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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O ESTRANGULADOR / Sidney Sheldon
O ESTRANGULADOR / Sidney Sheldon

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

Biblio VT

 

 

 

 

O estrangulador estava à solta nas ruas de Londres. Até agora, já matara seis mulheres, e a polícia se mostrava frenética. O medo dominava a cidade.
Os jornais de Londres, como não podia deixar de ser, quase não falavam de outra coisa. As manchetes bradavam:
QUANDO O ESTRANGULADOR ATACARÁ DE NOVO?
LONDRES DOMINADA PELO TERROR
O QUE FAZ A POLÍCIA PARA DAR SEGURANÇA ÀS MULHERES?
A Scotland Yard recebia centenas de telefonemas, as pessoas querendo saber quais as providências da polícia para capturar o assassino. Havia ligações desesperadas.
- Há um estranho no meu quintal!
- Acho que alguém vem olhar pela janela do meu quarto à noite!
- Meu vizinho parece um assassino. Poderia ser o estrangulador.
- Devo comprar um cão de guarda?

 

 

 

 

 

 

O inspetor West, da Scotland Yard, fora encarregado do caso do estrangulador. Era o mais difícil de sua carreira. Não havia pistas. Absolutamente nenhuma!
- Inspetor, o comissário está na linha-avisou sua secretária.
O inspetor West já recebera meia dúzia de telefonemas do comissário, que era o
chefe da polícia. Tentara explicar que vinha fazendo tudo o que era possível.
Levara peritos em impressões digitais para os locais dos crimes, mas o assassino não
deixara nenhuma impressão. Levara cães da polícia na tentativa de encontrar a trilha
do assassino, mas também fora inútil. Falara com informantes da polícia, na
esperança de que alguém pudesse lhe oferecer uma indicação que levasse ao
assassino, mas ninguém fora capaz de ajudar.
O assassino era um homem misterioso, que matava suas vítimas e desaparecia sem
deixar qualquer vestígio. O inspetor West pegou o telefone e disse:
- Bom dia, comissário.
- O que está acontecendo, inspetor? Precisa fazer alguma coisa. Tem idéia da
pressão que venho sofrendo? Os jornais estão me levando à loucura, fazendo com
que pareçamos idiotas. A própria rainha me ligou esta manhã. Ouviu isso? A rainha!
Quer saber o que estamos fazendo para pegar esse louco.
- Estamos fazendo tudo...
- Não é suficiente. Quero resultados. As mulheres andam com medo de sair às
ruas. Ninguém sabe onde o estrangulador atacará em seguida. Não descobriu
nenhuma pista?
- Gostaria de dizer que sim mas não posso. O assassino ataca ao acaso. Mata suas
vítimas e desaparece. - Houve um silêncio prolongado. - Comissário, posso lhe
pedir um favor?
- Claro. Qualquer coisa que ajude a resolver o caso.
- Ouvi falar de um jovem sargento da polícia que já esclareceu muitos casos. Eu
gostaria que ele fosse transferido para o meu departamento.
- Como ele se chama?
- Sargento Sekio Takagi. Pode dar um jeito?
- Considere o pedido atendido. O sargento Takagi estará em sua sala dentro de uma
hora.
Exatamente uma hora depois, Sekio Takagi sentou na sala do inspetor West. Takagi
era jovem, bonito e muito polido.
Seu pai era dono de uma pequena empresa de produtos eletrônicos e abrira uma
sucursal na Inglaterra. Esperava que o filho dirigisse a fábrica lá. Mas o rapaz
sempre se interessara pelo crime.
- Quero ajudar as pessoas.
O pai ainda argumentara, mas fora em vão. Sekio Takagi podia ser muito obstinado
quando tomava uma decisão. Fora aceito na polícia e já elucidara meia dúzia de
crimes.
A família sentia o maior orgulho de Sekio. A mãe, no entanto, se preocupava.
- Filho, seu trabalho não é perigoso?
- Pode ter certeza, mãe, que sou muito cuidadoso.
A verdade era que tinha mesmo um trabalho perigoso. Pela tradição da Inglaterra, os
policiais nunca andavam armados. E não se esperava que os criminosos dispusessem
de armas de fogo. Infelizmente, nos últimos anos, os criminosos haviam-se tornado
cada vez mais violentos. Não apenas usavam revólveres, mas também armas
automáticas.
Vários policiais haviam sido mortos no cumprimento do dever, e o comissário
decidira que a polícia passaria a andar armada. Mas Sekio não queria alarmar a mãe
e acrescentara:
- Além disso, meu trabalho não tem nada de perigoso.
Ele já fora responsável pela prisão de um ladrão de jóias que se esquivara à polícia
por muito tempo,
um traficante de tóxicos e um assassino. Era muito respeitado pelos colegas.
Agora, sentado na sala do inspetor West, um dos homens mais importantes da
Scotland Yard, o sargento Takagi sentia-se um pouco nervoso. Tinha o maior
respeito pelo homem sentado à sua frente.
- Já sabe do caso do estrangulador, não é mesmo?
- Sei, sim, senhor.
Todos em Londres sabiam sobre o estrangulador.
- Precisamos de sua ajuda.
- O que eu puder fazer.
- Tem uma ficha excelente.
- Obrigado.
- Nosso problema é a ausência de pistas. - O inspetor West levantou-se, começou
a andar de um lado para o outro. - Você deve saber alguma coisa sobre os
assassinos em série. Isto é, os assassinos que continuam a matar uma pessoa depois
da outra.
- Sei um pouco, senhor.
- Neste caso, sabe que, de um modo geral, eles seguem um padrão. Por exemplo,
um assassino em série só mata prostitutas, ou apenas estudantes, ou mulheres de
uma mesma idade. Segue sempre o padrão.
- Certo, senhor.
- Nosso problema é que, neste caso, não há nenhum padrão. Algumas mulheres que
ele matou eram velhas, outras jovens, havia casadas, solteiras. Uma era professora
de piano, outra dona de casa, uma terceira era modelo.
Percebe agora o que estou querendo dizer? Não há nenhum padrão. Ele
simplesmente ataca ao acaso.
Sekio Takagi franziu o rosto.
- Desculpe, inspetor, mas isso não parece certo.
- Como assim?
- Há sempre um padrão. Apenas temos de descobri-lo.
O inspetor West fitou-o com alguma surpresa.
- Acha que pode descobri-lo?
- Não sei, senhor. Mas gostaria de tentar.
- Está bem. Minha secretária lhe entregará uma lista das vítimas. Pode começar a
investigação imediatamente.
O sargento Sekio Takagi levantou-se.
- Agradeço a oportunidade, senhor.
- Há duas coisas que deve saber.
- Quais, senhor?
- Todas as vítimas têm uma marca nas costas.
- Que tipo de marca?
- Não sabemos exatamente o que é. Parece uma equimose. Como se algo as tivesse
espetado nas costas.
- Poderiam ter sido espetadas com alguma agulha?
- Não. A pele não foi rompida. E há mais uma coisa.
- O que é, senhor?
- O estrangulador só mata quando está chovendo.
A vários quilômetros dali, na Sloane Square, um homem aproximou-se de uma
banca de jornais. Leu a última manchete:
VERIFIQUEM O BOLETIM METEOROLÓGICO.
O ESTRANGULADOR SÓ MATA NA CHUVA.
O homem sorriu. Era verdade. Gostava de estrangular suas vítimas e virar seu rosto
para cima, a fim de que a chuva de Deus lavasse seus pecados.
Todas as mulheres eram pecadoras. Deus queria que fossem mortas. Ele realizava o
trabalho de Deus, livrando o mundo do mal. Não podia entender por que a polícia o
procurava... por que queriam puni-lo. Deveriam recompensá-lo por livrar o mundo
daquelas mulheres diabólicas.
O nome do assassino era Alan Simpson. Quando era pequeno, sempre ficava
sozinho. O pai trabalhava duro numa fábrica de sabão, nos arredores de Londres, e
passava o dia inteiro fora de casa. A mãe deveria ficar em casa, cuidando dele, mas
sempre que voltava da escola Alan encontrava o apartamento vazio. A mãe saíra
para algum lugar. Se Alan sentia fome, tinha de
preparar algo para comer.
A mãe era jovem e bonita, e Alan a adorava. Mas queria que ela lhe dispensasse
alguma atenção.
- Estará em casa quando eu voltar da escola, mamãe?
- Claro, querido.
E ele acreditava. Só que nunca encontrava a mãe ao voltar.
- Você disse que ficaria em casa.
- Eu sei, querido, mas surgiu uma coisa importante para fazer. - Sempre havia
uma coisa importante. - Esta noite vou fazer sua comida predileta, querido.
E ele aguardava ansioso. Mas a mãe nunca cumpria a promessa. Saía de manhã bem
cedo e voltava tarde demais para preparar o jantar. Assim, Alan e o pai tinham de
abrir latas de alimentos para comer. Quando ficou um pouco mais velho, Alan
passara a fazer o jantar.
Especulava o que mantinha a mãe tão ocupada durante o dia inteiro. Ela não tinha
emprego, e Alan não podia imaginar por que se ausentava durante tanto tempo.
Quando tinha doze anos sua curiosidade aumentara e decidira descobrir.
Um dia, quando deveria ir à escola, escondeu-se num beco em frente ao prédio e
esperou. Pouco depois, a mãe saiu, vestida em suas melhores roupas. Começou a
andar pela rua, como se estivesse com pressa, e Alan seguiu-a, mantendo-se a uma
distância segura, para não ser visto. Começou a chover.
A mãe percorreu dois quarteirões, virou à esquerda,
seguiu por mais três quarteirões. Alan viu-a entrar num prédio de apartamentos.
Aonde será que ela vai?, especulou o menino. Não podia imaginar quem a mãe ia
visitar ali. Conhecia todos os amigos da família, e nenhum morava naquele prédio.
Ele ficou parado na calçada,
observando.
Havia uma janela aberta no terceiro andar. Alan avistou um homem de pé ali, e de
repente sua mãe também apareceu. Incrédulo, ele viu a mãe ir para os braços do
homem e se beijarem.
- Mamãe! - Alan sentiu uma raiva intensa. Então era isso o que a mãe fazia
durante todo o tempo! Em vez de cuidar dele, vinha enganar o pai com outro
homem. Era infiel, não só ao marido mas também ao filho. Era uma prostituta.
Fora nesse momento que Alan Simpson concluíra que todas as mulheres eram
prostitutas, que tinham de ser punidas, deviam ser mortas.
Ele nunca deixara que a mãe soubesse que descobrira seu segredo, mas daquele dia
em diante Alan passara a odiá-la. Esperara até ter idade suficiente para sair de casa e
depois começara a viajar de um lado para outro, trabalhando nos mais diversos
empregos. Como abandonara os estudos, não tinha muita instrução, e assim era
incapaz de obter um bom emprego. Trabalhara como carregador de malas num hotel,
empacotador numa loja de departamentos e vendedor numa sapataria.
Era um rapaz bonito e bem-educado, e por isso se saía bem nos empregos.
Ninguém desconfiava que no seu íntimo ardia um ódio incontrolável pelas
mulheres.
Fora na ocasião em que trabalhava como balconista numa mercearia que Alan
Simpson tivera sua idéia brilhante. Ocorrera-lhe ao observar as freguesas
fazendo compras para o jantar. Ele pensara: Elas vão preparar o jantar para
seus maridos e companheiros e fingir que são boas esposas e namoradas, mas
passaram o dia inteiro enganando-os. É por isso que devem ser mortas. O que
impedia Alan de fazer qualquer coisa era o fato de não querer ser preso.
Enquanto pensava a respeito, ele olhara para a rua e constatara que começara a
chover. Muitas mulheres saíam com os pacotes, mas não tinham guarda-chuva,
e fora assim que Alan Simpson tivera sua inspiração.
Sabia como mataria as mulheres sem ser apanhado.

Capítulo
Dois
sargento Sekio Takagi sabia - simplesmente sabia - que tinha de haver
algum padrão no método do estrangulador. Como ele selecionava suas vítimas?
Como se aproximava o suficiente para matá-las, sem que gritassem por
socorro? Ele decidiu começar pelo princípio.
A primeira vítima fora uma dona de casa. Sekio foi até sua casa. O marido
abriu a porta. Parecia que não dormia fazia dias.
- O que deseja?
Sekio mostrou sua identificação.
- Sou o sargento Sekio Takagi, da Polícia Metropolitana. Podemos conversar
por alguns minutos?
- É sobre o assassinato de minha esposa, não é? Entre. - Ele levou Sekio
para a sala de estar. - Não sei por que alguém poderia querer matá-la. Era
uma mulher maravilhosa. Não tinha inimigos.
- Devia ter pelo menos um inimigo.
- Só pode ter sido um maníaco.
- É uma possibilidade - admitiu Sekio. - Mas temos de investigar todos os
aspectos. Ela brigara com alguém nas últimas semanas?
- Não.
- Recebeu telefonemas ou cartas estranhos?
- Não.
- Até onde sabe, ninguém a ameaçara?
- Não creio... todos a adoravam.
- Você e sua esposa se davam bem com os vizinhos?
- Claro. Éramos amigos de todos.
O homem se tornava visivelmente mais transtornado a cada pergunta. Sekio decidiu
não pressioná-lo. Não havia mais informações que pudesse obter ali. Talvez o
homem estivesse certo. Devia ter sido mesmo um maníaco.
Sekio foi à casa da vítima seguinte. Era uma professora que morava com os pais, os
quais não puderam esclarecer coisa alguma.
- Todos a amavam - disseram a Sekio. - Por que alguém a mataria?
Era o que Sekio tencionava descobrir.
- Sua filha não tinha inimigos?
- Não.
Sekio resolveu visitar a escola onde a mulher dava aulas. Falou com a diretora.
- Estou investigando o assassinato da Srta. Templeton.
- Foi uma coisa horrível.
- Tem alguma idéia de quem poderia querer matá-la?
A diretora hesitou.
- Não.
Sekio percebeu a hesitação.
- Ia dizer alguma coisa.
A diretora ficou embaraçada.
- Eu não deveria falar...
- Qualquer coisa que souber pode ser útil.
- Na verdade a Srta. Templeton vinha tendo problemas com o namorado. Queria
romper o relacionamento, e ele... ele se mostrou difícil.
- Ao falar em difícil, o que exatamente está querendo dizer?
- Ele a agrediu.
- Era um homem violento?
- Era, sim. Tinha um temperamento agressivo.
- Muito obrigado pelas informações.
Sekio tornou a procurar os pais da Srta. Templeton.
- Falem-me sobre o namorado de sua filha.
- Ralph Andrews. Não era mais seu namorado. Ela o largou.
- Ao que me disseram, ele ainda se considerava o namorado.
- É possível.
- Tenho de lhe perguntar uma coisa, Sra. Templeton. Acha que Ralph Andrews é
capaz de matar alguém?
Houve uma pausa prolongada antes da resposta:
- É, sim.
Ralph Andrews era mecânico. Sekio encontrou-o trabalhando numa oficina na
Mount Street Andrews era alto, ombros largos, braços musculosos.
- Sr. Andrews?
- O que você quer? Sekio Takagi identificou-se.
- Quero conversar sobre o assassinato da Srta. Templeton.
- Ela merecia morrer. Prometeu casar comigo e depois mudou de idéia.
- Foi por isso que a matou?
- Quem disse que a matei?
- Não foi você?
- Não. Deve ter sido outro namorado que ela chutou.
- A Srta. Templeton tinha outros namorados?
- Provavelmente. Você é o detetive. Por que não descobre?
Sekio não gostou da atitude do homem. Tinha a impressão de que ele era bem capaz
de matar alguém.
- Sr. Andrews, onde estava há cinco noites, quando a Srta. Templeton foi
assassinada?
- Participei de um jogo de cartas naquela noite.
Tínhamos um encontro marcado, mas ela cancelou e fui jogar cartas com a turma.
- Quantas pessoas jogaram?
- Eu e mais cinco.
- Pode me dar seus nomes, por favor?
- Claro.
Sekio Takagi anotou as informações mas tinha o pressentimento de que seria perda
de tempo. Andrews jamais conseguiria recrutar cinco testemunhas para mentirem
por ele. O homem devia estar dizendo a verdade.
E Sekio tinha razão. Os outros confirmaram que se encontravam na companhia de
Andrews naquela noite. Portanto, ele nada tinha a ver com o assassinato.
Sekio voltara ao ponto de partida. Verificou se as outras vítimas se conheciam, mas
o resultado foi negativo. Verificou se freqüentavam o mesmo salão de beleza ou
tinham o mesmo médico. Tudo deu em nada. Parecia não haver nenhuma ligação
entre as mulheres.
Quando retornou a seu escritório, o sargento Sekio Takagi encontrou um grupo de
repórteres à espera.
- Soubemos que foi designado para investigar o caso - disse um deles, um tipo
antipático, chamado Billy Cash.
- O que está fazendo para descobrir o estrangulador?
- Há muitas pessoas trabalhando no caso e temos feito o possível para encontrá-lo -
respondeu Sekio.
- Não é muito jovem para cuidar de um caso tão importante?
- A idade nada tem a ver com a competência-disse Sekio, incisivo.
Ele não gostava de falar com repórteres. O caso vinha tendo muita divulgação. Sekio
entrou em sua sala e chamou o detetive Blake.
- Daqui por diante, você trata com a imprensa - disse ele. - Não quero falar com
os repórteres.
- Certo. Eles podem ser'muito impertinentes.
- Não me importo com isso. Apenas não quero que deixem todas as mulheres da
cidade alarmadas. A situação já é bastante ruim sem isso.-Ele bateu com o punho
na mesa. - Quero descobrir esse louco!
- Para um louco, ele é bastante esperto-comentou o detetive Blake. - Não temos
a menor idéia de quem é, onde mora ou por que matou aquelas mulheres.
- Quando soubermos por que ele só mata quando chove, então descobriremos
muito mais a seu respeito - garantiu Sekio.
Era difícil para Sekio Takagi compreender como alguém podia matar, e ainda mais
difícil entender como alguém era capaz de matar mulheres inocentes.
Sekio vinha de uma família feliz. Tinha três irmãs, pai e mãe amorosos. A família
fora primeiro para os Estados Unidos e depois se mudara para a Inglaterra.
Sekio lera sobre a Inglaterra, a fim de conhecer
alguma coisa sobre o país onde ia viver. Os britânicos e americanos eram muito
diferentes uns dos outros.
No século XVIII, a América pertencia à Inglaterra, que na ocasião dominava grande
parte do mundo. Suas colónias incluíam a Austrália, índia e América.
A América era povoada por pessoas que haviam fugido de seus países em busca de
liberdade religiosa. Os americanos eram muito independentes.
O rei Jorge, da Inglaterra, tinha muito pouco respeito pelos americanos. Como
enfrentava um problema de escassez de dinheiro, o rei resolvera aplicar uma taxa
sobre o chá. Assim, quando os americanos recebessem seu chá da Inglaterra, teriam
de pagar mais caro.
Ao tomarem conhecimento do novo imposto, os americanos ficaram furiosos. Um
carregamento de chá chegou ao porto de Boston. Em vez de pagarem a taxa, os
americanos jogaram todo o chá no mar. Foi o início da Revolução Americana.
O rei Jorge teve um acesso de raiva ao ser informado. Mandou suas tropas para a
América, a fim de dar uma lição nos colonos. Mas os americanos, embora tivessem
armas inferiores, derrotaram os soldados britânicos e declararam sua independência
da Inglaterra. Foi dessa maneira que a Inglaterra perdeu uma de suas mais ricas
colônias. E tudo por causa de uma taxa sobre o chá!
Sekio achava essa história fascinante. Notou que havia muitas diferenças entre
britânicos e americanos. Os americanos pareciam mais acessíveis e cordiais.
Até se conhecê-los bem, os britânicos eram fechados e retraídos.
Até mesmo a língua era diferente, Sekio logo constatou. O que na América se
chamava de elevator, um elevador, na Inglaterra era li/t. O capo de um carro
era hood nos Estados Unidos, e bonnet na Inglaterra. Nos Estados Unidos,
batatas fritas eram potato ckips, enquanto que na Inglaterra eram crisps. Um
caminhão de entrega era delivery truck nos Estados Unidos e van na Inglaterra.
Eram muitas as diferenças.
Sekio gostara muito dos Estados Unidos, e também gostava da Inglaterra. Mas
não apreciava o tempo na Inglaterra. Nos Estados Unidos, havia verões
quentes, com o sol brilhando nos meses de junho, julho e agosto. Na Inglaterra,
fazia frio durante o verão, e ainda por cima chovia bastante.
E ao pensar em chuva, ele se lembrou do estrangulador. Será que o homem
alguma vez amara alguém? Fora espancado quando menino? Odiava a mãe?
Alguma mulher deve ter feito algo terrível com ele, e por isso se vinga agora
em todas as outras.
Ele recostou-se na cadeira, pensou no assassino. Ninguém jamais vira seu
rosto, não havia qualquer descrição. Ele seguia suas vítimas, matava-as e
parecia desaparecer em pleno ar. Não deixava pistas nos locais de seus crimes.
Absolutamente nenhuma! Não ê de admirar que os jornais estejam
protestando, pensou Sekio. Até agora, o assassino fora muito esperto.
Havia um mapa da cidade numa parede da sala designada para Sekio. Alfinetes
haviam sido espetados nos locais dos crimes.
- Dê uma olhada - disse Sekio. - Nota alguma coisa?
Seu assistente, o detetive Blake, franziu o rosto.
- Os alfinetes formam um círculo em torno de Whitechapel.
Whitechapel era um bairro pobre de Londres, com casas e prédios velhos em
ruínas.
Talvez o assassino more por ali. Talvez conhecesse suas vítimas. Sekio Takagi
decidiu visitar Whitechapel, na esperança de encontrar alguma pista do
assassino.
Ele circulou pelas ruas num carro da polícia sem identificação, tentando
adquirir uma impressão do lugar. Era ali que o assassino residia ou apenas ia a
Whitechapel para escolher suas vítimas ao acaso?
Sekio Takagi e o detetive Blake passaram bastante tempo percorrendo as ruas,
passando por lojas de móveis, floristas, mercearias, uma loja de ferragens.
- O que estamos procurando? - perguntou o detetive Blake.
Era justamente esse o problema.
- Não sei.
Sekio esperava que a visita ao bairro onde as vítimas haviam morrido lhe
proporcionasse alguma inspiração.
Mas não viu nada suspeito. Não havia nenhuma pista do assassino.
Como podia encontrar um homem sem rosto, anónimo, numa cidade de milhões
de habitantes?
Precisaremos de muita sorte, pensou o sargento Takagi. Talvez ele se torne
descuidado, cometa algum erro. Mas a verdade era que, até aquele momento,
o estrangulador fora esquivo demais para ser apanhado.
- Talvez ele já tenha matado o bastante - sugeriu o detetive Blake. -
Talvez tenha ido embora e os assassinatos acabaram.
Começou a chover.
O assassino estava prestes a atacar de novo.

Capítulo Três
Alan Simpson viu a chuva miúda caindo, e seu coração se encheu de alegria.
Deus lhe dizia que era o momento de livrar o mundo de mais uma mulher
diabólica. O excitamento começou a dominá-lo.
Caminhou pela chuva, apressado, na direção do lugar onde sempre encontrava
suas vítimas. Os jornais diziam que não havia qualquer ligação entre as vítimas.
Mas é claro que havia. Apenas a polícia era estúpida demais para perceber.
Nunca descobriria qual era.
O supermercado Mayfair ficava no coração de Whitechapel. Era o lugar onde
encontrara todas as suas vítimas. Alan Simpson entrou no supermercado.
Percorreu os corredores devagar, observando as mulheres que enchiam os
cestos de compras. Eram prostitutas, todas elas. Fingindo ser esposas fiéis...
comprando o jantar para maridos ou companheiros que de nada
desconfiavam. Mas ele não se deixava enganar. Sabia o que elas eram. E uma
delas morreria naquela noite.
Observou-as para decidir qual seria. Havia uma mulher idosa, de cabelos
grisalhos, escolhendo legumes. Havia uma jovem no balcão de carne,
comprando bifes... e depois ele avistou o que procurava.
Era uma mulher na casa dos trinta anos, de estatura mediana, de óculos. Usava
saia e blusa bem justas. Será você, pensou Alan Simpson. Dentro de poucos
minutos, estará morta.
Ela se chamava Nancy Collins. Era enfermeira e trabalhava num hospital a
poucos quarteirões de sua casa. Nancy costumava trabalhar no turno da noite,
mas aquele era seu dia de folga, e tinha um encontro marcado com o noivo.
O homem com quem ia casar era caixeiro-viajante, e não podiam se ver com a
freqüência com que gostariam. Nancy aguardava ansiosa pela companhia do
noivo naquela noite.
Faria um bom jantar para ele. Todos os seus pratos prediletos. Bolo de carne,
puré de batata, uma salada. Ela comprara também um bolo de chocolate. Seria
com certeza uma noite maravilhosa. Depois do jantar, em seu apartamento,
ficariam ouvindo música.
Ao terminar as compras, ela saiu com os braços cheios e descobriu que estava
chovendo. Mas que droga!, pensou. Espero que a chuva não estrague nada.
Não trouxera uma capa, e seu apartamento ficava a quatro quarteirões do supermercado.
Não havia como evitar, teria de ir andando. Ao começar a descer a rua, um rapaz de
boa aparência apareceu ao seu lado. Carregava um guarda-chuva. Sorriu para ela e
disse, muito amável:
- Boa noite. Parece que vai se molhar. Por que não me deixa ajudá-la? - Ele
ergueu o guarda-chuva e manteve-o sobre a cabeça de Nancy.
- É muita gentileza sua - disse ela, pensando que aquilo provava que alguns
homens ainda eram cavalheiros.
- Tem de percorrer uma distância muito grande?
- Quatro quarteirões.
- Não estou com pressa. Posso acompanhá-la até
sua casa.
Nancy ficou comovida com a oferta generosa. A chuva aumentara.
- Eu ficaria muito agradecida.
- Seria uma pena molhar sua linda roupa. Ele é mesmo encantador, refletiu ela.
- Meu nome é Nancy Collins.
- Alan Simpson.
Não havia mal nenhum em revelar seu nome, pois a mulher não viveria por tempo
suficiente para dizê-lo a alguém.
Continuaram pelo quarteirão. As ruas estavam quase vazias agora por causa da
chuva.
- Mora por aqui? - perguntou Nancy.
- Não muito longe. Chegaram a uma esquina.
- É por aqui - disse Nancy.
A rua se encontrava completamente deserta. Tudo parecia inocente. Nada indicava
que um macabro assassinato estava prestes a ocorrer.
- Gostaria que eu carregasse suas compras? - indagou o homem.
- Obrigada, mas posso agüentar. Estou acostumada.
- O que você faz?
- Sou enfermeira.
- Então deve trabalhar no hospital aqui perto.
- Isso mesmo. E o que você faz? O homem sorriu.
- Sou agente funerário. Nancy virou o rosto para fitá-lo.
- Agente funerário?
- É, sim. Estamos em profissões similares, não é mesmo? Ambos lidamos com a
morte.
Havia algo estranho na maneira como ele falou. Nancy começou a experimentar um
ligeiro sentimento de medo. Cometera um erro ao aceitar a ajuda daquele estranho?
Ele parecia bastante inofensivo, mas... Ela passou a andar um pouco mais depressa.
O homem acelerou os passos para acompanhá-la, o guarda-chuva erguido sobre a
cabeça de Nancy.
Ela planejara convidá-lo para uma xícara de chá, como agradecimento por sua
ajuda. Mas agora concluiu que não seria uma boa idéia. Afinal, era um
estranho. Nada sabia a seu respeito.
Percorreram dois quarteirões. Só faltavam mais dois para o apartamento de
Nancy.
- Estas ruas são muito escuras - comentou o estranho.
E tinha razão. Os meninos gostavam de jogar pedras nos lampiões, por
diversão. Nancy já reclamara muitas vezes, mas a prefeitura não tomava
qualquer providência.
A chuva era cada vez mais forte, tangida pelo vento.
Mais um ou dois minutos, e estarei em casa, pensou Nancy.
O estranho parecia ter algum problema com o guardachuva. Parou e ficou atrás
de Nancy por um momento. Subitamente, ela sentiu uma pontada firme nas
costas. Doeu tanto que soltou um grito e largou as compras. O homem a
golpeara com a ponta fina do guarda-chuva.
- Mas o quê...?
O homem tirara um pedaço de corda do bolso e a passara em torno de seu
pescoço.
- Pare com isso! - berrou Nancy.
Mas não havia ninguém para ouvi-la. A corda apertava-lhe o pescoço cada vez
mais, e ela começou a sufocar. Tentou lutar, mas o estrangulador era muito
forte.
Sorria para Nancy agora, enquanto apertava cada vez mais a corda.
Ela sentiu que começava a perder os sentidos. Ele observou a
luz se extinguir nos olhos dela e deixou o corpo cair na calçada.
Virou o rosto da mulher para cima, a fim de que a chuva lavasse seus pecados.
Tornou a guardar a corda no bolso. E foi então que o estrangulador fez uma
coisa estranha. Pegou a bolsa com as compras, recolheu o que se esparramara
pelo chão e se afastou pela noite.
Mantinha o guarda-chuva levantado, a fim de não se molhar. Dez minutos
depois estava em seu apartamento e largou as compras no balcão da cozinha.
Planejara tudo com o maior cuidado. Depois de cada assassinato, sempre
levava as compras da vítima, para que a polícia não descobrisse de onde as
mulheres haviam saído. Não podia haver a menor dúvida a respeito... era muito
mais esperto do que a polícia!
Começou a tirar as compras da bolsa. Achava divertido ver o que as vítimas
haviam planejado para o jantar. Desta vez seria um bolo de carne, batatas, uma
salada, e um bolo de chocolate. Adorava bolo de chocolate.
E Alan Simpson começou a preparar seu jantar.
O corpo de Nancy Collins foi encontrado por um homem que deixara o
escritório mais tarde e voltava apressado para casa. Ao constatar que estava
morta, procurara imediatamente um telefone. Sentia-se tão nervoso que mal
conseguia falar.
- É da polícia? Eu... quero comunicar um crime. Ou pelo menos acho que é um
crime. A mulher está morta.
- Que mulher?
- Encontrei o corpo caído na calçada. Venham depressa!
- Acalme-se, por favor, e me dê o endereço.
O sargento Sekio Takagi chegou ao local, num carro da polícia, quinze minutos
depois. Mandou que os guardas isolassem a área. Olhou ao redor com o máximo de
atenção, à procura de pistas. Não encontrou nenhuma. Dava para perceber as marcas
de uma corda no pescoço da mulher.
- Ela foi estrangulada - disse ele -, mas a corda desapareceu.
O rabecão chegou para levar o cadáver. Parecia não haver mais nada que Sekio
pudesse fazer no local do crime. Deu uma última olhada ao redor... e avistou um
tomate na rua. Sekio pegou-o, contemplou-o em silêncio por um longo momento,
como se pudesse lhe revelar alguma coisa.
- Isso é uma pista? - perguntou o detetive Blake.
Sekio não tinha certeza. O tomate pertencia à mulher assassinada ou outra pessoa o
deixara cair na rua? E o que a vítima estaria fazendo com um único tomate? Alguém
sairia na chuva para comprar apenas um tomate? Não fazia o menor sentido.
Enquanto pensava a respeito, Sekio ouviu a chegada de carros e
levantou os olhos. Havia repórteres de jornais ali e também equipes de
TV, com microfones e câmeras. Como souberam do assassinato tão
depressa?
Os repórteres começaram a gritar perguntas para Sekio.
- É outro crime do estrangulador?
- Já sabe o nome da vítima?
- Tem alguma pista desta vez?
- Não quer admitir que o estrangulador é esperto demais para você?
A última indagação foi feita pelo repórter chamado Billy Cash, que
trabalhava para um jornal sensacionalista, The London Chronick. Billy
Cash vivia escrevendo artigos sobre a mediocridade da policia. Era
baixo e feio, vestia um velho terno cinza. O sargento Sekio Takagi fez
um esforço para manter o controle.
- A população pode ter certeza de que estamos envidando todos os
esforços para pegar o assassino.
- Isso significa que não há pistas! - berrou Billy Cash.
Sekio não disse nada sobre o tomate. Afinal, quem podia saber se se
tratava ou não de uma pista? Uma câmera de televisão focalizou Sekio.
- Sargento, o que a policia está fazendo para proteger as mulheres
desta cidade de novos assassinatos?
Era uma pergunta difícil. Ele não podia falar demais, nem muito pouco.
Se prometesse que as mulheres
estariam seguras e ocorresse outro estrangulamento, ia parecer um idiota. Se
admitisse que as mulheres de Londres não estavam seguras, criaria uma onda
de pânico.
- Não estou autorizado a revelar o que estamos fazendo - declarou ele,
- porque isso poderia ser útil para o assassino.
- Está nos dizendo que esperam capturá-lo em breve? A pergunta era de Billy
Cash, mais uma vez.
- Tirem suas próprias conclusões, senhoras e senhores.
E o sargento Sekio Takagi voltou para seu carro e foi embora acompanhado
pelo detetive Blake.
Sekio Takagi sentia-se desolado com os rumos dos acontecimentos. Tinha pena
da pobre mulher que acabara de ser assassinada e queria muito descobrir o
responsável pelo crime. Queria deter o louco que vagueava pelas ruas matando
mulheres ao acaso.
Como ele seleciona suas vítimas?, especulou Sekio. Onde as encontra? Como
se aproxima o suficiente para matá-las sem que desatem a gritar ou saiam
correndo? Era muito estranho. Será que o assassino usa algum uniforme, a
fim de não parecer suspeito? Ou vive nas proximidades e conhece as vítimas?
Ele não tinha respostas.
O relatório da autópsia já ficou pronto? Sekio esperava impaciente pelo
relatório.
- Aqui está, sargento. Mas não há nenhuma novidade. É igual aos outros.
O homem tinha razão.
O relatório era exatamente igual aos outros que Sekio já lera. A última vítima
morrera de estrangulamento. Havia marcas vermelhas no pescoço da corda que a
sufocara. Havia também um detalhe peculiar, o mesmo que constara de todos os
outros relatórios: uma pequena equimose nas costas. A pele não fora rompida, o que
indicava que a vítima fora cutucada por cima das roupas. Mas, qualquer que fosse o
objeto, não era bastante forte para matar a vítima.
- É desconcertante - comentou Sekio. - Por que todas as vítimas teriam a mesma
marca nas costas? E o que produziu essa marca?
Ele não sabia a resposta. Outra coisa que o preocupava era o fato de os assassinatos
sempre ocorrerem quando chovia. Já ouvira falar de loucos atacando durante a lua
cheia. Supunha-se que a lua exercia algum efeito sobre seus sentidos. Mas por que
um homem só mataria quando chovia? Seria porque a chuva o deprimia? Ou haveria
algum outro motivo?
O sargento Sekio Takagi teve dificuldade para dormir naquela noite.
Quando acordou, na manhã seguinte, sua primeira providência foi abrir o jornal na
página da previsão do tempo. Sentiu um aperto no coração ao ler.
TEMPO NUBLADO HOJE, POSSIBILIDADE DE CHUVAS AO FINAL DA TARDE.
O assassino atacaria de novo pouco depois de seu último crime?

Capítulo Quatro
Ela não tinha a menor idéia de que seria a próxima vítima do estrangulador.
Chamava-se Akiko Kanomori. Tinha vinte e quatro anos e era muito bonita. Fazia
esculturas e sabia que um dia se tornaria famosa.
Seu trabalho recebera elogios de críticos de arte, e tinha uma exposição numa galeria
local.
- É muito talentosa-dissera-lhe o dono da galeria. - Algum dia se tornará uma
escultora importante.
Akiko corara.
- Obrigada.
O trabalho representava tudo para ela. Queria muito casar e ter filhos, mas ainda não
encontrara alguém que amasse muito. Recebera vários pedidos de casamento,
mas os recusara.
- O que está esperando? - indagava o pai.
- O homem certo - respondia Akiko.
A mãe também a pressionava.
- Já teve muitos pedidos de casamento, Akiko. Poderia ter casado com um
banqueiro, ou um médico, ou...
- Mamãe, não estou apaixonada por nenhum deles. De certa forma, era verdade.
Akiko amava criar
lindas estátuas. Era quase como criar vida.
- Deveria ter um homem de carne e osso - insistia o pai.
Os pais tanto a pressionavam com isso que Akiko acabara chegando à conclusão de
que seria melhor morar sozinha. Encontrara um pequeno apartamento em
Whitechapel e se mudara para lá.
Era perfeito, pois, além de um quarto e uma sala pequena, havia um enorme cómodo
que ela podia usar como ateliê para fazer as estátuas. Seu trabalho era tão popular
que ela vivia muito ocupada.
- Posso vender todas as estátuas que você fizer - dissera-lhe o marchand. - Não
pode trabalhar mais depressa?
- Não - respondera Akiko. - Se me apressar, as estátuas não ficarão boas. Tenho
de fazer o melhor possível.
- Tem toda a razão. Antes que eu me esqueça, um dos meus melhores clientes quer
que você faça uma estátua para o jardim dele. Uma estátua da deusa Vénus. Pode
fazê-la?
- Claro. Começarei de imediato.
Akiko começara a trabalhar na estátua, mas se sentia inquieta. Seria uma
premonição? Um sentimento de que algo terrível estava prestes a lhe
acontecer?
Independente do que fosse, ela não conseguia trabalhar. Preciso sair, dar uma
volta, pensou Akiko. Olhou pela janela. Havia nuvens no céu, mas nenhuma
ameaça de chuva.
Vou dar um passeio pela cidade, decidiu Akiko. Saiu do prédio. Na rua,
encontrou uma vizinha, a Sra. Goodman.
- Bom dia - disse a Sra. Goodman. - O que faz na rua a esta hora? Afinal,
costuma trabalhar o dia inteiro.
- É verdade, mas me sinto um pouco inquieta hoje.
- Para onde vai?
Era uma boa pergunta. Havia muitos lugares para se visitar em Londres. Ao
chegar à cidade, Akiko passara semanas explorando-a. Experimentara diversos
restaurantes em companhia de amigos.
- Gosta de comida italiana?
- Adoro - respondia Akiko.
- Então vamos ao Cecconi's. A comida era maravilhosa.
- Gosta de comida indiana? Vamos à Bombay Brasserie.
A comida era picante, mas deliciosa. Ela jantara também no Lê Gavroche e no
Wheeler's.
Mas é claro que havia mais do que comer para se fazer em Londres. Akiko fora
ao Palácio de Buckingham e assistira à imponente mudança de guarda.
Fora à Catedral de St. Paul, tão grande que se levava mais de uma hora para
percorrê-la.
Visitara a Torre de Londres e a Abadia de Westminster.
Havia muita coisa instrutiva para se ver em Londres.
- Já esteve alguma vez no Museu Britânico?
- Não.
- Pois então a levarei até lá na minha hora de almoço - dissera uma amiga de Akiko.
- Tenho certeza de que vou gostar.
Ao entrar no museu, Akiko compreendera que tentar ver tudo ali em uma hora
era impossível. Precisava-se de uma semana, um mês, talvez até dois meses!
Estava repleto de coisas maravilhosas do passado e parecia conter toda a
história de Londres.
Akiko também se interessava por arte, como não podia deixar de ser.
- Quero conhecer a Galeria Tate e o Museu Victoria e Albert Os britânicos
chamavam-no de V & A.
Havia uma incrível loja de departamentos chamada Harrod's. Quando tentara
descrever para alguém mais tarde, indagada sobre seu tamanho, Akiko dissera:
- Parece não ter fim.
A loja vendia quase tudo que se podia imaginar, roupas e móveis, discos e
livros, legumes e flores, pianos e bombons. Era uma autêntica cornucópia de
delícias.
Os campos ingleses eram espetaculares. O verde mais intenso que Akiko já
vira. Num fim de semana, Akiko ouvira falar de uma aldeia pequena e
sensacional chamada Bath.
- Por que não vamos passar um ou dois dias lá?
E assim foram para Bath, hospedaram-se no Royal Crescent Hotel. Ficaram
num quarto com sauna particular.
Akiko também visitara o Castelo de Windsor, uma das residências da família
real. A Inglaterra era sem dúvida um país de maravilhas!
Naquele dia em particular, quando se sentia tão inquieta, Akiko decidira que
visitaria de novo a Torre de Londres, onde ficavam guardadas as jóias da
Coroa. Assim, quando a vizinha, a Sra. Goodman, perguntoulhe aonde ia,
Akiko respondeu:
- Vou visitar a Torre de Londres.
- Isso é ótimo. Você trabalha demais. Uma moça bonita como você deveria ter um
namorado ou um marido.
A Sra. Goodman falava como os pais de Akiko.
- Não tenho pressa em me casar, Sra. Goodman. Akiko pegou um ônibus para
o centro da cidade, e
meia hora depois saltou na frente da enorme torre. Havia vários turistas
esperando para entrar, e ela foi para a fila. Um pouco à frente estava um rapaz
magro e bonito, com um guarda-chuva, mas Akiko não prestou atenção.
Alan Simpson não percebeu a linda moça japonesa um pouco atrás na fila.
Pensava na Torre de Londres.
Visitava-a com freqüência e sempre o excitava. Era o lugar onde, por centenas
de anos, os reis mantinham suas esposas e amantes trancafiadas e muitas vezes
mandavam decapitá-las. Gostava de pensar na cabeça das mulheres caindo do
pescoço e rolando pelo chão. As prostitutas bem que mereciam. E os reis
nunca eram punidos pelo que faziam, pensou Alan Simpson. Estavam
aplicando a justiça, da mesma maneira que eu.
Ele correu os olhos pela multidão de turistas e pensou: Se soubessem quem eu
sou, desatariam a gritar e fugiriam. Sou mais poderoso que qualquer um
deles. Sou tão poderoso quanto os antigos reis.
A multidão começou a se deslocar pelos cômodos da antiga torre e em cada um
Alan Simpson experimentava uma intensa emoção. Eu deveria ter vivido
naquele tempo, pensava ele. Seria um rei. Uma mulher esbarrou nele e
murmurou:
- Desculpe.
Alan Simpson sorriu.
- Não foi nada.
Aquelas mulheres não corriam perigo. Ele só atacava depois que escurecia, e
na chuva, quando era mais seguro. Alan Simpson pensou, feliz: Esta noite. A
previsão do tempo foi de chuva esta noite.
Akiko tomou um chá numa pequena loja perto do Museu Britânico. Adorava o
chá inglês. Era servido com pequenos sanduíches, biscoitos com geléia ê
bolinhos. Era sem dúvida um banquete. Teve o cuidado de não comer demais,
pois tudo aquilo engordava, e ela se orgulhava de seu corpo esguio.
Sentiu-se melhor depois de comer. Tenho de voltar ao trabalho, pensou Akiko.
Preciso acabar a estátua que estou fazendo. O dono da galeria faria mais uma
exposição de obras suas dentro de duas semanas, e Akiko queria aprontar tudo
a tempo. A conta do chá chegou a três libras. Londres era uma cidade de vida
cara. Akiko pagou, pegou o ônibus e voltou para casa.
Akiko trabalhou na nova estátua até que começou a escurecer. Estava ficando
ótima. Devo concluí-la amanhã, pensou ela. Guardou os equipamentos e lavou
as mãos. Nada tinha para fazer agora. Acho que vou ficar em casa e ver
televisão, pensou Akiko. Faria seu jantar. Foi até a cozinha e abriu o armário.
Não havia muitos mantimentos ali. Sairei para comprar comida, decidiu
Akiko. Havia um supermercado a apenas cinco quarteirões do prédio, o Mayfair.
O supermercado Mayfair estava apinhado. Akiko pegou um carrinho e andou
entre os corredores, tentando decidir o que faria para o jantar. Acho que vai ser
um sukiyaki de galinha, pensou ela. Escolheu talharim, legumes, molho de soja,
foi ao balcão de carnes. O funcionário no outro lado mostrou-se bastante
polido:
- O que deseja?
- Gostaria de pedaços de galinha para fritar.
- A galinha está ótima hoje.
Ele escolheu um peito e mostrou a Akiko.
- Está ótimo. Obrigada. Pode cortar para mim, por favor?
- Claro, moça.
Minutos depois, Akiko já apanhara tudo de que precisava e podia ir embora.
Encaminhou-se para a saída e parou, o rosto franzido. Começara a chover.
Gostaria de ter trazido a capa, pensou ela. Ficarei encharcada. Mas também
não posso permanecer aqui para sempre. É melhor partir logo de uma vez.
Nesse momento, um rapaz atraente, que também saía do supermercado, lhe
disse:
- Chove muito, não é?
- Infelizmente.
- Está de carro?
- Não.
Ele olhou para Akiko com um ar compadecido.
- É uma pena. - O rapaz ergueu o guarda-chuva. - Pelo menos estou de
guarda-chuva. Mora aqui perto?
- A meia dúzia de quarteirões, naquela direção - respondeu Akiko,
apontando.
- Mas isso é incrível! Também moro naquela direção. Permite que eu a ajude?
O guarda-chuva dá para dois.
- É muita gentileza sua. Ele sorriu.
- Ora, não é nada. O prazer será meu.
Saíram para a chuva e Akiko sentiu-se contente por contar com a proteção do
guarda-chuva do estranho.
- Posso ajudá-la com as compras? - perguntou Alan Simpson.
- Não precisa, obrigada. Não está muito pesado. Enquanto andavam pela rua,
sob o aguaceiro, o
estrangulador comentou:
- É uma coisa inevitável em Londres. Se você não gosta do tempo, espere só
um pouco, que logo muda.
- Tem razão.
Akiko sorriu. Não percebeu que o estranho a estudava pelo canto dos olhos.
Ele pensava: Você vai morrer esta noite.
E Akiko pensou: É um rapaz muito simpático. Talvez eu o convide para tomar
um café guando chegar em casa. Ele está se desviando de seu caminho para
me ajudar.
Chegaram ao final do quarteirão, atravessaram a rua. Ao passarem pelo local
em que matara sua última vítima, Alan Simpson sorriu para si mesmo. Como
aquela mulher gritaria se soubesse a verdade! Pois ela
saberia muito em breve. Mais à frente, havia um trecho da rua mergulhado na
escuridão, os lampiões quebrados por garotos travessos. Aconteceria ali.
No meio do quarteirão, Alan Simpson ficou para trás de Akiko por um instante, e ela
sentiu uma súbita e dolorosa pontada nas costas. Deixou cair a bolsa com as
compras.
- Mas o quê...?
Alan Simpson estava tirando uma corda do bolso.
- O que você...?
Antes de poder falar mais alguma coisa, Akiko sentiu a corda envolver-lhe o
pescoço. O homem sorria enquanto apertava a corda. Akiko tentou gritar por
socorro, mas não conseguiu emitir qualquer som. A corda apertava cada vez mais, e
Akiko começou a perder os sentidos. Vou morrer, pensou ela. Vou morrer.

Capítulo Cinco
- Uma luz forte brilhava em seus olhos, podia ouvir ruídos altos ao redor, e ela pensou:
Morri e estou em algum lugar estranho. Quase que teve medo de abrir os olhos.
- Ela está viva! - exclamou uma voz.
Akiko tomou coragem para abrir os olhos. Estava caída na calçada, sob a chuva.
Alguém ajeitara um casaco por baixo de sua cabeça. Havia uma dúzia de homens de
pé ao seu redor. Todos pareciam falar ao mesmo tempo. Akiko fez um esforço para
sentar.
- O que... o que aconteceu? - balbuciou ela.
De repente, Akiko se lembrou. Quase que podia sentir a corda apertando-lhe o
pescoço e ver o sorriso do homem. Tentara gritar... e depois tudo escurecera.
Um jovem bonito ajudou Akiko a se levantar.
- Você está bem? - perguntou ele.
l
- Eu... não sei.
A voz de Akiko saiu trêmula.
- Meu nome é Sekio Takagi. Sou da Scotland Yard. Akiko olhou ao redor,
apreensiva.
- Onde está o homem que tentou me matar?
- Infelizmente, ele conseguiu escapar. Teve muita sorte. Um táxi por acaso
desceu a rua no momento em que o homem tentava matá-la. Ao ver o que
acontecia, o motorista parou o táxi. O homem entrou em pânico e fugiu. O
motorista ligou para a polícia, e aqui estamos nós.
Akiko respirou fundo.
- Pensei que ia morrer.
- E quase morreu - disse Sekio.
Ele avaliou a mulher. Era jovem e linda. Especulou se seria casada.
Akiko também estudava o sargento Takagi e pensou: Um rapaz muito bonito e
parece fino e preocupado. Especulou se ele seria casado.
Sekio estava ansioso por interrogá-la para obter uma descrição do assassino.
Mas percebeu que a moça se encontrava à beira da histeria e decidiu que podia
esperar até a manhã seguinte. Só então a interrogaria.
Sekio olhou ao redor, a fim de verificar se o assassino deixara alguma pista, em
sua pressa de escapar. Nada. Viu as compras que haviam caído da bolsa e se
espalhavam pelo chão. Sekio franziu o rosto.
- Estas compras são suas?
Akiko ficou surpresa com a pergunta.
- São sim.
Sekio lembrou do tomate que encontrara no local do último crime e seu rosto
iluminou-se subitamente.
- Onde fez as compras? - indagou ele. Akiko ficou ainda mais perplexa.
- Onde fiz as compras?
- Isso mesmo. Em que mercado?
- No supermercado Mayfair. Não entendo o que isso...
- Não é importante - mentiu Sekio.
Tinha certeza de que encontrara sua primeira pista. Seria muito simples para o
assassino esperar as mulheres à saída de um supermercado, oferecer-se para ajudá-las
com os embrulhos e depois matá-las. Sekio concluiu que agora seria mais fácil
descobrir o assassino.
Só que não disse nada a Akiko, ao detetive Blake ou a qualquer dos outros. Um dos
homens recolheu as compras do chão.
- Qual é o seu nome? - perguntou Sekio.
- Akiko... Akiko Kanomori. Sekio anotou o nome.
- E seu endereço? Ela informou.
- Mandarei um dos meus homens acompanhá-la até em casa.
Akiko esperava que o próprio Sekio a levasse até em casa. Ficou desapontada.
Sekio tinha pressa em sair dali para ir ao supermercado Mayfair. Tinha certeza de
que era o lugar de onde o assassino operava. Um senso de excitamento o dominava.
Ouviu o barulho de um carro parando, com uma freada brusca, e se virou. O carro
estava cheio de repórteres, inclusive Billy Cash, com uma câmera nas mãos.
- O que aconteceu? - gritou Billy Cash. - Soubemos que houve um assassinato
aqui.
- Não aconteceu nada - disse Sekio. - Trate de ir embora.
Mas Billy Cash olhou para Akiko e viu as marcas em sua garganta.
- Foi você que ele atacou. O estrangulador tentou matá-la, não é mesmo? É a
primeira mulher que conseguiu escapar viva.
Ele levantou a câmera, tirou uma foto de Akiko. O sargento Sekio Takagi ficou
furioso.
- Já chega! Não quero que publique essa foto. Pode expor ao perigo a vida desta
moça. Está me entendendo?
- Claro. - Billy Cash virou-se para Akiko. - Qual é o seu nome?
- Não é da sua conta! - gritou Sekio. - E agora saia daqui!
Ele observou Billy Cash e os outros repórteres se afastarem, com evidente
relutância.
- Lamento o que aconteceu - disse Sekio a Akiko. - Ele pode se tornar
uma ameaça.
Ela sorriu.
- Então são duas ameaças que sofri esta noite. Sekio acenou com a cabeça
para um dos seus homens.
- Pode fazer o favor de levar a Srta. Kanomori até sua casa e cuidar para que
ela chegue lá sã e salva?
- Claro, senhor.
Sekio tornou a fitar a linda jovem.
- Vai ficar bem?
- Estou um pouco abalada, mas não precisa se preocupar.-Akiko
estremeceu.-Nunca mais irei àquele supermercado.
Sekio pensou: Mas outras mulheres irão, e o assassino também; e quando isso
acontecer, vamos prendê-lo. Observou Akiko entrar num carro da polícia. Ela
inclinou a cabeça pela janela e disse:
- Obrigada. Boa noite.
O sargento Sekio Takagi foi primeiro a seu escritório, onde pegou uma foto de
Nancy Collins, a última vítima do estrangulador. Depois, foi até o
supermercado Mayfair.
O supermercado encontrava-se apinhado quando Sekio chegou.
Funcionava vinte e quatro horas.
As mulheres que não podiam fazer suas compras durante o dia iam até lá à noite.
Um funcionário aproximou-se de Sekio.
- Deseja alguma coisa?
- Eu gostaria de falar com o gerente, por favor. Poucos minutos depois, o gerente
apareceu.
- Em que posso ajudá-lo?
Sekio mostrou sua identificação da polícia e tirou do bolso a foto de Nancy Collins.
- Gostaria de saber se alguém pode me dizer se esta mulher fez compras aqui. Ela
não poderia ser uma freguesa regular?
O gerente deu de ombros.
- Milhares de pessoas fazem compras aqui, senhor, e duvido que alguém seja capaz
de reconhecê-la.
- Importa-se de perguntar? Talvez alguém se lembre dela.
- Está bem. Vamos verificar.
Circularam pelo imenso supermercado, mostrando a foto aos funcionários por
trás dos balcões.
- Não, não a vi.
- Fico ocupado demais para olhar os rostos das freguesas.
- Nunca a vi antes.
- Não é aquela mulher que foi assassinada?
- Não, não me lembro... Ei, espere um pouco! Mas é claro! Eu a servi na
outra noite!
O sargento Sekio Takagi reuniu-se com o inspetor West, na Scotland Yard.
- O funcionário identificou-a como uma freguesa do mesmo supermercado onde
Akiko Kanomori fez suas compras.
- Não é uma prova das mais convincentes.
- Tenho certeza absoluta - insistiu Sekio, obstinado. - Aquele tomate no local
onde Nancy Collins foi assassinada deve ter caído de sua bolsa de compras. O
estrangulador pegou o resto e levou embora. Se o táxi não tivesse aparecido esta
noite, estou certo de que não encontraríamos nenhuma compra na rua. Minha teoria
é de que ele espera no supermercado Mayfair, com um guarda-chuva, escolhe uma
mulher sem guarda-chuva e se oferece para ajudá-la a voltar para casa. No caminho,
ele a mata. As marcas que descobrimos nas costas das vítimas podem ter sido feitas
por uma ponta de guardachuva. É bem provável que o assassino as espete pelas
costas, as mulheres largam as compras, ele tira uma corda do bolso, estrangula-as e
desaparece.
O inspetor West ficou em silêncio por um momento, estudando o jovem
subordinado.
- É uma teoria interessante - disse ele. - O que quer que façamos agora?
- Eu gostaria que pusesse meia dúzia de homens à minha disposição. Só vou
precisar deles nas noites de chuva. Ficarão à espreita no supermercado, disfarçados
como funcionários. Ficaremos atentos a qualquer homem de guarda-chuva
que se ofereça para ajudar mulheres na saída do
supermercado. O inspetor West suspirou.
- É uma manobra arriscada, mas creio que é a única coisa com que contamos até
agora. Muito bem, farei o que me pede. Porei os homens à sua disposição.
Sekio sorriu.
- Obrigado, senhor.
- Quando pretende começar?
- Esta noite.
Os policiais espalharam-se pelo supermercado, usando aventais, procurando dar a
impressão de que eram apenas funcionários. Sekio lhes dissera:
- Fiquem muito atentos. Estamos procurando por um homem que entra aqui e finge
fazer compras. Tudo indica que ele não compra nada. E a única coisa que posso
dizer a seu respeito é que usa um guarda-chuva. Espreita as mulheres que deixam o
supermercado com compras mas sem guarda-chuva. É assim que ele faz contato com
suas vítimas. Quando elas saem, ele se oferece para acompanhá-las até em casa.
Quero que fiquem vigiando a saída. Assim que perceberem alguém que faça o que
acabei de descrever, entraremos em ação. Entendido?
Todos acenaram com a cabeça em concordância. Estavam no supermercado fazia
quatro horas. Continuavá a chover,
mas não havia qualquer sinal do homem que procuravam.
O detetive Blake disse:
- Ele quase foi preso esta noite. É bem provável que não volte.
- Não concordo - disse Sekio. - Esta noite foi a primeira vez que ele
fracassou. Deve estar furioso. Vai querer voltar e escolher outra vitima. Não
imagina que estamos à sua espera.
- Espero que esteja certo. Gostaria de acabar logo com isso.
- Eu também.
Sekio pensava na adorável Akiko. Fico contente pelo fato de o estrangulador
não ter conseguido matá-la. E também porque ela se encontra segura agora.
Depois que passar o choque, irei procurá-la para obter uma descrição do
assassino.
Em seu apartamento, Akiko Kanomori trancou todas as portas e janelas, com o
maior cuidado. Ainda se sentia bastante abalada pela coisa terrível que lhe
acontecera. O detetive dissera:
- Está tudo bem, Srta. Kanomori? Gostaria que eu permanecesse aqui por
algum tempo?
- Obrigada, mas não precisa se preocupar mais. Akiko não sentia mais fome.
Apenas medo. Muito
medo. Pelo menos o estrangulador não sabe quem eu sou, pensou ela. Não há
a menor possibilidade de ele me encontrar.
Na redação do London CKronicíe, Billy Cash conversava com seu editor.
- Tirei uma foto da mulher-disse ele. - Podemos publicá-la na primeira
página da edição de amanhã.
- Sensacional! Será um grande furo. Ela é a única que conseguiu escapar com
vida do estrangulador. Descobriu seu nome e endereço?
- Não. Aquele detetive estava lá e me impediu de interrogá-la. Mas não tem
importância. Alguém irá identificá-la.
Na manhã seguinte, Akiko acordou abruptamente, o coração disparado. Tivera
um pesadelo. Sonhara que um homem tentava matá-la com uma corda
comprida e quente. Logo compreendeu que não fora um sonho, que acontecera
de fato. Quase morrera.
Ela estremeceu. Tenho de superar isso, pensou. Não posso continuar a viver
com medo. De qualquer maneira, tenho certeza que vão prender o homem. O
jovem policial parecia muito competente.
Akiko saiu da cama e vestiu-se. Ficou surpresa ao descobrir que sentia
muita fome. Portanto, a iminência da morte abre o apetite. Ela decidiu
ir ao pequeno restaurante na esquina e tomar o café da manhã ali.
Ao deixar o prédio, encontrou a Sra. Goodman, que lhe disse:
- Bom dia, Akiko. Gostou da visita de ontem à Torre de Londres?
Akiko fitou-a, aturdida. Só depois de um instante é que lhe ocorreu: Claro, ela
não sabe que o estrangulador tentou me matar. Ninguém sabe. É por isso que
estou segura. Ele nunca será capaz de me descobrir.
Akiko encaminhou-se para o restaurante na esquina. Havia uma banca
de jornais na frente. Akiko parou de repente, em choque. Na primeira
página do jornal havia uma enorme fotografia sua, com a manchete:
TESTEMUNHA MISTERIOSA VIVA!
VÍTIMA ESCAPA DO ESTRANGULADOR.

Capítulo Seis
Akiko Kanomori entrou em pânico. Ficou olhando para sua foto no jornal,
incrédula. Agora o estranho saberia quem ela era e viria liquidá-la!
Sentia-se nua, como se fosse observada por todas as pessoas que
passavam pela rua.
Não queria mais comer nada. Virou-se, voltou correndo para o
apartamento. Trancou todas as portas e janelas, sentou no sofá,
tremendo. O que vou fazer agora?
Na Scotland Yard, o sargento Sekio Takagi viu o jornal. E também ficou
chocado.
Aquele repórter, Billy Cash! Sekio seria capaz de matá-lo com a maior
satisfação. Deliberadamente, ele pusera em perigo ávida de Akiko
Kanomori. O telefone tocou.
- O inspetor West quer falar com você agora.
O inspetor West estava furioso. Tinha o jornal em cima da mesa. Levantou os olhos
quando Sekio entrou na sala.
- O que significa isto? - indagou ele. - Como a foto de sua testemunha pôde sair no
jornal?
- Sinto muito. É difícil controlar a imprensa, inspetor.
- Eles sabem o nome dela?
- Não, senhor. Não têm a menor idéia de quem é ou onde mora.
- Pois mantenha assim - resmungou o inspetor West - Ela é a nossa única pista
concreta para o assassino. - Uma pausa, e ele acrescentou, sarcástico: - Isso e o
seu tomate.
O rosto de Sekio tornou-se vermelho.
- Certo, senhor.
- É melhor ir procurá-la. Se ela viu o jornal, deve estar em pânico.
- Irei agora mesmo, senhor.
Cinco minutos depois, Sekio estava a caminho do apartamento de Akiko.
Quando ouviu a campainha da porta, Akiko teve medo de atender. Será o assassino
no outro lado da porta, com uma corda nas mãos? A campainha tocou de novo.
Akiko foi até a porta.
- Quem é?
- Sou o sargento Takagi.
Ela reconheceu a voz e sentiu uma súbita sensação de alívio. Destrancou e
abriu a porta. Sekio percebeu o pânico estampado em seu rosto.
- Posso entrar?
- Claro.
Ele entrou no apartamento, olhou ao redor. Era um lindo apartamento, limpo e
arrumado. O tipo de apartamento que Sekio imaginava para uma moça assim.
- Sente-se, por favor.
- Vi o jornal - disse Sekio. - Peço desculpas.
- Não foi culpa sua.
- De certa forma foi, sim. Eu gostaria de ter mandado deter aquele repórter.
- Estou com muito medo. Acho que agora o estrangulador vai me descobrir e virá
me matar.
- Por favor, não se apavore. Em primeiro lugar, ele não sabe seu nome, nem onde
mora. E tenho uma boa notícia: creio que já sabemos como capturá-lo.
- É mesmo?
- Descobrimos como ele escolhe suas vítimas. Lembra do supermercado Mayfair,
onde fez suas compras?
- Claro.
- Ele a encontrou ali, não é mesmo? Akiko franziu o rosto.
- Foi, sim. Estava chovendo, ele tinha um guardachuva e se ofereceu para me
acompanhar até em casa.
- É assim que ele age. Quando chove, vai ao supermercado e seleciona uma mulher
que esteja sem guarda-chuva,
oferece-se para acompanhá-la até sua casa e a estrangula.
Akiko estremeceu.
- Foi horrível.
- Mas vamos prendê-lo - prometeu Sekio. - Quando isso acontecer, poderá
identificá-lo?
Akiko acenou com a cabeça.
- Claro. Posso até fazer uma cabeça dele. Sekio piscou, surpreso.
- Como?
- Posso fazer o rosto dele em argila. Sou escultora. Sekio mal podia acreditar em
sua sorte.
- Pode mesmo?
- Claro. É o meu trabalho. Venha conhecer meu ateliê.
Akiko levou-o à sala ao lado. Sekio admirou as lindas esculturas. Algumas estátuas
eram em tamanho natural, outras, bustos de homens e mulheres.
- São maravilhosas! - exclamou ele. Akiko corou.
- Obrigada.
Sekio virou-se para ela:
- Pode fazer uma cabeça do estrangulador?
- Posso. Nunca esquecerei o rosto dele.
- Quanto tempo levaria?
- Não mais que um ou dois dias.
- Seria ótimo, uma grande ajuda para nós. Fotografaremos a cabeça e mandaremos
para todos os jornais.
Assim, todos saberão como é o assassino. Ele não terá como se esconder.
Akiko percebeu o excitamento na voz do sargento.
- Terei o maior prazer em ajudar. Quero que ele seja preso o mais depressa
possível.
Sekio observava-a, e pensou: Ela é muito bonita. Mais uma vez, especulou se seria
casada.
- Você tem... isto é, alguém mora em sua companhia?
- Não. Moro sozinha.
Ele sentiu-se feliz ao ouvir isso.
- Se quiser, posso destacar um policial para ficar aqui, protegendo-a, até
prendermos o assassino.
Akiko pensou a respeito. Não lhe agradava a perspectiva de uma pessoa estranha
passando o tempo todo no apartamento.
- Disse que não corro um perigo real, que ele não sabe quem sou, nem onde moro?
- Isso mesmo.
- Neste caso, acho que não preciso de proteção. Sekio acenou com a cabeça.
- Como achar melhor. Se não se importar, passarei por aqui de vez em quando,
para informá-la sobre o que está acontecendo.
- Eu agradeceria.
Ambos sorriam um para o outro. Sekio nunca se sentira tão atraído por uma mulher.
- Bom, acho que está na hora de eu ir embora - murmurou ele, embaraçado. -
Vou deixá-la trabalhar.
- Começarei imediatamente - prometeu Akiko. Ela trancou a porta depois que o
sargento saiu.
Quando tudo isso acabar, pensou, desolada, é bem provável que nunca mais torne a
vê-lo.
Ao deixar o apartamento, Sekio disse ao detetive Blake:
- Ela não quer ninguém em sua companhia, mas acho que precisa de alguma
proteção. Avise ao guarda da ronda para ficar atento ao apartamento, em particular
nas noites de chuva.
- Acha que vamos pegar o estrangulador?
- Tenho certeza - garantiu Sekio. - Mas quero capturá-lo antes que ele mate
mais alguém.
Especialmente Akiko, pensou ele.
Esculpir a cabeça do estrangulador revelou-se mais difícil do que Akiko previra. O
problema não era o fato de não conseguir se lembrar do rosto dele. O problema era
que se lembrava bem demais.
Ao começar a moldar a argila com as feições do estrangulador, reviveu todo o
pesadelo. Podia recordar cada palavra do encontro.
- Chove muito, não é?
- Infelizmente.
- Está de carro?
- Não.
- É uma pena. Pelo menos estou de guarda-chuva. Mora aqui perto?
- A meia dúzia de quarteirões...
Ela estremeceu, pensando a respeito. Por pouco não fora assassinada. Queria que o
estrangulador fosse preso, e faria o possível para ajudar na captura. E tratou de se
concentrar no trabalho.
Sekio Takagi estava na sala do inspetor West
- Quer dizer que a testemunha é pintora?
- Escultora. Faz estátuas.
- E ela pode esculpir uma cabeça do estrangulador?
- Pode. Está trabalhando nisso agora.
- Sabe que ela se encontra numa posição muito perigosa, não é mesmo? É a única
que pode identificá-lo. Se ele descobrir quem ela é, iria até lá para matá-la. Devemos
dar-lhe proteção policial.
- Já ofereci, mas ela não quer - explicou Sekio. - Pretendo mandar alguém dar
uma olhada de vez em quando, para se certificar de que ela está bem. Assim que ela
acabar de esculpir a cabeça, sugerirei que deixe a cidade, passe algum tempo fora,
até encontrarmos o estrangulador.
- É uma boa idéia.
- A previsão do tempo é de chuva para esta noite - acrescentou Sekio. - Ele
pode atacar de novo. Eu gostaria de voltar a pôr os homens de vigia no
supermercado Mayfair.
O inspetor West acenou com a cabeça. - Prenda-o!
Alan Simpson também vira o retrato de Akiko na primeira página do London
Chronicle. A foto era bastante nítida. Dava para ver até as marcas da corda em
seu pescoço, onde ele apertara, estrangulando-a... até que aparecera aquele
estúpido motorista de táxi, obrigando-o a fugir. Fora o seu primeiro fracasso.
Não podia permitir que aquela mulher continuasse viva para testemunhar contra
ele. O jornal não deu seu nome e endereço, mas descobrirei de alguma forma,
pensou Alan Simpson. Assim que encontrá-la, terminarei o que comecei.
Ele sentia-se frustrado e furioso com a mulher por ter escapado. Mas ainda vou
pegá-la, prometeu a si mesmo. Agora, porém, precisava de outra vítima. A
previsão do tempo era de chuva. Ótimo. Voltarei ao supermercado Mayfair e
encontrarei outra mulher esta noite.
O sargento Sekio Takagi correu os olhos pelo supermercado para verificar se
todos os seus homens se encontravam nos postos designados. Alguns
trabalhavam por trás dos balcões. Outros fingiam ser fregueses, circulando
pelos corredores, tentando dar a impressão de que faziam compras.
Chovia bastante. Um homem alto e magro entrou no supermercado. Carregava
um guarda-chuva.
Começou a circular, examinando as mercadorias nas prateleiras. Os nervos de Sekio
ficaram tensos. Seria o estrangulador? Ele fez sinal aos policiais para que
ficassem de olho no homem.
Alan Simpson olhou ao redor, à procura de sua próxima vítima. Havia muitas
mulheres no supermercado fazendo compras para seus maridos e
companheiros. Uma delas não vai chegar em casa, pensou Alan Simpson. Qual
será?
Ele sentia-se como Deus ao escolher sua vítima, decidindo quem viveria, quem
morreria. Era um sentimento maravilhoso. Uma gorda, sem guarda-chuva, de
cinqüenta e poucos anos, comprava doces no balcão da pastelaria.
Ela já comeu o suficiente, pensou Alan Simpson. É a escolhida. Ele se
encaminhou para a saída. Sekio o observava atentamente agora, preparado para
detê-lo. A gorda pagou os doces, foi para a porta do supermercado. Parou ali,
olhando para a chuva.
- Mas que coisa horrível! - disse ela, em voz alta. - Não trouxe meu
guarda-chuva!
Alan Simpson sorriu. Abriu a boca para dizer "Deixe-me ajudá-la", e foi nesse
momento que notou que um dos funcionários por trás de um balcão o
observava. Correu os olhos ao redor e percebeu que outros homens o
observavam. São da polícia!, pensou ele. É uma armadilha. Havia policiais
por toda a parte, só que não tinham como saber quem ele era. A mulher
acrescentou:
- Vejo que tem um guarda-chuva. Moro a apenas um quarteirão daqui. Será
que podia...
- Lamento muito-disse Alan Simpson -, mas vou me encontrar com minha
esposa. Boa noite.
Ele virou-se e deixou o supermercado. Sekio Takagi ficou desapontado. Por um
momento, chegara a pensar que descobrira o assassino, mas era evidente que se
tratava do homem errado. Ele fez sinal para que os detetives relaxassem.
Lá fora, na rua, o coração de Alan Simpson batia acelerado. A polícia
descobrira sobre o Mayfair. E quase o pegara. Mas não deixaria que isso
acontecesse outra vez. Claro que continuaria a matar... só que escolheria outro
supermercado.
Enquanto isso, preciso descobrir o nome da testemunha que pode me identificar.
Ela deve morrer.

Capítulo Sete
sargento Sekio Takagi teve outra reunião com o inspetor West
- Sua teoria não funcionou-comentou o inspetor. - O estrangulador não foi
ao supermercado Mayfair ontem à noite. Todos os detetives desperdiçaram seu
tempo ali.
Sekio se mostrou insistente:
- Se me der mais tempo, inspetor, tenho certeza de que ele acabará
aparecendo naquele supermercado.
- Como sabe que ele também não escolhe vítimas em outros supermercados?
- Em primeiro lugar, todas as mortes ocorreram naquela área. Segundo,
sabemos que ele encontrou duas de suas vítimas no Mayfair. Lembra que disse
que os assassinos de série seguem um padrão? Pois esse é o padrão de nosso
homem.
O inspetor West pensou a respeito por um momento.
- Muito bem, eu lhe darei mais três dias. Mas se não houver qualquer
progresso até lá, terei de tirá-lo do caso.
Sekio não queria sair do caso, e um dos motivos era seu desejo de proteger
Akiko. Não conseguira deixar de pensar nela.
Já conhecera muitas mulheres bonitas, e algumas se sentiram atraídas por ele,
queriam até casar. Mas Sekio nunca se apaixonara por nenhuma. E sabia que
nunca se casaria, a menos que estivesse profundamente apaixonado. A única
pessoa por quem já experimentara uma forte atração era Akiko. Queria
conhecê-la melhor. Por isso, disse agora ao inspetor West:
- Eu compreendo, inspetor. Mas tenho certeza de que pegaremos o
estrangulador bem depressa.
Akiko também não conseguira parar de pensar em Sekio. Não apenas porque
ele era bonito-já conhecera inúmeros homens atraentes - mas também
porque era gentil. Era atencioso, preocupado, e parecia inteligente. Essas eram
as qualidades que Akiko procurava num homem.
Queria acabar logo de esculpir a cabeça do estrangulador, não apenas para o
seu próprio bem, mas porque sabia que isso ajudaria Sekio. E, por isso, ela
permaneceu em seu ateliê, trabalhando com afinco.
Embora tivesse dificuldade para reconstituir as feições
do monstro horrível que tentara matá-la, ela persistiu. Em sua mente,
podia ver com clareza o rosto do assassino.
Pegou um pedaço grande de argila, pôs na bancada e começou a moldar as
feições.
Primeiro, a testa e o nariz. Depois, moldou a argila nos olhos e boca
do estrangulador. Recuou, avaliou o trabalho. Não. Os olhos ficaram muito
grandes e o nariz muito pequeno. Ela alisou a argila nesses pontos e
recomeçou.
Gostaria que a argila não parecesse viva cada vez que a tocava. Havia algo
diabólico naquilo. Era como se o espírito do assassino estivesse na argila,
tentando sair.
Akiko experimentava a sensação de que, ao acabar, o estrangulador saltaria em
sua direção e a agarraria. Sabia que era um absurdo, mas por algum motivo não
podia descartar o sentimento.
Não era supersticiosa, mas havia algo na argila que não podia explicar. Nunca
experimentara nada assim antes.
Alguém bateu à porta. Akiko foi até lá, mas não a abriu.
- Quem é?
- Sou eu, Sra. Goodman.
Akiko abriu a porta para avizinha. A Sra. Goodman fitou-a e disse:
- Graças a Deus que você está bem!
- Como?
- Vi sua foto no jornal e li que o estrangulador tentou matá-la. Oh, minha
pobre criança! Eu não sabia. Deve ter sido horrível para você.
- E foi mesmo - admitiu Akiko. - Pensei que ia morrer.
- Como era o estrangulador?
Akiko pensou por um momento. Como podia descrever todo o mal que o
homem irradiava? Como podia descrever o sorriso no rosto dele, enquanto
tentava assassiná-la? Como podia descrever seu próprio terror?
- Ele era jovem.
- E feio?
Por dentro, pensou Akiko. Era feio por dentro.
- Não. Era até bonito. Se o visse andando pela rua, nunca poderia imaginar
que era um estrangulador. Havia uma espécie de... quase que uma certa
inocência nele.
A Sra. Goodman arregalou os olhos.
- Mas que coisa! Como o conheceu? Isto é... como ele a atacou?
- Fui fazer compras. Começou a chover, não tinha levado o guarda-chuva, ele
estava de guarda-chuva e se prontificou a me acompanhar até em casa.
Enquanto falava, Akiko se perguntou se não estaria dizendo coisas demais, se o
sargento Takagi gostaria que ela discutisse o caso com alguém. Mas a Sra.
Goodman era uma amiga de confiança.
- Caminhamos para cá e passamos por uma rua escura.
- Akiko estremeceu. - Ele me atingiu nas costas com a ponta do
guarda-chuva e larguei as compras. Antes que eu pudesse perceber o que
acontecia, ele passou uma corda em torno do meu pescoço.
O rosto da Sra. Goodman transmitia uma profunda compaixão.
- O que aconteceu em seguida?
- Isso é tudo de que lembro. Devo ter desmaiado. Soube depois que minha
vida foi salva porque um táxi entrou na rua, o motorista viu o que acontecia,
parou, e o estrangulador fugiu.
A Sra. Goodman fitou-a nos olhos.
- Tenho uma idéia. Por que não passa as próximas noites comigo? Tenho
lugar de sobra no meu apartamento.
- É muita gentileza sua, mas não posso. Tenho um trabalho a fazer aqui.
- Não pode esperar?
Akiko pensou no sargento Takagi, esperando que ela concluísse a cabeça do
estrangulador.
- Não, infelizmente não pode. A Sra. Goodman suspirou.
- Se mudar de idéia, basta me avisar. Não quero que nada lhe aconteça.
Akiko sorriu. Também não quero.
- Não se preocupe. Nada vai me acontecer. O Sargento Takagi não deixará.
Alan Simpson sentia-se furioso. Não podia acreditar que deixara a vítima
escapar. Se aquele táxi não tivesse aparecido... Seja como for, não podia
permitir que ela continuasse viva para identificá-lo. Precisava encontrá-la de
alguma forma e matá-la.
Cem anos antes, em Londres, existira um criminoso famoso, conhecido como
Jack o Estripador. Ele também aterrorizara a cidade, matando uma dúzia de
mulheres. Nunca fora apanhado, e por causa disso se tornara imortal. As
pessoas ainda falavam nele.
De algum modo estranho, Alan Simpson pensava em si mesmo como Jack o
Estripador, um criminoso lendário, e estava convencido de que nunca seria
apanhado. Algum dia, daqui a anos, morreria de velhice, sem que ninguém
jamais soubesse quem ele era. E por mais um século as pessoas falariam sobre
o misterioso estrangulador, que fora esperto demais para se deixar capturar pela
polícia.
Enquanto caminhava pela rua, Alan Simpson sentiu uma gota de chuva. Graças
a Deus, era a época de chuva em Londres.
Precisava de outra vítima. Tinha de descarregar a raiva do organismo. Punir a
mãe mais uma vez. Ainda podia recordar tudo com absoluta nitidez, ele parado
na chuva, vendo a mãe beijar um estranho e a ira quase o sufocara.
Olhou ao redor. Teria de procurar outro supermercado. Agora que a polícia
descobrira o Mayfair, não ousava voltar lá.
Haveria muitos policiais vigilantes, à sua espera. E tudo
porque aquela desgraçada escapou!
A chuva aumentou, e ele sentiu o excitamento crescer. Havia um supermercado
a poucos quarteirões do lugar onde morava. Mas não queria procurar uma
vítima ali, pois era o lugar onde costumava fazer suas compras, e poderiam
reconhecê-lo.
Em vez disso, percorreu dez quarteirões na outra direção, até chegar a um
supermercado menor. Entrou, olhou ao redor, com extrema atenção. Desta vez
procurava por policiais que pudessem estar ali, esperando para fechar uma
armadilha. Não havia ninguém suspeito. Um funcionário aproximou-se.
- Deseja alguma coisa?
Alan Simpson sentiu-se tentado a dizer: Desejo, sim. Quer escolher uma
mulher simpática que eu possa assassinar esta noite? Mas é claro que ele não
falou isso, mas sim:
- Obrigado, mas estou apenas dando uma olhada. Ainda não decidi o que
quero para o jantar.
Era sempre divertido tentar adivinhar o que teria para o jantar. O que estivesse
na bolsa de compras da vítima. Uma noite havia costeletas de cordeiro, que ele
apreciava. Em outra, peixe, de que não gostava muito. Ficara contente por
matar a mulher com o peixe. Uma lição bem merecida por comprar peixe.
Agora, ele observou as pessoas fazendo compras.
Havia três homens e meia dúzia de mulheres, uma delas andando com uma
bengala. Essa seria fácil demais, pensou Alan. Outra mulher era acompanhada
por duas crianças pequenas. Seus olhos continuaram a se deslocar, até
avistarem o que procuravam.
Uma jovem que parecia um pouco com a mãe dele. Perfeito! Ela não tinha
guarda-chuva. Estava no balcão de carnes, e Alan torceu para que comprasse
alguma coisa que fosse do seu gosto.
Observou-a se encaminhar para a saída e tratou de segui-la. A jovem parou na
porta, olhando para a chuva. Alan foi se postar ao seu lado.
- Chove muito, não é? - murmurou ele.
- E eu não trouxe o guarda-chuva.
- Tenho o meu. Mora aqui perto?
- A poucos quarteirões. Mas detestaria incomodá-lo.
- Para que lado você mora?
- Naquela direção - apontou a jovem. Alan sorriu.
- Também moro naquela direção. Por que não vamos andando juntos?
- É muita gentileza sua.
- Ora, não será grande coisa. Saíram para a rua.
- Posso ajudá-la com as compras? - perguntou
Alan.
- Obrigada, mas não precisa. Não estão muito pesadas.
NenKuma delas o deixara carregar suas compras,
- Mora aqui perto? - indagou a mulher.
- Moro - mentiu Alan.
- Não acha que é um ótimo bairro? Ele acenou com a cabeça.
- É, sim. Gosto muito daqui. Aproximavam-se de um trecho escuro da rua, e o
coração de Alan começou a bater mais depressa. Dentro de poucos minutos,
descobrirei o que terei para jantar. Sentia-se faminto. Matar alguém sempre o
deixava com fome.
- Viramos na esquina - disse a mulher. Viraram na esquina e foram seguindo
por uma rua
que era ainda mais escura do que as outras. Alan certificou-se de que não havia
ninguém à vista. Desta vez não haveria nenhum táxi para interromper seu
trabalho
Ele esperou até alcançarem o meio do quarteirão, onde a escuridão era ainda
maior. Retardou-se para golpear a mulher com a ponta do guarda-chuva.
- Olhe só! - disse ela de repente. - Parou de chover.
Alan estacou, surpreso. Levantou os olhos. Era verdade. A chuva cessara. Ele
ficou imóvel, sem saber o que fazer. Viu-se parado na chuva, observando amãe
beijar um estranho. Podia sentir as gotas caírem em seu rosto, encharcarem o
corpo. Agora, não havia mais chuva. A mulher o fitava.
- Está se sentindo mal?
Preciso da chuva, pensou Alan. Não posso matar sem a chuva.
- Está passando mal? Alan forcou um sorriso.
- Não, estou bem.
Ele baixou o guarda-chuva, e continuaram a andar. Sentia-se frustrado e
furioso. Poderia ter deixado a mulher de imediato, mas isso pareceria suspeito.
Por isso, continuou a acompanhá-la até o prédio onde ela morava.
- Muito obrigada - disse a mulher.
- Não há de quê.
A mulher nunca saberia o quanto estivera próximo da morte naquela noite.

Capítulo Oito
sargento Sekio Takagi e seus homens permaneceram no supermercado Mayfair até
cinco horas da manhã. Como o estrangulador ainda não tivesse aparecido, Sekio
decidiu suspender a vigilância.
- Podem ir todos para casa. Ele não virá.
Sekio sentia-se desanimado. Tinha uma certeza quase absoluta de que estava na
trilha do estrangulador. Devo ter-me enganado, pensou. Não podia imaginar que o
estrangulador percebera a presença da polícia e fugira.
Sekio foi para casa e mergulhou num sono de que muito precisava. Sonhou com
Akiko. Estavam casados, moravam num lindo apartamento. Ele sorria ao acordar.
Fez a barba, tomou um banho de chuveiro e vestiu-se. Especulou se Akiko
progredira bastante com a cabeça do estrangulador.
Telefonou para ela, que reconheceu sua voz no mesmo instante.
- Aqui é o sargento Takagi.
- Eu já sabia.
Ele ficou satisfeito por saber que Akiko era capaz de reconhecer sua voz. Perguntou
como ia a escultura.
- É mais difícil do que eu previa - respondeu Akiko.
Ela relutava em confessar o que estava lhe acontecendo. A cabeça do estrangulador
parecia algo maligno. Cada vez que começava a trabalhar nela, dava a impressão de
que adquiria vida. Quando fizera os olhos, pareciam fitá-la fixamente. Quando
fizera os lábios, pareciam se contrair num sorriso sarcástico. Começara a moldar o
rosto várias vezes, sempre experimentava uma sensação de medo e apagava tudo.
Agora, ao telefone, disse apenas:
- Estou tendo alguma dificuldade.
- Lamento saber disso.
Sekio contava com ela para saber como era o rosto do estrangulador o mais depressa
possível.
- Não se preocupe - disse Akiko. -Vou terminá-la de qualquer maneira, só que
demorará um pouco mais do que imaginei. Talvez eu possa concluí-la amanhã.
- Está bem. Posso passar por aí amanhã, para ver como está a escultura?
- Claro.
Ao desligar, Akiko pensou: Gosto muito dele.
E me pergunto se tornarei a vê-lo algum dia, depois que tudo isso acabar. Ela
esperava que sim.
Voltou ao ateliê e parou ali, contemplando a massa de argila que transformaria
no rosto do estrangulador de Londres.
Começou a trabalhar. Mais uma vez, algo a fez hesitar. Não conseguirei fazer,
não agora, pensou ela. Tenho de sair de casa por algum tempo. Preciso
respirar um pouco de ar fresco.
Akiko perambulou pelas ruas de Londres, procurando não pensar no
estrangulador. Foi até Picadilly Circus, onde ficavam todos os teatros. Imensos
cartazes em néon brilhavam nos prédios, anunciando as diversas produções em
exibição.
Era um lugar movimentado, e ela gostava de observar as multidões. Os teatros
eram maravilhosos. Provavelmente os melhores do mundo. Akiko vira
Lawrence Olivier se apresentando no palco, em Hamlet. Também vira John
Giulguld e Maurice Evans.
Os britânicos são os melhores atores do mundo, pensou Akiko. Em diversas
ocasiões, produtores haviam-lhe oferecido papéis em filmes ou peças de teatro.
Mas Akiko recusara todas as propostas.
- Deveria aceitar - dissera o pai. - Atores ganham muito dinheiro.
- Não sou uma atriz, e sim uma escultora.
- Pode se tornar uma atriz.
- Não creio. Acho que uma mulher tem de nascer atriz.
- Isso é bobagem.
Mas Akiko acreditava sinceramente que uma pessoa tinha de nascer com
talento, quer fosse para representar, escrever ou esculpir. Era uma dádiva de
Deus. Sentia-se grata por ter seu talento. Adorava esculpir estátuas.
Há algum tempo que Akiko não visitava a galeria de arte que vendia suas
obras. Decidiu ir até lá. O dono, Sr. Yohiro, ficou feliz em vê-la. Era baixo,
magro, com movimentos pequenos e rápidos. Fazia Akiko pensar num
passarinho.
- Estou contente que tenha vindo - disse ele. - Todo o seu trabalho vende
muito bem, e há sempre pessoas pedindo por mais.
- Isso é ótimo.
- Estará preparada para fazer outra exposição, daqui a duas semanas?
- Claro - respondeu Akiko.
Ela não mencionou que vinha trabalhando na cabeça do estrangulador. O Sr.
Yohiro esfregou as mãos em satisfação.
- Será maravilhoso! Meus clientes ficarão muito felizes. E não se esqueça de
que precisa fazer a estátua de Vênus.
- Não esquecerei.
Preciso concluir logo a cabeça do estrangulador, pensou Akiko,
a fim de poder me dedicar a todas as outras coisas que quero fazer.
O Sr. Yohiro convidou-a para almoçar.
Foram a um pequeno pub ali perto. Akiko gostava dos pubs de Londres. A comida
era simples, mas saborosa, e todos se mostravam cordiais. Muitos pubs tinham
tábuas de dardos, e de vez em quando ela jogava, pois descobrira que era muito boa
nisso. Depois que pediram a comida, o Sr. Yohiro disse:
- Sinto o maior orgulho de você. Compreendi desde o início que era muito
talentosa e que se tornaria um grande sucesso. E você não me desapontou.
- Obrigada. Adoro meu trabalho. Se não me cansasse, e precisasse dormir, acho
que trabalharia noite e dia. - Akiko sorriu. - Pode parecer uma tolice, mas me
sinto como Deus dando vida à argila.
Akiko, é claro, não tinha a menor idéia de que Alan Simpson sentia-se como Deus
porque era capaz de levar a morte às pessoas.
- Sua exposição daqui a duas semanas terá um êxito ainda maior do que a anterior.
Provavelmente vou perdê-la muito em breve para uma galeria maior.
- Nada disso - prometeu Akiko. - Foi você quem me ajudou no início e
continuarei em sua galeria. Lealdade para mim é uma coisa muito importante.
- Não quero bisbilhotar sua vida pessoal, mas
estou curioso. É uma moça bonita e sempre está sozinha quando a vejo. Não tem um
namorado? Akiko sacudiu a cabeça.
- Não. Já saí com vários homens, mas não encontrei nenhum por quem me
interessasse realmente.
Mesmo enquanto falava, ela pensou: à exceção do sargento Takagi. Gostaria
de saber se ele tem uma namorada. Espero que não. E acrescentou para o Sr.
Yohiro:
- Quero casar um dia e ter filhos. Mas casar por casar é um erro. Acho que duas
pessoas devem se apaixonar primeiro.
O Sr. Yohiro acenou com a cabeça.
- Concordo. Minha esposa e eu estamos casados há trinta anos e somos muito
felizes.
Ficaram conversando sobre arte e diversos pintores que haviam exposto na galeria,
mas ele não mencionou o estrangulador a Akiko. Ela compreendeu que o Sr. Yohiro
não vira sua foto no jornal. Se tivesse visto, falaria a respeito com toda a certeza.
Akiko decidiu que também não mencionaria o assunto.
Afinal, tudo acabaria muito em breve. Concluiria a escultura da cabeça do
estrangulador, entregaria ao sargento Takagi, e o homem seria preso num instante.
- Gostaria de voltar à galeria? - perguntou o Sr. Yohiro.
- Não, obrigada. Preciso retornar ao trabalho. Voltar à cabeça do estrangulador.
Akiko não se sentia
ansiosa por isso.
- Gostei de almoçar com você. Obrigado pela companhia.
- Eu também gostei. Voltaremos a nos ver em breve.
O Sr. Yohiro pagou a conta e saíram para a rua.
- Até breve.
- Até breve.
O Sr. Yohiro observou Akiko se afastar e pensou: É uma moça adorável, e
talentosa ainda por cima.
Ao chegar à galeria, ele se lembrou subitamente de algo de que esquecera. Não
lhe falara sobre o cartaz que mandara fazer para a exposição. Era um lindo
cartaz, com uma foto de Akiko, dizendo:
AKIKO KANOMORI
EXPOSIÇÃO DE ARTE
12 A17 DE NOVEMBRO
Vou colocá-lo na vitrine agora, decidiu o Sr. Yohiro, feliz. Foi até a sala dos
fundos, pegou o cartaz e colocou-o na vitrine da galeria.
Cinco minutos depois, Alan Simpson passou por ali. Quase não viu o cartaz,
mas no último segundo, quando já começava a se afastar, percebeu-o pelo
canto dos olhos e parou.
Não podia acreditar em sua sorte. Ali, na sua frente, estava o retrato da testemunha
desconhecida. A única pessoa no mundo que poderia identificá-lo para a polícia.
Alan Simpson sorriu. Portanto, seu nome era Akiko Kanomori, uma artista. Uma
artista morta. Ele entrou na galeria. O Sr. Yohiro adiantou-se para cumprimentá-lo.
- O que deseja?
- Sou um repórter de jornal - mentiu Alan Simpson -, e um grande admirador da
obra da Srta. Kanomori.
- Todos somos. Ela é uma artista extraordinária.
- Concordo. Meu jornal encarregou-me de entrevistá-la. Ela fará uma exposição
aqui muito em breve, não é?
- Isso mesmo. Acabamos de pôr o cartaz na vitrine.
- Não vi. É até melhor assim, não acha? A entrevista ajudará a exposição. Uma boa
publicidade. Se quiser me dar o endereço dela...
- Não sei se devo. A Srta. Kanomori é muito tímida. Não gosta de dar entrevistas.
- Esta só vai levar alguns minutos. E prometo que será bastante favorável.
O jovem era simpático, e o Sr. Yohiro cedeu.
- Está bem. Ela mora na Pont Street, 2.422.
- Obrigado. Terei o maior prazer em conhecê-la pessoalmente.
Alan Simpson lançou um último olhar para o Sr. Yohiro e pensou: Receio que
não terá a exposição, no final das contas. Sua artista vai morrer.

Capítulo Nove
esperou diante do prédio, nas sombras, onde não poderia ser visto. Em algum
lugar daquele prédio encontrava-se a mulher que ele mataria. Não podia
imaginar por que a polícia ainda não tinha sua descrição. Esperarei até esta
noite, pensou Alan Simpson, e depois cuidarei dela.
O inspetor West mandou chamar Sekio outra vez.
- Disse que a testemunha era escultora e ia fazer uma cabeça do
estrangulador.
- Isso mesmo, senhor.
- E onde está? Por que ainda não a temos? Sekio hesitou.
- Ela está trabalhando nisso, inspetor.
- Precisamos agora. Quero mandar uma foto para
todos os policiais de Londres. Não podemos esperar até que ele torne a matar.
- Eu compreendo, senhor, mas...
- Diga a ela que queremos que termine ainda hoje. Está me entendendo?
- Sim, senhor.
- Não quero mais receber nenhum telefonema da rainha.
- Certo, senhor.
SekiTakagi voltou para sua sala. O detetive Blake estava ali.
- O que o chefe queria?
- Quer que a cabeça do estrangulador seja concluída hoje. Mandou que a
descrição do estrangulador seja divulgada o mais depressa possível.
- Por que ela está demorando tanto?
- Não sei - admitiu Sekio. - Vou telefonar para ela.
Akiko atendeu ao primeiro toque do telefone. De alguma forma, já sabia quem
era.
- Srta. Kanomori? Aqui é o sargento Takagi.
- Eu sabia.
A voz era efusiva.
- Detesto pressioná-la, mas há alguma possibilidade de a escultura da cabeça
do assassino ficar pronta ainda esta noite? O inspetor West está muito ansioso.
Quer espalhar as fotos logo de uma vez.
Akiko escutou o pedido com um aperto no coração.
Em circunstâncias normais, acabaria de moldar a cabeça até a noite com a
maior facilidade. Mas se sentia assustada com a maldade misteriosa que
parecia se irradiar da argila. Teve medo de falar a Sekio a respeito porque
parecia uma tolice.
- Claro que sim. Posso terminá-la até esta noite.
- Isso é maravilhoso!
Ela pôde perceber a satisfação na voz de Sekio.
- Posso ir buscá-la esta noite. - Ele fez uma pausa, quase com medo de
continuar, respirou fundo.-Talvez, para comemorar, pudéssemos jantar fora.
O coração de Akiko disparou de alegria. - Seria ótimo.
Ela teve de fazer um esforço para não deixar transparecer como se sentia
excitada pela perspectiva.
- Então está combinado. A que horas acha que ficará pronta?
Akiko olhou para a massa de argila na bancada de trabalho.
- Por volta das sete horas.
- Ótimo. Aparecerei aí a esta hora. Até lá.
- Até lá.
Ela desligou, exultante. Jantaria com o simpático sargento. Virou-se para a
argila e sua expressão mudou.
Prometera aprontar a escultura, e agora teria de fazê-lo. Respirou fundo e se
adiantou. É apenas uma massa sólida de argila, disse Akiko a si mesma. Não
há nada de diabólico nela. Mas sentia medo de tocá-la.
Lentamente, começou a trabalhar. Moldou a argila num rosto, começou a
detalhar as feições. Fez os olhos, de que se lembrava tão bem, o nariz, os
lábios. Enquanto a cabeça assumia forma, o mal que se irradiava da argila
parecia povoar a sala, deixando-a sufocada.
Estava no meio do trabalho quando não pôde mais suportar. Deixou o ateliê e
correu para o apartamento da Sra. Goodman. O coração batia forte, sentia que
podia desfalecer a qualquer instante. Como poderia explicar que fugira de uma
massa de argila? A Sra. Goodman abriu a porta.
- Olá, minha cara. Eu ia tomar um café neste momento. Não quer me
acompanhar?
- Obrigada. Será um prazer.
Akiko acomodou-se na confortável cozinha da Sra. Goodman. Seu coração
ainda batia forte. O que há de errado comigo?, especulou ela. Nada parecido
jamais lhe
acontecera antes.
A Sra. Goodman serviu o café. Estava delicioso. Akiko poderia passar o dia
inteiro ali. Detesto voltar ao ateliê, mas preciso terminar a escultura da
cabeça. Prometi que ficaria pronta até as sete horas.
- Tem certeza que não gostaria de passar alguns dias aqui? - perguntou a
Sra. Goodman.
Akiko sorriu. A Sra. Goodman era uma vizinha ótima.
- Não, obrigada. Não posso.
Ficaram sentadas ali, conversando, por uma hora. Ao se sentir mais relaxada,
Akiko disse:
- É melhor eu voltar ao trabalho agora. Estou tentando terminar uma
escultura.
- É só avisar se precisar de alguma coisa, minha querida.
- Obrigada.
Akiko voltou ao ateliê.
Alan Simpson foi fazer compras numa loja de departamentos. Um funcionário
aproximou-se.
- Deseja alguma coisa, senhor?
- Preciso de uma corda.
Ele perdera sua corda em algum lugar e não conseguira encontrá-la. Era um
mau presságio. Alan Simpson era muito supersticioso.
- De que tipo de corda gostaria? Isto é, para que precisa?
Para matar mulheres, seu idiota.
- Para amarrar coisas. Quero uma corda grossa e resistente.
Uma corda que se ajuste em torno do pescoço daquela mulher e a sufoque.
- Venha comigo, por favor, senhor.
Ele conduziu Alan Simpson a uma seção que oferecia os mais diversos tipos de
cordas, de barbante a cordas bastante grossas. Alan Simpson escolheu uma
corda bem resistente e deu-lhe um puxão.
- Esta serve - anunciou ele.
- Pois não, senhor. Custa quatro libras.
- Se não fez planos para esta noite - disse o detetive Blake -, minha
namorada tem uma amiga muito bonita. Por que não saímos juntos para jantar?
Sekio sorriu.
- Não posso.
Nada no mundo poderia impedi-lo de jantar com Akiko. Não pensara em outra
coisa durante o dia inteiro. Ela parecia bastante satisfeita quando ele telefonara.
Foi imaginação minha?, especulou Sekio. Ou ela ficou realmente contente de
me ouvir?
Precisava tomar cuidado para não precipitar as coisas. Não quero assusta-la. Acho
que já estou apaixonado por ela. Mas se lhe disser isso, ela pensará que sou louco e
vai se afastar. Isso mesmo, preciso ser cauteloso.
- Obrigado, mas estarei ocupado esta noite - acrescentou ele para o detetive
Blake.
- Vai se arrepender. Minha namorada me disse que a amiga dela é uma
beleza.
Sekio não tinha o menor interesse em conhecer outra mulher. Não agora. Já
encontrara a mulher que queria. Mas será que ela também me quer?, pensou
ele.
Em seu ateliê, Akiko trabalhava na escultura da cabeça do estrangulador. Já
fizera a testa, o nariz e os olhos, e agora se ocupava com os lábios.
Sua concentração era tão intensa que teve um sobressalto quando o telefone tocou.
Ele voltou a tocar. Ela foi atender.
- Alô?
Houve silêncio no outro lado da linha.
-Alô?
Ninguém respondeu. Akiko franziu o rosto. Tinha certeza que havia alguém na linha.
- Quem está aí?
Silêncio. Lentamente, ela repôs o fone no gancho. Percebeu que era difícil voltar ao
trabalho. O telefonema deixara-a nervosa. Recomeçou a moldar os lábios mas suas
mãos tremiam.
- Pare com isso! - ordenou a si mesma.
Mas não foi capaz de se controlar. Todo o corpo tremia.
No outro lado da rua, Alan Simpson estava numa cabine telefônica, olhando para a
janela iluminada e sorrindo. Ela parecera apavorada. Não chovia agora, mas o jornal
dizia que a chuva viria naquela noite. E seria o momento em que atacaria.
Às sete horas, Sekio parou o carro diante do prédio onde Akiko morava. Vestia um
terno cinza novo. Pensara em levar flores para ela, mas achara melhor não se
precipitar. Seria mais uma visita oficial. Tocou a campainha do apartamento.
Ao ouvi-la, Akiko entrou em pânico. Olhou para o relógio.
Eram sete horas da noite e só podia ser Sekio! Ela não sabia o que fazer.
Não conseguira continuar o trabalho na estátua de tão tensa.
Mas só faltavam os lábios. Já sei o que vou fazer, pensou Akiko. Sairemos
para jantar primeiro, e quando voltarmos pedirei a ele para entrar e ficar
comigo enquanto termino a cabeça. Só assim não terei medo.
Ela passou do ateliê para a sala de estar e abriu a porta do apartamento. Sorriu para
Sekio. Ele era tão bonito!
- Boa noite.
- Boa noite - disse Sekio. - Posso ver a escultura agora?
Akiko tocou em seu braço.
- Se não se importa, podemos sair para jantar primeiro? Ainda não a concluí.
Terminarei depois do jantar e poderá levá-la - disse ela.
Sentiu vergonha de confessar que não acabara o trabalho porque ficara com medo.
Mas com Sekio ao seu lado não teria medo.
- Não tem problema. Vamos jantar agora e voltaremos em seguida. Tenho certeza
que uma ou duas horas a mais não farão a menor diferença.
- O inspetor West teria a cabeça do estrangulador até meia-noite. Sekio
providenciaria para que fossem tiradas fotos e as espalharia por toda a cidade. Não
restaria mais nenhum lugar para o estrangulador se esconder.
- Vou pegar minha bolsa.
Três minutos depois estavam no carro a caminho de
um restaurante.
- Espero que goste do lugar que escolhi - disse Sekio. - É considerado um dos
melhores restaurantes de Londres. Chama-se Harry's Bar.
O Harry's Bar era só para os sócios do clube. Mas o pai de Sekio era sócio, e
conheciam o filho. Ele era sempre bem recebido ali.
Seguiram para o restaurante em silêncio. Akiko pensava na escultura que tinha de
concluir, e Sekio pensava na linda mulher ao seu lado. Entraram no restaurante e
foram sentar a uma mesa nos fundos.
- O cardápio é promissor - comentou Akiko. Na verdade, ela não sentia a menor
fome. Estava
nervosa demais por causa do estrangulador e excitada pela companhia de Sekio.
- Por que não escolhe a comida para nós dois? - sugeriu ela.
- Terei o maior prazer.
Sekio pediu coquetel de camarão para começar, depois escalopinho de vitela com
macarrão, acompanhado por um vinho tinto. Resolvido esse problema, os dois
começaram a conversar.
- Fale-me de sua vida - pediu Sekio. Ela sorriu.
- Nasci em Quioto e estudei na universidade local. Meu pai tinha um negócio em
Londres, e por isso nos mudamos para cá.
Saí de casa porque meu pai e minha mãe viviam insistindo que eu
deveria casar logo.
- E não quer casar?
- Claro que quero! - Akiko corou, e pensou: Será que falei demais?-Apenas
estou esperando pelo homem certo. - Fitou Sekio nos olhos enquanto dizia isso.
Ele sorriu. Sentia uma felicidade imensa. Sabia que era o homem certo para Akiko.
Enquanto comiam, conversaram sobre vários assuntos, e parecia que já se conheciam
fazia muito tempo. Foi um jantar maravilhoso. Ele pediu torta de sobremesa.
- Não para mim - protestou Akiko. - Tenho de vigiar meu corpo.
- Pode deixar que eu o vigiarei - gracejou Sekio. Os dois riram. Finalmente
chegou a hora de ir
embora. Agora, terei de enfrentar aquela horrível cabeça, pensou Akiko. Com
Sekio ao meu lado, porém, não sentirei medo. Entraram no carro e seguiram para o
apartamento de Akiko.
Uma hora antes, Alan Simpson, parado nas sombras, observou Akiko e Sekio partirem.
Lembrou de ter visto Sekio no supermercado Mayfair. Portanto, ele é
mesmo da polícia, pensou Alan Simpson. Mas nunca vai me pegar.
Ele esperou que o carro se afastasse e depois entrou no prédio. Arrombou a porta
com uma faca. Akiko morava no apartamento 3B.
Alan Simpson subiu pela escada até o terceiro andar.
Parou diante da porta do 3B, olhou para um lado e outro, a fim de se
certificar de que ninguém o observava. Arrombou a porta com a faca e
entrou no apartamento.
Percebeu logo que o apartamento se encontrava vazio. Então é aqui que
aquela desgraçada mora! Alan Simpson atravessou a sala, deu uma
olhada no quarto. Contemplou a cama e pensou: Ela nunca mais
dormirá aí.
Foi até o ateliê e parou de repente, ao deparar com seu próprio rosto.
Observou-o, incrédulo. Então é isso o que ela vinha fazendo! Esculpira
sua cabeça para entregar à polícia. Verificou que ainda não estava
pronta. No lugar dos lábios, havia um buraco.
Alan Simpson se adiantou, ergueu o punho e bateu com toda a força no
topo da cabeça. A argila endurecida se espatifou e caiu no chão. É isso o
que vai acontecer com aquela mulher, pensou. Tirou o pedaço de corda
do bolso. Agora, tudo o que tinha a fazer era esperar pela volta de
Akiko.

Capítulo Dez
Sekio e Akiko eram duas pessoas muito felizes. Haviam terminado o jantar
mas nem se deram conta disso. Continuaram sentados, conversando e rindo,
não faziam a menor idéia da passagem do tempo.
O restaurante encontrava-se apinhado, e outros casais esperavam por mesas. O
garçom aproximou-se de Sekio.
- Deseja mais alguma coisa, senhor?
Akiko levantou os olhos e notou as pessoas à espera de mesa, lançando-lhes
olhares irritados.
- Não, não queremos mais nada. Traga a conta, por favor. Acho que essas
pessoas gostariam de sentar logo. É melhor nos retirarmos.
- Pois não, senhor.
Saíram para o ar fresco da noite. Sekio olhou para o céu e pensou:
Ainda bem que não está chovendo. Assim, o estrangulador não atacará esta
noite.
Nesse momento, no apartamento de Akiko, Alan se perguntava por que ela
demorava tanto. Ela já saiu há muito tempo, pensou ele. Sentia-se nervoso. Foi
espiar pela janela, torcendo para que Akiko voltasse o mais depressa possível.
A previsão do tempo era de chuva, mas não havia o menor sinal de que
choveria. Os idiotas não sabem o que fazem, pensou Alan. Mas por que
preciso de chuva para matar? No fundo do coração, ele sabia por quê. Queria
que tudo fosse exatamente como no dia em que descobrira a verdade a respeito
da mãe. Precisava da chuva para lavar os pecados de suas vítimas.
Ora, com chuva ou sem chuva, Akiko Kanomori vai morrer, pensou Alan.
Olhou para o relógio e torceu para que ela chegasse logo.
Akiko e Sekio voltavam para o apartamento. Dentro de poucos minutos,
pensou Akiko, eu lhe darei a escultura da cabeça do estrangulador, ele irá
embora, e provavelmente nunca mais tornarei a vê-lo. Tinha vontade de dizer:
"Não quer me telefonar um dia desses?", mas não queria parecer avançada
demais. Era muito tímida. Quase como se lesse seus pensamentos, Sekio disse:
- Depois que este caso for encerrado, Akiko, talvez possamos nos encontrar
para jantar outra vez.
O coração de Akiko disparou em alegria.
- Eu ficaria muito satisfeita.
Sekio sorriu. Sabia que tudo daria certo. Queria a companhia daquela mulher
pelo resto da vida. Primeiro, no entanto, tinha de capturar o estrangulador.
- Sempre quis ser um policial? - perguntou Akiko. Ele sorriu.
- Desde que tinha dez anos de idade. Houve um assassinato em nosso bairro e
todos ficaram apavorados. Tínhamos medo de que o assassino voltasse para
matar mais alguém. Os policiais foram muito gentis. Disseram-nos que não
precisávamos nos preocupar, que pegariam o assassino, e estaríamos seguros.
Compreendi naquele momento que queria ser um policial para ajudar as
pessoas.
É espantoso!, pensou Akiko. A História que ele acaba de contar é exatamente
o que está acontecendo agora. Há um assassino ameaçando as pessoas, e
Sekio vai providenciar para que tudo acabe bem. Ela fitou-o e concluiu: Ele
não tem idéia do quanto é maravilhoso.
Passaram por Kensington Gardens. Os jardins estavam deslumbrantes ao luar.
- Já ouviu falar de um escritor chamado J.M. Barrie? - perguntou Sekio.
- Não, não o conheço.
- Ele escreveu um livro extraordinário, chamado Peter Pan, É a história de
um menino que não queria crescer e por isso permaneceu jovem para sempre.
A mãe expulsou-o de casa e ele foi para a Terra do Nunca. É uma linda história.
- Parece mesmo maravilhosa.
Akiko pensou: Sob certos aspectos, Sekio é como um menino, entusiasmado e
feliz.
Aproximavam-se de seu prédio. Dentro de poucos minutos, terminarei a
escultura e a darei a ele. Mas agora não sentia medo, porque Sekio estaria ao
seu lado enquanto trabalhava. A argila não mais a assustaria.
Estavam a dois quarteirões do prédio de Akiko quando depararam com o
acidente. Um carro fora atingido por um caminhão, e os destroços
espalhavam-se por toda a rua. Havia um homem caído na calçada, gemendo.
O rosto de Sekio se contraiu. Ele pegou o radio-transmissor do carro e avisou:
- Aqui é o carro dezessete. Houve um acidente na Pont Street, na altura do
número 2.624. Mandem uma ambulância imediatamente, por favor.
Ele desligou e virou-se para Akiko.
- Vou deixá-la em casa e voltarei para cuidar disto. Estarei em seu
apartamento dentro de alguns minutos.
- Não tem problema.
Akiko torceu para que o homem caído na calçada ficasse bom. Sekio acelerou
o carro e parou na frente do prédio dela.
- Voltarei o mais depressa possível, assim que puder.
- Não se preocupe. Já terei terminado a escultura quando chegar - avisou
Akiko.
Ela ficou parada na calçada observando o carro se afastar. Depois entrou no
prédio.
O homem na calçada não sofrerá ferimentos graves. Sekio abaixou-se e verificou seu
pulso.
- Você está bem? - perguntou ele.
- Acho que só um pouco machucado.
- Sente algum membro quebrado?
O homem apalpou os braços e as pernas.
- Parece que não. Devo ter sido lançado para fora do carro quando o
caminhão me atingiu.
- Pode se mexer?
- Posso.
O homem levantou-se. Sekio examinou-o atentamente. Parecia bastante
abalado mas sem ferimentos graves.
- Uma ambulância chegará em poucos minutos e o levará para o hospital.
- Não preciso de hospital. Estou bem.-O homem olhou para o carro. -
Minha mulher vai me matar. É o carro dela.
Um carro da policia chegou ao local do acidente. Dois guardas saltaram.
- Alguém ferido? - perguntou um deles.
- Acho que não - respondeu Sekio. - Por que não anota os detalhes do
acidente?
Ele estava ansioso por ir ao apartamento de Akifco, pegar a escultura da
cabeça do estrangulador e levar para o inspetor West
- Claro.
Sekio entrou no carro e partiu para o apartamento de Akiko. Espero que ela já
tenha acabado o trabalho, pensou.
Akiko entrou no apartamento, cantarolando. A conversa com Sekio a deixara
na maior felicidade. Reinava o silêncio no apartamento. Sekio chegaria em
poucos minutos. Tudo o que preciso fazer agora é concluir os lábios da
escultura e depois esquecer essa história, pensou ela.
Foi até o ateliê e parou na porta, aturdida. A cabeça estava caída no chão,
espatifada em uma dúzia de fragmentos.
Seu primeiro pensamento foi o de que a cabeça adquirira vida e destruíra a si
mesma. Antes que pudesse pensar em qualquer outra coisa, foi agarrada por trás
e sentiu uma faca encostada na nuca.
- Não grite - disse Alan - ou vou matá-la agora mesmo.
Akiko ficou paralisada pelo medo.
- Por favor, não me machuque - balbuciou ela. Ele empurrou-a para dentro
do ateliê.
- Quer dizer que ia mostrar isso à polícia, hein? Ela não sabia o que dizer.
- Não... eu...
- Não minta para mim!
Akiko virou-se para fitá-lo. Era como se estivesse contemplando sua escultura.
O homem parecia exatamente como o recordara.
Ela escapara uma vez antes mas agora se encontrava à mercê do assassino.
Preciso ganhar tempo, pensou Akiko. Sekio voltará a qualquer momento e me
salvará.
Ficou surpresa ao perceber que o estrangulador não tinha uma corda nas mãos.
E se perguntou qual seria o seu plano. Tencionava matá-la com a faca? Até
agora, ele só matara suas vítimas por estrangulamento.
- O policial vai voltar? - perguntou Alan. Akiko hesitou. Não sabia se era
melhor responder
sim ou não.
- Não.
- É melhor me dizer a verdade.
- O que vai fazer comigo?
Alan não decidira o que fazer com Akiko. Iria matá-la. Mas não sabia se seria
capaz de fazê-lo se não estivesse chovendo... chovendo como no dia em que
surpreendera a mãe beijando um estranho.
Terei de tirá-la daqui. Vou levá-la para meu apartamento e mantê-la presa lá
até que chova. E só então a matarei!
Nesse momento soou uma batida à porta. Alan levantou os olhos, aturdido.
- Quem pode ser? - sussurrou ele.
- Eu... não sei.
- Mentirosa! - Alan tinha o rosto vermelho de raiva.
- Ele voltou, não é? Pois vou matar os dois! - Comprimiu a faca
contra a nuca de Akifco.
- Não, por favor! - suplicou Akiko. - Não o mate! Ela sentiu um medo
terrível de que o estrangulador
pudesse matar Sekio. Estava mais preocupada com ele do que consigo mesma.
Alan ficou imóvel, a mente funcionando a mil. Tinha de se livrar do policial.
- Ele veio buscar a estátua que fez de mim, não é?
- É, sim.
- Por que não lhe deu antes?
- Ainda não tinha terminado.
Akiko tinha a esperança de que, se dissesse a verdade àquele louco, ele
deixaria Sekio ir embora ileso.
- Muito bem, vai fazer exatamente o que eu mandar - disse Alan. - Quero
que diga a ele que ainda não acabou a estátua e que só ficará pronta pela
manhã. Entendeu? - perguntou, nervoso.
Comprimiu a faca contra a nuca de Akiko, que pôde sentir um filete de sangue.
- Entendeu?
- Entendi.
- Abra a porta só um pouco. Se fizer um só movimento em falso, esta faca
entrará em seu pescoço.
Houve uma nova batida à porta.
- Mexa-se! - sussurrou Alan.
Ele se manteve por trás de Akiko, uma das mãos segurando-a pelo ombro, a
outra comprimindo a faca contra a nuca.
Conduziu-a até a porta. Ouviram a voz de Sekio do outro lado:
- Você está aí, Akiko?
Ela sentia a boca tão ressequida pelo medo que achou que não conseguiria falar.
- Responda! - sussurrou Alan.
- Ahn... estou, sim.
- Abra um pouco a porta! - ordenou Alan. Akiko respirou fundo e entreabriu a
porta. Podia
sentir a faca na pele. O estrangulador escondia-se por trás da porta, e Sekio não
podia vê-lo. Achou Akiko pálida demais.
- Você está bem? Aconteceu alguma coisa? Akiko sentiu vontade de gritar, avisar a
Sekio que o
estrangulador comprimia uma faca contra sua nuca. Queria dizer a Sekio que fugisse
para salvar-se.
- Claro que estou bem - balbuciou ela.
- Posso entrar?
Akiko abriu a boca e sentiu a faca pressionando sua nuca ainda mais.
- Por favor, perdoe-me, mas quando cheguei em casa senti um súbito cansaço e não
pude terminar a estátua.
Sekio ficou desapontado.
- Entendo. Eu esperava que...
- Ficará pronta pela manhã. Eu lhe telefonarei assim que acabar.
Havia uma expressão estranha em seu rosto. A preocupação de Sekio aumentou.
- Não está passando mal, não é? Gostaria que eu entrasse e...
Akiko sentiu de novo a pressão da faca.
- Não! Estou realmente exausta. Tenho certeza de que me sentirei melhor pela
manhã - avisou.
Tinha de mentir, mas o fazia para salvar a vida de Sekio. Se ele entrasse no
apartamento, o estrangulador o mataria.
Sekio murmurou, relutante:
- Muito bem, irei embora agora. Mas voltarei pela manhã.
- É melhor assim.
Ele fitou-a em silêncio por um longo momento, depois virou-se e afastou-se. Alan
empurrou a porta. - Akifco se encontrava a sós com o estrangulador.

Capítulo Onze
Sekio não conseguiu dormir naquela noite. Ficara transtornado pelo comportamento
de Akiko. Ela se mostrara cordial e efusiva durante toda a noite. E de repente tudo
mudara quando ele voltara ao apartamento.
Em vez de convidá-lo a entrar, Akiko o mandara embora. Prometera concluir a
escultura da cabeça do estrangulador ainda naquela noite e depois o despachara,
alegando sentir-se cansada.
Sekio tentou reconstituir como ela se comportara durante a noite e não pôde se
lembrar de nenhum momento em que demonstrasse cansaço. Ao contrário, Akiko se
mantivera alegre e animada. Era desconcertante.
E o pior, ficara numa situação difícil com o inspetor West.
- Eu esperava a escultura da cabeça do estrangulador ontem à noite. Onde está?
Sekio engoliu em seco, muito nervoso. Não queria criar problemas para Akiko.
- Lamento, senhor, mas houve um pequeno atraso. Eu lhe trarei a cabeça ainda esta
manhã.
- É melhor mesmo - disse o inspetor West. - Não se esqueça de que você será
afastado se o caso não for resolvido em dois dias.
- Tenho certeza que será resolvido.
Tudo o que tinha de fazer era pegar a escultura com Akiko, fotografá-la e distribuir
as cópias. O estrangulador seria identificado por alguém, com toda a certeza. Sekio
foi para sua sala.
Eram dez horas da manhã. Akiko já deveria ter aprontado a escultura da cabeça,
àquela hora. Ele telefonou para o apartamento. Ninguém atendeu. Ela deve ter
saído por alguns minutos, pensou Sekio.
Ligou de novo, meia hora depois, e mais uma vez às onze horas. Ninguém atendeu.
Por que ela não ficara em casa, trabalhando na escultura da cabeça do estrangulador?
E se a concluíra, por que não telefonara para avisá-lo? Teve o pressentimento de que
havia algo errado. É melhor dar um pulo ao apartamento. Chamou o detetive Blake
para acompanhá-lo.
Akiko estava em pânico. Sabia que ia morrer e mais do que nunca queria viver.
Quando Sekio fora embora, na noite anterior,
o estrangulador esperara para ter certeza de que o detetive não ficara à
espreita e depois forçara Akiko, sob a ameaça da faca, a ir para seu carro.
Obrigara-a a se encolher no chão, para que ninguém a visse. Já era de madrugada
quando chegaram ao apartamento dele em Whitechapel. Ele a levara para seu
pequeno apartamento.
Estava cheio de jornais, com reportagens sobre as vítimas do estrangulador. Ele é
louco, pensou Akiko. Preciso encontrar um jeito de escapar. Mas o homem não lhe
deu a menor chance. Pôs uma cadeira no armário e obrigou-a a sentar ali.
- Sente.
- Por favor, eu... Ele a esbofeteou.
- Faça o que estou mandando!
O estrangulador continuava com a faca na mão. Akiko sentou. Ele a amarrou, as
cordas apertando sua carne.
- Está me machucando - protestou ela. Ele tornou a esbofeteá-la.
- Eu disse para ficar calada!
Depois de se convencer de que Akiko não poderia fugir, ele fechou a porta do
armário e deixou-a lá dentro, no escuro. Ligou o rádio para ouvir a previsão do
tempo. Finalmente ouviu o que esperava:
- ...haverá oitenta por cento de probabilidade de chuva esta noite. As outras notícias...
Alan desligou o rádio. Queria acabar com aquilo o mais depressa possível. Era
perigoso manter a mulher em seu apartamento. Teria de matá-la naquela noite. Sairia
com ela para a chuva, procuraria uma rua escura e a estrangularia. Imaginou como
aquele detetive se sentiria ao ver o cadáver de Akiko caído na sarjeta.
Sekio bateu à porta do apartamento de Akiko. Não houve resposta. Era meio-dia.
- Talvez ela tenha saído para almoçar - sugeriu o detetive Blake.
Sekio franziu o rosto.
- Não creio. Ela sabe o quanto preciso da escultura. Se já tivesse acabado, teria me
telefonado. E se ainda não terminou, não creio que fosse sair para almoçar. - Ele se
sentia cada vez mais perplexo. - Vamos verificar se os vizinhos sabem para onde
ela foi.
Desceram para o andar de baixo. Sekio bateu à porta da Sra. Goodman.
- Desculpe incomodá-la. Sou o sargento Takagi. Estou procurando pela Srta.
Kanomori.
- Não a vi esta manhã - informou a Sra. Goodman. - Ela costuma vir aqui para
tomar um café, mas creio que se encontra ocupada, trabalhando em alguma coisa.
- Não a ouviu sair?
- Não, e de qualquer maneira não a teria ouvido.
-A Sra. Goodman teve uma idéia. - Sei aonde ela pode ter ido.
- Aonde?
- Ela expõe numa galeria perto daqui. Talvez tenha ido até lá.
A Sra. Goodman deu o endereço da galeria a Sekio e o detetive Blake.
- Muito obrigado pela informação.
Cinco minutos depois, os dois estavam na galeria. Sekio viu o retrato de Akiko
na janela e ficou atordoado. Se o assassino visse isto, pensou ele, saberia
quem ela é. O Sr. Yohiro cumprimentou-os na porta.
- Em que posso ajudá-los?
- Sou amigo da Srta. Kanomori - disse Sekio. - Gostaria de saber se ela
está aqui.
O Sr. Yohiro sacudiu a cabeça.
- Não. Ela passou por aqui ontem. Almoçamos juntos e conversamos sobre a
exposição dela aqui. Vai ser um grande sucesso.
- Mas não a viu hoje?
- Não.
- Há quanto tempo esta foto encontra-se na vitrine? - perguntou Sekio.
- Desde ontem.
Sekio sentiu um frio no coração. O estrangulador podia tê-la visto.
- Sr. Yohiro, alguém entrou aqui fazendo perguntas sobre a foto?
- Não. - Ele pensou por um momento. - Isto é, houve uma pessoa.
- Quem?
- Era um repórter. Queria entrevistar Akiko. Pediu o endereço dela.
- E informou-o?
- Claro. Ele era muito simpático e a publicidade será boa para a exposição.
Sekio e o detetive Blake trocaram um olhar.
- Esse repórter apresentou suas credenciais? - indagou Sekio.
- Não. Aceitei a palavra dele. Sekio virou-se para o detetive Blake:
- Vamos embora!
Akiko estava sentada no escuro, amarrada na cadeira. Fez um esforço para se
livrar das cordas; quanto mais se debatia, no entanto, mais apertadas se
tornavam. Os pulsos já sangravam. A porta foi aberta e Alan disse:
- Tenho de sair por algum tempo. Vou dar um jeito, para que não faça
qualquer barulho durante minha ausência.
Tinha um lenço grande na mão. Meteu-o na boca de Akiko e amarrou atrás da
cabeça, para que ela não pudesse gritar.
- Isso vai mantê-la quieta.
Akiko tentou falar, suplicar, mas as palavras não saíram. Ele sorriu.
- Voltarei em breve.
A porta foi fechada e Akiko ficou outra vez no escuro. Não vou deixar que
esse maníaco me mate, pensou ela. Sekio, onde você está? Venha me salvar!
Mas ela sabia que não havia a menor possibilidade. Sekio sequer tinha
conhecimento de seu desaparecimento, e mesmo que descobrisse, não poderia
saber para onde ela fora levada.
Se quero viver, concluiu Akiko, tenho de me salvar sozinha. Mas como? Tinha
as mãos e os pés amarrados na cadeira, e a porta do armário fora fechada. Não
posso simplesmente ficar sentada aqui, decidiu ela. Tenho de fazer alguma
coisa.
Começou a se movimentar para a frente e para trás, fazendo a cadeira balançar.
Sentia uma dor intensa, por causa das cordas apertadas, mas estava
determinada a escapar. Continuou a balançar a cadeira até que caiu contra a
porta fechada do armário, abrindo-a.
Ficou caída no chão, amarrada na cadeira, respirando com dificuldade. Correu
os olhos pelo apartamento. Estava vazio. O estrangulador saíra. Conseguira sair
do armário mas sua situação não era muito melhor do que antes.
Precisava encontrar um meio de se livrar das cordas. Havia uma mesa de vidro
no outro lado do apartamento. Usando os pés, Akiko arrastou-se pelo chão até
a mesa, puxando a cadeira. Tinha as mãos amarradas nas costas.
Ao chegar à mesa, estendeu a corda contra a beira afiada do vidro
e começou a erguer e baixar as mãos. O vidro também cortava seus
pulsos e podia sentir o sangue quente escorrer.
Tinha uma pressa desesperada, com receio de que o estrangulador pudesse voltar a
qualquer momento. Finalmente soltou uma das mãos, depois a outra. Desamarrou as
pernas e levantou-se. Tremia toda.
Respirou fundo. Estou livre, pensou. Encaminhou-se para a porta do apartamento.
Nesse instante a porta se abriu, e ela deparou com o estrangulador, que lhe
perguntou:
- Vai a algum lugar?
Sekio e o detetive Blake estavam no corredor, diante da porta do apartamento de
Akiko. Sekio examinou a fechadura.
- Há alguns arranhões, o que indica que alguém arrombou a porta.
Ele tirou uma gazua do bolso.
- O que vai fazer? - perguntou o detetive Blake.
- Vamos entrar.
- Não podemos. Não temos um mandado judicial. Teremos de ir à chefatura para
pedir.
- Não há tempo.
Sekio recordou a maneira estranha como Akiko se comportara na noite anterior.
Parecia evidente que o estrangulador se encontrava ao seu lado. Ele abriu a porta
com a gazua e os dois entraram no apartamento.
Tudo parecia normal. Não havia sinal de luta em parte alguma. Sekio deu uma
olhada no quarto. A cama não fora desfeita.
- Ela não passou a noite aqui - comentou ele. Foram para o ateliê. Sekio
parou na porta, aturdido.
A cabeça do estrangulador estava no chão, fragmentada em vários pedaços. O
detetive Blake também se mostrava espantado.
- Por que ela faria isso?
- Não foi ela - disse Sekio.
- Então quem foi?
- O estrangulador.
Sekio teve certeza de que o estrangulador estava no apartamento quando ali
voltara, depois de cuidar do acidente. Que idiota eu fui!, pensou ele. Deveria
ter percebido que havia algo errado. Akiko ainda estaria viva? E foi então que
Sekio se lembrou de uma coisa. Não chovera na noite anterior, e o
estrangulador só matava na chuva.
Ele pegou o telefone e discou.
- Para quem está ligando? - perguntou o detetive Blake.
- Para o Serviço de Meteorologia. Uma voz gravada informou pelo telefone:
- A previsão para esta noite é de oitenta por cento de possibilidade de chuva.
Haverá ventos soprando de nordeste...
Sekio desligou. Ia chover naquela noite. Se não a encontrasse antes, Akiko
morreria.
Sekio foi até os pedaços de argila espalhados pelo chão. Estudou-os por um
momento, antes de pedir:
- Veja se há alguma sacola no apartamento.
- Uma sacola?
- Isso mesmo. Vamos levar os fragmentos da cabeça de argila para a Scotland
Yard.
Akiko foi levada de volta ao armário. Mas desta vez Alan usou uma corda mais
grossa, amarrando-a na cadeira tão apertada que ela teve vontade de gritar. Só
que não podia por causa da mordaça na boca.
- Foi uma garota impertinente, e por isso terá de ser castigada - disse Alan.
Levantou a corda que usaria para estrangulá-la.
- Lembra qual foi a sensação disto em torno de seu pescoço? Pois saiba que
vai sentir de novo. Mas desta vez não acontecerá nada para nos interromper. E
nem precisa se dar ao trabalho de tentar escapar. Não vou mais deixá-la
sozinha no apartamento.
Na Scotland Yard, três peritos ocuparam-se em montar os fragmentos da
cabeça de argila.
- Ele não fez um bom trabalho ao destruí-la - comentou um dos peritos. -
Os fragmentos não se estilhaçaram e a reconstituição será fácil.
Havia algumas rachaduras quando terminaram de montá-la, mas era uma boa
semelhança.
- E agora? - indagou o detetive Blake.
- Pegue uma câmera e tire uma foto. Quero que faça uma centena de cópias o mais
depressa possível.
- Certo.
O próprio Sekio levou a primeira cópia à galeria do Sr. Yohiro.
- Este é o repórter que esteve aqui ontem?
- É, sim.
Sekio olhou para o relógio. Eram cinco horas da tarde. Restava-lhe pouco tempo
antes que escurecesse, começasse a chover... e então Akiko morreria.

Capítulo Doze
Akiko sabia que ia morrer. Continuava sentada no armário escuro, amordaçada e
amarrada, incapaz de se mexer. Sequer podia tentar escapar porque o estrangulador
permanecia no cómodo ao lado.
O que ele está esperando?, especulou Akiko. Ficaria ainda mais apavorada se
soubesse que ele esperava a chuva cair.
E faltava pouco tempo para isso.
A maior caçada humana em Londres fora desencadeada. Sekio mandara fazer uma
centena de cópias da cabeça do estrangulador e guardas e detetives circulavam pelas
ruas de Whitechapel, mostrando a foto aos moradores, na esperança de que alguém
pudesse identificá-lo.
Sekio tivera uma reunião com o inspetor West, que lhe perguntara:
- Não acha que devemos mostrar essa foto por toda Londres? O que o faz ter
tanta certeza de que vamos encontrá-lo em Whitechapel?
- Todas as vítimas foram assassinadas ali - dissera Sekio, obstinado. -
Estou absolutamente convencido de que ele as seleciona nos supermercados do
bairro.
Ele queria logo encerrar a reunião, a fim de poder participar também da busca
em Whitechapel. Sabia que Akiko estava em poder do estrangulador e não
poderia suportar se acontecesse alguma coisa a ela.
- Muito bem - dissera o inspetor West -, eu lhe darei todos os homens de
que precisa. Descubra-o antes que ele torne a matar.
E assim começara a caçada humana.
Sekio dividiu o bairro em seções, e cada homem foi encarregado de investigar
uma área diferente. Um detetive entrou numa loja de departamentos e mostrou
a foto do assassino ao gerente.
- Estamos procurando por este homem - disse o detetive. - Já o viu alguma vez?
O gerente examinou a foto e balançou a cabeça.
- Não.
- Importa-se que eu mostre a foto a seus funcionarios?
- Claro que não.
Nenhum deles pôde identificar o homem.
Os policiais entraram em farmácias, barbearias, mercearias e lojas de ferragens.
Ninguém jamais vira o homem da foto. O
detetive Blake comentou com Sekio:
- A situação não é nada boa, sargento. Não descobrimos nenhuma pista.
Talvez o inspetor West tenha razão. O homem mora em outro bairro, e só vem
aqui para pegar suas vítimas.
- Não acredito nessa possibilidade-insistiu Sekio. - Tenho um forte
pressentimento de que ele vive mesmo por aqui, em algum lugar.
Sekio olhou para o céu, foi até uma cabine telefônica e discou.
- Para quem está ligando?
- Para o Serviço de Meteorologia. Uma voz gravada disse pelo telefone:
- ...e os ventos sopram de nordeste, com uma velocidade de quinze
quilômetros horários. Uma área de alta pressão aproxima-se pela costa e
espera-se uma chuva intensa. A temperatura é...
Sekio desligou.
- Vai chover - anunciou ele ao detetive Blake. - Diga aos homens para se
apressar.
Em seu apartamento, o estrangulador olhava pela janela, estudando o céu.
Nuvens escuras acumulavam-se. Daqui a pouco, pensou ele, feliz. A chuva não
deve demorar.
Pensou na mulher trancada no armário - e sorriu. Muito em breve ela estaria
morta.
Foi Sekio quem encontrou alguém que pôde identificar Alan Simpson. O vendedor
da mercearia onde o estrangulador fazia suas compras disse:
- Claro que o conheço. Ele vem sempre aqui. Sekio sentiu o coração disparar.
- Sabe seu nome?
- Não, mas sei que ele mora aqui por perto.
- Como pode saber?
- Um dia ele comprou muitas coisas e perguntei se precisava de ajuda para carregá-las
até a casa dele. Respondeu que não, que morava aqui perto.
Dois minutos depois, Sekio falava pelo transmissor da polícia:
- Mande que todos os homens no caso se desloquem imediatamente para esta área.
- Ele deu o endereço. - Quero que verifiquem todos os prédios de apartamentos
num raio de quatro quilômetros. E depressa!
Os policiais foram de porta em porta, mostrando a foto aos moradores.
- Já viu este homem antes?
- Não. Quem é ele?
- Já viu este homem antes?
- Parece muito com meu falecido marido.
- Seu falecido marido?
- Isso mesmo. Ele morreu há dez anos...
- Já viu este homem antes?
- Não. Por que quer saber?
E, de repente, um golpe de sorte.
- Já viu este homem antes?
- Claro. Ele mora neste quarteirão.
Dois minutos depois, o próprio Sekio estava falando com a moradora.
- Disse ao guarda que sabia quem é este homem, madame?
- Não sei o seu nome, mas sempre passava por ele. Não o tenho visto ultimamente.
Ele mora naquele prédio no outro lado da rua.
Sekio atravessou a rua e entrou no prédio indicado. O administrador indagou:
- O que deseja?
Sekio mostrou a foto do estrangulador.
- Conhece este homem?
- Conheço. É Alan Simpson, um dos inquilinos.
- Ele mora aqui?
- Morava. Despejei-o há algumas semanas. Sekio ficou atordoado.
- O quê?
- Ele vinha agindo de uma maneira muito esquisita. Não gosto de inquilinos assim,
e por isso lhe disse que fosse embora.
- Sabe para onde ele se mudou? O administrador deu de ombros.
- Não. Um caminhão de mudança levou seus móveis e nunca mais o vi desde
então.
Sekio pensou depressa.
- Um caminhão de mudança? Viu o nome da companhia?
- Não. Para dizer a verdade, eu não estava interessado. Por que o procura?
Ele cometeu algum crime?
Os crimes mais terríveis que alguém poderia cometer, pensou Sekio.
Meia dúzia de policiais entraram em ação pelo telefone, ligando para todas as
companhias de mudanças da área. Acertaram no alvo na sexta ligação.
- Levamos a mudança de um homem desse endereço há cerca de três
semanas.
- Tem o endereço para onde foi a mudança? - perguntou Sekio.
- Claro.
Ele deu o endereço a Sekio.
Começou a chover. Alan Simpson estava pronto. Inclinou a cabeça pela janela
e sentiu a chuva deliciosa no rosto. Agora podia fazer o que Deus queria
que ele fizesse. Mandaria outra alma iníqua para o inferno.
Alan foi até o armário e abriu a porta. Akiko continuava na cadeira, fazendo um
esforço para se livrar das cordas. Alan sorriu.
- Não precisa se debater mais. Vou soltá-la.
Por um instante, os olhos de Akiko se encheram de esperança. Depois ela
percebeu a expressão do estrangulador e compreendeu que estava perdida.
O homem era louco.
- Vou puni-la por tentar me entregar à polícia - acrescentou Alan. - É uma
garota impertinente. Sabe disso, não?
Akiko tentou responder, mas a mordaça na boca a impedia de falar qualquer
coisa.
- É isso mesmo - continuou Alan. - E sabe o que fazemos com garotas
impertinentes? Vai descobrir.
Ele foi para a cozinha, abriu as portas dos armários e encheu uma bolsa de
compras com mercadorias das prateleiras. Tudo tinha de ser exatamente como
ocorrera com as outras mulheres que matara. Akiko teria de carregar uma bolsa
de compras ao morrer. A única diferença é que ele estaria com uma faca em sua
garganta, para evitar que ela escapasse, e depois a estrangularia.
Alan terminou de encher a bolsa e foi pegar o guarda-chuva. Tudo deve ser
exatamente igual às outras vezes.
- Tenho o endereço onde ele mora - disse Sekio.
- E se ele não estiver no apartamento?-perguntou o detetive Blake.
Sekio já pensara nisso. Calculava que o estrangulador manteria Akiko como
refém no apartamento. Se estivesse enganado, Akiko morreria.
- É a nossa única chance - disse ele. - Vamos embora!
Entraram no carro da polícia e Sekio ordenou ao motorista:
- Depressa!
O motorista virou a chave na ignição. A bateria pifara.
- Muito bem, vamos dar um pequeno passeio - disse Alan a Akiko.
Akiko sabia o que isso significava. Sacudiu a cabeça.
- Não tente resistir - murmurou Alan. - Não vai querer que eu corte essa linda garganta.
Ele comprimiu a faca contra a garganta de Akiko, que ficou imóvel
- Assim é melhor. Agora, vou desamarrá-la. Continuará sentada até eu mandar
que levante. Entendido?
Akiko não respondeu. O estrangulador tornou a comprimir a faca contra a garganta
dela, que acenou com a cabeça.
- É assim que uma boa menina se comporta. Alan usou a faca afiada para cortar as
cordas.
Em menos de um minuto, Akiko estava livre. Tentou se levantar mas sentiu uma
vertigem. Levou a mão à testa e balbuciou:
- Acho que vou desmaiar.
- Se desmaiar, eu amatarei aqui mesmo.
Não queria matá-la no apartamento. Tinha de ser lá fora, a fim de que a chuva a
purificasse.
- Vamos embora!
Alan pegou a bolsa com as compras e estendeu-a para os braços de Akiko.
- O que você...?
- Cale a boca e faça o que eu mandar! Fingiremos que fez essas compras num
supermercado, descobriu que estava chovendo na hora de sair e não tinha um
guarda-chuva. Entendeu?
Akiko balançou a cabeça, apavorada demais para falar.
- E foi então que me ofereci para acompanhá-la até em casa, sob a proteção do
meu guarda-chuva-explicou ele.
Levou Akiko até a porta.
- Vamos sair agora. Se tentar gritar, cortarei sua garganta. Entendeu?
Akiko tentou falar, mas a garganta estava completamente ressequida. O apartamento
de Alan ficava no segundo andar do prédio, e ele a segurou pelo braço, enquanto
desciam a escada. A outra mão empunhava a faca.
Akiko rezou para que encontrassem alguém na escada. Alguém que pudesse ajudá-la.
Mas não havia ninguém. Alcançaram a porta do prédio. Alan sorriu, ergueu o
guarda-chuva.
- Está vendo como sou um cavalheiro? Vou acompanhá-la até em casa, com meu
guarda-chuva a protegê-la.
Ele é completamente louco, pensou Akiko. Que Deus me ajude! Mas não havia
ninguém para socorrê-la. A rua estava escura e deserta. Alan apertou-lhe o braço
com mais força ainda e sairam para a chuva.
Ele experimentava uma agradável sensação. Todo o excitamento antigo ressurgia.
Sentia-se como Deus. Dentro de poucos minutos, acabaria com outra vida humana.
Era todo-poderoso. Sabia o quanto a polícia o procurava, mas ele era mais esperto.
Foram andando pela rua e ele avistou à frente um trecho na mais absoluta escuridão.
Todos os lampiões por perto haviam sido quebrados. Perfeito!, pensou Alan.
Akiko tentou andar mais devagar, mas ele empurrou-a para a frente. Sentia-se
ansioso pela emoção que tanto apreciava.
Para Akiko, era um pesadelo total. Revivia a cena terrível que acontecera poucas
noites antes, quando ele a escoltara por outra rua escura e tentara estrangulá-la. Um
acaso a salvara naquela ocasião, mas agora não haveria ninguém para ajudá-la.
A chuva tornava-se mais intensa agora. Ela sentiu o guarda-chuva sair de cima de
sua cabeça, quando Alan se pôs um passo atrás. E depois sentiu uma cutucada nas
costas, largou a bolsa com as compras. Um instante depois, uma corda envolveu-lhe
o pescoço. Alan a fitou, sorrindo.
Nesse momento, meia dúzia de faróis iluminaram a cena. Estavam cercados por
carros da polícia, estacionados ao longo da rua. Alan virou a cabeça, surpreso.
- O quê...?
- Largue a corda e a faca! - ordenou Sekio. - Agora!
Alan olhou ao redor, atordoado. Podia divisar os vultos de meia dúzia de policiais
avançando em sua direção. Como fora descoberto?
- Mandei largar a corda e a faca! - disse Sekio. Iam tentar privá-lo de sua vítima.
Mas ele não
permitiria. Faria com que ela pagasse pelo que fizera. Era sua mãe e tinha de morrer.
Alan ergueu a faca, e gritou:
- Morra!
Um tiro foi disparado nesse instante, e Alan caiu. Sekio baixou a arma e correu para
Akiko.
- Você está bem? Ela abraçou-o.
- Graças a Deus que você está aqui! - Akiko desatou a chorar.
Sekio abaixou-se, verificou o pulso de Alan. Não havia mais qualquer pulsação. Ele
virou-se para Akiko:
- Lamento não ter vindo mais cedo.
Quando o carro da polícia não pegara, Sekio fizera sinal para um carro que passava
pela rua e mandara que o homem o levasse ao endereço de Alan. Usara o transmissor
para ordenar que outros carros da polícia convergissem para o local. Determinara
que estacionassem ao longo da rua e que todos ficassem quietos.
Sekio se encontrava no outro lado da rua quando Akiko e Alan deixaram o prédio e
esperara até poder atirar no estrangulador sem a possibilidade de atingir Akiko.
Agora, tudo acabara.
Na delegacia, Sekio foi tratado como um herói. O inspetor West e todos os outros
policiais deram-lhe os parabéns por seu excelente desempenho.
- Eu gostaria que continuasse a trabalhar comigo - declarou o inspetor.
- Muito obrigado, senhor.
Ele era muito jovem para receber tamanha honra.
- Antes que eu me esqueça - acrescentou o inspetor West -, minha esposa e eu
estamos oferecendo um pequeno jantar esta noite. Se estiver livre, eu gostaria que
nos desse o prazer de sua companhia.
- É muita gentileza sua, senhor, mas já tenho um compromisso.
- Ahn... talvez em outra ocasião.
- Claro, senhor.
O compromisso de Sekio era com Akiko. Jantariam juntos naquela noite, e Sekio
sabia, no fundo do coração, que isso continuaria a acontecer todas as noites, pelo
resto de suas vidas.

 

 

                                                                  Sidney Sheldon

 

 

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