Biblio "SEBO"
Um físico teórico mostrou não só que o rei dos estudos culturais vai nu, como toda a corte se passeia na mais chocante nudez da ignorância. E fê-lo convencendo os cronistas oficiais a publicarem, nas páginas centrais da crónica do reino, a fotografia de toda a corte tal como veio ao mundo.
Os protagonistas desta história extraordinária são um anónimo professor de Física da Universidade de Nova Iorque, Alan Sokal, e os editores de uma revista académica, Social Text. Esta publicação move-se nas áreas humanísticas genericamente designadas como estudos culturais e sociais. É uma das principais publicações de vanguarda dedicadas à crítica da ciência nos seus aspectos social e político; é influenciada pelas correntes pós-modernistas e pós-estruturalistas, posicionando-se em áreas ideologicamente à esquerda. O seu teor é de grande enganjamento político.
Em 1995 o professor Sokal submete um artigo para publicação na Social Text. O artigo é uma compilação de jargão pós-modernista e desconstrutivista, recheado de citações pias e reverenciais a todas as pessoas certas: Derrida, Lacan, Barthes, Lyotard, Hyppolite, Aronowitz e Ross, estes últimos editores da Social Text (também Portugal figura no quadro de honra das citações de Sokal, por meio de dois artigos de Boaventura Sousa Santos). Usa todas as obscuras passwords características do chamado lit-crit speak.- desconstrução, hermenêutica, descentramento, transgressão. Retira as conclusões adequadas às inclinações ideológicas dos editores: os culpados são os do costume (o homem branco, a «realidade», o poder instituído), as vítimas as do costume (mulheres, minorias). Nos seus dados biográficos, Sokal refere ainda o facto de ter sido professor de Matemática na Nicarágua «durante o governo sandinista».
A forma do artigo era a ideal para publicação. Houve, contudo, um pequeno pormenor que parece ter passado despercebido aos editores da Social Text: o artigo de Sokal era uma farsa. Este insignificante pormenor parece não ter despertado a atenção dos editores da Social Text. E, assim, saiu o número de Maio-Junho de 1996, em que o último artigo, o de Sokal, tinha o título «Transgressão das fronteiras: para uma hermenêutica transformativa da gravidade quântica».
O artigo de Sokal era um campo minado de hilariantes barbaridades capazes de rivalizarem com a famosa «anedota assassina» dos Monty Python para quem lesse o texto com um mínimo de atenção - e conhecimento. Qualquer estudante universitário com formação em matemática ou física choraria de riso com algumas passagens. Por exemplo, prolongando a afirmação de Derrida segundo a qual «a constante einsteiniana não é uma constante, não é um centro», Sokal diz que «o Pi de Euclides e o G de Newton, antes considerados constantes e universais, surgem agora na sua inelutável historicidade». Ou seja, Pi varia com o tempo! Mais à frente, afirma que «Lacan apontou o papel fundamental desempenhado pela topologia diferencial nas ciências sociais e psicológicas [... ] mostrou que o 1º grupo de homologia da esfera é trivial, enquanto os outros são profundos». A contraposição é hilariante: dizer que um grupo é trivial significa simplesmente que ele tem um só elemento. Dizer que é «profundo» não significa nada. Encontramos ainda pérolas como a seguinte: «O campo morfogenético interage com toda a matéria e energia, independentemente de esta estar ou não magneticamente carregada.» A morfogénese, recorde-se, é um campo... de investigação em biologia, não de forças. E as cargas magnéticas não existem.
Mas não é preciso ir muito longe. Logo no segundo parágrafo, Sokal afirma imperturbavelmente que «tem vindo a tornar-se claro que a ‘realidade física, tal como a “realidade” social, é, no fundo, uma
construção linguística e social». Note-se: é a realidade física, e não as teorias que a descrevem, que é uma construção.
Numa entrevista que mais tarde daria Sokal desafia quem acreditar nisto a tentar a desconstrução e transgressão das leis da física atirando-se da janela da sua casa (21º andar). Mas há muito mais: «o pensamento feminista tem mostrado a necessidade de uma análise da turbulência nos fluidos»; na teoria de conjuntos o axioma da igualdade, imposto pelo feminismo, foi introduzido em virtude das correntes liberais e emancipatórias do final do século XIX; a topologia diferencial, tradicionalmente dedicada ao estudo de variedades sem bordo, virou-se na última década para o estudo de variedades com bordo «em virtude da crítica feminista». E o que acontece quando se atravessa o bordo, isto é, se transgride a fronteira no sentido lacaniano? Este é o problema «conhecido tecnicamente como o problema das condições na fronteira»!
O artigo termina em grande estilo, concluindo pela necessidade de instaurar uma «ciência liberatória, pós-moderna», que liberte o homem não só da tirania dos outros homens como da tirania da «verdade absoluta» e da «realidade objectiva». A fundação desta ciência liberatória exige nada menos do que a criação de uma «matemática emancipatória e progressista, livre do seu carácter elitista e autoritário, enriquecida com os resultados das críticas feminista, gay, multiculturalista e ecológica»!
Em suma, o artigo de Sokal é um delírio quase paranóide. Assombrosamente, acabou por ser publicado numa das melhores revistas académicas da área dos estudos culturais!
A intenção de Sokal, embora claramente satírica, não foi gratuita. Ele explica-se num artigo, publicado em simultâneo com este em Língua Franca, com o título Um Físico Faz Experiências com os Estudos Culturais. Numa frase: o rei vai nu. Sokal, que se afirma de esquerda (ele foi de facto professor na Nicarágua sandinista), começa por se afirmar chocado com «o declínio do rigor intelectual de certas áreas humanísticas americanas». Para compreender se esta falta de rigor era real, decidiu testar se um artigo completamente absurdo seria aceite para publicação desde que verificasse os critérios de (a) soar bem e (b) adular os preconceitos ideológicos dos editores. O resultado da análise foi positivo.
A corrente que desperta a irritação de Sokal é o movimento pós-Modernista, desconstrutivista, relativista, que, nas suas palavras, «nega a existência da realidade objectiva, ou, quando muito, admite a sua existência, mas afirma que esta é irrelevante». Ross afirmou numa conferência: «Não nego que exista uma lei da gravidade. Considero, no entanto, que não há leis na natureza, apenas na sociedade.» Mas existe um mundo real; as suas propriedades não são meras construções sociais; os factos e provas são importantes. «A aceitação do meu artigo revela a arrogância intelectual da teoria - no caso, a teoria literária pós-modernista - levada ao extremo. Não me espanta que não tenham consultado um físico: «se tudo é discurso e “texto”, o conhecimento do mundo real é supérfluo.»
Politicamente, Sokal considera grave o facto de todo este movimento ter as suas raízes na esquerda. Ironia do destino: ao fim de dois séculos em que a esquerda empunhou a bandeira da razão para combater o obscurantismo e promover o progresso é umjet-set académico pseudo-intelectual da própria esquerda a advogar o subjectivismo da realidade e a «trair uma valiosa herança» - o que o entristece, pois considera-se um homem de esquerda por causa da lógica, e não apesar dela. Sokal quer reafirmar o legado iluminista que esta clique rejeita. «A esquerda tornou-se intelectualmente preguiçosa. Os editores da Social Text gostaram do meu artigo porque gostaram das suas conclusões; pelos vistos, não sentiram a necessidade de avaliarem a qualidade ou a relevância dos argumentos.» Sokal ofereceu aos pós-modernistas a possibilidade de demonstrarem o seu rigor intelectual.
O resultado ficou dolorosamente à vista.
Infelizmente para os editores da Social Têxt, o caso rapidamente saltou das conversas de corredor das universidades para os media americanos. Começou pelo New York Times, espalhando-se por jornais nacionais e regionais, Newsweek e Time, TV e Internet. Sokal foi entrevistado, e o caso chegou a ser a estrela do Rush Limbaugh Show. Em cerca de quinze dias o caso tinha dado a volta aos Estados Unidos; Aronowitz, Ross, Fish, Robbins e a sua entourage andaram nas bocas do mundo, tornando-se alvo de sarcasmo e de inúmeras anedotas. A «Transgressão das fronteiras» de Sokal tinha transgredido as fronteiras da academia e atingido o grande público, que ainda por cima ria alarvemente. Impunha-se uma reacção - quanto mais não fosse, por uma questão de relações públicas.
Poder-se-ia pensar que uma área cuja actividade é a crítica, perante este cenário de catástrofe, começasse por analisar-se a si própria, tentando compreender o que se tinha passado de errado - um pouco como os especialistas de segurança fazem ao analisarem os destroços de um desastre de avião. No entanto, numa sucessão de artigos em jornais, os editores mostraram não só não terem tirado nenhuma ilação do processo como, acima de tudo, mantiveram uma postura de imperturbável arrogância e paternalismo. Em suma, consideravam-se acima de qualquer crítica; o artigo de Sokal era apenas uma «graçola de mau gosto».
Eis um resumo das suas afirmações, tais como foram publicadas. Em primeiro lugar, os editores não compreendiam as ideias que estavam a publicar (Robbins reconhece a sua «ignorância científica»), o que não é muito abonatório numa publicação dedicada à crítica da ciência. Em segundo lugar, a Social Text não tem um sistema de referees; no caso de falta de competência dos editores (como era o caso de Sokal), a publicação é decidida com base nos «critérios pessoais dos editores». Ou seja, ajuda ser bom amigo. Em terceiro lugar, a publicação do artigo de Sokal foi decidida por razões políticas: nas palavras de Robbins, por «entusiasmo por um suposto aliado político. Pensámos que o artigo afirmava que a física quântica, adequadamente contextualizada, confirma a filosofia pós-modernista.» Note-se: o que «confirma» a ideologia dos editores é bom porque «confirma», não porque seja verdade - exactamente o que Sokal pretendia demonstrar! Em quarto lugar, foram paternalistas para com o autor. Não compreendendo o artigo, concluíram que era apenas uma «zelosa tentativa de um cientista para fazer chegar os princípios do pós-modernismo aos desenvolvimentos da sua área». Deviam, portanto, encorajar o pobre coitado, publicando o artigo, independentemente de ser compreensível ou de fazer sentido. Em quinto lugar, um facto quase esquizofrénico: mesmo depois de Sokal revelar o jogo e de rebentar o escândalo, um dos editores recusava-se a acreditar que o artigo fosse uma farsa, estando convencido de que Sokal «se teria arrependido, tendo-se vergado a sua coragem intelectual». Talvez imaginasse que o sistema o tivesse torturado e obrigado a assinar autocríticas falsas por medo de represálias à família. Este editor passou ao lado, entre tantas outras coisas, da subtil ironia do título do artigo, «Transgressão das fronteiras»...
Do ponto de vista das relações públicas, estas declarações foram um desastre, alimentando o impacto mediático do escândalo. Mas dentro do pequeno mundo da academia deram uma enorme machadada na credibilidade e no respeito intelectual inspirados por este grupo e pela corrente que representam. Ao ver exposta na sua própria revista, sob o manto não muito diáfano da arrogância, a nudez crua da sua vacuidade, a reacção da corte pós-modernista foi dizer que só os bárbaros podiam considerar aquilo nudez.
Em Novembro de 1996, a Social Text era, com toda a justiça, distinguida com o Prémio IgNobel da Literatura. Os prémios IgNobel, inspirados noutro prémio com nome semelhante, são uma espécie de antiprémios da ciência e cultura - mas reservados a realizações verdadeiramente ignóbeis.
E isto foi apenas o princípio de uma longa história. Alan Sokal tinha realizado uma investigação sobre os autores pós-modernistas e desconstrutivistas; o dossier era enorme e continha factos quase inauditos. Durante o ano de 1997 prepara, juntamente com o físico belga Jean Bricmont, um livro que iria lançar sobre os meios académicos ondas de choque ainda mais violentas do que o seu artigo: Impostures intellectuelles, editado originalmente em Outubro de 1997 em francês pelas Éditions Odile Jacob.
Na capa surge um guru, de ar profundo, olhos em alvo e com um turbante, segurando uma bola de cristal onde podem ler-se expressões como «entropia», «teorema de Gödel», «geometria não euclidiana», «números imaginários», «relatividade de Einstein». E o prefácio não poderia ser mais claro: a intenção do livro é a crítica da «nebulosa pós-moderna». Não do pós-modernismo enquanto posição filosófica, mas da utilização deslocada, absurda e abusiva pelos autores pós-modernos dos conceitos ou do jargão provenientes das ciências exactas. Como disse mais tarde Sokal, o objectivo do livro é o de «abrir os olhos».
O livro desmonta de forma brilhante o discurso de gurus franceses do pós-modernismo: Jacques Lacan, Julia Kristeva, Luce Irigaray, Jean Baudrillard, Gilles Deleuze, Bruno Latour, Félix Guattari, Paul Virilio.
Para alguém que tenha um mínimo de formação científica, o espectáculo seria hilariante se não se tornasse, a espaços, deprimente.
As revelações de Sokal e Bricmont assumem a proporção de escândalo; parte do livro são citações integrais, para que não restem dúvidas sobre os factos. O que mostram é que estes autores têm como objectivo único serem incompreensíveis para darem a ilusão de profundidade. Para o conseguirem munem-se de conceitos e jargão científicos que nada têm a ver com aquilo sobre que falam e de cujo significado eles próprios não têm ideia, polvilhando o discurso de forma arbitrária com esses termos.
Os exemplos são abundantes. Lacan dispara casualmente que a estrutura real do neurótico é o toro e que descobriu esse facto utilizando a descoberta mais recente da topologia - a compacidade! Kristeva afirma que a linguagem poética decorre da potência do contínuo, confundindo o conjunto com dois elementos {0,1} com o intervalo [0,2] (o que mostra que não faz ideia do que está a dizer); Baudrillard diz que as guerras se desenrolam num espaço não euclidiano; Lacan afirma que o órgão eréctil humano se identifica com o número complexo i e que a base de todas as teorias matemáticas é «a fórmula “n mais l”» (sic). Latour pergunta-se se «não terá ensinado nada a Einstein».
O teorema de Gödel, a relatividade, a mecânica de fluidos, a lógica booleana, o caos, a indeterminação de Heisenberg, os anéis (que Kristeva afirma serem construções da... topologia), fazem aparições nestes discursos da mesma forma gratuita, absurda e sem sentido. A maioria das afirmações nem erradas estão; são simplesmente absurdas e revelam uma total ignorância do autor sobre aquilo que arbitrariamente se lembrou de invocar. «Invocar» é, de resto, um termo apropriado neste contexto: todo o processo está mais próximo de uma sessão espírita do que de um discurso racional!
Estas referências têm um só objectivo: tornar o discurso incompreensível. Como o público a que se dirige o texto não conhece as noções científicas invocadas, não pode avaliar que está em presença de uma farsa. Pelo contrário: como não compreende as referências oblíquas, presume que isso se deve à sua própria ignorância. O discurso vazio, pseudoprofundo e desavergonhadamente fraudulento passa, assim, por erudição científica! Ao longo de todo o livro, a mensagem de Sokal e Bricmont não podia ser mais explícita: os reis pós-modernos não só estão nus, como se exibem despudoradamente em sessões porno perante plateias que os veneram.
A reacção dos meios intelectuais franceses à publicação de Impostures intellectuelles foi de uma violência extrema, a que faltou apenas o espancamento público. Em primeiro lugar, o facto de Sokal e Bricmont terem optado por publicar o seu livro em França foi encarado como uma provocação. A partir daí foi apenas um pequeno passo para as mais espantosas acusações contra os autores, numa polémica que durante meses incendiou os media franceses.
A primeira acusação era a de que se tratava de um atentado contra a cultura francesa. O objectivo teria sido apenas «ridicularizar os intelectuais franceses» Por uma questão de mero ódio cultural. Houve mesmo quem sugerisse explicitamente que esse ódio era alimentado por Jean Bricmont, físico belga «conhecido pela sua hostilidade à subcultura parisiense» (como se sabe, os belgas sempre foram ridicularizados pelos franceses; seria agora a forma de Bricmont vingar o seu povo). Julia Kristeva, por exemplo, acusou Sokal e Bricmont de estarem a promover uma campanha francofóbica movida por interesses políticos e económicos e sugeriu que ambos procurassem tratamento psiquiátrico.
Sokal e Bricmont foram acusados de arrogância, de quererem impor o seu modelo científico como único válido, de um reducionismo físico sem subtilezas. Nesta interpretação, o que Sokal e Bricmont estariam a dizer seria que «tudo o que não pudesse ser enunciado matematicamente ou confirmado experimentalmente era desprovido de significado, e portanto seria desprovido de significado». Como disse um dos seus críticos, Sokal e Bricmont «são o tipo de pessoas capazes de, perante uma carta de amor, tentarem apenas encontrar erros de ortografia». Houve quem dissesse não acreditar que Sokal se situasse politicamente à esquerda, porque pessoas de esquerda não poderiam agir desta forma intolerante, e que o facto de se reclamar de esquerda era apenas mais um perverso indício da sua má fé. Nalguns casos Sokal era apelidado de «fascizante».
Estas críticas inacreditáveis tinham uma coisa em comum: baseavam-se numa nova mistificação, ignoravam os factos. Sokal e Bricmont não professavam o positivismo e reducionismo bacoco que os seus críticos afirmavam, uma espécie de versão moderna da centenária frase de Rutherford «toda a ciência se resume à física ou a coleccionar selos». Pelo contrário - afirmavam exactamente o oposto! Deixemos a matemática e a física no vestiário quando analisamos coisas tão subtis e complexas como o inconsciente ou os meandros da história. As ciências «duras» não podem, em geral, dar qualquer contribuição para esta análise: nada têm a ver com ela. Supor o contrário, isso sim, é reducionista.
O apelo às ciências duras pode ser feito com dois objectivos: em primeiro lugar, a intimidação pelo argumento da autoridade; em segundo, mais benignamente, como metáfora. Mas as metáforas são imagens, processos de fazer compreender a um público não científico (historiadores, sociólogos ou psicanalistas, neste caso) conceitos novos a partir de outros já familiares. Será esse o papel desempenhado neste discurso pelas invocações despropositadas do teorema de Gödel, da relatividade de Einstein, de toros, de números imaginários, de garrafas de Mein, de números hiper-reais? Não!
Conclusão: estas invocações não passam, ou de tentativas de intimidação intelectual, ou de meras mistificações despropositadas. Em qualquer dos casos, são imposturas intelectuais.
Quanto às outras acusações (agressão à cultura francesa, o facto de Bricmont ser belga, especulações sobre a ideologia política de Sokal ... ), são delírios ideológicos, provavelmente fruto da falta de argumentos. Nada têm a ver com ciência.
Sokal enfrentou corajosamente a polémica, com frequentes presenças nos media franceses. Num texto brilhante, Du bon usage des métaphores, afirma que o objectivo do seu livro é duplo. Por um lado, expor estas imposturas e contribuir para que termine esta atitude de apelo despropositado à autoridade das ciências duras em domínios em que são completamente inoperantes ou irrelevantes. Por outro, expor e combater um abuso injustificado do relativismo filosófico pós-modernista: o relativismo metodológico. Esta corrente, hoje muito em voga, afirma, nas palavras de Sokal, «que as teorias científicas são verdadeiras «para nós» ou «no interior da nossa cultura» ou ainda «no nosso código de linguagem». Evidentemente, a maioria dos cientistas pensa que as suas teorias são verdadeiras ou falsas e ponto final».
Evidentemente. Não deixa de ser curioso pensar, por exemplo, numa teoria da gravidade dependente do contexto cultural. Será que nas culturas aborígenes os objectos caem para cima? Ou que a Lua oscila para trás e para a frente quando observada por um esquimó?
As brilhantes Imposturas Intelectuais foram editadas em 1998 em Inglaterra e nos Estados Unidos; em ambos os países atingiram níveis de best-seller nacional. Talvez como prova de que nem todos os intelectuais franceses aderiram à esquizofrénica e obscurantista campanha anti-Sokal, Bruno Latour (um dos alvos de Sokal e Bricmont) ofereceu para comemorar o lançamento do livro em Londres uma caixa do
borgonha vintage da sua produção familiar: nem mais nem menos do que o famoso Chateau Latour.
Tive o prazer de falar pela primeira vez com Alan Sokal em Dezembro de 1996. A um email relativamente formal Sokal respondeu em português, pedindo desculpa por alguns erros de ortografia! Sucede que tinha estado alguns anos no Brasil. As Imposturas Intelectuais chegaram a Portugal em Março de 1999 pela mão da Gradiva; o próprio Sokal esteve entre nós e conduziu uma série de debates inesquecíveis. Sokal referiu, divertido, que quando decidiu ser físico nunca pensou que alguma vez viesse a ser mundialmente famoso!
Nan Ryan
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