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O Encanto da Luz / Nora Roberts
O Encanto da Luz / Nora Roberts

 

 

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O Encanto da Luz

 

Um pequeno raio de luz no coração de um homem podia ampliar seus horizontes como ele nunca sonhou...

Grant Campbell havia se isolado do mundo, vivendo sozinho em um farol... até que uma tempestade levou a encantadora Genviève Grandeau à sua porta. Grant não era um homem acostumado a ceder espaço a outras pessoas em sua vida. Poderia a fascinante artista apagar as sombras de seu passado e convencê-lo de que o amor deles era uma luz para o futuro?

 

Gennie soube que encontrara o lugar certo no momento em que passou pelas construções de madeira desbotada. O vilarejo, de maneira prática e precisa, chamado Windy Point, finalmente capturou suas expectativas pessoais de um local na costa do Maine onde pudesse se estabelecer por um tempo. Ela achara algumas das outras paradas pi­torescas ao longo da costa irregular, perfeitas para um cartão postal. Talvez a perfeição tivesse sido o problema.

Quando se decidira por essas férias de trabalho, tinha como objetivo principal explorar um aspecto diferente de seu talento. Até tomar essa resolução, sempre mistificara, confiando em suas próprias tendências em relação a ilusões; dessa vez, sua decisão era consciente. Seria realista, inde­pendentemente do quanto fosse difícil. Mas o fato era que seu porta-malas estava carregado de impressões de pedras, mar e terra em telas e blocos de desenhos. Porém...

Havia alguma coisa a mais em Windy Point. Ou talvez alguma coisa a menos. Não existia exuberância ou margens suaves ali. Era uma área campestre rude. Não havia árvores cobertas de folhas, mas alguns abetos atrofiados, nodosos e destruídos pelo clima. A estrada tinha muitos buracos e o solo era irregular.

O vilarejo em si não se encontrava exatamente dilapi­dado, mas possuía um ar antigo com todas as suas sauda­des e dores. Sal e vento haviam desgastado as construções, removendo a tinta, marcando as janelas. O resultado não era uma imagem limpa, mas sim robusta.

Gennie viu uma beleza funcional. O lugar não possuía construções frívolas. Cada uma servia a seu propósito... lojas de miudezas, correio, farmácia. As poucas casas ao longo da avenida principal continham a implacável praticidade da Nova Inglaterra, em seus formatos vigo­rosos e tamanhos meticulosos. Poderia haver flores, adicionando uma alegria surpreendente, e cores vivas contra as tábuas firmes, mas ela notou que quase todas as casas tinham um caminho de plantas bem cuidadas nos fundos ou na lateral. As petúnias podiam crescer de maneira um pouco indisciplinada, mas as cenouras eram bem podadas.

Com a janela do carro abaixada, ela podia sentir o aroma do vilarejo. O cheiro de peixe simplesmente pre­dominava.

Primeiro, Gennie foi dirigindo sempre em frente, querendo captar de forma plena a atmosfera da avenida principal. Parou no pátio ao lado de uma igreja, onde os marcos de granito eram muito austeros, e o gramado alto e selvagem, então virou o carro para continuar a observar enquanto dirigia. Não era uma cidade grande, e a avenida era estreita, mas possuía senso de amplitude. Ali, certa­mente, você não colidiria com seu vizinho lá, a menos que quisesse. Satisfeita, Gennie estacionou na frente da loja de miudezas, imaginando que aquele seria o ponto de encontro social de Windy Point.

Havia um homem lá dentro, sentado em uma velha cadeira de balanço. Ele não a olhou, embora ela soubesse que ele a vira passar dirigindo e voltando. Continuou a balançar-se na cadeira enquanto consertava uma armadi­lha para lagostas. Tinha o rosto bronzeado típico das pessoas do litoral, olhos reservados, cabelos ralos e mãos calejadas e fortes. Gennie prometeu a si mesma que o desenharia exatamente assim. Ela saiu do carro, retornou para pegar a bolsa, e se aproximou do homem.

- Olá.

Ele assentiu com um gesto de cabeça, às mãos ocupa­das com as ripas de madeira da armadilha.

- Precisa de alguma ajuda?

- Sim. - Ela sorriu, gostando da fala arrastada que, de alguma maneira, implicava energia. - Talvez possa me informar onde posso alugar um quarto ou um chalé por algumas semanas.

O dono da loja continuou se balançando enquanto a estudava com olhos perspicazes. Ela era da cidade gran­de, concluiu ele, não com total desdém. E do sul. Apesar de ser um homem que respeitava o sul de Boston, imagi­nava-a como alguém que pertencia às regiões úmidas abaixo da linha de Mason-Dixon. Ela estava arrumada e era bastante bonita, embora a tonalidade bronzeada da pele e os olhos claros lhe dessem substancialmente a aparência de estrangeira. O que levava ao ponto inicial, pois, se alguém fosse muito para o sul de Portland, o local já podia ser considerado estrangeiro.

Enquanto ele se balançava na cadeira e ponderava, Gennie esperou pacientemente, os cabelos negros e vo­lumosos erguendo-se dos ombros e esvoaçando com a brisa salgada. Sua experiência na Nova Inglaterra duran­te os últimos meses a ensinara que, apesar de a maioria do povo ser gentil e amigável, em geral, possuía um ritmo lento.

Ela não parecia turista, pensou ele... Era mais como uma daquelas princesas dos contos de fadas que sua neta lia em livros ilustrados. O rosto delicado chegava a um ponto sutil no queixo, e a curva das maçãs nas faces lhe dava um ar de arrogância. Entretanto, ela sorriu, ameni­zando a expressão, e os olhos eram da cor do mar.

- Não recebemos muitos turistas no verão - disse ele demoradamente. - Todos já foram embora, de qualquer forma.

Ele não perguntaria, Gennie sabia. Mas ela podia ser expansiva quando lhe interessava.

- Não acho que me qualifico como turista, sr...

- Fairfield... Joshua Fairfield.

- Genviève Grandeau. - Ela ofereceu-lhe a mão, que ele achou satisfatoriamente firme em sua mão rude de trabalhador. - Sou artista. Eu gostaria de passar um tem­po aqui, pintando.

Uma artista, pensou ele. Não que desgostasse de qua­dros, mas não tinha certeza se confiava nas pessoas que os produziam. Desenhar era um bom hobby, mas como trabalho... Contudo, a moça tinha um bom sorriso e não demonstrava fraqueza.

- Talvez haja um chalé a três quilômetros daqui. A viúva Lawrence ainda não o vendeu. - A cadeira rangeu quando ele se moveu para frente e para trás. - E possível que ela o alugue por algum tempo.

- Parece bom. Onde eu posso encontrá-la?

- Atravesse a avenida. No correio. - Ele se balançou por mais alguns segundos. - Diga a ela que encaminhei você.

Gennie deu-lhe um sorriso rápido.

- Obrigada, sr. Fairfield.

O correio não era muito mais do que um balcão e quatro paredes. Uma das paredes possuía aberturas, onde uma mulher, num vestido de algodão escuro, separava a correspondência com habilidade. Ela até mesmo parecia ser a viúva Lawrence, pensou Gennie satisfeita, notando a trança circular na parte de trás da cabeça da mulher.

- Com licença.

A mulher se virou, deu um sorriso rápido para Gennie antes de se aproximar do balcão.

- Posso ajudá-la?

- Espero que sim. Sra. Lawrence?

- Sim.

- O sr. Fairfield disse-me que talvez a senhora tivesse um chalé para alugar.

A pequena boca foi franzida... o único sinal de movi­mento facial.

- Tenho um chalé para vender.

- Sim, ele explicou isso. - Gennie tentou sorrir de novo. Queria ficar na cidade, e encontrar um lugar a três quilômetros do centro seria ótimo. - Pensei que talvez a senhora pudesse considerar alugá-lo por algumas sema­nas. Posso lhe dar referências, se quiser.

A sra. Lawrence estudou Gennie com olhos frios. E sua análise era tudo o que necessitava como referência.

- Por quanto tempo?

- Um mês, seis semanas.

Ela olhou para as mãos de Gennie. Havia um anel de ouro de desenho intrincado, mas estava no dedo errado.

- Você está sozinha?

- Sim. - Gennie sorriu de novo. - Eu não sou casada, sra. Lawrence. Estou viajando pela Nova Inglaterra há diversos meses, pintando. Gostaria de passar um tempo aqui em Windy Point.

- Pintando? - A viúva lançou-lhe um longo olhar.

- Sim.

A sra. Lawrence decidiu que gostava da aparência de Gennie... e que ela era uma jovem que não seguia a vida com um objetivo. E um fato era um fato. Um chalé vazio era uma coisa inútil.

- O lugar está limpo e o encanamento funcionando. O telhado foi consertado dois anos atrás, mas o aquecedor é temperamental. Há dois quartos, mas um deles está vazio.

Aquilo era doloroso para ela, percebeu Gennie, apesar da voz da viúva estar firme e os olhos secos. Ela estava pensando em todos os anos que vivera lá.

- Não há vizinhos por perto, e o telefone foi retirado do local. Você pode mandar instalar uma linha, se desejar.

- Parece perfeito, sra. Lawrence.

Alguma coisa no tom de Gennie fez a mulher pigarrear. Como se tivesse recebido compaixão e compreensão silenciosa. Após um momento, deu um valor para o mês de aluguel muito mais razoável do que Gennie esperava. E como lhe era típico, ela não hesitou, seguiu seus ins­tintos.

- Vou ficar com o chalé.

A primeira expressão de surpresa apareceu no rosto da viúva.

- Sem ver o lugar?

- Não preciso vê-lo. - Com uma praticidade veloz que a sra. Lawrence admirou, Gennie tirou o talão de cheques da bolsa e escreveu o valor. - Talvez a senhora possa me dizer o que precisarei em relação a roupas de cama, toalhas e louça.

A sra. Lawrence pegou o cheque e o estudou.

- Geneviêve... - murmurou ela.

- Genviève - corrigiu Gennie, usando a pronúncia francesa com fluência. - Em homenagem à minha avó. - Ela sorriu novamente, suavizando o semblante aristo­crático. - Todos me chamam de Gennie.

Uma hora depois, Gennie estava com as chaves do chalé dentro da bolsa, duas caixas de provisões no assen­to traseiro do carro, e tinha em mãos as instruções de como chegar lá. Havia percebido, embora fossem discre­tos, os olhares desconfiados das pessoas do vilarejo, e tentara não rir do olhar obviamente provocativo de um adolescente mirrado que tinha entrado na loja de miude­zas quando ela estava escolhendo algumas louças.

Já estava anoitecendo no momento em que ficou pron­ta para partir. As nuvens estavam baixas e pouco amigá­veis agora, e o vento ficara mais forte. Isso apenas au­mentava o senso de aventura. Gennie pegou a estrada estreita e cheia de curvas que levava ao mar com uma excitação interna que prenunciava algo de novo no hori­zonte.

Seu amor por aventuras era uma coisa natural. Seu tataravô tinha sido um pirata... um malandro de praia assumido. O navio dele era rápido e forte, e ele sempre conseguira o que queria, sem jamais desanimar. Um dos tesouros de Gennie era o diário de bordo dele. Phillippe Grandeau havia registrado suas contravenções com esti­lo e um senso de ironia a que Gennie nunca fora capaz de resistir. Talvez tivesse herdado uma forte característica de praticidade dos aristocratas do lado de sua mãe, mas era honesta o bastante para saber que teria navegado com o pirata Phillippe e adorado cada minuto daquilo.

Enquanto seguia pela estrada curvilínea, ela absorvia o cenário, tão diferente de sua nativa Nova Orleans, que poderia ser outro planeta. Neste mundo rochoso exposto ao vento, é necessário estar alerta o tempo inteiro. Erros não seriam facilmente perdoados ali.

Todavia, ela viu mais do que terra firme e pedras. Integridade. Sentia isso na terra que rivalizava continu­amente com o mar. Uma terra que sabia que perdia centímetros a cada minuto, século após século, mas não iria ceder. Apesar das sombras que a noite trazia, Gennie parou, impelida a colocar algumas de suas impressões no papel.

Havia uma pequena baía a alguns metros da estrada, bastante agitada agora que a tempestade se aproximava. Quando Gennie pegou seu bloco de desenho e um lápis, sentiu o cheiro de peixe morto e algas. O fato não a fez torcer o nariz, uma vez que entendia que aquilo fazia parte da estranha atração que chamava os homens para o mar.

Naquele ponto, o solo era fino, e as pedras, lisas. Perto da estrada, havia diversas amoreiras carregadas abundan­temente com as últimas frutas do verão. Ela podia escutar o vento... um som distintamente feminino... suspirando e gemendo. Não podia ver o mar ainda, mas sentia o seu aroma, assim como o gosto salgado que se espalhava.

Gennie não precisava dar satisfações a ninguém, não tinha um horário para cumprir. Havia muito tempo, podia contar com sua liberdade, mas a solidão era uma outra coisa. E conseguia senti-la, perto da pequena baía expos­ta ao vento, ao longo da estrada estreita e difícil. E agar­rou-se à solidão.

Quando estivesse de volta a Nova Orleans, uma cida­de que amava, e absorvesse um daqueles dias cheios de vapor, que exalavam o cheiro do rio e da humanidade, poderia se lembrar de ter passado uma hora em um local solitário e frio, onde talvez ela fosse a única alma viva por quilômetros.

Relaxada, mas sentindo uma onda de excitação pul­sando à flor da pele, ela desenhou, bem mais detalhada­mente do que pretendera quando parará lá. A falta de ruídos humanos a agradava. Sim, definitivamente iria gostar de Windy Point e do pequeno chalé.

Terminando, jogou o bloco de desenho dentro do carro. Estava quase escuro agora, caso contrário, teria ficado mais tempo, passeando perto da beira da água. Longos dias de pintura se estendiam à sua frente... e quem sabia o que mais o mês poderia trazer? Com um sorriso, virou a chave na ignição.

O motor não pegou. Ela tentou mais uma vez. E foi recompensada com um suspeito som metálico. O carro lhe dera algum trabalho em Bath, mas o mecânico de lá. havia apertado alguns parafusos e consertado. Desde então, o carro vinha andando como se fosse novo. Pen­sando na estrada irregular, Gennie concluiu que o que tinha sido apertado poderia ter facilmente afrouxado. Com um suspiro de irritação, saiu do carro e abriu o capo.

Mesmo se tivesse as ferramentas apropriadas, o que, com certeza, não eram a chave de fendas e a lanterna que levava no porta-luvas, dificilmente saberia o que fazer com elas. Fechando o capo de novo, olhou para os dois lados da estrada. Deserta. O único som era o do vento. Estava quase escuro, e, pelos seus cálculos, ela estava no meio do caminho entre a cidade e o chalé. Se voltasse a pé, alguém poderia lhe dar uma carona, mas, se fosse adiante, provavelmente chegaria ao chalé dentro de 15 minutos. Dando de ombros, pegou a lanterna no porta-luvas, e fez o que em geral fazia. Seguiu em frente.

Precisou de luz quase imediatamente. A estrada não era melhor para andar do que para dirigir, mas deveria ter cuidado e continuar, a menos que quisesse acabar perdida, ou mergulhada na baía. Os sulcos eram mais profun­dos agora, as pedras eram altas naquele ponto, fazendo-a perguntar-se com que freqüência alguém percorria mesmo aquele caminho.

A noite caiu rapidamente, mas não em silêncio. O vento forte batia em seus cabelos, assobiando baixinho em tom de lamento. Agora havia um pouco de neblina a seus pés, e ela esperava que diminuísse pelo menos até que estivesse dentro do chalé. Então, esqueceu-se da neblina quando a tempestade chegou, com toda fúria.

Sob outras circunstâncias, Gennie não teria se impor­tado com a chuva, mas mesmo seu senso de aventura estava desaparecendo na escuridão assustadora, onde sua lanterna produzia um brilho patético através da chuva pesada. Aborrecimento foi sua primeira reação, enquanto continuava andando com dificuldade ao longo da estrada, os tênis totalmente encharcados. Gradualmente, o abor­recimento se transformou em desconforto.

Um flash de luz iluminou um grupo de pedras e arbus­tos atrofiados, lançando sombras assustadoras. Mesmo uma mulher que possuísse a coragem de um andarilho se sentiria amedrontada naquela situação. Gennie teve visões de duendes malvados saindo do meio da escuridão. Can­tarolando de forma desafinada para espantar o pânico, concentrou-se no feixe de luz da lanterna.

Estou tão molhada, disse a si mesma, tirando os ca­belos ensopados dos olhos. Isso não vai me matar. Ela deu uma outra olhada para a lateral da estrada. Não era uma escuridão como a do campo, concluiu. E onde esta­va o chalé? Certamente, já tinha andado mais de um quilômetro e meio até agora. Desanimada, girou a lanter­na em um círculo. Um trovão estourou sobre sua cabeça enquanto a chuva batia em seu rosto. Seria necessário um pequeno milagre para encontrar um chalé desabitado e escuro apenas com o fraco brilho de uma lanterna domés­tica.

Tola, criticou a si mesma, enquanto cruzava os braços apertados sobre o peito e tentava pensar. Era sempre tolice seguir em direção ao desconhecido quando você tinha uma escolha. Entretanto, ela sempre fazia isso. Parecia não haver outra saída, senão voltar para o carro e esperar a tempestade passar. A perspectiva de passar a noite, toda molhada, dentro de um carro não era agradá­vel, mas não podia ficar vagando, perdida no meio da tempestade. E havia um pacote de bolachas no carro, lembrou-se, enquanto continuava mexendo a lanterna de um lado para o outro, ainda na esperança de avistar al­guma coisa. Com um suspiro, deu uma última olhada para o fim da estrada.

Então viu. Gennie piscou para tirar a chuva dos olhos e olhou de novo. Uma luz. Certamente era uma luz lá em cima. Uma luz significava abrigo, calor, companhia. Sem hesitar, Gennie seguiu em frente.

Precisou andar mais de um quilômetro outra vez, enquanto a tempestade e a estrada pioravam. Os raios brilhavam no céu, emitindo uma luz misteriosa e arroxeada, fazendo o céu escurecer mais ainda quando desapa­reciam. Para evitar tropeçar, ela foi forçada a andar de­vagar e manter os olhos no chão. Começou a ter certeza de que nunca mais ficaria seca ou aquecida de novo. A luz à distância continuava firme e real, ajudando-a a re­sistir a ficar olhando por sobre o ombro com muita fre­qüência.

Podia ouvir o barulho do mar agora, batendo violen­tamente contra pedras e areia. Em um determinado mo­mento, com a luz de um raio, ela pensou ter visto a crista de ondas furiosas, brancas e turbulentas a distância. Mes­mo a chuva possuía o aroma do mar agora... um cheiro furioso e vingativo. Ela não poderia se permitir ter medo, embora seu coração estivesse batendo descompassado por uma caminhada de mais de três quilômetros. Se ad­mitisse que estava apavorada, cederia à vontade de correr e acabaria em um penhasco, um canal ou num abismo insondável.

A sensação de deslocamento era tão intensa, que po­deria simplesmente ter se sentado na estrada e chorado, não fosse pelo firme feixe de luz enviando a promessa de segurança.

Quando Gennie viu a silhueta da construção atrás da cortina de chuva, quase riu alto. Um farol... uma daquelas estruturas vigorosas que provavam que os homens pos­suíam algum senso de altruísmo. A luz direcionada não tinha vindo das altas lentes giratórias, mas de uma janela. Gennie não questionou, e acelerou o passo o máximo que podia ousar. Havia alguém lá... um velho enrugado, talvez, um antigo marinheiro. Ele teria uma garrafa de rum e falaria de modo rude e hostil. Quando um novo raio bri­lhou contra o céu, Gennie percebeu que já o adorava.

A estrutura lhe pareceu grande... um símbolo de segu­rança para alguém perdida no meio da tempestade. Parecia incrivelmente branca sob a luz da lanterna quando ela procurou na base por uma porta. A janela que estava iluminada ficava no alto, no terceiro piso do lado pelo qual Gennie se aproximou.

Ela achou uma porta de madeira rústica e bateu. A violência da tempestade engoliu o som e o dispersou. Mais perto do pânico do que queria admitir, Gennie bateu de novo. Podia ter andado tanto, chegado tão per­to, e não ser ouvida? O senhor idoso estava lá, pensou enquanto batia à porta, provavelmente assobiando e cortando lenha, talvez passando a noite afogando sauda­des em uma garrafa.

Desesperada, Gennie encostou-se contra a porta, sen­tindo a madeira molhada no rosto, assim como na lateral do punho, enquanto continuava batendo. Quando a porta se abriu, seu corpo foi lançado para frente, fazendo-a perder o equilíbrio. Seus braços foram amparados com força no momento em que ela caiu.

- Graças a Deus! - exclamou ela. - Tive medo que você não me ouvisse. - Com uma das mãos, tirou os ca­belos do rosto e olhou para o homem que considerava seu salvador.

Ele não era velho. Nem enrugado. Em vez disso, era jovem e magro, mas o rosto estreito e bronzeado de ân­gulos fortes podia ser de um homem que fazia alguma atividade marítima... na mesma linha do tataravô de Gen­nie. Os cabelos eram pretos e espessos como os dela, com aquele efeito desalinhado que um homem conseguia se ficasse parado no convés de um navio. A boca era carnuda e incrivelmente sensual, o nariz, um pouco aristocrático no rosto rústico. Os olhos eram de um castanho muito profundo sob sobrancelhas escuras. Olhos que não eram amigáveis, achou Gennie, nem mesmo curiosos. Expressavam puro aborrecimento.

- Como você chegou aqui?

Não eram as boas-vindas que ela esperava, mas a viagem através da tempestade a tinha deixado um pouco confusa.

- Vim andando - disse ela.

- Andando? - repetiu ele. - Assim? De onde?

- Alguns quilômetros para trás... meu carro enguiçou. - Ela começou a tremer, ou de frio, ou por reação nervo­sa. Ele ainda não a liberara, e Gennie não tinha se recu­perado o bastante para exigir isso.

- O que você estava fazendo dirigindo numa noite como essa?

- Eu... eu aluguei o chalé da sra. Lawrence. Meu car­ro enguiçou, então devo ter perdido a entrada no escuro. Eu vi a sua luz. - Ela respirou fundo e percebeu abrupta­mente que suas pernas estavam tremendo. - Posso me sentar?

Ele a olhou por mais um minuto, então, com um mur­múrio de resmungo, empurrou-a na direção de um sofá. Gennie sentou-se, inclinou a cabeça para trás e tentou se recompor.

E o que deveria fazer com ela?, perguntou-se Grant, enquanto a estudava. No momento, a mulher parecia que desmaiaria se respirasse mais fundo. Os cabelos estavam emplastrados na cabeça, levemente encaracolados e pre­tos como a noite. O rosto não era fino ou delicado, mas lindo ao estilo da realeza medieval... ossos longos, feições acentuadas. Uma princesa celta ou gaulesa com um pe­queno corpo atlético, que ele podia ver claramente, uma vez que as roupas estavam coladas a ele.

Grant pensou que o rosto e o corpo poderiam ser bas­tante atraentes em outras circunstâncias, mas o que mais o impressionara, quando ela o fitara, havia sido os olhos. Verdes da cor do mar, enormes, e levemente amendoados. Olhos de sereia, pensou. Por um segundo, ou talvez por meio segundo, Grant imaginou se ela poderia ser uma criatura mística que fora jogada na praia durante a tem­pestade.

A voz dela era suave e fluente, e embora ele reconhe­cesse o sotaque do sul, parecia quase uma língua estran­geira, considerando a cadência do litoral do Maine a que estava acostumado. Não era um homem que gostava de ter uma magnólia desabrochada na porta de sua casa. Quando ela abriu os olhos e o fitou, Grant desejou fervo­rosamente que nunca tivesse aberto a porta.

- Desculpe-me - começou Gennie. - Não fui muito coerente, fui? Não fiquei lá fora por mais de uma hora, mas pareceram dias. Sou Gennie.

 Grant enfiou os polegares nos bolsos da calça jeans e franziu o cenho para ela.

- Campbell, Grant Campbell.

Uma vez que ele não disse mais nada e continuou com o cenho franzido, Gennie fez o melhor que pôde para recomeçar:

- Senhor Campbell, não posso lhe dizer o quanto fiquei aliviada quando vi a sua luz.

Ele a olhou por mais um momento, pensando breve­mente que ela lhe parecia familiar.

- A saída para o chalé de Lawrence fica quase dois quilômetros para trás.

Gennie arqueou uma sobrancelha com o tom. Ele re­almente esperava que ela saísse na tempestade de novo e andasse, até achar o chalé? Tinha orgulho de ser calma e bem-humorada para uma artista, mas estava molhada e com frio, e o semblante pouco amistoso de Grant a irritou.

- Olhe, eu vou pagar por uma xícara de café e o uso deste... - ela deu um tapinha no sofá e uma leve nuvem de poeira levantou no ar -, desta coisa pela noite.

- Eu não recebo hóspedes.

- E você provavelmente chutaria um cachorro doente que aparecesse no seu caminho - acrescentou ela no mesmo tom. - Mas não vou sair de novo esta noite, sr. Campbell, e eu também não o aconselharia a tentar me pôr para fora.

Aquilo o divertiu, embora o humor não fosse revelado em sua expressão. Nem ele corrigiu a suposição de que pretendera mandá-la de volta para a tempestade. A decla­ração tinha tentado simplesmente revelar seu desprazer e o fato de que não aceitaria dinheiro. Se não tivesse ficado aborrecido, poderia ter apreciado o fato que, apesar de ensopada e levemente pálida, ela não perdia a pose.

Sem uma palavra, ele atravessou a sala e abaixou-se para inspecionar um gabinete de madeira entalhada. Gen­nie olhou para frente, ouvindo o que lhe pareceu ser o som de líquido em um copo.

- Você precisa mais de um uísque do que de um café no momento - disse Grant, colocando o copo embaixo do nariz dela.

- Obrigada - murmurou Gennie no tom gelado que as mulheres sulistas eram campeãs. Ela não deu um golinho delicado, mas virou o líquido de uma só vez, permitindo que o calor trouxesse seu corpo de volta ao normal. Então, devolveu o copo vazio para ale.

Grant olhou para o fundo do copo e quase sorriu.

- Quer mais um?

- Não, obrigada - replicou ela, de modo frio e arro­gante.

Eu devia ser colocado no meu lugar, pensou ele com ironia. Princesa contra camponês. Considerando suas opções, Grant começou a andar de um lado para o outro. Através das paredes espessas do farol, a chuva e o vento podiam ser ouvidos. Mesmo o curto percurso até a casa de Lawrence seria selvagem e terrível, se não perigoso. Seria mais fácil deixá-la dormir onde estava do que levá-la de carro até o chalé. Com um murmúrio que era mais de cuidado do que de desgosto, ele virou-se.

- Bem, venha - ordenou ele sem olhar para trás. - Você não pode ficar sentada aí tremendo a noite inteira.

Gennie considerou... considerou seriamente... jogar sua bolsa nele.

A escadaria a encantou. Ela quase comentou isso antes de deter-se. Era circular e de ferro, e muito, muito longa. Grant parou no segundo piso, o que Gennie cal­culou que era uns bons seis metros acima do primeiro. Ele movia-se como um gato no escuro, enquanto ela segurava no corrimão e esperava que ele alcançasse o interruptor de luz.

Uma iluminação fraca e muitas sombras foram lança­das sobre o piso de madeira. Ele passou por uma porta à direita, onde, ela descobriu, era o quarto de Grant... pe­queno, não particularmente organizado, mas com uma cama de latão antiga pela qual Gennie se apaixonou ime­diatamente. Grant foi até uma velha cômoda, que poderia ficar linda se reformada. Murmurando qualquer coisa para si mesmo, vasculhou e achou um robe atoalhado azul-claro.

- O banheiro fica do outro lado do corredor - disse ele, colocando o robe nos braços de Gennie antes de deixá-la sozinha.

- Muito obrigada - murmurou ela, ouvindo os passos dele já na escada. Com o queixo erguido e os olhos bri­lhando, ela atravessou o corredor e descobriu-se encan­tada mais uma vez.

O banheiro era de porcelana branca, com peças fixas de latão, as quais ele obviamente polia. O cômodo era um pouco maior do que um closet, mas, em algum ponto de sua história, tinha sido revestido de cedro e laqueado. Havia uma pia alta e um pequeno espelho. A luz ficava acima dela, acionada por uma cordinha.

Tirando as roupas molhadas, Gennie entrou na banhei­ra e fechou a cortina circular. Em um instante, tinha água quente caindo do chuveiro e aquecendo-lhe o corpo. Achou que o paraíso não podia ser mais doce, mesmo que fosse guardado pelo demônio.

Na cozinha, Grant fez um bule de café fresco. Então, pensando melhor, abriu uma lata de sopa. Supunha que deveria alimentá-la. Ali, na parte de trás da torre, o som do mar era mais alto. Era um som com o qual estava acostumado... não tanto que deixasse de ouvi-lo, mas geralmente o antecipava. Se o mar estava cruel e amea­çador como naquela noite, Grant tomava conhecimento, e então ia cuidar de seus negócios.

E teria cuidado de seus negócios se não tivesse encon­trado uma mulher ensopada do lado de fora de sua porta. Agora, calculava que teria de fazer hora extra naquela noite para compensar o tempo que ela estava lhe custan­do. Superando a primeira onda de irritação, Grant admi­tiu que não tinha saída. Daria a ela a hospitalidade básica de uma refeição quente e um teto sobre a cabeça, e isso seria tudo.

Um sorriso iluminou brevemente suas feições quando se lembrou da maneira como ela o olhara no momento em que se sentara pingando no sofá. A moça não era in­gênua, pensou. Grant tinha pouca paciência com mulhe­res ingênuas. Quando queria companhia, escolhia pesso­as que falavam o que pensavam e estavam dispostas a defender seu ponto de vista. De certa forma, era por isso que havia saído de sua rotina auto-imposta.

Fazia menos de uma semana desde seu retorno de Hyannis Port, onde dera em casamento a sua irmã, Shelby, a Alan MacGregor. E descobrira, desconfortavelmente, que a cerimônia o tornara sentimental. Não tinha sido difícil para os MacGregors convencê-lo a ficar por mais alguns dias. Gostara deles, do tempestuoso velho Daniel em particular, e Grant não era um homem que se apegava as pessoas facilmente. Desde criança se protegia, mas os MacGregors formavam um grupo irresistível. E de algu­ma maneira, ele se sentira enfraquecido pelo casamento cm si.

Entregar sua irmã ao noivo, algo que seria tarefa de seu pai, se estivesse vivo, lhe causara um misto de tanto prazer e dor que Grant ficara grato por ter a distração de alguns dias entre os MacGregors antes de retornar a Windy Point... mesmo tendo sido provocado pela intromissão não muito sutil de Daniel em sua vida pessoal. Ele se divertira a ponto de aceitar um convite aberto para retor­nar. Uma visita que tinha a intenção de fazer, embora tal decisão surpreendesse a ele mesmo.

Por agora, havia trabalho a ser feito, mas resignou-se, decidindo após rápida reflexão que uma pequena inter­rupção não causaria danos irreparáveis. Contanto que fosse de fato pequena. A moça podia passar a noite no quarto de hóspedes, então partiria pela manhã. Grant estava quase de bom humor no momento em que a sopa começou a ferver.

Ele a ouviu entrar na cozinha, embora o barulho da chuva continuasse alto. Virou-se, preparado para fazer um comentário moderadamente amigável, quando a visão dela em seu robe o desconcertou por completo.

Nossa, ela era linda! Linda demais para sua paz interior. O robe era grande no pequeno corpo, embora ela tivesse enrolado as mangas até quase os cotovelos. O azul-claro do tecido atoalhado acentuava-lhe o tom dourado da pele. Ela penteara os cabelos para trás, deixando o rosto limpo, exceto por alguns cachinhos que saíam perto das têmpo­ras. Com os olhos verdes-claros e cílios escuros, fitou-o de um jeito que a deixava mais do que nunca parecida com a sereia que Grant imaginava que ela fosse.

- Sente-se - ordenou ele, tremendamente irritado pela onda de desejo nada bem-vinda. - Você pode tomar uma sopa.

Gennie parou por um instante, os olhos percorrendo as costas largas dele, antes de se sentar à mesa de madei­ra rústica.

- Bem, obrigada. - A resposta de Grant foi um mur­múrio ininteligível, enquanto colocava o prato de sopa diante dela. Gennie pegou a colher, determinada a não deixar o orgulho interferir em sua fome. Apesar de sur­presa, não falou nada quando ele se sentou à sua frente, com o próprio prato de sopa.

A cozinha era pequena, bem iluminada, e muito, mui­to silenciosa. Os únicos sons vinham do vento e da água incansáveis do lado de fora das paredes espessas. No começo, Gennie comeu com os olhos fixando teimosa­mente o prato, mas quando a fome insuportável passou, começou a olhar o cômodo ao redor. Pequeno, com cer­teza, mas sem espaço desperdiçado. Armários de carvalho bruto rodeavam as paredes, dando um espaço generoso 1 para mantimentos e utensílios. Os balcões também eram -de madeira, porém lixados e polidos. Ela notou a presen­ça das modernas conveniências de uma cafeteira e uma torradeira.

Ele parecia cuidar mais daquele cômodo do que do resto da casa. Não havia pratos na pia, nem farelos ou sujeira. E os únicos aromas eram os da sopa e do café. Os eletrodomésticos eram velhos e um pouco desgastados, no entanto, não estavam sujos.

Com a fome saciada, Gennie percebeu que sua raiva também passara. Tinha, afinal de contas, invadido a pri­vacidade dele. Nem todo mundo oferecia hospitalidade a uma estranha com sorrisos e braços abertos. Grant não fora simpático, mas não lhe fechara a porta. Além disso, lhe dera uma roupa seca e comida, acrescentou ela, ten­tando superar o orgulho.

Franzindo o cenho de leve, passou os olhos pela to­alha da mesa, até pousá-los nas mãos dele! Meu Deus, pensou abalada, que mãos maravilhosas! Os pulsos eram estreitos, parecendo conter uma força graciosa e muita habilidade. As costas das mãos eram profundamente bronzeadas, longas e magras, assim como os dedos. As unhas eram curtas e retas. Másculas foi a primeira pa­lavra que lhe veio à mente, seguida de delicadas. Gennie podia visualizar aquelas mãos segurando uma flauta com a mesma facilidade que podia vê-las empunhando uma espada.

Por um momento, esqueceu o resto do homem, tão fascinada ficara pelas mãos e também pela própria reação a elas. Sentiu a emoção, mas não a reprimiu. Tinha cer­teza de que qualquer mulher que reparasse naquelas mãos românticas e maravilhosas automaticamente imaginaria como seria a sensação delas em sua pele. Mãos impacien­tes, hábeis. O tipo de mãos que tanto podiam rasgar as roupas de uma mulher, quanto tirá-las gentilmente antes que ela tivesse idéia do que estava acontecendo.

Quando Gennie reconheceu o sentimento de excitação que lhe percorria a coluna, conteve-se. O que estava pensando? Nem mesmo sua imaginação podia seguir naquela direção. Um pouco zonza pela sensação que se recusava a desaparecer, ergueu os olhos para o rosto dele.

Grant a estava observando. De maneira fria, como um cientista observava um espécime em estudo. No momento em que ela parará de comer tão subitamente, ele vira os olhos verdes irem para as suas mãos e per­manecerem ali, com os cílios baixos, a fim de esconder-lhe a expressão. Grant tinha esperado, sabendo que, mais cedo ou mais tarde, ela olharia para cima. Esperara raiva ou simples educação formal. O semblante de cho­que no rosto de Gennie o intrigou. Mas foi sua vulnera­bilidade que o fez desejá-la quase com desespero. Mesmo quando ela entrara na casa, molhada e perdida, não tinha parecido indefesa. Perguntou-se o que ela faria se ele apenas se levantasse, ajudasse-a a fazer o mesmo e a levasse para sua cama. Perguntou-se o que estava lhe acontecendo.

Eles se entreolharam, cada um abalado por sentimen­tos indesejados, enquanto a chuva e o vento batiam con­tra as paredes, separando-os de qualquer coisa civilizada. Grant pensou novamente que ela parecia uma sereia. Gennie pensou que ele a lembrava de um ancestral da idade da pedra.

Os pés da cadeira de Grant arranharam no chão quan­do ele a afastou da mesa. Gennie congelou.

- Há espaço no segundo piso com uma cama. - Os olhos dele estavam duros e escuros, com uma raiva contida... o estômago se contorcendo com o desejo reprimido.

Gennie descobriu que as palmas de suas mãos estavam úmidas de nervoso e ficou furiosa. Melhor ficar furiosa com ele.

- O sofá aqui embaixo está ótimo - murmurou ela com frieza.

Ele deu de ombros.

- Fique à vontade. - Sem mais uma palavra, ele saiu andando. Gennie esperou até ouvir-lhe os passos na es­cada antes de pressionar uma das mãos sobre o estômago. Da próxima vez que visse uma luz no escuro, disse a si mesma, correria na direção oposta.

 

Grant detestava ser interrompido. Tolerava ser amaldi­çoado, ameaçado ou desprezado, mas nunca tolerara in­terrupções. Nunca lhe importara particularmente ser ad­mirado, contanto que fosse deixado em paz para fazer o que escolhesse. Tinha crescido vendo seu pai perseguir a boa vontade dos outros... um aspecto necessário à carrei­ra de um senador que escolhera se candidatar ao posto mais alto no país.

Mesmo quando criança, Grant sabia que seu pai era um homem que provocava sentimentos extremos. Era amado por alguns, temido ou, até mesmo, odiado por outros, e, numa campanha política, podia inspirar muita lealdade. Tinha sido um homem que abandonava as pró­prias necessidades para fazer favores a amigos ou a es­tranhos. Seus ideais eram altos, a memória aguçada, e a facilidade com as palavras, uma característica admirável. O senador Robert Campbell fora um homem que sentia que seu dever era tornar-se acessível ao povo. Até o mo­mento em que alguém o atingira com três balas.

Grant não havia apenas culpado o homem que segu­rara a arma, ou a carreira política, como sua irmã fizera.De seu próprio jeito, Grant culpara o pai. Robert Campbell entregara-se para o mundo, e isso o matara. Talvez por esse motivo, Grant não se entregava a ninguém.

Ele não considerava o farol um refugio. Era simples­mente o seu lugar. Apreciava a distância dos outros que o lugar lhe proporcionava, e saboreava a crueldade e a harmonia dos elementos da natureza. A solidão ali era necessária para o seu trabalho e para si mesmo. Necessi­tava de horas, mesmo de dias de isolamento. Pensamen­tos não interrompidos eram algo que considerava um direito seu. Ninguém, absolutamente ninguém, tinha permissão de interferir nisso.

Na noite anterior, estava trabalhando em seu projeto atual quando a chegada inesperada de Gennie o forçara a parar. Grant era perfeitamente capaz de ignorar uma ba­tida à porta, mas, uma vez que sua linha de raciocínio fora interrompida, tinha atendido... com vontade de estrangu­lar o intruso. Gennie podia se considerar sortuda por ele ter sido apenas um pouco rude. Em certa ocasião, uma turista tivera a infelicidade de enfrentar a ira de Grant, e ameaçara jogá-lo no oceano.

Uma vez que Grant levou quase uma hora para voltar a se concentrar no trabalho, depois de ter deixado Gen­nie na cozinha, ficou acordado a maior parte da noite. Interrupções, intrusões. Eram coisas intoleráveis. Pensara assim na noite anterior, e agora, quando o sol pe­netrava pela janela e batera nos pés da cama, pensava novamente.

Grogue por ter dormido no máximo quatro horas, Grant ouviu uma voz vindo pelo vão da escada. Ela esta­va cantando uma música agradável, do tipo que você ouvia todas as vezes que ligava o rádio... algo que Grant fazia todos os dias de sua vida, tão religiosamente quan­to ligava a televisão e lia uma dúzia de jornais. Ela can­tava bem, uma voz baixa e afinada que transformava as frases românticas em alguma coisa sedutora. Porém, ela já tinha interrompido seu trabalho na noite anterior, e agora estava interrompendo seu sono.

Com um travesseiro sobre a cabeça, ele podia bloque­ar o som. Mas descobriu que não era capaz de bloquear sua reação àquilo. Era muito mais fácil no escuro, com o lençol quente sobre o peito, imaginá-la. Praguejando, Grant jogou o travesseiro de lado e saiu da cama para vestir uma bermuda. Meio dormindo, meio excitado, desceu a escada.

A manta de lã que ela usara na noite anterior já estava dobrada sobre o sofá. Irritado, Grant seguiu a voz de Gennie que vinha da cozinha.

Ela ainda estava de robe, descalça, com os cabelos soltos batendo no meio das costas. Ele gostaria de tocá-los para ver se as mechas avermelhadas que pareciam brilhar nos cabelos negros eram reais ou apenas um truque da luz.

O bacon estalava numa frigideira sobre o fogão, e o cheiro de café era como o paraíso.

- O que você está fazendo?

Gennie virou-se segurando um garfo em uma das mãos, enquanto a outra foi para o coração em reflexo ao susto. Apesar do sofá desconfortável, tinha acordado bem-humorada... e faminta. O sol estava brilhando, gaivotas cantavam, e a geladeira encontrava-se generosa­mente estocada. Havia decidido que Grant Campbell merecia uma outra chance. Portanto, fora para a cozinha, prometendo a si mesma que seria amigável a qualquer custo.

Ele estava parado diante dela agora, seminu e obvia­mente zangado, os cabelos desalinhados e uma barba despontando no maxilar. Gennie deu-lhe um sorriso de­terminado.

- Estou preparando o café da manhã. Achei que era o mínimo que eu podia fazer, em agradecimento por uma noite de abrigo.

Mais uma vez, Grant teve a sensação de que havia algo familiar nela. E franziu o cenho.

- Não gosto que ninguém mexa nas minhas coisas.

Gennie abriu a boca, então voltou a fechá-la antes que falasse alguma coisa perversa.

- A única coisa que quebrei foram ovos - disse ela suavemente, enquanto indicava a vasilha onde pretendia bater os ovos. - Por que você não faz um favor a nós dois? Pegue uma xícara de café, sente-se e cale-se. - Com uma inclinação quase imperceptível da cabeça, ela lhe deu as costas.

As sobrancelhas de Grant se arquearam, mais de admiração do que de surpresa. Nem todo mundo podia mandá-lo calar-se num tom de voz derretido e obter sucesso. Teve a impressão de que não era a primeira pessoa para quem ela dava ordens. Com algo perigosa­mente perto de um sorriso, ele pegou uma caneca e fez exatamente o que ela falou.

Gennie não cantou mais enquanto terminava de pre­parar a refeição, mas ele teve a impressão que ela teria mostrado mau humor se não quisesse que Grant pensas­se que não a afetava. Na verdade, ele tinha certeza de que havia um murmúrio de palavras raivosas dentro da cabeça dela.

Logo que deu um gole no café, Grant despertou com­pletamente, assim como sentiu fome. Pela primeira vez, estava sentado na pequena cozinha, enquanto uma mulher lhe preparava o café da manhã. Nada que quisesse trans­formar em hábito, pensou observando-a. Mas até que não era uma experiência desagradável.

Ainda em silêncio, Gennie colocou os pratos na mesa, seguidos pela travessa de ovos com bacon.

- Por que você estava indo para o velho chalé de Lawrence? - perguntou ele, servindo-se.

Gennie o fitou com olhos estreitos. Então, agora teremos uma conversa educada, pensou e quase cerrou os dentes.

- Aluguei o chalé - respondeu brevemente, pondo sal nos ovos.

- Pensei que o chalé da viúva Lawrence estivesse à venda.

- Está.

- Você está um pouco atrasada para alugar um chalé na praia. É baixa temporada - comentou Grant, sabore­ando os ovos.

Gennie deu de ombros, enquanto se concentrava na refeição.

- Não sou turista.

- Não? - Ele lhe lançou um olhar longo e firme, que ela achou tanto hábil quanto intrusivo. - Louisiana, certo? Nova Orleans, Baton Rouge?

- Nova Orleans. - Gennie esqueceu a irritação apenas o bastante para estudá-lo. - Você também não é daqui?

- Não - replicou ele, sem adicionar mais nada.

Oh, não, pensou Gennie. Ele não ia iniciar uma con­versa e depois parar quando lhe conviesse!

- Por que um farol? - persistiu ela. - Não está funcio­nando, está? Foi a luz da janela que segui ontem à noite, não o farol.

- A Guarda Costeira cuida desse trecho com radar. Esta estação não é usada há dez anos. Você ficou sem gasolina? - perguntou ele, antes que ela se desse conta que Grant não respondera à sua pergunta.

- Não. Parei no acostamento da estrada por alguns minutos. Então, quando tentei ligar o carro de novo, ele apenas fez ruídos estranhos e não pegou mais. - Ela mordeu uma fatia de bacon. - Acho que precisarei chamar um guincho na cidade.

Grant fez um som que podia ser uma risada.

- Talvez consiga um guincho em Bayside, mas não vai achar um em Windy Point. Vou dar uma olhada no seu carro - disse ele quando terminou o café. - Se eu não conseguir resolver, você pode chamar Buck Gates na cidade para ir lá e fazer o carro pegar. Ela o estudou por quase trinta segundos.

- Obrigada... murmurou Gennie cautelosamente. Grant levantou-se e levou seu prato para a pia.

- Vá se vestir - ordenou. - Tenho trabalho a fazer. - Pela segunda vez, deixou Gennie sozinha na cozinha.

Por uma única vez, pensou ela, pondo o seu prato em cima do dele, gostaria de dar a última palavra. Apertando o cinto do robe de Grant, saiu da cozinha. Sim, iria se vestir, disse a si mesma. E faria isso com rapidez, antes que ele pudesse mudar de idéia. Rude ou não, ela aceita­ria a oferta de ajuda. Depois disso, Grant Campbell podia ir para o inferno se quisesse.

Não havia sinal dele no segundo andar quando ela entrou no banheiro para se vestir. Gennie tirou o robe e pendurou-o num gancho atrás da porta. Suas roupas es­tavam secas, e pensou que poderia ignorar o fato de que os tênis ainda estavam frios e úmidos. Com sorte, chega­ria ao chalé dentro de uma hora. Isso lhe daria o resto da tarde para desenhar. A idéia levantou-lhe o ânimo quando voltou para o andar de baixo. Novamente, não havia sinal de Grant. Após uma pequena luta com a porta pesada, Gennie saiu da casa.

Estava tão claro que ela quase perdeu o fôlego. A tempestade que visitara o lugar na noite anterior apenas limpara o tempo. Os lugares na Terra onde o ar realmente tinha vida eram, ela sabia, e aquele era um deles. O céi estava azul e sem nuvens, com o sol brilhando maravilhosamente. Havia um gramado na lateral do farol, tão selvagem quanto as flores espalhadas sobre ele. Di­versas plantas oscilavam com a brisa do fim do verão; no entanto, o sol estava quente.

Ela podia ver a estrada pela qual viajara na noite an­terior, mas ficou surpresa pela casa de fazenda de três andares a poucos metros de distância. Pela camada de poeira nas janelas e o gramado na altura da cintura, era óbvio que estava deserta, mas não dilapidada. A casa devia ter pertencido a uma família, quando o farol ainda estava em funcionamento, concluiu Gennie. Teria havido um jardim, e talvez algumas galinhas. E noites em que o vento uivava e as ondas batiam com força, com o dono em seu posto no farol, enquanto a família ficava sentada e ouvia os sons da natureza.

A pintura branca estava gasta, mas as persianas con­tinuavam lá. Ela achou que a propriedade estava esperan­do para ser habitada novamente.

Havia uma pequena picape perto da base da ladeira, que ela presumiu ser de Grant. Porque ele não estava em lugar algum à vista, Gennie rodeou a lateral do farol, respondendo ao chamado do mar.

Dessa vez, realmente perdeu o fôlego. Podia ver qui­lômetros da linha costeira irregular, sobre as minúsculas ilhas, e o horizonte à distância. Havia barcos na água, pequenos barcos sólidos de pescadores de lagostas. Sabia que não veria artesanato de cromo ou de mogno ali. Aquele era um lugar de propósito, não de prazer ocioso. Força, durabilidade. Foi isso que sentiu quando olhou para a água azul esverdeada com suas ondas brancas es­pumantes batendo contra as pedras.

Algas flutuavam na superfície, se reunindo e se es­palhando com o movimento da água. Tudo ali tinha o jeito do mar. As pedras eram alisadas por ele, e a cordi­lheira de pedras erguia-se, mostrando cores que iam do cinza ao verde, com alguns tons alaranjados. Conchas enfeitavam a areia, jogadas para fora do mar para serem pisadas por pés descuidados. O cheiro de sal e peixe era forte. Ela podia ouvir o toque dos sinos, o movimento distante dos barcos de lagosta, e os gritos desolados das gaivotas. Não havia nada, nenhum som, nenhuma visão, nenhum aroma, que viesse de algum outro lugar que não o mar infinito.

Gennie sentiu isso... o chamado que havia atraído homens e mulheres desde o começo dos tempos. Era possível que a humanidade tivesse verdadeiramente nas­cido ali, e talvez por esse motivo, as pessoas fossem tão facilmente levadas de volta àquele lugar. Ela se sentou no peitoril acima da estreita praia de pedras e perdeu-se em divagações. Perigo, desafio, paz. Sentiu tudo isso e um grande contentamento a dominou.

Não ouviu Grant se aproximando. Estava muito con­centrada no mar para senti-lo atrás de si, embora ele a estivesse observando havia algum tempo. Ela parecia pertencer àquele lugar, pensou ele, e poderia tê-la amal­diçoado por isso. Aquele terreno era dele, o pequeno pedaço de terra isolada que pairava sobre o mar.

Não podia alegar que possuía o oceano, nem mesmo quando este subia ao meio-dia para lamber a margem de sua terra, mas aquela fatia de pedras e grama selvagem lhe pertencia, exclusivamente. Gennie não tinha o direito de parecer pertencer ao lugar... de fazê-lo questionar-se se a rocha seria apenas sua outra vez.

O vento colava as roupas dela ao corpo, como a chuva fizera na noite anterior, acentuando o corpo atlético e esbelto, com suas curvas femininas. Os cabelos soltos dançavam freneticamente, enquanto o sol lançava aqueles toques de fogo nos fios pretos que ele tanto desejava tocar. Antes de perceber o que estava fazendo, Grant segurou-lhe o braço e virou-a para encará-lo.

Não havia surpresa no rosto dela quando o olhou, mas excitação... e uma excitação que ele sabia que vinha do mar.

- Ontem à noite, fiquei me perguntando por que al­guém escolheria viver aqui. - Ela tirou os cabelos dos olhos. - Agora, pergunto-me como alguém vive em qual­quer outro lugar. - Gennie apontou para um pequeno barco de pesca no fim do píer. - E seu?

Grant continuou olhando-a, percebendo de repente que quase a puxara para seus braços e a beijara... Chegara tão perto disso que quase podia sentir o gosto dela em sua boca. Com um esforço, virou a cabeça na direção que ela apontava.

- Sim, é meu.

- Estou impedindo você de trabalhar. - Pela primeira vez, Gennie lhe deu o simples presente de um sorriso sincero. - Suponho que você teria acordado mais cedo se eu não o tivesse atrapalhado.

Com um murmúrio ininteligível de resposta, Grant começou a conduzi-la para a picape. Suspirando, Gennie desistiu de sua promessa matinal de ser amigável.

- Sr. Campbell, precisa ser sempre tão desagradável?

Grant parou apenas o bastante para lançar-lhe um olhar... um que Gennie jurava que continha uma ironia divertida.

- Sim.

- Você faz isso muito bem - disse ela quando ele começou a conduzi-la para frente de novo.

- Tenho anos de prática. - Ele a liberou quando che­garam à picape, então abriu a própria porta e entrou. Sem comentários, Gennie abriu a outra porta e acomodou-se no assento de passageiro.

O motor foi ligado, e o barulho que lembrava cidades e trânsito a fez pensar que aquilo era um sacrilégio. Olhou para trás quando ele pegou a estrada curvilínea e soube instantaneamente que pintaria... tinha de pintar aquele cenário. Quase declarou sua intenção em voz alta, mas então viu o perfil emburrado de Grant.

Problema dele, pensou Gennie. Ela pintaria enquanto ele estivesse pegando lagostas ou o que quer que fizesse no mar. Grant nem mesmo precisaria saber. Ela se sentou ereta, cruzou as mãos no colo e ficou calada.

Grant dirigiu pouco mais de um quilômetro quando começou a se sentir culpado. A estrada estava péssima e, à noite, teria parecido pior, com tantos sulcos e pedras. Qualquer um que percorresse aquele caminho a pé se sentiria exausto, miserável. Qualquer um que não conhe­cesse o caminho teria ficado apavorado, também. E ele não mostrara a menor simpatia ou preocupação. Ainda franzindo o cenho, deu uma olhada rápida para ela. Gen­nie não parecia frágil, mas ele nunca teria acreditado que caminhara tanto por aquela estrada escura e ruim com toda aquela chuva.

Ele começou a formar na mente um pedido de descul­pas que a deixaria atônita no momento em que ela ergueu o queixo.

- Aí está o meu carro - murmurou ela com a voz distante e educada de novo... até mesmo submissa dessa vez. Grant engoliu o pedido de desculpas.

Ele virou o volante em direção ao carro, inclinando o corpo sobre Gennie mais do que o necessário. Nenhum dos dois comentou nada quando ele desligou o motor e desceu. Grant abriu o capo do veículo, enquanto Gennie ficou parada com as mãos nos bolsos da calça jeans.

Ele falava sozinho, notou ela, enquanto mexia em alguma coisa dentro do capo. Gennie supôs que era uma coisa natural para alguém que vivia isolado na beira de um penhasco. Mas, de qualquer forma, pensou com um sorriso, às vezes também se pegava conversando consigo mesma no altamente populoso Vieux Carré.

Grant voltou para a picape, e pegou uma caixa de ferramentas da caçamba. Vasculhou lá dentro, escolheu chaves de fenda de tamanhos diferentes e voltou para o capo do carro. Comprimindo os lábios, Gennie aproxi­mou-se para espiar por sobre o ombro de Grant. Ele parecia saber qual era o defeito, concluiu. E algumas chaves de fenda não pareciam tão complicadas. Se ela apenas pudesse... Inclinando-se para mais perto, auto­maticamente descansou a mão nas costas dele para manter o equilíbrio.

Grant não teve a intenção, mas ao virar-se, o braço roçou-lhe o seio com o movimento. O que podia facil­mente acontecer com estranhos em um elevador sem que ninguém notasse. Todavia, ambos sentiram o poder do contato, e a forte onda de desejo.

Gennie teria recuado se não tivesse de repente se fla­grado fitando aqueles olhos escuros e impacientes... sentido a respiração quente e acelerada contra seus lábios. Mais um centímetro, pensou, apenas mais um centímetro e aquela boca sensual cobriria a sua. A mão dela desliza­ra para o ombro largo, e sem perceber, seus dedos tinham exercido pressão ali.

Grant sentiu a pressão, mas não era nada comparado ao arrepio que sentiu na nuca, na base da coluna e no meio do estômago. Pegar o que estava ao seu alcance poderia tanto aliviar a pressão, quanto fazer tudo entrar em com­bustão. No momento, não tinha certeza de qual dos resul­tados preferia.

- O que você está fazendo? - perguntou ele, mas dessa vez o tom de voz não continha raiva.

Hipnotizada, Gennie continuou fitando-lhe os olhos. Podia ver a si mesma neles, pensou de forma entorpecida. Quando se perdera ali?

- O quê?

Eles ainda estavam apoiados contra o carro, Gennie com a mão sobre o ombro dele, Grant com uma das mãos no parafuso e a outra na chave de fenda. Precisava apenas mudar de posição para uni-los. E quase o fez, antes de lembrar-se de quanto ela parecera pertencer à sua terra no momento que admirava o mar.

Toque nesta mulher, Campbell, e terá problemas. O tipo de problema que um homem não consegue afastar apenas entoando uma canção.

- Perguntei o que você estava fazendo... - murmurou ele no mesmo tom tranqüilo, porém o olhar foi para a boca de Gennie.

- Fazendo? - O que ela estava fazendo? - Eu... ah... eu queria ver como você conserta isso, de modo que... - O olhar de Grant prendeu o seu novamente, dispersando qualquer pensamento coerente.

- De modo que... - repetiu ele, gostando do fato de que podia confundi-la.

- De modo que... - A respiração dele sussurrava em seus lábios. Sem perceber, ela umedeceu-os com a língua para provar o gosto. - De modo que, se acontecer de novo, eu possa consertar.

Grant sorriu... devagar, deliberadamente. De manei­ra insolente? Gennie não tinha certeza, mas seu coração estava batendo com violência contra o peito. O sorriso dele, qualquer que fosse a intenção do mesmo, adicio­nava um charme perverso e irresistível ao rosto bonito. Ela pensou que era um sorriso que um bárbaro poderia dar à sua mulher antes de jogá-la sobre o ombro e levá-la para uma caverna escura. Com a mesma lentidão, ele virou-se e começou a trabalhar com a chave de fendas novamente.

Gennie deu um passo atrás e respirou fundo. Aquilo tinha chegado perto... muito perto. Do quê, não sabia ao certo, mas de algum lugar que nenhuma mulher inteligen­te consideraria seguro. Ela pigarreou.

- Você acha que pode consertar?

- Hmmm.

Gennie entendeu aquilo como uma afirmativa. Então, aproximou-se, dessa vez ficando na lateral do capo.

- Um mecânico consertou o carro algumas semanas atrás.

- Acho que você vai precisar de válvulas novas em breve. Se eu fosse você, pediria para Buck Gates dar uma olhada.

- Ele é mecânico? No posto de gasolina?

Grant endireitou o corpo. Não estava sorrindo agora, mas a expressão dos olhos era de divertimento.

- Não há posto de gasolina em Windy Point. Se você precisa de gasolina, vai às docas e bombeia. Se tem pro­blemas com o carro, procura Buck Gates. Ele conserta barcos de lagostas, e um motor é um motor. - Grant falou a última frase com um sotaque do leste, e um pequeno sorriso que não tinha nada a ver com condescendência. - Ligue o carro.

Deixando a porta aberta, Gennie sentou-se atrás do volante. Uma virada na chave fez o motor despertar ale­gremente. Enquanto ela suspirava aliviada, Grant fechou o capo. Gennie desligou o motor, e ele voltou para a picape a fim de guardar as ferramentas.

- O chalé de Lawrence fica a aproximadamente um quilômetro daqui, à esquerda. Não há como você perder a saída, a menos que esteja no meio de uma tempestade, à noite, apenas com uma lanterna.

Gennie conteve uma risadinha. Não o deixe ter nenhu­ma capacidade de se redimir, suplicou. Faça com que eu me lembre dele como um homem rude e cruel, que, por acaso, é incrivelmente sexy.

- Manterei isso em mente.

- E eu não mencionaria que você passou a noite na Estação de Windy Point - acrescentou ele, colocando a caixa de ferramentas de volta no lugar. - Tenho urna re­putação a zelar - zombou.

Dessa vez, ela mordiscou o lábio para reprimir um sorriso.

- Verdade?

- Sim. - Grant virou-se, encostou-se contra a cami­nhonete por um momento e olhou-a mais uma vez - O povo do vilarejo me considera estranho. Eu perderia al­guns pontos se eles descobrissem que não a coloquei para fora e bati a porta.

Dessa vez, Gennie sorriu... mas só um pouquinho.

- Dou-lhe a minha palavra. Ninguém saberá, através de mim, que bom samaritano você é. Se alguém perguntar, direi que você é rude, desagradável e quase sempre cruel.

- Eu apreciaria isso.

Quando ele começou a subir na picape, Gennie pegou a carteira.

- Espere, eu não paguei por...

- Esqueça isso.

Ela pôs a mão na maçaneta da porta.

- Não quero me sentir em dívida com você por.

- Durona. - Grant ligou o motor. - Ouça, tire seu carro de onde está. Não posso virar com você no meu caminho.

Estreitando os olhos, Gennie virou-se. Então as pes­soas do vilarejo o consideravam estranho, pensou, en­quanto fechava aporta do carro. Povo perceptivo. Gennie começou a dirigir numa velocidade cautelosa, decidida a não olhar pelo espelho retrovisor. Quando chegou à saída certa, virou à esquerda. O único sinal de Grant Campbell era o barulho forte da caminhonete que seguia em frente. Gennie disse a si mesma que não pensaria mais nele.

E não pensou enquanto seguia pela estradinha reta com flores desabrochando de cada lado. O som da picape tornou-se um eco distante, que logo desapareceu. Sem árvores para bloquear a visão, Gennie avistou o chalé quase imediata­mente, e ficou encantada. Era com certeza pequeno, mas evocava imagens dos sete anões da história de Branca de Neve. Ela visualizou uma mulher com um vestido simples, estendendo roupas no varal, e um pescador de aparência rude cortando lenha na pequena varanda.

A casa tinha sido pintada de azul, mas o tempo a dei­xara acinzentada. Uma estrutura quadrada de um único andar, possuía uma modesta varanda de frente para o terreno e, ela logo descobriria, uma outra varanda escon­dida com vista para a baía. Um píer que parecia um pouco instável estendia-se sobre a água calma e cristalina. Alguém havia plantado um salgueiro perto da margem, mas não eslava florescendo.

Gennie desligou o motor e ficou impressionada com o silencio. Agradável, pacífico... Sim, podia viver com isso, trabalhar com isso. Todavia, descobriu que preferia o barulho do mar que Grant tinha do lado de fora de sua porta.

Oh, não, lembrou-se com firmeza. Tinha prometido a si mesma não pensar nele. E não pensaria. Depois de sair do carro, Gennie pegou a primeira caixa de mantimentos e subiu a escada de tábuas para a porta da frente do cha­lé. Teve de lutar com a fechadura por um momento; de­pois, a porta se abriu com um rangido.

A primeira coisa que notou foi a arrumação do lugar. A viúva Lawrence não mentira quando havia lhe garan­tido que o chalé estava limpo. Os móveis estavam cober­tos para serem protegidos da poeira, mas não havia pó. Obviamente, a proprietária ia lá com freqüência para limpar e arejar o local. Gennie achou a idéia tocante e triste. As paredes eram pintadas de azul-claro, mas man­chas mais claras aqui e ali indicavam onde quadros tinham ficado pendurados por muitos anos. Carregando a caixa de mantimentos, Gennie andou em direção ao fundo da casa e encontrou a cozinha.

O senso de ordem estava ali também. Balcões de fórmica sem manchas, e a pia de porcelana brilhava. Um toque na torneira mostrou que o encanamento realmente estava em ordem. Gennie pôs a caixa no chão e foi para a porta dos fundos e para a varanda cercada de tela. O ar estava quente e úmido, com gosto de mar. Alguém havia reparado alguns furos da tela e o piso estava rachado, mas limpo.

Muito limpo, percebeu ela. Não havia sinal de vida no chalé, e quase nenhum eco da vida que um dia existira lá. Ela teria preferido a desordem empoeirada que encontra­ra no farol de Grant. Alguém vivia lá. Alguém vivo. Meneando a cabeça, reprimiu o pensamento. Alguém vivia neste chalé agora... e logo a pequena casa saberia disso. Rapidamente, voltou para o carro a fim de descar­regá-lo.

Porque tinha viajado durante o dia, e pela organização impecável do lugar, levou menos de duas horas para Gennie distribuir seus pertences pela casa. Os dois quar­tos eram pequenos, e apenas um deles tinha uma cama. Quando Gennie arrumou-a com os lençóis que comprara, descobriu que o colchão era de penas. Fascinada, passou algum tempo pulando sobre ele e afundando. No segundo quarto, guardou seu material de pintura. Após tirar os panos que protegiam os móveis do pó, e pendurar algumas de suas pinturas nos locais desbotados das paredes, co­meçou a ter uma sensação de lar.

Descalça e satisfeita consigo mesma, foi dar uma volta pelo do píer. Algumas tábuas rangeram, e outras balançaram, mas ela concluiu que a estrutura era suficien­temente segura. Talvez comprasse um pequeno barco e explorasse a baía. Podia fazer o que lhe desse vontade agora, ir aonde quisesse. Suas raízes em Nova Orleans a chamariam de volta um dia, mas o desejo de viajar, que a levara ao norte seis meses atrás, ainda demoraria a de­saparecer.

Desejo de viajar, repetiu, sentindo os olhos marejarem. Não, a palavra certa era culpa... ou dor. Sentimentos que ainda a perseguiam, e talvez a perseguissem para sempre. Já fazia mais de um ano, pensou, fechando os olhos. Dezessete meses, duas semanas e três dias. E ainda podia ver Angela. Talvez devesse se sentir grata por isso... pelo fato de que sua memória de artista era capaz de conjurar o rosto de sua irmã exatamente como tinha sido. Jovem, lindo, vibrante. Mas, por outro lado, era muito fácil ver Angela sem vida... da maneira que sua irmã tinha ficado depois que Gennie a matara.

Não foi culpa sua. Quantas vezes tinha ouvido isso?

Não foi culpa sua, Gennie. Você não pode se culpar.

Oh, sim, eu posso, pensou ela com um suspiro. Se eu não estivesse dirigindo... Se meus reflexos tivessem sido mais rápidos... Se eu ao menos tivesse visto aquele carro passando com o farol vermelho...

Não havia retorno, e Gennie sabia disso. O número de vezes que a culpa impotente e o sofrimento a assolavam era menor agora, mas não era menos doloroso. Possuía a sua arte, e, às vezes, acreditava que somente a arte salva­ra-lhe a sanidade após a morte da irmã. No gerai, a viagem estava sendo boa para ela... afastando as memórias que ainda estavam muito próximas, e deixando-a se concentrar na pintura que tanto amava.

A arte se tomara muito parecida com um negócio próprio nos últimos anos. Ela quase se perdera em vendas e exibições. Agora, tinha voltado à base... e precisava disso. Óleo, acrílico, aquarela, carvão vegetal. E as telas que esperavam para ser preenchidas.

Talvez a dura realidade de perder sua irmã a tivesse influenciado para procurar a mesma dura realidade em seu trabalho. Podia ter sido seu jeito de se forçar a aceitar a vida... e a morte. Seus quadros abstratos, a qualidade nebulosa de sua pintura, sempre deram uma nuance branda ao mundo que criava. Não exatamente real, mas na qual era muito fácil acreditar. Agora, estava atraída pelo simples, pelas coisas banais do dia-a-dia. A realidade nem sempre era bonita, porém havia uma força nela que Gennie começava a entender.

Bla respirou profundamente. Sim, pintaria aquela quietude, a pequena baía. Haveria tempo para isso. Mas antes, agora, precisava do poder e do desafio do oceano. Uma olhada no relógio informou-a de que era meio-dia. Com certeza ele já teria saído de barco agora, conside­rando o tempo que ela o fizera perder pela manhã. Teria três ou quatro horas para esboçar o farol de diferentes ângulos sem que Grant soubesse. E se ele descobrisse, pensou ela dando de ombros, que diferença faria? Uma mulher com um bloco de desenho não podia perturbá-lo. Em qualquer caso, ele poderia ficar trancado dentro de casa c ignorá-la, se não gostasse de sua presença lá. Exa­tamente como ela pretendia ignorá-lo.

O estúdio de Grant era no terceiro piso. Mais precisa­mente, o estúdio era o terceiro piso. O que um dia tinham sido três quartos minúsculos fora transformado em um cômodo com uma forte iluminação natural, vinda do norte. Gabinetes com tampo de vidro continham diversos materiais, completamente organizados. Canetas tinteiro, réguas, pincéis de marta, uma ampla variedade de lápis e borrachas, compasso, T-quadrado. Um engenheiro ou um arquiteto teria reconhecido diversas daquelas ferramentas e aprovado a qualidade. O papel fosco já estava aberto sobre sua prancheta.

Na parede branca diante dele, havia um espelho e uma reimpressão emoldurada do The Yellow Kid, uma história em quadrinhos de quase cem anos de idade. Do outro lado da sala, ficava um rádio sofisticado e uma televisão colo­rida. A pilha de jornais e revistas no canto ia do chão até a altura da cintura. A sala tinha o senso de ordem prática que Grant não se importava em ter em nenhum outro aspecto de sua vida.

Trabalhara sem pressa pela manhã. Algumas vezes, trabalhava freneticamente, não por causa de prazos... estava sempre um mês à frente de sua agenda... mas por­que seus próprios pensamentos o pressionavam. Outras vezes, levava uma ou duas semanas simplesmente para reunir idéias e organizá-las. Em certas ocasiões, trabalha­va a noite inteira, quando aquelas mesmas idéias lutavam para ser colocadas no papel.

Ele terminara o projeto no qual estivera trabalhando durante a manhã. Agora, um novo ângulo lhe surgia na mente, ao qual não seria capaz de resistir. Grant rara­mente se negava a realizar alguma coisa que se aplicava à sua arte. Já tinha pego o papel, desenhado linhas dia­gonais com a caneta azul que não apareceria na impres­são. Sabia o que queria, mas a preparação vinha primei­ro, aqueles detalhes cruciais e precisos que ninguém notaria durante os poucos segundos que levava para observar seu trabalho.

Quando o papel estava pronto sobre a prancheta, di­vidido em cinco seções com o dobro do tamanho que teriam quando reproduzidas, ele começou a esboçar de leve. Rabiscando de fato, deu vida a seu personagem principal com alguns traços e linhas. O homem era bas­tante comum. Grant insistira que fosse assim quando tinha criado o que sua irmã chamava de seu "outro eu", dez anos atrás. Um homem comum, talvez meio desalinhado, com feições um pouco exageradas, como o nariz, os olhos assustados... Mas o Macintosh de Grant era facilmente reconhecível como alguém com quem você podia cruzar na rua. E mal notar.

Ele era tão magro, que suas tentativas de se vestir de forma elegante nunca se concretizavam realmente. Pos­suiu o ar de alguém que sabia que seria adotado. Grant sentia certa afeição pela falta de jeito do homem e suas ocasionais observações sarcásticas.

Grant conhecia todos os seus amigos... ele os criara. Não precisamente um grupo diversificado, mas muito unido. Sonhadores de boa intenção, garotos espertos. Eram as sombras das pessoas que Grant tinha encontrado na universidade... amigos e conhecidos. Pessoas comuns fazendo coisas comuns, de um jeito incomum. Esse era o lema de sua arte.

Ele criara Macintosh na faculdade, então o deixara em um armário enquanto perseguia a arte de uma maneira mais tradicional por quase três anos. Mas acabara desco­brindo que ficava muito mais feliz desenhando uma cari­catura do que pintando um quadro. No final, Macintosh venceu, Grant o resgatara do armário, e, depois de sete anos, o personagem levemente entediado de olhos turvos aparecia cm todos os grandes jornais do país, sete dias por semana.

As pessoas acompanhavam sua vida enquanto toma­vam um café, no metrô, no ônibus, e na cama. Mais de um milhão de americanos abriam seus jornais para ver o que Macintosh estava fazendo naquele dia, antes que ti­vessem de enfrentar o seu próprio dia.

Como criador de histórias em quadrinhos, Grant sabia que era sua responsabilidade divertir, e divertir rapida­mente, com algumas sentenças curtas e desenhos simples. A história em quadrinhos seria vista por dez ou 12 segun­dos, as pessoas ririam e a colocariam de lado. Era apenas uma folha de jornal que freqüentemente era usada para forrar uma gaiola de pássaros. Grant tinha poucas ilusões. O que importava era a risada, o fato de que, por aqueles poucos segundos, ele tinha dado às pessoas alguma coisa para se alegrar... alguma coisa para relatar. Em Macintosh, Grant procurava reproduzir a experiência de uma pessoa comum, então a torcia.

O que queria, o que insistia em ter, era o direito de fazer isso, e o direito de ficar sozinho para realizar a ta­refa. Era conhecido pelo público apenas por suas iniciais. Seu contrato com o Sindicato declarava especificamente que seu nome jamais seria publicado na tira. Ele não daria entrevistas, nem seria filmado ou fotografado. O anonimato fazia parte de seu trabalho tanto quanto sua renda anual.

Ainda usando apenas o lápis, começou a segunda se­ção... Macintosh resmungando quando a batida à porta interrompeu seu mais novo hobby: uma coleção de selos. Grant tinha trabalhado duas semanas inteiras nesse ângulo em particular... as tentativas espalhafatosas de Macintosh, os comentários cáusticos dos amigos sobre seu tédio ter­minal. Macintosh mexia com seus selos, perguntando-se se, enfim, havia encontrado uma mina de ouro quando a televisão anunciara atrás dele o último aumento no serviço de primeira classe do correio.

Ali, ele abria a porta para encontrar uma sereia mo­lhada e mal-humorada. Grant não teve nenhum problema para desenhar Gennie. Na verdade, sentiu que transformá-la em um personagem a colocaria firmemente em pers­pectiva. Ela seria tão ridícula e tão vulnerável quanto o resto das pessoas no mundo dele. Grant passaria a pensar em Gennie como um personagem, em vez de uma mu­lher... de carne e osso, macia, cheirosa. Sua vida não tinha espaço para uma mulher, mas sempre o teria para uma personagem. Ele podia determinar-lhes quando chegar, quando partir, o que dizer.

Grant a batizara de Verônica, pensando que um nome sofisticado combinava com ela. Deliberadamente, exage­rou na curva dos olhos e na sensualidade da boca. Uma vez que o cenário era Washington, e não o litoral do Maine, ele lhe deu um pneu furado no caminho de volta para casa depois de um trabalho na Casa Branca. Macintosh arregalou os olhos para ela. Grant capturou isso criando para si mesmo diversos olhares perplexos no espelho acima da prancheta.

Trabalhou por duas horas, aperfeiçoando o enredo da história, o cenário, as frases de humor. Depois de trocar-lhe o pneu e murmurar frases machistas para impressioná-la, Macintosh acabou com cinco dólares, uma gagueira e sapatos ensopados, enquanto Verônica desaparecia de sua vida.

Grant se sentiu melhor.quando os desenhos ficaram prontos. Colocara Gennie exatamente onde a queria... partindo em seu carro. Agora, detalharia seu trabalho com nanquim e pincel, Preto sólido acentuaria ou daria foco, as retículas, zonas de pontos ou linhas, formariam as áreas acinzentadas.

Detalhar o quarto de Macintosh foi muito simples. Grant já estivera lá milhares de vezes. Mas ainda era necessário tempo e precisão. O equilíbrio era crucial, os ângulos e o posicionamento, a fim de chamar a atenção do leitor exatamente para onde queria, pelos poucos se­gundos em que olhariam para o quadrinho individual. O suprimento de paciência de Grant era consumido pelo trabalho, restando-lhe muito pouca para as outras áreas de sua vida. Aquela história em quadrinhos estava na metade, e a tarde acabaria antes que parasse para descan­sar a mão.

Café, pensou, estendendo os músculos das costas e dos ombros quando notou a dor. E comida. O café da manhã fora há muito tempo. Pegaria alguma coisa e daria uma volta na praia. Ainda tinha dois jornais para ler e algumas horas de televisão. Muitas coisas podiam acon­tecer em um dia para que ignorasse os meios de comuni­cação. Mas caminharia primeiro, decidiu quando se moveu preguiçosamente para a janela. Precisava de um pouco de ar fresco...

A mão, que erguera para esfregar a nuca, de repente caiu. Inclinando-se sobre a janela, franziu o cenho e olhou para baixo. Era ruim o bastante quando necessitava lidar com turistas ocasionais, pensou furioso. Algumas palavras diretas os mandavam embora para sempre. Mas não havia engano, mesmo daquela altura sobre a quem pertenciam os cabelos cor de ébano.

Verônica ainda não tinha saído de sua vida.

 

O lugar era lindo, independentemente do ângulo que ela escolhesse ou do deslocamento da luz. Gennie tinha meia dúzia de esboços em seu bloco, e sabia que podia ter mais meia dúzia sem captar todos os aspectos daquele pedaço de terra em particular. As cores nas pedras eram impres­sionantes! Seria capaz de capturá-las? E a maneira como o farol permanecia lá, sólido, indomável. A pintura esta­va desbotada aqui e ali, os blocos de concreto com marcas do tempo e respingos de sal. O que só adicionava um aspecto humano ao local. A luta dos homens por seguran­ça contra o mar inconstante.

Certamente, houvera momentos em que o mar vence­ra, pensou Gennie. Porque o homem era falível. Outras vezes, o vencedor fora o farol. Porque o homem era tenaz. Contrapostos, eles falavam de harmonia, perseverança, suor e força.

Ela perdeu a noção de quanto tempo ficou sentada lá, sem ninguém para perturbá-la e sem perturbar ninguém.

Contudo, sabia que poderia permanecer ali somente en­quanto o sol lhe proporcionasse luz suficiente. Havia muito poucos lugares em Nova Orleans em que podia ir pintar sem as distrações de curiosos ou entusiastas da arte. Quando decidia pintar na cidade, era constantemente reconhecida, e, uma vez reconhecida, observada ou ques­tionada.

Mesmo quando saía... para a nascente de um rio, ao longo da estrada rural, era freqüentemente seguida. Havia se acostumado a trabalhar com isso e a poupar a maior parte de seu trabalho sério para o estúdio. No decorrer dos anos, quase tinha esquecido da simples liberdade de ser capaz de trabalhar ao ar livre, tendo a vantagem de inalar e provar o que desenhava, enquanto desenhava.

Os últimos seis meses haviam lhe dado algo que nem mesmo tinha consciência de que estivera procurando... um lembrete de como as coisas tinham sido antes que o sucesso começasse a limitá-la.

Contente, em estado sonhador, desenhava o que via e sentia, e não precisava de mais nada.

- Que coisa! O que você quer agora?

Para seu crédito, Gennie não teve um sobressalto ou derrubou o bloco de desenho. Sabia que Grant estava em algum lugar por perto, uma vez que o barco dele não saíra do lugar. E já tinha decidido que ele não estragaria o que ela encontrara lá. Era arrogante o suficiente para se sentir no direito de estar ali, pintando o que sua arte lhe inspirava que pintasse. Pensando que ele era muito negli­gente com o seu trabalho de pescador, virou-se para en­cará-lo.

Grant estava furioso, pensou ela. Mas era raro vê-lo de um outro jeito. Decidiu que o homem combinava com o cenário externo... com o sol, o vento e o mar. Talvez fizesse um ou dois esboços dele antes que terminasse. Inclinando a cabeça para trás, Gennie estudou-o como estudaria qualquer tema que a interessasse.

- Boa tarde - disse ela em seu melhor sotaque do in­terior.

Saber que estava sendo avaliado e insultado poderia tê-lo divertido em outras circunstâncias. No momento, o fez desejar empurrá-la e jogá-la pedra abaixo. Tudo que queria era que ela fosse embora, e ficasse longe... antes que ele cedesse ao desejo de tocá-la.

- Perguntei o que você queria.

- Não precisa se preocupar. Estou apenas fazendo alguns esboços preliminares. - Gennie continuou sentada sobre a pedra torta na margem do penhasco e virou-se novamente para o mar. - Pode continuar fazendo o que estava fazendo.

Os olhos de Grant se estreitaram. Oh, ela era boa nisso, pensou. Em dar ordens.

- Você está no meu terreno.

- Hã-hã.

A idéia de derrubá-la da pedra se tornou mais atraente.

- Você está invadindo propriedade particular. Gennie lhe lançou um olhar indulgente por sobre o

ombro esquerdo.

- Você devia tentar arame farpado e minas terrestres. Nada melhor do que um explosivo para fazer valer suas palavras. Não que eu o culpe por querer essa pequena fatia do mundo para si mesmo, Grant - acrescentou ela, e começou a desenhar de novo. - Mas vou deixar o lugar exatamente como eu o encontrei... sem latas de refrige­rante, sem pratos descartáveis ou filtros de cigarro.

Mesmo erguida sobre o barulho do mar, a voz dela continha um tom deliberadamente apaziguador capaz de irritar os nervos de qualquer um. Grant chegou muito perto de agarrá-la pelos cabelos e fazê-la se levantar, quando foi distraído pelo lápis se movendo no papel. O que viu o fez deter uma exclamação de surpresa.

O desenho era mais do que bom, verdadeiro demais para ser descrito por um mero "excelente". Com traços e sombras, ela estava capturando o redemoinho do mar sobre a pedra, o vôo baixo das gaivotas e a estrutura só­lida e firme do farol. Da mesma maneira, não dava ao desenho uma idéia de beleza serena, mas, sim, revelava as paredes gastas pelo tempo, as manchas, os defeitos, e a simplicidade. Aquilo não daria um cartão-postal, ou um toque suave de arte sobre a abóbada de uma lareira. Mas qualquer pessoa que já tivesse visitado um lugar onde o mar enfrentava a terra entenderia o desenho.

Franzindo o cenho mais em concentração do que de raiva, Grant inclinou-se para mais perto. As mãos dela não eram de uma estudante, a alma não era de uma ama­dora. Em silêncio, esperou que ela terminasse, então imediatamente tirou-lhe o bloco das mãos.

- Ei! - Gennie começou a se levantar da pedra.

- Cale-se.

Ela obedeceu, apenas porque viu que ele não ia jogar seu trabalho no mar. Sentando-se de novo na pedra, Gennie observou Grant folhear as páginas de seu bloco. De vez em quando, parava para estudar um esboço por um tempo maior do que os outros.

Os olhos dele estavam muito escuros agora, ela notou, enquanto o vento jogava-lhe os cabelos para a testa e os removia de novo. Havia uma linha entre os olhos, e não era de nervoso, mas de intensidade. A boca estava séria, o semblante de alguém que estava julgando. Ter seu tra­balho analisado por um pescador solitário deveria ter divertido Gennie. Mas, de alguma maneira, não divertiu. Ela sentiu uma pequena dor nas têmporas, que reconheceu como tensão. Sentia isso com freqüência antes de suas exposições.

Os olhos de Grant estudaram uma das páginas do bloco e encontraram os seus. Por um longo momento, havia apenas o barulho das ondas. Agora ele sabia por que tivera aquela sensação de conhecê-la de algum lugar. Mas as fotos de jornal não faziam justiça a ela.

- Grandeau - disse ele finalmente. - Genviève Grandeau.

Em qualquer outra situação, ela não teria ficado sur­presa em ter seu trabalho ou seu nome reconhecido. Não cm Nova York, na Califórnia ou em Atlanta. Mas era intrigante encontrar um homem numa terra distante e isolada que podia reconhecer seu trabalho a partir de um esboço rude em um bloco de desenho.

- Sim. - Gennie se levantou então, usando as mãos para pentear os cabelos para trás e mantendo-os assim.

- Como você sabe?

Ele deu um tapinha no bloco, enquanto os olhos con­tinuavam prendendo os dela.

- Técnica é técnica, tanto faz se é um esboço ou uma pintura a óleo. O que uma artista famosa de Nova Orleans está fazendo em Windy Point?

O tom seco da pergunta a irritou tanto, que ela esqueceu-se da facilidade com que ele reconhecera seu trabalho.

- Tirei uma longa licença. - Ela estendeu a mão para o bloco.

Grant ignorou o gesto.

- Um lugar estranho para uma das artistas mais... sociáveis do país. Seus trabalhos estão nos folhetos de arte quase com a mesma freqüência que o seu nome está na coluna social. Você não estava noiva de um conde italiano no ano passado?

- Ele era barão - corrigiu ela friamente. - E nós não estávamos noivos. Quando você não está pescando, pre­enche o tempo lendo jornais?

O brilho de raiva nos olhos dela o fez sorrir.

- Leio bastante. E você - acrescentou Grant, antes que ela pudesse pensar em alguma resposta -, consegue estar no New York Times quase com tanta freqüência quanto sai nos tablóides.

Gennie inclinou a cabeça num gesto tão parecido com o desprazer de um membro da realeza que Grant ampliou o sorriso.

- Parece que algumas pessoas vivem, enquanto outras apenas lêem sobre a vida.

- Você faz uma boa cópia, Genviève. - Ele não pôde resistir, e enfiou os polegares nos bolsos quando novas idéias para Verônica lhe passaram pela mente. Parecia inevitável que ela voltasse e enlouquecesse Macintosh por um tempo. - Você é a favorita dos paparazzi.

A voz dele permanecia fria e distante, mas ela começou a bater o lápis contra a pedra.

- Suponho que eles precisam se sustentar, como todo mundo.

- Recordo-me de alguma coisa sobre um duelo sendo travado na Bretanha alguns anos atrás.

Um sorriso iluminou o rosto de Gennie, repleto de divertimento, quando Grant menos esperava. Não era fácil resistir ao sorriso, descobriu. Não quando era genu­íno e continha um humor autodepreciativo.

- Se você prefere acreditar em bobagens - murmurou ela com graça -, quem sou eu para discutir?

Era melhor continuar questionando-a do que admirar aquele sorriso por mais tempo.

- Algumas bobagens são fascinantes. Houve um di­retor de filme antes do conde...

- Barão - Gennie o relembrou. - O conde que você está pensando era francês, e um de meus primeiros... clientes.

- Você teve uma grande seleção de... clientes. Ela continuou sorrindo, obviamente divertida.

- Sim. Você é um entusiasta de arte ou apenas gosta de fofoca?

- As duas coisas - replicou ele com facilidade. - Pen­sando nisso, não tem havido muitas notícias sobre suas... aventuras... na imprensa nos últimos meses. Você provavelmente está mantendo seu período de licença bastante secreto. A última coisa que me lembro de ter lido foi...

Ele recordou-se então, e podia ter cortado a língua fora. O acidente de carro... a morte da irmã dela... uma linda e invasiva fotografia de Genviève Grandeau no funeral. Devastação, choque, sofrimento... tudo isso tinha ficado muito claro, mesmo através do véu que ela usava.

Gennie não estava sorrindo agora, mas olhando-o com uma expressão calma e vazia.

- Sinto muito - disse ele.

O pedido de desculpas quase a deixou com os joelhos bambos. Tinha ouvido aquelas palavras muitas vezes antes, de tantas pessoas diferentes, mas nunca a haviam tocado com uma sinceridade tão simples. De um estranho, pensou Gennie, e virou-se para o mar outra vez. Não deveria significar tanto, vindo de um estranho.

- Tudo bem. - O vento parecia tão frio, tão vital. Ali não era um lugar para pensar sobre morte. Se tinha de pensar sobre isso, pensaria quando estivesse sozinha, quando houvesse silêncio. Agora, poderia respirar pro­fundamente e absorver a força do mar. - Então, você passa suas horas de lazer lendo todas as fofocas do mun­do cruel. Para um homem que é tão interessado nas pes­soas, você escolheu um lugar estranho para morar.

- Interessado nas pessoas, sim. - Concordou Grant, grato por ela ser mais forte do que parecia. - Isso não significa que eu queria estar perto delas.

- Você não se importa com as pessoas, então. - Quan­do Gennie se virou, o sorriso estava lá de novo, provocativo. - O solitário durão. Em alguns anos, você pode até se tornar rabugento.

- Você não pode ser rabugento até que tenha 50 anos - contradisse ele. - É uma lei tácita.

- Eu não sei. - Gennie prendeu o lápis atrás da orelha e inclinou a cabeça. - Não acho que você se importa com leis, tácitas ou não.

- Depende se elas são úteis ou não - respondeu ele simplesmente.

Ela riu.

- Diga-me - Gennie olhou para o bloco de desenho, ainda nas mãos de Grant -, você gosta dos esboços?

Ele deu uma risada curta.

- Não acho que Genviève Grandeau precisa de uma crítica não solicitada.

- Genviève tem um tremendo ego - corrigiu ela. -Além disso, não é uma crítica não solicitada, uma vez que estou pedindo isso.

Grant lhe deu um olhar longo e firme antes de respon­der:

- Seu trabalho é sempre muito comovente, muito pessoal. A publicidade ligada a ele não é necessária.

- Creio que, vindo de você, isso é um elogio. - Gennie considerou. - Vai me dar liberdade total para pintar aqui, ou terei de brigar com você a cada passo do caminho?

Ele franziu o cenho, e Grant fazia isso com tanta fa­cilidade, que Gennie conteve a risada.

- Por que aqui, precisamente?

- Eu estava começando a pensar que você era perceptivo - murmurou ela com um suspiro. Então, fez um gesto gracioso e amplo com uma das mãos, englobando as re­dondezas. - Não pode ver? Este lugar representa vida e morte. É uma guerra que nunca termina, uma guerra cujo resultado nunca veremos. Posso colocar na tela... apenas uma parte, uma fatia muito, muito pequena. Mas posso fazer isso. Eu não poderia resistir, mesmo se quisesse.

- A última coisa que quero aqui é um bando de repór­teres ansiosos, ou alguns nobres europeus deslocados.

Gennie arqueou uma sobrancelha, de súbito presunçosa e divertida. Era a superioridade casual daquele olhar que o fazia desejar arrastá-la para o chão e provar a ambos que ela era apenas uma mulher.

- Acho que você leva a sua leitura muito a sério - dis­se ela suavemente. - Mas posso lhe dar minha palavra, se quiser, de que não telefonarei para a imprensa ou para nenhum dos doze amantes que você parece pensar que eu tive.

- Não teve? - O tom era de sarcasmo, e Gennie reagiu com frieza.

- Isso não é problema seu. De qualquer forma - con­tinuou ela -, eu poderia assinar um contrato com sangue, se for de sua preferência, e pagar-lhe uma quantia razoá­vel, já que o farol é seu. Eu vou pintar aqui, com ou sem a sua cooperação.

- Você parece ter bastante desrespeito pelos direitos de propriedade, Genviève.

- Você parece ter bastante desrespeito pelos direitos da arte.

Ele riu daquilo, um som alto que era agradável, más­culo e intrigante.

- Não - disse ele após um momento. - Por acaso, tenho grande respeito pelos direitos do artista.

- Contanto que não envolva você.

Ele suspirou, um som que ela reconheceu como frus­tração. Os sentimentos de Grant sobre arte e censura eram profundos demais para permitir-se barrá-la. E sabia, mes­mo enquanto estava parado ali, que Gennie iria lhe criar uma porção de problemas. Uma pena que ela não esco­lhera Penobscot Bay.

- Pinte... - murmurou Grant. - E fique fora do meu caminho.

- De acordo. - Gennie subiu na pedra e olhou para o mar novamente. - São as suas pedras que quero, a sua casa, o seu mar. - Um sorriso preguiçoso e muito femi­nino tocou-lhe os lábios quando ela virou-se para ele de novo. - Mas você está seguro, Grant. Não tenho nenhum projeto a seu respeito.

Era uma isca, e ambos sabiam disso. Ele a mordeu de qualquer forma.

- Você não me preocupa, Genviève.

- Não mesmo? - O que você está fazendo?, o bom senso perguntou, mas Gennie o ignorou. Ele achava que ela era algum tipo de sereia do século XX. Por que não diverti-lo? Com a ajuda da pedra, estava alguns centímetros mais alta do que ele. Os olhos de Grant estavam estreitos contra o sol quando ele a olhou, os dela, grandes e sorri­dentes. Com uma risada, Gennie pousou as mãos sobre os ombros largos. - Eu podia jurar que o preocupo.

Grant considerou puxá-la da pedra diretamente para seus braços. Ignorou a onda de desejo que veio com rapidez, deixando-o então com uma dor pulsante. Ela o estava provocando e certamente venceria se ele não fos­se cuidadoso.

- E seu ego mais uma vez - disse ele. - Você não é o tipo que me atrai.

A raiva brilhou nos olhos de Gennie novamente, tor­nando-a quase irresistível.

- Alguma mulher é?

- Prefiro um tipo mais suave - murmurou ele, saben­do que apele dela seria extremamente suave sob seu toque. - Mais calma - mentiu. - Alguém um pouco menos agressiva.

Gennie esforçou-se para não perder o controle por completo e dar-lhe um tapa.

- Ah, você prefere mulheres que ficam sentadas em silêncio e não pensam.

- Mulheres que não exibam seus... atributos. - Dessa vez, o sorriso dele foi zombeteiro. - Não tenho nenhum problema em resistir a você.

A isca foi jogada novamente, e, dessa vez, Gennie a engoliu inteira.

- Verdade? Deixe-me ver.

Ela baixou a boca até a dele, antes que tivesse a chan­ce de considerar as conseqüências. Suas mãos ainda es­tavam nos ombros largos, as dele enfiadas nos bolsos, mas o contato dos lábios provocou uma explosão violenta. Grant sentiu-a percorrer-lhe o corpo, de maneira feroz e rápida, enquanto cerrava os punhos.

O que era aquilo, pelo amor de Deus?, perguntou-se enquanto usava cada fio de controle para não abraçá-la.

Instintivamente, sabia que aquele seria o seu fim. Tinha apenas de afastar-se, controlar os sintomas do corpo, e tudo acabaria.

Por que não conseguia se afastar? Não estava acorren­tado. Grant disse a si mesmo, ordenou a si mesmo, mas, então, não se moveu enquanto a boca de Gennie brincava com a sua. Centenas de imagens e fantasias passaram por sua cabeça, fazendo-o quase mergulhar nelas. Bruxa, pensou atordoado. Estivera certo sobre ela o tempo todo. Sentiu o solo balançar sob seus pés, o barulho do mar preencher-lhe o cérebro. O gosto dela, quente, misterioso, maravilhoso. E mesmo isso não era o bastante. Por um momento, acreditou que podia existir algo além do que os homens conheciam. Talvez as mulheres entendessem aquilo. Grant sentia o corpo tenso como se tivesse sido baleado. Talvez as mulheres fizessem isso.

Em alguma parte de sua mente, soube, por um breve instante, que estava completamente vulnerável.

Gennie afastou-se rapidamente. Grant teve a impres­são de que as delicadas mãos sobre seus ombros tremiam de leve. Os olhos verdes pareciam confusos, os lábios estavam entreabertos, não em tentação, mas em perple­xidade. Através de seu próprio choque, Grant percebeu que ela se sentira tão tocada e tão enfraquecida pelo beijo quanto ele.

- Eu... eu tenho de ir - começou ela, então mordiscou o lábio quando percebeu que estava gaguejando de novo... um hábito que parecia ter desenvolvido nas últimas 24 horas. Esquecendo-se do bloco de anotações, desceu da pedra e preparou-se para escapar, de maneira indigna, para o carro. No instante seguinte, ele a segurou obrigando-a a voltar-se.

O semblante de Grant estava sério, a respiração irre­gular.

- Eu estava errado. -A voz rouca de desejo preencheu a cabeça de Gennie, que se esvaziou de todo o resto. - Te­nho sérios problemas em resistir a você.

O que havia feito?, perguntou-se Gennie freneticamente. Com ambos? Estava tremendo... e nunca tremia. Com medo? Oh, Deus, sim. Poderia enfrentar a tempes­tade e a escuridão agora, com total confiança. Não era nada comparado com aquilo.

- Acho melhor nós...

- Também acho - ele a interrompeu, e puxou-a para si. - Mas é tarde demais agora.

No instante seguinte, ele cobriu-lhe a boca com a sua, de maneira rude, irrecusável. Mas ela recusaria, Gennie disse a si mesma. Tinha de fazê-lo ou estaria perdida. Como pensara que entendia as emoções, as sensações? Traduzi-las em pinturas não era nada comparado a vivenciar a experiência. Ele a beijou até ela não ter mais cer­teza de que um dia se libertaria de Grant.

Gennie ergueu as mãos e o empurrou. Os dedos longos a apertaram ainda mais, não com muita gentileza. A fe­rocidade do penhasco, do mar, do vento, envolvia a ambos e comandava a situação. Grant inclinou-lhe a cabeça para trás, talvez com a intenção de fingir que ainda estava no comando. Os lábios de Gennie se entreabriram, e a língua deslizou para encontrar a dele.

Era isso que sempre tinha ansiado sentir?, perguntou-se ela. Aquela liberação selvagem, aquele calor, o desejo devastador? Nunca soubera como era ser preenchida com um gosto que não a deixasse se lembrar de nenhum outro. Sabia que Grant possuía uma força interior, sentira isso desde o começo. Mas senti-la agora, saber que estava presa nela, era uma emoção tão conflitante... Dava-lhe a sensação tanto de poder quanto de fraqueza.

A pele dele estava áspera, e roçou na sua quando ele mudou o ângulo da boca. Sentindo a pequena dor íntima, ela gemeu de puro prazer. As mãos grandes estavam em seus cabelos, acariciando-os, enquanto as bocas de ambos se exploravam com paixão.

Solte-se. Foi uma ordem que veio de algum lugar profundo dentro de Gennie. Sinta. Sem poder evitar, ela obedeceu.

Ouviu as gaivotas, mas o som parecia romântico ago­ra, não mais um murmúrio desolado. O mar batia contra a terra. Poder, poder, poder. Soube da extensão daquele poder quando seus lábios tocaram os de Grant. A extre­midade do penhasco estava próxima, ela sabia. Um passo, dois, e acabaria girando para o espaço e sendo levada pela crueza da realidade. Mas aqueles poucos segundos de liberdade irrefletida valiam o risco. Seu suspiro falava de rendição e triunfo.

Grant praguejou baixinho, o som abafado contra os lábios dela antes que se forçasse a dar um passo atrás. Aquilo era exatamente o que tinha jurado que não acon­teceria. Possuía experiência o bastante para saber quando estava encrencado. Não tinha tempo para aquilo... foi o que disse a si mesmo quando olhou para Gennie. O rosto dela estava brilhando de paixão, os cabelos pretos desa­linhados pelo vento, enquanto ela mantinha a cabeça le­vemente inclinada para trás. Os lábios de Grant doíam de vontade de pressionarem-se contra o pescoço esbelto e bronzeado. Foram os olhos dela, parcialmente fechados e brilhando com o eterno poder das mulheres, que o aju­daram a resistir. Era uma armadilha na qual não se per­mitiria cair.

A voz era baixa quando falou, e expressava tanta fúria quanto os olhos:

- Eu posso desejá-la. Até mesmo posso possuí-la. Mas isso só acontecerá quando eu estiver pronto. Se você quer ditar o ritmo, jogar de acordo com as suas regras, então fique com seus condes e barões. - Grant se virou, amal­diçoando a ambos.

Atônita demais para se mover, Gennie o viu desapa­recer dentro do farol. O que aquilo tudo tinha significado para ele?, pensou atordoada. Apenas um homem qualquer, uma mulher qualquer e uma paixão qualquer? Ele não sentira a vibração que falava de unidade, intimidade, destino? Jogos? Como ele podia falar em jogos depois que eles... Fechando os olhos, ela passou uma mão trê­mula pelos cabelos.

Não, a culpa era sua. Estava inventando coisas do nada. Não havia unidade entre duas pessoas que nem se conhe­ciam. E intimidade era apenas uma palavra cômoda para justificar as necessidades físicas. Estava sendo fantasiosa de novo, transformando algo comum em uma coisa espe­cial, porque era isso o que queria.

 

Deixe-o ir. Gennie abaixou-se para pegar seu bloco de desenho e achou o lápis que Grant desprendera de seus cabelos. Deixe-o ir e concentre-se no seu trabalho, orde­nou a si mesma. Foi o cenário que a envolveu e emocio­nou-a, não o personagem. Cuidando para não olhar para trás, foi em direção a seu carro.

Suas mãos não pararam de tremer até que chegou ao chalé. Aquilo era melhor, pensou, enquanto ouvia o ba­rulho calmo da água, e os gentis sons de andorinhas voltando, a fim de se aninharem para a noite. Havia paz ali, e a iluminação era boa. Era aquilo que devia pintar, em vez da turbulência do oceano e a aspereza das pedras. Era lá que devia ficar, mergulhada na solidão de águas calmas e ventos amenos. Quando você desafia a natureza tempestuosa, a chance maior é a de perder. Apenas uma tola continuaria desafiando as probabilidades.

Subitamente cautelosa, Gennie saiu do carro e andou até o píer. No final, sentou-se na madeira bruta e deixou os pés balançarem para o lado. Se ficasse ali, estaria se­gura.

Permaneceu sentada em silêncio enquanto o sol bai­xava no céu. Não foi preciso esforço para sentir a pres­são dos lábios de Grant sobre os seus. Nunca conhecera um homem que beijasse daquela maneira... intensa, consumidora, entretanto, com um traço de vulnerabili­dade. Mas ela mesmo não era tão experiente quanto Grant presumia.

Havia namorado, se socializado, apreciado a compa­nhia dos homens, mas, já que sua arte sempre vinha em primeiro lugar, seus relacionamentos mais íntimos eram limitados. Aulas, trabalhos, exibições, viagens, festas: quase tudo que tinha feito, por quase tanto tempo quanto podia lembrar-se, era conectado à arte, e à necessidade de expressá-la.

Com certeza gostava dos benefícios sociais, os toques de brilho e glamour que surgiam em seu caminho após dias e semanas de solidão. Não se importava com a ima­gem que a imprensa havia criado, porque parecia única e livre. Não se incomodava em receber aplausos aqui e ali, depois de trabalhar até quase a exaustão em silêncio e isolamento. Às vezes, a Genviève de que os jornais fala­vam tanto a divertia como a impressionava. Então, era hora da próxima pintura. Ela nunca tivera problemas em separar a socialite da artista.

A imprensa ficaria chocada, perguntou-se Gennie, ao saber que Genviève Grandeau, dos Grandeaus de Nova Orleans, artista de sucesso, socialite estabilizada, e uma mulher do mundo, nunca tivera um amante?

Com uma risada, inclinou-se para trás sobre os coto­velos. Estava casada com a sua arte por tanto tempo, que um amor tinha parecido supérfluo. Até... Gennie começou a bloquear o pensamento, e, chamando-se de covarde, finalizou. Até Grant Campbell.

Olhando para o céu, permitiu-se lembrar daquelas sensações, dos sentimentos e desejos que ele lhe desper­tara. Teria feito amor com ele sem pensar duas vezes, sem hesitar por um único instante. Mas ele a rejeitara.

Não, era mais do que isso, Gennie recordou-se quan­do a raiva interior começou a renascer. Rejeição era uma coisa dolorosa, humilhante, mas isso não tinha sido tudo. Além de rejeitá-la, Grant fora arrogante... e isso era into­lerável.

Dissera que a possuiria quando ele estivesse pronto. Como se ela fosse uma barra de chocolate no balcão de uma loja. Gennie estreitou os olhos, sentindo a raiva dominá-la. Veremos, disse a si mesma. Veremos, Grant Campbell.

Levantando-se, ela foi em direção ao chalé. Ninguém rejeitava Genviève Grandeau. E ninguém a possuía. Se eram jogos o que ele queria, seriam jogos o que receberia.

 

Não iria ser perseguida, Gennie disse a si mesma com um sorriso de satisfação quando empacotou seu material de pintura na manhã seguinte. Ninguém a perseguiria... especialmente um tolo rude e arrogante. Grant Campbell iria tê-la por perto até que ela estivesse pronta para seguir em frente.

A pintura, refletiu Gennie enquanto verificava seus pincéis. É claro que a pintura era muito importante, mas... enquanto estivesse pintando, decidiu com um sorriso tenso, iria tirar um tempinho para ensinar uma lição àque­le homem. Oh, ele merecia uma. Gennie afastou os cabe­los dos olhos quando abriu a tampa da caixa de tintas. Ninguém, em toda a sua experiência, merecia tanto uma boa lição quanto Grant Campbell. E ela era a mulher certa para fazer isso.

Então ele achava que ela estava jogando? Gennie fe­chou a tampa da caixa um pouco violentamente, de modo que o som ecoou como dois tiros através do chalé vazio. Jogaria certo... seu próprio jogo, com as suas regras.

Gennie tinha passado 26 anos vendo a sua avó seduzir e encantar os homens. Uma mulher incrível, pensou com um sorriso afetuoso. Linda e vibrante, com cerca de 70 anos, ainda podia dobrar um homem de qualquer idade. Bem, ela era uma Genviève, também. Gennie pôs as mãos nos quadris. E Grant Campbell estava prestes a cair de um alto penhasco.

Possuir-me, não?, pensou enervando-se de novo com a memória. Aquilo era absurdo. Quando ele estivesse pronto? Com um gemido abafado, ela pegou o avental de pintura. Teria Grant Campbell rastejando a seus pés antes que acabasse com ele!

A raiva e a indignação que Gennie tinha nutrido duran­te toda a noite ajudavam-na a esquecer a reação doce e poderosa que sentira quando Grant a beijara. Tornavam mais fácil esquecer o fato de que ela o quisera... cegamen­te, com desespero... como nunca quisera homem algum. Raiva era um sentimento muito mais satisfatório do que depressão, portanto, sustentaria a raiva. Ela se vingaria com total frieza, o que teria um sabor ainda melhor.

Satisfeita por seu material de pintura estar em ordem, foi até o quarto do chalé. Com olhos críticos, estudou-se no espelho acima da velha cômoda. Era artista o bastan­te para reconhecer uma boa estrutura corporal e colora­ção. Talvez a raiva suprimida lhe caísse bem, considerou, e adicionou um blush rosado ao tom dourado de sua pele.

Tão cruelmente quanto um guerreiro se preparando para uma batalha, pegou um estojo de sombra verde. Quando você tem feições incomuns, deve realçá-las, pensou, espalhando a sombra nas pálpebras. O resultado a agradou... um pouco exótico, mas não tão óbvio. De leve, coloriu os lábios com um batom... não muito forte, apenas o bastante para tentar. Com um sorriso preguiço­so, borrifou seu perfume atrás das orelhas. Oh, pretendia tentá-lo bastante. E quando ele estivesse de joelhos, ela partiria alegremente.

Uma pena que não poderia usar uma roupa mais sexy, refletiu quando comprimiu os lábios e virou-se de lado no espelho. Mas a pintura vinha em primeiro lugar, afinal de contas. Não podia usar uma roupa colada ao corpo para se sentar em uma pedra. A calça jeans e um top curtinho teriam de servir. Satisfeita com os planos para o dia, Gennie voltou para sala a fim de pegar o seu material, quando o som de um carro se aproximando a distraiu.

Seu primeiro pensamento foi Grant, e sua primeira reação, uma onda de nervosismo. Irritada, disse a si mes­ma que era simplesmente a expectativa de uma competi­ção que fazia seu coração disparar. Quando foi para a janela, viu que não era a picape de Grant, mas um peque­no carro com a lataria amassada. A viúva Lawrence desceu, carregando um prato coberto. Surpresa, e um pouco sem graça, Gennie abriu a porta para a proprietária do chalé.

- Bom dia. - Ela sorriu, tentando ignorar a estranheza de convidar para entrar uma mulher que tinha vivido, dormido e trabalhado ali por anos.

- Vejo que você está acordada e pronta para começar o dia. -A viúva movimentou-se na soleira, fixando seus pequenos olhos escuros no rosto de Gennie.

- Sim. - Gennie teria estendido a mão instintivamen­te se a viúva não estivesse usando as dela para segurar o prato. - Por favor, entre, sra. Lawrence.

- Não quero incomodá-la. Achei que talvez você gos­taria de algumas rosquinhas.

- Eu gostaria. - Gennie esqueceu os planos de come­çar o dia cedo e abriu mais a porta para a viúva. - Espe­cialmente se a senhora tomar um café comigo.

- Claro. -A viúva hesitou quase imperceptivelmente, e então entrou. - Não posso ficar muito tempo. Sou ne­cessária no correio. - Mas o olhar dela vagou pelo cômo­do quando parou, ainda perto da porta.

- O cheirinho está delicioso. - Gennie pegou o prato, e se dirigiu para a cozinha esperando amenizar um pouco o clima estranho. - Sabe, não gosto muito de cozinhar, quando é só para mim.

- Ah, é muito mais prazeroso quando você tem uma família para alimentar.

Gennie sentiu uma outra onda de compaixão, mas não a expressou. Ficou diante do fogão enquanto media o café no pequeno pote que comprara na cidade. A viúva estaria olhando a cozinha, pensou, e recordando.

- Você se acomodou bem, então.

- Sim. - Gennie pegou dois pratos e colocou-os sobre a pequena mesa dobrável. - O chalé era exatamente o que eu precisava. É lindo, sra. Lawrence. - Ela hesitou, enquanto pegava duas xícaras e pires. Então, virou-se para a mulher novamente. -A senhora deve ter detestado sair daqui.

A sra. Lawrence deu de ombros.

- As coisas mudam. O telhado agüentou bem a tem­pestade da outra noite?

Gennie quase disse que não estava lá naquela noite, mas conteve-se a tempo.

- Não tive problema nenhum - murmurou em vez disso. Então, olhou ao redor. Talvez fosse melhor conver­sar sobre aquilo. Todos haviam dito isso sobre Angela, mas Gennie não acreditara na época. Agora, começou a se perguntar se ajudaria falar sobre uma perda, em vez de sufocá-la.

- Morou aqui muito tempo, sra. Lawrence? - Ela levou as xícaras para a mesa enquanto perguntava, então pegou o leite.

- Vinte e seis anos - respondeu a mulher após um momento. - Mudei-me depois que meu segundo filho nasceu. Ele é médico-residente em Bangor - disse ela, erguendo o queixo com orgulho. - O irmão dele conseguiu um emprego numa companhia de petróleo... Não conse­guia ficar longe do mar.

Gennie acomodou-se à mesa.

- A senhora deve ter muito orgulho dos dois. -Sim.

- Seu marido era pescador?

- Pescador de lagostas. - Ela não sorriu, mas Gennie ouviu o sorriso na voz da viúva. - Um bom pescador. Morreu no barco. Derrame, disseram. - A sra. Lawrence pôs um pingo de leite no café, apenas o bastante para mudar a cor. - Ele queria morrer no barco.

Gennie queria perguntar quanto tempo fazia, mas não podia. Talvez chegasse o momento em que fosse capaz de falar sobre a perda da irmã com aceitação.

- A senhora gosta de viver na cidade?

- Estou acostumada agora. Tenho amigos lá, e essa estrada... - Pela primeira vez, Gennie viu um pequeno sorriso que deixou o rosto rígido da mulher mais velha quase bonito. - Meu Matthew amaldiçoava essa estrada seis dias por semana.

- Acredito nisso. - Tentada pelo aroma, Gennie remo­veu o pano de prato xadrez que cobria a travessa. - Amoras! - Ela sorriu, satisfeita. - Vi amoreiras ao longo da estrada, da cidade para cá.

- Ah, elas ficarão por aqui mais um tempo. - Ela observou com prazer quando Gennie mordeu uma rosquinha. - Uma garota jovem como você deve se sentir solitária aqui.

Gennie meneou a cabeça enquanto engolia.

- Não, eu gosto da solidão para pintar.

- Você fez os quadros que estão pendurados na sala?

- Sim, espero que a senhora não se importe porque eu os pendurei.

- Sempre gostei de quadros. Seu trabalho é muito bom.

Gennie sorriu, tão gratificada com a simples frase quanto ficaria com uma crítica entusiasmada.

- Obrigada. Planejo pintar bastante nos arredores de Windy Point, mais do que eu tinha esperado no começo - acrescentou ela, pensando em Grant. - Se eu decidir ficar mais algumas semanas...

- Apenas informe-me.

- Ótimo. - Gennie observou quando a viúva quebrou um pequeno pedaço da rosca. -A senhora deve conhecer o farol... -Ainda mastigando, perguntou a si mesma que informação exatamente queria conseguir.

- Charlie Dees costumava manter aquela estação - dis­se a sra. Lawrence. - Ele e a esposa a tinham desde que eu era criança. Usam radar agora, mas meu pai e o pai dele usavam aquela luz para manter os navios longe das pedras.

Havia histórias naquele local, pensou Gennie. Histó­rias que gostaria de ouvir, mas, por enquanto, era o dono atual que a interessava.

- Conheci o homem que mora lá agora - murmurou ela casualmente sobre a borda da xícara de café. - Vou pintar um pouco por lá. É um lugar maravilhoso.

As sobrancelhas retas da viúva se arquearam.

- Você disse isso a ele?

Então, Grant era conhecido na cidade, pensou Gennie.

- Nós... fizemos um acordo.

- O jovem Campbell está lá há quase cinco anos. -A viúva especulou o brilho nos olhos de Gennie, mas não fez nenhum comentário. - Gosta de ficar sozinho. Costu­ma espantar alguns turistas muito rapidamente.

- Sem dúvida - concordou Gennie. - Ele não é do tipo amigável.

- Ele não gosta de muita confusão. - A viúva lançou um rápido olhar astuto para Gennie. - Um rapaz muito bonito. Ouvi dizer que ele saiu de barco com os outros homens uma ou duas vezes, porém, mais observa do que fala.

Confusa, Gennie comeu o último pedaço da rosca.

- Ele não é pescador?

- Não sei o que ele faz para viver, mas paga todas as contas em dia.

Gennie franziu o cenho, mais intrigada do que gosta­ria de estar.

- Isso é estranho. Tive a impressão...

- Do quê?, per­guntou-se. - Suponho que ele não receba muita corres­pondência.

A viúva deu-lhe um pequeno sorriso outra vez.

- Ele recebe a sua cota - disse ela simplesmente. - Obrigada pelo café, srta. Grandeau - acrescentou se le­vantando. - Ficarei feliz em tê-la aqui por quanto tempo quiser.

- Obrigada. - Sabendo que tinha de ficar satisfeita com as poucas informações que obtivera, Gennie também se levantou.

- Espero que volte, sra. Lawrence. Assentindo, a viúva foi para a porta da frente.

- Informe-me se tiver algum problema. Quando o tempo virar, você vai precisar da fornalha. Funciona, mas é muito barulhenta.

- Lembrarei disso. Obrigada.

Gennie observou-a ir para o carro e pensou em Grant. Ele não era um deles, mas a sra. Lawrence deixara claro no tom que sentia um certo carinho por Grant. "Ele não gosta de muita confusão", e isso era algo que o povo de Windy Point obviamente respeitava. Cinco anos, refletiu ela enquanto voltava para as suas pinturas. Muito tempo para se isolar em um farol... fazendo o quê?

Dando de ombros, pegou o seu material. O que Grant fazia não era de sua conta. Fazê-lo rastejar um pouco, era.

A única refeição que Grant fazia regularmente era o café da manhã. Depois disso, comia qualquer coisa que queria, quando queria... ou quando seu trabalho permitia. Tinha comido de madrugada porque não conseguira dor­mir. Então, saíra de barco porque não conseguia trabalhar. Gennie, aconchegada na cama a poucos quilômetros de distância, fora capaz de interferir em suas duas atividades mais básicas.

Normalmente, ele teria gostado do passeio no mar tão cedo, vendo o sol nascer com os pescadores e sentindo o ar frio na pele. Tentaria a sorte, e quem sabe, pegaria um peixe para o jantar. Caso contrário, fritaria um bife ou abriria um enlatado.

Não gostara do passeio naquela manhã, porque quise­ra dormir... Depois, tinha desejado trabalhar. Não estava com humor para pescar, e o passeio não fora um sucesso. O sol ainda estava baixo no céu quando retornara.

O sol estava alto agora, mas o humor de Grant não estava muito melhor. Somente a disciplina que vinha impondo a si mesmo através dos anos o manteve à sua prancheta de desenho, aperfeiçoando e refinando a histó­ria em quadrinhos que havia começado um dia antes.

A mulher o fizera sair do ritmo, pensou irritado. E sua imagem não saía de sua cabeça. Grant freqüentemente deixava as pessoas fazerem isso, mas eram as suas pes­soas, sobre as quais possuía controle total. Gennie recu­sava-se a permanecer no personagem.

Genviève, pensou enquanto pintava meticulosamente os longos cabelos de Verônica. Ele tinha admirado o trabalho dela, a falta do uso de truques, sua classe inata. Ela pintava com estilo, e havia sempre uma dica de ex­trema paixão sob uma cobertura nebulosa de fantasia. Os quadros de Genviève o convidavam a fingir, a imaginar, a acreditar em alguma coisa adorável. Grant jamais vira nada de errado naquilo.

Lembrava-se de ter visto uma das paisagens da nas­cente de um rio que sempre aparecia em destaque nas exposições de Genviève Grandeau. As sombras prome­tiam segredos, a luz azul escura falava de uma noite repleta de possibilidades. Havia neblina sobre a água que o fizera pensar em sussurros abafados. A pequena casa acima do rio não parecia em ruínas, mas lindamen­te antiga e desbotada. A serenidade da pintura o agrada­ra, e a iluminação especial que ela usara, o divertira. Recordava-se de ter ficado desapontado porque o traba­lho já tinha sido vendido. Nem mesmo teria perguntado o preço.

A paixão latente nos trabalhos de Genviève fazia um contraste sutil com a serenidade dos temas. A fantasia sempre falava alto.

Ela possuía paixão o bastante em sua vida pessoal, lembrou-se Grant, comprimindo os lábios. Se não a tives­se conhecido, ou não a tivesse tocado, teria mantido a opinião de que a maior parte das coisas que a mídia fala­va sobre a vida pessoal dela era bobagem, como a própria Gennie afirmara.

Mas, agora, só conseguia pensar que todo homem que se aproximasse de Genviève Grandeau a desejaria. E que a paixão que ela colocava em suas pinturas existia dentro dela. Ela sabia como tornar um homem seu escravo, pensou ele, e forçou-se a completar o desenho de Verô­nica. Sabia e gostava de fazer isso.

Grant largou o pincel por um momento e flexionou os dedos. Pelo menos, tinha a satisfação de saber que a tira­ra de sua vida.

Não pode evitar uma risada melancólica. Se isso fos­se verdade, não estaria ali se lembrando de como ela fi­cara ardente em seus braços... irrequieta, perigosa. Não estaria recordando como sua mente tinha ficado em bran­co por um instante, para, então, ser preenchida... somen­te com ela.

Uma sereia? Por Deus, sim, pensou de forma selva­gem. Era fácil imaginá-la sorrindo, cantando e seduzindo um homem para alguma costa rochosa. Mas não ele. Grant não era um homem que se deixava enfeitiçar por uma voz sedutora e um par de olhos encantadores. Depois da for­ma como agira, duvidava que ela voltasse lá. Ele olhou em direção à janela, mas se recusou a ir até lá. Pegou seu pincel e trabalhou por mais uma hora, com Gennie per­seguindo seus pensamentos sem descanso.

Satisfeito por finalmente terminar a história em qua­drinhos no prazo, Grant limpou os pincéis. Porque a próxima já estava pronta em sua mente, seu humor me­lhorou. Com uma meticulosidade que não aplicava em nenhuma outra área de sua vida, arrumou o estúdio. Os materiais foram recolocados de forma precisa dentro e sobre os gabinetes com tampo de vidro que ficava ao seu lado. Garrafas e potes foram lavados, embrulhados e guardados. Sua cópia permaneceria na prancheta até secar bem.

Sem pressa, Grant desceu para a cozinha, a fim de procurar algo para comer, enquanto mantinha o rádio portátil ligado, informando-o sobre o que estava aconte­cendo no mundo externo.

Uma menção ao Comitê de Ética e a um senador que Grant não resistia a satirizar, deu-lhe uma boa idéia para outra tira. Era verdade que seu uso de nomes e rostos reconhecíveis, geralmente na política, fazia com que al­guns jornais colocassem seu trabalho na página editorial. Grant não se importava com o lugar onde eles publicavam seus quadrinhos, contanto que sua mensagem fosse pas­sada. Caricaturar políticos tinha se tornado um hábito quando ele era criança... um que nunca tivera a menor inclinação de abandonar.

Apoiando-se contra o balcão, preguiçosamente esva­ziando um pacote de bolachas de amendoim, ouviu o resto da notícia. Ter consciência das tendências e dos aconteci­mentos era tão essencial ao seu trabalho quanto caneta e tinta. Ele se lembraria dos detalhes quando a hora certa de usar o fato chegasse. Por enquanto, armazenou as informa­ções no fundo da mente. Agora precisava de ar e sol.

Sairia, Grant disse a si mesmo, não porque esperava ver Gennie... mas porque esperava não vê-la.

É claro, ela estava lá, mas ele queria acreditar que a tempestade interior que sentia era irritação. Era sempre irritação que sentia... nunca prazer... quando descobria alguém invadindo sua solidão.

Não seria difícil ignorá-la. O vento levantava os ca­belos dela, expondo o pescoço elegante. Ele podia sim­plesmente ir para o outro lado, andar para o norte da praia... O sol batia no rosto e nos braços dela, fazendo a pele brilhar. Se ele virasse a cabeça e caminhasse para o outro lado da rocha, esqueceria até mesmo que Gennie estava lá.

Praguejando baixinho, foi em direção a ela.

Gennie o vira, é claro, no momento em que ele tinha saído. Seu pincel hesitara apenas por um instante antes que continuasse a pintar. Se a pulsação acelerou um pou­co, disse a si mesma, era apenas a expectativa da batalha na qual estava ansiosa para engajar-se... e vencer. Porque sabia que não podia continuar, agora que havia perdido a concentração, bateu aponta do pincel nos lábios e estudou o que tinha feito naquela manhã.

O esboço na tela deu-lhe precisamente o que queria. As cores que já misturara a satisfaziam. Começou a can­tarolar, baixinho, enquanto ouvia Grant se aproximar.

- Então - Gennie ergueu a cabeça, como se para ver a tela de um ângulo diferente -, você decidiu sair de sua caverna.

Grant enfiou as mãos nos bolsos e deliberadamente parou onde não podia ver o trabalho dela.

- Você não me pareceu o tipo de mulher que procura problemas.

Mal mudando o ângulo da cabeça, Gennie encontrou-lhe os olhos. Seu sorriso era muito fraco, e muito provocador.

- Suponho que isso faz de você um mau juiz de cará­ter, não faz?

O olhar era calculado para excitar, mas saber disso não fez nenhuma diferença. Grant sentiu a primeira onda de desejo espalhar-se no baixo ventre.

- Ou você é uma tola - murmurou ele.

- Eu lhe disse que voltaria, Grant. - Ela permitiu que seu olhar viajasse brevemente pela boca dele. - Geral­mente, tento... terminar o que começo. Gostaria de ver o que fiz?

Ele disse a si mesmo que não dava a mínima para a pintura, ou para ela.

- Não.

Gennie fez um biquinho.

- Oh, e pensei que você fosse um conhecedor de arte. Ela largou o pincel e passou uma das mãos preguiçosa­mente pelos cabelos. - O que você é, Grant Campbell? - Os olhos eram zombeteiros e sedutores.

- O que escolho ser.

- Sorte sua. - Ela se levantou. Devagar, tirou o aven­tal de mangas curtas e colocou-o sobre a pedra a seu lado. Observou-o enquanto os olhos de Grant viajavam pelo corpo dela, então deslizou um dedo sobre a frente da camisa masculina. - Devo lhe contar o que vejo? - Ele não respondeu, mas continuou olhando-a fixamente. Gennie imaginou que, caso pressionasse a mão no coração de Grant, encontraria as batidas aceleradas e instá­veis. - Um solitário, com o rosto de um pirata e as mãos de um poeta - murmurou. - E as atitudes de um homem rústico - acrescentou com uma risada suave. - Parece-me que suas atitudes rudes são tudo o que você escolheu demonstrar.

Era difícil resistir ao brilho de desafio nos olhos dela, ou à promessa naqueles lábios carnudos e suaves, que sorriam com calculada insolência feminina.

- Se você gosta. - Grant disse suavemente enquanto mantinha as mãos, que cocavam de vontade de tocá-la, firmemente enfiadas nos bolsos.

- Não posso dizer que gosto. - Gennie se afastou al­guns passos, perto o bastante da beira da rocha para que os espirros da água quase a alcançassem. - Então, mais uma vez, suas maneiras são atraentes de maneira rude. - Ela olhou por sobre o ombro. - Suponho que uma mu­lher nem sempre queira um cavalheiro. E você não pare­ce um homem que procura por uma dama.

Com o mar atrás, refletindo a cor dos olhos dela, Gen­nie parecia mais parte do oceano do que nunca.

- É isso que você é, Genviève?

Ela riu, satisfeita com a frustração e a fúria que leu nos olhos dele.

- Depende se isso é útil ou não - replicou Gennie, imitando-o.

Grant se aproximou, mas, então, resistiu ao desejo de sacudi-la. Os corpos de ambos estavam tão próximos, que pouco mais do que o vento podia passar entre os dois.

- O que você está tentando fazer? Ela lhe lançou um olhar inocente.

- Bem, conversar. Suponho que você está sem prática. Ele estreitou os olhos, então se virou.

- Vou dar uma caminhada - murmurou.

- Ótima idéia. - Gennie enganchou o braço no dele. - Vou com você.

- Eu não a convidei - disse Grant, parando.

- Oh. - Gennie bateu os cílios. - Você está tentando me encantar sendo rude novamente. É tão difícil resistir!

Um sorriso cruzou os lábios de Grant antes que pu­desse reprimi-lo. Podia rir facilmente de si mesmo.

- Tudo bem, então. - Havia um brilho nos olhos es­curos no qual ela não confiava muito. - Vamos.

Grant andou com rapidez, sem se importar com a di­ferença dos passos deles. Determinada a fazê-lo sofrer antes que a tarde acabasse, Gennie esforçou-se para acompanhá-lo. Depois que eles circularam o farol, Grant começou a descer a rocha com a confiança de uma longa experiência. Gennie deu uma olhada para a descida acen­tuada, para a cordilheira de pedras em que Grant andava com facilidade, como se estivesse descendo os degraus de uma escada. Abaixo, as ondas estouravam e batiam na praia. Não iria ser intimidada, ela disse a si mesma. Ele adoraria aquilo. Respirando fundo, seguiu-o.

Após os primeiros passos, o coração de Gennie já estava disparado. Realmente o faria sofrer se caísse e quebrasse o pescoço. Então, começou a apreciar a cami­nhada. O mar ficava mais barulhento conforme descia. Pingos salgados espirravam-lhe na pele. Sem dúvida, haveria um caminho mais simples para descer, mas, no momento, ela não o teria procurado.

Grant chegou à base a tempo de ver Gennie lutando para dar os últimos passos. Quisera acreditar que ela ainda estava no topo do rochedo, embora soubesse que não seria assim. A mulher não era uma magnólia, por mais que ele quisesse encaixá-la nessa categoria. Possuía vita­lidade demais para ser admirada à distância.

Instintivamente, pegou-lhe a mão para ajudá-la a descer. Gennie roçou o corpo contra o dele na descida e, em segui­da, ergueu-se inclinando a cabeça para trás e desafiando-o a reagir de alguma forma à sua provocação. O aroma femini­no preencheu os sentidos de Grant. Antes, só sentira nela o cheiro de chuva. Este era bastante sutil, mas em compensa­ção era infinitamente mais sensual. Gennie possuía a fragrância da noite em plena luz da tarde, e de todas aquelas promessas sussurradas que floresciam após o sol se pôr.

Furioso por ser vulnerável a uma tática de sedução tão óbvia, Grant a liberou. Sem uma palavra, começou a descer para a praia estreita de pedras, onde o mar ecoava violentamente e as gaivotas gritavam. Orgulhosa e con­fiante por seu sucesso, Gennie o seguiu.

Oh, estou mexendo com você, Grant Campbell. E nem comecei ainda.

- É isso que você faz com o seu tempo quando não está trancado em sua torre secreta?

- É isso que você faz com o seu tempo quando não está nos lugares da moda da rua Bourbon?

Jogando os cabelos para trás, Gennie deslizou o braço no dele novamente.

- Oh, falamos bastante sobre mim, ontem. Conte-me sobre Grant Campbell. Você é um cientista maluco traba­lhando em experiências secretas para o governo?

Ele virou a cabeça e deu-lhe um sorriso estranho.

- No momento, estou colecionando selos.

Aquilo a intrigou a tal ponto que a fez esquecer do jogo-

- Por que sinto que há alguma verdade nisso? Dando de ombros, Grant continuou a andar, perguntando-se por que não a mandava embora e seguia sua caminhada sozinho. Quando ia ali, estava sempre sozi­nho. Além de dormir, a única outra hora que permitia-se esvaziar a mente era quando fazia caminhadas ao longo daquela praia isolada. Lá, onde as ondas estouravam como trovões, e o solo era duro e imperdoável, era o refúgio de seus pensamentos e da pressão auto-imposta. Nunca permitira que ninguém o acompanhasse até lá, nem mesmo seus próprios personagens. Esperava, que­ria até a sensação da intrusão de Gennie naquele lugar. Em vez disso, sentiu algo muito próximo de contenta­mento.

- Um lugar secreto - murmurou Gennie. Distraído, Grant a fitou.

- O quê?

- Este. - Ela gesticulou com a mão livre. - Este é um lugar secreto. - Abaixando-se, pegou uma concha, colo­cada ali pelo oceano, seca como um osso no sol. - Minha avó tem uma linda casa de fazenda repleta de antigüidades c almofadas de seda. Há um sótão muito escuro e empoeirado. Tem uma cadeira de balanço e uma caixa cheia de coisas inúteis. Eu podia ficar sentada lá por horas. - Olhando-o novamente, sorriu. - Nunca fui capaz de resistir a um lugar secreto.

Grant recordou-se, de modo súbito e vivido, de um pequeno depósito na casa de seus pais em Georgetown. Costumava fechar-se lá por horas, com uma pilha de re­vistas em quadrinhos e um bloco de desenho.

- Só é um segredo se ninguém sabe. Ela riu, pegando-lhe a mão sem pensar.

- Oh, não, ainda pode ser um segredo de duas pesso­as. Às vezes, é um segredo ainda melhor. - Gennie parou para ver uma gaivota voando baixo, sobre a água. - O que há naquelas ilhas ali?

Perturbado, porque a mão de Gennie parecia pertencer à sua, Grant olhou para o mar.

- Pedaços de pedra, na maior parte.

- Oh. - Gennie lhe lançou um olhar desolado. - Sem ossos branqueados ou pedaços de barco de oito remos?

Ele sorriu.

- Dizem que um esqueleto geme quando há uma tem­pestade... - murmurou Grant com um forte sotaque do leste.

- Esqueleto de quem? - perguntou Gennie, pronta para ouvir qualquer história que ele pudesse contar.

- De um marinheiro - improvisou Grant. - Ele se encantou pela mulher do capitão, que tinha os olhos da cor do mar e os cabelos pretos como a noite. -Apesar de seus esforços, Grant pegou um punhado dos cabelos de Gennie, enquanto o resto balançava com o vento. - Ela o tentou, fazendo-lhe promessas suaves e perversas, para que ele roubasse o ouro e a lancha de salvamento. Quan­do o marinheiro fez isso, porque ela era uma mulher que podia levar um homem a matar apenas com um olhar, ela partiu com ele. - Grant sentiu os cabelos de Gennie en­rolarem-se em seus dedos como se tivessem vida própria. Então -, ele remou por dois dias e duas noites, sabendo que quando chegassem em terra, teria a mulher. Mas no momento em que eles avistaram a costa, ela sacou um sabre e cortou-lhe a cabeça. Agora, o esqueleto do homem fica sentado nas pedras e geme de desejo frustrado. Divertida, Gennie inclinou a cabeça.

- E a mulher?

- Investiu o ouro, dobrou seu patrimônio e tornou-se um pilar da comunidade.

Rindo, Gennie recomeçou a andar com ele.

- A moral parece ser: nunca se deve confiar em uma mulher que faz promessas.

- Certamente não em uma linda mulher.

- Você já teve a cabeça cortada, Grant? Ele deu uma risada curta e admirada.

- Não.

- Uma pena. - Ela suspirou. - Suponho que isso sig­nifica que você tem o hábito de resistir às tentações.

- Não é necessário resistir - replicou ele. - Contanto que você mantenha os olhos abertos.

- Não há romance nisso - reclamou Gennie.

- Tenho outros usos para minha cabeça, obrigado. Ela lhe lançou um olhar pensativo.

- Coleção de selos?

- Entre outros.

Eles andaram em silêncio novamente, enquanto o mar movimentava-se bem perto. Do outro lado, as pedras erguiam-se como uma parede. Ao longe, na água, podia-se avistar alguns barcos. Aquele pequeno sinal de huma­nidade adicionava um senso de espaço e isolamento.

- De onde você vem? - perguntou ela impulsivamente.

- Do mesmo lugar que você.

Gennie levou um minuto para entender, então riu.

- Não estou falando biologicamente, mas sim geogra­ficamente.

Ele deu de ombros, tentando não ficar satisfeito com a rapidez de raciocínio de Gennie.

- Do sul daqui.

- Oh, isso é específico - murmurou ela, então tentou de novo: - E quanto à sua família? Você tem família?

Ele parou para estudá-la.

- Por quê?

Com um suspiro exagerado, Gennie meneou a cabeça.

- Isso se chama ter uma conversa amigável. É uma nova tendência em todos os lugares do mundo.

- Sou um não-conformista.

- Não! Verdade?

- Você faz essa expressão ingênua muito bem, Genviève.

- Obrigada. - Ela virou uma concha na mão, então o fitou com um sorriso lento. - Vou lhe contar alguma coi­sa sobre minha família, só para incentivá-lo a começar. - Gennie considerou por um momento, então pensou em algo com que Grant pudesse se identificar. - Tenho um primo, que algumas vezes costumava se isolar. Sempre o considerei o membro mais fascinante da família, embora ele não seja exatamente um Grandeau.

- E o que ele é?

- A ovelha negra - disse ela com contentamento. - Ele sempre fez as coisas de seu próprio jeito, nunca se impor­tando sobre o que os outros pensavam. De vez em quan­do, eu ouvia histórias sobre ele, embora eu não devesse, e somente quando me tornei adulta foi que o conheci. Fico feliz em dizer que nós nos demos bem em poucos minu­tos e mantivemos contato nos últimos anos. Ele viveu de expedientes e se deu muito bem... o que chocou alguns membros mais sérios da família. Então, confundiu a todos se casando.

- Com uma dançarina exótica.

- Não. - Ela riu, satisfeita porque ele estava interes­sado o bastante para brincar. - Com alguém absolutamen­te adequada... inteligente, instruída, rica. - Gennie fez uma careta. - A ovelha negra, que passou algum tempo na cadeia, fez uma fortuna em mesas de jogos, superou a expectativa de todos. - Com uma risada, pensou no Co-manche Blade. O primo Justin tinha mesmo superado todos. E nem mesmo era prepotente.

- Adoro um final feliz - disse Grant secamente. Estreitando os olhos, Gennie voltou-se para ele.

- Não sabe que quanto menos você conta às pessoas, mais elas querem saber? É melhor inventar alguma coisa do que não falar nada.

- Sou o mais novo de doze filhos de dois missionários sul-africanos - declarou ele com tanta naturalidade que ela quase acreditou. - Quando eu tinha seis anos, fiquei vagando pela floresta e fui adotado por um bando de leões. Ainda gosto da carne de zebra. Então, quando eu tinha 18 anos, fui capturado por caçadores e vendido para um circo. Por cinco anos, fui a principal atração.

- O menino-leão... - murmurou Gennie.

- Naturalmente. Uma noite, durante uma tempestade, a tenda pegou fogo. Na confusão, eu fugi. Vivendo da terra, fiquei vagando pelo país... roubando algumas gali­nhas de vez em quando. Finalmente, um velho eremita me recolheu depois que o salvei de um urso.

- Com as mãos vazias - acrescentou Gennie.

- Eu estou contando a história - Grant a relembrou. - Ele me ensinou a ler e a escrever. No seu leito de mor­te, contou-me onde tinha enterrado suas economias de uma vida... um quarto de milhão em barras de ouro. De­pois de dar-lhe o funeral viking que ele pediu, tive de resolver se seria um corretor da bolsa de valores ou vol­taria para a floresta.

- Então, você decidiu contra o mercado de ações, veio para cá e começou a colecionar selos.

- Mais ou menos isso.

- Bem - disse Gennie após um momento -, com uma história tediosa dessas, posso entender porque você a guarda para si mesmo.

- Você perguntou - apontou Grant.

- Você poderia ter inventado alguma coisa.

- Não tenho imaginação.

Ela riu, então encostou a cabeça no ombro dele.

- Não, posso ver que você possui uma mente muito literal.

A risada dela contra a pele de Grant e a intimidade casual de sua cabeça sobre o ombro dele abalaram-no de alto a baixo. Devia afastá-la, disse a si mesmo. Não podia estar andando lá com Gennie, e gostando disso.

- Tenho coisas para fazer - falou ele abruptamente. - Podemos subir por aqui.

Foi o tom ríspido da voz que lembrou Gennie de que tinha ido lá com um propósito, e o propósito não era acabar gostando dele.

A subida seria mais fácil do que a descida, notou ela quando ele virou-se em direção ao que era agora uma ladeira, em vez de uma rocha. Embora os dedos másculos estivessem frouxos nos seus, ela os prendeu, enviando-lhe um sorriso que o fez praguejar baixinho enquanto a aju­dava a escalar. Pensando rapidamente, Gennie guardou a concha no bolso traseiro da calça. Quando se aproximaram do topo, estendeu-lhe a outra mão. Com os olhos aperta­dos contra o sol, os cabelos em suas costas, encarou-o. Resmungando, Grant pegou-lhe a outra mão e puxou-a nos últimos passos.

Já ao nível do solo, ela se aproximou, o corpo roçando i»dele, enquanto as mãos de ambos permaneciam unidas. A respiração de Grant não se alterara durante a subida, mas agora estava acelerada. Sentindo uma onda de satisfação, Gennie deu-lhe um sorriso preguiçoso.

- Vai voltar para os seus selos? - murmurou ela. Deliberadamente, inclinou-se para mais perto e roçou os lábios no queixo dele. - Divirta-se. -Afastando as mãos, virou-se. Deu três passos, antes que ele lhe segurasse o braço. Embora o coração estivesse disparado, Gennie olhou-o por sobre o ombro. - Quer alguma coisa? - per­guntou com uma voz baixa e divertida.

Podia ver a luta por controle estampada no rosto de Grant. E nos olhos escuros, viu uma chama de desejo que fez sua garganta secar. Não, não iria recuar agora, disse a si mesma. Terminaria o jogo. Quando ele a puxou para si, Gennie tentou se convencer que não era medo que sentia, não era paixão. Era apenas auto-gratificação.

- Parece que você quer - disse ela com uma risada, levando as mãos para as costas largas.

Quando Grant beijou-a, sua mente girou. Todos os planos, todos os pensamentos de vingança desapareceram. Foi como da primeira vez... a paixão, e, além da paixão, a sensação de estar fazendo a coisa certa e, em seguida, uma tempestade de necessidades e desejos confusos. Entregar-se a ele era tão natural, que ela o fez sem pensar duas vezes, e com uma simplicidade que provocou um gemido de Grant quando a puxou para mais perto.

A língua dele provou-lhe os lábios antes de se entre­laçar com a dela, enquanto as mãos fortes moldavam os quadris arredondados. Gennie soube o quanto aquelas mãos eram fortes. Sua pele arrepiou-se com a imagem de ser tocada sem barreiras, mesmo enquanto a boca procurava absorver tudo que ele podia lhe dar através de um único beijo. Gennie pressionou-se contra o corpo másculo, oferecendo, exigindo, e parecia que Grant não podia dar ou receber rápido o bastante para satisfazer a ambos.

Não foi até começar a sentir fraqueza que Gennie lembrou-se de temer. Aquele não era objetivo, era? Não podia acreditar que começara aquilo para sentir esse prazer assustador, o desejo devastador de se entregar, o que nunca tinha acontecido antes. Uma onda de pânico a assolou e Gennie lutou contra ela, mas sabia o quanto seria incapaz de deter o desejo. Precisava detê-lo, deter a si mesma. Se Grant continuasse a segurá-la por mais tempo, ela se derreteria. E se perderia.

Usando as poucas forças que lhe restavam, afastou-se, determinada a não demonstrar nem a paixão nem o medo que a consumiam.

- Muito bom - murmurou ela, rezando para que ele não notasse como sua voz estava ofegante. - Embora sua técnica seja um pouco... rude para o meu gosto.

A respiração de Grant estava acelerada. Ele não falou, sabendo que se o fizesse, a raiva transpareceria. Pela se­gunda vez, ela o esvaziara, e então o preenchera novamen­te com ela mesma. Um forte desejo por Gennie, único e penetrante, o percorreu enquanto fitava-lhe os olhos e es­perava que a paixão se acalmasse. Nada aconteceu.

Era mais forte do que ele, disse a si mesmo quando agarrou a blusa de Gennie nas mãos. O coração dela batia descompassado contra seus dedos. Não havia nada que o impedisse de... Grant baixou as mãos, embora a mulher o deixasse em brasas. Ninguém o pressionava àquilo, pensou furioso enquanto ela continuava encarando-o. Ninguém.

- Você está andando em um terreno perigoso, Genviève - murmurou ele suavemente.

Ela jogou a cabeça para trás.

- Estou usando sapatos seguros. - Com um meio sorriso, ela virou-se, contando cada passo enquanto vol­tava para seu trabalho. Talvez, as mãos não estivessem firmes quando guardou o material de desenho. Talvez o sangue estivesse soando em seus ouvidos. Mas tinha vencido o primeiro round. Soltou a respiração quando ouviu a porta do farol bater com força.

O primeiro round, repetiu, desejando que não estives­se tão ansiosa pelo próximo.

 

Grant conseguiu evitar Gennie por três dias. Ela voltou para pintar todas as manhãs, e, embora trabalhasse por horas, não via nem sinal dele. O farol estava silencioso, as janelas cintilando inexpressivamente ao sol.

Certo dia, o barco de Grant não estava lá quando ela chegou, e não retornou até que Gennie perdesse a luz de que precisava para pintar. Ficou tentada a descer a rocha e andar ao longo da praia à qual ele a levara. Descobriu que seria mais fácil ir à casa dele sem ser convidada do que ir para aquele local particular sem o conhecimento de Grant. Mesmo se quisesse pintar lá, a sensação de invasão a teria impedido.

Ela pintou em paz, decidida a não pensar nele. Mas a pintura em si o mantinha alojado em sua mente. Jamais poderia ver aquele lugar, na tela ou na realidade, sem vê-lo, também. O local era de Grant, absolutamente, como se ele tivesse sido talhado nas pedras ou jogado ali pelo mar. Gennie podia sentir a força da personalidade dele enquanto guiava o pincel, e o desafio da mesma enquan­to se esforçava para colocar na tela o que deveria ter sido apenas a emoção da natureza.

Mas não seria apenas a natureza, descobriu enquanto pintava o mar e as ondas. Apesar de a forma de Grant não estar na tela, sua substância estaria. Gennie sabia que deixava uma partícula de si mesma em cada uma de suas telas. Nesta, capturaria uma parte de Grant, também. Nenhum dos dois tinha escolha.

De alguma maneira, saber disso a fez criar algo com força total. A pintura a excitava. Sabia que precisava pintar aquela vista, e pintá-la bem. E sabia que, quando estivesse pronta, a daria para Grant. Porque jamais pode­ria pertencer a outra pessoa.

Seria um símbolo de afeição, disse a si mesma, ou uma oferta de amizade. Era simplesmente alguma coisa que tinha de ser feita. Nunca seria capaz, em sã consciência, de vender aquela tela. E se a mantivesse para si mesma, ele a perseguiria. Então, antes de deixar Windy Point, daria esse presente a Grant. Quem sabe, de seu próprio jeito, ele o perseguiria então.

Suas manhãs foram preenchidas com o impulso de finalizar a tela, uma urgência que tinha de bloquear repe­tidas vezes, a menos que quisesse perder alguma coisa vital no processo. Gennie sabia o quanto era importante mover-se lentamente, absorver tudo ao seu redor e dar isso à pintura. Durante as tardes, forçava-se a guardar o material, de modo que não trabalhasse mais tempo do que deveria e ignorasse a mudança da luz.

Então, esboçava sua pequena enseada e planejava uma aquarela, enquanto ansiava pela chegada da próxima manhã, quando poderia voltar para o mar.

Sua inquietação a levou de volta à cidade. Era hora de fazer alguns esboços lá, decidir o que iria pintar, e de que maneira. Disse a si mesma que precisava ver pessoas novamente para evitar que sua mente continuasse se fo­cando em Grant.

No meio da tarde, Windy Point era uma cidade silen­ciosa e tranqüila. Os barcos estavam no oceano, e um sol brumoso esquentava o ar. Ela viu uma mulher sentada na varanda, escolhendo feijões, enquanto uma criança arran­cava trevos no jardim.

Gennie parou o carro no fim da rua e começou a andar. Podia desenhar as casas, os jardins. Podia reunir impres­sões que os faria ganhar vida outra vez, quando começas­se a pintar. Aquele era um mundo diferente da poderosa estação de Windy Point, diferente ainda da enseada calma atrás de seu chalé, mas estavam todos conectados. O mar locava todos eles de maneiras distintas.

Ela passeou, alegre por ter ido até ali, embora só ou­visse vozes de estranhos. Era uma cidade de que se lem­braria mais claramente que de outras que havia visitado cm seu tour pela Nova Inglaterra. Contudo, era o mar que continuava a fasciná-la mais do que tudo... e o homem que morava lá.

Quando o veria de novo?, perguntou-se, forçando-se ;i admitir que sentia a falta dele. Sentia falta da expressão mal-humorada e das palavras breves, do sorriso rápido e do humor surpreendente, da luz de cinismo divertido que via nos olhos escuros de vez em quando. E, embora fos­se ainda mais difícil admitir, sentia falta daquela paixão furiosa que Grant lhe despertara tão de repente.

Encostando-se contra a lateral de uma construção, perguntou-se se existiria um outro homem em algum lugar do mundo que a tocasse daquela maneira. Não pôde imaginar nenhum. Nunca procurara por um cavaleiro de armadura... eles significavam problemas em excesso, esperando uma donzela indefesa em troca. Gennie jamais seria indefesa, e o espírito e as maneiras de um cavaleiro, na maior parte das vezes, atrapalhavam um relacionamen­to inteligente. Grant Campbell nunca seria cavalheiresco, pensou, e uma moça indefesa o irritaria.

Recordando-se do primeiro encontro dos dois, ela riu. Não, a ele não se importava em ser rejeitado por uma moça em perigo mais do que ser uma importava a ela. Supunha que, de ambos os lados, esse jeito de pensar tinha a ver com uma forte necessidade de independência.

Não, Grant não estava procurando por uma donzela, e ela não procurava por um cavaleiro, e muito menos queria encontrar ogros. Gennie pensou como Grant esta­va muito perto de se encaixar nessa categoria. Não é que deixasse de gostar da companhia dos homens. Só não queria um deles complicando a sua vida. Pelo menos não até que estivesse pronta. E certamente não queria se en­volver com um ogro... Eles eram totalmente imprevisíveis. Quem sabia quando a engoliriam inteira?

Meneando a cabeça, Gennie olhou para baixo, surpre­sa ao perceber que não estava apenas pensando em Grant, mas o estava desenhando. Com os lábios comprimidos.

Ergueu o bloco para um estudo crítico. Uma boa seme­lhança, pensou. Os olhos dele estavam um pouco estreitos, escuros e intensos ao ponto de parecerem perigosos. As sobrancelhas estavam baixas, formando aquela fraca linha vertical que lhe dava um aspecto de dureza. Ela captura­ra o rosto magro com seus planos e sombras, o nariz aristocrático e os cabelos desalinhados. E a boca...

A pequena onda de excitação não foi surpreendente, mas não era bem-vinda. Desenhara a boca de Grant como tinha visto antes que essa tocasse a sua... de modo sensu­al, rude. Sim, podia sentir o gosto tempestuoso mesmo agora, parada na cidade tranqüila com cheiro de peixe e flores envelhecendo ao seu redor.

Fechando cuidadosamente o bloco, Gennie lembrou-se de que deveria se concentrar nas casas que fora desenhar, com o lápis preso atrás da orelha, atravessou a avenida para ir ao correio. O adolescente magrinho, do qual se recordava de sua primeira visita à cidade, virou-se para olhá-la assim que Gennie entrou. Enquanto andava para o balcão, ela sorriu-lhe, e observou-o sorrindo amplamen­te de volta.

- Will. - A sra. Lawrence colocou algumas cartas Nobre o balcão. - É melhor você levar a correspondência do sr. Fairfield, antes que perca o seu emprego.

Sim, senhora. - Ele pegou as cartas, enquanto continuava a olhar para Gennie. Quando derrubou diversas no chão, Gennie abaixou-se para ajudá-lo, e o garoto enrubesceu e começou a gaguejar, nervoso.

- Will Turner! - repetiu a sra. Lawrence com o tom de mim professora impaciente. - Pegue essas cartas e vá.

- Você esqueceu uma, Will - disse Gennie amavelmente, e, então, entregou-lhe o envelope. Com as faces vermelhas e os olhos fixos nela, Will foi tropeçando para a porta e saiu.

A sra. Lawrence deu uma risada seca.

- Não sei como ele não caiu no degrau.

- Suponho que devo me sentir lisonjeada. - Gennie considerou. - Não me lembro de ter provocado um efei­to tão dramático em alguém antes.

- Idade estranha para um garoto, quando começa a notar que as mulheres têm o formato do corpo um pouco diferente.

Gennie riu, e apoiou-se no balcão.

- Eu queria agradecer-lhe mais uma vez por ter ido ao chalé naquele dia. Estive pintando no farol e não vim à cidade.

A sra. Lawrence olhou para o bloco de desenho que Gennie colocara sobre o balcão.

- Desenhando por aqui?

- Sim. - Num impulso, Gennie abriu o bloco e folheou as páginas. - Foi a cidade que me interessou em primeiro lugar... o senso de permanência e objetividade.

Com olhos críticos, a viúva estudou os desenhos, enquanto Gennie mordiscava o lábio e esperava pelo veredicto.

- Ah! - exclamou ela por fim -, você sabe com que se ocupar. - Com um dedo, voltou uma folha, então es­tudou o desenho que Gennie fizera de Grant.

- Parece um pouco feroz - comentou ela, enquanto um pequeno sorriso cruzava-lhe os lábios.

- Ele é um pouco feroz, em minha opinião - respondeu Gennie.

- Bem, algumas mulheres gostam de um toque de vinagre em um homem. - Ela deu uma outra risada seca, e, pela primeira vez, os olhos eram mais amigáveis do que astutos. - Sou uma delas. - Com uma olhada sobre o ombro de Gennie, a viúva fechou o bloco. - Boa tarde, sr. Campbell.

Por um momento, Gennie olhou para a viúva com a mesma perplexidade que Will a olhara. Percebendo a ati­tude dela, colocou a mão sobre o bloco agora fechado.

- Boa tarde, sra. Lawrence. -No momento em que ele se aproximou e parou no balcão ao lado dela, Gennie sentiu o aroma do mar. - Genviève - disse Grant, dando-lhe um longo e enigmático olhar.

Ele se perguntara quanto tempo mais agüentaria antes que a visse de perto novamente. Houvera muitos momen­tos, nos últimos três dias, em que quase não fora capaz de resistir à vontade de ir até a janela de seu estúdio para observá-la pintar. Tudo que o impedira de ir atrás de Gennie fora o reconhecimento de que, se a tocasse de novo, estaria pegando uma estrada da qual nunca mais poderia voltar. E não tinha muita certeza do que havia no lim dessa estrada.

Uma imagem do adolescente rubro e gaguejando passou pela mente de Gennie e ela endireitou a coluna.

- Olá, Grant. - Quando ela sorriu, foi cuidadosa para esconder o entusiasmo, e compensou-o com zombaria.

Pensei que você estivesse hibernando.

- Estive ocupado - respondeu ele com tranqüilidade. - Não sabia que você ainda estava por aqui. -Aquilo lhe deu a satisfação de ver irritação nos olhos dela, antes que conseguisse controlá-la.

- Estarei por perto por um bom tempo ainda.

A sra. Lawrence colocou uma pilha de correspondência sobre o balcão, seguida por outra de jornais. Gennie viu o remetente de Chicago no envelope de uma carta, e o logo­tipo do Washington Post antes que Grant recolhesse tudo.

- Obrigado.

Franzindo o cenho, Gennie observou-o sair do correio. Devia ter uma dúzia de cartas e uma dúzia de jornais. Cartas de Chicago, um jornal de Washington para um homem que vivia numa rocha deserta fora da cidade, que nem mesmo tinha um sinal de trânsito. O que ele...

- Um homem de aparência bonita - comentou a sra. Lawrence atrás das costas de Gennie.

Murmurando qualquer resposta, Gennie foi para a porta.

- Até logo, sra. Lawrence.

A sra. Lawrence bateu um dedo no balcão, pensando que não havia tanta tensão no ar desde a última tempes­tade. Talvez uma outra estivesse para vir.

Intrigada, Gennie recomeçou a andar. Não era de sua conta por que um solitário estranho recebia tantas cartas. Talvez ele somente fosse à cidade buscar a correspondên­cia uma vez por mês, mas aquele jornal era do dia anterior. Meneando a cabeça, lutou contra a curiosidade. A verda­deira questão era que tinha sido capaz de marcar alguns pontos... mesmo se Grant tivesse sido o alvo.

Ela parou na esquina e fez um outro esboço rápido, enquanto dizia a si mesma que, em vez de pensar em Grant, deveria estar pensando nos mantimentos que ne­cessitava comprar antes de voltar para o chalé.

Mas sentia-se irrequieta novamente. O senso de ordem e paz, que encontrara depois de uma hora na cidade, havia desaparecido no momento em que ele entrara no correio. Queria reencontrar aquele sentimento antes de voltar para passar a noite sozinha.

Sem rumo, passeou pela rua, parando de vez em quan­do para ver uma vitrine. Estava quase no fim da cidade quando se lembrou do jardim da igreja. Desenharia lá até que estivesse cansada o bastante para ir embora.

Uma caminhonete passou, talvez o terceiro veículo que Gennie via em uma hora. Após esperar por ela, atra­vessou a rua. Caminhou pelo terreno pequeno e irregular do cemitério, ouvindo a quietude. A grama estava tão alta que se dobrava com a brisa. Acima, um grupo de gaivotas voava, sinalizando a direção do mar.

A cerca alta estava enferrujada e a pintura descascan­do. O laço da rainha Anne jazia entre os dois pilares. A igreja em si era pequena e branca, com um único painel de vidro colorido no V do telhado. As janelas eram de vidro transparente, e a porta era sólida e marcada pelo tempo. Gennie andou até a lateral e se sentou onde a grama tinha sido recentemente cortada. Ainda podia sentir o cheiro no ar.

Por um momento, perguntou-se como era possível que um pequeno pedaço no mapa pudesse ter tanta coisa que exigisse ser pintada. Ela poderia facilmente passar seis meses lá, em vez de seis semanas, e nunca capturaria tudo o que quisesse.

A inquietação evaporou quando começou a pintar. Talvez não fosse capaz de transferir tudo para óleos e aquarelas antes de partir, mas teria os esboços. Depois de alguns meses, poderia usá-los e voltar a Windy Point quando sentisse necessidade.

Virou a página para começar um segundo esboço quan­do uma sombra caiu sobre o papel. O coração disparou, a temperatura do corpo pareceu aumentar. Sabia quem esta­va em pé diante dela. Sombreando os olhos, fitou Grant.

- Bem, duas vezes em um dia - murmurou ela suave­mente.

- Cidade pequena. - Ele apontou para o bloco. - Você acabou na Estação?

- Não, a iluminação não é boa a essa hora do dia para o que eu quero lá.

Era irritação que Grant deveria sentir, não alívio. Ca­sualmente, sentou-se no gramado ao lado dela.

- Então, agora você vai imortalizar Windy Point.

- Do meu próprio jeito - disse ela secamente, e come­çou a esboçar de novo. Estava feliz por que ele aparecera? Não sabia, de alguma maneira, que isso aconteceria? -Ainda brincando com selos?

- Não, tenho me dedicado à música clássica. - Ele apenas sorriu quando ela virou-se para encará-lo. - Você deve conhecer bem, imagino. Um pouco de Brahms após o jantar.

- Prefiro Chopin. - Ela bateu o lápis no queixo. - O que você fez com sua correspondência?

- Guardei.

- Não notei a sua caminhonete.

- Eu vim de barco. - Pegando o bloco de desenho, ele voltou à primeira página.

- Para alguém que aprecia tanto a privacidade - começou ela irritada -, você tem pouco respeito pela dos outros.

- Sim. - Sem cerimônia, ele empurrou-lhe a mão quando Gennie tentou pegar o bloco. Enquanto ela se corroía de raiva em silêncio, Grant folheou o bloco, pau­sando, então continuando até que chegou ao desenho dele mesmo. Estudou-o por um momento, sem uma palavra, então a surpreendeu com um sorriso.

- Nada mau - comentou ele.

- Estou impressionada com seu elogio.

Ele considerou-a por um momento, então agiu por impulso.

- Um merece outro.

Tirando o lápis da mão dela, Grant virou as páginas até chegar a uma em branco. Para o espanto de Gennie, começou a desenhar com a confiança de uma pessoa com longa prática. Boquiaberta, olhou-o enquanto ele asso­biava e traçava linhas e curvas sobre o papel. Os olhos de Grant se estreitaram de leve quando pôs uma sombra, então jogou o bloco de volta no colo dela. Gennie deu-lhe uma última e longa olhada antes de abaixar a cabeça para o bloco.

Era definitivamente ela... numa caricatura inteligente e cruel. Seus olhos estavam inclinados... exagerados, quase predatórios, as maçãs do rosto eram aristocráticas, o queixo, um ponto teimoso. Com a boca apenas entreaberta e a cabeça inclinada para trás, ele lhe dera a expres­são de uma realeza descontente. Gennie estudou o desenho por uns dez segundos antes de cair na gargalhada.

- Seu malvado! - disse ela, ainda rindo. - Pareço prestes a mandar decapitar uma pessoa.

Ele poderia ter aproveitado o desenho se ela tivesse ficado zangada, insultada. Nesse caso, a teria caricatura­do como vaidosa e sem humor, e não merecedora de sua atenção... Pelo menos, poderia ter tentado. Agora, com a risada dela soando no ar e os olhos vivos, Grant caía do precipício.

- Gennie. - Ele murmurou o nome enquanto estendia a mão para tocar-lhe o rosto. A risada dela morreu.

O que teria dito se sua garganta não tivesse fechado, ela não sabia. Achou que o ar tinha parado muito subita­mente. O único movimento parecia ser o dos dedos que afastavam seus cabelos do rosto, o único som, sua própria respiração irregular. Quando Grant abaixou o rosto para o seu, Gennie não se moveu, mas esperou.

Ele hesitou, embora a pausa tenha sido muito breve, antes de tocar-lhe a boca com a sua. Gentil, examinador, enviou um arrepio pela coluna dela. Grant devia estar sentindo o mesmo, percebeu Gennie, quando os dedos fortes se apertaram no seu pescoço brevemente antes de relaxarem. Ele devia estar sentindo, como ela, aquela súbita explosão de poder, que foi seguida por um tipo confuso de fraqueza.

Flutuando... duas pessoas deveriam flutuar daquela maneira? Sem limites, sem cuidados... Como ela podia imaginar que os lábios de um homem seriam capazes de lhe provocar tão infinita variedade de sensações? Talvez, nunca tivesse sido beijada antes, e apenas pensava que tivesse. Talvez houvesse apenas imaginado um dia outro homem ter lhe roça a boca. Porque este sim, era um bei­jo de verdade.

Podia sentir o gosto, a respiração quente. Podia sentir os lábios suaves, entretanto firmes e experientes. Podia sentir o aroma... aquela sutil fragrância de vento e mar. Podia ver o rosto bonito, nublado e próximo quando seus cílios ergueram-se para lhe transmitir segurança. E quan­do ele murmurou o seu nome, ela o ouviu.

A resposta de Gennie foi se derreter de encontro ao corpo dele, de forma lenta e luxuriante. Com a fusão, veio a dor, inesperada e forte o bastante para fazê-la tremer. Como podia haver dor, perguntou-se perplexa, quando seu corpo estava verdadeiramente em paz? Entretanto, a dor retornou numa onda que a abalou. Alguma parte lú­cida de sua mente a relembrou de que amar doía.

Mas não. Ela tentou reprimir a dor, e a idéia que ela trazia, mesmo enquanto o beijava. Não estava se apaixo­nando, não agora, não por ele. Não era isso que queria... O que queria? Ele.

A resposta veio tão claramente, com tanta simplicida­de... O que a deixou em pânico.

- Grant, não. - Gennie se afastou, mas a mão no seu rosto deslizou para a nuca, mantendo-a imóvel.

- Não o quê? - A voz dele era baixa e rouca.

- Eu não pretendia... Nós não deveríamos... Eu não... Oh! - Ela fechou os olhos, frustrada por estar se sentindo tão confusa.

- Por que você está fugindo de mim?

O traço de humor na voz dele a fez se levantar. Não estava tonta, disse a si mesma. Apenas havia ficado senta­da por muito tempo, e se levantara muito rapidamente.

- Ouça, aqui não é lugar para esse tipo de coisa.

- Que tipo de coisa? - perguntou Grant, se levantan­do também, porém, preguiçosamente, estendendo mús­culo por músculo. - Estávamos apenas nos beijando. Isso é mais popular do que ter uma conversa amigável. Beijar você tornou-se um hábito. - Ele entrelaçou os dedos nos cabelos de Gennie. -Não mudo meus hábitos facilmente.

- Nesse caso - ela parou para recuperar o fôlego -, acho que você deveria fazer uma exceção.

Ele a estudou, tentando entender alguma coisa que mexia com seu âmago.

- Você me confunde, Genviève. A sedutora experien­te em um minuto, a virgem nervosa no momento seguin­te. Sabe como fascinar um homem.

O orgulho surgiu automaticamente para protegê-la.

- Alguns homens se deixam fascinar mais facilmente do que outros.

- Verdade. - Grant não tinha certeza de qual emoção o dominava, mas sabia que não era confortável. - Ficarei muito feliz em vê-la longe daqui - murmurou ele.

Ouvindo o som dos passos de Grant se retirando, Gennie abaixou-se para pegar o bloco de desenho. Por alguma coincidência maliciosa, tinha caído aberto exata­mente no esboço do rosto de Grant. Ela fez uma careta para o desenho.

- E ficarei feliz em não vê-lo nunca mais. - Gennie fechou o bloco, espanou a poeira da calça jeans, e come­çou a sair do jardim da igreja com tranqüila dignidade.

Impossível!

- Grant! - Ela desceu os degraus para a calçada e o seguiu. - Grant, espere!

Com todos os sinais de impaciência, ele virou-se.

- O quê?

Um pouco sem fôlego, Gennie parou diante dele e perguntou-se o que queria falar. Não era verdade que nunca mais queria vê-lo. Se não entendia o motivo ainda, sentia pelo menos que precisava um pouco mais de tem­po para descobrir.

- Paz - ofereceu e estendeu uma mão. Quando ele apenas a olhou, ela deu um rápido suspiro de raiva e engoliu o orgulho. - Por favor.

Capturado na armadilha da única palavra, ele pegou a mão oferecida.

- Tudo bem. - Quando Gennie ia retirar a mão, ele a apertou com mais força. - Por quê?

- Eu não sei - respondeu Gennie com impaciência. Apenas um desejo louco de ver se posso me dar bem com um ogro. - Com o arquear irônico da sobrancelha de Grant, ela suspirou. - Certo, isso foi um pequeno lap­so. Retiro.

Preguiçosamente, ele girou nos dedos a fina corrente de ouro que ela usava.

- Então, o que acontece agora?

O que acontecia agora? Gennie pensou enquanto os dedos dele faziam sua pele formigar. Não iria ceder à tentação, mas também não iria fugir como um coelho assustado.

- Ouça, eu lhe devo uma refeição - disse ela impulsi­vamente. - Pagarei e ficaremos quites.

- Como?

- Eu lhe farei um jantar.

- Você já me fez um café da manhã.

- Aquela era a sua comida - apontou Gennie. Já pla­nejando tudo, olhou além dele, para a cidade. - Preciso comprar algumas coisas.

Grant a estudou, considerando.

- Você vai levar as coisas para o farol?

Oh, não, pensou ela imediatamente. Não confiava em si mesma com ele lá, tão perto do mar e do poder.

- Para o meu chalé. Há uma pequena churrasqueira nos fundos, se você gosta de bifes.

O que se passava pela mente dela?, perguntou-se Grant enquanto observava pensamentos secretos brilharem nos olhos da cor do mar. Sabia que nunca seria capaz de re­sistir à tentação de descobrir.

- Sim, churrasco está bom para mim.

- Certo. - Ela assentiu com um gesto de cabeça e pegou-lhe a mão. - Vamos às compras.

- Espere um minuto - começou Grant quando ela o puxou para a calçada.

- Oh, não comece a reclamar já. Aonde compro os bifes?

- Bayside - disse Grant secamente puxando-a para mais perto.

Sorrindo da expressão dela, passou um braço ao redor de seus ombros.

- De vez em quando, o mercado Leeman recebe bons pedaços de carne.

Gennie o olhou, desconfiada.

- De onde?

Ainda sorrindo, Grant abriu a porta do mercado.

- Adoro um mistério.

Gennie não tinha certeza se achava aquilo divertido, até que descobriu que realmente havia um bife... apenas um, mas de tamanho suficiente para duas pessoas... e que vinha de uma fazenda da redondeza, autorizada e licenciada. Satisfeita com isso, e com uma sacola de verduras frescas para salada, conduziu Grant para fora de novo.

- Agora, onde posso comprar uma garrafa de vinho?

- Na loja de Fairfield - sugeriu Grant. - Ele é o único que vende bebida alcoólica na cidade. Se você não se importa muito com o rótulo.

Quando eles começaram a atravessar a rua, um garoto passou de bicicleta, lançando um rápido olhar para Grant, amtes de enterrar o queixo no peito e sair pedalando.

- Um de seus admiradores? - perguntou Gennie friamente.

- Expulsei-o das rochas, junto com três amigos, algumas semanas atrás.

- Você é muito bem-humorado.

Grant apenas sorriu, lembrando-se de que sua primeira reação tinha sido de fúria quando tivera sua paz interrompida. Então, temera que os quatro garotos descuidados quebrassem os pescoços nas pedras.

- Sim - murmurou ele, recordando-se com prazer da bronca que dera nos meninos.

- Você chuta cachorros doentes? - perguntou ela quando viu o brilho nos olhos dele.

- Só na minha própria terra.

Suspirando, Gennie abriu a porta da loja de Fairfield. Do outro lado do cômodo, Will imediatamente derrubou o pote grande que estava prestes a estocar na prateleira. Vermelho até a ponta das orelhas, deixou o pote onde estava.

- Posso ajudá-la? - perguntou com voz trêmula.

- Preciso de um saco de carvão. - Gennie falou en­quanto atravessava a loja. - E de uma garrafa de vinho.

- O carvão está nos fundos - ele conseguiu falar, então deu um passo atrás quando Gennie se aproximou. O co­tovelo dele bateu numa pilha de latas, derrubando-as. - De... de que tamanho?

Divertida e com pena do garoto, Gennie engoliu em seco.

- De dois quilos está bom.

- Vou buscar. - O garoto desapareceu, e Gennie ouviu a voz de Fairfield perguntar o que o afligia antes que ela fosse forçada a pôr a mão sobre a boca para conter uma risada.

Pensando na reação de Macintosh em relação a Verô­nica, Grant sentiu uma onda de empatia.

- O pobre menino ficará sonhando acordado por uma semana. Você tinha de sorrir para ele?

- Francamente, Grant. Ele não pode ter mais de 15 anos.

- Velho o bastante para suar frio - comentou ele.

- Hormônios - murmurou ela, quando encontrou a escassa seleção de vinhos de Fairfield. - Eles apenas precisam de tempo para se equilibrar.

O olhar de Grant desceu e focou-se quando ela se abaixou.

- Deve levar somente trinta ou quarenta anos - mur­murou ele.

Gennie achou um burgundy e pegou-o da prateleira do baixo.

- Parece que teremos uma festa, afinal de contas. Will voltou com um saco de carvão e quase conseguiu não derrubá-lo nos próprios pés. - Eu trouxe um fluido de isqueiro, também, caso... - Ele parou quando começou a gaguejar.

- Oh, obrigada. - Gennie colocou o vinho sobre o balcão e pegou a carteira.

- Você precisa ser maior de idade para comprar o vinho começou Will. O sorriso de Gennie se ampliou e o rubor tio garoto aprofundou-se. - Suponho que você seja, certo?

Incapaz de resistir, Gennie gesticulou para Grant.

- Ele é.

Extasiado, Will olhou para Gennie até que ela perguntou qual era o valor da compra. Ele digitou os números na pequena calculadora, tremeu muito, e recomeçou.

- Cinco dólares e sete - um longo suspiro escapou -, mais os impostos.

Gennie resistiu à vontade de alisar-lhe o rosto, e pôs dinheiro na palma úmida da mão do adolescente.

- Obrigada, Will.

Os dedos de Will se fecharam sobre as moedas.

- Sim, senhora.

Pela primeira vez, os olhos do menino deixaram Gennie. Grant deparou-se com um olhar de medo e inveja, e não tinha certeza se devia sentir-se envaidecido ou se desculpava-se. Num raro gesto de afeição casual, apertou o ombro de Will.

- Ela faz um homem querer implorar, não faz? - mur­murou ele quando Gennie já estava à porta.

Will suspirou.

- Sim. - Antes que Grant pudesse se virar, Will puxou-lhe a manga da camisa. - Você vai jantar com ela e tudo o mais?

Grant arqueou uma sobrancelha, mas conseguiu man­ter a compostura. Tudo o mais significava coisas diferen­tes para pessoas diferentes. No momento, aquilo formou imagens provocativas em seu cérebro.

- No momento as coisas estão incertas... - murmurou ele, usando um dos bordões de Macintosh. Então, sorriu. - Sim, nós vamos jantar. E mais alguma coisa - acrescen­tou enquanto andava em direção a Gennie.

- Sobre o quê vocês estavam falando? - ela quis saber.

- Conversa de homem.

- Oh, peço-lhe perdão.

O jeito desdenhoso como ela falou o fez rir, e puxá-la para seus braços, a fim de beijá-la na frente de todos de Windy Point. Enquanto ainda a abraçava, Grant ouviu o barulho de coisas se quebrando dentro da loja de Fairfield.

- Pobre Will... - murmurou ele. - Sei como ele está se sentindo. - O humor brilhou em seus olhos novamen­te. É melhor eu ir para o barco, se vamos jantar... e tudo o mais.

Confusa pela alegria não característica de Grant, Gennie o olhou longamente.

- Tudo bem - disse ela após um momento. - Eu o vejo mais tarde.

 

Era bobagem se sentir como uma adolescente se prepa­rando para um encontro amoroso, Gennie disse a si mesma quando abriu a porta do chalé. Tinha dito a mesma coisa quando dirigira da cidade... e pegara a estrada vazia.

No momento, estava entusiasmada com o piquenique... dois adultos, um bife, e uma garrafa de burgundy, que podiam ou não valer o preço. Uma pessoa teria de procu­rar muito para encontrar romance em carvão, fluido de isqueiro, e algumas folhas de verduras frescas em um  pedaço de quintal. Não era a primeira vez que Gennie lamentava possuir uma mente tão criativa.

Tinha certamente sido imaginação que despertara aquela série de sensações no jardim da igreja. Um peque­no gesto de carinho inesperado, uma brisa suave, e ela ouvia sinos. Tola.

Gennie colocou as sacolas sobre o balcão da cozinha e desejou que tivesse comprado velas. Luz de velas dei­xaria até mesmo aquela pequena cozinha tão prática parecendo romântica. É, se tivesse um rádio, poderia haver música...

Recompondo-se, olhou para o teto. No que estava pensando? Para começar, nunca tivera paciência com deleites óbvios e convencionais, e, em segundo lugar, não teria um romance com Grant. Estava tentando fazer uma amizade... uma amizade muito cuidadosa com ele, mas isso era tudo.

Faria aquele jantar porque lhe devia isso. Eles con­versavam porque ela o achava interessante, apesar do mau-humor. E se certificaria totalmente de não acabar nos braços dele de novo. Qualquer parte sua que desejasse uma repetição do que acontecera entre eles no jardim da igreja teria de ser enterrada pelo bom senso. Grant Campbell não era apenas basicamente desagradá­vel, era muito complicado. Gennie considerava-se uma pessoa bastante complexa para se envolver com alguém que possuía tantas camadas sobre si.

Ela pegou o saco de carvão e o fluido de isqueiro e foi para o quintal acender a churrasqueira. O lugar estava muito quieto, pensou, olhando ao redor enquanto abria o bico. Ouviria Grant chegar muito antes de vê-lo.

Era um momento perfeito para um passeio na enseada, com as sombras do fim da tarde se alongando e o calor do dia diminuindo. A iluminação estava branda e amena agora. Ela podia ouvir o leve bater da água contra o píer, o farfalhar dos insetos no gramado alto do banco. Então, ouviu o barulho de um motor à distância.

Imediatamente, seus nervos ficaram à flor da pele, e pôs os dois quilos de carvão no chão. Quando parou de agir de modo afobado, riu e colocou um punhado de carvão na churrasqueira. Então, aquela era a sofisticada Genviève Grandeau, pensou ironicamente... um membro do mundo da arte e da sociedade requintada de Nova Orleans, prestes a derrubar dois quilos de carvão nos pés porque um homem rude estava indo jantar com ela.

Com um sorriso, rolou o saco e deixou-o cair no chão. E daí?, perguntou-se antes de ir até o píer esperá-lo.

Grant virou o barco no rio numa velocidade que fez espirrar água para o alto. Rindo, Gennie ficou na ponta dos pés e acenou, desejando que ele já estivesse lá. Não tinha percebido até aquele momento, o quanto temera passar a noite sozinha. Contudo, não havia ninguém com quem quisesse passar a noite, exceto ele. Grant a enfure­ceria antes que a noite acabasse, Gennie tinha certeza. E estava esperando ansiosamente por isso.

Ele diminuiu a velocidade e, então, guiou o barco ao longo do píer. Quando o motor parou por completo, o silêncio retornou... restando o barulho da água e do ven­to batendo no gramado alto.

- Quando você vai me levar para dar uma volta? - per­guntou Gennie no momento em que ele lhe jogou uma corda.

Grant subiu no píer e observou-a segurando o barco com habilidade.

- Eu disse que faria isso?

- Talvez não, mas vai dizer agora. - Endireitando o corpo, ela esfregou as mãos na parte traseira da calça. - Eu estava pensando em alugar um pequeno barco a remo para passear na enseada, mas prefiro ir para o mar.

- Um barco a remo? - Ele sorriu, tentando imaginá-la remando.

- Cresci em um rio - ela o relembrou. - Navegar está no meu sangue.

- Sério? - Preguiçosamente, Grant pegou-lhe a mão, virando-a para examinar a palma. Era suave, macia e Corte. - Esta mão não parece ter manuseado muitas velas-mestras.

- Fiz minha parte. - Sem nenhuma razão além de querer fazer isso, Gennie entrelaçou os dedos nos dele. - Sempre houve marinheiros em minha família. Meu tataravô era... freelance.

- Um pirata. - Intrigado, Grant pegou-lhe a ponta do cabelo na mão e enrolou em volta de seu dedo. - Tenho a impressão de que você pensa mais sobre isso do que em condes e duques espalhados em sua árvore familiar.

- Naturalmente. Quase todo mundo pode encontrar um aristocrata na família se procurar bastante. E ele era um pirata muito bom.

- De bom coração?

- De sucesso - corrigiu ela com um sorriso malicioso. Tinha quase 60 anos quando se aposentou em Nova

Orleans. Minha avó mora na casa que ele construiu lá.

- Com dinheiro tirado dos comerciantes desafortuna­dos - terminou Grant, sorrindo de novo.

- O mar é um lugar sem lei - disse Gennie com um dar de ombros. - Você arrisca. Talvez consiga o que quer agora ela sorriu, também -, ou pode ter sua cabeça cortada.

- Pode ser mais sábio manter você presa à terra - mur­murou Grant, então, puxando o cabelo que segurava, trouxe-a para mais perto.

Gennie pôs uma mão no peito dele para equilibrar-se, mas encontrou seus dedos mo vendo-se para cima. A boca de Grant era tentadora, tentadora demais quando abaixou em direção à sua. Seria mais sábio resistir, ela sabia, mas ergueu-se na ponta dos pés para encontrar-lhe a boca.

Bem de leve, ele roçou-lhe os lábios, como se estives­se incerto de seus movimentos, incerto de quão profun­damente ousaria mergulhar dessa vez. Poderia tê-la pu­xado para si, e Gennie se aconchegaria em seus braços com não mais do que um suspiro. Entretanto, ambos mantiveram uma pequena distância tangível, como uma barreira... ou uma janela de segurança. Ainda era muito cedo para lutarem contra a corrente que os aproximava mais e mais, a ponto de não ter retorno.

Eles se separaram no mesmo instante e deram um pequeno passo atrás.

- É melhor pôr fogo no carvão - falou Gennie após um momento.

- Eu não perguntei antes - disse Grant quando come­çaram a descer o píer -, mas você sabe cozinhar aquelas coisas?

- Meu caro sr. Campbell - zombou Gennie, forçando o sotaque sulista -, você parece ter muitas idéias erradas sobre as mulheres do sul. Posso cozinhar até sobre uma pedra quente.

- E lavar camisas em um riacho.

- Tão bem quanto você poderia - devolveu ela. - Você pode ter algumas vantagens em relação a mim nas áreas mecânicas, mas eu diria que, fora isso, somos iguais.

- Uma greve pelo movimento feminista? Gennie estreitou os olhos.

- Você está prestes a dizer alguma coisa depreciativa e pouco inteligente?

- Não. - Pegou a lata de fluido e a entregou a ela. -Como sexo discriminando, vocês tiveram uma queixa legítima por centenas de anos, e vêm defendendo seus direitos tanto em conjunto quanto individualmente. Infe­lizmente, ainda há um grande número de barreiras que precisam ser derrubadas pelas mulheres, embora uma mulher ou outra de vez em quando derrube algumas qua­se sem ruído. Já ouviu falar de Winnie Winkle?

Totalmente fascinada, Gennie o olhou.

- Como em Wee Willie?

Grant riu e apoiou-se na lateral da churrasqueira.

- Não. Winnie Winkle, a Chefe de Família, uma his­tória em quadrinhos dos anos vinte. Aborda o assunto da libertação das mulheres várias décadas antes que isso se tornasse um papo corriqueiro. Tem um fósforo?

- Hmmm. - Gennie pegou a caixa de fósforos do bolso. - Isso não foi um pouco antes de sua época?

- Fiz algumas pesquisas sobre o assunto... para traba­lhos na faculdade.

- Verdade? - Mais uma vez, ela sentiu que ele escon­dia alguma coisa. Acendeu o carvão ensopado, então deu um passo atrás, quando o fogo pegou e as chamas subiram.

- Onde você fez faculdade?

Grant sentiu o primeiro cheiro de fumaça, um aroma de verão que associava à sua infância.

- Georgetown.

- Eles têm um excelente departamento de artes lá - co­mentou Gennie pensativa.

- Sim.

- Você estudou artes lá? - persistiu ela. Grant observou a fumaça subir no ar.

- Por quê?

- Porque, pela caricatura cruel que fez de mim, é óbvio que você tem talento, e que teve treinamento. O que está fazendo com isso?

- Com o quê?

Gennie franziu o cenho em frustração.

- Com seu talento e treinamento. Eu conheceria seu nome se você pintasse.

- Eu não pinto - disse ele simplesmente.

- Então, o que você está fazendo?

- O que quero. Você não ia preparar a salada?

- Que coisa, Grant...

- Tudo bem, não fique brava. Eu faço a salada.

Quando ele foi em direção à porta dos fundos, Gennie segurou-lhe o braço.

- Eu não entendo você.

Ele arqueou uma sobrancelha.

- Não pedi que entendesse. - Grant viu a frustração novamente, porém mais do que isso, viu mágoa, rapida­mente escondida. Por que subitamente sentiu vontade de desculpar-se por sua necessidade de privacidade?

- Gennie, deixe-me lhe dizer uma coisa. - Em um gesto que não lhe era característico, ele acariciou-lhe o rosto de modo gentil. - Eu não estaria aqui neste momen­to se pudesse estar longe de você. Isso lhe basta?

Ela queria dizer que sim... e que não. Se não estivesse com medo do que as palavras poderiam desencadear, teria lhe dito que já estava mergulhando em sentimentos profundos. Amor, ou talvez os primeiros sinais do amor, que percebera há pouco, estavam crescendo rapidamente. Em vez disso, sorriu e pegou-lhe as mãos.

- Eu faço a salada.

Foi tão simples quanto ela havia dito a si mesma que poderia ser. Na cozinha, eles juntaram algumas verduras frescas e discutiram sobre a ciência de fazer salada. A carne chiava na churrasqueira enquanto se sentavam na grama e apreciavam a luz do fim da tarde de um dos úl­timos dias de verão.

Aromas preguiçosos... grama úmida, fumaça de chur­rasco. Algumas palavras, um silêncio confortável. Gennie reuniu as sensações e as guardou no coração, sabendo que seriam importantes para ela em dias chuvosos, quando estivesse cercada de pressões e responsabilidades. Por enquanto, sentia-se como quando era uma garotinha, e lhe restavam alguns dias preciosos do mês de agosto e a escola ainda parecia estar há anos luz de distância. O verão sempre parecia ter mais magia perto do fim.

Magia suficiente, pensou Gennie, para fazê-la se apai­xonar sem quê nem porquê.

- Em que você está pensando? - perguntou Grant.

Ela sorriu e virou a cabeça para o céu uma última vez.

- Que é melhor eu ir ver aquele bife.

Ele segurou-lhe o braço, tombando-a de costas antes que ela pudesse se levantar.

- Não.

- Você gosta de carne queimada?

- Não, não é nisso que você está pensando - corrigiu ele. Então, traçou com um dedo o contorno dos lábios dela, e, apesar de ter sido um gesto distraído, Gennie sentiu o toque em cada poro.

- Eu estava pensando no verão - murmurou ela sua­vemente. - Ele sempre parece acabar antes que termine­mos de saboreá-lo.

Quando ela ergueu a mão para o rosto dele, Grant segurou-lhe o pulso ali.

- As melhores coisas sempre acabam antes que termi­nemos de saboreá-las.

Enquanto ele a fitava, Gennie sorria daquela maneira fácil e lenta que enviava ondas de desejo e um tumulto de emoções por todo o corpo de Grant. Sem poder evitar, levou sua boca até a dela. Os lábios suaves, quentes, prontamente responderam aos seus, que exploráramos dela, até que tudo que ele era, sentia, desejava, estava focado ali. Enfeitiçado, seduzido, Grant aprofundou o beijo, incerto agora da estrada em que se encontrava. Sabia apenas que ela estava com ele.

Podia sentir a grama embaixo dos dois, doce e seca, o aroma de verão, assim como a fumaça em espiral acima deles. Queria tocá-la, cada centímetro daquele corpo curvilíneo e esbelto que vinha atormentando seus sonhos desde o primeiro momento que a vira. Se fizesse isso uma vez, sabia que seus sonhos nunca mais seriam pacíficos. Sc somente o gosto dela... de fruta selvagem, mel quente... podia tirá-lo de equilíbrio tão facilmente, o que senti-la por inteiro faria com ele?

Seu desejo por Gennie era como o verão... ou, pelo menos, disse isso a si mesmo. Tinha de terminar antes que ele acabasse de saboreá-lo.

Erguendo a cabeça, olhou para baixo a fim de ver os olhos verdes, levemente inclinados, quase fechados. Olhos que, se ele não se cuidasse, os colocaria de joelhos. Cau­telosamente, afastou-se, então, ajudou-a a se levantar.

- É melhor tirarmos aquele bife do fogo ou teremos de comer apenas salada.

Os joelhos de Gennie estavam fracos. Poderia jurar que essas coisas só aconteciam em ficção, entretanto, lá estava ela, as juntas tremendo como se fossem geléia. Virando-se, espetou o garfo no bife para colocá-lo no prato.

- Estamos brincando com fogo - murmurou ela.

- Eu estava pensando a mesma coisa - Grant falou calmamente antes que eles entrassem de novo na casa.

Através de um acordo silencioso, eles mantiveram a conversa leve enquanto comiam. O que cada um tinha sentido durante aquele beijo curto e estonteante foi guar­dado com cuidado.

Eu não estou procurando por um relacionamento, suas mentes racionalizavam separadamente.

Para começar, não somos adequados um para o ou­tro... Não há tempo para isso.

Meu Deus, eu não estou me apaixonando.

Tremendo, Gennie levou o copo de vinho aos lábios e tomou um grande gole. Grant olhava para o prato, o semblante mal-humorado.

- Como está seu bife? - perguntou ela na falta de outra coisa para falar.

- O quê? Oh, está bom. - Afastando a sensação de desconforto, Grant começou a comer com mais entusias­mo. - Você cozinha quase tão bem quanto pinta - comen­tou. - Onde aprendeu?

Gennie arqueou uma sobrancelha.

- Bem, nos joelhos de mamãe. Ele sorriu.

- Você tem uma língua ferina, Genviève. - Erguendo a garrafa de vinho, ele serviu os copos de vidro que ela comprara na cidade. - Eu estava pensando que é estranho o fato de uma mulher que cresceu numa casa cheia de empregados saber fazer churrasco. - Grant sorriu, pen­sando em Shelby, que só consideraria cozinhar em último caso.

- Em primeiro lugar - disse ela -, cozinhar sempre foi considerado um assunto familiar. E, em segundo, quando você mora sozinha, aprende, ou vive em restaurantes.

Ele não pôde resistir provocá-la um pouquinho quan­do se recostou com o vinho.

- Você foi fotografada em praticamente todos os me­lhores restaurantes do mundo.

Para não morder a isca, Gennie imitou a postura dele, observando-o sobre a borda do copo enquanto bebia.

- É por isso que recebe uma dúzia de jornais? Para que possa ver como as pessoas vivem enquanto você hiberna?

Grant considerou aquilo por um momento.

- Sim. - Supôs que não poderia ter colocado aquilo melhor.

- Você não acha esse um tipo de atitude arrogante? Novamente, ele ponderou, estudando o vinho tinto em seu copo próprio para água.

- Sim.

Gennie não pôde evitar uma risada.

- Grant, por que você não gosta das pessoas? Surpreso, ele a olhou.

- Eu gosto, individualmente em alguns casos, e como um todo. Apenas não as quero aglomeradas à minha volta.

Ele falava sério, percebeu Gennie, levantando-se para tirar os pratos. Era difícil compreendê-lo.

- Você nunca tem vontade de dar cotoveladas? Ouvir um murmúrio de vozes?

Tivera sua porção de cotoveladas e vozes antes dos 17 anos, pensou Grant com tristeza. Mas... Não, supunha que não era bem verdade. Certas vezes, necessitava de uma boa dose de humanidade com todas as suas falhas e com­plicações, para seu trabalho e para si mesmo. Pensou na semana que tinha passado com os MacGregors. Precisa­ra daquilo, e deles, embora não percebesse completamen­te até que estivesse de volta, em sua própria rotina.

- Tenho os meus momentos - murmurou ele. Auto­maticamente, começou a tirar a mesa quando Gennie abriu a torneira quente na pia. - Sem sobremesa?

Ela olhou por sobre o ombro para ver que ele estava perfeitamente sério. Grant comia como um caminhoneiro, contudo, não havia a mínima gordura sobrando no corpo másculo. Energia nervosa? Metabolismo? Meneando a cabeça, Gennie perguntou-se porque persistia em tentar entendê-lo.

- Tenho alguns picolés no freezer. Grant sorriu e foi pegar o sorvete.

- Quer um? - ofereceu enquanto rasgava o papel do picolé.

- Não. Você está tomando isso porque quer, ou para se livrar de enxugar a louça? - Ela colocou um prato na secadora.

- Pelos dois motivos.

Apoiando-se contra o balcão, ele mordeu o picolé.

- Eu podia comer uma caixa destes quando eu era criança.

Gennie lavou outro prato.

- E agora?

Grant deu uma mordida generosa.

- Você só tem dois.

- Um homem educado compartilharia.

- Sim. - Ele deu outra mordida.

Com uma risada, Gennie espirrou um pouco de água no rosto dele.

- Vamos, seja bonzinho.

Ele estendeu o picolé, parando a meio centímetro dos lábios dela. Com as mãos ensaboadas, Gennie abriu a boca. Grant afastou o sorvete, tirando-o de seu alcance.

- Não seja gulosa - avisou ele.

Lançando-lhe um olhar ofendido, ela inclinou-se para frente o bastante para dar uma mordidinha delicada no picolé, então, ainda observando-o, deu uma mordida grande o suficiente para esfriar-lhe a boca.

- Malcriada - brincou Grant, fazendo uma careta para o que sobrou do picolé, enquanto Gennie ria.

- Você pode comer o outro - disse ela amavelmente depois de secar as mãos. -Apenas não resisto quando alguém põe alguma coisa de chocolate debaixo do meu nariz.

Deliberadamente, Grant deslizou a língua pelo picolé.

- Alguma outra... fraqueza?

No momento que o calor expandiu-se no estômago, Gennie andou em direção à varanda da frente.

- Algumas. - Ela suspirou quando o canto dos pássa­ros anunciou a chegada da noite. - Os dias estão ficando mais curtos - comentou.

O sol baixo já estava rodeado de nuvens cor-de-rosa e douradas. A fumaça do churrasco subia no ar, afinando. Perto do banco do rio, havia uma árvore seca, suas folhas escassas avermelhando pelo outono.

Quando as mãos de Grant tocaram-lhe os ombros, ela inclinou-se contra ele instintivamente. Juntos, em silêncio, assistiram a chegada da noite.

Grant não podia se lembrar da última vez que tinha visto o pôr-do-sol com alguém, ou quando sentira vonta­de de fazer isso. Agora, parecia tão simples, tão assusta­doramente simples. Pensaria nela agora, toda vez que a noite se aproximasse?

- Conte-me sobre o seu verão favorito - pediu ele de repente.

Gennie recordava-se de um verão passado no sul da França, e um outro no iate de seu pai em Aegean. Sorrin­do, observou o rosado das nuvens se aprofundar.

- Uma vez, fiquei com a minha avó por duas semanas, enquanto meus pais foram para Veneza numa segunda lua-de-mel. Dias longos e preguiçosos com abelhas zunindo em volta das flores do matagal. Tinha um velho e grande carvalho do lado de fora da janela de meu quarto, que pingava musgo. Algumas noites, eu pulava a janela para me sentar em um de seus galhos e olhar as estrelas. Eu devia ter uns 12 anos - disse ela. - Havia um garoto no estábulo. - Gennie riu de repente, com as costas confortavelmente aninhadas contra o peito de Grant. - Oh, céus, ele era um pouco como Will, todo estranho e nervoso.

- E você era louca por ele.

- Eu passava horas limpando as baias e cuidando dos cavalos só para vê-lo. Escrevi páginas e mais páginas sobre ele em meu diário e um poema muito sentimental.

- E o manteve debaixo de seu travesseiro.

- Naturalmente, você também deve ter tido uma rela­ção superficial com alguma garota de 12 anos.

Ele pensou em Shelby e sorriu, descansando o queixo no topo da cabeça de Gennie. Os cabelos tinham o aroma de flores selvagens molhadas pela chuva.

- Quanto tempo você levou para conseguir que ele a beijasse?

Gennie riu.

- Dez dias. Eu achei que tinha descoberto a resposta para os mistérios do universo. Eu era uma mulher.

- Ninguém do sexo feminino tem mais certeza disso do que uma garota de 12 anos.

Ela sorriu para o céu turvo.

- Mais do que uma relação superficial, parece - co­mentou. - Uma tarde, encontrei Angela rindo com o meu diário na mão, e a persegui pela casa toda. Ela era... - Gen­nie tencionou quando a dor a assolou com toda sua força. Antes que Grant pudesse abraçá-la mais forte, ela afastou-se para olhar o crepúsculo através da tela de proteção da varanda. - Minha irmã tinha 10 anos - continuou num sussurro. - Eu ameacei raspar-lhe os cabelos se ela con­tasse a alguém sobre o meu diário.

- Gennie...

Ela meneou a cabeça quando sentiu a mão de Grant acariciar-lhe os cabelos.

- Logo vai escurecer. Já podemos ouvir os grilos. Você deveria voltar para casa.

Grant não suportava ouvir as lágrimas na voz dela. Seria mais fácil deixá-la agora, apenas recuar. Disse a si mesmo que não tinha habilidade quando se tratava de confortar al­guém. Massageou-lhe os ombros gentilmente.

- Há uma luz no barco. Vamos nos sentar lá.

Ignorando a resistência de Gennie, ele a conduziu para o balanço da varanda.

- Minha avó tinha um desses - disse Grant, puxando conversa, passando um braço ao redor dela e sentando-se no balanço barulhento. - Ela possuía uma pequena casa ao leste de Maryland. Um lugar pequeno e tranqüilo com um terreno tão plano que parecia ter sido traçado com uma régua. Já esteve em Chesapeake?

- Não. - Deliberadamente, Gennie relaxou e fechou os olhos. O balanço era gostoso, a voz dele curiosamente suave. Não sabia que Grant podia falar em tons tão gentis e calmos.

- Caranguejos de casca mole e campos de tabaco. - Ele já podia sentir a tensão diminuindo nos ombros de Gennie. - Tínhamos de pegar uma balsa para chegar em casa. Não era muito diferente deste chalé, exceto por ser um sobra­do. Meu pai e eu podíamos atravessar a rua e pescar. Peguei uma truta certa vez, usando um pedaço de queijo de cabra como isca.

Grant continuou a falar, recontando coisas que havia esquecido, coisas que nunca tinha dito em voz alta antes. Fatos sem importância que eram murmurados em tom monótono no ar, enquanto a luz diminuía cada vez mais. No momento, parecia a coisa certa, a coisa de que ela precisava. Ele não tinha certeza se possuía algo mais para dar.

Grant manteve o balanço em movimento enquanto a cabeça de Gennie descansava em seu ombro, e perguntou-se como nunca notara como o crepúsculo podia ser pací­fico quando compartilhado com alguém.

Gennie suspirou, ouvindo mais o tom dele do que as palavras em si. Deixou-se flutuar, ouvindo o canto dos grilos mais insistentes agora... Sonhos freqüentemente não eram nada além de memórias.

- Oh, Gennie, você deveria estar lá! - Angela, feliz e vibrante, virou em seu assento enquanto Gennie dirigia no trânsito do centro de Nova Orleans. As ruas estavam úmidas com a fria chuva de fevereiro, mas nada podia desencorajar Angela. Ela era a luz do sol e as flores da primavera.

- Eu preferia estar lá a congelar em Nova York - res­pondeu Gennie.

- Você não pode congelar quando está sob os holofotes replicou Angela, virando-se mais um pouco para a irmã.

- Quer apostar?

- Você não teria perdido aquela exibição por uma dúzia de festas.

Não, ela não teria, pensou Gennie com um sorriso. Mas Angela...

- Conte-me como foi.

- Foi muito divertido! Todo aquele barulho e música. O lugar estava tão cheio, que você não podia dar um passo sem esbarrar em alguém. A próxima vez que tio Hank der uma festa em seu barco, você tem de ir.

Gennie sorriu para a irmã.

- Não parece que a minha falta foi sentida. Angela deu sua risada irresistível.

- Bem, fiquei um pouco cansada de responder perguntas sobre a minha irmã talentosa.

Gennie suspirou quando parou no farol. Podia ver o farol vermelho enquanto o limpador de pára-brisa movia-se ligeiramente de um lado para o outro.

- Eles apenas usam esse tipo de desculpa como um meio de se aproximar de você.

- Bem, havia alguém... - Quando Angela parou, Gen­nie virou-se para olhá-la. Tão linda, pensou. Cabelos louros com olhos quase dolorosamente vividos.

- Alguém?

- Oh, Gennie. - A excitação tingiu o rosto dela de rosa. - Ele é maravilhoso. Eu mal podia formar uma sentença coerente quando ele começou a conversar comigo.

- Você?

- Eu - concordou Angela, rindo de novo. - Era como se alguém tivesse drenado metade de meu cérebro. E agora... Bem, eu o tenho visto durante a semana toda. Acho que... é ele.

- Depois de uma semana? - questionou Gennie.

- Depois de cinco segundos. Oh, Gennie, não seja tão prática. Estou apaixonada. Você precisa conhecê-lo.

Gennie engatou a primeira enquanto esperava o farol abrir.

- Tenho de analisá-lo?

Angela balançou seus lindos cabelos dourados e riu quando o farol ficou verde.

- Oh, eu me sinto maravilhosamente bem, Gennie. Absolutamente maravilhosa!

A risada foi a última coisa que Gennie ouviu antes do chiado agudo dos freios. Viu o carro derrapando em di­reção a elas através do cruzamento. No sonho, era sempre tão devagar, segundo após segundo de puro terror, apro­ximando-se cada vez mais. Água jorrou dos pneus e pa­receu ficar pendurada no ar.

Não houve tempo de respirar, não houve tempo de reagir ou impedir, antes que ouvisse o som de metal ras­pando em metal, a explosão de luzes brilhando. Terror. Dor. E escuridão.

- Não! - Ela endireitou o corpo, rígida de medo e choque. Havia braços a seu redor, segurando-a com for­ça... com segurança. Gritos? De onde eles tinham vindo?

O farol, o carro. Angela.

Respirando fundo, Gennie olhou para o rio escuro enquanto a voz de Grant murmurava palavras de confor­to em seu ouvido.

- Desculpe-me. -Afastando-se, ela se levantou, erguen­do mãos nervosas para os cabelos. - Eu devo ter cochilado. Que companhia desagradável! - continuou com voz trê­mula. - Você devia ter me dado um cutucão, e...

- Gennie. - Ele se levantou, e segurou-lhe o braço. Pare com isso.

Ela desmoronou. Grant não esperava tamanha submis­são e não tinha defesa contra aquilo.

- Não faça isso - sussurrou ele, acariciando-lhe os cabelos, enquanto ela o abraçava. - Gennie, não chore. Está tudo bem, agora.

- Oh, meu Deus, isso não acontecia há semanas! - Ela enterrou o rosto no peito dele, quando a dor a assolou, fresca como se fosse na primeira hora após o acidente.

- No começo, logo depois do acidente, eu revivia o terror todas as vezes em que fechava os olhos.

- Venha. - Grant beijou-lhe o topo da cabeça. - Sen­te-se.

- Não. Eu não posso... preciso falar. - Ela o abraçou apertado por mais um momento, como se reunindo forças.

- Podemos conversar?

Claro. - Trazendo-a para seu lado, Grant abriu a porta de tela. Por um tempo, ficou silencioso, o braço ao redor dos ombros dela enquanto eles passavam às margens da enseada, andando sem rumo certo. Mas sabia que precisava ouvir tanto quanto ela precisava falar. - Gennie, fale comigo.

- Eu estava me lembrando do acidente - começou ela lentamente, mas a voz estava mais calma agora. - Às vezes, quando eu sonhava com isso, era rápida o bastan­te para desviar do caminho daquele carro e tudo era muito diferente. Então, eu acordava e percebia que nada estava diferente.

- É uma reação natural - murmurou ele, embora o pensamento de ser atormentado por pesadelos comprimis­se-lhe a garganta. Também tivera seus próprios pesadelos.

- Os sonhos irão desaparecer após um tempo.

- Eu sei. Raramente acontecem hoje em dia. - Gennie respirou profundamente, e pareceu fortalecida por isso.

- Mas quando acontece, é tão claro! Posso ver os respin-gos da chuva no pára-brisa logo antes dos limpadores os removerem. Havia poças de água perto das esquinas, e a voz de Angela era tão... vivida! Ela era tão linda, Grant! Não apenas o rosto, mas a pessoa inteira. Sempre doce e carinhosa. Estava me contando sobre uma festa, na qual tinha conhecido uma pessoa especial. Estava apaixonada, e radiante com isso. A última coisa que falou foi que se sentia maravilhosamente bem. Então, eu a matei.

Grant segurou-lhe os ombros e sacudiu-a com força.

- Que tipo de loucura é essa?

- Foi culpa minha - respondeu Gennie com uma cal­ma mortal. - Se eu tivesse visto aquele carro alguns se­gundos antes... Ou se eu tivesse feito alguma coisa, pisado no freio, no acelerador, qualquer coisa. O impacto foi todo do lado dela. Eu sofri apenas uma leve concussão, alguns arranhões, mas Angela...

- Você se sentiria melhor se tivesse se machucado seriamente? - perguntou ele de modo autoritário. - Você pode sofrer por ela, chorar por sua irmã, mas não pode se culpar.

- Eu estava dirigindo, Grant. Como esqueço isso?

- Você não esquece - replicou ele, enervado pelo tom de sofrimento na voz dela. - Mas coloque a coisa em perspectiva. Não havia nada que pudesse ter feito, e sabe disso.

- Você não entende. - Gennie engoliu em seco, porque as lágrimas estavam vindo, e achou que não tinha mais lágrimas. - Eu a amava muito. Ela era parte de mim... uma parte da qual eu precisava desesperadamente. Quan­do você perde alguém que é essencial para sua vida, perde uma parte de si mesmo.

Grant entendia... a dor, a necessidade de sentir culpa. Gennie culpava-se por expor a irmã à morte. Grant cul­pava o pai por expor a si mesmo. Nenhuma das formas mudava a perda.

- Então, você tem de viver sem essa parte sua.

- Você não pode saber como isso é - murmurou ela.

- Meu pai morreu quando eu tinha 17 anos - começou ele, dizendo as palavras que preferia ter evitado. - Eu precisava dele.

Gennie descansou a cabeça no peito largo. Não ofere­ceu compaixão, sabendo que Grant não precisava disso. O que você fez?

- Odiei... por um longo tempo. Isso era fácil. - Sem perceber, ele a estava abraçando novamente, recebendo e dando conforto ao mesmo tempo. - Aceitar é mais di­fícil. Todos fazem isso de maneiras distintas.

- Como você fez?

- Percebendo que não havia nada que eu pudesse ter feito para impedir aquilo. - Afastando-a um pouquinho, ele ergueu-lhe o queixo com uma das mãos. -Assim como não havia nada que você pudesse ter feito.

- É mais fácil, não é? Dizer a si mesmo que você poderia ter feito alguma coisa do que admitir que era impotente?

Grant nunca tinha visto as coisas por aquele ângulo... talvez tivesse se recusado a pensar sobre isso. -Sim.

- Obrigada. Sei que você não queria me contar sobre o seu pai, assim como eu também não queria contar-lhe sobre a minha irmã. Nós podemos ser muito egoístas com o nosso sofrimento... e com a nossa culpa.

Grant afastou-lhe os cabelos das têmporas. Beijou-lhe as faces, onde lágrimas ainda estavam secando, e sentiu uma onda de ternura que o deixou trêmulo. Indefesa, ela o deixava vulnerável. Se Grant a beijasse agora, realmen­te a beijasse, Gennie teria poder completo sobre ele. Com mais esforço do que imaginava que seria necessário, afastou-se.

- Preciso voltar - murmurou ele, deliberadamente pondo as mãos nos bolsos. - Você vai ficar bem?

- Sim, mas... eu gostaria que você ficasse. - As pala­vras saíram antes que Gennie percebesse que tinha pensado nelas. Mas não as retiraria agora. Alguma coisa brilhou nos olhos de Grant. Mesmo na luz parca, ela podia ver. Desejo, necessidade, e alguma coisa rapida­mente revelada e ocultada.

- Não esta noite.

O tom a fez arquear as sobrancelhas em perplexidade.

- Grant - começou ela, e aproximou-se para tocá-lo.

- Não esta noite - repetiu ele, parando o movimento da mão estendida de Gennie.

Ela pôs a mão atrás das costas como se tivesse levado um tapa.

- Tudo bem. - Seu orgulho veio para cobrir a dor da rejeição. - Gostei da companhia. - Virando-se, começou ;i andar em direção a casa.

Grant observou-a ir, então praguejou, seguindo-a.

- Gennie.

- Boa noite, Grant. - A porta de tela foi fechada.

 

Ela iria perder aquilo. Gennie lançou um olhar furioso para as nuvens vindo rapidamente do norte e praguejou. Que coisa, iria perder a luz e não estava pronta. A energia estava fluindo através de seu ser, de sua mente e de seu coração para a sua mão, em um daqueles raros momentos que um artista reconhecia como certo. Alguma coisa lhe dizia que algo permanente e importante acabaria na tela naquela manhã. Tudo que tinha de fazer era seguir seus instintos. Mas, para isso, precisava correr contra a tem­pestade.

Gennie sabia que talvez tivesse trinta minutos antes que as nuvens estragassem a iluminação, e uma hora antes de a chuva fechar tudo. Um trovão já soava a dis­tância sobre o barulho das ondas batendo nas pedras. Ela olhou para o céu de modo desafiante. Por Deus, teria de conseguir!

O ímpeto estava a seu lado, uma urgência que dizia que hoje iria acontecer. Tudo que fizera antes... os esboços, o trabalho preliminar, a tinta espalhada na tela... eram una preparação para o que criaria agora.

A excitação percorreu-lhe a pele junto com o vento. E tinha frustração. Parecia precisar das duas coisas para continuar. Talvez uma tempestade estivesse se formando em seu interior, também. Parecia estar acontecendo isso desde a noite anterior, quando seu humor estivera hesi­tante e destorcido, com Grant e sem ele. A última rejeição a deixara dormente, estranhamente calma. Agora, suas emoções estavam fluindo novamente... fúria, paixão, orgulho e tormento. Gennie podia extravasar na arte, li­berá-las de modo que não apodrecessem em seu inte­rior.

Precisava de Grant? Não, não precisava dele ou de ninguém, disse a si mesma deslizando o pincel sobre o tapei. O trabalho era o suficiente para preencher-lhe a vida, limpar suas feridas. Era sempre fresco, quase constante.

Enquanto seus olhos pudessem ver e seus dedos pudessem erguer um lápis ou um pincel, aquilo seria seu.

A arte tinha sido sua amiga durante a infância, um consolo durante as perturbações da adolescência. Era tão exigente quanto um amante, assim como gananciosa por mia paixão. E era paixão o que ela sentia agora, uma paixão física e vibrante que a fazia prosseguir. O momento era perfeito, e a eletricidade no ar apenas completava

O senso de urgência que a percorria.

Agora!, uma voz gritava na sua cabeça. O momento de fundir alma, coração e mente era agora. Se não fosse agora, não seria nunca. As nuvens se aproximaram. Gennie tentou ser mais rápida do que elas.

A pele se arrepiou em expectativa, o sangue esquentou, Grant saiu ao ar livre. Como um lobo, ele percebeu um aroma suspeito no ar, e foi à procura do mesmo. Estivera irrequieto demais para trabalhar, e tenso para relaxar. Al­guma coisa o instigara durante toda a manhã, encorajando-o a se mover, a procurar até encontrar. Disse a si mesmo que era a aproximação da tempestade, a falta de sono. Mas sabia, sem compreender, que cada uma dessas coisas era somente parte de um todo. Algo estava se remexendo de mais maneiras do que aquele caldeirão no céu.

Sentia fome sem querer comer, insatisfação sem saber o que podia mudar. Impaciente, de maneira impulsiva, enervara-se com o confinamento de seu estúdio, todo cercado por paredes e vidros. O instinto o levara para fora, a fim de procurar o vento e o mar. E Gennie.

Sabia que ela estaria lá, embora tivesse se convencido que fecharia sua mente até mesmo para pensar nela. Mas agora, vendo-a, estava abalado, tão abalado como o céu do norte com o primeiro raio seguido de um trovão.

Grant nunca a tinha visto daquele jeito, mas entendia. Gennie estava em pé com a cabeça abaixada, num gesto de abandono ao trabalho, os olhos verdes brilhando com poder. Havia alguma coisa selvagem nela, apenas parcial­mente devida ao vento, que fazia seus cabelos esvoaçarem e o avental de pintura oscilar. Havia força na mão que guiava o pincel tão fluidamente e, ao mesmo tempo, com tanto propósito. Parecia ser uma rainha supervisionando seu domínio. Poderia ser uma mulher esperando por um amante. Com o sangue correndo alucinadamente nas veias, Grant pensou que ela era as duas coisas.

Onde estava a mulher que havia chorado em seus bruços apenas algumas horas antes? Onde estava a fragi­lidade, o desamparo que o apavorara? Ele lhe dera o conforto que fora capaz, embora não tivesse muita idéia de como consolar uma mulher em sofrimento. Tinha falado sobre coisas de que não falava há 15 anos... porque Gennie precisava ouvir, e ele, por alguma razão indefinível, precisava dizê-las. E então, a deixara porque se Mentira sendo engolido por alguma coisa desconhecida e inevitável.

Agora, ela parecia invulnerável, magnífica. Aquela era unia mulher a que homem algum podia resistir, uma mu­lher que podia escolher e descartar amantes com um simples gesto. Não era medo o que Grant sentia agora, mus desafio, e com o desafio, um desejo tão avassalador que ameaçava engoli-lo inteiro.

Ela parou de pintar com o som de um trovão e olhou pura o céu, numa espécie de exaltação. Ele a ouviu rir, uniu vez, com um desafio crescente que o fez lutar contra uma outra poderosa onda de desejo.

Em nome de Deus, quem era aquela mulher?, perguntou-se. E por que não era capaz de se afastar dela?

A excitação que a percorrera permaneceu mesmo após laminar a pintura. Estava pronta, pensou Gennie com uma sensação de triunfo. Entretanto... havia mais alguma coisa. Sua paixão não tinha sido diluída pela consagração de mulher e arte, mas ainda girava ao seu redor, impa­ciente, esperando.

Então, ela o viu, com o mar e a tempestade nas costas dele. O vento soprou mais forte, fazendo o sangue de Gennie pulsar. Por um longo momento, eles apenas se entreolharam, enquanto trovões e raios se aproximavam cada vez mais.

Ignorando-o, e ignorando a onda de calor que exigia que diminuísse a distância entre os dois, Gennie voltou-se para a tela. Aquilo, e apenas aquilo, era o que a chamava, disse a si mesma. Apenas aquilo era o que necessitava.

Grant observou-a guardar as tintas e os pincéis. Havia alguma coisa tanto regia quanto desafiante na maneira como ela lhe dera as costas para arrumar o material. Contudo, ele não podia negar o abalo de reconhecimento que sentiu quando os olhos de ambos tinham se encon­trado. Sob seus pés, o solo tremeu com o próximo trovão. Grant foi até ela.

A iluminação mudou, diminuindo quando as nuvens cobriram o sol. O ar estava carregado, centelhas podiam ser sentidas ao longo da pele. Gennie empacotou suas coisas com mãos hábeis e firmes. Tinha vencido a tem­pestade aquela manhã. Venceria qualquer coisa.

- Genviève. - Ela não era Gennie agora. Ele vira Gennie no jardim da igreja, rindo com jovialidade e en­canto. Tinha sido Gennie quem o abraçara, chorando. A risada daquela mulher podia ser baixa e sedutora, e ela nunca derramaria lágrimas. Mas quem quer que ela fosse, Grant estava enfeitiçado, irrevogavelmente.

- Grant. - Gennie fechou a tampa do estojo de pintu­ra antes de virar-se. - Você saiu cedo.

- Você terminou?

- Sim. - O vento soprou forte, jogando os cabelos no rosto dele, e, enquanto a expressão estava séria, os olhos eram escuros e impacientes. Gennie sabia que suas pró­prias emoções combinavam com as dele como dois lados da mesma moeda. - Eu terminei.

Você vai embora agora. - Ele podia ver o brilho de triunfo no semblante de Gennie, e o humor imprevisível nos olhos verdes.

- Daqui? - Ela jogou a cabeça para trás e olhou para o mar. As ondas estavam mais altas, e não havia barcos na água agora. - Sim. Há outras coisas que quer© pintar.

Era o que ele queria. Não desejava se livrar dela des­de o começo? Mas Grant não disse nada quando um outro trovão soou mais perto.

- Você terá sua solidão de volta. - O sorriso de Gennie foi leve e zombeteiro. - E isso é o que mais lhe importa, não é? Eu consegui o que precisava daqui.

Grant estreitou os olhos, mas não tinha certeza da origem de seu humor.

- Conseguiu?

- Dê uma olhada - convidou ela com um gesto da mão.

Ele não queria ver a pintura, tinha deliberadamente evitado olhá-la. Agora, os olhos de Gennie o desafiavam c o movimento do pulso era insolente demais para recusar. Enfiando os polegares nos bolsos, Grant virou-se em di­reção à tela.

Ela captava muito do que ele precisava lá, do que sentia. O poder do mar ilimitado, a glória do espaço e o desafio interminável. Desprezara as cores suaves, e esco­lhera as mais arrojadas. Tinha trocado a delicadeza pela força. A tela, que estivera em branco um dia, possuía agora a força total e turbulenta do Atlântico, e estava repleta de segredos. Os segredos eram da natureza, assim como a força e a solidez do farol eram do homem. Gennie capturara ambos, contrapondo-os mesmo enquanto mos­trava a harmonia infinita entre eles.

A pintura mexeu com Grant, perturbou-o, abalou-o, tanto quanto a sua criadora.

Gennie sentiu a tensão na base da nuca enquanto Grant estudava o desenho. Sabia que era tudo o que queria, sentia que talvez fosse o melhor trabalho de sua vida. Mas era Grant... seu mundo, sua força, seus segredos que haviam dominado as emoções dela enquanto estava pin­tando. Assim que acabara de pintar, o trabalho deixara de ser seu, e se tornara dele.

Grant afastou-se um passo da tela e olhou para o mar. Os raios estavam mais perto, enviando seu brilho perigo­so atrás das nuvens escuras e zangadas. Ele parecia ter perdido as palavras, as frases que sempre lhe vinham tão facilmente. Não podia pensar em nada, exceto em Gennie, e no desejo que passara a dar nós em seu estômago.

- Está bom - foi tudo o que ele disse.

Grant podia ter batido nela que não a machucaria mais. O pequeno gemido de Gennie foi coberto pelo barulho do vento. Por um momento, olhou-o enquanto a dor a dilacerava. Rejeição... nunca pararia de expor-se à rejei­ção dele?

O sofrimento foi substituído por raiva em questão de segundos. Não precisava da aprovação de Grant, do pra­zer, da compreensão. Tinha tudo que necessitava dentro de si mesma. Em raiva silenciosa, guardou a tela em sua sacola a tiracolo, então dobrou o suporte. Juntando suas coisas, virou-se para ele vagarosamente.

- Antes de partir, eu gostaria de lhe dizer uma coisa. A voz dela era fria. - Freqüentemente, a primeira im­pressão que temos de alguém não é muito precisa. Na primeira noite que eu o conheci, achei-o um homem rude, arrogante e sem capacidade de se redimir. - O vento jogou cabelos nos olhos de Gennie, que, com um meneio de cabeça, os colocou para trás, de modo que pudesse manter o olhar gelado em Grant. - É muito gratificante saber que eu estava absolutamente certa... e ser capaz de detes­tar você tão intensamente. - Erguendo o queixo, virou-se e foi para o carro.

Ela abriu o porta-malas e guardou seu material e a tela, perversamente satisfeita em deixar fluir a fúria que a consumia. Quando Grant segurou-lhe o braço, Gennie fechou o porta-malas e virou-se, pronta para lutar em quaisquer termos, por qualquer razão. Cega por suas emoções, não notou o calor nos olhos dele ou a respiração acelerada.

- Acha que vou simplesmente deixá-la ir? - reclamou Grant. - Acha que pode entrar na minha vida, invadi-la e mio deixar nada para trás?

O peito de Gennie estava se movimentando com a respiração, os olhos brilhavam. Com desdém calculado, olhou para os dedos que circulavam seu braço.

Tire sua mão de mim! - ordenou, espaçando as pa­lavras com precisão insolente.

Raios coloriram o céu enquanto eles se entreolhavam. O alto estrondo do trovão abafou a exclamação que Grant praguejou. O momento parecia suspenso no ar, crepitando, depois passou rápido como o vento que gritava em triunfo.

- Você devia ter aceitado meu conselho - disse ele entre dentes -, e ficado com seus condes e barões. - Então, Grant a estava puxando ao longo do gramado espesso, contra o vento.

- O que você pensa que está fazendo?

- O que eu devia ter feito no momento em que você entrou na minha vida.

Assassinato? Gennie olhou para os penhascos e o mar encolerizado abaixo. Deus sabia que ele parecia pronto para fazer uma loucura a qualquer momento... e talvez quisesse convencê-la de que era capaz de jogá-la do pre­cipício. Mas ela sabia o que a violência de Grant signifi­cava, e para onde levaria ambos. Lutou desesperada en­quanto ele a puxava em direção ao farol.

- Você deve estar louco! Solte-me!

- Devo estar- concordou ele friamente. Um outro raio veio, abrindo o céu. A chuva caiu.

- Eu disse para você me soltar!

Grant virou-se para ela então, o rosto esculpido e sombreado na louca luz da tempestade.

- É tarde demais para isso agora! - gritou ele. - Que coisa, você sabe disso tanto quanto eu. É tarde demais desde o primeiro minuto. - A chuva caía sobre eles, forte e quente.

- Não vou ser arrastada para a sua cama, está me ouvindo? - Gennie agarrou-lhe a camisa ensopada com a mão-livre, enquanto seu corpo vibrava com fúria e desejo. - Não serei arrastada para lugar nenhum. Você acha que pode simplesmente resolver que precisa de uma amante e me carregar?

A respiração dele estava totalmente descontrolada. A chuva molhando o rosto bonito apenas acentuava a paixão dos olhos. Gennie estava suave e molhada. Uma sereia? Talvez fosse, mas ele já naufragara no recife.

- Não qualquer amante. - Ele a puxou para si, de modo que as roupas de ambos se fundiram, e, então, pareceram derreter. - Você. Que coisa, Gennie, sabe que é você.

Os rostos deles estavam muito próximos, os olhos pre­sos um no outro. Haviam esquecido a tempestade a seu redor quando a tempestade interior os dominou. Coração batendo contra coração. Desejo encontrando desejo. Re­pleta de medo e triunfo, Gennie jogou a cabeça para trás.

- Mostre-me.

Grant a puxou para mais perto, de modo que nem o vento pudesse passar entre os dois.

- Aqui - disse ele com voz rouca. - Por Deus, aqui e agora.

Sua boca tomou a dela com loucura, e Gennie respon­deu. Sem freios, a paixão lhes tirou a sanidade, indo além do que era civilizado e pelo túnel escuro do desejo caó­tico. Os lábios de Grant moviam-se com velocidade pelo rosto dela, parecendo devorar tudo o que podia ser consu­mido e mais. Quando os dentes dele roçaram-lhe o pes­coço, Gennie gemeu e arrastou-o consigo para o solo.

O vento murmurava seus lamentos, a chuva caía com Torça, e as ondas do mar batiam com violência contra as pedras. Não havia nada diante daquela tempestade. Grant esqueceu-se de tudo quando pressionou o corpo contra ela, sentindo cada curva e linha como seja a tivesse des­pido. O coração de Gennie batia descompassado. Parecia ter saído do peito para fundir-se com o dele.

O corpo delicado parecia em brasas. Grant não sabia que poderia haver tanto calor em uma coisa viva. Mas ela estava mais do que viva, movendo-se sob ele, as mãos explorando, a boca ávida. A chuva que os ensopava de­veria esfriar o fogo, todavia, parecia aumentar, de modo que a água teria fervido com o contato.

Grant conhecia apenas o desejo, uma necessidade eterna e primitiva. Ela o enfeitiçara desde o primeiro instante, e agora, finalmente, ele sucumbira. As mãos de Gennie estavam em seus cabelos, a boca roubando a sua com uma força e poder somente compatível com os dele. Num gesto frenético, ela puxou-lhe a camisa, até conse­guir tirá-la pela cabeça e jogá-la longe. Com um gemido longo e baixo, deslizou as mãos por seu peito. A razão de Grant evaporou.

De modo rude, ele pressionou-a contra o chão, tirando-lhe o fôlego enquanto os raios brilhavam acima. Ignoran­do os botões, tirou-lhe a blusa, desesperado para tocar o que tinha negado a si mesmo por dias. Deslizou as mãos pela pele molhada, massageando, possuindo, apressando-se em sua avidez por mais. E quando Gennie arqueou-se contra ele, ágil e exigente, Grant enterrou a boca em um dos seios e perdeu-se.

Provou o gosto da chuva nela, juntamente com os trovões de verão e o aroma de Gennie. Como um homem se afogando, agarrou-se a ela quando pareceu alcançar águas profundas. Sabia como era desejar uma mulher, mas nunca havia se sentido daquela maneira. Desejo podia ser controlado, canalizado, direcionado. Então, o que era aquilo que o golpeava? Seus dedos a machucavam, mas não tinha consciência disso em seu desespero de absorver tudo, e absorver bem rápido.

No momento em que levou a calça de Gennie até os quadris, sentiu tanto excitação quanto frustração, pois o jeans agarrou-se à pele e àquelas curvas maravilhosas? Lutando contra o brim molhado, seguiu o progresso da descida da roupa com a boca, tremendo quando Gennie arqueou-se e gemeu. Grant usou os dentes para mordiscar-lhe os quadris, deslizando para o interior das coxas assim que lhe tirou o jeans.

Com ansiedade, inseriu a língua no centro de sua fe­minilidade e a ouviu gemer com o vento. O calor expandiu-se pelo corpo de Grant. Nem mesmo sentia a chuva que batia em suas costas, escorria de seus cabelos para a pele de Gennie, mas não fazia nada para diminuir a paixão que aproximava cada vez mais os dois de um poderoso clímax.

Em seguida, eles estavam lutando com o jeans de Grant, as mãos se entrelaçando enquanto os lábios se fundiam novamente. Os murmúrios baixinhos que saíam da garganta de Gennie podiam ser o nome dele, ou algum novo feitiço que estava lhe jogando. Grant não mais se Importava.

Um raio iluminou o rosto dela uma vez, brilhantemen­te... a inclinação das maçãs das faces, os olhos quase fechados, os lábios suaves entreabertos e tremendo com a respiração. No momento, Gennie era a feiticeira, e Grant estava se deixando enfeitiçar de bom grado.

Com a boca contra a pulsação acelerada no pescoço de Gennie, ele a penetrou, fazendo isso com um tipo de adoração que não compreendia. Sentindo-a tencionar e ouvindo-a gritar, Grant esforçou-se para encontrar sua sanidade e sua razão. E logo, ela o estava abraçando fortemente.

Quase sem fôlego, confuso, vazio, Grant deitou-se com o rosto enterrado nos cabelos de Gennie. A chuva ainda caía, mas, até aquele momento, não tinha percebido que estava mais fraca. A tempestade havia passado, con­sumida por si mesma como todas as coisas da paixão. Ele sentiu as batidas aceleradas do coração dela sob o seu. Fechando os olhos, tentou reunir forças e o controle que, para ele, significava lucidez.

- Oh, meu Deus - murmurou ele, a voz rouca e ofegante. O pedido de desculpas não viria, uma vez que o considerava inútil. - Por que você não me contou? - per­guntou, saindo de cima dela e deitando-se de costas contra a grama molhada. - Que coisa, Gennie, por que não me contou?

Ela manteve os olhos fechados para que a chuva caís­se sobre suas pálpebras, sobre o rosto e o corpo trêmulo. Então, era assim?, perguntou-se. Deveria se sentir tão exausta, tão enfraquecida enquanto sua pele pulsava em todos os lugares, em todas as partes que as mãos máscu­las haviam tocado? Deveria se sentir como se cada lacre que possuía tivesse sido rompido? Por quem, se por ele ou por ela, não importava. Mas sua privacidade desaparecera, assim como a necessidade da mesma. Todavia, agora, ouvindo a pergunta áspera... de acusação... sentia uma onda de dor mais aguda do que a perda de sua ino­cência. Ela não disse nada.

- Gennie, você me fez pensar que era...

- O quê? - quis saber, abrindo os olhos. As nuvens ainda estavam escuras, mas os raios haviam sumido.

Praguejando, Grant passou uma das mãos pelos ca­belos.

- Gennie, você deveria ter me contado que nunca esteve com um homem antes. - E como era possível, perguntou-se Grant, que ela não deixara nenhum homem locá-la antes? Que ele era o primeiro... o único.

- Por quê? - disse ela sem rodeios, desejando que ele partisse, desejando que tivesse forças para partir. - Era problema meu.

Suspirando, ele mudou de posição, inclinando-se sobre da. Os olhos estavam escuros e zangados, porém, quan­do Gennie tentou se afastar, Grant a prendeu.

- Não sou muito gentil - murmurou ele, e as palavras eram repletas de sentimento. - Mas eu teria usado toda a gentileza que possuo, teria tentado encontrar mais, por você. - Quando ela apenas o fitou, Grant beijou-lhe a lesta. - Gennie...

As dúvidas, os medos de Gennie se derreteram com aquela única palavra sussurrada.

- Eu não estava procurando por gentileza naquele momento - disse ela. Segurando-lhe o rosto com ambas as mãos, acrescentou: - Mas agora... - Sorrindo, viu a expressão interrogativa desaparecer dos olhos de Grant.

Ele beijou-lhe os lábios, de leve, mais como um sus­piro e, então, levantando-se, pegou-a no colo. Gennie riu da sensação de leveza.

- O que você está fazendo agora?

- Levando-a para dentro, para que possa se secar, esquentar e fazer amor comigo de novo... talvez não nessa ordem.

Gennie curvou os braços ao redor do pescoço dele.

- Estou começando a gostar de suas idéias. E quanto as nossas roupas?

- Podemos salvar o que sobrou delas mais tarde. - Ele i abriu a porta do farol. - Não precisaremos de roupas por um bom tempo.

- Estou definitivamente gostando de suas idéias. - Ela roçou-lhe o pescoço com a boca. - Você vai mesmo me carregar escada acima?

- Sim. 

Gennie olhou para a escada em espiral e apertou mais os braços ao redor dele.

- Eu só gostaria de mencionar que não será muito romântico se você tropeçar e me derrubar.

- As mulheres caluniam meu machismo.

- Seu equilíbrio - corrigiu ela, enquanto Grant come­çava a subir. Gennie tremeu quando a pele molhada co­meçou a esfriar, então riu abruptamente.

- Grant, já lhe ocorreu o que aquela pilha de roupas lá fora vai parecer se acontecer de alguém passar por lá?

- Provavelmente vai parecer o que é - respondeu ele. - O que desencorajaria alguém de invadir um terreno. Eu devia ter pensando nisso antes... muito melhor do que uma placa escrita: "Cachorro Assassino".

Gennie suspirou, em parte de alívio, quando atingiram no topo da escada.

- Você é impossível. Qualquer um pensaria que é Clark Kent.

Grant parou à porta do banheiro para olhá-la. Pode repetir isso?

- Você sabe, escondendo uma identidade secreta. Embora você não seja nada além de conciliatório - acrescentou ela enquanto brincava com um cacho úmido perto da orelha de Grant. - Você ergueu este farol como tipo de Fortaleza da Solidão.

O longo olhar intenso continuou.

- Qual era o primeiro nome da mãe de Clark Kent?

- Isso é uma investigação?

- Você sabe?

Ela arqueou uma sobrancelha porque os olhos dele ficaram subitamente sérios.

- Martha.

- Não acredito - murmurou Grant. Então riu, deu-lhe um beijo estranhamente amigável, considerando que estavam nus e abraçados. - Você continua me surpreendendo Genviève. Acho que estou louco por você.

As palavras leves acertaram em cheio o coração dela.

- Porque sei o primeiro nome da mãe de criação do Super-homem?

Grant roçou o rosto contra ela, o primeiro gesto inteiramente doce que Gennie via da parte dele. Naquele instante, se sentiu perdida, e nunca estivera perdida antes.

- É uma das razões. - Sentindo-a tremer, Grant a aconchegou mais ao seu corpo. - Vamos para o banho. Você está congelando.

Ele entrou na banheira antes de colocá-la no chão, então, ainda segurando-a perto, deu-lhe um beijo demo­rado. Com a tempestade, com a paixão, Gennie não tinha se sentido vulnerável. Agora, não mais inocente, não mais inconsciente, os nervos retornaram. Há pouco entregara-se de corpo e alma, talvez até tivesse exigido que ele a possuísse, mas agora podia apenas abraçá-lo enquanto sua cabeça se enchia de dúvidas.

Quando a água quente veio com força total, ela balan­çou, gemendo. Rindo baixinho, Grant alisou-lhe o quadril com intimidade.

- É gostoso?

Era, depois do choque inicial, mas Gennie inclinou a cabeça e o fitou.

- Você podia ter me avisado.

- A vida é cheia de surpresas.

Como apaixonar-se, pensou Gennie, quando você não tinha a menor intenção de fazer isso. Ela sorriu, desco­brindo seus braços ao redor do pescoço de Grant.

- Sabe - ele traçou o contorno de seus lábios de leve com a língua -, estou ficando acostumado com o seu gosto... e com a sensação de você molhada. E tentador ficar aqui pelas próximas horas.

Gennie roçou-se contra ele quando as mãos fortes deslizaram por suas costas. Mãos rústicas em contraste com a elegância do formato das mesmas. Não podia imaginar outras mãos diferentes daquelas tocando-a.

Com o vapor ao seu redor, e Gennie suave e entregue em seus braços, Grant sentiu o desejo avassalador des­pertando outra vez. Seus músculos se contraíram... preparando-se.

- Não, não dessa vez - murmurou ele, beijando-lhe o pescoço com sensualidade. Dessa vez, iria se lembrar da li agilidade de Gennie, e da bênção de ser o único homem que já a possuíra. Quaisquer gestos ternos que tivesse, ou que pudesse encontrar em si mesmo, seriam para ela.

- Você devia se enxugar. - Ele mordiscou-lhe os lábios de leve antes de afastá-la. Ela estava sorrindo, mas os olhos pareciam incertos. Desligando o chuveiro, Grant tentou ignorar o medo muito real que a vulnerabilidade de Gennie lhe provocava. Pegando uma toalha do supor­te, secou-lhe o rosto.

- Aqui, levante os braços.

Ela o fez, colocando as mãos sobre os ombros largos, enquanto ele enrolava a toalha em seu corpo. Vagarosa­mente, com suavidade, trilhando beijinhos no rosto dela, prendeu a toalha de forma imprecisa acima dos seios perfeitos. Gennie fechou os olhos, para melhor apreciar a sensação de ser mimada.

Usando uma outra toalha, Grant começou a secar-lhe os cabelos. Com gentileza, preguiçosamente, e enquanto o coração de Gennie disparava, enrolou a toalha nos ca­belos dela.

- Quentinha? - murmurou ele, inclinando a cabeça paia mordiscar-lhe a orelha. -Você está tremendo!

Como ela podia responder quando o coração estava batendo na garganta? Uma onda de calor a percorria, mesmo que seu corpo estivesse tremendo de ansiedade, incerteza, desejo. Grant tinha apenas de tocar-lhe a boca com a sua para saber que, no momento, para sempre, ela era dele.

- Quero você - sussurrou Grant suavemente. - Eu a quero desde o começo. - Ele traçou-lhe a linha da orelha com a língua. - Você sabe disso.

- Sim. - A palavra saiu ofegante, como um suspiro.

- Sabe que eu a quero mais agora do que queria uma hora atrás? - Ele cobriu-lhe a boca antes que ela pudesse responder. - Vamos para cama, Gennie.

Ele não a carregou, mas pegou-lhe a mão, de modo que pudessem andar juntos para a parca luz acinzentada do quarto. A pulsação de Gennie acelerou.

Da primeira vez, não pensara em nada, não houvera dúvidas. O desejo a conduzira e o poder fluíra. No mo­mento, sua mente estava clara e os nervos à flor da pele. Sabia agora aonde Grant poderia levá-la com um toque, com um beijo. A jornada era tanto temível quanto dese­jada.

- Grant...

Mas ele mal a tocava. Apenas segurava-lhe o rosto quando pararam ao lado da cama.

- Você é linda. - Os olhos estavam fixos nela, intensos, examinadores. - Da primeira vez que eu a vi, você me tirou o fôlego. Ainda faz isso.

Movida pelo olhar intenso e as palavras suaves, da mesma forma que tinha sido pelos beijos tempestuosos, Gennie segurou-lhe os pulsos.

- Não preciso das palavras, a menos que você queira oferecê-las. Apenas quero estar com você.

- Tudo o que eu lhe disser será a verdade, ou então não lhe direi nada. - Grant inclinou-se, tocando-lhe a boca com a sua, mas apenas mordiscando, testando a maciez, saboreando o gosto de mel. Continuando com gestos amenos, acariciou-lhe o rosto devagar. A cabeça de Gennie uniu leve, enquanto o corpo se tornava mais pesado. Mal sentiu o movimento quando ele a deitou na cama. De repente, parecia sentir tudo... as pequenas saliências do colchão, a textura nem muito suave nem muito áspera das palmas de Grant, os pêlos macios no peito largo.

Sentiu tudo, como se sua pele subitamente tivesse se tornado tão delicada e sensível como a de um recém-nascido. E Grant a tratava como se ela fosse tão preciosa quanto um bebê, com beijos leves e sussurrados em seu ouvido, com mãos que a tocavam com delicadeza e extrema sensualidade.

A sensação de estar flutuando que experimentara no jardim da igreja voltava, mas agora com a excitação do acontecimento. Ciente de onde podiam levar um ao outro, Gennie suspirou. Dessa vez, a jornada seria luxuriosa, preguiçosa e adorável.

A luz que penetrava pela janela era fraca, acinzentada pelas nuvens que ainda cobriam o sol. Uma luz que lançava sombras e mistérios. Ela podia ouvir o mar... não o barulho violento, ensurdecedor, mas o eco e a promessa de poder. E quando Grant murmurava para ela, era como o mar, com seu impulso apaixonado. A urgência que Gennie sentira antes havia se transformado em um prazer tranqüilo. Embora o desejo não fosse menor, havia conforto agora, uma confiança inquestionável que nunca esperara sentir. Ele a protegeria se necessário fosse, amando do seu próprio jeito. Sob o jeito agressivo e im­paciente, havia um homem que podia dar sem egoísmo. Descobrir isso era descobrir tudo.

Toque-me... nunca mais pare de me tocar. E ele pare­cia ouvir seu pedido silencioso enquanto a acariciava, explorava-a sem pressa. O prazer era doce e leve, como um rio preguiçoso, como a chuva caindo. A mente de Gennie estava tão repleta dele, que não mais pensava em seu corpo separadamente, mas como uma parte de dois que formava um todo.

Murmúrios suaves e suspiros serenos, o calor que apenas a pele podia dar à pele. Gennie aprendeu com ele... o homem que raramente se mostrava a alguém. Sensibi­lidade, porque não era o jeito de Grant, tornava tudo ainda mais doce. A gentileza, tão profundamente guarda­da, excitava ainda mais.

Gennie mal percebeu quando sua brandura se trans­formou em excitação. Mas Grant percebeu. A súbita mudança nos movimentos de Gennie e a respiração acelerada enviaram um arrepio de prazer pela coluna dele. E sentiu ainda mais prazer no momento em que lhe observou o rosto na luz sombria. Uma onda de paixão o relembrou de que ninguém a tocara antes. E ninguém jamais a tocaria. Por muito tempo, tomara muito cuida­do para não permitir que ninguém se aproximasse de­mais, para bloquear quaisquer sentimentos de possessão, para evitar ser possuído. Apesar de a sensação de pro­priedade perturbá-lo, não podia lutar contra isso. Gennie era sua. Grant disse a si mesmo que isso ainda não significava que ele era dela. Todavia, não podia pensar em ser de ninguém mais.

Grant trilhou beijos sobre a pele suave vagarosamente, até que a boca roçou e, então, permaneceu em seu ombro. E quando a sentiu inquestionavelmente rendida, penetrou-a uma vez, gemendo, até o fundo. Com o gemi­do de Gennie, tocou-lhe os lábios com os seus, querendo sentir o som tanto quanto ouvi-lo.

Abandonada, com o corpo em chamas, Gennie moveu-se com ele, respondendo ao agonizante ritmo lento apenas por instinto. Queria apressar o ritmo, ficar naquele mun­do nublado de sonhos para sempre. Agora, e apenas «gora, entendia completamente por que a união de dois seres humanos independentes chamava-se fazer amor.

Gennie abriu-se para ele, oferecendo tudo. Quando Grant deslizou para seu interior, ela o sentiu tremer, ouviu o gemido que foi abafado contra seu pescoço. Com a respiração roçando-lhe a orelha, ele continuou o ritmo maravilhosamente lento. Ela jamais imaginara que um beijo de amor podia ser uma coisa tão mágica... mas Grant lhe mostrou.

Gennie foi levada ao mais incrível paraíso, até que toda sua existência foi reunida ali, no calor aveludado que prometia a eternidade. A razão desapareceu por completo e o seu corpo foi guiado apenas por instintos. Grant estava tremendo... Ela também? Deslizando as mãos pelos ombros poderosos, podia sentir os músculos tensos e rí­gidos, enquanto os movimentos dele eram gentis e tran­qüilos. Através da névoa de prazer, sabia que Grant estava bloqueando as próprias necessidades por ela. Uma onda de emoção a abalou, e era uma centena de vezes maior do que paixão.

- Grant. - O nome foi seu único sussurro quando envolveu os braços ao redor dele. - Agora. Possua-me agora.

- Gennie. - Ele ergueu o rosto para fitá-la intensamen­te antes de cobrir-lhe a boca. O controle de Grant pareceu esvair-se com o contato e ele engoliu os gemidos dela, enquanto acelerava o ritmo e levava ambos ao topo do mundo.

Não havia mais pensamentos ou a necessidades para nenhum deles.

 

Espreguiçando-se vagarosamente e com um longo sus­piro, Gennie despertou. Um hábito enraizado a acordou cedo e muito rápido. Sua primeira sensação de desorientação desapareceu quase de imediato. Não, o sol que ardia na janela não era o seu, mas sabia de quem era. Subia onde estava e por quê.

O aconchego da manhã tinha uma nova textura... dois corpos unidos, homem e mulher, amantes. Simultâneas ondas de contentamento e excitação a percorreram, acabando com qualquer senso de entorpecimento. Virando a cabeça, observou Grant dormir.

Ele estava esparramado, ocupando aproximadamente três quartos da cama, descobriu divertida. Durante a noite empurrara-a para a beira da cama. O braço másculo estava sobre o corpo de Gennie... não de uma maneira amorosa, mas simplesmente porque ela estava em seu espaço. Grant também ocupava a maior parte do travesseiro dela. Contra a fronha branca, o rosto era profundamente bronzeado, sombreado pelos pêlos que cresciam no maxilar. Olhando-o, Gennie percebeu que ele estava completamente relaxado como o vira somente uma vez antes... durante a caminhada deles ao longo da praia.

O que move você, Grant?, perguntou em silêncio enquanto cedia ao desejo de brincar com as pontas dos cabelos desalinhados dele. O que o faz ser tão intenso, tão solitário? E por que quero desesperadamente enten­der e compartilhar quaisquer segredos seus?

Com a ponta do dedo, com cuidado e delicadamente, Gennie traçou-lhe a linha do maxilar. Um rosto forte, pensou, quase severo; entretanto, ocasionalmente, de forma inesperada, o humor e sensibilidade surgiam nos olhos escuros. Então, a severidade evaporava, e apenas a força permanecia.

Rude, distante, arrogante, Grant era todas essas coisas. E ela o amava, apesar disso, ou talvez, por causa disso. Tinha sido a gentileza que ele lhe mostrara que a permitira admitir seu amor, aceitar, mas o amara o tempo todo.

Estava ansiosa para contar-lhe isso, dizer aquelas simples palavras adoráveis. Havia compartilhado seu corpo com ele, entregado sua inocência e sua confiança. Agora, queria compartilhar suas emoções. Amor, acredi­tava, deveria ser dado livremente, sem condições. Todavia, conhecia-o bem o bastante para entender que tal passo teria de ser dado por ele primeiro. A natureza de Grant necessitava isso. Um outro homem poderia se sentir lisonjeado, satisfeito, até mesmo aliviado em ter uma mulher declarando seus sentimentos com tanta facilidade. Grant, refletiu Gennie, se sentiria encurralado.

Deitada imóvel, observando-o, perguntou-se se havia tido uma outra mulher que o fizera se isolar daquela maneira. Gennie tinha certeza de que fora dor ou desilusão. Ao que o tornara tão determinado a não deixar ninguém se aproximar. Havia uma amabilidade básica em Grant, a qual ele escondia, um talento que aparentemente não eslava usando, e um entusiasmo contido. Por quê? Com um suspiro, ela tirou-lhe uma mecha de cabelos da testa. Eram os mistérios de Grant. Gennie apenas rezava que tivesse paciência para esperar até que ele estivesse pronto para compartilhá-los.

Excitada, contente, aninhou-se contra ele, murmuran­do seu nome. A resposta de Grant foi um murmúrio incompreensível quando se virou de bruços e enterrou o tosto no travesseiro. O movimento custou a Gennie mais alguns centímetros preciosos do colchão.

- Ei! - Rindo, ela empurrou-lhe o ombro. - Vá mais para lá.

Nenhuma resposta.

Você é incrivelmente romântico, pensou ela com ironia, dando-lhe um beijo no ombro, saiu da cama. Grant imediatamente se aproveitou de todo o espaço disponível.

Um solitário, pensou Gennie, estudando-o deitar-se transversalmente sobre os lençóis amassados. Não era um homem acostumado a dar espaço para alguém. Com um ultimo olhar pensativo, ela atravessou o corredor e foi para o chuveiro.

Gradualmente, o som a água correndo o acordou, confuso, Grant continuou deitado, perguntando-se quan­to tempo seria necessário para abrir os olhos. Era seu hábito enraizado adiar o momento de se levantar até que não pudesse mais ser evitado.

Com o rosto enterrado no travesseiro, pôde sentir o aroma de Gennie. O que lhe trouxe imagens sonhadoras, imagens ardentes, mas não inteiramente claras. Eram visões suaves e ternas que tanto excitavam quanto tran­qüilizavam.

Meio dormindo ainda, Grant movimentou-se o bas­tante para descobrir que estava sozinho na cama. O calor dela ainda estava lá... nos lençóis, na sua pele. Continuou deitado por um momento, incerto do motivo pelo qual se sentia tão bem, mas não tentou descobrir a resposta.

Lembrava-se da sensação de Gennie em seus braços, do gosto, do jeito como a pulsação dela acelerava sob o toque de seu dedo. Já existira alguma mulher que o fize­ra desejá-la com tanto desespero? Que podia deixá-lo confortável num instante, e enlouquecido no momento seguinte? O quão perto estava da fronteira entre querer e precisar, ou já a tinha cruzado?

Havia outras questões com as quais não podia lidar... não agora enquanto sua mente ainda estava nublada de sono e repleta de pensamentos sobre Gennie. Precisava despertar, e depois distanciar-se dela antes que pudesse encontrar algumas respostas.

Grogue, sentou-se na cama, esfregando a mão no rosto quando Gennie retornou.

- Bom dia. - Com os cabelos enrolados numa toalha, e o robe de Grant amarrado na cintura, Gennie se sentou na beira da cama. Unindo as mãos atrás do pescoço dele, inclinou-se e beijou-o. Cheirava ao sabonete e ao xampu dele... algo que tornou o beijo fácil e devastadoramente íntimo. E quando aquilo começou a excitá-lo, ela afastou-se para lhe dar um sorriso amigável.

- Já está acordado?

- Quase. - Porque queria ver-lhe os cabelos, Grant puxou-lhe a toalha da cabeça, deixando-a cair no chão. Faz tempo que está acordada?

- Só desde que você me empurrou para fora da cama. Ela riu quando ele franziu o cenho. - Isso não é muito exagero. Quer um café?

- Sim. - Quando Gennie se levantou, ele pegou-lhe a mão, segurando-a até que o sorriso dela se tornou intrigado. O que ele queria lhe dizer?, perguntou-se Grant. O que queria dizer a ela... ou a si mesmo? Não tinha certeza de nada, exceto do conhecimento de que o que acontecia em seu interior já estava muito avançado para ser detido.

- Grant?

- Descerei num minuto - murmurou ele, sentindo-se tolo. Eu faço o café da manhã, dessa vez.

- Tudo bem. - Gennie hesitou, imaginando se ele ia falar o que realmente pretendera, então, o deixou sozinho. Grant permaneceu na cama por um momento, ouvin­do o som dos passos de Gennie na escada. Os passos dela... a escada dele. De alguma maneira, a linha de demarcação mi confusa. Não sabia ao certo se poderia se deitar na fama outra vez sem pensar em Gennie enroscada a seu Indo.

Porém, tivera outras mulheres, disse a si mesmo. Apreciara-as. E as esquecera. Por que tinha tanta certeza de que havia algo diferente em Gennie, que não poderia esquecer? Nada, nem mesmo a pequena marca de nascença que encontrara no quadril bem formado... uma meia-lua que podia cobrir com seu dedo mínimo. Tolamente, o fato de descobrir aquilo o agradara... algo que sabia que nenhum outro homem tinha visto ou tocado.

Estava agindo como um tolo, disse a si mesmo... en­cantado pelo fato de ser o primeiro amante de Gennie, obcecado com a idéia de ser o último, o único. Precisava ficar sozinho por um tempo, a fim de colocar seus sentimentos de volta em perspectiva. A última coisa que queria era começar a colocar amarras nela, e, conseqüentemente, em si mesmo.

Levantando-se, mexeu nas gavetas até encontrar uma cueca. Faria o café da manhã, mandaria Gennie para casa, e depois voltaria ao trabalho.

Mas, quando chegou à base da escada, sentiu o aroma de café e ouviu-a cantando. Grant ficou impressionado com a poderosa onda de déjà vu. Podia explicar isso, e racionalizou, porque era exatamente como na primeira manhã depois que a conhecera. Porém, a explicação era muito lógica para a força do sentimento que o dominava agora. Era mais do que alguma coisa que já tinha vivenciado... era uma sensação de estar no lugar certo, com a pessoa certa, de um prazer tão simples que chegava a doer. Se entrasse naquela cozinha cem vezes, anos após anos, nunca mais pareceria completa, inteira, a menos que Gennie o estivesse esperando.

Grant parou à porta para observá-la. O café estava pronto e quente, enquanto ela se esticava para pegar as canecas que ele podia alcançar com facilidade. O sol enviava luz para os longos cabelos pretos, criando reflexos lindamente avermelhados. Ela virou-se, perdendo o fôlego com a surpresa quando o avistou, então sorriu.

- Eu não ouvi você descendo. - Gennie balançou os cabelos atrás do ombro e começou a servir o café. - Está um lindo dia. A chuva deixou tudo brilhando e o oceano está mais azul do que verde. Ninguém diz que houve uma tempestade. - Pegando uma caneca em cada mão, virou-se. Embora pretendesse passar por ele, a expressão nos olhos de Grant a deteve. A perplexidade rapidamente deu lugar à tensão. Ele estava zangado?, perguntou-se. Por quê? Talvez já estivesse arrependido do que tinha acon­tecido. Por que era tão tola em pensar que ambos haviam vi vendado uma coisa incrivelmente especial, e que fora tão única para Grant quanto tinha sido para ela?

Os dedos de Grant se apertaram na maçaneta. Ela não o deixaria se desculpar. Não causaria uma cena. A dor era física, realmente física, mas Gennie disse a si mesma para ignorá-la. Mais tarde, quando estivesse sozinha, lidaria com isso. Porém, agora, o encararia sem lágrimas, sem apelos.

- Há alguma coisa errada? - Aquela era a sua voz, tão mima, tão controlada?

- Sim, há alguma coisa errada.

Gennie apertou as canecas com tanta força, que se perguntou como as asas não quebraram. Entretanto, aqui­lo evitava que suas mãos tremessem.

- Talvez devêssemos nos sentar.

- Eu não quero sentar. - A voz dele era agressiva como um tapa, mas ela não acovardou-se. Observou-o andar até a pia e encostar-se, murmurando e praguejando. Em um outro momento, o gesto tão típico de Grant a teria diver­tido, mas agora Gennie apenas esperou. Se ele iria ma­chucá-la, que o fizesse logo de uma vez, antes de despe­daçar-lhe o coração. Ele virou-se, quase com violência, e a olhou de modo acusador. - Que coisa, Gennie, eu tive minha cabeça cortada!

Era a vez dela de encará-lo. Seus dedos amoleceram ao redor da xícara. O pulso pareceu parar de bater, um segundo antes de acelerar loucamente. A cor esvaiu-se de seu rosto, até que parecia de porcelana contra o brilho dos olhos verdes. Com uma outra praga, Grant passou uma das mãos pelos cabelos.

- Você está derrubando o café - murmurou ele, então enfiando as mãos nos bolsos.

- Oh! - Gennie olhou tolamente para as duas poças gêmeas que estavam se formando no chão, então, colocou as canecas sobre a pia. - Eu vou... limpar.

- Deixe isso. - Grant segurou-lhe o braço antes que ela pudesse alcançar o pano. - Ouça, estou me sentindo como se alguém tivesse acabado de me dar um soco no estômago... o tipo de soco que faz você se dobrar e sua cabeça girar ao mesmo tempo. Sinto-me dessa maneira muito freqüentemente quando olho para você. - Quando ela não respondeu, ele segurou-lhe o outro braço e sacu­diu-a. - Para começar, nunca pedi que você entrasse em minha vida e confundisse a minha cabeça. A última coisa que eu queria era que você entrasse em minha vida, mas isso aconteceu. Então, agora estou apaixonado por você, posso lhe garantir, não gosto da idéia.

Gennie encontrou a voz, embora não soubesse bem o que fazer com isso.

- Bem - conseguiu após um momento -, isso certa­mente me coloca em meu lugar.

- Oh, ela quer fazer piadas. - Desgostoso, Grant a liberou para pegar o café. Erguendo a caneca, bebeu metade do conteúdo, perversamente satisfeito por ter queimado a garganta. - Bem, ria disso - sugeriu ele, batendo a caneca contra a pia e olhando-a. - Você não vai lugar algum antes que eu decida o que vou fazer com você.

Lutando contra emoções conflitantes de divertimento, irritação e simples curiosidade, Gennie pôs as mãos nos quadris. O movimento deslocou o robe grande demais, de modo que ameaçou deslizar pelo ombro.

- Oh, verdade? Então, você vai decidir o que fazer comigo, como se eu fosse uma inconveniente congestão nasal.

- Muito inconveniente - murmurou ele.

- Você pode não ter notado, mas sou uma mulher adulta com uma mente própria, acostumada a tomar minhas próprias decisões. Você não vai fazer nada comigo declarou ela quando a irritação se sobrepôs a todos os outros sentimentos. Apontou-lhe um dedo, e a abertura do robe aumentou. - Se está apaixonado por mim, problema seu. Tenho meu próprio problema porque estou apaixonada por você.

- Fantástico! - gritou ele. - Isso é absolutamente fantástico. Nós dois estaríamos muito melhor se você tivesse enfrentado a tempestade lá fora em vez de vir aqui.

- Você não está me dizendo nada que já não saiba - retorquiu Gennie, então, virou-se para sair da cozinha.

- Espere um minuto. - Grant pegou-lhe o braço no­vamente e a encostou contra a parede. - Você não vai a lugar algum antes que isso seja resolvido.

- Está resolvido! - Tirando os cabelos do rosto, ela o encarou. - Nós estamos apaixonados um pelo outro e eu gostaria que você pulasse daquele precipício. Se tivesse alguma sutileza...

- Eu não tenho.

- E sensibilidade - continuou Gennie -, não teria anunciado que está apaixonado por alguém no mesmo tom que usa para assustar criancinhas.

- Não estou apaixonado por alguém! - gritou Grant furioso, porque ela estava certa e ele não podia fazer nada sobre isso. - Estou apaixonado por você, e, que coisa, não gosto da idéia!

- Você já deixou isso perfeitamente claro. - Ela endi­reitou os ombros e ergueu o queixo.

- Não banque a realeza comigo - começou Grant. Os olhos de Gennie assumiram um brilho perigoso. A pele reluzia majestosamente. De súbito, ele começou a rir. Quando ela atirou a cabeça para trás com fúria, Grant simplesmente a abraçou.

- Oh, Deus, Gennie, não agüento quando você me olha como se estivesse prestes a me jogar numa masmorra.

- Solte-me, seu insensível! - Incendiada, insultada,Gennie o empurrou, mas ele apenas a segurou mais forte. Somente reflexos rápidos o salvaram de um chute bem direcionado em um ponto estratégico.

- Espere. - Ainda rindo, ele pressionou a boca na dela. Então, tão abruptamente quando a risada começara, parou. Com uma gentileza que raramente mostrava, segurou-lhe o rosto com as mãos, e Gennie estava perdida. - Gennie. Ainda tocando-lhe os lábios com os seus, murmurou seu nome de um jeito que a fez tremer. - Eu amo você.Ele acariciou-lhe os cabelos, inclinando-lhe a cabeça puni que os olhos de ambos se encontrassem. - Não gosto disso, talvez nunca me acostume com a idéia, mas eu a amo. - Com um suspiro, puxou-a para mais perto. - Você faz a minha cabeça girar.

Encostando o rosto no dele, Gennie fechou os olhos.

- Você terá tempo para se acostumar com isso - mur­murou ela. - Apenas prometa que nunca vai se arrepender por ter acontecido.

- Não estou arrependido - concordou ele com um largo suspiro. - Um pouco confuso, mas não arrependido. Enquanto deslizava a mão pelos cabelos sedosos, sentiu uma onda de desejo, mais suave, mais calma do que antes, porém, não menos vibrante. Roçou-lhe o braço, porque ali parecia ser seu lugar. - Você está realmente apaixonada por mim, ou disse isso por que eu deixei furiosa?

- Ambas as coisas. Decidi esta manhã que teria de dobrar seu ego e deixar você me dizer isso primeiro.

- Verdade? - Arqueando as sobrancelhas, Grant incli­nou-lhe a cabeça para trás novamente. - Meu ego?

- O qual tende a atrapalhar as coisas por ser de tamanho exagerado. - Ela sorriu docemente. Num gesto de vingança, ele a beijou.

- Sabe - murmurou Grant após um momento -, perdi o apetite pelo café da manhã.

Sorrindo de novo, Gennie inclinou o rosto para olhá-lo.

- Verdade?

- Mmmm. E não gosto de mencionar isso - ele brincou com a lapela do robe antes de deslizá-lo até a altura da cintura -, mas eu não disse que você podia usar meu robe.

- Oh, isso foi rude de minha parte. - O sorriso tornou-se travesso. - Você o quer de volta agora?

- Sem pressa. - Ele pegou-lhe a mão e foi em direção à escada. - Pode esperar até chegarmos lá em cima.

Da janela de seu quarto, Grant viu-a partir, dirigindo. Era o começo da tarde agora, e o sol estava brilhante. Precisava distanciar-se um pouco de Gennie... talvez necessitasse de alguma distância de si mesmo também. Foi disso que tentou se convencer, mesmo enquanto se perguntava quanto tempo poderia ficar longe.

Havia trabalho esperando no estúdio, uma rotina que sabia estar diretamente conectada com a qualidade e a quantidade de sua produção. Necessitava de uma disciplina rígida em sua vida, das horas do dia e da noite que eram guiadas por sua criatividade e seu impulso. Todavia, como podia trabalhar quando a mente estava repleta de pensamentos sobre Gennie, quando seu corpo ainda sentia o calor do corpo dela?

Amor. Tinha conseguido evitar isso por tantos anos, e abrira a porta de modo impensado. O amor invadira seu sem ser convidado, sem ser bem-vindo, refletiu Grant. Agora, estava vulnerável, dependente... todas as coisas que uma vez prometera a si mesmo nunca sentir. Se pudesse mudar isso, com certeza o faria. Vinha vivendo de acordo com suas próprias regras, com seu próprio julgamento, de acordo com suas próprias necessidades por tanto tempo, que não estava certo se queria ou seria capaz de assumir os compromissos que o amor exigia.

Acabaria magoando-a, pensou com tristeza, e a dor voltaria para ele. Esse era o destino inevitável de todos amantes. O que queriam um do outro? Meneando a cabeça, Grant afastou-se da janela. Por enquanto, o tempo e a afeição eram o bastante, mas isso mudaria. O que aconteceria quando as cobranças surgissem, os elos? Ele fugiria? Não podia se apaixonar por uma mulher como Gennie, cujo estilo de vida era completamente oposto ao que ele tinha escolhido para si mesmo, cuja inocência a tornava muito mais suscetível ao sofrimento.

Ela nunca ficaria feliz em morar naquele pedaço de terra isolado, e Grant jamais lhe pediria isso. Ele não podia desistir de sua paz e trocá-la por festas, câmeras, e agitação social. Se fosse um pouco mais parecido com Shelby...

Grant pensou em sua irmã e no amor dela por multidões, pessoas, barulho. Cada um tinha compensado de seu próprio jeito o trauma de ter perdido o pai de uma maneira tão terrível. Mas, após 15 anos, as cicatrizes ainda estavam lá. Talvez Shelby tivesse se recuperado melhor, ou talvez o amor por Alan MacGregor fosse forte o bastante para superar aquele medo perturbador. O medo de expor-se, de perder, de depender.

Lembrou-se de quando Shelby o visitara antes de tomar a decisão de se casar com Alan. Ela estava verdadeiramente apavorada. Grant tinha sido duro com a irmã, porque quisera abraçá-la, deixá-la chorar as memórias que perseguiam a ambos. Falara a verdade, porque era a verdade que ela precisava ouvir, mas Grant não tinha certeza se vivia de acordo com isso.

- Você vai se fechar para a vida por alguma coisa que aconteceu 15 anos atrás?

Ele perguntara isso à irmã, quando ela se sentara em sua cozinha com os olhos marejados de medo. E ele se recordava da raiva de Shelby.

- Você não fez isso?

De seu próprio jeito, Grant tinha feito, embora seu trabalho e o amor pelo mesmo o mantivessem permanen­temente conectado com o mundo. Absorvia das pessoas, do prazer e divertimento delas, porque, de uma forma que talvez só ele entendesse, gostava das pessoas... de suas forças e fraquezas, de suas loucuras e sanidade. Simples­mente não queria viver cercado de pessoas. E tinha se recusado a fazer isso, com sucesso, a envolver-se profun­damente com alguém em um mesmo nível. Até que Gennie surgisse em sua vida. Era tão simples lidar com a humanidade de uma maneira geral! As armadilhas ocorriam quando você estreitava o caminho.

Armadilhas, pensou com um suspiro. Tinha caído em uma grande. Já se sentia impaciente para ter Gennie a seu lado de novo, ouvir-lhe a voz, vê-la sorrir.

Ela estaria agora se preparando para a aquarela que lhe dissera que começaria. Talvez ainda usando a camisa que Grant lhe emprestara. A blusa dela estava rasgada, além de qualquer condição de conserto. Sem esforço, Grant podia visualizá-la armando seu cavalete perto do rio. Os cabelos estariam jogados para trás dos ombros. A camisa dele estaria passando da altura dos quadris...

E enquanto Gennie estava fazendo seu trabalho, ele encontrava-se parado, sonhando acordado como um ado­lescente. Com um suspiro de frustração, foi para o corre­dor no minuto em que o telefone começou a tocar. Pensou cm ignorá-lo, algo que fazia com facilidade, mas, então, mudou de idéia e desceu a escada. Mantinha apenas um telefone, na cozinha, porque se recusava a ser perturbado por qualquer coisa enquanto estava no estúdio ou na cama. Grant pegou o telefone pendurado na parede e apoiou-se contra a porta.

- Sim?

- Grant Campbell?

Apesar de só ter encontrado o homem uma vez, Grant não teve problema em identificar a voz.

- Olá, Daniel.

- Você é um homem difícil de ser encontrado. Estava viajando?

- Não. - Grant sorriu. - Eu nem sempre atendo ao telefone.

Daniel bufou, o que fez o sorriso de Grant se ampliar. Podia imaginar o grande MacGregor em sua sala particu­lar em forma de torre, fumando um de seus charutos proibidos, atrás de sua mesa enorme. Grant o caricatura­ra exatamente assim, então tinha dado o desenho a Shelby durante a recepção do casamento dela. Distraído, pegou um saco de salgadinhos no balcão e abriu-o.

- Como vai você?

- Ótimo. Excelente. - A voz grossa de Daniel revela­va orgulho e arrogância. - Sou avô... há duas semanas agora.

- Meus parabéns.

- Um menino - Daniel o informou, soltando a fuma­ça de seu charuto cubano. - Três quilos e duzentos gramas, forte como um touro. Robert MacGregor Blade. Eles o chamarão de Mac. Boa linhagem. - Ele respirou tão pro­fundamente que estufou os botões da camisa. - O garoto tem as minhas orelhas.

Grant ouviu o resumo sobre o mais novo MacGregor com um misto de divertimento e afeição. Sua irmã tinha se tornado parte de uma família que Grant pessoalmente achava difícil resistir.

- Como está Rena?

- Passou por tudo como uma campeã. - Daniel mordeu o charuto. - É claro, eu sabia que seria assim. A mãe dela estava preocupada. Mulheres!

Daniel não mencionou que tinha sido insistência sua fretar um avião no minuto em que soubera que Serena estava em trabalho de parto. E que havia andado de um lado para o outro na sala de espera como um homem louco, enquanto sua esposa, Anna, calmamente terminava o bordado em uma manta de bebê.

- Justin ficou ao lado da esposa o tempo todo. – Havia um pequeno toque de ressentimento na voz dele... o bastante para dizer a Grant que os funcionários do hospital haviam barrado a entrada de MacGregor na sala de parto. E, provavelmente, não tinham feito isso com muita facilidade.

- Shelby já viu o sobrinho?

- Ela estava em lua-de-mel durante o nascimento da criança - contou Daniel com um suspiro exagerado. Era difícil para ele entender por que seu filho e nora não haviam cancelado seus planos para estarem presentes numa ocasião como aquela. - Mas, então, ela e Alan vão compensar a ausência neste final de semana. Foi por isso que eu liguei. Nós queremos que você venha para cá, garoto. A família inteira estará presente, o novo bebê, também. Anna está louca para reunir todas as crianças outra vez. Você conhece as mulheres.

Ele conhecia Daniel, e sorriu mais uma vez.

- Mães precisam festejar, imagino.

- Sim, é isso. E com uma nova geração iniciada, ela ficará pior do que nunca. - Daniel deu uma olhada para a porta fechada. Nunca se sabia quando alguém estava ouvindo. - Então você virá, sexta-feira à noite.

Grant pensou em seus prazos de trabalho e fez alguns cálculos mentais. Tinha vontade de rever sua irmã, assim como os MacGregors. Mais que isso, sentia necessidade de levar Gennie até as pessoas que, sem saber por que, considerava da família.

- Eu poderia ir por alguns dias, Daniel, mas gostaria de levar alguém.

- Alguém? - Os sentidos de Daniel ficaram em alerta. Recostou-se com o charuto na mão. - Quem seria esse alguém?

Reconhecendo o tom, Grant mordeu um salgadinho.

- Uma artista que está fazendo algumas pinturas na Nova Inglaterra, em Windy Point no momento. Acho que ela ficaria interessada em sua casa.

Ela, pensou Daniel com um sorriso irrepreensível. Apenas por que conseguira estabelecer seus filhos, não significava que iria desistir de seu satisfatório hobby de casamenteiro. Pessoas jovens pareciam precisar ser guia­das nesses assuntos do coração. E Grant, embora fosse um Campbell, era da família, de certa forma.

- Uma artista... sim, isso é interessante. Há sempre espaço para mais gente, filho. Traga-a. Uma artista - re­petiu ele, batendo a cinza do charuto. - Jovem e bonita, também, tenho certeza.

- Ela tem quase 70 anos - disse Grant, cruzando os tornozelos e inclinando-se contra a parede. - Um pouco troncuda, o rosto como o de um sapo. As pinturas dela são eternas, com tremendo conteúdo emocional e físico. Estou louco por ela. - Ele pausou, imaginando a careta de Daniel. - Emoção genuína transcende idade e beleza física, não concorda?

Daniel engasgou, depois encontrou a voz. O garoto precisava de ajuda, de muita ajuda.

- Venha na sexta, filho. Precisaremos de um tempo para conversar. - Ele olhou para a estante do outro lado da sala. - Setenta anos, você disse?

- Quase. Mas, é isso aí, a sensualidade verdadeira não tem idade. Ontem à noite, ela e eu...

- Não, não me conte - interrompeu Daniel bruscamente. - Teremos uma longa conversa quando você chegar aqui. Uma longa conversa - repetiu após um suspiro. - Shelby conheceu... Não, esqueça - decidiu Daniel. – Sexta-feira. Discutiremos isso na sexta.

- Estaremos aí. - Grant desligou, encostou-se contra o batente da porta e caiu na gargalhada. Aquilo manteria o velho homem alerta até sexta-feira, pensou Grant. Ainda sorrindo, subiu a escada. Trabalharia até escurecer... até Gennie.

 

Gennie nunca tinha sido convencida de alguma coisa tão rapidamente. Antes que soubesse o que estava acontecendo, concordou em arrumar seu material de pintura e uma mala para ir passar um fim de semana com pessoas que não conhecia.

Parte da razão, percebeu quando teve um momento para refletir, era por que Grant mostrava entusiasmo em relação aos MacGregors. Ela já o conhecia suficientemen­te, em pouco mais de uma semana, para saber que ele sentia uma afeição genuína por algumas pessoas... pelo menos afeição capaz de fazê-lo desistir de seu tempo e privacidade preciosos. Gennie tinha concordado primei­ramente porque queria estar em sua companhia e, depois, porque o entusiasmo de Grant a contagiara. E, finalmen­te, porque queria vê-lo sob diferentes circunstâncias, in­teragindo com pessoas, longe de seu lugar isolado no globo terrestre.

Conheceria a irmã dele. O fato de que Grant possuía família tinha sido uma surpresa. Embora soubesse que era bobagem, Gennie imaginava Grant simplesmente surgindo no mundo como um adulto, pronto para lutar pelo direito de seu lugar e de sua privacidade.

Agora, começava a se perguntar sobre a infância dele... o que o formara? O que o transformara no Grant Campbell que ela conhecia? Tinha sido rico ou pobre, extrovertido ou introvertido? Fora feliz, amado, ignorado? Grant raramente falava sobre a família, seu passado... aliás, nem mesmo do presente.

Estranhamente, porque as respostas eram tão importantes, ela não podia questioná-lo. Achava que aquilo ia vir dele, como prova do amor que dizia sentir. Não talvez prova fosse a palavra errada, pensou. Acreditava que Grant a amava, do seu próprio jeito, mas ela queria a confiança dele. Para Gennie, não havia como separar confiança do amor, porque um sem o outro era apenas uma palavra vazia. Não acreditava em segredos.

Desde criança até a morte de sua irmã, Gennie sempre tivera uma pessoa especial com quem compartilhar tudo... todas as suas dúvidas, inseguranças, desejos e sonhos. Perder Angela tinha sido como perder uma parte de si mesma, uma parte que, agora, estava apenas recomeçando a sentir. Para ela, dar confiança e afeição a Grant era a coisa mais natural do mundo. Quando amava, amava sem fronteiras.

Sob a alegria, sentia que havia uma dor silenciosa que vinha do conhecimento de que Grant ainda não se abrira para ela. Até que o fizesse, Gennie sentia que o futuro deles não se estendia além do momento presente. Forçou-se a aceitar isso, porque o pensamento de ficar sem ele era insuportável.

Grant a olhou quando virou na estrada estreita que levava à propriedade dos MacGregors. Estudou o perfil de Gennie, o semblante tranqüilo, os olhos sonhadores, mas não completamente felizes.

- No que você está pensando?

Ela virou a cabeça, e com o sorriso, a centelha do tristeza desapareceu. 

- Que eu amo você.

Era tão simples! Os joelhos de Grant tremeram. Necessitando tocá-la, foi para o acostamento da estrada e parou o carro. Ela ainda estava sorrindo quando ele segurou-lhe o rosto nas mãos, e baixou os cílios em anteci­pação ao beijo.

Suavemente, com uma reverência que nunca pensou sentir, roçou os lábios sobre cada uma das faces dela, Gennie quase perdeu o fôlego, ao mesmo tempo em que o coração disparou. Os raros rompantes de gentileza de Grant nunca deixavam de emocioná-la. Qualquer coisa que ele tivesse lhe pedido naquele momento, ela teria lhe dado sem hesitação. O roçar dos cílios dele contra a sua pele a unia a Grant mais firmemente do que qualquer corrente.

O nome dela era apenas um suspiro enquanto ele traçava beijos sobre seus lábios fechados. Com o tremor de Gennie, os pensamentos de Grant começaram a girar. Que magia era aquela que ela lançara sobre ele? Cintilava num instante, e pulsava no seguinte. Era sua imaginação, ou Gennie sempre estivera lá, esperando para surgir na sua vida e transformá-lo num escravo? Era a suavidade ou a força daquela mulher que o fazia querer matar ou morrer eu ela? Importava?

Ele sabia que deveria.

Quando um homem era atraído muito profundamente por uma mulher, um ideal, um objetivo... tornava-se vulnerável. Então, o instinto de sobrevivência ficaria em segundo lugar. Grant sempre acreditara que fora isso exatamente que acontecera a seu pai.

Mas agora, tudo que podia compreender era que Gennie era tão adorável, tão afável. Sua.

De leve, tocou-lhe os lábios. Ela inclinou a cabeça para trás e abriu-se para ele. Grant a abraçou, a respiração ofegante, e beijou-a com ardor. A transição da gentileza para o desespero era muito rápida para ser medida. Ela entrelaçou os dedos nos cabelos dele, a fim de puxá-lo para mais perto, enquanto a boca de Grant se tornava cada vez mais exigente. Contagiada, Gennie pensou que sua paixão crescia em intensidade cada vez que ele a tocava, até que um dia, explodiria com um mero olhar.

- Eu quero você - sussurrou ela contra a boca de Grant. Com isso, ele deixou tudo o que restava de gentileza para trás. Seus lábios a saborearam com avidez, exploraram, absorveram, até que ambos ficaram sem fala. Com um murmúrio inarticulado, Grant enterrou o rosto nos cabelos dela e lutou para encontrar a razão.

- Meu Deus, mais um minuto disso, e esquecerei que estamos em uma estrada pública, em plena luz do dia!

Gennie deslizou os dedos para a nuca dele.

- Eu já esqueci.

Grant inalou e exalou o ar por três vezes, então ergueu a cabeça.

- Cuidado - avisou calmamente. - Tenho mais difi­culdade em lembrar-me de ser civilizado do que fazer as coisas que vêem naturalmente. Neste momento, eu acha­ria muito natural puxá-la para o banco de trás, rasgar suas roupas e fazer amor como você até deixá-la fraca.

Uma forte excitação percorreu a espinha de Gennie, desafiando-a, encorajando-a. Inclinou-se para mais perto até quase tocar-lhe os lábios com os seus.

- Uma pessoa nunca deve ir contra a sua natureza.

- Gennie... - O controle dele estava por um fio. Já podia sentir o jeito como o corpo delicado esquentaria e se amaciaria sob o seu. O aroma feminino contradizia o sol baixo no céu e emanava a noite. Quando ela abriu uma das mãos sobre seu peito, Grant pôde ouvir o próprio coração vibrando contra a pequena palma. Os olhos ver­des estavam nublados, embora, de alguma maneira, continham mais poder. Grant não conseguia desviar os olhos dos dela. Viu-se como um prisioneiro, exultando no peso das correntes.

No exato momento em que estava esquecendo a razão, o som de um veículo se aproximando o fez praguejar e virar a cabeça. Gennie olhou por sobre o ombro quando uma Mercedes parou ao lado deles. O motorista estava sombreado, de modo que ela teve apenas um vislumbre de uma figura bronzeada e masculina, enquanto o passa­geiro abaixava a janela.

Cabelos vermelhos moldavam o rosto angular da ca­beça colocada para fora. A mulher apoiou os braços na base da janela e sorriu amavelmente.

- Vocês estão perdidos?

Grant estreitou os olhos para a mulher, então surpre­endeu Gennie pondo o braço para fora e torcendo-lhe o nariz entre dois dedos.

- Dê o fora.

- Algumas pessoas não merecem ajuda - declarou a mulher, antes de menear a cabeça de maneira arrogante desaparecer dentro do carro. A Mercedes partiu discretamente, sumindo na primeira curva.

- Grant! - Dividida entre o divertimento e a incredu­lidade, Gennie o fitou. - Até mesmo para você, isso foi inacreditavelmente rude.

- Não suporto pessoas intrometidas - disse ele, ligando o carro de novo.

Ela suspirou longamente e recostou-se contra o banco.

- Certamente deixou isso bem claro. Estou começando a achar que foi um milagre você não ter batido a porta na minha cara naquela primeira noite.

- Foi um momento de fraqueza.

Ela lhe lançou um olhar zangado, então desistiu.

- Quão perto estamos? Talvez você queira me falar um pouco sobre as pessoas dessa família, ou não terei idéia de quem... - Gennie parou. - Oh, meu Deus!

Era inacreditável, impossível. Maravilhoso. Todo cinza e brilhando com os últimos raios de sol, surgiu o castelo de conto de fadas no qual toda garotinha se imaginava presa. Seria necessário um cavaleiro valente para libertá-la das altas paredes de pedra da torre. O fato de que estava ali, neste século de mísseis e correria, era um milagre em si.

A casa sobressaía-se e destacava-se, dominando o penhasco no qual estava estruturada. Não havia aderência de heras em suas paredes. Que hera ousaria transgredir? Mas havia flores... rosas selvagens, desabrochando em arbustos, lançando cores que teimosamente gritavam verão, enquanto as árvores próximas estavam guarnecidas com os primeiros sinais de outono.

Gennie não queria simplesmente pintar o que via. Era essencial pintar aquilo tanto quanto respirar.

- Achei que sim - comentou Grant.

Atordoada, Gennie continuou olhando para a casa.

- O quê?

- Você parece já estar com um pincel na mão.

- Eu gostaria que estivesse.

- Se você pintar isso com a metade do insight e do poder que usou em seu estudo das rochas e do farol, terá uma obra de arte magnífica.

Gennie virou-se para ele meio confusa.

- Mas eu... Você não pareceu muito entusiasmado com a pintura.

Ele suspirou quando fez a última curva.

- Não seja tola.

Nunca ocorrera a Grant que ela precisaria ser reconfortada. Grant conhecia suas próprias habilidades, e aceitava com indiferença o fato que era considerado um dos melhores na área. O que os outros pensavam impor­tava pouco, porque sabia de sua própria capacidade

Assumira que Gennie se sentiria precisamente da mesma maneira.

Se soubesse da agonia pela qual ela passava antes de uma de suas exibições, teria ficado espantado. Se soubesse o quanto a tinha magoado com o comentário casual no dia em que ela terminara a pintura, teria ficado sem fala.

Gennie franziu o cenho para ele, concentrando-se.

- Você gostou, então?

- Gostei do quê?

- Da pintura - replicou ela impaciente. - Da pintura que fiz de seu terreno.

Com as mentes deles funcionando em direções contrárias, Grant não ouviu a insegurança na pergunta.

- O fato de eu não pintar não significa que não reco­nheço um gênio quando vejo um.

Um silêncio se instalou, nenhum dos dois certos do humor do outro, ou do seu próprio.

Se ele gostara da pintura, refletiu Gennie, por que apenas não falara, em vez de fazê-la arrancar-lhe isso?

Grant perguntou-se se ela considerava arte séria o único instrumento de valor. O que teria a dizer se ele lhe contasse que sobrevivia desenhando as pessoas como as via em histórias em quadrinhos? Jornais engraçados. Ela riria ou teria um ataque se visse Verônica no New York Daily dali a algumas semanas?

Eles pararam na frente da casa com uma brecada que trouxe ambos de volta ao presente.

- Espere até que entremos - começou ele, pegando o fio da meada da conversa anterior. - Só acreditei na metade do que vi por mim mesmo.

- Aparentemente, tudo que li ou ouvi falar sobre Da­niel MacGregor é verdade. - Gennie saiu do carro com os olhos fixos na casa novamente. - Poderoso, excêntrico, um homem que faz seus próprios negócios de seu próprio jeito. Mas não sei muitos detalhes pessoais. A esposa dei é médica?

- Cirurgia. Eles têm três filhos, e, como você ouvi inúmeras vezes durante o fim de semana, um neto. Minha irmã se casou com o filho mais velho, Alan.

- Alan MacGregor... Ele é...

- Senador MacGregor, e, em poucos anos... - Dando de ombros, Grant parou de falar.

- Ah, sim, você teria uma linha direta dentro da Casa Branca se os murmúrios sobre as aspirações de Alan MacGregor se tornarem um fato. - Ela sorriu para o homem de calça caqui encostado no capo do carro alugado, enquanto o vento brincava com os cabelos dele. - Como você se sentiria com isso?

Grant deu-lhe um sorriso estranho, pensando em Macin­tosh.

- As coisas estão atualmente incertas - murmurou ele, usando a frase de seu personagem. - Mas sempre tive uma afeição irônica por política em geral. - Pegando-lhe a mão, começou a andar em direção aos degraus de pedra. - Então, há Caine, o filho número dois, um advogado que recentemente se casou com uma advogada que, por acaso, é a irmã do marido da filha de Daniel.

- Não tenho certeza se estou acompanhando. - Gennie estudou a cabeça de leão coroada de latão que servia como uma aldrava de porta.

- Você tem de ser rápida. - Grant levantou a aldrava e deixou-a cair de maneira barulhenta. - Rena casou-se com um jogador. Ela e o marido possuem diversos cassinos e moram em Atlantic City. Gennie o olhou, pensativa.

- Para alguém que fica tanto tempo isolado, você está bem informado.

- Sim. - Ele sorriu-lhe quando a porta se abriu. Gennie reconheceu a ruiva, era a mesma que vira na Mercedes. Ela encostou-se contra o grosso batente da porta e olhou para Grant de cima a baixo.

- Ainda perdido? Desta vez, Grant a puxou para si e deu-lhe um beijo carinhoso.

- Aparentemente, você sobreviveu a um mês de casamentos, mas continua muito magra.

- E os elogios continuam saindo facilmente de sua boca - retorquiu ela, dando um passo atrás. Após um momento, riu e o abraçou apertado. - Detesto dizer isso em voz alta, mas é tão bom ver você! - Sorrindo sobre o ombro de Grant, espiou Gennie com um olhar curioso e amigável. - Olá, eu sou Shelby.

A irmã de Grant, Gennie percebeu, impressionada pela total falta de semelhança familiar. O corpo longo e esbelto da mulher parecia cheio de energia, os cabelos ruivos e cacheados, e os olhos acinzentados. Enquanto Grant possuía um charme rude, a irmã era uma combinação de porcelana e brilho.

- Sou Gennie - respondeu ela instintivamente ao mhitíno que Shelby lhe enviou antes de sair do abraço do li inflo. - Prazer em conhecê-la.

- Perto dos 70, não? - Shelby falou de forma enigmática para Grant antes de pegar a mão de Gennie. - Temos de nos conhecer, de modo que você possa me contar como tolera a companhia de meu irmão por mais que cinco minutos de cada vez. Alan está na sala do trono com MacGregor - continuou ela antes que Grant pudesse retorquir. - Grant lhe deu um resumo sobre os membros da família?

- Uma versão abreviada - replicou Gennie, instantaneamente encantada por Shelby.

- Típico. - Ela enganchou o braço no de Gennie. Bem, às vezes, é melhor conhecer as pessoas diretamen­te. A coisa mais importante a se lembrar é de não deixai que Daniel a intimide. Qual é a sua origem?

- Francesa na maior parte. Por quê?

- O assunto vai surgir.

- Como foi a sua lua-de-mel? - perguntou Grant, querendo desviar do assunto que, com certeza, surgiria.

Shelby sorriu-lhe.

- Eu lhe conto mais tarde. Como está a sua rocha?

- Ainda em pé. - Ele olhou para a esquerda quando Justin começou a descer a escada. A expressão curiosa de Justin foi substituída por surpresa... algo raramente visto em seu semblante... então prazer.

- Gennie! - Ele desceu o resto da escada em passos longos e apressados, então, girou-a em seus braços.

- Justin. - Rindo, Gennie envolveu os braços ao redor do pescoço dele enquanto Grant arregalava os olhos.

- O que você está fazendo aqui? - os dois perguntaram ao mesmo tempo.

Rindo, Justin segurou-lhe ambas as mãos, e afastou-a para estudá-la.

- Você está linda - murmurou ele. - Como sempre.

Grant observou-a enrubescer de prazer e experimentou o primeiro ciúme genuíno de sua vida. Achou uma sensação muito desagradável.

- Parece - começou ele num tom tão ameaçador que as sobrancelhas de Shelby se arquearem - que vocês se conhecem.

- Sim, é claro - começou Gennie antes de se dar conta do que estava acontecendo. - O jogador! - exclamou. – Oh, eu nunca uni as coisas. Rena-Serena. Ouvir que você ia se casar já foi um choque. Detestei perder o casamen­to... e você é pai! - Ela jogou os braços ao redor dele de novo, rindo. - Meu Deus, estou cercada de primos!

- Primos? - ecoou Grant.

- Do meu lado francês - disse Justin com ironia. - Uma conexão distante, cuidadosamente negligenciada por todos, exceto por - ele inclinou o rosto de Gennie para o seu - algumas pessoas especiais.

- Tia Adelaide é uma pessoa de poucos horizontes - murmurou Gennie precisamente.

- Você está acompanhando essa conversa? - Shelby perguntou para Grant.

- Com muita dificuldade - respondeu ele. Com uma outra risada, Gennie estendeu a mão para ele.

- Para simplificar, Justin e eu somos primos, de terceiro grau, acho. Nós nos encontramos aproximadamente cinco anos atrás em uma de minhas exibições em Nova York.

- Eu não era... ah... próximo dessa parte da família em particular - continuou Justin. - Um comentário ao acaso levou a outro, até que descobrimos a conexão.

Quando Justin sorriu para Gennie, Grant viu a semelhança. Os olhos verdes. Homem, mulher, eles eram muito parecidos. Por alguma razão obscura, que não somente as explicações, aquilo o fez relaxar os músculos que haviam se tencionado no momento em que Justin a abraçara. A ovelha negra, percebeu, que superara a expectativa de todos.

- Fascinante - disse Shelby. - Todos os clichês sobre o mundo ser pequeno se encaixam perfeitamente aqui com Gennie e Grant.

Justin desviou o olhar, encontrando os olhos escuro e examinadores de Grant. Como um jogador, tinha o hábito de avaliar as pessoas que conhecia e armazená-las em compartimentos. No casamento de Shelby, um ano atrás, Justin o considerara um homem com inteligência e segredos que se recusava ser armazenado em qualquer lugar. Eles tinham se dado bem rapidamente, talvez por que a necessidade de privacidade era inerente a ambos Agora, lembrando-se da descrição estranha de Daniel sobre a companhia de Grant no fim de semana, Justin reprimiu um sorriso.

- Daniel mencionou que você traria... uma artista.

Grant reconheceu, como poucos teriam reconhecido o brilho de humor nos olhos de Justin.

-Tenho certeza que ele mencionou - retornou ele no mesmo tom conversacional. - Ainda não lhe dei os para bens por assegurar a continuidade da linhagem familiar e salvar o resto de nós da pressão de fazer isso imediatamente - complementou Shelby.

- Não conte com isso - avisou uma voz suave. Gennie olhou para cima e viu uma mulher loura descendo a escada, carregando um bebê embrulhado num cobertor azul.

- Olá, Grant, é bom ver você de novo. - Serena ani­nhou o bebê em um dos braços quando se inclinou para beijar o rosto de Grant. - Foi gentileza sua atender ao chamado real.

- O prazer é meu. - Incapaz de resistir, ele afastou o cobertor de lado com um dedo.

Tão pequenino! Bebês sempre o fascinavam... a perfeição em miniatura. Este tinha a pele macia e estava totalmente desperto, fitando-o com olhos azuis que já tinham um toque de violeta dos olhos da mãe. Talvez Mac tivesse as orelhas de Daniel e os olhos de Serena, mas o resto da criança era inteiramente Blade. O bebê possuía os ossos de um guerreiro, pensou Grant, e os cabelos negros eram típicos de seu sangue de Comanche.

Olhando além do filho, Serena estudou a mulher que observava Grant com atenção. Ficara surpresa em ver os olhos do marido num rosto feminino. Esperando que aqueles olhos se desviassem para os seus, sorriu.

- Sou Rena.

- Gennie é amiga de Grant - anunciou Justin, passando um braço ao redor do ombro da esposa. - E, por acaso, é também minha prima. - Antes que Serena pudesse reagir à primeira surpresa, ele a surpreendeu com a segunda: Geneviève Grandeau.

- Oh, aquelas pinturas maravilhosas! - exclamou ela, enquanto os olhos de Shelby se arregalavam.

- Não acredito, Grant! - Após lançar-lhe um olhar de desgosto, Shelby voltou-se para Gennie: - Nossa mãe tinha duas de suas paisagens. Eu a convenci a me dar uma de presente de casamento. Noite - lembrou. - Quero construir uma casa em volta daquilo.

Satisfeita, Gennie sorriu-lhe.

- Então, talvez você possa me ajudar a convencer o sr. MacGregor de que devo pintar a casa dele.

- Apenas preste atenção na forma como poderá dobrá-lo - disse Serena.

- O que é isso, uma reunião de cúpula? - Alan quis saber quando chegou ao hall. - Uma coisa é ser o filho mais velho, e outra é ser o carneiro de sacrifício. - Ele pôs a mão na nuca da esposa. - Papai está reclamando porque a família está espalhada em todas as direções.

- Com Caine sendo o mais criticado de todos - apon­tou Serena.

- Sim. - Alan sorriu de forma encantadora. - É uma pena ele estar atrasado. O olhar intenso voltou-se para Gennie, então deu um sorriso lento. - Nós já nos conhe­cemos... - Ele hesitou brevemente, pensando em sua lista mental de nomes e rostos. - Genviève Grandeau.

Um pouco surpresa, Gennie devolveu-lhe o sorriso.

- Um encontro muito rápido em um evento destinado à caridade aproximada-mente dois anos atrás, senador.

- Alan - corrigiu ele. - Então, você é a artista de Grant.

- Ele olhou para Grant com expressão bem-humorada.

- Devo dizer que supera até mesmo a descrição que Grant fez de você. Vamos todos entrar e nos juntar a MacGregor antes que ele comece a gritar?

- Aqui. - Justin pegou o bebê de Serena em um mo­vimento hábil. - Mac irá abrandá-lo.

- Que descrição? - perguntou Gennie para Grant assim que começaram a descer o largo corredor.

Ela viu o sorriso brincar nos lábios dele, antes que ele passasse um braço ao redor de seus ombros.

- Mais tarde.

Gennie logo entendeu por que Shelby tinha chamado o lugar de sala do trono. O amplo piso do salão era coberto com um tapete vermelho. Todos os móveis de madeira eram entalhados de forma opulenta, enquanto quadros magníficos estavam pendurados em molduras ninadas. Havia um leve aroma de cera de vela, embora nenhuma vela estivesse acesa. Abajures ajudavam a ilu­minação do fim do dia, a qual penetrava através de muitas janelas.

Com uma única olhada, ela viu que os móveis eram antigos e maravilhosos, todos em larga escala e perfeitos dentro do imenso espaço. Havia bastante lenha posicio­nada e pronta, dentro da gigantesca lareira, em antecipa­ção do frio que poderia vir durante as noites, quando o verão desse lugar ao outono.

No entanto, a sala, magnífica e única, não era nada comparada ao homem recebendo a família em sua alta cadeira gótica. Forte e grande, com espessos cabelos ruivos, ele observava a procissão entrar na sala com olhos azuis estreitos em um rosto largo e marcado por linhas próprias da idade.

Para Gennie, ele parecia um general ou um rei... am­bos, talvez... uma figura de séculos passados, de algum lugar onde o monarca conduzia seu povo à batalha. Uma enorme mão tamborilava o braço de madeira da cadeira, enquanto a outra, segurava um copo com líquido pela metade. Parecia possuir poder suficiente para ordenar execuções arbitrariamente. Os dedos de Gennie cocavam por um bloco e um lápis.

- Bem - disse ele numa voz profunda e alta, que fazia uma acusação com essa única e pequena palavra.

Shelby foi a primeira a se aproximar do homem, bra­vamente, pensou Gennie, para lhe dar um beijo estalado na boca.

- Olá, vovô.

Ele enrubesceu com isso e lutou contra o prazer que o título lhe dava.

- Então, você decidiu me dar um momento de seu tempo.

- Antes, senti-me no dever de prestar minha homena­gem ao mais novo MacGregor.

Como uma dica, Justin aproximou-se para colocar o pequeno Mac na curva do braço de Daniel. Gennie assis­tiu ao gigante poderoso se transformar em marshmallow.

- Aqui está o rapazinho - disse ele, estendendo o copo para Shelby, então acariciando o queixinho do bebê. Quando o bebê agarrou seu dedo grosso, MacGregor envaideceu-se como um galo. - Forte feito um touro. - Sorriu tolamente para a sala em geral, então parou os olhos em Grant. - Bem, Campbell, então você veio. Está vendo aqui - começou, movimentando o bebê no braço -, por que os MacGregors nunca poderiam ser conquistados? Linhagem forte.

- Sangue bom - murmurou Serena, tirando o bebê do avô orgulhoso.

- Sirva um drinque a Campbell - ordenou ele. – Agora, onde está a artista? - Ele vagou os olhos ao redor da sala, fixou-os em Gennie. Ela pensou ter visto surpresa, ocultada rapidamente, e, então o divertimento substituiu a expressão, curvando-lhes os cantos da boca.

- Daniel MacGregor - disse Grant com formalidade -, Genviève Grandeau.

Um vislumbre de reconhecimento revelou-se no semblante de Daniel antes que ele se levantasse de sua cadeira incrivelmente alta e estendesse a mão.

- Bem-vinda.

A mão de Gennie foi apertada, depois coberta. Ela teve a impressão simultânea de força, compaixão e teimosia.

- Sua casa é absolutamente magnífica, sr. MacGregor disse ela, estudando-o de forma imparcial. – Combina com o senhor.

Ele deu uma gargalhada tão sonora que poderia ter balançado as janelas.

- Sim. E há três de suas pinturas penduradas na ala oeste. - Ele olhou brevemente para Grant, antes de voltar a fitá-la. - Você transmite a idade que tem, moça.

Ela lhe lançou um olhar intrigado, enquanto Grant engasgava com o uísque.

- Obrigada.

- Sirvam um drinque à artista - ordenou ele, então gesticulou para que ela se sentasse na cadeira ao lado da sua. - Agora, conte-me por que você está perdendo seu tempo com Campbell?

- Gennie é minha prima - disse Justin suavemente, sentando-se no sofá ao lado do filho. - Do lado francês aristocrático.

- Uma prima! - Os olhos de Daniel se acentuaram, então uma expressão que só poderia ser descrita como prazer perspicaz estampou-se em seu rosto. - Sim, nós gostamos de manter as coisas em família. Grandeau... um nome realmente forte. Você tem a aparência de uma rai­nha, com um leve toque de feiticeira.

- Ele quis elogiá-la com isso - explicou Serena quan­do entregou a Gennie um vermute num copo de cristal.

- Já me disseram isso.— Gennie olhou para Grant por sobre a borda do copo. - Um de meus ancestrais teve um... encontro com uma cigana, o qual resultou em gêmeos.

- Gennie tem um pirata em sua árvore familiar, tam­bém - murmurou Justin.

Daniel assentiu em aprovação.

- Sangue forte. Os Campbell precisam de toda a ajuda que puderem conseguir.

- Cuidado, MacGregor - avisou Shelby quando Grant lhe lançou um breve olhar fulminante.

Havia influências ocultas ali para confundir um recém-chegado, mas não tão sutis que Gennie não entendesse. Daniel estava tentando arranjar um noivado, pensou, e lutou contra uma risada. Ver o semblante irritado de Grant apenas tornou mais difícil para que ela mantivesse a compostura. O jogo era irresistível.

- Os Grandeau podem seguir seus ancestrais até uma cortesã protegida de Philip IV le Bel. - Ela percebeu o olhar divertido e de respeito de Shelby. No tempo que levou para o olhar das duas se encontrarem, o elo estava formado.

Embora estivesse apreciando os sinais sendo lançados ao redor da sala, Alan recordava-se muito bem de já ter estado na posição que Grant se encontrava atualmente.

- Por que será que Caine está demorando tanto? - perguntou ele de modo casual, ciente de que o comentário mudaria o foco de seu pai.

- Hah! - Daniel bebeu metade de seu drinque em um gole - O garoto está muito ocupado com a advocacia para dar à mãe um momento de atenção.

Gennie arqueou as sobrancelhas, e Serena cruzou as pernas.

- Minha mãe ainda está no hospital - explicou ela, um sorriso disfarçado nos lábios. - Tenho certeza que mamãe ficará devastada se chegar antes de Caine.

- Ela se preocupa com as crianças - resmungou Daniel, torcendo o nariz. - Tento fazê-la entender que eles tem suas próprias vidas, mas uma mãe é uma mãe.

Serena fez uma careta e falou alguma coisa inarticulada dentro do copo. Foi o bastante, todavia, para fazer o rosto de Daniel enrubescer. Antes que ele pudesse res­ponder, o som da aldrava na madeira vibrou contra as paredes.

- Eu atendo - ofereceu Alan, sentindo que aquilo lhe daria um momento para avisar Caine do barômetro do pai.

Porque sentia certa ligação com Caine naquele mo­mento, Grant voltou-se para Daniel numa tentativa de mudar o humor do homem:

- Gennie ficou fascinada pela casa - começou ele. - Espera persuadi-lo a deixá-la pintar a propriedade.

A reação de Daniel foi imediata. Não diferente da reação que tivera com o neto em seus braços, envaideceu-se.

- Bem, devemos ser capazes de arranjar alguma coisa que seja boa para nós dois.

Um Grandeau da fortaleza MacGregor. Ele sabia o valor financeiro de uma pintura como aquela, sem mencio­nar o valor para seu orgulho. O legado para seus netos.

- Nós conversaremos - disse ele assentindo com vee­mência no exato momento em que o último dos MacGregors entrou na sala. Daniel olhou na direção do filho. - Hah!

Gennie viu um homem magro e alto, com um ar de lobo inteligente. Todos os MacGregors eram incríveis exemplos da espécie humana?, perguntou-se. Havia poder ali, o mesmo poder que ela sentira em Alan e Serena. Porque aquele poder não vinha inteiramente de Daniel, Gennie especulou sobre a mãe deles. Que tipo de mulher seria?

Então, sua atenção foi voltada para a mulher que entrou com Caine. A irmã de Justin. Gennie olhou para seu pri­mo para vê-lo fitando a irmã com o cenho levemente franzido. E entendeu por quê. A tensão que Caine e Dia­na haviam levado para a sala era palpável.

- Ficamos presos em Boston - explicou Caine tran­qüilamente, ignorando a carranca do pai e andando para ver seu sobrinho. As linhas duras do rosto dele se amaciaram quando ergueu os olhos para a irmã. - Bom trabalho, Rena.

- Você podia telefonar quando fosse se atrasar - recla­mou Daniel. - Dessa forma, sua mãe não se preocuparia.

Caine olhou ao redor da sala, notando que sua mãe estava ausente, então ergueu uma sobrancelha irônica.

- É claro.

- Foi culpa minha - murmurou Diana com voz baixa. – Um compromisso de última hora.

- Lembra-se de Grant? - começou Serena, esperando aliviar o clima tenso.

- Sim, é claro. - Diana conseguiu um sorriso que não alcançou seus enormes olhos escuros.

- E da convidada de Grant? - continuou Serena, de­sejando que pudesse ter alguns minutos a sós com Diana. - Que, por acaso, é sua prima, Genviève Grandeau.

Diana enrijeceu instantaneamente. Tinha o semblante frio e sem expressão quando se virou para Gennie.

- Prima? - perguntou Caine curioso, movendo-se para ficar ao lado da esposa.

- Sim. - Gennie falou, querendo amenizar alguma coisa que não entendia. - Nós nos encontramos uma vez - continuou, oferecendo um sorriso -, quando éramos crianças, em uma festa de aniversário, acho. Minha família estava em Boston, visitando os parentes.

- Eu me lembro - murmurou Diana.

Por mais que tentasse, Gennie não podia se recordar de nada que tinha feito na tola festa para merecer o olhar frio e distante que Diana lhe deu. Sua reação foi instintiva. Angulou o queixo de leve e arqueou as sobrancelhas. Com um ar imponente, deu um gole no vermute.

- Como Shelby apontou, é um mundo pequeno.

Caine reconheceu a expressão de Diana, e embora aquilo o deixasse exasperado, passou um braço ao redor dos ombros da esposa.

- Bem-vinda, prima - disse ele para Gennie, dando-lhe um inesperado sorriso charmoso. Virou-se para Grant então, e o sorriso tornou-se malicioso. - Eu realmente gostaria de falar com você... sobre sapos.

Grant respondeu com um sorriso fácil.

- Quando quiser.

Antes que Gennie pudesse começar a entender aquilo, ou as risadas que se seguiram, uma mulher pequena de pele morena entrou na sala. Ali estava a outra ponta do poder. Gennie sentiu isso imediatamente enquanto a mu­lher tornava-se o centro das atenções. Havia muita força nela, e com certeza fora ela que passara para o filho mais velho a aparência séria e atraente. Carregava uma estranha dignidade, apesar dos cabelos levemente desalinhados e as roupas um pouco amassadas.

- Estou tão feliz que você veio - disse a Gennie quan­do foram apresentadas. As mãos eram pequenas e capazes. E estavam frias, Gennie descobriu. - Lamento por não estar aqui quando vocês chegaram. Fiquei... presa no hospital.

Ela havia perdido um paciente. Sem saber como, Gennie sabia aquilo, na verdade tinha certeza. Instintiva­mente, cobriu as mãos unidas das duas com a sua mão livre.

- A senhora tem uma família maravilhosa. Um lindo neto.

Anna emitiu um sussurro que mal foi audível.

- Obrigada. - Ela moveu-se para beijar o rosto do marido. - Vamos jantar - sugeriu quando Daniel acariciou-lhe os cabelos. - Vocês devem estar mortos de fome agora.

O elenco de personagens estava completo, pensou Gennie quando se levantou para pegar a mão de Grant. Aquele seria um fim de semana muito interessante.

 

Era tarde quando Gennie reclinou-se numa banheira enorme, preenchida com água quente e perfumada. Os MacGregors, desde Daniel até o pequeno Mac, não era um grupo que ia cedo para a cama. Ela gostou deles... seu jeito barulhento, seus contrastes, a unidade óbvia e indes­culpável. E, com a exceção de Diana, sentira-se muito bem-vinda na família.

Pensando em Diana agora, Gennie franziu o cenho e j ensaboou a perna. Talvez Diana Blade MacGregor fos­se uma pessoa fechada por natureza. Não fora necessá­rio nenhum insight para ver que havia tensão entre Caine e a esposa, e que Diana estava mais fechada em si mesma por causa disso, porém Gennie sentia que havia alguma coisa mais pessoal na atitude de Diana em relação a ela.

Deixe-me em paz. O sinal tinha sido claro como cris­tal, e Gennie respondera de acordo. Nem todos eram inerentemente amigáveis, nem todos tinham de gostar dela a primeira vista. Contudo, perturbava-a o fato de que Diana não fora nem amigável nem particularmente hostil, apenas distante.

Afastando os pensamentos, puxou a corrente antiga para esvaziar a banheira. No dia seguinte, passaria algum tempo com seus novos primos, e faria tantos esboços quanto possível da casa de MacGregor. Talvez, ela e Grant passeassem pelo terreno, ou dessem um mergulho na piscina, que, segundo ouvira dizer, ficava no fim de um dos corredores infinitos que faziam eco.

Nunca tinha visto Grant tão relaxado por um período de tempo tão longo. Estranhamente, embora ainda fosse o homem arrogante e distante pelo qual se apaixonara com tanta relutância, ele ficara à vontade com os numerosos e barulhentos MacGregors. Em uma noite, ela descobrira mais alguma coisa sobre ele. Grant gostava de pessoas, de estar cercado delas, conversan­do... contanto que tudo permanecesse em seus termos.

Gennie ouvira o fim da conversa que Grant estava tendo com Alan após o jantar. Tinha sido sobre política, e obviamente em profundidade, o que a surpreendera. O que a espantara ainda mais, todavia, fora vê-lo balançan­do o bebê de Serena no joelho enquanto debatia com Caine sobre um controverso caso de tribunal acontecendo nas Cortes de Boston. Em seguida, ele tinha fatigado Shelby com uma discussão fervorosa sobre o significado social das novelas.

Meneando a cabeça, Gennie se enxugou. Por que um homem com gostos e opiniões tão ecléticas gostava de isolamento? Por que um homem obviamente à vontade numa situação social, expulsava os turistas? Um enigma. Gennie vestiu um robe de seda curto. Sim, ele era um enigma, mas saber disso e aceitar eram duas coisas intei­ramente distintas. Quanto mais sabia sobre Grant, mais queria saber.

Paciência, apenas mais um pouco de paciência, disse a si mesma quando foi para o quarto anexo. O quarto era enorme, o papel de parede antigo e lindo. Havia um sofá-cama ornado em um tom rico de rosa, e uma penteadeira entalhada com cupidos, a qual tinha o charme ostensivo do século XVIII, sob a toalha lindamente bordada à mão, que devia ser um dos trabalhos de Anna.

Agradavelmente cansada, Gennie se sentou no banco antigo na frente da penteadeira de espelho triplo e come­çou a pentear os cabelos.

Quando Grant abriu a porta, achou que ela parecia uma princesa dos contos de fadas... em parte ingênua, em parte sedutora. Os olhos verdes encontraram os seus no espelho, e ela sorriu, acabando de dar a última escovada nos cabelos.

- Errou de quarto?

- Entrei no quarto certo. - Ele fechou a porta, depois passou o trinco.

- Verdade? - Batendo a escova contra a palma, Gennie arqueou uma sobrancelha. - Pensei que você tivesse fi­cado com o quarto no fim do corredor.

- Os MacGregors esqueceram-se de pôr uma coisa lá. - Grant ficou parado onde estava por um momento, satisfeito apenas em olhá-la.

- Oh? O quê?

- Você. - Aproximando-se, Grant pegou a escova da mão dela. O aroma de banho preenchia o quarto. Olhando-a pelo espelho, começou a escovar-lhe os cabelos. - Macios - murmurou. - Tudo em você é macio e suave demais para resistir.

Ele sempre conseguia fazer a paixão de Gennie es­quentar com a sua paixão, com as suas demandas. Mas quando era gentil, quando a tocava com carinho, ela se sentia indefesa. Os olhos de Gennie se arregalaram e nublaram, e permaneceram fixos nos dele.

- Você quer resistir? - perguntou ela.

Havia um leve sorriso no rosto de Grant enquanto continuava escovando-lhe os cabelos, com longas e lentas carícias.

- Isso não faria a menor diferença, mas não, não quero resistir a você, Genviève. O que quero fazer - ele seguiu o caminho da escova com os dedos - é tocá-la, provar seu gosto, até que nada mais exista ao redor. Você não é a minha primeira obsessão - murmurou com uma expressão estranha nos olhos. - Mas é a única que fui capaz de tocar com as minhas mãos, provar com a minha boca. Você não é a única mulher que eu amei. - Grant deixou a escova cair, de modo que suas mãos ficassem livres para deslizar nos cabelos dela. - Mas é a única mulher pela qual me apaixonei.

Ela sabia que ele não falaria nem mais nem menos que a verdade. As palavras a preencheram com um poder ascendente. Queria compartilhar isso com Grant, retribuir um pouco da maravilha que ele levara para a sua vida. Levantando-se, Gennie virou-se para encará-lo.

- Deixe-me fazer amor com você - sussurrou ela. - Deixe-me tentar.

A doçura do pedido mexeu com Grant mais do que ele achava ser possível. Mas quando a alcançou, ela pôs uma mão em seu peito.

- Não. - Gennie deslizou as mãos para o pescoço dele, os dedos abertos. - Deixe-me.

Cuidadosamente, observando-lhe o rosto, ela começou a desabotoar a camisa masculina. Os olhos refletiam confiança, os dedos eram firmes, embora Grant soubesse que Gennie teria de confiar no instinto e no que ele tinha apenas começado a ensiná-la. Era possível fazer amor com um homem como gostaria que ele fizesse amor com você? Ela veria.

O desejo de Grant não poderia ser menor do que o seu, pensou Gennie enquanto deslizava os dedos ao longo da pele sedosa. Eles seriam muito diferentes? Com um som que era tanto de prazer quanto de aprovação, desceu as mãos pelas costas largas, então subiu de novo antes de liberar a camisa dos ombros fortes.

Ele era magro, quase magro demais, porém a pele era macia e firme sobre os ossos. E já estava esquentan­do sob o toque de suas mãos. Inclinando-se para  frente, Gennie pressionou a boca no coração dele e sentiu as batidas rápidas e irregulares. Em caráter experimental, usou a ponta da língua para umedecer-lhe a pele. Então, ouviu-o respirar fundo antes que os braços ao seu redor apertassem.

- Gennie...

- Não, eu só quero tocar você por um tempo. - Ela traçou diversos beijos sobre o peito dele e ouviu o som do coração se acelerando ainda mais.

Grant fechou os olhos enquanto os leves beijos mo­lhados esquentavam-lhe a pele. Lutou contra a urgência de arrastá-la para cama, ou para o chão, e tentou encontrar o controle que Gennie parecia estar lhe pedindo. Os de­licados dedos curiosos vagaram, com a misteriosa habi­lidade de encontrar e explorar fraquezas que Grant não linha consciência que possuía. Durante todo o tempo, ela murmurava, suspirava, prometia. Grant perguntou-se se era desse jeito que as pessoas calmamente perdiam a sanidade.

Quando ela deslizou os dedos lentamente para o botão de sua calça jeans, os músculos do estômago de Grant tremeram, depois se contraíram. Gennie o ouviu gemer quando ele baixou o rosto para o topo de sua cabeça. A garganta dela estava seca, as palmas úmidas quando abriu o botão de pressão. Devido à incerteza e ao desejo de seduzir, demorou-se durante o processo.

A cueca de Grant escorregou para os quadris com suavidade, e Gennie achou aquilo incrivelmente fascinan­te. Tanto poder, pensou, tanta força! Entretanto, podia fazê-lo tremer.

- Deite-se comigo - sussurrou ela, então inclinou a cabeça para trás a fim de fitar os olhos opacos e escuros que continham puro desejo. Grant tomou-lhe a boca num beijo avassalador, como se estivesse sedento demais. Apesar dos sentidos de Gennie começarem a flutuar, o conhecimento do poder que estava exercendo sobre ele se expandiu. Sabia o que Grant queria dela, e lhe daria de boa vontade. Mas queria dar-lhe mais, muito mais. E o faria.

Com as mãos de cada lado do rosto dele, afastou-o.

- Deite-se comigo - repetiu Gennie e moveu-se para a cama. Esperou que ele se aproximasse, então o empur­rou para baixo. O velho colchão rangeu quando ela se ajoelhou ao seu lado. -Adoro olhar para você. - Tirando-lhe os cabelos das têmporas, substituiu-os por seus lábios.

E, então, Gennie começou a exploração, fazendo tudo com tanta lentidão que causou uma dor física em Grant. Ele sentiu a maciez dos lábios dela, ouviu o farfalhar do tecido de seda do robe enquanto ela o seduzia vagarosa­mente, levando-o à loucura. Sua pele umedecia por onde a língua dela traçava círculos sensuais. Ao seu redor, infiltrando-se em cada respiração, estava o aroma do banho, feminino e sensual. Gennie suspirou, então pousou os lábios nos dele, mordiscando-o e provocando até que Grant não ouvisse mais nada além da vibração de sua própria cabeça.

Os corpos de ambos se fundiram quando ela deitou-se por cima dele e começou a torturar-lhe o pescoço com seus dentes e língua. Grant tentou murmurar o nome dela, mas conseguiu apenas um gemido quando suas mãos, sempre tão seguras, tateavam para alcançá-la.

A pele de Gennie estava tão úmida quanto a sua, e ela enlouqueceu quando deslizou sobre o corpo dele, cada vez mais para baixo, de modo que os lábios sensuais pudessem saborear e as mãos apreciar. Gennie nunca conhecera algo tão emocionante quanto o poder que liberdade e paixão unidas proporcio-navam. Um poder que tinha um aroma almiscarado, um segredo no qual ela mergulhava, um sabor que queria devorar. Quando sua língua deslizou mais para baixo, teve o prazer estonteante de saber que seu homem estava totalmente entregue a ela.

Grant parecia não mais estar respirando, mas apenas gemendo. Gennie não tinha consciência de que seus próprios suspiros de prazer se uniam aos dele. Como Grant era lindamente formado!, era tudo que podia pensar. E como era incrível que aquele homem maravilhoso lhe pertencesse. Ela estava nua agora sem ter percebido que ele lhe tirara o robe. Sabia apenas que mãos fortes massageavam-lhe os ombros, mãos quentes, ávidas que lhe tocavam os seios com uma espécie de louca adoração.

Quanto tempo se passou era impossível de saber. Ne­nhum dos dois ouviu as badaladas do relógio antigo vinda de algum lugar da casa. Do lado de fora, um pássaro, talvez um rouxinol, cantava, parecendo suplicar em sua chamada por um amante. Algumas nuvens inofensivas afastavam-se da lua. Nenhum dos dois estava ciente de qualquer som, qualquer movimento fora da grande cama macia.

A boca de Gennie encontrou a dele, sedenta e desejosa. Respirações quentes se fundiram, línguas se entrela­çaram. Mentes se tornaram nebulosas. Grant murmurou em sua boca... um apelo rouco. Mãos fortes seguraram-lho os quadris como se ele estivesse caindo.

Gennie deslizou o corpo para baixo e o aceitou em seu interior, então gemeu com a poderosa onda de excitação. Ela tremeu, o corpo arqueando-se para acomodá-lo den­tro de si, e iniciarem a jornada que os levaria ao maior dos paraísos.

Grant tentou se segurar naquele último fiapo de razão quando ela se derreteu contra seu corpo, rendida. Todavia, era tarde demais. Gennie tinha lhe tirado a sanidade. Tudo o que existia de animal nele lutava para ser libertado. Com um gemido quase primitivo, colocou-a deitada de costas e a possuiu como um louco. No momento em que Gennie pensou que estivesse exaurida, revitalizou, sendo preenchida pelo homem que amava. Seu corpo enlouqueceu, acompanhando o poder e o ritmo dele. Voando cada vez mais alto, cada vez mais rápido, de maneira intoxicante poderosa, eles escalaram até atingirem o clímax abençoado.

Saciados e felizes, com os corpos ainda unidos, a luz abajur ainda brilhando ao lado da cama, adormeceram.

Era um dos raros dias perfeitos. O ar estava ameno, soprava apenas uma brisa leve, e o sol estava quente e brilhante. Gennie tinha apenas beliscado alguma coisa no café da manhã, enquanto Grant comera pelos dois. Ele havia saído pela casa, falando vagamente sobre um jogo de pôquer, deixando Gennie livre para levar seu bloco de desenho para fora. Todavia, o que aconteceu foi que ela teve pouco tempo de solidão.

Primeiro, queria uma visão direta da casa, a mesma que podia ter qualquer pessoa que passasse pela estrada. Se Daniel havia planejado aquilo ou não... e ela achava que sim... era sensacional.

Gennie transpôs os arbustos de rosas espinhosas para se sentar no gramado perto de uma castanheira. Por um tempo, o lugar estava tranqüilo, apenas com o som das gaivotas, pássaros diversos, e ondas contra a pedra. O esboço começou com linhas irregulares corajosamente traçadas, então, incapaz de resistir, ela começou a refiná-las... dando-lhes formas, aperfeiçoando-as. Quase meia hora se passou antes que um movimento lhe chamasse a atenção. Shelby tinha saído por uma porta lateral enquan­to Gennie se concentrava na torre, e já estava na metade do caminho do jardim desnivelado.

- Olá. Eu vou perturbar você?

- Não. - Gennie sorriu e colocou o bloco no colo. - Eu passarei dias desenhando aqui se alguém não me parar.

- O lugar é fabuloso, não é? - Movimentando-se com uma graça que fez Gennie lembrar-se de Grant, Shelby sentou-se a seu lado. Estudou o esboço no colo de Gennie. Então, é isso - murmurou ela, e também pensou em Grant. Quando criança, costumava ficar irritada por não ter a habilidade do irmão com um lápis ou um crayon. E quando haviam ficado mais velhos, a inveja de Shelby se transformara em orgulho... quase exclusivamente. - Você e Grant têm muito em comum.

Satisfeita com a idéia, Gennie olhou para seu próprio trabalho.

- Ele tem muito talento, não é mesmo? É claro que só vi uma caricatura improvisada, mas é tão óbvio! Pergun­to-me... por que ele não está fazendo nada com isso?

Era uma sondagem direta, ambas sabiam disso. A decla­ração também disse a Shelby que Grant ainda não confiara seu segredo para a mulher ao lado dela. A mulher, Shelby tinha certeza absoluta, pela qual ele estava apaixonado, Impaciência guerreou com lealdade. Por que seu irmão es­tava sendo um tolo tão teimoso? Mas a lealdade venceu.

- Grant faz basicamente o que lhe dá prazer. Você o conhece há muito tempo?

- Não realmente. Apenas há algumas semanas. - Pre­guiçosamente, Gennie arrancou um punhado de grama e torceu-o entre os dedos. - Meu carro quebrou durante uma tempestade na estrada que levava ao farol. - Ela riu quando uma imagem muito nítida da carranca de Grant lhe veio à mente. - Grant não ficou muito feliz em me encontrar à sua porta.

- Você quer dizer que ele foi rude, grosseiro e impos­sível - acrescentou Shelby, sorrindo.

- No mínimo.

- Graças a Deus, algumas coisas são persistentes. Ele está louco por você.

- Não sei para quem isso é mais chocante, se para ele ou para mim. Shelby... - Não deveria bisbilhotar, pensou Gennie, mas descobriu que precisava saber de alguma coisa, qualquer coisa que lhe desse uma chave para o mun­do interior de Grant. - Como ele era, quando criança?

Shelby olhou para as nuvens que se movimentavam de forma inofensiva no céu.

- Grant sempre gostou de ficar sozinho. Ocasionalmente, quando eu o perseguia, ele me tolerava. Sempre gostou de pessoas, embora olhe para elas de uma maneira inclinada. Do jeito dele - acrescentou ela, dando de ombros.

Shelby pensou na segurança que eles haviam tido quando crianças. As campanhas, a imprensa. E pensou brevemente que, com Alan, ela entrara diretamente no redemoinho. Com um pequeno suspiro que Gennie não entendeu, Shelby apoiou-se sobre os cotovelos.

- Ele possuía um temperamento terrível, uma opinião firme sobre o que era certo e o que era errado... para si mesmo e para a sociedade em geral, o que nem sempre eram as mesmas coisas. Todavia, na maior parte do tem­po, Grant era fácil de conviver e amável para um irmão mais velho, suponho.

Ela ainda estava olhando para o céu, e, enquanto fica­va silenciosa por um momento, Gennie a observou.

- Grant tem grande capacidade para amor e gentileza continuou Shelby. - Mas reparte isso de forma econô­mica e de seu próprio jeito. - Ela hesitou, então, olhando para o semblante calmo e olhos inexpressivos de Gennie, sentiu que deveria lhe dar algo. - Nós perdemos o nosso pai. Grant tinha 17 anos, na fase entre ser um garoto e um homem. A perda me devastou, e demorei muito tempo para perceber que Grant também estava arrasado. Ambos estávamos lá quando nosso pai foi morto.

Gennie fechou os olhos, pensando em Grant, lembrando-se de Angela. Aquilo era algo que podia entender muito bem. A culpa, a dor, o choque que nunca passava realmente.

- Como ele foi morto?

- Grant deveria lhe contar sobre isso - respondeu Shelby calmamente.

- Sim. - Gennie abriu os olhos. - Ele deveria.

Querendo dispersar o clima tenso, e suas próprias memórias, Shelby tocou-lhe a mão.

- Você é boa para ele. Pude ver isso de imediato. Considera-se uma pessoa paciente, Gennie?

- Não tenho mais certeza.

- Não seja paciente demais - aconselhou ela com um sorriso. - Grant precisa de alguém que lhe dê uma boa sacudida de vez em quando. Sabe, assim que conheci Alan, estava absolutamente determinada a não ter nada com ele.

- Isso me soa familiar. Ela riu.

- E ele estava absolutamente determinado a me fazer ter. - Shelby sorriu com a lembrança. - Ele foi paciente, mas não muito paciente. E não sou nem de perto tão cruel quanto Grant.

Gennie riu, então virou uma página do bloco para esboçar Shelby.

- Como você conheceu Alan?

- Oh, numa festa em Washington.

- Você é de lá?

- Eu moro em Georgetown... nós moramos em Georgetown - corrigiu ela. - Minha loja é lá, também.

Gennie arqueou as sobrancelhas quando desenhou a linha sutil do nariz de Shelby.

- Que tipo de loja?

- Sou ceramista.

- Verdade? - Interessada, Gennie parou de desenhar. Você molda peças em argila? Grant nunca mencionou

- Ele nunca menciona - disse Shelby secamente.

- Há um vaso no quarto dele - lembrou Gennie. - Pintado de henna com flores selvagens entalhadas. Aquele trabalho é seu?

- Dei ao meu irmão de Natal alguns anos atrás. Eu não sabia o que ele tinha feito com o vaso.

- A peça fica lindamente refletida pela luz do sol - contou Gennie, notando que Shelby estava tanto surpresa quanto contente. - Não há muito mais coisas no farol que ele se importe em limpar.

- Grant é negligente - disse Shelby de forma carinho­sa. -Você quer fazê-lo mudar seu jeito de ser?

- Realmente, não.

- Fico feliz com isso. Embora eu detestasse que ele me ouvisse dizer, gosto de meu irmão exatamente como é. - Ela estendeu os braços para o céu. - Agora vou per­der alguns dólares para Justin. Já jogou cartas com ele?

- Apenas uma vez. - Gennie sorriu. - Foi suficiente.

- Entendo o que você quer dizer - murmurou Shelby e se levantou. - Mas geralmente consigo blefar com Da­niel para fazer isso valer a pena.

Com um último sorriso brilhante, ela se foi. Pensativa, Gennie olhou para seu esboço e refletiu sobre as poucas informações que Shelby lhe dera.

- Então, o rosto dela é como o de um sapo? - pergun­tou Caine quando encontrou Grant no corredor.

- A beleza está nos olhos do admirador - replicou Grant com facilidade.

Com um sorriso de apreciação, Caine apoiou-se con­tra uma das muitas passagens arcadas.

- Você enlouqueceu papai. Todos nós recebemos um telefonema dele, dizendo que Campbell estava indo pelo caminho errado, e que era o nosso dever ajudá-lo, já que, de certa forma, ele era parte da família. - O sorriso tornou-se cruel. - Parece que você está se saindo muito bem sem ajuda.

Grant reconheceu aquilo com um assentimento da cabeça.

- A última vez que estive aqui, Daniel estava tentando me envolver com uma garota chamada Judson. Eu não queria correr nenhum risco.

- Papai é firme em sua crença no casamento e na procriação. - O sorriso de Caine diminuiu quando pensou na esposa. - E interessante o fato de sua Gennie ser prima de Diana.

- Uma coincidência - murmurou Grant, notando a expressão perturbada de Caine. - Eu não vi Diana esta manhã.

- Nem eu - replicou Caine com ironia, então deu de ombros. - Nós discordamos em um caso que ela decidiu aceitar. - O semblante preocupado estampou-se em seu rosto novamente. - É difícil estar casado e ter a mesma profissão, especialmente quando os dois vêem a profissão por ângulos diferentes.

Grant pensou em si mesmo e Gennie. Duas pessoas podiam olhar a arte de pontos de vista mais opostos?

- Imagino que seja. Tive a impressão de que Gennie ;i deixou desconfortável.

- Diana teve uma infância difícil. - Enfiando as mãos nos bolsos, Caine pareceu absorto. - Ela está começando a se ajustar a isso. Sinto muito.

- Você não precisa se desculpar comigo. E Gennie é perfeitamente capaz de cuidar de si mesma.

- Acho que vou procurar Diana. - Ele se recompôs, então, sorrindo, inclinou a cabeça em direção aos degraus da torre. - Justin está com sorte no jogo, como sempre, se você quiser arriscar.

Do lado de fora, Diana andou para a lateral da casa e para o jardim da frente antes de avistar Gennie. Seu pri­meiro instinto foi virar-se, mas Gennie olhou para cima. Os olhos das duas se encontraram. De maneira rígida, Diana atravessou o gramado, mas, diferente de Shelby, não se sentou.

- Bom dia.

Gennie lhe devolveu um olhar igualmente frio.

- Bom dia. As rosas estão lindas, não estão?

- Sim. Elas não vão durar muito mais tempo. - Diana pôs as mãos dentro dos bolsos de sua calça verde. - Você vai pintar a casa?

- Eu pretendo. - Em um impulso, ela ergueu o bloco de desenho para a prima. - O que você acha?

Diana pegou o bloco, estudou o esboço e viu todas as coisas que a tinham impressionado na primeira vez que vira a estrutura... a força, a aura de conto de fadas, o charme encantador. Aquilo a emocionou. E a deixou desconfortável. De alguma forma, o desenho formava um elo entre as duas, um elo que queria evitar.

- Você é muito talentosa - murmurou ela. - Tia Ade­laide sempre a elogiava.

Gennie não pôde evitar uma risada.

- Tia Adelaide não saberia a diferença de um Rubens para um Rembrandt, apenas pensa que sabe. - Ela podia ter mordido a língua. Aquela mulher, lembrou-se, tinha sido criada por Adelaide, e Gennie não tinha o direito de denegri-la para alguém que poderia gostar da tia. - Você a tem visto recentemente?

- Não - respondeu Diana sem rodeios, e devolveu o desenho a Gennie.

Perturbada, Gennie sombreou os olhos e estudou Diana com cuidado. Casualmente, virou uma página do bloco, como tinha feito com Shelby, e começou a desenhá-la.

- Você não gosta de mim.

- Eu não conheço você - retornou Diana friamente.

- Verdade, o que torna o seu comportamento ainda mais confuso para mim. Pensei que você fosse mais pa­recida com Justin.

Furiosa porque as palavras faladas com tanta facilida­de a tinham ferido, Diana a fitou.

- Justin e eu somos diferentes porque tivemos vidas distintas. - Virando-se, Diana deu três passos rápidos, antes de parar. Por que estava agindo como uma mulher ranzinza?, perguntou-se, então colocou uma das mãos sobre o estôma­go. Depois, endireitou os ombros e virou-se.

- Peço desculpas por ser rude, porque Justin gosta de você.

- Oh, muito obrigada - murmurou Gennie secamente, embora estivesse começando a sentir uma onda de com­paixão pelo sofrimento que viu nos olhos de Diana. - Por que não me conta o motivo pelo qual sente que deve ser rude, para começar?

- Simplesmente não me sinto à vontade com o lado Grandeau da família.

- Essa é uma visão estreita para uma advogada - apon­tou Gennie. - E para uma mulher que só me viu uma vez, quando nós tínhamos o que... oito ou dez anos de idade?

- Você é tão certinha! - disse Diana antes que pudes­se pensar. - Adelaide deve ter me dito centenas de vezes que eu deveria observar o seu comportamento e seguir o seu exemplo.

- Adelaide sempre foi uma mulher tola e arrogante - retornou Gennie.

Diana a encarou. Sim, sabia disso... agora... simples­mente não imaginava que nenhuma outra pessoa daquela parte da família soubesse.

- Você conheceu todos lá - continuou ela, embora estivesse começando a se sentir uma tola. - E seus cabe­los ficavam presos em uma fita que combinava com o vestido. Era de organdi verde-menta. Eu nem sabia o que era organdi.

Porque seus sentimentos de compaixão foram instan­taneamente despertados, Gennie se levantou. Não tocou em Diana, pois sabia que não seria bem-vinda.

- Ouvi dizer que você era Comanche. Naquela festa, esperei a noite toda para vê-la fazer uma dança de guerra. Fiquei terrivelmente desapontada quando você não fez.

Diana olhou-a outra vez, por uns trinta segundos. Sentiu uma vontade desesperadora de chorar, o que vinha lhe acontecendo com muita freqüência ultimamente. Em vez disso, pegou-se rindo.

- Eu gostaria que soubesse como... e que tivesse tido coragem de dançar. E tia Adelaide teria desmaiado. - Ela parou, hesitou, então estendeu uma das mãos. - Estou feliz por tê-la reencontrado... prima.

Gennie aceitou a mão, então deu um passo à frente pressionou os lábios no rosto de Diana.

- Talvez, se você nos der uma chance, vai descobrir? que alguns dos Grandeau são quase tão humanos quanto os MacGregors.

Diana sorriu. O sentimento de família sempre mexia muito com ela.

- Sim, talvez.

Quando o sorriso de Diana desapareceu, Gennie se­guiu-lhe a direção do olhar, e viu Caine parado entre a roseiras. A tensão retornou de imediato, mas não tinha nada a ver com ela.

- Preciso achar um novo ângulo para os meus esboços - murmurou Gennie.

Caine esperou até que Gennie estivesse a uma boa distância antes de se aproximar da esposa.

- Você parece cansada, Diana.

- Estou bem - respondeu ela muito rapidamente. -Pare de se preocupar comigo - acrescentou e virou-se.

Frustrado, Caine segurou-lhe o braço.

- Que coisa, você está se desgastando por aquele caso e...

- Pare com isso! - gritou ela. - Sei o que estou fa­zendo.

- Talvez - disse Caine. - A questão é, você nunca pegou um caso de assassinato antes, e a acusação tem um caso clássico construído.

- É uma pena que você não tenha mais confiança em minha capacidade.

- Não é isso. - Furioso, ele segurou-lhe os braços e a sacudiu. - Você sabe que não é disso que se trata!

A voz de Caine era mais frustrada do que zangada agora, enquanto os olhos a estudavam, procurando os segredos que ela estava lhe escondendo.

- Pensei que nós estivéssemos além disso, mas você obviamente está me escondendo alguma coisa. Eu quero saber o que é, Diana. Quero saber o que está errado com você!

- Eu estou grávida! - gritou ela, então pressionou a mão na boca.

Atônito, Caine liberou-lhe os braços, e a encarou.

- Grávida? - Sobre a onda de choque, veio a onda de felicidade, tão grande, tão estonteante, que, por um momento, ele foi incapaz de se mover. - Diana! - Quando tentou tocá-la, ela deu um passo atrás, de modo que a felicidade de Caine foi substituída por dor. Muito deliberadamente, ele enfiou as mãos nos bolsos. - Há quanto tempo você sabe?

Ela engoliu em seco e esforçou-se para manter a voz firme.

- Duas semanas.

Dessa vez, Caine virou-se para olhar as rosas selva­gens, sem realmente vê-las.

- Duas semanas - repetiu ele. - Você não achou ne­cessário me contar?

- Eu não sabia o que fazer! -As palavras saíram re­pletas de nervosismo e sentimentos. - Nós não tínhamos planejado... não ainda... e pensei que pudesse ser um engano, mas... - Ela parou, enquanto Caine continuava de costas.

- Você foi ao médico?

- Sim, é claro.

- É claro - repetiu ele com uma risada sem humor. - De quanto tempo você está?

Diana umedeceu os lábios.

- Quase dois meses.

Dois meses, pensou Caine. Há dois meses, o bebê deles vinha crescendo sem que ele soubesse de nada.

- Você fez alguns planos?

Planos?, pensou ela incrédula. Que planos poderia fazer?

- Eu não sei! - Ela ergueu as mãos para o rosto. Es­tava descontrolada, e não era assim. Onde estava a sua lógica? - Que tipo de mãe eu serei? - perguntou quando os pensamentos ganharam voz. - Não sei nada sobre crianças. Mal tive a chance de ser uma.

A dor o golpeou, muito aguda e muito real. Caine obrigou-se a se virar para encará-la.

- Diana, você está me dizendo que não quer o bebê?

Não quer?, pensou Diana freneticamente. O que ele queria dizer com não quer? Já era real... ela quase podia senti-lo em seus braços. Aquilo a assustou terrivel­mente.

- É parte de nós - murmurou Diana tolamente. - Como eu poderia não querer uma parte de nós? É o nosso bebê. Estou carregando o seu bebê, e já o amo tanto que isso me apavora.

- Oh, Diana! - Ele a tocou então, gentilmente segurando-lhe o rosto entre as mãos. - Você deixou duas se­manas passarem quando poderíamos ter ficado apavorados juntos...

Ela deu um suspiro trêmulo. Caine com medo? Ele nunca tinha medo.

- Você está apavorado?

- Sim. - Ele beijou uma lágrima do roso dela. - Sim, estou. Alguns meses antes de Mac nascer, Justin contou a Alan e a mim como se sentia sobre tornar-se pai. - Sor­rindo, Caine ergueu-lhe as duas mãos e pressionou os lábios nas palmas. - Agora eu sei.

- Eu me senti tão... paralisada. - Ela apertou-lhe os dedos. - Queria lhe contar, mas não tinha certeza como você se sentiria. Aconteceu tão rápido... nós nem terminamos a casa ainda, e pensei... Apenas não sabia qual seria a sua reação.

Caine levou as mãos de ambos ainda unidas para o estômago de Diana.

- Eu amo você - murmurou ele. - Vocês dois.

- Caine. - E seu nome foi abafado contra a boca dele.

- Tenho tanto a aprender em apenas sete meses!

- Nós temos muito que aprender em sete meses - cor­rigiu ele. - Por que não subimos? - Caine enterrou o rosto nos cabelos da esposa e inalou o aroma. - Mulheres grávidas devem ficar deitadas. - Ele ergueu a cabeça para sorrir-lhe. - Freqüentemente.

- Com maridos grávidos - brincou ela, rindo quando ele a pegou nos braços. Ia dar tudo certo, pensou Diana. Sua família seria simplesmente perfeita.

Gennie os observou desaparecer dentro da casa. Qual­quer problema que tivesse acontecido entre eles, pensou com um sorriso, aparentemente estava resolvido.

- Que alívio!

Surpresa, Gennie virou-se para ver Serena e Justin atrás dela. Serena carregava o bebê numa espécie de tira larga que ficava amarrada em seus seios. Intrigada com isso, Gennie espiou para ver Mac aconchegado contra o corpo a mãe, dormindo profundamente.

- Serena não conseguiu aproximar-se de Diana o bastante para bisbilhotar o que a estava perturbando - ex­plicou Justin.

- Eu não bisbilhoto - retorquiu Serena, então sorriu.

- Muito. Você está esboçando a casa. Posso ver?

Assentindo, Gennie entregou-lhe o bloco. Enquanto Serena estudava o desenho, Justin pegou a mão de Gennie.

- Como você está?

Ela sabia exatamente o que ele estava perguntando. Da última vez que o vira, tinha sido no funeral de Ange­la. A visita fora breve, não intrusiva, e muito importante para ela. No tempo relativamente curto em que eles se conheciam, Justin se tornara uma parte vital da família de Gennie.

- Melhor - respondeu ela. - De verdade. Tive de me afastar da família por algum tempo... e da preocupação contínua deles. Isso tem ajudado. - Pensando em Grant, sorriu. - Muitas coisas têm ajudado.

- Você está apaixonada por ele - afirmou Justin.

- Agora, quem está bisbilhotando? - demandou Se­rena.

- Eu estava fazendo uma observação - defendeu-se ele. - É totalmente diferente. Ele a faz feliz? - perguntou, então puxou o cabelo da esposa. - Isso foi bisbilhotar -apontou.

Gennie riu e colocou o lápis atrás da orelha.

- Sim, ele me faz feliz... e me faz infeliz. Tudo isso faz parte, não é mesmo?

- Oh, sim. - Serena descansou a cabeça contra o ombro do marido. Avistou Grant quando ele saiu pela porta da frente. Então, colocou uma mão sobre o braço de Gennie. - Gennie, se ele for tão lento como alguns homens são - começou com um olhar significativo para Justin -, tenho uma moeda que vou lhe emprestar. - Com o olhar confuso de Gennie, Diana riu. - Peça-me, qualquer hora dessas.

Ela enganchou o braço no de Justin e saiu andando, sugerindo que eles fossem ver se alguém estava usando a piscina. Gennie o ouviu murmurar alguma coisa que fez Serena dar uma deliciosa risadinha.

Família, pensou ela. Era maravilhoso ter tropeçado na família daquela maneira. A sua família, e a família de Grant. Havia um elo ali que poderia aproximá-lo mais dela. Feliz, atravessou o gramado correndo para encontrá-lo.

Grant a pegou quando Gennie atirou-se em seus braços sem fôlego.

- Do que se trata tudo isso?

- Eu amo você! - confessou ela, rindo. - Precisa de outro motivo?

Ele apertou os braços ao seu redor.

- Não.

 

A vida de Gennie sempre tinha sido repleta de pessoas, de todos os estilos. Mas nunca conhecera ninguém como os do clã MacGregor. Antes do término do fim de semana se aproximar, sentia como se os conhecessem por uma vida toda. Daniel era barulhento, mandão e perspicaz... e tão sensível quando se tratava de sua família que ameaçava derreter-se. Era óbvio que todos o adoravam o bastante para deixá-lo pensar que estava no comando das coisas,

Anna era calma e carinhosa como um banho de verão. E forte o bastante para manter a família unida em qualquer crise, Gennie sabia instintivamente. Com os toques mais gentis, conduzia o marido como queria. E Daniel, com todos os seus gritos e explosões, tinha consciência disso.

Na segunda geração, ela pensou em Caine e Serena, os mais parecidos. Voláteis, extrovertidos, emocionais, possuíam temperamento de membros da família real. Entretanto, quando especulou sobre Alan, pensou que aquele exterior calmo e sério que ele herdara de Anna cobria um tremendo poder... e um temperamento que poderia ser perverso quando provocado. Ele havia encon­trado um bom par em Shelby Campbell.

Os MacGregors tinham escolhido parceiros contras­tantes... Justin com seus segredos e silêncios de jogador; Diana, reservada e emotiva; Shelby, extrovertida e inte­ligente. Eles formavam um grupo fascinante com seus temperamentos e tendências.

Não foi necessário muito esforço para Gennie persu­adi-los a se sentarem para um desenho familiar.

Apesar de todos terem concordado rapidamente, foi um outro problema acomodá-los. Gennie os queria na sala de trono, alguns sentados, outros em pé, e isso levou a uma vasta discussão de quem fazia o quê.

- Eu vou segurar o bebê - anunciou Daniel, então es­treitou os olhos caso alguém quisesse discutir o ponto. - Você pode fazer uma outra pintura no próximo ano, moça - acrescentou para Gennie quando não houve oposição -, e eu estarei segurando dois bebês. - Ele sorriu para Diana, antes de voltar o olhar para Shelby. - Ou três.

- Você devia colocar papai sentado em sua cadeira-trono - emendou Alan rapidamente, dando a Gennie um de seus raros sorrisos. - Isso tornaria o enunciado mais claro.

- Exatamente. - Os olhos dela vagaram enquanto mantinha as feições sérias. - E, Anna, sente-se ao lado dele. Talvez você deva segurar seu bordado, porque pa­rece muito natural.

- As esposas deveriam se sentar aos pés do marido - palpitou Caine suavemente. - Isso é natural.

Houve uma concordância geral entre os homens e caretas das mulheres.

- Acho que vamos misturar um pouco isso... para propósitos estéticos - disse Gennie sobre o ruído que se sucedeu. Com o senso de organização e brevidade de um sargento treinado, começou a arranjá-los conforme seu gosto.

- Alan aqui... - Ela o pegou pelo braço e o colocou entre as cadeiras dos pais. - E Shelby - acrescentou, empurrando Shelby gentilmente para o lado do marido. - Caine, você se senta no chão. - Ela puxou-lhe a mão, até que, sorrindo, ele obedeceu. - E Diana - Caine puxou a esposa para seu colo antes que Gennie pudesse terminar. Assim está bom. Justin, aqui com Rena. E Grant...

- Eu não... - começou ele.

- Faça o que ela está dizendo, garoto. - Daniel falou para ele, depois diretamente para seu neto: - Tinha de ser Campbell para criar problemas.

Resmungando, Grant posicionou-se atrás da cadeira de Daniel e o olhou com uma carranca.

- Uma coisa boa quando um Campbell está em um retrato da família MacGregor.

- Dois Campbell - Shelby relembrou o irmão com entusiasmo. - E como Gennie vai conseguir desenhar e se sentar conosco ao mesmo tempo?

Mesmo quando Gennie a fitou em surpresa, a voz forte de Daniel soou:

- Ela vai se desenhar. É uma moça inteligente.

- Tudo bem - concordou ela, contente com o desafio e com sua inclusão na cena da família. - Agora, relaxem, não vai demorar demasiadamente... e não é como uma fotografia, onde vocês devem ficar imóveis. - Ela acomo­dou-se na ponta do sofá e começou, usando uma pequena moldura para suporte que levara consigo. - Um grupo muito colorido - falou, escolhendo um carvão vegetal em tom pastel da caixa. - Teremos de fazer isso em óleo uma hora dessas.

- Sim, nós vamos querer um para a nossa galeria, não vamos, Anna? Um quadro bem grande. - Daniel sorriu com o pensamento, depois, recostou-se com o bebê ani­nhado na curva do braço. - Então, Alan vai precisar de seu retrato assim que estiver estabelecido na Casa Bran­ca - acrescentou de modo complacente.

Enquanto Gennie esboçava, Alan deu ao pai um sor­riso doce.

- É um pouco prematuro para esta encomenda ainda. - Seu braço passou ao redor de Shelby e permaneceu lá.

- Hah! - Daniel fez cócegas no queixo do neto.

- Você sempre quis pintar, Gennie? -perguntou Anna, distraidamente dando um ponto no bordado.

- Suponho que sim. Pelo menos, não me lembro de querer alguma outra coisa.

- Caine queria ser médico - comentou Serena com um sorriso inocente. - Pelo menos, era o que ele dizia a todas as garotinhas.

- Era uma aspiração natural - defendeu-se Caine, le­vantando uma das mãos para o joelho da mãe, enquanto seu braço segurava Diana firmemente junto ao seu corpo.

- Grant usou uma abordagem diferente -lembrou Shel­by. - Acho que ele tinha 14 anos quando convenceu Dee-Dee Brian a servir de modelo para ele... em um nu.

- Isso foi estritamente pelo propósito da arte - reagiu Grant quando Gennie lhe franziu o cenho. - E eu tinha 15 anos.

- Estudos da vida são uma parte essencial de qualquer curso de arte - disse Gennie, começando a desenhar de novo. - Lembro-me de um modelo masculino em parti­cular... - Ela parou quando os olhos de Grant se estreita­ram. - Ah, essa expressão zangada é muito natural, Grant, tente não perdê-la.

- Então, você desenha, certo, garoto? - Daniel enviou-lhe um olhar especulativo. Aquilo o interessava porque ainda não tinha conseguido descobrir, nem através de Grant nem de Shelby, o que ele fazia para viver.

- Dizem que sim.

- Um artista, eh?

- Eu não... pinto. - Grant falou, e encostou-se contra a cadeira de Daniel.

- É uma coisa boa quando um homem e uma mulher tem algum interesse em comum - começou Daniel, aumentando o tom de voz. - Deixa um casamento mais forte.

- Você nem imagina quantas vezes Daniel me viu operando - colocou Anna suavemente.

Ele bufou.

- Lavei alguns joelhos ensangüentados na minha época com esses três.

- E houve a vez que Rena quebrou o nariz de Alan - apontou Caine.

- Deveria ter sido o seu - sua irmã o relembrou.

- Isso não fez doer menos. - Alan desviou os olhos para a irmã, enquanto sua esposa suspirava de forma antipática.

- Por que Rena quebrou o nariz de Alan em vez do seu? - Diana quis saber.                                              

- Eu abaixei a cabeça - replicou Caine.

Gennie deixou-os conversar livremente enquanto os desenhava. Um grupo interessante, pensou mais uma vez, observando-os discutir e, quase imperceptivelmente, se aproximarem. Grant esquivou-se de uma outra sondagem de Daniel, simplesmente não respondendo, então fez um comentário inteligente sobre a secretária de imprensa, que fez Alan cair na gargalhada.

No geral, refletiu Gennie enquanto escolhia uma outra cor pastel, Grant se encaixava com aquela família como se tivesse saído do mesmo pacote. Espirituoso, social, e amável. Todavia, ela ainda podia vê-lo sozinho em seu rochedo, resmungando com qualquer um que por acaso errasse o caminho e invadisse seu espaço. Ele havia mudado para se adequar à situação, mas não perdera nada de si mesmo no processo. Era dócil porque escolhera ser, e ponto final.

Com uma última olhada para o que tinha feito, Gennie colocou a sua assinatura em um canto.

- Pronto! - declarou ela, e virou seu trabalho para frente do grupo. - Os MacGregors... e Companhia.

Eles a cercaram, rindo, cada um emitindo uma opinião diferente sobre a semelhança dos outros. Gennie sentiu uma certa mão em seu ombro e, sem olhar, sabia que era Grant.

- É lindo - murmurou ele, estudando o jeito como Gennie se desenhara ao seu lado. Abaixando-se, beijou-lhe a orelha. - Você também é linda.

Gennie riu, e o preciso sentimento de pertencer per­maneceu com ela por dias.

 

Setembro trouxe um outono glorioso, no qual as flores e vagens ainda cresciam, e as folhas das árvores torna­vam-se vermelhas. Gennie pintou hora após hora, desco­brindo todos os cantinhos de Windy Point. A rotina de Grant tinha sido alterada tão repentinamente, que ele nem notava. Trabalhava menos horas por dia, porém, mais intensamente. Pela primeira vez na vida, estava ansioso por companhia. Companhia de Gennie.

Ela pintava, ele desenhava. E, então, eles se encontra­vam. Algumas noites eram passadas na grande cama com colchão de pena do chalé, onde se aconchegavam no centro. Outras manhãs, eles acordavam no farol com o chamado das gaivotas e o estouro das ondas. Ocasional­mente, Grant a surpreendia, aparecendo inesperadamen­te onde ela estava trabalhando, às vezes, com uma garra­fa de vinho, ou com um saco de batatas fritas.

Um dia, ele lhe levara um punhado de flores selvagens. Gennie ficara tão emocionada que tinha chorado sobre as flores, até que, frustrado, Grant a arrastara para o chalé e fizera amor com ela.

Era uma época pacífica para ambos. Dias quentes, noites frias, céu sem nuvens, e uma grande serenidade... ou talvez expectativa.

- Isso é perfeito! - gritou Gennie sobre o barulho do motor do barco que Grant navegava pelo mar. - Parece que poderíamos ir até a Europa.

Ele riu e bagunçou-lhe os cabelos.

- Se você tivesse mencionado antes, eu teria enchido o tanque de gasolina.

- Oh, não seja prático... imagine isso - insistiu ela. - Podíamos ficar no mar por dias e dias.

- E noites. - Grant inclinou-se para pegar-lhe o lóbulo da orelha entre os dentes. - Noites de lua cheia, infes­tada de tubarões.

Gennie deu uma risadinha e deslizou a mão pelo pei­to dele.

- Quem iria proteger quem?

- Nós, escoceses, somos muito durões. Tubarões pro­vavelmente preferem pessoas mais delicadas. - Grant traçou-lhe o contorno da orelha com a língua. - Delicatesse francesa.

Com um tremor de prazer, ela descansou contra o cor­po forte, e observou o barco avançar através das ondas.

O sol estava baixando, o vento soprava forte, cheio de sal e mar. Mas o calor permanecia. Eles deram a volta em uma das pequenas ilhas desertas e rochosas e assistiram às gaivotas voando no céu. A distância, Gennie podia ver alguns dos barcos de lagostas voltando para o porto em Windy Point. As bóias acústicas ressonavam com vigo­rosa precisão.

Talvez o verão nunca terminasse realmente, pensou ela, embora os dias estivessem se tornando mais curtos, e apesar de que tinham tido uma ameaça de geada naque­la manhã. Talvez pudessem navegar para sempre, sem nenhuma responsabilidade os chamando de volta, sem nenhuma missão os importunando. Pensou, então, na exposição com a qual estava comprometida em novembro.

Nova York estava tão longe, o céu acinzentado e as árvores nuas de novembro, tão distantes! Por alguma razão, Gennie sentia que era de vital importância concentrar-se no agora, no momento presente. Muitas coisas poderiam acontecer em dois meses. Não tinha se apaixonado em apenas uma fração desse tempo?

Planejara estar em Nova Orleans por agora. Estaria quente e úmido lá. As ruas estariam congestionadas, o trânsito pesado. O sol penetraria em sua varanda, criando padrões no chão. Ela sentiu uma ponta de saudade de casa. Adorava a cidade... seus ricos aromas, seu charme do mundo antigo misturado com a agitação do mundo moder­no. Contudo, amava o lugar onde estava também... a am­plitude absoluta, o penhasco irregular, e o mar infinito.

Grant estava lá, e isso fazia toda a diferença. Ela po­deria desistir de Nova Orleans, se esse fosse o desejo dele. Uma vida ali com Grant seria tão fácil de construir! E filhos...

Gennie pensou na velha casa de fazenda perto do farol, vazia, entretanto esperando para ser habitada. Haveria espaço para crianças nos grandes quartos arejados. Ela poderia ter um estúdio no último andar, e Grant teria o seu farol nos momentos que necessitasse de solidão. Quando chegasse a hora de uma exibição, Gennie teria a mão de seu amor para segurar, e talvez todo aquele nervosismo finalmente desaparecesse. Ela plantaria flores... gerânios altos e frondosos, amores-perfeitos de pétalas macias, narcisos que voltariam e se multiplicar em cada primavera. Durante as noites, poderia ouvir o mar e a respiração de Grant a seu lado.

- O que você está fazendo? Adormecendo? - Ele inclinou-se para beijar-lhe o topo da cabeça.

- Apenas sonhando - murmurou ela. Aqueles eram apenas sonhos ainda. - Não quero que o verão acabe.

Grant sentiu um arrepio e a puxou para mais perto.

- Tem de acabar em algum momento. Eu gosto do mar no inverno também.

Gennie ainda estaria ali a seu lado então?, perguntou-se Grant. Ele a queria, contudo, não sentia que pudesse segurá-la. Não sentia que pudesse ir com ela. Sua vida era tão enraizada em sua necessidade de solidão, que sabia que perderia parte de si mesmo caso se abrisse para isso. Gennie vivia sob refletores. Quanto ela perderia se ele lhe pedisse para desistir de tudo? Como poderia pedir? Por outro lado, o pensamento de viver sem ela era impos­sível de aceitar.

Grant disse a si mesmo que nunca deveria ter deixado as coisas chegarem tão longe. Disse a si mesmo que não devolveria um minuto do tempo que tivera com ela. O difícil conflito continuava atormentando-o. Deixaria Gennie ir ou a prenderia lá? Recomeçaria uma vida nova ou suplicaria para que ela ficasse?

Quando virou o barco em direção à praia, viu o sol brilhar na água. Não, o verão nunca deveria terminar. Mas terminaria.

- Você está tão quieto! - comentou Gennie quando ele desligou o motor e deixou o barco deslizar para o cais.

- Eu estava pensando. - Ele desceu do barco para prender a corda, então a alcançou. - Que não posso ima­ginar este lugar sem você.

Gennie o fitou, quase perdendo o equilíbrio no mo­mento em que pisou no píer.

- Aqui... está quase se tornando um lar para mim.

Grant olhou para a mão que segurava... aquela mão de artista, linda e capaz.

- Conte-me sobre a sua casa em Nova Orleans - pediu ele assim que começaram a andar sobre as tábuas de madeira instáveis.

- Fica no French Quarter. Posso ver Jackson Square da varanda, com os estandes de artistas em volta e os turistas c estudantes vagando por ali. É barulhento. - Ela riu, lembrando-se. - Meu estúdio é a prova de som, mas, às vezes, desço a escada para ouvir o ruído das pessoas e a música.

Eles escalaram as pedras ásperas, e não havia som, exceto o do mar e das gaivotas.

- Às vezes, à noite, gosto de sair e dar uma volta, apenas para ouvir a música saindo das portas. - Gennie inalou profundamente o ar salgado. - Tem cheiro de uís­que, Mississipi e condimentos.

- Você sente saudade - afirmou Grant.

- Estou longe de casa há muito tempo. - Eles andaram juntos em direção ao farol. - Eu parti... ou talvez fugi... quase sete meses atrás. Havia muita coisa de Angela lá, e eu não podia suportar. Estranho, consegui sobreviver um ano, embora eu tenha me certificado de trabalhar em excesso. Mas, então, acordei uma manhã e não podia suportar ficar ali, sabendo que ela não estava... nunca mais estaria. - Gennie suspirou. -Talvez tenha demorado todo esse tempo para o choque passar. - Quando chegou ao ponto onde eu tinha de me forçar a dirigir pela cidade, entendi que precisava de alguma distância.

- Você terá de voltar e enfrentar - murmurou Grant de maneira direta.

- Eu já fiz isso. - Ela esperou até que ele abrisse a porta. - Enfrentar, quero dizer, embora eu ainda sinta terrivelmente a falta dela. Nova Orleans só será tão espe­cial porque eu tinha tanto de minha irmã lá. Lugares podem nos prender, suponho. -Assim que eles entraram, Gennie sorriu-lhe. - Este aqui prende você.

- Sim. - Grant pensou que podia sentir o inverno se aproximando, e abraçou-a contra si. - O lugar me dá o que necessito.

Os cílios de Gennie baixaram, de modo que os olhos eram apenas fendas com a luz verde brilhante.

- Eu lhe dou o que você necessita?

Ele a beijou com tanto desespero que Gennie tremeu... não pela força, mas pela emoção que parecia estar explo­dindo de Grant sem aviso. Ela rendeu-se porque parecia ser a coisa certa para ambos. E, quando o fez, ele se afas­tou, lutando por controle. Gennie era tão pequena... era difícil se lembrar disso quando a tinha em seus braços. E, Deus, precisava dela.

- Vamos subir - murmurou ele.

Gennie subiu em silêncio, ciente de que, enquanto os toques e a voz de Grant eram gentis, o humor era volátil. Aquilo tanto a intrigou quanto a excitou. A tensão dele parecia crescer em grande escala enquanto iam para o quarto. Era como a primeira vez, refletiu ela, tremendo de ansiedade. Ou a última.

- Grant...

- Não fale. - Ele a colocou na cama, então, tirou-lhe os sapatos. Percebendo que suas mãos queriam apressar-se, forçou-as a agirem devagar e com suavidade. Sentan­do-se ao lado de Gennie, segurou-lhe os ombros, em se­guida, abaixou-lhe as mãos, enquanto tocava-lhe a boca com a sua.

O beijo foi leve, quase provocativo, mas ela podia sentir a paixão pulsante sob ele. O corpo de Grant estava tenso mesmo enquanto mordiscava-lhe o lábio inferior, e esfregava o polegar nos seus pulsos. Ele não estava com humor para ser gentil, entretanto esforçava-se para ser. Gennie podia sentir o cheiro de mar na pele dele, o que lhe trouxe memórias daquele primeiro ato de amor tumul­tuoso no gramado, com a chuva, os raios e os trovões. Era disso que Grant precisava agora. E ela descobriu, quando a pulsação acelerou sob os polegares másculos, que era disso que precisava, também.

Seu corpo não se derretia, mas parecia mover-se em espiral. O som não era um suspiro, mas um gemido quan­do Gennie o puxou para si e pressionou a boca aberta agressivamente contra a dele.

Então, Grant passou a agir como um raio, jogando-a na cama com fúria. As mãos fortes enlouqueceram, pro­curando, encontrando, puxando-lhe as roupas como se não pudesse tocá-la rápido o bastante. O controle desa­pareceu e, como uma reação em corrente, a de Gennie o seguiu, até que estivessem entrelaçados em um abraço que falava sobre amor violento.

Explorando-se mutuamente, exigiam um do outro. Dedos pressionados, bocas ávidas. Roupas foram arran­cadas numa fúria de impaciência para possuir, tomar. Não era suficiente tocar, eles se apressaram para provar a pele úmida e salgada do mar, e a sua paixão mútua.

Ambos sentindo um desejo avassalador, deram e re­ceberam com avidez. E o que era tomado, voltava a ser preenchido, repetidamente, enquanto se amavam com uma energia que beirava o desespero. Dedos urgentes a exploravam. Uma boca ávida o consumia. O comando não pertencia a nenhum dos dois, mas aos desejos primi­tivos que os dominava.

Respirações aceleradas, peles que tremiam aos toques, corpos em chamas, o aroma do mar e do desejo... tudo isso nublou-lhes a mente para torná-los vítimas, assim como conquistadores. Os olhos de ambos se encontraram uma vez, e cada um viu a si mesmo preso na mente do outro. Estavam se movendo juntos, indo em direção ao delírio.

Mal tinha amanhecido quando Gennie acordou. A luz estava rosada e quente, mas havia uma camada fina de gelo na janela. Ela soube imediatamente que estava sozi­nha. Tocando os lençóis a seu lado, encontrou-os frios. Seu corpo estava saciado por uma longa noite de amor intenso, mas sentou-se e chamou o nome dele. O simples fato de que Grant se levantara antes a preocupou... ela sempre acordava primeiro.

Pensando no humor dele na noite anterior, não tinha certeza se devia se sentir intrigada ou sorrir. A urgência de Grant não se esgotara. Durante a noite inteira, ele a tinha procurado, e o ato de amor dos dois retivera o sabor selvagem e violento. Uma vez, quando as mãos e boca de Grant a haviam explorado... por todos os lugares... Gen­nie pensou que ele parecia empenhado a implantar tudo que ela era em sua mente, como se fosse partir e levar apenas a memória de Gennie consigo.

Meneando a cabeça, ela saiu da cama. Estava sendo tola, Grant não ia a lugar algum. Se tinha acordado cedo era porque não conseguira dormir e não quisera perturbá-la. Como gostaria que ele a tivesse perturbado.

Grant está apenas lá embaixo, disse a si mesma, indo para o corredor. Está sentado à mesa da cozinha, toman­do café e esperando por mim. Mas, no momento em que Gennie chegou à escada, ouviu o rádio, baixo e indistin­to. Intrigada, olhou para cima. O som vinha de cima, não de baixo.

Estranho, pensou, não imaginara que ele usava o ter­ceiro piso da casa. Grant nunca havia mencionado isso. Levada pela curiosidade, Gennie começou a subir a escada circular. O rádio soando mais alto conforme se aproxima­va, embora o noticiário estivesse em tom baixo, e pareces­se misteriosamente fora de lugar no farol silencioso. Até aquele momento, ela não tinha percebido o quão comple­tamente esquecera-se do mundo exterior. Mas, exceto por aquele fim de semana na casa dos MacGregors, seu verão fora insular, e concentrado somente em Grant.

Parou à porta de um quarto ensolarado. Era um estúdio. Grant cultivara a luz do norte e espaço. Instantaneamen­te, o olhar dela foi para as prateleiras de jornais e revistas, para a televisão, e um sofá côncavo. Sem molduras para suporte, sem telas, mas era o estúdio de um artista.

Grant estava de costas para ela, sentado à sua pran­cheta de desenho. Gennie sentiu o cheiro de... tinta, percebeu, e talvez um pouco de cola. O gabinete com tampo de vidro ao lado dele continha uma variedade de ferramentas organizadas.

Um arquiteto?, perguntou-se ela, confusa. Não, aqui­lo não se encaixava, e certamente nenhum arquiteto re­sistiria a usar suas habilidades naquela casa de fazenda tão próxima. Ele murmurava alguma coisa para si mesmo, inclinado sobre o trabalho. Gennie teria sorrido se não estivesse tão intrigada. Quando Grant moveu a mão, ela o viu segurando um pincel de artista... de pele de marta e caro. E segurava-o com a facilidade de alguém que possuía longa prática.

Porém, ele dissera que não pintava, lembrou-se Gen­nie, desnorteada. Grant não parecia ser... e por que um pintor precisaria de um compasso e de um T-quadrado? Uma pessoa não pintava olhando para uma parede, de qualquer forma, mas... o que ele estava fazendo?

Antes que ela pudesse falar, Grant levantou a cabeça. No espelho diante dele, os olhos dos dois se encontraram.

Ele não tinha conseguido dormir. Não fora capaz de ficar deitado ao lado de Gennie sem desejá-la. De alguma maneira, durante a noite, convencera a si mesmo que eles teriam de se separar. E que não podia lidar com isso. Ela vivia em um outro mundo, mais do que em outra parte do país. Glamour era parte da vida de Gennie... glamour, multidões e reconhecimento. Simplicidade era parte de seu mundo... simplicidade, solidão e anonimato. Não havia como combinar aquelas coisas.

Grant se levantara no escuro, iludindo-se que podia trabalhar. Após quase duas horas de frustração, estava começando a ter sucesso. Agora, ela estava lá, em uma parte da última porção de si mesmo que ele se determi­nara a manter intocada. Quando Gennie partisse, queria ler, no mínimo, um santuário.

Intrigada demais para perceber a irritação dele, Gennie atravessou o quarto.

- O que você está fazendo? - Ele não respondeu quan­do ela se colocou a seu lado e franziu o cenho para o papel atado à prancheta. Estava traçado com linhas azuis claras e dividido em partes. Mesmo quando Gennie viu os desenhos de caneta e tinta tomando forma na primeira seção, não teve certeza para o que estava olhando.

Não uma planta, certamente, pensou. Algum tipo de arte de comercial, talvez? Então, reconheceu a figura.

- Oh! Histórias em quadrinhos. - Satisfeita com a descoberta, ela aproximou-se mais. - Nossa, vi essa história em quadrinhos centenas de vezes. Eu adoro! - Gen­nie riu e jogou os cabelos para trás do ombro. - Você é um autor de histórias em quadrinhos!

- Isso mesmo. - Grant não queria que ela ficasse feliz ou impressionada. Era simplesmente o que ele fazia, nada mais. E sabia que, se não a mandasse embora naquele dia, nunca mais seria capaz de fazê-lo. Deliberadamente, largou o pincel.

- Então, é assim que você faz isso - continuou ela, encantada com a idéia. - Estas linhas azuis que você traça no papel são para perspectiva? Como consegue fazer uma coisa assim sete dias por semana?

Ele não queria que ela entendesse. Se Gennie enten­desse, seria quase impossível mandá-la embora.

- É o meu trabalho - replicou ele simplesmente. - Es­tou ocupado, Gennie. Eu trabalho com prazos.

- Desculpe-me - disse ela automaticamente, então percebeu o olhar frio e distante de Grant. Ocorreu-lhe de repente que ele havia escondido aquilo dela, aquela parte essencial da vida dele. Não lhe contara nada. Mais do que isso, fizera questão de esconder. Aquilo magoava, desco­briu enquanto seu prazer inicial desaparecia. - Por que você não me contou?

Grant sabia que ela perguntaria, mas não estava mais certo se tinha a resposta verdadeira. Em vez disso, deu de ombros.

- O assunto não surgiu.

- Não surgiu? - repetiu Gennie, encarando-o. - Não, suponho que você se certificou de não deixar surgir. Por quê?

Ele podia explicar que aquilo era um hábito enraizado? Podia dizer-lhe que a verdade essencial era que estava tão acostumado a manter seu trabalho, e quase todo o resto, para si mesmo, que tinha feito isso sem pensar? Então, continuara omitindo como um modo automático de defe­sa? Se mantivesse aquela parte de sua vida para si mesmo, não teria de lhe dar tudo... porque dar tudo a Gennie o apavorava terrivelmente. Não, era tarde demais para ex­plicações. Era hora de lembrar-se de sua regra de não se abrir para ninguém.

- Por que eu deveria ter lhe contado? - murmurou ele. - Este é o meu trabalho, não tem nada a ver com você.

A cor esvaiu-se dramaticamente do rosto de Gennie, mas, quando se virou para afastar-se do banco, Grant não viu.

- Nada a ver comigo - ecoou ela num sussurro. - Seu trabalho é importante para você, não é?

- É claro que sim - replicou Grant. - É o que faço para viver. É o que sou.

- Sim, claro. - Gennie sentiu o frio percorrê-la até que estava entorpecida por ele. - Compartilhei a sua cama, mus não posso compartilhar isso.

Irritado, ele virou-se para fitá-la. A expressão magoa­da nos olhos de Gennie era a coisa mais difícil que já tinha encarado.

- O que uma coisa tem a ver com a outra? Que dife­rença faz que tipo de trabalho faço para viver?

- Eu não teria me importado com o que você faz. Não leria me importado se não fizesse absolutamente nada. Você mentiu para mim.

- Eu nunca menti para você! - gritou ele.

- Talvez eu não compreenda a linha tênue entre dis­simulação e engano e desonestidade.

- Ouça, meu trabalho é privado. É assim que quero que seja. -A explicação saiu sem que ele pudesse evitar, em tom zangado. - Faço isso porque adoro fazer, não porque preciso, não porque necessito de reconhecimento. Reconhecimento é a última coisa que quero - acrescentou enquanto seus olhos escureciam de raiva. - Não dou palestras, não participo de workshops ou dou entrevistas à imprensa, porque não quero as pessoas respirando no meu pescoço. Escolho anonimato exatamente onde você escolhe exposição, porque é assim que as coisas funcio­nam para mim. Esta é a minha arte e a minha vida. E pretendo mantê-las assim.

- Eu entendo. - Gennie estava rígida pela dor, destru­ída pelo frio. Entendia o sofrimento bem o bastante para saber o que estava sentindo. - E me contar, ter comparti­lhado isso comigo, teria significado se expor. A verdade é que você não confiou em mim. Não confiou que eu pudesse guardar seu precioso segredo ou respeitar seu precioso estilo de vida.

- A verdade é que nossos estilos de vida são comple­tamente opostos. - A dor o consumia. Estava afastando de si, podia sentir isso. E, mesmo enquanto a afastava, queria puxá-la de volta. - Não há como unir o que você precisa e o que eu preciso e formar um todo disso. Não tem nada a ver com confiança.

- Tudo sempre tem a ver com confiança - contradisse Gennie. Grant a olhava agora como a olhara da primeira vez... com raiva, um estranho isolado que não queria nada além de ser deixado sozinho. Ela era a intrusa ali, como tinha sido, há muito tempo atrás, na noite da tempestade. Na época, pelo menos, não o amava.

- Você deveria ter entendido a palavra amor antes de usá-la, Grant. Ou talvez nós dois devêssemos ter enten­dido a concepção de mundo de cada um. - A voz dela estava firme de novo, firme demais, como só ficava quan­do se mantinha sob um controle rígido. - Para mim, significa confiança, compromisso e necessidade. Essas coisas não se aplicam a você.

- Que coisa, não me diga como eu penso. Compro­misso? - devolveu Grant, levantando-se e andando de um lado para o outro. - Que tipo de compromisso nós pode­ríamos ter feito? Você teria se casado comigo e se enter­rado aqui? Nós dois sabemos que a imprensa a teria perseguido, mesmo se você pudesse suportar o isolamento. Você esperaria que eu vivesse em Nova Orleans até que meu trabalho se despedaçasse e estivesse meio louco pura fugir?

Grant virou-se para ela, as costas para a janela leste, de modo que o sol nascente brilhasse ao seu redor.

- Quanto tempo demoraria antes que alguém ficasse curioso o bastante para se meter na minha vida? Tenho motivos para me isolar, e não preciso justificá-los.

- Não, você não precisa. -Não choraria, disse Gennie a si mesma, porque uma vez que começasse, nunca mais pararia. - Mas você nunca saberá a resposta para nenhu­ma dessas perguntas, saberá? Porque nunca se importou em compartilhá-las comigo. Você não as dividiu, assim como não dividiu os motivos. Suponho que essa seja uma resposta suficiente.

Gennie virou-se e saiu do estúdio, indo em direção à escada circular. Não começou a correr até que estivesse do lado de fora, no frio da manhã.

 

Gennie olhou para as cartas e considerou. Um nove e um oito. Jogaria com segurança com 17, uma outra carta seria um risco tolo. A vida estava repleta de erros tolos, pensou, e sinalizou para o distribuidor de cartas. O quatro que tirou a fez sorrir com ironia. Sorte nas cartas...

O que estava fazendo sentada a uma mesa de blackjack às sete horas da manhã de um domingo? Bem, refletiu, era certamente um jeito conveniente de passar o tempo. Mais produtivo do que ficar andando de um lado para o outro ou socando um travesseiro. Já havia tentado as duas coisas. Entretanto, de alguma maneira, a onda de sorte que vinha experimentando pela última meia hora não melhorara seu humor. Perversamente, preferia ter perdido muito. Dessa forma, teria algum outro motivo para ficar deprimida.

Impaciente, pegou suas fichas e guardou os ganhos na bolsa. Talvez pudesse perdê-los em uma mesa de dados mais tarde.

 

Havia pouca gente no cassino àquela hora da manhã. Uma senhora de idade muito pequena estava sentada num banco diante de uma máquina caça-níqueis, sistematicamente alimentando-a de moedas. De vez em quando, Gennie ouvia o barulho das moedas caindo na bandeja. Mais tarde, o enorme salão elegante estaria repleto de pessoas, então Gennie poderia perder-se na fumaça e no barulho. Mas, por enquanto, foi para a parede de vidro e olhou para o mar.

Era por isso que tinha ido lá, em vez de ir para casa como pretendera? Quando jogara sua mala e material de pintura no carro, seu único pensamento fora voltar para Nova Orleans e recomeçar sua vida. Mas, então, fizera um retorno mesmo antes de se dar conta disso. Todavia, agora que estava lá há mais de duas semanas, não podia sair para andar naquela praia. Podia olhar para o mar, podia ouvi-lo. Mas não podia ir até a praia.

Por que estava se atormentando daquela maneira?, perguntou-se miserável-mente. Por que estava se colocan­do ao alcance do que sempre a lembraria de Grant? Por­que, admitiu, independentemente do quanto tentava se convencer do contrário, ainda não tinha aceitado o rom­pimento definitivo. Era tão impossível voltar para Grant quanto era andar até aquela água azul-esverdeada. Ele a ' rejeitara, e a dor disso a deixava vazia.

Eu amo você, mas...

Não, Gennie não podia compreender isso. Amor sig­nificava que tudo era possível. Amor significava tornar tudo possível. Se aquele amor tivesse sido real, Grant teria entendido isso, também.

Ela estaria melhor se tivesse sido capaz de resistir à vontade de ler a história de Macintosh no jornal. Não teria visto aquela história em quadrinhos ridícula e rude, na qual Verônica entrara na vida dele. No princípio, tinha rido, então as lembranças a fizeram chorar. Que direito Grant tinha de usá-la em seu trabalho quando não com­partilhava a pessoa que era com ela? E continuava usan­do-a repetidamente, em dúzias de jornais ao redor do país, nos quais leitores estavam acompanhando o romance crescente de Macintosh... o seu envolvi-mento confuso... com a sexy e sedutora Verônica.

A história era engraçada, e os toques de sátira e cinis­mo a tornavam ainda mais divertida. Era humana. Ele usara a tolice e a armadilha de se apaixonar e dera aos personagens o toque que todos os homens ou mulheres que já tinham se apaixonado um dia entenderiam. Cada vez que lia a história em quadrinhos, Gennie podia reco­nhecer alguma coisa que eles haviam feito ou que ela falara, embora Grant tivesse um jeito de distorcer aquilo para um ângulo estranho. Com sua atração por privaci­dade, Grant, de forma indireta, ainda compartilhava seu turbulento mundo emocional com o público.

Era um sofrimento ler aquilo todos os dias. Porém, dia após dia, ela lia.

- Acordou cedo, Gennie?

Quando a mão tocou-lhe o ombro, ela virou-se para Justin.

- Sempre fui uma pessoa da manhã - replicou Gennie, sorrindo. - Ganhei bastante nas suas mesas.

Ele retornou o sorriso, enquanto a estudava com olhos reservados. Gennie estava pálida... ainda tão pálida quanto estivera no momento que tinha aparecido de repente no Hotel Comanche. Uma palidez que apenas acentuava as olheiras pela óbvia falta de sono. E tinha um olhar ferido que Justin reconhecia, porque também estava profundamente apaixonado. Alguma coisa que acontecera entre ela e Grant deixara sua marca em Gennie.

- Que tal um café da manhã? - Sem esperar resposta, ele deslizou um braço pelos ombros dela, e começou a conduzi-la para seu escritório.

- Não estou com muita fome, Justin - começou Gennie.

- Você não tem sentido fome há duas semanas. - Ele a guiou através do escritório externo para o seu particular, então apertou o botão do elevador. - Você é a única prima de que gosto, Genviève. Estou cansado de vê-la se acabar diante de meus olhos.

- Eu não estou me acabando! - disse ela de forma indignada, então encostou a cabeça no braço dele. - Não há nada pior do que ter alguém deprimido à sua volta, sentindo pena de si mesmo, há?

- Uma chateação - concordou Justin levemente, enquanto a conduzia para sua cabine de elevador particular. - Quanto você levou de mim lá dentro?

Gennie levou um minuto para entender que ele tinha mudado de assunto.

- Oh, não sei... quinhentos ou seiscentos dólares.

- Vou pôr o café da manhã na sua conta - brincou Justin quando as portas se abriram para a suíte dele e de Serena. - A risada de Gennie o alegrou, assim como o abraço que ela lhe deu.

- Um típico homem - declarou Serena quando entrou no quarto. - Passeando com uma linda mulher ao nascer do sol enquanto a esposa fica em casa trocando fraldas.

- Ela estava com Mac gorgolejando sobre seu ombro.

Justin sorriu para a esposa.

- Nada pior do que uma mulher ciumenta. Arqueando sobrancelhas elegantes, Serena se aproxi­mou e colocou o bebê nos braços de Justin.

- Sua vez - falou ela sorrindo, então, sentou-se em  uma poltrona. - Um dentinho de Mac está nascendo - con­tou para Gennie. E ele não está muito bem-humorado com isso.

- Você está - Justin disse a ela, enquanto seu filho começava a babar no seu ombro.

Serena sorriu, colocou os pés em cima da poltrona e bocejou preguiçosamente.

- Estou certa de que isso, também, vai passar. Vocês dois comeram?

- Acabei de convidar Gennie para tomar o café da manhã.

Serena viu o olhar sério do marido e entendeu. Con­vencer teria sido uma palavra mais adequada que convi­dar, imaginou.

- Ótimo - disse ela simplesmente e pegou o telefone.

- Uma das melhores coisas sobre morar em um hotel é o serviço de quarto.

Enquanto Serena pedia café da manhã para três, Gennie refletia. Gostava daquela suíte... cheia de calor, cores e personalidade. Se algum dia tivera a atmosfera de um quarto de hotel, já perdera há muito tempo. O bebê deu um gritinho de alegria no momento em que Justin se sentou no chão para brincar com ele. Em voz baixa e melodiosa, Serena falava ao telefone com a cozinha do hotel.

Se você amasse o bastante, pensou Gennie, indo para a janela com vista para a praia, se queria o suficiente, podia fazer de qualquer lugar um lar. Rena e Justin haviam leito isso. Onde quer que tivessem decidido viver, com o estilo que fosse, eram uma família. Era básico assim.

Ela sabia que eles trabalhavam juntos para cuidar do li lho, dirigir o cassino e o hotel. Formavam uma unidade. Havia dificuldades, Gennie sabia. Tinha de haver em qual­quer relacionamento, principalmente entre duas pessoas de personalidades fortes. Mas superavam os problemas porque cada um estava disposto a ceder quando era necessário.

Gennie não estivera disposta a ceder? Nova Orleans teria se tornado um lugar para visitar... para ver a família, matar as saudades se a necessidade aparecesse. Podia ter feito sua vida naquela costa do Maine... por ele, com ele. Estivera disposta a dar tudo isso, se Grant estivesse disposto a ceder em retorno. Talvez não fosse uma questão de dispor-se a ceder. Talvez Grant simplesmente não tivesse a capacidade de dar. Era isso que ela devia aceitar. Uma vez que aceitasse, poderia finalmente fechar a porta do passado.

- O oceano é maravilhoso, não é? - murmurou Serena atrás dela.

- Sim. - Gennie virou a cabeça. - Tornei-me tão acos­tumada a olhar para ele. É claro, sempre vivi com o rio.

- É para lá que você vai voltar? Gennie virou-se da janela.

- No final, suponho que sim.

- É a escolha errada, Gennie.

- Serena - disse Justin em tom de aviso, mas ela vol­tou-se para ele com olhos brilhando de raiva e a voz baixa com exasperação.

- Que coisa, Justin, ela está sofrendo terrivelmente! Não há nada como um homem teimoso para fazer uma mulher sofrer, há, Gennie?

Com uma risadinha, Gennie passou uma das mãos pelos cabelos.

- Suponho que não.

- Isso funciona dos dois lados - Justin a relembrou.

- E se o homem é muito obstinado - continuou Sere­na -, depende de a mulher dar-lhe um empurrãozinho.

- Ele não me quis - disse Gennie apressada, então parou. As palavras machucavam, mas podia pronunciá-las. Talvez fosse hora de falar. - Não realmente, ou, pelo menos, não o bastante. Grant não estava disposto a acre­ditar que podíamos encontrar uma saída para os nossos problemas. Ele não compartilha nada comigo... como se estivesse determinado a não compartilhar. Aparentemen­te, nós nos aproximamos durante um curto período de tempo, apesar dos esforços dele para que isso não acon­tecesse. Grant não queria se apaixonar por mim, não quer depender de ninguém.

Enquanto ela falava, Justin se levantou e levou Mac para um outro quarto. A música suave do móbile soou. Então Justin voltou, falando:

- Gennie, você sabe sobre Grant e o pai de Shelby?

Ela deu um longo suspiro antes de se sentar em uma poltrona.

- Sei que ele morreu quando Grant tinha aproximada­mente 17 anos.

- Ele foi assassinado - corrigiu Justin, e observou o horror nublar os olhos dela. - Senador Robert Campbell. Você era provavelmente criança, mas talvez se lembre.

Ela lembrava, vagamente. Os comentários, a cobertura da televisão, o tribunal... e Grant estivera lá. Shelby não lhe contara que ela e o irmão estavam presentes quando o pai morrera? Assassinado diante dos olhos dos filhos.

- Oh, meu Deus, deve ter sido horrível para eles!

- Nem todas as cicatrizes se curam por completo - mur­murou Justin, movendo uma mão distraída a seu lado, num gesto que a esposa entendeu. - Pelo que Alan me contou, Shelby carregou esse medo e sofrimento por muito tempo. Não imagino que tenha sido diferente para Grant. Às vezes - ele olhou para Serena -, você teme se aproximar demais de uma pessoa pelo medo de perdê-la.

Serena foi para o lado de Justin e pegou-lhe a mão.

- Você não vê? Ele escondeu isso de mim, também.

- Gennie apertou os braços da poltrona com força. Sofria por Grant... pelo menino e pelo homem. - Ele não confiou em mim, não me achou capaz de compreender. Enquanto houver segredos, haverá distância.

- Você não acredita que Grant a ama? - perguntou Serena gentilmente.

- Não o bastante - replicou Gennie com um violento meneio da cabeça. - Eu morreria precisando de mais.

- Shelby ligou ontem à noite. - Serena falou quando uma batida à porta anunciou o café da manhã. Enquanto Justin ia atender, ela gesticulou para que Gennie se movesse para a pequena mesa em frente à janela. - Grant surpre­endeu a ela e a Alan com uma visita alguns dias atrás. -Ele...

- Não - interrompeu Serena, sentando-se. - Ele está de volta ao Maine agora. Ela contou que o irmão a encheu de perguntas. É claro, Shelby não tinha as respostas até que falou comigo e descobriu que você estava aqui. - Gennie olhou para o mar e não disse nada. - Ela me pergun­tou se você estava seguindo Macintosh nos jornais. Levei duas horas para entender o motivo da pergunta.

Gennie virou-se com um olhar especulativo, ao qual Serena respondeu com suavidade.

- Talvez eu não esteja acompanhando você - disse ela, automaticamente guardando o segredo de Grant.

Serena pegou o pote que o garçom colocou sobre a mesa.

- Café, Verônica?

Gennie deu uma risada de admiração e assentiu com um gesto de cabeça.

- Você é muito rápida, Rena.

- Adoro quebra-cabeças - corrigiu ela. - E as peças estavam todas lá.

- Essa foi a nossa última discussão. - Gennie olhou para Justin quando ele se sentou. Após acrescentar leite ao café, ela apenas brincou com a asa da xícara. - Duran­te todo o tempo que passamos juntos, Grant nunca me contou o que fazia. Então, quando, por acaso, eu descobri, ele ficou furioso... como se eu tivesse invadido sua pri­vacidade. Eu estava tão contente! Quando pensava que ele não fazia nada com o talento que possui, não podia entender. Então, saber que Grant estava fazendo algo tão inteligente... - Ela parou, meneando a cabeça. - Ele não me deixa penetrar em seu mundo.

- Talvez você não tenha pedido alto o bastante - sugeriu Serena.

- Se ele me rejeitar de novo, Rena, eu vou desmoronar. Não é uma questão de orgulho realmente. É mais uma questão de força.

- Eu já a vi doente dos nervos antes de uma exibição Justin a relembrou. - Mas você sempre supera.

- Uma coisa é expor seus sentimentos para o público, c outra é arriscá-los com uma pessoa, sabendo que não sobrará nada se ele não quiser tais sentimentos. Tenho uma exibição em novembro - disse ela, brincando com os ovos no prato. - É nisso que preciso me concentrar agora.

- Talvez você queira dar uma olhada nisso enquanto come. - Justin pegou o jornal que o garçom levara, abrindo-o na seção de histórias em quadrinhos.

Gennie olhou para o jornal, não querendo ver, mas incapaz de resistir. Após um momento, tirou-o da mão dele.

A edição de domingo era grande e brilhantemente colorida. Aquele Macintosh, todavia, parecia desmazelado e perdido. Em uma olhada, ela podia ver que a tonali­dade era para indicar depressão e solidão. Pensou que Grant sabia como imediatamente chamar a atenção dos leitores e guiar-lhes o humor.

Na primeira seção, Macintosh estava sentado sozinho, os cotovelos nos joelhos, o queixo enterrado nas mãos.

Nenhuma palavra ou texto explicativo eram necessários para projetar seu sofrimento. A compaixão dos leitores era instantaneamente despertada. Quem abandonara o pobre sujeito dessa vez?

Com uma batida à porta, ele murmurou... tinha de ser murmurado... "Entre". Mas não alterou sua posição quan­do Ivan, o imigrante russo, entrou usando seu usual traje fanaticamente americano... do oeste dessa vez, chapéu de caubói e botas.

- Ei, Macintosh. Tenho dois ingressos para o jogo de basquete. Vamos ver as líderes de torcida.

Nenhuma resposta.

Ivan puxou uma cadeira e inclinou o chapéu para trás.

- Você pode comprar a cerveja, é o estilo de vida americano. Vamos com o seu carro.

Nenhuma resposta.

- Mas eu dirijo - disse Ivan alegremente, cutucando Macintosh com a ponta de sua bota.

- Oh, olá, Ivan. - Macintosh assumiu sua postura melancólica outra vez.

- Ei, homem, você está com algum problema?

- Verônica me deixou.

Ivan cruzou uma perna sobre a outra e estava, é claro, balançando o pé.

- Oh, sério? Por outro homem, huh?

- Não.

- Por quê?

Macintosh nunca alterava a posição, e a própria au­sência de ação esclarecia o ponto.

- Porque eu fui egoísta, rude, arrogante, desonesto, estúpido, e geralmente cruel.

Ivan olhou para a ponta da bota.

- Isso é tudo? -Sim.

- Mulheres! - disse Ivan dando de ombros. - Nunca estão satisfeitas.

Gennie leu a história duas vezes, então olhou para cima, como se estivesse se sentindo impotente. Sem uma palavra, Serena pegou-lhe o jornal da mão e leu. Rindo, largou a edição sobre a mesa.

- Quer a minha ajuda para fazer as malas?

 

Onde ela estava? Grant sabia que enlouqueceria se perguntasse isso a si mesmo mais uma vez.

Onde ela estava?

Do terraço de seu farol, podia ver a quilômetros de distância. Mas não podia ver Gennie. O vento batia no seu rosto enquanto olhava para o mar e questionava-se sobre o que, em nome de Deus, iria fazer.

Esquecê-la? Ocasionalmente podia esquecer-se de comer ou dormir, mas não conseguia esquecer Gennie. Infelizmente, sua memória dos últimos dez minutos que haviam estado juntos estava clara demais. Como pudera ser tão tolo? Oh, era fácil, pensou com desgosto. Tinha muita prática nisso.

Se não tivesse passado aqueles dois dias amaldiçoan­do Gennie e a si mesmo, andando na praia em um minu­to, trancando-se no estúdio no seguinte, talvez não fosse tarde demais. Contudo, no momento em que percebera que havia partido o próprio coração, ela já partira. O chalé fora fechado e a viúva Lawrence não sabia de nada e não falara nada.

Grant tinha voado para Nova Orleans e procurado por ela feito um louco. O apartamento de Gennie estava va­zio... os vizinhos não sabiam de nada. Mesmo quando conseguira falar com a avó dela, ligando para todos os Grandeau da lista telefônica, não descobrira nada além de que Gennie estava viajando.

Viajando, pensou. Sim, ela estava viajando... fugindo dele o mais rápido que podia. Oh, você merece isso, Campbell, repreendeu-se. Você merece que Gennie desa­pareça da sua vida sem olhar para trás.

Ele telefonara para os MacGregors... Felizmente Anna atendera em vez de Daniel. Eles não tinham notícias de Gennie. Nada! Ela podia estar em qualquer lugar. Em lugar algum. Se não fosse pela pintura que deixara para trás, Grant podia ter acreditado que ela havia sido um milagre, afinal de contas.

Gennie deixara a pintura para ele, lembrou-se, aquela que tinha terminado na tarde que eles se tornaram aman­tes. Mas não havia nenhum bilhete. Grant queria atirá-lo no precipício. Mas pendurou em seu quarto. Talvez fosse seu sinal de luto, porque toda vez que a olhava, sofria.

Mais cedo ou mais tarde, prometeu a si mesmo, a encontraria. O nome dela e a foto estariam no jornal. Então, a perseguiria e a traria de volta.

Trazê-la de volta, pensou, passando uma das mãos pelos cabelos. Suplicaria, imploraria, se arrastaria, faria o que fosse necessário para que Gennie lhe desse uma outra chance. Era culpa dela, concluiu com uma onda de raiva. Culpa dela que ele estava agindo como um maní­aco. Não tinha uma noite decente de sono há duas sema­nas. E a solidão que sempre prezara estava ameaçando sufocá-lo. Se não a encontrasse logo, perderia o que res­tava de sua mente.

Furioso, afastou-se do balaústre da varanda. Se não podia trabalhar, desceria até a praia. Talvez encontrasse alguma paz lá.

Tudo parecia igual, pensou Gennie quando chegou ao fim da estrada estreita e curvilínea. Apesar de o verão ter finalmente se rendido ao outono, nada tinha realmente mudado. O mar continuava barulhento, batendo lenta­mente nas pedras. O farol ainda estava lá, solitário e forte. Tinha sido tolice sua acreditar que descobriria que alguma coisa importante, talvez essencial, tivesse sido alterada desde sua partida.

Grant não teria mudado, também. Respirando profun­damente, Gennie desceu do carro. Mais do que tudo, não queria que Grant Campbell mudasse o que o tornava único. Ela se apaixonara pelo exterior rústico, pela sen­sibilidade relutante... sim, até mesmo pela rudeza. Talvez fosse uma tola. Não queria mudá-lo. Tudo que queria era a sua confiança.

E se tivesse interpretado a história em quadrinhos de maneira errada? E se ele a rejeitasse? Não, não ia pensar nisso. Iria se concentrar em colocar um pé diante do outro até que o encarasse novamente. Era hora de parar de ser covarde nos pontos mais importantes de sua vida.

Assim que tocou a maçaneta da porta, Gennie parou. Ele não estava lá. Sem saber como ou por que, estava absolutamente certa disso. O farol estava vazio. Olhando para trás, viu a caminhonete dele parada perto da casa de fazenda. Grant estaria no barco?, perguntou-se quando olhou para a lateral. O barco estava no cais, balançando suavemente com a maré baixa.

Então, ela soube, e perguntou-se como não soubera des­de o começo. Sem hesitação, começou a descer o rochedo.

Com as mãos nos bolsos, e o vento balançando a ja­queta, Grant andava ao longo da praia. Então aquilo era solidão, pensou ele. Tinha vivido sozinho por anos sem conhecer o sentimento. Era mais uma coisa para culpar Gennie. Como era possível que uma única mulher pudes­se mudar a essência de sua vida?

Com um esforço calculado, sentiu raiva. Raiva não ma­chucava. Quando a encontrasse... e, por Deus, a encontraria, Gennie teria que pagar por muita coisa. Sua vida estava indo exatamente como ele queria antes que ela a invadisse. Amor? Oh, Gennie podia falar sobre amor, e depois desaparecer apenas porque ele fora um tolo.

Ele não tinha pedido para precisar de Gennie. Ela insistira até que Grant enfraquecesse, então o abandona­ra no minuto em que ele a magoara. Virando-se para o mar, fechou os olhos. Deus, como a magoara! Vira isso no rosto de Gennie, ouvira na sua voz. Como seria capaz de compensá-la por isso um dia? Preferia ter visto raiva ou lágrimas ao sofrimento que colocara nos olhos dela.

Se voltasse para Nova Orleans... ela poderia estar lá agora. Podia voltar e, se não a encontrasse, poderia esperar. Gennie teria de retornar mais cedo ou mais tarde. A cidade significava muito para ela. Que coisa! O que esta­va fazendo ali na praia, quando deveria estar em um avião indo para o sul?

Grant virou-se, e viu. Agora estava imaginando coisas.

Gennie observava-o com uma calma que não revelava ,is batidas de seu coração. Ele parecia tão sozinho... não sozinho como gostava de ficar, mas solitário. Talvez es­tivesse imaginando isso, porque queria acreditar que ele estivera pensando nela. Reunindo toda a coragem que possuía, se aproximou.

- Eu quero saber o que você quis dizer com isso. -Gennie enfiou a mão no bolso e tirou o recorte de jornal com a história em quadrinhos de domingo.

Ele a olhou. Talvez estivesse vendo, ou até ouvindo coisas, mas... vagarosa-mente, estendeu o braço e tocou-lhe o rosto.

- Gennie?

Os joelhos dela amoleceram. Resolutamente, Gennie os firmou. Não ia cair nos braços dele. Seria tão fácil, mas não resolveria nada.

- Quero saber o que isso significa. - Ela pôs o pedaço de jornal na mão dele.

Oscilando, Grant olhou para o seu trabalho. Não tinha sido fácil colocar aquilo no jornal tão rapidamente. Pre­cisara mexer todos os pauzinhos à sua disposição e tra­balhar como um louco. Mas, se aquilo a levara de volta, tinha valido a pena.

- Significa o que diz - murmurou ele, fitando-a outra vez. - Não há muita sutileza nessa tira em particular.

Gennie tirou-lhe o pedaço de jornal da mão e colocou-o no bolso novamente. Era algo que pretendia guardar para sempre.

- Você tem me usado em abundância no seu trabalho recentemente. - Ela teve de inclinar a cabeça a fim de manter os olhos no nível dos dele. Grant achou que Gen­nie parecia mais regia do que nunca. Se abaixasse o polegar, poderia jogá-lo para os leões. - Não lhe ocorreu pedir permissão primeiro?

- Privilégio de artista. - Ele sentiu a água espirrar em suas costas, molhando-lhe os cabelos, também. - Para onde você foi? - ouviu-se exigindo saber. - Onde estava?

Gennie estreitou os olhos.

- Isso é problema meu, não é?

- Oh, não. - Ele segurou-lhe os braços e a sacudiu. - Oh, não, não é. Você não vai me abandonar.

Gennie cerrou os dentes e esperou até que ele parasse de sacudi-la.

- Se a memória servir, você me abandonou figurativamente antes que eu o abandonasse literalmente.

- Tudo bem! Agi como um tolo. Você quer um pedido de desculpas? - gritou ele. - Eu lhe dou de qualquer tipo que quiser. Eu... - Grant parou, a respiração descontrola­da. - Oh, Deus, mas antes...

E ele a beijou, os dedos enterrando nos ombros dela. O gemido profundo que emitiu era apenas mais um sinal de uma necessidade desesperadora. Ela estava lá, era sua. Nunca mais a deixaria partir.

A mente de Grant começou a clarear, de modo que seus próprios pensamentos o feriram. Não era assim que queria fazer aquilo. Esse não era o jeito de compensá-la pelo que lhe fizera... ou não fizera. E essa não era a ma­neira de mostrar-lhe o quanto queria fazê-la feliz.

Com um esforço, Grant afastou-se e deixou as mãos caírem na lateral do corpo.

- Sinto muito - começou com rigor. - Eu não preten­dia machucá-la, não agora nem antes. Se você entrar, podemos conversar.

O que era aquilo?, perguntou-se ela. Quem era aquele? Gennie entendia o homem que a sacudira, que gritara com ela, o homem que a puxara para seus braços, repleto de necessidade e fúria. Mas não tinha idéia de quem era aque­le homem parado à sua frente, oferecendo um pedido de desculpas forçado. Ela arqueou as sobrancelhas. Não tinha viajado toda aquela distância para falar com um estranho.

- O que está acontecendo com você? - perguntou Gennie. - Eu o informarei quando você me machucar. -Ela pôs um dedo no peito dele. - E quando eu quiser um pedido de desculpas. Nós vamos conversar, tudo bem - acrescentou, inclinando a cabeça para trás. - E vamos conversar aqui mesmo.

- Como você quiser! - Em exasperação, Grant ergueu as mãos. Como um homem podia rastejar adequadamente quando alguém o estava agredindo?

- Vou lhe dizer o que quero! - Gennie gritou de volta. - Quero saber se você pretende resolver a nossa situação ou esquivar-se em seu buraco. Você é bom em se esconder. E se é isso que quer continuar fazendo, apenas fale.

- Eu não estou me escondendo - respondeu ele entre dentes. - Moro aqui porque gosto do lugar, porque posso trabalhar sem ter alguém batendo à minha porta ou tocan­do o telefone a cada cinco minutos.

Ela lhe deu um longo olhar raivoso.

- Não é sobre isso que estou falando, e você sabe muito bem.

Sim, ele sabia. Frustrado, enfiou as mãos nos bolsos para evitar sacudi-la de novo.

- Certo, escondi coisas de você. Estou acostumado a manter as coisas só para mim, é um habito. E então... e então eu não lhe contei nada sobre a minha vida porque quanto mais eu me apaixonava por você, mais apavorado ficava. Que droga, eu não queria depender de ninguém para... - Ele parou, passando uma mão pelos cabelos.

- Para o quê?

- Para estar lá quando eu precisasse - disse Grant com um longo suspiro. Onde aquilo estivera escondido?, per­guntou-se, mais surpreso pelas suas próprias palavras do que Gennie estava. - Eu vou lhe contar sobre o meu pai.

Ela o tocou então, os olhos se suavizando pela primei­ra vez.

- Justin me contou. - Grant ficou tenso de imediato e se virou. -Você ia esconder isso de mim, também, Grant?

- Eu mesmo queria ter lhe contado - respondeu ele após um momento. - Explicar... fazê-la entender.

- Eu entendo - murmurou ela. - O bastante, pelo menos. Nós dois perdemos pessoas que amávamos mui­to e de quem dependíamos de nosso próprio jeito. Parece-me que compensamos a perda de nosso próprio modo, também. Entendo perfeitamente como é ver uma pessoa que você ama morrer de repente, diante de seus olhos.

Grant ouviu a voz embargada de emoção e virou-se. Não poderia lidar com lágrimas agora, não quando estava contendo as suas próprias.

- Não comece a chorar. Isso é algo que você tem de pôr de lado, nunca se desfazer, mas pôr de lado. Eu pen­sei que tivesse feito isso, mas o sentimento voltou quan­do me envolvi com você.

Gennie assentiu e engoliu em seco. Aquele não era o momento para lágrimas ou para mergulhar no passado.

- Você quis que eu fosse embora.

- Talvez... sim. - Ele olhou além dela para o topo do penhasco. - Achei que era a única saída para nós. Talvez ainda seja, mas não posso conviver com isso.

Confusa, ela colocou uma das mãos no braço dele.

- Por que você acha que ficarmos separados pode ser ;t melhor coisa?

- Nós escolhemos viver em mundos totalmente dife­rentes, Gennie, e ambos estávamos contentes antes de nos conhecermos. Agora...

- Agora - disse ela, enervando-se de novo. - Agora, o quê? Você continua tão teimoso que não vai considerar um compromisso?

Ele a olhou inexpressivamente. Por que Gennie estava falando em compromisso quando ele estava prestes a abrir mão de tudo e partir com ela para qualquer lugar?

- Compromisso?

- Você nem mesmo sabe o significado da palavra! Para alguém tão inteligente e esperto, tem a mente fechada de um tolo! - Furiosa, ela virou-se para partir.

- Espere. - Grant agarrou-lhe o braço tão rapidamen­te que Gennie caiu contra ele. - Você não está me ouvin­do. Vou vender o terreno, doar, se você quiser. Vamos morar em Nova Orleans. Que coisa, vou sair na primeira página do jornal declarando-me como o artista criador de Macintosh, se isso a fizer feliz. Podemos ter a nossa foto estampada em todas as revistas do país.

- É isso que você acha que quero? - Gennie pensara que ele já a deixara tão furiosa quanto ela era capaz de ficar, uma dúzia de vezes durante o relacionamento deles. Mas nada se comparava com aquilo. - Seu tolo egoísta! Não me importo se você escreve suas histórias em qua­drinhos em sangue no escuro. Não me importo se posa para centenas de revistas ou grita com os paparazzi. Ven­der o terreno? - continuou ela, enquanto Grant tentava acompanhar. Por que, em nome de Deus, você faria isso? Tudo é preto no branco para você. Compromisso! - ex­clamou Gennie. - Significa dar e receber. Acha que me importo com o lugar em que moro?

- Eu não sei! - replicou ele com impaciência. - Tudo o que sei é que você vivia de certa maneira... e estava feliz. Você tem raízes em Nova Orleans, família.

- Eu sempre terei raízes e família em Nova Orleans, mas isso não significa que tenho de estar lá doze meses por ano. - Ela passou as duas mãos pelos cabelos, mantendo-os para trás um momento, enquanto se perguntava como um homem tão inteligente podia ser tão complicado. - E, sim, eu vivia de certa maneira, e posso viver de uma maneira diferente a partir de agora. Eu não poderia parar de ser artista por você, porque pararia de ser eu. Farei uma exposição em novembro. Preciso das exposições e preciso que você esteja comigo. Mas há outras coisas que posso lhe dar em retorno, se apenas me encontrasse na metade do cami­nho. Se me apaixonei por você, por que agora eu iria querer que desistisse de tudo que é?

Ele a fitou, dizendo a si mesmo para manter a calma. Por que tudo que Gennie falava fazia tanto sentido, e tudo que ele dizia, nenhum?

- O que você quer? - começou ele, então ergueu uma das mãos antes que ela pudesse gritar. – Compromisso - terminou.

- Mais. - Gennie ergueu o queixo, mas os olhos esta­vam mais incertos do que arrogantes. - Preciso que você confie em mim.

- Gennie. - Ele pegou-lhe a mão e uniu os dedos de ambos. - Eu confio. É isso que eu estava tentando lhe dizer.

- Você não fez um bom trabalho para isso.

- Não. - Ele a puxou para mais perto. - Deixe-me tentar de novo. - Grant a beijou, dizendo a si mesmo para ser gentil. Mas seus braços se apertaram ao redor dela, com força, a boca tomando-a com avidez. A água do mar espirrou nos dois enquanto permaneciam abraçados. - Você é todo o foco do meu mundo - murmurou ele. - Depois que você partiu, eu enlouqueci. Voei para Nova Orleans e...

- Você fez isso? - Perplexa, ela afastou-se para olhá-lo. - Foi atrás de mim?

- Com vários propósitos em mente - respondeu Grant.

- Primeiro, eu ia estrangulá-la, depois eu ia rastejar, então iria arrastá-la de volta para cá e trancá-la lá em cima.

Sorrindo, Gennie descansou a cabeça no peito dele

- E agora?

- Agora - ele a beijou -, nós nos comprometemos. Eu vou deixar você viver.

- Bom começo. - Com um suspiro, ela fechou os olhos. - Eu quero ver o mar no inverno.

Ele inclinou-lhe o rosto para o seu.

- Nós veremos.

- Há mais uma coisa...

- Antes ou depois de eu fazer amor com você? Rindo, ela se afastou.

- É melhor antes. Já que você ainda não mencionou casamento, isso fica por minha conta.

- Gennie...

- Não, dessa vez, vamos fazer tudo do meu jeito. - Ela pegou a moeda que Serena tinha lhe dado antes que saísse do Comanche. - E, de certa forma, é um tipo de compro­misso. Cara, nós nos casamos. Coroa, não nos casamos.

Grant segurou-lhe o pulso antes que ela pudesse jogar a moeda.

- Você não vai fazer jogos comigo com uma coisa dessas, Genviève, a menos que esta seja uma moeda com "cara" dos dois lados.

Ela sorriu.

- Certamente é.

A surpresa veio primeiro, depois o lindo sorriso de Grant.

- Jogue. Eu gosto de arriscar.

 

                                                                                            Nora Roberts

 

 

                      

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