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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O ENCONTRO COM A ALMA GÊMEA / Paulo Kronemberger
O ENCONTRO COM A ALMA GÊMEA / Paulo Kronemberger

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio "SEBO"

 

 

 

   

     Ninguém jamais conseguiu escrever sobre Rapa Nui sem usar a palavra mistério. Na verdade, tudo por lá passou mesmo a ser um grande mistério desde que a descobriram, quando a insanidade do homem "civilizado" a tocou.

     É difícil acreditar que a bordo de pelo menos um daqueles primeiros navios sequer houvesse um homem que pudesse avaliar e tentar minimizar o desastre, o verdadeiro genocídio que se praticava ao tentar incorporá-la ao resto do mundo.

     Pudessem as águas do Pacífico tê-la escondido até hoje...

     No dia da Páscoa de 1722, um holandês infortunamente a descobriu, iniciando o processo de destruição de uma das mais formidáveis culturas que o planeta jamais conheceu. Começou por dar-lhe um nome: Ilha da Páscoa.

     Ele não sabia que fazendo isso interrompia a mais primordial das comunhões que o ser, algum dia, no passado, já tinha conquistado: a do homem com a Natureza e com o Cosmos.

     Era tudo de que, até aquele infame momento, os habitantes de Rapa Nui(1) precisavam para habitar a ilha mais remota do mundo.

     Não pediram que um estranho mudasse o nome de sua terra, que já tinha todos os nomes de que precisava, não pediram roupas, nem armas, nem panelas e nem o que vem por acréscimo: doenças, violência, escravidão, fome, desequilíbrio total.

     Lá não acharam ouro para roubar, como roubaram dos incas e dos maias. Encontraram, sim, cercando todos os poucos cento e dezoito quilômetros quadrados daquela ilha, enormes, gigantescas estátuas de pedra. Não puderam compreender como "selvagens, bárbaros e idólatras" conseguiam construir e transportar para onde bem entendessem colossos de pedra de mais de cem toneladas. Eles, "civilizados", sequer podiam movê-las. Eram grandes demais para caber em seus navios e por isso derrubaram-nas. Levaram só as cabeças para seus museus poeirentos.

     Mas havia mulheres bonitas para serem estupradas e homens fortes para serem escravizados.

     E outros barcos trazendo mais "civilização" foram chegando.

     Um trouxe um leproso e o largou por lá. Outro trouxe cabras, outro trouxe cavalos, outro trouxe religião.

     O paraíso virou leprosário. Quem nunca, por milênios, havia precisado de cabras ou de cavalos, agora tinha praga de cabras e de cavalos.

     E era preciso também catequizá-lo... Como se não bastasse.

     Quem antes tinha como religião o respeito humano agora precisava comungar num templo que construíram, sem ver, sobre um outro templo que já existia há milhões de anos.

     Trezentos e tantos anos depois, voando a novecentos quilômetros por hora, atravessei o Pacífico a bordo de um Boing que levou cinco horas de Santiago até lá.

     Desci as escadas e meus pés tocaram pela primeira vez o solo daquela terra sagrada. Tive que voltar lá muitas outras vezes até descobrir ou até revelarem para mim o grande mistério de Rapa Nui.

     Desde aquela primeira vez e sempre que piso naquela terra, sinto uma energia, uma força estranha, uma vibração boa entrando pelo meu corpo, pela alma.

     Custei a compreendê-la. Jamais conseguirei escrever com clareza sobre isso... Não existem palavras ou talento suficientes.

     Sei que vou tentar e nas tentativas talvez eu consiga fazer com que alguém sinta o mesmo. Se conseguir, será o começo do resgate.

     Sempre que eu ia para a costa oeste ver o pôr-do-sol, eu passava por uma casa, já nos arredores do povoado, onde reparava num velhinho sentado em um cadeira no jardim, bem perto do portão da rua.

     Ele sempre estava lá. Eu o cumprimentava e ele acenava sorridente.

     Eu ia, ficava alguns dias guiando grupos de visitantes, voltava ao Brasil, ia de novo e o velhinho estava lá. Eu passava e ele acenava.

     Um dia, parei para conversar.

     -Papai me disse para eu ficar aqui, para cumprimentar e para tratar bem os visitantes...

     Ele tinha noventa anos.

     Mataram quase tudo em Rapa Nui... Quase tudo.

     Que bom que esconderam, bem escondido, a chave que abre o coração.

 

Ouço falarem muito gratuitamente sobre

um amor mais amplo, sobre um amor por

tudo e por todos e que seria esse amor

verdadeiro.

Duvido de que alguém consiga sequer

chegar perto dele sem antes encontrar

somente uma pessoa, aquela que irá amar,

sobre tudo e sobre todos, por todas as suas

vidas, por toda a sua existência.

 

     Conhecimentos cósmicos milenares, hoje perdidos no tempo, davam aos homens de civilizações que nos precederam o rumo para a felicidade.

     E a felicidade sempre foi, é e será aquele estado de equilíbrio, harmonia e paz que cada homem definiu para si próprio como o ideal.

     Assim, poderíamos dizer que a felicidade assume conceitos diferentes, proporcionais ao conhecimento, à evolução e aos valores de cada indivíduo.

     O homem traça metas e alcançando os objetivos conclui ter encontrado a felicidade. Como essas metas são determinadas e limitadas ao seu conhecimento, o ser, na realidade, está feliz, porém, temporariamente.

     É exatamente isso o que ocorre com o homem contemporâneo e disso decorre seu permanemte estado de tensão. Com seu conhecimento restrito a padrões puramente materiais, está permanentemente exposto ao desgastante processo da "felicidade temporária", já que o sistema sempre providencia novas metas que o indivíduo massificado precisa atingir.

     Sempre ocupado na tentativa de acompanhar esse processo que o escraviza a valores mesquinhos, o homem moderno é mantido longe daquilo que poderia lhe proporcionar a verdadeira felicidade, um estado de harmonia, de equilíbrio e de paz perenes.

     Existem aspectos comuns a todos os seres humanos e desconhecidos da maioria, que descaracterizam os conceitos básicos daquilo que seres, realmente, a felicidade.

     Tais aspectos, revelados por um conhecimento transcendente, foram destruídos, escondidos ou abandonados pelos mais escusos e diversos motivos.

     Mentes inescrupulosas sempre existiram. Assim, esse processo remonta à aurora da humanidade terrestre. À medida que o Conhecimento Cósmico era revelado pelas Hierarquias Celestes, alguns homens buscavam deter os ensinamentos para si próprios, visando obter poder sobre os de sua espécie. Foi assim que surgiram os chefes tribais, os pajés, os curandeiros, os sacerdotes, os reis, os faraós, os ditadores, os governantes, os gurus etc.

     Não é difífil deduzir que, se o Conhecimento chegasse a todos, tais homens seriam plenamente dispensáveis.

     Esses, porém, além de não repassarem os ensinamentos recebidos, encarregaram-se, também, de deturpá-los, disseminando o caos, invertendo valores e transformando o homem de hoje em um herdeiro de mil verdades.

   Isso fez com que o homem, cada vez mais distanciado de sua condição de cidadão cósmico, fosse traçando seus ideais de felicidade divorciados das verdades fundamentais.

     Baseado em valores contrários à sua essência e totalmente contaminado por ensinamentos e crenças equivocados, o terrestre quase já não consegue reagir para retomar seu verdadeiro caminho e resgatar sua paz. Emaranhado por erros e falsas afirmações sobre tudo aquilo que transcende a vida no planeta, desgastado na grande luta pela sobrevivência num mundo que se tornou inóspito, bombardeado diariamente por vibrações nocivas aos seres humanos, já não mais reage aos constantes chamados de alguns seres que se dispõem a corrigir tal situação.

     Esses seres, especiais que são, buscam resgatar os conhecimentos perdidos e libertar o homem de sua ignorância, fator determinante de sua infelicidade.

     Os terrestres afastam-se tanto desses seres e também entre si próprios desenvolvendo costumes antagônicos, criando conceitos e crenças espirituais conflitantes, desarmonizando-se com os elementos naturais, que agora um único fator ainda nos permitiu ter a esperança de que uma catástrofe maior ainda possa ser evitada. É o fato de que alguns conseguem ainda, por força de sua evolução espiritual, lutar para reverter o processo de degradação do homem terrestre. Assim, nascem aqui seres com a missão cósmica específica de resgate do Conhecimento.

     Não são muitos e estão espalhados por toda a Terra, liderando ou participando de tarefas que se identificam por muitos rótulos diferentes, mas que compõem um único trabalho.

     Há uma certa facilidade em identificá-los. Padrões específicos de comportamento os distinguem da maioria. Apesar de seres "educados", de receberem os mesmos ensinamentos, de seres condicionados às mesmas necessidades, destoam dos demais, destacando-se dos membros de suas famílias como "ovelhas negras" do rebanho.

     Assim são tachados porque não apresentam resignação ao sistema. São, no mínimo, os "diferentes". Quando insistem, não sucumbindo às pressões, são visionários, loucos, místicos, rebeldes, sonhadores etc. Se, por acaso, não são suficientemente astutos, irritam os demais e têm o mesmo destino reservado a todos os que se indispõem contra o que está estabelecido. São repudiados pela sociedade ou sumariamente eliminados.

     Esses seres, ao longo dos séculos, nos trazem as informações que nos abrem para o Conhecimento Cósmico e que, conseqüentemente, nos libertam. Sua força está em seu sentimento. Em seu íntimo guardam outras características que raramente revelam. Têm lembranças de outras identidades, de outros lugares e até de outra família.

     É a "gente das estrelas", que cumpre sua missão de resgate dos terrestres para podermos conhecer o tudo e o Todo e assim traçar as metas e determinar valores corretos que nos guiarão à verdadeira felicidade.

     São muitas as lições que nos trazem. Todas revestidas da extrema simplicidade que envolve todo o Universo. Nós, que durante milênios nos encarregamos de destruir, esconder e alterar essas informações e que por isso sentimos um grande vazio que permanentemente nos impele a redescobri-las, fazendo com que façamos incursões cegas ao desconhecido, temos extrema dificuldade em perceber e depois em aceitar essa simplicidade, guiados que somos apenas por suposições, fantasias e elucubrações desastrosas.

     Nós mesmos fabricamos com nossas mentes doentias verdadeiras armadilhas, dogmas que nos impedem de chegar ao caminho da verdade.

     Desenvolvemos um instinto natural de repulsa a tudo o que se apresenta de maneira simples. Supomos que para ser cósmico tem que ser milagroso e assim não aceitamos o milagre da simplicidade.

     Porém, quando percebemos que há algo errado e que precisamos de ajuda, partimos para a nossa busca pessoal, mas quase sempre esperando que o "cósmico" manifeste-se para nós enquadrado em nossos valores, dentro do conceito e da visão que temos dele.

     Quando nos comportamos assim, nos submetemos a muitos perigos. Um deles é o da decepção que pode fazer com que interrompamos nossa busca levados pela descrença. Outro é que, se nos enveredamos por caminhos totalmente desconhecidos, carregados de crenças equivocadas e conseqüentemente sintonizado em freqüências vibratórias erradas, iremos encontrar mentes que se comprazem, por suas fraquezas e ignorância, a nos manter afastados do caminho certo.

     Portanto, para iniciar nossa busca pela retomada do verdadeiro conhecimento, precisamos abrir nossas mentes para receber informações básicas muito simples, mas que, a princípio, irão nos parecer fantásticas, já que em sua maioria são o oposto de tudo a que nos foi ensinado, ou melhor, colocado em nossa cabeça numa verdadeira lavagem cerebral que já dura milênios.

     Vamos, então, adotar um procedimento também oposto para encontrar a nossa Verdade. Em vez de partirmos em vôo cego ao desconhecido, vamos procurá-la por aqui mesmo. Em vez de implorarmos por milagres, vamos fabricar o nosso próprio milagre.

     Vamos fazer um "curso de magia", partindo em busca da felicidade, estudando pacientemente lição por lição.

     A primeira delas refere-se à retomada da nossa capacidade de análise; e não vamos analisar as estrelas. Elas são a nossa meta e, portanto, ficam para as últimas lições.

     Vamos começar pela análise da nossa própria realidade, daquilo que é palpavel e, portanto, fácil, simples.

     Procedendo dessa maneira, iremos corrigindo nossos valores, nos despindo de falsos conceitos, o que nos permitirá encontrar o Caminho dos Magos e, ao longo dele, tudo o que precisamos saber para alcançar a paz.

     Para sermos bem-sucedidos em nossa caminhada é preciso que estejamos munidos de toda a nossa força, e isso é completamente impossível de se conseguir sozinho.

     Se observarmos à nossa volta, iremos ter extrema facilidade para constatar que toda a natureza, que toda a criação, se manifesta sob forma dual. A bipolaridade é a determinante de toda a criação. O positivo e o negativo, ou melhor, o feminino e o masculino são os fatores básicos, as condicionantes naturais de todo o resto.

     Não podemos jamais considerar ou nos considerarmos felizes se contrariamos a regra básica da criação, o estado de dualidade que determina que o ser completo, harmônico, equilibrado, conhecedor e seguidor das verdades fundamentais é aquele que busca e consegue encontrar e viver com a sua "contraparte", com a sua alma gêmea.

     Sendo esse o princípio fundamental da existência ou a busca maior do ser, todos os outros são meros componentes daquele estado que chamamos de felicidade.

   O ser só se manifesta plenamente atravéz do amor e só consegue tal manifestação quando está completo. E somente é um ser completo quando é estabelecida a sua dualidade. Junto com a sua outra "metade", o ser está pronto para se manifestar em toda a sua grandeza de expressão máxima da Criação.

     Mas quem é a nossa alma gêmea? Onde está? Aqui mesmo ou num outro mundo? É possível encontrá-la aqui ou pelo menos estabelecer um contato com ela? Quando?

     Como tudo o que é transcendental, muito já se especulou sobre isso. Pelo desejo de saber e também pela iniciativa escusa de alguns, as informações tornaram-se confusas. Sempre foi assim. Com esse e com outros pontos que levam às verdades fundamentais, libertadoras da consciência humana.

     Entretanto, seres de altas hierarquias, justos, atentos e protetores sempre se manifestam em defesa daqueles que se fazem merecedores de receber as revelações. Encarnando entre nós ou falando atravéz de "porta-vozes", guiam e inspiram os homens de boa vontade para que o Conhecimento não seja totalmente perdido.

     Até há poucos séculos dizimamos povos inteiros que ainda detinham tais conhecimentos. Os povos americanos e polinésios foram os que mais sofreram nas mãos de conquistadores.

     Pouca coisa mudou de lá para cá. Se o progresso já não permite mais que se queimem pessoas em praças públicas, essas perecem nas mãos de assassinos contratados ou são engendradas tramas para que sejam desacreditadas e postas como párias da sociedade.

     Portanto, para alcançarmos novamente o Conhecimento é preciso que estejamos de fato seguros de que é isso que desejamos, já que tal escolha sempre nos coloca "na contramão do mundo".

     "Na contramão do mundo, rumo às estrelas" foi o lema que adotamos para nortear o trabalho que desenvolvemos buscando resgatar conhecimentos perdidos.

     Da mesma maneira que estudiosos dedicam-se às pesquisas científicas descobrindo ou redescobrindo "novas tecnologias para toda a atividade humana, outros também pesquisam o desconhecido, caminhando à frente da ciência ortodoxa, ferindo interesses e sendo combatidos. Entretanto, não se pode negar que são esses os que são procurados "quando não há mais remédio".

     E onde iremos buscar os "remédios" a não ser nos berços onde estiveram depositados um dia?

     Essa jornada data de vinte anos, quando foi iniciado um trabalho para tentar contribuir com uma pequenina parcela de participação no resgate do Conhecimento perdido.

     Na totalidade desse deslumbrante e fantástico aprendizado destacou-se um ponto que se fez brilhar mais do que o Sol, tal a transformação que se operou no íntimo do meu ser: a grande revelação sobre nossa verdadeira condição de ser dual e o caminho para conhecermos e encontrarmos nossa outra metade, nosso complemento divino, contraparte, alma gêmea, ou como queiram chamá-la.

     Na verdade, não se pode resumir tudo o que foi descoberto e aprendido em vinte anos em um só livro. Por isso optamos pela publicação de O Encontro com a Alma Gêmea - Mahina Omotohi(2), colocando o que ansiamos repartir.

     Nesta obra, julgamos ser de nossa obrigação, além de tratar do tema-título, que consideramos prioritário, revelar também a origem das informações a serem retransmitidas.

     É o que faremos a seguir, convidando-o a nos acompanhar numa grande viagem. Uma viagem que, quando bem-sucedida, é uma viagem sem volta.

 

     O comandante do avião sugeriu que olhássemos para baixo para vermos a ilha de Robinson Crusoé, que fica bem perto do litoral do Chile.

     Vendo aquele pedacinho de terra rodeado pela imensidão do mar, lembrei-me, por um momento, do famoso personagem, e logo minha mente disparou em recordações, fazendo-me sentir também como um náufrago do Universo, meio sozinho neste pequeno planeta azul, tão azul quanto o oceano que atravessávamos em busca do conhecimento.

     Voávamos rumo a ele. Perdida no meio do Pacífico, a cinco horas de vôo de Santiago, Rapa Nui, a Ilha da Páscoa, nos esperava com seu encantamento.

     Antes de pousar, o jato da LAN CHILE contornou toda a ilha, dando-nos uma visão antecipada daquele lugar de segredos e revelações. Estávamos chegando ao "Umbigo do Mundo" Te Pito o Te Henua, uma das denominações nativas da Ilha de Páscoa.

     Era a quarta vez que eu visitava aquele lugar levando comigo grupos de estudiosos, pesquisadores e pessoas em busca de mais conhecimento. Mesmo assim, como sempre foi desde a primeira vez, uma sensação muito grande de paz me invadiu assim que desci do avião.

     No Aeroporto de Mata-Veri uma pequena multidão nos esperava. A maioria, donos de hospedarias que vão até lá disputar clientes entre os turistas, única fonte de renda da ilha.

     Logo encontramos Eduardo Martinez, que também tem uma empresa de turismo que inclui uma hospedaria e Kombis para excursões. Usamos seus serviços desde nossa primeira visita à Ilha da Páscoa. Eduardo é gentil, extremamente atencioso com seus hóspedes e conhece cada recanto da ilha como ninguém, pois já está por lá há mais de trinta anos.

     Enquanto eu e ele recolhíamos as bagagens, os componentes do grupo espalharam-se pelo pequeno aeroporto, lotando as lojinhas de lembranças e sempre cercados pelos pasquenses ávidos por conseguir hóspedes, ou então à procura de pacotes enviados costumeiramente por seus parentes que residem no continente atravéz dos passageiros do avião.

     Colocamos as bagagens nos carros e enquanto Eduardo se encarregava da árdua tarefa de juntar todo o grupo encostei-me numa parede, fechei os olhos e deixei que aquela energia boa, aquela sensação de "estar em casa" tomasse conta de mim. Uma nuvem tapou o Sol e a brisa do Pacífico passou como que levando embora tudo de bom que eu sentia naquele instante. Por um pequeno lapso de tempo não ouvi mais o burburinho do aeroporto e uma terrível sensação de solidão me invadiu. Abri os olhos. Uns dois metros à minha frente vi a silhueta de um homem recortada contra o Sol, já próximo do poente. Quando meus olhos acostumaram-se com a luz intensa, percebi que era um velho nativo que eu já tinha visto inúmeras vezes vagando pela ilha. Nunca, que eu me lembrasse, o vi no povoado ou ali no aeroporto.

     -Yorama Kori -Saudou-me na língua Rapa Nui. Respondi, repetindo a saudação, como é o costume, e ele continuou em espanhol:

     -Da próxima vez, volte aqui na Lua cheia de setembro. Mas, venha sozinho, porque de agora em diante você não pode mais continuar sozinho.

     Observei-o afastar-se e, antes que eu tentasse ordenar meus pensamentos, Eduardo me chamou.

     Rumamos para a hospedaria situada apenas a uns quinhentos metros do aeroporto. As pessoas do grupo, fazendo comentários e perguntas, não me permitiram pensar naquilo que o velho havia dito. Eduardo, como sempre, queria saber da hora em que preferíamos tomar banho para só ligar o aquecedor no momento certo e não desperdiçar energia. A eletricidade na Ilha da Páscoa é fornecida por geradores e, quando o consumidor ultrapassa uma determinada quota, o preço aumenta bastante.

     Quase tudo o que consumimos aqui vem de avião, continuou Eduardo, nas suas explicações sobre a rotina da ilha. Uma vez por ano vem um navio transportando o material pesado que não pode vir de avião. Um outro navio-tanque traz os combustíveis.

     Com essas explicações o pessoal do grupo compreendeu o porquê de toda aquela gente no aeroporto de Santiago, cercando os passageiros que iam para a ilha, pedindo que trouxessem pacotes com frutas, roupas e toda a sorte de objetos para seus parentes lá residentes.

     Antes que Eduardo me pedisse, entreguei-lhe uma pilha de jornais e revistas que apanhei no avião e outras que comprei em Santiago. Lembro-me até de sua decepção quando, na primeira viagem à ilha, não apanhei nenhum "periódico" no avião. Depois disso, nunca mais cheguei lá sem levar livros, jornais e revistas.

     Eduardo distribuiu os quartos e apresentou sua esposa Lucília, que supervisiona as refeições para os hóspedes.

     Já eram quase seis horas da tarde e cada um foi tratar de arrumar suas coisas e tomar um banho, sem ainda terem tido tempo de refletir sobre o fato de estarem num dos lugares mais remotos de todo o mundo.

     Desfiz minha mala e antes de entrar para o chuveiro fui dar uma espiada pela janela. Estava entardecendo na "Terra dos Homens-Pássaros". O colorido do céu em mais um pôr-do-sol formidável e o barulho das ondas fizeram-me momentaneamente voltar quase vinte anos no tempo, a uma época em que jamais poderia supor um dia eu estar ali, bem no meio do Pacífico, levando pessoas para conferirem a possível presença extraterrena no planeta, estando eu sempre a tentar descobrir segredos do povo misterioso que habitou aquele lugar no passado...

     ...Foi tudo tão repentino, sem aviso... Um turbilhão de acontecimentos inusitados que até hoje, ao recordar, sinto-me meio atordoado. para mim, que vivi os primeiros trinta e três anos de minha vida sempre voltado para mim mesmo, ser despertado num repente para uma outra realidade foi uma experiência marcante. Por várias ocasiões temi não suportar as explosões interiores provocadas pelas revelações. Eram milhares de perguntas que eu queria fazer de uma só vez e só consegui respostas atravéz de um metódico e paciente aprendizado.

 

Certa vez encontrei sete homens que me

disseram ser o maior poder do Universo.

Disseram-me também que acima deles só

estava o poder do sentimento humano.

 

     Tudo começou durante uma noite qualquer em 1973. Sempre tive um sono muito profundo e naquela noite estranhei muito ao acordar no meio da madrugada. Acordei e lá estavam eles. Sete homens vestidos com longas capas brancas. Estavam enfileirados na frente da minha cama, todos de costas para mim. Tão humanos como nós, mas totalmente indescritíveis.

     Sei que jamais conseguirei, com palavras, fazer uma descrição que se aproxime um pouco daqueles homens. Fiquei totalmente paralisado. Sequer podia mexer um músculo e nem ao menos falar. Eles permaneceram ali por alguns minutos e depois caminharam em direção à parede à sua frente; passaram por ela como se esta não existisse e sumiram.

     Nos dias que se seguiram, apareceram outras vezes. Dois dias depois da primeira visita, acordei novamente no meio da noite e eles estavam lá, dentro do quarto. Notei que um deles estava perto da cama. Consegui mover o rosto, tentando olhar para ele. Imediatamente ele esticou os braços em minha direção só permitindo que eu visse uma folha de papel que segurava. Havia algo escrito. Parecia um poema. Comecei a ler e acho que adormeci.

     Na manhã seguinte, recordava-me de tudo. Levantei-me e escrevi reproduzindo o que havia lido, sem ter que fazer qualquer esforço para lembrar. Eis o que escrevi naquele dia:

 

Muito além da última estrela conhecida,

nos limites permitidos à matéria,

está o mundo do primeiro portal.

Ali, eu estou agora.

Eu e outros seis que vieram comigo da parte impenetrável.

Quando transpomos a "barreira de prata"

trouxemos a espada da justiça

e os que conhecem a nossa procedência

nos chamam de guerreiros, mas somos apenas servos,

servis servidores daquele que em vão procurais conhecer.

É Ele quem nos manda usar a "balança" e determinar quem

devemos levar conosco quando voltamos à sua casa.

Para isso transpomos a "barreira". Para escolher.

Assim, a nós é concedido o grande direito de julgamento,

próprio e restrito aos que vivem na verdade.

Não tenteis, pois, de agora em diante,

avaliar procedimentos ou fatos.

Eu vos digo: se não conheces os princípios,

com que direito tentais determinar os fins?

Procurai, antes, proceder de acordo com vossas instruções

cumprindo as ordens dadas para hoje.

Se nisso tendes tanta dificuldade, por que perguntar

ou insistir em saber o que vos será mandado fazer amanhã?

Não sejais submissos, porém acatai o que não ofende

o vosso espírito. Tendes essa facilidade.

Eu vos garanto que Ele próprio vos avisará quando

vos desviardes do nosso caminho.

 

     Surpreendi-me quando percebi que após terminar de escrever esse poema escrevi mais outros dois com uma facilidade extraordinária. No dia seguinte, escrevi outros e em menos de um mês já tinha escrito mais de trinta. Deduzi que aqueles sete homens se comunicavam atravéz daqueles poemas que eu escrevia entre uma aparição e outra.

     Atravéz dos primeiros textos, eles me disseram que eram homens que já tinham toda a evolução material e espiritual, que já tinham todo o Conhecimento e que eles, sete, compunham um "Conselho Universal", formado por eles e por mais outros dois, um homem e uma mulher. Acrescentaram que aquele homem e aquela mulher eram infinitamente superior a eles próprios.

     Tudo isso me desnorteava. Comecei a pensar que estava tendo alucinações e queria livrar-me de tudo aquilo, mas "Eles" continuaram aparecendo e "falando".

     Eduardo chamou para o jantar, interrompendo minhas incursões ao passado. Sua esposa, Lucília, tinha mandado preparar para a nossa primeira refeição na ilha lagostas, um prato bastante comum naquelas paragens.

 

Se a eternidade existir, você só ganhará se

viver em função dela.

Se ela não existir, você jamais ficará sabendo.

Apostar na eternidade é um jogo bom de

se fazer porque você só fica sabendo do

resultado se tiver ganho.

 

     Lotamos as duas Kombis com as quais o nosso anfitrião na Ilha da Páscoa executa seus serviços de atendimento aos turistas e seguimos em direção ao Rano Raraku(3). Pelo caminho, naquela primeira saída do grupo, os olhos de todos não bastavam para apreciar tanta beleza. Não sabiam se olhavam para as ondas explodindo em tons de azul e lavando as estranhas esculturas negras formadas pela lava endurecida ou se apreciavam os pássaros ou as flores. Um pouco antes de chegarmos ao vulcão, passamos por uma estátua de pedra, típica da ilha. O grupo, ao ver o primeiro moai(4) se alvoroçou. Queriam parar, tirar fotografias e tive que acalmá-lo.

     Logo chegamos ao Rano Raraku, onde em tempos remotos os nativos esculpiam as famosas estátuas. Naquele sítio, as enormes e impressionantes estátuas estão por toda a parte. A maioria semi-enterrada e uma grande quantidade delas ainda presa às paredes da cratera, por terminar, num sinal evidente de que o titânico trabalho foi interrompido de repente. Entre essas, semi-esculpidas, está o "gigante de pedra", impressionante mesmo ainda deitado na encosta: vinte metros de comprimento e mais de duzentas toneladas de peso.

     -É importante destacar, quando falamos dessa estátua colossal -expliquei ao grupo-, que aparentemente todos os cientistas famosos que já andaram por aqui, tentando elaborar hipóteses sobre o sistema de transporte dessas estátuas (uns dizendo que as rolavam sobre troncos, outros argumentando com muita convicção dizendo que usavam paus e cordas para construir guindastes), fizeram questão de ignorar essa gigantesca estátua que, por si só, derruba suas teorias, já que na tentativa de demonstrar o transporte por esses métodos, não conseguiram convencer ninguém nem quando tentaram com estátuas com um décimo do peso do "gigante".

     Percorrendo toda a "fábrica de moais" que eram construídos tanto pelo lado de fora como pelo lado de dentro da cratera. Este fato é uma outra evidência clara de que os pasquenses tinham uma enorme facilidade para transportá-las, caso contrário não construiriam as estátuas pelo lado de dentro da cratera, necessitando subir toda a encosta e depois descer pelo outro lado, já que tinham a matéria-prima -pedras- à vontade no lado de fora.

     Os componentes do grupo perguntáram-me evidentemente qual seria o método realmente usado pelos construtores para o transporte daqueles colossos de pedra que podem ser encontrados espalhados pelos cento e dezoito quilômetros quadrados da ilha, num total de quase setecentas estátuas. Falei-lhes, então, que dentre as inúmeras lendas que constroem a magia daquele paraíso perdido no Pacífico, existe uma que fala do mana, um fantástico poder mental de alguns sacerdotes que lhes possibilitava transportar as enormes estátuas, levitando-as. Para os cientistas ortodoxos, um absurdo. Para quem tem a mente livre de preconceitos, a única explicação viável e muito mais aceitável para todos os que podem ir até lá e ver tudo com os próprios olhos.

     Depois de percorrer todo o sítio, subimos pela encosta e nos sentamos na parte mais alta da borda da cratera do Rano Raraku. Do alto, as Kombis lá embaixo pareciam carrinhos de brinquedo. A paisagem belíssima descansou a todos e a conversa girou em torno do que havíamos visto e aprendido naquele primeiro dia, até que alguém mencionou meu "contato", querendo saber qual o mais importante ensinamento que recebi.

     -Na realidade -respondi-, ainda não sei se poderia destacar um entre os muitos que recebi, todos de absoluta importância. Se, entretanto, eu levar em conta que logo após a minha experiência, as respostas que deram às primeiras perguntas que fiz foram as que me convenceram de que valia a pena levar tudo aquilo adiante, acho que posso considerar como as mais importantes essas primeiras explicações.

     Lembro-me de que naqueles dias, logo após os encontros que mudaram radicalmente a minha vida, minha cabeça era um rodopio incessante de perguntas e dúvidas. Meu intelecto exigia algo mais concreto. Nas profundas e dolorosas análises que eu fazia, logo concluí que tudo aquilo envolvia não só esta vida que estou vivendo. Tudo envolvia uma existência mais ampla, ou seja, a dita eternidade do ser, e essa eternidade ainda era, para mim, um ponto de grande dúvida. Eu pensava: Se os ensinamentos mais importantes que estou recebendo não têm relação com essa suposta eternidade, então, primeiro, eu preciso ser convencido disso, pois, do contrário, nada teria maior sentido.

     E, num dos encontros seguintes, quando eu já me sentia mais à vontade, argumentei:

     -Ouvimos, desde quando nascemos, em função de nossa formação religiosa, as pessoas falarem na eternidade da alma e a maioria cresce acreditando nisso sem nunca questionar, sem formular um pensamento próprio sobre tal assunto. Devo acreditar só porque vocês estão falando?

     Enquanto eu falava ou pensava tudo isso, não sei precisar, parecia que, paralelamente, a resposta já era conhecida por mim.

     -Você está enganado quando afirma que nada têm como certo -responderam-. Vocês têm uma coisa certa, indiscutível, inevitável em suas vidas... a morte. Portanto, a única saída para os terrestres é fazer um jogo, apostar às cegas. E esse jogo que lhes propomos é um jogo agradável de fazer, pois é um jogo certo.

 

Não te preocupes nem pelo céu, nem pelo inferno,

nem se algum dos dois existe.

Nem pela morte, nem se com ela terminas.

Faz da vida um jogo certo,

com trunfo marcado.

Aposta na alma, na eternidade, na tua imortalidade.

Tira do baralho a morte.

Sai da corda bamba da sorte.

Se perderes, jamais ficarás sabendo...

... Terás acabado!

 

     Aqueles homens que se haviam identificado como os "comandantes supremos do Universo" e que sabiam que só a sua aparição seria o bastante para me transformar num fiel seguidor, não me pediram para ter fé, nem para simplesmente acreditar nessa ou naquela afirmação por parte deles, como é costume dos profetas, sacerdotes ou escolhidos. Apenas sugeriram que eu meditasse sobre minha realidade e, aliás, na mesma hora em que me falaram sobre a sua identidade, acrescentaram: -Acima de nós só existe uma coisa: o sentimento humano.

     Assim, esses seres ensinaram-me muitas coisas, sempre mostrando o caminho da reflexão e sutilmente levando as respostas a brotarem de mim mesmo, fazendo com que eu as sentisse, sem imposições. Fizeram-me sentir com toda a certeza, com a força do meu coração, que o homem é a expressão máxima da criação e acredito que esse foi o mais importante ensinamento recebido deles.

     Quando voltamos à hospedaria, ao entardecer, a varanda da casa estava cheia de pasquenses que nos esperavam para oferecer peças de seu artesanato. Compramos, principalmente, reproduções de moais esculpidas em madeira, que são muito bem-feitas, e acabam sendo presentes muito interessantes.

     Todo o grupo deitou-se bem cedo, com as pernas cansadas pela escalada ao vulcão e pelas longas caminhadas, mas muito satisfeitos pela grandiosidade do primeiro passeio pela Ilha da Páscoa.

     Antes de dormir fui até o jardim e Eduardo estava lá. Ele pediu e eu concordei em conversar mais um pouco sobre a minha experiência desde que ele concordasse em fazer anotações. Expliquei-lhe que pretendia escrever um livro, aprovitando para fazê-lo nos momentos de folga que apareciam durante as viagens. Assim, se ele fosse anotando alguma coisa, ajudaria minha tarefa. Ele concordou. Foi apanhar lápis e papel e na volta trouxe, também, uma garrafa térmica com café. Aliás, com o café que a gente sempre leva, porque lá só se arranja café solúvel.

     -Aqueles sete homens continuaram a aparecer por muito tempo?

     -Não. Não por muito tempo. Acho que umas cinco ou seis vezes, durante um mês e só isso. Na terceira noite em que apareceram, notei que só havia seis deles na frente da cama e que o sétimo estava de pé bem perto de mim, ao lado da cabeceira. Percebi que se me virasse poderia ver seu rosto. Foi como se esse pensamento tivesse sido percebido por eles, pois imediatamente senti que não deveria tentar. Era como se ouvisse uma ordem dos outros seis para não olhar. Mesmo assim, consegui me mover e talvez por um milésimo de segundo pude ver o rosto. Quando o fitei, senti como se a minha cabeça explodisse. Era um rosto como os nossos, mas de uma força indescritível. Na noite seguinte, apareceram de novo e essa foi a única vez em que ouvi a voz daqueles homens. O som produziu o mesmo efeito avassalador de suas presenças e a mesma sensação de estar "explodindo". Naquele momento, compreendi por que ficavam de costas sem deixar que eu visse seus rostos e também por que não falavam. Seria totalmente insuportável para qualquer um de nós.

     -Mas o que você ouviu? -interrompeu Eduardo.

     -Ouvi só uma frase e fico assustado cada vez que me lembro dela, pois, desde que a ouvi, compreendi exatamente o que queria dizer. A frese foi esta: "Eu te dou este anel", significando que estavam fazendo ou celebrando uma aliança. Hoje, quando sei exatamente quem são aqueles homens, fico muito assustado em pensar que tenho algum tipo de compromisso com eles e a sensação de não estar fazendo o máximo que me seria possível sempre me acompanha.

     Continuei escrevendo poemas e textos sem parar e já se tinha passado um mês desde a primeira visita daqueles homens. Escrevia com extrema facilidade ao mesmo tempo em que sentia que era capaz de ter tal aptidão. Para mim era tudo fantástico e inacreditável. Comecei a pensar mais seguidamente em estar tendo alucinações e queria me livrar de tudo aquilo.

     Através dos textos disseram-me que viviam em planetas de um sistema solar que era o mais próximo do "Sol Central do Universo". Que esses planetas estão na mesma dimensão que a nossa e que, portanto, são materiais. E eles próprios possuem corpos materiais, mas que não estão presos aos limites da matéria, em função de sua própria evolução, conhecimento tecnológico e poder mental, tendo acesso a qualquer plano de existência. Seus corpos materiais são eternos e, quando querem deslocar-se com seus corpos através do Universo, utilizam-se de naves. Nunca me falaram com detalhes dessas naves. Referiram-se a elas somente uma vez e através de um poema:

 

Da luz, a energia.

Dos giros inversos, o efeito.

Grandioso é o espetáculo

A máquina perfeita,

espalhando relâmpagos em círculos,

deslizando sem vibrar

no vácuo completo

por ela gerado.

Voando no silêncio, invisível,

até os limites sagrados,

na quinta dimensão,

varando o compacto,

mil vezes na frente da luz,

com o poder da simplicidade.

Bela, segura,

me leva a todas as estrelas,

mostrando meu símbolo,

os sete losangos em cruz,

gravados na estrutura invulnerável.

E sempre mantido o tempo em limite único,

seja qual for a distância no espaço,

quando correndo na frente do raio,

em linha reta,

mantém o presente na garantia do futuro,

ganhando a força da vida eterna

ao cruzar o Universo,

com a licença do absoluto,

na complexa, mas perfeita equação

de matéria, tempo, espaço e velocidade,

que reverte o círculo do tempo

e me dá

o domínio do infinito, para sempre!

 

     As revelações contidas nesse poema, que descrevem realmente uma "máquina perfeita", com a qual se pode viajar aos confins do Universo, são estupendas. Porém, não podem ser avaliadas pelos valores de nossa ciência. Aliás, sempre achei um verdadeiro desatino, um absurdo, a constante teimosa de alguns pesquisadores que insistem em medir o fenômeno ufológico ou fazer conjecturas sobre os chamados "objetos voadores não-identificados", invocando apenas os nossos pobres conhecimentos científicos. O simples comportamento dessas "naves" contraria as leis da nossa física e tudo o mais. Tentar enquadrar tal assunto em nossa base científica é perder tempo.

     Bem, por falar em tempo, argumentei com Eduardo:

     -Acho bom a gente ir dormir. A excursão amanhã é até o topo do vulcão Rano A-Roi e a caminhada até lá é bastante longa.

     Voltei ao quarto e enquanto não adormecia fiquei pensando no velho que encontrara no aeroporto. O que ele teria pretendido dizer com "venha sozinho porque de agor em diante você não pode mais continuar sozinho"... Não tem sentido... Deve ser maluco... Na Lua cheia de setembro... Estamos em maio... Como é que vou fazer para poder vir?... Bobagem...

 

Não perca tempo procurando aqueles que

sempre mantiveram uma dúvida equilibrada

sobre tudo. Eles já estão lá na frente...

 

     O dia nasceu esplendoroso e todos se levantaram muito bem-dispostos. Tomamos o café da manhã preparado com carinho por Lucília e depois cada um preparou seus lanches para a excursão ao Rano A-Roi.

     Seguimos em direção ao ponto mais elevado da Ilha da Páscoa que, aliás, fica bem perto do principal e mais famoso de seus monumentos arqueológicos, os Sete Moais. Como sempre, demoramos o dobro do tempo calculado para chegar lá, porque, a todo momento, tínhamos que parar ante o deslumbramento de todos pelo desenrolar ininterrupto das magníficas paisagens e também por causa dos mais gulosos, que não se conformavam em passar pelas goiabeiras, que crescem como mato por toda ilha, sem parar e fazer uma grande colheita.

     Antes de iniciarmos a subida aos quatrocentos metros de altitude do Rano A-Roi fomos visitar os Sete Moais, e na frente daqueles impressionantes estátuas, as únicas entre as quase setecentas colocadas de frente para o mar, ouvimos uma detalhada exposição sobre aquele monumento, feita por Eduardo:

     -Este sítio tem o nome de Ahu Akivi(5). Diz a lenda que essas sete estátuas foram erguidas em homenagem aos sete filhos do rei Hotu Matua, da Nova Zelândia. Hotu Matua teria recebido através de um sonho uma mensagem de seu deus, Make-Make, que lhe ordenou enviar pelo mar seus sete filhos, que deveriam navega para o Oriente à procura de uma nova terra para o seu povo. O rei, então, enviou seus sete filhos e estes navegaram por sessenta dias, encontrando a ilha. Cinco deles regressaram à Nova Zelândia para avisar que tinham encontrado a nova terra e o rei Hotu Matua embarcou toda a sua gente, desembarcando na Ilha da Páscoa, dividindo-a entre os chefes tribais.

     Ficamos ali por algum tempo, examinando as estátuas, alguns tirando fotos e comentando sobre a ocorrência dessa lenda sobre a origem da vida humana na ilha com a história da própria colonização do planeta na versão extraterrestre.

     Já eram dez horas da manhã quando seguimos para o Rano A-Roi. Subimos devagar. Parávamos para descansar e apreciar a paisagem que aos poucos se ia ampliando. Levamos duas horas para chegar ao topo.

     Lá em cima, depois de andarmos por toda parte, como todos estavam ansiosos para falar sobre extraterrestres, reunimo-nos para mais uma conversa:

     -Para obedecer a uma certa ordem nessa narração- comentei-, ainda tenho que lhes mostrar e comentar algumas das mensagens recebidas, pois, naquele conjunto de textos que escrevi, estão instruções básicas interessantes para quem busca ampliar seus conhecimentos sobre as coisas trancendentais. Vejam este texto, por exemplo:

 

Estranho eu...

Grita. Pede. Implora. Chora.

Por quê?

Grita por quê?

EU estou tão perto...

Pede implorando por quê?

Se NOSSA rota é estudada...

EU estou sempre dádivas antecipando.

Chora por nada por quê?

Se NOSSA rota é planejada...

EU estranho o eu.

Gritando. Orando. Implorando.

EU inabalável e o eu fraco chorando.

EU, força e certeza, convivendo com eu fraqueza.

Impactos de energias inversas.

Estranho...

EU com amigos em legiões armadas de amor puro

e eu, sozinho, em jornadas no escuro.

Estranho ou implorando e gritando.

Por que gritando?

EU estou tão perto... no centro.

Olhe eu! Fique certo! Olhe EU aqui dentro!

 

     Aqui vemos, sob uma forma alegórica, o conflito que todos nós temos entre o nosso intelecto, o nosso raciocínio programado com valores estritamente terrestres e materiais e o nosso sentimento ou o nosso espírito, como queiram, consciente de uma realidade maior. Aquele que por qualquer motivo experimenta essa consciência de uma outra realidade, quase sempre tem que enfrentar essa desastrosa vacilação na hora de escolher entre o que é cósmico e o que é passageiro. Nesse poema, o "EU", grafado com letras maiúsculas, representa o espírito forte, inabalável em suas certezas, e o "eu" em minúsculas é a nossa mente entorpecida por condicionamentos do sistema terrestre, superficial, que quase sempre nos faz vacilar na escolha e que, conseqüentemente, nos atrasa na caminhada em busca do Conhecimento.

     Acredito que a menção a essa vacilação foi feita para nos alertar, para nos prevenir de que, antes de tudo, precisamos decidir o que de fato queremos, para só depois iniciar a jornada da evolução.

     Neste outro poema que mostro a seguir está traçada a direção dessa jornada:

 

Rápido ou lento,

certo ou errado,

anjos e demônios,

santos e impuros,

todos, no total do seu ser, possuem amor.

Que os rápidos de mente ajudem os lentos.

Que os errados alcancem os certos.

Que os demônios sejam os anjos.

Que os impuros sejam os santos.

Que todos sejam o que são.

Que todos alcancem a luz sobre o que querem ser.

Que os homens sejam homens.

Que os demônios sejam demônios.

Se existem anjos que continuem sendo.

Se existem santos, louvados sejam.

Porém, se existem homens humanos,

que o Supremo Ser os proteja,

pois estes nunca serão

anjos, demônios ou santos!

 

     Aqui torna-se claro que a caminhda em busca da evolução deve conduzir-nos a um ponto de equilíbrio. Não podemos continuar nos deixando levar pela superficialidade de conceitos religiosos, ou, pelo menos, devemos buscar maior profundidade nesses ensinamentos que são, infelizmente, os mais disseminados na Terra. Não ser anjo nem demônio, ser humano. Esta é a seta que nos indica a direção do equilíbrio na evolução.

     Podemos estar convictos de que, caso sejamos sinceros em nossa busca, sempre teremos muita "ajuda extra" e normalmente sempre a maior ajuda vem de nós mesmos. Nosso espírito, nosso eu, sempre está atento ao que lhe é benéfico e ele sempre nos dá o sinal.

     Temos que estar convictos de que nós, que estamos conscientes, despertos para essa realidade maior, somos, na Terra, uma minoria e assim vivemos num mundo que é o oposto de nossa busca. Somos como náufragos numa terra desconhecida e hostil. O que impera aqui é contra nós.

     Não, não é fácil, mas as coisas podem ser facilitadas desde que deixemos de ignorar os pontos básicos que precisamos conhecer bem e nos dispor a enfrentar, antes de iniciarmos a caminhada em busca do Conhecimento Cósmico. Depois, a cada passo, à medida que a nossa mente for armonizando-se com o Cosmos, passaremos a sentir que estamos na direção certa e, nossos passos se tornarão mais seguros.

 

Por SETE PORTAIS terás que passar.

Longas caminhadas terás que suportar.

Todas as armas e dádivas irás receber

para tal tentativa empreender.

Procura sempre a Grande Luz à frente.

Manter os olhos abertos sempre tente.

A Luz irá te orientar

para, da direção certa, teu passo fraco não te desviar.

Caminhando não te esqueças da semente plantar

porque os que te seguirem irão dela se alimentar.

Quando sentires teu corpo enfraquecido

pela distância a vencer oprimido,

chama pelos que te precederem.

Sempre alguns voltarão para te socorrerem.

Se nas pedras do Caminho teu corpo for ferido

Lava-te nas Fontes de Água Pura

e teu sofrimento será suprimido.

Vislumbrarás atalhos...

Não te levarão aos Portais, mas a precipícios fatais.

Sem desvios segue em frente com passo forte.

Senão serás atingido pela segunda morte.

Detenha-se somente para levantar aquele que vires caído.

Não será tempo perdido.

Por certo, em algum momento, também cairás vencido

e, pelos que ajudastes antes, serás reconhecido.

Nevoeiros descerão.

Nessa hora, não procure a trilha no chão.

Tempestades te açoitarão.

Nessa hora, não te curves ao chão.

Feras te perseguirão.

Nessa hora, não te escondas no chão.

Quando os nevoeiros descerem,

quando as tempestades te açoitarem,

quando as feras te perseguirem,

lembra o início da jornada.

Nenhuma arma te foi negada.

Por isso, nunca poderás alegar injustiça e parar,

pois nunca encontrarás obstáculos que não possas superar.

Assim, nessa Primeira Caminhada,

Por SETE PORTAIS terá que passar.

Em cada um, um dos SETE GUARDIÕES irás conhecer.

e, de cada um, uma Força e uma Dádiva receber.

Assim, primeiro os SETE irás saudar

e só depois encontrar AQUELE por quem vives a chamar!

 

     No penúltimo dia de permanência daquele grupo na ilha, programei uma visita à Cidade Sagrada de Orongo.

     Orongo fica no topo do Rano Kao, que é o mais próximo do povoado. Pode-se ir até o topo de carro por um caminho margeado de flores amarelas.

     Em toda a ilha não existe um só rio ou fonte, e a água da chuva acumulada na cratera do Rano Kao é que abastece a população.

     Eduardo parou no primeiro ponto que permite uma boa observação do interior da cratera, uma das paisagens mais incríveis que se pode ver no mundo. No interior da cratera, em função de um efeito estufa, forma-se um microclima que proporciona o desenvolvimento de várias plantas e árvores frutíferas.

     Seguimos adiante pela borda da cratera até a entrada da Cidade Sagrada de Orongo. Ali é que estão os famosos petróglifos dos "homens-pássaros". Apesar de os rituais ali praticados não interessarem diretamente aos nossos estudos, ouvimos atentamente as explicações de Eduardo:

     -Aqui, em Orongo, entre os anos 1600 e 1800, aproximadamente, acontecia anualmente uma competição entre os nativos para eleger o Tangata-Manu (homem pássaro), que reinava juntamente com o rei, por um ano.

     A competição consistia no seguinte: Cada chefe das tribos da ilha selecionava um homem forte e ágil que, competindo com os demais, deveria nadar até uma ilhota que fica à frente do Rano Kao, chamada Motu Nui, e lá apanhava um ovo do pássaro Manutara (gaivota do mar), nadar de volta e entregar o ovo ao chefe da sua tribo.

     Ao vencedor, eleito o Tangata-Manu, eram entregues seis virgens.

     Enquanto Eduardo mostrava os lugares onde se dava cada fase do ritual, comentei com o grupo que, na verdade, essa competição deve ter sido criada pelos mais sábios, porque os pasquenses naquela época já tinham o problema da consangüinidade provocado pelo extermínio iniciado após a conquista. Assim, com esse ritual que selecionava jovens para o acasalamento, buscando preservar e melhorar a raça.

     Esse problema, aliás, permanece até hoje, pois os pasquenses atuais são todos parentes entre si e para se casarem buscam parceiros fora da ilha.

     Tangata-Manu, o homem pássaro, hoje um dos símbolos da Ílha da Páscoa, é representado por ser meio homem, meio pássaro, com genitais masculinos e femininos. Sua lenda surgiu do deus Make-Make (deus nativo dos pasquenses), que, por sua vez, teria vindo à Terra (ou vindo de outra terra) para trazer o progresso à humanidade. As lendas de criação são idênticas ao relato bíblico e também muito parecidas com as de outros povos.

     Nesse costume da competição para se eleger o homem-pássaro é importante notar-se o detalhe de que as seis virgens selecionadas para serem entregues ao vencedor eram "branqueadas", ou seja, ficavam por vários dias reclusas, sem apanhar sol, pois os nativos acreditavam que isso melhoraria a raça.

     De onde tirariam a idéia de que uma raça branca seria superior?

     Não seria para "ficarem mais parecidos com os deuses" como também faziam os antigos povos peruanos, muito antes de terem conhecido ou de terem tido qualquer contato com os conquistadores europeus?

     Quem seriam os "homens brancos" considerados como deuses por todos esses povos? Seriam os mesmos que lhes ensinavam tecnologias que até hoje intrigam os pesquisadores?

     Lá pelo meio-dia já tínhamos ouvido todas as explicações sobre Orongo e, como combinamos que o resto do dia seria livre para que cada um fizesse o que bem entendesse, descemos a encosta do Rano Kao.

     Quando passamos pela hospedaria, alguns resolveram ficar e aproveitar a tarde para descansar e a outra parte do grupo seguir até o povoado para almoçar e fazer compras na parte da tarde.

     Eduardo nos deixou em frente ao prédio dos correios e voltou para casa, combinando ir apanhar-nos lá pelas seis da tarde.

     Lá pelas quatro da tarde, arranjamos uma carona e fomos visitar o pequeno museu arqueológico da ilha, lá encontrando explicações detalhadas sobre a antiga escrita Rongo-Rongo, que era grafada em tabuinhas de madeira, e um quadro comparativo da língua nativa, o Rapa Nui, com outras línguas, como o egípcio antigo, o grego e o hindu. E ainda muitas outras explicações sobre o deus Make-Make e sobre os homens-pássaros. Mas, sem dúvida, o mais interessante foi ver o único exemplar de um autêntico olho de moai, já que todos os outros foram totalmente destruídos durante as guerras tribais que se abateram sobre os pasquenses depois da conquista da ilha.

 

     A destruição foi tão avassaladora que só foi possível descobrir-se que as estátuas de pedra tinham olhos graças ao trabalho do arqueólogo pasquense Sergio Rapu Haoa, que encontrou, na área do Ahu Nau Nau, fragmentos de corais brancos lenticulares e cones de pedra-dome colorida que se encaixavam perfeitamente nas órbitas vazias dos moais.

     Na hora do jantar houve muita troca de informações entre o grupo, já que uma parte tinha ido para o povoado e visitado o museu e a outra tinha aproveitado também a tarde para visitar, bem perto da hospedaria, um sítio chamado Vinapu, onde muros de pedra lembram de imediato a técnica usada pelos incas em suas fabulosas construções.

     Fomos todos dormir com a mesma pergunta na cabeça: Teriam tido os pasquenses e os incas os mesmos "professores"?

 

Quando "eles" percebem que você é um

dos poucos que têm condições de se transformar

num ser humano, tomam todas as providências.

Fabricam até as coincidências da quais irá precisar.

 

     Chegou a véspera de partirmos. É costume, nesse dia, oferecer um jantar especial aos grupos que levávamos para visitar a Ilha da Páscoa.

     Naquela vez, entretanto, alteramos essa programação.

     Pela manhã, bem cedo, Eduardo procurou-me dizendo que precisava conversar comigo e sugerir que jantássemos juntos e que, antes do jantar, para que o pessoal do grupo não ficasse sem um programa para a noite, os levássemos ao Hotel Hanga Roa, o maior da ilha, para assistirem a um show folclórico.

   Assim, depois que todos saíram da hospedaria, fui falar novamente com Eduardo para saber o que ele queria conversar comigo.

     Tranqüilizou-me, mas deixou o suspense no ar. Fiquei curioso. Porém, resolvi esperar até a noite, porque tinha decidido aproveitar o dia para sair em busca daquele velho que encontrei no aeroporto e tentar esclarecer o tal mistério da Lua cheia de setembro, já que, quando eu menos esperava, suas palavras vinham à minha cabeça.

     Eduardo emprestou-me uma das kombis e saí para o interior da ilha. Fui a todos os recantos por onde já o tinha visto nas viagens anteriores e depois de ter gastado quase todo o combustível, desisti. Pensei:

     -O melhor é esquecer... Nem o conheço... Afinal, eu nem teria meios para voltar aqui em setembro... Quando trago grupos, a companhia aérea me dá as passagens... talvez... Se eu pedisse... Bobagem... Esquece...

     No fim da tarde, ouvi do meu quarto o pessoal voltando dos passeios, animado com as compras e com o que viu no povoado.

     Arrumei as minhas coisas, descansei e, quando já eram quase oito da noite, saí para falar com todos sobre a partida na manhã seguinte, antes que fossem assistir ao show.

     Pouco depois que saíram, Eduardo me chamou para o jantar.

     Lucília nos preparou um pisco-sour como aperitivo e sentou-se conosco.

     Eduardo logo entrou no assunto:

     -Como você sabe, eu e Lucília temos três filhos que estão na universidade, em Santiago. Vamos lá sempre que podemos e eles passam as férias de verão aqui.

     -Mas eu sinto saudades e me preocupo -completou Lucília. -Gostaríamos de ficar mais tempo com eles lá no continente.

     -E, para ficarmos ausentes por alguns meses, precisaríamos ter uma pessoa de confiança para cuidar de nossos interesses aqui -explicou Eduardo. -Não podemos deixar a casa fechada por tanto tempo. Apesar de sermos amigos de todos e de termos inúmeros parentes, achamos que não basta arranjar alguém que, vez por outra, venha aqui abrir a casa.

     Eduardo hesitou um pouco, olhou para Lucília e concluiu:

     -Bem... como você sempre demonstrou sua vontade de ficar aqui na ilha por uns tempos, desde a primeira vez em que nos visitou, eu e Lucília pensamos em lhe propor que venha e que fique aqui em casa enquanto viajamos. Assim, nós e você teremos a chance de fazer o que desejamos. Nós gostamos muito de você e gostaríamos que aceitasse.

     Fiquei surpreso com o convite. Na verdade, Eduardo e Lucília não me conheciam o suficiente para tal. Se somássemos os dias em que permaneci na ilha e sempre guiando grupos, não passariam de vinte e cinco. Mesmo assim, todos esses dias eram gastos com os vizitantes. Nós mesmos nunca tínhamos tempo para conversar e o pouco que sabiam de mim era bastante superficial. Poder-se-ia dizer que estavam sendo totalmente irresponsáveis convidando um estranho para tomar conta de sua casa. Quase simultaneamente lembrei-me do convite do velho e num relance cogitei de poder haver uma correlação entre o mistério que havia naquele homem e a coincidência desse inusitado convite que me possibilitava estar lá na época marcada por ele. Logo raciocinei sobre o absurdo que estava engendrando. Apenas uma coincidência, pensei.

     Eduardo notou minha hesitação em responder e acrescentou:

     -Você poderá ficar aqui, escolher um dos quartos e usar tudo da casa. Não vamos tirar nada. Poderá usar os carros também e até será bom para que a maresia não acabe por estragá-los. E, se quiser, poderá manter a hospedaria funcionando, se desejar atender os turistas que aparecerem...

     Eu não sabia o que responder. O que eles me propunham era a chance que sempre esperei para poder ficar por mais tempo naquele lugar e livre para desenvolver meus estudos. Eu podia ficar por meses, de graça. Bastava arranjar as passagens e um pouco de dinheiro para meu sustento. E poderia, também, estar na ilha na época em que o velho citou e descobrir se havia alguma coisa de interessante nisso também...

     Tudo parecia se resolver de uma maneira inacreditável.

     Respirei fundo e perguntei aos dois:

     -E em que época vocês pretendem viajar para Santiago?

     -Como eu tenho que deixar as coisas acertadas também no meu trabalho -respondeu Lucília-, pensamos em viajar lá pelo fim de agosto.

     Era o que eu queria ouvir. Estávamos em maio. Para voltar a tempo da Lua cheia de setembro, eu ainda tinha dois meses e meio para resolver meus problemas no Brasil. Tudo estava se encaixando bem demais para ser apenas uma coincidência.

     -Vocês querem uma resposta agora, não?

     -Seria bom -explicou duardo. -Amanhã você parte e para nós seria bom saber se você aceita ou não. Assim poderemos tomar nossas providências imediatamente.

     -Está bem -respondi. -Eu aceito. Procurarei estar de volta lá pelo dia vinte de agosto. Está bem assim pra vocês?

     Eduardo e Lucília se abriram num sorriso e disseram que estava ótimo. Terminamos nosso jantar brindando nosso acordo.

     Na manhã seguinte, todos acordamos bem cedo para pegar o avião que vinha do Taiti e que fazia escala em Páscoa às oito horas. Não havia alegria no grupo. Parecia que todos sentiam ter que deixar aquele lugar fabuloso. Por isso não contei a ninguém que em agosto eu estaria de volta e daquela vez para ficar por meses.

     Passei o resto do mês de maio e os meses de junho e julho preparando-me para aquela que seria a viagem mais marcante de toda a minha vida. Entusiasmado com a idéia de poder passar tanto tempo na Ilha da Páscoa e com tantas facilidades, nem me importava mais com o tal encontro com o misterioso velho.

     Acertei meus compromissos, separei tudo o que achava necessário levar. As passagens consegui com a empresa aérea em troca de realizar um vídeo sobre a ilha para usarem como publicidade. A agenda ficou em branco de 15 de agosto em diante, data que marquei para voltar à ilha, rumo a acontecimentos que jamais poderia supor que pudessem me acontecer.

 

Na sua busca, leve sempre em conta que

os pássaros, que você admira em vôos

majestosos, sempre passam parte de seu

tempo no chão.

Assim, se você passar toda a sua vida

somente tentando alcançar os que estão

voando, jamais perceberá os que estão ao

seu lado, pousados.

 

     Eu o vi de relance quando o avião ainda estava taxiando lentamente. Ele estava parado numa trilha que dá para a estrada do aeroporto. Tive a sensação de que ele sabia da minha chegada naquele vôo... Não poderia... Só se fosse adivinho...

     Quando desembarquei, não encontrei Eduardo nem Lucília, que tinham ficado de me esperar. Enquanto não chegavam, fui até o portão de entrada do aeroporto. De lá pode-se ver a estrada, pensei. Como para lembrar-me, o velho estava lá a uns trezentos metros de distância, parado no mesmo lugar da trilha transversal à estrada principal. Tão logo o vi, ele virou as costas e foi embora sumindo pela trilha. Parecia ter ido lá só para me lembrar.

     -Pronto, pronto, cá estamos- gritou Eduardo, dando uma gargalhada e me assustando ao encostar sua kombi, quase batendo nas minhas pernas.

   A casa estava do mesmo jeito, apesar de estarem às vésperas de partir por vários meses. Não tiraram nada, bem como me haviam dito. Estava tudo à minha disposição.

     Os dias passaram rápido.

     Eu estava tenso na partida deles para Santiago. Eduardo deu-me um monte de explicações, entregou-me as chaves e disse-me que o aparelho de TV que deixara sobre a mesa da sala era para eu colocar no meu quarto.

     -Para distrair-se um pouco, Pablito -disse, repetindo o apelido carinhoso que me deram.

     Atravessaram o pátio ajeitando os colares de conchas com que os pasquenses homenageiam todos os que partem. Quem recebe esses colares sempre volta, dizem.

     Logo o jato sumiu na junção do oceano com o céu, e lá estava eu, sozinho, bem no meio do Pacífico, no "Umbigo do Mundo".

     Não voltei logo para casa. Dirigi a kombi vagarosamente pelas encostas do Rano Kao. Estacionei perto da cerca que marca a entrada nas terras sagradas de Oromgo e caminhei até o penhasco.

     A uns cento e cinqüenta metros abaixo, as ondas azuis estavam calmas. O vento soprava fraco do Leste. Um bom dia para pescar atum, pensei. E, de fato, logo começaram a aparecer os barcos de pescadores, bem pequenos, lá embaixo, no mar.

     Deitei-me num barranco suave formado pelo teto de uma das casas antigas restauradas pelos arqueólogos.

     O horizonte imenso e curvo... "o maior horizonte que você pode vislumbrar da Terra"... lembrei-me de Eduardo falando aos turistas, repetindo sempre a mesma frase quando chegava àquele lugar.

     Eu estava ali, ainda sem saber que estava prestes a ter os horizontes do meu conhecimento fantasticamente engrandecidos.

     Nos dias que se seguiram eu fui adaptando-me, acostumando-me à rotina da ilha. Descobria, dia a dia, onde comprar isso ou aquilo.

     Minha pronúncia do espanhol às vezes criava situações engraçadas. A moça do armazém fez cara estranha quando lhe pedi dois quilos de arroz. Foi apanhá-los e voltou trazendo dois quilos de alho. Percebi que precisava estudar melhor a pronúncia de cada palavra, até mesmo daquelas que são "iguais" em Português.

     No domingo, quando eu já completava uma semana de "morador" da Ilha da Páscoa, fui assistir à missa da manhã, curioso em ouvir o coral que cantava os hinos na língua Rapa Nui. Nas viagens anteriores, nunca havia sobrado tempo para isso.

     Javier, irmão de Lucília, apresentou-me ao diretor do coral que, segundo ele, era o mais velho descendente do antigo e último rei de Rapa Nui, Hotu Matua. Esse ancião e alguns outros formavam um grupo não muito bem-visto pelo então governo ditatorial do Chile. Reivindicavam a retomada ao direito da terra pelos ilhéus, usurpando por um antigo e deturpado acordo feito por Hotu Matua com o governo. Diziam que o rei teria concordado em dar o direito de soberania do Chile sobre a Ilha da Páscoa, mas não o direito sobre a propriedade da terra.

     A verdade mesmo é que até aquele ano, 1987, os pasquenses não tinham direito algum sobre sua própria terra. A ilha era do governo, que lhes dava o direito de usar cinco por cento dos cento e dezoito quilômetros quadrados da área total. E, nesses mesmos cinco por cento, onde podiam construir suas casas sem, entretanto, ter a posse do terreno, ainda estavam as construções públicas, banco, quartel, hospital, aeroporto, prefeitura, casa do governador etc. etc. Eles queriam a ilha de volta para repartir a terra entre as várias famílias que compunham as antigas tribos. Isso era "altamente subversivo".

     Convidaram-me para conversarmos quando demonstrei interesse pelo assunto.

     -Vou buscá-lo à noite -disse-me Javier. -Não é bom que o vejam andando conosco por aí. Você é estrangeiro e pode estar certo de que os federais estão de olho em você. Aqui é fácil de se saber sobre cada passo de cada pessoa.

     Encontrei-me com eles várias vezes. Relatavam-me coisas incríveis e difíceis de acreditar, não só sobre sua atual luta, mas sobre tudo o que os pasquenses tiveram que enfrentar e suportar por serem um povo conquistado.

   Eu já sabia de alguns desses fatos terríveis atravéz dos relatos dos primeiros pesquisadores de Páscoa.

     Certa vez li em um livro de um arqueólogo francês sobre o que os marinheiros dos veleiros que aportavam na ilha, entre os séculos XVI e XVIII, faziam com as moças de Rapa Nui e tive náuseas.

     Ele contava que os marinheiros atraíam as moças com presentes, passavam a noite com elas e, na manhã seguinte, as atiravam ao mar para que voltassem para a ilha a nado. Elas, com um dos braços ocupado tentando conservar o que tinham ganho, nadavam com dificuldades. Enquanto isso, os homens do navio exercitavam tiro ao alvo, atirando nelas.

     Alejo, um do grupo, contou-me de sua adolescência. Disse-me que o sonho de todos os rapazes de sua época era escapar dali por causa dos maus-tratos que recebiam (Alejo era adolescênte em 1930) e também para tentar melhor sorte no continente. Relatou-me como fugiu da ilha com outros companheiros:

     -Prendemos couros de porcos por baixo das tábuas do último porão de um navio. Fizemos com elas uma espécie de rede e ficamos ali pendurados debaixo do porão, com água quase até a boca, escondidos por quatro dias. Só saímos quando o navio estava já bem distante da ilha, porque outros, que tinham tentado o mesmo, quando descobertos foram atirados ao mar para que voltassem a nado. Todos os navios eram muito bem revisados antes de partirem de volta para o continente e os que eram encontrados tentando fugir sofriam horrores.

     -Mas a gente tinha que tentar -completou outro ancião que tinha participado daquela aventura. -Aqui a gente tinha que trabalhar sem ganhar nada e não havia nem comida suficiente para todos. Não podíamos estudar também porque não havia nenhuma escola.

     Um outro, para completar, ainda disse-me que até os idos de 1950 eram castigados com açoite quando contrariavam alguma ordem dos comandantes militares da ilha.

     Demostrei a eles minha repúdia dizendo que se eu fosse pasquense e que se tivesse passado por tais coisas, hoje eu não permitiria que nenhum estrangeiro desembarcasse por lá.

     Os anciãos se entreolharam e sorriram e um deles comentou:

     -...Se você fosse pasquense?... Quem sabe não é?

     Voltei para casa naquela noite a pé, debaixo de um céu que não existe em lugar algum. Caminhar em Páscoa à noite é como estar a bordo de uma nave espacial cruzando o espaço exterior.

     ..."Quem sabe não é?... Quem sabe..."

     Perguntei às estrelas:

     -E vocês? Sabem?

     O terceiro dia da Lua crescente de setembro chegou e eu ainda não tinha conseguido encontrar o velho.

     Certo dia, decidi perguntar a Javier sobre o tal velho e ele brincou comigo:

     -Não. Não conheço ninguém desse jeito que você descreve. Vai ver que você andou se encontrando com algum Aku-Aku.

     Segundo as lendas, Aku-Aku são os espíritos dos mortos que vagam pela ilha. A brincadeira de Javier não me agradou, e senti arrepios. Mas o que me arrepiou mais ainda foi quando, dias depois, a vi surgindo do mar, brilhante como prata. Chegara, finalmente, a Lua cheia de setembro.

     Só me levantei da beira do penhasco onde me sentei para apreciá-la quando ela já estava alta no céu. Nem acendi os faróis para voltar para casa. Nunca tinha visto tal espetáculo. As estátuas de pedra pareciam criar vida ao luar. Senti medo, espanto e alegria por estar ali. Era como estar voltando para casa depois de muito tempo.

     ...Se eu fosse pasquense...

     ...Quem sabe não é...

     Logo as luzes do povoado começaram a borrar o quadro feito pela Lua com as estrelas, os moais e o mar. Acendi os faróis para atravessar as ruas. Nos bares, turistas misturavam-se com os pasquenses entre canções e pisco.

     Levei um susto quando vi o velho parado bem no meio do caminho e por pouco não o atropelei. Ele sorriu como se achasse tudo muito engraçado. Seu sorriso franco descontraiu-me e comecei a rir também.

     Ele saiu da frente do carro, deu a volta, entrou e sentou-se ao meu lado.

     -Vamos?

     -Para onde? -perguntei.

     -Eu lhe mostro.

     Dei marcha a ré e voltei para a estrada. Ele me indicou para seguir à esquerda. Íamos para o interior da ilha, concluí.

     Depois de uns três quilômetros ele quebrou o silêncio.

     -Bonito, não? -disse, referindo-se à noite enluarada.

     Acenei com a cabeça, concordando, prestando atenção na trilha estreita.

     -É por causa da localização da ilha no planeta -continuou. -É mesmo com se estivéssemos no umbigo do mundo. E o ar também ajuda. A atmosfera aqui é límpida e nos permite enxergar tudo bem melhor. Por isso, enxerga-se mais longe, tem-se um horizonte maior e podem-se ver mais as estrelas.

     Falava como se fosse uma conversa banal para passar o tempo, mas cada frase sua parecia entrar em mim com um significado mais profundo.

     Fomos até o extremo sul da ilha. Pelo menos, foi isso que me pareceu naquela hora. A estradinha terminou, de repente, num rochedo.

     -Chegamos -disse o velho, tirando uma lanterna do bolso do casaco. -Eu conheço bem o lugar, mas você vai precisar disto -falou, entregando-me a lanterna.

     Segui-o em silêncio. Contornamos o rochedo e logo estávamos numa gruta cuja entrada era totalmente escondida por arbustos e pedras. Tochas iluminavam o ambiente.

     -Sente-se -convidou-me, mostrando algumas peles de carneiro espalhadas pelo chão de pedra.

     Num fogão tosco, num canto, colocou mais lenha sobre as brasas e jogou algumas folhas numa chaleira que levou ao fogo.

     -Gosta de chá?

     Fiz que sim com a cabeça e procurei olhar em volta, disfarçando minha anciedade.

     Em reentrâncias da rocha, por toda a gruta estavam estátuas esculpidas em madeira, representando figuras lendárias da ilha. Moais, figuras estilizadas do homem-pássaro, o ovo do pássaro sagrado e algumas outras que eu ainda não sabia identificar. Instrumentos de esculpir e lascas de madeira num canto sugeriam que eram feitas ali mesmo.

     -É o senhor quem as faz? -perguntei, enquanto ele servia o chá.

     -Meu nome é Manu. Pode me chamar assim. Sim, sou eu quem as faço. Aprendi com os antigos. Pode tomar, é erva-cidreira -disse-me, bebendo um gole de sua xícara e completando:

     -Só não uso açucar, desculpe.

     -...está muito bom assim, obrigado.

     Ele sentou-se perto do fogão e me perguntou:

     -E você? Como se chama agora?

     -...Desculpe?

     -Qual é o seu nome?

     -Paulo...

     -Pois bem, Paulo -disse-me, colocando mais lenha no fogão. -Agora você entra numa nova fase do trabalho que precisa fazer. Para isso precisará estar em paz completa, para que sua mente se abra totalmente. Nos encontraremos quantas vezes for preciso para eu lhe ensinar o que você deve retransmitir aos que o procurarem.

     -Mas eu nem conheço o senhor... Você, Manu -corrigi. -Quando tentei achá-lo, perguntei sobre você e parece que ninguém o conhece. Desculpe por eu desconfiar, mas é que nesses anos todos conheci muita gente fanática e outros tantos cheios de imaginação e fantasias.

     -Você já aprendeu sobre a paciência. Se aplicá-la agora, verá que vale a pena ouvir o que tenho para lhe dizer. E tenho a certeza de que aqueles que nos guiam convencerão você a ouvir e a aprender.

     -E o que você tem para me dizer?

     -Bastante coisa, mas o mais importante é ensinar-lhe como é vital que encontre uma determinada pessoa...

     -Outra?

     -Calma... Venha comigo.

     Levantou-se e acendeu uma tocha no fogão. Dirigiu-se para um lado da caverna e, afastando algumas peles penduradas, deixou aparecer uma pequena entrada na rocha.

     A passagem estreita mal dava para uma pessoa. Andamos uns cinco minutos. De vez em quando Manu parava para me chamar a atenção sobre irregularidades no piso ou para alguma rocha mais baixa no teto.

     De repente, a passagem se alargou. Entramos numa outra caverna maior do que a primeira. Com a tocha que trazia, Manu acendeu muitas outras presas às paredes. Prateleiras feitas de lajes e lascas de pedra forravam toda a caverna, do chão ao teto. Mal podia acreditar... Eram centenas de tábuas da antiga e supostamente perdida escrita Rongo-Rongo.

     Todos os historiadores dizem existir apenas umas vinte e poucas daquelas tábuas espalhadas por museus de todo o mundo e ali estavam sei lá quantas, escondidas debaixo do nariz de todos.

     Manu fincou a tocha que trazia numa fresta do chão. Sentou-se ao lado dela. Abriu os braços mostrando seu tesouro e falou:

     -E então? Não valeu a pena encontrar-se comigo?

     -Como você conseguiu? Nunca ninguém descobriu? Seu conhecimento vem disto?

     -Calma, rapaz, uma coisa de cada vez. Estou lhe mostrando isso porque sei que você é bastante teimoso e que precisa ser convencido. Mas sei que não será só isso que o convencerá. Aliás, você nunca mais as verá.

     -Quer dizer que só você sabe que existem?

     -Eu e uns poucos mais.

     -E eu não posso falar disso?

     -Se quiser, pode. A maioria não acreditará e quem tentar não as encontrará.

     -Mas eu posso voltar aqui, fotografá-las, trazer outras pessoas -disse num desafio.

     -Tente -respondeu o velho, sorrindo.

     -Mas se você vai me ensinar o que está escrito aí seria mais fácil...

     -Seria mais fácil provar? Você já não entendeu que nesse tipo de aprendizado, no aprendizado da alma, as provas de nada valem para a evolução do ser? Não lhe falaram sobre o que se assimila pelo sentimento? Nem do valor dele?

     -Desculpe... Você tem razão -tive que concordar.

     -Eu não vou lhe ensinar nada. Você é quem vai aprender, a partir de algumas informações que vou lhe dar. Grande parte do que está escrito aqui você já sabe porque já lhe foi dito de outra maneira. E o principal que tenho para contar-lhe é específico para você, para a continuidade de seu trabalho e também porque é seu direito.

     -Não entendo...

     -Quando alguns se dispõem a realizar trabalhos pela humanidade, muitas vezes abrem mão de coisas realmente importantes. Você abriu mão, por algum tempo, daquilo que lhe é o mais valioso e agora é hora de tê-lo de volta.

     -E aquilo que vou aprender terei de guardar só pra mim?

     -Não. O que fará com o que receber de volta é critério seu. Se decidir que deve ensinar a outros poderá fazê-lo. Na minha opinião, acho que deve fazê-lo aos que lhe pedirem para aprender. Não deve impor o que sabe a ninguém. Deve lembrar-se sempre de que o que vale é o sentimento, e, assim, os que sentirem que devem procurá-lo o farão. Aliás, isso está prestes a acontecer e, como serão muitos, deverá estar forte e completo para poder dividir o que sabe.

     O que você quer dizer com estar completo?

     -Isso é o que você veio aprender aqui. Amanhã começo a lhe ensinar. Agora você deve ir.

     Manu levantou-se. Apanhou a tocha e uma pequena lasca de obsidiana do chão e colocou-a em minha mão.

     -Guarde com você.

     Saímos juntos da caverna e ele me acompanhou até o carro.

     -Como o encontro? -perguntei.

     -Eu encontro você.

     Fiz um grande pedaço da trilha de marcha a ré até encontrar um lugar onde pudesse manobrar.

     Pensei estar voltando pelo caminho que usei para ir, mas logo passei por uns monumentos situados no lado oposto da ilha, onde eu supunha estar a caverna de Manu. Fiquei confuso e momentaneamente desnorteado. Afinal, para onde Manu teria me levado? Para o extremo sul ou para o extremo norte da ilha? Certamente encontrou-me à noite já com o propósito de me confundir quanto à direção da caverna.

     Cheguei em casa ao amanhecer. Dormi até as dez horas e depois fui preparar meu almoço, querendo acreditar que tivera sonhado tudo aquilo.

     Quando tudo começou há vinte anos, a todo momento eu procedia daquela mesma maneira, querendo "escapar" do que estava acontecendo.

     Coloquei a mão no bolso procurando um fósforo para acender o fogão e o pequeno pedaço de obsidiana que Manu me dera desfez minhas esperenças de apenas ter imaginado o que acontecera durante a noite.

     Passei o resto do dia pintando para me distrair e à noite saí para jantar fora. Ao voltar, esperava encontrar Manu no meio do caminho a qualquer momento. Não o vi naquela noite e nem no dia seguinte.

     Dois dias depois daquela nossa conversa na caverna, saí pela manhã para ir ao correio e encontrei Javier. Convidei-o para tomar uma cerveja e decidi lhe contar sobre o velho, revelando quase tudo. Não falei nada do último encontro, e, ao final, Javier deu a sua opinião:

     -Olhe, eu acho isso claro como água. Você encontrará pessoas como essa em qualquer lugar com estas características. Se for a Machu Picchu ou às Pirâmides do Egito, você vai encontrar gente assim, fingindo-se de bruxo, disposta a lhe vender segredos milenares por meia dúzia de dólares.

     -Ele não me pediu nada.

     -Não pediu ainda; pedirá, tenha certeza, meu amigo -disse categórico.

     Dei razão a ele para não discutirmos inutilmente e continuamos a tomar nossa cerveja falando de outras coisas. Não ousei falar sobre a caverna nem sobre as tábuas com inscrições. Resolvi esperar. E não precisei esperar muito.

     Despedi-me de Javier. Na volta, passei pelo cais dos pescadores para ver se conseguia comprar um pedaço de atum. Consegui e segui para casa pensando em preparar um bom almoço. Atum frito com purê de batatas.

     Quando peguei a estrada já perto do aeroporto, vi Manu a uns duzentos metros à frente. Apressei o passo e o alcancei quase na entrada de casa.

     -Yorana kori -saudou-me.

     -Yorana... -respondi meio cansado pela caminhada apressada. -Você sumiu -comentei.

     -Pronto, já apareci! -respondeu Manu, brincando.

   -Vamos almoçar? - convidei, mostrando o pacote de atum e Manu acompanhou-me, sorrindo.

     Coloquei as batatas na panela de pressão enquanto Manu cortava o atum em fatias finas. As batatas cozinharam em cinco minutos e pedi a Manu que fritasse o peixe enquanto eu as amassava para fazer o purê.

     Manu mastigou o primeiro pedaço de atum, bebeu um gole do vinho branco gelado e aprovou tudo, balançando a cabeça. Lembrei-me do que Javier tinha falado.

     -O que você faz para sobreviver, Manu? -perguntei, enquanto reparava como comia. Era polido demais para um velho nativo que mora numa gruta de pedra.

     -Você viu as estatuetas de madeira lá na caverna. Tenho um amigo que as vende para mim.

     -Isso dá para viver?

     -Se você reparar bem à sua volta enquanto estiver aqui, notará que, se quiser, poderá viver aqui sem um centavo.

     -Isso é meio difícil -contestei.

     -O proprietário da gruta -continuou Manu apontando para cima -não me cobra aluguel. Frutas, você as encontra por aí. Se quiser comer lagosta é só ir para a beira d`água à noite com uma lanterna e apanhá-las com a mão. Não preciso mais do que isso.

     -...É... -respondi e acabei de almoçar em silêncio. Aquele velho me desconcertava.

     -Quero lhe mostrar umas coisas -disse Manu, levantando-se.

     Segui Manu e, tão logo saímos para a estrada, ele a deixou, enveredando-se pela campina.

     -Veja -disse, apontando para as goiabeiras carregadas. Depois parou adiante de alguns arbustos. Colheu algumas vagens e me mostrou os feijões.

    -São deliciosos -comentou. Mais para a frente abaixou-se perto de ramagens bem verdes, cavou, mostrou-me batatas-doces e disse, em seguida:

     -Goiabas, feijões, batatas... Eu não preciso dos seus dólares.

     Ele foi direto ao ponto. Energético, mas sem parecer estar zangado.

     Eu o segui envergonhado. Andei quilômetros atrás dele como um cachorro atrás de seu dono. Não trocamos nem mais uma palavra até que ele se sentou no alto de uma colina. Sentei-me a seu lado. Ele sorriu, colocou a mão sobre meu joelho e apontou para o povoado que se podia ver dali do alto.

     -É uma questão de escolha. Os que vivem lá ocupam seus dias em busca de recursos para poderem comprar muita coisa que julgam precisar além de goiabas, feijões e batatas.

     -Estão errados? -perguntei.

     -Errados? Não. Podem estar iludidos ou equivocados se por acaso se deixem escravizar por aqueles valores.

     -Mas o mundo é assim.

     -É assim, agora. Já foi diferente. Existiam valores mais nobres numa época em que o terrestre não estava separado do Cosmos.

     -Certamente uma época bem remota.

     -É verdade. Mais isso não impede que alguns busquem resgatar o conhecimento que lhes dava aquela condição.

     -Mas por que isso deve ser feito? Parecem felizes como estão.

     -Por caridade, talvez. Porque sabemos que podem alcançar uma felicidade duradoura. Por amor.

     -E esse conhecimento do qual você fala? Está todo naquelas tabuinhas? É sobre isso que devo aprender?

     -Não. Ali está parte dele. E muita coisa você já sabe. Minha tarefa é lhe revelar um tópico desse conhecimento.

     -Qual?

     -Suponha que você tenha um caminho a percorrer e que ao longo desse caminho você tenha que cruzar alguns marcos e que em cada um deles você receba um ferramenta que lhe propiciará facilidades para continuar adiante.

     Manu apanhou uma varinha e continuou, traçando uma linha reta no chão.

     -Este -disse -é o nosso caminho, vamos chamá-lo de Caminho dos Magos. Aqui -falou apontando para o começo da linha -é o início e ao longo dele você encontra Sete Portais -continuou traçando sete linhas transversais sobre a reta. -Em cada um desses Portais você alcança uma das Sete Virtudes Divinas. Primeiro o Amor, depois a Força, depois a Sabedoria, a Pureza, a Verdade, depois o Perdão e, por fim, a Transmutação, a Nova Vida. A mim cabe levá-lo novamente ao Primeiro Portal para que você reconheça o Amor e possa, assim, guiar os outros até ele.

     -Não compreendo por que você diz que vai me guiar novamente para que eu o reconheça?

     -Você, ou melhor, sua essência, já trilhou o Caminho e, como todos que o fazem, já adquiriu tais virtudes. Entretanto, sua essência, seu espírito ficou mais identificado somente com uma dessas virtudes. É como se você fizesse um curso e depois se especializasse apenas em uma das matérias que estudou durante o curso, compreende?

     -Sim.

     -Pois é isso. Alguns estão ligados ao Amor, outros à Pureza, outros à Sabedoria e assim por diante. Isso é o que caracteriza os espíritos como se os juntasse em grandes famílias, ou falanges espirituais ou como queira chamar. O mundo dos espíritos é um mundo de energias e vibrações. Assim, para cada uma dessas linhas ou falanges espirituais, para cada raio vibracional, para cada uma dessas virtudes, há uma vibração, uma determinada freqüência, uma cor, um som, uma relação com este ou aquele astro etc.

     Em seus estudos você já viu que algumas pessoas usam as energias e as vibrações das cores para curar, não? O verde serve para tratar disso, o amarelo daquilo etc. São sete raios de vibrações. Para cada uma dessas vibrações ou raios, para cada uma dessas virtudes, temos um guardião, um ser que o representa, que personaliza uma dessas virtudes. Esses guardiões, mestres, ou como queira chamá-los, são reconhecidos na Terra por vários nomes, segundo as correntes religiosas ou filosóficas que os mencionam. Os nomes variam porque esses seres ou aqueles por eles enviados também variam suas formas de manifestação adaptando-se às circunstâncias de cada contato que fazem. Compreende?

     -...Mais ou menos.

     -Por exemplo: suponha que um ser ligado a um determinado raio vibracional decida se comunicar para transmitir um ensinamento, uma mensagem a uma pessoa que seja católica. De acordo com o grau de influência dessa religião sobre aquela pessoa escolhida para a comunicação, ele decidirá como irá se identificar para aquela pessoa. Se ele concluir que será mais bem recebido, mais bem aceito se se identificar como um santo venerado por aquela religião, assim ele o fará, sem dúvida.

     -Compreendi. Mas, eu gostaria, então, que você me explicasse sobre a real identidade deles. Você disse que eles se manifestam de várias maneiras, adaptando-se ao caos que existe aqui com relação à variedade de crenças e costumes. Mas, na realidade, quem são? São espíritos, anjos ou o quê?

     -Não lhe falei sobre a simplicidade do Universo? Pois, então? Eles são apenas pessoas como nós, com mais tecnologia, conhecedores de outra ciência, mais evoluídos, mas homens como nós.

     -Exatamente como nós?

     -Há uma diferença...

     -Qual?

     -Eles são humanos.

     Acho que Manu falou disso apenas para lembrar-me dessa afirmação que eu já tinha ouvido há tantos anos. Quando eu não me conformava em não poder descrever aqueles sete seres que vi, apesar de serem fisicamente iguais a nós, eles me disseram que eu não o conseguia justamente por isso, porque eles eram humanos.

     -Seres que atingiram aquilo que a Criação imaginou para o homem. Consegue conceber isso? -continuou Manu, como se quisesse completar meu pensamento.

     -Acho que as pessoas jamais aceitarão que seus santos, mestres ou guias são apenas seres humanos que atingiram tal estágio -comentei.

     -Os que trilham o caminho certo sem se desviarem por atalhos conseguem. Mas esse é um comentário a ser feito a caminho de outro portal. Eu lhe falava de nomes... Nós precisamos de nomes para nossas meditações, para nossas invocações. As pessoas lhe perguntarão sobre nomes e eu lhe sugiro que use então os nomes usados pela Teosofia. Por exemplo, para a virtude da Força, o guardião é o Mestre El Morya; para a Sabedoria, o Mestre Kuthumi; para a Pureza, o Mestre Serapis Bey; para a Verdade, o Mestre Hilarion; para o Perdão, o Mestre Jesus; e para a Transmutação, o Mestre Saint-Germain.

     -E o Guardião do Amor? Você não falou nele...

     -Lembre-se de que eu lhe disse que estamos caminhando em direção a ele. Rumamos, com nossa reflexões, em direção ao Primeiro Portal. Com nossa meditação sobre o que estamos aprendendo, além de percorrermos um caminho físico em direção ao que simboliza esse Portal na Terra, mentalizamos também estar percorrendo um caminho imaginário. Aproveite, então, a sua mente, deixe seu sentimento fluir, imagine o Portal e o Guardião do Amor. Não importa como isso irá se desenhar em sua mente. Solte seu sentimento e procure ver. Vamos fazer um intervalo sobre o que conversávamos e mentalizar... o caminho... o Portal...

     Fechei os olhos enquanto Manu induzia minha mentalização.

     Imaginei-me caminhando, mas não conseguia sentir detalhes do caminho imaginário que percorria. Não sabia se era longo, se era fácil ou penoso. Sentia apenas que caminhava. Adiante havia algo como um marco... Uma pedra... Aproximei-me... Senti duas presenças... Um homem e uma mulher...

     -Um homem e uma mulher... Não vi guardião algum, Manu. Apenas um homem e uma mulher.

     Abri os olhos. Manu estava sorrindo.

     -Bom, muito bom -comentou, concordando.

     -Mas você disse que em cada Portal havia um guardião... Como...?

     -Calma, preste atenção. Eu lhe disse que não ia lhe ensinar tudo. Falei que ia retransmitir informações. E não basta que você as aceite. Se fizer só isso, de nada adiantará. É preciso que estude, que examine, que analise, que reflita sobre cada informação que recebe e que tire conclusões. Considere que cada informação é uma chave para abrir uma porta. Muitas informações, várias chaves para muitas portas. Se você receber essas informações da mesma maneira como se estivesse lendo um livro para passar o tempo, elas de nada lhe valerão. Se assim fizer, apenas terá um momento interessante e o momento passará, se perderá. Veja nas informações que recebe um livro em que estuda, um livro que lhe apresenta exercícios sobre os quais você precisa refletir, reler, intuir, deduzir, resolver, descobrir. E não tenha medo da sua intuição. Aprenda a ouvi-la. Ela é a voz interior, a voz do espírito adormecido. Muitas informações que recebemos são chaves para despertá-lo. Uma informação precipita outras, fruto do conhecimento que ele já tem. Quando isso acontece, basta a ele mandar ao consciente essas outras informações complementares. É a intuição.

     -Tenho medo de me deixar guiar pela imaginação -comentei.

     -Treine, então. Seja o seu próprio juiz. Treine a auto-análise. Fiscalize, medindo tudo com o seu sentimento. Mas não vamos nos desviar do assunto. Depois lhe falarei sobre essa análise. Agora vamos voltar ao assunto dos guardiões.

     Manu deve ter reparado na minha cara de cansado. Deu uns tapas no meu joelho e sorriu como que para me animar. Eu me esforçava por ordenar meus pensamentos e ele continuou:

     -Deixe... Deixe... Não pense em mais nada agora. Relaxe. Volte para casa. Tome um banho e descanse. Amanhã, eu o espero aqui e a gente continua.

     Fiz o que ele sugeriu. Na manhã seguinte, bem cedo, encontrei-o no mesmo lugar. Se ele não estivesse com outra roupa eu poderia jurar que tinha passado a noite ali.

     Sentei-me na grama à sua frente e ele me ofereceu algumas frutas.

     -Descansou?

     Fiz que sim com a cabeça e comentei:

     -Só não consegui descobrir por que vi ou senti, sei lá, um homem e uma mulher no Portal...

     -Pelo jeito você não descansou muito...

     -...É... Mais ou menos... É meio difícil a gente parar de pensar...

     -É... Eu sei. Sabe? Certa vez me contaram uma história de um rapaz que foi para a Índia para instruir-se num mosteiro daqueles. Dizem que no primeiro dia em que ele esteve no mosteiro, quando foi pedir para que o admitissem, um dos monges advertiu-o de que para ser admitido ele teria que passar por uma prova e disse ao candidato a discípulo: "Agora vá pra casa e volte amanhã. Porém, durante o tempo em que estiver fora daqui não pense em elefantes." No dia seguinte, o discípulo chegou implorando por ajuda: "Mestre, pelo amor de Deus, faça com que eu pare de pensar em elefantes. Não agüento mais."

     Compreendi que Manu estava me comparando ao discípulo dessa história e tentei justificar:

     -Não é bem assim...

     -Claro que sim. Você manteve o pensamento fixo no casal que viu no Portal. Não procurou raciocinar sobre o fato. Se o fizesse, já saberia o porquê. Já não lhe tinha falado sobre a dualidade dos seres? Sobre o fato de só se completarem quando juntos de suas almas gêmeas? E então? Por que você não deduziu que um ser com toda a evolução, com todo o Conhecimento, um dos Sete Guardiões, que por ser tão evoluído é a representação viva de uma Virtude Divina e a personifica, poderia ser um homem sozinho ou estar sozinho?

     -Quer dizer que...?

     -É isso mesmo.

     -Mas, e os outros? Você citou para cada Portal apenas um nome...

     -Eu lhe sugeri que usasse nomes conhecidos na linha teosófica e que têm boas vibrações. E a Teosofia bem como outras correntes místicas ou filosóficas só citam um nome. A parte feminina sempre foi, infelizmente, esquecida. Mas, repare: esse é um detalhe que é um verdadeiro filão de informações. Note que mesmo na Teosofia, que cita e venera nomes masculinos dos Mestres, atribuindo a cada um deles também um Raio ou a Chama Rosa, cita dois seres: Paulo, o Veneziano, e a Mestra Rowena. Isso sugere que nem todo o Conhecimento foi perdido ou deturpado. Poderíamos supor até que para trabalhar com esse raio específico seria impossível não citar a parte feminina, ou seja, seria imprescindível citar o ser completo.

     -Então, quando eu vi os dois eu não estava imaginando?

     -Claro que não. É bom que isso lhe sirva de lição e que o incentive a deixar fluir melhor seu sentimento.

     -Deduzo então que para cada um desses seres masculinos há um outro, seu complemento feminino?

     -Exatamente.

     -E os nomes?

     -Para usarmos os nomes dos respectivos seres femininos teríamos que inventá-los, contudo, isso não vem ao caso. Os nomes só servem para os identificarmos quando os mencionamos ou os mentalizamos. Seriam muito úteis se pudéssemos conhecer os nomes ou sons verdadeiros que os identificam. Nesse caso, funcionariam como mantras poderosos...

     -Por que os nomes femininos são desconhecidos ou não foram citados em contatos? Se existem nomes masculinos que podemos usar, por que não existem os outros?

     -Poderíamos dizer que existem dois motivos principais: o primeiro é aquele causado pelo esquecimento, pela deturpação ou mesmo pela destruição do Conhecimento Cósmico. Os antigos cultuavam a Grande Mãe, o Supremo Poder Feminino, criador, gerador de tudo. Até há bem pouco tempo os magos da Idade Média, por exemplo, detinham esse conhecimento. Isso foi sendo abafado aos poucos. O culto da Deusa e dos outros grandes seres femininos foi sendo abandonado, substituído pelo culto ao Deus Pai, ao Deus Patriarcal. Os cultos antigos ligados à Deusa, ligados à fertilidade, à beleza, à beleza, à pureza, à criação foram rotulados de cultos bárbaros e primitivos, e banidos. Isso gerou muitas deturpações, até mesmo esta de ser quase impossível para nós, hoje, imaginarmos esses seres mais evoluídos, em quem depositamos nossas esperanças de renascimento, acompanhados de suas respectivas partes femininas, ou melhor, de suas companheiras. Imagine você falar para um religioso de mente fechada que o Arcanjo Gabriel tem uma mulher. Ou então falar: "Se a Mãe quiser", em vez de "se Deus quiser".

     -Isso seria algo como o Aspecto Divino de Maria, estudado pelos teólogos?

     -Certo. A importância dada pelos católicos, por exemplo, à Virgem Maria, nada mais é do que o resquício de um conhecimento que não foi apagado totalmente em função de ser, no fundo, a Verdade.

     -Lembro-me de que certa vez perguntei àqueles seres que contatei sobre o fato de mencionarem sempre o Cristo e Jesus e nunca falarem de Maria. Eles me disseram que sobre esse ser não ousavam falar...

     -Por isso é que repito quão importante é você refletir sobre cada frase, sobre cada informação que recebe. Com essa informação, você já poderia ter deduzido a muito tempo sobre a grandiosidade indescritível da parte feminina. Veja as informações como peças de um grande quebra-cabeças que pode ser montado vagarosamente. Junte essa informação com aquela outra em que os seres lhe disseram que compunham um Grande Conselho Universal, composto por eles sete e por mais dois, um homem e uma mulher. Por que não disseram que eram oito homens e uma mulher?

     -Disseram que eram sete mais dois, mas que não eram nove. Afirmaram que não podiam ser citados como sendo nove porque aqueles outros dois, o casal, eram infinitamente superiores a eles...

     -Nessa ocasião já estavam, sutilmente, fornecendo informações preciosas a você sobre a extrema importância do ser unido à sua outra parte. Mas você não refletiu sobre isso. Bem, não faz mal. Tudo vem a seu tempo e sua hora. O importante é que você absorva essas informações. Elas lhe serão úteis agora e sempre. Depois, à medida que for caminhando em direção aos outros Portais, elas lhe serão úteis, até mesmo para a reformulação do conceito sobre a Divindade e a Criação.

     -Quer dizer que até nisso estamos sendo enganados?

     -O Conhecimento verdadeiro liberta. Quem quer que as pessoas sejam livres?

     -Acho que essa é a finalidade maior do que tenho aprendido e do que você está me ensinando...

     -Tentamos auxiliar a pessoas a mudar seus valores, a se libertarem e a serem livres.

     -Isso é possível?

     -Para alguns será. Com o que aprenderem, corrigindo suas informações básicas da espiritualidade, ou melhor, do que é o Universo em sua totalidade, usando um pouco da ciência oculta para facilitar suas ligações, seus contatos com seres que os podem ajudar na caminhada, poderão aprimorar seus conhecimentos e atingir a paz.

     -Antes que você continue, Manu, gostaria que esclarecesse um detalhe que ainda não compreendo. Não vejo muita justificativa para o fato de eu precisar ter vindo para cá para aprender essas coisas. Se você confirma que o que fiz até agora foi verdadeiro porque decorreu de um contato real e se tudo o que fiz foi também apenas retransmitir o que aprendi através dele, por que essas novas instruções não poderiam ser dadas da mesma maneira?

     -Existem pessoas que estão extremamente ligadas às vibrações de determinados lugares do planeta. Por laços de encarnações anteriores ou por determinantes da missão que porventura estejam cumprindo. Além disso, da mesma maneira que algumas pessoas são ou se tornam depositárias de conhecimentos, os antigos também depositaram em alguns lugares facilidades para que outros pudessem, como eles, estabelecer contato com algumas frequências de energia. Por isso é que lugares como os templos maias, incas e aqui na Ilha da Páscoa e muitos outros são especiais para essas práticas. E não só lugares, mas alguns objetos se tornaram "depositários" de energias e vibrações específicas que facilitam o acesso a determinados conhecimentos ou para dotar aqueles que os utilizam corretamente de certos dons ou ainda simplesmente para facilitar objetivos.

     -Nesse caso...

     -Nesse caso -continuou Manu -, você está aqui porque neste lugar está um "depositário" que lhe dará melhores condições de atingir e de receber o que lhe está reservado. Isso ainda aliado a uma circunstância astrológica propícia que completa a facilidade maior para se atingir o objetivo.

     -Isso é magia...

     -Magia é tudo o que ainda não é compreendido pela ciência terrestre. É a utilização de uma ciência oculta, desconhecida da maioria. Quando, por exemplo, numa festa de aniversário, você coloca velas sobre um bolo, as acende, e, ao apagá-las, você faz mentalmente um pedido, acreditando que será atendido, você está praticando magia, porque, num determinado dia, utilizando um objeto de ritual, no caso as velas, você, na verdade, para mentalizar e fazer um pedido está manipulando vibrações e energias que desconhece e tentando com isso atingir um objetivo comandado por sua mente. O mesmo acontece quando você faz uma oração dirigindo sua palavra para um suposto ser superior, supondo que com aquelas palavras verbalizadas ou mentalizadas você se faz ouvir.

     -Só que as pessoas não vêem a magia dessa maneira...

     -Aí é que entra uma espécie de hipocrisia inconsciente. Um cientista que critica um sensitivo que diz receber informações vindas de fora da Terra, tachando-o, no mínimo, de charlatão, dizendo que para se conseguir isso a ciência necessita de poderosos e sofisticados transmissores que ainda não estão aperfeiçoados, vai normalmente a um templo e reza acreditando que ele pode, com sua mente, transmitir uma mensagem para o céu ou sabe-se lá para onde. Ele, cientista, considera absurdo admitir sequer a possibilidade de um indivíduo ser dotado de um dom que possibilitasse esse contato. Entretanto, ao rezar, ele tenta a mesma coisa. A diferença é que, para ele, rezar é costume e desenvolver uma faculdade extra-sensorial, não.

     Assim, o que se pode notar claramente é que não existe o respeito humano e fica evidente, também nesse particular, como se instaurou o processo de imposição de padrões de comportamento. Imposição essa sustentada por falsas verdades criadas com esse propósito. Com base no conceito deturpado sobre o que é bom ou o que é ruim, sobre o bem e sobre o mal, ficou fácil exercer um controle sobre as pessoas afastando-as de determinadas práticas que só poderiam beneficiá-las. Hoje você fala em magia e a primeira reação do leigo é que isso é algo maléfico.

     Procure deixar claro para as pessoas que mágico é tudo o que se faz, tudo o que se estuda e se pesquisa além dos limites da ciência, mas que é também tudo o que vai além dos valores mesquinhos do homem.

     Mágico é trabalhar com o invisível. Mágico, hoje, é ter respeito humano. É receber a Mensagem do Cosmos, é usar a cor e o cristal para curar e é ver o destino nos astros. É saber cuidar do corpo, da mente e do espírito, é montar um ritual para a vida, conhecer o oculto, harmonizar-se com os anjos e com as fadas, é ser gente das estrelas amando a Terra. É amar a todos e ser amado por todos. Isso é a magia do ser.

     E todos podem ser magos, mas nunca será mago o desequilibrado e nem o que cultiva o desamor.

     Não é mago o empresário que tem escravos em vez de colaboradores. Não é mago o governante corrupto, nem o racista, nem o que destrói a natureza, nem o repórter que dá palpite sobre o que não conhece, nem o médico que busca a riqueza pela medicina.

     Mago é o cientista de mente aberta, o jornalista que apenas informa. Mago é o pacífico e o que é justo.

     Mágico é curar com os cristais, com as cores, com as plantas, com as flores ou só com as mãos. É trabalhar com terapias alternativas.

     É ter um contato com o Cosmos, manter esse contato e saber fazer outros entrarem em contato.

     Mago é o pesquisador que persegue a cura da doença.

     Mago é o que consegue ver a sua própria realidade antes de buscar descobrir os segredos da realidade das estrelas.

     Mágico é viver pela eternidade, mas conseguir receber aqui mesmo os tesouros que as traças não comem.

     Mágico é encontrar a alma gêmea e viver o amor eterno.

     Magia é profetizar o apocalipse como a revelação de cada um.

     É a coragem de ser pioneiro, sonhar e trabalhar pela utopia da Nova Era.

     Mágico é descobrir, compreender e aceitar que Deus é um homem e uma mulher.

     Mágica é a iniciação.

     É deixar de ser alienado e descobrir que bem e mal não existem.

     É ter coragem de se olhar no espelho.

     Mágico é o mistério dos OVNIs e os segredos dos maias.

     Mágico é o dinheiro honesto.

     É lembrar-se de comprar dois pães em vez de um.

     Mágico é proteger a criança.

     É não ter medo de quebrar as algemas.

     É o saber. É a luz do conhecimento.

     É o bom livro, a música e o incenso.

     Mágicas são as artes.

     Mágico é ajudar.

     Ser mago não é só fazer de vez em quando um ritual mágico. É fazer do dia-a-dia um ritual de amor.

     Ser mago é destruir os castelos de areia do equívoco e da fantasia e ser o arquiteto da base sólida da casa humilde da verdade.

     Ser mago é não julgar, mas providenciar o espelho.

     Os dogmas não são mágicos, nem querer que as pessoas tenham fé cega é magia.

     Ser mago é mostrar o caminho da certeza de cada um.

     Mágica seria a religião sem regras, sem promessas e sem ameaças.

     Mago é o que tem poder para e não poder sobre.

     Magia negra é não ter respeito por tudo e por todos.

   Magia grande é descobrir que o poder maior está no sentimento humano. Essa é a magia de ser.

     Manu estava sentado no chão com as pernas cruzadas e as mãos sobre o colo. Terminou de falar, fechou os olhos e abaixou a cabeça como se estivesse rezando ou meditando. Não tive coragem de falar nada enquanto ele permaneceu assim. Tudo em volta parecia reverenciar suas palavras. Uma energia muito forte o envolvia e tomou conta de mim também. Era invisível e não precisava mesmo se mostrar para me dar a certeza de que havia uma terceira pessoa ali conosco naquele instante.

     Quando se foi, Manu levantou a cabeça, abriu os olhos e sorriu. Eu, para que pudéssemos continuar a conversa, fiz outra pergunta:

     -Você falou sobre lugares especiais, "depositários" de energias e vibrações propícias ao aprendizado. Para as pessoas percorerem o que você chama de Caminho dos Magos será necessário que visitem esses lugares?

     -Em princípio, sim. Porém, conhecidas as circunstâncias materiais nisso implicadas, nós poderemos oferecer meios para aqueles que, impedidos de estarem nesses lugares fisicamente, mesmo assim possam obter os benefícios de outra maneira.

     Há uma forma física de se percorrer esse caminho e uma outra, mental. Certamente aquele que puder percorrê-lo das duas formas será beneficiado com uma torrente maior de vibrações e energias; porém, isso não impedirá que os outros também o consigam, mas com um grau de dificuldade maior.

     -Sinceramente, não acho isso muito justo -comentei.

     -Eu também não. Não acho justo que uma pessoa com uma doença e que resida num país pouco desenvolvido morra porque não teve recursos para procurar a cura que já existe em um outro lugar. Mas não fui eu e muito menos os Deuses que fizeram o mundo assim e milhagres não existem. O que existe é uma ciência superior que quando aplicada nos parece milagrosa só porque desconhecemos as técnicas usadas. Nesse assunto específico que estamos tratando, tentamos diminuir a injustiça usando todas as técnicas que conhecemos para compensá-la.

     -Eu devo, então, agora, retransmitir o que está me ensinando e fazendo isso poderei trazer aqui as pessoas que manifestarem interesse em vir?

     -Sim, mas esteja atento. Ninguém alcança conhecimentos maiores quando não tem seus sentimentos resolvidos e isso é tão importante quanto. É inútil buscar o trancendente sem antes estar completo aqui, estar consciente aqui, estar em Paz aqui. E isso se consegue atravéz da virtude mais importante. Aquela que todos reconhecem que assim é, mas que julgam estar no último Portal.

     -E essa não é a mais importante? A que se conhece por último?

     -Não. O que se alcança do Segundo Portal em diante é o aperfeiçoamento do ser. Para se conseguir transpor todos os Portais é vital o que você consegue no Primeiro. A virtude, a vibração do Primeiro Portal é o Amor. Por isso, você precisará conhecê-lo aqui, tê-lo aqui.

     -Não há amor em mim?

     -Não completo, pleno. Ele existe em sua plenitude na essência de seu ser ou no seu espírito, mas você encarnado, com a lógica e a razão superando seu coração, seus sentimentos, ainda não sabe exatamente o que é o Amor. Não o sente como deveria, não tem toda a sua energia.

     -E aqui, como você disse, posso deduzir que é o lugar físico ideal para atingi-lo com mais facilidade?

     -Exatamente. Este lugar, que hoje é apenas uma pequena ilha vulcânica, foi, no passado, parte do extinto continente Mu, berço da civilização humana na Terra. Foi em Mu que os povos das estrelas desceram para instalar a raça humana no planeta. E o povo de Mu, muito depois desse evento, escolheu um lugar para erigir um monumento, um altar em homenagem à raça humana. Eles delimitaram uma área e construíram uma enorme plataforma na forma de um triângulo isóceles que obedecia as medidas cósmicas de 27 por 17. Essa plataforma tinha então 27 quilômetros de comprimento por 17 quilômetros nos lados e foi toda circundada por colossais estátuas de pedra representando a raça humana. As estátuas que circundavam o altar triangular eram voltadas para o interior do triângulo e ali foram erguidas outras sete estátuas que representavam os criadores, os sete comandantes das hierarquias celestes. Depois, ao final de um ciclo cósmico, com uma mudança no eixo do planeta, todo o continente de Mu desapareceu sob as águas do oceano. Erupções vulcânicas levantaram terras e entre essas a parte onde estava esse altar, que acabou ficando na superfície. Alguns habitantes de Mu, entre eles membros da classe sacerdotal, escaparam com vida desse grande desastre e foram os primeiros habitantes desta ilha. Receosos de sucumbirem a outras erupções porque na superfície da ilha permaneceram por algum tempo outros vulções em atividade, decidiram armazenar a energia e as vibrações do seu maior tesouro em um artefato que construíram com essa finalidade. Esse tesouro era o conhecimento do Amor que tinham, porque conheciam os meios de contatar os seus guardiões. Possuindo saber suficiente para energizar pessoas ou objetos, colocaram essa energia do Amor em uma pedra que esculpiram com o formato de um grande ovo que simbolizava a Nova Vida, ou seja, aquilo que se obtém quando se alcança o Verdadeiro Amor.

 

     Esse segredo passou de geração a geração. Depois, outros povos chegaram até aqui. Aprenderam algumas coisas remanescentes do povo de Mu, continuaram a esculpir estátuas, porém cada vez de forma mais precária e iam retransmitindo os conhecimentos que foram sobrevivendo aos séculos. Na nossa era começou a grande decadência depois das primeiras incursões de navegantes que descobriram a ilha. Finalmente, a catequese ajudou a sepultar o antigo conhecimento. O pouco que sobrou precisou ser escondido para não ser também destruído. Isso aconteceu não só aqui, como você sabe.

     -É uma história e tanto. E sobre a religião dos antigos, Manu, não restou qualquer informação?

     -Eles não tinham propriamente uma religião com o sentido que se dá a isso agora. Como tinham conhecimento da vida em todo o Universo, como tinham aprendido que mesmo os que "vinham do céu" eram homens como eles, não desenvolveram quaisquer costumes, que os levassem a tipos de veneração. Tinham, sim, muito respeito por esses seres, e, assim, o que norteava suas vidas era o respeito humano, o amor por todos e por tudo. Acho que possuíam justamente a única coisa que não poderia ter sido esquecida pela humanidade terrestre.

     -Essa pedra a que você se referiu também foi destruída?

     -Não. Ela está aqui. Passa despercebida da maioria e os que a conhecem já inventaram um sem-número de lendas sobre ela.

     -Mas, se ela tem toda essa energia de que você fala, como tal coisa pode não ser notada?

     -Porque é preciso estar aberto ao Amor para senti-la. Existem "chaves" para se encontrar o conhecimento e você não sente uma determinada energia ou vibração se não está sintonizado com ela. Nada acontece por acontecer como supõem os que desconhecem o verdadeiro significado da magia e como ela funciona. Já lhe disse que é rotulado de mágico aquilo que não se conhece. Na verdade, toda a magia é o simples acionar de máquinas.

     -Rudimentares?

     -Não. Exatamente o contrário. Se com um pedaço de pedra, com um amuleto, com um cristal de determinada forma e tamanho consegue-se fazer o que sofisticadas antenas não fazem, o que é mais rudimentar, o pedaço de cristal ou a antena?

     -É... -concordei.

     -Analise -continuou Manu. -Compare um aparelho de rádio fabricado em 1930 com um rádio fabricado hoje. O de 1930 era um enorme caixote cheio de fios e válvulas e o de hoje é minúsculo, cabe dentro de seu ouvido e não tem válvulas nem fios, mas, mesmo assim, é um rádio. Só que não parece um rádio se comparado ao outro. Aí, então, você pega um cristal e faz dele um rádio. O que acontece com você? O mesmo que aconteceria se você construísse um rádio de hoje em 1930. Diriam, em 1930, que você fez um milagre ou que é um bruxo, um mago. E se você conseguir comunicar-se com alguém sem usar o rádio feito com um pedaço de cristal? Se você fizer de você mesmo um rádio? Se você usar o que tem em você, em seu corpo, que é a máquina mais perfeita que existe, se o desenvolve, se o aperfeiçoa, se desatrofia o que nos outros já não mais funciona e consegue transmitir e receber com ele? Aí você não é nem mais bruxo nem mago, é louco.

     A magia de hoje é a ciência de amanhã. Os que a dominam avançando no tempo e os que estão assim, à frente do seu tempo, por não serem compreendidos são repelidos. E sendo repelidos aqui, é natural que sejam transferidos. Bem, mas isso é outro capítulo. Veja, o Sol se põe. Acho que por hoje basta. Vamos?

     Eu voltei para casa em silêncio. Com medo de falar e quebrar a ordem dos meus pensamentos. Esforçava-me por arquivar tudo o que ouvira.

     Manu acompanhou-me até metade do caminho de volta. A certa altura parou, colocou a mão sobre meu ombro, sorriu e seguiu em outra direção. Não me preocupei em perguntar sobre nosso próximo encontro. Já sabia que ele o providenciaria.

     Passei horas fazendo anotações e depois adormeci.

     No dia seguinte, senti vontade de sair para caminhar um pouco. Peguei a direção do lugar onde tinha conversado com Manu na véspera. Sentei-me no mesmo lugar e ele chegou pouco depois.

     -Como vai?

     -Tento não esquecer nada.

     -Nem que você tente, não esquecerá.

     Manu levantou-se e pôs-se a caminhar em direção ao Norte. Foi bom ter-me lembrado de colocar frutas e sanduíches na mochila. "Não suporto goiabas", pensei, já supondo, pela direção que ele tomava, que iríamos demorar para voltar.

     Saíamos da trilha principal quando passamos por Maunga(6) Tangaroa. Manu tomou uma trilha à direita e disse, apontando para a frente:

     -Vamos lá em cima.

     Era cedo ainda. A temperatura de 18° e um vento fraco do Sul tornariam a subida dos quinhentos metros de altitude de Maunga Terevaka mais amena. Foi o que pensei.

     Mesmo assim, o céu azul-escuro inspirou-me a mentalizar a chama azul do segundo raio divino que simboliza a força interior, a vontade de empreender e a determinação. Precisava disso tudo para ter paciência com Manu. Se eu quisesse aprender, tinha que obedecê-lo, e para isso era preciso mesmo muita paciência: paciência para segui-lo sem fazer muitas perguntas, determinação para suportar as longas caminhadas que me obrigava a fazer e que muitas vezes me pareciam sem sentido prático.

     Ele seguia, em silêncio, uns três metros à frente. Seus passos eram firmes, compassados. Não parecia estar subindo um morro. Andamos uns vinte minutos e eu comecei a arrepender-me de ter colocado tantas frutas na mochila. O cantil também incomodava. Batia na perna como um martelo. Um passo, uma batida. O peito ardia como fogo. Droga de cigarro. As gotas de suor entravam pelos olhos e tornavam turva a visÍao. Tirei o lenço do bolso para enxugá-los, pisei numa pedra solta e isso bastou para que eu rolasse uns dez metros pela encosta abaixo. Uma moita evitou que eu caísse mais ainda. Bati nela e um bando de manu toke toke(7) saiu voando espantado. Seu canto parece com uma gargalhada e foi exatamente isso que me pareceu quando voltaram e começaram a gritar sobre minha cabeça.

     -Estão rindo os desgraçados. Tomem isso! -gritei, atirando-lhes pedras. Ouvi uma outra risada. Era Manu, lá no alto da trilha. Ele fez sinal para que eu subisse. "O desgraçado ainda ri", pensei. "Também agora vai ter que me esperar." Meus cotovelos e os joelhos ardiam. Ralei-me todo nas pedras. Peguei o cantil levei as feridas. Olhei para cima e não vi mais Manu. "Tomara que tenha ido embora..." Senti as costas molhadas. Tirei a mochila. Eu tinha rolado várias vezes sobre ela. Os sanduíches viraram farelo, e as frutas, suco. Atirei-a longe.

     -Ei!

     Era Manu com um bambu enorme nas mãos. Estendeu-o e ajudou-me a subir, puxando-me para cima com extrema facilidade. Depois, amparou-me pra que eu pudesse caminhar até a sombra de um arbusto. Deixou-me sentado ali e foi colher algumas folhas. O solo era parte terra parte pedra. E sobre algumas dessas partes havia água empossada. Logo reconheci as "bacias". Os antigos as esculpiam nas pedras chatas do solo para acumular a água das chuvas. Manu escolheu uma das bacias menores, colocou as folhas lá dentro e as macerou com uma pedra arredondada. Apanhou mais folhas e repetiu a operação. Logo água era um líquido verde e pastoso que ele passou nas minhas feridas. Fez tudo em silêncio e com cuidado. Minha raiva foi passando junto com o ardor dos ferimentos.

     Manu tirou um lenço do bolso da camisa e o empapou com água de uma bacia. Limpou meu rosto com ele.

     -Respire fundo -disse.

     Manu toke toke passou rindo de novo sobre nossas cabeças. Manu olhou para o alto e sprriu. Ele deve ter-me visto atirando pedras neles.

     -Não se importe, eles riem de tudo -falou brincando. -Espere um pouco... -dirigiu-se a um amontoado de pedras e desfez a pilha. Cavou um pouco a terra embaixo delas desenterrando um objeto estranho. Parecia um bastão de madeira com uns oitenta centímetros de compimento. Sacudiu-o para tirar os restos de terra e limpou-o cuidadosamente com o mesmo lenço que usara para limpar o meu rosto.

     Era uma escultura que representava mokomiro, feita em madeira. Mokomiro é uma lendária serpente marinha, divindade mitológica pasquense, meio homem, meio animal.

     Manu segurou-a pela cabeça e com a cauda da serpente, que termina como uma nadadeira, traçou um círculo à minha volta enquanto dizia palavras na língua nativa. Depois, postou-se às minhas costas e recitou mais algumas coisas das quais só pude entender "Sol e Lua" porque conhecia as palavras Ra'a e Mahina.

     Fez o mesmo postando-se ao meu lado direito, à minha frente e ao meu lado esquerdo.

     Não foi difícil deduzir que ele fazia com isso as saudações aos quatro elementos da natureza, iniciando um ritual de magia.

     Pensei que fazia isso por causa do tombo que levei. Ele parou à minha frente e disse:

     -Respire fundo. Agora conte bem devagar de um a dez. No intervalo entre cada número, respire. Assim: inspire e conte um, expire e conte dois, inspire e conte três, expire, quatro, inspire, cinco. Faça assim até dez. Procure não pensar em coisa alguma enquanto conta e respira. Se perder a conta, comece do um novamente. Se começar a pensar em alguma coisa e a sua mente se perder, desviando-se da conta e da respiração, comece novamente.

     Tentei. Da primeira vez só consegui chegar ao seis. Fui tentando até acertar. Ar para dentro, um, ar para fora, dois, ar para dentro, três, ar para fora, quatro... Pareço flutuar... Estou leve... Ar para... Cinco... Quanta gente... Seis... Quem será essa gente... Sete... E aqueles pequenos ali... Estão tratando das minhas feridas... Quem são vocês... Parece que não me ouvem... Como posso estar aqui de pé, me vendo, se estou ali sentado dentro daquele círculo? Será que morri?... Não... Não morri... Estou fora do meu corpo... O velho é um bruxo. Eu nunca consegui fazer isso... Bom... Mas também nunca levei isso muito a sério.

     Eu estava fora do meu corpo e consciente disso. Notei uma luz mais forte no vale abaixo de onde est'avamos. Dali se podia ver, bem longe, o monumento dos Sete Moais. A luz vinha de lá. Andei até a borda da trilha sem sentir o chão que pisava. Era como se não existisse peso. Pensei em voar e tive medo. Fiquei olhando de longe o espetáculo das sete estátuas iluminadas. Sobre cada uma parecia jorrar uma torrente de luz pulsante. Uma de cada cor. A primeira rosa, depois azul, dourado, branco, verde, rubi e violeta.

     Senti um desejo muito grande de me aproximar e instantaneamente estava a pouco metros das estátuas. No terreno plano à frente delas havia um enorme círculo desenhado com pedras na chão e no centro estava um homem sentado. Pensei reconhecê-lo e tentei me aproximar.

     Quando quis entrar no círculo não consegui. Era como se uma barreira invisível não permitisse. O homem sentado no meio do círculo levantou-se e caminhou até onde eu estava. Parecia ser Manu, mas era, no mínimo, uns vinte anos mais moço. Trazia nas mãos um bastão igual ao que Manu desenterrara pouco antes. Ele caminhou em volta de todo o círculo no sentido anti-horário, apontando o bastão para o chão e depois fez sinal para que eu entrasse, o que fiz sem sentir a tal barreira. Ele repetiu tudo, mas, dessa vez, no sentido horário e voltou para o centro do círculo onde novamente se sentou. Sentei-me à sua frente. Ele sorriu e eu tive certeza de que era Manu.

     -Sou Unam, seu instrutor. Estamos fora de nossos corpos porque o que você precisa ver tem de ser visto como é e só os olhos do espírito podem ver assim.

     Ele levantou-se e pediu que eu fizesse o mesmo.

     As luzes coloridas, vindas do nada, jorravam sobre as sete estátuas expandindo-se em tubos luminosos que se elevaram e depois se curvaram para baixo, formando arcos que se dirigiam para vários pontos da parte Norte da ilha.

     Vendo aqueles enormes tubos luminosos lembrei-me do general Alfredo Moacyr Uchôa, do Brasil, que, descrevendo aparições de OVNIs na fazenda de Alexânia, em Brasília, referia-se a uma luz curva que também presenciara numa dessas ocasiões.

     -Venha comigo -falou Unam, dando-me a mão. Ele começou a se elevar no ar, puxando-me junto. Subíamos vagarosamente e a princípio senti medo, depois notei que flutuava por mim mesmo, mas não tive coragem de largar a mão dele.

     Subimos muito e quando olhei para baixo podia ver a ilha inteira. Os tubos de luz que saíam das est'atuas formavam arcos enormes que descreviam uma grande curva e desciam em determinados pontos no Norte da ilha como se indicassem sete lugares sobre a superfície.

     Permanecemos olhando por uns dois minutos e depois descemos novamente para o centro do círculo de pedra. Senti uma pressão no alto da cabeça, colocando a mão no lugar. Meu gesto fez com que Unam se levantasse imediatamente.

     -Você tem que voltar.

     Dizendo isso, desfez novamente a barreira que existia em volta do círculo usando o seu bastão e pediu que eu saísse.

     -Volte -ordenou, enquanto voltava para o centro do círculo sentando-se no mesmo lugar onde eu o tinha encontrado.

     Regressei para onde estava meu corpo e tive a impressão de ter demorado bastante para chegar lá. Não vi mais ninguém além de Manu. Ele estava de pé e mantinha o bastão de madeira apoiado sobre a minha cabeça justamente no lugar onde eu sentia a pressão. Ele podia me ver. Pelo menos essa foi a sensação que tive. Aproximei-me e sentei-me ao lado de mim mesmo... Estranho... Ouvi Manu dizendo umas palavras em Rapa Nui.

     Senti o corpo doído e as feridas ardendo e a cabeça doía também.

     -Tome, beba isso. -O líquido verde desceu pela garganta tão viscoso que pensei que ia vomitar. Manu fez com que eu deitasse no chão. Tirou seu casaco, colocou-o sobre mim e afastou-se, sumindo pela trilha.

     Quando acordei, a dor de cabeça já tinha passado e as feridas já não ardiam tanto, à exceção de uma maior no joelho esquerdo. Aumentei o rasgo da calça naquele lugar para evitar que o tecido tocasse nele e me levantei. O corpo todo estava doído.

   Vi os restos de folhas amassadas por Manu na bacia de pedra e fui me lembrando devagar do que acontecera. Puxa! Que tombo levei e que sonho doido, pensei...

     -Sente-se melhor? -Era Manu voltando e trazendo a mochila que eu atirara fora.

     -Desculpe... É que fiquei com uma raiva danada. -respondi pegando a mochila e tentando justificar.

     -Que nada... De vez em quando um pouquinho de raiva faz bem... Acho que você esqueceu que aí dentro tem lanterna, bússola, faca... -disse ele, referindo-se à mochila.

     -Pois é... Burrice a minha. Obrigado. Ah! E obrigado também pelos curativos.

   -Quer um pouco? -Manu ofereceu-me água de seu cantil enquanto voltávamos para perto dos arbustos. Vi o círculo riscado no chão e lembrei-me de contar-lhe o sonho.

     -Você nem imagina... Eu dormi e tive um sonho maluco. Sonhei que saí do corpo e aí...

     -E aí... -interrompeu Manu -...e aí você viu uma luz no vale e aí... -Manu contou-me tudo detalhadamente e a cada frase repetia e aí, e aí, como se quisesse brincar comigo.

     Quando terminou de contar tudo exatamente como aconteceu, eu já tinha percebido claramente que não havia sido um sonho. Senti uma sensação de orgulho ou sei lá o quê. No mínimo, estava contente por estar vivendo aquilo e resolvi brincar também quando ele acabou de relatar "meu sonho".

     -...E aí não foi sonho, aconteceu de verdade.

     -Você acha que pode caminhar um pouquinho mais?

     -Claro que posso.

     Segui Manu resoluto. O "pouquinho mais" durou ainda uma hora morro acima. Havia, entretanto, vindo de dentro de mim, uma força estranha que acabei atribuindo à certeza de estar vivendo algo muito importante e verdadeiro.

     Minha euforia era tanta que quando chegamos ao topo do Maunga Terevaka(8) nem deixei que ele falasse nada. Fui logo até um ponto que dava de ver toda a face Norte da ilha. Fechei os olhos. Reconstruí a visão dos tubos de luz apontando os sete pontos e indiquei cada um deles, dizendo bem alto: Ali está depositada a energia do Primeiro Portal. Rosa. Ali, a do Segundo, Azul. Ali, a do Terceiro...

     Abri os olhos como se estivesse saindo de um transe. Manu estava ao meu lado. Balançou a cabeça afirmativamente, mas sem desviar seu olhar de algum ponto que parecia fixar no horizonte.

     Eu tinha vontade de gritar, de pular de contente, mas fiquei parado ali ao lado dele, olhando para lugar nenhum, porque parecia que ele não compartilhava da minha alegria.

     Pouco a pouco a sensação boa foi sumindo. Eu não sabia o que estava acontecendo e me senti meio desnorteado.

     -Podemos voltar agora -disse Manu, forçando um sorriso que saiu amarelo.

     -Espere só mais um pouco -pedi. Apanhei a bússola na mochila. Resolvi conferir com ela o Norte pelo qual me havia guiado para apontar os sete lugares. Pensei, momentaneamente, que eu pudesse ter-me enganado e com isso decepcionado Manu. Apontei a bússola. A agulha pulou de um lado para outro. Ora apontava para a direita, ora mais para a esquerda.

     -Droga, quebrou...

     -Não. Não quebrou. Veja... -Manu tirou um papel dobrado do bolso do casaco. Era um mapa da ilha, igual aos que vendem aos turistas.

   -Veja aqui -disse, apontando para uma nota impressa sobre a parte Norte da ilha: "Fuertes perturbaciones magnéticas en esta zona."

     Eu já tinha visto isso em outros mapas e lido menções sobre aquele fenômeno, mas nunca dera maior atenção.

     -Está em todas as cartas de navegação -completou ele. - Vamos voltar -disse, dobrando o mapa.

     Começamos a descer a trilha. Lembrei-me de já ter lido que alguns chegavam a atribuir aquelas perturbações magnéticas a possíveis depósitos de algum mineral, suposições que foram abandonadas depois que pesquisaram e descobriram nada haver desse tipo no solo da ilha e nem perto dela. Agora eu sabia por que a bússola não funcionava ali. Sete pontos de extrema concentração de energia... E essa energia devia ser ou ter algo relacionado com magnetismo.

     Manu estava mudo. Apesar de estarmos descendo, seus passos já não pareciam tão firmes. Transmitia tristeza. Deve estar cansado, pensei, cancelando qualquer pergunta.

     Tomamos outro rumo para voltar. Manu cortou caminho pela ravina e só fomos pegar uma estrada em Te Peu, uma área onde, além de estátuas, existem muitos petróglifos interessantes.

     Seguimos para o Sul descendo pelo litoral da costa oeste da ilha.

     Só vez por outra Manu respondia com monossílabos a qualquer comentário que eu fazia e assim decidi calar-me também.

     Quando chegamos a Tahai(9), já bem perto do povoado, eram quatro horas da tarde.

     Pensei em parar ali, esperando que Manu resolvesse assim comentar alguma coisa e me explicar o porquê daquela experiência.

     -Vamos parar aqui um pouco? -perguntei.

     -Não. Fique você se quiser. Eu preciso ir.

     Manu estava muito triste, dava para sentir. Ele se foi.

     Atravessei toda a área gramada do Tahai e fui me sentar perto do mar. Muitas vezes eu ia para aquele lugar só para ficar vendo o pôr-do-sol.

     Ele se foi e deixou sua tristeza comigo, pensei sentindo um nó na garganta, um sufoco inexplicável. Deitei-me na grama. Repassei tudo o que acontecera naquele dia.

     O que poderia ter provocado o fato de eu ter saído do corpo? O cansaço? Já ouvira falar que a fadiga faz o mesmo efeito de exercícios e treinamentos que as pessoas fazem com essa finalidade. Alteram o nível de consciência... Pode ter sido o cansaço... Ou foi aquele negócio de conta e respira, conta e respira? A magia do círculo? Talvez... Concluí que foi tudo junto e tudo provocado por Manu, à exceção do tombo. Por que ele não fez comentários? E o seu humor? Mudou tão depressa. Eu fiquei contente... Será que alguma coisa saiu errado?

     "Deixe seu sentimento falar..." Lembrei-me da insistência de Manu quanto a isso. Fiquei olhando para o mar se desmanchando em ondas azuis enquanto tentava parar de pensar para ver se o sentimento me dava uma resposta.

     O Sol foi fazendo seu caminho para o poente, avermelhando-se devagar. Os grandes cúmulos foram tomando sua posição no céu, preparando-se para o espetáculo que se repete a cada entardecer na Ilha da Páscoa.

     Ouvi o sino da igreja que não fica a mais de quinhentos metros do Tahai. As pessoas devem estar indo para lá rezar na hora da Ave-Maria. Procurei juntar-me a elas e com o meu pensamento as vi. Simples, puras, entrando na igreja levando consigo apenas sua fé. Nenhuma teria tido certamente contatos com extraterrestres, nem visões ou revelações do céu e muito menos encontrado um mago que lhes ensinassem os grandes segredos do Universo ou que as guiassem para redescobrir o conhecimento sepultado em sua terra sagrada. Nenhuma delas teria precisado ser despertada para a realidade maior com artifícios. E naquela hora não estavam indo para a missa obrigatória dos domingos. Era um dia de semana comum e certamente estavam indo para a igreja levadas por sua certeza interior e não pela fé cega imposta aos escravos das religiões.

     Elas já eram magos... Eu ainda não.

     Ajoelhei-me ali, sozinho, para rezar junto com elas e agradecer por ter percebido isso por mim mesmo. E, quando chorei, chorei porque a alegria voltou e porque dessa vez ela veio não porque eu me julgasse, como antes, maior do que os outros, mas porque descobri que não existem maiores ou menores; a partir dessa descoberta, que brotou de um sentimento puro, eu poderia começar a crecer. E crescer não para ficar maior do que ninguém, mas para poder ajudar que todos descobrissem que têm o mesmo tamanho.

     Levantei-me sem dores externas ou internas. O Sol se escondeu e só deixou passar alguns raios de luz pelos buracos das nuvens. Lançou focos de luz dourada aqui e ali por onde eu tinha que passar. Era apenas a luz do Sol, uma coisa natural, mas tão grandiosa quanto as luzes que só o espírito pode ver.

     Ouvi vozes recitando o terço quando passei em frente à igreja. Cortei caminho por ruas secundárias para chegar mais depressa à estrada de casa. No lusco-fusco da tarde, vi um vulto lá adiante quase sumindo na estrada. Parei à entrada do jardim de casa. O homem lá adiante parou também. Mago que era, ordenou ao Sol que o iluminasse com seu último raio. Fez uma reverência e sumiu na curva da estrada.

     Não era Manu dessa vez. Era Unam, meu instrutor.

     As feridas amanheceram cicatrizadas. Todas.

     Não conversei com Manu sobre o que acontecera. Era dispensável porque, quando o encontrei de novo, a primeira coisa que ele fez foi repetir a reverência do dia anterior. Depois, perguntou sobre minhas feridas e demonstrou alegria em vê-las sãs.

     -Até agora lhe falei do Primeiro Portal. Ontem, você percebeu que aqui estão também os outros seis pontos de energia; até ontem nem eu mesmo sabia que isso lhe seria revelado daquela vez. Contudo, minha missão permanece. Vou guiá-lo ao Primeiro Portal. Lembre-se de que, quando trouxer outras pessoas aqui para repassar-lhes o Conhecimento e guiá-las pelo caminho físico, deve instruí-las obedecendo a ordem dos Portais. E só as leve aos outros depois de avaliar profundamente o resultado da primeira iniciação. Não esqueça: só traga quem pedir para vir e com essa finalidade só as traga da primeira até a nona Lua cheia de cada ano.

     -Por falar nisso -continuou Manu -, amanhã é o último dia da Lua cheia de setembro. Teremos que ficar juntos até amanhã à noite. Tenho que lhe explicar algumas coisas até levá-lo a cruzar o Primeiro Portal.

     Procure relaxar, limpar sua mente. Se quiser, deite-se na grama e feche os olhos, ou, então, deixe seu olhar perder-se por entre as estrelas. Esvazie sua mente.

     Depois, procure imaginar uma grande planície e sobre ela um caminho, uma trilha, uma estrada. Construa esse caminho em sua imaginação como quiser. Pode ser de terra ou de pedras, florido ou não. Mentalize esse caminho. Ele segue reto em direção a um longínquo horizonte. Você está no começo desse caminho. Está dando os primeiros passos nele. Você busca um portal que existe adiante. Você não sabe se longe ou perto. Precisa caminhar para alcançá-lo.

     Você não sabe se terá que caminhar muito ou pouco para alcançá-lo e você precisa, nesses primeiros passos, saber se poderá alcançar esse portal. Precisa descobrir, dentro de você, se realmente quer chegar lá e por que quer chegar lá. Por isso, vai aproveitar esse início de caminhada para fazer uma análise profunda de você mesmo para se conhecer melhor.

     Eu vou orientá-lo nessa análise para que você aprenda a orientar outros que queiram trilhar esse caminho. Vou falar e falar e você vai ouvir e ouvir, mas sempre mentalizando que estou a seu lado, caminhando com você em busca do Primeiro Portal.

     Vou falar enquanto recolho lenha para fazer uma fogueira para nos aquecer durante a noite e para fazer um chá de ervas para ajudar no seu relaxamento, na sua introspecção. Depois, vou lhe ensinar também a fazer esse chá para que você possa dá-lo aos outros.

     Ouvi Manu falando enquanto recolhia pedaços de madeira e depois enquanto armava e acendia a fogueira bem perto, à nossa frente.

     Comecei a sentir o calor do fogo e ele continuou falando.

     -Da mesma maneira que nos preparamos para empreender qualquer viagem, essa que será a nossa grande viagem requer também uma preparação. Assim, até nos aproximarmos mais do Primeiro Portal, caminhemos e reflitamos juntos:

     Nossas mentes estão sempre sendo induzidas a pensar tendo como ponto de partida os dois extremos representados pelo bem e pelo mal.

     Esse procedimento milenar nos permite vislumbrar uma possibilidade de algum dia construirmos uma sociedade harmônica ou, pelo menos, nos dar a compreensão do que seria a felicidade para todos?

     Certamente que não, pois apenas pensar numa sociedade onde todos os indivíduos seriam felizes é considerado utópico. O céu e o inferno, a nossa busca por um dos dois ou o fato de negarmos ambos não nos ajudou muito até aqui. Certamente se a verdade estivesse por aí já teríamos conseguido chegar mais perto de construir algo mais humano ou, no mínimo, menos caótico.

     Exagero? Pessimismo? Certamente não faltarÍao alguns com tal opiniÍao. Afinal, 'e mesmo a visÍao ego'ista ou comodista da maioria que contribui para que o planeta seja o que 'e.

     Essas palavras tocarÍao, sem d'uvida, os que foram impelidos a buscar respostas e que conseguiram ficar imunes a qualquer tipo de fanatismo sabendo fincar seus p'es firmes no chÍao, mas sem, entretanto, abafar a voz do sentimento.

     Se nascemos como nascemos, sob condi¿Íoes totalmente adversas tanto do ponto de vista material como espiritual, se quando abrimos os olhos para a nossa realidade (alguns conseguem) descobrimos que, independentemente do ber¿o que tivemos, estamos cercados pela ignorÊancia, pela violÊencia, pelo desamor e que somos sujeitos `a fome, ao frio, ao calor, `as doen¿as e que ainda estamos montados num mundo que vai sendo assassinado aos poucos; se temos a sorte de nos sobrar alguma sensibilidade que nos leva a buscar rspostas e solu¿Íoes para um quadro que nÍao nos agrada; se essa busca acaba por nos levar para fora do planeta `a procura de respostas que nÍao encontramos `a nossa volta, o que fazer quando essa viagem nos mostra uma imagem tÍao ou mais ca'otica do que aquela que encontramos aqui, com os p'es no chÍao?

     O que fazer entÍao para tornar nossas buscas menos perigosas e mais aproveit'aveis, j'a que, apesar das consecutivas decep¿Íoes, nÍao conseguimos, sabe-se l'a por que, deixar de fazÊe-las?

     Assim, para nos lan¿armos com seguran¿a em busca do Conhecimento, precisamos antes de uma boa e consciente prepara¿Íao. Temos que passar por uma transforma¿Íao, um mudan¿a que ir'a depender inicialmente da nossa capacidade de auto-an'alise, da nossa coragem de encararmos honestamente a nossa pr'opria realidade. Depois, se sobrevivermos a essa prova que nos coloca despidos diante de um grande e perfeito espelho que nada deixa escondido, poderemos iniciar o nosso "curso de magia", que nos possibilitar'a alcan¿ar as estrelas.

     O Saber e a Paz das estrelas pertencem aos magos e todos podem transformar-se num deles passando por algumas provas. A primeira delas exige muita coragem, tanta ou mais do que aquela que o ateu precisa para jogar com a possibilidade da inexistência da divindade.

     Não existe mago ateu. O mago acredita em Deus, ou, melhor ainda, acredita nos ""Deuses". E nas "Deusas", por que não?

     Pensar-se-ia, em pricípio, que então nessa crença o mago se igualaría à maioria. O mago não "acredita" da mesma maneira que os outros acreditam. E ele não se diferencia dos outros só por isso. Ele pode até usar ou não turbante, medalhão e roupas diferentes, conhecer e praticar rituais poderosos e buscar nos lugares sagrados purificação e conhecimento, mas não será um verdadeiro mago só com isso.

     Primeiro terá que se livrar dos conceitos equivocados que lhe foram impostos justamente para não permitir que se transforme num verdadeiro mago. E a transformação começa pela análise profunda de sua própria realidade, pela exposição corajosa frente ao espelho.

     Como começar? De onde partir? Qual a primeira lição?

     Há uma passagem recente na vida de um Grande Mago que podemos usar aqui: Certa vez, um homem que O ouvia e via os milagres que Ele fazia, perguntou-Lhe: "Mestre, o que devo fazer para poder seguir-Te?" Ele, então, lhe respondeu: "Para seguir-Me é preciso que voltes à tua casa e entregues tudo o que tens."

     Certamente o Grande Mago não limitaria tal pedido à simples renúncia de bens materiais como é erroneamente interpretado. Antes, Ele quis dizer que para segui-Lo e com isso alcançar a Grande Luz do Conhecimento é preciso que nos voltemos para dentro de nós mesmos, que examinemos o que temos e que nos desfaçamos de tudo o que possa nos atrapalhar na caminhada que pretendemos empreender. Os bens materiais, quando mencionados como empecilhos para o aprimoramento espiritual do homem, devm ser interpretados como símbolos de peso desnecessário que dificultam a caminhada. É fato que muitos se deixam cegar pela riqueza material, porém a pobreza simplesmente não qualifica de antemão. Pelo contrário, a luta diária para vencer a miséria tira de milhões até a chance de meditar sobre a espiritualidade. Antes de buscar o autoconhecimento, o pobre precisa lutar pelo seu pão. Aliás, esse é um dos métodos mais eficazes usados pelo nosso sistema, pelos poderes dos homens que dominam os homens para evitar que todos se tornem magos.

     Assim, para seguir a Luz e alcançá-La, temos que "voltar para nossa casa e deixar por lá o que não presta".

     O mago é um ser em equilíbrio. Temos, então, que caminhar em busca desse equilíbrio.

     Sabemos que caminhadas podem tornar-se mais amenas se tivermos companhia. Um bom acompanhante torna qualquer viagem mais agradável. Quando vamos por caminhos desconhecidos, nossa prudência nos faz buscar um guia que nos garanta segurança.

     Caminhos desconhecidos requerem guias.

     Caminharemos protegidos e orientados pelos guias, encontraremos os guardiões, conheceremos os mestres.

     Para iniciarmos a nossa preparação, o mais acertado talvez seja, em primeiro lugar, descobrirmos por que desejamos trilhar esse caminho. Por que queremos ser Magos? Sabemos o que é ser um Mago? Nosso conceito de Magia é o correto?

     A magia é a aplicação de conhecimentos que, desconhecidos da maioria, são rotulados de cósmicos ou transcendentais por alguns e até mesmo de bruxaria ou mesmo de loucura por outros menos informados sobre essas práticas.

     É mágico tudo aquilo que ainda não pode ser explicado pelos conceitos da ciência ortodoxa.

     Os rituais mágicos são, em sua maior parte, constituídos pelo uso de objetos e símbolos para se fazerem as invocações que possibilitam ao seu praticante a comunicação com outros planos de existência. O praticante concentra sua mente usando o objeto como emissor de sua vontade e dirige, através desse emissor, a invocação para uma outra inteligência.

     O homem é a expressão máxima da Criação e a magia deve, acima de tudo, ser o instrumento que o leve a conscientizar-se de sua condição de ser cósmico.

     O respeito que precisamos ter por todas as criaturas e a responsabilidade exigida no tratamento público de assuntos dessa natureza exigem todos os enfoques nessa preparação.

     Conscientizar-se do propósito da busca pelo Conhecimento é o início da preparação. Aqueles que buscam o Conhecimento para aprimorarem-se como seres humanos descobrirão em pouco tempo que nem é preciso pedir nada para eles próprios. As providências necessárias para o aprimoramento espiritual e a melhoria da vida material fluem naturalmente para aqueles que transitam por esse caminho impulsionados por sentimentos elevados.

     Todo aquele que não põe a cabeça para funcionar, que se submete às circunstâncias sem analisá-las, sem refletir, aceita explicações decorrentes de elucubrações sobre o desconhecido. O mago, entretanto, não aceita tais possibilidades. O mago busca, investiga, estuda, pesquisa em busca da certeza.

     Tentativas de se explicar a sorte das pessoas, ou o seu destino e principalmente as vicissitudes da vida atravéz de doutrinas fazem parte das mil verdades que nos são impingidas sem qualquer respaldo da razão.

     É preciso lembrar, entretanto, que negar tudo isso não é um procedimento equilibrado. Antes, sim, investiga-se.

     A Magia, a sua Magia precisa ser construída sobre uma base firme que você mesmo erguerá sabendo-a verdadeira. Será a sua certeza inabalável e não a sua fé cega que lhe dará o Poder dos Magos.

     Assim, você nasceu e cresceu sob condições propícias ou adversas. Assimilou conhecimentos e costumes alheios. Foi influenciado por honestos e desonestos, por sinceros e falsos, o "sistema" encarregou-se de deixá-lo muito longe da criança que foi.

     Aproveite para descobrir se não está procurando obter da Magia, de qualquer prática esotérica, soluções que estão mais perto de você do que poderia supor.

     O espelho está à sua frente. Examine detidamente a imagem refletida. Quanto mais coragem tiver em aceitá-la, mais límpida ela se tornará. Livre de suas ansiedades, carências, enganos e traumas e, despindo-se da armadura que lhe foi imposta, você começará a brilhar.

     Brilhará mais e mais aceitando sua realidade com os olhos e o coração bem abertos; e brilhando começará a chamar a atenção de "Outros" que estão sempre atentos, esperançosos em ver pontos de luz sobre este mundo obscuro.

     Logo você notará, bem ao seu lado, mostradas por sua própria luz, outras presenças que poderão ser físicas ou não.

     Quem sabe não poderão ser os amigos que lhe faltam ou aquela pessoa especial que pode realmente existir?

     Na verdadeira Magia não existem modelos, decálogos ou regras rígidas a seguir. A decisão sobre o que é bom ou mal será sempre sua. Será um arbítrio de sua consciência.

     Em continuidade a este auto-exame, refletirá sobre as suas crenças espirituais, sobre a sua formação religiosa.

     As religiões foram, quase todas, criadas com as melhores intenções por seus fundadores. Isso, porém, não lhes garantiu trajetórias irrepreensíveis.

     Todas elas têm sua própria "verdade". Algumas baseiam-se em variações da "verdade" das outras, adaptadas segundo a visão do seu criador. Determinam regras que seus adeptos devem seguir, fornecendo uma lista do que é bom e do que é mau. Prometem a "salvação" para os que obedecem essas regras e ameaçam com o castigo eterno os desobedientes.

     Não vou afirmar agora, nem nunca, que essa não seja a Verdade. Essas observações são feitas apenas para provocar a sua reflexão. O propósito é aguçar sua capacidade de análise da realidade porque a maioria foi treinada para aceitá-la sem discutir.

     Precisamos antes aprender a pensar por nós mesmos e com isso quebrar tabus, conceitos preestabelecidos, dogmas e regras ilógicas. Precisamos nos soltar para alçar vôo com segurança. O Mago em sua formação aceita guias desde que esses o ensinem a caminhar por seus próprios pés.

     Observando que as religiões se propõem a garantir nada mais nada menos do que o paraíso eterno para os seus adeptos e que a estes, para consegui-lo, basta obedecer a meia dúzia de regras, não pode causar qualquer admiração que a maioria prefira ficar com essa solução simplista. Pura hipocrisia.

     Como tudo o que aprendemos a fazer ou a obedecer automaticamente, falamos de eternidade sem nunca termos refletido um pouquinho sobre ela.

     Quantos já pararam para pensar sobre o que seria existir eternamente? Não seria existir por mil anos, nem por cem trilhões de anos. Para sempre é para sempre. E isso não poderia ser o mais terrível dos castigos para aqueles que não descobrirem uma razão para existir para sempre?

     Medite um pouco sobre o que é eternidade.

     Uma razão para existir para sempre... Descobri-la é a maior de todas as magias.

     Antes de dar o primeiro passo no caminho dos magos é preciso então muita reflexão. Sobre você mesmo e sobre tudo aquilo que o envolve.

     O primeiro exercício de preparação para começar a trilhar o caminho dos magos foi a sua auto-análise e agora você deve avaliar corretamente os conceitos de Deus, do Bem, do Mal, da Criação, da Eternidade etc.

     Comece sua análise fazendo um parâmetro entre esse deus que lhe foi ensinado e a atual realidade desastrosa dos terrestres. Verifique que não há qualquer coerência entre a existência de um deus Pai, bondoso, justo, amigo etc., e a nossa triste e lamentável situação.

     Indo um pouco mais além em sua análise, lembre-se de que tudo na natureza é criado a partir da participação de um elemento masculino e outro feminino. Tudo é gerado assim. Por que na "origem" seria diferente?

     Consideramos a dualidade em tudo, menos no Princípio.

     Assim, partindo de um erro, a única coisa que conseguimos é acumular mais e mais erros e ir nos afastando cada vez mais da Verdade que tanto ansiamos alcançar.

     Com a manutenção de padrões de crença e de comportamento que comprovadamente não deram bons resultados, jamais poderá existir uma nova Terra, porque para isso é preciso que antes surjam novos homens.

     O novo homem é o mago, o indivíduo consciente, harmonizado com a Natureza e com todo o Cosmos. É o ser pensante, reflexivo, portador do Conhecimento Cósmico.

     Toda a sociedade, viciada pelo erro, reage imediatamente ao menor vislumbre de mudança, e a pressão decorrente é quase insuportável. Só resistem aqueles que realmente conseguem vislumbrar em meio às trevas a luz do caminho dos magos e que decidem alcançá-la.

     Essa decisão só pode ser considerada verdadeira e definitiva quando é tomada de dentro para fora, ou seja, quando se baseia na força invencível do sentimento.

     É a opção por uma outra vida.

     Optar pela eternidade é bastante diferente do procedimento usual e comodista de se tentar, obedecendo a meia dúzia de regrinhas, garantir a Eternidade.

     Optar significa escolher um comportamento que o transforme e o torne digno, por seu próprio julgamento, de ser eterno. Significa adotar perante a vida um procedimento, em função dessa realidade incontestável, que passe pelo crivo da análise honesta que o ser faz de si próprio.

     Imagine você se olhando no espelho e gostando do que vê, considerando que nos referimos a um espelho límpido, que mostra tudo, por todos os ângulos, sem dar a mínima chanc de que você possa esconder algo de si próprio.

     Analisar friamente, inteligentemente, sem fantasias, sem crenças gratuitas é pura magia, é a primeira magia que se deve aprender. Isso é o que lhe dá a base firme e verdadeira para trilhar o caminho dos magos.

     Já caminhamos bastante. O suficiente para você se conhecer melhor e fazer uma avaliação correta de seus propósitos. Note que o caminho agora lhe parece mais suave. Agora nós vamos parar por um instante. Relaxe e mentalize que volta para onde estávamos sentados. Procure sentir novamente o calor do fogo e abra lentamente os olhos.

     Manu estava sentado ao meu lado olhando fixamente para a grande bola de luz refletida no oceano. A Lua cheia de setembro mostrava-se com esplendor.

     -Sente frio? -perguntou-me.

     -Não, estou bem.

     -Então, agora, vou lhe falar sobre o Primeiro Portal, para depois continuarmos nossa caminhada ao encontro dele.

     No Primeiro Portal está acesa a chama do Amor Divino e essa chama vibra na cor rosa. O Tudo e o Todo advêm dessa virtude. Tudo nasce do Amor. Por isso, é a primeira virtude que precisamos conhecer profundamente.

     O Amor se manifesta de muitas maneiras, mas a sua manifestação mais sublime é o Amor entre dois seres, entre o homem e a mulher. Quando acontece verdadeiramente o Amor entre um homem e uma mulher, aqueles que o experimentam se conscientizam do quanto é grandiosa a Criação e descobrem que têm uma razão para existir eternamente.

     Esse sentimento preenche qualquer falta que o ser possa sentir e é nele que encontra o estímulo para continuar a existir e se aperfeiçoar continuamente.

     O Amor entre dois seres é a maior manifestação do sentimento humano, porque é através dele que o ser gera, pouco a pouco, um sentimento de Amor por toda a Criação.

     Isso acontece decorrente de uma ordem natural onde tudo é dual. Tudo advém de duas polaridades, o feminino e o masculino. Uma, na natureza, é nada sem a outra. O homem, parte dessa natureza, também deve obedecer essa ordem natural e só se completa, só se manifesta plenamente assim. Um ser, um homem e uma mulher, dois em um.

     -Almas gêmeas?

     -Se você compreende por alma gêmea um ser do sexo oposto, que o completa, que é o seu complemento divino, sim.

     -E quem é a nossa alma gêmea? É o nosso próprio ser que se desdobra?

     -Não. Esse é um conceito equivocado. Sobre o desdobramento do ser falaremos a caminho do Segundo Portal, mas isso é outra coisa bem diferente do que tratamos aqui. A alma gêmea é um outro ser, um outro indivíduo, um outro espírito que, por suas características pessoais, é exatamente o ser que o completa e pelo qual você terá um amor verdadeiro e eterno.

     Toda a Criação surgiu de uma energia dual, feminina e masculina. E, por isso, todo ser, num determinado momento de sua eternidade, muito cedo ou mais tarde, por circunstâncias próprias de sua caminhada evolutiva, percebe a necessidade vital de encontrar a sua outra metade. Por mais evoluído que seja, reconhecerá nesse momento que é incompleto e partirá para descobrir o porquê disso.

     Descobrindo, irá perseguir incansavelmente esse objetivo, ou seja, encontrar o ser que irá completá-lo. Esse ser poderá já existir, já ter sido criado ou não. Poderá estar atrás, junto ou adiante dele no caminho da evolução.

     -Há alguma coisa que se possa fazer no sentido de facilitar essa descoberta ou esse encontro? Existem meios de sabermos quem é, onde está e se já a encontramos ou quando iremos encontrar nossa alma gêmea?

     -Cada ser, cada espírito, cada homem é único. Não existem dois seres exatamente iguais. Essa individualidade é que faz a grandeza de cada um, é o que dá a cada um sua característica divina.

     Por ser único, única também é a situação de cada ser. Assim, as circunstâncias relativas a esse encontro têm variações incomensuráveis. Existe toda a sorte de situações.

     Podemos diminuir o número dessas variantes nos atendo aos que estão encarnados aqui e agora e que podemos ajudar passando esse conhecimento.

     Para aqueles que vivem aqui e que querem encontrar sua companheira, seu companheiro eterno, que desejam identificá-lo, que querem encontrá-lo ou que julgam já o terem encontrado, o caminho para essas respostas passa em primeiro lugar por uma consulta ao próprio sentimento. E essa consulta precisa ser tão sincera quanto a análise que você fez de si próprio para chegar até este ponto do caminho.

     Algumas pessoas dirão: Eu já tenho um companheiro ou uma companheira e sinto ser este ou esta a minha alma gêmea. Outras têm seus companheiros, porém não sentem serem eles o ser que sonhavam encontrar. Outros, ainda sozinhos, sentem a necessidade de encontrar seus companheiros e os pressentem próximos ou distantes, e assim por diante.

     São os próprios seres que elegem seus companheiros. Essa é a primeira regra a ser aprendida para que se possa responder, depois de muitos outros passos, quem é, onde está e quando será o encontro.

     Um casal já unido por um grande amor pode, com a força e a verdade desse sentimento, determinar que essa união terrestre seja a definitiva.

     -Num caso assim, não se justifica usar o conhecimento que você me transmite agora e levar esse casal a "alcançar o Primeiro Portal"...

     -Comparecendo à presença dos guardiões do Primeiro Portal o ser se conscientiza e se abre plenamente para esse sentimento. Pessoas numa situação assim só irão sedimentar a certeza sobre o que sentem.

     -Acho extremamente difícil obter-se essa certeza...

     -Não o é para aqueles que consultam com sinceridade o íntimo de seu coração. O que você sente verdadeiramente é o que dá a sua resposta. Ontem, por exemplo, você não teve uma resposta dada por seu coração e que foi verdadeira e definitiva para você?

     O que nós podemos fazer para facilitar essa resposta ou para auxiliar na busca e no encontro desses dois seres, que, na verdade, foram criados um para complemento do outro, é ensiná-los a caminhar até o Primeiro Portal do Caminho dos Magos e lá obter de seus guardiões a dádiva desse Portal que é o próprio Amor. Essa dádiva é a compreensão exata do que é esse sentimento e os seus guardiões ajudam, orientam e até encaminham fatos que possibilitem esse encontro.

     -Por enquanto, Manu, me desculpe, mas o que você diz me parece muito filosófico e pouco prático. Como se dá essa compreensão?

     -Primeiro pela sua vontade, por você determinar que isso aconteça, "comparecendo", "apresentando-se" aos guardiões. Eles farão com que sua vida seja encaminhada para que se dê essa compreensão através da revelação desse sentimento. Na prática, como você quer, o que acontece é que você passa a vibrar, a emitir uma frequência vibratória compatível com esse objetivo específico.

     -Essa frequência seria ajustada com o comparecimento perante os guardiões?

     -Sim. Provocaria uma sucessão de fatos para dar ao ser a certeza que de fato sente o Amor.

     -Por essa sucessão de fatos a que você se refere quer dizer que se esses dois seres que precisam se encontrar estiverem naquele momento encarnados aqui, serão providenciados fatos que provoquem esse encontro?

     -Digamos que sim. Melhor seria dizer que primeiro tais fatos seriam facilitados ou provocados justamente pelo ser estar harmonizado com o que deseja. Essa harmonia existiria porque a frequência vibracional estaria corretamente ajustada. Depois, poderíamos também dizer, como você deduziu, que, se necessário, outros fatos seriam providenciados para garantir o objetivo e isso seria uma interferência direta dos guardiões.

     -Mas isso não pode gerar problemas? Por exemplo, suponha que duas pessoas que vivem juntas aqui, unidas pelo casamento ou não, se utilizem desses conhecimentos e concluam que o que sentem um pelo outro não é o verdadeiro amor, ou um deles conclua que sim e o outro que não. Isso não iria prejudicar ao invés de ajudar?

     -Com uma análise superficial, egoísta, comodista e hipócrita, sim. Justamente por isso lhe recomendei sobre a auto-análise que cada um deve fazer durante os primeiros passos em direção ao Portal.

     Não há sentido nem mesmo em iniciar essa caminhada se o indivíduo não busca uma real transformação. Se ele não quer ou não tem coragem suficiente para desmascarar suas próprias mentiras, preferindo se esconder nas malhas do comodismo e da hipocrisia, não deve nem tentar dar o primeiro passo no Caminho dos Magos.

     Costumo dizer que as pessoas podem rezar para pedir benefícios, mas que precisam tomar cuidado porque, ao rezar, correm o sério risco de terem suas preces atendidas. Você não pode ser inconsequênte e superficial quando lida com o que desconhece e muito menos pode querer que aquilo que é cósmico, e portanto verdadeiro, se adapte às grandes mentiras ou fraquezas terrestres.

     Imagine que você faça uma oração e nela peça por sua felicidade. Digamos que esse pedido seja recebido por alguém que tenha uma ampla visão de sua existência. Digo de sua existência e não de sua vida. Você faz tal pedido com a visão limitada à sua vida e o ser que lhe escuta não tem esse limite. Ele analisa o que você precisa em nível de sua existência eterna e assim pode ser que aquilo que representa valor para você não o seja se considerada sua eternidade. Aí você pede uma coisa, recebe outra e se rebela, acha que seu pedido não foi atendido. Daí a recomendação repetida de que você antes de se enveredar pelo que desconhece faça a sua opção. O que você quer realmente? A eternidade feliz ou um momento feliz?

     -Muitos dizem que a felicidade é, na verdade, uma coleção de momentos felizes.

     -Para quem não conhece a outra, pode ser. Mas a avaliação correta disso só pode ser feita para quem descobre e alcança o Amor Verdadeiro.

     -Isso então, você reafirma, é possível de se obter aqui?

     -Certamente.

     -Então, todos os que desejarem podem saber quem é, onde está e quando encontrarão sua alma gêmea e podem providenciar para garantir ou apressar esse encontro?

     -Sim.

     -Não é uma afirmação perigosa? Suponho que todos os que procurarem alcançar esse sonho desejarão encontrá-lo aqui e imediatamente e os que não o conseguirem poderão, em razão da decepção, abandonar toda e qualquer busca do Conhecimento.

     -Se forem bem instruídos, se forem bem esclarecidos, se compreenderem esse objetivo terão esclarecimentos suficientes e alcançarão, descobrindo ou não, encontrando imediatamente ou não suas metades, a mesma Paz, a mesma Força, a mesma Felicidade, porque terão a certeza de quem ela é e onde está. Sentirão que ela existe e o que terão que fazer para encontrá-la.

     -Desculpe, Manu, mas eu insisto no ponto do perigo de um casal que se submete a essa busca e que no fim descobre que vive uma união mentirosa ou pelo menos equivocada...

     -Quem vive assim não precisa de magia para descobrir, precisa é de coragem para reconhecer que vive assim. Ninguém que é infeliz numa união desconhece isso. Pode, sim, fingir que é feliz porque é mais prático, mais cômodo.

     Os que procurarem instruir-se e utilizar-se do Conhecimento para encontrarem-se com seus sonhos serão os que se conscientizaram, que optaram por encontrarem-se primeiro com eles próprios. Seria um contra-senso se propor a encontrar quem quer que seja sabendo que ainda não encontrou nem a si próprio.

     -Por isso a análise?

     -Sim. E cumpre a você, se pretender ensinar o que lhe retransmito, insistir nisso. Deve primeiro deixar tudo bem colocado para depois permitir-se ajudar a quem o procurar com esse propósito.

     -Poderei então repartir o que você me ensina?

     -Poderá e deverá.

     -Até revelar e tornar acessível a outros os segredos e as facilidades que estão aqui?

     -Sim. Nisso, entretanto, você poderá encontrar dificuldades por motivos puramente materiais e terá que receber instruções de como proceder para que muitas pessoas não se sintam discriminadas.

     -Como assim?

     -Muitas coisas são totalmente inacessíveis à maioria das pessoas porque a civilização desenvolveu um sistema discriminatório. Criou bens a serem consumidos, mas que não podem ser comprados por todos justamente com o propósito de escravizar-nos a metas materiais. Isso criou as diferenças sociais e as injustiças.

     -Não compreendo o que isso tem a ver...

     -Já lhe explico... Imagine o efeito desastroso que seria causado a uma pessoa se, por questões meramente econômicas, ela se sentisse impedida de levar adiante seu propósito de aperfeiçoamento como ser humano. Se ela se entusiasmasse pelo que você revela sobre o Caminho dos Magos, mas julgasse que isso fosse inacessível a ela por supor, por exemplo, que não teria recursos suficientes para vir até este lugar.

     -Não teria sentido algum. Aliás, seria algo totalmente incoerente.

     -Pois é. Por isso é que eu disse que você teria que receber instruções específicas para não deixar nada obscuro e assim não dar margem a interpretações erradas. Mesmo porque não falta quem queira sempre deturpar informações dessa natureza.

     -Então, posso deduzir que será possível obter os mesmos resultados mesmo para as pessoas que não possam vir até aqui?

     -Mais ou menos, sim. Mas, para você compreender isso melhor, daremos continuidade à sua própria caminhada rumo ao Primeiro Portal. Assim você terá mais facilidade em perceber como repassar o Conhecimento e torná-lo acessível até mesmo aos que não tiverem meios de vir até aqui.

     -Antes que você continue, Manu, eu queria que você me esclarecesse sobre o fato de só aqui poderem-se encontrar as melhores condições de energia e vibrações para este começo de caminhada ao Primeiro Portal.

     -Se o ciclo de desenvolvimento da sabedoria humana terrestre não tivesse sido interrompido pela destruição das civilizações depositárias das revelações, isso não aconteceria. Certamente todos os povos teriam obtido as mesmas informações e o Conhecimento teria sido difundido por todos os recantos do planeta. Mas houve, por fraqueza dos homens, uma inversão desse processo. À medida que algumas civilizações, por força do desenvolvimento de técnicas múltiplas, puderam deixar suas terras em busca de descobertas, quando as faziam traziam em mente a conquista do poder e não a conquista de novos conhecimentos. Pelo contrário, quando se deparavam com esse conhecimento, muitas vezes superior aos deles, tratavam de destruí-lo em vez de tentar aprendê-lo. Faziam isso justamente porque queriam subjugar esses povos e não compartilhar nada. Por isso o Conhecimento Cósmico foi destruído ou escondido por aqueles que o detinham. Os que sabiam desses segredos, conhecendo a índole dos conquistadores, facilmente deduziram que eles não mereciam receber esse Conhecimento.

     Assim, o ciclo foi interrompido e é por isso que hoje você precisa se deslocar por todo o planeta em busca de pontos energéticos específicos ou então buscar meios alternativos para substituí-los quando aparecem impedimentos tais como a impossibilidade de fazer essas viagens.

     Mas, agora, venha comigo. Enquanto caminhamos e eu o guio ao Primeiro Portal, você terá informações de como proceder com aqueles que não puderem vir até aqui.

     Procure caminhar com tranqüilidade enquanto me escuta. Mentalize o caminho que o levará ao encontro da virtude do Amor Divino. Busque a harmonia com tudo o que observar, com as pedras, com as plantas, com a luz do luar, com a brisa, com os ruídos dos insetos, com as ondas do mar.

   Deixe seu ser sentir a aproximação com um outro ser. Procure senti-lo e imaginá-lo cada vez mais perto.

     Se você não estivesse aqui, percorrendo o caminho real, físico, poderia construir esse caminho em sua mente, imaginando-o de maneira que a imagem mental lhe sugerir.

     Aqui, eu o guio em direção ao lugar onde foi depositado, por magia, pela manipulação de energias e vibrações, a força da virtude representada pelo Primeiro Portal. A proximidade física facilita sua mentalização e o seu contato com os guardiões do Portal.

     Mas, se você não estivesse aqui para equilibrar a distância entre você e esse ponto energético, você poderia usar a magia para construir uma ponte entre você e este lugar. Poderia, para realizar essa magia, por exemplo, utilizar o ritual das velas.

     As velas, quando usadas corretamente como instrumentos de magia, auxiliam no processo de concentração da força mental e da vontade, permitindo a emissão e a recepção perfeitas de pedidos ou qualquer outra comunicação, e se constituem um meio muito eficaz de se obter, por exemplo, ajuda cósmica. Conhecendo-se o uso correto da cor, os dias e as horas mais propícios a cada tipo de pedido e a participação das forças elementais pode-se, com facilidade, transformar a simplicidade das velas num infalível instrumento mágico.

     Aquele então que quiser fazer o primeiro trecho do Caminho dos Magos apenas mentalizando-o pode, para facilitar essa tarefa, realizar um ritual com velas para integrar-se à força do depositário de energia que está aqui na ilha.

     Esse ritual poderá ser feito ao ar livre ou dentro de casa sem qualquer problema. Para realizá-lo utilizam-se duas velas de cor rosa, duas brancas, uma vermelha, uma verde e uma prateada. Como não é fácil obterem-se velas prateadas, essa pode ser substituída por outra vela branca.

     O dia propício para realizar um ritual de velas ligado ao Amor é a sexta-feira e o horário pode ser escolhido entre três: da 1 às 2 horas, das 9 às 10 horas ou ainda das 17 às 18 horas.

     De posse das velas, o praticante deverá, em primeiro lugar, procurar uma total integração com elas, que serão o instrumento principal do ritual. Essa integração é feita através da "oleação", ou seja, o praticante coloca um pouco de óleo, de qualquer tipo, em suas mãos e passa o óleo nas velas que irá usar, mentalizando que elas serão o elemento de ligação de sua mente com os guardiões do Primeiro Portal, que nesse ritual será simbolizado por um círculo que o praticante traçará no chão, riscará na terra ou usará um giz, por exemplo.

     Traçado o círculo, este será dividido em quatro quadrantes: norte, sul, leste, oeste. A cada ponto cardeal, o praticante ligará um dos elementos. Considerará o elemento terra ao norte, o elemento ar ao leste, o fogo ao sul e a água ao oeste. No quadrante norte colocará fora do círculo a vela verde. Uma vela branca, para o ar, no leste. A vermelha será para o fogo, ao sul, e a outra vela branca, para a água.

     Acenderá essas velas, uma a uma, começando pela verde e seguindo no sentido horário. Ao acender a vela verde, mentalizará o elemento para o bom encaminhamento desse ritual que faz com a finalidade de se harmonizar com toda a natureza e com os guardiões do Amor. Ao acender a vela branca dedicada ao ar, mentalizará os elfos, seres do ar, e fará a mesma mentalização e o mesmo pedido. Com a vela vermelha mentalizará as salamandras, elementos do fogo, e com a outra vela branca mentalizará e pedirá o mesmo aos tritões e às ondinas.

     Feito isso, colocará a outra vela branca ou a prateada, se tiver conseguido, no centro do círculo, e acendendo-a, mentalizará a Criação, a Divindade, supondo-a constituída por dois seres, um feminino e outro masculino. Fará à Divindade o mesmo pedido e por fim colocará as duas velas cor-de-rosa ao lado da vela que foi colocada no centro do círculo e as acenderá também, mentalizando que simbolizam os guardiões do Primeiro Portal, pedindo que eles transfiram para ali toda a vibração e toda a energia do Amor e para que permitam que o praticante com elas se harmonize para que sua vida seja encaminhada ao encontro da pessoa que é o seu complemento divino, sua alma gêmea.

     Para finalizar essa parte do ritual, o praticante, utilizando-se de um bastão, que poderá ser uma varinha de madeira, traçará um outro círculo por fora do anterior, envolvendo inclusive as velas colocadas fora do primeiro círculo. Esse segundo círculo é a chamada proteção ao ritual. Deve ser feito no sentido horário, e enquanto o faz, traçando-o ou mentalizando-o, o praticante pede a todos os seres envolvidos no ritual que protejam aquele trabalho mágico de qualquer força ou vibração que, porventura, possa prejudicá-lo.

     Esse ritual deve ser feito antes de o praticante iniciar sua caminhada mental em direção ao Primeiro Portal e essa caminhada mental é feita com a mentalização de que o praticante de fato percorre um caminho e que enquanto o percorre faz sua auto-análise e suas reflexões sobre tudo o que lhe foi ensinado inerente a esse objetivo. O praticante pode fazer a mentalização de que percorre o caminho quantas vezes quiser, repetindo sempre esse ritual. O tempo de duração dessas mentalizações é determinado pelo praticante, que não precisa esperar que as velas se apaguem para encerrar suas mentalizações. Entretanto, deverá deixar as velas queimarem até o fim, e, quando estas se apagarem, o praticante, munido do mesmo bastão, desfaz o círculo de proteção, traçando-o novamente, mas, dessa vez, no sentido anti-horário. Enquanto faz isso, mentaliza ou verbaliza seu agradecimento aos seres envolvidos no ritual, dispensando a proteção oferecida ao mesmo. Finalmente, poderá apagar o círculo e, se sobrarem restos das velas, deverá recolhê-los e atirá-los na água ou na terra de um jardim.

     Caminhei alguns quilômetros acompanhando Manu. A cada passo parecia estar me aproximando de uma fonte de luz e calor. Manu estava bem ao meu lado. Eu o ouvia bem, mas parecia estar distante.

     Caminhávamos em direção ao mar. A Lua estava bem à nossa frente e riscava as águas com um traço de prata. Manu parecia guiar-se por ele.

     -O Primeiro Portal, bem como os demais, é guardado por um ser completo, ou seja, por um homem e por uma mulher. Todas as crenças, ordens religiosas e esotéricas falam dos sete guardiões e das virtudes que representam e personalizam. Porém, mesmo na Teosofia, que lhe recomendei para que usasse dela os nomes dados aos guardiões, quando fala do Amor se refere não a um ser isolado, mas a um casal, um homem e uma mulher. Isso deve chamar nossa atenção e nos sugerir ou permitir supor que mesmo com o esquecimento do Conhecimento ou com as deturpações propositais ou não que ele sofreu, não foi possível deixar de representar o Amor Verdadeiro e nem se referir a ele com o simbolismo de um ser somente e sim por um homem e por uma mulher.

     Procure caminhar os últimos passos que o separam do Primeiro Portal mentalizando que, ao

atingi-lo, você receberá todas as vibrações ben'eficas e necessárias à consumação de seu encontro com o ser que é o seu complemento.

     Conscientize-se de que Paulo, o Veneziano, e Rowena, guardiões do Amor Divino, unem-se a você para facilitar esse encontro. Você se aproxima deles, você caminhou até eles para pedir ajuda para que esse encontro se tornasse possível aqui mesmo, durante esta sua vida na Terra.

     Na verdade, você caminha agora ao encontro do Amor, do seu amor. Daquele que o transformará num ser completo, equilibrado, em paz.

     A cada passo você se aproxima mais dela. Sinta isso. Sinta isso.

     Manu repetia a frase, sua voz parecia estar cada vez mais distante. Uma sensação de paz indescrit'ivel era exatamente o que eu sentia.

     Uma grande pedra oval estava bem à nossa frente. Respingos das ondas batiam nas pedras próximas e iluminados pelo luar pareciam produzir uma chuva de pontos de luz sobre ela. Eu sentia que o calor e a luz vinham daquela pedra. Parei.

     Manu colocou a mão sobre meu ombro e levantou bem alto a tocha que levava.

     -Aproxime-se... Ajoelhe-se à frente dessa pedra e a abrace. Deixe que toda a energia aqui depositada invada seu ser.

   Fiz o que ele mandou. Abracei a pedra oval, encostando minha cabeça sobre sua superfície molhada pelo mar e comecei a sentir que caía num vazio...

     O horizonte longínquo era recortado por enormes picos pontiagudos. Florestas grandiosas se sucediam, misturadas a clareiras e campos por onde corriam riachos que formavam, aqui e ali, cascatas e cachoeiras. Enormes borboletas eram o único movimento naquela paisagem fantástica, banhada inteira por uma tênue luz esverdeada. Todas as pedras e até as grandes montanhas pareciam ser de cristal verde.

     Eu via todo aquele esplendor natural de muito alto, pairando no ar.

     Ela estava ali, em algum ponto daquela terra toda verde. Não podia vê-la, mas podia senti-la e sentia mais ainda a sua tristeza.

     De repente, o silêncio que parecia envolver todo aquele planeta verde por inteiro foi bruscamente interrompido por um grito de dor: "... Não agüento mais... Não agüento mais..." Eu podia ouvir o grito dela repetido pelo eco das montanhas de cristal verde enquanto fui me afastando dali, caindo de novo num espaço vazio, sempre ouvindo aquele grito de dor e tristeza.

     Abri os olhos. Meu rosto estava colado à pedra, misturado a suor, água e grãos de areia. O vazio em que me senti caindo parecia ter-se alojado dentro de mim. Um nó na garganta e a perplexidade de momentaneamente não saber nem onde estava e nem o que estava acontecendo não me permitiam levantar. Tentei, mas as pernas não me obedeciam.

     -Está tudo bem. Calma. Relaxe. Está tudo bem.

     A voz de Manu me trouxe de volta a memória e consegui me localizar novamente. Manu ajudou-me a levantar. Estava tonto e a luz do Sol nascendo agredia meus olhos.

     Manu, segurando-me por um braço, guiou-me até a beira do mar. Fez-me entrar até a água chegar à minha cintura.

     Ficamos ali até que eu me sentisse melhor. Voltamos. Sentei-me na praia e Manu afastou-se pedindo que o esperasse. Voltou minutos depois trazendo bananas e goiabas.

     -O que aconteceu -perguntei.

     -Você alcançou o Primeiro Portal. Agora vamos voltar para casa porque você precisa descansar. Depois lhe explicarei. Procure distrair-se e por enquanto não pensar no que aconteceu aqui.

     -Que lugar era aquele? -insisti.

     -Esqueça. Você deve relaxar. Teremos muito tempo para conversar sobre isso. Vamos.

     Manu levantou-se e eu o acompanhei, olhando para aquela pedra oval e tentando imaginar se alguém mais, vendo-a ali, à beira dágua, saberia de todo o poder que nela está depositado.

     -As poucas pessoas que a conhecem, principalmente pescadores, acreditam que ela é uma espécie de amuleto que ajuda nas pescarias -disse Manu como se adivinhasse o que eu pensava.

     No caminho de volta, Manu tentava me distrair mostrando-me plantas, árvores e pássaros e chamando a minha atenção para certas paisagens. Ele me acompanhou até a porta da casa, demonstrando preocupação e despediu-se de mim repetindo as recomendações.

     -Se quiser, encontre-me lá pelas quatro da tarde no cais dos pescadores e agora vá dormir.

     Fiquei na varanda vendo-o ir-se, ao mesmo tempo em que tentava ordenar meus pensamentos que não se afastavam dos acontecimentos daquela noite. Não era fácil atender aos pedidos de Manu para deixá-los afastados da minha mente por enquanto.

     O vazio por dentro parecia aumentar.

     Pensei em dormir, mas não consegui. Tomei um banho. Depois arrumei um pouco a casa. Na hora do almoço, não tinha fome.

     Achei melhor gastar o tempo que faltava para encontrar-me novamente com Manu para anotar os últimos acontecimentos e tudo o que ele transmitira nas últimas horas. Distraí-me e só cheguei ao cais lá pelas cinco da tarde. Manu atrasou-se também. Só chegou uma hora depois.

     Eu já estava pensando em desistir de esperá-lo quando ele apareceu apressado e desculpou-se.

     -Tive que levar uns amigos ao aeroporto -explicou.

     Depois, disse-me que esses amigos eram alemães aos quais ele estava orientando e só assim fiquei sabendo que eu não tinha a exclusividade dos seus ensinamentos, conforme supunha até aquele momento.

     Caminhavamos nos afastando do povoado. Parecia que ele não gostava mesmo de se expor a outras pessoas. Talvez por isso ninguém parecesse conhecê-lo.

   Comentei esse fato e ele me disse que todos o conheciam, mas que também sabiam qual era o seu trabalho e que por isso nada comentavam. Diziam que não o conheciam porque sabiam que ele é que tinha que procurar algumas pessoas e não essas por ele.

     -Se não agissem assim -comentou -, eu não teria mais sossego para fazer meu trabalho.

     -Mas você disse que eu, por exemplo, poderia divulgar seus ensinamentos e até trazer gente aqui para percorrer o Caminho dos Magos...

     -Sim, justamente por isso lhe passei as instruções. Para que você as retransmita. A mim cabe instruir alguns para que esses repassem o que aprenderam.

     Escolhemos um lugar para sentar depois que nos afastamos bastante do povoado.

     -E então, como se sente agora? -perguntou-me.

     -Tenho a sensação de estar vazio. Parece que me falta alguma coisa... Não sei explicar bem.

     -Isso vai passar logo. Assim que o esclarecer sobre o que aconteceu depois que chegou ao Portal. Quando você recebeu a energia que estava na pedra, sua mente se abriu para fatos reais de sua existência que estavam bloqueados. Fatos guardados em seu subconsciente.

     O propósito da caminhada ao Primeiro Portal é o de alcançar o Amor, despertá-lo plenamente em seu ser.

     No seu caso, como seu ser já o possui, era preciso que fatos marcantes em sua existência, ou seja, na existência do seu ser, fossem conhecidos por você, conscientemente.

     Você já havia encontrado a mulher que o acompanhará na eternidade. Porém, a deixou para cumprir uma missão na Terra. Nem você e nem ela tinham mais necessidade de encarnarem aqui com propósitos evolutivos. Por isso você pediu a ela que ficasse, que o esperasse voltar. Sua missão ampliou-se e isso, além de exigir sua força completa, que só é conseguida com ela junto a você, também a afetou, porque você, pelos planos iniciais, já deveria ter voltado há muito tempo.

     O fato que o abalou foi ter-se recordado do lugar onde ela está e também por ter tomado conhecimento do estado emocional em que ela se encontra por causa da separação prolongada.

     Comecei a pensar que Manu não me traria benefícios. Antes, pelo contrário. Ele ativara em mim um sentimento que até então eu desconhecia em sua plena e verdadeira manifestação. Fizera depois me lembrar de alguém e sentir uma saudade muito grande dessa pessoa. Minha cabeça estava confusa porque era isso o que eu sentia, mas, analisando tudo ao nível da razão, provocava um grande conflito interior. Não seria tudo fantasia? Meu sentimento dizia que não e a razão insistia que sim.

     -Você me fez desejar estar junto de uma pessoa que não conheço, que não sei onde está e que pode, na verdade, nem existir -desabafei, reclamando de Manu.

     Manu Sorriu.

     -Tranqüilize-se. Não diga nada agora que possa fazer arrepender-se em breve. Tenha paciência e espere um pouco mais.

     Faça algumas perguntas a você mesmo. Deixe que sua mente, que sua rezão pergunte ao seu coração por essa pessoa. Você ainda tem bastante tempo para ficar aqui. Aproveite a vibração, a energia, a tranqüilidade deste lugar para meditar definitivamente a sua verdade. Se for preciso, pode voltar até a pedra quantas vezes quiser. Fique por lá pelo tempo que precisar. A energia que está nela irá ajudá-lo.

     -Fale-me mais sobre aquela mulher. Não pude vê-la, mas a ouvi. O que queria dizer?

     -É melhor que espere que seu sentimento se liberte das algemas da razão. Depois você saberá.

     Passei semanas sem encontrá-lo.

     Ocupei meu tempo dividindo-o entre cuidar da manutenção da casa, escrever, pintar e muitas visitas à pedra oval, onde passava horas meditando sobre os ensinamentos de Manu.

     Tinha ido para aquele lugar perdido no meio do Pacífico para aprender e assim decidi que levaria tudo adiante nem que fosse para concluir depois que tudo não passava de uma grande mentira. Não podia evitar de racionalizar tudo, mas procurava, com esforço, dar uma chance ao que sentia, seguindo os conselhos de Manu.

     Quando ia até a pedra, repetia o gesto de abraçá-la e pedia aos guardiões que me dessem equilíbrio para seguir adiante com segurança.

     Comecei a pintar quadros nos quais conseguia colocar a tranqüilidade que pouco a pouco tomava conta de mim.

     O vazio interior que sentira logo depois da experiência foi sendo substituído por uma sensação de paz e também por uma ansiedade porque não podia deixar de sentir que eu caminhava em direção a alguma coisa grandiosa. Parecia que a qualquer momento algo de muito importante iria acontecer.

     Resolvi procurar Manu. Passaram-se seis semanas desde a última vez que eu o vira. Tentei lembrar-me do caminho que fizemos até a sua gruta e acabei andando por toda a ilha sem encontrá-la.

     -Eu lhe disse que sou eu que o encontro.

     Foi o que o ouvi dizer, censurando-me, quando finalmente o encontrei dias depois de ter começado a procurá-lo.

     -Você precisa aprender agora a caminhar por seus próprios pés. Não pode desenvolver qualquer tipo de dependência em relação a mim. E lembre-se disso para não deixar acontecer com nenhum daqueles que mais tarde irá instruir. O que você já sabe é o suficiente para seguir por seus próprios meios.

     -Você sempre fala naqueles que vou instruir. Como vou fazer tal coisa se ainda nem sei se acredito no que ouvi de você?

     -Você não tem que acreditar em nada. Eu lhe disse que os magos não acreditam, eles têm certezas. Você retransmitirá suas certezas somente.

     Eu ouvia Manu fazer aquelas afirmações, mas tudo me parecia ainda muito distante, inalcançável. Assim era como me sentia apesar de estar envolvido também por um sentimento muito bom. Parecia que era algo que pouco crescia e me envolvia com boas sensações. Mas, como eu sempre me sentira muito bem ali na Ilha da Páscoa, não deixava me impressionar com facilidade. Repelia qualquer pensamento que tentasse atribuir essas sensações ao que estava acontecendo com relação ao que Manu me transmitia.

     Acho que era uma espécie de defesa contra o que o meu sentimento tentava fazer com que eu enxergasse.

     Os meses se sucediam. Na verdade, eu não me importava com o tempo. Só me lembrava dele quando chegavam cartas sempre reclamando, cobrando notícias.

     Eu me sentia cada vez melhor. Era como pressentir a aproximação de alguma coisa que eu ainda não sabia explicar, ou, quem sabe, aceitar.

     Comentei tudo com Manu.

   -Você terá essa dificuldade enquanto insistir em medir o sentimento com a razão. O que você sente é a proximidade do encontro e sua dúvida se dissipará completamente quando ele acontecer.

     -Deduzo que esse encontro a que você se refere é com a mulher que percebi durante aquela experiência lá na pedra. Você me disse que ela está em outro mundo...

     Manu abaixou a cabeça, fechou os olhos e tomou uma atitude de quem se esforça para ouvir alguma coisa. Foi exatamente isso que me pareceu quando ele levantou a cabeça abrindo os olhos, sorrindo e respondendo resoluto:

     -Ela ficou lá por muito tempo e depois decidiu, por causa de sua demora, vir para encontrá-lo.

     Tive que respirar fundo para não dizer a Manu que o que eu achava mesmo é que ele tinha uma imaginação muito fértil. O problema é que isso eu pensei, mas o que senti...

     -Ela vive aqui, então?

     Manu sorriu novamente. Parecia estar contente com o que me acontecia. Eu é que não achava nada divertido. Insisti na pergunta:

     -Ela está aqui?

     -Sim.

     -Onde? Como saberei quem é? Como irei encontrá-la?

     -Seu sentimento agora está aberto para encontrá-la. Você saberá quem é porque sentirá quem é. E será ela quem virá encontrá-lo porque veio para isso. Ela virá até você.

     -Quer dizer que não me resta fazer nada?

     -Esforce-se por não bloquear seu sentimento. Deixe que tudo flua com naturalidade. Você só terá a ganhar se parar de construir barreiras com a sua razão.

     -Que efeito teve o fato de você me instruir e me conduzir ao Portal? Se você diz agora que ela veio para encontrar-me, tudo o que você fez não seria dispensável?

     -Primeiro: estava determinado que ela o esperaria. Mesmo estando aqui, ela manteria isso. Ficaria o esperando. Isso é que foi mudado. Por ela e por você com a força do sentimento. Segundo: era preciso, para isso acontecer, que o sentimento que estava bloqueado em seu consciente se libertasse. Estava bloqueado porque você não poderia sentir, encarnado, o que seu ser sente por ela. Seria viver num inferno permanente se, encarnado, separado por milhões de anos-luz de distância, você tivesse consciência da existência dela. Como ela veio, isso deveria ser corrigido.

     -Coisas assim, então, podem ser feitas para qualquer um?

     -Podem. Só que é preciso que se tenha uma visão, uma percepção mais profunda ao analisarmos cada resultado. A finalidade maior é despertar o sentimento em sua grandeza primordial, fazendo com que haja uma compreensão plena sobre ele e sobre sua importância vital para cada ser. Por Amor, por esse sentimento que tudo comanda, esse encontro sempre é facilitado.

     O importante é que cada um perceba como o Amor se manifesta em seu ser. Ele se manifestará, de um modo ou de outro, para cada um que o procurar. Muitas vezes a fórmula para o encontrarmos é olhar na direção oposta a que estamos acostumados ou viciados em olhar. Experimente isso também com você.

     Pare de usar a razão para medir o sentimento. Pare de tentar alcançar as estrelas com a racionalidade terrestre. Dentro de você há uma estrela mais fácil de alcançar. Dê uma chance ao seu sentimento. Deixe que ele o guie, pelo menos por um trecho do caminho, por pequeno que seja. Se você não gostar do que encontrar, poderá voltar sem prejuízo.

     A grande energia depositada na pequena pedra abriu esse caminho para você, mas ela não irá for¿'a-lo a andar. Isso cabe a você decidir se quer ou não.

     Medite sobre tudo o que ouviu. Sobre tudo o que sentiu. Sobretudo sobre o que sentiu. Analise o que aprendeu. Não somente o que aprendeu de mim, mas o que vem aprendendo desde que conheceu os Sete. Faça um balanço de tudo.

     Você verá que, apesar do tamanho grandioso de tudo o que já recebeu, ainda lhe falta algo muito maior. Se assim não fosse, por que essa sensação agora de que você se aproxima de algo tão importante?

     Depois de encontrá-la você então perceberá que tudo que julgar ter é nada, porque é nada sem tê-la.

     Saberá que tudo o que recebeu antes foi apenas para torná-lo digno de encontrá-la e irá se esforçar para melhorar sempre porque, perante o que passará a sentir, perceberá que tudo o que é ainda é pouco.

     Não terá tristeza ou infelicidade por isso. Terá alegria e felicidade suficientes para além de continuar seu caminho não se conformar enquanto não conseguir repartir tudo o que recebeu.

     Depois, talvez, até se apavore ao perceber que à medida que reparte o que tem irá sempre tendo mais e mais.

     Enfim, se sentirá orgulhoso por ter conseguido ser humano.

     Será humano porque nunca dirá a nenhum outro: isso é bom para você. Dirá antes: desejo que você encontre aquilo que julga ser bom para você.

     Será humano porque aprenderá a ver no outro um ser único e o compreenderá e o respeitará por isso.

     Será humano porque não irá tentar guiar o outro por caminhos que o transformem num anjo e não o ameaçará transformá-lo num demônio se discordar de você.

     Será humano porque, não sabendo tudo, ensinará então o equilíbrio e trabalhará para que cada um possa, por si, encontrar a própria felicidade.

     -Se eu devo repassar a outros o que estou aprendendo aqui, preciso de mais esclarecimentos. Mesmo já confiando em você, mesmo com esse sentimento que me dá a certeza, preciso de mais explicações... -foi o que comecei falando logo que reencontrei Manu. -Preciso saber mais detalhadamente sobre essas energias e vibrações e como manipulá-las. Qualquer resultado positivo num encontro entre duas pessoas, trabalhando anteriormente pelos métodos que você me ensinou, não poderiam ser obra do acaso?

     -Tentarei esclarecê-lo com um exemplo -respondeu Manu. -Você certamente conhece aquele método que os psicólogos usam com manchas e tinta que devem ser interpretadas pelos seus pacientes. Você mistura tintas de várias cores aleatoriamente e daí resultam figuras, certo? Pois bem, atualmente já se fazem pesquisas com sofisticados computadores capazes de antecipar o resultado que irá se obter com essas manchas e que até agora era tido como mero acaso. Chama-se a isso método dos atratores estranhos. E o que é o computador? Não é uma máquina que auxilia a mente humana? Então? Uma mente ou algumas mentes desenvolvidas não poderiam fazer o mesmo ou até mais?

     Pois é isso que se faz quando uma pessoa ou um grupo delas prepara talismãs, por exemplo. É isso que foi feito aqui, com todo o Conhecimento, pelos antigos, para carregar com energias e vibrações os objetos ou os lugares, que passaram assim a ter a energia na freqüência distinta para cada Portal.

     Uma vez preparadas, as pessoas com suas mentes harmonizadas podem sintonizar outras mentes que vibram nessas freqüências e juntas desencadear os processos necessários para cada objetivo em questÍao. Podem criar, por exemplo, situações que provoquem o encontro entre dois seres e sem qualquer participação do caso.

     Eu lhe dei esse exemplo para que você comece a modificar seu conceito de acaso, porque, na verdade, ele não existe.

     Sobre as energias, tenho a lhe dizer que existem algumas, de baixa freqüência e ainda não percebidas pela física, mais baixas do que a energia da força de gravitação, que é a mais baixa conhecida. Essas energias, ainda não detectadas por nossa ciência, da mesma maneira que a força de gravitação, também modificam o espaço.

     Para usar essas energias dou-lhe o exemplo da pilha nuclear que libera energia atômica graças a uma definida disposição geométrica de materiais puros. Poderíamos dizer que a manipulação das energias sutis é feita da mesma maneira. Pode-se construir uma pilha psíquica colocando-se seres humanos puros numa determinada disposição geométrica e assim manipular a energia liberada que irá agir alterando, modificando o espaço e provocar com isso, por exemplo, o alinhamento de duas mentes. Está compreendendo?

     -Sim -respondi. -Você falou em seres humanos puros colocados em exercícios de mentalização objetivos e dispostos numa posição geométrica... Quem seriam essas pessoas, que mentalização teriam de fazer e qual a geometria a ser obedecida?

     -As pessoas que participariam das mentalizações seriam as mesmas que o procurariam para iniciar a jornada ao Primeiro Portal. Entrevistando-as, você saberá quais estão com seus corações puros nas intenções. Esse trabalho de mentalizações você fará aqui, junto ao objeto depositário da energia. Fará as mentalizações dirigidas às pessoas que vierem até aqui e também em benefício das que não puderem vir.

     Como aqui já existe todo um campo energético sintonizado nas freqüências corretas, essas práticas são muito facilitadas se feitas aqui e é justamente por isso que lhe disse que vindo até aqui as coisas tornam-se mais fáceis. Quanto às mentalizações e à geometria a serem obedecidas, vou ensinar-lhe, porém, você só deve revelá-las às pessoas que o procurarem pessoalmente. Isso evitará que experiências mal conduzidas venham a interferir nesses campos energéticos específicos.

     Manu explicou-me detalhadamente como conduzir o trabalho, reiterando o pedido para que só o revelasse aos que se dispusessem a vir até a ilha. Demonstrando sempre preocupação em compensar os que não tivessem meios para vir, ensinou-me como energizar objetos e colocá-los na freqüência da virtude do Primeiro Portal, como talismãs que eu poderia distribuir para essas pessoas depois de instruí-las também. Por fim, disse-me que, como eu iria precisar para realizar todos esses trabalhos de um bastão igual ao que ele usava, ele iria fazer-me uma demonstração de como as mentalizações efetivamente funcionando como catalizadores de efeitos manipulados pela mente.

     -Vamos até o local do Segundo Portal. A força que ele representa, necessária para toda a caminhada, pode ser traduzida pelas ferramentas que o ser precisa nessa empreitada. O bastão que uso é uma dessas ferramentas. Vou fazer com que você receba um, usando para isso a manipulação da energia e da vibração correspondentes.

     Enquanto caminhávamos em direção ao ponto energético correspondente ao Segundo Portal, Manu continuou falando sobre as mentalizações e sobre a geometria que deveria ser obedecida na disposição dos participantes dos trabalhos. Explicou-me também sobre uma série de práticas mágicas nas quais eu poderia usar o bastão e disse-me que a meu critério eu poderia entregar outros bastões iguais para pessoas que se dispusessem a fazer toda a experiência de percorrer o Caminho dos Magos, ali na ilha.

     -Passar por todas as fases preparatórias à iniciação aqui requer muita perseverança. Isso já será um bom indicador quando tiver que dicidir a quem mais poderá entregar o bastão.

     Passamos pelo monumento dos Sete Moais e nos dirigimos para o Norte. Manu parou à beira de um grande buraco no chão. Era a entrada de uma das inúmeras grutas que estão por toda a ilha. Havia sinais de que o lugar era usado para acampamentos. Nos primeiros trinta metros, a gruta era bem larga e o teto alto. A água da chuva, filtrada pelo solo, escorria pelas paredes de pedra formando poças no chão. Chegamos a uma parte bem mais larga. Um buraco no teto deixava a luz do Sol iluminar o local. Uma abertura numa das paredes daquele lugar, que parecia um anfiteatro subterrâneo, mostrava que a gruta não terminava ali. Manu apanhou dois galhos secos em um canto e fez com eles duas tochas usando capim seco. Afastou algumas pedras descobrindo um vidro onde provavelmente guardava óleo queimado. Deduzi isso pela fumaça e pelo cheiro expelidos quando acendeu as tochas depois de embebê-las com aquele líquido escuro.

     Seguimos adiante, agora por um túnel que mal dava para se ficar de pé. Era um canal subterrâneo por onde a lava anteriormente escorria até o mar. Inúmeros desses canais cortam toda a ilha, formando um labirinto subterrâneo.

   Dizem que até hoje as famílias descendentes dos antigos nativos têm lugares assim onde escondem velhos objetos, relíquias das famílias e onde também alguns enterram seus mortos.

     Nenhum pasquense comenta sobre esses assuntos por mais que se insista. Costumes milenares ainda são mantidos, apesar de os historiadores afirmarem que todos foram esquecidos ou abandonados.

     Lembro-me de que durante minha segunda visita à ilha um ancião desapareceu de casa. Organizaram expedições de busca, mas só o encontraram depois de seis dias. Foi achado morto, despido, deitado sobre uma laje de pedra e em volta do seu corpo rochas soltas cuidadosamente arrumadas em círculo denunciavam que ele mesmo fizera um ritual para sua morte.

     Acompanhei Manu por aquele túnel estreito por bastante tempo e a sensação de estar me enfiando cada vez mais para dentro da terra não me agradava nada. Só respirei mais aliviado quando vi uma claridade adiante mostrando que estávamos no fim daquele túnel. Só que o alívio durou pouco. A luz, de fato, era do dia lá fora, mas não havia como seguir adiante. Teríamos que voltar por onde viemos, já que aquele canal subterrâneo terminava abruptamente bem no meio de um penhasco, abrindo-se como que uma janela para o mar. Parei bem na borda ao lado de Manu. Uns cem metros nos separavam do oceano lá embaixo. Calculei que para cima deveria haver outro tanto. Não dava para saber com certeza por causa das rochas salientes que não permitiam ver dali o começo do penhasco lá em cima.

     Se alguém desejar desaparecer definitivamente, basta dar um passo para a frente, pensei, imaginando o que seria uma queda dali daquela altura até as pedras lá embaixo, fustigadas por ondas gigantescas.

     Manu deitou-se no chão, de bruços, colocando quase todo o tórax para fora da abertura. Tateou uma saliência a uns oitenta centímetros para baixo, deslocou alguns tufos de capim que cresciam nas frestas da rocha vulcânica e puxou dali uma linha grossa de náilon. Levantou-se e começou a puxá-la para cima enrolando-a no cabo da tocha que carregava. A ponta da linha sumia lá embaixo dentro do mar. Algo bastante pesado devia estar preso na ponta da linha, pensei, notando o esforço que fazia. Ele mantinha os braços esticados para a frente para evitar que o objeto que içava batesse nas paredes do despenhadeiro. De vez quem quando, parava para descançar e foi enrolando até que fez surgir o seu bastão esculpido em madeira preso à ponta da linha de pesca, amarrado a uma pedra de tamanho razoável o bastante, creio, para mantê-lo no fundo d`água.

     Manu suspirou aliviado, livre do esforço, soltando os braços para baixo.

     Era a segunda vez que o via retirar aquele objeto de lugares estranhos. Um armário seria mais apropriado, pensei. Primeiro o retirou de sob a terra, agora do fundo do mar... Terra... Água... Meu cérebro funcionou depressa dando a resposta e eu repeti em voz alta:

     -Terra, água...

     -Fogo e ar -completou ele, continuando. -Os bastões servem para, principalmente, fazer os círculos de proteção nos rituais de magia. Devem estar limpos e a limpeza e conseqüente energização se fazem mantendo-os em contato com os quatro elementos naturais. Quando você receber o seu deve fazer isso. Para energizá-lo com o fogo e com o ar basta deixá-lo exposto ao Sol. Bem, agora vamos voltar. Eu não gosto de ficar sob a terra e no escuro. Encontre-me lá na saída da gruta e leve isto para mim, por favor.

     Dizendo-me isso, entregou-me o bastão e lançou seu corpo para fora da janela de pedra, começando a escalar o paredão. Fiquei ali parado vendo-o sumir logo por entre as grandes reentrâncias das rochas.

     ... E agora? Vou ter que voltar por esse túnel sozinho. Não gosta... Droga... Acontece que eu também não gosto...

     Resoluto, arranquei os tênis e pendurei-os pelos cordões ao cinto. Arranquei a manga da camisa, rasguei-a em duas tiras e fiz uma alça para colocar o bastão a tiracolo e assim ficar com as mãos livres. Hesitei quando olhei para baixo, mas segui em frente tratando de olhar só para cima. O paredão de lava endurecida, totalmente disforme, facilitava tremendamente a escalada, tornando-a muito mais fácil do que se podia imaginar pela aparência. Subi com cuidado os primeiros dez metros e para a minha surpresa, logo acima, o paredão, que lá de baixo onde estávamos parecia vertical, se inclinava bastante para trás. Logo comecei a ver a terra do solo da ilha misturada entre as rochas e mais um pouco adiante ficou clara a trilha por onde Manu deveria ter subido.

     Encontrei-o sentado na beira do penhasco. Tirei o bastão soltando as tiras de pano e entreguei a ele.

     -Obrigado -disse ele, como que examinando aquela peça. -Sabe o que significa a serpente? -perguntou, aludindo à forma da criatura esculpida na madeira. Fiz que não com a cabeça.

     -Sabedoria.

     -... Sei... -respondi secamente, já deduzindo que Manu estava me experimentando com aquela história de mandar eu voltar. Mesmo assim, perguntei: -Você disse que ia me esperar lá na entrada da gruta. Por que ficou aqui?

     -Calculei que você não gostasse também de andar por baixo da terra -disse, sorrindo e colocando a mão sobre o meu ombro, continuou: -Muitas vezes, amigo, o que nos parece à primeira vista intransponível nos surpreende por sequer ser parecido com o que pensávamos. Em tudo o que quisermos realizar teremos que correr um risco proporcional ao tamanho daquilo que queremos alcançar. Vamos?

     Seguimos pela orla ainda por meia hora até chegarmos a um lugar chamado Maitaki te Moa.

     -Aqui está a energia do Segundo Portal, a Força. Vou pedir aos guardiões para que você receba o bastão antes de partir.

     Manu disse isso sentando-se e, colocando o seu bastão no colo, ficou em silêncio por uns cinco minutos.

     Voltamos dando toda a volta pelo litoral Norte e depois descemos pelo lado Leste, regressando ao povoado. Quando já estávamos perto de casa, perguntei-lhe sobre o bastão.

     -Quer dizer que alguém vai me dar o bastão?

     -Espero que sim. Se não for desta vez, quem sabe na outra... Agora, já não depende mais de mim.

     Meus amigos pasquenses costumam dizer que o tempo não passa na Ilha da Páscoa. Alguns, principalmente os jovens, pressionados pelos apelos do mundo, sentem-se até como prisioneiros da ilha. Se considerarmos as circunstâncias do modelo de vida no século XX, temos que admitir que eles lá têm as suas razões.

     Para mim, entretanto, o tempo corria depressa demais.

     Certamente porque eu tenho como preenchê-lo muito bem. Mesmo que não estivesse acontecendo tudo aquilo, tenho certeza de que poderia ficar ali pelo resto da vida sem me entediar.

     Sem dúvida, os Deuses deram-me presentes valiosos. As informações que eu podia usar em benefício da minha mudança interior, a possibilidade de reparti-las e ainda o dom da pintura que veio depois que os encontrei.

     Mas eu sabia que não podia ficar naquele lugar fabuloso por muito tempo mais. Uns quinze dias mais e Eduardo e Lucília estariam regressando. Isso, entretanto, não me impediria de ficar. Eduardo já tinha me falado que quando eu quisesse ele poderia começar gestões para me conseguir o visto de residente. Minha experiência em promoções poderia ser aplicada ao turismo e isso era de interesse até do governo.

     Mas eu não queria ficar por muito tempo mais. Sentia que precisava voltar e encontrar aquela pessoa de quem Manu me aproximara.

     Sem conhecê-la, sem saber se realmente existia, apenas sentindo-a perto, ansiava por encontrá-la. Se era essa a intenção final de Manu, ele tinha obtido êxito. O coração começava a superar a razão que, comigo, até aquele tempo, estava acostumada a vencer sempre.

     Sentia que me modificava. Muitas vezes superei a vontade de sair atrás de Manu para perguntar-lhe alguma coisa. Ao invés disso, ficava em casa lendo as anotações, meditando, refletindo sobre tudo que supunha ainda não ter compreendido.

     Percebia que havia muito o que aprender, mas sabia que isso viria devagar, por partes, Portal por Portal.

     Deviam faltar uns dois ou três dias para a volta dos amigos Eduardo e Lucília, de Santiago.

     Eu acordava sempre bem cedo. Muitas vezes antes de o Sol nascer.

     Naquele dia, devia ser uma sete horas da manhã, eu estava sentado na varanda com meus papéis espalhados sobre a mesa quando Manu apareceu acenando da entrada do jardim. Levantei-me e também acenei para ele, um pouco surpreso. Tinha chegado a pensar que talvez ele nem aparecesse mais. Poderia fazê-lo tranqüilamente. Eu já lhe era grato por tudo o que fizera despertar em mim.

     Na verdade, eu o subestimava ou ainda subestimava o que ele tinha providenciado ou facilitado. A avaliação correta disso acho que nunca se completará. A cada dia descubro novas dimensões do tesouro que colocou em minhas mãos e a cada dia reparo que erro nessa tentativa de avaliação. É sempre mais, mais e mais. É difícil falar sobre isso. Lembro-me de que Manu me falou certa vez que existem coisas reservadas aos humanos que não podem ser descritas, só sentidas.

     Ele me fez um sinal para que o acompanhasse.

     Parecia não querer entrar. Acenei de volta fazendo sinal para que esperasse um instante. Juntei os papéis e fui para dentro. Apanhei a mochila e joguei dentro dela algumas frutas e biscoitos. Enchi o cantil com água do filtro. Quando passei pela Kombi que eu tinha deixado estacionada no jardim, apontei para ela para ver se ele queria sair de carro. Ele fez sinal que não, que queria ir a pé.

     -Logo você estará partindo, amigo -disse-me como que preparando uma despedida.

     -É... Mas se a Deusa quiser, logo estarei de volta -respondi, enfatizando a palavra deusa como que para demonstrar-lhe que eu começava a aprender algumas de suas lições.

     -Você, por certo, voltará, mas não será tão cedo assim.

     -Na verdade, Manu, estou meio dividido. Ansioso por ir ao encontro daquela que você diz estar me esperando e, ao mesmo tempo, com medo.

     -É natural.

     -Não sei. Às vezes, penso que eu já deveria ter mais confiança. Já recebi tanta coisa boa desde que encontrei os irmãos do espaço. Mesmo antes de vir para cá e conhecer você, pelo que eu já tinha recebido, acho que não deveria ter ainda tanta hesitação.

     -Agora tudo isso vai mudar. Eu lhe disse que não se consegue muita coisa antes de se chegar ao Primeiro Portal. Tudo o que você aprendeu antes, apesar de ser grandioso, ainda estava como que desordenado em sua mente. Agora, tudo se acalmará, você verá. Com o que irá receber, com a mudança que irá se processar quando se completar, você atingirá a Paz Interior.

     E você, recebendo aqui o tesouro que muitos julgam só ser possível conseguir além daqui, irá anular a única coisa que o tem freado todo esse tempo, que é a intervenção da razão em detrimento do sentimento.

     -Você tem alguma instrução específica com relação ao que devo fazer para repartir o que me ensinou?

     -Não. E você deixe que os acontecimentos fluam normalmente. Primeiro você irá encontrá-la; depois, com o passar do tempo, poderá avaliar corretamente a dimensão do que recebeu e decidir, então, como encaminhará a continuidade de seu trabalho que é também o de retransmitir o Conhecimento. Deixe que a tranqüilidade e a Paz tomem conta de você.

     Eu podia sentir que Manu estava se despedindo.

     -E você? Estará aqui? Não há nada que eu possa fazer para...

     -Há, sim. Seja feliz. Faça um bom uso do que lhe transmiti. E não se preocupe comigo. Lembre-se de que lhe falei sobre ser necessário conhecer o Amor para poder levá-lo até outros...

     Manu sorriu e seus olhos brilharam, deixando-me perceber claramente que ele já tinha o que eu ainda estava por receber.

     Senti-me feliz por ele.

     Ele não precisou falar para que eu notasse que estávamos refazendo a caminhada até o Portal.

     Respirei fundo e procurei me harmonizar com a vida que vinha da natureza ali ainda não tão magoada.

     Caminhei em silêncio ao lado de Manu. Sentia-me livre até de pensamentos que pudessem desviar minha mentalização. Refiz a análise. Perguntei a mim mesmo por que estava ali e descobri, lá no fundo, que eu queria de fato alcançar a Paz e ter como repartí-la. Senti que podia me integrar com a energia que emanava de cada elemento. Da terra em que pisava, do ar que passava por nós, do fogo do Sol que fabricava a luz quente que banhava tudo em volta, da água respingando das grandes ondas que se espatifavam nas pedras que protegiam a trilha à beira do mar.

     Percebi a importância que Manu dera em se fazer também aquele caminho físico e procurei gravar toda a forte sensação transmitida pela força viva da natureza, porque eu sabia que teria que orientar depois os que não pudessem chegar até ali.

     Ajudado por toda aquela vibração de vida, construí na mente o caminho imaginário que também poderia me levar ao Portal.

     Ele se formou mentalmente como um grande pórtico de cristal rosa, guardado pelos dois seres que, indescritíveis, personalizavam o sentimento gerador de toda a Criação.

     A força daquela fantástica vibração que senti abrigou-me a parar. Sentei-me e mentalizei um pedido aos guardiões do Primeiro Portal. Pedi que permitissem que eu pudesse encaminhar outros a se harmonizarem com eles e lhes agradeci também por tudo de bom que me proporcionavam.

     Depois, levantei-me e continuei andando até a grande pedra oval. Chegando a ela, repeti a mesma mentalização.

   Ajoelhei-me na frente dela e abracei-a concentrando-me para imaginar que estava junto ao Portal guardado por Paulo e Rowena. Aos poucos, fui distanciando-me dali. O barulho das ondas batendo nas pedras do litoral às minhas costas foi ficando cada vez mais longe. Procurei recordar todas as instruções que Manu me dera para fazer essas mentalizações, buscando primeiro a harmonização com os quatro elementos. Com a terra sobre a qual eu estava ajoelhado, sentindo o calor do fogo do Sol e o ar se manifestando através da brisa que trazia o frescor das águas do oceano. Mentalizei estar procurando formar a imagem do caminho que me levaria ao Portal, mas, sem querer, comecei a fazer o exercício de respiração que dias antes acabou por provocar a minha saída consciente do corpo físico.

     Mesmo não sendo o que pretendia, não interrompi a respiração compassada. O ruído do mar sumiu por completo. Foi substituído por um silvo leve que se foi modificando aos poucos, porque se interrompia em intervalos cada vez menores até parecer com a batida de um pequeno sino, ou, melhor ainda, com o som que se obtém tocando de leve as bordas de dois cálices de cristal. Esse som foi multiplicando-se até parecer que mil sinos tocavam em plena harmonia uma melodia que nunca ouvi.

     Já não sentia o Sol forte nas minhas costas. Todo o ambiente parecia modificar-se. Só a brisa permanecia e era ela que provocava o leve ruído de um tecido batido pelo vento e que eu sentia bem à minha frente.

     Abri os olhos, levantei-me e dei dois passos para trás. Era possível ver a pedra oval e meu corpo abraçado a ela, mas como se fosse uma imagem transparente sobreposta a outro cenário composto de formas e luzes cor-de-rosa. Duas gigantescas pedras de cristal ladeavam uma mulher. O ruído que eu ouvira do vento num tecido era de seu vestido longo, de um rosa quase branco. A poucos passos atrás, um homem permanecia imóvel, enquanto a mulher deu um passo para a frente e, levantando um pouco o braço direito, parecia estar falando, porém dirigindo-se à imagem transparente de meu corpo abraçado à pedra. Eu não conseguia ouvir o que dizia e nem ver com detalhes o seu rosto e nem o do homem atrás dela. Flashes de luz cor-de-rosa pareciam espocar de todos os lados e a música dos sinos envolvia tudo. Em dado instante, a mulher afastou-se dando alguns passos para trás e eu me senti impelido a aproximar-me do meu corpo, sentindo novamente a pressão na cabeça igual a que sentira da outra vez que tinha passado pela mesma experiência.

     O barulho das ondas substituiu a música e eu tive uma surpresa quando voltei ao meu estado normal: a sensação imediata de saber o que aquela mulher tinha me falado e que antes eu não pudera ouvir.

     Não sei exatamente o que ou como aconteceu e nem Manu soube me explicar quando lhe relatei o acontecido. Ele achou que deveria ter sido apenas mais uma demonstração, nesse caso de Rowena, a Guardiã, da variedade de formas de comunicação que esses seres possuem. O fato é que Ela conseguiu fazer com que a minha mente física gravasse o que tinha para dizer.

     O que quer que tenha acontecido, só pude traduzir o que ouvira através de um poema, que escrevi ali mesmo e mostrei a Manu:

 

Vou e volto no espaço,

leve levada vou

pela nave navegante celeste,

mensageira mandada que sou

pelo rei regente uviversal.

Agente atenta escuto

pedidos do povo perdido,

portadora da paz procurada,

procuro ajudar trazendo

o amor do meu mundo novo

E magnífica é a misericórdia

de meu mestre que

na mesma missão

manda seus filhos fiéis.

Guerreiros valentes valorosos,

poderosos amigos tenho comigo

trazendo do pai, poder invencível,

a potente e indestrutível

força da pedra,

dádiva de Deus

para a nova terra.

 

     Rowena referiu-se assim à força do Amor comparando-a com a pedra, um elemento que simboliza para nós algo muito forte.

     Manu leu atentamente o poema e depois me perguntou:

     -O que você sente ao escrever coisas como essa ou quando pinta os quadros?

     -É gratificante, mas como a escrita desses poemas e a pintura surgiram só depois do meu encontro com os Sete, é também um pouco assustador.

     -Se você passar a aceitar que esse é o seu melhor canal de comunicação, tudo fluirá melhor e você poderá utilizar essas manifestações para ajudar as pessoas que desejarem harmonizar-se também com essas mentes cósmicas. A pintura, principalmente, pode tornar-se um forte complemento nas práticas de meditação visando a esse contato.

     -Como assim?

     -Você sabe que nossas mentes precisam de estímulos para alcançar níveis mais elevados da consciência. Esses estímulos que auxiliam as mentes não treinadas para isso são conseguidos através de exercícios de meditação, práticas físicas, relaxamentos, melhoria das vibrações do local utilizado etc. Nisso entram os odores através dos incensos, os talismãs, práticas de magia, sons específicos como os mantras, por exemplo, e tudo o que possa auxiliar na indução, na sugestão mental.

     Seus quadros retratam paisagens dos mundos habitados pelos seres que se quer contatar. Você capta não só a imagem, mas também coloca neles a vibração física de cada um desses mundos. Por isso é que os retrata em uma só cor. Porque capta a energia básica de cada um deles. Essa imagem, usada nas práticas de meditação, nos exercícios para a saída consciente do corpo físico, nas concentrações visando à harmonização, constituem-se numa apreciável chave para o estabelecimento da sintonia na freqüência de cada um desses mundos e conseqüentemente dos seres que os habitam.

     Eu e Manu retornamos o caminho de volta.

     Achei que devia perguntar-lhe muitas outras coisas, mas, ao mesmo tempo, conclui que não era preciso. Já percebera com o que ele havia me ensinado, que cada passo do caminho mental e do caminho físico era, na verdade, um tópico de uma lição que eu poderia reestudar, reexaminar quantas vezes eu julgasse necessário.

     Manu parou quando chegamos a uma encruzilhada.

     -Você segue por aqui e eu por ali -disse apontando as duas direções.

     Pensei em abraçá-lo, em agradecer.

     Fiquei ali parado ainda por muito tempo. Vendo-o afastar-se pela estrada, disfarçado em sua simplicidade, fiquei imaginando que ele poderia estar indo ao encontro de outros para continuar seu trabalho de gente das estrelas, o sonho de reintegrar a Terra na Comunidade Cósmica.

     Tive que voltar logo para a realidade quando vi alguns turistas passarem por ele em direção oposta e sequer o notarem. Sorri ao pensar que aquelas pessoas poderiam ser como muitas que vão até lugares como aquele em busca de contatos grandiosos, mas que, equivocados, os procuram nos céus:

 

Quem, olhando o pássaro em vôo majestoso,

repara em sua sombra no chão?

E não será a sombra do pássaro parte dele?

Olhai o pássaro.

Atentai para seus movimentos.

Observai depois sua sombra no solo.

Não se comporta ela tal como ele?

Mas quem, olhando o pássaro,

repara na sua sombra no chão?

Desatentos, os homens, olhando para o alto

à procura dos pássaros,

pisam em suas sombras.

Mas chegará o dia

em que os pássaros descerão

trazendo amor

para aqueles que pisaram em suas sombras.

Procurai entender

porque isso só vos será cobrado

por vossas consciências

e será amargo.

 

     Só o vi por mais uma vez.

     Vinte dias depois, eu estava no aeroporto já pronto para partir quando tive mais uma demonstração de que eu efetivamente poderia confiar naquele que durante aquele tempo foi meu instrutor.

     Estremeci quando Lucília se aproximou de mim trazendo a escultura de madeira exatamente igual ao bastão que Manu usava para suas magias. Ela a entregou a mim e, colocando um dos tradicionais colares de conchas no meu pescoço, que foi juntar-se a muitos que eu já tinha recebido de todos os amigos que foram se despedir, disse-me:

     Esperamos que logo esteja conosco novamente.

     Logo depois eu cruzava os cem metros de cimento cheios de poças d`água que separavam o avião do prédio do aeroporto.

     Tinha chovido durante a noite e, naquela hora, pela manhã bem cedo, ainda chuviscava e ventava bastante.

     Eu pensava no presente de Lucília quando um sopro mais forte do vento fez meu boné sair rolando pela pista.

     Desvencilhei-me das sacolas e dos colares de conchas e corri atrás dele. Abaixei-me para apanhá-lo. Quando me levantei e o recoloquei, vi Manu no outro lado da cerca do aeroporto.

     Ele ecenou e não resisti em fazer-lhe uma última pergunta. Dei uma corrida até a cerca. Ele sorria. Colocou a sua mão sobre a tela e eu coloquei a minha mão espalmada sobre a dele.

     -Quando?

     -Antes que chegue a nova Lua cheia de setembro.

     Meses depois, eu a encontrei. Casamo-nos pouco depois.

     Viajamos juntos para uma praia e certo dia comentei, olhando o mar:

     -É um mundo bonito...

     -O Mundo Verde é mais bonito -ela respondeu, ao mesmo tempo surpresa por não compreender por que dissera aquilo que lhe parecia sem sentido.

     Ela começava a lembrar-se...

     Era setembro, quase um ano depois, mas ainda não tinha chegado a Lua cheia.

 

O Nada, que não teve princípio, foi,

desde o Sempre, um Homem e uma Mulher.

Dois...

Dois pontos de Luz que viajavam pelo Vazio,

vagando perdidos no Vácuo,

buscando um pelo outro.

O Todo era o Nada então.

E foi assim até que os dois se viram,

um no horizonte do outro.

Foi o começo...

Ele e Ela voando. Um em direção ao outro.

Cada um buscando a Luz do outro.

Cada um sem saber o que era aquela Luz Única

nas trevas infinitas e que precisava ser alcançada.

Essa foi a Primeira Grande Jornada do Ser.

E cada um sentia vir da Luz do outro que buscava

força para prosseguir.

Foi o começo do sentir...

Quando finalmente os dois se encontraram,

Aconteceu a Grande explosão de Luz e os dois,

juntos, sendo dois em um, geraram o Universo.

Foi assim que tudo começou,

surgindo de uma grande explosão de amor

de um homem e de uma mulher.

...essa é a Resposta.

     Mataram quase tudo em Rapa Nui... Quase tudo.

   Que bom que esconderam, bem escondido, a chave que abre o coração. 

 

                                                                                Paulo Kronemberger

 

 

                                         

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