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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O HIGHLANDER NAS SOMBRAS / Juliana Dantas
O HIGHLANDER NAS SOMBRAS / Juliana Dantas

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

Biblio VT

 

 

 

 

O rei Edward da Inglaterra está às voltas com o iminente retorno de Robert Bruce, que ameaça a soberania da Inglaterra sobre a Escócia com mais uma revolta, que ficara adormecida desde a captura e morte de Willian Wallace.
Robert Bruce reclama o trono da Escócia e o direito de ser reconhecido como rei. Obrigado a se esconder pelas florestas escocesas, com poucos homens, esperando a hora de retomar a luta, ele sabe que muitos senhores de terra se uniram à Inglaterra, coagidos por Edward, que tenta manter o poder na Escócia aliando-se a esses chefes escoceses, usando de vários tipos de alianças, como oferecimento de damas inglesas em matrimônio.

 


 


Um

O Emissário do Rei

Inglaterra

Lady Katherine Beaufort fazia o caminho em direção ao castelo com o coração aflito, apertando contra o peito o livro que acabara de buscar no mosteiro. Quanto mais se aproximava da poderosa edificação mais medo sentia.

Apreensiva, parou por um instante, respirado fundo e rogando aos céus forças para suportar seu infortúnio. Tinha que ser forte, não só por ela, mas também por sua família.

E, mais, por todo o reino da Inglaterra.

Com essa nova convicção, forçou-se a apertar o passo, com o vento de inverno despenteando seus longos cabelos loiros. A barra do vestido branco adornado em ouro se arrastava no chão, e ela sabia que o barro mancharia o tecido imaculado, mas não se importou. O peso da angústia que carregava, o medo de que não fosse capaz de suportar o seu destino era só o que a apavorava.

Atravessou a ponte sobre o rio com passos rápidos e encaminhou-se para a entrada principal do castelo. Ao se aproximar, relanceou o olhar para a bainha suja e, imaginando que sua aparência não devia ser das melhores, desistiu de entrar pela frente e deu a volta pelos fundos. Ao adentrar no cômodo escuro, a primeira coisa que viu foi os criados preparando o jantar. Havia mais deles ali do que de costume, afinal não só a família jantaria no castelo naquela noite. Tinham convidados vindos diretamente de Londres, o emissário do rei e sua corja.

Katherine fez uma careta de desgosto ao pensar em quanto custaria ao pai aquele jantar suntuoso. Não podiam de gastar mais nem uma moeda. O tempo ruim e o inverno rigoroso acabaram com a colheita, e os vassalos viviam na mais triste penúria. Mesmo ali no feudo as coisas não estavam assim tão melhores. Katherine se esforçava ao máximo para evitar o esbanjamento e fazia as mais mirabolantes economias. Havia rezado todas as noites nos últimos meses pedindo que a situação melhorasse. Ansiando por um milagre.

Ignorando os olhares curiosos, passou pelos criados sem lhes dar nem sequer uma palavra, o que não era do seu feitio, e subiu as escadas rumo ao seu aposento. E só ali, na solidão do quarto, deu vazão ao desespero. Sentou-se na cama, o corpo sacudido por soluços. Lágrimas grossas rolavam de seus olhos. Permitiu-se chorar apenas por um tempo ínfimo, porque não podia se dar ao luxo de ser fraca. Não agora.

Ouviu batidas na porta e enxugou o rosto rapidamente quando duas jovens criadas entraram com o intuito de arrumá-la para o jantar daquela noite.

Katherine deixou-se arrumar com o seu mais lindo vestido, os cabelos trançados firmemente em volta da cabeça, o véu da mais pura seda completando a arrumação. Desceu as escadas com o coração sangrando, mas com a cabeça erguida. Era uma dama. Pertencia a uma das mais nobres famílias de todo o reino e não iria se abater. E, se isso significasse se deixar arrastar para um casamento sem amor, com um homem que nem conhecia, e abandonar toda a sua esperança e os seus sonhos, iria aguentar. Iria até o fim.

Com isso em mente, percorreu com elegância o grande salão onde as mesas estavam dispostas, como uma vítima orgulhosa de seu sacrifício. Agora que se aproximava de seu calvário, foi tomada por um súbito terror. Teve vontade de sair correndo, jogar tudo para o alto, esquecer quem era e qual o seu dever. As pernas fraquejaram e lágrimas quentes inundaram seus olhos mais uma vez. A garganta doía. Fitou as pessoas que a aguardavam e cerrou os olhos, fazendo uma prece silenciosa.

E enquanto avançava ao encontro de seu destino, lembrou-se dos acontecimentos daquele dia, de como, quando acordara, sua vida ainda era a mesma de sempre e, depois de poucas horas, tudo se transformara.


Naquela manhã, caminhava até o pátio do castelo sorrindo consigo mesma, o vento frio batia em seu rosto, mas não se importava. Estava feliz. Finalmente o rei atendera os pedidos do seu pai e mandaria um emissário para tratar dos problemas do castelo. Os dias tinham sido corridos desde que recebera a notícia. Preparar tudo para receber o emissário e seu séquito não fora fácil, ainda mais com as dificuldades que vinham sofrendo ultimamente. Mas tudo estava preparado e eles chegariam a qualquer momento.

Ouviu alguém chamar o seu nome e virou-se sorrindo para o rapaz loiro que se aproximava. Harry Cheney, seu amigo mais querido. Tinham sido criados juntos no castelo e eram como irmãos. Harry a ajudara muito desde que os problemas começaram, mas Katherine não entendia por que ele não estava feliz com a ajuda que iriam receber.

— Olá, Harry. — Ela sorriu quando ele se postou ao seu lado. Katherine olhava o horizonte, perscrutando a estrada.

— Está esperando por eles, não?

— Sim, estou ansiosa. — Ela virou-se para o amigo. — Estou tão feliz! Não sabe como esperei por esse dia.

O amigo nada comentou e continuou sério.

— Não entendo porque não pode ficar feliz... — ela murmurou confusa.

— É muito ingênua, Katherine. Acha mesmo que o rei iria mandar um emissário aqui só porque um reles barão está com dificuldades na colheita?

— Por que não? E meu pai não é um reles barão! Somos uma das famílias mais antigas da Inglaterra e...

— Mesmo assim. O rei não dá ponto sem nó.

— O que quer dizer?

— Que ele deve querer algo do seu pai em troca.

— E tem todo o direito! Se quiser um terço ou até metade de tudo o que se produz em nossa terra...

— Acho que ele quer muito mais do que isso, Katherine. — Harry insinuou de forma estranha.

— Não estou entendendo... — Antes que o amigo pudesse responder, sua atenção voltou-se para a estrada onde ouviu o barulho de cavalos. O emissário e seu séquito estavam chegando.

Ela sorriu e correu.

— Finalmente! Eles chegaram! Desçam a ponte, eles chegaram! — gritou para os cavaleiros de seu pai, dos quais, Harry fazia parte. Ainda parou e olhou o amigo, para ver se ele não vinha junto, mas Harry continuava parado no mesmo lugar, com o semblante fechado. Ela sacudiu a cabeça e continuou seu caminho, o brilho da ocasião um pouco perdido. Harry era mais que um amigo. Era como um irmão para ela. Tinham a mesma idade e desde quando ele viera morar no castelo, aos doze anos, para ser treinado por seu pai, eles se tornaram inseparáveis; queria que Harry compartilhasse tudo com ela. Mas, pela primeira vez, ele estava distante.

Katherine chegou à entrada do castelo.

A ponte fora abaixada e as carruagens com o brasão do rei se aproximavam. Sua mãe, Lady Ravenna e seu pai, Sir Kinsey Beaufort, barão de Beaufort, já aguardavam também. Ela se aproximou e sorriu, extasiada.

— Acabou, papai. Estamos salvos!

— Sim, minha querida.

Sir George Cromwell, o emissário do rei, desceu da luxuosa carruagem, com sua túnica adornada em ouro e seu chapéu de penas. Mais parecia um pavão e o andar denotava a arrogância.

— Sir George — o barão cumprimentou e o homem o olhou de cima a baixo —, esta é minha esposa, Lady Ravenna, e esta é minha filha, Katherine.

Katherine abaixou o olhar e fez uma leve reverência, como mandava a educação, e o homem a mediu tão descaradamente que ela se sentiu corar. E enquanto seguiam para o interior do castelo, ele ainda fez um comentário que a deixou intrigada.

— Acho que ela vai servir...

Katherine ficou parada no lugar matutando sobre as últimas palavras do emissário. “Ela vai servir”. Servir para quê? Ouviu os passos de Harry atrás de si. Voltou a atenção para o amigo, que continuava com a cara fechada, e isso a irritou.

— Você podia ao menos fingir que está feliz por mim.

— Desculpe-me, Katherine. Mas eu me preocupo com você.

— Eu sei, e agradeço. Mas agora está tudo bem, tudo vai voltar a ser como antes. — Ele finalmente esboçou um sorriso. — Isso, um sorriso, é assim que eu gosto de vê-lo. Não como um velho ranzinza! — Ela deu um soco de brincadeira em sua barriga.

— Eu estava sendo chato, não é?

— Estava sim, mas eu o perdoo.

— Vamos ao mosteiro?

Katherine bem que gostaria de ir ao mosteiro. Era o lugar em que mais gostava de estar depois do castelo. A calmaria do lugar, os livros que podia pegar emprestado a tinham conquistado, e ela sempre ia lá na companhia de Harry.

— Agora não posso.

— Ah, claro, os convidados especiais. — Ele rolou os olhos.

Não passou despercebido a Katherine sua ironia.

— Não fale assim. Prometo que à tarde eu vou com você. Combinado?

— Tudo bem. Eu a espero à tarde.

— Certo.

Katherine se despediu e entrou no castelo. O emissário estava na grande mesa, já saboreando a refeição que os criados tinham preparado. Ela olhou em volta, para o burburinho geral, caminhou até a mesa principal e sentou-se ao lado da mãe, que lhe lançou um olhar de censura.

Katherine estava ansiosa para ver o que seria decidido, mas nada sobre o assunto foi falado à mesa.

Após o emissário e seu séquito se retirarem, a mãe a requisitou para ajudá-la vistoriar os empregados. Queria que tudo estivesse perfeito para o banquete de logo mais à noite. Horas depois, Katherine caminhava pelos corredores, distraída, carregando uma bandeja com três cálices de vinho. Sua mãe pedira que ela mesma levasse a um dos salões menores onde o barão estava reunido com o emissário e mais um homem que ela não sabia quem era. Quando chegou ao recinto, Katherine sorriu para o pai, em pé ao lado da janela. O emissário se encontrava sentado à mesa, que de praxe era do senhor do castelo. Mas o sorriso da moça se desfez ao ver o semblante grave do barão. O que será que estava acontecendo? Será que o rei não iria ajudá-los? O rei Edward não mandaria um emissário até ali só para dizer que nada iria fazer, mandaria?

Katherine olhou para o pai em busca de algum indício, porém o senhor do castelo continuou com o semblante inalterado.

— Obrigado, minha querida — agradeceu.

Katherine serviu o vinho e só então reparou no terceiro homem em pé na penumbra.

Era um homem de meia idade e de aparência distinta. Levou a taça até ele e, para sua surpresa, o homem lhe sorriu e respondeu com um sotaque diferente, que ela reconheceu como sendo escocês. O que um escocês estaria fazendo ali, no meio de um séquito inglês? Era sabido que o reino da Inglaterra e a Escócia estavam em constante conflito, pois muitos escoceses se rebelavam ainda contra o jugo inglês sobre suas terras. Havia também rumores de que Robert Bruce estaria armando uma revolta, algo que parecia adormecido desde a captura e morte de Willian Wallace havia alguns anos.

— Agora pode se retirar, querida — o barão pediu e, apesar da curiosidade de ouvir o que estavam dizendo, ela obedeceu, fechando a porta atrás de si. Mas na metade do corredor, uma ideia lhe ocorreu. Voltou pé ante pé à porta e, olhando para os dois lados para ver se não era observada, colou o ouvido na porta e escutou. A primeira voz que ouviu foi do emissário.

— O senhor tem até hoje à noite para se decidir. O Senhor MacAlister, aqui, vai partir daqui a três dias para as terras altas e precisa de uma resposta.

— Mas o senhor tem que entender que é uma decisão que não cabe só a mim, estamos falando do destino da...

— Eu não quero saber! O rei foi benevolente em conceder uma ajuda ao seu feudo! Pensa que ele ajuda a todos que pedem? Não, ele ajuda aqueles que lhe servem de alguma maneira, assim funciona o reinado e é assim que a Inglaterra sobrevive.

— Sim, eu sei. E estou muito grato ao rei, porém se pudéssemos fazer outro tipo de negócio, um que não envolvesse a...

— Não, já está decidido e é ordem real. Ou o senhor concorda com ela ou sofrerá as consequências.

— O que o senhor emissário quer dizer?

— O barão sabe muito bem! Não vim até aqui para servir de joguete em suas mãos e nem o rei irá admitir tal coisa! O senhor está no direito de negar esse favor real, mas saiba que então o rei não mais o ajudará. Nem agora — o homem fez uma pausa dramática — e nem nunca mais! — Katherine arrepiou-se e levou a mão à boca, assustada, mas o homem ainda não havia acabado. — E pense bem no que isso significa. O rei Edward jamais irá perdoá-lo.

— Sim, eu entendo — o barão falou numa voz grave. — Eu darei a resposta até logo mais à noite.

— Pois bem! — O emissário se levantou e Katherine se afastou apressada pelo corredor a tempo de ouvir a porta se abrir e os homens saírem. Ela se escondeu, respirando rápido, e esperou que passassem, para só então voltar ao escritório.

O barão ainda se encontrava lá. Sentado numa cadeira alta, contemplava os quadros na parede com um olhar perdido. Os ombros caídos, como se carregassem o peso do mundo.

— Papai? — chamou preocupada, e ele não pareceu ouvir. — Papai, o senhor está bem? — Ele finalmente voltou para a moça o rosto inexpressivo, e Katherine notou um lapso de tristeza em seu olhar.

— Olá, querida — o nobre lhe sorriu, mas o sorriso não chegou aos olhos —, que bom que está aqui, ia mesmo chamá-la. Precisamos conversar, sente-se.

Katherine acomodou-se em uma poltrona e esperou o pai prosseguir, mas em vez disso ele pegou o cálice que ela havia servido anteriormente e levou à boca, as mãos trêmulas.

— Papai, algum problema? — questionou, apreensiva. Queria dizer que escutara parte da estranha conversa com os emissários do rei e que ficara curiosa para saber qual foi o pedido que o rei fizera em troca, que deixara seu pai tão abalado.

— Querida, você sabe muito bem dos problemas pelos quais estamos passando.

— Claro que sei.

— E você também sabe que a situação é tão grave que sem a ajuda do rei será praticamente impossível nos reerguemos.

— Sim — ela confirmou —, mas também sei que ele irá nos ajudar, afinal não mandaria um dos seus mais importantes conselheiros para dizer não.

— O rei Edward está disposto a nos ajudar, mas ele pede algo em troca. — A voz do Barão tornou-se cautelosa.

— E o que ele quer? Terras? Servos? Parte do nosso lucro?

— Não, ele quer que façamos um favor a ele.

— Que tipo de favor? — Levantando-se, aproximou-se do pai, com a terrível sensação de que ouviria algo de que não iria gostar.

O Barão desviou o olhar indo até a janela. Katherine o seguiu.

— Diga-me, senhor meu pai, o que o rei quer que faça que o deixou tão consternado?

O barão se virou para encará-la.

— Ele quer que você se case.


Dois


Alguém observa nas sombras

 

Katherine arregalou os olhos e abriu a boca em choque.

— O quê? Eu não entendo, como assim casar? Casar com quem?

— O rei quer que você se case com um nobre escocês das terras altas.

Katherine sentiu o coração parar de bater e as pernas bambearem. Andou até a cadeira mais próxima e deixou-se cair nela, tentando organizar os pensamentos. Tentando entender.

O rei pedira um favor ao seu pai em troca de ajuda para tirá-los da bancarrota. Mas não era um favor qualquer. Ele queria que ela se casasse. Não com qualquer um, mas com um nobre escocês das terras altas. Um homem sem rosto, sem nome. Um homem que ela nem conhecia.

Katherine sentiu a garganta apertar e olhou para o pai, com os olhos aflitos.

— Diga que não é verdade... diga que temos uma saída... por favor.

— Sinto muito, Katherine, mas não temos outra saída. Se eu me recusar a dar a sua mão a esse escocês, estarei não só nos entregando a ruína, mas também desafiando o rei.

— Mas por quê? Por que eu?

— Você sabe, isso sempre foi feito, casamentos entre escoceses e ingleses. É uma questão comercial. O rei pretende criar laços de lealdade com nobres escoceses para tentar abafar a rebelião de Robert Bruce.

Katherine começou a tremer, as lágrimas caíram sem que conseguisse contê-las, o desespero se fechou em volta de seu coração como uma grade de ferro.

O que iria fazer?

A primeira ideia era recusar, rechaçar aquele pedido absurda. Como poderia largar tudo o que lhe era conhecido, sua casa, sua família, seu País, para entregar-se a um homem que não conhecia, que não amava?

Pensou em Harry. O querido Harry, que ficara apreensivo por ela. E ele tinha razão. O preço para a salvação era alto demais. Custaria toda a sua vida, toda a sua felicidade, todos os seus sonhos. Olhou para o pai, parado do outro lado do recinto, a encarando num misto de pena e resignação, e Katherine soube que não havia saída. Seu destino estava selado. Não podia deixar a família ser arruinada para sempre. Ela se casaria com o escocês.

E que Deus a ajudasse.

Levantou-se e, segurando as mãos do pai, sorriu por entre as lágrimas.

— Não se preocupe, meu pai. Eu aceitarei meu destino. Aceitarei me casar. Pelo rei, pela nossa família e pela Inglaterra.

Katherine saiu da conferência com o pai e foi ao encontro de Harry, como tinha combinado, para irem ao mosteiro. Não tinha vontade de ir a lugar algum, a única vontade que tinha era de se trancar no quarto e chorar toda a sua dor. Mas decidira que o melhor que tinha a fazer era aproveitar os últimos momentos de sua antiga vida, porque sabia que em poucos dias embarcaria rumo ao desconhecido, para nunca mais voltar.

Esse pensamento a encheu de pesar, mas ela jogou a tristeza para o fundo da mente. Avistou o amigo na saída do castelo e se obrigou a sorrir.

— Vamos?

— Você demorou... — o amigo observou enquanto andavam lado a lado rumo ao mosteiro.

— Sim, você sabe, convidados importantes... — ela brincou usando as palavras ditas por ele.

— E o emissário já falou se vai ajudá-los?

Katherine respirou fundo tentando conter a onda de desespero que a pergunta do amigo lhe causou.

— Sim, ele irá nos ajudar.

— Mas isso é ótimo! — Harry sorriu e Katherine tentou sorrir também, mas seu riso não passou de um engasgo e o amigo percebeu, pois a olhou atentamente. — Por que me parece que você não está muito feliz?

— Claro que estou feliz! Como não ficaria? Finalmente nossos problemas vão acabar! — Porém os meus estão apenas começando, pensou.

Harry ainda não estava satisfeito com a resposta.

— O que o rei pediu em troca, Katherine? — questionou com astúcia.

Katherine desviou o olhar. Não queria contar ao amigo o que teria que fazer. Não ainda, queria aproveitar os últimos momentos de liberdade sem as agruras de preocupação que a revelação causaria.

— Eu não sei, não perguntei ao meu pai sobre isso. Fiquei tão feliz com a resposta positiva que não pensei em mais nada! Mas deve ser o de sempre. — Ela voltou a caminhar, dando por encerrado o assunto. E Harry pareceu ficar finalmente satisfeito com a resposta.


Katherine voltou ao presente e encarou os rostos a sua volta. A mãe sorria, provavelmente muito feliz em saber que não iria ter que se desfazer de suas joias, vestidos e criados. Katherine achava que mais ninguém além de seus pais e do séquito do emissário sabiam do acordo, afinal, o arranjo de casamento deveria ser anunciado nesta noite.

Sentou ao lado do pai na grande mesa principal e procurou Harry com o olhar. Ele estava na mesa dos cavaleiros e quando a avistou sorriu para ela. Katherine sentiu o coração se reconfortar com aquele sorriso, pois sabia que poderia sempre contar com ele. As solenidades passaram como uma tortura até que o barão se levantou para fazer o anúncio e ela se arrepiou de medo.

— Gostaria de dizer a todos que a presença do emissário do rei aqui em nosso castelo não só vem nos agraciar com a sua inestimada ajuda, como também com um acordo muito feliz para ambas as partes. Como todos sabem, o rei está buscando agregar mais terras ao nosso reino, principalmente as terras da Escócia. E como agradecimento à ajuda que nos proporcionou, eu estou oferecendo a mão de minha filha, Lady Katherine, ao mais novo aliado de nosso rei, na Escócia: Sir Kieran MacAlister, das Terras Altas.

Um burburinho geral de felicitações tomou o salão e o Barão segurou a mão da filha, obrigando-a a se levantar. Katherine fingiu estar feliz, mas por dentro estava sangrando. Do outro lado do salão avistou Harry a encarando com um olhar entre confuso, triste e furioso, antes de se levantar e sair do salão, sem olhar para trás. Katherine sentiu os olhos se encherem de lágrimas e piscou para contê-las. Agora era oficial. Estava perdida.


***


Quando tudo acabou, Katherine saiu sorrateiramente do castelo até o alojamento dos cavaleiros, sabia que não podia fazer isso, mas tinha que falar com Harry. Porém não foi preciso ir tão longe. Harry estava na murada do castelo.

— Harry! — Ele se virou e ela percebeu, em seu olhar, uma expressão de raiva.

— Por que não me disse, Katherine?

— Não queria estragar nosso passeio...

— Diabos! Eu não acredito que concordou com uma coisa dessas! — Ele andou de um lado para o outro, frustrado.

— Não tinha outro jeito, o rei ordenou.

— Nós sempre temos escolha! Não pode aceitar isso!

— Acha que eu quero me casar com um homem que nunca vi? Ir embora daqui e deixar meus pais, minha casa, você?

— Então por que não se recusou? — Indagou parando a sua frente, com uma expressão de extremo pesar.

— Eu não podia. Como posso deixar minha família perder tudo?

— Mas é um preço muito alto, Katherine. Você ainda não percebeu o que isso implica?

— Sim, eu sei muito bem o que me aguarda, mas não posso deixar de cumprir o meu dever com a Inglaterra...

— Dever? Vai se casar com um imbecil que não a ama pela Inglaterra?!

— E você quer que eu faça o quê? Me recuse? Me recuse a aceitar a vontade do rei e ver toda a minha família em ruína? Não finja que há uma saída, Harry, porque não tem! Eu vou me casar com esse homem, mesmo com toda a minha alma, todo o meu coração gritando ao contrário, eu o farei!

Ele a encarou tão perturbado quanto ela.

— Tem uma saída.

— Como assim? Que saída?

Harry segurou o seu ombro.

— Nós nos casarmos!

— O quê?

— Sim, é uma solução, você não vê? Se fugirmos e nos casarmos, o rei não pode obrigá-la a se casar com esse escocês! Pois já estará casada.

— Harry... isso é um desatino! Mesmo se eu pensasse por um momento que essa ideia maluca poderia dar certo, como poderíamos nos casar?

Ele a encarou com intensidade e segurou a mão da moça entre as suas.

— Eu a amo, Katherine.

Ela sorriu e tocou seu rosto.

— Eu também amo, você é como um irmão...

— Não! Eu não estou falando desse tipo de amor! Eu quero me casar com você, sempre quis! Eu a amo há muito tempo, só nunca tive coragem de confessar.

Katherine o encarou confusa. Harry a amava? Seu amigo Harry a amava?

— Harry, eu... — Ela não sabia como reagir àquela confissão.

— Não posso deixar que se case com outro que não seja eu, Katherine. Por favor, aceite meu pedido e vamos enfrentar juntos tudo isso.

Ela desviou o olhar e se afastou um pouco, a mente confusa.

— Harry, eu não sei se o que sinto por você é esse tipo de amor...

Ele se aproximou, segurando-a pelos ombros.

— Nós nos conhecemos desde sempre. Como podemos não nos amar?

— Não sei...

— Não quero pressioná-la, mas não posso deixar que parta, sem fazer nada!

— Eu... eu preciso entrar, daqui a pouco vão dar por minha falta...

— Pense bem no que lhe falei. É a única saída.

— Eu pensarei — prometeu e se afastou rumo ao seu quarto.


O amanhecer encontrou Katherine ainda acordada, sentada na janela, como costumava fazer quando era pequena. Ela refletia sobre qual decisão tomar. Harry tinha razão em dizer que a fuga e o casamento entre eles seria a única saída, mas ela não tinha certeza se teria coragem para tanto. E se o rei se enfurecesse e fizesse algo contra eles? Era bem possível que isso acontecesse. Não, não poderia fugir. Tinha que se casar com o escocês. Não tinha outra maneira.

— Katherine, está acordada? — Lady Ravenna entrou no quarto.

— Estou, sim.

— O seu pai e o emissário querem vê-la ainda agora de manhã. Parece que você vai partir mais rápido do que imaginávamos.

— O quê? — Katherine ficou alarmada.

— Sim, você terá que partir ainda hoje.

— Mas eu não posso ir assim tão de repente! Tenho que arrumar minhas coisas e...

— Eu sei disso e tentei argumentar. O certo seria que você só saísse daqui casada, mas parece que o seu futuro marido se recusa a sair da Escócia, então terá que se casar quando chegar lá.

Katherine suspirou desanimada e, para sua surpresa, a mãe se aproximou e abraçou seus ombros.

— Eu sei como tudo é repentino e assustador, minha querida, mas lembre-se de que, fazendo isso, está salvando a todos nós.

— Sim, eu sei. Não se preocupe. Diga ao papai que já irei descer e mande as criadas arrumarem minhas coisas — falou resignada.

— Claro, minha querida.

Quando Lady Ravenna saiu do quarto, Katherine desabou na cama, as lágrimas jorrando, o corpo sacudido os soluços. O seu calvário ia começar mais cedo do que se supunha.


***


— Quem irá me acompanhar? — Katherine perguntou com frieza. Estava no escritório de seu pai, junto com o emissário e o homem escocês que chamavam de Callum, além de sua mãe. O barão tinha acabado de comunicar que ela partiria ainda hoje para a Escócia.

— A milady irá comigo — Callum falou, sorrindo para ela de modo paternal.

— Eu não entendo porque tenho que partir com tanta pressa...

— A milady não está em condições de argumentar — rebateu sir George. — O rei quer esse casamento o mais rápido possível, para conter as rebeliões que lá se instalaram nos últimos tempos.

— E quando irei conhecer o meu... meu... — Não conseguia pronunciar a palavra noivo. — O homem com quem vou me casar? — perguntou num fio de voz.

— Quando chegar ao seu castelo, nas Terras Altas.

Ela levantou-se.

— Então, se me derem licença, preciso me preparar para a viagem.

Saiu da sala, andando sem pressa e de cabeça erguida, contendo a vontade de sair correndo e se esconder para que eles nunca a achassem, mas conteve o desejo infantil. Iria enfrentar com dignidade o seu destino.

Horas depois, Katherine estava se despedindo dos familiares e aldeões na porta do castelo para partir com Sir Callum para a Escócia. Cumprimentava a todos como se fosse dar um passeio nas proximidades, mantendo a cabeça erguida, e um sorriso sereno no rosto. Mas quando chegou em Harry, pensou que iria desabar. Os olhos do amigo a perscrutaram num misto de tristeza e revolta. Ele beijou sua mão e sussurrou para que só ela ouvisse.

— Eu irei buscá-la, Katherine, eu juro!

Katherine afastou-se, tentando conter as lágrimas e montou no cavalo. Deu uma última olhada para todos e saiu a galope. A sorte estava lançada.


***


Escócia

 

Katherine estava cansada. E o frio do outono fazia com que o vento forte atravessasse suas roupas e chegasse a sua pele, congelando-a. Ela não sabia o que era pior, o frio que enregelava sua pele ou o frio que assolava sua alma.

— Não se preocupe, milady, nós já estamos nos aproximando. — Callum apontou para algum ponto além das montanhas e então ela viu um castelo envolto em brumas, no alto. Com isso, sentiu o frio aumentar.

— Sim, eu vejo. É esse o castelo de...?

— Sim, milady.

Quanto mais se aproximavam da fortaleza, mais desolação sentia. Katherine mirou novamente a edificação, tirando o capuz da capa que a cobria, os cabelos loiros caíram, livres por suas costas, despenteados pelo vento.

Aquele lugar seria seu lar dali por diante. Porém, para ela, mais se assemelhava a uma prisão. Um arrepio de medo a transpassou e se sentiu observada. Olhou para cima perscrutando o castelo. Um homem estava parado na janela da mais alta torre. Daquela distância era impossível distinguir seus traços, mas claramente alguém a observava nas sombras. Uma sensação de medo gelou seu sangue. E ali, tentando enxergar quem a observava da escuridão, Katherine teve um vislumbre do que seria sua vida a partir daquele momento. Nada de sonhos românticos, apenas a desolação de um futuro sombrio.

Respirando fundo, Katherine adentrou nas sombras.


Três


À beira do precipício

 

— Parece abandonado... — Katherine só percebeu que tinha pensado alto, quando Callum respondeu de forma enigmática.

— Eu sei que parece desolador daqui, mas acredite, milady, esse castelo não está abandonado.

Eles desmontaram dos cavalos e Katherine estranhou que nenhum criado apareceu para pegar as montarias e ninguém veio recebê-los. Callum pareceu não se incomodar com isso. Ele caminhou até a porta e bateu o ferro na boca do leão. E, por um instante, ela teve o incrível pensamento de que não havia ninguém ali. No entanto, após alguns minutos a porta abriu com um rugido. Num primeiro instante, Katherine achou que a porta tinha aberto sozinha, mas uma moça ruiva apareceu por detrás dela e olhou para Callum com o semblante indecifrável. Quando pousou o olhar sobre Katherine, ela a mediu de cima a baixo e Katherine achou ter visto uma pitada de desdém na expressão da moça.

— Olá, Brenda. — Callum cumprimentou a moça.

— Achei que nunca mais o veria, Callum — ela falou com a voz estranha. Callum sorriu.

— Eu falei que voltaria.

— E vejo que trouxe uma dama...

— Sim. — Ele olhou de relance para Katherine. — Estamos congelando aqui fora... — continuou.

A moça afastou-se o suficiente para os recém-chegados passarem e Katherine adentrou no castelo. Se ela pensava que por dentro a construção seria mais aconchegante, se enganou. O exterior do castelo era desolador e dentro era pior ainda. Era escuro, úmido e frio. Katherine deu alguns passos e levantou o olhar, adaptando os olhos à escuridão. Observou as janelas firmemente serradas e pensou, por um instante, que pareciam nunca terem sido abertas. A tapeçaria que cobria as paredes estava gasta e rota. A poeira cobria os móveis, que antigamente deveriam ter sido bonitos.

— Ele não está em um bom dia hoje... — Katherine voltou à atenção para a conversa da moça e de Callum ao ouvir essa última afirmação, mas a resposta de Callum foi a que mais a surpreendeu.

— E quando ele não está em um mal dia? — Callum perguntou, recebendo um olhar enviesado de confirmação da moça ruiva.

A primeira parte do mosaico do homem que viria a conhecer não era nada alentador: nunca estava em um bom dia. Com um suspiro de desânimo, Katherine observou novamente o sombrio ambiente. Será que alguém repararia se ela desse meia volta e fugisse?

— Vou levá-los até ele... — A moça prosseguiu e Katherine e Callum a seguiram. Porém, Katherine segurou o braço do homem, assustada.

— Eu não posso me apresentar assim — Fez um gesto para sua aparência. Tudo bem que não estava esperando muito do senhor do lugar, daí a esquecer seu orgulho era um longo caminho.

Ela precisava do seu orgulho para ter forças. Para não desmoronar.

— Milady — Callum pareceu exasperado, porém chamou a moça ruiva que se voltou com um olhar consternado —, a Milady gostaria de descansar da viagem antes de ter com o senhor.

A moça a encarou com um olhar de desprezo e deu de ombros, virando-se em seguida em direção as escadarias.

— Como queiram, me acompanhe.

Katherine a seguiu escada acima, mas ainda pôde ouvir uma observação da moça em voz baixa.

— Como se fosse fazer alguma diferença...

— Como disse? — Katherine perguntou, confusa, mas a moça se limitou a fazer um movimento de descaso com a mão.

Elas chegaram ao segundo andar e caminharam por um corredor escuro, que pareceu a Katherine não ter mais fim, até uma porta dupla de carvalho.

Katherine adentrou no aposento, estudando o ambiente. Ali tudo era tão lúgubre como todo o castelo, porém era um aposento amplo, com uma grande cama no meio.

Katherine precipitou-se até uma das três grandes janelas que ficavam na parede oposta e, sem poder resistir, as abriu, deixando a luminosidade e o vento invadirem o quarto. Só então virou-se para a moça ruiva. Até que ela não parecia tão ameaçadora, assim no claro. Era até mais jovem e bonita do que supunha na escuridão.

— Vou pedir para Callum trazer suas coisas, milady.

— Aqui não tem criados? — Katherine perguntou.

— Costumávamos ter. Antigamente. Mas agora sou só eu.

— Só você? — Katherine estava boquiaberta. — Como faz para manter todo esse castelo? — questionou, mas já sabia a resposta. Pelo o que tinha visto até ali, o castelo não era cuidado há muito tempo.

— Eu faço o que posso, além do mais, o senhor do castelo não se importa muito com tudo isso...

Mais uma peça se apresentava para ela... “O senhor não se importa com tudo isso”. Perfeito, pensou, irônica.

— E para onde eles foram?

— Eles quem?

— Os criados.

— Alguns para a vila. Outros para longe, alguns para a morte... — respondeu encarando Katherine, como se essa fosse ousar perguntar o que significava a última informação. Mas ela resolveu não fazer mais nenhuma pergunta.

— Diga a sir Callum que descerei em algumas horas — comunicou, altiva, e por um momento achou que a moça fosse retrucar alguma coisa, mas ela simplesmente se virou e saiu do quarto. Katherine soltou um suspiro profundo e foi até a janela novamente.

O que será que a aguardava a partir de agora? Permaneceu ali, pensando, fazendo conjecturas por vários momentos.

A janela do aposento dava para a entrada lateral do castelo e, de onde estava, era possível avistar uma construção que parecia ser um estábulo. De repente sua atenção foi capturada por vozes altas logo abaixo da sua janela. Curiosa, apoiou-se no parapeito para tentar escutar melhor. Uma das vozes parecia ser de sir Callum e a outra, de um homem. Mas, por mais que tentasse, não conseguia distinguir o que eles diziam, então uma porta se abriu e um homem saiu andando rápido em direção ao que ela achava ser o estábulo. Ele estava de costa para ela e caminhava decidido, usando um kilt xadrez, típico traje escocês. Os cabelos eram de um cobre rico, despenteados pelo vento forte.

Como se soubesse que estava sendo observado, o homem se virou em direção ao lugar onde ela estava.

Katherine sabia que tinha que sair dali, mas não conseguiu se mexer. Ele perscrutou o castelo e a viu. Seus olhares se encontraram e, por alguns instantes, foi como se o tempo parasse. O homem tinha uma barba descuidada no rosto, dando-lhe uma aparência rebelde e ameaçadora, mas o que a impressionou era que ele a encarava, mas era como se não a visse. Katherine sentiu um arrepio de medo e apreensão, com a força daquele olhar sombrio. Então o momento passou e ele se virou novamente e desapareceu da sua vista.

Ela ouviu o barulho da porta do quarto se abrindo e a moça ruiva, acompanhada de Callum, trazia seus pertences.

— A Milady pode gastar o tempo que quiser — comunicou o escocês.

— Mas...

— Não tenha pressa. Kieran não poderá recebê-la agora de qualquer maneira... — Callum e a moça trocaram um olhar estranho e Katherine teve a impressão de que estavam lhe escondendo algo. Eles saíram do quarto e a deixaram sozinha de novo. Então não lhe restou alternativa a não ser fazer a toalete e descansar da viagem. Arrependia-se de não ter trazido uma criada, não sabia como iria fazer tudo sozinha, mas não tinha tempo de se lamentar agora.

Tirou o vestido e foi até uma tina com água e lavou o rosto. Em seguida, soltou os cabelos e os penteou, relanceando os olhos para o quarto e as tapeçarias nas paredes que um dia deveriam ter sido bonitas. Então reparou numa porta no outro extremo do quarto, na qual não tinha reparado antes. Andou até ela e girou a maçaneta, mas estava trancada. De repente sentiu-se muito cansada e, desistindo de procurar um vestido no baú, deitou-se sobre a cama e adormeceu quase que de imediato.

Quando acordou já era quase noite. Olhou pela janela, as brumas estavam mais pesadas agora. Procurou um vestido no baú e colocou-o, desistiu de trançar os cabelos, deixando-os soltos. Saiu no corredor escuro, descendo as escadarias. Para onde ir agora? Não havia nenhum sinal de movimentação dentro do castelo. Onde estaria Callum? Teve a impressão de ouvir um barulho vindo de uma porta além do salão e foi naquela direção. Adentrou no cômodo escuro, a não ser por uma vela acesa em cima de uma mesa cheia de papéis, mapas e um tinteiro. A lareira não estava acesa e o frio ali também era cortante. Já ia deixar o lugar quando se assustou com uma voz.

— Então é a dama inglesa? — Katherine virou na direção da voz, só então notando que havia uma poltrona no outro canto da sala, encoberta pela escuridão. E ela viu um homem envolto em sombras a observando. Era o mesmo homem que avistou antes, da janela do quarto. De perto ele parecia ainda mais ameaçador e Katherine não pôde evitar de sentir um arrepio de medo.

— Está com medo? — o homem questionou com um tom de ironia. E Katherine levantou a cabeça, orgulhosa.

— Não, por que teria? — respondeu, altiva. Ele riu, não uma risada feliz, mas um riso dolorido. — Quem é o senhor? — perguntou sem mais conseguir conter a curiosidade.

O riso morreu em seu rosto.

— Eu, milady, sou o senhor deste castelo.

— O senhor é...

— Sim, eu sou o bárbaro escocês com quem a milady irá se casar.

Katherine abriu a boca em espanto. Então esse era seu futuro marido?

— Vejo que a milady está espantada. O que esperava? Não me diga que esperava um bardo inglês?

— Não eu... eu não esperava nada — balbuciou ainda confusa.

E era a mais pura verdade. Estivera tão envolta em sua dor, tentando achar um jeito de aceitar seu destino, que não parara para pensar em como seria o nobre escocês com quem se casaria. E Sir Callum era um homem econômico nas palavras, nada revelando sobre o senhor do castelo enquanto viajavam pelas terras da Escócia.

Agora, não podia deixar de estudá-lo. Certamente ele ainda era um homem jovem. Apesar da voz ser hostil, pertencia a alguém não tão mais velho que ela. Seu rosto estava envolto pelas sombras, impedindo que ela o estudasse com mais atenção, mas então ele se levantou e acendeu o fogo na lareira, fazendo com que uma iluminação sutil banhasse suas feições e Katherine confirmou que era mesmo o homem que discutia com Sir Callum mais cedo. No entanto, naquela hora, ele estava longe e ela apenas vislumbrou seu semblante ameaçador.

Naquele momento, ele se voltou em sua direção, estudando-a também e Katherine não se absteve de fazer o mesmo. Ele era alto e seu corpo, apesar de forte, não era corpulento em demasia. Ele ainda usava o traje escocês e uma camisa branca de linho desgastada, os cabelos pareciam ainda mais vermelhos agora sob a luz das chamas e, quando se aproximou, Katherine notou que seus olhos eram de um verde profundo. E assim, de perto, o escocês lhe pareceu mais ameaçador do que nunca e ela teve que se conter para não se encolher ou sair correndo.

— Mas a milady é exatamente o que eu esperava. Uma dama inglesa de pela clara e olhar assustado.

— Eu não estou assustada! — respondeu, orgulhosa.

— Seus olhos dizem outra coisa. Está aqui obrigada. O que Edward fez para persuadi-la? O que seu rei lhe deu para convencê-la a vir para cá?

— O senhor não sabe nada sobre mim!

— Mas em breve saberei tudo, não?

Katherine abaixou a cabeça, tentando segurar as lágrimas.

— Sim, definitivamente, uma inglesa — ele completou com escárnio.

— Por que diz isso?

— Pela sua postura. Me diga, milady, o que esperava viajando até terras tão distantes?

— Estou cumprindo a vontade do rei.

Ele riu de novo.

— Vontade do rei? Muito bem, então, milady, o que mais faz em “nome do rei”?

— O que o senhor está querendo dizer? — perguntou ultrajada. E ele apenas riu, caminhando até uma mesa onde dispunha de uma garrafa de bebida, da qual se serviu antes de voltar sua atenção novamente a ela.

— Bebe? — perguntou irônico.

— Claro que não! — ela respondeu olhando a garrafa, que, pelo que podia observar, já estava quase vazia.

— Não fique aí parada me olhando como um coelho assustado!

— Senhor, eu...

— Pode voltar para o lugar de onde saiu! Não tem nada para a senhorita aqui! Se a milady está tão feliz por obedecer a ordem do seu rei, saiba que, para mim, ele não passa de um nada! Não é o meu rei e, portanto, não preciso obedecê-lo!

— Não entendo...

— Não entende? — Ele pousou o copo na mesa e se aproximou, ameaçador. — Quer que eu fale com todas as letras? Não irei me casar. Nem agora e nem nunca.

— Mas o rei...

— Não me interessa o que Edward pensa. Agora pode sair daqui. Parta o mais breve possível, volte para a Inglaterra e diga ao seu rei que não sou um idiota!

Katherine estava estupefata. Como assim ele não queria casar com ela? Será que Deus tinha ouvido suas preces? Ela não seria obrigada a casar?

Observou o homem que, após suas enfáticas palavras, tinha se afastado até a janela e olhava a noite escura, enquanto vertia o líquido âmbar em sua taça.

— Esse casamento também não é de minha vontade. E fico imensamente grata que o senhor não queira tomar-me como esposa — disse com cuidado.

O homem riu, embora não houvesse humor.

— Que bom que temos algo em comum, milady.

Neste momento Callum entrou na saleta, os interrompendo.

— Milady Katherine! Não sabia que já estava aqui! — Ele a encarou surpreso, olhando, apreensivo, na direção do senhor do castelo. — Vejo que já conhece Sir Kieran MacAlister.

— Sim, caro Callum, e já tivemos uma conversa bastante esclarecedora. Agora, preciso deixá-los. Tenho mais o que fazer. Milady... — Ele passou por Katherine e fez uma reverência sarcástica e saiu da sala.

— O que ele quis dizer? — Callum perguntou confuso.

— Ele disse que não irá se casar comigo — Katherine falou sorrindo.

— Kieran ainda não se acostumou com a ideia...

— Ah, ele me pareceu bem convincente! Mas não se preocupe, sir Callum, eu fiquei feliz com a recusa. O Senhor sabe que só estou aqui porque o rei...

— Sim, por isso mesmo a milady tem que casar com Kieran!

— Não, eu não tenho!

— A milady não entende? Se voltar para a Inglaterra, se descumprir as ordens de Edward, toda a sua família cairá em desgraça!

— Mas não é minha culpa. Eu cumpri minha parte.

— Para o rei, isso não interessa. Se a senhorita não se casar, não haverá acordo entre a Escócia e a Inglaterra e Edward não ficará feliz com isso.

— Não é justo!

— Nunca falei que seria. E, creia, o rei não hesitará em retirar todo o apoio que deu a sua família.

— Então eu já estou perdida! Se Kieran não quer honrar o acordo, nada posso fazer — desabafou, desesperada.

— Ainda não está tudo perdido. Eu tenho certeza de que Kieran mudará de ideia...

— Eu não entendo. Achei que tudo estivesse certo.

— Não é bem assim. O próprio rei esteve aqui...

— O rei Edward esteve aqui? Neste castelo?

— Sim. Ele veio pedir a Kieran apoio para conter os clãs rebeldes que estão se juntando a Robert Bruce, porém Kieran se recusou. Desde então Edward vem tentando convencê-lo a ajudar a Inglaterra e, da última vez, afirmou que se Kieran desposasse uma inglesa, tudo ficaria certo.

— E Kieran concordou?

— Não, Milady. Mas Kieran disse que se ele convencesse uma Inglesa a vir para cá e casar com ele, o que acharia impossível, honraria o trato. Kieran achou que Edward não mandaria nenhuma inglesa para cá, por isso usou essa jogada para que Edward o deixasse em paz.

— Mas... por que ninguém iria querer?

— A milady é muito jovem e não conhece nada da vida e nem do que dizem do senhor deste castelo.

— E o que dizem?

Callum desviou o olhar.

— Boatos. Nada demais. — Ele mudou de assunto — Não se preocupe, mais alguns dias e tudo estará resolvido.

— Eu não sei...

— Vamos, não se aflija. Tudo dará certo. Agora vamos, Brenda disse que já será servido o jantar.

Katherine deu o braço a Callum e, juntos, seguiram até o salão.

— Brenda é a moça ruiva que nos recebeu?

— Sim.

— Ela é tão jovem, e muito bonita — comentou. Então um pensamento se formou em sua mente. E se Brenda fosse na verdade amante do senhor do castelo? E se fosse esse o motivo de ela a tratar com um frio desdém? Faria sentido. Seria por isso que Kieran não queria se casar?

Callum a fitou, entendendo o rumo de seus pensamentos.

— Está errada.

— O quê?

— Brenda não é amante de Kieran.

— Eu não...

Ele riu suavemente.

— Brenda na verdade é uma prima distante dos MacAlister.

— Oh... Espera... Seu sobrenome também é MacAlister.

— Sim, somos do mesmo clã.

— Entendi. E o senhor vive aqui no castelo?

— Não, eu tenho minhas próprias terras na fronteira.

— Acho estranho que um escocês seja amigo do rei da Inglaterra.

— Não se engane, milady. Eu sou apenas um hábil diplomata que almeja a paz entre dois povos, por isso me proponho a ajudar. Nós já tivemos mortes demais de ambos os lados em todos esses anos de luta.

— Então não está do lado dos seus para a liberdade da Escócia?

— Esse é um assunto espinhoso. Como disse, eu procuro a paz. Além do mais, minha esposa era inglesa.

— Tem uma esposa?

— Ela morreu há alguns anos — ele respondeu com um tom de tristeza.

— Sinto muito.

— Não sinta, já faz muito tempo.

— Ah, entendo agora. Por isso quer que Kieran se case com uma inglesa?

— Os motivos para que eu queira que Kieran se case são muito mais profundos do que mera política, minha cara.

— Não entendi.

— Não tente.

— E ele não concorda com você — ela murmurou, envolta em pensamentos. Se antes a situação já era desesperadora, agora estava pior ainda. Como convenceria aquele homem a casar com ela? Não seria melhor desistir de tudo e voltar para a Inglaterra e aceitar a ira de Edward?

Eles adentraram no salão principal onde havia apenas uma enorme mesa. Kieran já estava lá com uma garrafa na mão, servindo-se de mais whisky. E os fitou com um olhar sardônico.

— Estou vendo que a milady ainda não foi embora.

— Ora, deixe disso, Kieran. Você sabe que a milady não vai a lugar algum — Callum respondeu.

— Que pena, a senhorita me pareceu bem sensata por um instante. Mas vejo que me enganei.

Katherine estava começando a se irritar com tudo aquilo e o encarou, levantando o queixo.

— Se eu fosse sensata, não estaria aqui hoje! — falou em desafio, e pareceu ver uma centelha de admiração no fundo daquele olhar cheio de desprezo, mas logo passou a ser irônico novamente.

— Então verá que o melhor a fazer é partir.

— Nem sempre a fuga é a melhor solução, senhor — acrescentou no mesmo tom irônico que ele usava com ela.

Mas em vez de rebater sua ironia, dessa vez pareceu haver dor em seu olhar por causa das palavras proferidas pela moça.

— E milady tem a língua afiada — respondeu, enquanto se encaminhava para a mesa e se servia de mais bebida; Katherine pensou que desse jeito ele ficaria bêbado antes mesmo de servirem o jantar.

Brenda entrou no salão e pareceu espantada, como se não esperasse vê-la ali ainda. Katherine sentou-se à mesa, à direita de Kieran com Callum à sua frente. Brenda serviu sopa e Katherine a tomou em silêncio. Mas percebeu que Kieran praticamente não comia, apenas bebia do seu whisky e ficava observando cada movimento seu. Ela levantou o olhar e o encarou.

— O senhor não irá comer?

— Já preocupada comigo, milady? — respondeu com deboche.

— Claro que não. Só acho irritante o senhor ficar me encarando.

Ele soltou uma sonora gargalhada.

— Se a incomoda tanto meu olhar, por que não sai daqui? — ele perguntou em desafio, e Katherine percebeu Callum prendendo a respiração e se engasgando com a sopa.

Katherine levantou-se para fazer o que Kieran sugeria, mas ele levantou-se também e, quando ela ia virar-se para sair, segurou em seu braço e a fez voltar-se.

— Milady, não precisa sair. Se minha presença a incomoda, eu mesmo saio.

Katherine o encarou, achando estranha aquela inesperada suavidade.

— Acho que ninguém precisa sair, não é? — Callum falou, tentando apaziguar os ânimos, e Katherine sentou-se novamente.

— Sir Callum tem razão.

Por um momento achou que Kieran iria manter a ideia original e sair, porem ele sentou-se novamente e continuar com sua bebida.

Brenda serviu a refeição principal e, mesmo assim, Katherine reparou que ele quase não comia, apenas bebia. Agora, estava se servindo de vinho. Ele também serviu uma generosa dose para Katherine e Callum, que mantinha o olhar fixo no prato. Katherine teve vontade de recusar, mas achou que, na atual circunstância, necessitava de uma bebida. Levou a taça aos lábios e sorveu o líquido inesperadamente agradável e que lhe aqueceu o interior.

Ao levantar o olhar, percebeu Kieran observando-a. E, sem saber por que, sentiu um arrepio na espinha que nada tinha a ver com o frio da sala. Kieran a olhava de maneira diferente agora, era um olhar... ela não sabia explicar, mas a deixou com um frio na boca do estômago. Confusa com essas sensações inexplicáveis, o encarou desafiadoramente.

— Por que está me encarando? — questionou, incomodada. E ele, em vez de responder, levantou a mão e a surpreendeu ao passar o dedo lentamente por seu lábio inferior.

— Estava sujo de vinho... — E a atitude a seguir deixou Katherine sem fala. Ele levou o dedo à boca e sorveu o vinho que retirou de seus lábios. Katherine sentiu um calor estranho se espalhar por seu corpo e dificuldade de respirar. O lugar onde os dedos dele tinham estado queimava, e ela passou a língua pelos lábios ressequidos. O olhar de Kieran seguiu o movimento de sua língua e ela sentiu o coração bater rápido no peito, o alvoroço dentro dela se intensificando. Até que uma porta bateu quando Brenda voltou à sala, o encanto foi quebrado e Katherine desviou o olhar, atordoada, sem entender o que tinha se passado. E não ousou mais encará-lo o resto da noite. Pediu licença e se retirou para seus aposentos.

E, naquela noite, ela foi assolada por terríveis sonhos em que um cavaleiro negro a perseguia nas sombras. Acordou chorando, com uma sensação de desolação tomando o seu ser.

Será que um dia acordaria daquele pesadelo?

Por que o mundo tinha que ser tão injusto? Por que para salvar a família ela precisasse se sacrificar?

Olhou pela janela e viu que o dia estava amanhecendo. Sem mais vontade de dormir, vestiu-se e saiu do quarto, caminhou pelas sombras do castelo para o frio da manhã.

A névoa cobria o céu, quase até o chão, mas ela não se importou, andou sem rumo até chegar à beira do precipício, olhando o horizonte que se delineava ao longe, deixou as lágrimas rolarem por seu rosto, sem tentar contê-las, dando vazão a toda sua desolação. Sentia o vento frio no rosto, transpassar sua roupa, porém o frio externo não era maior que o frio em sua alma.

— Ficou maluca? — Katherine se virou ao ouvir voz furiosa atrás de si, e Kieran estava parado atrás dela. Assustou-se e quase perdeu o equilíbrio, mas ele a alcançou e a segurou, impedindo-a de cair no precipício.

— Assustou-me! — acusou, ainda trêmula.

— Estava impedindo-a de cometer um desvario!

— Desvario?

— Vi, da janela da torre, a milady se encaminhando para cá, com o rosto atormentado e... — Então Katherine entendeu.

— Achou que eu fosse pular?

— E não iria acabar com a própria vida se esfacelando contra as rochas?

— De onde tirou essa ideia?

— Milady me pareceu bastante resoluta e, em seu olhar, tinha tanto... sofrimento.

— Por que sofro não quer dizer que estaria disposta a acabar com minha vida, senhor! — Ele perscrutou o seu rosto, como se buscasse saber se ela estava dizendo a verdade e só então Katherine percebeu que ele ainda a segurava contra seu corpo. Se debateu para soltar-se, mas ele não a largou, muito pelo contrário, a segurou ainda mais forte.

— Me solta! — Ela continuou a se debater.

— Não! Vai me dizer o que pretendia parada aqui!

— Eu já disse! Não iria pular. Como pode pensar uma coisa dessas?

— Eu não sei. Talvez a ideia de se prender para sempre aqui a amedronte o suficiente para preferir a morte — ele falou com amargor, e Katherine viu uma angústia tão grande no seu olhar que parou de se debater por um instante.

— Mas isso não irá acontecer, não? Não iremos nos casar, o senhor mesmo disse!

— Sim, eu disse. Mas quem sabe eu não mude de ideia...

E então, sem mais nem menos, a boca de Kieran se apossou na sua de um jeito bruto, selvagem e ela se debateu para se soltar, mas sem sucesso. Bateu em seu peito e ele a abraçou ainda mais forte, prendendo-lhe as mãos entre seus corpos e segurando-lhe a cabeça para puxar seus cabelos, impedindo-a de se mexer. Katherine abriu a boca para gritar, mas ele aproveitou para entrelaçar a língua na dela, fazendo com que um tremor repentino tomasse seu corpo e uma vertigem súbita a enfraquecesse. Percebeu os braços dele se afrouxando e o beijo passou de bruto para envolvente, os lábios sobre os seus deixaram a força, e Katherine rendeu-se totalmente sem ao menos perceber como tinha acontecido, deixando de lutar contra as sensações inesperadas que a tomavam de assalto. Suspirando, começou a corresponder, mas Kieran se afastou abruptamente.

Katherine abriu os olhos e o encarou confusa. Kieran tinha o rosto tão atormentado que ela se assustou. Colocou as mãos no peito como se assim pudesse conter as batidas do seu coração traiçoeiro, encarando-o ofegante e surpresa.

— Vá embora daqui, milady! — Ele sibilou em um tom frio como gelo. — Vá para longe desse lugar, corra de volta ao seu país, para o seu rei. Não há nada aqui para você! — esbravejou e deu-lhe as costas, afastando-se.

Deixando Katherine totalmente estarrecida à beira do precipício.


Quatro


O quadro


Katherine levou a mão à boca. O que fora aquilo? Kieran a tinha beijado! Ou a forçado a beijar seria o termo certo?

E depois a tinha mandado embora.

Katherine sentia-se totalmente confusa.

E o que ele dissera sobre mudar de ideia? Será mesmo que tinha voltado atrás e honraria o acordo?

Ela respirou fundo o ar da manhã e voltou para o castelo, rezando para que não encontrasse o seu senhor no caminho. Porém não o viu em parte alguma quando se dirigiu ao salão. Apenas Callum se encontrava no recinto.

— Bom dia, sir Callum.

— Bom dia, milady. — O nobre perscrutou seu rosto, mas ela abaixou o olhar. — Estava lá fora? — questionou, reparando em seu rosto vermelho de frio e os cabelos despenteados pelo vento. E pelas mãos de um certo highlander...

— Sim, estava. Fui dar uma volta.

Brenda entrou no recinto e de novo olhou para ela como se fosse um fantasma, mas nada disse.

— Kieran irá se juntar a nós? — Callum perguntou à moça.

— Creio que não. Eu o vi sair mais cedo — respondeu, lançando um olhar enviesado a Katherine que sentiu-se corar. Será que a criada tinha visto a cena nas montanhas? — Mas o senhor sabe como ele é imprevisível! — Ela trocou um olhar de entendimento com Callum e deu de ombros saindo da sala.

— O que ela quis dizer? — Katherine perguntou, curiosa.

— Nada, tome seu desjejum! — Callum cortou o assunto e Katherine não insistiu.

Após o desjejum, Callum avisou a Katherine que teria que ir viajar para tratar de negócios em Edimburgo.

— O senhor não pode ir!

— Eu sinto muito, milady, mas...

— Como pode me deixar sozinha aqui?

— Milady não estará sozinha em absoluto.

— O senhor não pode me deixar na companhia das pessoas estranhas que moram aqui!

— Não são estranhos.

— Como não? Eu mal os conheço e o senhor do castelo é um bruto! E além do mais, já disse que não obedecerá a ordem do rei Edward, então eu acho que não tenho mais nada a fazer aqui.

— Eu já expliquei à senhorita que ele mudará de ideia e que não pode voltar à Inglaterra, tem que cumprir com a vontade do rei!

— E eu já falei que a culpa não é minha. Por favor, Callum, me leve de volta à Inglaterra, não posso ficar.

— Quer mesmo desafiar o rei e desgraçar sua família? Depois de ter chegado até aqui?

Katherine recuou.

— Não, eu não quero — respondeu num fio de voz, entendendo que não havia saída e que sua família dependia da boa vontade do senhor do castelo que, por uma ironia do destino, recusava-se terminantemente a desposá-la.

Callum a encarou.

— Tem que ficar e se casar com Sir Kieran.

— Não adianta nada eu ficar aqui, ele já tomou a sua decisão.

— Então cabe a senhorita fazê-lo mudar de ideia.

— Eu? — Katherine exclamou, incrédula.

— Sim, se não quer arruinar sua família, terá que ficar e convencê-lo a se casar com você. Agora eu preciso ir, tenho certeza de que a senhorita ficará bem.

— Como posso ficar bem nesse lugar que mais parece um mausoléu?

— Eu voltarei daqui alguns dias para ver se tudo está correndo como planejado, não se preocupe. Só então regressarei à Inglaterra para ter com o rei.

Callum partiu horas depois, deixando Katherine desolada. O que faria sozinha naquele lugar sombrio? E o mais terrível, como convenceria Kieran a se casar se ela mesma não queria isso de maneira alguma?

Ficou olhando Callum desaparecer na estrada e sentiu um vazio por dentro, aprendera a gostar e a confiar em Callum e, de alguma maneira, com ele ali ela se sentia segura. Mas agora o gentil escocês se fora e Katherine só poderia contar consigo mesma. Suspirando, voltou para o castelo escuro. Não havia sinal de movimento no salão principal. Nem sinal de Brenda e muito menos do senhor do castelo.

Katherine caminhou pelos corredores escuros, disposta a conhecer um pouco do lugar. Tudo ali era escuro e sombrio, as janelas de todos os cômodos estavam fechadas, os móveis empoeirados, e muitos estavam cobertos por lençóis. Lembrou das palavras de Brenda de que todos os criados tinham partido. Por que será que todos se foram? Era muito estranho. E os olhares que Callum e a criada trocavam às vezes eram mais estranhos ainda, como se soubessem de algo que não podia ser revelado. E de todos os segredos daquele lugar o que mais a intrigava era a presença enigmática de Kieran. Quem era aquele homem e o que acontecera na sua vida para deixá-lo tão cheio de amargura? Ou será que sempre fora assim?

Caminhando pelo corredor envolto em sombras, ela chegou até uma porta dupla no final do mesmo. Curiosa, abriu-a como tinha feito com as outras e adentrou. Ao contrário das outras salas, essa era iluminada e tinha as janelas abertas, porém os móveis estavam todos cobertos.

Ao adentrar um pouco mais no recinto, viu algo que a surpreendeu ainda mais. Algo que estava na parede oposta da sala. Um quadro chamava a sua atenção, uma pintura em óleo que retratava uma mulher jovem com cabelos pretos como carvão, pele alva e olhos atormentados. Quem seria ela?

Katherine ficou ali, admirando aquele rosto bonito, mas de olhar repleto de uma beleza triste. Até que ouviu um barulho atrás de si e virou-se assustada e, para sua surpresa, Kieran estava ali a encarando com mal contida fúria.

— O que está fazendo aqui? — ele perguntou entredentes.

— Eu... estava conhecendo o castelo e... entrei e...

— Saia daqui!

— Eu só estava...

— Eu não quero vê-la nessa sala. Já basta ter que aturar sua presença no castelo!

Katherine se irritou com aquela atitude grosseira.

— Não terá que suportar a minha presença por muito tempo, senhor! — Passou por ele e saiu da sala batendo a porta, totalmente irritada.

Katherine não entendia por que ele a tratava daquele jeito. Era um grosseirão, um bruto. De maneira nenhuma era um cavalheiro. Ela estava tão nervosa que nem reparou para onde estava indo e, quando levantou a cabeça, deu de encontro com o olhar estranho de Brenda. Estava na cozinha do castelo e, pelo menos ali, o fogo ardia na lareira enquanto a criada se ocupava em mexer algo no grande caldeirão no fogão de lenha.

— Algum problema, milady? — ela perguntou com aquele costumeiro ar de zombaria.

— Não, eu... — Katherine respirou fundo. — Na verdade, precisava perguntar uma coisa.

A moça levantou a sobrancelha.

— Não sei em que posso ser útil a uma senhorita igual a você — ela falou, medindo Katherine displicentemente, mas Katherine ignorou isso.

— Por que Kieran está tão propenso a me odiar? Eu não fiz nada a ele e tanto quanto ele eu não quero esse casamento e estou aqui obrigada. E ele me trata como se eu fosse um... cão sarnento!

A criada desviou o olhar para a panela.

— Ele não a estava tratando como um cão sarnento quando os vi hoje cedo lá nas montanhas.

Katherine corou até a raiz dos cabelos ao ouvir o que já desconfiava, a criada tinha mesmo presenciado a cena do beijo.

— Eu... aquilo foi... — Katherine gaguejava — por algum motivo que foge a minha compreensão ele achou que eu iria acabar com a minha própria vida pulando dos penhascos.

— Para tudo há uma razão, milady.

— Por que ele achou que eu iria pular? — Katherine insistiu.

— Não cabe a mim revelar os segredos desse castelo, milady — a moça desconversou.

— Que segredos? Desde que eu cheguei, tudo parece envolto em uma aura de mistério. Por que os criados foram embora? Por que o castelo parece abandonado e as janelas nunca são abertas e o único lugar em que existe luz é naquela sala com o quadro da mulher...

A criada levantou a cabeça e a encarou transtornada.

— Entrou naquela sala?

— Entrei, não tinha nada para fazer e fui dar uma volta pelo castelo e... quem é aquela mulher?

— Isso não interessa a senhorita! — a criada respondeu ríspida, limpando as mãos no avental.

— Por que Kieran me enxotou quando me viu lá?

— Ele a viu lá? — Brenda a fitou, nervosa.

— Sim, e ficou todo nervoso, disse para não aparecer mais lá.

— Sim, se a milady for sensata nunca mais entre naquela sala! — advertiu.

— Por quê?

A mulher voltou a atenção para a panela.

— Eu já disse, o melhor que a milady faz é ir embora o mais rápido possível, não tem nada para você aqui.

— Eu bem que gostaria, mas infelizmente não posso.

— Cada um faz a sua sentença. Depois não diga que não avisei.

Katherine ia sair da cozinha, mas voltou-se novamente para Brenda.

— Quem é a mulher do quadro?

— Alguém que apesar de não estar mais aqui, nunca foi embora realmente — respondeu enigmática e fez sinal para ela sair.

Katherine resolveu não insistir. Subiu para o quarto pensando na afirmação da criada. Alguém que não está mais aqui, mas nunca foi embora realmente? O que ela quisera dizer com isso? E por que Kieran ficou tão transtornado ao vê-la naquela sala e quem era a mulher do quadro, afinal?


Cinco


A Vila

 

Katherine sentia-se entediada, sentada na janela do quarto, como costumava fazer na sua própria casa, cansada de olhar para o nada. A cabeça já formulava várias conjecturas sobre o último episódio naquela sala do quadro, mas não conseguia chegar a nenhuma conclusão.

Soltou um suspiro profundo e, ao longe, avistou uma movimentação de pessoas, provavelmente camponeses. O que será que havia para aquelas bandas? Seria uma vila? Pensou esperançosa.

Pulando da janela, desceu para encontrar Brenda, ainda na cozinha.

— Brenda, por acaso há alguma vila aqui perto? — A mulher levantou a cabeça e a encarou com aqueles olhos perscrutadores.

— Por que pergunta?

— Porque eu queria ir lá, se existir, claro.

— A milady não pode ir.

— Por que não? — Katherine indagou sem entender.

— Não cabe a mim dizer...

— De novo com essa história... Não! — Katherine a cortou exasperada. — Então tem mesmo uma vila, indo em direção ao norte? — A mulher não respondeu e Katherine bufou. — A quantas milhas? — insistiu, mas a criada apenas fez um gesto de descaso e Katherine resolveu descobrir por si só. Voltou para o quarto e colocou uma capa, em seguida saiu do castelo rumo ao norte.

Caminhou pelas campinas, o vento era cortante e ainda frio. Gostava da sensação em seu rosto, fazia sentir-se livre, longe da escuridão do castelo onde vivia agora.

Perguntou-se se viveria naquele lugar por muito mais tempo, mas achava que, pelo andar da carruagem, ela não ficaria muito ali. A menos que ele mudasse de ideia.

Kieran.

Um arrepio mais intenso de frio cortou sua pele somente de pensar no senhor do castelo e seus intermináveis mistérios. Sentia uma vontade insana de descobrir tudo sobre ele.

Estava tão distraída que não reparou que tinha chegado a uma vila, até ouvir o som de pessoas conversando entre si. Ela levantou a cabeça olhando em volta. Algumas pessoas andavam pela rua, repleta de casinhas pequenas. Katherine caminhou pelo lugar, retirando a capa da cabeça, deixando seus longos cabelos caírem pelas costas. E de repente se sentiu incomodada. As pessoas a olhavam curiosas e cochichavam entre si. Por que a olhavam assim? Será que era porque era nova no lugar? Ou seria por que ela estava na fortaleza MacAlister? Não saberia dizer.

O fato era que se sentia muito mal com aqueles olhares curiosos. A maioria das pessoas pareciam camponeses, mas dentre os rostos que a observava percebeu um diferente. Estava bem vestido e exalava um ar de arrogância típico das pessoas ricas. E embora sua expressão fosse tão amargurada que podia passar por mais velho, ainda era jovem. E os olhos a encaravam numa expressão de ódio tão intenso que fez Katherine sentir um mal quase físico. Ao lado dele estava uma moça de cabelos crespos, quase brancos de tão loiros, que a mirava com um olhar maldoso.

Katherine apressou o passo, desviando o olhar e não viu o homem que vinha na direção contrária. Acabaram trombando um no outro, mas ele segurou seus ombros, impedindo-a de cair.

— Me desculpe, eu... — murmurou atrapalhada, e olhou novamente em direção à moça e ao homem, mas eles haviam desaparecido. Então voltou-se para o cavaleiro que ainda a segurava pelos ombros.

— Está tudo bem, milady? — ele perguntou com uma voz profunda, e Katherine o encarou. Tinha os cabelos loiros compridos amarrados atrás da cabeça e um olhar que a media com interesse.

— Sim, estou — respondeu, esbaforida, soltando-se delicadamente dos braços que a prendiam, e quando fez esse gesto pensou ter visto uma expressão estranha em seu olhar, mas ele sorriu em seguida e a sensação passou.

— Milady estava distraída — falou amigavelmente.

— Sim — Katherine se permitiu sorrir —, é que as pessoas ficam me encarando...

— Elas já sabem quem é, milady Katherine.

— Como sabe meu nome?

— Acho que todos sabem. Moramos numa comunidade pequena. E todos sabem quando chega alguém novo por aqui.

Katherine teve vontade de perguntar àquele estranho o que ele sabia sobre Kieran e o castelo MacAlister. E chegou até a abrir a boca para falar, mas ouviu uma voz profunda atrás de si.

— Afaste-se dela, Alec.

Katherine virou-se e viu Kieran olhando para o homem que ele chamara de Alec com extremo ódio.

— Como vai, Kieran? — Alec ignorou a raiva do outro.

— Você não quer saber.

Katherine olhou de um para o outro, curiosa. Existia uma tensão no ar. Uma raiva que vinha principalmente da direção de Kieran, mas que Alec também emanava. Tinha alguma coisa ali. Kieran olhou para Katherine.

— Vamos embora! — ordenou secamente, e ela teve raiva daquele tom.

Ignorando Kieran, ela virou-se para Alec.

— Então o senhor se chama Alec? Tinha esquecido que não nos apresentamos, Sir Alec.

— Ele não é sir coisa nenhuma! — Kieran explodiu, e Alec apenas soltou um riso irônico.

— Não gosta da minha pessoa, não é, Kieran? É uma pena... — Ele olhou para Katherine. — Foi um prazer conhecê-la, milady Katherine. Tenho certeza de que nos veremos de novo. — Ele fez uma reverência e se afastou.

Katherine olhou para Kieran com raiva.

— Por que você é tão grosso?

Kieran, que ainda acompanhava Alec ao longe com um semblante frio, a fitou furioso.

— Por que saiu desacompanhada? — indagou, ignorando sua pergunta. Katherine levantou o queixo.

— Não sabia que era uma prisioneira no seu castelo.

E, para sua surpresa, Kieran riu e Katherine sentiu algo revirar dentro dela.

— Eu nunca falei isso, aliás, uma prisioneira não tem a chance de ir embora como você tem e não aproveita.

— Por que quer que eu vá embora? — insistiu, e Kieran ficou sério.

— Vamos voltar ao castelo — cortou, afastando-se, e Katherine o seguiu quase correndo.

— Mas eu não quero ir embora, acabei de chegar e...

— Eu vim buscá-la e você vai comigo! — ordenou, enfático.

— Como?! Eu não vou a parte alguma com você... — Ele se virou e a segurou pelo braço, praticamente a arrastando dali.

— Me solta!

— Você é uma criança idiota! — sibilou por entre os dentes.

— Eu não sou criança e muito menos idiota! — Katherine conseguiu finalmente se soltar e o encarou em fúria. — Ninguém mandou vir atrás de mim!

— É minha obrigação mantê-la a salvo de sua própria imprudência.

Katherine se irritou ainda mais.

— Eu não sou sua obrigação! Aliás, eu não sou nada sua! E acho que o imprudente é o senhor que se desabalou do castelo até aqui por nada!

Ele ignorou sua explosão de fúria.

— Você vai embora comigo. Agora!

— Não manda em mim! — Katherine quase cuspiu as palavras e, dando meia volta, saiu em direção à estrada, ignorando-o.

Quem ele pensava que era? Ficava o tempo todo a evitando no castelo e agora vinha trás dela com ares de seu dono?

Katherine ouviu os cascos do cavalo atrás de si, mas continuou andando.

— Milady! — Ouviu chamá-la, mas ignorou.

— Me deixa em paz! — Continuou andando, mas qual não foi a sua surpresa ao ver-se erguida por um braço forte, para cima do cavalo? Esperneou soltando um grito, mas de nada adiantou. Para seu desgosto, Kieran a colocou na sua frente na cela e seguiu o caminho do castelo. Um dos braços segurava firme os arreios e outro estava pousado em sua cintura. Katherine empertigou-se tentando não encostar o corpo no dele, mas era praticamente impossível. O chacoalhar do cavalo a jogava a toda hora de encontro ao corpo atrás de si, apesar dos esforços de Katherine de se manter afastada.

— Precisa me segurar deste jeito? — reclamou, e em resposta ele a apertou ainda mais contra si. Katherine se viu totalmente grudada ao corpo forte atrás do seu e sentiu um estranho arrepio percorrê-la e um calor insidioso vibrar em seu corpo.

— Você é muito impertinente, milady — ele falou isso num tom jocoso em seu ouvido, fazendo Katherine estremecer.

— E o senhor é um bruto!

Kieran apenas riu. Katherine ficou ainda mais irritada e permaneceu em silêncio pelo resto da viagem até que avistou o castelo sombrio no topo da colina e não pôde evitar um arrepio inexplicável de medo.

— Está muito quieta — Kieran observou com sarcasmo.

— Não me interessa conversar com você.

— Agora milady feriu meu coração! — ironizou. E Katherine virou-se para olhá-lo, irritada. O que foi um erro, pois seus rostos ficaram muito próximos.

— Por que fala assim comigo? — prosseguiu. — O que foi que eu lhe fiz?

— Você é uma inglesa. Só isso já não basta? — respondeu. Mas Katherine percebeu que essa não era a resposta e que ele escondia alguma coisa. Sabia também que não adiantava insistir, Kieran era um poço sem fim de mistérios.

Quando chegaram finalmente ele desmontou e ofereceu a mão para ajudá-la. Katherine recusou e desceu sozinha, porém se desequilibrou e teria ido ao chão se Kieran não a segurasse. Aquela sensação estranha que sentia cada vez que ele a tocava a assombrou de novo e ela se afastou bruscamente, com a cara amarrada.

— Não me toque! — ralhou com toda frieza que conseguiu reunir, dando- lhe as costas, porém a barra do vestido tinha ficado presa no estribo, e ela deu um puxão, irritada, o que fez o tecido rasgar. Mesmo assim não se importou. Entrou no castelo quase correndo. Queria fugir da presença dele o mais rápido possível.


***


Katherine não desceu para o jantar daquela noite. Estava farta daquela situação toda e queria desesperadamente ir embora daquele lugar.

Também mal dormiu à noite. Sentada sobre a janela, lhe veio ao pensamento a imagem do homem que a encarara estranhamente na vila. Quem seria ele e por que a olhara com ódio? E aquela mulher estranha com ele? E quem era Alec? Por que Kieran o tratara tão mal? Perguntas, perguntas, era só que a assolava desde que chegara naquele lugar remoto da Escócia.

A madrugada a encontrou ainda acordada, um vento de chuva começou a soprar e os primeiros pingos molharam sua camisola. Ela resolveu sair do quarto. O castelo se encontrava no mais absoluto silêncio. Bem, não era diferente quando tinha gente acordada, pensou irônica. Aquele castelo sempre era silencioso. Ouvia o murmúrio do vento batendo nas janelas e a tempestade se formando lá fora, atravessou os corredores escuros, até que passou pela porta daquela sala onde encontrara Kieran.

A porta estava entreaberta e ela viu uma chama de vela crepitar lá dentro. Curiosa, entrou no recinto. Parecia que não havia ninguém ali, mas ela ouviu nas sombras aquela voz agora tão conhecida.

— Não consegue dormir, milady?

Katherine se assustou ao vê-lo sair da escuridão para a parte iluminada pelas velas. Ele tinha o rosto atormentado e Katherine pensou que ela não deveria estar ali.

— Eu... Eu... Achei que não tivesse ninguém...

Ele soltou uma risada dura.

— Sempre a mesma, não é?

— E você é um bêbado!

— Elogios?

— Se entende assim!

— Milady tem a língua afiada.

— O senhor já me disse isso!

— Touche! — Ele levantou os braços num sinal de rendição. — Você venceu! — completou, servindo-se de mais whisky. Katherine fez uma careta e Kieran levantou a sobrancelha. — Bebe comigo?

— O senhor já me fez essa pergunta.

— Mas eu estou perguntando de novo.

Katherine respirou fundo e empinou o queixo.

— Por que não? Acho que estou precisando disso.

Kieran a encarou como se não tivesse acreditando no que estava ouvido e, quando viu que ela não recuou, serviu-lhe uma taça.

Katherine levou a taça à boca, decidida, e tomou um longo gole do whisky que desceu queimando sua garganta a fazendo tossir. Kieran tomou a taça de sua mão.

— É horrível! Como pode beber isso?

— Foi a Milady quem pediu! Não precisa se fingir de forte, Katherine. —Ela sentiu um arrepio na base da espinha. Ele a chamara de Katherine. E sem saber por que, isso causou um reboliço dentro dela.

— Eu não me finjo de forte. — Ergueu o queixo. — Eu sou forte. Não se engane com a minha aparência frágil, eu aguento muito mais do que aparento.

— Difícil acreditar. — Ele tomou sua bebida de um só gole.

— Eu não preciso provar nada a você — Katherine falou com desdém. — Aliás, não sei nem o que estou fazendo aqui! — Ela se virou para sair.

— Está aqui por que o rei garantiu salvar a sua família da bancarrota. — Katherine se voltou ao ouvir o que ele tinha falado, espantada. — O que foi, milady? Pensou que eu não soubesse da sua barganha com Edward? Callum me contou o seu pequeno sacrifício.

— Isso é problema meu.

— Eu estranhei que uma lady como você fosse vir parar num fim de mundo como esse para desposar, como foi mesmo que você me disse? Um bárbaro escocês! É claro que, como uma boa inglesa, deveria ter dinheiro no meio.

Katherine foi tomada de fúria e, num impulso, se aproximou e desferiu um tapa no rosto do escocês.

Kieran a encarou com raiva e Katherine se arrependeu no mesmo instante, mesmo que ele merecesse pelas bobagens que estava lhe falando. Ele a fitou num misto de ódio e descrença e Katherine teve medo. Ofegou, sentindo as lágrimas presas na garganta. Não ia chorar na frente dele.

— A verdade dói, não?

— O senhor não passa de um bárbaro mesmo! E tem razão, nenhuma mulher que se preze iria querê-lo! O senhor não tem alma! É feito de pedra, igual a esse castelo, escuro como seu coração! — gritou, as lágrimas rolando por seu rosto sem conseguir contê-las. A fúria a tomando por inteiro. Ela não sabia o que havia naquele homem que a deixava tão transtornada a ponto de se atrever a tanto. — Não se preocupe, que amanhã mesmo o senhor se verá livre da minha presença! Nem que Edward me prometesse a própria lua, eu o desposaria. O senhor não vale o sacrifício! Eu prefiro mendigar na rua do que ficar aqui em sua companhia — quase cuspiu as palavras e deu meia volta para fugir, mas ele a segurou pelo braço e a fez encará-lo.

— Não pense que pode vir aqui e fazer o que quer! Não vou me dobrar a uma inglesinha igual a você!

Katherine se debateu para se soltar, mas ele era mais forte.

— Me solta! — gritou. — Está me machucando.

— Não mais do que você a mim, milady — ele falou estranhamente antes de puxá-la para si, e os lábios dele cobriram os seus, num beijo sufocante, regado à fúria e ressentimento.

Katherine não conseguia se mexer porque ele a segurava firmemente contra o peito. E um inesperado fogo a invadiu a fazendo tremer. Seu íntimo foi tomado por uma estranha sensação vibrante que ela nunca imaginou sentir.

Os lábios dele persuadiram os seus a se abrirem à invasão de sua língua, que se enroscou na dela, acendendo uma paixão ardente, provocando um efeito inesperado em seu corpo. O calor se espalhou por lugares escondidos, inflamando seus sentidos e ela gemeu sufocada de paixão. A boca de Kieran separou-se da sua para depositar beijos ardentes por seu rosto e Katherine fechou os olhos, jogando a cabeça para trás, oferecendo o pescoço a seus lábios insidiosos, as mãos dele a apertavam contra si, a boca masculina voltou a devorar a sua, roubando-lhe o fôlego e Katherine arquejou totalmente perdida.

E quando as mãos dele se moveram de suas costas para tocar um seio sobre a camisola, a realidade do que estava acontecendo a tomou de assalto e ela lutou para se desprender e o empurrou. Eles se encararam, ofegantes, por alguns instantes e Katherine se amaldiçoou por sua fraqueza. Mortificada, deu meia volta para correr dali, mas tropeçou na barra da camisola e caiu, batendo a cabeça na quina da mesa. A última coisa que viu antes de perder os sentidos foram as mãos de Kieran segurando seu corpo e o rosto grave perto do seu.

E deslizou para a escuridão.


Seis


A feiticeira

 

Kieran sobressaltou-se ao ver a moça caindo e, alarmado, aproximou-se do corpo que agora jazia inerte no chão. Afastou com cuidado o cabelo do rosto pálido, notando o hematoma no canto na testa. Tomou sua pulsação e, aliviado, constatou que o coração ainda batia. Katherine estava apenas desacordada. Com extremo cuidado a tomou braços e subiu as escadarias do castelo rumo aos aposentos, gritando por Brenda no caminho.

Lá chegando, a depositou sobre a cama. A criada entrou logo em seguida, assustando-se ao ver a inglesa desacordada.

— O que fez a ela? — perguntou acusadoramente para Kieran.

— Eu não fiz nada, ela caiu e bateu a cabeça.

— Estará morta? — A moça arregalou os olhos, soturna.

— Não fale bobagens, está apenas desacordada.

— Eu disse para ela ir embora, não deveria estar aqui...

— Agora não é hora para isso — Kieran cortou Brenda, que deu de ombros e o encarou.

— Nós temos que chamar a curandeira...

— Não! — Kieran gritou. — Eu não quero aquela mulher na minha casa.

— Mas pode ser muito sério.

— Eu já falei que não.

— Katherine não tem culpa do que aconteceu aqui neste lugar muito antes dela aparecer.

Kieran a encarou com seu semblante ficando ainda mais sombrio a cada instante passado. Então, ele fitou o rosto pálido da dama que vinha atormentando seus nervos.

Lady Katherine Beaufort.

Kieran não a queria ali. E tinha deixado claro desde que o rei da Inglaterra viera com aquela conversa de aliança política. Não devia nada à Inglaterra e não porque era seguidor de Robert Bruce, o rei da Escócia que vinha tentando se livrar do julgo dos ingleses. Não, Kieran na verdade não se importava mais com nada. Vivia uma existência sombria desde... Ele bloqueou a lembrança, fechando ainda mais o semblante. Estava amortecido, julgara que, se o passado não estava esquecido, pelo menos estava trancafiado no fundo de sua mente. O ressentimento, a fúria, o amargor, era tudo o que tinha desde então. Até que aquela inglesa insolente aparecera, desafiando sua existência solitária.

Sua intenção era desafiar o rei Edward a uma missão impossível. Sabia de sua fama. Nenhuma dama se aproximaria de sua fortaleza, nem a mando do rei.

Mas ela viera.

Era lógico que não fazia ideia de onde estava se metendo, provavelmente se soubesse, já teria corrido dali sem olhar para trás. Kieran julgara que o rei inglês não venceria, mas tinha ficado surpreso ao receber Callum novamente, e ao seu lado, uma jovem dama, de longos cabelos loiros e olhos azuis penetrantes. Kieran a olhara com desdém, independente de qual fosse o motivo que a fizera acatar a ordem de Edward, ela não ficaria por muito tempo. Não foi surpresa descobrir, por Callum, que a dama aceitara vir para a Escócia em troca de ajuda financeira para sua família, à beira da bancarrota, fruto do inverno rigoroso e da má administração do pai de Katherine. E o ressentimento pela moça inglesa aumentara ainda mais. Não se podia esperar outra coisa mesmo, pensou, com sarcasmo. Mas ela parecera realmente ofendida quando ele jogara isso na sua cara. E Kieran sentira-se estranhamente culpado. Não se sentia culpado desde... Não, não queria pensar sobre isso de novo.

— Brenda... — Ele olhou em volta sabendo que precisava fazer algo, mas a criada não estava mais lá. — Brenda! — ele gritou de novo. Aonde será que ela se metera? Não teve que se perguntar muito, instantes depois a criada entrou no quarto e, atrás dela, vinha Alec e uma mulher com os cabelos quase brancos de tão loiros. A feiticeira e o demônio, Kieran pensou enfurecido.

— Como ousa? — Ele pegou o homem pelo colarinho e o encostou na parede. — Jurei que não colocaria os pés no meu castelo, nem você e nem essa bruxa! — O homem riu de forma estranha.

— Eu não guardo rancor, Kieran...

— O que está fazendo aqui?

— Trouxe Moira para ver a moça... — Ele olhou para a figura de Katherine na cama.

— Como sabia?

— O senhor sabe que Moira sabe de tudo... — Kieran o largou.

— Sim, Alec... — Ele encarou a mulher que acompanhava Alec com desprezo. — Essa bruxa deve saber! — Quase cuspiu as palavras e Moira riu.

— Eu prefiro ser chamada de... Curandeira.

— Você não passa de uma maldita bruxa! E vai sair daqui agora!

— Kieran — Brenda se intrometeu —, Lady Katherine precisa de cuidados... — Kieran olhou de novo para Alec e Moira. Ele os odiava. Mas Katherine precisava de Moira, ele pensou, amargurado. E, como dissera Brenda, a dama inglesa não tinha culpa. Kieran lutou entre o seu velho ressentimento e a vida de Katherine por alguns instantes e no final a inglesa venceu.

— Tudo bem, ela pode examiná-la! — concordou por fim e saiu do quarto. Estava perturbado. A presença de Alec e de Moira no seu castelo o enfurecia. Lembranças de um passado que deveria ser enterrado, mas que nunca seria verdadeiramente esquecido infestava sua mente. Teve vontade de ir até a sala do quadro. Mas no meio do caminho parou. Sentia como se, pela primeira vez, aquele lugar não fosse acalmá-lo. Soltando uma imprecação, voltou para a sala em que Katherine o encontrara e serviu-se de whisky.

De repente apurou a narina, o cheiro de Katherine ainda estava pelo recinto. A bebida desceu amarga pela garganta. Era assim desde que ela ali chegara. A sua presença estava em toda parte, por mais que tentasse negar. Irritado, apertou o copo com mais força e o vidro se quebrou, o cortando, mas não se importou, a dor que assolava seu coração sombrio era maior do que qualquer dor física. Então novamente, em meio a sua angústia, lhe veio a imagem da inglesa e, de alguma maneira, ele soube que deveria subir e ir até ela. Não deveria tê-la deixado com os dois abutres. Mas Brenda estava junto, não? No entanto, não se podia confiar muito em Brenda. E suas suspeitas foram confirmadas ao vê-la indo em direção à cozinha, como se nada demais estivesse acontecendo. Preocupado, Kieran subiu os degraus de dois em dois e adentrou no quarto. Alec e Moira estavam inclinados sobre Katherine, que gemia como se estivesse sentindo dor. Kieran foi acometido por um sentimento de posse e proteção até então desconhecido. Ou seria há muito esquecido?

— Tirem as mãos dela! — ameaçou, sombrio, e Alec virou-se no mesmo instante, com o mesmo ar misterioso.

— Nada estava fazendo à dama, Kieran. Apenas a curando de seu mal — Moira respondeu.

— Você não é capaz de curar mal de ninguém, bruxa! Saia! E leve seu namorado junto.

— Embora não tenha perguntado, sua lady ficará bem. Já passei as instruções para Brenda, ministrar as ervas sempre que ela sentir dores na cabeça.

— Pois bem, se já fez o seu serviço, suma daqui! — Kieran tirou uma moeda do bolso e jogou em direção à Moira, que a pegou no ar e a colocou no pronunciado decote antes de se afastar.

Alec passou por Kieran, mas ele virou-se antes de chegar à porta.

— Não entendo porque tanto ódio de mim, Kieran, se a culpa não é de ninguém mais do que de você mesmo! — Kieran virou-se enfurecido, mas Alec já tinha desaparecido.

Kieran respirou fundo, passando as mãos pelos cabelos num gesto de frustração, e aproximou-se da moça desacordada na cama. Estaria mesmo bem? E se jamais acordasse? Sem aviso, foi acometido por lembranças sinistras e fechou os olhos para tirar as imagens da cabeça. Katherine nada tinha a ver com o passado do castelo.

Era apenas uma moça, muito jovem para aguentar o fardo que lhe foi imposto. E de repente Kieran teve admiração por sua força. Ela não tinha se alquebrado e nem se rebaixado à sua frente. Ela o desafiara, pensou num misto de raiva e... Seria capaz de nomear o outro sentimento?

Desejo.

Fazia tempo que uma mulher não o excitava daquela forma. O fato de ser aquela moça o chocava. Sentou na poltrona perto da cama e ficou observando seu sono.

Tinha que tomar uma decisão. Sem demora.


Sete


A proposta

 

Katherine acordou aturdida, abriu os olhos devagar, tentando se situar, a boca tinha um gosto amargo e sentia uma leve dor de cabeça.

Automaticamente levou a mão à testa, onde se originava a dor, e lembrou-se do ocorrido.

A briga.

O beijo.

A queda.

Katherine fechou os olhos com força, como se assim pudesse apagar as lembranças. De repente sentiu como se tivesse sendo observada e, ao virar a cabeça, ela o viu. Com um grito de susto, sentou-se rapidamente, segurando o lençol contra o corpo como um escudo, os cabelos caindo desalinhados sobre a face, o coração batendo forte contra as costelas. Kieran estava sentado numa poltrona ao lado da cama e a fitava com um olhar fixo, parecendo penetrar-lhe a alma.

— O que faz aqui? — perguntou num fio de voz.

— Não se lembra?

Alguma coisa em seu olhar penetrante a fez ter medo. O que havia para lembrar? — pensou temerosa. A presença dele em seu quarto significava... Fechou os olhos, tentando obstruir os pensamentos sem controle e o encarou novamente.

— Nós discutimos e... — Pensou no que tinha vindo em seguida. Os beijos avassaladores que trocaram, até ela fugir, não com medo dele, sabia agora, mas com medo dela mesma. Respirando fundo, resolveu pular essa parte. — E eu caí.

Ela levou a mão à testa.

— Está doendo? — Kieran perguntou, e Katherine pensou se tinha imaginado aquele tom de preocupação.

— Um pouco — obrigou-se a responder. Ele permanecia em silêncio, encarando-a estranhamente e Katherine decidiu fazer a pergunta que a incomodava.

— Como vim parar aqui?

— Eu a trouxe. Depois que caiu, perdeu os sentidos.

Ela olhou para a janela entreaberta e notou os primeiros raios laranja pintarem o céu. O dia estava amanhecendo.

— Quanto tempo fiquei desacordada? Já é dia!

— Algumas horas. Mas não se preocupe, ficará bem. Esteve aqui uma... — ele torceu a boca, como se lhe custasse muito falar o que vinha em seguida — uma curandeira.

Era impressão sua, ou ele falara curandeira com um certo desdém?

— Teve que chamar uma curandeira? Sinto muito senhor, não queria lhe dar esse trabalho.

— Apenas fiz o que era necessário — ele a cortou seco —, além do mais, não precisei chamar ninguém, ela apareceu aqui assim que caiu.

— Mas como é possível?

— É possível porque ela é uma feiticeira — Kieran falou com desdém.

— Feiticeira? Mas quem...

— Moira. Talvez a tenha visto na vila com seu amigo Alec. Ela pareceu conhecê-la. Uma pena que não estava acordada para recebê-lo adequadamente ontem à noite — falou, irônico.

— Não havia ninguém com Alec. A única mulher que notei na vila estava na companhia de outro homem, era uma moça muito loira de olhar estranho.

— Moira.

— Então aquela moça é uma bruxa? — indagou, incrédula.

— Ela se auto proclama curandeira, mas eu sei do que ela é capaz.

— Você não gosta dela — Katherine observou — e nem de Alec.

— Eu os desprezo. Eu e Alec temos dívidas muito antigas — ele pareceu perceber que estava falando demais e parou —, mas isso não interessa a você.

— Se o odeia por que...

— Por que deixei que colocassem as mãos em você? Por que deixei que ele entrasse neste castelo, depois de jurar que nunca poria os pés aqui? Você precisava de uma curandeira. E foi isso que teve.

Katherine percebeu que suportar Alec e Moira custava muito a ele. Seja lá qual fosse a rixa que os separava, era algo muito forte. E de repente ela sentiu o coração bater mais rápido, por pensar que, por sua segurança, Kieran passara por cima de um ódio antigo.

— Muito obrigada — agradeceu — Sinto ter sido o motivo para fazê-lo quebrar uma promessa.

— Não sinta — ele falou com uma suavidade que Katherine nunca tinha visto até agora. — Isso não tem nada a ver com você.

Kieran a encarou com aqueles olhos meio sombrios, meio angustiados, e Katherine não foi capaz de desviar o olhar, como se uma força invisível os unisse.

— Eu sinto por ter sido um estorvo. Mas pense pelo lado bom, não terá que me aguentar por muito tempo. Assim que me restabelecer completamente, voltarei para a Inglaterra.

— Pensei ter ouvido que o rei retiraria qualquer apoio a sua família se não cumprisse com o prometido.

— Sim, ele irá. Mas nada posso fazer, afinal, o senhor já deixou bem claro qual é sua posição.

— Eu farei.

— O quê?

— Eu honrarei o acordo.

— Não entendo, o senhor...

— Não estou disposto a lhe explicar meus motivos. A única coisa que deve interessá-la é que salvará sua família. Deve estar satisfeita.

Ele levantou-se para se afastar, mas Katherine não podia deixá-lo ir. Tinha que tirar aquela história a limpo agora. Afastando as cobertas, levantou-se de um pulo, disposta a impedi-lo.

— Espere! — Ela tocou-lhe o braço e Kieran se voltou, olhando para onde sua mão o tocava, e Katherine retirou a mão rápido. — Não pode simplesmente me dizer isso e sair assim.

— O que milady esperava? Declarações apaixonadas? Sonetos? Ou seria melhor que me ajoelhasse a seus pés? — Não lhe passou despercebido seu escárnio.

— Não, eu não espero nada disso! Sei que o que nos une é apenas um laço de dever, um acordo. Não me insulte achando que por algum momento eu esperaria mais do senhor.

— Então estamos quites!

— Desde que cheguei aqui... — Katherine ignorou a observação e continuou —, não tem feito outra coisa a não ser me insultar! E disse mais de uma vez, com todas as palavras, que não se casaria comigo nem por decreto do rei! Então, de uma hora para outra muda de ideia e diz que honrará o acordo. Eu só queria entender!

— Se eu fosse a milady não perderia tempo tentando entender, apenas aceite seu destino. Não foi para isso que veio?

— Sim. Tem razão. — Ela se afastou, mas sentiu uma vertigem e iria cair se Kieran não a segurasse. Katherine apoiou a mão em seu peito e o encarou. E por um momento ficaram assim, as mãos dele em volta dela, o silêncio do quarto quebrado apenas pelo som de suas respirações. Naquele momento, Katherine teve a nítida impressão de que ele iria beijá-la novamente e que deveria impedir. Mas era como se seu corpo tivesse vontade própria, que nada tinha a ver com o que sua razão mandava. Então, trêmula e ofegante, ela esperou. Um barulho de porta se abrindo quebrou o momento. Kieran a largou bruscamente e Katherine caiu sentada na cama, ainda atormentada.

Brenda entrou no quarto segurando uma bandeja, mas parou ao ver o senhor do castelo parado perto da janela.

— Oh, não sabia que estava aqui — a moça disse naquele costumeiro tom de ironia e frieza.

— Não se incomode comigo, Brenda. Já estava de saída — dizendo isso ele saiu do quarto como um furacão, e Katherine olhou para a criada.

— Bom dia, Brenda — cumprimentou com um sorriso. Mas a criada não esboçou a menor reação, apenas se aproximou e colocou a bandeja sobre a mesa.

— Precisa comer e também beber isto. — Katherine reparou na taça com um líquido escuro e malcheiroso.

— O que é?

— Um remédio. Tem que tomar para se restabelecer — respondeu enquanto fechava as cortinas.

— Não! Não as feche, gosto da claridade! Aliás — Katherine tomou o líquido e fez uma careta —, por que nunca se abrem as janelas aqui?

A moça virou-se e seu olhar sombrio a perscrutou.

— Espero que a milady fique boa — ignorou sua pergunta — e que possa ir embora assim que possível.

— Mas eu não vou embora! Eu irei me casar com Kieran.

— Não pode fazer isso! — Brenda arregalou os olhos como se Katherine tivesse falado que iria se casar com o demônio.

— Por que não? É o meu dever. Não posso contrariar a vontade do meu soberano.

— Tem que fugir. Não pode ficar.

— Você fala por enigmas. E eu não entendo.

— Milady, não precisa entender. Tem que me ouvir. Saia daqui o quanto antes.

— Eu não posso.

— Depois não diga que eu não avisei.

E ela saiu do quarto com seus passos silenciosos, deixando uma Katherine confusa para trás.

Por que a criada insistia tanto que não deveria ficar? Não fazia sentido. Não queria se casar e também não queria ficar na Escócia, mas tinha feito uma promessa em nome de sua família e, por isso, somente por isso, iria desposar Kieran MacAlister.


Oito


À espera

 

Sir Callum voltou naquela tarde.

Katherine perscrutava o horizonte na muralha do castelo. Depois da saída intempestiva de Kieran do quarto naquela manhã, ela não o vira mais. O castelo continuava no silêncio sepulcral habitual. Então, quando viu Callum apontando no horizonte, ela correu, feliz, para cumprimentá-lo.

— Sir Callum! — saudou-o.

— Lady Katherine... — Ele fez uma reverência, educado. Katherine estava realmente feliz de ver o gentil escocês. Sentia-se tão sozinha, tão isolada naquele lugar, que forjara um laço de amizade com o escocês. — Como foi a sua estada aqui? — questionou, cauteloso, e Katherine deu ombros.

— Como poderia deixar de ser nesse mausoléu? Tendo como únicas companhias uma criada agourenta e um senhor de castelo soturno?

— Então minhas previsões não se confirmaram? A senhorita não convenceu Kieran a honrar o acordo?

— Não, muito pelo contrário. Eu ainda não entendi bem o que o levou a agir assim, mas eu... irei me casar com Kieran — ela repetiu a sentença. Ainda era estranho ouvir aquilo. Tinha almejado e repudiado ao mesmo tempo o compromisso. Almejado, pois não sabia o que seria dela e da família se voltasse para a Inglaterra sem cumprir as ordens do rei. E repudiado por todos os motivos óbvios. E, para ser sincera consigo mesma, estava temerosa. Kieran ainda era um mistério para ela. E a súbita concordância com o casamento depois de tê-la repudiado várias vezes, a confundia. Tinha medo de que ele mudasse de ideia a qualquer momento e não sabia se essa opção a deixava feliz ou preocupada.

Sacudindo a cabeça, ela não seguiu adiante com o pensamento. Desde que tinha acordado naquela manhã com Kieran ao pé de sua cama, tinha se abstido de analisar seus sentimentos. Na verdade, seus sentimentos era o que menos importava naquela equação. Sim, iria se casar com Kieran. Mas tudo não passava de um acordo comercial, necessário entre duas nações. Era em nome da Inglaterra e da sua família que ela estava se sacrificando.

— Kieran concordou em seguir as ordens do rei? — Katherine foi tirada de seus devaneios pela pergunta estupefata de Callum.

— Sim — respondeu lacônica. O homem a encarou, como se buscando nela alguma resposta para as mudanças de planos, mas Katherine desviou o olhar. Callum era um homem astuto. Não queria que ele percebesse que esse casamento a estava perturbando mais do que deveria. E resolveu mudar de assunto.

— O senhor deve estar cansado da viagem. Vou pedir para Brenda preparar algo para comer.

— Não se preocupe comigo... — Ele fez um gesto e entrou no castelo, seguido por Katherine. — Conheço Brenda e ela com certeza não gostará de ser perturbada. Na verdade, gostaria de conversar com Kieran agora e saber mais sobre essas mudanças de planos.

— Faça como quiser. Eu irei procurar Brenda de qualquer maneira.

Katherine se afastou a procura da criada, pensativa. Mas não a encontrou em lugar algum. Dando de ombros, ela mesma foi preparar o quarto para o visitante.

Quando estava voltando para a parte inferior do castelo, ouviu as vozes de Kieran e Callum saindo pelo corredor e estacou. Eles estavam vindo em sua direção e conversavam animadamente. Katherine franziu o rosto, surpresa. Nunca, desde que chegara naquele lugar distante da Escócia tinha visto Kieran descontraído e isso a chocou de certa maneira. Ele levantou a cabeça e a viu, e Katherine não pôde evitar o arrepio na base da espinha por causa do seu sorriso. Era como se atingisse direto o seu coração e isso a deixou desconcertada.

— Lady Katherine! — Callum a saldou, quebrando o encanto.

— Não encontrei Brenda em parte alguma — ela respondeu e, tentando conter as batidas impróprias de seu coração, olhou para Kieran.

— Isso é porque ela não está no castelo. Eu a mandei à vila.

Parecia que não ia dar nenhuma explicação e ela também não falou mais nada. Abaixou a cabeça e se afastou dos homens.

Horas depois, Katherine estava no quarto quando a porta se abriu e duas moças, acompanhadas de Brenda, entraram e a encararam com curiosidade.

— Brenda! — Katherine pulou da cama.

A criada, como era de costume, não se alterou. Então Katherine olhou para as duas moças.

— Quem são essas? — perguntou, sem entender.

— São criadas, milady.

— Criadas? — Katherine entranhou. Pelo que sabia não havia mais ninguém trabalhando ali além de Brenda. — Mas eu achei tê-la ouvido dizer que não tinha nenhum criado aqui no castelo além de você...

— E ouviu corretamente. Mas Kieran mandou eu ir até a vila com a ordem de arrumar mais criadas.

Katherine arregalou os olhos, estupefata.

— Kieran?

— Sim, senhora. Elas foram contratadas para serem suas criadas pessoais e ajudarem para os preparativos do... casamento. — Brenda fez um ricto com a boca ao falar a última palavra.

Katherine fitou as duas moças, digerindo o que a criada tinha acabado de dizer. Kieran mandara buscar duas criadas na cidade, para ela. Sentiu um estranho calor se apossar de seu ser. E, sem saber por que, aquele simples gesto a tocou e levou um sorriso ao seu rosto.

Brenda saiu do quarto deixando que ficasse a sós com as duas criadas, que a olhavam curiosas.

— Vocês são da vila? — Katherine perguntou para quebrar o silêncio.

— Sim, milady. Mas chegamos faz pouco tempo, viemos de Edimburgo.

— E qual o nome de vocês?

— Jessie e Davina — uma delas respondeu.

— Certo. Jessie e Davina — Katherine repetiu os nomes —, sejam bem-vindas. Espero que sejam felizes aqui — Katherine falou sincera. Era bom contar com mais companhias, já que desde que chegara teve que aguentar a presença silenciosa de Brenda. — Agora se puderem acompanhar Brenda, ela as levará aos aposentos dos criados.

As duas fizeram uma mesura e viraram para sair, mas a que chamava Jessie virou-se, com uma expressão de mal contida curiosidade.

— É verdade que é a noiva do Laird? — A moça indagou usando o nome escocês para chefe de clã. Mas o que Katherine estranhou mesmo foi a expressão. Noiva. Engraçado como não se sentia uma noiva.

Encarou as moças e sorriu educadamente.

— Sim, sou.

As duas riram, excitadas. Provavelmente achavam a ideia romântica. Não tardariam a descobrir que viver ali, podia ser tudo, menos romântico.

Katherine desceu para jantar naquela noite e encontrou apenas Callum no salão.

— Milady Katherine. Está divinamente bonita — ele a cumprimentou e Katherine sorriu. Com a ajuda das criadas tinha se arrumado muito melhor hoje. Ela sorriu para o cavalheiro, em resposta.

— Obrigada, sir. — Olhou em volta e viu Brenda entrando com o jantar. Callum a ajudou a se sentar à mesa.

— Mas já iremos jantar? Onde está Kieran?

— Ele viajou.

— Viajou? — Katherine tentou conter a onda de desapontamento ridículo que sentiu.

— Sim, não me pergunte para onde ou para quê. Você já deve saber que Kieran não é muito de responder perguntas...

— Sim — Katherine respondeu, lacônica. O pensamento estava longe. Para onde Kieran tinha viajado? E com que finalidade?

Deveria sentir-se aliviada por se ver livre de sua presença sombria, mas não sabia explicar o vazio dentro do peito.


Nos dias que se seguiram, Katherine descobriu que a companhia das jovens criadas era muito reconfortante. Callum também permaneceu no castelo, disse que ficaria até o casamento e só então deveria voltar a Londres para comunicar o rei pessoalmente que ela havia cumprido com o prometido.

Um dia foi acordada pelas jovens criadas, que entraram excitadas em seu quarto.

— Acorde, milady! Ele voltou!

Katherine não precisou perguntar quem tinha voltado. Sem dizer nada, ela deixou as criadas a arrumarem e desceu para o pátio. Quando o viu, sentiu um estranho frêmito no peito.

— Milady... — Kieran fez uma mesura e a mediu dos pés à cabeça, o que fez Katherine prender a respiração. Porém ele nada disse e seguiu para dentro do castelo ao lado de Callum. Contendo a decepção ridícula, ela rumou para seus aposentos novamente. Instantes depois, as criadas entraram seguidas de um homem desconhecido de aparência estrangeira.

— Milady. — Ele fez uma mesura. Trazia na mão vários tecidos que colocou em cima da cama.

— Mas o que é isso? — ela perguntou, confusa.

— O senhor MacAlister mandou-me aqui para que a senhora escolha os tecidos para seu traje de casamento.

Katherine passou as mãos pelos lindos tecidos dispostos a sua frente e sentiu um aperto no peito. Ela nem tinha se lembrado desses detalhes. Mas Kieran tinha. Respirou fundo, ignorando as batidas perigosas de seu coração e começou a escolher os tecidos com a ajuda das criadas.

Naquela noite ela desceu para o salão e encontrou Kieran ainda sozinho. Ele estava de costas, olhando por sobre a janela.

— Sir Kieran? — ela o chamou e ele a encarou em resposta. — Preciso agradecer pelos tecidos, são lindos.

— Não precisa agradecer. — Seu tom de voz era seco. — E não me chame de sir, não sou um dos seus cortesãos ingleses!

— E como devo chamá-lo? Senhor?

— Eu tenho um nome e deve bastar!

Antes que Katherine pudesse responder, Callum se juntou a eles. Brenda os serviu no silêncio habitual e Callum e Kieran conversavam sobre assuntos do clã. Era estranho ouvir que existiam outros membros do clã MacAllister espalhados pela Escócia. Ela achava que geralmente todos os membros de um clã vivessem juntos. Queria perguntar a Kieran sobre isso, mas certamente não tinha coragem. Kieran lhe respondia secamente para qualquer pergunta que ela fazia, certamente não estaria disposto a lhe contar sobre sua família.

De repente ela se pegou o observando e lembrou-se de sua primeira noite ali, quando ele sorvera com os dedos as gotas de vinho de seus lábios e não pôde deixar de sentir um calor por dentro. O que estava acontecendo com ela? Deveria odiar esse homem. Estava se casando com ele em nome de uma obrigação ao rei de seu país.

Mas onde estava escrito que ela tinha que odiá-lo?

Muitos casamentos eram feitos assim, por acordos. O problema é que, como muitas moças, Katherine nutria sonhos românticos de ela mesma poder escolher com quem casar. No entanto, sabia agora que esses sonhos infantis eram apenas ilusões.

E o homem à sua frente seria seu marido. Ainda era estranho pensar assim. Mas essa era uma realidade imutável. Então, não seria melhor que aceitasse seu destino? Sua prima Mary, que crescera com ela e era apenas alguns anos mais velha, fora prometida há alguns anos a um nobre inglês que tinha idade para ser seu pai. E ela confessara a Katherine depois que se casara que sua vida com aquele homem era um inferno, pois não nutria o menor sentimento ou atração pelo marido que lhe fora imposto.

Talvez Katherine não tivesse tanto azar assim como a prima Mary. Kieran era um homem jovem e bonito. Sim, agora, observando-o sem a revolta que lhe oprimia o peito quando ali chegou, podia admitir que o escocês era deveras atraente.

Lembrou-se do beijo. Nunca tinha sido beijada antes. E nunca poderia imaginar que apenas um beijo podia conter tantas sensações inebriantes. Fitou sua boca, pensando em como seria senti-la em outras partes de seu corpo e estremeceu, soltando um suspiro inaudível. Nesse momento, ele a encarou e Katherine enrubesceu, envergonhada por ter sido pega encarando-o. Porém, sustentou seu olhar. E foi como se tudo ao redor desaparecesse. Kieran a encarava como se pudesse ver sua alma, como se soubesse de todos os seus anseios e seus medos. Katherine deixou-se enredar naquele olhar que era puro fogo, que incendiava seu corpo e sua alma. A respiração ficou presa no peito, o coração batia descompassado. E teve uma vontade imensa de ultrapassar a distância que os separava, tocá-lo e ser tocada por ele. De sentir sua boca mais uma vez cobrindo a sua com paixão. De repente, a temperatura da sala aumentou, um calor abrasador a tomou por inteiro e ela arfou, trêmula. Sentiu os seios entumecerem contra o vestido e ficou sem graça, desviando o olhar, tentando conter as batidas do coração.

Aquilo era loucura. Mas não podia negar mais para si mesma que desejava o senhor do castelo.

O jantar transcorreu como uma tortura. Ao fim dele, Katherine pediu licença aos dois cavalheiros e foi para o quarto. Somente quando estava sozinha voltou a respirar novamente.

Nos dias que se passaram, ela quase não viu Kieran. Ocupava o tempo nos preparativos para o casamento e somente via o senhor do castelo na hora das refeições, sempre na presença de Sir Callum.

Estava passando em frente à biblioteca uma tarde quando o ouviu chamando por ela. Katherine hesitou, mas entrou, e o encontrou em pé perto da lareira, de costas para ela.

— Queria comunicar-lhe que nos casaremos daqui a uma semana.

Katherine não sabia se ficava aliviada ou temerosa.

— Tudo bem — respondeu num fio de voz, e como ele não falou mais nada e nem a olhou, ela virou-se para sair.

— Milady? — ele a chamou e ela se voltou. Só então reparou que ele tinha coberto a distância que os separava e estava próximo dela. Muito próximo.

— Sim? — Katherine mal ousava respirar.

— Sei que tudo isso não deve ser fácil para a senhorita. Foi obrigada a sair de sua casa, de seu país e a se casar com um homem que mal conhece, que além de tudo a tratou muito mal. Quero dizer que ainda há tempo para desistir.

Ela o encarou, o semblante dele era indecifrável. O que estava querendo dizer?

Katherine caminhou para perto da janela, contemplando as campinas distantes, lá fora o dia ainda estava escuro e o vento soprava forte. Ela virou a cabeça para fitá-lo.

— E o senhor? Quer desistir? — perguntou em desafio.

Em resposta ele aproximou-se devagar, como um felino em volta da presa e Katherine não conseguiu se mover. Ele parou a poucos centímetros dela, tão perto que podia sentir sua respiração. Katherine o fitou, sem conseguir negar a chama que brilhava em seus olhos. E quando viu refletido nele o mesmo fogo, prendeu a respiração. Ele tocou seu rosto e Katherine fechou os olhos.

— Estaria mentindo se dissesse que quero me casar com a senhorita.

Katherine abriu os olhos, confusa.

— Mas estamos lidando aqui com forças maiores que nossas vontades.

Katherine sabia que ele estava se referindo ao rei e ao acordo. Mas também sabia que o que dizia tinha duplo sentido.

— Basta saber que honrarei o acordo e que daqui há setes dias a milady estará em minha cama.

Katherine fechou os olhos novamente ao ouvir aquelas palavras. Sim, ele tinha razão, estaria em sua cama. E a expectativa a enchia de apreensão e... excitação.

— Isso a assusta? — ele falou bem próximo a sua boca e Katherine balançou a cabeça afirmativamente, não confiava em sua própria voz para falar o que quer que fosse. — Abra os olhos, Katherine — ele ordenou com a voz profunda, e ela obedeceu.

Os rostos estavam muito próximos, as respirações se misturavam. Katherine levantou a mão e tocou seu peito, sentindo o coração batendo no mesmo ritmo que o seu. Os braços dele a enlaçaram mais fortemente, encostando seu corpo ao dela. Como se tivesse vontade própria seus braços subiram e enlaçaram a nuca masculina e, ficando na ponta dos pés, o beijou. No começo apenas um roçar de lábios, mas com um gemido rouco, ele se apossou de seus lábios, a língua invadindo sua boca, procurando, explorando, entrelaçando-se à dela numa dança sensual. Katherine suspirou e moldou o corpo ao dele, perdida em sensações. Ele a encostou contra a parede, as mãos subindo para tocar seus seios, que se eriçaram ao sentir as mãos masculinas os acariciando. A boca dele deixou a sua para beijar todo seu rosto, descer por seu pescoço, o colo alvo, deixando uma trilha de fogo por onde passava. Até chegar aos seios por cima da seda fina do vestido e Katherine arquejou de encontro a ele, excitada.

— Kieran... — sussurrou seu nome ao senti-lo abaixar o corpete do vestido. Ela sentiu o frio da tarde nos seios, mas logo seguida pela sensação indescritível da boca dele em seus mamilos.

Katherine jogou a cabeça para trás, deixando-se envolver pelo prazer daquelas carícias proibidas, que fazia um desejo líquido escorrer por sua pele e se enroscar em meio as suas pernas num pulsar ansioso e inesperado. Estava tão perdida que não ouviu os passos no corredor. Mas ele sim e, rapidamente, a soltou e subiu seu vestido pelos ombros, a recompondo antes de Davina entrar na sala.

— Milady! Acabamos seu vestido! — a moça falou feliz, mas então reparou na presença ameaçadora do senhor do castelo e calou-se, abaixando a cabeça.

— Tudo bem — Katherine limpou a garganta para falar, nem ousava encarar Kieran. — Eu já vou subir. — A moça saiu da sala e ela virou-se para segui-la, mas sentiu as mãos de Kieran em seus braços.

— Lembre-se, noiva, daqui a sete dias nós terminaremos o que começamos.

Katherine quase correu dali.

Seriam longos setes dias...


Nove


O casamento

 

O dia do casamento amanheceu cinzento.

Katherine deixou-se arrumar pelas criadas alegres e risonhas, mas o coração estava pesado de medo. Agora não tinha mais volta. Iria se unir ao misterioso senhor do castelo para todo o sempre.

A partir daquele momento pertenceria a ele.

Sentiu um arrepio de medo.

— Onde está o seu véu, milady? — Davina tirou Katherine de seus devaneios.

— No meu baú.

A moça revirou o baú e voltou com o véu adornado em ouro nas mãos e um pergaminho.

— O que é isso? — Katherine indagou.

— Acho que é da milady. Pelo menos está escrito seu nome...

Katherine abriu o pergaminho e se surpreendeu. Era uma carta de Harry. Onde ele refazia os votos que dissera a ela antes de sua partida.

Ela respirou fundo sentindo lágrimas nos olhos. Aquele tempo na Inglaterra parecia tão distante. Leu de novo a última frase “Não precisa fazer isso, Katherine”, mas ela sabia que precisava. Seu destino estava ligado irremediavelmente a Kieran MacAlister.

Olhou seu reflexo no espelho tomada por emoções conflitantes.

— Milady está muito bonita — Jessie a elogiou e Katherine sorriu, mas o sorriso não chegava aos olhos.

Callum entrou no quarto para acompanhá-la e notou sua tensão.

— Milady não parece muito certa de sua decisão... — Ante o silêncio nervoso da inglesa, Callum continuou — ainda dá tempo para desistir e voltar à Inglaterra.

— E deixar minha família à mercê da ira do rei Edward? Não, Callum. Eu cheguei até aqui e irei até o fim.

Ela o acompanhou até a capela, onde o padre, que havia chegado à vila na noite anterior, e Kieran os aguardavam.

Além deles e das criadas, não havia mais ninguém. E Katherine se perguntou por quê. Não seria comum que as pessoas da vila comparecessem ao casamento do Laird? Ou até mesmo membros de outros clãs próximos?

Katherine não sabia o que esperar ou o que pensar. Kieran tinha o semblante fechado e não dava para saber o que ia em seus pensamentos.

— Milady Katherine Boaufort, presumo? — O padre indagou e Katherine forçou um sorriso.

— Sim.

— Vamos logo com isso! — Kieran resmungou.

Katherine sentia os olhares sobre si e forçou as pernas a caminharem. O véu diáfano cobria a palidez de sua pele e os olhos amedrontados. Pousou a vista sobre o homem que a iria desposar. Um homem de quem não sabia exatamente nada.

Mas realmente importava? Não era tudo, ao final, uma transação comercial? Mas seu corpo também fazia parte da barganha?

Pensar no que aconteceria depois da cerimônia a deixou apreensiva e ansiosa. Já parara de negar para si mesma que sentia uma atração perigosa por Kieran. Lembranças de seus beijos a atormentavam dia e noite e a promessa que ele havia feito “em sete dias você estará na minha cama” a enchia de uma envolvente expectativa.

Ela aproximou-se do padre e Kieran tomou sua mão fria. Fechou os olhos fazendo uma oração silenciosa para que não tivesse cometendo um erro terrível.

Um pavor gelado do desconhecido, uma ciência do enorme passo que estava dando a encheu de pavor. Teve uma vontade insana de sair correndo, de fugir daquele castelo envolto em sombras e do seu dono cheio de mistérios. Mas então Kieran a fitou através do véu e apertou sua mão, num surpreendente gesto de encorajamento.

— Milady está se sentindo bem? — ele perguntou num tom suave, até então desconhecido a Katherine.

— Eu não sei — respondeu sinceramente.

— Ainda dá tempo de desistir, de voltar para a Inglaterra e esquecer do que se passou aqui. — Ele endureceu a voz, e neste momento Katherine sentiu que não podia desistir. Imagens de toda uma vida passou por sua mente. Sua família, seus pais, Harry. Todos dependiam dela e de sua decisão. Tinha chegado até aqui, não tinha? Não iria fugir como um coelho assustado quando tantas coisas dependiam de sua decisão. Ela levantou a cabeça.

— Não. Eu estou pronta.

Ele a encarou como se duvidasse de sua decisão. Como se esperasse que ela fugisse a qualquer momento. E, em seus olhos, Katherine viu com o que estava se comprometendo. E um arrepio de antecipação transpassou sua espinha. Não havia mais volta.

A cerimônia passou como um sonho estranho. Não saberia dizer depois o que tinha dito ou com que havia concordado. Quando deu por si, o padre dizia as palavras que a unia para sempre a Kieran MacAlister. Então ele levantou o véu que cobria seu rosto e encostou a boca na sua num beijo casto, mas que a tirou do prumo e que a faria cair se ele não a amparasse. Quando a fitou, Katherine viu o mesmo fogo em seu olhar e deixou-se mergulhar naquelas labaredas de pura paixão, o calor invadindo cada recanto de seu corpo.

O encanto foi quebrado por Callum, que se aproximou para congratulá-los. Ela seguiu com as criadas para o salão principal onde Brenda os esperava com a já conhecida expressão lúgubre. A refeição transcorreu como uma doce tortura. Os olhos intensos sobre si a faziam lembrar do que viria logo mais. E um misto de medo e excitação a dominou. Então um barulho de gritos se fez ouvir do lado de fora do castelo

— Mas o que...? — Callum trocou olhares com Kieran. A expressão do escocês agora era de mal contida fúria.

E sem nada dizer ele levantou-se e saiu do salão.

— O que está acontecendo? — Katherine perguntou, confusa, a Callum.

— Creio que o passado sempre cobra seu tributo — ele respondeu com uma voz pesarosa. E Katherine, querendo saber o que realmente estava acontecendo, seguiu Kieran para fora do castelo.

— Milady, por favor, não vá... — Callum tentou detê-la, mas Katherine não ouviu.

Quando saiu do castelo, Katherine estancou. O mesmo homem que a tinha mirado com ódio no dia que fora a vila estava ali e, aos berros, encarava Kieran com raiva.

— O que está fazendo aqui? — Kieran perguntou ao homem num tom frio.

— Vim ver com meus próprios olhos o que toda a aldeia anda dizendo. E vejo que não estão enganados. — Ele lançou a Katherine um olhar odioso.

— Saia das minhas terras — Kieran ordenou.

— Não pense que esqueci o que fez!

— Não devo satisfação a você!

— Deve! Por Deus, me deve muito mais. Deve a mim a vida da pessoa que me foi mais cara... — A voz do homem agora parecia carregar toda a dor do mundo. Ele virou-se para Katherine. — Não sabe no que está se metendo, senhora! Está se casando com um assassino vil! — O homem não conseguiu prosseguir, pois Kieran avançou para cima dele, porém foi contido pelos guardas que o escoltavam.

— Quem é esse homem? — Katherine perguntou sem conseguir se conter.

— Cameron, não deveria estar aqui... — Callum agora também estava ali e se dirigia ao visitante furioso.

— Sim, jurei jamais pôr os pés nesse lugar amaldiçoado, onde minha noiva morreu por culpa desse crápula.

Katherine soltou uma exclamação de horror. Do que aquele homem estava falando?

— Estou farto de todos esses disparates! Aguentei sua campanha de mentiras por todos esses anos, mas agora chega! Saia daqui antes que eu o mate sem piedade! — Kieran tentava avançar sem sucesso no pescoço do homem.

— Como matou Lili?

— Não profane o nome dela!

— Você a matou! Ela era minha noiva e você a roubou e a matou. — gritou o tal Cameron.

E agora Kieran parecia, de repente, perdido em sua própria dor também e parou de avançar, apenas dando alguns passos atrás e encarando o homem com frieza.

— Saia das minhas terras.

E Cameron pareceu concordar, mas antes de partir ele ainda olhou para Katherine.

— Fuja enquanto é tempo, se não quiser ter o mesmo destino da minha doce Liliana.

Katherine olhou para Kieran, que tinha o semblante esculpido em granizo.

— Katherine, acho melhor entrar — Callum falou. E Katherine pensou seriamente em exigir de Kieran uma explicação. Mas sabia que não era a coisa certa a fazer no momento. Então entrou no castelo e foi direto para seus aposentos.

Quando fechou a porta atrás de si, Katherine tentou ordenar os pensamentos. Como assim Kieran tinha roubado a noiva daquele homem? E ele acusara Kieran de matá-la, como tudo isso podia ser verdade?

De repente Katherine lembrou-se de todos os estranhos segredos que rondavam aquele castelo, dos olhares estranhos das pessoas na vila, das palavras enigmáticas de Brenda... Seria mesmo possível que o mistério que envolvia aquele lugar fosse mais sinistro do que pensava? Em que tinha se metido?

Seus pensamentos foram interrompidos pela criada Jessie, que entrou no quarto.

— Milady, um homem pediu para lhe dar isto. Ela passou um bilhete às suas mãos.


“Milady Katherine,

Encontre-me nas colinas. Tenho algo de seu interesse para lhe contar.

Seu amigo, Alec Graham.”


Katherine leu de novo o bilhete. O que esse homem queria com ela? Lembrou-se que um ódio antigo o unia a Kieran e intuiu que Alec deveria ter algo a ver com a história de Lili.

— Pode ir, Jessie — ela dispensou a criada e, colocando a capa, rumou para as colinas. A noite caía e Katherine apertou a capa contra si.

O homem chamado Alec a esperava.

— O que tem a me dizer, senhor? — Katherine foi direto ao assunto.

— Achei que gostaria de saber mais sobre o passado obscuro de MacAlister.

— O que o faz pensar isso?

— A senhora presenciou a discussão entre ele e Cameron McBride, não?

— É verdade o que ele diz?

— Sim.

Katherine sentiu as agruras do medo transpassá-la. Então tinha mesmo se casado com um assassino?


Dez


O passado sempre cobra seu tributo

 

— Conte-me o que o senhor sabe — Katherine pediu, determinada. — Quem é Lili?

— Liliana Douglas era noiva de Cameron McBride. Kieran e Cameron lutavam juntos na tropa de rebeldes de Robert Bruce e Willian Wallace, ainda quando nem tinham dezoito anos. Eram amigos de infância, assim como Liliana. Os três cresceram juntos.

— Kieran fazia parte da resistência? — ela indagou, incrédula.

— Isso foi há muito tempo. Em 1297, dez anos atrás, a luta estava no auge e muitos nobres dobraram os joelhos para o rei inglês, inclusive o pai de Kieran, mas ele permaneceu fiel a Wallace, fugindo para se aliar a luta. Porém o pai dele morreu e Kieran teve que retornar. Muitos membros do seu clã divergiram porque estavam do lado da Inglaterra. Kieran disse que a partir daquele momento os MacAlister estavam com Wallace, e quem não estivesse contente que fosse embora. Nessa época, Cameron partiu para a França a pedido de Robert Bruce, para obter ajuda. Lili já era prometida de Cameron, mas Kieran começou a ser visto na companhia dela. Eu estranhei essa aproximação.

— Como sabe dessas coisas, como conhece Lili?

— Quando os pais dela morreram eu me tornei seu tutor, como administrador da propriedade dela.

— E o que aconteceu então? Lili trocou Cameron por Kieran?

— Sim. Kieran a seduziu. Ela era uma moça muito inocente e doce. E Kieran se aproveitou disso e a convenceu a fugir com ele.

— Eles fugiram? De quem? De você?

— Sim. Obviamente eu era contra aquela aproximação. Eu queria proteger Lili. Kieran a trouxe para cá. Eles se casaram.

— Como Kieran teve coragem de fazer isso? Roubar a noiva do próprio amigo? — Katherine perguntou, horrorizada.

— É o que todos se perguntavam. Pois todos sabiam da devoção de Lili a Cameron, desde criança. Ela sempre o preferiu, em vez de Kieran. Acho que ele nunca superou isso e se aproveitou da partida de Cameron para a França para seduzir a pobre Lili. Mas eu a avisei. A alertei de que Kieran não prestava, que queria apenas usá-la, mas ela estava cega. Cameron descobriu quando voltou. E ficou cheio de ódio, como deve imaginar. Veio lutar por Lili com um pequeno exército, mas Kieran seus homens os venceram. Não o matou apenas por que Lili pediu para que não o fizesse.

— Isso é horrível.

— Lili foi tremendamente infeliz aqui. E se arrependeu do dia em que conheceu Kieran.

— Por quê? Ela ainda amava Cameron? Se nutria estima por ele, por que concordou em se casar com Kieran?

— Lili era muito inocente e Kieran se aproveitou disso, certamente. Ele é um homem sedutor e envolvente quando quer.

Katherine estremeceu, lembrando-se de todas as vezes em que Kieran a beijara, a seduzira...

— E o que aconteceu depois?

— Cameron retornou para a França na mesma noite da derrota. Ele não poderia ver Lili com seu melhor amigo.

— E o que deu errado no casamento de Lili e Kieran?

— Sir Kieran era um homem com um ciúme doentio. Começou proibindo Lili de sair do castelo, depois proibiu qualquer pessoa de se aproximar dela. Ele passava longos períodos seguindo Robert Bruce e ela ficava sozinha neste castelo, protegida por suas muralhas e os guardas de Kieran. E pouco a pouco a situação começou a fugir do controle. Terminando por Kieran prendê-la na torre.

— O quê? — Katherine estava horrorizada.

— Ele a maltratava ao extremo. Um dia Lili conseguiu fugir e, não suportando mais, pulou dos penhascos.

Katherine deu um grito, colocando a mão na boca.

— Que coisa horrível, pobre Lili...

— Kieran enlouqueceu depois da morte de Liliana. Talvez de culpa. Ele largou a luta para trás, mandou todos embora, os criados e os poucos membros dos clãs que permaneciam no castelo e até mesmo seus leais guerreiros que o seguiam.

— Por que Kieran era assim? Por que fazia isso com Lili?

— Ele é um homem violento por natureza. Já deve saber.

Katherine engoliu em seco, pensando na maneira grosseira e rude com que Kieran a tratara desde que chegara no castelo. Mas daí a ser louco e assassino? Ela estremeceu de horror. Com que tipo de homem tinha se casado?

— Isso é absurdo. — Ainda tentou achar uma explicação menos terrível para toda aquela história trágica que lhe era contada.

— Não, não é. E o castelo é amaldiçoado desde então. Quem fica aqui sempre sofre as consequências.

— Maldição?

— Sim. Depois da morte de Lili, antes de irem embora, alguns criados diziam ouvi-la chorando pelos cantos escuros do castelo.

— Não acredito nessas bobagens...

— A senhora viu o quadro?

— A moça morena do quadro é a Lili?

— Sim. Kieran enlouqueceu de vez depois de sua morte. Por isso esse lugar se tornou tão sombrio, porque o senhor do castelo se fechou em fatalidades.

Katherine absorveu todas aquelas informações, juntando com tudo o que tinha visto e ouvido desde que ali chegara.

— Milady tem que partir daqui.

— Mas eu me casei com ele — falou, amargurada.

— Se ficar, terá que aguentar as consequências. Adeus, Milady.

Ele ia se afastar, mas tinha uma peça que não se encaixava naquilo tudo.

— Por que Kieran odeia você e Moira? — ela perguntou, e ele se virou para encará-la.

— Porque ele odeia todos que amavam Lili — respondeu se afastando.

Katherine voltou para o castelo, perdida em pensamentos obscuros.

Entrou no quarto e sentou-se perto da janela, olhando as brumas que se formavam na noite escura.

Por isso Kieran dissera que nenhuma dama iria se casar com ele e viver naquele castelo. Por isso todos aqueles segredos. Por isso ele mantinha o quadro de Lili. Ele vivia fechado em si mesmo desde que ela se matara. E deveria saber que a culpa era toda dele. Sentiu uma espécie de simpatia pela mulher que havia vivido ali antes dela. Olhou o quarto. Seria este o mesmo quarto que fora dela?

Katherine sentiu um arrepio de frio e Brenda entrou no aposento com seus passos silenciosos.

— Milady precisa de alguma coisa?

Katherine a fitou com os olhos amargurados.

— É verdade, Brenda? O que aquele homem me disse?

— Que homem, milady?

— Alec. Ele me disse que Lili se matou por que Kieran a fazia infeliz.

— Eu falei para ir embora daqui enquanto havia tempo. Agora é tarde demais.

Com estas palavras funestas a criada saiu do quarto, deixando Katherine sozinha com seus pensamentos confusos. Em que enrascada havia se metido ao concordar com um pedido do rei? Tinha se casado com um homem que era pior do que imaginara. E iria viver num castelo habitado pela presença de uma mulher que estava morta, mas que ainda estava ali.

Katherine podia sentir a presença dela em cada lugar, em cada frase de Kieran. Estremeceu de frio. Um frio que transpassou as vestes e penetrou-lhe e alma. Apenas um pensamento na mente: Não iria, sob hipótese alguma, ter o mesmo destino de Lili.

Horas depois, quando Kieran adentrou no quarto, Katherine continuou a pentear seus cabelos em frente ao espelho. As mãos tremeram levemente, mas ela invocou forças para fazer o que tinha que ser feito.

— Por favor, saia do meu quarto — pediu com firmeza.

— O que pensa que está fazendo, Lady Katherine? — Ele se aproximou e Katherine se afastou. Não podia, não queria ficar perto de sua presença perturbadora.

— Estou pedindo para que saia daqui.

— Ainda não entendo aonde pretende chegar. — Ele estreitou os olhos ameaçadoramente e Katherine levantou o queixo.

— O senhor entendeu muito bem. Não terá acesso ao meu quarto. E nem à minha cama.

— O quê?

— Este casamento é apenas uma conveniência.

— O que está dizendo? Que não irá dormir comigo?

— Sim, é isso.

E ele teve a reação mais inesperada que Katherine podia imaginar: ele jogou a cabeça para trás e riu.

— Onde está a graça? — ela falou, incomodada.

— Não está fazendo uma piada?

Katherine se enfureceu.

— Não estou brincando, senhor.

Ele ficou sério.

— E posso saber a razão deste seu pudor repentino?

— As coisas que descobri sobre o senhor foram suficientes para me fazer ver onde eu estava me metendo.

A expressão dele mudou de desdém para raiva.

— Então deu ouvidos às acusações absurdas de Cameron?

— Absurdas? Não é verdade que você foi casado com Liliana Douglas depois de seduzi-la e roubá-la de seu melhor amigo, o mesmo que o estava acusando hoje? E que ela preferiu se jogar dos penhascos a viver com você?

— Como sabe disso? Cameron não falou essas coisas!

Katherine desviou o olhar.

— Vamos, diga-me, como sabe disso? — ele gritou.

— Uma pessoa me contou.

— Quem?

— Não o interessa.

Ele se aproximou ameaçadoramente e Katherine teve que conter a vontade de sair correndo.

— Quem? — insistiu.

— Alec Graham.

— O quê? — Ele a segurou pelos ombros. — Quando foi que esteve com ele?

— Hoje, depois do escândalo de Cameron. E ele me contou toda a história. De como você roubou a Lili do seu melhor amigo apenas para maltratá-la!

Kieran apertou os dedos em seu ombro.

— Então continua se encontrando com Alec!

— Me solta! Está me machucando! Não pensei que fosse ter tão cedo uma amostra do seu caráter doentio!

Ele a soltou com tanta força que Katherine quase caiu.

— Não passa de um selvagem! — o encarou com amargura. — Me arrependo do dia que concordei com esta sandice de casamento. Preferia viver na penúria, mendigando nas ruas a viver com um homem como você! Chego a ter pena da Lili! — Katherine quase cuspia as palavras. Estava furiosa. Estava frustrada por não saber lidar com os sentimentos de raiva e fúria que borbulhavam dentro dela.

— Não a quero mais na presença daquele homem, entendeu? O que fará com o seu tempo neste castelo é problema seu. Não a importunarei mais. E se quiser partir, as portas estão abertas. Nunca a quis aqui mesmo — Kieran sentenciou por fim, num tom de puro gelo.

Katherine não soube dizer por que estas palavras a feriram tanto e sentiu a raiva aumentar ainda mais.

— Talvez eu faça isso mesmo. Também não me interessa viver com um bárbaro arrogante num castelo amaldiçoado.

— Então, milady, também é tonta a ponto de acreditar em “maldições”? Aprenda uma coisa, querida esposa, maldições não existem. São os homens que causam os males do mundo.

— Não me interessa aprender nada com você.

— Não? — Katherine percebeu o olhar dele se estreitar e as palavras que ele disse a seguir vieram carregadas de uma dose de sensualidade que não condizia com o teor da discussão. — Talvez eu possa lhe ensinar duas ou três coisas que lhe agradariam muito, Lady MacAlister.

— Seu... seu... bruto! Saia daqui! Não aguento mais nem um minuto na sua presença! — gritou, perturbada com as imagens que se formaram em sua mente.

Então ele cobriu a distância que os separava e a puxou para si, beijando sua boca com força, não dando a Katherine tempo de reagir. Foi rápido e brutal, mas o corpo traidor de Katherine reagiu na mesma hora. Para seu alívio, ou frustração — sendo sincera consigo mesma — ele a soltou rápido.

— Eu sairei. Mas não tente negar o que sente, milady. Posso ver o desejo que arde em seu olhar. E, por mais que tente negar, o dia em que eu a possuirei chegará. Por que, por mais que eu lute contra, eu a desejo. E eu a terei. Espero que não se arrependa de me expulsar de seu quarto, pois não entrarei aqui novamente, milady, a não ser que a senhora implore. E não tenha dúvidas, a hora chegará.

Ele saiu do quarto batendo a porta e Katherine caiu numa cadeira, lágrimas silenciosas inundando seu rosto.

Não iria se arrepender. E muito menos implorar qualquer coisa que fosse àquele homem. Sentiu a dor e o vazio assolar seu coração. As garras do destino se prenderem em volta do seu ser. Como conseguiria viver ali, naquele lugar horrível, com aquele homem odioso? Um pensamento desesperado se formou em sua mente. Lembrou-se da promessa de Harry. Ele dissera que iria resgatá-la. Mas será que seria justo com o amigo envolvê-lo na sua confusão? Não. Ela entrara sozinha nisso e sairia sozinha. Mas como? Estavam casados pela lei da igreja e dos homens.

O casamento não tinha sido consumado, pensou num fio de esperança. Sim, havia uma saída. Mas teria que pagar o preço. Se escrevesse ao rei pedindo a anulação do casamento, com certeza a ira de Edward recairia sobre sua família. Ela enxugou as lágrimas. Não, não poderia fugir tampouco. Não havia saída. A não ser aceitar o seu terrível destino.


Katherine acordou, assustada com pesadelos em que era perseguida nas sombras. Jogou as cobertas para o lado e saiu do castelo sorrateiramente, não sabia aonde ia, mas sabia que precisava fugir da solidão das paredes frias da fortaleza. Caminhou sem rumo até se dar conta de que estava à beira do precipício, onde segundo Alec, Lili havia morrido. Sentiu uma estranha conexão com a moça que tinha tirado a própria vida.

O que levava uma pessoa a fazer um ato tão horrível? Quão desesperada deveria estar para preferir a morte? Será que chegaria o dia que ela se sentiria tão perdida a ponto de fazer o mesmo?

— De novo eu a encontro aqui... — Katherine ouviu a voz de Kieran atrás de si e virou-se assustada. Ele a encarava num misto de frieza e escárnio.

— Não se preocupe — falou sem pensar nas consequências —, não irei pular como fez Lili.

— Não toque no nome dela! — Sibilou com a voz fria como o vento que cortava as montanhas.

— Eu imagino como deve ter sido a vida dela ao seu lado para cometer ato tão vil.

— Você não sabe de nada.

— Não sei mesmo. E nem quero saber.

Ela girou para se afastar, mas ele a segurou pelo braço.

— Não pense que pode fugir sempre que quiser, Katherine.

— Me larga! — Katherine se debateu, mas ele era mais forte e a segurou junto a si. E um calor traiçoeiro tomou seu corpo ao se sentir colada nele. — Deixe-me ir — pediu com a voz mais fraca do que pretendia.

— Por mais que eu queira, cara esposa, eu não posso. Agora nossas miseráveis vidas estão ligadas até a morte. — E, dizendo isso, ele a beijou.

Katherine lutou contra a chama do desejo que a invadia, na mente o pensamento de que não queria terminar igual a sua primeira esposa. Perdendo a vida num precipício. Este pensamento lhe deu forças para resistir e ela o empurrou, estapeando seu rosto e o encarando com ódio.

— Nunca mais me toque, entendeu? Nunca mais! — Ela se afastou com passos firmes. E só parou quando estava na segurança de seu quarto.

O que seria da sua vida agora? Presa por laços indissolúveis a Kieran MacAlister? Ela respirou fundo, conjurando forças. Não iria se deixar abater. Mas, em seu íntimo, sabia que seu calvário estava apenas começando.


Onze


A senhora do castelo

 

Katherine olhou as montanhas ao longe e suspirou tristemente, sentada na janela, ela pensava no que iria fazer agora.

Como sairia da enrascada em que se metera ao concordar em se casar com Kieran MacAlister? Por mais que meditasse, sabia que não existia saída. Estava presa naquele lugar. Pior, estava presa àquele homem odioso. E nada poderia fazer.

Ouviu um barulho na porta, mas nem se mexeu quando Brenda entrou.

— Já arrependida, milady? — perguntou, mordaz, e Katherine virou-se para encará-la.

— Eu não devo lhe satisfação. — Desceu da janela e encarou a mulher. — Por favor, saia. Preciso me arrumar.

— Milady vai sair? Ou... vai partir?

— Eu não vou partir. Apenas vou à Vila. — A mulher a fitou por alguns instantes, como se fosse dizer mais alguma coisa, mas apenas virou-se e saiu do quarto.

Katherine desceu meia hora depois. Estava decidida a encarar o seu destino de cabeça erguida. Mas parou ao pé da escada. Como encararia Kieran agora? Sentiu a força de vontade fraquejar pelo medo. Mesmo assim respirou fundo e adentrou no salão. Porém, para seu espanto, estava fazia.

Brenda apareceu com seu costumeiro ar de zombaria e Katherine sentou-se à mesa.

— Onde está seu senhor? — perguntou, altiva, e a mulher a encarou.

— Viajou.

— Viajou? — Katherine franziu o cenho, sentindo uma pontada de alívio.

— Sim, mas a milady já deveria saber, não? — a criada falou e se afastou, deixando Katherine sozinha com seus pensamentos.

— Bom dia, lady Katherine! — Callum entrou na sala e a cumprimentou. Parecia receoso. Katherine sorriu. Tinha se esquecido de que sir Callum ainda estava no castelo.

— Bom dia, Sir Callum. Por acaso sabe para aonde foi Kieran?

O homem ficou sério e parecia desconfortável. Na certa se perguntava o que tinha acontecido entre eles para o senhor do castelo viajar no dia seguinte à noite de núpcias.

— Eu não sei, senhora.

— Como não?

— Quando acordei, ele já tinha partido. Ele não lhe disse aonde ia?

Katherine corou. Deveria dizer a Sir Callum o que tinha acontecido? Melhor não, pensou. Callum era um bom homem e não o queria envolvido ainda mais em seus problemas.

— Não, não disse — respondeu simplesmente.

— Brenda deve saber.

— Se sabe não quer dizer. — Katherine resolveu encerrar o assunto. — O senhor ficará aqui até quando?

— Partirei hoje mesmo.

Katherine se decepcionou. Pelo menos com o nobre ali, não ficaria tão sozinha.

— Que pena.

— Minha missão aqui já foi cumprida — respondeu, encarando Katherine como se perguntasse se realmente tinha cumprido a missão. Katherine sorriu para acalmá-lo.

— Sim.

Após a refeição, Callum partiu. Katherine observou sua figura desaparecendo no horizonte e suspirou desalentada. Olhou para o castelo atrás de si, perguntando-se o que faria a partir daquele momento.

Deveria sentar-se e chorar, entregando-se à autocomiseração? Não, não faria isso. Não daria esse gosto ao urubu da Brenda e nem ao nefasto senhor daquele castelo, seja lá onde ele estivesse.

Com uma nova resolução dentro dela, Katherine voltou para o quarto, apanhou a capa e chamou as duas criadas.

— Aonde vamos, milady? — Davina questionou, curiosa.

— Vamos à vila. E não façam perguntas, apenas me acompanhem.

Horas depois, Katherine voltou para o castelo acompanhada de mais três pessoas. Dois rapazes e uma moça. Novos criados para ajudá-la em sua nova missão: trazer vida àquele castelo escuro.

— Mas o que é isso? — Katherine sorriu ao ver a cara espantada de Brenda.

— Estes são os novos criados, Brenda.

— Não precisamos de novos criados.

— Quem decide isso sou eu. Sou a senhora do castelo e posso fazer o que eu bem entender. É bom se acostumar com esse fato. Deve obediência a mim.

— Mas Kieran não vai gostar nada disso...

— Ele não está aqui. Portanto, quem manda sou eu! E se não concordar, pode fazer igual aos antigos criados e ir embora.

Katherine viu a cara aparvalhada da criada e sorriu secretamente. Brenda veria do que ela era capaz. Se pensava que era uma tola que se acovardaria diante de seu destino, estava muito enganada.

— Como quiser, senhora — a criada respondeu de forma sucinta, depois se afastou.

Katherine virou-se para os criados e pediu para acompanharem Davina para se instalarem e depois voltarem, pois tinham muito trabalho a fazer.

Eles se afastaram e Katherine olhou o interior escuro da sala. Respirou fundo e caminhou até as janelas. Com algum esforço conseguiu abrir a primeira e sentiu a lufada de vento no rosto. Era a primeira coisa que deveria ser feita naquele mausoléu. Abrir as janelas para a luz entrar. Quando os criados voltaram, eles começaram o trabalho de abrir todas as janelas de todos os cômodos do castelo.

— Abram todas, entenderam? Não deixem nenhuma fechada.

Após cumprida aquela missão, afastaram-se para começar a limpeza pesada que Katherine ordenou.

Então Katherine foi até a sala do quadro. Abriu a porta e sentiu-se uma invasora. O que era um absurdo, pensou consigo mesma. Contemplou o quadro e a moça morena que agora sabia se chamar Liliana. A primeira senhora daquele lugar. O que acontecera com ela para ter um destino tão cruel? Será que Katherine teria o mesmo destino? Sentiu um arrepio e abraçou o próprio corpo. Não. Com ela não aconteceria o mesmo.

Não sabia a quanto tempo estava ali, perdida em pensamentos, quando Jessie a interrompeu.

— Milady? Já terminamos.

— Limparam todo o salão principal?

— Sim.

— Podem parar por hoje. Amanhã continuaremos.

Katherine caminhou rumo às escadarias e passou por Brenda parada no hall, totalmente boquiaberta. Sem conseguir se conter, sorriu.

— Olá Brenda, algum problema? — perguntou com ar inocente.

— O que está acontecendo aqui?

— Estou trazendo um pouco de luz para este lugar.

A moça permaneceu estupefata e Katherine resolveu espezinhá-la mais.

— Sabe que sob a luz do dia você até que é bem bonita?

Brenda arregalou os olhos e Katherine gargalhou. Sacudindo a cabeça, divertida, subiu para seu quarto.

Nos dias que se seguiram, Katherine supervisionou a limpeza de todos os cômodos do castelo. Tudo foi limpo, lavado e encerado. Com a luz natural e sem a camada de pó e sujeira, o lugar até que era apresentável. Ela suspirou, olhando as tapeçarias na parede. Eram bonitas, pensou, passando a mão sobre a grossa lã. De repente seus pensamentos voaram para o senhor do castelo. Onde será que ele se metera? Será que voltaria? Claro que sim, recriminou-se. O castelo era dele e por mais que ele detestasse sua presença ali, jamais iria embora. Katherine não sabia como se sentia realmente sobre isso. Trabalhava duro para não pensar. Empenhara-se em tornar aquele castelo um lugar habitável, para não enlouquecer pensando no horror que tinha se transformado sua vida. Era melhor mesmo que Kieran se demorasse a voltar de onde quer que estivesse. Ela não se importava.


***


Kieran MacAlister aproximava-se de seu castelo após semanas de ausência.

A princípio ele não pensara em se afastar, mas com o casamento iminente com a dama inglesa, ordenado pelo rei Edward, os rumores de que tinha se aliado ao trono inglês se espalhara como pólvora aos clãs vizinhos. Por isso, julgara por bem fazer algumas visitas para esclarecer essa contenda.

Se fosse tempos atrás, não teria se importado nem um pouco. Nada lhe importava. Mas de repente, saber de todo esses perigosos falatórios o deixara com uma ponta de irritação e um tanto de apreensão. A revolta parecia estar em compasso de espera agora, depois da morte de William Wallace há dois anos, após ser capturado e decapitado. Porém era sabido que Robert Bruce, o herdeiro do trono escocês, não iria descansar. A batalha recomeçaria em algum momento, era certo. E fora exatamente por isso que Edward percorrera alguns clãs pedindo apoio. Todos sabiam que o pai de Kieran era um vassalo de Edward e isso o desgostara muito no passado. Porém, há muito que deixara de ter importância. Assim como a morte de Wallace que, em outros tempos, o teria devastado.

A verdade era que ele se encontrava amortecido depois de toda a tragédia que se abatera em sua vida. Kieran não se importava mais com nada, consumido em sua miséria e dor. Então Edward surgira com aquela ideia absurda de casamento com uma dama inglesa. E ele rira na cara do rei da Inglaterra. E realmente acreditava que Edward não conseguiria cumprir com o prometido de mandar-lhe uma esposa inglesa. Mas ele conseguira.

E agora lá estava ele, preso a uma mulher inglesa em um laço que em outra vez apenas lhe trouxera dor e arrependimento.

Kieran achava que ela não iria ficar. Ela parecia dócil e frágil por fora, mas ele vira a força em seu olhar. Lady Katherine Beaufort era tudo, menos uma flor frágil e ingênua. E isso o irritava e fascinava ao mesmo tempo. Ele a havia maltratado e ignorado, crente que um dia ela partiria levando junto aquele perfume único e olhar sequioso que nem percebia que lhe lançava. Era certo que a inglesa era uma dama inocente nos jogos de sedução, mas Kieran sabia que era apenas uma questão de tempo para que o fogo que ardia entre eles consumisse a ambos. E talvez, levado por essa luxúria, foi que concordara por fim com o famigerado casamento. Ele queria a inglesa em sua cama. Então já que ela se recusava em ir embora, certamente levada pelo medo de que Edward destruísse sua família, ele poderia fazer aquela concessão. Não parara para pensar que talvez estivesse repetindo um erro que já cometera antes e que acabara em fatalidade. E muito menos que, ao concordar com aquela união, estaria começando um rastro de rumores que deixaria os clãs em polvorosa.

Porém, o casamento não fora como ele esperava. A presença de Cameron a lhe gritar seu ódio, alertara Katherine para os fantasmas de seu passado funesto. E a ardilosa inglesa ainda dera ouvidos a Alec. Kieran sentia o sangue esquentar de raiva ao imaginar Alec Graham, aquela cobra peçonhenta, sussurrando fofocas no ouvido de Katherine. E ela acreditara. Mas quem não acreditaria? O fato era que havia muitas verdades nas palavras de Alec. Uma verdade turva, mas ainda assim, verdade. Por um momento, enquanto Katherine lhe gritara cheia de desconfiança que não compartilhariam o leito de núpcias, Kieran teve vontade de lhe contar toda a verdade. Não a verdade de Alec, ou de Cameron ou de todos nas Terras Altas. Mas sim a verdade de sua querida Liliana.

Mas do que adiantaria? Katherine, no fim, tinha razão em não querer entrelaçar sua vida a dele. Talvez fosse mesmo amaldiçoado.

Liliana lhe confiara a vida e acabou morta nos penhascos.

E havia um certo medo em Kieran de que Katherine tivesse o mesmo destino. Então talvez fosse melhor que ela o odiasse, que fosse embora, que se afastasse das Terras Altas, das terras MacAlister. Que se afastasse dele.

Talvez agora, quando chegasse no castelo, ela até mesmo já tivesse partido. Ele não parou para analisar o vazio que isso o fez sentir. Ele, que não sentia nada há muito tempo, estava decepcionado em pensar que a inglesa que lhe fora imposta como esposa tivesse partido.

Disse a si mesmo que, se assim fosse, deveria ficar aliviado.

Tudo continuaria como antes. Ele poderia continuar em seu castelo frio e escuro, envolto em sombras e culpa. Apenas com suas lembranças e seu pesar.

Porém, bem no fundo do seu ser, ele sabia que as mudanças que tinham chegado nas Terras Altas junto com a inglesa, já estava em curso e que nada mais seria o mesmo.

Ele já não era o mesmo.

E talvez seus antigos companheiros, seus guerreiros de batalhas, que agora se encontravam espalhados por clãs vizinhos, tenham percebido, pois muitos deles pareceram aliviados e até mesmo felizes de ver Kieran novamente, parecendo quase o mesmo Kieran MacAlister de antes, envolto em sua força e astúcia. E chegaram a lhe indagar sobre a possibilidade de Kieran reunir os guerreiros novamente em sua fortaleza. Kieran não soube o que responder.

O Kieran de alguns meses atrás teria dito que não haveria propósito algum em tal façanha, mas agora ele se vira tentado a pedir que seus homens voltassem.

O dia estava frio e cinzento, quando Kieran desmontou e entrou. Então estacou, surpreso. O que tinha acontecido ali?

Tudo estava claro, iluminado e limpo.

Ouviu um riso cristalino vindo do salão principal e rumou para lá. Katherine encontrava-se tentando colocar uma pesada tapeçaria na parede oposta, com a ajuda de dois homens desconhecidos. E ela ria. O som daquele riso fez algo vibrar dentro dele. Raiva. Ressentimento. Luxúria.

Então ela não tinha ido embora, afinal.

E o que será que pretendia?

De repente o salão se encheu de silêncio e ela finalmente notou sua presença. A expressão mudou de descontraída para uma fria reserva. Seus olhares se encontraram e se prenderam por alguns instantes tensos, até Kieran quebrar o contato.

— Posso saber o que está acontecendo aqui?

Katherine levantou o queixo e andou até ele, decidida. Não ia abaixar a cabeça. Não mais.

— Como pode perceber estou dando um jeito neste lugar.

Ele levantou as sobrancelhas.

— Dando um jeito?

— Sim. — Katherine sustentou o seu olhar. — Parecia abandonado, tudo escuro e sujo. Precisava de luz. Ele a encarou sem acreditar no que estava ouvindo. A pequena bruxa tinha se apossado de seu castelo em sua ausência. E transformado tudo. Ele começou a sentir uma raiva cega.

— E quem são esses? — Apontou para os criados que, mudos, observavam a cena.

— Criados. Não dava para manter esse castelo apenas com Brenda.

— Posso saber quem lhe deu ordens para contratá-los?

Katherine o encarou e franziu os olhos. Então respirou fundo e, virando-se para os criados, pediu que saíssem da sala, e só então voltou-se para Kieran.

— Ninguém me deu ordens. Sim, poderia ter consultado o senhor, porém não estava aqui. Fugiu para não sei onde...

— Eu não fugi — ele cortou sua fala, e Katherine o olhou com desdém.

— Bem, não me interessa o motivo de sua ausência. O que importa é que eu fiz o que tinha que ser feito.

— Não tinha que fazer nada — rosnou e Katherine soube que a fúria se escondia debaixo daquela expressão comedida. Mas não recuou.

— Este castelo estava entregue a ruínas. Deveria me agradecer por trazê-lo de volta à vida!

Kieran a observava. Tinha o rosto corado e os olhos flamejantes. Ela o estava desafiando. Pura e simplesmente. E ele, que achara que quando voltasse ela não estivesse mais ali. Que, com certeza depois de tudo que ouvira de Cameron e Alec, fugiria com o rabo entre as pernas. Estava enganado. Ali estava ela, altiva e confiante, desafiando-o dentro da própria casa!

— O que ainda faz aqui, milady? — ele perguntou suavemente.

— Como assim?

— Pensei que a essa altura dos acontecimentos já tivesse partido a tempos para a Inglaterra...

— Não irei embora, senhor — ela respondeu com firmeza. — E se achava que eu iria fugir, está enganado. Infelizmente eu me casei com o senhor e agora eu sou a senhora do Castelo.

E para surpresa de Katherine, Kieran riu.

— Senhora na teoria, mas não de fato — ele a desafiou e regozijou-se ao vê-la enrubescer, desconcertada —, ou devo entender por esta sua nova postura que está disposta a assumir seus deveres de esposa? — desafiou.

Katherine sentiu o rosto ficar vermelho ao ouvi-lo desafiá-la daquela maneira. Era um bruto, um bastardo!

— Como ousa...?

Ele apenas riu.

— Mas foi a milady mesmo quem acabou de falar que agora é a senhora do castelo. Então devo acreditar que mudou de ideia...

— Não! — Katherine gritou perdendo a paciência. — Se pensa que... que... oras, não lhe devo satisfação! — Ela virou-se para se afastar, mas ele a segurou pelo braço e a impediu de prosseguir.

— É aí que se engana, milady — ele falou com o rosto perto do seu —, está nas minhas terras, na minha fortaleza. Tenho direitos sobre a senhora e sabe disso. Se não a obrigo a cumpri-los é porque não me interessa o bastante.

Katherine ignorou a dor aguda que sentiu ao ouvir aquelas palavras.

— Me solta! — pediu entre dentes.

— Eu ainda não terminei! — ele ameaçou apertando ainda mais seu braço, e Katherine se calou. — Não pense que pode me dobrar, ou fazer o que bem entende, apenas porque resolveu pegar um espanador e sair por aí limpando tudo! Esses são os meus domínios, do qual você agora faz parte. — Katherine abriu a boca para protestar, mas ele a impediu. — Sim, como você mesma fez questão de frisar, é minha esposa pela lei dos homens e da igreja e tenho total poder sobre sua vida. Portanto, meça suas palavras e seus atos.

Ele a soltou e Katherine cambaleou ultrajada.

— É mesmo um bruto, Kieran! — dardejou e saiu quase correndo da sala. Subiu as escadas e bateu a porta do quarto, jogando-se na cama. Onde estava com a cabeça por permanecer naquele lugar? Com aquele homem sem escrúpulos? Massageou o braço dolorido, sentindo lágrimas quentes nos olhos. Kieran ainda iria pagar por isso, pensou com raiva. Sabia o que ele queria, queria amedrontá-la para que ela saísse correndo e fosse embora sem olhar para trás.

Então Katherine se deu conta de que essa era a diferença primordial entre ela e a antiga senhora do castelo. Kieran queria a presença de Lili ali. Tanto que a roubara do melhor amigo. A seduzira e a prendera em seus domínios, mesmo — pelo que todos tinham dito — Lili estando infeliz.

Mas a presença de Katherine não era desejada por Kieran. Desde que ela ali chegara ele a rechaçara. Fizera tudo para que desistisse do casamento e fosse embora.

Por quê?

Por não querer se prender ao rei da Inglaterra? Katherine ainda não entendia que um homem que passara anos seguindo o exército rebelde contra a Inglaterra, agora fazia acordos com seu rei. Todavia, Alec disse que Kieran deixou o exército depois da morte de Lili, que se fechara naquele castelo escuro, tomado de culpa e fúria. Então ele não se importava mais com a Escócia e a luta pela liberdade?

E se não era esse o motivo de não querer o compromisso com Katherine, então só restava a opção de que ele ainda amava Lili.

Katherine sentiu uma dor oprimir seu peito. Isso não deveria afetá-la. Na verdade, deveria sentir-se aliviada por Kieran não se importar com ela. Certamente ele estava esperando o dia em que ela partisse. Porém Katherine não podia. Edward destruiria sua família se assim o fizesse. Ele não era conhecido por ser um rei piedoso. Então, não tinha saída a não ser permanecer na Escócia. Com um homem que a odiava.

Mas Kieran estava enganado sobre ela. Algumas ameaças descabidas não iriam amedrontá-la. Katherine iria mostrar a ele do que era capaz.


Katherine desceu para o jantar de cabeça erguida. Como era de se esperar, Kieran a olhou espantado por alguns instantes, mas depois voltou a costumeira expressão de desdém. Nas mãos tinha um copo de whisky. Que novidade, ela pensou, irônica.

— Ora, ora... Você ainda está aqui — ele comentou, sarcástico, e Katherine resolveu usar da mesma artimanha.

— Ora, ora, você continua bêbado!

Ele fechou a cara e Katherine riu por dentro.

— Agora que já nos cumprimentamos devidamente, acho melhor comermos — ela falou e caminhou até a mesa. Brenda entrou e encarou um depois o outro com a expressão de zombaria, mas permaneceu em silêncio.

Katherine observou que Kieran continuava no mesmo lugar e que apertava tanto o copo de whisky que achou que iria quebrá-lo. Porém, ele sacudiu a cabeça e sentou-se à mesa.

Katherine comeu em silêncio. Não o fitava, mas podia sentir os olhos dele sobre si. Sentia a pele arrepiada, mas não de frio e, sim, de um sentimento mais básico que ela nem gostaria de analisar.

— Está com frio? — ele perguntou com a voz profunda e Katherine levantou os olhos do prato e o encarou. Ele estava zombado dela, na certa.

— Não, por que estaria? — Kieran relanceou os olhos por seu vestido. Katherine vestira um modelo mais apropriado para o verão. Era de um tecido diáfano, sem mangas, imitando os modelos gregos e romanos. Ganhara aquele vestido de um amigo grego de seu pai, que sempre a comparava com as deusas da antiguidade. Ela nunca o usara, achava-o ousado. E nem sabia dizer por que diabo resolvera colocá-lo hoje. Deveria ser seu espírito rebelde se manifestando mais uma vez naquele lugar.

— É um vestido bonito — ele falou de repente, e Katherine o encarou em desafio. Com certeza continuava a irritá-la.

— Não precisa se dar ao trabalho de me tecer elogios, sir — resmungou com desdém.

Kieran ignorou seu comentário e continuou a inspeção sobre ela. Katherine sentiu a respiração ficar difícil e a temperatura da sala aumentar e engoliu em seco. Então de repente ele parou olhando fixamente para um ponto em sua pele e, sem aviso, pegou seu braço e depois a encarou.

Katherine percebeu que ele tinha visto as marcas roxas em sua pele alva.

— Eu fiz isso — não era uma pergunta e sim uma afirmação e Katherine apenas meneou a cabeça, incapaz, de repente, de destilar todas as acusações que gostaria de fazer a ele.

Um silêncio tenso tomou conta do recinto, quebrado apenas pelos sons de suas respirações. Katherine queria puxar o braço, mas se sentia estranhamente sem forças. Então, subitamente a natureza do toque mudou. Ela sentiu os dedos dele acariciarem lentamente o ponto roxo em sua pele, com extrema delicadeza, como se assim pudesse apagar as marcas de sua violência. Sentiu calor onde ele tocava. Um calor que foi se espalhando para o resto do corpo a fazendo arfar. De repente a porta se abriu e Brenda entrou na sala com o prato principal.

Kieran a largou e, sem encará-la, encheu mais uma vez o copo de bebida.

E ela sentiu-se... frustrada? Não. Era absurdo. Era totalmente insano e descabido! Sentiu uma raiva cega a dominar. E direcionou-a para o homem à sua frente.

— Agora vejo que muitas das acusações feitas contra o senhor eram verdadeiras, se as marcas no meu braço são uma amostra...

— Cale-se!

Brenda parou o que estava fazendo e franziu o rosto.

— E se eu não calar? — Katherine se levantou com ímpeto. — Vai me agredir?

Ele se levantou e ficaram se encarando com raiva. Brenda deu um risinho sardônico e Kieran se afastou da sala, deixando Katherine ofegante de raiva.

Sentou-se novamente e tomou um grande gole de vinho. Viu Brenda a encarando com aquele risinho de zombaria e se irritou ainda mais.

— Está olhando o quê?

A criada ficou séria.

— Percebo que está entendendo o que eu quis dizer. Falei para fugir enquanto era tempo...

— Chega! — Katherine se levantou. — Guarde para si as suas sandices! — reclamou e saiu do salão com passos apressados, mas ainda pôde ouvir atrás de si a risada da criada. Subiu as escadas e trancou a porta de seu quarto, como se assim pudesse se proteger das observações mordazes da criada e da fúria mal contida do senhor do castelo. Foi até a janela e admirou a noite escura. Sentiu um grande vazio por dentro.

Voltou para o quarto decidida a não se entregar a sentimentos de autocomiseração. De nada ia adiantar se entregar ao sofrimento. Tinha que lutar.

Onde estariam suas criadas? Depois que contratara os dois rapazes para ajudá-las, as duas sumiam constantemente. Katherine bufou e se preparou para ela mesma tirar o vestido. Então sua atenção foi atraída para a porta do outro lado do quarto. Desde que ali chegara, não tinha mais pensado nela. Para onde será que daria? Naquele dia estava trancada. Curiosa, Katherine girou a maçaneta e, para sua surpresa, a porta se abriu e ela adentrou no recinto. E estancou com a imagem que se delineava a sua frente. Kieran, de costa para ela, acabava de tirar a túnica e erguia-se a sua frente inteiramente nu.


Doze


Discórdias

 

Katherine ficou parada no lugar, estupefata, sem conseguir mexer um músculo, mas deve ter feito algum barulho, pois Kieran voltou-se e Katherine prendeu a respiração ao vê-lo de frente. Sentiu o coração falhar uma batida e um calor indevido incendiar seu corpo. Mesmo assim não conseguiu desviar os olhos daquelas formas masculinas estranhas aos seus olhos até aquele momento. Ela viu o espanto no olhar de Kieran se transformar em divertimento e corou ao perceber o que estava fazendo. Num rompante, virou-se, pronta para fugir dali.

— Fugindo novamente, milady? — a voz profunda a desafiou a parar e, de repente, sentiu os pés presos no lugar, como chumbo.

— Não tenho nada para fazer aqui.

Kieran riu.

Ela ouviu os passos abafados atrás de si e sentiu que ele estava cada vez mais perto. Tinha que sair dali, porém não conseguia se mover.

— Mas está aqui — ele falou muito próximo, e Katherine fechou os olhos.

— Não sou obrigada a ficar ouvindo estes disparates! Ou acha que entrei aqui de propósito?

— O que veio fazer aqui? Não me diga que veio declarar que mudou de ideia.

— Isso é absurdo!

— Está com medo, milady?

— Claro que não.

— Então por que não se vira?

Katherine sentiu vontade de sair correndo e deixá-lo falando sozinho. Mas não iria lhe dar este gosto. E, reunindo toda a sua coragem, virou-se e o encarou diretamente no rosto. Nem ousou baixar o olhar.

— Então, Milady, foi para isso que veio? — ele perguntou com suavidade, fazendo Katherine corar até a raiz do cabelo e, instintivamente, dar um passo para trás.

— Não sabia para onde dava essa porta — respondeu, e percebeu como tinha sido tola. Era claro que a porta de comunicação era com os aposentos do senhor do castelo.

Ele riu e Katherine sentiu uma estranha languidez. Tinha que sair dali. Agora.

Aquele homem era um bruto. Um déspota. Não podia sucumbir. Tinha que resistir ao perigoso desejo que a envolvia.

— Diga-me, lady Katherine. O que quer?

O que dizer?

“Eu quero que me beije de novo até não poder mais pensar em nada?”

Que loucura! Censurou-se.

— Do senhor? Não quero absolutamente nada! — respondeu, altiva.

— Tente convencer-se disso, milady — sussurrou, e Katherine sentiu como se fosse uma carícia.

Fechou os olhos para não cair naquela armadilha, pois era exatamente assim que se sentia. Tinha de sair dali. Com essa nova resolução e cansada daquele jogo perigoso, correu para o próprio quarto, trancando a porta atrás de si, mas ainda pôde ouvir a gargalhada de Kieran através da parede.

— Eu o odeio! — murmurou zangada para si mesma.

Deitou-se e apagou a vela com um sopro, tentando conter as batidas desvairadas do coração e tirar a memória do corpo nu de Kieran.


***


Nos dias que se seguiram, Katherine quase não o viu. Quando se levantava e ia para o salão ele já tinha saído e quando voltava se refugiava em sua sala privada ou na sala do quadro. Ninguém ousava interrompê-lo naqueles momentos. Obviamente todos instruídos por Brenda. Katherine ainda não sabia dizer como mantinha os criados no castelo, pois Brenda tratara de espalhar seus temores sem fundamento.

Geralmente se viam à noite, na hora do jantar, quando ele se mantinha frio e calado, apenas bebendo um copo de whisky atrás do outro. Katherine dizia a si mesma que era melhor assim. Não tinha a menor disposição de conversar com aquele bruto. Muito menos de estar em sua presença. Mas a verdade era que o estranho comportamento do senhor do castelo a desconcertava. E a irritava.

Mas o que podia fazer? Ela sabia onde estava se metendo quando concordara com aquele casamento absurdo. Porém, esse pensamento não amenizava o vazio que sentia. Sentia-se mais sozinha do que jamais se sentira em toda a sua vida.

— Milady?

Katherine ouviu a voz de uma das criadas chamando por ela e saiu do devaneio.

— Sim?

— Milady disse que iríamos à vila para comprar as tapeçarias — Davina falou, acanhada. Sim, ela tinha se esquecido.

— Claro, mas não precisa vir comigo.

— Milady irá sozinha? — A moça arregalou os olhos.

— Sim, irei.

A moça a encarou como se fosse discordar de sua decisão, mas recuou e se afastou. Katherine colocou a capa e desceu. Foi em direção à cozinha para avisar Brenda que iria se ausentar.

No caminho, passou pela sala do quadro e parou, como se uma força invisível a levasse para lá. Hesitou por alguns instantes, conjeturando se deveria entrar, respirou fundo e girou a maçaneta. Como era de se esperar, Kieran estava lá dentro e de um jeito que Katherine nunca tinha visto antes. Sentado numa cadeira, ele tinha a cabeça entre as mãos, numa atitude que denotava extrema angústia. E ela ficou ali, fitando-o sem conseguir se mover. Inesperadamente sentiu uma dor profunda no peito. Como se a angústia dele a atingisse diretamente. Sem saber como nem por que, sentiu-se ligada a ele como nunca antes, e teve uma vontade quase irresistível de se aproximar e tocar seus cabelos revoltos. Chegou a dar um passo para fazer exatamente isso, mas parou assustada com o impulso absurdo. Assustada com ela mesma.

Deveria ter feito algum barulho, pois Kieran levantou a cabeça e a encarou. Os olhos dele focalizaram ela como se não a vissem, mas essa sensação durou apenas alguns instantes, pois em seguida foi substituída pela expressão de raiva.

— Saia daqui! — rosnou furioso, e Katherine se enfureceu. Como pudera sentir pena daquele crápula?

— Sim, eu já estou saindo. Não quero atrapalhar seu interlúdio com sua falecida esposa.

— Cale-se! Não sabe o que está dizendo!

Com uma ousadia nascida da raiva, Katherine ignorou sua expressão raivosa, entrou na sala com passos lentos e parou em frente ao quadro.

— Eu sei, sim. Você vem aqui para se encontrar com a Lili. Diga-me, senhor, sente-se culpado por ser o responsável por sua morte?

Kieran atravessou o cômodo em poucos passos e, para seu espanto, a pegou pelo braço e a arrastou para fora da sala.

— Me solta, seu grosso! — ela pediu, tentando se soltar. Mas ele só a largou quando estavam já no corredor.

— Nunca mais, entendeu? Nunca mais entre aqui ou toque nesse assunto.

— Por que não? Estava me perguntando mesmo quando é que ia me contar sobre a morte misteriosa da sua primeira esposa.

— Isso não te diz respeito!

— Como não? Você passa os dias trancado nesta sala conversando com um fantasma, consumindo-se em bebida e destruindo a própria vida. — Katherine calou-se ao perceber o que estava fazendo. Estava mesmo criticando Kieran? E com que intuito? O que lhe interessava como ele passava seus dias?

— Preocupada, milady? Pensei que não se importasse.

— E não me importo! Pode ficar aqui na campainha de um fantasma, somente uma morta para te aturar mesmo! — ela dardejou e deu-lhe as costas, afastando-se impetuosamente.

Quando é que pararia de perder tempo com aquele imbecil? Ele que morresse de tanto beber e fosse fazer companhia a Lili, pensou com raiva. Saiu do castelo pisando firme, o ar fresco das montanhas apaziguando seu humor.

No caminho de volta da vila, já no fim da tarde, o vento tinha aumentado e as nuvens carregadas cobriam o céu cinzento. Ela apertou o passo, segurando a capa contra o corpo. De repente sentiu como se alguém a estivesse observando. Olhou para os lados e nada viu. Mas então ouviu passos atrás de si e virou-se. Para sua surpresa, Alec surgiu por entre as brumas.

— Sir Alec!

— Olá, milady. — Ele sorriu e Katherine sentiu um arrepio. Era impressão sua ou tinha algo de maldoso naquele sorriso?

— Há quanto tempo está me seguindo? — perguntou desconfiada.

— Não estou te seguindo, Katherine. — Ele usou seu primeiro nome e ela se sentiu mal.

— O que faz aqui então?

— Essas estradas são públicas. Apenas nos cruzamos acidentalmente. — Ele estreitou o olhar. — Não me diga que Kieran andou falando mal de mim para senhora.

— Por que falaria do senhor?

— Kieran me odeia e gosta de espalhar inverdades sobre minha pessoa. Ele falava mal de mim para lady Liliana.

— Por que faria isso?

— Por que Lili confiava em mim e ele não queria mais que ela me visse.

— Se confiava no senhor, por que fugiu para se casar com Kieran? Não faz sentido.

— Ele a seduziu. A roubou apenas para fazê-la infeliz.

— Ela deveria gostar dele — Katherine insistiu. Não sabia por que defendia os sentimentos de Lili por Kieran. Mas por qual motivo ela casaria com ele? Com o noivo viajando para terras tão distantes, ela poderia ter se apaixonado por outro homem, não poderia?

E o que teria acontecido para o casamento ter dado tão errado? Será que Lili se arrependera de ter trocado Cameron por Kieran e de repente quis abandoná-lo e era tarde? Será por isso que Kieran enlouquecera de ciúme como dizia Alec?

— Sim, deve ter amado. Mas não foi o suficiente para ele, que a maltratou e trancou na torre sem a menor piedade.

— E se Lili deu motivos para ele se sentir enciumado? — Sim, todos citavam Liliana como uma santa, mas ela trocara o noivo por seu melhor amigo. Sinceramente isso não era um comportamento muito aceitável.

Katherine viu os olhos de Alec brilharem ameaçadores e ele deixar a postura despreocupada.

— Por que defende Kieran, milady?

— Não o estou defendendo. Eu o odeio. Estou apenas tentando entender.

— A milady já sabe dos fatos. Kieran MacAlister é um homem rude e brutal, que se casou com Lili apenas para lhe fazer mal. A roubou do próprio amigo. Tinha um ciúme doentio, o que a fez se afastar de todos, inclusive de mim. Milady diz que não o defende, mas vejo em seu olhar que procura motivos para inocentá-lo.

— O senhor está errado. Como disse, quero apenas entender a verdade — Katherine insistiu. Era claro que não estava defendendo Kieran, queria apenas saber a verdade por trás das lendas macabras que cercavam aquele castelo.

— Acredite em mim, milady, Kieran MacAlister é um tirano sem alma e que um dia irá pagar pelos seus pecados — Alec falou com um ódio tão grande no olhar que assustou Katherine.

— O que o senhor fará contra ele? — perguntou de repente. Alec a surpreendeu, voltando a atitude descontraída de antes, e Katherine pensou ter imaginado seu ódio.

— Não irei fazer nada, milady, quem sou eu?

— E Cameron?

— Cameron odeia Kieran. Ainda mais agora que ele voltou a se casar como se nada tivesse acontecido.

— Eu preciso ir — Katherine murmurou.

— Eu a acompanharei.

— Melhor não.

— Claro, não quero te trazer problemas. Mas gostaria que me tratasse como um amigo. Gosto da milady e quero ser seu amigo, como fui de Lili um dia. E Moira também deseja o mesmo.

Katherine apenas o encarou e meneou a cabeça, afastando-se o mais rápido possível. Poderia confiar nas palavras de Alec? E Moira? Kieran dissera que ela era uma feiticeira. Será mesmo que ela era uma bruxa? Ou era uma invenção de Kieran?

E qual será a verdade por trás da tragédia de Lili? Quem tinha sido ela afinal e o que a levara àquele triste fim?


Katherine chegou ao castelo e viu Brenda retirando água do poço.

— Onde está Kieran?

— Saiu, milady — respondeu circunspecta. Katherine sabia que nem adiantava perguntar para onde.

— Obrigada.

Ela se afastou da criada e foi em direção à sala do quadro, aproveitando que Kieran não se encontrava no castelo. Parou em frente ao retrato de Lili, pensativa.

— Quem é você, Lili? — sussurrou para a figura etérea no quadro.

Será que era isso que Kieran fazia ali? Conversava com o retrato como se fosse criar vida e responder? Ou será que pensava nos momentos que tinha passado com ela? Katherine, de repente, sentiu-se mal com esse pensamento. Sacudiu a cabeça, desolada e fitou de novo a verdadeira dona daquele lugar.

Sim, Katherine sentia como se a presença de Lili ainda estivesse ali, em todos os lugares. E, sem querer, sentiu uma ponta de ressentimento dessa estranha que habitara ali antes dela e que ainda permanecia a atormentar a todos. Era como um poder invisível a enredá-los numa teia de mistérios. Katherine olhou em seus olhos, tentando decifrar o enigma que ela representava. O que faria agora? De súbito foi acometida por uma vontade louca de virar a mesa. Estava cansada de ser acuada. Era a senhora do castelo, não era?

— Milady? — Um criado apareceu na porta. — Brenda a está chamando.

— Diga a ela que já vou — falou, distraída. Então teve uma ideia e chamou o criado de volta. — Hian, venha até aqui.

— Milady... — Ele hesitou.

— Não seja idiota. Entre aqui. Preciso que faça uma coisa para mim.


***


Kieran desmontou do cavalo e entrou no castelo. Precisava urgentemente de uma bebida. Estava irritado. Tinha recebido uma notícia que não lhe agradara nem um pouco. Também o que esperava? Callum com certeza saíra dali direto para Londres para contar a Edward sobre seu casamento com a dama inglesa.

Kieran quase se esquecera de que havia ficado implícito que estaria disposto a prestar ajuda ao rei da Inglaterra caso lhe arranjasse uma esposa. Ele nunca deveria ter recebido Edward e muito menos menosprezado os arranjos manipuladores do monarca. Agora, por causa da lady inglesa que o havia atormentado a ponto de fazer algo que jurara nunca mais fazer, estava em débito com o soberano inglês. E todos os clãs estavam de olho em sua próxima ação. Inferno!

Caminhou, resoluto, para a sala de Lili. Foi algo instintivo. Buscava paz. Embora depois que a inglesa impertinente tivesse aparecido, paz fosse algo raro para ele, mesmo ali, onde sempre se sentia bem. Com Lili.

Ele entrou na sala e então parou bruscamente. Mas o que era aquilo? O quadro de Lili havia sumido.


Treze


Fogo e Fúria

 

Totalmente enfurecido Kieran rumou para o salão.

— Brenda! — gritou pelos corredores.

Não precisou esperar a criada aparecer, pois ao adentrar no salão ele o viu. O quadro de Lili estava pendurado na parede oposta.

Ficou ali parado. A raiva o consumindo.

— Ah, então você já viu? — Brenda adentrou na sala.

— Quem fez isso? — questionou com os dentes serrados. Mas não precisou ouvir a criada responder. Ele já sabia a resposta.

— Lady Katherine, quem mais? Eu falei a ela que estava brincando com fogo, mas ela não quis ouvir — continuou a criada, porém Kieran não estava mais ouvindo. Precisava achar a inglesa insolente. Agora ela tinha passado dos limites.


— Milady precisa de mais alguma coisa? — perguntou Jessie solícita, após acabar de encher a banheira.

— Não, pode ir — Katherine respondeu, distraída.

A criada fez uma mesura e se afastou, fechando a porta atrás de si.

Katherine entrou na banheira e relaxou. Pensou novamente se tinha feito a coisa certa ao trocar o quadro de Lili de lugar. Com certeza quando Kieran voltasse e visse o que ela tinha feito ficaria furioso. Mas não se importava.

Ria secretamente de sua pequena rebeldia quando de repente ouviu passos apressados no corredor. No instante seguinte a porta se abriu com um estrondo e Kieran irrompeu no quarto, encarando-a enfurecido.

No primeiro momento Katherine ficou paralisada de susto, no seguinte se deu conta de onde estava e de como estava e ficou vermelha de raiva e vergonha.

— O que... Saia já daqui... Como ousa... Ah... — Katherine não conseguiu terminar a sentença, pois Kieran, com poucas passadas, aproximou-se da banheira e, sem aviso, agarrou seus ombros com punhos de ferro e a fez se levantar. Katherine ficou por um instante sem fala. Ele a encarava com ódio.

— O que pretende? — sibilou baixo. Katherine podia sentir a fúria mal contida em cada sílaba.

— Oras, seu... Solte-me! Como ousa invadir minha privacidade...

— Este castelo é meu, milady, e eu entro aonde eu quiser.

— Mas este é o meu quarto e eu quero você fora daqui!

— Não sem antes me explicar o que pretende.

Katherine se debateu, tentando se soltar, mas ele era mais forte e estava totalmente enfurecido.

— Me solta... seu grosso! — ela gritava tentando se soltar, mas era inútil. Ele a segurou ainda com mais força, obrigando-a a encará-lo.

— A senhora está no meu castelo, portanto tudo aqui me pertence. Não pode me expulsar dos meus próprios domínios!

— O senhor é um homem odioso! — sussurrou sem forças, desistindo de lutar. Sabia que não iria tirá-lo dali. Respirando fundo, ela o encarou. Era briga que ele queria? Pois bem, não iria recuar. Levantou o queixo, com toda a dignidade que conseguiu reunir, levando em conta a situação em que estava. — Está bem, já que invadiu o meu banho, diga logo o quer de mim?

Katherine percebeu na mesma hora o sentido dúbio de suas palavras. E, pelo olhar de Kieran, ele também notou. De repente ela se deu conta, mais do que nunca, de que estava totalmente nua. Vulnerável. Com a água escorrendo por seu corpo. Os dedos que seguravam seus braços queimaram como brasa e sentiu o coração acelerar, não mais de fúria e sim de um sentimento mais básico, mais profundo. Os olhos dele desceram por sua pele despida, como se só agora percebesse como ela estava, e Katherine sentiu seu corpo queimar com aquele olhar. Seria tão fácil se deixar levar por aquela doce insanidade... sentia o corpo fraco, quente. O ar tornou-se rarefeito e difícil de respirar. Encarou aqueles olhos de fogo e se sentiu engolfada nas profundezas escuras. Mas o brilho selvagem em seu olhar foi logo substituído pelo ódio.

— O que pretende, milady? Me provocar? Me enfurecer? — Ele a sacudiu e Katherine sentiu raiva de si mesma e dele. Encarou-o com a mesma fúria. Sabia do que estava falando. Ele já tinha visto o quadro. Mas fez cara de inocente.

— Não sei do que está falando...

— Claro que sabe! Quem mandou tocar no quadro de Lili? O que pretendia mudando-o de lugar?

— Ah, isso! Ora, eu só queria ajudar. Já que passava muito tempo naquela sala com o quadro, deduzi que não podia viver sem ele. Então resolvi mudá-lo para o salão. Assim, poderá vê-lo sempre que quiser — Katherine respondeu com o olhar dardejante.

— O que estava pensando? Enlouqueceu?

— Quem é maluco é você! Que é apaixonado por um quadro! O senhor é ridículo! Sabia que ficaria assim, todo nervosinho, quando mexesse naquela porcaria de quadro.

— Cale-se!

— Então me solta!

— Você não quer que eu a solte. Você está me provocando, não é? Não era o que queria? Me enfurecer? — ele rosnou baixo e Katherine sentiu as palavras adentrando em sua mente como uma carícia e lutou contra a onda de desejo profano que a tomou de assalto.

— Claro que não, seu...

— O que foi? Acabou seu dicionário de insultos, milady?

— Eu odeio você!

— Então é recíproco!

— Solte-me — ela pediu num fio de voz, sentindo as forças se esvaírem. Sentiu os dedos em seus braços se afrouxando, as lágrimas queimavam seus olhos. — Por favor... — implorou num sussurro.

— Por favor, o que, lady Katherine? Está me deixando louco. Diz que me odeia, mas o que vejo em seu olhar me confunde e me atrai — ele falava como se para si mesmo.

Katherine fechou os olhos, como se assim pudesse se livrar do fascínio proibido que aquelas palavras invocavam em seu âmago. Lutou contra a languidez que a dominava por inteiro e, abrindo os olhos, cravou-os nele com todo o ódio que foi capaz de invocar.

— Solte-me, senhor!

— Não pense que se livrará de mim, milady. Me provoca com estes olhos que pedem que eu a toque...

— Isso não é verdade! Como posso querer se tocada por um homem como o senhor? Um escocês bêbado, que conversa com uma morta... — Katherine percebeu no mesmo instante que tinha ido longe demais. Ele a encarou com ódio supremo. As mãos voltaram a apertar sua carne e ela teve medo. Ele iria agredi-la. Iria fazer o mesmo que fez com lady Lili.

Por alguns momentos se encararam, um silêncio tenso dominava o recinto, apenas quebrado pelos sons de suas respirações.

— Me desculpe, eu... — Katherine gaguejou temerosa. Querendo que ele a soltasse e a deixasse sozinha. Mas em vez disso ela viu seu olhar se tornar turvo de uma angústia profunda. E sem aviso, a segurou pela nuca e a beijou.

Katherine arquejou de susto e desejo. Kieran a beijava com ímpeto, com fúria e ela sentiu o corpo tomado por arrepios de prazer e deixou de pensar racionalmente. Naquele momento só existia aquele homem que a beijava com paixão e as sensações desenfreadas que ele a fazia sentir.

Kieran descolou a boca da sua apenas para lançar beijos quentes por todo seu rosto, descendo por seu pescoço. Katherine serrou as pálpebras, perdida, a cabeça girava, murmúrios de prazer escapavam de sua garganta. Ele descia por seu colo, esfregando os lábios suavemente em sua pele. Sentiu os seios intumescerem antes mesmo de ele tocá-los com seus lábios de fogo, e arquejou sem ar. A boca torturava seu mamilo sensível, levando ondas de prazer por todo o corpo. Sentia-se mergulhada num redemoinho de sensações desenfreadas, a barba por fazer arranhava a pele sensível, a língua úmida eriçava os mamilos.

Trêmula, deixou-se ficar ali, parada, a água escorrendo por seu corpo, a boca de Kieran em seus seios, o corpo inteiro tomado por uma estranha excitação vibrante, que ela nunca imaginou sentir. Era desejo em estado bruto. A boca masculina desceu um pouco mais, tocou seu estômago, o ventre plano. Katherine tremeu e sentiu que iria cair se ele não a segurasse firmemente.

De repente ele levantou-se e tomou novamente sua boca, a língua invadindo o interior macio, explorando, pedindo, incitando. E ela correspondeu ao pedido mudo, enroscando a língua na dele, numa dança sensual. Ela ouviu seu gemer rouco e, sem aviso, a pegou no colo e a depositou na cama.

Naquele instante Katherine teve um vislumbre se sanidade. O que estava fazendo? Que loucura era aquela que lhe roubava a razão e a fazia sentir-se trêmula de desejo? Sentia-se à beira de um precipício, no olho de um furacão.

Abriu os olhos ao perceber que estava sozinha na cama apenas para vê-lo se despir e sentiu-se corar de vergonha. Dando-se conta de sua própria nudez, puxou o lençol sobre si. Porém Kieran ajoelhou-se a sua frente, todo músculo e força, e Katherine arfou entre excitada e medrosa. Ele prendeu os olhos nos dela.

— Não pense que deixarei você escapar desta vez, milady — sussurrou. E Katherine sentiu-se derretendo, incapaz de desgrudar os olhos do rosto que a encarava com um desejo indisfarçável.

Kieran fitou aqueles olhos azuis que o atormentavam e o excitavam. Não havia mais volta. Não havia mais saída para eles, a não ser consumirem-se no desejo que ardia em ambos desde o momento que se conheceram. Era mais forte que a razão, mais forte que qualquer acordo. Era apenas desejo puro e simples. Um fogo que ardia em seu olhar e refletia nele. Queria marcá-la como dele. Era um instinto primitivo, básico. Queria saciar sua fome em seu corpo perfeito. Ela o enfurecia. O excitava. E seria dele. Nem que essa fosse a última coisa que fizesse na vida. Valeria a pena morrer para possuir a doçura intocada de lady Katherine.

Sentindo um prazer mundano ao ver que ela não recuava, Kieran puxou, lentamente, o lençol que a cobria, desnudando o corpo de curvas sinuosas que o atormentava há meses.

Katherine se sentia derreter, prisioneira daquele olhar de fogo. O lençol escorregou lentamente por seu corpo, roçou em seus mamilos que se eriçaram com o toque frio do linho, escorregou por sua cintura e de repente ela se sentiu temerosa de revelar seu último segredo e ele deve ter percebido, pois puxou o lençol de uma vez, desnudando-a completamente.

Katherine, num impulso, cobriu o sexo com a mão. Porém ele cobriu o corpo dela com o dele, pegou suas mãos e as elevou acima de sua cabeça, beijando seus lábios até ela se ver completamente perdida. Sentia o atrito entre os corpos, suas curvas delicadas em contraste com a dureza do corpo masculino. As mãos fortes passeavam pela pele em brasa. Trêmula, fraca, perdida num desejo sufocante, quente, arrasador. Fechou os olhos enquanto as mãos dele desceram até as coxas nuas, acariciando a pele macia, obrigando-a a abrir as pernas. E quando a tocou intimamente, ela arregalou os olhos e entreabriu os lábios, tomada de surpresa e, ao mesmo tempo, ansiando por mais. Não sabia aonde tudo aquilo iria os levar, mas queria desesperadamente saber.

Então, ele posicionou-se entre suas pernas e a penetrou de uma só estocada. Katherine gritou, congelada de uma dor lacerante. Cravou a unha em suas costas, sentindo lágrimas quentes jorrarem de seus olhos.

Kieran ficou dentro dela, quieto, e Katherine pensou se já tinha acabado, por que não se afastava e a deixava sozinha com sua dor e humilhação? Mas não, ele apenas a beijou lentamente, afastando seus cabelos do rosto afogueado com uma delicadeza que ela não o julgara capaz e a dor foi diminuindo e dando lugar a uma urgência fremente. Ele moveu-se dentro dela com ímpeto, arrastando-a num mar de delírio, até reinar apenas o clímax inesperado e avassalador. Katherine sentiu-se desintegrar em mil pedaços.

Ela voltou a terra lentamente. Kieran afastou-se, mas ela não ousava abrir os olhos. Agora que a paixão tinha se apagado, sentia-se vazia por dentro. Tinha entregado a ele seu corpo, mas jamais poderia entregar seu coração. Ele era um homem proibido. Um homem que vivia a sombra de um fantasma. Um homem que amava uma mulher morta.

Katherine sentiu o primeiro soluço a sacudindo e não conseguiu conter o pranto. Ouviu quando ele saiu da cama, mas continuou com os olhos fechados, derramando mais lágrimas do que chorara em toda sua vida. Chorava por seus sonhos perdidos, pela vida amarga que tinha sido obrigada a viver. E, sobretudo, chorava por ter sido tão fraca a ponto de não poder resistir ao senhor do castelo que, por obra de um destino cruel, era seu marido perante todas as leis.

— Pare de chorar, milady. — Ela o ouviu falar duramente, e só então percebeu que ele ainda permanecia ali.

Abriu os olhos lentamente e focalizou a figura de Kieran, sombria, perto da janela. A noite caía e a escuridão tomava conta do quarto. Ele estava totalmente vestido e Katherine se sentiu exposta, nua. Puxou o lençol para cobrir seu corpo, obrigando-se a parar de chorar. Mas não porque ele pedira, mas por estar cansada de se humilhar na frente daquele homem. Já se humilhara por uma vida inteira hoje, pensou. Foi acometida de novo pela enormidade do erro que tinha cometido. Respirou fundo várias vezes e finalmente conseguiu fitá-lo.

— Saia do meu quarto — ordenou com frieza. Ele a encarou e, por alguns instantes, Katherine achou ter visto uma centelha de angústia em seu olhar, logo suplantada pela frieza habitual.

— Não me venha com falsos pudores, milady. Acho que agora é um pouco tarde, não?

Katherine sentiu a fúria dominá-la ao ouvir tais palavras.

— Não pedi para o senhor me obrigar...

— Obrigar?! Está dizendo que eu a obriguei a se entregar a mim? Está querendo enganar a quem, Katherine?

— Pense como quiser. Eu não me importo. Agora, por favor, saia do meu quarto e me deixe sozinha.

Ele a fitou por alguns instantes, como se analisando se deveria atendê-la ou não. Por fim, ele se dirigiu à porta e Katherine ficou aliviada.

— Sim, eu sairei. Se pretende passar-se por vítima, faça como quiser. Sim, expulsa-me de seu quarto, de sua cama, que é minha por direito, e sabe disso. Engane-se o quanto quiser, mas nós sabemos o que aconteceu aqui.

Ele saiu do quarto batendo a porta e Katherine atirou-se sobre os travesseiros, sentindo de novo as lágrimas vindo em seus olhos. Mas recusou-se a chorar. Nunca mais iria chorar por Kieran MacAlister.

— Meu Deus, o que foi que eu fiz? — Sussurrou para si mesma. Tinha feito amor com Kieran. E, contrariando tudo o que tinha dito a ele para expulsá-lo de seu quarto, havia apreciado cada minuto. Sentiu uma dor tão grande por dentro que fez seu coração falhar uma batida porque, no fundo, o que ela mais temia estava muito próximo de acontecer.

Ela tinha medo de estar se apaixonando por Kieran MacAlister.


Quatorze


Cavaleiros, Reis e Espadas

 

Katherine aprumou a coluna ao descer as escadarias do castelo na manhã seguinte. Esperava que as olheiras da noite mal dormida não a denunciassem na frente dos criados.

Rumou para o salão, desejando que “ele” não estivesse ali. Mas seus temores se revelaram infundados quando adentrou no salão vazio. Pelo menos não teria que encará-lo tão cedo. Mas sabia que não podia se esconder para sempre.

Infelizmente, pensou com desgosto.

— Bom dia, milady. — Brenda adentrou no salão a encarando com aqueles olhos de ave de rapina, como se soubesse de tudo o que se passava dentro dela.

— Bom dia, Brenda — respondeu, séria, sentando à mesa. Porém, quando levantou os olhos viu o quadro de Lili e sentiu um calafrio subindo pela espinha.

Tinha sido uma ideia idiota. O que começara com um ato de rebeldia, acabara virando um ato de insanidade. Ao trocar o quadro de Lili de lugar tinha enfurecido Kieran e a fúria dele os levara para um caminho sem volta.

De repente todos os tipos de lembranças indesejadas invadiram sua mente, as mãos dele passeando por seu corpo, a boca devorando a sua, o hálito quente eu sua pele... Fechou os olhos como se assim pudesse obstruir os pensamentos.

Era impróprio.

Era insano.

Tinha que esquecer. Lembrar-se do que acontecera só a fazia ter mais raiva de si mesma por ter sido tão fraca. Mas nunca mais se repetiria. Se ele pensava que iria dobrá-la a sua vontade estava muito enganado.

— Não irá comer, milady?

Katherine voltou à realidade com a voz soturna de Brenda que a observava estranhamente.

— Não, não estou com fome. — Ela levantou-se.

— Aonde vai, milady?

— Vou dar uma volta.

— Kieran não vai gostar...

Katherine virou-se enfurecida.

— Pouco me importa o que pensa o seu senhor! — gritou.

Brenda apenas levantou as sobrancelhas.

— Como queira “senhora” — a mulher respondeu de forma irônica e se afastou.

Katherine andou sem rumo e quando percebeu estava à beira do precipício. Respirou o ar puro da montanha, fechou os olhos. Ansiava que o vento em seu rosto, em seus cabelos, levasse para longe a dor. Sentindo-se tão vazia, tão sozinha.

Sentiu falta de seu querido amigo Harry. Ele era seu confidente, seu companheiro. Seu único amigo. E ali, naquele lugar esquecido por Deus, ela não tinha ninguém.

— Bom dia, milady.

Katherine arregalou os olhos de susto ao ouvir a voz de Alec, virou-se bruscamente e tarde demais percebeu que ele estava mais perto do que imaginara e perdeu o equilibrou. Mas Alec a segurou.

— Cuidado, milady. Ou pode cair e se esfacelar contra as rochas — ele falou sorrindo, causando uma sensação estranha de medo em Katherine que, imediatamente, se soltou de suas mãos.

— O senhor me assustou.

— Me desculpe, não era minha intenção.

Katherine se sentiu mal em sua presença e decidiu se afastar.

— Eu preciso ir... — Tentou passar, mas ele puxou seu braço.

— Eu preciso conversar com você, Katherine — falou com urgência.

— Solte-me, sir — Katherine ordenou. Porém ele não a soltou.

— Você tem que confiar em mim! — insistiu. — Está correndo perigo nesse castelo...

— O que quer dizer?

— Não gostaria que tivesse o mesmo fim que Lili.

— Eu não sou Lili.

— Eu sei disso, mas tenho estima pela senhorita e...

— Não deve me dizer essas coisas, aliás, nem deveríamos estar tendo esta conversa. — Puxou o braço bruscamente. — Sei me defender, sir. E por favor, não volte mais aqui! — Ela se afastou, contendo-se para não correr.

Não sabia o que era aquela premonição ruim. Mas sabia que alguma coisa em Alec a deixava apavorada. Ao chegar ao pátio do castelo, Katherine surpreendeu-se ao ver alguns homens desconhecidos. De onde tinham saído?

— Quem são esses homens aí fora? — perguntou à Brenda.

— Cavaleiros.

— Mas o que eles estão fazendo aqui? De onde saíram?

— Kieran os mandou chamar.

— Como?

— Esses homens eram guerreiros da guarda de Kieran, milady. Foram embora a mando de senhor, depois de... você sabe.

— E ele os mandou chamar? Para quê?

— Não se lembra, milady? O rei pediu ajuda a ele para conter os clãs rebeldes.

— Não pensei que ele fosse aceitar!

— Mas aceitou ao que parece.

— Por quê? — Katherine perguntou, como se para si mesma.

— Por que não pergunta diretamente a ele?

Katherine percebeu a expressão sarcástica da criada e levantou o queixo.

— Sim, talvez eu faça isso. Agora me diga se já aprontou tudo para alojá-los.

— Mas...

— Então vá fazer o seu trabalho! E depois temos que ver o cardápio, talvez tenha que mandar alguém à vila. Precisará de ajuda na cozinha, pois terá trabalho extra. Onde estão Davina e Jessie?

— Estão no salão, presumo.

Katherine rumou ao salão com a mente trabalhando rápido, pensando em tudo o que tinha que fazer. Então estacou ao adentrar no recinto e ver Kieran reunido com alguns homens. Eles pararam de falar e olharam em sua direção. Kieran prendeu o olhar nela e Katherine sentiu o coração falhar uma batida e, sem querer, corou. Era raiva, censurou-se mentalmente. Não podia baixar a guarda. Com sua nova resolução, caminhou, altiva, até eles.

— Senhor — ela fez uma graciosa mesura —, não vai me apresentar aos cavaleiros?

Viu os olhos dele brilharem perigosamente. Não sabia atinar se era raiva ou ressentimento. Ou outra coisa. Ele a encarou por alguns instantes, com o semblante indecifrável, e depois pareceu aceitar seu desafio e a apresentou aos cavaleiros.

— Senhores, essa é minha esposa, lady Katherine MacAlister. — Os homens a cumprimentaram e Katherine sentiu-se estranha por ser chamada assim. Censurando-se mentalmente, ela fez uma mesura e passou por eles rumo à escadaria. Não olhou para trás, mas podia sentir os olhares cravados nela.

Naquela noite, Katherine desceu para o salão disposta a desempenhar seu papel de anfitriã. No fundo estava aliviada de ter mais gente naquele lugar lúgubre. Não, o castelo não era mais um lugar lúgubre, graças aos seus esforços, tinha se transformado num lugar habitável, mais que isso, até bonito. Pena que seu humor não refletisse aquela beleza.

Sentou-se à mesa, onde hoje havia outros homens que lhe faziam companhia e Kieran apenas lançou um olhar aguçado em sua direção, o que a fez desviar o rosto e comer em silêncio. Kieran conversava com os homens em gaélico e ela não fazia ideia sobre o que estavam falando. Então, enquanto a refeição prosseguia, ela deixou o olhar distraído vagar pelo salão e, de repente, estacou. O quadro de Lady Lili não estava mais na parede.

— Sente falta de algo? — ouviu a voz sarcástica de Kieran e o encarou.

— O quadro...

— Não lhe interessa saber onde está. Já se intrometeu demais onde não é chamada.

— Ora, seu...

— Não continue se não quer que eu a arraste daqui e mostre o que acho desta sua insolência.

Katherine respirou fundo e se controlou. Podia sentir os olhares de mal disfarçada curiosidade sobre si. Não iria dar um espetáculo. Além do mais, tinha certeza de que Kieran cumpriria com a ameaça.

Com uma nova resolução, ela sorriu com falsa docilidade.

— Como queira, senhor — respondeu virando-se para sair.

— Aonde vai?

— Irei me recolher. Ou tenho que pedir permissão?

Viu o brilho de raiva em seu olhar, mas manteve-se serena. Ele voltou à atenção para o vinho e resmungou algo como “suba”. Katherine levantou o queixo e se afastou por entre as mesas com toda a dignidade que conseguiu reunir. E só quando chegou em seu quarto deu vazão a raiva que estava sentindo. Quem ele pensava que era? Será que agora a iria tratar como uma espécie de prisioneira daquele castelo? Sentia-se uma tola por ter cedido a sua sedução. Com certeza agora Kieran se sentia no direito de mandar em cada um de seus passos.

Tirando o vestido com gestos apressados deitou-se, mas não conseguiu dormir. O que será que tinha acontecido com o quadro? Teria Kieran se livrado dele? Não, ele jamais faria isto. Ou faria? Pensou esperançosa. Mas o que era aquilo? O que lhe interessava o fim daquele quadro? Por que se sentia estranhamente feliz ao pensar que ele não estava mais ali? Fechou os olhos. Não iria mais pensar naquele assunto. O importante era que o malfadado quadro tinha desaparecido.


***


Katherine caminhou feliz, sentindo a brisa da primavera em seu rosto. Tinha ido colher flores e estava se aproximando do castelo. Como vinha acontecendo ultimamente, teve a impressão de estar sendo observada, mas, como sempre, nada via e pensava estar sendo tola. Por duas vezes tinha encontrado Alec, que insistia em ser seu amigo e cada vez parecia mais insistente. Katherine se mantivera firme em não se envolver com o escocês. Não sabia o que era, mas algo nele lhe dava medo. Talvez fossem as acusações de Kieran contra o homem ou a sombra que via no seu olhar por vezes, mas, decididamente, Katherine não gostava de Alec.

Parou e observou ao longe as formas do castelo. Seu lar. Engraçado como conseguia visualizar aquele lugar distante como sua casa. Achara impossível algo assim acontecer quando chegara ali, meses antes. Mesmo com a presença perturbadora de Kieran, sussurrou uma voz dentro de si. Desde aquele jantar eles mal se falavam. Katherine passava seus dias em administrar o castelo e estava feliz com as melhorias que conseguira empenhar. Assim, ela mantivera uma distância segura do Laird.

Porém, Katherine não podia deixar de notar as mudanças sutis em Kieran e no castelo. Agora a fortaleza parecia cheia de vida e movimento. E seu senhor não mais passava os dias a beber trancado no escuro, em vez disso, tomara para si a responsabilidade de treinar os homens que ali se encontravam.

Katherine conversara com alguns deles e, através de suas palavras, descobrira um pouco mais sobre o antigo Kieran. Confirmando a história que Alec lhe contou, ele fora um dos guerreiros mais temidos da Escócia e chegara a lutar ao lado de Robert Bruce. Porém, com a morte de Lili, tinha voltado ao castelo e dispensado sua tropa, mesmo contra vontade dos homens que lhe deviam grande lealdade. E não hesitaram em retornar quando ele pedira. Katherine se perguntava se eles sabiam que Kieran agora estava ao lado do rei da Inglaterra e não mais de Robert Bruce. Bem, isso não tinha nada a ver com ela.

Caminhou até a entrada do castelo e teve sua atenção voltada para uma movimentação no pátio exterior. Curiosa, caminhou até lá. Kieran lutava espada com um dos homens. Katherine observou fascinada aquela luta. E não pôde deixar de notar que ele era um lutador exímio. Não tinha percebido que ficara ali, parada até a luta ter sido encerrada e Kieran se aproximar.

— Apreciando o espetáculo, milady? Achei que este tipo de luta fosse muito violenta para seus nervos delicados.

— Posso ser mulher, mas sei apreciar uma boa luta.

Ele levantou as sobrancelhas.

— E o que é que milady sabe sobre lutas? Sobre guerra? Foi criada numa redoma...

— O senhor não me conhece!

— Não mesmo! — Ele riu e Katherine se enfureceu.

— Achei que lutasse com Robert Bruce... Seus homens sabem que agora deve lealdade ao rei da Inglaterra? — ela perguntou de forma sarcástica.

— Isto não lhe interessa — ele falou entredentes —, mas já que insiste em saber, não devo lealdade alguma ao seu rei.

— Não? Mas pensei que o acordo do casamento falasse justamente sobre isso! Você abaixar a cabeça ao rei Edward, soberano da Inglaterra. Apesar de que não sei o que ele possa querer com um escocês borra-botas como você!

— Se fosse homem a faria engolir essas palavras.

— Por que não tenta? — ela desafiou.

— Está dizendo que vai lutar comigo? — indagou entre incrédulo e divertido.

— Tem medo de ser derrotado por uma mulher?

— Está brincando com fogo.

— Pois eu estou falando sério!

E, para demonstrar o quanto estava falando sério, deixou as flores caírem. Elas se esparramaram levadas pelo vento enquanto Katherine se aproximava do cavaleiro que lutara antes com Kieran. Ela estendeu a mão em sua direção.

— Milady... — o rapaz hesitou, aparvalhado olhando para Kieran. Todos ficaram à espera da decisão do senhor.

— Dê a ela — respondeu por fim.

Katherine pegou a espada fria das mãos do cavaleiro, virou-se e caminhou até o centro. Kieran acompanhou seus movimentos com os olhos crispados. Ela era mesmo maluca. Não, aquilo não era loucura, corrigiu-se. Era orgulho. Um orgulho tolo e suicida. Mas orgulho bravio. A inglesa o estava desafiando.

Kieran a observou. Parada ali o encarando em desafio, a postura ereta, o vestido emaranhando-se entre as pernas, os fios dourados escapando do penteado, parecia tão delicada, como se uma lufada mais forte de vento pudesse derrubá-la. Mas ele sabia que por trás do exterior delicado ela era muito mais forte do que se supunha. Do que ele supusera, pensou amargo. Mas aceitou o desafio em seu olhar e se aproximou.

— Ainda está em tempo de desistir, milady. Não gostaria de machucá-la, mas não hesitarei em fazê-lo.

— Eu também não! — E ela se posicionou para a luta, surpreendentemente segura do que estava fazendo.

O som das espadas se encontrando cortou o ar.

Katherine avançou com fúria e Kieran só levou alguns segundos para se refazer do espanto e se defender. Sim, ela sabia o que estava fazendo. Lutava com uma exímia esgrimista. Ele avançou e ela se defendeu e, mesmo sem querer, ele sorriu. Um sorriso genuíno. Um sorriso que não estampava há muito tempo. Porque aquela pequena inglesa insolente o desafiava. E o trazia à vida.

A luta prosseguiu. Sabia que poderia vencê-la, apesar de sua garra. Mas continuou para ver até onde ela iria. E não colocou toda a força de sua mão, apenas se desviou de seus golpes. Ele pensava quando é que ela iria desistir. Podia ver quanto aquilo lhe custava. Mas, apesar disso, ela prosseguia. Os cabelos haviam se soltado do elaborado penteado e caíam como labaredas de fogo pelas costas esguias. O rosto estava vermelho, a respiração ofegante, ela avançava sobre ele como uma guerreira. Ele era superior em força e habilidade, mas ela era movida pela raiva. E Kieran bem sabia que tal sentimento era um dos mais fortes causadores de guerras. Mesmo assim ele continuou a lutar com a moça que tinha bagunçado com seu raciocínio e que lhe trouxera algo raro depois de tudo que se passara com ele...

Esquecimento.

Kieran se sentia mais vivo do que já se sentira a vida inteira por estar ali, travando uma luta de espadas com a inglesa. Ela se movia a com graça e a destreza de um felino, o rosto vermelho e a pele começando a brilhar de suor pela luta. Então lembrou-se do gosto daquela pele contra sua boca, da textura contra suas mãos... Ele se maldizia por ter perdido o controle, mas Katherine o tirava do sério. Ela o desafiava, o excitava, a ponto de nada mais importar a não ser sentir o corpo delgado sobre o seu. E ele tinha sentido. E provado. As lembranças daquele ato desvairado povoavam sua mente e seu corpo e desde então ele não fora capaz de pensar racionalmente. Ele não a queria, dizia a si mesmo. Era uma lady inglesa insolente, mas ela o atormentava. Sua presença delicada, os olhos desafiantes, a língua ferina, o faziam querer lutar com ela como estava fazendo agora e de muitas outras maneiras. Queria subjugá-la. Queria tirar dela a expressão de ódio e transformar em doce submissão. Mas havia tanta coisa entre eles. Tanta amargura. Era impossível.

Tal pensamento fez crescer sua raiva. E com uma nova força, avançou sobre ela, que não era páreo para sua experiência. E, com um golpe mais preciso, a desarmou e apontou a espada para seu peito. Katherine quedou-se ali, parada a sua frente, ofegante. A postura continuava ereta e a cabeça erguida e Kieran percebeu que a inglesa jamais se deixaria alquebrar. E essa constatação o encheu de um temor até então desconhecido.

— Você se rende, inglesa?

— Nunca — desafiou. E ambos sabiam que ela não estava se referindo apenas àquela luta de espadas. E para seu espanto, ele abaixou a espada.

— Não esperaria outra coisa. — E com estas palavras enigmáticas, ele lhe deu as costas.

Katherine levantou o olhar e só então reparou que todos acompanham com visível interesse a cena que se desenrolava entre o Laird e a jovem dama. E com todo o orgulho que conseguiu reunir, juntou o resto de dignidade que lhe restava e se afastou. Somente quando chegou ao seu quarto se permitiu respirar normalmente.

Que loucura se apossara dela para desafiar Kieran? O que pensava ela? Que iria por acaso conseguir vencê-lo? Claro que não. Mas a raiva que tinha dentro de si era tanta que sentia necessidade de extravasá-la de alguma forma. E agora havia proporcionado um espetáculo para todo o castelo. Com certeza Kieran deveria estar rindo dela naquele instante.

Kieran que fosse para o inferno! Ela não se importava com ele e nem com o que pensava.

De repente foi acometida por uma dor no peito e uma vontade imensa de chorar. Até quando aguentaria aquela vida? Poderia para sempre viver daquele jeito, presa naquele castelo, que não era mais repleto de sombra e escuridão, mas que nem de longe a fazia feliz?

Tinha que ser forte. Havia chegado até ali e sobrevivera, não? Então seguiria em frente e não se abalaria. Mesmo que isso custasse toda a sua felicidade.

No jantar daquela noite, Katherine lutou para se manter serena. Sentia o corpo dolorido da luta e podia perceber os olhares sobre si, não só dos cavaleiros, mas também de Kieran. E o olhar dele era o mais difícil de suportar.

— Está quieta, milady... — Ela ouviu o comentário em tom jocoso saindo da boca de Kieran. Pensou em não responder, mas virou-se para ele e o encarou com frieza.

— Agora teremos que ter conversas sociais, senhor?

Ele riu.

— Luta como um soldado. Onde aprendeu?

Katherine agradeceu aos céus por ter insistido com Harry para aprender a lutar desde criança.

— Com um amigo.

— Um amigo íntimo?

— Sabe que não tive nenhum amigo íntimo! — respondeu, ultrajada.

— Não quis dizer isso.

— Quis, sim. Agora se me der licença. Vou me retirar. — Levantou-se, mas ele a segurou pelo pulso.

— Não, não vai.

— Solte-me.

— Sente-se, Katherine. Preciso comunicar-lhe algo — ele falou de forma estranhamente calma. Ela teve vontade de sair correndo, mas podia sentir a atenção das pessoas presentes e decidiu por sentar-se.

— Satisfeito? Agora o que tem para me comunicar?

— O rei da Inglaterra está vindo para cá — ele falou casualmente, entre um gole e outro de vinho, e Katherine achou ter entendido mal as palavras.

— O quê?

— O rei Edward está a caminho da Escócia.

— O rei Edward? Neste castelo?

— Sim. O rei e seu séquito. Deve ficar feliz, não é milady? De ver seus compatriotas.

Katherine estava estupefata. O que é que Edward estava vindo fazer ali? A não ser que... Ela encarou Kieran.

— Qual o motivo da visita de sua majestade?

Kieran a fitou, sarcástico.

— Provavelmente virá verificar com seus próprios olhos se milady está cumprindo com sua parte no trato.

— Ou você — Katherine devolveu.

— Eu já te falei que Edward não é meu rei. Não lhe devo nada e, se estou disposto a recebê-lo e escutá-lo, é porque estou lhe fazendo um favor e não o contrário.

Katherine se calou, perdida em seus próprios pensamentos. Indagava-se o que significava realmente aquela visita de Edward. Será que ele tinha mesmo mantido sua palavra de ajudar os Beaufort?

Ela tinha feito a sua parte. Casara-se com Kieran MacAlister. E o que o rei veria quando chegasse ali? Um arremedo de casamento, pensou, irônica. E como poderia ser diferente, todos os casamentos na corte não eram feitos nesse molde. Então por que estava sentindo um medo gelado dentro do peito de que alguma coisa poderia sair errada?

Olhou para Kieran disfarçadamente. Queria saber o que se passava por sua cabeça. Com certeza estava tão insatisfeito com aquele arranjo quanto ela. Será que passava pela cabeça dele pedir uma anulação ao rei? Era uma solução, assim se livraria dela.

E se o rei Edward a culpasse pelo fracasso? Sim, pois ele perderia o apoio de Kieran e com certeza retiraria a ajuda a sua família.

— Sente-se bem, milady?

Katherine levantou o olhar e se surpreendeu com o que viu. Era impressão sua ou havia uma preocupação genuína no semblante de Kieran?

— Não, estou fatigada. E o senhor deve saber bem por quê.

— Sim, eu sei. E isso se deve a sua teimosia e orgulho.

— Orgulho é a única coisa que me restou, senhor — respondeu de forma amargurada e lutou contra as lágrimas que lhe teimavam em surgir nos olhos. Ele não desviou o olhar dos dela e era como se buscasse ver em seu âmago. Katherine não conseguia desviar a atenção daquele rosto que atormentava sua vida. Era como se uma linha invisível os conectasse inexoravelmente. Então lutou contra aquela força que fazia que com todo o seu ser buscasse algo que só existia nele. Reunindo todo seu orgulho, conseguiu finalmente desviar o olhar, quebrando aquele encanto inexplicável e levantou-se para fugir dali. Porém, sentiu uma dor cortar seu corpo e teria caído se mãos poderosas não a tivessem segurado.

— É mais teimosa do que pensei, milady — Kieran reclamou e, para seu espanto, a pegou no colo.

— Solte-me! Posso andar sozinha! — Katherine sentia o rosto queimar de vergonha. Mas ele não a soltou, caminhou com ela por entre as mesas do salão e subiu as escadas em direção ao andar superior.

A Katherine não restou alternativa a não ser passar os braços em volta de seu pescoço e rezar para que aquele calor insidioso que começava a se apossar de seu corpo traidor, apesar da dor, a deixasse em paz. Ele abriu a porta de seu quarto e a depositou na cama com extremo cuidado. Por alguns instantes seus olhares se encontraram e se prenderam e Katherine sentiu a tensão mudar e o ar ficar mais denso. Era como se tudo se resumisse a ele e ao desejo insano que tinha de puxá-lo para si e desvendar os segredos da boca masculina. Então se deu conta da loucura de seus pensamentos e, com esforço, desviou o rosto.

— Saia do meu quarto — pediu com a voz mais fria que conseguiu.

Por um instante pensou que Kieran não atenderia seu pedido. Mas, sem uma palavra, ele se afastou fechando a porta atrás de si. E só então Katherine voltou a respirar normalmente. Que espécie de loucura tinha se apossado dela, estaria mesmo querendo que Kieran a beijasse? Ela fechou os olhos como se assim pudesse abstrair aqueles pensamentos indesejados. Mas ela sabia que agora a caixa de pandora fora aberta. E os segredos que guardava até de si mesma estavam ameaçando se revelar. Seu corpo ansiava pelo toque áspero daquelas mãos, sua boca desejava os beijos selvagens. Queria se perder novamente naquela doce inconsciência que a levara a total perda da razão, onde existira apenas prazer intenso, alucinante. Ela queria Kieran. Tanto que chegava a doer. E, agora, o que faria com todo aquele desejo?


Quinze


Rendição


Katherine andou apressada pelos corredores.

Desde que recebera a notícia de que o rei Edward estava a caminho, ela passava os dias a orientar os criados para que tudo estivesse a contento. Afinal, nada poderia sair errado.

Katherine conhecera Edward pessoalmente, mas a visita ao palácio real acontecera quando era muito pequena e o pai ainda era um dos nobres mais influentes da corte. Na mente da menina de nove anos, ele lhe parecera gentil, mas ao mesmo tempo ameaçador. Porém, dez anos se passaram e agora Katherine era uma mulher. Não qualquer mulher, mas a que se casara por decreto real com um escocês das Terras Altas. Um homem que nem sequer sabia que existia até o dia em que soubera que, para ajudar sua família, teria que desposar.

Katherine fechou os olhos, fazendo uma prece silenciosa para que aquele arranjo agradasse ao rei, pois sabia que ele seria implacável caso soubesse que suas ordens não seriam cumpridas. Mas ela cumprira com a sua parte. Ou não? Katherine sentia que bastaria Edward pousar os olhos nela para perceber que tinha algo tremendamente errado. A culpa não era sua, tentava se convencer, mas o medo maior era que Kieran realmente acreditasse no que dissera sobre não dever lealdade a Edward. Ela não queria nem pensar no que o rei faria caso descobrisse que Kieran não iria ajudá-lo. Tinha receio de que Edward a culpasse. Katherine sentia um medo gelado se apossar do seu coração só de pensar nas consequências. Não podia deixar que a ira do rei recaísse sobre sua família. Mas o que podia fazer? Com certeza não seria “ela” a convencer Kieran do que quer que fosse.

— Aonde irá com tanta pressa, milady?

Katherine parou ao ouvir a voz de Brenda.

— Verificar se está tudo pronto. Me parece que o rei pode chegar a qualquer momento.

A moça levantou a sobrancelha.

— Está preocupada?

Katherine percebeu uma certa ironia na pergunta da criada.

— Claro que sim. Não quero que o rei se sinta insultado de forma alguma neste castelo.

— Tem certeza de que é somente isso o que a preocupa?

— Brenda, o que está querendo dizer?

— Estava pensando se o seu rei se enfurecerá com o que encontrar aqui.

— O que sabe sobre isso?

— Não muito. Mas é de conhecimento geral que veio para as Terras Altas desposar Kieran a mando do rei. E que, em troca, ele livraria a sua família da bancarrota.

— Sim, é verdade. E eu cumpri minha parte.

— Mas Kieran cumprirá também?

— Isso é problema dele!

— Eu não teria tanta certeza, milady.

— Por que fala assim? O que tenho eu a ver se ele não vai cumprir sua parte? Eu cumpri a minha!

— Cumpriu mesmo?

— Ora, Brenda, o que quer dizer? Me casei com ele, não me casei?

— Mas vivem vidas separadas.

Katherine sentiu o rosto queimar.

— Acho que isso não é da sua conta.

— Os criados comentam, milady.

— Comentam o quê?

— Que o senhor e a senhora do castelo não se suportam.

— Não é da conta de ninguém!

— Mas pode chegar aos ouvidos do rei...

— E se chegar? O rei mais do que ninguém sabe que este casamento é uma aliança política! Aliás, como são quase todos os casamentos.

— Mas ele ficará satisfeito ao saber que Kieran deseja quebrar o acordo?

— Como assim quebrar o acordo?

— Devolvê-la ao rei.

Katherine sentiu um medo terrível transpassá-la.

— Não é possível...

— Como a senhora mesmo disse, é uma aliança política. Se ele quiser pode muito bem fazer isso.

— Kieran não ousaria!

— Já deve conhecer o senhor deste castelo suficientemente bem para saber do que ele é capaz. Já conhece as histórias, não é? Se alegre, milady, ser devolvida é melhor do que acabar morta nos penhascos.

— Cale-se! Você só diz bobagens!

— Como queira, milady. Mas não diga que não avisei.

A moça ia se afastar, mas Katherine a chamou.

— Brenda?

A criada se virou com aquela expressão de zombaria no olhar.

— Tem certeza de que a intenção de Kieran é mesmo essa?

— Por que não pergunta a ele?

— Sabe que não posso fazer isso. Como você mesma frisou, não temos uma relação de verdade.

— Por que não?

— Porque... porque... Você não entende.

— Realmente não entendo. Falei para a senhora ir embora daqui enquanto era tempo, mas decidiu ficar e enfrentar o perigo. Então acho que deveria enfrentar seu destino de verdade.

— O que eu faço?

— Milady sabe o que tem que ser feito.

— Sei? Sou apenas uma mulher! O que posso contra a vontade dos homens?

— Milady pode usar a arma mais poderosa que temos. — Ela se aproximou com um sorriso quase assustador. — E essa arma está escondida debaixo de sua saia.

Com essas palavras contundentes, a criada deu meia volta e saiu do recinto com seus passos silenciosos.


No jantar daquela noite, Katherine permaneceu quieta. Pensava nas palavras de Brenda. E procurava uma resposta dentro dela para seu dilema.

— Sente-se bem, milady? — Ela levantou o olhar para Kieran. Ele tinha o semblante frio e não era possível saber o que estava pensando. Será mesmo que iria desfazer todo o acordo com o rei? E, se fizesse, como ela ficaria em tudo isso? E, o pior, como ficaria sua família? Ela respirou fundo tentando conter a onda de pânico que ameaçava dominá-la e o encarou novamente.

— Sim, estou bem. Apenas preocupada com a visita real — ela falou, tomando um gole de vinho.

— Não há motivos para preocupação. — Será? Katherine se perguntou. — Talvez devesse se recolher, está branca feito papel. Não vai querer desmaiar na frente do seu amado rei, vai? — ele completou com ironia. E Katherine se irritou, porém guardou a raiva para si. Levantou-se da mesa e saiu sem dizer nada.

Quando chegou aos seus aposentos, a criada já a esperava para ajudá-la a tirar o vestido e colocar a camisola.

— Obrigada, Davina. Pode se retirar.

Mas a moça a encarou como se quisesse dizer algo.

— Algum problema? — Katherine perguntou.

— Estão todos preocupados com a visita do rei da Inglaterra.

— Mas não há motivos.

— Por que ele está se abalando da Inglaterra até aqui, milady?

— Para tratar de assuntos com Kieran.

— É o que todos se perguntam... se tem a ver com a senhora...

— Acho que isso não é da conta de ninguém! — Katherine respondeu, irritada. — Agora pode se retirar.

A moça saiu do quarto com passos rápidos e Katherine deitou-se preocupada.

Até a criadagem estava falando. Saber-se alvo de comentários a irritava demais. Mas o que podia fazer? Se ela mesma achava que os rumores podiam ser verdadeiros. Atordoada por pensamentos conflitantes, adormeceu, apenas para acordar horas depois atormentada por pesadelos. O castelo estava todo em silêncio. Sentindo-se oprimida, jogou as cobertas para o lado e saiu do quarto, andando pelos corredores licenciosos, ela rumou para a sala de Kieran. Lá chegando, encontrou o que procurava. Uma garrafa de whisky pousada sob a mesa. Pegou a taça e depositou o líquido escuro. Ficou olhando para o copo. O que estava fazendo? Iria se embebedar como se isso resolvesse alguma coisa, como se fosse a solução para seus problemas? Num impulso desesperado, jogou o copo contra a lareira.

Ela sabia o que tinha que ser feito. Fechou os olhos e, guiada pelo desespero, subiu as escadas e entrou em seus aposentos, mas em vez de ir para a cama, abriu a porta de comunicação com o quarto de Kieran, que bateu atrás de si com um estrondo, despertando-o.

— Katherine? O que está fazendo aqui? — Ele sentou na cama procurando enxergar através da escuridão.

Ela não respondeu apenas caminhou até a cama e deslizou para cima dele. Sentando em seu colo, levou as mãos ao seu rosto e o beijou. O coração batia descompassado no peito e, em algum recanto de sua mente, ela tinha noção de que podia estar cometendo o maior erro de sua vida. Mas não importava, tomaria as rédeas do destino entre as mãos. Tudo naquele momento se resumia ao poder do desejo que incendiava seu corpo e sua alma, numa necessidade fremente de se entregar às chamas que ardiam dentro dela. De nada adiantava fingir que aquilo significava qualquer coisa menos que não fosse o mais puro desejo. Perdeu-se nas sensações que o contato das bocas provocava. E, quando finalmente os lábios se afastaram, a respiração de ambos era intercortada e os corações batiam no mesmo ritmo alucinado.

Katherine deixou-se prender em seu olhar. Ele a encarava, num misto de desejo e incredulidade, e por alguns instantes esperou. Ele poderia rejeitá-la e Katherine sabia que isso seria o fim. Mas então Kieran a beijou novamente e de sua garganta saiu um suspiro profundo de deleite. Os dedos se infiltraram nos cabelos acobreados, as línguas se entrelaçaram numa dança sensual. As mãos masculinas pousaram em suas pernas sob a longa camisola branca e Katherine estremeceu ao senti-las contra sua pele. O contato da boca se rompeu e ela quedou-se ali, quieta, as respirações se misturando, os olhares presos um no outro, num mudo entendimento. E, sem dizer uma palavra, Katherine ergueu os braços sensualmente e não precisou esperar muito para que ele levasse as mãos a barra da camisola e a puxasse sobre seu corpo, a desnudando por completo. Apenas os cabelos loiros cobriam os seios doloridos de desejo. A boca dele deslizou por seu rosto, com beijos curtos. Katherine jogou a cabeça para trás, oferecendo o pescoço à invasão da língua quente e úmida, as unhas se enterrando nos ombros fortes. As mãos dele a seguraram pela cintura e a guiou para sua ereção pulsante.

Katherine gemeu, perdida, quando sentiu-o penetrá-la e arfou, jogando a cabeça para trás, depois se moveu buscando aliviar aquele misto de dor e anseio, todos os sentidos intoxicados de prazer, sentindo a mente vazia de qualquer pensamento que não fosse a união de seus corpos até reinar apenas a satisfação total, o êxtase delirante que a tirou da terra por instantes sem fim. Ela sentiu-se voltar a terra, devagar, a mente ainda embaralhada, o corpo lânguido. Sentiu as mãos dele que a seguravam firme contra si e seus próprios braços ainda o rodeavam como se nunca mais fosse soltá-lo. Como se ali fosse o seu lugar, pensamento que a assustou e a fez despertar totalmente. Abriu os olhos, levantou a cabeça e foi então que viu.

O quadro de Lili estava firmemente pendurado na parede atrás da cama de Kieran.

Era como se os olhos da outra mulher a lembrassem de que, para ele, ninguém mais existia a não ser ela. E de repente Katherine se deu conta do que estava fazendo e deu um pulo, livrou-se de seus braços e saiu do quarto batendo a porta e se encostando nela, lutando para voltar a respirar. Pôde ouvir quando Kieran levantou da cama e bateu à porta com força.

— Katherine, abra essa porta!

— Me deixa em paz! — gritou, desesperada.

— Eu estava fazendo exatamente isso, até você entrar no meu quarto e... — Katherine colocou as mãos sobre os ouvidos. Não precisava o ouvir falar da besteira que tinha feito. Já era bastante humilhante ela ainda sentir seu corpo pulsando onde ele estivera.

Mas Kieran se calou. Katherine podia ouvir sua respiração. E a tensão era quase palpável. Fechou os olhos, rezando para que a deixasse em paz e esquecesse o que tinha acontecido.

— Tudo bem, Katherine. Vou deixá-la em paz. Por hoje.

Ela soltou a respiração ao ouvir os passos se afastando. Mas voltou a ter medo quando ouviu a porta do corredor se abrir e ele sair. E se fosse entrar pela outra porta? Prendeu o olhar preso à porta, mas os passos se afastaram.

Katherine correu para cama e se cobriu, como se assim pudesse se livrar das lembranças. Tinha enlouquecido de vez. Como tivera coragem de pular em cima de Kieran daquela maneira despudorada? E agora como o encararia novamente? Fechou os olhos, a mente invadida pelas sensações delirantes que somente ele a fazia sentir. Então lembrou-se do quadro. Ele colocara o quadro de Lili no próprio quarto e ela, tola, achando que Kieran tinha se livrado dele.

— Como você é tonta, Katherine — censurou-se. Mas como doera ver aquele quadro ali, pensou, atormentada. Por que se sentia assim? Aquela dor no peito parecia que nunca mais ia passar...


Dezesseis


A visita do Rei

 

Katherine acordou com fortes batidas na porta. Abriu os olhos, desorientada e deu uma boa olhada para a luz solar que entrava no quarto, percebendo que o dia já amanhecera.

Estranhamente, tinha conseguido dormir depois do fiasco do qual fora protagonista na noite passada.

— Lady Katherine! — A criada entrou no quarto esbaforida.

— Jessie, por favor, não grite! — Katherine colocou a mão na cabeça, que começava a doer.

— Milady, o rei está chegando!

Katherine despertou totalmente.

— O quê?

— A comitiva real está se aproximando do castelo.

— Mas não pode ser! — Jogando as cobertas para o lado, levantou-se apavorada. — Não fique parada aí, Jessie, ache um vestido!

Katherine se amaldiçoava por ter dormido até tarde justo no dia da chegada do rei! Vestiu-se rápido, rezando para que estivesse apresentável, e saiu pelos corredores do castelo ditando ordens expressas. E quando chegou ao pátio estava totalmente apavorada.

— Onde está Kieran? — perguntou olhando para os lados. Não era possível que ele tivesse a intenção de fazer uma desfeita ao rei. Mas as pessoas ali presentes apenas se olharam e nada disseram. Katherine começou a suar frio. As carruagens elegantes aproximaram-se e um homem idoso emergiu da primeira delas. Katherine sentiu um arrepio de medo que tratou de disfarçar e fez uma mesura.

— Majestade! Seja bem-vindo à Escócia.

— Como está, lady Katherine? — Edward a cumprimentou. — Devo dizer que ficou uma mulher muito bonita. — Ele a mirou com uma admiração tipicamente masculina e sorriu para alguém atrás de Katherine. — Fiz uma boa escolha, não é mesmo MacAlister?

Katherine virou-se, confusa, para ver Kieran parado a alguns metros de distância. Há quanto tempo ele estava ali? E como ela não o vira? A deixara pensar que estaria sozinha para receber o rei. Seus olhares se encontraram e Katherine não pôde evitar um tremor interno que nada tinha a ver com o dia frio, ou o nervosismo com a presença do rei.

Kieran caminhou até estar ao seu lado e cumprimentou o rei Edward displicentemente.

— Edward! Não achei que aparecesse por essas bandas tão cedo!

— Oras, Kieran, vim ver com meus próprios olhos a minha vitória sobre sua teimosia.

— Talvez seja cedo para cantar vitória...

Katherine gelou, mas não ousou encarar Kieran. Ficou olhando de forma apreensiva para o rei, perguntando-se o que ele diria desta falta de respeito de Kieran. Mas em vez de se zangar, Edward soltou uma sonora gargalhada e o clima se desanuviou. Só então Katherine fitou Kieran.

— Onde estava? — perguntou baixo para que somente ele pudesse ouvir.

— Não perderia a chegada de seu soberano por nada. — Não passou despercebido a Katherine a ironia contida nas palavras. Mas antes que pudesse fazer qualquer observação, ele se afastou, seguido do rei. As pessoas que estavam no pátio se dispersaram em suas atividades e Katherine virou-se para fazer o mesmo, quando uma voz chamou seu nome.

— Katherine? — Voltou-se e viu Harry, parado a poucos metros de distância.

— Harry! — exclamou estupefata e sorrindo, correu de encontro ao amigo e só não o abraçou porque percebeu que estavam em público.

— Não é possível! O que faz aqui?

— Vim na comitiva real.

— Você veio com o rei Edward? Mas... por quê?

Ele ficou sério.

— Para te ver. Estava preocupado, Katherine.

Katherine encarou o velho amigo tão querido. O que dizer a ele? Que sua vida era uma confusão? Reparou nos olhares curiosos das pessoas a volta deles e percebeu que aquela não era a hora de conversarem.

— Estou feliz que esteja aqui. Agora venha, vamos entrar, a refeição já deve estar sendo servida no salão. — Ela seguiu, mas Harry a segurou pelo braço.

— Katherine...

Sabia que ele precisava saber o que se passara com ela desde que chegara às Terras Altas. Mas não podiam falar ali.

— Não podemos conversar aqui, Harry.

O rapaz pareceu que ia insistir, mas se calou e a seguiu para dentro do castelo. Katherine separou-se de Harry no salão, pois sabia que seu lugar era ao lado de Kieran e do rei. Não que o marido fosse se importar para onde ela estava, mas o rei com certeza estranharia.

— Aí está, milady! — o rei a cumprimentou. — Devo parabenizá-la pelas melhorias que proporcionou ao castelo. Parece outro lugar.

Katherine corou de satisfação e sentou-se à mesa.

— Obrigada. Fiz apenas a minha obrigação — falou com humildade.

— É o que digo, não há nada como um cuidado feminino. Ainda mais de uma dama inglesa! Não é mesmo, Kieran?

Katherine encarou Kieran, esperando uma resposta sarcástica.

— Lady Katherine esforçou-se muito para sua chegada — ele falou e ela já ia respirar aliviada, mas ele continuou —, o senhor não imagina o quanto!

Katherine corou até a raiz do cabelo. Claro que não tinha como o rei saber do que Kieran estava falando. Mas ela sabia e isso bastava para enchê-la de vergonha. Conteve-se para não jogar o cálice de vinho na cara de Kieran e fugir dali para o mais longe possível. No lugar disso, levantou a cabeça e sorriu educadamente para o rei.

— Queria que tudo estivesse a contento para vossa Majestade. Claro que não estamos em terras inglesas, mas creio que achará a contento! — ela proferiu as últimas palavras fitando Kieran com uma raiva velada. Porém ele não rebateu.

A conversa girou em torno de amenidades e Katherine perguntava-se quando iriam começar as discussões políticas. Todavia, parecia que o rei estava mais preocupado em se divertir.

Procurou com o olhar pelo salão lotado e viu Harry. Ele sorriu para ela e Katherine se sentiu segura como há muito não se sentia. Queria muito poder conversar com o amigo como antigamente, mas sabia que, no momento, seria impossível. Seu papel de senhora do castelo e anfitriã tinha que ser cumprido à risca.

Quando voltou a atenção à mesa, Kieran a encarava com uma expressão interrogativa e ela baixou o olhar para seu prato.

Logo após o almoço, Kieran e o rei se retiraram para uma conversa particular e Katherine sentiu o coração apertado de angústia. Pensou que seria justo ela participar daquela conversa. Afinal, também era do seu futuro que se tratava. Mas era uma mulher e, como tal, teria que se contentar com o que lhe fosse ordenado.

— Katherine?

Katherine virou-se e viu Harry. Sorriu. Pelo menos agora poderia aproveitar para ficar a sós com o amigo.

— Venha, vamos dar uma volta! — Ela o guiou para fora do castelo. — E então me diga, como veio parar em terras tão distantes? — perguntou sorrindo.

— Estava na corte quando soube que o rei Edward viria para a Escócia. Fiz uma pergunta aqui, outra ali e tive certeza de que ele viria para as Terras Altas. Parece que veio cobrar um acordo com seu marido.

— Sim — Katherine respondeu, lacônica.

— Katherine, o que está acontecendo? — ele perguntou, sério.

Katherine sorriu, tentando soar descontraída.

— Como assim?

— Você sabe do que estou falando. Eu nunca engoli essa história de você ser obrigada a vir para cá se casar com um homem que nem conhecia.

— Mas isso é tão comum, Harry!

— Não para você! Eu a conheço desde que éramos crianças. Sei que não pode estar feliz com isso!

— Quem disse que não estou feliz?

— Você tenta disfarçar. Mas posso ver em seu olhar.

— Harry, precisa entender... Esse acordo, a vida que vivo agora, pode não ser aquela sonhada por mim, mas estou fazendo isso por minha família. Não poderia ser de outra maneira.

— Então eu tenho razão, não é? Você é infeliz!

— Harry... — Katherine tentava fazê-lo entender, mas ele parecia convencido de sua infelicidade.

— Eu sabia que estava fazendo o certo em vir para cá.

— O que quer dizer?

— Você vai embora comigo, Katherine.

Katherine fitou o amigo. Foram muito unidos um dia. A ponto de um saber o que o outro estava pensando. Mas Katherine sabia que as coisas não eram mais as mesmas. Ela não era mais a mesma.

— Harry, não posso ir embora — falou com cuidado.

— Não posso deixá-la aqui! Não entende? Desde que se foi, eu me culpo por não ter feito nada para impedir.

— Mas a culpa não é sua!

— É, sim! Eu deveria a proteger. Mas ainda não é tarde demais. Posso conversar com o rei, posso...

— Não, Harry — Katherine o interrompeu.

— Por que não? Sei que tem medo da ira do rei Edward. Sei que teme que ele não mais ajude sua família, mas quem pode garantir que ele ainda queira esse acordo?

— O que quer dizer?

— Eu ouvi dizer que o seu marido não tem a menor disposição de ajudar Edward.

— Onde ouviu isso?

— É de conhecimento geral que Kieran lutava ao lado de Robert Bruce e William Wallace.

— Mas foi há muito tempo. E o rei sabe disso! — Katherine não podia dizer ao amigo o que tinha feito Kieran voltar ao castelo e deixar as lutas para trás.

— Katherine, por favor. Me permita intervir junto ao rei.

— Não, eu não posso deixá-lo fazer isso. E do que ia adiantar? Eu cumpri com a minha parte do acordo e não me interessa se Kieran não vai cumprir com a dele! — Katherine mentiu.

— Mas Edward pode pensar diferente. Se Kieran não honrar com o compromisso, Edward com certeza não vai gostar nada e a ira recairá sobre seu marido. E temo que sobre você também.

— Eu cumpri minha parte.

— Sim, você cumpriu. Mas Edward pode culpá-la pela derrota. Porém, se eu conversar com ele, garantir que você nada tem a ver com isso, que é contra a decisão de Kieran, talvez ele concorde com a anulação do casamento e sua volta à Inglaterra.

Katherine desviou o olhar para as colinas distantes. O que Harry dizia tinha sentido. Então por que hesitava? Fitou o amigo novamente.

— Acho melhor não tomarmos nenhuma atitude precipitada. Vamos aguardar para saber qual o real motivo da visita de Edward e quais as consequências.

— Mas...

— Por favor, Harry.

— Tudo bem. Vamos aguardar. — Ele sorriu mais descontraído. — Você está muito bonita, mais do que eu conseguia me lembrar.

— E você continua bajulador! — ela brincou.

— Sabe que você é a mulher mais linda que eu já vi — ele falou, subitamente sério, e Katherine sentiu necessidade de mudar de assunto.

— Vamos entrar, ainda tenho muitas coisas a fazer para o banquete de hoje à noite. Não posso decepcionar o rei.

Ele a acompanhou sem nada dizer. Mas Katherine intuía que o assunto não estava terminado. No entanto, sua mente estava repleta de pensamentos conflitantes. A chegada de Harry só servia para deixá-la mais confusa. Se não bastasse a situação de seu relacionamento confuso com Kieran e a chegada do rei, agora ainda teria que se preocupar com as ideias do amigo.

— Eu vou ver os cavalos, vem comigo? — Harry perguntou assim que chegaram à porta do castelo.

— Não, tenho que supervisionar o preparo do jantar. Nos vemos depois!

Eles se separaram. Katherine entrou no castelo e viu Brenda.

— Sabe se Kieran e o rei ainda estão reunidos no castelo?

— Não, eles saíram.

— Para onde?

— Não sei, milady — a mulher respondeu com um sorriso sarcástico e se afastou, deixando Katherine sozinha com seus pensamentos. Estava curiosíssima para saber sobre o assunto tratado entre Kieran e Edward, mas parecia que teria que esperar ele voltar.

No entanto, só voltou a vê-lo novamente no banquete. Ela o encarou em busca de algum indício, mas ele tinha um olhar que nada revelava ao cumprimentá-la, e nada mais.

O jantar transcorreu como um suplício. Katherine podia sentir o olhar de Harry sobre si, mas não ousou olhar em sua direção. Ainda não sabia o que dizer a ele. Ansiara tanto por sua presença, ansiara por ser salva por ele das garras de seu destino. Mas agora que o tinha ali, não sabia se era realmente o que desejava. E isso a confundia.

Mas o mais importante naquele momento era descobrir quais as intenções de Kieran e o que foi conversado entre ele e o rei. Não podia perguntar ali, na frente de todos. Esperaria após o término do jantar.

Cansada de toda aquela tensão, Katherine alegou estar indisposta e subiu para seus aposentos. Não tirou o vestido, esperaria Kieran acordada e não seria apropriado estar de camisola. Tal pensamento a fez lembrar dos acontecimentos da outra noite.

Fechou os olhos com força para afugentar o calor insidioso que a tomou de assalto. Que loucura se apossara dela para praticamente pular em cima dele daquele jeito? Desespero? Sim, não podia negar que estava preocupada com a chegada do rei, mas também, lá no fundo do seu coração, sabia que existia uma parte dela que ansiava por sentir as mesmas sensações da primeira vez que ele a tocara. Suspirou. Tinha que parar de pensar nisso agora. Por hora tinha coisas mais preocupantes em sua mente.

Mas as horas foram passando e nada. Começou a sentir sono e cansaço por esperar, colocou a camisola e foi dormir. Acordou, desorientada, horas depois. A vela que estava ao lado da cama já tinha se apagado e o quarto se encontrava às escuras. Sentiu um arrepio inexplicável e a sensação estranha de que alguém havia estado ali. Sentou-se, perscrutando o ambiente, mas o quarto estava envolto em sombras e a janela aberta. Não se lembrava se a havia fechado ou não. Tentou ouvir o barulho do quarto ao lado. Estava tudo em silêncio. Teve vontade de abrir a porta de comunicação e ver se Kieran estava realmente ali. Mas ficou com medo de ele interpretar errado suas atitudes, depois do que tinha feito na outra noite.

Sem sono, ela caminhou até a janela fitando a noite escura. O vento soprou gelado, bagunçando seus cabelos. Deitou-se novamente, mas o sono não vinha. Cansada de rolar de um lado para outro, jogou as cobertas para o lado e saiu do quarto, desceu as escadas pé ante pé. Talvez devesse procurar alguma bebida para acalmar lhe os nervos. Mas quando adentrou no recinto tomou um susto ao ver Kieran.

Ele estava de costas para ela e fitava a noite escura através da janela aberta. Pensou que não tinha reparado em sua presença e teve vontade de dar meia volta e correr dali, mas ele se virou e a encarou com os olhos sombrios.

— Não sabia que estava aqui...

Kieran permaneceu em silêncio.

— Eu... vou voltar para o quarto... me desculpe... — Ela chegou a se virar para sair, mas ele a chamou.

— O que veio fazer aqui? — perguntou com sua voz profunda e Katherine o encarou novamente.

— Estava sem sono, pensei em... beber algo.

Ele estreitou o olhar.

— Tem trabalhado muito desde que soube da chegada de Edward.

— Está sendo sarcástico.

— Não, estou dizendo a verdade — ele a surpreendeu com a resposta. E Katherine pensou que era a sua oportunidade de perguntar sobre o verdadeiro motivo da presença do rei ali. Caminhou pela sala, ciente do olhar sobre si.

— Na verdade — ela hesitou, mas sabia que não podia recuar e o encarou —, eu precisava conversar com você.

Ele levantou a sobrancelha, mas nada disse, apenas cruzou os braços em frente ao corpo.

Kieran se perguntou se Katherine tinha consciência que sua camisola se encontrava quase que completamente transparente, com as chamas da lareira dançando sobre sua pele branca.

Ele sentiu uma pontada de desejo.

— Por que eu tenho a impressão de que tem algo a ver com o rei? — perguntou por fim. Queria saber o que ela viera fazer ali.

Katherine respirou fundo.

— Sim, é sobre isso mesmo.

Ele caminhou até uma mesa no canto da sala, onde repousava uma garrafa de vinho.

— Então acho que é melhor nos sentarmos.

Katherine hesitou no mesmo lugar por alguns instantes, mas aproximou-se e sentou. Kieran encheu dois cálices de vinho e lhe ofereceu um. Katherine pegou a taça, mas não tinha reparado em como suas mãos estavam trêmulas e derramou a bebida na mão dele e nela mesma. E, para seu total espanto, ele segurou sua mão e lambeu as gotículas vermelhas de sua pele. Ela engoliu em seco e um calor insidioso percorreu-a inteira. Abriu a boca para falar, mas as palavras não saíam. Os lábios dele percorriam agora seu pulso, sorvendo o líquido quente, e ela fechou os olhos, as mãos mais trêmulas do que nunca derramaram ainda mais vinho sobre a camisola branca. Então Kieran a encarou e Katherine sentiu o coração bater mais forte no peito, com o desejo refletido naquele olhar. Ele largou sua mão, mas continuou a encarando intensamente.

Katherine sabia que tinha que falar. Não era para isso que tinha ficado ali? Mas não conseguia formular nenhum pensamento coerente. Sem uma palavra, ele levou sua taça aos lábios e Katherine fez o mesmo, saboreando a bebida. Havia uma tensão quase palpável no ar.

— Você sujou sua camisola — ele quebrou o silêncio por fim. Mas a voz soou aos ouvidos de Katherine quase como uma carícia. E um tremor intenso a tomou novamente e lá se foi mais vinho para cima dela. Desta vez ele apenas pousou sua própria taça na mesa e baixou a cabeça, deslizando os lábios por seu braço sorvendo a bebida vermelha de sua pele.

Katherine sentia-se flutuar num mar de desejo irresistível. A boca masculina deslizava por sua pele, sorvendo o vinho como se fosse uma iguaria rara. Os lábios agora tocavam seu ombro, migraram para o colo, perigosamente perto dos seios sensíveis. De olhos fechados, Katherine não conseguia largar a taça de vinho, que se derramava sobre si como uma cachoeira escarlate. Não soube atinar como ele se movera e, quando deu por si, Kieran estava ajoelhado em frente a ela, erguendo sua camisola, os lábios lambendo as gotículas sobre suas coxas nuas. Katherine arfou. Tremia da cabeça aos pés e a boca que tocava sua pele era como uma tortura. Então ela abriu as pálpebras pesadas para vê-lo erguendo ainda mais sua camisola e observou o próprio sexo se desnudando sob o olhar ávido de Kieran. E, sem nem ao menos pensar no que estava fazendo, derramou o líquido vermelho em si mesma, bem ali, onde ela desejava seu toque mais que tudo. E não preciso esperar muito, pois com um sorriso de satisfação, Kieran abaixou a cabeça e provou o vinho no recanto mais íntimo do seu ser. E quando a língua quente e úmida tocou a junção de suas pernas, ela arqueou o corpo, tomada por um desejo agudo. A taça caiu de sua mão e ela fechou os olhos, jogando a cabeça para trás, gemendo alto, enquanto lábios masculinos a torturavam, saboreando, tocando, instigando. A cabeça girava num turbilhão de emoções desenfreadas, um fogo líquido a deixava trêmula e arquejante.

Podia ouvir o sangue correndo mais rápido nas veias, o coração parecia que ia saltar pela boca, tudo se concentrava no prazer delirante que ele a fazia sentir até seu mundo explodir em mil sensações, a fazendo gritar e estremecer o prazer mais sublime que já sentira.

Sem aviso, as mãos masculinas a puxaram para baixo e Katherine deixou-se levar. Quando deu por si, estavam sobre o tapete macio em frente a lareira.

— Abra os olhos, Katherine. — Ela ouviu a voz firme pedir suavemente e obedeceu.

Sentia as chamas sobre si rivalizando com as labaredas que queimavam dentro dela mesma. O homem à sua frente a encarava com mal disfarçado desejo e, para sua surpresa, ele passou a mesma taça, agora novamente cheia de vinho, para suas mãos. Katherine levou a taça aos lábios secos e o líquido quente desceu por sua garganta, sentindo-se acalmar momentaneamente. Ela o fitou com as pálpebras pesadas, então ele abaixou a cabeça e a beijou. A mão forte a segurava firmemente pela nuca e Katherine sentiu o gosto de vinho misturado com o gosto dele, que era mil vezes mais inebriante do que qualquer bebida. Os lábios se separam para deslizar por seu rosto com beijos curtos, porém abrasadores, as mãos se infiltraram em seus cabelos e ela estremeceu ao sentir a língua em seu pescoço, descendo cada vez mais.

— Você tem gosto de vinho — ele sussurrou com a voz enrouquecida, fazendo com que se arrepiasse.

As mãos masculinas agora abaixavam sua camisola para abrir caminho para os seios túrgidos. O frio da noite a arrepiou ao sentir o seio desnudo, mas durou pouco, pois Kieran a agasalhou com os lábios e Katherine derreteu-se. Não saberia dizer como, mas no momento seguinte estavam deitados sobre o tapete. Kieran a despiu e deitou-se sobre ela, também nu, as peles se tocando, a boca devorando a sua com força.

Katherine abriu os olhos para ver as chamas dançando sobre suas peles nuas. Ele desceu com beijos intoxicantes por sobre seu corpo, a boca rodeou os mamilos róseos, um após o outro. E quando achou que não suportaria mais aquela doce tortura, ele se ajoelhou e a virou de bruços, puxando seus quadris para cima e a possuindo daquele jeito. Katherine gritou, surpresa. Aquilo era inesperado e tão mundano, mas, certamente, muito excitante. Ele mexeu-se dentro dela, as investidas longas e intensas a faziam galgar os níveis mais altos de prazer, cada fibra de seu ser vibrava à espera da explosão que, quando aconteceu, a levou a perder o fôlego, o mundo se desintegrando completamente.

Ela caiu sobre o tapete, ofegando, e Kieran pousou o corpo suado sobre o dela, as mãos retirando seus cabelos do caminho para beijar a pele atrás da orelha de Katherine, que se arrepiou.

— Nunca mais provarei vinho sem lembrar desta noite, milady.

Ela sorriu e, sem nem ao menos sentir, adormeceu, com o doce peso de Kieran MacAlister sobre si e o coração leve.


Dezessete


Saindo das sombras

 

Katherine acordou desorientada. Abriu os olhos e percebeu que estava em sua própria cama. Sentou-se rapidamente e no mesmo instante Davina entrou no quarto.

— Bom dia, milady.

Katherine puxou o lençol sobre si, mas tranquilizou-se ao perceber que estava de camisola. Não se lembrava de ter se vestido e, puxando na memória, muito menos se lembrava de como tinha chegado à cama. Fechou os olhos, a mente invadida por lembranças do que tinha acontecido. Deveria ter adormecido depois, pois não se lembrava de mais nada. Pensar em Kieran vestindo a camisola nela e a trazendo para o quarto a fez corar.

— Nós já iremos preparar seu banho — Jessie e os dois rapazes, Garrett e Hian adentraram no aposento carregando baldes de água fumegante, que se apressaram em colocar na tina para o banho.

— Oh, muito obrigada, Davina. Acho que preciso mesmo de um banho. — Recordou-se da quantidade de vinho que derrubara em si mesma. E como Kieran o tinha tomado diretamente do seu corpo. Corou violentamente com a lembrança. Ainda podia sentir o cheiro de vinho em sua pele. E cheiro de Kieran.

— Não me agradeça, Milady. Foi o senhor que pediu que lhe preparasse um banho.

— Oh... — Katherine corou ainda mais, enquanto a criada a ajudava a entrar na banheira. — Procure um vestido para mim, quero tomar o desjejum com o rei.

— Todos já fizeram a refeição, milady.

— Como assim?

— Já é tarde.

— Por que não me acordou?

— Sir Kieran pediu para não a perturbar.

Katherine sentiu-se desnorteada. Era inquietante pensar que Kieran, que nunca parecera se importar com nada que dizia respeito a ela, tinha de alguma maneira se preocupado com seu bem-estar naquela manhã.

— O rei Edward e seu séquito partiram logo cedo.

— O quê? — Como assim o rei tinha ido embora? — Você quer dizer partiu para sempre? Ou foi apenas visitar algum clã próximo?

— Não faço ideia, milady. Mas me pareceu que todos foram embora.

Katherine se perguntava se Harry também tinha ido. Será que nem tivera tempo de se despedir do amigo? Isso a entristecia sobremaneira.

— E onde está o senhor do castelo? — indagou enquanto saía do banho e a criada a ajudava a se vestir.

Pensar em encontrar Kieran esta manhã depois do que fizeram ontem à noite a deixava ansiosa e temerosa ao mesmo tempo.

— Ele acompanhou o séquito real, milady.

— Alguém sabe aonde foram?

— Não, milady.

Katherine se inquietou. Perguntava-se porque Kieran partiu com o rei com qual intuito.

Ela se vestiu e desceu para o salão, sorrindo ao avistar Harry.

— Harry! Achei que tivesse saído com toda a comitiva.

— Não, pedi ao rei para ficar. Já que seu marido foi junto, achei que seria uma boa oportunidade de passar alguns dias com você.

— Dias?

— Você ainda não sabe? Kieran e o rei foram até algumas propriedades da fronteira.

Katherine franziu o cenho. O que será que isso significava? Que Kieran decidira ficar ao lado do rei? Consequentemente com ela? Se ao menos tivesse perguntado a ele ontem à noite... Mas ela estava ocupada demais com outros assuntos, pensou, vermelha. Esquecera-se completamente de seu objetivo assim que Kieran a tocara.

— Você sabe o que foram fazer lá?

— O rei Edward está sondado os clãs para ver quem ainda está do seu lado porque Robert Bruce está se levantando de novo contra a Inglaterra. Os clãs estão divididos. Você indagou a Sir Kieran sobre a visita do rei, sobre sua posição?

Katherine corou ao pensar que perguntar do rei fora a última coisa que se passara por sua cabeça na noite passada.

— Não, não perguntei. Mas você deve saber de algo.

— Eu não sei, Katherine. Indaguei a alguns cavaleiros, mas parece que esse assunto está sendo tratado apenas entre sir Kieran e o rei.

— Sei...

— Estava te esperando desde de manhã, ia convidá-la para cavalgarmos, mas agora o tempo fechou — o amigo comentou, decepcionado.

Katherine sorriu, visivelmente sem graça.

— Sim, eu adoraria cavalgar com você, mas acho que dormi demais.

— O rei perguntou por você à mesa de desjejum. Kieran disse que não iria descer. Cheguei a me preocupar se estava indisposta.

— Não! estou ótima. Somente estava cansada. Os preparativos para a chegada do rei minaram minhas forças — Katherine desconversou.

— E, então, você pensou no que eu te disse ontem? — Harry baixou a voz, num tom ansioso.

— Harry... — Ela não sabia o que dizer ao amigo.

— Tudo bem. Não quero precipitá-la. Pelo menos agora teremos alguns dias...

— Sim. Fico feliz que tenha permanecido.

Ela acompanhou o amigo, mas sua mente estava longe. Por que Kieran não lhe dissera que viajaria? Indagou-se, mais irritada do que gostaria de supor. Agora ele passaria dias fora. Isso deveria enchê-la de satisfação, não? Então por que sentia um vazio inexplicável por dentro?

Os dias foram passando e Katherine gastava muito tempo com Harry relembrando os velhos tempos. Sentira falta do amigo de infância e adorava sua companhia, mas existia uma parte dela que sentia falta de uma voz profunda, mesmo quando falava com fúria. Sentia falta de um olhar que parecia penetrar-lhe a alma. Sentia falta de sua presença perturbadora que dominava o ambiente.

Katherine estava mais confusa do que nunca. Como podia sentir falta de Kieran? Será que era porque confessara a si mesma que gostava de estar com ele? Que gostava de seus beijos, de suas mãos passeando por seu corpo, de como fazia amor com ela? Quando foi que deixara de odiá-lo? Quando foi que começou a perscrutar o horizonte esperando ansiosa por sua volta? Que passara a temer o futuro sem ele?


***

Kieran observou as planícies das terras escocesas a sua frente com um olhar que lhe era estranho há muito tempo.

Se perguntava se Edward, um soberano astuto e sábio, por vezes brutal, já intuíra seu verdadeiro objetivo. Talvez sim, ou ainda tinha alguma esperança de que Kieran mudasse de ideia, ou que levasse em conta o laço que forjara com a Inglaterra ao aceitar o matrimônio com uma inglesa.

Certamente, ele também contava com o fato de Kieran ter deixado as tropas rebeldes de Robert Bruce há alguns anos. Por todo aquele tempo, após a tragédia de Lili, Kieran quedara-se nas sombras. A culpa e o pesar corrompendo seu espírito, não lhe restando nada a não ser deixar os dias passarem, escuros e melancólicos. Kieran tornou-se a sombra de si mesmo, daquele guerreiro que lutara ardentemente por liberdade e nacionalidade, que se voltara contra o próprio pai para ficar ao lado de Robert Bruce pela glória da Escócia.

Robert lutava por seu direito à coroa escocesa, ainda percorria as planícies, à espreita, com alguns poucos homens, enquanto muitos dos clãs lhe eram contrários, ainda sob o julgo da Inglaterra. Mas ele não desistia. E Edward sabia disso. Assim como Kieran também sabia.

Quando Edward chegara em suas terras há tempos atrás, pedindo seu apoio contra o possível levante rebelde de Robert, Kieran era um homem alquebrado. Não se importava mais com a Escócia ou com o seu próprio destino. Nada mais lhe atraía no mundo exterior além das brumas de sua fortaleza nas Terras Altas.

Mas agora, nessa segunda visita de Edward, algo havia mudado. As brumas que envolviam a fortaleza MacAlister em sombras estavam se dissipando, fazendo com que uma tênue claridade invadisse, pouco a pouco, as paredes do obscuro castelo. Assim como um inesperado sopro de vida ao seu melancólico senhor.

E Kieran não podia mais fugir da inexorável verdade. O ardil de Edward havia se virado contra ele mesmo. O soberano designara a dama inglesa para o sombrio escocês, com o propósito de prendê-lo à Inglaterra, mas fora justamente a petulante inglesa que abrira as janelas do castelo e, por conseguinte, as do seu escuro coração. Fazendo com que a luz entrasse de novo em sua vida, assim como o retorno de sua consciência enquanto highlander.

Quando foi que se dera conta de que a chegada indesejada da dama inglesa havia mudado tudo? Ele, que se julgara morto por dentro, começou a sentir seu coração bater de novo com um desejo crescente, que fizera com que, pouco a pouco, mesmo contra sua vontade, o desalento que lhe era companheiro fosse desaparecendo, dando lugar a sentimentos que julgara esquecidos.

Kieran não se dera conta das sutis mudanças que ela empregara em sua melancólica vida, mas, agora, a verdade era que se sentia vivo de novo. Era um poderoso Highlander de novo. Finalmente ele estava deixando as sombras.

E não era para seguir dobrando os joelhos para a soberania inglesa, como Edward acabaria por descobrir.

— Kieran, você sabe o que está fazendo? — Callum se posicionou ao seu lado na muralha de seu castelo, na fronteira, onde tinham chegado mais cedo.

— Faz tempo que não tenho tanta certeza de algo — Kieran respondeu calmamente. A noite estava caindo. E faltava pouco para ele poder retornar a estrada e voltar finalmente as terras altas.

— Todos esses anos eu desejei ver você agindo assim de novo. E não posso dizer que não estou feliz por isso, mas temo estar desafiando a ira do monarca inglês mais do que seria apropriado.

Kieran esboçou um sorriso irônico. Callum e sua diplomacia estava começando a exasperá-lo.

— Apropriado? Acha apropriado o que a Inglaterra nos fez todos esses anos?

— Então está retornando a luta de novo?

Kieran inquietou-se. Era uma boa pergunta. Não concordar em ser um capacho de Edward não queria dizer que ele estaria pronto a voltar às tropas rebeldes novamente. Muitos anos haviam se passado desde que fora um dos principais guerreiros a seguir Robert e Wallace. O último estava morto, e será que a luta pela liberdade também estaria?

Ele havia recebido notícias de Robert, que chegaram trazidas pelas bocas de seus guerreiros que retornaram. O rei escocês estava se levantando contra a Inglaterra de novo. Era uma questão de tempo para a luta recomeçar.

De repente pensou em Cameron. Nos dias em que eram companheiros em lutas de sangue e bravura. E, como não poderia deixar de ser, seus pensamentos foram para Lili. E, como sempre, pensar nela fazia seu coração querer se encolher e escurecer de novo. Ele se apegara a sua memória para não enlouquecer. Para mantê-la viva em seu coração, como se sua doçura ainda fosse aquela dos anos de sua infância, intocada e pueril. Para esquecer a amargura de seus últimos anos, presa com seus próprios demônios, se corroendo de um culpa que não era só dela. Era dele, Kieran, também. Sobretudo dele. Cameron fazia certo em não o perdoar. Kieran merecia todo aquele ódio e muito mais. Pelo menos fora assim que ele pensara por todos aqueles anos lúgubres de solidão. Porém, agora, seus pensamentos já não eram os mesmos. Pela primeira vez, ele desejava se libertar daquelas lembranças. Se libertar das lembranças de Lili e quem sabe assim, um dia, libertar Cameron do ódio também. Seria possível? Ele não saberia dizer.

— O que devo entender com seu silêncio? — Callum insistiu e Kieran suspirou pesadamente.

— Mantenha-se como sempre foi, Callum, se quiser salvar sua pele — respondeu, observando o movimento de seus homens mais abaixo. Eles já receberam a ordem para aprontarem tudo para partir.

Kieran se perguntava se partiriam sem luta. Ele quase desejava que não. Fazia muito tempo desde que empunhara uma espada numa luta de verdade. Derrubar um pouco de sangue sujo inglês não seria tão ruim.

— Eu não gostaria de ver meu castelo banhado em sangue.

— Nem sempre podemos escolher nossas batalhas. Muito menos um homem que sempre fugiu delas.

— Eu não fugi. Eu escolhi essa vida.

— Sim, escolheu sua dama inglesa. — Kieran lembrava de Callum partindo para se casar com a dama inglesa que vivia na fronteira há muitos anos. Ele ainda era uma criança, mas recordava de muitos membros do clã se revoltarem com Callum.

— Achei que tinha feito o mesmo.

— Eu não a escolhi. Edward a barganhou em troca do meu apoio.

— E o que será dela agora? — Callum indagou com cuidado. — Vai mandá-la de volta à Inglaterra?

Kieran perscrutou a movimentação abaixo novamente. A tensão estava no ar. Os homens de Edward já tinham percebido a manobra dos escoceses. Era chegada a hora.

Kieran tocou a espada em sua cintura.

— Não. Katherine não vai a lugar algum. — E, sem dar mais explicações a Callum, deu meia volta e foi se encontrar com o soberano inglês para a derradeira conversa.

— Senhor, estamos prontos para partir — Logan, um de seus homens que havia ficado muito satisfeito em retornar ao seu posto ao lado de Kieran, comunicou.

— Sim, fiquem a postos.

— MacAlister. — A voz de trovão de Edward se fez ouvir a sua volta, fazendo o silêncio reinar sobre o crepúsculo.

Kieran encarou o monarca.

— Acabei de escutar que seus homens estão se preparando para partir — Edward franziu o cenho —, achei que ficaríamos por aqui dispondo da hospitalidade de Callum por mais alguns dias enquanto decidíamos de quais clãs no aproximaríamos.

— Você pensou muitas coisas, Edward. Certamente, eu não compartilho de seus planos.

— O que está querendo dizer, MacAlister? Você e seus homens nos acompanharam até aqui...

— Eu só o acompanhei para deixá-lo na fronteira com seu país, para onde, acredito, deva retornar o mais breve possível.

— Não retornarei à Inglaterra, sabe muito bem disso. Não com todo esse falatório sobre Robert estar espreitando e juntando homens contra mim novamente.

— Não posso dizer que não escutei o mesmo.

— E é por isso estamos aqui. Um homem como você, que já esteve ao lado do inimigo, será de grande valia para que os outros chefes dos clãs percebam que a Inglaterra ainda é soberana. O chefe do clã MacAlister está do lado da Inglaterra, inclusive desposou uma dama inglesa.

— Percebo que este era seu plano desde o início e não digo que não foi inteligente. De certo, não achei realmente que fosse conseguir uma dama inglesa para seus joguinhos.

— Como deve saber, a família de lady Katherine precisava do meu apoio. Não foi difícil convencê-los.

— Foi astuto de sua parte.

O monarca sorriu.

— Como vê, MacAlister, meus planos estão em andamento, por isso não entendo porque está retornando às Terras Altas.

— Estou retornando às minhas terras porque não estou lhe apoiando em nada, Edward. Está sozinho a partir de agora.

O sorriso do rei desapareceu de seu rosto.

— Não pode fazer isso. Temos um trato.

Kieran deu de ombros.

— Não honro trato com usurpadores ingleses.

Sussurros descrentes se fizeram ouvir dos homens do exército inglês. A tensão aumentou entre escoceses e ingleses, todos a postos para o menor sinal de luta após o highlander ter desafiado o monarca inglês abertamente.

— Não entendo qual o seu jogo, MacAlister — Edward estava percebendo a seriedade da situação finalmente.

— Não há jogo algum. Ou talvez existisse, o seu. E perdeu. Eu não sou e nunca fui aliado da Inglaterra. Somente o acompanhei aqui, porque fui acometido de uma certa benevolência para com sua majestade. Como disse, Robert Bruce está à espreita, sim. E você está com poucos homens, confiando demais em sua soberania, que neste momento, aqui na Escócia, está longe de ser grande.

— O que está querendo dizer, MacAlister?

— Que os homens de Robert Bruce são em número maior do que os que o seguem nesse momento.

— Não vim para a luta.

— Claro. Veio para coagir e dobrar mais alguns joelhos a seu favor. Mas os tempos estão mudando.

— A Escócia já insurgiu antes e eu os derrotei. Tenho a cabeça de Wallace para provar.

— Cortando a cabeça de Wallace você só fez um mártir. E Robert está usando isso a seu favor.

— E o que está acontecendo aqui? Acha que devo deixar você e seus homens retornarem às Terras Altas?

— O que vai fazer, Edward? Já contou quantos homens têm? E quantos eu tenho? Sim, nós acabaríamos com vocês antes que corressem com o rabo entre as pernas para a Inglaterra.

— Então é isso? Vai se juntar a Robert Bruce? E vai dizer a ele que esteve com o rei da Inglaterra, com número superior de homens e o deixou ir sem luta?

— Não pretendo fazer um mártir inglês. Se eu o matar, minha cabeça estará a prêmio. E talvez o rei da Escócia, Robert Bruce, prefira ter essa honra.

— Eu sou o rei da Escócia!

Kieran soltou uma sonora gargalhada.

— Acredite nisso enquanto pode. — Se virou para seus homens. — Preparem-se para partir.

Os ingleses olharam para seu rei, esperando uma ordem. Mas a mesma não veio. Edward era esperto o suficiente para saber quando tinha perdido uma batalha, mesmo sem ter havido uma luta propriamente dita.

— E já que não temos um acordo. Quando Lady Katherine retornará a Inglaterra? — indagou por fim.

Kieran, que já estava com as rédeas de seu cavalo em mãos, pronto para montar, se voltou ao monarca com o semblante esculpido em granito.

— Lady MacAliser não vai deixar as Terras Altas. — E sem dar tempo de o monarca contestar, ele montou e saiu em disparada com seus homens em seu encalço. Sem que nenhum inglês tentasse impedir.

O rei Edward observou o escocês partindo com seus guerreiros com o semblante em fúria.

— O que pretende fazer agora? — Callum indagou ao soberano com cuidado. Sabia que sua situação não era das melhores agora que Kieran desafiara o rei da Inglaterra abertamente.

— É uma pena perder o apoio de MacAlister. Mas existem outros clãs, inclusive mais importantes. Eu só mirei em MacAlister porque ele foi um dos mais proeminentes homens de Robert. Achei que ele tinha desistido da luta, mas me enganei.

— Eu também achei majestade. Kieran... ele se fechou em sua fortaleza após a morte de sua primeira esposa.

— Sim, já me inteirei dessa tragédia. Mas acreditei que ele manteria sua palavra após desposar uma inglesa.

— Todos pensamos. E qual será o destino de lady Katherine. Ela deve permanecer nas Terras Altas?

— O acordo era que Kieran a desposaria em troca de uma aliança com a Inglaterra. E este acordo não foi cumprido, portanto ela deve retornar à Inglaterra imediatamente. Eu anularei este casamento. Quem sabe até arranjarei outro chefe de clã para nossa destemida lady Katherine...


Dezoito


O retorno

 

Katherine estava colhendo flores quando sentiu que alguém a espreitava. Virou-se sorrindo, achando ser Harry, mas deixou as flores que colhera escorregarem de suas mãos ao ver que não era o amigo que a observava e sim Alec.

— O que faz aqui?

O homem sorriu e se aproximou.

— Soube que Kieran viajou.

— Sim, com o rei Edward.

— Eu sei. Pensei que, sem ele por perto, ficaria mais à vontade para conversar comigo.

— Já disse ao senhor que não desejo sua amizade.

— Mas eu preciso conversar com a senhora. Precisa confiar em mim e acreditar quando digo que corre perigo permanecendo na fortaleza MacAlister!

— Chega! Não me interessa o que o senhor tem a dizer! E, a propósito, não apareça mais aqui.

Katherine se afastou rápido e não voltou, mesmo quando Alec chamou. Existia alguma coisa nele que a deixava temerosa.

— Katherine, o que foi?

Ela encontrou com Harry no salão do castelo.

— Nada — disfarçou.

Ele se aproximou com o semblante preocupado.

— Está pálida!

— Não é nada, acho que tomei muito sol. — Sorriu. — E então, o que está achando da Escócia?

Ele riu.

— Muito frio.

— Mas na Inglaterra também é.

— Você já fala como uma Escocesa!

Katherine ficou subitamente séria com o comentário e Harry também. De repente ela notou Brenda a observando.

Katherine não gostou do que viu no olhar da criada, antes de vê-la se afastar em direção a cozinha do castelo.

Ela se virou para o amigo.

— Eu... eu vou até a cozinha. Nos vemos no jantar.

Ela caminhou até a cozinha e Brenda se ocupava em mexer um guisado sobre o fogo.

— Algum problema, Brenda?

— Nenhum por enquanto, mas prevejo em breve.

— O que quer dizer?

— Que todos estão comentando por que a senhora do castelo passa tanto tempo com o cavaleiro inglês.

— Sir Harry é um amigo da Inglaterra.

Brenda levantou a sobrancelha.

— Amigo?

— O que está insinuando, Brenda? — Katherine se irritou.

— Nada, milady. Mas sabe como são os falatórios. Ainda mais quando o Laird está longe.

— Pois trate de dizer aos serviçais que façam seu trabalho e não se intrometam em assuntos que não lhes dizem respeito. Não tolerarei fofocas nesse castelo.

— Não são só os criados, milady. Alguns homens de Kieran também notaram.

— Notaram o quê? Que eu converso com meu amigo?

— Kieran sabe da sua amizade, milady?

— Kieran não está aqui! — Katherine aumentou a voz, irritada.

— Por isso mesmo. Imagina o que seus homens de confiança lhe contarão quando ele voltar... Que a senhora do castelo se esgueira pelos cantos da fortaleza com um cavaleiro inglês, que a olha como se fosse um anjo...

— Ah, cale sua boca!

Brenda não pareceu se perturbar com a bronca da senhora e apenas riu com deboche.

— Tente calar a boca de todos os olhos no castelo, milady...

Katherine se afastou para seus aposentos, incomodada com as palavras de Brenda. Será mesmo que sua amizade com Harry estaria sendo mal interpretada no castelo? Ela ficara tão feliz com a presença do amigo que não atinou para o fato de que as pessoas poderiam tirar conclusões errôneas de sua amizade. Porque ninguém ali no castelo sabia de sua história com Harry.

De repente ela pensou em Kieran. Será mesmo que ele se irritaria com os falatórios sobre ela e Harry? Katherine não sabia se devia se preocupar ou não.

Se essa pergunta lhe fosse feita há um tempo atrás, ela certamente não se importaria com os humores de Kieran. Na verdade, talvez até se regozijasse por irritá-lo um pouco. Mas algo havia mudado inexoravelmente sem que percebesse. Agora, não queria que Kieran ficasse bravo com ela, ainda mais por insinuações errôneas sobre sua relação com o amigo de infância.

Mas onde estava Kieran agora? Muitos dias haviam se passado desde sua partida com a comitiva do rei e ela não fazia ideia de quais suas verdadeiras intenções para com a Inglaterra ou com o acordo de casamento deles. O certo era que Katherine ansiava por sua volta com o coração aflito e o corpo ansioso.

Naquela noite, o jantar transcorreu como nos outros dias. Katherine apreciou a companhia de Harry, mas continuava com a sensação estranha de que faltava algo. Às vezes Harry a fitava como se buscasse saber o que ia em seu íntimo, mas ela permanecia fechada em si mesma. Não podia revelar a Harry o que nem ela entendia.

— Estou cansada, irei dormir. — Ela levantou-se.

— Não quer dar uma volta comigo? — ele perguntou, ansioso.

Katherine pensou nas insinuações de Brenda.

— Não, fica para amanhã. — Declinou, ciente do olhar dos poucos cavaleiros que haviam permanecido no castelo. — Prometo que sairemos para cavalgar até a vila bem cedo.

— Eu vou esperar.

— Pode esperar! — Ela sorriu e se afastou para os próprios aposentos. Os dias estavam mais quentes e as noites continuavam frias, o vento soprava as cortinas das janelas abertas, mas Katherine não as fechou. Sentou-se na janela apreciando a noite escura. Podia ouvir uma gaita de fole ao longe e fechou os olhos, saudosa. Quando foi que sua vida se transformara naquele emaranhado de dúvidas e confusões? Por alguns instantes teve a impressão de que estava de novo em seu quarto na Inglaterra, que tudo era como antes, que seus sonhos ainda eram os mesmos. Mas de nada adiantava se enganar. Nada mais era o mesmo. Ela não era a mesma. Abriu os olhos e sua atenção foi tomada por um movimento nos arbustos mais à frente. Por alguns instantes teve a impressão de que alguém se escondia nas sombras e sentiu um arrepio de medo transpassar a espinha. Temerosa, desceu da janela e a fechou.

Preparou-se para dormir, deitando sob as cobertas, mas não apagou a vela ao lado da cama. As sombras dançavam pelo quarto dando a sensação de desolação profunda. O sono não vinha. Em vez disso, sua mente foi invadida por imagens dela mesma, nua, com as mãos de Kieran passando por seu corpo em chamas. Fechou os olhos com força para se livrar desses pensamentos e teve uma vontade imensa de chorar. Por que, ela não sabia.


Katherine sonhou. E no sonho, mãos percorriam seu corpo com suavidade. Ela sentia-se flutuar em sensações que não ousava nomear. Então abriu os olhos e percebeu que realmente não estava sozinha.

Kieran cobriu sua boca com a mão quando ela gritou assustada e Katherine arregalou os olhos ao reconhecê-lo.

— Você voltou! — balbuciou, trêmula. E por alguns instantes foi como se ele estar ali, em sua cama, fosse a coisa mais natural do mundo. Mas não era, uma parte racional de sua mente se manifestou. A razão logo lhe escapou quando ela percebeu que o escocês estava nu. Que seus corpos se tocavam. E que ele a encarava com paixão.

O coração deu um pulo no peito, o corpo se aqueceu como uma flor ao sol e sua mente encheu-se da névoa crua do desejo. Ele tocou seu rosto com a mão quente e áspera e Katherine fechou os olhos quando os dedos traçaram o contorno de seus lábios que se separaram automaticamente. Abriu os olhos ofegantes para encarar os dele, cheios de um desejo misterioso e envolvente.

— O que está fazendo aqui? — questionou num fio de voz. E ele sorriu.

— Preciso mesmo responder?

— É que... — ela limpou a garganta para tentar falar sob a névoa de desejo que a envolvia — isso é... não entendo... — Katherine tentava pensar racionalmente, mas era muito difícil tal intento. Kieran, em resposta, pegou sua mão trêmula e levou até o próprio peito, fazendo-a sentir as batidas fortes do coração e a pele quente sob seus dedos. Seus olhares se encontraram e se prenderam e todo e qualquer questionamento abandonou sua mente, dando lugar a uma doce constatação de que Kieran estava finalmente ali, ao alcance de suas mãos, depois de uma ausência que doera em seus ossos.

Era assustador, e delirante ao mesmo tempo, pensar que, sem ao menos se dar conta, ela tinha se tornado dependente de sua presença. De sua voz. De seu calor. E de repente ela quis muito abrir a boca e dizer que sentira sua falta. Que estava com medo do amanhã e das incertezas que dominavam aquela união. Mas sua voz não saiu. Em vez disso, ela engoliu em seco e deixou-se levar por seus desejos, deslizando a mão pelo peito de Kieran, descendo sobre o abdome reto até chegar a ereção pulsante que Katherine envolveu com os dedos hesitantes, derretendo com o gemido rouco que ele emitiu antes de beijá-la com força.

Os lábios dele moviam-se sobre os seus com fome, com uma fúria controlada, inflamando seus sentidos e Katherine suspirou, entregue. Já não interessava o que ele estava fazendo ali. O que importava era que finalmente estava. E que ela sentira falta de estar com ele exatamente assim, com o corpo forte cobrindo o seu, os lábios trilhando beijos quentes por seu pescoço, as mãos percorrendo ávidas seu corpo ansioso. E, sem poder esperar mais, abriu as pernas para ele se imiscuir no meio delas e a penetrar sem mais demora.

Impulso.

Recuo.

Mais uma vez.

E outra.

As estocadas cada vez mais fortes do sexo, a fizeram gritar e enterrar as unhas nas costas firmes. Ele gemeu em seu ouvido. Os corpos em atrito, o peito forte roçava em seus seios, ele atacava seu pescoço com beijos úmidos, quentes, avassaladores, enquanto se movia dentro dela com força, fazendo cada terminação nervosa de seu corpo se concentrar naquele vai e vem alucinado, suas peles suadas, que se roçavam, que se tocavam, se entregavam às sensações de puro prazer carnal. A cabeça girava, o corpo inteiro vibrava de encontro ao dele, forte e musculoso, contrastando deliciosamente com suas curvas delicadas, feitas agora, ela sabia, para dar e receber aquele prazer, que se intensificou até chegar num nível quase insuportável. Kieran estremeceu e ela o acompanhou naquele momento sublime onde reinou apenas o prazer absoluto, a satisfação total dos sentidos.

Katherine voltou à realidade, ainda sentindo o peso do corpo masculino. Mas não se importava. Seus braços ainda o prendiam firmemente junto a si. Seus corpos ainda estavam unidos. Kieran respirava pesadamente contra seus cabelos, e esfregava suavemente os lábios na pele de seu ombro. Ele se virou para livrá-la de seu peso, mas ainda a manteve firmemente junto a si, as mãos rodeavam sua cintura e Katherine começou a sentir os olhos pesados de sono. Queria saber tantas coisas, mas não conseguiu manter os olhos abertos e adormeceu.


Katherine acordou devagar, abriu os olhos e a claridade do dia invadia o quarto. Então lembranças do que tinha acontecido na noite anterior voltaram a sua mente e ela despertou totalmente, sentando na cama de um pulo. Uma olhada para o quarto e constatou que estava sozinha. Nenhum indício da passagem de Kieran se fazia notar. Será que tinha sonhado?

A porta se abriu e Katherine se apressou em cobrir o corpo, pois estava nua. Não, não tinha sonhado, pensou corando.

A criada entrou no quarto sorridente.

— Bom dia, milady!

— Bom dia, Davina. — Katherine tentou buscar na sua mente enevoada o que precisava ser dito à criada. Se Kieran tinha voltado significava que o rei também?

— Davina, o rei está no castelo?

— O rei não está no castelo, milady.

— Não?

— Não, Sir Kieran retornou sozinho, apenas com seus homens.

Katherine tentava atinar o que aquilo significava. O rei tinha retornado à Inglaterra? Ou será que permanecia na Escócia? Precisava tirar aquela história a limpo.


Katherine desceu para o salão com o intuito de falar com Kieran e colocar as cartas na mesa de uma vez por todas, mas a primeira pessoa que viu foi Harry.

— Harry!

— Finalmente! Fiquei te esperando a manhã inteira. Pensei que tínhamos combinado sair para cavalgar.

Katherine se sentiu culpada. Tinha esquecido completamente do compromisso com Harry.

— Me desculpe. Eu perdi a hora... dormi demais. — Katherine corou ao lembrar-se do motivo de ter dormido até tarde. Mas é claro que não podia dizer aquilo ao amigo.

— Tudo bem — ele respondeu, visivelmente decepcionado. — Nós precisamos conversar, Katherine — disse em tom de voz mais baixo, olhando para os lados para se certificar de que estavam a sós.

— É sobre o retorno de Kieran?

— Sim.

— O rei não voltou. Você sabe o que aconteceu?

— Ainda não. Fiquei sabendo que Kieran retornou, mas ele saiu muito cedo. Tentei descobrir o que aconteceu, pois ninguém da comitiva de Edward retornou. Porém seus homens não falam nada. Sinto que me encaram estranhamente quando percebem que sou inglês e que fiquei para trás.

— O que você acha que aconteceu?

— Eu temo que Kieran e o rei Edward tenham rompido.

— Não é possível!

— Se isso aconteceu, Katherine, você deve se preparar para partir comigo.

Katherine mirou o semblante preocupado do amigo, tentando não ficar com medo.

— Harry, nós já conversamos sobre isso. Eu me casei com Kieran por decreto do rei. Não posso retornar à Inglaterra.

— Mas se o acordo entre MacAlister e Edward não existe mais, você não precisa ficar aqui.

— Você não sabe nada sobre isso. E eu tenho motivos para crer que o acordo existe sim!

— Kieran te disse?

Katherine corou. Como dizer ao amigo que Kieran havia retornado direto para sua cama e que, para ela, significava que o acordo entre a Escócia e a Inglaterra ainda estava intacto?

Porque se Harry tivesse razão, ela teria mesmo que retornar à Inglaterra. Se essa possibilidade tivesse lhe sido dada quando chegou nas Terras Altas, odiando seu temido destino, ela teria feito as malas e retornado ao seu amado lar sem hesitar. Agora... Ela não conseguia analisar seus sentimentos, mas era certo que não eram mais os mesmos.

— Ele não me disse nada... Ainda.

— Então se prepare. Eu irei conversar com seu marido assim que ele retornar. E certamente terei que retornar à Inglaterra, já que o rei não está mais aqui. Mas, Katherine, não quero deixá-la!

Katherine fitou Harry, preocupada. Adorava o amigo e sabia que ele queria ajudá-la, mas temia que sua presença ali somente lhe trouxesse problemas.

Logo agora que... Logo agora que o quê? Só porque o rei tinha partido e nada fora dito sobre o acordo de seu casamento não queria dizer nada. Mas a presença de Kieran em seu quarto dizia muito. Ou não? Katherine suspirou. Não saberia dizer quais eram as intenções de Kieran, ele a confundia o tempo inteiro. Mas iria descobrir, pois disso dependiam muitas coisas. Não só um contrato com a Inglaterra, mas seu próprio destino.

— Harry, deve tomar cuidado ao questionar Kieran.

— Não se preocupe. Não quero trazer problemas para você e nem quero que ele desconfie que sou mais que um cavaleiro qualquer. Assim conseguirei achar um jeito de descobrir tudo.


Katherine esperou ansiosa o retorno de Kieran. Onde ele fora dessa vez? Será que seria sempre assim? Ele faria amor com ela e depois fugiria? Não era justo. Cansada de ficar dentro do castelo, saiu e caminhou até o penhasco. Sentiu o vento em seus cabelos e em sua pele. Sentia-se tão diferente de quando estivera ali pela primeira vez. Ainda estava assustada e temerosa, mas agora era diferente. Seus anseios eram diferentes.

— Milady?

Katherine virou-se assustada ao ouvir a voz de Alec.

— O que faz aqui? — perguntou, desconfiada. Será que este homem ia continuar a persegui-la? E para quê? Já não tinha deixado claro que não queria ser sua amiga? Será que ele agira da mesma maneira com lady Lili, Katherine perguntou-se pela primeira vez.

— Precisamos conversar...

— Não!

— Não pode continuar se enganando! Corre perigo...

— Não corro perigo algum! Isso é absurdo.

— Não quer me ouvir. Não quer que eu a proteja...

— Você me proteger?

— Sim. Se ficarmos juntos, nada acontecerá a você.

— O senhor é insano! De onde tirou que eu preciso ser protegida?

— Não quero que aconteça a você o mesmo que aconteceu a Lili.

— De novo com essa história? Não me interessa o que ocorreu aqui antes! — Katherine mentiu. Claro que desejava desesperadamente saber porque lady Liliana destruíra a própria vida. Será mesmo que fora tudo culpa de Kieran? Katherine não mais conseguia imaginá-lo fazendo as barbaridades de que falavam. Essa percepção a intrigou, desde quando ela tinha mudado de pensamento?

— Por favor, milady, deixe-me protegê-la!

Alec tinha se aproximado e agora a segurava pelos ombros. Katherine afastou-se com um safanão.

— Me deixe em paz de uma vez por todas! Não preciso de sua proteção! Se alguém tem que me proteger, essa pessoa é meu marido! — Katherine gritou e estas palavras pareceram enfurecer Alec.

— Está cometendo um erro terrível, milady!

— Isso é problema meu, não seu! Agora, por favor, afaste-se daqui. Se voltar a me importunar, terei que contar a Kieran e não quero que ele faça nada contra o senhor.

Alec deu uma risada irônica.

— Confia mesmo nele, não?

— Sim, confio. — Ao dizer estas palavras Katherine percebeu que eram verdadeiras. Ela realmente confiava. Sem mais nada a dizer, ela virou-se, sentindo uma necessidade fremente de se afastar da presença nefasta de Sir Alec.

— Está apaixonada por ele não é, milady? — Alec proferiu com ódio.

Ela parou e o encarou.

— O que disse?

— Está apaixonada por Kieran MacAlister.

Katherine nada falou porque, dentro dela, sabia que as palavras de Alec eram verdadeiras. Não sabia quando tinha acontecido, mas estava irrevogavelmente apaixonada por Kieran.

— Está cometendo um grande erro, milady. Poderia ter ficado do meu lado. Poderíamos ser aliados. Eu poderia tirá-la daqui antes que tivesse o mesmo destino que Lili. Depois não diga que não avisei.

Alec se afastou, deixando Katherine sozinha com seus novos e confusos sentimentos.

Fitou o horizonte ao longe, pensativa. Então era isso? Estava apaixonada? Confessar para si mesma era assustador. Era como se não tivesse mais controle sobre nada. Mas quando foi que tivera? Viera para a Escócia a mando do rei da Inglaterra para salvar sua família, casara-se com um completo estranho com um passado obscuro e se apaixonara por ele. Agora sim estava perdida.


Katherine voltou para o castelo e estava passando no corredor quando ouviu a voz de Kieran. Sentiu o coração disparar no peito e um suor frio nas mãos. Nervosismo. Mas tinha que falar com ele. Todavia, ao entrar na sala privada surpreendeu-se ao ver que ele não estava sozinho. Harry estava junto. Sem querer, sentiu um medo repentino da presença de Harry ali.

Os dois homens notaram sua presença e Katherine corou. Kieran a encarou com o semblante indecifrável.

— Oh... não sabia que tinha companhia — tentou disfarçar.

— Entre, Katherine — Kieran a surpreendeu.

Katherine adentrou e olhou para Harry sem saber como agir.

— Milorde. — Fez uma mesura educada.

— Lady Katherine — Harry a cumprimentou.

— Sente-se Katherine. — Kieran colocou uma taça de vinho na sua frente. — Parece que temos um cavaleiro inglês desgarrado de sua comitiva e ele estava justamente me questionando sobre meus negócios com a Inglaterra.

— Com o rei?

— Sim. Penso que este assunto a interessa também.

Claro que lhe interessava! Mas ela não se imaginara conversando sobre isso na presença de Harry.

— Harry veio me perguntar sobre a minha posição quanto à coroa inglesa.

Kieran caminhou até a janela.

— Eu lhe perguntei qual era seu interesse e por que tinha ficado na Escócia e não partiu com a comitiva do rei.

Katherine e Harry trocaram olhares antes que Kieran se virasse.

— Harry me disse que era cavaleiro do seu pai, o Barão de Beaufort. E que veio até a Escócia porque o Barão estaria preocupado com o seu destino.

— Sim, é verdade — Katherine anuiu. — Harry era um cavaleiro de confiança de meu pai.

— Então ele está preocupado com sua segurança?

Katherine não saberia dizer o que se passava na cabeça de Kieran.

— Certamente. Mas eu lhe disse que estou em segurança aqui. Eu segui as ordens do rei, como me foi designado. E acredito que o próprio rei se certificou disso, não? Ele veio até aqui para verificar se o senhor seguiria o acordo — Katherine arriscou. — Creio que ele ficou satisfeito. Afinal, ele partiu e eu permaneci aqui, como era a sua vontade.

Kieran a encarou em silêncio e Katherine sustentou seu olhar, mas não fazia ideia que se passava em sua mente.

Ele sorveu o resto de sua bebida e se aproximou da mesa para servir-se de mais, sentando-se em seguida. Katherine sentia uma tensão no ar.

— Como vê, Sir Harry, pode retornar à Inglaterra. A filha do seu senhor está onde deveria estar — respondeu por fim.

— Quer dizer que a partir de agora irá mesmo contra seus compatriotas a favor da Inglaterra? — ela não conseguiu deixar de perguntar. Tinha ouvido todas aquelas histórias sobre Kieran ser das forças rebeldes e sobre seguir Robert Bruce, e ele havia lhe dito várias vezes que não se dobrava ao soberano da Inglaterra, o que a deixara apreensiva em relação ao seu futuro.

— Eu não disse isso — respondeu com um tom indecifrável.

Katherine não estava entendendo. E muito menos Harry.

— Mas...

— Assunto encerrado, Katherine. Você já sabe o suficiente.

Katherine se irritou.

— Por que isso não surpreende? É sempre assim, não? Eu sou uma mulher e tenho que me contentar em ficar alheia a todos os assuntos! Inclusive aqueles que dizem respeito ao meu próprio destino!

Para sua surpresa, Kieran riu.

— Que bom que o divirto, senhor! — Katherine levantou-se. — Bem, já que esclarecemos essa contenda, vou deixá-los para tratarem de seus assuntos de homem que não me dizem respeito! — Ela tentou se afastar, mas Kieran segurou sua mão e inesperadamente a puxou para seu colo.

Katherine o encarou, estupefata e totalmente sem ação.

— Fique. — Ele virou-se para Harry e Katherine percebeu que o amigo tinha o semblante esculpido em granito. — Pode nos dar licença, Harry? Tenho assuntos a tratar com minha esposa.

Katherine prendeu a respiração e Harry se afastou sem uma palavra, mas ela pôde ver revolta em seu olhar antes de sair da sala.

— Por que fez isso? — perguntou, perturbada, tentando levantar, mas Kieran a segurou firme e Katherine o encarou confusa. — Está brincando comigo!

Ele riu, uma risada rouca, masculina, que fez algo vibrar dentro dela, aquecendo-a por inteiro.

— Você... me confunde... às vezes me trata como se eu fosse transparente e em outras me olha como agora, como se eu fosse realmente importante.

— E se eu dissesse que é?

O coração de Katherine deu um salto no peito, mas ela lutou para manter a cabeça sã.

— Não pode estar falando sério.

— Por que não, Katherine? — Ele acariciou seu rosto e Katherine fechou os olhos, sentindo-se fraca e trêmula. Ele aproximou os lábios do ouvido dela. — Você tem me enlouquecido desde que pousou em mim estes olhos incríveis. — Katherine ofegou ao ouvir as palavras sussurradas junto à pele, o corpo aconchegando-se mais a ele, como se tivesse vontade própria.

— Não deveria me dizer estas coisas se... se... você não me quer aqui... nunca quis...

— Mas eu quero — sussurrou contra seus lábios. — Eu a quero, Katherine. — Ele a beijou, roubando seu fôlego. Os lábios dela se entreabriram à doce invasão da língua masculina, fazendo-a derreter e suspirar. E quando finalmente ele parou de beijá-la, Katherine o encarou com os olhos febris e o estômago deu um salto ao ver o mesmo desejo refletido nos olhos verdes profundos. Kieran a pegou no colo e saiu da sala, atravessando o salão rumo às escadas. Katherine estava tão envolvida na sua névoa de desejo que não percebeu o olhar de Harry, que acompanhava a cena com um olhar sombrio.

Quando Kieran a colocou no chão, Katherine percebeu que estavam no quarto dele e ficou tensa.

Automaticamente virou-se em direção à cama, seus olhos pousando onde estaria o quadro de lady Liliana.

Mas voltou-se para Kieran, confusa ao ver a parede nua.

— Onde está o quadro? — perguntou, temerosa da resposta.

— Não está mais aqui. — Ele aproximou-se devagar e Katherine prendeu a respiração. — O que passou deve ficar no passado, Katherine. Você é o presente. E está aqui. E é aqui que deve estar.

Katherine não conseguia acreditar nas palavras que estava ouvindo. Kieran dissera que o passado não existia mais e que ela, Katherine, era seu presente? Fechou os olhos com força, tentando manter os pés nos chãos, tentando não mergulhar de vez naquela doce loucura. Mas quando os abriu, ele ainda estava ali, a encarando com mal disfarçado desejo e Katherine sentiu o chão lhe faltar.

— Você me quer aqui de verdade? — perguntou num fio de voz.

Seu semblante ainda era um tanto sombrio, como se ele quisesse sair das sombras, mas elas ainda o puxassem para sua escuridão.

E Katherine quis mais do que nunca o tirar de lá.

Ela queria ser sua luz.

Ele levantou a mão e infiltrou os dedos em seus cabelos, puxando seu corpo para perto.

— Eu quero você em minhas mãos... — Ele a puxou para perto, e Katherine prendeu a respiração quando seus corpos se encontraram. — Em meus braços — ele cingiu sua cintura com a outra mão, a boca a centímetros da sua —, em minha cama. — Ela fechou os olhos, impactada com suas palavras e sua proximidade dominante. — Quero você em minha vida — completou por fim.

Katherine abriu as pálpebras e mergulhou o olhar nos dele.

— E eu quero estar em suas mãos... — sussurrou passando os braços em volta de seu pescoço — em seus braços, em sua cama e em sua vida, Kieran MacAlister.

Com um gemido rouco, ele selou seus lábios.

E seu destino.


Dezenove


A missiva


Quando Katherine acordou, estava sozinha. A claridade da manhã invadia o quarto. E então o viu, uma figura solitária parada em frente à janela. Jogando as cobertas para o lado, se aproximou, rodeou seu peito com os braços, depositando um beijo em suas costas quentes, querendo absorver um pouco daquela força para ela mesma.

— Por que está acordada? Ainda é muito cedo.

— Gosto de acordar cedo. De ver o dia amanhecer. Na minha casa, na Inglaterra, eu costumava acordar com os primeiros raios da manhã para cavalgar. Me sentia tão livre nessas horas.

Ele virou-se e tocou seu rosto. Katherine fechou os olhos.

— Costumava fazer isso também, antes...

Katherine abriu os olhos. Sentindo uma pontada de medo. Ainda queria saber o que tinha acontecido... antes. Mas não ousava perguntar. Ela viu uma sombra em seu olhar e quis desesperadamente que nada mudasse, que tudo permanecesse exatamente assim, que ele não a colocasse de lado de novo.

— Podíamos fazer isso, cavalgar — ele disse.

— Agora?

— Sim, por que não?


Kieran segurava sua mão quando desceram as escadarias e Katherine sentiu-se tão protegida com aquele simples gesto que teve vontade de se aconchegar a ele e depositar um beijo em sua boca e... Ela ficou subitamente séria ao ver Harry aos pés da escadaria. Ele estava com o rosto fechado e trazia nos olhos uma expressão de curiosa desconfiança.

— Bom dia, Harry — Kieran o cumprimentou. — Já de pé a essa hora? Ainda é muito cedo.

— Sim, senhor. Mas eu costumo acordar cedo. — Ele olhou para Katherine, que permanecia quieta. — Bom dia, lady Katherine.

— Bom dia. — Katherine fez uma mesura educada.

— Bem, Harry, eu e minha mulher vamos cavalgar. Até mais.

Kieran a puxou pela mão e Katherine olhou para trás a tempo de ver a expressão magoada de Harry e isso a fez sentir estranhamente culpada.

Katherine cavalgou ao lado de Kieran, percorreram as colinas, o vento despenteava seus cabelos e ela se sentia livre como há muito não se sentia. Era um lugar muito bonito, com suas montanhas áridas, os penhascos a perder de vista. De repente Katherine avistou as ruínas de um castelo ao sopé de uma montanha.

— De quem é aquela propriedade? — indagou virando-se para Kieran e surpreendeu-se ao vê-lo com o semblante frio.

— Vamos embora. — Ele se afastou com sua montaria e Katherine o seguiu. Por que ele ficara assim? De quem seria esta propriedade? Queria perguntar, mas temia destruir a frágil trégua que os unia. Ainda se virou mais uma vez, admirando as linhas sólidas do castelo e teve a impressão de estar sendo observada e um arrepio de medo transpassou sua espinha. Mas seguiu Kieran e ignorou o mal presságio.

Quando chegaram ao castelo, Kieran estava frio novamente. Ele desmontou e um cavaleiro se aproximou, entregando a ele uma missiva. Kieran fechou ainda mais o semblante e se afastou, dizendo que tinha trabalho a ser feito e a deixando sozinha. Katherine se sentiu mal, mas nada falou. De que adiantaria? Ele provavelmente não confiava nela o bastante para dizer o que lhe afligia. E tinha a ver com aquele castelo nas montanhas, ela tinha certeza.

Desanimada, decidiu procurar Harry para se desculpar, mas não o encontrou em lugar algum. Então caminhou sozinha pelos penhascos que rodeavam a fortaleza. Pela primeira vez ela chegou até ali sem estar se sentindo triste. Muito pelo contrário. Ela nunca se sentira tão bem em toda sua vida. Seu destino não mais lhe parecia escuro e sombrio, agora havia uma luz de esperança.

— Milady...

Katherine fechou a cara ao ouvir a voz de Alec.

— O que está fazendo aqui? Quantas vezes terei que repetir que não quero falar com o senhor?

— É a última vez que venho falar com a senhora. Já se perguntou se está pronta para ter o mesmo destino de lady Lili?

— Não diga sandices!

— Mas eu sei que a senhora está preocupada. Está escrito em seu olhar.

— Por que o senhor me atormenta desta maneira?

— Se me escutar, talvez descubra tudo o que quer saber.

Katherine encarou aquele rosto soturno. Deveria confiar nele? O que de tão grave tinha para lhe contar? E se fosse através dele que ela descobrisse todos os segredos de Kieran? Katherine sentia-se tentada a dar ouvidos a Alec, quem sabe assim ela finalmente descobrisse tudo? Kieran parecia decidido a não lhe revelar nada e embora tivesse aberto uma brecha para ela em sua vida presente, era claro que o passado ainda o atormentava. E como ela poderia lutar contra isso se nem sabia ao certo todos os seus segredos?

— Então há mais para saber do que o senhor já me contou? Por que não me conta? — pediu por fim, fazendo um sorriso se abrir no rosto do escocês.

— Não aqui. Seu marido está vindo...

Katherine voltou-se para ver Kieran se aproximando com cara de poucos amigos. E teve medo.

— Me encontre aqui hoje à noite, no começo da madrugada — Alec falou rapidamente.

— Alec — Kieran gritou —, suma daqui!

— Ora, ora, Kieran, isso é maneira de tratar um convidado?

— Não é bem-vindo nas minhas terras e achei que tivesse deixado bem claro que não queria vê-lo aqui!

— Sim, entendi bem, mas estava tendo uma conversa esclarecedora com lady Katherine.

— Pois a conversa acabou. Suma daqui antes que eu faça o que já deveria ter feito há bastante tempo!

Katherine viu os dois homens se encarando friamente e esperou com a respiração em suspenso. Até que Alec finalmente se afastou e ela pôde voltar a respirar aliviada.

— O que fazia conversando com aquele crápula? — Kieran questionou furioso.

— Ele aparece do nada e...

— Não a quero perto dele! Fui claro?

— Não precisa falar assim comigo! — Katherine se irritou. — Você diz que ele não vale nada, mas não me fala o que ele fez de tão grave!

— Não te interessa.

— Interessa, sim! Por que não me conta o que realmente aconteceu com Lili?

Kieran se enfureceu mais ainda.

— Não toque no nome dela! — falou entredentes, e Katherine sentiu uma pontada no peito.

— Eu só queria entender. Cameron o acusou de ser o responsável por coisas terríveis contra Lili a ponto de ela preferir perder a própria vida do que viver com você! — Katherine o encarou esperando a resposta, esperando que ele se defendesse porque não podia crer que ele fosse culpado de coisas tão vis. Mas as palavras que ele proferiu a seguir apenas a encheu de mais pesar.

— Se acredita nisso, talvez não devesse permanecer aqui.

— Se me contasse...

— Não! Esse assunto está morto, assim como Lili! Entendeu?

Ele se afastou com passos rápidos, e Katherine fechou os olhos com força para conter as lágrimas de dor. Por que se apaixonara por ele? Não sabia que sofreria ainda mais? E o que faria agora? Insistiria para ter respostas? Ou esqueceria tudo?

Ainda permaneceu ali, olhando as nuvens pesadas que se formavam no horizonte, sem saber o que fazer. Será que era assim que Lili se sentia? Mas Kieran amava Lili, então por que ela sofreu? Lembrou-se de Alec dizendo que ela teria o mesmo destino de Lili e estremeceu de medo. Ela estava consciente de seu amor pelo senhor do castelo há pouco tempo e já estava sofrendo por isso, será que chegaria o momento em que se sentiria tão perdida quanto Lili?

Não, ela não queria esse destino. Muito menos desistir de Kieran.

Como lutar contra aquelas sombras que se aproximavam e ameaçavam sua felicidade há tão pouco conquistada?

— Katherine! — Harry a chamou quando ela finalmente retornou ao castelo, mas ela ignorou.

— Depois a gente conversa, Harry!

— Mas eu preciso te dizer algo de suma importância...

— Depois! — Ela rumou para os aposentos de Kieran e escancarou a porta. E como previra, ele estava ali e se ocupava em escrever uma missiva.

— O que faz, aqui? — perguntou num tom frio, sem encará-la.

— Vim te pedir desculpas — ela falou suavemente e então ele a fitou. — Não deveria ter perguntado sobre o passado.

Kieran ficou em silêncio por alguns instantes.

— Fala alguma coisa — Katherine suspirou. Ele levantou e imiscuiu as mãos em seu cabelo.

— Você é tão linda, tão... tão inocente — ele falou, atormentado. — Nada desta escuridão deveria tocá-la.

— Eu não sou criança, Kieran.

— Eu sei. Mas às vezes acho que você não deveria estar aqui.

— Se estou aqui agora, é porque eu quero — Katherine sussurrou com convicção. — Eu te disse ontem... Quero estar na sua vida.

Então ele a beijou, e Katherine esqueceu de tudo o mais, a não ser a pressão firme dos lábios juntos aos seus e das mãos que a livravam do vestido de veludo. E quando Kieran a levou para a cama e deitou-se sobre ela, fazendo a temperatura subir a quase um nível insuportável, Katherine deslizou as mãos pelos músculos firmes das costas masculinas que se contraíram com seu toque, até inseri-las embaixo do kilt e apertar seu traseiro, fazendo-o gemer e descer os lábios por seu corpo numa exploração exigente, esfregando o rosto contra a pele macia de seu seio antes de tomá-lo entre os lábios, a língua quente e úmida rodeando o mamilo róseo, deixando Katherine trêmula e fraca, com agulhadas de prazer intenso a percorrendo dos pés à cabeça. E ele passou um longo tempo assim, percorrendo com os lábios e mãos seu corpo em febre, provando seu corpo como uma iguaria rara, provocando, instigando, estimulando. Katherine deslizou numa doce inconsciência, murmúrios desconexos escapavam de sua garganta.

— Por favor... — implorou um alívio para aquela dor profana. Kieran soltou um gemido rouco, cobrindo sua face de beijos até chegar a seus lábios, que ele a persuadiu a abrir à suave invasão de sua língua. As mãos buscaram a de Katherine e os dedos se entrelaçaram delicadamente.

— Abra os olhos milady... — Kieran pediu com sua voz perfeita. E ela não conteve um sorriso antes de descerrar as pálpebras e encarar Kieran acima dela, mirando seu corpo com uma paixão intensa que lhe roubou o fôlego.

Ele arremeteu para dentro dela e Katherine arquejou, incapaz de conter um gemido alto enquanto Kieran a penetrava, quente, rígido, profundo. Uma vez após outra, até que tudo mais deixou de existir, a não ser os movimentos rítmicos dos quadris contra o dela e seus olhares presos um no outro até a explosão total dos sentidos.

Ela voltou a realidade lentamente, sentindo uma deliciosa dormência pelo corpo. Abriu os olhos para ver os de Kieran, que a encaravam intensamente.

— Você está bem?

— Nunca me senti tão bem em toda a minha vida — confessou por fim, e Kieran a beijou, virando-se e levando-a junto. Katherine deitou a cabeça em seu ombro e espalmou a mão em seu peito. Lá fora, a tarde caía lentamente e um vento gelado soprava nas colinas, mas em seu íntimo, Katherine sentia apenas uma paz imensa, como nunca tinha sentido antes.

 

Katherine acordou com uma batida na porta. Sonolenta, abriu os olhos e viu que já anoitecia, mas um braço repousava sobre sua cintura. Kieran ainda estava ali.

A batida na porta continuou, acordando Kieran que se levantou. Katherine pôde vê-lo indo até a porta, a abrindo e sussurrando algumas palavras. Depois fechou a porta de novo.

— O que foi? — Katherine perguntou.

— A Brenda veio perguntar se iremos descer para o jantar.

— Eu queria ficar aqui com você.

Na verdade, ela não queria ver a dor no olhar de Harry de novo, pois não conseguia evitar de se sentir culpada. No entanto, sabia que mais dia menos dia teria que confessar ao amigo que se apaixonara por Kieran e que a última coisa que desejava agora era deixar as Terras Altas.

Ele sentou ao seu lado e Katherine o abraçou, encostando a cabeça em seu peito quente. Kieran a acolheu por um momento, beijando seus cabelos, mas logo se desvencilhou.

— Temos convidados.

— Convidados?

Kieran parecia distante e um tanto nervoso agora, o que a deixou apreensiva.

— Membros de clãs da redondeza estão se aproximando.

— Era sobre isso a missiva que lia mais cedo?

— Sim...

Katherine jogou as cobertas para o lado.

— Então preciso me aprontar...

— Não. — Ele a deteve com um olhar determinado. — Vá para seus aposentos e fique lá. — Ele pegou seu vestido do chão e o colocou nela, sem a menor cerimônia.

— Mas...

— Pedirei para Brenda trazer seu jantar. — Ele praticamente a empurrou porta afora. Katherine se afastou para os próprios aposentos, cheia de confusão.

Katherine ainda se perguntava porque Kieran a tinha impedido de descer para o salão para a reunião com os clãs quando Davina entrou no quarto.

— A senhora vai precisar de mim para aprontá-la para o jantar? — Davina indagou.

— Não, eu não irei descer.

A criada a mirou, confusa.

— Não? O castelo está cheio de gente que veio de longe para ter com o senhor do castelo.

— Eu sei...

— Então...

— Não faça perguntas, Davina.

— Desculpe, só achei estranho a senhora não participar de uma reunião tão importante.

Elas foram interrompidas por batidas na porta e os dois criados estavam ali.

— O que querem?

— Acabamos de preparar o banho do senhor, podemos trazer o da milady também?

Davina a encarou em busca de resposta.

— Não, podem ir — Katherine os dispensou.

Resoluta, e ainda com as indagações de Davina em sua cabeça, que nada mais eram do que suas próprias dúvidas, Katherine caminhou até a porta de comunicação com os aposentos de Kieran e a abriu. Ele estava dentro da tina com água ao seu redor e a fitou, entre surpreso e contrariado, quando ela entrou no quarto.

— Davina me disse que todos estão estranhando a senhora do castelo não participar da reunião com os clãs.

— Katherine... — Sua voz continha um tom de advertência que dizia claramente que a decisão já estava tomada.

— Como senhora deste castelo, eu deveria estar lá — insistiu.

— Pois eu digo que não.

Katherine mordeu os lábios, contrariada. Tinha vontade de gritar se era assim que ele tratava Liliana, mas se calou. Trazer o passado para aquela conversa só ia piorar tudo.

— Há algum motivo para você me proibir de recebê-los e me trancar aqui em cima?

— Trancar? Eu não estou te trancando em lugar algum!

— Talvez não queira que pousem os olhos em sua esposa inglesa? É isso? Por que sou inglesa? Todos sabem que muitos escoceses odeiam os ingleses e...

Desta vez ele riu, o que a irritou ainda mais.

— Você não está me levando a sério! Então se não estou trancafiada, talvez deva descer e contrariar suas ordens e receber os clãs!

— Milady não ousaria.

Katherine ergueu o queixo.

— Talvez eu faça isso agora mesmo!

Katherine se preparou para sair do quarto, mas Kieran a chamou.

— Venha aqui, inglesa.

Ela teve vontade de dar meia volta e deixá-lo falando sozinho, mas algo em sua voz fez seus pés irem em sua direção. E quando estava perto o bastante, ele estendeu a mão e, sem aviso, a puxou para baixo, fazendo com que Katherine caísse em seu colo, com um grito, molhando seu vestido e o chão em volta da banheira.

— Kieran!

Ele riu, enlaçando-a enquanto Katherine tentava, em vão, sair da fortaleza de seus braços.

— Fique quieta.

— Me solta! Isso não tem graça!

— Katherine, olhe para mim.

Ela bufou, parando de lutar e o encarou. Kieran não ria mais, e seu olhar estava cheio de uma intensidade que a desconsertou.

— Você confia em mim?

Katherine ponderou.

Lembrou-se das palavras de Alec, da promessa de contar-lhe a verdade sobre Liliana, a mulher nos braços de Kieran antes dela, a mulher que todos diziam que sofreu tanto ao seu lado que preferiu a morte a ficar com ele.

Ela engoliu em seco. Será que podia confiar sua vida àquele escocês? Ela não saberia dizer. A única coisa que tinha certeza era de que não conseguiria mais imaginar a vida sem estar exatamente assim, em seus braços.

— Como posso confiar? — murmurou baixinho, com todo medo de seu coração. — Se não confia em mim?

Kieran não respondeu e Katherine percebeu que ele não esperava por isso.

— Eu só queria saber toda a história sobre a mulher que esteve aqui antes — arriscou.

— Você também acredita que acabará como ela? — indagou, sombrio.

— Como posso acabar como ela se não posso sequer imaginar em te deixar? — confessou. E Kieran a puxou para si, beijando-a com fervor.

E Katherine sentiu o coração se aquecer, o calor de seu toque quase fazendo todos os medos irem embora. Mas quando seus lábios se separaram, Kieran encostou a testa na dela, com um suspiro dolorido.

— Preciso que confie em mim.

— Eu quero confiar.

— Então aceite quando digo que não deve descer para receber os clãs.

Ela o fitou.

— Eu tenho razão, não é? Tem a ver com a Inglaterra.

— Sim — ele respondeu simplesmente.

— Tudo bem — ela concordou por fim. — Agora pode me deixar ir?

— Se pudesse voltar à Inglaterra agora, voltaria? — ele perguntou de repente.

Katherine o encarou, sem entender a pergunta. Não havia opção para ela. Nunca houve. Ela viera para a Escócia a mando do rei e deveria permanecer aqui em nome dessa ordem. Mas certamente não era isso que Kieran desejava saber.

Naquele momento, ela sentiu medo. Será que ele desejava mandá-la de volta à Inglaterra? Por isso perguntava?

— Se você pudesse me mandar embora agora, mandaria? — devolveu a questão.

De repente uma batida na porta os alertou para o fato de que não estavam mais sozinhos e Katherine corou violentamente ao ver Brenda na porta do quarto de Kieran.

— Sim, Brenda? — Kieran indagou, sem expressão, como se a criada não tivesse o flagrado com a esposa dentro da banheira.

— Me desculpe — ela disse com seu tom irônico —, não sabia que não estava sozinho.

— Fale logo! — Kieran se impacientou, impedindo Katherine de sair do lugar.

— Todos estão impacientes a sua espera. O que devo dizer?

— Diga que estou descendo.

— Sim, senhor.

— E, Brenda, traga o jantar de lady Katherine em seus aposentos, ela não descerá esta noite.

Brenda levantou a sobrancelha, mas se afastou sem questionar.

Ele se levantou, levando Katherine junto.

— Acho que devemos continuar essa conversa depois. — Ele começou a se vestir e Katherine suspirou, vencida.

— Certamente. Estarei em meus aposentos, senhor — ela respondeu, não sem certo sarcasmo.

— Katherine?

— Sim?

— Espere-me acordada.

— Estou muito cansada, senhor. Talvez eu prefira dormir — ela desafiou.

— Achei que ainda tínhamos assuntos pendentes — ele deixou no ar, enquanto se encaminhava para a porta — e talvez eu traga uma garrafa de vinho para a conversa.

Ele fechou a porta atrás de si e não viu o rosto de Katherine corando.

Ela retornou para o próprio quarto e tomou um susto ao ver Brenda lá. A criada estava colocando uma bandeja sobre a mesa.

— Obrigada, Brenda.

— Por que a senhora não vai descer?

— Kieran não quis me dizer.

— Ah, achei que estavam muito íntimos...

Katherine ficou vermelha e a criada continuou.

— Mas talvez eu tenha me enganado e seja verdade o que andam dizendo.

— O que andam dizendo?

— Que seu retorno à Inglaterra é iminente.

— Por que diz isso? É um disparate.

— É mesmo? Por que Kieran não quis apresentá-la a todos os chefes de clãs que estão lá embaixo neste momento?

— Isso não quer dizer nada.

— Alegre-se lady Katherine, voltar à Inglaterra é melhor do que morrer nos penhascos.

— Por que diz essas coisas para mim? Por que parece desejar meu mal?

— Eu não desejo seu mal, milady.

— Mas é o que parece!

— Não são minhas palavras que devem preocupá-la, milady.

E, com uma mesura, a criada deixou os aposentos, deixando Katherine confusa com suas dúvidas.

Será que havia alguma verdade no que Brenda dizia? Foi por isso que Kieran lhe perguntou sobre ela querer retornar à Inglaterra? Estaria disposto a deixá-la ir? Mas por que, se ele disse que o acordo com Edward estava de pé?

E o mais importante, por que ele diria que a queria, se secretamente estava conspirando para mandá-la embora da Escócia?

Nada fazia sentido.

As horas foram passando e, mesmo dizendo a Kieran que iria dormir, Katherine permaneceu acordada a sua espera. Porém, quando a porta se abriu, levou um susto ao ver Harry entrando, e não Kieran.

— Harry! O que faz aqui?

— Preciso falar com você.

— Não pode entrar aqui!

— Não podia esperar!

— Harry, por favor, você não pode ficar aqui! Falaremos depois!

— Não. Temos que falar agora.

— Tudo bem, então fala logo!

— Kieran está mentindo.

— O quê? O que está querendo dizer, Harry?

— Ele não está apoiando a Inglaterra, muito pelo contrário.

— Mas ele disse...

— Mentiras.

— Harry, isso não faz o menor sentido!

— Mas é a mais pura verdade. Kieran rompeu com a Inglaterra!

Katherine tentou absorver aquilo que Harry dizia, mas não conseguia acreditar.

— Por que ele mentiria?

— Eu não sei.

— Como soube disso?

— Eu já desconfiava, tentei investigar com os homens dele, mas eles não queriam dizer nada. Eu intuí que tinha alguma coisa errada quando descobri que mandou alguns homens para Edimburgo.

— E o que isso prova?

— Ele mandou os homens para ter com Robert Bruce.

— Robert Bruce? Não pode ser verdade!

— Mas é. Ele reiterou o apoio a Robert Bruce e ele respondeu. Por isso os clãs estão aqui. São todos clãs rebeldes, Katherine!

— Como sabe disso?

— Harry colocou um papel em suas mãos.

— Porque eu li.

Katherine pegou a carta e leu. Seu coração gelou. Então era mesmo verdade. Na carta Robert Bruce agradecia o retorno de Kieran às forças rebeldes da Escócia e dizia que não demoraria muito a voltarem aos conflitos com a Inglaterra.

Katherine largou a carta. Sentia um gosto acre na boca.

Por que Kieran mentira?

— Onde conseguiu isso?

— Eu entrei no escritório de Kieran hoje à tarde.

— Como... Harry, por que fez isso? Era perigoso!

— Eu sabia que ele estava aqui. — Ela corou com o tom acusatório do amigo. — E eu precisava investigar... Vi quando entregaram a carta a ele hoje pela manhã.

— E o que você fez? Confrontou Kieran?

— Eu o interceptei antes que chegasse ao salão hoje à noite. Mas nada pude dizer. Assim que me viu ordenou que eu deixasse o castelo e que voltasse à Inglaterra imediatamente. E ainda inteirou que era para a minha própria segurança.

Katherine mal podia respirar. Então era mesmo verdade? Kieran ia mandá-la de volta à Inglaterra? E o que fora aquele interlúdio à tarde? Uma despedida? Queria aproveitar um pouco mais do seu corpo antes de despachá-la da Escócia?

— Katherine — Harry segurou seus ombros —, agora vê? Não podemos ficar aqui! Kieran é aliado de Robert Bruce e isso quer dizer que ele virou as costas à Inglaterra!

Katherine encarou Harry, pálida e trêmula.

— Precisa vir comigo. Agora! Vamos voltar à Inglaterra, eu e você!

— O que está dizendo? Eu não posso!

— Claro que pode! Esse homem é um traidor da Coroa! Um seguidor de Robert Bruce! Se ficarmos aqui seremos considerados traidores também!

— Harry...

— Se o rei já está sabendo, certamente anulará seu casamento!

Katherine sentia-se tonta, porém Harry sorriu.

— Mas isso é bom, se livrará desse escocês e finalmente poderemos ficar juntos!

— O quê? — Katherine o encarou espantada.

— O que está acontecendo aqui?

Katherine ouviu uma voz de trovão à porta do quarto e se virou para ver Kieran os encarando, furioso.


Vinte


Verdades

 

— Kieran! — Katherine exclamou, assustada, livrando-se das mãos de Harry em seus ombros.

A expressão dele era de uma fúria controlada e ela sentiu um medo terrível apertar seu coração.

— O que está fazendo aqui, inglês? — Sua voz era ameaçadoramente baixa quando se dirigiu a Harry.

— Precisava falar com Katherine. — Harry se manteve firme.

— Nos aposentos da minha esposa? — A desconfiança na voz de Kieran era clara e Katherine sentiu medo.

— Kieran, Harry só estava... — balbuciou e o olhar do escocês se virou para ela, frio como gelo.

— Ele estava com as mãos em você. E acho que ouvi algo sobre poderem finalmente se livrar do escocês e ficarem juntos.

Oh, Deus. Katherine estremeceu.

— Não é nada disso que ouviu...

— Eu vim alertar sobre ser um traidor da coroa! — Harry esbravejou — Já sei que rompeu com Edward, que está se juntando ao levante rebelde com Robert Bruce e Katherine precisava saber que estava mentindo.

— Harry, pare! — Katherine tentou parar o amigo, pois a expressão de Kieran estava apenas se tornando mais sombria a cada palavra.

— E o que pretendia com isso? — indagou com uma ironia fria.

— Você desfez o trato com Edward. Katherine deve partir comigo.

— Tem muita coragem, inglês, de me desafiar dentro do meu próprio castelo. Ou é muito burro.

— E você é um mentiroso!

— Harry, por Deus! — Katherine estremeceu, temendo pelo amigo.

— Então somos dois porque se infiltrou dentro da minha própria fortaleza para roubar minha esposa.

— Ela não será mais sua esposa quando Edward anular esse casamento.

— Então é porta voz de Edward agora? Quem é você, inglês? — Kieran se aproximou de Harry de forma ameaçadora.

— Ele disse a verdade — Katherine gritou, desesperada, vendo a fúria crescer em Kieran e temendo por Harry. Colocou-se na frente do marido e tocou seu peito para impedi-lo de continuar. — Harry é um cavaleiro do meu pai!

— Recebe todos os cavaleiros do seu pai em seus aposentos? — Kieran segurou seus ombros com força. — Conspira com todos os cavaleiros do seu pai contra seu marido?

— Não!

— Deixe-a em paz! — Harry foi em seu socorro, sem perceber que estava piorando tudo mais ainda — Solte-a! — Harry sacou a espada e investiu contra Kieran.

— Harry, não! — Katherine gritou, mas Kieran a soltou e, pegando a própria espada, encarou Harry com sangue no olhar.

— Solte a espada, inglês.

— Não deixarei machucar Katherine! — Harry brandiu, avançando contra Kieran. — Você é um traidor e eu a levarei comigo para a Inglaterra. Nem que para isso eu tenha que matá-lo.

O barulho das lâminas se encontrando rompeu o ar.

— Não! parem com isto! — Katherine gritou apavorada. Harry e Kieran continuaram a lutar com fúria e Katherine temia pela vida dos dois. Mas Harry não era páreo para a destreza de Kieran e, com um golpe rápido, Harry foi desarmado e caiu no chão, tendo a espada de Kieran apontada para seu coração.

— Não! — Katherine gritou e Kieran a encarou com desprezo. — Por favor, não o mate — ela implorou e por alguns instantes reinou apenas o silêncio tenso.

Brenda apareceu à porta, seguida de outros cavaleiros, alertados pelo barulho. Até que Kieran recuou.

— Levem-no para a torre.

Dois homens entraram e arrastaram Harry dali.

Katherine não conseguia parar de tremer.

— O que aconteceu aqui? — Brenda indagou.

— Saiam todos! — Kieran gritou.

— Mas...

— Agora!

Todos saíram do quarto.

— Kieran, tem que acreditar em mim... Não estava conspirando com Harry... — Katherine tentou explicar.

— O que esse homem estava realmente fazendo aqui, Katherine? E não tente mentir. Ele é mais do que um simples cavaleiro do seu pai.

— Harry é meu amigo de infância. Nós crescemos juntos, foi ele quem me ensinou a lutar e...

— Estavam apaixonados? Por isso odiou ter que vir para as Terras Altas se casar com a escória escocesa?

— Não!

— E o que ele estava fazendo aqui? Por que mentiram enquanto conspiravam por minhas costas?

— Não é verdade! Harry queria apenas me proteger! Ele... Ele acha que me ama e, sim, ele queria me levar de volta à Inglaterra.

— Provavelmente ele a ama já que arriscou sua vida para levá-la de volta. Me diga, Katherine, o que teria acontecido se eu não tivesse chegado?

— Eu não sei! Harry estava me contando que você mentiu! Ele me mostrou uma carta de Robert Bruce, que dizia que você estava de volta às forças rebeldes... Isso é mesmo verdade?

— Sim, é verdade.

— Você está traindo a Inglaterra? O rei Edward sabe disso?

— Sim, seu soberano já foi comunicado. Achou mesmo que eu ia me dobrar aos joguinhos ingleses?

— Mas aceitou a aliança com a Inglaterra ao se casar comigo!

— Foi o que seu rei pensou... Mas ele com certeza aprendeu que não se deve manipular um escocês.

— Eu não entendo... Quando você retornou já sabia disso! E mentiu pra mim! Mentiu me fazendo acreditar que tinha um acordo com a Inglaterra quando estava conspirando contra o rei.

— Edward não é e nunca foi meu rei!

— Mas é o meu! Então Harry tem razão. Nosso casamento será anulado — sussurrou com desolação.

— Não era isso que queria? Não foi o que sempre quis? Ir embora daqui? Ser liberta de um compromisso que sempre repudiou?

— Não interessa o que eu quero se tudo será desfeito... — sussurrou com desolação.

Quão injusto era tudo aquilo?

Será que Kieran não entendia que agora seu lar era ao lado dele?

Mas Katherine podia ver que ele não acreditava mais nisso. Se é que um dia tinha acreditado. A presença de Harry em seu quarto e suas palavras o levaram a acreditar que Katherine compactuava com seus planos. Que estava louca para deixar as Terras Altas e a ele.

Katherine tinha vontade de gritar. De fazê-lo entender, mas sabia que Kieran estava furioso demais para ouvi-la.

— O que vai acontecer com Harry? — indagou, ainda preocupada com o amigo.

— Ele agora é um inimigo da Escócia. Eu pedi que fosse embora, mas ele colocou a própria cabeça a prêmio ao cometer o desatino de me desafiar. Deixarei que Robert decida o que fazer com ele.

Kieran deu meia volta para sair do quarto.

— Por que mentiu para mim? Por que não me disse a verdade? — Katherine indagou num fio de voz.

Ele se voltou e o que ela viu no olhar dele a deixou sem ar.

— Quer mesmo saber, lady Katherine? Não adivinha? Eu menti para a você não ir embora.

— O quê?

— Fui tolo o bastante para a querer comigo. Se soubesse que eu não era mais um aliado da Inglaterra, poderia querer voltar ao seu país.

— Você fez isso para eu ficar com você? — Katherine mal conseguia acreditar.

— Sim. Mas começo a achar que errei. Deveria ter te despachado com o rei Edward para a Inglaterra enquanto era tempo.

Ele saiu do quarto batendo a porta atrás de si. Katherine sentou-se na beira cama, para não cair. Não podia acreditar. Era muito cruel descobrir que Kieran fora capaz de inventar tal mentira apenas para não perdê-la. Em outras circunstâncias, ela ficaria extremamente feliz. Mas agora do que adiantava? Kieran achava que ela era uma traidora e a estava desprezando.

Será que fora isso que acontecera com Lili? Indagou-se. Os soluços a sacudiram e ela se deitou vertendo lágrimas amargas. Harry estava perdido e ela também. E, pior, ela temia ter perdido Kieran e isso a estava matando.

Porque estava descobrindo que não se importava nem um pouco com que lado ele tinha escolhido. Ela já deveria saber que Kieran nunca trairia a Escócia. E, sinceramente, Katherine não se importava. O que a Inglaterra tinha feito por ela além de vendê-la como uma mercadoria barata?

Não, ela estava cansada de ser joguete nas mãos de soberanos, de não ter as rédeas de seu destino.

Mas como fazer Kieran acreditar nela agora?

E será que adiantaria alguma coisa quando Edward, com certeza, deveria estar tramando para anular aquele casamento?

E sua família? O que seria deles? A ira de Edward não pouparia ninguém, disso Katherine tinha certeza. Mas o que poderia fazer agora? Já fizera tudo o que poderia por sua família. Ela entregara a sua vida à vontade do rei por eles.

Agora eles estavam entregues à própria sorte.

Katherine se abstivera por muito tempo em prol dos outros. Ela devia lutar pela própria felicidade. E sua felicidade estava ali, com Kieran. Ela não iria desistir sem lutar.


Ela não saberia dizer quanto tempo havia se passado quando ouviu uma criada entrando no quarto.

— Vá embora, quero ficar sozinha.

— Olá, milady. — A mulher retirou o capuz e Katherine se sentou na cama, com os olhos arregalados ao ver a juba quase branca da desconhecida.

— Quem é você?

— Eu sou a noiva de Alec, milady. Meu nome é Moira.

— Eu a conheço...

— A senhora me viu na vila, quando chegou.

— Sim... Estava com Cameron.

A mulher sorriu.

— O que faz aqui? Como... como entrou?

— Eu me passei por uma criada. Alec pediu que viesse buscá-la.

— O quê?

— A senhora não quer saber a verdade sobre Lili e seu marido?

Katherine de repente se lembrou da conversa que tivera com Alec naquela tarde, quando ele dissera que iria lhe contar tudo e Kieran os interrompera.

— Por que acha que eu iria a qualquer lugar com você? — indagou. Embora houvesse uma parte dela que desejava mais do que tudo saber toda a verdade sobre o primeiro casamento de Kieran. Será que assim ela conseguiria alcançar seu coração e fazê-lo acreditar nela de novo? Mas como confiar naquela estranha mulher e em Alec?

— Eu vejo no seu olhar que deseja a verdade. — A mulher lhe estendeu a mão. — Venha comigo, milady...

 

***


Kieran bebeu mais um gole de whisky. O líquido desceu queimando sua garganta. Por que fora tolo o bastante para acreditar na inglesa dissimulada? Se arrependia de ter baixado a guarda, de ter deixado ela entrar em sua vida. Prometera que jamais se apaixonaria.

Olha o que o amor tinha feito com Lili. E com Cameron.

E com ele mesmo.

— Acha que vai adiantar alguma coisa beber?

Ele levantou a cabeça e viu Brenda o estudando com seus olhos de ave de rapina.

— Deixe-me sozinho.

— Vai me dizer o que pretende fazer com lady Katherine e o prisioneiro inglês?

— Isso não é da sua conta.

— Como se fosse me impedir de falar. — Ela se serviu de whisky e sentou à sua frente. — Eu sabia que a presença dessa inglesa aqui mudaria tudo, sabia que ela iria sofrer por se envolver com você.

— Cala a boca, Brenda!

— Não. Você deixou o que aconteceu com Lili contaminar sua vida. Decidiu viver trancado nesse lugar...

— Com você — falou, irônico.

— Eu também preciso das sombras. E sabe bem por que. Eu não vejo nada que me atraia lá fora.

— Você é jovem demais para isso, Brenda.

— E você também não é? Isso nunca o preocupou. Muito pelo contrário. Nós éramos companheiros de infortúnio. Nos entendíamos em nossa solidão. Abraçamos a sombra para viver no escuro. Mas a chegada da inglesa mudou tudo. Quando ela chegou, tão jovem e cheia de vida, eu tive pena. Tive pena porque sabia que ela podia se apaixonar e você não seria capaz de retribuir. Mas eu estava enganada. Havia força nela. Acho que é por isso que eu a odiei de certa forma. Ela estava abrindo todas as janelas e deixando a luz entrar. Deixando a luz tocar em você. E de repente você já não era mais o dono das sombras. Eu estava sozinha. A inglesa o tirou das sombras e o levou para a vida.

— Essa inglesa estava com um homem em seu próprio quarto, conspirando contra mim!

— Estava mesmo? Eu os vi juntos. Você e ela. A inglesa acabou como eu temia. Apaixonada por você. E você está louco por ela. Sei que tem medo, por causa de Lili. Porque ela foi infeliz e fez você infeliz. E tudo acabou em tragédia, uma tragédia que o deixou corroído de culpa. Mas não tente voltar às sombras, Kieran, sabe tão bem quanto eu que já não é o seu lugar. Por mais que eu me entristeça por estar sozinha no escuro agora.

Será que Brenda tinha razão. Será que o que acontecera com Lili estava bagunçando seu raciocínio?

Ele havia mudado. Katherine o havia mudado. A inglesa insolente. E ele não queria que ela fosse embora. Por isso havia mentido sobre Edward. Por que temia que ela ainda preferisse retornar à Inglaterra.

— Talvez devesse deixá-la falar — Brenda disse por fim. — Não jogue fora a chance de amar. Talvez um de nós ainda possa ser feliz.

— Talvez devesse tentar o mesmo, Brenda.

Ela sorriu com tristeza.

— O que o mundo tem a me oferecer? Meu marido morreu na luta pela liberdade da Escócia. Ele era a minha felicidade. Eu não tenho mais um coração, Kieran.

— Eu também achava que não tinha.

— Você sempre teve. E esse foi seu problema.

Brenda se afastou e logo em seguida um dos seus homens, Crispim, adentrou o ressinto lhe entregando um pergaminho.

Kieran notou o emblema real.

— Quem lhe entregou isso?

— Um cavaleiro de Edward.

— Vocês o deixaram ir?

— Não, chefe. Mas acredito que ele é apenas um mensageiro.

Kieran abriu a missiva, mas já sabia do que se tratava mesmo antes de ler.

Edward estava exigindo o retorno de lady Katherine à Inglaterra, imediatamente.

Kieran amassou a carta com ódio e a jogou na lareira.

— Me traga o inglês que está na torre.

— Mas, chefe...

— Agora!

O homem retornou com Harry alguns minutos depois.

— Escute bem, inglês. Há um cavaleiro do seu rei aí fora. E você tem permissão para partir com ele.

— E Katherine?

— Lady MacAlister não vai a lugar algum. E é esse recado que você dirá ao seu rei. O casamento não será anulado. Katherine é minha esposa e assim permanecerá. Aqui é sua casa agora.

— Eu não...

— Inglês, eu estou sendo benevolente. Vá e dê esse recado ao rei. Crispim, o leve daqui e lhe dê um cavalo e víveres para partir. Adeus, sir Harry.

Crispim levou o inglês para fora do castelo e Kieran encheu mais um copo de whisky.

A decisão estava tomada. Ele ainda queria Katherine ali, ao seu lado.

E agora era hora de descobrir se ela queria a mesma coisa também.

E se ela não quisesse... Bem, ele poderia fazê-la querer.

Não iria desistir de sua inglesa.


Disposto a descobrir a verdade, ele foi procurá-la. Mas quando abriu a porta surpreendeu-se ao ver o quarto vazio.

— Katherine? — ele a chamou, mas ouviu somente o silêncio.

Onde diabos ela havia se metido? Kieran intuiu que havia algo tremendamente errado. Algo que o deixou em alerta.

— Guardas! — gritou, saindo do quarto às pressas. Os homens apareceram. — Procurem lady Katherine em todo o castelo e arredores!

Minutos depois um dos homens voltou.

— Laird, temo não ter boas notícias. — Ele lhe entregou o que tinha em mãos. Era o manto de Katherine. Estava rasgado e sujo de sangue. Kieran sentiu um medo terrível enregelar suas veias.


Vinte e Um


Cameron McBride


Katherine sonhou. E nesse sonho, Kieran deitava ao seu lado, encostava o corpo forte e quente junto ao dela, levando o frio e a incerteza embora com seu calor e palavras de amor sussurradas em seu ouvido, com aquela voz áspera que, agora, ela sabia que não era capaz apenas de ditar ordens furiosas, mas também de dizer palavras de carinho.

— Kieran — sussurrou, abrindo os olhos, esperançosa. Mas em vez de ver o rosto do marido, deparou-se com a cama vazia e fria num quarto desconhecido.

Por um momento, não conseguiu distinguir o ambiente estranho, seus olhos confusos varreram o aposento, tentando entender onde estava e por quê. E, quando finamente sua mente clareou o suficiente, ela soltou um grito abafado, lembrando-se de como viera parar ali.

Ainda se recordava de Moira a convencendo a ir ao encontro de Alec que as aguardava do lado de fora do castelo, entre as brumas escuras da noite.

Katherine sentira um arrepio de medo com o sorriso maldosamente satisfeito de Alec quando a viu junto de Moira.

— Você conseguiu trazê-la.

— Como me pediu, meu querido.

— Então podemos ir. — Só então Katherine notou que ele tinha dois cavalos.

— Não. — Recuou, sentindo um mal presságio. Estava começando a se arrepender de ter acompanhado Moira para fora da fortaleza de Kieran.

— Você disse que queria saber a verdade — Alec disse, impaciente.

— Sim, mas não vou a lugar algum com você. Me diga logo o que tem que dizer aqui e vou retornar ao castelo.

Moira e Alec riram. Em seguida, Alec se aproximou, segurando o braço de Katherine com força.

— Ainda não entendeu, milady? — Katherine engoliu em seco, agora verdadeiramente amedrontada. — Não vai retornar ao castelo.

— Me solta! — Ela tentou se soltar, enfiando as unhas da mão que estava livre nos braços de Alec, quando ele a prendeu com mais força e começou a arrastá-la em direção aos cavalos. Ele não parecia se importar com o sangue que as garras desesperadas da moça deixavam em sua pele.

— Depressa, Alec, acho que os guardas deram por falta de lady Katherine, posso ver algumas tochas... — Moira alertou, olhando alarmada em direção ao castelo.

Quando Alec se distraiu momentaneamente com as palavras de Moira, Katherine gritou e chutou sua canela, conseguindo se livrar das mãos que a prendiam e começou a correr desesperadamente. Mas Alec foi mais rápido e a puxou pelo manto. Porém, Katherine não estava disposta a se render e se debateu, livrando-se do manto, continuando sua desenfreada fuga. Só que, se ela queria fugir, Alec e Moira também queriam muito mantê-la prisioneira e não demorou para Katherine sentir as mãos do agressor a agarrando por trás e, desta vez, ele tapou sua boca e a arrastou em direção ao cavalo. Ela sentiu a mente rodar, quase sem ar ou forças para continuar lutando. Oh, Deus, estava perdida agora. O que será que Alec e Moira iriam lhe fazer? Katherine sentiu lágrimas amargas em seus olhos e uma dor de profundo pesar no coração, que suplantou a dor do tapa que Moira lhe deu, enquanto a chamava de nomes chulos, com raiva na voz.

— Pare com isso, Moira, precisamos entregá-la intacta — Alec proferiu, jogando-a em cima do cavalo e montando atrás.

— Achei que queria vê-la morta! Não é isso que vem dizendo todo esse tempo? Que deveria matá-la para se vingar de Kieran?

— Lady Katherine agora vale muito mais para mim se estiver viva.

— Deveria saber, sua ganância sempre foi maior que sua honra.

— Vamos embora antes que deem falta dela... Ele está nos aguardando.

Moira e Alec continuaram a falar enquanto imprimiam um ritmo impetuoso à cavalgada, mas Katherine já não ouvia nada e deslizou para a escuridão.


Katherine voltou ao presente, levantando-se da cama, os olhos percorrendo novamente o aposento em busca de alguma pista, mas tudo lhe era estranho. Onde estava?

De repente a porta se abriu e uma senhora apareceu. Ela tinha o cabelo grisalho e o corpo avantajado com um rosto desprovido de expressão. Parecia uma criada.

— Milady pode me acompanhar — E sem mais, ela deu meia volta, deixando a porta entreaberta para que Katherine a acompanhasse.

Katherine hesitou por um momento, mas que opção tinha? Era melhor ir logo em direção a seu insólito destino.

Enquanto percorria os corredores iluminados por velas, reconheceu que estava em um castelo, um tanto parecido com o de Kieran. Desceram as escadarias e a mulher parou, voltou e fez um sinal com a mão.

— O Laird a aguarda no salão.

O Laird? Katherine quase nada entendia de gaélico, mas sabia que Laird queria dizer chefe. O chefe de um clã.

— O... o chefe? — balbuciou. Porém com seus passos silenciosos, a criada já se afastava, deixando Katherine mais confusa ainda.

Engolindo o medo, ela adentrou no salão, onde havia uma grande mesa vazia. Quando se aproximou, com o andar incerto, avistou um homem de costas olhando pela janela.

Ela parou, temerosa. Não era Alec, certamente.

— Posso sentir o seu medo — o homem disse de repente, e ela se encolheu mais ainda. Então o homem se virou e ela reconheceu Cameron McBride.

— Eu o conheço — sussurrou —, é Cameron McBride.

O homem sorriu, mas certamente aquele não era um sorriso feliz, ou divertido. Na verdade, mais parecia uma careta, como se ele não soubesse mais como fazer algo tão corriqueiro como sorrir.

— Acho que não fomos devidamente apresentados. — Ele caminhou em sua direção e Katherine deu um passo para trás, em sinal de medo.

— Eu estava certo, está com medo. — Ele parou, estudando seu comportamento.

— Não deveria estar? Alec e Moira me trouxeram à força.

— Alec me disse que você acompanhou Moira de livre e espontânea vontade.

— Sim, porque acreditei que ela apenas me levaria para fora da fortaleza para encontrar Alec!

— E por que a senhorita queria encontrar Alec?

Katherine engoliu a resposta, hesitando em tocar no nome de lady Liliana na frente daquele homem.

Ainda podia se lembrar do dia do seu casamento com Kieran, de como Cameron gritara acusando Kieran de ser o culpado da morte de Lili. A mulher que ele amou e que Kieran roubou.

A mulher que morreu se jogando do precipício e que era a verdadeira causa da dor no olhar daquele homem na sua frente. Assim como era responsável pela dor nos olhos de Kieran quando Katherine chegou ao castelo. Mas ela não estava mais lá, Katherine atinava agora. O amargor que havia na expressão e na voz de Cameron não acompanhava mais Kieran.

Katherine sentiu a dor aprisionar seu peito ao pensar em Kieran.

— O que estou fazendo aqui? — indagou por fim. — Eu não entendo!

— A senhora precisa comer — ele respondeu simplesmente, apontando para a mesa. — Sente-se.

Katherine não se mexeu, achando que talvez ainda estivesse dormindo e sonhando com toda aquela cena bizarra. Até que a mesma criada que a buscou no quarto entrou no salão carregando uma bandeja com assado.

— Por favor, milady — Cameron insistiu com inesperada suavidade e educação.

Katherine se obrigou a fazer o que lhe era pedido e sentou-se à mesa, a frente do seu inusitado anfitrião.

Ele serviu uma taça de vinho para Katherine, antes de servir a si mesmo.

— Beba.

Sua mão estava inesperadamente firme quando pegou a taça e levou a boca, sorvendo o líquido, o que lhe trouxe a mente, de novo, lembranças de Kieran, quando ele pedira para que ela o esperasse acordada que lhe traria uma garrafa de vinho. Katherine sentiu os olhos marejarem, lamentando como tudo estava acabado agora. Não haveria mais vinhos sorvidos em sua pele, seguido de beijos sôfregos e noites de amor. Não haveria mais Kieran. Será que ele já tinha dado por sua falta? Ou se importava o suficiente para se perguntar onde diabos ela tinha ido? Ou será que ficou aliviado com seu sumiço?

— Não está comendo — Cameron comentou. — Precisa comer e ficar forte para pegarmos a estrada.

Katherine engoliu o nó na garganta, encarando seu anfitrião.

— Estrada?

— Apenas coma! — cortou sua fala de maneira ríspida, ocupando-se em comer.

Katherine obrigou-se a comer, embora não tivesse vontade. De repente ela queria realmente estar forte, ao menos para conseguir extrair alguma resposta do escocês.

Ele dissera que iam pegar a estrada? Aonde iriam?

E porque ela estava ali? Era tudo uma incógnita.

— Acho que eu deveria saber o que estou fazendo aqui e porque disse que pegaremos uma estrada — insistiu com a voz mais altiva que conseguiu imprimir e finalmente o homem a encarou.

— Então, já que vamos conversar, poderia me dizer o que tanto queria extrair de Alec.

— Alec me perseguia.

Cameron levantou a sobrancelha.

— Perseguia?

Katherine deu de ombros.

— Ele não perdia a oportunidade de me cercar, obviamente quando Kieran não estava por perto. Insistia que eu corria perigo, que se eu continuasse com Kieran, eu acabaria como... Lady Liliana.

Como previra, tocar no nome de Lili fez a expressão de Cameron mudar. E agora sua face parecia esculpida em gelo.

Katherine continuou.

— Foi ele quem me contou o que aconteceu entre vocês — ela hesitou, mas em vista do silêncio do escocês, prosseguiu —, que Lili era sua amada. Que você e Kieran lutavam com Willian Wallace e que, quando voltou da França, Lili estava casada com Kieran e você não o perdoou.

Katherine podia notar a dor que suas palavras causavam em Cameron, como isso ainda o afetava. E, apesar de não conhecê-lo, sentiu uma certa compaixão. Ela entendia o que era um amor perdido agora.

— Então tornou-se amiga de Alec para saber das fofocas da fortaleza MacAlister?

Katherine ignorou seu sarcasmo.

— Eu queria entender por que Kieran era daquele jeito, por que vivia trancado nas sombras — tentou explicar. — Por que ele ainda se martirizava e sofria pela morte da primeira esposa e por que diziam que ele era o culpado de sua morte, embora ela tenha cometido suicídio.

— E Alec te falou?

— Alec disse que Kieran roubou Lili apenas para maltratá-la e fazê-la infeliz. Que ele mesmo tentou avisá-la e protegê-la, mas que não conseguiu. E que, por isso, ela se matou.

— Pelo visto sabe muito, e mesmo assim seguiu Moira.

— Alec dizia que tinha mais coisas para me contar, porque... eu não conseguia mais acreditar que Kieran era culpado de alguma coisa.

Desta vez Cameron bateu a taça com força sobre a mesa, fazendo tudo pular e o líquido da taça de Katherine derramar como sangue sobre a mesa.

— Acha que ele deve ser ilibado de toda culpa? — O rosto de Cameron estava tomado pela ira. — Ele era meu melhor amigo! Era como um irmão e eu lhe confiei aquilo que me era de mais sagrado, apenas para ser traído!

— Não defendo as atitudes de Kieran por ter... se envolvido com a mulher que você amava, sendo amigos...

Cameron soltou mais uma de suas risadas sem humor.

— Se envolvido? Ele a seduziu! Se aproveitou de sua confiança e da minha própria quando pedi que ele cuidasse de sua segurança enquanto eu estivesse fora. Ele sempre soube que íamos nos casar... — Cameron abaixou a voz, como se tivesse perdido em pensamentos antigos. — Nós três éramos amigos desde criança. Praticamente inseparáveis. Brincávamos juntos e crescemos juntos. Então Lili e eu nos apaixonamos. Eu devia ter percebido que Kieran a amava também, que a queria para si. Mas eu fui cego, achei que ele tinha ficado feliz por nós. E, assim que nós partimos com Wallace, eu prometi voltar e me casar com Lili. Kieran sabia disso e eu não pude acreditar quando retornei da França e eles estavam casados. Eu me senti... duplamente traído. Queria sangue. Queria matá-los com minhas próprias mãos. E eu fui até a fortaleza MacAlister, eu estava sozinho porque todos os meus guerreiros estavam com Wallace. Mesmo assim, eu não me importei. Mas fui contido pelos homens de Kieran. Eu gritei para que, se ele fosse homem, viesse me encarar. Seria uma luta homem a homem. Mas ele não veio.

Katherine lembrou-se da história parecida contada por Alec. Mas esta versão era diferente. Na versão de Alec, Cameron lutou com seus homens com Keiran e este ultimo vencera.

Em que mais Alec mentira?

— Naquela noite, Lili veio me procurar. — Cameron continuou — Eu estava bêbado e miserável. Alec estava comigo, eu pedi que ele não deixasse Lili entrar. Ele foi encontrá-la e voltou dizendo que ela chorava e que veio implorar pela vida de Kieran, que não queria que nós lutássemos. Pedia que eu perdoasse Kieran. — Cameron riu, uma de suas risadas sem humor. — Como eu podia perdoá-los?

— Nem ao menos quis ouvi-la?

— Naquele momento eu só sentia ódio. Eu não queria ouvir ninguém, nem Alec, que dizia querer me ajudar. E dias depois, Lili morreu e eu... — ele engoliu um soluço — eu percebi que a devia ter recebido, devia tê-la livrado do julgo de Kieran, porque só então Alec conseguiu me contar o inferno que ela vivia, e como se arrependeu de ter acreditado em Kieran e se casado com ele, pois Kieran a maltratava e a enlouquecia de ciúme. No fundo, ele sabia que o tipo de amor que eu e Lili tínhamos não ia se desfazer facilmente.

— Por que não o matou depois de tudo?

— Wallace voltou por essas bandas, ficou sabendo de nossa contenda e pediu que nos juntássemos a causa novamente. Ele praticamente me proibiu de me vingar de Kieran. E eu respeitava demais Wallace para ir contra sua ordem e, além do mais, estava tão consumido pela morte de Lili, que só queria sair daqui. Decidi ir para a França de novo, porque não suportaria lutar ao lado de Kieran. Mas quando retornei, após a morte de Wallace, soube que Kieran não havia retomado às forças rebeldes e que tinha mandado seus guerreiros embora, trancando-se na fortaleza MacAlister como um morto vivo. E todos esses anos eu me fiz a mesma pergunta. Por que não o matava, já que estava livre da promessa a Wallace. Mas no fim, acho que a vida nas sombras, remoendo para sempre o que ele fez comigo e Lili era sofrimento bastante para Kieran.

— E, assim, chegamos até aqui — Katherine murmurou, tentando assimilar a versão dos fatos de Cameron McBride. Embora alguns fatos divergissem, muito do que Cameron contou se parecia com a versão de Alec. Kieran fora um canalha traidor, roubando a noiva do melhor amigo e ainda a prendendo num casamento infeliz, cheio de ciúme e maltrato. E, no fim, Lili se arrependera e viera atrás do seu amado, apenas para ser rejeitada e, depois disso, acabara com a própria vida.

E Kieran se fechara em culpa e dor, preso na escuridão de sua fortaleza, um morto-vivo, como salientara Cameron.

Parecia fazer muito sentido. Foi assim que Katherine o encontrara. Um homem irascível e frio, num castelo cheio de sombras, tendo como companhia uma taciturna criada e um quadro de uma moça misteriosa. Liliana.

Por que ainda não parecia fazer sentido?

Será que sua paixão por Kieran a tinha deixado cega para a verdade? E agora ela custava a acreditar em todas aquelas atrocidades de que o acusavam?

— O que pretende fazer comigo? — questionou por fim.

— Eu deixei Kieran viver porque achei que ele merecia viver eternamente no sofrimento. Mas ele se casou de novo e de repente era como se nada tivesse acontecido. Como se todo o sofrimento de Lili não tivesse passado de um contratempo esquecível, e ele agora passeia por aí com sua nova e jovem esposa, como um homem apaixonado. Como se tivesse direito a ser feliz de novo. Acha que Kieran merece ser feliz depois de ter matado Lili?

— Como tem tanta certeza de toda a culpa de Kieran?

— Lili pediu ajuda de Alec, ele foi testemunha de tudo.

— Por que confia tanto em Alec?

— Alec e eu somos parentes. Ele é um primo por parte de mãe. Mas o clã era muito pobre e se espalhou pela Escócia. Alec foi aceito pelo pai de Liliana no seu castelo. Ele era um homem sozinho com sua filha única. E Alec se tornou o administrador do castelo quando Douglas adoeceu. E foi justamente quando o pai de Lili morreu que Kieran se aproveitou e a convenceu a fugir dos cuidados de Alec e a se casarem. Alec não tinha homens suficientes para ir atrás de Lili, a maioria dos guerreiros de Douglas estavam com Wallace. E Kieran ainda o colocou para fora do castelo quando tomou posse de tudo o que era de Lili. Alec foi o único que me disse a verdade, ele me contou o que andava acontecendo aqui às minhas costas, de como Kieran seduziu Lili e eles me traíram se casando. Alec tentou ajudá-la. Mas Kieran era forte demais, nada o atingia. Alec achou que quando eu voltasse, conseguiria acabar com Kieran e, assim, tirar Lili das garras de MacAlister e Alec poderia reaver o castelo de Douglas, que era a vontade do pai de Lili.

— O que aconteceu com o castelo dos Douglas?

— Após a morte de Lili, Kieran deu a propriedade para as forças rebeldes usarem. O castelo acabou por ser dizimado em uma luta com os ingleses. Hoje são apenas ruínas.

Katherine lembrou-se do castelo em ruínas que avistou quando passeava com Kieran naquela manhã e em como ele ficara frio depois disso. Devia ser aquele o castelo Douglas.

— Isso seria um motivo para Alec odiar Kieran — Katherine atinou, deixando o olhar vagar para a janela, pensativa. Fazia sentido.

— A senhorita está pálida, tome mais vinho — Cameron chamou sua atenção e ela olhou de volta para a mesa e viu sua taça cheia novamente. Ela a pegou e sorveu o vinho. Encarou Cameron fazendo a pergunta crucial.

— Ainda não entendi por que estou aqui.

— Alec me convenceu de que eu podia tirar algo de Kieran, como ele tirou Lili de mim.

— E como vai fazer isso?

— Está se espalhando como pólvora uma notícia de que Kieran rompeu com a Inglaterra e que Edward está escolhendo um marido para a senhorita.

— Isso é um absurdo — Katherine refutou, mas ela já sabia que era verdade. Quando Kieran confessou que rompeu com Edward, ela já atinava que Edward não deixaria que ela permanecesse na Escócia. Mas ter certeza de que aquilo estava realmente acontecendo a deixava apavorada.

— Edward inclusive já enviou um pedido para Kieran devolvê-la.

— Kieran não fara isso!

— Milady não está mais em seus domínios.

— Então vai pedir a Edward para se casar comigo? É essa sua intenção. Sua tão almejada vingança contra Kieran?

— Nós estamos partindo ainda essa madrugada. Edward está na fronteira. Ele anulará esse casamento e você pertencerá a mim.

— Eu me recuso. — Katherine se levantou, indignada, pronta para lutar contra aquele absurdo, mesmo sem saber como.

— Não tem escolha, lady Katherine. — Cameron disse, mas Katherine começou a ver tudo turvo.

Então sentiu a língua pesada ao tentar falar e a mente rodou.

— O que está acontecendo... O que fez comigo?

— Apenas a deixei mais maleável, milady. Não se preocupe, não a envenenei. Eu preciso da senhora viva...

E, de novo, Katherine deslizou para a escuridão.


Vinte e dois


Final

 

Kieran cavalgou pelas planícies das Terras Altas a toda velocidade. A cada minuto que passava era mais um minuto que Katherine podia estar em perigo.

Quando se deu conta de que Katherine não estava no castelo, chegou a desconfiar que ela pudesse ter ido de livre espontânea vontade. Fugido, talvez, de sua ira, depois do desentendimento daquela noite. Porém, a partir do momento em que avistou o sangue em seu manto, encontrado nas imediações do castelo, a fúria mesclada à preocupação tomou conta de seus atos.

Katherine fora levada de sua fortaleza e ele tinha que descobrir em quais circunstâncias e o mais importante: por quem?

Primeiro ele achou que poderia ser obra de Edward, mas tal façanha, agir na calada da noite, não era feitio do monarca. Por que ele mandaria a missiva com a ordem para levar Katherine de volta a Inglaterra, se estivesse conspirando para arrebatá-la à força? Não fazia sentido.

Então uma suspeita fria o dominou, logo se transformando em certeza, enquanto ele gritava ordens para os homens prepararem-se para partir. Havia duas pessoas nas Terras Altas que cometeriam uma temeridade tão grande contra Kieran: Alec ou Cameron. Ou os dois juntos.

Kieran se amaldiçoava por ter deixado aquele crápula do Alec vivo. Ele devia o ter matado há muito tempo. Mas o patife, que parecia muito cheio de galhardia e coragem perto de todos, não ousava se aproximar de Kieran. Tanto que suas ameaças nunca chegaram a incomodá-lo, ainda mais depois da morte de Lili. Antes, ainda podia haver certa preocupação com o miserável, mas após a tragédia com Lili, Kieran já não tinha motivos para travar qualquer luta contra um cretino aproveitador como Alec. Aliás, ele não via motivos para travar qualquer batalha que fosse. Não havia mais vontade de viver. No entanto, agora, ele percebia seus erros. Mais uma vez. Havia errado há tantos anos com Cameron. E depois se recolhera em sua fortaleza, sozinho e consumido pela culpa e nunca sequer tentou explicar a Cameron seus verdadeiros motivos. Não que achasse que fosse adiantar alguma coisa. Cameron o odiava. E depois da morte de Lili e todas as mentiras que foram espalhadas por Alec, certamente movido pelo rancor por Kieran ter arrebatado Lili da fortaleza Douglas, Cameron o odiava ainda mais. E do que ia adiantar depois de tudo? Lili se fora, e a culpa, senão inteira, mas pelo menos uma parte dela, podia ser atribuída às ações de Kieran.

A verdade era que ele nunca deveria ter se casado com Lili. Tudo começou a ruir a partir daí. No fim, ela levara a vida dele junto com a dela naquele precipício. E a de Cameron também.

Tantos erros, tanta dor... Poderiam ser evitados?

Ele não saberia dizer.

Uma coisa era certa. As coisas seriam diferentes desta vez. Katherine não teria o mesmo destino de Lili. Ele não permitiria.

Kieran havia passado tempo demais nas sombras para querer voltar para lá. Porque sabia que perder Katherine seria mil vezes pior do que perder Lili.

Ele havia devotado a Lili o amor mais puro, um amor nascido na infância, num laço de amizade e ternura, que não se desfez nem mesmo quando viu nascer em Lili e Cameron um amor apaixonado. Assim, ele sufocara dentro de si a inveja que não pudera conter, quando seus dois melhores amigos trocaram juras de amor eterno. O último passo para a união total, o matrimônio, não sendo dado apenas porque Cameron se juntara às forças rebeldes de Willian Wallace.

Kieran seguiu o amigo no mesmo fervor, ansiando por uma Escócia livre do julgo inglês, a paixão juvenil por Lili sendo esquecida nos braços de mulheres sem nome pelas planícies das Terras Altas em guerra.

Mas ele retornou ao seu lar quando o pai faleceu e passou para ele todo o poder da fortaleza MacAlister. Agora Kieran era o laird MacAlister e o peso de ser um dos homens de Wallace fizeram seu nome ser sinônimo de força e poder.

Cameron foi para a França a pedido de Wallace, que almejava o apoio na revolução e Kieran prometeu que cuidaria de Lili. Mas certamente ele não esperava ter que se casar com ela para tanto...

— Senhor, não parece ter guardas nos esperando — um dos seus homens falou ao seu lado, e Kieran voltou à realidade para avistar a fortaleza McBride através das brumas do amanhecer. Apurou os ouvidos e, além do som do vento, não havia sinal de vida dentro da fortaleza. Seria uma armadilha?

— Vamos entrar. Mas fiquem alerta — ordenou, enquanto seguiam em frente, chegando fácil ao pátio do castelo silencioso. Desmontou e com a espada em mão precipitou-se para dentro, seguido de seus homens.

Dentro da fortaleza o silêncio era igual. Kieran sentiu um arrepio na espinha ao ouvir passos e se virou, pronto para a luta, porém quem apareceu na sua frente foi Moira.

— Kieran MacAlister, estava mesmo esperando por você.

— Onde estão todos? Onde está Katherine, sei que a trouxeram para cá. — Fez sinal para seus homens prosseguirem a tomada do castelo.

— Ah, sim, ela esteve aqui. Mas como já deve ter percebido, não há mais ninguém na fortaleza.

— Que diabos está acontecendo? — Avançou, segurando a mulher pelo pescoço, mas ela apenas riu.

— Não é a mim que deve matar, Laird.

— Apenas me diga onde está Katherine — sibilou.

— Se me soltar eu lhe contarei, preciso estar viva para isso!

Kieran soltou a mulher, que massageou o pescoço, ainda ostentando um sorriso debochado no rosto.

— Alec e eu raptamos lady Katherine. — Kieran rosnou de ódio. — Eu fingi ser uma criada — prosseguiu — e entrei no castelo, conseguindo tirar lady Katherine de lá. Isso foi fácil, Alec vinha a instigando com histórias sobre seu passado e de lady Lili. Sabe como Alec é bom nisso.

— Estou perdendo a paciência, Moira...

— Certo, vejo que tem pressa e deve ter mesmo, se ainda quer ter uma esposa...

Kieran avançou novamente e, dessa vez, Moira teve o bom senso de dar um passo atrás.

— Calma, Laird. Terei todo o prazer de lhe contar tudo. Alec me traiu. Me deixou para trás, correndo como um cordeirinho atrás de Cameron, querendo cair nas graças do rei Edward, aquele tolo.

Kieran avistou Crispim retornando da incursão ao interior do castelo.

— Nenhum sinal de vida, chefe — confirmou as palavras de Moira.

— Onde está Katherine? — Kieran avançou novamente, segurando agora a espada no pescoço da curandeira. — E fale a verdade porque eu não hesitarei em cortar seu maldito pescoço.

— Cameron a levou.

— Para onde?

— Para a fronteira. Para Edward! Cameron soube que Edward está escolhendo um novo marido para lady Katherine. Alec o convenceu a ser esse marido, assim poderia se vingar de você por ter roubado Lili!

— Quando saíram?

— Há horas.... devem estar longe agora...

Kieran a soltou.

Uma sensação de urgência tomou seu coração.

Precisava se apressar em direção à fronteira.

— Kieran? Talvez queira saber de mais uma coisa... — a mulher o chamou. Já estava farto de Moira, mas sabia que não tinha tempo a perder com a noiva de Alec agora. Ela era o menor de seus problemas. Mesmo assim, ele parou e a encarou. Esperava que ela tivesse mais alguma informação que pudesse ser útil ao resgate de Katherine, mas com certeza não esperava o que veio a seguir. — Lili não pulou daquele precipício.

— O que diabos está falando? — sibilou.

Ela sorriu maldosamente.

— Alec a empurrou.

Kieran sentiu o chão fugir de seus pés.

***

Katherine não saberia dizer com que tipo de poção fora drogada, mas deveria ser algo poderoso, pois quando acordou novamente estava em um castelo estranho de novo. E, ao olhar pela janela, percebeu que não estava mais nas Terras Altas.

A cabeça ainda latejava e seu coração doía ainda mais ao lembrar das últimas palavras de Cameron. Ele ia levá-la até Edward. Para que o casamento com Kieran fosse anulado.

E Cameron pretendia se casar com ela para se vingar de Kieran.

— Milady acordou, finalmente. — Katherine se virou ao ouvir a voz conhecida na porta e sentiu alívio ao ver Callum.

— Callum! Onde estou?

O homem sorriu, tentando lhe passar um pouco de confiança, embora Katherine soubesse que isso seria impossível no momento.

— Está em minhas terras, lady Katherine.

— Na fronteira? — Ela estremeceu. — Então Cameron conseguiu... eu não vi nada, não pude impedir, ele me drogou com alguma coisa.

— Alec me disse que Moira a drogou.

— Eles estão aqui? Alec e Moira?

— Apenas Alec com Cameron e seus homens.

— E por que estou no seu castelo? Você está do lado deles? Sabem o que querem fazer?

O semblante de Callum se tornou grave.

— Sim, eu sei.

— Então tem que me ajudar! Não pode compactuar com esse absurdo.

Uma criada os interrompeu entrando no quarto com uma bandeja de comida, e Callum esperou ela sair para prosseguir.

— Katherine, eu sei que não esperava por isso, mas talvez devesse estar preparada para essa reação de Edward.

— Eu não sabia que Kieran tinha rompido com a Inglaterra.

— Não?

— Não quando ele voltou, pelo menos.

Então contou ao escocês sobre Harry e como Kieran ficou furioso e Katherine acabou descobrindo sobre o rompimento com a coroa inglesa.

— Edward mandou buscá-la. Era de conhecimento de todos que você deveria voltar à Inglaterra.

— Para ele me arranjar um novo marido — ela falou com amargor. — Eu não passo disso, não é? Uma moeda de troca! Algo para Edward usar como trunfo para conseguir apoio escocês.

— Eu sinto muito, milady.

— E o que vai acontecer agora? Por que estou aqui na sua casa?

— Edward usa minha casa quando está na fronteira. Cameron deduziu que ele estaria aqui.

— E Edward não está aqui?

— Não. Edward adoeceu, Katherine. Ele retornou à Inglaterra.

— E por isso nós estamos partindo. — Katherine estremeceu ao ouvir a voz odiosa de Alec na porta. — Ainda não comeu, milady? Deve comer para partirmos.

— Não vou a lugar algum — Katherine rosnou.

Alec riu.

— Callum, Cameron está requerendo sua presença no pátio. Estamos nos preparando para partir. Eu vim buscar lady Katherine. E parece que chegou um Inglês querendo lhe falar.

— Então vão mesmo atravessar a fronteira?

— Sim.

Callum hesitou em deixar Katherine sozinha com Alec.

— Oras, não vou fazer-lhe nenhum mal. Cameron precisa dela viva para seus planos.

Callum saiu silenciosamente do quarto e Alec se aproximou.

— Coma, Milady.

— Não.

— Quer desmaiar de novo?

— Você e aquela mulher odiosa me drogaram!

— Moira não está aqui, não se preocupe. Agora coma!

— Para quê? Já disse que não vou a lugar algum com você e Cameron.

— Sabe que não vai adiantar se recusar. Nós a levaremos à força se for preciso. Cameron não vai desistir. Nós a levaremos até a Inglaterra para o casamento.

— Eu já sou casada!

Alec gargalhou.

— Edward vai anular seu casamento com Kieran.

— Por que está fazendo isso, Alec? O que ganha? Sei que odeia Kieran, e acredito que é por causa da propriedade dos Douglas, não é? Você a queria para si.

— Sim, eu odeio Kieran porque ele me impediu de pôr as mãos nas terras de Lili.

— Mas você era apenas o administrador. As terras de Lili seriam do homem que se casasse com ela... — E repente Katherine entendeu. — Você queria se casar com Lili!

Alec não negou.

— Queria forçá-la a se casar com você, mas ela amava Cameron. Porém Cameron não estava lá para protegê-la. Para se casar com ela... Por isso Kieran a tirou da fortaleza Douglas. Por isso ele se casou com ela...

— Você é bem inteligente para uma mulher, milady, agora coma essa droga de comida, antes que eu me irrite!

— Você mentiu! Inventou todas aquelas histórias sobre Kieran. Porque não tinha forças para lutar com ele! Jogou com o destino de Lili, Kieran e Alec por ganância! Remoeu o fato de Kieran ter lhe tirado a fortaleza Douglas todo esse tempo...

— Isso não deve te interessar mais!

E sem cerimônia, ele a pegou pelo braço, praticamente a arrastando para fora.

A movimentação era grande no pátio do castelo, com todos os homens de Cameron se preparando para a partida iminente.

Cameron falava com seus homens, ditando ordens e nem lhe deu atenção. Katherine imaginou se conseguiria dizer a ele suas conclusões sobre Alec e o casamento de Lili e Kieran, mas como faria isso? E como ele acreditaria nela?

— Fique quieta aqui e nem tente nada, se não quer se machucar. Cameron a quer viva, mas não se oporá em deixá-la desacordada de novo se começar com rebeldia.

Katherine apenas assentiu. Não era hora de se rebelar agora. Era hora de pensar em como iria sair daquela enrascada.

Alec se afastou e Katherine olhou em volta à procura de Callum e seus olhos se arregalaram ao ver Harry.

— Harry! — sussurrou, sem acreditar que estava mesmo vendo o amigo.

Harry aproximou-se, olhando para todos os lados, atento. Aparentemente todos estavam ocupados com o preparativo da partida para prestar atenção nele.

— O que faz aqui, como...

— Katherine, você está bem? — ele a estudou, preocupado.

— Não estou machucada, mas estou apavorada. Fui sequestrada por Alec e Cameron e eles querem me levar para a Inglaterra para que meu casamento com Kieran seja anulado! E Cameron vai pedir para se casar comigo!

— Eu sei, Callum me disse...

— Como veio parar aqui se Kieran o prendeu na torre?

— Kieran me soltou e mandou que eu viesse dar um recado a Edward.

— O quê? Kieran o soltou? Como... Ele sabe que eu fui levada, ele...

— Até a hora que eu saí da fortaleza MacAlister, ele não sabia de nada.

— Oh, Deus...

— Mas me escute, Katherine. Kieran recebeu uma missiva de Edward, pedindo que você fosse devolvida à Inglaterra imediatamente.

— Então ele já sabe disso...

— Ele mandou que eu dissesse a Edward que não iria devolvê-la. Que você iria ficar no castelo, onde era sua casa agora.

— Oh! — Katherine fechou os olhos com força, o coração se aquecendo com aquelas palavras. Kieran ainda a queria. Disse que não iria devolvê-la...

— Você realmente o ama, não é? — Harry indagou e ela assentiu.

— Do que adianta meus sentimentos agora? Na verdade, eles nunca foram levados em conta. Eu não passo de um prêmio. E vou ser levada de volta à Inglaterra e ser de novo obrigada a me casar com outro homem.

— Lady Katherine... — Alec se aproximava com um cavalo e lançou um olhar irado a Harry.

— Harry, precisa voltar para minha casa. Diga ao meus pais que eu os amo, cuide deles por mim.

— Katherine...

— Por favor, se afaste de mim, não deixe Alec ou Cameron saber quem é...

Ela deu alguns passos para longe do amigo, despedindo-se com o olhar, antes de encarar Alec.

— Monte. Eu mesma farei sua escolta para que seja obediente.

Katherine montou, sem dirigir a palavra ao escocês.

Ela sabia porque Alec queria ficar perto dela. Ele não queria que Katherine tivesse a oportunidade de conversar com Cameron.

Os cavaleiros começaram a cavalgar para fora da fortaleza e Callum se aproximou.

— Lady Katherine, espere! — Ele beijou sua mão. — Que Deus esteja com você, milady. Estarei orando para que tudo acabe em paz.

E ele bateu no traseiro do cavalo que saiu em disparada. E só então ela percebeu que Callum havia deixado um bilhete em sua mão.

Ela olhou em volta. E a atenção de todos estava à frente da estrada.

Ela abriu o bilhete com cuidado e seu coração deu um salto no peito.


“Kieran está à espreita. Mantenha-se em segurança quando começar a batalha.”

— Kieran — sussurrou, levando o pergaminho ao peito com força, um nó fechando sua garganta, lágrimas de alívio lhe toldando a vista.

Foi quando um grito mortal ecoou pela planície e um homem caiu do cavalo ao seu lado, atingido por uma flecha mortal. O sangue gelou as veias de Katherine e o seu cavalo se assustou, empinando e a jogando longe.

Katherine rolou pelo descampado e, quando finalmente conseguiu parar e tirar os cabelos do rosto cheio de terra e musgo, seus olhos se arregalaram com a cena a sua frente.

Flechas atingiam os homens de Cameron, que gritavam com suas espadas em mãos, prontos para a batalha.

Muito rápido, como se surgidos da própria terra, cavalos com guerreiros vestindo as cores do clã MacAlister surgiram no descampado. O barulho de metal se chocando contra metal era ensurdecedor.

Katherine não conseguia se mexer. Ela apenas percorria, com os olhos, os guerreiros em luta, à procura de apenas um. Kieran.

E quando finalmente o viu em meio à confusão de homens, espadas e sangue, um misto de alívio e medo oprimiu seu peito. E ele se livrava dos homens a sua volta com os olhos varrendo a luta, como se procurasse algo. Então seus olhares se encontraram e ela viu o mesmo alívio nos olhos dele.

— Katherine... — Ele veio em sua direção, mas um homem o interceptou e Kieran continuou a lutar com fúria. A espada do homem não demorou para voar e cair próxima a Katherine, antes do próprio homem cair ao chão. Mas outro se colocou na frente de Kieran, o impedindo de chegar até a moça que olhava tudo apreensiva. Sem saber o que fazer, Katherine olhou em direção a espada largada e, surpresa, viu Alec escondido atrás de uma moita, como bom covarde que era. Uma fúria cega a tomou e, sem pensar, ela rumou em sua direção e socou o rosto de Alec com uma força que ela não sabia que tinha.

— Seu covarde maldito! É tudo culpa sua!

— Sua vagabunda! — Alec se levantou, empunhando sua espada, mas certamente não esperava ser recebido pela espada que Katherine empunhava em sua direção.

Katherine não teve medo. Gritou e atacou Alec, rasgando seu braço com um golpe. Alec se recompôs da surpresa e atacou Katherine com igual fúria.

— Katherine! — dessa vez, ela ouviu a voz de Kieran que estava muito próximo e, distraída, se viu desarmada por Alec, a espada voado de sua mão.

Porém, Kieran estava próximo e a puxou com um braço, colocando-a atrás de seu corpo, ele mesmo indo para cima de Alec. Só que antes que ele atacasse o escocês, Cameron surgiu e se colocou na frente de Alec, as espadas se chocando no ar, agora ambas já banhadas de carmesim pelo sangue derramado. Nessa hora, Katherine soltou um grito mudo de terror.

— Saia da minha frente, Cameron, eu não quero usar minha espada em você! — Kieran lutou, defendendo-se dos golpes do oponente.

— Eu devia ter feito isso há muito tempo, traidor! — Cameron não estava disposto a desistir.

Katherine olhou além da luta e viu Alec ajoelhado, segurando o braço que sangrava muito. Sua espada esquecida em algum lugar.

Ela pensou em se aproximar e pegar, mas não conseguia tirar os olhos de Kieran e Cameron.

— Eu vou te matar por ter roubado a razão da minha vida! Eu queria o queria vivo para ver eu fazer o mesmo com você, mas acho que já protelamos demais esta batalha!

Cameron avançou e Katherine gritou, achando que Kieran estava perdido, mas ele tinha reflexos mais rápidos e conseguiu desarmar Cameron. A espada do escocês caiu ao chão, enquanto Kieran encostava-o em uma árvore, com a espada apontada para seu coração.

— Acabou, Cameron — Kieran murmurou, ofegante. Katherine acharia que poderia ouvir triunfo em sua voz, mas havia apenas pesar profundo.

— Mate-me logo, Kieran. Acabe logo com isso! — Cameron parecia tomado pelo mesmo pesar.

— Eu poderia te matar por ter tentando roubar Katherine, mas eu entendo você. Eu entendo porque me odiou por todo esse tempo, por eu ter roubado Lili, mas eu apenas a quis proteger.

— Você sempre a amou! Sempre quis roubá-la de mim...

— Eu amei sim. Mas nunca a tiraria de você.

— Mas a tirou.

— Porque Lili implorou.

— Não me venha com suas mentiras...

— Lili estava com medo de Alec. Depois que o pai dela morreu, ele queria se casar com ela e possuir a fortaleza Douglas. Ela sabia que ele ia conseguir, por isso implorou para que eu a tirasse de lá e, quando eu o fiz, pediu que eu me casasse com ela, porque só assim estaria segura.

— Eu não acredito em você!

Kieran largou a espada, deixando-a cair ao lado.

— Você estava na França. Ninguém sabia quando ia voltar. Eu disse para esperar, mas ela não quis. Achou que era a única maneira de parar Alec. E ela tinha razão. Ele tinha medo de mim como o bom covarde que é. Por que acha que ele tem tanto ódio de mim até hoje? Por que espalhou todas as mentiras sobre como eu tratava Lili?

— Isso é mentira, Cameron! — Alec gritou.

— Se não quer acreditar em mim, acredite nas palavras de Moira.

Katherine arregalou os olhos ao ver Moira se aproximando com um sorriso no rosto, escoltada por um dos homens de Kieran.

— Olá, Alec, vejo que continua o mesmo covarde e fraco de sempre! — ela cuspiu e então olhou para Cameron. — Sim, Kieran tem razão sobre Alec. Ele não passa de um porco ganancioso. Ele queria possuir Lili e a propriedade dos Douglas. Diga-me, Cameron, não foi Alec que sempre o incentivou a ir embora lutar com Wallace? Você queria se casar antes, lembra-se? E seu querido primo disse que deveria esperar... Ele sabia que você poderia demorar anos para voltar ou até mesmo morrer na luta! E ele poderia ficar com Lili. Envenenou o pai dela e, quando o velho morreu, disse que iriam se casar. Lili se recusou e ele a prendeu no castelo. Mandou até chamar o padre! Mas Lili conseguiu que Kieran a tirasse de lá. E eles se casaram. Alec ficou tão bravo... Começou a espalhar todas aquelas injúrias sobre Kieran ser horrível com Lili, enquanto ele mesmo, sempre que podia, cercava Lili próximo ao castelo, para infernizá-la! Tanto que ela não queria mais sair do castelo, não é? O que fazia aumentar as fofocas de que Kieran a prendia lá dentro.

— Lili tinha medo de Alec, por isso não queria sair da fortaleza — Kieran prosseguiu. — Eu o ameacei para ficar longe, achei que ele teria medo o suficiente para fazer isso. Mas colocá-lo para fora do castelo Douglas e dá-lo a Wallace o deixou cheio de rancor. E, como ele é um covarde, esperou você voltar e o incitou a não me ouvir, encheu sua cabeça com mentiras sobre meu enlace com Lili. Quando você foi atrás de luta, eu queria conversar e dizer a verdade, mas Lili me impediu. Disse que ela mesma queria ter a oportunidade de te contar tudo... Porque ela temia que nos matássemos. Não imaginei que ela fosse sair escondida naquela noite e vir atrás de você. E quando você não quis ouvir o que tinha a dizer, ela ficou arrasada. Eu implorei para tentar fazê-lo entender, mas ela disse que de nada adiantaria.

— E você ficou feliz, não é? — Alec finalmente falou. — Lili me disse que conseguiu convencê-lo de que deveriam esquecer Cameron, que ele não a tinha perdoado e que, agora, iriam ficar juntos para sempre.

Katherine olhou para Kieran e viu a dor, a culpa e a vergonha moldar-lhe as feições quando encarou de novo Cameron.

— Sim, como você disse, Cameron, eu amava Lili em silêncio. Eu juro que me casei com ela apenas para protegê-la de Alec. Eu nunca a toquei. Eu achava que poderíamos anular o casamento quando você voltasse. Mas quando não quis nem sequer nos ouvir, tão cheio de ciúme e rancor, ela me disse que sabia que eu a amava e que não era justo me fazer sofrer. E já que você não a queria, ela ia tentar me amar também. Mas ela nem sequer tentou, ela morreu dias depois e eu achei que... todos esses anos... que ela havia se matado de tanta dor, por não suportar não estar com quem ela verdadeiramente amava. Você. E me corroí pela culpa por todos esses anos. Achando, como você, que eu merecia sofrer por ser culpado pela morte de Lili — Então Kieran olhou para Alec —, mas ela não se matou.

Cameron que ouvia tudo em silêncio, como se tentando atinar se acreditava ou não em tudo o que Kieran e Moira diziam, franziu o olhar.

— O que está querendo dizer?

— Alec a matou — foi moira quem disse. — Ele a empurrou no precipício! Ele a atraiu até lá com a falsa promessa de que você iria ouvi-la, Cameron, mas ele queria apenas tentar convencê-la a anular o casamento com Kieran e ficar com ele. E ele se surpreendeu quando ela afirmou que ia ficar com Kieran. Pobre Alec, tão preterido. Ele ficou furioso e a empurrou!

— Você a matou, é verdade? — Cameron perguntou por fim, achando sua voz.

— Claro que é! — Katherine gritou —Todos vocês já deveriam ter percebido o verme que Alec é faz tempo!

— Já estava cansado de lady Lili! Sim, eu a empurrei! — Alec desabafou por fim e sorriu. — E estou cansado desta vadia também! — De repente tudo aconteceu muito rápido. Em um segundo, havia uma espada brilhando nas mãos de Alec e ele avançou para Katherine. Mas antes que conseguisse seu intento, Katherine ouviu o grito de alerta de Kieran e sua sombra se aproximando para tirá-la de perto do golpe iminente, ao mesmo tempo em que Cameron se colocava a sua frente, recebendo, assim, o golpe mortal em seu peito.

Desta vez o grito foi de Katherine, ao ver Cameron cair ao chão. Kieran a puxou e se debruçou sobre Cameron, tentando estancar o ferimento.

— Cameron... resista...

— Eu já estou morto há muito tempo, Kieran... Eu só lamento ter te odiado tanto... — Cameron cuspiu sangue. — Agora é tarde para nós, mas pelo menos eu reencontrarei Lili. — Ele sorriu e fechou os olhos, suspirando ao receber a morte.

Katherine soluçou vendo Kieran tocar os cabelos do amigo de infância com pesar.

— Ele se foi — Moira pairou sobre eles —, mas o Alec está fugindo com o rabo entre as pernas — completou, e ambos levantaram para ver Alec montando em fuga.

Kieran levantou-se e Katherine pegou a espada de Cameron no chão e entregou a Kieran.

— Mate-o! — sibilou.

Já era hora de acabar com aquela história de traição, ganância e mentiras.

Kieran correu para um cavalo e o montou. Disparou atrás de Alec e o alcançou facilmente. Com a fúria nascida do ódio, Kieran brandiu a espada e gritou. A última coisa que viu nos olhos de Alec, antes de sua cabeça voar pelos ares, foi o medo covarde que sempre o acompanhou.

Kieran parou, respirando fundo, olhando agora para o corpo sem vida no chão. Não sentia triunfo. Apenas alívio. Mesmo que viesse misturado com a dor pela morte de Cameron. Era certo que não havia mais nenhum laço os unindo depois da tragédia com Lili, mas eles foram amigos por toda a infância, companheiros de luta. E Kieran lamentava que tivesse acabado assim. E tudo por causa da ganância e rancor de Alec Graham.

O equivocado casamento com Lili, o sofrimento de Cameron, que se sentiu traído por Kieran, a morte de Lili que, no fim, fora bem pior do que Kieran imaginava, todos os anos passados na sombra como um morto-vivo, consumido pela dor e culpa. Tudo fruto da mente doentia de Alec. Até mesmo o rapto de Katherine.

Ele quase a perdera também. Mas aquele capítulo sombrio de sua vida chegara ao fim.

Com um suspiro, ele largou a espada e foi ao encontro de sua esposa.

Ninguém mais ia tirá-la dele. Nem Edward. Ele lutaria com qualquer um que tentasse.

Katherine estava prostrada no chão, em choque ao ver Kieran matar Alec. Sentiu lágrimas quentes pelo rosto. Chorava por lady Lili, que tinha perdido a vida por causa da obsessão de Alec; chorava por Cameron, que perdera seu amor e passara anos culpando a pessoa errada; e chorava por Kieran, que tinha sofrido todos aqueles anos carregando a culpa daquela tragédia.

A luta tinha cessado em todo o descampado. Alguns homens de Cameron que sobraram tinham se rendido. Crispim escoltava Moira até um cavalo, como prisioneira. Kieran cavalgou em direção à Katherine.

E quando se aproximou o suficiente, puxou a mulher para o lombo do cavalo, colocando em sua frente. Katherine permitiu-se, então, chorar de alívio, finalmente em seus braços. Ele tinha vindo buscá-la. Lutara por ela.

— Você está bem?

Ela sacudiu a cabeça afirmativamente.

— Está machucada? — Ainda havia urgência e preocupação em sua voz.

— Não — Katherine conseguiu sussurrar.

— Chefe, o que faremos agora? — um dos homens gritou e Kieran o encarou.

— Recolham os corpos e os enterrem. Levem Cameron para Terras Altas. Ele será enterrado ao lado de Lili.

— E a mulher? — Ele apontou para Moira.

— Leve-a como prisioneira. Vamos entregá-la a Robert. Eu estou seguindo em frente. Estou levando lady MacAlister para casa.

Ele apertou as rédeas, levando-os para longe do que restou do campo de batalha, deixando todo sangue e violência para trás.

Katherine tocou seu rosto sujo de sangue e batalha, os olhos verdes brilhando ainda com fúria encontraram os dela.

— Você está aqui... você veio me buscar... — Katherine sussurrou e Kieran encostou a testa na sua, os braços na rédea, apertando-a forte contra seu corpo.

— Eu iria até o fim do mundo por você, inglesa.

Ela fechou os olhos, deixando todo o medo que envenenara o seu sangue nas últimas horas ser drenado de seu corpo.

— Mas o rei Edward...

— Olhe para mim! — Katherine abriu os olhos e o fitou. Havia uma determinação férrea em sua expressão que a arrebatou. — Ninguém a levará embora. Seu lugar é nas Terras Altas. Ao meu lado.

Katherine sorriu e o beijou em resposta. Havia tanto que queria dizer, tanto que queria saber, mas no momento estar com Kieran e saber que ele não deixaria ninguém a levar para longe dele, era o suficiente.


Katherine não soube dizer quantas horas viajaram. Em algum momento os homens de Kieran os alcançaram e ela dormiu de exaustão física e mental boa parte a viagem até que, finalmente, ela avistou a fortaleza MacAlister. Lembrou-se da primeira vez que avistara o castelo. Do medo do destino desconhecido. E, agora, ela sentiu como se estivesse chegando ao seu lar. Finalmente.

Ao chegarem ao castelo, Katherine notou uma movimentação diferente. Havia muito mais homens ali. Kieran desmontou e a tirou do cavalo.

— Kieran, meu amigo! — Um homem moreno aproximou-se e cumprimentou Kieran.

— Robert! — Kieran exclamou, surpreso.

Então aquele era Robert Bruce.

— Essa deve ser lady Katherine — ele falou sorrindo.

Katherine não soube o que dizer quando o homem lhe fez uma mesura e voltou-se rapidamente para Kieran.

— Meu amigo, sei que acaba de voltar de uma batalha, mas precisamos tratar de assuntos urgentes!

Kieran fitou Katherine.

— Suba com Brenda e descanse.

Só então Katherine notou Brenda, com seu costumeiro sorriso de escárnio.

— Bem-vinda ao lar, lady Katherine. — Ainda podia haver alguma ironia no tom da mulher, mas Katherine não se importou, apenas a acompanhou para dentro do castelo.

Ela precisava mesmo de um banho e se livrar de toda aquela sujeira de batalha.


Kieran esperou Katherine desaparecer dentro do castelo com Brenda e voltou-se para Robert.

— E, então, o que tem de tão urgente para me falar?

— Edward morreu.

— O quê?

— O rei Edward morreu ontem.

— Isso é realmente inesperado.

— E o que nos interessa é que o novo rei é um palerma. Mais preocupado com seu namorado cortesão do que com batalhas. O venceremos facilmente. Já chega de andar nas sombras, nós vamos voltar a luta pela Escócia. Agora é guerra. Quero saber se posso contar com você e seus homens.

— Sim, eu estou com a Escócia. Até o fim.

— Ótimo! Então vamos aos planos...


Katherine desceu horas depois para o salão, cansada de esperar por Kieran. As criadas lhe banharam e lhe deram o que comer e insistiram que descansasse, mas ela só queria encontrar Kieran.

— Onde está Kieran? — perguntou para Brenda.

— Ele ainda está com Robert Bruce.

Katherine achou melhor não interromper, embora estivesse curiosa para saber o que Robert estava fazendo ali. Caminhou para fora do castelo até a beira do precipício. Fechou os olhos, sentindo o vento varrer seu rosto. Fez uma prece por Lili, a mulher que vivera ali antes dela e que tivera um fim tão trágico. Esperava que sua alma encontrasse descanso. Assim como Cameron. Se houvesse uma eternidade, que eles estivessem juntos nela.

— Katherine? — Ouviu a voz de Kieran atrás de si.

Ele se aproximou. Também tinha tomado banho e vestia roupas limpas. Ela sorriu, mas o semblante dele estava um tanto grave.

— O rei Edward morreu — ele informou.

— O quê? — Ela se espantou.

— Ele sucumbiu a doença que lhe acometeu há poucos dias. Edward II agora é o rei da Inglaterra.

— Foi isso que Robert Bruce veio te dizer?

— Sim. Agora que Edward se foi, uma nova era começa. O acordo que fez, não existe mais... — Ele deu um passo em sua direção. — Eu te trouxe de volta, Katherine, mas ainda preciso saber. É de sua vontade ficar? Realmente não ia preferir retornar à sua casa na Inglaterra e à sua família?

— Kieran, ainda não entendeu? Eu te amo. Esta é minha casa — disse suavemente. — Sei que desconfiou de mim quando viu Harry, mas eu juro. Eu não conspirei contra você e Harry queria apenas me ajudar.

Uma sombra passou por seu olhar.

— Quando a vi com Harry, foi como voltar no tempo... Lili estando aqui, preferindo estar com Cameron que era seu verdadeiro amor... E foi mil vezes pior pensar que você poderia preferir outro homem — ele tocou seu rosto e Katherine perdeu o ar com a intensidade do seu olhar — porque o que eu senti por Lili não é nem um décimo do que eu sinto por você, Katherine. Do amor que sinto por você...

— Kieran — Katherine segurou sua mão junto ao peito —, ninguém tocou meu coração, meu corpo e minha alma como você. Só você. Eu sou sua, somente sua, agora e sempre... — Suas palavras foram engolidas pela boca de Kieran que a possuiu com um beijo que dizia, sem palavras, que sentia o mesmo.

E, ainda assim, ele sussurrou contra seus lábios:

— E eu nunca achei que diria isso para alguém nascido na Inglaterra, mas eu sou seu, inglesa.

Ela riu, a felicidade aquecendo seu coração.

— Então não se preocupe, essa inglesa se rende totalmente à Escócia.

Foi a vez de ele rir e Katherine não protestou quando ele a pegou em seus braços e a levou para o castelo, direto para o quarto, ignorando o rolar de olhos de Brenda pelo caminho, e a colocou na cama, livrando-se de suas roupas com urgência, até que não houvesse nada entre seus corpos e o desejo desenfreado que sentiam.

E quando ele finalmente a possuiu, Katherine sentiu-se entregue de corpo e alma, sabendo que ali era seu lugar, entre os braços daquele escocês rebelde, que podia ser rude num momento e doce em outro, mas que conquistara seu coração.

Para sempre.

Escócia e Inglaterra podiam estar em guerra lá fora, mas, ali, naquele quarto, eles nunca estiveram mais unidos.


Junho de 1314


Em junho de 1314, a Batalha de Bannockburn foi travada entre a Inglaterra e a Escócia, resultando em vitória significativa para esta última.

O exército inglês com cerca de 25.000 homens, comandado por Edward II da Inglaterra, foi interceptado no vau de Bannockburn por um contingente escocês de cerca de 9.000 soldados, sob o comando de Robert Bruce.

O resultado pode ser atribuído à desastrada disposição das forças inglesas, entre dois riachos e em solo pantanoso.

Eduardo II retirou-se do campo e fugiu de volta à Inglaterra.

A vitória escocesa foi completa e, embora o reconhecimento inglês da independência da Escócia ainda tardasse mais de 10 anos (1328), ajudou Robert Bruce a restabelecer um Estado soberano escocês.


Epílogo

 

Katherine deixou os olhos correrem pelo horizonte das Terras Altas, através das planícies. O vento despenteava seus cabelos e ela sorriu ao ouvir os gritos das crianças brincando próximas dali. Seus filhos Patrick, Colin e Robert, respectivamente com seis, quatro e três anos. Katherine suspirou. Já fazia dois meses que Kieran partira para a batalha de Bannockburn com Robert Bruce e ela rezava todas as noites para que ele retornasse são e salvo. Olhou de novo a última carta de Harry. Ele havia se casado há três anos e sua esposa estava esperando o primeiro filho.

— Mamãe, mamãe! — ela ouviu os gritos das crianças apontando para algo e colocou a mão na testa para enxergar o que viam. E seu coração deu um salto ao ver Kieran se aproximando. Graças a Deus ele voltara.

As crianças correram para abraçá-lo e ele olhou para cima e sorriu quando seus olhos se encontraram. Katherine sorriu de volta e foi ao seu encontro. Kieran disse algo para as crianças que correram felizes em direção ao castelo. Provavelmente tinha dito que Brenda fizeram alguma guloseima. Brenda melhorara muito de humor quando as crianças nasceram. E agora também o castelo fervilhava de outros membros do clã que haviam retornado ao convívio.

Mas Katherine só se sentia inteira quando finalmente os braços de Kieran estavam em volta dela. Como agora.

— Bem-vindo ao lar, escocês. — Ela sorriu e ele a beijou. — Vencemos?

— Sim, vencemos.

— E isso quer dizer...

— Que chega de batalhas, Katherine. O caminho para liberdade está sendo travado, mas não precisam mais de mim.

— Você fez muito pela Escócia, meu amor.

— Sim, mas agora é hora de fazer pela minha família. — Ele sorriu passando a mão pelo ventre de Katherine, onde mais um bebê nasceria dali a alguns meses. — Dessa vez acha que teremos finalmente uma inglesinha insolente como você?

Katherine riu, ficando na ponta dos pés, e aproximou seus lábios dos dele.

— Eu acho que sim, mas se for outro garoto rebelde escocês, a gente pode tentar de novo...

— Isso me parece bom, lady MacAlister — ele murmurou e a beijou.

— Eu te amo, escocês — Ela suspirou, encostando a testa na dele.

— Eu te amo mais, inglesa.

 

 

                                                                  Juliana Dantas

 

 

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