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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O Drung / Kurt Brand
O Drung / Kurt Brand

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

O Drung

 

Quando no planeta Terra se registra o início do século 25 do calendário cristão, o Império Solar de Perry Rhodan já se transformou no maior poder político, econômico e militar da Via Láctea.

Há 1.112 planetas e 1.017 sistemas solares habitados pelos humanos. 1.220 mundos, além de numerosas luas e estações espaciais espalhadas em muitas partes da Galáxia são usados como bases do comércio ou da frota solar. Com a inclusão do grupo estelar aberto Presépio na constelação de Câncer e a exploração das Plêiades, situadas na constelação do Touro, surgiu um império compacto, fácil de percorrer e proteger pela frota solar. Nestas condições não é de admirar que em agosto do ano 2.400 Perry Rhodan suba a bordo da Crest II para dedicar-se à solução dum velho problema: a busca do planeta Kahalo, cuja posição no interior da concentração central da Via Láctea nunca pôde ser determinada exatamente.

As buscas não foram coroadas de êxito, já que a Crest entra no campo de ação dum gigantesco transmissor solar — e é arremessada para o abismo que se abre entre as galáxias, indo parar no interior dum sistema solar artificial, situado a 900.000 anos-luz da Terra.

Parece que os mundos deste sistema reservam uma surpresa mortal atrás da outra para os terranos — e quando Perry Rhodan e seus companheiros abandonam Bigtown, a cidade dos proscritos, O Drung há muito apoderou-se deles...

Ele não conhecia nem o bem nem o mal.

Era dominado exclusivamente pelo instinto que o impelia a encontrar o caminho de volta para seu mundo de origem. Há milênios esperava por essa oportunidade. Podia esperar, pois tinha tempo. Em sua vida os anos e os séculos não tinham a menor importância. O que morria dentro dele era substituído por algo novo; por isso continuava a ser o que era.

Esperara sem jamais impacientar-se.

Finalmente a espera chegou ao fim. A viagem de volta aos seus mundos de origem parecia ter-se tornado possível.

O bem e o mal lhe eram estranhos, mas conhecia a violência. Era uma violência toda especial. Passou a usá-la sem a menor contemplação...

 

                                                        

 

Mais uma vez o gênio impulsivo estava levando a melhor sobre o físico-chefe Dr. Spencer Holfing. Bateu com o punho fechado na mesa, afastou as folhas de cálculos e disse ao Dr. Hong Kao, seu colega da faculdade de matemática:

— E isso! Não permitirei que este sistema de Gêmeos me faça de idiota. Caso o senhor tenha algum prazer em passar a noite fazendo cálculos, fique à vontade. Eu não estou mais nesta.

— Ora essa, caro colega — disse o Dr. Hong Kao, um homem baixo, numa tentativa de acalmar seu interlocutor. — O senhor não disse há apenas meia hora que estávamos progredindo muito bem?

Spencer Holfing, um homem um tanto corpulento, passou os dedos pelo cabelo muito branco.

— Disse, sim — confessou prontamente. — Mas o que foi que descobrimos? Que estivemos presos a um erro de lógica. Ainda não conseguimos apresentar uma prova cabal de que o sistema Gêmeos representa um posto de segurança na estrada que leva à Galáxia Andrômeda. Não temos mesmo esta prova. Ou será que temos?

— Por enquanto não — confessou Hong Kao. — Mas tudo indica que a hipótese é verdadeira. Em minha opinião deveríamos fazer tudo para conseguir uma prova de que este sistema é um transmissor situado no vazio que se interpõe entre Andrômeda e nossa Galáxia. Examinamos quatro planetas, num total de oito. Acho que a exploração dos outros planetas não é tão perigosa, pois já colhemos nossas experiências.

As palavras do Dr. Hong Kao não impressionaram Spencer Holfing. Estava decidido a não ocupar-se mais com esses problemas naquele dia. E fez questão de dizer.

— Admiro seu otimismo, que o levou a dizer que já colhemos nossas experiências. Bem, que os anjos o ouçam! — Olhou para seus colaboradores.

— Quem quiser continuar a trabalhar com o Dr. Kao, fique à vontade. Peço que me dêem licença.

Disse isso e retirou-se.

No mesmo instante o Dr. Ralph Artur, médico-chefe, foi acordado.

— Sim — respondeu pelo intercomunicador.

— O que houve?

O Dr. Breuken, médico responsável pela grande enfermaria da Crest II, apareceu na tela.

— Poderia fazer o favor de comparecer à enfermaria? Há três horas deu entrada um técnico que apresenta sintomas estranhos. Gostaria que viesse para dar uma olhada. Parece ser um caso muito interessante.

O Dr. Ralph Artur bem que gostaria de continuar a dormir. Mas para guardar as devidas formas perguntou:

— Qual é o diagnóstico?

— É impossível diagnosticar o caso — respondeu seu interlocutor.

Isto fez com que o Dr. Ralph se esquecesse de que estava com sono.

— Estarei aí dentro de alguns minutos.

O Dr. Breuken esperou-o na entrada. Dali a pouco estavam perto do leito em que estava deitado o técnico. O homem não dava a impressão de estar doente. Ao reconhecer o médico-chefe, quis levantar.

— Fique deitado. — O Dr. Artur examinou os resultados dos exames. Acenou várias vezes com a cabeça. Quando guardou as folhas de plástico, dirigiu-se ao doente. — Como se sente?

— Bem, doutor. Já pedi três vezes que me dessem alta, mas não me querem deixar sair.

— O que sentia quando deu entrada aqui?

— Tive a impressão de que morreria sufocado...

O técnico ficou calado ao ver que o médico-chefe voltara a pegar a curva das reações. Depois dum ligeiro exame fitou Breuken.

A expressão desse olhar deixou o técnico preocupado.

— Será que estou mesmo doente? Sinto-me muito bem.

Ninguém respondeu. O técnico não entendia a língua profissional dos médicos. O médico-chefe fez algumas perguntas aos outros médicos.

Houvera uma paralisação dos nervos motores e vasomotores. Causa desconhecida. Impossível estabelecer um diagnóstico, porque a paralisia desapareceu de repente.

— Vamos fazer uma intervenção cirúrgica? — perguntou Breuken ao médico-chefe.

Por enquanto o Dr. Ralph Artur nem queria pensar numa operação.

— Noto que certos controles deixaram de ser realizados, senhores. Verifiquem a intensidade dos fluxos nervosos e a relação que guardam com os fluxos musculares.

Breuken usou o intercomunicador para transmitir suas instruções aos robôs médicos. O técnico não se sentiu muito à vontade ao vê-los entrar e montar aparelhos reluzentes em torno da cama. Uma dezena de sondas foi introduzida em seu corpo, sem que ele sentisse qualquer dor. Um leve zumbido se fez ouvir quando os aparelhos estavam aquecidos. De repente os médicos pareciam tê-lo esquecido, pois deram-lhe as costas para examinar os mostradores dos aparelhos.

O técnico fitou o médico-chefe com uma expressão tensa quando este voltou a aproximar-se de sua cama.

— O senhor não está doente. Poderíamos dar-lhe alta e emitir uma declaração de que é capaz para o serviço, se soubéssemos qual foi a causa do ataque que quase o deixou sufocado. Acontece que ainda não descobrimos, e por isso o senhor terá de continuar na enfermaria. Mas pode levantar.

As sondas foram retiradas. Um robô colocou-as no esterilizador. Ouviu-se um chiado. Ralph Artur observou ó técnico enquanto este se levantava, pegava as roupas e as vestia. Os outros médicos afastaram-se para dar-lhe lugar.

— Faça o favor de ir ao corredor. Ande como costuma andar.

Via-se perfeitamente pela expressão dos olhos do técnico que o mesmo se sentia que nem uma cobaia. Abriu a porta, mas no mesmo instante largou a maçaneta, atirou os braços para cima e começou a estertorar.

Dois médicos apoiaram-no e o colocaram na cama.

— As sondas! — disse o médico-chefe. Quatro cientistas bem treinados introduziram as sondas. O aparelho que controlava os fluxos nervosos voltou a funcionar. O dispositivo automático apresentava, com cada valor, o valor do exame anterior.

— Parem! Introduzir sondas 6, 7, 9 e 10 em torno da sonda 8! — O aparelho foi paralisado.

— Sondas introduzidas!

O médico-chefe voltou a acionar a aparelhagem. Observava constantemente o paciente. O estado do mesmo melhorara um pouco, mas o estado de sufocamento ainda não tinha passado.

Os aparelhos apresentaram valores que não deixavam dúvida de que o fluxo nervoso do técnico estava sendo bloqueado em determinado lugar do corpo do técnico.

— Choque! — ordenou o médico-chefe para remover o bloqueio.

O efeito do choque fez com que o doente, que estava inconsciente, entrasse em convulsões.

O médico-chefe fitou Breuken. O choque não tinha produzido nenhum efeito.

— Injeções! — disse com a voz rouca.

Duas pistolas emitiram um chiado ao injetar o conteúdo de suas ampolas.

— Estado preocupante. Colapso da circulação. Pulso inconstante. Nenhuma alteração. A pele do paciente está ficando azulada...

— Refrigeração a baixa temperatura! — gritou o Dr. Artur, enquanto comprimia a tecla de alarme.

Menos de vinte segundos depois alguns robôs entraram.

Não havia mais necessidade dos mesmos, nem dos aparelhos que traziam consigo.

De repente o estado do técnico acusou uma melhoria considerável. Enquanto um grupo de médicos contemplava o homem inconsciente com uma expressão de perplexidade, sua respiração voltou a tornar-se mais forte. O pulso voltou a bater normalmente. A circulação estabilizou-se ao nível de 135 por 115. A coloração azul da pele foi desaparecendo.

O médico-chefe Ralph Artur foi ao corredor, levando seu colega Breuken.

— O senhor compreendeu? Pois eu não entendi. Mas fico-lhe muito grato por ter-me acordado, Breuken. Realmente é um caso interessante. Qual é sua opinião?

— Não tenho opinião. Sinto-me desorientado.

Não se atreveu a pedir a opinião do médico-chefe. O Dr. Ralph Artur, um homem magro e calvo, sempre mal-humorado, por vezes costumava dar respostas agressivas quando alguma pergunta o incomodava.

— Onde trabalha este homem, Breuken?

— No hangar de girinos número 2. Nunca esteve doente de verdade. O que me deixa mais espantado é que os medicamentos injetados foram impotentes para combater o sufocamento.

O médico-chefe continuava a fumar apressadamente, mas não revelou sua opinião. De repente disse:

— Preciso dar mais uma boa olhada; há algo de anormal na histórica clínica...

 

O médico-chefe Dr. Artur e o físico-chefe Dr. Holfing encontraram-se no convés número 3 da Crest II.

O Dr. Artur disse boa noite. No mesmo instante o Dr. Holfing disse bom dia. Os dois sobressaltaram-se. Pararam. O médico-chefe respirava pesadamente. Holfing fitou-o.

— Está muito cansado? — perguntou em tom lacônico.

— Mais ou menos — respondeu o Dr. Ralph Artur, bocejando com a mão à frente da boca. — Como vai nosso sistema de Gêmeos? — perguntou por pura delicadeza.

— O senhor deveria ir para a cama, Artur — recomendou Spencer Holfing. — O sono ainda é o melhor remédio. Afinal, o que foi que o deixou tão cansado?

O médico-chefe voltou a bocejar.

— Um caso clínico, Holfing. Não é nada de especial. Ataques de asfixia, colapsos circulatórios, etc. Acontece que não conhecemos a causa. Como vai seu trabalho?

O Dr. Holfing fez um gesto de pouco caso.

— Por enquanto continuamos a pisar no mesmo lugar. Isso não é de admirar se considerarmos que o sistema de Gêmeos foi criado artificialmente. Sem dúvida os arcônidas chegaram a fazer coisa semelhante com Árcon, mas por aqui existem dois sóis com mais de um milhão de quilômetros de diâmetro, que ficam a menos de cinco milhões de quilômetros um do outro. Os campos gravitacionais formados por dois corpos tão próximos já são uma coisa extraordinária. Mas acho que só lhe estou roubando o tempo com minha conversa. Para o senhor é noite, enquanto para mim começa um novo dia de trabalho. Faço votos de que tenha um bom descanso, Artur.

Os dois separaram-se. O médico-chefe dirigiu-se ao seu camarote e dali a cinco minutos já estava dormindo. Holfing entrou na grande sala em cujo interior havia três computadores. Não esperava encontrar mais o colega Kao. Em compensação teve a surpresa de encontrar Perry Rhodan.

Não se notava mais nada dos sofrimentos que ele e os tripulantes da nave-girino C-5 tinham enfrentado no planeta Quarta.

— Holfing, vim para perguntar como vai seu trabalho.

O rosto do físico assumiu uma expressão contrariada.

— Senhor, este sistema nos oferece uma porção de mistérios no setor físico e matemático. O campo gravitacional existente entre os dois sóis é um desses mistérios. Apuramos valores oersted e maxwell que são inconcebíveis. Mas se nos dermos conta de que ocorreu um fenômeno artificial que provocou a desmaterialização de todo um planeta, estes valores deixam de ser abstratos. Senhor, quero pedir-lhe que nos dê mais algum tempo, para que possamos familiarizar-nos com uma série de fatos novos e desconhecidos.

Perry Rhodan não o interrompeu. Naquele instante fitou atentamente o físico.

— Holfing, o senhor acha que temos tempo para isso?

— Temos de arranjar tempo, senhor — respondeu o cientista em tom insistente.

Rhodan sacudiu a cabeça.

— Não sou da mesma opinião. Penetramos cerca de 900.000 anos-luz no intercosmo. Andrômeda deve ficar a uns 550.000 anos-luz. Com o kalup da Crest II não conseguiremos chegar a Andrômeda, e muito menos voltar à nossa Galáxia. Dependemos do transmissor solar deste sistema. Isto significa que devemos fazer tudo que estiver ao nosso alcance para descobrir a estação de ajustamento por meio da qual possamos ativar aquele dos transmissores solares do sistema de Gêmeos que nos transporte de volta, juntamente com a nave dos posbis, para o hexágono de sóis situado em nossa Galáxia. Além disso, naturalmente seria conveniente que descobríssemos o mais possível sobre as condições físicas deste sistema.

O Dr. Spencer Holfing, um cientista de primeira ordem, não estava de acordo com o desenvolvimento traçado por Rhodan.

— Senhor, se não agirmos sistematicamente correremos o risco de nunca mais voltar à nossa Galáxia. O que nos adiantará se descobrirmos em um dos quatro planetas que ainda falta examinar o equipamento com o qual possamos ativar o transmissor solar. Quem nos garante que realmente seremos arremessados de volta para a Via Láctea? Ninguém senão nós mesmos poderemos dar resposta a esta pergunta, e isso mesmo depois que nos tivermos familiarizado ao menos um pouco com a técnica dos desconhecidos...

Perry Rhodan fitou o físico com uma expressão irônica.

— Será que o senhor não está querendo fazer demais, Holfing? Por quanto tempo acha que deveremos ficar no intercosmo? Não, Holfing, não poderemos avançar rastejando, pois nesse caso daqui a dez anos ainda estaremos aqui. Não temos outra alternativa senão encontrar o mais depressa possível a estação por meio da qual possamos ativar o transmissor solar, para depois arriscar muita coisa, sem contudo assumir o risco máximo. Resolvi procurá-lo para informar o senhor e seus colegas sobre esta orientação. Discuta o caso com os outros cientistas. Se quiser, consulte Icho Tolot. Assim que tiverem elaborado uma sugestão, falem comigo.

— De quanto tempo dispomos?

— Dois dias padrão, Holfing. No momento estão fazendo mais uma verificação dos agregados mais importantes da Crest. A seguir será feito um controle geral com a carga máxima permanente durante seis horas. Mais doze horas foram fixados para os reparos dos maquinismos que não resistirem a essa carga. Até lá gostaria de receber sua sugestão.

— Farei o que estiver ao meu alcance, senhor.

Rhodan retirou-se.

Assim que o Dr. Spencer Holfing se viu só, seu gênio impulsivo escapou ao controle da mente. O pedido do Chefe, que queria que o problema do transmissor solar do sistema Gêmeos fosse resolvido, não com a meticulosidade dum cientista, mas com uma intuição especulativa, fez com que duvidasse do senso de responsabilidade de Rhodan.

O Dr. Hong Kao, que entrou sem que ele o percebesse, deixou-o sobressaltado ao exclamar:

— Que bicho deu no senhor, Holfing?

Quanto mais Holfing falava, mais se abria o sorriso de Kao. Quando este resolveu interromper o colega, o mesmo teve de ouvir o seguinte:

— Gostei da idéia do Chefe, Holfing. O senhor não gostou? Por quê? O senhor teve toda razão ao suspender o trabalho ontem de noite. Se continuarmos a trabalhar no mesmo ritmo, levaremos alguns anos...

Spencer Holfing interrompeu seu interlocutor em tom furioso:

— Até o senhor está falando assim, Kao!

— Será que o senhor prefere circular pelo sistema de Gêmeos para todo o sempre, Holfing? Pois eu não quero. E para evitar isso estou disposto a arriscar alguma coisa — tal qual o Chefe. Se conseguirmos voltar à nossa Galáxia, sem dúvida encontraremos novamente o caminho que possa levar-nos para cá. E então, com milhares de colegas e o respectivo equipamento, não será mais tão difícil arrancar os últimos segredos do transmissor solar.

Depois de dizer isso, deixou Spencer Holfing só. Foi um pouco cedo demais. Mal Hong Kao fechou a porta atrás de si, o físico-chefe fungou que nem um homem que estivesse morrendo afogado, emitiu sons borbulhantes, rasgou a camisa sobre o peito e caiu ao chão, inconsciente.

 

Mory olhou o marido discretamente de lado. O mesmo acabara de voltar duma conferência e como sempre não mostrava o que se passava dentro dele. Mas a esposa ele não conseguia enganar.

Sem dizer uma palavra, a mesma colocou uma xícara de café à sua frente. O aroma encheu o camarote. Perry levantou os olhos, segurou a mão da esposa e disse:

— Obrigado, queridinha.

Mory voltou a ocupar seu lugar ao lado do marido. Não perguntou pelo resultado da conferência que acabara de ter com a equipe técnica da nave. Esperou que Rhodan começasse a falar.

Desta vez demorou mais que de costume. A xícara já tinha sido esvaziada quando Perry Rhodan começou a falar sobre a conferência.

— Perry, você realmente disse tudo? — perguntou Mory e colocou a mão sobre seu ombro.

Rhodan virou lentamente a cabeça. Seus olhares encontraram-se. Um sorriso triste apareceu no rosto de Perry Rhodan.

— Tudo, menos um detalhe, Mory. Nosso engenheiro-chefe, o major Hefrich, não está satisfeito com o estado de nossos aparelhos hipergravitacionais. Eu lhe... o que houve, Mory? Por que se assustou?

O estado dos aparelhos hipergravitacionais foi esquecido. Rhodan fitou a esposa com uma expressão preocupada.

Mory tirara abruptamente a mão de cima do ombro do marido. A expressão de dor desapareceu de seu rosto. Mory passou a mão pela testa.

— Não tenho nada, Perry. Absolutamente nada. Só que por um instante uma dor muito forte passou pela minha nuca. Nunca notei isto antes. Mas já voltou tudo ao normal. Quem sabe o que foi? Mas por que o engenheiro Hefrich não está satisfeito com o estado dos aparelhos hipergravitacionais?

Perry Rhodan não deixou que estas palavras o desviassem do assunto.

— Mory, como foi mesmo essa dor?

Mory mostrou-se muito espantada.

— Como? Como foi a dor? Como é que eu posso descrever uma dor, Perry? Foi como se alguém tentasse cortar minha nuca com uma faca bem afiada. Mas não sinto mais nada. Por que me olhar tão desconfiado? Não compreendo.

Perry Rhodan ainda não lhe contara que o físico-chefe da Crest II, o Dr. Spencer Holfing, tinha sido encontrado inconsciente. Na enfermaria uma equipe de médico estava tratando dele. Rhodan fora informado sobre o incidente durante a conferência com os principais técnicos da nave. O que mais o preocupava era que nenhum dos medicamentos injetados em Spencer Holfing estava dando resultado.

— Vamos, Perry, fale logo! — disse sua esposa em tom impaciente.

Rhodan fez um gesto de pouco caso e esforçou-se para rir.

— Estou preocupado com você, Mory.

Mory não estava acreditando.

— Será que você se esqueceu que também estou usando um ativador celular e por isso nem posso ficar doente?

— Pois é justamente por isso, Mory. Fiquei apavorado ao saber que você sentiu dores na nuca. Você nunca poderia sentir dores.

Os olhos verdes de Mory perderam um pouco de seu brilho. As palavras de Rhodan deixaram-na impressionada. A alusão ao ativador celular dera mais peso à sua observação. Mory teve de confessar a si mesma que nunca mais sentira qualquer mal-estar depois que carregava o ativador celular, um aparelho destinado a prolongar a vida.

— Quem sabe se o ativador celular falhou por alguns segundos, Perry?

O olhar de Rhodan fez com que ela se calasse. Sua preocupação cresceu.

— Perry, você está escondendo alguma coisa — insistiu.

Perry nem estava pensando mais no físico-chefe Holfing. Seus pensamentos giravam exclusivamente em torno do problema de como Mory pudera sentir dores. E ao perguntar se o ativador celular não poderia ter falhado por alguns segundos, só aumentou as preocupações de Rhodan.

— Não estou escondendo nada, Mory. Já notou antes que seu ativador não funciona bem?

Mory encostou-se a ele.

— Você está preocupado só por isso, querido? Esqueça. Meu ativador funciona muito bem...

— O aparelho entrou em ação quando você sentiu a dor na nuca, Mory?

— Por causa disso?

Mory quis esboçar um sorriso, mas a expressão dos olhos cinzentos de Rhodan não permitiu que ela o fizesse.

Rhodan desprendeu os braços da esposa de seu pescoço e levantou-se. Mory gritou atrás dele:

— O que pretende fazer?

Perry Rhodan entrou em contacto com o médico-chefe, Dr. Artur, pelo intercomunicador. O médico procurou tranqüilizar o Administrador Geral com alguns argumentos convincentes. Rhodan não estava de acordo.

— Doutor Artur, o senhor se esquece de que minha esposa usa um ativador celular. Qualquer pessoa que esteja nestas condições fica livre de dores. Naturalmente existem exceções, como as dores provocadas por um soco, uma ferida ou outra causa externa. Mas mesmo as dores dessa espécie são eliminadas pelo aparelho num prazo extremamente curto. E é totalmente impossível que surjam dores ou algum desconforto vindo do próprio organismo. E agora? O que me diz, doutor?

O Dr. Ralph Artur, um homem magro, sempre mal-humorado, parecia contrariado.

— Senhor, acho recomendável trazer a Chefe Suprema Rhodan-Abro à enfermaria, para fazermos um exame minucioso...

Mory Rhodan-Abro, que se encontrava nos fundos do camarote, protestou:

— Nem pense nisso. Sinto-me muito bem e não vejo por que deverei deixar que me examinem. Perry, você não me convencerá. Nem pensar!

Perry Rhodan conhecia a esposa, e esta o conhecia. No entanto, o médico-chefe Dr. Ralph Artur parecia ser solteiro e nem imaginava do que uma mulher é capaz quando alguém quer levá-la a fazer uma coisa que ela não quer.

— Senhor, eu recomendaria encarecidamente que sua esposa...

A porta que dava para o camarote contíguo fechou-se ruidosamente. Mory acabara de sair do camarote usado como sala.

— Pois então — disse Rhodan. — Não temos alternativa. Precisamos respeitar o desejo de minha esposa.

 

O epsalense Cart Rudo, comandante da Crest II e seus oficiais não tinham mãos a medir na sala de comando, enquanto os conjuntos da nave foram ligados para a carga máxima a fim de provar, num ensaio ininterrupto de seis horas, que eram capazes de resistir às condições mais adversas.

Cart Rudo estava sentado em sua poltrona especial, à frente do grande console de comando. O epsalense, que era um homem de um metro e sessenta de altura e igual largura, não perdeu de vista um único instrumento. Mas nem por isso deixou de ouvir o que era falado na sala de comando e perceber quem falava. De vez em quando até encontrava tempo para olhar para trás, a fim de controlar o trabalho de seus oficiais.

No interior das salas de máquinas situadas nas profundezas da Crest II gigantescas instalações técnicas uivavam, berravam, orquestravam, zumbiam e zuniam. Na sala de comando os ruídos provocaram um rugido surdo. Os homens já estavam familiarizados com estes ruídos. Todos eles tinham certeza de que mesmo depois de trabalhar durante seis horas em regime de carga máxima, todos os equipamentos estariam em perfeitas condições.

O major Jury Sedenko, imediato da Crest II, foi o primeiro a anunciar que um dos aparelhos não estava em boas condições.

— Conjunto hipergravitacional número 3 está funcionando somente com 73 por cento de sua capacidade. Alô, sala H-G-A. Aqui sala de comando. Favor comparecer.

A sala H-G-A respondeu. Foi o engenheiro Bert Hefrich que respondeu ao chamado da sala de comando.

— Temos que desligar o número 3. Números 4 e 7 também apresentam defeito. Voltaremos a chamar assim que os três conjuntos forem ligados de novo. A causa da queda de potência não é conhecida. Ainda bem que vocês da sala de comando estão cuidando tão bem de nós. Isto nos tranqüiliza...

O engenheiro Bert Hefrich era conhecido como um tipo sarcástico. Todo mundo aceitava suas ironias. Afinal, o que importava isso diante dos conhecimentos e da capacidade de intuição de que dispunha o engenheiro-chefe Hefrich? Corria o boato de que o mesmo era capaz de identificar-se com qualquer máquina. Esse boato devia ser verdadeiro, pelo menos em parte, pois ultimamente sempre se recorrera a Hefrich quando até mesmo os especialistas mais competentes eram incapazes de descobrir por que certo aparelho não estava funcionando.

Até então Bert Hefrich conseguira descobrir a causa de qualquer erro, por mais oculto que este fosse.

Quando faltavam três horas e quarenta minutos para o fim da prova de carga, Hefrich voltou a ligar os conjuntos hipergravitacionais 3, 4 e 7.

— Desta vez vão agüentar — limitou-se a comunicar à sala de comando.

Mal acabou de concluir a frase, um alarme o fez correr para a sala de conversores número 2. A guarnição vinha ao seu encontro. Parecia estar fugindo.

— Vai explodir...! A situação é crítica...!

O engenheiro-chefe não permitia que alguém lhe viesse com este tipo de conversa.

— Enviem robôs! — gritou e correu para a eclusa de segurança.

Não sabia dizer quanto tempo gastou para vestir o traje protetor.

Os robôs ainda não tinham chegado. Quando estava fazendo os últimos controles de seu traje, empinou-se de repente, pôs as mãos na altura do coração e só pensou uma coisa: É o fim!

Teve a impressão de que seu coração iria parar.

Hefrich já não estava em condições de dar um passo. Sentiu-se dominado pelo medo de morrer. Era um medo incontrolável.

Seu corpo contorceu-se. O suor cobriu sua testa.

A nave..., — pensou. — A nave... a Crest... ela vai pelos ares... os conversores...

De repente ele mesmo não se compreendeu.

O coração voltou a bater calmamente e com força como antes. A dor e o medo de morrer desapareceram de repente. Ouviu atrás de si o passo retumbante dos robôs que vinham correndo em sua direção. Abriu a escotilha de passageiros da eclusa. O dispositivo de proteção contra radiações entrou em funcionamento automaticamente. Sua finalidade consistia em deter as radiações duras do tipo que fossem liberadas.

— Isto vai explodir mesmo... — disse, espantado, mas aproximou-se cada vez mais do conversor. Uma pequena sirene uivou no interior de seu traje protetor. Era o alarme de radiações.

— Sua chorona... — resmungou e mexeu nos controles de seu traje sem olhar.

Não havia necessidade de que ninguém lhe dissesse que ele se encontrava num inferno de radiações. Nunca vira um conversor no estado em que se encontrava o de estibordo. Sua chapa de revestimento brilhava numa incandescência vermelha. A maior parte dos instrumentos tinha sido destruída.

Pelos cálculos de Bert Hefrich, o conversor explodiria dentro de três minutos no máximo.

— O tempo é muito escasso!

Os robôs já o tinham alcançado. Hefrich transmitiu suas instruções pelo rádio-capacete. Os homens-máquina dividiram-se em três grupos e puseram-se a trabalhar no conversor.

O rádio-capacete transmitiu a voz do epsalense Cart Rudo:

— Hefrich, abandone imediatamente o conversor número 3. Isto é uma ordem.

— É o que farei, comandante. Acha que pretendia fritar ovos nesta geringonça?

Não chegou a ouvir a resposta do coronel Rudo, pois desligara o rádio-capacete. Depois disso não teve tempo para pensar em outra coisa além do conversor que estava para explodir.

Por acaso olhou para a direita.

Havia algo de diferente. O que era?

Com o rugido do conversor atrás das costas, estudou os instrumentos do enriquecedor. Cinco dos oito medidores indicavam valores situados no vermelho. No mesmo instante Hefrich compreendeu por que o conversor estava prestes a explodir. O enriquecedor tinha enlouquecido. Seus controles automáticos se tinham queimado e o relê interruptor não entrara em ação.

Hefrich moveu quatro controles, paralisando o enriquecedor. Depois pôs a mão no rádio-capacete. Ligou os dois microfones externos. O engenheiro sorriu, bem mais descontraído, ao notar que o rugido do conversor incandescente se tornara mais fraco.

Voltou a certificar-se de que paralisara todas as funções do enriquecedor e transmitiu pelo rádio-capacete uma nova ordem aos robôs, mandando que montassem guarda junto ao transmissor e informassem a sala de comando de minuto em minuto.

Tinha pressa de chegar ao hospital de bordo. Teria de submeter-se à terapia necessária a eliminar os prejuízos que seu organismo tinha sofrido com o elevado teor de radiações.

Anunciou sua chegada pelo rádio-capacete.

— ... fui contaminado pelas radiações e...

Foi só o que ouviram os dois médicos que estavam de serviço na sala do intercomunicador.

— Alô, Hefrich! — gritou um deles. — Alô, Hefrich! Favor responder.

Hefrich não deu nenhuma resposta. Os dois médicos entreolharam-se. A única coisa de que se lembraram é que Hefrich tinha sido contaminado pelas radiações. No mesmo instante deram o alarme. Bert Hefrich passou a ser procurado nos mais diversos cantos da Crest II.

 

O caso Bert Hefrich representava mais um enigma médico para o Dr. Ralph Artur e seus colegas. Os efeitos das radiações foram prontamente neutralizados, mas os médicos ainda não tinham conseguido fazer com que Hefrich recuperasse os sentidos.

Na sala de conferências do hospital de bordo todo mundo falava até esquentar a cabeça. Um grupo via certas relações causais entre a doença do técnico do hangar de naves-girino, do físico-chefe Holfing e do engenheiro-chefe Hefrich. Não havia provas de que realmente fosse assim. Outro grupo via em cada caso uma doença diferente.

Era palavra contra palavra, e o Dr. Artur estava prestes a encerrar a conferência, quando o ar começou a tremer perto dele e o rato-castor Gucky apareceu no mesmo lugar. Seu dente roedor solitário não estava à vista.

— Olá — piou, fitando o Dr. Artur. — Você não é o chefe destes curandeiros? Será que poderia examinar-me com muita atenção? Tenho a impressão de que peguei alguma coisa no planeta Quarta.

A voz da pequena criatura não parecia nem um pouco animada. Ninguém riu porque Gucky os chamara de curandeiros. A maior parte dos homens reunidos o conhecia há anos e sabia que o oficial de patente especial Gucky gozava de excelente saúde.

O médico-chefe Dr. Artur levantou-se e disse em tom formal:

— Queira fazer o favor de acompanhar-me.

Gucky saiu arrastando os pés atrás dele. Quando chegaram à sala de exames, olhou em torno, muito curioso.

— Onde devo sentar, ficar de pé ou deitar, Ralph?

O médico-chefe ainda não se acostumara a ser tratado por você pela pequena criatura. Será que na Galáxia de origem havia uma criatura que fosse que não recebesse este tratamento de Gucky?

— Faça o favor de sentar aqui, especialista da USO — pediu Artur.

— Pode chamar-me de você — disse Gucky e acomodou-se na poltrona que era muito grande para ele.

— De que o senhor — bem, de que você se queixa, Gucky?

— Bem que eu gostaria de saber — piou o baixinho. — Foi ontem, Ralph. Tive a intenção de transmitir uma sensação inteiramente nova ao nosso halutense Icho Tolot, fazendo-o girar em baixo do teto de seu camarote sem que ele notasse minha presença, mas de repente não consegui pensar mais. Bem, foi isso.Três horas se passaram assim. Quando recuperei os sentidos, estava agachado no mesmo esconderijo, no camarote de Tolot. Este naturalmente não estava mais lá. Perguntei a mim mesmo o que tinha acontecido.

— Como disse, isso foi ontem.

— Hoje aconteceu outra coisa comigo. O alarme de busca do engenheiro-chefe soou em todos os cantos da nave. Ouvi o alarme e quis teleportar-me lá para baixo, onde ficam os conversores.

— Quis, mas não consegui. Quer saber por quê? Bem que eu gostaria de saber. Quando consegui pensar de novo, fazia mais de quatro horas que o alarme tinha sido dado.

— É por isso que estou aqui. O que há comigo, doutor Ralph?

O médico-chefe Artur sabia que o baixinho era uma pessoa muito importante. Muitas vezes vira Gucky fazer suas brincadeiras com os outros, mas também sabia o que Gucky tinha feito depois que a Crest II e a nave dos posbis se encontravam no sistema de Gêmeos.

Gucky estava impaciente.

— Estou doente ou não estou, Ralph?

— Para dizer isso preciso fazer um exame minucioso, Gucky. Mas por que desconfia de ter pegado alguma coisa no planeta Quarta? Será que fugiu à ducha obrigatória de desinfecção...?

O pequeno protestou num tom que quase chegava a ser furioso.

— O que você acha que vem a ser um oficial de patente especial e um especialista, meu caro? É claro que me submeti à ducha de radiações. Será que a mesma falhou?

O médico-chefe nem se lembrara desta possibilidade. Deu ordem pelo intercomunicador para que se fizesse uma verificação da ducha de desinfecção que fora usada pelos ocupantes da C-5. Pediu a Gucky que tivesse mais um pouco de paciência.

O rato-castor exibiu um sorriso contrariado.

O médico-chefe fez as perguntas de costume para distraí-lo. O baixinho respondeu de boa vontade.

Certa vez formulou uma objeção.

— Não; senti isso de maneira bem diferente. De repente meus pensamentos desapareceram. Naturalmente só percebi depois, quando fiz a comparação do tempo e descobri que faltavam algumas horas de vida em minha memória. Ainda me lembrava do que pretendia fazer. Mas não sei dizer por que não fiz. De ambas as vezes tive a impressão de que alguém poderia ter girado o botão errado em minha cabeça.

O médico-chefe não sabia muito bem o que fazer com essa sintomatologia. Mas nem pensou em dizer isso a Gucky.

De repente este sorriu. Exibiu o dente roedor em todo o esplendor.

— Ora, curandeiro, vejo que você não tem uma opinião muito boa a meu respeito. Mas só posso contar o que senti...

O intercomunicador transmitiu a notícia de que a ducha de desinfecção estava funcionando perfeitamente.

— Não acredito que você tenha trazido uma doença de Quarta, Gucky — disse o médico-chefe Artur. — Mas para termos certeza vamos fazer um exame minucioso.

O exame durou quase três horas. Constantemente o Dr. Artur se viu obrigado a consultar velhos documentos, pois dificilmente qualquer médico da Galáxia tinha tido um paciente que fosse um rato-castor. Em muitos pontos sua constituição orgânica diferia da dos humanos.

Enquanto o baixinho voltava a colocar o uniforme, o Dr. Artur estava interpretando os resultados dos exames que se encontravam à sua frente. Finalmente chegou à conclusão de que Gucky possuía saúde de ferro.

Este leu os pensamentos do médico.

— Por que meu espírito apagou duas vezes, ontem e hoje, meu chapa? — perguntou em tom enérgico. — Isto não pode ter acontecido por acaso. Deve haver um motivo.

A resposta do médico-chefe Artur foi formulada de maneira bastante cautelosa.

— Vários fatores podem estar relacionados com isso. A esta altura torna-se bem mais difícil descobrir a causa. É possível que os sofrimentos experimentados durante a permanência no planeta Quarta tenham trazido certas seqüelas...

— Tolice! — interrompeu Gucky. — É verdade que fisicamente não sou nenhum Hércules, mas sempre soube enfrentar muito bem os grandes esforços.

O Dr. Artur levantou os olhos dos documentos.

— Gucky, você tem saúde de ferro. Como médico não sou capaz de dizer qual foi a origem dos lapsos de memória que você sofreu.

— E se hoje ou amanhã voltar a me acontecer a mesma coisa, Ralph? Você insistirá em dizer que possuo saúde de ferro?

— Você quer me obrigar a dar-lhe um atestado de que está doente, Gucky? — perguntou em tom áspero o médico-chefe, que se sentia agredido.

— Dar um atestado? — Gucky fez um gesto de pouco caso. — Na Crest ninguém tem tempo para ficar doente. Antes de mais nada precisamos sair deste canto cheio de perigos. Depois poderemos voltar a falar nisso. Quer dizer que não pode dizer o que me roubou a memória por duas vezes?

— Não, pequeno. Sinto muito.

— Então o que estou fazendo aqui? Até a próxima, curandeiro. Espero que até lá consiga pôr a mão no sujeito que me pregou esta peça.

O médico-chefe sobressaltou-se.

— Quer dizer que de repente você é de opinião que há mais alguém envolvido nisso?

— O que mais posso fazer se você diz que possuo saúde de ferro? — piou Gucky em tom zangado. — Se eu pegar esse tipo, ele vai ver uma coisa.

Gucky saiu arrastando os pés. Estava muito nervoso.

 

Atlan fitou seu amigo Perry Rhodan com uma expressão de incredulidade quando este lhe falou nas dores de nuca de sua esposa. Mas não o interrompeu. Finalmente Rhodan lhe pediu que dissesse sua opinião.

— Não tenho opinião, Perry. Mesmo se...

Gucky apareceu.

— Temos ótimos médicos a bordo! — piou em tom contrariado. — São verdadeiras sumidades. Até mesmo o médico-chefe é um ignorante de marca maior. Não é que ele me disse que minha saúde é boa, que não tenho absolutamente nada. Mas por que apaguei mentalmente duas vezes em seguida, isto ele não soube dizer...

— Espere aí, baixinho — interrompeu Rhodan. — Faça o favor de contar o que houve. Atlan e eu não entendemos uma palavra do que você disse.

Gucky apresentou seu relato. Os dois homens fitaram o rato-castor, primeiro com uma expressão de incredulidade, depois bastante preocupados.

— O doutor Artur não conseguiu descobrir a origem dos lapsos de memória? — perguntou Atlan.

— Não. Mas suspeita de que eu não tenha usado a ducha de desinfecção quando voltamos de...

— Como teve essa idéia? — perguntou Rhodan.

— Por que desconfiei de que pudesse ter trazido alguma doença do planeta Quarta.

— O quê...? — perguntaram Rhodan e Atlan ao mesmo tempo.

Estavam perplexos.

Gucky acenou com a cabeça.

— Isso não seria de admirar. Acho que não existe uma coisa de que os homens que construíram o sistema de Gêmeos não seriam capazes. Como estes tipos sabem um pouco mais que nós, não é nenhum absurdo preocupar-se com esta possibilidade. E se eles contaminaram o planeta Quarta com algum tipo de bactérias sobre as quais nossas duchas de desinfecção não produzem nenhum efeito?

— Tolice, Gucky! — disse Perry Rhodan. — Você já deve saber que tivemos três casos misteriosos a bordo. O doutor Artur usou toda a equipe médica do laboratório para verificar se trouxemos algum germe estranho para bordo da Crest. O resultado duma cuidadosa investigação prova que não é assim. Por que está sacudindo a cabeça?

Ao que tudo indicava, o baixinho não queria acalmar-se.

— Perry, não confio nessas cuidadosas investigações do doutor. Ele só mandou examinar a ducha de desinfecção usada por nós quando eu lhe falei no assunto. Isso foi uma negligência grave. Muito bem. O controle acabou sendo feito e não revelou nada. Mas será que diante disso podemos ter certeza absoluta de não termos trazido germes a bordo?

— Você não foi submetido a um exame minucioso? — interveio Atlan. Ao ver Gucky acenar com a cabeça, prosseguiu. — Será que você confia tão pouco nos métodos de exame aplicados por nossos médicos que chega a acreditar que os mesmos nem sequer estão em condições de identificar os germes estranhos?

Perry Rhodan procurou ler os pensamentos de Gucky, mas este os bloqueou. Com a cabeça ligeira mente inclinada de lado, fitou o arcônida demoradamente. Finalmente disse:

— Atlan, até parece que você se esqueceu de que nos encontramos no sistema de Gêmeos. Este sistema com seus dois sóis e sete planetas que per correm uma única órbita perfeitamente circular existe, mas nem por isso deixa de ser um absurdo. Será que a suspeita de que em Quarta podem existir germes que nem sequer somos capazes de identificar como tais é tão absurda assim? Droga! Ontem e hoje não fui dono dos meus pensamentos. E uma coisa destas não pode acontecer por acaso.

A sala de rádio da Crest II chamou.

— Senhor, a Box 8323 comunica que está sendo atacada por espaçonaves pequenas. A posição da nave dos posbis é a seguinte:...

— Leve-nos à sala de comando! — gritou Rhodan para Gucky.

Dali a dois segundos os três rematerializaram na gigantesca sala de comando da Crest II. O epsalense Cart Rudo, que não se abalava com coisa alguma, já tirara a nave-capitânia da frota da queda livre e acelerava cada vez mais em direção ao lugar em que se encontrava a Box 8323 que, conforme fora combinado, ficou estacionada sobre o planeta Quarta e não deveria tirar os olhos do mesmo nem por um segundo.

O oficial de artilharia major Cero Wiffert anunciou que os canhões estavam preparados para disparar. A sala de máquinas comunicou que o coronel poderia fazer as máquinas funcionar tranqüilamente a cem por cento de sua capacidade máxima.

Rhodan acomodou-se no assento do co-piloto, que ficava ao lado do coronel Rudo. A eclusa da sala de comando abriu-se ruidosamente e Rhodan virou a cabeça.

O halutense Icho Tolot entrou. Caminhava pesadamente que nem um urso. Manteve os quatro braços comprimidos contra o corpo. Seus três olhos emitiam um brilho vermelho. Virou a cabeça semi-esférica e examinou a parte da tela panorâmica na qual o planeta Quarta aparecia sob a forma duma gigantesca esfera.

Rhodan voltou a dedicar seu interesse ao comandante da nave.

— Quando atingiremos a posição em que se encontra a Box, Rudo?

Rudo olhou para o relógio embutido no painel de instrumentos.

— Se fizermos funcionar os neutralizadores de pressão a trezentos por cento de sua capacidade, chegaremos em cerca de oito minutos.

— Eu arriscaria uma sobrecarga de quinhentos por cento... — respondeu Rhodan em tom calmo.

No mesmo instante chegou outra mensagem de rádio.

A Box 8323 estava usando canhões de conversão para defender-se das pequeninas espaçonaves. O comandante de plasma da nave posbi supunha que os atacantes tinham decolado de Quarta.

A figura gigantesca do halutense interpunha-se entre Rhodan, que continuava no assento do co-piloto, e Atlan. Ao lado de Icho Tolot o arcônida, que era um homem alto, parecia um pigmeu. Quando dirigiu a palavra ao mesmo, foi obrigado a levantar os olhos.

— Então, Tolot, a tarefa de desvendar o mistério dos transmissores solares ainda o deixa muito entusiasmado?

Os lábios estreitos da gigantesca criatura esboçaram um sorriso.

— Atlan, — respondeu — se um halutense enfia uma coisa na cabeça, ele cumpre...

As últimas palavras do halutense foram abafadas pelo rugido de algumas dezenas de canhões energéticos da Crest II. O major Wiffert acabara de detectar através da mira impotrônica uma das mini-naves desconhecidas que estavam desfechando ataques violentos contra a Box 8323.

Uma bateria de costado formado por canhões desintegradores e conversores atingiu a pequena espaçonave.

A tela mostrou o terrível inferno de raios. As pessoas que se encontravam na sala de comando já imaginavam que a unidade se estivesse desmanchando no meio dos raios energéticos, mas esta se manteve imperturbavelmente na mesma rota.

— Pela grande Via Láctea, o que é isso? — exclamou o arcônida, apavorado. Deu um empurrão no halutense, como se quisesse pedir-lhe que dissesse alguma coisa. Mas este se limitava em manter seus três olhos pregados na minúscula nave, que de repente se afastava da Crest II a uma velocidade incrível.

A bateria de costado formado por canhões energéticos superpotentes voltou a atirar no inimigo. Quando as cascatas energéticas chamejantes se afastaram para todos os lados, o inimigo ainda existia.

A sala de rádio transmitiu outra informação!

— A Box 8323 apurou que as mininaves desconhecidas estão estacionadas no planeta Quarta. Saem de hangares subterrâneos e não possuem tripulação. A Box 8323 retira-se para o espaço à velocidade de 0,4 luz. Ainda não se sabe qual é a finalidade dos ataques desfechados pelas mininaves.

— Fim da transmissão.

Os rastreadores da Crest II já tinham determinado a posição da nave dos posbis. A nave esférica estava sendo dirigida pelo dispositivo impotrônico. No momento Rhodan e o coronel Rudo não tinham nada a fazer. O oficial de artilharia anunciou pelo intercomunicador a potência com que tinha atirado na pequena espaçonave.

Na sala de comando havia uma pessoa muito interessada nessas indicações. Era o halutense, que ativou seu cérebro programador enquanto os dados estavam sendo transmitidos. Parecia ter um interesse tremendo em descobrir por que a Crest II não conseguira destruir a pequena nave. Os cálculos foram realizados com uma incrível rapidez em sua cabeça. Um computador impotrônico da melhor qualidade levaria o dobro do tempo.

Mas nem mesmo com o auxílio de seu cérebro programador o halutense chegou a qualquer conclusão. Os dados fornecidos pela nave fragmentária dos posbis eram incompletos.

A Crest II fez uma ligeira mudança de rota, já que a Box 8323 deslocava-se em velocidade cada vez mais elevada em direção ao espaço vazio, a fim de desviar-se do grupo de mininaves.

De repente Rhodan ergueu-se no assento. Inclinou-se sobre o microfone e chamou o centro de comando de tiro.

— Major Wiffert, só responda ao fogo se a Crest for atacada. — Depois ligou para a sala de rádio. — Rhodan falando. Chame a Box 8323. Peça aos comandantes de plasma que forneçam informações sobre o comportamento das mininaves quando estão sendo atingidos em cheio pelo fogo da nave.

Icho Tolot disfarçou o espanto. Aquilo que seu cérebro programador lhe insinuara sob a forma duma vaga conjetura para Perry Rhodan devia ser muito mais que uma simples suspeita.

O arcônida adiantou-se e conversou aos cochichos com Rhodan. Este abanou a cabeça. Apontou para a tela. À medida que a Crest II se aproximava da figura bizarra da nave fragmentária, a ampliação automática da imagem projetada na tela era reduzida.

Viam-se três grupos de pequenas espaçonaves, que disparavam todos os canhões energéticos de que dispunham contra a Box 8323. Trilhas energéticas vermelhas, amarelas e azuis atingiam o campo defensivo do gigantesco cubo espacial e provocavam um fogo de artifício que iluminava o espaço a centenas de quilômetros de distância. As reações de defesa da nave fragmentária eram extremamente reduzidas.

— Os posbis estão reduzindo cada vez mais seu fogo — constatou Atlan, quando a Box 8323 chamou.

— Ao que tudo indica, as mininaves do planeta Quarta dispõem de conversores energéticos de elevada potência e ação muito rápida. À medida que aumenta o fogo disparado contra elas, suas reservas de energia crescem.

Naquele momento Icho Tolot viu como Perry Rhodan era rápido nas decisões.

— Rhodan chamando Box 8323 e centro de comando de tiro da Crest — disse o mesmo para dentro do microfone.

— Ligação com a nave fragmentária completada, senhor.

— Major Wiffert, do centro de comando de tiro falando, senhor.

Icho Tolot e o coronel Rudo fitaram Rhodan com uma expressão tensa. Um forte brilho surgiu nos olhos avermelhados de Atlan. Imaginava o que o amigo pretendia fazer.

— Conversores de símbolos preparados — transmitiu a sala de rádio.

— Rhodan chamando Box 8323 — disse o Administrador Geral.

O major Wiffert acompanhava a palestra na sala de comando de artilharia da Crest II.

— Vamos aproximar-nos do grupo de mininaves a 40.000 quilômetros no verde. As 14:56 horas, tempo padrão. Atacaremos com todas as armas disponíveis às 14:58 horas. Solicito confirmação e verificação de tempo.

— Você não está exigindo demais dos comandantes plasmáticos da Box, Perry?

Perry lançou um olhar ligeiro para Atlan.

— Eles hão de compreender minhas intenções, Atlan.

A nave fragmentária confirmou o recebimento da ordem e fez a verificação do tempo. Icho Tolot parecia uma estátua bizarra. Compreendera as intenções de Perry Rhodan. O coronel Rudo assumiu a Crest II. Na sala de comando todos permaneceram em silêncio. A Crest II corria para a posição de ataque. Na coordenada verde, à frente da nave fragmentária, cerca de vinte mininaves precipitavam-se sobre a Box 8323. No amarelo e no vermelho outras mininaves se esforçavam para provocar o desmoronamento dos campos defensivos da caixa espacial dos posbis. Nem por isso o fogo defensivo da nave fragmentária, que era muito fraco, se tornou mais intenso.

O ponteiro dos segundos do grande relógio da sala de comando avançava inexoravelmente para a marca das 14:58 horas.

Trinta segundos antes do término do prazo a Crest II alcançou a posição prevista. A distância que a separava do grupo que se encontrava na coordenada verde era de 40.000 quilômetros.

Confortavelmente recostado na poltrona, Rhodan estava de olhos na tela de visão global, observando o ataque das naves inimigas que tinham decolado de Quarta. Perguntou-se em vão por que essas naves só atacavam a nave fragmentária, deixando em paz a Crest II.

O ponteiro dos segundos saltou para a marca das 14:58 horas.

Os anteparos da tela de visão global, acoplados com o centro de comando de tiro, fecharam-se, para só deixar passar uma parte insignificante da luz ofuscante irradiada pelas trilhas energéticas.

A Crest II e a Box 8323 abriram fogo ao mesmo tempo com todos os canhões energéticos disponíveis. Os grossos raios atingiam o grupo de naves da coordenada verde com uma violência incrível. As perigosas mininaves desapareceram na luz ofuscante das trilhas energéticas que se desfaziam diante deles.

O rastreamento energético transmitiu uma mensagem.

— Senhor, estas mininaves sugam a energia dos raios disparados por nossos canhões!

O oficial ficou desesperado ao ver o Chefe acenar calmamente com a cabeça.

Icho Tolot não tirava os olhos de Perry Rhodan. Não deu a perceber que admirava este indivíduo pertencente à raça humana. A decisão tomada por Perry Rhodan, que mandara atacar o grupo de mininaves com todos os canhões, de dois lados ao mesmo tempo, era o único caminho capaz de afastar o perigo.

O princípio de que tudo tem seu limite de capacidade também se aplicava na física da quinta dimensão.

Naquele momento as mininaves que se encontravam na coordenada verde estavam sendo alimentadas com energia. .Misteriosos conversores instalados a bordo dessas naves modificavam os raios de impulsos, de conversão ou os dos desintegradores. No momento do impacto os mesmos perdiam a força destrutiva. Eram transformados em formas de energia cuja função consistia em reforçar os campos defensivos que protegiam os pequenos barcos e encher os bancos de armazenamento até o máximo de sua capacidade.

Por enquanto tinha-se a impressão de que a capacidade de absorção das mininaves era ilimitada. No mesmo instante a aceleração dos pequenos e perigosos veículos espaciais cresceu. A potência dos raios energéticos disparados por suas armas aumentou assustadoramente. A Crest II, que estava sofrendo seu primeiro ataque, desfechado por cinco barcos, sentiu a força dos raios energéticos do inimigo.

Nos lugares em que os mesmos atingiam os campos defensivos, estes ameaçavam entrar em colapso.

O coronel Rudo não se abalou. Confiava nas unidades energéticas da Crest II e em seus controles automáticos. Mas quando três luzes vermelhas se acenderam em seu painel de instrumentos, estremeceu levemente. O zumbido abafado dos gigantescos conversores, que rompia qualquer isolamento acústico, vinha da sala de máquinas.

Era o sinal típico de que a Crest II estava recorrendo às últimas reservas de energia.

A confusão de raios que se cruzavam no espaço era um espetáculo horrível. Um espetáculo traiçoeiro, mas fascinante, era proporcionado pelas cascatas energéticas que ricocheteavam nos campos defensivos das pequenas naves, afastando-se para todos os lados sob a forma de protuberâncias.

— Senhor, a coisa começa a ficar perigosa... — disse a voz potente do comandante Rudo.

Icho Tolot fitou demoradamente o epsalense. Depois olhou para Rhodan, que acompanhava ininterruptamente os acontecimentos que se desenrolavam no espaço.

Será que o Administrador Geral não tinha ouvido a advertência do comandante?

O halutense olhou ainda mais intensamente para Rhodan.

Será que o mesmo se contorcia no assento do co-piloto? Por um momento seu rosto não ficou desfigurado pela dor? Ninguém notou, com exceção do halutense.

Icho Tolot lembrou-se do ativador celular de Rhodan. Teve a impressão de ter-se enganado, quando de repente notou que o chefe do Império Solar apresentava sintomas de asfixia.

Os sons inarticulados de Rhodan, que se esforçava desesperadamente para respirar, foram engolidos pelo uivo dos neutralizadores de pressão. Tudo passou num instante. Perry Rhodan virou a cabeça para Tolot. Os dois entreolharam-se. O halutense não deixou perceber nada, e a expressão do rosto de Rhodan também era controlada.

Fora tudo uma questão de segundos. Mas nestes segundos a situação do grupo de naves que se encontrava na coordenada verde mudara abruptamente.

As perigosas mininaves, que provavelmente eram dirigidas por robôs, já não eram capazes de absorver a energia vinda de fora e transformá-la.

Os veículos espaciais ainda resistiam aos raios energéticos e aos desintegradores, mas as energias despejadas pelos canhões conversores fizeram entrar em colapso seus campos defensivos superpotentes.

As naves simplesmente desapareceram. O grupo não existia mais.

Nem mesmo no hiperespaço!

Os rastreadores estruturais da Crest II quase queimaram. Um tremendo golpe energético atravessou o espaço vazio entre as duas galáxias.

Rhodan levantou-se e, dirigindo-se ao comandante, disse:

— Com os outros dois grupos será adotado o mesmo procedimento.

Saiu em companhia de Atlan, enquanto a Crest II mudava de rota, para correr ao encontro do grupo de naves que tentava destruir a Box 8323 na coordenada vermelha.

 

Mory Rhodan-Abro percebeu que os dois homens queriam ficar a sós. Saiu do camarote sem dizer uma palavra.

Por muito tempo Rhodan e Atlan ficaram sentados frente a frente, sem dizer uma palavra. Não ouviram o uivo dos neutralizadores de pressão, nem o zumbido abafado dos conversores. Atlan sentiu mais que observou que Perry Rhodan tinha uma coisa importante para lhe dizer. Mas também notou que o amigo tinha dificuldade de falar. O arcônida nem sequer era capaz de imaginar o que Rhodan lhe queria confiar.

— Atlan, tive um ataque de asfixia pouco antes da destruição das naves que nos atacavam.

— Um...? — Atlan arregalou os olhos.

— Isso mesmo — um ataque de asfixia! E antes disso sofri uma eólica do estômago. Tudo isso apesar do ativador celular. Tal qual Mory, senti dores na nuca.

Estas palavras tinham sido pronunciadas sem a menor exaltação. Tanto mais exaltado ficou o arcônida.

Ficou andando em círculo pelo camarote, entretido em solilóquios, nos quais constantemente aparecia a palavra impossível.

Finalmente Rhodan interrompeu-o. O arcônida parecia furioso.

— Não é possível que você tenha sofrido eólicas do estômago ou um ataque de asfixia. Faz mais de dez mil anos que eu carrego um ativador celular. Durante todo este tempo nunca sofri qualquer doença orgânica. Nem uma única vez...!

— Por mais que você insista nisso, Atlan, o fato é que tive eólicas do estômago seguidas por um ataque de asfixia!

Atlan parou abruptamente. Havia uma expressão de desconfiança em seus olhos.

— Perry, realmente é impossível...!

— Também não consigo compreender, mas tenho de conformar-me com os fatos. Quase me sinto inclinado a acreditar que as suspeitas de Gucky são justificadas. Contraímos uma infecção no planeta Quarta...

— Tolice! — exclamou o arcônida. — Se fosse assim, eu também teria de sentir alguma coisa. Quero fazer uma sugestão, Perry. Vamos procurar o médico-chefe Artur e pedir que faça um exame minucioso.

Rhodan queria esperar até que as perigosas mininaves de Quarta tivessem sido destruídas. O arcônida entrou em contacto com Rudo e foi informado de que a Crest II e a Box 8323 estavam caçando as últimas três unidades. A maior parte das naves inimigas tinha sido tangida para o hiperespaço, onde acabara sendo destruída.

O médico-chefe Dr. Ralph Artur levantou os olhos com uma expressão de espanto ao ser procurado por Rhodan e Atlan. Seu espanto transformou-se em pavor quando o Administrador Geral lhe contou o que tinha padecido.

— Até o senhor? — perguntou, assustado.

— Houve outros casos, doutor? — perguntou Rhodan em vez de dar uma resposta.

— Três, senhor, mas os sintomas são diferentes. As doenças manifestam-se de forma completamente diversa. Não podem ser enquadradas na mesma categoria médica...

Atlan parecia impaciente.

— Deixe isso para depois, doutor. Faça o favor de examinar o Chefe. Também quero ser examinado.

O médico-chefe Ralph Artur continuou imóvel.

— Então? — insistiu o lorde-almirante.

— O exame não revelará nada, senhor — respondeu o médico em tom de depressão. — Os médicos vêem-se diante dum mistério.

O arcônida perdeu a paciência.

— Que diabo, doutor! Não quer preparar logo o exame do Administrador Geral?

O médico levantou-se pesadamente, como se estivesse com uma grande carga sobre os ombros.

— Por favor, cavalheiros. Queiram acompanhar-me.

O hospital da Crest II podia competir com qualquer clínica do Império Solar, tanto no que dizia respeito à equipe médica como quanto às instalações.

O Dr. Artur pediu que um colega altamente qualificado o acompanhasse durante o exame de Rhodan. Os laboratórios foram avisados. Amostras de sangue e dos outros líquidos do corpo foram analisadas pelos processos mais modernos.

Toda vez que os laboratórios ligavam para o hospital, ouvia-se a mesma coisa:

— Resultado negativo...

Perry Rhodan suportou, tudo em silêncio.

— Nunca examinamos uma pessoa que tenha tanta saúde como o senhor — disse o médico-chefe depois que os exames foram concluídos.

— Esgotou todas as possibilidades? — perguntou Rhodan.

— Naturalmente, com exceção das intervenções cirúrgicas.

— Como se explica que eu tenha sofrido um ataque de asfixia?

— Infelizmente não posso responder a esta pergunta.

— Não está escondendo alguma coisa porque eu sou o Administrador Geral?

O Dr. Ralph Artur deu uma risada.

— Compreendo a insinuação, senhor, mas posso garantir que o senhor goza de perfeita saúde, tal qual o lorde-almirante.

Rhodan e Atlan saíram do hospital. Subiram pelo poço do elevador antigravitacional. Não disseram uma palavra. O rosto de Rhodan parecia uma máscara. Atlan percebeu que por dentro o amigo estava muito agitado.

Quando entraram no camarote, a esposa de Rhodan estava de saída. Bastou um olhar para o rosto do marido para que a mesma percebesse que alguma coisa extraordinária tinha acontecido. Apesar disso não fez nenhuma pergunta. Entrou no camarote com os dois homens.

— Mory, acabo de submeter-me a um exame médico. Durante o ataque ao primeiro grupo de mininaves tive eólicas de estômago e um ataque de asfixia...

— Você também...? — perguntou Mory em tom apressado, enquanto seus olhos exprimiam o medo pelo que pudesse acontecer ao homem que tanto amava.

— O que quer dizer com isso, Mory? — Rhodan fitou-a demoradamente. — Será que você também...?

Mory acenou com a cabeça. Rhodan não chegou a completar a pergunta. Ele e Atlan entreolharam-se demoradamente.

— Perry, falta pouco para eu aceitar a teoria de Gucky — disse o arcônida em tom contrariado, mas no mesmo instante começou a falar em tom nervoso. — Mas isso é uma grande bobagem! A fantasia do baixinho descontrolou-se e todo mundo corre perigo de ser contaminado pelo mesmo mal. Andei colhendo informações. Em nossos laboratórios médicos existem microscópios aras com os quais se vêem partículas de um angstrom. Por isso mesmo não acredito que nos tenhamos infectado em Quarta. Se fosse assim, certamente teriam descoberto alguma bactéria ou vírus desconhecido. Afinal, um angstrom corresponde a um décimo milionésimo de milímetro. O comprimento das ondas de luz é a única grandeza que costuma ser medida em unidades angstrom.

Olhou para seus interlocutores e percebeu que suas palavras não conseguiram convencê-los.

— Atlan — disse Mory. — Há meia hora tive dores horríveis nos rins. Quando as mesmas desapareceram de repente, tive um ataque de asfixia.

Gucky rematerializou a seu lado e logo piou em tom zangado:

— Desconfio de mim mesmo. Até parece que enlouqueci. Quando quis levantar-me da poltrona, percebi que de repente não tinha mais força nos dois braços. Em seguida sofri uma paralisia nas pernas. Só tive um desejo: teleportar-me para o hospital. Procuro concentrar-me, quando a paralisia nos braços e nas pernas desaparece de repente. Mas o pior ainda vem. Tento mexer os braços e as pernas. Tudo em ordem. Vou até a porta do camarote para sair, quando alguém me diz: Tão depressa você não vai sair daqui! No mesmo instante caio ao chão, porque minhas pernas estão paralisadas de novo.

— Quem foi que lhe disse isso, Gucky? — perguntou Rhodan.

— Ora... — disse Gucky. — Já que vocês aceitam minha história maluca, também já devem ter feito suas experiências. Os três?

— Quero saber quem lhe disse...

— Pois não, Chefe — piou o baixinho. — Quem falou estava aqui! — Bateu com o dedo na cabeça. — Não havia mais ninguém no meu camarote. Olhei em baixo do sofá e da poltrona e não vi ninguém.

— Será que foi um processo hipnótico? — perguntou Atlan.

Gucky exibiu seu dente roedor por um instante.

— Nada disso. Eu teria percebido. Acabo de dizer que desconfio de que estou enlouquecendo. Uma voz disse dentro de minha cabeça: Tão depressa você não vai sair daqui! E de fato demorou pelo menos quinze minutos até que minhas pernas ficassem livres da paralisia que estava me atacando pela segunda vez. Quando isso aconteceu, a voz na minha cabeça disse: Pode ir embora! Tive a generosidade de recusar a oferta. Preferi teleportar para cá. Será que devo submeter-me a outro exame? Todos os pêlos de meu corpo se arrepiam quando me lembro da voz que falava dentro de minha cabeça.

Fitou seus interlocutores um após o outro, com uma expressão tensa. Preferiu não ler seus pensamentos. Os rostos diziam tudo. Só havia uma coisa que o deixava mais tranqüilo. Ninguém parecia duvidar dele.

Atlan aproximou-se do intercomunicador.

— Solicita-se a presença imediata do médico-chefe doutor Artur no camarote do Chefe...

A voz saída do alto-falante disse:

— O médico-chefe desmaiou há alguns minutos e encontra-se no hospital. Ainda está inconsciente. As tentativas de reanimá-lo não tiveram resultado.

— Foi outro ataque de asfixia? — apressou-se Atlan em perguntar.

— Não senhor. O pulso do médico-chefe é muito fraco. Não temos explicação para os sintomas.

A ligação foi interrompida.

— O que podemos fazer? — perguntou Atlan.

Não houve resposta a esta pergunta.

 

De repente a notícia de que uma doença misteriosa grassava a bordo espalhou-se pela Crest II. Poucos se preocupavam com isso. Apenas os médicos, biólogos e especialistas de áreas afins estavam alarmados.

A força motriz desses grupos era o médico-chefe Dr. Ralph Artur. Experimentara na própria carne a doença misteriosa e olhara em torno, espantado, ao acordar depois de ter ficado inconsciente por três horas. Não conseguia compreender que passara a ser um dos pacientes do hospital.

E mais apavorado ficou ao ler a história clínica de seu caso.

Os cerca de dois mil tripulantes da Crest II foram submetidos a um exame rigoroso. Quando o Dr. Artur apresentou a sugestão ao Chefe, este limitou-se a dizer:

— Faça o que estiver ao seu alcance, doutor!

Com exceção de algumas doenças insignificantes, facilmente curáveis com os recursos existentes a bordo, a tripulação gozava de boa saúde. Um dos tripulantes que estava nestas condições era Gucky.

Mas a equipe médica não ficou satisfeita com o resultado.

— Apesar de todas as precauções, esquecemos alguma coisa. Não sei dizer o que foi. Peço-lhes que façam o que estiver ao seu alcance para descobrir o que escapou aos nossos controles.

Com estas palavras o Dr. Artur encerrou uma conferência que já se arrastara por algumas horas. Dirigia-se ao seu camarote, pois pretendia recuperar o sono perdido, quando parou abruptamente no convés.

De repente voltou a ter consciência duma coisa à qual quase não dera nenhuma atenção.

Correu de volta para o hospital. Alguns médicos ainda estavam conversando. Pediu que os mesmos fossem ao seu gabinete. Alguns pareciam contrariados, porque se sentiam exaustos, enquanto outros se mostravam curiosos. Dominado por um nervosismo inexplicável, o Dr. Artur caminhava de um lado para outro à frente de sua escrivaninha.

— Senhores — principiou. — Não sei dizer se também sou vítima duma psicose que tem atacado — ou melhor, ainda ataca — a todos de forma mais ou menos intensa:

— Ficamos procurando em vão o germe que está causando as doenças mais diversas. Mas esquecemos um detalhe. No momento em que suspendemos os exames em série não havia um único doente a bordo da Crest. Correto?

Os colegas confirmaram com um gesto.

— Pois é nisto que baseio meu raciocínio.

— Quando voltei depois de ter visitado o Chefe, com a permissão para o exame em série, convoquei os senhores. Distribuí as tarefas, e cada um dirigiu-se ao seu posto.

— Os senhores são capazes de lembrar-se do que fizeram, disseram ou pensaram enquanto iam para lá?

Alguns dos médicos sorriram, outros sacudiram a cabeça, enquanto outros refletiam atentamente. Em sua maioria mostraram-se espantados. De repente o médico-chefe Dr. Artur parecia não se sentir muito bem. Viu quatro médicos internos conversar aos cochichos. Ficou encostado à escrivaninha, à espera dum pronunciamento verbal.

Ninguém pediu a palavra. Ninguém estava em condições de dizer o que tinha feito, dito ou pensado há três dias, depois do momento em que tinham sido distribuídas as tarefas.

Três vezes vinte e quatro horas de trabalhos cansativos interpunham-se entre o agora e o passado.

Artur adiantou-se um passo. Formulou outra pergunta.

— Algum dos senhores se lembra de ter ido daqui diretamente para o leito dum doente?

Três colegas levantaram a mão. Artur não esperara este resultado.

— Quem estava só? E quem estava em companhia de alguém?

O mais jovem dos médicos de bordo da Crest II era o único que há três dias tinha estado só junto ao leito dum doente. Os outros eram acompanhados por colegas.

O Dr. Artur deu início a um verdadeiro interrogatório cerrado, à maneira dum membro bem treinado da Segurança Galáctica. Enquanto formulava suas perguntas, os outros colegas, que tinham rido do médico-chefe, tiveram sua atenção despertada.

— Colega Arndt, o senhor conversou com o colega Willis, junto ao leito dum doente, sobre o exame em série. E o senhor, colega Shanaki, acaba de confirmar isso. O que estava fazendo o senhor, colega Mayr?

— Não estava falando. Com quem poderia falar? O técnico estava na cama, inconsciente. Mas lembro-me de que a porta do quarto do doente estava aberta. No quarto havia alguns colegas que divergiam sobre o resultado do exame em série. Enquanto discutiam, o técnico abriu os olhos e pediu permissão para levantar.

Depois das declarações de Mayr, os dois outros grupos de médicos também se lembraram do que tinham feito naquele momento.

Visivelmente satisfeito com o resultado inesperado da investigação, o médico-chefe Artur fez uma constatação:

— Não quero avançar demais com minha teoria, mas quase chego a acreditar que esta misteriosa doença sabe ouvir...

Todos riram do médico-chefe.

O Dr. Artur passou a mão pela calva. A expressão de seu rosto era ainda mais contrariada que de costume.

— Os senhores só terão direito de rir de mim depois que tiverem reduzido minha teoria ao absurdo — disse em tom penetrante.

Não teve tempo de responder a um aparte. A estação de conversores número três informou a ocorrência dum acidente grave. O setor cirúrgico deu o alarme para alguns especialistas. Quatro médicos retiraram-se.

— Ainda falaremos sobre isto — disse o Dr. Artur, aborrecido.

Abriu caminho entre a multidão e foi saindo.

 

Atlan saiu à procura de Perry Rhodan e foi encontrá-lo na sala de comando. Minutos atrás encontrara-se com o médico-chefe. O tom mal-humorado em que este o cumprimentou fez com que o arcônida perguntasse pelo motivo de seu estado de espírito. O Dr. Ralph Artur abriu-se para com o arcônida.

Atlan não riu quando Artur lhe comunicou a suspeita de que a misteriosa doença provavelmente era capaz de ouvir.

Perry Rhodan estava de pé junto ao grande computador, com os braços cruzados sobre o peito. Juntamente com o Dr. Hong Kao e o Dr. Spencer Holfing esperava que o equipamento bio-positrônico lhe fornecesse um resultado. Atlan não chamou a atenção dos outros para sua chegada. Sabia por experiência própria que às vezes a pessoa se aborrece muito ao ser perturbada em meio a um trabalho que exige certa concentração.

Uma longa fita perfurada caiu no cesto de saída do computador de bordo. O matemático-chefe Kao pegou-a apressadamente e leu os sinais codificados juntamente com Holfing.

Spencer Holfing soltou um gemido e lançou um olhar para Perry Rhodan que exprimia certo respeito.

— Senhor, sua suposição é correta. A bordo das mininaves havia conversores capazes de transformar a energia dos raios disparados por nossos canhões. Complicado, não é mesmo?

— Será que no sistema de Gêmeos existe alguma coisa que não seja complicada? — Examinou a fita perfurada. Havia uma expressão vigilante em seus olhos cinzentos. Prosseguiu como que num solilóquio. — É espantoso que esses conversores consigam transformar quantidades tão grandes de energia. Bem que gostaria de saber como se deve fazer para recolher, transformar e armazenar a energia estranha que atinge um campo defensivo. — Voltou a olhar para o físico. — O senhor tem uma idéia?

— Infelizmente não, senhor. Há pouco calculei um valor médio aproximado e acrescentei os valores médios da energia da nave fragmentária no momento em que a mesma disparava juntamente com a Crest contra a primeira mininave. Mas esses valores médios não servem para explicar o que o conversor fez com a energia que atingiu o campo defensivo. Graças aos registros em filme consegui calcular as quantidades de energia despejadas no espaço sob a forma de cascatas de fogo. Estas quantidades não atingem um por cento do total. O primeiro impacto direto de nossas armas deveria ter destruído qualquer nave pequena. Mas esta usou parte da energia para conduzi-la aos seus propulsores. A parte remanescente, que era maior, foi armazenada no interior da mininave. É o que se depreende do resultado fornecido por nosso computador de bordo.

— De que forma foi realizado este armazenamento, Holfing? Estou muito interessado neste ponto.

— Infelizmente não posso dar nenhuma informação a este respeito, senhor. Também não posso explicar por que os conversores falharam de repente e como conseguimos arremessar as mininaves para o hiperespaço.

— E o choque gravitacional, Holfing? Em sua opinião a liberação de energia sob esta forma resultou de mais uma conversão da energia armazenada? Ou não existe qualquer relação entre o choque e a conversão?

Holfing voltou a examinar os sinais codificados gravados na fita perfurada. De vez em quando sacudia a cabeça. Parecia constranger-se em dar mais uma resposta vaga.

— Senhor, o choque gravitacional por nós observado pode ter sido provocado tanto por uma técnica das mini naves como pela energia estranha armazenada.

— Hum — Rhodan fitou o matemático-chefe com uma expressão pensativa. — Sua opinião é idêntica à de seu colega Holfing, Kao?

— Nem cheguei a formar uma opinião, senhor. — Confessou o homem baixo. — Para isso preciso de mais números.

— De acordo. Até quando espera receber os resultados da interpretação?

— Não antes de amanhã, senhor. — Respondeu Hong Kao.

— Pois até lá fique pensando sobre se o choque gravitacional das mininaves que tangemos para o hiperespaço não pode ter sido um pedido de socorro.

A idéia de Rhodan deixou Atlan tão surpreso que ele exclamou:

— Pelos deuses de Àrcon, isto não pode ser verdade!

Só neste instante Rhodan notou que o arcônida se encontrava na sala de comando.

Spencer Holfing e Hong Kao também tinham compreendido aonde o Chefe queria chegar com sua observação.

— Neste caso, senhor, a vida no sistema de Gêmeos se tornará ainda mais difícil para nós, senhor — disse o matemático-chefe em tom enfático. — Quanto mais penso nisso, mais me convenço de que o choque gravitacional realmente foi um pedido de socorro que a esta altura já deve ter alarmado Andrômeda, se... — Ficou calado.

— Se o quê, Kao? — perguntou Rhodan.

— ...se a raça que construiu o sistema de Gêmeos ainda vive em Andrômeda.

— O senhor tem alguma dúvida, Kao? Será que já se esqueceu da reação dos degredados do planeta Quarta, quando logo após nossa chegada afirmamos que tínhamos sido deportados por causa do roubo da nave-girino? Não acreditaram no que lhes dissemos? Isso não prova que num passado relativamente recente uma leva de deputados chegou lá? — Rhodan notou que o halutense prestava muita atenção às suas palavras. — O senhor não é da mesma opinião, Tolot? — perguntou.

O halutense pôde responder a esta pergunta sem violar uma das leis básicas de sua raça, segundo a qual não se deveria transmitir a qualquer inteligência estranha uma parcela de seus conhecimentos praticamente inesgotáveis sobre outros seres. Realmente, o hexágono de sóis que servia como estação transmissora lhe fora tão desconhecido quanto o sistema de Gêmeos, que desempenhava as funções de estação intermediária no percurso para a galáxia Andrômeda.

— Também sou de opinião que os construtores deste sistema ainda vivem. Mas a suspeita de que o choque gravitacional pode ser um pedido de socorro dirigido a Andrômeda me deixou surpreso. E estranho que meu cérebro programador não me tenha dado a mesma idéia. Seu grau de probabilidade é bastante elevado.

O halutense não disse qual era exatamente este grau de probabilidade.

Já aprendera muitos dos gestos típicos dos humanos. Esfregou os seis dedos dos braços preênseis, dando a entender que a perspectiva do que estava pela frente o deixava muito feliz.

Enquanto as pessoas que se encontravam na sala de comando olhavam para ele, à espera do que ainda tinha a dizer, o halutense de repente soltou um gemido, contorceu o corpo e balançou tanto que todos acreditavam que iria cair ao chão. O olho do meio, situado acima do cérebro comum, fechava-se e abria-se numa seqüência ininterrupta. O tronco enorme balançava cada vez mais. Os oficiais que se encontravam a seu lado afastaram-se. Ninguém queria ser esmagado pelo corpo de quase duas toneladas quando o halutense caísse ao chão.

Melbar Kasom, que se encontrava mais nos fundos, adiantou-se. Percorreu os últimos metros num salto. Era a única pessoa capaz de dar assistência a Icho Tolot. Seus braços gigantescos cingiram o tórax do outro. No mesmo instante Tolot parou de balançar. Mas de repente o ertrusiano atirou os braços para cima. Os homens que viram seu rosto desfigurado ouviram a respiração estertorante.

— Ar...! Ar...! — fungou.

A seu lado o corpo do halutense contorceu-se e ficou apoiado nos dois braços de locomoção.

— Alertem o hospital! — gritou Rhodan para o coronel Cart Rudo, que foi o primeiro a recuperar o auto-controle.

Mas não houve necessidade de alarmar o hospital.

Mal Rhodan acabara de dar sua ordem, quando Melbar Kasom baixou os braços e Icho Tolot voltou a endireitar o corpo. A falta de ar tinha passado. O rosto de Kasom já não estava desfigurado.

O ertrusiano passou os olhos pela sala de comando. Até parecia que acabara de despertar dum pesadelo. O halutense também parecia confuso. Vivia girando a cabeça semi-esférica para os lados. Ninguém deu atenção ao arcônida, cujos olhos avermelhados emitiam um brilho forte.

Lembrou-se do que o médico-chefe Dr. Artur lhe dissera no convés.

Kasom procurou descrever os males súbitos de que tinha padecido. As indicações pareciam familiares a Perry Rhodan. Este fez uma consulta a Icho Tolot, que forneceu uma indicação muito precisa do quadro clínico.

— Obrigado — disse Rhodan antes que o halutense concluísse a descrição de seus males. Pretendia procurar o Dr. Artur. Atlan colocou-se à sua frente. — Alguma novidade? — perguntou.

— Gostaria de sugerir que procurássemos o médico-chefe.

— Pretendia justamente procurar o Dr. Artur.

— Faz trinta minutos que falei com ele. Sugiro que por enquanto abandonemos os planos de visitar o planeta seguinte.

Perry Rhodan não fez mais nenhuma pergunta, embora o tom em que Atlan pronunciara aquelas palavras lhe desse que pensar. Atravessou apressadamente a sala de comando. O tenente Brent Huise estava sentado na poltrona do piloto, vigiando o painel de instrumentos.

— Huise, entre em contato com o setor de coordenação. O plano de visitar o planeta Quinta foi adiado.

— Não vamos descer em Quinta, senhor? — perguntou o imediato num tom que quase chegava a ser apavorado.

— Por enquanto não, Huise.

Quando se dirigia à escotilha da sala de comando em companhia de Atlan, sentiu numerosos olhares pousados em suas costas. Mas naquele momento nem ele nem Atlan imaginava quanto tempo duraria este por enquanto.

O médico-chefe Dr. Artur não se encontrava em seu camarote. Rhodan mandou procurá-lo por meio do intercomunicador.

— Ele me disse que pretendia deitar um pouco — disse Atlan.

O hospital respondeu. O Dr. Artur encontrava-se na sala de operações. A pessoa que estava no aparelho informou que o médico-chefe tinha sido chamado para participar duma operação. Desta forma Rhodan e Atlan ficaram sabendo do acidente grave que tinha ocorrido na sala de conversores número três.

— Só nos resta esperar — disse Rhodan. — Enquanto isso você bem que me poderia explicar por que sugeriu que por enquanto abandonássemos os planos que previam uma visita a Quinta.

Atlan informou-o sobre o que o Dr. Artur lhe tinha contado. Perry Rhodan sorriu ligeiramente quando Atlan lhe falou a respeito duma doença misteriosa que seria capaz de ouvir.

— A idéia de Artur pode parecer fantástica, Perry. Ainda bem que me lembrei do hexágono de sóis e do sistema Gêmeos. Será que estas duas coisas não são muito mais fantásticas que uma doença capaz de ouvir?

O sorriso desapareceu do rosto de Rhodan. Lembrou-se de que a doença de Icho Tolot e Melbar Kasom tinham desaparecido no instante em que ele dera ordem para colocar o hospital em alarme.

Gucky apareceu à sua frente. Rhodan e Atlan não se perturbaram com sua aparição. Mas sua fala os incomodou. Perturbou as reflexões dos dois.

— Por aqui está acontecendo cada coisa! — disse em tom arrogante.

Rhodan não gostava desse modo de falar. O arcônida também não estava para brincadeiras. A resposta de Rhodan foi proferida em tom áspero:

— Se acha que tem algo a nos dizer alguma coisa, faça o favor de usar um tom mais delicado. O que está acontecendo?

— A Crest está cheia de fantasmas! — O baixinho acomodou-se na poltrona predileta de Artur. Não tomou conhecimento dos olhares penetrantes de Rhodan e Atlan. — O diabo anda fazendo das suas na Crest. É um diabo muito traiçoeiro, um...

O brilho nos olhos de Rhodan mostrou ao rato-castor que ele estava forçando demais a paciência do Chefe. Perry Rhodan deu um passo amplo em sua direção.

— Levante-se quando estiver falando comigo, especialista da USO!

Gucky era um feixe de comodidade. Teleportou da poltrona e voltou a aparecer junto à porta. Encontrava-se a quatro metros dos dois homens. Mas o rato-castor não parecia assustado. E o fato de que Perry Rhodan lhe dera um tratamento tão solene não parecia abalá-lo nem um pouco.

— Está bem, Chefe, estou de pé, mas continuo a dizer que a Crest está cheia de fantasmas. Não precisa explodir de raiva se eu insisto no que acabo de dizer. Vim do depósito XXI. Antes estive no centro de artilharia e no arsenal. Nos lugares em que aparecia os homens adoeciam de repente. E como adoeciam! Cada um tinha uma doença diferente. Um deles sofria falta de ar, o outro queixava-se de eólicas no estômago, outro de eólicas renais e ainda outro teve ataques epilépticos. Eu era o único que gozava de boa saúde. Quando cheguei ao depósito XXI e assisti ao mesmo quadro, compreendi que a Crest está cheia de fantasmas...

— Só porque alguns homens adoeceram de repente? — interrompeu Rhodan.

O baixinho sacudiu a cabeça.

— Não é por isso, Perry. Não me atreveria a afirmar que qualquer doença repentina é obra de fantasmas. Permita que eu conclua. No centro de artilharia oito dos nove homens que estavam lá adoeceram de repente. Vejo o que está acontecendo e digo que vou alarmar o hospital, quando os oito ficam bons de repente. Naturalmente isso não me deixou preocupado, e não fiquei preocupado quando o mesmo espetáculo se repetiu no arsenal. Mas quando vi o que aconteceu no depósito XXI comecei a desconfiar. Mais uma vez vejo vários doentes perto de mim. Mais uma vez digo que vou alarmar o hospital, e mais uma vez todos ficam bons no mesmo instante. Você nem imagina o que senti...

O alto-falante do sistema de intercomunicação interrompeu a fala de Gucky.

— O médico-chefe Artur solicita a presença do Administrador Geral no hospital.

A mensagem foi repetida três vezes. Com um pequenino salto de teleportação Gucky colocou-se entre Rhodan e Atlan.

— Vou levá-los ao hospital.

Ninguém imaginava o que estava à sua espera por lá.

 

O Dr. Artur mal acabara de deitar, quando recebeu um chamado da sala de cirurgia na qual estava sendo operado o homem gravemente ferido na sala de conversores número três.

Artur saltou da cama, vestiu-se e saiu correndo.

Não havia ninguém para recebê-lo. Mas enquanto se dirigia à sala de cirurgia encontrou-se com três homens que trabalhavam nos laboratórios médicos. Passaram correndo com recipientes de vácuo nas mãos. O pavor estava estampado em seus rostos. Aqueles homens corriam como se quisessem escapar da morte.

Artur entrou na sala de desinfecção. O chuveiro ligou-se automaticamente. Foi ao seu armário, tirou as roupas esterilizadas, vestiu-as e ficou parado num quadrado vermelho, onde ficou envolto em radiações que destruiriam qualquer bactéria ou germe que ainda restasse em suas roupas ou no seu corpo. Ouviu o som fraco duma campainha e saiu do quadrado. Atrás da porta seguinte havia um robô que colocou uma máscara sobre sua cabeça. Outro robô que se encontrava atrás do primeiro enfiou um aparelho de apenas alguns centímetros de comprimento em seu bolso traseiro e enfiou os contatos de dois tubos que garantiam o suprimento de ar puro.

O médico-chefe Artur já estava em condições de entrar na sala de cirurgia.

Não notou nada de extraordinário no quadro com que se deparou. Havia um homem deitado na mesa de operações. Os médicos estavam em torno dele. Entre eles viam-se instrumentos cintilantes.

Ninguém virou a cabeça à sua entrada. O rádio instalado embaixo da máscara finíssima que cobria seu rosto emitiu um zumbido fraco.

— Tordim — disse uma voz.

Tratava-se dum medicamento ara de alta potencialidade, que costumava ser usado no tratamento de graves lesões internas.

Aproximou-se da ponta da mesa de operações. Só nesse instante percebeu que havia mais dois especialistas do laboratório médico. Os mesmos pareciam estar à espera de alguma coisa.

Artur viu um homem deitado na mesa de operações. A cavidade abdominal do mesmo estava aberta. Um pulsador tinha sido colocado no braço esquerdo. O pequeno aparelho que se encontrava logo ao lado servia para controlar a circulação. A pequenina máscara que cobria o nariz do acidentado cumpria quase uma dezena de funções. Quase todos os recursos utilizados eram produtos da ciência médica dos aras.

— Recipiente de vácuo — disse uma voz em seu rádio-capacete.

O Dr. Artur teve a impressão de que iria sofrer um colapso. O Dr. Helun, que chefiava a operação, tinha introduzido a micro-sonda e acionado a lixa circular. Depois ligou para o vácuo e dessa forma realizou uma coleta de material.

Um dos médicos-assistentes que se encontravam a seu lado segurava o recipiente de vácuo. Helun retirou a micro-sonda. Durante a operação surgiu um minúsculo campo protetor em torno da extremidade da sonda. Quando essa foi empurrada através do fecho do recipiente de vácuo, nenhum vírus, por menor que fosse, conseguiria aproximar-se do material colhido.

O recipiente de vácuo foi entregue ao homem que trabalhava nos laboratórios médicos. Este saiu andando no mesmo instante, saindo da sala de cirurgia.

— Pulsador, oito! — ouviu Artur. Para o acidentado essa cifra representava um perigo de vida gravíssimo. Mas Artur não compreendia. O pulsador assumia, assim que era ligado ao corpo de alguém, todas as funções vitais do mesmo. Substituía plenamente o coração, e também os rins. Controlava a secreção do pâncreas e o funcionamento de mais de oitenta glândulas. Em toda sua prática o médico-chefe nunca vira um pulsador indicar o valor 8.

Os médicos cuidavam do pulsador. Tinham ligado o controle manual e observavam o ferido.

Este parecia estar ameaçado de asfixia.

O Dr. Ralph Artur aproximou-se do pulsador. Os outros deram-lhe lugar. Ligou o alimentador geral para a potência máxima. O diagrama cardíaco deixou-o preocupado. Por acaso viu o controle dos nervos.

O sistema nervoso vasomotor sofrera uma perturbação na altura do vago. As funções pulmonares tinham sido paralisadas.

Artur agiu instintivamente.

O pulsador praticamente servia para tudo. Examinou o nervo vago. Do cérebro e através do foramen jugulare o nervo não apresentava nenhuma anomalia. Mas no ponto em que penetrava no tórax não apresentava mais nenhuma reação.

Até parecia que tinha sido secionado.

— A sonda-ponte! — pediu o médico-chefe. No seu íntimo fez uma reza. — Ajudem-me, oh céus, para que eu encontre logo o nervo.

O acidentado estava morrendo asfixiado. Alguém entregou a sonda-ponte a Artur.

— Perigo de desfecho fatal.

Artur não ouviu. Sua mão ficou tranqüila enquanto introduzia a sonda, que era equipada com um rastreador positrônico. Compensava automaticamente qualquer desvio até doze milímetros.

— Pulsador zero! — ouviu o médico-chefe em seu rádio-capacete. Teve a impressão de que um peso terrível tinha saído de cima dele. Atingira o nervo na primeira tentativa. Mas ninguém imaginava de que ele não desconfiava no valor zero. Observou o aparelho. E logo descobriu aquilo que temera.

O valor voltou a subir lenta, mas inexoravelmente. Atingiu a marca três. O homem deitado na mesa de operações, que ainda há pouco estivera respirando regularmente, voltou a sofrer de falta de ar.

O pulsador indicava quatro.

— Agora a perturbação está localizada no cérebro! — ouviu Artur.

Meu Deus, pensou o médico-chefe, não podemos abrir o crânio do ferido.

Preso à mesa pelos feixes de raios, o acidentado era incapaz de fazer qualquer movimento. Era horrível vê-lo lutar para aspirar o ar.

Artur retirou a sonda-ponte. Já não sabia o que fazer. O Dr. Helun chamou-o pelo rádio.

— Aqui há mais uma coisa, colega. Quer dar uma olhada?

Fez outra coleta de material com a micro-sonda e a lixa circular. Ralph Artur era incapaz de distinguir se o que estava vendo era incolor ou verde-pálido. Mas de uma coisa ele tinha certeza. Aquilo não deveria estar num corpo humano.

Helun colocou o material coletado na última garrafa de vácuo. O especialista dos laboratórios médicos saiu às pressas.

— Pulsador nove... não, agora está no zero!

Os médicos entreolharam-se com uma expressão nervosa. Depois olharam para o acidentado. A respiração do mesmo voltara a ser regular. A mortífera tonalidade azulada de sua pele desapareceu com uma rapidez incrível. Os médicos tiveram a impressão de que de repente aquele corpo estava recebendo de todos os lados o suprimento vital de oxigênio.

Artur voltou a olhar para a cavidade abdominal, que continuava aberta, no lugar em que Helun acabara de fazer uma coleta de material a substância incolor parecia movimentar-se. Cresceu, espalhando-se de forma quase imperceptível para todos os lados.

— Meu Deus, está aumentando! — exclamou o Dr. Artur em tom nervoso. Enxergava melhor que os outros. Recuou. A cavidade abdominal do homem que acabara de ser operado foi fechada. O médico-chefe ficou parado ao lado duma mesinha de instrumentos. Parecia estar sonhando.

Mas refletia tão intensamente como nunca antes.

O que fora aquilo que ele vira no interior da cavidade abdominal do acidentado? Por que o colega Helun mandara fazer tantas coletas de material? Qual era a causa dos inexplicáveis acessos de asfixia? Qual a origem da interrupção do nervo vago?

Chamou os laboratórios médicos pelo intercomunicador. Disse que queria falar com o chefe de seção.

— Colega Artur, a única coisa que podemos dizer no momento é que se trata duma espécie de esporos que ainda não conhecíamos, e que se reproduz com uma rapidez incrível.

— Esporos? — perguntou o Dr. Artur, apavorado.

— Infelizmente. Mas trata-se dum esporo menor que o menor vírus que conhecemos.

— Menor que...? — Artur não disse mais que isso.

Os laboratórios médicos confirmaram a informação.

O médico-chefe nem sequer lembrou de agradecer. Ligou o rádio que se encontrava da máscara fina que trazia no rosto na posição zero.

Esporos desconhecidos no corpo humano. No interior do corpo, mas ao que tudo indicava não no fluxo sangüíneo. Esporos menores que o menor dos vírus.

Acontece que ele mesmo vira esses esporos no interior da cavidade abdominal do acidentado. Os mesmos assumiam a forma duma massa viscosa incolor. Também notara que os mesmos se espalhavam muito depressa.

Tratava-se de esporos que se reproduziam com uma rapidez apavorante.

Sentiu uma compulsão irresistível de sair da sala de cirurgia e dirigir-se aos laboratórios médicos. Estava prestes a sair quando os laboratórios voltaram a chamar, dizendo que queriam falar com ele.

— Colega, nas salas em que trabalhamos existem bilhões de esporos isolados no ar!

— Bilhões? — perguntou Artur, apavorado.

— Bem, citei um número ao acaso. Se dissesse que são trilhões, também não estaria errado. Isso não muda nada no fato de que a Crest está contaminada. Só Deus sabe como isso vai terminar.

O Dr. Ralph Artur teve a impressão de que também sabia. Precisava informar o Chefe. Imediatamente.

 

Artur estremeceu levemente quando Perry Rhodan, Atlan e Gucky materializaram no camarote destinado ao médico-chefe.

Gucky logo se instalou confortavelmente numa poltrona. O Chefe e o arcônida acomodaram-se à sua direita e à sua esquerda. O Dr. Artur passava constantemente a mão pela calva, o que era sinal de que estava muito nervoso.

Foi diretamente ao assunto.

— Temos um esporo desconhecido a bordo. Talvez tenha sido introduzido na nave durante a visita ao planeta Quarta, talvez venha de outro mundo...

Não teve de falar muito. Rhodan sugeriu que procurassem os laboratórios médicos.

Por lá o ambiente estava muito tenso. A tensão não diminuiu nem mesmo quando os especialistas reconheceram as pessoas que os estavam visitando.

Shilling, chefe de seção do laboratório, levou os visitantes a uma sala de projeção.

— Fizemos uma ampliação de cinco milhões de vezes. Projeção, por favor.

Uma figura fina que nem uma teia de aranha apareceu na tela. Nem Rhodan nem Atlan imaginaram o que podia ser isso. Shilling disse:

— Não há dúvida de que se trata dum esporo pertencente a uma espécie que não conhecemos. E um ser unicelular e assexuado. A reprodução desta espécie também se verifica independentemente de qualquer processo de fecundação. Não é envolvido por membranas nem cistos. Dessa forma deveria ser muito menos resistente às influências externas. Infelizmente acontece justamente o contrário. Ainda não encontramos qualquer método praticável de destruir este esporo.

— O que quer dizer com isso? — interrompeu Rhodan.

— Nem o vácuo, nem as radiações espaciais, nem o calor até 300 graus afetam o esporo. Encontramo-nos diante do esporo permanente mais resistente que já foi descoberto. Continue com a projeção, por favor.

Seguiu-se um filme curto, que mostrava como se reproduziam os esporos com formato de fio de teia de aranha. Shilling voltou a apresentar sua exposição.

— A duração do processo de reprodução é de 11,76 segundos. Neste espaço de tempo cada esporo se transforma em 218.567 indivíduos da mesma espécie. Ainda estão unidos num fio, e mesmo em forma de corrente são bem menores que o menor dos vírus.

Lançou um olhar indagador para o Chefe, mas este manteve-se calado. Gucky já não estava confortavelmente instalado em sua poltrona. Olhava fixamente para a parede na qual tinha sido projetado o filme.

— Vou mostrar um teste com camundongos...

Um camundongo corria de um lado para o outro dentro dum recipiente cheio de ar, mas hermeticamente fechado. Shilling informou que o ar no interior do recipiente estava supersaturado de esporos. A ampliação foi ligada. Os pêlos do camundongo foram projetados num setor, assumindo o aspecto de lanças perigosas e bizarras.

Um esporo — ou será que eram milhões? — voou para o lugar. Atlan, Gucky e o Dr. Artur viram o esporo penetrar com a maior facilidade na pele do camundongo e desaparecer.

— Peço-lhes que prestem muita atenção! — gritou Shilling para os visitantes.

O esporo voltou a sair do corpo do camundongo.

— Em virtude da escassez de tempo não pudemos fazer muitas experiências. Mas parece que já temos certeza de uma coisa. O esporo é capaz de distinguir se penetrou num corpo humano ou em algum animal. Quando penetra no corpo dum animal, volta a sair dentro de cinco a seis segundos, enquanto não abandona mais o corpo humano. O próximo filme mostra uma experiência deste tipo.

— O quê? — exclamou Atlan. — O senhor arriscou uma experiência tão perigosa, Shilling?

— Senhor, — respondeu Shilling em tom deprimido. — Neste ponto não existe mais nenhum risco a bordo da Crest. A esta altura já estamos todos mais ou menos contaminados. Todos, sem exceção. Pouco antes de os senhores terem chegado aqui recebemos as análises do ar de oito conveses diferentes. Bilhões ou trilhões de fios de esporos, invisíveis ao olho humano, estão suspensos no ar em toda parte. Depois que descobrimos a ampliação que temos de usar para reconhecer um esporo isolado, tornou-se bem mais fácil detectar sua presença. Atenção! Vamos apresentar a experiência com um ser humano. O que os senhores não conseguirão identificar é um pequeno setor da entrada dum poro. O fio de esporos penetrará no dedo menor dum homem e nunca mais sairá do corpo em que se alojou...

Quando o filme científico chegou ao fim, um homem entrou correndo.

— Shilling — gritou. — Acho que estamos sendo pessimistas demais. O esporo é incapaz de penetrar na corrente circulatória do ser humano...

— Santo Deus! — gemeu Artur. — Até parece que isso é uma vantagem.

Todos olharam para ele. O tipo sempre mal-humorado viu-se obrigado a explicar a observação que acabara de fazer.

— Infelizmente aquilo que acabo de ver confirmou minhas suspeitas. Por enquanto não posso apresentar nenhuma prova científica concludente. Faço votos de que quando estiver em condições de fazê-lo ainda haja alguém a bordo da Crest que esteja em condições de interessar-se por isso.

— Na minha opinião este esporo, que penetra em todas as partes do corpo, com exceção da corrente circulatória, é um parasita mortal para o ser humano...

Atrevido como sempre, Gucky interrompeu o cientista:

— Não adianta querer meter-nos medo, Ralph! Por enquanto não me sinto tão doente assim. Se estes germes do diabo se reproduzem tão depressa, como se explica que ainda haja alguém vivo em Quarta?

Rhodan acenou quase imperceptivelmente com a cabeça. Atlan, que pretendia proibir que o baixinho falasse, parecia pensativo. A pergunta que Gucky acabara de fazer ao médico-chefe tinha sua razão de ser.

— De forma alguma podemos considerar provada a afirmação de que os esporos tenham vindo de Quarta — respondeu o Dr. Artur em tom violento. — Também podem ser originários do planeta Power. Além disso, não podemos excluir a possibilidade de que este esporo tenha demorado alguns dias ou semanas até que alguma coisa o estimulou a iniciar seu processo de reprodução.

Gucky nem pensava em ficar quieto. Deu vazão a desconfiança que sentia.

— Hum! Quero que esta coisa unicelular e diabólica...

No mesmo instante começou a revirar-se na poltrona, soltando gritos de aflição.

— Estou queimando! — lamentou-se. — Estou queimando por dentro...!

Revirou os olhos. Estava com o queixo caído. Os bracinhos pareciam paralisados. Seu corpo executava movimentos convulsivos. As pernas executavam movimentos iguais aos dum epiléptico cujo ataque chegou ao auge.

O médico-chefe não sabia o que fazer.

— Estes sintomas... estes sintomas tão variáveis... Não consigo compreender!...

Rhodan e Atlan fitavam o baixinho com uma expressão preocupada. O mesmo já parara de gritar. Continuava a revirar os olhos. Os movimentos convulsos de seu corpo tinham diminuído e a movimentação das pernas era menos intensa.

O Dr. Artur esperava que o rato-castor tivesse um ataque de asfixia. Acontece que os olhos da pequena criatura voltaram à posição normal. Gucky levantou a cabeça, movimentou os braços, passou as mãos pelos olhos e disse no tom de alguém que perdeu a coragem por causa dum grande susto.

— Nunca mais direi que estes esporos são coisas do diabo! Nunca mais! Nunca...

Será que o cérebro de Gucky tinha sofrido alguma lesão? Poderiam as dores ter sido tão fortes que afetaram parte do cérebro?

— Não olhem para mim desse jeito! — piou.

Via-se que já recuperara um pouco de seu atrevimento. — Quando resolvi em pensamento que nunca mais chamaria os esporos de coisas do diabo, fiquei bom no mesmo instante! Quer que eu lhe diga uma coisa, Perry? Estes esporos são capazes de pensar!

— Está doido... — observou o arcônida.

Mas o Dr. Artur parecia concordar com Gucky.

— Poderia contar exatamente como foi, baixinho?

— Com as dores que eu senti, curandeiro? Tive a impressão de que estava queimando por dentro. Mas o pior foi a risada selvagem que ouvi. De repente... bem, será que realmente enlouqueci por um instante? Tive a impressão de que além da risada havia uma voz que dizia: — Enquanto disser que eu sou uma coisa do diabo, você sentirá estas dores.

— Perry, você deve imaginar que tive muita pressa em prometer ao drung que nunca mais faria uma coisa dessas?

Havia uma expressão de dúvida nos olhos de Rhodan. No arcônida a mesma era ainda mais pronunciada. Shilling sacudiu a cabeça num gesto de incredulidade. Mais uma vez o médico-chefe foi uma exceção.

— Quer dizer que quando você formulou a promessa em pensamento, as dores foram embora?

— Parecia que tinham sido carregadas pelo vento, Ralph. Agora que tudo passou eu mesmo quase não consigo acreditar no meu caso. Mas o que adianta? O drung cumpriu sua palavra...

— Quem é o tal do drung? — perguntou o arcônida.

— São estes esporos que penetram em tudo. Ralph, por que está olhando desse jeito para mim? Contei uma história maluca, mas não estou louco.

— Gucky, você é sadio como sempre. A história que você contou nunca foi maluca ou inacreditável. Como foi que falou a voz dentro de você? Foi uma forma de comunicação telepática?

Gucky estava perplexo. Não conseguia compreender que o médico-chefe acreditasse em sua história.

— Então? — insistiu o médico.

— Não foi nenhuma comunicação telepática, pois nesse caso eu teria ouvido a mensagem de forma diferente. Mas... oh — Droga!... Não, não vou dizer. É uma loucura! — Gucky parecia embaraçado. — Não vou dizer, senão acabam acreditando que enlouqueci mesmo.

De repente a expressão de contrariedade desapareceu do rosto de Ralph Artur. Colocou a mão no ombro de Gucky. Falou com ele como se fala com uma pessoa quando se quer conquistar a confiança da mesma.

— Baixinho, eu lhe prometo que ninguém vai pensar que você é um doente mental seja o que for que você tem para nos contar. Pergunte ao lorde-almirante se não manifestei a opinião de que o drung talvez é capaz de ouvir. Então? Você acredita que eu sofro das faculdades mentais?

Gucky exibiu o dente roedor solitário. A pequena criatura voltou a rir.

— Está bem — disse em tom petulante. — Se você se arriscou, eu vou fazer o mesmo.

— Se as dores que sofri não provocaram uma alucinação, o drung usou meu pensamento para comunicar-se comigo.

— E você entendeu a coisa, e a coisa entendeu seus pensamentos, Gucky?

— Certamente. No momento em que fiz a promessa não senti mais dores. Você realmente acredita em mim, doutor?

O sim do Dr. Artur foi terminante. Shilling pôs as mãos na cabeça.

— O que é isso que nós temos a bordo?

— É alguma coisa que pode manter todo mundo sob controle, a não ser que as informações fornecidas por Gucky não sejam corretas — disse Rhodan em tom deprimido. — Deveríamos ter o cuidado de preparar-nos para isso.

O Dr. Helun entrou na sala de projeção.

— Operação concluída com sucesso — disse, dirigindo-se ao chefe. Este perguntou: — Em que pontos da cavidade abdominal do acidentado constatou a presença daquela estranha massa viscosa, colega?

— Em toda parte, menos no sangue. Mandei verificar. Pelo que pude apurar, a massa viscosa é inoperável. O que descobri na cavidade abdominal levou-me a concluir que todo o corpo do acidentado foi atacado por esses parasitas...

O Dr. Helun caiu ao chão. Até parecia que alguém tinha puxado suas pernas. Atlan levantou-o, mas Helun não conseguiu manter-se de pé.

— Minhas pernas... — gaguejou. — O que houve com minhas pernas? Não as sinto mais!

— Helun — piou Gucky, nervoso. — Prometa ao drung que nunca mais o chamará de parasita. Faça o que estou dizendo! Rápido! Só assim será novamente capaz de ficar de pé.

Por mais grotesca que pudesse parecer a sugestão do rato-castor, ninguém riu da mesma. Até mesmo o arcônida, que continuava desconfiado, estava curioso para ver o que aconteceria em seguida.

De um instante para outro o Dr. Helun conseguiu manter-se novamente de pé.

Prometera em pensamento que nunca mais chamaria o drung de parasita.

O rosto de Perry Rhodan parecia uma máscara. Compreendeu que não mandava mais em sua nave-capitânia.

O drung acabara de assumir a Crest II.

 

A coisa deu uma demonstração de seu poder.

O drung impediu qualquer atividade que se relacionasse com ele. Fazia com que as pessoas caíssem ao chão, inconscientes. Não teve dúvidas em fazer uma demonstração de seu poder para Perry Rhodan e Atlan. Rhodan acordou no meio da noite e ouviu a respiração estertorante da esposa, que lutava desesperadamente com a falta de ar.

O drung não poupava ninguém, nem mesmo Gucky, que cumpriu sua promessa.

Rhodan ainda tinha uma tênue esperança. Era Icho Tolot. Mas o halutense estava contaminado, da mesma forma que os outros ocupantes da Crest II.

A nave fragmentária dos posbis foi informada sobre as condições catastróficas que reinavam a bordo da nave-capitânia. O drung não impediu a transmissão da respectiva mensagem. A resposta da Box 8323 foi decepcionante. Para os posbis um esporo do tipo descrito era uma coisa desconhecida.

Os laboratórios médicos estavam abandonados. Nem mesmo o servente mais humilde atrevia-se a entrar nos mesmos. O drung usava implacavelmente o poder de que dispunha e fazia desmaiar qualquer pessoa.

Fazia três dias que a Crest II se deslocava em queda livre em torno do sistema Gêmeos. O parasita não permitia que o comandante Cart Rudo colocasse a nave numa rota diferente. O gigantesco epsalense já desmaiara quatro vezes no assento do piloto.

A tripulação, que mesmo nas operações mais perigosas nunca perdera a calma e o sangue frio, foi caindo num estado de letargia. Rhodan não podia fazer nada para impedir que isso acontecesse.

Quem mandava na Crest II era e continuava a ser o drung.

Nos últimos três dias a reprodução dos parasitas devia ter progredido a uma taxa inacreditável. Todos tinham aumentado de peso. Onde esse aumento chamava mais a atenção era no halutense. Fazia quatro dias que o mesmo não introduzira nenhum alimento em seu estômago conversor, mas assim mesmo tinha aumentado 48 quilos.

— O que será feito de nós? — perguntou Mory ao marido assim que o arcônida os deixou a sós.

— Não sei, querida — respondeu Rhodan em tom indeciso. — Só sei que entramos sem desconfiar de nada numa das muitas armadilhas que o sistema de Gêmeos mantém preparadas para qualquer intruso.

Havia uma expressão triste nos olhos verdes de Mory. Sua voz perdera o timbre agradável. Parecia uma cana rachada.

— Se o drung realmente é inteligente, Perry, não compreendo por que impede qualquer mudança de rota da nave. Há algo de irracional em seu procedimento. Ao condenar-nos a circular para todo o sempre em torno do sistema, ele mesmo se transforma num prisioneiro da Crest. A coisa pode penetrar no nosso organismo, mas não consegue varar o revestimento de terconite de nossa nave. Você acredita que existe uma criatura inteligente capaz de condenar-se à morte?

— O que quer dizer mesmo com isso, Mory?

De repente os olhos verdes de Mory voltaram a brilhar. Afastou do rosto o lindo cabelo ruivo.

— Há horas vivo me perguntando por que ninguém tenta comunicar-se com o drung. Afinal, a coisa já provou que consegue comunicar-se conosco.

Rhodan recostou-se na poltrona e olhou para a esposa. Seu rosto não mostrava o que estava pensando.

Não havia nenhuma possibilidade de entrar em contacto com o drung. Não reagia às mensagens mentais. Só de vez em quando falava com uma pessoa através dos processos mentais da mesma.

Mas seria justo tirar da esposa a última esperança que lhe restava?

Não poderia enganar Mory ou esconder alguma coisa da mesma.

— Então não é possível — disse Mory. Enfiou a mão na blusa e puxou o ativador celular pela corrente indestrutível. — Isto também não adianta. Não reage ao drung. Provavelmente o ativador nem registrou a presença desse ser. Por favor, querido, não me contradiga. Você não me impedirá de fazer aquilo que acho justo. O ativador celular regenera nossas células. Foi adaptado ao nosso organismo, mas não está ajustado para os esporos, que são seres unicelulares menores que qualquer vírus.

 

A boca larga e fina do halutense contorceu-se num riso mudo. Fitou o arcônida, que acabara de perguntar-lhe se sua sede de aventuras já fora satisfeita.

— Um incidente como este não é capaz de afetar o espírito aventureiro dum halutense. Atlan, quando voltar a Halut, serei um dos poucos que pode contar uma novidade. A experiência que estamos fazendo com o drung é uma aventura que bem vale alguns perigos.

O arcônida não pensava da mesma forma. Não compreendia que Icho Tolot ainda esperasse rever seu planeta de origem.

— Respeito seu otimismo, Icho Tolot, mas não participo dele.

O halutense deu uma estrondosa gargalhada.

— Atlan, o senhor se esqueceu de que nos deleitamos com a expansão dos humanos pelo espaço cósmico. Quanta coisa não conseguiram os terranos! Cada derrota não os tornou mais fortes, inteligentes, tranqüilos e hábeis? O senhor se esqueceu de que a Terra já foi atacada por um monstro de plasma, e que naquela época a situação do planeta de origem era tão desesperadora como a que estamos enfrentando? Eu...

De repente o homem gigantesco de pele negra contorceu-se em dores. O drung ouvira o que acabara de dizer e fazia questão de dar uma prova do poder que tinha sobre ele. As dores que fustigavam o corpo de Icho Tolot eram mais furiosas que nunca. A boca do halutense abriu-se num grito, mas Tolot fez um esforço tremendo e conseguiu reprimir o mesmo.

Tolot ergueu-se acima de si mesmo. O sistema celular do halutense estava submetido à sua vontade. Num instante o mesmo modificou a estrutura molecular e atômica de seu organismo. Imediatamente o halutense transformou-se num bloco mais duro que o aço terconite, cujas juntas só executavam alguns movimentos ligeiros. Seus sentidos funcionavam com a mesma precisão de sempre. Não ficou nem um pouco espantado ao notar que não sentia mais dores. Mas teve uma sensação diferente, totalmente inesperada. O estado cristalino criado no interior de seu corpo causava dores aos parasitas alojados em seu interior, dores estas que seriam mortais se durassem mais algum tempo.

Quando Icho Tolot já acreditava ter encontrado um meio de alcançar algum poder sobre o drung, o arcônida que se encontrava a seu lado caiu ao chão e revirou o corpo, gemendo de dor.

Nesta altura dos acontecimentos o monstro de esporos mostrou as qualidades que ainda possuía.

O drung que se encontrava dentro de Atlan e dos oficiais que estavam de serviço na sala de comando devia ter percebido que destino aguardava os esporos que se encontravam no interior do halutense. Certamente era uma forma de inteligência ou algum instinto primitivo que fazia com que os parasitas alojados nos outros corpos provocassem sofrimentos tão cruéis nos mesmos.

Mais uma vez Icho Tolot ouviu a voz dentro de si.

— Se continuar a me maltratar, farei berrar de dor as duas mil pessoas que se encontram nesta nave.

Perto de vinte homens rebolavam no chão, gritando. Tolot deparou-se com um espetáculo apavorante.

Apesar da estrutura cristalina de seu organismo, era capaz de mover ligeiramente a cabeça semi-esférica. Para onde quer que olhasse, via homens jogados no chão.

— Não me maltrate mais, senão mostrarei como posso maltratar — ameaçou a voz dentro dele.

Contra sua vontade restituiu sua forma primitiva ao sistema celular do corpo. Esperava que com a mudança as dores voltassem. Mas não foi assim. No mesmo instante os homens que se encontravam na sala de comando pararam de gemer. Iam se erguendo, banhados em suor e tremendo por todo o corpo. Atlan teve de segurar-se para ficar de pé.

— O que foi isso? — perguntou com um gemido.

Icho Tolot não sabia se deveria dizer a verdade.

— Fique quieto, senão cumpro minha ameaça — ouviu.

Tolot usou um estratagema.

— Não compreendi nada. As dores eram insuportáveis...

Os oficiais que se encontravam na sala de comando tiveram o mesmo destino de Atlan. Seguravam-se em qualquer coisa em que conseguiam pôr as mãos, trêmulas, ofegantes, exaustos.

— Foi pior que das outras vezes...! Foi um verdadeiro inferno...! Foi horrível...!

Foram mais ou menos estas as observações dos homens. Ninguém praguejou contra o monstro em forma de teia de aranha que havia em seu corpo. Todos se esforçaram para não entreter esse tipo de pensamento. Afinal, sabia-se qual seria a reação do parasita de esporos.

Icho Tolot não era nenhuma exceção. Reprimiu à força qualquer sensação de triunfo que pudesse aflorar em sua mente. Não devia refletir sobre o fato de ter encontrado um meio de liberar-se do parasita por meio duma alteração de sua estrutura orgânica. Também não devia refletir sobre a forma pela qual poderia usar esse meio para ajudar os tripulantes da Crest II.

O conglomerado de esporos lia todos os seus pensamentos.

— Pois então você já sabe que não pode enganar-me — disse a voz que ele começava a odiar.

Deu livre curso a este ódio. A reação da formação de esporos foi imediata. As dores surgiram em todas as partes do corpo ao mesmo tempo. O halutense reconheceu prontamente que estava sendo maltratado novamente por esse ser estranho. Reprimiu o ódio, mas teve de fazer um esforço tremendo para evitar que o sentimento voltasse quando a voz debochou dele:

— Como você é inteligente!

— Você também é inteligente, drung? — perguntou Tolot para distrair-se.

— Sou, sim, Tolot. Até recuperei a memória. Minha massa em seu corpo é extremamente grande. E minha inteligência é proporcional à mesma.

— Terei isso sempre em mente — pensou o halutense.

O drung não respondeu mais. Halut quis ver como estava o arcônida, mas o mesmo já tinha saído. Tolot também saiu para ir ao seu camarote. No caminho deu-se conta de que de forma alguma se sentia deprimido ou desanimado. A aventura que estava tendo com o drung era uma coisa fora do comum. Nenhum indivíduo de seu povo seria capaz de contar algo semelhante. Isso não valia uma experiência perigosa?

— Você quer ser tão inteligente Tolot, mas é tão bobo! — escarneceu a voz do drung.

No momento o halutense não tinha nada a objetar ao que o drung acabara de dizer, mas nem chegou a pensar que às vezes é um sinal de inteligência fazer o inimigo acreditar que a gente é bobo.

Paralisou as funções mentais do cérebro comum e passou a trabalhar unicamente com o cérebro programador. Este fez seus cálculos.

O parasita não fez nenhum comentário.

Em meio aos grupos de algarismos Icho Tolot passou a entreter seu sentimento de triunfo. Acabara de fazer mais uma descoberta, e esta era muito importante. Nos grupos de algarismos que representavam seus pensamentos o drung não via outra coisa senão grupos de algarismos.

01 110 111 111 100 00 00010 0101 10001.

Tratava-se de resultados finais, fornecidos por seu cérebro programador. Traduzidos em pensamentos, estes grupos de algarismos significavam: O drung não é muito inteligente.

Quando Tolot entrou no camarote, o mesmo continuava calado.

Fazia muito tempo que Icho Tolot não se sentia tão satisfeito como naquele momento.

 

O ambiente a bordo da Crest II tornava-se mais tenso a cada hora que passava. Os primeiros casos de insubordinação chegaram ao conhecimento do coronel Cart Rudo.

O epsalense nem pensava em punir os homens. Mas preferiu falar com o Chefe antes de concretizar seu plano sob a forma duma ordem transmitida à tripulação.

Foi encontrar Rhodan no camarote de Atlan. Os homens fitaram-no com uma expressão sombria, enquanto atendia ao gesto de Rhodan, que o convidara a sentar numa das poltronas.

— Senhor — disse o epsalense, esforçando-se para falar baixo. Mas mesmo assim sua voz era bastante forte. — A disciplina a bordo está desaparecendo. Alguns homens já se fizeram culpados de atos de insubordinação. Não pretendo puni-los, mas tenho a impressão de manter a tripulação bem ocupada. O senhor concorda com meu plano?

— Rudo, pergunte também ao drung — observou o arcônida em tom sarcástico.

Mas o drung ficou em silêncio.

— Mantenha os homens ocupados, Rudo — disse Rhodan. — Instrua os cientistas a reiniciarem seus trabalhos.

— Já estão cuidando de seu trabalho, com exceção da equipe dos laboratórios médicos — informou o epsalense. — Desde hoje de manhã, tempo padrão, os físicos e os matemáticos são que nem cão e gato. Cada grupo diz que tem razão e afirma que os outros são uns incompetentes.

— Numa situação desesperada sempre é bom distrair-se com o trabalho. O que estão fazendo os oficiais?

O coronel fitou seu chefe com uma expressão pensativa.

— O que poderiam estar fazendo? Esforçam-se para não deixar perceber o que se passa dentro deles. Fazem de conta que está tudo bem com a Crest. Estou curioso para ver quanto tempo eles agüentarão isso. Até mesmo o halutense vem se distraindo com todo tipo de ocupação possível e impossível.

— O que quer dizer com isso, Rudo? — perguntou o arcônida.

A porta abriu-se atrás deles e Mory Rhodan-Abro entrou no camarote particular de Rhodan. O coronel Rudo quis levantar-se para cumprimentá-la, mas Mory fez um gesto para que continuasse sentado.

— Por favor, coronel, continue sentado e não deixe que minha presença o perturbe. Só vim para ouvir as novidades que talvez possam distrair-me um pouco.

— O coronel acaba de falar de distrações, Mory — disse Rhodan. — Nosso halutense também já chegou a este ponto. O senhor não queria dizer o que ele anda fazendo, Rudo?

— Anda pelos setores de máquinas da Crest. Fica examinando uma peça atrás da outra. Nossa equipe técnica até já provocou observações desairosas de sua parte. Chegou a dizer que somos subdesenvolvidos.

— Que diga! — resmungou Atlan. — Pouco importa o que ele acha.

Atlan deixara perceber claramente que estava muito deprimido.

Mory aproximou-se dele e colocou a mão sobre seu ombro.

— Procure lembrar-se da sopa quente, Atlan — disse.

Atlan levantou os olhos e sorriu.

— Muito obrigado, Mory. A senhora acaba de reanimar-se... com uma sopa quente que a gente deixa esfriar. E assim por diante...

Três homens e uma mulher estremeceram visivelmente. Fitaram-se uns aos outros com os olhos muito arregalados. O drung estava rindo no interior de cada um deles. Era uma risada que martirizava os seres humanos. Atlan tapou os ouvidos, mas nem por isso o riso parou.

De repente o mesmo terminou tão repentinamente como tinha começado.

Atlan levantou-se.

— Vou dar um passeio pela nave. Se precisarem de mim, estarei na seção de máquinas. E possível que os estudos do halutense possam distrair meus pensamentos. Também é possível que eu lhe diga francamente o que penso dele. Pode guardar para si os comentários desfavoráveis sobre o estado de nossa tecnologia.

Saiu pisando fortemente. O coronel Rudo esperava que o chefe comentasse a descarga emocional do arcônida, mas viu-se decepcionado.

— Mais alguma coisa, Rudo? — limitou-se a perguntar Rhodan.

Rudo sacudiu a cabeça, levantou-se e também saiu.

— A situação ainda é a mesma? — perguntou Mory em tom calmo quando se viram sós.

— Tudo na mesma, querida.

Naquele momento Rhodan nem desconfiava de que a situação começava a desembocar numa crise.

 

Para o grupo de trabalho de Holfing a equipe do Dr. Hong Kao era formada por incompetentes. Os matemáticos usavam a mesma expressão sempre que aludiam aos físicos. No entanto, Spencer Holfing e Hong Kao eram obrigados a falar um com o outro.

A discussão, que de algumas horas para cá vinha assumindo formas mais ásperas, tinha sua origem no fato de que cada equipe defendia uma opinião diferente sobre o planeta Quinta.

O Dr. Holfing acreditava que a tão procurada estação de ajustamento do transmissor solar de Gêmeos muito provavelmente podia ser encontrada em Quinta. O matemático Kao entrou em contacto com ele, pediu os dados colhidos pelos físicos e passou a estudá-los. Durante o estudo Holfing observara atentamente o colega formado por outra faculdade, mas Kao não deixou a perceber o que pensava sobre o resultado das interpretações. Só depois que empurrou para longe o último cálculo, houve uma modificação nos traços de seu rosto.

— Holfing, o truque que o senhor e seus homens usaram nos seus trabalhos não é nada mau. Acontece que as leis da matemática não admitem truques. Em minha opinião a interpretação do senhor não vale coisa alguma.

Spencer Holfing não seria capaz de aceitar esta última observação sem apresentar uma contradita.

Bateu com o punho fechado na mesa. Disse que não admitia que o trabalho de seus colaboradores fosse apreciado de forma tão depreciativa. E num acesso de cólera disse que seu colega Kao juntamente com a equipe de matemáticos eram os incompetentes.

— Sabemos perfeitamente que nossos resultados não são cem por cento certos — continuou a berrar. — O senhor e suas raposas dos números já ouviram falar no campo gravitacional de intensidade extraordinária encontrado no sistema de Gêmeos? Este monstro dum sistema gravitacional dá origem a desvios que não podem ser eliminados, por melhores que sejam os aparelhos utilizados. Por três vezes tivemos que apurar valores avaliativos com base no cálculo de probabilidade. Como se atreve a dizer que isto é um truque? Isso é uma desfaçatez, Kao!

— Seu trabalho chega às raias do charlatanismo, Holfing — afirmou o matemático com a maior calma.

A tranqüilidade de seu interlocutor deixou Holfing ainda mais furioso. De repente ficou remexendo os papéis.

— Aqui está! — esbravejou Holfing. — Está vendo este diagrama de radiações? É capaz de ler uma coisa destas? Compreende que tanto o diagrama de radiações como os resultados dum rastreamento podem estar errados? Errados em virtude do desvio provocado por condições gravitacionais bastante anormais? Veja... aqui estão os dados resultantes das avaliações. O que acontece se fazemos nossos cálculos com base nestes dados? Veja, meu caro. Aqui. As instalações de ajustamento só podem ficar em Quinta. Não acredita que eu tenha razão?

— A matemática não conhece exceções...

— Mas conhece tipos incompetentes! — berrou Spencer Holfing.

Foi assim que as duas equipes começaram a brigar para valer.

O matemático chefe, que geralmente era um homem tão controlado, ficou zangado porque Spencer Holfing literalmente o pusera para fora. De tão nervoso que estava, Kao contou a seus colaboradores coisas que normalmente não lhes teria revelado.

— Incompetentes são os físicos! — afirmaram os especialistas da outra faculdade, e outras indelicadezas foram trocadas pelo intercomunicador.

Fazia várias horas que Hong Kao estava trancado em seu gabinete. O método usado por Holfing, que calculava valores avaliativos com base no cálculo de probabilidades, não lhe saía da cabeça. Sabia perfeitamente que em termos matemáticos o problema de encontrar a estação de ajustamento em um dos planetas do sistema Gêmeos não tinha solução. Entrou em contacto com a divisão astrofísica, a fim de obter os dados apurados pelos físicos.

— Sinto muito — respondeu alguém. — Não podemos fazer nada pelos senhores. Toda a equipe astrofísica foi requisitada hoje de manhã para prestar ajuda nos trabalhos do Doutor Holfing. Os cientistas encontram-se na divisão física.

Enquanto Kao ainda estava refletindo sobre o que deveria fazer, Holfing lhe pediu pelo sistema de intercomunicação de bordo que cedesse três ou quatro feridos para ajudá-lo em seus trabalhos.

— Quais são as pessoas que o senhor quer, Holfing? — perguntou Kao em tom calmo.

— Naturalmente os melhores.

O matemático chefe viu na tela o brilho nervoso que surgiu nos olhos de Holfing.

— Vou mandar-lhe os melhores elementos de que disponho. Permite que eu pergunte para que precisa deles?

— Perguntar pode — respondeu Holfing em tom exaltado. — Quero provar-lhe por intermédio de seus especialistas que não somos incompetentes nem usamos truques.

Um sorriso insondável apareceu nos lábios de Hong Kao.

— É uma pena que nossa desavença científica vai terminar tão depressa — disse. — Permita mais uma pergunta, Holfing. Nestas últimas horas o senhor chegou a pensar alguma vez no drung?

Holfing empertigou-se de repente.

— Santo Deus, não!

— Não acha que já está na hora de voltarmos a brigar para valer?

— Concordo. Mas o senhor teria de provocar a briga.

— Não será nada fácil, Holfing. Infelizmente não tenho seu gênio. Mas vou pensar no assunto. Enviarei imediatamente os homens que o senhor acaba de solicitar.

Quando a ligação foi interrompida, o matemático chefe recostou-se na poltrona.

— E uma pena — disse. — Às vezes uma briga até pode fazer bem.

Depois disso deu ordem para que quatro dos seus melhores matemáticos fossem para onde estava Spencer Holfing.

 

Shilling, chefe dos laboratórios médicos, arranjou uma sensação. Assumira o risco de entrar nos laboratórios. Esperara ser atacado pelas dores a qualquer momento.

Mas não acontecera nada do que ele esperara.

Depois disso pediu aos seus dois assistentes que também comparecessem ao laboratório. Os mesmos atenderam a contragosto. O parasita também os deixou à vontade, sem demonstrar o poder de que dispunha.

Dali a meia hora os laboratoristas reiniciaram seu trabalho. Só então Shilling informou o Chefe.

— O drung não nos impede de prosseguir nas investigações a seu respeito... — Foi esta a notícia sensacional oferecida por Shilling.

Nem Perry Rhodan, nem Mory, Atlan ou Icho Tolot mostraram-se satisfeitos. O halutense disse o que todos pensavam.

— O drung sente-se absolutamente seguro. Sabe que a qualquer momento pode obrigar-nos a fazer exatamente aquilo que desejar.

Rhodan confirmou com um gesto.

— Nas últimas horas também estou desconfiando de que é assim. Desde o meio-dia não temos notícia de que alguém tenha adoecido. Mas não consigo descobrir as intenções do drung...

— Por que não me pergunta, Rhodan? — disse a voz.

Os outros também ouviram a risada estrondosa, pois todos se encolheram. Atlan tapou os ouvidos. O halutense ficou parado ao lado de Mory Rhodan-Abro, numa estranha posição de espreita. Mory olhou para seu marido. Parecia um pouco assustada.

— Por que olham tão desconfiados? Por que Tolot se prepara para dar o salto? Será que ainda não compreenderam que sou imune a ataques e imortal?

— Pelos deuses de Árcon, o drung enxerga através dos nossos olhos — disse Atlan, apavorado.

O drung respondeu no mesmo instante.

— Eu os vejo, ouço e sinto, da mesma forma que leio seus pensamentos.

O cérebro programador de Icho Tolot pôs-se a pensar:

100 11 010 101 1101 111 01 10...

Seu cérebro comum absorveu a mensagem:

— Tenho de impor-lhes minha vontade e obrigarei todos a me obedecerem. Como posso submeter todos à minha vontade, você não terá alternativa senão ceder aos meus desejos. Você não me confundirá com esses números. Nem pense em maltratar-me de novo. Nem pense!

O cérebro programador de Tolot pensou:

110 1000 010...

Aguardar!

Enquanto isso Rhodan permaneceu em contato com o parasita. O drung permitiu que Atlan também intervisse na conversa. Durante a conversa ficou perfeitamente claro que os esporos não possuíam paracapacidades.

Mas o simples fato de que o parasita lia todos os pensamentos do corpo em que estava alojado não eliminava todas as esperanças?

Com uma risada de deboche confessou que as conversas entre os tripulantes o mantinham informado sobre tudo que se passava na nave.

— Sou um, mesmo que esteja dividido em duas mil partes. Só tenho uma vontade e um objetivo. E impus minha vontade a vocês, a fim de atingir meu objetivo.

O drung não teve dúvida em confessar que vinha do planeta Quarta, onde tinha sido largado tal qual os outros banidos.

Atlan não confiou nesta informação.

— Por que não entrou, por exemplo, no corpo do trio vermelho ou dos batedores errantes?

— Isso adiantaria alguma coisa, Atlan? Os batedores errantes e todos os seres que viviam em Quarta eram indivíduos deportados que nem eu. Não estavam em condições de sair deste mundo, da mesma forma que eu não estava. Mas quando vocês chegaram vi nisso minha grande chance. Entrei na nave com vocês. E com vocês pretendo voltar ao meu mundo, do qual fui expulso pelos senhores das ilhas.

— Pelos senhores das ilhas? — perguntou Rhodan em tom desconfiado.

Os parasitas alojados nos corpos de Icho Tolot e Mory também informaram estes. Ficaram sabendo que os mestres das ilhas haviam levado o drung para Quarta há milhares de anos, depois que tinham destruído quantidades enormes de esporos no mundo de origem do parasita.

— Quem são mesmo os senhores das ilhas? — perguntou Rhodan.

— E quem são vocês, que não os conhecem? — perguntou o drung.

Ao mesmo tempo lia os pensamentos dos humanos. Quando Rhodan comunicou suas suspeitas ao arcônida, não formulou nenhuma objeção. Em sua opinião os seres aos quais o drung dera um nome tão estranho não eram outros senão os construtores do transmissor solar.

Mas será que esses seres ainda viviam? Não fazia alguns milênios que o drung tinha sido banido para Quarta? A espécie não poderia ter sido extinta nesse tempo?

Perguntado sobre isso, o drung não soube responder. Tinha-se a impressão de que estava dizendo a verdade ao declarar que não sabia nada a este respeito.

— Mas você deve saber se nos últimos meses ou anos outros deportados foram colocados em Quarta — insistiu Rhodan.

Ouviu-se uma risada repugnante, que provocou calafrios em Mory.

— Como poderia adquirir esse tipo de conhecimento? Enquanto me encontrava em Quarta, eu era muito pouco. Só nesta nave, no interior de vocês, passei a ser muito. E ficando muito torno-me inteligente. Recuperei a memória, mas não sei nada sobre o tempo durante o qual fiquei banido. O que vem a ser mesmo o tempo?

Perry Rhodan viu frustrada mais uma esperança de descobrir alguma coisa sobre os construtores da gigantesca estação de transmissor. Mas a memória do drung o informou de que no espaço intergaláctico havia muitas estações intermediárias. Mas nenhuma delas podia comparar-se ao sistema de Gêmeos. Cada uma era diferente das outras e apresentava dispositivos de segurança diversos.

— Será que vocês já descobriram que o grande perigo para os intrusos indesejáveis que entrassem no sistema não eram os batedores erráticos nem o trio vermelho, mas eu?

Atlan pensou na possibilidade da existência de esporos capazes de atravessar o abismo do espaço e do tempo, impelidos exclusivamente pela pressão da luz?

O drung perguntou num tom que quase chegava a ser de deboche:

— Você se esqueceu das condições gravitacionais extremamente anômalas que surgiram em virtude dos dois sóis do sistema?

O halutense não participou da estranha palestra. Só pensava em algarismos e sentiu-se tranqüilizado porque o parasita não via nada de anormal em seu pensamento numérico.

Os conhecimentos que possuía sobre esporos unicelulares eram muito extensos, se bem que não incluíssem nada sobre os esporos cujo grau de inteligência aumentava à medida que crescia sua massa. Além disso, em toda a longa história de sua raça nunca aparecera um ser unicelular capaz de ligar-se por meio dum contacto direto ao sistema nervoso central duma inteligência.

O halutense não atribuía grande importância a estes dois pontos, que haviam levado os humanos a uma situação catastrófica. Havia outra coisa que o deixava mais preocupado.

O cérebro comum e o cérebro programador eram órgãos distintos. Funcionavam independentemente. Cada um possuía seu setor de memória, mas no setor de memória do cérebro programador não havia nada sobre seres unicelulares assexuados. O conhecimento sobre estes seres estava encerrado no cérebro comum. E Tolot não poderia recorrer ao mesmo sem chamar a atenção do drung sobre aquilo que ele pretendia fazer.

Embora isso o deixasse preocupado, Icho Tolot sentia-se muito bem. A luta praticamente sem chances que estava sendo travada com o monstro era uma aventura bem ao seu gosto.

Pela terceira vez Rhodan fitou o halutense com uma expressão indagadora, mas o gigante não mostrou a menor reação. Não desligou o cérebro programador nem mesmo quando o drung falou no planeta Quinta e manifestou a opinião de que lá poderia estar o dispositivo de ajustamento do transmissor de Gêmeos.

Neste ponto Rhodan e Atlan compreenderam por que o parasita se tinha apoderado de toda a tripulação da Crest II. O parasita queria regressar à sua galáxia de origem, usando a nave e sua tripulação, além do transmissor solar do sistema de Gêmeos.

— Vejo que não preciso contar mais — escarneceu o drung no interior de Rhodan. — Dentro em breve darei ordem para irmos a Quinta e procurarmos o dispositivo de ajustamento.

Rhodan não se esquecera da luta que tinha travado com as mininaves. Com um ligeiro nervosismo na voz, chamou a atenção do parasita sobre o que tinha acontecido depois que os três grupos foram destruídos um após o outro. Mencionou os choques gravitacionais extremamente intensos, que se manifestaram no momento em que os grupos de naves foram impelidos para o hiperespaço.

— Os choques penetraram no conjunto espácio-temporal normal, drung. Se os mestres das ilhas ainda estiverem vivos, devem ter percebido que por aqui está acontecendo alguma coisa que exige sua intervenção.

— Vocês têm motivos para temer os donos das ilhas. Eu não.

Depois disso as comunicações com o parasita foram interrompidas.

— Os donos das ilhas... — repetiu Atlan em tom pensativo.

Depois disso teve início uma palestra que se tornou cada vez mais animada. O halutense foi o único que não participou da mesma. O gigante ficou parado num canto, como quem está sonhando.

 

O engenheiro-chefe da Crest II, major doutor engenheiro Bert Hefrich, ficou bastante espantado quando Icho Tolot entrou em seu escritório para solicitar dados sobre o kalup.

— Tolot, por que não vai logo ao Chefe e pede o código? O que ele está pensando? Dados sobre o kalup! Infelizmente não posso nem quero entregar-lhe os mesmos.

Dali a dez minutos o engenheiro-chefe recebeu instruções de Rhodan para entregar ao halutense tudo que o mesmo pedisse.

Bert Hefrich mandou sair um robô trabalhador. Sentado atrás de sua escrivaninha, quebrou a cabeça para descobrir o que poderia ter levado o Chefe a permitir que o halutense tivesse conhecimento dos assuntos mais sigilosos.

O halutense já estava acostumado a não encontrar lugar para sentar na maior parte dos recintos da Crest II. As poltronas normais desmoronavam com o peso de seu corpo.

Depois da terceira tentativa de entabular conversa com Tolot, Hefrich nem imaginava que o halutense estava obrigando seu cérebro comum a permanecer inativo.

Quando o halutense examinou os desenhos do conversor, que o robô retirara dum cofre à prova de radiações situado um convés abaixo, Bert Hefrich não acreditou no que seus olhos viam. O halutense lidava com os desenhos como se ele mesmo os tivesse confeccionado. Lançava um olhar sobre cada um deles, para imediatamente passar a outro. Quando finalmente resolveu examinar mais detidamente um dos desenhos, o engenheiro levantou-se e foi para perto do gigante de pele negra.

— Por que está tão interessado no controle, Tolot? — perguntou em tom de espanto. — O mesmo não tem nada a ver com o kalup.

O halutense não respondeu. O drung dentro dele, que o controlava mais atentamente que qualquer outra pessoa na nave, só conseguiu ler em seus pensamentos uma série de algarismos. Isso deixou o parasita preocupado, mas por mais que refletisse não viu nisso nada que se pudesse tornar perigoso para ele.

Mas o halutense nem desconfiava disso. Gravou na memória a estrutura do controle.

— Obrigado — disse finalmente e retirou-se. Satisfeito com o resultado, desceu pelo poço do elevador antigravitacional para a sala de máquinas e dirigiu-se à seção em que ficava o controle — um aparelho do tamanho duma casa de dois andares.

 

O físico-chefe Spencer Holfing parecia inseguro ao entrar na divisão matemática.

— Onde está o doutor Kao? — perguntou.

Ninguém se mostrou amável para com o homem que dissera que as pessoas que trabalhavam nessa divisão eram incompetentes, mas deram-lhe a informação que ele acabara de solicitar. O Dr. Kao encontrava-se na cantina.

Holfing fez meia-volta. Quando chegou à cantina, encontrou o colega, que acabara de tomar sua refeição.

— Kao, nós nos damos por derrotados. O senhor teve razão. Com base em avaliações não se alcança um resultado que possa resistir a um controle mais rigoroso.

— Suas palavras me surpreendem — disse o matemático Holfing, desconfiado.

— Ah, é? O senhor acha que é um mau sinal alguém confessar que errou?

— Não é isso. Acontece que poderia esperar uma confissão de culpa de qualquer pessoa, menos do senhor. Quem foi que o convenceu? Os quatro matemáticos que coloquei à disposição de sua divisão?

— Eles levaram apenas uma hora para ficar do nosso lado, Kao. A propósito, quero manifestar meus sinceros agradecimentos pela gentileza...

— Quer dizer que meus colaboradores só levaram uma hora para convencer-se de que o senhor estava no caminho certo e de que minha avaliação não é correta? — Por pouco Hong Kao não perdeu o autocontrole. Havia um brilho feroz em seus olhos. — Não diga bobagens, Holfing! Diante disso sua observação, de que a gente não consegue bons resultados com base em avaliações, perde o sentido...

Holfing respondeu em tom menos inseguro que no começo:

— O senhor está usando uma observação minha num contexto errado, colega Kao. Liga-a ao fato de que seus colaboradores não demoraram em aceitar nosso ponto de vista. O Chefe entrou em contacto comigo. Mas uma coisa nada tem que ver com a outra. Conversou com o drung, e este informou que o dispositivo de ajuste se encontra no planeta Quinta...

Exibiu um sorriso malicioso para o matemático-chefe. Esfregou as mãos numa alegria infame.

— É claro que para um matemático um dado avaliativo sempre será uma tolice. Nosso trabalho realmente não é capaz de enfrentar um teste mais rigoroso. Volto a confessar isso. Mas também volto a dizer que os quatro matemáticos que o senhor nos cedeu ficaram fascinados com nossos cálculos. Quando eu mesmo já começava a duvidar de que os resultados de nosso trabalho fossem corretos, recebemos o chamado do chefe... Bem, será que não é sua vez de provocar uma boa briga com nossa divisão?

Mas Hong Kao, que era um homem equilibrado, não lhe fez este favor. Limitou-se a dizer, bastante impressionado:

— Caramba! Quero dar uma boa olhada nos seus cálculos...

— Kao, o senhor é um desmancha-prazeres. Leva horas calculando, e enquanto isso posso ocupar meus pensamentos com o drung. Isso não é justo...

Seria inútil dizer mais alguma coisa. Hong Kao levantou-se de um salto e atravessou correndo a cantina, em direção à porta.

Neste exato momento entraram em funcionamento os jato-propulsores da Crest II, que tinham ficado parados por tanto tempo. Quando os ruídos dos motores se fizeram ouvir, o silêncio tomou conta da cantina. Todos se entreolharam com uma expressão de contrariedade. Todo mundo sabia que até então o drung sempre impedira que a nave-capitânia fosse tirada da queda livre.

O que teria acontecido na sala de comando?

Holfing ouviu um homem que se encontrava na mesa ao lado perguntar ao seu vizinho:

— Será que acabaram encontrando um meio de controlar esse maldito drung...?

O homem que formulou esta pergunta não estava em condições de ouvir a resposta. Deitado no chão, corria perigo de morrer asfixiado.

Mais uma vez o drung provou que controlava todas as pessoas que se encontravam na nave.

Holfing ficou apavorado ao olhar para o homem, que começava a mudar de cor. Alguém gritou para que mandassem um médico.

 

Shilling, o chefe dos laboratórios médicos, pediu ao médico-chefe que comparecesse ao seu local de trabalho. Ao chegar, o Dr. Ralph Artur encontrou-o discutindo animadamente com os colegas. Aproximou-se discretamente do grupo e pôs-se a escutar.

Um dos partidos em disputa aludia a um processo dirigido de divisão celular dos esporos, enquanto os outros contestavam essa afirmação. Pediram ao senhor Shilling que se pronunciasse sobre a tese e a antítese. Olhou para trás por acaso e viu o médico-chefe.

— Queira acompanhar-me, por favor — disse sem dar atenção ao pedido de seus colaboradores.

Tiveram de parar em duas eclusas diferentes. Raios invisíveis mataram os germes e bactérias que traziam no corpo e nas roupas.

— É um procedimento inútil — disse o Dr. Artur. Shilling confirmou com um gesto.

Finalmente entraram na sala de incubação. Em toda parte viam-se aparelhos reluzentes, fios e instrumentos que mediam a pressão do ar, a umidade, a temperatura e mais uma porção de coisas.

Shilling parou à frente duma incubadeira.

— Está vendo a temperatura que reina nesta incubadora, doutor? 950 graus centígrados. Há alguns dias, quando o drung obrigou todo mundo a fugir dos laboratórios, alguns dos meus colaboradores estavam fazendo uma experiência para verificar qual é a temperatura máxima que o esporo suporta sem ser destruído. Neste meio-tempo, enquanto ninguém se arriscava a entrar nos laboratórios, o controle automático fazia subir a temperatura no interior da incubadeira. Ela já chegou a 950 graus. Um momento. Vou ligar a ampliação.

As palavras de Shilling deixaram o médico-chefe preparado para um fenômeno surpreendente, mas o que pôde observar através duma ampliação de um por um milhão excedia seus piores receios.

— Houve uma assimilação perfeita — constatou Shilling, deprimido. — A massa de esporos multiplicou-se por mil. O calor, que destruiria qualquer outro ser unicelular, neste caso não conseguiu impedir o processo de divisão.

O médico-chefe demonstrou grande interesse pelo que estava vendo através da ampliação. Teve diante dos olhos uma confusão de fios entrelaçados, que sob o efeito da iluminação assumia uma coloração verde-pálida. O Dr. Artur, que já vira inúmeras maravilhas do micromundo através dos sistemas de ampliação, não se lembrava de já ter observado um modelo de fios tão bem dispostos.

Shilling prosseguiu em sua exposição.

— O esporo não teve nenhuma dificuldade em adaptar-se ao aumento de temperatura. O processo de divisão celular não foi afetado. A amostra colocada na incubadeira encontrava-se num ambiente totalmente estéril. Garanto que nem mesmo um vestígio insignificante de substância estranha entrou nesta incubadeira...

— Apesar disso processou-se o processo de divisão celular. Não era o que o senhor queria dizer.

Foi a primeira manifestação do médico-chefe. Shilling acenou com a cabeça; parecia deprimido.

— Não compreendo por que o drung permite que voltemos a ocupar-nos com ele.

— Acontece que para mim o comportamento dos esporos é perfeitamente compreensível, Shilling. Tornou-se tão forte dentro de nós que ninguém pode fazer qualquer coisa que ele não permita. Até me sinto inclinado a afirmar que ele permite propositadamente que nós o examinemos com todos os meios de que dispomos. Quer que fiquemos cientes que é inútil resistir a ele. Já começo a acostumar-me à condição anormal de ser controlado irrestritamente pelo drung. Neste momento ele certamente nos ouve com a maior atenção.

Havia uma expressão preocupada e assustada no olhar de Shilling.

— A observação que o senhor acaba de fazer leva-me a formular uma pergunta. O senhor acredita que todo drung tem alguma ligação com todos os outros drungs?

— Acredito. É uma ligação instintiva. E com o aumento de sua massa esta ligação foi acrescida da inteligência. Mas esta inteligência não vai além do instinto e, conforme o drung deixou bem claro perante o Chefe, este instinto só tem em vista o regresso ao mundo de origem. O senhor e seus colegas tiveram algum problema durante as experiências com os esporos — dores ou coisa parecida?

— Não. E justamente o que eu não consigo compreender.

Neste momento ouviram que os jato-propulsores da Crest II estavam entrando em funcionamento.

— Está ouvindo? — perguntou o Dr. Artur com a voz rouca. — Sabe quem deu ordem para que o Chefe ligasse os motores? Foi o drung!

 

O epsalense Cart Rudo estava sentado na poltrona de piloto, banhado de suor. O imediato, um terrano chamado Brent Huise, ainda não se recuperara do terrível choque provocado pela dor. Perry Rhodan estava parado ao lado do computador de bordo. Tinha o rosto muito pálido. Os pingos de suor brilhavam que nem pérolas em sua testa. A alguns metros de distância o arcônida punha as mãos na cabeça. Tudo parecia dançar à frente dos seus olhos.

Os ocupantes da sala de comando praticamente tinham sido postos fora de ação. O coronel Cart Rudo não poderia fazer tudo. O único que se recuperou do choque com uma rapidez extraordinária foi o halutense Tolot. Mas o mesmo continuou onde estava. Parecia que nem pensava em mexer um dedo. Não esboçou a menor reação nem mesmo quando Rhodan olhou para ele como quem pede socorro. Os três grandes olhos vermelhos do halutense olhavam fixamente para a frente.

O major Kinser Wholey, chefe da equipe de rádio, saiu da sala de transmissores. Ele e seus companheiros tinham percebido de repente que havia algo de errado na sala de comando.

— Por que o intercomunicador foi interrompido? — perguntou em voz bem alta.

Só então notou como estavam os homens que guarneciam a sala. O coronel Huise teve de fazer um grande esforço para endireitar-se na poltrona do piloto.

— Poupe-nos o desprazer de suas perguntas, Wholey — fungou. — Ligue o intercomunicador.

Os jato-propulsores, que tinham sido ligados por Cart Rudo, emitiam um zumbido cada vez mais grave. O epsalense viu o grande ponteiro dum instrumento caminhar em direção a determinada marca. Mais alguns segundos, e a Crest sairia da queda livre e entraria na rota do planeta Quinta, conforme ordenara o drung.

Ninguém notou que o halutense tinha saído. Dirigiu-se à sala em que ficava o potente transmissor de matéria da nave-capitânea.

Mais uma vez obrigara seu cérebro comum a não entrar em atividade. Utilizou exclusivamente o cérebro programador e ficou pensando em termos de grupos numéricos.

Quando voltou a entrar na sala de comando, o Chefe estava conversando com o drung. Mais uma vez Rhodan tentou explicar ao parasita que a aproximação ao gigantesco planeta de oxigênio fatalmente acarretaria a queda da nave.

— Já não posso confiar na tripulação, drung! O medo de você e das dores com que nos maltratou consumiu as forças dos homens. Quinta é um mundo gigantesco com uma gravitação de 1,76 gravos, que é quase insuportável para nós. Se conseguirmos pousar, praticamente não poderemos movimentar-nos neste planeta...

— Se eu os obrigar, vocês se movimentarão! — escarneceu o drung.

Quinta apareceu na grande tela panorâmica. Há pouco o drung descrevera o gigantesco planeta para os homens que ocupavam a sala de comando e afirmara que o quinto mundo em tamanho do sistema de Gêmeos só possuía um único continente, que cobria a região polar norte que nem uma capa.

Quinta brilhava sob a proteção de seu campo defensivo verde. Embaixo desse envoltório, o aspecto do planeta não inspirava muita confiança. Rhodan ficou apavorado ao lembrar-se dos sustos pelos quais tinham passado quando as tentativas de pousar em outros mundos do sistema se tinham frustrado.

— Drung — principiou, em mais uma tentativa de convencer o parasita a abandonar o plano de pousar em Quinta. — Você desaparecerá conosco — será destruído num inferno de calor e raios energéticos.

Imaginava que seria inútil apresentar este tipo de argumento ao parasita. A resposta que o drung transmitiu a ele e a todas as pessoas que se encontravam na sala de comando confirmou seus receios. O instinto dominante do esporo, que o impelia a voltar ao seu mundo, era mais forte que o intelecto contido em toda a massa de esporos.

— Farei com que todos dêem o máximo de si — disse o drung.

Perry Rhodan ficou calado. Reconheceu que seria inútil palestrar com o drung.

Este começou a cumprir sua ameaça!

Duas mil pessoas sentiram ao mesmo tempo uma dor ligeira que atravessou seu corpo. Os homens que se encontravam na sala de comando foram os únicos aos quais o parasita contou que as dores aumentariam caso um deles não se esforçasse até o máximo de sua capacidade.

— Isso é uma crueldade! — exclamou Rhodan num desespero impotente.

— É o quê? — perguntou o drung, dando a perceber que não sabia o que era ética.

Icho Tolot colocou-se ao lado do coronel Rudo. Não tomou conhecimento do ligeiro mal-estar que lhe enchia o corpo. A Crest II deslocava-se em direção ao quinto planeta, acelerando fortemente.

Mais uma vez o drung não conseguiu ler seus pensamentos. Os grupos de algarismos elaborados por seu cérebro programador lhe eram incompreensíveis. Tolot fez avançar lentamente o braço direito, pegou a chave-mestra e, antes que Rudo pudesse fazer qualquer coisa, colocou-a na posição zero. No mesmo instante utilizou o metabolismo de seu corpo, transformando todas as células em estruturas cristalinas muito duras.

O drung soltou gritos de pavor em seu corpo. Sem comover-se, o halutense ouvia a gritaria miserável do parasita. Seu corpo, que com a transformação pela qual acabara de passar se transformara numa massa compacta, também sofrera uma ligeira modificação no volume. Esta modificação era mais acentuada no interior do corpo. Fazia com que qualquer espaço vazio fosse preenchido. Simplesmente não deixou lugar para a confusão de fios de teia de aranha. Os esporos que se encontravam no interior de Icho Tolot, e que lhe tinham dado um excesso de peso que quase chegava a cinqüenta quilos, foram literalmente esmagados por causa do metabolismo. Para os bilhões de esporos que havia em seu organismo não adiantava nada que cada um deles era um ser unicelular extremamente pequeno.

O drung, que nestas condições possuía uma sensibilidade muito elevada à dor, perdeu a única possibilidade que lhe restava de enfiar-se entre as chapas cristalinas das juntas.

Tolot experimentou uma sensação de triunfo quando a gritaria no interior de seu corpo cessou de repente. Acabara de subtrair-se ao controle do parasita.

Continuando em estado cristalino, Tolot teve muita dificuldade de movimentar-se. Nas juntas havia uma folga de apenas alguns milímetros. Não se importou com isso. Estava acostumado a locomover-se nestas condições, embora cada metro percorrido consumisse alguns segundos.

Virou a cabeça, dobrando ligeiramente os quadris. Estes movimentos foram suficientes para que distinguisse o epsalense. Este quase estava desmaiando de dor na poltrona do piloto. O halutense continuou a virar a cabeça. Levou mais de um minuto para ver toda a sala de comando. Em toda parte o quadro que se lhe oferecia era o mesmo. Homens que a dor quase enlouquecera debatiam-se no chão.

Usou a força de sua vontade para reassumir a forma primitiva. Sabia que, se falasse, o drung que se encontrava nos corpos dos outros o ouviria. Para ele o fato de que estava aspirando milhões de esporos suspensos no ar não representava nenhum risco. Bastaria modificar sua estrutura para destruir os seres unicelulares que se encontrassem no interior de seu corpo.

Olhou para Perry Rhodan e recuou instintivamente um passo, esbarrando na poltrona do piloto. Viu alguns fios de teia de aranha que se deslocavam em sua direção.

O drung tentava apoderar-se novamente de seu corpo.

Mais uma vez pensou exclusivamente com seu cérebro programador. Não sentiu nem um pouco de medo ao aspirar os fios com os parasitas.

Mas ficou espantado ao constatar com que rapidez os fios de esporos se uniam no interior de seu corpo. Dentro de alguns segundos seu número cresceu tanto que o drung pôde comunicar-se novamente com ele.

Não teve o menor constrangimento em ameaçar o halutense de fazer com que os tripulantes da Crest II morressem asfixiados.

— Se fizer isso, você nunca mais verá seu planeta de origem — respondeu Tolot em tom frio. — Mate um único desses homens, e você verá que o crime dará aos outros uma força que você nunca imaginaria.

— O que vem a ser um crime?

Tolot não respondeu. Não fez pouco da ameaça do drung. Sabia perfeitamente que o parasita não teria nenhuma dificuldade em cumprir a mesma.

— O que é um crime, Tolot?

A voz em seu interior era mais forte, o que era um sinal de que o ar estava supersaturado de esporos, e o halutense aspirava milhões deles a cada segundo que passava.

— Um crime é fazer com que um ser humano morra sufocado — limitou-se a dizer.

— Não compreendo. Quero voltar ao meu mundo. Com vocês isto se tornou possível. E para conseguir o que quero farei o que tem de ser feito.

Era o instinto que estava falando no drung; o intelecto tinha sido posto de lado.

Tolot voltou a pensar com seu cérebro programador, por meio de combinações de algarismos. O parasita perguntou várias vezes por que não estava respondendo.

Icho Tolot continuou em silêncio.

Nesse instante o drung parecia cumprir sua ameaça.

Um grito alucinante, saído de duas mil bocas, encheu a Crest.

 

O halutense Icho Tolot pertencia a uma raça antiga, sábia, equilibrada, que possuía padrões éticos muito elevados. Uma das características dessa raça era que durante as excursões que faziam à busca de aventuras sempre evitavam que uma criatura inteligente pudesse sofrer algum dano em virtude dum ato seu.

Enquanto os gritos dos homens martirizados ainda enchiam seus ouvidos, e enquanto a nave-capitânea de Rhodan voltava a deslocar-se em queda livre, mas já agora em direção ao planeta Quinta, o halutense amaldiçoou a situação que o obrigava a pensar exclusivamente com o cérebro programador.

Pela primeira vez em sua longa vida descobriu que era muito difícil resolver problemas morais por meio de combinações de algarismos.

Será que estava agindo corretamente ao arriscar a vida de tantas pessoas? Seria justo sacrificar a vida de algumas centenas de homens para salvar o resto da tripulação?

Deu um olhar rápido na sala de rádio. Antes estivera por alguns segundos no convés central. Em toda parte ouvira os gritos de dor das pessoas que rolavam no chão.

O drung desalmado, que não sabia o que era o bem e o mal, mas só conhecia uma tendência indomável de voltar ao seu mundo, teve a impressão de que conseguira impressionar o halutense.

— Quer mais alguma prova do meu poder, Tolot?

— Quero chegar a um acordo com você, drung — disse o halutense.

Sabia perfeitamente que nenhum dos homens que se encontravam na sala de comando seria capaz de compreender o sentido de suas palavras.

Mal acabara de formular a sugestão, quando de repente se sentiu fustigado por dores terríveis.

Ao que parecia, o parasita queria impedi-lo de usar seu metabolismo.

Icho Tolot também gemeu, mas o sofrimento não era capaz de paralisar sua vontade.

Transformou-se numa estrutura cristalina.

Mais uma vez o drung que se encontrava em seu interior foi destruído.

Tolot transformou-se numa estátua no sentido literal da palavra — numa figura maciça, feita duma substância dura como aço.

Teve de fazer um grande esforço para suportar os gritos dos homens sem ter pena. Mas se não fosse duro, também estaria perdido.

De repente teve a impressão de que o drung estava usando um truque.

Os homens que há pouco ainda rolavam no chão levantaram-se de um salto. Atacavam o halutense de todos os lados. O estado cristalino não lhe permitia fazer movimentos rápidos. Nada teria que temer, enquanto os homens não usassem armas energéticas. Investiam contra ele com os punhos. Tolot não podia fazer nada.

Martelavam seu corpo endurecidos até que os punhos sangraram.

Os oficiais da nave não compreendiam o que estavam fazendo.

De repente viu o tenente Conrad Nosinsky estender a mão em direção à arma energética. No mesmo instante o gigantesco halutense recuperou sua forma normal. Usou os quatro braços para arremessar para longe os homens que o atacavam. Antes que o tenente tivesse tempo de fazer pontaria, Tolot arrancou-lhe a arma das mãos com uma forte pancada.

O robusto terrano de cabelos escuros tirou a arma térmica do cinto. Em seus olhos via-se a loucura. Tolot não teve a menor dificuldade em desarmá-lo pela segunda vez. Os sentidos treinados para o perigo fizeram com que desconfiasse de que estava sendo atacado de trás.

O coronel Cart Rudo, comandante da nave-capitânea do Império Solar, estava investindo contra ele.

O drung passou a fazer uso irrestrito de seu poder. Queria provar ao mais perigoso dos seus inimigos que era mais forte que ele.

Não posso derrubar todos os oficiais que se encontram na sala de comando, — pensou Tolot.

Mais uma vez abriu espaço com os quatro braços, preparou o salto e foi parar junto à escotilha da sala de comando.

Esta abriu-se. Com mais um salto enorme Tolot colocou-se no convés principal.

O parasita atacou-o por dentro. Tolot rugiu em tom ameaçador.

— Se tentar de novo, drung, eu volto a destruí-lo.

No mesmo instante as dores o abandonaram.

Tolot não perdeu tempo. Pegou um elevador secundário e subiu ao hangar das gazelas. Quando estava na metade do caminho, alguém abriu fogo contra ele. Os raios energéticos só não o atingiram porque os homens que o atacavam se encontravam em condições físicas e psíquicas anormais. Atiravam sem fazer pontaria.

Voltou a modificar sua estrutura. Já estava acostumado à gritaria dos parasitas traiçoeiros. Chegou sem outros incidentes ao convés que levava ao hangar das gazelas. Ainda no poço do elevador antigravitacional, já na altura do convés, voltou a assumir sua forma primitiva.

Ficou de quatro e saiu correndo pelo corredor largo. Os homens que quiseram barrar-lhe o caminho foram atirados para o lado. Quando chegou à grande escotilha que dava para o hangar teve de esperar. Demorou alguns segundos até que a mesma se abrisse.

Foi só graças à sua mobilidade que não foi atingido pelo fogo energético concentrado disparado em sua direção. Os homens que estavam de guarda no interior do hangar tinham sido influenciados pelo drung da mesma forma que os homens que tentaram dar cabo dele no caminho para lá.

Sabia que o parasita que se encontrava no interior de seu corpo estava acoplado diretamente ao seu sistema nervoso central e dessa forma viu tudo através de seus olhos. Mas mais uma vez, como já fizera tantas vezes em sua vida movimentada, confiou em sua agilidade e na formidável capacidade de reação de que era dotado.

Por quatro vezes foi obrigado a tomar medidas enérgicas. Depois que o quarto homem tinha sido posto fora de ação, descobriu um emissor de raios hipnóticos preso ao seu cinto. Nas mãos enormes do halutense a arma antes parecia um brinquedo. Mas o emissor de raios livrou-o do trabalho de andar brigando com os dois homens que ainda se encontravam no hangar. Os outros quatro também receberam uma dose bem forte de raios, que os pôs fora de combate por algumas horas.

O tratamento hipnótico ainda tinha a vantagem de que os homens não experimentavam mais os sofrimentos provocados pelo drung.

Teria de levá-los ao convés, pois antes disso nem poderia pensar em fugir com a gazela. O emissor de raios hipnóticos voltou a entrar em ação no momento em que a escotilha se abriu numa extensão de alguns metros. Os homens que queriam tirá-lo do hangar também foram postos fora de combate. Ficaram deitados no convés como se estivessem dormindo tranqüilamente.

Quando a escotilha voltou a fechar-se ruidosamente, Tolot viu-se sozinho no grande recinto. Havia oito gazelas prontas para decolar. Tolot aproximou-se da que estava mais próxima da eclusa externa.

Enquanto caminhava para lá, desdobrou um capacete espacial muito fino que se encontrava na gola de seu traje de combate verde-escuro. Entrou na gazela, esperou que os propulsores esquentassem, voltou a sair e aproximou-se da enorme escotilha externa. Quando a luz vermelha do comando da escotilha se acendeu, Tolot já estava novamente no interior da gazela. O ar que escapou do hangar para o espaço com a força duma explosão não podia afetá-lo mais. O fato de que os campos defensivos que cercavam a nave-capitânia estavam intactos não tinha a menor importância. Os mesmos eram controlados a partir da escotilha aberta, que os desligaria por alguns segundos no momento em que a gazela se aproximasse dos mesmos.

Icho Tolot decolou.

Seu espírito de aventura sentiu-se frustrado porque o drung que se encontrava em seu interior não deu mais sinal de vida e não tentou impedir sua fuga.

Acelerando tremendamente, Icho Tolot deixou para trás a nave contaminada. A tela mostrou o gigante esférico, que diminuía rapidamente. Usou o sistema de rastreamento para vasculhar o espaço. Bem ao longe os sóis gêmeos apareciam sobre o abismo de tempo e espaço, sob a forma de pequenos pontos luminosos. Voou paralelamente aos mesmos. A velocidade da gazela subiu de 0,3 luz para 0,4 luz.

O rosto estranho de Icho Tolot não exprimia a menor emoção quando pôs a mão na chave de regulagem, para modificar a pressão do ar no interior da pequena nave. Permaneceu indiferente ao ver o ponteiro, que se encontrava na marca de 0,7, subir cada vez mais. Quando a pressão atingiu quinze atmosferas, desligou as bombas. Não precisava preocupar-se com a pilotagem da nave. A rota fora fixada antecipadamente. Deu um passo para o lado, abriu o capacete espacial sem voltar a guardá-lo na gola do uniforme. Deixou-o preso ao traje, pendurado junto à nuca. Tirou o uniforme. Parecia ter sido feita de uma única peça, mas quando pôs as mãos nos sapatos conseguiu separá-los do resto do traje. Pegou essas peças e foi até a eclusa. Amarrou os sapatos e o uniforme a três cabos de plástico. Colocou-as à frente da eclusa e prendeu as extremidades dos cabos numa argola de metal.

Olhou em torno, pôs a mão no comando da eclusa, ficou com as pernas bem afastadas e usou a força de sua vontade para transformar seu corpo numa figura maciça, em cujo interior o drung começou a gritar desesperadamente, no momento em que a eclusa se abriu repentinamente.

Uma pressão de quinze atmosferas precipitou-se no espaço com a força duma explosão. O halutense, que estava de pé junto à eclusa aberta, oscilou ligeiramente, mas nem por um instante perdeu o apoio dos pés.

Os sapatos e o traje espacial, presos aos cabos de plástico, agitavam-se no torvelinho do ar que escapava da nave, a alguns metros do casco da mesma, dando a impressão de que estavam pendurados num canal de vento.

Dentro do halutense não havia mais um único esporo. Tolot tinha certeza de que o ar que escapava violentamente da gazela tinha arrastado para os espaços os esporos que ainda se encontrassem em seu traje e nos sapatos. Mas Tolot quis ter certeza absoluta. Repetiu a operação três vezes.

Depois disso voltou a vestir o uniforme e dobrou o capacete, guardando-o novamente na gola.

Um olhar para a tela mostrou-lhe que estava na hora de frear o pequeno veículo espacial, para não passar ao largo da nave fragmentária dos posbis. Os neutralizadores de pressão da gazela zumbiram e o gigante acionou o conversor de símbolos para anunciar sua chegada ao comandante plasmático da Box 8323.

 

O drung realmente conseguira privar os tripulantes da Crest II de sua vontade. Os oficiais da nave-capitânia, em cujas mãos repousava o destino de duas mil pessoas, eram os únicos que ainda não pensavam em submeter-se totalmente ao monstro.

Mas a simples tentativa de elaborar um plano era frustrada por meio do controle exercido pelo drung.

A fuga do halutense provocara um tremendo choque. Mory Rhodan-Abro também ouviu falar na mesma. Aproveitou um intervalo no qual não sentia dores para dirigir-se à sala de comando. Melbar Kasom acompanhou-a que nem uma sombra.

Mory notou a presença do ertrusiano. Parou até que o mesmo se encontrasse a seu lado.

— O senhor não precisa cuidar mais de mim, Kasom...

O gigante contestou em tom violento.

— Chefa Suprema, seria a primeira vez que o Chefe não encontrasse uma saída.

Um sorriso triste apareceu no rosto de Mory.

— Kasom, alguma vez tem de ser a primeira vez. Espere por mim aqui. Vou à sala de comando.

O ertrusiano ficou para trás. Quando Mory chegou à sala de comando, seu marido estava conversando com Atlan e o coronel Rudo. Ninguém notou sua chegada. Quando Mory se aproximou do grupo, ouviu que os homens estavam falando sobre a fuga de Icho Tolot.

— Perante mim o drung afirmou a mesma coisa. Diz que o halutense quer tentar atingir nossa galáxia. Mas isso seria uma loucura e o halutense sabe melhor que qualquer outro que nunca chegaria lá. Não acredito nisso...

O drung fez com que o arcônida que duvidara do que ele afirmara perdesse os sentidos.

Nas últimas horas a paralisação do aparelho respiratório, que só cessava pouco antes que a pessoa morresse asfixiada, fora o meio usado pelo drung para quebrar a resistência até mesmo do homem mais corajoso. Os oficiais e os principais engenheiros da nave-capitânia eram os únicos que constantemente lhe criavam problemas.

Não se podia fazer nada pelo arcônida. O próprio Perry Rhodan nem chegou a abaixar-se para ajudar o amigo. Já haviam colhido suas experiências. Só lhes restava esperar até que o traiçoeiro parasita houvesse por bem suspender a paralisia do aparelho respiratório.

Mory, que era uma mulher corajosa e de sangue frio, parecia desanimada. Com a fuga do halutense perdera o que lhe restava de coragem.

— Perry, não consigo acreditar nisso...

Perry colocou a mão em seu ombro.

— Mory, Tolot abandonou a Crest. E um fato que não podemos modificar. Depois de sua fuga o drung...

— Você também acredita que ele fugiu, que nos abandonou, querido? — interrompeu Mory, e seu rosto tornou-se ainda mais pálido.

— Você não acha que tudo indica que se trata duma fuga? — perguntou Rhodan. — Mas se me lembro de que estamos a cerca de 900.000 anos-luz de nossa galáxia, quase me sinto inclinado a acreditar que Tolot não sabia mais o que estava fazendo quando nos abandonou.

— Como conseguiu fugir, Perry?

Sem querer, Mory olhou para o arcônida que estava jogado no chão. O acesso de asfixia provocado e controlado pelo drung tinha chegado ao fim, mas aquele homem robusto ainda não estava em condições de levantar-se com suas próprias forças. Cart Rudo teve de ajudá-lo a pôr-se de pé.

— Deixe para lá, coronel — pediu Atlan. — Desta vez foi bem pior que das outras.

Mory pôs a mão no bolso e tirou uma garrafa de plástico. Entregou-a a Atlan, para que este bebesse.

— Tome um gole de conhaque, Atlan. Talvez isso lhe faça bem.

O gesto de Atlan parecia cansado. Foi encostando a garrafa aos lábios e bebeu.

— Obrigado — disse e devolveu-a.

Rhodan esperou que a esposa guardasse a garrafa e só então respondeu à sua pergunta.

— Ninguém sabe explicar como o halutense conseguiu sair da nave contra a vontade do drung. Ninguém conhece a resposta.

Mory sacudiu a cabeça. A traição cometida por Icho Tolot excedia sua capacidade de compreensão. Finalmente fitou o marido com uma expressão de espanto. O mesmo acabara de pedir-lhe que saísse da sala de comando.

Rhodan manteve-se num silêncio obstinado.

Ao sair, Mory perguntou se ele tinha alguma coisa a esconder.

Atlan procurou levantar-se.

— Se fosse você, procuraria descansar mais um pouco — sugeriu Perry Rhodan.

O Administrador Geral aproximou-se da poltrona do piloto, onde estava Rudo, ficou parado ao lado da mesma e lançou um olhar distraído para o painel de instrumentos.

Num movimento instantâneo, Rhodan estendeu ambas as mãos na direção dos controles. No mesmo instante o kalup da Crest II foi ligado. O epsalense compreendeu quais eram os planos do Chefe. Tentou levantar-se de um salto para abandonar a poltrona do piloto, mas não conseguiu. No instante em que a nave-capitânia do Império Solar entrou no espaço linear e a tripulação foi atingida pelo choque da transição, o drung voltou a desferir um golpe, provocando dores insuportáveis nas pessoas. O epsalense vergou no assento. Os oficiais que se encontravam na sala de comando caíram ao chão. Rhodan também caiu, mas sobre o painel de instrumentos. Os parasitas investiram com uma violência toda especial contra ele. O homem mais poderoso do Império fazia esforços desesperados para encher os pulmões de ar.

Não conseguiu. Mas o drung também não conseguiu obrigá-lo imediatamente a fazer voltar a Crest II ao espaço normal.

Rhodan reuniu as forças que lhe restavam para mover um comando. O kalup rugiu nas profundezas da nave. A nave acelerou tremendamente no semi-espaço. A cada segundo que permanecia no mesmo, afastava-se mais do sistema Gêmeos e do planeta Quinta, ao qual deveria dirigir-se segundo a vontade do parasita.

Quando Rhodan foi escorregando lentamente pelo painel de instrumentos e caiu ao chão, o drung parecia ter perdido o controle de seus atos. Levou algum tempo para compreender para que pelo menos o epsalense teria de ser libertado dos seus sofrimentos. Mais algum tempo se passou até que Cart Rudo estivesse novamente em condições de entrar em ação.

Cart Rudo era o único homem na sala de comando que não estava inconsciente. Quando tirou a nave do espaço linear e, uma vez no conjunto espácio-temporal normal, voltou a colocá-la na rota do planeta Quinta, ele já não era dono de sua vontade.

O planeta Quinta era quase irreconhecível na tela. Continuava envolto no campo defensivo esverdeado. Rudo ainda chegou a compreender que a distância que o separava do planeta era bem maior que antes. Logo foi subjugado pelas dores e desmaiou em sua poltrona.

A Crest II estava sem comando e corria em direção ao destino distante.

 

Icho Tolot não fez a gazela entrar num dos gigantescos hangares da nave fragmentária. Não queria assumir o menor risco de introduzir um esporo que fosse na Box 8323.

Quando se encontrava a algumas centenas de metros do cubo de aspecto bizarro com suas estranhas saliências, reentrâncias, nichos e áreas ocultas, ligou o sistema de pilotagem automática que levaria a gazela para as profundezas do espaço.

Ele mesmo flutuou em direção à nave dos posbis, entrou pela grande eclusa do hangar e de repente viu-se cercado por um grupo de robôs biopositrônicos com aspecto humano.

Ligou o pequeno conversor de símbolos, que era o único aparelho que tinha trazido. Quando manifestou seu desejo, o receptor ficou em silêncio. Não se importou com a escuridão reinante no hangar. As insignificantes emanações térmicas dos robôs eram suficientes para que ele os distinguisse. Finalmente o círculo de homens-máquinas abriu-se e o receptor transmitiu o pedido de acompanhá-los.

Halut interessou-se bastante pelas estranhas salas que atravessava. À sua frente caminhava um robô que não olhou para trás nem uma única vez. Não compreendeu muitas das coisas que chegou a ver. Quando finalmente o posbi ficou parado depois duma longa marcha e apontou para um aparelho, Icho Tolot perguntou em tom espantado:

— O quê? Não venha me dizer que isto é um transmissor.

A voz vinda através do conversor de símbolos informou-o de que se encontrava no transmissor de matéria mais potente da Box 8323.

Não deu a perceber a surpresa que isso lhe causou. Pediu calmamente que o transmissor fosse regulado para o terminal da Crest II.

Não compreendia o que o posbi estava fazendo naquele aparelho de aspecto maluco. Mas ficou surpreso ao ser informado de que no momento a Crest II se encontrava no espaço linear.

— Em que direção? — perguntou.

— Em direção à Via Láctea.

O cérebro programador de Icho Tolot entrou em ação. Num instante pesou todas as possibilidades. No fim só restaram duas, que tinham um teor de probabilidade maior que as outras.

O drung poderia ter dado ordem de entrar no hiperespaço. Ou então, alguém que se encontrava na sala de comando tomara essa atitude num ato de coragem inspirado pelo desespero.

O cérebro programador de Tolot chegou à conclusão de que a hipótese mais provável era a segunda.

— Vamos aguardar — limitou-se a dizer.

Ele e o posbi não viram sua paciência submetida a uma prova muito difícil. Mais depressa do que esperavam, a Crest II retornou ao espaço normal. Sem que ninguém lhe pedisse, o robô forneceu a rota que a nave estava percorrendo.

— Encontra-se numa rota para Quinta, desenvolvendo uma velocidade de 0,2 luz.

A velocidade diminuiu, pensou o halutense, satisfeito. Certificou-se juntamente ao posbi de que a regulagem já foram completada. Quase no mesmo instante o arco de fogo típico apareceu junto ao transmissor.

O robô biopositrônico não se impressionou nem um pouco ao ver que o halutense estava dando uma estrutura cristalina ao seu corpo, que o tornava duro que nem aço.

Icho Tolot saiu caminhando em direção ao transmissor, lembrando um homem-máquina dos primórdios da robótica. Levou alguns minutos para percorrer os metros que o separavam do aparelho. No lugar em que pouco antes estivera conversando com o robô estava o conversor de símbolos, esquecido e inútil.

De repente o halutense desapareceu.

Com a mesma lentidão com que acabara de entrar no transmissor da Box 8323 saiu do aparelho instalado na Crest II. Conservou a estrutura cristalina. Em hipótese alguma o drung, que só reagia a substâncias orgânicas, podia descobrir que ele tinha voltado. Mas para isso era necessário que Tolot chegasse sem ser visto ao lugar em que há horas fizera certos preparativos.

Fez subir o braço direito centímetro após centímetro, para ligar o defletor de seu traje de proteção.

A sala em que estava instalado o transmissor não possuía vigilância. Com o olho central Tolot observava ininterruptamente o controle luminoso da eclusa, que estava fechada. Sabia que na sala de comando vários sinais tinham anunciado a entrada em ação do transmissor. O sistema de rastreamento também devia ter reagido ao mesmo. Mas nas condições reinantes há dias não seria de admirar que os oficiais deixassem de notar esses sinais.

A paciência fez com que Tolot alcançasse o objetivo. A mão dura como aço tocou a chave do defletor, que não funcionava segundo o mesmo princípio dos defletores terranos. Soltou a trava e colocou o botão na posição fixa. No mesmo instante o defletor entrou em funcionamento, tornando-o invisível em seu traje de combate.

Abandonou o plano de restituir a forma primitiva ao seu corpo. O tamanho infinitamente pequeno fez com que julgasse recomendável não assumir qualquer risco, por menor que fosse. Em Halut acreditava-se que os trajes de combate eram completamente impenetráveis, mas Tolot desconfiava da veracidade dessa afirmativa.

Se algum esporo tivesse conseguido penetrar no traje, nada estaria perdido, já que a mesma não seria capaz de identificar a estrutura cristalina como uma substância orgânica modificada. Mas esta identificação se faria no momento em que Tolot voltasse a transformar-se num ser de carne e osso.

Saiu da sala do transmissor. Com uma lentidão incrível aproximou-se do poço dum elevador antigravitacional. Enquanto flutuava no interior do poço, em direção ao ponto de destino, deu-se conta de que a parte mais difícil de seu plano arrojado ainda estava pela frente.

 

Bert Hefrich, engenheiro-chefe da Crest II, contemplou seu rosto encovado no espelho.

— Não sou eu! — disse de si para si. — Nunca fui assim. Estou velho.

Só tinha trinta e dois anos e dias atrás ainda acreditava que sua juventude nunca chegaria ao fim.

Ainda atordoado pelo último acesso de dor, apoiou-se pesadamente na escrivaninha e segurava o espelhinho com as mãos trêmulas.

— Meu Deus, como me sinto fraco...

Mas não estava bastante esgotado para não ouvir o controle acústico. Teve de fazer um grande esforço para levantar a cabeça e olhar para a parede em que ficavam os instrumentos. Ouviu-se um zumbido, e a luz vermelha acendia-se e apagava-se num ritmo nervoso.

— Nunca vi uma coisa dessas... — cochichou. — Alguém que não pertence à nossa equipe entrou na sala do kalup...

A luz vermelha apagou-se e foi substituída por outra. O zumbido do sinal acústico transformou-se num apito. Com um movimento pesado Hefrich fez uma ligação de intercomunicador para a divisão do kalup.

— Hefrich falando. Verifique imediatamente quem está metido nessa divisão.

Um engenheiro muito jovem, cujo rosto também trazia a marca do sofrimento, perguntou com a voz preguiçosa:

— Na minha divisão...?

— Isso mesmo, na sua divisão. Vamos logo! Solte os robôs. Avise-me assim que a operação tenha sido concluída. Não se esqueça.

A tela escureceu. Hefrich apoiou a cabeça nas mãos e fechou os olhos.

Nunca mais vou fazer uma coisa dessas, disse em pensamento.

Há dez minutos tivera de pagar muito caro pela tentativa de desligar os jato-propulsores da Crest II. Tivera um acesso de dor diante do qual os outros eram uma coisa insignificante. Mas não foi ele que rolou pelo chão, gritando e gemendo. O drung não poupara nenhum dos homens de sua divisão. Aqueles que tinham incumbido os robôs de assumir seu lugar quando não estivessem mais em condições de agir, foram obrigados pelo parasita, por meio duma ação cruel, a dar contra-ordem aos homens-máquina.

A tentativa de interromper o vôo com destino ao planeta Quinta tinha fracassado, tal qual as anteriores.

O drung, que estava no interior de dois mil corpos, mantinha-se informado sobre tudo que era visto, falado e pensado no interior da nave esférica. Qualquer ato que contrariasse seu objetivo, de fazer com que a nave-capitânia pousasse em Quinta, eram cruelmente reprimidos por meio de acessos de dor provocados em determinados grupos da tripulação.

O intercomunicador de Hefrich emitiu o sinal de chamada. Hefrich não se deu conta de que ficara cochilando por mais de meia hora.

— O último robô acaba de voltar — informou o jovem engenheiro. — Nenhuma pessoa não autorizada foi encontrada na divisão. Será que nosso dispositivo de alerta não está com defeito?

— Nesta nave tudo é possível... — respondeu o major Bert Hefrich.

Sentiu que sua resistência estava chegando ao fim.

 

Icho Tolot estava de pé na galeria da chave-mestra do conversor energético do kalup, protegido pelo campo defletor. Notara as idas e vindas dos robôs. Estes não o perturbaram. Sabia que seus rastreadores não reagiam ao campo defletor que o envolvia.

Seu corpo conservava a estrutura cristalina. A mesma teria de ser mantida por mais algumas horas. Seu projeto não poderia ser concretizado numa questão de segundos.

O olho central observava a grande parede com os instrumentos. Viu que valera a pena que Hefrich fora obrigado a mostrar-lhe os documentos relativos ao kalup.

Icho Tolot estava fazendo o sexto controle. Seu plano não podia falhar, para que a Crest II não se transformasse num esquife para dois mil cadáveres.

Também no sétimo controle tudo correu bem. Tolot esperava a segunda visita dos robôs. Não podia saber que Bert Hefrich tinha feito uma tentativa desesperada de interromper o vôo da nave.

De repente o halutense pôs-se a escutar. Nessa parte da nave o isolamento acústico não era muito bom. O uivo dos neutralizadores de pressão se fez ouvir. Tolot sabia o que isso significava.

A nave-capitânia chegara perto do planeta Quinta e estava freando! Atingira o destino que o drung lhe impusera.

Antes que os neutralizadores parassem de uivar, Tolot mudou a ligação. Preferiu dispensar o oitavo controle, que seria o último. Não havia tempo para o mesmo. Quando o tremendo raio de defesa de Quinta subisse em direção à Crest II, seria tarde para tomar qualquer providência.

O halutense fez uma modificação completa no conversor de energia kalupiano. As forças que normalmente seriam dirigidas para fora passariam a agir no interior da Crest II. Durante três segundos todos os cantos da nave ficariam impregnados dum hiper-campo paraestável.

Tolot viu o ponteiro deslizar pela escala, na qual os segundos estavam divididos em milésimos. No momento em que o ponteiro que caminhava a uma velocidade uniforme estava para atingir a marca dos quatro segundos, o hipercampo foi desligado.

O halutense era capaz de imaginar o que devia ter acontecido nesse tempo infinitamente curto no interior da nave esférica. Certamente não havia uma única pessoa a bordo da nave que fosse capaz de compreender por que desta vez desmaiara sem sentir dor. Mas Tolot não tinha certeza se o hipercampo também tinha sido eficiente sob outro aspecto.

Não teria outra alternativa senão usar seu radiofone embutido no capacete plástico e o sistema de intercomunicação para entrar em contacto com a sala de comando. Teria de revelar sua presença ao drung.

A sala de comando não respondeu.

Icho Tolot voltou a chamar.

Mais uma vez seguiu-se um silêncio mortal!

Passou o olho central pelos instrumentos. O cérebro programador voltou a pesar todos os pontos, fez uma verificação cuidadosa dos efeitos colaterais do hipercampo, que era uma onda vibratória que se deslocava na quinta dimensão e, numa dosagem excessiva, podia tornar-se prejudicial às células do cérebro humano. Apesar dos conhecimentos que possuía, o halutense não encontrou nenhuma possibilidade de eliminar o efeito colateral desagradável que as vibrações produziam no ser humano sem frustrar seu plano arrojado.

Mas no parasita os efeitos das vibrações foram bem piores que nos seres humanos. Tudo que Tolot sabia sobre esporos podia ser resumido numa única frase. Os esporos tinham uma sensibilidade exagerada para com as ondas vibratórias.

O plano do halutense baseava-se nesta sensibilidade. Pretendia paralisar as funções parasitárias do drung, para que o mesmo não estivesse mais em condições de fazer chantagem contra os humanos.

Mas o halutense ainda esperava a confirmação de que seu plano alcançara sucesso na primeira tentativa.

Voltou a chamar a sala de comando.

Ouviu um gemido. Percebeu ruídos. Teve a impressão de ser capaz de interpretá-los. Não era um homem que se levantava para arrastar-se até o intercomunicador?

— Rhodan falando...

— Aqui é Icho... — respondeu o halutense. — Sabe o que aconteceu?

Tolot não se enganara com Perry Rhodan. Qualquer um teria formulado uma porção de perguntas. Mas o Administrador Geral compreendeu imediatamente o que o halutense queria saber.

— Meu drung ficou gritando, Icho Tolot, enquanto tive a impressão de que minha cabeça iria estourar...

Rhodan não pôde prosseguir. O gigante voltou a ativar o hipercampo e as vibrações produzidas pelo mesmo. A duração do choque foi limitada a dois segundos.

— Está gritando...! Está gritando...! — disse Perry Rhodan. — Tenta novamente provocar dores em mim. Mas alguma coisa não está dando certo. Sinto dores, mas são perfeitamente suportáveis...

Tolot voltou a acionar o comando das vibrações com intervalos de dez segundos. O mesmo atuava em toda a nave com a mesma intensidade, e onde quer que houvesse um ser humano, o mesmo ouvia os gritos desesperados do drung que se encontrava em seu interior.

As vibrações, que naquela altura só provocavam certo incômodo nos tripulantes, desencadearam um furacão de dor no monstro em forma de teia de aranha, fazendo com que o parasita fosse incapaz de usar seu poder.

Icho Tolot desligava e ligava constantemente. Enquanto durava o choque, a ligação com a sala de comando era interrompida. Os tripulantes nem se deram contas que as células de seu cérebro também estavam sendo forçadas ao máximo. Todos ouviram os gritos desesperados do parasita em seu interior, parasita este que durante vários dias lhes causara os piores sofrimentos. O monstro, que era capaz de comunicar-se com qualquer pessoa por intermédio do sistema nervoso central da mesma, usava o mesmo para transmitir a sensação de dor.

— Siga em direção a Sexta! — gritou Tolot pelo intercomunicador. — Voe à velocidade máxima...

A pausa de dez segundos chegou ao fim. Mais um choque atravessou a nave, atingindo o parasita em forma de teia de aranha.

— ...Diga ao drung que eu o levarei à loucura senão concordar logo em abandonar os corpos nos quais está alojado.

Os choques que atravessavam a nave sucediam-se com uma precisão incrível. Todos os conveses informavam a sala de comando de que o parasita já não era capaz de provocar dores. Num acesso de triunfo comunicaram que o intelecto do monstro ficava mais fraco com cada golpe que era desferido.

Enquanto isso a Crest II corria em direção a Sexta, acelerando cada vez mais.

Depois de duas horas Tolot aumentou o intervalo para vinte segundos, enquanto reduziu o tempo do choque para um segundo. Uma nova avaliação levada a efeito por meio de seu fantástico cérebro programador levara-o a introduzir essa modificação, a fim de proteger os tripulantes.

Naquela altura o parasita já fora enfraquecido a tal ponto que pela primeira vez depois de vários dias as pessoas podiam dispor livremente de seu corpo.

— Preparando pouso em Sexta... — ouviu Icho Tolot.

Era a quinta hora duma luta implacável.

O halutense voltou a investir contra o parasita com uma energia mortal, desferindo choques de dois segundos com cinco segundos de intervalo.

Foi informado de que alguns tripulantes estavam desmaiando. Tolot não poderia deixar que isso influenciasse seu procedimento, pois do contrário a vitória poderia escapar-lhe das mãos no último instante.

Pausa de cinco segundos — dois segundos de choque — de novo, sempre de novo.

— Encontramo-nos sobre Sexta, a cinco mil metros de altura!

Era a voz do epsalense Cart Rudo.

Os laboratórios médicos transmitiram uma notícia com a qual ninguém se atrevera a sonhar. O monstro de esporos estava abandonando os corpos em cujo interior se alojara.

Dali a alguns minutos o fenômeno foi observado em toda parte.

As escotilhas abriram-se e as incubadeiras que se encontravam no laboratório foram destampadas. De repente o ar ficou cheio de fios de teia de aranha que se deslocavam lentamente. Todos seguiam em direção aos poços dos elevadores antigravitacionais. Mas só o caminho que dava para o poço principal estava livre. Rhodan tivera a precaução de fechar os outros antes que fosse tarde.

Quase ninguém percebeu o leve solavanco que sacudiu a nave no momento em que a mesma tocou a superfície do planeta. O major Cero Wiffert também não percebeu. Imóvel em sua poltrona, observava os acontecimentos.

— Espere... — cochichava ininterruptamente. — É só esperar...

Icho Tolot continuava de pé sobre a galeria do comando geral do conversor kalupiano, que era da altura duma casa. Movia a chave com a precisão dum relógio atômico: cinco segundos de pausa, choque vibracional com a duração de dois segundos.

As vibrações expulsaram o monstro — um monstro unicelular que pesava algumas toneladas. Um fio verde-pálido, da grossura dum filigrama, deslizava sobre o planeta desértico para escapar às vibrações.

— Como estão as coisas na eclusa? — perguntou Wiffert.

— As últimas áreas de esporos acabam de ligar-se à massa principal. Aquilo se afasta numa velocidade assustadora...

— Também estou vendo — exclamou Wiffert.

Continuava imóvel em sua poltrona.

— Ah, é? — disse.

No mesmo instante o oficial de artilharia disparou os canhões das torres polares. Viu o monstro desmanchar-se na direção do tiro.

 

A boca larga do halutense abriu-se num sorriso alegre. Havia um brilho ligeiro em seus olhos enormes. Baixou os olhos para Perry Rhodan, a esposa do mesmo e Atlan. Num gesto quase humano acenou com a cabeça.

— Poderia ter sido pior — disse em tom calmo. — Quem cometeu o maior erro fui eu. Deveria ter introduzido na memória de meu cérebro programador tudo que sabia sobre esporos. Não pude pensar com o cérebro comum, para não despertar a desconfiança do monstro. Por isso tive de calcular tudo por meio de combinações de algarismos. Bem, há algumas centenas de anos alguém já me disse em Halut que costumo ser um pouco leviano. Acho que a pessoa que disse isto tinha razão...

Depois disso saiu do camarote, pisando com força. Mory, Rhodan e Atlan nem tiveram tempo de agradecer a Icho Tolot por este os ter salvo.

 

                                                                                            Kurt Brand

 

                      

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