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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O ESTRANHO DA CASA AO LADO / Carole Mortimer
O ESTRANHO DA CASA AO LADO / Carole Mortimer

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

A estreita alameda por onde ela passava era agradavelmente sombreada por árvores frondosas, embora os buracos da estradinha de terra sacudissem sua bicicleta. Pássaros cantavam, voando entre os galhos, e ouvia-se o riso alegre da criançada que brincava ao sol, num gramado mais adiante.

Crianças brincando? Mas não poderia haver crianças brincando por ali. A única edificação que havia por perto era a Casa do Pomar, que ficava no fim da estradinha e estava abandonada há muito tempo. Ela sabia que algumas crianças do vilarejo, às vezes, iam lá para brincar, mas se Billy estivesse com elas a coisa ia fiar preta.

E estava. Ali, no meio da garotada, ele jogava bola bastante animado. Malhas coloridas empilhadas sobre a grama faziam as vezes das traves.

Rose parou, sem descer da bicicleta. Seu irmão estava adorando a brincadeira. Billy tinha verdadeira paixão por futebol. Observou seu rostinho corado se encher de alegria; ele tinha conseguido marcar um gol.

__ Billy! – ela chamou, mas ele pareceu não ouvir.__ Billy!

__ Ah? Poxa, o que é?

__ você sabe que não devia estar aqui! – Todos os garotos voltaram-se para olhar, como se ela é que não devesse estar ali. E talvez tivessem razão. Na verdade ninguém deveria estar naquele terreno. Billy já fora castigado pelo pai, uma vez, por invadir a propriedade da Casa do Pomar e, se fosse pego de novo, teriam novos problemas.

__ Ora não se meta! – O irmão revidou agressivo, evidentemente envergonhado diante dos amigos com a atitude mandona de Rose.

__ Isto é propriedade particular e você lembra quando Constable Fuller pegou vocês aqui da outra vez. Ele foi bem claro: se achasse você por aqui de novo a coisa ia ficar séria. – O maior prejudicado seria Billy, uma vez que seu pai já o havia castigado severamente, aborrecido com a queixa que o policial tinha feito sobre o comportamento do menino.

 

 

 

 

__ Rose...

__ Desculpe, Billy, mas acho que vocês deviam ir jogar em outro lugar. – Rose estava com um pouco de remorso pro ter sido tão brusca com ele.

___ Não há outro lugar bom por aqui...

___ Só sei que vocês aqui não podem ficar.

Os garotos começaram a se espalhar, olhando para a moça com ressentimento. Ela se sentiu mal por ter estragado a brincadeira, mas assim como ela ouvira os gritos era provável que o policial Fuller também os ouvisse e, certamente, ele seria muito mais severo do que ela.

___ Você é uma desmancha-prazeres, poxa!

___ Fiz isso para seu próprio bem.

___ Ora, papai sempre diz isso quando me põe de castigo ou corta minha mesada. – Billy chutava, nervoso, as pedras da beira do caminho.

___ Desculpe Billy. Não quis estragar seu dia. Você me perdoa?

Ele pareceu pensar por alguns minutos, antes de dar a resposta. Rose sabia que o mau humor do irmão passaria logo.

___ Está bem. Mas me ajude a procurar a bola. Eu a chutei para aquelas árvores na hora em que você chegou.

___ Vamos procura-la. – Alegre, ela deitou a bicicleta sobre os pedregulhos da estradinha e correu atrás do menino, em direção às árvores. O mato tinha mais ou menos a altura do joelho, naquele lugar, e a bola não estava a vista. Rose não resistiu à tentação de colher algumas pequenas margaridas silvestres que cresciam em abundância, pro ali.

___ isto é roubo! – Billy já estava a seu lado, com a bola na mão e um olhar de reprovação no rosto.

___ Eu sei, mas... – Nesse momento, ouviu-se o barulho de um carro que, saindo da estrada principal, entrava veloz pela estradinha de pedregulhos. Um baque forte e um som de metal sendo amassado indicaram que alguém havia atropelado a bicicleta de Rose. O automóvel parou em seguida.

A reação imediata de Rose foi abaixar-se, escondendo atrás dos arbustos, e puxando Billy para o esconderijo.

___ O que faz um carro por aqui? – cochichou ao irmão. – A casa está abandonada há tempo.

___ como posso saber? Aposto que sua bicicleta ficou toda amassada.

___ É mesmo.

___ Quem sabe se...

___ Psiu! Alguém está saindo do carro .

Viram um homem dar a volta pro trás do carro e abaixar-se para ver o que havia sobrado da bicicleta. Depois, levantou-se e, com os olhos apertados, inspecionou tudo a sua volta. Era bonito, apesar da aparência descuidada e dos cabelos longos demais e fora da moda.Tinha olhos cinza penetrantes, nariz fino e reto, cabelos lisos e negros. Era muito magro, porém musculoso e usava uma calça de jeans desbotado com uma camisa malpassada, mas muito limpa. Devia ter uns trinta e tantos anos. Rose tentou adivinhar sua idade observando as duas marcas profundas no rosto, que desciam dos cantos do nariz até a boca.

Estava tão fascinada com a aparência do homem que se esqueceu de continuar a se esconder. Só deu por isso, quando ele a viu e veio em sua direção, com passos decididos e um ar zangado.

__ Você atrapalhou tudo. – Billy percebia a complicação que se aproximava.

__ Cale-se!

__ Saiam daí, vamos! - O homem mostrava sua disposição de criar caso. Seu tom não deixava dúvidas.

__ Está vendo? Tudo por sua causa. – Billy resmungava, levantando do esconderijo e caminhado, desolado em direção ao homem. Rose o seguia.

O homem olhava para os dois com olhar sério, de seu um metro e oitenta de altura, fazendo-os sentir-se como se fossem insetos a seus pés. Suas feições pareciam ainda mais duras e percebia-se que, por baixo do bronzeado, ele tinha a pele muito clara.

__ Bem, o que vocês tem para dizer?

__ Desculpe... Billy tentava acalma-lo.

Recebeu um olhar impaciente de reprovação.

__ Aquele pedaço de ferro velho, que está ali, pertence a algum de vocês?

__ É da minha irmã. – Billy respondeu educadamente, ao perceber que era preciso muita calma e polidez para não agravar mais a situação.

Rose, no entanto, estava indignada com a arrogância daquele homem e seus olhos azuis faiscavam.

__ Era uma bicicleta antes de o senhor fazer o favor de passar por cima dela.

__ Claro. Eu sei disso. O que quero mesmo saber é o que ela estava fazendo na entrada da minha casa.

__ Da sua casa? – O espanto de Rose estampou-se em seu rosto.

__ Isso mesmo. – O homem afastou os cabelos da testa com a mão, num gesto de impaciência.

__ O senhor mora aqui? – Os olhos de Billy estavam arregalados.

__ Moro. Como é que vocês se chamam?

__ Willian... bem... quer dizer... todos me chamam de Billy. – O menino estava evidentemente desapontado por saber que a Casa do Pomar estava habitada e que, agora, não poderiam mais jogar bola ali.

__ E você? - Os penetrantes olhos cinzentos fixaram-se em Rose.

__ Rose. – ela procurava disfarçar seu constrangimento e, ao mesmo tempo, esconder as margaridas que colhera.

__ Rose? Rose de que?

__ Castle... Rose Castle. Sentia-se como uma criança apanhada com a mão na massa e não como a jovem de dezoito anos que era.

__ Vocês são irmãos?

__ Somos. – Atreveu-se a responder Billy timidamente.

__ Bem você tem exatamente dois minutos para sair de minha propriedade. Ah! E levem a bicicleta com vocês.

__ Do jeito que ficou, acho que nem vale mais a pena – Rose resmungou.

O homem procurou a carteira no bolso, retirou algumas notas e estendeu-as a Billy.

__ Só amassou a roda de trás. Isto dá para comprar uma roda nova. Rose olhou para ele desconfiada, sem entender muito bem aquele gesto.

__ Está se oferecendo para pagar o prejuízo?

__ Estou, desde que vocês saiam já daqui. E avisem aos moleques deste lugarejo que não apareçam mais por aqui. Não vou permitir que invadam assim meu terreno.

__ Moleques... – resmungou Rose.

__ Não é o que vocês são? - O homem olhava com desdém para as camisetas velhas e as calças desbotadas que ambos vestiam, sendo que a de Billy estava, ainda por cima, bem manchada de terra. Rose gostava de usar estas roupas, aos domingos, para ficar à vontade. Durante a semana, seu emprego na biblioteca exigia trajes muito formais. A única vez que tentou usar calça comprida o sr. Leaven, seu chefe, a repreendera: “Lembre-se de que você está em contato com o público. Vista-se de acordo.” E ela nunca mais tinha ousado contrariar esta regra.

Mas domingo era sua folga, e se quisesse usar seu velho jeans com as camisetas de Billy por cima ninguém tinha nada com isso, muito menos aquele estranho arrogante.

__ Não me façam repetir outra vez. Peguem o dinheiro e desapareçam!

Rose não conseguia aceitar o desaforo e o tom de comando. Já preparava uma resposta quando Billy procurou contornar a situação e evitar que a discussão prosseguisse.

__ Está bem. Obrigado. Vamos Rose, venha...

__ Lembrem-se do que eu disse. Não quero vocês, nem nenhum de seus amigos por aqui outra vez. – Dizendo isso, entrou no carro, bateu a porta com fúria, deu a partida e saiu violentamente.

__ Ele não terá com que se preocupar. Nós não voltaremos mesmo. Que homem mal-educado!

Billy começou a rir do jeito indignado de Rose, caçoando pela falta de controle da irmã.

__ Pensando bem, ele tem todo o direito de ficar aborrecido.

Rose não escutou o comentário, estava distraída observando a bicicleta.

__ Veja só como ficou! Puxa vida! Amanhã vou ter que ir para o trabalho de ônibus. – Ela se queixava com razão. O transporte coletivo no vilarejo onde morava, deixava muito a desejar. Muitas vezes a companhia retirava os carro da linha, sem avisar, e as pessoas passavam horas esperando no ponto. Antes de se decidir a ir de bicicleta para seu trabalho, na cidade vizinha de Ampthull, a cinco quilômetros dali, Rose chegou atrasada diversas vezes por ter que esperar por um ônibus que não vinha.

Billy ajudou a irmã a levantar a bicicleta, apoiando-a na roda que ainda estava inteira.

__ Por que você não pediu uma carona naquele lindo Jaguar? – ele caçoou.

Rose fez uma careta e colocou as margaridas no guidão da bicicleta.

Quem mandou ele não pedir as florzinha de volta, pensou. Nem tinha reparado no tipo de automóvel que o homem dirigia, preocupada com o acidente provocado.

__ Ah! Então era um Jaguar?

__ Era... e lindo, não?

___ Nem prestei atenção. Mas vamos levar esta droga logo para casa e ver se papai consegue consertar.

__ deixe que eu ajudo. – O menino levantou a roda quebrada, enquanto Rose controlava o guidão.

__ Tome, guarde seu dinheiro.

Ela pegou as notas dobradas que o irmão segurava e enfiou-as no bolso traseiro da calça, sem se preocupar em contar.

__ Por que está sendo tão bonzinho/ - Rose estava desconfiada e ficou mais intrigada ainda com o ar inocente que o menino procurava fazer. Os cachos loiros de Billy emolduravam seu rosto ainda molhado do suor do jogo.

__ Eu sempre sou bonzinho com você...

__ Ora, vá plantar batatas, seu molequinho...

__ Vou contar a mamãe que você está me provocando!

__ Ah é? Então vou contar a ela onde você estava jogando bola...

__ Está certo, Mas... mas você não vai contar nada, vai? Papai falou que ia cortar minha mesada por um mês se eu voltasse lá.

__ Então por que voltou?

__ Vai contar ou não vai?

__ Então, tchau! – O garoto largou a bicicleta e saiu correndo, rindo alto.

__ Seu pestinha! Eu não prometi nada.

__ Mas eu conheço você. Sei que não vai me desapontar. – Billy gritou de longe.

Diabinho! O pior é que ele sabia que podia contar com sua proteção. Rose tinha a impressão de haver passado a maior parte dos seus dezoito anos tirando o menino de enrascadas e ocultando suas travessuras. A diferença de cindo anos entre eles a tornava protetora, superprotetora às vezes, criando um forte vínculo que assegurava ao menino sua cumplicidade em qualquer circunstância.

Sem Billy, ela levou muito tempo para chegar em casa. Aliviada ao chegar, encostou a bicicleta amassada na cerca.

__ Mais tarde eu dou uma olhada. – disse seu pai, depois que ela contou o que havia acontecido, evidentemente omitindo os detalhes comprometedores. - Por acaso você viu Billy quando saiu?

__ Ahn... não. Acho que não... não lembro direito.

O pai olhou-a sério, não se deixando enganar pelas evasivas.

__ Pelo menos ele vem almoçar, não?

__ Claro que sim... Bom, afinal ele sempre vem, não é?

Rose mordeu o lábio inferior, em graça com a mentira, enquanto o pai a encarava soltando uma gostosa risada. Novamente a tinha pego encobrindo travessuras de Billy.

Seu pai era dono do principal armazém da cidade. A loja ficava anexa a agência de correios, que ele também gerenciava. A mãe cuidava das vendas, enquanto ele atendia na agência ou se encarregava de fazer entregas a domicílio. A combinação funcionava bem e a loja dava lucros. Até Rose dava uma mãozinha em seus dias de folga.

__ Afinal, conte direito o que aconteceu com sua bicicleta. – O pai estava sentado em sua poltrona preferida, com o jornal aberto no colo, fumando calmamente seu cachimbo e deliciando-se com a calma do domingo.

__ A roda de trás está meio torta.

__ Como torta?

__ É, amassou um pouco. – Rose procurava diminuir a extensão dos danos.

__ Mas como foi que aconteceu?

__ Bem, um pequeno acidente.

__ Acidente? – Agora era a mãe que perguntava, entrando na sala com o vaso de margarida para colocar sobre a mesa – Você teve um acidente, Rose? – E olhou ansiosa o corpo da filha, à procura de algum machucado.

Tanto Billy quanto Rose eram parecidos com o pai. Tinham a pele e os cabelos claros e a aparência esguia da família paterna. A mãe, ao contrário, era baixa e morena, do tipo rechonchudo. Ela adorava a vida em sua pequena cidade, gostava de seu trabalho no armazém e, sobretudo, tinha muita satisfação em cuidar da família. Cozinhava maravilhosamente e Rose muitas vezes brincava, dizendo que engordava só de olhar para seus deliciosos pratos, enquanto os demais comiam à vontade; sem engordar um só quilo.

__ O acidente não foi comigo mamãe. Foi com minha bicicleta. Ela foi atropelada.

__ Então você não estava em cima? – Tornou a perguntar o pai, ainda preocupado.

__ Não, eu estava colhendo estas margaridas para a mamãe. – Rose continuava a omitir que as margaridas eram do jardim da Casa do Pomar. – A bicicleta estava ao lado e o carro passou por cima dela.

__ E ele? Parou depois?

__ Parou, sim. Vocês sabiam que tem gente morando na Casa do Pomar?

__ É o sr. Howarth que está aqui há duas semanas. Foi ele quem atropelou sua bicicleta? – perguntou a mãe.

__ Foi, mas a culpa foi minha. Não devia ter deixado a bicicleta ali na estrada, enquanto ia para o outro lado colher as flores. Mas, por que a senhora nunca falou desse sr, Howarth?

__ Nem sei... ele fez alguma comprinhas na mercearia, mas deve se abastecer em Ampthull, por que só leva um pouco de café, pão e de vez em quando, um litro de leite. Disse que se chama Richard... Rick, acho.

__ Pois eu acho que ele não faz compras em lugar nenhum. Ele é tão magro...parece que não come. E é muito estranho também. Pelas roupas velhas e maltratadas, diria que está na pior. Mas ele dirige um Jaguar lindo. Será que é roubado? - Rose se exicitava com a possibilidade de um mistério.

__ Não seja boba. O senhor Howarth é um homem muito fino. Talvez seja meio excêntrico, só isso.

__ Pode ser. – Rose não estava convencida, contudo. Rick Howarth dera mostras evidentes de não querer estranhos por perto. Talvez tivesse muito a esconder. Vestia-se como um mendigo, mas dirigia um possante Jaguar e falava com muita polidez, segundo sua mãe. Tudo muito estranho. Talvez fosse mesmo um excêntrico.

__ Não me agrada saber que as pessoas se alimentam mal. Será que ele não come mesmo? - Lá vinha sua mãe com sua velha preocupação. Não sossegava enquanto não resolvesse o assunto comida.

__ que tal se você se preocupasse com a minha alimentação? – ironizou o pai. - Esse almoço não está pronto ainda? Estou morto de fome.

__ Ora, você parece que pensa com o estômago! – brincou a mãe.

Rose riu da conversa dos pais, enquanto a mãe saía apressada para servir o almoço.

__ O senhor merecia ficar sem comer. Se eu fosse ela...

__ Ela não faria essa crueldade comigo.

Os pais de Rose eram muito felizes no casamento. Combinavam perfeitamente e sua união no trabalho era tão bem-sucedida quanto no casamento.

No dia seguinte, o ônibus demorou, com de costume, e Rose chegou dez minutos atrasada a biblioteca. Recebeu o esperado olhar de reprovação do sr, Leaven.

Ela gostava de trabalhar ali, apesar da rabugice do chefe. Tinha verdadeira adoração por livros. Sentia prazer só de tocar num livro novo e antecipar seu conteúdo. Normalmente ela o lia rapidamente, quase com voracidade. Sabendo disso, o sr. Leaven evitava destaca-la para o setor de ficção pois, ali, ela acabava sempre por se entreter, folheando algum livro, e atrasava o trabalho. Mas nesse dia ele a mandou arrumar justamente as estantes daquele setor e, mais do que depressa, antes que mudasse de idéia, ela obedeceu.

Mas sua alegria não durou muito. para ajuda-la no trabalho, lá estava,nada mais nada menos que Selma. Agora entendia porque o sr. Leaven a tinha destacado para este setor. Com certeza os demais funcionários haviam se recusado a trabalhar com Selma. Não que ela fosse agressiva, pelo contrário, era até amigável demais. Não se preocupava em contar até os mais íntimos detalhes de sua vida a quem estivesse por perto. E, o que era pior, esperava ouvir confidências semelhantes.

Não teria oportunidade de e entreter com nenhum livro. Selma já começava a tagarelar sobre o incrível rapaz que conhecera no fim de semana, e do qual certamente estaria mais íntima, em dois dias, do que Rose jamais pretendia estar com qualquer homem, antes de casar.

__ E você, Rose? - Selma estava parada atrás de uma prateleira de livros, longe do chefe, à espera das confidências de Rose.

__ Eu... o quê? – Ela ficou sem graça.

__ Não tem namorado, sua boba?

Rose corou. Quando estava perto de Selma, que era tão popular com o sexo oposto, sentia-se um pouco embaraçada por não ter namorado.

__ Não venha me dizer que não.

__ Eu não disse. – Rose disfarçou, já um pouco irritada com a insistência.

__ Então, quer dizer que tem?

__ Eu... ahn ... sim, tenho. – Mas por que dissera isso? Qual a necessidade de mentir sobre o assunto que, afinal de contas, não tinha qualquer importância?

__ Qual é o nome dele?

__ O nome? Bem, é Richard. Na verdade, Rick... Rick Howarth. – apressou-se a completar, tentando encerrar o assunto. Mas as coisas estavam piores. A mentira era cada vez maior. Ela não conseguia resistir à pressão de Selma.

A outra tinha sempre pelo menos um homem em vista, enquanto Rose raramente flertava. Os rapazes com quem saía dificilmente a convidavam para sair de novo. Ela não se interessava por automóveis ou futebol, os únicos assuntos que os rapazes pareciam conhecer e, por isso, geralmente ficava muito calada. Isso já lhe dera uma certa fama de “convencida”, impressão errada mas que parecia haver se solidificado entre eles. Em conseqüência, era difícil ser convidada para sair, e, com certeza, Selma sabia disso. Mas parecia disposta a continuar o assunto.

__ Onde foi que você o conheceu?

__ Rick? Ele acaba de se mudar para Stanford. Eu o conheci no fim de semana. – Pelo menos agora era parcialmente verdade e, assim, sentiu-se um pouco aliviada.

__ Ele é simpático?

__ Muito...

__ É bonito?

__ Sim. – Rose procurava sr o mais lacônica possível com as respostas, para não dar margem a mais perguntas. A outra garota ficou séria.

__ Parece que você não quer falar muito dele.

__ Agora não. – E concentrou-se no trabalho, respondendo com ar distante e enfastiado.

__ Malandrinha, não? Guardando só para você...

__ É ... é mais ou menos...

__ Quando vai vê-lo de novo?

__ Provavelmente hoje à noite. – Rose desejou nunca ter começado esse assunto e nem a mentira, no entanto ela os aprofundava cada vez mais.

__ Vão a algum lugar?

__ Não tenho bem certeza. Acho que só a casa dele. – Será que Selma não ia parar mais de fazer perguntas sobre Richard Howarth? Rose não tinha mais o que dizer. Não sabia nada sobre ele. E o que era pior, pelos seus cálculos, o trabalho ao lado de Selma iria durar o resto da manhã. Os olhos da colega abriam-se de curiosidade:

__ Quer dizer que você já conheceu os pais dele?

__ Não. Ele mora sozinho.

__ Sozinho?

__ Sim. – Rose aproximou-se um pouco da escrivaninha do sr. Leaven, esperando que ele as ouvisse falar e viesse por fim à conversa.

__ Poxa, eu nunca saí com rapaz que tivesse a sua própria casa! Em geral temos que esperar que os pais saiam.

Esperar? Para quê? Quase que Rose fez a pergunta. Selma era uma garota bonita, tinha cabelos pretos e longos, um corpo bem feito e uma pele sedosa. Sua reputação com os rapazes era um pouco dúbia. Gostavam de sair com ela, mas sempre acabavam casando com outra. Rose tinha pena dela, na verdade, pois achava que Selma poderia ser uma ótima esposa, se lhe dessem oportunidade.

__ Deve ser bastante rico, para ter sua própria casa.

__Não tenho a mínima idéia...

__ Ou será que é apenas alugada?

­­__ Eu não...

__ Será que vocês duas não conseguem trabalhar em silêncio? Se ainda não perceberam, isto aqui é uma biblioteca e as pessoas vêm para estudar, para ler com sossego e...

__ Psiu! - Uma mulher sentada em frente a uma pilha de livros, numa das mesas, interrompia a reprimenda do sr. Leaven, apontando para a placa onde se lia: “Mantenha Silêncio.”.

__ Andem logo. – finalizou o sr. Leaven, num cochicho, antes de voltar para a sua escrivaninha.

__ Ai, ai! Agora ele vai ficar de mau humor o resto do dia. – disse Selma baixinho.  

E foi exatamente o que aconteceu. Rose procurou se manter tão afastada dele, quanto possível para não receber as sobras do mau humor e também de Selma, para evitar que ela voltasse ao assunto Rick Howarth. Estava envergonhada por precisar usa-lo daquela maneira. Se pelo menos tivesse conseguido evitar a conversa, como era sua intenção... Mas, não! Tinha atiçado ainda mais a curiosidade de Selma... Tomara que, até amanhã, ela esquecesse tudo.

Rose chegou tarde em casa, naquele dia. Sua mãe estava na cozinha e olhou-a um pouco penalizada.

__ Foi o ônibus outra vez. – explicou Rose.

__ Não faz mal, querida. Nós já jantamos, mas tem torta de galinha no forno, é só esquentar de novo.

__Ótimo! – Rose subiu as escadas correndo, para trocar de roupa, com o estômago roncando de fome. Sempre vinha com muita fome do trabalho e logo sentou-se à mesa para comer.

__ Consertei sua bicicleta hoje, Rose. - disse o pai.

__ Ah, que bom!

__ É. Tirei uma das rodas da velha bicicleta de sua mãe. Ela não a usa mesmo. Ficou ótima na sua.

__ Então nem precisa comprar uma roda nova?

__ Não.

__ Isso quer dizer que você vai ter que devolver o dinheiro. – interveio Billy.

__ Dinheiro? Que dinheiro, Rose? – A mãe parecia surpresa e preocupada.

__ O sr. Howarth me deu dinheiro para pagar o estrago, ontem, depois do acidente. Tinha me esquecido por completo. – E levou a mão ao bolso de trás da velha calça jeans que agora vestia de novo. Ali estava o maço de notas, intacto.

__ Poxa! Que nota alta! – gritou Billy, quando ela abriu as notas, separando-as para contar.

__ É um bocado de dinheiro! Você não devia ter aceitado, ainda mais sabendo que a culpa foi sua, por deixar a bicicleta no meio da estrada. – O pai a olhava com reprovação por cima dos óculos.

Rose estava espantada com a quantia que Rick lhe dera. Sua bicicleta era de estimação, mas já era velha e estava quase a ponto de ser vendida para o ferro velho. De forma alguma valia aquela soma que ele lhe dera.

__ Vou devolver o dinheiro. – disse apressadamente.

__ É o melhor que tem a fazer. – concordou o pai. __ E você, mocinho? Como sabia que Rose tinha recebido esse dinheiro?

__ Eu... ahn ... em ...

__ Eu contei para ele, ontem a noite. – interveio Rose, salvando o irmão.

__ Isso mesmo, ela me disse.

__ Sei, sei. Mas agora devolva o dinheiro, o mais rápido possível.

__ Agora mesmo – disse a mãe. – E aproveite para levar um pedaço de torta da galinha e um pouco de geléia de maçã para aquele pobre homem.

Rose se levantou, sem graça.

__ Ora mamãe! Não me importo de ir devolver o dinheiro, mas levar comida é demais. Além disso hoje é meu dia de lavar a louça, lembra?

__ Deixa que o Billy lava.

__ Eu? Logo agora que ia jogar bola com a turma?

__ São só alguns minutos. Depois você pode jogar.

__ Mas mamãe...

__ Billy!

__ Está bem, papai. – E entrou desanimado na cozinha, sabendo que com o pai não havia discussão.

Rose também sabia que não adiantava discutir. Tinha que levar a torta de galinha e a geléia de maçã, por mais ridículo que lhe parecesse. Devolver o dinheiro ao novo morado da Casa do Pomar era uma coisa, mas levar um jantar completo era outra, bem diferente. Por que tinha inventado aquela história de achar que ele comia pouco? E justo com sua mãe! O que pensaria Rick Howarth, quando a visse chegar com toda aquela comida?

__ Na sei porque está reclamando! Pelo menos livrou-se da louça, não é? – Billy estava com as mãos cheias de espuma e um ar de indignação.

__ Você diz isso porque não vai ter que encarar aquele monstro de novo. Depois do que aconteceu ontem era a última coisa que eu queria.

__ Do que vocês estão falando? – perguntou a mãe, embrulhando as tigelas que Rose ia levar num pano de prato e tirando do armário um pote de geléia de maça que ela mesma fazia.

__ Nada, mamãe. Não me diga que tenho que levar isso também.

__ Claro! Sei que ele gosta de geléia porque outro dia comprou um vidro no armazém. E esta é caseira... muito melhor. Será que consegue levar tudo?

__ Acho que sim. Você abre a porta para mim?

O pacote pesava e ela procurava equilibrar o pote de geléia por cima de tudo, andando depressa. Se era imprescindível ir a casa do Pomar, o melhor era chegar rápido e acabar com tudo.

A casa estava escura, parecia vazia e, se não fosse o Jaguar estacionado na porta e a pequena coluna de fumaça saindo da chaminé, Rose diria que não havia ninguém. Não havia cortinas nas janelas e nem sinal de vida lá dentro.

Bateu na porta da frente, sem receber resposta. Deu uma volta até a porta da cozinha e bateu de novo. Nada. Não era possível que o homem tivesse saído e deixado o fogo aceso. Alem do mais, o carro estava ali.

Depois de bater mais algumas vezes, sem que ninguém aparecesse, resolveu virar o trinco da porta com cuidado. A porta se abriu, dando passagem para a cozinha. Havia duas ou três canecas usadas na pia, mas, fora isso, nada mais indicava que alguém morasse ali. O fogão parecia não ser usado há muito tempo; os armários estavam vazios, com as portas escancaradas. Quem seria capaz de morar nessas condições? Onde estaria Rick Howarth?

Pelo visto, ele nem passava muito tempo na cozinha. Rose colocou as tigelas sobre a mesa e, cautelosamente, andou até a porta que se comunicava com o resto da casa.

__ Sr. Howarth?

Não houve resposta.

A sala estava quase vazia. Só alguns móveis e um cheiro forte de umidade., como se não tivesse sido aberta durante muito tempo.

__ Sr. Howarth...

Rose continuou andando cautelosamente pelos cômodos vazios, sem achar ninguém, até que chegou ao último quarto, Na pequena lareira, o fogo estava aceso, mas o ar era firo. Havia uma cama de solteiro, uma mesinha com máquina de escrever, uma cadeira e só. Desceu as escadas, pronta para ir embora.

Como era possível que alguém vivesse assim? Qual seria o mistério da vida de Rick Howarth? Talvez fosse alguém tentando se esconder da polícia. Mas, se era isso, porque escolhera um pequeno vilarejo como esconderijo? Rick Howarth parecia suficientemente esperto para perceber que numa cidade grande seria mais fácil se ocultar. Numa vila do tamanho de Stanford, era só espirrar que todos os vizinhos ficavam sabendo, e qualquer estranho sempre chamava muito a atenção de todos. O próprio interesse de sua mãe pela vida de Rick Howarth era uma prova disso. Ela não era pessoa de se intrometer nessas coisas e já sabia uma porção de coisas sobre o morador da Casa do Pomar.

Onde estaria ele? Rose voltou a cozinha, ainda indecisa sobre o que fazer. Se deixasse simplesmente a comida ali, ele não saberia quem a havia trazido; se ela levasse de volta, sua mãe ficaria contrariada. Mas também não podia esperar a vida inteira...

__ Que diabo está fazendo aqui?

Rose estremeceu de susto, virando-se para a porta. Viu Rick Howarth parado, ameaçador, na soleira da porta.

 

O vidro de geléia que ela segurava escorregou, espatifando-se nos ladrilhos do chão. Seu conteúdo se espalhou, misturando-se aos cacos de vidro.

__ Onde tem um pano? – Assustada Rose procurava catar os vidros maiores.

__ Que diabo! Você é muito estabanada! Afinal o que está fazendo em minha casa?

Os dedos compridos e firmes do homem seguravam o braço da moça com força puxando-a para levanta-la. Rose tentava se soltar, sacudindo com violência. Seus olhos azuis flamejavam.

__ Não sou estabanada, o senhor é que entrou de repente e me assustou.

__ Dá pra ver mesmo.

__ Então veja também que o chão está sujo e que preciso de um pano para limpa-lo.

Ele deu um suspiro impaciente e se dirigiu ao armário da pia, de onde tirou uns trapos. Colocou-os em cima da mesa.

__ Tome. Veja se limpa tudo agora.

Rose procurava se controlar e não respondeu. O chão estava um nojo; cacos de vidro misturavam-se à massa pegajosa que havia sobrado da maravilhosa geléia caseira de sua mãe.

__ Ainda não me disse o que estava fazendo em minha casa.

As feições duras do homem pareciam ainda mais rígidas, com os vincos do canto da boca mais marcados que antes. Continuava vestindo as mesmas roupas velhas da véspera. Apesar dos cabelos parecerem recém lavados, espalhavam-se desarrumados por cima da gola.

__ Bati e chamei, mas ninguém respondeu...

__ E então resolveu entrar assim mesmo? Que bela educação!

__ Não... quer dizer sim. Ora, não foi bem assim!

__ Não invente desculpas.

__ Escute: eu não vim aqui para ser insultada. – Rose estava vermelha de raiva pela grosseria daquele homem.

__ Se não insistisse em invadir minha propriedade, talvez não fosse insultada. É a segunda vez que pego você por aqui.

__ Mas...

__ Não me venha com explicações complicadas. Basta dizer que você invadiu minha casa, hoje, e não interessa o motivo. Ontem estava na propriedade e hoje tem a petulância de entrar na casa!

__ Mas eu já disse que...

__ Que chamou e ninguém atendeu, já sei. Quando isso acontece, o normal é ir embora e voltar outro dia, não?

Rose recolheu mais ou menos os restos do desastre despejou tudo numa lata eu estava num canto da cozinha e observou o chão. Ainda estava melado, mas, se Rick Howarth quisesse vê-lo limpo, ele que fizesse a limpeza.

__ Já estou de saída. E não se preocupe: não pretendo voltar mais. Nunca mais entendeu? – Foi a mesa e retirou as tampas das tigelas, embrulhando-as no pano de pratos para leva-las de volta. Arrumou as vasilhas sobre o tampa da mesa, batendo-as com força e disse:

__ Vou deixar isto aqui. Se fizer a gentileza de devolver a louça, minha mãe ficará agradecida. – Rose procurava ser o mais formal possível. Quem sabe o homem conseguisse assimilar com ela algumas boas maneiras. O que mais desejava, naquele momento, era se livrar dele para sempre, e o mais rápido possível.

__ Mas o que é isso? - Ele estava surpreso e olhava para o conteúdo das tigelas.

__ O que acha? Comida sr. Howarth. Torta de galinha.

__ Mas porque trouxe isso?

__ Minha mãe quis ser gentil, embora o sr. Não o mereça.

__ Sua mãe?

__ A sra. Castle, que toma conta do armazém da cidade.

__ Ah! Sei. Lembro-me dela. Mas por que me mandar comida? Fiquem sabendo que não preciso de esmolas de ninguém.

__ Ora! Vá dizer isso a ela o senhor mesmo, quando dor devolver as tigelas. – E virou-se para sair.

Rick Howarth continuava muito pálido, mas parecia ter sido desarmado. Deu a impressão até de estar desprotegido e dócil. Rose notou que sua palidez se acentuava e que pequenas gotas de suor pontilhavam a testa bronzeada. Ele passou uma das mãos pelo rosto, enquanto com a outra procurava se apoiar no espaldar da cadeira, esforçando-se para ficar em pé.

__ Sr. Howarth... está sentindo alguma coisa?

__ Não é nada... logo passará.

É, parece que sua mãe tinha razão, afinal de contas. Dava a impressão que ele estava tendo uma vertigem e, talvez, na estivesse mesmo se alimentando direito ou fosse um homem doente. Rose esqueceu os desaforos e a raiva ao sentir que ele precisava de ajuda.

__ Não quer um pedaço de torta? Eu esquento...

__ Para dizer a verdade, nem sei como se liga o fogão. Desde que cheguei, não consegui faze-lo funcionar. Tenho usado a lareira do quarto para esquentar água e fazer café.

Ele falava pausadamante, com alguma dificuldade, e parecia cada vez mais fraco. Inclinava o corpo e se apoiava sobre a mão que segurava a cadeira.

__ Mas então o que tem comido todo esse tempo?

__ Sanduíches, frutas. O pão acabou hoje de manhã.

__ Que loucura! O que está tentado fazer? Suicidar-se?

__ Srta. Castle... meus hábitos alimentares não são da sua conta.

Nem mesmo nessa situação de inferioridade, quando era evidente que precisava de ajuda, ele perdia sua imponência. Rose viu que ele cambaleava, como quem está prestes a desmaiar. Correu até ele, segurando-o pelo braço e puxando-o até a cadeira.

__ Sente-se, Sr. Howarth. Está fraco. Vou preparar a comida.

E dirigiu-se decidida até o fogão, procurando os botões para ligá-lo. Por fim, encontrou a chave geral do gás e ligou-a, conseguindo faze-lo funcionar. Era um modelo velho, certamente deixado pela senhora Bird, a última moradora, mas não era tão difícil assim de descobrir como se acendia. Rick Howarth, com certeza, não tinha nenhuma prática com fogões.

Vasculhou rapidamente os armários e as gavetas até achar uma velha frigideira, m prato e alguns talheres. Colocou a torta para esquentar: Rick Howarth já estava se recuperando e acompanhando com o olhar todos os movimentos da moça. Sem graça, Rose se distraiu e queimou o dedo.

__ Ai... meu dedo!

__ Que aconteceu? Deixe-me ver.

Rose estendeu a mão, que ele segurou com delicadeza,observando o machucado. Era um homem bonito, sem dúvida, e a proximidade dele a deixava alterada. Havia algum mistério a seu respeito. Seu aspecto descuidado e sua insistência para que ninguém entrasse na propriedade mostravam bem isso. Rose sentiu um certo medo em continuar a sós com ele. Afinal, não sabia nada do seu respeito.

__ Foi só uma pequena queimadura, logo vai passar.

Precisava encerrar a visita. Foi até o fogão, retirou o pedaço de torta e colocou-o no prato, diante de Rick Howarth.

__ Obrigado. – Ele começou a comer, devagar, saboreando a comida. __ Humm!... Está ótimo.

__ Minha mãe vai adorar saber que o senhor gostou. – Rose falava com sarcasmo.

__ Escute menina, dispenso suas ironias.

__ Não me chame de menina; não sou criança.

__ Para mim, é. Parece uma colegial, uma colegial insolente.

__ também não sou colegial. Tenho dezoito anos, sr. Howarth.

Ele a olhou detidamente, observando as formas do corpo dela com arrogância. Procurava diminuí-la.

__ Pois seu corpo é mais de colegial do que de mulher feita, sinto muito.

__ E o senhor é o indivíduo mais mal-arrumado que já vi. – Rose estava furiosa. Talvez ela não fosse uma figura exuberante,mas certamente tinha as curvas no lugar certo e em boa proporção. Não ia deixar que aquele homem a ofendesse assim. __ Seus cabelos parecem uma juba.

__ É verdade. Precisam ser cortados. Por que não os acerta para mim? – Rick Howarth estava se divertindo, observando os olhos estatelados de Rose. Ela espantou-se com tanta petulância.

__ Cortar seus cabelos?

__ Por que não? Você mesma disse que estão compridos demais.

__ Ora não seja ridículo! Não sou barbeiro.

Rose estava a ponto de explodir. Nunca poderia imaginar que acabaria se metendo em tamanha enrascada com aquele estranho. Procurou recuperar a calma, falando pausadamente.

__ Sr. Howarth: vim aqui para devolver seu dinheiro. O senhor criou tanta confusão que já ia esquecendo. Tome, aqui está. Não precisei usa-lo, afinal.

__ como assim?

__ meu pai deu um jeito, sem gastar nada. Eu só vim por isso, para trazer seu dinheiro de volta e deixar a comida, como política de boa vizinhança. Mas isso não inclui cortar seus cabelos, entendeu?

__ Por falar em comida... – Rick já havia devorado toda a torta de galinha e virava-se, guloso, para repetir. Continuou falando, enquanto comia: __ sua mãe cozinha muito bem. Você também?

__ Não. Não tenho tanta prática. Por que? Está pensando que poderia me contratar para sua cozinheira?

__ Até que não seria má idéia.

__ Escute aqui... Bem, eu vou embora. Já fiquei tempo demais aqui. Está ficando muito tarde e meus pais devem estar preocupados.

__ E meus cabelos?

__ Ora, não me amole!

__ Vamos, espere. Vou leva-la para casa. – Rick Howarth levantou-se. Estava recomposto e com melhor aparência depois de ter se alimentado.

__ Não é preciso. Moro aqui perto e posso ir sozinha.

__ Eu a levo de carro.

__ Posso muito bem ir a pé.

__ Mesmo assim, levo você. É perigoso voltar sozinha pela estrada. Pode haver algum marginal...

__ Em Stanford?

__ Em qualquer lugar. Eles não escolhem onde atacar.

__ Está bem. O senhor conseguiu me amedrontar.

__ Então vamos. – ele segurava a porta aberta para que ela passasse. Em seguida, foi até o carro.

__ Não vai trancar a porta?

__ Não há nada lá dentro que possa ser roubado.

__ Por que o senhor não tem quase nenhum móvel em casa?

__ Como sabe? Andou espiando a casa toda? Eu devia saber, todas as mulheres são iguais. São curiosas e indiscretas. Era o que me faltava.

__ Só dei uma olhadinha porque...

__ Por que gosta de xeretar a vida alheia, não é?

__ Não era isso.

__ Claro que sim. Sua intrometida!

__ Por favor, sr Howarth... escute...

Ele parou o carro com um solavanco, em frente ao portão da casa de Rose. Havia perdido completamente o bom humor.

__ É aqui que você mora? Então desça! – E abriu a porta, passando o braço pela frente da moça.

__ Escute... eu... eu...

__ Boa noite, srta Castle. Agradeça à sua mãe por mim.

__ Está bem, mas eu só queria dizer que...

__ Não é necessário explicar nada. – O homem fechou a porta do carro e arrancou, saindo a toda.

Que homem imprevisível, pensou Rose. Uma hora era gentil e educado e, de repente, virava um estanho frio, distante e agressivo. É verdade que ela não tinha o direito de ter vasculhado a casa dele daquela forma. Mas, por outro lado, se ele tivesse dado qualquer sinal de vida, ela não teria agido assim.

__ Como você demorou, querida. Foi até a casa de Kay? – perguntou a mãe, levantando os olhos do tricô.

Bem que gostaria de usar a amiga como desculpa, para não ter que explicar muita coisa. Mas não ia mentir mais uma vez.

__ Não é que o sr. Howarth não estava se sentindo muito bem.

__ Meu Deus! Ele está doente?

__ Não. Acho que apenas fraqueza, por falta de comer.

__ E comeu o que eu mandei?

__ Sim. Foi por isso que me atrasei. Fiquei até que ele acabasse. Ele não sabia nem acender o fogão.

__ Fez muito bem em ajudá-lo. Não gosto de ver pessoas passando necessidade.

Passar necessidade não era bem o problema do Sr. Howarth, pelo que rose podia ver. Mas era evidente que, por algum motivo, ele não estava acostumado a cuidar de si mesmo. Ficava completamente perdido naquela cozinha. Nem acender o fogão ele sabia. Pelo visto, estava habituado a ser servido, o que indicava a presença de alguma mulher em sua vida. E então, por que agora estava sozinho? Quem sabe não acabava de sair de algum casamento malsucedido? Isso explicaria sua implicância com ela: estaria cansado de mulheres intrometendo-se em sua vida.

__ Bem, pelo menos ele está de estômago cheio, agora. Pediu que eu lhe agradecesse e elogiou muito a comida.

A Sra. Castle sorriu, satisfeita. Não era sempre que recebia elogios pela comida, apesar de gostar muito de recebe-los. Sua família estava tão acostumada a seus quitutes que só lembravam de dizer alguma coisa quando, por acaso, algo não saía bem.

__ Acho que ele precisa arrumar uma empregada. – disse a mãe, distraída voltando ao tricô.

__ Para quê? Não há nada a arrumar, naquela casa. Acho que ele pensa que, morando sozinho, não precisa de muita coisa. – Rose disse isso e saiu ligeiro da sala. Não estava disposta a continuar o assunto Rick Howarth.

Infelizmente, as demais pessoas pareciam muito interessadas em saber mais sobre ele.

__ Como é, encontrou seu namorado ontem? – foi a primeira coisa que Selma perguntou, no dia seguinte.

__ Não é meu namorado. – Rose estava disposta a terminar com a mentira.

__ Mas você disse que era.

__ É apenas um amigo, só isso.

__ Está bem, se você não quer falar dele, não fale.

__ Eu não disse que não queria falar, só que não tenho nada a contar sobre ele.

__ Ah!... Entendi. Vocês brigaram, não é?

__ Não se preocupe, se estiver mesmo interessado ele volta. – Selma adorava dar conselhos e não perdia uma oportunidade. Mas Rose se perguntava como ela podia se sentir capaz de aconselhar, se seu caso com o rapaz do fim de semana acabava sempre na segunda-feira.

Esperava que Rick Howarth não voltasse, de forma nenhuma. Aliás, esperava não ver a cara dele nunca mais.

Naquela tarde não demorou a chegar em casa. A bicicleta já estava funcionando e isso facilitava mais as coisas. Não havia ninguém em casa, quando entrou. Era dia de a loja fechar mais cedo e seus pais já deviam ter chegado àquela hora. Achou-os no quintal. O pai estava todo sujo de graxa, deitado embaixo da caminhonete de entregas e a mãe olhava com ansiedade, enquanto ele fazia o conserto.

__ O que aconteceu? – Rose perguntou à mãe. Sabia que o ai não gostava de perguntas quando estava trabalhando, e ter que consertar a caminhonete o deixava sempre de mau humor.

__ Quebrou hoje à tarde, quando ele fazia uma entrega. Precisou pedir ao sr. Jeffs que o ajudasse a empurra-la até aqui.

__ Coitado. Faz muito tempo que ele está trabalhando aí?

__ Mais de duas horas. Seu jantar está no forno, Rose. Seu pai e eu jantaremos mais tarde.

__ Billy, onde está?

__ Foi terminar de fazer as entregas, com a bicicleta. Havia muitas encomendas por entregar e ele está ajudando desde que chegou da escola.

__ Olá, querida! – O pai percebeu que Rose tinha chegado. – Bárbara, passe-me à chave de fenda, essa que está ao lado do seu pé.

__ Vou jantar, mãe.

__ Eu também estou com uma fome louca, mas vou ter que esperar mais um pouco.

__ A chave de fenda, Bárbara!

__ Está bem, Peter, tome!

Como sempre a refeição estava deliciosa e Rose comeu com vontade. Já estava lavando seu prato, quando a mãe entrou.

__ Consertou, mãe?

__ Seu pai já está terminando, e Billy acaba de chegar. Acho que podemos jantar agora.

__ E esta caixa de mantimentos? Esqueceram de entregar? – Rose se referia a uma caixa que estava num dos cantos da cozinha.

__ Essa? Ah... essa é do sr. Howarth. Billy achou que você não se importaria de entregar. É logo aqui perto...

__ Mas eu me importo sim. Não quero mais ir lá, mamãe. Não gostei muito do sr. Howarth.

__ Não seja bobinha; ele é tão educado! Veja as flores, aí no vaso, que ele me trouxe hoje, para agradecer a torta. Além do mias, não leva nem cinco minutos. E Billy ainda precisa fazer a lição, depois do jantar.

__ Está bem, está bem. – disse Rose, sem entusiasmo. __vou trocar de roupa.

No caminho da casa do Pomar, Rose deu uma olhada nos mantimentos. Havia muitas latas e comidas prontas. Bem, pelo menos ele parecia disposto a se alimentar agora. Num pequeno embrulho, a mãe colocou uma tigelinha com cozido, o mesmo que eles tinhas jantado. Ela não tinha jeito. Não focava feliz enquanto não empurrava comida a todo mundo.

Rick Howarth atendeu logo que ela bateu à porta.

__ Ora, vejam só, a srta. Castle por aqui de novo!

__ Vim trazer suas compras.

__ Eu já tinha desistido de recebe-las hoje. – Ele sorria,segurando uma maçã meio comida.

__ É que meu pai teve problemas com a perua de entregas.

Rick não fez qualquer movimento para pegar a caixa, mas segurou a porta da cozinha para que ela entrasse. Rose levou as compras até a mesa da cozinha e percebeu que ele fechava a porta.

__ Não precisa fechar, já estou de saída.

__ Por que não fica um pouco?

__ Não quero ser acusada de intrometida outra vez.

__ Ora, não guarde rancor. Vai enrugar seu rostinho.

__ Não é rancor. Só acho que o senhor prefere ficar sozinho.

__ Pois está enganada.

Ele jogou fora a maça e, olhando dentro da caixa, retirou a pequena tigela de cozido.

__ E isto? Não comprei nenhum prato quente. O que vou fazer com ele, se não sei acender o fogão?

Rose pegou pacientemente, a tigela das mãos de Rick e encaminhou-se para o fogão.

__ Posso sugerir algumas coisas que o sr. Pode fazer com isto, mas acho que não vai gostar. É melhor que coma, assim que estiver quente.

__ Imaginei que a resposta seria esta – respondeu o homem, rindo.

__ Não posso acreditar que o sr. Não consiga acender um fogão. Parece uma pessoa tão.... eficiente.

__ E sou mesmo, para a maioria das coisas. Mas para cozinhar, não.

__ Olhando para a sua camisa, parece que passar também não.

__ Tem razão. Uso como sai da máquina de lavar.

__ Mas elas devem ser passadas depois, nunca lhe explicaram? É uma pena, parece uma camisa tão fina!

__ Acha mesmo?

Sempre que a conversa ficava um pouco mais pessoal, ele desviava o assunto. Era evidente que não queria ninguém interferindo em sua vida ou fazendo perguntas e insinuações de caráter particular.

__ Será que ainda não está quente? – perguntou levantando a tampa da panelinha onde Rose tinha colocado o cozido para esquentar.

__ Não,ainda não está. O que o sr. Fica fazendo o dia inteiro aqui, sozinho?

__ Umas coisinhas aqui, outras ali...

__Nossa, mas quanto segredo!

__ E por que você faz tantas perguntas?

Ela suspirou, desistindo do assunto. Parecia muito mais jovem e indefesa com aquela camiseta azul, sobre uma leve sainha de algodão que ressaltava as curvas de seu corpo. Seus cabelos loiros e sedosos, espalhados pelos ombros, e o rosto completamente sem maquilagem lhe davam um ar juvenil.

Rick Howarth não deixou de perceber isso.

__ Meu Deus, devo estar louco ou desesperado.

__ Por que?

__ Por perder meu tempo dessa maneira, conversando com uma garotinha.

Era demais. Rose cerrou os punhos para conter sua raiva e virou-se para sair o mais rápido possível.

__ O senhor não é só malcriado. Sabe como ofender as pessoas.

__ ora Rose. Não quis ofende-la. Quero só que entenda que tenho trinta e seis anos. Sabe o que isto significa?

__ Que é um velho. – A moça não percebia o quanto estava sendo infantil.

__ Acho que mereci essa resposta. Mas ter trinta e seis anos não quer necessariamente dizer que eu seja um velho. Quer dizer que você é jovem demais.

__ Jovem demais para quê?

__ Para... para isto. – E envolveu-a nos braços, encostando os lábios nos dela, num prolongado e envolvente beijo.

Foi tudo tão inesperado que Rose nem reagiu, paralisada com a surpresa. Já havia sido beijada antes mas nunca com a habilidade e o calor que esse homem demonstrava ter. Suas mãos seguravam-lhe possessivamente os quadris, apertando-a contra seu corpo e beijando-a com mais e mais ardor. Mas ela não conseguia corresponder a esse ardor. Sua inexperiência era evidente.

Rick percebeu isso, afastando-se bruscamente dela.

__ Eu não lhe disse que estou louco? Acabei de prova-lo, perdendo a cabeça. Não me leve a mal, perdoe.

__ Perdoá-lo por quê?

__ Ora, Rose, está claro. Sou um sujeito sem caráter. Sem nenhum caráter. – falava de costas para ela, passando desesperado a mão pela cabeça, os dedos entre as mechas do cabelo revolto.

__ Acha que é sem caráter por ter me beijado?

__ Por ter beijado a criança que você ainda é. Estou mesmo precisando voltar para a cidade, para a civilização. Por favor, Rose, vá embora.

__ Mas, Rick...

__ Não discuta, menina. Vá embora.

Rose saiu sem ter entendido direito o que estava acontecendo. Primeiro discutiram, com de costume; e, de repente, sem mais nem menos, Rick a tinha beijado com um ardor que a impedia de ir embora. O beijo despertou todos os instintos de seu corpo. Os músculos rígidos dele, pressionando-a, davam vazão a um desejo novo, e Rose ainda estremecia com a lembrança.

Mas era evidente que ele ocultava algo ou que estava se escondendo de alguém. Qualquer que fosse o caso, ele não era positivamente o homem para ela. No entanto, Rose se sentia atraída desde o primeiro momento que o vira, apesar da raiva. Seu jeito ríspido e sua amargura ocultavam uma sensualidade à flor da pele, como ela havia percebido depois do beijo. Também era óbvio que não se deixava levar facilmente por esta sensualidade.

Tinha muita vontade de saber que tipo de vida teria levado aquele homem antes de vir par Stanford. Em que trabalhava, como vivia. De qualquer maneira, era evidente que sua vida tinha sido muito diferente da que levava agora.

__ Você parece agitada, o que houve? – perguntou a mãe, quando entrou em casa.

__ Nada. Foi a caminhada. Só isso.

Billy levantou os olhos do caderno, onde fazia seus deveres.

__ Não será um caso típico de paixonite aguda?

__ Um caso de quê? ... Claro que não! – Rose ficou inteiramente corada, agora.

__ Ora, aposto que é. Onde esteve esse tempo todo? Na casa do sr. Howarth? – continuou, brincando o irmão.

__ Não é da sua conta.

__ Ora! Não precisa focar brava.

__ Cale a boca! - Ela estava irritada e confusa. A lembrança de Rick não saía da sua cabeça, com seus lábios firmes e sua língua morna vasculhando tentadora os cantos de sua boca. A lembrança era íntima demais para ser compartilhada com qualquer pessoa, muito menos com a peste de seu irmãozinho.

__Rose, não seja grosseira! – A mãe lhe chamou a atenção.

__ Desculpe, mamãe, mas ele fica me provocando.

__ É coisa de criança, não ligue.

Crianças são criança e homens são homens. Naquele momento Rick Howarth era um homem desesperado à procura de uma mulher. Sua impaciência diante de sua pouca idade lhe deu a certeza de que não era ela que ele beijara, mas a única mulher disponível naquele momento. Afinal Rose era jovem, mas tinha um corpo apresentável. Se fosse casado, como ela desconfiava, certamente estava acostumado a um tipo de relação física íntima, da qual agora sentia falta.

__ Ora... eu só queria saber se você e o sr. Howarth...

Billy insistia na provocação.

__ Billy, pegue seus livros e vá terminar sua lição lá em cima. – interrompeu a mãe.

__ Mas... mãe, o que foi que eu fiz?

__ Não discuta. Você não vai sair do quarto enquanto não tiver terminado a lição.

O menino recolheu os cadernos e saiu da sala, mostrando a língua para a irmã, sem que a mãe pudesse ver. Rose, geralmente, aceitava as brincadeiras do irmão e devolvia as gozações. Mas desta vez não conseguiu, por se tratar de Rick Howarth. O assunto a deixava confusa demais para admitir zombarias.

__ Aconteceu algo errado? – perguntou a mãe, solícita.

__ Ah? Não ...não, mãe, nada de errado. Só demorei porque... porque eu o ajudei a esquentar o jantar. Ele não sabe nada de cozinha.

__ Percebi isso pelas coisas que comprou no armazém. Só levou lataria. Seu pai nunca se satisfaria com isso.

Nem Rick, pensou Rose. Era evidente que ele estava acostumado a ter tudo do bom e do melhor. Gostaria de saber qual o mistério que cercava aquele homem.

O dia na biblioteca foi de muito trabalho. Era dia de pagamento, de compras na cidade, e muitas pessoas aproveitavam para passar na biblioteca e retirar livros. Rose estava na recepção, conferindo as obras e assinando os cartões de empréstimo. Pessoas numa longa fila, aguardavam sua vez. Por isso ficou aliviada quando, finalmente, bateu a hora livre para o café. Pegou suas coisas e foi para a sala dos funcionários. Para seu desagrado, Selma estava lá com outra garota.

__ Olá! Como é, ele apareceu, ontem?

Por que será que ela se interessava tanto pela vida sentimental dos outros? Já não tinha assunto suficiente com seus próprios namorados? E, para desânimo de Rose, parecia que Joan, a outra garota, demonstrava o mesmo interesse. As duas a olhavam com curiosidade, à espera da resposta.

__ Não. Ele não apareceu.

__ Então é melhor você procurar outro.

Seria ótimo se as coisas fossem tão simples. Não era fácil tirar Rick Howarth da cabeça. Ele havia dito que precisava voltar a civilização. Rose não queria vê-lo partir, apresar de ter discutido tanto com ele. Estava fascinada por sua figura.

Depois do café, voltou para o salão principal, onde ainda havia muita gente e confusão. O sr. Leaven lhe pediu que fosse arrumar as estantes de livros científicos. Não queria destaca-la para o setor de romances pois sabia que, ali, Rose demoraria o dobro do tempo. Com os livros de medicina mão haveria esse perigo.

Rose começou a classificar os grossos volumes, pegando-os um a um e lendo os dizeres na lombada, até que um dos maiores, um imenso livro de capa dura marrom, escorregou e caiu no seu pé. Soltou um impropério e recebeu um olhar de reprovação do sr. Leaven.

__ O que foi que você disse para irritar tanto o chefinho?

Selma sorria, atrás de uma estante.

__ Eu disse: maldito Oliver Pendleton.

__ Quem é esse cara?

__ O desgraçado que escreveu esse livro. Ele acabou de amassar o meu pé.

__ Esqueça o dedão. Ele está aqui.

__ Quem, Oliver Pendleton?

__ Não, sua boba. Seu namorado.

__Você quer dizer Rick?

__ Sim. Ele está ali, na mesa da recepção. Ele deu o nome e eu me lembrei de quem era ele.

E era ele mesmo. Parado ali, com ar autoritário e superior, ao lado da mesa de recepção estava Rick Howarth.

 

Depois do que havia acontecido, Rose não tinha certeza se Rick queria vê-la de novo. Mas Selma estava ali, a seu lado, insistente, cobrando uma atitude.

__ Vamos, não vai falar com ele?

Não tinha outro jeito. Foi forçada a se expor ao ridículo de ver sua mentira descoberta. Engoliu em seco e deu um passo. Rick a viu e ficou surpreso ao reconhece-la.

__ Olá, querido. Veio buscar-me para almoçar? É muito cedo ainda. – O rosto de Rose estava vermelho, de vergonha e humilhação, e seus olhos imploravam a Rick que compreendesse sua atitude.

Ele notou a presença de Selma e desconfiou de alguma coisa, não se mostrando surpreso. Conseguiu esconder o espanto, mas seus olhos transmitiam algo semelhante a indignação.

Por um instante, Rose pensou que ele ia deletar sua mentira. Porém a resposta veio seca e controlada.

__ Não me importo de aguardar. Afinal, vale a pena esperar por você. – Dava a impressão que o homem ainda se divertia às suas custas .

Rose ficou ainda mais vermelha e, num esforço para afasta-lo dali, disse:

__ Não pode esperar aqui. Vou encontra-lo na lanchonete na praça, daqui a meia hora. – E segurou a respiração, à espera da resposta.

__ Está bem, nos encontramos em meia hora.

Só conseguiu respirar novamente quando o viu sair, com seus passos largos e decididos. Rick não tinha motivos para demonstrar cumplicidade, mas tinha ajudado. Só que ela duvidava que ele fosse realmente à lanchonete. De qualquer maneira, Rose sentiu-se grata por isso e estava disposta a ir até a casa de Rick para agradecer e explicar tudo. Sabia que isso não seria fácil, mas estava decidida.

__ Ele é ma-ra-vi-lho-so! – disse Selma, com os olhos sonhadores. Rick estava mesmo atraente, naquele dia. Vestia uma calça justa e escura e uma jaqueta branca aberta no peito. Seus cabelos estavam ainda compridos, mas não chegava a comprometer a aparência. Pela primeira vez, ele havia deixado de lado as roupas velhas e amassadas que costumava usar. Selma tinha razão: ele era maravilhoso.

__ Como gostaria de conhece um homem assim... Será que ele não tem um irmão?

Não era fácil encerrar um assunto com Selma.

__ Não tem.. quer dizer, não sei. Talvez tenha.

__ Não sabe?

__ Não. Ainda não tivemos tempo suficiente para falarmos de sua família.

__ Ah! Claro. Com um homem assim, eu também teria coisas muito melhores para fazer do que falar de família.

Selma sorria com ironia, e Rose, assim que entendeu o sentido das palavras da colega, ficou corada e sem graça.

__ Não... nós não... é que eu ainda não o conheço muito bem.

__ com um homem assim, é desnecessário muito conhecimento.

Certamente ela se referia ao fato de Rick ser um homem maduro. É claro que, com a experiência dele, não se contentaria em namorar muito tempo de mãozinhas dadas. Selma tinha razão em pensar assim. Ele já provara estar acostumado a relacionamentos menos insípidos do que namoricos de crianças.

__ Preciso voltar ao trabalho e acho bom você fazer o mesmo. – Rose já havia percebido que o sr. Leaven dirigia às duas.

__ Acho que o chefinho nunca foi jovem. Que implicância! – cochichou Selma, antes de voltar aos livros.

Rose não conseguia mais se concentrar no trabalho, Sua mente estava absorvida pela figura de Rick. Que estaria fazendo na Biblioteca? A resposta mais provável é que tivesse vindo apanhar um livro. Mas, então, por que havia saído sem nenhum? Era evidente que também não viera para ver Rose. Apesar de seus esforços para se controlar, ela pôde perceber nele a surpresa de encontrá-la ali. Estava decidida: de noite iria à Casa do Pomar para perguntar sobre isso e agradecer sua ajuda.

Na hora do almoço, normalmente, Rose comia seu lanche na sala dos funcionários, lendo alguma coisa. Hoje, porém, precisava sair para não atrair as suspeitas de Selma. Sua curiosidade levou-a até a lanchonete da praça, depois de atravessar várias ruas repletas de consumidores que se acotovelavam. Como era de se esperar, Rick não estava por perto e, mesmo sabendo que era isso o que iria acontecer, Rose ficou desapontada.

__ Vamos sair daqui. – disse Rick, surgindo pro trás dela, em meio à multidão apressada.

__ Rick?

__ Você não me mandou vir? Pois aqui estou.

__ mas foi uma confusão. Eu não estava falando sério.

__ Muito bem querida, então vamos sair daqui e você poderá explicar tudo direitinho. E não me venha com a desculpa de que está com fome. Eu já providenciei tudo. – E Rick mostrou dois saquinhos e papel da lanchonete, onde havia sanduíches, guardanapos e duas latas de refrigerantes.

Segurou o braço de Rose e encaminharam-se por uma rua transversal para o Jaguar de Rick. Ela se acomodou no confortável assento de couro macio. Era bem diferente da caminhonete de seu pai. Aliás, nem se comparava.

__ Tem um parque aqui perto. – disse Rose.

O poderoso veículo saiu suavemente sob o comando de Rick, que parecia sempre dominar a situação com a mesma segurança. Foram em direção ao parque.

__ Não me olhe como se eu fosse devora-la. Estou de regime, viu? Não precisa ter medo.

__ Eu não estou com medo.

__ Está sim e eu lhe dei motivos para isso, depois de ter agido daquele jeito, ontem à noite.

__ Preferia não falar nisso.

__ Mas nós temos que falar nisso. – A mão dele pousou delicadamente sobre o joelho de Rose, queimando-lhe a pele sob o fino tecido da saia.

__ Por que? Não aconteceu nada demais.

__ Como não? Eu agarrei você, lembra-se?

__ E daí? Não vejo nada demais.

__ Ora, pare de bancar a experiente.

__ Talvez não tenha mesmo a sua experiência...

__ Não tem mesmo.

__ Ora, pare de contar vantagem! Isso não é motivo de orgulho.

__ Não é por orgulho, estou apenas sendo objetivo.

__ Objetivo?

__ Sim, senhorita. – Rick havia parado numa das alamedas do parque, olhando-a de frente. __Afinal, o que é que você quer com um velho como eu?

__ Velho...ora, não seja ridículo. – Riu Rose.

Contagiado com o riso da moça, Rick também riu gostosamente. Caminhavam devagar por uma das veredas do gramado do parque em direção ao lago. Ao chegar na beira da água, sentaram-se para comer.

__ Que estava fazendo na Biblioteca, hoje de manhã?

__ Procurando um livro, que, afinal, não tinham.

Um casal de idade, que caminhava ao sol, passou por eles, olhando-os com insistência.

__ Devem pensar que sou seu pai.

__ Então demonstre que não é.

__ Ora, sua diabinha... Lembre-se de que a idéia foi sua.

Desta vez, Rose estava preparada e seus lábios se abriram para receber toda a paixão de Rick. Passou as mãos pelo pescoço dele, enfiando os dedos entre seus cabelos. Rick a apertava com braços fortes, beijando-a repetidas vezes, com ardor cada vez maior. Seu olhar cinzento acariciava o rosto da moça.

__ Está satisfeita agora?

__ Bem... poderia ter sido melhor. – Rose brincou.

__ Certo, mas não em público.

__ É, talvez tenha razão. Eu só queria mostrar aos dois velhinhos que você não é meu pai, meu irmão mais velho ou coisa parecida.

__ Pois eu acho que conseguiu. Veja como nos olham espantados. Bem Rose agora me diga: que história foi aquela na Biblioteca, hoje?

__Precisamos mesmo falar nisso?

__Claro! Afinal é por isso que estamos aqui agora.

__ Só por isso?

__ Ora, se não fosse isso, você jamais me convidaria para almoçar. Não é? Então conte.

Rose contou tudo rapidamente, corando. Esperava uma reação violenta de Rick, que teria razão de ficar zangado. Tinha sido usado sem saber de nada.

__ Por que escolhera justamente a mim?

__ Foi o primeiro nome que me ocorreu.

__ Diga a verdade, Rose. Você planejou tudo direitinho. Eu lhe convinha melhor por morar em Sanford e ser suficientemente inacessível para que Selma viesse me perguntar se namorava você mesmo.

__ É .... – Rose estava envergonhada.

__ Mas por que?

__ Você já falou...

__ Estou preocupado: por que não tem namorado?

__ Sei lá... não tenho. Só isso.

__ Nunca namorou ninguém?

__ Já, claro que...Não. Nunca namorei para valer. – admitiu, afinal, sem graça.

__ Isso é muito estranho. O que há, tem medo de pertencer a algum homem?

Os olhos de Rose se arregalaram de espanto, com a intimidade da pergunta. Estava mais próxima de Rick, depois daquele lanche, mas não havia lugar para uma pergunta tão pessoal assim, sem mais nem menos. Ela, pelo menos, jamais sonharia em perguntar algo dessa natureza àquele homem.

__ Responda: tem medo de homens?

Era demais. Ele não tinha o direito de abordar o assunto assim, sem nenhum tato, fria e objetivamente, com se estivesse fazendo uma pesquisa científica.

__ Não! Se quer saber mesmo, considero esse assunto muito chato.

__ Como sabe, se nunca experimentou?

__ É o que você pensa.

Pegou sua bolsa, levantou-se, e começou a caminhar em direção ao carro. Decepcionada, percebeu que Rick não procurava alcança-la para pedir desculpas. Limitou-se a segui-la, alguns passos atrás, andando calma e distraidamente. Teve que esperar até que ele chegasse e se dignasse a destravar as portas.

__ Preciso voltar ao trabalho.

__ Ainda faltam dez minutos. Há tempo de sobra.

Olhava-a com ressentimento, enquanto o carro seguia em direção à biblioteca. Por que ele não dizia nada? Por que não perguntava o que ela quis dizer com sua última afirmação? Provavelmente por que não lhe interessava. Que tola havia sido, fazendo Rick se aborrecer assim. Por que não aprendia a ficar de boca fechada?

__ Uma mão lava a outra. – Ele disse finalmente __ Que tal se você viesse preparar meu jantar, hoje à noite?

Estava tão aliviada por ele querer encontrá-la novamente que nem sequer pensou em recusar. Abriu um sorriso e respondeu de imediato:

__ Claro que sim, eu vou adorar. – E, para que não parecesse oferecida demais, procurou completar. ___ Só que não sei cozinhar direito.

__ Quer dizer que não herdou os talentos de sua mãe?

__ Infelizmente, não.

__ Então, que tal se eu levasse um pouco de comida do restaurante chinês, aqui de Ampthull? Você gosta de comida chinesa?

__ Gosto, é ótima. – Ela exagerou o entusiasmo para esconder o fato de que só experimentara uma única vez e, assim mesmo, um único prato que o pai havia feito questão de comer, num restaurante caro como aquele, para comemorar ele não lembrava o quê.

__ Quer que eu vá busca-la em sua casa ou você vem sozinha?

__ Pode deixar que eu vou – ela respondeu. Das poucas vezes que um rapaz tinha ido buscá-la para sair, seu pai tinha sido indiscreto demais, com perguntas de toda ordem. Esse era outro dos motivos pelos quais os rapazes se afastavam dela. Afinal, vinham só sair para um lanche ou um cinema e não para pedir sua mão em casamento.

Chegaram à Biblioteca. Rick saiu do carro e, dando a volta por trás, abriu a porta de Rose. Assim que ela saiu, ele lhe deu um suave beijo na boca.

__ É para satisfazer Selma, caso ela esteja olhando – disse, rindo enquanto ela corava.

__ Vou à sua casa lá pelas sete. Está bem?

__ Espero você. Até lá. – E arrancou, com seu possante carro.

Rose ficou ali na calçada, por alguns instantes, vendo-o partir. Por algum motivo, ela se sentiu mais atraída por Rick Howarth do que jamais estivera por qualquer outro homem. Ele era muito diferente dos rapazes que conhecera.

__Ei! Rose, está na hora de trabalhar... – disse Selma em seu ouvido.

__ Eu estava distraída...

__ Distraída? Eu diria que estava paralisada. Que pena eu não ter conhecido esse sujeito antes de você.

Rick, certamente, também teria gostado de conhecer Selma antes. Ela não vacilaria em aceitar, de imediato, al relação mais íntima que ele desejava. Além do mais, Selma era quatro anos mais velha que ela e Rick não a trataria como a uma criança.

__ Sinto muito, queridinha, mas você não conheceu. E não se esqueça de que ele agora é meu namorado, está bem?

Assim que deu essa resposta, Rose percebeu como estava sendo injusta. Sentiu-se envergonhada com suas palavras.

__ Desculpe, Selma. Eu não quis ser malcriada.

__ Tudo bem, não tem importância. Se ele fosse meu namorado, também, não gostaria que os outros o cobiçassem.

__ Srta. Castle, por favor. Gostaria de dar uma palavrinha com você.

- Era a voz do sr. Leaven. Como sempre, autoritária. Lá vinha outra reprimenda. Assim que ela se aproximou, ele continuou em tom formal e distante: __ Devo lembra-la de que é contra o regulamento funcionários receberem visitas de... amigos aqui. E, pior ainda, fazerem demonstrações de afeto, como a que acaba de ocorrer na porta da biblioteca. Estou sendo claro?

__ Eu... – Suas faces estavam coradas e ela não sabia por onde começar.

__ Por favor – continuou ele – espero que isso não se repita, srta Castle.

__ Eu não lhe disse? – comentou Selma, rindo, logo que as duas ficaram a sós.

O sr. Leaven não tirou os olhos de Rose, naquela tarde, vigiando seu trabalho. Por isso, ela ficou aliviada quando deu a hora da saída e, finalmente, pôde ir para casa. Aí lembrou-se de que outro problema a esperava. Teria de explicar a seus pais: por que ia jantar com Rick?

__ Vocês estão se vendo com uma certa freqüência, não é, querida?

- comentou a mãe.

__ A senhora não gosta dele?

__ Não é isso, mas...

__ O que sua mãe estava querendo dizer, Rose, é que nós percebemos sua mudança. Até alguns dias, você era uma garota sapeca e brincalhona. De repente, transformou-se numa mulher e parece apaixonada por um homem mais velho. Isso nos preocupa – falou o pai.

__ Também não precisa ralhar com ela assim – observou a mãe.

__ Como posso falar diferente? Não gosto do jeito daquele homem, Bárbara.

__ Mas você nem o conhece direito. A mim, sempre pareceu muito educado, no armazém.

__ Não se pode avaliar as pessoas só de observa-las de um balcão. A minha opinião é que você não devia ir, Rose. Estão se vendo demais.

__ Mas esta seria a terceira vez, papai. Não foram tantas vezes assim.

__ Ora, menina. Daqui a pouco você é capaz de aparecer aqui para dizer-nos que...está com problemas.

__Peter!

__ Papai!

__ Está bem, talvez esteja me excedendo um pouco. Mas pense bem, nada sabe sobre este homem. Apenas que há três semanas ele apareceu para alugar a Casa do Pomar e...

__ Alugar? – interrompeu Rose, surpresa. __ Quer dizer que ele não é o proprietário?

__ Assim nos disse a sra. Rede e ela sabe de tudo. Ale, do mais, ele retira suas correspondências na loja do correio, porque diz que a Casa do Pomar é apenas um endereço provisório. Está vendo? Você não sabia disso. Nós não sabemos nada sobre ele.

__ O que sei é que gosto dele, papai. E não é só um entusiasmo infantil. Seria bom se vocês não procurassem controlar tanto minha vida. – Rose saiu correndo da sala, com lágrimas correndo pelo rosto. Seu pai nunca havia falado tão sério com ela. Mas não era justo e ela não desistiria do jantar. Enxugou as lágrimas com a palma da mão e continuou a andar, decidida, em direção ao portão.

Nem esperou que Rick abrisse a porta, quando chegou à Casa do Pomar. Precipitou-se para dentro da cozinha, que estava vazia. De um dos quartos, vinha um ruído de máquina de escrever. Lembrou-se de que ele tinha uma em seu quarto e correu para lá.

__ Rick . . . Rick – chamou, abrindo a porta. __ Oh! Rick. – E atirou-se em seus braços, soluçando e sem conseguir dizer mais nada.

__ O que houve, meu Deus? O que aconteceu? – E apertou-a em seus braços.

__ Agora nada... não diga nada, só me abrace forte. – Colou o rosto contra o peito de Rick. A camisa dele estava entreaberta e sua face aconchegou-se à pele quente e bronzeada daquele peito.

__ O que houve? Diga, para que eu possa ajudar.

__ Não quero ajuda. Quero que me beije, por favor. – Seus enormes olhos azuis imploravam carinho, os lábios entreabertos e tentadores convidavam, enquanto as mãos se agarravam ao pescoço dele.

__ Não vou fazer isso enquanto voe não me explicar o que está acontecendo.

__ Ora, estão todos contra mim. Primeiro o sr. Leaven, meu chefe, proibiu que eu visse você na biblioteca de novo. Depois, papai disse que... bem, fez insinuações a nosso respeito.

__ Insinuações? Ele por acaso insinuou que eu vou acabar engravidando você, é isso?

__ É...

__ Pois saiba que isso está completamente fora de cogitação. Não tenho a menor intenção de ir para a cama com você.

__ Rick, você faz tudo parecer tão frio, tão calculado...

__ Se você está pensando que posso me deixar levar por um desejo incontrolável, está totalmente enganada, Rose. Há muito que aprendi a controlar essas coisas. Entregar-se sem pensar é coisa de garotos imaturos ou idiotas. E eu não sou nem uma coisa, nem outra.

__ Quer dizer que você analisa tudo assim, friamente? Resolve quando pretende fazer amor e, simplesmente, faz? Não há um envolvimento maior, uma entrega?

__ No meu caso, não. Claro que gosto de sexo, como todo homem, talvez até mais do que muitos. Mas não dirijo minha vida por ele.

__ Credo! Isso faz tudo parecer tão programado. Você nunca amou ninguém?

__ Por que pergunta? Você, por acaso, é perita no assunto?

__ Eu não – respondeu Rose, um pouco sem graça.

__ Pois eu já amei, e muito. Agora vamos sair do meu quarto. Não me parece um lugar apropriado para continuamos a conversar.

__ Não vejo nada de mal. – Rose sorriu.

__ Acho melhor sairmos. De repente, posso querer demonstrar que é possível ter prazer no sexo, mesmo sem amor, e as coisas se complicam.

Rose corou. Se por um lado provocava a situação, por outro sentia pouco à vontade. Nunca falara de assuntos tão íntimos e de forma tão aberta com um homem. Decidiu mudar de assunto.

__ Você estava batendo à máquina quando cheguei, é seu trabalho?

__ Quem lhe disse que eu trabalho?

__ bem, você deve fazer alguma coisa.

__ No momento, tento consolar uma jovem atrapalhada e bastante curiosa. Venha, vamos descer.

__ Ora ... eu ...

__ Vamos. Você pergunta demais e eu não pretendo responder. Sabe, acho que seu pai tem razão em se preocupar. Está confiando demais num homem que nem conhece direito. Além do mais, seus gestos e sua atitude parecem um convite.

__ Mas não são. – Rose reagiu indignada, mas consciente de que estava se atirando, de forma desavergonhada, nos braços desse homem. E ele acabava de rejeita-la.

__ Ali,no meu quarto, só nós dois... bem que parecia um convite. Ainda bem que garotas adolescentes de olhos azuis não são meu tipo.

__ E nem galãs envelhecidos são o meu.

Rick passou-lhe a mão pela cabeça, despenteando os cabelos loiros.

__ Acalme-se, garotinha. Está muito agitada.

__ Pare de me tratar como criança.

__ Então pare de agir como tal. E leve bem em conta o que seu pai disse. É melhor prevenir do que lamentar. Comigo não há problema, mas você deve lembrar-se bem disso, quando estiver com outros homens.

Saíram para jantar. Enquanto Rick dirigia para Ampthull, mantiveram silêncio. Rose pensava nas palavras dele, tentando compreende-lo até que perguntou:

__ Por que se preocupa tanto comigo, se não quer...?

__ Veja bem, menina. Você não consegue nem dizer a palavra, quanto mais praticar o ato.

__ Então, o que você quer de mim?

__ Companhia. Estive muito só, nesses últimos meses. E, depois de conhecer você, percebi que, como qualquer um, preciso conversar de vez em quando. E, depois, não se esqueça de que foi você mesma que propôs nosso primeiro encontro hoje de tarde.

__ Ora, desculpe, Rick. Estou sendo tão tola!

__ você está nervosa com a reprimenda de seu pai. Mas não se preocupe: amanhã eu passo no armazém e converso com ele. Assim verá que na tenho más intenções para com sua querida filhinha. Gosto de você como uma amiga, como uma jovem amiga.

__ Para ser assim, preferia nem tê-lo conhecido.

__ Menina procure entender. Afinal o que há com você? Não há rapazes de sua idade por aqui? Por que você se oferece dessa forma a um estranho?

__ Oferecer-me? Se é isso o que pensa de mim, é melhor eu descer do carro aqui mesmo. Pare!

__ Sou capaz de fazer isso mesmo, se continuar agindo assim.

__ Pare, já disse. Você tem razão. Não sei por que dou atenção a um sujeito mais velho.

__ Está bem, você é a garota mais irracional que já conheci.

__ E você, o homem mais mal criado da face da terra.

__ Muito bem, já parei. Pode descer, mas antes... – Rick segurou-a com força pelos ombros e beijou-a com avidez, fazendo seus lábios se abrirem para permitir que sua língua ardente penetrasse em sua boca com ansiedade. Rose entregou-se totalmente ao ardor do homem até que, assustada com a fúria de sua posse, parou e o olhou espantada. A expressão dele era tensa, e percebia-se pela s veias de seu pescoço que respirava com dificuldade. Devolvendo o olhar de Rose com frieza, Rick falou:

__ É isso o que você queria? Pois prepare-se... tem muito mais.

__ Não. – Ela abriu a porta do automóvel, com um tranco, e saiu rapidamente. ___ Nunca devia ter me aproximado de você.

__ Nem eu. – O automóvel saiu com velocidade. Os pneus chiaram numa curva fechada. Ele tomou o rumo oposto ao que haviam seguido até então e desapareceu.

 

Nas semanas que se seguiram, Rose viu diversas vezes o Jaguar azul-claro, atravessando as ruas da cidade. Mas, ou por sorte ou por estar tentando evitá-la, Rick parecia não tê-la visto nenhuma das vezes. Na quinta-feira, saindo mais cedo do trabalho, foi substituir o pai na agência dos correios, para que ele pudesse fazer umas entregas. Rick apareceu e ficou sem graça ao vê-la ali no balcão. Estava desarrumado e pálido, como na primeira vez em que o vira.

__ Boa tarde, sr. Howarth. Em que posso ajuda-lo? Rose esforçava em parecer distante.

__ Vim buscar minha correspondência.

Ela se abaixou para procurar, sob o balcão, as cartas da posta-restante, até achar um único envelope que continha o nome dele. Aqui está. Só tem isso.

Rick rasgou cuidadosamente o canto do grande envelope, retirando de dentro vários outros envelopes menores. Leu com rapidez o conteúdo de cada um deles, até que sua expressão ficou séria e contraída, ao ler uma carta que veio num envelope azul-claro. Estava tão perfumado que Rose chegou a sentir o odor do outro lado do balcão.

__ Droga! – ele resmungou, baixinho.

__ O que houve? Ela acabou descobrindo seu paradeiro?

__ Ela? Quem você acha que é?

__ Sua esposa, ora...

__ Não sou casado.

__ Então, sua noiva. – Rose procurava ser irônica e fingir que o assunto não a preocupava. Mas na verdade, sentia calafrios. Mesmo após várias semanas sem vê-lo, ainda sentia grande atração e o simples fato de estar junto dele a deixava nervosa e descontrolada.

__ Também não tenho noiva, Rose. Escuta...

__ Desculpe, sr. Howarth, mas preciso atender a srta. Stevens.

Rose dirigiu-se a velha solteirona que acabava de entrar na agência, depositando diversas cartas sobre o canto oposto do balcão.

__ Não se preocupe, querida. Não estou com pressa. Ainda tenho que endereçar alguns envelopes. – disse ela.

__ Talvez eu possa ajuda-la. – Colocou à disposição da srta. Stevens, ignorando por completo a presença de Rick, de forma proposital.

Ele permaneceu ali, por alguns minutos, esperando que Rose lhe desse atenção. Mas, como isso não aconteceu, deu um resmungo e saiu com raiva.

__ Acho que o sr. Howarth não gostou de ter me passado na frente – disse a srta. Stevens.

__ Não se preocupe. Eu já tinha entregado a correspondência dele.

__ Ah! Bom... ele é seu amigo, não é, Rose?

__ É ... é um bom conhecido.

__ É que a sra. Reed me disse que você e ele ... bem, que vocês se visitam bastante.

A sra. Reed era vizinha da srta. Stvens e a maior bisbilhoteira da cidade. Dizia-se que o que ela não soubesse era porque não tinha acontecido. Pelo visto, andava comentando os incidentes da Casa do Pomar.

__ Não que eu dê muita atenção ao que Sarah Reed fala. Ela diz muita bobagem, sabe, Rose? Mas é que eu mesma vi você sair da casa do sr. Howarth, no outro dia.

__ Fui lá levar uns pratos que mamãe mandou. Ela acha que ele não se alimenta bem. – Rose sorriu, disfarçadamente e procurando desviar a conversa.

__ Eu também acho que ele é magro demais. Uma pena... um moço tão bonito! Acho que precisa de uma esposa.

__ Quem sabe já tem. – O fato de ele ter desmentido não convenceu Rose e ela ainda estava preocupada. Era ridículo que, depois de tudo o que tinha acontecido, da forma dura como ele a tinha rejeitado, ela ainda se sentia perturbada.

A srta. Stevens pareceu não ouvir o comentário e ajeitando o pequeno pacote de carne que levava, preparou-se para ir embora.

__ Vou para casa. Meus bichinhos me esperam para comer. Aqueles gatinhos fazem muita algazarra quanto não estou lá. Até logo, querida. Lembranças a seus pais.

Quando chegou em casa, à noite, sua mãe lhe perguntou:

__ Você pode levar o jantar do sr.Howarth hoje?

__ Billy não pode ir?

De fato era o irmão que levava há mais de duas semanas o farnel que sua mãe preparava para Rick Howarth jantar.

__ Ele ficou na escola até mais tarde.

__ mas a senhora sabe que não posso ficar indo lá depois do que aconteceu, mamãe!

Rose tinha sido criada de forma simples e sincera, onde todos costumavam dizer o que pensavam, sem rodeios. Não sabia dizer as coisas de forma indireta, como Rick, e por isso havia sido honesta com os pais. Contara que gostava do sr. Howarth e como ele rejeitara tomando-a, ainda por cima, como leviana e oferecida.

__ Está bem, querida. Eu mesma deixo, então, quando for à casa da sra. Blewett. Ela está cortando um vestido para a netinha e eu fiquei de passar lá, para ajudá-la.

Sua mãe era muito solícita. Gostava de ajudar e, como a sra Blewett enxergava pouco, ele sempre ia lá terminar as costuras e aproveitava para fazer uma visita e conversar um pouco. Não era muito tarde, quando voltou.

__ Divertiu-se, mamãe?

A mãe sentou-se, suspirando.

__ Dá pena ver as pessoas envelhecendo. Lembro-me da sra. Bewett como uma mulher esperta e ativa, quando mudamos para cá. Agora ela mal consegue se mover da cadeira, coitada.

Apesar de gostar muito da sra. Bewett, Rose estava mais interessada em saber o que tinha acontecido na casa de Rick. Mas não se atrevia a perguntar, esperando em silêncio que a mãe entrasse no assunto. Como se adivinhasse seus pensamentos, ela continuou:

__ O sr. Howarth não me pareceu nada bem de saúde.

__ É mesmo? – Rose perguntou, se lembrando de como ele estava pálido e mal-arrumado, à tarde, quando passara no correio.

__ Também morando num lugar daqueles... A Casa do Pomar é úmida demais e imagino que ele não tem nenhum tipo de aquecimento.

__ Tem uma lareira no quarto.

__ Ah, é? – A mãe dirigiu-lhe um olhar desconfiado, como perguntando que diabos estivera fazendo lá.

__ Bem... é o único quarto que tem mobília, por isso prestei mais atenção. – apressou-se em explicar.

__ Claro, meu bem. Sabe? Ele perguntou por você?

__ Não diga! – Rose procurava esconder a enorme satisfação que aquilo lhe causava.

__ Pois é. Perguntou. Parecia preocupado por você não ter voltado lá. Disse-me que tiveram uma discussão, ou coisa assim.

__ Não lhe disse por quê?

__ Não. Disse que foi por bobagens.

Bobagens! Será que para Rick tudo não passava de banalidades sem importância? Pelo visto já havia se esquecido do incidente.

__ Disse que gostaria que você fosse lá amanhã, se tiver tempo depois do jantar.

__ Pode ser.

Mas a sorte parecia não estar do lado de Rose, no dia seguinte.Mal saiu pedalando na sua bicicleta, depois de aguardar ansiosa o fim do expediente na biblioteca, sentiu que um dos pneus estava furado. Acabara de tomar a estrada que saiu de Ampthulll e ainda faltavam uns bons quilômetros até em casa.

__ Droga!

Ia levar mais de uma hora para chegar e, então, seria tarde demais para ir à casa de Rick. Que azar!

Só ocasionalmente alguns carros passavam pro ela, mas nenhum conhecido apareceu, e ela não se atrevia a pedir carona. Como certeza seu pais aparecia mais cedo ou mais tarde. Ele sempre saía para procurá-la na estrada quando se atrasava. Até se lembrava de uma vez, quando ela e uma amiga encontraram alguns rapazes, ao sair do trabalho, e resolveram ir tomar algo na lanchonete. Estavam lá sentados, conversando animadamente, quando o pai apareceu. Sua preocupação transformou-se em fúria quando os viu rindo e conversando animadamente, enquanto ele se preocupava. Sem vacilar, ele a tirou da mesa e levou-a para casa.

Mas desta vez o pai não apareceu e já passava das nove quando finalmente chegou em casa. Sua mãe olhou-a com espanto e Rose apressou-se em explicar o que tinha acontecido. Cansada e desanimada não quis nem jantar. Estava triste por não ter visto Rick naquele dia como planejara.

__ Pensei que você tivesse ido direto à casa do sr. Howarth, por isso nem me preocupei com seu atraso.

__ Não fui, não. E agora já é muito tarde.

__ Acho que sim. É melhor ir amanhã. Seu pai foi ver um jogo de futebol com Billy.

Mas Rose queria ver Rick. Amanhã parecia tempo demais para suportar a ansiedade. Talvez percebendo a inquietação dela, sua mãe continuou:

__ Não faz mal. O sr. Howarth espera mais um dia. Eu já lhe disse, hoje de manhã quando dói ao armazém, que não sabia se você teria tempo para visitá-lo. – Havia em seu rosto um risinho malicioso.

__ Mas por que disse isso, mãe?

__ Querida, não é bom mostrar tanta ansiedade como os homens. Esperar um pouco vai deixá-lo com mais vontade de vê-la.

__ Mamãe! Você é demais.... – rose riu gostosamente. __ Foi assim que conquistou papai? Fingindo-se de difícil?

__ Muitas vezes a tática funciona. – As duas riram, abraçando-se carinhosamente.

Rose ficou mais tranqüila. Conseguiu até comer um pouco. Sua mãe a apoiava e, afinal de contas, o dia seguinte não demoraria tanto a chegar.

Mas parecia que a onda de azar insistia em persegui-la. Sem bicicleta e com o atraso do ônibus, chegou mais de uma hora atrasada na biblioteca, no dia seguinte. O sr. Leaven, já com bastante motivo para não estar satisfeito pelas suas constantes distrações, não perdeu a oportunidade para mais uma reprimenda.

__ Srta. Castle, sinto muito mas vai ter que trabalhar até mais tarde para compensar o atraso.

Ficar até mais tarde significava perder o único ônibus de volta e ter que andar quase três quilômetros e chegar novamente tarde demais para visitar Rick.

Para completar seu mau humor, começou a chover forte no meio da longa caminhada de volta. Estava completamente molhada e, desta vez, esperava ansiosamente que o pai viesse buscá-la. Ainda bem que era fim de semana e, no dia seguinte, poderia descansar.

Dois carros ofereceram carona, mas Rose, lembrando-se dos conselhos tantas vezes repetidos pela mãe, recusou. Continuou andando sob a chuva. A água lhe escorria pelos cabelos e entrava sob a fina capa de chuva que vestia e que há muito deixava de ser impermeável. De repente, viu os faróis de outro carro se aproximando. Apesar da chuva e da neblina, destinguiu o Jaguar azul-claro. Desta vez não era nenhum estranho, era Rick.

__ Meu Deus! É você? – disse ele, saindo do carro. __ O que está fazendo aqui nesta chuva?

__ Ora, estou me molhando.

__ Que tal, então, entrar no carro antes de nos afogarmos? – E abriu a porta, empurrando-a para dentro.

Estava ensopada até a medula dos ossos. Seus cabelos colavam-se na cabeça e seus sapatos estavam encharcados.

__ Vou estragar todo o estofamento do seu carro.

__ Não se preocupe. Se eu me importasse com isso não teria parado para pegá-la. Mas será que não percebeu a tempestade antes de sair de Ampthull?

__ Percebi, é claro. Mas não podia passar a noite lá.

__ Onde está a sua bicicleta?

Rose explicou o que tinha acontecido e por que não tinha usado a bicicleta naquele dia. Ele enfiou a mão no bolso da calça e entregou-lhe qualquer coisa. Esperando que fosse um lenço, Rose pegou o que lhe dava. Qual não foi sua surpresa, ao perceber que era dinheiro.

__ Para comprar uma roda nova, como já devia ter feito. – explicou Rick.

__ Não quero, obrigada – disse Rose, devolvendo as notas.

__ Pegue!

__ Já disse que não.

__ Puxa vida, você discute por qualquer coisa!

__ E você é mandou demais.

A raiva dos dois podia ser sentida naquele silêncio tenso que ficou no carro. Rose arriscava um olhar, de vez em quando, para o rosto de Rick, que mantinha as feições rígidas e impassíveis. Que criatura arrogante, pensou.

__ Por que não foi à minha casa, ontem à noite?

__ Não tive tempo... estive ocupada.

__ É ... entendo. – Rick parecia bastante contrariado. __ Quem era ele?

__ Ele? – será que Rick estava enciumado, pensando que ela tinha algum namorado, alguém que ela preferia a ele? Rose se divertia com a idéia.

__ Sim. O sujeito com quem você saiu ontem à noite. Quem era?

Rick estava mesmo com ciúmes e muito zangado.

__ Não saí ontem. Fiquei em casa, fazendo algumas coisas, só isso. – Rose procurava acalma-lo. __ Não pensei que você fosse ficar me esperando.

__ Não fiquei mesmo. – Seu tom era ríspido. Parou o carro já no portão da casa de Rose.

__ Se quiser eu posso ir jantar com você hoje.

__ Desse jeito, toda molhada?

__ Ora, eu me troco num instante. Você me espera e pronto.

__ Não. Rose, hoje não dá. Vou estar ocupado.

__ Quem é ela? – Devolvia a pergunta com um sorriso, procurando alegrar a situação mas, na verdade, escondendo a preocupação.

__ Ela é a máquina de escrever que você viu no meu quarto.

__ O que está escrevendo?

__ Coisas.

__ Muito bem, se não quer contar, não conte. Não se fala mais nisso.

Claro que não era bem assim que ela se sentia. Ficava bastante chateada por Rick fazer tanta questão de manter aquele mistério.

__ Acho melhor você entrar e tomar um banho quente. Senão vai ficar resfriada.

Rose tentou esticar o assunto, para ficar mais um pouco com ele, mas Rick não deixou.

__ Vamos, Rose. Sabe que tenho razão. Se ficar resfriada, não pederá dizer que não a avisei.

Não adiantava mesmo tentar discutir com ele. Era seguro e intransigente demais. Rose, então, perguntou:

__ Quer que eu vá à sua casa amanhã?

__ Como quiser.

__ Eu perguntei se você quer.

__ E eu respondi: como quiser.

__ Meu Deus, como você me irrita!!!

__ Escute, Rose: às vezes você também me tira do sério. – Ele parecia ter perdido a paciência, mas fazia esforço para se controlar, falando lenta e pausadamente. – Faz com que eu perca as estribeiras e até a boa educação. Agora, por exemplo, eu gostaria de... bom, nada, esqueça.

Rose se sentou melhor no assento do carro, com uma expressão de ansiedade.

__ Continue.

__ Não é nada.

__ Rick, por favor.

__ Está bem, você pediu. – Seu tom era fúria e seu olhar quase selvagem. Segurou os braços de Rose com tanta força que chegou a machucá-la. Com os olhos faiscando, os lábios ardentes de desejo, envolveu a moça num brusco abraço, beijando-a com violência e paixão. E Rose retribuía, ansiosa. Não se importava com a violência, sentia o desejo brotar em todo o corpo, que se fundia ao de Rick num êxtase comum.

De repente, ele a afastou, com um gesto brusco.

__ Por que não fica longe de mim? Será que ainda não percebeu que eu posso ser perigoso?

__ Perigoso?

__ Sim. Só Deus sabe como desejo você. Mas não quero possuí-la, não posso.

__ Rick, por quê? Por que não?

__ Ora, você está cansada de saber...

__ Não, não estou. Você nunca fala direito comigo. Explique.

__ Quando levo uma mulher para a cama é exatamente isso que quero... uma mulher. Não uma menina como você. Eu me sentiria como um corruptor de menores.

__ Não seja ridículo. Não sou nenhuma menina, mas, mesmo que fosse, Rick, há sempre uma primeira vez. – Rose implorava, com o olhar tomado de desejo e paixão.

__ Só que não será comigo.

__ Por que não? Acabou de me dizer que me deseja.

Rose já tinha pressentido isso nos encontros anteriores, desta vez tinha certeza: estava perdidamente apaixonada por Rick. Ela o amava com todo o seu coração. Ele deixava bem claro que não correspondia a seu amor, mas a desejava. E não era esse começo que tinha marcado muitos encontros felizes e duradouros? Rose se entregou totalmente à atração que sentia pelo corpo rígido e musculoso de Rick, por sua pele bronzeada e quente. Mesmo que ele não a amasse, queria ser dele. Queria se entregar inteiramente.

__ Desejo você da mesma forma que desejaria qualquer mulher atraente, neste momento. Já lhe disse que tenho impulsos maiores do que muitos homens e, afinal, já estou aqui há mais de um mês.

__ Quer dizer que... você só me deseja pro que estou aqui, disponível?

__ E o que mais está fazendo além de se oferecer?

__ Vou embora, não suporto mais suas ofensas.

__ Adeus, Rose. Você vai me agradecer por isso, algum dia.

__ Você vai embora de Sanford?

__ não, não vou embora por enquanto. Mas não vá mais à Casa do Pomar, se tiver um mínimo de bom senso.

__ Pois saiba que não tenho nem um pingo desse bom senso.

__ Então, vou ter que impedi-la de entrar.

Rose sabia que ele falava a sério, a determinação estava estampada em seus olhos cinzentos.

Abriu relutante a porta do automóvel, desejando não ter que se afastar dele. Pela primeira vez, na curta vida de Rose, estava apaixonada por alguém, e escolhera justamente o homem que não podia escolher. Não sabia nada sobre ele, mas sabia o suficiente para compreender que jamais casaria com uma pessoa tão jovem e tão pouco experiente como ela.

E quanta frieza! Ela estava derretida desde que Rick a tocara pela primeira vez, e ele a rejeitara. Só que desta vez ela não ficara envergonhada. Decidiu não ocultar mais seus sentimentos e deixar claro que, assim que ele a quisesse, estaria disponível.

__ Será que choveu? – perguntou o pai, em tom de brincadeira, assim que ela entrou.

__ Ora, papai, não brinque! Foi mais do que chuva, o que caiu. Foi uma bela tempestade! – rose sorria, pensando em como era bom contar com uma família carinhosa como a dela.

__ Então suba, querida. Vá trocar essa roupa e venha jantar.

Depois de tomar um banho quente e vestir-se, Rose sentou-se à mesa, para comer.

__ aquele era o carro do sr. Howarth/ - perguntou a mãe, com o olhar fingindo indiferença.

Rose corou. Sua mãe não gostava de se intrometer na vida dos outros mas, por algum motivo, parecia não perder nada do que acontecia à sua volta.

__ Você vai lá, mais tarde?

__ Não.

__ Ué...

__ Ora, mamãe! Já disse que não vou.

__ Será que vocês dois brigaram de novo?

__ Mãe, você fala como se fôssemos duas crianças.

__ Pois é o que parecem, quando estão juntos. Normalmente, o sr. Howarth é uma pessoa comedida e sensata ma, quando está com você, a única coisa que parece saber fazer é brigar. Sei que você tem um gênio que não é dos melhores, Rose, mas acho que não pode ser tudo culpa sua. Acho que ele deve atiçar demais o seu mau humor.

__ É. E, ao que tudo indica, eu faço o mesmo com ele. Há algo que não combina. Tudo o que faço, ele acha ruim, e o mesmo acontece comigo.

__ Já percebi isso. E não só eu, como várias outras pessoas. Imagine que a sra. Reed veio ao armazém hoje de manhã só para saber sobre vocês.

__ Mas que fofoqueira!

__ Ora a vida dela não tem nenhuma emoção, por isso precisa procurar na vida dos outros. É claro que não falei nada com ela.

Nisso, Billy entrou como um furacão na sala. Estava todo molhado e carregava no ombro uma sacola de jornais, que entregava às vezes para ganhar algum dinheirinho extra. A sacola estava vazia e totalmente encharcada.

__ adivinhem o que aconteceu? – ele gritou.

__Ora, nem precisamos adivinhar. Você sempre acaba contando as novidades, de qualquer maneira.

O garoto jogou a sacola sobre uma poltrona, sem se importar que ela espirasse água por todos os lados.

__ sabem por que me atrasei tanto? Nem puder acreditar, quando vi o carro daquele jeito, todo amassado. O motor ainda estava funcionando, não sei como, mas eu consegui desligar....

__ Billy, do que você está falando?

__ Do acidente... aí eu corri para chamar a ambulância. Que judiação, um carro tão bonito, precisam ver como ficou...

O garoto não parava de falar, nervoso e agitado, Para sua pouca idade, havia demonstrado muita coragem e por isso estava tão alterado, ansioso por contar toda a aventura.

__ Calma, Billy, explique direito. Quem sofreu um acidente?

__ Lá ... na árvore grande da curva. O carro está todo enrolado no tronco e o sr. Howarth foi jogado para fora. Mas eu consegui...

__ O quê? O sr. Howarth? Quer dizer que Rick sofreu um acidente?

__ É ... isso mesmo, foi ele.

Rose não ouviu mais nada. O mundo escureceu à sua volta e ela desmaiou.

 

Quando acordou, estava enrolada num cobertor e deitada sobre alguns travesseiros em sua cama. O pai e a mãe a olhavam ansiosos, a seu lado.

__ Rick... Rick. – Sentou-se bruscamente.

__ Acalme-se, Rose, está tudo bem. Seu pai vai leva-la até Ampthull – disse a mãe.

__ Vou? – perguntou o pai, surpreso.

__ Vai, sim. Lá ela poderá ter notícias do sr. Howarth, no hospital, e ficará mais calma.

__ Ah! Está bem.

Rose procurou se levantar, ainda um pouco tonta. Então Rick estava ferido. E ela não sabia se era grave. Meu Deus, podia até estar morto! Precisava chegar o mais depressa possível ao hospital. Ficou parada ali, pálida e vacilante,s em conseguir tomar uma decisão. Vendo-a assim, a mãe chegou mais perto e falou:

__Antes de ir, precisa se recuperar. Espere que eu lhe traga um chá quente.

__ Não, mãe. Vou embora já.

__ Filhinha, você ainda está muito chocada e, assim, vai ser pior. Tome algo quente, enquanto seu pai telefona para o hospital. Já devem ter notícias dele.

Quando o pai voltou da sala, Rose olhou-o com expressão ansiosa, à espera de notícias.

__ estão tirando algumas chapas.... raios X ... ainda não sabem a extensão dos ferimentos.

__ Graças a Deus! Pelo menos está vivo – ela suspirou, aliviada.

__ Claro que está. Eu já sabia disso. – Billy falava pela primeira vez, depois daquela confusão.

__ E por que não disse antes?

__ Ué, ninguém perguntou... Ele se levantou, antes de a ambulância chegar. Estava tonto, mas conseguiu ficar de pé.

__ Muito bem, mocinho. Você foi um herói, hoje. Agora vá tomar um banho. – falou a mãe. ___ Você está todo molhado.

__ Banho? De novo? Ah.... mãe, já tomei banho ontem...

__ Pois agora vá tomar outro, seu preguiçoso!

__ Droga. – E o menino dirigiu-se, relutante, ao banheiro.

A chuva continuava a cair copiosa, enquanto a velha caminhonete seguia pela estrada, em direção a Ampthull. Seu pai era um motorista muito cuidadoso, mas era forçado a redobrar a atenção, devido às más condições do tempo. Ele quase não falava e Rose também permanecia quieta. Estava impaciente e tensa. Não conseguia pensar em outra coisa, a não ser em Rick e no fato de ele estar ferido. Finalmente a caninhonete parou em frente ao pronto-socorro do hospital.

__ Quer que eu entre com você, filha?

__ Não. Acho melhor ir sozinha. Desculpe meu jeito, papai. Preciso conversar com você, depois.

Ela imaginou que ele devia estar estranhando seu jeito de reagir com o acidente. Ele segurou sua mão de forma carinhosa.

__ Tudo bem, querida. Não há nada a explicar. Só lembre uma coisa: se gosta mesmo desse rapaz, não force muito a situação. Há homens que não aceitam ser pressionados.

__ Pensei que o senhor não conhecesse Rick direito...

___ E não conheço mesmo. Mas conheço o tipo de pessoa que ele parece ser. Agora entre, eu espero aqui.

A sala de recepção estava muito iluminada e, para surpresa de Rose, praticamente vazia. Ela imaginava que lugares como aquele estivessem em permanente atividade com gente entrando e saindo dia e noite sem parar. Estava tão absorta que nem percebeu quando a enfermeira se aproximou. Era uma mulher de meia-idade, jeito de pessoa muito ocupada e pouco disposta a dar atenção a uma adolescente confusa. De qualquer forma procurou cumprir sua obrigação.

__ O que deseja, senhorita?

__ Vim ver o sr. Howarth.... Rick Howarth.

__ Ah sim! Vai levá-lo para casa?

__ Como? Então já pode ir para casa?

__ Bom, poder não pode, mas ele quer ir de qualquer jeito. A senhorita é parente?

__ Não. Sou sua amiga.

__ Então sente-se e aguarde. O sr. Howarth vai sair assim que o médico terminar de enfaixa-lo. Quebrou algumas costelas e ....

__ Meu Deus! Se quebrou algumas costelas, não devia ficar internado?

__ Claro que deveria! Já explicamos isso à ele, mas não há quem o convença a ficar. Não podemos amarra-lo à cama...

__ Rose! – Rick estava saindo de uma das portas brancas, no fim do corredor que dava na sala de espera.

Rose correu até ele, contendo-se para não se atirar em seus braços. Olhou-o com cuidado, percebendo que ele estava pálido e com as feições contraídas, como quem sente muita dor. Contudo, o único ferimento aparente era um corte na sobrancelha e ele mantinha-se de pé, ereto e impassível. Depois das coisas horríveis que ela havia imaginado, até que algumas costelas partidas não eram nada de tão grave. Claro que Rick não devia pensar o mesmo, pois sua expressão de dor era cada vez mais evidente.

__ O que está fazendo aqui? Quem a avisou?

Não se podia dizer que a recepção fosse calorosa. Mas Rose não ia se deixar intimidar, ainda mais com aquela enfermeira antipática ali do lado. Aproximou-se mais de Rick e, ficando na ponta dos pés, beijou-lhe suavemente os lábios. Percebeu o olhar de reprovação dele diante da intimidade que procurava demonstrar mas, mesmo assim, resolveu não se retirar. Passou seu braço pelo de Rick e, levantando a cabeça disse:

__ Vim levá-lo para casa.

__ Obrigado. – Virando-se para a enfermeira e para o médico, Rick continuou: __ Obrigado a vocês também. Seu atendimento foi ótimo.

__ Se pensa assim, por que não deixa que o internemos por alguns dias, para ter certeza de que não haverá complicações? _ perguntou o médico.

__ Já expliquei que não há necessidade. Além do mais, não poderia deixar uma moça assim tão bonita por muito tempo. Acabaria por perde-la para alguém mais jovem que eu...

Rose percebeu seu jogo e procurou se afastar dele. Mas Rick segurou sua mão com força para que ele não retirasse o braço.

__ vamos então, querida?

__ Claro, meu bem. – Se se tratava de uma farsa, ela também ia entrar em cena. __ Mas, meu amor, não seria melhor você ficar aqui no hospital por mais alguns dias? Acho loucura sair deste jeito.

__ Não se preocupe, eu estou bem. Até logo, doutor!

Assim que saíram da sala de recepção e da proximidade do médico e da enfermeira, Rick soltou sua mão e afastou o braço.

__ Agora quer fazer o favor de explicar por que está aqui?

__ Já disse, vim levá-lo para casa. Ou melhor, papai vai levá-lo. Veja, ali está ele, no carro.

__ Espere um pouco. Não me diga que arrastou seu pai até aqui, no meio da noite, para acudir um estranho.

__ Você não é um estranho, Rick.

__ Mas seu pai não me conhece.

__ Provavelmente não se lembra, mas foi Billy quem o socorreu. Por isso, nada mais natural que papai quisesse saber sobre seu estado de saúde.

__ Ah! Então foi só por isso que você veio...

__ Não seja convencido. Que outro motivo podia me trazer aqui?

Se fosse por mim, você podia morrer ali, no meio da estrada, que eu nem ia...

Rick gemeu baixinho...

__ Que foi? Está sentindo alguma coisa? – Rose perguntou ansiosa, esquecendo imediatamente a raiva. ___ Venha, vamos para o carro.

O pai, que havia visto a cena, vinha na direção deles para ajudar a levá-lo até o carro.

__ Rose, sente-se no banco de trás. Assim poderemos ajeitá-lo melhor no banco da frente.

Entrou rapidamente na velha caminhonete, acomodando-se de qualquer jeito no banco traseiro, para que Rick pudesse ser colocado na frente com maior conforto. Seu pai o segurava com cuidado, mas firmemente, até que ele conseguiu sentar-se. Ficou ereto e sem se mexer.

__ Vamos levá-lo para casa e pô-lo na cama. O médico disse que ele precisa de muito repouso. – disse Rose.

__ Segure-se bem, sr. Howarth, a estrada tem muitos buracos.

Cada solavanco do carro deixava Rose apreensiva, pois Rick se encolhia de dor, apresar de não se queixar. Estava tão calado que Rose temeu que tivesse desmaiado. Mas não, ele gemeu quando o pai teve que desviar-se bruscamente de um buraco maior.

__ Desculpe, meu filho, não havia outro jeito.

__ Ora, sr. Castle, não se preocupe.

Rose achou estranho seu pai chamar Rick de meu filho, quando, na verdade, havia pouca diferença de idade entre eles. Seu pai estava no meio dos quarenta e Rick tinha trinta e seis.

A viagem de volta pareceu interminável, até que finalmente chegaram à Casa do Pomar. Com muito esforço, Rick conseguiu descer do carro e o pai de Rose ajudou-o a entrar em casa.

__ Agora podem deixar que eu me ajeito. Obrigado, sr. Castle.

Rose não acreditava que ele fosse capaz de se virar sozinho. Estava branco como um papel e respirava com muita dificuldade.

__ Vá para casa, papai. Mamãe já deve estar preocupada. Deixe que eu cuido mais um pouco de Rick. Vou preparar alguma coisa para ele tomar.

__ Prefiro ficar só, desculpem – disse Rick, virando-se com esforço para tentar andar até seu quarto. Era evidente que não que não conseguiria.

__ Está bem, minha filha. Fique. Nós esperamos você em casa – disse seu pai, apertando a mão dela com compreensão.

Quando finalmente alcanço Rick, ele já estava no quarto e tentava tirar o casaco. Suas feições demonstravam que cada movimento lhe causava muita dor. Estava com uma expressão de cansaço e fraqueza e seus olhos inchados dirigiram-lhe um olhar de estranheza.

__ Pensei que tivesse ido embora.

__ Ainda não levo à sério suas ordens. – Rose conseguiu tirar-lhe o casaco, desabotoar a camisa e ajudá-lo a deitar-se. Esperava que ele não percebesse como suas mãos tremiam ao ajudá-lo par que não sentisse dor nas costelas fraturadas.

__ desta vez, confesso, foi bom você não obedecer. – Seus olhos estavam fechados de cansaço. __ Por favor, tire o resto da roupa. Gosto de dormir sem nada.

Os instantes que se seguiram foram muito embaraçosos para Rose. Ela nunca havia visto um homem nu, muito menos havia tirado a roupa de nenhum. Mas o fato de Rick estar com os olhos fechados facilitava as coisas e ela logo percebeu que ele dormia.

Puxou as cobertas para cobri-lo, contente pelo fato de ele ter conseguido dormir. Parecia mais jovem quando dormia, com as feições relaxadas e menos agressivas. Sentiu um nó na garganta ao pensar que, apesar de seu desejo, não tinha o direito de se deitar a seu lado e de dividir o calor daquele corpo musculoso e atraente. Era lindo de se olhar. As formas perfeitas do corpo forte transmitiam muita sensualidade, apesar de ele estar dormindo. Como ele mesmo avisara, era perigoso.

Mas o que precisava resolver agora era o que fazer pelo resto da noite. “Esperamos você em casa”, havia dito o pai. Isso, evidentemente, não queria fizer no dia seguinte. Mas não podia deixar Rick sozinho naquele estado. Ele não conseguiria nem sair da cama, caso precisasse de auxílio.

Ligou para sua casa e ficou aliviada, quando percebeu que foi a mãe que atendeu. Duvidava que o pai visse com bons olhos a decisão de passar a noite ali. E tinha razão. Podia ouvi-lo reclamar com a mãe quando ela disse que estava bem, que Rose não devia mesmo deixar o sr. Howarth sozinho naquelas circunstâncias e que esperava por ela no dia seguinte. Prudentemente, desligou antes que o pai pudesse interferir.

Não tinha outra escolha a não ser passar a noite no quarto de Rick, já que os demais cômodos não tinham mobília. Ali, pelo menos, havia uma cadeira e ela poderia se acomodar, sem nenhum conforto, é verdade, mas talvez conseguisse dormir um pouco.

Rick continuava a dormir profundamente, talvez sob efeito dos calmantes ministrados no hospital. Que bom se ela pudesse passar a noite com a mesma calma que ele aparentava! Mas seria difícil.

A cadeira era dura e estreita demais, não tinha onde apoiar a cabeça e cada vez que começava a cochilar, ela caía para o lado, fazendo seu pescoço doer. Estava tão cansada que pensou em deitar-se no chão, ou mesmo acomodar-se na cama, ao lado de Rick. Afinal de contas, suas costelas fraturadas asseguravam-lhe que não teria nenhuma chance de tentar qualquer coisa com ela. Mas seria difícil suportar sua reprovação, no dia seguinte, quando acordasse e visse que Rose havia passado a noite na mesma cama.

Por isso, continuou ali sentada, e sem conseguir dormir. Cada segundo parecia uma hora. Rick continuava dormindo e ela pensou que sua presença ali estava sendo mesmo desnecessária.

A certa hora da madrugada, Rick se mexeu e soltou um gemido. Rose se aproximou par ver o que era. Ele abriu os olhos e perguntou:

__Que horas são?

__ Mais ou menos quatro da manhã.

__ da manhã?

Ela confirmou com a cabeça.

__ Como está se sentindo?

__ Péssimo... muito mal. E não me venha dizer de novo que eu deveria ter ficado no hospital. Vamos, ajude-me a levantar.

Rose engoliu em seco. Ele estava nu e seu corpo podia ser vislumbrado na penumbra do quarto. Ela sentiu o sangue subir às suas faces.

__ Você não devia se levantar, nesse estado.

__ Só que agora é absolutamente indispensável que eu me levante. Entendeu?

Rose passou de corada a absolutamente vermelha, compreendendo a ironia. Rick riu gostosamente com sua atitude.

__ Ai ... ai, não me faça rir, dói tudo. Agora entendo aquela expressão da piada: só dói quando eu rio. Ajude-me a levantar, venha.

__ Claro. – Rose segurou a mão que ele lhe estendia. Contendo seu acanhamento, passou o braço por sua cintura, tremendo ao tocar a pele quente e vibrante de Rick. Estava transtornada e seu olhar demonstrava isso.

__ Não se preocupe. Não estou em condições de agarrar você.

Rick sorria, mas Rose respondeu séria.

__ Eu não me importaria se o fizesse, se quer saber a verdade.

__ Rose!

__ O que foi? Eu só estou dizendo o que sinto.

__ Pior do que isso. Está se aproveitando de um homem inválido. Fala assim por saber que não posso reagir.

__ Está bem. Vou guardar meus sentimentos para quando você estiver curado.

__ Preferia que esquecesse esse assunto para sempre.

__ Pois saiba que não vou conseguir esquecer.

__ Rose, vai ser pior para você. Acabará saindo magoada dessa história toda.

__ O problema é meu. Se me magoar, azar. Estou sabendo do risco.

__ Depois não diga que não a avisei. Bom, acho que daqui já consigo chegar até o banheiro.

Rose voltou para o quarto, sentando-se na cadeira e deixando-se envolver pelos pensamentos. Amava Rick e achava que agora ele acreditava em seus sentimentos. Se ele não a amava, não havia nada que ela pudesse fazer a não ser sofrer por isso e tentar se recompor cada vez que ele a rejeitasse com um gesto, uma palavra ou simplesmente a evitasse. Seus olhos se encheram de lágrimas. Se ele soubesse o quanto seu coração pulsava por ele...

__ Rose?

__ Sim? – Ela enxugou rapidamente as lágrimas com a palma da mão.

__ Por favor, ajude-me a voltar para a cama. – Estava apoiado no batente da porta do banheiro, segurando-se com esforço.

__ Claro!   - Sua nudez não a deixava mais encabulada. Ele agia com muita naturalidade, sem se envergonhar dela.

__ Obrigado – disse, baixinho, ao conseguir finalmente deitar-se.

__ Você é uma garota adulta.

__ Isso e o que você na entende. Sou uma mulher, com sentimentos de mulher e.... e amo você.

__ Rose, minha bobinha...

__ Não preciso de sua piedade, Rick. Bom, acho que vou embora. Já é quase de manhã e preciso dormir um pouco. Será que você ainda precisa de mim?

__ Não, já estou melhor, mas....

__ Então eu vou. Alguém lá de casa virá, mais tarde, para ver se precisa de alguma coisa.

Rick percebeu, enquanto ela dizia isso, que havia sinais de choro em seu rosto.

__ Rose, pelo amor de Deus, não vá embora assim.

__ Preciso ir. – As lágrimas agora corriam soltas . ___ amo você e não me envergonho disso. Mas precisa compreender que não posso mais ficar aqui.

__ Ora... não faça isso, venha cá. – Falava suavemente e seus olhos cinza contemplavam com carinho o rosto de Rose, enquanto a puxava pela mão.

__ Não Rick. Não quero sua piedade.

__ venha, quero tocá-la.

Rose não resistiu mais. Encostou-se nele, abraçando-o com suavidade para não machucá-lo. Rick retribuía o abraço, beijando seus pulsos.

__ Oh, Rick! – ela disse, entre soluços.

__ Tenho conseguido resistir todo esse tempo, querida. Mas agora não consigo... não consigo...

Rose não tinha mais receio ou reserva em se entregar totalmente a esse homem. Era o que mais queria no mundo. No entanto, preocupava-se com sua condição física. Afinal, fazia apenas algumas horas que ele tinha sofrido um acidente.

__ Nós podemos esperar até que você fique bom, meu amor.

__ Talvez você possa, mas eu não posso mais adiar. Tentei me enganar por muito tempo. Agora não. Quero você. – Sua mão febril percorria os cabelos loiros da moça, afagando-os. Puxava-a para si, beijando seus lábios ardentemente.

Rose retribuía os beijos, ansiosa, sem conter mais seu amor. Suspirava de prazer, enquanto ele desabotoava sua blusa com dedos ágeis, até que as formas arrredondadas dos seios dela foram envolvidas totalmente pelas mãos experientes de Rick.

__ Deus, como você é linda! – ele murmurava, enquanto seus lábios ávidos percorriam o corpo de Rose até deter-se na auréola rosada de seus seios.

Rose estremecia de prazer. Um frêmito atravessava seu corpo inteiro, como se o êxtase fosse faze-la desmaiar. Rick parecia conhecer todas as formas de trazer à tona esse desejo.

__ Adorável, você é adorável... – Rick continuava murmurando, até que sua língua ardente e desejosa passou a acariciar os lábios de Rose e a todo o resto de seu corpo. Sua mão ainda segurava possessivamente o seio. Voltou a beijá-la até sentir que seu corpo se entregava inteiro ao abandono sensual. Rose não esboçou nenhum gesto quando Rick começou a tirar sua saia e o resto das roupas. Olhou-o com timidez quando ele, afastando-se um pouco, observou deleitado todo o esplendor de sua nudez. Seus olhos escureceram de paixão e ele perguntou baixinho:

__ Querida ... tem certeza que quer chegar até o fim?

__ E você, Rick? Não quer?

__ Meu Deus, claro que quero. Só não quero que você se arrependa depois.

__ Nunca me arrependerei de algum momento que tenha passado com você.

As carícias que se seguiram iam se transformando num prazer enlouquecedor. Rose agarrava-se a Rick, cravando as unhas nas costas dele, com gemidos de prazer; e sentindo seu peito forte contra a suavidade de seus seios. Os dois corpos se fundiam num único frêmito arrebatador.

__ Oh, céus.... – gemeu Rick, afastando-se dela com o corpo contorcido e o rosto branco e suado.

Rose levantou-se surpresa, e esquecendo-se do desejo diante da atitude dele.

__ O que aconteceu?

__ Minhas costelas.... acho que vamos ter que adiar isso....ai!

__ como sou idiota! Deite-se Rick, por favor. Eu devia saber,meu amor. Vamos esquecer tudo por enquanto. Descanse.

__ É isso que dar tentar seduzir menores.

Rose se vestiu rapidamente. Rick continuava a falar:

__ Está vendo? Sua sorte foi eu ter sentido dor antes de conseguir seduzi-la.

__ Não acho que foi sorte nenhuma. Pelo menos para mim.

__Acho melhor você ir agora. Volte para me ver quando tiver descansado, está bem?

__ Mas Rick, eu queria passar o dia com você....

__ Não. Preciso dormir... descansar um pouco.

__ Não quer que eu fique por perto, não é?

__ Acertou, agora vá. Sinto muito por você.

__ Ora, não seja tolo querido. Até logo, volto à noite.

Beijou carinhosamente o rosto de Rick, enquanto ele acariciava seus cabelos.

__ Minha criança – falou Rick, baixinho ___ nunca conheci ninguém igual a você. Sua sinceridade e falta de malícia me emocionam, me desarmam.

Rose foi para casa andando nas nuvens. Tudo parecia um sonho. Entrou na cozinha e preparou um café, que estava tomando quando a mãe entrou.

__ Ah! É você? A que horas chegou?

__ Faz mais ou menos duas horas, mãe – mentiu.

__ Como está o sr, Howarth? Conseguiu descansar um pouco?

__ Está melhor. Deixei-o dormindo. – Rose corou e dirigiu-se à porta para que a mãe não percebesse o quanto estava sem graça com a conversa.

Dormiu até o meio da tarde e, quando acordou, tomou um banho rápido, arrumou-se e saiu correndo. Os pais tinham ido visitar um casal amigo e Billy tinha se juntado à turma de garotos da vizinhança para jogar bola. Deixou um bilhete, avisando que ia visitar o sr. Howarth e levar-lhe algo de comer. Assim sensibilizaria sua mãe e conseguiria seu apoio quando voltasse e tivesse que ouvir as reclamações do pai.

Ao chegar, foi entrando direto.

__ Rick! Já cheguei. – Seu silêncio indicava que devia estar dormindo, por isso entrou devagar no quarto. O que viu, ao abrir a porta completamente, deixou-a perplexa. A cama, a cadeira e a mesinha estavam lá, mas todos os demais pertences de Rick haviam desaparecido. Rick se fora, sem avisar, tão misteriosamente como havia chegado.

 

O primeiro pensamento que lhe veio à cabeça foi que Rick não se despedira como prometera. Por que partiu assim? Por que ir embora se os dois se amavam? Como tinha sido tola! Só agora percebia que nunca, em todo esse tempo, ele afirmou que a amava. A única coisa que havia deixado claro é que a desejava, que queria seu corpo, mas não parecia disposto a dar-lhe amor. E ela se deixou levar por um sentimento que, para Rick, não significou nada. Bem que ele a tinha avisado várias vezes que sairia magoada dessa história. Só que ela não havia sido capaz de imaginar a mágoa que sentia agora. Rick saíra de sua vida sem qualquer aviso. No momento mais feliz.

Ela não soube quanto tempo ficou ali, parada, sem fazer qualquer movimento, deixando apenas as lembranças tomarem conta dela. Quando finalmente desceu as escadas já era noite. Foi até a porta, apagou as luzes e fechou a porta da Casa do Pomar, pela última vez. Nunca mais voltaria ali. Sua simples visão trazia a lembrança de seu amor por Rick.

Não conseguiu chorar. Sentia-se anestesiada, como se estivesse morta por dentro. O sofrimento era tão grande que não necessitava de lágrimas, ia além delas. Rick não a tinha apenas rejeitado, a tinha abandonado.

Sua mãe estava na cozinha, quando entrou.

__ Santo Deus! O que aconteceu? – Ela a sacudia, para que reagisse. __ Onde esteve todo este tempo? Seu pai e eu estávamos para morrer de preocupação.

__ Fui ver Rick.

__ Mas ele na está mais em Sanford.

__ A senhora já sabia?

__ Sim. Ele esteve no armazém e se despediu.

__ Pois é, mamãe, não estava lá. Rick foi embora.

__ Então, onde andou todo esse tempo?

__ Sei lá. Nem sei... estive pensando. Agora desculpe-me, mas vou me deitar.

A sra. Castle deu um suspiro e,como o olhar de tristeza e preocupação disse:

__ Rose querida... diga-me: você e ele, ontem a noite....

__ Não mamãe. Não houve nada.

__ Ah! Está bem. – respondeu aliviada a sra. Castle. __Mas não fique assim querida. Você é forte e tem a vida toda pela frente. Logo encontrará outra pessoa para se apaixonar.

__ Mãe, quando ele foi ao armazém, hoje, ele... ele perguntou por mim?

__ Não, minha filha. Não perguntou.

Sem dizer mais nada Rose foi para seu quarto. Não conseguiu dormir, naquela noite, mas também não chorou. Ficou olhando a escuridão, hora após hora, como um autômato, sem sentir nenhuma emoção ou derramar uma única lágrima. Ouviu seu pai voltar para casa e, com voz alterada, falar com a mãe. Também ouviu a mãe tentar acalmá-lo, coisa que conseguiu, pois ele não foi ao quarto de Rose, para repreendê-la. Por fim, desceu um silêncio total sobre a casa. Todos dormiam, menos ela, que ficou ali, na cama, pensando... pensando...

Nas semanas que se seguiram, Rose não tocou mais no assunto. Sua família, ao que tudo indicava, também resolveu respeitar seu sentimento de frustração e perda. Somente Selma não conseguia conter-se, como era de se esperar.

__ Você deixou ele escapar de novo?

__ Do que está falando?

__ Ora, daquele bonitão.

__ Selma, por favor...

__ Desculpe, Rose. Mas acredite em mim: nenhum homem vale esse sofrimento.

__ Como sabe?

__ Olhe Rose, o que eu sei é que, da primeira vez   que vi vocês juntos, tive certeza de que você sairia machucada. Aposto que ele a magoou desse jeito e não deu a menor importância, não foi isso?

__ É . . . – Rose teve de admitir. __ foi embora sem dar a mínima satisfação.

Se Rick a considerasse um pouco, teria pelo menos telefonado, ou deixado um bilhete. Era quase como se ele não tivesse existido. Não deixara nenhum traço, nem na casa nem na cidade, só em seu coração. Ela, sim, ficara irreparavelmente ferida. Sua aparência mostrava bem isso. Ia definhando dia a dia, perdendo peso a olhos vistos.

__ Nenhum homem é tão bom assim, sua boba. Eles não merecem que você se deixe definhar. – Selma não desistia.

Definhar? Rose não havia reparado que estava mais magra e abatida. Nunca se considerou uma beleza fora do comum, por isso, pouca se importava em parecer mais ou menos atraente. Agora, então, isso tinha menos importância ainda. Rick não estava mais ali. Rick, Rick! Droga, por que será que o nome dele continuava a atormentá-la a todo o momento?

__ Agora está melhor. – observou Selma. __ pelo menos a cara de brava fica melhor do que a de mártir que você mostrou até agora pouco. Você precisa sair mais, conhecer alguns rapazes. Vamos à discoteca, hoje à noite. Verá como esquece logo o rick.

Rose não aceitou de imediato, mas cedeu à insistência da colega e acabou indo várias noites depois. Conseguiu se distrair bastante e, assim, resolveu sair mais vezes com Selma. Ela era realmente muito namoradeira, dançava com todos os rapazes, ria e brincava sem parar. Rose não pretendia fazer o mesmo,mas conversou com vários rapazes e conseguiu alguma camaradagem com eles. Mas não queria namorar ninguém.

Os pais de Rose ficaram um pouco preocupados com essa nova amizade da filha. Mas depois de reconhecerem que, apesar de toda sua agitação, Selma era uma moça simpática e de boa índole. Estava tentando ajudar Rose e ela, naturalmente, não era forçada a agir da mesma forma que a amiga.

Foi então que, numa noite, na discoteca, Rose conheceu Brian. Sentiu simpatia por ele, á primeira vista, quando ele a tirou para dançar. Era alto, moreno, de olhos azuis, e tinha uns vinte anos, apesar de agir como se fosse mais velho. Parecia uma pessoa fina e muito educada.

__ Não costumo vir a lugares como este. Mas meu primo insistiu tanto que acabei vindo com ele. Ainda bem, só assim pude conhecer você, Rose.

__ Qual deles é seu primo?

__ Aquele que está ali,dançando com sua amiga.

Selma dançava animadamente com um rapaz alto e claro, piscando para Rose cada vez que passavam por eles. Era evidente que estava orgulhosa pela nova conquista.

__ Que tal bebermos alguma coisa? – perguntou Brian, quando a música acabou.

__ Ótima idéia.

Finalmente achara uma companhia agradável, um rapaz educado e bonito que a tratava com gentileza. Foram até o outro salão, onde eram servidas as bebidas, e sentaram-se numa das pequenas mesas do bar.

__ Como é seu nome?

__ Rose Castle. E o seu?

__ Sou Brian Walker. Estou aqui de férias, moro em Londres.

__ Férias em Ampthull?

O rapaz confirmou sorrindo.

__ Vim visitar meus tios e meu primo Raul. Na verdade, mandaram-me para cá para criar juízo. É que acabo de ingressar na Escola de Teatro e minha família queria que eu fosse médico, como meu pai e meus dois irmãos. Só que três médicos já estão suficientes para uma família, você não acha?

__ Creio que sim –respondeu Rose, sorrindo com simpatia.

__ Além do mais, detesto ver sangue.

__ Essa qualidade não é muito recomendável para um médico...

__ Pois é. Mas eles não acham, apesar de tudo. Imagine que pediram até aos amigos de meu pai que falassem comigo. Não há jeito de se convencerem que é teatro o que eu quero.

__ Quem sabe se você conversasse com seus pais, bem a sério...

__ Já tentei, não se convencem. Mas vamos mudar de assunto. Não quero ficar aborrecendo você com problemas.

O que ele não sabia era que Rose achava ótimo falar sobre os problemas dos outros. Pelo menos mantinha o dela afastado por algum tempo.

__ Nada disso, o assunto me interessa. Diga, quando começam as aulas na Escola de Teatro?

__ No próximo mês. Mas agora fale um pouco de você.

__ Não há muito o que contar.

__ Diga o que você faz, de onde é...

Com rápidas pinceladas, Rose contou sobre ela. Não havia mesmo muito a falar, pois sua vida até agora correra sem muitas emoções. Claro que não falou de Rick.

__ Você parece estar escondendo algo.

__ Eu?

__ Sim senhora. Diga-me: ele magoou muito você?

__ Ele, quem? Não .... ah ... sim magoou muito mesmo.

__ Desgraçado!

__ Ora, não se pode forçar ninguém a sentir amor, não é mesmo?

__ Pois eu acho impossível alguém não amar você, se quer saber minha opinião.

__ Mas ele não amou. Olhe eu acho melhor não continuar com esse assunto.

__ Concordo. Não vou querer mesmo discutir sobre meu rival. – Brian lhe dirigia um sorriso compreensivo. __ Quer dançar?

Viram-se diversas vezes durante o mês de férias. Brian era alegre e carinhoso. Demonstrava gostar sinceramente de Rose. Às vezes, a beijava com grande carinho, mas sem exigir nada além de um simples beijo. Depois das carícias arrebatadoras de Rick, era bom estar ao lado de um homem que não forçava tanto as coisas.

A Casa do Pomar permanecia vazia, sem outros inquilinos ou qualquer movimento que denotasse estar para ser alugada ou vendida. Permanecia ali, sombria, como uma triste lembrança do engano e da frustração de Rose, Brian nunca lhe despertaria qualquer sentimento parecido ao que Rick havia provocado em seu coração.

__ Por que você não me beija direito? – reclamou Brian, numa noite em que estavam juntos e ela evitava maior proximidade.

__ Perdoe, Brian, eu ...

__ Dá a impressão que você não quer nada comigo. Será que não percebe o quanto estou interessado em você?

__ Não, Brian. Achei que éramos apenas amigos.

__ Não pode ser, Rose. Estou apaixonado por você. Não posso acreditar que você não tenha percebido.

Claro que ela havia percebido. Só que gostava tanto de sair com ele, por sua boa companhia e bom humor, que desejava nunca ter que colocar as coisas nesses termos. Preferia ter um bom amigo a um namorado cujo amor não poderia retribuir.

__ Sabe que até falei a meus pais sobre você? E eles disseram que no fim do mês, virão para conhecê-la. Tudo isso é muito sério para mim Rose.

__ Ora, Brian. Não devia ter falado com eles sem me consultar.

__ Estou dizendo que isto é sério. Eu... bem... disse a eles que estava pensando em ... em ... pedir você em casamento, pronto!

__ Brian, isso é ridículo, Ninguém se enamora em apenas dez dias, ponto de saber se quer casar!

__ Pois eu estou suficientemente apaixonado para isso. Por favor, rose, deixe-me apresentá-la a meus pais. Eles estão ansiosos para conhecê-la.

Pelo que pudera saber, os pais de Brian eram da alta sociedade e tinham grandes expectativas com relação a Brian, seu filho caçula. Certamente, viram a Ampthull, muito mais para dissuadi-lo do que para conhecer Rose. Imaginem, seu filho envolvido com uma moça simplória, do interior.

__ Não posso, Brian. É muito cedo para saber o que é que sentimos um pelo outro e na seria justo colocar seus pais nisso tudo. Ele ficou pensativo por alguns instantes, com o semblante carregado. Depois procurou sorrir, dizendo:

__ Está bem. Mas seu eu conseguir cancelar a vinda deles você promete que vai a Londres, assim que for possível?

Londres ... Rick estava em Londres, ela sabia disso. Mas, claro que não havia possibilidade de encontrá-lo, numa cidade daquele tamanho. Por isso poderia ir tranqüila.

__ Sem prometer, Brian. Vou pensar no caso.

__ Está bem, Rose. Vou lhe dar mais tempo. Só quero que saiba que não vou mudar de idéia.

As férias de Brian terminaram e ele voltou para Londres. Telefonava quase diariamente, dando a entender que não havia mesmo mudado de idéia. Ela sentia falta dele, do seu companheirismo, do seu bom humor e de toda a atenção que ele lhe havia dedicado. Mas nada que se aproximasse ao que sentira por Rick.

__ É um bom rapaz. – comentou sua mãe um dia, assim que desligou o telefone, depois de falar com Brian. Seus pais estavam satisfeitos com essa amizade, principalmente depois de tê-la visto sofrer tanto tempo por causa de Rick.

__ É mesmo?

__ você não parece muito entusiasmada, querida.

__ Gosto dele, mãe. Só tenho certeza se quero que ele leve nosso caso tão a sério.

__ E ele está levando?

__ Parece que sim. Insiste em que eu vá à casa de seus pais, em Londres para passar um fim de semana e conhecê-los.

__ E você, está com vontade de ir?

__ Eu... eu não sei, mãe. Estou muito confusa. Depois de tudo o que aconteceu, não sei mais o que sinto. – Ela ainda amava Rick com todas as forças do seu coração, apesar de não ter nenhuma esperança. Por outro lado, também gostava de Brian, achava-o carinhoso e bom.

__ Quem sabe se um fim de semana em Londres não seria exatamente o que você precisa meu bem? Isso pode ajudá-la a decidir-se. Você conhecerá melhor Brian e sua família; verá como eles vivem e, quem sabe, consiga chegar a alguma conclusão?

__ A senhora não acha que conhecer os pais dele é um pouco formal demais? Não cria um certo compromisso?

__ Não vejo por quê. Você não trouxe Brian aqui em casa, para que o conhecêssemos? Afinal, não vai ser só por isso que eles concluirão que você decidiu casar com Brian.

__ Acho que a senhora tem razão, mãe. Será que papai vai concordar?

__ Deixe seu pai comigo. Combine as coisas com Brian que o resto eu ajeito.

E foi exatamente o que aconteceu. O pai aceitou tão bem a idéia que foi levar Rose à estação. Brian se ofereceu para vir buscá-la, mas ela preferiu ir de trem para não fazê-lo dirigir tanto tempo.

Ele estava à sua espera na estação de Londres. Abraçaram-se e beijaram-se com alegria, pelo reencontro. Talvez Rose aprendesse a amar Brian, apesar de tudo. Fazia só dois meses que Rick se fora e, quem sabe, ainda não tivera tempo para esquecê-lo. Mais já se sentia muito feliz por estr com Brian de novo.

A casa da família Walker era tudo aquilo que ele havia imaginado. Localizava-se num bairro fino, em meio a um enorme parque, e tinha inúmeros criados, Isso incomodava Rose, que não estava acostumada a ter alguém a seu serviço.

Os pais de Brian não estavam em casa quando ela chegou. Tinham ido a um almoço beneficente, por isso foi o próprio Brian que a levou até o quarto que iria ocupar.

__ É o nosso melhor quarto de hóspedes. – informou, orgulhoso.

De fato era lindo. Um grosso tapete cobria o assoalho, combinando com as cortinas impecavelmente arrumadas. A mobília, da melhor qualidade, formava um ambiente muito requintado. E tinha um banheiro privativo, um luxo que Rose desconhecia, acostumada a brigar com todos da família para poder usar o único de sua casa.

__ Mais tarde vou apresentá-la a meus irmãos. – disse Brian. __ Eles são casados e virão para o jantar com as esposas.

Parecia mesmo um encontro muito formal para sua apresentação.

__ Tudo isso por minha causa? É muito incômodo e não é necessário.

__ nada disso, Rose. É que vamos ter uma festa aqui em casa, hoje á noite. É aniversário de casamento de meus pais.

__ Oh, Brian. Por que não me avisou? Não comprei nenhuma lembrancinha.

__ Eles não esperam que você lhes dê nada, Rose. – O rapaz ficou um pouco encabulado. __ Quando você disse que vinha neste fim de semana, não quis lhe avisar sobre o aniversário. Você era capaz de desistir.

__ Eu teria vindo outro dia.

__ Foi o que pensei. Mas não se preocupe. É só uma reuniãozinha para cinqüenta pessoas, nada mais.

__ Cinqüenta? Você chama isto de reuniãozinha?

__ Para nossa família é. Em geral nossas festas têm algumas centenas de pessoas. É que mamãe não tem estado muito bem ultimamente, por isso não convidou muita gente. Por falar nisso, sabe que acabaram aceitando que eu vá para a Escola de Teatro?

__ Que bom! Não criaaram mais caso?

__   Mais ou menos ... Conseguimos chegar a um acordo. Fico lá um ano e, se não der certo, vou estudar Medicina, como eles querem.

À tarde, Rose conheceu os pais de Brian. Esperava encontrar pessoas arrogantes e um tanto dominadoras. Mas, para sua surpresa, as coisas eram diferentes. Alice Walker era uma mulher gentil e suave, ainda muito bonita, apesar de seus cinqüenta e cinco anos, e tratava o marido e as demais pessoas com enorme carinho. John Walker, por sua vez, era um senhor seguro de si, mas não arrogante e não escondia o fato de ainda amar a esposa e de se orgulhar muito dos três filhos que ela lhe dera.

Mas os irmãos de Brian eram bem diferentes. Tinham um ar convencido e até mesmo um pouco esnobe. Andrew estava casado com Dulcie, uma mulher muito bonita e ciente de sua beleza, que procurava dominar o marido. June, ao contrário, parecia mais tímida e seu jeito com Richard, seu marido, e com todas as outras pessoas, agradou mais a Rose.

Durante o jantar, as coisas transcorreram normalmente, como se todos achassem muito natural Brian ter convidado uma namorada para a ocasião. Talvez fosse mesmo seu hábito apresentar sempre as namorada à família.

Assim que terminaram a refeição, o sr. Walker e os filhos mais velhos começaram a conversar acaloradamente sobre Medicina, Brian se aproximou de Rose dizendo:

__ Lá vão eles outra vez. Sempre falando no mesmo assunto.

__ Não seja injusto, Brian. – interrompeu Dulcie, com ar de superioridade. Seu cabelo loiro emoldurava um rosto belo e cuidadosamente maquilado. – Afinal, você vai conseguir algo nessa Escola de Teatro?

__ Não sei, mas será diferente ... – Riu Brian.

__ Pois eu acho o teatro bem pior que a Medicina, não concorda, June? – Dulcie procurava a cumplicidade da cunhada, que até agora estava em silêncio.

__ Bem ... eu não sei. Isso depende do que Brian gosta.

__ Ora Brian quer sempre algo diferente. Hoje é o teatro, amanhã será outra coisa. Não me espantaria nada se daqui a pouco resolvesse entrar para um desses horríveis conjuntos de rock.

__ Não seja boba! Sou velho demais para isso. Depois dos dezenove anos ninguém mais é aceito no mundo do Rock. – Brian sabia levar a questão na esportiva e ria muito, enquanto falava. Isso parecia aumentar a raiva de Dulcie.

__ Seus pais deviam obrigá-lo a cursar Medicina. Pelo menos assim, quem sabe, você assentava a cabeça.

__ Pois não foi isso o que aconteceu com Oliver, não é mesmo?

A faculdade não adiantou nada, no caso dele.

__ Não fale mal de Oliver. Ele não teve culpa nenhuma. Aquela mulher é que não soube se comportar como esposa de um médico. Ainda mais de um médico famoso como ele. – disse June.

__ Então, como você explica que Melinda o tenha abandonado por outro que também era médico? Acho que o problema ali não era a profissão – falou Dulcie.

__ Melinda era uma mulher sem caráter. E por favor, gostaria que não continuássemos a falar nesse tom do meu irmão. – disse June.

Rose olhou espantada para a moça que, até então, lhe parecera tão submissa e apagada. Pelo visto, sabia se impor quando era necessário, e Rose sentiu muito respeito por sua atitude. June se parecia e muito mais com Alice Walker do que seus próprios filhos. Ela também sabia intervir com firmeza na hora certa, mantendo a calma que os demais pareciam estar perdendo.

__ Desculpe, June. – Brian voltou a falar, agora em tom carinhoso.

__ Pobre Oliver, sinto tanta pena dele! - Era Dulcie, novamente colocando sua superioridade.

__ Ele não precisa de pena, nem sua, nem de ninguém. Sabe muito bem se defender. – respondeu June com firmeza.

__ Será que ele virá, com Sheila, hoje à noite? - perguntou Dulcie.

__ Claro que sim. Afinal, ela é minha cunhada, não? – June continuava a se impor.

Rose não tinha a menor idéia de quem seria Oliver, Melinda ou Sheila. Mas ao que tudo indicava, a história não era muito difícil de descobrir. Oliver devia ser uma pessoa bastante controvertida. Algum médico importante, irmão de June, que havia sido abandonado pela esposa, chamada Melinda. Para consolar-se, ele a substituiu por outra, chamada Sheila. Que novela! Esse Oliver devia ser mesmo uma figura curiosa e volúvel.

__ Um grupinho indiscreto, não? – disse Brian, quando ficou a sós com Rose.

__ É ... um pouco.

__ Percebi que ficou surpresa com a atitude de June. Acertei?

__ Acertou. Não esperava que ela fosse tão decidida. Ela não dá essa impressão, à primeira vista.

__ Mas. na verdade, ela comanda a casa. Richard jamais ousaria contrariá-la, por que sabe que ela, com aquele jeito tímido e quieto, pode se transformar numa fera se for agredida. Ela adora o irmão Oliver e não admite que o

critiquem.

__ Esse Oliver era casado Melinda?

__ Mais ou menos. É um caso meio complicado.

__ Sei! – disse Rose, corando.

A conversa não pôde continuar, pois o pai de Brian fazia sinal para que fossem cumprimentar alguns convidados que acabam de chegar. Rose pediu a Brian que fosse sozinho. Ela preferia não aparecer, para não dar a impressão de que já fazia parte da família. Afinal, ainda não queria assumir nenhum compromisso com Brian. De onde estava, viu-o reunir-se aos pais, a Dulcie e aos demais parentes, para cumprimentar os recém-chegados. Realmente, essa família pertencia a uma classe social muito diferente da dela. Apesar de toda a gentileza de Brian, era evidente que ele não era o rapaz certo para ela, que nunca se adaptaria a um ambiente requintado e luxuoso como aquele. Praticamente, passava despercebida, apesar de ter vestido seu melhor traje e de haver se esmerado na maquilagem. Sentiu-se aliviada, quando Brian finalmente voltou. Parecia que os demais faziam questão de não lhe dirigir a palavra.

__ Como é, já chegaram todos? – ela perguntou, quando ele se aproximou.

__ Todos, menos Sheila e Oliver. Talvez não venham hoje. Ultimamente não estão muito interessados em festas e reuniões familiares.

Tudo indicava que deviam ser recém-casados e é claro, preferiam ficar a sós. June se aproximou de Rose e começou a conversar. Falava com calma e simpatia, suas características principais quando não era irritada.

Foi então que entrou na sala a mulher mais bonita que Rose já vira. Era uma figura linda, de cabelos sedosos, vermelhos como fogo, que acentuavam suas feições nobres. O corte impecável do vestido de seda preta realçavam um corpo perfeito e esguio, com pernas longas e bem torneadas. June olhou para a mulher e sorriu.

__ Venha Rose, venha conhecer minha cunhada.

Então essa era a famosa Sheila? Mas onde estaria Oliver?

__ Atrasou-se um pouco, mas virá logo. – esclareceu Sheila.

__ Sheila, esta é Rose, uma amiga de Brian. – June se encarregava de fazer a apresentação.

Os olhos muito verdes e profundos de Sheila focalizaram Rose, enquanto estendia a mão.

__ Prazer em conhecê-la.

__ Mas, diga-me, o que foi que aconteceu com Oliver, desta vez, para que esteja tão atrasado? – perguntou June.

__ Ah! Querida. Você conhece seu irmão,s abe como ele é.

__ Não me diga que ele resolveu sair da cidade outra vez.

__ Não. Logo ele estará aqui.

Discretamente, Rose foi se afastando das duas mulheres. A ausência de Oliver, fosse lá quem fosse, parecia preocupá-las muito e perturbar o ambiente. Na verdade, Rose na estava gostando da festa. Dava a impressão que a metade dos convidados era formada por médicos e, a outra, por suas esposas. Ninguém parecia ter outros interesses. Era de admirar que Brian tivesse conseguido decidir-se pelo teatro.

Rose sentiu o corpo paralisado e ficou perplexa ao ver o homem que acabava de entrar na sala, naquele momento, e que se dirigia ao sr. Walker para cumprimentá-lo. Andava com passos largos e elegantes, tinha porte majestoso em seu terno escuro, de fina qualidade, e sua camisa de seda branca. Tinha cabelos negros e o rosto impecavelmente barbeado. Nada que lembrasse a figura sombria eu ela vira na Casa do Pomar... e, no entanto, era Rick. Sim, o próprio Rick. Só que nada restava do homem que ela havia conhecido e amado. Agora uma figura imponente, sofisticada e inacessível. Movia-se com desenvoltura, o que mostrava que as fraturas já haviam sarado.

Rose afastou-se mais, para que ele não a visse. Observava de longe, enquanto ele conversava animadamente com os donos da casa, June e Sheila. Parecia totalmente à vontade com eles. Pelo visto, fazia parte do ambiente dessa casa há muito tempo.

__ Onde esteve se escondendo? Procurei por você por toda parte. – Era Brian que se aproximava, passando-lhe o braço pelos ombros.

__ Estive aqui, observando a festa. Brian, quem é aquele homem ali, conversando com June?

__ Oliver Pendleton, o tão falado....

__ É ele?

__ Sim, o convidado mais ilustre de hoje. Ele já escreveu vários livros sobre sus especialidade em Medicina. Meu pai costuma consultá-lo sempre que tem dúvidas sobre algum problema com seus pacientes. Diz que ele é muito eficiente, brilhante mesmo.

Rose sentiu o mundo se evaporar à sua volta, como se a realidade fosse desaparecendo e dando lugar a um sonho distante, um pesadelo no qual ela estava incluída. Encontrar Rick, logo ali, numa cidade onde viviam milhões de pessoas, parecia algo impossível! Mas ali estava ele, o próprio Rick Howarth, naquele mesma casa, por uma incrível coincidência convidado para a mesma festa. Só que ali seu nome não era Rick, era Oliver.

Brian retirou duas taças de champanhe da bandeja que um dos garçons distribuía. Agora que o principal convidado havia chegado, iam fazer um brinde ao casal aniversariante. Rick foi o primeiro a erguer sua taça, cumprimentando os pais de Brian com palavras carinhosas e falando com desembaraço, como se estivesse acostumado a discursar em público. Rose reconheceu aquela mesma voz, suave e profunda, pela qual se apaixonara. Só que desta vez ela não conseguia ouvir sequer uma palavra. Sua mente estava confusa e os pensamentos embaralhados.

Saber que o Rick que ela tanto amara era, na verdade, o famoso médico Oliver Pendleton já representava um choque. E o trauma ficava ainda maior por saber que ele era casado com a fulgurante Sheila. Isso Rose nunca poderia perdoar.

 

Aos poucos as coisas foram se aclarando na mente de Rose. Tudo começava a se encaixar, como peças de um enorme quebra-cabeças. Agora compreendia por que Rick a rejeitara, por que dissera tantas vezes que não poderia ficar com ela. Numa atitude infame, ela a havia namorado, enquanto estivera afastado de Sheila, sua verdadeira esposa. E que homem poderia se interessar realmente por uma garotinha do interior, como ela, tendo uma esposa fascinante como Sheila?

E o nome Oliver Pendleton, que tinha parecido familiar para Rose, na hora que o ouvira. Agora lembrava por quê! É claro que esse nome era conhecido. Pois não era justamente ele o autor do enorme livro que tinha caído em seu pé, naquele dia, na biblioteca?

Mas ainda restavam muitas coisas por explicar. Por que Oliver havia ido parar num vilarejo como Sandford? Por que mantinha lá uma aparência tão descuidada e se fazia conhecer como Rick Howarth? Fossem quais fossem as respostas, Rose tinha certeza que ele mentia o tempo todo. Mentiu quando disse que não era casado e nem mesmo noivo, mentiu sobre sua identidade. Mentiu sempre, em tudo o que disse. O homem que tanto amara não existia mais agora.

__ Você quer conhece-lo? – perguntou Brian, percebendo que ela não tirava os olhos dele.

__ Não! – ela respondeu, quase num grito. Controlando-se rapidamente continuou: __ É que bem, ele parece muito ocupado, dando atenção aos outros convidados.

__ Imagine, está só conversando com Sheila! Venha, eu apresento você. Faço questão que ele conheça minha namorada, afinal de contas.... – Brian sorriu bem humorado.

Rose achou que Brian estava certo. Ela era mesmo sua namorada e não tinha por que temer o encontro com Rick. Além do mais, seria impossível evitar que ele a visse, mais cedo ou mais tarde. Aproximaram-se de Rick, que conversava acaloradamente com a irmã June e com Sheila.

__ Você não toma mesmo jeito, não é Oliver? Isto é hora de chegar? Se fosse minha festa, não deixaria você entrar.

__ Calma, menininha. Se fosse sua festa, você sabe que eu nem estaria aqui. Detesto estas reuniões! Só vim por que é o aniversário de casamento de Alice e John e eu não quis decepcioná-los.

__ Seu malcriado... você ganha sempre – respondeu June.

__ Posso interromper? – perguntou Brian.

Rick estava de lado e ainda não havia visto Rose. Respondeu em tom de brincadeira:

__ Não só pode interromper, como também pode tirar minha irmã daqui. Ela vive me dando broncas.

__ Oliver queria lhe apresentar minha namorada, Rose.

__ Rose Castle. É um prazer conhecê-lo, senhor. – Rose mantinha um tom firme e cerimonioso, demonstrando que ela era dona da situação.

Ao ouvir o nome, Rick virou-se, sobressaltado. Seus olhos se arregalaram e ela a encarou espantado. Estava desconcertado e branco como o papel. Mas Rose conhecia bem sua capacidade de autocontrole e, em questão de segundos, ele conseguiu se recompro e responder sem nenhuma emoção na voz:

__ Ah, sim. Muito prazer, mas não me chame de senhor, meu nome é Oliver.

Brian não parecia ter percebido nada. Conversou mais um pouco com Rick, sobre coisas que rose não conseguia ouvir direito, até que ele pediu:

__ Escute, Brian: você que é dono da casa, não quer arrumar outro drinque para mim e para Rose? Parece que nossos copos secaram.

Assim que ele saiu, Rick puxou Rose pelo braço para um canto da sala e perguntou, em voz baixa mas decidida:

__ Rose, quer fazer o favor de me explicar que diabos está fazendo aqui?

__ O sr. Ouvir, sr Pendleton. Sou a namorada de Brian.

__ Com mil demônios ... você quase me mata de susto! Que surpresa! Não conseguia acreditar nos meus olhos quando me virei e vi que era você.

__ Perdoe se o assustei.

__ Ora, pare com isso! Pare de me chamar de senhor. Há semanas que não consigo pensar em outra coisa a não ser em você; e agora... você está aqui, bem na minha frente.

__ Uma coincidência interessante, não é mesmo?

__ Afinal, como conheceu Brian?

__ Numa discoteca ... um lugar para dançar, sabe? No seu tempo havia discotecas, sr Pendleton?

__ Pare, Rose! Por Deus ... como senti sua falta ... que saudades! – ele murmurava, como olhos sedutores transmitindo uma enorme necessidade de carinho.

Rose estava com o coração endurecido pelas descobertas e não se deixava comover pela voz suave. Esse homem a enganado de forma cruel, tinha mentido para ela e para sua família, sem qualquer escrúpulo. Não ia cair novamente em suas armadilhas. Ele que ficasse com sua mulher ou com qualquer outra que não se importasse em dividi-lo com a esposa.

__ Rose, naquela noite . . . você disse que . . .

__ Não devia ter levado a sério o que eu disse sr. Pendleton. As pessoas são capazes de dizer qualquer coisa, àquela hora da madrugada.

Rick não pôde continuar a falar abertamente, pois Brian já se aproximava com duas taças na mão, procurando-os pelo salão.

__ Qual é a sua especialidade, sr. Pendleton?

__Obstetrícia.

Era a última coisa que ela imaginava ouvir. Rick se encarregava de trazer vidas ao mundo . . . Nunca lhe havia ocorrido que ele pudesse gostar de crianças. Ou será que seu interesse era mais pelas futuras mamães com que tinha que lidar? Imediatamente sentiu ciúmes de todas as mulheres que Rick tinha diariamente em suas mãos.

__ Muito interessante. E o senhor não tem filhos?

__ Não.

__ Aqui estão as bebidas – disse Brian, que os achou enfim.

__ Viemos para este canto para sair da aglomeração. Veio bastante gente, não é Brian?

__ Quase que só parentes. Pobre Rose. Acabei jogando-a na fogueira. Queria que conhecesse minha família, mas não toda assim de uma vez. – Brian riu, abraçando Rose.

__ Vocês casam em breve?

__ Que é isso, Oliver? Ainda estou tentando convence-la. Ela é muito cautelosa, não é meu bem?

__ É. Acho que se deve conhecer bem uma pessoa, antes de entregar-se totalmente a ela.

__ Acredita mesmo nisso? – disse Rick, olhando-a fixamente.

Claro que não acreditava. Estava cansada de saber que o amor podia ocorrer de repente, por um simples olhar, num primeiro contato. Era o que havia acontecido com ela, em relação a Rick. Sem saber nada sobre ele, havia se apaixonado em apenas alguns dias. Mas não seria agora que confessaria isso.

__ Ela quer ter mais certeza – disse Brian. __ Oh! Meu Deus. Já estão me chamando outra vez. Com licença, volto num instantinho.

Brian foi ao encontro da mãe, que acenava da outra sala, indicando um grupo de pessoas que desejava vê-lo. Assim que ele saiu, Rick puxou Rose pelo braço, tirando-a do salão. Seguiram por um corredor, até que ele a empurrou para dentro da outra sala, fechando a porta.

__ Agora, mocinha, quero que me explique direito essa história toda. Afinal, naquela noite, você disse que me amava.

__ Ora! Por favor! Deixe-me sair. O que vão pensar se souberem que estamos aqui. Aquilo foi uma coisa passageira....

__ Pouco me importa o que vão pensar. E não acredito que fosse coisa passageira. – Ele apertava fortemente o braço de Rose.

__ Solte-me, Rick . . . deixe-me ir.

__ Assim está melhor. Sou Rick novamente, nada de sr. Pendleton.

__ Mas seu verdadeiro nome é Pendleton.

__ É. Só que Richard Howarth também é meu nome.

__ Que loucura é essa?

__ Para seu governo, menina, meu nome de batismo é Oliver Richard Howarth Pendleton. Entendeu?

Rose estava cada vez mais confusa.

__ E por que diabos se apresentou só como Richard Howarth, lá em Sanford?

__ Por que o resto do nome é muito conhecido e eu... _ os braços dele a envolveram carinhosamente. __ Eu precisava ficar um pouco sozinho, naquela época. Para poder pensar. Sabe eu estava noivo, com data marcada para o casamento e...

__ Não precisa contar, Rick, já sei de tudo.

__ Quem lhe contou? Aposto que foi Dulcie, aquela fofoqueira. Rose, não imagina quanto me custou deixá-la daquela forma, em Sanford.

__ Custou? Deve ter custado apenas o preço do táxi até a estação do trem. . .

Ele a olhou desafiadoramente. Sua proximidade a deixava abalada e por isso, queria se afastar dele o mais rápido possível. Mas foi exatamente o contrário que aconteceu. Abraçando-a com mais força, Rick aproximou sua boca da dela e deu-lhe um prolongado beijo, saboreando seus lábios e colando seu corpo ao dela, como se quisesse sentir-lhe todas as formas. Quando ele levantou a cabeça. Rose estava inerte, totalmente entregue ao prazer que o contato com Rick lhe provocava.

__ Rose, fui um tolo. Não devia ter saído como saí. Não tem tanta importância assim eu ser alguns anos mais velho. Depois destas oito semanas longe de você, ainda a desejo com tanto desespero quanto antes, e não vou mais lutar contra meus sentimentos. Rose, por favor, quero que você volte para mim.

Teria sido tão fácil aceitar, entregar-se a Rick, que se mostrava tão arrependido e tão certo de querê-la em sua vida. Afinal, não era essa a situação com que ela sonhara todo esse tempo? Mas não era possível esquecer Sheila. Ela existia, era a esposa legítima de Rick, e Rose jamais aceitaria ser a outra em sua vida.

Afastou-se dele desolada, forçada a rejeitá-lo.

__ Por favor, sr. Pendleton . . . Não sei como se costuma dizer diante de uma proposta como a sua, mas a minha resposta é não.

__ Mas Rose, eu quero . . .

__ Sei exatamente o que você quer, e minha resposta continua sendo não.

__ Rose, você não me ama?

__ Não. E acho que nunca o amei. Foi mais uma . . .uma curiosidade. Como viu, Sanford é um lugar muito pequeno. Nunca acontece nada de novo. O senhor era um recém-chegado, tinha um ar misterioso e eu . . .

__ Já sei, pretendia ir para a cama comigo e desvendar o mistério.

__ Pois é. Só que agora, já sei de tudo, sem ter precisado fazer isso.

__ Está querendo dizer que não teria gostado de ir para a cama comigo?

__ Bem, não nego que senti uma certa atração...

__ Seria mentirosa, se o negasse.

__ Em matéria de mentiras, a especialidade é sua. Afinal, diga, o que você estava fazendo em Sanford?

__ Escrevendo. Ia tentar escrever meu primeiro romance, depois de vários livros de Medicina.

__ E precisava vestir-se como um mendigo?

__ Isso ajudava. Queria viver como o personagem principal de minha história, um homem que tem apenas seis meses de vida, se não fizer uma certa operação. Afasta-se de todos, para pensar, e resolve não se operar. Quer morrer sozinho. Só que no exílio conhece uma moça, acaba se apaixonado por ela e, então, muda de idéia.

__ Maldito! Então você estava me usando para escrever seu romance?

__ Não. Eu não usei ninguém. Não pedi que se intrometessem em minha vida, como o fez. Estava querendo trabalhar e foi você que ficou indo à minha casa.

__ E você aproveitou para tentar me seduzir, não é? Você não tem moral.

__ Moral . . . Quem é você para saber se tenho ou não tenho moral?

__ Escute aqui . . pode ser que uma mulher não seja suficiente para você, mais saiba que um homem é suficiente para mim. E esse homem é Brian, entendeu?

__ Rose . . .

__ Deixe-me em paz.

Arrancou seu braço das mãos de Rick, que ainda o segurava, e saiu correndo pelo corredor, até o salão principal, onde estavam os convidados. Tremia muito e procurava Brian desesperadamente, com o olhar. Precisava de sua proteção, agora mais do que nunca.

__ Por onde andou? – Era Brian, que também tinha estado à sua procura e agora chegava perto dela.

__ Fui até . . . até meu quarto, procurar um lenço.

__ Agora fique comigo. Não vou me arriscar a perdê-la outra vez.

Brian segurava sua mão, sorrindo carinhoso. Caminharam juntos pelo salão conversando com diversos grupos de convidados, alguns dos quais começavam a se despedir, pois a festa ia chegando ao fim.

Rick que a seguiu pelo corredor, agora também estava no salão. Sheila chegou perto dele, indicando que era hora de ir embora. O casal foi despedir-se dos donos da casa e depois se aproximou de Brian e Rose.

__ Foi um prazer conhecê-la, Rose. Acho que agora vamos nos ver com mais freqüência, segundo nos disse Brian. – Sheila sorria, com ar cordial.

__ Ah . . . creio que sim, sra. Pendleton. Obrigada.

__ É o que esperamos, não é, Oliver?

__ Claro! Tenho certeza que nós vamos ver a srta. Castle com freqüência, daqui para frente. Cuide bem dela Brian. Rose me disse que é mulher de um homem só e que você é esse homem no momento.

Brian sorriu para Rose, os olhos cheios de orgulho e ternura. Mas ela não tinha direito de incentivar esses sentimentos. Pelo menos enquanto continuasse apaixonada por Rick, como ainda estava. Depois deste fim de semana, não voltaria mais a casa de Brian. Não ia brincar com o amor que ele lhe dedicava. Tentaria explicar isso da melhor forma possível.

Sentiu um grande alívio, quando Rick e Sheila finalmente se foram. Uma mulher bonita e gentil como Sheila não merecia um marido tão canalha. E,pelo visto, ela nem desconfiava do que ele fazia quando estava longe dela. A própria Rose não conseguia compreender como seu coração podia continuar preso a um homem desse tipo quando tinha alguém tão generoso e amável como Brian a seu lado.

__ Não Brian, por favor, não faça isso – disse mais tarde quando, ao despedir-se na porta do quarto, Brian tentava beijá-la com maior intimidade.

__ Por quê?

Ele a abraçava com ansiedade, prendendo-a com seu corpo forte, como se não quisesse perdê-la.

__ Os outros podem pensar mal de nós . . . afinal estamos aqui,na porta do meu quarto.

__ Por favor, Rose, não seja pudica. Eu podia até passar a noite com você que

ninguém ia ficar sabendo. Afinal, quem é que se importa com isso?

__ Eu me importo.

__ Rose, não seja ridícula. Ninguém espera mais o dia do casamento para dormir com a pessoa que gosta.

__ Se eu pretendesse casar com você, talvez também não esperasse.

Agora, Brian, parecia contrariando, seu desagrado era evidente.

__ Está bem, Rose. Não vou forçar a situação. Mas tenho certeza que, se fosse com Oliver, você não teria tantos escrúpulos.

__ Como? Do que está falando?

__ Não tente disfarçar. Percebi muito bem os olhares que vocês trocavam. E também sei que Oliver não é de perder tempo. Você pode não ser o tipo da garota que ele geralmente procura, mas percebi que gostou de você, assim mesmo.

__ Então ele escolhe as mulheres pelo tipo?

__ Claro, Melinda e Sheila são bons exemplos. Mas não mude de assunto. Você se apaixonou por Oliver, não é?

__ Não.

__ Sua mentirosa! Meu Deus, trago minha namorada para casa, para apresentar minha família, e ela se apaixona por um amigo nosso, que tem idade suficiente para ser seu pai.

__ Não é verdade, ele não é tão velho. Tem só trinta e seis anos.

__ Como é que sabe? Ah . . . não diga mais nada, já entendi. Vocês já se conheciam, não é Rose? Agora eu me lembro. Oliver esteve uns tempos fora de Londres e disse que pensava em ficar em Sanford . . . Claro, então foi isso! Foi lá que vocês se conheceram, não foi? Não precisa mais fingir, eu saberei aceitar os fatos.

__ Está bem, Brian. Admito que conheci Oliver em Sanford, mas não chegou a haver nada entre nós.

__ Mas era dele que você falava, quando contou seu amor frustrado, não é?

__ Sim, mas eu não sabia quem ele era. Eu o conheci com outro nome.

__ Rose, sei reconhecer quando estou derrotado. Mas quero que saiba que a amo sinceramente. Muito mais do que você possa imaginar.

__ Sinto muito, Brian, eu . . .

__ O que houve entre vocês?

__ Nada. Ele foi embora, sem explicações. Mas agora eu entendo tudo. Sei que é um homem importante e que, além do mais, existe Sheila.

__ Ela representa uma responsabilidade da qual Oliver não pode fugir. Teve até que voltar para Londres, por que ela precisava dele. Costuma ficar muito deprimida, sabe?

Rose não se surpreendia com a afirmação. Qualquer mulher ficaria deprimida se não pudesse confiar no homem que ama. E, pelo visto, Sheila sabia mais sobre as aventuras de Rick do que ela imaginava a princípio. Então era por isso que ele ficara tão abalado com a carta que recebera. Era por isso que tinha ido embora de repente . . . para acudir a esposa.

__ E ele conseguiu acalmá-la?

__ Não deu nem tempo. Teve que ser internado às pressas, quando chegou, por causa do acidente. Passou umas boas semanas no hospital.

__ Como? Não é possível! Eu sabia do acidente, mas disseram que tinha só fraturado algumas costelas. Ele nem quis ficar no hospital...

__ Pois aqui ficou... Uma das costelas perfurou o pulmão e ele ficou muito mal. Pensamos que até ia morrer.

__ Meu Deus . . .

__ mas não se preocupe tanto Rose. Agora está tudo bem. Você pode tê-lo inteirinho, com antes.

A ironia estava clara, como era evidente também que Brian havia percebido e aceitado o fato de que Rick era o único homem importante para ela Relutante, Rose também se dava conta disso. Só que agora Rick era inacessível. Era um homem casado.

Não foi preciso dizer mais nada. Tudo era óbvio que Brian e Rose apenas se deram as mãos, num gesto de compreensão. Depois, Rose virou-se e entrou, desolada, em seu quarto, enquanto Brian afastava-se cabisbaixo, para seus aposentos. O namoro tinha chegado ao fim.

 

Despedir-se de Brian, no dia, seguinte, não foi difícil. Ele parecia resignado com o fato de que Rose só queria continuar a vê-lo como amigo. Também não foi difícil a despedida com o sr. e a sra. Walker. Rose estava acanhada, pois tinha certeza que Brian já lhes contara sobre sua decisão. Mas eles a trataram com a mesma cortesia e gentileza do dia anterior, não demonstrando nenhuma mágoa. Que gente formidável!

Brian levou-a até a estação, beijando-lhe a face, quando ela se preparava para entrar no trem.

__ Sinto muito que as coisas não tenham dado certo – ele disse em tom carinhoso.

__ Eu também, Brian, acredite. – E era mesmo verdade. Como teria sido bom se, em vez de se apaixonar por um homem complicado como Rick, ela tivesse conseguido amar brian. Sua vida seria agora muito mais tranqüila e, com certeza, mais feliz. Era injusto que tudo tivesse se encaminhado ao contrário do que ela desejava.

Foi nisso que ficou pensando, durante toda a viagem. Nem percebeu o tempo passar, até que o trem parou, com um tranco, na estação de sua pequena cidade.

__ Como foi, querida, divertiu-se? – perguntou sua mãe, assim que entrou em casa. O pai levantou os olhos do jornal que lia, aguardando também a resposta.

__ Sim, foi ótimo! – É claro que eles queriam saber mais e ela, com muita paciência, contou-lhes sobre a festa, sobre a casa de Brian e tudo mais que havia acontecido. Só omitiu o fato de ter encontrado Rick e nem tocou no assunto Sheila.

No dia seguinte, a vida de Rose retomou sua rotina. O trabalho na biblioteca, as conversas com Selma, as brincadeiras em família, tudo igual, como antes. Mas desta vez Rose sentia-se muito mais só. Havia decidido não continuar saindo com Selma à noite, apesar dos passeios serem divertidos. Não teria ter que passar de novo o que passara com Brian. Não iria namorar nenhum outro rapaz, enquanto continuasse apaixonada por Rick.

Selma aceitou bem sua decisão. Agora ela estava de olho em Alan Mitchell, um rapaz que havia começado a trabalhar na biblioteca. Ele não parecia retribuir seu interesse, pois passava mais tempo com Rose do que com Selma.

Alan e Rose haviam sido colegas de escola e se conheciam muito bem. Na ocasião, ele era um garoto fascinado por esporte. Era um ótimo atleta e dedicava todo o seu tempo livre aos treinamentos. Ao que tudo indicava, teria uma carreira brilhante como desportista. Mas, antes que pudesse ir muito adiante, sofreu um acidente grave e ficou com a perna direita parcialmente inutilizada. Foi obrigado a desistir de qualquer sonho nos esportes.

Rose ficou um pouco surpresa quando ele veio trabalhar na biblioteca. Não havia pensado que ele se interessasse por livros ou coisas do gênero. Mas um dia Alan explicou melhor seus interesses. Estavam almoçando juntos, no parque onde estivera antes com Rick. Rose vinha se obrigando a voltar aos mesmos lugares, para tentar superar sua fixação. Já havia ido uma ou duas vezes à Casa do Pomar.

__ Sabe, na verdade o que gosto mesmo é de livros . . . de literatura – disse Alan.

__ Deve ser muito triste ter que desistir de uma coisa que . . . – Rose mordeu o lábio, percebendo sua falta de tato. Tentando consertar, continuou: __ Desculpe, Alan, não queria lembrar-lhe desse assunto.

__ Não se preocupe, pode falar. Para mim não foi nem um pouco triste deixar o atletismo.

__ Como assim? Você parecia tão dedicado . . . sempre treinando.

__ Eu, na verdade, não gostava de esporte. Meu pai me forçou a treinar, desde muito pequeno. Seu sonho sempre foi me transformar no melhor atleta do mundo.

__ Sem consultar você? Por que não reagia?

__ Sei lá, eu o amava, queria vê-lo feliz. Além do mais, todos somos forçados a desempenhar certos papéis, em nossa vida, mesmo que não gostemos deles. Rose. Veja Selma, por exemplo. Finge-se de vedete o tempo todo, mas na verdade é muito insegura.

__ Selma, insegura?

__ Sim. Assim que ela conhece um sujeito, quer dar a impressão de que está disposta a ir para a cama com ele, quando na realidade ela quer mesmo é encontrar alguém que lhe dê amor.

A sensibilidade de Alan era surpreendente. Com apenas vinte e um anos, ele demonstrava mais profundidade que muitos homens feitos. Rose estava admirada com o jeito dele. Olhou com interesse para suas feições jovens, que já demonstravam maturidade, e para sua aparência atlética e musculosa, que ele conservava apesar de estar há diversos anos longe das pistas de corrida.

__ Selma gosta de você, Alan.

__ Não. Ela não gosta de ninguém. Ela gosta só da aparência de seus namorados e não do que são realmente. Por isso não os conserva por muito tempo. Ela gosta do campeão que eu fui um dia.

__ Está enganado, Alan: Ela me parecia sincera, quando me disse que gostava de você.

__ E que graça pode ter namorar com um aleijado?

__ Mas você não é um aleijado.

__ Também não sou perfeito.

__Não seja tolo. Ninguém é perfeito. Bem, acho melhor voltarmos, caso contrário, o sr. Leaven vai reclamar do nosso atraso.

Quando chegaram de volta a Biblioteca, Selma estava ansiosa. Puxou Rose para um canto e perguntou baixinho:

__ Falou com ele de mim? – Ela havia pedido a Rose que intercedesse a seu favor com Alan.

__ Falei, Selma. Dê um pouco de tempo a ele, está bem? Acho que vai acabar convidando você para sair.

__ Está bem, Rose. Obrigada. Mas . . . escute, tem uma visita para você.

__ Visita?

__ Adivinhe quem é?

__ Ahn . . . já sei. Billy, veio outra vez, pedir alguma coisa.

__ Não. Ele nem se parece com Billy, não. Pareceu-me o Rick, só que muito mais bem-arrumado.

O pânico tomou conta de Rose. O que poderia estar fazendo Rick ali? Carregada de ansiedade, ela se dirigiu até o lugar que Selma indicava. Procurou dominar sua emoção e manter um ar calmo. Rick estava parado ao lado de uma das mesas, folheando displicentemente uma revista. Não estava só melhor arrumado, como dizia Selma, e sim deslumbrante. De terno e gravata, o rosto impecavelmente barbeado, não era mais Rick. Era somente Oliver Pendleton. Quando percebeu sua presença, ele deu um passo em sua direção.

__ Rose . . .

Ela teve que fazer um esforço supremo para não correr e abraça-lo, gritando todo o seu amor. Em vez disso, respondeu:

__ Pois não, sr. Pendleton?

__ Deixe de lado dos formalismos. Chame-me de Rick, assim saberei que somos novamente amigos.

__ Mas não somos amigos.

__ Namorados, então. Não posso dizer que somos amantes, posso Rose? Afinal, não chegamos a tanto.

__ Por favor, não vamos discutir isso aqui.

__ Agora diga-me quem era esse rapaz que a levou para almoçar?

__ Alan?

__ É, acho que esse é o nome. Quem é ele, afinal?

__ Meu . . . meu namorado. – Esperava que Alan desculpasse a mentira, mas era necessária nesse momento.

__ Parece que você mudou bastante. Está recuperando o tempo perdido? Quando nos conhecemos, disse que nunca tinha tido namorado, mas agora é um atrás do outro, pelo que vejo.

__ Qual é o problema? Por acaso sou propriedade de alguém?

__ Sim, Rose. Você é minha. E não vou deixar que ninguém a tire de mim. Muito menos um fedelho como esse.

__ Para seu governo, Alan não é nenhum fedelho. E nem eu sou propriedade sua, sr Pendleton. E agora, s me faz o favor, fique longe de mim para sempre, entendeu?

__ Não vou me afastar nunca. E você acabará sendo minha, Rose, custe o que custar. Minha, ouviu?

Sem dizer mais nada, rick virou-se e saiu, cumprimentando Selma levemente com a cabeça antes de atravessar a porta.

Se não tivesse tão angustiada, e se esse não fosse um lugar público, Rose gritaria de ódio. Rick voltara a entrar em sua vida, apesar de tudo o que fizera para esquecê-lo. E desta vez parecia disposto a ficar, mesmo que ela não o quisesse.

__ Está cada dia mais bonito. – Selma comentou.

__ É um bruto, um arrogante, um mandão...

__ Mas você gosta dele, não é?

__ Claro que não.

__ Mentirosa . . . você não engana ninguém.

Rose não queria discutir mais. Entrou como um tufão na sala dos funcionários para ver se conseguia se acalmar. Seu rosto estava desfigurado e vermelho de raiva.

__ O que aconteceu? Não diga que o sr. Leaven andou ralhando de novo. – perguntou Alan ao vê-la assim.

__ Não, não aconteceu nada. – Rose estava nervosa demais para ser educada. O que é que Rick estava pensando? Que era só estalar os dedos e ela iria correndo para ele? Se estava procurando uma amante, que fosse bater em outra porta. Não era um papel que ela se dispunha a aceitar.

__ Você costuma ficar brava assim quando não acontece nada? – insistiu Alan.

__ Não, é que . . . bem, acabei de encontrar um antigo namorado, nada de mais.

__ E por que então a incomoda tanto?

__ Bem, é que se trata de um namorado especial. É um homem mais velho e eu . . . tive que dizer que estava namorando você.

__ O quê?

__ Desculpe, Alan. Eu precisava me livrar dele. Esse homem me persegue e eu não quero mais vê-lo.

__ Posso saber o motivo?

__ Ele é casado. Eu não sabia disso antes, mas agora sei e não quero mais nada com ele.

__ Tentou enganar você? Ora, não se preocupe! Para todos os efeitos, de agora em diante, você é minha namorada. Onde vamos hoje à noite, querida?

O bom humor de Alan era um alívio para ela. Rindo, descontraída, respondeu:

__ Não seja bobo. É só namorado de mentira.

__ Ufa! Ainda bem, porque eu já tinha convidado Selma para ir ao cinema, hoje.

__ Que ótimo, Alan! Tenho certeza que vocês dois vão se dar muito bem.

Selma devia estar radiante com o convite de Alan e Rose sentia-se feliz por ter, de alguma forma, ajudado a amiga. A vida de todos parecia estar se encaminhando satisfatoriamente. Só a dela não saía do lugar. Rick sempre interferia para piorar as coisas. Mas agora estava decidida. Faria qualquer coisa para afastá-lo para sempre, até continuar mentindo se fosse preciso.

__ Que roupa devo vestir? – perguntou Selma agitada, na hora da saída.

__ Ora, Selma, quanta preocupação. Vocês só vão ao cinema, não é uma festa. Vista qualquer coisa simples.

__ É que eu pensei . . .

__ Já sei. Você me falou um milhão de vezes que gosta daquele seu vestido preto. Mas é sério demais para ir ao cinema.

__ Droga! Por que ele não me convidou para ir à boate ou à discoteca?

__ Alan não pode dançar com muita facilidade, Selma. Sente dor na perna.

__ É mesmo, ia me esquecendo disso. Tomara que eu não dê nenhuma rata, hoje à noite.

__ Se não ficar preocupada . . . Vista uma calça comprida e pronto.

__ Que tal minha calça rosa-choque?

__ Selma! Pare de ser afetada. Alan gosta de você como você é. Não precisa usar nenhuma roupa especial.

__ Com licença? – interrompeu uma voz.

Rose se virou para ver quem falava e deu de cara com Rick. Agora usava outra vez a conhecida calça jeans e camisa, voltando a ter o aspecto do qual se habituara. Oliver Pendleton havia desaparecido.

Selma deu um risinho malicioso.

__ Então, até amanhã, Rose. Boa noite, sr. Howarth!

__ Até logo, Selma.

Ela não conseguia esconder sua satisfação ao perceber que Rick ainda lembrava seu nome e saiu rebolando, num gesto exagerado e provocante. Mas não conseguiu chamar a atenção de Rick, que estava com os olhos pregados em Rose.

__ Posso saber o que está fazendo aqui novamente?

__ Vim buscá-la. Vou levar você de carro.

__ Não será preciso. Estou com a minha bicicleta – Rose respondeu malcriada, dirigindo-se ao estacionamento. Mas parou espantada, quando se aproximou. O pneu estava sem ar, completamente murcho. Mais uma das artimanhas de Rick. Claro que era ele o responsável.

__ Não, não fui eu . . . mas vi quando dois garotos esvaziavam a câmara.

__ Por que não evitou? Droga, agora vou ter que ir de ônibus.

__ Por quê? Eu estou lhe oferecendo uma carona, não?

__ E eu já recusei.

Rose dirigiu um último olhar zangado à bicicleta, deu um suspiro, e começou a andar em direção à parada de ônibus. Já havia algumas pessoas lá e ela foi para o fim da fila, abrindo sua bolsa à procura de troco para pagar a passagem.

De repente, surgiu o Jaguar no fim da rua e parou ostensivamente junto ao ponto. Rick debruçou-se para fora da janela, sorrindo.

__ Quer uma carona, belezinha?

__ Não, obrigada. – Rose estava sem graça, diante de tantas pessoas prestando atenção à cena. Era evidente que Rick tentava encabulá-la diante deles.

__ Vamos lá, benzinho. Entre e vamos fazer as pazes.

Rose viu os sorrisos maliciosos que surgiam entre os que estavam na fila. Olhavam-na com insistência e ela decidiu não ficar mais ali, parada, deixando-se humilhar daquela forma. Entrou no carro e bateu a porta.

__ Seu mau-caráter – disse irritada, assim que o carro arrancou.

__ Por quê? Por lhe dar carona?

__ Não. Por me humilhar na frente dos outros. Afinal, o que você está fazendo outra vez em Sanford?

__ Vim procurá-la . . .

__ Mas eu não quero mais nada . . .

__ Escute aqui, Rose. Sei que agi mal indo embora daquela forma. Eu queria ter voltado antes mas houve algo que me prendeu em Londres.

__ Eu sei, foi Sheila.

__ Não, não foi Sheila. Admito que foi por ela que fui embora, mas não foi ela quem me fez ficar. Tive problemas de saúde. Foi um pulmão que . . .

__ Já soube de tudo.

Era evidente que Rick amava a esposa, mas isso não justificava que continuasse tentando seduzir justamente ela.

__ Sabe que Brian já arrumou outra namorada?

__ sim, sei. - Ela conversava sempre com Brian, por telefone. __ Ela se chama Trudi.

__ Isso não a incomoda?

__ Por que deveria?

__ É verdade, você também já tem outro namorado. Por falar nisso, como estão as coisas com Alan?

__ Não é da sua conta.

__ Claro que é. Tudo que se refere a você, Rose, é da minha conta.

Rick colocou a mão sobre o joelho de Rose. Ele tremia um pouco e o calor de sua mão espalhou-se pelo corpo dela, como uma fogueira interna.

__ E Sheila, como vai?

__ Está com ciúmes dela?

__ Ciúmes? Não tenho direito a ter ciúmes de Sheila. Nem você vale tanto.

__ Então porque tanto interesse? Escute, Rose, ainda está zangada por eu não ter dito quem realmente era?

__ O conhecido médico Oliver Pendleton? Não, achei ótima a piada.

__ Não foi uma piada, Rose. Já expliquei que minha intenção não era enganar ninguém. E, além do mais, nunca poderia imaginar que você viesse a ser tão importante para mim.

__ Importante? Não seja cínico . . .

__ Importante, sim. Não é o que eu queria que acontecesse, mas aconteceu. Você é a pessoa mais importante de minha vida, Rose.

A cerca da casa de Rose já estava a vista, a alguns metros de distância, quando Rick dobrou à direita, seguindo por uma rua lateral, de terra. Espantada, Rose não conseguia entender o que estava acontecendo.

__ Por que entrou aqui? O que vai fazer?

__ Tentar fazê-la voltar à realidade.

Rick parou o motor, segurou Rose pelos ombros e começo a beija-la com ardor. Seus lábios quentes como brasa percorriam o pescoço, as orelhas e voltavam à boca de Rose com fúria e paixão. Ela sentiu a mão ansiosa de Rick desabotoar sua blusa, procurando sôfrega o seio no sutiã de renda branca. Estava transtornado de desejo, com os olhos incandescentes e, afastando bruscamente o tecido da blusa, mergulhou toda a boca úmida na auréola rosada, murmurando:

__ Rose . . . quero você . . .

Ela não teve forças para contê-lo. Sabia que não devia se entregar. Ele era um uma mentira, um engano. Ia usá-la novamente. Mas seu corpo estava tomado de prazer, um temor de paixão a invadia por inteiro e ela se agarrava aos cabelos de Rick. Devia estar louca. Não era possível que tudo isso estivesse acontecendo ali, em pleno fim de tarde, numa rua deserta. Ela e Rick fazendo amor. Ele a olhou com ternura.

__ Sou seu, Rose. Sou todo seu . . .

Mas Rose sabia que não podia ser verdade. Rick não lhe pertencia. Era de Sheila. Não devia alimentar ilusões ou sonhos impossíveis. Segurando as lágrimas, tentou desvencilhar-se do abraço, empurrando Rick com os punhos cerrados com toda sua força, até que conseguiu se soltar.

__ Você não é de ninguém. Vá embora, volte para Londres, para seus amigos sofisticados e deixe-me em paz. – Rose gritava, enquanto abotoava a blusa.

__ Não pretendo voltar. Decidir ficar em Sanford.

__ Como? E sua carreira, seus paciente e tudo o mais?

__ Não tenho mais pacientes. Quando Melinda resolveu me deixar decidi passar um ano longe de tudo. Ainda me restam seis meses e vou passá-los aqui . . . perseguindo você, até que se decida a se casar comigo.

__ Que loucura. E Sheila?

__ Enquanto ela não se casar de novo, continuarei tratando dela. É minha responsabilidade.

__ Cretino! Fala como se fosse tratar um animal, não uma pessoa. Será que não sente um mínimo de respeito ou carinho por ela?

__ Claro que sinto. Mas tenho que pensar em minha própria pessoa e ela sabe disso.

__ Pois tire-me de seus planos. Nunca casarei com você, entendeu? Nunca!

__ Mas Rose, eu amo você!

Rose conteve a respiração. Seus olhos azuis estavam parados sobre a figura de Rick e ela não conseguia acreditar no que estava ouvindo. Como era possível tanto descaramento? Como conseguia fingir tanta sinceridade? Ele, um homem que ainda era casado, falava como se não tivesse compromisso algum, fazendo juramentos de amor e falando em casamento com a maior tranqüilidade. Rick deu um suspiro profundo e continuou:

__ Amo você, Rose. Depois que Melinda me deixou, pensei que nunca iria sentir mais nada por ninguém. Mas apareceu você, com sua beleza e seu jeito franco e simples. Cativou meus sentimentos como nunca pensei que alguma mulher fosse capaz.

__ Pare com isso, Rick – Rose gritava novamente, colocando as mãos sobre os ouvidos. __ Não quero ouvir mais nada. Leve-me para casa agora. Não quero nada com você.

__ Por que, Rose? Por causa de Brian? De Alan?

__ Não é de sua conta.

__ Claro que é. Tudo o que diz respeito a você é da minha conta.

__ O que o faz pensar que pode interferir assim em minha vida?

__ Suas atitudes, Rose. Lembre-se que você se ofereceu a mim, naquela noite. Entregou-se sem restrições, sem impor condições . . .

__ Mas eu não sabia nada sobre Sheila . . .

__ E daí? Ela faz parte do meu passado. Eu quero que você seja meu futuro. Desde o primeiro momento em que a vi, soube disso. Você provocou uma reviravolta em minha vida. Agora só consigo pensar em você, só vejo você em minha frente, Rose eu a amo.

__ Sinto muito, agora é tarde demais. Já há outra mulher em sua vida. Eu não quero mais ver você.

__ Por Deus, não seja tola! Claro que houve outras mulheres em minha vida. Mas hoje percebo que, comparado ao que sinto agora, elas não significam nada. E tenho certeza que, para você, neste momento, Brian e Alan também são perda de tempo. Não é verdade?

__ Deixe-me em paz, Rick. Já disse, vá embora. Vá para o inferno!

Rose saiu do carro, batendo a porta com força, e correu para casa. Odiava aquele homem com todas as forças de seu ser. Odiava-o porque ele mentia e tentava, com gestos e palavras às quais ela não conseguia resistir, por mais que se esforçasse.

 

Ao entrar em casa, Rose respirava com dificuldade. Estava descontrolada e seu olhar era de desespero. Seu pai ouviu o barulho da porta batendo e perguntou alarmando:

__ O que houve, minha filha?

__ Nada!

__ Por que essa cara tão zangada, então?

__ Papai . . .

__ Está bem, está bem. Se não quer falar, não pergunto mais nada. Mas sabe, querida, prefiro ver você assim do que triste como tem andado ultimamente.

__ Oh, papai, desculpe. É que está tudo tão confuso e difícil . . .

A campainha tocou e a porta, se abriu, sem esperar que ninguém atendesse.

__ Com licença?

Era Rick, que entrava no hall, surpreendendo a todos. Como se atrevia a segui-la? Até dentro de sua própria casa! Será que não havia deixado bem claro que na queria vê-lo mais? Ela não queria   falar com ele e, por isso, foi para a cozinha. A mãe, que preparava o jantar, repetiu a mesma pergunta que o pai fizera. Parecia que todos percebiam quanto ela estava descontrolada . . .

__ Algum problema, Rose? Você parece tão tensa . . .

__ Não é nada, mamãe. Vou subir para o meu quarto e me arrumar para o jantar.

Demorou o quanto pôde, para dar tempo suficiente a Rick de ir embora. Não estava interessada no que ele tinha a dizer e nem queria saber como é que ele ia explicar a seus pais aquela entrada repentina na casa deles. Quanto atrevimento e quanta insistência! Pelo visto, Rick não tinha mesmo limites. Quando finalmente desceu para a sala, percebeu surpresa que Rick ainda estava lá. Sentado calmamente numa poltrona, bebia uma xícara de chá.

__ Ah, Rose, já ia lhe chamar. O sr, Howarth está aqui, querida. Diz que veio visitar você. – falou a mãe, em tom cordial, voltando para a cozinha. O pai também não estava por perto. Certamente tinha ido fechar a loja.

__ Que diabos está fazendo aqui? – Rose falou, fuzilando de raiva, assim que percebeu que estavam a sós.

__ Tomando chá, ora!

__ Não é possível! Vá embora já! Pare de me perseguir!

__ Ir embora? De jeito nenhum. Seria uma falta de cortesia. Seus pais tiveram a gentileza de me convidarem para o jantar e eu aceitei.

__ O quê? Vai jantar aqui?

__ Vou sim. Por dois motivos: primeiro, por que o convite foi muito gentil; e, segundo, porque estou com fome. Não almocei hoje, sabe?

Rick não dava qualquer importância ao ar ameaçador de Rose, falava com calma e um sorriso gozador no rosto. Desesperada, ela o segurou pelo braço, sacudindo-o e dizendo:

__ Rick, chega! Saia desta casa.

__ Como é bom ter você assim, segurando meu braço e me chamando de Rick, em vez daquele odioso sr. Pendleton . . . – Ele continuava a sorrir com ironia e, sem que Rose esperasse, abraçou-a com força puxando-a para que ela se sentasse em seu colo. __ Ótimo, somos amigos de novo, não somos?

__ Claro que não. Chamei você de Rick porque . . .

__ Porque é meu nome e você me ama. Certo? – Rick beijava sua face carinhosamente, como se estivesse acalmando uma criança birrenta.

__ Nada disso . . . eu . . . – Rose não conseguia prosseguir. Os lábios de Rick selaram sua boca com um prolongado e ardente beijo.

__ Manhê! Já cheguei. Eu . . . ahn? Desculpem. – Era Billy que entrava na casa, barulhento como sempre. Corado, olhou a cena e conseguiu apenas dizer: __ Ahn . . . boa-noite, sr. Howarth.

Rick se levantou imediatamente, quase derrubando Rose. De pé, olhou para o menino.

__ Boa noite, Billy. Sabe, ainda não tive tempo de lhe agradecer. Quero que saiba como estou grato por tudo que fez na noite do acidente.

__ Não foi nada, sr. Howarth. Até que foi mais fácil cuidar do senhor do que de Rose, naquela noite.

__ Como assim?

__ O senhor precisava ver o jeito que ela ficou . . . tremia, chorava. Até desmaiou e . . .

__ Chega Billy! O sr. Howarth não está interessado nesses detalhes.

__ Quem foi que disse? Estou sim, mais do que interessado. E daí Billy? Continue.

__ O assunto fica para outra hora. Agora suba, Billy, e vá lavar as mãos para o jantar – Rose insistiu.

__ Mandona! – O menino correu escada acima, antes que a irmã pudesse reagir. O braço de Rick, que ainda segurava a cintura de Rose, puxou-a delicadamente até o sofá, onde os dois se sentaram.

__ Explique direito essa história, Rose. Se não me ama, por que ficou tão abalada com o acidente? Não venha me dizer que Billy inventou tudo isso...

__ Ora tudo que ele falou é bobagem de criança. Eles sempre fantasiam quando são obrigados a agir acima das suas forças. Billy se comportou muito bem, socorrendo você numa hora em que muitos adultos ficariam perdidos e sem saber o que fazer. É lógico que aumente os fatos com muita fantasia e . . .

__ Não, Rose, nenhuma criança inventaria, mesmo com toda a fantasia solta, as coisas que seu irmão estava falando. Ele teria aumentado os detalhes do salvamento ou o estado do carro, mas nunca o seu estado de nervos ou o desmaio.

__ É que eu . . .

Desta vez, a conversa foi interrompida pelo pai de Rose que, muito decidido, entrava na sala e se dirigia à televisão.

__ Pronto – ele chegou dizendo – mais um dia de serviço acabou. Agora será que vocês me dão licença de sentar aí, nesse sofá, para assistir ao jornal na televisão?

O pai de Rose não parecia surpreso de ver sua filha assim nos braços de um homem quase desconhecido. É claro que, depois do acidente, ele já esperava essa cena mais dia, menos dia. Rose no entanto, ficou sem graça e tentou se afastar de Rick. Levantou-se e foi se sentar na outra poltrona.

__ Fique à vontade, sr. Castle – disse Rick, levantando-se também e dirigindo-se a mesma poltrona onde Rose estava sentada. Empurrou-a um pouco, com delicadeza, e sentou-se também – Agora, continuemos nosso assunto.

__ Não tenho mais nada a dizer. E saia daqui, vá sentar-se em outro lugar.

Rick, ao invés de obedecer, segurou-a pela cintura, para evitar que ela se levantasse, já que ele não saía.

__ Como você é teimosa, Rose! – Rick falava num tom que o pai dela pudesse ouvir.

O sr. Castle estava com os olhos pregados na televisão, fingindo não prestar atenção na conversa. Mas diante da dica que Rick lhe dava, resolveu intervir:

__ É mais do que teimosa essa minha filha. Mas não ligue, sr. Howarth, parece que ela hoje não está com muita vontade de conversar. O que é que o sr. quer saber? Talvez eu possa ajudar.

Rick continuava confortavelmente sentado na poltrona. Tinha se ajeitado de tal forma que deixava Rose num canto, apertada. Sua mão passara pro trás da cintura dela e, agora, segurava seu braço, para que ela não pudesse levantar. Ele parecia na importar que o pai dela visse, e seu sorriso mostrava satisfação com a cumplicidade que estava recebendo.

__ Rose costuma ser assim tão calada, sem vontade de conversar, sr. Castle?

__ Que nada! Em geral é uma matraca. O difícil é faze-la ficar quieta. – O pai soltou uma sonora gargalhada com a própria piada.

__ Mas diga, filho, o que é que quer saber?

__ Eu estava perguntando a Rose, porque tinha ficado tão abalada, no dia do meu acidente. Afinal, nada indica que ela me preze tanto assim.

__ Ah! É isso? Então deixe-me contar. Ela . . .

__ Papai!

__ Não quer que ele saiba, querida?

__ Não, por favor. Não tem nada que ele precise saber . . .

__ sinto muito, sr. Howarth. Se Rose não quer que saiba, eu é que não vou contrariá-la. Afinal, nós temos que aturá-la quando fica zangada e o senhor não imagina como é duro.

Rick e o sr. Castle riram muito e os dois olhavam para Rose. Ela estava envergonhada, reconhecendo que estava sendo infantil e que merecia ser gozada pelos dois. Deu um suspiro de alívio quando a mãe veio avisar que o jantar estava na mesa.

A refeição estava deliciosa. Parecia que sua mãe tinha se esmerado mais ainda, em homenagem ao convidado. Toda a família se mostrava encantada com Rick e conversavam animadamente.

Quando não está discutindo comigo, ele consegue mesmo ser agradável, Rose pensou.

De certa forma, estava contente de vê-lo ali, junto com sua família, participando tão à vontade da vida da casa. E num ambiente tão diferente do dele, em Londres! Rick sabia agradar à mãe de Rose, elogiando a comida; conversava animadamente com o pai e brincava com Billy. Rose não podia negar que se sentia orgulhosa com os olhares carinhosos que ele lhe dirigia. Se não fosse um homem casado, estaria tudo perfeito.

Quando terminou o jantar e Rick se levantou para ir embora, o sr. Castle disse:

__ Foi um prazer tê-lo conhecido direito, sr. Howarth. Volte sempre que tiver tempo livre em Londres.

__ Isso, venha visitar-nos quando quiser – completou a mãe - Pena que agora tenha que enfrentar aquela estrada. Já é tão tarde. Por que não passa a noite aqui em casa e volta amanhã de manhã para Londres? Se não se importar, pode dividir o quarto como o Billy.

__ Obrigado, mas não será preciso, sra. Castle. Sabe? Eu não vou para Londres, vou só até o fim da rua.

__ Como assim?

__ Até a Casa do Pomar.

__ Está morando lá de novo? – Rose perguntou espantada, saindo finalmente do seu mutismo.

__ Sim. E agora é definitivo. Eu comprei a propriedade.

__ O quê? Comprou?

__ Pois é.

__ Mas lá não tinha mobília . . . não há nada, está tudo abandonado. Como ai dormir ali?

__ Agora não está mais. Você precisa passar lá para ver as reformas que fiz. Acho que vai gostar da nova decoração, está bem aconchegante.

__ Que bom! Então somos vizinhos novamente – disse a sra. Castle. __ Qualquer dia eu vou lá como Rose. Eu também quero ver como ficou a Casa do Pomar. Ela estava abandonada há algum tempo . . . E o senhor não vai contratar uma governanta para tomar conta da casa?

__ Ainda não. Mas já tenho uma pessoa em vista . . . para cuidar da casa e, principalmente, de mim . . .

Seu sorriso não deixava margem a dúvidas sobre quem ele estava se referindo. Encabulada, Rose percebeu o olhar significativo que seus pais trocavam. Para na deixar a conversar se esticar ainda mais, ela interrompeu:

__ Até logo, sr. Howarth. Eu o acompanho até a porta.

__ Ah! Sr. Howarth, se não tiver compromisso no domingo, venha almoçar conosco – convidou a sra. Castle.

__ Ótimo! Venho sim. Obrigado.

Finalmente, Rose conseguiu conduzir Rose até o portão. Estava séria e irritada. As coisas tinham ido longe demais.

__ Há algo errado, Rose?

__ Claro que há. Não deve vir aqui no domingo, nem nunca mais.

__ Sinto muito, mas não vou fazer essa desfeita a seus pais. Eles foram muito simpáticos comigo e eu pretendo continuar amigo deles, quer você queira, quer não. Sua teimosia não me afeta, mesmo que faça essa carinha de raiva...

__ Você não tinha o direito de invadir minha casa desse jeito.

__ Mas eu não invadi. Vim apenas lhe devolver isto . . . e seu pai me convidou a entrar e a ficar.

Rick segurava a bolsa de Rose, na pressa de sair do carro, havia esquecido no banco. Sem graça, ela observou:

__ Poxa . . . desculpe,...

__ Está vendo, garotinha ingrata? Tchau! Até domingo!

 

Selma estava radiante, no dia seguinte, na biblioteca. Pelo visto, o passeio com Alan tinha ficado à altura das suas expectativas. Seu rosto estava como que iluminado e o sorriso não a abandonava.

__ Sabe, Rose, ele é tão . . . tão gentil. Um verdadeiro cavalheiro. Depois do cinema fomos tomar alguma coisa e conversamos bastante.

__ Que bom! Deu tudo certo então, Selma?

__ Puxa vida! Deu mais do que certo. Alan é tão diferente dos outros rapazes! Imagine que até conversou comigo sobre seus problemas e se interessou pelos meus.

__ Por quê? Os outros rapazes não conversam?

__ Não como ele. Ele mostra um interesse real, tratou-me como igual. Os outros fazem questão de fazer com que eu me sinta uma burra. E eu não me dou ao trabalho de convencê-los do contrário. Finjo que sou burra mesmo e pronto.

__ Selma, isso é horrível!

__ Por quê? Todos eles fazem isso e eu não tenho outro remédio.

__ Pois a mim, nenhum homem vai fazer de burra.

__ Nem Rick?

__ Ele não se atreve a me tratar dessa maneira. Apesar de tudo, ele me respeita.

__ Ele parece ser maravilhoso com você. Só a forma como a olha! Parece que a devora com os olhos.

__ Selma!

__ É isso mesmo, Rose. Eu morro de inveja!

__ Pois pode ficar com ele, se é que você gosta de homens casados.

__ Casado? Ele é casado?

__ Você ouviu, Selma.

__ Meu Deus! Que pena, Rose. Você estava muito interessada, não é verdade?

__ É, estava, enquanto não sabia. Mas agora já passou. E Alan? Conte sobre ontem. Estou torcendo por vocês e quero que saber mais. Quando vão sair de novo?

__ Amanhã. Ele disse que quer me levar a uma competição de atletismo. Já viu coisa mais maluca? Não vejo nada de romântico numa coisa dessas,mas, já que ele quer, eu vou.

Era evidente que Alan estava tentando testar Selma. Com certeza queria saber se ela o admirava pelo que realmente era ou pelo fato de ter sido campeão um dia.

Rose percebeu a artimanha de Alan e, mais tarde, quando se viu a sós com ele, na sala dos funcionários falou:

__ Será que você não está se preocupando demais com isso, Alan? Selma está tão encantada com você, com a forma com que você a trata, que nem se lembra mais de que você já foi atleta.

__ Pois é, eu pretendo ter certeza disso amanhã. Quero ver como ela reage quando eu estiver a seu lado, na platéia, e não nas pistas, ganhando algum título.

__ Mas veja bem Alan: me parece que isso é uma coisa que afeta muito mais a você do que a ela. É uma preocupação que não precisa ter. Ela está mesmo ficando fascinada pro você trata-la como gente e não como boneca, como estava acostumada.

 

Era hora do almoço. Rose tinha que ir até a lanchonete, pois não trouxera almoço naquele dia. Por acharem que a conversa ainda se estenderia por algum tempo, resolveram ir juntos.

__ Alan, tenho certeza que ainda o convenço de que Selma não está nem um pouco interessada em seus títulos.

__ Então vamos lá, minha mestra do amor.

Assim, foram andando alegres, rindo animados, sob o gostoso sol da manhã. Iam lado a lado, trocando idéias e opiniões, como dois bons camaradas. Alan respeitava muito as idéias de Rose e gostava de sua companhia. Ela, por sua vez, apreciava também o rapaz. Achava-o maduro, bem-humorado e um ótimo colega.

__ Rose! – Uma voz grave, que ela conhecia muito bem, chamava por trás deles.

Não era possível! Rick outra vez? Ela se virou e deu com ele. Estava com o semblante fechado, com jeito de zangado, sem esconder seu desagrado por vê-la tão à vontade com Alan. Será que ela não tinha mais direito de ir à lanchonete com seus amigos?

Dane-se, pensou. Não tenho que lhe dar explicações dos meus atos.

Olhou-o com superioridade, não se deixava intimidar diante de seu ar de posse.

__ O que está fazendo aqui, Rick?

__ Vim pegá-la para almoçar comigo.

__ Desculpe, mas já tenho companhia para p almoço.

Alan, num gesto protetor, segurou-a pelo braço. Ainda bem que ele tinha entendido que era esse o homem que ela tentava evitar e dispunha-se a ajudá-la. O semblante fechado de Rick escureceu ainda mais.

__ Quer fazer o favor de tirar as mãos de minha noiva?

__ Eu não sou sua noiva coisa nenhuma.

__ Deixe-nos a sós, sr. . . . Como pôde perceber minha noiva está um pouco nervosa e vou levá-la comigo para ver se a acalmo. – Rick falava pausadamente, procurando parecer educado, mas sem conseguir esconder sua raiva.

__ Rose é adulta o suficiente, para decidir sozinha qual a companhia que prefere. – Alan falava de igual para igual, enfrentando a rigidez de Rick com firmeza. __ Então, Rose, o que você decide?

__ Vou almoçar com você, Alan. E, quanto ao sr. Pendleton, meus pais o esperam lá em casa neste domingo. Até logo!

__ Muito bem, Rose, a escolha é sua. Vejo você no domingo e então falaremos a sério.

Aliviados, Alan e Rose viram Rick entrar no carro e sair a toda velocidade.

__ Poxa! Achei que ele ia começar uma briga e que eu iria acabar apanhando sério desse seu noivinho.

__ Claro que você não ia apanhar. Você é muito mais forte que ele, seu tonto.

__ Não tenha tanta certeza disso. Mas, afinal, quem é esse sujeito?

__ Já lhe falei dele, Alan. É a pessoa com a qual não quero ter nada a ver.

__ Mesmo com esse Jaguar?

__ Ora, não brinque! Se soubesse o mau-caráter que há dentro desse carro . . . Eu o odeio! Detesto mesmo, com todas as minhas forças.

__ O que é isso, Rose? Se não quer mais nada com ele, por que está tão brava assim?

__ Sei lá . . . é que . . .

__ nem precisa explicar. Já percebi tudo. Você ainda está apaixonada, mas não quer dar o braço a torcer, não é?

__ É mais ou menos isso.

__ Pois bem, agora há pouco você me falava com muita franqueza o que acha de meu caso com Selma. Agora, parece que é minha vez de falar. Se você ainda gosta dele e ele de você, por que não continuar lutando? Aceita-lo não faria vocês dois muito mais felizes?

__ Mas, Alan, já lhe disse que ele é casado.

__ Sinto desfazer seus sonhos de Cinderela. Mas sabe, Rose, nem todos os casamentos são perfeitos e, pelo visto, o dele faz parte desse rol.

__ Pois saiba que eu não vou contribuir para que o casamento dele acabe de uma vez, entendeu?

__ Mas já contribuiu, Rose, mesmo sem querer. O fato de vocês se conhecerem, que não é culpa de nenhum dos dois, já mostrou a ele que está casado com a pessoa errada. Ele demonstra gostar muito de você.

__ Isso eu não pude evitar, realmente. Mas agora não quero mais nada. Agora sei, e me sentiria mal se continuasse a sair com ele.

__ Tudo bem, madame. Faça como quiser e não se fala mais nisso. Certo?

Rick não apareceu mais nos dias que se seguiram. Se, por um lado, Rose ficou tranqüila com isso, por outro, sentia certo desapontamento, Era ridículo ficar assim, mas não havia como negar.

Finalmente, no domingo, ele apareceu na casa dela, pontual e com um maço de flores para a sra. Castle.

__ Bom dia, Rose – cumprimentou-a formalmente.

__ Como está, sr. Pendle . . . ahn . . . digo, Howarth?

__ Muito bem. Por que não foram à Casa do Pomar, para ver as reformas, como tinham prometido?

__ É que, bem, esta semana não deu tempo.

__ Por que não vamos hoje à tarde, depois do almoço, querida?

- sugeriu a mãe, ouvindo a conversa.

O almoço transcorreu em paz. Sa mãe tinha preparado um delicioso feijão e umas costelas de porco douradinhas e muito bem temperadas. A sobremesa era uma linda torta de maçã, enfeitada com chantilly e cereja, que arrancou um suspiro guloso de todos, quando a sra. Castle a colocou sobre a mesa. Rick continuava sabendo agradar a todos e tinha muito assunto. Quando terminaram, Rose recolheu os pratos e se dispôs a lavar a louça, para poder sair da sala. Percebendo isso, Rick se levantou também.

__ Vou ajudar um pouco a mocinha aqui. Afinal, hoje é domingo e não seria justo que ela fizesse o trabalho sozinha, bem no seu dia de folga.

__Obrigada, mas não será necessário, sr. Howarth. Pode ficar aí conversando.

Mas, mal ela começou a lavar o primeiro prato, sentiu a presença de Rick na cozinha, parado atrás dela, bem pertinho. Fingindo que não tinha se dado conta, continuou nervosamente a ensaboar a louça. Os lábios de Rick aproximaram-se de seu pescoço e suas mãos circundaram sua cintura.

__ Amo você, mocinha. Não quer se conformar com a idéia e me aceitar? – ele disse beijando repetidas vezes sua nuca e impedindo-a de continuar a tarefa.

__ Pare com isso! Vou ter que chamar meu pai e ficará muito mal para você.

__ Não acho. Acho que é até uma ótima idéia. Assim poderei contar tudo à sua família. Tudo sobre nossos planos . . .

__ Nossos planos? Você ficou louco . . .

__ Ora, menina! Desta vez você vai ter que obedecer. Não quero mais discutir isso.

Puxando-a pela mão, Rick a levou até a porta da sala, onde seus pais já estavam sentados. Ia com passos decididos e Rose não conseguia imaginar o que iria fazer. Rick encarou o sr. Castle e, sem mais delongas, foi ao assunto.

__ Sr. Castle, quero dizer-lhe uma coisa: vem aqui não só por causa do seu convite, tão gentil, mas também para pedir sua permissão para casar com Rose. Eu a amo e acredito que ela também me ame, apresar de não querer admitir.

Rose engoliu em seco, chocada com a objetividade com que Rick falava, sem sequer tê-la consultado antes. Seus pais também pareciam surpresos com a súbita declaração.

__ Agora chega, Rick. É demais. Vou explicar a eles quem você é realmente.

__ Concordo. É claro que eles têm direito de saber. Sr. castle, meu nome não é só Rick Howarth – disse tranqüilamente __ Sou Oliver Richard Howarth Pendleton, mais conhecido como Oliver Pendleton, e espero que agora Rose fique mais tranqüila, já que para ela isso parece tão importante.

__ Não é só isso que é importante. O que faz mesmo diferença é o fato de que ele é casado, ouviram bem? Casado!

O pai de Rose arregalou os olhos de espanto e seus lábios apenas se entreabriram para falar.

__ Como? Casado? Não estou entendendo mais nada. Por que é que está aqui com um nome menos conhecido ? Para disfarçar?

__ Não é para disfarçar. É meu nome mesmo, mas uma parte dele que não é conhecido. E quanto ao resto, não sei do que Rose está falando.

__ Cínico. Não finja mais, Rick. Eu conheci Sheila, lembra-se?

__ Claro, e daí?

__ Daí que ela é sua mulher, sua legítima esposa.

O rosto de rick ficou desfigurado. Pela primeira vez, havia perdido totalmente o controle da situação. Respondeu quase gritando:

__ Que loucura! Quem foi que lhe disse isso? Sheila era esposa de meu irmão.

Agora era a vez de Rose não conseguir acreditar no que ouvia.

__ Do seu irmão? Quer dizer que ela é sua cunhada? Mas na festa ela estava com você, não havia outro homem. Onde estava seu irmão?

__ Ele não poderia estar na festa, Rose, porque está morto. Morto, entendeu? Ele e Melinda morreram juntos, num acidente de carro, quando fugiam, abandonando a mim e a Sheila.

__ Quer dizer que então . . . o médico com quem Melinda fugiu era seu irmão?

__ Sim.

__ meu Deus . . . Oh, Rick, o que foi que eu fiz. Tratei você desse jeito, todo esse tempo porque pensava que você e Sheila . . . vocês estavam sempre juntos, lá na festa . . .

__ Sheila teve uma crise de nervos, na época do acidente, e desde então eu trato dela. Tenho sido seu médico, tentando controlar seu estado que, de vez em quando, apresenta recaídas.

__Oh! Rick, perdoe-me, pelo amor de Deus, eu . . .

__ Quer dizer que você achou que eu era capaz de pedir você em casamento estando casado com outra? É isso que você pensa de mim, Rose? Que sou um farsante, um embusteiro, que estava mentindo para você e sua família?

Rick deu alguns passos para a frente, soltando Rose. Balançava a cabeça, desarvorado, e andava com passos vacilantes. Quando conseguiu continuar a falar sua voz estava rouca:

__ E eu que pensei que você fosse diferente! Como me enganei . . . Agora vejo que não a conheço e não tenho mais interesse em conhecê-la. Nunca mais olhe para mim, Rose. Nunca mais.

Segurou o trinco, abrindo lentamente a porta. Olhou uma última vez para todos, virou-se e foi embora.

 

Rose ficou desesperada. Sua única vontade era correr atrás de Rick, pedir perdão mil vezes, beija-lo e dizer-lhe o quanto o amava. Mas era tarde demais. Ela o havia magoado muito e vira o ódio estampado no olhar que ele tinha lhe dirigido pela última vez. Conseguira estragar tudo, chegando a conclusões precipitadas e duvidando do único homem que realmente havia amado na vida. Devia ter tido mais sensibilidade. Qualquer um seria capaz de perceber que Rick não era pessoa de enganar ninguém. Era honesto e correto demais para isso e o demonstrava em todas as atitudes. Só ela havia sido incapaz de se dar conta de um fato tão óbvio.

__ Minha filha, você agiu mal. Devia ter perguntado a ele, de forma objetiva sobre Sheila. Afinal, você o amava e nada mais justo do que querer saber sobre a vida dele. Sua atitude foi infantil, Rose. Espero que tenha crescido, depois dessa experiência negativa.

Seu pai falava com muita tristeza na voz. Estava claro, pelo seu tom e pela expressão triste do olhar da mãe, o quanto ambos gostavam de Rick e como tinham ficado chateados com o desfecho de uma história que lhes teria agradado muito.

Desolada, saiu para caminhar um pouco naquele fim de tarde. O sol começava a se pôr, por trás das árvores, e seus raios rosados jogavam sombras no chão. O caminho por onde Rose ia caminhando estava todo desenhado pelas sombras das folhas, que dançavam com a brisa daquele final de dia. A dança das sombras parecia acompanhar sus tristeza. Ela não conseguia mais segurar as lágrimas que vinham a seus olhos e rolavam sem parar por suas faces. Ia pensando num único nome: Rick, Rick, Rick . . .

Sentou-se num tronco de árvore caído e ficou inerte, os braços sobre o colo, pensando no que faria de sua vida dali por diante. Parecia que tudo tinha perdido o significado. Sem perceber, levantou-se e recomeçou a andar. Ia pela estradinha de terra que tantas vezes havia percorrido, e chegou à Casa do Pomar.

Ficou um bom tempo parada, diante da casa de Rick. O carro estava na garagem, mas as janelas estavam escuras e não havia qualquer sinal de vida. Rose parecia não querer voltar. Ficou ali, rememorando os momentos que havia passado com o homem que amava. Mas não teve coragem de tocar a campainha, nem de bater à porta. Não saberia como encarar Rick, depois do que havia acontecido. Não tinha idéia do que poderia dizer para explicar sua tolice. Por isso virou-se lentamente, e começou a andar de volta para casa. Lá, enfrentaria uma longa noite de insônia e a reprovação da família por ter desperdiçado a oportunidade que a vida lhe dera de ser feliz.

 

Por muitos dias não ouviu falar de Rick. Ele não aparecia na cidade, nem no armazém, e a Casa do Pomar permanecia do mesmo jeito: escura e sem movimento nenhum, apenas o Jaguar ali estacionado. Rose se arrastava todos os dias até à biblioteca, para trabalhar. Fazia suas tarefas em entusiasmo e, quando ficava em casa, entregava-se ao desânimo. Quase não comia, não conversava e não demonstrava interesse por nada. As noites eram de insônia e se estendiam, longas e cheias de escuridão, povoadas apenas pelos pensamentos tristes que insistiam em vir à sua cabeça.

De manhã, levantava-se exausta, com olheiras profundas marcando seu rosto. Mas enquanto vivia esse período difícil de sua vida, Selma e Alan pareciam estar no sétimo céu. O romance ia a todo vapor e os dois passavam a maior parte do tempo juntos. Rose não conseguia demonstrar, mas sentia um pouco de alívio ao vê-los. Gostava sinceramente deles e, um dia, quando seu ânimo melhorasse, ela lhes diria o quanto estava contente.

__ Sabe, Rose, acho que você tinha razão. Selma parece gostar mesmo de mim e não acho que ela seja de fingir esse tipo de sentimento. E eu muito estou apaixonado por ela também. – comentou Alan, certa tarde.

__ Que bom! Olhe, não ponha dúvidas mesmo. Não a deixe escapar, como eu fiz com Rick.

__ Rose, será que não há jeito de você voltar a ser feliz? Se falar com esse homem, não seria possível . . .

__ Não. Não há mais nada que eu possa fazer. Fui uma idiota. Estraguei tudo. E era a coisa mais bonita que já tinha acontecido em minha vida. Agora está tudo perdido. Tudo.

Rose estava descontrolada, falando alto e soluçando. Eles estavam num dos corredores formados por estantes de livros, na biblioteca, e sua voz ecoava por todo o salão. Sentindo que estava sendo ouvida por todos, saiu rapidamente em direção à sala dos funcionários e tentou entrar no banheiro. Lá poderia chorar em paz. Mas o sr. Leaven, que naturalmente ouvira o vozerio, cortou-lhe o caminho.

__ Era a senhorita quem fazia todo aquele barulho? – perguntou o chefe, de forma seca.

__ Exatamente, sr. Leaven. Era eu mesma. – Seu olhar deixava bem claro que ela desta vez não estava disposta a aceitar reprimendas e, muito menos, a pedir desculpas.

__ Ah, bom . . . só queria saber o que estava acontecendo. – ele disse sem graça com a atitude da moça.

O expediente parecia demorar uma eternidade para terminar, mas finalmente chegou a hora da saída. Rose estava ansiosa para voltar para a sua casa, para a solidão de seu quarto. Como de costume, o pneu de sua bicicleta estava murcho. Parecia que, dia sim dia não, ele resolvia deixá-la na mão. Caminhou, de cabeça baixa, para o ponto do ônibus. Ia tão distraída que nem percebeu uma pessoa que caminhava em direção contrária, até esbarrar nela.

__ Brian! – Era a última pessoa que ela esperava encontrar e seus olhos mostravam isso. Mas a surpresa era boa e Rose conseguiu até sorrir um pouco.

__ Sim, senhora, eu mesmo.

__ Mas você não me parece muito surpreso em me encontrar. Já sabia que eu trabalhava aqui e que costumava pegar este ônibus?

__ Claro, sua boba! Vim lhe oferecer carona para casa. Mas antes tomei o cuidado de saber onde a encontraria. Pensa que eu sou um tonto sem iniciativas?

__ Não, claro. Desculpe, Brian. Mas o que você está fazendo por aqui?

__ Vim visitar meus tios e também conhecer a nova casa de Oliver.

__ Ah! Sim . . . e como está ele?

__ Você quer saber do ponto de vista físico ou mental?

__ Nossa, que linguagem! E depois vem me dizer que não quer ser médico.

__ E não quero mesmo. É vício de linguagem que se adquire com minha família. – ele disse, rindo. __ Mas estou adorando meu curso de teatro e, além disso, gosto muito das garotas que estudam lá.

__ E a Trudi? Ela não se importa com isso?

__Quem? Trudi? Esse romance já terminou faz muito tempo. Já estou de novela nova, esta se chama Amy – Brian falava em tom zombeteiro.

__ e eu que pensei ter destruído seu coração, Brian. Pelo jeito, você se recompôs rapidamente. – Rose também brincou, contente por rever o amigo e todo seu bom humor.

__ Não brinque com isso, Rose. Eu gostava muito de você, e ainda gosto. E é por isso que acho errado você e o Oliver não conversarem para tentar se entender.

__ Não há mais nada que possa ser feito, Brian. Nosso caso ficou definitivamente acabado.

__ Pois eu discordo. E para provar que está errada, amiga, vou levá-la à casa dele.

O pequeno carro esporte que Brian dirigia, e que já estava quase chegando à casa de Rose, obedeceu ao volante e fez uma curva fechada, entrando na estradinha da Casa do Pomar. Brian parou em frente ao portão, com um solavanco. Rose balançou a cabeça negativamente.

__ Isso não vai adiantar nada.

__ Pelo menos forçará os dois a se olharem cara a cara.

Brian saiu do carro, abriu a porta do lado de Rose e tirou-a para fora, puxando-a pela mão.

__ Isso é o que você acha. Agora vamos ver se é verdade mesmo. – Dizendo isso, ele bateu decididamente na porta, enquanto Rose se encolhia sob seu braço, temerosa do que ia acontecer. Quando a porta se abriu, revelou-se a figura abatida e desleixada de Rick.

Rose não conseguiu se conter. Começou a chorar.

__ Oh . . . Rick . . .

__ Não sei quem é esse Rick, mas eu lhe trouxe um presente, Oliver. – Brian desvencilhou-se dos braços de Rose, que não queriam soltá-lo, e empurrou-a em direção a Rick. Depois virou-se rapidamente, entrou no carro e saiu, dizendo ainda, de longe:

__ Tchau! Não se esqueçam de me convidar para o casamento.

Como era mesmo que Selma havia definido? Devorando-a com o olhar? Pois era exatamente assim que Rick a olhava, naquele momento. Rose não podia acreditar. Tinha imaginado cenas tão violentas para o caso de se encontrarem, agora,   lá estava ele com aquele ar carinhoso . . .

__ Rick, eu amo você! Muito – Rose falava em voz quase sumida, enquanto andava alguns passos em sua direção, ainda vacilando.

__ Minha garotinha tola e confusa. Também adoro você. Estive, durante toda esta semana, pensando numa forma de ir até sua casa e pedir-lhe desculpas.

Dizendo isso Rick a abraçou e começou a dar milhões de beijos em eu rosto e seus cabelos.

__ Desculpas? Mas sou eu que tenho que pedir perdão por não ter confiado em você. Você não me deve nada . . .

__ Pensei muito, Rose. Todo esse tempo desde domingo, estive pensando e cheguei a uma conclusão: não era mesmo possível, para você confiar em mim. Eu não tinha contado nada sobre minha vida. Fiquei todo esse tempo tentando afastá-la do meu passado, achando que você era criança demais para entender. Além disso, o nome com que me apresentei . . . tudo levava a crer numa história falsa. Qualquer um teria ficado desconfiado. Mesmo assim, você me amou . . . isso é lindo, criança! Seu sentimento é lindo! – Rick a levou para dentro de casa, tomando-a em seus braços assim que terminou de fechar a porta.

__ Fui até a loja de seu pai, hoje de manhã, e conversei muito com seus pais, sabe?

__ Fez isso, Rick?

__ Sim. Eu não suportava mais ficar longe de você. Expliquei tudo a eles e pedi permissão para casar com você.

__ E eles?

__ Concordaram, desde que você estivesse de acordo. Por isso, agora, eu quero lhe perguntar: quer se casar comigo, Rose?

Não podia ser verdade. De repente, tudo o que mais queria na vida estava ali, resumido naquela pergunta. Seria um sonho? Se fosse, ela não queria mais acordar.

__ Sim, claro que sim! Ora, Rick, isso é o que mais quero no mundo. – Ela se agarrava a ele com todas as forças, rindo e chorando ao mesmo tempo.

__ Eu a amo muito, mais do que achava capaz de amar alguém.

__ Mais do que a Melinda?

__ Eu gostava muito dela. Mas agora percebo que não a amava. Nunca a amei de verdade. Ela era bonita e eu achava que seria uma boa esposa. Mas só soube realmente o que era amor depois que vim a Sanford e conheci uma pequena feiticeira que virou a minha cabeça com sua simplicidade e seu jeito sincero.

__ Então posso usar esse jeito e dizer-lhe uma coisa?

__ Claro, querida. Mas seus olhos me dizem que vai falar algo que não devia.

__ Quero ir para a cama e fazer amor com você agora.

__ Está vendo? Nada disso, só depois que for minha esposa.

__ Mas, Rick . . .

__ Já esperamos tanto, que seremos capazes de esperar um pouco mais e fazer as coisas de forma certa. Não quero que nada estrague a beleza de tudo isto.

 

O jantar fora um sucesso. Pela primeira vez haviam recebido convidados em sua nova casa. Rose mandou preparar pratos finíssimos e arrumá-los cuidadosamente em travessas artísticas. Até aquela estranha sobremesa, que ela mesma passara a tarde inteira preparando, tinha dado certo. Ela fizera questão de comandar pessoalmente o pessoal da cozinha, porque Rick insistia em receber bem e ela tinha ficado o dia inteiro ansiosa com a recepção. Era o primeiro aniversário de casamento dos dois. Um ano inteiro de felicidade para ambos, vivendo como marido e mulher.

As pessoas ainda conversavam na sala. Um dos convidados especiais era Brian, acompanhado de sua noiva. Ruth era uma moça simpática, colega de teatro, que finalmente parecia ter conquistado o coração do amigo querido de Rick e Rose.

__ Parece que minha intromissão daquele dia não foi tão ruim quanto você achava, não é, Rose? – falou Brian, com sua costumeira zombaria carinhosa.

__ Acho que foi sim – respondeu Rose, com o mesmo ar de gozação do amigo. __ fez com que o pobre Rick se casasse com a pessoa com quem ele mais brigou na vida.

__ Mas, em compensação, hoje não brigo com mais ninguém. – completou Rick, no mesmo bom humor. ___ Esta senhora me comanda de tal forma que não me permite um minuto de zanga.

Rick trabalhava em Londres novamente, por isso moravam lá agora. Porém a Casa do Pomar era o lugar onde faziam questão de passar todos os fins de semana. Era o verdadeiro lar do casal.

__ Como vão seus pais, Rose? – Brian quis saber.

__ Felizes com nosso casamento, tristes por morarmos em Londres, mas sem muito tempo para se lamentar, pelo trabalho que Billy lhes dá com suas reinações. E os seus?

__ Eles andam muito ocupados também, com o novo neto que ganharam de June.

A cunhada, que estava sentada no sofá perto deles, olhou carinhosamente para Rose, Rick e Brian, agradecendo com um sorriso o comentário. Rose que estava enamorada do sobrinho de seis meses tanto quanto os avós, acrescentou:

__ Pode-se entender perfeitamente a corujice. Seu filho é o menino mais lindo que já nasceu em Londres.

__ Só será superado quando o nosso nascer. – completou Rick.

Rose lhe dirigiu um olhar carinhoso, acompanhado de um sorriso enigmático que ele pareceu não entender.

Por fim, todos se despediram desejando muitas felicidades ao casal. Rick e Rose ficaram finalmente a sós.

Abraçados, sentaram-se em frente à lareira onde alguns troncos ainda queimavam, dando ao ambiente um cheirinho gostoso e aconchegante. Rick beijava delicadamente a face de Rose e acariciava seus cabelos.

__ Tenho um presente para você – Rick falava baixinho ao seu ouvido.

__ Rick! – Ela ria, maliciosamente, pois sabia o que ele queria dizer com essas palavras. Dali a instantes, estariam na cama, amando-se loucamente, com seus corpos unidos em perfeita harmonia. __ Você é mesmo insaciável! Comporte-se!

__ Não é esse tipo de presente o que vou lhe dar agora. É um presente de aniversário.

__ Mas você já me deu isto! – Rose passava a mão por uma lindíssima pulseira de diamantes que ele lhe dera antes do jantar, quando ainda não haviam chegado os convidados.

__ É outro presente. - Rick se levantou, foi até o escritório e voltou com um livro, que entregou a Rose. __ Veja!

__ Seu livro. – O olhar de Rose brilhava de orgulho.

__ É o primeiro exemplar. Está quentinho, acaba de sair da editora. Leia a dedicatória.

Rose abriu o livro, tremendo, e folheou até encontrar a página onde estava manuscrita uma dedicatória para ela.

__ Para Rose, minha esposa – leu em voz alta __, sem a qual este livro não teria existido e sem a qual eu, também, não teria muitos motivos para existir.

A jovem senhora engoliu as lágrimas de emoção que vieram à tona. Não sabia o que dizer. Todo o profundo significado que o encontro dos dois tinha sido para suas vidas estava ali registrado, nas páginas daquele livro. E o enredo, que havia começado em forma de tragédia, se transformara numa bela e comovente história de amor.

__ Querido! É lindo!

Ela se atirou comovida nos braços de Rick.

Ele a segurou ternamente nos braços, por alguns momentos, até que ela conseguiu novamente falar.

__ Sabe, Rick? Eu . . . eu também tenho um presente para você.

__ Outro? Não foram só as abotoaduras que você me comprou?

__ Este não é comprado, Nem todo o dinheiro do mundo o pagaria. Só que você terá que esperar um pouco para poder vê-lo.

Rick foi até a mesinha onde estava a garrafa de champanhe, ainda no gelo, encheu duas taças e voltou para a esposa.

__ Tome, beba um pouco. Talvez assim você consiga se explicar melhor. Não estou entendendo nada do que está dizendo.

__ Rick, eu estou grávida. Nós vamos ter um filho, Rick. Um bebê!

Rick ficou sério, parecendo que ia desmaiar. Não conseguia articular direito as palavras e nem compreender bem o que estava ouvindo.

__ Filho? Nós vamos ter um filho?

__ Sim, querido. Não está feliz?

__ feliz? Mal posso acreditar! Vou ser pai, meu Deus! É a coisa que mais sonhei na vida. Vamos encher nossa casa de crianças, querida. Um filho. Puxa vida! E ele será só o começo, não? Vamos providenciar para que tenha muitos irmãos.

Rose ria gostosamente. O marido a havia pegado no colo, num abraço, e rodopiava pela sala.

__ Rick! Essa não é uma atitude adulta, de um homem que vai ser pai. Ponha-me no chão antes que nós dois rolemos no tapete.

Ele a colocou suavemente na poltrona e ficou fitando longamente seus olhos azuis, como a agradecer pela felicidade que estava sentindo naquele dia de aniversário de um casamento perfeito.

Finalmente, ele tornou a falar:

__ Bem. As coisas vão mudar um pouco por aqui, mocinha. De agora em diante, nada mais de bebidas alcoólicas, nada mais de esforços com as tarefas de casa, que você teima em fazer. Terá que ficar muito calma e com muito repouso, está bem? Lembre-se de que eu sou o médico por aqui.

__ Como o senhor mandar, doutor.

__ E, agora, fale sério, Rose: como está se sentindo?

__ Ora, não precisa ficar tão tenso, papai. Não é você o médico que mais traz bebês ao mundo em toda Londres?

__ Pode ser, mas nunca trouxe o meu próprio. Meu Deus, desta vez nada, mas nada mesmo pode dar errado.

 

E tudo deu certo, mesmo. Meses depois, num hospital de Londres, sob os cuidados de um orgulhoso papai-médico e os olhares de avós-corujas, nascia mais uma criança. Uma linda menina e cabelos loiros, como Rose, e olhos com uma cor ainda indefinida mas que, provavelmente, se tornariam cinzas, como os de Rick.

 

 

                                                                  Carole Mortimer

 

 

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