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O FALCÃO SOLITÁRIO / Frank Gruber
O FALCÃO SOLITÁRIO / Frank Gruber

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

O FALCÃO SOLITÁRIO

 

Jim Ralls poderia ter ficado longe do vale. Aí pairava o cheiro pestilento da morte, o cheiro da pólvora" e da erva escaldante.

E mais do que isso: os mercenários do vale queriam-no ver morto e possuíam armas para fazer o trabalho.

Poderia ter ficado longe. Poderia ter enfiado a arma no coldre e procurado carne mais fácil. Mas havia ali o gado do império em jogo, herdades a combater e a vida de um homem a vingar.

Foi até lá. E o vale virou para si o seu ódio gritante... e Jim Ralls encontrou-se na mais ameaçadora e implacável emboscada.

 

Um comboio de imigrantes, em busca do caminho mais curto para a região aurífera da costa do Pacífico, alcançara penosamente, em tempos, a encosta oriental daquela montanha e ao deparar com a vertente quase a prumo do lado ocidental perdera todas as esperanças. Um membro da expedição estoirara os miolos e tinha sido ali enterrado, no cimo da montanha.

A cruz de madeira que assinalava a sepultura rochosa estava a apodrecer e dentro de mais alguns anos teria desaparecido.

Ralls, ao desmontar a poucos metros da velha cruz de madeira, mal olhou para ela. Já tinha visto outras cruzes e, por vezes, quando as sepulturas não eram muito fundas, chegara a ver as ossadas. O Oeste arrebatara muitas vidas e algum dia havia de arrebatar a de Jim Ralls.

Talvez que o vale lá em baixo viesse a ser o lugar de descanso de Ralls. Porque Ralls, ao contrário dos imigrantes, não tencionava retroceder. Não trazia consigo carros, nem mulheres, nem crianças para fazer descer aquela encosta tão íngreme. Trazia consigo apenas os seus dois cavalos, um preto, de dezoito anos, onde vinha montado, e outro felpudo que transportava as bagagens. E tinham os dois pernas tão firmes como os carneiros das montanhas.

O vale que se estendia abaixo de Ralls assemelhava-se a uma enorme ferradura. Uma neblina que pairava rente ao chão ocultava a parte mais baixa do vale, mas Ralls, a avaliar pelas encostas verdejantes da montanha, calculou que o vale também deveria ser verde.

Retirou o cantil do arção e bebeu um pouco de água. Depois, respirando fundo, montou o velho cavalo e começou a descer a montanha. O animal escolhia cuidadosamente o caminho, experimentando os sítios duvidosos com a pata antes de colocar neles todo o seu peso. Atrás vinha o cavalo de carga, seguindo o companheiro mas com menos segurança.

A descida foi lenta. Várias vezes Ralls foi obrigado a desmontar e a seguir a pé à frente do cavalo. Estava a tentar vencer uma faixa especialmente falsa quando a súbita detonação de uma arma o fez endireitar-se.

Novo tiro foi disparado e depois um terceiro, e Ralls contornou rapidamente o cavalo preto para ficar protegido pelo corpo deste, mas uma vez nessa posição compreendeu que os tiros não eram contra si. Saiu de detrás do cavalo e, olhando para o fundo, viu vultos a deslocarem-se várias centenas de metros abaixo.

Enquanto observava, chegaram-lhe aos ouvidos mais tiros assim como vozes iradas.

Seis metros abaixo de Ralls havia uma pequena plataforma rochosa. Seguiu-a com os olhos e verificou que ela se alargava consideràvelmente à medida que ia descendo para o vale.

Ralls desceu até à plataforma e esperou uns instantes até os seus animais o alcançarem. Depois montou o preto e fê-lo avançar. Seguiram num passo rápido durante alguns minutos até a plataforma terminar na encosta coberta de relva da montanha, num ângulo mais fácil do que aqueles que tinham encontrado até ali.

Enquanto seguiam ao longo da plataforma tinham sido disparados vários tiros, que se foram tornando mais abafados à medida que a plataforma ia afastando Ralls da cena do tiroteio. Mas como agora o terreno se apresentava mais fácil, voltou de novo o cavalo na direcção dos tiros.

Minutos mais tarde parou ao abrigo de um grupo de árvores e diante dos seus olhos apresentou-se uma cena de violência. Quatro homens, armados de espingardas e pistolas, avançavam para um quinto homem que procurara refúgio por detrás de um pinheiro caído e que estava cercado e ferido. O homem estava de pé, atrás do tronco caído, e gritava em ar de desafio aos seus inimigos, ao mesmo tempo que despejava a arma na direcção deles; esta última parte com pouco efeito, visto que o braço direito do homem tombava inerte junto do corpo enquanto disparava com a mão esquerda.

Um dos atacantes parou subitamente, ergueu uma espingarda, fez pontaria e disparou.

A pistola voou da mão esquerda do homem ferido e ele tombou para cima do tronco de árvore

Ferido e desarmado, ainda lutou com os seus captores mas passaram-lhe uma corda à cintura e foi arrastado sobre o chão áspero até junto de um pinheiro, a cerca de vinte metros de distância.

Ali, puseram-no de pé, soltaram a corda que o prendia e atiraram-na por cima de um ramo baixo. Um dos homens começou a fazer um nó corredio na outra extremidade da corda.

Foi nessa altura que Ralls saiu do seu esconderijo e conduziu o seu cavalo num trote rápido.

Os homens estavam tão embrenhados no seu trabalho que só quando Ralls estava a uns cinquenta metros é que deram por ele. Um dos homens puxou da espingarda e apontou-a para Ralls. Mas Ralls ignorou a arma. Parou a curta distância do grupo.

O homem que empunhava a espingarda avançou.

— Muito bem, forasteiro — disse ele. — Pode continuar a sua viagem.

— Cavalguei todo o dia —retorquiu Ralls— e está-me a apetecer descansar um pouco — fez um gesto de cabeça na direcção do homem ferido.

— Um enforcamentozito, hein?

Um segundo homem veio colocar-se ao lado do primeiro. Era um tipo enorme e forte, com cerca de trinta e poucos anos.

— Nada que lhe possa interessar, forasteiro

— disse ele. — É só um ladrão de gado.

— É mentira!—gritou o prisioneiro. Não conseguiu ir mais longe porque o homem que estava a armar o laço lhe deu com a ponta da corda na cara.

— Bico calado! —rompeu ele. Bateu mais uma vez no ferido e preparava-se para um terceiro golpe quando se fez ouvir a voz de Ralls:

— Se fosse a si não voltava a fazer isso!

O homem da corda deu um passo em frente.

— Seu estupor, se quer dou-lhe também.

Ralls ergueu ambas as mãos à altura dos ombros, com as palmas voltadas para fora para que os homens vissem que as tinha vazias. Fez passar o pé esquerdo por cima da sela e saltou com agilidade para o chão. Continuava com as mãos erguidas.

— Muito bem— disse ele em tom de desafio.

— Dê-me lá.

O homem que segurava a corda preparava-se para o fazer, mas o homem mais forte reteve-o com um gesto. Disse na direcção de Ralls:

— É tão fácil enforcar um homem como dois. O corpo de Ralls moveu-se ligeiramente de modo a ficar com o pé esquerdo à frente. Respondeu com toda a calma:

— Hoje não haverá enforcamentos.

Caiu o silêncio sobre o grupo. Este foi quebrado pelo homem da corda:

— O senhor é que pediu...

Deixou cair subitamente a corda das mãos. Ao mesmo tempo a mão dele foi disparada em direcção à arma suspensa de um velho coldre na anca. A arma saiu do cabedal e nessa altura as mãos de Ralls baixaram. A direita não passou de uma mancha indistinta tal a velocidade com que se dirigiu ao revólver de marinha que trazia num coldre baixo sobre a coxa. Partindo uma fracção de segundo depois do outro homem, Ralls venceu-o com a maior facilidade. A sua bala apanhou o homem mesmo no meio da testa. Quase simultaneamente Ralls atirou-se para o lado e disparou de novo, desta vez na direcção do homem forte. A bala penetrou no braço esquerdo do homem e fê-lo perder o equilíbrio.

Os outros dois homens estavam a pegar nas suas armas quando Ralls mudou rapidamente de posição e os cobriu com a sua.

— Eu tinha dito que não queria enforcamentos hoje — declarou Ralls.

Os homens estavam estarrecidos. A boca dum moveu-se e teve de mover-se segunda vez para saírem as palavras:

— Meu Deus, nunca vi ninguém tão rápido a puxar da arma...

— E a disparar — acrescentou o outro homem que não tinha sido ferido.

Mas o homem forte agarrou o braço ferido com a outra mão e olhou para o morto. Tinha o rosto congestionado.

— Você há-de arrepender-se daquilo que fez hoje — disse ele para Ralls. — Não conseguirá afastar-se o suficiente nem suficientemente depressa para fugir a isto.

— Quanto a isso — retorquiu Ralls — você é que devia montar a cavalo e pôr-se a mexer — apontou para os outros dois homens. — E vocês também.

Nessa altura o homem ferido que os outros tinham querido enforcar avançou cambaleando.

— Espere um pouco, forasteiro — gritou ele. — Não pode deixá-los partir — baixou para apanhar a arma que o homem forte deixara cair, mas Ralls avançou rapidamente e com um pontapé tirou-lhe a arma do alcance.

O homem ferido exclamou:

— Senhor, o que ele disse é verdade. Eles segui-lo-ão para onde quer que vá — apontou para o morto. — Este é Kirby Jenkins — apontou o dedo indicador para o homem ferido. — O irmão de Reb Jenkins.

— Não me esquecerei do nome — afirmou Ralls.

— Não esqueça, não — rosnou Reb Jenkins. Ralls ignorou-o. Olhou para os outros dois homens.

— Também querem que não me esqueça dos vossos nomes?

Os homens trocaram olhares entre si e Ralls viu o medo nos seus rostos. Um deles abanou a cabeça.

— Nós só trabalhamos para o H-L.

— Seus cobardolas nojentos! —gritou Reb Jenkins. — Estavam tão interessados em enforcar o Ellis como os outros, mas bastou este homem apontar-lhes uma arma para ficarem todos a tremer — sibilou na direcção de Ralls. — Eu digo-lhe os nomes deles; o magricela dá pelo nome de Hack Butler e outro pelo de Fred Anson e não os encontrará no H-L porque a partir de hoje deixarão de lá trabalhar.

E com isto Reb Jenkins afastou-se. Butler e Anson hesitaram, olharam receosamente para Ralls e depois começaram a andar. Mas Ralls chamou por eles.

— Esqueceram-se aqui do vosso companheiro — apontou para o morto.

Os vaqueiros voltaram atrás e, agarrando no morto dirigiram-se aos seus cavalos que estavam a certa distância.

Ellis, o ferido, viu-os partir.

— Foi um erro — comentou amargamente. — Butler e Anson contam pouco, mas Reb Jenkins é um testa-de-ferro do H-L e compreende o que isso significa?

— Não — retorquiu Ralls.

— Referia-me ao rancho H-L.

— E o rancho H-L é alguma coisa de especial? O ferido fitou-o espantado.

— De onde é o senhor?

Ralls olhou para o cimo da montanha.

— Do outro lado.

— Mas de onde? O H-L é conhecido em toda a parte onde existe gado.

— Oh, esse rancho—disse Ralls, embora nunca tivesse ouvido falar dele — é assim tão importante?

— Há-de vir a sabê-lo. Harley Langford nunca esquece nem nunca perdoa. Ele... — Ellis parou de repente. Os seus olhos fecharam-se devido às dores e oscilou. Ralls, dando um passo em frente segurou-o quando ia a tombar desmaiado.

Quando o sol ia alto, Ralls arranjou uma pequena fogueira e fritou um pouco de presunto. Fez café usando a água do seu cantil. Comeu o presunto e estava a beber o café quando o ferido principiou a gemer e a agitar-se debaixo do cobertor com que Ralls o tinha tapado. Ralls levou a caneca de estanho até junto do homem, e, erguendo-lhe a cabeça, despejou-lhe um pouco de líquido na garganta.

Ellis tossiu e engasgou-se mas abriu os olhos. Durante um momento pousou-os inexpressiva-mente em Ralls, depois começou a erguer-se.

— Tenho de ir — exclamou ele. — Tenho de montar a cavalo.

— Você não pode montar a cavalo... hoje...

— Tem de ser. O senhor salvou-me a vida mas não me servirá de nada se não montar a cavalo e começar a...

— Perdeu muito sangue — disse Ralls. — Tem uma bala no peito e outra no braço. Se me disser onde vive eu irei até lá...

— Não!—gritou Ellis.— Não está lá ninguém e você só... só lhes faria saber que eu...

Começou a tossir e Ralls estendeu-lhe o café. Era um remédio fraco, mas Ralls que já tinha visto muitos feridos e sabia que não faria qualquer diferença.

Ellis bebeu o café e depois deixou cair a cabeça no chão. Olhou uns instantes para o céu, depois voltou a cabeça de lado.

— Vou descansar meia hora, depois monto a cavalo...

— Não me parece que consiga.

— Tenho uma possibilidade. Se não saio daqui estou perdido. Conheço Langford e o seu filho Emmett e conheço Reb Jenkins e Sam Sloane...

— Sam Sloane?

— Trabalha para Langford. Conhece-o?

— Já ouvi o nome dele.

— O pior homem do Oeste; e o pistoleiro mais rápido com excepção talvez de Jim Ralls.

Ajoelhando-se, Ralls inclinou-se para a frente e fitou o ferido durante aguns instantes.

— Esse Ralls... é conhecido no vale?

— Onde é que ele não é conhecido? Ninguém sabe nada a respeito dele... a não ser sobre os homens que matou.

Ralls ficou calado. Depois disse:

— Você tem ouvido falar de muita gente, Ellis. Não conhece por acaso um homem chamado Mar-tindale... Rance Martindale?

Ellis principiou a abanar a cabeça depois parou de repente.

— Martindale — murmurou ele. — Rance Martindale... — escancarou subitamente os olhos. — Sim! Martindale...

Como uma serpente pronta ao ataque, Ralls lançou-se para a frente e agarrou o braço do ferido com tanta violência que Ellis gemeu de dor.

— Onde é que ouviu esse nome? — gritou ele.

— Largue-me — ofegou Ellis. — Está-me a magoar.

Ralls soltou-lhe o braço.

— Diga-me, Ellis!

— Estou a tentar lembrar-me. Eu... quase que me estava a lembrar, mas não consigo concentrar-me. A dor... Ralls implorou:

— Pense, Ellis... pense bastante.

— Estou... a tentar...— Um espasmo de dor sacudiu o corpo enfraquecido de Ellis. Os seus olhos cerraram-se. Ralls inclinou-se para a frente e escutou-lhe o coração. Continuava a bater, embora com pouca força.

Ralls bebeu um pouco mais de café e apagou a pequena fogueira.

Depois, voltando-se para o ferido, viu que este tinha aberto os olhos e o estava a observar. Foi até junto dele e pousou um joelho no chão.

— Você é o Ralls, não é? — perguntou subitamente Ellis. — O homem que anda há anos à procura de Rance Martindale...

— Sou eu mesmo, mas não foi por aí que ouviu falar de Rance Martindale.

— Está tudo muito confuso. Pareceu-me que tinha ouvido o nome aqui há anos, antes de ouvir o de Ralls, mas agora já não tenho a certeza. Não era um nome que as pessoas mencionassem. Só o ouvíamos em segredo e a pessoa que o pronunciava acabava sempre por fingir mais tarde que não sabia do que se tratava.

— Você está a morrer, Ellis — declarou Ralls com decisão. — Não é uma altura para esconder coisas.

— Eu vou mas é sair daqui para fora, Ralls, ou seja lá qual for o seu nome. Daqui a pouco, depois de ter descansado, monto a cavalo...

— Nunca mais montará a cavalo!

O rosto de Ellis torceu-se espasmòdicamente.

— Devia ter-me calado. Não lhe devia ter dito nada. Muito bem, salvou-me a vida, mas... — parou com uma expressão de agonia no rosto.

Alarmado, Ralls amparou o moribundo.

— Você vai morrer, Ellis. Não me esconda nada. A minha busca tem sido demasiado longa. Tem de me dizer...

Na boca de Ellis apareceu uma espuma ensanguentada. A boca dele torceu-se de modo horrível e de repente ficou escancarada. Os olhos continuaram abertos, mas já não viam nada. Com um suspiro, Ralls deixou o cadáver escorregar para o chão.

Ellis estava morto e Ralls não ficara a saber nada. Nada, a não ser que Rance Martindale já tinha sido conhecido naqueles sítios.

Mais tarde Ralls abriu uma sepultura funda e enterrou Ellis. Depois, com um ramo de árvore apagou todos os traços da sepultura. O Sol estava quase a pôr-se quando montou por fim no seu cavalo e se afastou.

 

Uma hora mais tarde as narinas de Ralls sentiram o cheiro de fumo. Percorreu com o olhar o extenso vale que o rodeava à procura da origem daquele, mas só depois de ter atravessado um grande choupal é que o viu, erguendo-se das ruínas de uma casa de rancho, oitocentos metros para o Sul. Conduziu o cavalo nessa direcção. A cerca continuava de pé, mas em vários pontos só se distinguiam pedaços de madeira fumegante; o monte maior indicava o ponto onde se erguera a casa, as arrecadações e outros edifícios. Algumas cabeças de gado pastavam a uns cem metros de distância.

Ralls passou uma busca aos arredores mas não encontrou gente. Havia, contudo, à esquerda, um grupo de choupos que o inquietava. Passou bastante ao largo dele enquanto se aproximava dos restos do rancho.

Andou por entre as madeiras calcinadas, examinando as pegadas de cavalos e destacando-as das marcas do gado de Ellis. Era difícil tirar-se qualquer conclusão, mas a vida de Ralls já dependera várias vezes do conhecimento de pegadas e rastos, e do significado destes. Ficou desta vez com a impressão de que não tinha havido ataque ao rancho. Ellis ou fugira à aproximação dos cavaleiros ou encontrara-se ausente na altura. As marcas de ferraduras não mostravam indícios de galopadas para um lado e para o outro, pelo menos as mais recentes. Tinham chegado ostensivamente junto dos edifícios, tinham-nos contornado, e ido para aqui ou para ali com deliberação.

Ralls estudou a situação, de cima do cavalo. Dava a impressão de relaxamento lá no alto da sua sela, mas estava atento a tudo. O reflexo rápido de um raio de sol no aço fê-lo atirar-se de lado para o chão.

Do grupo de choupos ressoou uma espingarda e uma bala zumbiu por cima da sela da montada de Ralls. Se ele ainda lá estivesse sentado teria apanhado a bala em cheio.

Ao atingir o chão, Ralls rebolou e deitou a mão à espingarda que trazia suspensa do selim. Disparou um tiro rápido.

Houve um restolhar pesado do lado dos choupos. Ralls saltou para a sela do cavalo, voltou-o na direcção das árvores. O animal deu um salto para a frente. Curvando-se o mais possível sobre a sela, Ralls meteu um novo cartucho na arma. A cinquenta metros do limite do grupo de choupos voltou subitamente o cavalo e lançou-o a uma velocidade louca pela orla das árvores. Ao dar a volta, Ralls atirou outra bala na direcção das árvores.

A manha deu resultado. O homem escondido no meio das árvores pensou que o estavam a perseguir do meio das árvores. Mas, Ralls, lançando o seu cavalo preto a galope deu a volta ao pequeno bosque e apanhou o cavaleiro quando vinha de lá a sair.

O homem viu Ralls a menos de trinta metros de distância e deu um grito de alarme e medo. E nessa altura a terceira bala de Ralls deitou-o da sela abaixo.

O homem caiu pesadamente no chão e ficou estendido.

Aproximando-se, Ralls desmontou e abeirou-se do homem ferido. Tinha sido gravemente atingido, mas ao ver Ralls fez uma tentativa fraca para puxar do revólver. Ralls tirou-lho da mão com um pontapé.

— Como é que se chama? — perguntou Ralls.

- Vá... para... o diabo! —foi a resposta.

— Você é que vai para aí — replicou Ralls. — E daqui a poucos minutos...

O homem praguejou de modo horrível, mas não havia dúvida que sabia que ia morrer.

— Já ouviu falar dum homem chamado Rance Martindale? — insistiu Ralls. O homem começou a soluçar, mas ao fim dum bocado acalmou. Os seus olhos encontraram os de Ralls.

— Q... Quem? — perguntou.

— Rance Martindale? Já ouviu falar dele? O homem abanou a cabeça.

— Você é um dos pistoleiros de Langford...

Os olhos de Ralls estreitaram-se. Ajoelhou-se de repente.

— Você não é um homem do H-L?

— Eu? — o homem ofegou. — Eu julguei que você...

— Reb Jenkins e o grupo dele deitaram fogo à casa de Ellis — disse Ralls. — E mataram o Ellis. Esses é que são homens de Langford.

— Eu sei.

— E você não é um deles?

O homem principiou a abanar a cabeça, mas estava demasiado fraco para executar o movimento.

— Então porque é que disparou contra mim? — quis saber Ralls.

— N... Não sabe? — perguntou o homem.

— Claro que não. Não sou daqui. Passei por este sítio e salvei o Ellis. Ele estava ferido, mas mesmo assim não quis falar. É como você. Está a morrer e no entanto...

— A morrer? — ofegou o homem — Quem é que está a morrer? — e nessa altura deu um suspiro gutural e pronto.

Ralls pôs-se de pé, olhou com amargura para o morto, respirou fundo e deu meia volta ao cavalo.

Ralls dormiu essa noite debaixo das estrelas, mas mal o sol nasceu já estava a cavalo. Ao fim de andar um bocado deparou com um caminho que acabou por se transformar numa estrada cheia de sulcos. A meio da manhã viu uma casa de rancho e redis bastante para a esquerda e a estrada desembocou noutra, desta vez de terra bem batida.

Uma hora mais tarde, Ralls chegou aos arrabaldes duma cidade. Consistia numa rua larga, flanqueada de árvores e com dois ou três quarteirões de comprimento. Havia cavalos atados junto das casas e as pessoas olhavam dissimuladamente para Ralls enquanto ele avançava pela rua. Ralls teve a impressão de que estavam à sua espera.

Apeou-se diante dum edifício de um andar que tinha uma tabuleta Cagle's Place por cima da frontaria falsa e outra mais pequena por cima da porta, sobre a qual tinha sido pintado um copo de cerveja.

Prendeu os cavalos à balaustrada e preparou-se para entrar no bar. Um homem de ombros largos que estava encostado ao edifício, junto da porta, cuspiu um bocado de tabaco para o chão e disse:

— Olá, forasteiro!

Ralls fez um pequeno aceno de cabeça.

— Olá.

Entrou no bar. Era uma grande sala fresca com mesas e um balcão comprido dum lado. Por detrás deste encontrava-se um empregado a limpar copos.

O único ocupante da sala era um homem esguio e de ar sardónico que estava no extremo do balcão a fazer contas.

— Um copo de cerveja — pediu Ralls.

O empregado acabou de limpar um copo e depois serviu a cerveja. Ralls bebeu-a sequiosamente. Quando pousou o copo no bar, o homem que o tinha saudado no exterior entrou na sala e parou junto de Ralls. Fez sinal ao empregado.

— Duas cervejas, Herman.

O empregado removeu o copo vazio de Ralls e trouxe mais duas cervejas. O homem que estava ao lado de Ralls pegou num dos copos e fez uma saúde.

— Boa viagem — disse ele.

Ralls bebeu um pouco de cerveja e pousou o copo no balcão.

— Não foi má.

O outro homem torceu os lábios.

— Eu referia-me à viagem daqui para fora.

— Estava a pensar demorar-me um pouco.

— Talvez não seja boa ideia.

— Porquê?

O outro homem encolheu os ombros.

— Reb Jenkins trouxe para cá o irmão. Reb tinha também uma bala no braço.

— Ele contou como a tinha apanhado?

— Sim. Disse que tinha tido uma luta com uns ladrões de gado — o homem dos ombros largos bebeu mais cerveja. — O Reb é capataz do H-L.

Ralls fez um aceno afirmativo.

— E é também um bom homem, não é?

— Depende daquilo que você considera bom. Se quer dizer um bom inimigo, sim, nesse caso Reb é um homem bom. E um bom lutador — franziu a testa enquanto fitava o copo vazio — não uso o distintivo porque toda a gente aqui sabe que sou o xerife — aclarou a garganta. — Fred Cherry.

Ralls fez um pequeno aceno de cabeça.

— Suponho que Reb lhe disse que ele e o irmão e mais dois se preparavam para enforcar um homem?

— Era um ladrão de gado.

— Seja, um ladrão de gado. Mas eu julgava que mesmo os ladrões de gado tinham direito a serem julgados diante dum juiz e muitas vezes dum júri.

— Oh, pois têm. Meadowlands é um município e temos cá mesmo um juiz... Mas aqui são terras de gado e como os vaqueiros são aquilo que sabemos, bem... — o homem piscou os olhos. — Você fez-me afastar do assunto. O que eu estava a dizer era que, aqui em Meadowlands reina a calma e não queremos tiros nem coisas assim, por isso, como estava a dizer, seria melhor se você prosseguisse a sua viagem. Com Reb Jenkins a querer vingar-se de si nenhum dos outros rancheiros o contrata, por isso não pode ter interesse nenhum em continuar por cá, pois não?

— Não teria interesse se andasse à procura de trabalho.

— E não anda?

— Ando à procura... mas não de trabalho.

O xerife Cherry voltou a piscar os olhos para o copo vazio e ao verificar que ele estava vazio fez sinal ao empregado.

— Volta a enchê-los.

Ralls pôs meio dólar sobre o balcão.

— Desta vez pago eu.

— Oh, obrigado, obrigado, senhor...

Mas Ralls não respondeu ao convite para declinar o seu nome.

— O rancho H-L é importante?

— É o maior do estado. Oitenta mil acres da melhor terra de pastagem. Sessenta mil cabeças de gado. As pessoas têm andado a ver se convencem Langford a candidatar-se a governador. Ele diz que não tem tempo, mas esperamos que ele nos deixe apresentar a sua candidatura por ele.

Do extremo do bar o homem magro ergueu a cabeça das suas contas.

— Falas demais com a tua boca, Cherry.

O xerife teve um sobressalto.

— Parece-me que sim — engoliu alguma cerveja, foi-lhe um bocado para o goto e engasgou-se. Ralls observava-o friamente enquanto as lágrimas lhe corriam pelo rosto.

Enquanto o xerife ainda tossia, abriu-se a porta e entrou um homem. Era Anson, um dos homens que Reb Jenkins tinha dado o nome na véspera. Ao ver Ralls escancarou a boca. Depois fechou-a, deu meia volta e saiu de novo da sala.

Ralls pegou nos seus vinte cêntimos de troco, meteu-os no bolso e, fazendo um aceno de cabeça ao congestionado xerife, dirigiu-se para a porta. Passou através dela e parou no passeio de madeira no exterior de costas voltadas para a porta do bar.

Do outro lado da rua, Anson estava a falar com dois homens, um deles um rapaz de vinte e poucos anos, o outro um veterano batido. Enquanto falava com animação, Anson olhou por acaso para o outro lado da rua e descobriu Ralls. Quase deu um salto ao afastar-se rapidamente do homem com quem estava a falar.

Anson correu para uma loja e os outros dois homens prepararam-se para atravessar a rua em direcção a Ralls.

Ralls estava à beira do passeio, com os pés bastante afastados e as mãos pendentes dos lados do corpo. Os dois homens aproximaram-se dele, o mais novo ligeiramente mais à frente que o seu companheiro. Parou na rua, a três metros de Ralls.

— Você é o homem que matou Kirby Jenkins — acusou ele.

— Vai para casa, filho — aconselhou Ralls. O rosto do homem torceu-se.

— Eu sou Emmett Langford. O meu pai é o proprietário do H-L. Kirby trabalhava para nós e...

— ... assim como Reb — retorquiu Ralls — e An-son e Butler.

— Você apanhou-os traiçoeiramente e abateu Kirby Jenkins a sangue-frio.

— Assim como ao irmão. Não seja pateta, rapaz. Anson está do outro lado da rua; pergunte-lhe como foi que eu o apanhei. Pergunte-lhe antes de cometer o último erro da sua vida.

Emmett observava Ralls sem convicção.

— Está convencido que é um grande pistoleiro, não está?

Diagonalmente do outro lado da rua, uma moça de calças e camisa de flanela saiu duma loja e montou a cavalo. Olhou na direcção de Ralls e dos dois homens que se tinham postado à sua frente. Depois fez o cavalo galopar na direcção deles.

Ralls ouviu o ruído das patas do cavalo mas não desviou os olhos dos homens que tinha à sua frente.

Por detrás de Emmett o homem mais velho aproximou-se mais.

— Olhe lá, forasteiro — disse ele — nós somos dois e...

As suas palavras foram abafadas pelo barulho do galope do cavalo que acabou por parar bruscamente entre Emmett Langford e Jim Ralls.

Os olhos da moça despediam faíscas.

— Emmett! — gritou ela. — Acaba com isso.

— Vai-te embora, Sage — resmungou Emmett Langford. — Este é o homem que apanhou à traição Kirby e Reb Jenkins.

— Não quero saber quem ele é — respondeu a moça chamada Sage. — Não quero que lutes com ele.

— Sei tomar conta de mim mesmo — rugiu Emmett.

— Não, não sabes — retorquiu a moça. — Não podes lutar contra um homem como... como ele - voltando-se para Ralls. — E você a provocar um simples rapaz para a luta!

— Eu disse-lhe para ele ir para casa.

— Não tenho medo de si — gritou Emmett. — E não me continue a falar como se eu fosse um miúdo.

— Eu preferia não falar de todo consigo.

Enfurecido, o jovem Langford tentou ultrapassar o cavalo da moça para chegar a Ralls. Mas ela fez avançar o animal empurrando Langford para o lado. Ao mesmo tempo obrigou a cabeça do cavalo a voltar-se para o lado de Ralls que foi obrigado a desviar-se desajeitadamente enquanto a moça o atingia com o chicote de montar, um golpe que cortou o rosto de Ralls.

Ralls proferiu uma exclamação e recuou, mas a parede do bar não o deixou ir mais longe. A moça avançou mais e voltou a bater-lhe mais duas vezes. Depois voltou subitamente o cavalo e começou a bater no jovem Langford com o chicote.

— E agora é a tua vez — gritou ela. — E se não bastar digo ao pai e ainda levas mais.

Emmett Langford gritou a cada chicotada e por fim com Sage no seu encalce atravessou a rua a correr. A moça seguiu-o desfechando-lhe uma chuva de chicotadas sobre a cabeça e ombros. Langford refugiou-se por fim numa loja e a moça olhou à sua volta para fazer um exame final da situação. Ralls refugiou-se com presteza no interior do bar. Lá dentro esbarrou no sardónico Cagle que tinha estado a observar a cena por cima das portas de batentes móveis.

— Muito divertido — comentou o dono do bar. Ralls esfregou o rosto dorido.

— Talvez haja pessoas que assim pensem.

— Já viu uma boa amostra dos Langford — disse Cagle.

— A moça é irmã do Langford mais novo?

— Sim e não. O Emmett não é verdadeiramente filho de Langford, embora ele o tivesse criado como se assim fosse. Recolheu o garoto a seguir ao massacre da Mountain Meadow.

— Isso foi há dezassete anos — disse Ralls. — Não sabia que esta região já era habitada nessa altura.

— Não era. Langford passou por aqui depois do massacre. Parece-me que foi três ou quatro anos antes de mais alguém para cá vir — Cagle fez uma pausa. — Foi assim que ele obteve o vale.

— Apoderou-se simplesmente dele? Cagle encolheu os ombros.

— Era suficientemente forte para o conservar.

 

Sage Langford parou o cavalo no outeiro verdejante e olhou para baixo para o choupal que protegia e dava sombra aos edifícios do Rancho H-L. A comprida casa branca tinha sido o seu lar durante dezassete dos seus vinte e um anos. Conhecia centímetro por centímetro o pátio que cercava a casa. Desde criança que trepara às cercas, explorara os celeiros e estábulos, e até mesmo as instalações dos vaqueiros. A sua vida tinha sido feliz. Feliz até há pouco tempo.

Nesta altura tinha dificuldade em dizer o que era que não estava bem. Mas tinha a certeza de que qualquer coisa não estava bem. Pressentia-o na dureza da voz do pai. Percebia-o no desregramento de Emmett, seu irmão; ele tinha sido sempre violento, mas agora estava pior do que nunca. E os vaqueiros, sempre calmos, estavam agora ainda mais calmos.

Bom, hoje tinha de falar com o pai.

Desceu pela encosta em direcção aos edifícios do rancho. Desmontou junto da cerca e atirou as rédeas a um vaqueiro de pernas tortas.

— Onde está o meu pai? — perguntou.

O vaqueiro apontou para um edifício branco de telhado baixo.

— No escritório dele, suponho.

Sage dirigiu-se ao edifício, fustigando as botas com o chicote. Enquanto caminhava a passos largos parecia mais do que nunca um rapaz, com excepção do cabelo loiro que caía sobre os ombros embora devesse estar preso por uma fita. , Próximo do edifício do escritório estava um velho choupo debaixo do qual havia um banco circular de madeira. Reb Jenkins com o braço esquerdo ao peito levantou-se do banco.

— Ei-la, Sage — disse ele com mau modo.

— Sim — retorquiu Sage sem afrouxar o passo.

— Onde é que tem estado?

— A tratar da minha vida.

O capataz meteu-se-lhe ao caminho.

— Pode guardar isso para os outros. Você e eu vamos ter uma conversa...

Por essa altura Sage preparara-se para contornar o homem mas o capataz do H-L estendeu a mão que não estava ferida e agarrou no pulso de Sage. Ela parou e fitou-o com frieza.

— Solte-me o braço!

Ele hesitou um momento, mas largou-a.

— Está a tornar-se um tanto altiva e autoritária, não está?

— Homem nenhum me toca — lançou Sage.

O rosto de Reb Jenkins contorceu-se de fúria, mas antes que pudesse prosseguir a discussão, Harley Langford surgiu à porta do escritório e estendeu imperiosamente uma mão.

— Reb! — chamou.

Harley Langford tinha cinquenta anos, mas parecia mais novo. Era o homem mais alto do rancho, um metro e oitenta descalço e com ombros em proporção. Pesava mais de noventa quilos e nem um só grama era de excesso de gordura.

Era capaz de fazer tudo o que qualquer homem do rancho fazia e fazia-o sempre melhor.

Reb Jenkins avançou para o escritório, mas Sage, andando mais depressa, passou-lhe à frente.

— Pai! — exclamou ela. — Quero falar consigo.

— Mais tarde, Sage — disse Harley Langford. — Agora tenho uns assuntos a tratar com o Reb.

— Podem esperar. Isto é muito importante.

— E os meus assuntos também — replicou o pai aborrecido.

— Tão importantes como a vida do Emmett?

— O que é isso?

— Acabo de impedir que ele fosse morto. Harley Langford olhou com dureza para a filha

depois deitou um olhar rápido ao seu capataz.

— Pronto, Reb — disse.

— Ele pode ouvir aquilo que tenho para dizer — continuou Sage. — Isto diz-lhe tanto respeito como a qualquer de nós. O homem com quem Emmett ia lutar é o mesmo que... que lhe deu o tiro a ele.

Reb exclamou:

— Quer dizer que ele teve o descaramento de descer até cá?

— Estava em Meadowland há uma hora.

— Sabes — interveio Harley Langford com impaciência — estás de novo a envolver-te nos nossos assuntos. O Emmett lutou ou não?

— É o que eu lhe tenho estado a tentar dizer. Eles estavam prestes a puxarem das armas e a dispararem quando eu os interrompi.

— O que é que queres dizer com isso de os interromperes?

— Exactamente aquilo que disse; meti-me entre eles e... — Sage hesitou um pouco. — Bom, usei isto — estendeu o chicote.

Langford ficou a olhar para o chicote.

— Tu o quê?

— Bati-lhes com isto. Ao Emmett e ao forasteiro.

Langford deu um grito:

— Tu bateste nesse... nesse pistoleiro com o teu chicote?

— Claro. Ele estava a provocar o Emmett e o pai sabe como o meu irmão é doido. Aceita o desafio seja de quem for mesmo que não tenha nenhuma possibilidade.

Langford resmungou.

— E esse pistoleiro terrível deu meia volta e fugiu quando lhe bateste com o teu chicote? — fez um gesto de impaciência. — Não acredito que Emmett corresse perigo.

— Ai não? — Sage torceu a boca. — Já se esqueceu daquilo que esse homem fez ontem ao Reb... e aos outros?

— Já disse que ele nos apanhou à traição— rosnou Reb. — Caiu-nos em cima quando não esperávamos.

— Não foi isso que disseram o Bill Anson e o Hank Butler.

— Esses estuporados cobardolas! Já os despedi por se terem posto a mexer ontem e se continuam a falar apanham...

— O mesmo que o Kirby? — as palavras saíram antes de Sage reparar no que dizia, mas ao ver o brilho dos olhos. de Reb percebeu que se tinha mostrado cruel. — Desculpe, Reb; não devia ter dito aquilo.

— Não tem importância. Kirby levou a sua conta, sim, mas eu não me esqueço. Se não fosse este braço montava já a cavalo e corria para a cidade.

— Não me parece que isso seja necessário, Reb — observou Harley Langford com secura. — Hão-de-lhe tratar da saúde a ele. Na realidade — hesitou e os seus olhos passaram por cima de Sage e Reb e foram pousar no extremo mais distante do choupal. Respirou fundo. — Diz ao Sloane que quero falar com ele, Reb.

— Sloane! — gritou Sage. — Esse... esse criminoso!

Langford recuou para o escritório.

— Entra, Sage —ordenou ele com rispidez.— Vamos conversar.

— Acho que já não era sem tempo — retorquiu Sage e seguiu o pai para o interior do escritório.

Cá fora, Reb Jenkins deitou um olhar mau para a porta do escritório depois voltou-se e dirigiu-se para as camaratas.

No escritório, uma sala quadrada com cerca de seis por seis, Harley Langford caminhou até junto da sua secretária e sentou-se.

— Sage — começou ele — tens vinte e um anos e há mais de dez anos que não apanhas uma tareia...

— Nem vou apanhar agora—interrompeu Sage, agora subitamente calma.

— Talvez não —admitiu Harley Langford.— Mas há ocasiões em que me parece que só isso te pode meter na ordem. Como por exemplo agora.

— Porque impedi Emmett de tomar parte num tiroteio?

— O Emmett sabe tomar conta de si próprio. Há doze anos que sabe manejar armas.

— Eu sei. Já o tenho visto aos tiros por detrás das cercas. E vi-o tomar lições com aquele criminoso do Sloane. Sloane ensinou-lhe tudo acerca do manejo de armas; só há uma coisa que não lhe ensinou... como evitar que o outro homem dispare mais depressa!

Langford conservou-se muito tempo em silêncio. Depois respirou fundo e abanou a cabeça.

— Sage — disse lentamente. — O Emmett não é meu filho, mas sinto por ele o mesmo que por ti.

— Eu sei, pai. E eu gosto tanto do Emmett como se ele fosse meu irmão. É por isso que não o quero ver morto.

— Um homem tem de correr os seus riscos — prosseguiu Langford. — Neste país tem de se lutar.

— Estamos por fim a chegar ao assunto que eu queria discutir. Passa-se qualquer coisa.

— O quê?

— É isso que eu lhe pergunto a si.

— Não sei a que te referes, Sage.

— Parece-me que sabe. Sente-se por todo o lado. Sinto-o em Meadowlands, aqui... em toda a parte. Temos mais homens no rancho do que nunca e eles não trabalham mais. E esta história de ontem... Reb não contou a verdade.

— Estás convencida que este homem... esse estrangeiro... disparou contra Reb e Kirby e Anson e Butler?

— Não sei, mas esta manhã ouvi certos boatos na cidade. Coisas a respeito de Ellis... e a seu respeito.

— O que é que ouviste?

— Que vocês se desentenderam e que o pai o ameaçara de o expulsar da região — Sage fez uma pausa. — E diz-se que Ellis desapareceu e que a casa dele foi incendiada ontem à noite.

Harley Langford pôs-se de repente em pé e saiu de detrás da secretária. Tinha rugas de preocupação no rosto que se foram dissipando à medida que ia tomando uma decisão.

— Muito bem, Sage — disse ele. — Vou-te dizer. Talvez seja melhor que saibas no caso de, bem, no caso de eu desaparecer.

— Acha que lhe pode acontecer qualquer coisa? Langford encolheu os ombros.

— Nunca aconteceu nem há-de acontecer desta — cerrou um punho colossal. — Eles pensam que eu perdi a minha força mas hão-de ver que assim não é. Sou tão bom como era e quando tudo isto terminar só restará aqui um grande rancho, o H-L.

— Então anda a brigar com os outros rancheiros!

— Eles é que andam a brigar comigo. Acham que possuo uma área demasiado grande e querem tirar-ma.

— Quem?

— Rudabaugh, AUison, Macfadden e todos os outros pequenos rancheiros como o Ellis. É o Langford contra todos eles.

— Mas há espaço suficiente para todos eles, pai; porque é que eles hão-de querer as suas terras?

— Nenhum homem tem nunca terras suficientes, Sage. Se possui quarenta acres, quer oitenta e se tem meio milhão quer um milhão. Eu tenho oitenta mil acres e sucede que a melhor zona de pastagens fica deste lado das montanhas. E depois, porque é que não há-de assim ser? Fui o primeiro homem a chegar aqui. Lutei contra os índios e contra os mormons. Fiz o H-L e vou conservá-lo. Não desistirei nem dum centímetro das minhas terras.

Sage teve um pequeno arrepio. Era aquele o Harley Langford de quem tinha ouvido falar, o homem mais duro de todos. Era aquele o homem de quem tinha ouvido falar, mas não o que conhecia. Esse era um Harley Langford diferente. Disse:

— Por isso haverá lutas... e mortes...

Do lado de fora do escritório um par de botas esmagou o chão duro, e Sage, voltando-se viu Sam Sloane aproximar-se da porta aberta. Sloane era um homem com cerca de trinta e tantos anos, velho para um pistoleiro. Tinha perto de um metro e oitenta e era ligeiramente curvado. Magro e moreno, de nariz adunco e bigode. O seu rosto fazia lembrar estranhamente o de um abutre.

Parou junto da porta.

— Queria falar comigo, patrão? — perguntou ele arrastando as palavras.

Sage olhou para o pai, teve uma hesitação e depois, fazendo um pequeno aceno, saiu. Ao passar por ele os olhinhos de Sloane examinaram-na insistentemente e voltou-se mesmo um pouco para a seguir.

A voz ríspida de Langford fê-lo voltar à posição anterior.

— Tenho um trabalho para ti, Sloane.

— Com certeza, patrão? — perguntou Sloane entrando no escritório. — Fico muito satisfeito; tem estado tudo demasiado calmo e eu não gosto de estar parado.

— Parece-me que não vais ter razão de queixa — Langford fitou um momento o pistoleiro depois perguntou de repente: — Conheces Roy Dorcas, Sloane?

— Quer dizer se já ouvi falar dele? Está claro que sim, toda a gente ouviu falar de Roy Dorcas.

— Não foi isso que eu disse; perguntei se conhecias Roy Dorcas!

Sloane ergueu as mãos com as palmas voltadas para cima.

— Está-me a parecer, patrão, que ouviu coisas erradas a meu respeito. Sabe como são as pessoas, tiram logo conclusões...

Langford interrompeu-o friamente.

— Não precisas de te justificares, Sam Sloane. Sei o que tu és, um criminoso. Só te contratei por esse motivo, e tu sabe-lo. Por isso podemos esquecer todos os outros disparates. Agora,. conheces ou não conheces o Roy Dorcas?

— Sim — respondeu Sloane.

— Sabes onde é que o podes encontrar? Sloane mostrou os dentes.

— Olhe lá, Langford, o que disse há bocado a meu respeito é verdade. Poucas coisas me fazem recuar, mas se julga que vou contra Roy Dorcas...

— E se te calasses um minuto? Ninguém te está a pedir para ires lutar contra Roy Dorcas. Só quero que o encontres e lhe digas que quero falar com ele.

— Encontro-o com certeza, patrão. A verdade é que sei exactamente onde o hei-de encontrar e não é muito longe daqui, mas obrigá-lo a vir até cá ou qualquer outro sítio que ele não queira, é outra coisa. Mas tentarei.

— Dorcas virá — declarou Langford. — Diz-lhe que quero falar com ele. Virá imediatamente.

 

Pouco antes das cinco horas um homenzinho de rosto sorumbático e barba hirsuta sentou-se à mesa onde Ralls estava a fazer uma paciência.

— Você é o homem que eliminou Kirby Jenkins — disse ele.

Ralls levantou os olhos das cartas, fez um exame rápido ao homenzinho e voltou a baixar a vista para o jogo.

O homem da barba resmungou.

— Você não faz muito alarde do caso, pois não?

— Esse Kirby Jenkins merecia que se fizesse alarde a seu respeito? — perguntou Ralls com toda a calma.

— Sim, se é verdade que o irmão, Reb, também apanhou por tabela estando presentes outros dois homens do H-L — o homenzinho tossiu para aclarar a garganta. — Chamo-me Alec Macfadden.

Ralls fez um aceno de cabeça e continuou a dispor cartas. Macfadden exclamou irritado:

— Você não tem o mínimo de educação para dizer ao menos como está?

— Não me lembro de o ter convidado para se sentar e conversar comigo — retorquiu Ralls.

Os olhinhos de Macfadden brilharam malèvolamente na direcção de Ralls mas este nem deu por tal, embrenhado na sua paciência.

— Eu estava disposto a oferecer-lhe trabalho — rosnou Macfadden — mas se você é assim então, pode ir para o diabo — deu um pontapé na cadeira* e dirigiu-se ao balcão onde pediu um copo de uísque que bebeu de uma vez só, uma coisa notável para um rancheiro que sabia o valor do dinheiro e muitas vezes fazia um copo de uísque render uma hora.

A paciência de Ralls chegou a um impasse e ele voltou a baralhar as cartas e começou outra que não teve um desfecho mais feliz.

Juntou as cartas e afastou a cadeira. Olhou à sua volta e verificou que tinham entrado mais clientes para o bar de Cagle. Mas ninguém jogava.

Ralls dirigiu-se a um extremo do balcão mas reparou que vários olhos evitavam os seus, por isso mudou de direcção e caminhou para o centro. Les Cagle saiu de detrás do balcão e interceptou-o.

— Horas de jantar, não é verdade? — perguntou ele.

— Sim?

Cagle hesitou, depois deu um pequeno suspiro e afastou-se. Ralls chamou Herman com um gesto.

— Cerveja.

O homem trouxe a bebida e Ralls esperou que a espuma diminuísse. O grupo conpacto de homens abriu-se como uma flor e saiu de lá um. Era um homem grande, embora não demasiado; devia ter um pouco mais de um metro e oitenta e pesar à volta de noventa quilos. Era bem mus-culado. Tinha o rosto todo riscado por pequenas cicatrizes brancas. Uma orelha estava mutilada e o nariz ligeiramente à banda.

Aproximou-se de Ralls com a cabeça um pouco inclinada para um lado.

— Chamo-me Ben Rudabaugh, senhor.

— Muito bem — respondeu Ralls. — Diga o que tem para dizer.

Rudabaugh teve um sorriso velhaco.

— Não venho armado... nunca ando armado. Ralls observou com amargura:

— Nunca vi uma gente mais malvada do que por estes sítios! Todos querem lutar!

— Parece que você também tem tido as suas lutazinhas...

Ralls pegou na pesada caneca de cerveja e partiu-a em cima da cabeça de Rudabaugh. O homem cambaleou, agarrou-se ao balcão e ficou ali uns instantes, limpando a cerveja, sangue e vidros do rosto. Disse:

— óptimo, ainda bem que fez isso. Agora posso transformá-lo em massa, sem preocupação.

— Você é que quis lutar — disse Ralls. De repente recuou e despiu rapidamente o casaco. Rudabaugh avançou, com os punhos cerrados à sua frente.

Uma pequena ruga franziu a testa de Ralls. Rudabaugh era um lutador. As cicatrizes do seu rosto indicavam-no, e também o facto de não andar armado numa terra em que uma arma era tão essencial como o chapéu. Rudabaugh não andava armado porque lutava com os punhos e queria que todas as suas lutas fossem só decididas pela força.

Avançava agora para Ralls com os punhos erguidos. Ralls recuou ao longo do bar e Rudabaugh tirou logo as suas conclusões. O homem estava com medo dele, embora tivesse iniciado a luta com um golpe violento e desleal.

Rudabaugh fez uma pequena finta com a direita e disparou a esquerda. O golpe passou de raspão pelo ombro de Ralls no momento em que ele dava um pequeno salto para o meio da sala, avançava em frente e mergulhava o punho direito no estômago de Rudabaugh.

A pancada repercutiu-se pelo braço todo de Ralls pois o estômago de Rudabaugh era uma sólida cadeia de músculos. Rudabaugh foi atirado para trás mas enquanto recuava disparou a sua direita que apanhou Ralls ao fundo das costas. Ralls caiu de joelhos e Rudabaugh, dando uma exclamação de triunfo, saltou para a frente e lançou o joelho contra o rosto de Ralls.

O corpo de Ralls saltou para cima e para trás e caiu com toda a força de costas no chão. O que o salvou foi o terrível perigo em que estava. Em princípio devia ter ficado prostrado de costas durante vários segundos até recobrar o fôlego, mas o instinto advertiu-o de que Rudabaugh não lhe concederia esse tempo e chamou a si todas as reservas rolando para o lado- esquerdo, de modo que o selvático pontapé de Rudabaugh não lhe acertou na cabeça.

Nessa altura as mãos de Ralls foram lançadas para a frente e apanharam a pesada bota quando esta recuava. Torceu-a com toda a força e Rudabaugh caiu pesadamente no chão.

Isso deu a Ralls tempo suficiente para se pôr de pé e respirar fundo. Rudabaugh levantou-se também e mergulhou para um soco., mas Ralls recuou. As suas costas bateram numa mesa e desviou-se rapidamente para o lado quando Rudabaugh se precipitou sobre ele. O corpulento brigão agitava perigosamente os dois punhos.

Um deles apanhou Ralls na testa e Ralls teve a impressão de ter sido atingido por um martelo. Saltou para trás, mas nisso Rudabaugh era mestre. Deu um rápido salto em frente, disparou um golpe terrível ao estômago de Ralls e quando ele se curvou para a frente, ofegando, obrigou-o a endireitar-se com um uppercut que se repercutiu até aos calcanhares de Ralls.

Um rugido encheu os ouvidos de Ralls. Procurava recobrar a respiração e parecia-lhe ter os pulmões lambidos pelo fogo. Viu o seu adversário através duma bruma que parecia transformá-lo num gigante. Viu um punho colossal avançar para ele e aparou-o freneticamente com a sua direita enquanto avançava a esquerda. Esta colidiu igualmente com o braço e Ralls abriu as mãos e agarrou o braço com toda a força.

Rudabaugh atirou-se para trás para libertar o braço e arrastou Ralls consigo. Ralls caiu contra o adversário maior do que ele e enterrou a cabeça no peito de Rudabaugh.

Rudabaugh tentou afastá-lo mas Ralls agarrava-se a ele como se a sua vida disso dependesse. — Largue-me — ofegou Rudabaugh. — Largue-me, senão...

Plantou a sua mão livre contra a face de Ralls e empurrou furiosamente. Ralls aguentou o impulso mais um segundo. Aquele breve intervalo ajudava-o a aclarar a cabeça e de repente soltou Rudabaugh; ou antes deixou que o homenzarrão o empurrasse para longe.

E, enquanto ia para trás, atingiu Rudabaugh no estômago musculoso com um golpe forte, depois com outro e mais outro. Deitou uma olhadela rápida ao rosto de Rudabaugh e viu que estava contorcido de raiva. Mas teve a impressão de que havia algo de forçado.

Esquivou-se a um novo golpe fortíssimo que em princípio devia ter acertado em cheio. Mas tinha partido com o atraso duma fracção de segundo e Ralls, percebendo que Rudabaugh começava a estar cansado, fintou com a esquerda, inclinou-se e desviou-se ao mesmo tempo para o lado. Com a direita venceu a defesa de Rudabaugh e socou violentamente o rosto do outro homem. Desfechou o mesmo golpe com a esquerda e com um pequeno salto envolveu-se num corpo-a-corpo com Rudabaugh.

O homem era mais forte que Ralls e lutou com facilidade com ele, mas Ralls, permitindo de novo que o outro o afastasse, desfechou mais um golpe ao estômago.

Olhou de novo para o rosto de Rudabaugh e teve a certeza que o esgar anterior se imobilizara. Deslocou-se para a esquerda e Rudabaugh seguiu-o.

Fintou e saltou para trás sem bater. Rudabaugh acompanhou-o e nem sequer tentou bloquear a finta que Ralls tentou de novo. Estava prestes para o golpe final e disposto a apanhar um ou dois para o conseguir. As costas de Ralls tocaram numa mesa e ele levou rapidamente as mãos atrás das costas e agarrando na mesa ergueu-a e atirou-a contra Rudabaugh. O homenzarrão oscilou, caiu sobre um joelho, mas ergueu-se depressa... para apanhar um soco na cara.

Tinha agora o nariz a sangrar e abanou a cabeça de modo que gotas do seu sangue salpicaram Ralls.

— Esteja quieto! — gritou ele.

— Estou quieto — disse Ralls. E assim ficou um momento. Rudabaugh lançou-se com o punho direito cerrado. Ralls apanhou-o a meio do corpo com toda a força que tinha. O punho cerrado de Rudabaugh foi lançado para a frente e explodiu sobre o maxilar de Ralls atirando este com força para trás.

Ralls recuou cambaleando uns bons dois metros e teria caído se não tivesse ficado de costas contra o balcão. Apoiou-se a ele durante uns momentos, tremendo e completamente esgotado. Já não aguentaria muito mais, pensou sombriamente, e o homenzarrão poderia espezinhar Jim Ralls.

Rudabaugh avançou para ele. Ralls baixou a cabeça, retesou os ombros contra a parte superior do balcão e utilizando-a como alavanca partiu ao encontro de Rudabaugh.

Recebeu-o com um golpe fraco no queixo, disparou o outro punho contra o estômago, atingiu Rudabaugh no rosto, depois novamente no estômago e por fim no maxilar e pescoço.

Caiu de joelhos, com as costas a tocarem no balcão e Rudabaugh podia ter acabado com ele então. Mas Rudabaugh estava em frente dele, de pernas afastadas, boca aberta e a tentar respirar. Estava ali de punhos erguidos, pronto a lutar, mas já não conseguia lutar mais.

Ralls levantou-se, socou o rosto de Rudabaugh, depois de novo o seu estômago musculoso. Simplesmente desta vez não estava musculoso. Estava fraco e flácido e o punho de Ralls penetrou sete centímetros.

Um gemido de angústia escapou-se da garganta de Rudabaugh. Continuava de pé, mas só o seu fortíssimo coração assim o mantinha. Estava vencido mas recusava-se a admiti-lo.

Ralls levou atrás o punho para um último golpe, mas em vez disso abriu a mão e, colocando-a sobre o peito de Rudabaugh empurrou com força. Rudabaugh oscilou como um carvalho gigantesco e tombou no solo. Rebolou até ficar de barriga para baixo e ficou imóvel, com excepção de pequenos espasmos musculares.

Durante um momento Ralls fitou o seu adversário prostrado.

Algures uma voz disse:

-Você venceu-o!

Depois Ralls abanou a cabeça e sentiu uma náusea imensa. Estremeceu e tombou para o lado. Uma mão segurou-lhe no braço, uma mão firme que o conduziu até uma porta e até o interior dum quarto e o ajudou a sentar-se num catre. Nessa altura Ralls perdeu as forças e caiu para trás. Umas mãos levantaram-lhe os pés e depositaram-nos sobre o catre.

Ralls fechou os olhos e deixou que o seu corpo maltratado se abandonasse. Fez várias inspirações de ar e ao fim de um bocado adormeceu.

 

Ralls acordou uma vez e teve consciência duma luz que lhe batia nos olhos e de alguém que se inovia no quarto. Fez um esforço para abrir os olhos e ao fim de um bocado conseguiu focá-los numa secretária onde estava sentado um homem. O homem pareceu-lhe vagamente conhecido mas Ralls estava demasiado cansado para forçar o cérebro a reconhecê-lo. Deixou que os olhos se voltassem a fechar e dormiu mais.

Da vez seguinte que abriu os olhos o sol brilhava-lhe no rosto. Tinha dormido mais de doze horas. Sentou-se e teve subitamente consciência de várias dores atrozes em diversos pontos do corpo. Doía-lhe a cabeça. Tocou no rosto e descobriu três ou quatro sítios doridos e inchados.

Respirou fundo, depois pôs-se pesadamente de pé e olhou à sua volta. O quarto continha além do catre onde tinha dormido, a secretária, um cofre e duas cadeiras.

Ralls aproximou-se da porta e abriu-a, olhando para a sala do bar onde lutara com Ben Rudabaugh.

Estava deserta com excepção de um empregado que lavava o chão e outro que limpava copos por detrás do balcão. Olharam os dois com curiosidade para Ralls, mas não lhe falaram, e ele atravessou a sala em direcção à rua.

Uma vez aí descobriu que os seus dois cavalos continuavam presos no mesmo sítio desde a tarde da véspera sem beberem nem comerem. A pessoa que se ocupara de Ralls descurara os animais.

Ralls soltou os cavalos e conduziu-os até um estábulo onde combinou o tratamento deles.

Ao sair do estábulo percorreu a rua com o olhar e deparou com uma tabuleta que dizia: Ella's Caje. Dirigiu-se ao restaurante e entrou. Este consistia numa sala comprida e estreita com um balcão com bancos e meia dúzia de mesas. Só lá se encontrava um freguês, um homem idoso, de suíças, instalado num banco no extremo do bar mais próximo da cozinha.

Ralls sentou-se num banco a meio da sala e, da cozinha saiu uma moça. Devia ter vinte e poucos anos, olhos claros e rosto fresco e uma impecável farda branca.

— Bom-dia — disse ela alegremente a Ralls. Ralls respondeu-lhe com um pequeno aceno de cabeça.

— Bom-dia. Queria comer qualquer coisa.

— Quer acredite ou não é isso mesmo que eu aqui vendo, comida e nada mais a não ser comida.

— Você é a Ella?

— Ella Snow, para o servir. Com pãezinhos quentes e salsichas, ovos e presunto, café.

— Muito bem, é isso que eu quero.

— Pãezinhos ou...

— Tudo.

— Parece que as lutas fazem fome.

Ralls fitou-a de modo interrogador e depois compreendeu que o seu rosto devia apresentar as marcas do combate.

— Devia ter visto o outro tipo — continuou Ella. — Esteve cá ontem à noite.

— Rudabaugh? — Ralls abanou a cabeça. — Recuperou mais depressa do que eu... e eu estava convencido que tinha ganho.

— Oh, mas ganhou, sem dúvida nenhuma. Toda a gente da cidade fala do caso.

Parou quando a porta se abriu e entrou Les Cagle. O proprietário do bar avançou.

— Dormiu bem? — perguntou ele e depois, sem esperar pela resposta, disse a Ella Snow: — Ella, você cada dia está mais bonita.

— E você cada dia está mais rico — retorquiu Ella.

Cagle instalou-se no banco ao lado de Ralls.

— Mas não suficientemente rico.

A moça entrou na cozinha e Cagle olhou de lado para Ralls.

— Você sabe lutar. Foi a primeira vez que Rudabaugh foi vencido.

— E provavelmente será a última porque não tenciono voltar a bater-me com ele — disse Ralls.

— Parece-me também que não iria muito longe com isso.

Ralls abanou a cabeça.

— Obrigado pela sua cama.

— Não tem importância. Eu ia para o rancho— hesitou. — Era a esse respeito que lhe queria falar.

— O rancho?

— Gostava que trabalhasse para mim.

— Porquê?

— Porque preciso de um homem como você.

— Toda a gente aqui precisa de homens. Homens para lutar.

Cagle olhou com severidade para Ralls.

— Quem mais?

— Um homenzinho com suíças. Disse que se chamava Macfadden.

Cagle pousou os olhos no balcão. Ella trouxe duas chávenas de café e regressou à cozinha. Cagle deitou leite no seu café, um pouco de açúcar, mexeu e depois disse:

— Sim, um homem disposto a lutar pode praticamente pedir o que quiser como salário nos tempos que correm.

— Guerra à vista?

— Podemos-lhe chamar assim. Langford contra todos nós. Ou antes, o vale contra Langford. Mas não pense que se trata de uma luta desigual. Langford é um lobo astucioso e tem gente muito má a trabalhar para ele. É por isso que estou contente por você ter lutado contra os dois Jen-kins e o jovem Langford. Quer dizer que não está do lado deles.

— De que lado está o Rudabaugh? Cagle hesitou.

— A verdade é que está do nosso. Posso até dizer que é o nosso chefe. Pelo menos ele é que possui mais terras a seguir a Langford.

— Quem mais é que está do seu lado?

— O escocês que mencionou há pouco, Macfadden, e Allison, e, bem, meia dúzia de tipos pouco importantes como eu. Havia um homem chamado Ellis, mas deve-lhe ter acontecido qualquer coisa.

— Não há dúvida que aconteceu. Passou para o outro lado da montanha.

— O que é que quer dizer?

— Ellis é que esteve na origem da disputa que tive com os Jenkins; eles iam-no enforcar e eu impedi-os de o fazerem.

— Enfrentou quatro homens só para salvar Ellis?

— Se o não tivesse feito, Ellis teria sido enforcado.

Cagle franziu a testa.

— E Ellis morreu depois de você lhe ter salvo a vida?

— Parece-me que ele achava que a justiça não lhe serviria de muito.

Cagle rosnou.

— Você falou com o xerife?

— Falei com um homem que possuía um distintivo.

— É mesmo isso que queria dizer. É necessário mais do que um distintivo para se fazer um xerife. Bom, e então?

Ralls abanou lentamente a cabeça.

— Desconheço tudo sobre o certo ou errado desta questão, Cagle, mas não me apetece tomar nenhuma posição.

O rosto de Cagle traduziu desapontamento.

— Vai partir, então?

— Ainda não — olhou para Cagle. — Alguma razão para que o faça?

— É difícil ser-se neutro numa guerra, quando as balas vêm das duas direcções.

Ella Snow saiu da cozinha, transportando um tabuleiro com comida, a maior parte da qual pousou diante de Ralls. Cagle só ficou com duas torradas. Ella afastou-se e, enquanto Ralls comia, Cagle disse:

— Sabe, ainda não me disse como se chamava.

— É verdade — Ralls comeu outra garfada de ovos e acrescentou: — Ralls.

Ao seu lado Cagle enteiriçou-se subitamente.

— Jim Ralls!

— Sim.

Cagle olhava espantado para Ralls.

— Não admira que tenha admirado os Jen-kins — abanou a cabeça. — E lutou com os punhos contra Ben Rudabaugh — inclinou-se para Ralls. — Ralls, fique cá, trabalhe um mês só para mim. Farei com que valha a pena.

— Só trabalhei para alguém uma vez na vida — declarou Ralls. — E foi para o Tio Sam.

— Na guerra?

Ralls fez um aceno afirmativo.

— E não me parece que trabalhe para ninguém até terminar uma pequena tarefa minha —fez uma pausa. — Ando à procura dum homem.

— Aqui?

— Não sei. Talvez.

— Como é que ele se chama? Conheço quase toda a gente do vale.

— Chama-se... Rance Martindale.

O nome não pareceu dizer nada a Cagle.

— Acho que não há ninguém com esse nome por estes lados.

— Oh, ele deve usar um nome diferente.

— Bom, mas então como é ele?

— Não sei.

— Quer dizer que nunca o viu?

— Não.

— Então só sabe o nome. E o que é que o faz pensar que o seu homem esteja cá?

— Porque já procurei em todos os outros sítios. Cagle exclamou:

— Ouvi falar de si, Jim Ralls! Assim como quase toda a gente do Oeste. Muitos nem acreditavam que você existisse.

Você é quase uma lenda! Hoje no Texas, amanhã em Kansas, no dia seguinte em Montana. Esteve nos campos auríferos e nas cidades do gado e seguiu o Union Pacific através das planícies. Travou imensas lutas e diz-se que você é o homem mais rápido no manejo de armas de todo o Oeste. Deixou atrás de si um rasto de homens mortos. Pessoalmente sempre considerei que devia haver muita fantasia nessas histórias, mas daquilo que tenho ouvido e visto a seu respeito desde ontem fez-me mudar de opinião. Estou convencido que as histórias são verdadeiras. A verdade é que penso mesmo que ainda ficam longe da verdade.

Ralls olhou tristemente para a comida.

— Um homem arranja uma certa reputação — disse ele — e depois aparecem loucos que nos obrigam a defendê-la. Como o Rudabaugh ontem à noite. Simplesmente a maioria quer lutar com armas. Qualquer um que tenha dado um tiro numa lata convence-se que é um bom atirador. Sim, fui obrigado à luta... fui obrigado a lutar para conseguir sobreviver. Mas só procurei uma luta...

— Rance Martindale?

— Rance Martindale. Depois dessa luta, e se ganhar, deponho as minhas armas. Para sempre!

— O Martindale sabe que você anda à sua procura?

— Sabe que anda alguém à sua procura.

— Mas não sabe que é você?

— Parece-me que sim. Cagle franziu a testa.

— Há quanto tempo anda à procura do Martindale?

— Bastante tempo. Cagle corou.

— Eu não estava a querer ser indiscreto, Ralls.

Pensei que o tempo talvez ajudasse a limitar a sua busca. Estou cá desde 1868 e conheço todos os que se instalaram desde então.

— Já andava à procura dele antes de 68 — disse Ralls.

Cagle terminou o seu café e tamborilou uns instantes com os dedos no balcão. Depois pousou uma moeda e levantou-se.

— Até depois, Ralls.

Ralls hesitou. Esteve quase para pedir ao proprietário do bar para guardar segredo acerca da sua identidade, mas resolveu o contrário. O espalhar do seu nome pelas vizinhanças talvez ajudasse a localizar Martindale.

Cagle saiu e Ralls terminou o seu pequeno almoço. Ella Snow saía da cozinha quando ele pousou o garfo.

— Quanto? — perguntou Ralls.

— Esta foi por conta da casa.

Ralls fitou-a admirado. Ela acrescentou:

— Para dar as boas-vindas a um forasteiro — e, como Ralls a continuasse a fitar impassível. — Ou talvez por ter dado a Ben Rudabaugh a tareia que ele estava a precisar há muito...

Ralls abanou a cabeça.

— O tratamento dado ao Rudabaugh foi para meu próprio prazer.

— Então digamos que é por me levar esta noite à festa da paz.

— Que festa da paz?

— Oh, Cagle não lhe contou? Os rancheiros dão um baile. Para criar um bom ambiente para discutir as coisas... ou, uma última folia antes da guerra. Como quiser.

— Desculpe, mas não me parece que eu lá vá — Ralls tirou um dólar de prata do bolso e pousou-o sobre o balcão.

A moça corou com a recusa dele.

Ralls caminhou rigidamente até à porta. Com a mão no puxador parou e estava meio inclinado a voltar atrás e pegar no dólar, quando Ella Snow disse:

— Muito obrigado, senhor.

Então saiu do restaurante praguejando em voz baixa contra si próprio.

 

Os cavalos tinham comido, bebido e sido escovados. Ralls pagou, montou e partiu, com o cavalo de carga atrás. Dois ou três homens ficaram a vê-lo afastar-se pela rua abaixo na direcção do vale em forma de ferradura de Langford.

Ia a passar pela última casa quando ouviu o martelar de patas de cavalo. Voltando-se no selim viu um cavaleiro que se aproximava.

Era um tipo novo e ruivo montado num pónei. Passou por Ralls a galope e nem sequer olhou para ele. Ralls teve mesmo a impressão de que desviara deliberadamente os olhos ao passar.

Um mensageiro, pensou Ralls. Não tinha importância, porque Ralls estava sempre alerta. Tinha de o estar se queria viver. No entanto, a oitocentos metros de Meadowlands deixou a estrada e meteu através dos campos. Caminhou durante meia hora, com erva que chegava aos joelhos dos cavalos, bela erva verde que indicava bom solo e muita chuva.

Umas terras que seriam o sonho de todos os vaqueiros.

Viu muito gado, bois gordos, prontos para irem para o mercado. Mas não viu cavaleiros. Só depois de ter atravessado uma pequena corrente e de se acercar dum grupo de choupos.

Nessa altura surgiu um homem de entre as árvores. Trazia uma espingarda atravessada no selim e um revólver à cinta. Deitou um olhar sombrio a Ralls e teria passado sem falar se Ralls não o tivesse interpelado.

— Este é que é o caminho para o Rancho Langford?

O homem lançou um breve «sim» e continuou sem parar o cavalo, mas Ralls reparou que ele alterara o rumo de modo a cavalgar paralelo a Ralls e poder observá-lo até ficar fora do alcance de tiro.

Um pouco mais tarde descobriu um grupo de edifícios de rancho mas achou que não eram suficientemente grandes para o Rancho H-L e passou ao largo.

Daí a pouco cruzou com dois vaqueiros que fizeram um aceno de cabeça e continuaram, o que não era costume dos vaqueiros. Ralls deu um pequeno suspiro. Não havia dúvida que havia sarilhos no ar.

A sua frente viu uma grande manada de «Herefords» e quando se aproximou viu a marca H-L. Um pouco mais longe estava outra boa manada de «Herefords» e a partir daí via-se por todo o lado gado H-L.

Ao chegar ao cimo de uma elevação viu em baixo um caminho bem tratado e dirigiu-se para ele. Seguiu ao longo dele até voltar para a esquerda e subir suavemente uma colina verdejante. Do topo Ralls olhou para as instalações do H-L. Não podia ser outro devido ao tamanho e número de edifícios.

Um cavaleiro que apareceu a trote confirmou a opinião de Ralls. Ralls desceu a colina, seguindo a estrada até ao pátio do rancho. Reparou que havia bastante actividade mas não foi ninguém ao seu encontro até chegar ao edifício do escritório e ter desmontado.

Nessa altura surgiu Harley Langford. Parou quando viu Ralls.

— Anda à minha procura? — inquiriu.

— Se é Harley Langford, sim.

— Sou. Mas não contrato mais pessoal nenhum, embora possa comer qualquer coisa se se dirigir às cozinhas.

— Obrigado, mas já tomei o pequeno almoço.

— Então o que é que quer?

— Pensei simplesmente em vir até aqui e ver as suas instalações.

Langford olhou com desconfiança para Ralls.

— Você não é por acaso o desconhecido que desafiou o meu filho para uma luta ontem — abanou a cabeça. — Claro que não. Não teria o descaramento de vir até aqui.

— Bem, sou desconhecido por estes sítios e troquei algumas palavras com o seu filho, mas se ele lhe disse que o desafiei não contou a verdade.

Harley Langford deu alguns passos em frente.

— Mas você é o homem que matou Kirby Jen-kins e feriu Reb... — a sua mão dirigiu-se automaticamente para a arma que trazia na anca, mas quando a mão se fechou sobre a coronha Ralls exclamou:

— Pare, Langford!

A mão de Langford ficou imóvel.

— Você tem o descaramento de vir até aqui...

— Muito bem — disse Ralls. — Troquei uns tiros com os Jenkins mas eles disseram-lhe o que é que estavam a fazer na altura?

— Estou-me nas tintas para aquilo que eles estivessem a fazer — retorquiu Langford. — Trabalham para mim e o H-L luta por sua conta. Com razão ou sem ela. Oiça bem, com razão ou sem ela!

— Mesmo que estivessem a enforcar um homem?

— Ellis não era um homem... era um verme!

— E merecia ser assassinado?

— Era um ladrão de gado e nesta região enforcamos os ladrões de gado.

— Julguei que havia uma justiça para se encarregar dessas coisas.

As feições de Langford contorceram-se.

— Eu já cá estava antes de haver uma justiça e continuo a poder resolver as minhas lutas — deitou um olhar na direcção dos estábulos. — Mas a verdade é que não é justo que eu o mate a tiro. O Reb é irmão do Kirby. Ele tem mais agravos contra si do que eu.

— Não me parece que ele os tome em consideração.

— Ai não! —rosnou Langford.— Lá porque você o apanhou uma vez...

— Porque é que não chama o Reb?

— Já chamo — Langford olhou para os estábulos, mas não chamou o seu capataz. Fitou Ralls com dureza. — Está muito seguro de si não está?

— Não. Não estou mesmo nada seguro de mim. Mas tenho uma tarefa a executar e tenciono levá-la a cabo — fez uma pequena pausa. — Ando à procura dum homem. Ouvi dizer que você está cá há mais tempo do que todos os outros. Pensei que talvez conhecesse esse homem.

Nessa altura qualquer coisa pareceu abandonar Langford. Sustentou com firmeza o olhar de Ralls.

— Como é que ele se chama?

— Rance Martindale.

Ele era duro, no entanto Ralls teve a impressão que um pequeno arrepio percorrera o corpo de Langford. O fim do caminho estava à vista e Ralls concentrou-se no rosto do homem para não perder a menor mudança de expressão.

Langford sabia!

Mas Langford respondeu:

— Nunca ouvi esse nome.

— Tem a certeza?

— Claro que tenho a certeza. Fui o primeiro homem branco a chegar a esta região. Assisti à chegada de todos os outros e nunca ouvi falar de nenhum homem chamado... como foi que disse?... Martingale?

— Martindale — corrigiu Ralls. E se já antes tivera a certeza agora tinha-a duplamente. Langford exagerara. Sabia, não havia dúvida.

— Martindale — repetiu Langford com ar pensativo. — Um nome que não é fácil esquecer, pois não?

— Não. Especialmente quando temos uma razão para nos recordarmos dele.

— E você tem? Como é que disse que se chamava?

— Não tem importância, se não conhece ninguém chamado Martindale — Ralls montou a cavalo. — Obrigado.

Voltou o cavalo e começou a afastar-se de Langford e Langford deixou-o partir. O que equivaleria a dizer que Langford ficara extremamente perturbado, caso contrário nunca teria permitido que Ralls se afastasse.

Langford continuou diante do seu escritório a ver Ralls distanciar-se. Quando Ralls se encontrava a trinta metros de distância apareceu Sage que perguntou:

— Quem era, pai?

Langford nem se apercebeu da presença da filha. Ela repetiu a pergunta:

— Quem era, pai?

Nessa altura Langford sacudiu-se a si mesmo.

— Oh, olá Sage. Não sei, ele não disse o nome.

— Parece o homem em que eu... eu bati ontem. Mas claro que não pode ser.

— Sim. É esse homem.

— Ele veio até cá? — exclamou Sage.

— Estás a vê-lo, não estás? — retorquiu Lang-ford com irritação.

— Sim, estou a vê-lo. Estou a vê-lo afastar-se do H-L depois de ter morto um dos seus vaqueiros e ferido outro — Sage fitou o rosto do pai. — E vejo uma nuvem nos seus olhos, pai! O que é que ele lhe disse? Quem é ele?

— Não sei—respondeu Langford sombriamente. — Talvez... talvez seja um fantasma! Não sei.

De ombros descaídos Langford passou diante da filha a caminho de casa.

 

O baile realizou-se no salão do município de Meadowlands e prevalecia lá um espírito de alegria que não era compartilhado pelos rancheiros que se encontravam no escritório do juiz Gordon. Estavam dez ou doze homens na sala, todos rancheiros com excepção do juiz e do xerife Cherry, mas incluindo Cagle, o proprietário do bar, no número dos rancheiros.

O juiz Gordon estava a fazer o que podia para presidir à sessão mas começava a achar o papel de pacificador muito ingrato, pois nenhum dos homens presentes fora para aquela reunião com espírito franco.

Ben Rudabaugh exprimia a unanimidade de opinião dos pequenos rancheiros.

— Toda esta conversa acerca do respeito pelas linhas de delimitação dos outros é uma fantochada e vocês sabem-no bem. Este barulho tem só um motivo: o Vale da Ferradura.

— Que é meu — rosnou Harley Langford.

— Por que direito? — perguntou Rudabaugh. — A terra é sua? Comprou-a?

— E você comprou as suas? — retorquiu Langford.

— Não — admitiu Rudabaugh. — Não comprei. A terra estava cá e eu instalei-me nela, como todos os outros.

— E eu instalei-me no Vale da Ferradura.

— Em oitenta mil acres. O que é o mesmo que possuímos nós todos juntos.

Alec Macfadden deu um salto da cadeira.

— Você não tem direito a essa terra, Harley Langford!

— Tenho tanto direito a ela como você à sua.

— Você não pode ter direito a oitenta mil acres quando eu só tenho seis.

— Existem dez milhões de acres de terras a Oeste da sua. Sirva-se à vontade — a voz de Langford traduzia o seu desprezo pelos pequenos rancheiros.

— Essas são terras desertas, não servem para criar gado.

— Portanto não é só terra que você quer, é a minha terra!

— Você apropriou-se de todas as terras boas e sabe-o muito bem — gritou Ben Rudabaugh.

— Fui o primeiro a cá chegar — replicou Langford.— Claro que ocupei as melhores terras; porque é que não o havia de fazer? Quando se anda a pesquisar o ouro quem o descobre é que fica com a maior parte, não é? Eu descobri o Vale da Ferradura e fiquei com ele. Tive de lutar contra os índios para o conservar. E, por Deus, lutarei contra todos os que tentarem tirar-mo — pôs-se em pé dum salto e apontou o indicador para todos os que formavam o grupo. — E isto aplica-se a si e a si e a si!

— Há-de ter a sua luta!—gritou Rudabaugh. — E é já — começou a dirigir-se a Langford mas este fitou-o friamente.

— Toque-me com um dedo, Ben Rudabaugh — disse ele — e abato-o com um tiro — fungou desdenhosamente.

— Parece-que a luta de ontem não lhe chegou!

Rudabaugh tinha perfeita consciência das suas feições devastadas. O seu rosto torceu-se de fúria.

— Talvez eu lhe deva essa a si.

— O que é que quer dizer?

— Você tem andado a contratar ultimamente gente estranha. Sam Sloane... esse desconhecido que me provocou...

— Está louco? Esse desconhecido matou Kirby Jenkins e feriu Reb.

— Pelo menos é essa a sua versão. Langford voltou-se para o xerife.

— Cherry, prenda-o. Meta-o na cadeia e veja se eu faço seja o que for para o libertar.

O xerife hesitou. Olhou para Cagle mas este fitou-o impassivelmente. Depois do xerife ter desviado o olhar teve um sorriso trocista.

O xerife aclarou a garganta várias vezes.

— Bem, não sei se posso propriamente prendê-lo...

— Porque não? É o xerife, não é?

— Sim, mas alguém tem de apresentar a queixa...

— Apresento eu.

Cagle voltou-se para o juiz.

— Está seguro?

— Com certeza.

Cherry continuou pouco satisfeito.

— Muito bem — declarou por fim. — Eu prendo-o.

Jim Ralls chegou a Meadowlands ao anoitecer, depois de ter percorrido o Vale da Ferradura durante quase todo o dia. Deixou os cavalos no estábulo e dirigiu-se ao restaurante de Ella Snow, onde encontrou só um cozinheiro chinês. Jantou, depois atravessou a rua em direcção ao bar de Cagle que achou tão cheio que só chegou ao balcão às cotoveladas.

Uma vez no balcão deparou, contudo, com imenso espaço, pois o homem ao seu lado tinha-o reconhecido e passou palavra.

O empregado aproximou-se e Ralls pediu:

— Cerveja.

O homem trouxe-a e Ralls ingeriu-a. Voltou-se e estava a olhar para as portas de batentes móveis quando elas foram empurradas para o interior e entrou o xerife Cherry. Percorreu a multidão com o olhar até descobrir Ralls. Avançou.

— Desculpe — disse ele desajeitadamente a Ralls — mas tenho de o prender.

— Esta noite não — disse Ralls. O xerife piscou os olhos.

— Hein?

— Outra altura.

— Eu... ah, você não compreendeu, desconhecido. Tenho... tenho de o prender.

Ralls olhou com dureza para o homem.

— Sob que acusação?

— O assassínio de Kirby Jenkins.

— A ideia é sua?

— Ah, não. Harley Langford é que fez a queixa.

— Então porque é que ele não se serve dela?

— Porque eu sou o xerife; é essa a minha função. Ah, esta ordem de prisão foi passada pelo juiz Gordon — esperou um momento, com uma centena de olhares postos nele. — Tem de me acompanhar.

— Não.

Uma película de transpiração cobriu o rosto infeliz do xerife.

— Não se trata de querer ou não vir. Tem mesmo de vir comigo.

Ralls fez um pequeno gesto com o copo da cerveja.

— Vá-se embora.

Junto do balcão um vaqueiro disse com voz rouca:

— Vá, xerife, tire-lhe a pistola. Aguilhoado o xerife deu um passo em frente.

— Dê-me a sua pistola, senão... — fez um gesto na direcção do seu próprio coldre, embora embaraçado por o fazer diante daquele desconhecido de tiro tão rápido.

Embora o resto do corpo se mantivesse completamente imóvel, a mão direita de Ralls fez um pequeno movimento e a cerveja do copo foi parar ao rosto do xerife.

O xerife deu um grito e recuou. Esbarrou num homem que estava sentado a uma mesa e daí, ajudado com um empurrão, caiu no sobrado.

Levantou-se cambaleante, limpando a cerveja da cara.

— Não me pode fazer uma coisa dessas — urrou.

— É ilegal! —gritou um homem que estava ao balcão.

O xerife localizou o homem e apontou para ele.

— Você, Tod Meacham, nomeio-o meu delegado para me ajudar a capturar um homem.

— Delegado uma fava!

— Eu posso fazer isso, Meacham — insistiu o xerife. — Posso designar meu delegado qualquer pessoa de que eu precise que me ajude ou então vai você mesmo parar à cadeia.

— Quem é que me vai prender a mim? — perguntou o homem chamado Meacham.

— Eu — disse uma voz da porta.

O juiz Gordon avançou com o rosto vermelho de irritação.

— Se o xerife não o prender, prendo-o eu — disse a Meacham. — Garanto-lhe.

O aliado inesperado deu súbita confiança ao

xerife.

— E você, Milo Hanson, faço-o também meu delegado — depois apontou ainda para outro homem. — E você, Dave Lawrence.

Voltou-se para Ralls.

— Muito bem, senhor, digo-lhe pela última vez. Entregue-se senão...

Fez um gesto significativo. .

Ralls pousou o copo vazio no balcão. Os homens atrás dele afastaram-se subitamente e Ralls encontrou-se com imenso espaço à sua volta. Afastou-se um pouco do balcão.

— Xerife — disse ele. — Não me entregarei a si nem a mais ninguém.

Um silêncio pesado caiu sobre a sala. O xerife tinha feito o que podia. Tinha três delegados e um juiz a apoiá-lo. Tinha de levar a cabo a sua ordem de prisão. Mas o desconhecido desafiara-o. Só havia agora uma resposta. Tiros.

Nessa altura o silêncio foi quebrado por um grito que vinha do meio da sala.

— É Jim Ralls!

O xerife cambaleou como se lhe tivessem dado um soco.

— Você é Jim Ralls? — perguntou com voz rouca.

— Sim!

Os delegados do xerife Cherry começaram a recuar.

— Jim Ralls — disse um deles. — Eu não quero saber disto para nada.

— Vamos — desafiou Ralls. — Se me querem prender puxem das vossas armas.

O xerife deitou um olhar furibundo aos seus atemorizados delegados.

O Juiz Gordon, de rosto severo, deu um passo em frente.

— Você é mesmo o Jim Ralls? — perguntou.

— Sou. E se tem uma queixa contra mim, comparecerei no seu tribunal mas raios me partam se consentirei que um xerife qualquer me arraste para a prisão.

O juiz engoliu com dificuldade.

— Esperá-lo-ei no tribunal.

Deu meia-volta e saiu da sala. Os delegados recentemente designados precipitaram-se atrás dele. Ralls olhou deliberadamente para o xerife.

— Não estarei longe — disse ele — para o caso de precisar de mim — e saiu passando diante do xerife.

O xerife podia ter então puxado da arma; teria apanhado Jim Ralls por trás. Mas não o fez. O dedo do gatilho estava paralisado.

 

A sala do baile ficava num edifício baixo de um só andar. A dupla porta principal estava aberta e podiam-se ver os pares que dançavam. Estavam mais de cinquenta pessoas na sala mas só quatro ou cinco pares dançavam. Os outros formavam pequenos grupos silenciosos. O espírito de alegria que devia estar presente faltava estranhamente.

Fora do edifício mais ou menos uma dúzia de homens andavam dum lado para o outro falando em voz baixa.

Jim Ralls parou junto da porta. Olhou para dentro, ia a passar, depois deu de repente meia-volta e entrou na sala.

No interior descobriu que havia uma pequena mesa mesmo à entrada. Junto dela estava sentado um homem de idade.

— A sua arma, senhor — disse ele.

Ralls olhou para a parede por detrás da mesinha e viu duas filas de armas suspensas de pregos. Tirou a sua e estendeu-a ao empregado, com a coronha para a frente.

— Nome.

— Ralls.

O nome não causou qualquer efeito no homem. Escreveu-o numa pequena etiqueta e prendeu-a no guarda-mato. Ralls entrou propriamente na sala de baile.

No extremo mais distante da sala uma orquestra de quatro elementos estava a chegar ao fim de uma música. Os dançarinos separaram-se e Ralls distinguiu Ella Snow.

Ela viu-o ao mesmo tempo e avançou para ele.

— Então afinal sempre veio.

— Sim — disse Ralls. — Passei pelo restaurante, mas você já tinha partido — hesitou. — Desculpe aquilo desta manhã.

— Oh, não tem importância. Durante todo o dia as pessoas têm entrado no restaurante a falar em si. A verdade é que também tenho pensado imenso em si.

Antes que Ralls pudesse responder a orquestra atacou de novo. Ella sorriu-lhe.

— Desculpe — disse Ralls. — Não danço desde...

— Então tem uma boa ocasião de praticar — retorquiu Ella. Levantou os braços.

Ralls resmungou interiormente ao colocar a mão direita nas costas dela. Afastaram-se, Ella muito leve e Ralls tentando desajeitadamente conduzi-la.

Há dez anos que Ralls não dançava; tinha sido na Virgínia, quando ele e Tom Sutherland tinham ido ao baile dos Rebeldes que algumas pessoas sulistas tinham organizado como desafio a Sheridan que ocupara a cidade na véspera.

As senhoras sulistas tinham-se mostrado muito frias com eles, até Sutherland ter conseguido quebrar o gelo. Sutherland era assim.

Dez longos anos, durante os quais o capitão Ralls do Quarto Regimento de Cavalaria de Michigan se transformara em Jim Ralls, o célebre pistoleiro e assassino!

Ella Snow estava a falar.

— Ela veste-se e anda a cavalo como um homem e depois aparece num baile e tem aquele ar...

Ralls deitou um olhar rápido ao rosto de Ella e viu que tinha os olhos focados em alguém por cima do seu ombro. Virou a cabeça e deu com os olhos nos de Sage Langford. Estava a dançar com Reb Jenkins que tinha o braço esquerdo ao peito envolvido num lenço de seda preta.

Ela tinha um vestido de veludo escuro e o cabelo loiro armado no alto da cabeça. Ralls deu um pequeno suspiro. Era a mulher mais bonita que jamais tinha visto. Ao seu lado Ella Snow, no seu vestido berrante parecia uma camponesa.

Os olhos de Sage demoraram-se nos dele. Reb Jenkins voltou-se e encarou por sua vez Ralls. Parou de dançar.

— Julguei que já se tinha passado para o outro lado da montanha — disse ele.

— Que ideia!—replicou Ralls. — Estou a pensar demorar-me algum tempo aqui no vale.

Reb ergueu o braço ligado.

— Este daqui a pouco está bom.

— Você não é canhoto, pois não? — perguntou Ralls e sentiu que Ella lhe apertava a mão. Disse-lhe. — Desculpe.

Estamos num baile, senhor — pôs a cabeça de lado. — A propósito, quanto tempo é que vamos continuar com essa coisa do senhor?

— Acaba já — disse Ralls. Estava a olhar para a porta por onde tinham entrado vários homens. Entre eles vinham o xerife Cherry, Ben Rudabaugh, o Juiz Gordon e Harley Langford.

O grupo descobriu Ralls e começaram todos a cochichar entre si.

— Chamo-me — disse Ralls a Ella Snow — Jim Ralls.

Sentiu ela arfar.

— Jim Ralls, o...

— Sim — deu mais alguns passos com ela e depois afrouxou o amplexo.

— E agora pode deixar de dançar comigo.

— Porquê? Tem hidrofobia?

— Porque sou Jim Ralls.

— E quem julga você que eu pensava que você era? Um santo caído dos céus para salvar as almas dos cidadãos locais? — deu uma pequena risada. — Eu sabia que tinha lutado com o Kirby e o Reb Jenkins e que tinha transformado Ben Rudabaugh num bolo. Não sabia que era o Jim Ralls. Pensei que talvez fosse... bem, Roy Dorcas, ou algum dos seus homens.

— Não fez diferença para si?

— Porque é que havia de fazer? Eu também estou à margem. Claro que as pessoas vêm comer ao meu restaurante. Homens. Mas viu alguma das mulheres dos rancheiros a cumprimentar-me? Ouviu a Sage Langford falar-me há pouco?

— É assim, hein? — comentou Ralls.

Nessa altura parou a música e Ella Snow afastou-se dele.

— Obrigado — disse ela. — Obrigado por ter dançado comigo — afastou-se.

Ralls preparava-se para a seguir quando viu que Ben Rudabaugh se dirigia a ele.

Esperou que o rancheiro se aproximasse. Não havia hostilidade no rosto do homem. Só um humor sardónico.

— Olá, Ralls — disse. — Bela luta, não foi?

— Tão boa que não a voltarei a repetir. Rudabaugh sorriu.

— Esperava que quisesse experimentar outra vez, quando eu não tivesse bebido um galão de cerveja — esfregou o estômago. — Não me estou a justificar; você bateu-me com limpeza e lealdade. Mas no entanto gostava de tentar outra vez.

— Não, já estou satisfeito. Rudabaugh riu-se.

— Ouvi dizer que ia dando um ataque de coração ao xerife.

— Não tenho culpa se ele tem um coração de frango.

— Oh, é isso mesmo que ele tem, não há dúvida. Mas uma vez disparou contra um homem. Pelas costas. Achei que lhe devia mencionar o facto — subitamente mudou de assunto. — Tem alguma ideia especial, Ralls?

— Tal como?

— Por aquilo que ouvi dizer de si, não costuma demorar-se muito em sítio nenhum.

— Estou a pensar ficar cá mais um pouco — Ralls olhou interrogativamente para o rosto do homenzarrão — Cagle não lhe disse?

— Cagle? Ele sabe? — Rudabaugh franziu a testa. — Talvez no entanto não fosse má ideia se você e Cagle chegassem a acordo.

— Não fiz nenhum acordo com Cagle... nem com ninguém.

— Então não está do nosso lado?

— Estou do meu lado. Rudabaugh abanou a cabeça.

— Aqui só há dois lados. O nosso e o de Langford.

Ralls olhando para detrás de Rudabaugh viu Harley Langford e a filha a falarem animadamente. Langford tinha uma expressão carregada enquanto falava mas Sage abanava só a cabeça.

Ralls voltou-se de novo para Rudabaugh.

— Desculpe-me — e afastou-se do rancheiro. Sage, de frente para ele, viu-o aproximar-se.

Durante um momento abriu os olhos, depois eles brilharam.

— Gostava de saber — disse Ralls — se me concederia a próxima dança?

Langford, dando meia-volta, fitou-o espantado.

— Ralls! — exclamou ele com dureza. Depois o seu rosto torceu-se devido a uma fúria súbita. — Seu... como se atreve a falar com a minha filha?...

Sage interrompeu:

— Sim, mr. Ralls, teria imenso gosto.

E nesse momento começou a música e Sage levantou os braços. Ralls passou-lhe um braço à volta da cintura e principiou a afastar-se.

Langford disse raivoso:

— Sage...

Mas a filha respondeu-lhe com um sorriso trocista.

Ralls e a moça afastaram-se rodopiando. Quando se encontraram a uma distância suficiente de Langford, Sage fitou Ralls com dureza.

— Eu estava a meio duma discussão com o meu pai quando você apareceu. É essa a única razão porque estou a dançar consigo.

— Mas podemos parar se desejar.

— Com que então você é Jim Ralls — disse ela com um desdém não disfarçado. — O célebre pistoleiro e assassino? Vim cá esta noite esperando encontrá-lo para lhe pedir desculpa por ontem.

— Não tem importância nenhuma. Aceito a intenção.

— Eu não estou a pedir desculpa — replicou furiosamente Sage. — Você estava a provocar o meu irmão. Vocês assassinos precisam de alimentar a vossa vaidade de vez em quando, e a única maneira que têm de o fazer é matando alguém.

— Você parece saber muito acerca de assassinos.

— Temos um lá no rancho, Sam Sloane. Talvez se encontre um dia com- ele. Será um adversário mais à sua altura que o meu irmão.

— Não duvido. Já tenho ouvido falar de Sloane.

— Eu também tenho ouvido falar de si... mas nada de bom.

Sage soltou subitamente a sua mão da de Ralls e afastou-se dele. Ralls viu que só havia mais um par na pista de dança. Reparou também que a maior parte das pessoas da sala caminhavam para a porta. Partiam, embora não fosse muito mais que nove horas.

Ficou uns instantes no meio da sala, olhando para Sage.

Viu-a reunir-se ao pai, pegar num xaile, atirá-lo sobre os ombros e dirigir-se à porta.

Ralls respirou fundo, depois começou a andar. Ao aproximar-se da mesa onde o empregado estava a devolver as armas aos seus proprietários, abriram-lhe rapidamente passagem. Uma mulher cujo cotovelo tocou por acaso, deu um gritinho e afastou-se dele.

O empregado fitou-o de modo interrogador.

— Ralls.

— Ra... —começou o homem, depois cambaleou. — Sim senhor, Jim Ralls! — encontrou a arma de Ralls, arrancou a etiqueta e estendeu-a a Ralls.

Ralls meteu-a no coldre e de novo teve o caminho desimpedido até à porta. Saiu.

 

Harley Langford tinha uma carruagem aberta que usava só em ocasiões especiais, como naquela noite, quando acompanhava a filha a Meadowlands e ela não vestia trajo adequado para montar. Mas tinha pouca paciência para a parelha que puxava o carro e estava constantemente a incitar os cavalos.

Talvez fosse melhor assim, pois não estava com vontade de conversar com Sage.

Sage, não era capaz de suportar um silêncio tão comprido, e cerca de três quilómetros depois de Meadowlands exclamou por fim:

— Muito bem, acabemos com isso.

— Acabemos com quê?

— A discussão. Não quero ficar a pé toda a noite...

— Nem eu te vou fazer ficar — retorquiu Harley. — E não vou discutir contigo.

— Prefiro que nos zanguemos a vê-lo amuado.

— Acaba com isso, Sage. Claro que não gostei que tivesses dançado com um homem como Ralls. Mas não é isso...

— O que é então? Langford abanou a cabeça.

— Não viste toda a gente a partir após uma única hora de baile?

— Sim, mas julguei que era por causa de... bem, por causa do pistoleiro lá estar.

Langford resmungou.

— Ralls é só mais um ou menos um pistoleiro. Esta noite, toda a gente começou a partir quando eu entrei.

— Não percebo.

— Claro que não. Tivemos uma reunião esta noite — Langford fez uma pausa. —Eu disse-te ontem o que é que se estava a tramar. Todos aqueles pequenos rancheiros decidiram que queriam as minhas terras. Pois bem, agora já não se está a tramar a guerra. Já foi declarada!

Sage exclamou:

— Quer dizer que haverá... luta?

— Haverá luta.

— Não há possibilidade de chegar a um acordo?

— Mesmo que pudesse não faria nenhum acordo

— gritou Langford. — Lutarei até ao fim. E hei-de vencê-los. Quando acabar, tudo isto serão terras H-L.

À frente da carruagem, a cerca de cem metros surgiu da escuridão um cavalo e um cavaleiro. Langford agarrou as rédeas com a mão esquerda e com a direita puxou de um revólver de cano comprido.

— Parece que vamos ter já a primeira batalha

— disse ele em voz baixa a Sage. — Se eu tiver de disparar abaixa-te.

Uma voz perguntou em tom de desafio:

— Langford?

Langford não fez nenhuma tentativa para fazer parar os cavalos.

— Quem é? — perguntou.

Na direcção da carruagem surgiu uma chama seguida instantaneamente pelo ruído seco dum tiro.

Harley Langford deu um grito rouco, levantou-se e caiu na estrada.

Sage gritou de angústia e medo e precipitou-se para saltar da carruagem para acudir ao pai, mas o instinto parou-a a tempo. Os cavalos assustados corriam loucamente.

Reparou que a carruagem passava diante de um cavaleiro. Olhou-o de passagem, mas ele não tinha rosto. Ou usava máscara ou tinha a cara escondida na gola do casaco.

Era sacudida em todos os sentidos devido à marcha desordenada da carruagem e só agarrando-se à antepara da frente conseguiu não ser cuspida. Mas uma vez bem agarrada, pôs-se de joelhos e, tacteando, encontrou as rédeas que o pai deixara cair, endireitou-se e instalou-se na almofada.

Desde criança que tratava com cavalos e bastou-lhe pouco mais de um minuto para controlar a parelha espavorida. Entretanto já se tinham afastado quase uns quatrocentos metros do ponto em que o pai tombara na estrada.

Sage voltou os cavalos e meteu-os a galope. Ao fim de um bocado afrouxou a marcha e começou a examinar o terreno de cada lado da estrada.

Descobriu Harley Langford completamente inerte. Prendendo as rédeas num grampo deu um salto para o chão. Um passo ou dois e caiu de joelhos.

Tocou em Harley Langford e escapou-lhe um grito da garganta. Estava inconsciente mas vivo. O velho rancheiro jazia gravemente ferido, mas vivia ainda.

Sage nunca foi capaz de explicar como é que conseguiu transportar o pai para a carruagem. Harley Langford pesava mais de noventa quilos e Sage, apesar da sua força pesava pouco mais do que metade disso. O desespero, contudo, deu-lhe energia. Conseguiu trazer a carruagem para o lado do pai, depois ergueu-o até o colocar numa posição sentado, com as costas contra a roda da frente. Envolvendo então Langford com os braços puxou-o para cima com o que lhe restava de forças. Manteve-o de pé sobre os seus pés sem força durante um momento, usando a carruagem como apoio tanto para ela como para ele. Depois lentamente deslocou-se para um lado continuando a segurar o pai. Por fim deixou-o rodar um pouco, descansando a parte superior do corpo contra a carruagem de modo a que se inclinasse para dentro.

Aquilo aliviou um tanto Sage e ela conseguiu, segurando-se só com uma mão, subir para a carruagem para o lado de Langford. Se os cavalos se tivessem movido nesse instante, Langford teria sido uma vez mais atirado ao chão, mas os animais conservaram-se imóveis e Sage encontrou-se na carruagem com a parte inferior do corpo de Langford no chão. Passou-lhe então as mãos pelos sovacos e puxou-o centímetro por centímetro até os seus pés ficarem longe das rodas. Mas o corpo dele era comprido demais para viajar nessa posição e ela foi obrigada a sentá-lo no chão com a cabeça e ombros encostados a ela.

Nessa posição, com um braço a ampará-lo, Sage voltou os cavalos e conduziu-os para o rancho H-L, a nove ou dez quilómetros de distância.

Sage havia de se lembrar dessa viagem durante o resto da vida. A sua ansiedade a respeito do pai fê-la desejar meter os cavalos num galope desenfreado, no entanto compreendeu que os balanços não seriam bons para ele. Teve de se dominar. Quando surgia uma faixa de estrada boa e plana dava mais rédea aos cavalos e obrigava-os a andar mais devagar quando a estrada era má. Levou quase uma hora a percorrer aquela distância e durante esse tempo Harley Langford nunca recobrou a consciência, embora tivesse gemido uma vez ou duas.

Quando se aproximou finalmente de casa começou a chamar,

mas só depois de ter parado diante do edifício do escritório é que apareceu alguém. E foi Reb Jenkins que deixara o baile de Meadowlands poucos minutos antes dela.

Ele deu um grito quando deparou com o vulto de Harley Langford tombado no interior da carruagem. - — Quem fez isto, Sage?

— Não sei — replicou Sage. — Um cavaleiro com máscara, mas não há tempo para isso agora. Arranje alguém que me ajude a transportá-lo para casa e mande já a Meadowlands buscar o Dr. Kern.

Reb correu para as camaratas, gritando o mais que podia e começaram a aproximar-se homens, da carruagem. Sage acompanhou o transporte do pai e depois tombou num sofá da sala completamente exausta.

Estava aí estendida quando entrou intempestivamente Emmet Langford.

— O que é que aconteceu ao pai, Sage — gritou ele. — Disse-me alguém que estava ferido.

Sage olhou com amargura.

— Onde estiveste tu durante toda a noite?

— O que é que tem uma coisa que ver com a outra?

— Imenso. Se nos tivesses acompanhado como o pai te pediu, isto não teria acontecido.

Emmet deitou um olhar de irritação à irmã e desapareceu no interior do quarto onde Reb Jenkins se ocupava de despir Harley Langford.

O capataz do H-L abanou a cabeça quando viu a ferida. A bala entrara pelo lado esquerdo de Langford num ângulo que conduzia à espinha. Depois de terem voltado cuidadosamente Langford descobriu-se que a bala continuava alojada dentro dele. Teria de se fazer uma operação muito delicada. O sangue coagulava na abertura da ferida e impedia uma perda de sangue grande.

Emmett Langford colocou-se ao lado da cama e olhou para o homem a quem tinha chamado pai durante a maior parte da sua vida. Tinha o rosto coberto de transpiração. Depois, sem uma palavra, deu meia-volta e regressou à sala.

Sage estava a levantar-se do sofá.

— Não chega a amanhã — disse Emmett com dureza.

Sage teve uma exclamação dorida:

— Oh, não!

— Hei-de apanhar o homem que disparou contra ele — disse Emmett com fúria. — Hei-de apanhá-lo nem que seja a última coisa que faça sobre a terra.

— Sim — retorquiu Sage com amargura — hás-de apanhá-lo para morreres em seguida.

— Não tenho medo de morrer se ele morrer comigo. — Emmett aproximou-se de Sage. — Não o viste? Ele não falou?

— Sim, chamou. Perguntou se era o pai — Sage franziu a testa. — Disse só uma palavra, «Langford», mas a voz era disfarçada.

Emmett agarrou-lhe num braço.

— Disfarçada! Isso quer dizer que receava que o reconhecessem. Era alguém nosso conhecido.

— Isso não ajuda nada. Conhecemos quase todas as pessoas do vale.

— Mas qual era o seu aspecto geral, era alto ou baixo, gordo ou magro?... Eu sei que deve ser difícil, mas diz-me tudo o que souberes.

— Já te disse que estava escuro. Tive a impressão que ele era bastante alto, pelo menos assim parecia sobre o selim. E não me pareceu forte — parou de repente. — Estava pelo menos a trinta metros quando disparou.

— Disparou só um tiro, a trinta metros? Na escuridão?

— Sim.

— Então era um excelente atirador!

— Também pensei o mesmo. Onde... onde é que estava Sam Sloane esta noite?

— Sloane! —Emmett abanou a cabeça.— Não, aí estás enganada, Sage. Não podia ter sido Sloane. desde ontem que cá não está. O pai mandou-o a um sítio qualquer...

— Onde?

— Não sei. Estive com Sam antes dele partir e disse-me que estaria ausente dois a três dias mas não me quis dizer para onde ia, disse apenas que o pai é que o tinha mandado. Perguntei esta manhã ao pai e ele disse que eu não tinha nada com isso — Emmett deu de súbito um estalo com os dedos.

— Esse pistoleiro, Jim Ralls!...

Os olhos de Sage estreitaram-se, depois de repente abanou a cabeça.

— Não, ele ficou em Meadowlands quando partimos.

— Podia ter passado por vocês no escuro.

— Não passou ninguém por nós.

— Podia ter atalhado pelos campos.

— Duvido. Saímos de Meadowlands em bom andamento e o pai obrigou os cavalos a galopar durante todo o caminho. Aquilo... aquilo aconteceu só a quatro ou cinco quilómetros da cidade. À velocidade que seguíamos, ninguém podia ter partido da cidade depois de nós, atalhar pelos campos e fazer-nos parar no sítio em que parámos — os olhos de Sage semicerraram-se ao prescrutar o rosto de Emmett — Emmett, onde estiveste tu esta noite?

— Olha lá, Sage, se julgas...

— Não sejas louco, Emmett. Mas uma coisa que disseste há um minuto só agora compreendi bem. O nome desse pistoleiro... Jim Ralls...

— É como ele se chama, não é?

— Sim, mas só se soube esta noite.

— Eu sei. Passou-se no bar do Cagle, quando o xerife Cherry tentou prendê-lo.

— Estiveste lá esta noite?

— Um bocado. Cheguei a casa mais ou menos há uma hora.

— Se estiveste na cidade porque é que não foste ao baile? Não me lembro de teres alguma vez faltado a um baile.

Emmett fez um esgar.

— Se queres mesmo saber, fui visitar uma moça da cidade.

— Quem?

— Não interessa; ninguém importante. Muito bem, foi a ruiva que dirige a chapelaria, Sue Matson.

— Tens visitado a Sue? Há quanto tempo?

— Foi a primeira vez. Vi-a ontem na cidade e começámos a falar, e bem, passei por casa dela esta noite para lhe fazer uma visita — Emmett resmungou. — Mas não fiques já a pensar em casamentos! As coisas não correram tão bem como isso.

— Podias arranjar muito pior. A Sue é muito simpática.

— Não é o meu género — Emmett sorriu-lhe. — Gosto delas com mais fogo. Como tu.

— O quê?

— E então, tu não és minha irmã, sabes muito bem.

Sage fitou-o atónita.

— Desde quando é que isso começou?

— Oh, reparei sempre em ti, Sage. Já pensava havia muito tempo até que o Reb começou a cortejar-te...

— Pára, Emmett!

— Porquê? — perguntou ele com ousadia. Pegou-lhe na mão.

— Não vou deixar que te vás com um homem como... Sage libertou a mão.

— Não me parece a melhor ocasião para discutirmos arranjos amorosos. Com o pai no quarto ao lado...

Afastou-se dele e dirigiu-se ao quarto. Emmett franziu a testa quando a porta se fechou.

Reb Jenkins saiu do quarto abanando a cabeça.

— O que achas, Reb? — perguntou Emmett.

— Parece-me mal — respondeu o capataz. — Não vale a pena estarmo-nos a enganar — trincou o lábio inferior. — Suponho que não seria mau encararmos a situação.

— A possibilidade de ele morrer? Reb fez um aceno afirmativo.

— O que é que fazemos?

— Não estou a perceber onde queres chegar, Reb.

— Quero dizer — proferiu Reb com lentidão — continuamos?

— Com o rancho? Que outra coisa se pode fazer?

— Eu referia-me à luta com o resto do vale. Soubeste do resultado da reunião, não soubeste?

Emmett principiou a acenar, depois dominou-se.

— Suponho que o pai lhes disse... que fossem para o diabo.

— Disse-lhes cara a cara. E eles dispararam o primeiro tiro.

— Veremos quem dispara o último — disse Emmett com ar sombrio.

O capataz hesitou.

— Há uma coisa que eu gostava de saber, Emmett. Só para o caso de... bem, suponho que o velhote não consegue sobreviver... quem é que dá as ordens?

— Tu és o capataz.

— Sim, mas... quem é que me dá as ordens a mim? Tu ou... Sage?

Emmett exclamou.

— Maldito sejas, Reb, isso é mesmo teu, de lembrares que não sou realmente o filho de Harley Langford.

— Bom, não és e não seria mau que pensasses nisso.

— És um louco — retorquiu Emmett acaloradamente. — Não sabes que o pai, sim, o pai sempre me considerou e me tratou como se eu fosse seu filho? Nunca fez distinções entre nós. Sage é filha dele e eu sou o seu filho.

Reb olhou pensativamente para Emmett.

— É assim que está no testamento dele? Vocês ficam com partes iguais?

— Não sei nada de testamentos. Mas tenho a certeza que o pai nunca desejou que fosse de outro modo.

— Talvez não, mas se ele nunca chegou a fazer testamento, são os seus parentes pelo sangue que herdam. E isso quer dizer a Sage e não tu.

Emmett deu uns passos para o lado e olhou com dureza para Reb que voltou a cabeça.

— E se a Sage casar contigo isso põe-te a ti sobre o selim!

— Não estava a pensar em nada disso.

— Ai não, não estavas!

— Estava a pensar que a Sage ia herdar uma guerra de grande alcance.

Lá fora soou o tropel de patas de cavalo. Emmett aproximou-se da porta.

— O médico...

Abriu a porta. A luz da sala revelou dois cavaleiros que acabavam de desmontar. Nenhum deles era o médico. Um deles era Sam Sloane. O outro um homem moreno de maxilar forte com cerca de quarenta e cinco anos.

Sloane foi o primeiro a chegar junto da porta. Ria maldosamente.

— Olá, Reb. Olá, Emmett. Quero apresentar-lhes um velho amigo meu... Roy Dorcas.

— Dorcas! — exclamou Emmett Langford. O homem do maxilar forte surgiu à luz.

— Dorcas, o fora-da-lei — disse ele num tom alegre. — E tu deves ser o filhote, Emmett — abanou a cabeça. — Não imites o Harley.

— Conhece o pai?

— Se o conheço? — o fora-da-lei resmungou. — Conheço-o desde quando chegava à altura dos joelhos de um ganso, embora não o veja há anos. desde que eu... bem, desde que o Harley se tornou tão estuporadamente respeitável!

 

O Dr. Kern chegou pouco antes das onze e esteve mais de duas horas com Harley Langford. Quando saiu do quarto tinha o rosto grave.

A instâncias de Sage confirmou com relutância a seriedade do estado de Langford.

— A bala alojou-se contra a espinha. Devia ser operado mas receio correr esse risco sem recursos hospitalares.

— Mas se não operar ele tem alguma possibilidade? — gritou Sage.

— É difícil dizer; continua inconsciente. O que é bom para ele, de momento. De manhã talvez esteja mais forte.

— De manhã talvez esteja morto — interpôs Emmett.

— Se eu operasse agora — disse o Dr. Kern — ele não teria uma probabilidade em... em dez. Esperemos pela manhã.

E assim foi, durante a comprida noite. O Dr. Kern passou a maior parte do tempo com o doente e quando o dia nasceu informou Sage e Emmett que Harley estava a recobrar a consciência. Mas só daí a uma hora abriu finalmente os olhos.

Durante um momento fitou o tecto, depois os seus olhos encontraram os de Sage.

— Ele não... te apanhou! — disse com voz fraca.I Sage abanou a cabeça, tentando sorrir através das lágrimas que lhe enchiam os olhos. Um pequeno sorriso perpassou pelo rosto de Langford, depois os seus olhos procuraram o rosto do Dr. Kern.

— Que tal, doutor?

— Muito bem — replicou o Dr. Kern com uma alegria forçada. — Tudo muito bem.

— Você mente pessimamente — retorquiu Langford. Ficou uns momentos em silêncio, depois disse: — Tenho de saber. Há coisas que têm de ser feitas. Há... — uma súbita expressão de horror apossou-se dos seus olhos. — Doutor, eu não posso mexer-me!...

O médico voltou-se rapidamente para Sage e) Emmett.

— Não se importam de nos deixar sós uns minutos? Temos umas coisas a discutir.

Sage e Emmett saíram do quarto. Dez minutos mais tarde surgiu o Dr. Kern que fez um aceno a Emmett.

— Ele quer falar consigo.

— Emmett entrou no quarto. O doutor pigarreou e depois caminhou para a janela. Sage exclamou num tom pungente:

— Então não há esperança!

O Dr. Kern afastou-se da janela.

— Pelo contrário, Sage, há um bocado de esperança.

— Então... porque... O médico tossiu.

— Eu disse que havia alguma esperança... a respeito da vida dele. Infelizmente, bem, é a bala que está a comprimir a espinha. Está a paralisá-lo.

— Era o que ele queria dizer quando afirmou que não se podia mexer?

O Dr. Kern fez um aceno afirmativo.

— É a metade inferior do corpo dele — acrescentou apressadamente. — Claro que pode melhorar dentro de um dia ou dois. Só nos resta esperar.

Emmett Langford saiu do quarto e dirigiu-se à porta da frente. Sage fitou-o interrogadoramente.

— Ele não quer falar comigo?

— Por enquanto, não — Emmett abriu a porta — Pediu-me para mandar entrar o Roy Dorcas.

— O fora-da-lei!

Os olhos de Sage dilataram-se de surpresa. Mas Emmett saiu regressando um momento mais tarde com Dorcas. Este mediu Sage com insolência ao atravessar a sala para entrar no quarto.

Emmett entrou com ele e fechou a porta. Estiveram lá dez minutos com o Dr. Kern a olhar várias vezes para o relógio. Por fim abanou a cabeça.

— Acho que ele agora não deve falar mais. Bateu à porta do quarto, depois entrou. Um momento mais tarde reapareceu com Emmett e Roy Dorcas. Dorcas sorriu afectadamente a Sage e saiu de casa. Emmett preparava-se para o seguir mas Sage fê-lo parar.

— Espera um pouco, Emmett, quero falar contigo.

— Não podes esperar?

— Não.

O Dr. Kern pegou na sua mala.

— Dei-lhe um sedativo portanto vai adormecer de novo. Tenho de ir à cidade buscar alguns medicamentos mas volto dentro de duas ou três horas. Ele não acordará antes disso.

Saiu e Emmett olhou ansiosamente para a porta como se o quisesse seguir. Depois virou-se para Sage.

— Então?

— O que é... que ele disse?

— Nada de importante. Deu só algumas ordens a respeito do rancho.

— Que ordens?

— As coisas do costume.

— Emmett! — exclamou Sage. — Estás a mentir. Ele não precisava de fazer vir o Roy Dorcas ao seu quarto só para dar as ordens habituais do rancho.

Emmett franziu a testa.

— Não sei se te deva dizer, Sage. Quanto menos souberes melhor...

— O que julgas que sou, uma criança? — atalhou Sage. — Tenho direito de saber o que é que se passa. E a verdade é que o pai me falou nisso esta noite. A guerra que se prepara...

— Ele disse-te? Então deve ser-te fácil adivinhar de que é que falámos há minutos atrás.

— Ele não me falou de Dorcas. Emmett teve um pequeno sorriso.

— Dorcas é o nosso trunfo oculto. Ele tem uma dúzia de homens escondidos nos arredores. Esses malditos rancheiros vão sentir a maior surpresa das suas vidas.

— O pai contratou o Dorcas para lutar pelo H-L?

— Porque não? Sage franziu a testa.

— Mas eles são fora-da-lei!

— O que é que tu julgas que é muita dessa gente que Rudabaugh, o Macfadden e o Allison contrataram? Esse Jim Ralls, por exemplo.

— O que é que te faz pensar que ele está com eles? O Ralls quero eu dizer.

— Para nós não trabalha.

— Mas isso não significa necessariamente que esteja do outro lado.

Emmett torceu o nariz enojado.

— Esse tipo de gente está ora de um lado ora do outro. Não fiquei nada impressionado com a luta que consta que ele teve com Ben Rudabaugh ontem à noite. Uma luta com os punhos! A gente da raça do Ralls não luta com os punhos.

— E Sloane?

— Porquê Sloane?

— É um criminoso, não é? E a respeito de Roy Dorcas?

— Onde é que queres chegar, Sage? — exclamou Emmett.

— Quem tem telhados de vidro não deita pedras aos vizinhos. Nós contratámos assassinos?

— Contratámos alguns homens, sim — disse Emmett com irritabilidade. — Para defender os nossos bens. Não fomos nós que começámos esta luta. Não a desejamos. Queremos conservar o que é nosso; eles querem tirar-no-lo. Temos o direito de contratar homens para proteger os nossos bens.

— Não disse que não tivéssemos esse direito. Estava só a referir-me à espécie de homens que contratámos. Assassinos. Não gosto disso. E tenciono dizer ao pai a minha opinião a esse respeito... quando ele se sentir melhor.

— Isso só daqui a muito tempo — Emmett mordeu o lábio inferior. — E será melhor que saibas, Sage, o pai disse que eu é que ficava a dirigir tudo — hesitou. — E não só até ele melhorar.

Foi preciso um momento para que o significado da última observação atingisse bem Sage. Olhou para o irmão com dureza.

— O que é que queres dizer com isso?

— Exactamente aquilo que disse. Se ele... bem, se ele morrer, eu é que passarei a dirigir o rancho

— achou necessário acrescentar. — Muito bem, sei que não sou seu filho, mas isso parece não ter importância para ele.

— Nunca teve — Sage sentiu calor nas faces.

— Nem nunca teve para mim, Emmett. Sempre te considerei como meu irmão.

Emmett franziu a testa. Deu um meio passo na direcção de Sage, depois reconsiderou.

 

Jim Ralls pôs a sua cama de viajem no cavalo de carga, montou no preto e saiu do grupo de choupos onde tinha acampado durante duas noites. Estava com fome e meteu o cavalo num passo rápido que devorou os cinco quilómetros e meio que o separavam da cidade de Meadowlands.

Prendeu os animais junto do Ella's Café e entrou no restaurante. Estavam lá dois ou três clientes, mas Ella Snow veio atendê-lo imediatamente.

— Ontem à noite partiu muito cedo — observou ela.

— Como toda a gente.

Ela fez um pequeno gesto afirmativo.

— Já ouviu as notícias, claro.

— Acerca da luta próxima?

— Bem, sim, mas... a respeito de Harley Langford, queria dizer.

— O quê?

— Dispararam contra ele, ontem à noite, quando ia para casa.

Ralls teve uma exclamação. — E a filha... Sage?

Ella Snow abanou a cabeça.

— Só o pai — olhou muito séria para Ralls. — Você dançou com ela.

— Sabem quem é que disparou contra Langford?

— Segundo corre foi um cavaleiro com máscara. Parece que o Langford está entre a vida e a morte > e que se escapar fica paralisado — hesitou. — Ela é bonita, não é?

— Quem? — Ralls sorriu ao de leve. — Oh, refere-se à Sage Langford?

— Em quem mais é que está a pensar? Ralls sustentou o olhar de Ella.

— Não é para mim, Ella.

Ella começou a polir o balcão com um pano. —Porque não?

— Nunca pensei muito no futuro. A minha mão não pode ser sempre firme e nem sempre se adivinha o que se passa nas nossas costas.

— Pode abandonar essa vida.

— Não posso.

— Porquê?

— Porque... —Ralls hesitou.— Porque não posso.

— Para Oeste há outra colina. Tem de ir ver o que é que há do lado de lá? E quando chegar ao outro lado vê que ainda há outra e tem de ir ver o que há por detrás dessa.

— Não. Nunca tive curiosidade a respeito desses vales do outro lado de lá das colinas. Era capaz de me instalar em qualquer deles e nunca de lá sair. Simplesmente... fiz uma promessa a um homem e não posso parar enquanto não a cumprir.

— Se esse homem não pode ele próprio encarregar-se dessa tarefa, quer dizer que já morreu.

— Morreu para salvar a minha vida.

O xerife Cherry entrou no restaurante e aproximou-se de Ralls.

— Vi os seus cavalos lá fora, Mr. Ralls — disse ele. Remexeu-se inquieto. — Ah, você disse ontem à noite que aparecia esta manhã no tribunal.

— Lá estarei.

O xerife aclarou ruidosamente a garganta.

— O juiz já lá está.

— Ainda não tomei o meu pequeno almoço.

O rosto do xerife ficou rubro. Aparentemente o juiz devia-o ter mandado buscar Ralls mas o seu medo do homem era tão grande que tremia na presença dele.

— Não se importa, de aparecer, sim, depois de ter tomado o pequeno almoço?...

— Muito bem — retorquiu Ralls. — Aparecerei. E assim, meia hora mais tarde, Ralls saiu do

restaurante e atravessou a rua em direcção ao edifício de dois andares que albergava a prisão no rés-do-chão e o tribunal no primeiro andar. Meia dúzia de homens estavam parados diante da porta e o xerife que esperava Ralls junto de uma janela correu pelas escadas abaixo.

— Estamos à sua espera, Ralls.

Ralls subiu as escadas e entrou na sala de audiências, que continha algumas cadeiras e uma mesa, num extremo, atrás da qual estava sentado o juiz Gordon. Havia meia dúzia de homens na sala, mas Ralls não reconheceu nenhum.

O juiz fitou Ralls com ar carregado.

— Já estava mesmo para o mandar buscar.

— Eu tinha dito que vinha.

O juiz Gordon apontou para a arma suspensa do coldre de Ralls.

— Estamos numa sala de tribunal. Não pode usar armas aqui.

Ralls fez um gesto de impaciência.

— Vamos ao que interessa.

— Terá de entregar essa arma antes de prosseguirmos.

— E deixar que alguém me dê um tiro quando partir?

— Ser-lhe-á restituída... se partir.

Ralls olhou para o círculo de rostos hostis e hesitou, mas acabou por entregar a arma ao xerife Cherry.

Teve um sorriso de esguelha quando o xerife examinou a coronha da arma para contar os entalhes e não encontrou nenhum.

O juiz bateu na mesa com um pequeno martelo de madeira.

— Ordem na sala. Caso de um Jim Ralls. Xerife, qual é a acusação?

— O juiz sabe muito bem o que é — disse o xerife Cherry. — O senhor é que passou a ordem de prisão.

O juiz carregou o sobrolho.

— Jim Ralls, você é acusado de assassinar Kirby Jenkins. Declara-se culpado ou não culpado?

— Não culpado, por motivo de defesa própria — disse Ralls.

O juiz Gordon olhou à sua volta.

— Harley Langford que fez a acusação, não pôde comparecer aqui, mas encontra-se cá o seu capataz, Reb Jenkins?

— Ele devia cá estar? — perguntou ingenuamente o xerife.

— Que diabo, está claro que sim — lançou o juiz. Depois viu Fred Anson e apontou o martelinho para ele. — Você, Anson, não foi testemunha da morte de Kirby Jenkins?

Anson olhou pouco à-vontade para Jim Ralls.

— Eu... parece-me que sim.

— O que é que quer dizer com parece-lhe? — perguntou o juiz. — Estava lá ou não?

— Sim.

— Sim o quê?

— Sim, estava lá.

— Muito bem, então conte ao tribunal aquilo que se passou exactamente.

Anson contorceu o rosto.

— Quer dizer tudo, também a respeito do Ellis?

— O que é que o Ellis tem a ver com isto?

— Foi por causa do enforcamento dele que a luta começou.

O juiz fez uma careta.

— Confine o seu testemunho ao crime em questão.

— Qual crime? — interveio Ralls. — A tentativa de enforcamento de Ellis?

O juiz bateu com o martelo na mesa.

— O arguido que se conserve calado — fez um aceno a Anson. — Continue.

Les Cagle entrou e tomou um lugar ao fundo da sala. Ao encarar com Ralls fez-lhe um aceno de cabeça simpático.

Fred Anson aclarou a garganta.

— Não há muito mais a contar. Ralls disse que nós, isto é, que eles não podiam enforcar o Ellis e puxaram das armas.

— Espere um minuto, Anson — disse o juiz, — Já lhe disse há pouco para se limitar ao crime em questão. Agora pense bem antes de responder a esta pergunta. Quem é que puxou primeiro da arma, Kirby Jenkins ou o arguido?

Fred Anson olhou para Jim Ralls, depois voltou o rosto para o juiz.

— Toda a gente puxou mais ou menos ao mesmo tempo, mas Ralls bateu-nos.

— Eu disse para pensar bem antes de responder — insistiu o juiz. — Foi Kirby Jenkins que puxou primeiro ou Ralls, o arguido?

— Não — disse Anson.

— Não o quê? — gritou o juiz.

— Se houve alguém que puxou primeiro da arma foi Reb. Kirby tinha a corda nas mãos. Talvez tenha sido o primeiro a puxar mas por causa da corda, Reb fê-lo antes dele, parece-me.

— Pela última vez, Anson — esganiçou-se o juiz Gordon. — Foi Ralls ou não o primeiro a puxar pela arma?

— Acabei de lhe dizer — replicou Anson. — Reb disse que era tão fácil enforcar um como dois e depois...

— Basta!—berrou o juiz Gordon. — É óbvio que a testemunha está demasiado confusa ou é demasiado estúpida para poder depor de maneira inteligente. À falta de testemunhas competentes, não tenho outra alternativa senão...

— Só um instante, juiz — exclamou Les Cagle. — É verdade que Harley Langford não está em estado de comparecer neste tribunal para testemunhar, mas existe o problema da sua agressão.

— O que é que isso tem a ver com o caso?

— Imenso. Ralls sabia que Langford tinha feito a queixa contra ele; falaram nisso no baile ontem à noite. Depois Langford partiu a caminho de casa. Pelo menos vinte pessoas viram-no partir e depois Ralls montar logo a seguir a ele.

Ralls fitou Cagle espantado. O proprietário do bar teve um pequeno sorriso. Disse em voz baixa:

— Eu disse-lhe que não podia haver neutros.

— Você está a fazer uma grave acusação contra Ralls, Cagle — observou o juiz Gordon.

Cagle fez um gesto que abrangia toda a gente da sala.

— Praticamente todos os que aqui estão me podem apoiar.

O juiz acenou afirmativamente.

— Eu também — tossiu. — O caso contra Ralls pelo assassínio de Kirby Jenkins não se pode concluir por falta de testemunhas. Mas não há dúvida de que existe outra forte acusação contra ele, neste assunto de Langford. Não vejo outra coisa a fazer senão entregar o preso à guarda do xerife, para que fique detido até os casos serem investigados com mais pormenor.

Ralls deu um passo em frente.

— Não me pode prender.

O juiz bateu na mesa com o martelo.

— Isso é desrespeito pelo tribunal.

Ralls moveu-se lateralmente, em direcção ao xerife que guardava a sua arma, mas Les Cagle interpôs-se entre os dois, com os dedos da mão direita a tocarem na lapela do casaco.

— Pare, Ralls! — ordenou com secura.

O xerife Cherry apontou a arma de Ralls para ele próprio, mas a sua mão estava pouco firme.

— Está sob prisão — disse com uma ligeira tremura na voz.

Ralls não deu atenção ao xerife, mas os seus olhos mantiveram-se na mão de Cagle. O dono do bar tinha uma arma no coldre de ombro. Ralls cometera um erro; entregara a sua arma.

— Parece-me que desta vez perdi — disse ele.

— E julga que terá outra oportunidade? — perguntou sardònicamente Cagle.

O juiz Gordon pôs-se de pé e aproximou-se

deles.

— Leve-o — disse ao xerife. — E não se arrisque com ele. É um homem desesperado.

O xerife sabia-o bem e não gostava nada da tarefa, mas toda a sala o fitava, por isso recompôs-se e brandiu a arma de Ralls.

— Muito bem, prisioneiro, vamos lá.

Ralls aproximou-se dele e o xerife desviou-se rapidamente. Ralls saiu da sala e desceu as escadas com o xerife, Cagle e muitos outros atrás.

 

O gabinete do xerife e a prisão ocupavam o rés-do-chão do edifício. O gabinete era um pequeno compartimento contendo uma secretária e duas cadeiras. Uma porta desta sala dava para a secção prisional, que consistia simplesmente num corredor estreito e duas celas com grades de ferro.

Uma das celas estava ocupada por um vagabundo de meia idade. A porta da outra estava aberta e Ralls foi dirigido para dentro. O xerife atirou com a porta, fechou-a à chave e respirou fundo.

— Parece-me que isto o vai conter durante algum tempo, Senhor Mau!

Ralls sorriu da bravata súbita do homem. Olhou para o catre sobre o qual se achava um velho cobertor roído pelas traças. Depois do xerife sair e fechar a porta que conduzia ao gabinete, Ralls sentou-se no catre e olhou através das grades para o homem que ocupava a cela ao lado.

O velho sorriu.

— Bem-vindo à nossa cadeiazinha, vizinho. O meu nome é Jake Banner. Isto é, aqui em Utah. Lá no Texas tenho outra mas não digo qual.

Ralls olhou com enfado para o falador, mas não fez nenhuma observação. Banner aproximou-se das grades que o separavam de Ralls.

— Anime-se, camarada. A comida não é má de todo e vêm trazê-la três vezes por dia.

— Preferia ter de ser eu próprio a arranjá-la — retorquiu Ralls.

— Sim, mas teria de pagar por ela — o outro prisioneiro piscou o olho. — É a terceira vez que cá estou este ano. Vão-me mandar embora amanhã, mas não conseguirão manter-me muito tempo lá por fora — resmungou. — Sabe o que é que eu faço lá fora? Varro, esfrego soalhos, lavo pratos, onze a doze horas por dia. Para poder comer e ficar com uns cobres que gasto em uísque. Estúpido, não é? Aqui tenho comida e não preciso de dinheiro porque não posso beber. E estou todo o dia deitado a pensar.

— Em que é que pensa?

— Em tudo. Naquilo que está errado nos outros, coisas assim. — Olhou com ar astucioso para Ralls. — Porque é que o meteram cá?

— Por crime.

O homem da cela ao lado deu um pequeno assobio.

— Crime! Isso é mau.

— Não há nada pior do que um crime.

— Não há dúvida. Ah, têm uma queixa contra si?

— Suficientemente forte para me enforcarem... se não conseguir sair daqui.

— Está a pensar em fugir? — Ralls abanou a cabeça e Jake Banner prosseguiu:—Porque se está, é coisa que se pode fazer.

— Como?

— É uma das coisas em que tenho pensado enquanto p'ra 'qui estou. Claro que no meu caso não se trata de fuga, compreende. O meu problema é como continuar cá dentro; mas só para o caso de um homem querer fugir...

— Acabe, homem!

— É quando o xerife vem trazer a comida. Vem num tabuleiro e não há nenhum buraco para a passar através das grades. Ele é muito desconfiado e pousa o tabuleiro no chão lá fora, e depois destranca a porta. A seguir escancara a porta e empurra o tabuleiro sempre com os olhos postos em cima da gente segurando a arma na outra mão.

Ralls franziu a testa.

— Se ele é assim cuidadoso não vejo como possa haver uma oportunidade.

Jake Banner fez um grande sorriso.

— Isso é porque você ainda não teve tempo para pensar no assunto como eu. Olhe, ele abriu a porta e está a empurrar o tabuleiro através da porta, da sua porta, percebe, e nessa altura eu dou um grande berro. Nenhum homem do mundo pode deixar de olhar ao ouvir um berro desses. É nesse momento que você pode agir.

Ralls examinou a porta e por fim abanou a cabeça.

— Ele só desviará os olhos durante uma fracção de segundo e tenho a certeza de que não abre a porta desta cela a não ser que eu esteja mesmo no fundo. Não tenho tempo suficiente para atravessar a cela, passar pela porta e deitar mão à arma dele antes que ele volte a olhar...

— Olhe outra vez para a porta! — instou o homem da cela vizinha. — Ela abre para fora. Você dá um salto desde o fundo da cela. Muito bem, ele ouve-o mas está por detrás da porta de ferro, percebe? Você dá um salto, dá um tremendo pontapé na porta... e a porta faz o resto. Compreendeu?

Ralls aproximou-se rapidamente da porta com os olhos a brilharem. Olhou para ela, depois recuou para o fundo da cela. Daí deu um salto em frente, lançando o pé direito. Este embateu no aço da porta gradeada. Fez um aceno de satisfação.

— Resulta, veterano — olhou pensativamente através das grades para o companheiro de prisão. — E você?

O velho deu uma risada.

— Tenho alguma culpa se me der uma súbita dor de estômago?

— Eles não acreditarão.

— E o que é que me podem fazer? Deixar-me ficar mais trinta dias na prisão? É isso mesmo que eu quero.

 

Harley Langford dormiu durante o dia inteiro, mas Sage, embora tivesse passado a noite em claro, não conseguiu conciliar o sono. Esteve toda a manhã em casa espreitando constantemente para dentro do quarto do pai.. Tomou uma pequena refeição ao meio-dia, depois, sentindo necessidade de ar, saiu e dirigiu-se aos estábulos.

Sam Sloane materializou-se do lado das camaratas.

— O patrão 'tá bom? — perguntou com suavidade.

— Dorme ainda. Pode-me selar o meu cavalo? Sam Sloane torceu os lábios.

— Não está a pensar ir até à cidade, não? Sage olhou-o com frieza.

— Porquê?

— Nenhuma razão, simplesmente, bem... Não me parece que seja uma boa ideia.

— Porquê?

— Eles não haviam de querer que fosse.

— Quem é que não havia de querer?

Sloane fez uma careta.

— O miúdo, suponho.

— Emmett?

— Sim.

Sage olhou demoradamente para o pistoleiro.

— Quero o meu cavalo.

Sloane girou sobre os calcanhares e afastou-se mas não na direcção dos estábulos. Entrou na camarata mais próxima.

Aborrecida, Sage foi procurar o seu selim. Pegou nele e estava a levá-lo para o estábulo quando apareceu Reb Jenkins a correr.

— Onde é que julga que vai, Sage? — perguntou ele.

— Vou dar uma volta, se é que você tem alguma coisa com isso.

Reb corou.

— Talvez eu não tenha nada com isso, mas acho que hoje não devia sair a cavalo.

— Pode dar-me uma boa razão para isso?

— Talvez seja pouco aconselhável.

Desta vez, irritada, Sage continuou o seu caminho. Reb seguiu-a até ao interior do estábulo.

— Eles disseram que não devia sair de cá.

— Quem disse?

— Emmett.

— Emmett não são eles.

— Muito bem, Emmett e... e... o novo capataz. Sage parou e olhou com dureza para Reb.

— Qual novo capataz?

— Roy Dorcas — disse Reb despeitado. — Ele agora é que dirige as coisas.

— Quem é que lhe deu ordens nesse sentido?

— O seu irmão. Sage fitou-o atónita.

— Emmett nomeou um fora-da-lei capataz deste rancho?

— Parece que sim.

Sage com um movimento rápido deitou o selim por cima do seu cavalo. Começou a atar as correias, deixando que parte da sua fúria se esgotasse através daquele esforço físico.

Quando acabou de selar o animal, conduziu-o até ao portão, abriu-o, montou e principiou a afastar-se. Reb Jenkins aproximou-se do portão.

— Vou dar uma volta — disse ela com frieza. — Se quiser pode dizer ao meu irmão e ao novo capataz.

— Diga-lhes você — rosnou Reb. — E não experimente tratar-me com essa importância e altivez toda. Quando tudo isto acabar ainda cá estarei.

Fez um gesto na direcção da cabeça do cavalo, com o intuito de agarrar as rédeas, mas Sage desviou o cavalo e meteu-o a um galope rápido que a levou para longe dos edifícios do rancho.

Manteve o cavalo a galope até alcançar uma elevação a cerca de oitocentos metros dos edifícios onde parou para olhar para trás.

Teve uma exclamação quando viu um cavalo sair do portão a galope, avançando na sua direcção.

Voltou o cavalo para norte e deu-lhe toda a rédea. Mas quando olhou por cima do ombro viu que o cavaleiro do rancho cortara em diagonal e estava a menos de quatrocentos metros, aproximando-se rapidamente.

Furiosa, Sage voltou de novo, dirigindo-se desta vez para um grupo de choupos. O cavalo meteu pelo meio deles, e, após um momento, quando se considerou fora da vista, Sage voltou bruscamente o cavalo e voltou para trás na direcção do ponto por onde tinha entrado.

Antes de chegar à clareira, contudo, parou e espreitando através das árvores distinguiu o seu perseguidor a contornar o choupal. Era Sam Sloane. Sage esperou um momento até calcular que Sloane tivesse contornado completamente as árvores, e avançou para a elevação que tinha abandonado ainda há pouco. Mas quando chegou desta vez ao cume prosseguiu caminho.

Dez minutos mais tarde parou a montada e olhou à sua volta. Perdera de vista Sam Sloane. Deixou o cavalo descansar um minuto ou dois," depois recomeçou a andar num passo menos rápido.

Percorreu três ou quatro quilómetros, passando pelas manadas de «Herefords». Sage crescera sempre com gado à vista e a ausência dele é que seria de admirar por isso prestou pouca atenção aos animais. Mas depois de passar por várias manadas, qualquer coisa começou a ferir-lhe o subconsciente e fez parar o cavalo, observando uma pequena manada de novilhos.

Precisou de vários segundos para perceber o que é que lhe tinha chamado a atenção. Os animais não pastavam. Estavam nervosos e deslocavam-se todos na mesma direcção, para leste. Sage ficou a olhá-los durante um bocado e percebeu que, a manada tinha vindo em debandada. Aproximou-se dos animais e viu que tinham os flancos cobertos de transpiração.

Sage olhou para oeste onde o Vale da Ferradura, a alguns quilómetros de distância, abria num vasto planalto de terras desertas. Nessa direcção viviam os outros rancheiros: Rudabaugh, Allison, Macfadden, Ellis... Não, as instalações de Ellis tinham ardido e o próprio Ellis parecia ter desaparecido.

Enquanto olhava surgiu um grupo de cavaleiros. Sage observou-os durante um momento, depois voltou o cavalo e retomou a direcção de onde tinha vindo. Seguia num passo calmo mas, subitamente, ouvindo o ruido de cascos, olhou por cima do ombro. Os cavaleiros, uns cinco ou seis, vinham no seu encalço.

Sage, alarmada de súbito, meteu o animal a galope. Tinha puxado bastante pelo animal e ele já não conseguiu dar a mesma velocidade que meia hora atrás. Por cima do ombro constatou que os cavaleiros estavam a ganhar terreno.

Um pouco para a esquerda ficava um maciço de árvores. Sage esporeou o cavalo nessa direcção, esperando poder aí escapar aos seus perseguidores. Tinha percorrido menos de metade da distância, quando um enorme cavalo se lhe atravessou no caminho. Vendo que era inútil continuar a fugir, Sage parou o cavalo. O homem do cavalo aproximou-se dela e quase ao mesmo tempo os que vinham atrás de si.

Eram ao todo cinco homens, por barbear e sujos. Todos desconhecidos de Sage.

— Que vem a ser isto? — gritou ela.

— Um lindo animal — observou um dos homens. Mas estava a fitar Sage em vez da montada.

— Sim — retorquiu um dos outros. — Nunca pensei encontrar uma coisa destas à solta por estes sítios.

— Talvez lhe interesse saber que estou nas propriedades do meu pai — disse Sage com frieza.

— Ah, sim? — disse com voz trocista um dos homens. — Não me vai dizer que Harley Langford é o seu pai.

— É — replicou Sage. — Eu sou Sage Langford. Os homens trocaram olhares rápidos. Depois um deles disse:

— Se é filha de Langford o que é que anda a fazer por aqui?

— Vim dar uma volta. Faço-o todos os dias. Um dos homens disse subitamente:

— Ela está a mentir. Não havia de andar por aqui assim com o Langford a morrer em casa.

— Tens razão, Bernie — disse um dos outros. — E de qualquer modo não nos podemos arriscar.

Fez avançar o seu cavalo na direcção de Sage, mas quando chegou junto dela, Sage fustigou a mão que se estendia com o seu chicote de montar e enterrando os calcanhares nos flancos do cavalo, lançou o animal para a frente, direita aos outros homens.

Normalmente, o grupo ter-se-ia desfeito diante de um cavalo que investe; isto é, homens normais! tê-lo-iam feito, mas estes não eram homens vulgares. Em vez de se afastarem, seguraram firmemente os seus cavalos e a montada de Sage colidiu com um enorme cavalo negro e um braço forte agarrou em Sage e arrancou-a do selim.

 

A porta que dava para o gabinete do xerife, no corredor da prisão, abriu-se e o xerife Cherry entrou de costas transportando um tabuleiro em cada mão com certa dificuldade.

Deixou a porta fechar-se sozinha e voltou-se.

— Jantar — anunciou ele.

Tanto Jake Banner como Jim Ralls ergueram-se dos seus catres nas respectivas celas.

— Não me diga, xerife — observou Banner com vivacidade. — Bifes e batatas fritas! E café — riu. — É sempre a mesma coisa.

O xerife resmungou. Tinha chegado junto da cela de Ralls e, baixando-se, pousou o tabuleiro no chão. Dirigiu-se com o outro à cela de Banner, pousou o tabuleiro no chão, tirou uma grande chave do bolso e abriu a porta. Recuou rapidamente, baixando a mão até à coronha da arma e empurrando a porta da cela com a mão esquerda. Nessa posição, observando Banner com todo o cuidado, usou o pé para empurrar o tabuleiro alguns centímetros para o interior da cela. No momento em que o tabuleiro ficou longe da porta, puxou por esta e fechou-a à chave.

Banner pegou no tabuleiro e levou-o até ao catre enquanto Cherry se aproximava da cela de Ralls.

O xerife meteu a chave na fechadura e reparou que Ralls estava de pé no meio da cela.

— Vá lá para trás — ordenou ele.

Ralls recuou com naturalidade até junto da cama, sentou-se mas com os pés firmemente apoiados no chão. O xerife fez girar a fechadura, tirou a arma completamente do coldre e começou a empurrar a porta.

Nesse instante Jake Banner deu um berro de raiva fingida.

A cabeça do xerife desviou-se instintivamente e Ralls mergulhou para a porta. Pelo canto do olho Cherry viu-o vir. Esboçou-se um grito na sua garganta. Girou... e o corpo de Ralls embateu na porta gradeada que o xerife segurava com a mão esquerda.

A força com que Ralls se arremessou contra a porta foi tão grande que esta lançou o xerife para o outro lado do corredor fazendo-o embater na parede com um baque surdo. Resvalou depois para o chão.

Da cela de Banner veio um pequeno assobio. Ralls, saindo para o corredor, deitou um olhar rápido a Banner. Depois abaixou-se e pegou na arma do xerife.

Um fio de sangue escorria de um dos lados do rosto do xerife de um ferimento provocado pelo impacto da porta da cela contra a sua cara.

Ralls voltou-se para Banner.

— Então, veterano? Não quer vir?

— Não, não — replicou o outro. — Gosto de cá estar.

— Bem, então adeus e obrigado.

Ralls dirigiu-se à porta que conduzia ao gabinete do xerife, abriu-a e saiu. Sobre a secretária descobriu a sua arma e pegou-lhe. Examinou-a, verificou que estava carregada e meteu-a no coldre.

Deixou a do xerife Cherry em cima da secretária.

Ia a caminhar para a porta da rua quando esta foi aberta do exterior. Parou e entrou Les Cagle.

O dono do bar exclamou:

— Maldito seja!

— Experimente agora o seu coldre de ombro — disse Ralls.

Cagle abanou a cabeça. Tinha o rosto um pouco mais pálido que de costume.

— Não me apetece — disse.

— Então volte-se — ordenou Ralls. Cagle hesitou.

— Pelas costas?

— Não era isso que merecia depois do que me fez a mim?

Um esgar deformou a boca de Cagle. Ergueu lentamente as mãos até à altura dos ombros.

— Duvido que Jim Ralls disparasse contra um homem com as mãos no ar.

— Volte-se — repetiu Ralls.

Cagle obedeceu e Ralls aproximou-se dele. Enfiando a sua arma nas costas de Cagle, meteu a mão debaixo do casaco de Cagle e tirou-lhe a arma, de cano curto e seis tiros. Olhou para ela e, resmungando meteu-a no cinto.

— Esta manhã cometi um erro, Cagle — disse — Entreguei a minha arma. Passe a palavra, se faz favor, de que nunca mais a entregarei... seja a quem for.

— Você está arranjado, Ralls — disse Cagle numa voz inexpressiva. — A gente do Langford julga que foi você que disparou contra ele...

— Você é que lhes sugeriu a ideia.

— Muito bem, mas eles estão convencidos disso. Tem o H-L contra si assim como nós.

Ralls empurrou Cagle para longe da porta. Abriu-a e ia sair quando Cagle acrescentou:

— E também Rance Martindale.

Ralls parou, ia voltar ao gabinete do xerife quando soou um grito na rua.

— Ralls! O Ralls fugiu da cadeia!

Ralls deitou um olhar na direcção do grito e viu um homem a correr para uma loja. Praguejou em voz baixa e bateu com força a porta do xerife. Do outro lado da rua, em frente do restaurante de Ella Snow, encontravam-se os seus cavalos.

Começou a correr. Meia dúzia de pessoas, ao vê-lo, precipitaram-se para as portas.

Estava a aproximar-se dos seus cavalos quando a porta do restaurante se abriu. Apareceu Ella Snow muito pálida.

Ralls alcançou os cavalos, soltou-os e estava a preparar-se para montar quando Cagle apareceu à porta do escritório do xerife, diagonalmente do outro lado da rua. Tinha uma espingarda nas mãos.

Ralls, no acto de montar, não viu Cagle. Mas Ella viu-o e gritou:

— Cuidado, Jim!

Ralls lançou-se para o chão no instante em que Cagle disparou. A distância era bastante grande, mas mesmo assim o disparo podia ter causado estragos pois tinha sido apontado para cima. Ralls puxou do seu «Colt» e disparou um tiro para o outro lado da rua que se enterrou na porta ao lado de Cagle e o obrigou a dar um salto para dentro.

Ralls dirigiu um rápido sorriso de agradecimento a Ella Snow, depois voltou o cavalo para a rua, metendo-o a galope. Ao passar pelo escritório do xerife disparou outra bala para a porta para conservar o Cagle lá dentro.

Atrás, o cavalo de carga galopava com à-vontade mas conservando sempre a mesma distância.

Não foram disparados mais tiros na direcção de Ralls e depois de passar pela última casa de Meadowlands, parou e olhou por cima do ombro. Ninguém vinha atrás dele.

Levaria tempo a organizar um destacamento e este não partiria de boa vontade.

Continuou, seguindo a estrada que partia de Meadowlands. Percorreu num trote rápido alguns quilómetros, depois afrouxou a velocidade do cavalo e começou a examinar o terreno de cada lado da estrada. Ao fim de um bocado viu o sítio onde uma carruagem tinha dado a volta na estrada e, adivinhando o motivo de tal, deu meia volta e seguiu alguns metros, examinando atentamente a estrada. Depois descobriu aquilo que procurava, parou e desmontou.

Fora ali que Harley Langford levara o tiro na véspera à noite. A prova da emboscada era evidente; erva pisada, pegadas de pequenos sapatos e uma quantidade de sangue meio seco.

Agachado, Ralls observou tudo aquilo. Depois voltou-se lentamente e começou a examinar o terreno do outro lado da estrada. Havia uma pequena elevação a cerca de trezentos metros da estrada, com bastante vegetação. O homem que preparara a emboscada ocultara-se ali sem dúvida nenhuma.

Ralls endireitou-se e aproximou-se do seu cavalo. Quando ia a meter o pé no estribo, ficou subitamente petrificado. Da pequena elevação de terreno descia um cavalo. Sobre ele um homem com uma máscara e uma espingarda já apontada para Ralls.

Ralls atirou-se freneticamente para trás. A espingarda troou e à frente de Ralls o cavalo preto relinchou e cambaleou. Ralls teve de dar um salto para trás para não ser esmagado pelo cavalo na sua queda.

Mas nessa altura já tinha puxado da sua arma e disparava na direcção do cavaleiro da máscara. A distância era demasiado grande para tiro de revólver e em especial com o outro a afastar-se já a galope no seu cavalo, mas Ralls disparou três tiros na sua direcção.

Voltou-se então para o seu cavalo. O fiel velho animal estava prostrado, debatendo-se fracamente. A ferida era mortal, Ralls percebeu-o logo, e sentiu uma raiva fria. Aquele animal servira-o fielmente durante doze anos... transportara-o através dos horrores de Gettysburg, Cold Harbor, Yellow Tavern... a milhares de quilómetros do Oeste. Passara muitas vezes sem água nem comida, sofrera a queimadura abrasadora do Sol do deserto e atravessara as montanhas cobertas de neve.

Há dois anos, Ralls comprara o cavalo que lhe servia de cavalo de carga, um animal agora com cinco anos, capaz de passar à frente do outro; um cavalo com bons antecedentes. Ralls usara-o como cavalo de carga por causa da sua amizade ao velho preto. O cavalo mais novo aprendera muito com o outro animal e estava pronto a assumir os seus deveres em qualquer altura. Simplesmente Ralls nunca tivera coragem para o fazer antes. Mas agora tinha chegado a ocasião.

Engolindo com esforço, Ralls apontou a arma que empunhava à cabeça do velho cavalo e, pela primeira vez na sua vida, fechou os olhos ao puxar o gatilho. Quando os abriu o animal estava morto. Rapidamente, então, Ralls tirou o selim ao cavalo morto. Arrancou a sela de carga ao animal mais novo, largando tudo, com excepção da cama de viagem, na berma da estrada. Depois selou-o, prendeu a cama de viagem atrás e montou. Toda aquela operação não demorou mais do que cinco minutos, mas entretanto o homem que lhe matara a montada tinha desaparecido da vista.

O antigo cavalo de carga partiu num passo que surpreendeu o próprio Ralls que conhecia as capacidades do animal. Primeiro pela estrada fora, depois através dos campos em direcção a um grupo de choupos onde Ralls tinha visto o outro cavaleiro desaparecer. Ralls contornou o pequeno choupal sem diminuir a velocidade, subiu uma encosta e, ao longe, a mais de dois quilómetros, distinguiu um cavalo.

— Muito bem — disse ele em voz alta. — Agora é que vamos ver.

Incitou ligeiramente o rápido animal que respondeu com extraordinário ímpeto. Uns minutos mais tarde o cavalo que seguia à frente passou a ser um cavalo e um cavaleiro e Ralls calculou que a distância entre eles devia ser de um quilómetro.

Foi cavalgando, ligeiramente inclinado para a frente. O cavalo galopava com facilidade, embora já tivesse percorrido quase quatro quilómetros naquele passo. Estava em boas condições para uma distância muito maior e talvez mesmo para uma breve carga no fim.

Durante dois ou três minutos a distância entre Ralls e o outro cavaleiro não diminuiu e Ralls percebeu que tinha sido visto. O fugitivo chicoteava o seu cavalo.

Ralls, olhando em frente viu que o terreno se tinha tornado mais plano. Durante vários quilómetros manteve-se plano como um campo de corridas e sem os grupos de choupos que salpicavam o Vale da Ferradura. O homem que ia à frente tinha de dar o máximo. Era cavalo contra cavalo.

O homem foi-se tornando a pouco e pouco maior e Ralls verificou que possuía a melhor montada. E talvez também o cavalo mais fresco, pois o animal tinha descansado bastante toda a manhã numa rua de Meadowlands, enquanto o cavalo que ia à frente devia já ter percorrido vários quilómetros antes do seu cavaleiro ter arriscado aquele tiro contra Ralls.

A distância tornou-se inferior a oitocentos metros, depois quinhentos e depois trezentos. Durante alguns momentos, então, a distância não diminuiu e Ralls pensou que o homem devia estar a obrigar o animal a um último esforço desesperado.

Seguiam agora direitos ao Vale da Ferradura, a quatrocentos metros da orla norte da montanha. O fugitivo podia ter-se dirigido para esse lado mas sem dúvida que teve medo. Por fim, contudo, teve menos medo dela do que do seu perseguidor e esporeou violentamente o cavalo dirigindo-se direito à montanha.

Ralls voltou o seu cavalo e disse-lhe «Agora é que é» e deu uma palmada no flanco do animal. A mudança de rumo concedera uma vantagem a Ralls. O cavaleiro da frente tinha um avanço de trezentos metros antes de voltar bruscamente para a esquerda. Mas Ralls, quando voltou, pôde dirigir-se diagonalmente para ele e para a montanha. A distância reduziu-se consideràvelmente e Ralls meteu o cavalo a um galope doido que devorou a distância entre ele e o homem.

Ralls foi-se aproximando rapidamente e, enquanto observava o cavaleiro e a montada à frente, viu que o cavalo principiava a raspar o solo e a diminuir a marcha. Dependia tudo de ele conseguir aguentar a última arremetida até à montanha. Mas não conseguiu. A duzentos metros do cimo o cavalo tombou para o lado. O cavaleiro ficou estendido no chão. Ralls, nessa altura a menos de duzentos metros, puxou o cavalo para a direita ao ver o cavaleiro correr para o cavalo e remexer no selim. Apareceu-lhe uma espingarda nas mãos, soou um tiro e o esgotado animal morreu. O criminoso deixou-se cair atrás dele para o usar como escudo.

Ralls puxou da sua arma, curvou-se sobre o selim e principiou a contornar o cavalo morto e o homem. Uma bala zumbiu por cima da sua cabeça. Depois outra.

Ralls voltou o seu cavalo para a esquerda, lançou-o pela encosta acima e, daí a cinquenta metros voltou de novo para a esquerda.

O adversário de Ralls estava desprotegido; mas continuava a ser espingarda contra revólver, a mais de duzentos metros. Ralls dirigiu-se directamente ao homem, contudo, disparando enquanto avançava.

O homem no chão pôs-se em pé dum salto, começou a passar por cima da cabeça do cavalo para o outro lado deste, depois, de repente, perdeu a coragem e atirou a espingarda.

— Não dispare!—berrou ele. — Eu rendo-me!

A cobardia do homem surpreendeu Ralls. Aproximou-se a galope e desmontou. Reconheceu então o homem que tinha tentado matá-lo.

Era o jovem Emmett Langford.

 

— Ralls — disse o rapaz com voz velada — não dispare. Eu... eu desisto.

— Matou o meu cavalo — disse Ralls enfurecido. — E tentou matar-me a mim.

— Eu... eu sei —gaguejou Emmett.— Mas eu... eu julguei que era outra pessoa. O... o homem que disparou ontem à noite contra o meu pai.

Ralls aproximou-se do jovem pistoleiro, estendeu a mão e tirou-lhe o revólver do coldre. Com irritação atirou a arma para longe e depois guardou a sua.

— Está a mentir — declarou.

— Não estou — gritou Emmett. — Fui ao sítio onde o pai foi ferido para... para tentar descobrir uma pista.

— E precisava de pôr máscara para fazer isso? Emmett engoliu em seco.

— Era só um lenço.

— Para que é que queria esconder a cara? — Ralls esperou que Emmett respondesse e como ele não o fizesse prosseguiu. — Sabe o que é que eu penso? Foi você mesmo que disparou contra o seu pai...

— Oh, não! — gritou Emmett, com uma expressão de terror no rosto.

Ralls deu um passo em frente e pegou no braço do rapaz.

— Porquê?

— Não fui eu — urrou Emmett. — Não disparei contra ele!

Ralls abanou Emmett com uma mão e com a outra esbofeteou-o com força.

— Diga a verdade — ordenou com fúria. — Porque é que disparou contra ele?

Subitamente o corpo magro de Emmett foi todo : sacudido por soluços. Corriam-lhe lágrimas pela cara abaixo e chorava como uma criança de quatro anos. Ralls afastou-o enojado-.

E então pela primeira vez na sua vida Ralls foi apanhado de surpresa. Tinha estado tão embrenhado a arrancar a verdade a Emmett e julgara-se completamente só com o outro, em campo descoberto, que não prestara atenção àquilo-que o rodeava, por isso não vira os três homens que desciam a encosta, menos de trezentos metros atrás dele e se foram aproximando.

Só deu pela presença deles quando uma voz gritou:

— Não puxe da arma!

Ralls retesou-se. O seu instinto aconselhava-o a puxar da arma, girar e disparar, sabendo que apanharia uma bala para poder disparar uma, mas pesou as possibilidades e verificou que eram esmagadoramente contra ele.

Emmett Langford, com as lágrimas ainda a correrem-lhe pelo rosto, deu um salto para trás.

— Dorcas! — grasnou ele. — Roy Dorcas!

— Tirem-lhe a arma — ordenou uma voz atrás de Ralls.

Emmett Langford preparou-se para tirar a arma de Ralls, mas encontrou os olhos dele e hesitou.

— É... é Jim Ralls...

— Ralls! —disse a voz áspera de Roy Dorcas.

— Muito bem, muito bem!...

Aproximou-se pelo lado direito de Ralls e voltou o cavalo. Os seus dois homens conservaram-se atrás, um de cada lado, flanqueando Ralls.

— Ralls — repetiu Dorcas — apanhado por uma unha negra — fez sinal a um dos homens. Ralls ouviu o homem desmontar e aproximar-se dele. Retesou-se um momento e pensou se conseguiria dominar-se.

A emergência passou rapidamente. Uma mão retirou o revólver do seu coldre e Ralls ficou à mercê dos fora-da-lei. Dorcas aproximou-se então, rindo maldosamente.

— Não o apanhei em Cheyenne quando andavam a construir o caminho de ferro — disse ele.

— E ainda falavam de si em Green River quando lá estive há três ou quatro anos.

— Preferia que se tivesse desencontrado comigo desta vez também — replicou Ralls com frieza.

— Oh, não duvido — disse Dorcas. — Eu não sou lutador de homem-para-homem como esses loucos que o têm desafiado. Se ainda estou vivo é porque tenho os meus homens e os deixo fazer esse trabalho — abanou a cabeça. — Que pena, um homem como você tinha-me feito arranjo.

— Eu encarrego-me dele, Dorcas! — gritou subitamente Emmett Langford. Começou a procurar a sua arma pelo chão para onde Ralls a atirara minutos atrás.

Dorcas deu uma gargalhada.

— Não estavas assim com tanta coragem há bocado...

Emmett viu a sua arma a uns nove ou dez metros de distância. Correu para ela, apanhou-a, voltou e avançou com ar ameaçador direito a Jim Ralls.

— Então, Senhor Mau — gritou ele — vamos lá vê-lo a suplicar um pouco.

Ralls olhou para Emmett por debaixo das sobrancelhas.

Esta podia ser a situação mais perigosa de toda a sua vida. Tinham-lhe tirado a arma, estava em poder de um cruel fora-da-lei e de um garoto louco por matar que avançava para ele com uma arma na mão. No entanto não havia nada que Ralls pudesse fazer para melhorar as coisas. Conservou-se imóvel e Emmett foi-se aproximando dele.

— De joelhos — guinchou Emmett. — Ajoelhe-se e implore-me que lhe poupe a vida — brandiu a arma e de repente disparou uma bala que passou a poucos centímetros da cabeça de Ralls.

— Falo a sério! Vou matá-lo, em qualquer dos casos, mas primeiro quero vê-lo de joelhos.

A cena era muito forte mesmo para os três bandidos. Trocaram olhares e Dorcas, franzindo a testa disse:

— Então, espera um bocado, Emmett. Não acho que...

— Ouviu o que o meu pai disse — interrompeu Emmett. — Só estou a fazer o trabalho de que ele queria que você se encarregasse.

— E a respeito de Rance Mardindale? — perguntou subitamente Ralls.

O nome não pareceu causar qualquer efeito ao jovem Langford, mas o chefe dos bandidos semi-cerrou os olhos.

— Que nome é que disse?

— Martindale — repetiu Ralls com segurança. — Rance Martindale.

Dorcas fitou Ralls depois abanou a cabeça.

— Não conheço ninguém chamado Martindale.

— Nem eu — lançou Emmett. — E já estou farto disto — ergueu a arma.

Roy Dorcas deu um passo em frente e baixou a mão de Emmett.

— Espera, Emmett — agarrou no braço do rapaz e puxou-o para o lado, para fora do alcance do ouvido de Ralls. Falou acaloradamente a Langford durante uns instantes. Emmett respondeu com irritação, mas como conclusão da conversa dirigiu-se a um dos cavalos dos bandidos e montou.

— Eh! —gritou o fora-da-lei a quem pertencia o cavalo.

— Montas com o O'Sullivan — disse Roy Dorcas. Voltou para junto de Ralls. — Monte a cavalo.

Sob os olhares atentos dos bandidos, Ralls agarrou no seu cavalo e montou. Dorcas subiu para o seu animal e encetaram todos a marcha. Entretanto Emmett Langford encontrava-se a oitocentos metros de distância, no meio da vastidão do Vale da Ferradura.

Dorcas ia à cabeça da pequena cavalgada, encaminhando-se pela encosta próxima. Parecia saber para onde ia pois daí a pouco tomou uma pequena plataforma que conduzia a uma curva.

Após alguns minutos o caminho tornou-se mais difícil e Dorcas desmontou e conduziu o cavalo à mão. Ralls imitou-o e seguiu atrás dele. Os outros bandidos fechavam a marcha.

O grupo trepou tortuosamente durante uns quatrocentos metros, quando depararam subitamente com um desfiladeiro imprevisto. O solo descia abruptamente ao longo de vários metros e voltava a erguer-se do outro lado. Dorcas voltou para o desfiladeiro que parecia acabar a umas centenas de metros de distância.

No entanto quando o cavalo de Dorcas atingiu o extremo avançou para um maciço de vegetação cerrada e desapareceu. Dorcas voltou-se e deu uma risada.

— Nada mau, eh?

Afastou-se para o lado e deixou o cavalo de Ralls passar por ele, depois fez um aceno a Ralls.

— Conserve-se perto.

Seguiu o cavalo de Ralls, directamente para o meio do matagal. Ralls entrou nele e Dorcas avançou sobre uma ravina estreita com menos de três metros de largura.

Esta prolongava-se por mais ou menos trinta metros e já estava a ser atravessada pelos cavalos que seguiam à frente.

A ravina parecia também não ter fim mas, ao aproximar-se, Ralls notou que existia uma abertura do lado direito que tinha sido evidentemente formada numa época distante por um tremor de terra e que não era mais do que uma parede rochosa dividida ao meio.

Os cavalos meteram-se através da abertura, roçando pelos dois lados ao passarem, tão estreita aquela era. Seis metros adiante os cavalos desapareceram e Dorcas esperou que Ralls chegasse junto dele.

Quando Ralls alcançou Dorcas teve de conter a respiração.

 

Mesmo à frente, precipitando-se bruscamente para baixo, ficava um pequeno e recôndito vale. Tinha talvez quatrocentos metros de comprimento e metade disso de largura e estava atapetado de erva espessa e na extremidade mais distante havia um grande depósito de madeira.

No meio erguiam-se duas cabanas de madeira. Uma dúzia de cavalos pastava perto.

— Lindo esconderijo— observou Dorcas com ironia.

Ralls acenou pensativamente.

— Pois é. Duvido que um forasteiro o conseguisse encontrar.

Dorcas resmungou.

— Um forasteiro não o encontraria nem num ano, mesmo que soubesse que ele se encontrava aqui e andasse à sua procura.

— Mas você encontrou-o?

Dorcas encolheu os ombros e começou a descer a encosta que se apresentava à frente deles. Alguns minutos mais tarde chegaram ao fundo do vale e foram vistos pelos homens das cabanas. Dois foram ao encontro deles.

— Roy — disse um deles ao aproximar-se — os rapazes trouxeram um prisioneiro...

— Também eu — replicou Dorcas.

O homem franziu a testa para Ralls.

— Aquele que já cá temos é mais bonito. É uma rapariga. Ela... — hesitou — pretende que é filha do Langford.

Dorcas exclamou:

— Sage Langford?

— Foi assim que ela disse que se chamava.

— Onde é que ela está?

O bandido apontou para a cabana mais próxima e Dorcas, falando para consigo, dirigiu-se em passos rápidos à cabana. Abriu a porta e entrou.

Ralls, tendo-se aproximado da cabana parou. Tinham-se juntado vários homens que o examinavam com curiosidade, mas sem nenhuma animosidade aparente. Um dos que o tinham capturado piscou o olho para os seus companheiros.

— Olhem para aqui, rapazes. É o Jim Ralls em carne e osso!

A proclamação do nome causou a mesma impressão nos bandidos como se lhes tivessem dito que uma dúzia de xerifes os tinham cercado. Dois ou três homens chegaram mesmo a esconder-se atrás das cabanas. Os outros afastaram-se de Ralls até se aperceberem que ele estava desarmado. Nessa altura, mostraram as suas dúvidas acerca da identidade do prisioneiro. Então reapareceu Dorcas com o rosto escuro de fúria.

— Roy — gritou um dos homens — aqui o Lin diz que este tipo é Jim Ralls!

— É o Jim Ralls, não há dúvida — retorquiu Dorcas — mas antes queria cá ter dois Jim Ralls que a rapariga que lá está dentro. Quem foi o louco que a trouxe para cá?

Um dos bandidos disse com ar de desculpa:

— Não pudémos fazer outra coisa. Ela viu-nos...

— deitou um olhar rápido na direcção de Ralls.

— Bem, achámos que não era boa ideia ela ir contar a alguém aquilo que estávamos a fazer.

— Podiam-na ter conservado fora deste vale, não podiam? Até terem falado comigo.

— Era isso que íamos fazer, Roy — disse o outro homem — mas vimos um grupo de cavaleiros que vinham na nossa direcção e não tínhamos muito por onde escolher.

— Por isso vieram para aqui! E deixaram que os outros vissem para onde iam!

— Eles não nos viram. Esperámos no primeiro desfiladeiro e espreitámos. Eles passaram sem subirem sequer.

— Quantos homens?

— Sete ou oito.

Dorcas respirou ruidosamente.

— O mal está feito, mas eu tinha dado imenso para não a ver cá.

Um dos homens, um bandido de aspecto cruel, passou a língua pelos lábios.

— Quanto, Roy?

Dorcas olhou fixamente para o homem.

— Não experimentes nada nesse sentido, Bickle. Não quero cá a garota, mas aquele que lhe tocar com um dedo responde-me por isso. Refiro-me a vocês todos.

Houve um ligeiro murmurar entre os homens, mas dispersaram-se por fim; a autoridade de Dorcas sobre os bandidos era indiscutível.

Dorcas fez um sinal a Ralls e encaminhou-se para uma cabana. Sentou-se e olhou para Ralls que continuava de pé.

— Parece-me que temos de conversar, Ralls.

— Sou pouco falador — retorquiu Ralls.

— Mas eu não — disse Dorcas com ar de desafio. — E se sabe o que é bom para si, falará. Evitei que aquele miúdo parvo o matasse, mas você encontra-se numa situação delicada — olhou demoradamente para Ralls. — O que há a respeito de Martindale?

— Julguei que você tinha dito que nunca tinha ouvido esse nome.

— Ouvi-o, pronto.

— Quando? Dorcas praguejou.

— Maldição, Ralls, não experimente isso comigo! íamos falar acerca de Rance Martindale.

— Muito bem — disse Ralls subitamente. — Falemos acerca dele.

— Vá, diga. O que é que sabe dele?

— Sei que desapareceu há muitos anos.

— Quando?

— Você não sabe? — perguntou Ralls.

— Você é que está a falar.

— Ele partiu de Michigan há dezassete anos. Viajou de Council Bluffs para Fort Bridger com um comboio de emigrantes, mas deixou esse comboio em Fort Bridger para seguir para Hastings contra a opinião de todos os que seguiam no comboio. Nunca chegou à Califórnia.

— Aconteceu o mesmo a muitos emigrantes — disse Dorcas. — Os índios caçaram alguns; outros morreram no caminho e outros... bem, os mormons encarregaram-se deles.

— Em Mountain Meadows?

— Morreram aí perto de cento e cinquenta.

— Isso foi um comboio de Arkansas. Martindale não ia com eles.

— Como sabe que não? Pode ter-se cruzado com o comboio e juntado a ele.

— Não fez tal.

— Como sabe que não?

— Porque passei nove anos à procura de Rance Martindale. Não fiz outra coisa nesses nove anos.

Dorcas deitou um olhar rápido a Ralls.

— É uma afirmação muito grave, Ralls. Parece-me que tenho ouvido contar muitas coisinhas que você tem feito...

— Coisas secundárias, Dorcas. Provocadas por isso.

— Nove anos! Isso vai parar a 65. Mas você disse que Martindale desapareceu há dezassete anos, ou seja, em 57. Porque é que esperou oito anos para começar a procurá-lo?

— Porque só em 1864 ouvi falar de Rance Martindale.

Dorcas levantou-se bruscamente.

— Você anda à procura de um homem que nunca viu?

— Ouvi falar dele em 1864.

— A quem?

Ralls teve uma hesitação.

— A Tom Sutherland! Dorcas fitou Ralls.

— Quem diabo é Tom Sutherland?

— A irmã dele casou-se com Rance Martindale.

— A irmã de Sutherland casou-se com Rance Martindale, mas onde entra você?

— Sutherland era meu tenente. Foi morto em Yellow Tavern mas antes de morrer prometi-lhe que encontraria Rance Martindale... e lhe perguntaria como estava Helen Sutherland, a sua mulher.

Dorcas abanou a cabeça espantado.

— E você passou nove anos à procura de um homem... para cumprir uma promessa?

— Tom Sutherland morreu para me salvar a vida.

— Uma promessa feita a um morto — bufou Dorcas. Depois mudou de tom. — E se encontrar Rance Martindale?

— Tudo depende das respostas que ele me der... a respeito da mulher.

— E se ela tiver morrido?

— Quero saber como morreu — Ralls fez uma pausa. — É que ela tinha cinquenta mil dólares em ouro quando partiu de Michigan. Era dinheiro dela.

— Que diferença é que faz? Quando uma mulher casa com um homem, o que é dela passa a ser dele — Dorcas coçou pensativamente o rosto.

O chefe dos bandidos começou a andar dum lado para o outro, com as mãos atrás das costas. Ralls sentou-se no tronco que Dorcas tinha acabado de desocupar.

Por fim Dorcas parou a sua caminhada e fitou Ralls.

— Tenho de me ausentar. Talvez não volte antes da manhã, mas você está em segurança a não ser que tente qualquer esperteza. Vou deixar recado aos rapazes — fez sinal a um dos fora-da-lei que estava perto da cabana. — Lin, reúne três quartos dos homens e manda selar — dirigiu-se à outra cabana, preparou-se para entrar, depois mudou de ideias.

Atrás de si a porta abriu-se e apareceu Sage Langford. Os seus olhos passaram por cima de Dorcas e pousaram-se em Jim Ralls.

— Afinal — disse ela — você sempre é um deles. Dorcas deu meia volta.

— Ralls? — fungou ele. — Está a ver alguma arma no coldre dele?

O bandido Lin tinha montado a cavalo e aproximava-se com o de Dorcas.

O chefe disse a Sage:

— Se for esperta conservar-se-á aí dentro. E talvez não seja má ideia fechar a porta à chave.

— Você é um louco, Dorcas —disse Ralls.— Tem durado muito tempo mas há coisas que não pode fazer, e conservar uma mulher sequestrada é uma delas.

— Você havia de ficar admirado com as coisas que eu faço! —retorquiu Dorcas.

Ralls abanou a cabeça.

— Você acha que a justiça o persegue, Dorcas; está habituado a ser um fugitivo. Faça-lhe algum mal a ela e será perseguido como nenhum homem sobre a terra jamais o foi — fez um gesto de impaciência. — Agora sente-se muito de alto por trabalhar para o Langford, mas mesmo que Langford vença os rancheiros isso não o salvará a si. Mesmo que Langford morra.

Aproximaram-se três cavaleiros. Dorcas montou o seu cavalo e olhou para Sage.

— Faça o que eu lhe disse — depois para Ralls. — E você, Ralls, não tente nada.

Voltou-se no selim e viu Bickle.

— Bickle quero cá encontrar o Ralls quando voltar. Quero-o vivo, mas, se ele tentar alguma coisa, fá-lo parar.

Bickle, um gigante colossal, foi até junto de Ralls e deu-lhe um soco selvático no rosto. Ralls cambaleou para trás e caiu de joelhos.

— Quer dizer assim, Roy?

Dorcas olhou para Bickle com dureza.

— Só não quero que ele saia de cá.

Incitou o cavalo e este avançou em frente. Os quatro homens que iam com ele seguiram-no a trote. Ralls pôs-se de pé e olhou para Bickle que tinha a mão na coronha da arma. Bickle apontou para a segunda cabana.

— Entre para aí!

Ralls limpou um fio de sangue da boca e dirigiu-se à cabana. Deitou um olhar significativo a Sage e ela voltou a entrar na dela fechando a porta.

A cabana em que Ralls entrou tinha cerca de três metros e meio de largura por talvez seis de comprimento. Era feita de troncos com as fendas tapadas por lama e erva. A maior parte da lama já tinha caído e os troncos estavam corroídos pelo tempo.

Encostadas às paredes havia três ou quatro camas e no meio do compartimento uma tosca mesa. Havia igualmente quatro bancos rudimentares. Estes foram puxados para junto da mesa por quatro bandidos que deram início a uma ruidosa partida de cartas.

Bickle apontou para uma das camas.

— Sente-se — disse ele. — Quanto menos o ouvirmos melhor.

Ralls sentou-se e ao fim dum momento encostou-se para trás e fechou os olhos. Mas não adormeceu.

 

Emmett Langford chegou a casa ao fim da tarde. Foi recebido à porta por Reb Jenkins e Sam Sloane.

— A Sage desapareceu — disse Reb antes mesmo de Emmett ter desmontado.

Os olhos de Emmett dirigiram-se para Sam Sloane.

— Julguei que te tinha dito que não queria que ela montasse hoje.

— É verdade, Emmett — disse Sloane. — Tentei impedir que ela partisse, mas aqui o Reb deixou-a selar o cavalo. Fui-lhe no encalço, mas ela fez uma partida qualquer e escapou-se. Passei o dia todo a ver se a encontrava.

— Experimentaste Meadowlands?

— Mandei o Al Mokey à cidade. Diz que ninguém a viu lá.

Uma pequena ruga vincou a testa de Emmett mas desapareceu rapidamente.

— Ela conhece tão bem estes sítios como nós. Não tinha possibilidade de se perder.

— Não tinha pensado que se pudesse perder — disse Reb Jenkins. — Mas o Mokey quando voltou disse que aquilo parecia uma cidade fantasma. Deserta.

— E então?

— Os rancheiros não deixam os seus homens sair de casa.

— Para nos virem atacar?

— A iniciativa é deles, não é?

— Ainda vão ficar com as barrigas bem cheias de luta antes disto chegar ao fim. Manda montar guarda para o caso de eles tentarem uma tolice qualquer.

— Já mandei vários homens — disse Reb Jenkins.

— Para onde?

— Vigiar os diferentes ranchos. Emmett praguejou.

— P'ra que raio fizeste isso? Precisamos mas é de todos os homens aqui.

— Langford disse para fazer assim — respondeu Reb.

— Falaste com o pai? Quando é que ele acordou?

— Há duas ou três horas.

Emmett entrou em casa e dirigiu-se ao quarto de Harley Langford. O rancheiro estava deitado na cama, completamente desperto, mas com uma completa ausência de expressão no rosto.

— Olá, Emmett — disse ele calmamente.

Era próprio de Emmett não perguntar pelo estado do homem a quem tinha sempre chamado pai. Fez um pequeno aceno.

— O que vem a ser isso de dizer ao Reb para mandar os homens daqui para fora?

— Foram de piquete—respondeu o homem mais velho. — Precisamos de saber o que se passa.

— Mas não podemos dispensar homens — protestou Emmett. — Se esses rancheiros reúnem todos os homens que têm e vêm juntos até cá, não haverá homens a mais — o rosto torceu-se-lhe de irritação. — Esta manhã disse que eu é que passava a dirigir o rancho!

Langford respondeu friamente:

— És um miúdo ingrato, não és?

— Os meus interesses são os seus. Está aí na cama e não terá que lutar.

— Onde está Roy?

— Lá para as colinas. Encontrei-o há cerca de uma hora. Ajudei-o a capturar Ralls.

— O Roy apanhou Ralls? — perguntou Langford com uma animação súbita. — O que é que ele tenciona fazer?

— Raios me partam se sei. Eu ia matá-lo ali mesmo mas Dorcas não me deixou — fez uma careta. — Acho que já era tempo de me dizer que poder tem o Dorcas sobre si, para o deixar ocupar-se de tudo.

Langford hesitou um momento.

— Dorcas é meu irmão.

Emmett teve uma exclamação de espanto:

— Mas ele é um bandido!

Langford fez um pequeno gesto com a mão.

— O que é um bandido? Metade das pessoas do Oeste são bandidos. No Texas o gado andava à deriva. Aquele que o marcasse tornava-se seu dono. A terra não pertencia a ninguém excepto ao tipo que tomava posse dela. Alguns dos maiores ranchos da região não custaram nem um dólar aos seus proprietários. Apropriaram-se das terras e puseram a sua marca no gado que encontraram. Há dez anos era assim que se fazia... hoje, se fizeres isso, és um bandido!

— Dorcas fez mais do que apoderar-se de gado.

— Existem defensores - da ordem que fizeram o mesmo. Arranjaram empregos e isso tornou-os respeitáveis. Roy está disposto a instalar-se...

Os olhos de Emmett estreitaram-se.

— Aqui?

— Também chega para Roy.

— Não chega para nós os dois. Langford fitou demoradamente Emmett.

— Francamente, Emmett, és muito novo para dirigires o H-L. Não acho que tu...

Emmett interrompeu:

— Já toquei segundo violino durante tempo demais. Não quero cá o Dorcas.

— Sem ele podes não ter mesmo nada para dirigires. Os rancheiros tirar-to-ão.

— Não julgo que o façam. Tenho reflectido. Estamos muito dispersos. A minha ideia é reunir todos os homens e mantê-los nas proximidades do rancho. A gente de Rudabaugh pensará que temos medo e virá até cá. Nessa altura teremos uma emboscada preparada...

— Supõe que eles não caem na emboscada?

— Têm de vir até cá mais tarde ou mais cedo. Langford abanou a cabeça.

— Nunca ninguém ganhou nenhuma guerra recuando e esperando que o outro lado venha até ele. Temos de sair ao encontro deles e lutar. Cortar um naco aqui outro ali. Dividi-los em secções se não podemos lutar contra eles todos ao mesmo tempo. Claro que são necessários bons homens para um trabalho desses. E é aí que entra o Roy. Os homens dele são tesos.

— Ladrões e assassinos!

Harley Langford olhou com decisão para o homem a quem tinha sempre chamado filho.

— Se vamos a isso, Emmett, o que és tu? Durante um instante, a boca de Emmett ficou

escancarada. Depois o seu rosto contorceu-se de raiva súbita, deu meia volta e saiu do quarto.

Na sala apareceu-lhe uma gorda mulher mexicana que vinha da cozinha.

— Quer agora a sua ceia? — perguntou ela.

— Não — respondeu Emmett com rudeza. Atravessou a sala e saiu de casa. No exterior caminhou até aos estábulos onde Sam Sloane estava a tirar o selim ao seu cavalo.

— Deixa ficar o selim — disse Emmett. — Vou até à cidade.

— Sozinho?

— Podes vir se não tiveres medo.

Sam Sloane teve um sorriso velhaco.

— Mas de que é que eu havia de ter medo?

— Muito bem, então anda.

Sam Sloane foi buscar o seu cavalo e os dois homens partiam daí a pouco alcançando Meadow-lands depois de ter escurecido.

Viam-se poucos cavalos parados diante das casas e a maior parte estava em frente ao bar de Cagle. Sloane olhou interrogativamente para Emmett, mas este abanou a cabeça e dirigiu-se a um bar dirigido por um homem chamado Longnecker, muito mais pequeno que o de Cagle.

Entraram e só viram dois ou três homens lá dentro. Longnecker estava por detrás do balcão. Aproximou-se de má catadura.

— Não quero brigas cá dentro — declarou ele.

— Ninguém vai brigar — retorquiu Emmett. — Eu quero uma bebida.

Longnecker hesitou, mas por fim trouxe uma garrafa e copos. Emmett e Sloane serviram-se, engoliram as bebidas dum trago e voltaram a servir-se. Um dos outros homens pagou a sua bebida e caminhou para a porta.

— Oiça lá — disse Sam Sloane. — P'ra onde é que vai?

— Para casa — respondeu o homem com nervosismo.

— Que pressa é essa?

— Eu... eu prometi à minha mulher que ia cedo para casa.

— Oh, deixa-o ir, Sam — disse Emmett.

— Muito bem — resmungou Sloane — mas trate de ir direito para casa, se percebe o que eu quero dizer.

O homem partiu precipitadamente. Sloane abanou a cabeça e observou para Emmett:

— Talvez não tenha sido boa ideia. Se ele passa palavra que estamos aqui, talvez tenhamos algum sarilho...

— Podemos bem resolvê-lo—respondeu Emmett com confiança.

Tomaram várias outras bebidas, depois a porta do bar abriu-se e o cliente que tinha partido há pouco entrou hesitante.

— Les Cagle gostava de falar consigo — disse ele.

Sam Sloane atirou o copo de uísque ao chão.

— Então você foi direitinho ter com ele depois de eu o ter avisado... — preparava-se para puxar da arma quando Longnecker fez surgir por cima do balcão os dois canos duma espingarda.

— Alto aí, Sloane — disse ele. — Não quero tiros em minha casa, mas se tiver de haver, serei eu a dá-los!

— Cagle mandou dizer que não havia azar, que só queria falar consigo — disse rapidamente o emissário de Cagle a Emmett. — Tem uma proposta a fazer-lhe.

— Não vou cair em nenhuma armadilha.—Olhou pouco à vontade para a espingarda que o ameaçava e para Sam Sloane. — Diga a Cagle que me encontrarei com ele no restaurante de Ella Snow.

O homem curvou a cabeça e desapareceu do bar. Emmett voltou-se para o dono.

— Com que então você está do lado deles contra nós? — rosnou ele.—É bom saber-se isso.

— Sim — corroborou Sloane. — Não nos esqueceremos.

— Nem eu — retorquiu Longnecker em tom de desafio. — Não voltem a pôr os pés em minha casa!

Emmett e Sloane saíram do bar e encaminharam-se para o restaurante de Ella Snow, que estava completamente deserto com excepção de Ella por detrás do balcão e o cozinheiro chinês na cozinha. Ella recebeu Emmett sem entusiasmo.

— O que é que há-de ser?

— Uísque — disse Sloane piscando o olho a Emmett.

— Não sirvo álcool.

— Bem, então e se fosse um beijo?

— Os beijos não vêm na ementa de hoje.

— Uma moça espertinha, hein, Emmett?—observou Sloane.

Emmett observava Ella. Já a tinha visto várias vezes mas nunca lhe prestara muita atenção. Desta vez os seus olhos mostravam interesse.

— Sim — concordou — é esperta. E também bonita — sorriu a Ella. — Dirige isto sozinha, não é verdade?

Antes que Ella pudesse responder, abriu-se a porta e entrou Les Cagle. Sorriu a Ella Snow e depois sentou-se ao balcão ao lado de Emmett.

— Olá, Emmett.

— O que é que você quer, Cagle?

— Achei que seria bom que você e eu conversássemos um pouco. Em particular.

— O Sam não faz diferença.

— Acho melhor que ele espere lá fora. Emmett hesitou depois encolheu os ombros.

— Está bem. Sam, espera-me lá fora, se percebes o que eu quero dizer...

Sloane não queria partir, mas, depois de deitar um olhar significativo a Cagle, saiu. Ella Snow voltou para a cozinha deixando Cagle e Emmett sozinhos.

— Muito bem, Cagle — resmungou Emmett. - Fale.

— Como está o seu pai?

— Bastante bem.

Cagle aclarou a garganta.

— Acho que devia ter dito o seu pai adoptivo.

— Você não veio cá para falar do nosso parentesco.

— Na realidade, vim. Diz-se que ele tem poucas possibilidades de escapar. E isso deixa-o em má situação, não é? Visto que é só filho adoptivo e a Sage é que é filha.

— Isso é o que você pensa. O H-L há-de ser meu.

Cagle deitou um olhar interrogativo a Emmett.;

— Foi Langford que lhe disse isso?

— A quem é que ele havia de deixar o rancho? Uma mulher não pode dirigir um rancho como o H-L.

— O marido duma mulher pode. A Sage deve ter mais ou menos vinte e um anos. Idade suficiente para se casar. E há muitos...

— A Sage casa comigo — interrompeu Emmett.!

— E Reb Jenkins?

Emmett afastou Reb Jenkins com um gesto da mão.

— Sage fará aquilo que o pai quiser.

— E ele quer que case consigo?

— Sim.

Cagle hesitou.

— Isso continua a fazer dela a única proprietária.

Emmett deu subitamente um murro no balcão.

— Onde é que quer chegar, Cagle?

— Estava a pensar em Roy Dorcas, Emmett. Consta que ele apareceu.

— E se assim for?

Cagle teve um sorriso a desarmar.

— Vou-lhe dizer uma coisa que nenhum homem de Meadowlands sabe — baixou a voz. — Andei com o Dorcas aqui há anos.

Emmett olhou para Cagle.

— Há quanto tempo? Cagle piscou um olho.

— Quando o irmão de Dorcas andava connosco.

— Você sabe?...

— Sim! —Cagle inclinou-se mais para Emmett. — Percebe agora o que eu quero dizer? A moça tem um tio, um homem pouco fácil. Claro que se está convencido que pode arrumar o Dorcas e a moça...

— Qual é a sua proposta? — perguntou Emmett numa voz inexpressiva.

— O rancho H-L para si e o resto para mim.

— Qual resto?

— Macfadden tem um rancho; assim como Alli-son e Rudabaugh e outros. Tudo isso junto vem a dar quase tanto como o H-L. Fico satisfeito com isso.

— Mas como vai fazer?

— A proposta vem agora—Cagle sorriu.—Quem julga você que é o chefe dos rancheiros? Rudabaugh? — resmungou. — Esse só pensa em esmurrar as pessoas com os punhos. Eu é que mando neles, Emmett. Um pouco de manha, um pouco de lisonja, uns dólares aqui e outros ali e consigo o que quero.

— E agora está disposto a vendê-los?

— Não é o mesmo que você vai fazer? Vender Harley Langford?

Emmett trincou um lábio e fez um aceno afirmativo.

 

Bickle, o bandido, não era um general, mas a sua vida tinha estado em perigo durante tantos anos que nele a auto-protecção era uma coisa instintiva. Para o fim da noite começou a dar ordens.

— Hogan, pega na espingarda e vai para junto da entrada do desfiladeiro.

— Para quê? — gritou Hogan.

— Porque eu te digo. Não quero que me agarrem enquanto estiver a dormir.

— E eu não vou lá ficar de pé durante toda a noite — protestou Hogan.

— Serás rendido à meia-noite — Bickle fez um aceno a outro homem. — Tu, Taney, toma lugar da parte de dentro da entrada, e Kelso, ficarás aqui do lado de fora das cabanas. À meia-noite acordas Lloyd, Woodson e Pence e eles tomarão os vossos lugares.

— Isso ocupar-nos-á a todos — disse Hogan com sarcasmo — excepto a ti que, segundo suponho, vais dormir a noite toda.

— Dorcas deixou-me a dirigir — retorquiu Bickle.

— Nunca viste o Dorcas de sentinela, pois

não?

Houve mais discussão, mas os guardas foram finalmente para os seus postos. Levaram comida com eles. Depois de partirem, os restantes bandidos prepararam as suas ceias. Tinham quase acabado de comer quando Bickle pensou de súbito nos prisioneiros.

— Estivemos nós p'raqui a cozinhar quando cá temos uma mulher.

Levantou-se e dirigiu-se à cabana onde Sage se tinha fechado. Bateu à porta.

— Eh, quer comer alguma coisa?

Não houve nenhuma resposta e Bickle bateu de novo à porta.

— Saia daí se quer comer alguma coisa! A voz de Sage veio através da porta.

— Não tenho fome.

Bickle principiou a afastar-se, depois voltou-se e deu um pontapé na porta.

— Abra!

Dentro da cabana houve uns instantes de silêncio, depois a porta abriu-se e surgiu Sage na soleira. Tinha um grosso bocado de madeira na mão.

Os bandidos que estavam em volta do fogo riram-se.

— Cuidado, Bickle! — gritou um deles em tom

de mofa.

Jim Ralls, que tinha estado sentado à entrada da outra cabana, pôs-se de pé e aproximou-se do fogo. Parou e agarrou numa frigideira que continha presunto frito.

Bickle, espicaçado pela troça dos companheiros de crime, aproximou-se de Sage.

— Disse-lhe p'ra vir comer e falo a sério! — exclamou com irritação.

— E eu disse-lhe que não tinha fome!

— Tem cuidado com ela! — gritou um dos bandidos.

Furioso, Bickle mergulhou na direcção de Sage. O pau desceu. Bickle tentou evitá-lo, mas o pau bateu-lhe em cheio no crâneo. Cambaleou, depois recuperou o equilíbrio e saltou para Sage. Nessa altura Ralls atirou a frigideira. Esta atingiu o fora-da-lei num dos lados da cabeça espalhando parte da gordura sobre Sage.

A frigideira era de ferro e apanhou Bickle de chapa. Caiu de joelhos. Durante um momento conservou-se assim enquanto se dissipava o nevoeiro do cérebro. Depois, com um rugido, levantou-se com a mão na arma.

Ralls ia-se atirar a Bickle, mas um dos outros homens interpôs-se entre eles com uma arma na mão.

— Para trás! — gritou ele.

Ao mesmo tempo estendeu a mão esquerda e agarrou Bickle.

— Nada de tiros, Bickle! Ouviste o que disse o patrão.

— Eu mato-o! — gritou Bickle, lutando para se libertar.

— Dê-me uma arma e pode experimentar — convidou Ralls. — Ou deponha a sua e lute comigo com os seus punhos.

Bickle sacudiu o outro homem e saltou sobre Ralls. Mas aquele intervalo restituíra-lhe algum juízo e não disparou. Fez girar no entanto a arma na mão.

Ralls ergueu as mãos e aparou o primeiro golpe no antebraço esquerdo. Uma dor fortíssima percorreu-lhe o braço até ao ombro. Avançou para Bickle e disparou um golpe sólido no estômago do homem antes dele o ter podido agredir de novo.

Afastou-se, evitou uma pancada da arma e estava pronto para arrumar o bandido com um gancho da direita quando um dos outros homens mergulhou sobre ele por detrás. Aterrou nas costas de Ralls e lançou-o para a frente contra um golpe da mão de Bickle.

A arma deste embateu violentamente na sua cabeça e Ralls caiu de joelhos e mãos no chão. Nessa posição podia ter recuperado, mas o furioso Bickle voltou a bater-lhe selvàticamente com a arma. Ralls tombou de costas, completamente inanimado. Mas mesmo então Bickle não parou. Deu pontapés nos flancos de Ralls, voltou-o com os pés e pisou-o três ou quatro vezes no rosto. Terminou com um pontapé fortíssimo na testa de Ralls.

Mil diabinhos batiam na cabeça de Ralls com minúsculos martelos e ao fim dum bocado depuseram os martelos e pegaram em tenazes com as quais espicaçaram os centros nervosos do corpo de Ralls.

Aquilo era mais do que qualquer ser humano podia suportar e Ralls gemeu e partiu para longe daquela gentinha. Os seus olhos abriram-se e fecharam-se imediatamente quando uma dor lancinante o percorreu da cabeça aos pés. Nessa altura estava consciente, mas com medo de se mexer devido aos seus sofrimentos atrozes. No entanto, ao fim dum bocado, chamou a si as últimas reservas e forçou-se a abrir os olhos mais uma vez e olhou para um milhar de estrelas e uma lua que estava quase cheia e muito alta no céu.

Ficou uns minutos a olhar simplesmente para o céu e a pensar se ainda estaria vivo.

Um bater ritmado e monótono penetrou finalmente nos seus sentidos e Ralls tentou determinar a origem do som. Este aproximou-se e percebeu de súbito que se tratava do ruído das botas dum homem, muito perto.

Fechou os olhos e as botas aproximaram-se mais e pararam. Ralls sentiu que estavam a olhar para ele. Uma bota tocou-lhe e teve de lutar para dominar um movimento involuntário, mas foi recompensado ao ouvir um resmungo. As botas afastaram-se, continuaram a ressoar durante um pouco e depois deixaram-se de ouvir.

Ralls abriu de novo os olhos e voltou ligeiramente a cabeça para o lado direito. Só viu sombras. Depois voltou-a para a esquerda. Os seus olhos distinguiram uma sombra quadrada e após um pequeno esforço percebeu que era a cabana onde se encontrava Sage. Pelo menos esperava que ela lá se encontrasse.

Tinha sido ali que Bickle o reduzira à insensibilidade. Ou o tinham considerado morto ou eram demasiado preguiçosos para o transportarem para a segunda cabana. Ralls olhou de novo para a Lua e calculou, pela sua posição, que devia passar da meia-noite, o que queria dizer que estivera inconsciente pelo menos seis horas. E possivelmente oito ou nove.

Rangendo os dentes, Ralls começou a fazer funcionar os músculos. O esforço cobriu-lhe o corpo de transpiração, mas, quando terminou as flexões começou a mexer os pés, depois os joelhos e por fim as coxas. Satisfeito por não ter nenhum osso partido, experimentou os dedos e finalmente os braços.

Estava cheio de contusões, algumas delas muito dolorosas, mas aparentemente com todos os membros intactos. Descansou mais uns minutos, escutando os passos da sentinela, e, quando não a ouviu, respirou fundo e sentou-se. Nessa posição olhou à sua volta e não notou nenhuns sinais de vida. Pôs-se silenciosamente de pé. Caminhando com o maior cuidado dirigiu-se ao mais distante dos dois edifícios.

A porta estava aberta e escutou. Chegaram-lhe aos ouvidos os ruídos ritmados do ressonar de vários homens. Satisfeito, aproximou-se da outra cabana, mas mesmo depois de encostar o ouvido à porta não deu por qualquer sinal de vida no interior.

Raspou levemente as unhas na madeira áspera, escutou um momento, voltou a arranhar, com um pouco mais de força.

E, por fim, sentiu um grande alívio. Ouviu um som lá dentro.

Ralls bateu na porta com os nós dos dedos, o mais levemente que pôde. Parou ao fim dum bocado e pôs-se à escuta. Voltou a bater. Ouviu um ligeiro estalar no interior.

Ralls encostou o rosto à porta e disse baixinho:

— Sage!...

Uma pequena pausa, depois a voz dela respondeu quase imperceptível: - O que é?

— Sou o Ralls... Ouviu-a respirar fundo.

— Julguei que estava...

— Estou bem — disse Ralls rapidamente. — Pode abrir a porta... sem fazer barulho?

— Vou tentar.

Ouviu-a manejar a tranca pelo lado de dentro e pousá-la no chão. Depois, quando a porta, com um rangido, ficou aberta uns três ou quatro centímetros, os dedos ansiosos de Ralls seguraram-na e continuaram a abri-la, pouco a pouco. Quando a abertura ficou suficientemente grande apareceu o rosto de Sage.

— Vou tentar fugir — murmurou Ralls.

— Eles têm guardas lá fora — protestou Sage rapidamente.

— Eu sei; há mesmo um aqui às voltas. Mas não posso esperar pela manhã — hesitou. — Nem penso que você possa.

— Dorcas não ousaria fazer-me mal.

— Não esteja assim tão certa disso.

Sage ficou uns momentos calada, depois abanou a cabeça.

— Não posso deixar de me preocupar, mas você não sabe que o Dorcas está... bem, a trabalhar para o meu pai?

— Sei. É por isso que digo que seria melhor partir comigo... já.

Sage ia soltar uma exclamação, mas Ralls estendeu rapidamente a mão e tapou-lhe a boca. Só um momento. Depois retirou-a e recuou.

Sage disse com uma indignação calma:

— Está a sugerir que o meu pai...

— Não estou a sugerir nada — atalhou Ralls. — Você já teve tempo suficiente para pensar bem em tudo.

— Sim.

— E acha que pode estar em segurança com o Dorcas? — Ralls esperou um momento e como ela não respondesse, acrescentou: — Abriu-me a porta há um momento atrás. E não estava a dormir quando bati.

Sage inspirou fundo e agarrou-se à porta. Mas Ralls deitou-lhe a mão primeiro e abriu-a mais. Sage saiu para fora e cambaleou um pouco ao pisar uma pedra.

— Mas as minhas botas...

— Vá buscá-las — disse Ralls — porque vamos ter muito que andar.

Ela voltou a entrar na cabana e Ralls afastou-se. Tinha a cabeça de lado numa atitude de escuta. A certa distância uma bota embateu numa rocha.

Como uma sombra, Ralls voltou para a soleira da porta e, pegou na tranca de madeira.

Sage surgiu da escuridão e Ralls disse o mais baixo que pôde:

— Vem alguém. Espere aqui!...

Ela estacou instantaneamente e Ralls avançou cautelosamente ao longo das cabanas. O ranger das botas no cascalho tornou-se mais distinto e de repente apareceu à luz do luar a figura alta dum homem. Avançava deliberadamente, sem desconfiança.

Depois, de repente, a três metros da cabana, o guarda parou. Esperava ver qualquer coisa no chão: Jim Ralls; e ele não estava lá.

Ralls saiu das sombras em direcção ao guarda. O homem deu um passo para trás. Um grito começou a formar-se-lhe na garganta mas morreu quando Ralls desfechou um golpe fortíssimo com a tranca. O homem tombou como um coelho atingido; Ralls ajoelhou-se rapidamente e, remexendo-lhe no cinto, encontrou um revólver. Empunhando-o, levantou-se.

Conservou-se então imóvel, como que esperando que surgisse alguém da outra cabana. Mas passaram-se vários minutos e o silêncio não foi quebrado, por isso Ralls aproximou-se da cabana de Sage.

Ela surgiu do meio da escuridão.

— Tudo bem?

— Tenho a arma dele — disse Ralls. — Mas não ouso entrar na outra cabana. Estão lá quatro e, se for disparado um tiro, os homens que estão de guarda ouvem. Nunca conseguiríamos passar por eles.

Sage teve um arrepio.

— Vamos embora. Estou cheia de medo!

— Também eu — disse Ralls.

Estendeu a mão e pegou no braço dela. Durante um momento a carne dela retesou-se àquele contacto, depois relaxou-se e começou a andar.

Ele conduziu-a até uns doze a quinze metros de distância por detrás da cabana, depois parou.

— Espere aqui. Já volto.

Ela ia objectar, mas ele já tinha desaparecido na escuridão. Voltou à cabana, tacteou o terreno até encontrar o corpo do homem que tinha agredido, abaixou-se e bateu com toda a força na cabeça dele com a coronha do revólver capturado. O homem emitiu um gemido e Ralls voltou a bater. Endireitando-se, reuniu-se rapidamente a Sage.

— Ouvi o que esteve a fazer — disse ela estremecendo.

— Tinha de ser. Temos de passar por dois homens e se este recobrasse a consciência e desse o alarme, nunca o conseguiríamos.

— Compreendo. No entanto... — deixou o pensamento por exprimir.

Ele voltou a pegar-lhe no braço e dirigiram-se com todo o cuidado à passagem mais ou menos a duzentos metros de distância, onde esperavam encontrar outro guarda.

Tinham percorrido uma pequena distância quando Sage observou:

— Isto pode parecer tolice, mas tenho a sensação de já ter estado neste vale.

— Talvez tenha.

— Não, nunca estive, no entanto... — fez uma pausa.—Tenho uma sensação esquisitíssima de... não sei como explicar, mas, bem, como se me estivesse para acontecer qualquer coisa de terrível! Sinto isso desde que me trouxeram para aqui!

— Essas cabanas são muito velhas — disse Ralls. — Têm vinte anos ou mais.

— Ninguém cá vivia há vinte anos. O pai foi a primeira pessoa a estabelecer-se e veio em 1857.

— Há dezassete anos. Você tinha quatro, então.

— Como sabe?

— Tem vinte e um, não tem?

— Sim, mas não me lembro de lhe ter dito.

— Não disse; foi outra pessoa.

— Quem?

Ralls apertou-lhe o braço para ela se calar pois estavam a aproximar-se do declive que conduzia à passagem interior.

— Prepare-se para ficar completamente imóvel — sussurrou ele.

Continuaram cuidadosamente durante mais uns quinze metros, depois chegaram junto duma árvore. Ralls fez sinal a Sage para se ajoelhar atrás dele. De pé, com o corpo colado ao tronco, escutou durante uns momentos. Mas se havia outro som além dos ruídos dos insectos nocturnos não conseguiu distingui-lo. Apesar de tudo, podia jurar que estava alguém não muito longe. Nessa altura percebeu uma ligeira baforada de fumo de tabaco. Alguém fumava perto.

— Cuidado — disse ao ouvido de Sage. — Não faça nenhum movimento brusco.

 

Parou e abaixando-se pegou nuns pequenos seixos. Endireitou-se e atirou um na direcção das rochas em frente. Produziu um ruído fraco, mas instantaneamente surgiu uma sombra a cerca de doze metros para o lado esquerdo de Ralls e Sage.

Um ligeiro brilho de fogo indicava o cigarro incandescente na boca do guarda. Com esse ponto de referência, Ralls podia ter morto o homem a tiro, mas um tiro naquela altura teria sido desastroso para eles.

O homem avançou alguns metros, depois voltou-se e descreveu um círculo com um cuidado que foi diminuindo à medida que avançava, satisfeito por os seus ouvidos se terem enganado. Parou e ficou uns instantes recortado à luz do luar, talvez, de novo, a doze metros de Ralls; depois desapareceu subitamente da vista quando voltou a sentar-se no chão encostado a um pedregulho.

Ralls inclinou-se ligeiramente e falou ao ouvido de Sage.

— Tenho de o arrumar. Fique aqui.

Sentiu um arrepio de inquietação percorrer o corpo dela, mas não disse nada. Ralls sentou-se no chão, descalçou a bota direita e colocou-a cuidadosamente de lado; fez depois o mesmo com a outra. Curvando-se, avançou sobre as mãos e os joelhos, colocando com todo o cuidado uma mão em frente, depois a outra. Fazia avançar um joelho, depois o outro, depois a mão.

Levou dez minutos a percorrer uns sete metros e meio. Depois parou e considerou a situação. O pedregulho aonde o guarda estava encostado ficava a cerca de quatro metros dele. Ralls sentia bem o cheiro do cigarro.

Avançou de novo, um pé, dois, e chegou junto do pedregulho. Só tinha que se levantar e desfechar um golpe único no homem. Não podia falhar nem dar um golpe pouco forte, pois no silêncio da noite um grito chegaria logo até ao outro guarda, a menos de duzentos metros de distância.

Arrastou um joelho, ergueu-se e pousou o pé descalço com todo o cuidado no chão.

Nessa altura uma onda de horror invadiu Ralls, pois o guarda do outro lado do pedregulho pôs-se de repente em pé. Na sua posição desajeitada, Ralls ficou rígido e imóvel como uma estátua, com os olhos cravados no homem a menos de um metro dele.

O homem, não se voltou. Tinha tirado o cigarro da boca e murmurou qualquer coisa em voz baixa enquanto remexia nos bolsos. Ralls levou um momento a perceber que ele estava a preparar-se para fazer outro cigarro.

Rapidamente, Ralls decidiu o instante do seu ataque. O espírito do homem estava ocupado, apesar de se encontrar numa posição em que com facilidade se deslocaria se qualquer coisa corresse mal. Se Ralls fizesse qualquer ruído, tudo acabaria num instante.

Ralls dominou a respiração. Esperou com um pé no chão, descansando sobre o outro joelho e em ambas as mãos.

O homem do outro lado da pedra fazia pequenos movimentos, depois meteu uma mão no bolso. O fósforo. O raspar deste encobriria o movimento de Ralls a erguer-se do chão.

O homem tirou qualquer coisa do bolso, esfregou-a nas calças e repetiu o movimento. Apareceu uma chama que subiu rapidamente.

Ralls levantou-se. No mesmo movimento puxou do revólver que tinha tirado ao primeiro guarda e arremeteu através do pedregulho. Não podia falhar. O fósforo diante do homem recortava bem a sua cabeça.

Ralls desfechou o golpe e sentiu o osso estalar por baixo do revólver. Não houve nenhum grito e o corpo do guarda nem sequer caiu porque Ralls o segurou quando ia a tombar. Baixou-o cuidadosamente até ao chão e ficou uns momentos trémulo do enorme alívio. Sentia o rosto coberto de transpiração.

Dois abatidos e ainda faltava um!

Um pé a pisar as pedras obrigou Ralls a girar. Era Sage que avançava. Foi ao encontro dela. Ela estendeu-lhe qualquer coisa: as suas botas. Pegou-lhes, sentou-se no chão e calçou-as. Quando se levantou disse:

— Tudo bem.

— Eu sei — murmurou ela. — Mas quase desmaiei quando ele se levantou de repente à sua frente.

Ralls respirou fundo.

— Temos de continuar. Daqui a pouco desaparece a Lua e dentro de mais duas horas já temos a luz do dia.

Desta vez foi ela que lhe deu o braço, mas achando pouco prático caminhar assim atrás dele, pegou na mão de Ralls. Ele apertou-a com firmeza e continuou a guiá-la.

O caminho era agora mais difícil, porque a Lua estava oculta quando penetraram na fenda da rocha que dava acesso ao vale escondido. E nas ravinas do outro lado havia árvores, através das quais tinham de passar, o que mais escurecia o chão de modo que, por várias vezes, pisaram ramos e tiveram de parar para se certificarem que o terceiro guarda não vinha investigar. E Ralls também não fazia ideia nenhuma do sítio onde podia estar postado o homem. Talvez estivesse numa das duas ravinas ou na encosta da montanha que dava para o Vale da Ferradura. Sentiam um receio enorme. Ralls estava convencido que tinha arrumado os dois primeiros guardas, mas, no entanto, se um dos quatro bandidos que estavam na cabana acordasse e viesse cá fora, ao descobrir o guarda prostrado daria o alarme. Um único tiro disparado no vale era o bastante para pôr o homem alerta.

Atravessaram assim a primeira ravina, dirigiram-se à segunda e esperaram uns momentos preciosos enquanto os olhos penetrantes de Ralls investigavam todas as sombras suspeitas. Por fim recomeçaram a avançar em silêncio, cuidadosamente, e chegaram ao declive exterior da montanha.

O guarda tinha de estar ali. Obrigando Sage a agachar-se atrás duns pequenos arbustos, Ralls deu vários passos em frente. Apanhou de novo pedrinhas e atirou uma pela encosta abaixo de modo a fazê-la cair a dezoito ou vinte metros de distância.

E então um ruído metálico quebrou o silêncio da noite. Vinha da direita de Ralls, de cima. Ralls girou, com a mão direita no coldre.

Um trovão e um relâmpago rasgaram a noite. Qualquer coisa queimou o lado esquerdo de Ralls junto do sovaco. Mas nessa altura já ele estava a disparar na direcção de onde tinha vindo o clarão. Duas, três, quatro vezes.

Ouviu-se um ruído de aço sobre pedra e Ralls correu pela encosta acima.

Encontrou o guarda caído de barriga para baixo; perto dele encontrava-se uma espingarda de repetição «Winchester». Ralls baixou-se para tocar no homem e encontrou uma massa de cartilagens e sangue quente. Limpando a mão nas ervas, agarrou na «Winchester» e ia a voltar-se quando surgiu Sage a correr para ele.

Ralls colocou-se diante do homem morto para que ela não o visse.

— Agora temos de correr — disse ele.

— Eles têm cavalos.

— Eu sei, mas precisam de algum tempo para sair. Os tiros acordaram-nos, mas gastarão alguns minutos a discutir o assunto e à procura do primeiro homem. Encontram-no, correm para a passagem ou chamar o segundo guarda. Quando virem que ele não responde é que começam a selar os cavalos. Dispomos de oito ou dez minutos antes de chegarem aqui.

Os olhos de Ralls percorreram o vale. O luar começou a brilhar com demasiada intensidade. Abanou a cabeça.

— Se bem me recordo não temos nenhum sítio para nos escondermos durante uns três quilómetros, talvez mais — voltou-se e olhou para a encosta da montanha. — Pergunto se não seria melhor subirmos?

— Não! — exclamou Sage. — Ali seríamos apanhados mal nascesse o dia.

— Eles não têm homens suficientes para fazerem uma grande busca.

— Mas os nossos homens nunca vão até lá acima. Só no vale temos uma oportunidade.

— Acha que é mais seguro encontrar um homem do H-L?

— Claro — ela fitou-o. — Já insinuou isso há um bocado. O que é que quer dizer?

— Acho que seria um erro você voltar para o H-L.

— Isso é ridículo!

— Muito bem. Oxalá me engane. Mas não podemos ficar mais tempo aqui — agarrou na mão dela e começaram a descer rapidamente.

Levaram cinco minutos para chegar ao fundo do vale. Depois Ralls respirou fundo e soltou a mão de Sage.

— Teremos de correr... tanto quanto você aguentar.

Sage respondeu desatando imediatamente a correr. Ralls seguiu-a acompanhando-a facilmente. Ao fim de oitocentos metros Ralls percebeu que a respiração de Sage estava a ficar ofegante. Afrouxou o passo.

— Temos de nos poupar.

Olhou por cima do ombro para a montanha mas não distinguiu quaisquer sinais de vida. Também ainda não os esperava.

— Deve haver um pequeno choupal aqui algures — disse Sage.

— Aqui está. Baixe-se e olhe para a direita. Pode vê-lo recortado à luz do luar. "

Sempre a andar, Sage baixou-se e olhou na direcção indicada.

— Estou a vê-lo, mas está tão longe!

— Cinco quilómetros, calculo eu — respondeu Ralls com ar sombrio.

Sage recomeçou a correr. Mas quando a respiração de Ralls se tornou por sua vez difícil, este estendeu a mão e obrigou Sage a parar.

Estavam quase a dois quilómetros da montanha e a mais de três do abrigo do choupal. Chegou um ligeiro ruído aos ouvidos de Ralls.

— Eles já saíram — anunciou. Sage teve um soluço.

— Temos de correr!

— Você não pode — disse Ralls. Puxou-a para o chão.

— A relva tem aqui mais de trinta centímetros de altura; para nos verem eles tinham de passar muito perto. E eu tenho uma espingarda.

Deitado ao comprido na erva, com Sage a tentar normalizar a respiração ao seu lado, Ralls olhou à sua volta. Infelizmente, a montanha por detrás impedia que os bandidos ficassem recortados contra o céu, mas daí a pouco, encostando o ouvido ao chão sentiu o tropel das patas de cavalos e percebeu que os bandidos andavam à procura deles. E avançavam muito depressa. Conheciam o caminho e daí a pouco Ralls começou a pensar se não teria sido melhor que ele e Sage não tivessem alcançado o choupal. Os bandidos conheciam-no e parecia que se dirigiam para lá o mais depressa que os cavalos podiam. Haviam de o passar a pente fino.

Pousou a mão no ombro de Sage.

— Eles dirigem-se aos choupos e acho que vão passar muito perto.

O tropel tornou-se mais forte e Ralls ergueu a cabeça para espreitar por cima da erva. Viu-os então, quatro cavaleiros espalhados de modo a baterem mais de cem metros de terreno. Os dois cavaleiros da direita vinham mesmo na direcção de Ralls e Sage.

Baixou a cabeça.

— Calma — aconselhou ele. Mas agarrou a espingarda com a mão direita e puxou-a mesmo um pouco para a frente para a poder utilizar rapidamente.

O ruído dos cavalos a galope foi aumentando num crescendo e tornou-se tão assustador que Ralls teve de ranger os dentes para se dominar e conservar-se deitado no chão. Durante um momento horrível teve a certeza que as ferraduras dos cavalos lhe iam arrancar a vida do corpo, mas um bocado de terra erguida pela pata dum cavalo atingiu-lhe a nuca e o perigo passou. Rapidamente o tropel foi diminuindo e daí a instantes Ralls pôde erguer a cabeça e ver a formação em leque dos homens a meio caminho entre eles e os choupos.

Sage disse muito aliviada.

— Nunca tive tanto medo na minha vida! Ralls respirou com força.

— Pode descansar... um pouco.

— Quer dizer que temos de aqui ficar? -

— Não vejo outra alternativa. Durante algum tempo. Eles hão-de bater aquele bosque até nascer o dia e quando não nos encontrarem correrão de um lado para o outro nesta área. No entanto duvido que nos encontrem. Quanto mais tempo nos conservarmos fora da vista mais possibilidades teremos.

 

De madrugada, antes do sol se erguer por cima da montanha, Roy Dorcas saiu da casa de Langford. As suas feições formavam uma máscara de fúria enquanto se dirigia aos estábulos, onde uma dúzia de vaqueiros selava os seus cavalos.

Enquanto atravessava o pátio descobriu Emmett Langford e alterou o seu curso de modo a ir ao encontro dele. Emmett, que ia montar, voltou-se.

— Olá, tio — disse sarcàsticamente.

— Meu vadio — retorquiu Dorcas com irritação. — Disse-te ontem que esta manhã ninguém saía a cavalo.

— Porquê? — disse Emmett com frieza. — Estive a reflectir durante a noite e decidi que eu é que ia passar a dirigir aqui as coisas.

Dorcas ergueu a mão e atingiu Emmett no rosto com uma bofetada, um golpe duro e doloroso.

— Faz qualquer coisa a respeito disto — rugiu Dorcas. — E disto!... — desfechou outro golpe.

Emmett recuou praguejando. Deitou mão ao seu revólver de seis tiros, mas antes de ter tido tempo de puxar por ele, interveio Sam Sloane que o puxou para o lado.

— Discuta comigo, Homem Mau — disse Sloane com desprezo.

— Não te metas nisto, Sloane — advertiu Dorcas.

— Eu é que lhe devia dizer isso. Atacar um miúdo! Pois bem, eu sou da sua estatura, Dorcas, por isso vá para a frente, puxe da arma quando julgar que está com sorte.

Emmett que tinha recuperado entretanto aproximou-se de Sloane.

— Isto é o final, Dorcas.

Do lado das camaratas veio o ruído de passos. Pelo canto do olho Dorcas reconheceu os seus homens, três veteranos de tiros e cavalos. Havia ali uma dúzia de homens do H-L. Dorcas calculava que não podia contar com nenhum deles. Mas decidiu fazer uma tentativa.

— Olha lá, Emmett — disse em voz alta. — Eu sou irmão de Harley Langford...

— E eu o seu filho — lançou Emmett.

— O seu filho adoptivo — corrigiu Dorcas. — O que faz uma grande diferença.

— Não faz diferença nenhuma. Além disso o velhote disse que eu é que ia dirigir as coisas.

— É mentira — gritou Dorcas. — Ele não disse nada disso! Ele disse...

— Chamar-me mentiroso! — berrou Emmett tentando forçar a cena.

Dorcas deitou um olhar rápido na direcção dos estábulos. Nenhum dos homens dava atenção aos cavalos. Todos os homens do H-L, assim como os três de Dorcas, estavam parados à espera. Mas não havia nenhuma disposição de forças, nada de definido a indicar como iriam intervir os homens H-L contra ou a favor de Emmett Langford.

Nessa altura avançou Reb Jenkins.

— Olha lá, Emmett — disse ele — não queiras arranjar uma briga...

— Não te metas nisto!—preveniu Emmett.

— Meto se quiser. Continuo a ser o capataz e previno-te que não puxarei uma arma a teu favor — olhou rapidamente para o grupo — nestas condições. E os rapazes também não o farão.

Emmett deu um pequeno passo para o lado e fitou o círculo de rostos e não viu nenhum encorajamento. Voltou-se para Dorcas.

— Ponha-se daqui para fora!—berrou.— Monte a cavalo e desapareça deste rancho.

— Acho que Harley terá alguma coisa a dizer a esse respeito.

Emmett contornou Dorcas cortando-lhe o caminho directo para casa.

— Monte a cavalo!

Sam Sloane pôs-se ao lado de Emmett, com os polegares enfiados no cinto e um sorriso trocista e provocante nos lábios.

Dorcas hesitou; a situação era duvidosa, mas não estava disposto a forçá-la de momento. Era um homem instintivamente cauteloso e só lutava quando tinha as vantagens todas do seu lado.

Fez sinal aos seus homens e eles foram buscar os cavalos e selaram-nos. Depois os quatro bandidos afastaram-se lentamente do Rancho H-L. Quando já se encontravam a certa distância de casa, Emmett Langford dirigiu-se a Reb Jenkins.

— Agora podes ir tu buscar o cavalo e seguires o teu caminho. Não te quero cá ver mais!

— Foi o teu pai que me contratou e ele é que me há-de despedir — retorquiu Reb.

— Tens exactamente um minuto para selares um cavalo e te pores a andar — disse Emmett. — Sam, começa a contar.

Reb Jenkins encontrou-se montado ainda com uma folga de alguns segundos. Emmett voltou-se então para os vaqueiros.

— Mais alguém aqui quer saber quem é o patrão?

Nenhum respondeu e Emmett ordenou então:

— Montem todos a cavalo. Vamos sair hoje e quando regressarmos logo à noite só haverá um rancho, o H-L!

Catorze cavaleiros H-L, incluindo Emmett Langford e Sam Sloane estavam alinhados na erva alta do Vale da Ferradura, a quatrocentos metros dos edifícios do rancho Allison. Estes eram bastante grandes mas pequenos em comparação com os do Rancho H-L.

Emmett Langford, como um general de cavalaria, pôs-se em frente dos seus homens e passou revista à linha de batalha.

— Muito bem, pessoal — disse ele. — Sabem o que têm a fazer. Arrasar todos os edifícios, todos os estábulos!

Sam Sloane fez então avançar o cavalo.

— Espera um pouco, Emmett. Não discuto contigo quem é o chefe, mas não gosto disto, avançar assim abertamente. Eles abatem metade de nós antes de chegarmos ao alcance de tiro de revólver.

Emmett sorriu.

— Quem, o cozinheiro chinês?

Sam Sloane olhou para os edifícios do rancho.

— Não vejo ninguém, mas podem ter dormido; até mais tarde esta manhã.

— Não estão a dormir — disse Emmett. — Saíram de madrugada.

— Como é que sabes? Emmett hesitou.

— Fiz uma combinação.

— Com Cagle... ontem à noite? Emmett fez um aceno afirmativo.

— Allison às sete horas, Rudabaugh às oito e Macfadden às nove. Não haverá um só homem nesses lugares.

Sam Sloane começou a rir.

— Muito bem, chefe, estarei mesmo atrás de si. Voltou a pôr o cavalo na linha. Emmett segurou nas rédeas.

— Vamos! —gritou e esporeou o cavalo na direcção dos edifícios em frente.

Os catorze vaqueiros deram um grito selvagem ao lançarem-se para a frente a toda a velocidade. Quando estavam a meio caminho das casas um homem com um rabo-de-cavalo a voar atrás dele saiu a correr de casa.

Um vaqueiro disparou uma bala na direcção dele. Os outros homens começaram também a disparar e as balas levantaram a terra à volta do cozinheiro chinês. E depois, de repente, ele parou de correr e tombou no chão de cara para baixo.

Os vaqueiros precipitaram-se sobre os edifícios do rancho trespassando-os de balas, mas não houve nenhuma resposta nem mais nenhum ser humano saiu dos edifícios.

Os homens H-L apearam-se e começaram a destruir os edifícios. Daí a pouco saía fumo por todas as janelas e portas.

Não estiveram mais de quinze minutos no Rancho Allison mas quando se afastaram deixaram só um monte de fogo e fumo.

Ao partir do Rancho Allison, com Emmett Langford e Sam Sloane à cabeça, meteram pelos campos em direcção às terras de Rudabaugh, a cerca de nove ou dez quilómetros. Dali via-se o fumo de Allison, mas isso não tinha importância. Os homens de Rudabaugh, assim como os de Allison e de Macfadden estavam em Meadowlands a vinte quilómetros em direcção oposta. Seriam lá retidos, também; era essa a combinação que Cagle fizera com Emmett Langford.

Chegaram ao Rancho Rudabaugh dentro em pouco. Era maior e melhor do que o de Allison. Havia uma bela casa no extremo de uma alameda de choupos transplantados. As instalações dos vaqueiros e os estábulos ficavam dos dois lados por detrás dos choupos, por isso tinha de se passar por eles para se chegar à casa.

Desta vez Emmett não alinhou os seus homens.

Mal avistaram o rancho, os homens meteram os cavalos a trote e passaram mesmo à frente dos seus chefes, Emmett e Sloane. Foi o que salvou a vida destes. O Rancho Rudabaugh era uma emboscada. Não se encontravam homens à vista, mas nas camaratas e estábulos estavam quase vinte homens, todos armados de espingardas.

Os homens do H-L ao passarem entre os edifícios formavam um alvo perfeito. As forças de Rudabaugh eram bem comandadas, pois retiveram o fogo até a maioria dos homens do H-L se encontrarem na linha de tiro. Nessa altura foram dadas ordens e dos dois lados partiram descargas.

Com a primeira rajada ficaram logo quatro selins vazios. Mais dois homens tombaram um momento mais tarde e os outros dispersaram-se. Os homens de Rudabaugh começaram a sair dos edifícios e a disparar contra eles. Foram abatidos mais quatro homens. Só dois, além de Sloane e Emmett, conseguiram fugir. Estes últimos não chegaram a estar na linha de fogo porque, como tinham sido ultrapassados pelos vaqueiros, estavam cinquenta metros atrás da armadilha e à primeira descarga voltaram os cavalos e curvando-se sobre os selins fugiram o mais que puderam.

Les Cagle tinha feito uma combinação com Emmett Langford... para o trair. Os edifícios do Rancho Allison tinham sido sacrificados, sim, mas era um pequeno preço a pagar. Allison sem dúvida seria compensado de qualquer forma; talvez outra traição.

A três quilómetros da cena do desastre, Sam Sloane alcançou Emmett Langford. O rosto de Emmett estava exangue e tinha uma expressão de fúria nos olhos. Sloane gritou-lhe para parar o cavalo mas o rapaz nem o ouviu. Depois Sloane forçou o seu animal a aproximar-se do de Emmett e, inclinando-se, deitou mão às rédeas e fez parar os dois cavalos.

— Eles vêm atrás de nós! — gritou Emmett. Sloane esbofeteou o rosto de Emmett com a palma da mão, depois desfechou um soco com os nós dos dedos.

— Eu devia ter mandado examinar a minha cabeça quando deixei que um fedelho como tu me desse ordens — rosnou Sloane.

— Cagle traiu-me!

— Claro que te traiu! Devias ter contado com isso. Isto é um jogo de homens! — Sloane respirou fundo. — Ia a coisa tão bem e estragaste tudo. Lá tenho que me pôr de novo ao fresco!

— Deixa-me ir contigo, Sam!

— Tu! Preciso tanto de ti como de uma marreca nas costas!

— Eu sei disparar — declarou Emmett. — E sou capaz de puxar de uma arma tão depressa como qualquer homem. Tu próprio o disseste.

— Claro que disse — retorquiu Sloane trocista.

— Isso era quando recebia o ordenado do teu pai

— fungou. — Julgas então que és capaz de puxar de uma arma?

Levantou as mãos à altura dos ombros .

— Vamos, puxa...

Emmett limpou a saliva da boca com as costas da mão.

— Não há muitos homens que te possam bater, Sam...

— Não há nenhum!

— ... excepto Ralls...

— Ralls! — exclamou Sam Sloane. — Consta que venceu muitos homens, mas quem é que viu fazê-lo? Um homem assassina outro, dispara quando ele não está a olhar e cria uma reputação. Eu tenho enfrentado os melhores e continuo aqui. E continuarei por muito tempo depois de Ralls estar enterrado.

— Ralls já deve estar morto. Ou então falta pouco.

— Como é que sabes?

— Dorcas partiu. Quando ele não aparecer no esconderijo, julgas que Bickle vai deixar Ralls sair calmamente?

— E a moça?

— Ela também. Sloane franziu a testa.

— Tu és um bom malandro, não és, Emmett? — continuou com ar pensativo. — Dorcas partiu, assim como a maior parte dos seus homens. E Ralls não voltará a aparecer. Nem a moça. Isso deixa o teu. velhote... e nós...

— Contra Cagle e todos os outros rancheiros. Um sorriso velhaco torceu as feições de Sloane.

— E quanto tempo julgas tu que eles vão ficar amigos? Claro que se uniram contra o teu pai porque ele tinha-os arrumado se assim não fosse. Mas julgam que o H-L já não conta. Devem andar agora a ver se se governam... — passou a língua pelos lábios. — Um homem hábil, escondido e a caçar um de vez em quando, podia acabar com eles. Não confiam uns nos outros e cada um pensará que são os restantes que os estão a perseguir...

— Dois homens hábeis fariam um trabalho melhor, Sam — gritou Emmett.

Sloane hesitou.

— Um homem hábil e um principiante...

— Muito bem, Sam. Dirige tu as coisas. Mas eu acompanho-te. E hei-de de te mostrar que sou capaz de disparar como os melhores deles. Hei-de de te mostrar!

 

Ao levantar a cabeça do chão, Jim Ralls viu o cavaleiro que se aproximava. Estava talvez a duzentos metros de distância e a descrever um círculo largo que o levaria a perto de trinta metros de Ralls e Sage. O cavaleiro ia inclinado sobre o lado direito, examinando o chão à procura de pegadas.

Bastante atrás do cavaleiro, e avançando em círculo, vinha outro homem a cavalo. E mais para a direita, mais ou menos a quilómetro e meio, via-se ainda um terceiro.

— Temos uns minutos — disse Ralls a Sage. Depois exclamou: — Ele vem montado no meu cavalo!

Sage levantou involuntariamente a cabeça.

— Julguei que o seu cavalo era preto.

— O seu querido irmão adoptivo matou-o ontem. Este é o animal que eu usava como cavalo de carga. Na realidade um cavalo mais ligeiro que o preto. Abaixe-se!...

Sage encolheu a cabeça e Ralls agarrou na «Winchester». Apoiou-se deliberadamente num joelho e fez pontaria.

Nessa altura o homem descobriu Ralls e disparou sem demora um tiro de revólver na sua direcção que errou o alvo por metros.

Ralls puxou o gatilho. O bandido foi cuspido do selim com um grito rouco. No mesmo instante Ralls pôs-se em pé dum salto e, metendo dois dedos na boca, assobiou com estridência.

O cavalo que tinha acabado de perder o seu cavaleiro, parou instantaneamente e espetou as orelhas. Ralls voltou a assobiar e o animal galopou para ele.

Enquanto o cavalo avançava, Ralls viu que outro cavaleiro vinha direito a eles. Ejectou o cartucho da câmara da «Winchester» e introduziu nova munição.

O cavalo de Ralls parou e batendo com os cascos no chão relinchou em sinal de reconhecimento.

— Abaixe-se — disse Ralls a Sage — vou tratar

do número dois.

O segundo bandido estava a quatrocentos metros, aproximando-se velozmente. Ralls colocou-se de um dos lados do cavalo com a espingarda em posição. Trezentos metros.

O bandido começou a puxar as rédeas ao cavalo. Nessa altura Ralls levou a espingarda ao ombro, disparou e introduziu rapidamente novo cartucho. Disparou de novo. Não soube se tinha acertado com o primeiro se com o segundo tiro, mas o resultado foi satisfatório. O cavalo ficou subitamente sem cavaleiro.

Ralls avançou, agarrou as rédeas do seu cavalo e, voltando-se, fez sinal a Sage que já estava a levantar-se do chão.

— Monte!

— Mas você...

— Vou tratar do terceiro homem — disse Ralls. — Vá apanhar o outro cavalo.

A ordem satisfez Sage, e Ralls, pondo as mãos no estribo ergueu-a até ao selim. Ela apoderou-se das rédeas, fez girar o animal e lançou-o atrás do cavalo que se afastava sem destino.

Ralls voltou-se e viu o terceiro bandido ainda a mais de novecentos metros de distância e decidiu mantê-lo longe. Disparou uma bala de espingarda na direcção do homem. Foi suficiente como aviso para o homem que já tinha visto a queda dos seus dois camaradas. Não fugiu, mas manteve-se à distância, exactamente no limite do alcance da espingarda.

Ralls começou a caminhar para Sage. Estava certo que ela conseguiria apanhar o outro cavalo e queria ganhar o máximo de tempo possível.

Poucos minutos mais tarde viu-a aproximar-se do animal sem cavaleiro, apoderar-se das rédeas, voltar e avançar para ele. Ralls correu ao seu encontro.

Atirou-se para cima do selim mas antes de partir olhou para trás. O bandido continuava a manter uma distância cuidadosa, mas do lado da montanha descera outro homem para se reunir a ele. Aquilo resolveu o assunto do quarto homem.

Ralls disse a Sage:

— Está decidida a voltar ao H-L?

— Lá recomeça você! — exclamou ela. — Acho melhor que me diga onde quer chegar.

— Talvez tenha chegado a ocasião de saber. Foi Emmett que disparou contra o seu pai.

Sage fitou-o incrédula.

— Isso é ridículo! Ralls abanou a cabeça.

— Não é mais ridículo do que Harley Langford ter morto o seu pai.

— O quê?

— Harley Langford não é o seu pai.

— Você está louco!

— Tenho pensado muito. Talvez não tenha tudo esclarecido, mas estou muito perto. Harley é pai de Emmett mas não o seu.

— É exactamente o contrário. Emmett foi adoptado.

Eu... eu sou Sage Langford. Não sou adoptada...

— Que idade tem Emmett?

— Vinte e três.

— E você?

— Vinte e um. Mas não vejo...

— Harley Langford recolheu Emmett depois do Massacre de Mountain Meadows. É o que ele diz,

não é?

— Sim, mas... — Sage franziu a testa. — Daqui a pouco diz-me que o meu pai foi um dos assassinos!

— Não, ele não era nenhum dos mormons que participaram no Massacre. Nem foi lá que arranjou Emmett.

Cavalgavam agora a passo rápido, lado a lado. Sage olhou por cima do ombro para Ralls.

— Você parece que sabe imenso sobre o Massacre de Mountain Meadows.

— Sei mais sobre ele do que qualquer homem vivo. Passei pelo menos cinco anos a estudar a história das vítimas... e também dos perpetradores. Ainda não acabei a tarefa, mas não me parece que seja necessário. Tenho a certeza de que nem Emmett nem o seu pai se encontravam, a menos de trezentos quilómetros de Mountain Meadows na altura do Massacre ou imediatamente depois. Estavam exactamente aqui neste vale.

— E onde estava eu?

Ralls ficou uns instantes calado. Depois disse:

— Ontem à noite disse-me que tinha a sensação estranha de já ter estado antes no Vale Escondido. Acho que era lá que estava, há dezassete anos.

— Com quem?

— É esse um dos pontos a respeito dos quais não estou certo. Nunca poderei ter a certeza a não ser que...

— A não ser o quê?

— Que Harley Langford fale. Ou talvez Roy Dorcas. Ele sabe.

Sage exclamou:

— Ele sabe o quê?

— Toda a história.

Sage abanou a cabeça de espanto.

— Não percebo de que é que está a falar. Estou tão confusa! Eu... eu não sei nada!

— Talvez eu a possa ajudar a esclarecer as coisas. De que é que se recorda da sua infância? Fale-me das suas recordações mais antigas. Fale-me dos seus pais.

— Lembro-me do pai, claro. E do rancho...

— Lembra-se da sua mãe?

— Não sei. Às vezes vejo a imagem de uma pessoa... uma mulher de ar cansado.

— Cansado? Ia usar outro adjectivo.

— Assustada? Está bem, é essa a imagem que tenho sempre dela. Parecia assustada e... chorava. Sempre... estava sempre a chorar. E depois a imagem desaparece — de repente olhou para ele. — Na noite passada a imagem estava mais nítida do que nunca. Ali, na escuridão, quando me deixou um momento para... para ir atrás do segundo guarda. Estava tão nítida como se a cena estivesse a passar-se ali. A mãe, se era a mãe, chorava e corria. Depois caiu. Mas primeiro houve um... um ruído forte...

— De uma arma? — sugeriu Ralls.

— Não sei. Isso podia ter-me sido sugerido porque estava à espera de o ouvir disparar contra o homem. Mas a cena era a mesma. As duas cabanas, a montanha e... e a mãe!

Parou e seguiram uns momentos em silêncio. Sage baixara a cabeça.

Ralls disse com suavidade:

— Não se lembra de nenhum outro pai além de... Harley Langford?

Ela não respondeu logo. Depois, de repente, abanou a cabeça.

— Lembra-se quando Emmett foi viver com vocês?

— Sim. É uma das coisas que me lembro muito bem. Vivíamos sós, o pai e eu e... — parou e levantou a cabeça. Ralls, olhando-a disfarçadamente, viu que tinha os olhos a piscarem num esforço para se recordar.

— Quase que ia a dizer o Tio, mas não estava certa, porque não tenho nenhum tio.

— Quando começou a dizer Tio surgiu-lhe a imagem de alguém no espírito? — perguntou Ralls rapidamente.

— Não, não... — Sage hesitou e depois exclamou — Estou demasiado confusa! Apareceu-me de facto uma imagem, mas é impossível. Era a do chefe dos bandidos, Roy Dorcas.

— É isso mesmo! — exclamou Ralls — Era Do cas!

— Quer dizer que o Dorcas é meu tio?

— Não, mas digo que ele é irmão de Harley Langford. Devia ter pensado nisso há mais tempo.; Há uma certa parecença. Não muito, mas o suficiente. Estava sempre a pensar no rosto do Dorcas. Era porque tinha conhecido primeiro Harley Langford. E o Vale Escondido, Dorcas conhecia-o. Ele disse-me que as pessoas daqui não seriam capazes de o encontrar mesmo que soubessem que ele ali estava. Mas Dorcas sabia, porque já tinha lá estado antes. Há vinte anos, ou dezassete.

— Jim! — gritou Sage — Olhe!...

Numa das poucas vezes da sua vida Ralls tinha sido apanhado desprevenido. Mas tinha estado tão concentrado no assunto e em observar Sage que nem olhara para o vale. Agora levantou os olhos e viu Roy Dorcas.

Dorcas e três cavaleiros vinham direitos a eles, e encontravam-se a menos de cem metros de distância. Não muito atrás deles ficava um grupo de árvores de onde evidentemente tinham saído.

Ralls ergueu a «Winchester» mas parou. Roy Dorcas tinha erguido a mão direita, com a palma voltada para ele no gesto índio que significava amizade ou desejo de parlamentar.

Ralls não confiava no chefe dos bandidos, mas a distância entre eles era pequena e atrás vinham mais dois meliantes, Ralls não estava em posição para travar um duelo, especialmente com Sage junto de si.

Parou o cavalo.

— Isto pode correr mal. Se se esboçar luta, fuja!...

Os homens de Dorcas sustiveram os cavalos, mas Dorcas avançou até ficar a nove metros de Ralls. Durante um momento Dorcas fitou Ralls com amargura.

— Com que então fugiu!—os seus olhos desviaram-se de Ralls para os dois cavaleiros distantes. — É tudo o que resta?

— A sua corda está no fim, Dorcas — disse Ralls.

— Estou a envelhecer. Penso partir amanhã. Talvez arranje uma quinta nalgum sítio, lá para Leste — contorceu o rosto com irritação. — Mas primeiro tenho de arrumar certas coisas — o seu olhar desviou-se para Sage. — Isto diz-lhe respeito a si.

— É meu tio? — disparou subitamente Sage. Dorcas teve um sorriso forçado.

— O que é que você sabe exactamente, Ralls?

— Quase tudo, possivelmente tudo.

— Disse-lhe a ela?

— Tudo não. Ela... ela não quer acreditar. E não a posso censurar. Eu também levei algum tempo a convencer-me.

— É meu tio? — insistiu Sage.

— Não respondo a essa pergunta — disse Dorcas. — Isso é com Harley. O fedelho enlouqueceu! Correu comigo do rancho. Tem planos loucos a respeito de correr com toda a gente do território...

— Incluindo Harley Langford? — disse Ralls.

— Está convencido que foi ele que atirou sobre Harley?

— E você não pensa assim?

— Sim! Tenho a certeza de que Harley o sabe, mas não quer admiti-lo, mesmo por si próprio. O seu próprio-filho!

Sage exclamou:

— Emmett é filho do pai, seu verdadeiro filho? Dorcas aclarou a garganta mas não olhou para Sage. Disse a Ralls:

— Quer tentar alcançar o rancho... comigo e com os rapazes?

— Juntos?

— Você próprio disse que o jogo estava no fim — encolheu os ombros.

— Dou-lhe a minha palavra...

— A sua palavra... — atalhou Ralls. Depois acrescentou subitamente. — Muito bem, irei consigo. Mas... — apontou o polegar por cima do ombro — diga àqueles tipos para se manterem à distância.

 

Na elevação sobranceira aos edifícios do rancho H-L, Ralls e Sage pararam os seus cavalos. Cinquenta metros atrás, Dorcas parou também. Os seus homens, reduzidos a cinco, vinham a mais de quatrocentos metros de distância.

Não estavam com muita vontade de descer até ao H-L e preferiam manter uma distância prudente entre eles e o rancho. Dorcas insistira, mas mostraram-se inabaláveis, não iam mais longe.

— Cobri-lo-emos se tiver de fugir — resmungara Bickle — mas raios me partam se me vou meter numa armadilha.

Viam-se muitos homens no H-L mas eram todos desconhecidos. Não pertenciam ao H-L. Dois cavaleiros aproximaram-se do pequeno grupo que estava na elevação. Vinham armados com espingardas, e dos coldres emergiam os revólveres de seis tiros.

De certa distância, um dos cavaleiros gritou:

— Afastem-se se têm amor à pele. Ralls fez avançar o seu cavalo.

— Quem é que manda? — perguntou ele.

— O que é que você tem com isso? — gritou um dos homens em resposta. Depois fez estacar tão subitamente o cavalo que este quase caiu sobre as patas traseiras.

— Jim Ralls!

— Quero falar com a pessoa que dirige isto — disse Ralls.

Os dois cavaleiros estavam a afastar-se já em direcção aos edifícios do rancho.

Ralls, depois de os ver partir, apercebeu-se de um homem que avançava para eles. Discutiram os três, depois o novo homem avançou a trote para Jim Ralls. Quando se aproximou Ralls reconheceu Les Cagle, de calças de ganga, botas e coldre em vez do seu vestuário habitual de patrão de bar.

Cagle estacou a doze metros.

— Julguei que já estava longe daqui.

— Queremos falar com Harley Langford — disse Ralls — isto é, se ainda está vivo.

— Oh, está vivo, sem dúvida, mas não sabe o que aconteceu?

— Parece que se apoderou do H-L, o que não me surpreende muito. Sempre calculei que o fizesse.

Cagle deu uma risada.

— Aquele miúdo do Emmett! Incendiou esta manhã o rancho de Allison e tentou fazer o mesmo ao de Rudabaugh. Mas não foi tão bem sucedido.

— Morreu?

— Fugiu com mais um ou dois homens. Por agora já devem ter atravessado a fronteira para o Idaho.

— E então você veio até cá e apoderou-se de tudo?

— Porque não? Era o que Langford pensara fazer connosco — os seus olhos foram de Ralls para Sage e Roy Dorcas. — Para que é que serve um homem inválido?

— Não deve ser coisa que o incomode muito a si.

— Incomoda alguns dos rapazes. De qualquer modo a ele só lhe resta um dia ou dois.

— Então não se deve importar que falemos com ele.

De novo os olhos de Cagle percorreram os companheiros de Ralls.

— Você, trás Roy Dorcas consigo!

— É irmão do Langford.

— Eu sei — Cagle trincou o lábio inferior e de repente chamou — Dorcas!

Dorcas avançou com Sage ao lado.

— O que é? — disse Dorcas. Depois abriu muito os olhos — Bert Needham!

— Chamo-me Cagle — disse o dono do bar. — Les Cagle — fez uma pequena pausa. — Exactamente como o seu é Roy Dorcas.

— Porque não, Cagle? Cagle abanou a cabeça.

— É este o meu nome, Roy. Joguei as minhas cartas e ganhei. Não quero voltar ao princípio.

— Ponho-me a mexer depois de falar com o Harley.

— Não me chega. Calculo de que é que queres falar com o Langford, aqui com o Ralls, e acho que não é mau vocês falarem,. Talvez ajude a limar as arestas. A única coisa é que, bem, levei muitos anos para preparar esta jogada. Muitos anos!

— Com certeza, Cagle — concordou Dorcas. — Não precisas de me explicar nada. Queres que me cale diante da tua gente.

— E que me dêem as vossas armas.

— Não — declarou Ralls. — Fiquei já ontem sem a minha arma.

— Então não passa daqui, Ralls!

— Acha?

Os olhos de Cagle estreitaram-se.

— Você não pode ganhar...

— Experimente, então!

— Maldito seja, Ralls!

Devia-o ter morto a primeira vez que lhe pus os olhos em cima. Só me tem causado sarilhos!

— E você também me tem causado alguns. Nós vamos descer, Cagle.

— Raios o partam! —mas Cagle recompôs-se subitamente. — Muito bem, mas talvez não voltem a sair! — voltou o cavalo e meteu-o a galope.

Ralls, Dorcas e Sage seguiram todos juntos em direcção às instalações do rancho. Quando desmontaram, Ralls conservou-se a um passo ou dois de Cagle. Havia homens por todos os lados, olhando-os com expressões hostis.

A porta da casa abriu-se e apareceu o grande Ben Rudabaugh.

— Cagle! — rugiu ele. — Quem é que você traz?

— Veja com os seus olhos — rosnou Cagle. Rudabaugh mostrou os dentes num sorrisso lupino.

— Veio para a tal luta, Ralls?

— Afaste-se de mim — preveniu Ralls. Rudabaugh riu.

— Você desce ao antro do leão e diz ao leão que se afaste? — deu uma grande palmada na coxa. — Quando há-de ser? Agora?...

Ralls levou a mão à coronha do revólver.

— Afaste-se, Rudabaugh, vou entrar em casa.

— Deixe-o entrar — disse Cagle. Rudabaugh deu um passo para o lado. Cagle

fitou-o e abriu a porta da frente. Entrou com Ralls nos seus calcanhares e, passando a um metro de Rudabaugh, quase à espera que o homenzarrão se atirasse a ele. Rudabaugh não estava muito à-vontade. Quando Sage e Dorcas seguiram Ralls, Rudabaugh segurou na porta e seguiu-os.

No interior, Cagle abriu caminho até ao quarto de Harley Langford. Entrou, segurando a porta para os outros passarem. Sage passou à frente de Ralls e entrou no quarto.

Dirigiu-se à cama, mas antes de lá chegar, parou e fitou atentamente o doente.

Harley Langford tinha o rosto cinzento e vincado.

— Sage! — disse ele.

— Pai! — gritou Sage. Deu um passo em frente mas dominou-se mais uma vez.

Roy Dorcas disse:

— Ralls contou-lhe.

O rosto de Harley Langford contorceu-se.

— É o mesmo — disse numa voz inexpressiva. Um soluço subiu da garganta de Sage.

— É verdade... que não é... meu pai?

Por detrás de Sage, Jim Ralls disse com dureza:

— O seu pai era Rance Martindale. O nome de solteira da sua mãe era Helen Sutherland. Tom Sutherland, o seu tio, foi o maior amigo que tive neste mundo!

— É por isso que me tem perseguido durante todos estes anos? — perguntou Langford com voz fatigada — Tom Sutherland é que o meteu na história. Mas porque é que... porque é que Sutherland não o fez ele próprio?...

— Morreu na Virgínia — disse Ralls. — Morreu para salvar a minha vida — parou. Sage estava diante de si, com o rosto coberto com as mãos soluçando com tanta violência que todo o seu corpo era sacudido.

Lágrimas. Lágrimas. Helen Martindale também tinha chorado, e tinha sido morta. Tinha visto o marido assassinado, sabia o que o destino lhe reservava e caminhara para a morte, chorando!

Ralls prosseguiu sem misericórdia:

— Você assassinou Rance Martindale, Langford! Assassinou-o a sangue frio e matou a mulher dele! Por causa de cinquenta mil dólares em ouro...

O rosto de Langford traduziu angústia.

— Por cinquenta mil dólares — disse ele — e este vale. Sim, foi Martindale que o descobriu. Já tinha construído esta casa quando Roy... Quando Roy e eu viemos para cá para o nosso velho esconderijo.

A justiça perseguia-nos e deixámo-nos estar durante algum tempo no Vale Escondido. Depois deparámos com este sítio e com Martin-dale... bem, ele aceitou-nos sem perguntas, deu-nos trabalho... — fez uma pausa. — Ele ia para o Leste buscar uma manada de gado. Eu... eu parti com ele, mas voltei daí a pouco... sozinho. O resto já sabe. Fiquei com o rancho!

Da porta Ben Rudabaugh perguntou de súbito:

— Mas se matou o pai e a mãe dela porque é que não matou também a Sage?

Os olhos de Langford fecharam-se de sofrimento e Roy Dorcas respondeu:

— Esse era o ponto mais fraco do plano. Harley já não queria continuar a andar comigo. Gostou deste sítio, mas Martindale já cá tinha vivido durante três a quatro meses. Era aparentemente o único homem do território, mas não podíamos ter a certeza se tinha passado alguém por cá. Podiam não se lembrar do rosto do homem, mas recordar-se-iam que vivia aqui um homem e uma mulher que tinham uma filha...

Harley Langford voltou a abrir os olhos.

— Isso não era tudo. Eu não lhe podia fazer mal a ela. Também tinha um filho. Trouxe-o para cá...

— E criou-o como filho adoptivo e a moça como sua filha verdadeira — disse Ralls. — Para o caso de alguém se lembrar. Tom Sutherland por exemplo...

— Tom Sutherland — repetiu Langford. — Nunca tinha ouvido falar nele!

— Tinha com certeza — disse Ralls com irritação. — Não é capaz de admitir a verdade perante si próprio mesmo agora... quando está ás portas da morte! Sage... — Ralls estendeu a mão e quase lhe tocou, mas dominou-se a tempo. — Diga-lhe aquilo de que se lembra, o Vale Escondido, para onde ele levou a sua mãe...

— Meu Deus! — exclamou Ben Rudabaugh. — Quer dizer que ele não a matou logo?

— Pergunte-lhe — retorquiu Ralls. Harley Langford gemeu.

— Eu... está bem, eu apaixonei-me por ela. Mas ela...

Do lado de fora da janela rugiu uma arma. Partiram-se vidros e Harley Langford gritou; o último som que soltou!

Do exterior da janela partida surgiram mais chamas mas entretanto já Ralls se tinha deslocado. Em vez de puxar da sua arma aproveitou a preciosa fracção de segundo para mergulhar para a frente e deitar Sage ao chão. Ele caiu também mas ao levantar-se trazia a arma na mão.

A arma do lado de fora rugiu de novo e uma dor percorreu o braço esquerdo de Ralls. Depois a sua arma fez fogo e o homem que estava do outro lado da janela tombou.

Ralls dirigiu-se à janela e enfiou através dela. Aterrou pesadamente do outro lado, fitou por um instante os olhos fixos e embaciados de Emmett Langford caído no chão e começou a correr em direcção à esquina da casa.

Faltavam três metros para lá chegar quando surgiu Sam Sloane. Sam Sloane, o extraordinário pistoleiro, tinha um cigarro pendente do lábio inferior e uma arma na mão.

— Ralls! — disse ele.

Disparou e Ralls cambaleou para a frente. Mas enquanto caía de joelhos Ralls disparou. A arma tombou da mão de Sam Sloane. Ralls disparou de novo e tombou a seguir sobre as mãos e joelhos.

Mas Sam Sloane estava morto.

Ralls ouviu ruído de passos e tiros, tiros abafados. Mas continuou apoiado sobre as mãos e joelhos, fixando um pequeno espaço em frente dos olhos.

Ainda se encontrava nessa posição quando Ben Rudabaugh pousou uma mão pesada no seu ombro.

— Ralls — disse ele — você apanhou Sloane. E Emmett.

— Suponho que sim — disse Ralls — apanho sempre.

Rudabaugh parou junto de Ralls e tentou olhar-lhe para o rosto mas não pôde porque Ralls continuava com os olhos fixos no mesmo sítio.

— Você está ferido, homem — disse Rudabaugh num tom perto da admiração, o que era invulgar nele. — Você está muito ferido!

— Hei-de sobreviver — disse Ralls. — Tenho de viver. Há o Cagle...

— Está morto — disse Rudabaugh. — Ele e Dorcas ajustaram as suas contas. Dorcas está a morrer...

— Sage...

— Estou aqui — disse Sage. Veio a correr e caindo de joelhos junto de Ralls pegou-lhe com ternura no braço mais próximo. — Estou aqui, Jim — e ao fim de um momento acrescentou: — Para sempre!

— Muito bem — disse Ralls — então hei-de viver!

 

                                                                                Frank Gruber  

 

                      

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