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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O DIREITO DE MORRER / A. G. Murphy
O DIREITO DE MORRER / A. G. Murphy

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

" Histórias do F.B.I."

 

O DIREITO DE MORRER

 

 “Joana, filha do professor Jorge Desmond, que trabalhava numa invenção cujo objetivo era o de transformar água do mar em oxigênio no interior de submarinos e que estava sendo ameaçado por um grupo de foras da lei, conhece, numa situação inusitada, o agente do FBI Jim Nolan, que investigava esse mesmo grupo, quando acabam apaixonando-se no meio de uma série de eventos para resgatar o seu pai que foi seqüestrado para que fornecesse a fórmula da sua invenção.”

              

Terminei!  — exclamou o professor Jorge Desmond, voltando-se, semblante alterado, para a filha.

— Verdade, papai? — perguntou a jovem, os olhos brilhando de alegria. — É pena que Edmund, por estar doente, não pudesse terminar o trabalho com você.

— Não se preocupe por isto, filha — animou o velho, cujas pupilas se haviam velado subita­mente.

— É fantástico, papai! — festejou a garota. Em seguida ficou repentinamente séria. — Es­pero que sua invenção sirva para o bem da hu­manidade, e não para sua destruição. Hoje, quan­do todos inventam artefatos para matar, seria bom que alguém criasse instrumentos de vida.

O professor sentiu-se contagiado pelo pessimis­mo de sua filha.

— Há tantas ambições desatadas na terra, Joan! — lamentou-se, pesaroso. — Afinal, espere­mos que o Estado me dê a patente, e...

Joana olhou seu pai, cujo rosto tinha uma ex­pressão indefinível, entre a dor e a ansiedade. A garota não teria mais de vinte e dois anos, e o homem passava dos setenta.

— Concordará então em meu casamento com Edmund? — perguntou.

O velho hesitou. Seu rosto, de pálido que es­tava, tornou-se violáceo. Murmurou:

— Eu... de fato... Ela insistiu:

— Já sei que seu ajudante está começando, mas Edmund trabalha com afinco, pensando garantir o futuro.

O professor Desmond assentiu com certa amar­gura:

— Sim, filha. Edmund Dave é um jovem muito decidido, às vezes decidido demais. Tem um espí­rito que... como dizer?... que me faz duvidar de sua completa normalidade mental.

— Dizem que todos os sábios são um pouco loucos, não, papai? — cortou ela, sorridente. — Além do mais — acercou-se do professor, cari­nhosa — não deve falar assim de seu colabo­rador. Seria ingratidão. Quantas noites passaram juntos, trabalhando, e agora...

Desmond desviou aquele assunto, que não gos­tava de abordar. Abandonou o laboratório, e diri­giu-se, acompanhado de sua filha, ao "living", onde se sentaram defronte um do outro. O quími­co pigarreou.

— Não falemos nisso agora. Em outra ocasião, talvez...

A jovem estranhou a atitude paterna, mas não se atreveu a insistir.

Naquele momento, soou a campainha da porta. Annie, a mulher encarregada da limpeza, que ainda não havia ido embora apesar de anoitecer, atendeu. Ouviram-se passos no vestíbulo, e em seguida umas batidas.

— Entre, Annie. Que é? — perguntou o ancião.

— Uma carta, senhor.

Joan apanhou o envelope que a empregada lhe estendia. Não tinha selo.

— Quem foi o portador?

— Não sei, senhorita... Enfiaram por baixo dà porta.

O professor George Desmond morava numa "vila" dos arredores de Los Angeles, no Bulevar Wilshire 3041.

— Espiei no jardim — prosseguiu a empregada — e não vi ninguém lá, nem na calçada.

— Está bem. Obrigada.

Annie retirou-se e Joan entregou a carta a seu pai, que a abriu com dedos ligeiramente trêmulos. O modo como o estranho envelope lhe chegara às mãos o havia intrigado e atemorizado bastante.

Com esforço, conseguiu dominar a sensação que o acometera, pôs os óculos e dispôs-se a ler a carta. Primeiramente, para si mesmo; em se­guida, ante o olhar ansioso de Joan, prosseguiu em voz alta:

— "...Sim, professor... Sabemos que sua fórmula para transformar a água do mar em oxigênio, dentro dos submarinos, é muito mais perfeita que as conhecidas até agora. Nós temos interesse por ela, um grande interesse. Se quiser entregá-la de bom grado, receberá uma bela re­compensa. Caso contrário, empregaremos a for­ça; nada nos deterá."

— Isso é tudo? — perguntou Joan, ao ver que seu pai silenciava e deixava cair os braços, com desalento.

— Não, filha; há mais.

— Que podemos fazer, papai?

A ampla testa de Desmond se havia coberto de suor. Enxugou-a com o lenço e respondeu:

— Espere um momento. Vou continuar lendo. Engoliu saliva, como se a voz se negasse a

sair de sua garganta, e continuou:

— "Trataremos somente com o senhor, pro­fessor. Venha encontrar-nos na estação de Cha-ring Cross. Venha sozinho, senão sua vida e as de seus seres mais queridos estarão arriscadas. É claro que a Polícia não deve saber de nada. Siga nosso conselho..."

A carta não tinha assinatura, como era natu­ral. Joan empalideceu intensamente e tentou fa­lar, mas seus lábios não conseguiram modular o menor som. O professor amassou a carta, atirando-a ao chão, irritado. Durante um minuto, an­dou pela sala, pensativo. Deteve-se diante de sua filha.

— Acabo de ter uma idéia — disse. — Fala­rei com esse sujeito da estação, seja lá quem for, e direi que estou disposto a negociar. Vou dando linha e, enquanto isso, entro em contato com os agentes de Washington.

— A fórmula pode correr perigo — sussurrou a jovem.

— Ouça, filha... Amanhã, como todas as quar­tas-feiras, Budd Starton, o diretor da fábrica de alumínio de Boad Island, estará à minha espera. Como você sabe, seus químicos estão estudando uma nova liga. Quando eu for revisar suas ano­tações, darei um jeito de esconder minha fórmu­la em lugar seguro. Ninguém suspeitará, filha. Na volta, irei ao encontro do homem da es­tação.

— Tome cuidado... Talvez não consiga ilu­di-lo.

O velho encolheu os ombros com resignação. Voltou a segurar os papéis cobertos de signos cabalisticos, e ficou longo tempo a contemplá-los.

 

Assassinato e invasão de domici­lio são crimes de suma gravidade. Para quem detesta arma branca, pistola com silenciador dá exce­lentes resultados. O touro quase perde o pescoço. Um anão que surge com música e desaparece para não ficar sem a cabeça.

Jxm. Nolant abriu a porta de seu apartamento, no instante em que a campainha do telefone começava a tocar. Acendeu a luz e dirigiu-se apressadamente para ele.

— Alô, quem é? — perguntou, com o fone pró­ximo à boca.

— Giles... toquei duas vezes, e ninguém aten­deu. Por onde andava, chefe?

— Acabo de dar um pulinho até o "Manchester". Tive uma longa conversa com o diretor, a

respeito de minhas próximas colaborações. É preciso fazer as coisas direito, pois, se quiser passar pelo que não sou, o melhor é adaptar-me ao meio... Claro que é uma situação perigosa.

— Já me disse isso outras vezes, Nolan... O perigo de apaixonar-se por sua nova personali­dade, e esquecer a antiga... Acho um pouco difícil, chefe... Agora é o polícia, e não o re­pórter, que deve começar a agir.

— Que pretende insinuar?

— Há dois meses, exatamente desde que veio para esta cidade, tenho sido seus olhos e seus ouvidos... Pois bem, vi e ouvi coisas a respeito do professor Desmond.

— Que aconteceu ao velho?

— Quase nada! Desapareceu! Mas a filha, pelo visto, teme por sua vida, e não quer dar parte à Polícia.

— Falarei com a pequena. Onde mora?

— Wilshire Boulevard, três mil e quarenta e um. Ande com cuidado. O ninho pode estar sendo vigiado. E se quiser tirar alguma coisa a limpo, não convém que o associem ao assunto do ve­lho Desmond.

— Procurarei passar despercebido. Não se preo­cupe.

Nolan desligou o telefone e avançou dois passos em direção a um pequeno armário que fazia às vezes de móvel-bar. Tirou uma garrafa de gene­bra e bebeu um bom trago. Feito isto, abotoou com cuidado a capa, amarrou o cinto que pendia dos lados e encaminhou-se para a porta. Depois de sair, fechou-a com duas voltas de chave.

A noite era fria e úmida, apesar de estarem em abril. Uma chuva pertinaz descia do céu, empapando tudo. Jim Nolan não pensou duas vezes, e procurou um táxi que o conduzisse ao endereço dado por seu informante.

— Wilshire Boulevard, três mil e trinta e sete — ordenou ao motorista, dando premeditada­mente um endereço próximo ao desejado.

Aquele trecho da grande avenida compunha-se em sua quase totalidade de "vilas" e palacetes. O veículo parou diante do assinalado com o nú­mero 3 037, e Jim saltou para a calçada, levan­tando a gola da capa e puxando a aba do chapéu para a frente.

— Espere aqui, por favor — pediu ao moto­rista.

Debaixo da chuva, que não parecia tender a diminuir, Nolan simulou dirigir-se à casa mar­cada com o número 3 039. Há pessoas que, por superstição, ou por não gostarem de ser vistas chegando de carro, desembarcam pouco antes de seu ponto de destino. Por este motivo, o mo­torista nem percebeu a manobra de seu passa­geiro, que desapareceu entre as sombras dos edi­fícios 3 039 e 3 041.

Uma vez fora do alcance da luz de um poste, o jovem rodeou esta última mansão, com o pro­pósito de insinuar-se pela parte dos fundos. Com a habilidade criada pela prática, em poucos mo­mentos escalou uma trepadeira e chegou a uma janela, sem fazer o menor ruído.

Não percebera nenhum sinal de vida nas pro­ximidades da casa do professor Desmond; não

— 12 ­obstante, compreendeu que era necessário usar da máxima cautela.

Passou uma perna pelo parapeito e hesitou, calculando a altura que o separava do pavimen­to. Esteve a ponto de perguntar se havia alguém ali, mas arrependeu-se em tempo, receando rom­per o silêncio opressivo e misterioso que invadia todo o ambiente.

Depois de vacilar uns dois segundos, o jovem decidiu-se por fim a dar o salto para o aposento. Durante um bom intervalo manteve-se rígido, na expectativa de qualquer movimento suspeito. Ao não perceber o menor ruído em torno, acendeu sua lanterna e percorreu o cômodo com o facho de luz. Tratava-se de uma sala-de-estar, em que se via uma estante cheia e livros, de excelente encadernação, uma mesa, um diva, várias poltro­nas estofadas de azul...

Caminhou em direção à porta aberta à sua frente e dando para um corredor. De repente, o aço duro de uma automática surgiu de trás de uma cortina e tocou-lhe as costas, enquanto uma voz feminina o intimava a levantar os braços. Obedeceu imediatamente, e a mulher que em­punhava a arma acendeu a luz. Em seguida, disse:

— Vire-se... Quero ver seu rosto!

O tom não era muito forte, mas ameaçador. Jim fez o que mandavam e viu-se diante de uma jovem de singular beleza, a quem já conhecia por ter visto suas fotografias nas colunas sociais. Não teria mais de vinte e dois anos. Ela sem dúvida não esperava encontrar o rosto moreno, franco e cordial do agente, o que lhe fez, por um momento de surpresa, descuidar da pontaria. As mãos de Nolan, fortes e perfeitamente ades­tradas, poderiam com facilidade cair sobre a moça, e desarmá-la. Mas não o fez. Encantava-lhe aquele jogo, e sobretudo os olhos da jovem, que pretendiam aparentar dureza inutilmente.

— Tenha cuidado, carinha de anjo... Está descuidando a guarda.

Ela, voluntariosa, apertou os lábios.

— Cale-se! — ordenou. — Não acrescente a brincadeira a seus crimes. Eu deveria disparar agora mesmo!

— Não faça isso, carinha de anjo... Afinal de contas, eu não estava fazendo nada de mais...

— Invasão de domicílio é delito grave... E também o rapto — replicou a garota. — Estou à sua espera desde horas... Sabia que não fal­taria. ..

— Naturalmente, carinha de anjo... E pode ter a certeza de que teria vindo muito antes, se soubesse... Mas a verdade é que só recebi o recado há pouco, carinha de anjo.

— Não me chame assim! — cortou a moça. — E não tente fazer alguma, porque se sairá mal. Continue de braços levantados. Sei que está tentando distrair-me, até que cheguem seus gorilas; mas isso não lhe adiantará...

— Mas, carinha de an... digo, senhorita, as­sim não podemos conversar! Ê terrivelmente in­cômodo, tanto para a senhorita como para mim.

— Não se cansará por muito tempo, pois vou atirar imediatamente, se não disser para onde le­varam meu pai.

Aquela moca agradava a Jim Nolan, por sua energia e força de vontade. Sorriu, movendo a cabeça negativamente.

— Está enganada, senhorita. Eu não sou quem pensa, nem tenho nada a ver com o que acontece a seu pai.

— Vai ter a desfaçatez de dizer que não per­tence ao bando que o seqüestrou?

Nolan assentiu em silêncio. Em seguida, ao per­ceber um relâmpago perigoso nos verdes olhos da moça, ajuntou:

— Eu não sou o homem que esperava, cari­nha de anjo... Perdão, não queria dizer isto... Ao contrário, sou o homem de quem você precisa.

A decisão se fez patente nos lábios apertados da jovem, em seus braços subitamente endure­cidos.

— Não seja cínico — aconselhou, asperamente. — Não me enganará. Está esperando um des­cuido meu para agarrar-me como agarraram meu pai.

Novamente as esmeraldas de seus olhos brilha­ram com uma perigosa chama. O dedo apoiado no gatilho contraiu-se levemente.

— Cuidado, doçura... Eu não sou quem você pensa. Pegue minha carteira, e verá que meu nome é Jim Nolan, e que trabalho para o "Manchester" há dois meses.

Um sopro de dúvida penetrou no cérebro da jovem. O dedo no gatilho afrouxou uma fração de milímetro.

— Não minta! Um homem ficou de vir, um bandido, e veio você. Isto é tudo.

Jim Nolan, sem baixar o braço, fez um movi­mento com a mão.

— Está bem, está bem... Como você quiser, carinha de anjo... Permita que a chame assim. Acho que não se pode negar tão pequena satis­fação a quem vai morrer. Mas escute, pequena: tenho, por acaso, aspecto de criminoso?

A chama obstinada oscilou nos verdes olhos.

— Sei o que está pensando, carinha de anjo — a jovem já não se importava com o apelido. — E acertou... Pode acreditar que, salvo um ou outro caso sem importância, algumas aventuras amorosas intranscendentes, sou um homem alta­mente honorável. Portanto, se atirar em mim, carinha... seu erro pode conduzi-la a um lugar horrível... aquele em que ficam os que cometem assassinato. Em seu lugar, eu pensaria melhor nessa hipótese.

A jovem ficou francamente impressionada pelo acento de verdade que Nolan imprimira a suas palavras. Deu um passo atrás e inclinou c cano da automática. Não obstante, certo ar de cautela e desconfiança fez com que semi-cerrasse as pálpebras para contemplar especulativamente o ra­paz que, agora reconhecia, não tinha nenhum tipo de malfeitor.

— Pode abaixar as mãos — autorizou — mas nada de movimentos suspeitos!

— Assim é melhor — aprovou Jim, flexionan­do os braços e sentando-se no divã. — Posso fu­mar?

— Tire dessa cigarreira, em cima da mesinha — concedeu a jovem, enquanto se acomodava no braço de uma das poltronas, sem perder Nolan de vista.

— Fume, se quiser, carinha de anjo... Fique certa de que assim nossa conversa será mais reconfortante e íntima.

— Não sei o que quer insinuar, nem me inte­ressa. E vamos ao assunto. Saiba desde já que, se suas explicações não me convencerem, sua si­tuação será bem crítica.

— Demônio de garota! — lamentou-se Jim No­lan. — Já lhe disse que no bolso interno da capa tenho a documentação que me credencia como repórter do "Manchester".

— Existem documentos falsos... Não me con­vence. ..

— E acreditará mais em minhas palavras que nos papéis?

— Depende das palavras...

— Nesse caso... — Nolan queria mudar de assunto a todo o transe, e não sabia como.Afinal, com brusca transição, perguntou à sua interlocutora quem era ela. — Compreenderá minha curiosidade, não é, carinha de anjo?

— Não compreendo... nem preciso compreen­der; mas farei sua vontade. Sou a dona desta casa. A filha do dono, melhor dito. Meu pai é o professor George Desmond.

— Ah! De modo que você é a bela Joan Des­mond? — Apagou o cigarro meio queimado no cinzeiro, e sorriu ante a expressão de surpresa da moça.

— Já me conhecia?

— Claro que sim. No jornal, todos a conhe­cemos. Falamos muito a seu respeito, como can­tora nas festas de beneficência. Sabe que tem uma voz de ouro?

Joan Desmond sentiu-se profundamente lisonjeada com o cumprimento.

— Pois bem, carinha de anjo... — prosseguia o falso repórter — mesmo que não acredite, saiba que estou aqui porque quero ajudá-la... Um amigo, cujo nome não vem ao caso, contou-me que seu pai foi seqüestrado. O que houve? Por que não chamou a Polícia?

— Porque receio que a vida de meu pai corra perigo, se a Polícia intervier — disse ela, com absoluta franqueza; mas, de repente, mudou de tom. — Bem — continuou. — Que razão há para que lhe dê explicações? Ainda não me conven­ceu de que é quem diz ser.

— Acredite-me sob palavra, Joan... Melhor, telefone para o "Manchester" e pergunte por mim ao diretor. Ele lhe fornecerá meus traços pessoais, e assim poderá reconhecer-me pela des­crição.

A jovem aproximou-se de uma mesinha de can­to, coberta de vidro, onde havia um telefone branco.

— Para ganhar tempo, senhorita, direi que meu nome é Jim Nolan, e sou conhecido pelos colegas por "Buli" Nolan. Você, carinha de anjo, pode chamar-me simplesmente de Jim.

Sem que ela percebesse, o estribilho do jovem, começava a abrandá-la a ponto de, ao ouvir-se chamar uma vez mais de "carinha de anjo", vol­tar-se para ele, sorrindo abertamente, apesar da tristeza e preocupação que a dominavam.

— Vou aceitar sua palavra... Jim. Na ver­dade, preciso urgentemente de ajuda, e não sabia a quem recorrer.

— Vim para isso, já lhe disse.

— É verdade que é amigo de meu pai? Vai fazer alguma coisa por ele? Tentará encontrar seu paradeiro?

— Não faça tantas perguntas ao mesmo tem­po, carinha de anjo... Eu é que devo fazer as perguntas, para poder orientar-me. Qual foi o motivo, na sua opinião, por que raptaram o pro­fessor?

— Não precisa indagar tanto, jovenzinho — disse, de repente, às suas costas, uma voz cheia de ironia e ameaça. — Saber certas coisas é muito prejudicial para a saúde.

Joan e Nolan viraram-se instantaneamente para a porta do corredor. Um sujeito magro e de baixa estatura, aparentando quarenta anos, todo ves­tido de preto, e com um fino e bem aparado bigodinho entre um nariz aquilino e uns lábios finos e cruéis, recortava-se na soleira, rodeado por quatro indivíduos que empunhavam enormes pistolas, em atitude ameaçadora. Os olhos do homenzinho, de um azul quase incolor, brilhavam com uma luz fria e metálica.

— Que bela cena! — continuou o intruso. — Sinto te-la interrompido...

— Quem é este homem? Vocês o conhecem?

— prosseguiu o minúsculo indivíduo, voltando-se para seus capangas. — Tomem conta dele. Pode ser um "tira".

Dois deles agarraram brutalmente o repórter pelos braços, torcendo-os para as costas. Nolan submeteu-se, para evitar um mal maior, pois no momento não podia fazer mais que esperar. Con­templou durante algum tempo o rosto de ave de rapina do chefe.

— Quem é você? — perguntou este, encarando o jovem.

— Frank Sinatra — respondeu Nolan. — Vai tão pouco ao cinema, que não conhece minha cara? Santo Deus! Com homens como você, nin­guém pode saber onde irá parar a sétima arte!

O esmirrado bandido aplicou uma soberba bo­fetada no rosto de Nolan. Joan não pôde repri­mir um grito.

— Covardes! Só se atrevem com um homem in­defeso!

— Não tenho culpa, se ele se faz de engraçado

— replicou o homem vestido de negro. — Ele tam­bém não podia saber que gosto mais das coisas fúnebres que das alegres. Será que não se nota?

Nolan e Joan, no íntimo, viram-se forçados a reconhecer que assim era. O homenzinho sentou-se no diva e, sem olhar para ninguém em espe­cial, ordenou que interrogassem o jovem.

— Perguntem-lhe, primeiro, quem é e o que faz aqui. Tem o direito de mentir ou dizer a verdade; mas, é claro, só haverá vantagem em dizer a verdade.

Um dos gorilas que o mantinham imobilizado com suas poderosas garras repetiu a pergunta do chefe. Este parecia gostar extraordinariamente do jogo do interrogatório indireto.

— Já ouviu, meu chapa — disse o encarregado de servir como intérprete. — Vai falar ou deve­mos apertar um pouco os parafusos?

— Não será necessário, creio — respondeu No­lan. — Sou forasteiro em Los Angeles, e...

— Sim — cortou o bandido, com um largo gesto de sua mão enluvada. — Você é forasteiro e veio a esta casa procurando alojamento.

— Com efeito... Mais ou menos isso...

— E teve sorte, não? Encontrou uma boa pen­são — o homenzinho esticou-se e mudou de tom bruscamente. — Claro que nem sempre cairá nos braços de uma garota estupenda como esta. Agora, por exemplo, caiu nos meus, e notará a diferença. Tenho a certeza.

— Conheço este tipo, Boley — disse, de repente, um dos indivíduos, que até então permanecera em silêncio, mas passara todo o tempo olhando para Jim. — Trata-se de "Buli" Nolan, um repór­ter intrometido e bastante popular, que trabalha no "Manchester".

— Não gosto das coisas arrevezadas — falou de novo o chefe, fazendo um claro e significativo gesto de ameaça. — Se você é repórter do "Manchester", quer dizer que mora em Los Angeles e talvez conheça o assunto. Bem, amiguinho... vai se arrepender de me ter conhecido.

Fez uma breve pausa, soltou um cômico suspiro, e ordenou a seus homens:

— Levem a pequena... Acho que seu pai, quan­do a vir, cantará como um pardal. Dois de vocês fiquem aqui e liquidem este sujeito. Não fui com a cara dele. E já sabem: não façam muito baru­lho. Mesmo sendo noite, e com pouco movimento pelas redondezas, o "tira" da guarda noturna po­deria passar.

— Canalha! — apostrofou Joan. — Deixe o rapaz! Ele não sabe de nada!

— Sabe o suficiente para que sua liberdade se torne pouco saudável para nós. Sinto muito, doçura...

As pupilas de Boley faiscaram, mais geladas, do que nunca.

— Quanto a meu pai — prosseguiu Joan, muito excitada — farei com que ele não abra a boca... Vocês podem matar-nos, mas não conseguirão a fórmula.

— Seu amigo — disse Boley, apontando para Nolan — talvez não saiba nada. Mas seu pai... Vamos ver se resiste ao espetáculo que lhe re­servei, e do qual será a protagonista. Vamos, rapazes!

Joan debateu-se, tentando livrar-se dos braços que a aprisionavam. Só conseguiu ferir-se. As garras dos dois bandidos sujeitavam-na firme­mente. Olhou para Jim e começou a gaguejar impropérios contra seus apreensores. Nolan, por sua parte, negou-se a fazer o menor movimento, sabendo que tudo seria em vão. Não obstante, ao captar o desesperado olhar da jovem, tentou acalmá-la.

— Não se preocupe, Joan. Não acontecerá nada. Ou pelo menos não acontecerá como ele pensa — concluiu, com um piscar de olhos tranqüiliza­dor.

Joan Desmond não soube o que pensar. Sim­patizara com o rapaz e gostara especialmente de sua tranqüilidade e bom-humor ante o perigo.

Boley acariciou o fino bigode, enquanto con­templava Nolan com olhos malignamente inqui-sitivos e brincalhões.

— Adiante! — ordenou. — Não percamos mais tempo. Minha avó costumava dizer...

Nem Joan nem Nolan estavam dispostos a escutar o que a avó de Boley dizia a respeito do tempo perdido. A jovem foi obrigada a sair, e "Buli" Nolan ficou com seus dois guardas, ou melhor, seus verdugos, que haviam recebido a ordem de liquidá-lo.

Um deles, tipo sinistro, de uns trinta e dois anos, olhar torvo e perfil de fuinha cujo rosto, de impressionante palidez parecia moldado com um eterno gesto de indiferença, avançou para Jim, examinando uma maçã que apanhara de uma fruteira sobre a estante. Abriu uma enorme navalha de punho de madrepérola, e pôs-se a descascar a fruta cuidadosamente. A lâmina da arma brilhava com reflexos agoureiros junto ao rosto do repórter.

— Não, não estou gostando nada, Ted — res­mungou seu companheiro ao adivinhar as inten­ções assassinas do outro. — Bem sabe que me repugna a arma branca. É melhor usar o revól­ver.

— Você ouviu o que Boley disse. Não quer barulho.

— Minha pistola tem silenciador.

— Bem... Não vamos discutir por isso... mas eu gostaria de experimentar o fio da minha na­valha no pescoço deste touro. Bem. vamos acabar logo. Não quero perder a outra função.

— Não vale a pena precipitar-se — interveio logo Jim Nolan. — Se vocês me permitem, proponho um negócio que lhes dará grandes lucros.

— Epa! Assim está bem! — falou Ted sarcasticamente.

E Carl, inalterável:

— Não pode propor coisa nenhuma, meu cha­pa... Os mortos não falam, e você já é pratica­mente um cadáver.

— Não antecipem os fatos. Muita gente, antes de vocês, me deu por morto, e no entanto...

Carl e Ted entreolharam-se. Naquele momento, a mão de Jim roçou a fita de seu chapéu, e apo­derou-se de um objeto pequeno e pontudo, que atirou com espantosa rapidez no rosto do bandido que segurava a pistola. O objeto, que era um cristal de quartzo em forma de flecha, pontudo como uma agulha, penetrou no olho direito do miserável. A ação do jovem foi imprevista e simultânea. Enquanto a improvisada arma voava a seu destino, Jim Nolan, com um impulso ins­tantâneo, digno de seu apelido, lançou-se contra Carl, derrubando-o com um soberbo murro na cabeça.

Ted, não obstante a habitual lentidão de seus movimentos, reagiu brusca e rapidamente. Mesmo sem conseguir evitar de todo o formidável soco de Jim, pôde desviar o golpe, que em vez de estourar em seu queixo, resvalou sobre o lado do rosto. O soco era destinado a produzir um "knock-out" fulminante, como no caso do outro indivíduo; mas o propósito de Jim falhou.

Levava, entretanto, tal quantidade de dinami­te em si, que precipitou o "gangster" violenta­mente contra a parede. A dor penetrou fundo e surdamente em sua anatomia. Apesar de sua palidez cadavérica, o homem era duro. Saltou de volta, sem importar-se com o estalar de seus ossos que quase se fraturaram e, em um mo­vimento tão instintivo e mecânico nele como o piscar de olhos, arremeteu com a navalha contra Jim. Este esquivou o golpe mortal com um passo sinuoso e felino, mediante um prodigio­so esforço muscular.

Ted perdeu o equilíbrio devido à celeridade do impulso, e foi chocar-se contra a parede. Quan­do quis reagir, o repórter, com a força de um martelo, já lhe descarregava uma cabeçada na boca do estômago, fazendo-o cair ao solo retorcendo-se. Uma milionésima fração de segundo depois, após um vão intento de levantar-se, o bandido perdia os sentidos.

Estava feito. O golpe tinha sido definitivo, e Jim sabia disso. Livrara-se de seus inimigos, e aquele triunfo era o resultado lógico de um lon­go e paciente treinamento.

Jim ficou por um momento contemplando a cena. Em seguida, inclinou-se, recolheu a pistola de Joan, meio escondida entre as almofadas da poltrona e a de Carl, guardando-as no bolso. Na realidade, até então nunca dispusera de tanta artilharia.

Antes de sair da casa do professor, examinou os homens sem sentidos. Preferiria que não fosse tão profundo, pois agora era impossível obrigá-los a confessar para onde seu chefe levara a jovem. Não obstante, esperava inteirar-se por outro meio, e sem demora, porque supunha que seu informante não andaria muito longe dali.

O ferimento no olho de Carl, embora grave não parecia mortal. O tremendo murro que o atingira, por pouco não lhe provocara um derra­me cerebral. Quanto a Ted, não era muito pro­vável que despertasse antes de cinqüenta ou ses­senta minutos.

A chuva, ainda que miúda, continuava caindo. Jim se deteve um momento na calçada e, visto que seu amigo não aparecia, tirou do bolso uma gaita e começou a tocar "Cerejeira rosa". Sua esperança concretizou-se. Da sombra de uma das "vilas" envoltas pela chuva, destacou-se um ser que apenas mediria noventa centímetros de altu­ra. Era uma grotesca figura de homem de ossos deslocados, cujas pernas uniam-se pelos joelhos, entrechocando ao caminhar. Seu busto estreito fazia ressaltar ainda mais a enorme cabeça, que bamboleava como se fosse desprender-se do pes­coço fino e comprido.

Desde há muito tempo, o baixo-mundo conhe­cia o anão Giles Gray. Ele era muitas vezes o instigador de encontros sangrentos entre ban­dos rivais, pois tinha o bom costume de ir con­tando a uns o que sabia dos outros, cobrando o máximo possível por seus serviços de espiona­gem. Jim o conhecera por casualidade, quando chegara a Los Angeles, e o tinha tomado a seu serviço. Pagava-lhe bem e o anão correspondia, pondo-o a par de tudo quanto pudesse interes­sá-lo.

Nolan convidou-o a subir ao táxi. A chuva apertava, e não era nada agradável conversarem no meio da calçada, molhando-se até os ossos.

— Há muito tempo que anda rondando por aqui? — perguntou Nolan à queima-roupa, en­quanto o táxi manobrava para voltar ao centro da cidade.

O anão deu uma risadinha.

— Sei o que deseja perguntar-me, Jim — res­pondeu. — De fato, vi o bando de Boley en­trar e sair...

— Vejo que é perspicaz, Giles — interrompeu Nolan, dando-lhe uma palmadinha numa das cur­tas pernas, que balançavam acima do piso do carro. — Que tal se me dissesse o lugar onde posso encontrar esse homem?...

Giles Gray, anotou com suas pequenas e horrí­veis mãos um endereço num papel, que o próprio Nolan lhe estendia. Entregou-o, pedindo:

— Continue mais um pouco, e permita que eu desça... Sinto-me muito bem ao seu lado, mas não quero que ninguém suspeite de que lhe dei estas informações. Minha linda cabeça corre­ria perigo — concluiu.

O táxi parou cinco minutos depois, junto ao Hoot Park, e o pequeno monstro perdeu-se sob a chuva. Jim acendeu um cigarro lentamente e em seguida o carro retomava a marcha, a toda a velocidade permitida àquela hora.

 

Onde um corpo de mulher pode ser campo para sugestivas e ten­tadoras experiências. O touro continua dando chifradas. Anti­patia à primeira vista.

Horrorizada, Joan fitou a mão direita de seu pai, cujos dedos pendiam ensangüentados. Ajoelhou-se diante dele, fortemente amarrado a uma cadeira, e abraçou-se às suas pernas, solu­çando.

O professor Desmond endureceu os nobres tra­ços de sua fisionomia.

— Não é nada, filha. Esses verdugos precisam cumprir seu ofício miserável.

— Mas não com você, papai!

Boley fez um leve sinal para que seus homens forçassem a garota a levantar-se.

— Até então não pudemos escolher, moça... (Tínhamos só seu pai. Agora é diferente. Temos também você, e vamos fazer certas experiências em seu corpo.., Veremos se o professor conti­nuará mudo.

— Monstro! — rugiu Desmond, esforçando-se, inutilmente, para livrar-se das cordas.

— Pode insultar-me quanto quiser, professor

— disse o fúnebre bandido, encolhendo os om­bros. — Concedo-lhe esse direito; mas quero que cante, e juro que cantará.

Joan desprendeu-se dos capangas e abraçou protetoramente o ancião. As lágrimas lutavam para saltar de seus olhos, mas ela fazia inúteis esforços para contê-las.

— Escute, Boley — falou o velho, com voz trêmula e cansada. — Não me interessa para quem você trabalha: para deixar-nos em liber­dade, ofereço muito mais do que essa pessoa lhe tenha oferecido. Afinal a fórmula não pode in­teressar a você.

— Isso já foi discutido, professor. Queremos a fórmula e nada mais. O senhor tem razão: esses rabiscos não me interessam. Mas eu me encarregarei deste trabalho, e vou até o fim, custe o que custar.

— Será que é tão idiota, que recusa minha proposta?

— Basta, velhote! — cortou Boley, de repente.

— Já ouvi demais. Diga-nos onde guarda os pa­péis, ou sua filha vai passará por algo que ne­nhum dos dois jamais esquecerá...

O homem pôs bruscamente a mão no ombro da jovem e forçou-a a afastar-se de seu pai.

— Chega de lágrimas — comentou. — Não pense que vai amolecer-nos...

— Claro que não — disse Joan. — Os corações de pedra são muito duros para isso.

Ainda mais bruscamente, Boley obrigou Joan a girar sobre si mesma e encarou-a. Tomando-a pelo queixo, procurou beijá-la.

— Gosto das gatinhas que falam como tu, doçura...

— Afaste-se dela, sujo! — gritou o velho, es­forçando-se, mais uma vez, contra as cordas que o prendiam. — Quando sair daqui hei de perse­gui-lo até os confins da terra, mas você pa­gará. ..

— Não fique assim, vovô — riu Boley. — Com­preenda que isto não é o pior que pode acontecer à sua queridinha...

Desmond fechou os olhos, em súbito desânimo.

— Está bem — disse, por fim. — Vou revelar o que desejam. Mas deixem-na em paz.

— Não, papai! Não permita que esses miserá­veis o intimidem!

Boley soltou um risinho irônico e cravou seu olhar penetrante no belo rosto da jovem, pálido naquele instante, mas cujos traços denotavam sua firmeza em sacrificar a própria vida.

— Vejamos até quando resistirá, gatinha — repetiu. Voltando-se para seus homens, ordenou: — Torçam-lhe os braços, um quarto de volta!

Os capangas caíram como feras sobre Joan. A jovem mordeu os lábios para sufocar um gemi­do, ao começar seu suplício.

— Tem gênio duro, pequena — sussurrou Bo­ley — mas o meu, ao contrário, é suave por na­tureza. Como não posso endurecê-lo, vamos mo­dificar o seu, para que nos entendamos me­lhor... Mais meia voltinha, amigos!

Joan continuou mordendo os lábios até san­grarem. Gotas de suor escorriam-lhe pela fronte. Sob as pálpebras fechadas, as esmeraldas de seus olhos faiscavam entre lágrimas.

— Um momento! — pediu o pai. — Deixem-na em paz. Estou disposto a falar.

— Não! Não! — gritou Joan. — Nunca! Uma invenção como a sua não pode cair em poder de gente semelhante!

Boley tapou a boca de Joan mas ela tentou morder-lhe a mão.

— Agora está tomando juízo, Desmond — dis­se, com um sorriso meloso. — Tirem daqui essa gata!

Enquanto era arrastada para fora da sala, Joan repetiu a seu pai a recomendação para con­tinuar calado, mas o velho estava decidido a não sacrificar a filha. Joan era seu ponto fraco, e os bandidos sabiam-no muito bem.

— Fale, velhote indicou Boley, quando ficaram sós. — E não tente enganar-me.

— Bem sabe que não tenho escolha. Direi a verdade. Minhas notas estão...

À medida que falava, o professor ia baixando a voz, como se lhe custasse enorme sacrifício de­nunciar o esconderijo. Suas forças pareciam aban­doná-lo. Afundou o queixo no peito, e fechou de novo os olhos. Ao concluir, levantou as pálpebras e suplicou:

— Já disse o que queria saber... Soltem mi­nha filha, e não lhe façam mal algum.

— Nenhum, vovô — prometeu o homúnculo. — Mas antes precisamos certificar-nos de que não nos enganou. Você virá conosco e sua vida res­ponderá pelo que me disse.

Boley acercou-se do telefone e procurou um número no guia. Anotou-o numa folha de bloco ao lado.

— Alô! Ê você, Smith? — berrou. — Aqui fala Boley... Queria dizer-lhe que o velho cantou... Vou à Ilha Boad, vamos ver se é verdade... Ele vai junto, claro.

Boley desligou o telefone e foi até a sala onde os cúmplices mantinham Joan sob vigi­lância.

— Você, Ray — ordenou a um deles — ficará aqui com a pequena. Telefonaremos para que a solte, quando comprovarmos que o professor disse a verdade. Quando Ted e Carl chegarem, mande-os ao meu encontro. Não devem demorar. Você Aducci — voltou-se para o mais jovem e elegante dos capangas — virá comigo.

Apanhou a capa e vestiu-a. Joan foi levada de volta à sala onde se encontrava seu pai, obri­gada a sentar-se, amarrada fortemente à cadeira.

A corda penetrava em suas carnes, mas a dor física não lhe importava tanto como a moral, ao saber que seu pai revelara os esconderijos dos papéis.

— Vamos, vovô... — disse o homem de negro, depois do capanga haver libertado o professor.

No rosto de Desmond refletiam-se a fadiga e a amargura. Contemplou a filha com infinita tristeza, e Joan notou que seu próprio coração se partia. Uma voz interior lhe dizia que talvez aquela fosse a última vez que veria seu pai... vivo.

— Adeus, papai — murmurou com a voz em­bargada, enquanto o levavam dali.

Ray deixou-se cair sobre o catre e começou a limpar seu imponente revólver. Seu rosto bru­tal, inexpressivo, concentrou-se no trabalho que fazia, atento somente a ele e a tirar grandes tragadas do cigarro que lhe pendia da boca. Seu olho esquerdo apertava-se, fugindo à fumaça. Joan estudou aquela cena durante alguns mi­nutos e finalmente disse, com voz trêmula:

— Ouça, Ray... eu queria fazer-lhe uma pro­posta ...

— Que é? — perguntou o bruto, desviando-se por um segundo do trabalho que o absorvia.

Joan hesitou, ante o acento pouco amistoso do brutamontes.

— Deixe-me ir embora — decidiu-se, por fim. — Deixe-me ir, e não se arrependerá disso.

O capanga olhou-a por muito tempo. Achava difícil entender o que ela desejava dele. Depois, suas feições se iluminaram, e seus lábios cuspi­ram o cigarro.

— Procurando subornar-me, hem? — pergun­tou. — Bem... pode ser que... é, dava pra fazer... Você podia me dar dez ou vinte mil. E daí? Pra que me serviria a "grana", no lugar aonde Boley me mandaria? Lá ninguém precisa de dinheiro...

— Boley é um homem como outro qualquer, Ray. Por que tem medo dele?

Ray deu uma gargalhada que gelou o sangue nas veias da jovem.

— Você não sabe o que diz. Boley não é um homem como os outros. Nem chega a ser ho­mem. .. com aquela estatura. Mas é mais "legal" do que meia dúzia de outros do meu tamanho.

Joan compreendeu que não haveria modo de convencê-lo. O bandido voltou a seu trabalho, arrematando-o com a montagem de um enorme silenciador no cano do revólver. Os minutos pas­saram, lentos. Ray cansou-se da posição no catre, e iniciou um giro pela sala. Súbito, uma voz comandou, truncando-lhe o passeio:

— Levante os braços, amigo! E não se mova! — Jim Nolan, transpôs a porta acercando-se em dois saltos, e arrebatou a arma de Ray.

Imóvel, com as mandíbulas cerradas e os pu­nhos apertados, Ray não compreendia como aque­le diabo de jornalista, ou o que fosse, conseguira livrar-se de Carl e Ted, e além disso, chegar até ali, disposto a libertar a filha do professor. Trabalhosamente, a idéia do ridículo em deixar-se surpreender como um principiante foi-se impondo em sua mente retardada, até superar o próprio instinto de conservação.

— Seja bonzinho e solte a garota — ordenou Jim, empurrando-o com a pequena pistola de Joan.

O capanga deu um passo à frente, como se fosse inclinar-se sobre a jovem para desamarrar-lhe os braços. Naquele momento, Nolan compre­endeu que cometera um erro, pois Ray poderia usá-la como escudo. Entretanto a idéia do gorila era outra: voltou-se, rápido, e deu um "gancho" na mão armada de Jim. O dedo do jornalista apertou o gatilho. Ouviu-se um grito, e o sangue começou a escorrer pelos dedos do atacante. O tiro, desviado graças ao golpe, atingira o pulso do bandido, abrindo-lhe um sulco ao longo do antebraço.

Nolan não pôde repetir o disparo. Ray saltou sobre ele e acertou-lhe o queixo com dois estu­pendos diretos, arremessando-o contra um ar­mário, cuja porta quebrou-se estrepitosamente, deixando cair uma miscelânea de objetos. O ines­perado do ataque obrigou Jim a esquivar-se da série de socos seguintes aos dois primeiros. Mas dentro em pouco passou da defesa ao ataque, martelando violentamente o corpo do inimigo. Ray rugia e babava como um possesso. Jim, to­talmente recuperado, martelou-o continuamente, até encurralá-lo contra a parede. Cego de ódio, apanhou o revólver de Ray, disposto a dar-lhe o golpe final. Joan gritou. Um grito desarticulado, histérico. Jim voltou-se para ela, vendo-a chorar convulsivamente, com o queixo afundado no peito.

— Não o surre mais! — pediu — afinal de contas, ele não me tratou tão mal como os outros!...

A vacilação de Nolan foi aproveitada pelo "gangster". Com o desespero de quem sabe que está em jogo sua vida, conseguiu agarrar o braço que sustinha a arma. O repórter debateu-se, e e ora um ora outro virava o cano contra o inimigo. Torcendo o pulso de Nolan, o bandido forçou-o a soltar o revólver, que, caindo ao solo, disparou. O estampido abafado misturou-se ao gemido de Joan, em cujo vestido começou a desenhar-se uma rosa de sangue:

— Jim! — murmurou ela com voz desfalecida — Jim, por favor...

Ao ouvi-la, o repórter recrudesceu em seus ata­ques, desejoso de acabar logo com o bandido. Aplicou-lhe socos sucessivos, capazes de derrubar um muro. Ray sangrava pelo nariz, supercílios e lábios, os quais inchavam a olhos vistos. Pro­curou desvencilhar-se de seu atacante e, ao consegui-lo, fugiu da sala, descendo a escada às carreiras. Seus passos repercutiram no imponente e estranho silêncio do frio edifício.  Nolan, exausto, inclinou-se sobre a jovem, para desamarrá-la. Joan tinha um ferimento no om­bro esquerdo, logo acima do coração, por onde o sangue fluía em borbotões. Jim despiu a ca­misa, que transformou rapidamente em atadura, rasgando-a. Aplicou fortemente uma compressa nos orifícios de entrada e de saída da bala, fa­zendo estancar o sangue.

— Não foi nada, carinha de anjo — animou-a. — Vou telefonar para um hospital, chamando uma ambulância.

— Aqui perto há um... Jim. O do doutor Dave... É... é meu noivo — confessou Joan, levemente ruborizada.

Jim colocou-a no diva, sobre duas mantas ti­radas do armário.

— Como quiser, pequena — concordou.

— Telefone logo, Jim... Penso que vou des­maiar.

cobrindo-a com sua capa:

— Vamos, Joan. Esperaremos na rua... Não convém que nos encontrem aqui em cima, pois teriam de chamar a Polícia, e a vida de seu pai correria perigo.

— Não posso levantar-me, Jim.

— Não é preciso; deixe isso por minha conta. "Buli" levantou a suave carga nos braços e   

desceu com ela, devagar, os degraus que estalavam. No fundo do corredor, o porteiro parecia cego e surdo a tudo que não fosse seu programa  de televisão. Enquanto esperavam recostados à porta, Jim não pôde evitar a pergunta que lhe formigava nos lábios desde que Jean fizera alu­são ao noivo.

Nolan atendeu ao pedido da jovem.

— Você me disse, inda há pouco, que não ti­nha a quem pedir ajuda. Por que não procurou seu noivo?

— Achei que não convinha — respondeu a jo­vem, com ar fatigado. — Era colaborador de meu pai; mas ficou doente na semana passada, e temi que recaísse.

— Ah! está doente... — suspirou Nolan, a quem desagradara a constatação de que Joan era noiva.

A chuva amainou um pouco, embora o céu continuasse encoberto. Jim pedira aos enfermei­ros que não demorassem, mas viessem sem ruído de sereias, no que foi atendido fielmente. Um homem de seus trinta anos, alto e ereto, os cabelos crespos ligeiramente alourados, foi o primeiro a saltar da ambulância, seguido de dois enfermeiros que traziam a maca.

— Edmund! — exclamou Joan, reconhecendo o recém-chegado.

— Que aconteceu? — perguntou ele.

— Não faça perguntas desnecessárias e leve-a — interrompeu Nolan, após acomodar a jovem. A antipatia instintiva que sentira pelo noivo de Joan, ao saber de sua existência cresceu ao co­nhecê-lo.

Edmund Dave inclinou-se por uns momentos sobre a noiva. Joan havia cerrado os olhos, fatigada, e ele sentou-se a seu lado, enquanto os enfermeiros faziam menção de fechar a portinhola. Desajeitado, Jim não sabia o que fazer.

— Perdoe-me, Jim — manifestou a jovem, entreabrindo as pálpebras — ainda não os apre­sentei.

Resolvido esse detalhe, Edrmmd deu ordem de partida. Joan despediu-se de "Buli", deixando-o com uma estranha sensação de isolamento, en­quanto a ambulância, arrancando suavemente, perdia-se na escuridão chuvosa.

 

Quando chamar alguém de idiota pode ser um elogio. Prepara-se a armadilha para caçar a presa. Grandes planos para uma noitada rumorosa são obscurecidosos pela chegada de um "desmancha prazeres."

O homem remexeu-se na cama e grunhiu, en­fadado. Acima do ruído monótono da chuva, julgara ouvir entre sonhos uma voz que o cha­mava. Espreguiçando-se na escuridão, aguçou o ouvido. A voz repetiu-se:

— Abra a porta duma vez, velho idiota, se não quer que eu derrube esta choça!

Pode-se ser idiota, mas ninguém gosta de ser chamado assim. O sujeito que estava vestido na cama enfureceu-se.

— Idiota!... — murmurou — Idiota... Um dia va... va... vai ver que... que... quem é o idiota.

Tornaram a bater na porta e a armação de madeira maltratada pelas intempéries, estalou ameaçadoramente.

— Como é? Vai abrir ou não?

O dono da cabana decidiu-se a acender a luz e abandonar os farrapos sujíssimos que lhe ser­viam de cama.

— Já... já... já vou.

A cara do estranho ser refletia um idiotismo tão completo, que chamá-lo apenas de idiota seria elogio, em vez de insulto. Ao abrir a porta, Harry Boley entrou e, à guisa de cumprimento, foi aplicando um par de bofetadas no agigantado anfitrião. O homem retorceu-se de dor, crispando os punhos.

— Já estava dormindo, não é? Não sabe fazer outra coisa: comer e dormir, como os porcos... Traga essa lanterna para cá!

Passou a mão num candeeiro que encontrou a um canto, chegou-lhe um fósforo e suspendeu-o acima da cabeça, voltado para a escuridão da noite. Através da porta recém-aberta, iluminou os rostos do professor Desmond e de Aducci, açoi­tados pele vento e a chuva, em meio ao areal que mais além penetrava sob o mar.

— Te... tenho nome — disse o dono da cabana — não... não me chame de idi... idi... idiota, Boley, se não quiser arrepender-se.

— Sim, eu sei que seu nome é Neil Gentry, mas acho o outro mais apropriado...

A choça de Gentry ficava no extremo da Ilha Boad, uns três quilômetros à esquerda do porto de São Carlos, em cuja retaguarda, mais no in­terior, acha-se Los Angeles. Era feita dos restos de um pequeno barco pesqueiro que encalhara na inóspita praia, transformados por Gentry em refúgio e moradia.

O velho Desmond foi arrastado por Aducci. Tropeçou, caindo de bruços, mas não pode atenuar a queda com as mãos, amarradas às suas costas. O capanga forçou-o a levantar-se; um fio de sangue escorria-lhe do nariz machucado.

— Tive pena de sua solidão, Gentry — pros­seguiu Boley — e trouxe-lhe companhia. Trata-se de um sábio, um grande professor... Vejamos se você fica mais inteligente com a convivência, se não acontecer o contrário...

— Um di... di... dia você vai pa... pagar, Bo... Boley — gaguejou o infeliz.

— Vire o disco, bo... bo... bobalhão — de­bochou Boley, imitando sua gagueira. — E tire suas canelas da frente pois meus sapatos adoram chutá-las.

Gentry afastou-se para um canto. Sua sombra, agigantada e vacilante à luz da lanterna subia e descia da parede ao teto, do teto à parede, amea­çadora, ao compasso dos movimentos da luz sus­pensa, que alguém tocara com a cabeça ao passar.

— Dê sua cama para nosso hóspede. Assim não haverá perigo de você dormir no posto.

 

— Preciso estar acordado sem... sem... sem­pre? — perguntou o idiota, voltando ao estri-bilho! — um... um... um dia...

— Já sei — interrompeu Boley — vou pagar. Mas, enquanto esse dia não chega, não se esqueça de cuidar deste homem... Só até voltarmos. Te­mos um "servicinho" na fábrica de alumínio...

Gentry esqueceu-se imediatamente dos maus tratos daquele arremedo de homem. Seus olhos brilharam de cobiça. Passou a enorme língua pelos lábios grossos:

— A... a... afinal, vamos dar o golpe?

— Não; vamos apenas examinar o terreno. O assunto que nos leva lá esta noite é outro.

O entusiasmo do retardado desapareceu como por encanto.

— Ora... — falou, como se tivesse a boca cheia — é um servicinho vagabundo...

— Dê-me a planta. Vamos estudá-la com o pro­fessor, i

Gentry levantou seu imundo enxergão, dele re­tirando um grosso papel de desenho, que entregou a Boley. Este fez um sinal a Aducci, e as mãos do professor ficaram em liberdade. Em seguida os quatro debruçaram-se sobre o desenho, esten­dido sobre a cama O professor ficou assombrado com as minúcias do trabalho ante seus olhos. Percebendo sua surpresa, Boley vangloriou-se:

— Custou-me quase uma semana de trabalho. Mal sabia o seu amigo Starton que entre os seus operários havia um que não estava lá para ga­nhar a vida...

Cada dependência da fábrica de alumínio estava corretamente assinalada ali. Salas de máquinas, escritórios, fornos, chaminés, corredores, o anexo ainda em construção...

— Que tal, vovô? Pode indicar-nos exatamente em que ponto escondeu sua fórmula. O "croquis" está perfeito.

O professor continuou calado. Boley prosse­guiu:

— Não ouviu? Mostre-nos o lugar. Desmond conhecia a fábrica de alumínio como

a palma de sua mão. Indicou a porta de entrada, um dos corredores, a porta que figurava na plan­ta com o número 6, e afirmou:

— Este é o escritório do gerente, Budd Starton. Nele há um cofre e um arquivo.

— E a fórmula, onde está?

— No arquivo... Na segunda gaveta.

O velho, enquanto falava, tinha os olhos fixos nos nós de seus dedos, seriamente feridos.

— Mas vocês não vão poder entrar — pros­seguiu. — A fábrica tem vários vigias noturnos.

Harry Boley riu:

— Sei, vovô. Esse problema não traz dificulda­de... Não se preocupe, pois o próprio Starton abrirá a porta para nós. Sei onde encontrá-lo agora.

Boley e Aducci saíram, deixando Gentry com reiteradas recomendações para cuidar do prisio­neiro. O idiota acompanhou-os até o automóvel, parado a pequena distância e iluminando o ca­minho com a lanterna. A chuva batia nas folhas das palmeiras que margeavam a estrada e tamborilava na capota do carro.

— A... a... até logo, Neil — debochou no­vamente Boley — mu... mu... muito cuidado com o prisioneiro.

O idiota ficou parado sob a chuva, enquanto o carro arrancava. Suas sobrancelhas, hirsutas e úmidas, contrairam-se. Depois, voltou lentamen­te à choça, em cujo interior deixou escapar uma impressionante gargalhada, antes de apagar a luz.

Entretanto, o automóvel conduzido por Adueci avançava pela pista asfaltada, em direção a Boad City — aglomerado de casas onde viviam pouco mais do que os quatro mil operários da fábrica de alumínio. O veículo rodou pela Main .Street e fez alto ante um edifício de dois pavimentos, cercado por bem cuidado jardim, em cujo portão lia-se, escrito em neon: "Nancy Club". Os bandi­dos desceram do veículo, depois de estacioná-lo entre dezenas de outros, ao longo dá calçada.

— Tem certeza de que Starton está aqui? — perguntou Adueci.

— Enquanto Sílvia cantar no "Nancy Club", nem precisa perguntar. Onde ela estiver, lá estará ele. Como você não ignora, o contrato da nossa amiguinha ainda está em vigor.

Entraram. A sala do clube era ampla e bem decorada. Um balcão corria ao longo de toda a parede fronteira; à esquerda, num pequeno tablado, uma orquestra de negros afinava seus instrumentos.  McGregor,  o  mal-encarado   proprietário, franziu o cenho ao vê-los, mas aproxi­mou-se cordialmente.

— Onde está Sílvia? — perguntou Harry Boley.

— Preparando-se para o seu número. Desejam mesa?

— Claro, e bem pertinho da pista. McGregor  fez  um  sinal   ao  "maítre" para que atendesse aos clientes. Boley tornou a per­guntar:

— O "coronel" Starton nâo apareceu hoje? Empregara a palavra "coronel", para insinuar

que não ignorava as relações entre Starton e Sílvia. O que McGregor não podia imaginar, é que aquele arranjo fora preparado por Boley e Sílvia, para atraírem Starton à cilada. Uma vez instalados, os músicos iniciaram o programa, e Sílvia, sob a luz de um refletor, deu entrada no pequeno cenário. Diante do microfone, pôs-se a cantar com uma voz agradável, embora um pouco rouca. Seu corpo, sob um vestido justo, de amplo decote, ondulava ao ritmo da canção. Era loura, alta e de formas magníficas. Piscou para Harry, risonha; mas, subitamente séria, fitou a porta de entrada, por onde avançava um homem hercúleo, de uns quarenta anos de idade.

Harry percebeu a mudança na atitude de Sílvia, e virou-se discretamente; ao reconhecer o recém-chegado, sua expressão iluminou-se: era Starton. Terminada a canção, Sílvia desapareceu no ca­marim, após fazer um sinal a Starton, contemplando-a como que fascinado. Boley levantou-se, e foi ao encontro do homem.

— Venha até nossa mesa, Starton... Toma­remos alguma coisa, enquanto Sílvia não chega.

Budd Starton não pareceu muito satisfeito com o convite, mas aceitou. Não podia esquecer que fora Harry Boley quem o apresentara a Sílvia. Sentaram-se à mesa onde Adueci já sorvia um "cuba-libre". Sílvia não demorou a voltar, vestida agora com um decotado traje de noite em veludo verde, que lhe parecia costurado ao corpo.

— Estava sentindo sua falta, Budd. Chegou atrasado esta noite... — disse, sentando-se na cadeira que Starton galantemente lhe apresen­tava.

— De fato, Sílvia atrasei-me um pouco, hoje.

— "Como o que vem nunca tarda, tu não tardaste, amado" — cortou Harry, declamando com um gesto humorístico.

— Tem razão, Harry — admitiu a jovem — Agora virão minhas amiguinhas, pois avisei-as de que temos companhia. Rosi está triste, e Mary furiosa, mas vocês se encarregarão de distraí-las...

— Deixe comigo — disse Adueci. — Sou espe­cialista em contentar garotas...

Mary e Rosi, duas bonecas de cera com menos carne que um arenque, nada sabiam da trama dos três. Acreditavam que Harry e Adueci fre­qüentassem o clube para vê-las, e estavam abor­recidas por sua ausência nos últimos dias. Apro­ximaram-se, amuadas.

— Não se aborreça, gatinha — disse Adueci. — Já sabe que sou um homem muito ocupado, que diabo!...

O especialista em contentar garotas mostrava assim sua habilidade, e todos sorriram. Rosi recostou-se no ombro de Boley:

— Convide-me a beber alguma coisa — pediu — há um século que não bebo nada...

Harry chamou o garçom, e a jovem pediu uísque para ambas. Depois de cantar outro núme­ro, Sílvia voltou à mesa, enquanto a orquestra atacava um fox.

— Vamos dançar, Budd — pediu.

Starton pôs-se de pé precipitadamente, quase derrubando a cadeira. Boley e Adueci sorriram, contemplando o par que dançava. A orquestra terminou, e Sílvia voltou sozinha. O rosto de Boley alterou-se.

— Ele foi embora?

— Não... Está telefonando — respondeu Síl­via.

Harry ia dizer alguma coisa, mas lembrou-se da presença de Rosi e Mary, e encarou seu cúmplice.

— Convide-as a beber no bar... até caírem de bêbedas.

— Eu não quero beber no bar. Quero ficar com você.

Harry não se deu ao trabalho de tentar con­vencê-la. Acenou para Adueci, e ele quase as empurrou na direção ao bar.

— Vamos, vamos, garotas...

— Que há de novo? — perguntou Boley a Sílvia.

— Ainda não se decidiu; mas não tardará a dar-me a chave de sua casa... Já o provoquei... mas ele não se atreve, com medo de ferir minha sensibilidade.

— Terá de ser esta noite, Silvia. O negócio é pra já. Smith exige, e estamos em má situação: rapto não é coisa que nos deixe muito tranqüilos. Precisamos terminar o mais depressa possível, livrar-nos do professor e da filha, e sumir daqui. A "bronca" que vai dar não será de brinca­deira. ..

— Experimente você. Anime-o a sair conosco por aí, quando eu terminar meu programa. Faço-me de rogada, depois aceito... desde que minhas amigas nos acompanhem. Você sabe que Rosi e Mary aceitarão logo.

— Com esta intenção estou aturando essas duas. Senão, já as teria mandado passear.

— E eu, do mesmo modo, querido... Estou farta de fingir com Starton. Quando poderemos ficar novamente juntos, sozinhos, querido?

A mão de Harry, por cima da mesa, acariciou a de Sílvia:

— Quando terminarmos este trabalho. Starton voltava e eles mudavam de assunto

e de atitude. Adueci, que controlava o regresso do diretor da fábrica de alumínio, veio por sua vez, com uma pequena em cada braço.

— Já bebeu o bastante? — perguntou Boley a Rosi, que lhe respondeu com um soluço. — Se não, esta noite prometo saturá-la de bebida... Que tal se fossemos todos por aí? Sílvia, que acha? Suas amigas já "toparam".

Mary e Rosi, bastante "altas", aceitaram com entusiasmo, enquanto Sílvia fazia um gesto am­bíguo, consultando Starton com o olhar. Harry olhou-o:

— Anime-a, Starton.

Ele preferiria ir somente com Sílvia, mas a perspectiva de saírem todos juntos não era má.

— Vamos, Sílvia. Boley teve uma boa idéia.

— E onde iremos? Este tempo chuvoso não é muito próprio para andanças sem rumo...

— Podemos dar um pulinho a Los Angeles — sugeriu Adueci.

— Ora! — rechaçou Boley. — Acho melhor irmos ao meu hotel, aqui na Ilha. Que acham?

— ótimo... — aceitou Sílvia. — Se for per­mitido ...

— Não — Boley sacudiu a cabeça. — Não nos permitiriam. O regulamento do hotel é muito rígido, e o porteiro noturno não nos deixaria...

— Eu... — gaguejou Starton — eu propo­ria. .. Enfim, beber umas garrafas em meu apar­tamento. .. Desde que não se faça muito ba­rulho.

— Barulho? — riu Adueci. — Só se elas fize­rem — e indicava Rosi e Mary.

— Podemos ir... — disse Sílvia — depois de minha última canção por esta noite.

Sílvia levantou-se, dirigindo-se ao microfone. No mesmo momento, alguém tocou levemente no ombro de Boley, que, virando-se, deparou com um rosto coberto de equimoses e olhos temerosos.

— Que aconteceu, Ray? — perguntou, em voz muito baixa.

— Nolan... Lutamos... meu revólver dispa­rou, e a garota... — respondeu o outro, num sussurro.

Nem um só músculo do rosto de Boley se alterou. Apenas sua mão, ao levar lentamente o copo aos lábios, tremeu imperceptlvelmente.

 

Os ratos sempre fogem, quando a toca é vasculhada — Um vio­linista que, além de tocar seu instrumento, também sabe can­tar informações — Uma loura deve ser atendida, quando exige uma vítima.

Jim Nolan olhou em volta, e pôs-se a estudar o edifício pois achara muito estranho o silêncio que reinava no apartamento indicado por Gil Gray como refúgio do bando, durante a luta com Ray, e mesmo agora. Aquilo mais pa­recia um cemitério que outra coisa.

Não lhe demandou muito esforço de imagina­ção a compreender que atrás daquelas janelas resguardavam-se negócios escusos. À porta do apartamento de Boley, por exemplo, uma placa anunciava: "Tim Carter — Corretor — Imóveis Rurais". Perdeu um quarto de hora em suas in­vestigações, conseguindo apenas encher-se de po­eira. Retomou o chapéu, apagou a luz e saiu.

Silenciosamente, mais por costume que necessi­dade, avançou pelo corredor sombrio em dire­ção da escada. Estacou, ouvindo um ruído. Al­guém subia penosamente sem apertar o botão da luz automática, como querendo passar des­percebido. Jim ocultou-se em um canto e aguar­dou, tenso, com a pistola empunhada dentro do bolso.

— Falta pouco, Carl! — escutou uma voz, que logo reconheceu. — Já estamos chegando.

Ouviu-se um gemido. Nolan, na semi-obscuridade, sorriu, pensando na surpresa que reser­vava aos bandidos... Deixou-os passar sem que o vissem, pois julgou oportuno vigiá-los, a fim de ver se deslindava a trama que seguia.

Não esperou muito tempo em seu esconderijo. Poucos instantes após sua entrada no aparta­mento, Ted saiu precipitadamente, com o ferido em seu encalço, quase arrastando-se.

— Não, Ted... — queixava-se Carl. — Não posso... Espere...

— Faça um esforço. O táxi que chamei já deve estar chegando. Você não pode ficar aqui.

Ted arfava, amparando seu companheiro, que parecia prestes a desabar de corpo inteiro no corredor.

— Vamos, Carl. A polícia pode chegar a qual­quer momento... O professor e a filha não estão mais aqui. A "turma" saiu sem esperar por nós... Mais um pequeno esforço, Carl, só até a rua...

— Não posso... Leve-me de volta para o apar­tamento. Vá você e mande um médico... Pode ser que a polícia não venha... E se vier, já nem me importo... Estou muito mal, Ted...

— Muito bem; como queira. Mas depois não diga que eu o abandonei.

— Sim, sim... Não se incomode mais... Obri­gado, mas...

Carl parecia estar mal, efetivamente. Ted le­vou-o de volta para o apartamento, e saiu logo depois, dirigindo-se à porta. Nolan seguiu-o. Ted, sem esperar o táxi que dissera ter chamado, pôs-se a andar apressadamente, em direção ao Boulevard Washington, onde embarcou num ôni­bus da linha do porto de São Carlos. O repórter, por sua vez, tomou um táxi que passava, orde­nando que o motorista seguisse o ônibus, sem aproximar-se demasiadamente.

No porto, Jim viu Ted dirigir-se à barca, que se aprestava para iniciar a travessia, e fez o mesmo, no último instante. A coberta da barca, devido à chuva, estava deserta, e foi fácil a Nolan refugiar-se entre uns toldos que guarneciam uma pilha de sacos, de onde ficou a obser­var o interior. Minutos após, avistou Ted que se preparava para desembarcar entre outros pas­sageiros. Seguiu-o a poucos passos, mesmo arris­cando-se a ser reconhecido, descendo ao molhe da Ilha Boad, em cujo extremo oeste iniciava-se a Main Street.

Ted não embarcou em nenhum dos veículos de transporte coletivo, o que forçou Jim a continuar a pé em seu encalço, com a chuva e o vento a fustigá-los impiedosamente. Ante o "Nancy Club", Ted foi abordado por um mendigo andrajoso, que, com um violino sob o braço, pedia-lhe uma moeda.

— Caia fora, anão imundo! — foi a esmola que lhe deu.

Jim Nolan sorriu. O mendigo do violino era Giles Gray e que poderia ter alguma informação importante a dar-lhe. Não se enganava: Gil acer­cou-se, com a mão estendida, e com um tom lastimoso, falou:

— Ainda bem que chegou! Harry Boley saiu com Budd Starton, Adueci e Ray, cada um com uma pequena.

— Para onde?

— Pelo que pude escutar, para o apartamento de Starton. Acho...

— Que tudo isto tem relação com a fórmula? Talvez... Preste atenção, Giles. Não saia daqui, nem perca Ted de vista. Se eu não encontrar Boley, Ted será o elemento de ligação...

Giles Gray assentiu com um movimento de sua enorme cabeça:

— O apartamento de Starton é na fábrica de alumínio... Boa sorte!

"Buli" Nolan afastou-se e o anão, pondo o violino ao ombro, começou a arranhar-lhe as cordas com o arco.

A "Starton & Co." era situada num grande edi­fício de tijolos, ferro e cimento. Uma dúzia de chaminés recortava-se contra o céu nublado, acima de uma infinidade de janelas e portas. Nolan não tardou a encontrar um automóvel parado ante a que devia ser a residência de Starton. Acercando-se, examinou o portão de ferro, fechado apenas com um trinco. Uma es-tradinha de lajes conduzia à porta principal, através de um jardim de perfumadas roseiras.

Algumas janelas estavam iluminadas, mas não se percebia o menor ruído. Nolan olhou em torno e viu uma série de janelinhas que davam entrada ao porão. Inclinando-se, tateou uma por uma. Todas estavam fechadas, e não pareciam fáceis de forçar. Não encontrando outro recurso, escolheu a que julgou menos resistente, e sen­tou-se no solo, apoiando as costas contra ela. Encolhendo as pernas, encaixou os saltos dos sapatos na orla de um canteiro, e começou a for­çar. Doíam-lhe as costas, mas a madeira come­çou a estalar. Com um esforço sobre-humano, aumentou a pressão, sentindo-a ceder. Repen­tinamente, uma das tábuas partiu-se e ele caiu dentro do porão, com a capa rasgada e a pele arranhada pelas farpas que saltavam.

O lugar era escuro; acendeu sua lanterna e empunhou a automática de Joan. O facho de luz denunciou-lhe uma escada ascendente, e diri­giu-se para ela. Mal havia subido meia dúzia de degraus, quando uma voz às suas costas o de­teve:

— Solte a pistola e não se mova!

Nolan obedeceu. Notara nas palavras do des­conhecido certo tremor, que não lhe pareceu de bom augúrio.

— Continue. Só pare quando eu ordenar. Saíram a um corredor sombrio. De um quarto

dos fundos chegaram até eles ruídos de con­versa e risos, estampidos de rolhas de cham­panha e música de dança.

— Pare aqui — disse o estranho. Nolan vol­tou-se a meio, tentando vê-lo, e só pôde divisar um vulto com capa de gabardine e chapéu, que empunhava um rifle curto. — Não se mova, caso contrário...

A ameaça era clara. O homem do rifle bateu à porta em cuja frente haviam parado. Os risos e conversas cessaram. Ouviu-se o ruído precipi­tado de pés que fugiam, como de ratos ao serem descobertos.

— Quem é?

Nolan, através da porta, reconheceu a voz de Boley.

— Ransom, o vigia. Peguei um intruso...

A porta abriu-se. Um círculo de rostos expectantes apareceu à vista dos recém-chegados. No­lan não conhecia Budd Starton, mas identifi­cou-o por eliminação. Ali estavam, com efeito, Adueci, Ray, Boley e quatro mulheres. Logo, o quarto homem devia ser o diretor da fábrica. Os olhos de Sílvia encontraram os de Nolan, e um relâmpago estranho reluziu em suas pupilas.

— Entre, senhor Intrometido... — disse Boley, abrindo passagem. — E você pode retirar-se, Ransom... Nós tomaremos conta dele.

O vigia olhou para seu chefe, de pé no centro da sala, cambaleando visivelmente. Como o em­pregado hesitasse, Boley repetiu:

— Saia! Não me ouviu? E não nos perturbe mais...

A porta fechou-se com estrondo no nariz do assombrado vigia. A atmosfera reinante na sala era quase irrespirável. O rádio continuava ligado. Várias garrafas vazias rolavam pelo chão, e os cinzeiros transbordavam de cinzas e tocos de ci­garros. Rosi, Mary e a companheira de Ray, Martha, estavam bêbadas de causar dó. Starton apoiava-se ao ombro de Sílvia, que, como Boley e seus capangas, haviam bebido o suficiente para não esquecerem o que tinham ido fazer ali.

— Que aconteceu? — perguntou Budd, com a voz empastada pelo álcool. — Quem é este - ornem?

Boley sorriu. Ray e Adueci, com as mãos nos bolsos, ameaçavam o recém-chegado, dispostos a disparar ao menor movimento suspeito.

— É um amigo — respondeu o baixinho. — Soube no Clube que poderia encontrar-nos aqui, e veio fazer-nos companhia.

— Mas não trouxe par... — interrompeu Star­ton. — Isso não me agrada... Minha pequena é só pra mim!

— Não se preocupe, Starton. Nosso amigo só quer beber; não gosta de mulheres...

— Se é assim...

Sílvia e o diretor retiraram-se para um canto da sala, onde se estenderam num sofá. De vez em vez, Sílvia trocava olhares com Jim, que os retribuía com um estranho sorriso.

— Tome, queridinho... Beba outro gole... Eu também bebo, vê? E agora, um beijinho... — dizia Sílvia.

A companheira de Ray tentou abraçá-lo, mas ele sacudiu-a de seu lado, com violência. Desde a entrada de Nolan não lhe tirava os olhos de cima. Sentia ainda a dor dos murros que o re­pórter lhe aplicara, e ansiava por vingança. Olhou para Boley, significativamente, e este as sentiu com a cabeça. Adueci acercou-se de Jim e agarrou-o pelos braços, sujeitando-os às costas. Ray embrulhou o punho com seu lenço, e arremeteu como um louco sobre seu indefeso inimigo. Esmurrou-lhe o ventre, as faces, o queixo, a cabeça, com tanta sanha, que seria capaz de der­rubar um touro.

Adduci arrastou Nolan para uma poltrona, dei­xando-o ali, sem sentidos, o sangue escorrendo das sobrancelhas e lábios partidos. Martha gritou, histérica. Ray tapou-lhe a boca com a mão, ainda envolta no lenço. A moça mordeu seu pulso, e o bandido abafou um gemido. Por seus olhos endurecidos passou um relâmpago assassine, au­mentando o terror da garota, que gritava cada vez mais alto.

— Faça-a calar de um vez! — ordenou Boley, tapando os ouvidos.

Ray saltou sobre ela, que se debatia com fúria, sem saber mais por que gritava. O gorila perdeu o controle de seus atos e, lançando-a com fúria sobre uma poltrona, sentou-se sobre seu corpo. A jovem continuou a debater-se, como uma possessa. Mary e Rosi riam, divertidamente com o que pensavam ser uma brincadeira. Um novo grito, e Ray acabou de perder as estribeiras. Seus tímpanos não resistiam àquela prova, e temia serem descobertos. Agarrou uma almofada e aper­tou-a furiosamente sobre o rosto da infeliz.

— Que está fazendo, louco?

Adueci pegou-o por um ombro e procurou re­tirá-lo de cima do corpo de sua vítima. Ray re­sistia como um demente, transfigurado por um prazer sádico. A pequena deixou de debater-se, aos poucos, e terminou ficando imóvel. Estava morta. Só então Ray pareceu perceber o que tinha feito. Levantou-se cheio de terror e olhou apavo­rado para Boley, cujas pupilas faiscavam.

— Martha pegou no sono... — disse Boley às outras pequenas. — Não agüenta a bebida como vocês...

— Budd também, Harry — anunciou Sílvia, acercando-se com um olhar de soslaio para o desmaiado Nolan.

Boley voltou-se. Efetivamente, Starton roncava no sofá, junto a uma garrafa.

— Ray! — chamou o chefe. — Distraia Rosi... Sílvia ficou sem par, e tomarei conta dela... E você, Adueci, não se esqueça de Mary.

Sílvia e Boley passaram para o corredor.

— Trouxe as chaves?

— Aqui estão. Vou com você. Dirigiram-se, apressados, para a porta que, no

fundo corredor, dava acesso à fábrica. Boley, pela planta, conhecia bem o local. Abriu a porta, e chegaram a uma escada de ferro que subia em espiral para o andar superior, onde estavam situados os escritórios. Ao desembocarem em outro corredor, pararam repentinamente. A es­cassa luz de uma lâmpada, divisaram o vulto de um vigia interno, fazendo a ronda costumeira.

Colados contra a parede, esperaram que o ho­mem passasse, e então continuaram até uma porta onde se lia: "Entrada proibida." Era seu ponto de destino; fizeram alto e experimentaram uma a uma as chaves, até acharem a que servia. No interior, Boley acendeu uma lanterna, dirigindo-lhe a luz para o arquivo. Sua mão tremia imperceptivelmente ao inclinar-se sobre o móvel de aço.

Experimentou algumas chaves, e a porta corrediça do arquivo não tardou a descer. Abriu uma gaveta, encontrando-a vazia. Repetiu a operação com a segunda, que Desmond lhe confessara conter sua fórmula. Havia alguns papéis, mas não os que procurava. À medida que procedia na busca em outras gavetas, sua expressão mu­dava, e seu otimismo desaparecia. Começava a desconfiar que o velho os enganara. Revistando todo o móvel, deixou os braços, caírem com desa­lento. Sílvia contemplou-o desiludida, quase com reprovação.

— Sim — disse ele. — Já sei o que vai dizer... Que eu devia certificar-me, primeiro, de que o velho dissera a verdade, e poupar tantos abor­recimentos a você. Não importa: vamos aprovei­tar a oportunidade e esvaziar o cofre.

— Muito interessante — respondeu a jovem, com ironia. — Arranjamos algumas centenas de dólares e amanhã a polícia nos pega... O cofre só costuma estar cheio no fim do mês: aí, sim, valerá a pena. Enquanto isso, vamos fazer o ve­lho cantar. Não estou disposta a aturar esse imbecil do Starton em troca de nada...

Boley deu-lhe razão, e regressaram ao apar­tamento de Budd pelo mesmo caminho. De volta, Boley deu vazão a seu mau humor:

— Só faltava mais esta! Mas juro que o velho há de pagar! Vai arrepender-se do momento em que me enganou! E este jornalista do diabo, tam­bém desejará não ter nascido — ao perceber que Mary e Rosi olhavam para ele sem compreen­der o que se passava, ordenou: — Adueci, dê o fora daqui com essas duas, e bem depressa... Não agüento mais essa turma...

Adueci, como fizera algumas horas antes no "Nancy Club", puxou as pequenas pelos braços, meio arrastadas, para levá-las de volta. Ray, cujo rosto maltratado adquirira um tom azulado, observava seu chefe com temor. Sabia que pro­vocara um problema com a morte de Martha, e não tinha esperanças de ver a tormenta amainar tão cedo.

Nolan, naquele momento, voltou a si. Seu olhar penetrante encontrou o de Ray, pousou sobre Sílvia e saltou para o alterado Boley.

— O que há, Harry? As coisas não saíram como esperava?

Boley estremeceu.

— Ah! — prosseguiu o jornalista. — Não pen­sei que você mesmo quisesse pôr a corda em seu pescoço. Pensei que desejava tratar de ne­gócios, e não de assassinato... — apontou para Martha, com a cabeça. — Já está garantida sua vaga na câmara de gás...

— Pago com a mesma moeda, Nolan. Tenho a certeza de que não estará presente, quando isso acontecer: você viu demais, para continuar vivo...

— Desde quando esse medo, Boley? Pensei que você fosse mais duro...

Boley, paulatinamente ia-se acalmando. Riu, com seu riso habitual:

— É, as aparências enganam — enquanto fa­lava, Starton moveu-se no sofá, resmungando palavras ininteligíveis, — Atenda esse, Sílvia. Não vá despertar, e criar-nos mais dificuldades.

Sílvia, ajudada por Ray, transportou Starton para o quarto de dormir, contíguo à sala. Nolan fez um gesto de quem vai espreguiçar-se, mas Harry interrompeu-o empunhando sua pistola com a rapidez de um raio.

— Está sofrendo de "medite", Boley? — iro­nizou Jim — Esquece que seus gorilas já me desarmaram?

— Não, mas você também estava desarmado, na casa do professor... Como conseguiu escapar de lá?

— Não gosto de gente curiosa, Boley... Faz mal à saúde...

— Claro, ninguém melhor que você, para saber. Veja até onde sua curiosidade o levou. De qual­quer modo, pode dizer-me que foi feito de Ted e Carl?

— Simpatizo tanto com você, que vou respon­der, amigo: Carl está à morte, no refúgio que possuem, em Market Street; Ted, se não ficou cansado de esperar, deve continuar no Clube.

Silvia e Ray voltaram. A jovem tornou a olhar com insistência para Nolan, o que não passou inadvertido a Harry.

— Que é que olha com tanto interesse?

Sílvia sobressaltou-se, mas logo voltou a domi­nar-se.

— Pobrezinho... — disse — é tão simpático! Estou louca para fazer-lhe umas carícias...

E aplicou dois soberbos e sonoros bofetes em Nolan que, surpreendido, não pôde evitar o cas­tigo. A força da artista não era muita, mas a resistência do repórter, minada pelos murror dos capangas de Boley, estava quase anulada. Por pouco não perdeu os sentidos, enquanto Sílvia vociferava:

— Espião sujo! Suíno! Aprenderá a não se meter no que não é da sua conta! — voltou-se para Boley, e agarrou-o pelos ombros. — Nunca lhe pedi nada, querido... Mas hoje quero que me entregue essa carniça. Quero desafogar em alguém o fracasso. Preciso matá-lo; eu mesma, com minhas mãos!

Uma mecha de cabelos louros caía sobre seu rosto. Os olhos despediam chispas, e a boca re­torcia-se com dureza e decisão. Ray assustou-se, pensando que poderia ser ele, e não Jim, o alvo da terrível cólera da loura.

— Vocês, tratem de dar sumiço nessa aí. — Sílvia indicou o corpo da infeliz Martha. — E deixem-me com este espião sujo...

Harry Boley sorriu, encantado. Estampou um sonoro beijo na face de Sílvia, dizendo:

—- Você é um espetáculo, querida! Adoro vê-la falar assim! Tem razão, vamos dividir o trabalho. Encarregue-se de Nolan, mas não o faça sofrer muito, querida, é um pouco cardíaco e pode morrer em suas mãos, sem que o perceba... Ray também tem sua tarefa: o desaparecimento do corpo de Martha — e voltando-se para o apavorado capanga. — Escolha a maneira, mas faça bem feito. Irei com você, e em seguida vamos divertir-nos novamente com o professor...

 

No qual dois personagens tiram as máscaras. Amargas reflexões. Para compreender um sádico, ninguém melhor que um débil mental.

A chuva continuava, provocando brilhos de prata nas folhas das palmeiras. Um auto­móvel em alta velocidade percorreu a estrada que atravessava a ilha.

— Cuidado, Ray... Não convém arriscar-nos a um acidente...

— Não temos um minuto a perder, Boley. O trem passará pela ponte a qualquer momento.

— Então continue... Precisamos livrar-nos de Martha. Ao longe, o trem apitou.

— Eu poderia ter vindo sozinho.

— Claro, mas eu preciso de condução para a cabana de Gentry.

— Tem razão. Mas, não se impaciente, que logo terminaremos isto. Veja: chegamos, aí está a ponte.

A locomotiva apitou outra vez, aparecendo a pouco mais de duzentos metros da ponte sob a qual passaria, em demanda da estação do Sul de Boad.

Ray saltou do carro e agarrou o cadáver como quem levanta uma pluma. Boley apagou os fa­róis. Na escuridão, seu capanga correu com a carga nos braços e, chegando à amurada, dei­xou-a cair no espaço, sobre a via férrea. Enquanto isso Boley manobrava o carro, voltando-o em direção ao extremo da ilha, onde morava Gen­try. O capanga saltou para o assento da direção, propondo:

— Vamos buscar Ted? Talvez ainda esteja no Clube, à nossa espera.

— Não é preciso, porque ele sabe onde pro­curar-nos, se não nos encontrasse no Clube. A esta hora já deve estar com Neil e o professor. Vamos! — Recostou-se no estofamento macio e fechou os olhos. — Gostaria de saber que brin­cadeira Sílvia terá arranjado para o nosso ami­go... Garanto que está se divertindo muito!

O táxi freou diante do edifício em que Sílvia morava. A jovem ria e cantarolava, a fim de que o motorista a julgasse embriagada.

— Veja, amigo... Nós, mulheres, resistimos mais à bebida que os homens... Olhe meu ma­rido: completamente "apagado"... E eu, pelo con­trário ...

Ao descer do táxi, cambaleou propositadamen­te. O motorista, atencioso, apeou, ajudando-a a tirar Nolan do carro. Este, voltando a si, gemeu sob o chapéu enterrado até às orelhas.

— Calma, queridinho... Não é nada... Es­tamos chegando... Vou fazer um café bem quentinho e amargo, e amanhã estará bom...

O motorista ajudou-a a transportar o pesado fardo até o interior do apartamento, onde o de­puseram num sofá. Jim, que durante a operação voltara totalmente a si, esperou que o prestimoso chofer se retirasse e Sílvia fechasse a porta, antes de falar:

— Terminou a comédia, Silvia? — Ela dei­xou-se cair pesadamente numa poltrona. — Po­demos então tirar as máscaras, não é, Elinor?...

Uma certa tristeza velou as pupilas da ar­tista.

— Então, você me reconheceu... — suspirou. — No entanto, nem deu a perceber.

— Aprendi a dissimular... como você. Boley é muito astuto, e por pouco não desconfia.

— Eu sei — disse a jovem. — Desta vez, não me foi difícil fingir... Foi um prazer dar-lhe aquelas bofetadas!

— Você me odeia, mas apesar disso salvou a minha vida. Que ódio é esse, Elinor?

— Eu lhe devia algo e desejei pagar. Agora estamos quites. Tome cuidado, "Touro", porque doravante por qualquer motivo e em qualquer parte do mundo que o encontrar, não hesitarei em matá-lo!

— Creio que há um mal-entendido entre nós, Elinor.

— Não há mal-entendido, Nolan... Procure lembrar-se melhor.

— Tenho a cabeça meio dura para recordações, Elinor... Você estava em Boston... Cantava num cabaré do porto... Embriagada, esbofeteou um marinheiro... Livrei-a de quinze centímetros de aço...

— Essa é apenas a primeira parte da história, Jim. Eu tinha vinte anos... Você também era jovem... Em sua companhia, tive os dois meses mais felizes de minha vida...

— Nunca disse que a amava...

— Não importa, eu o queria. Deveria agrade­cer-lhe, pois deixou-se amar... Mas, naquele tem­po, eu não pensava assim, e precipitei minha que­da, quando você me abandonou. A culpa é sua e isso eu não posso perdoar.

— Sinto mui...

— Palavras! — interrompeu a jovem, raivosa­mente. — Vocês são todos iguais! Agora, homem nenhum me faz sofrer. Sou eu que brinco com eles. Viu Budd Starton? Está decidido a tudo, por um beijo de meus lábios... E Boley, acredi­tando que o amo, quando na realidade tenho-lhe nojo... Sirvo-me deles para conseguir o que desejo, e depois rirei muito, como já ri de tantos outros...

— Não pode ser verdade, Elinor. Não pode ter caído tão baixo!

— Você não é precisamente o mais indicado para reprovar minha vida...

Naquele momento, o telefone chamou repeti­das vezes. Antes de levantar o fone, Sílvia indi­cou o banheiro a Jim, onde encontraria medica­mentos de pronto-socorro para seus ferimentos.

Nolan levantou-se penosamente e, com passos vacilantes, rumou para o ponto indicado. Sílvia interrompeu o curativo que ele fazia, dizendo apressadamente:

— Desculpe-me, Jim... Agora vá medicar-se em outro lugar. Preciso tomar um banho, e arranjar-me depressa, pois Starton disse ao tele­fone que tem algo urgente a revelar-me... sobre a fórmula do professor.

Acompanhou Nolan a uma minúscula peça, que fazia as vezes de quarto de despejo.

— Pretende deixar-me fechado aqui?

— É o lugar mais seguro, para que não me escape... Salvei-lhe a vida, mas não Vou permi­tir que estrague meus planos.

Fechou a porta com duas voltas de chave. Atra­vés da fechadura, gritou-lhe:

— Não pense que vou deixá-lo morrer de fome. Enquanto tomo banho, a cafeteira estará esquentando. Em seguida faremos um lanche.

Ouvindo o ruído do chuveiro de Sílvia, Nolan examinava o quarto em que fora encerrado. Tra­tava-se de um cubículo desprovido de móveis, com somente dois cobertores a um canto, desti­nados a cama e abrigo. No alto de uma parede, uma janelinha estreita deixava passar as primei­ras luzes do dia chuvoso que vinha começando. Deixou-se cair sobre os cobertores e quase ime­diatamente adormeceu. Superando a fome e a sede, pois desde a véspera nada comia ou bebia, o cansaço tomava conta de sua vontade. Quinze minutos após, Sílvia anunciava, do lado de fora:

— Jim! Vou abrir: encoste-se à parede oposta, para que eu possa vê-lo.

Esperou a resposta que não veio. Sílvia estava vestida com um vaporoso negligê, que lhe real­çava as formas generosas. Mesmo cansada pelos excessos daquela noite tão movimentada, sua aparência não demonstrava o menor efeito. Sol­tou a bandeja onde a cafeteira fumegava ao lado de algumas torradas, e empunhou sua pis­tola. Em seus olhos, a suspeita crescia. Virou a chave suavemente para não fazer ruído, e abriu a porta repentinamente. Nada aconteceu: Jim Nolan, encolhido sobre os cobertores, dormia profundamente. Com um sorriso de alívio e com­preensão, Sílvia retomou a bandeja que trouxera para o quartinho, pondo-o ao lado da cabeça de Jim. Fechando-o outra vez,, vestiu-se para ir ao encontro de Starton. Antes de sair, tornou a examinar o prisioneiro adormecido e, sempre sor­rindo, desceu as escadas do edifício. No corredor passou por um estranho anão, que não conhe­cia: era Giles Gray, o amigo de Nolan.

O freio guinchou e os pneus derraparam na estrada molhada. O automóvel corria vertiginosamente sob o chuvisco em que degenerara a chuva da noite. Ao chegar à cabana da praia, o carro tomou a estradinha arenosa. Nenhum dos dois bandidos falara, durante o trajeto, cada qual mergulhado em seus próprios pensamentos. Ray não podia esquecer que assassinara Martha; pa­recia tê-la matado duas vezes: a primeira, asfixiando-a com a almofada e depois, ao atirá-la no abismo. Por seu turno, Boley pensava no professor e na fórmula, que por alguns instan­tes julgara ter nas mãos. Agora, entretanto, tinha bem poucas esperanças de consegui-la.

Desta vez, não precisaram bater à porta. Ou­vindo o barulho do carro, Ted saiu-lhes ao encontro, vindo da cabana. Boley ignorou sua pre­sença e caminhou diretamente para a cama do professor, a cujos pés descansava Neil Gentry, roncando como um justo. Despertou-o com um pontapé:

— Acorde, suíno! — vociferou. — Há trabalho para você...!

— Que... que... que espécie de... de... tra­balho?

Sem responder, o chefe puxou violentamente a coberta que cobria o professor. Este se sentara na cama, ao ouvi-los entrar.

— Então, divertindo-se, à minha custa, hem, vovô? .

— Não sei do que se trata, Boley — respon­deu o velho.

— Vou explicar, espertinho... Perdi a noite inteira para conseguir as chaves do escritório

George Desmond empalideceu. Sua surpresa era genuína. Harry agarrou-lhe o pescoço, mas pa­receu arrepender-se, pois logo o soltou e sacudiu as mãos, como se as tivesse sujado. Fez um sinal de cabeça para o gago.

— É este o trabalho — indicou. — Dê um jeito para que ele nunca mais pense em mentir para mim.

— Mas eu não menti... juro que deixei a fórmula guardada no arquivo. Alguém deve tê-la

tirado de lá — replicou Desmond, com   inflexão sincera.

Boley abanou a cabeça, incrédulo.

— Não, vovô, seus argumentos desta vez de  nada lhe valerão. Pense um pouco e veja o que  mais lhe convém, tanto a você como a sua filha...  Se tornar a mentir, seu querido rebento será  podado... Ted e Ray farão o serviço com todo o prazer.

 Desmond ignorava o que sucedera com Joan  e começou a tremer. Um terror profundo, nascido nas raízes de seu ser, apoderou-se dele rapidamente.

 — Eu disse a verdade — suspirou. — Não os  enganei. A fórmula estava lá.  — Mas não estava — interrompeu Ray. — Já  ouviu o que o chefe disse. E se ele disse, é verdade.

 — Eu aproveitei um descuido de Starton, para escondê-la na segunda gaveta do arquivo.

— Po... pos... posso começar? Vo... vocês falam muito, mas não fazem nada.

— Comece quando quiser, idiota.

Neil levantou o punho, mas não chegou a descarregá-lo contra o professor. Ao ouvir a pa­lavra detestada, voltou-se para Boley:

— Eu di... eu dis... eu disse muitas vezes que não me chamem de idi... idi... idiota!

— Be... bem... bem, não me esquecerei, de outra vez. — Riu Boley.

Ray afastou o idiota, com um empurrão, e di­rigiu-se a Harry:

— Deixe que eu me encarregue do velho, chefe. Ele vai cantar, até perder a voz...

Em um canto esconso da cabana soou a cam­painha de um telefone.

— Atenda, Neil... E muito cuidado com a língua.

De um canto meio coberto por uns trapos, Gentry tirou um fone.

— Alo... Nã... nã... não entendo. Fale mais alto. Bo... bo... Boley?

A curiosidade do chefete não lhe permitiu es­perar mais. Tirou o telefone das mãos de Neil e levou-o ao ouvido com ansiedade. Todos os sequazes tinham ordem de só usar aquela linha em emergência extrema, e este seria um caso urgente.

— Fale! — ordenou, em tom duro. — Quem é?

— Sílvia — disse uma voz alterada, no outro' lado. — Acabo de falar com Starton... Pediu-me que o ajudasse a vender certos papéis que tem em seu poder...

— A fórmula?

— Certamente! Respondi que conheço um su­jeito que poderia interessar-se por ela.

— Não devia ter feito isso — reprovou Boley secamente.

— Não há outro remédio, Boley... Starton escondeu-a onde ninguém a encontrará. Está meio louco de alegria e creio que morreria sem reve­lar seu segredo. E quer solução com urgência...

— A urgência — sorriu Boley — parece ser você mesma, não?

— Exato, Harry... Ele diz que me cobrirá de jóias e peles... Imbecil!

— Quem? Eu ou ele?

— Ele, queridinho, claro... Você é só um pou­quinho bobo...

— Escute, Sílvia: irei agora até seu aparta­mento. Faremos um lanche juntos e conversaremos a respeito. Tive uma idéia.

Sílvia ficou sem fala.

— Não, Harry — disse afinal. — Prefiro dei­tar-me um pouco... Estou caindo de sono e cansaço. Não se esqueça das aventuras desta noite. Você também precisa descansar, querido... Encontremo-nos ao anoitecer.

— Está bem... Mas escute: estou curioso para saber o que fez com aquele intrometido.

— Mais tarde, querido... Já disse que estou morrendo de sono.

Sílvia desligou, sem esperar que Boley repli­casse. O chefe virou-se para os capangas:

— Deixemos o velho por enquanto. Parece que ele falou a verdade, pois Starton apoderou-se dos papéis antes de chegarmos. Como ele mesmo disse, surpreendeu o velho quando os escondia...

Fez uma pausa e virou-se para o professor. Estava quase alegre:

— Ouça uma coisa, vovô. Sua filha não está mais em nosso poder. Foi libertada por Jim Nolan.

O professor suspirou profundamente, aliviado do enorme peso que lhe oprimia o coração. Entre­tanto, o que ouviu a seguir, dissipou-lhe as es­peranças por completo.

— Foi porque — interrompeu Ray, com malé­vola intenção — na luta que sustentávamos, o revólver disparou e a garota recebeu uma azei­tona no peito... Um arranhão de nada, por onde passaria apenas um dedo...

A nevada cabeça do professor Desmond in­clinou-se para o peito, e de seus olhos escorreram grossas lágrimas. Boley acercou-se do telefone, e discou um número.

— Percy? Aqui fala Harry. Que notícias há sobre Carl?

— Está comigo, não se preocupe. Isto é... preocupe-se um pouco só. Foi necessário operá-lo, e isso lhe custará uns duzentos...

—- Há esperanças de que se salve? — o cenho de Harry contraiu-se.

— Sim. Mas se Ted, em vez de andar dançando com ele de um lado para outro, me tivesse chamado logo, seria mais fácil...

— Obrigado. — Desligando, voltou-se lentamen­te para Ted. Ergueu a mão, enfurecido e, quan­do pensavam que lhe daria uma bofetada, chu­tou-lhe a canela violentamente. Ted deixou esca­par um grito de dor, enquanto Ray baixava os olhos, para que seu chefe não o julgasse capaz de desaprovar o gesto. Neil deu uma gargalhada, ante o golpe predileto de Boley, que suas canelas tantas vezes haviam experimentado.

 

O touro consegue fugir pelo bu­raco da fechadura. As peças no quebra-cabeças começam a encai­xar-se no lugar. Jim Nolan pede ajuda ao FBI, Giles gray deteve-se ante a porta do aparta­mento de Sílvia e colou o ouvido à fechadu­ra, depois de certificar-se de que a escada e o corredor estavam desertos. Não escutou o menor ruído. Acercando sua boca descomunal ao lugar em que pouco antes estivera o ouvido, chamou Jim, repetidas vezes. Ao não receber resposta, remexeu nos bolsos, donde tirou uma estranha gazua e, depois de verificar novamente não haver ninguém nas proximidades, entrou em ação.

Bamboleando em suas pernas disformes, o anão penetrou no apartamento, onde iniciou uma busca meticulosa, à procura de Nolan. Ao descerrar uma pesada tapeçaria, encontrou a porta do quartinho onde estava o prisioneiro. A gazua entrou novamente em ação; à incerta luz da ma­drugada, Giles divisou o corpo do repórter, cal­mamente entregue ao sono. Moveu sua enorme cabeça e seus curtos braços, em consonância com seus passos, em direção a Jim.

— Acorde, Nolan, acorde!

"Buli" abriu os olhos, com dificuldade, espreguiçando-se.

— Alegro-me em vê-lo, Giles... mas, por outro lado, preferia que me tivesse deixado dormir mais um pouco.

— Não quis arriscar que passasse a ser o sono dos justos, chefe... O sono que Martha está dormindo.

O repórter levantou-se.

— Obrigado, Gray!

Viu as torradas que Sílvia lhe preparara, e começou a devorá-las.

— Eu não faria isso, Nolan. Podem estar en­venenadas.

Jim riu da desconfiança do anão.

— Estou com fome, Giles. Além disso, se Sílvia quisesse matar-me, não lhe faltaram ocasiões para tanto.

Saíram do quarto, e Jim pediu a Giles que lhe emprestasse a gazua com que o libertara.

— Vou tornar a fechar as portas. Assim Sílvia terá uma surpresa maior, ao constatar que me evaporei...

Uma vez na rua, depararam com um sol tímido, que assomava entre grossas nuvens que o vento varria para o mar, em interminável caravana.

— Vou para Los Angeles. Quer acompa­nhar-me?

— Ontem eu lhe disse que não posso arris­car-me a ser visto com você. Ficarei aqui, para observar Sílvia quando voltar. Se tiver alguma novidade, telefonarei.

— Telefone para minha casa, para o jornal... ou para o hospital do doutor Dave. Vou dar uma passada por lá, para ver como está Joan.

O informante piscou:

— Compreendo... e com seu violino debaixo do braço pôs-se a andar, Main Street acima.

Nolan tomou o caminho do porto. A cidade de Boad enchia-se de vida à medida que a manhã avançava.

Nick Harper, o redator-chefe, recebeu o tele­fonema, e sua voz de trovão obrigou Jim a afastar o auricular do ouvido. Ao perceber, afi­nal, que Harper amainava, perguntou:

— Posso falar, agora?

— Fale; mas fique certo de que a desculpa, desta vez, não lhe servirá. O chefe está bufando. Maldisse mais de mil vezes seu amigo Vernon, por recomendá-lo... Disse que você é tão bom jornalista, que seu lugar não é aqui, neste pas­quim de Los Angeles, mas naquele grande jornal de Washington, de onde veio

— Está bem, Harper. Mas, deixe-me explicar: estou metido em um assunto importante.

— Para o jornal, ou para você?

— Para ambos.

— Você sabe que o que interessa ao "Manchester" são as notícias policiais que deve trazer. Suas aventuras de saias não...

— Se visse minha cara amassada, não pensa­ria assim.

— Às vezes as mulheres arranham, e até mor­dem. Mas vamos ao assunto: aconselho-o a não aparecer aqui sem uma notícia que valha a pena.

— Você me deu uma idéia! Diga ao chefe que eu me considero despedido... até estar em condições de levar-lhe uma notícia de primeira página. E... tranqüilize-se, Nick, pois espero le­vá-la a qualquer momento. Por enquanto, pode publicar isso: a jovem sem identidade que se encontra agora no necrotério da Ilha Boad cha­ma-se Martha. E mais: não foi suicídio. Já estava morta, quando a atiraram na via-férrea.

— Espero que não seja uma das suas conquis­tas, e que não tenha sido você quem a matou...

— Confidencialmente, confesso-lhe que fui eu... Até logo, Harper.

Nolan saiu à rua, novamente, e dirigiu-se de táxi ao hospital do doutor Dave. Estava cansado e preferiria deitar-se, mas precisava ver Joan e saber como estava. A enfermeira de plantão encaminhou-o ao quarto.

— Olá, carinha de anjo! — saudou. — Como vão essas forças?

A filha do professor sorriu, com seu sorriso triste. O rosto pálido dava-lhe uma aparência frágil, que comoveu Nolan.

— Edmund diz que não é grave, mas estou com medo, Jim.

— Tenha confiança em seu noivo, pequena...

— Eu tenho... Eu tenho... Mas não me as­susto por mim: é por meu pai, Jim. E por você, também.

— Nada do que está acontecendo pode ser mo­dificado pela sua vontade, cara de anjo. Tenha coragem, que tudo se resolverá.

— Por favor, Jim, diga-me onde está meu pai, que foi feito dele...

— Não quero enganá-la, Joan. Seu pai ainda está em poder daqueles tipos. Não sei onde; por isso estou aqui.

A tristeza de Joan acentuou-se. Seu olhar tor­nou-se úmido.

— Chame a polícia para ajudá-lo, Jim. Foi um erro, não a termos avisado desde o início.

— Ao contrário — objetou Nolan. — A Po­lícia faz muito barulho... Harry Boley poderia perder a cabeça e matar o professor. Não pense nisso, Joan. Tratarei de encontrá-los, e cairei sobre eles, sem que possam reagir. É o melhor método.

— Está bem, Jim. Mas...

Sua voz tremia- levem ?nte. O coração de Nolan saltou de alegria. Sentou-se na borda da cama, e tomou a mão de Joan. Enrubescendo, ela retri­buiu o gesto com um sorriso fraco.

— Perdoe-me, Joan... Não devia ter feito isso...

Não se atreveu a olhá-lo.

— Compreendo...

— Ouça-me, carinha de anjo: necessito de uns esclarecimentos. Sabe alguma coisa sobre Harry Boley e seus capangas? Trabalham por conta pró­pria ou para alguém?

— Creio que para alguém. O próprio Boley falou nisso, ontem. Telefonou para um tal... dei­xe ver se me lembro... ah!... um tal Smith. Falou-lhe na fórmula.

— Smith? Certamente algum nome falso. Sabe mais alguma coisa?

Joan negou, com um aceno. Jim levantou-se, chegando à janela do quarto que abria para a rua, mostrando um movimento contínuo de pe­destres e veículos. De súbito, pareceu-lhe ver algo que o intrigou, e, rápido como um relâmpago, saiu correndo. Na rua, olhou abaixo e acima:

— Pareceu-me... — murmurou.

Tivera a impressão de que vira Sílvia saindo do hospital, mas não lhe foi possível averiguar pois a mulher já havia desaparecido entre a multidão. Voltou ao quarto de Joan.

— Que aconteceu, Jim?

— Pareceu-me reconhecer alguém; deve ter sido engano.

Naquele instante, entrou o doutor Dave.

— Como vai, Nolan? Não me avisaram de sua visita — disse friamente. — Obrigado, pelo seu interesse por Joan. Sabe alguma coisa do profes­sor? Eu tinha vontade de chamar a Polícia, mas Joan não permitiu...

— Sou de opinião de que não seria convenien­te... ainda. Devemos surpreender os raptores, antes que tenham tempo de prejudicar o profes­sor. — Suspirou, voltando-se para Jóan. — Dei­xo-a, mas virei vê-la, logo que possível.

— Quando tiver notícias, avise-me em seguida, Jim — sua voz era doce, embora procurasse dar-lhe um tom frio e protocolar.

A jovem sorria tristemente, quando Jim reti­rou-se. Edmund Dave não pôde evitar uma ex­pressão de desagrado.

— Não gosto desse sujeito... É muito introme­tido.

Joan não respondeu. Estava pensando que fora isso mesmo o que Harry Boley e seu bando ha­viam dito de Jim Nolan...

O repórter, instintivamente, encaminhou-se para o apartamento da Market Street, onde na véspera havia lutado com Ray. Sua intenção, que julgava ser a tarefa mais urgente, era procurar indícios que o pusessem na pista do misterioso Smith.

Encontrou a porta apenas fechada pelo trinco. No chão, manchas de sangue ainda úmido, e por toda a parte as devastações da luta. Nolan revis­tou minuciosamente cada centímetro da sala. In­clinou-se para o telefone, como se esperasse que o aparelho lhe esclarecesse as dúvidas... Cha­mou-lhe a atenção, de súbito, o bloco que pendia ao lado do aparelho. Não lhe foi difícil perce­ber que alguém anotara um número e arrancara a folha superior, porquanto o bloco não tinha a camada de poeira que normalmente se deposi­taria, naquele apartamento descuidado. Exami­nou-o cuidadosamente contra a luz: efetivamente, via-se em sua superfície o leve sulco deixado pelo lápis.

Um sorriso iluminou o rosto de Jim, enquanto investigava o papel. À falta de material apropriado, acendeu um cigarro e espalhou a cinza sobre a folha, esmagando-a com o dedo. Seu trabalho foi compensado: ao sacudir levemente a cinza, pôde ler o número que reconstituíra.

— AD 4-6531. Adams, quatro, seis, cinco, três, um... — murmurou. Anotou-o, esperançoso com a descoberta. Saiu correndo do prédio, e apanhou o primeiro táxi que encontrou na rua. Dirigiu-se ao Departamento de Justiça, onde funcionava a agência do FBI em Los Angeles. Entrou, como uma tromba, no escritório do inspetor Morrison, velho amigo, que o acolheu com grandes mostras de simpatia.

— Que tal, Nolan? Como vão seus casos?

— Bem...

— Considera "bem" uma cara amarrotada, como está a sua?

— Isso não, é claro... Mas venho por outro assunto: preciso de dois homens.

— Posso saber para quê?

— Para efetuar uma prisão.

— Quem é a vítima?

— Uma mulher. Não sei se a conhece. Trabalha na Ilha Boad, num clube noturno, o "Nancy".

Morrison olhou com suspeita para Nolan.

— Ei! não vamos mobilizar meio batalhão para trazer essa pequena, só porque ela lhe deu o fora...

— Não falei de meio batalhão, mas de dois ho­mens — Jim acompanhou a pilhéria. — Além disso, a garota não me deu o fora. Salvou-me a vida, e agora procuro salvar a dela, embora es­teja implicada em rapto e assassinato.

Morrison saltou de sua cadeira giratória:

— Como?

— Desejo impedir que a matem por minha culpa. Ontem à noite caí nas garras de uma "gang" que se dispunha a varrer-me deste mun­do. Ela se encarregou da operação, mas arre­pendeu-se e poupou minha vida, o que a deixa em situação delicada perante o bando.

— Ora, certamente a menina saberá arranjar um meio de enganá-los...

— A única coisa que poderia inventar seria que eu agora descanso no fundo do mar ou outro lugar semelhante. Deve ser esta a história que apresentou, provavelmente. Mas a situação mudou: alguém sabe que estou vivo, e o bando vai cair sobre ela, enfurecido.

— Que caso é esse, homem de Deus?

— O do professor Desmond. Do homem que vim vigiar por ordem do FBI. Foi seqüestrado, e procuram arrancar-lhe a fórmula que inventou, e que possibilita a imersão de submarinos por tempo ilimitado.

— Sei; a imprensa referiu-se a isso. O profes­sor conseguiu?

— Parece que sim.

— Então, a proteção que você lhe dispensou não foi eficiente, não é?

— Eu não podia estar em toda parte... Em minha qualidade de repórter, precisava passar algum tempo na redação do jornal. E estava lá, quando o velho foi raptado.

— Pode tirar a máscara e dedicar-se ao assun­to exclusivamente como polícia, agora.

— Ainda não. Seria prematuro. Tenho maior liberdade de movimentos, assim.

— Como queira. — Morrison chamou dois de seus homens, Peter Grane e Bill Rath, fortes e excelentes rapazes. — Ponham-se à disposição de Jim Nolan. Ele lhes dirá o que devem fazer.

Jim, agradecendo a ajuda de seu superior, re­tirou-se, acompanhado dos novos auxiliares.

 

A fórmula muda de dono e pa­rece mudar também a situação. Um fracasso que não estava no programa. Nolan põe as cartas na mesa, mas a morte arreba­ta-lhe o trunfo das mãos.

Sílvia   apresentou-se   perante   Budd   Starton, com toda a sua fascinação. O homem cum­primentou-a pálido de emoção:

— Olá, Sílvia! Desculpe-me, por um momento... Entrincheirado atrás de sua escrivaninha, o

diretor da fábrica de alumínio parecia um gene­ral a dirigir seus efetivos de combate.

— Por enquanto, é só — disse para a secre­tária, a quem terminara de ditar uma carta — E não estou para ninguém, agora.

A secretária saiu. Budd, com um gesto de can­saço, levou as mãos à cabeça. Os traços da noitada alegre apareciam claramente em suas fei­ções, ao contrário do que ocorria com Sílvia.

— Conseguiu falar com... Smith? — pergun­tou, ansioso.

— Está à nossa espera — assentiu Sílvia — Não quer vir aqui, nem que vamos à sua casa: será em terreno neutro... Você tem a fórmula aqui?

Starton, sem responder à pergunta, aproximou-se do cofre aberto, donde tirou uma caixinha de aço. As anotações do professor Desmond surgi­ram em suas mãos.

— Onde? — perguntou, guardando nos bolsos os papéis dobrados.

— Perto daqui, Budd: no Boulevard Santa Mônica, na ilha...

— Então não é necessário irmos de carro...

— Claro, querido... Daremos um passeio, afi­nal.

Sílvia tomou o braço de Starton, que foi en­volvido pelo seu perfume e, mais que isso, pelo Indefinível encanto de sua beleza.

— Andam falando de nós, porque a amo, Síl­via — confessou. — O diretor da Starton & Cia., não deve ter certas preferências, dizem. Mas eu rio de todos, querida. Vamos casar, e viajar para longe disso tudo... Iremos para Nova Orléans, onde já morei há anos, e tenho certeza de que seremos felizes.

A jovem deixava-o falar, como que embriagado pelos seus sonhos. Animava-o a prosseguir, quan­do se calava, para que ele não percebesse o duplo jogo que vinha praticando. O Boulevard Santa Mônica cruzava a Main Street, na cidade de Boad, quase tão largo como esta, mas muito mais belo, com suas palmeiras altas e esguias, a balançar suavemente.

— É aqui — indicou a cantora, detendo-se ante um bangalô solitário, no extremo do Boulevard que dava para a praia.

Starton abriu o portãozinho e entraram por uma alameda de saibro que estalava sob seus pés, na manhã tranqüila. Ante a porta de entra­da, Budd vacilou um segundo, enquanto Silvia perscrutava os arredores, para ver se não eram observados. Afinal, a jovem tocou a campainha. A porta abriu-se lentamente. No vestibulo rei­nava uma suave penumbra. Starton deu um pas­so para o interior, e... o mundo veio abaixo. An­tes de perder o conhecimento, sentiu que alguém, inclinado sobre ele, apropriava-se dos papéis.

Pouco depois, Sílvia, Ray e Harry Boley aban­donavam a casa. Antes de saírem em direção ao automóvel que os esperava atrás da casa, Ray recolocou um cartaz que retirara do jardim: uma tabuleta onde se lia "Aluga-se".

O homem, sentado de costas para a janela, brincava, nervoso, com o abridor de cartas que tinha na mão. Boley lhe telefonara pouco antes, e parecia-lhe haver passado um século. Consu­mia-o o desejo de ter a ambicionada fórmula nas mãos. Acendeu um cigarro, com dedos trêmulos, e recostou-se em sua cadeira giratória, lançando espirais de fumo para o teto, em ritmo acele­rado.

— Entre! — gritou, ao perceber que batiam à porta. Harry Boley entrou, vestido de negro, como sempre. Ray ficou postado à porta, em atitude vigilante.

— Trouxe?... — perguntou, ansioso, o homem que esperava.

Boley inclinou a cabeça, assentindo:

— Foi um trabalho difícil, mas conseguimos... Espero que o prêmio compense as dificuldades que vencemos...

— Pode estar certo disso! Essa fórmula, se soubermos tirar proveito, vale milhões. Um governo estrangeiro que conheço dará por ela o que pedirmos...

— Isto não é patriótico — ironizou Harry.

— O dinheiro não tem pátria... Vamos ven­dê-la a quem oferecer mais.

— Pretende patentear o invento em seu nome?

— Por enquanto, não. Para isso seria necessá­rio realizar experiências, e o Governo o declararia "arma secreta", tirando-nos a liberdade de escolher comprador.

Riram, ambos, com regozijo quase infantil.

— Estão aqui as anotações... Smith.

O homem, de costas para a janela, apanhou-as, estendendo-as sobre a mesa.

— Mais tarde vou examiná-las com vagar. Agora...

— Que faremos com o velho? A ordem foi rápida, decisiva:

— Façam-no desaparecer! Ele poderia contra-dizer-me, ao conhecer o "meu" invento. Seríamos desmascarados!  — Smith continuava fumando ansiosamente, lançando espirais para o ar. A alegria não lhe cabia no corpo, transbordando de todo o seu ser. — Sente-se, Boley! Descanse um pouco, e conte-me tudo, com pormenores... Vamos tomar um gole.

Levantou-se e acercou-se da estante de livros, que dissimulava um pequeno bar. Encheu dois copos e brindaram pelo êxito do negócio que encetavam. Boley relatou os acontecimentos, refe­rindo-se várias vezes a Nolan.

— Tivemos um bocado de trabalho com ele a noite passada. Afinal, conseguimos agarrá-lo, e creio que agora não nos incomodará mais...

Pelos lábios do outro passou um sorriso mordaz.

— Por que pensa assim?

— Porque Sílvia se encarregou de liquidá-lo, e Sílvia é "fogo"...

— Pois esse "fogo" falhou, Boley. Eu mesmo vi Nolan esta manhã!

A acusação da possível traição de Sílvia en­fureceu Boley.

— Não pode ser verdade o que diz... Smith! Este meneou a cabeça:

— Pois é verdade, Boley. Pergunte a ela.

— Talvez ele tenha fugido e Sílvia não tivesse coragem de contar-me, temendo...

— Sim... Pode ser qualquer coisa... — A mordacidade de Smith aumentava.

— Deixe de indiretas! — gritou Boley — Sílvia sempre foi leal comigo. Ainda há pouco, entre­gou-me Starton, com a fórmula.

— É por este motivo que encaro o assunto somente do ponto de vista irônico — cortou Smith. — Caso contrário, eu o aconselharia a eliminá-la...

— Minha opinião também vale, que diabo! Afinal, foi nas minhas costas que caiu todo o peso do trabalho.

— Concedo-lhe essa honra. Mas, diga-me: o trabalho foi feito com perfeição? Responda...

— Creio que sim... — Boley vacilou. — Se medirmos o resultado, não cabe a menor dú­vida.

— Apesar do resultado, não estou satisfeito. Onde está Joan? Vocês a deixaram escapar, tam­bém, e graças a mim, que por acaso pude pro­videnciar quanto a ela, agora não está em con­dições de incomodar-nos.

— Se a tem em seu poder, não há problema...

— Certamente. Não turvemos um momento tão radioso! Vamos beber outro gole, Boley, à saúde da bela Joan Desmond, com quem me casarei... logo que ficar livre de seu pai, o único obstáculo em minha vida. Em minha vida pública, particular e sentimental...

— Olá, boneca!

Sílvia parou, rígida, à entrada de seu aparta­mento, ainda com a chave na mão. Diante dela, Nolan, sorridente e ironicamente galante, convi­dava-a a entrar, com um gesto solene. Estava acompanhado de dois rapazes que ela não conhe­cia: Bill e Peter.

— Que fazem vocês em minha casa?

— Estávamos à sua espera — respondeu Peter. — Temos um compromisso com você.

Nolan sorriu novamente.

— Um compromisso? Que querem dizer com isso?

Os dois agentes entreolharam-se, rindo tam­bém. Nolan esclareceu:

— Sim, boneca... Um compromisso com a Jus­tiça. Sinto muito, mas não há outro remédio.

— É assim que você me paga por lhe ter salvo a vida? — gritou Sílvia, historicamente.

— Lembre-se, Sílvia... Você é que pagou uma dívida, e avisou-me de que estávamos quites... A batalha continuou, e quem venceu fui eu...

— Antes eu tivesse permitido que o matas­sem!

— Lamento, Sílvia. Creia, não há outro remé­dio! Já sei quem é Smith, mas precisamos saber onde está o professor; sua vida corre perigo.

— Engana-se. A fórmula está em nosso poder, e o velho será posto em liberdade.

— Não, Sílvia. Você pensa assim, mas Smith queria não só apoderar-se da fórmula como tam­bém livrar-se do professor, por vários motivos.

Sílvia recuperava-se paulatinamente.

— Aponte-me esses motivos... Pode ser que me convença...

— Julguei-a mais inteligente... Ouça: Smith quer patentear como seu, o invento do professor. Vivo e em liberdade, Desmond facilmente o des­mascarará.

— Não poderá fazê-lo. — Ela sorriu. — Smith tirará patente da descoberta num país estran­geiro, e o professor pregaria no deserto.

— Ele quer casar-se com Joan, algo que o velho não permitiria.

— Ela o aceitaria sem muita resistência... mesmo contra a vontade do pai.

Bill adiantou-se uns passos, interpondo-se entre Nolan e Sílvia.

— Deste modo não chegaremos a parte algu­ma. Deixe-me, que tratarei de convencê-la. Levo-a à Delegacia, e ela cantará direitinho — mudou de tom e prosseguiu: — Creio que lhe seria mais conveniente falar sem que a forcemos. Será um ponto a seu favor, no julgamento, como cúmpli­ce de assassinato. E note que não me refiro ao do professor, ainda em suspenso, mas ao da jovem Martha.

— Eu nada tenho a ver com essa morte.

— Está tão envolvida como os outros...

— Tente prová-lo! Martha suicidou-se. Bebeu demais, e o álcool aumentou sua tristeza. Nós a levamos para casa, e não sabemos mais nada...

Nolan queimou o último cartucho:

— Há uma coisa que ainda ignora, Sílvia... Já sei quem é Smith, ele também sabe quem sou eu, e que estou livre. Quando falar com Boley e pedir-lhe explicações, saberá que foi você quem se encarregou de dar-me sumiço... Nós conhece­mos essa classe de gente, e sabemos qual a sua lei: paga-se um erro com a vida, e você cometeu um grande erro ao deixar-me vivo...

Nolan, falando, aproximara-se da janela, por onde olhava com interesse. Ao terminar, chamou Sílvia:

— Veja se não tenho razão...

A jovem correu, impressionada pelo tom de Jim. Empalideceu intensamente.

— Vê aquele sujeito? É Ray... Que estará fa­zendo, defronte de sua casa? E olhe um pouco mais adiante: aquele automóvel, não é o de Boley? Decerto vão convidá-la a passear...

— Se quisessem fazer-me alguma coisa, teriam subido — contradisse Sílvia, tentando conven­cer-se a si mesma.

Nolan fez um gesto amplo.

— Isso se explica: não subiram, provavelmen­te, porque sabem que você não está só; assim, esperam apenas que os visitantes se retirem...

Sílvia levou a mão à boca, afogando um ge­mido.

— Façam comigo o que quiserem! Mas, sal­vem-me deles... Confessarei o que souber, mas salvem-me deles...!

— Assim é melhor. Vamos, rapazes. Conversa­remos no caminho.

O rosto da jovem revelava uma trágica serie­dade. Ao chegarem à rua, surpreendentemente, Sílvia tentou fugir ao mesmo tempo de Nolan e de Ray. O que aconteceu foi tão rápido, que nenhum dos interessados pôde impedi-lo. Sílvia atravessou a rua, esquivando-se dos automóveis e ônibus que, velozes, passavam em ambas as direções. Não conseguiu alcançar a calçada oposta: um ônibus apanhou-a em cheio, jogando-a sob um automóvel. Um grito estridente encheu os ares, sobrepujando os demais ruídos da ci­dade.

A vacilação de Nolan foi breve. Disparou em perseguição de Ray, que, lesto, subiu ao carro, arrancando em alta velocidade.

Smith curvou-se sobre sua mesa de trabalho, sob as vistas expectantes de Boley. Repentina­mente, soltou um grito:

— Maldito velho! Isto está trocado! Boley arregalou os olhos e abriu a boca.

— Que é que está trocado?

— A fórmula... Esta não é verdadeira! Para quem não entende, pode parecer, mas para mim... Estas modificações não valem nada!

Harry olhou-o, desconfiado.

— Pensa que vou acreditar nessa história?

— Que história? Juro que estas notas estão propositadamente erradas. A carta que lhe escrevemos alertou-o, decerto... E preparou-se para enganar a todos. O que ele ignorava é que estaria lidando com o único homem capaz de descobrir a troca num segundo.

Boley ainda duvidava. Smith enfrentou-o.

— Vou tomar conta dele, pessoalmente. Aquele velhote caduco nunca mais se divertirá à custa dos outros, depois que "conversarmos"...

Naquele instante, soou o telefone. Boley aten­deu e ouviu por uns segundos, ao cabo dos quais soltou o fone, limpando o suor da fronte.

 

Onde a morte tudo perdoa e incita Starton à vingança. A  mulher que morreu duas vezes espera identificação no necrotério. O "touro" invade o hospital.

Budd starton voltou a si lentamente. Doíam-lhe a cabeça e a boca-do-estômago. Abriu os olhos, sem compreender o que lhe acontecera. À medida que sua mente se desanuviava, ia per­cebendo o ridículo da situação a que a traição de Sílvia o arrastara. Dominado pela desilusão, pensava somente em vingar-se, enfrentando os bandidos de que ela era cúmplice. Boley e seus "amigos" nunca lhe haviam sido muito simpá­ticos, mas, fascinado por Sílvia, aceitara-os como uma ligação necessária.

Levantou-se com dificuldade, sacudindo o pó de suas roupas, e saiu para o jardim, com passos vacilantes. Sentia o perfume da terra úmida, e das flores: o perfume da vida. Mas sua alma levava a morte...

Vagou, incerto, até uma cabina telefônica. Chamou o apartamento de Sílvia, sem obter resposta. Desligando, dirigiu-se ao "Nancy Club", pensando que talvez a encontrasse lá. O salão estava solitário; as cadeiras, com os pés para cima, sobre as mesas, permitiam que duas empre­gadas lavassem o assoalho. Dirigiu-se a elas:

— Sílvia não está?

— Credo! Que susto, senhor! — respondeu uma delas. — Não sabe que Sílvia foi atropelada hoje e morreu?

Foi como se uma tonelada de chumbo se abatesse sobre Starton. No fundo de seu coração, perdoou-a, pois morrera... No entanto, alguém ainda vivia, e a esses, Budd jamais perdoaria: Boley, Ray, aqueles sujeitos que se tinham va­lido dela para enganá-lo... Pagariam o débito próprio, mais os juros pendentes que Sílvia deixara...

Saiu à rua. Um projeto de vingança delineava-se em sua mente, cada vez mais nítido. Apanhou um táxi e mandou rumar para a Delegacia de Polícia da Ilha Boad.

Lou Gosse, gordo e bonachão tenente do Setor de Homicídios, que já o conhecia, atendeu-o.

— De que se trata?

— O professor Desmond foi raptado. Três in­divíduos, Boley, Aducci e Ray, apoderaram-se de uma fórmula inventada por ele. Existe uma quarta pessoa, chamada Smith, para quem eles tra­balham.

O tenente olhou-o com assombro:

— Explique-se com mais clareza, Starton.

— Creio que estou sendo claro. O professor Desmond, acossado pelos que queriam roubá-lo, escondeu sua fórmula em minha fábrica, dentro de um arquivo.

— E depois?

— Eles extorquiram do professor a informa­ção... Sílvia, que era cúmplice dos raptores, serviu-se de mim para introduzi-los em minha casa. Não suspeitei de nada, até que... eles me julgaram mais embriagado do que estava, rou­baram minhas chaves e levaram a fórmula.

O tenente fez um gesto de impaciência.

— Acredite-me, Gosse. Saímos do "Nancy Club", com Sílvia e três mulheres.

O tenente fê-lo embarcar em seu carro e ruma­ram para o Clube.

— Que manda, tenente? — perguntou Haze, após introduzi-los em seu escritório.

— O senhor Starton falou-me de três mulheres que saíram com eles, a noite passada. Quem eram?

— Lembro-me, agora — interveio Starton — Chamavam se Rosi, Mary e Martha.

Haze sorriu nervosamente.

— Sim, sim, foram elas, realmente. Trabalham aqui, e moram perto. Vou dar-lhe seus endereços.

Minutos depois, batiam à porta do apartamento de Mary e Rosi. Esta veio atendê-los, vestindo um quimono e com profundas olheiras no rosto sem pintura.

— Em que posso servi-los?

Lou Gosse mostrou-lhe suas credenciais.

— Você mora sozinha?

— Não, tenho uma companheira, Mary — na­quele momento a mencionada saiu do quarto, ainda vestindo um vaporoso "robe".

— Conhecem o senhor Starton?

— Claro! É assíduo freqüentador do Clube... — respondeu Mary.

— Creio que vocês têm uma colega vizinha, não é? Martha.

Em resposta, Mary saiu ao corredor e bateu à porta do apartamento fronteiro, sem obter resposta. Voltou, requebrando-se despreocupada-mente.

— Não está em casa — disse, mas algo a fez empalidecer. Rosi gritara, embora procurasse abafar o grito com a mão. — Que há, Rosi?

Esta deixou-se cair sobre uma poltrona, com o rosto entre as mãos.

— Não, não pode ser! — exclamou. — Eu e Mary estávamos certas de que era um pesadelo! Ficamos tontas...

—t Que espécie de pesadelo?

— O homem que acompanhava Martha a es­tava surrando. E todos riam, até nós, que dançávamos na casa desse senhor aí.

— É verdade, Starton?

— Não... não me lembro bem — gaguejou este. — Já lhe disse que eu também estava em­briagado. Mas, agora, parece-me que sim. Ray deu umas taponas em Martha... Depois, chegou outro sujeito. Disseram-me que era um amigo. Mas este não tinha acompanhante.

— Acho que não era bem um amigo, tenente, porque também foi surrado.

— É, lembro-me dele, desmaiado, numa pol­trona. ..

— Bem — o tenente fez uma breve pausa. — Como estava vestida Martha? Pensem bem, antes de responder, para evitar confusões.

Lembrava-se de que no necrotério jazia uma jovem não identificada.

— Martha só tem dois vestidos de noite — disse Mary. — Ontem usava o de veludo vermelho, com enfeites brancos.

O tenente compreendeu logo que aquele corpo estraçalhado pelo trem era o de Martha, e que não se suicidara. Os assassinos, então, deviam ser Boley, Ray e Aducci.

— Martha está no necrotério — disse. — Iden­tifiquem-na, por favor, e não pensem em sair da cidade sem minha autorização. Pode ser que eu precise do depoimento de vocês, mais tarde.

De volta à Delegacia, o tenente Gosse comuni­cou-se com a Chefatura em Los Angeles, falando alguns minutos com o inspetor-chefe, a quem referiu os acontecimentos, inclusive o rapto do professor Desmond.

— Isto entra na jurisdição do FBI. Não inicie qualquer investigação enquanto eu não me comu­nicar com Morrison. Mas não deixe de seguir a pista dos assassinos da pequena.

O carro que conduzia Bill, Peter e Nolan dete-ve-se ante a clínica do doutor Dave. Os dois primeiros aguardaram, enquanto Jim subia a escadaria. Atendeu-o uma enfermeira.

— O doutor está?

— Não. Saiu há pouco, com um amigo.

— Que espécie de amigo?

— Não sei... — disse a moça.

— Procure lembrar-se! — animou Jim, fazendo um sinal para que os outros descessem do auto­móvel. — Meus amigos e eu queremos saber quem era, e com urgência.

A enfermeira assustou-se.

— Fale pelo caminho, boneca. Você vai agora presenciar o rapto de uma de suas pacientes, e não tentará nada para impedi-lo, ouviu? — Nolan empurrou-a delicadamente, e todos entraram. — Agora, fale: como era o cavalheiro? Por acaso, vestia-se de preto, e era baixinho?

— Se o senhor já sabe, por que me pergunta?

— É aqui, amigos — disse Nolan quando che­garam ao quarto de Joan.

Peter inclinou-se, levantando-a da cama, envolta no lençol que a cobria. Joan despertou e abafou um grito de terror, ao ver Jim.

— O que está acontecendo? — perguntou, sobressaltada.

— Não há tempo para explicações. Meus ami­gos vão levá-la de carro para um lugar seguro, e no caminho lhe dirão. Confie em mim.

— Edmund pode não gostar... Fale com ele, Jim...

— Claro — prometeu Nolan, tomando-se terri­velmente sério. — É justamente isso que pretendo fazer: falar com Edmund...

Joan interpretou as palavras de Jim de modo diverso. Pensando que se devessem à rivalidade inevitável entre eles, disse, com voz suave:

— Não brigue com ele, Jim. Deve poupar o vencido...

Bill e Peter saíram com Joan. Nolan ficou, dando explicações que a enfermeira recusava com energia:

— Avisarei a Policial — ameaçava. — Avisarei a Polícia!

— Isto não é uma brincadeira, senhorita. Além do mais, escute: a Polícia somos nós. Já ouviu falar no FBI?

Enfiou-lhe, praticamente, suas credenciais pelo nariz, e retirou-se, em busca de um telefone público.

— Giles? — perguntou, a quem atendeu seu chamado.

— Não, ele hoje não apareceu por aqui. Desligando, Nolan introduziu novo níquel  e

discou outro número.

— Lering? Aqui é Jim Nolan. Tem novidade a respeito de Giles?

— Tomou café aqui hoje de manhã e disse que ia sair para um trabalho que você encomendara.

— Se voltar, peça-lhe que me espere ai.

Jim desligou. Em seu rosto refletia-se o desa­lento. Giles seria o único, no momento, que po­deria ter descoberto o paradeiro do professor Desmond. Rumou para a Ilha Boad, onde talvez o encontrasse. Lá estava o anão, na Cantina Roffy, com seu indefectível violino...

— Conhece algum capanga de Boley que possa estar escondendo o professor, Giles? Pense bem, pois esta pode ser nossa última oportunidade...

— Hum... deixe-me ver. Harry Boley tem um amigo, Neil Gentry, que mora em uma cabana, no areai ao sul da Ilha. É um débil mental. Quer que o leve até lá?

— Não, basta que me indique como ir. Quero que telefone para este número — deu-lhe um papel — e diga ao inspetor Morrison que mande socorro. Quando chegarem aqui guie-os até a cabana.

 

Smith desiste do anonimato e aparece em cena. Surpreendente e inexplicável transformação de um retardado mental. É preciso saber morrer... Fim no pesadelo.

O professor Desmond voltou a cabeça, ao abrir-se a porta. Seus olhos fatigados arregalaram-se de horror. Aducci e Gentry levantaram-se, o primeiro com presteza e o segundo com a lentidão habitual. O motivo do horror de Desmond era aquele a quem chamavam de Smith, e que acabava de reconhecer.

Boley e Ray vinham com ele; mas o chefe era, visivelmente, Smith. Podia-se comprová-lo pela atitude servil dos outros. Todos, com exceção do retardado, demonstravam conhecê-lo anterior­mente.

— Você!... — exclamou o velho. — É você, o...

— Julgava-o mais inteligente, professor — respondeu com ironia.

— Nunca pensei que sua ambição o arrastasse a isso. — A voz do velho soou carregada de tristeza. — Você desperdiça seu talento...

— Engana-se. Sempre se enganou, comigo. Meu talento nunca foi tão bem aproveitado... Com a fórmula e Joan, terei tudo o que ambiciono!

— Eu já desconfiava de sua sanidade mental... Agora, estou certo; não fosse assim...

— Não fosse assim, eu estaria queimando as pestanas e espremendo o cérebro, e as honras seriam todas suas, professor...

— Você participou dos meus trabalhos. Se sua ambição não fosse tão cega, teria o nome figu­rando junto ao meu. Joan seria sua esposa e a vida sorriria para todos nós... Agora, só a morte sorri... A morte e a desgraça para os que viverem. Remate sua obra... e Deus o perdoe...

O nome de Deus, apesar da suavidade e doçura com que fora pronunciado, soou na choça como um anátema. Smith riu:

— Deixe-se de asneiras e dê-me a fórmula verdadeira. Foi muito esperto, mas não lhe adiantou nada. Enganou a todos, mas não a mim. Já conversamos demais: diga-me onde está, e terminou o assunto.

Desmond negou, com repetidos movimentos de cabeça.

— Não conseguirá o que deseja.

— Pior para você! Não lhe restará um osso inteiro...

— Faça o que quiser, mas não conseguirá nada. Não direi o que, agora mais do que nunca, desejo levar para o túmulo.

Smith fez um sinal a Boley e este ordenou a Ray:

— Dê-lhe na cara... Vamos ver se não muda de opinião...

Os olhos de Ray brilharam sinistramente. O primeiro soco jogou Desmond de encontro à cama onde estivera deitado. Boley, cujo rosto estava tomado de trágica seriedade, sorriu tristemente.

— Bata mais! — disse. — Mais! Sílvia morreu por culpa dele' Uma vida pela outra! Com força, Ray, como força!

O punho de Ray soava surdamente contra o corpo do velho, que não soltava o menor gemido.

— Fale! — ordenou Boley. — Fale de uma vez, maldito!

Ray arfava. Os outros acompanhavam o cas­tigo ansiosamente. Só Neil Gentry parecia indi­ferente a tudo.

— Neil! — disse Boley. — Divirta-se um pouco, idiota! Substitua Ray.

As pupilas de Gentry, sob as sobrancelhas hirsutas, faiscaram.

— Cui... cui... cuidado, Bo... Boley! Não gosto que me chame as... assim!...

— Como quer que o chame? Querubim, anjo?... Neil iniciou um gesto agressivo. Ted e Aducci o contiveram. O chefe esmurrou-lhe o queixo, e Gentry caiu a um canto, resmungando amea­ças.

Ray, deixando sua vítima meio inconsciente, voltou-se para o idiota:

— Pare com essas ameaças! Você me irrita...

— Não... não... não se meta comigo, vo... vo... você, também! — replicou Neil, a quem a fúria fazia gaguejar mais do que de costume.

— Basta! — interveio Edmund Dave. — Não é hora de brigarmos entre nós!

Neil afastou-se para um canto, onde ficou acocorado, ainda resmungando. Os outros volta­ram a ocupar-se da vítima indefesa que jazia semi-inconsciente na cama, de bruços. Ted levan­tou-lhe a cabeça, pelos cabelos:

— Vai falar, professor? .

A nova negativa, Edmund adiantou-se:

— Está bem: vamos fazer nosso joguinho... Boley me disse que você só falou quando o ameaçaram de submeter Joan a uma sorte se­melhante à sua... Pior, ainda! Isso me dá uma idéia. Quero Joan para mim, mas concordo em sacrificá-la... sua filha morrerá, professor, se não me entregar a fórmula.

Desmond tentou mover os lábios, o que lhe custou enorme esforço. Conseguiu dizer:

— Depois do que vi... não me assusto com suas ameaças... É melhor vê-la morta... morrer, eu também... a vê-la casada com você...

Uma gargalhada estentórea foi a resposta às palavras do velho.

— Vamos ver se pensará assim quando ouvi-la... Boley, telefone para o hospital; vamos fazê-la falar com seu paizinho...

Harry discou o número que Dave lhe forneceu, e foi atendido por uma enfermeira.

— O doutor Dave quer falar com a senhorita Joan Desmond.

— É que... — gaguejou a jovem. — A senho­rita Desmond não está no hospital.

— Como? Não está? — gritou o bandido. Edmund Dave espantou-se:

— Que está dizendo?

— Ouça, você mesmo — respondeu Boley, entregando-lhe o fone.

— Alô, senhorita Roland... Que aconteceu com Joan?

— Levaram-na, doutor. Uns policiais... Vieram com aquele jovem que a visitou pela manhã. Tentei impedi-los, mas ele (chama-se Nolan, parece) apresentou-me suas credenciais e...

— Credenciais? Que credenciais eram essas?

— Do FBI...

Dave desligou, num repente. Tirou um cigarro da carteira, acendendo-o lentamente. Entre uma fumarada e outra, informou a seus apaniguados:

— A Polícia... O FBI meteu-se no assunto... Jim Nolan não era o que parecia: é um sabujo do FBI. E tirou Joan do hospital. Não sei como descobriu, mas deve saber minha identidade...

Ted, Ray, Aducci e o próprio Boley ensaiaram um gesto instintivo de retirada, ao ouvir suas palavras. Neil, resmungando sempre, continuou em seu canto, alheio a tudo. Os bandidos arre­penderam-se de sua ação impensada e agruparam-se em torno do chefe.

— Bem — disse Dave. — Por este lado não podemos fazer nada... por enquanto. Mas o professor continua conosco, e ninguém o arran­cará de nossas mãos. Temos que fazê-lo falar, a todo o custo...

Sua voz endurecera. Desmond não se movia, dominado por uma intensa alegria, ao saber que sua filha se encontrava a salvo. Dave com­preendeu que fora um erro, revelar ao professor o que ocorrera no hospital. Apertou os punhos; a resignação de Desmond enfurecia-o, como aos demais bandidos. O próprio Boley, sob sua apa­rência inalterável, sentia-se nervoso. É preciso saber morrer... Mas Boley não tinha o menor desejo de enfrentar a câmara de gás.

— O melhor é darmos o fora daqui... — sugeriu.

Reiníciou-se o movimento de retirada dos ca­pangas. Dave olhou-os, com infinito desprezo. Pareciam ratos assustados, ante o naufrágio...

— Idiotas! As perspectivas não são tão desanimadoras. Vocês são uns covardes, por isso vêem tudo negro... — animou-os, acercando-se do pai de Joan, que agarrou por um braço. — Levante-se, professor!

O velho mal podia suster-se de pé. Ray e Aducci, a uma ordem de Dave, ampararam-no, enquanto este amarrava-lhe os polegares com uma corda. Feito isto, Edmund Dave passou a corda por uma travessa do teto e puxou-a, até que o professor ficou suspenso pelos dedos, com os pés mal tocando o chão. Era um tormento refi­nado, mas o professor não se deu por vencido, e continuou em seu obstinado mutismo. Enfure­cido, o médico arrancou-lhe a camisa, com um tirão, e preparou-se para vergastá-lo com outra corda.

— Quieto, doutor Dave — intimou alguém, re­pentinamente. — Que ninguém se mova!

A voz peremptória era desconhecida de todos. Surpreendidos, voltaram-se, e... surpreenderam-se ainda mais. Neil Gentry os ameaçava, com uma pistola em cada mão. O mais curioso do caso é que tinha os pulsos firmes, e a gagueira desapa­recera.

— Soltem o homem, e depressa! — ordenou, de costas contra a parede, firmemente plantado so­bre suas pernas. — E não tentem ser espertos...

Aducci soltou o velho, que caiu como um fardo, gemendo fracamente.

— Coragem professor... Faça um esforço, e abra a porta: há alguém aí fora que gostará de en­trar...

Dave fez menção de virar-se, mas Neil o conte­ve:

— Não, Dave... Você não; falei com o professor. Os cinco bandidos, com as mãos acima das

cabeças, olhavam com ódio para Gentry. Aquele homem não parecia o idiota que recebia com paciência os pontapés de Boley... Ereto e amea­çador, dava a impressão de ter crescido dois pal­mos, e em seus olhos brilhavam a inteligência e a astúcia.

O professor alcançou a porta, arrastando-se. Do lado de fora, ouvia-se um leve roçar na madeira. Os rostos dos bandidos estavam expectantes. Neil riu, e as pupilas de Boley cravaram-se nele como dois punhais.

— Por que não me insulta agora, Boley? Chame-me de idiota... Dê-me pontapés... Você é que é idiota; vocês todos! Nem pensaram em pôr alguém de guarda para prevenir a chegada de intrusos... Eu, que sou o idiota, fiquei no meu canto, a espiar por uma fresta, e vi o que vocês não imaginaram que pudesse acontecer...

O professor chegou à porta trabalhosamente, e esforçou-se para correr o ferrolho. Uma excla­mação escapou dos lábios dos bandidos. Através do vão da porta, viam-se as palmeiras que semea­vam a praia e, atrás de cada tronco, um uni­forme.

Dave soltou uma maldição, tomado repentina­mente por um terror insopitável. Mas não era um terror paralisante: saltou selvagemente sobre Gentry e este apertou o gatilho sem vacilar. Um urro de fera confundiu-se com o estampido e o doutor Dave caiu, com o peito varado pela bala. Neil quis atirar novamente, agora visando Boley, mas este arrojara-se ao chão no momento em que Dave arremetera e mesmo deitado conse­guiu sacar a arma. Atirou antes de Neil e Jim não pôde correr em auxílio do gago, pois naquele momento ajudava o professor a sair da cabana.

Ray, Ted e Aducci empunharam as armas e cobriram a entrada da choça com uma barreira cerrada de fogo.

— Vamos correr para o carro! — Boley apa­nhou febrilmente uma metralhadora portátil de dentro de um barril a um canto e entregou-a a Ray. — Cubra a nossa retirada!

— Ficou louco? — gritou Aducci. — Não con­seguiremos dar dois passos lá fora... Estamos cercados!

— Não há outro jeito! Vamos, Ray. Sairemos pelos fundos.

Rebentando duas tábuas da parede fronteira da porta a pontapés, os bandidos sairam da cabana, correndo para a orla do mar. O matraquear da metralhadora de Ray chegou-lhes aos ouvidos como um hino de liberdade...

Harry foi o primeiro a correr em ziguezagues, enquanto Ted e Aducci disparavam as pistolas contra os troncos das palmeiras, atrás dos quais entrincheiravam-se os policiais. Boley caiu, atin­gido numa perna, alguns metros antes do auto­móvel. Estirado no chão, disparou sua pistola até a agulha percutir no vazio. Ray passou a seu lado e atirou-se a coberto de uma duna, com a arma cuspindo fogo incessantemente.

Boley arrastou-se para junto dele, tornando a carregar sua pistola. Na cabana, a metralhadora continuava matraqueando nas mãos de Ray, de pé ao lado do cadáver do doutor Dave. Aducci seguiu os passos dos companheiros, mas não teve tanta sorte. Após ter levado o professor para lugar seguro, Jim Nolan fez pontaria e disparou. O bandido foi alvejado na cabeça e rolou, permanecendo hirto na areia, com o mar a lamber-lhe suavemente os pés.

Chegara a vez de Ray. Boley e Ted dispara­vam incessantemente, para dar-lhe cobertura. Após alguns segundos tensos, o gorila apareceu na praia.

— Depressa, Ray! — animou Boley. — Vamos! Mas Ray avançou com passos vacilantes pela

praia varrida das balas dos policiais.

— Que há com você? Vamos, rapaz! — gritou Ted.

Ray não podia correr. Uma mancha de sangue crescia no peito de seu paletó, começando já a escorrer até a cintura. Caiu de joelhos, mal tendo forças para suster a metralhadora em posição de tiro. Seu dedo apertava o gatilho, com sádico prazer. Afinal, rolou do alto de uma duna até a beira do mar, imobilizando-se ao lado do corpo de Aducci.

Ted e Boley assustaram-se. Estavam reduzidos à impotência sem a cobertura da arma de Ray, enquanto os policiais corriam sobre eles, de duna em duna, ocultando-se de tronco em tronco. À frente de todos, Jim Nolan. Sempre aquele intrometido Jim Nolan...

Ted foi o primeiro a levantar-se. Boley, com esforço, imitou-o. Toda a coragem os abandonara. Tinham medo, um medo que lhes gelava os ossos.

— "É o frio — pensou Boley, enquanto abria a porta do automóvel e instalava-se ao lado de Ted. — A areia está molhada, é por isso que estou tremendo..."

O motor rugiu. Ted pôs o veículo em marcha, as rodas patinando na areia.

— Toque este carro! Eles estão perto...

Boley continuava atirando, mas a Polícia, ine­xoravelmente, aproximava-se. Agora, junto a Jim, avançava o tenente Lou Gosse, tentando cortar o caminho aos bandidos.

— Vamos! Vamos! — gritou, histérico, o chefe.

O veículo arrancou, de repente. As rodas assen­taram-se sobre terreno firme.

— Pise fundo, Ted! Bem fundo!

Ao longe, ouvia-se o som de sereias, do lado da cidade de Boad. Os nervos de Ted retesaram-se, novamente.

— Mais polícias! — quase gritou, com um soluço de desânimo. — Estamos perdidos...

— Perdidos... — repetiu Boley, como um eco. — Estamos entre dois fogos. Que faremos?

Não havia resignação em sua voz, mas terror, puro terror, em constante aumento.

— Vamos continuar! É preciso saber morrer... — Sem saber, Ted repetia o que passara pela cabeça de Boley meia hora antes.

— É verdade! Saberemos morrer como os outros, se não pudermos passar!

Mas suas pernas tremiam e um suor frio banhava seu rosto. Atingiram a estrada, de encontro às sereias que se aproximavam. O tenente Gosse ordenou a seus homens que embarcassem nos carros.

— Não há pressa — opinou Jim. — Eles não escaparão.

Dois automóveis surgiram no outro extremo da estrada, dirigindo-se para o dos bandidos. No primeiro, via-se o rosto simpático do inspetor Morrison e, ao seu lado, de pé para conseguir enxergar a estrada, Giles Gray.

Foram recebidos por uma chuva de balas. Harry Boley continuava disparando, sem fazer pontaria.

— Acelere! Acelere! — ordenou a Ted, com os dentes apertados. — Mostraremos a eles que sabemos morrer!

Ted não resistiu àquelas palavras. Gritou, enquanto afundava o pé no acelerador:

— Cale-se de uma vez, maldito!

A uma ordem do inspetor Morrison, os carros do FBI detiveram-se na estrada, atravessados, para obstruir a passagem.

— Se passarmos por essa barreira, ainda ha­verá esperança... — murmurou Ted.

Atrás deles, avançavam os automóveis da Po­lícia. Ante eles, os do FBI. Mas Ted havia vislumbrado uma possibilidade. Girou o volante, e o carro saltou da estrada, desviando-se pelo areai. Os policiais do FBI dispararam suas ar­mas. Ouviu-se uma detonação abafada no motor, que em seguida começou a arder. As chamas dominaram a carroceria varada de balas, em poucos instantes. Era o fim: Ted, morto sobre o volante, e Boley, vivo, foi envolto pelas chamas, como uma antecipação do inferno...

O inspetor Morrison, o tenente Gosse, Jim Nolan e o anão Giles Gray, rodeados pelos policiais uniformizados, olhavam, fascinados, o carro in­cendiado que se havia finalmente detido, no areal. Nos olhos de muitos, embora curtidos pelas emo­ções da vida, revelava-se o horror pelo que acabava de ocorrer.

— O professor Desmond foi salvo? — perguntou o inspetor Morrison, depois de um longo e dra­mático silêncio.

Nolan assentiu, dizendo:

— Tudo graças a um sujeito que fazia parte do bando, e que os enfrentou no último momento: Neil Gentry. Disse estar farto deles...

— Muito inteligente — comentou Morrison. — Decerto, percebeu que a câmara de gás estava à espera de todos, e tratou de salvar-se... Onde está o professor?

Em resposta, Jim Nolan dirigiu-se às palmeiras defronte à cabana. O professor estava ali, aten­dido por um dos policiais. Neil, ao seu lado, agitava-se debilmente.

— Façam alguma coisa por ele — pediu, com um fio de voz, o professor. — Está morrendo...

— Não podemos fazer mais nada, por ora — respondeu Jim. — E acredite, professor, sinto muito. Mas o senhor, como se sente?

— Estou bem — disse Desmond, com voz cansada.

— Sabe que salvamos a fórmula? — tornou a perguntar Nolan, ao ajudá-lo a entrar no carro. O velho sorriu.

— Dava no mesmo, filho... A fórmula estava errada, de propósito... A certa deve estar na minha caixa de correio, a esta hora. Prevendo o que pudesse acontecer, enfiei-a num envelope, e enderecei-a a mim mesmo...

Jim Nolan elogiou a idéia do professor e sua bravura em suportar o martírio a que fora submetido.

— Sabia — murmurou o velho, como que en­vergonhado — que meu próprio ajudante era o chefe dos bandidos?

Nolan assentiu.

— Descobri esta manhã. Joan... quero dizer, sua filha, contou-me que Boley telefonava a um certo Smith... Averiguei que o número do telefone era o mesmo que eu discara na noite ante­rior, para que recolhessem Joan ao hospital.

— E minha filha, como está?

— Muito bem, e à sua espera... Morrison interrompeu a palestra:

— Volta comigo, Nolan, ou prefere acompanhar o professor?

— Se me dá licença, chefe, acompanharei o professor ao hospital da Polícia...

Jim Nolan embarcou no veículo em que já estava instalado o professor Desmond. Morrison ficou a observá-los, quando o carro entrou em marcha. Alguém lhe puxou a aba do paletó. Morrison baixou os olhos e deu com Giles Gray, que ria, a enorme boca escancarada, sem um só dente...

Joan abriu os olhos lentamente. Em seu sono, pareceu-lhe escutar um suave sussurro, como al­guém a chamá-la. Com efeito, o rosto anelante de Jim Nolan debruçava-se sobre ela, com uma ternura significativa no olhar. A jovem passou a língua pelos lábios ressequidos e fez menção de perguntar alguma coisa. Nolan impediu-a...

— Seu pai está bem Joan — disse. — Ocupa o quarto ao lado. Agora, trate de ficar boa depressa...

— Não está mentindo, Jim?

— Nunca poderei mentir para você, carinha de anjo. Amo-a demais, para fazer isso...

Jim inclinou-se outra vez. E, como se quisesse impedi-la de falar, mais uma vez juntou seus lábios aos dela...

 

                                                                                            A. G. Murphy

 

 

                      

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