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O FUTURO DA FILOSOFIA E O MUNDO VIRTUAL/Ghiraldell
O FUTURO DA FILOSOFIA E O MUNDO VIRTUAL/Ghiraldell

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

Biblio VT

 

 

 

 

Agora, no final do ano 2000, um aluno me perguntou, “professor, me diga, qual será o futuro da filosofia?”.
Eu fiquei tentado a simplesmente passar para ele um texto de Richard Rorty, “A filosofia e o futuro”, que publiquei em português na revista Filosofia, Sociedade e Educação, número 1, quando ainda não tínhamos a revista virtual Filosofia e Filosofia da Educação www.filosofia.pro.br (2). Mas depois eu percebi que a pergunta dele tinha uma implicação que o texto de Rorty, de certo modo, não abordava. Ele estava falando não exclusivamente do futuro da filosofia enquanto filosofia, mas o que ele queria saber, mais especificamente, era como faríamos filosofia — algo que muitos dizem que só podemos fazer com paciência, tempo e, digamos, de modo sempre arcaico — num mundo inteiramente informatizado, para o qual caminhamos.
Quando alguém coloca uma pergunta desse tipo, talvez por um acerto ou erro de formação, eu faço a seguinte divisão: “o que vai ser a filosofia no futuro” tendo a dividir em “o que é (ou vai ser) a filosofia?” e “o que é (ou vai ser) o futuro?”.
Bem, é certo, no meu entendimento, que a filosofia nada mais é que um gênero de narrativa, um tipo de literatura que começou a tomar forma mais ou menos lá com Platão, e que possui uma história onde podemos identificar lugares parecidos — daí ela poder ter uma história, pois história de um elemento da cultura implica em continuidade na descontinuidade — que, em geral, estão mais ou menos dentro de caixinhas que chamamos de metafísica, epistemologia, ética e estética. Creio que outras caixinhas, que existem aos montes, poderiam ficar dentro dessas caixinhas aí enumeradas. Essas caixinhas são engraçadas, pois elas tem fundo mais não tem borda, lateral! Sabemos o que há dentro delas, mas não sabemos qual o contorno delas! Não sabemos onde termina a filosofia e começa a sociologia ou a economia ou a psicologia, a história ou, ainda, o que alguns chamam de senso comum, religião, utopia, ucronia, story, novel, etc.. Afinal, Marx, para alguns, não foi filósofo, nem Foucault, enquanto que para outros, Carnap foi filósofo até demais, chegando ao ponto de querer destruir o que seria o núcleo da filosofia, a metafísica. Os sofistas, nos manuais, aparecem como inimigos da filosofia, e hoje, o neopragmatismo, para alguns, também é esse demônio, enquanto que para outros ele é uma corrente filosófica tão digna quanto as outras. Portanto, aqui, como em todos os lugares, os problemas aparecem nas fronteiras, e não no leito central da coisa.

 


 

 

Também o futuro é, em certo sentido, uma narrativa. Fazemos uma idéia do futuro. Nosso “futuro”, a palavra “futuro”, como a usamos hoje no ocidente, pouco ou nada tem a ver com o que poderíamos comparar com o “futuro” dos gregos antigos ou dos povos orientais ainda hoje. Usamos a palavra “futuro”, na maioria de nossos enunciados, para desempenhar um papel específico: ela está posta em nossos enunciados para mostrar elos, em um sentido judaico-cristão — uma linha com começo, meio e fim (estamos nisso individual e coletivamente); mas também, de uns tempos para cá, ela aparece em nossos enunciados para funcionar como par da palavra “esperança”, ou seja, falamos “futuro” como quem quer que aconteça algo que não aconteceu e que deve ser bom, mas que não sabemos bem o que é. O sentido judaico-cristão da palavra “futuro”, que implica em linha, casa-se com o sentido moderno da palavra “futuro” que implica em “esperar por realizações aqui na Terra mesmo” ou “construir coisas para o amanhã, aqui mesmo”. Não raro, podemos também fazer a palavra “futuro” entrar em nossos enunciados quase que, digamos, de maneira pós-moderna, para dizer que “as coisas do amanhã podem ser feitas, é claro, mas não teremos fundamentos metafísicos para fazê-las, mas apenas tentativas de justificativas, talvez racionais, que mudarão depois que as coisas, mal ou bem, ficarem prontas”.
Se tomamos essas duas formulações acima — de filosofia e de futuro —, temos então que a filosofia e seu futuro, ou mais exatamente, o futuro da filosofia, pode ser vislumbrado através de um enunciado mais ou menos desse tipo: “conversaremos sobre metafísica, epistemologia, ética e estética e outras caixinhas desse tipo talvez mais pensando em construir esperanças do que resolver problemas, ainda que possamos estar, sempre, aparentando querer resolver problemas”. Esse é o futuro da filosofia? Sim, pelo menos é o futuro que eu desejo para a filosofia, e o que eu vejo que vai ser a filosofia. Mais ainda, entendo que isso será assim pelo fato de que ela, a filosofia, está sendo saudavelmente corroída pela velocidade, precisão, alcance e confusão do mundo informatizado, em especial, aqui, o mundo “internetalizado”, ou, um mundo inteiramente “internetalizado”. Por que?
A internet não é um meio a mais de comunicação. Vários autores, vários pensadores, olham para ela para a verem como mais um meio de comunicação, uma espécie de continuidade da revolução desencadeada com a invenção da imprensa moderna. Mas eu creio que quem pensa assim está errado, ou, se não está errado agora, vai estar logo, quando começarmos a ver a “www” de outra maneira. A internet é velocidade de comunicação, é precisão de comunicação, é alcance de comunicação mas, é também, e sobretudo, uma confusão dos diabos, mixagem do que jamais foi sequer pensado em ser mixado não no espaço-tempo, mas quase que rompendo com a idéia mais ou menos comum de espaço-tempo que temos cultivado (espaço-tempo virtual, que não é o oposto de espaço-tempo real, e que ainda estamos por entender o que é). E é nesse aspecto que o mundo virtual mais se apresenta disposto a fazer com a filosofia o que a filosofia parece, pelo menos aos meus olhos, querer fazer consigo mesma daqui para a frente.
Nos anos sessenta e setenta, a editora Vozes lançou um livrinho que virou logo um “best seller” da educação: Mutações em Educação segundo McLuhan, do professor Lauro de Oliveira Lima. Esse livrinho, eu nunca esqueço, tinha uma frase interessante: de “o meio é a mensagem”, Lauro mudava para “o meio é a massagem”. Hoje, se o Lauro estivésse ainda entro nós, creio que ele apenas tiraria a palavra “meio”, e deixaria: a “www” é a men(ma)ssagem”, no seu bom estilo de brincar com a grafia das palavras no papel. Pois é isso mesmo que a “www” vai fazendo com tudo e, em especial, com a filosofia: ela está massagendo a filosofia.
O mundo virtual nós dá a chance de potencializar de modo jamais visto nossas fantasias e, mais que isso, ele cria fantasias (que não pedimos nem sonhamos!) por ele mesmo, quase que por um erro de nossa digitação ou de nossa relação, qualquer que seja ela, com os computadores ou similares. O chamado hipertexto é menos um texto do que um soco no estômago, para nós; mas, para os jovens já criados dentro dele ele não é um meio nem um soco no estômago, é um environment, isto é, menos um canal e mais um meio-ambiente. Os jovens entram nela, na “www”, e lá vivem outra vida, em torvelinho de men(ma)ssagens. Ninguém entra na televisão, no jornal, no telefone, no livro, pois tudo isso não é place, enquanto que a “www” é um lugar espacial-temporal, mas um lugar que, uma vez nele, dentro dele, nossa identidade vai se alterando completamente (os casais que ou se casaram ou se divorciaram pela “www” ou por causa da “www” sabem perfeitamente do que eu estou falando).
Ora, a nossa conversa sobre filosofia — lembrando a nova definição: “filosofia é mais criação de esperanças vagas e menos trabalho de solução de problemas ainda que no cotidiano ela nos pareça uma tarefa de solução de problemas” — não sobreviveria sem o erro, o bom erro (bons erros, eu assim entendo, são os erros que nos levam às mudanças de paradigmas). O erro é o jump dos filósofos e professores de filosofia. O erro é a overcome dos filósofos, dos professores de filosofia e da própria filosofia. Se conversamos pouco de filosofia, erramos pouco em filosofia. Se conversamos com poucas pessoas, podemos ter grandes erros, mas creio, não serão bons erros. Se não andamos aleatoriamente, erramos menos ou, no mínimo, erramos de maneira pouco produtiva. Se não somos massageados, não ficamos moles o suficiente para errar — e precisamos errar. Em parte Walter Benjamin estava certo quando enaltecia o homem errante. A filosofia “internetada” é a mixagem que precisamos para potencializar a probabilidade de bons erros, levando tal número probabilístico ao infinito, dado o cruzamento de enunciados sobre campos parecidos — metafísica, epistemologia, ética e estética — vindos de fontes que não somos mais nós, mas sim a própria “www”, como ela quer, da “cabeça” dela. A “www” é, então, um grande ser vivo e ao mesmo tempo um environment que, uma vez tendo nos engolido, vai criando esperanças enquanto fala concosco através da men(ma)ssagem da sua parede intestinal; esperanças que às vezes são mais que vagas, são indecifráveis; mas que às vezes nos dão a impressão de trazer o tijolo que precisávamos para a construção do que queríamos, mais ou menos — ou do que não queríamos e passamos a querer! E às vezes é apenas um alucinógeno.
A “www” se apresenta então, não raro, ela mesma, como um colega de departamento, fazendo e ensinando filosofia. Muitas vezes um bom colega, que sabe filosofia e nos ensina, nos faz crescer. Muitas vezes um colega louco, que ousa fazer aquilo que temos medo de fazer, por conta do nosso medo de se indispor com o chefe, o diretor e o reitor (esquecemos que eles são apenas professores, como nós, e eles também se esquecem muito fácil disso!).
Não vejo portanto o “futuro da filosofia” como algo que possa ser enunciado sem que se pense na “www” como uma máquina viva de “filosofia do futuro”. Um new place, but it is not a new mean! Os que insistem em trabalhar com ela como se fosse um livro, uma revista, uma enciclopédia onde se busca informação, organizadamente, é porque estão viciados pelo tipo de racionalidade gerada na tarefa de consulta. A “www” não fornece a oportunidade de consulta, a não ser para nós, os mais velhos. Para os jovens, não há consulta, há um reino onde eles entram e passam a lutar, atacar e defender, gozar, usufruir, se confundir, lidar com o confuso, tornar mais confuso o confuso e, mais ou menos parafraseando o título de um livro do biblioteconomista Luís Milanesi, ela é um lugar onde eles desorganizam para organizar e tentam organizar para desorganizar. Os jovens filósofos, ou os jovens professores de filosofia que estão dentro da “www” começam a fazer filosofia com um modelo que não é mais o de Sócrates (um para todos), muito menos é o modelo de Jefferson (muitos para muitos). É sim o nenhum modelo.
Bom... mas a filosofia que quero que seja a filosofia do futuro não precisa ser a mesma que os outros querem. Afinal, nem todos gostam e vão gostar da “www”, pois nem todo filósofo gosta do futuro; há até quem diga que, em todo o tempo de história da filosofia, há mais filósofos contra o futuro, enraivecidos com a idéia de futuro — porque no futuro eles, os mais importantes seres do mundo, vão morrer — do que filósofos capazes de querer construir o futuro. Então, por isso, para que a “www” não seja para a filosofia algo novo, para que ela não apareça como futuro e para que a filosofia não tenha futuro, muitos vão se opor a este meu texto, querendo dizer que a internet é, sim, um mero meio, e que a filosofia é, sim, a investigação da Verdade. Todos podem querer que as coisas sempre sejam iguais, ou que o novo sempre possa ser subsumido ao velho. Não é o meu caso, eu creio que muitas vezes o novo é novo, inédito, e que o velho pode mudar a ponto de nem ser mais reconhecido.

 

 

                                                                  Paulo Ghiraldelli Junior

 

 

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