Eu suponho que apertem as mãos uns dos outros quando se despedem.

- De jeito nenhum. No máximo, dizem “tchau! Ou “até depois”.

- Pena... – lamentou o diabo dos números.- Eu bem que gostaria de saber o que acontece quando cada um dá a mão ao outro.

- Pode parar! Isso com certeza duraria uma eternidade. Provavelmente o número de apertos de mão é gigantesco. Onze bum!, suponho, se são 11 pessoas.

-Errado! – disse o velho.

“Se são 2 pessoas”, pensou Robert, “o perto de mão é só 1. Se são 3...”

- Melhor você escrever na lousa.

E Robert escreveu:

 

PESSOAS APERTOS DE MÃO:

 

A

------

AB

AB

ABC

AB AC   BC

ABCD

AB AC   AD BC BD   CD

 

- Ou seja, para 2 pessoas, só 1 aperto de mão; 3 pessoas, 3 apertos de mão; mas, para 4 pessoas, já são 6 apertos de mão.

- 1,3,6... Acho que já conhecemos isso, não é?

Robert não conseguia se lembrar. Então o diabo dos números desenhou algumas bolinhas na lousa:

- Os cocos! – exclamou Robert. – Números triangulares!

- E como é que eles funcionam?

- Ora, você sabe:

- São exatamente 55 apertos de mão.

- E, até aí ainda dá para ir – disse Robert.

- Se você não quiser ficar fazendo tanta conta, pode fazer de outra maneira também. Desenhe alguns círculos na lousa, assim:

Então, a cada círculo, você acrescenta uma letra: A para Albert, B para Bettina, C para Charlie, e assim por diante. Depois, ligue todas as letras, umas com as outras:

Fica bom, não fica? Cada traço representa um aperto de mão. Aí, é só contar quantos são.

- 1, 3, 6, 10, 15... Como antes – disse Robert. – Eu só não entendo uma coisa. Será que você poderia me contar como é que com você tudo dá certo?

- Mas isso é que é diabólico na matemática. Tudo dá certo. Está bem, melhor dizermos, quase tudo. Os números primos, você sabe, têm lá seus truques. E, no mais, tem-se também que prestar uma atenção danada, senão a gente se perde fácil, fácil. Mas, de um modo geral, tudo na matemática é realmente muito bem armadinho. É isso que tanta gente detesta nela. Eu, porém, não suporto folgados e porcalhões, e eles também, aliás, não gostam de números. A propósito, dá só uma olhada pela janela. Esse pátio da escola de vocês está um verdadeiro chiqueiro!

Isso Robert teve que admitir, pois por toda parte viam-se latas vazias de refrigerantes, pedaços de gibis e papel de pão.

- Se três de vocês pegassem uma vassoura, em meia hora o pátio estaria com um aspecto bem melhor.

- E quais seriam esses três? – perguntou Robert.

- Albert, Bettina e Charlie, pó exemplo. Ou Doris, Enzio e Felicitas. E ainda sobram Gerhard, Heidi, Ivan, Jeannine e Karol.

- Mas você disse que só três já bastam.

- É verdade- retrucou o diabo dos números -, mas quais três?

- A gente pode combiná-los à vontade – disse Robert.

- Com certeza. Mas e se não estão todos presentes? E quando só temos mesmo três: Albert, Bettina e Charlie?

- Então tem que ser eles.

- Muito bem. Escreva na lousa!

Robert escreveu:

 

A B C

 

- E se a Doris chegar também, o que nós fazemos? Aí haverá mais possibilidades.

Robert pensou um pouco. Depois, escreveu:

 

A B C   A B D   A C D   B C D

 

- 4 possibilidades – respondeu.

- Digamos que, coincidentemente, o Enzio também dê uma passadinha por aqui. E, já que está aqui, por que não ajudar também? Agora temos 5 candidatos. Experimente com 5.

Mas Robert não quis.

- Então já diz de uma vez o resultado! – protestou ele nervoso.

- Tudo bem. Com 3 pessoas, podemos formar só 1 grupo de 3. Com 4 pessoas, vamos ter 4 grupos diferentes, e, com 5, 10 grupos. Vou escrever na lousa para você:

 

PESSOAS:                                                     GRUPOS:

 

3

ABC

 

 

 

 

 

 

 

 

 

4

ABC

ABD

 

ACD

 

 

BCD

 

 

 

5

ABC

ABD

ABE

ACD

ACE

ADE

BCD

BCE

BDE

CDE

 

- Mas há uma outra coisa especial nesta lista.

Eu a coloquei em ordem alfabética, como você está vendo. Agora, quantos grupos começam com Albert? 10. Quantos com Bettina? 4. E somente 1 começa com Charlie. Nesta nossa brincadeira, sempre os mesmos números vivem reaparecendo:

 

1 , 4, 10 ...

 

Adivinhe só o que vem a seguir. Quero dizer, se acrescentarmos mais algumas pessoas, como, por exemplo, Felicitas, Gerhard, Heidi, e assim por diante. Quantos grupos de 3 nós teríamos então?

- Não faço idéia – respondeu Robert.

- Você ainda se lembra como resolvemos o problema dos apertos de mão, com todos se despedindo de todos?

- Foi fácil, com a ajuda dos números triangulares:

 

1, 3, 6, 10, 15, 21...

 

Mas isso não serve para as nossas tropas da vassoura, trabalhando em grupos de 3.

- Não, não serve. Mas se você somar os dois primeiros números triangulares...

- A soma dá 4.

- E acrescentando o número seguinte?

- 10.

- E pegando o próximo também?

- 10 + 10 = 20

- Pois então!

- E eu continuo somando até chegar ao décimo primeiro? Ah, você não pode estar falando sério...

- Não se preocupe. Não precisa. Não precisa fazer a conta, não precisa experimentar para ver, e não precisa de ABCDEFGHIJK.

- Como assim?

- Nós temos o nosso bom e velho triângulo dos números – explicou o velho.

- E você vai querer desenha-lo aqui na lousa?

- Não. Nem pensar. Isso seria uma chateação. Mas eu estou com a minha bengala aqui.

O diabo dos números tocou então a lousa com sua bengala, e lá surgiu o triângulo, com toda a pompa e circunstância, e, além do mais, em quatro cores.

- Mais fácil do que isso impossível, hein? – comentou o velho diabo dos números. – No caso dos apertos de mão, você simplesmente conta os cubos verdes, de cima para baixo: 2 pessoas, 1 aperto de mão; 3 pessoas, 3 apertos de mão; 11 pessoas, 55. Agora, para o nosso trio da vassoura, você precisará dos cubos vermelhos. De novo, é só contar de cima para baixo. Começamos com 3 pessoas, e aí vamos ter só 1 possibilidade. Se você puder escolher entre 4 pessoas, então vai ter 4 combinações à disposição; com 5 pessoas, as combinações já serão 10. E o que acontecerá se houver 11 alunos presentes?

- Serão 165 possibilidades – respondeu Robert. – Isso é mesmo muito difícil. Este triângulo dos números é quase tão bom quanto um computador. Mas para que servem então os cubos amarelos?

- Ah, você já sabe que eu não me dou por satisfeito tão facilmente – disse o velho. – Nós, os diabos dos números, sempre exageramos tudo. O que você faz se 3 pessoas não forem suficientes para o trabalho? Bom, aí você vai precisar de 4, é claro. E a fileira amarela lhe dirá então quantas possibilidades existem de se formar um quarteto a partir de, por exemplo, 8 pessoas.

- 70 – disse Robert, pois ele já tinha aprendido muito bem como encontrar a resposta no triângulo.

- Exatamente – concordou o diabo dos números. – E, sobre os cubos azuis, nem vou falar...

- Eles são para os grupos de 8, suponho. Se só tenho 8 pessoas à minha disposição, não preciso pensar muito. Aí vou ter só 1 possibilidade. Mas, com 10 candidatos, já posso formar 45 grupos diferentes. E assim por diante.

- Você já entendeu.

- Agora eu só queria saber como está o pátio lá fora – disse Robert.

Ele olhou pela janela, e vejam só: o pátio da escola estava limpo e arrumado como nunca.

- Fico me perguntando quais foram os três que pegaram as vassouras.

- Seja como for, não foi você, meu caro Robert – disse o diabo dos números.

- E como é que eu posso varrer o pátio da escola se tenho que passar a noite inteira me matando com números e cubos?

- Ora, admita que você achou divertido – disse o velho.

- E agora? Você volta logo?

- Primeiro, vou tirar umas férias – respondeu o diabo dos números. – Mas enquanto isso você pode conversar com seu professor Bockel.

Eis aí algo que Robert não estava lá com muita vontade de fazer, mas que outra alternativa ele tinha? Na manhã seguinte, precisou ir de novo à escola.

Quando chegou em sua classe, Albert, Bettina e os outros já estavam sentados em seus lugares. Ninguém estava louco para trocar de lugar com ninguém.

- Lá vem o nosso gênio da matemática – disse Charlie.

- É, o nosso Robert aprende até mesmo dormindo – alfinetou Bettina.

- E vocês acham que isso adianta alguma coisa para ele? – perguntou Doris.

- Duvido – gritou Karol. – O professor Bockel não vai mesmo com a cara dele.

- E vice-versa – retrucou Robert. – Não faço questão nenhuma!

Antes de o professor chegar, Robert lançou ainda um rápido olhar pela janela.

“Como sempre”, pensou ao ver o pátio da escola. “Um verdadeiro lixão! Não dá mesmo para confiar naquilo que a gente sonha. A não ser nos números: neles, a gente pode acreditar.”

E foi então que entrou o inevitável professor Bockel, com sua pasta cheia de rosquinhas.

 

                                                   A NONA NOITE

Robert sonhou que estava sonhando. Era um hábito que tinha adquirido. Toda vez que sonhava alguma coisa desagradável, como, por exemplo, que estava se equilibrando numa perna só sobre uma pedra escorregadia no meio de um rio caudaloso, sem poder ir para a frente ou para trás, ele rapidamente pensava: “É horrível, mas é só um sonho”.

Então pegou uma gripe e, com febre, tendo que ficar na cama o dia inteiro, o velho truque não lhe serviu de muita coisa, pois Robert sabia muito bem: “Esses sonhos que a gente tem quando está com febre são os piores”. Lembrou de uma vez que estivera doente e tinha ido parar no meio de um vulcão em erupção. Montanhas cuspindo fogo o haviam arremessado para o céu, e ele estivera prestes a despencar bem devagar, terrivelmente devagar, lá de cima, rumo à goela do vulcão... Não gostava nem de pensar naquilo.

Por isso, tentava permanecer acordado, embora sua mãe dissesse a toda hora:

- O melhor é você dormir para acabar de vez com essa gripe. Não leia tanto! Isso não faz bem.

Assim, depois de ter lido 12 gibis de cabo a rabo, estava tão cansado que seus olhos se fecharam.

E ele teve um sonho muito, muito estranho. Sonhou que estava de cama com gripe e que, sentado na cama a seu lado, estava o diabo dos números.

“O copo d’água está lá, em cima do criado-mudo”, pensou. “E eu estou fervendo, com febre. Acho que nem sequer adormeci.”

- Ah, é? – disse o velho. – E eu? Você está sonhando comigo ou será que estou mesmo aqui?

- Também não sei- respondeu Robert.

- E tanto faz. Em todo caso, como você está com gripe, eu quis lhe fazer uma visita. E quem está doente deve ficar em casa, em vez de ir passear pelo deserto ou contar coelhos numa plantação de batatas. Portanto, pensei comigo, vamos ter uma noite calma, sem grandes truques, E, para que a gente não acabe se chateando, convoquei alguns números também. Você sabe que eu não vivo sem eles. Mas não se preocupe: são totalmente inofensivos.

- Isso é o que você sempre diz – comentou Robert.

Foi então que bateram na porta, e o diabo dos números respondeu: “Entrem!”. Imediatamente, eles entraram marchando, e tantos de uma só vez que de repente o quarto de Robert estava superlotado. Ele se admirou da quantidade de gente que cabia entre a porta e sua cama. E achou que os visitantes pareciam ciclistas ou corredores participando de alguma maratona, pois cada um trazia o seu próprio número estampado numa camiseta branca. O quarto era bem pequeno, mas quanto mais números se espremiam lá dentro, maior ele parecia ficar. A porta ia se afastando sem parar, até que mal se podia vê-la, bem lá no fim de um corredor em linha reta.

Os números riam e conversavam entre si, até que o diabo dos números gritou alto feito um sargento:

- Atenção! Primeira seqüência, em formação!

No mesmo instante, todos se posicionaram numa longa fileira de costas para a parede; primeiro o 1, e todos os demais a seu lado.

E o 0 , onde está? – perguntou Robert.

- Apresentar-se,0! – gritou o diabo dos números.

Ele havia se escondido embaixo da cama. Agora, engatinhando para fora dali, disse sem jeito:

- Pensei que não fossem precisar de mim. Estou me sentindo mal, acho que peguei uma gripe. Com todo o respeito, peço uma licença médica.

- Dispensado! – gritou o velho, e o 0 engatinhou de volta para debaixo da cama de Robert.

- Bom, ele é mesmo um pouco diferente, o 0. Está sempre querendo alguma coisinha a mais. Mas, quanto aos outros, você notou como eles são obedientes?

E, satisfeito, o diabo dos números contemplava os números comuns em formação:

 

2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13...

 

-Segunda seqüência, em formação! – convocou ele, e, de imediato, novos números afluíram de toda parte, um tropel de pés se arrastando, até que, por fim, posicionaram-se na ordem correta:

 

3 5 7 9 11 13 15 17 19 21 23 25 ...

 

Estes estavam bem à frente dos anteriores dentro do quarto (se é que ainda se podia chamar aquilo de “quarto”, pois, nesse meio tempo, ele se tornara mais parecido com um longo e infindável cubículo) e vestiam camisetas vermelhas.

- Ah-ah – disse Robert -, estes são os ímpares.

- Certo, mas agora adivinhe só quantos são, comparados aos de camiseta branca em pé junto à parede.

- Isso é óbvio – respondeu Robert. – De cada dois números, um é ímpar. Portanto, os de vermelho são a metade dos de branco.

- Então você acha que a quantidade de números comuns é o dobro da de números ímpares?

- É claro.

O diabo dos números começou a rir. Não era uma risada simpática, porém. Para Robert, era quase como uma risada sarcástica.

- Vou ter que decepcioná-lo, meu caro – disse o velho. – A quantidade de ambos é exatamente a mesma.

- Não pode ser! – exclamou Robert. – Todos os números não podem ser iguais à metade deles. Isso não faz sentido!

- Preste atenção. Eu vou lhe mostrar.

Voltou-se para seus números e gritou:

- Primeira e segunda seqüências: dar as mãos!

- Por que você grita assim com eles? – perguntou Robert irritado. – Isto aqui está parecendo um quartel. Será que não dava para ser um pouco mais gentil?

Mas seu protesto foi em vão, pois agora cada um dos de branco já dera a mão a cada um dos de vermelho, e de repente lá estavam eles, como soldadinhos de chumbo:

 

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

13...

1

3

5

7

9

11

13

15

17

19

21

23

25...

 

- Está vendo? A cada número comum, do 1 até lá longe, corresponde um número ímpar, também desde o 1 até lá longe. Ou será que você pode me apontar um único entre os números de camiseta vermelha que tenha ficado sem o seu companheiro? Ou seja, a quantidade dos números ímpares. São ambos infinitos.

Robert pensou por um instante.

- Isso quer dizer que, se eu dividir i infinito por 2, o resultado será 2 vezes o infinito? Se fosse assim, o todo seria igual à metade!

- Certamente – disse o diabo dos números. – E não é só isso.

O velho puxou um apito do bolso e apitou.

Imediatamente, do fundo do quarto interminável, surgiu uma nova turma de números. Dessa vez, vestiam camisetas verdes, e zanzaram barulhentos de um lado para o outro até que seu mestre gritou:

- Terceira seqüência, em formação!

Não demorou muito, os verdes já haviam se posicionado à frente dos vermelhos e dos brancos:

 

3 5 7 11 13 17 19 23 29 31 37 41 ...

 

- Ah, estes são os números primos – constatou Robert.

O velho apenas fez que sim com a cabeça. Depois, soprou de novo seu apito, e, aliás, quatro vezes seguidas. Agora, o quarto de Robert tinha de fato virado um inferno. Um pesadelo! Quem poderia imaginar que num único quarto, ainda que ele tivesse sido espichado e parecesse estender-se da Terra até a Lua, caberia uma quantidade tão gigantesca de números? Já não se podia nem respirar ali dentro. A cabeça de Robert ardia mais do que uma lâmpada acesa.

- Chega! – gritou ele. – Não agüento mais.

- Isso é só uma gripe – disse o diabo dos números . – Amanhã você já vai estar bom de novo.

E continuou dando seus comandos:

- Ouçam todos! Seqüências quatro, cinco, seis e sete, em formação! Rápido, por favor!

Robert abriu os olhos, que já queriam se fechar, e viu sete tipos diferentes de números, em camisetas brancas, vermelhas, verdes, azuis, amarelas, pretas e cor-de-rosa, todos enfileirados e ordenados uns atrás dos outros, e em pé em seu quarto espichado até o infinito:

Os últimos números nas camisetas cor-de-rosa, ele já quase não conseguia ler, pois eram tão compridos que mal cabiam no peito dos que os vestiam.

- Nossa, mas eles crescem tão depressa que é de dar medo – disse Robert. – Aí eu já não consigo acompanhar.

- Bum! – disse o velho. – São aqueles números com o ponto de exclamação:

 

3! = 1 x 2 x 3

4! = 1 x 2 x 3 x 4

 

Eles avançam mais rápido do que se pensa. Mas e os outros? Você os conhece?

- Os vermelhos, nós já vimos: são os ímpares; e os verdes são os números primos. Os azuis, eu não sei, mas me parecem conhecidos.

- Pense nos coelhos!

- Ah, é, são os de Bonatchi. E os amarelos são os triangulares, provavelmente.

- Nada mau, meu caro Robert. Com gripe ou sem gripe, você está progredindo como aprendiz de feiticeiro.

- Pois é, e os pretos são simplesmente números saltando: 2 elevado a 2, 2 elevado a 3, e elevado a 4, e assim por diante.

- E cada tipo existe em quantidades iguais- completou o diabo dos números.

- Infinitos – suspirou Robert. – Isso é que é terrível. Toda essa multidão de números...

- Seqüências de um a sete, dispensadas! – berrou o velho mestre.

E um novo se arrastar, e se apertar, e se acotovelar, e bater os pés, e se empurrar teve início. Somente depois que os números todos saíram fez-se magnífico silêncio, e o quarto de Robert voltou a ficar vazio e pequeno como era antes.

- Agora, antes de mais nada, eu estou precisando de um copo d’água e de uma aspirina – disse Robert.

- E descanse bem, para amanhã já estar em forma de novo.

O diabo dos números chegou mesmo a cobri-lo.

- Você só precisa manter os olhos abertos – disse ele. – O resto eu escrevo no teto para você.

- Que resto?

- Bom – disse o velho, que já começara de novo a girar sua bengala -, nós mandamos embora as seqüências porque elas fazem muito barulho e emporcalham todo o quarto. Agora é a vez das séries.

- Séries? Que séries?

- Ora – começou o diabo dos números- , o fato é que os números nem sempre se apresentam apenas um ao lado do outro, como soldadinhos de chumbo. O que acontece quando eles se unem? Quero dizer, quando a gente os soma?

- Não estou entendendo nada – espantou-se Robert.

Mas aí o velho já tinha escrito a primeira série no teto do quarto.

- Você não disse que eu devo descansar? – perguntou Robert.

- Não seja tão resmungão, você só precisa ler o que está escrito lá em cima:

 

               ½ + ¼ + 1/8 + 1/16 +1/32 + 1/64 ... =

 

- Mas isso são frações! – exclamou Robert revoltado. – Que diabo!

- Perdão, mas elas são bem simples, você não acha?

- Metade mais um quarto mais um oitavo mais um dezesseis avos, e assim por diante. Em cima está sempre um 1; embaixo, o 2 saltando, aqueles números de camiseta preta: 2, 4,8,16... Nós já sabemos como isso continua.

- Sim, mas, se somarmos todas essas frações, qual será o resultado?

- Não sei – respondeu Robert. – Como a série nunca termina, o resultado provavelmente será infinito. Por outro lado, ¼ é menor do que ½, 1/8 é menor do que ¼ etc., e, portanto, estamos juntando números cada vez menores.

Os números desapareceram do teto do quarto, Robert olhava fixo para cima e tudo o que via era um longo traço:

 

- Ah-ah – disse ele, passados alguns instantes. – Acho que estou entendendo. Tudo começa com ½. A ele, eu somo a metade de ½, ou seja, ¼.

E o que Robert disse foi logo aparecendo no teto do quarto, preto no branco:

 

- E, então, continuo fazendo a mesma coisa. Vou somando sempre a metade. A metade de ¼ é 1/8, a metade de 1/8, 1/16, e assim por diante. Os pedaços que eu vou somando serão cada vez menores, até ficarem tão minúsculos que eu nem vou mais poder vê-los, mais ou menos como no caso daquele chiclete que nós repartimos. E vou fazendo assim até não poder mais. Aí, vou chegar quase no 1: muito perto, mas nunca nele.

- Vai chegar nele, sim. Basta você seguir adiante, até o dia de São Nunca.

- É, mas não estou com vontade de fazer isso agora. Afinal, estou com gripe, de cama.

- De qualquer modo – prosseguiu o velho - , você já sabe como essa história continua, e no que vai dar. Sim, porque você pode se cansar, mas os números nunca se cansam.

No teto do quarto, o longo traço desapareceu e, em seu lugar,lia-se:

 

½ + ¼ + 1/8 + 1/16 + 1/32 + 1/64 ... = 1

 

- Excelente! – exclamou o diabo dos números. – Maravilha! Mas vamos em frente!

- Estou cansado. Eu preciso dormir!

- Mas o que é que você quer? – perguntou o velho. – Você já está dormindo. Afinal, está sonhando comigo, e só se pode sonhar quando se está dormindo.

Robert foi obrigado a concordar, ainda que estivesse se sentindo cada vez mais perto de ter uma cãibra no cérebro.

- Está bem – disse. – Só mais uma de suas idéias malucas, mas depois eu quero sossego.

O diabo dos números ergueu sua bengala e estalou os dedos. Lá em cima, no teto, apareceram de novo alguns números:

 

½ + 1/3 + ¼ + 1/5 + 1/6 + 1/7 + 1/8 + ... =

 

- Exatamente a mesma coisa de antes- disparou Robert. – Também essa série eu posso ir somando até onde eu quiser. Cada novo número é menor do que o anterior. E, provavelmente, o resultado será 1 outra vez.

- Você acha? Então vamos examinar esse problema um pouco mais de perto. Vamos pegar os dois primeiros números.

No teto, ficaram apenas os dois primeiros membros da série:

 

½ + 1/3

 

- Quanto dá isso?

- Eu sei lá – murmurou Robert.

- Não se faça de mais bobo do que você é – repreendeu-o o diabo dos números. – O que é maior: ½ ou 1/1/4?

- ½, é claro! – exclamou Robert irritado. – Você acha que eu sou idiota?

- Não, meu caro. Mas, por favor, diga-me só mais uma coisa: entre 1/3 e ¼, qual é maior?

- 1/3, é evidente.

- Pois bem. Então nós temos duas frações que são ambas maiores do que ¼. E quanto são 2/4?

- Que pergunta boba... 2/4 são ½.

- Está vendo?

 

½ + 1/3 é portanto, maior do que ¼ + ¼

 

E se, agora, tomarmos os quatro números seguintes da série e os somarmos, vamos de novo obter um resultado maior do que ½:

 

¼ + 1/5 + 1/6 + 1/7

 

- Isso é complicado demais para mim- resmungou Robert.

- Besteira! – gritou o diabo dos números. – Qual o maior:

 

¼ ou 1/8 ?

- ¼.

 

- E entre 1/5 e 1/8?

- 1/5.

- Certo. E será a mesma coisa com 1/6 e 1/7. Das quatro frações:

 

1/ 4, 1/5, 1/6, 1/7

 

Cada uma delas é maior do que 1/8. E quanto são 4/8?

Contrariado, Robert respondeu:

- 4/8 são precisamente ½.

- Maravilha. Então temos:

 

½ + 1/3             + ¼ + 1/5 + 1/6 + 1/7   +   1/8 + 1/9 + 1/10 + 1/11 + 1/12 + ... 1/16   + 1/17 ...

 

Maior do           maior do que ½                 maior do 1/2

que ½

 

E por aí vai, até o dia de São Nunca. Como você vê, já são os seis primeiros números dessa série darão um resultado maior do que 1, se a gente os somar. E nós poderíamos ir em frente, até onde quiséssemos.

- Não, por favor, não – disse Robert.

- Mas, se continuássemos (não tenha medo, nós não vamos fazer isso), onde é que chegaríamos?

- No infinito, suponho – respondeu Robert. – Isso é verdadeiramente diabólico!

- O único problema é que demoraria um tempão – explicou o diabo dos números. – Mesmo que conseguíssemos fazer as contas com uma rapidez absurda, acho que levaríamos a vida toda só para chegar até mil. E isso porque essa soma avança muito lentamente.

- Então é melhor deixar para lá – sugeriu Robert.

- É, vamos deixar para lá.

Os números no teto foram se apagando bem devagar; em silêncio, também o velho mestre desapareceu, e o tempo passou. Robert acordou com o sol fazendo-lhe cócegas no nariz. Ao pôr a mão sobre sua testa, a mãe dele disse:

- Graças a Deus, acabou a febre!

E Robert então já tinha esquecido como era fácil e lento ir escorregando desde o 1 até o infinito.

 

                                           A DÉCIMA NOITE

Robert estava sentado em cima de sua mochila, nomeio da neve. O frio subia por suas pernas e braços, e não parava de nevar. Não se via luz, casa ou gente em nenhuma parte. Era uma verdadeira tempestade de neve! E estava escuro também. Se continuasse daquele jeito, babau! Seus dedos já estavam duros e insensíveis de tanto frio. Não tinha idéia de onde se encontrava. No pólo norte, talvez?

Azul de frio e se congelando, Robert tentava desesperadamente se aquecer dando tapinhas no corpo. Afinal, não queria morrer congelado! Ao mesmo tempo, porém, um segundo Robert se achava sentado com todo o conforto em sua cadeira de vime, vendo o primeiro tremer. “Então a gente pode também sonhar com a gente mesmo”, pensou ele.

Os flocos de neve soprando no rosto do primeiro Robert, lá fora no frio, tornaram-se cada vez maiores, e o segundo Robert, o Robert verdadeiro sentado na cadeira quentinha, viu que não havia um único floco igual ao outro. Todos aqueles flocos grandes e macios eram diferentes entre si. Em geral, tinham seis pontas ou raios. E examinando melhor, descobria-se que o padrão se repetia: estrelas de seis pontas dentro de uma estrela de seis pontas; raios que se ramificavam em outros cada vez menores, dentes dando origem a outros dentes.

Foi então que sentiu um toque no ombro, e uma voz bem conhecida disse:

- Não são maravilhosos estes blocos?

Era o diabo dos números, sentado bem atrás dele.

- Onde é que eu estou? – perguntou Robert.

- Um minutinho. Vou acender a luz – respondeu o velho.

De repente, o lugar se fez claro como o dia, e Robert notou que estava num cinema, uma sala pequena e elegante com duas fileiras de poltronas vermelhas.

- Uma sessão privada – disse o diabo dos números. – Só para você!

- Eu já estava pensando que iria ter que congelar – respondeu Robert.

- Era só um filme. Olhe aqui, trouxe uma coisa para você.

Dessa vez não era uma mera calculadora. Nem era algo verde e molenga ou grande feito um sofá: era de um cinza prateado, com uma pequena tela que se podia abrir e fechar.

- Um computador! – exclamou Robert.

- É isso aí – disse o velho. – Um tipo de notebook. Tudo o que você digitar vai aparecer na mesma hora na parede lá na frente.Além disso, você pode usar este mouse para desenhar diretamente na tela do cinema. Se quiser, começamos já.

- Mas, por favor, chega de tempestades de neve! Melhor fazer contas do que se congelar no pólo norte.

- Então, você não quer digitar aí alguns números de Bonatchi?

- Você e os seus números de Bonatchi! – disse Robert. – O Bonatchi é mesmo o seu preferido, é?

Robert digitou, e, na tela do cinema, apareceu a seqüência de Bonatchi:

 

1,1,2,3,5,8,13,21,34,55,89...

 

- Agora, experimente dividi-los – sugeriu o velho mestre. – Sempre o da frente pelo de trás. O maior pelo menor.

- Está bem – respondeu Robert, e se pôs a digitar e digitar, curioso de ver o que apareceria na tela grande:

 

1:1 = 1

2:1 = 2

3:2 = 1,5

5:3 = 1, 6666666666 ...

8:5 = 1,6

13:8 = 1, 625

34:21 = 1,619047619...

55:34 = 1,617647059...

89:55 =1,618181818...

 

- Que coisa maluca! – exclamou Robert. – De novo, aqueles números que não terminam nunca. Olha só aquele 18 mordendo o próprio rabo. E alguns outros são bem insensatos também.

- É, mas tem uma outra coisa aí – instigou o velho, fazendo Robert pensar.

Robert pensou um pouco e disse:

- Todos esses números oscilam para cima e para baixo. O segundo é maior do que o primeiro; o terceiro, menor do o segundo; o quarto é, de novo, um pouquinho maior, e assim por diante. Sempre para cima e para baixo. Mas, quanto mais a gente avança, menos eles oscilam.

- E é exatamente assim. Conforme a gente vai pegando números maiores na seqüência de Bonatchi, essa oscilação fica cada vez menor e em torno de um número intermediário, mais precisamente de:

 

1,6 1 8 033 989...

 

Só não pense que a história acaba aí, porque o que a gente encontra é um número insensato que não termina nunca. Você chega cada vez mais perto dele, mas, pode fazer quantas contas quiser, não chegará nunca no tal número.

- Ah, mas que legal... – comentou Robert. – É, os números de Bonatchi são mesmo cheios de truques. Mas por que os resultados oscilam em torno desse número esquisito?

- Isso não é nada de especial – afirmou o velho. – É o que todos fazem.

- O que você quer dizer com “todos”?

- Não precisam ser números de Bonatchi. Vamos pegar dois números supercomuns. Diga-me os dois primeiros que passarem pela sua cabeça.

- 17 e 11 – respondeu Robert.

- Ótimo. Agora, por favor, some esses dois.

- Isso eu faço de cabeça: 28.

- Maravilha. Vou lhe mostrar na tela como é que essa história continua:

 

11 + 17 = 28

         17 + 28 = 45

                 28 + 45 = 73

                         45 + 73 = 118

                               73 + 118= 191

                                           118 + 191 = 309

 

- Já entendi – disse Robert. – E agora?

- Vamos fazer o mesmo que fizemos com a seqüência de Bonatchi. Dividir! Experimente para você ver.

Na tela, iam aparecendo os números que Robert estava digitando, e o que se via era o seguinte:

 

17: 11 = 1,545 454...

28: 17 = 1,647 058...

118: 73= 1,616 438...

 

- O mesmo número maluco de antes – disse Robert. – Eu não entendo. Será alguma coisa que todos os números têm? E isso funciona mesmo sempre assim? Isto é, quaisquer que sejam os dois números que eu escolha? Tanto faz?

- Com certeza – disse o velho mestre. – Aliás, caso você tenha interesse, eu lhe mostro o que mais tem nesse 1,618...

Na tela, então, apareceu algo pavoroso:

 

- Uma fração! – gritou Robert. – Uma fração tão repugnante que até dói nos olhos, e que nunca termina! Eu odeio frações. O professor Bockel adora, e vive nos atormentando com elas. Por favor, livre-me desse monstro.

- Calma, não entre em pânico. Isso é só uma fração contínua. Mas é fantástico que nosso número maluco, 1,618..., saia de um monte de uns que vão ficando cada vez menores. Isso você tem que admitir.

- Tudo, admito tudo o que você quiser, mas me poupe das frações, principalmente das que nunca terminam.

- Está bem, está bem, Robert. Eu só queria que você se admirasse. Se a fração contínua o incomoda, então vamos fazer outra coisa. Vou desenhar um pentágono para você:

Cada lado desse pentágono tem comprimento igual a 1.

- 1 o quê? – Robert logo perguntou. – 1 metro, 1 centímetro ou o quê? Quer que eu meça?

- Ora, isso não faz diferença nenhuma.

Agora o velho estava um pouco irritado.

- Vamos dizer que cada lado do pentágono mede exatamente 1 quang. Cá entre nós, podemos combinar assim, não podemos? De acordo?

- Tudo bem. Por mim...

- Agora vou desenhar uma estrela vermelha dentro do pentágono:

A estrela compõe-se de cinco traços vermelhos. Por favor, escolha um desses traços, e eu lhe direi qual o comprimento dele. Exatamente 1,618... quang. Nem um pouco a mais, nem um pouco a menos.

- Mas isso é medonho! Pura bruxaria!

Robert estava impressionado. E o diabo dos números, lisonjeado, sorriu.

- Ah, mas não é nem o começo. Preste atenção. Agora vamos pegar a estrela e medir os dois trechos vermelhos que chamei de A e B.

 

- A é um pouquinho maior do que B – notou Robert.

- E digo logo quanto A é maior do que B, para você não precisar quebrar a cabeça. A é exatamente 1,618... vezes maior do que B. Aliás, a gente poderia continuar até o dia de São Nunca, como você já sabe, pois com nossa estrela acontece algo parecido com o que vimos nos flocos de neve: dentro da estrela vermelha tem um outro pentágono preto, e dentro desse pentágono preto uma outra estrela vermelha, e assim por diante.

- E sempre vai aparecer esse maldito número insensato? – perguntou Robert.

- Você decide. Se você ainda não se cansou dessa história...

- Não, não me cansei, de jeito nenhum- garantiu Robert. – Isso é bem interessante!

- Então pegue o seu notebook. Digite aí o número maldito. Vou ditá-lo para você:

 

1,618 033 989...

 

Isso. Agora, subtraia 0,5:

 

1,618 033 989-0,5

= 1,118 033 989

 

O resultado, você dobra. Ou seja, multiplica por 2:

 

1,118 033 989 x 2

= 2,236 067 977

 

Isso, e agora faça esse número saltar. Multiplique-o por ele mesmo. Para isso, você tem aí uma tecla própria, onde está escrito x elevado a 2:

 

      -5! – gritou Robert. – Mas isso não é possível! Como é que pode dar 5? Exatamente 5?

            - Pois é – disse satisfeito o diabo dos números. – Aí está o nosso pentágono de novo, com nossa estrela vermelha de cinco pontas dentro dele.

            - Isso é mesmo diabólico! – disse Robert.

            - E agora vamos dar uns nós na nossa estrela. Onde quer que duas linhas se cruzem ou se encontrem, a gente dá um nó:

Conte quantos nós são.

            - 10 – respondeu Robert.

            - E conte também, por favor, quantas são as regiões em branco, que vamos chamar de “faces”.

            Robert contou 11.

            - Agora precisamos ainda do número de linhas. Todas aquelas que vão de um nó a outro.

            Isso demorou um tempinho, porque Robert se confundiu na contagem. Mas, por fim, ele descobriu quantas eram: 20 linhas.

            - Exato – disse o velho. – E agora vou fazer uma conta para você ver:

 

10 + 11 – 20 = 1

(N + F – L = 1)

 

Se você somar os nós com as faces e, então, subtrair o número de linhas, o resultado será 1.

            - E daí?

            - Você deve estar pensando que isso só acontece com a nossa estrela de cinco pontas. Não! O legal é justamente que o resultado dessa conta será sempre 1, qualquer que seja a figura que você pegue. Por mais complicada e por mais irregular que ela seja. Experimente. Faça aí um desenho qualquer, e você logo vai ver.

            E passou o computador para as mãos de Robert, que se pôs a desenhar com o mouse na tela do cinema:

            - Nem se dê o trabalho – disse o velho. – Eu já contei. A primeira figura tem 7 nós, 2 faces e 8 linhas. Isso dá 7 + 2 – 8 = 1. A segunda figura: 8 + 3 – 10 = 1. A terceira: 8 + 1 – 8 = 1. Sempre o mesmo 1! E, aliás, isso não vale apenas para figuras planas. Funciona também com cubos ou pirâmides ou diamantes lapidados. A única diferença é que, nesse caso, o resultado não será 1, e sim 2.

            - Isso eu gostaria de ver.

            - Olhe. Aquilo que você está vendo na tela agora é uma pirâmide:

            - Isso não é uma pirâmide nem aqui nem na China – disse Robert. – São triângulos.

            - Está bem, mas o que acontece se você dobrar e colar as pontas?

            E, de imediato, apareceu na tela o resultado, sem precisar de cola e tesoura:

            - E com essas outras figuras você pode fazer o mesmo – disse o velho, criando diversos desenhos novos na tela:

            “Se é só isso”, pensou Robert.

            - Já montei figuras antes, mas eram bem diferentes destas. A primeira vai virar um cubo, se a gente dobrar as partes e colar. Mas e as outras duas?

            - Veja. Eis o que elas vão formar: uma espécie de pirâmide dupla, com uma ponta para cima e outra para baixo, e um troço arredondado, composto de vinte triângulos exatamente iguais.

 

E você pode até construir um tipo de esfera composta só de pentágonos. O pentágono é, afinal, nossa figura preferida. Desenhada no papel, ela fica assim:

 

E, já colada, vai ficar assim:

 

            - Nada mau – disse Robert. – Talvez eu faça um desses para mim.

            - Mas não agora, por favor. Agora eu prefiro voltar à nossa brincadeira com nós, linhas e faces. Vamos pegar primeiro o cubo, que é o mais fácil:

 

Robert contou 8 nós, 6 faces e 12 linhas.

- 8 + 6 – 12 = 2 – concluiu.

- Sempre 2! Tanto faz se a figura é torta ou complicada, o resultado será sempre 2. Nós mais faces menos linhas vai dar 2. E essa é uma lei imutável. Sim, meu caro rapaz, é isso que acontece com essas figuras de papel que você pode construir para você. Mas a mesma coisa acontece com os brilhantes no anel da sua mãe. E, provavelmente, até com os flocos de neve, só que eles sempre derretem antes que você consiga terminar de contar.

Enquanto o velho dizia essas últimas palavras, sua voz foi se tornando cada vez mais fraca, mais suave. A pequena sala de cinema escurecera também, e, na tela, começou de novo a nevar. Robert, porém, não teve medo. Sabia que estava sentado num cinema quentinho, onde não poderia se congelar de frio, ainda que tudo diante dele fosse ficando cada vez mais branco.

      Ao acordar, notou que não estava deitado debaixo de uma camada de neve, mas debaixo de grossas cobertas brancas. Elas não tinham nós ou linhas pretas, e na verdade também não tinham faces propriamente ditas. E com certeza não se pareciam em nada com pentágonos. O belo computador cinza-prateado havia sumido também, é claro.

      Qual era mesmo aquele número maldito? 1,6... Até aí ele ainda lembrava, mas o resto daquele número sem fim, já tinha esquecido.

 

                                   A DÉCIMA PRIMEIRA NOITE

      Já era quase noite. Robert ia em disparada pelo centro da cidade, atravessando praças e ruas que não conhecia. Corria o máximo que podia, porque o professor Bockel estava atrás dele. Volta e meia seu perseguidor chegava tão perto que Robert podia ouvi-lo ofegar. “Pare aí!”, gritava o professor Bockel, e Robert acelerava ainda mais, tentando escapar. Não tinha idéia do que o sujeito queria dele, ou do motivo por que ele próprio estava fugindo. “Ele nunca vai me pegar”, era só que pensava. “É muito mais gordo do que eu!”

      Mas quando chegou na esquina seguinte, Robert viu à sua esquerda um segundo professor Bockel avançando em sua direção. Atravessou a rua voando, embora o sinal ainda estivesse fechado, e agora, ouvia várias vozes atrás dele gritando:

      - Robert, espere aí! Nós só queremos o seu bem!

      Eram já quatro ou cinco Bockels no seu encalço. Das travessas, iam surgindo sempre mais professores, todos tão iguais ao seu perseguidor quanto um ovo é igual ao outro. E até na própria rua pela qual corria vinham agora outros atrás dele.

      Robert gritou por socorro.

      Foi agarrado. A mão ossuda puxou-o da rua para o interior de uma galeria envidraçada. Graças a Deus! Era o diabo dos números, que lhe sussurrou:

      - Venha! Eu conheço um elevador privativo que sobe até o último andar.

      O elevador tinha espelhos dos quatro lados, de modo que Robert deparou com uma multidão infinita de diabos dos números e de meninos que eram cópias idênticas dele próprio. “É nisso que dá eu ficar me metendo com esses números infinitos!”, pensou.

      De qualquer forma, as vozes dos Bockels lá fora, na rua, haviam silenciado. Logo Robert e o diabo dos números chegaram ao qüinquagésimo andar. A porta do elevador se abriu sem fazer barulho, e eles saíram para um magnífico terraço com jardim.

      - Este sempre foi o meu sonho – disse Robert ao sentar com o diabo dos números num balanço hollywoodiano.

      Na rua, lá embaixo, podiam enxergar uma aglomeração de pessoas que, vistas de cima, pareciam formigas.

      - Eu não sabia que existiam tantos professores Bockel no mundo – disse Robert.

      - Isso não tem importância nenhuma. Você não precisa ter medo deles – assegurou o velho.

      - Uma coisa dessas só deve acontecer mesmo em sonho – murmurou Robert. – Ainda bem que você chegou, porque eu não estava mais conseguindo pensar direito.

      - Mas é para isso que eu estou aqui. E aqui em cima ninguém vai nos incomodar. E então, o que é que há?

      - A semana inteira, desde o nosso último encontro, eu fiquei pensando como as coisas que você me mostrou se encaixam. Tudo bem, você me ensinou um monte de truques, é verdade. Mas eu me pergunto: por quê? Por que o resultado desses truques é o que é? Por exemplo, o número maldito. Ou o 5. Por que os coelhos se comportam como se soubessem o que é um número de Bonatchi? Por que os números insensatos nunca terminam? E por que tudo o que você faz e diz dá certo sempre?

      - Ah – disse o diabo dos números -, então é isso. Você não quer apenas brincar com os números? Quer saber o que há por trás deles? As regras do jogo? O sentido das coisas? Em resumo, você está se fazendo as perguntas que um matemático de verdade faria.

      - Matemático ou não, o que você sempre fez, no fundo, foi apenas me mostrar as coisas; provar as coisas, você nunca provou.

      - É verdade – disse o velho mestre. – Você me desculpe, mas o fato é que mostrar as coisas é fácil e divertido. Conjecturar coisas também não é nada mau. Experimentar se a conjectura está correta é ainda melhor. E isso nós fizemos o suficiente. O problema é que infelizmente isso tudo não basta. O que importa é a demonstração, e até você quer agora ter tudo demonstrado.

      - É claro. Afinal, muito do que você me disse eu compreendo sem maiores problemas. Mas algumas coisas eu não entendo como funcionam, de que forma e por quê.

      - Em suma, você está insatisfeito. Isso é bom. Por acaso você acha que um diabo dos números como eu algum dia ficaria satisfeito com o que descobriu? Nunca, nunquinha! E é por isso que ficamos sempre bolando novas provas. É um eterno ruminar e maquinar e cavoucar. Mas quando, enfim, uma luz aparece ( e isso pode demorar muito tempo: na matemática, cem anos passam num piscar de olhos), ah, aí é claro que ficamos alegres feito crianças. Aí ficamos felizes.

      - Você está exagerando. Provar as coisas não pode ser tão difícil assim.

      - Você não faz idéia. Mesmo quando você acredita que compreendeu uma coisa, pode acontecer de você de repente esfregar os olhos e, então, ser obrigado a ver que algo está errado.

      - Por exemplo?

      - Provavelmente, você deve achar que entende a história dos números saltando. Só porque é fácil para você ir de 2 a 2 x 2 e a 2 x 2 x 2.

      - É claro: 2 elevado a 1, 2 elevado a 2, 2 elevado a 3, e assim por diante. È muito fácil.

      - Certo, mas o que acontece quando você salta 0 vezes? 1 elevado a 0, 8 elevado a 0 ou 100 elevado a 0? Você sabe quanto dá isso? Quer que eu diga? Você vai rir, mas vai dar 1 de novo:

 

      - Como assim? – perguntou Robert perplexo.

      - Melhor nem perguntar... Eu poderia demonstrar para você que é assim, mas acho que você ficaria louco se eu fizesse isso.

      - Experimente! – exclamou Robert furioso.

      Mas o diabo dos números não se deixou perturbar.

      - Você já tentou – perguntou ele – atravessar um rio caudaloso?

      - Ah, isso eu conheço bem, conheço muito bem! – exclamou Robert.

      - A nado, não dá, porque a correnteza logo o arrastaria para longe. Mas, no meio do rio, tem algumas pedras. O que você faz então?

      - Procuro pedras que estejam bem próximas, para que eu possa ir pulando de uma para outra. Assim, se tiver sorte, chego do outro lado. Se não, fico preso no meio do rio.

      - E é exatamente a mesma coisa que acontece com as demonstrações. Mas, como há milênios a gente vem tentando de tudo para atravessar o rio, você não precisa começar do começo. Já são inúmeras as pedras do rio em que você pode confiar. Elas já foram testadas milhões de vezes. Não são escorregadias, não cedem e assim garantem um passo firme. Quando você tem uma idéia nova, uma conjectura, aí procura pela pedra mais próxima. E, se pode alcançá-la, vai pulando até chegar a terra firme. Se você prestar bastante atenção, não vai molhar os pés.

      - Ah-ah – disse Robert. – Mas, no caso dos números, dos pentágonos ou dos números saltando, onde está a terra firme? Será que você pode me dizer isso?

      - Boa pergunta – respondeu o diabo dos números. – A terra firme nesse caso são algumas afirmações tão simples que não há nada mais simples do que elas. Uma vez tendo chegado a essas afirmações, fim de papo. Elas valem como prova.

      - E que afirmações seriam essas?

      - Bom, por exemplo: para cada número comum, seja ele 14 ou 14 bilhões, existe um e um único sucessor, e este você encontra somando 1 àquele número. Ou: um ponto não pode ser dividido, porque ele não possui extensão. Ou: ligando dois pontos numa superfície plana, você só pode traçar uma única linha reta, e ela segue infinitamente em ambas as direções.

      - Isso eu compreendo. Quer dizer que, partindo dessas afirmações e pulando sempre adiante, você chega nos números malditos ou de Bonatchi?

      - Chego fácil. E vou muito mais adiante. A única coisa é que você precisa prestar uma atenção danada em cada pulo. Como no rio caudaloso. Algumas pedras ficam muito distantes entre si. E aí você não pode pular de uma para outra. Se você tentar pular, vai cair na água. Para ir em frente, muitas vezes é preciso dar uma volta, dobrar várias esquinas, e, algumas vezes, não tem jeito mesmo. Então, pode ser que você tenha uma idéia tentadora mas não consiga provar que ela pode conduzi-lo adiante. Ou então descobre que a sua bela idéia não era bela coisa nenhuma. Você ainda lembra do que lhe mostrei bem no comecinho? Daquela história de como se pode fazer aparecer todos os outros algarismos a partir do 1?

 

1 x 1 = 1

11 x 11 = 121

111 x 111 = 12321

1111 x 1111 = 1234321

 

      E assim por diante. Bem que parecia que a gente poderia continuar fazendo os algarismos aparecerem dessa forma, não é?

      - É, e você ficou furioso quando eu disse que tinha alguma coisa de errado aí. Bom, verdade que eu só disse aquilo para irritá-lo, porque não tinha mesmo a menor idéia do que estava falando.

      - Ainda assim, você mostrou ter um bom faro. Eu continuei fazendo as contas e, de fato, ao chegar em:

 

111 111 111 x 1 111 111 111

 

caí na água. De repente, comecei a só encontrar uma salada de algarismos. Você está entendendo? O truque parecia bom e funcionava bem, mas, no final das contas, isso não adianta nada sem uma demonstração.

Como você pode ver, nem mesmo um esperto diabo dos números está livre de um tombo. Eu me lembro de um sujeito, Joãozinho da Lua era o seu nome, que teve uma idéia espetacular. Aí, ele a escreveu numa fórmula, e pensou que essa fórmula daria certo sempre. Então, o doido testou-a 1,5 bilhão de vezes, sempre com sucesso. Quase se matou de tanto fazer contas em seu computador gigante(com muito, muito maior precisão do que nós com nosso número maluco, o 1,618...) e, claro, convenceu-se de que sua fórmula seguiria dando certo. Assim, satisfeito, o bom Joãozinho relaxou e descansou. Mas não demorou muito, um outro diabo dos números (esqueci o nome dele) pôs-se a fazer ainda mais contas, e com precisão ainda maior. Bom, e o que ele descobriu?

Que o Joãozinho da Lua tinha se enganado. Sua fórmula maravilhosa dava certo quase sempre, mas não sempre. Foi por pouco, mas apenas quase! Pois é, o pobre-diabo teve azar. Aliás, a história tinha a ver com os números primos. E os números primos são fogo, pode acreditar. Essa história de demonstrar é um inferno de difícil.

      - Também acho – concordou Robert. – Até mesmo quando se trata de umas míseras rosquinhas. O professor Bockel, por exemplo, quando começa sua ladainha sobre por que leva tantas horas para que tantos padeiros façam tantas de suas eternas rosquinhas... Ah, isso dá nos nervos, e está longe de ser tão interessante quanto as suas mágicas.

      - Eu acho que você está sendo injusto com ele. O seu professor Bockel precisa se arrebentar todo santo dia para corrigir as tarefas de você e não pode ficar pulando de uma pedra para a outra como nós, de acordo com seu humor e vontade. Ele tem um plano de aula para obedecer. Sinto muita pena dele, coitado. Aliás, eu acho que ele já foi para casa corrigir tarefas.

      Robert deu uma olhada para a rua lá embaixo. E, de fato, estava tudo vazio e silencioso.

      - Muitos de nós – prosseguiu o velho mestre – têm uma vida ainda mais dura que a do seu professor Bockel. Um de meus colegas mais velhos, por exemplo, o famoso lord Russell da Inglaterra, certa vez inventou de querer provar que 1 + 1 = 2. veja, eu copiei aqui nesta folha de papel o que ele fez:

 

      - Brrr! – fez Robert, chacoalhando-se. – Mas isso é horrível! E para que tudo isso? Que 1 + 1 = 2 até eu sei.

      - Sim, isso o lord Russell também sabia, mas acontece que ele queria saber com certeza. E você está vendo até onde isso pode levar. Na verdade, existem montes de outros problemas que parecem tão simples quanto 1 + 1 = 2 mas que são terrivelmente difíceis de resolver. Por exemplo, uma viagem a passeio. Imagine que você está indo para os Estados Unidos e tem 25 conhecidos lá. Cada um deles mora numa cidade diferente, e você quer visitar todo o mundo. Então você pega um mapa e pensa na melhor maneira de fazer isso. Quer dizer, rodando o mínimo possível de quilômetros, para que você não precise gastar tanto tempo nem tanta gasolina. Qual a rota mais curta? Qual o melhor modo de encontra-la? Parece bem fácil, não é? Mas, eu lhe garanto, muitos já quebraram a cabeça tentando descobrir. As maiores raposas entre os diabos dos números já tentaram roer esse osso, mas ninguém ainda conseguiu roê-lo de fato.

      - Como assim? – admirou-se Robert. – Não pode ser tão difícil! Eu penso quantas possibilidades existem, desenho-as no meu mapa e então faço a conta para ver qual a rota mais curta.

      - Certo- disse o velho. – Você monta, por assim dizer, uma rede com 25 nós.

      - É evidente. Se quero visitar 2 amigos, só vai existir 1 rota: de A para B:

 

      - 2. Você poderia também fazer o contrário: de B para A.

      - Dá no mesmo – disse Robert. – E se são 3 os amigos?

      - Então as possibilidades serão 6:

 

A distância, aliás, é sempre a mesma para qualquer uma dessas rotas. Mas, se são 4 os amigos, então começa a tortura da escolha:

      - É – concordou Robert -, mas eu não estou com vontade de ficar contando todas essas rotas.

      - São exatamente 24 – disse o diabo dos números. – Receio que seja um problema parecido com aquele sobre o lugar onde sentar na sua classe. Você com certeza se lembra da confusão que foi com o Albert, a Bettina, o Charlie etc., porque existiam várias possibilidades diferentes, diversas maneiras de sentar as pessoas uma ao lado da outra.

      - Um caso muito claro! – Robert sabia a resposta. – Se são 3 alunos, 3 bum!, se são 4, 4 bum!, e assim por diante.

      - E a mesmíssima coisa acontece com a sua viagem.

      - Então onde está o problema insolúvel? Eu só preciso calcular quantas rotas são possíveis e, depois, escolher a mais curta.

      - Há! – exclamou o velho. – Tomara fosse assim tão fácil! O problema é que, com 25 amigos, já são 25 bum! possibilidades, e esse é um número pavoroso de grande. Mais ou menos:

 

1 600 000 000 000 000 000 000 000 000

 

Seria impossível verificar todas essas possibilidades para ver qual delas é a mais curta. Mesmo com o maior computador que existe você nunca chegaria ao fim.

      - Ou seja: não dá.

      - Depende muito. A gente vem quebrando a cabeça com isso faz muito tempo. Os mais inteligentes diabos dos números já tentaram todos os truques possíveis e chegaram à conclusão de que às vezes dá, às vezes não dá.

      - Que pena – lamentou Robert. – Se só é possível resolver o problema às vezes, a solução fica pela metade.

      - E o pior é que não conseguimos sequer provar de uma vez por todas que não existe uma solução perfeita. Sim, porque também porque isso já seria alguma coisa. Aí não precisaríamos mais continuar tentando. Teríamos pelo menos provado que não existe demonstração possível, e isso também seria enfim uma prova.

      - Hum – murmurou Robert. – Então quer dizer que às vezes até os diabos dos números dão com os burros n’água? Isso já me deixa mais tranqüilo. Eu estava achando que vocês podiam fazer suas mágicas quanto quisessem.

      - Isso é o que parece. Quantas vezes você acha que já me aconteceu de não conseguir atravessas o rio? E aí fico contente só por conseguir voltar para minha velha e segura margem com os sapatos secos. E Deus sabe que não quero afirmar que sou o maioral, mas com os grandes mestres entre os diabos dos números ( e alguns deles você talvez ainda venha a conhecer) não é diferente. Isso, porém, significa apenas que a matemática nunca estará pronta e acabada. Felizmente, tenho que dizer. Sempre haverá algo por fazer, meu caro Robert. E, por isso mesmo, você vai me desculpar, mas eu vou indo. É que amanhã cedo quero estudar o algoritmo simplexo para superfícies de politopos...

      - Estudar o quê?

      - A melhor maneira de desfazer uma confusão. Por isso preciso estar bem descansado amanhã. Vou dormir agora. Boa noite!

      O diabo dos números desapareceu. O balanço hollywoodoano onde ele estivera sentado continuou ainda balançando suave para a frente e para trás. Mas o que era aquilo: politopo? “Ora, tanto faz”, pensou Robert. “O fato é que não preciso mais ter medo do professor Bockel. Se ele vier atrás de mim de novo, o diabo dos números com certeza vai me tirar do sufoco.”

      A noite estava quente, e era agradável sonhar daquele jeito no jardim do terraço. Robert continuou balançando, sem pensar em nada, até acordar com o dia já bem claro.

 

                           A DÉCIMA SEGUNDA NOITE

Robert não sonhava mais. Não havia mais peixes gigantes querendo engoli-lo ou formigas subindo por suas pernas. Até mesmo o professor Bockel e seus muitos irmãos gêmeos o haviam deixado em paz. Não escorregava mais, não o trancavam num porão, e ele já não tinha que se congelar lá fora, na neve. Resumindo, dormia bem como nunca.

E isso era bom, mas, com o tempo, foi se tornando uma chatice. O que acontecera com o diabo dos números? Será que tinha tido uma boa idéia e não conseguira prova-la? Ou teria mergulhado de cabeça naquelas suas superfícies de politopos (ou fosse qual fosse o nome daquelas coisas de que ele falara da última vez)?

Será que, no final das contas, ele tinha simplesmente esquecido de Robert?

O fim dos sonhos! Eis o que isso significaria . E Robert não gostou nem um pouco da idéia. Sua mãe admirava-se de ele passar horas sentado no jardim, rabiscando nós e redes numa folha de papel para ver se descobria a maneira mais fácil de visitar um a um todos aqueles amigos inexistentes nos Estados Unidos.

- É melhor você ir fazer a sua tarefa – dizia ela então.

Certo dia,em plena aula de matemática,o próprio professor Bockel também o flagrou,dessa vez escondendo uma folha de papel embaixo da carteira.

- O que é isso aí,Robert?Mostre para min!

Mas Robert já havia amassado a folha de papel com o grande e colorido triângulo dos números, e lançara a bola para seu amigo Charlie.Nele,podia confiar.Charlie cuidou de que o professor Bockel não ficasse sabendo do que Robert andava fazendo às escondidas.

Uma noite,Robert estava de novo dormindo tão pesado e tranqüilo que nem sequer notou que alguém batia com insistência na porta de seu quarto.

- Robert!Robert!

Levou um bom tempo até ele acordar.Robert então levantou-se da cama e abriu a porta.Era o diabo dos números.

- Você voltou,finalmente!-exclamou Robert.-Eu já estava com saudade.

- Rápido –disse o velho.-Venha comigo!Eu tenho um convite para você.Olhe!

E tirou do bolso um convite impresso,com letras gravadas e bordas douradas.Robert leu:

 

Em mãos

Por meio deste convida-se

Robert

discípulo do diabo dos números

Teplotaxl

para o grande jantar desta noite

no inferno dos números/paraíso dos números

Secretário-geral:

 

A assinatura era um desenho ilegível,mais parecendo persa ou árabe.

Robert vestiu-se o mais depressa que pôde.

- Então o seu nome é Teplotaxl?Por que você nunca me disse?

- Só os iniciados têm permissão para saber o nome de um diabo dos números - disse o velho.

- Quer dizer que eu agora sou um deles?

- Quase.Do contrário você não teria recebido um convite.

- Engraçado...-Robert murmurou.-O que significa isto:”no inferno dos números/paraíso dos números”?Ou é um ou é outro.

- Ora,paraíso dos números,inferno dos números...No fundo,é tudo a mesma coisa.

Ele estava em pé junto à janela e a escancarou.

- Você já vai ver.Está pronto?

- Estou-disse Robert,embora aquela historia toda estivesse parecendo misteriosa demais para ele.

- Então suba nos meus ombros.

Robert receou que se peso fosse excessivo para o franzino diabo dos números,que não era exatamente um gigante.Mas não quis contrariá-lo.E vejam só: mal tinha se acomodado nos ombros do velho,o mestre partiu janela afora com um salto portentoso,voando dali na companhia de Robert.

“Uma coisa dessas só acontece em sonho”, pensou Robert.

E por que não?Uma viagem aérea sem turbinas,sem apertar o cinto de segurança,sem aquelas aeromoças idiotas sempre oferecendo brinquedos de plástico e cadernos para desenhar,como se a gente tivesse três anos de idade ...Bem legal,para variar!Então, após um vôo silencioso,o diabo dos números afinal aterrissou suavemente em grande terraço.

- Chegamos-disse ele.E Robert desceu.

Estavam diante de um comprido e luxuoso palácio,todo iluminado.

- Mas onde foi que enfiei meu convite?-perguntou-se Robert.-Acho que o esqueci em casa.

- Não tem importância-tranquilizou-o o diabo dos números.-Aqui,todo o mundo que quiser realmente,pode entrar.Mas quem é que sabe onde fica o paraíso dos números?É por isso que só uns poucos encontram o caminho.

De fato,a alta porta dupla estava aberta,e não havia ninguém para tomar conta de possíveis visitantes.

Os dois entraram,chegando a um corredor de comprimento incomum,repleto de portas.A maioria delas estava encostada;as outras,bem abertas.

Robert lançou um olhar curioso para o inferior da primeira sala. Teplotaxl pôs o dedo indicador nos lábios e sussurrou:”Psiu!”.Lá dentro estava sentado um homem muito velho,com os cabelos todos bem brancos e um nariz comprido.Falava sozinho:

- Os ingleses são todos mentirosos. Mas o que acontece quando eu digo isso?Afinal,eu também sou um inglês.Portanto,estou mentindo também.E,se é assim, o que acabei de afirmar não pode estar correto:ou seja,que tosos os ingleses mentem.Se, contudo,eles dizem a verdade,então o que eu disse antes há de ser verdade também.O que quer dizer que mentimos sim!

E,enquanto assim murmurava,caminhava em círculos a passos pequenos, sem parar.

O diabo dos números acenou para Robert,e eles seguiram adiante.

- Esse é o pobre de Lord Russell - o guia explicou a seu convidado. -Você sabe,aquele que provou que 1+1=2.

- E ele está um pouquinho gagá?Bom, não seria de admirar. Já é bem velhinho.

- Ah, não se iluda!O sujeito tem um pensamento afiadíssimo. E, além do mais,o que você que dizer com “velho”?Lord Russell é um dos mais jovens na casa. Ainda não tem 150 anos nas costa.

- Então vocês têm gente ainda mais velha aqui no palácio?

- Isso você já vai ver-respondeu Teplotaxl. –No inferno dos números, quero dizer,no paraíso dos números as pessoas não morrem.

E chegaram diante de uma outra porta,também ela escancarada.Lá dentro estava sentado um homenzinho tão minúsculo que Robert somente o descobriu depois de procurar muito.A sala se encontrava lotada de objetos curiosos.Alguns deles eram grandes rosquinhas de vidro.”O professor Bockel gostaria delas”,pensou Robert,”embora não se possa comê-las e seu formato seja estranho.”Entrançavam-se de um modo peculiar e tinham diversos buracos.E havia também uma garrafa de vidro verde.

- Olhe bem para ela - sussurrou o diabo dos números no ouvido de Robert. – Não dá nem para saber qual o lado de dentro e qual o lado de fora.

Robert pensou: “Ora, isso não existe!Uma garrafa dessas só se vê em um sonho”.

- Imagine que você quisesse pintá-la de azul por dentro e de vermelho por fora.Não dá, por que ela não tem uma borda.Você nunca saberia onde o lado vermelho termina e azul começa.

- E quem a inventou foi aquele senhor minúsculo ali? Ele caberia muito bem dentro de sua própria garrafa.

- Não fale tão alto!Sabe como ele se chama?Doutore Klein, é um nome que quer dizer “pequeno” em alemão. Venha, precisamos ir andando.

Passaram por diversas outras portas. Em muitas, via-se pendurada uma placa de papelão em que se lia: “Favor não incomodar”.Pararam defronte a uma outra porta escancarada.As paredes e os móveis da sala estavam recobertos de uma fina camada de poeira.

- Isto não é poeira comum – disse Teplotaxl – Tem mais grãos do que se pode contar. E o mais legal é que, se dessa poeira você pegar apenas o que caberia na ponta de uma agulha, essa quantidade minúscula conteria em si tosa a poeira que há nesta sala. Este,aliás,é professor cantor, que foi quem inventou essa poeira.”cantor” é latim,e significa “cantor” mesmo.

De fato podia-se ouvir o habitante da sala, um senhor pálido, de cavanhaque e olhos saltados,cantando para si próprio:

- Infinito vezes infinito é igual a infinito! – E, ao fazê-lo,dançava nervoso em círculos.- Superinfinito vezes infinito é igual a superinfinito.

“Melhor ir embora depressa,pensou Robert.

Seu amigo bateu gentilmente numa das portas seguintes, e uma voz amistosa respondeu com um “entre”.Teploxl tinha mesmo razão.Todos os habitantes do palácio eram tão velhos que,comparado a eles,o diabo dos números parecia um rapazinho.Contudo, os dois anciãos que viam agora transmitiam uma impressão bastante vivaz.Um deles tinha olhos grandes e usava peruca.

- Entrem, meus senhores, por favor. Meu nome é Eule,”corujão” em português.E este aqui é o professos Grauss,o “terrível”.

O professor Grauss parecia severo de fato. Mal levantava os olhos de seus papéis. Robert tinha a sensação de que a visita não era lá muito bem-vinda.

- Estávamos aqui conversando sobre os números primos – disse o mais simpático. – Os senhores com certeza sabem que esse é um tema dos mais interessantes.

- Ah, sem dúvida – falou Robert. – Com eles, a gente nunca sabe direito onde está pisando.

- Você tem razão. Mas, com a ajuda do meu colega aqui, eu continuo tendo esperança de descobrir os truques desses primos.

- Se me permite, gostaria de perguntar o que o professor Grauss,o terrível,está fazendo.

O professor, porém,não quis revelar no que estava trabalhando.

- O professor Grauss,o terrível,fez uma descoberta maravilhosa.Ele está trabalhando com um tipo inteiramente novo de números.Como foi mesmo que o senhor os chamou,meu caro amigo?

- i – respondeu o ancião de olhar severo,e isso foi tudo o que ele disse.

- São os números inventados – explicou Teplotaxl. – Muito obrigado, meus senhores, e,por favor,perdoem o incômodo.

Robert e o diabo dos números seguiram adiante. Deram uma olhadinha na sala do Bonatchi,lotada de coelhos.Depois, passaram por outras,em que índios,árabes,persas e indianos estavam trabalhando,batendo papo ou dormindo,e,quanto mais eles avançavam,tanto mais velhos pareciam os habitantes do palácio.

- Aquele ali,que se parece com um marajá,tem pelo menos 2 mil anos – disse Teplotaxl.

As salas pelas quais passavam iam se tornando cada vez maiores e mais luxuosas, até que,por fim,Robert e o velho se viram diante de uma espécie de templo.

- Aí a gente não pode entrar – disse o diabo dos números. – O homen de túnica branca é tão importante que um pequeno diabo como eu não pode sequer lhe dirigir a palavra. Ele é da Grécia, e inventou uma quantidade tão grande de coisas que não dá nem para eu lhe contar.Está vendo os ladrilhos no chão?São todos estrelas de cinco pontas e pentágonos. Ele queria revestir o chão todo deles, sem deixar uma única frestinha, e, quando viu que não dava certo,descobriu os números insensatos.A raiz de 5 e a raiz de 2.Você lembra que tipo de números malditos são esses,não lembra?

- É claro – assegurou Robert.

- Pitágoras é o nome dele – sussurrou o diabo dos números – E sabe o que mais ele inventou?A palavra matemática. Vamos, estávamos quase chegando.

O salão em que entravam agora era maior que Robert já tinha visto em toda a sua vida. Maior que Robert já tinha visto em toda a sua vida. Maior do que uma catedral e maior do que um ginásio de esportes, além de muito, muito mais bonito. Mosaicos adornavam as paredes, exibindo desenhos sempre diferentes.Uma grande escadaria subia tão alto que não se podia ver o fim dela.Num patamar via-se um trono dourado, mas o trono estava vazio.

Robert se espantou. Não tinha imaginado que a casa do diabo dos números era tão luxuosa.

- Inferno, é? – disse ele. – Para mim, isto aqui é um paraíso!

- Não diga isso. Sabe de uma coisa?Eu não posso mesmo me queixar, mas à noite, quando às vezes não consigo avançar no problema que estou estudando...ah,isso é para deixar qualquer um maluco!Estou a um passo da solução e, de repente, me vejo diante de um muro: é um inferno!

Cuidadoso, Robert ficou calado e se pôs a olhar em torno. Somente agora ele tinha notado, bem no meio do salão, uma mesa que não acabava mais de tão comprida. Junto às paredes, viam-se serviçais e,logo à entrada,um sujeito alto como uma árvore segurando uma marreta.O homem afastou bem o braço que segurava a marreta e com ela golpeou um gongo enorme,fazendo seu som ecoar por todo o palácio.

- Venha – disse Teplitaxl. – Vamos procurar um lugar lá no fim.

Enquanto os dois sentavam ao final da mesa, foram chegando os mais importantes diabos dos números. Robert reconheceu o corujão e o professor Grauss,o terrível;reconheceu Bonatchi também,que trazia um coelho nos ombros.Mas a maioria dos cavalheirosa ele jamais tinha visto.Eram egípcios desfilando solenemente,indianos com pontos vermelhos na testa,árabes vestindo albornozes,monges em seus hábitos,negros e índios também,turcos com seus sabres curvos,e americanos usando jeans Robert estava espantado de ver quantos diabos dos números existiam, e como havia poucas mulheres entre eles. Viu no máximo seis ou sete figuras femininas, e,ao que parecia,nem sequer essas eram levadas muito a sério.

- Onde estão as mulheres?Elas não podem entrar aqui? – perguntou.

- Antigamente, não se queria saber delas.”A matemática”,dizia-se no palácio,”é coisa para homens”.Mas eu acho que isso vai mudar.

Os muitos milhares de convidados se acomodaram em seus lugares e puseram-se a murmurar cumprimentos .Então,o homem alto como uma árvore logo à entrada golpeou mais uma vez o seu gongo,e todos ficaram em silêncio.Na escadaria enorme surgiu um chinês em trajes de seda,e foi sentar-se no trono dourado.

- Mas quem é esse? – perguntou Robert.

- É o inventor do 0 – sussurrou Teplotaxl.

- Deve ser o maioral.

- É o segundo em importância – corrigiu o diabo dos números. – O maior de todos mora bem lá em cima,onde termina a escadaria:nas nuvens.

- E ele também é chinês?

- Quem me dera saber! Nós nunca o vimos, nem uma única vez. Mas todos nós o veneramos. Ele é o chefe de todos os diabos dos números, porque foi ele quem inventou o 1.Quem é que sabe?Talvez nem seja um homem. Talvez seja uma mulher!

Robert estava tão impressionado que ficou um longo tempo de boca fechada. Enquanto isso, os serviçais haviam começando a servir o jantar.

- Ora, mas só tem torta! – exclamou Robert.

- Psiu! Não fale tão alto, meu rapaz. Aqui, nós só comemos tortas, porque elas são redondas, e o círculo é mais perfeita das figuras. Experimente.

Robert jamais tinha comido algo tão delicioso.

- Se quiser saber qual o tamanho de uma torta dessas, como é que você faz?

- Não sei. Isso você não me contou. E, na escola, a gente ainda não saiu das rosquinhas.

- Você vai precisar de um número insensato, e, aliás, do mais importante deles. O cavalheiro lá na cabeceira da mesa foi quem o inventou, há mais de 2 mil anos. É um dos gregos. Se ele não tivesse existido, nós até hoje provavelmente não saberíamos ao certo o tamanho de uma torta assim, nem o tamanho das nossas rodas, anéis e tanques de petróleo. Simplesmente não saberíamos o tamanho de tudo o que é redondo.Nem mesmo da Lua e da Terra.Sem o número pi não há o que fazer.

Nesse meio tempo, um grande burburinho tomara conta do salão, graças à animação com que conversavam os diabos dos números. A maioria comia com grande apetite; somente alguns poucos olhavam fixo para lugar nenhum, perdidos em seus pensamentos e girando pedacinhos redondos de massa de torta. A bebida era farta também e, por sorte, servida em copos pentagonais de cristal, e não naquela garrafa maluca do senhor Klein.

Terminada a refeição, soou o gongo. O inventor do 0 levantou-se de seu trono e desapareceu escada acima. Pouco a pouco , os demais diabos dos números foram se levantando também (primeiro os mais importantes, é claro) e retornando a suas salas de estudo. No fim, somente Robert e seu professor permaneciam sentados.

Então um senhor vestindo um uniforme luxuoso, cuja presença Robert nem sequer notara, se aproximou deles.”Só pode ser o secretário-general”, pensou, “ o homem que assinou o meu convite.”

- É este o vosso discípulo, então – principiou a digníssima figura com uma expressão austera.

- Bem jovem, o senhor não acha? Será que ele já é capaz de fazer ao menos algumas pequenas mágicas?

- Ainda não – respondeu o amigo de Robert. – Mas, se continuar assim, com certeza logo vai começar a fazê-las.

- E quanto aos números primos? Ele sabe quantos deles existem?

- Eles são tantos quanto os comuns, os ímpares e os que saltam – respondeu Robert depressa.

- Muito bem .Então vamos dispensá-lo de mais perguntas. Como é que ele se chama?

- Robert.

- Levante-se, Robert. Neste momento, eu o acolho no grau mais baixo dos aprendizes dos números e, como emblema desta honra, concedo-lhe a Ordem Numérica Pitagórica de quinta classe.

Com essas palavras, o homem pendurou no pescoço de Robert uma pesada corrente da qual pendia uma estrela dourada de cinco pontas.

- Muito obrigado – disse Robert.

- È evidente que esta distinção deve permanecer em segredo – acrescentou o secretário-geral, que, sem lançar um único olhar para Robert, girou sobre seus calcanhares e desapareceu.

- Pois bem, isso é tudo – disse o amigo e mestre de Robert. – Eu vou indo. De agora em diante, você precisa ver como se sai sozinho.

- O quê ? Você não pode me abandonar numa hora dessas, Teplotaxl! – exclamou Robert.

- Sinto muito, mas preciso voltar para o trabalho – disse o velho.

Olhando para ele , Robert viu que seu amigo estava comovido, e o próprio Robert sentia vontade de abris no berreiro.Ele ainda não tinha percebido o quanto gostava de seu diabo dos números. Mas, é claro, nem um nem outro quis demonstrar qualquer coisa , e Teplotaxl disse apenas:

- Cuide-se bem, Robert.

- Tchau – respondeu Robert.

E lá se foi o seu amigo. Robert estava agora sentado sozinho no enorme salão, diante da mesa já arrumada. “Mas que diabo! Como é que vou para casa agora?”, pensou. Ele tinha a sensação de que a corrente que trazia em torno do pescoço se tornava mais pesada a cada minuto. Além disso, sentia a torta maravilhosa pesando no estômago. E será que tinha bebido um pouquinho a mais? De qualquer modo, começou a cochilar na cadeira, e logo estava dormindo tão profundamente como se nunca tivesse deixado seu quarto, voando janela afora nos ombros de seu mestre.

Quando acordou, é claro que estava deitado em sua cama, como sempre, com a mãe chacoalhando-o e dizendo:

- Esta na hora, Robert. Se você não se levantar neste minuto, vai chegar atrasado à escola.

“Certo”, Robert disse a si próprio, “é sempre a mesma coisa. No sonho, a gente come a melhor das tortas e, se tiver sorte, ganha até uma estrela de ouro pendurada no pescoço. Mas é só acordar, tudo desaparece de novo”.

Quando, porém, ainda de pijama, escovava os dentes no banheiro, sentiu algo fazer cócegas em seu peito e, quando foi olhar o que era, encontrou uma minúscula estrela de cinco pontas pendendo de uma fina correntinha de ouro.

Mal podia acreditar, Dessa vez o sonho lhe trouxera alguma coisa de verdade!

Ao se vestir, tirou a correntinha com a estrela e guardou-a no bolso da calça, para evitar que sua mãe me fizesse perguntas idiotas.”Onde você arrumou esta estrela?”, ela perguntaria de imediato.”Um menino não usa essas coisas!”

Que aquilo tinha a ver com uma ordem secreta, Robert não podia explicar a ela.

Na escola, correu tudo como sempre. A única diferença foi que o professor Bockel parecia muito cansado. Escondia-se atrás de seu jornal. Era evidente que queria comer suas rosquinhas em paz. Por isso bolara um exercício que sabia que a classe levaria o reto da aula para resolver.

- Quantos alunos tem a classe de vocês? – perguntara.

Imediatamente, a aplicada Doris levantara e respondera:

- 38.

- Muito bem, Doris. Agora, prestem atenção. O primeiro aluno aqui na frente, como é mesmo que ele se chama? Ah, Albert, isso, o Albert vai receber 1 rosquinha. Você, Bettina, é a segunda, e vai receber 2 rosquinhas, Charlie receberá 3, Doris 4 , e assim por diante, até 38 . Agora me digam, por favor, de quantas rosquinhas precisaríamos se quiséssemos distribuí-las dessa maneira para a classe toda?

Era, de novo, um exercício chato, típico do professor Bochel! “Que o diabo o carregue”, pensou Robert. Mas não demonstrou sua irritação.

O professor Bochel começou a ler seu jornal na santa paz, e os alunos se debruçaram sobre suas contas.

É lógico que Robert não estava com vontade nenhuma de fazer aquele exercício idiota. Ficou sentado em sua carteira procurando buracos no ar.

- O que houve, Robert? Você já está sonhando de novo! – exclamou o professor Bockel. Mantinha, portanto, um olho nos alunos.

- Já estou fazendo o exercício – respondeu Robert, e começou a escrever no seu caderno:

 

1 + 2 + 3 + 4 + 5 + 6 . . .

 

Meu Deus, mas que coisa terrível! Já no 11 ele estava todo enrolado. Aquilo tinha que acontecer com ele, o portador da Ordem Numérica Pitágorica, ainda que apenas de quinta classe?Foi então que lhe ocorreu que não estava usando sua estrela. Ele a havia esquecido no bolso da calça.

Com cuidado, tirou a estrela do bolso e , sem que o professor Bockel notasse, pendurou a correntinha onde era o lugar dela: em torno do pescoço. No mesmo instante, já sabia como resolver a questão de maneira elegante. Não era à toa que conhecia muito bem os números triangulares. Como é que era mesmo? Escreveu no caderno:

 

   1     2       3       4     5     6

      

     12     11     10     9     8     7

 

13       13       13     13     13   13

 

6   x   13 = 78

 

Se isso funcionou com os números de 1 a 12, então deve dar certo também com os de 1 a 38!

 

2 3 ... 18 19

37 36 ... 21 20

____________________

39 39 ... 39 39

 

De sob a carteira, Robert cuidadosamente retirou sua calculadora da pasta e digitou:

 

19 x   79 = 741

 

 

- Já sei! – gritou. – Isso é uma brincadeira de criança!

- É mesmo? – perguntou o professor Bockel, baixando o jornal.

- 741 – disse Robert bem baixinho.

A classe ficou no mais completo silêncio.

- Como é que você sabe? – perguntou o professor Bockel.

“Aaah”, respondeu Robert, “é uma conta tão simples que até se faz sozinha.” E Robert pegou sua estrelinha por baixo da camisa e pensou agradecido no seu diabo dos números. 

 

                                                                                Hans Magnus Enzensberger 

 

 

                                         

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