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Desde o dia 2 de novembro de 2.328 a notícia da morte de Perry Rhodan, Atlan e Reginald Bell circula na Galáxia. Os desconhecidos que espalharam a notícia estão em condições de apresentar fotografias da orgulhosa nave-capitânia da Frota Solar, a Crest, totalmente destruída.
Em Terrânia sabe-se que os três personagens mais importantes do Império realmente se encontravam a bordo da Crest naquele momento crítico. Não há como desmentir a notícia da morte, pois os homens desaparecidos que estão sob a custódia do chefe supremo de Plofos, não podem transmitir nenhum sinal de vida.
Enquanto o processo de “esfacelamento” dos planetas da Aliança Galáctica prossegue lenta, mas inexoravelmente, e os membros dessa Aliança passam a perseguir em escala cada vez maior seus próprios interesses, os agentes de Allan D. Mercant seguem toda e qualquer pista que se ofereça. Mesmo que o caminho leve para a morte certa, eles cumprem seu dever até o último instante. Outro homem que cumpre seu dever, haja o que houver, é o ertruso Melbar Kasom, um especialista da USO, que consegue fugir dos soldados do chefe supremo.
Melbar Kasom volta para Central City, a fim de libertar os prisioneiros... E volta com O Exército da Selva...
A porta abriu-se repentinamente. Dois homens de ombros largos e rosto astuto apareceram na mesma. Seguravam por baixo do braço um terceiro homem, que mal conseguia manter-se de pé. Sorriam, mas a expressão de seus olhos continuava fria e perscrutadora. O homem que seguravam gemeu baixinho. Tinha a face encovada. Havia um brilho febril em seus olhos.
Os dois homens que o apoiavam deram-lhe um empurrão. O homem soltou um grito e entrou cambaleante. Girou em torno do próprio eixo e caiu ao chão.
Um dos homens que se encontravam na porta deu uma risada. Até parecia que acabara de testemunhar um espetáculo alegre. Um terceiro homem apareceu atrás dos dois. Olhou para a sala, abanou a cabeça e atravessou a porta.
Passou em atitude indiferente por cima do homem caído ao chão, que choramingava, e parou à frente de Perry Rhodan. Olhou para trás.
— Fechem a porta! — ordenou. Sua voz não parecia desagradável, mas exprimia uma indiferença total pelo destino do infeliz caído ao chão.
Atlan, Reginald Bell e André Noir continuavam deitados nas camas estreitas. Rhodan estava de pé, bem em frente da única mesa existente no aposento. Observava a cena com a maior calma. Não deixava perceber o que se passava dentro dele.
Os dois homens de ombros largos postaram-se junto à porta. Encostaram-se à parede numa atitude desleixada. Mas em seus olhos havia uma vigilância tensa. Nada lhes escapava. Tinham recebido um treinamento muito rigoroso. Sua tarefa consistia exclusivamente em proteger a vida do primeiro-ministro que governava o sistema de Eugal, Iratio Hondro. Mas Hondro já viajara para Plofos.
Trat Teltak era o representante de Hondro no planeta Greendoor. Recebera a incumbência de cuidar dos quatro prisioneiros. Parte da guarda pessoal de Hondro ficara em Greendoor, para proteger a vida de Trat Teltak. Os amigos de um ditador correm tanto perigo quanto o próprio ditador. Por isso Teltak não assumia nenhum risco, nunca vindo só para falar com os prisioneiros. Trat Teltak cumprimentou Rhodan.
— Vim para mostrar-lhe uma coisa — disse.
Rhodan ficou calado. Não valia a pena argumentar com um plofosense. Os descendentes dos colonos terranos estavam tão convencidos do acerto de seus pontos de vista que era impossível discutir com eles.
Trat Teltak afastou-se de Rhodan e desferiu um violento pontapé no homem caído ao chão. A expressão do rosto de Rhodan endureceu. Reginald Bell praguejou baixinho. Os dois guardas postados junto à porta entesaram instintivamente os músculos.
Teltak fez de conta que não tinha percebido as reações dos prisioneiros. Desferiu outro pontapé no homem. A vítima indefesa rolava pelo chão. Os olhos do homem chamejaram de ódio e pânico. Tinham tirado seu uniforme e colocado vestes andrajosas em seu corpo.
Teltak apontou para ele com o polegar.
— Ele já foi um homem orgulhoso — disse em tom satisfeito. — Mas cometeu o erro de trair o chefe supremo.
— Não é verdade — balbuciou o homem apontado como traidor. — Jiggers recorreu a um interrogatório brutal para obter uma falsa confissão.
Teltak soltou uma estrondosa gargalhada.
— Acha que ainda conseguirá justificar-se — disse. — Sabe que só tem alguns minutos de vida.
— Dêem-me a injeção — implorou o homem. — Não sou nenhum traidor.
Teltak olhou para o relógio colocado em cima da porta. Envolveu o prisioneiro com o olhar.
— No dia primeiro de novembro do calendário terrano o senhor também recebeu uma dose de veneno — lembrou. — O chefe supremo fez isso para ter certeza de que não repetirão a fuga inútil para a selva.
Rhodan também olhou para o relógio. Embaixo do mostrador de horas dois mostradores luminosos sobrepostos indicavam a data de Greendoor e a data terrana.
Era o dia 10 de novembro de 2.328. Fazia dez dias que lhes tinham aplicado o veneno. Fora o último ato praticado pelo chefe supremo antes de sua partida para Plofos. Sua vida estava nas mãos de Hondro. Qualquer pessoa que tivesse recebido uma injeção de veneno precisaria receber dentro de trinta dias, no máximo, uma dose de soro de absorção — o antídoto — para não morrer. O chefe supremo usava este método para garantir a “lealdade” dos seus seguidores. Hondro era a única pessoa que conhecia a fonte de suprimento do veneno. Com isso ele se transformava no senhor da vida e da morte de milhares de pessoas.
Rhodan imaginava que a vítima de Teltak recebera a última dose de antídoto há cerca de trinta dias e morreria fatalmente sob os maiores sofrimentos se não fosse tomada nenhuma providência.
— Trata-se de uma espécie de ensino visual — explicou Teltak em tom irônico. — Veja o que lhe poderá acontecer caso se atreva a opor-se aos planos do chefe supremo. Bell fungou fortemente.
— Se o senhor acredita que nos fará rastejar à sua frente está muito enganado.
— Ainda terei oportunidade de lhe lembrar estas palavras — prometeu o chefe com a voz fria.
O homem condenado à morte conseguira erguer-se. Ao que parecia, seu corpo envenenado estava reunindo as últimas reservas de energia para rebelar-se mais uma vez contra o desfecho inevitável. Teltak recuou instintivamente.
Os dois guardas empurraram-se da porta e observaram o moribundo.
— Teltak — disse este com uma estranha calma. — Sei que o senhor também precisa do antídoto a intervalos regulares.
— E daí? — escarneceu o chefe. — Nunca serei colocado na mesma situação que o senhor.
— Um dia o senhor se tornará incômodo a Hondro — profetizou o antigo guarda pessoal. — O chefe supremo tem um especialista para estes casos. O senhor o conhece. Seu nome é Jiggers. Costumamos chamá-lo de Al. Este anão venenoso o espremerá que nem um limão. Tirará...
O rosto do homem mudou de cor. Rhodan quis aproximar-se dele para apoiá-lo, mas Teltak o deteve com a mão estendida.
— ...ele tirará tudo... do senhor... — conseguiu dizer o homem envenenado com grande esforço. — O... senhor morrerá... da mesma forma que eu, Tel...
Não conseguiu completar o nome. Seu rosto contorceu-se. Os dedos transformaram-se em garras, que faziam movimentos convulsivos em busca de apoio.
Depois disso o homem foi tombando, em movimentos convulsivos, lentamente de lado. Quando bateu no chão, já estava morto. De repente Teltak parecia sentir-se inseguro.
— Levem-no daqui! — gritou.
Os “V” vermelhos pintados nos uniformes dos dois guardas pessoais brilhavam à luz da lâmpada do teto como se fossem cicatrizes sangrentas, enquanto levantavam o cadáver.
— Os senhores ficarão em outros recintos — disse Teltak, dirigindo-se aos prisioneiros. — Sigam-nos.
— Um momento — disse Rhodan com a voz tranqüila.
Teltak virou-se abruptamente. Via-se que esperava problemas. Mas também se via que era exatamente o que esperava.
— Sem dúvida quer saber o que achamos do espetáculo — disse Rhodan. — Foi desumano, Teltak. Por isso qualquer ser humano só sentirá repugnância por uma cena como esta e pelas pessoas que a engendraram.
Os músculos da face de Teltak ficaram salientes. As mãos dos guardas fecharam-se em torno das armas. Teltak olhou para Rhodan, mas não conseguiu enfrentar por muito tempo o olhar penetrante do terrano. Atlan, Bell e Noir saíram das camas com uma lentidão provocadora. Ninguém fez qualquer movimento suspeito.
Teltak percebeu que não teria oportunidade de agir contra os prisioneiros. Não sabia muito bem quais eram os planos do chefe supremo com estes homens. Por isso seria perigoso deixar-se arrastar a qualquer ação precipitada. Hondro não costumava ter nenhuma compreensão pelos colaboradores que não mereciam confiança.
— Vamos! — resmungou o chefe em tom áspero. — Peguem suas coisas e saiam deste recinto.
Flanqueados por mais dois guardas, que tinham ficado à espera do lado de fora, acompanharam Teltak para o elevador. Aos poucos a impressão de que os próprios plofosenses não sabiam o que fazer com os prisioneiros foi ganhando corpo na mente de Rhodan. Ao que parecia, Hondro não tinha nenhum homem de confiança com quem discutisse seus planos. Seus representantes davam mostras constantes de insegurança.
Rhodan lembrou-se de que dentro de vinte dias, aproximadamente, precisariam receber o antídoto. Isso não excluía de antemão a idéia da fuga? Atlan recusara os planos arrojados de Bell. O arcônida era de opinião que só valeria a pena tentar a fuga depois que estivessem de posse do antídoto.
Rhodan lembrou-se de Melbar Kasom. Ao que tudo indicava, o ertruso, que fora o único que conseguira escapar dos plofosenses, encontrara a morte. Os soldados não conseguiram recapturá-lo. Kasom estava desaparecido na selva assassina de Greendoor. Hondro e seus auxiliares afirmaram claramente que não acreditavam que o especialista da USO ainda estivesse vivo.
Rhodan, que fora o primeiro a ser capturado depois da fuga malograda, teve a impressão de que, dos relatos de Atlan, se podia concluir que Kasom perecera no interior do drenhol em chamas, que fugira desabaladamente para a selva diante dos lança-chamas de Hondro.
Não era a primeira vez que Rhodan estava preso. Mas não se lembrava de que alguma vez conseguissem segurá-lo por tanto tempo. Perguntava-se constantemente numa atitude de mudo desespero como estariam as coisas no Império Unido. Pelo que dizia Hondro, o colapso final era iminente.
E era exatamente o que os plofosenses desejavam.
O que não devia passar-se no cérebro de um homem que não hesitava em envolver civilizações inteiras numa guerra para alcançar o poder?
Sem que o percebesse, Rhodan abanou a cabeça. Não deveria julgar Hondro sob esta perspectiva. O chefe supremo sonhava com o poder sobre a Galáxia, mas ao mesmo tempo sentia-se predestinado para governar a Humanidade. Isso aumentava a periculosidade desse homem. Hondro não podia ser comparado a um criminoso qualquer, que quisesse assumir uma posição que não lhe cabia de direito.
Provavelmente Hondro via em si mesmo uma espécie de herói nacional, um homem com uma espada de fogo que tinha vindo para dar um novo impulso ao desenvolvimento da Humanidade. Vivia dizendo que Rhodan e Atlan eram velhos conservadores, remanescentes inúteis do passado, para cuja situação um homem como Hondro só poderia ter um sorriso de compaixão.
Por um instante Rhodan teve de concentrar sua atenção para o elevador. Teltak entrou em primeiro lugar, juntamente com um dos guardas. Os prisioneiros foram em seguida. O segundo guarda entrou em último lugar. Deixou que a porta se fechasse e sacou uma arma energética de cano curto. Rhodan não pôde reprimir um sorriso. Se o homem fosse obrigado a disparar aquela arma perigosa num recinto tão pequeno, o mesmo encontraria a morte juntamente com os outros.
O elevador pôs-se em movimento. Ao que tudo indicava, Teltak não se sentia muito à vontade tão perto do inimigo preso. A suposição de Rhodan de que Teltak era um covarde foi reforçada.
O elevador parou e os prisioneiros foram empurrados para fora do mesmo. Atravessaram uma sala ampla, toda atapetada. As paredes estavam cheias de quadros de célebres pioneiros plofosenses. Aqueles homens mortos há muito tempo olhavam com uma expressão séria pelas molduras artísticas. O efeito tridimensional dava a impressão de que estavam vivos. Provavelmente nenhum deles teria aprovado a atuação de seus descendentes. Mas também estes homens, que haviam derrubado as matas virgens de Plofos e saneado as áreas pantanosas, pertenciam ao passado.
Ao mesmo passado de Rhodan e Atlan...
Um belo dia os quadros seriam tirados dali. Outros seriam pendurados no mesmo lugar. Quadros de homens como Hondro, Jiggers e Teltak.
— Até parece que nos encontramos na ala mais nobre da sede do governo de Central City — observou Bell em tom sarcástico. — O fato de termos sido transferidos de um subterrâneo para um lugar como este significa alguma coisa. Nossa cotação está subindo.
Foram levados para uma outra sala ampla. As janelas grandes permitiam uma visão da cidade. A temperatura era regulada por um equipamento de climatização invisível. Ao lado dessa sala havia um pequeno quarto, cuja porta de correr estava aberta, permitindo que os prisioneiros vissem as camas que lhes haviam sido destinadas. As instalações da sala eram bastante luxuosas.
Teltak fez um gesto convidativo.
— Este apartamento foi reservado para os senhores em cumprimento ao desejo do chefe supremo — disse em tom irônico. — Ele quer que se sintam bem em Greendoor e que nada lhes falte.
Os guardas entraram. Havia um projetor sobre a mesa arqueada. A tela tinha sido colocada na parede oposta ao quarto de dormir. A um sinal de Teltak os guardas escureceram a sala.
— Tenho algumas fotografias interessantes para mostrar-lhes — disse o chefe e ligou o projetar. Por um ligeiro instante seu rosto entrou nos raios emitidos pelo tubo luminoso.
— Façam o favor de sentar — pediu com uma amabilidade fingida.
Sem dizer uma palavra, Rhodan acomodou-se numa das poltronas pneumáticas. As almofadas da mesma adaptaram-se imediatamente aos contornos de seu corpo.
— Limitar-me-ei a mostrar-lhes as fotografias mais recentes da Galáxia — anunciou Teltak. — Nossos agentes conseguiram tirar fotos nos locais mais importantes.
O projetar emitiu um clique quase imperceptível. O primeiro quadro tridimensional apareceu à frente dos espectadores. Rhodan viu um extenso porto espacial. Até mesmo um leigo perceberia que nesse lugar estava sendo preparada a partida de uma grande frota de guerra. As espaçonaves tinham formato esférico.
— Os senhores estão vendo parte das forças plofosenses — explicou Teltak. — As naves estão prontas para decolar. Assim que Hondro der ordem para iniciar a ação, os grupos de naves partirão para o espaço. Este quadro é o mesmo que se oferece junto a todos os povos coloniais. Todos os sistemas autônomos estão farejando uma chance de firmar seu poder e talvez ampliá-lo. Grandes grupos de naves estão atravessando o espaço.
Teltak exibiu algumas dezenas de fotografias, que não deixavam dúvida de que dentro de pouco tempo a confusão que se instalara no interior do Império teria de degenerar em anarquia. Violentas batalhas espaciais estavam sendo travadas. Ninguém obedecia às ordens dadas por Mercant e Julian Tifflor, que eram os representantes de Rhodan. Com a morte aparente de Rhodan, o Império Unido deixara de existir.
Com isso a situação se tornara bastante favorável aos plofosenses. Os homens de Hondro, que sempre se mantinham informados de tudo, só teriam de aguardar o momento apropriado. Há muito Rhodan se convencera de que os plofosenses eram os inimigos mais perigosos que já tinham ameaçado o Império.
— Espero que a apresentação tenha deixado uma impressão profunda nos senhores — disse Teltak. — Seria lamentável se não soubessem tirar as conclusões adequadas dos fatos. Colaborem conosco, conforme Hondro sugeriu, e suas vidas serão poupadas.
— De que espécie seria esta colaboração? — perguntou Atlan.
Teltak tirou o projetor de cima da mesa. Os guardas abriram as venezianas. O chefe de Greendoor piscou os olhos diante da súbita claridade.
— O chefe supremo lhe dará todas as informações — disse Teltak, esquivando-se à resposta.
Fez um sinal para seus homens e retirou-se juntamente com os mesmos. Bell olhou em torno. Parecia desconfiado.
— Equipamento de escuta, microfones, transmissões de imagem e tudo que está ligado a isso — disse em tom zangado.
— Não acredito — objetou Rhodan. — Se Hondro quiser saber certas coisas, basta soltar o tal do Jiggers sobre nós. Nem Hondro nem Teltak achará que somos ingênuos a ponto de discutir assuntos importantes numa sala como esta.
— Perry tem razão — confirmou Atlan. — Sinto-me inclinado a afirmar que aqui ficaremos à vontade em todos os sentidos. A maior garantia de que não nos oporemos ao chefe supremo resulta do fato de dependermos do antídoto. Não temos alternativa senão submeter-nos aos desejos de Hondro.
As palavras de Atlan encerravam uma verdade amarga. Hondro pudera sair despreocupadamente de Greendoor. Não precisava cuidar dos prisioneiros para saber que os tinha em seu poder.
— O tal do Teltak é um sujeito bastante fraco — observou André Noir, que se mantivera em silêncio por bastante tempo.
Rhodan compreendeu imediatamente o que Noir queria dizer.
— O senhor não deveria ter tentado — disse, dirigindo-se ao hipno. — Os plofosenses sabem da faculdade que o senhor possui. Assim que sentirem qualquer impulso paranormal, por menor que seja, o senhor pode considerar-se morto, André.
O mutante abriu os braços. No meio da sala luxuosa dava a impressão de ser um negociante que acabasse de fazer um bom negócio.
— Ora, não sou nenhum principiante, chefe — observou em tom seco. — No momento em que Teltak estava concentrado exclusivamente no plofosense moribundo, apalpei cuidadosamente o centro de vontade de seu cérebro. Até mesmo um homem com os sentidos mais apurados que o chefe não teria notado o contato.
— Mas desse jeito o senhor nunca conseguirá controlá-lo de vez — disse Rhodan.
— Se não houver nenhum imprevisto, só precisarei de umas três a quatro semanas para criar um bloqueio hipnótico em sua mente de que ele nem se dará conta.
Um sorriso condescendente apareceu nos lábios de Atlan.
— Três a quatro semanas? Pelo amor de Deus, Noir. Até lá poderá acontecer muita coisa.
Noir defendeu seu plano. Rhodan levantou-se e foi à janela. Central City estendia-se lá embaixo, uma cidade gigantesca feita de aço, vidro, concreto e plástico. Em toda parte os planadores passavam entre os edifícios. Nas ruas o tráfego também era muito intenso. O oceano aparecia ao longe. Do outro lado, fora de seu campo de visão, estendia-se a selva e a cadeia de montanhas que cercavam a capital de Greendoor. Até parecia que Central City estava envolta em amarras. No entanto, a cidade ia se ampliando cada vez mais.
Em torno dela os lança-chamas rugiam ininterruptamente, os esguichos de ácido emitiam seus chiados característicos. Os plofosenses iam conquistando metro por metro do solo ocupado pela mata nativa.
Rhodan comprimiu as mãos contra as vidraças frias. Sentiu um estranho constrangimento. Talvez fosse por causa do veneno injetado por Hondro. Teve a impressão de sentir o sangue pulsar nas pontas dos dedos. Toda vez que o coração dava uma batida, bombeava o veneno mortal através das veias de seu corpo.
Ainda ouvia a voz de Noir mais ao longe. O hipno explicava seus planos a Atlan. Rhodan lutou contra a depressão.
Estavam vivendo a prazo fixo.
E era somente Iratio Hondro, ditador dos plofosenses, que poderia proferir a palavra decisiva assim que desejasse. Rhodan sentiu o peso de trezentos anos muito cansativos.
Tudo que existia no Universo tinha um fim...
Até mesmo a vida de um imortal.
Melbar Kasom despertou com um ruído estranho. Parecia uma fuzilaria distante. Perguntou a si mesmo como pudera adormecer no interior desta árvore, que balançava enquanto corria em velocidade incrível pela selva. Talvez fosse por causa do ácido espalhado pela planta, que vivera antes dele no oco existente na gigantesca árvore. Kasom matara a mesma depois de uma luta breve, mas violenta.
Sacudiu o corpo para poder raciocinar claramente. Uma fumaça causticante entrava pela abertura do tronco da árvore.
Kasom levantou-se de um salto. De repente lembrou-se de tudo. Os plofosenses haviam incendiado a árvore antes que a mesma conseguisse fugir.
Aquilo que lhe parecera ser uma fuzilaria era apenas o crepitar das chamas. Kasom, emitindo um gemido, foi avançando até o buraco pelo qual tinha entrado.
Ao que parecia, havia outras plantas em chamas em torno do drenhol, pois ficava cada vez mais quente. A fumaça era tão densa que Kasom quase não pôde reconhecer os detalhes. Fizera um monte embaixo da abertura, o que lhe permitia olhar pela mesma.
Tossiu e recuou da entrada. O drenhol já parecia ter queimado a tal ponto que não conseguia avançar mais. Provavelmente as plantas que viviam em simbiose com ele já tinham abandonado seus lugares, que antes eram tão seguros. Ele, Kasom, era o único que continuava no interior do tronco, correndo o perigo de ser assado vivo.
O ertruso não era homem dado a entrar em pânico nos momentos de perigo. Calmamente começou a avaliar a situação. Não tinha a menor dúvida de que as raízes da árvore com suas amplas ramificações estavam em chamas. Isso significava que em torno do drenhol se espalhava um círculo de fogo, que seria difícil de atravessar. Por enquanto o interior do tronco parecia ser o lugar mais seguro. Mas isso poderia mudar muito depressa. Kasom tinha de contar com a possibilidade de as chamas entrarem pela abertura. Além disso, o tronco poderia desmoronar e soterrar Kasom sob os escombros.
Fosse qual fosse o ângulo do qual examinava a situação, esta não parecia muito promissora. A árvore estalava e gemia, e os galhos-chicote que ainda não tinham sido consumidos pelas chamas tamborilavam contra o tronco oco. O drenhol tinha entrado em agonia.
O ar no interior da escavação tornava-se cada vez mais viciado. Kasom voltou a avançar até a abertura com os olhos lacrimejantes. Um barulho indescritível atingiu seu ouvido. A selva parecia estar em rebelião. Kasom não se sentiu nada à vontade diante da idéia de que a árvore gravemente ferida certamente o arrastara bem para dentro da mata.
A fumaça ardia em seus pulmões. Segurou a borda inferior do buraco com ambas as mãos e puxou-se para cima. Seu corpo foi atingido por uma lufada de ar superaquecido. Um odor repugnante empesteava o ar da selva, que mesmo em condições normais não cheirava bem.
Kasom estava pendurado obliquamente na entrada do tronco, quando este cedeu embaixo dele. Já estava queimado debaixo das raízes, a tal ponto que o peso de Kasom foi suficiente para fazê-lo tombar.
Kasom sentiu que os restos do gigantesco drenhol se inclinavam de lado. Fechou os olhos para enxergar em meio às nuvens de fumaça, mas o chão que se estendia embaixo dele era uma massa confusa sem contornos definidos. Não poderia saltar tão facilmente. Por isso não tinha outra alternativa senão segurar-se.
Respirava com dificuldade. Um galho quebrou em algum lugar. Um dos últimos braços-chicote do drenhol roçou o corpo de Kasom. O ertruso sentiu que a dor causada pelos espinhos aumentava até tornar-se insuportável. Segurou-se desesperadamente. O tronco, ou aquilo que restava dele, continuava a tombar de lado. O galho coberto de espinhos voltou a fazer um movimento pendular, mas desta vez passou perto do ertruso sem tocá-lo. A dor que Kasom sentia nas costas começou a diminuir. Fez um grande esforço para respirar. Teve a impressão de que dentro de mais alguns segundos morreria sufocado.
A parte inferior do tronco arrebentou. As chamas subiram, tocando em Kasom e chamuscando sua pele. Houve um ruído ensurdecedor vindo de baixo. A parte da árvore à qual Kasom estava seguro foi catapultada para um lado. A casca em torno da escavação separou-se com um grande estrondo. Kasom perdeu o equilíbrio. Fechou os olhos. Tinha a boca ressequida e a língua inchada.
Sentiu que estava caindo. Mas não teve tempo para pensar nisso, pois o impacto veio quase no mesmo instante. Kasom emitiu um ruído surdo. Foi atirado a alguns metros de distância e caiu de costas. O crepitar das chamas ainda estava a uma perigosa proximidade. Kasom abriu os olhos e viu que estava rastejando pelos destroços do drenhol. A fumaça era tão densa que mal conseguia enxergar a três metros de distância. Continuou a deslocar-se sobre as mãos e os joelhos. Gulosas trepadeiras, que já estavam em chamas, tentaram segurá-lo. Quase cego e totalmente exausto, o especialista da USO conseguiu desvencilhar-se. Atrás dele, o foco do incêndio estava transformado num inferno furioso. Kasom cerrou os dentes. A mecha de cabelo em forma de foice, da qual tanto se orgulhava, parecia ter sido chamuscada. Suas vestes, que já tinham sido prejudicadas com a fuga pelos canais de esgoto de Central City, apresentava grandes buracos com as bordas queimadas.
Kasom afastou-se do foco do incêndio o mais depressa que pôde. Respirou aliviado ao notar que a fumaça começava a tornar-se menos densa. Cambaleou em direção a uma aglomeração de arbustos baixos e deixou-se cair nos mesmos. No momento estava cansado demais para fazer qualquer coisa. Olhou para o drenhol, mas a única coisa que estava sobrando dele eram raízes em chamas e fragmentos do tronco. Kasom sabia que no lugar em que se encontrava não estava seguro. O fogo podia espalhar-se. Além disso, tinha de contar corri os ataques das inúmeras plantas assassinas, para as quais seria uma valiosa presa.
Seu pulso voltou a bater mais devagar. Os pulmões maltratados começaram a respirar no ritmo normal. Kasom examinou as plantas entre as quais se tinha abrigado. Os caules pareciam grossos e davam a impressão de possuir um revestimento de pêlos. Kasom não perdeu tempo. Quebrou um deles e espremeu o líquido que havia em seu interior. Deixou que o mesmo se espalhasse sobre suas mãos. Não era cáustico. Kasom cobriu o rosto ressequido com o líquido. Não se arriscou a bebê-lo. Fez um exame cuidadoso dos seus ferimentos. Nas circunstâncias em que se encontrava, podia dizer que resistira muito bem à morte do drenhol.
Os pensamentos de Kasom passaram a ocupar-se mais intensamente com o futuro. Estava em plena selva de Greendoor, mas não sabia bem onde. Só e sem armas... Isso significava que as chances de voltar vivo a Central City eram bastante reduzidas. Qualquer passo que desse no meio da mata poderia ser o último.
Perto dele havia alguns drenhols que permaneciam imóveis. Não davam a impressão de que pretendiam atacá-lo. Mas sem dúvida as gigantescas árvores não eram o único inimigo que teria de enfrentar.
Kasom levantou-se e amarrou precariamente os restos de suas vestes. Verificou o microgravitador. O aparelho ainda estava funcionando, mas seria inútil ligá-lo em plena selva. No lugar em que estava não poderia dar grandes saltos. Chegou à conclusão de que, na situação em que se encontrava, o aumento da gravitação deveria ser considerado uma vantagem. Se tivesse de fugir ainda poderia resolver outra coisa.
Será que valia a pena tentar atravessar a selva? Não sabia em que direção ficava Central City. A luz do sol gêmeo não conseguia romper a densa cobertura vegetal. Kasom não tinha nenhuma possibilidade de orientar-se de forma segura.
De repente lembrou-se de que o drenhol em chamas devia ter aberto uma trilha que não devia ser difícil de identificar. Através dela talvez conseguisse voltar para perto da capital de Greendoor.
Kasom abriu passagem entre a vegetação rasteira. Pretendia contornar o foco central do incêndio e procurar o caminho que a árvore moribunda abrira através da selva. Por um instante brincou com a idéia de aproximar-se de um drenhol para tentar obter auxílio do mesmo. Mas não sabia qual seria a reação da árvore.
Quando Kasom ainda não tinha percorrido dez metros, uma grade larga caiu ao chão bem à sua frente e aproximou-se. Parecia um ancinho muito grande, mas os dentes do mesmo estavam mais próximos um do outro e eram de madeira. Kasom parou, atordoado. Ouviu alguma coisa arranhar o chão atrás dele. Virou-se abruptamente e viu uma segunda grade, vinda de trás. As duas grades estavam presas a galhos flexíveis ligados a uma árvore. Parecia ser uma raiz gigantesca. Uma planta se alojara no interior da raiz — e esta planta estava atirando suas grades para prendê-lo! As armadilhas vivas tinham quase dez metros de altura.
Por enquanto Kasom não via um perigo muito grande. Poderia escapar a qualquer momento, deslocando-se para o lado. Observou as duas grades com uma expressão de desconfiança. Quando começaram a aproximar-se mais depressa, procurou movimentar-se para o lado.
Mas a reação da planta que vivia no interior da raiz oca foi mais rápida do que ele esperara. Uma terceira grade aproximou-se repentinamente, também vinda de trás. Colocou-se em sentido horizontal sobre as outras grades, formando uma espécie de tesoura gigante com muitas lâminas. Kasom teve de abaixar-se para não ser atingido pela grade de cima. Neste mesmo instante as primeiras grades dobraram-se de ambos os lados, juntando-se nas extremidades: Kasom estava preso.
Olhou em torno, aflito. A planta não tinha possibilidade de transportá-lo para junto de seu setor central, pois assim que levantasse os galhos que o mantinham preso, ele poderia escapar por baixo. Mas ao olhar para cima o ertruso estremeceu. Centenas de espinhos saíram da madeira na parte inferior da grade. A armadilha desceria sobre ele e o espetaria. O processo já fora iniciado. Kasom não teve alternativa senão cair de joelhos.
Rastejou apressadamente para uma das grades laterais e segurou as barras das mesmas. Não conseguiu quebrá-las. Eram resistentes e flexíveis, mas não conseguiu dobrá-las o suficiente para poder passar com seu corpo gigantesco.
Ouviu o ruído da fricção da madeira. As grades entrelaçaram-se tão fortemente que Kasom teve dúvidas de que elas jamais se soltariam. Praguejou contra sua própria leviandade. Poderia ter-se colocado em segurança com uma fuga rápida para o lado.
A grade de cima desceu mais um pouco. Kasom sentiu os espinhos na nuca. Eram afiados que nem pontas de flecha e duros como se fossem de metal. Resistiram às tentativas de quebrá-los.
Kasom não pôde continuar de joelhos. Teve que deitar de bruços para continuar a movimentar-se livremente. A planta imediatamente juntou mais seu dispositivo de captura. O ertruso começou a refletir febrilmente. Se não conseguisse sair dali muito depressa, morreria na certa.
Diante do método diabólico da planta, não havia nada que ele pudesse fazer. Rastejou mais alguns metros. De repente viu uma fruta enorme, com meio metro de diâmetro, que estava meio apodrecida. Pequenos parasitas tinham-se alojado sobre ela. Kasom venceu a repugnância e segurou a fruta com ambas as mãos. Pesava pelo menos cinqüenta quilos, mas para o gigante ertruso era leve. Com um movimento súbito Kasom levantou a fruta e espetou-a nos espinhos da grade.
A reação da planta foi imediata. A grade superior desprendeu-se com uma velocidade que Kasom julgara impossível e subiu com a fruta espetada.
O agente da USO não esperou que a grade se fechasse de novo. Levantou-se de um salto e saiu correndo por entre as grades laterais. O galho que subira tão abruptamente parou juntamente com a fruta, logo acima da raiz. Kasom viu o galho curvar-se em forma de um “S” fechado. A fruta podre caiu ruidosamente para dentro da raiz. Ouviu-se um ruído mastigatório que fez com que os cabelos da nuca de Kasom se arrepiassem. Podia imaginar perfeitamente o que teria acontecido com ele se não se tivesse libertado por meio de um truque.
Depois deste incidente Kasom enxergou sua situação de forma ainda mais crítica. Antes de deixar para trás o foco do incêndio, mal conseguira escapar à morte. O que não o esperaria durante a marcha para Central City?
Kasom era bastante realista para reconhecer a inviabilidade de seu plano. Só lhe restava tentar comunicar-se com um drenhol. Noir provara que esta árvore possui pelo menos um certo instinto e reage aos contatos paranormais. Kasom não era mutante, mas como os drenhols não o estavam atacando, tinha motivos para supor que a aliança formada por Noir continuava de pé.
Bem perto do ertruso havia um drenhol com as raízes bem espalhadas. Parecia ter percorrido há pouco tempo um caminho bem longo. Kasom dirigiu-se à gigantesca árvore. Sentia-se um tanto inseguro. Sabia que os galhos-chicote cobertos de espinhos eram muito perigosos. Chegou ao alcance dos tentáculos. Mas a árvore continuou quieta. Parecia nem notar a presença do estranho. Kasom parou. Procurou descobrir uma abertura pela qual pudesse penetrar no tronco. Todo drenhol possuía vários espaços ocos. Estas árvores, que chegavam a duzentos metros de altura, viviam em simbiose com várias outras plantas. Era essa a finalidade dos espaços ocos. Kasom imaginou que teria pela frente mais um conflito violento com um “subinquilino” desse tipo antes de poder entrar na sua caverna.
Kasom subiu à primeira raiz sem ser molestado. Caminhou para junto do tronco e apoiou-se com as mãos em sua superfície gigantesca.
A alguns metros de distância havia uma abertura pela qual Kasom poderia entrar facilmente. Era bem verdade que dela saíam alguns fios gosmentos, cujo aspecto não era nada convidativo. Na opinião do ertruso, estas excrescências deviam pertencer a uma planta que se instalara no interior da árvore. Os braços serviam para capturar vítimas imprudentes.
Os fios tinham apenas a grossura de um braço humano, mas eram muito numerosos. As pontas estavam rachadas, o que lhes dava o aspecto de uma coroa chanfrada. Tinham uma coloração azul-escura, o que levou Kasom a supor que se tratasse de flores.
Nem por isso se poderia afirmar que o habitante da caverna era inofensivo. Kasom arrancou um galho pequeno e tocou cautelosamente em um dos fios. O galho ficou grudado. Kasom puxou-o. O braço grudento balançou em sua direção, mas o galho não se desprendeu. Os fios estavam cobertos de um líquido pegajoso que devia possuir qualidades extraordinárias.
Kasom resolveu tentar a sorte em outro lugar do tronco. Continuou a caminhar por cima das raízes grossas. A próxima abertura que avistou ficava em nível bem mais baixo que a primeira. Apesar disso oferecia bastante lugar para permitir a entrada do ertruso. Kasom sentiu-se aliviado ao notar que por ali nenhum habitante colocara sua “placa”. Apesar disso teria de cuidar-se. Desceu pela raiz e olhou pelo buraco. No interior do tronco estava tão escuro que não enxergava quase nada. Teve a impressão de ouvir um ligeiro farfalhar. Era como se alguém estivesse mexendo com papel, mas era possível que o ruído fosse provocado pelo próprio drenhol.
O ertruso empertigou-se. Não devia perder mais tempo. Do lado de fora estaria constantemente em perigo. Uma vez no interior do tronco, ainda poderia tentar comunicar-se.
Abaixou-se e passou pelo buraco. Desta vez não caiu ao fundo. Encontrou chão firme um metro abaixo do buraco. Kasom não sofreu nenhum ataque. Suspirou aliviado. Foi penetrando cada vez mais profundamente em seu novo esconderijo. De repente teve a impressão de não estar só. Ficou nervoso e aguçou o ouvido. Seus nervos superexcitados lhe estavam pregando uma peça. Concentrara-se tanto em sua defesa que a ausência de um ataque o deixava confuso.
A única coisa que Kasom ouviu foi sua respiração entrecortada e as batidas do coração. Procurou convencer-se de que não havia motivo para ficar preocupado. Mas não conseguiu impedir que pensamentos confusos se atropelassem em seu cérebro.
Virou a cabeça e olhou para a abertura.
No mesmo instante um objeto duro comprimiu-se contra a parte lateral de seu corpo. Kasom ficou estarrecido e prendeu a respiração.
— Seja lá quem for o senhor — disse uma voz masculina áspera — fique bem quieto, senão queimo um buraco em sua barriga.
O céu estava nublado sobre Central City. A cidade estava transformada num labirinto cinzento de edifícios, vias elevadas, túneis e armações que subiam ao céu. A chuva tamborilava contra a grande vidraça. O condicionador de ar instalado na grande sala emitia um zumbido quase imperceptível. Um cheiro de coisa fresca enchia o ar. Embaixo da janela viam-se três vasos com grandes flores coloridas. Uma iluminação indireta e aconchegante enchia o recinto com uma luz agradável.
Tudo parecia feito para deixar os habitantes satisfeitos.
Mas os quatro homens que ocupavam o recinto poderiam estar tudo, menos satisfeitos. André Noir recolhera-se ao quarto, porque queria ficar só. Não quis perder o contato paranormal com Trat Teltak. Reginald Bell e Atlan estavam sentados junto à mesa, jogando xadrez. Na partida que estava sendo jogada Bell estava em evidente desvantagem. Não era por falta de capacidade, mas por falta de concentração.
Perry Rhodan empurrara uma poltrona para perto da janela. Há várias horas estava sentado em silêncio, contemplando a cidade. Mantinha os olhos semicerrados.
Bell derrubou seu rei e levantou-se abruptamente. Atlan recostou-se na poltrona.
— Desisto — resmungou Bell. — Não posso deixar de pensar constantemente neste maldito veneno.
Atravessou a sala e tentou abrir a porta. Estava trancada. Um plofosense abriu-a e olhou para dentro da sala.
— Não! — gritou Bell, exaltado, antes que o homem tivesse tempo para dizer alguma coisa. — Não desejamos nada.
O guarda retirou-se. A porta voltou a ser trancada.
— Estamos trancados, apesar do veneno — constatou o terrano baixo.
Rhodan virou a cabeça em direção a seu velho amigo. Bell contemplou-o em atitude belicosa. Até parecia que esperava uma oportunidade de iniciar uma briga.
— Sente-se, gordo — pediu Rhodan, dirigindo-se a Bell. — Mesmo que a porta não estivesse trancada, seria uma loucura tentar fugir desta sala.
— Vocês perderam a fibra — acusou Bell. Seu olhar recriminador também atingiu Atlan. — Noir e eu somos os únicos que ainda tentam revoltar-se contra as intenções dos plofosenses. Até parece que esta maldita injeção os deixou paralisados.
— De certa forma deixou mesmo — admitiu o arcônida, que passou a recolher calmamente as figuras do xadrez, recolocando-as na caixa.
— Pois comigo isso não aconteceu! — disse Bell em tom obstinado. — Estou disposto a arriscar mais uma fuga, seja qual for o resultado. Não temos nada a perder.
Atlan fechou ruidosamente a tampa da caixa.
— É verdade — disse. — Acontece que tudo que ainda podemos ganhar está aqui em Central City. Só por isso uma tentativa de fuga seria uma loucura.
— Venham para a janela — gritou Rhodan e levantou-se de um salto.
Um pequeno carro voador aproximara-se do edifício do governo e estava planando bem em frente à janela da luxuosa prisão. Atrás da carlinga coberta pela água da chuva via-se o rosto tenso de um homem.
Atlan e Bell colocaram-se ao lado de Rhodan.
— Tomara que ele não bata na vidraça — cochichou Bell.
O carro voador movia-se de forma instável que nem uma folha ao vento. Parecia saltar à frente da janela, era desviado para o lado e voltava. O piloto acenou para eles. Era um homem alto de boca larga e cabelos compridos, amarrados em trança na nuca. Usava uma manta simples.
— Ele quer se comunicar conosco — disse Rhodan com a voz tensa. — Está fazendo sinais.
— Precisamos abrir a janela — disse Atlan apressadamente.
Procuraram o dispositivo que abria a janela. Parecia que este nem existia. A sala estava fechada de todos os lados.
O homem que se encontrava no carro voador apontou para baixo. Queria explicar alguma coisa.
— Ele só pode estar louco — disse Bell.
De repente três outros veículos voadores aproximaram-se em alta velocidade, vindos de cima. Rhodan viu que os ocupantes dos mesmos usavam uniforme. O misterioso desconhecido também notara a aproximação desses veículos. Não deu mais atenção aos prisioneiros. Acelerou loucamente e foi-se afastando. Seus perseguidores foram atrás dele iguais a um bando de aves de rapina.
Os três homens observaram a perseguição com uma expressão tensa. O carro voador pequeno não tinha a menor chance. Desapareceu numa explosão. Uma nuvem de fumaça escura surgiu no céu.
— Eles o derrubaram — disse Rhodan, bastante abalado.
— O que significa isso? — perguntou Bell, perplexo. — Quem seria este homem?
Os três veículos aéreos, que tinham concluído sua obra de destruição, voltaram ao edifício do governo. Subiram à cobertura, onde ficaram estacionados.
— O desconhecido quis comunicar-se conosco. Quanto a isso não há dúvida — disse Rhodan. — Os homens que governam Greendoor não concordaram.
Dali a alguns instantes entrou Teltak. Parecia nervoso. Também parecia surpreso com o acontecimento. Veio acompanhado de dois guardas, que ficaram com as armas em punho.
— Se aparecer mais algum maluco, terei de transferi-los para outros aposentos, a bem de sua própria segurança — anunciou o chefe. — Já devem ter visto a que ponto chega o ódio que o povo tem pelos senhores.
— Ódio? — repetiu Rhodan em tom irônico. — O homem que o senhor mandou matar brutalmente não teve a intenção de atacar-nos. Além disso, tenho minhas dúvidas de que os habitantes de Central City saibam de nossa presença.
Teltak dirigiu-se à janela. Parecia um velho cansado. A crueldade parecia tê-lo abandonado. Mas quando olhou para trás havia um brilho maligno em seus olhos.
— Ele teria atirado pela janela para matá-los — afirmou. — Se não fosse a intervenção rápida das viaturas policiais, os senhores não estariam mais vivos.
— Não acredito — respondeu Rhodan com a maior tranqüilidade. — Tenho certeza de que o desconhecido pertence a um grupo rebelde. Pela própria natureza das coisas, o chefe supremo deve ter inimigos políticos. Este homem foi um deles. Estava interessado em saber quem eram as pessoas que Hondro mantinha presas nesta sala.
Trat Teltak exibiu um sorriso de deboche.
— Acredite no que quiser — resmungou. Fez um sinal para os guardas e retirou-se.
Assim que fechou a porta atrás de si, André Noir saiu do quarto de dormir. Os olhos do hipno pareciam chispar fogo.
— Eu o agarro — disse com a voz tranqüila. — Prometo que o agarrarei.
Uma ducha de água gelada não teria produzido um efeito mais fulminante em Melbar Kasom que a voz do homem que lhe ordenara em intercosmo que permanecesse imóvel. O ertruso poderia esperar muita coisa, mas nunca pensara que em plena selva fosse encontrar um ser humano. Ficou quieto, mais chocado que nunca em sua vida agitada. Só aos poucos foi-se dando conta de que o objeto encostado ao seu corpo era o cano de uma arma.
Ouviu a respiração do outro homem.
— Quem é o senhor? — perguntou o misterioso habitante do oco de uma árvore.
Kasom começou a mexer os lábios, mas ainda estava tão confuso que não conseguiu dizer nada. Sentiu a pressão da arma diminuir e cessar de vez. Ouviu o ruído de passos. O desconhecido retirou-se para a outra extremidade da escavação.
— Vamos! — disse. — Fale logo. Vejo perfeitamente seu corpo. Ele se destaca contra a luz da abertura. Nada de truques.
Kasom fez um esforço para refletir tranqüilamente. Aquele homem já o devia ter observado há algum tempo, pois do contrário não estaria tão bem preparado. Seria um dos homens de Hondro, que também sabia lidar com os drenhols?
— Meu nome é Kasom — disse o ertruso depois de algum tempo, para não irritar o adversário.
— Kasom — repetiu o outro em tom pensativo. — Vi-o fugir do drenhol em chamas. O senhor não é plofosense.
— Não — confessou Kasom.
— O senhor é humanóide — constatou o homem em tom indiferente. — Seus antepassados foram terranos. De onde veio?
Kasom ficou satisfeito ao notar que o homem se acalmava bem depressa. O desconhecido estava falando com ele — e uma pessoa que fala não atira. Havia uma razão para ter novas esperanças.
— Sou ertruso — informou. — Vim de Central City.
— É adepto de Hondro?
A pergunta parecia assumir uma importância toda especial. Kasom sentiu que o homem que se encontrava nos fundos da escavação ansiava pela resposta. Não devia cometer nenhum erro.
— Depende — disse cautelosamente.
O homem praguejou violentamente.
— De qualquer maneira não pertence ao grupo de Barba Negra — disse. — Breth nunca toleraria um homem tão forte perto de si. Provavelmente o senhor realmente vem de Central City e é um agente de Teltak, ou até um representante do chefe supremo.
“Quem será esse Breth?”, pensou Kasom, bastante nervoso.
— Tenho informações importantes para Hondro — disse o desconhecido. — Sempre trabalhei com Breth Barba Negra.
Voltou a praguejar.
— Mas já estou saturado disso. Desmontarei seu acampamento. Ele me maltratou bastante.
De repente a escavação encheu-se de luz. O desconhecido dirigiu o feixe de sua lanterna para o rosto de Kasom. O especialista da USO ficou ofuscado e fechou os olhos. Ouviu seu interlocutor dar uma risadinha.
— O senhor tem um aspecto um tanto relaxado, Kasom.
Kasom ouviu certa desconfiança na voz do outro. Não devia permitir que o antigo adepto de Breth Barba Negra se sentisse inseguro.
— O senhor não ficaria diferente se atravessasse a selva num drenhol em chamas — disse em tom contrariado.
— Meu nome é Denner — disse o outro a título de apresentação. — Fugi do acampamento do Barba Negra. Leve-me para Central City, pois quero contar uma história a Teltak.
— Estou exausto, Denner — disse Kasom com a voz pesada. — Tive um encontro com os homens de Breth.
A luz da lanterna passou por cima dele. Depois disso Denner voltou a desligar a mesma. Parecia não ter mais nenhuma dúvida de que Kasom era um aliado.
— Deite um pouco — disse, dirigindo-se ao ertruso. — Prepararei alguma coisa para comer, enquanto estiver descansando. Sou capaz de pôr em movimento o drenhol.
A proposta parecia ser um presente dos céus. Denner iluminou um canto da caverna, onde o chão estava atapetado com folhas. De um modo geral, o recinto estava razoavelmente limpo, o que era um indício seguro de que Denner já se encontrava há bastante tempo no interior do tronco. Kasom acomodou-se no leito de folhas. Denner já tinha guardado a arma. Kasom poderia dominá-lo com a maior facilidade, mas dependia do plofosense. Denner parecia saber como tratar um drenhol. Com o auxílio dele poderia chegar a Central City. Uma vez lá, ainda haveria tempo para dominá-lo.
Kasom esticou o corpo e respirou profundamente. Encontrara um lugar seguro mais depressa do que esperara. Pela primeira vez voltou a lembrar-se de Rhodan e dos outros homens que voltaram a ser prisioneiros do chefe supremo.
Kasom sabia que as chances de ajudar os amigos eram muito reduzidas, mas estava decidido a fazer tudo que estivesse ao seu alcance para libertá-los.
A voz de Denner interrompeu seus pensamentos.
— Vou sair um pouco para trazer comida — disse o plofosense. — Logo estarei de volta.
Kasom resmungou alguma coisa para concordar com as palavras do outro e deitou de lado. Adormeceu imediatamente. Mas não teve um sono profundo. Foi martirizado pelos sonhos, nos quais apareciam alternadamente Rhodan, Atlan, Noir e Al Jiggers. Depois de algum tempo Denner voltou e Kasom acordou com o barulho que o mesmo fez.
Denner ligou a luz. Numa atitude triunfal segurou duas frutas enormes, em cima do leito de Kasom. Denner era um homem de aspecto desleixado, com uma barba loura muito rala e uma tatuagem sobre o peito. Tinha olhinhos azuis, que estavam inflamados nas bordas. Suas vestes estavam reduzidas a farrapos. Apesar disso parecia tranqüilo e descansado.
Denner tirou uma faca do cinto que estava pendurado desleixadamente em torno dos quadris e era seguro por fibras vegetais. Com movimentos hábeis cortou as frutas, dividindo-as em quatro partes. Recolheu o suco numa concha formada pela casca de uma fruta.
— Beba! — pediu.
Kasom bebeu. O suco da fruta tinha um sabor amargo, mas produzia um efeito refrescante. Denner acompanhou-o com um sorriso, no rosto. Esperou que Kasom acabasse de beber e deu-lhe pedaços da fruta propriamente dita.
Ao contrário do suco, a polpa da fruta era adocicada. Um suco oleoso saiu da mesma. Kasom comeu as duas frutas e recostou-se confortavelmente. Estava morto de cansaço.
— O senhor acredita que Hondro me deixará escapar sem castigo? — perguntou Denner, bastante preocupado, pois perdera toda a desconfiança.
Acreditava que Kasom fosse um agente do chefe supremo.
— Sem dúvida — disse Kasom em tom sonolento.
Fechou os olhos e fingiu que estava dormindo. Seria muito perigoso conversar sobre Iratio Hondro com Denner. Kasom não sabia absolutamente nada sobre o primeiro-ministro do sistema de Eugal, e Denner devia saber muita coisa.
Depois de algum tempo o ertruso adormeceu. Acordou com um estranho assobio. Logo ficou bem desperto. Estava escuro. A luz que penetrava pela abertura era muito escassa, motivo por que Kasom não pôde ver o que estava acontecendo no interior da caverna. Sentiu que o tronco estava balançando. Concluiu que o drenhol abandonara seu lugar e estava caminhando pela selva.
Kasom ergueu-se.
— Denner! — chamou em voz baixa.
O assobio cessou. Kasom ouviu alguém movimentar-se. De repente a claridade espalhou-se pelo recinto. Kasom viu o plofosense no centro do mesmo. Seu rosto parecia contrariado. Segurava uma flauta de madeira feita por ele mesmo.
— O senhor sempre costuma dormir dias seguidos? — perguntou Denner.
Kasom bateu no corpo para afastar as folhas. Sentia-se leve e descansado. O estômago deu sinal de vida. Kasom descobriu que Denner preparara algumas frutas para ele. Começou a comer em silêncio.
Por um instante Denner tocou a flauta primitiva, mas logo voltou a guardá-la. Kasom percebeu que o homem estava muito nervoso. Logo ficou desconfiado.
— O senhor fala pouco — observou Denner.
— Ensinaram-me isto em criança — respondeu Kasom em tom indiferente. — Muita coisa que a gente diz é interpretada de forma errada pelos outros. Dessa forma surgem dificuldades que o silêncio teria evitado.
— Que belo princípio — disse Denner em tom irônico.— Parece que o senhor é um homem de princípios, ertruso.
Kasom acenou com a cabeça e mordeu um pedaço enorme da fruta. Mastigou-o tranqüilamente. Denner começou a caminhar de um lado para outro no interior da caverna relativamente apertada. Teve de adaptar o corpo às oscilações da gigantesca árvore.
— O senhor pertence ao destacamento especial de Hondro? — perguntou Denner depois de algum tempo.
Kasom cuspiu um caroço à frente dos pés de Denner e grunhiu. Denner ficou aborrecido.
— Por enquanto eu o tenho nas mãos — gritou, furioso. — Não se faça de importante.
— Sou um dos homens de Jiggers — disse Kasom com a boca cheia.
Esperava acalmar Denner com esta explicação. Jiggers era um personagem misterioso. Kasom acreditava que nenhum plofosense soubesse muito sobre o pequeno agente.
Denner interrompeu sua caminhada. Seu rosto exprimia o medo que a menção do nome de Jiggers provocara em sua mente.
— Jiggers — repetiu, aflito. — Al Jiggers.
— Ele sabe ser muito generoso — apressou-se Kasom a asseverar.
Não tinha o menor interesse em ser ameaçado pela arma energética de um homem que mudasse de opinião de repente.
Nas horas que se seguiram o plofosense ficou mergulhado no silêncio. Sentou num canto e ficou sonhando de olhos abertos. Kasom adormecia constantemente. Lá fora reinava uma estranha penumbra. Greendoor executava um movimento de rotação, mas como a órbita do planeta em torno do sol geminado era muito extensa, em certas partes desse mundo nunca anoitecia de vez. O sol ficava pendurado junto à linha do horizonte que nem uma bola de fogo que estivesse prestes a apagar-se. Aos olhos do observador que se encontrava em Greendoor sua trajetória quase chegava a ser ondulada.
Kasom não demorara a descobrir que Denner não era um homem muito inteligente. O plofosense era um homem que vivia num mundo em preto e branco, no qual não havia matizes. Se antes demonstrara uma dedicação total por Breth Barba Negra — fosse lá quem fosse este homem — agora parecia julgar perfeitamente natural trair seu antigo chefe junto a Hondro. Denner tinha medo, mas no seu íntimo provavelmente esperava uma recompensa.
Quando Kasom estava mergulhado num sono leve, Denner sacudiu-o pelo braço. No interior da árvore estava escuro. Kasom logo despertou de vez. Percebeu o nervosismo de Denner.
— Acorde! — cochichou este. — Estamos em perigo!...
— O que aconteceu? — perguntou a voz retumbante do ertruso.
Denner tentou comprimir sua mão estreita contra a boca de Kasom.
— Pare de gritar! Pelo amor de Deus! — gritou em tom nervoso. — Os homens de Breth estão rastejando lá fora. Se nos encontrarem, estamos perdidos.
Kasom acordou de vez. Afastou Denner e dirigiu-se à abertura. Uma penumbra pálida espalhara-se pela selva. Haviam alguns drenhols nas imediações.
— O senhor está vendo fantasmas — resmungou Kasom e voltou a afastar-se da abertura.
Denner precipitou-se sobre ele. Tremia de medo.
— Estão enfiados nas árvores — disse. — Por isso sempre conseguem escapar aos homens de Hondro. Fizeram uma aliança com os drenhols.
— As árvores que estão lá fora são iguais às outras — disse Kasom.
— Estão nos cercando — choramingou Denner. — Sabem que estou aqui.
Pegou a pequena arma energética e destravou-a. Kasom voltou a olhar para fora. Desta vez teve a impressão de que Denner não se enganara. Figuras esfarrapadas saíram das árvores reunidas do lado de fora. Eram homens barbudos, de aspecto selvagem, de armas reluzentes nas mãos, que se aproximavam por cima das raízes aéreas do drenhol.
— São os neutralistas — choramingou Denner.
Kasom não sabia o que fazer. Por enquanto não tinha certeza se aqueles homens tinham conhecimento de sua presença. Parecia tratar-se de um grupo rebelde. Kasom fez uma constatação técnica: o armamento dos chamados neutralistas era ultramoderno. Ao contrário do seu aspecto exterior, aqueles homens pareciam dispor de muito tempo para cuidar das armas. Isto era um sinal de que usavam essas armas, ou ao menos pretendiam fazê-lo num futuro próximo.
Denner descontrolou-se e pôs tudo a perder. Disparou sua arma energética contra um dos neutralistas. Mas estava tão trêmulo que não atingiu o alvo. Kasom voltou a olhar para fora. Viu os homens saírem à procura de um abrigo. Agiu imediatamente. Não tinha a menor vontade de pagar com a vida pela estupidez de Denner. Segurou o plofosense pelo pescoço e levantou-o do chão. Denner ficou ofegante, quase não conseguiu respirar e deixou cair a arma de susto. Kasom sacudiu-o como se fosse um pano molhado.
— Nós nos rendemos! — berrou através da abertura. — Deixem-nos sair!
A potência de sua voz deixou um dos neutralistas tão confuso que o mesmo disparou um tiro contra o drenhol. Kasom abrigou-se.
— Está bem — disse uma voz. — Saiam!
Kasom empurrou Denner à sua frente através do buraco. Denner fungava e gemia. Não fez o menor esforço para libertar-se das mãos de Kasom. Os neutralistas saíram dos esconderijos. Mantinham as armas apontadas. Kasom sabia perfeitamente quais eram os efeitos que sua aparição costumava provocar. Por isso fez um gesto apaziguador. Empurrou Denner violentamente à sua frente.
Os drenhols se haviam reunido numa espécie de clareira coberta de vegetação baixa. As árvores formaram um círculo em torno dos homens, impedindo o ataque de qualquer planta. Cerca de trinta combatentes da resistência aguardavam Kasom e Denner.
Kasom soltou Denner. Este caiu de joelhos e praguejou contra sua sorte.
Um homem alto de barba negra ondulante adiantou-se. Kasom teve a impressão de que era Breth Barba Negra, chefe dos neutralistas. Breth era muito musculoso e tinha nuca larga. A cabeça parecia pequena em comparação com o resto do corpo, mas Kasom percebeu imediatamente que o homem que se encontrava à sua frente era muito inteligente.
Breth aproximou-se de Denner e levantou-o. Fez isso com a maior facilidade, como se o traidor fosse uma criança de colo. Sem dizer uma palavra, fitou os olhos de Denner. Kasom teve pena do ex-companheiro, mas a essa altura seria inútil tentar ajudá-lo.
Breth Barba Negra deu um empurrão em Denner, fazendo com que este cambaleasse para trás. Alguns dos homens de Breth evitaram que caísse e seguraram-no.
Depois disso o chefe dos neutralistas passou a dedicar sua atenção a Kasom.
— Não pensei que o senhor ainda estivesse vivo, Melbar Kasom — disse.
Seus olhos cinzentos pareciam querer enxergar o interior do ertruso. Kasom sabia perfeitamente que o homem que tinha pela frente mencionara seu nome no intuito de confundi-lo. Breth parecia estar bem informado.
— Eu mesmo estou admirado — disse Kasom em tom seco.
As ruguinhas do riso em torno dos olhos de Breth desapareceram por um instante. Kasom viu uma frieza implacável nos olhos de seu interlocutor. Um sinal de alerta soou em sua mente. Os objetivos de Breth Barba Negra eram diferentes dos de Hondro, mas isso não significava necessariamente que os mesmos eram decentes.
— Como foi que o senhor se encontrou com Denner? — perguntou Breth.
Kasom fez um gesto amplo.
— Diga aos seus homens que guardem as armas. Não gosto de falar nestas condições. Isto até parece um interrogatório.
Enquanto proferia estas últimas palavras, um sorriso ingênuo aflorou aos seus lábios.
— Um homem na sua situação que faz exigências é um idiota — constatou Breth.
Kasom sorriu sem mostrar-se impressionado. Tinha a sensação segura de que no momento os neutralistas não representavam nenhum perigo para ele. Teria de impor-se desde o começo, se quisesse usá-lo nas finalidades que tinha em vista.
Apontou tranqüilamente para a selva.
— Já escapei muitas vezes da morte — declarou.
Falou alto de propósito, para que os subordinados do Barba Negra também pudessem ouvi-lo.
— Não é um punhado de armas que vai me amedrontar, Breth.
Breth fez um gesto para que os homens baixassem as armas. Denner foi algemado.
— O que acontecerá com ele? — perguntou Kasom.
— Morrerá a morte de todos os traidores — asseverou Breth.
Kasom não fazia questão de saber como era essa morte. Sabia perfeitamente que os homens com os quais se defrotava tinham criado leis muito duras. Era o único meio de continuarem vivos. Na selva assassina em que se encontravam não podiam permitir-se nenhuma fraqueza.
Kasom relatou com a maior boa-vontade sua fuga e o encontro com Denner. Breth não o interrompeu, nem mesmo quando falava sobre acontecimentos insignificantes.
Quando Kasom disse que pretendia libertar Rhodan e seus companheiros, Breth exibiu um sorriso de compaixão.
— Central City está cercada por um anel de lança-chamas, duchas de ácido e barreiras de alta-tensão — disse. — Uma pessoa só não tem a menor chance de passar.
— Posso tentar entrar na cidade pelos canais de esgoto — disse Kasom.
Breth abanou fortemente a cabeça.
— Com Hondro cada truque só funciona uma vez — disse. — O senhor só terá uma chance se nós o apoiarmos nos preparativos da fuga.
O coração de Kasom começou a bater mais depressa. A idéia de lançar um ataque de surpresa contra Central City à frente de um grupo de homens resolutos parecia bastante promissora.
— Rhodan, Atlan, Reginald Bell e o mutante ainda estão vivos — disse Breth. — Hondro os mantém presos no edifício do governo. O chefe supremo já voltou para Plofos. Trat Teltak, chefe de Greendoor, assumiu o governo. Teltak é um covarde, mas é muito esperto. Não será fácil libertar os prisioneiros. — Breth sorriu. — Além disso, nem sabemos se seus amigos estão interessados em tentar a fuga.
— O quê?! — exclamou Kasom em tom de surpresa. — O que quer dizer com isso?
— Hondro aplicou em Rhodan, Atlan e Bell a mesma injeção de veneno que já tinha aplicado em André Noir — informou Breth. — Se quiserem continuar vivos, terão de permanecer nas proximidades do chefe supremo, que é o único que pode mandar injetar-lhes o antídoto de que precisam a cada trinta dias. A fuga equivaleria ao suicídio.
Kasom ficou arrasado com a notícia. Não tinha a menor dúvida de que o neutralista dissera a verdade. O chefe supremo realmente tinha o costume de segurar os prisioneiros mais valiosos com este meio desumano.
Kasom ficou perplexo. E Breth parecia sentir essa perplexidade.
— Nem por isso o senhor deve desistir — disse. — Tentaremos apoderar-nos do antídoto. Seja como for, a primeira coisa que o senhor tem a fazer é libertar seus amigos. O resto fica por nossa conta.
Breth já parecia ter uma idéia bem definida de como seria a fuga. Kasom acreditava que os neutralistas tinham introduzido agentes nas cidades de Greendoor, principalmente em Central City.
Kasom tinha outras perguntas, mas Breth recusou-se a dar mais informações.
— Voltaremos ao nosso acampamento principal — disse. — Depois disso cuidaremos dos seus planos.
Kasom reconheceu que seria inútil insistir junto ao neutralista. Breth Barba Negra parecia não ter pressa. Os homens desapareceram no interior das árvores. Kasom acompanhou Breth. Depois de uma marcha pela selva que durou várias horas chegaram ao acampamento dos neutralistas.
Melbar Kasom não esperara encontrar um núcleo tão bem organizado como o que viu ao sair do drenhol. O terreno fora limpo numa área extensa. O acampamento propriamente dito estava cercado de drenhols, cuja tarefa consistia em evitar um novo avanço pela mata. A cobertura da selva não fora destruída, e assim o acampamento era coberto por uma gigantesca tenda natural. Dessa forma os ocupantes dos carros voadores, que por causa das plantas perigosas não podiam descer para perto da mata, não tinham a menor possibilidade de descobrir o acampamento. Além disso, os neutralistas se tinham protegido contra toda e qualquer espécie de rastreamento.
Kasom viu edifícios rudimentares, feitos exclusivamente com o material encontrado na selva. Pelos cálculos do ertruso, o núcleo populacional podia abrigar pelo menos mil e quinhentas pessoas.
Breth Barba Negra esperou até que o especialista da USO examinasse a área. A alguns metros de distância o infeliz Denner era arrastado para ser trancado num edifício baixo.
— Não deixe que o aspecto das coisas o confunda — disse Breth. — Nosso equipamento pode competir com o de qualquer outro grupo. Acho que o senhor se interessa em saber que dispomos de hipertransmissores.
— Permita que eu transmita uma mensagem — disse Kasom prontamente. — Posso solicitar o auxílio da Frota.
Breth deu uma risadinha.
— Não — respondeu. — Ajudaremos na fuga de seus amigos, mas quanto ao mais seguiremos nossos próprios planos. E estes planos não incluem a presença de um grupo de naves da Frota.
Kasom desistiu. Breth deixou bem claro que não mudaria de opinião. Era possível que mais tarde surgisse uma oportunidade de aproximar-se do hipertransmissor.
Breth segurou Kasom pelo braço.
— Venha comigo — pediu. — Mostrar-lhe-ei tudo.
Onde quer que aparecessem, Breth Barba Negra era cumprimentado de forma muito respeitosa. Dispunha de muita autoridade. O arsenal dos neutralistas era impressionante.
— Apesar de tudo nossa arma mais forte é a selva — disse Breth em tom orgulhoso.
Os drenhols dispõem de um grau reduzido de inteligência. As gigantescas árvores já perceberam que as grandes cidades representam um perigo para sua espécie. Os drenhols vivem em simbiose com inúmeras plantas menores.
— Como conseguiu entrar em contato com eles? — perguntou Melbar Kasom.
— Também estabelecemos uma espécie de simbiose com os drenhols — informou Breth. — Isto pode parecer estranho, mas como o senhor mesmo teve oportunidade de ver, é a pura verdade.
Tirou uma pequena flauta de madeira, do tipo que Denner tinha tocado várias vezes.
— A comunicação é feita por meio destas flautas — disse. — Foram feitas com a madeira das raízes dos drenhols. Um biólogo já falecido, que pertencia às fileiras dos neutralistas, descobriu em que época os drenhols começam a caminhar. As árvores reagem aos ruídos do vento, aos sons que andam pelo ar e que são ouvidos em toda parte na selva. Muitos inimigos naturais dos drenhols são bastante dependentes do clima. Por isso as árvores se viram obrigadas a adaptar-se também a este ritmo climático, pois do contrário sucumbiriam na luta titânica travada nas matas. Dessa forma os drenhols aprenderam a identificar uma alteração do clima no zumbido do vento. Cada tonalidade representava uma espécie de alarme. Às vezes o alarme era suspenso, mas muitas vezes as árvores eram prevenidas. Quando isso acontecia, iniciavam sua migração. Aproveitamos esta qualidade em nosso benefício. Assobiando em tons diferentes, podemos levar os drenhols na direção desejada. Uma vez que as árvores nos aceitam como uma espécie de parceiro, este método não representa nenhum perigo para nós.
Kasom não mencionou que Noir tinha encontrado outro meio de entrar em contato com as árvores. Breth não lhe disse tudo e não deveria saber tudo.
— Os drenhols não são os únicos aliados com que podemos contar em nossas lutas — disse Breth. — Todas as plantas dependentes dos drenhols, cujo número é incrivelmente alto, apóiam-nos de forma inconsciente na guerra contra os soldados de Hondro.
Para Kasom os neutralistas eram a tropa mais estranha de que já ouvira falar. Já não se admirava de que um grupo numericamente tão fraco pudesse resistir à pressão de Hondro. A selva de Greendoor era uma aliada poderosa dos neutralistas.
— Temos outros acampamentos menores na selva — prosseguiu Breth. — Não se pode excluir a possibilidade de que um dia Hondro descubra a localização de um deles e o destrua. Criamos alternativas para esta hipótese.
Breth levou Kasom para um edifício pequeno. Parou à frente do mesmo. Kasom sentiu que os curiosos o observavam de todos os lados, mas não perdeu a calma. Para os neutralistas devia ser apenas natural que ele estivesse em sua companhia. Sem dúvida acreditavam que era um dos seus.
— Por enquanto esta é sua moradia — anunciou Breth Barba Negra.
Kasom começou a aborrecer-se. Não viera para esperar muito tempo, até que Breth resolvesse fazer alguma coisa pelos prisioneiros de Central City.
O chefe dos neutralistas parecia ter muita psicologia. Abafou o início de rebeldia de Kasom com as seguintes palavras:
— Assim que os problemas que estamos enfrentando tiverem sido resolvidos, cuidaremos da libertação de Rhodan. Não demorarei em apresentar-lhe um plano.
Kasom não teve alternativa senão conformar-se. No lugar em que se encontrava, era o Barba Negra que atava os fios. Ele, Kasom, não passava de uma pessoa insignificante, que tinha de esperar sua vez.
Kasom entrou na cabana sem esboçar qualquer protesto contra a decisão do plofosense. Esta cabana estava dividida em dois aposentos, separados por paredes transparentes formadas por folhas. No recinto menor havia um homem pálido sentado no chão, que mexia numa panela com um pedaço de pau arredondado na ponta.
— Não pise com tanta força — disse. — Se ficar andando que nem um elefante, a cabana desabará.
Derramou o mingau numa vasilha e levantou-se. Mal chegava ao umbigo de Kasom, mas não parecia impressionar-se com isso.
— Meu nome é Tscherlik — disse. — O senhor morará comigo nesta cabana. Siga minhas instruções, e nós nos daremos muito bem.
— Naturalmente — concordou Kasom e bateu amistosamente no ombro de Tscherlik. Este perdeu seu turbante e deixou cair a vasilha. Havia uma planta estranha em sua cabeça. As raízes cobriam todo o crânio.
Kasom ouviu uma risada de deboche atrás de si. Virou-se abruptamente e viu Breth Barba Negra parado na porta.
— Tscherlik é um traidor tal qual Denner — disse Breth com a maior calma. — Ele vai morrer a morte dos traidores.
Tscherlik levantou-se e voltou a levantar o turbante. Kasom ficou apavorado ao notar que o homem estava louco. Esta planta horrível... Kasom não chegou a concluir o pensamento.
— Como pode dar ordem de praticar um ato desumano como este? — vociferou o ertruso.
Breth era apenas uma silhueta escura na entrada, que se movimentava levemente.
— Hondro é um homem duro — disse em voz baixa. — Só um rebelde mais duro que ele pode derrotá-lo. Eu sou este rebelde, Kasom.
Kasom engoliu em seco. Estava apavorado. Ouviu Breth afastar-se lentamente. O chefe dos neutralistas mandara que ficasse na mesma cabana que Tscherlik. Fora de propósito. Tscherlik seria uma advertência viva para Kasom.
Quem não era a favor de Breth Barba Negra tinha de morrer.
Mas não teria uma morte rápida e indolor.
Kasom sentiu-se aliviado ao notar que o louco voltara a colocar o turbante. Não podia permitir que Denner tivesse o mesmo destino. Ele não merecia isto. Mas o que poderia fazer por esse plofosense? Sem querer, causara a desgraça dele. Para Denner uma morte rápida seria a libertação.
Que mundo era este, onde os homens não recuavam diante de nada na luta pelo poder? Seria a natureza selvagem que lhes impunha leis desumanas?
Kasom dirigiu-se ao aposento maior e deitou no leito simples. Na sala ao lado, Tscherlik começou a cantar baixinho. Kasom ouviu os ruídos do acampamento que chegavam a ele. Um grito estridente fez com que Kasom se levantasse abruptamente. Era um grito que exprimia o medo de morrer.
Kasom dirigiu-se à janela simples.
Teve a impressão de que reconhecera a voz que soltara este grito. Parecia ser a voz de Denner. Kasom sentiu uma pressão surda no estômago.
Tinha certeza de que dali em diante Denner usaria turbante.
Um turbante do mesmo tipo que Tscherlik.
Kasom voltou devagar à cama. Sabia que não conseguiria dormir. A calma total nunca parecia ter ingresso no acampamento dos rebeldes. Pelos ruídos o ertruso concluiu que constantemente chegavam e partiam grupos. De vez em quando o farfalhar e as pisadas de um drenhol chegavam à cabana.
Kasom ficou deitado, com os olhos bem abertos. Dali a algumas horas apareceu um homem magro que atirou uma trouxa de roupas para dentro do quarto. Fitou Kasom com certo receio, mas parou na entrada. Kasom pegou as roupas.
— Acho que são pequenas para mim — conjeturou.
Tscherlik veio do outro lado da cabana e olhou em torno. Kasom constatou que poderia entrar facilmente na manta em forma de saco. O homem tímido desapareceu sem dizer uma palavra.
Kasom fez uma trouxa com suas roupas velhas e atirou-as num canto.
Tscherlik contemplou-o com os olhos tristes. Os farrapos pendiam de seus pés e ele os arrastava atrás de si ao andar.
— O senhor pode comer comigo — disse em tom generoso.
— Sim — disse Kasom, enquanto sua garganta parecia fechar-se. — Irei daqui a pouco.
Tscherlik suspirou satisfeito e saiu andando.
Os dias que se seguiram representaram um martírio quase insuportável para Kasom. A convivência com Tscherlik era uma carga pesada. Além disso, ficava cada vez mais impaciente. Breth parecia ter esquecido por completo que Kasom aguardava o momento de fazer alguma coisa por seus amigos em Central City.
Kasom recebia comida farta e boa. No acampamento, as idas e vindas eram ininterruptas. Kasom não viu sinal de Denner. Esforçou-se para reprimir a lembrança do mesmo.
Cerca de três dias depois de Kasom ter chegado ao acampamento, Tscherlik morreu. Depois de acordar de um sono agitado, Kasom o encontrou jogado na entrada da sala maior. O corpo do infeliz já estava frio. O turbante tinha caído para o lado. As raízes da planta desciam até a nuca. Kasom cerrou os dentes e pôs-se a enrolar o turbante. Depois colocou Tscherlik sobre os ombros e saiu da cabana.
Encontrou-se com um rebelde que o fitou com os olhos arregalados.
Kasom conseguiu dominar a raiva terrível e perguntou:
— Onde posso encontrar Breth Barba Negra?
O homem apontou para uma cabana quadrada, que ficava do outro lado do acampamento. Kasom chegou ao destino sem que ninguém o incomodasse. A cabana possuía uma varanda coberta.
Breth Barba Negra estava sentado com dois homens junto a uma mesa. Havia desenhos espalhados sobre a mesma. Os três estavam armados. Breth parecia cansado.
Kasom subiu ruidosamente os degraus da pequena escada que levava para a varanda. Deixou cair Tscherlik ao chão, bem à frente de Breth. Os outros dois plofosenses levantaram-se de um salto, afastaram a mesa e tiraram as armas.
Os olhos de Kasom chispavam.
— Minha paciência está no fim — trovejou, sem dar atenção aos rebeldes. Bateu com o punho fechado na mesa e rachou-a em duas partes. — Se não quiser fazer nada, agirei por conta própria.
Breth manteve-se completamente calmo. Apontou para o cadáver e disse aos dois homens:
— Vamos, enterrem-no!
Um tanto confusos, os neutralistas guardaram as armas e levantaram o cadáver de Tscherlik. Lançando olhares desconfiados, dirigidos exclusivamente para Kasom, afastaram-se.
Breth lançou um olhar irônico para a mesa destruída.
— Não me impressionarei com atos de força, Kasom — disse. — Estou acostumado a só agir no momento que eu achar apropriado.
— Lorotas — disse Kasom. — O senhor sabe tão bem quanto eu que a posição dos neutralistas seria fortalecida se conseguisse libertar Rhodan. Provavelmente isso representaria o fim do governo de Hondro. Por isso mesmo o senhor está muito interessado na libertação de Rhodan. Se continuar dormindo a oportunidade de fazer isso irá embora.
Breth recolheu os desenhos espalhados pelo chão. Kasom acomodou-se numa cadeira, que ameaçou desmoronar sob seu peso. Breth consertou precariamente a mesa e sentou-se. De vez em quando passava as mãos pelos olhos. Ninguém deixaria de notar que estava muito cansado.
— Um dos nossos contatos em Central City foi morto — principiou Breth. — Mas antes disso descobriu onde Rhodan está preso. Além de um homem valioso, perdemos um carro voador na operação.
— Isto não ficará assim — prometeu Kasom em tom sombrio.
Breth deu uma risada. Abriu cautelosamente um dos desenhos sobre a mesa cambaleante.
— Isto é Central City — disse. — Os edifícios mais importantes constam desta planta, juntamente com os acessos, depósitos, postos policiais e vias de comunicação. — Apontou para um círculo vermelho. — Aqui fica o edifício do governo. Como vê, fica a cerca de um quilômetro da periferia da cidade. Esta situação favorece bastante nossos planos.
— Rhodan, Atlan, Bell e Noir estão neste edifício? — perguntou Kasom com a voz tensa.
— No décimo oitavo andar — respondeu Breth. — Quase não estão sendo vigiados, mas isso não quer dizer nada, pois o edifício está cheio de soldados e homens do serviço de segurança. Na cobertura do edifício há vinte planadores do chefe de polícia prontos para decolar. Em todos os andares existem barreiras e armamentos.
— Isso não parece muito animador — disse Kasom em tom de decepção.
— A libertação custará a vida de uns quinhentos homens — disse Breth em tom tranqüilo.
Mas Kasom sentiu que seu interlocutor lamentava a perda, menos por motivos humanos que por razões estratégicas.
Kasom perguntou a si mesmo por que motivo o chefe dos neutralistas estava disposto a sacrificar quinhentos combatentes da resistência na libertação de Rhodan. Breth não parecia o tipo de homem capaz de fazer uma coisa dessas por amizade a Rhodan ou aos outros prisioneiros. Era bastante provável que Breth tinha objetivos mais importantes, mas no momento os mesmos não poderiam ser identificados.
Breth pegou a caneta e traçou outro círculo vermelho no mapa.
— Este é o único transmissor de rádio de grande potência existente em Greendoor — explicou. — Trata-se de um grande hipertransmissor, por meio do qual é feito todo o intercâmbio de mensagens com Plofos e a frota de Hondro.
— Interessante — disse Kasom com a voz calma. — Mas não vejo o que este transmissor pode ter que ver com o nosso plano.
Breth ficou batendo com a caneta sobre o mapa. Recostou-se confortavelmente em sua cadeira. Passou a mão livre pela barba à qual devia seu nome.
— Como já disse, este transmissor é o único meio de comunicação de Greendoor com o sistema de Eugal. A instalação é muito importante para os esbirros de Hondro. Se houvesse um ataque concentrado contra o edifício, Teltak reuniria imediatamente todas as forças disponíveis neste ponto.
— Até mesmo com o perigo de deixar o edifício do governo desguarnecido — conjeturou Kasom.
— Isso mesmo — respondeu Breth. — Quinhentos dos meus homens lançarão um ataque simulado contra o transmissor. O senhor terá de aproveitar a oportunidade para libertar os prisioneiros.
Kasom colocou a mão gigantesca sobre o mapa.
— O senhor acha que terei uma possibilidade de avançar até o edifício do governo com um pequeno grupo? — perguntou.
Breth inclinou-se para a frente, pegou o mapa e dobrou-o cuidadosamente.
— Em condições normais o senhor não teria a menor chance — disse. — Mesmo nas condições que conseguirmos criar será uma operação suicida, que lhe poderá custar a vida.
— As perspectivas são bastante confortadoras — observou Kasom.
— O senhor tem a vantagem de que nem Hondro, nem Teltak prevêem a possibilidade de arriscarmos um ataque aberto contra a cidade — prosseguiu Breth sem abalar-se. — Temos o fator surpresa a nosso favor.
— Não consigo imaginar que poderei passear por Central City, até chegar com um grupo de gente fortemente armada ao edifício do governo — disse Kasom em tom sarcástico.
— Até lá o senhor ainda terá de aprender muita coisa — disse Breth com uma amabilidade fingida e levantou-se.
O nome do contato era Smitty. Naturalmente não era seu nome verdadeiro, que ele não revelava nem mesmo a Kasom. Smitty era um homem gordo, mas muito ágil, que se tornara nervoso por causa dos anos vividos num estado de medo constante.
Dois dias depois de Kasom ter falado com Breth Barba Negra sobre a libertação de Rhodan, Smitty apareceu na cabana que, depois da morte de Tscherlik, o ertruso habitava sozinho. Ao contrário dos rebeldes, Smitty tinha um aspecto bem cuidado. Usava terno de pano marrom e sandálias muito largas.
Deixou-se cair com um gemido na única cadeira que havia no aposento. Comprimiu as mãos contra a barriga e gemeu.
Kasom encostou-se à parede e ficou esperando que seu visitante dissesse o que queria.
— Meu nome é Smitty — disse o contato. — Trabalho para os neutralistas em Central City. Não pense que é fácil. Ando fugindo constantemente dos cães de fila de Jiggers. — Voltou a comprimir a barriga. — Úlceras de estômago — explicou. — Úlceras de estômago e problemas circulatórios, tudo por causa desse clima maldito. Precisaria fazer um tratamento prolongado, mas nunca tenho tempo.
Kasom esperou pacientemente que o outro derramasse a torrente de palavras. Quer dizer que Smitty era agente dos neutralistas em Central City, um elemento de contato dos rebeldes. Um tanto nervoso, Kasom perguntou a si mesmo como Breth podia confiar num homem tão tagarela. Mas isso não era seu problema.
Smitty continuou a desfiar a história dos seus sofrimentos. Enquanto falava, comprimia constantemente a barriga e enxugava o suor da testa com um pano enorme.
— Conheço o edifício do governo — disse Smitty depois de algum tempo, passando ao assunto que o trouxera. Fez um gesto de pouco caso. — Antes não conhecesse. Breth Barba Negra deve ter enlouquecido, pois do contrário não permitiria que o senhor tentasse a operação.
— Não se preocupe com isso — disse Kasom.
— Pois eu me preocupo com tudo — respondeu Smitty em tom obstinado. — Desde que passei a trabalhar para Breth, estou praticamente morto. — Levantou-se de um salto e fez um gesto bastante claro da garganta para a nuca. — O chefe supremo não gosta nem um pouco de gente do meu tipo.
— Vamos logo ao assunto — pediu Kasom.
— Fui mandado para cá a fim de fornecer-lhe os dados relativos ao edifício do governo — explicou o contato. — O senhor tem de conhecer todos os cantos, como quem já andou lá. — Expeliu fortemente o ar. — O que digo? O senhor tem de ser capaz de orientar-se nesse edifício até no escuro.
Tirou um maço de desenhos, fotografias e descrições.
— Vamos estudar este material — disse. — Ainda bem que só preciso discutir este edifício com o senhor. Para o resto Breth dispõe de outras pessoas.
Dali a quatro horas Melbar Kasom já tinha compreendido que substimara o gordo. Smitty era um excelente professor. Era bem verdade que exigia uma extraordinária capacidade de aprendizagem de seu ouvinte. Pedia constantemente que Kasom repetisse certos detalhes. Depois de algum tempo Kasom também começou a suar.
Certa vez Breth apareceu por um instante, mas quando viu que Smitty estava trabalhando, retirou-se sem dizer uma palavra.
— O senhor é um incompetente — disse Smitty depois de quatro horas, com uma profunda convicção. — Nunca passará do terceiro andar. Acontece que terá de ir ao décimo oitavo.
— Tive a impressão de que compreendi muito bem — disse Kasom. Smitty empilhou os documentos. — Deixarei isto com o senhor. Estude sempre e sempre de novo. Durante a operação de libertação não terá tempo para procurar orientar-se. Terá de movimentar-se que nem um cego.
— Eu me esforçarei — prometeu Kasom.
Breth entrou. Exibiu uma amabilidade surpreendente. Na opinião de Kasom isso tinha algo a ver com a presença de Smitty.
— Então? — perguntou o chefe dos rebeldes. — Nosso novo amigo está fazendo progressos?
— Está progredindo em direção à morte — resmungou o contato em tom rabugento.
Breth sorriu.
— Não dê importância às suas palavras — disse, dirigindo-se a Kasom. — É um pessimista incorrigível.
O ertruso apontou para os documentos que Smitty lhe entregara.
— Ainda não compreendi como farei para entrar no edifício — disse.
— Usará o mesmo caminho que nossos contatos usam quando entram na cidade ou saem da mesma — disse Breth. — Possuímos um sistema de passagens subterrâneas, de cuja existência os soldados de Hondro nem desconfiam.
Kasom não se sentiu nada à vontade ao lembrar-se das aventuras por que passara nos canais de esgoto da cidade. Fazia votos de que Breth não estivesse se referindo a esses canais. Mas as palavras que o rebelde proferiu a seguir deixaram Kasom mais tranqüilo.
— Estas passagens foram construídas pelos cavadores subterrâneos — disse Breth. — Começam na selva e passam por baixo do anel de barreiras e lança-chamas.
Smitty fez um sinal de pouco caso.
— Ele nem sabe o que são cavadores subterrâneos — disse em tom contrariado.
— A flora de Greendoor produz as espécies mais incríveis — disse Breth. — Para subsistir na luta da vida, as mesmas vêem-se obrigadas a modificar radicalmente seus hábitos. Como as condições climáticas causaram a extinção paulatina da fauna, muitas plantas carnívoras desapareceram. Outras espécies adaptaram-se ao alimento vegetal. Os cavadores subterrâneos são a única espécie que continua a ser carnívora. Embaixo da superfície de Greendoor vivem muitos vermes e insetos, que servem de alimento a esses vegetais. Os cavadores são capazes de movimentar-se tal qual os drenhols, com a diferença de que também podem deslocar-se embaixo do solo. Uma espécie de broca circular formada por um trançado de espinhos permite-lhes atravessar qualquer obstáculo.
— Quer dizer que o senhor conseguiu usar os cavadores subterrâneos em benefício dos seus objetivos, da mesma forma que os drenhols? — perguntou Kasom em tom de incredulidade.
Breth abanou a cabeça.
— Não é bem isso — confessou. — Acontece que entre os drenhols e os cavadores subterrâneos existe uma parceria, da qual tiramos proveito. As galerias que passam por baixo de Central City foram abertas pelos cavadores subterrâneos, por ordem dos drenhols.
O ertruso contemplou seu próprio corpo.
— Não sou nada pequeno — ponderou. — Tomara que estas galerias permitam minha passagem.
— Permitem, sim — garantiu Breth Barba Negra. — Os cavadores subterrâneos são plantas grandes, que graças ao tamanho de seu corpo enorme têm uma necessidade quase ilimitada de alimento. Por isso estão acostumados a perfurar ininterruptamente o chão.
Kasom ficou surpreso.
— Parece que não há nada que as plantas de Greendoor não possam fazer — disse.
— O trabalho principal fica por nossa conta — objetou Smitty.
Breth Barba Negra expôs seus planos ao ertruso. Ainda tinha a intenção de lançar um ataque simulado à estação de rádio para desviar a atenção dos citadinos de seu verdadeiro objetivo. Kasom aproveitaria a confusão para penetrar no edifício do governo com um pequeno grupo.
— Não devemos subestimar Teltak — disse Breth. — Ele não demorará a descobrir que o ataque louco não passa de uma ação simulada. A idéia que surgir em sua cabeça depois disso deverá corresponder à verdade. Em outras palavras, logo lhe ocorrerá que nosso objetivo real consiste em libertar Perry Rhodan.
— Se as reações de Teltak forem tão rápidas, dificilmente terei uma chance — disse Kasom.
— Quanto a isso não tenho a menor dúvida — admitiu o neutralista. — Por isso pensei em lançar mais uma operação. No momento em que Teltak der ordem para que seus homens se dirijam ao edifício do governo, centenas de drenhols e outras plantas atacarão a cidade. Isso confundirá Teltak, que certamente acreditará que o ataque ao transmissor não foi uma ação simulada, mas que pelo contrário os neutralistas realmente querem conquistar a cidade. Espero que isso lhe dê mais um prazo.
— Quando chegaremos a Central City? — perguntou Kasom.
— Amanhã — respondeu Breth em tom indiferente. — No dia onze de novembro. Os homens estão preparados. Durante a viagem terão tempo para treinar a lição de Smitty. Atravessaremos a selva com os drenhols.
Isso significava que Kasom teria de sair do acampamento muito mais cedo do que acreditara. Lembrou-se de Denner. Não sabia se valeria a pena falar com Breth a seu respeito, mas achava que deveria tentar.
— Não maltrate Denner desnecessariamente — disse. — Para mim seria insuportável partir daqui com a idéia de que ele possa ter o mesmo destino de Tscherlik.
— Está bem — disse Breth. — Darei ordem para fuzilá-lo. É a única coisa que posso fazer por um traidor.
— Ele tem idéias humanitárias — disse Smitty com um suspiro, olhando de soslaio para Kasom. — Tomara que não desmaie no momento decisivo.
Kasom logo descobrira que, por estranho que isso pudesse parecer, a maioria dos neutralistas não era natural de Greendoor. Tratava-se de plofosenses que Hondro largara nesse planeta por vários motivos. Entre os rebeldes havia muitos prisioneiros que tinham conseguido fugir para a selva.
Por isso mesmo a tomada do poder em Greendoor só era um objetivo provisório para Breth Barba Negra e seus homens. Os rebeldes nunca falavam em Plofos, mas Kasom vira várias vezes os olhos dos homens se iluminarem quando se mencionava o sistema de Eugal.
Breth Barba Negra não participou da tentativa de libertação. Havia missões muito mais difíceis à sua espera. Breth podia ser tudo, menos covarde, e por isso Kasom acreditava no que dizia.
O ertruso encontrava-se no interior de um drenhol, juntamente com dez neutralistas. Também tinham entregue uma arma a Kasom. Os homens sentados no interior da escavação da árvore estavam em silêncio. Em condições normais provavelmente estariam conversando, mas a presença de Kasom fez com que se calassem.
O nome do chefe do grupo era Pearton. Tratava-se de um homem magro de rosto esperto. Quando falava, os músculos da face tornavam-se salientes.
Kasom tentou entabular conversa com Pearton, mas não conseguiu. Pearton só respondia com monossílabos. Só depois de algumas horas de marcha, quando já se encontravam perto de Central City, o neutralista abandonou seu mutismo.
— Vamos sair da árvore — anunciou.
Pegou uma pequena flauta de madeira e produziu alguns assobios pouco melodiosos. Os balanços da árvore cessaram. Os homens levantaram-se e dirigiram-se à saída.
Kasom e Pearton foram os últimos a abandonar a árvore. Em torno deles os homens se comprimiam. Nos lugares por onde os drenhols tinham aberto caminho parecia ter passado um furacão. Havia pelo menos quinhentos combatentes da resistência reunidos numa pequena clareira.
Pearton e seu grupo mantiveram-se afastados dos demais. Teriam de apoiar Melbar Kasom na missão difícil que o mesmo pretendia executar. A força principal dos neutralistas cuidaria do transmissor.
— Vamos esperar até que os outros tenham desaparecido na passagem subterrânea — disse Pearton em tom animado. — Teremos de esperar pelo menos uma hora para poder segui-los.
Aos poucos os plofosenses foram desaparecendo na selva. Os drenhols permaneciam imóveis em seus lugares.
— Se ficar bem quieto, pode ouvir o ruído da cidade — disse Pearton.
Kasom pôs-se a escutar, mas não ouviu nada além do farfalhar do vento e dos ruídos típicos da selva. Mas como Pearton o fitava com uma expressão de curiosidade, confirmou com um aceno de cabeça.
— Os lança-chamas mais próximos estão a apenas oitocentos metros — disse Pearton.
— A cidade espalha-se cada vez mais.
Em pensamento Kasom já se encontrava na passagem subterrânea, que só conhecia pelos relatos que lhe haviam sido fornecidos.
Pearton, que carregava um pequeno radiotransmissor, entrou em contato com o grupo principal e conversou em voz baixa com o chefe do mesmo.
— Já estão todos na passagem subterrânea — anunciou, satisfeito. — Prosseguirão pelo túnel principal até atingir o ponto cinco, de onde tomarão a direção da rondela. O transmissor fica a duzentos metros de lá.
— Rondela? — perguntou Kasom.
— Trata-se de uma praça redonda na qual Teltak e Hondro fazem discursos de vez em quando — explicou Pearton. — O túnel não leva para baixo do transmissor. Por isso os homens terão de subir à superfície na altura da rondela.
— Eles serão descobertos — disse Kasom.
— Nas proximidades da rondela está sendo construída uma nova piscina coberta — informou Pearton. — A construção não está sendo vigiada. É lá que nosso grupo principal virá à superfície. Ninguém verá os homens. Duzentos metros não representam uma distância muito grande. Eles conseguirão.
Kasom preferiu não formular nenhuma pergunta sobre os eventuais caminhos de retirada dos rebeldes. As possibilidades não pareciam ser muito favoráveis. Lembrou-se das palavras de Breth. Este profetizara que a tentativa de libertar Rhodan custaria a vida de quinhentos homens. Na oportunidade Kasom pensara que Breth Barba Negra só quisesse gabar-se, mas a essa altura já não tinha tanta certeza.
Mas Pearton e seus homens pareciam sentir-se aliviados por estarem em companhia de Kasom em vez de terem de acompanhar os que iriam atacar o transmissor. Pearton exprimiu claramente esta idéia.
— É claro que para nós as coisas serão um pouco mais simples — disse. — O túnel lateral que utilizaremos termina bem embaixo do edifício do governo. Não seremos descobertos antes de estarmos nas salas de baixo.
“Ainda é muito cedo”, pensou Kasom.
Pearton voltou a falar com o outro grupo. Finalmente deu sinal de partida. Caminhou na ponta, juntamente com Kasom. Abandonaram a clareira e penetraram na selva. Kasom notou que estavam usando um caminho estreito, mas bem protegido. Ouviu que os drenhols que se encontravam atrás deles também começaram a movimentar-se. As gigantescas árvores se deslocariam para perto da cidade, para avançar no momento apropriado.
— O túnel — disse Pearton, enquanto afastava algumas folhas largas.
Bem à sua frente estava a entrada, tão bem protegida que uma pessoa não familiarizada só poderia descobri-la por acaso. Pearton fitou Kasom para avaliar seu tamanho.
— Acho que será um pouco apertado para o senhor — disse. — O túnel propriamente dito é mais estreito que a entrada.
Kasom confirmou com um gesto. Não recuaria diante de nenhum obstáculo. O túnel penetrava obliquamente no solo. Em alguns lugares estava escorado por caibros, mas à medida que penetravam mais profundamente no solo, as escoras tornavam-se mais raras. O lençol de água chegava-lhes aos tornozelos. Pearton acendeu seu farol manual. Kasom tinha de caminhar abaixado, mas conseguiu avançar muito bem. De vez em quando o ertruso enfrentava dificuldades, por causa da largura enorme dos seus ombros. Mas Pearton não o apressava. Sempre esperava pacientemente que Kasom vencesse a passagem estreita.
Blundell, o chefe do outro grupo, chamou pelo rádio. Anunciou que se encontrava embaixo da piscina, juntamente com o grupo de quinhentos homens.
— Acabamos de atingir os limites da cidade — respondeu Pearton. — Pode começar. Boa sorte, Blundell.
Kasom sentiu que o nervosismo facilmente perceptível de Pearton se transmitia a ele. Procurou conceber em sua mente a imagem de quinhentos homens armados até os dentes, que naquele momento saíam da piscina em construção e, passando pelos transeuntes estupefatos, corriam em direção ao transmissor. Kasom admirava a coragem desses homens. Sem dúvida sabiam que poucos sobreviveriam.
Kasom perguntou a si mesmo se Rhodan logo ficaria sabendo do ataque. Mas isso não tinha a menor importância, pois nenhum dos prisioneiros teria a idéia de que o resgate estava a caminho. Fazia votos de que esses homens não fizessem nenhuma tolice.
O feixe de luz do farol de Pearton passou por cima da terra negra. Bolhas subiam da água pantanosa. O ambiente era frio e úmido.
— Muito bem — disse Pearton, satisfeito. — Logo entraremos no corredor lateral.
Blundell chamou. Pearton ligou para a recepção. Desta vez a voz do neutralista soava tão nítida que Kasom teve a impressão de que o mesmo se encontrava a seu lado.
— Acabamos de chegar à piscina — anunciou Blundell. — Está chovendo. Mais adiante uma coluna de robôs está trabalhando. Ainda não fomos descobertos. Na rondela praticamente não há nenhum movimento. Não vejo transeuntes.
Pearton fitou Kasom com uma expressão de triunfo. Deu uma resposta ligeira a Blundell. Depois disso prosseguiram em seu caminho. Kasom virou a cabeça e olhou para os homens que os seguiam. Seus rostos estavam quase completamente no escuro, mas Kasom viu neles um ar decidido.
Chegaram ao túnel lateral. Pearton puxou Kasom para dentro do corredor mais estreito.
— Em condições normais os cavadores subterrâneos contentam-se com escavações menores — explicou. — Mas foram influenciados pelos drenhols para construir estas galerias para nós.
— Poderemos ver uma dessas estranhas plantas? — perguntou Kasom.
Pearton abanou a cabeça.
— Não acredito — disse. — Os cavadores subterrâneos são esquivos e a luz os incomoda.
Passaram a avançar mais devagar, pois em vários lugares estreitos Kasom tinha de fazer um grande esforço para passar. Teve medo de que pudessem atrasar. Mas Pearton espantou suas preocupações.
— Enquanto Blundell não atacar o transmissor, Teltak não transferirá os homens que se encontram no edifício do governo para lá — disse.
— Talvez Teltak nunca dê a ordem que estamos esperando — disse um dos rebeldes em tom sombrio.
— Logo saberemos — limitou-se Pearton a dizer.
Kasom já compreendera que este homem de aspecto insignificante era uma criatura obstinada e resistente. Breth Barba Negra tivera bons motivos para destacá-lo para esta missão.
— Sairemos num depósito que fica atrás do edifício do governo — disse Pearton. — Lá só existem robôs. Eles não se preocuparão conosco, pois destinam-se exclusivamente às operações de carga e descarga.
— Como sabe de tanta coisa? — perguntou Kasom, espantado.
— Foi Smitty — disse Pearton. — Preparou tudo no interior do depósito.
Ao que parecia, a organização dos neutralistas merecia toda confiança. Os rebeldes eram plofosenses, e por isso representavam mais uma prova da periculosidade desse povo. Tratava-se de uma raça jovem que representava um perigo para a Galáxia. Com o ditador Hondro no comando, seria perfeitamente capaz de assumir o poder.
Pearton iluminou uma estaca de madeira pintada de vermelho, cravada na parede do túnel.
— Estamos quase chegando — disse.
O túnel começou a ficar mais largo. A luz da lanterna de Pearton atingiu uma escada de corda. O plofosense dirigiu o feixe de luz para o alto. Kasom viu pranchas de madeira, que pareciam cobrir a galeria. Perguntou a si mesmo por que os homens de Hondro ainda não tinham descoberto o acesso tão primitivo.
Pearton parecia adivinhar os pensamentos do ertruso.
— A possibilidade de podermos avançar por baixo da terra até chegar ao edifício do governo nunca ocorreu aos guardas — disse. — Nem sabem qual é nossa força. — Deu uma risada de deboche. — Terão uma grande surpresa quando chegarmos.
Chamou Blundell. A voz do chefe de grupo parecia entrecortada.
— Fomos descobertos — informou Blundell. — Três policiais foram dar diretamente conosco quando estávamos atravessando a rondela. Estão mortos, mas alguém nos deve ter visto do ar. Ainda faltam cem metros até o transmissor. — Levantou a voz. — Os primeiros planadores estão chegando. O espetáculo vai começar.
Pearton desligou e segurou a escada de corda com ambas as mãos. A mesma começou a balançar ligeiramente quando começou a subir. Os homens mexiam nervosamente com os pés. Kasom deu um puxão nas cordas, para verificar a resistência do material.
Pearton sorriu.
— Não esquecemos este detalhe — disse. — A escada agüentará seu peso.
Subiu depressa. Quando atingiu as tábuas, atirou a lanterna para Kasom. O ertruso pegou-a no ar e dirigiu o feixe de luz para Pearton.
Este passou a segurar-se com uma das mãos, enquanto com a outra afastava uma prancha.
— Desligue a lanterna — ordenou em voz baixa.
Kasom obedeceu. A luz ia penetrando pela fresta entre as pranchas. A escada de corda pendulava de um lado para o outro. Pearton aumentou a abertura e puxou-se para cima. Ficou pendurado por um instante, mas logo desapareceu entre as tábuas. Dali a pouco seu rosto apareceu.
— O senhor é o seguinte, Kasom. Venha! — gritou. — Tudo seguro.
Um dos homens quis dar uma palmadinha no ombro de Kasom, mas só atingiu a omoplata do gigante.
Kasom desligou seu microgravitador, com o que se tornou muito fácil seguir Pearton. Logo chegou ao topo da escada. O rosto magro de Pearton afastou-se. Kasom segurou vigorosamente as tábuas e puxou o corpo para cima. Lançou os olhos por um recinto enorme. Havia caixas de plástico empilhadas em torno deles. O ertruso entrou de vez, e Pearton fez um sinal para o homem que se encontrava na frente. Kasom voltou a ligar o microgravitador, para evitar que por descuido desse um passo de dez metros.
Atrás das caixas ouvia-se o zumbido de máquinas.
— Os robôs estão trabalhando — cochichou Pearton. — Não se preocuparão conosco.
Kasom gostaria de dar uma olhada pelo depósito, mas não havia oportunidade para isso. Quando o terceiro homem chegou, Blundell voltou a chamar. O rebelde parecia fora de fôlego.
— Avançamos até o edifício do transmissor e cercamos o mesmo. Mas as instalações são defendidas por fortes unidades policiais. Os planadores não podem intervir na luta, já que os pilotos correriam perigo de atingir seus próprios homens. — Blundell respirou profundamente. — Constantemente estão chegando reforços. Sofremos grandes perdas. Não poderemos manter-nos por muito tempo.
— Já chegamos ao depósito — informou Pearton. — Assim que tivermos entrado no edifício, o senhor pode dar ordem de retirada.
Não obteve resposta. Pearton repetia desesperadamente o código de identificação. Dali a pouco o aparelho transmitiu a voz assustada de outro homem.
— Blundell foi atingido — fungou. — Eles vêm de todos os lados. Estão nos cercando.
Os músculos da face de Pearton ficaram salientes.
— Quem fala? — perguntou.
— Ennjing — respondeu o homem. — O que devemos fazer?
— Agüente mais um pouco, Ennjing — respondeu Pearton com a voz tranqüila. — Dentro de cinco minutos pode dar ordem de retirada.
— Entendido — disse Ennjing com a voz rouca.
Por um momento Pearton parecia paralisado.
— Blundell — disse. — Logo Blundell. Finalmente o último homem do grupo saiu da galeria. Pearton passou os olhos pelo grupo de rebeldes. Apontou para a menor das pilhas de caixas.
— Vamos! — gritou. — Abram caminho por aqui!
Antes que algum dos neutralistas esboçasse qualquer reação, Kasom foi para junto das caixas. Empurrou a pilha para o lado, como se fossem caixas de papelão vazias. Pearton compreendeu imediatamente. Com alguns comandos lacônicos espalhou os homens em torno dos montes de caixas caídas, para que Kasom pudesse abrir caminho sem ser perturbado.
Quando o último obstáculo foi removido, o ertruso viu todo o interior do depósito. O edifício tinha quase cem metros de comprimento, mas sua largura não chegava a trinta metros. Do lado oposto um grupo de robôs estava descarregando caixas de transportadoras robotizadas e levando as mesmas para o interior do depósito. As máquinas não tomaram conhecimento da presença dos intrusos.
Kasom virou a cabeça e viu Pearton passar por cima das caixas. O rebelde sorriu. Kasom esperou que Pearton chegasse perto dele.
— E agora? — perguntou.
O neutralista apontou para a extremidade oposta do pavilhão, onde estavam trabalhando os robôs.
— Vê a esteira transportadora? — perguntou.
Kasom acenou com a cabeça. Parte das caixas era atirada sobre a esteira pelos robôs. A esteira passava por uma abertura oval, penetrando num recinto que eles não viam.
— Temos de passar por ali — disse Pearton.
— Por que não usamos a porta que fica logo ao lado? — perguntou Kasom.
Pearton fez um gesto de pouco caso.
— Smitty diz que seria muito perigoso. Provavelmente ali foi instalado algum alarme, para evitar que algum robô descontrolado penetre no edifício do governo. Smitty deve saber por que recomendou que usássemos a esteira.
Atravessaram o depósito. Os robôs continuavam a trabalhar sem interrupção. Seus corpos, construídos exclusivamente segundo as regras do pragmatismo, trabalhavam com movimentos repentinos. As máquinas automáticas versáteis podiam ser usadas nos trabalhos mais variados. Ao contrário dos robôs mais sofisticados, não possuíam dispositivo de comando positrônico. Um simples núcleo de armazenamento continha seu programa de desempenho, que podia ser trocado segundo as necessidades.
O zumbido leve da esteira atingiu seu ouvido. A cobertura de plástico balançava sob o peso das caixas. A esteira corria bem depressa, mas diante do trabalho rápido dos robôs a mesma nunca parava.
Kasom lançou um olhar para a abertura.
— Para passar por lá, terei que deitar na esteira — disse, dirigindo-se a Pearton. — O senhor e os outros poderão passar de lado.
— Está bem — respondeu o neutralista. — Vá na frente.
As caixas eram transportadas exatamente à distância de um metro, de forma que não havia lugar para Kasom. Sem dúvida havia uma contadora de caixas no interior do edifício principal. Apesar disso, Kasom resolveu arriscar a eliminação de duas caixas. Dificilmente seria dado o alarme por causa de um incidente insignificante como este. A atenção dos guardas devia estar concentrada na luta em torno da estação de rádio.
Kasom chegou à esteira e tirou duas caixas. Pearton e seu grupo já tinham chegado à abertura. Os homens foram rastejando um após o outro através da mesma. Kasom saltou para o espaço livre que havia sobre a esteira. No primeiro instante teve medo de que o equipamento pudesse quebrar com seu peso, mas logo sentiu-se carregado. Deixou-se cair sobre a cobertura de plástico. Por um instante ainda viu as caixas, mas logo penetrou velozmente no buraco e entrou numa escuridão completa.
Dali a pouco ouviu Pearton chamar baixinho:
— Salte, Kasom!
A lanterna do plofosense acendeu-se. Kasom deu um salto e foi parar ao lado do rebelde. O feixe de luz atingiu paredes brancas e um chão sujo. Acabavam de penetrar no porão do edifício do governo.
Dali em diante a esteira passava por um corredor estreito. Kasom conhecia o ambiente por causa das descrições de Smitty. Só agora compreendeu que o contato lhe fornecera um quadro vivo. Sabia perfeitamente onde encontrar a porta que levava ao elevador de carga. Smitty esperara que conseguissem chegar com o elevador ao primeiro andar sem que sua presença fosse notada. Uma vez lá, sairiam do elevador, entrariam nos corredores bem iluminados e provavelmente seriam descobertos.
O elevador de carga só ia até o primeiro pavimento. Dali em diante os ocupantes do prédio eram transportados para os andares superiores em elevadores muito mais requintados.
Pearton tentou entrar em contato com Ennjing para dar ordem de retirada, mas nenhum membro do grupo que tinha atacado o transmissor respondeu ao chamado. Pearton transmitiu o código de identificação por três vezes.
— Nada — disse depois de algum tempo. — Estão todos mortos, ou então já iniciaram a retirada e perderam seu rádio.
Kasom fazia votos de que a última hipótese fosse a verdadeira. A idéia de que quinhentos plofosenses tinham se sacrificado em benefício dos seus planos parecia insuportável.
A voz de Pearton arrancou-o das reflexões.
— Precisamos continuar — disse o neutralista. — Daqui por diante o senhor assumirá o comando, Kasom.
Kasom sentiu que Pearton estava colocando a lanterna em sua mão. Sem dar-se conta disso, seguiu em direção à porta. Os outros seguiram-no prontamente. De repente Kasom sentiu que as palmas das mãos estavam suadas. De repente a responsabilidade que pesava sobre ele parecia ser uma carga pesada demais. Além de ser responsável por quinhentos plofosenses, dependia dele que Rhodan, Atlan, Bell e o hipno fossem libertados da prisão.
O ertruso afastou estes pensamentos à força. Precisava concentrar-se exclusivamente na tarefa que tinha pela frente.
Caminhou a passos firmes em direção à porta que levava ao elevador de carga. Smitty o informara de que a plataforma do elevador era iluminada. Kasom farejou uma desgraça. No curso dos últimos anos, durante os quais passara por várias aventuras na qualidade de agente da USO, Kasom desenvolvera um instinto seguro para o perigo.
Agarrou mais firmemente a arma que lhe fora entregue. Não ouviu nenhum ruído suspeito. O feixe de luz atingiu a porta. Atrás deles a esteira transportadora penetrava mais profundamente no interior do edifício. Kasom teve a impressão de estar ouvindo o zumbido leve do elevador, que parecia estar em funcionamento.
Chegaram à porta. Kasom desligou a lanterna. Ao lado da porta havia uma fileira de teclas. Apertando a última, explicara Smitty, o elevador descia automaticamente para o porão e a porta se abria. Kasom não perdeu tempo: calcou a tecla.
Não teve a menor idéia de quanto tempo demorou até que a plataforma chegasse ao porão. Os ruídos vindos do outro lado da porta não permitiam nenhuma conclusão sobre o que havia lá. Kasom teve a impressão de que ouvia as batidas do coração. Os homens que se encontravam a seu lado faziam movimentos nervosos. A rapidez com que Blundell fora derrotado mostrara que as forças do chefe supremo tinham uma excelente organização.
A porta do elevador deslizou silenciosamente para o lado. Kasom só percebeu que estava aberta por causa da luz que de repente os atingiu. Sobressaltou-se. O elevador abriu-se de vez. Mas a plataforma não estava vazia.
Sobre ela havia quatro homens armados que ficaram com os olhos semicerrados para enxergar na escuridão que se espalhava pelo porão.
Era um dia nublado, e nestes dias Trat Teltak costumava demorar algumas horas no café da manhã. Ficava sentado de pijama junto à mesa próxima à janela e olhava para a bruma em meio à qual os edifícios de Central City subiam para o céu nublado. No fundo a capital de Greendoor era um conjunto de edifícios sem a menor estética. Mas Trat Teltak amava esta cidade.
Na qualidade de chefe de Greendoor, Trat Teltak era o representante do chefe supremo neste planeta. Por isso via na cidade uma espécie de propriedade sua. Hondro dava-lhe a maior liberdade de movimentos. Só cuidava dos assuntos mais importantes e deixava o resto por conta de seu representante.
Mas na manhã deste dia, ou seja, de 11 de novembro de 2.328, Teltak não pôde demorar no café da manhã. Fazia uma hora que mantinha contato com as unidades policiais incumbidas de impedir que quinhentos neutralistas malucos conquistassem o transmissor.
Fazia pouco mais de uma hora que Trat Teltak tinha recebido a notícia deste ataque louco. Nem ele nem Hondro imaginavam que os rebeldes possuíssem uma organização que lhes permitisse lançar um ataque em grande escala contra Central City. O chefe não sabia explicar como os neutralistas puderam aproximar-se da estação de rádio sem que ninguém os descobrisse ou detivesse. Breth Barba Negra e seus homens não eram bruxos. Devia haver uma explicação para este ataque suicida.
Há uma hora Teltak refletia sobre quais seriam as verdadeiras intenções da ação tresloucada dos rebeldes no interior da cidade. Não acreditava que Breth não soubesse desde o início de que o golpe fatalmente haveria de fracassar. Devia ser uma ação inspirada pelo desespero, ou então Breth visava um objetivo bem definido.
De início Teltak acreditara que os rebeldes pretendiam irradiar de qualquer maneira uma mensagem pelo hipertransmissor. Não sabia onde estava o possível receptor.
Teltak mandara que todas as forças disponíveis fossem destacadas para o edifício do transmissor, mas de repente lembrou-se de que talvez fosse justamente isso que Breth queria. Mas em nenhum outro lugar de Central City parecia haver uma ameaça de ataque. Será que os neutralistas tinham enlouquecido?
Teltak resolveu proteger-se contra uma eventual surpresa, e por isso distribuiu os guardas que tinham ficado por todos os lados do edifício do governo. Era possível que Breth Barba Negra tivesse a intenção de atacar o quartel-general.
No momento em que a luta em torno do transmissor chegava ao ponto culminante, Teltak ainda estava refletindo sobre a possível finalidade do ataque. Logo se verificara que os quinhentos rebeldes não tinham a menor chance diante das forças bem organizadas do governo. Só três neutralistas conseguiram chegar ao portão principal do edifício do transmissor, onde morreram no fluxo energético dos canhões.
Fazia quinze minutos que os sobreviventes tinham fugido. Teltak ordenara uma perseguição rápida. Apesar da vitória tão fácil, o sentimento de insegurança não quis abandonar Teltak. A idéia de que os rebeldes pudessem ser ingênuos a ponto de acreditar que poderiam atacar o transmissor com quinhentos homens não queria entrar-lhe na cabeça. Breth devia ter uma segunda intenção.
Teltak, que já tinha trocado o pijama pelo uniforme, ficou caminhando à frente da janela. Estava pensativo. O chefe dos neutralistas só poderia esperar que Teltak visse que havia alguma coisa atrás de um estratagema tão primário. Era por isso que Teltak ainda acreditava que se tratasse de um ato de desespero. Algum acontecimento desconhecido levara os rebeldes a tentarem, em quaisquer circunstâncias, enviar uma mensagem pelo potente transmissor.
Teltak começou a imaginar que Breth pretendia informar a Galáxia sobre a presença de Rhodan no planeta. Esta notícia traria a Frota terrana para Greendoor. Será que Breth Barba Negra pretendia usar os terranos para alcançar o poder em Plofos?
Alguma coisa estava acontecendo em Greendoor. Desde a chegada dos prisioneiros Teltak sentia-se preocupado. Agora chegava a ficar aflito. Perguntou a si mesmo se devia informar Iratio Hondro sobre o ataque. Chegou à conclusão de que seria ridículo incomodar o chefe supremo com uma ninharia destas. Os atacantes tinham sido rechaçados, o transmissor não sofrera o menor dano e nada indicava de que ainda houvesse algum perigo. Se transmitisse uma mensagem para Plofos, Hondro só teria um sorriso de compaixão.
Pela primeira vez Trat Teltak começou a recear que, com uma seqüência de acontecimentos infelizes, não pudesse receber o antídoto que garantia a conservação de sua vida. Se em Greendoor acontecesse alguma coisa que deixasse Hondro aborrecido, Teltak ficaria numa situação perigosa. Um colaborador de Hondro só podia cometer um erro; não teria oportunidade para o segundo. Teltak sempre achara este princípio correto, mas a esta altura começou a ter suas dúvidas quanto a isso.
Ficou aborrecido com seu nervosismo, que se tornava cada vez mais intenso, mas não conseguiu reprimi-lo. Nesse momento desejava possuir a visão de Hondro.
Mais uma notícia chegou. Os fugitivos haviam-se alojado na nova piscina e travavam uma luta encarniçada com seus perseguidores.
— Cerquem-nos — ordenou Teltak.
Teria sido por simples acaso que os neutralistas se tinham retirado para o edifício em construção, ou estariam visando um objetivo definido?
Teltak lembrou-se do planador derrubado pelas máquinas da polícia logo depois de ter tentado entrar em contato com os prisioneiros. O piloto fora morto, mas não havia a menor dúvida de que pertencia à organização dos neutralistas.
Este homem queria descobrir alguma coisa. Talvez sua incumbência consistisse em transmitir uma mensagem aos prisioneiros.
O nervosismo de Teltak crescia cada vez mais. Face a estes antecedentes, não se deveria concluir que o ataque tinha uma relação com os prisioneiros? Será que o avanço contra a emissora não tinha por fim afastar os soldados do edifício do governo?
De repente Teltak não se sentiu mais seguro na sala em que se encontrava. Inclinou-se apressadamente sobre o radiofone, a fim de chamar alguns grupos de volta ao quartel-general. Já não achava que era impossível que os rebeldes fizessem uma tentativa de libertar Rhodan e seus amigos.
Mas antes que tivesse tempo de transmitir a ordem, recebeu outra notícia alarmante. Um planador que patrulhava a periferia sul da cidade estava chamando.
— Centenas de drenhols estão irrompendo da selva, senhor — informou o piloto em tom exaltado. — Os homens já estão reforçando o anel de lança-chamas. Até parece que está havendo uma revolução na selva.
Teltak procurou enquadrar a nova ocorrência na moldura geral da situação. Sempre achara que a história de que os rebeldes sabiam utilizar as gigantescas árvores em benefício de seus objetivos não passava de uma lenda.. Agora isso já não lhe parecia tão inacreditável.
Solicitou outras informações.
— Não são somente os drenhols, senhor — anunciou o piloto. — Isto parece um verdadeiro inferno. Acho que o senhor deveria mandar com urgência reforços à periferia da cidade, senão os drenhols penetrarão na zona urbana.
Teltak começou a suar. Estava numa situação difícil. Não podia interromper a perseguição aos rebeldes, mas por outro lado tinha de proteger a cidade. Breth Barba Negra escolhera um momento favorável para o ataque. Não havia uma única nave de guerra plofosense nas proximidades de Greendoor. Trat Teltak dependia exclusivamente das unidades estacionadas na cidade.
Teltak deu ordem para que parte dos perseguidores bloqueassem a periferia da cidade. O edifício do governo teria de ser defendido com os guardas que continuavam no interior do mesmo. O chefe já não acreditava num ataque ao quartel-general. Acreditava que o avanço das plantas tinha por fim aliviar a situação dos rebeldes e permitir sua fuga.
Teltak telefonou para a cobertura do edifício.
— O senhor ainda tem um planador, Serton? — perguntou quando o guarda respondeu.
— Tenho, sim, senhor.
— Prepare-o para a decolagem — ordenou Teltak. — Logo estarei aí.
Trat Teltak entregou o radiofone a seu ajudante e saiu correndo. Pretendia voar à periferia da cidade. Um pressentimento sombrio dizia-lhe que alguma coisa iria acontecer. Por isso queria verificar pessoalmente as proporções da batalha.
O elevador levou o chefe à cobertura do edifício. Quando saiu para o ar livre, sentiu um vento frio e úmido. Serton correu ao encontro do mesmo, enquanto a capa de chuva ondulava atrás dele.
— Tudo preparado, senhor — gritou Serton.
Teltak acenou com a cabeça e correu para o planador. Entraram e Serton acomodou-se no assento do piloto. A máquina ergueu-se tranqüilamente da cobertura. Serton circulou mais um instante por cima do edifício e tomou a direção sul.
Trat Teltak olhou pela carlinga transparente em direção à cidade.
Não sabia que acabara de cometer o maior erro de sua vida...
Melbar Kasom só levou uma fração de segundo para descobrir que os quatro guardas só o veriam bem mais tarde do que ele os via. Quando o homem que se encontrava na frente levantou a arma, Kasom já estava atirando. Atrás dele Pearton praguejava fortemente e atirava para dentro da plataforma do elevador.
O plofosense que se encontrava à frente de Kasom tombou para fora do elevador, enquanto sua arma caía ruidosamente no chão. Outro homem tombou em cima da plataforma, enquanto o terceiro batia fortemente contra a parede traseira. O último guarda não estava ferido, mas não se rendeu. Atirou com sua arma de cano curto e atingiu um dos rebeldes, que caiu ao chão com um grito estridente.
Kasom saltou para dentro do elevador. Antes que o homem pudesse voltar a puxar o gatilho, foi atingido pelo punho enorme de Kasom. O plofosense caiu ao chão com um gemido.
Pearton apareceu ao lado de Kasom. Sua arma estava apontada para o homem inconsciente, mas Kasom afastou a mão do rebelde.
Pearton empertigou-se. Estava furioso.
— Ainda está vivo! — chiou.
— O senhor mesmo acaba de dizer que eu estou no comando — resmungou Kasom. — Não quero assassinatos.
Pearton apontou para a escuridão do porão.
— Este homem matou um dos nossos. Kasom colocou o homem inconsciente sobre seus ombros e carregou-o para dentro do porão, onde o colocou no chão. Pearton acompanhou a ação com uma expressão sombria.
— Quem se mostra condescendente para com os homens de Hondro geralmente não vive muito — disse em tom de advertência, mas Kasom sentiu que sua resistência já se quebrara.
O ertruso tirou os mortos do elevador. Recolheram as armas e subiram à plataforma. Pearton deu sinal de partida. O elevador deu um solavanco e foi subindo lentamente.
— Até parece que Teltak está desconfiado — disse Pearton em meio ao silêncio. — Certamente os guardas foram mandados para bloquear a entrada pelo porão.
O aparecimento dos quatro plofosenses deixara Kasom preocupado. Se as pessoas que se encontravam no interior do edifício do governo desconfiasse de que a tentativa de libertação era iminente, a operação se tornaria impossível. Mas de qualquer maneira já era tarde para voltar.
O elevador parou. A porta abriu-se. Smitty dissera a Kasom que entrariam numa sala grande. Do lado oposto ficava a entrada principal. A recepção grandiosa ficava à direita da entrada.
— Geralmente costuma haver três ou quatro plofosenses por lá — explicara Smitty. — Várias mulheres trabalham em fichários numa sala nos fundos. Não subestime as damas. Não usam armas, mas sua gritaria pode ter o efeito de um equipamento de alarme.
O agente da USO lembrou-se destas palavras enquanto olhava cautelosamente para fora do elevador. A porta principal estava fechada. Havia três homens armados postados à frente da mesma. Kasom fez sinal para que Pearton se aproximasse.
— Estão olhando para a cidade — cochichou o rebelde. — A idéia de que poderíamos vir daqui nem lhes entra na cabeça.
Por algum tempo ficaram observando a entrada. Havia três homens sentados atrás de uma parede transparente. Demonstravam um nervosismo evidente. Constantemente levantavam os olhos do trabalho e dirigiam-nos para os soldados postados junto à entrada.
O elevador de passageiros ficava à esquerda da entrada. Isso significava que Kasom e os rebeldes teriam de passar pelos guardas, e também pelos homens que se encontravam atrás da parede de vidro.
— Na sala de recepção existem equipamentos de alarme — disse Kasom. — Se eles nos virem, este hall será inundado por guardas dentro de um instante.
Pela primeira vez Pearton dava a impressão de que não sabia o que fazer. Kasom refletia intensamente.
De repente um homem de sobretudo cinzento aproximou-se, vindo do outro lado. Saíra da sala dos fundos, que ficava atrás da recepção. Carregava um pequeno embrulho e caminhava resolutamente em direção ao elevador de carga. Kasom empurrou Pearton para trás.
Ficou encostado à parede. O ruído dos passos do desconhecido tornava-se cada vez mais forte. A mão gigantesca de Kasom parecia sair do nada e agarrou a nuca do plofosense. Tomado de surpresa, o homem parecia grasnar e debateu-se furiosamente. Kasom não precisou fazer nenhum esforço para puxá-lo para cima da plataforma.
— Solte-me, Kasom — conseguiu dizer o homem que fora vítima do ataque. — O senhor parece ainda mais desajeitado do que eu receava.
— Smitty! — exclamou Kasom, surpreso. — Não o reconheci nestes trajes.
Soltou o contato, que fez um gesto zangado, passando a mão pelo sobretudo.
— Fico admirado de que tenha conseguido chegar até aqui — chiou. — Quase me esmagou.
— Sabia que o senhor pretendia encontrar-se conosco — admitiu Kasom. — Mas não podia...
— Trabalho como zelador — resmungou Smitty. — Queria que usasse smoking no trabalho?
— Não fale tanto. Diga como faremos para sair daqui — interveio Pearton em tom impaciente.
Smitty brindou-o com um olhar de desprezo.
— Sem minha ajuda não conseguirão — disse. — Mas estão com sorte. Teltak enviou a maior parte dos guardas ao transmissor. Ao todo só há cem homens armados no quartel-general.
— Só cem — repetiu Kasom. — Que bom!
— Estão espalhados pelo edifício — disse o agente dos neutralistas para tranqüilizá-lo.
— É bem verdade que no décimo oitavo pavimento há pelo menos vinte homens.
Kasom apontou para a entrada.
— Como faremos para chegar ao elevador de passageiros?
— Não chegarão — respondeu Smitty.
— Seria muito perigoso. Terão de usar as escadas.
Pearton pôs-se a praguejar.
— As escadas? Não chegaremos longe. Se formos por lá, todo mundo nos verá.
— É verdade — disse Smitty. — Por isso temos de distrair a atenção dos guardas. Cuidarei disso.
Pearton fitou o homem gordo com uma expressão de incredulidade.
— Como pretende fazer isso?
Smitty fez um gesto de pouco caso.
— Deixe isso por minha conta — disse.
— Terei de acompanhá-los na retirada. Depois de nossa fuga logo descobrirão de que não sou o lacaio estúpido pelo qual me fiz passar todos estes anos. Terei de voltar com os senhores para a selva.
— Antes de mais nada teremos de sair daqui — lembrou Pearton. — As escadas ficam ao lado do elevador. Poderia dizer como conseguiremos passar à frente da portaria?
— Distrairei os guardas — prometeu Smitty. — Preste atenção para não perder a oportunidade. — Deu um soco ligeiro em Kasom. — E o senhor deve prestar atenção para ver quem suspende no ar antes de entrar em ação.
Com estas palavras Smitty saiu do elevador. Pearton lançou um olhar de perplexidade para Kasom. O ertruso seguiu o contato com os olhos. Smitty caminhou calmamente em direção à portaria. Uma vez lá, bateu na parede de vidro. Os homens que se encontravam na sala de recepção olharam para ele. Smitty esboçou um sorriso estúpido e apontou para os guardas. Depois foi saindo muito devagar. Os homens seguiram-no com os olhos. Kasom viu o agente gritar alguma coisa para os guardas e apontar para a cidade. Os homens passaram a dedicar sua atenção aos edifícios que ficavam do lado oposto da rua, enquanto os homens que se encontravam na sala de recepção fitavam os guardas com uma expressão de curiosidade.
— Vamos! — ordenou Kasom. Saíram do elevador, correram através do hall enorme e dirigiram-se à escada. Kasom foi o primeiro a chegar. Parou nos degraus de baixo. Pearton saltou para perto dele, fungando. Os outros seguiram-nos de perto. Pearton respirava com dificuldade.
— Conseguimos! — exclamou em tom de alívio. — Até parece que este Smitty não tem nervos.
Kasom não se sentia seguro no lugar em que estavam. A qualquer momento alguém poderia descer pela escada ou entrar no edifício. O corrimão da escada era de placas de plástico escuro. Kasom deu ordem para que os homens sentassem nos degraus. Desta forma não poderiam ser vistos do andar de cima.
Dali a pouco chegou Smitty.
— Disse aos homens que estavam na recepção que iria mexer um pouco com os guardas. Mostrei a estes um planador desconhecido, que nem existia.
Tirou o sobretudo cinzento. Trazia uma pesada arma energética presa ao cinto da calça. Smitty não tinha mais nada do homem inofensivo que parecia ser.
— Levarão algum tempo para descobrir que eu os fiz de bobos — disse em tom zombeteiro. — Até lá temos de chegar pelo menos ao décimo andar.
Examinou calmamente a arma.
— Animarei um pouco o ambiente nos fundos do quarto andar — disse no tom de quem diz que vai dar um passeio. — Os guardas se concentrarão lá. O resto dependerá de vocês.
Acenou ligeiramente com a cabeça, brindou Kasom com um olhar pouco amistoso e foi-se afastando. Ouviram-no entrar no elevador de passageiros. Dali a três minutos ouviu-se um forte barulho vindo de cima. Dali a pouco as sereias de alarme começaram a uivar.
Os homens saíram correndo. Kasom saltava sete ou oito degraus de vez. Os guardas postados junto à entrada abandonaram seus lugares e correram para a sala interna. Dois dos homens de Pearton que tinham ficado atrás receberam-nos com uma verdadeira chuva de fogo. Dois dos homens atacados de surpresa morreram imediatamente, enquanto o outro fugiu gravemente ferido para a sala da recepção, onde os paisanos assustados procuravam abrigar-se atrás das escrivaninhas. Um grupo de mulheres jovens saiu gritando da sala dos fundos. Os homens de Pearton abandonaram suas posições e seguiram Kasom e os outros.
Um velho saiu de uma das salas do segundo andar. Segurava uma minúscula pistola. Quando viu o temível Kasom à frente de um grupo de indivíduos de aspecto desleixado subindo a escada, deixou cair a arma com um grito e retirou-se para o interior da sala.
— Vamos! — gritou Kasom com a voz retumbante, que superou até mesmo o uivo estridente das sereias. Tudo dependia de que subissem o maior número de andares que fosse possível.
No terceiro andar Smitty veio mancando ao seu encontro. Tinha o rosto desfigurado pela dor, mas havia um brilho de triunfo em seus olhos.
— Estão revistando as salas dos fundos à nossa procura — disse. — Já podemos tomar o elevador para subir mais depressa.
Seguiram o agente e entraram no elevador. Smitty deu partida no mesmo. Quando ainda não haviam subido três metros, a cabine parou de repente. Havia um silêncio total. Nem mesmo o ruído das sereias conseguia penetrar no poço.
Não conseguiram abrir a porta.
— Droga! — cochichou Pearton e sacudiu a arma num gesto de ameaça. — O que significa isso?
— Desligaram o elevador — respondeu Smitty com a voz triste. — Querem evitar que qualquer pessoa estranha possa usá-lo.
— Talvez saibam que estamos aqui — conjeturou um dos rebeldes.
— Não — Smitty examinou o quadro de comando que ficava junto à porta. — Mas não demorarão a descobrir.
Kasom blasfemou contra o azar que estavam tendo. Já esperava que conseguissem chegar ao décimo oitavo andar sem sofrer grandes perdas. E agora estavam presos num recinto apertado, sem poderem subir nem descer. Era apenas uma questão de tempo que os guardas controlassem a cabine do elevador. Quando isso acontecesse, a vida dos rebeldes e de seu aliado ertruso não valeria mais nada.
Enquanto Smitty ainda estava examinando o quadro de comando, a luz apagou-se.
— Desligaram o gerador — disse Smitty em tom indiferente. — Estamos presos numa armadilha...!
O primeiro uivo estridente fez com que Rhodan saísse da poltrona com um salto. No primeiro instante teve a impressão de que o ruído vinha da cidade, mas logo se deu conta de que as sereias estavam soando no interior do edifício.
André Noir saiu correndo do quarto. Bell foi apressadamente à janela para lançar um olhar para fora. Enganara-se da mesma forma que Rhodan.
— O que é isso? — perguntou. — Um ensaio?
Rhodan, que há horas estava olhando para a cidade, abanou a cabeça. Durante todo esse tempo tivera a impressão de que alguma coisa estava acontecendo. Vários planadores tinham decolado da cobertura do quartel-general e todos saíram voando na mesma direção. Vira várias viaturas policiais correrem vertiginosamente pelas ruas, em direção ao centro da cidade.
Parecia haver um incêndio em Central City. Nuvens de fumaça escura subiam entre dois edifícios altos. O comportamento da população nas ruas também era estranho. Pelo que Rhodan pôde ver, os homens estavam nervosos e discutiam apaixonadamente.
E agora o alarme estava soando no interior do edifício do governo. O que estava acontecendo em Greendoor? Será que o planeta sofria um ataque vindo do espaço? Ou seria um comando especial da Frota terrana que acabara de descer em sua superfície? Rhodan reprimiu imediatamente os pensamentos esperançosos. Nenhum terrano sabia que ainda estava vivo. Iratio Hondro tomara todas as providências para que a notícia de sua morte e da de Atlan se espalhasse pela Galáxia.
Lembrou-se do planador derrubado. Era possível que em Greendoor houvesse organizações rebeldes com as quais o chefe supremo tinha que defrontar-se. Quem sabe se não tinha sido praticado um ato de sabotagem?
Noir foi à porta e sacudiu-a. Normalmente um guarda aparecia toda vez que mexiam na porta, mas desta vez tudo ficou quieto. O mutante ergueu as sobrancelhas. Repetiu suas tentativas junto à porta, mas o êxito continuou a ser nulo.
— Parece que no momento existem coisas mais importantes que nossas pessoas — conjeturou Atlan, que era o único que continuava imóvel em seu lugar.
— Talvez isto seja uma oportunidade de fugir — disse Bell. — Os plofosenses estão ocupados com outras coisas. Acho que devemos tentar.
— Não podemos fugir aos efeitos do veneno — observou Atlan em tom seco. — Pensei que você já tivesse compreendido, gordo.
— Ainda não sabemos o que significa isso — observou Rhodan em tom pensativo. — Vamos aguardar o desenrolar dos acontecimentos.
O que não podia imaginar é que alguns andares abaixo Melbar Kasom estava preso no elevador.
A selva de Greendoor estava fervendo. Uma parede verde parecia avançar ininterruptamente contra a frente dos lança-chamas. O planador estava quase totalmente envolto na fumaça. Serton manobrava a máquina habilmente junto à periferia da cidade. Os primeiros destacamentos do exército vinham pela rua. Os primeiros edifícios tinham sido esmagados pelos drenhols. Troncos em chamas fechavam as ruas. Teltak teve a impressão de ver vultos que corriam em meio à confusão. Eram os soldados da força policial plofosense que lutavam nas primeiras filas contra os invasores.
Trat Teltak percebeu que não eram só os drenhols que avançavam contra Central City. Os homens que guarneciam os lança-chamas mal sabiam como proteger-se contra as folhas venenosas que vinham pelo ar.
Os drenhols tinham arrastado verdadeiras hordas de parupkas para a periferia da cidade. Os parupkas arremessavam seus bulbos de sementes em direção aos planadores. Atraídos pelo calor muito intenso dos bocais dos jatos, os bulbos penetravam nas saídas desses jatos onde endureciam imediatamente e provocavam a queda do veículo voador. Mais de uma vez Serton teve de entrar em mergulho para escapar aos bulbos de semente que tinham o tamanho de uma cabeça humana.
O chefe ficou amargurado ao ver o caos que se espalhava lá embaixo. Precisava concentrar todas as forças disponíveis neste lugar, pois só assim poderia deter as plantas. Nem conseguia imaginar o que poderia acontecer se alguns dos gigantescos drenhols penetrassem na cidade. Teltak sabia que não era só a cidade que estava em jogo; sua vida também corria perigo. Se falhasse, Hondro o castigaria sem demonstrar a menor contemplação. Usou o rádio do planador para convocar novas forças para o campo de batalha. Só um pequeno grupo ficou junto à piscina, para manter os neutralistas sob controle.
— Aqui é muito perigoso — disse Serton. — Se não quiser pousar, deveríamos recuar um pouco, senhor.
Teltak compreendia o receio do piloto. Mas não poderia ter a menor consideração pelos sentimentos deste homem. Se necessário, teriam de arriscar um pouso de emergência. Bem que gostaria que Hondro não tivesse viajado para Plofos. Se o chefe supremo estivesse presente em Greendoor, ele mesmo cuidaria de tudo. Teltak começou a compreender que não passava de um boneco de Hondro, incapaz de tomar uma decisão lúcida num momento crítico.
Embaixo dele três drenhols estavam passando por cima de um edifício desabado. As enormes raízes das árvores pareciam dedos gigantescos tateando sobre os escombros. Alguns dos galhos-chicote estavam em chamas, mas isso não impedia os drenhols de avançarem cada vez mais. Com uma coragem que beirava à loucura, os homens que manipulavam os lança-chamas penetravam constantemente na trajetória das árvores. Teltak não se arriscou a dar ordem para lançar bombas, pois isso poderia pôr em perigo os edifícios situados na periferia da cidade.
Serton fez o planador subir tão de repente que Teltak perdeu o apoio e escorregou para fora da poltrona.
— Parupkas — informou o piloto por entre os dentes semicerrados.
Teltak voltou a sentar-se.
Nesse momento recebeu um chamado do quartel-general. Era seu ajudante.
— Senhor — disse este com a voz nervosa. — O senhor precisa voltar imediatamente.
Teltak viu a desgraça desabar sobre ele. Os pensamentos mais terríveis atravessaram sua cabeça. Obrigou-se a permanecer calmo.
Serton observava-o de lado. Não poderia expor-se diante do piloto. Perderia toda a autoridade.
— O que aconteceu? — perguntou com a voz controlada.
— Não... não sei — respondeu o ajudante com a voz insegura. — Parece que houve uma invasão dos neutralistas. Houve tiroteios no edifício do governo, mas ainda não conseguimos descobrir os rebeldes.
O rosto de Teltak mudou de cor. Sentiu uma raiva indomável.
— Quer dizer que o senhor não é capaz de rechaçar um punhado de rebeldes?
— Não conseguimos encontrá-los — disse o homem em sua defesa. — Provavelmente não demoraremos a constatar que tudo não passa de um engano. É possível que seja apenas a ação isolada de um maluco.
Teltak não acreditava num acaso para uma situação como esta. Havia um método nos ataques simultâneos. Breth Barba Negra tinha um plano. O ataque ao transmissor fora apenas um truque. Mas o que significava o ataque das plantas na periferia da cidade?
Teltak sentiu-se arrastado de um lado para o outro. Não sabia o que fazer.
— Houve alguma coisa com os prisioneiros? — perguntou em tom preocupado.
— As lutas foram travadas nos primeiros andares — informou o ajudante do chefe. — Nos andares de cima continua tudo calmo.
Teltak respirou aliviado. Fossem quais fossem os acontecimentos que se desenrolavam no edifício do governo, não parecia haver nenhum risco para a segurança dos prisioneiros.
— Voltarei imediatamente — anunciou. — Enquanto isso procure descobrir onde estão escondidos os intrusos.
Fez um sinal para Serton. O piloto mudou de rumo, mas no mesmo instante houve um solavanco e o planador começou a balançar como se tivesse sido atingido por uma lufada de vento. Teltak segurou-se e lançou um olhar apavorado para Serton. O piloto tentou controlar a máquina, mas esta foi perdendo altura e deslocando-se em direção à periferia da cidade.
— O que está fazendo? — gritou Teltak, fora de si. — Deste jeito cairemos na selva.
Serton fez um esforço desesperado para recuperar o controle do planador.
— Sementes de parupka — disse laconicamente. — Parece que não podemos mais manobrar a máquina, senhor.
A vista de Teltak turvou-se. Sentiu um enjôo. Sentiu-se dominado por um medo selvagem, misturado com pânico. Afastou Serton com um empurrão e levantou-se de um salto. Moveu furiosamente os comandos. O planador reagiu dando saltos, mas não mudou de rumo.
Teltak viu uma massa turbilhonante aproximar-se. Era a mata que girava embaixo deles, como se estivessem sentados num enorme carrossel. Com isso o chefe descontrolou-se de vez. Precipitou-se sobre Serton. O piloto recuou, estupefato, mas no interior da carlinga estreita não podia desviar-se do ataque.
— O senhor é um neutralista — gritou Teltak. — Recebeu ordem para matar-me.
— O senhor está enganado — objetou Serton imediatamente. Viu-se estarrecido diante da irrupção de seu superior.
Teltak segurou-o pela gola do uniforme.
— Vamos, diga logo! Quais são suas intenções?
Serton começou a temer pela sua vida. O planador continuava a descer. Dentro de mais alguns minutos atingiria o solo e explodiria, a não ser que Serton conseguisse retomar os controles.
A máquina descreveu outra curva e voltou à periferia da cidade. Serton olhava diretamente para o calor ofuscante dos lança-chamas. Até parecia que as chamas já subiam ao lugar em que se encontravam. Um verdadeiro granizo de sementes de parupka atingiu o planador.
Neste momento Teltak recuperou o auto-controle. Soltou Serton e voltou cambaleante ao seu assento. Serton sacudiu-se como quem quer livrar-se de uma pressão invisível e precipitou-se sobre os controles. Os dois bocais de jato estavam entupidos pelas sementes. Serton apressou-se em desligar o propulsor. Havia o perigo de explosão, porque os gases não conseguiam escapar. Num movimento resoluto, Serton desprendeu as duas saídas de jato. Já não tinha a menor possibilidade de manter o planador no ar, mas o perigo de explosão tinha sido reduzido a um mínimo.
A máquina tinha atravessado a linha periférica da cidade e balançava em cima da rua. Embaixo dela os soldados saíram correndo para todos os lados, para não serem feridos na queda que era esperada.
O rosto de Serton transformara-se numa máscara. Teltak choramingava baixinho. O piloto viu a parede cinzenta de um grande edifício aproximar-se, mas como que por um milagre o planador voltou a subir mais uma vez.
A voz do ajudante de Teltak saiu do rádio. Serton não lhe deu atenção. O crepitar das chamas chegava até a carlinga. O planador voltou a deslocar-se em direção à periferia da cidade. Serton prendeu a respiração. Se ultrapassassem o anel dos lança-chamas, estariam perdidos, pois dentro de alguns segundos os drenhols quebrariam a carlinga e os matariam.
Havia um movimento convulsivo no rosto de Serton. Imaginou que não teria mais futuro, mesmo que sobrevivesse à queda do planador. Teltak nunca esqueceria que o piloto assistira um dos seus momentos de fraqueza. Um homem como Teltak não gostava de ser observado numa situação destas.
Apesar de tudo o piloto não hesitou um instante em fazer tudo que estivesse ao seu alcance para salvar sua vida e a de Teltak.
O veículo foi perdendo velocidade e continuou a descer. Uma parede de árvores em chamas surgiu à frente de Serton. O planador parecia correr diretamente para dentro da mesma. Serton passou a língua pelos lábios ressequidos. Era estranho, mas já não sentia medo. A máquina tocou o solo. Serton agarrou-se à poltrona. O planador voltou a subir como se tivesse recebido uma pancada, bateu em alguma coisa e saiu do campo de visão de Serton como se um contra-regra invisível tivesse afastado uma gigantesca cortina. Um edifício desmoronado apareceu à sua frente. O planador parecia querer capotar, mas o destino misericordioso fez com que antes disso ele se precipitasse para dentro de um montão de destroços. O impacto fez com que Serton fosse arrancado da poltrona e atirado contra a carlinga. Teltak levantou-se cambaleante. Sentiu uma dor penetrante na nuca. Fez um esforço para controlar-se. O sangue descia por seu rosto. Ouviu a gritaria dos soldados, vinda do lado de fora. Levantou os olhos. Dois drenhols em chamas caminhavam em direção ao planador, vindos dos destroços do edifício. Parecia um pesadelo. Serton soltou um grito e precipitou-se para a saída. A voz do ajudante continuava a sair do rádio. O homem que se encontrava no edifício do governo parecia totalmente confuso. A saída emperrara. Serton pôs-se a praguejar. Correu de volta para o assento do piloto e tirou a arma energética do coldre.
Fez pontaria ligeiramente e puxou o gatilho. Uma coisa escura passou por cima da carlinga. Era o braço-chicote de um drenhol. De ambos os lados do planador os lança-chamas dos soldados que se aproximaram correndo entraram em atividade. O calor da arma energética de Serton derreteu a fechadura emperrada. O caminho estava livre. Uma verdadeira torrente de ruídos envolveu o piloto. O ar puro penetrou na carlinga, trazendo consigo o cheiro repugnante das plantas queimadas. Serton saiu cambaleante, sem ver onde estava pisando. Dois soldados do exército plofosense recolheram-no nos braços.
— Teltak está no planador — disse com grande esforço.
Ouviu ordens serem gritadas. Depois disso foi carregado para longe da área de perigo. Pela primeira vez deu-se conta do ambiente em que se encontrava. Olhou para trás e viu o planador totalmente destruído, que já estava envolto em chamas. Um grupo de soldados saiu das nuvens de fumaça, juntamente com Teltak.
Serton sentiu que tremia por todo o corpo. O que mais desejava era ficar em paz, mas imaginou que naquele momento não poderia contar com isso. Teltak libertou-se dos braços de seus salvadores e saiu correndo em direção a Serton.
“É agora”, pensou Serton, muito cansado, e nesse momento deu-se conta do absurdo que representava a estrutura do governo plofosense, que era capaz de produzir homens como Teltak.
Mas Teltak limitou-se a dizer:
— Precisamos ir imediatamente ao edifício do governo.
Serton viu que o chefe sofrera queimaduras graves. Um dos soldados derramou pele líquida sobre Teltak. Dois canecos com um líquido fumegante foram trazidos. Serton sorveu-o em goles ligeiros e sentiu que o cansaço o abandonava.
Teve a impressão de que Teltak estava sendo martirizado pelas mesmas preocupações que ele. Teria de prestar contas a Hondro.
Teltak atirou para longe a caneca e reuniu trinta soldados.
Sabia que estava no lugar errado, mas queria tentar tudo para chegar em tempo ao cenário correto.
Atrás dele continuava a ser travada a luta impiedosa contra a selva que avançava cada vez mais. Uma gigantesca nuvem de fumaça pendia preguiçosamente sobre a periferia de Central City. A natureza parecia revoltar-se contra os donos de Greendoor, para vingar-se das derrotas sofridas nas últimas décadas.
— Precisamos sair daqui — disse Melbar Kasom.
— Como pretende fazer isso? — perguntou Pearton em tom resignado.
— Vamos queimar um buraco na cobertura da cabine — sugeriu Kasom. — Depois procuraremos subir pelo poço ao andar de cima.
— O elevador é movimentado por meio de um campo magnético — disse Smitty. — No poço não existe nada em que a gente possa segurar-se.
— A cabine não pode estar muito longe do andar de cima — disse Kasom. — Posso ficar de pé sobre a mesma. Os homens subirão aos meus ombros e tentarão atingir a saída.
Os neutralistas começaram a discutir a sugestão de Kasom. O ertruso percebeu que a maioria era favorável ao plano, mas não queria confessá-lo diante de Pearton, que se mantinha cético. Depois de algum tempo Smitty interrompeu a discussão.
— Não custa tentar — disse. — Não temos nada a perder.
Pearton concordou. Agacharam-se no chão do elevador. Kasom e Smitty abriram fogo contra a cobertura. Era uma operação arriscada, pois a cobertura desmanchou-se em fogo, e as peças que não se evaporaram caíam sobre os homens. Kasom previra isso e cobrira a cabeça com a manta. Ouviram-se gritos de dor e os homens ficavam se debatendo para apagar o fogo em suas roupas. Um dos rebeldes sofreu ferimentos tão graves que morreu antes que a cobertura fosse destruída e a escuridão voltasse a reinar na cabine. Kasom ligou a lanterna de Pearton e dirigiu o feixe de luz para o alto. Teve a impressão de que a abertura entrecortada era bastante grande para deixá-lo passar. Desligou o microgravitador e saltou para cima sem o menor esforço. A beirada estreita que sobrava era suficiente para apoiar os pés do ertruso. As pernas de Kasom passaram a formar uma espécie de ponte por cima da cabine.
Embaixo dele os rebeldes formaram uma pirâmide. Finalmente Kasom pôde segurar as mãos estendidas do primeiro homem e puxá-lo para cima. Era Pearton. Kasom entregou-lhe a lanterna. Depois suspendeu o neutralista.
— Estou conseguindo — disse Pearton. Kasom viu que o rebelde se segurava na porta do andar de cima.
— Pode abri-la? — perguntou Kasom.
Pearton deu resposta afirmativa.
— Faço votos de que lá fora não estejam à nossa espera.
Desligou a lanterna e abriu a porta. A luz penetrou no poço. Kasom prendeu a respiração.
— Tudo bem! — disse Pearton em voz baixa.
Kasom pegou mais um homem e levantou-o. Pearton ajudou os rebeldes a saírem do poço. Desta forma conseguiram abandonar o elevador. Kasom foi o último a sair. Como seu microgravitador estava desligado, tornou-se fácil aproveitar a gravitação reduzida. Com um salto leve atingiu a saída e atravessou a porta.
Encontravam-se num corredor comprido, que à sua direita terminava num hall. Não havia ninguém no corredor, mas do hall vinham vozes. A esquerda do elevador a escada continuava a subir.
Pearton, que não demorara a recuperar sua segurança habitual, apontou com a arma para a escada.
— Parece que o caminho está livre — disse.
Smitty. saiu mancando à frente. Kasom voltou a ligar o microgravitador. Só agora o ertruso notou que o alarme tinha sido desligado. Mas isso não significava nada. Sem dúvida os plofosenses que se encontravam no interior do edifício do governo já sabiam que havia algo de errado. Kasom podia imaginar perfeitamente que uma busca febril estava em andamento, com o fim de localizar os intrusos. Esperava que a confusão que se espalhara entre as tropas de Hondro era tamanha que não se lembravam da primeira medida que deveriam tomar: ocupar todas as escadarias depois de terem desligado o elevador.
Mas a sorte continuou a favorecê-los. Chegaram ao décimo andar sem que ninguém se interpusesse em seu caminho.
Mas ali começaram as dificuldades. Um grupo de guardas fortemente armados desceu do décimo primeiro andar. Os homens usavam o uniforme azul da Guarda Azul de Iratio Hondro. Em suas jaquetas brilhava um “V” vermelho. Esse “V” significava vitória, pois os plofosenses acreditavam que alcançariam a vitória que lhes garantiria o domínio da Via Láctea.
Os sete plofosenses viram os rebeldes no mesmo instante em que foram vistos por estes. Sua reação foi imediata. Desapareceram atrás das placas de plástico que revestiam o corrimão e abriram fogo. Os primeiros tiros mataram dois rebeldes.
Kasom acreditava que poderiam ter abatido pelo menos um inimigo antes que os plofosenses se abrigassem. Era bem verdade que os homens de Hondro tinham uma vantagem. A única coisa que tinham que fazer era esperar reforços, enquanto os intrusos precisavam avançar de qualquer maneira se não quisessem ser envolvidos por uma enorme superioridade de forças.
Com a perda de mais dois homens, o grupo de Kasom ficou reduzido a sete combatentes. Apesar de seu excelente armamento, não podiam sustentar-se diante da superioridade de forças.
— Precisamos tomar a escada de assalto — cochichou Kasom para Pearton.
— Isso seria suicídio — retrucou o neutralista.
Os guardas ainda hesitavam em atacar os intrusos. Sabiam que uma luta aberta causaria danos graves ao edifício. Se esperassem reforços, poderiam derrotar os rebeldes sem grandes perdas.
— Aqui não podemos ficar — constatou Smitty em tom categórico. Pôs a mão no bolso e tirou duas cápsulas redondas. Piscou os olhos e entregou-as a Kasom.
— O senhor é capaz de jogar isto até a parte superior da escada? — perguntou.
Kasom fez que sim. As cápsulas eram mais pesadas do que Kasom esperara, mas ele as atiraria até a outra extremidade da cidade se fosse necessário. Fez pontaria cuidadosamente e atirou as cápsulas para o abrigo dos guardas.
Kasom esperava ver um lampejo ou ouvir uma explosão, mas nada aconteceu. Depois de dois minutos Smitty levantou-se e fez sinal para que os outros o seguissem.
Ouviram o ruído de vozes vindo de baixo.
Smitty saiu mancando à sua frente. Alguns paisanos aproximaram-se, vindos do hall, mas retiraram-se aos gritos assim que avistaram os rebeldes.
Os homens de Hondro com seus uniformes azuis estavam deitados nos degraus, inconscientes, quando os neutralistas chegaram perto deles.
— É um gás dos nervos de ação rápida — explicou Smitty. — Já se espalhou.
A gritaria dos paisanos parecia ter alarmado os soldados que se encontravam nos andares inferiores. Ao que tudo indicavam, teriam de contar com uma perseguição vinda de baixo.
Chegaram ao décimo sétimo andar sem encontrar resistência. Alguns guardas com que se encontraram não tiveram alternativa senão fugir.
Mas no décimo oitavo andar havia gente à sua espera. A escada estava fechada por uma barricada. Havia pelo menos vinte plofosenses atrás da mesma.
O barulho dos perseguidores vindos de baixo tornava-se cada vez mais forte. Os rebeldes pararam e ficaram bem encostados à parede. Pearton e Smitty foram para perto de Kasom.
— Ali não passaremos — disse Pearton, lançando um olhar para cima.
Kasom olhou para Smitty.
— Ainda tem bombas de gás?
O contato abanou a cabeça. Seu rosto estava cinzento de dor, mas nenhum queixume passou por seus lábios. Os guardas que se encontravam no décimo oitavo andar pareciam tê-los descoberto, pois dispararam furiosamente contra os intrusos, sem atingir ninguém. A gritaria dos perseguidores mostrava que estes haviam notado o tiroteio.
Kasom percebeu que se encontravam numa armadilha: à sua frente duas dezenas de defensores só esperavam o momento em que os rebeldes entrassem em sua linha de tiro — e atrás deles aproximava-se uma horda de atacantes...
As sereias silenciaram. Seguiu-se um silêncio deprimente. Até parecia que não havia mais vida no interior do edifício do governo. Rhodan tinha certeza de que alguma coisa havia acontecido, mas não havia nenhuma circunstância que apontasse uma ocorrência especial. Talvez fosse apenas um ensaio.
Nos últimos dias Rhodan só pensava no Império. Os prisioneiros não sabiam nada, além das informações fornecidas por Teltak. Ao que parecia, a influência da Terra no interior da Galáxia tinha desaparecido. Nada indicava que Allan D. Mercant ou Julian Tifflor estivessem controlando os acontecimentos. Provavelmente a humanidade terrana estava como que paralisada pela morte de seus dirigentes.
Rhodan não era um homem capaz de desistir enquanto estivesse vivo, mas também não era nenhum sonhador. Estava vivo, mas Hondro prendera-o por meio do veneno injetado em seu corpo.
Reginald Bell caminhava nervosamente de um lado para outro. Noir voltara a recolher-se ao quarto, embora segundo suas informações Teltak tivesse abandonado o edifício. Rhodan não acreditava que a tentativa do hipno fosse bem-sucedida. A periculosidade do mutante era conhecida. Rhodan sabia perfeitamente que controles eram realizados a intervalos regulares, a fim de impedir que Noir pudesse utilizar suas faculdades paranormais.
Atlan parecia ser o único que suportava relativamente bem a situação atual. Falava pouco e não dava sinais de nervosismo.
Os pensamentos de Rhodan foram interrompidos por uma gritaria vinda do lado de fora. Homens passaram correndo junto à porta. Rhodan não compreendia o que gritavam uns para os outros, mas suas vozes pareciam nervosas. O Administrador Geral começou a ficar preocupado. O que estava acontecendo no quartel-general dos plofosenses neste mundo?
Objetos pesados eram arrastados pelo corredor, bem em frente à porta da sala em que se encontravam. Rhodan ouviu o arranhar, as batidas e o deslizar das cargas. Depois disso o barulho voltou a diminuir.
Dali a alguns minutos ouviu-se o chiado característico das armas energéticas leves. Atlan também se animou. Levantou-se de um salto e aproximou-se da porta, colocando-se ao lado de Bell que escutava atentamente. Noir entrou na sala e lançou um olhar indagador para Rhodan.
— Estão lutando lá fora — conjeturou Bell. — Parece que alguém entrou no quartel-general. — Seus olhos chisparam. — Precisamos aproveitar a oportunidade. Os guardas não podem cuidar de nós. Devem ter outros problemas.
Lançou os olhos pela sala. Pegou uma cadeira pesada e começou a bater na porta. As batidas produziram ruídos ocos, mas o material era muito resistente.
Atirou para longe a cadeira, recuou alguns metros e atirou-se com todo o peso de seu corpo contra a porta. Foi atirado para trás, sem conseguir o menor resultado.
De repente outra porta abriu-se. Um dos guardas entrou. Havia uma expressão zangada em seu rosto. Carregava uma arma manual e apontou-a para os prisioneiros em atitude ameaçadora.
— Fiquem quietos, se não quiserem morrer — gritou e logo voltou a desaparecer, fechando ruidosamente a porta atrás de si.
Rhodan afastou Bell da porta. Este cedeu a contragosto.
— Não adianta — disse. — Temos de aguardar os acontecimentos.
Vira perfeitamente que o guarda estava com medo. Sua autoconfiança parecia profundamente abalada. Um grupo de desconhecidos tinha atacado o quartel-general. Mas a única coisa que os prisioneiros podiam fazer era esperar.
Rhodan estava cada vez mais nervoso. Seu pressentimento, que nunca o enganara, dizia-lhe que a luta tinha relação com eles quatro.
Atlan aproximou-se devagar. Havia uma expressão estranha em seu rosto.
— Estava fazendo votos de que as pessoas que penetraram no edifício do governo não fossem nossos amigos — disse em tom cansado.
Rhodan fitou-o. Parecia estupefato.
— Será muito difícil convencê-los de que não podemos acompanhá-los — prosseguiu o arcônida.
Aos poucos Rhodan começou a compreender aonde Atlan queria chegar.
— Quer dizer... — principiou, Atlan acenou com a cabeça.
— Temos de ficar aqui de qualquer maneira, para receber o antídoto que nos manterá vivos.
Rhodan entesou-se.
— Pois eu fugiria se tivesse oportunidade — disse em tom resoluto. — Nossos médicos possuem bastante experiência para descobrir um antídoto.
— Resta saber se conseguirão descobri-lo antes que seja tarde — respondeu Atlan com uma ironia indisfarçável. — Mas compreendo, bárbaro; afinal, você é um terrano. Vocês não podem agir de outra forma.
A conversa foi interrompida por uma vibração. A sala tremeu. Atlan sorriu.
— Parece que a luta atingiu o ponto culminante — disse com a voz tranqüila.
Rhodan estava cada vez mais tenso. Sentia que uma mudança decisiva era iminente. Não queria acreditar que o tempo do domínio terrano já tivesse chegado ao fim. Enquanto respirasse, lutaria pela Humanidade. O arcônida era um homem sem povo, desprezado pelos indivíduos de sua raça e apenas tolerado pelos terranos. Era e sempre seria um solitário, um andarilho dos tempos, que apesar da coragem revelada nos combates sempre continuaria a ser um filósofo.
O ruído da luta parecia deslocar-se em direção à sala na qual se encontravam. Rhodan perguntou a si mesmo quem estava para chegar. Seriam amigos ou inimigos? Acreditava que dentro de mais alguns minutos saberia.
O rosto de Pearton parecia ainda mais magro quando lançou os olhos escada abaixo. Para Kasom não era difícil imaginar os pensamentos do rebelde. Pearton defrontava-se com a morte certa, e morreria por pessoas que provavelmente não significavam nada para ele.
Os perseguidores já tinham chegado ao andar imediatamente inferior. A julgar pelo barulho, pelo menos vinte homens estavam subindo.
Smitty tirou do bolso um pedaço de cano curto.
— Esperava que pudesse evitar isso — disse, dirigindo-se a Kasom. — Mas na situação em que nos encontramos não tenho outra alternativa.
Girou um pequeno disco de regulagem que ficava numa das extremidades do tubo e olhou por cima do corrimão da escada. Kasom viu-o deixar cair o tubo.
— Deitem! — gritou Smitty e encolheu-se num degrau.
Dali a dois segundos veio a explosão. Por um instante Kasom pensou que o edifício fosse desabar. Sentiu-se ofuscado por uma língua de fogo branca. A escada tremeu, as enormes janelas ressoaram como se fossem um tambor imenso e espatifaram-se. Pedaços de plástico e reboco voaram pelo ar.
— Uma bomba. Será que o senhor está louco? — chiou Pearton e rastejou pelos degraus, em direção a Smitty. — Quer matar todo mundo?
Smitty ergueu-se, apoiando-se no corrimão meio demolido. Nuvens de fumaça e poeira subiam ao lugar em que se encontravam. Kasom levantou-se e olhou por cima do corrimão. Parte da subida tinha sido demolida. A maior parte dos degraus deixara de existir. As paredes estavam empretecidas e apresentavam rachaduras. Kasom viu os cadáveres de alguns guardas entre os escombros.
O ertruso virou-se para outro lado. Um dos rebeldes fora mortalmente atingido por um fragmento. Em compensação Smitty conseguira mais um prazo para os sobreviventes.
Os rebeldes foram muito mais fortemente atingidos pelos efeitos da explosão que o robusto Kasom. Dois homens estavam feridos e os outros pareciam um pouco atordoados. Pearton deixou claro que não concordava com a atitude que Smitty acabara de tomar.
Smitty enfrentou a verbosidade de Pearton com o rosto indiferente.
— Daqui por diante os homens de Hondro já não terão dúvidas em usar armas pesadas — disse Pearton, furioso.
— Se tiverem — respondeu Smitty. Kasom interrompeu a discussão travada pelos dois neutralistas.
— Deste jeito não conseguimos nada — disse em tom áspero. — Temos de atravessar as barricadas antes que cheguem reforços.
— Talvez Smitty tenha mais uma bomba — disse Pearton em tom irônico.
— Infelizmente não — respondeu o agente.
Kasom olhou para o andar de cima. O corrimão seguia em ângulo reto junto à escada. Tinha mais de um metro de altura. Ficava a sete metros do lugar em que se encontravam. Kasom prendeu a arma ao cinto.
Estava decidido a romper a última posição de defesa.
— O que pretende fazer? — perguntou Smitty.
— Quero que me dê cobertura — pediu Kasom. — Mantenha os caras que estão lá em cima ocupados, evitando que olhem para trás. Tentarei saltar até o corrimão.
Smitty parecia cético.
— São pelo menos sete metros, Kasom — ponderou.
— O corrimão fica afastado da parede — respondeu Kasom. — Posso segurar-me na saliência do teto, a cinco metros da altura. Depois puxo o corpo para cima, salto por cima do corrimão e lanço um ataque de flanco contra os defensores.
Kasom sabia perfeitamente que teria de fazer um esforço enorme para fazer o que acabara de dizer. Mas era sua única chance de derrotar os plofosenses que se encontravam lá em cima.
Kasom desligou tranqüilamente o microgravitador. Os rebeldes avançaram mais alguns degraus e abriram fogo com suas armas energéticas. A resposta dos defensores foi uma risada de escárnio. A temperatura subiu. Kasom deu alguns saltos menores. Seus ouvidos zumbiam com o rugido das armas. O corpo gigantesco do ertruso entesou-se que nem uma mola. Os defensores responderam ao fogo. A escadaria parecia tornar-se incandescente. Pequenas chamas dançavam pelas paredes. O revestimento de plástico do corrimão entrou em ebulição.
Kasom impeliu-se do chão. Pusera toda a força de seus músculos no salto. Estendeu os braços para cima.
Se não conseguisse segurar-se, cairia para trás e quebraria o pescoço. O calor tornou-se insuportável. Kasom fechou as mãos. Os dedos agarraram-se à saliência; quase chegaram a ficar grudados na mesma. As mãos de Kasom estavam molhadas de suor e por pouco não escorregaram. Ficou balançando entre a vida e a morte. Sabia que os rebeldes olhavam ansiosamente para ele, à espera do momento em que perdesse o apoio e caísse. Mas nem por isso suas armas silenciaram.
Kasom cerrou os dentes. Levantou seu pesado corpo centímetro após centímetro. Conseguiu segurar a extremidade superior com uma das mãos. O resto foi fácil. Tudo dependia de que não fosse descoberto.
Atirou-se por cima do corrimão e foi parar no corredor principal do décimo oitavo andar. Os plofosenses se tinham entrincheirado a apenas dez metros do lugar em que se encontrava, junto à escada. Kasom viu seus rostos tensos, enquanto se abrigavam atrás do corrimão. Os soldados concentravam sua atenção nos acontecimentos que se desenrolavam no andar de baixo.
De repente um dos homens virou a cabeça e olhou diretamente para Kasom. Algum instinto inexplicável parecia tê-lo prevenido. Quando viu o gigante agachado no chão a pequena distância, ficou tão surpreso que não conseguiu esboçar nenhuma reação. Deixou cair o queixo e arregalou os olhos.
Kasom sabia que, se cometesse qualquer erro, perderia a vida. Mas tinha colhido sua experiência em inúmeras lutas e ficou frio até o coração.
— Smitty! — gritou.
Os plofosenses viraram abruptamente a cabeça. Kasom saltou para junto deles que nem um tigre. Sem os efeitos do microgravitador, a gravitação de Greendoor quase não representava nenhum obstáculo para ele. Com um único salto podia deslocar-se a vinte metros de distância.
Os efeitos de uma bomba não seriam mais desastrosos que o aparecimento de Kasom entre os guardas. Os braços compridos do ertruso atingiram três plofosenses e atiraram-nos ao chão antes que os homens de Hondro compreendessem o que estava acontecendo em torno deles.
Os rebeldes que se encontravam no andar de baixo subiram correndo. Os soldados recuaram diante de Kasom, para poderem atirar nele sem pôr em perigo os companheiros.
Pearton gritou que nem um índio enquanto saltava sobre a barricada e usava sua arma à maneira de clava. Quatro plofosenses agarraram-se em Kasom e tentaram derrubá-lo. O ertruso sacudiu-os, girando ligeiramente o corpo.
Com um olhar certificou-se de que atrás de Pearton os outros neutralistas passavam por cima da barricada. O corpo gordo de Smitty apareceu.
— Cuide dos prisioneiros, Kasom — gritou o agente ferido.
Kasom compreendeu imediatamente. Precisavam aproveitar a confusão que se estabelecera entre os plofosenses. Afastou-se dos soldados e deu dois saltos, desaparecendo no corredor. Os tiros disparados atrás dele erraram o alvo por alguns metros.
Atrás dele a luta continuou. Não devia pensar nos rebeldes que ainda enfrentavam um inimigo superior em número. As primeiras portas apareceram à sua frente. Procurou lembrar-se da descrição de Smitty.
Finalmente atingiu as portas atrás das' quais acreditava estarem os rebeldes. Estavam trancadas, conforme esperara. Kasom tirou a arma do cinto e destruiu a fechadura de segurança.
Depois disso recuou e atirou-se com todo o peso de seu corpo contra a porta. Esta arrebentou e Kasom foi arremessado para dentro da sala juntamente com os destroços. Caiu e deslizou um pedaço sobre o chão liso.
Quando levantou os olhos, viu o rosto de Reginald Bell, vermelho de excitação, bem à sua frente.
— Não sabe bater antes de entrar? — perguntou o gordo.
Perry Rhodan logo se recuperou da surpresa. Não acreditara que o ertruso ainda estivesse vivo. Bell ajudou o agente da USO a pôr-se de pé. Kasom passou os olhos pela sala. Parecia aliviado.
— Fico satisfeito em ver que todos estão vivos — disse, respirando com dificuldade. — Desta forma nossa luta ainda tem um sentido.
— Como veio parar aqui, Kasom? — perguntou Rhodan, que logo passou ao essencial. Sabia perfeitamente que nem mesmo um homem como Kasom seria capaz de penetrar no quartel-general de Hondro em Greendoor sem receber ajuda.
— No momento não temos tempo para explicações, senhor — disse Kasom a título de desculpa. — Fui ajudado pelos neutralistas, que formam um grupo de resistência contra Hondro. Precisamos fugir antes que os guardas recebam reforços.
Rhodan segurou Kasom pelo braço.
— Já sabe que nos foi inoculado o mesmo veneno que já foi injetado em André Noir?
— Sei, senhor — confirmou Kasom. — Os rebeldes prometeram ajudar-nos nas tentativas de conseguir o antídoto.
Houve um ruído junto à porta. Kasom virou-se abruptamente. Pearton entrou cambaleante. Seu braço direito pendia molemente junto ao corpo. Os olhos tinham uma expressão vazia. Bell fez menção de avançar com uma cadeira contra o neutralista, mas Kasom deteve-o com um gesto.
— Estão todos mortos — disse Pearton em tom indiferente. — Smitty está montando guarda junto à escada. Precisamos apressar-nos.
Rhodan só levou um instante para avaliar a situação. O homem que se encontrava à sua frente era um dos rebeldes que estavam apoiando Kasom. Não podiam perder tempo.
— Seja nosso guia — disse, dirigindo-se a Kasom.
— Um momento! — gritou Atlan.
Kasom, que já se encontrava junto à porta, voltou. Olhou para o chefe da USO, que se encontrava no centro da sala.
— Não vou fugir — disse o arcônida. — Não vale a pena acompanhar Kasom. Dentro de três semanas, no máximo, estaremos de volta para suplicar que Hondro nos dê o antídoto.
Pearton fitou Kasom com uma expressão de perplexidade.
— Será que ele enlouqueceu? — perguntou com a voz apagada.
— Você não pode ficar aqui, amigo — interveio Rhodan. — Mesmo que seja contra a fuga, não pode deixar-nos ir sozinhos com Kasom. Hondro usaria você para fazer chantagem contra nós.
— Ele não precisa disso — disse Atlan com um sorriso. — Vocês voltarão, mesmo que ele não faça coisa alguma.
Rhodan ficou apavorado ao perceber que o arcônida acabara de tomar uma decisão inabalável. Atlan não estava disposto a sair da sala em que se encontrava, e seria inútil discutir com ele. O arcônida tinha uma lógica brilhante, e em sua opinião a fuga não tinha nenhuma chance.
Kasom aproximou-se lentamente do arcônida.
— Será que nossos esforços foram em vão, senhor? — perguntou em tom exaltado. — Não se esqueça de que centenas de homens morreram para possibilitar minha entrada nesta sala. Será que seu sacrifício foi inútil?
— Lamento a morte destes homens — disse Atlan em tom comedido. — Mas não penso em fazer uma coisa ainda mais absurda.
Rhodan foi o único que previu o golpe instantâneo desferido por Kasom contra o queixo de Atlan. Para o arcônida o ataque foi totalmente inesperado. Seu corpo amoleceu e Kasom colocou-o sobre os ombros.
— Ele me condenará por isso — disse o ertruso. — Mas não pude agir de outra forma.
— Assumo a responsabilidade pelo ato que o senhor acaba de praticar, Kasom — disse Rhodan em tom impulsivo.
Foram saindo da sala. Quando chegou à porta, Pearton caiu ao chão. Permaneceu em silêncio. Rhodan inclinou-se sobre o rebelde magro.
— Vá embora — cochichou Pearton. — Para mim o senhor é um estranho. Não gosto do senhor, Rhodan.
— Acho que eu o compreendo — disse Rhodan e endireitou o corpo.
O homem que se encontrava à sua frente estava morrendo, mas achava que sua morte era inútil. Kasom aproximou-se. A carga que trazia sobre o ombro não lhe exigia nenhum esforço. Olhou para Pearton.
— Vamos levá-lo — disse em tom decidido.
— Não me toque — resmungou Pearton. — Vá embora com seus amigos.
Kasom não deu atenção ao protesto do homem gravemente ferido. Colocou-o sobre o outro ombro. Depois foram andando. A barricada erguida junto à escada estava reduzida a um monte de escombros. Smitty estava sentado no último degrau da escada. Tinha recolhido um monte de armas.
Distribuiu-as entre Rhodan, Bell e Noir. Kasom não teve coragem de perguntar pelos outros rebeldes. Havia muitos mortos espalhados pelos destroços.
— Onde está o outro prisioneiro? — perguntou Smitty, que parecia não reconhecer Atlan, que continuava inconsciente no ombro de Kasom. Este bateu nas costas de Atlan. Smitty ficou satisfeito.
Saiu caminhando à frente dos outros. Rhodan, Bell e Noir vieram logo depois dele. Cada um carregava duas armas. Kasom quase não sentia o peso dos dois homens que carregava nos ombros. Mal haviam conseguido libertar os prisioneiros. Levá-los a um lugar seguro não seria menos difícil. Kasom não se entregou à ilusão de que poderiam chegar à galeria sem outros incidentes.
Havia outros soldados no edifício. Além disso, a qualquer momento poderiam chegar reforços. Atingiram a escada destruída pela bomba de Smitty. Passaram por cima dos escombros. Rhodan teve de apoiar Smitty, cujos ferimentos lhe davam muito trabalho. Assim que Kasom acabou de passar por cima dos escombros, Atlan recuperou os sentidos.
— Solte-me, seu idiota — disse, dirigindo-se a Kasom.
Kasom engoliu em seco. Por um instante ficou sem saber o que fazer.
— Só poderei soltá-lo se não tiver a intenção de interromper a fuga — disse depois de algum tempo.
— Ertruso teimoso! — resmungou Atlan, mas não havia nenhuma raiva em sua voz. Kasom soltou um suspiro de alívio e colocou o arcônida no chão. Atlan alcançou Rhodan e pediu que lhe dessem uma arma. Sorriu enquanto massageava o queixo.
— Kasom fez isso por ordem minha — disse Rhodan em tom sarcástico.
— Deve estar praticando o método democrático que os terranos usam para impor sua vontade — disse Atlan com uma ponta de ironia.
Rhodan não pôde deixar de rir. Percebeu que Atlan já não se opunha à fuga.
À frente deles o plofosense gordo descia os degraus mancando. O neutralista parecia ser o único entre os homens que haviam ajudado Kasom e que ainda continuava em ação.
Rhodan perguntou a si mesmo se tinham forças suficientes para prosseguir na fuga. Kasom e o gordo pareciam cansados.
Era a segunda vez que fugiam da prisão dos plofosenses. O que diria Iratio Hondro se a fuga fosse bem-sucedida? Rhodan imaginava que o chefe supremo se limitaria a dar uma risada de escárnio. O veneno injetado no corpo dos prisioneiros fatalmente obrigaria estes a voltar para Central City.
Uma multidão de habitantes de Central City se tinha reunido junto à entrada do edifício do governo. A confusão de vozes mostrava que a multidão estava nervosa. A rua que ficava à frente do quartel-general de Hondro em Greendoor estava cheia de cacos de vidro. As janelas do décimo sétimo, décimo oitavo e décimo nono andar tinham sido arrancadas e atiradas à rua. Uma nuvem de fumaça saía das aberturas e subia preguiçosamente à cobertura do edifício.
Um grupo de soldados estava bloqueando a entrada principal.
Trat Teltak contemplou o quadro com uma expressão de perplexidade, enquanto entrava na rua principal juntamente com seus companheiros. Já sabia onde ocorrera a explosão que ouvira na periferia da cidade. Ao que tudo indicava, os neutralistas tinham arriscado um ataque ao edifício do governo de Central City.
Os soldados do exército que patrulhavam à frente do edifício não poderiam acalmar Teltak. Segundo parecia, a explosão ocorrera nas proximidades do décimo oitavo andar, onde estavam trancados os prisioneiros. Teltak sentiu seu estômago contrair-se. Esqueceu as dores que o martirizavam desde a queda do planador.
Estava preparado para o pior. Com a voz insegura pediu que os homens se apressassem.
Assim que reconheceu Teltak, a multidão abriu passagem. Todos ficaram em silêncio. Teltak sentiu centenas de pares de olhos presos nele. Atravessou a multidão.
Um dos guardas, um tenente muito jovem, aproximou-se. Teltak percebeu imediatamente que o homem estava confuso. Os acontecimentos tinham sido demais para ele.
Teltak parou. Teve a impressão de que sentia a tensão da multidão que prestava atenção a cada palavra que era dita.
— O que aconteceu? — perguntou o chefe com a voz débil. Quis falar em tom firme, mas sua garganta parecia fechar-se.
— Não sei como, mas os neutralistas conseguiram entrar no quartel-general, senhor — informou o tenente em tom desolado. — Houve combates violentos, sobre cujo resultado não estou informado. Achamos recomendável vigiar a entrada, para evitar a fuga dos prisioneiros.
Teltak não teria agido de outra forma. Mas aquele rosto jovem e perturbado deixou-o irritado. Teve de fazer um grande esforço para controlar suas emoções. Teve vontade de bater no rosto do jovem tenente e gritar para ele. Mas não fez nada disso.
— Se os prisioneiros fugiram, o senhor e seus companheiros terão de enfrentar os tribunais — disse com a voz áspera.
O tenente fez continência e afastou-se para deixar Teltak passar. Este fez um sinal para seus homens. Os guardas abriram as grandes portas. Atrás do chefe a massa dos espectadores movimentava-se nervosamente. Os murmúrios voltaram a crescer.
Teltak viu que tinha havido tiroteios no hall. Na sala de recepção havia alguns funcionários, que observavam a chegada do chefe com os rostos perturbados. Teltak odiava-os por causa de sua inação, embora soubesse perfeitamente que também não podia fazer nada para modificar o que já tinha acontecido.
Levou seus homens ao elevador, junto ao qual um único soldado montava guarda. O homem quase chegou a derreter sob o olhar furioso de Teltak.
— Por que o elevador não está funcionando? — gritou o chefe.
— Desligamos o gerador, senhor — gaguejou o soldado. — Fizemos isso para evitar que os rebeldes usassem o elevador.
— Onde estão os neutralistas? — perguntou Teltak.
— Nos andares superiores foram travados combates até poucos instantes atrás, sir.
Teltak ordenou aos homens que se encontravam na sala de recepção que colocassem o elevador em funcionamento. Esperou impacientemente que a cabine aparecesse e a porta se abrisse. Um morto com roupas esfarrapadas caiu à sua frente. Os restos da cobertura do elevador estavam espalhados no chão da cabine. Dois soldados carregaram o cadáver do rebelde.
Teltak inspecionou o elevador. Viu a cobertura derretida.
— Estiveram aqui — constatou. — Pelo menos alguns deles permaneceram por algum tempo no interior deste elevador. E nenhum desses idiotas teve a idéia de procurá-los aqui.
Via-se que o guarda tinha vontade de sumir.
Teltak mandou que seus acompanhantes entrassem no elevador e deu ordem de partida. Saiu do elevador no décimo oitavo andar. Seus olhos caíram diretamente sobre os destroços da barricada junto à escada. Depois viu os soldados mortos. Parecia que a realidade era ainda mais sombria que suas suspeitas.
A porta, que levava para a sala na qual tinham sido trancados os prisioneiros estava bem aberta. Teltak imaginava o que o esperava lá dentro. Mas precisava certificar-se pessoalmente da extensão da catástrofe. Tropeçou para dentro da sala. A porta destruída estava jogada no chão. Os prisioneiros tinham desaparecido!...
Trat Teltak cambaleou. Justamente neste momento lembrou-se das palavras do antigo guarda pessoal, que deixara morrer diante dos olhos de Rhodan. O moribundo profetizara que um dia Teltak teria o mesmo destino que ele.
Os soldados observaram o chefe. Todos sabiam o que se passava na cabeça de Teltak. A eles também estavam reservadas penas rigorosas.
— Ainda devem estar no edifício — disse Teltak, falando devagar como quem acorda de um sono profundo. — Não devem escapar.
Neste instante um grito estridente vindo dos andares de baixo atingiu o ouvido de Teltak. Este compreendeu imediatamente o que tinha acontecido. Enquanto subira no elevador juntamente com os soldados, os rebeldes e os prisioneiros libertados tinham descido pelas escadas e acabavam de chegar ao hall. Sentiu-se apavorado ao reconhecer o segundo erro que cometera. Em vez de dividir seu grupo, mandando que metade do mesmo subisse pelas escadas, enviara todos no elevador. E os atacantes já tinham chegado ao pavimento térreo. O punhado de homens que se encontrava junto à entrada do edifício não pôde detê-los.
— Vamos! — gritou Teltak. — Para o elevador!
Alguns segundos preciosos passaram antes que chegassem ao elevador. Teltak não esperou que todos entrassem. Mandou que a cabine descesse. Assim que chegou ao pavimento térreo, precipitou-se para fora da mesma. Os civis saíram da sala de recepção, gesticulando nervosamente. Teltak não demorou a descobrir os guardas. Estavam deitados junto à entrada. Como não gozavam de nenhuma proteção, não tiveram a menor chance contra os rebeldes que apareceram de repente. Teltak agiu como uma pessoa febril. Segurou o civil mais próximo pela gola do paletó e sacudiu-o.
— Onde estão? — gritou com a voz rouca.
— No elevador de carga — conseguiu dizer o homem apavorado. — Os guardas não conseguiram detê-los. Estão bem armados.
Teltak empurrou o homem para longe. Até parecia uma ironia do destino que justamente a esta hora resolvera dar ordem de ligar o gerador que fornecia energia aos campos magnéticos dos dois elevadores. Os fugitivos já se encontravam no depósito. Mas ainda poderiam alcançá-los. No depósito não havia muitas possibilidades de fuga. Trat Teltak sentiu-se animado por uma nova esperança.
— Quem sabe se o próprio inimigo não tinha entrado numa armadilha? Teltak comprimiu o botão que traria de volta o elevador e esperou impacientemente a chegada do mesmo.
Dali a pouco desceu com uma dezena de soldados. Saíram correndo assim que a plataforma parou. Atravessaram o corredor, passando junto à esteira transportadora.
— Atravessem a abertura pela qual passa a esteira — ordenou Teltak.
O depósito era o único caminho de fuga que restava aos rebeldes, depois de terem chegado a este lugar. Mas do depósito só poderiam ir para Central City. E lá seria fácil dominá-los.
Teltak foi o terceiro homem a entrar no pavilhão. Os robôs prosseguiram no seu trabalho sem preocupar-se com os acontecimentos. O chefe olhou em torno.
Viu as pilhas de caixas derrubadas. Será que os inimigos tinham se escondido lá?
— Entreguem-se! — gritou com a voz muito fina. — Já chega!
Não houve o menor movimento. Os rebeldes pareciam ter-se dissolvido no ar. Teltak olhou para trás para certificar-se de que todos os soldados já estavam no pavilhão.
— Vamos esfumaçá-los! — ordenou. — Espalhem-se!
Cercaram as caixas, mas não encontraram nenhuma resistência. Finalmente um dos homens chamou Teltak. Este saiu correndo entre as caixas e olhou estupefato para o buraco que só estava coberto de tábuas pela metade. Este buraco entrava diretamente no chão. Aos poucos foi compreendendo o que tinha acontecido. Os neutralistas conseguiram uma coisa impossível. Tinham cavado um túnel que levava da selva diretamente ao edifício do governo. E por esse mesmo túnel acabavam de fugir. Teltak sentiu que as forças ameaçavam abandoná-lo.
— Vamos atrás deles — ordenou.
No momento em que o primeiro plofosense ia entrar no buraco, houve a explosão.
O homem foi atirado para trás. O chão vibrou. As pilhas de caixas caíram. Teltak perdeu o apoio dos pés e caiu ao chão.
“Fizeram explodir o túnel”, pensou. “Querem impedir a perseguição”.
Alguém inclinou-se sobre ele e levantou-o. Acabara de sofrer uma derrota completa.
“É o fim”, pensou.
— Está ferido, senhor? — perguntou uma voz que parecia sair de uma névoa densa. Teltak deixou que o levassem.
Dali a doze dias precisaria de outra dose de antídoto. Teltak estremeceu. Um homem pode cometer muitos erros. Ele, Teltak, cometera o pior de todos e tornara-se vítima de um engano.
Vendera sua liberdade...
— Pronto — disse Smitty, satisfeito. — Terão de cavar alguns meses para desimpedir o túnel. Até lá apagaremos todas as pistas.
Mesmo agora, depois da explosão, Perry Rhodan ainda tinha a impressão de que era um verdadeiro milagre, que tinham conseguido sair do edifício do governo. Os plofosenses que os tinham atacado junto à entrada do edifício tiveram de pagar a tentativa com a vida. Quando entraram no túnel, Rhodan compreendeu como era possível que Kasom conseguira chegar até eles com um grupo tão pequeno.
Kasom já lhe fizera um relato ligeiro de seu encontro com os neutralistas. Rhodan pôde formar uma idéia aproximada dos acontecimentos que se tinham desenrolado em Greendoor. Os rebeldes contavam com o apoio dos drenhols, e por isso. podiam viver na selva em relativa segurança.
Passaram a andar mais devagar, para proteger Pearton que estava gravemente ferido. Breth Barba Negra já estava à sua espera no fim do túnel. O chefe dos neutralistas cumprimentou-os de forma efusiva.
Smitty ofereceu um relato resumido.
— Os drenhols já se retiraram da periferia da cidade — disse Breth. — Os combates foram suspensos. Parte dos homens que se entrincheiraram na piscina conseguiu escapar. Estão a caminho do acampamento.
Sem dizer uma palavra, Rhodan contemplou o homem que tornara possível sua libertação. Não havia dúvida de que Breth tinha personalidade. Mas seu caráter era semelhante ao de Hondro.
Nos próximos dias descobriria que tipo de aliado era este homem.
Rhodan, Breth e Reginald Bell estavam sentados na varanda do escritório rudimentar de Breth. Atlan e André Noir tinham ficado na cabana que habitavam desde sua chegada ao acampamento dos neutralistas. Kasom tinha saído para fazer uma visita a Smitty.
Breth examinou os visitantes com um olhar penetrante.
Rhodan enfrentou o olhar com a maior tranqüilidade. Bell arrastava nervosamente os pés. Esperava que Rhodan apresentasse seu pedido.
— Está insatisfeito com alguma coisa? — perguntou Breth depois de algum tempo.
— Não temos motivos de queixas — disse Rhodan. — Mas gostaríamos de fazer um pedido. Queríamos que o senhor nos desse oportunidade de usar o hipercomunicador de seu grupo de resistência para chamar nossa Frota.
Breth sorriu.
— Já esperava esse pedido — disse. — A resposta é não.
Rhodan sentiu a tensão que começava a formar-se entre eles. Fitou o rebelde, para descobrir seus sentimentos na expressão do rosto do mesmo. Mas Breth sabia controlar-se.
— Temos nossos planos com o senhor e seus amigos — prosseguiu o Barba Negra. — Nem pensamos em permitir que voltem ao seu mundo assim tão facilmente. Têm um valor inestimável para nós.
Rhodan soltou uma risada amarga.
— Quer dizer que nossa fuga de Central City foi uma farsa. Continuamos a ser prisioneiros. Só mudou o nome das pessoas que nos mantêm presos.
— Não posso impedi-lo de encarar as coisas desta forma — disse Breth em tom áspero.
Rhodan olhou para Bell. Breth recorreria à força das armas para impedi-los de usarem o hipercomunicador. Até parecia que Atlan tivera razão ao não concordar com a fuga. Sua situação até tinha piorado, pois Rhodan não tinha certeza de que Breth Barba Negra conseguisse o antídoto de que precisavam para sobreviver.
Tinham ido de mal a pior.
— Os senhores poderão movimentar-se livremente por aqui — disse Breth. — Ninguém os molestará.
Levantou-se.
— Se não se importarem, quero convidá-los a me acompanharem para uma caverna próxima. Mostrar-lhes-ei uma coisa que certamente há de interessar-lhes.
Rhodan sabia que seria inútil contraditar o chefe dos neutralistas. Breth não hesitaria em usar a força para fazer cumprir sua exigência.
Saíram da varanda. Breth levou-os a um drenhol. Depois de uma ligeira marcha pela selva Breth mandou que a árvore gigantesca parasse. A arma que o rebelde trazia consigo frustraria qualquer tentativa de dominá-lo num golpe de surpresa. Saíram do drenhol e Breth levou-os à caverna da qual tinha falado.
— Dêem uma olhada lá dentro — disse.
Rhodan foi à entrada da caverna, seguido por Bell. Era uma caverna muito grande. Breth acendeu a luz. Rhodan, que já andara pensando numa porção de coisas, ficou surpreso ao notar que no interior da caverna havia uma antiqüíssima nave-girino terrana, isto é, uma espaçonave pequena, de sessenta metros de diâmetro, do tipo que as naves de guerra terranas costumavam levar nos seus hangares. A nave estava equipada com um propulsor linear do tipo mais antigo.
Rhodan levou algum tempo para notar que no interior da caverna também havia rebeldes. Ao que tudo indicava, a tripulação da nave-girino vivia junto à mesma.
— Imagino que este quadro deve despertar saudades nos senhores — disse Breth em tom de deboche.
Rhodan não respondeu. Lançou os olhos para a velha nave e pela primeira vez em muitos anos teve dificuldades em não mostrar seus sentimentos. Bem à sua frente havia um meio de ligação com o Império, mas ele não poderia utilizá-lo.
— Sua calma me espanta — observou Breth. — Imagino que deve estar preocupado por causa da injeção que lhe foi aplicada. Meus agentes estão se esforçando para conseguir o antídoto.
Rhodan quase não lhe deu atenção.
A nave que estava à sua frente era velha e seu propulsor antiquado era bastante perigoso, mas sempre representava uma possibilidade de sair de Greendoor e avançar pelo espaço. Rhodan afastou estes pensamentos à força. Sabia que seria impossível apoderar-se dessa nave-girino.
Apesar disso, a proximidade daquela nave tinha algo de excitante. Lançou um olhar para Bell e notou que a mesma coisa estava acontecendo com o amigo. Breth voltou a levá-los à saída da caverna. Esforçou-se para ser amável. Rhodan imaginava que com a apresentação o neutralista visava a um objetivo definido.
A visão da nave voltara a atiçar em Rhodan o sentimento de ligação com o espaço. Já não se conformava com a idéia de morrer em Greendoor.
Um homem que passara a maior parte da vida no espaço deveria morrer no espaço...
WilliamVoltz
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