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49. Quando Galileu fala a respeito do brilho que, ao redor dos corpos humanos, não permite distinguir o corpo mesmo àqueles que o observam de longe, afirma ele, em primeiro lugar, que aquele brilho forma-se na superfície do olho por causa da refração dos raios do líquido que existe nele, mas não existe realmente ao redor do astro ou da chama; acrescenta, em segundo lugar, que o ar não pode ser iluminado; em terceiro lugar, afirma que se observamos os corpos luminosos através de uma luneta eles aparecem despidos daquela irradiação. Para examinar a verdade destas teses deveríamos estudar antes de tudo aquilo que é colocado em segundo lugar, isto é, se o ar pode ser iluminado: com efeito, parece-nos que todo o restante deriva disto. Nesta questão é necessário antes de tudo supor que, segundo os ópticos e os físicos, uma luz não pode ser percebida a não ser difundida e não pode ser difundida a não ser por meio de algum corpo opaco. Com efeito, um corpo transparente, na sua transparência, não delimita a luz mas lhe oferece passagem livre; em segundo lugar, é necessário que o ar seja muito transparente, e por isso menos apto a delimitar a luz; o ar impuro e misturado com muitos vapores pode também delimitar a luz e remetê-la ao olho. A primeira parte desta segunda tese é aceita espontaneamente por todos e pelo próprio Galileu; a segunda é provada por inúmeras experiências. Na alvorada, com efeito, ao surgir do Sol, e no crepúsculo, ao pôr do Sol, vê-se suficientemente que o ar impuro não pode ser iluminado; a mesma coisa testemunham as coroas, halos, periélios e afins, que se verificam no ar com densidade suficiente. Galileu mesmo parece admitir isto no Nunzio Sidereo, onde coloca ao redor da Lua uma região de vapores semelhante àquela difundida ao redor da Terra e afirma que é iluminada pelo Sol, o que parece afirmar também a respeito da região de Júpiter. Além disso, se alguém observar a Lua ainda escondida atrás do telhado de alguma casa, quando está para aparecer, verá no começo grande parte do ar iluminado pelo raio da Lua mesma, quase uma aurora lunar; e verá este brilho aumentar tanto mais quanto a Lua estiver próxima a surgir. Seria ridículo afirmar que a alvorada, os crepúsculos e outros brilhos semelhantes têm origem na refração do líquido que se encontra no olho. O quê? Quando observo a Lua e o Sol no alto, incluídos em um pequeno círculo, possuo às vezes os olhos mais enxutos que quando os percebo, perto do horizonte, num círculo mais amplo? Por estes exemplos torna-se mais claro que o ar impuro e misto de vapores pode ser iluminado, o que é demonstrado sem possibilidade de dúvida também pela razão. Com efeito, já que a luz torna-se visível por possuir em si mesma alguma opacidade e o ar torna-se mais denso e opaco por causa dos vapores, naquela parte onde é opaco poderá refletir a luz. Explicadas assim estas coisas, volto à questão proposta, na qual, quando não poucos e não desprezíveis autores afirmam que parte do ar ao redor dos corpos luminosos ilumina-se segundo a aparência, não é necessário que estejam falando do ar puro e sem vapores, mas daquele ar que, formado opaca pelas exalações densas, pode reter a luz das estrelas e impedir que prossiga além. Quando afirmam que o Sol e a Lua mostram-se com forma maior na proximidade do horizonte do que quando são mais altos, dizem que isto acontece por causa do ar com vapores que se encontra interposto: daí resulta claro que eles não estão falando de ar puro mas de ar poluído e por isso mais opaco. É necessário então, estabelecer que não se deve recusar (como quer Galileu) a opinião de que o ar possa ser iluminado pelas estrelas, quando esta opinião foi provada ser verdadeira por muitos experimentos, se a questão for sobre ar impuro. Então, se o ar pode ser iluminado, poderá também alguma parte daquele halo luminoso, com o qual as estrelas se vestem, voltar atrás ao ar iluminado. Mesmo que eu não negue (como havia sido colocado no começo) que aquela coroa luminosa divida em longos raios, que se movimente com qualquer movimento do olho, seja ilusão óptica, já que os mesmos raios agora apareçam às vezes mais luminosos às vezes menos, às vezes mais breves, às vezes mais compridos, segundo o movimento do olho, Galileu não provou até agora que isto não aconteça por causa do ar iluminado em parte alguma daquela luz que nós não distinguimos da verdadeira chama, da qual nem através da luneta podemos despojar os corpos luminosos. E a isto não se opõe nem o experimento relatado pelo próprio Galileu. Se você movimenta a mão, afirma, colocada entre o olho e a luz, como se quisesse ocultar a luz, o brilho difundido não será mais coberto até não haver você escondido a luz verdadeira, mas os raios entre a mão e o olho aparecerão; porém, quando tiver coberto alguma parte da luz verdadeira, perceberá desaparecer a parte oposta dos raios; com efeito, se esconder a parte superior da luz, os raios inferiores não aparecerão mais. Assim fala Galileu. E eu, por experiência, acho tudo isto verdade, quando considero só os raios mesmos, aqueles raios que, por causa do próprio movimento quase perpétuo e por causa da diversidade da luz, distingo mais que suficiente a luz verdadeira que resta: mas quando tento esconder a luz que resta, que eu considero verdadeira, daquela parte onde ponho a mão no meio, se não a escondo completamente, ao menos a diminuo e a ofusco. Repito ofusco; pois os objetos não podem permanecer escondidos por nenhuma interposição da mão afim de não serem vistos. Se, como estava dizendo, observarmos com cuidado enquanto estamos cobrindo com a mão a verdadeira chama de uma vela colocada longe de nós, mesmo que a mão a tenha coberto até a ponta, enxergaremos ainda a chama entre a mão e o olho, e o dedo interposto parecerá queimado por aquela chama e quase repartido em duas partes como acontece com o dedo A. Vou demonstrar como é que esta interposição do dedo não impede a visão da chama. Como a menina dos olhos não é indivisível, mas pode ser dividida em partes, poderá ser coberta em parte também, permanecendo descobertas as outras; e por isto, apesar de estar coberta uma parte da menina dos olhos, e não cheguem a ela as imagens do objeto luminoso, todavia, se as outras partes da menina dos olhos permanecerem descobertas e as imagens do objeto puderem alcançá-la, a luz será ainda visível. Por exemplo, coloque a luz BC, a menina dos olhos FA, o corpo opaco interposto seja D, que não permite a chegada da imagem do ponto C em F; não exista, porém, empecilho algum para que de C chegue o raio CA à parte da pupila A; através do raio CA perceber-se-á, então, a ponta da luz C; mas não se perceberá todavia tão brilhante como quando com sua imagem enchia toda a menina dos olhos: mas a ponta C continua sendo visível, antes que D cubra toda a pupila e impeça que raio algum chegue a C.
Assim, se o corpo D for muito menor que a pupila, por exemplo, um fio muito grosso encontrar-se-á pouco distinto da pupila, e a luz, em cruz, encontrar-se-á longe; de qualquer forma, este mesmo fio seja estendido entre o olho e a luz, não esconderá nenhuma parte da luz, nem se tomará visível a parte do fio colocado entre a chama e o olho, isto como se houvesse sido queimada: o que é originado da mesma causa. Com efeito, aquele fio, sendo menor do que a pupila, se não se encontrar muito longe dela, não pode impedir que todas as partes da chama, ao menos com algum raio, cheguem até o olho: assim, ao menos por meio deles, a chama será percebida.
No que diz respeito à terceira teoria, com a qual foi afirmado que as estrelas se despem daquele brilho casual quando permanecem observadas com a luneta, existem aqui também muitas coisas que permanecem sem explicação. Se a luneta despisse as estrelas do brilho adquirido, este brilho não deveria poder ser observado através da luneta: e todavia é percebido. Entre as estrelas fixas nenhuma é tão fraca que se deixe despir pela luneta, deste seu brilho, mesmo que ele não seja uma característica delas; coisa que Galileu mesmo parece admitir quando relata que aquele brilho não pode nunca ser tirado completamente do Cão e das outras estrelas: com efeito, também através da luneta percebemos nelas estes raios brilhantes. Mas o que é que estou dizendo com respeito às estrelas? Alguns planetas também são tão resistentes neste brilho que nunca permitem que lhes seja tirado completamente: isto é, Marte, Vênus, Mercúrio, os quais nunca aparecerão despidos, a não ser que você não apague a luz deles por meio de vidros coloridos aplicados à luneta. Na verdade, não vejo se por causa daqueles raios permaneça na superfície do olho, isto é, que seja o líquido que se encontra sempre na pupila, porque se a luz da estrela, produzindo uma refração através da lente da luneta, cai sobre o mesmo líquido, deve produzir refração novamente, mesmo às vezes de forma diferente, e produzir os mesmos raios de luz. Se admitimos, como é necessário admitir (e demos a prova disto mais acima), que o ar também é iluminado e por isto pode acontecer que a estrela aparece maior do que é realmente, Galileu não poderá negar, ao menos em relação a este ponto, isto é, que também a luz ao redor possa ser percebida através da luneta e por isto resulte aumentada: deverá admitir com certeza que através da luneta possam ser percebidas, e são aumentadas, as coisas colocadas além dele; assim, este brilho que se encontra além da luneta deverá ser também observado e aumentado. Todavia, se este aumento não pode ser percebido nas estrelas, é necessário procurar alhures a causa disto, e não no fato de que esta radiação encontra-se colocada entre a luneta e o olho, isto é, na superfície úmida do olho. Com efeito, que tudo isto possa acontecer em relação ao ar iluminado, se falamos não daqueles raios vagos e distintos, mas da estável e constante coroação de luz bem ampla, provam-no os exemplos do Sol e da Lua que aparecem maiores perto do horizonte e não no zênite: depois, se falamos dos próprios raios, pois são percebidos nas estrelas também através da luneta, não poderá ser atribuído o pequeno aumento delas à perda dos raios, porque elas não os perdem.
Veja agora V. E. Ilustríssima a terceira proposição e releia-a com toda a atenção. Repito, com atenção, para que mais claramente se entenda com quanto artifício Sarsi continua querendo, segundo seu estilo, alterar a verdade, tirar, acrescentar, ridicularizar com sua exposição e diminuir as teorias alheias a respeito, ofuscar a mente do leitor, assim, no fim, entre as coisas aprendidas por ele confusamente, lhe seja possível fazer subsistir alguma opinião que o Sr. Mário não haja bem esclarecido em sua doutrina, de tal forma que outros não hajam encontrado nada para se opor.
Sendo opinião de muitos que uma pequena chama ardente apareça muito maior a certa distância para se acender, e, por conseguinte, tome igualmente brilhante grande parte do ar que lhe está ao redor, assim, de longe o ar iluminado e a chama verdadeira apareçam como uma única luz; o Sr. Mário, contestando isto, afirmou que o ar não pegava fogo nem se iluminava, e que o irradiar-se, por meio do qual se verificava o aumento, não acontecia ao redor da pequena chama, mas na superfície de nosso olho. Sarsi, querendo encontrar alguma coisa para opor a esta teoria verdadeira, em vez de agradecer ao Sr. Mário o haver-lhe ensinado aquilo que, com certeza, até aquele momento havia-lhe sido desconhecido, coloca-se em evidência e quer provar, contra as hipóteses do Sr. Mário, que o ar se ilumina: e nesta empresa, segundo meu parecer, ele se engana muitas vezes.
Primeiro, onde o Sr. Mário, reprovando as teorias daqueles filósofos, afirmou que o ar não pegava fogo nem se iluminava, Sarsi deixa de lado a parte do pegar fogo e trata só da parte da iluminação. Assim, o Sr. Mário, com muita razão, pode reprovar a Sarsi o haver falado de uma coisa enquanto ele contestava outra; haver falado, afirmo eu, do ar ao redor da pequena chama e da iluminação que pode se originar de seu pegar fogo, e o outro haver falado da iluminação que, sem haver pegado fogo, verifica-se acima do ar com vapores, colocada a qualquer distância do objeto que a ilumina. Ademais, ele mesmo, em sua primeira tentativa, afirma que os corpos transparentes não se iluminam e entre eles coloca em primeiro lugar o ar, e depois acrescenta que, misturada com vapores muito densos e muito aptos a refletir a luz, ela fica iluminada. Então, Sr. Sarsi, são os vapores pesados e não o ar aqueles que se iluminam. Vós me lembrais aquele que falava que o trigo lhe dava tontura e dor de cabeça, quando porém era misturado com centeio. Mas, então, é o centeio e não o trigo aquele que ofende. Vós quereis nos ensinar que no ar cheio de vapores a alvorada se ilumina, e que mil outras pessoas além do Sr. Mário o escreveram antes de vós em seis lugares. E que mais? Vós mesmo neste mesmo texto afirmais que ele o coloca até ao redor da Lua e de Júpiter; então, todas as provas e experiências de alvorada, halos, periélios e Lua escondida atrás de algum empecilho resultam supérfluas, nunca tendo nós duvidado, nem negado que os vapores difundidos pelo ar, as nuvens e a neblina podem iluminar-se. Mas o que vós quereis, Sr. Sarsi, fazer desta iluminação? Vós quereis afirmar talvez (como na verdade fizestes) que por meio dela aparecem os objetos primários iluminados com tamanho aumento? E como não percebeis que, mesmo que isto fosse verdade, seria necessário que o Sol e a Lua se mostrassem grandes quanto a alvorada inteira e os halos inteiros, já que o ar com vapores é tanto e tudo participa da iluminação? Vós, então, Sr. Sarsi, porque encontrastes publicado (afirmo assim, porque vós mesmo citais os filósofos e os autores de óptica para confirmar e autorizar tais teorias) que a região de vapores se ilumina, e além disto que o Sol e a Lua perto do horizonte aparecem, mediante esta região de vapores, com tamanho maior do que quando se encontram no meio do céu, vós vos persuadistes de que desta iluminação depende o aparente aumento deles. Ambas as teses são verdadeiras, isto é, que o ar com vapores se ilumina e que o Sol e a Lua perto do horizonte, por causa dos vapores, aparecem maiores. Porém, é falsa a conexão das duas teses, isto é, que o aumento dependa do fato de ser esta região iluminada, e vós vos enganastes, e seria melhor que abandonásseis esta falsa posição, porque, não por causa da luz dos vapores, mas por causa da figura esférica da própria superfície externa e por causa do afastamento maior dela em relação ao nosso olho quando os objetos se encontram mais no horizonte, aparecem eles de tamanho maior do que a grandeza usual aparente, e isto acontece não só com os luminosos mas com qualquer outro que seja colocado fora desta região.
Colocai entre vosso olho e qualquer objeto uma lente convexa cristalina, com distância variada: percebereis que, quando esta lente se encontra perto do olho, aumentará de pouco o tamanho do objeto em observação; mas, afastando-a, percebereis sucessivamente que ela estará aumentando. E porque a região com vapores termina em uma superfície esférica, não muito mais alta do convexo da Terra, as linhas retas que, saindo de nosso olho, chegam à superfície acima mencionada, são desiguais, e a menor de todas é a reta perpendicular ao vértice, e das outras, aumentam sempre mais aquelas inclinadas para o horizonte que para o zênite. Por isso também pode-se (seja dito de passagem), com maior veracidade, investigar a causa da figura oval aparente do Sol e da Lua em proximidade ao horizonte, considerando a grande distância do nosso olho ao centro da Terra, distância que é a mesma daquela da esfera de vapores; cuja aparência, como acredito que seja de vosso conhecimento, foi descrita como problema excessivamente complicado em muitas publicações, mesmo que toda a dificuldade não seja maior do que aquela que encontramos na teoria que explica por que razão uma circunferência, observada em sua melhor colocação, nos apareça de forma arredondada, e olhando de lado nos apareça oval.
Mas voltando ao nosso discurso, eu não sei a que propósito o Sr. Sarsi afirma ser ridículo que a aurora e os crepúsculos e outros brilhos semelhantes sejam gerados pelo líquido esparso acima do olho, e ser muito mais ridículo se alguém dissesse que, olhando para cima, tivéssemos os olhos mais enxutos do que olhando para o horizonte, e que por isso a Lua e o Sol nos parecessem menores naquele lugar do que neste. Não sei, repito, com que finalidade foram introduzidas na discussão estas estupidezes, não havendo ninguém que lenha firmado algo parecido. Mas, enquanto Sarsi se projeta com os mais ignorantes, vejamos se esta sua teoria é mais útil à sua tese ou à nossa. Aqui estamos falando daquela irradiação temporária, por meio da qual as estrelas e as outras luzes, criando um halo, nos aparecem maiores do que se fossem observadas com aqueles pequenos corpos despojados destes raios, entre os quais, sendo menos brilhantes que a primeira e a verdadeira chama, este pequeno corpo permanece indistinto, já que, seja ele, seja a irradiação, mostra-se como um objeto único, grande e brilhante. Sarsi quer colocar de lado esta irradiação e o aumento da luz, que pela refração é produzida no ar com vapores, e quer que por isto o Sol e a Lua se mostrem maiores no horizonte que no zênite, e, o que é pior, quer que muitos outros filósofos tenham acreditado o mesmo: o que é falso porque não erraram tanto. E que este seja um erro grandíssimo, devia mostrar a Sarsi claramente a enorme diferença entre o brilho do Sol e da Lua e o outro brilho ao redor, onde se podia observar ambas aquelas luzes incomparavelmente mais brilhantes e melhor determinadas: o que não acontece com a irradiação das estrelas, onde o pequeno corpo da estrela permanece indistinto e cancelado por um brilho da mesma intensidade.
Mas ouço Sarsi, que responde dizendo que aquele Sol e aquela Lua de tamanho grande não são os corpos reais e verdadeiros, mas um conjunto do corpo real pequeno e da irradiação que os coroa e os circunda com uma luz não menor do que a primeira, resultando, assim, o grande disco aparente todo igualmente brilhante. Se esta é a verdade, Sr. Sarsi, por que a Lua não se mostra a nós com este grande tamanho também no meio do céu? Talvez falte lá o ar com vapores apto a ser iluminado? Eu não sei o que vós poderíeis responder, nem consigo imaginá-lo, porque não se podendo apresentar contra uma verdade uma falsidade ou fantasia, que, como bem sabeis, são infinitas, eu não poderia imaginar qual seria a fantasia escolhida por vós. Mas, para colocar um ponto final definitivo e tirar a vós e outros, se existem, do erro, seja suficiente dar-vos a prova concreta de que a Lua de tamanho grande que percebeis no horizonte é a verdadeira, e não aumentada por outra luz temporária e irradiada; seja suficiente, repito, ver suas manchas esparsas por toda a sua circunferência até o limite extremo como um chapéu que se mostre no meio do céu; porque, se fosse verdadeira a vossa afirmação, as manchas da Lua baixa e grande deveriam encontrar-se todas reunidas na parte do meio, deixando o arco ao redor brilhante e sem manchas. Então, não por luz acrescentada, mas por um aumento geral por causa da refração sobre a superfície remota com vapores, o Sol e a Lua mostram-se maiores quando estão baixos do que quando estão altos.
Portanto, sabei que do Sol, da Lua e das estrelas, todos corpos brilhantes e constituídos fora e muito afastados da superfície da região com vapores, sai um brilho que ilumina perpetuamente a metade desta região; e deste hemisfério iluminado, a extremidade ocidental nos traz a alvorada pela manhã, e a parte oposta nos deixa a noite no crepúsculo. Mas nenhum destes brilhos aumenta ou diminui ou altera de forma alguma a aparência da grandeza do Sol, da Lua e das estrelas, que perpetuamente encontram-se no centro, ou melhor, no polo deste hemisfério vaporoso por eles iluminado; cujas partes diretamente interpostas entre nosso olho e o Sol ou a Lua nos aparecem mais brilhantes que as outras que, gradualmente, ficam afastadas das partes medianas, cujo brilho paulatinamente desaparece; esta é aquela luz que é sinal do aparecimento da Lua, quando está ainda escondida por algum telhado ou muro. Uma iluminação semelhante verifica-se ao redor das pequenas chamas colocadas dentro da esfera vaporosa; mas ela é tão fraca que, se durante a noite escondêssemos um brilho atrás de algum muro e depois partíssemos à sua procura, dificilmente poderíamos descobrir algum brilho irradiado ou veríamos outra luz até que pudéssemos descobrir a chama principal; e isto se verifica com um ampliar-se em maior ou menor espaço, não somente segundo a maior ou menor abundância de líquido, mas segundo a boa ou ruim disposição do olho. Observei tudo isto comigo mesmo, quando, por certa indisposição, comecei a perceber ao redor da chama da vela um halo luminoso e de diâmetro de mais de uma braça, que me impedia a visão de todos os objetos colocados além dele; diminuindo depois a indisposição, diminuiu a grandeza e a intensidade deste halo, mas permaneceu ainda muito maior do que aquele que é percebido por olhos perfeitos; e este halo não é ocultado pela interposição da mão ou de outro corpo opaco entre a vela e olho, mas permanece sempre entre a mão e o olho, até que não fique ocultada a própria luz da vela. Através desta luz não aumenta também a chama, cujo brilho é muito mais fraco. Existe também um terceiro brilho, muito forte e luminoso, quase como a mesma luz principal, produzido pela reflexão dos raios primários sobre a umidade das orlas e sobre a extremidade das pálpebras, cuja reflexão amplia-se sobre o convexo da pupila do olho: de cuja produção temos certeza mudando a posição da nossa cabeça; pois que, se nos abaixarmos, ou nos levantarmos ou nos colocarmos em posição reta, oposta ao objeto luminoso, vê-la-emos com raios na parte só de cima, ou só na inferior, ou em ambas; mas não perceberemos nunca aparecer raios pela direita ou pela esquerda, porque os reflexos produzidos nos ângulos dos olhos não podem chegar acima das pupilas, sob cujo horizonte, por meio do fechar-se da pálpebra sobre o olho que tem forma esférica, encontram-se os ângulos; e se outros, calcando com os dedos sobre as pálpebras, ampliarem o olho e afastarem as orlas das pálpebras da pupila, não perceberão raio algum nem para cima nem para baixo, pois os reflexos produzidos nestas orlas não se dirigem acima da pupila dos olhos. Esta é a única irradiação pela qual as luzes pequenas nos aparecem grandes e brilhantes, e onde a chama verdadeira permanece sombreada e indistinta. As outras iluminações não têm, Sr Sarsi, nada a ver, nada mesmo, com o aumento, porque são tão inferiores, como luz, à luz primária, que seria cego de todo aquele que não percebesse o limite e a distinção entre os dois; além de (como já falei mais acima) a circunferência do Sol e a da Lua, quando por causa daquela iluminação se tornassem maiores, deveriam mostrar-se enormes como os imensos círculos de suas alvoradas. Por isso, quando afirmais que aceitais que aquela coroa luminosa é uma sensação do olho, mas que nem por isso eu consegui demonstrar já que alguma parte não é dependente do ar iluminado ao redor, desistis da miséria de pedir esmolas tão baratas? Que quereis que possa fazer aquela pequena luz misturada com aqueles brilhantíssimos raios refletidos pelas pálpebras? É o mesmo que faria a luz de uma tocha à luz do Sol da tarde. Desta luz esparsa no ar vaporoso, eu quero conceder não só aquela pequena parte que me pedistes, mas tudo aquilo que diz respeito à alvorada e ao crepúsculo e a todo o hemisfério vaporoso; e aceito que o corpo luminoso nunca possa ser despido disto nem pelo telescópio nem por algum outro meio; e aceito ainda, para vossa satisfação completa, que ele seja aumentado pelo telescópio como todos os outros objetos, assim que, não somente seja adequado à luz da aurora, mas em espaço mil vezes maior, se mil vezes maior pudesse ser percebido com a lente do telescópio; mas nada de tudo isto pode ajudar-vos, ou a vosso Mestre, pois teríeis necessidade, para manter vossa teoria principal (que é aquela das estrelas fixas, que, sendo muito afastadas, não recebem aumento algum do telescópio), teríeis necessidade, repito, que a estrela e sua irradiação fossem uma única coisa, ou ao menos que a irradiação se produzisse verdadeiramente ao redor da estrela: mas nem aquilo nem isto é verdade, porque a verdade reside no olho, e as estrelas recebem aumento tanto quanto qualquer outro objeto observado com o mesmo instrumento, como justamente escreveu e demonstrou o Sr. Mário.
Todas estas outras vossas brincadeiras, de ares vaporosos iluminados e de Sóis e Luas altas e baixas, são, como se diz, remendos, e um querer fugir da escola e procurar desviar o leitor do primeiro argumento proposto. E entre as vossas muitas fantasias, esta que apresentais, com tão longo raciocínio, que interpondo um dedo não se impede a visão de uma pequena chama, e aquilo que afirmais a respeito de um fio sutil e de um corpo colocado no meio, menor que a pupila dos olhos, são todas coisas verdadeiras, mas, segundo meu parecer, em nada de acordo com a tese apresentada. Assim, percebo como internamente vós mesmo haveis reconhecido, pois, quando era o momento de aplicar estas hipóteses à matéria e concluir, vos retirastes, deixando-nos em suspenso, e passastes a outro argumento, e procurando, com o raciocínio, provar coisas que cem experiências claríssimas demonstraram ser erradas; e mesmo que vós pudestes ver, olhando com o telescópio, a estrela de Saturno bem delimitada e com figura diferente das outras, a circunferência do Sol e aquela de Marte especialmente quando se encontram bem perto da Terra, perfeitamente redondos e delimitados, Vênus, em seu tempo de aparição, com cornos e exatissimamente determinado, os pequenos globos das estrelas fixas, especialmente as maiores, muito bem distintos e enfim mil pequenas chamas de velas, colocadas a grande distância, tão bem delineadas como se fossem perto, onde, sem telescópio, o olho nu não pode distinguir nenhuma destas figuras, mas as percebe todas sombreadas pelos raios estranhos e todas com a mesma figura irradiada, com tudo isto vós quereis igualmente que o telescópio não as mostre sem raios, persuadido por algum raciocínio particular vosso, do qual eu não seria obrigado a descobrir a falsidade, tendo eu experiência do contrário; todavia, para vossa utilidade, mostrarei vossos erros mesmo que brevemente.
E para ser mais claro, eu vos pergunto, Sr. Sarsi, como é que Vênus se circunda destes raios estranhos, assim de perder entre eles sua figura verdadeira, pois que, tendo-se apresentado, do momento da criação até os nossos dias, muitas vezes pontudo, nunca foi visto assim por vivente algum, mas sempre apareceu com a figura costumeira, até que eu, por meio do telescópio, descobri suas mudanças? Isto não acontece com a Lua, que mostra sua diversidade de figuras a olho nu, sem alteração notável que possa depender de raios temporários. Não ides me responder que isto acontece por causa do afastamento de Vênus e da proximidade da Lua; porque eu vos direi que aquilo que acontece com Vênus acontece também com as pequenas chamas das velas, as quais, em uma distância de cem braças somente, confundem suas figuras com os raios e as perdem da mesma forma que Vênus. Se quereis responder exatamente, é necessário que afirmeis que isto deriva da pequenez do corpo de Vênus em relação à grandeza aparente do corpo da Lua, e que consigais imaginar o comprimento daqueles raios que se produzem em nossos olhos, por exemplo, com a medida de quatro diâmetros de Vênus, isto é, a décima parte do diâmetro da Lua. Agora imaginai os cornos pequenos de Vênus, coroado de um halo difundido a seu redor, afastado dele quatro diâmetros, e junto à grandíssima figura corneada da Lua com um halo mais ou menos da décima parte de seu diâmetro: não será difícil entender como a forma de Vênus perder-se-á em seu halo, mas não aquela da Lua, que se mostrará pouquíssimo alterada; acontece aqui justamente aquilo que aconteceria se vestíssemos uma formiga com pele de cordeiro, cuja figura seria completamente escondida pela abundância dos pelos, assim sua figura seria a mesma que um punhado de lã; porém o cordeiro, por sua grandeza, mostra muito distintamente seus membros da família das ovelhas. Afirmarei, além disso, que recebendo este halo esplêndido colocado no olho certa limitação devido à conformação do mesmo olho mais que a grandeza do objeto luminoso (e percebemos facilmente apertando as pálpebras, assim que pareçam sair do objeto luminoso raios muito compridos, não sendo maiores aqueles que nos chegam da Lua, aqueles de Vênus ou de uma tocha), imaginais, então, esta abundância de halo; em cujo meio, se vós pudestes perceber que existe um bem pequeno corpo luminoso, percebestes a figura, porque coroado de grandes halos; mas, colocando lá um corpo enorme, a figura real poderá finalmente ocupar no olho o espaço suficiente para que não sobre nada ao redor do halo; então a imagem da Lua, por exemplo, poderá ocupar no olho um espaço maior da irradiação comum. Aceitando tudo isto, entendereis como o disco real, por exemplo, de Júpiter ocupa em nossa visão um pequeno círculo, cujo diâmetro seja a vigésima parte do halo ao redor dele, assim que em tão grande espaço, permanece indistinto o pequeníssimo círculo verdadeiro. Mas o telescópio aumenta para mim a figura de Júpiter com um diâmetro vinte vezes maior; porém, o halo não aumenta, porque não passa através das lentes: então poderei ver Júpiter, não mais como uma estrela extremamente pequena e irradiada, mas como uma Lua redonda, bem grande e distinta. E se a estrela for muito menor que Júpiter, mas de brilho muito forte e vivaz, como é, por exemplo, o Cão, cujo diâmetro não é a décima parte daquele de Júpiter, mesmo assim sua irradiação é pouco menor daquela de Júpiter; o telescópio, aumentando a estrela e não o halo, faz com que, onde antes o pequeníssimo círculo era imperceptível em tão grande esplendor, de quatrocentas vezes maior ou mais se possa distinguir e apareça com uma figura bem determinada. Raciocinai sobre todos estes dados fundamentais e podereis vós mesmo chegar a uma conclusão.
E respondendo a todas as vossas perguntas, quando foi dito por mim e pelo Sr. Mário que o telescópio despe as estrelas daquele halo brilhante, tudo isto não foi relatado com uma intenção de estar sob sindicância de uma pessoa tão exata como vós que, não havendo outro ponto onde vos apegar, continuais insistindo até o desespero, com longos raciocínios que toma o termo ousadíssimo de infinito por "grandíssimo". Quando nós falamos que o telescópio despe as estrelas daquele halo, quisemos afirmar que ele opera, ao redor delas, de tal modo que nos mostra a forma dos corpos estelares distintos e determinados, como se fossem nus e sem algum obstáculo que possa ocultar sua figura a olho nu. É verdade, Sr. Sarsi, que Saturno, Júpiter, Vênus, Marte, a olho nu, não mostram entre eles nenhuma diferença de aspecto, e pouca diferença de tamanho entre eles em tempos diversos? E é verdade que com a lente do telescópio podem-se observar Saturno, como aparece nesta figura, e Júpiter e Marte sempre daquela forma, e Vênus em todas aquelas formas diversas? Assim que ele com cornos mostra seu disco quarenta vezes maior que quando redondo, e Marte sessenta vezes quando se encontra no perigeu do que quando é apogeu, mesmo que a olho nu não mostra mais que quatro ou cinco vezes sua superfície? É necessário que admitais tudo isto, porque são coisas lógicas e eternas, pois não é possível esperar para poder, através de silogis mos, fazer entender que a coisa procede de outra forma. Ora, usar o telescópio em relação a estas estrelas assim como aquele halo que perturbava o olho nu e impedia a exata sensação, a qual opera coisas importantíssimas, admiráveis e com grandes consequências, é justamente aquilo que nós quisemos afirmar dizendo que o telescópio "despe as estrelas do halo", que são palavras só de um momento e de nenhuma consequência: palavras que, se vós ainda estais no grau estudantil, e que por isto podem atrapalhar, podereis mudá-las a vosso gosto, como alterastes já o nosso aumento com a vossa passagem do não ser ao ser.
Em relação àquilo que afirmais, isto é, que vos parece razoável que, assim como um objeto brilhante, chegando através do espaço livre, produz em nosso olho a irradiação, mas não a produz na Lua, que com sua amplidão ocupa em nossa pupila do olho um espaço maior do círculo irradiado, assim ela é percebida limpa e não com halo; assim, o telescópio, dando-me a possibilidade de alcançar com o olho o disco de Júpiter seiscentas mil vezes maior que sua figura percebida a olho nu, opera assim como Júpiter, com sua amplidão, ocupa todo o halo, aparecendo semelhante a uma Lua cheia.
Porém, o pequeníssimo disco do Cão, mesmo aumentado mil vezes pelo telescópio, não consegue alcançar toda a amplidão da superfície da nossa pupila, para poder aparecer-nos sem halo; e por serem os halos mais ou menos fracos na extremidade e repartidos entre eles, permanece ele visível, e entre os intervalos dos raios ele percebe muito bem a continuação do globo da estrela, que com um instrumento que o aumentasse sempre mais se mostraria a nós sempre mais distinto e com menos halo. Então, Sr. Sarsi, a coisa está neste pé, e este efeito é chamado "despojar Júpiter de seu halo": se estas palavras não forem de vosso agrado, eu vos dei já a permissão de mudá-las à vontade, e vos garanto usar no futuro a vossa correção; mas não experimenteis querer mudar tudo isto, porque não conseguireis.
E como já estais replicando, a propósito desta conclusão, ser necessário conceder que o ar ao redor ilumina-se, e que por isto a estrela aparece maior, eu volto a dizer-vos novamente que os vapores ao redor podem ser iluminados, mas nem por isso o corpo luminoso aumenta, porque a luz dos vapores é sem comparação menor que a luz primária: assim, o corpo brilhante, se for grande, permanece nu, se for pequeno, permanece, como sua irradiação provocada no olho, bem definido e distinto dentro da fraquíssima luz do ar com vapores. Repito mais uma vez, pois vós mesmo me replicais muitas vezes que desististes daquela falsa opinião de que o Sol e a Lua no horizonte aparecem maiores, por causa de uma coroa de ar iluminada que se acrescente aos seus círculos, porque esta hipótese é uma ingenuidade, como falei e provei mais acima. E para não deixar nada de intentado que possa vos tirar do erro e fazer que sejais capaz de entender tudo isto, às vossas últimas palavras, onde afirmais que, mesmo percebendo-se através do telescópio esses raios luminosos ao redor das estrelas, não será possível reduzir o mínimo aumento delas na perda do halo, porque não se perdem; eu vos respondo que o aumento é enorme, como em todos os outros objetos, e que vosso erro consiste (como foi sempre falado) em fazer comparação entre a estrela com todo o seu halo, observado a olho nu, e o corpo verdadeiro da estrela observado, com o instrumento, distinto de seu halo brilhante, do qual às vezes ele aparece maior, às vezes igual, segundo a grandeza da estrela verdadeira e do aumento do telescópio; e quando aparece uma irradiação menor do que a dele, percebe-se ainda seu disco entre as extremidades do halo, como já relatei. Uma ótima prova do grande aumento, igual em todos os objetos, é observar Júpiter com a lente antes do amanhecer, e segui-lo até o nascer do Sol e mais ainda; perceber-se-á assim que seu disco, no telescópio, é sempre do mesmo tamanho, e torna-se cinco ou seis vezes menor, e finalmente reduzido quase a um ponto invisível, com o nascer do sol, quando acaba desaparecendo. Porém, desaparecido para o olho nu, continua podendo ser observado o dia inteiro com seu tamanho e com seu halo, porque eu possuo um instrumento que o mostra a mim, quando está perto da Terra, do mesmo modo como vemos a Lua a olho nu. Este aumento, então, não é mínimo ou nulo, pelo contrário, é grande, como o é para todos os outros objetos.
Eu quero, Sr. Sarsi, pegar-vos quando estiverdes cansado, se não puder pegar-vos correndo.
Vós quereis uma nova demonstração, como prova de que os objetos, em qualquer distância que se encontrem, aumentam na mesma proporção? Escutai-a. Eu vos pergunto se, colocados quatro, seis ou dez objetos visíveis em distâncias diversas, porém de modo que todos eles sejam perceptíveis na mesma linha reta, de maneira que o mais perto ocupe o espaço frontal de todos os outros, eu vos perguntarei, então, se, mantendo o olho no mesmo lugar e observando os mesmos objetos com o telescópio, vós os veríeis todos em linha reta ou não, de modo que o mais perto não oculte os outros, mas permita que vós os vejais? Acredito que vós responderíeis que eles aparecem todos em linha reta, porque realmente se encontram dispostos em linha reta. Agora, a este ponto, imaginai quatro, seis ou dez varinhas retas, paralelas entre elas, colocadas a distâncias desiguais do olho, e sendo elas também de tamanho desigual, as mais afastadas sendo as maiores, e gradualmente as menores sendo as mais próximas, de maneira que os termos extremos não sejam vistos dispostos em duas linhas retas, uma à direita e outra à esquerda; pegai depois o telescópio e observai-as: por tudo aquilo que já falamos, seus termos, seja os da direita seja os da esquerda, serão percebidos em duas linhas retas como antes, porém abertas em um ângulo maior.
E como isto é aceito, Sr. Sarsi, por todos os geômetras, é necessário que aumentem todas aquelas linhas segundo a mesma proporção e não que aumentem mais as próximas em vez das afastadas. Cedei, pois, e calai-vos.
50. Mas observemos aquilo que justamente Galileu toma como arma contra Aristóteles da doutrina peripatética e dos experimentos. Ademais, afirma ele, que o cometa não era uma chama já havia sido deduzido pela própria experiência e pelas teorias dos peripatéticos que afirmaram que corpo algum luminoso é transparente. A experiência ensina que a chama, mesmo pequena, de uma vela impede que os objetos colocados além dela sejam percebidos: então, se alguém afirmar que o cometa é uma chama, será necessário afirmar que as estrelas colocadas além dela foram ocultadas: todavia, através da cauda do cometa percebemos brilhar as estrelas esplendorosamente. Assim afirma Galileu; e não posso me cansar de admirar que um homem, com tão grande nome e tão amante de experimentos, haja, com tanta eloquência, afirmado coisas que com tanta facilidade podem ser contestadas através de experiências simples.
Com efeito, se as palavras dos peripatéticos, entendidas em seu justo sentido, são bem verdadeiras (todo corpo que pode ser iluminado ou que pode aparecer iluminado deve quase parar e apanhar a luz que viaja além: um corpo transparente, fazendo passar luz, não pode guardá-la, já que é necessário afirmar que qualquer corpo ilumina-se com mais facilidade quanto mais é opaco e menos transparente), ninguém negaria que podem ser encontrados corpos, em parte transparentes e em parte opacos, que podem conservar a luz, como, por exemplo, as nuvens mais ralas, a água, o vidro e muitas outras coisas semelhantes que retêm a luz sobre a superfície de um ponto, e em outro ponto a deixam passar além.
Por isso, não há motivo, devido a esta afirmação de Galileu, para que eu possa dar qualquer importância aos seus experimentos. Os experimentos são falsos. Afirmo, então, que a chama da vela não subtrai à vista os objetos colocados além dela, e não é transparente.
Estão de inteiro acordo com esta afirmação as Escrituras Sagradas, que relatam sobre Ananias, Azarias e Misael colocados no forno por ordem do rei. Assim, com efeito, eles fazem dizer ao rei: "Eis que eu vejo quatro homens soltos e andando no meio do fogo sem se queimar; o quarto é semelhante ao filho de Deus ". Mas para que alguém não possa chegar a pensar que tudo isto deve ser considerado milagre, a mesma coisa é provada pelo fato de que na chama da vela, bem no centro, pode-se perceber um ponto de cor escura ou incandescente. Ademais, quando se acende uma grande quantia de lenha, vemos facilmente entre as chamas das lenhas quase consumidas as brasas acesas, mesmo que a violência das chamas encontre-se entre o olho e as lenhas do centro. A chama, então, resulta ser transparente.
Em segundo lugar, qualquer coisa opaca, colocada entre o olho e o objeto, impede a visão do próprio objeto, quer diste ele muito ou pouco. Assim, por exemplo, um pedaço de madeira que encoste em alguma coisa ou lhe esteja longe (sendo, porém, colocado entre ela e o olho) não permitirá que ela seja vista: isto não acontece com a chama que, com efeito, sempre permitirá ver qualquer coisa colocada atrás dela, se ela não for muito distante, e se a ilumina de perto abundantemente. Qualquer um pode com facilidade experimentar que, colocando alguma coisa para ler, além da luz, na distância de um dedo, poderá ler com muito maior facilidade os caracteres iluminados pela chama: a chama, então, deve ser transparente e luminosa; o que Galileu nega, colocando o contrário como princípio fundamental, preparando-se para discutir com Aristóteles.
Se alguém perguntar por que os objetos colocados além da chama, quando se encontram afastados dela, não podem ser vistos, apresento esta razão: sem dúvida, um objeto que com mais força consegue golpear a visão impede que sejam vistos outros objetos menos aptos a golpeá-la. Por isso, quanto mais os objetos se encontram perto da chama mais são iluminados, assim tanto mais são aptos a golpearem a visão, e por isso são vistos: com efeito, iluminados por uma luz maior, quase disputam com a própria chama. Então, se a chama brilha com luz mais ofuscada o objeto colocado além dela que é por si mesmo luminoso ou é iluminado fortemente por outro, a chama colocada no meio nunca impedirá a visão, mesmo que o objeto se encontre muito afastado.
É bom confirmar isto com experiências. Faça-se, então, queimar vinho destilado, vulgarmente chamado bagaceira: sua chama, não sendo muito brilhante, deixa livre passagem às imagens dos objetos, de modo que seja permitido ler também os caracteres muito pequenos. Acontece o mesmo com a chama originada pelo enxofre aceso que, mesmo sendo uma chama colorida e densa, impede só pouco as imagens dos objetos.
Segundo, seja mesmo a chama de luz bem clara e brilhante, todavia, se você afastar muito a luz de outra vela colocada além dela, perceberá através da luz da chama mais próxima brilhar a luz da chama mais afastada. Porque as estrelas são corpos luminosos e muito mais luminosos do que qualquer chama, não é de admirar, então, que sua visão não possa ser impedida pela luz interposta do cometa: por isso, a opinião de Aristóteles não é diminuída de forma alguma pelo raciocínio de Galileu.
Terceiro, nem só os corpos luminosos que brilham com luz própria não podem permanecer ocultos por uma chama interposta mas também os corpos opacos, se forem iluminados por outra luz. Assim, se você tiver observado alguma coisa iluminada pelo Sol, chama alguma interposta poderá impedir a visão dela.
Então, é mesmo evidente, até demais, que as chamas são transparentes e isto não impede que o cometa possa ser uma chama.
É tempo, Ilustríssimo Senhor, de concluir estes discursos compridos demais. Por isso, vamos examinar esta quarta e última hipótese. Aqui, como V. E. pode ver, Sarsi afirma que não pode conter sua admiração de que eu, tendo um nome de observador cuidadoso e de pesquisador muito dedicado a experiências, possa ter chegado ao ponto de afirmar constantemente aquelas coisas que podem ser contestadas com muita facilidade através de experimentos claros e bem aparelhados, dos quais ele aborda múltiplos exemplos, onde ele aparece tão cuidadoso e honesto pesquisador quanto eu apareço mal sucedido e mentiroso. Em primeiro lugar, direi muito brevemente aquilo que levou o Sr. Mário a publicar, e eu a aceitar, que, como o cometa fosse uma chama, deveria nos ocultar as estrelas; depois analisarei os exemplos e a exposição de Sarsi, deixando a V. E. Ilustríssima julgar qual de nós seja mais mentiroso e mal sucedido em suas experiências e em seu raciocínio.
Considerando nós que a transparência de um corpo não é outra coisa a não ser um deixar ver objetos colocados além de si, nós nos persuadimos de que quanto mais este corpo transparente for menos visível tanto melhor será sua transparência; assim, o ar bem transparente é invisível de todo; a água limpa e os cristais bem polidos, colocados entre objetos visíveis, não são percebidos com muita clareza: de tudo isto nos pareceu evidente que fosse muito fácil concluir que quanto mais os corpos fossem visíveis por si tanto menos transparentes seriam; e porque, entre os corpos visíveis por si mesmos, as chamas por acaso pareciam não ser as últimas, julgamos porém que elas haviam de ser pouco transparentes: depois a autoridade de Aristóteles e dos peripatéticos, acrescentada a este raciocínio, nos confirmou a hipótese. A propósito da autoridade destas personagens, parece-me oportuno salientar que Sarsi quer dar-lhe outra interpretação que não aquela original verdadeira; afirma que interpretada corretamente é muito verdadeira, e que o sentido dela é que os corpos, para poderem ser iluminados, não devem ser transparentes. Mas se Sarsi a interpreta neste sentido, porque assim a teoria parece ser verdadeira, é necessário, então, que ele abandone o restante porque lhe parece falso (todavia, no que diz respeito às palavras, elas são mais aptas a este que àquele). Todavia, ele mesmo, um pouco mais abaixo, afirma também, e o confirma com numerosas experiências, que os corpos luminosos impedem a visão das coisas colocadas além delas, escrevendo: Com efeito, também eles impedem a visão das coisas colocadas além deles; e assim em seguida. Mas, voltando ao primeiro discurso, afirmo que, além da autoridade dos peripatéticos, nos levou a aceitar esta teoria o provar por experiência que um vidro em fogo nos impede muito a visão dos objetos, enquanto o vidro frio nos deixa perceber tudo distintamente. E a mesma coisa produz a pequena chama de uma vela, especialmente em sua parte superior, muito mais brilhante que a inferior ao redor do pavio, o qual é fumacento e nem tão inflamável quanto a chama verdadeira. Ademais, havendo nós observado que a espessura do corpo, mesmo não muito opaco por si mesmo, é tão importante que, por exemplo, uma neblina que por vinte ou trinta braças não nos permita a visão de uma árvore, multiplicada por uma altura de duzentas ou trezentas braças, nos tira também a visão do próprio Sol, pensamos não estar longe do razoável acreditar que a não transparência e opacidade de uma chama não pudesse ser tão pouca que, tornada mais densa a uma profundidade de centenas e centenas de braças, não devesse nos ocultar o aspecto das estrelas menores. Portanto, concluímos que a profundidade da cauda do cometa (que necessariamente deverá ser, não direi com o Sr. Sarsi e seu Mestre setenta milhas, mas outras tantas braças), se ela fosse uma chama, deveria nos ocultar as estrelas; e nós, observando que ela não fazia assim, pensamos possuir um argumento bem conclusivo para provar que ela não fosse de fogo. Agora, o Sr. Sarsi, preocupando-se pouco ou nada com a substância principal deste lógico discurso, apegando-se àquele único ponto formulado pelo Sr. Mário, de que a pequena chama de uma vela não é transparente, persuade-se e aceita, todas as vezes que ele possa demonstrá-lo, que a pequena chama sempre mencionada possui alguma transparência; e afirma que alguém que aproximar dela uma folha escrita, assim que quase a toque, e procurar cuidadosamente, poderá ler os caracteres escritos: a isto eu acrescento "todas as vezes que ele esteja com vista perfeitíssima", porque mesmo eu, que não sou vesgo, não consigo vê-los, nem servindo-me dos óculos nem indo o mais perto possível.
É bem verdade que, além da supramencionada experiência, muitas outras são apresentadas por Sarsi, entre as quais, por reverência, por piedade religiosa e por ser ela de suprema autoridade, devo ponderar primeiramente aquela que o mesmo Sarsi coloca em primeiro lugar, tirando-a das Sagradas Escrituras. Onde, junto com o Sr. Mário, noto as palavras das Escrituras citadas anteriormente por Sarsi, que me parecem afirmar que, antes de o rei poder ver o anjo e os três meninos andarem no forno, as chamas haviam sido retiradas; pois parece-me que sejam tão atinentes as palavras do Texto Sagrado, que são estas: "O anjo do Senhor desceu sobre Azarias e seus companheiros e removeu do forno a chama do fogo e fez com que o meio do forno possuísse quase um vento que produz orvalho". É conhecido que as Escrituras, dizendo " chama de fogo", parecem querer fazer uma distinção entre chama e fogo; e quando mais abaixo se lê que o rei vê as quatro pessoas caminharem, está falando a respeito do fogo e não da chama: "Eis, estou vendo quatro homens livres e andando no meio do fogo".
Mas porque poderei redondamente me enganar em penetrar o verdadeiro sentido de matérias que por um intervalo grande demais ultrapassam a fraqueza de meu raciocínio, deixando tais determinações à prudência dos mestres em coisas divinas, eu raciocinarei simplesmente sobre estas doutrinas inferiores, confirmando estar sempre pronto para qualquer decreto dos superiores, apesar de qualquer demonstração e experiências que possam ser contrárias.
E voltando às experiências de Sarsi, por meio das quais ele nos faz ver, em transferência, através de várias chamas, diversos objetos, afirmo que posso conceder-lhe livremente que tudo isto é verdade, mas de ajuda alguma para sua teoria: porque para prová-lo não é suficiente que a chama interposta tenha um dedo de profundidade, e que os objetos encontrem-se o mesmo tanto próximos dela, e o observador não esteja muito longe, isto é, que os objetos se encontrem dentro das próprias chamas e na parte mais baixa dela, que é aquela muito pouco brilhante. Mas é necessário (não sendo possível outra solução) que nos demonstre sem dúvida possível que uma chama, mesmo com centenas e centenas de braças de profundidade, encontra-se muito longe do observador e dos objetos visíveis, não tanto, porém, que nos oculte a visão. Isto tudo é o mesmo que se afirmássemos ser necessário provar que a chama impede menos do que se fosse uma neblina, cuja neblina é tal que, mesmo passando não só um dedo de espessura, mas quatro ou seis braças, não impede nada, mas a profundidade de cem ou duzentas braças oculta o próprio Sol e até as estrelas. Enfim, não posso me conter de perguntar ao próprio Sarsi, que está admirado por minha indesculpável falta de interesse no uso das experiências: vós, então, Sr. Sarsi, me acusais de ser um péssimo experimentador, enquanto no manuseio da experiência vós errais tão gravemente quanto é possível? Vós tendes necessidade de mostrar-nos que a chama interposta não é suficiente, contrariando nossa teoria, para nos ocultar as estrelas, e para nos convencer com experiências afirmais que experimentando nós observar homens, brasas, escritas e velas colocadas além das chamas, logicamente nós poderemos observá-los: nunca chegastes a afirmar que podíamos observar as estrelas? E por que, então, vós não afirmastes logo de saída: "Colocai uma chama entre o olho e alguma estrela, assim vós a podereis observar com tranquilidade"? Faltam talvez estrelas no céu? Isto significa ser um hábil e bem sucedido pesquisador? Eu vos pergunto se a chama do cometa é do mesmo gênero das nossas ou de outra natureza. Se for de outra natureza, as experiências realizadas com nossas chamas não são comprovantes em relação a ela: se possui a mesma natureza que as nossas, deixemos, então, de lado a brasa, os cogumelos e as outras coisas; e quando afirmais que depois da chama de uma vela podem ser vistas algumas escritas, podereis ter afirmado também que eram visíveis algumas estrelas. Sr. Sarsi, quem quisesse discutir conosco, isto é, à moda de comerciante, com uma balança muito sutil e exata, diria que vós tivestes por obrigação acender uma chama bem afastada e enorme tanto quanto o cometa e nos mostrar, através de sua transferência, as estrelas, pois, seja a grandeza da chama seja o afastamento do olho, são de enorme importância a este respeito, e devem ser tidas em grande consideração: mas eu, para vos ajudar e para vos dar um pouco de vantagem, quero ficar com muito menos, e quero até preparar para vós provas aptas às vossas necessidades.
Primeiro, como estar a chama muito perto do olho é coisa de extrema importância em relação à visão dos objetos, em vez de colocá-la tão afastada quanto o cometa, fico satisfeito em colocá-la afastada somente cem braças. Ademais, como a profundidade e espessura do meio possuem a mesma importância, em vez de colocar a mesma espessura do cometa que, como vós bem sabeis, é de muitas centenas de braças, fico satisfeito com dez braças somente; ademais, porque o objeto que deve ser observado é brilhante, o que ajuda enormemente, como vós mesmo afirmais, fico satisfeito em aceitar como objeto uma daquelas estrelas que foram observadas através da cauda do cometa, cujas estrelas, segundo vossa opinião, em vosso texto, são muito mais claras que qualquer chama. Depois, se com todo este aparelhamento tão proveitoso para vossa teoria, vós podereis conseguir mostrar-me a transparência desta chama e por meio dela a estrela, eu me confessaria convencido e vos consideraria o mais cuidadoso e sutil pesquisador do mundo, mas, não conseguindo nada disto, não procuro outra coisa de vós a não ser que com o silêncio termineis as contestações, como espero que estejais para fazer. Pois, se por acaso virdes este meu texto, o qual fica ao arbítrio deste senhor, ao qual estou me dirigindo e que poderá mostrá-lo a quem quiser, podereis perceber como deve agir aquele que quer levar a fim o exame das obras alheias, que é não deixar hipótese alguma sem verificação, e não (como vós fizestes) andar, em forma de barata tonta, de um lado para outro, procurando alguma solução.
E para terminar esta parte, não podeis negar haver, vós mesmo, entendido e confessado que as chamas interpostas, sendo elas um empecilho sensível, produzem um empecilho para o vosso olho, porque, se não ofuscassem nem um pouco, então não haveria importância alguma que os objetos se encontrassem mais ou menos afastados da chama, mais ou menos brilhantes, e as chamas fossem produzidas por enxofre ou bagaceira em vez de palha ou cera, como expusestes claramente: Sejam a chama e o objeto quaisquer que se queira, não surge empecilho algum, mas pode-se enxergar através da chama como através de ar livre e puro. Além de tudo isto, um pouco mais abaixo, falando a propósito das coisas que não brilham por si mesmas, como as chamas, mas são iluminadas por outras, afirmais que estas ainda impedem a visão dos objetos, onde o termo ainda mostra que admitis algum empecilho produzido pelas chamas. E que mais? Se elas não impedem nada, quem haveria pensado, então, em afirmar que elas não são transparentes? Então, vós também admitis certo ofuscamento sensível (digo vós admitis, porque nós e os outros admitimos um empecilho muito grande) e vossas experiências são realizadas ao redor de chamas tão pequenas, que decididamente o empecilho de outra tanta neblina teria sido de todo insensível; então, vossas chamas impedem mais de outra tanta neblina; mas tanta neblina quanta é a profundidade do cometa sombreia e tira por completo a visão do Sol: então, se o cometa fosse uma chama, deveria ser de tamanho suficiente a nos ocultar a visão do Sol, e também aquela das estrelas, as quais, porém, ele não nos oculta, logo, ele não é uma chama.
E como para sustentar uma opinião falsa, os que a sustentam são poucos, e para estabelecer uma verdade abundam as experiências contrárias, eu quero fazer ressaltar a V. E. Ilustríssima um particular por meio do qual parece-me que fica confirmada sua falsa opinião de Aristóteles. Como a natureza de todas as chamas conhecidas por nós é subir, permanecendo seu princípio e cabeça na parte inferior, sendo cauda do cometa uma chama e sua cabeça a matéria que a origina, seria necessário que a cauda subisse reta até o céu, de cujo movimento derivariam duas coisas, isto é, ou que a cauda seria vista sempre como um halo ao redor da cabeça (como aconteceria se o lugar do cometa fosse muito alto), ou (e isto aconteceria se ele se encontrasse pouco longe da Terra) seria preciso que, ao nascer, nascesse antes a extremidade da cauda e a cabeça por último, e subindo ao meio do céu, quanto mais a cabeça se encontrasse perto do nosso zênite tanto mais a cauda deveria aparecer mais curta, e no próprio vértice deveria aparecer nula ou ao redor da cabeça, e finalmente, indo rumo ao ocidente, a cauda deveria aparecer ao contrário, como se a cabeça fosse vista inclinada para o ocidente antes dela; de forma contrária, quando a cauda fosse para a frente como quando nasce, seria necessário que a chama, contrariamente à sua natureza e àquilo que ela fazia quando se encontrava nas partes orientais, fosse para baixo. Mas este fenômeno não se verifica no cometa e em seu movimento, por isto não é uma chama.
51. Não se pode omitir que, justamente com o argumento por meio do qual se opõe a Aristóteles, Galileu pode ser vencido. Afirma ele: As chamas não são transparentes; a cauda do cometa é transparente; logo, não é uma chama. Mas retruco contra Galileu: os corpos luminosos não são transparentes; a cauda do cometa é transparente, logo não é luminosa. Que seja transparente o demonstram as estrelas que não permanecem ocultas em parte alguma por causa de sua interposição. Ademais, que esta cauda seja luminosa, o mesmo Galileu o afirma quando sustenta que é formada por vapor iluminado: com efeito, o vapor iluminado é um corpo luminoso. E não diga que ele está falando dos corpos luminosos brilhantes de luz própria, e não daqueles que recebem luz dos outros. Estes também impedem a visão dos objetos colocados além deles: com efeito, se iluminamos uma bola de vidro ou uma garrafa cheia de vinho ou de qualquer outra coisa, ela permitirá observar o vinho somente nos pontos onde não reflete a luz e onde não aparece iluminada: naquela parte, em vez, que reflete a luz aos olhos, não deixa ver a não ser alguma coisa de luminoso e candente. O mesmo acontece também nas águas iluminadas pelo Sol, cuja parte que reflete o Sol não deixa ver nada que seja colocado além dela, enquanto as outras partes mostram as pedras e ervas que se encontram no fundo. Por isto dir-se-á que é característica dos corpos iluminados impedir a visão dos objetos colocados além deles, mas estes corpos poderão ser chamados de luminosos. Então, se eles não permitem, segundo Galileu, transparência alguma, através da cauda do cometa, luminosa ou iluminada, não poderemos ver estrelas; porém isto foi possível; então, a cauda do cometa foi iluminada e é transparente.
Eu exponho tudo isto com tanta boa vontade que qualquer um pode entender, pois esta conclusão não depende daquelas intrigas de linhas e ângulos, das quais nem todo mundo sabe se sair com igual facilidade; com efeito, aqui, aquele que possui olhos possui raciocínio mais que suficiente.
Como V. E. pode perceber, Sarsi torce meu próprio argumento contra mim mesmo; mas examinemos brevemente quanto sucesso ele consegue disto. Em primeiro lugar, quero sublinhar como ele, para levar a efeito esta sua intenção, incorre em alguma contradição consigo mesmo e é justamente isto que mais me admira sem necessidade. Mais acima, porque assim era necessário para sua teoria, esforçou-se muito para provar que as chamas são transparentes, assim, através delas podiam-se observar as estrelas; agora, para me convencer com minhas próprias armas, necessitando ele que os corpos luminosos não sejam transparentes, esforça-se para provar que é assim, com muitas experiências, parecendo, assim, que ele deseja que os corpos luminosos sejam e ao mesmo tempo não sejam transparentes, segundo suas necessidades. E ele cai neste inconveniente sem necessidade alguma, porque, sem se contradizer ao mostrar querer agora aquilo que pouco antes havia negado, era suficiente que ele afirmasse (sem passar depois a demonstrá-lo ele mesmo) que nós havíamos afirmado que geralmente os corpos luminosos são transparentes. Nem havia razão para temer que eu chegasse a distinguir os vários tipos de corpos luminosos, porque sempre acreditei que tal posição servisse só para aqueles que não souberam desde o início colocar claramente suas teorias. E se o Sr. Mário houvesse proclamado uma diferença entre estes corpos e aqueles, teria-o declarado antes, e não haveria esperado que o adversário tivesse tomado conhecimento desta sua falta. Afirmo, então, ser absolutamente verdadeiro que qualquer iluminação, própria ou externa, impede a transparência de corpo luminoso; mas não é necessário, Sr. Sarsi, que vós entendais que, afirmando nós assim, queremos deduzir que para qualquer luz, mesmo mínima, o corpo que a recebe deve tornar-se tão opaco quanto um muro, mas que, segundo o maior ou menor brilho, perde mais ou menos sua transparência. Assim, podemos verificar tudo isto ao começar da alvorada, quando a região dos vapores começa a participar da luz, desaparecendo, assim, aos poucos as estrelas menores, depois, aumentando o brilho, desaparecem também as maiores; e finalmente, quando a luz chega ao ponto máximo, até a Lua começa a ocultar-se. Ademais, quando por qualquer rompimento das nuvens nós percebemos descerem até a Terra aqueles compridos raios do Sol, se vós observardes cuidadosamente, podereis ver uma diferença notável a respeito da percepção de partes de uma montanha do lado oposto ao vosso; porque aquelas que se encontram além dos raios luminosos apresentam-se a nós mais ofuscadas que as laterais, que não são atravessadas pelos raios. E da mesma forma quando um raio de Sol descido através de alguma pequena janela, em um quarto sombrio, como alguma vez aparece por causa de um vidro quebrado de alguma igreja, todos os objetos colocados do lado oposto, de onde o raio passa, se veem distintamente, enquanto, porém, o observador se encontre em um lugar onde ele possa receber o raio luminoso distinto, o que não acontece em todos os lugares. Sendo verdade tudo isto, eu afirmo (e sempre foi afirmado por mim) poder acontecer que a matéria do cometa seja muito mais sutil que o ar vaporoso, e menos apta a se iluminar, como no-lo prova quando desaparece na alvorada e no crepúsculo, encontrando-se o Sol ainda abaixo do horizonte; assim, por aquilo que diz respeito ao brilho, não existe razão para ele nos ocultar as estrelas da região vaporosa. No que diz respeito à profundidade, primeiro, a região com vapores possui muitas milhas de espessura; segundo, nós não temos necessidade de colocar uma cauda de profundidade desmedida no cometa, não havendo determinado nem quanto seja o diâmetro da cabeça, nem se é redonda, nem a que distância se encontra. Apesar de tudo isto, mesmo que outros quisessem colocá-la a uma profundidade de oito a dez milhas, não se vê inconveniente algum, porque, mesmo o ar de vapores numa profundidade tão grande, e iluminado com a mesma intensidade da cauda do cometa, permite a visão das estrelas.
52. Galileu, além disso, reprova Aristóteles de haver erradamente falado, apoiando-se sobre a aparição de um cometa, que o ano não teria sido chuvoso, mas de preferência seco, tendo-se podido esperar ventos e terremotos muito fortes.
Porque, afirma ele, os cometas não são para Aristóteles outra coisa que fogos que apagam com enorme rapidez estas exalações, se tivésseis dito que eles não deixam nada disso atrás de si, teríeis falado com muito mais sabedoria. Eu penso, porém, que se deva raciocinar deforma muito diferente. Com efeito, se em alguma cidade, nas praças e nas ruas, fosse espalhada com negligência grande quantidade de trigo, e se soubesse que as pessoas mais simples e os pobres comem sempre fartamente, não deduziria Justamente por causa disto existir tanta abundância de trigo e de qualquer mantimento que, por muito tempo, não se apresentaria carestia naquela cidade? Parece-me que é uma afirmação exata. Mas as exalações são sempre fechadas em confins limitados, como o trigo no celeiro, nem se dirigem com facilidade para aquelas regiões onde domina a chama feroz a não ser quando, por causa de seu grande número, não podem ser contidas em regiões inferiores, então elas mesmas, tomando-se mais secas e ralas, terão perdido toda a água. Por isso Aristóteles não errou em deduzir dos cometas, isto é, das exalações que chegam até o fogo, em grande número, que as regiões inferiores abundam delas.
Daqui não deriva que aquele fogo não deva deixar um resto: com efeito, gasta só aquilo que nas regiões mais baixas e mais estreitas levanta-se para a região do fogo; este fogo não sobe depois para outras regiões, mas, sempre parado em seu reino, atrai a si aquele que se lhe aproximou demais ou, quase fugindo das sensações úmidas, rumou para o fogo; por isso Aristóteles pôde, por meio dos cometas, anunciar os ventos, o clima seco do ano e coisas semelhantes. Se por meio de nosso cometa alguém houvesse anunciado alguma coisa parecida, haveria podido confirmá-lo com muito êxito: com efeito, o ano foi mais seco que de costume, tivemos tempestade fortíssima e grande parte da Itália foi sacudida por terremotos, com muito, dano para cidades e castelos. Não falou, então, muito sabiamente Aristóteles em relação ao cometa como o fez em relação a muitas outras coisas?
O exemplo, em virtude do qual Sarsi acredita poder defender Aristóteles e mostrar errada a opinião do Sr. Mário, parece-me que não vem muito ao caso. Poder ver em ruas e praças grande abundância de cereais significa que eles possuem uma abundância maior que de costume, sendo muito logicamente de arbítrio dos donos expô-los ou ocultá-los; ademais, mostrá-los não aumenta nem diminui a quantidade; e tudo isso não se verifica no cometa. Seria um exemplo muito mais apto se alguém falasse assim: a ilha de Cuba abunda de cinamomo e canela, isto nos prova que os habitantes da ilha produzem fogo com eles continuamente. O raciocínio é concludente, porque, sendo do arbítrio deles queimá-los ou não, se tivessem pouco os usariam para a comida, como nós. Mas se tivesse acontecido que nos meses passados, por um acidente qualquer, tivesse pegado fogo a grande floresta dos cinamomos, e que os ilhéus não tivessem conseguido extinguir as chamas, por estarem muito longe do lugar naquele momento; assim, ela se destruiria completamente. Se algum comerciante, por causa deste acidente insólito, quisesse anunciar aos seus vendedores de especiarias uma grande abundância, pois, onde ordinariamente queimam-se pequenas quantias, esta vez queimou-se uma inteira floresta, acredito que ele seria considerado uma pessoa muito ingênua; e aquele que, observando as chamas ao destruir os cereais maduros de sua propriedade, ficasse alegre e esperasse encher ainda mais que de costume seus celeiros, porque sua colheita é suficiente para ser queimada, acredito que seria considerado completamente louco. A matéria que compõe o cometa ou é a mesma daquela que compõe os ventos, ou é diferente; se é diferente, não é possível, da abundância dela, deduzir abundância desta, como se alguém, observando uma grande abundância de uva, esperasse uma grande colheita de azeite; se é a mesma matéria, uma vez que se lhe haja ateado fogo, queimará por completo.
53. O que se pode deduzir de tudo isto, acho que se deva escutar não a mim mas a Galileu mesmo. Com efeito, ele, depois de expor todos seus experimentos, acrescentou: Estas são nossas experiências, estas são as nossas conclusões deduzidas através dos nossos princípios básicos e dos argumentos de óptica. Se os experimentos resultarem falsos e os argumentos errados, os fundamentos de meus raciocínios resultarão fracos e sem valor. Não acredito que se deva acrescentar alguma outra coisa. Isto é tudo aquilo que eu propus a mim mesmo relatar nesta discussão, por deferência minha para com meu mestre. Com tudo isto tentei, antes de mais nada, mostrar que Galileu (e esta foi a finalidade primária de minha publicação) ofereceu matéria de queixa para meu mestre, que sempre o teve em grande honra; porque na Discussão publicada não havia sido permitido medir, com as observações da paralaxe e do movimento do cometa, a distância entre ele e a Terra, e que, pelo fato de que a luneta aumentava só de leve o cometa, nossa teoria recebia uma importante confirmação; ademais, não era lícito a Galileu excluir o cometa do número dos corpos luminosos e prescrever leis tão severas de movimento retilíneo; e que destas coisas deriva que o ar pode movimentar-se por causa do movimento do céu, pode suportar atrito, esquentar e acender, e que do movimento por atrito pode-se desenvolver calor mesmo que não se perca parte alguma do corpo; o ar pode ser iluminado todas as vezes que é misturado com vapores densos, as chamas são luminosas e transparentes, coisas estas que Galileu negou; enfim, eram falsos aqueles experimentos sobre os quais fundavam-se suas opiniões. Mas eu quis simplesmente avisar, em vez de relatar extensamente o desenvolvimento destas teorias, porque elas não me parecem merecer mais, como é claro a todos, que em nossa demonstração nós não injuriamos a ninguém, e que não foi à toa que nós achamos melhor preferir a todas as outras teorias a teoria que fomos expondo.
Aqui, como V. E. pode ver, Sarsi apresenta duas teses: a primeira contém implicitamente o juízo que alguém deve fazer-se da fraqueza de nossas posições fundamentais, apoiadas sobre falsas experiências e razões faltosas, como ele pretende haver demonstrado; acrescenta depois, em segundo lugar, uma coletânea de conclusões contidas no Discurso do Sr. Mário e por ele impugnadas e confutadas. Em resposta á primeira parte, eu, imitando Sarsi, remeto o julgamento que deve ser feito sobre a exatidão de nossa teoria para aqueles que cuidadosamente raciocinaram sobre as experiências apresentadas por uma e outra parte, esperando que a minha causa seja favorecida bastante por haver, ponto por ponto, examinado e respondido a todas as contestações e experiências produzidas por Sarsi, enquanto ele passou por cima da maior parte, especialmente da mais concludente entre aquelas do Sr. Mário. Razões que eu havia pensado em registrar nesta minha publicação (para balançar a coletânea de Sarsi), mas logo no começo faltaram-me as forças e a vontade, vendo que eu teria de escrever de novo pouco menos que o texto inteiro do Sr. Mário. Por isso, com menor amolação para V. E. Ilustríssima e minha, resolvi ser mais produtivo, recomendando a V. E. a leitura daquele mesmo texto.
Galileu Galilei
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