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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O ENIGMA DA LOURA / R. F. Lucchetti
O ENIGMA DA LOURA / R. F. Lucchetti

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

       QUANDO ACHARAM NO PARQUE O CORPO DE UMA JOVEM LOURA, A ATENÇÃO DE ZOE ALLEN SE CONCENTROU EM ALGUNS CHOCOLATES ENVENENADOS — O CASO PORÉM NÃO ERA FÁCIL DE RESOLVER...

 

 

                                           CAPÍTULO I

     O sargento-detetive Tweedie sempre se sentia um tanto intimidado em frente a mulheres bonitas, especialmente ruivas, como a sagaz proprietária da bem

conhecida Agência de Detetives Allen.

     — É uma visita ou se trata de assunto profissional? – indagou Zoe Allen, com um sorriso.

     — Nem uma nem outra coisa – respondeu Tweedie.

     — Todos os recursos de minha vasta organização estão a seu inteiro dispor, ora. Não pense, porém, que poderemos resolver todos os seus problemas –

retrucou a mulher, num tom pouco acolhedor.

     — Nem tanto assim! – protestou o outro.

     Sorridente Zoe atalhou:

     — É uma brincadeira. De que você precisa?

     — Muita gente lhe pede para descobrir o paradeiro de parentes desaparecidos, Zoe. Suas últimas investigações não envolveram uma jovem loura, de cerca

de 20 anos, de 1,70 m de altura, pesando mais ou menos 60 quilos, de olhos azuis, calçando sapatos número 36?

     — Pelos dados deve ser encantadora – murmurou Zoe. — Espere um minuto – disse, folheou um caderninho. — Não, não encontro nada; a única loura em meus

assentamentos não é jovem nem bonita. Trata-se de um caso de cárcere privado?

     — Se você quiser, pode considerá-lo assim.

     — A pessoa tem amnésia, ou qualquer outro mal?

     — Ela está morta – replicou friamente o detetive. — Seu corpo foi descoberto ontem à noite, em Hyde Park.

     — Então, é um caso complicado?

     — Ainda não temos certeza. A autópsia indicou como causa da morte a ingestão de inúmeros comprimidos de analgésico.

     — Parece suicídio.

     — Talvez. Porém, não achamos o vidro no lado do corpo, o que torna difícil essa hipótese.

     — Há sempre uma exceção à regra – aventurou Zoe. — A jovem poderia ter deixado o vidro em casa e saído, em seguida, para morrer no parque.

     Tweedie meneou a cabeça.

     — Ontem à noite fazia muito frio. Se sua intenção era, de fato, suicidar-se, o natural era que fosse deitar-se depois de ter engolido os comprimidos.

Sempre agem desse modo. Procuram sempre a comodidade, ainda que não lhe restem senão alguns minutos de vida. Por exemplo: o indivíduo que usa gás para matar-se fatalmente põe um travesseiro sob a cabeça, como se temesse um torcicolo.

     — Não teria sido um acidente? – teimou Zoe.

     Dando de ombros, o detetive concordou:

     — Pode ser. Todavia, existem um ou dois indícios discordantes. Toda a sua roupa era nova; e, o que torna o caso mais suspeito, foram arrancadas. Outra coisa: não havia bolsa no local e, ainda por cima, a jovem estava sem pintura. Não conheço nenhuma loura ou moça que em tal circunstância não fizesse uso de batom ou de pó-de-arroz.

     — Talvez fosse do tipo esportivo, ora.

     — Não; suas faces eram pálidas. Devia ser o tipo caseiro; além do mais, trazia as unhas compridas; excepcionalmente compridas, aliás.

     — Que tem isso a ver com o caso? – indagou Zoe.

     — As de tipo esportivo nunca deixam as unhas crescerem muito porque se quebram facilmente.

     — Agora compreendi – disse Zoe — Nunca me esquecerei de que quando andava de barco com Ralph, ele remando, claro, não só quebrei as unhas como uma porção de outras coisas...

     — Não é só isso – acentuou Tweedie – além de estar vestida de vermelho, seus sapatos também eram dessa cor!

     — Que coisa horrível – exclamou Zoe. — Toda mulher trajada dessa maneira merece mesmo ser assassinada.

     — Eis aí a história – concluiu Tweedie, levantando-se. — Estamos interessados em identificá-la o mais breve possível. Se você souber de alguma coisa, é favor avisar-nos, sim?

     — Certamente que o farei – garantiu Zoe, — Pode contar comigo.

     Nesse exato momento alguém bateu na porta.

     — Entre – gritou Zoe. Virando-se para Tweedie, acrescentando, à meia voz: — Espero que seja um cliente, e não um cobrador.

     Um senhor bem trajado, de trinta e muitos anos, entrou na sala, ar meio desconfiado.

     — Lamento muito mas não sabia que estavam ocupados – desculpou-se, tentando sair.

     — Não tem importância. Este senhor aqui se está despedindo – disse Zoe, acompanhando Tweedie até a porta. — Não se preocupe, Mr. Throgmorton – acrescentou, dando-lhe umas palmadas no braço — dentro de uma semana teremos recuperado as pérolas de sua mulher. Depois, então, o senhor nos mandará um cheque.

     — Quê?! – murmurou Tweedie.

     — Não há nada demais – Zoe sorriu graciosamente. — Não precisa agradecer-nos. Para nós é uma honra auxiliá-lo. Até a vista...

     Uma vez livre de Tweedie, dirigiu-se ao visitante.

     — Em que poderemos servi-lo, Mr. ....

     — Meu nome é Sashbell... Quero dizer, Casswell – seu estado era de agitação. — Quero falar com Mr. Allen, se possível.

     — Qual é o ramo de negócio? – indagou Zoe, ansiosa por esclarecer esse assunto, de vez que o homem poderia ser um cobrador.

     — Bem... Eu gostaria que sua agência se encarregasse... De um trabalho para mim...

     — Com todo o prazer – afirmou Zoe. — Tudo faremos para ajudá-lo. Como Mr. Allen está com um negócio muito importante neste momento, conte-me seu caso que, assim que ele chegar, lhe transmitirei tudo.

     Mr. Casswell parecia embaraçado.

     — Não é fácil começar – tartamudeou, por fim.

     Zoe empurrando um maço por cima da escrivaninha ofereceu:

     — Quer um cigarro?

     O visitante hesitou por um momento.

     — Sirva-se – insistiu. — Vai acalmar-lhe os nervos – acrescentou, com um sorriso.

     — Sim, talvez tenha razão.

     Mr. Casswell apanhou um. Sua mão tremia visivelmente quando ofereceu fogo a Zoe; depois, acendeu seu próprio cigarro e aspirou uma longa baforada.

     — Pra falar com franqueza, adianto-lhe que me acho numa situação crítica – disse, pausadamente.

     — Devo avisá-lo, Mr. Casswell, de que não queremos complicações com a polícia – explicou Zoe. — Em outras palavras: não protegemos a quem tenha infringe

a lei nem procuramos salvar ninguém das conseqüências de seus atos.

     — Mas não desejo nada disso – disse o desconhecido com firmeza.

     — Perdoe-me a franqueza – desculpou-se Zoe. — Quando o senhor falou em situação crítica, pensei logo que a polícia estivesse a sua procura. Aliás, o senhor tem mesmo a aparência de quem esta sendo perseguido.

     Nisso, a campainha do telefone começou a tocar.

     — Com licença – disse Zoe, pegando o telefone.

     — Agência de Detetives Allen – respondeu. — Sim... Quem está falando? Quem? Compreendo... Sim, está aqui. Quer falar com ele?... Naturalmente que direi...

De nada... Até logo – lentamente, Zoe recolocou o fone no gancho.

     Mr. Casswell, cujo rosto se tornou subitamente tenso e lívido, olhou-a fixamente.

     — F... F-foi para mim? – gaguejou.

     — Sim.

     — Quem... Quem foi?

     — A polícia. O senhor está convidado a comparecer à Central de Policia para um interrogatório.

 

                                                              CAPÍTULO II

     — Mas acabei de sair de lá! – desabafou Casswell.

     — Não é melhor falar a verdade? – indagou Zoe friamente.

     — Pois quando estive lá declarei que viria até aqui. Estão pensando que envenenei alguém somente porque dei alguns chocolates a Mrs. Summers. Nunca pensei que estivessem envenenados. E por que faria tal coisa? – acrescentou nervosamente.

     — Tenha calma – sussurrou Zoe. — Vamos começar bem do princípio, está bem? Quem é essa Mrs. Summers?

     — Ela e o marido ocupam um apartamento logo abaixo do meu...

     — Está bem. Vamos adiante.

     — Há dias, recebi uma caixa de bombons. Era um desses pacotes pequenos distribuídos pelos fabricantes como amostra, bem arrumados numa caixa de papelão.

Devia conter uns seis, mais ou menos. Dentro, havia um papel datilografado, no qual o produtor pedia a opinião sobre o sabor e a qualidade da mercadoria.

     — Quem era o fabricante?

     — Uma firma desconhecida, de nome Mortland Chocolate Company. Esse nome não estava impresso, mas datilografado na tira de papel com o pedido.

     — Qual era o endereço?

     Mr. Casswell fez com as mãos um gesto de desespero.

     — Não há meio de eu me lembrar...

     — O senhor não tomou nota?

     — Não, porque não como chocolate. Naturalmente, então, não iria escrever dando minha opinião. Por esse motivo, não guardei o papel.

     — E o jogou fora?

     — Joguei.

     — Depois disso, deu os chocolates à senhora do andar abaixo do seu?

     — Sim, minha vizinha era grande apreciadora de doces – e a voz do homem se suavizou, com a lembrança de algo.

     — O senhor disse que os chocolates estavam envenenados?

     — Mas eu juro que de nada sabia! – vociferou Mr. Casswell.

     — Que aconteceu com sua vizinha, exatamente? – indagou Zoe.

     — Mrs. Summers ficou muito doente, apesar de ter comido somente um. Por felicidade, no momento em que comia, seu marido chegou e arrebatou-lhe a caixa, por achar que tanto chocolate iria aumentar o peso da esposa. Logo em seguida, Mrs. Summers foi atacada de um mal violento. Chamaram um médico. Não sei por que, Mr. Summers provou um dos chocolates, compreendeu imediatamente que estavam envenenados e os entregou à polícia. Em seguida, veio à minha procura, ameaçando-me de tomar as devidas providências, caso a polícia não me mandasse enforcar... – havia lágrimas na voz de Mr. Casswell.

     — Que disse à polícia?

     — Fizeram-me uma porção de perguntas. Respondi o que sabia, acrescentando ser uma loucura o que Mr. Summers estava espalhando, acusando-me de ter envenenado sua esposa. Sempre fomos bons amigos, nunca houve uma questão entre nós; embora, segundo suponho, Mr. Summers não simpatizasse muito comigo.

     — Fizeram uma análise no chocolate?

     — Prometeram fazê-lo. Acredito, porém, que nada acharão de suspeito. Provavelmente minha amiga teve uma perturbação gástrica, nada mais.

     — Talvez – concordou Zoe. — E a caixa? Estava embrulhada?

     — Sim, num papel marrom.

     — E o senhor o jogou fora também?

     — Claro. Quem poderia prever...

     — Com efeito! – atalhou Zoe, num tom gélido. — Faço votos que Mr. Summers recupere a saúde; aliás em seu benefício, porque de outra forma o senhor estará em maus lençóis!

     — A senhora acha? – perguntou Casswell.

     Enquanto fazia uma ligação telefônica, Zoe sentenciou:

     — Tudo indica que sim.

     Levantando-se bruscamente, o visitante inquiriu:

     — Que está fazendo?

     — Vou telefonar para a Mortland Chocolates Company. Talvez confirmem sua história.

     Casswell, desalentado, respondeu:

     — Infelizmente parece que essa firma não existe. O catálogo telefônico não a menciona.

     — Se assim é, o senhor está metido num cipoal, A menos que Mrs. Summers recupere a saúde.

     — Não sei o que fazer – gemeu o visitante.

     — Nada mais, além de contar tudo o que sabe à polícia.

     — Mas eu já disse tudo. Vim procurá-los, aqui, na esperança de comprovar minha inocência.

     Zoe indagou:

     — O senhor tem inimigos? Alguém que queria desembaraçá-lo de sua pessoa.

     — Não acredito. Vivo em boa paz com todo o mundo. Durante toda a minha existência nunca tive uma alteração séria com ninguém.

     — Na verdade? Nesse caso o senhor é uma pessoa com quem se pode conviver agradavelmente. É rico? – indagou Zoe, em cujo cérebro surgia nova hipótese.

     — Não. Por que tal pergunta?

     — Talvez alguém para se apossar de seus bens, esteja interessado em seu desaparecimento. Grande número de crimes é tramado pela ganância, outros o são pelo ciúme, pela vingança, pela ambição... O senhor, por acaso conhecerá fatos comprometedores a respeito da vida de alguma mulher casada? – interrogou

Zoe abruptamente.

     — Não. Nada disso me interessa. Aliás, tenho horror de interferir na vida alheia! Por acaso acha que...

     Pacientemente, Zoe explicou:

     — Não estou sugerindo nada. Se o senhor deseja nossa ajuda, precisamos, antes de mais nada, estar a par de tudo.

     — Bem, queira desculpar-me – disse Casswell.

     — De que vive? – indagou Zoe, na esperança de encontrar uma pista qualquer.

     — Sou encarregado da contabilidade no escritório de um corretor de títulos.

     — O senhor não terá tido uma melhoria de posto em detrimento de algum colega?

     Depois de pensar algum tempo, Casswell retrucou:

     — Acho que não. É bem verdade que sob minhas ordens, embora com mais tempo de serviço, trabalha Mr. Thompson, que aliás, nunca aspirou a um posto de chefia, pois reconhece não ter capacidade para um cargo de direção.

     — Isso não importa. Talvez o fato de receber ordens de um colega mais moço o revolte.

     Pegando de um lápis, Zoe indagou:

     — Qual é o endereço de sua firma?

     — Chama-se Mallard & Wildfern. Moorgate Street, 14.

     — Muito bem – disse Zoe, levantando-se depois de tomar nota da informação. Como se fosse fazer uma pergunta banal, lançou: — O senhor tem preferência pelas louras?

     — Como? – gaguejou Casswell.

     — Olhe aqui – disse Zoe, colhendo um fio de cabelo louro no paletó do seu interlocutor.

     — Ora, essa! – exclamou Casswell, todo confuso. — Deve ser de Miss Lovel, lá no escritório... Eu...

     Zoe conduziu-o à porta e, com um sorriso disse:

     — Compreendo. Agora é melhor apressar-se; a polícia deve estar impaciente e pode ter o mau gosto de mandar apanhá-lo aqui.

     — Deus me livre! – exclamou Casswell.

     — Se houver qualquer novidade, tocarei para o seu escritório.

     — Por favor, não – atalhou Casswell. — prefiro que não saibam de nada por lá.

     — Bem... Então, dê-me o seu endereço particular.

     — Moro em Russell, Square, 82, apartamento 4.

     Zoe não resistiu ao desejo de segui-lo. Esperou que saísse do edifício, desceu correndo e se pôs a acompanhá-lo. Casswell dirigiu-se para uma estação do subterrâneo. Era justamente a hora do almoço e foi bem difícil a Zoe segui-lo através da enorme multidão. Casswell entrou num trem bem no momento da saída deste e só por um milagre Zoe conseguiu tomá-lo também.

     Casswell desceu na Estação de Russell Square. Zoe desistiu de seu intento, ao notar que seu cliente se dirigia para casa.

     A polícia não vai gostar disso, pensou. Acho melhor eu dar um pulo até lá e esclarecer o assunto.

     O encarregado do caso era seu velho amigo, o Inspetor Laker. Zoe nada disse com relação ao rumo tomado por Casswell, quando o policial indagou sobre seu paradeiro.

     — Acho que virá daqui a pouco para cá. Alguma novidade, Laker?

     — Infelizmente, não posso dar-lhe informações – declarou secamente o inspetor.

     — Mas você sabe que pode ter confiança em mim – respondeu Zoe, com seu sorriso mais encantador.

     — Vá lá, então. Mas, pelo amor de Deus, não vá contar nada a ninguém. A única coisa que sabemos até agora é que os chocolates continham DNOC.

     — DNOC? – murmurou Zoe. — Para mim é novidade. Que diabo, é isso?

     — Dinitroorthocresol, um preparado destinado a destruir as ervas más. Quase nada conhecemos a respeito, senão que é altamente tóxico; tanto assim que pode matar, sob certas condições.

     — E onde se pode comprá-lo?

     — Praticamente em qualquer casa de artigos químicos.

   — E sobre o chocolates? Já se descobriu quem os fabricou?

     — Ainda não, porque não tem marca. Estamos em dificuldades nesse caso, sabe? Existem à venda centenas de chocolates sem a marca do fabricante. Por serem mais baratos, são encontrados em qualquer lugar.

     — Há alguma notícia a respeito de Mrs. Summers?

     — Parece que se salvará. Entretanto, isso não quer dizer que Mr. Casswell esteja livre, claro.

     — Pode ser que seja inocente – disse Zoe. — Talvez esteja falando a verdade. Quem sabe se não há alguém interessado em eliminá-lo?

     — Quem, por exemplo? – indagou sarcasticamente o inspetor.

     — Não sei – replicou Zoe — Mas por que Casswell tentaria matar Mr. Summers?

     — Talvez sua intenção fosse assassinar Mr. Summers – argumentou o inspetor – e o golpe saiu errado.

     Dando por finda a entrevista, o policial se levantou.

     — Muito obrigada pelas informações – agradeceu Zoe, atendendo prontamente ao desejo do amigo de interromper a conversa.

     — Você é sempre bem vinda – falou o inspetor, conduzindo-a à porta. — Se encontrar Casswell, diga-lhe para comparecer aqui com urgência, senão seremos forçados a trazê-lo de qualquer maneira!

     Ao sair, Zoe ficou indecisa, durante um momento, sobre a direção a tomar. Achava-se na obrigação de avisar Casswell sobre as conseqüências de sua desobediência;

por outro lado, talvez fosse preferível tentar encontrar o verdadeiro culpado. Enfim, teve a intuição de que seria útil qualquer pesquisa sobre Malard & Wildfern.

     A isso, chamou um táxi e mandou seguir para Moorgate Street, 83.

     Lá, pediu a uma das moças do escritório:

     — Desejaria falar com Mr. Thompson.

     O indivíduo que se apresentou era, certamente, um homem de temperamento acre. Profundos vincos ao lado da boca demonstravam um caráter rebelde: os lábios eram finos e sugeriam mesquinhez. Os olhos pálidos lembraram a Zoe os de uma serpente.

     — Que deseja? – disse, num tom cortante.

     Zoe respondeu calmamente.

     — Talvez o senhor possa informar-me onde encontrar Mr. Casswell. Pode?

     — Ignoro totalmente. Não sou o porteiro daqui, minha filha.

     — Bem, desculpe-me – disse Zoe, quando o homem girou nos calcanhares.

     — Não é possível obter nada dele – explicou a moça da portaria, que ouvira o diálogo. — Trata todo mundo da mesma maneira. Posso ser-lhe útil?

     — Creio que sim. Antes de mais nada, porém, gostaria de falar com Miss Lovel.

     — Acho que não veio trabalhar hoje.

     — Terá havido algum motivo para isso?

     — Sinceramente não sei informar-lhe.

     — Miss Lovel não terá telefonado, dando uma explicação? – insistiu Zoe.

     — Não telefonou, tenho certeza.

     — Poderia dizer-me, ainda, se Miss Lovel e Mr. Casswell são bons amigos?

     — Posso garantir quanto ao sentimento de Mr. Casswell; nada, porém, quanto a Miss Lovel, que, aliás não aprecia muito os reiterados convites do primeiro para passearem juntos.

     — Por que se recusa?

     — Provavelmente não é seu tipo de homem, ora.

     — Sabe onde ela mora?

     — Em um pequeno apartamento em Star Street, adiante de Edgeware Road. Penso que é no número 37.

     — Pode descrevê-la para mim? Por exemplo, qual a altura?

     — Honestamente, não sei...

     — É mais alta do que eu?

     — Penso que sim... Miss Lovel é bem alta.

     — De olhos azuis?

     — Sim.

     — Mais uma pergunta: é uma mulher do tipo esportivo ou caseiro?

     — Caseiro, sem nenhuma dúvida. Joy nem vai ao banho de mar no verão.

   — Muito obrigada por tudo – exclamou Zoe, despedindo-se apressadamente da moça.

     Defronte da porta, tomou um ônibus que a levou a Marble Arch, de onde foi caminhando pela Edgeware Road até alcançar Star Street.

     No pequeno edifício de apartamento de oito andares, número 37 de Star Street, no "Hall" de entrada Zoe examinou a correspondência, onde se achavam escritos à máquina os nomes dos locatários. Miss Lovel ocupava o último andar. Os sapatos de Zoe, com saltos altíssimos, não eram bem adequados para subir aqueles andares, numa escada estreitíssima, em dois laços, de quatro em quatro andares. Quando atingiu o último, estava extenuada. "Preciso fumar menos", pensou enquanto percorria o corredor em busca do número 8 que, aliás, se encontrava no fundo. Zoe tocou a campainha e ficou esperando. O som parecia um zumbido de uma abelha irritada, mas ninguém veio atender à porta. Bateu com a mão, mas o silêncio continuou.

     — Miss Lovel – gritou, martelando a porta.

     Nenhum ruído vinha do interior. Zoe, então, retornou o caminho de volta pelo corredor. Tinha a sensação desagradável de estar sendo vigiada e veio-lhe

um desejo incontido de correr; contudo, era necessário conter-se, evitar o pânico. Na rua, vencidas as escadas, seu primeiro cuidado foi procurar o telefone mais próximo e fazer uma ligação para o sargento-detetive Tweedie.

     — Acho que topei com qualquer coisa de interessante – anunciou.

     — Espero que não seja com nenhum morto – respondeu o outro jocosamente. — Esta semana já passou da conta.

     — É a respeito da mulher loura – interrompeu Zoe. — Acredito tê-la identificado.

 

                                           CAPÍTULO III

     — Será possível – berrou Tweedie.

     — Se não estou enganada, seu nome é Joy Lovel. – Em seguida, Zoe deu todos os detalhes.

     — Mas é uma maravilha! – exclamou o policial.

     — Eu bem lhe disse que desembrulharia esse caso num instante – retrucou Zoe modestamente.

     — A próxima vez que nos encontrarmos, proteste se não chamá-la de assombrosa – disse Tweedie, dando uma risada.

     Ao sair da cabina telefônica, Zoe prosseguiu em direção a Marble Arch. Com o canto dos olhos divisou um indivíduo suspeito, do outro lado da rua, e teve o pressentimento de que estava sendo seguida. Por sorte, vinha passando um táxi. Zoe tomou-o e deu o endereço de seu escritório.

     Zoe encontrou um senhor idoso, aguardando-a à entrada da sala do seu escritório.

     — A senhora trabalha aqui? – indagou.

     — Sim... e não – replicou Zoe cautelosa, por causa dos cobradores.

     — Quero saber com certeza. É sim ou não?

     — Trabalho meio expediente para Mr. Allen – explicou Zoe, enquanto abria a porta e introduzia o desconhecido. — Estou às suas ordens.

     O visitante respondeu rispidamente.

     — Quero falar, e logo com esse tal de Mr. Allen.

     — Meu patrão está ausente no momento, já disse; inteire-me do assunto e assim que ele chegar será posto a par de tudo.

     — Está bem – replicou o outro secamente. — Joy Lovel é minha filha e, segundo estou informado, os senhores fizeram uma investigação a respeito, no local onde trabalha, esta tarde.

     — Está certo.

     — Posso perguntar com que finalidade?

   — Trata-se de um assunto pessoal – mentiu Zoe.

     — A senhora saberá do paradeiro dela, então?

     — Sua filha mora na Star Street, não?

     — Morava. Aparentemente mudou-se ontem à noite. Peço-lhe o favor de localizá-la. Tem menos de vinte e um anos e não quero que abandone sua própria casa. Uma moça nessas condições pode meter-se em alguma embrulhada. Preciso encontrá-la imediatamente!

     — Pois não – respondeu Zoe suavemente. — Deixe o seu endereço e assim que tenhamos qualquer notícia levaremos ao seu conhecimento.

     Mal o visitante saíra, o telefone ressoou. Era Ralph Munro, que um dia levaria Zoe ao altar.

     — Sinto muito – desculpou-se o rapaz. — Soube que outro dia você me telefonou e não me encontrou; é que fui promovido a auxiliar de laboratório, o que me obriga a sair muito. Era alguma coisa de importância?

     — Gostaria que você me disse algumas informações sobre um novo preparado para matar ervas daninhas, um tal de DNOC.

     — Você se refere ao dinitroorthocresol? É um derivado de alcatrão, bastante perigoso. Dois rapazes, numa fazenda em Yorkshire, morreram há poucos dias

quando o pulverizavam num campo.

     — Como foi que aconteceu?

     — O dia estava quente e os rapazes despiram as roupas protetoras fornecidas pelo fabricante. Com o calor, seus poros se dilataram, absorvendo o DNOC, que entrou na circulação do sangue. Ambos morreram em poucas horas. Aconselho-a a não mexer nessa droga. Na minha opinião, ninguém mais deveria usá-la.

     — Estava pensando em empregá-la nos meus morangos, mas em vista de sua informação, vou desistir. Bem, até loguinho, Ralph.

     No dia seguinte, Zoe recebeu nova visita de Mr. Casswell, que parecia bem abatido, com a barba por fazer e os olhos vermelhos por falta de sono.

     — Tenho... Tenho necessidade de lhe falar – começou.

     — O senhor já esteve na polícia? – perguntou Zoe, de cenho carregado.

     — Sim... sim – respondeu Casswell, evitando seu olhar.

     — Não poderei ajudá-lo se o senhor continuar a mentir-me – disse Zoe severamente. — Ontem, pelo menos o senhor não esteve lá.

     — É que estou amedrontado: principalmente porque há algum tempo tive uma alteração com a Mrs. Summers. Se a polícia souber disso, vai dizer que a envenenei por vingança.

     — Não se preocupe com isso, Mr. Casswell. – E, abruptamente, Zoe indagou: — Que fim deu a Miss Lovel?

     Essa pergunta abalou Casswell.

     — O que a senhora está dizendo? – perguntou, perplexo.

     Observando-o atentamente, Zoe prosseguiu:

     — Miss Lovel desapareceu. Que espécie de relações mantinha com ela?

     Irritado, Casswell pôs-se de pé e exclamou:

     — Esse assunto não pode interessá-la!

     — Desculpe-me, não tive a intenção de ofendê-lo. O pai dela, entretanto, está preocupado e pediu-me para descobrir seu paradeiro.

     Curioso e mais calma, o visitante indagou:

     — Que terá acontecido?

     — Por enquanto, não sei de nada. Quando a viu pela última vez?

     — Anteontem, no escritório.

     — Ela lhe disse alguma sobre o que pretendia fazer?

     — Não; não falou nada.

     — Então, naturalmente, voltará. Mas... Que o traz aqui, afinal?

     — Um assunto interessante. Ontem, à tarde, um homem me telefonou, dizendo-se representante de uma grande firma estrangeira de corretagens e ofereceu-me um lugar de chefia na filial de Buenos Aires, com um ordenado de dez mil libras anuais e mais comissões.

     Zoe deu um assobio.

     — Dez mil libras por ano! Que oferta fantástica! Gostaria de receber uma igual.

     — Como vê, é inacreditável. Ninguém, de juízo perfeito, pagaria uma soma dessas a um simples chefe de escritório de corretagem!

     Zoe deu de ombros e contestou:

     — Talvez, em Buenos Aires, tudo seja diferente. Em todo caso, por que isso o preocupa?

     — Penso que seja uma espécie de cilada – confessou Casswell.

     — Não compreendo.

     — É lógico que desejam ver-me longe daqui. Percebe?

     — Mas quem poderá ser?

     — As mesmas pessoas que tentaram envenenar-me, ora!

     — Sim... – disse Zoe secamente. — Nesse caso não vai aceitar o emprego? – acrescentou.

     — Naturalmente que não!

     — Deram-lhe o endereço da firma?

     — Não.

     — Então, como poderia entrar em contato com seu empregador?

     — A pessoa disse que tornaria a chamar-me na próxima semana.

     — Está bem. Mas procure obter o nome e o endereço, Mr. Casswell.

     O homem concordou. Depois, passando a mão pela testa, indagou:

     — A senhora terá uma aspirina? Estou com uma tremenda dor de cabeça.

     — Vamos ver... Deve haver alguma por aqui – disse Zoe, rebuscando as gavetas. — Agora me lembro; dei a última datilografa da sala ao lado – acrescentou.

     Casswell agradeceu e levantou-se.

     — Comprarei uma em caminho para o escritório – disse. — Esqueci-me de adquirí-las juntamente com meu soporífero.

     — Soporífero? – indagou Zoe. — O senhor tem insônia?

     — Nunca mais pude dormir desde que começou essa terrível história.

     — E esse remédio lhe faz bem? – perguntou Zoe.

     — É muito bom. Pelo menos, eu acho.

     Zoe acrescentou:

     — Acho que também estou precisando dele. Ultimamente não tenho passado muito bem. Onde poderei comprá-lo?

     — Numa farmácia chamada Rigmers, em Southamptom Road. Aliás, aconteceu uma história interessante. Esqueci-me do dinheiro quando fui comprar as pílulas, mas o farmacêutico, entretanto, insistiu para que eu as levasse e pagasse mais tarde. Pois bem, na tarde seguinte, quando fui quitar meu débito, o tal farmacêutico me olhou como se eu fosse um louco e garantiu-me nunca me ter vendido coisa alguma. Assim, tive de ir embora sem pagar minha compra. Que lhe parece essa história?

     — Provavelmente, o homem deve ser velho... – começou Zoe a falar, mas o telefone retiniu. — Com licença – disse, apanhando o aparelho.

     Dirigiu-se à porta, Casswell despediu-se apressadamente.

     No telefone, Tweedie parecia deprimido.

     — Aquela sua informação era pura fantasia – disse desanimadamente.

     — Você quer dizer que Miss Lovel e a loura misteriosa não são as mesmas pessoa? – indagou Zoe.

     — Nem há dúvida. Pedi aos empregados de Mallard & Wildfern para identificá-la, mas, ninguém a reconheceu.

     — Mas não compareceram todos – advertiu Zoe.

     — Como assim?

     — Faltou Mr. Casswell.

     — Ora! É verdade! Onde poderei encontrá-lo?

     — Não sei. Parece que está desaparecido. Por que você não manda maquilarem o cadáver? — aconselhou Zoe.

     — Não me ocorreu essa idéia – replicou Tweedie.

     — Como poderiam, então, identificá-la? Um mulher sem pintura parece uma folha de papel em branco. A maquilagem faz parte de sua personalidade. Sem isso, uma mulher não é nada.

     — Não pensei nisso – disse o policial. — É, talvez dê certo – acrescentou.

     — Ótimo, Tweedie. Qualquer coisa, é só telefonar, ouviu? – finalizou Zoe, dando uma risada.

 

                                                 CAPÍTULO IV

     Zoe, usando de seu poder de sedução, induziu Ralph a convidá-la para um jantar naquela noite. Gostava de ouvir a opinião do quase noivo sobre os casos

difíceis. Ralph tinha espírito analítico e suas observações eram tão argutas que, muitas vezes, conseguia dar uma nova diretiva aos pensamentos de Zoe.

Entretanto, ela acreditava firmemente na intuição feminina.

     Ralph frisou judiciosamente.

     — Parece-me que esse Casswell é um tanto lunático e agiu muito mal não se apresentando à polícia.

     — Antes de mais nada, tenho de cuidar dos meus clientes. Afinal de contas, quem poderá julgar? – Pontilhando sua palavras com pequenos golpes na mesa,

Zoe afirmou: — tudo farei em benefício dele, pode crer.

     — Tal forma de encarar as coisas qualquer dia trará sérios contratempos – predisse Ralph, afastando as colheres de café fora de seu alcance. — O simples fato de procurá-la indica que esse homem não está isento de culpa. E agora procura, por seu intermédio, um meio de escapar às sanções legais.

     — Lá vem você com suas metáforas! – sentenciou Zoe, ar reprovativo.

     Quando saíram do restaurante, Zoe, ao avistar uma balança, estendeu a mão, pediu:

     — Dê-me uma moeda, Ralph.

     Ela aquiesceu e ficou esperando o resultado.

     — Você aumentou de peso? – indagou quando Zoe desceu do aparelho.

     — Parece que não. Entretanto, segundo a tabela de peso da balança, eu deveria ter mais seis centímetros de altura.

     Ralph ficou conjeturando por um momento e logo Zoe tratou de mudar de assunto.

     — Preciso saber, com certeza, se aquela mulher morta é mesmo Miss Lovel – exclamou de repente.

     — Ora, – disse Ralph — quando estamos juntos, nossa conversa é só sobre cadáveres, necrotério, assassinatos e...

     — E "tralalá", "trololó" – atalhou Zoe, sorrindo. — Bem, vamos falar a respeito de você, então.

     — Boa idéia! – aprovou Ralph.

 

     No dia seguinte, Zoe chegou ao escritório, pouco antes das dez. Ainda do lado de fora ouviu o telefone tocar e estugou o passo, conseguindo pegar a

comunicação. Era Mr. Lovel.

     — Que espécie de negócio é o seu? – gritou, indignado. — Esse escritório está sempre fechado! Há uma hora que estou pelejando para falar com alguém

daí. Que absurdo!

     — Meu aparelho estava com defeito – desculpou-se Zoe, procurando desviar a conversa. — Em que lhe posso ser útil?

     — Quero saber se já achou minha filha. Só isso.

     — Espero ter algo de positivo para dizer-lhe esta tarde.

     — Tenho a impressão que a senhora não está muito interessada no meu caso – gritou o outro.

     — Telefono-lhe mais tarde – assegurou Zoe, desligando o aparelho.

     Logo depois a campainha tocou de novo.

     — Que velho enjoado! – murmurou Zoe, ao pegar o aparelho.

     — Sou eu, Mr. Casswell – disse uma voz alterada. — Tenho tentando, em vão, comunicar-me com seu escritório.

     — Que há de novo?

     — Mudei-me!

     — Por que?

     — Ontem a noite havia um indivíduo suspeito que...

     — Provavelmente era da polícia – interrompeu Zoe. — Mas foi boa coisa o senhor ter mudado de endereço. Acho melhor até que desapareça por algum tempo.

Pelo menos, até que me seja possível esclarecer o caso.

     — De acordo; estou certo, porém, de que não se tratava de um policial. A pessoa se parecia muito com o tal farmacêutico.

     — Que farmacêutico?

     — Eu lhe falei a respeito, não se lembra? Aquele que me vendeu as pílulas e...

     — Ah, sim! Como é ele, mais ou menos?

     — É um homem de quarenta e cinco anos, rosto afiliado, pouco cabelo e usa óculos com lentes grossas. Tem uma maneira brusca de falar.

     — Pense bem. Quando o senhor foi comprar o remédio havia, na ocasião, alguma pessoa na loja?

     Casswell não contestou logo.

     — Sim, havia. Era uma moça e, segundo me parece, estava discutindo a respeito de qualquer coisa.

     — O senhor tem certeza?

     A resposta foi concludente:

     — Absoluta certeza?

     — Que aspecto tinha a moça?

     — Estava vestida um tanto espalhafatosamente e... Sim, era loura.

     Zoe soltou, à queima roupa:

     — Não seria Miss Lovel?

     — Não. Por que razão ela estaria lá? – retrucou violentamente Mr. Casswell.

     — Nunca se sabe – comentou Zoe maliciosamente. — E que aconteceu depois?

     — Nada, ora. O homem serviu-me e saí logo em seguida.

     — Suponho que não seria nada mau se eu pudesse ter uma conversinha com esse farmacêutico. Entrementes, fique escondido, mas sempre em contato telefônico comigo, hem? E é favor dar-me o novo endereço. Posso ter necessidade urgente de lhe falar.

     — Desculpe-me, mas não o darei a ninguém, por enquanto.

     — Olhe aqui, Mr. ... – mas o telefone foi desligado.

     Havia tanto trabalho que Zoe só conseguiu sair do escritório depois da hora do lanche. Desceu lentamente pela Southampton Row. Impossível não notar a farmácia, toda colorida e cheia de neon. Assim que Zoe entrou o homem dos óculos se precipitou em sua direção.

     — Que deseja? – disse bruscamente.

     — O senhor terá Dianocim? É remédio novo!

     — Temos tudo quanto é droga nova, inclusive algumas para as quais não existem fregueses.

     Um telefone, nos fundos, pôs-se a tocar; o farmacêutico, porém, não lhe deu atenção, continuando a procurar o medicamento.

     — Dianocim... – murmurou.

     E o telefone não parava...

     — Seu telefone está tocando – advertiu Zoe. — Não estou com presa; pode atendê-lo.

     — Não faz mal. Nunca me dou ao trabalho de atender.

     — De verdade?

     — Deve ser alguma mulher idiota querendo qualquer coisa que não temos ou que não há no mercado... Ah, aqui está o remédio! – exclamou o farmacêutico, apresentando a Zoe um pequeno frasco. — São 12 shilings – acrescentou.

     Zoe fingiu estar dando uma busca na bolsa.

     — É... Acho que deixei o dinheiro em casa. O senhor não poderia confiar em mim?

     — Infelizmente, não – declarou o homem. — Aqui não vendemos fiado.

     — Pensei que o fizesse. Na semana passada o senhor teve a bondade de confiar num amigo meu, que lhe comprou um soporífero e que, na ocasião, não tinha o dinheiro para pagar.

     — Quem lhe disse isso?

     — O próprio... Talvez até o senhor se lembre dele – e Zoe se pôs a descrever Casswell.

     — Esse sujeito é um lunático; está meio louco. Vive apoquentando-me. Pede uma porção de drogas e não as compra.

     — Por acaso o senhor lhe teria vendido dinitroorthocresol?

     — Vendi, sim. Mas achei um tanto estranho aquela compra.

     — Por que? – indagou Zoe.

     — Não posso compreender a utilidade de um destruidor de ervas daninhas para um indivíduo que reside num apartamento. Também não acha?

     — Ele não lhe disse para que o queria?

     — Não. Mas em que isso pode interessar a senhorita?

     — Deixe para lá. E se recorda, por acaso de ter vendido comprimidos para dormir a uma moça loura, também há mais ou menos uma semana?

     — Que tem a senhora a ver com isso? – insistiu teimosamente o homem.

     — É que faço parte da Agência de Detetives Allen. Estamos tentando localizar uma jovem loura, chamada Joy Lovel. Conhece-a?

     — Não.

     — Entretanto, Mr. Casswell, aquele meu amigo, afirma ter visto aqui, na outra semana, uma mulher loura.

     — Provavelmente é verdade. Há uma porção de mulheres louras como morenas, que procuram minha farmácia. E daí?

     — O senhor deveria cooperar – disse Zoe, com severidade. — Todos têm obrigação de informar tudo às autoridades.

     Ao que o farmacêutico retrucou:

     — Detetives particulares não são da polícia e, em todo caso, não estou escondendo coisa alguma. Contei-lhe o que sabia.

     E se afastou, em seguida, para atender novo cliente. Zoe aguardou ainda alguns momentos e, depois, se despediu.

     Decidiu ir até à Central de Polícia, trocar umas idéias com o Inspetor Laker, que aliás estava ocupado. Mas Zoe dispôs-se a esperar.

     O Sargento de plantão estava interrogando um velho meio enfezado, testemunha de um acidente.

     — O senhor diz que a pessoa caiu da janela quase a seus pés?

     — Sim, senhor; a uns onze metros de distância de mim.

     — Como pode estar tão certo da distância?

     A resposta foi sarcástica.

     — Já sabia que algum maluco me faria tal pergunta. Então, por precaução, tomei a medida exatamente.

     O Sargento quase estourou...

     — Como vai, Miss Allen? – saudou o inspetor, saindo do escritório. — Desculpe-me tê-la feito esperar, mas eu estava tomando um depoimento.

     Zoe respondeu com um sorriso à gentileza.

     — Estou contente em vê-la – continuou o inspetor. — Gostaria, agora, que nos informasse como poderemos agarrar Casswell.

     — Por que? A situação dele se agravou?

     — Descobrimos que, recentemente, Casswell teve uma discussão com a vítima. Ah, talvez lhe interesse saber que Miss Lovel era aparentada com Mrs. Summers.

Era sua sobrinha, para ser mais exato.

 

                                                         CAPÍTULO V

     — Está bem certo disso? – indagou Zoe, quebrando o silêncio.

     O inspetor deu de ombros, com quem dissesse: "nunca nos enganamos".

     — É estranho – murmurou Zoe. — Haverá alguma relação entre o desaparecimento de Joy e o envenenamento de Mrs. Summers?

     — É o que estou procuramos descobrir. Nada adiantaremos, porém, enquanto não interrogarmos esse ardiloso Mr. Casswell. Escute, Zoe; não quero ser rude

com você. Contudo as conseqüências poderão ser desagradáveis se você nos estiver escondendo o paradeiro do homem... – o tom de sua voz era suave; Zoe, porém, compreendeu que o policial estava falando a sério.

     — Pois vou lhe contar a verdade, inspetor. Até ontem eu sabia onde encontrá-lo, mas o homem mudou de endereço e...

     — Sei disso. E depois dessa mudança Casswell a procurou?

     — Sim, telefonou-me esta manhã. Mas acho que também o fará amanhã ou depois. Em todo caso, prometo avisá-lo, inspetor.

     — Tenha cuidado, Zoe – aconselhou o policial, enquanto a acompanhava até à porta.

    Zoe saiu com o cérebro fervendo e tomou a direção da Scotland Yard.

     "Afinal de contas, Casswell é um formidável mentiroso ou, então, um sério candidato à camisa de força. Que vou dizer a Mr. Lovel? Estou torcendo para que ninguém da firma Mallard & Wildfern reconheça o corpo. Se for realmente Miss Lovel, seu pai criaria certamente embaraços à agência. Puxa! Estou entre a cruz e a caldeirinha! Também, quem me mandou ser detetive particular?", pensava a moça.

     Tweedie não estava na Scotland.

     — Provavelmente foi ao necrotério – disse uma dos sargentos. — Quer que a acompanhe até lá?

     Zoe deu de ombros.

     — Não, muito obrigada. Aquele lugar me deprime.

     — A mim também – brincou o outro. — Mas não diga nada ao chefe!

     — Não direi nada, descanse – disse Zoe, com um sorriso.

     Não demorou muito, Tweedie apareceu. Estava de cenho franzido e com ar de poucos amigos.

     — Que há de novo? – perguntou Zoe.

     — Quase nada.

     — Ainda não conseguiram identificar a moça?

     — Que nada! A maquilagem que você sugeriu confundiu ainda mais os empregados de Mallard & Wildfern.

     — E a respeito do casal Summers? Segundo estou informada, Miss Lovel é sobrinha deles.

     — Os Summers também em nada ajudaram.

     — Mas é impossível! Compreendo que estranhos possam ter dificuldades num reconhecimento cadavérico, mas não parentes próximos!

     — Parece que não se vêem há anos. Nem sabiam que Miss Lovel estava aqui na cidade.

     — É realmente estranho... E o pai da moça?

     — Não consegui vê-lo até agora. Saiu de casa há dias e desde então não se teve mais notícias dele.

     — Pois posso garantir que está na cidade – afirmou Zoe, passando, em seguida, a contar a Tweedie em que condições tinha entrado em contato com o pai de Joy.

     — Este caso está cheio de coisas fantasiosas! – exclamou o inspetor, com ar enfastiado. — Faça o favor de, na próxima vez, avisá-lo para se comunicar comigo com urgência, está bem?

     — Com todo prazer. Depois de estudar bem todos os meus dados, estou quase convencida de que a jovem loura adquiriu o soporífero numa farmácia de Southampton

Row.

     — Em que número, faz favor?

 

     Zoe deu-lhe o endereço, mas nada disse sobre Casswell.

     Tweedie não pareceu muito impressionado.

     — Não está cheirando a uma boa pista, – disse, cheio de condescendência — mas vou dar uma olhada.

     — Se pensa assim, não faça somente para me agradar, Tweedie – exclamou Zoe.

     O inspetor desculpou-se.

     — Na verdade devo agradecer sua cooperação, Zoe. Este caso me está enervando. Depois que os jornais tomaram conta da história, não tenho tido sossego.

Para piorar a situação, o chefe acha que estou afrouxando... Quer até saber por que nada consegui até neste momento, como se me fosse possível resolver um assunto tão complicado de um dia para o outro, ora!

     — Você deve dizer-lhe que é capaz de fazer o impossível, mas que um milagre demora um pouco mais, leva mais tempo – ponderou Zoe, preparando-se para sair.

     Ao acompanhá-la até à porta, o Inspetor resmungou:

     — Qualquer dias destes vou dizer-lhes umas verdades.

     — Se o fizer, será um espetáculo. Mas pense bem. Em todo caso, se o jogarem na rua haverá um lugar na minha gigantesca firma – brincou Zoe.

     — Pois talvez, um dia, me veja mesmo obrigado a reclamar o cumprimento desta promessa! – gritou o inspetor, enquanto Zoe se afastava.

 

     Pouco depois de sua chegada ao escritório, Ralph telefonou, convidando-a para jantar.

     — Que ouve com você, Ralph? – exclamou – em geral, tenho que fazer promessa para conseguir um convite seu...

     — Deve ser amor – respondeu o rapaz em tom dramático.

     — Antes fosse – constatou Zoe melancolicamente.

 

     Estava a empoar o nariz, quando o telefone tocou. Zoe atendeu, mas mal ouvia o que a pessoa do outro lado do fio estava dizendo.

     — Faça o favor de falar mais alto – pediu Zoe, elevando inconscientemente o tom de voz. — Não ouço nada!

     — Estou dando-lhe um conselho, moça. Tratar somente da sua vida...

     — Como?

     — Você é uma abelhuda e pode dar-se mal – continuou a voz, muito antipática. — Se quiser permanecer com boa saúde, não se meta nos negócios alheios!

     — Quem?... Que está dizendo?

     — Deixe em paz as louras adormecidas – foi dizendo a misteriosa voz.

     — Mas...

     E cortaram a ligação.

     Durante todo o dia seguinte, Zoe ficou sentada ao lado do telefone, esperou uma comunicação de Casswell ou de Mr. Lovel. O aparelho, porém, conservou-se

mudo. Cansada de não fazer nada, fechou o escritório um pouco antes da hora e foi descendo Southampton Row. Assim, não resistiu à tentação de ir à farmácia.

Mr. Rigmer, o farmacêutico, com a amabilidade de um candidato à cata de votos, acolheu-a sorridente.

     — O senhor teria visto, por acaso, Mr. Casswell? – indagou Zoe, com o mais afável dos sorrisos.

     — Esteve aqui ontem à noite. Disse-me, aliás, que pretendia viajar.

     — Para onde?

     — Não sei.

     — Que veio fazer aqui?

     — Queria mais daquele preparado para destruir ervas.

     — É interessante...

     — Desculpe-me agora – disse o farmacêutico, apressando-se em servir uma freguesa idosa e impaciente.

     — Como vai, Mr. Rigmer? – cumprimentou a mulher. — Desejo mais alguns comprimidos para tosse.

     — Que comprimidos?

     — Agora me lembro. Seu sobrinho quem me serviu, há tempo. São uns verdinhos...

     — Com certeza é "Whysneeze" – disse o farmacêutico, mostrando o remédio à senhora.

     — É isso mesmo – concordou a freguesa. — A propósito; que foi feito de seu sobrinho? Não o tenho visto ultimamente. A última vez foi na loja McDowlings, com o senhor.

     — É. Mas ele foi para Paris, sabe?

     — Que pena! – replicou a freguesa.

     — Está terminando os estudos lá.

     — Também já estive em Paris – participou a velhota. — Durante a guerra...

     — Naturalmente foi durante a guerra dos Boers – escarneceu o farmacêutico, talvez para atalhar a conversa.

     A mulher, depois do fora, atirou uma moeda ao homem e saiu bufando.

     — Velha enjoada! – resmungou o farmacêutico, elevando propositadamente a voz para ser ouvido por Zoe. — Se há uma coisa que me irrite, é gente bisbilhoteira – acrescentou, lançando um olhar indignado na direção da moça, que fingiu não perceber, indagou:

     — A respeito desse tal preparado comprado por Mr. Casswell... O senhor saberá onde ele o emprega?

     — Parece que o usa no banho, moça... Bem, vou fechar a porta. Deseja saber mais alguma coisa?

     Zoe não tomou conhecimento da insinuação.

     — Posso usar seu telefone? – pediu.

     — Já lhe disse que vou fechar – respondeu o farmacêutico num tom de quem estava decidido a pôr alguém porta fora.

     — Está bem, mas voltarei depois – advertiu Zoe, procurando enfurecê-lo mais.

 

     Havia uma cabina telefônica bem na esquina e Zoe discou "Whitehall 1212", sendo logo atendida por Tweedie, na Scotland Yard.

     — É bom dar um alarme geral, Tweedie, porque Casswell se está preparando para fugir.

     — Como soube disso?

     E Zoe contou-lhe a conversa com o farmacêutico.

     — Ontem à noite?! – exclamou o policial. — Há quase vinte e quatro horas... Talvez seja tarde demais. Bem, vamos fazer tudo para agarrá-lo. Obrigado pela informação, Zoe.

 

                                                   CAPÍTULO VI

     No dia seguinte, sábado, Zoe aproveitou para fazer algumas compras. Visitou praticamente todas as grandes lojas de Oxford Street, mas não adquiriu muito coisa. Todavia, em sua bolsa já se encontrava um par de meias, alguns lenços, meio quilo de chocolate e outras miudezas.

     Na volta entrou no laboratório Forensic, situado atrás da Scotland Yard. O local fascinava-a, com seu maravilhoso equipamento químico e seus aparelhos elétricos ainda mais surpreendentes, que pareciam poder fazer tudo, exceto predizer o futuro.

     Divisou alguém curvado sobre um microscópio. Era Tweedie.

     — Que está fazendo aqui? – indagou Zoe. — Pensei que estivesse à procura de Casswell...

     O policial ergueu-se lentamente.

     — Foi um desperdício de tempo. Parece que o homem sumiu da face da terra. Para piorar a situação, descobrimos que a mulher loura lá no necrotério não é Miss Lovel. O pai dela apareceu e afirmou-nos que não era, pelo menos.

     — Quem você pensa que é, então?

     — Não sei. Só adianto que não se trata de Joy.

     — Nesse caso, por onde andará Miss Lovel?

     — Aparentemente suas relações com o pai não são das melhores. Foi por esse motivo que fugiu de casa e veio para Londres. Talvez alguém a tivesse avisado da vinda do pai, cuja intenção era forçá-la a retornar ao lar. Provavelmente tratou de desaparecer. Tendo em vista isso tudo, voltei às minhas hipóteses anteriores – concluiu desanimadamente.

     — Não tem importância, Tweedie. Tudo acabará bem no fim – disse Zoe, para animá-lo. E como consolação, ofereceu um chocolate.

     Blackwell, um dos empregados do laboratório aproximou-se e, sem a menor cerimônia, serviu-se de um chocolate.

     Ao prová-lo, franziu a testa e indagou com muito empenho:

     — Onde foi que os comprou?

     — Numa loja em Oxford Street. Por que?

     — São exatamente iguais aos que envenenaram Mrs. Summers. Um momentinho; vou analisá-lo – disse, já em meio caminho para a porta.

     Zoe notou a palidez de Tweedie.

     — Não se assuste. Estes chocolates não têm nada. Comi vários antes de entrar aqui...

     — Pois tem um sabor meio esquisito... – observou o policial. — Espero que Blackwell volte logo com o resultado.

     — Ei-lo! – exclamou Zoe, com um suspiro de alívio.

     — Esse seu achado é muito importante! – gritou o analista.

     — Quer dizer que são os mesmos chocolates? – murmurou Zoe, agarrando-se ao braço de Tweedie.

     — Sem dúvida.

     — Mas... e o veneno? – perguntou Tweedie. — Será que estes chocolates estão bons?

     Tirando mais dois, Blackwell, com um sorriso declarou:

     — Estão perfeitos.

     — Pois pode ficar com tudo – disse Zoe, entregando-lhe o pacote. — Vamos depressa – acrescentou, agarrando Tweedie pelo braço.

     — Naturalmente – disse o policial. — Mas onde vamos, Zoe?

     — Não me pergunte nada. É uma questão de vida ou de morte – afirmou Zoe com convicção arrastando o amigo em direção à porta de saída.

     — Southampton Row – ordenou ao motorista do primeiro táxi que viram e em que entraram.

     Enquanto o carro rodava, Tweedie protestou:

     — De que se trata, afinal?

     — Não tenho tempo de explicar agora – retorquiu Zoe, mordendo os lábios. — É uma intuição minha. Tenho, porém, a certeza de que vamos encontrar Casswell!

     Com boa freada, pararam em frente à farmácia de Rigmers, cujas portas estavam fechadas.

     — Pipocas! – exclamou Zoe. — Esqueci-me de que a maioria do comércio fecha aos sábados à tarde. Vamos tentar pelos fundos.

     Não podendo conter-se por mais tempo Tweedie explodiu:

     — Mas será possível que Casswell esteja por aqui?

     — Silêncio — aconselhou Zoe. — Não estrague o serviço. Acho que estou no caminho certo.

     Pararam em frente a uma loja, cuja porta estava fechada. Zoe, então, meteu a mão na bolsa e retirou dela uma gazua.

     Quando a introduzia na fechadura, Tweedie segredou-lhe:

     — Que pretende fazer? Não posso concordar com isso, Zoe. Invasão de domicílio alheio é crime e...

     Zoe sorrindo, replicou:

     — Não se preocupe – e na mesma hora abriu a porta. — Tome cuidado – acrescentou enquanto penetrava no armazém por entre pilhas de caixas e caixotes.

Era um depósito, e no fundo havia outra porta. Ouvia-se um murmúrio de vozes do outro lado. Zoe torceu a maçaneta com toda cautela e empurrou delicadamente a porta alguns milímetros, o necessário apenas para que pudessem ouvir o que se dizia no outro lado.

     — ... Mas assim vai ser pior para você – falou uma voz, que Zoe reconheceu logo como sendo de Rigmer.

     — Quero saber por que estou preso aqui. – contestou outra voz.

     Zoe visivelmente excitada, olhou para o Sargento Tweedie, pois esta era a voz de Casswell.

     — Você sabe demais – explicou Rigmer.

     — Não compreendo – ponderou Casswell.

     — No entanto, é bem simples. Lembra-se de quando me viu discutindo com uma jovem loura?

     — Sim, mas você negou tudo quando voltei novamente aqui.

     — Bem sei. Era preciso. Aquela moça era o meu sobrinho. Lembra-se dele?

     — Mas você não me disse que...

     — Que eu estava conversando com uma jovem? É verdade. Na realidade, estava tentando mudar o sexo do meu sobrinho com auxílio de hormônios. Era um efeminado.

O diethistibestrol, que lhe dei durante algum tempo, estava operando um verdadeiro milagre nele. Depois, uma pequena intervenção cirúrgica e...

     — E o rapaz estava de acordo com tal transformação? – indagou Casswell, meio incrédulo.

     — Não, não estava. Fui obrigado a mantê-lo trancado aqui, durante a experiência. Também o compeli a usar roupas de mulher e...

     — Mas por que essa idéia de mudar-lhe o sexo?

     — Acho não haver nenhum inconveniente de lhe contar toda a história, Casswell, mesmo porque em breve, você sofrerá um acidente – profetizou Rigmer.

— Meu sobrinho herdou muito dinheiro. Eu era seu tutor e devia entregar-lhe a administração dos bens quando atingisse a maioridade. Tornou-se necessário

dar sumiço nele, então, porque tenho a intenção de ficar com o dinheiro. Naturalmente, a polícia não teria dificuldade em resolver o problema quando o corpo fosse descoberto. Mas a história seria bem diferente se achassem o cadáver de uma mulher loura. Bem calculado, não acha?

   — Acho é que você está louco.

     — Já esperava por essa resposta – disse Rigmer. — Os estúpidos deste mundo costumam criticar e condenar os que lhes são superiores mentalmente!

     — Sua sabedoria não é tão grande assim – afirmou Casswell, evidentemente com a intenção de ganhar tempo. — Na noite em que estive aqui, seu sobrinho quase fugiu. Teria sido um desastre, não? Na certa, você deve ter cometido outros erros. Não me surpreenderia nada se a polícia acabasse descobrindo que você é o envenenador. Por que fez aquilo? Temendo que eu soubesse ou desconfiasse de alguma coisa em relação ao seu sobrinho?

     — Acho que está na hora de darmos um ponto final na comédia – murmurou Zoe ao ouvido de Tweedie.

     — Tem razão – disse o policial, fazendo-lhe sinal para que abrisse a porta.

     Isso feito, Tweedie, com uma agilidade assombrosa para um homem da sua estatura, agarrou Rigmer e o dominou num instante, mantendo-o deitado no chão.

     Zoe enquanto isso, libertou Casswell, bem amarrado numa cadeira.

     — Como soube que me encontraria aqui? – indagou ele, com voz sumida.

     — Foi um palpite – disse Zoe sorrindo. — Lembrei-me de que umas das freguesas de Rigmer mencionara tê-lo visto na loja McDowlings, que só vende artigos femininos. Quando descobri que os chocolates, posteriormente envenenados, provinham de uma "bomboniere", na mesma loja, ocorreu-me que também as roupas, completamente novas, encontradas no cadáver, poderiam ter sido adquiridas por Rigmer no mesmo local.

     Tudo isso e mais o fato de o farmacêutico saber onde você morava, deu-me a certeza de que ele, Rigmer era o assassino. 

 

                                                                  R. F. Lucchetti

 

 

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