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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O FABRICANTE DE DIAMANTES / H. G. Wells
O FABRICANTE DE DIAMANTES / H. G. Wells

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

Algumas negociações me prenderam na Rua Chancery até as nove da noite e, depois disso, tendo um resquício de uma dor de cabeça, eu não estava inclinado a me divertir ou trabalhar mais. A parte do céu que podia ser vista através das fendas estreitas dos altos penhascos revelava uma noite serena, e eu decidi descer para o cais da estação Embankment para descansar os olhos e esfriar minha cabeça ao assistir as luzes coloridas tremeluzindo sobre as águas. Não há dúvidas de que a noite é o melhor horário para estar nesse lugar. Uma escuridão benévola esconde a sujeira das águas e as luzes desse período de transição, vermelho-alaranjado, amarelo ovo e um branco eletrizante flutuam em contornos enevoados de todos os tons existentes entre o cinza e o roxo escuro. Através dos arcos da ponte Waterloo, cem pontos de luz marcam a curva da estação Embankment e sobre o seu parapeito surgem as torres de Westminster; um cinza intenso contra a luz das estrelas. O rio negro corre apenas com um raro murmúrio quebrando seu silêncio e perturbando os reflexos das luzes que nadam em sua superfície.

– Uma noite agradável. – disse uma voz ao meu lado.

Eu me virei e vi o rosto de um homem se inclinando sobre o parapeito ao meu lado. Era um rosto fino, não era feio, apesar de comprimido e pálido o bastante para o ser, e o colarinho dobrado para cima e preso ao redor da garganta sinalizava o seu status tão bem quanto um uniforme. Eu senti que seria obrigado a bancar sua estadia pela noite, onde quer que fosse, se o respondesse.

 

 

 


 

 

 


Eu o olhei com curiosidade: teria ele algo para me contar que valesse o dinheiro, ou seria ele uma pessoa comum e incapaz, incapaz até mesmo de contar sua própria história? Havia um ar de inteligência em sua expressão e em seus olhos e uma certa tremulação em seu lábio inferior que me convenceu.

– Muito agradável. – disse. – Mas não muito agradável para nós aqui.

– Não, – ele disse, ainda olhando através da água, – está agradável o bastante aqui... nesse exato momento.

– É bom, – ele continuou após uma pausa, – achar uma coisa tão tranquila quanto essa em Londres. – Depois que alguém passa o dia se estressando com negócios, com os lucros, cumprindo obrigações e se defendendo de perigos, eu não sei o que esse alguém faria se não fosse por lugares tão pacíficos. – Ele falava com longas pausas entre as frases. – Você deve saber um pouco dos incômodos do trabalho cotidiano, ou não estaria aqui. Mas duvido que sua cabeça esteja tão cansada e que seus pés estejam tão doídos quando os meus... Ah! Às vezes me pergunto se o trabalho vale a pena. Sinto-me tentado a jogar tudo para o alto – nome, fortuna e status – e abrir um comércio mais simples. Mas eu sei que se abandonasse minha ambição – do modo como ela me consome – eu não sentiria nada além de remorso pelo resto dos meus dias.

Ele ficou em silêncio. Olhei para ele surpreso. Se algum dia eu já vi um homem tão liso, era esse homem à minha frente. Ele estava maltrapilho e sujo, sua barba estava malfeita e desgrenhada; parecia que ele tinha sido deixado em uma lata de lixo por uma semana. Ainda assim, ele estava me falando das preocupações incômodas de um grande negócio. Eu quase ri descaradamente. Ou ele estava louco ou fazendo uma brincadeira sem graça com a própria pobreza.

– Se grandes objetivos e bons cargos, – disse eu, – têm suas desvantagens como o trabalho duro e a ansiedade, eles têm suas compensações. Influência, o poder de fazer o bem, de ajudar os mais fracos e mais pobres que nós; e há ainda uma certa gratificação em vista...

Sob aquelas circunstâncias, minha brincadeira era de muito mau gosto. Eu estava falando estimulado pelo contraste de sua aparência e seu discurso. Me sentia mal ainda enquanto falava.

Ele se virou e me olhou abatido, mas com uma expressão serena. Disse:

– Eu me esqueci. É claro que você não entenderia.

Ele me analisou por um momento.

– Sem dúvidas é muito absurdo. Você não acreditará em mim mesmo quando eu lhe disser, então é bastante seguro contar. E será um alívio contar para alguém. Eu realmente tenho um grande negócio em mãos, um grande negócio. Mas estou com problemas agora. A verdade é que... Eu fabrico diamantes.

– Eu suponho, – disse – que você está sem trabalho no momento?

– Eu estou farto de ser desacreditado – ele disse impaciente, e de súbito desabotoou seu casaco deplorável e tirou um pequeno saco de lona que estava pendurado em seu pescoço por um cordão. Dele retirou uma pedra marrom.

– Eu me pergunto se você sabe o bastante para saber o que é isso. – ele me entregou a pedra.

Devo dizer que, cerca de um ano atrás, eu ocupei o meu tempo livre fazendo um curso de ciências em Londres, então tenho certo conhecimento em física e mineralogia. O objeto não era diferente de um diamante de um tipo mais escuro não lapidado, apesar de ser grande demais, quase do tamanho da ponta de meu polegar. Eu o pequei e vi que tinha a forma de um octaedro regular, de faces curvas, parecidas com os mais preciosos minerais. Tirei meu canivete do bolso e tentei arranhá-la – em vão. Inclinando–me para frente, em direção à lâmpada de gás, encostei o objeto em meu relógio, e marquei sobre ele uma linha branca com a maior facilidade.

Olhei para meu interlocutor com uma curiosidade crescente.

– Certamente parece um diamante. Mas, se realmente for, é o melhor dos diamantes. Onde você conseguiu?

– Já te disse que o fabriquei, – ele disse. – Me devolva.

Ele colocou o diamante de volta em seu bolso rapidamente e abotoou o casaco.

– Posso lhe vender por cem libras, – ele sussurrou de repente com um tom de ambição. Com isso, minhas suspeitas voltaram à tona. O objeto poderia ser, enfim, um mero pedaço de uma substância igualmente dura, coríndon, com uma lembrança acidental à forma de diamante. Ou caso fosse um diamante, como ele o conseguiu, e por que ele o ofereceria a tal valor?

Olhamos nos olhos um do outro. Ele parecia ambicioso, mas honestamente ambicioso. Naquele momento acreditei que o que ele estava tentando vender era um diamante. Mas eu sou um homem pobre, cem libras deixariam um rombo considerável em meus recursos e nenhum homem em sã consciência compraria um diamante sob a luz de lamparinas de um mendigo maltrapilho com apenas sua palavra como prova. Ainda assim, um diamante daquele tamanho invocava uma visão de muitas centenas de libras. Então, pensei, tal rocha nunca poderia existir sem ser mencionada em todos os livros sobre pedras preciosas, e novamente lembrei das histórias contrabando e ladrões na região. Coloquei a questão da compra de lado por um instante.

– Como você conseguiu o diamante?– disse.

– Eu o fabriquei.

Eu ouvi dizer que o químico Moissan havia fabricado algo assim, mas seus diamantes artificiais eram muito pequenos. Neguei com a cabeça.

– Você deve saber um pouco sobre esse tipo de coisa. Vou lhe contar um pouco sobre mim. Talvez assim você pense melhor sobre a compra. – Ele se virou com as costas voltadas para o rio e colocou as mãos nos bolsos. Ele suspirou. – Eu sei que você não vai acreditar em mim.

– Diamantes, – ele começou, e a medida que falava sua voz perdia seu leve teor de um vagabundo e assumiu o tom tranquilo de um homem educado – são feitos separando o carbono de uma combinação com um fundente adequado e sob uma pressão adequada; o carbono se cristaliza, não como o chumbo negro ou pó de carvão, mas como pequenos diamantes. Os químicos descobrem tantas coisas através dos anos, mas ninguém ainda havia atingido o fluxo exato no qual se deve derreter o carbono, ou a pressão exata para obter os melhores resultados. Consequentemente, os diamantes fabricados por químicos são pequenos e escuros, além de inúteis como joias. Agora eu, sabe, desisti da minha vida por isso – dei minha vida para isso.

– Comecei a trabalhar com a fabricação de diamantes quando tinha dezessete anos, e agora tenho trinta e dois. Pareceu–me que poderia levar todos os pensamentos e a energia de um homem por dez anos, ou vinte, mas mesmo se o fizesse, o resultado ainda valeria a pena. Imagine se alguém descobrisse o truque certo antes que o segredo fosse revelado e os diamantes se tornassem tão comuns quanto o carvão, essa pessoa faria milhões. Milhões!

Ele fez uma pausa e olhou para mim em busca de simpatia. Seus olhos brilharam famintos. – E pensar, – disse ele – que eu estou à beira de alcançar isso, bem aqui!

– Eu tinha, – ele continuou, – cerca de mil libras quando tinha vinte e um anos, e pensei que esse valor, conseguido com muito esforço, manteria as minhas pesquisas. Dediquei um ano ou dois ao estudo, em Berlim, na maior parte, e depois continuei por conta própria. O problema era o segredo. Veja, se alguma vez eu tivesse deixado escapar o que eu estava fazendo, outros homens poderiam ter sido motivados pela minha crença na possibilidade da ideia; e eu não finjo ser um gênio do nível de ser o primeiro a descobrir a resposta, no caso de uma corrida pela descoberta. E você sabe que era importante, se eu realmente quisesse fazer dinheiro, que as pessoas não soubessem que era um processo artificial e que era possível criar diamantes em grandes quantidades. Tive que trabalhar completamente só. Primeiro eu tinha um pequeno laboratório, mas à medida que meus recursos foram acabando eu tive que conduzir meus experimentos em uma sala deplorável e sem equipamentos em Kentish Town, onde, no fim, eu dormia em um colchão de palha no chão em meio a todos os meus aparatos. O dinheiro ia embora como água. Eu me desfazia de tudo, menos de equipamentos científicos. Eu tentava continuar com as coisas dando algumas aulas, mas eu não sou um professor muito bom, e não possuía um diploma universitário, nem muita formação, a não ser em química, e pensei que tinha que dedicar muito tempo e trabalho por pouco do meu rico dinheirinho. Mas eu fiquei mais e mais próximo do resultado. Três anos atrás eu resolvi o problema da composição do fundente, e cheguei perto da pressão colocando esse fundente que criei e certo composto de carbono em um cano de canhão fechado, enchendo-o com água, vedando muito bem e o esquentando.

Ele fez uma pausa.

– Muito arriscado. – disse.

– Sim. O canhão explodiu, e quebrou todas as minhas janelas e grande parte de meu aparato; mas, de qualquer forma, eu obtive uma espécie de pó de diamante. Seguindo o problema de conseguir uma grande pressão sobre a mistura derretida da qual as coisas deveriam cristalizar, eu descobri algumas pesquisas de Daubrée no Laboratório Parisiense de Partículas e Salitre. Ele explodiu dinamite em um cilindro de aço muito bem vedado, muito forte para explodir, e descobri que ele poderia transformar rochas em uma sujeira, algo não muito diferente do que acontece nos leitos dos rios sul-africanos nos quais os diamantes são encontrados. Era uma tremenda sobrecarga em meus recursos, mas eu adquiri um cilindro de aço feito para meus objetivos, de acordo com seu padrão. Coloquei nele todas as minhas coisas e meus explosivos, acendi a fornalha, inseri todo o conteúdo, e – saí para caminhar.

Não pude segurar a risada diante de sua indiferença.

– Você não pensou que poderia explodir a casa? Havia outras pessoas no local?

– Era pelo interesse da ciência, – ele disse por fim. – Havia uma família de feirantes no andar inferior, um escritor de cartas de solicitação no quarto atrás do meu, e duas floristas no andar de cima. Talvez fosse um pouco impensado. Mas é possível que alguns deles tivessem saído.

– Quando retornei a coisa estava exatamente onde eu a deixei, em meio aos carvões incandescentes. O explosivo não havia explodido o revestimento. Logo, eu tinha um problema para enfrentar. Você sabe que o tempo é um fator importante na cristalização. Se você acelerar o processo, os cristais saem pequenos – eles crescerão apenas sob uma espera prolongada. Eu decidi deixar esse aparato esfriar por dois anos, deixando a temperatura diminuir lentamente com o tempo. E agora eu estava quase sem dinheiro nenhum; e tendo que arcar com o fogo e o aluguel de meu quarto, além da minha fome para satisfazer, eu mal tinha um centavo no bolso.

– Mal posso te contar todos os trabalhos a que me submeti enquanto fabricava os diamantes. Eu vendi jornais, cuidei de cavalos, abri portas de táxis. Por muitas semanas enviei correspondências. Tive uma vaga como assistente de um homem que possuía um carrinho de venda, e vendia de um lado da rua enquanto ele ficava no outro.

– Uma vez fiquei sem ter o que fazer por uma semana e pedi dinheiro nas ruas. Que semana! Um dia o fogo estava apagando, eu não havia comido nada durante um dia, e um cara levando sua garota para sair, me deu seis centavos de libras – para se exibir. Agradeço aos céus pela vaidade! Fiquei tentado pelo cheiro das peixarias! Mas eu gastei tudo em carvão e a fornalha estava incandescente outra vez, e depois – Bem, a fome faz do homem um idiota.

– Enfim, três semanas atrás, eu deixei o fogo apagar. Eu tirei o meu cilindro e o abri enquanto ainda estava tão quente que machucou as minhas mãos, e tirei a massa trincada que parecia lava com um cinzel e a martelei num prato de ferro até que virasse um pó. Achei três grandes diamantes e cinco pequenos. Enquanto eu estava sentado no chão martelando, minha porta se abriu, e meu vizinho, o escritor de cartas de solicitação entrou. Ele estava bêbado – como normalmente está.

– "Narquista", ele disse.

– Você está bêbado, – respondi.

– Escória do sistema, – ele disse.

– Vá até o seu pai, – eu disse, me referindo ao Pai da Mentira.

– Esqueça, – disse ele, e me deu uma piscada maliciosa, e soluçou. Se apoiando contra a porta, com seu outro olho contra o acabamento da porta, começou a balbuciar sobre como ele estava bisbilhotando o meu quarto e sobre como ele havia ido à polícia naquela manhã, e como eles desconsideraram tudo o que ele tinha a dizer – “comsefôs” uma joia – ele disse. Então eu percebi, de repente, que estava em uma enrascada. Ou eu teria que contar esse meu segredinho à polícia e jogar tudo para o alto, ou ser taxado como um anarquista. Então subi as escadas ao encontro de meu vizinho, o peguei pelo colarinho, e o joguei pelas escadas, então peguei meus diamantes e fugi. Os jornais noturnos chamaram meu esconderijo de Fábrica de Bombas de Kentish Town. E agora eu não consigo me separar das coisas por amor ou por dinheiro.

– Se eu for até joalheiros respeitados eles me pedem para aguardar, e vão até um vendedor pedir que chame um policial, então eu digo que não posso esperar. Então eu descobri um colecionador de bens roubados, e ele simplesmente pegou o diamante que eu o dei e me disse para eu o processar se eu quisesse a joia de volta. E agora eu estou vagando com várias centenas de libras em diamantes em volta do meu pescoço, e sem comida ou casa. Você é a primeira pessoa para a qual contei meu segredo. Mas talvez porque eu gostei do seu rosto e sou muito impulsivo.

Ele olhou nos meus olhos.

– Seria loucura, – eu disse, – comprar um diamante nessas circunstâncias. Além disso, eu não carrego centenas de libras no bolso. No entanto, eu mais que acredito na sua história. Eu vou, se você quiser, fazer isso: venha ao meu escritório amanhã...

– Você acha que eu sou um ladrão!– ele disse fortemente. – Você vai contar à polícia. Não vou cair numa armadilha.

– De alguma forma, tenho certeza de que você não é um ladrão. Aqui está o meu cartão. Pegue–o, de qualquer forma. Você não precisa marcar horário. Venha quando quiser.

Ele pegou o cartão e com ele uma demonstração sincera da minha boa vontade.

– Pense melhor e venha. – disse.

Ele balançou a cabeça, em dúvida. –Eu lhe devolverei seu dinheiro com juros algum dia – uma quantia dessas irá surpreendê–lo. – ele disse – De qualquer forma, você guardará o segredo? Não me siga.

Ele atravessou a rua e adentrou a escuridão em direção aos pequenos degraus sob o arco que leva à rua Essex, e eu o deixei ir. E aquela foi a última vez que eu o vi.

Um tempo depois, recebi duas cartas dele me pedindo que enviasse bilhetes de banco – não cheques – a um certo endereço. Eu ponderei e fiz o que eu considerei a opção mais sábia. Uma vez ele me procurou quando estava fora. Meu assistente o descreveu como um homem muito magro, sujo e esfarrapado, com uma tosse horrível. Ele não deixou recado algum. Até onde minha história vai, foi assim que ele terminou. Às vezes me pergunto o que aconteceu com ele. Seria ele um engenhoso monomaníaco, ou um negociante fraudulento com pedregulhos, ou teria ele realmente fabricado diamantes como afirmava? A última hipótese é suficiente o bastante para me fazer pensar às vezes que eu perdi a oportunidade mais brilhante da minha vida. Ele pode, é claro, estar morto, e seus diamantes estarem largados ao acaso – um deles, repito, era quase tão grande quanto meu polegar. Ou ele ainda pode estar vagando e tentando vender as coisas. E é tão possível que ele ainda possa emergir sobre a sociedade, e, passando por meus céus na serena altitude sagrada para os ricos e bem divulgados, reprovar silenciosamente a minha falta de iniciativa. Às vezes penso que poderia ter arriscado pelo menos cem libras.

Algumas negociações me prenderam na Rua Chancery até as nove da noite e, depois disso, tendo um resquício de uma dor de cabeça, eu não estava inclinado a me divertir ou trabalhar mais. A parte do céu que podia ser vista através das fendas estreitas dos altos penhascos revelava uma noite serena, e eu decidi descer para o cais da estação Embankment para descansar os olhos e esfriar minha cabeça ao assistir as luzes coloridas tremeluzindo sobre as águas. Não há dúvidas de que a noite é o melhor horário para estar nesse lugar. Uma escuridão benévola esconde a sujeira das águas e as luzes desse período de transição, vermelho-alaranjado, amarelo ovo e um branco eletrizante flutuam em contornos enevoados de todos os tons existentes entre o cinza e o roxo escuro. Através dos arcos da ponte Waterloo, cem pontos de luz marcam a curva da estação Embankment e sobre o seu parapeito surgem as torres de Westminster; um cinza intenso contra a luz das estrelas. O rio negro corre apenas com um raro murmúrio quebrando seu silêncio e perturbando os reflexos das luzes que nadam em sua superfície.

– Uma noite agradável. – disse uma voz ao meu lado.

Eu me virei e vi o rosto de um homem se inclinando sobre o parapeito ao meu lado. Era um rosto fino, não era feio, apesar de comprimido e pálido o bastante para o ser, e o colarinho dobrado para cima e preso ao redor da garganta sinalizava o seu status tão bem quanto um uniforme. Eu senti que seria obrigado a bancar sua estadia pela noite, onde quer que fosse, se o respondesse.

 


https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/O_FABRICANTE_DE_DIAMANTES.jpg

 


Eu o olhei com curiosidade: teria ele algo para me contar que valesse o dinheiro, ou seria ele uma pessoa comum e incapaz, incapaz até mesmo de contar sua própria história? Havia um ar de inteligência em sua expressão e em seus olhos e uma certa tremulação em seu lábio inferior que me convenceu.

– Muito agradável. – disse. – Mas não muito agradável para nós aqui.

– Não, – ele disse, ainda olhando através da água, – está agradável o bastante aqui... nesse exato momento.

– É bom, – ele continuou após uma pausa, – achar uma coisa tão tranquila quanto essa em Londres. – Depois que alguém passa o dia se estressando com negócios, com os lucros, cumprindo obrigações e se defendendo de perigos, eu não sei o que esse alguém faria se não fosse por lugares tão pacíficos. – Ele falava com longas pausas entre as frases. – Você deve saber um pouco dos incômodos do trabalho cotidiano, ou não estaria aqui. Mas duvido que sua cabeça esteja tão cansada e que seus pés estejam tão doídos quando os meus... Ah! Às vezes me pergunto se o trabalho vale a pena. Sinto-me tentado a jogar tudo para o alto – nome, fortuna e status – e abrir um comércio mais simples. Mas eu sei que se abandonasse minha ambição – do modo como ela me consome – eu não sentiria nada além de remorso pelo resto dos meus dias.

Ele ficou em silêncio. Olhei para ele surpreso. Se algum dia eu já vi um homem tão liso, era esse homem à minha frente. Ele estava maltrapilho e sujo, sua barba estava malfeita e desgrenhada; parecia que ele tinha sido deixado em uma lata de lixo por uma semana. Ainda assim, ele estava me falando das preocupações incômodas de um grande negócio. Eu quase ri descaradamente. Ou ele estava louco ou fazendo uma brincadeira sem graça com a própria pobreza.

– Se grandes objetivos e bons cargos, – disse eu, – têm suas desvantagens como o trabalho duro e a ansiedade, eles têm suas compensações. Influência, o poder de fazer o bem, de ajudar os mais fracos e mais pobres que nós; e há ainda uma certa gratificação em vista...

Sob aquelas circunstâncias, minha brincadeira era de muito mau gosto. Eu estava falando estimulado pelo contraste de sua aparência e seu discurso. Me sentia mal ainda enquanto falava.

Ele se virou e me olhou abatido, mas com uma expressão serena. Disse:

– Eu me esqueci. É claro que você não entenderia.

Ele me analisou por um momento.

– Sem dúvidas é muito absurdo. Você não acreditará em mim mesmo quando eu lhe disser, então é bastante seguro contar. E será um alívio contar para alguém. Eu realmente tenho um grande negócio em mãos, um grande negócio. Mas estou com problemas agora. A verdade é que... Eu fabrico diamantes.

– Eu suponho, – disse – que você está sem trabalho no momento?

– Eu estou farto de ser desacreditado – ele disse impaciente, e de súbito desabotoou seu casaco deplorável e tirou um pequeno saco de lona que estava pendurado em seu pescoço por um cordão. Dele retirou uma pedra marrom.

– Eu me pergunto se você sabe o bastante para saber o que é isso. – ele me entregou a pedra.

Devo dizer que, cerca de um ano atrás, eu ocupei o meu tempo livre fazendo um curso de ciências em Londres, então tenho certo conhecimento em física e mineralogia. O objeto não era diferente de um diamante de um tipo mais escuro não lapidado, apesar de ser grande demais, quase do tamanho da ponta de meu polegar. Eu o pequei e vi que tinha a forma de um octaedro regular, de faces curvas, parecidas com os mais preciosos minerais. Tirei meu canivete do bolso e tentei arranhá-la – em vão. Inclinando–me para frente, em direção à lâmpada de gás, encostei o objeto em meu relógio, e marquei sobre ele uma linha branca com a maior facilidade.

Olhei para meu interlocutor com uma curiosidade crescente.

– Certamente parece um diamante. Mas, se realmente for, é o melhor dos diamantes. Onde você conseguiu?

– Já te disse que o fabriquei, – ele disse. – Me devolva.

Ele colocou o diamante de volta em seu bolso rapidamente e abotoou o casaco.

– Posso lhe vender por cem libras, – ele sussurrou de repente com um tom de ambição. Com isso, minhas suspeitas voltaram à tona. O objeto poderia ser, enfim, um mero pedaço de uma substância igualmente dura, coríndon, com uma lembrança acidental à forma de diamante. Ou caso fosse um diamante, como ele o conseguiu, e por que ele o ofereceria a tal valor?

Olhamos nos olhos um do outro. Ele parecia ambicioso, mas honestamente ambicioso. Naquele momento acreditei que o que ele estava tentando vender era um diamante. Mas eu sou um homem pobre, cem libras deixariam um rombo considerável em meus recursos e nenhum homem em sã consciência compraria um diamante sob a luz de lamparinas de um mendigo maltrapilho com apenas sua palavra como prova. Ainda assim, um diamante daquele tamanho invocava uma visão de muitas centenas de libras. Então, pensei, tal rocha nunca poderia existir sem ser mencionada em todos os livros sobre pedras preciosas, e novamente lembrei das histórias contrabando e ladrões na região. Coloquei a questão da compra de lado por um instante.

– Como você conseguiu o diamante?– disse.

– Eu o fabriquei.

Eu ouvi dizer que o químico Moissan havia fabricado algo assim, mas seus diamantes artificiais eram muito pequenos. Neguei com a cabeça.

– Você deve saber um pouco sobre esse tipo de coisa. Vou lhe contar um pouco sobre mim. Talvez assim você pense melhor sobre a compra. – Ele se virou com as costas voltadas para o rio e colocou as mãos nos bolsos. Ele suspirou. – Eu sei que você não vai acreditar em mim.

– Diamantes, – ele começou, e a medida que falava sua voz perdia seu leve teor de um vagabundo e assumiu o tom tranquilo de um homem educado – são feitos separando o carbono de uma combinação com um fundente adequado e sob uma pressão adequada; o carbono se cristaliza, não como o chumbo negro ou pó de carvão, mas como pequenos diamantes. Os químicos descobrem tantas coisas através dos anos, mas ninguém ainda havia atingido o fluxo exato no qual se deve derreter o carbono, ou a pressão exata para obter os melhores resultados. Consequentemente, os diamantes fabricados por químicos são pequenos e escuros, além de inúteis como joias. Agora eu, sabe, desisti da minha vida por isso – dei minha vida para isso.

– Comecei a trabalhar com a fabricação de diamantes quando tinha dezessete anos, e agora tenho trinta e dois. Pareceu–me que poderia levar todos os pensamentos e a energia de um homem por dez anos, ou vinte, mas mesmo se o fizesse, o resultado ainda valeria a pena. Imagine se alguém descobrisse o truque certo antes que o segredo fosse revelado e os diamantes se tornassem tão comuns quanto o carvão, essa pessoa faria milhões. Milhões!

Ele fez uma pausa e olhou para mim em busca de simpatia. Seus olhos brilharam famintos. – E pensar, – disse ele – que eu estou à beira de alcançar isso, bem aqui!

– Eu tinha, – ele continuou, – cerca de mil libras quando tinha vinte e um anos, e pensei que esse valor, conseguido com muito esforço, manteria as minhas pesquisas. Dediquei um ano ou dois ao estudo, em Berlim, na maior parte, e depois continuei por conta própria. O problema era o segredo. Veja, se alguma vez eu tivesse deixado escapar o que eu estava fazendo, outros homens poderiam ter sido motivados pela minha crença na possibilidade da ideia; e eu não finjo ser um gênio do nível de ser o primeiro a descobrir a resposta, no caso de uma corrida pela descoberta. E você sabe que era importante, se eu realmente quisesse fazer dinheiro, que as pessoas não soubessem que era um processo artificial e que era possível criar diamantes em grandes quantidades. Tive que trabalhar completamente só. Primeiro eu tinha um pequeno laboratório, mas à medida que meus recursos foram acabando eu tive que conduzir meus experimentos em uma sala deplorável e sem equipamentos em Kentish Town, onde, no fim, eu dormia em um colchão de palha no chão em meio a todos os meus aparatos. O dinheiro ia embora como água. Eu me desfazia de tudo, menos de equipamentos científicos. Eu tentava continuar com as coisas dando algumas aulas, mas eu não sou um professor muito bom, e não possuía um diploma universitário, nem muita formação, a não ser em química, e pensei que tinha que dedicar muito tempo e trabalho por pouco do meu rico dinheirinho. Mas eu fiquei mais e mais próximo do resultado. Três anos atrás eu resolvi o problema da composição do fundente, e cheguei perto da pressão colocando esse fundente que criei e certo composto de carbono em um cano de canhão fechado, enchendo-o com água, vedando muito bem e o esquentando.

Ele fez uma pausa.

– Muito arriscado. – disse.

– Sim. O canhão explodiu, e quebrou todas as minhas janelas e grande parte de meu aparato; mas, de qualquer forma, eu obtive uma espécie de pó de diamante. Seguindo o problema de conseguir uma grande pressão sobre a mistura derretida da qual as coisas deveriam cristalizar, eu descobri algumas pesquisas de Daubrée no Laboratório Parisiense de Partículas e Salitre. Ele explodiu dinamite em um cilindro de aço muito bem vedado, muito forte para explodir, e descobri que ele poderia transformar rochas em uma sujeira, algo não muito diferente do que acontece nos leitos dos rios sul-africanos nos quais os diamantes são encontrados. Era uma tremenda sobrecarga em meus recursos, mas eu adquiri um cilindro de aço feito para meus objetivos, de acordo com seu padrão. Coloquei nele todas as minhas coisas e meus explosivos, acendi a fornalha, inseri todo o conteúdo, e – saí para caminhar.

Não pude segurar a risada diante de sua indiferença.

– Você não pensou que poderia explodir a casa? Havia outras pessoas no local?

– Era pelo interesse da ciência, – ele disse por fim. – Havia uma família de feirantes no andar inferior, um escritor de cartas de solicitação no quarto atrás do meu, e duas floristas no andar de cima. Talvez fosse um pouco impensado. Mas é possível que alguns deles tivessem saído.

– Quando retornei a coisa estava exatamente onde eu a deixei, em meio aos carvões incandescentes. O explosivo não havia explodido o revestimento. Logo, eu tinha um problema para enfrentar. Você sabe que o tempo é um fator importante na cristalização. Se você acelerar o processo, os cristais saem pequenos – eles crescerão apenas sob uma espera prolongada. Eu decidi deixar esse aparato esfriar por dois anos, deixando a temperatura diminuir lentamente com o tempo. E agora eu estava quase sem dinheiro nenhum; e tendo que arcar com o fogo e o aluguel de meu quarto, além da minha fome para satisfazer, eu mal tinha um centavo no bolso.

– Mal posso te contar todos os trabalhos a que me submeti enquanto fabricava os diamantes. Eu vendi jornais, cuidei de cavalos, abri portas de táxis. Por muitas semanas enviei correspondências. Tive uma vaga como assistente de um homem que possuía um carrinho de venda, e vendia de um lado da rua enquanto ele ficava no outro.

– Uma vez fiquei sem ter o que fazer por uma semana e pedi dinheiro nas ruas. Que semana! Um dia o fogo estava apagando, eu não havia comido nada durante um dia, e um cara levando sua garota para sair, me deu seis centavos de libras – para se exibir. Agradeço aos céus pela vaidade! Fiquei tentado pelo cheiro das peixarias! Mas eu gastei tudo em carvão e a fornalha estava incandescente outra vez, e depois – Bem, a fome faz do homem um idiota.

– Enfim, três semanas atrás, eu deixei o fogo apagar. Eu tirei o meu cilindro e o abri enquanto ainda estava tão quente que machucou as minhas mãos, e tirei a massa trincada que parecia lava com um cinzel e a martelei num prato de ferro até que virasse um pó. Achei três grandes diamantes e cinco pequenos. Enquanto eu estava sentado no chão martelando, minha porta se abriu, e meu vizinho, o escritor de cartas de solicitação entrou. Ele estava bêbado – como normalmente está.

– "Narquista", ele disse.

– Você está bêbado, – respondi.

– Escória do sistema, – ele disse.

– Vá até o seu pai, – eu disse, me referindo ao Pai da Mentira.

– Esqueça, – disse ele, e me deu uma piscada maliciosa, e soluçou. Se apoiando contra a porta, com seu outro olho contra o acabamento da porta, começou a balbuciar sobre como ele estava bisbilhotando o meu quarto e sobre como ele havia ido à polícia naquela manhã, e como eles desconsideraram tudo o que ele tinha a dizer – “comsefôs” uma joia – ele disse. Então eu percebi, de repente, que estava em uma enrascada. Ou eu teria que contar esse meu segredinho à polícia e jogar tudo para o alto, ou ser taxado como um anarquista. Então subi as escadas ao encontro de meu vizinho, o peguei pelo colarinho, e o joguei pelas escadas, então peguei meus diamantes e fugi. Os jornais noturnos chamaram meu esconderijo de Fábrica de Bombas de Kentish Town. E agora eu não consigo me separar das coisas por amor ou por dinheiro.

– Se eu for até joalheiros respeitados eles me pedem para aguardar, e vão até um vendedor pedir que chame um policial, então eu digo que não posso esperar. Então eu descobri um colecionador de bens roubados, e ele simplesmente pegou o diamante que eu o dei e me disse para eu o processar se eu quisesse a joia de volta. E agora eu estou vagando com várias centenas de libras em diamantes em volta do meu pescoço, e sem comida ou casa. Você é a primeira pessoa para a qual contei meu segredo. Mas talvez porque eu gostei do seu rosto e sou muito impulsivo.

Ele olhou nos meus olhos.

– Seria loucura, – eu disse, – comprar um diamante nessas circunstâncias. Além disso, eu não carrego centenas de libras no bolso. No entanto, eu mais que acredito na sua história. Eu vou, se você quiser, fazer isso: venha ao meu escritório amanhã...

– Você acha que eu sou um ladrão!– ele disse fortemente. – Você vai contar à polícia. Não vou cair numa armadilha.

– De alguma forma, tenho certeza de que você não é um ladrão. Aqui está o meu cartão. Pegue–o, de qualquer forma. Você não precisa marcar horário. Venha quando quiser.

Ele pegou o cartão e com ele uma demonstração sincera da minha boa vontade.

– Pense melhor e venha. – disse.

Ele balançou a cabeça, em dúvida. –Eu lhe devolverei seu dinheiro com juros algum dia – uma quantia dessas irá surpreendê–lo. – ele disse – De qualquer forma, você guardará o segredo? Não me siga.

Ele atravessou a rua e adentrou a escuridão em direção aos pequenos degraus sob o arco que leva à rua Essex, e eu o deixei ir. E aquela foi a última vez que eu o vi.

Um tempo depois, recebi duas cartas dele me pedindo que enviasse bilhetes de banco – não cheques – a um certo endereço. Eu ponderei e fiz o que eu considerei a opção mais sábia. Uma vez ele me procurou quando estava fora. Meu assistente o descreveu como um homem muito magro, sujo e esfarrapado, com uma tosse horrível. Ele não deixou recado algum. Até onde minha história vai, foi assim que ele terminou. Às vezes me pergunto o que aconteceu com ele. Seria ele um engenhoso monomaníaco, ou um negociante fraudulento com pedregulhos, ou teria ele realmente fabricado diamantes como afirmava? A última hipótese é suficiente o bastante para me fazer pensar às vezes que eu perdi a oportunidade mais brilhante da minha vida. Ele pode, é claro, estar morto, e seus diamantes estarem largados ao acaso – um deles, repito, era quase tão grande quanto meu polegar. Ou ele ainda pode estar vagando e tentando vender as coisas. E é tão possível que ele ainda possa emergir sobre a sociedade, e, passando por meus céus na serena altitude sagrada para os ricos e bem divulgados, reprovar silenciosamente a minha falta de iniciativa. Às vezes penso que poderia ter arriscado pelo menos cem libras.

Algumas negociações me prenderam na Rua Chancery até as nove da noite e, depois disso, tendo um resquício de uma dor de cabeça, eu não estava inclinado a me divertir ou trabalhar mais. A parte do céu que podia ser vista através das fendas estreitas dos altos penhascos revelava uma noite serena, e eu decidi descer para o cais da estação Embankment para descansar os olhos e esfriar minha cabeça ao assistir as luzes coloridas tremeluzindo sobre as águas. Não há dúvidas de que a noite é o melhor horário para estar nesse lugar. Uma escuridão benévola esconde a sujeira das águas e as luzes desse período de transição, vermelho-alaranjado, amarelo ovo e um branco eletrizante flutuam em contornos enevoados de todos os tons existentes entre o cinza e o roxo escuro. Através dos arcos da ponte Waterloo, cem pontos de luz marcam a curva da estação Embankment e sobre o seu parapeito surgem as torres de Westminster; um cinza intenso contra a luz das estrelas. O rio negro corre apenas com um raro murmúrio quebrando seu silêncio e perturbando os reflexos das luzes que nadam em sua superfície.

– Uma noite agradável. – disse uma voz ao meu lado.

Eu me virei e vi o rosto de um homem se inclinando sobre o parapeito ao meu lado. Era um rosto fino, não era feio, apesar de comprimido e pálido o bastante para o ser, e o colarinho dobrado para cima e preso ao redor da garganta sinalizava o seu status tão bem quanto um uniforme. Eu senti que seria obrigado a bancar sua estadia pela noite, onde quer que fosse, se o respondesse.

 


https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/O_FABRICANTE_DE_DIAMANTES.jpg

 


Eu o olhei com curiosidade: teria ele algo para me contar que valesse o dinheiro, ou seria ele uma pessoa comum e incapaz, incapaz até mesmo de contar sua própria história? Havia um ar de inteligência em sua expressão e em seus olhos e uma certa tremulação em seu lábio inferior que me convenceu.

– Muito agradável. – disse. – Mas não muito agradável para nós aqui.

– Não, – ele disse, ainda olhando através da água, – está agradável o bastante aqui... nesse exato momento.

– É bom, – ele continuou após uma pausa, – achar uma coisa tão tranquila quanto essa em Londres. – Depois que alguém passa o dia se estressando com negócios, com os lucros, cumprindo obrigações e se defendendo de perigos, eu não sei o que esse alguém faria se não fosse por lugares tão pacíficos. – Ele falava com longas pausas entre as frases. – Você deve saber um pouco dos incômodos do trabalho cotidiano, ou não estaria aqui. Mas duvido que sua cabeça esteja tão cansada e que seus pés estejam tão doídos quando os meus... Ah! Às vezes me pergunto se o trabalho vale a pena. Sinto-me tentado a jogar tudo para o alto – nome, fortuna e status – e abrir um comércio mais simples. Mas eu sei que se abandonasse minha ambição – do modo como ela me consome – eu não sentiria nada além de remorso pelo resto dos meus dias.

Ele ficou em silêncio. Olhei para ele surpreso. Se algum dia eu já vi um homem tão liso, era esse homem à minha frente. Ele estava maltrapilho e sujo, sua barba estava malfeita e desgrenhada; parecia que ele tinha sido deixado em uma lata de lixo por uma semana. Ainda assim, ele estava me falando das preocupações incômodas de um grande negócio. Eu quase ri descaradamente. Ou ele estava louco ou fazendo uma brincadeira sem graça com a própria pobreza.

– Se grandes objetivos e bons cargos, – disse eu, – têm suas desvantagens como o trabalho duro e a ansiedade, eles têm suas compensações. Influência, o poder de fazer o bem, de ajudar os mais fracos e mais pobres que nós; e há ainda uma certa gratificação em vista...

Sob aquelas circunstâncias, minha brincadeira era de muito mau gosto. Eu estava falando estimulado pelo contraste de sua aparência e seu discurso. Me sentia mal ainda enquanto falava.

Ele se virou e me olhou abatido, mas com uma expressão serena. Disse:

– Eu me esqueci. É claro que você não entenderia.

Ele me analisou por um momento.

– Sem dúvidas é muito absurdo. Você não acreditará em mim mesmo quando eu lhe disser, então é bastante seguro contar. E será um alívio contar para alguém. Eu realmente tenho um grande negócio em mãos, um grande negócio. Mas estou com problemas agora. A verdade é que... Eu fabrico diamantes.

– Eu suponho, – disse – que você está sem trabalho no momento?

– Eu estou farto de ser desacreditado – ele disse impaciente, e de súbito desabotoou seu casaco deplorável e tirou um pequeno saco de lona que estava pendurado em seu pescoço por um cordão. Dele retirou uma pedra marrom.

– Eu me pergunto se você sabe o bastante para saber o que é isso. – ele me entregou a pedra.

Devo dizer que, cerca de um ano atrás, eu ocupei o meu tempo livre fazendo um curso de ciências em Londres, então tenho certo conhecimento em física e mineralogia. O objeto não era diferente de um diamante de um tipo mais escuro não lapidado, apesar de ser grande demais, quase do tamanho da ponta de meu polegar. Eu o pequei e vi que tinha a forma de um octaedro regular, de faces curvas, parecidas com os mais preciosos minerais. Tirei meu canivete do bolso e tentei arranhá-la – em vão. Inclinando–me para frente, em direção à lâmpada de gás, encostei o objeto em meu relógio, e marquei sobre ele uma linha branca com a maior facilidade.

Olhei para meu interlocutor com uma curiosidade crescente.

– Certamente parece um diamante. Mas, se realmente for, é o melhor dos diamantes. Onde você conseguiu?

– Já te disse que o fabriquei, – ele disse. – Me devolva.

Ele colocou o diamante de volta em seu bolso rapidamente e abotoou o casaco.

– Posso lhe vender por cem libras, – ele sussurrou de repente com um tom de ambição. Com isso, minhas suspeitas voltaram à tona. O objeto poderia ser, enfim, um mero pedaço de uma substância igualmente dura, coríndon, com uma lembrança acidental à forma de diamante. Ou caso fosse um diamante, como ele o conseguiu, e por que ele o ofereceria a tal valor?

Olhamos nos olhos um do outro. Ele parecia ambicioso, mas honestamente ambicioso. Naquele momento acreditei que o que ele estava tentando vender era um diamante. Mas eu sou um homem pobre, cem libras deixariam um rombo considerável em meus recursos e nenhum homem em sã consciência compraria um diamante sob a luz de lamparinas de um mendigo maltrapilho com apenas sua palavra como prova. Ainda assim, um diamante daquele tamanho invocava uma visão de muitas centenas de libras. Então, pensei, tal rocha nunca poderia existir sem ser mencionada em todos os livros sobre pedras preciosas, e novamente lembrei das histórias contrabando e ladrões na região. Coloquei a questão da compra de lado por um instante.

– Como você conseguiu o diamante?– disse.

– Eu o fabriquei.

Eu ouvi dizer que o químico Moissan havia fabricado algo assim, mas seus diamantes artificiais eram muito pequenos. Neguei com a cabeça.

– Você deve saber um pouco sobre esse tipo de coisa. Vou lhe contar um pouco sobre mim. Talvez assim você pense melhor sobre a compra. – Ele se virou com as costas voltadas para o rio e colocou as mãos nos bolsos. Ele suspirou. – Eu sei que você não vai acreditar em mim.

– Diamantes, – ele começou, e a medida que falava sua voz perdia seu leve teor de um vagabundo e assumiu o tom tranquilo de um homem educado – são feitos separando o carbono de uma combinação com um fundente adequado e sob uma pressão adequada; o carbono se cristaliza, não como o chumbo negro ou pó de carvão, mas como pequenos diamantes. Os químicos descobrem tantas coisas através dos anos, mas ninguém ainda havia atingido o fluxo exato no qual se deve derreter o carbono, ou a pressão exata para obter os melhores resultados. Consequentemente, os diamantes fabricados por químicos são pequenos e escuros, além de inúteis como joias. Agora eu, sabe, desisti da minha vida por isso – dei minha vida para isso.

– Comecei a trabalhar com a fabricação de diamantes quando tinha dezessete anos, e agora tenho trinta e dois. Pareceu–me que poderia levar todos os pensamentos e a energia de um homem por dez anos, ou vinte, mas mesmo se o fizesse, o resultado ainda valeria a pena. Imagine se alguém descobrisse o truque certo antes que o segredo fosse revelado e os diamantes se tornassem tão comuns quanto o carvão, essa pessoa faria milhões. Milhões!

Ele fez uma pausa e olhou para mim em busca de simpatia. Seus olhos brilharam famintos. – E pensar, – disse ele – que eu estou à beira de alcançar isso, bem aqui!

– Eu tinha, – ele continuou, – cerca de mil libras quando tinha vinte e um anos, e pensei que esse valor, conseguido com muito esforço, manteria as minhas pesquisas. Dediquei um ano ou dois ao estudo, em Berlim, na maior parte, e depois continuei por conta própria. O problema era o segredo. Veja, se alguma vez eu tivesse deixado escapar o que eu estava fazendo, outros homens poderiam ter sido motivados pela minha crença na possibilidade da ideia; e eu não finjo ser um gênio do nível de ser o primeiro a descobrir a resposta, no caso de uma corrida pela descoberta. E você sabe que era importante, se eu realmente quisesse fazer dinheiro, que as pessoas não soubessem que era um processo artificial e que era possível criar diamantes em grandes quantidades. Tive que trabalhar completamente só. Primeiro eu tinha um pequeno laboratório, mas à medida que meus recursos foram acabando eu tive que conduzir meus experimentos em uma sala deplorável e sem equipamentos em Kentish Town, onde, no fim, eu dormia em um colchão de palha no chão em meio a todos os meus aparatos. O dinheiro ia embora como água. Eu me desfazia de tudo, menos de equipamentos científicos. Eu tentava continuar com as coisas dando algumas aulas, mas eu não sou um professor muito bom, e não possuía um diploma universitário, nem muita formação, a não ser em química, e pensei que tinha que dedicar muito tempo e trabalho por pouco do meu rico dinheirinho. Mas eu fiquei mais e mais próximo do resultado. Três anos atrás eu resolvi o problema da composição do fundente, e cheguei perto da pressão colocando esse fundente que criei e certo composto de carbono em um cano de canhão fechado, enchendo-o com água, vedando muito bem e o esquentando.

Ele fez uma pausa.

– Muito arriscado. – disse.

– Sim. O canhão explodiu, e quebrou todas as minhas janelas e grande parte de meu aparato; mas, de qualquer forma, eu obtive uma espécie de pó de diamante. Seguindo o problema de conseguir uma grande pressão sobre a mistura derretida da qual as coisas deveriam cristalizar, eu descobri algumas pesquisas de Daubrée no Laboratório Parisiense de Partículas e Salitre. Ele explodiu dinamite em um cilindro de aço muito bem vedado, muito forte para explodir, e descobri que ele poderia transformar rochas em uma sujeira, algo não muito diferente do que acontece nos leitos dos rios sul-africanos nos quais os diamantes são encontrados. Era uma tremenda sobrecarga em meus recursos, mas eu adquiri um cilindro de aço feito para meus objetivos, de acordo com seu padrão. Coloquei nele todas as minhas coisas e meus explosivos, acendi a fornalha, inseri todo o conteúdo, e – saí para caminhar.

Não pude segurar a risada diante de sua indiferença.

– Você não pensou que poderia explodir a casa? Havia outras pessoas no local?

– Era pelo interesse da ciência, – ele disse por fim. – Havia uma família de feirantes no andar inferior, um escritor de cartas de solicitação no quarto atrás do meu, e duas floristas no andar de cima. Talvez fosse um pouco impensado. Mas é possível que alguns deles tivessem saído.

– Quando retornei a coisa estava exatamente onde eu a deixei, em meio aos carvões incandescentes. O explosivo não havia explodido o revestimento. Logo, eu tinha um problema para enfrentar. Você sabe que o tempo é um fator importante na cristalização. Se você acelerar o processo, os cristais saem pequenos – eles crescerão apenas sob uma espera prolongada. Eu decidi deixar esse aparato esfriar por dois anos, deixando a temperatura diminuir lentamente com o tempo. E agora eu estava quase sem dinheiro nenhum; e tendo que arcar com o fogo e o aluguel de meu quarto, além da minha fome para satisfazer, eu mal tinha um centavo no bolso.

– Mal posso te contar todos os trabalhos a que me submeti enquanto fabricava os diamantes. Eu vendi jornais, cuidei de cavalos, abri portas de táxis. Por muitas semanas enviei correspondências. Tive uma vaga como assistente de um homem que possuía um carrinho de venda, e vendia de um lado da rua enquanto ele ficava no outro.

– Uma vez fiquei sem ter o que fazer por uma semana e pedi dinheiro nas ruas. Que semana! Um dia o fogo estava apagando, eu não havia comido nada durante um dia, e um cara levando sua garota para sair, me deu seis centavos de libras – para se exibir. Agradeço aos céus pela vaidade! Fiquei tentado pelo cheiro das peixarias! Mas eu gastei tudo em carvão e a fornalha estava incandescente outra vez, e depois – Bem, a fome faz do homem um idiota.

– Enfim, três semanas atrás, eu deixei o fogo apagar. Eu tirei o meu cilindro e o abri enquanto ainda estava tão quente que machucou as minhas mãos, e tirei a massa trincada que parecia lava com um cinzel e a martelei num prato de ferro até que virasse um pó. Achei três grandes diamantes e cinco pequenos. Enquanto eu estava sentado no chão martelando, minha porta se abriu, e meu vizinho, o escritor de cartas de solicitação entrou. Ele estava bêbado – como normalmente está.

– "Narquista", ele disse.

– Você está bêbado, – respondi.

– Escória do sistema, – ele disse.

– Vá até o seu pai, – eu disse, me referindo ao Pai da Mentira.

– Esqueça, – disse ele, e me deu uma piscada maliciosa, e soluçou. Se apoiando contra a porta, com seu outro olho contra o acabamento da porta, começou a balbuciar sobre como ele estava bisbilhotando o meu quarto e sobre como ele havia ido à polícia naquela manhã, e como eles desconsideraram tudo o que ele tinha a dizer – “comsefôs” uma joia – ele disse. Então eu percebi, de repente, que estava em uma enrascada. Ou eu teria que contar esse meu segredinho à polícia e jogar tudo para o alto, ou ser taxado como um anarquista. Então subi as escadas ao encontro de meu vizinho, o peguei pelo colarinho, e o joguei pelas escadas, então peguei meus diamantes e fugi. Os jornais noturnos chamaram meu esconderijo de Fábrica de Bombas de Kentish Town. E agora eu não consigo me separar das coisas por amor ou por dinheiro.

– Se eu for até joalheiros respeitados eles me pedem para aguardar, e vão até um vendedor pedir que chame um policial, então eu digo que não posso esperar. Então eu descobri um colecionador de bens roubados, e ele simplesmente pegou o diamante que eu o dei e me disse para eu o processar se eu quisesse a joia de volta. E agora eu estou vagando com várias centenas de libras em diamantes em volta do meu pescoço, e sem comida ou casa. Você é a primeira pessoa para a qual contei meu segredo. Mas talvez porque eu gostei do seu rosto e sou muito impulsivo.

Ele olhou nos meus olhos.

– Seria loucura, – eu disse, – comprar um diamante nessas circunstâncias. Além disso, eu não carrego centenas de libras no bolso. No entanto, eu mais que acredito na sua história. Eu vou, se você quiser, fazer isso: venha ao meu escritório amanhã...

– Você acha que eu sou um ladrão!– ele disse fortemente. – Você vai contar à polícia. Não vou cair numa armadilha.

– De alguma forma, tenho certeza de que você não é um ladrão. Aqui está o meu cartão. Pegue–o, de qualquer forma. Você não precisa marcar horário. Venha quando quiser.

Ele pegou o cartão e com ele uma demonstração sincera da minha boa vontade.

– Pense melhor e venha. – disse.

Ele balançou a cabeça, em dúvida. –Eu lhe devolverei seu dinheiro com juros algum dia – uma quantia dessas irá surpreendê–lo. – ele disse – De qualquer forma, você guardará o segredo? Não me siga.

Ele atravessou a rua e adentrou a escuridão em direção aos pequenos degraus sob o arco que leva à rua Essex, e eu o deixei ir. E aquela foi a última vez que eu o vi.

Um tempo depois, recebi duas cartas dele me pedindo que enviasse bilhetes de banco – não cheques – a um certo endereço. Eu ponderei e fiz o que eu considerei a opção mais sábia. Uma vez ele me procurou quando estava fora. Meu assistente o descreveu como um homem muito magro, sujo e esfarrapado, com uma tosse horrível. Ele não deixou recado algum. Até onde minha história vai, foi assim que ele terminou. Às vezes me pergunto o que aconteceu com ele. Seria ele um engenhoso monomaníaco, ou um negociante fraudulento com pedregulhos, ou teria ele realmente fabricado diamantes como afirmava? A última hipótese é suficiente o bastante para me fazer pensar às vezes que eu perdi a oportunidade mais brilhante da minha vida. Ele pode, é claro, estar morto, e seus diamantes estarem largados ao acaso – um deles, repito, era quase tão grande quanto meu polegar. Ou ele ainda pode estar vagando e tentando vender as coisas. E é tão possível que ele ainda possa emergir sobre a sociedade, e, passando por meus céus na serena altitude sagrada para os ricos e bem divulgados, reprovar silenciosamente a minha falta de iniciativa. Às vezes penso que poderia ter arriscado pelo menos cem libras.

Algumas negociações me prenderam na Rua Chancery até as nove da noite e, depois disso, tendo um resquício de uma dor de cabeça, eu não estava inclinado a me divertir ou trabalhar mais. A parte do céu que podia ser vista através das fendas estreitas dos altos penhascos revelava uma noite serena, e eu decidi descer para o cais da estação Embankment para descansar os olhos e esfriar minha cabeça ao assistir as luzes coloridas tremeluzindo sobre as águas. Não há dúvidas de que a noite é o melhor horário para estar nesse lugar. Uma escuridão benévola esconde a sujeira das águas e as luzes desse período de transição, vermelho-alaranjado, amarelo ovo e um branco eletrizante flutuam em contornos enevoados de todos os tons existentes entre o cinza e o roxo escuro. Através dos arcos da ponte Waterloo, cem pontos de luz marcam a curva da estação Embankment e sobre o seu parapeito surgem as torres de Westminster; um cinza intenso contra a luz das estrelas. O rio negro corre apenas com um raro murmúrio quebrando seu silêncio e perturbando os reflexos das luzes que nadam em sua superfície.

– Uma noite agradável. – disse uma voz ao meu lado.

Eu me virei e vi o rosto de um homem se inclinando sobre o parapeito ao meu lado. Era um rosto fino, não era feio, apesar de comprimido e pálido o bastante para o ser, e o colarinho dobrado para cima e preso ao redor da garganta sinalizava o seu status tão bem quanto um uniforme. Eu senti que seria obrigado a bancar sua estadia pela noite, onde quer que fosse, se o respondesse.

 


https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/O_FABRICANTE_DE_DIAMANTES.jpg

 


Eu o olhei com curiosidade: teria ele algo para me contar que valesse o dinheiro, ou seria ele uma pessoa comum e incapaz, incapaz até mesmo de contar sua própria história? Havia um ar de inteligência em sua expressão e em seus olhos e uma certa tremulação em seu lábio inferior que me convenceu.

– Muito agradável. – disse. – Mas não muito agradável para nós aqui.

– Não, – ele disse, ainda olhando através da água, – está agradável o bastante aqui... nesse exato momento.

– É bom, – ele continuou após uma pausa, – achar uma coisa tão tranquila quanto essa em Londres. – Depois que alguém passa o dia se estressando com negócios, com os lucros, cumprindo obrigações e se defendendo de perigos, eu não sei o que esse alguém faria se não fosse por lugares tão pacíficos. – Ele falava com longas pausas entre as frases. – Você deve saber um pouco dos incômodos do trabalho cotidiano, ou não estaria aqui. Mas duvido que sua cabeça esteja tão cansada e que seus pés estejam tão doídos quando os meus... Ah! Às vezes me pergunto se o trabalho vale a pena. Sinto-me tentado a jogar tudo para o alto – nome, fortuna e status – e abrir um comércio mais simples. Mas eu sei que se abandonasse minha ambição – do modo como ela me consome – eu não sentiria nada além de remorso pelo resto dos meus dias.

Ele ficou em silêncio. Olhei para ele surpreso. Se algum dia eu já vi um homem tão liso, era esse homem à minha frente. Ele estava maltrapilho e sujo, sua barba estava malfeita e desgrenhada; parecia que ele tinha sido deixado em uma lata de lixo por uma semana. Ainda assim, ele estava me falando das preocupações incômodas de um grande negócio. Eu quase ri descaradamente. Ou ele estava louco ou fazendo uma brincadeira sem graça com a própria pobreza.

– Se grandes objetivos e bons cargos, – disse eu, – têm suas desvantagens como o trabalho duro e a ansiedade, eles têm suas compensações. Influência, o poder de fazer o bem, de ajudar os mais fracos e mais pobres que nós; e há ainda uma certa gratificação em vista...

Sob aquelas circunstâncias, minha brincadeira era de muito mau gosto. Eu estava falando estimulado pelo contraste de sua aparência e seu discurso. Me sentia mal ainda enquanto falava.

Ele se virou e me olhou abatido, mas com uma expressão serena. Disse:

– Eu me esqueci. É claro que você não entenderia.

Ele me analisou por um momento.

– Sem dúvidas é muito absurdo. Você não acreditará em mim mesmo quando eu lhe disser, então é bastante seguro contar. E será um alívio contar para alguém. Eu realmente tenho um grande negócio em mãos, um grande negócio. Mas estou com problemas agora. A verdade é que... Eu fabrico diamantes.

– Eu suponho, – disse – que você está sem trabalho no momento?

– Eu estou farto de ser desacreditado – ele disse impaciente, e de súbito desabotoou seu casaco deplorável e tirou um pequeno saco de lona que estava pendurado em seu pescoço por um cordão. Dele retirou uma pedra marrom.

– Eu me pergunto se você sabe o bastante para saber o que é isso. – ele me entregou a pedra.

Devo dizer que, cerca de um ano atrás, eu ocupei o meu tempo livre fazendo um curso de ciências em Londres, então tenho certo conhecimento em física e mineralogia. O objeto não era diferente de um diamante de um tipo mais escuro não lapidado, apesar de ser grande demais, quase do tamanho da ponta de meu polegar. Eu o pequei e vi que tinha a forma de um octaedro regular, de faces curvas, parecidas com os mais preciosos minerais. Tirei meu canivete do bolso e tentei arranhá-la – em vão. Inclinando–me para frente, em direção à lâmpada de gás, encostei o objeto em meu relógio, e marquei sobre ele uma linha branca com a maior facilidade.

Olhei para meu interlocutor com uma curiosidade crescente.

– Certamente parece um diamante. Mas, se realmente for, é o melhor dos diamantes. Onde você conseguiu?

– Já te disse que o fabriquei, – ele disse. – Me devolva.

Ele colocou o diamante de volta em seu bolso rapidamente e abotoou o casaco.

– Posso lhe vender por cem libras, – ele sussurrou de repente com um tom de ambição. Com isso, minhas suspeitas voltaram à tona. O objeto poderia ser, enfim, um mero pedaço de uma substância igualmente dura, coríndon, com uma lembrança acidental à forma de diamante. Ou caso fosse um diamante, como ele o conseguiu, e por que ele o ofereceria a tal valor?

Olhamos nos olhos um do outro. Ele parecia ambicioso, mas honestamente ambicioso. Naquele momento acreditei que o que ele estava tentando vender era um diamante. Mas eu sou um homem pobre, cem libras deixariam um rombo considerável em meus recursos e nenhum homem em sã consciência compraria um diamante sob a luz de lamparinas de um mendigo maltrapilho com apenas sua palavra como prova. Ainda assim, um diamante daquele tamanho invocava uma visão de muitas centenas de libras. Então, pensei, tal rocha nunca poderia existir sem ser mencionada em todos os livros sobre pedras preciosas, e novamente lembrei das histórias contrabando e ladrões na região. Coloquei a questão da compra de lado por um instante.

– Como você conseguiu o diamante?– disse.

– Eu o fabriquei.

Eu ouvi dizer que o químico Moissan havia fabricado algo assim, mas seus diamantes artificiais eram muito pequenos. Neguei com a cabeça.

– Você deve saber um pouco sobre esse tipo de coisa. Vou lhe contar um pouco sobre mim. Talvez assim você pense melhor sobre a compra. – Ele se virou com as costas voltadas para o rio e colocou as mãos nos bolsos. Ele suspirou. – Eu sei que você não vai acreditar em mim.

– Diamantes, – ele começou, e a medida que falava sua voz perdia seu leve teor de um vagabundo e assumiu o tom tranquilo de um homem educado – são feitos separando o carbono de uma combinação com um fundente adequado e sob uma pressão adequada; o carbono se cristaliza, não como o chumbo negro ou pó de carvão, mas como pequenos diamantes. Os químicos descobrem tantas coisas através dos anos, mas ninguém ainda havia atingido o fluxo exato no qual se deve derreter o carbono, ou a pressão exata para obter os melhores resultados. Consequentemente, os diamantes fabricados por químicos são pequenos e escuros, além de inúteis como joias. Agora eu, sabe, desisti da minha vida por isso – dei minha vida para isso.

– Comecei a trabalhar com a fabricação de diamantes quando tinha dezessete anos, e agora tenho trinta e dois. Pareceu–me que poderia levar todos os pensamentos e a energia de um homem por dez anos, ou vinte, mas mesmo se o fizesse, o resultado ainda valeria a pena. Imagine se alguém descobrisse o truque certo antes que o segredo fosse revelado e os diamantes se tornassem tão comuns quanto o carvão, essa pessoa faria milhões. Milhões!

Ele fez uma pausa e olhou para mim em busca de simpatia. Seus olhos brilharam famintos. – E pensar, – disse ele – que eu estou à beira de alcançar isso, bem aqui!

– Eu tinha, – ele continuou, – cerca de mil libras quando tinha vinte e um anos, e pensei que esse valor, conseguido com muito esforço, manteria as minhas pesquisas. Dediquei um ano ou dois ao estudo, em Berlim, na maior parte, e depois continuei por conta própria. O problema era o segredo. Veja, se alguma vez eu tivesse deixado escapar o que eu estava fazendo, outros homens poderiam ter sido motivados pela minha crença na possibilidade da ideia; e eu não finjo ser um gênio do nível de ser o primeiro a descobrir a resposta, no caso de uma corrida pela descoberta. E você sabe que era importante, se eu realmente quisesse fazer dinheiro, que as pessoas não soubessem que era um processo artificial e que era possível criar diamantes em grandes quantidades. Tive que trabalhar completamente só. Primeiro eu tinha um pequeno laboratório, mas à medida que meus recursos foram acabando eu tive que conduzir meus experimentos em uma sala deplorável e sem equipamentos em Kentish Town, onde, no fim, eu dormia em um colchão de palha no chão em meio a todos os meus aparatos. O dinheiro ia embora como água. Eu me desfazia de tudo, menos de equipamentos científicos. Eu tentava continuar com as coisas dando algumas aulas, mas eu não sou um professor muito bom, e não possuía um diploma universitário, nem muita formação, a não ser em química, e pensei que tinha que dedicar muito tempo e trabalho por pouco do meu rico dinheirinho. Mas eu fiquei mais e mais próximo do resultado. Três anos atrás eu resolvi o problema da composição do fundente, e cheguei perto da pressão colocando esse fundente que criei e certo composto de carbono em um cano de canhão fechado, enchendo-o com água, vedando muito bem e o esquentando.

Ele fez uma pausa.

– Muito arriscado. – disse.

– Sim. O canhão explodiu, e quebrou todas as minhas janelas e grande parte de meu aparato; mas, de qualquer forma, eu obtive uma espécie de pó de diamante. Seguindo o problema de conseguir uma grande pressão sobre a mistura derretida da qual as coisas deveriam cristalizar, eu descobri algumas pesquisas de Daubrée no Laboratório Parisiense de Partículas e Salitre. Ele explodiu dinamite em um cilindro de aço muito bem vedado, muito forte para explodir, e descobri que ele poderia transformar rochas em uma sujeira, algo não muito diferente do que acontece nos leitos dos rios sul-africanos nos quais os diamantes são encontrados. Era uma tremenda sobrecarga em meus recursos, mas eu adquiri um cilindro de aço feito para meus objetivos, de acordo com seu padrão. Coloquei nele todas as minhas coisas e meus explosivos, acendi a fornalha, inseri todo o conteúdo, e – saí para caminhar.

Não pude segurar a risada diante de sua indiferença.

– Você não pensou que poderia explodir a casa? Havia outras pessoas no local?

– Era pelo interesse da ciência, – ele disse por fim. – Havia uma família de feirantes no andar inferior, um escritor de cartas de solicitação no quarto atrás do meu, e duas floristas no andar de cima. Talvez fosse um pouco impensado. Mas é possível que alguns deles tivessem saído.

– Quando retornei a coisa estava exatamente onde eu a deixei, em meio aos carvões incandescentes. O explosivo não havia explodido o revestimento. Logo, eu tinha um problema para enfrentar. Você sabe que o tempo é um fator importante na cristalização. Se você acelerar o processo, os cristais saem pequenos – eles crescerão apenas sob uma espera prolongada. Eu decidi deixar esse aparato esfriar por dois anos, deixando a temperatura diminuir lentamente com o tempo. E agora eu estava quase sem dinheiro nenhum; e tendo que arcar com o fogo e o aluguel de meu quarto, além da minha fome para satisfazer, eu mal tinha um centavo no bolso.

– Mal posso te contar todos os trabalhos a que me submeti enquanto fabricava os diamantes. Eu vendi jornais, cuidei de cavalos, abri portas de táxis. Por muitas semanas enviei correspondências. Tive uma vaga como assistente de um homem que possuía um carrinho de venda, e vendia de um lado da rua enquanto ele ficava no outro.

– Uma vez fiquei sem ter o que fazer por uma semana e pedi dinheiro nas ruas. Que semana! Um dia o fogo estava apagando, eu não havia comido nada durante um dia, e um cara levando sua garota para sair, me deu seis centavos de libras – para se exibir. Agradeço aos céus pela vaidade! Fiquei tentado pelo cheiro das peixarias! Mas eu gastei tudo em carvão e a fornalha estava incandescente outra vez, e depois – Bem, a fome faz do homem um idiota.

– Enfim, três semanas atrás, eu deixei o fogo apagar. Eu tirei o meu cilindro e o abri enquanto ainda estava tão quente que machucou as minhas mãos, e tirei a massa trincada que parecia lava com um cinzel e a martelei num prato de ferro até que virasse um pó. Achei três grandes diamantes e cinco pequenos. Enquanto eu estava sentado no chão martelando, minha porta se abriu, e meu vizinho, o escritor de cartas de solicitação entrou. Ele estava bêbado – como normalmente está.

– "Narquista", ele disse.

– Você está bêbado, – respondi.

– Escória do sistema, – ele disse.

– Vá até o seu pai, – eu disse, me referindo ao Pai da Mentira.

– Esqueça, – disse ele, e me deu uma piscada maliciosa, e soluçou. Se apoiando contra a porta, com seu outro olho contra o acabamento da porta, começou a balbuciar sobre como ele estava bisbilhotando o meu quarto e sobre como ele havia ido à polícia naquela manhã, e como eles desconsideraram tudo o que ele tinha a dizer – “comsefôs” uma joia – ele disse. Então eu percebi, de repente, que estava em uma enrascada. Ou eu teria que contar esse meu segredinho à polícia e jogar tudo para o alto, ou ser taxado como um anarquista. Então subi as escadas ao encontro de meu vizinho, o peguei pelo colarinho, e o joguei pelas escadas, então peguei meus diamantes e fugi. Os jornais noturnos chamaram meu esconderijo de Fábrica de Bombas de Kentish Town. E agora eu não consigo me separar das coisas por amor ou por dinheiro.

– Se eu for até joalheiros respeitados eles me pedem para aguardar, e vão até um vendedor pedir que chame um policial, então eu digo que não posso esperar. Então eu descobri um colecionador de bens roubados, e ele simplesmente pegou o diamante que eu o dei e me disse para eu o processar se eu quisesse a joia de volta. E agora eu estou vagando com várias centenas de libras em diamantes em volta do meu pescoço, e sem comida ou casa. Você é a primeira pessoa para a qual contei meu segredo. Mas talvez porque eu gostei do seu rosto e sou muito impulsivo.

Ele olhou nos meus olhos.

– Seria loucura, – eu disse, – comprar um diamante nessas circunstâncias. Além disso, eu não carrego centenas de libras no bolso. No entanto, eu mais que acredito na sua história. Eu vou, se você quiser, fazer isso: venha ao meu escritório amanhã...

– Você acha que eu sou um ladrão!– ele disse fortemente. – Você vai contar à polícia. Não vou cair numa armadilha.

– De alguma forma, tenho certeza de que você não é um ladrão. Aqui está o meu cartão. Pegue–o, de qualquer forma. Você não precisa marcar horário. Venha quando quiser.

Ele pegou o cartão e com ele uma demonstração sincera da minha boa vontade.

– Pense melhor e venha. – disse.

Ele balançou a cabeça, em dúvida. –Eu lhe devolverei seu dinheiro com juros algum dia – uma quantia dessas irá surpreendê–lo. – ele disse – De qualquer forma, você guardará o segredo? Não me siga.

Ele atravessou a rua e adentrou a escuridão em direção aos pequenos degraus sob o arco que leva à rua Essex, e eu o deixei ir. E aquela foi a última vez que eu o vi.

Um tempo depois, recebi duas cartas dele me pedindo que enviasse bilhetes de banco – não cheques – a um certo endereço. Eu ponderei e fiz o que eu considerei a opção mais sábia. Uma vez ele me procurou quando estava fora. Meu assistente o descreveu como um homem muito magro, sujo e esfarrapado, com uma tosse horrível. Ele não deixou recado algum. Até onde minha história vai, foi assim que ele terminou. Às vezes me pergunto o que aconteceu com ele. Seria ele um engenhoso monomaníaco, ou um negociante fraudulento com pedregulhos, ou teria ele realmente fabricado diamantes como afirmava? A última hipótese é suficiente o bastante para me fazer pensar às vezes que eu perdi a oportunidade mais brilhante da minha vida. Ele pode, é claro, estar morto, e seus diamantes estarem largados ao acaso – um deles, repito, era quase tão grande quanto meu polegar. Ou ele ainda pode estar vagando e tentando vender as coisas. E é tão possível que ele ainda possa emergir sobre a sociedade, e, passando por meus céus na serena altitude sagrada para os ricos e bem divulgados, reprovar silenciosamente a minha falta de iniciativa. Às vezes penso que poderia ter arriscado pelo menos cem libras.

Algumas negociações me prenderam na Rua Chancery até as nove da noite e, depois disso, tendo um resquício de uma dor de cabeça, eu não estava inclinado a me divertir ou trabalhar mais. A parte do céu que podia ser vista através das fendas estreitas dos altos penhascos revelava uma noite serena, e eu decidi descer para o cais da estação Embankment para descansar os olhos e esfriar minha cabeça ao assistir as luzes coloridas tremeluzindo sobre as águas. Não há dúvidas de que a noite é o melhor horário para estar nesse lugar. Uma escuridão benévola esconde a sujeira das águas e as luzes desse período de transição, vermelho-alaranjado, amarelo ovo e um branco eletrizante flutuam em contornos enevoados de todos os tons existentes entre o cinza e o roxo escuro. Através dos arcos da ponte Waterloo, cem pontos de luz marcam a curva da estação Embankment e sobre o seu parapeito surgem as torres de Westminster; um cinza intenso contra a luz das estrelas. O rio negro corre apenas com um raro murmúrio quebrando seu silêncio e perturbando os reflexos das luzes que nadam em sua superfície.

– Uma noite agradável. – disse uma voz ao meu lado.

Eu me virei e vi o rosto de um homem se inclinando sobre o parapeito ao meu lado. Era um rosto fino, não era feio, apesar de comprimido e pálido o bastante para o ser, e o colarinho dobrado para cima e preso ao redor da garganta sinalizava o seu status tão bem quanto um uniforme. Eu senti que seria obrigado a bancar sua estadia pela noite, onde quer que fosse, se o respondesse.

 


https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/O_FABRICANTE_DE_DIAMANTES.jpg

 


Eu o olhei com curiosidade: teria ele algo para me contar que valesse o dinheiro, ou seria ele uma pessoa comum e incapaz, incapaz até mesmo de contar sua própria história? Havia um ar de inteligência em sua expressão e em seus olhos e uma certa tremulação em seu lábio inferior que me convenceu.

– Muito agradável. – disse. – Mas não muito agradável para nós aqui.

– Não, – ele disse, ainda olhando através da água, – está agradável o bastante aqui... nesse exato momento.

– É bom, – ele continuou após uma pausa, – achar uma coisa tão tranquila quanto essa em Londres. – Depois que alguém passa o dia se estressando com negócios, com os lucros, cumprindo obrigações e se defendendo de perigos, eu não sei o que esse alguém faria se não fosse por lugares tão pacíficos. – Ele falava com longas pausas entre as frases. – Você deve saber um pouco dos incômodos do trabalho cotidiano, ou não estaria aqui. Mas duvido que sua cabeça esteja tão cansada e que seus pés estejam tão doídos quando os meus... Ah! Às vezes me pergunto se o trabalho vale a pena. Sinto-me tentado a jogar tudo para o alto – nome, fortuna e status – e abrir um comércio mais simples. Mas eu sei que se abandonasse minha ambição – do modo como ela me consome – eu não sentiria nada além de remorso pelo resto dos meus dias.

Ele ficou em silêncio. Olhei para ele surpreso. Se algum dia eu já vi um homem tão liso, era esse homem à minha frente. Ele estava maltrapilho e sujo, sua barba estava malfeita e desgrenhada; parecia que ele tinha sido deixado em uma lata de lixo por uma semana. Ainda assim, ele estava me falando das preocupações incômodas de um grande negócio. Eu quase ri descaradamente. Ou ele estava louco ou fazendo uma brincadeira sem graça com a própria pobreza.

– Se grandes objetivos e bons cargos, – disse eu, – têm suas desvantagens como o trabalho duro e a ansiedade, eles têm suas compensações. Influência, o poder de fazer o bem, de ajudar os mais fracos e mais pobres que nós; e há ainda uma certa gratificação em vista...

Sob aquelas circunstâncias, minha brincadeira era de muito mau gosto. Eu estava falando estimulado pelo contraste de sua aparência e seu discurso. Me sentia mal ainda enquanto falava.

Ele se virou e me olhou abatido, mas com uma expressão serena. Disse:

– Eu me esqueci. É claro que você não entenderia.

Ele me analisou por um momento.

– Sem dúvidas é muito absurdo. Você não acreditará em mim mesmo quando eu lhe disser, então é bastante seguro contar. E será um alívio contar para alguém. Eu realmente tenho um grande negócio em mãos, um grande negócio. Mas estou com problemas agora. A verdade é que... Eu fabrico diamantes.

– Eu suponho, – disse – que você está sem trabalho no momento?

– Eu estou farto de ser desacreditado – ele disse impaciente, e de súbito desabotoou seu casaco deplorável e tirou um pequeno saco de lona que estava pendurado em seu pescoço por um cordão. Dele retirou uma pedra marrom.

– Eu me pergunto se você sabe o bastante para saber o que é isso. – ele me entregou a pedra.

Devo dizer que, cerca de um ano atrás, eu ocupei o meu tempo livre fazendo um curso de ciências em Londres, então tenho certo conhecimento em física e mineralogia. O objeto não era diferente de um diamante de um tipo mais escuro não lapidado, apesar de ser grande demais, quase do tamanho da ponta de meu polegar. Eu o pequei e vi que tinha a forma de um octaedro regular, de faces curvas, parecidas com os mais preciosos minerais. Tirei meu canivete do bolso e tentei arranhá-la – em vão. Inclinando–me para frente, em direção à lâmpada de gás, encostei o objeto em meu relógio, e marquei sobre ele uma linha branca com a maior facilidade.

Olhei para meu interlocutor com uma curiosidade crescente.

– Certamente parece um diamante. Mas, se realmente for, é o melhor dos diamantes. Onde você conseguiu?

– Já te disse que o fabriquei, – ele disse. – Me devolva.

Ele colocou o diamante de volta em seu bolso rapidamente e abotoou o casaco.

– Posso lhe vender por cem libras, – ele sussurrou de repente com um tom de ambição. Com isso, minhas suspeitas voltaram à tona. O objeto poderia ser, enfim, um mero pedaço de uma substância igualmente dura, coríndon, com uma lembrança acidental à forma de diamante. Ou caso fosse um diamante, como ele o conseguiu, e por que ele o ofereceria a tal valor?

Olhamos nos olhos um do outro. Ele parecia ambicioso, mas honestamente ambicioso. Naquele momento acreditei que o que ele estava tentando vender era um diamante. Mas eu sou um homem pobre, cem libras deixariam um rombo considerável em meus recursos e nenhum homem em sã consciência compraria um diamante sob a luz de lamparinas de um mendigo maltrapilho com apenas sua palavra como prova. Ainda assim, um diamante daquele tamanho invocava uma visão de muitas centenas de libras. Então, pensei, tal rocha nunca poderia existir sem ser mencionada em todos os livros sobre pedras preciosas, e novamente lembrei das histórias contrabando e ladrões na região. Coloquei a questão da compra de lado por um instante.

– Como você conseguiu o diamante?– disse.

– Eu o fabriquei.

Eu ouvi dizer que o químico Moissan havia fabricado algo assim, mas seus diamantes artificiais eram muito pequenos. Neguei com a cabeça.

– Você deve saber um pouco sobre esse tipo de coisa. Vou lhe contar um pouco sobre mim. Talvez assim você pense melhor sobre a compra. – Ele se virou com as costas voltadas para o rio e colocou as mãos nos bolsos. Ele suspirou. – Eu sei que você não vai acreditar em mim.

– Diamantes, – ele começou, e a medida que falava sua voz perdia seu leve teor de um vagabundo e assumiu o tom tranquilo de um homem educado – são feitos separando o carbono de uma combinação com um fundente adequado e sob uma pressão adequada; o carbono se cristaliza, não como o chumbo negro ou pó de carvão, mas como pequenos diamantes. Os químicos descobrem tantas coisas através dos anos, mas ninguém ainda havia atingido o fluxo exato no qual se deve derreter o carbono, ou a pressão exata para obter os melhores resultados. Consequentemente, os diamantes fabricados por químicos são pequenos e escuros, além de inúteis como joias. Agora eu, sabe, desisti da minha vida por isso – dei minha vida para isso.

– Comecei a trabalhar com a fabricação de diamantes quando tinha dezessete anos, e agora tenho trinta e dois. Pareceu–me que poderia levar todos os pensamentos e a energia de um homem por dez anos, ou vinte, mas mesmo se o fizesse, o resultado ainda valeria a pena. Imagine se alguém descobrisse o truque certo antes que o segredo fosse revelado e os diamantes se tornassem tão comuns quanto o carvão, essa pessoa faria milhões. Milhões!

Ele fez uma pausa e olhou para mim em busca de simpatia. Seus olhos brilharam famintos. – E pensar, – disse ele – que eu estou à beira de alcançar isso, bem aqui!

– Eu tinha, – ele continuou, – cerca de mil libras quando tinha vinte e um anos, e pensei que esse valor, conseguido com muito esforço, manteria as minhas pesquisas. Dediquei um ano ou dois ao estudo, em Berlim, na maior parte, e depois continuei por conta própria. O problema era o segredo. Veja, se alguma vez eu tivesse deixado escapar o que eu estava fazendo, outros homens poderiam ter sido motivados pela minha crença na possibilidade da ideia; e eu não finjo ser um gênio do nível de ser o primeiro a descobrir a resposta, no caso de uma corrida pela descoberta. E você sabe que era importante, se eu realmente quisesse fazer dinheiro, que as pessoas não soubessem que era um processo artificial e que era possível criar diamantes em grandes quantidades. Tive que trabalhar completamente só. Primeiro eu tinha um pequeno laboratório, mas à medida que meus recursos foram acabando eu tive que conduzir meus experimentos em uma sala deplorável e sem equipamentos em Kentish Town, onde, no fim, eu dormia em um colchão de palha no chão em meio a todos os meus aparatos. O dinheiro ia embora como água. Eu me desfazia de tudo, menos de equipamentos científicos. Eu tentava continuar com as coisas dando algumas aulas, mas eu não sou um professor muito bom, e não possuía um diploma universitário, nem muita formação, a não ser em química, e pensei que tinha que dedicar muito tempo e trabalho por pouco do meu rico dinheirinho. Mas eu fiquei mais e mais próximo do resultado. Três anos atrás eu resolvi o problema da composição do fundente, e cheguei perto da pressão colocando esse fundente que criei e certo composto de carbono em um cano de canhão fechado, enchendo-o com água, vedando muito bem e o esquentando.

Ele fez uma pausa.

– Muito arriscado. – disse.

– Sim. O canhão explodiu, e quebrou todas as minhas janelas e grande parte de meu aparato; mas, de qualquer forma, eu obtive uma espécie de pó de diamante. Seguindo o problema de conseguir uma grande pressão sobre a mistura derretida da qual as coisas deveriam cristalizar, eu descobri algumas pesquisas de Daubrée no Laboratório Parisiense de Partículas e Salitre. Ele explodiu dinamite em um cilindro de aço muito bem vedado, muito forte para explodir, e descobri que ele poderia transformar rochas em uma sujeira, algo não muito diferente do que acontece nos leitos dos rios sul-africanos nos quais os diamantes são encontrados. Era uma tremenda sobrecarga em meus recursos, mas eu adquiri um cilindro de aço feito para meus objetivos, de acordo com seu padrão. Coloquei nele todas as minhas coisas e meus explosivos, acendi a fornalha, inseri todo o conteúdo, e – saí para caminhar.

Não pude segurar a risada diante de sua indiferença.

– Você não pensou que poderia explodir a casa? Havia outras pessoas no local?

– Era pelo interesse da ciência, – ele disse por fim. – Havia uma família de feirantes no andar inferior, um escritor de cartas de solicitação no quarto atrás do meu, e duas floristas no andar de cima. Talvez fosse um pouco impensado. Mas é possível que alguns deles tivessem saído.

– Quando retornei a coisa estava exatamente onde eu a deixei, em meio aos carvões incandescentes. O explosivo não havia explodido o revestimento. Logo, eu tinha um problema para enfrentar. Você sabe que o tempo é um fator importante na cristalização. Se você acelerar o processo, os cristais saem pequenos – eles crescerão apenas sob uma espera prolongada. Eu decidi deixar esse aparato esfriar por dois anos, deixando a temperatura diminuir lentamente com o tempo. E agora eu estava quase sem dinheiro nenhum; e tendo que arcar com o fogo e o aluguel de meu quarto, além da minha fome para satisfazer, eu mal tinha um centavo no bolso.

– Mal posso te contar todos os trabalhos a que me submeti enquanto fabricava os diamantes. Eu vendi jornais, cuidei de cavalos, abri portas de táxis. Por muitas semanas enviei correspondências. Tive uma vaga como assistente de um homem que possuía um carrinho de venda, e vendia de um lado da rua enquanto ele ficava no outro.

– Uma vez fiquei sem ter o que fazer por uma semana e pedi dinheiro nas ruas. Que semana! Um dia o fogo estava apagando, eu não havia comido nada durante um dia, e um cara levando sua garota para sair, me deu seis centavos de libras – para se exibir. Agradeço aos céus pela vaidade! Fiquei tentado pelo cheiro das peixarias! Mas eu gastei tudo em carvão e a fornalha estava incandescente outra vez, e depois – Bem, a fome faz do homem um idiota.

– Enfim, três semanas atrás, eu deixei o fogo apagar. Eu tirei o meu cilindro e o abri enquanto ainda estava tão quente que machucou as minhas mãos, e tirei a massa trincada que parecia lava com um cinzel e a martelei num prato de ferro até que virasse um pó. Achei três grandes diamantes e cinco pequenos. Enquanto eu estava sentado no chão martelando, minha porta se abriu, e meu vizinho, o escritor de cartas de solicitação entrou. Ele estava bêbado – como normalmente está.

– "Narquista", ele disse.

– Você está bêbado, – respondi.

– Escória do sistema, – ele disse.

– Vá até o seu pai, – eu disse, me referindo ao Pai da Mentira.

– Esqueça, – disse ele, e me deu uma piscada maliciosa, e soluçou. Se apoiando contra a porta, com seu outro olho contra o acabamento da porta, começou a balbuciar sobre como ele estava bisbilhotando o meu quarto e sobre como ele havia ido à polícia naquela manhã, e como eles desconsideraram tudo o que ele tinha a dizer – “comsefôs” uma joia – ele disse. Então eu percebi, de repente, que estava em uma enrascada. Ou eu teria que contar esse meu segredinho à polícia e jogar tudo para o alto, ou ser taxado como um anarquista. Então subi as escadas ao encontro de meu vizinho, o peguei pelo colarinho, e o joguei pelas escadas, então peguei meus diamantes e fugi. Os jornais noturnos chamaram meu esconderijo de Fábrica de Bombas de Kentish Town. E agora eu não consigo me separar das coisas por amor ou por dinheiro.

– Se eu for até joalheiros respeitados eles me pedem para aguardar, e vão até um vendedor pedir que chame um policial, então eu digo que não posso esperar. Então eu descobri um colecionador de bens roubados, e ele simplesmente pegou o diamante que eu o dei e me disse para eu o processar se eu quisesse a joia de volta. E agora eu estou vagando com várias centenas de libras em diamantes em volta do meu pescoço, e sem comida ou casa. Você é a primeira pessoa para a qual contei meu segredo. Mas talvez porque eu gostei do seu rosto e sou muito impulsivo.

Ele olhou nos meus olhos.

– Seria loucura, – eu disse, – comprar um diamante nessas circunstâncias. Além disso, eu não carrego centenas de libras no bolso. No entanto, eu mais que acredito na sua história. Eu vou, se você quiser, fazer isso: venha ao meu escritório amanhã...

– Você acha que eu sou um ladrão!– ele disse fortemente. – Você vai contar à polícia. Não vou cair numa armadilha.

– De alguma forma, tenho certeza de que você não é um ladrão. Aqui está o meu cartão. Pegue–o, de qualquer forma. Você não precisa marcar horário. Venha quando quiser.

Ele pegou o cartão e com ele uma demonstração sincera da minha boa vontade.

– Pense melhor e venha. – disse.

Ele balançou a cabeça, em dúvida. –Eu lhe devolverei seu dinheiro com juros algum dia – uma quantia dessas irá surpreendê–lo. – ele disse – De qualquer forma, você guardará o segredo? Não me siga.

Ele atravessou a rua e adentrou a escuridão em direção aos pequenos degraus sob o arco que leva à rua Essex, e eu o deixei ir. E aquela foi a última vez que eu o vi.

Um tempo depois, recebi duas cartas dele me pedindo que enviasse bilhetes de banco – não cheques – a um certo endereço. Eu ponderei e fiz o que eu considerei a opção mais sábia. Uma vez ele me procurou quando estava fora. Meu assistente o descreveu como um homem muito magro, sujo e esfarrapado, com uma tosse horrível. Ele não deixou recado algum. Até onde minha história vai, foi assim que ele terminou. Às vezes me pergunto o que aconteceu com ele. Seria ele um engenhoso monomaníaco, ou um negociante fraudulento com pedregulhos, ou teria ele realmente fabricado diamantes como afirmava? A última hipótese é suficiente o bastante para me fazer pensar às vezes que eu perdi a oportunidade mais brilhante da minha vida. Ele pode, é claro, estar morto, e seus diamantes estarem largados ao acaso – um deles, repito, era quase tão grande quanto meu polegar. Ou ele ainda pode estar vagando e tentando vender as coisas. E é tão possível que ele ainda possa emergir sobre a sociedade, e, passando por meus céus na serena altitude sagrada para os ricos e bem divulgados, reprovar silenciosamente a minha falta de iniciativa. Às vezes penso que poderia ter arriscado pelo menos cem libras.

Algumas negociações me prenderam na Rua Chancery até as nove da noite e, depois disso, tendo um resquício de uma dor de cabeça, eu não estava inclinado a me divertir ou trabalhar mais. A parte do céu que podia ser vista através das fendas estreitas dos altos penhascos revelava uma noite serena, e eu decidi descer para o cais da estação Embankment para descansar os olhos e esfriar minha cabeça ao assistir as luzes coloridas tremeluzindo sobre as águas. Não há dúvidas de que a noite é o melhor horário para estar nesse lugar. Uma escuridão benévola esconde a sujeira das águas e as luzes desse período de transição, vermelho-alaranjado, amarelo ovo e um branco eletrizante flutuam em contornos enevoados de todos os tons existentes entre o cinza e o roxo escuro. Através dos arcos da ponte Waterloo, cem pontos de luz marcam a curva da estação Embankment e sobre o seu parapeito surgem as torres de Westminster; um cinza intenso contra a luz das estrelas. O rio negro corre apenas com um raro murmúrio quebrando seu silêncio e perturbando os reflexos das luzes que nadam em sua superfície.

– Uma noite agradável. – disse uma voz ao meu lado.

Eu me virei e vi o rosto de um homem se inclinando sobre o parapeito ao meu lado. Era um rosto fino, não era feio, apesar de comprimido e pálido o bastante para o ser, e o colarinho dobrado para cima e preso ao redor da garganta sinalizava o seu status tão bem quanto um uniforme. Eu senti que seria obrigado a bancar sua estadia pela noite, onde quer que fosse, se o respondesse.

 


https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/O_FABRICANTE_DE_DIAMANTES.jpg

 


Eu o olhei com curiosidade: teria ele algo para me contar que valesse o dinheiro, ou seria ele uma pessoa comum e incapaz, incapaz até mesmo de contar sua própria história? Havia um ar de inteligência em sua expressão e em seus olhos e uma certa tremulação em seu lábio inferior que me convenceu.

– Muito agradável. – disse. – Mas não muito agradável para nós aqui.

– Não, – ele disse, ainda olhando através da água, – está agradável o bastante aqui... nesse exato momento.

– É bom, – ele continuou após uma pausa, – achar uma coisa tão tranquila quanto essa em Londres. – Depois que alguém passa o dia se estressando com negócios, com os lucros, cumprindo obrigações e se defendendo de perigos, eu não sei o que esse alguém faria se não fosse por lugares tão pacíficos. – Ele falava com longas pausas entre as frases. – Você deve saber um pouco dos incômodos do trabalho cotidiano, ou não estaria aqui. Mas duvido que sua cabeça esteja tão cansada e que seus pés estejam tão doídos quando os meus... Ah! Às vezes me pergunto se o trabalho vale a pena. Sinto-me tentado a jogar tudo para o alto – nome, fortuna e status – e abrir um comércio mais simples. Mas eu sei que se abandonasse minha ambição – do modo como ela me consome – eu não sentiria nada além de remorso pelo resto dos meus dias.

Ele ficou em silêncio. Olhei para ele surpreso. Se algum dia eu já vi um homem tão liso, era esse homem à minha frente. Ele estava maltrapilho e sujo, sua barba estava malfeita e desgrenhada; parecia que ele tinha sido deixado em uma lata de lixo por uma semana. Ainda assim, ele estava me falando das preocupações incômodas de um grande negócio. Eu quase ri descaradamente. Ou ele estava louco ou fazendo uma brincadeira sem graça com a própria pobreza.

– Se grandes objetivos e bons cargos, – disse eu, – têm suas desvantagens como o trabalho duro e a ansiedade, eles têm suas compensações. Influência, o poder de fazer o bem, de ajudar os mais fracos e mais pobres que nós; e há ainda uma certa gratificação em vista...

Sob aquelas circunstâncias, minha brincadeira era de muito mau gosto. Eu estava falando estimulado pelo contraste de sua aparência e seu discurso. Me sentia mal ainda enquanto falava.

Ele se virou e me olhou abatido, mas com uma expressão serena. Disse:

– Eu me esqueci. É claro que você não entenderia.

Ele me analisou por um momento.

– Sem dúvidas é muito absurdo. Você não acreditará em mim mesmo quando eu lhe disser, então é bastante seguro contar. E será um alívio contar para alguém. Eu realmente tenho um grande negócio em mãos, um grande negócio. Mas estou com problemas agora. A verdade é que... Eu fabrico diamantes.

– Eu suponho, – disse – que você está sem trabalho no momento?

– Eu estou farto de ser desacreditado – ele disse impaciente, e de súbito desabotoou seu casaco deplorável e tirou um pequeno saco de lona que estava pendurado em seu pescoço por um cordão. Dele retirou uma pedra marrom.

– Eu me pergunto se você sabe o bastante para saber o que é isso. – ele me entregou a pedra.

Devo dizer que, cerca de um ano atrás, eu ocupei o meu tempo livre fazendo um curso de ciências em Londres, então tenho certo conhecimento em física e mineralogia. O objeto não era diferente de um diamante de um tipo mais escuro não lapidado, apesar de ser grande demais, quase do tamanho da ponta de meu polegar. Eu o pequei e vi que tinha a forma de um octaedro regular, de faces curvas, parecidas com os mais preciosos minerais. Tirei meu canivete do bolso e tentei arranhá-la – em vão. Inclinando–me para frente, em direção à lâmpada de gás, encostei o objeto em meu relógio, e marquei sobre ele uma linha branca com a maior facilidade.

Olhei para meu interlocutor com uma curiosidade crescente.

– Certamente parece um diamante. Mas, se realmente for, é o melhor dos diamantes. Onde você conseguiu?

– Já te disse que o fabriquei, – ele disse. – Me devolva.

Ele colocou o diamante de volta em seu bolso rapidamente e abotoou o casaco.

– Posso lhe vender por cem libras, – ele sussurrou de repente com um tom de ambição. Com isso, minhas suspeitas voltaram à tona. O objeto poderia ser, enfim, um mero pedaço de uma substância igualmente dura, coríndon, com uma lembrança acidental à forma de diamante. Ou caso fosse um diamante, como ele o conseguiu, e por que ele o ofereceria a tal valor?

Olhamos nos olhos um do outro. Ele parecia ambicioso, mas honestamente ambicioso. Naquele momento acreditei que o que ele estava tentando vender era um diamante. Mas eu sou um homem pobre, cem libras deixariam um rombo considerável em meus recursos e nenhum homem em sã consciência compraria um diamante sob a luz de lamparinas de um mendigo maltrapilho com apenas sua palavra como prova. Ainda assim, um diamante daquele tamanho invocava uma visão de muitas centenas de libras. Então, pensei, tal rocha nunca poderia existir sem ser mencionada em todos os livros sobre pedras preciosas, e novamente lembrei das histórias contrabando e ladrões na região. Coloquei a questão da compra de lado por um instante.

– Como você conseguiu o diamante?– disse.

– Eu o fabriquei.

Eu ouvi dizer que o químico Moissan havia fabricado algo assim, mas seus diamantes artificiais eram muito pequenos. Neguei com a cabeça.

– Você deve saber um pouco sobre esse tipo de coisa. Vou lhe contar um pouco sobre mim. Talvez assim você pense melhor sobre a compra. – Ele se virou com as costas voltadas para o rio e colocou as mãos nos bolsos. Ele suspirou. – Eu sei que você não vai acreditar em mim.

– Diamantes, – ele começou, e a medida que falava sua voz perdia seu leve teor de um vagabundo e assumiu o tom tranquilo de um homem educado – são feitos separando o carbono de uma combinação com um fundente adequado e sob uma pressão adequada; o carbono se cristaliza, não como o chumbo negro ou pó de carvão, mas como pequenos diamantes. Os químicos descobrem tantas coisas através dos anos, mas ninguém ainda havia atingido o fluxo exato no qual se deve derreter o carbono, ou a pressão exata para obter os melhores resultados. Consequentemente, os diamantes fabricados por químicos são pequenos e escuros, além de inúteis como joias. Agora eu, sabe, desisti da minha vida por isso – dei minha vida para isso.

– Comecei a trabalhar com a fabricação de diamantes quando tinha dezessete anos, e agora tenho trinta e dois. Pareceu–me que poderia levar todos os pensamentos e a energia de um homem por dez anos, ou vinte, mas mesmo se o fizesse, o resultado ainda valeria a pena. Imagine se alguém descobrisse o truque certo antes que o segredo fosse revelado e os diamantes se tornassem tão comuns quanto o carvão, essa pessoa faria milhões. Milhões!

Ele fez uma pausa e olhou para mim em busca de simpatia. Seus olhos brilharam famintos. – E pensar, – disse ele – que eu estou à beira de alcançar isso, bem aqui!

– Eu tinha, – ele continuou, – cerca de mil libras quando tinha vinte e um anos, e pensei que esse valor, conseguido com muito esforço, manteria as minhas pesquisas. Dediquei um ano ou dois ao estudo, em Berlim, na maior parte, e depois continuei por conta própria. O problema era o segredo. Veja, se alguma vez eu tivesse deixado escapar o que eu estava fazendo, outros homens poderiam ter sido motivados pela minha crença na possibilidade da ideia; e eu não finjo ser um gênio do nível de ser o primeiro a descobrir a resposta, no caso de uma corrida pela descoberta. E você sabe que era importante, se eu realmente quisesse fazer dinheiro, que as pessoas não soubessem que era um processo artificial e que era possível criar diamantes em grandes quantidades. Tive que trabalhar completamente só. Primeiro eu tinha um pequeno laboratório, mas à medida que meus recursos foram acabando eu tive que conduzir meus experimentos em uma sala deplorável e sem equipamentos em Kentish Town, onde, no fim, eu dormia em um colchão de palha no chão em meio a todos os meus aparatos. O dinheiro ia embora como água. Eu me desfazia de tudo, menos de equipamentos científicos. Eu tentava continuar com as coisas dando algumas aulas, mas eu não sou um professor muito bom, e não possuía um diploma universitário, nem muita formação, a não ser em química, e pensei que tinha que dedicar muito tempo e trabalho por pouco do meu rico dinheirinho. Mas eu fiquei mais e mais próximo do resultado. Três anos atrás eu resolvi o problema da composição do fundente, e cheguei perto da pressão colocando esse fundente que criei e certo composto de carbono em um cano de canhão fechado, enchendo-o com água, vedando muito bem e o esquentando.

Ele fez uma pausa.

– Muito arriscado. – disse.

– Sim. O canhão explodiu, e quebrou todas as minhas janelas e grande parte de meu aparato; mas, de qualquer forma, eu obtive uma espécie de pó de diamante. Seguindo o problema de conseguir uma grande pressão sobre a mistura derretida da qual as coisas deveriam cristalizar, eu descobri algumas pesquisas de Daubrée no Laboratório Parisiense de Partículas e Salitre. Ele explodiu dinamite em um cilindro de aço muito bem vedado, muito forte para explodir, e descobri que ele poderia transformar rochas em uma sujeira, algo não muito diferente do que acontece nos leitos dos rios sul-africanos nos quais os diamantes são encontrados. Era uma tremenda sobrecarga em meus recursos, mas eu adquiri um cilindro de aço feito para meus objetivos, de acordo com seu padrão. Coloquei nele todas as minhas coisas e meus explosivos, acendi a fornalha, inseri todo o conteúdo, e – saí para caminhar.

Não pude segurar a risada diante de sua indiferença.

– Você não pensou que poderia explodir a casa? Havia outras pessoas no local?

– Era pelo interesse da ciência, – ele disse por fim. – Havia uma família de feirantes no andar inferior, um escritor de cartas de solicitação no quarto atrás do meu, e duas floristas no andar de cima. Talvez fosse um pouco impensado. Mas é possível que alguns deles tivessem saído.

– Quando retornei a coisa estava exatamente onde eu a deixei, em meio aos carvões incandescentes. O explosivo não havia explodido o revestimento. Logo, eu tinha um problema para enfrentar. Você sabe que o tempo é um fator importante na cristalização. Se você acelerar o processo, os cristais saem pequenos – eles crescerão apenas sob uma espera prolongada. Eu decidi deixar esse aparato esfriar por dois anos, deixando a temperatura diminuir lentamente com o tempo. E agora eu estava quase sem dinheiro nenhum; e tendo que arcar com o fogo e o aluguel de meu quarto, além da minha fome para satisfazer, eu mal tinha um centavo no bolso.

– Mal posso te contar todos os trabalhos a que me submeti enquanto fabricava os diamantes. Eu vendi jornais, cuidei de cavalos, abri portas de táxis. Por muitas semanas enviei correspondências. Tive uma vaga como assistente de um homem que possuía um carrinho de venda, e vendia de um lado da rua enquanto ele ficava no outro.

– Uma vez fiquei sem ter o que fazer por uma semana e pedi dinheiro nas ruas. Que semana! Um dia o fogo estava apagando, eu não havia comido nada durante um dia, e um cara levando sua garota para sair, me deu seis centavos de libras – para se exibir. Agradeço aos céus pela vaidade! Fiquei tentado pelo cheiro das peixarias! Mas eu gastei tudo em carvão e a fornalha estava incandescente outra vez, e depois – Bem, a fome faz do homem um idiota.

– Enfim, três semanas atrás, eu deixei o fogo apagar. Eu tirei o meu cilindro e o abri enquanto ainda estava tão quente que machucou as minhas mãos, e tirei a massa trincada que parecia lava com um cinzel e a martelei num prato de ferro até que virasse um pó. Achei três grandes diamantes e cinco pequenos. Enquanto eu estava sentado no chão martelando, minha porta se abriu, e meu vizinho, o escritor de cartas de solicitação entrou. Ele estava bêbado – como normalmente está.

– "Narquista", ele disse.

– Você está bêbado, – respondi.

– Escória do sistema, – ele disse.

– Vá até o seu pai, – eu disse, me referindo ao Pai da Mentira.

– Esqueça, – disse ele, e me deu uma piscada maliciosa, e soluçou. Se apoiando contra a porta, com seu outro olho contra o acabamento da porta, começou a balbuciar sobre como ele estava bisbilhotando o meu quarto e sobre como ele havia ido à polícia naquela manhã, e como eles desconsideraram tudo o que ele tinha a dizer – “comsefôs” uma joia – ele disse. Então eu percebi, de repente, que estava em uma enrascada. Ou eu teria que contar esse meu segredinho à polícia e jogar tudo para o alto, ou ser taxado como um anarquista. Então subi as escadas ao encontro de meu vizinho, o peguei pelo colarinho, e o joguei pelas escadas, então peguei meus diamantes e fugi. Os jornais noturnos chamaram meu esconderijo de Fábrica de Bombas de Kentish Town. E agora eu não consigo me separar das coisas por amor ou por dinheiro.

– Se eu for até joalheiros respeitados eles me pedem para aguardar, e vão até um vendedor pedir que chame um policial, então eu digo que não posso esperar. Então eu descobri um colecionador de bens roubados, e ele simplesmente pegou o diamante que eu o dei e me disse para eu o processar se eu quisesse a joia de volta. E agora eu estou vagando com várias centenas de libras em diamantes em volta do meu pescoço, e sem comida ou casa. Você é a primeira pessoa para a qual contei meu segredo. Mas talvez porque eu gostei do seu rosto e sou muito impulsivo.

Ele olhou nos meus olhos.

– Seria loucura, – eu disse, – comprar um diamante nessas circunstâncias. Além disso, eu não carrego centenas de libras no bolso. No entanto, eu mais que acredito na sua história. Eu vou, se você quiser, fazer isso: venha ao meu escritório amanhã...

– Você acha que eu sou um ladrão!– ele disse fortemente. – Você vai contar à polícia. Não vou cair numa armadilha.

– De alguma forma, tenho certeza de que você não é um ladrão. Aqui está o meu cartão. Pegue–o, de qualquer forma. Você não precisa marcar horário. Venha quando quiser.

Ele pegou o cartão e com ele uma demonstração sincera da minha boa vontade.

– Pense melhor e venha. – disse.

Ele balançou a cabeça, em dúvida. –Eu lhe devolverei seu dinheiro com juros algum dia – uma quantia dessas irá surpreendê–lo. – ele disse – De qualquer forma, você guardará o segredo? Não me siga.

Ele atravessou a rua e adentrou a escuridão em direção aos pequenos degraus sob o arco que leva à rua Essex, e eu o deixei ir. E aquela foi a última vez que eu o vi.

Um tempo depois, recebi duas cartas dele me pedindo que enviasse bilhetes de banco – não cheques – a um certo endereço. Eu ponderei e fiz o que eu considerei a opção mais sábia. Uma vez ele me procurou quando estava fora. Meu assistente o descreveu como um homem muito magro, sujo e esfarrapado, com uma tosse horrível. Ele não deixou recado algum. Até onde minha história vai, foi assim que ele terminou. Às vezes me pergunto o que aconteceu com ele. Seria ele um engenhoso monomaníaco, ou um negociante fraudulento com pedregulhos, ou teria ele realmente fabricado diamantes como afirmava? A última hipótese é suficiente o bastante para me fazer pensar às vezes que eu perdi a oportunidade mais brilhante da minha vida. Ele pode, é claro, estar morto, e seus diamantes estarem largados ao acaso – um deles, repito, era quase tão grande quanto meu polegar. Ou ele ainda pode estar vagando e tentando vender as coisas. E é tão possível que ele ainda possa emergir sobre a sociedade, e, passando por meus céus na serena altitude sagrada para os ricos e bem divulgados, reprovar silenciosamente a minha falta de iniciativa. Às vezes penso que poderia ter arriscado pelo menos cem libras.

 

 

                                                                  H. G. Wells

 

 

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