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Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O FAZENDEIRO E O ROCEIRO/Catulo da Paixão Cearense
O FAZENDEIRO E O ROCEIRO/Catulo da Paixão Cearense

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                   

 

 

Catulo da Paixão Cearense

 

 

 

 

O fazendeiro Barnabé, em viagem para a Capital, de passagem pela roça, conversando ligeiramente com o seu compadre Zé Joaquim, dissera-lhe haver perdido grande quantia, prometendo-lhe tudo explicar, quando voltasse da Capital, em caminho do sertão. Terminados os seus negócios e de regresso ao sertão, vem despedirse do compadre, em cuja casa pernoita, para seguir viagem, de manhã. É noite. Estamos na choça do roceiro, que vai receber Barnabé, a quem pede que lhe conte a história do dinheiro perdido.

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BARNABÉ — Munto bás noite, cumpade.
 
ZÉ JOAQUIM Cumpade, muito bás noite.
 
BARNABÉ — Cumo aminhã, de minhã, vórto prá minha Fazenda, vim abraçá meu cumpade e preguntá se não qué fazê arguma incomenda lá pra arguem daquelas mata.
 
ZÉ JOAQUIM  Não, cumpade. Só desejo que vancê me arrecomende a cumade Furtunata. E, agora, quando tu vórta, cá pula roça outra vez?!
 
BARNABÉ — Nós támo no mês...
 
ZÉ JOAQUIM De Março.
 
BARNABÉ — No fim do ano, tarvez.
 
ZÉ JOAQUIM Quá, cumpade!... Eu não me engano! Tu te péga no sertão, e só vórta aqui, na róça, daqui há dois ou três ano.
 
BARNABÉ — Não, sinhô, pruquê na Côrte tenho uns negóço a tratá.
 
ZÉ JOAQUIM Ah! Cumpade!! Eu me esquecia! E o caso que vancê disse que me haverá de contá?!
 
BARNABÉ — Outra vez, quando eu vortá.
 
ZÉ JOAQUIM O quê?! Não, sinhô! Agora! Tu já deu prá madracêro?
 
BARNABÉ — Quem faz viage perciza..
 
ZÉ JOAQUIM De descanso. Mas porêm eu quero sabê pruquê tu perdeu tanto dinhêro.
 
BARNABÉ — Não foi bem perdê, cumpade; eu não te contei a históra cumo foi que assucedeu.
 
ZÉ JOAQUIM Apois bem: me conta agora.
 
BARNABÉ — Me dá premêro um cigarro daquele fumo gostoso, que onte à noite tu me dêu.
 
ZÉ JOAQUIM Toma lá... Pita à vontade.
 
BARNABÉ — Agora...
 
ZÉ JOAQUIM O que é mais cumpade?
 
BARNABÉ — Um góle daquela nóssa!... da branquinha!...
 
ZÉ JOAQUIM Tome lá. Esta é cana cá da roça!
 
BARNABÉ — Agora farta uma coisa.
 
ZÉ JOAQUIM Apois fale. O que mais quê?
 
BARNABÉ — Daquele bão!... Do cheroso!
 
ZÉ JOAQUIM Rapé, cumpade?
 
BARNABÉ — Rapé.
 
ZÉ JOAQUIM Toma lá. Este é do bão.
 
BARNABÉ — Estas venta, Zé Joaquim, é taliquá um fogão. Perciza tá sempe quente, prás indéa refervê.
 
ZÉ JOAQUIM Se é ansim, bóta cravão.
 
BARNABÉ — Agora munta atenção! Há três mês, caiu doente...
 
ZÉ JOAQUIM A cumade?!!!
 
BARNABÉ — Sim,sinhô.
 
ZÉ JOAQUIM Vâmo! Conta!
 
BARNABÉ — Era uma dô que ela sentia no figo, mas porêm arrespondendo (Lá nela...) im riba do imbigo. Há dois mês que táva ansim, e cada dia pió. Percurei Manué Timbó, curandêro famanado, que me disse que ela táva cum o figo todo impaxado. Há dois mês que Furtunata tinha assentado na quarta, já despois de tantos ano a gente se tê casado. Manué Timbó mandou dá todos os dias três chá de urtiga e de erva cidrêra e uma boa esfregação de banha de quati macho, prá esquentá toda a paquêra. Cumo há seis dia a doente já não descia nos pé o cabôco aconsêiôu uma istruvanca de arruda, lingua de boi, e umas fôia de pitanga e de coité. Mas porêm, cumo im três dia não tinha cessado a dô, chamei o Antônio Piôiu mandiguêro e benzedô...
 
ZÉ JOAQUIM ... Que é o avô da Chica Bóde...
 
BARNABÉ — Isso mêmo, sim, sinhô!...
 
ZÉ JOAQUIM Já sei que o cabra acertou!
 
BARNABÉ — Não fazendo, pouco caso na sua palava honrada, dêxe eu falá.. pru favô!
 
ZÉ JOAQUIM “Apois bem —... Peço perdão!...
 
BARNABÉ — Não tem de quê. Meu cumpade não dêxa de tê rézão.
 
ZÉ JOAQUIM “Fala, cumpade! Eu premêto que não te istróvo mais, não!
 
BARNABÉ — Antônio Piôiu, esse hôme que tem feito tanta cura, benzeu, rezou, mas porêm o má não arrespeitava o diabo das benzedura!...
 
ZÉ JOAQUIM Crédo im cruz!... Ave Maria! Não fale tanta hirizia
 
BARNABÉ — Hirizia?!
 
ZÉ JOAQUIM Apois não foi?!
 
BARNABÉ — Tem rézão! Deos me perdôe!
 
ZÉ JOAQUIM Deos sempe perdôa a gente, quando qué se arrependê.
 
BARNABÉ — Vendo que sua cumade táva im risco de morrê e já não tendo mais nada, não tendo mais que fazê, mandei chamá um doutô que intendia dessas coisa de doença das muié e que eu uvia dizê que era um grande ômpéradô.
 
ZÉ JOAQUIM Prá quê, cumpade!... Prá quê!? Tu nem parece hôme véio cum tantos ano de vida! Pulo quê tu disse atraz, o má da minha cumade era espinhéla caida!!!
 
BARNABÉ — Não era, não, Zé Joaquim! A coisa era mais ruim!
 
ZÉ JOAQUIM Ruim?! Quá ruim! Quá nada!... Eu punha a muié curada só c’um côpo d’água inté!
 
BARNABÉ — Cum isso só?!
 
ZÉ JOAQUIM E cum Aquela!... — A Senhora das Candeia, e a Santa Virge Maria, que é nossa Mãe, Barnabé.
 
BARNABÉ — Era pércizo um dotô...
 
ZÉ JOAQUIM Prá ti!... que perdeu a fé!
 
BARNABÉ — Tu, cumpade, im meu lugá...
 
ZÉ JOAQUIM ... Tinha curado a cumade, pruquê inda tenho uma boca e duas mão prá rezá!
 
BARNABÉ — Mas porêm... dêxa eu falá.
 
ZÉ JOAQUIM Não tôu aqui prá outra coisa se não é prá te escutá!
 
BARNABÉ — O hôme, de munto longe, de dez legua bem puxada, im riba dum Russo Pombo, apareiado de prata, veio vê a Furtunata. O doutô, que era um frangote, munto bem apessoado, ânte de vê a duente, me prêguntou cumo éra que o má tinha cumeçado. Não fartando cum o arrespeito prá um doutô, quando é frômado, disse o que eu já tinha feito!
 
ZÉ JOAQUIM Prá falá verdade, eu acho...
 
BARNABÉ — Não fale!...
 
ZÉ JOAQUIM Já tôu calado!
 
BARNABÉ O doutô se pôs-se a ri!!...
 
ZÉ JOAQUIM Oia lá!!... Eu logo vi!!.. Apois oia Barnabé! Tem mm cabra aqui na roça, o Reimundo Jacaré, que sem sai da paióça, somentes cum as suas réza, curava a tua muiéi!
 
BARNABÉ — Eu não sei lá, Zé Joaquim! Dêxa lá seu Jacaré e vâmo chegá no fim. Despois seu doutô me disse que queria inzaminá. Arrespundi: seu doutô, quando quizé; póde intrá. Furtunatá já sabia que o doutô tinha chegado. (Eu li juro, meu cumpade, que inté naquele momento, ninguem, a não sê nós dois, tinha intrado ali, no quarto, dênde o dia de casado).
 
A duente, Zé Joaquim, chorava cum a dô!... Gemia de fazê pena prá gente vê a duente gemê! O doutô tirou do bôrso um palitinho de vidro, butou debaxo da braço, e cumeçou a batê! Os dedo do hôme batia ligêro im riba das vêia, cumo língua de muié. Despois mandou a duente abri a boca e butá a língua toda prá fóra. Tirou do bôrso o relójo; tirou do braço o vidrinho; oiôu prô vidro, e, despois, prô relójo, vendo as hóra. Despois, tornando a batê, quando bateu num logá, a sua santa cumade gritava que parecia (cum perdão do meu cumpade!) carro de boi, quando passa numa vareda, a guinchá.
 
ZÉ JOAQUIM Coitadinha!... Coitadinha!... Se eu fôsse vancê, li juro, que esse cabra, esse mardito, não comia mais farinha.
 
BARNABÉ — Tu tem rézão, meu amigo! Coitadinha!... Coitadinha!
 
ZÉ JOAQUIM Onde móra esse canáia!? Eu percizo desse bicho prá levá minhas banana im riba duma cangáia!
 
BARNABÉ — Cumpade! Não me atrapáia! Dêxa lá de macacáge, que eu tenho de acordá cedo, prá segui minha viage!
 
ZÉ JOAQUIM Ah!... se eu gárro esse serváge!!
 
BARNABÉ — Tu qué uvi ou não qué?!
 
ZÉ JOAQUIM Fala!... Fala, Barnabé!
 
BARNABÉ — Despois do doutô batê no lugá que eu já falei, fez ansim, dando cum os hombo!
 
ZÉ JOAQUIM Quá foi o lugá, cumpade?!
 
BARNABÉ — Um bocadinho prá báxo do lado isquerdo do istômbo, que o Timbó mandou isfregá cum banha de quati macho!
 
ZÉ JOAQUIM Isso é munto bão prô figo... Mas porêm, cumpade, eu acho...
 
BARNABÉ — Espera lá: já te digo. Despois do inzame, o doutô, saindo entonce do quarto, pediu água e a mão lavou. Levou bem uns três minuto calado, oiando prá mim. Ao despois, falou ansim: — Cumo se chama o sinhô? “Barnabé” li arrespundi. Apois bem, seu Barnabé”. (me disse, ansim o doutô...) “só uma coisa, somentes, sarvará sua muié”. — Apois, seu doutô: quá é? — Seu doutô: eu faço tudo — que tivé nas minhas mão!! Entonce o hôme me disse: — “Sua duente perciza fazê uma ômperação”. Quando uvi essa préposta, cai de venta prô chão!
 
Ao despois de dez minuto, o doutô me alevantou, e entonce ansim me falou: “Ou o sinhô manda fazê já e já a ômperação, cumo inda há pouco eu dizia, ou a sua companhêra não dura mais de dois dia
Eu agaranto ao sinhô que nenhum perigo tem. Não sei os seus pissuido; mas porém, eu li prêmêto que não li peço um vintem”. Todo o má de Furtunata era um tumô, meu cumpade, que táva roendo pru dento.
 
ZÉ JOAQUIM Cumpade!... Apára um momento!!... Pruquê, se tu continúa, eu istóro!.. Eu arrebento!!! Se um hôme póde, rezando, cum a ajuda duma oração, de pé descarço, pizá nas brasa duma fuguêra, cumo faz os sertanêjo, no dia de São João!... Se um hôme c’uma oração póde movê os rochedo!... Arrancá duma montanha os tronco dos arvoredo!... Andá p’urriba das água, cumo andou Nosso Sinhô!... Cumo é que tu não podia, arrancá essa porquêra do diabo dum tumô?!!
 
BARNABÉ — Ora! Pula mór de Deos! O que passou já passou!
 
ZÉ JOAQUIM Não me fale im Deos!... Não fale! Não fale em Deos!... É favô!
 
BARNABÉ — Não falo, mais, não, sinhô! E a minha históra, cumpade, já se acabou! Tá acabada!
 
ZÉ JOAQUIM Quá já se acabou!... Quá nada! Conta o resto!... Vâmo lá!
 
BARNABÉ Eu conto, mas não istróve, que o setestrelo váe árto, e as três hóra da minhã eu tenho de alevantá.
 
ZÉ JOAQUIM Conta o resto! Vâmo lá!
 
BARNABÉ — Tá bão. Ainda eu me fio na tua palavra honrada.
 
ZÉ JOAQUIM Cala-te!... Cala-te, boca!... Já tôu cum a boca fechada.
 
BARNABÉ — O doutô, que já trazia num baúzinho as ferrage...
 
ZÉ JOAQUIM Dêxa lá de mapiage, dêxa o raio do doutô, que eu quero sabê, somentes, se a cumade se sarvou.
 
BARNABÉ — O moço levou três hora prá fazê a ômperação! Mas porêm fez um trabáio que, abaxo de Deos, cumpade, a ele a tua cumade deve a sua sarvação.
 
ZÉ JOAQUIM E tu, que sois um cristão, que nunca dêxou ninguem intrá dento do teu quarto a não sê tu e a muié, tu vae deixá, Barnabé, um doutô tarapantão...
 
BARNABÉ — Entonce, seu Zé Joaquim, eu havéra de dexá a minha bôa muié morrê cumo um animá?!
 
ZÉ JOAQUIM Oia!!... Se fôsse cumigo!!...
 
BARNABÉ — Espera lá!... Já te digo! Quando eu vi que a Furtunata já táva já sem perigo, arriei meu Passarinho, e prá casa do doutô, que era três legua distante, me puz logo de caminho. Tinha há três hora saido prá vê a vó do Penido. O hôme lá no sertão tinha tanto que fazê, às vez inté, certos dia, se esquecia de comê. O sino da capelinha batia as ave-maria, quando iscutei o tropé dum cavalo que na estrada vinha a toda disparada. Era ele, sim, sinhô! Quando me viu, se assustou, e entonce me prêguntou:
 
“Cumo váe sá Furtunata!” Já tá de pé, seu doutô E ele: “Pruqué motivo eu devo a seu Barnabé a honra desta visita, que me dá munta alegria?!!“
 
Puxei entonce do bôrso um imbrúio que eu trazia, e entregando prô doutô, disse: — Vossa Senhoria vae me fazê o favô de escutá, quéto e calado, tudo o que eu quero dizê!
 
Esse é um favô munto grande que eu peço agora a vancê.
 
Pedindo entonce licença prá me podê assentá, eu cumecei a falá.
 
Há vinte ano, seu moço, há vinte ano passado, que eu — Antônio Barnabé — cum a fé de Deos sou casado.
 
Levei dois mês todo intêro prá pedi ao Zé Vaquêro a mão daquela muié.
 
Quando eu ia abri a boca, eu sentia uma friage frévendo, aqui na graganta. Ói, moço!... a Furtunata não é muié!... É uma santa! Me casei. A vez prêmêra que eu dei um bêjo na mão da Maria Furtunata, fiquei tão invrégonhado, que andei três dias nas mata, cumo um boi, amucambado.
 
Doutra feita... Escute lá.
 
Táva casado há dez ano.
 
Um dia, tomando banho nas água duma lagôa munto longe da Fazenda, do outro lado da Tabôa. Vi, eu vi que a Furtunata vinha lá das Gróta Funda, pulo meu nome a gritá.
 
E cumo não tinha tempo da roupa dispindurá dos gáio dum piquiá, varei pulos mato afóra, os mato cheio de espinho, prá me escondê, lá, distante pru detraz dum tabocá.
 
É ansim a inducação que se arrecébe pru lá.
 
Seu doutô. Eu não sou hôme de fortuna. Mas porêm, faço as minha incunumia, e vou vivendo, vivendo, cumo Deos qué: má ou bem.
 
Trago aqui, neste papé, todo, todo o meu dinhêro. Não é paga! Não, sinhô! Eu sei que vancê não é desses hôme interessêro!
 
Aquilo que vancê fez, se eu fosse dono do mundo, não pagava, seu doutô, nem li dando o mundo intêro!!
 
O que eu trago neste imbrúio, chega bem prá vassuncê vivê três ano aforgado, casado, viuvo ou sortêro.
 
Apois bem!... Munto obrigado!
 
No chão, aqui, ajuêiado, cumo um grande pecadô, eu quero bêjá seus pé!
 
Mas porêm... Minha muié, que vancê viu quage núa, toda núa, seu doutô!!!!!!
 
Eu li peço pru favô!!!...
 
Im nome de Jesu Cristo!...
 
De Maria!... E São José!...
 
Já!! Cum aquela ligerêza que vassuncê me falava, prá fazê a ômperação, mande arrumá suas máca!...
 
Sáia daqui!... Vá prá longe!... Bem longe deste sertão!...
 
Pruquê, se vancê não fô, eu, cum a ponta desta faca, li istraçáio o coração.

 
 
VOCABULÁRIO

Impaxado — incurgitado. Assentado na quarta — dado à luz. Paquêra — intestinos, barriga. Descia nos pés — exonerava os intestinos, expelia os excrementos. Istruvanca — mistura. Mandiguêro — feiticeiro. Tararapantão — que fala muito. Russo-pombo — cavalo desta cor. Mesinha — remédio caseiro. Pinhão de purga — purgante. Palitinho de vidro — termômetro. Varêda — caminho. Passarinho — cavalo espantadiço. Amucambado — escondido nos matos. Maca — saco de couro em que se leva roupa.

 

 

                                                                  João Catulo da Paixão Cearense

 

 

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