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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O FANTASMA INEXPERIENTE / H. G. Wells
O FANTASMA INEXPERIENTE / H. G. Wells

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

Biblio VT

 

 

 

 

Lembro-me vividamente da cena quando Clayton contou sua última história. Ele permaneceu sentado durante grande parte do tempo em um dos cantos do antigo banco de madeira, próximo à ampla lareira, com Sanderson ao seu lado fumando o cachimbo Broseley que trazia seu nome gravado. Ali também estavam Evans e Wish, que, embora fosse um ator estupendo, era também um homem modesto. Havíamos todos chegado ao Mermaid Club naquele sábado de manhã, exceto por Clayton, que pernoitara no local, o que de fato lhe serviu de início para a sua história. Jogáramos golfe até escurecer e, após a ceia, nos encontrávamos imersos em um clima de tranquilidade propício para uma história. Quando Clayton iniciou sua narrativa, naturalmente supomos que estivesse mentindo. Pode ser que, de fato, estivesse; quanto a isso, o leitor logo poderá julgar tão bem quanto eu. Ele começou, é verdade, com um tom anedótico e corriqueiro, o que acreditamos ser apenas um artifício incurável daquele homem.
— Escutem — disse ele, após considerar longamente perante a chuva de faíscas vindas do pedaço de lenha que Sanderson golpeava —, vocês sabem que passei a noite aqui sozinho, não?
— Exceto pelos criados — observou Wish.
— Que dormiam na outra ala — Clayton completou. — Bem... — disse ele, antes de tragar longamente seu charuto, como se ainda hesitasse. Então, sem alarde, concluiu: — Eu apanhei um fantasma!
— Não me diga! — Sanderson exclamou. — E onde ele está?

 


 


Evans, que passara quatro semanas na América e era um grande admirador de Clayton, não conteve sua surpresa:

— Então quer dizer que você apanhou um fantasma? Muito bem! Conte-nos tudo agora mesmo.

Clayton respondeu que o faria em um minuto, pedindo-lhe que fechasse a porta. Olhando para mim como a se justificar, disse:

— É claro que ninguém está nos bisbilhotando, mas não queremos atrapalhar nosso excelente serviço com rumores de que há fantasmas perambulando pelo lugar. Todas essas sombras e painéis de madeira cobrindo as paredes podem lhes dar margem à imaginação. Além disso, esse era um fantasma incomum. Acho que ele não voltará a aparecer por aqui... nunca mais.

— Quer dizer que você não conseguiu prendê-lo? — provocou Sanderson.

— Não pude fazer isso com ele — admitiu Clayton.

Sanderson não escondeu seu ar de surpresa, ao que nós rimos, deixando Clayton visivelmente incomodado.

— Sei o que parece — disse ele, como se esboçasse um sorriso —, mas o fato é que era mesmo um fantasma, e estou tão certo disso quanto de que estou aqui, falando com vocês agora. Não é brincadeira, eu falo sério.

Sanderson deu uma longa tragada em seu cachimbo e, com os olhos avermelhados fixos em Clayton, deixou sair pelos lábios um fino jorro de fumaça mais eloquente do que muitas palavras.

Clayton ignorou o comentário.

— Foi a coisa mais estranha que já aconteceu na minha vida. Vocês sabem que eu nunca acreditei em fantasmas nem em nada do tipo, nunca! E então... apanho um num canto, e, de repente, a coisa toda se torna real.

Ele pareceu meditar ainda mais profundamente enquanto perfurava um segundo charuto com um curioso furador pequenino que possuía.

— Você falou com ele? — Wish estava curioso.

— Por cerca de, talvez, uma hora.

— Falador, não? — provoquei-o, juntando-me ao grupo cético.

— A pobre criatura estava com problemas — disse Clayton, encurvado sobre a ponta de seu charuto com um tênue ar de reprovação.

— Chorava? — alguém perguntou.

A memória fez com que Clayton suspirasse em lamento.

— Por Deus! Sim, pobre criatura!

— E onde você o apanhou? — perguntou Evans com seu melhor sotaque americano.

— Eu nunca me dei conta — continuou Clayton, ignorando-o — de como um fantasma pode ser uma criatura digna de pena.

Fez outra pausa, buscando os fósforos no bolso para acender o charuto.

— Eu me aproveitei das circunstâncias — refletiu, como se respondesse à pergunta anterior.

Nenhum de nós estava com pressa.

— Uma criatura continua sendo a mesma até após desencarnar. Isso é algo que frequentemente esquecemos. Pessoas com ideias firmes e obstinadas acabam se tornando fantasmas com a mesma índole. É verdade que a maioria dos fantasmas que nos assombra precisa ter ideais tão fixas quanto certos maníacos e ser tão obstinada quanto mulas para continuar voltando a este mundo de novo e de novo. Essa pobre criatura não era desse tipo.

De repente, ele olhou para cima de uma forma um tanto singular e seus olhos percorreram o cômodo.

— Digo isso com toda a bondade, mas é a mais pura verdade. Assim que coloquei meus olhos nele, pude ver que se tratava de uma criatura débil.

Ele fazia pausas com a ajuda de seu charuto.

— Dei de cara com ele no corredor, como sabem. Estava de costas para mim, e fui eu quem o vi primeiro. Logo que o avistei, soube que se tratava de um fantasma. Ele era transparente e tinha a aparência esbranquiçada. Através do seu peito, eu podia ver o brilho da janela no final do corredor. E não apenas sua fisionomia, mas também seu modo de se portar, me faziam percebê-lo como fraco. Ele aparentava não ter a mínima ideia do que deveria fazer, com uma das mãos apoiadas na parede e a outra flutuando próxima à boca. Assim!

— Como era sua fisionomia? — Sanderson quis saber.

— Esguia. O pescoço era de um homem jovem com duas grandes depressões na parte de trás, aqui e aqui. Tinha a cabeça pequena e feia, o cabelo desarrumado e as orelhas desproporcionais. Os ombros eram defeituosos, mais estreitos do que o quadril; usava uma camisa de gola baixa, um paletó curto pré-fabricado, calças largas e um pouco desgastadas na barra. Foi assim que o encontrei. Subi as escadas em silêncio, e não levava nenhuma luz comigo, já que havia velas na mesa de apoio e aquela lâmpada bem ali. Eu estava de chinelos e o vi assim que subi. De súbito, parei, fitando-o. Não me botou nem um pouco de medo, no entanto. Creio que, na maioria dessas circunstâncias, nunca sentimos tanto medo ou agitação quanto imaginávamos. Estava, ao invés disso, surpreso e interessado. Pensei comigo: “Meu Deus! Finalmente estou vendo um fantasma! E nos últimos vinte e cinco anos não acreditei em assombrações nem por um segundo”.

— Hum... — resmungou Wish.

— Fiquei parado por um breve momento antes que ele descobrisse que eu estava ali. Ele se voltou para mim abruptamente, e vi o rosto de um jovem com um nariz frouxo, um bigode curto e o queixo frágil. Ficamos assim por um instante, encarando um ao outro, com ele olhando para mim por cima do ombro. Então, ele pareceu se recordar de seu chamado superior. Voltou-se para mim, endireitou-se, projetou o rosto, levantou os braços e estendeu as mãos, como fazem as assombrações, vindo na minha direção. Ao fazer isso, escancarou a boca e emitiu um tênue e arrastado “buu”. Não, não foi nada assustador. Eu havia acabado de cear. Tomara uma garrafa de champanhe e, como me encontrava totalmente sozinho, dois ou três (ou talvez até quatro ou cinco) copos de uísque. Por isso, estava firme como uma rocha e não mais assustado do que se tivesse sido surpreendido por um sapo. “Buu!”, repeti. “Bobagem. Este não é o seu lugar. O que está fazendo aqui?”

“Eu podia ver sua hesitação. ‘Buu-uu’, ele insistiu.

“‘Buu uma ova! Você é membro do clube?’, perguntei; e só para mostrar que não me importava nem um pouco com ele, fui em sua direção, como se para acender minha vela, atravessando-o. ‘Você é membro?’ repeti, fitando-o de lado.

“Ele se moveu um pouco, afastando-se de mim, um tanto cabisbaixo. ‘Não’, respondeu à persistência do meu olhar interrogativo. ‘Não sou membro... sou um fantasma.’

“‘Bem, isso não lhe dá o direito de entrar neste clube. Tem alguém que você queira ver ou coisa que o valha?’, perguntei. Com a maior firmeza possível, por receio que ele confundisse a despreocupação do uísque com a distração do medo, acendi minha vela. Virei-me para ele, segurando-a. ‘O que está fazendo aqui?’, indaguei.

“Ele abaixara os braços e parara de resmungar. E ali estava ele, parado e constrangido, o espectro de um jovem fraco, tolo e desobstinado. ‘Estou assombrando’, disse.

“‘Você não tem negócios aqui’, respondi numa voz calma.

“‘Sou um fantasma’, ele pareceu se justificar.

“‘Pode ser, mas você não tem nada o que assombrar aqui. Este é um clube privado e respeitável. As pessoas vêm aqui com seus filhos e as babás e, pairando por aí descuidado desse jeito, uma pobre criatura dessa pode dar de cara com você e se assustar. Suponho que não tenha pensado nisso?’

“‘Não, senhor, não me ocorreu.’

“‘Pois deveria. Você não tem nenhum assunto com este lugar, tem? Não foi assassinado aqui nem nada do tipo?’

“‘Não, senhor, mas pensei que sendo uma casa tão velha e com as paredes cobertas de madeira...’

“‘Isso não é desculpa’. Eu o olhava com firmeza. ‘Essa sua visita é um erro’, completei num tom de superioridade cordial. Disfarcei, fingindo procurar meus fósforos, e o fitei com franqueza. ‘Se eu fosse você, não esperaria o galo cantar, desapareceria de uma vez.’

“Ele pareceu embaraçado. ‘O fato, senhor, é que...’, começou.

“‘Eu só sumiria’, falei, querendo fazê-lo chegar à mesma conclusão.

“‘O fato é que, por algum motivo, eu não consigo.’

“‘Não consegue?!’

“‘Não, senhor. Parece que acabei me esquecendo de algo. Estou perambulando por aqui desde a meia-noite de ontem, escondendo-me nos armários dos quartos vazios e coisas do tipo. Estou desconcertado. Nunca antes assombrei ninguém, e isso parece ter me desorientado.’

“‘Desorientado?’

“‘Sim, senhor. Já tentei diversas vezes, e não parece funcionar. Devo ter me esquecido de algum pequeno detalhe e não consigo me lembrar.’

“Isso, sabem, me deixou bastante impressionado. Ele me olhava de uma maneira tão miserável que, por Deus, não consegui mais manter o ar de superioridade com o qual lhe tratara até então. ‘Que estranho’, eu disse e, naquele momento, achei ter ouvido alguém no andar de baixo. ‘Venha até o meu quarto e me explique melhor isso; por certo, não entendi muito bem.’ E tentei puxar-lhe pelo braço. Mas, é claro, foi como tentar agarrar uma nuvem de fumaça! Eu havia me esquecido em que quarto estava, acho. De qualquer forma, lembro-me de ter entrado em diversos aposentos até encontrar o meu; por sorte, eu era a única alma viva naquela ala. ‘Aqui estamos’, disse-lhe, sentando-me na poltrona. ‘Sente-se e conte-me mais sobre isso. Parece-me que você se meteu numa bela enrascada, amigo.’

“Bem, ele disse que não se sentaria! Que preferia flutuar pelo quarto se eu não me importasse. Foi isso o que fez e, em pouco tempo, a conversa se estendeu e tomou ares mais graves. Repentinamente, o que restara de todos aqueles uísques e do champanhe evaporou do meu corpo, e comecei a me dar conta da situação curiosa em que me encontrava. Bem à minha frente estava o que podemos esperar de um fantasma convencional, um ser meio transparente e que não emitia ruído algum, exceto por sua voz fantasmagórica, pairando para cima e para baixo naquele quarto agradável e limpo, recoberto de tapetes. Através dele, podia-se ver os candelabros de cobre, as luzes nos lustres de latão e as molduras nas paredes; e ali estava ele, contando-me tudo sobre sua vidinha miserável que chegara ao fim havia pouco tempo. Ele não tinha um semblante particularmente honesto, mas, sendo transparente, é claro que não poderia deixar de dizer a verdade.”

— Como é? — questionou Wish, ajeitando-se de súbito em sua poltrona.

— O quê? — Clayton parecia confuso.

— Sendo transparente, ele não poderia deixar de dizer a verdade? Não entendi.

— Nem eu entendo — Clayton respondeu com uma segurança incontestável. — Mas assim foi, posso assegurar. Eu não acho que ele tenha se esquivado da verdade por nenhum momento. Ele me contou como morrera: havia descido a um porão em Londres para verificar um vazamento de gás com uma vela em mãos. Disse-me que era professor em uma escola particular na cidade quando isso aconteceu.

— Pobre alma! — comentei.

— Essa também foi a minha impressão, e quanto mais ele falava, mais eu pensava assim. Lá estava ele, sem um propósito na vida e na morte. Ele me contou sobre seus pais e seu professor, nos tempos de escola, e todos aqueles de quem se lembrava e significavam algo para ele. Ele fora um homem muito sensível, muito nervoso. Nenhuma dessas pessoas o havia valorizado ou compreendido de verdade, segundo me contou. Acho que nunca tivera um amigo de fato; nunca fora bem-sucedido. Mantivera-se alheio à diversão e falhava em qualquer tipo de exame. “É assim com algumas pessoas. Sempre me dava um branco quando precisava prestar um exame”, explicou. Estava noivo, suponho que de outra criatura também tão sensível quanto ele, quando o incidente com o vazamento de gás pôs fim à sua vida. “E onde você foi parar agora?”, perguntei-lhe. “Suponho que não no...?”

“Quanto a isso, parecia não ter certeza. A impressão que me passou foi a de que se encontrava em um estado vago e intermediário, um lugar reservado para almas alheias a algo tão marcante quanto pecado ou virtude. Eu não sei. Ele me pareceu autocentrado e indiferente demais para me passar uma ideia clara sobre que tipo de lugar existe no além-túmulo. Onde quer que tivesse ido parar, parecia se encontrar em meio a almas como ele: espectros de jovens pobres do leste londrino, todos atendendo por nomes cristãos e, entre eles, certamente haveria muitas conversas sobre ‘saírem para assombrar os outros’ e coisas do tipo. Sim... sair para assombrar! Eles pareciam pensar que ‘assombrar’ era uma aventura tremenda, e a maioria mergulhava num frenesi ao fazer isso. E então, instigado, ele havia saído para assombrar.”

— Francamente! — disse Wish, encarando a lareira.

— Foi essa a impressão que ele me passou — Clayton afirmou com modéstia. — É claro que talvez eu não estivesse conseguindo discernir muito bem, mas foi isso o que ele me contou sobre sua história. Ele continuava a pairar por ali, falando sem parar com a voz aguda sobre seu estado miserável, sem nunca exprimir uma sentença clara do começo ao fim. Ele me parecia mais esguio, ridículo e inútil então do que se estivesse vivo em carne e osso. É claro que, se assim fosse, ele não estaria em meus aposentos. Eu o teria expulsado.

— Claro que existem tipos assim — aquiesceu Evans.

— E as chances de esses tipos se transformarem em fantasmas são iguais às nossas — admiti.

— O que lhe conferia algum sentido era o fato de que ele parecia ter se deparado com suas limitações, sabem. A confusão em que se metera com essa história de assombração o havia deprimido terrivelmente. Haviam lhe dito que seria como “aplicar uma peça”; ele viera até aqui esperando se divertir e, aqui estava, nada além de outro desastre para sua lista! Ele se declarara um total fracasso. Disse-me, e eu acredito, que tudo o que tentara fazer em vida havia se mostrado um infortúnio total, agora fadado a se repetir por toda a eternidade. Se ao menos alguém houvesse lhe mostrado compaixão, talvez... Nesse momento, ele fez uma pausa e ficou parado, fitando-me. Ele comentou que, por mais estranho que me pudesse parecer, ninguém nunca havia lhe mostrado tanta compaixão quanto eu fizera. Pude ver onde ele queria chegar de imediato e decidi dissuadi-lo prontamente. Posso ser um tanto insensível, vocês sabem, mas ser o único amigo e confidente de uma criatura fraca e autocentrada, fantasma ou não, está além do que posso suportar. Levantei-me bruscamente. “Não vá tirando conclusões precipitadas”, disse-lhe. “O que você deve fazer é ir-se embora imediatamente. Recomponha-se e tente!” “Não consigo”, ele retrucou. “Pois tente”, insisti. E foi o que ele fez.

— Tentar? — indagou Sanderson. — Como?

— Por meio de passes — explicou Clayton.

— Passes?

— Séries complicadas de gestos e passes com as mãos. Foi assim que ele chegara até aqui e assim iria embora. Santo Deus! No que me meti!

— Mas como uma série de passes poderia...? — comecei.

— Meu caro amigo — continuou Clayton, voltando-se para mim e colocando bastante ênfase em algumas palavras específicas. – Você quer que eu explique tudo. Eu não sei como. Tudo o que sei é que é assim que se faz... foi isso o que ele fez, pelo menos. Após um momento assustador, ele acertou os passes e desapareceu de repente.

— E você... conseguiu observar os passes? — perguntou Sanderson devagar.

— Sim — respondeu Clayton, pensativo. — Foi tudo tremendamente singular. Estávamos ali, eu e esse fantasma delgado e vago, naquele cômodo silencioso, neste clube sossegado e vazio, nesta cidadezinha taciturna em plena sexta-feira à noite. O único som que se ouvia era o das nossas vozes e um leve arfar que ele produzia ao gesticular. Apenas a vela do quarto e outra sobre a penteadeira estavam acesas. Por vezes, uma delas produzia uma chama alta, esguia e assombrosa por um momento. E coisas estranhas aconteceram.

“‘Não consigo’, disse ele. ‘Nunca vou conseguir...!’ E se sentou abruptamente na poltrona aos pés da cama, pondo-se a soluçar sem parar. Por Deus! Que criatura triste e queixosa ele parecia!

“‘Recomponha-se’, ordenei, e tentei confortá-lo dando um tapinha em seu ombro, porém... minha mão apenas fez atravessar-lhe! Naquele momento, sabem, não estava mais tão impressionado quanto havia estado na escada. Já assimilara a estranheza daquilo tudo. Lembro-me de retirar minha mão de seu ombro com um leve estremecimento e de caminhar até a penteadeira.

“‘Você vai se recompor’, disse a ele, ‘e tentar novamente’. E, para encorajá-lo e ajudá-lo, comecei a tentar também.”

— O quê? Os passes? — perguntou Sanderson.

— Sim, os passes.

— Mas... — eu disse, movido por uma ideia que me ocorreu por um momento.

— Interessante... — interrompeu Sanderson, segurando seu cachimbo. — Quer dizer que esse seu fantasma lhe revelou...

— Fez o que pôde para revelar o segredo de como atravessar a barreira difusa entre os dois mundos? Sim!

— Mas não conseguiu — protestou Wish. — Ou você também a teria atravessado.

— Exatamente — concordei, deparando-me com o pensamento que havia me ocorrido antes, agora expresso em voz alta.

— Exatamente isso — afirmou Clayton, olhando pensativo para as chamas na lareira.

Por um instante, fez-se silêncio.

— E, afinal, ele conseguiu? — perguntou Sanderson.

— Por fim, sim. Precisei incentivá-lo bastante, mas ele acabou conseguindo... de maneira bastante repentina. Ele se desesperara, fizera uma cena, mas então se levantou abruptamente e me pediu que repetisse vagarosamente a sequência de gestos para que ele pudesse ver. “Acredito que se eu puder ver, conseguirei identificar o que está errado”, explicou ele. E foi o que aconteceu. “Já sei!”, disse ele. “Sabe o quê?”, interroguei-o. “Já sei”, ele apenas repetiu. E depois continuou com ligeira irritação: “Mas não vou conseguir se você ficar me olhando... realmente não vou; parte do problema é esse desde o começo. Eu sou muito nervoso, e você me desconcentra”. Tentei argumentar. Naturalmente, queria observá-lo; mas ele estava tão obstinado quanto uma mula e, de repente, me vi exaurido... ele me vencera pelo cansaço. “Está certo”, cedi. “Não vou ficar lhe encarando.” E virei-me para o espelho do armário, próximo à cama.

“Ele começou prontamente. Tentei acompanhá-lo pelo espelho, para ver o que havia feito de errado. Ele movia os braços e as mãos em círculos, assim, assim e assim e, de repente, chegou ao gesto final... parado, os braços abertos... e desse modo permaneceu. E então não estava mais lá! Não estava! Desaparecera! Virei-me em sua direção, de costas para o espelho. Nada! Eu estava sozinho, apenas eu, as velas flamejantes e minha mente desconcertada. O que tinha acabado de ocorrer? Será que realmente acontecera? Será que eu estivera sonhando...? E então, como que para pôr um ponto final absurdo à história, o relógio na escada imaginou ser um bom momento para bater uma hora. Assim: blam! Eu me encontrava tão sério e sóbrio quanto um juiz; todo aquele champanhe e uísque havia evaporado. Sentia-me estranho, sabem... consternadamente estranho! Esquisito! Santo Deus!”

Clayton observou as cinzas de seu charuto por um momento.

— Isso foi tudo o que aconteceu — concluiu.

— E então você foi dormir? — Evans perguntou.

— O que mais eu poderia fazer?

Olhei nos olhos de Wish. Queríamos fazer algum gracejo, mas havia algo, talvez na voz e nas atitudes de Clayton, que nos impedia.

— E quanto aos passes? — perguntou Sanderson.

— Acredito que eu conseguiria repeti-los agora.

— É mesmo? — disse Sanderson, pegando um canivete e limpando os restos de tabaco do seu cachimbo. — E por que não os repete? — provocou, fechando o canivete com um clique.

— É exatamente o que farei — respondeu Clayton.

— Eles não funcionarão — disse Evans.

— Se funcionarem... — sugeri.

— Sabe, eu preferiria que você não fizesse isso — disse Wish, esticando as pernas.

— Por quê? — perguntou Evans.

— Eu preferiria que ele não fizesse — insistiu Wish.

— Mas ele não sabe a sequência correta — retrucou Sanderson, inserindo uma quantidade exagerada de tabaco no cachimbo.

— Mesmo assim, eu preferiria que ele não fizesse...

Tentamos discutir com Wish. Seu argumento era que, se Clayton repetisse os gestos, seria como se ele estivesse zombando de um assunto sério.

— Mas você não acredita...? — perguntei.

Wish olhou para Clayton, que fitava as chamas na lareira, ponderando algo em sua mente.

— Sim... pelo menos em parte, acredito — respondeu Wish.

— Clayton, você é bom em inventar histórias — falei. — Quase me deixei levar em relação a quase tudo. Aquela parte do desaparecimento... foi bastante convincente. Mas fale a verdade, isso não passa de um conto da carochinha.

Ele se levantou sem me dar atenção, dirigiu-se ao meio do tapete em frente à lareira e se virou para mim. Por um momento, considerou seus pés, pensativo, e, durante o restante do tempo, fitou a parede oposta com uma expressão determinada. Levantou ambas as mãos vagarosamente na altura dos olhos e começou...

Acontece que Sanderson é maçom, membro da oficina dos Quatro Reis, que se devota a estudar habilmente e elucidar todos os mistérios da maçonaria do passado e do presente e, entre os aprendizes de tal oficina, Sanderson é bastante aplicado. Ele acompanhou os movimentos de Clayton com os olhos avermelhados e um interesse singular.

— Nada mal — disse, por fim. — Você de fato soube unir uma coisa à outra, Clayton, de forma surpreendente. Apenas um pequeno detalhe não está certo.

Eu sei — disse Clayton. — Acho que sei a qual gesto você se refere.

— É mesmo?

— Este — Clayton concluiu, contorcendo e empurrando as mãos estranhamente.

— Sim.

— Foi isso, sabe, o que ele não conseguia acertar — explicou Clayton. — Mas como você...?

— Não compreendo nada disso, especialmente como você inventou toda essa história — afirmou Sanderson, pensativo —, mas esses sinais eu conheço. Eles fazem parte de uma série de gestos relacionados a um determinado ramo da maçonaria esotérica. Provavelmente você já sabe isso. Do contrário... como? — Ele pensou mais um pouco. — Imagino que não há nenhum mal em contar-lhe como fazer o gesto corretamente. Afinal, se já o conhece, fica tudo na mesma; e se não, não há diferença.

— Eu não sei nada — afirmou Clayton — exceto o que aquela pobre criatura me mostrou ontem à noite.

— Bem, pode ser... — disse Sanderson, e colocou seu cachimbo cuidadosamente sobre a prateleira acima da lareira. Então, passou a gesticular rapidamente com as mãos.

— É isso? — perguntou Clayton, imitando seus gestos.

— Isso mesmo — confirmou Sanderson, pegando novamente seu cachimbo.

— Ah, agora eu posso concluir a série toda... corretamente — disse Clayton.

Ele se levantou e, diante do fogo minguante da lareira, sorriu para nós. Penso que havia um tanto de hesitação em seu sorriso, no entanto.

— Se eu começar... — disse.

— Eu não faria isso — aconselhou Wish.

— Não haverá problema algum! — concluiu Evans. — A matéria é indestrutível. Não vai ser um truque desses que vai lançar Clayton no mundo das sombras. Não mesmo! Se quer a minha opinião, Clayton, você pode tentar até seus pulsos caírem.

— Pois eu não penso assim — argumentou Wish e, levantando-se, tocou o ombro de Clayton. — De algum modo, você meio que conseguiu me fazer acreditar nessa história e não quero vê-lo realizar a sequência!

— Minha nossa! — ironizei. — Quer dizer que você está com medo, Wish?

— Estou — admitiu ele, com um autêntico tom grave, ou conseguiu fingi-lo admiravelmente. — Creio que, se realizar a sequência corretamente, ele... desaparecerá.

— Não vai acontecer nada disso — exclamei. — Só há um jeito de deixarmos este mundo, e Clayton ainda tem uns trinta anos até lá. Além disso... Um fantasma desse! Você não acha que...?

Wish interrompeu-me com seu movimento. Ele passou por entre as poltronas e parou ao lado da mesa.

— Clayton, você está sendo tolo.

Clayton sorriu-lhe de volta com o olhar bem-humorado.

— Wish está certo e todos vocês estão errados — declarou ele. — Eu desaparecerei. Repetirei a sequência completa de passes e, quando o último movimento cortar o ar, pronto! Este tapete ficará vazio, nada restará nesta sala além do assombro, e este cavalheiro de noventa e cinco quilos, vestido de forma respeitável, mergulhará no mundo das sombras. Estou certo disso. E logo vocês também estarão. Recuso-me a seguir discutindo. Tiremos a prova.

— Não! — exclamou Wish, dando um passo à frente e detendo-se em seguida, enquanto Clayton erguia as mãos mais uma vez para repetir os movimentos feitos pelo espírito.

Àquela altura, encontrávamo-nos todos imersos em tensão, em grande parte devido ao comportamento de Wish. Sentamo-nos todos, sem tirar os olhos de Clayton, e eu, pelo menos, sentia-me rígido, como se, desde a minha nuca até o meio das coxas, meu corpo tivesse se transformado em aço. E ali, com uma seriedade serena e imperturbável, Clayton se contorcia e balançava as mãos e os braços à nossa frente. Conforme se aproximava do fim, estávamos todos tensos, e notei que alguém rangia os dentes. O último movimento, como já disse, consistia em abrir completamente os braços, com o rosto voltado para cima. Quando, por fim, Clayton iniciou esse último gesto, suspendi a respiração. Foi uma reação ridícula, é claro, mas o leitor deve conhecer a sensação que nos aflige em meio a uma história fantasmagórica. Tudo se passou após a ceia, em uma casa estranha, antiga e banhada por sombras. Ele iria, afinal...?

Clayton ficou parado ali por um momento glorioso, os braços abertos e o rosto voltado para cima, resoluto e radiante, sob o brilho da lâmpada pendurada acima dele. Ficamos suspensos naquele momento, como se fosse uma eternidade, e então todos deixamos sair pela boca algo que se encontrava no meio-termo entre um suspiro de infinito alívio e um reconfortante “NÃO!” Visivelmente, ele não desaparecera. Fora tudo um disparate. Ele contara uma história tola e quase nos convenceu, apenas isso! E então, naquele momento, o semblante de Clayton... mudou.

Mudou. Transformou-se como uma casa iluminada o faz quando suas luzes são abruptamente apagadas. Seu olhar de repente ficou vidrado, seu sorriso congelou, e ele ficou ali, imóvel, balançando suavemente.

Esse momento também durou uma eternidade. E então as poltronas começaram a se mover, os objetos a cair, e nós não parávamos quietos. Os joelhos de Clayton pareceram ceder e ele tombou para a frente; foi Evans quem se ergueu e conseguiu apanhá-lo nos braços...

Estávamos todos perplexos. Por um instante, suponho que ninguém tenha conseguido dizer nada coerente. Ao mesmo tempo em que testemunhávamos aquela cena, não podíamos acreditar nela... Consegui sair do meu torpor e confusão apenas para me encontrar ajoelhado ao lado de Clayton. Seu colete e sua camisa estavam abertos, e Sanderson colocara a mão sobre seu coração...

Demoramos um tempo para assimilar o fato simples que havia transcorrido à nossa frente, sem pressa para compreender o que se passara. A cena toda tomou cerca de uma hora e está gravada na minha memória, clara como o dia, até hoje. Clayton havia, de fato, feito a passagem para aquele mundo que se encontra ao mesmo tempo tão próximo e tão distante do nosso, e ele havia tomado o único caminho que os mortais podem tomar. Mas se sua passagem se deveu ao encantamento daquele pobre fantasma ou por ter sido subitamente acometido por um derrame em meio a um conto insensato, como o médico-legista nos leva a crer, não sou eu quem devo julgar; trata-se de um daqueles enigmas inexplicáveis que permanecerão incólumes até a solução final para todas as coisas. Tudo o que sei com certeza é que, no momento exato em que concluiu aqueles passes, naquele instante certeiro, o semblante de Clayton se transfigurou, ele cambaleou e caiu diante de nós... morto!

 

 

                                                                  H. G. Wells

 

 

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