Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O HOMEM E O MONSTRO / K. H. Scheer
O HOMEM E O MONSTRO / K. H. Scheer

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

O HOMEM E O MONSTRO

 

O produto do laboratório ataca  e o mistério dos moofs encontra sua solução.

A história da Terceira Potência em poucas palavras:

1971 — O foguete Stardust chega à Lua, e Perry Rhodan encontra a nave exploradora dos arcônidas, que realizou um pouso de emergência (vol. 1).

1972 — Criação da Terceira Potência, que enfrenta a resistência das grandes potências terrenas, e rechaça as tentativas de invasão vindas do espaço (vols. 2 a 9).

1975 — Primeira intervenção da Terceira Potência nos acontecimentos galácticos. Perry Rhodan defronta-se com os tópsidas e procura solucionar o mistério galáctico (vols. 10 a 18).

1976 — A Stardust-III descobre o planeta Peregrino, e Perry Rhodan alcança o dom da imortalidade relativa (vol. 19).

1980 — Perry Rhodan regressa à Terra e luta por Vênus (vols. 20 a 24).

1981 — Ataque do Supercrânio (vols. 25 a 27).

1982/1983 — Chegada dos saltadores, que pretendem eliminar a concorrência potencial da Terra (vols. 28 a 37).

1984 — Primeiro contato de Perry Rhodan com Árcon e sua nomeação como plenipotenciário do cérebro positrônico que exerce o governo do grupo estelar M-13 (vols. 38 a 43).

Quem quiser continuar a ser reconhecido como plenipotenciário do governante arcônida, não terá outra alternativa senão aceitar e executar as ordens do mesmo.

Perry Rhodan sabe disso, e seu psicólogo de robôs ainda o fortalece nessa convicção.

E a ordem do cérebro positrônico diz que Rhodan deve dirigir-se ao planeta Moof onde se verifica o encontro entre O Homem e o Monstro...

 

                                               

 

Os rostos dos homens, que estavam parados por ali, pareciam petrificados. Atrás deles acotovelavam-se os robôs pequenos e ágeis da divisão médica. Vez por outra, ouvia-se um tilintar dos instrumentos que, segundo as instruções recebidas, mantinham preparados para uma ação de emergência.

Nas chapas do peito e das costas das preciosas máquinas, brilhava o sinal do serviço médico. Nunca falhavam e não conheciam o cansaço; foram construídos especialmente para prestar ajuda a homens doentes.

Seus braços instrumentais finos e multi-articulados estavam prontos para entrar em ação. Apenas aguardavam as ordens dos médicos e cientistas.

As instruções ainda não vieram. Aqueles homens com os rostos que pareciam máscaras, contemplaram o espetáculo de pavor. Olhavam pela parede de plástico transparente da sala contígua. Um engenheiro da seção de climatização e purificação de ar surgiu na tela. Sua mão direita segurava uma das chaves da aparelhagem de distribuição. Os alto-falantes acoplados ao aparelho transmitiam o cantar e o chiar dos rolos de turbina.

Tudo estava preparado para o passo decisivo; mas havia um homem que ainda não conseguira decidir-se.

Perry Rhodan, comandante da expedição de Árcon e primeiro governante da União dos Povos Terranos apoiava ambas as mãos contra a parede divisória, como se quisesse envolver os setecentos homens marcados pelo destino com seus braços protetores.

Aquilo que se desenrolava atrás da parede não era engraçado nem risível. O comportamento de um grupo de homens doentes e desorientados só pode provocar as reações naturais do humor do espectador se este não sabe que se encontra diante de um aglomerado de sofredores.

E a bordo do supercouraçado Titan não havia ninguém que não estivesse informado sobre as causas daquelas palhaçadas.

Hipereuforia, era assim que os médicos designavam aquele estado. Era um bem-estar doentio, uma descontração embriagadora, um mergulho inconsciente e involuntário na confusão dos impulsos cerebrais incontroláveis, que obrigavam as pernas e os braços a executar tresloucados movimentos de dança. As bocas emitiam balbucios de bebê e cantorias estridentes.

Parecia uma embriaguez total e bem-aventurada; na verdade, porém, não passava de perigosa imersão nos abismos infindáveis da loucura.

Rhodan contemplou a dança, o canto e os gritos dos doentes com uma sensação de fraqueza. Homens sérios, galatonautas que sabiam raciocinar objetivamente, técnicos e cientistas bem qualificados haviam sido transformados em loucos tagarelas. Eram setecentos homens esquecidos dos deveres que o serviço lhes impunha. Alguma coisa os transformara naquilo que eram neste instante: um grupo de pobres criaturas desamparadas.

— Faça alguma coisa, faça alguma coisa! — exclamou Rhodan com um gemido.

O biólogo Janus van Orgter mordeu o lábio inferior. A toxicóloga Tina Sarbowna perdera sua mordacidade agressiva. Naquele instante era apenas um ser humano, uma mulher sensível, uma cientista que sofria por não saber o que fazer. Sua figura ossuda parecia inclinar-se sob o peso dos cabelos grisalhos. Lançou um olhar estarrecido para a sala contígua.

O grande cirurgião Prof. Kärner, médico-chefe da Titan, abandonou numa fração de segundo a idéia de cirurgia cerebral. Seria inútil. Kärner não poderia fazer nada por essas criaturas; ninguém poderia. “Ali estão dançando, berrando e uivando os melhores dos meus homens”, pensou Rhodan, “e isso, apenas porque durante o pouco tempo no planeta Honur não resistiram à tentação de segurar nos braços aqueles animaizinhos encantadores, alegrando-se com sua tagarelice.”

Ninguém poderia deixar de apaixonar-se por aquelas criaturas de apenas trinta centímetros de altura, que tinham o formato de ursinho. Não havia ninguém que não disputasse o prazer de acariciar o pêlo macio dos maravilhosos nonus.

O coração embrutecido do mais intolerante dos militares amolecia quando aqueles ursinhos estendiam as patas rosadas e franziam o nariz esquisito. Os nonus eram adoráveis demais. E não era por sua culpa que seus pêlos largavam uma secreção criminosa. Nenhum ser vivo pode ser responsabilizado pelas qualidades que a natureza lhe confere.

Os setecentos tripulantes do supercouraçado Titan tiveram azar; apenas isso. Sob o ponto de vista puramente objetivo, eles mesmos eram os culpados pela infecção ou intoxicação, pois num mundo estranho não se deve tocar, muito menos comer qualquer coisa que não tenha sido cuidadosamente examinada.

Este fato obrigou Rhodan a realizar um auto-diagnóstico. Formulou pesadas auto-recriminações. Ele, que era o chefe supremo, havia recomendado aos seus homens que adquirissem alguns dos encantadores ursinhos em mãos dos nativos do planeta Honur. Seriam uma espécie de mascotes. Uma coisa que pudesse distrair a gente não era nada má a bordo do supercouraçado de 1.500 metros de diâmetro equipado com as armas mais potentes da Galáxia.

Mas os mascotes tiveram um efeito contrário ao desejado. Algum poder estranho havia abusado daqueles ursinhos inocentes. Alguém fizera muita questão de inutilizar a tripulação da Titan de uma forma bem original. Esse alguém contara com o amor que o homem costuma dedicar ao animal; transformara uma criatura inofensiva numa arma.

Rhodan pousara naquele mundo solitário do grupo estelar M-13 apenas para aguardar tranqüilamente, num ponto afastado das numerosas rotas de naves espaciais, a chegada da Ganymed. O comandante recebera instruções para trazer homens descansados e equipamentos da Terra, que ficava a 34 mil anos-luz.

A situação do Grande Império, que de algum tempo para cá não era governado pelos arcônidas, mas por um gigantesco cérebro robotizado, não permitiria que a Titan ficasse com uma tripulação inferior à normal.

Por isso Rhodan esperou até que os nativos, pacatos e primitivos, aparecessem com aqueles lindos animaizinhos domésticos. Só mais tarde, depois da pesada batalha travada em Honur, descobriu-se que aqueles animais eram criados por inteligências desconhecidas. O veneno por eles produzido era transformado, através de uma reação química, num dos tóxicos mais nocivos da Galáxia.

Fora esta a primeira indicação, uma indicação que apontava para seres inteligentes que Crest, o arcônida, chamava de aras. A única coisa que se sabia desses seres esquisitos era que haviam criado um monopólio ainda mais esquisito.

Os aras consideravam-se os médicos da Galáxia. Descobrira-se apenas uns poucos seres dessa raça, mas estes não puderam ser interrogados.

Rhodan rememorou os acontecimentos mais recentes.

Depois que o coronel Freyt havia transferido oitocentos homens para a Titan, a nave voltou a ter condições de navegabilidade e de combate, muito embora as quarenta naves auxiliares do gigante espacial não pudessem ser tripuladas. Ainda acontecia que os colaboradores mais importantes de Rhodan haviam adoecido. Nem mesmo os homens e as mulheres do exército de mutantes poderiam desconfiar de que aqueles animaizinhos fossem tão perigosos.

Só Rhodan, Crest, o arcônida, Gucky, o ser peludo, o mutante Wuriu Sengu e o tenente Tifflor escaparam ao desastre, isso porque na época em que se verificou a intoxicação estavam fora da nave, realizando um vôo de patrulhamento. Eram as únicas pessoas sadias em meio à tripulação.

Outros homens, treinados nos combates travados no setor de Vega, foram colocados a bordo. Embora todos eles já tivessem passado por um processo arcônida de aprendizagem hipnótica, havia necessidade de familiarizá-los com as instalações do supercouraçado. Afinal, a Titan era o produto mais recente da construção espaçonáutica do Império.

Subitamente uma grande peça desprendeu-se do chão da sala dos tripulantes, cambaleou para o alto e caiu com um estrondo. Um homem soltou um grito estridente. Fora ferido no pé.

— Isto é o fim — exclamou o Professor Kärner, perplexo. — Pelo amor de Deus! Se os mutantes utilizarem suas faculdades, teremos um desastre. Foi o telecineta Tama Yokida. Vi quando se concentrou. Dê a ordem!

O rosto de Rhodan apresentou uma expressão martirizada. Nos últimos dias, seu corpo alto ficara ligeiramente encurvado. Aquilo que os cientistas de bordo consideravam necessário repugnava ao fundo de sua alma.

— Isso é absolutamente necessário? — cochichou. — Professor, afinal não posso fazer uma coisa dessas com meus homens.

— O senhor pode e deve — interveio Tina Sarbowna com sua voz áspera e grave. Tinha um timbre que impunha respeito. Era a voz de uma mulher que conquistara seu lugar através do trabalho duro e do enorme saber.

— Continuo convicto de que se trata de intoxicação. Não sabemos, ou melhor, ainda não sabemos, quais são os centros nervosos afetados. Uma coisa, porém, é certa: os doentes recusam qualquer tipo de alimento ou bebida. O definhamento físico já começou. Quer que seus comandados morram de fome?

Rhodan tirou as mãos suadas da parede transparente. Duas impressões que foram se evaporando ficaram no lugar das mesmas.

— Stiller!

O engenheiro que aparecia na tela levantou a cabeça.

— Comece. Mas não ande muito depressa.

Um estalido de chave interrompeu o silêncio. Vapores brancos saíram dos grandes insufladores de ar da sala dos tripulantes. Tangidos pela correnteza de ar e, em pequenas nuvens, começaram a envolver as cabeças convulsionadas e as bocas barulhentas.

O gás narcótico, completamente inofensivo, mas de ação extremamente rápida, permaneceu no recinto. Os exaustores do sistema de condicionamento de ar, cujas sereias de alarma começaram a uivar, haviam sido desligados por Stiller.

Os berros e a cantoria foram diminuindo. Numa sucessão cada vez mais rápida, os doentes foram mergulhando num sono benéfico. Reginald Bell, lugar-tenente de Rhodan, parecia ter um momento de lucidez antes de mergulhar na inconsciência. Até parecia que o infalível instinto para o perigo de que aquele homem baixote era dotado se rebelava.

A passos cambaleantes, caminhou em direção à parede transparente, abriu os lábios e, com uma expressão de espanto nos olhos azuis, caiu ao chão.

O silêncio passou a reinar na grande sala dos tripulantes da Titan. A mesma coisa aconteceu nos outros setores em que os doentes haviam sido trancados. As mulheres da tripulação haviam sido abrigadas no amplo camarote de Thora. Também lá, os risos insensatos cessaram.

Os exaustores voltaram a funcionar. Dentro de poucos segundos, aspiraram as nuvens de gás. Um novo suprimento de oxigênio foi introduzido nas salas.

Rhodan afastou-se com os ombros encurvados. Mais atrás os homens da equipe técnica estavam abrindo as escotilhas de segurança. Os robôs médicos começaram a precipitar-se para dentro da sala. Homens pertencentes à tripulação recém-chegada a bordo corriam com camas de campanha. A grande enfermaria da nave não poderia acolher todos os doentes.

Depois de libertados, os nonus se haviam espalhado para os quatro cantos. Também dos nativos, que haviam regredido a um nível de vida primitivo, não se via mais nada. Até parecia que jamais houvera vida em Honur.

— E agora? — perguntou Rhodan em tom apático. — Já fizemos sua vontade. E agora?

Crest, o arcônida, adiantou-se. Seu rosto velho com uma expressão tão jovem estava cortado de rugas. Seus cabelos brancos brilhavam à luz difusa das lâmpadas.

— Salte de volta para o sistema de Árcon — recomendou com a voz tranqüila. — Se houver um meio de ajudar essa gente, só poderá ser lá. Seria inútil voar à Terra. Os cientistas de seu planeta já possuem o saber médico da minha raça. E não podem fazer nada. A única esperança que nos resta é que talvez em Árcon tenham sido adquiridos novos conhecimentos.

O rosto de Rhodan espelhou a resistência interior.

— Árcon! — disse, falando entre os dentes. — O senhor só pode estar sonhando, meu caro. Sua raça degenerada e imprestável pode ter feito qualquer coisa, menos realizar pesquisas que pudessem levar à descoberta de novos medicamentos. Já não têm a menor capacidade de agir.

— Apesar disso deve tentar — disse Crest com a voz débil.

— Quer que o cérebro robotizado nos tire a Titan, que conquistamos com tanto trabalho? — perguntou Rhodan. — Por enquanto meu tratado com o autômato está em vigor. Por esse tratado, o supercouraçado retirado de Árcon III é nosso, já que fizemos alguma coisa por ele. Mas, o que acontecerá se penetrarmos na área submetida à influência imediata do cérebro? O senhor pode responsabilizar-se pelos atos de uma máquina? Estaria em condições de formular um prognóstico bem fundamentado? Não acredito.

— Não se amargure — respondeu Crest. — A Titan é sua. Mandei fazer um levantamento estatístico da situação.

— Muito bem! Esse levantamento deve ter por fim calcular com que força devemos tossir para produzir um empuxo de 3 miligramas.

Os cientistas olharam-se em silêncio. O chefe estava próximo a um esgotamento nervoso. De repente, tornou-se muito tranqüilo e disse:

— O que pretende fazer?

Kärner respirou aliviado e disse:

— Iniciaremos imediatamente a alimentação artificial e lançaremos mão de injeções, para que os doentes continuem mergulhados num sono profundo. Com isso removemos o perigo imediato. Enquanto os doentes estiverem dormindo, faremos o que estiver ao nosso alcance para realizar uma identificação mais precisa dos sintomas da moléstia. As análises químicas e biológicas estão em andamento. Verificaremos se a argono-hexilamina age como um tóxico qualquer, ou se produz a ativação das toxinas normais resultantes do metabolismo orgânico. Quando tivermos descoberto isso, poderemos agir com maior eficiência. Por enquanto teremos de contentar-nos com o fato de que os homens estão dormindo.

Rhodan confirmou com um aceno de cabeça. Naquela fase dos acontecimentos não havia mais nada a dizer. Lançou ainda um olhar para a sala dos tripulantes. Homens e robôs estavam ocupados, montando as camas de campanha.

— O doutor Certch quer falar-lhe com urgência — rangeu a voz saída de um alto-falante.

Rhodan levantou a cabeça. A tela exibia o rosto magro e cansado de um jovem. Há poucos meses o tenente Julian Tifflor nem de longe contaria com a possibilidade de pertencer ao estado-maior galatonáutico do supercouraçado. Seus olhos azuis haviam perdido a expressão sonhadora. A enorme carga de responsabilidade transformava até mesmo um jovem de vinte anos num oficial cônscio de sua missão.

— Certch? — perguntou Rhodan em tom distraído. — Certch?

— É o novo psicólogo de robôs — lembrou Tiff. — Para sermos mais precisos, a área dele é um setor da logística matemática.

— Ah, sim. Já vou subir. Mande-o esperar na sala de comando.

Os médicos já se haviam retirado. De repente, Rhodan sentiu-se só e abandonado. Lançou mais um olhar para os companheiros inconscientes. Provavelmente era este o melhor meio de protegê-los contra quaisquer lesões corporais.

Rhodan sentia-se cansado. Foi caminhando em direção ao elevador antigravitacional mais próximo. No momento em que saiu do corredor que dava para a sala dos tripulantes, viu-se completamente só. Naquela gigantesca nave espacial mal se notava a presença de oitocentos homens. Poderiam com facilidade esconder-se na gigantesca esfera de 1.500 metros de diâmetro, dividida em inúmeros compartimentos.

O corpo enorme e pesado de Everson fazia uma figura um tanto feliz na poltrona de piloto de encosto alto. Afinal, aquela poltrona fora dimensionada para um arcônida, e por isso não combinava com os contornos da figura hercúlea do capitão Everson.

Primeiro olhou para o relógio, depois para as telas gigantes de observação global e, finalmente, para as platinas novinhas em folha de seu uniforme.

 

Fazia poucas horas que o tenente Everson fora promovido a capitão. Era um motivo mais que suficiente para olhar vez por outra e disfarçadamente para as platinas.

Pigarreou e contemplou os homens apressados que guarneciam a sala de comando. A Titan estava pronta para decolar. Lá embaixo os conversores de alta potência da usina de força já rugiam em ponto morto. Os propulsores ainda estavam em silêncio.

— Não é possível que me deixem sentado aqui sem mais esta nem aquela — refletiu Everson em voz alta.

O tenente Tanner, um homem magro, moreno, vivo e dotado de humor picante, permitiu-se um sorriso fugaz. O capitão Everson era um monstro de fleuma em figura de homem. Os tripulantes afirmavam com toda seriedade que o único meio de incutir alguma vida no capitão seria a privação total das rações alimentares.

Por ocasião de sua primeira atuação em combate, Marcus Everson provara que nem de longe essa afirmativa correspondia à realidade. Conforme as circunstâncias, o galatonauta que Rhodan acabara de guindar ao posto de imediato poderia transformar-se numa torrente furiosa. Mas isso era outro assunto.

— Atenção! — gritou uma voz áspera e prolongada.

Os homens viraram-se e ficaram em posição de sentido. Everson contorceu o rosto numa expressão de dor, fechou os olhos, levou os dedos grossos ostensivamente ao ouvido. Lançou um olhar de recriminação ao homem que acabara de soltar o grito. Depois foi o fim do mundo.

Ao anunciar que a nave estava preparada para decolar, Everson imitou o ruído de um foguete em disparada. Perry Rhodan, que acabara de entrar na sala de comando, olhou para seu imediato.

— Muito obrigado; pode continuar — disse.

Everson fungou e deixou-se cair na poltrona.

— Trabalho bem feito, rapaz — disse num auto-elogio cochichado.

— O velho ainda está abanando as orelhas — disse Tanner em tom irônico. — Já concluí a programação. Só quero ver esta canoa-gigante levantar do chão. É inacreditável que uma coisa destas possa voar.

— Pois eu consigo — afirmou Everson numa modéstia compenetrada. — Isto é, posso tomar as medidas que a façam voar.

— Parece que já se controlou — cochichou Tanner.

Subitamente os olhos de Everson assumiram uma expressão vivaz. Seu olhar foi rápido, mas abrangeu tudo.

— OK. Já estava na hora. Isso lhe caiu sobre os nervos. O que deseja o Dr. Certch?

Tanner lançou um olhar perscrutador para o homenzinho excêntrico com o gigantesco crânio totalmente calvo.

O Dr. Orson Certch escolhera a profissão mais estranha da área das ciências modernas. Sempre houve psicólogos, mas estes costumavam preocupar-se com a vida íntima dos seres humanos.

Certch também era psicólogo, mas seu campo de atuação consistia no ambíguo substrato intelectual e sentimental dos robôs.

Surpreso, Everson sacudiu a pesada cabeça. As bochechas carnudas começaram a balançar.

Rhodan desviou-se para o lado, a fim de fugir da coisa que se aproximava apressadamente. O Dr. Certch girou sobre os calcanhares, para voltar a investir contra o comandante com a cabeça esticada para a frente e o dedo em riste.

— Ainda bem que o encontrei — gritou a voz aguda. — Tenho necessidade absoluta de falar imediatamente com o senhor, necessidade absoluta.

A mão pequena e magra correu com uma velocidade incrível sobre os numerosos bolsos externos do uniforme. Finalmente Certch encontrou as anotações embaixo do cinto largo. O psicólogo de robôs chegava à altura do estômago de Rhodan. Mas, se havia alguém que pudesse formular uma previsão futura sobre os atos de uma máquina sem alma, esse alguém era o homenzinho com a gigantesca calva.

— Vamos logo! — insistiu Certch, depois de ter sentado três vezes para levantar-se em seguida.

Desta vez também Rhodan tomou lugar numa poltrona articulada que ficava atrás da grande calculadora do setor B.

A fala entrecortada de Certch levava seus semelhantes ao desespero.

Rhodan começou a impacientar-se. Para Certch o relacionamento entre um comandante e seus colaboradores deve ser encarado como um tipo de amizade briguenta.

— Crest me pediu que fizesse uns cálculos — chiou a voz de Certch. — É interessante! É perigoso! Preste atenção. Se executar o plano de voar para Árcon, saberemos o que vem a ser uma boa surpresa. O robô vai golpear, e o golpe será mais rápido e doloroso do que qualquer um de nós pode imaginar.

O sorriso ligeiro abandonou o rosto de Rhodan. Seu espírito despertou. Apenas os olhos pareciam indagar. Perturbado, Certch baixou o olhar, mas logo ergueu a cabeça. Mais uma vez pôs o dedo em riste.

— O senhor quer saber por quê, não é? Pois a resposta é simples, mesmo para um leigo. Temos setecentos doentes a bordo, inclusive os mutantes. Por enquanto a cura é impossível. Se considerarmos o fato de que em Árcon também não existe nenhum remédio, a reação da máquina pode ser prevista com cem por cento de certeza. O cérebro sabe que os êxitos alcançados pelo senhor foram devidos principalmente à atuação dos mutantes. O robô possui uma nave do tipo da Titan. A lógica mecânica, de estrutura puramente matemática, dirá ao autômato que o senhor se tornou inútil, ou ao menos que vale menos. Se não contar com os recursos especiais de que dispunha, será considerado apenas um colaborador como qualquer outro. Entendido?

Os olhos de Certch piscaram nervosamente. Mais uma vez Rhodan não respondeu.

— Pois bem, está entendido. O único ponto positivo de que o senhor dispõe no esquema dos cálculos positrônicos é sua rápida capacidade de decisão. O robô suspeita da existência de armas secretas. Mas uma simples suspeita não levará a uma valorização positiva no conjunto da interpretação. Quer dizer que a única coisa que resta será sua energia. E esta o colocará pouco acima do padrão de classificação de um naat ou de qualquer outra inteligência. E isso é muito pouco para que o senhor possa se arriscar a penetrar no campo de atuação direta do cérebro robotizado. É só. Não se meta nisso. Faço questão de preveni-lo.

Com um movimento rápido, Certch saltou da poltrona articulada. Os óculos desapareceram de cima do enorme nariz.

— Um instante!

O psicólogo de robôs estacou.

Everson e Tanner, aquele par tão diferente sem dizer uma palavra. Tiff mantinha-se mais ao longe; estava pálido. De repente, a atmosfera na sala de comando se tornara bastante tensa.

Rhodan caminhou lentamente em direção ao cientista. Parou perto dele.

— Entendo alguma coisa de logística positrônica, doutor. Acredito que sua interpretação da conduta do grande autômato se funda inteiramente na suposição de que em Árcon não existe nenhum remédio contra a doença contraída por nossos homens.

— Correto! — confirmou o homenzinho.

— O que acontecerá se houver um meio de curar a doença? E se o robô tiver conhecimento dessa situação?

— Modificação de cento e oitenta graus na situação, a nosso favor.

— Muito obrigado, doutor. Sabemos perfeitamente que em Árcon não se conhece qualquer soro contra essa doença. Não precisamos discutir mais sobre este ponto. Admitamos como certa a pior das hipóteses. Conhece a lei de Ulterman sobre a programação dos atos com base nos cálculos cibernéticos?

Certch começou a desconfiar. Encolheu mais um pouco.

— Eu também a conheço. Vamos agir de acordo com ela, capitão Everson.

O gigante saltou do assento de piloto. Seu rosto não tinha mais nada de suave.

— Transmita uma ordem ao médico-chefe. Thora, Bell e mais seis dos tripulantes doentes devem ser mantidos num sono leve. Quero que essas oito pessoas possam ser despertadas a qualquer momento. É só.

Everson voltou-se para o intercomunicador de bordo. O Dr. Certch parecia espantado.

— O que pretende fazer? — perguntou com a voz gutural.

— Pretendo agir de acordo com a lei de Ulterman — informou Rhodan. — Apresentaremos oito doentes. Os outros serão escondidos. Gucky e Sengu farão com que o robô receba algumas provas de suas capacidades extraordinárias. O robô não sabe que recebemos oitocentos tripulantes novos. Graças ao compensador estrutural, a breve excursão de Freyt à Terra não chegou ao conhecimento do robô. Devemos isso aos mercadores galácticos, que criaram um aparelho maravilhoso como este. Decolamos com setecentos homens e com setecentos homens regressaremos. É muito claro, não acha? Apresentaremos oito doentes. Não são tão importantes que possam representar um fator negativo na avaliação conjunta do nosso auxílio. Saberemos se existe algum remédio. Queira apontar qualquer detalhe que eu possa ter esquecido, Dr. Certch.

O cientista hesitou. Depois de algum tempo formulou a pergunta:

— Tem certeza absoluta de que a Ganymed não foi localizada? Um salto pelo hiperespaço pode ser medido por meio das alterações estruturais que...

— Perfeitamente. Acontece que o compensador constitui uma barreira absoluta a qualquer localização. Mais algum detalhe?

— Nenhum — resmungou Certch. — Não há nenhuma falha, desde que existam os pressupostos que o senhor acaba de apontar. Os oito doentes não influirão muito. Serão um fator de pouca importância. Se fosse um robô, não gostaria de ter o senhor como inimigo. Farei uma revisão dos cálculos.

Rhodan seguiu o homenzinho com os olhos e disse:

— Muito obrigado pelo aviso, doutor.

Certch exibiu um ligeiro sorriso e desapareceu.

— Decolaremos daqui a dez minutos. Everson, o senhor levantará a nave. Tiff, avise Freyt. Diga-lhe que deve decolar um minuto antes de nós.

Rhodan ficou de pé atrás da poltrona do imediato e controlou as instruções transmitidas por Everson. Garand, o engenheiro-chefe, apareceu na tela por um instante. Seu rosto bochechudo estava banhado de suor.

Os avisos de que tudo estava em ordem, expedidos pelos diversos postos, foram chegando. Receberam a confirmação de Freyt.

Dali a nove minutos, a Ganymed, mostrada na tela, parecia despertar. A nave de 840 metros de comprimento e 200 metros de diâmetro encontrava-se a menos de três quilômetros, apoiada nas aletas de popa.

O furacão de fogo que irrompeu dos bocais de popa transformou o deserto poeirento e pedregoso numa cratera borbulhante. Freyt resolvera não utilizar a aparelhagem de desvio de partículas. Em Honur não havia nada que pudesse ser estragado.

Os alto-falantes do aparelho de captação de ruídos externos transmitiram o som infernal de um fim de mundo. O gigantesco cilindro elevou-se lentamente. O fluxo de impulsos expelido pelos propulsores passou do branco ao azulado, ao violeta, e finalmente tornou-se quase invisível.

Com um salto monstro, a Ganymed disparou para o céu. Um trovejar profundo sacudiu a paisagem desolada. Massas de ar incandescente, que emitiam uma estranha fosforescência, precipitaram-se no vácuo que a Ganymed abriu com sua decolagem apressada. Um furacão uivou, vindo do céu azul. Arrastou consigo massas de pedra liquefeita, para atirá-las ao solo mais adiante, numa turbulência desenfreada.

O couraçado desapareceu.

A decolagem da Titan, nave muitas vezes maior que a Ganymed, representou um aumento tremendo das forças desencadeadas. Os dezoito propulsores gigantescos montados na protuberância equatorial da esfera de 1.500 metros de diâmetro transformaram a área plana do deserto num oceano de lava.

Os homens abandonavam o planeta do sol-anão estranho com o entusiasmo fervoroso de deuses despreocupados. Na decolagem, desenvolveram uma aceleração que os levou ao espaço dentro de apenas quatro segundos.

O que ficou para trás foram massas de ar revolto e um solo borbulhante. Ficaram também os animais encantadores aos quais haviam dado o nome de nonus.

Os homens só haviam levado consigo suas preocupações e angústias. Pouco menos de dez minutos depois de terem mergulhado no espaço, as naves atingiram a velocidade da luz. A programação do autômato de regulagem de salto estava concluída. Árcon, o astro central do Grande Império, ficava apenas a quarenta e sete anos-luz.

Perry Rhodan deu ordens para que a transição através do espaço de cinco dimensões fosse realizada de forma normal. Isso significava que haveria um abalo estrutural facilmente localizável.

— Tomara que isso não dê na vista! — murmurou Marcus Everson consigo mesmo, antes que as forças da desmaterialização o atingissem e levassem seu corpo para o campo do irreal.

O sol vermelho de Thatrel transformou-se num disco tremeluzente. Logo desapareceu.

 

Árcon era o símbolo do poder, a célula-mater do Grande Império, o mundo da raça humanóide dos arcônidas. A iniciativa implacável e pragmática do gigantesco cérebro robotizado voltara a fazer de Árcon aquilo que sempre fora: o centro dominante da Galáxia conhecida.

Nas condições reinantes em Árcon, a penetração de duas grandes naves no espaço normal era um acontecimento corriqueiro. Aqui, onde se formara o ponto de confluência do comércio cósmico, o movimento de naves quase chegava a ser enlouquecedor.

Apesar disso, as naves de Rhodan foram localizadas imediatamente. As cinco mil fortalezas espaciais que formavam o círculo exterior de defesa solicitaram o sinal codificado. Rhodan só pôde transmitir o sinal já superado. Face a isso o cérebro robotizado instalado em Árcon III interveio diretamente.

A primeira surpresa surgiu logo após os primeiros contatos pelo rádio. O autômato, que se designava como o Grande Coordenador ou o Regente permitiu que os dois couraçados penetrassem no sistema interno. Depois Rhodan soube que há cinco dias, tempo padrão local, o mundo destinado ao comércio galático, Árcon II, voltara a ser liberado.

A notícia levou às suposições mais desencontradas a bordo da Titan. Quando Perry Rhodan penetrou pela primeira vez no sistema de Árcon, o grande robô que exercia o governo velava com um cuidado extremo para que ninguém se dirigisse aos três mundos de Árcon. Ao que parecia, nesse meio tempo as graves manifestações de decadência dos arcônidas haviam sido superadas a ponto de que a máquina poderia, sem perda de prestígio, conceder às numerosas raças de astronautas da Via Láctea a permissão de pousar em Árcon, conforme estavam acostumados.

Cruzaram a órbita do quinto planeta do sol Árcon. Mais uma vez pediram um sinal codificado. Os dois couraçados receberam instruções para utilizar o corredor de aproximação interplanetária 32-17. Com o tráfego espacial dessa área, era uma medida perfeitamente normal.

— Localização na área verde, noventa e dois graus — soou a voz retumbante saída dos alto-falantes. — São naves grandes, couraçados da classe Império. Três unidades.

Marcus Everson, que desempenhava as funções de co-piloto, virou ligeiro a cabeça. Desconfiado, procurou o olhar de Rhodan.

— Naves da classe Império? — fungou o capitão.

— Vieram para nos comboiar. Calma a bordo; nada de nervosismo. Atenção, para todos os tripulantes. Não se deixem arrastar a uma ação precipitada. Quando aparecemos aqui pela primeira vez, a situação parecia bem pior. Praticamente fomos obrigados a pousar no quinto planeta. Neste meio tempo fizemos um tratado com o cérebro robotizado. Não se preocupem com as três unidades da frota arcônida. Qualquer nave armada que entre aqui será imediatamente escoltada. Isso resulta do simples instinto de conservação do autômato.

Ouviram a risada de Rhodan no alto-falante. Homens nervosos trocavam olhares preocupados. Tanner, que desempenhava as funções de primeiro-oficial de armas, tirou lentamente os dedos dos botões de acionamento das peças de artilharia.

— Não façam nenhuma tolice — voltou a recomendar Rhodan.

— As naves se aproximam, estão realizando manobra de adaptação — avisou o tenente Tifflor, que se encontrava na sala de observação.

O dispositivo automático transferiu a ligação. Três objetos brilhantes surgiram nas telas do setor verde.

— Rapaz, são três naves da classe Império! — cochichou Everson. — São tripuladas por robôs, chefe?

— Só em parte. Há poucos meses o cérebro ainda dependia exclusivamente da tele direção. Foi o que nos valeu. Se naquele tempo o Regente dispusesse de tripulantes capazes e pensantes, dificilmente teríamos escapado com a Titan que acabávamos de roubar.

Everson engasgou. Lançou um olhar de dúvida para o rosto do comandante.

Rhodan não se preocupou mais com as três naves-gigantes, que ainda há pouco tempo seriam consideradas as maiores de sua classe. Mas nesse meio tempo haviam surgido as novas unidades da classe Universo, que tinham 1.500 metros de diâmetro. A Titan era uma delas.

Rhodan sentiu uma ligeira angústia quando se lembrou da empresa tresloucada.

Com a Ganymed, uma nave pequena para as condições arcônidas, penetraram despreocupadamente num sistema solar cujos habitantes já conheciam a navegação espacial a velocidade superior à da luz numa época em que o homem ainda vivia em cavernas.

Rhodan resolvera arriscar o vôo para Árcon porque aqui esperava encontrar ajuda na luta contra o perigo representado pelos saltadores, que se tornara crítico. Além disso, cedera às insistências de Crest e Thora, que depois de uma ausência de treze anos estavam ansiosos para voltar para casa.

Ninguém poderia saber que seis anos antes o imperador de Árcon fora deposto. Muito menos se poderia supor que o gigantesco cérebro robotizado assumira o governo do Império dos Arcônidas.

Rhodan foi obrigado a pousar no quinto planeta, que era um mundo inóspito. Contrariando as instruções do cérebro positrônico, saíra dali numa nave de reconhecimento.

Não conseguira encontrar auxílio em Árcon I, o mundo de cristal. Por isso um almirante do imperador deposto, que ainda conservava a agilidade mental, levou-o a Árcon III juntamente com seu grupo de cinqüenta homens. Lá foram admitidos como força auxiliar.

A fuga com a Titan, uma nave novinha em folha, foi uma história memorável. Com um salto de três anos-luz, conseguiu escapar aos seus perseguidores. Seguiu-se o pouso involuntário no planeta Zalit, cujo ditador foi de opinião que poderia transformar Perry Rhodan num aliado para a luta contra o cérebro robotizado, que se tornara onipotente.

Rhodan mudou de idéia quando percebeu que os habitantes do planeta Zalit se encontravam sob o controle de seres parecidos com medusas, que possuíam dons telepáticos e sugestivos, e que Crest designara como moofs.

Seguiu-se uma luta feroz, cujo resultado favorável fez com que o cérebro robotizado reconhecesse Rhodan. Numa coerência lógica, o robô tentara fazer de Perry seu aliado. Era um ato coerente, pois o cérebro praticamente não dispunha de colaboradores vivos. Rhodan eliminara o perigo dos moofs e, como recompensa, recebera a nave apresada, Titan.

Foi em virtude da situação assim criada que Rhodan resolveu mandar que Freyt fosse à Terra com a Ganymed, uma vez que os setecentos homens que se encontravam a bordo da nave-gigante eram uma tripulação inferior ao normal.

No mundo de Honur, onde se pretendia aguardar tranqüilamente a chegada da nova leva de homens, acabou ocorrendo a intoxicação através daqueles estranhos seres.

E agora penetravam pela segunda vez no sistema de Árcon. Rhodan sentia-se muito preocupado, pois os homens mais experimentados de sua tripulação haviam adoecido. A atuação do cérebro robotizado poderia resultar numa catástrofe, se o mesmo percebesse que os mutantes não estavam em condições de entrar em ação. Rhodan jogou todas as chances numa única cartada.

No momento em que dois dos mundos de Árcon surgiram nas telas do ultralocalizador que funcionava a velocidade superior à da luz, Rhodan lembrou-se dos moofs. Esse assunto fora deixado totalmente de lado depois dos estranhos acontecimentos que se verificaram em Honur.

Quando Rhodan refletia sobre isso, o psicólogo de robôs, Dr. Certch, chamou pelo aparelho de comunicação audiovisual.

— É Certch que está falando — foram suas primeiras palavras, totalmente supérfluas. — Disponho de novos dados. Já se deu conta de que o autômato não dará a menor importância às experiências pelas quais passamos? É claro que não o faria se estivesse informado sobre a existência de setecentos doentes a bordo da Titan. Uma vez que o senhor pretende apresentar apenas oito doentes, o cérebro concluirá que não vale a pena desenvolver esforços muito intensos para encontrar um remédio. Pouco lhe importa que oito criaturas insignificantes morram ou não. Não acha que estou com a razão?

— Acabo de pensar nisso.

— Muito bem. Mas ainda existe o problema dos moofs. Para o cérebro, a remoção desse perigo será muito importante. Afinal, o senhor provou que a revolta dos zalitas foi causada exclusivamente pela atuação dos moofs.

— É verdade, e também não é — respondeu Rhodan. — Informei o cérebro de que os moofs nunca teriam agido assim por sua livre e espontânea vontade. O feitio orgânico desses seres inteligentes basta para impedi-los de exercerem uma influência decisiva na política galáctica. Atrás dos moofs há outras inteligências, que praticamente abusam desses seres.

— É aí que eu quero chegar. Não acredito que o robô ainda não percebeu isso. A rapidez com que o cérebro permitiu nossa entrada é espantosa. Recebemos licença de pousar. Daí se conclui que estão querendo algo do senhor. Uma vez que dispõe de uma tripulação apta a entrar em combate na nave mais poderosa de todos os tempos, pretenderão que o senhor, ou melhor nós, executemos outra missão, já que o senhor se obrigou a defender os interesses do Grande Império. Prepare-se para ver o robô liquidar o problema da doença com uma observação muito ligeira. Considerará perdidos os oito homens. Isso resulta da lógica positrônica, que não conhece sentimentos.

“Cheguei à conclusão de que seremos imediatamente mandados de volta ao espaço, a fim de liquidar em definitivo o perigo dos moofs. Afinal, o cérebro está convencido de que ainda dispomos do exército de mutantes. Acredito que receberemos ordens para nos dirigirmos ao mundo daqueles monstros. E nem pense em recusar obediência a esta ordem em meio a esta gigantesca fortaleza espacial. A fuga que empreendeu há algum tempo foi um golpe de surpresa. Não conseguirá repetir a façanha.”

— Compreendi, Dr. Certch — disse Rhodan. — Muito obrigado. Já me lembrei disso. O que diria se eu tivesse a intenção de me dirigir ao mundo dos moofs?

— Seria uma surpresa — disse Certch em tom de perplexidade.

— Não parece que seria um procedimento lógico? Não dispomos da menor indicação sobre a atuação desses seres que Crest chama de aras. Em minha opinião são responsáveis por tudo, inclusive pela revolução que eclodiu em Zalit. Logo, será apenas natural que procuremos desvendar o mistério no mundo dos moofs. Afinal, com o logro que pretendo pregar ao cérebro não poderei fazer com que ele conclua necessariamente que devemos preocupar-nos antes de mais nada com os médicos galácticos. Para isso teria de apresentar setecentos doentes e não apenas oito.

Certch respondeu:

— Pelo amor de Deus, não fale nos setecentos. Seria o fim. Mas, se acredita que no planeta dos moofs encontrará uma indicação mais precisa, vá para lá. Só gostaria de saber por que nessas circunstâncias resolveu ir a Árcon. Poderíamos ter seguido diretamente para o mundo dos moofs.

— Acontece que preciso de alguns dados sobre o mundo dos moofs, seu sabe-tudo de uma figa — respondeu Rhodan.

— Perdão — disse Certch com um sorriso. — Apenas queria confirmar minha genialidade. Para isso preciso formular algumas objeções.

A terrível praga que Rhodan soltou perdeu-se nos microfones desligados.

Obedecendo às instruções recebidas, os dois couraçados deslocaram-se a uma velocidade inferior em dez por cento à da luz. No interior do sistema de Árcon, não eram permitidas velocidades mais elevadas.

Mas mesmo a essa velocidade, os dois planetas visíveis do mundo sincronizado aproximaram-se rapidamente.

Com o desenvolvimento da raça Árcon, o mundo primitivo dos arcônidas, tornara-se muito pequeno. Por isso os antepassados — extremamente ativos — dos atuais habitantes de Árcon recorreram à sua tecnologia fenomenal e arrastaram os antigos planetas II e IV das suas órbitas naturais, incorporando-os praticamente ao terceiro mundo.

Dessa forma um sistema tríplice surgiu dentro do sistema. Eram três dos planetas, dois dos quais trazidos artificialmente, que há 15 mil anos de tempo terrano gravitavam em torno do sol Árcon em órbitas exatamente iguais, mantendo a mesma inclinação dos eixos e a mesma velocidade no percurso de sua órbita.

Era Árcon! O planeta número um, que era o mundo de cristal, servia exclusivamente a fins residenciais. O planeta número dois ficou reservado ao comércio e à indústria galáctica. O planeta número três era o planeta da guerra; servia de sede à maior frota espacial de todos os tempos e ao cérebro robotizado.

Tudo indicava que os arcônidas o haviam construído para a eternidade. Nada se alterara no arranjo interestelar por eles criado, com exceção dos descendentes mais longínquos, levados à decadência devido à supersaciedade econômica e cultural.

A indecisão e o relaxamento dos costumes fizeram com que o robô-gigante, programado há vários milênios, passasse a dirigir a história do Império. Ao que tudo indicava, os velhos arcônidas imaginavam que uma raça que vive na abundância e no bem-estar excessivo acaba fisicamente debilitada.

Os homens mergulharam nessa bruxaria galáctica, sem desconfiar de que com isso se submeteriam de forma indireta às normas pragmáticas do cérebro positrônico.

Rhodan tirou os olhos arrebatados do panorama dos dois mundos. Do ponto em que se encontrava a Titan, não podia ver Árcon I. Estava encoberto pelo sol chamejante.

Uma chave deu um estalo. O rosto de Tifflor surgiu na tela.

Rhodan deu uma ordem:

— Tiff, chame o Regente pela onda de hiperfreqüência que já é conhecida. Transmita o sinal de urgência. Solicito uma entrevista antes do pouso. Transmita o intercâmbio pelas telas da sala de comando. Obrigado.

Lá adiante, além da parede blindada de plástico transparente, os enormes aparelhos de hipercomunicação do supercouraçado entraram em funcionamento. Os homens que se encontravam na sala de comando trocaram olhares expressivos. Chegara o momento decisivo.

— Contato estabelecido, passarei a ligação para o senhor — ouviu-se a voz de Tiff.

Rhodan girou lentamente o assento de piloto para a direita. Num dos setores das telas de visão global, surgiu o colorido confuso da transmissão que estava sendo captada. Depois de alguns segundos, as linhas assumiram contornos precisos. Viu-se a corcova blindada em meio ao grande pavilhão. Era um setor minúsculo do cérebro, mas parecia ser um dos mais importantes.

— Rhodan, da Terra, falando ao Grande Coordenador — disse Perry para dentro do microfone. Seu rosto continuava impassível.

— Estou ouvindo! — soou a voz fria e monótona. O robô não parecia conhecer a curiosidade.

Não formulou nenhuma pergunta sobre o motivo da chamada.

— Peço que seja preparada imediatamente uma equipe médica arcônida. Tenho oito doentes a bordo.

— Qual é a doença?

— É desconhecida. Ao que parece, trata-se de uma intoxicação. Depois de concluída a luta em Zalit, pousei no mundo de Honur para treinar minha tripulação com toda calma. Surgiram certos animaizinhos. Descobrimos muito tarde que os mesmos segregavam substâncias venenosas.

— Aguarde!

De um instante para outro, as linhas tremeluzentes voltaram a cobrir a tela. Rhodan estremeceu ao toque suave de uma pata de animal. De repente Gucky, o ser peludo, surgira ao lado de seu assento.

Os grandes olhos cinzentos do rato-castor pareciam interrogar. Com mais ou menos um metro de altura, o mais capaz dos seres vivos que se encontravam a bordo estava sentado sobre o traseiro que lhe conferia o aspecto esquisito.

“Algum problema?” — foi a mensagem telepática emitida pela versão ampliada do ratinho de desenho animado.

Rhodan compreendeu a pergunta. Seu treinamento telepático já avançara bastante. Já conseguia entender o verdadeiro sentido de um bom emissor e formular suas respostas pela mesma via.

Rhodan fez um gesto quase imperceptível de recusa. As patas rosadas de Gucky continuaram apoiadas sobre a braçadeira da poltrona. De repente, a abóbada de aço voltou a surgir na tela.

— Os dados foram examinados. O planeta Honur está fechado ao tráfego há quatro mil anos. A secreção cutânea das inteligências inferiores que o habitam, enquanto não purificada, causa a destruição de centros nervosos orgânicos. Depois de passar por um processo químico, o veneno serve de matéria-prima para a fabricação de um tóxico bastante conhecido, chamado kan’or. Há oitocentos anos a frota arcônida destruiu o comércio galático da substância. Mais alguma pergunta?

Rhodan empalideceu ligeiramente. Atrás dele, o biólogo Janus van Orgter entrou apressadamente na sala de comando. Respirando de modo agitado, aproximou-se de Rhodan.

— Não tínhamos a menor idéia do perigo — respondeu apressadamente. — Oito dos meus homens entraram em contato direto com os animais. Seu estado inspira sérios cuidados. Thora, membro da dinastia de Zoltral, é uma das doentes. Assumi o comando da Titan. Peço auxílio com a máxima urgência.

A reação do cérebro foi rápida. Do alto-falante não saiu nem uma pergunta inútil. Já sabia por que Rhodan teria pousado em Honur.

— Os sintomas são conhecidos. O senhor foi imprudente. Pouse em Árcon II. Procurarei ajudar. Por que disse que o chamado era urgente?

Rhodan suprimiu uma maldição. O Dr. Certch surgira. Agitou ambos os braços num gesto de súplica. O que quis dizer era que, para o robô, o pedido de cura dos doentes jamais seria considerado urgente. Rhodan compreendeu. Era muito difícil adaptar o pensamento orgânico, condicionado pelo sentimento, à lógica fria de uma calculadora monstruosa.

— Descobri dados sobre a verdadeira causa da revolta dos zalitas. Os próprios moofs foram submetidos a alguma influência. A intoxicação de meus homens fazia parte do plano. Posteriormente fornecerei outros dados. Encontramos uma instalação camuflada dos bioquímicos galácticos, que segundo Crest, um membro da família de Zoltral, costumam ser chamados de aras.

— De que tipo eram as instalações?

— Tratava-se de um laboratório gigantesco, no qual eram criados os animais que costumamos chamar de nonus. A secreção do organismo dos mesmos era transformada em tóxicos. Tenho certeza de que a solução do problema deve ser procurada junto a esses aras. Solicito dados mais precisos. Onde poderemos encontrar esses seres? A única indicação que encontramos nos fichários de bordo diz que os aras detêm o monopólio médico-biológico da Galáxia. Onde poderemos encontrá-los?

A tela cobriu-se com uma luminosidade fluorescente.

— Resposta negativa. Vejamos — disse o Dr. Certch.

A imagem da abóbada de aço voltou a ser projetada na tela. Numa reação extremamente rápida, o cérebro identificou os pontos importantes da pergunta que acabara de ser formulada. Recusou, sem usar a palavra recusa.

— Em toda parte e em lugar algum. Nosso tratado não prevê que percamos um tempo precioso. Seria um contra-senso se passássemos o problema dos moofs para o segundo plano. Recuso fornecer-lhes dados ambíguos sobre a raça dos aras.

— Pois os dados são ambíguos? — perguntou Rhodan.

— São. Meus registros não revelam nada de positivo. Se a cura dos seus doentes for impossível, teremos que abandoná-los ao seu destino. Rhodan da Terra, eu lhe faço a seguinte proposta. Se sua suposição de que os moofs agem segundo as ordens dos aras for correta, é bem provável que no próprio planeta dos moofs encontre novos dados em favor dessa suposição. Mas o senhor terá de apressar-se, pois já enviamos uma frota parcialmente robotizada, comandada pelo almirante Vetron, para destruir o sexto planeta do sistema da estrela Moof. Não vi outra solução. O senhor não me informou no devido tempo sobre suas descobertas mais recentes.

— Retire a ordem! — exclamou Rhodan muito exaltado. — O senhor vai destruir as poucas pistas de que poderemos dispor.

— O ataque ainda não foi iniciado. Pouse imediatamente e apresente seus doentes. Verificarei num tempo muito reduzido se posso ajudar ou não. Fim.

Rhodan gritou mais algumas perguntas, mas percebeu que a máquina interrompera o contato. Virou-se com o rosto pálido.

Até Certch manteve-se em silêncio. Crest, o cientista arcônida, aproximou-se em passos comedidos. Nas telas de observação global os planetas visíveis de Árcon já apareciam com o tamanho de uma maçã.

Um impulso de advertência das três naves de escolta foi captado. Everson disse com a voz baixa:

— A manobra de frenagem será iniciada daqui a dois minutos.

— Pode pousar — disse Crest em tom tranqüilizador. — Se o cérebro afirma que o exame será realizado num tempo muito curto, isso significa que na pior das hipóteses levará meia hora. Se até lá não for descoberto nenhum antídoto entre o estoque de medicamentos existente no planeta, poderemos decolar imediatamente. Não adiantaria esperar mais. O robô não fará um esforço extraordinário para salvar alguns seres humanos.

— A situação é exatamente esta — exclamou Certch. — Nem devíamos pousar.

Os olhos de Gucky seguiram o comandante que caminhava de um lado para outro. Uma melancolia profunda brilhava nos grandes olhos da criatura peluda. Sentia a angústia de Rhodan.

— Quem é esse almirante Vetron, Crest? O senhor o conhece?

— Apenas pelo nome. É um oficial espacial da geração nova. Executará as ordens do cérebro sem a menor hesitação.

— Esse rapaz estragará nossas esperanças — disse Rhodan. — Dr. Certch, qual é o conselho que o senhor nos dá?

O doutor Certch respondeu:

— Vamos pousar, aguardar o resultado do exame, voltar a colocar os doentes a bordo e arrancar do robô poderes plenos para liquidar o problema de Moof por nossa conta. Quando nos aproximarmos do planeta Moof, o senhor deverá estar em condições de suspender imediatamente o ataque.

Rhodan voltou ao seu assento. O aparelho de pilotagem automática já acendera uma luz vermelha. As três naves de escolta haviam iniciado a frenagem. Os dois planetas já se apresentavam com o tamanho de uma abóbora.

Dentro de poucos segundos, os propulsores da Titan rugiram. A velocidade foi reduzida por meio de uma contra propulsão de quinhentos quilômetros por segundo ao quadrado. A central de tele direção de Árcon II entrou em contato com a nave.

Enquanto os propulsores de correção de rota do supercouraçado ribombavam, colocando a nave no rumo correto, Rhodan anunciou pelos microfones de bordo:

— O comandante a todos os tripulantes. Pousaremos dentro de quinze minutos aproximadamente. Tomem todas as precauções para que os doentes não possam ser encontrados. Peço que os médicos continuem no posto de emergência. Se necessário usem gás narcótico. Não deverá haver qualquer grito ou exclamação comprometedora, pois não sabemos se receberemos visita ou não.

“Atenção, Professor Kärner. Leve Thora, Bell e os outros seis doentes escolhidos à enfermaria. Provavelmente serão levados por robôs. Apague todos os vestígios da utilização da clínica. Tudo deverá estar limpo. Retire as camas de campanha. Provavelmente voltaremos a decolar depois de uma breve permanência no planeta. Aceitarei a sugestão do robô, para eliminar qualquer possibilidade da ocorrência de complicações mais sérias. Ainda acontece que não temos outra alternativa senão pousar em Moof VI, onde tentaremos colher novos dados que nos sirvam para esclarecer os acontecimentos. No momento é só. Entrem em prontidão provisória. Fim.”

Rhodan desligou no momento em que o supergigante penetrou com um rugido nas camadas superiores da atmosfera de Árcon II.

 

Árcon II era um astro que tinha a superfície aproximadamente igual à da Terra. Sua gravitação chegava a 0,7G. Era um conjunto tecnologizado e industrializado que não apresentava a menor solução de continuidade, um mundo de fábricas dantescas dirigidas por robôs e de gigantescos portos espaciais. Além disso, era o ponto capital do comércio intergaláctico.

O sol branquicento de Árcon brilhava num céu nevoado, em que não se via nenhuma nuvem. O segundo planeta do grupo sincronizado de três era a grande potência econômica da Via Láctea. Os artigos produzidos aí não somente eram de alta qualidade, mas sua quantidade era suficiente para inundar todos os mundos coloniais. Não havia praticamente nada que não fosse fabricado em Árcon II.

O espaçoporto de Olp’Duor formigava de naves mercantes de todos os tipos. Rhodan teve oportunidade de admirar as construções de seres humanóides e de criaturas totalmente estranhas.

Estranhas figuras levantavam-se do solo de espaço a espaço. E criaturas ainda mais estranhas saíam das escotilhas de suas naves, envergando trajes protetores mais ou menos pesados.

As instalações de carga e descarga do espaçoporto, inteiramente automatizadas, trabalhavam a toda força. Pelos cálculos de Crest, o valor das mercadorias descarregadas em Olp’Duor chegava a oito bilhões de solares de moeda terrana por dia. Acontece que este era apenas um dos trezentos espaçoportos.

Pesados cargueiros partiam ininterruptamente em direção ao céu. Outros chegavam ruidosos. A profusão de propulsores e máquinas que se amontoavam naquele campo era inimaginável.

A forma esférica predominava apenas nos veículos espaciais arcônidas. Via de regra viam-se construções em forma de cilindro, ou com outro formato bastante esguio. Ali chegavam os mensageiros de raças estranhas, a maioria das quais descendia de antigos emigrantes arcônidas.

Não apresentavam a menor semelhança com seus ascendentes. Os milênios, e mesmo dezenas de milênios passados fora de Árcon representaram um ponto final na evolução biológica arcônida.

Os descendentes mais remotos dos antigos colonos já se haviam adaptado ao novo ambiente. As múltiplas influências a que estiveram submetidos não poderiam deixar de desempenhar seu papel. A intensidade da gravitação de outros astros, as radiações cósmicas, a temperatura, a composição da atmosfera e o ambiente bioquímico produziram transformações físicas e mentais que faziam com que, em muitos casos, aqueles seres não mais possuíssem braços e pernas como os velhos arcônidas.

Mas todos pensavam, viviam e trabalhavam. Rhodan dissera em certa oportunidade que Árcon II era um formigueiro cósmico.

Os arcônidas eram raríssimos. Sempre que surgiam, revelavam o cansaço típico de sua raça. O cérebro robotizado recorrera a um processo compulsório de aprendizado hipnótico, mas verificou-se que o autômato que se orientava por uma programação antiqüíssima confundia os conceitos de saber e de desempenho físico.

Os cérebros dos arcônidas, cujos ideais eram muito diferentes, dificilmente poderiam ser despertados de sua letargia. E, quando isso acontecesse, o organismo predisposto para a indolência não conseguia acompanhá-los.

Na verdade, Árcon estava no fim. As iniciativas que decidiam o destino do Império partiam de um robô gigante, construído por milhares de gerações de técnicos e cientistas. Rhodan sabia que a máquina e seus acessórios ocupavam uma área de 10 mil quilômetros quadrados.

O supercouraçado Titan fora teleguiado para a extremidade leste do campo de pouso.

O poderio corporificado pelo supercouraçado só poderia ser avaliado por quem dele se aproximasse, vindo de uma distância considerável. Depois de pousada, a supernave tinha o aspecto de uma montanha esférica de 1.500 metros de altura, cercada no centro por uma protuberância circular em cujo interior poderia ser abrigada a maior parte das naves mercantes pousadas em Olp’Duor. Cada um dos dezoito propulsores da Titan tinha as dimensões de pequenas naves.

No interior desse corpo esférico feito de aço de Árcon e de energia solar concentrada e facilmente controlada, oitocentos homens sadios esperavam, enquanto os setecentos doentes nada sabiam do pouso realizado em Árcon II.

Fazia menos de uma hora que o tenente Tanner se encontrava diante do órgão de fogo, nome que se dava ao instrumento central de controle de tiro. Os canhões de impulsos e de desintegração aguardavam, no zumbido dos campos energéticos de orientação e irradiação, escondidos atrás das escotilhas das torres blindadas, que por enquanto permaneciam fechadas.

A Titan estava pronta para entrar em combate, tal qual a Ganymed pousada a menos de mil metros de distância.

A área fora fechada hermeticamente para qualquer tipo de tráfego. Apesar disso as telas dos amplificadores automáticos registravam um número sempre crescente de seres estranhos, que fitavam o gigante com um misto de curiosidade e medo.

Até então só haviam sido construídas duas unidades do tipo Universo. A Titan era uma delas.

Por isso, em nenhum lugar o gigante da classe Universo poderia despertar maior curiosidade que no espaçoporto do segundo planeta de Árcon.

Rhodan olhou para o relógio. As enormes telas da galeria panorâmica mostravam o terreno tal qual era: estava atulhado de naves espaciais de todos os tipos, comandos de robôs e pesada aparelhagem de carga e descarga.

— O senhor se enganou, meu caro — disse Rhodan, dirigindo-se a Crest. — O exame está demorando mais que trinta minutos.

Nesse instante o rato-castor voltou de sua terceira excursão. O ser dotado da capacidade da teleportação materializou-se em plena sala de comando. Quando o rato-castor, de mais ou menos um metro de altura, subitamente apareceu diante dele, o capitão Everson recuou, proferindo uma praga.

Gucky sorriu com seu enorme dente roedor. Depois saltitou sobre as curtas patas traseiras em direção ao painel principal.

— Então? — perguntou Rhodan laconicamente.

Com um gemido, Gucky subiu à poltrona mais próxima. Suas orelhas redondas de rato puseram-se de pé para ouvir o que os outros diziam.

— As coisas vão mal, chefe. Ainda estão naquela clínica. Quatro arcônidas os examinam, juntamente com alguns robôs. Ao que parece, não têm a intenção de fazer-lhes mal. Apareci por alguns segundos. Eles azularam.

Gucky soltou uma risada estridente. Na região da nuca as cerdas macias de seu pêlo marrom-avermelhado puseram-se de pé.

— Não quero que você use o vocabulário baixo de Bell — resmungou Rhodan. — Azularam... ora, onde já se ouviu uma coisa dessa!

— Pois bem, deram o fora a cento e vinte por hora — chiou Gucky. — Foi uma brincadeirinha e tanto.

— Crest, faça o favor de dar um jeito nas maneiras relaxadas deste oficial — ordenou Rhodan.

— Tenente Guck — chiou o rato-castor em tom de entusiasmo. — Sou eu. É assim que eu gosto. Não quero que ninguém me chame de Gucky quando estou em serviço.

Rhodan reprimiu um sorriso. Subitamente o rato-castor estremeceu. Seus grandes olhos de veludo enrijeceram.

— Thora está chegando — disse com a voz monótona. — Sinto seus impulsos. Ainda está doente.

Rhodan voltou a olhar para o relógio. Os oito doentes ainda não haviam voltado. Fazia uma hora que o comando de robôs viera buscá-los.

A campainha do telecomunicador que funcionava à velocidade da luz deu um sinal. O coronel Freyt, comandante do couraçado Ganymed, apareceu na tela.

— Um veículo grande surgiu em nossas telas. Os doentes estão voltando. Além disso, uma coisa gigantesca com braços e dedos para segurar está se aproximando. Parece uma máquina de carregar. Peço instruções.

— Aguarde. O cérebro entrará em contato conosco. Pedi água e mantimentos. Temos necessidade absoluta de reforçar nossas provisões antes do pouso. O senhor precisa de mantimentos para quinhentas pessoas. Pegue tudo que possa conseguir. O cérebro prometeu elaborar uma lista de provisões. Aquela máquina trabalha com uma precisão enorme; por isso deverão carregar tudo de que uma grande tripulação possa precisar.

Freyt contorceu os lábios. Uma expressão de repugnância parecia brilhar em seus olhos.

— São alimentos sintéticos. Não é a minha predileção.

— Outros povos, outros costumes. O senhor não faz a menor idéia do que a química arcônida consegue fabricar por meio de excelente fotossíntese. Por que vamos percorrer o caminho mais longo do animal de corte, se podemos produzir diretamente uma carne melhor, mais pura e obtida de maneira mais humana? Não acredite que lhe oferecerão alimentos de aspecto repugnante. Os habitantes de Árcon sabem viver, e eles se alimentam há milênios com os produtos da fotossíntese artificial. Portanto, abra as escotilhas de carga e ponha os robôs para trabalhar.

Freyt pôs a mão no boné. A tela apagou-se. Dali a dez minutos o comando robotizado de escolta anunciou sua presença diante da comporta número 28. Thora, Bell e mais seis homens foram entregues sem o menor comentário.

Rhodan correu para baixo. Respirando pesadamente, inclinou-se sobre o rosto pálido e emagrecido da jovem arcônida. Thora parecia encantadora no seu desamparo, mas sua respiração era tranqüila.

— Está mergulhada em sono profundo — constatou o Professor Kärner. — Quer dizer que o resultado do exame foi negativo. E agora?

Sem dizer uma palavra Rhodan colocou sobre os braços o corpo leve de Thora. Ainda sem dizer uma palavra, a colocou sobre uma confortável cama pneumática da clínica da nave. Recebera um quarto individual. No recinto ao lado dormiam Anne Sloane, Ishy Matsu e uma moça, Betty Toufry.

Constantemente havia médicos de plantão. Se os mutantes bem dotados dessem curso às suas forças, a nave poderia ser destruída.

— Faça o favor de cuidar de Thora — disse Perry abatido e com a voz baixa.

A toxicóloga Tina Sarbowna lançou-lhe um olhar perscrutador.

— O senhor bem que precisaria de algumas horas de descanso — disse a mulher magra. — Por que vai transformar-se num feixe de nervos? Isso não ajudará ninguém.

— Tem razão. Dormirei um pouco — disse Rhodan distraído.

Dali a cinco minutos, as máquinas de carregamento também surgiram diante das comportas inferiores da Titan. Uma atividade febril teve início. Os gritos estridentes de Tifflor foram ouvidos em toda parte. Fora destacado para desempenhar as funções de oficial intendente.

Grandes quantidades de alimentos de todos os tipos foram colocadas a bordo. Seguiram-se as peças de reposição, os medicamentos, os trajes espaciais, os robôs de guerra, os veículos de superfície e os blindados antigravitacionais. A Titan foi recheada por máquinas incansáveis: parecia até que teria de conquistar um império estelar.

O carregamento dos suprimentos durou quatro horas, segundo o relógio de bordo. Durante esse tempo, o cérebro não entrou em contato com a nave. Rhodan começou a inquietar-se.

A Ganymed anunciou que estava pronta para decolar. Freyt ainda informou o seguinte:

— Colocaram a bordo mais de duzentos objetos medonhos. As instruções de uso também nos foram entregues. Trata-se de blindados flutuantes, que se deslocam sobre o campo energético, a pouco menos de um metro sobre a superfície do solo. Estão equipados com canhões de radiações. Ainda recebemos mil e quinhentos robôs de guerra. São iguais aos que nos deram tanto trabalho logo após a fuga. No mais, estou preparado para a decolagem.

Rhodan respondeu:

— Estamo-nos transformando em verdadeiros aliados. Estou curioso para ver a conta final. Aguarde instruções minhas. Espero receber alguma notícia daqui a pouco. Fim.

No momento em que Rhodan desligou, chegou o chamado do Regente robotizado. Na tela especial do intercomunicador, surgiu o jogo de cores que confundia a mente.

Pouco depois reconheceu-se a cúpula de aço que abrigava a chave mestra do aparelho.

O autômato passou diretamente ao assunto.

— A cura dos doentes é impossível — disse a voz retumbante vinda dos alto-falantes. — Não conseguimos neutralizar a toxina. Os medicamentos de que dispomos falharam, pois não se trata de danos causados por germes. Procure colher novos dados em Moof. Decole imediatamente. As coordenadas do salto ainda lhe serão fornecidas. O sol Moof fica a trinta e seis anos-luz. Atenção para estes esclarecimentos:

“Ordenei a destruição do planeta por não ter condições de submeter à minha vontade seres vivos dotados de capacidades supersensoriais. Os dados fornecidos pelo senhor modificaram a situação. Pela presente concedo-lhe plenos poderes para intervir nos acontecimentos segundo seu arbítrio. Decolem e ordenem o regresso do almirante Vetron, fazendo uso do poder de comando que ora lhe é concedido. O ataque da frota já foi iniciado.”

— É uma loucura! — gemeu Rhodan no microfone.

— É uma ação razoável sob os pressupostos anteriores. Mas face ao aparecimento do senhor, perde sua finalidade. Mantenha-me informado sobre a situação. Exijo a rendição incondicional dos moofs. Se esses seres estiverem em contato com os aras, deixo a seu critério a decisão sobre as medidas que deverão ser tomadas. Apresse-se. Fim.

— E os doentes? — gritou Rhodan.

— Devemos considerá-los perdidos.

— Rapaz! — exclamou Everson perplexo. — Isso que é laconismo. Numa situação desta, eu teria realizado umas vinte conferências. Eu...

— A programação está chegando — soou a voz de Tiff nos alto-falantes.

Fora incumbido do controle do cérebro central da nave.

Os dados sobre o salto foram chegando. Vieram sob a forma de um impulso de apenas oito segundos. Seguiu-se um breve chiado.

— Aí estão os dados sobre o planeta — disse Rhodan em tom amargurado. — Receio que um dia isso acabe com os meus nervos. Prepare tudo para a decolagem, Everson. Suspender a prontidão de combate.

O coronel Freyt voltou a chamar. Informou que também acabara de receber os dados.

Dali a cinco minutos, o gigantesco espaçoporto de Olp’Duor foi sacudido por ondas de compressão que se deslocavam com a velocidade de um furacão. Apesar da distância, as grandes naves mercantes começaram a tremer na ancoragem.

A Titan decolou prudentemente com a potência mínima. Com uma lentidão enervante, o colosso foi subindo ao céu. Todavia, a energia que os propulsores tiveram que desprender foi suficiente para criar um verdadeiro fim de mundo no espaçoporto.

Só numa altitude de cem quilômetros que as máquinas do supercouraçado começaram a rugir e este ganhou velocidade.

A Ganymed seguiu com diferença de um minuto, tempo standard. Também era um monstro, mas perto da Titan parecia um duende. Apesar disso, as armas da Ganymed bastariam para impor boas maneiras a qualquer inimigo.

Os geradores antigravitacionais destinados à neutralização da gravitação planetária deixaram de funcionar. Em virtude disso, surgiu um campo gravitacional de 0,9 g, o que praticamente equivalia às condições reinantes na Terra.

As naves robotizadas de escolta voltaram a aparecer, mas desta vez se mantiveram a uma distância respeitosa.

Segundo os dados da transição transmitidos pelo cérebro, o salto seria iniciado ainda no interior do grande sistema de Árcon. Isso era um sinal da importância que o robô atribuía à missão. Em condições normais, qualquer comandante pensaria duas vezes antes de provocar um abalo estrutural em meio às confusas linhas gravitacionais e energéticas que se cruzam no interior de um sistema solar.

Daí a dez minutos, os gigantes espaciais atingiram a velocidade da luz. A programação do controle automático do salto na quinta dimensão estava concluída.

No momento em que os veículos espaciais emergissem do hiperespaço que não conhecia o tempo, e no qual vigoravam leis completamente diversas, deveriam encontrar-se perto de um sol amarelo de tamanho médio, que estava registrado nos catálogos com o nome de Moof.

Rhodan fechou os olhos diante das incríveis luzes errantes representadas pelos inúmeros sóis concentrados num espaço extremamente reduzido. O grupo estelar M-13 tinha cerca de 230 anos-luz de diâmetro e reunia cerca de 150 mil estrelas. Provavelmente o número de estrelas era ainda superior.

Aquelas estrelas brilhavam e cintilavam numa grandiosidade inconcebível. A faixa da Via Láctea havia desaparecido. Por mais que a vista se esforçasse, não encontraria nada que pudesse lembrar as estrelas com que se familiarizara na Terra.

Cascatas de luz corriam pelas telas. Não havia nenhum lugar em que a navegação galáctica fosse mais difícil que em meio a esses grupos concentrados. Uma visão clara do conjunto era praticamente impossível. As estrelas geminadas ou sobrepostas e outros tipos de constelações não poderiam ser percebidas. Num lugar destes uma transição representava praticamente um salto às cegas para as maravilhas energéticas do Universo.

Antes de expedir o impulso para o salto, formando o campo de força destinado à eliminação de qualquer influência energética proveniente da quarta dimensão, Rhodan fez mais um esforço para localizar a estrela a que se destinavam.

Seus olhos falharam lamentavelmente. Aquilo que na Galáxia aberta seria apenas uma coisa natural, aqui se transformava numa fantasia que confundia os sentidos. Contra este fundo, o sol Moof era totalmente imperceptível. A única coisa que poderia resolver o problema era a complicada hipermatemática da raça que habitava um mundo situado no centro do grupo estelar M-13.

Os couraçados desapareceram numa trêmula luminosidade. Com sua penetração forçada e mecânica no hiperespaço, as leis físicas do Universo normal deixaram de operar. Por outro lado, porém, o fenômeno causava as perturbações típicas na curvatura das dimensões conhecidas.

O cérebro robotizado localizado em Árcon III registrou o início do salto. Os rastreadores estruturais começaram a zumbir nas naves de escolta. Poucos segundos depois captaram os abalos causados pela manobra de imersão. Em poucos segundos, os dois couraçados venceram uma distância de 36 anos-luz.

A tele direção das três naves robotizadas acionou o dispositivo de frenagem. Não havia mais nada a escoltar.

 

Sua Eminência, Vetron da família Tatstran, Almirante do Grande Império, comandante da frota de naves espaciais ZL-ARK-86, era um dos raros jovens que ainda conservavam um vestígio da energia que para os indivíduos da época da expansão seria considerada normal.

Apesar disso, Vetron também demonstrava certa inclinação pelo jogo do simulador e pelos costumes relaxados que eram usuais tanto na corte do Imperador como em outros lugares. De resto, porém, era um homem de tempera extraordinária para os padrões arcônidas; tinha rosto anguloso e era dotado de inteligência penetrante.

Vetron assumira os modos transparentes da auto-recriminação pública. De algum tempo para cá, os habitantes do mundo de cristal começaram a comprazer-se em moer as próprias deficiências através de uma série de fórmulas lingüísticas sofisticadas que exprimiam uma ironia espirituosa.

A frota ZL-ARK-86 encontrava-se em órbitas convergentes junto ao sexto planeta do sol Moof.

Duzentas naves pequenas, médias e pesadas, se materializaram diante do sistema e, executando o plano previamente traçado, avançaram sobre o alvo.

A estrela Moof possuía apenas sete planetas. O sexto, habitado por monstros disformes com aspecto de medusa, dotados de pronunciada capacidade telepática e de capacidade de sugestão mental muito menos desenvolvida, era um gigante avermelhado cuja atmosfera de metano e amoníaco exercia uma tremenda pressão. Seu diâmetro era de 148 mil quilômetros, e a gravitação superficial correspondia a 2,8 g.

Naquele mundo fazia muito frio. Oceanos gigantescos formados exclusivamente por amoníaco cobriam a superfície. As pequenas elevações dificilmente poderiam ser designadas como montanhas. A enorme gravitação não poderia ter deixado de produzir seus efeitos. Terríveis furacões bramiam no envoltório de gases venenosos, onde se desenvolviam reações químicas que os humanos só conseguiriam provocar no interior dos laboratórios. Era o planeta da química natural de alta pressão e da super-refrigeração, também natural.

O ataque planejado tivera início há uma hora, tempo standard. Para o robô insensível de Árcon III, esse mundo, que de qualquer maneira não poderia ser utilizado por criaturas humanas, apenas representava um dado em seus cálculos.

Os moofs que viviam ali eram seres que respiravam o metano e o amoníaco e eram dotados de órgãos compensadores de pressões elevadas. Seu metabolismo se desenvolvia por um processo completamente estranho. De qualquer forma, não teriam a menor serventia para o Império. Em virtude de suas faculdades parapsicológicas, aqueles seres eram imunes à sujeição nos termos de um colonialismo há muito ultrapassado. Em compensação, haviam realizado uma intervenção extremamente perigosa na política do império estelar.

Esses motivos eram mais que suficientes para levar o robô a ordenar a destruição desse mundo. Era um raciocínio duro e cruel, injusto e desumano. Acontece que o Regente robotizado não era um ser humano.

O ataque já se desenvolvia há mais de uma hora. As unidades menores avançaram até as camadas superiores da atmosfera. Dali abriram fogo com seus canhões de impulsos.

Os feixes energéticos, que emitiam uma claridade solar, rugiram através dos gases fortemente comprimidos antes de atingirem o solo em leque, produzindo mares borbulhantes.

O almirante Vetron não tinha pressa. Era sua primeira missão, e não pretendia concluí-la antes da hora por meio da utilização de armas de elevada potência.

Por enquanto Vetron pretendia realizar uma manobra com armas energéticas convencionais. Com isso, teria oportunidade de testar a capacidade de reação dos comandantes das unidades e dos grupos.

Por cima da densa atmosfera venenosa de Moof VI, pendia a destruição sob a forma de naves espaciais esféricas, entre as quais havia três unidades da classe Império, com oitocentos metros de diâmetro. A tripulação organicamente viva de Vetron era formada por membros do povo colonial de Naat, que haviam concluído o treinamento hipnótico para o combate. Era uma raça de criaturas ciclópicas com três olhos.

Três minutos atrás ocorrera o tremendo abalo estrutural. Numa distância perigosamente pequena, as duas naves gigantes emergiram do hiperespaço, e aproximaram-se vertiginosamente do grupo que circulava em torno do planeta.

Antes que Vetron pudesse recuperar-se da surpresa, o rosto estreito e anguloso de um estranho surgiu nas telas da nave capitania.

Os olhos cor de gelo encimados por uma testa alta não agradaram a Vetron. O desconhecido falava um arcônida impecável, sem o menor sotaque.

— O senhor compreendeu perfeitamente; isto é uma ordem — soou a voz áspera e fria vinda dos alto-falantes do couraçado.

Uma ruga vertical surgira entre as sobrancelhas do desconhecido.

— Suspender o fogo, afastar-se, entrar em forma e dar o fora. Entendido?

— Eu o destruirei, seu bárbaro — gritou Vetron. — Eu...

O almirante calou-se. O imenso furacão de fogo que se desprendeu da face visível do supercouraçado fez com que perdesse a fala.

Fluxos energéticos que progrediam à velocidade da luz, quentes como um sol e com a grossura de uma torre de tele direção, caíram ruidosamente nos campos defensivos de um dos pequenos cruzadores robotizados da frota de Vetron.

A nave esférica de cem metros de diâmetro desmanchou-se num inferno branco de energia atômica liberada. O que ficou para trás foi uma bola de gases turbilhonantes, diante da qual as outras naves recuaram apavoradas.

— Isto foi apenas uma advertência, Vetron — voltou a falar o desconhecido. — Retire-se imediatamente. Recebi plenos poderes para suspender o ataque. Desapareça com sua frota.

Dali a dez segundos, Vetron recebeu a confirmação do cérebro robotizado. Só agora o autômato entrara em contato com ele.

O arcônida deu ordem de retirada; deu-se por vencido.

Duzentas unidades aceleraram e saíram das órbitas tão cuidadosamente calculadas. Vetron achou que seria indigno da sua posição voltar a entrar em contato com o desconhecido que surgira tão inopinadamente.

Os oficiais dos dois couraçados terranos seguiram o grupo com os olhos, sem dizerem uma palavra. Os numerosos pontinhos transformaram-se num único eco do rastreador. O almirante Vetron seguiu estritamente as instruções que acabara de receber. Em poucos minutos, mergulhou no nada.

Rhodan pigarreou com a mão diante da boca.

— Respeito não lhe falta — disse, esticando as palavras. — Tem até respeito demais por uma simples máquina. Há algo de podre no reino dos arcônidas.

O capitão Brian, que se encontrava na sala de rádio, fez um sinal. Ao que parecia, tudo estava em ordem. O pequeno sistema do sol Moof parecia deserto, como se nunca uma frota poderosa se tivesse abrigado em meio às suas órbitas planetárias.

Apenas a superfície do sexto planeta, que emitia um brilho avermelhado, continuava a borbulhar. As bombas normais atiradas sobre o planeta, que traziam simples cargas explosivas de material de fusão e nunca desenvolveriam uma potência superior a 50 megatons, estouraram sem produzir o menor resultado. As forças gravitacionais muito intensas já haviam trazido de volta as massas de matéria atiradas para o alto. Os cogumelos de reação atômica espontânea tiveram um desempenho bastante reduzido naquela atmosfera tremendamente comprimida.

O que ficou foram apenas crateras vitrificadas, cujo calor era irradiado com uma rapidez incrível. As armas energéticas das naves empenhadas no ataque haviam queimado enormes grotas na superfície. Os rastreadores de elementos registraram as densas nuvens de amoníaco que subiam dos lagos atingidos pelos raios energéticos.

— É um verdadeiro inferno! — disse

Everson, engolindo em seco. Com o coração pesado, contemplou as grandes telas de visão global do supercouraçado.

Fazia oito minutos que os propulsores da nave desenvolviam toda a potência de frenagem.

Após cinco minutos, o cérebro positrônico fez a nave entrar na órbita previamente calculada. A Ganymed seguiu-a numa distância de apenas 2 mil quilômetros. As últimas correções de rota foram efetuadas, antes que as naves passassem a deslocar-se em queda livre.

Os ruidosos reatores instalados na protuberância externa da Titan calaram-se. Um silêncio profundo passou a reinar a bordo da maior das naves que jamais cruzara a Galáxia.

O olhar de Rhodan caiu sobre os dois seres dotados de capacidades supersensoriais. Eram os únicos membros do chamado exército de mutantes que não foram vitimados pela doença.

Apoiado sobre o grosso traseiro, Gucky mantinha-se imóvel, fitando as telas. O rosto esperto do rato-castor estava alterado. Em seus grandes olhos castanhos havia uma expressão de nervosismo contido.

Wuriu Sengu, um homem de corpo volumoso e maneiras um tanto rudes, apalpava instintivamente o grande cinto com as armas. Olhou pelas janelas eletrônicas da nave e teve a impressão de contemplar a imensidão vazia.

Os diversos postos transmitiram o aviso de que estavam preparados para entrar em ação. Os doentes continuavam calmos. A sonoterapia parecia ser o único tratamento adequado.

Meia hora depois da manobra de adaptação de órbita, teve início a conferência sobre a ação a ser empreendida. Participaram os cientistas e oficiais mais importantes dos dois couraçados.

Rhodan explicou tranqüilamente o plano que havia concebido. Depois da retirada da frota arcônida semi-automatizada não precisavam ter pressa. Ainda mais que tinham certeza absoluta que, dali em diante, ninguém mais chegaria ao gigantesco planeta ou dele sairia sem ser visto.

Os veteranos das pesadas lutas travadas em Honur estavam agora reunidos. Apenas os elementos mais antigos e capazes, ausentes; eram os que tinham acumulado maior cabedal de experiência e aqueles dotados de capacidades parapsicológicas.

— Ninguém poderá deixar de reconhecer a dificuldade do empreendimento — disse Rhodan, concluindo a conferência. — Freyt manterá a Ganymed em órbita. Preciso ficar com as costas livres.

O coronel, um homem alto, acenou com a cabeça sem dizer uma palavra.

O vulto gigantesco do Dr. Hayward surgiu nos fundos da sala. Estivera trabalhando no grande laboratório da nave. Todas as cabeças se viraram. Fora ele que conseguira isolar o veneno desconhecido. Mas nem por isso descobrira um antídoto que neutralizasse seus efeitos.

— Nada! — disse Hayward, respondendo à pergunta que não chegara a ser formulada. — O conceito de argono-hexilamina já representa uma impossibilidade. Mas sei perfeitamente que os centros nervosos mais sensíveis dos doentes não agüentarão mais por muito tempo. O líquido raquidiano, que produz o sangue, também é atacado pela argonina. Os espectros sangüíneos são péssimos. Além da hipereuforia, dentro de quinze ou vinte dias, no máximo, se manifestará uma forma estranha de leucemia. Acredito que o soro de Haggard será ineficaz contra a mesma.

Hayward sentou na borda de uma mesa. Um silêncio profundo encheu o salão.

— Que informação tranqüilizante! — disse Rhodan numa amarga ironia. — Deve haver um meio de absorver a toxina.

— O meio existe — respondeu Tina Sarbowna. — Acontece que não o conhecemos. Para descobri-lo teríamos que desenvolver um trabalho de pesquisa de três ou quatro anos.

Rhodan virou-se num gesto de resignação. Seria inútil prosseguir na discussão.

Passou a outro assunto:

— Sem mentiras, diga aos homens que teremos que agir contra seres dotados de capacidades parapsicológicas. A raça dos moofs nunca será capaz de produzir um simples parafuso, quanto mais uma nave espacial. A inteligência de que são dotados não altera nada nessa situação. Esses seres vivem no oceano atmosférico de um mundo supercomprimido. O meio natural de comunicação entre eles é a telepatia. Além disso, são dotados de forças sugestivas, que o homem só pode considerar bastante fracas. Mas já vimos que a união mental de vários moofs basta para eliminar a vontade de um homem de mente sadia. Por isso deverão ser dadas instruções gerais para que os homens só saiam das naves em grupos de cinco ou mais. Se forem notadas influências sugestivas em alguma pessoa, seus companheiros tomarão imediatamente as providências que se fizerem necessárias. De qualquer maneira, ordenem aos homens que disparem. Não se esqueçam de que nos defrontamos com uma raça inumana e, mais do que isso, diabólica. Lembrem-se dos efeitos desastrosos da ação que os moofs desenvolveram nas lutas mais recentes. Não esperem um segundo além do necessário.

— O senhor se esquece do ponto mais elementar — interveio o Dr. Certch.

— Em sua opinião, qual é o ponto mais elementar? — perguntou Rhodan.

— Este ponto elementar situa-se em dois planos distintos. Ao que parece, um matemático raciocina de forma diferente. Em primeiro lugar teremos de encontrar esses monstros antes de fazer qualquer coisa contra eles. Depois que os tivermos descoberto, ainda resta saber se conhecem alguma coisa sobre os médicos galácticos, que afinal de contas são os responsáveis pela intoxicação. Sugiro que não atribua uma importância exagerada às capacidades parapsicológicas dos moofs. Serão inimigos implacáveis, até mesmo desumanos. Votarão um ódio instintivo a tudo aquilo que não se enquadra em seu esquema de vida. É um fenômeno compreensível. Recomendo-lhes que se interessem desde logo pelos aras. São os únicos que podem curar nossos doentes.

— O caminho para os aras passa pelos moofs — exclamou Gucky em tom nervoso e estridente. Seus braços curtos executaram uma gesticulação intensa. — O único caminho passa pelos moofs. Eu os conheço. Posso enfrentar uma centena deles.

— Acontece que serão milhões — disse o Dr. Certch, insistindo em sua opinião. — Deixem-nos de lado. A interpretação dos dados disponíveis permite a conclusão segura de que neste mundo existe uma base dos aras. São eles que puxam os cordões.

Rhodan fez um gesto de recusa. Os fatos eram conhecidos e já haviam sido considerados. Não pensava em subjugar os monstros em forma de medusa pela forma que o cérebro robotizado desejava. Não tinha o menor interesse na política colonialista do Império.

No entanto, tinha a impressão de que o caminho para a base dos médicos galácticos, que provavelmente existiria naquele planeta, só poderia passar pelas criaturas inumanas.

Rhodan declarou encerrada a reunião.

O coronel entrou em sua nave de ligação e retornou à Ganymed. A bordo da gigantesca Titan começou o trabalho febril dos preparativos para a luta.

Os comandos de robôs foram programados. Os blindados flutuantes saídos das fábricas do segundo planeta de Árcon foram preparados para entrar em ação. Substituiriam os velhos Câmbios, pois eram veículos potentes que ofereciam possibilidades muito mais amplas. Seus motores não teriam a menor dificuldade em vencer a gravitação de 2,8G, e seu armamento seria suficiente para dizimar um exército terrano.

Setecentos homens altamente especializados, inclusive aqueles que não sairiam da nave, receberam trajes protetores arcônidas. As equipes de salvamento, abrigadas em blindados espaciais de alta pressão, estavam de prontidão com os aparelhos de vôo antigravitacional.

Oito horas depois da chegada ao sistema de Moof, uma luminosidade ofuscante saiu dos bocais de correção de rota do supercouraçado. Descendo rapidamente, seguiu a tração cada vez mais perceptível da gravitação. Os projetores dos campos defensivos rugiram. A Titan penetrou nas camadas superiores da atmosfera impregnada de gases tóxicos que causariam a morte instantânea de qualquer homem.

Ainda havia a pressão extremamente elevada reinante no fundo desse oceano feito de gases supercondensados. Era um planeta infernal; era tão grande, formidável e estranho, porém jamais poderia servir de base a uma raça de seres que respirassem oxigênio.

Nessas circunstâncias, quase chegava a ser compreensível que o cérebro robotizado tivesse ordenado a destruição total de Moof VI; mas apenas quase.

Ali viviam seres cujo aspecto terrificante não poderia ocultar o fato de que o Criador lhes dera um espírito e uma inteligência.

Um comandante do tipo de Perry Rhodan fatalmente sentiria escrúpulos de consciência toda vez que pousasse num mundo como este. As características inumanas e totalmente estranhas do inimigo dominariam a inteligência, que numa lógica infalível chegaria à conclusão de que o espírito não deveria entreter qualquer tipo de sensibilidade humana.

Muito preocupado, Rhodan percebeu que o problema seria praticamente insolúvel. Muitas vezes tivera oportunidade de notar que as armas puramente espirituais são invencíveis. Os mutantes, que representavam os pólos opostos das qualidades parapsicológicas dos moofs, estavam quase todos inutilizados. Pela primeira vez na história da Terceira Potência, o homem se via quase indefeso diante de seres dotados de capacidades supersensoriais. E esses seres já haviam provado no planeta Zalit que sabem ser por demais cruéis e que seu pensamento é completamente diferente do raciocínio humano.

Rhodan ainda se viu obrigado a eliminar a palavra crueldade desse contexto. Uma qualidade puramente natural não poderia ser identificada por uma palavra do vocabulário humano.

Gucky, o único ser sadio dotado de elevadas capacidades telepáticas, escutava com os olhos fechados. Os moofs conseguiram desenvolver certa inteligência, mas os dados relativos a essa raça levavam à conclusão de que dificilmente se poderia contar com a presença de construções ou outros produtos da tecnologia desenvolvida.

Esses indivíduos nunca foram capazes de criar os objetos mais simples, pois não dispunham dos requisitos orgânicos para isso. A mão humana, que é o instrumento mais belo e eficiente criado pela natureza, nunca foi concedida aos moofs.

Diante da tela de proa da Titan, que se deslocava em alta velocidade, aglomeravam-se massas de gases incandescentes. Da simples compressão da atmosfera até a condensação molecular, o caminho era curto.

Os neutralizadores gravitacionais automáticos eliminaram a força da gravidade que atingia a Titan. Os propulsores, que desenvolviam a potência zero, apenas sustentavam e moviam o corpo da nave. Um único dos dezoito propulsores, trabalhando com a potência mínima, bastava para vencer a resistência da atmosfera.

— Localização pelo eco negativa — anunciou o capitão Brian na sala de rádio. — Nenhuma localização goniométrica. Nenhum tráfego de rádio. Absolutamente nada. Rastreador de pistas também negativo. Existem apenas substâncias naturais; nada de produtos ou ligas artificiais.

O rosto de Rhodan permaneceu impassível. Sem dizer uma palavra, contemplou as enormes telas panorâmicas.

Naquele momento, o supercouraçado atravessava uma tempestade cuja turbulência era pavorosa. Tudo indicava que nas camadas atmosféricas superiores de Moof VI havia forças diabólicas que lutaram contra os princípios de vida que aos poucos se desenvolveram no fundo do oceano de gases.

— Setor P três percorrido, passar ao setor P quatro — rangeu a voz metálica do autômato.

A Titan passou a descrever outro círculo em torno do planeta, desta vez mais próxima da zona equatorial. Os mapas em relevo da superfície visível foram registrados através do processo de rastreamento eletrônico e infravermelho, que fora adequadamente programado e, sob a forma de milhões de impulsos, transmitia os dados a um ejetor de massa plástica. Grandes fitas de plástico saíam do cartógrafo automático de grande precisão. A configuração tridimensional dos resultados admitia uma tolerância de mais ou menos 1 milésimo por cento.

Depois de doze voltas em torno do planeta, o mapa do hemisfério norte estava concluído. Após dez minutos, surgiram os primeiros impulsos. E isso aconteceu de forma tão repentina e surpreendente, que o rato-castor se encolheu.

— Então... — soou a voz estridente de Gucky.

Seus grandes olhos tremeluziam.

Rhodan foi até o ser peludo, que parecia perturbado. As pequenas patas rosadas agarraram seu braço.

— O que houve? — perguntou Wuriu Sengu, o espia, em tom nervoso. Muito tenso, inclinou-se sobre o rato-castor que tremia por todo corpo.

— Fale, pequenino — cochichou Rhodan em tom insistente. — O que houve?

Mais adiante, a figura de Everson transformou-se num objeto rodopiante. Seus dedos correram pelas chaves do piloto automático. Houve um rugido surdo nos dois propulsores anteriores da protuberância, seguido do ribombar vindo dos pavilhões do neutralizador de pressão.

Numa fração de segundo, a Titan neutralizou a velocidade elevada com que se deslocava. O eco do rumorejar vindo das salas de máquina chegou à de comando. Feixes filigramáticos de raios corpusculares extremamente condensados sustinham a nave. Os estabilizadores giroscópicos zumbiam.

Os homens do posto central de controle de fogo viraram-se ligeiros, antes que seus olhos caíssem sobre a pequena tela da mira automática.

Não se via nada. Não apareceu qualquer objeto que pudesse perturbá-los, quanto mais ameaçá-los.

O major Chaney, comandante do grupo de desembarque, praguejou. Num momento como este, até Rhodan caía numa certa perplexidade.

Pela primeira vez, seu treinamento telepático teve aplicação prática. Levantou toda e qualquer barreira mental. Os setores ociosos do cérebro transformaram-se em rastreadores ultra-sensíveis, que se submeteriam a qualquer impulso que quisesse atingi-los.

Gucky devia ter sentido os impulsos com uma intensidade muito maior. A Titan mantinha-se imóvel em meio à atmosfera turbulenta. Os impulsos foram ficando cada vez mais fortes, até que Rhodan conseguiu extrair um sentido definido dos mesmos.

Alguém estava chamando. Possuído de grande angústia e de enorme preocupação, chamava com tamanha insistência, força e concentração que o rato-castor começou a choramingar.

— Não pousem. Fiquem onde estão. Não pousem. Perigo. Não pousem. Eles os esperam. Voltem para o lugar de onde vieram. Não pousem. Perigo.

Rhodan murmurou baixinho. O Dr. Certch agachou-se diante do comandante, que mantinha o corpo encurvado. Era uma situação irreal e enervante.

As mensagens transmitidas por desconhecidos eram sempre as mesmas. De repente os impulsos se tornaram tão intensos que Rhodan se apressou em bloqueá-los por meio da vontade. Martirizado pela dor de cabeça, ergueu o corpo.

Foi só então que ouviu os gritos agudos. Gucky contorcia-se de dor.

— Depressa, Hayward! — berrou alguém a plenos pulmões.

O médico já estava ali. Sob o chiado da seringa pressurizada os tecidos do corpo de Gucky absorveram o narcótico. Em menos de um minuto, o ser peludo tranqüilizou-se e ficou deitado no assento do piloto.

O rosto de Rhodan estava desfigurado pela dor. Seus olhos mortiços fitaram as mãos de Hayward.

— Deixe — soou a voz áspera de Rhodan. — Não quero narcótico; agüento sem ele. Chame Kärner; depressa. Os telepatas do exército de mutantes devem ser submetidos a uma vigilância mais rigorosa, caso despertarem.

Interrompeu-se para enterrar o rosto nas mãos. O silêncio passou a reinar na gigantesca sala de comando do supercouraçado. Só os homens dos postos de combate trocavam informações aos cochichos. Mas não havia nada que pudesse ser atacado.

— É isso! — disse o Dr. Certch. — Um ataque mental. Como se tudo isso não bastasse, ainda fazem de conta que lá embaixo só temos bons amigos. Será que isso é uma advertência?

— Parecia verdadeira. O senhor não poderia ouvir.

— É tão legítima como meu velho relógio niquelado — disse Certch. — Suponhamos que a advertência é sincera. Quem poderia tê-la emitido?

— Certch, um amigo de verdade não transmitiria sua mensagem parapsicológica com uma força mental tão brutal que fizesse um bom receptor como Gucky sucumbir sob a mesma. Um telepata imbuído de boa vontade logo percebe quando o receptor está sobrecarregado. Por que não pararam quando o rato-castor começou a choramingar?

— Talvez seu argumento seja convincente, Rhodan. Acredita seriamente que além dos monstros existem outros seres dotados de capacidades telepáticas? Em caso afirmativo, que motivo teriam para nos prevenir? Se esses desconhecidos são inimigos encarniçados dos moofs, a advertência seria perfeitamente explicável. Mas nesse caso ainda teríamos de explicar como esses seres adquiriram conhecimentos astronáuticos. Eles disseram que não devemos pousar, não é verdade? Fixemos o conceito de pousar. Será que um ser que respira uma mistura de metano e amoníaco e não desenvolveu qualquer tecnologia tem algum conhecimento sobre o pouso de uma nave espacial? Não seria de esperar que não tivessem a menor idéia disso? Quem poderia ter emitido a mensagem telepática? Seria realmente um amigo desconhecido?

— Qual é a conclusão? — perguntou Rhodan.

— É claro que só pode ser um truque. Alguém está com medo. A decisão só pode ser uma. Pouse e aperte seus botões antes que a outra parte tenha tempo para agir.

Alguns segundos depois, as teclas de programação do pequeno cérebro eletrônico começaram a bater. Ao que parecia, o psicólogo de robôs também tinha algum conhecimento de psicologia natural. Era bem possível que os atos de um ser inumano fossem quase idênticos aos do homem.

— O Dr. Certch está com a razão. Só pode ser um truque miserável. — Rhodan compartilhava a opinião do doutor.

Depois ordenou:

— Everson, prepare todas as peças para disparar. O comando de Chaney deve preparar-se para deixar a nave. Brian, informe a Ganymed. O levantamento cartográfico do hemisfério sul deverá ser realizado a partir do espaço. Freyt poderá enviar sondas teleguiadas para a atmosfera. Deverão ser ligados apenas para o rastreamento de matéria classe A. Quero saber se existe alguma coisa que não seja obra da natureza. Ainda há um detalhe, Dr. Certch.

Desta vez um sorriso mordaz surgiu no rosto de Rhodan. O Dr. Certch empurrou o gigantesco par de óculos para cima do nariz. O dedo estendido permaneceu imóvel no ar.

— O senhor se esqueceu de que estamos procurando os aras. É possível que a mensagem venha deles. Será que o senhor tem alguma prova de que esses seres não possuem dons telepáticos?

Certch soltou um assobio agudo e desafinado. Seus olhinhos claros começaram a piscar. Nesse momento, foi iniciada a manobra de pouso da Titan.

O monstro de aço abriu caminho pela atmosfera cada vez mais densa. Bem mais embaixo outros monstros estavam à espera. Não eram tão grandes, mas em compensação eram fortes. E eram muitos.

Sob o sopro incandescente dos propulsores, uma montanha de sais de amoníaco evaporou-se. Uma tempestade furiosa sacudia as torres de armamento da nave.

Discos de apoio de tamanhos assustadores afundaram no solo macio. A escuridão desceu sobre o supercouraçado. O sol Moof estava reduzido a um disco pálido atrás das nuvens.

Os sais e as poças de amoníaco líquido submetidas à alteração de temperatura e à pressão reagiram de forma surpreendente. Os vestígios de azoto e de hidrogênio pareciam ver na Titan uma espécie de catalisador. Sob a ação do calor tremendo desprendido pelos propulsores e da pressão atmosférica, também entraram em reação. Eram processos químicos que dificilmente poderiam ser reproduzidos num laboratório.

A abóbada energética que se desprendeu da Titan causou um tremendo furacão naquela atmosfera venenosa. Até parecia que tinham pousado num submundo. O espaço livre parecia ficar a uma distância infinita. As mensagens de rádio transmitidas por Freyt sofreram fortes interferências.

Chegaram, mas ainda não sabiam por que haviam pisado no primeiro degrau da escada que dá para o inferno.

Setecentos homens contemplaram-se com uma expressão mais ou menos tranqüila. Os engenheiros das centrais energéticas agradeciam aos céus por não terem que sair para aquela fábrica de venenos pressurizados.

Os homens do comando de desembarque examinavam incessantemente os microgeradores de seus trajes arcônidas, que funcionavam impecavelmente. Os cientistas refletiram sobre o destino que teria um homem cujos campos defensivos entrassem em colapso. Na verdade, não havia necessidade de refletir sobre isso. Sabiam perfeitamente quais seriam os efeitos da pressão, da gravidade e dos gases venenosos.

Para conservar a mobilidade, os homens tiveram de abster-se de revestir os trajes arcônidas com a blindagem pesada e desajeitada destinada à execução de tarefas especiais. De resto, essas armaduras disformes apenas poderiam oferecer defesa contra os gases venenosos e a pressão. Não ofereceriam a menor proteção contra uma gravitação de 2,8G.

— Bem que eu preferia uma noite de primavera na província mexicana de Sonora — disse uma voz monótona.

Após isso só se ouviu o rugido do furacão. Os instrumentos mediram sua velocidade. Chegava a 480 km/h.

 

— Como é que eles se comportam? — perguntou Crest.

Eles eram os monstros que apareceram logo após o pouso da nave. Aos milhares, provavelmente mesmo às dezenas de milhares, rodeavam o supercouraçado a uma distância respeitosa.

Eram bem maiores que os seres de que se guardava lembrança. Sua altura era de cerca de 2,5 metros e sua largura passava de 1,5 metros. Descansavam no solo como medusas em forma de sino. Na parte de cima, onde se supunha que seria a extremidade do corpo espumoso e incolor, várias cabeças redondas com olhos salientes saíam. A incrível elasticidade do corpo absorvia as rajadas inesperadas do furacão através de pronunciadas deformações e achatamentos.

A natureza os fizera de forma tal que sempre voltavam a face longitudinal às tormentas, pouco importando a posição em que se firmavam ao solo.

Parecia que estavam apenas agachados. Apesar disso, observaram-se movimentos extremamente rápidos e ágeis. Da extremidade inferior do corpo, saíam inúmeros apêndices destinados à locomoção. Ao que tudo indicava, os moofs não possuíam órgãos preênseis naturais. Ao menos não haviam notado a presença deles.

Logo após o pouso Gucky despertou do sono provocado pelo narcótico. Agachado diante das telas, o rato-castor escutava os impulsos mentais dos inumanos.

Eram telepatas naturais; mais uma vez Gucky registrou o fato. A fala normal e humanóide não seria possível em meio a esse inferno de ruídos provocados pelos furacões incessantes. A natureza encontrara uma solução brilhante.

Fazia dez minutos que todos os tripulantes usavam o traje protetor arcônida, embora Rhodan ainda não tivesse dado ordem para deixar a nave. Esperava alguma coisa que lhe parecia evidente.

Quando alguém entrava na sala de comando, nunca vinha só. Depois do ataque telepático Rhodan aumentara os membros de cada grupo para um mínimo de dez. Todos tinham que observar todos, para verificar se procediam normalmente.

A Titan estava pousada sobre as pernas de aterrissagem da grossura de uma torre, em meio a uma grande planície cortada por profundas depressões. Bem ao longe, uma cadeia de montanhas baixas subia ao céu nublado. Cristais de amoníaco tangidos pela tempestade batiam ininterruptamente contra o campo defensivo da nave. Parecia que um desconhecido estava promovendo um enorme fogo de artifício.

Do lado de onde vinha o vento, as luzes e os relampejos se sucediam sem cessar. Os cristais se desmanchavam em incandescência, produzindo vapores tóxicos.

— Por que não atacam? Por que será? — perguntou Rhodan, concentrado.

Lançou um olhar para os oficiais da nave-gigante.

Everson estava sentado diante dos controles de amplificação do localizador infravermelho. Os corpos dos moofs desenvolviam um excelente eco térmico. Embora em meio a esse frio, se parecessem com geladeiras vivas. A localização infravermelha era melhor que a observação puramente ótica, que era turvada constantemente pelas nuvens de matéria pulverizada.

— Deve ser por uma questão de tática — disse Everson em tom nervoso. — Devem levar algum tempo para reunir um número suficiente desses seres. Afinal, não têm aviões.

— Se tivessem, os mesmos não passariam nada bem com esses furacões — disse Tanner. Estava sentado ao lado de Julian Tifflor, diante do painel de controle de fogo do supercouraçado.

— Quando receberemos ordem para disparar? — perguntou.

Rhodan virou-se abruptamente.

— Aqui só se atira quando nos encontramos numa situação inequívoca de legítima defesa — exclamou. — Que diabo! Quantas vezes ainda terei de repetir? A instrução astronáutica que lhes foi ministrada não prevê a matança de inteligências estranhas sem qualquer motivo. Imaginem a hipótese de que chegamos como hóspedes não convidados. Por enquanto o direito está do lado dos outros.

— Só o direito moral — interveio Crest. — Como é que o senhor pretende conquistar um império, meu caro? Acredita que foi assim que meus antepassados fundaram o império estelar?

— Isso é problema deles — objetou Rhodan. — Acontece que sou um homem do planeta Terra. Quero deixar bem claro uma coisa. Quem atirar sem motivo, enfrentará dentro de dez minutos um tribunal de bordo dirigido por mim.

O biólogo Janus van Orgter formulou uma objeção:

— E uma forma de vida, mas não é uma vida humana.

— De qualquer maneira é uma forma de vida inteligente! — ponderou Rhodan em tom áspero. — Só no momento em que, apesar de sua inteligência, essa vida se deixar levar a um ataque sério contra nós, terei uma justificativa perante meus semelhantes e perante minha consciência para retribuir o golpe em legítima defesa. Uma verdadeira inteligência não deve ignorar que um comportamento extraordinário pode trazer conseqüências extraordinárias. Portanto, terão que aguardar. Major Chaney!

O comandante das tropas de desembarque respondeu pelo telecomunicador. Ao lado dele, os homens do comando, armados até os dentes, comprimiam-se na comporta inferior da Titan.

— Chaney, se daqui a exatamente quinze minutos não tiver acontecido nada, o senhor avançará numa ação relâmpago. Leve os tanques planadores e utilize os raios de tração. Capture ao menos dez desses enormes moofs. Não haverá mais nada a fazer. Só eles nos poderão contar onde fica a base dos aras. Quinze minutos. O tempo está correndo.

Chaney confirmou laconicamente. Os microgeradores começaram a zumbir nas mochilas dos trajes arcônidas. Um ligeiro controle confirmou o perfeito funcionamento desses reatores de campo.

Da enorme gravitação, que era quase exatamente de 2,8 G, teriam de ser neutralizados 1.3 G, para que se mantivesse inalterada a gravitação terrana de 1 G.

Dali resultaria uma redução considerável das reservas energéticas, que teriam de ser retiradas do campo de força destinado à neutralização da pressão atmosférica extremamente elevada. Todavia, o desempenho dos reatores bastaria para manter tanto o neutralizador antigravitacional como os projetores de campo defensivo abaixo do limite máximo.

Mas, se houvesse fogo concentrado contra os campos defensivos, o dispositivo automático de segurança desviaria toda a energia disponível para os mesmos. Nesse caso seria bem possível que a pessoa ficasse repentinamente exposta à força plena da gravitação natural.

A idéia de ficar atirado ao solo, imóvel, com o peso do corpo quase triplicado, causava um sofrimento quase físico.

Chaney olhou para o relógio. Cinco minutos já se haviam passado. Os moofs ainda não se lançaram ao ataque, embora o infalível rastreador automático registrasse milhares deles. Mantinham-se bem ao longe, a mais de dois quilômetros dos limites do campo energético.

Subitamente Gucky soltou um grito de advertência.

Mas esses monstros nem pensavam em aproximar-se da nave para atacá-la.

— Os impulsos mentais se tornam mais tranqüilos, fluem ininterruptamente e se ligam uns aos outros — gritou Gucky. — Cuidado, neste instante está sendo estabelecido um contato físico. Quando começarem a pensar, serão dezenas de milhares pensando na mesma direção. Transformam-se num só todo. Cuidado!

— Tifflor, Tanner, mantenham-se preparados — gritou Rhodan para os oficiais de controle de fogo. — Mr. Garand, reforce os campos defensivos. Eu...

Rhodan interrompeu-se. Sentiu uma força estranha, perceptível apenas em sua consciência. Começou de modo suave na nuca, até que uma dor repentina passou pela caixa craniana e tateou em direção ao cérebro.

Rhodan lutou usando toda a força volitiva adquirida no seu treinamento parapsicológico. Outros homens fizeram a mesma coisa, pois não havia ninguém a bordo da nave que não tivesse recebido esse tipo de treinamento.

Mas foi um verdadeiro dilúvio que irrompeu sobre toda a vida e todo o pensamento. A inundação completou-se numa questão de segundos. A cada segundo que passava multiplicava-se, até que o caráter sugestivo dessa força se tornou inconfundível.

Moía e sacudia ininterruptamente as bases da inteligência. A mão de Marcus Everson tateava em direção aos controles principais. Tifflor e Tanner ergueram-se repentinamente das poltronas giratórias em que estavam sentados diante do painel de controle de fogo.

Rhodan apenas sentiu uma dor martirizante no cérebro. Os moofs pretendiam paralisar toda a tripulação num só golpe.

— Gucky! — fungou desesperado.

Cambaleou para a frente, concentrando toda a força da vontade sobre o painel de controle de fogo. Esforçou-se para desviar a força estranha, neutralizá-la, considerá-la um fator sem importância.

O rato-castor, que desta vez estava preparado para a emergência, parecia não sentir quase nada. Rhodan viu um corpo passar rapidamente. Viu o animal peludo surgir repentinamente diante do painel de controle de fogo.

A pontaria automática já estava ajustada para os alvos mais variados. Ainda não haviam atirado, mas agora teriam de fazê-lo, senão estariam todos perdidos.

A mão de Everson estendeu-se para a chave-mestre do controle energético. Se a alcançasse, poderia neutralizar todos os geradores auxiliares.

— Fogo, Gucky. Fogo! — gritou Rhodan. Cada passo transformava-se num martírio. Alguma coisa procurava impedi-lo. — Fogo!

As patas macias de Gucky transformaram-se no órgão de execução. Os dedos pequeninos brincaram com energias que ultrapassavam tudo que o espírito humano poderia conceber. Os botões verdes, azuis e vermelhos foram empurrados para baixo, e as fúrias do inferno ficaram às soltas.

As peças leves de impulsos da Titan abriram fogo. As unidades pesadas e superpesadas juntaram-se a elas. Fluxos energéticos muito grossos, vindos desde os canhões gigantescos da região polar da esfera, abriram caminho com um rugido.

Dois segundos depois que as peças de artilharia abriram fogo a bruxaria parapsicológica cessou.

A descontração dos cérebros veio de surpresa. Everson recuou abruptamente dos controles. Tifflor e Tanner correram para junto do painel de controle de fogo.

Mais uma vez uma lancinante dor de cabeça martirizou Rhodan. Os parapsicólogos diziam que era a utilização repentina de feixes de nervos ociosos, ativados com demasiada rapidez.

Só por dois segundos, as torres de armas da Titan espalharam a destruição. Logo voltaram a silenciar. Apenas as bocas dos canhões de impulsos térmicos ainda apresentavam uma incandescência.

Lá fora, além da abóbada energética, um vulcão circular se abrira. O círculo tinha alguns quilômetros de largura. Em seu centro se encontrava a Titan, que continuava intacta. Não localizaram mais nenhum moof. Sua presença nem poderia ser registrada, pois o pequeno desprendimento de calor de seu corpo era superado bilhões de vezes pela nova fonte de energia térmica.

— Vamos sair daqui — gemeu Rhodan. Rodas vermelhas dançavam diante de seus olhos. — Levantar a nave e pousar a vinte quilômetros daqui. Junto às montanhas. Inicie a execução.

Seu corpo desceu sobre o painel. Gucky emitiu impulsos tranqüilizantes, que aliviariam a dor. Os homens agiram com rapidez e precisão. Apenas sentiam uma leve pressão no crânio.

Com um rugido, a gigantesca montanha de aço com seus 1.500 metros de altura elevou-se.

— É o Professor Kärner que está falando — soou a voz vinda dos alto-falantes do intercomunicador sem fio. — Os doentes estão inquietos. Parece que no subconsciente sentem a proximidade do inimigo. Pretende prosseguir na ação em Moof VI?

— Pretendo. Por quê? — perguntou Rhodan.

— Neste caso, serei obrigado a amarrar os doentes e submeter os mutantes a uma narcose profunda através do preparado paralisante do tipo do curare. Sem isso, não me responsabilizo por nada. Apesar do sono profundo, os centros nervosos hipersensíveis dos mutantes reagiram ao ataque. O senhor concorda? Não temos outra alternativa.

— O médico é o senhor. Faça o que for necessário.

Pouco depois, a Titan voltou a pousar. Desta vez parou junto às montanhas de pouco menos de 1.500 metros. A nave sobrepujava o cume mais elevado.

— Já estão aí de novo — disse o capitão Brian em tom espantado, lançando um olhar para o receptor de comunicação audiovisual. — Estes monstros estavam esperando por nós.

 

— Se forem os moofs, eu engulo dez quilos de creme de barbear — disse Marcus Everson quando um homem soltou um grito estridente na casa de máquinas número três.

O ruído surdo do radiador de impulsos portátil martirizava os microfones e os alto-falantes da intercomunicação de bordo. O homem surgiu na tela que se acendeu automaticamente.

Usava um traje protetor arcônida, mas não tivera tempo para ativar o campo defensivo.

Uma coisa trêmula, cinza tênue, com a consistência da borracha, envolvia o engenheiro com uma força implacável. Parecia que aquela coisa estranha fazia questão de engolir sua vítima.

Não carregava nenhuma arma, mas utilizou alguma coisa que poderia ser considerada como tal. Suas forças eram sobre-humanas, tanto no plano físico como no plano mental.

Os braços que saíam do corpo seguravam o homem indefeso com uma força irresistível. Ao mesmo tempo, aconteceu alguma coisa que provocou uma reação instantânea em Gucky.

O ser peludo, que possuía a capacidade da teleportação, desapareceu numa luminosidade tremeluzente. Quase no mesmo instante, se materializou na casa de máquinas.

Um calor breve — dois tiros de radiação disparados a esmo — provocou uma reação dolorosa no couro sensível.

De mais de vinte lugares diferentes vinham noticias alarmantes. Seres da mesma espécie surgiram de uma hora para outra. Não eram moofs. Nunca antes qualquer olho humano havia visto figuras como estas. Surgiam tão instantâneas como se as paredes de aço de vários metros de grossura, que revestiam a nave, fossem apenas nuvens de neblina, podendo ser transpostas com um passo.

Gucky apenas viu a massa que pulsava. Recolhendo-se apressadamente a um canto protegido, o rato-castor utilizou toda a energia telecinética de que era dotado.

Uma força invisível arrancou o engenheiro inconsciente dos braços que o envolviam. A coisa sem olhos virou-se abruptamente. Os braços cresceram em direção ao rato-castor, que nesse momento decisivo descobriu por que o monstro conseguiu aparecer tão repentinamente.

O silêncio se instalara na casa de máquinas. Surpreso, Gucky percebeu que não era necessário desenvolver um esforço mais intenso para dominar aquela coisa. Através de um impulso, foi levantada do chão antes de ser atirada contra o teto de aço abobadado.

Uma escotilha abriu-se atrás de Gucky. Dois homens entraram correndo, com os campos defensivos ligados. Mais e mais vezes aquela figura sonora foi atirada contra o teto. Quando Gucky a soltou, esta estatelou-se no chão.

O rato-castor não acreditou no que seus olhos viram: o animal voltou ao ataque. Gucky fugiu para trás de uma máquina.

— Cuidado! — gritou a voz aguda de Gucky.

Aquele ser estranho, que ainda há pouco estava achatado e disforme como um tabuleiro de bolo, transformou-se numa esfera, da qual se precipitaram dois braços finos e extremamente elásticos.

Nem chegara a ferir-se.

O sargento O’Keefe esperou. Com as pernas afastadas, estava no centro da grande sala. A regulagem setorial do cano de sua arma estava na posição seis.

Só comprimiu o acionador quando a coisa incompreensível se encontrava a menos de dois metros.

Um largo feixe energético saiu do cano. A esfera inchada foi atingida.

O’Keefe ainda se encontrava no mesmo lugar quando a bola de cinco centímetros de diâmetro se deformou, assumindo um feitio assimétrico e emitindo sons melodiosos.

Em meio à descarga energética, a coisa procurou escapar da mesma maneira como havia chegado.

O’Keefe voltou a disparar. Apenas uma porção minúscula da coisa desapareceu. O resto ficou para trás. Não aconteceu mais nada.

A instalação automática de ar condicionado emitiu um som estridente. A temperatura na casa de máquinas número três havia subido além do limite máximo. Protegido pelo campo energético, O’Keefe retirou-se apressadamente em direção à escotilha. A coisa destruída emitia pesados vapores.

O engenheiro, que sofrera o ataque de repente, se viu envolvido por um campo energético tremeluzente, que o protegia contra o calor mortífero. Gucky conseguira no último instante mover a chave do projetor do traje protetor.

— Dê o fora! — gritou O’Keefe para o ser peludo.

Naquele instante, Gucky sentiu os impulsos emitidos por Rhodan. Encontrava-se em situação difícil. Com um rápido salto de teleportação, Gucky saiu do ar escaldante do recinto superaquecido.

Ao materializar-se na gigantesca sala de comando da Titan, o campo defensivo de seu pequeno traje entrou em funcionamento.

Dois monstros do mesmo tipo, haviam-se precipitado sobre Everson e Janus van Orgter. O campo energético do biólogo funcionava, mas Everson ainda não estava protegido.

A força física daquele homem robusto falhou miseravelmente sob o abraço do monstro.

Gucky ouviu os berros de Rhodan. Condenados à inatividade, os homens mantinham as armas empunhadas diante das massas turbilhonantes dos corpos incolores, sob os quais surgiam vez por outra partes do corpo das pessoas atacadas.

O campo defensivo de van Orgter emitia constantes relampejos. O monstro voltava sempre a entrar em contato com o campo energético, mas este não conseguia matá-lo.

A situação de Everson era bem pior. Mal se ouvia sua respiração ofegante. No momento em que Gucky apareceu, Rhodan deixou cair sua arma de radiação e pegou o facão preso ao cinto para investir contra a massa protéica.

— Para trás! — gritou a voz estridente de Gucky.

Rhodan mal conseguiu jogar-se para o lado quando aquela figura estranha foi atirada para o alto pelas energias telecinéticas. Everson, que estava quase inconsciente, caiu ao chão de uma altura de dois metros. Ficou deitado com o corpo encurvado.

Os tiros de radiação incandescente destruíram a coisa grudada ao teto.

Foi nesse momento que Janus van Orgter se tornou invisível. Seus gritos de desespero foram ouvidos nos alto-falantes de capacete. No lugar em que o monstro o enlaçava, surgiu uma nebulosa iluminada que logo se desfez. O biólogo havia desaparecido da sala de comando.

Naquele instante, as peças de artilharia da Titan começaram a disparar. Tifflor e Tanner compreenderam o que estava em jogo. Os gritos ligeiros de Gucky foram ouvidos.

Esses monstros que pareciam feitos de borracha deviam ser teleportadores, seres que sabiam transportar seu corpo por uma certa distância por meio das energias mentais de que dispunham. Só assim se explicava seu repentino aparecimento.

Brian começou a berrar na sala de observação. Rhodan compreendeu. Com uma pancada violenta da mão, desligou os controles de fogo. O rugido surdo das torres de armamentos da Titan cessou.

— Comandante! — gritou Tifflor desesperado, quando as luzes de controle se apagaram de repente. — O que é isso, comandante?

— Suspender o fogo. Van Orgter está lá fora — berrou Rhodan pelo intercomunicador de bordo. — Aquele monstro o carregou. Chaney, faça sair um comando de robôs. Van Orgter encontra-se a menos de quinhentos metros da nave. Mande recolhê-lo. Faça sair as máquinas de guerra. Devem abrir fogo contra qualquer coisa que não se pareça com um ser humano. Esses monstros são teleportadores muito fracos. Têm de chegar bem perto da nave antes de arriscar o salto. Procure impedir que atravessem o campo energético.

— Ele nem os afeta — informou alguém da sala de controle energético. — Saltam através do campo e materializam do outro lado. Ali preparam outro salto.

— Pois procurem pegá-los no interior da área protegida. Fogo individual. Cada um procurará seu alvo. Tifflor, ligue para a pontaria manual. Deixem as armas pesadas de lado, senão nós mesmos seremos destruídos.

Os robôs de combate começaram a pisar fortemente. Janus van Orgter, que de um instante para outro se viu transportado para o inferno, viu a comporta que se abria.

Os titans prateados com seus grandes braços armados e os organismos mecânicos insensíveis desceram levemente ao solo.

 

“Estão longe, longe demais”, pensou van Orgter.

Em torno dele, uivava o furacão. Quando, depois de cessada a dor da rematerialização, voltou a mover-se, a massa borrachenta do monstro que se espalhava em cima dele também despertou.

Janus golpeou com os joelhos. A coisa nem se mexeu. Bateu com os punhos para cima e viu-se banhado em suor quando o dispositivo automático de seu traje protetor dirigiu toda a energia disponível ao campo defensivo.

Com um gemido surdo o biólogo desistiu. A força de gravitação de 2,8 G atingiu-o como o peso de uma fera que saltasse sobre ele.

O relampejar tornava-se cada vez mais violento. Seu microrreator desenvolvia a potência máxima, esforçando-se para remover o obstáculo ávido de contatos. Acontece que o monstro não reagia às energias mortais do campo protetor.

Pulsando fracamente e, segundo parecia, bastante esgotado, cobria o corpo do homem com uma camada fina e muito resistente. Janus van Orgter começou a desconfiar que os robôs de combate chegariam tarde.

A atmosfera densa do planeta Moof VI parecia ser um bom condutor do som.

Ouviu o uivar da tormenta, e também percebeu o canto melódico do corpo convulsionado do monstro. Teve a impressão de que fazia esforços desesperados para reunir as últimas reservas de energia.

Janus teve a impressão de que estava morrendo sufocado. A gravitação mortal prendia-o ao solo com uma força tão tremenda que os pulmões ávidos de oxigênio se recusavam a trabalhar.

— Estou no fim — disse num estertor pelo microfone.

As palavras de Rhodan atingiam seu ouvido, não sua mente. A coisa que o cobria continuava imóvel.

Janus estava pensando que deveria ter atirado quando uma coisa estranha aconteceu com o tecido extraordinário que o cobria.

De repente, a massa pegajosa contraiu-se. Parecia que uma força estranha o estava atingindo.

Com um grito a coisa ergueu-se, transformou-se numa esfera e explodiu em meio a uma luminosidade ofuscante. A pressão abandonou os pulmões de Orgter. De repente, conseguiu respirar normalmente. O zumbido feio do reator transformou-se no ruído de funcionamento costumeiro.

Outros monstros que acabavam de surgir também explodiam. Parecia que algum desconhecido viera em seu auxílio. Van Orgter levantou-se, cambaleante. Porém foi derrubado pela primeira rajada do furacão, que o arrastou pelo solo. O enorme campo defensivo da Titan aproximou-se perigosamente.

Orgter gritou. Libertado do monstro que o prendia, transformara-se numa folha seca em meio à tempestade.

Ouviu que a Titan voltara a abrir fogo. Os raios energéticos rugiram acima de sua cabeça. Mais ao longe, surgiram crateras incandescentes. Por um instante, van Orgter conseguiu segurar-se em uma duna móvel de cristais de amoníaco. Quando entraram em contato com o campo protetor de seu traje, que emitia uma luminosidade ofuscante, desenvolveram uma reação química. Vapores venenosos surgiram diante dos olhos de Orgter. Depois de alguns segundos, foi atirado através da duna e arrastado mais um pedaço em direção à abóbada energética da Titan.

Mais atrás, sombras percorriam a superfície. Mas os robôs eram detidos constantemente, já que os monstros surgiam a todo instante no interior da abóbada energética. Os robôs executaram sua programação, segundo a qual deviam antes de mais nada abrir fogo contra qualquer alvo que não tivesse aspecto humano.

Janus van Orgter viu o fim aproximar-se. Diante dele, a parede de fogo erguia-se para o céu.

 

O major Chaney arriscou tudo. Assim que a tartaruga, um gigantesco tanque planador do arsenal do planeta Árcon, acabara de sair da escotilha inferior, aumentou a velocidade sem olhar o que se encontrava à sua frente.

As esteiras largas do veículo estavam paradas. Planava sobre o campo de repulsão energética, que o mantinha constantemente a 50 ou 60 centímetros do nível do solo. Dessa forma, conseguiu desenvolver uma velocidade enorme.

Chaney também não se preocupou com os ataques dos monstros que surgiam de todos os lados, e que eram alvejados ininterruptamente pela massa dos robôs colocados fora da nave. Eram muito poucos os que conseguiam realizar o segundo salto de teleportação depois de terem atravessado o campo energético. Seu alcance não chegava a um quilômetro. Para os membros do exército de mutantes, isso representava um dom muito limitado.

Os homens sadios que se encontravam a bordo sabiam defender-se. Agora, que estavam preparados para o aparecimento repentino dos seres borrachentos, não houve mais nenhum rapto. Sempre havia alguém por perto que percebia em tempo o tremeluzir da desmaterialização.

As armas de radiação rugiam antes que o intruso pudesse entrar. Uma encarniçada batalha de defesa estava sendo travada em todos os compartimentos da nave.

De alguns minutos para cá, passaram a chamar os monstros de cantores. Mal alguém pronunciou o nome, e logo o mesmo passou a integrar o vocabulário irônico da tripulação. Talvez o nome tivesse sua origem nos sons melodiosos emitidos pelos monstros.

Os homens que se encontravam no interior da nave reuniram-se em grupos de dez. Enquanto Orgter não fosse resgatado, não se poderia pensar na decolagem. Portanto, teriam de aguardar o resultado favorável ou desfavorável da ação do comando.

Chaney e os dez homens que o acompanhavam sabiam perfeitamente que não poderiam arriscar a sair da proteção das paredes da nave. Se um dos monstros saltasse diretamente para dentro do carro, estariam praticamente perdidos. Não poderiam arriscar-se a utilizar armas térmicas num recinto apertado como aquele. A destruição do veículo blindado seria inevitável.

Os seres não eram contidos pelos raios de desintegrador, que costumavam ser infalíveis. A estrutura molecular do tecido de que eram feitos seus corpos devia ser bastante estranha.

Por enquanto haviam reagido somente às armas mais grosseiras e perigosas dos homens, que eram os feixes incandescentes projetados pelas armas térmicas. Estes pareciam ser demais até mesmo para os organismos estranhos daqueles seres, se é que os mesmos possuíam um organismo.

Os homens que se encontravam no veículo blindado prestavam atenção a qualquer sombra que surgisse diante deles. Assim que alguma coisa se movia, a cúpula do veículo girava. Atiravam contra qualquer coisa que se movesse na névoa. Dois robôs de combate já haviam sido vitimados pelos nervos superexcitados dos artilheiros.

Chaney praguejou em todas as tonalidades que suas cordas vocais conseguiam emitir, pois o corpo de Orgter já não podia ser localizado através do aparelho de observação ótica. Só o localizador infravermelho projetava um eco térmico definido sobre a tela.

Chaney seguiu pelo terreno, indo no rumo apontado por esse eco. Seus olhos estavam grudados pelo suor. As pessoas que se encontravam a bordo tiveram que dispensar o campo defensivo de seus trajes protetores. O contato ininterrupto dos diversos campos teria ocasionado sua auto-destruição.

— Está sendo tangido para mais longe — gritou o major para dentro do microfone. — Será que vocês podem recuar a abóbada algumas centenas de metros?

O rosto de Rhodan aparecia numa pequena tela. Limitou-se a acenar com a cabeça. Poucos segundos depois, os engenheiros da casa de máquinas moveram as chaves. O gigantesco campo defensivo passou a deslocar-se.

Lá fora, bem ao longe, grupos de seres disformes puseram-se em fuga. É claro que os moofs também estavam presentes, muito embora desta vez não se tivessem lançado a um ataque direto. Preferiram mandar outros seres para a luta. Sem dúvida, esses seres estavam submetidos ao controle sugestivo dos moofs.

— Pare por dois segundos — soou a voz de Rhodan vinda do alto-falante.

Chaney empurrou para trás o acelerador do pequeno propulsor de radiação. Em virtude da grande resistência oferecida pela atmosfera, o veículo estacou.

— É de enlouquecer — gemeu um dos tripulantes, quando um lugar da parede esférica do couraçado começou a expelir fogo. Um enorme furacão de chamas passou por cima da tartaruga. Um calor ofuscante surgiu na tela, magoando os olhos. Era a primeira vez que viam do lado de fora como era um único golpe de fogo da gigantesca nave.

A seguir, Chaney voltou a acelerar. Naquele momento, o corpo de Orgter estava preso a uma coluna de cristal reluzente, que há poucos segundos ainda não estava lá. Sob os efeitos da temperatura baixíssima, a matéria líquida se solidificara numa figura estranha.

O veículo chegou ao local no momento exato em que Orgter voltou a ser atirado para longe. Mas desta vez um raio de tração saiu do veículo. O biólogo foi detido em meio ao turbilhão. A menos de cinqüenta metros dali a barreira energética se levantava para o céu escuro.

— Cuidado! Puxem-no devagar — gritou Chaney em meio ao barulho infernal. — Que diabo! Quem está atirando? vou...

O rugido do canhão de impulsos de seu próprio veículo arrancou-lhe as palavras da boca. Mais de vinte monstros surgiram de uma só vez em meio à bruma turbilhonante.

Feixes de luz incandescente saíram do nada. Os disparos dos robôs em marcha passavam tão perto do veículo blindado, que o campo defensivo do mesmo emitia descargas estrondosas.

Chaney viu que quatro monstros atravessaram o campo defensivo do veículo. Quando começaram a tremeluzir, sabia que aquilo seria o início de um salto de teleportação que os transportaria para o interior do blindado.

— Fogo, O’Keefe! — gritou apavorado. Naquele instante, os quatro vultos estouraram, transformando-se em bolas de fogo.

Chaney ainda fitava o mesmo lugar com os olhos arregalados quando o biólogo inconsciente já se encontrava na comporta de ar do veículo.

O major continuou calado quando o veículo se aproximava em alta velocidade da Titan.

Foram agarrados pelo potente campo antigravitacional da comporta inferior. Um último golpe de fogo saiu das torres de armas da gigantesca nave.

Chaney escutou o ruído com os ouvidos ensurdecidos. Rhodan apareceu no grande hangar-depósito. Os robôs subiram um por um. Lá fora começou a soprar uma tempestade como nunca se vira igual. Em algum lugar da nave, ouviu-se o rugido de radiadores térmicos. Mais um monstro devia ter penetrado na mesma.

Quando o barulho diminuiu e os propulsores começaram a rugir, preparando a decolagem da nave, o major Chaney perguntou com a voz débil:

— Nos piores momentos, quando a situação parecia insustentável, alguns dos animais estouraram. Como foi isso? Por que aconteceu justamente nesses momentos? Quem foi o autor daquilo? Terá sido Gucky?

O olhar vazio de Chaney caiu no rosto do comandante.

— Não, não foi Gucky. Este teve trabalho de sobra para tirar os homens dos braços dos monstros.

Chaney parecia apavorado.

— Não foi ele? Pois então, quem terá sido? Essas coisas não iriam explodir sem mais nem menos. Estavam prontos para nos eliminar.

— Não me venha falar na advertência telepática que recebemos antes do pouso — disse Rhodan com a voz cansada. — Não faça uma coisa dessas, senão o pessoal acaba enlouquecendo. Cale a boca.

Rhodan virou-se abruptamente. A Titan já se encontrava nas camadas turbulentas da atmosfera. Os cantores ficaram para trás.

Os vultos pareciam fitar o gigantesco e inatingível couraçado. Além dos morros esquisitos, havia outra planície. Um lago de amoníaco de grande tamanho brilhava nas telas.

Foi quando receberam o chamado da Ganymed, que aguardava no espaço. No hemisfério sul, a mais de 90 mil quilômetros do lugar em que a Titan se encontrava naquele momento, haviam encontrado alguma coisa que não combinava com aquela fábrica de veneno.

Era pouco provável que o planeta Moof VI tivesse produzido um aço leve de primeira qualidade, com a superfície reforçada por um processo de condensação molecular.

A Titan acelerou violentamente. Junto ao painel de controle, estava sentado um homem cujos olhos inflamados estavam afundados nas órbitas.

Enquanto isso, os doentes gemiam na enfermaria.

 

Uma coisa era certa: qualquer construção complicada existente em Moof VI não poderia ter sido levantada pelos moofs, nem pelos cantores.

Outra coisa certa era que esses seres tão diferentes viviam numa espécie de simbiose. Os moofs dominavam os irreais. Os aras, por sua vez, controlavam os seres em forma de medusa. Era uma troca terrível, uma deformação espiritual surgida no plano de um intelecto inumano, mas superior.

Os médicos, os químicos e os biólogos da Titan estavam trabalhando. Os restos dos monstros mortos foram examinados. Não tinham cérebro. Na verdade, não tinham nada que os capacitasse para um pensamento autônomo.

Apesar disso viviam e atacavam com uma coerência espantosa. Isso só poderia ser explicado através do processo de tele direção, perfeitamente possível face às faculdades telepáticas e sugestivas de criaturas altamente inteligentes como os moofs.

Os cantores ofereciam um problema atrás do outro. O tecido de seu corpo não parecia ser orgânico. Orgter só vivia sacudindo a cabeça. Os químicos falavam em “matérias artificiais biologicamente ativadas, relacionadas a combinações desconhecidas e extravagantes surgidas numa área de alta pressão impregnada de metano e amoníaco”.

Isso não servia para ninguém, muito menos para os homens responsáveis pela direção da nave.

Nas telas da Titan, via-se uma cúpula de aço que emitia um brilho azulado. Era achatada e pouco abaulada. Com um diâmetro de pelo menos três quilômetros, jazia em meio a um oceano de amoníaco liquefeito revolto pelas tempestades.

Há dez minutos fora localizada pela aparelhagem da Titan, isso depois que a Ganymed, que se mantinha no espaço, servira de estação retransmissora.

A nave esférica aproximou-se lentamente. A energia de todos os geradores concentrava-se nos campos protetores de três camadas. Os neutralizadores gravitacionais absorviam apenas 0,3 por cento da energia.

Novas informações foram chegando. O coronel Freyt comunicou que o espaço planetário em torno do sol Moof parecia totalmente deserto. Não localizaram nenhum eco de corpo estranho.

— Calcule uma nova órbita — ordenou Rhodan. — Fique parado em cima da área de destino e mantenha as armas preparadas. Preste atenção às nossas transmissões.

Freyt confirmou. Os rastreadores espaciais da Titan mostraram que, após um ligeiro empuxo, o couraçado se desviava da órbita que vinha percorrendo.

— Com isso os que se encontram lá embaixo devem ter perdido o jogo — disse Everson. Sem querer, massageou as manchas roxas e as contusões resultantes do abraço que o monstro lhe dera.

A bordo da nave reinava uma tensão irreal. Irritava e desgastava os nervos. Aquela enorme cúpula de aço só poderia ser uma construção dos médicos galácticos.

Com os sentidos superiores mantidos bem ativos, Gucky anunciou a presença de inúmeros cantores, cujos estranhos impulsos corporais captava sem a menor dificuldade.

— Deviam ter aguardado o momento adequado — disse o Dr. Certch. — Quem familiariza os outros antes da hora com suas capacidades fora do comum, não pode surpreendê-los quando isso se torne necessário.

Pouco abaixo da Titan, que se deslocava lentamente, o cume de uma montanha começou a derreter. Entrara em contato com os campos defensivos abertos.

Mais uma vez, Tifflor e Tanner estavam sentados diante do painel de controle de tiro. Os relatórios vindos da enfermaria eram satisfatórios. A partir do momento em que a nave levantara vôo, a inquietação dos doentes diminuíra. Mas os sinais de decadência física eram inconfundíveis, informava o Professor Kärner. Rhodan sabia que não havia tempo a perder.

A margem do imenso oceano de amoníaco chegou mais perto. Não se via o horizonte longínquo do gigantesco planeta. Bem antes do ponto em que o céu devia tocar o solo as nuvens impenetráveis de gás impediam a visão.

A nave aproximava-se da face noturna de Moof VI. A estrela amarela desse mundo estava encoberta por nuvens rasgadas pela tempestade. Raras vezes, um raio de sol chegava à superfície nesse lugar.

— Distância da cúpula duzentos e cinqüenta quilômetros — anunciou o capitão Brian no posto de observação. Cuidado. Os rastreadores energéticos indicam a presença de usinas atômicas de alta potência. Aquele pessoal deve estar muito bem armado, e o tamanho da cúpula não é nada desprezível. Se nada der certo, dispõem de instalações mecânicas que nada ficam a dever às da Titan.

Eram as mesmas idéias e reflexões que Rhodan entretinha há meia hora. Se neste mundo hostil à vida, existisse uma base técnica dos aras, uma raça altamente desenvolvida, esta estaria muito bem armada.

O supercouraçado parou perto da costa, exatamente a cinqüenta quilômetros da cúpula. Os neutralizadores gravitacionais zumbiam, mantendo-o imóvel apesar da tormenta.

A divisão matemática e geológica recebera instruções para realizar cálculos sobre o fenômeno. Rhodan não podia imaginar que o disco de aço relativamente chato pudesse flutuar no oceano de amoníaco.

Face à gravitação reinante do planeta, o peso da cúpula devia ser enorme, pois, apesar de sua forma, não poderia flutuar. Era claro que a força ascendente do espaço oco cuja existência era incontestável poderia levar a engano. De qualquer maneira, porém, Rhodan não acreditava que se tratasse de uma fortaleza ligada ao elemento líquido.

A Titan, construída segundo os planos arcônidas, dispunha de um completo laboratório de pesquisa. Havia aparelhos com os quais se podia verificar a uma distância enorme qual era a configuração de determinada área. E nesse caso os rastreadores de substância constataram que, sem a menor sombra de dúvida, a enorme construção era cercada de rocha maciça. Concluía-se que fora construída sobre uma ilha estável, em torno da qual se estendia as massas corrosivas do amoníaco. Dificilmente a base poderia ser conquistada por alguém que viesse da terra.

— Já ouviu falar que se constatou a presença de moofs flutuantes? — perguntou. Com um rápido gesto de mão, cancelou a pergunta. Era claro que o comandante havia sido orientado sobre a localização supersensorial realizada por Gucky.

— Cuidado, comandante, alguma coisa não está certa. O fato de que esses monstros não dão mais sinal de sua presença depois de quase terem alcançado êxito com seu ataque sugestivo dá o que pensar. É pouco provável que estejam dispostos a renunciar ao seu grande poderio. Se a ação com os semi-vivos for um fracasso, poderemos experimentar uma surpresa catastrófica.

Rhodan confirmou com um aceno de cabeça. Era realmente estranho que as medusas se mantivessem tão calmas. No entanto, boiavam em grupos enormes no oceano de amoníaco. Everson estremeceu num calafrio e encolheu os ombros, quando pensou na possibilidade de ter que mergulhar nesse caldo venenoso.

Janus van Orgter transferira seu quartel-general para a sala de comando. Estava pálido e exausto. Só em seus olhos, vivia uma raiva contida. Era um dos tripulantes da Titan para os quais a condescendência de Rhodan era mais que perigosa.

Ao menos oitenta por cento das pessoas, que se encontravam a bordo, eram de opinião que se devia abrir fogo com todos os meios disponíveis contra todo e qualquer moof que surgisse diante deles.

— Eco energético — disseram os alto-falantes do sistema de comunicações com o posto de observação.

— Intensidade doze, quatorze, subiu para vinte. Máquinas muito potentes estão começando a funcionar. Atenção, estamos captando eco de impulsos. Estamos sendo tateados. Um processo de ultraluz, provavelmente um hiper rastreador. Fim.

As palavras proferidas na sala de comando foram ouvidas em todos os cantos da nave. Os polegares dos homens sempre se mantiveram próximos aos botões dos campos defensivos individuais. Contava-se com a possibilidade de que, de uma hora para outra, surgissem novos cantores, muito embora os médicos afirmassem que o couraçado, que se mantinha numa altitude de dez quilômetros, estava fora de alcance.

Os olhos de Rhodan caíram sobre os indicadores dos geradores do campo energético. Todas as usinas de força trabalhavam a plena potência para o campo defensivo. Era impossível que fossem atingidos por um disparo de radiações que pudesse ser considerado normal.

O amplificador aproximou o estranho objeto. A imagem de setores específicos da cúpula de aço era projetada na tela.

— Não levantaram nenhuma abóbada protetora — comentou Rhodan. — Por que será? Devem dispor dos conhecimentos técnicos para isso, a não ser que as criaturas que temos diante de nós sejam totalmente diferentes do que esperamos.

O Dr. Certch estremeceu. Lançou um olhar desconfiado para o comandante.

— Ora esta, comandante. São médicos galácticos!

— Como pode afirmar isso com tamanha certeza?

— São mesmo — interveio Gucky com uma estranha indiferença. — Sinto os impulsos vindos da cúpula. Conheço-os desde o tempo que passei em Honur. Chefe, não me sinto nada bem. Algum desastre está acontecendo. A ilha está cercada por inúmeros moofs, e também cantores. Se pousarmos por lá...

O rato-castor interrompeu-se. Rhodan fitou seus olhos enormes. Trazia o corpo alto e ereto ligeiramente encurvado. Uma profunda preocupação desenhava-se no rosto velho, que parecia tão jovem.

— Sabem perfeitamente que viemos por causa deles. Devem ter sido informados de que fomos nós que destruímos os moofs enviados ao planeta Zalit e com isso impedimos uma revolta contra o Império. A enorme Titan basta para identificar-nos. Além disso, devem estar informados sobre os doentes que temos a bordo. A Galáxia tem ouvidos, Perry. E o senhor nem imagina como esses ouvidos são grandes e sensíveis. As notícias correm velozmente de uma estrela para outra. Esses caras sabem que não podemos atirar contra eles, se quisermos encontrar um remédio contra a doença — falou Certch.

— Se aquilo ali fosse um forte blindado como qualquer outro, já teria deixado de existir — respondeu Rhodan numa risada amarga. — Quer dizer que estamos parados no ar, encontramos o inimigo, mas não podemos atacá-lo. É uma situação excelente, não é?

— É bem possível que a inatividade dos moofs resulte do mesmo raciocínio — interveio Certch em tom nervoso. — Isso me deu uma idéia. Queira desculpar.

O Dr. Certch correu apressadamente para as escotilhas da sala de comando.

No mesmo instante Brian gritou nervosamente no posto de observação. Suas palavras perderam-se em meio aos gritos generalizados. De uma hora para outra, uma gigantesca bolha surgiu sobre a superfície do oceano de amoníaco. Brilhou numa tonalidade branco-azulada, antes que sua luminosidade se reduzisse a uma débil cintilância.

Dali em diante, manteve-se inalterada, como se há muito tempo estivesse ali.

— Quer dizer que é mesmo uma cúpula energética — disse Rhodan, que não parecia muito impressionado pelo fenômeno. — Seria mesmo um milagre. Tifflor, dispare um tiro de ensaio com o número dezessete. Vamos testar a capacidade de resistência.

A torre de canhões número dezessete dispunha de um radiador térmico de intensidade média. A mira já havia sido ajustada. Imediatamente após as palavras de Rhodan, um forte rugido se fez ouvir na parede esférica da Titan. Massas de ar incandescente foram empurradas para o lado. O fluxo de impulsos de cinco metros de diâmetro foi mais rápido que a vista humana.

Um ribombar surdo passou por todos os compartimentos do supercouraçado. Bem adiante deles, a abóbada energética do inimigo, que acabara de ser levantada, emitiu uma forte luminosidade. Descargas terríveis subiam para o céu. De uma hora para outra, a barreira defensiva parecia estar entrecortada por fendas luminosas. Apesar de tudo, a energia foi desviada num ângulo inclinado. Com um trovejar, as cascatas de fagulhas subiam às nuvens, cuja luminosidade rubra iluminou o mar sombrio.

— Não produziu qualquer efeito — informou Brian em tom lacônico. — Isso aí agüenta muito mais. Provavelmente os campos defensivos deles são tão fortes como os nossos. Quer dizer que pelos meios normais nunca conseguiremos penetrar lá.

Rhodan olhou por alguns segundos para as telas. Depois disse:

— Querem que morramos de fome por aqui. Ah, já estão nos cumprimentando.

A trajetória de tiro foi tão rápida que a inteligência não conseguia acompanhá-la. Rhodan não se abalou; deixou que o disparo produzisse seu impacto nos campos defensivos da nave. Também aqui houve um desvio total da descarga energética. As energias remanescentes foram absorvidas e conduzidas aos protetores da nave. A gigantesca Titan sacudiu-se ligeiramente. E foi só.

— Também não dispõem de muita coisa. De qualquer maneira, prefiro não utilizar nossos canhões superpesados — disse Perry em voz baixa. — Pela própria natureza das coisas, um forte blindado sempre será superior a uma nave de tamanho igual, porque não tem necessidade do mecanismo de propulsão. E o espaço liberado permite a instalação de algumas unidades energéticas adicionais. Apesar de tudo, dificilmente resistiriam aos projéteis mais pesados de nossa nave. Tampinha...

Gucky estremeceu. Correu apressadamente em direção ao assento do piloto.

— Tampinha, será que você teria coragem de entrar nessa casa de marimbondos? Seria apenas uma pequena brincadeira.

O rato-castor cresceu alguns centímetros. Tinha uma paixão toda especial pelas brincadeiras perigosas.

— Estou disposto a entrar na brincadeira, comandante — chiou. — Quais são as ordens?

— Você é o único teleportador de que ainda disponho. Nossos armeiros lhe darão uma bolinha preta. Depois de ligar o detonador, você vai depositá-la no lugar em que ficam os maiores geradores. Depois veremos o que será feito da abóbada defensiva dos nossos amigos.

Gucky exibiu o dente roedor. Seria um quadro bastante alegre, se em seus olhos castanhos não surgisse um brilho tão estranho.

Poucos minutos depois, foram transmitidas as instruções. Os comandos de robôs, que estavam prontos para a ação, entraram nos campos antigravitacionais.

Tanques equipados com terríveis armas de radiação foram avançando. Os membros dos comandos de desembarque entraram em forma.

Na sala de comando, Rhodan dirigiu-se ao mutante Wuriu Sengu. O forte japonês maciço ouvia atentamente, inclinando a cabeça.

— Sobrevoarei a cúpula, para que você possa dar uma olhada lá dentro. Indique o lugar em que Gucky terá de materializar-se depois de seu salto de teleportação. Pelo que calculo, existe lá embaixo um pavilhão de reatores que deve ter o tamanho de cinco casas de máquinas da Titan. É lá que o Tampinha deve pousar.

O espia, cuja especialidade consistia em romper oticamente qualquer objeto ou parede compacta, confirmou com um simples aceno de cabeça. Poucos segundos depois, a nave de guerra começou a deslocar-se.

Foi nesse momento que Rhodan captou a segunda advertência; apenas, desta vez os impulsos eram menos intensos que os que recebera pouco antes do primeiro pouso.

— Fiquem onde estão. Perigo. Não poderemos fazer mais nada por vocês. Não continuem. Não continuem; voltem.

O sentido da mensagem surgiu nitidamente no cérebro de Rhodan. Gucky compreendeu-a ainda mais claramente.

— Quem é você? — respondeu o ser peludo. — Responda, amigo. Suas intenções são boas, não são?

— Minhas intenções são boas — foi a resposta. — É o último aviso que lhes dou. Vocês estão desobedecendo a vocês mesmos. Afastem-se. Vocês nunca conseguirão conquistar a fortaleza dos estranhos.

— Quem é você?

— Meu nome é Trorth, mas isto não importa. Afastem-se. Não se aproximem mais. É o último aviso que lhes dou.

Gucky continuou a interrogar. Não obteve mais nenhuma resposta telepática.

— Quer dizer que apesar de tudo temos amigos — disse Rhodan em tom nervoso. — Tampinha, como é o cérebro daquele desconhecido?

O rato-castor abriu os bracinhos.

— Não faço a menor idéia, chefe. Não consegui penetrar lá. Deve ser uma coisa muito estranha. De qualquer maneira, não havia nenhum ódio oculto em suas vibrações.

Rhodan desistiu. Fosse como fosse o desconhecido, não poderia fazer mais nada para modificar a situação.

Com uma perigosa lentidão, a Titan passou por cima da abóbada energética. Os campos defensivos quase chegaram a tocar-se. O inimigo não esboçou nenhuma reação.

— As unidades energéticas ficam bem no fundo da rocha — informou Sengu. — É um recinto gigantesco. Ao que parece foi queimado na rocha.

Era tudo que Rhodan queria saber. Após trinta minutos, o rato-castor se apresentou. Usava um traje protetor especial, em cujo cinto estava pendurada uma bola de metal do tamanho de uma cabeça humana.

 

Gucky deu mais um relance de olhos pelo pavilhão, antes de comprimir o bastão do detonador. Não havia ninguém. O funcionamento das máquinas gigantescas era inteiramente automático.

Pouco depois, Gucky se materializou a bordo da Titan. Menos de vinte segundos após a volta, teve início a reação desencadeada pela bomba. Não seria possível recorrer a uma arma nuclear explosiva, pois com isso se correria o risco de destruir toda a cúpula. Bastaria provocar o colapso do campo defensivo.

Na casa de máquinas, surgiu um campo gravitacional turbilhonante de cinco dimensões, cujo volume energético ia crescendo à medida que outros hiperelementos ávidos para entrar em reação iam sendo atingidos. E uma coisa que não faltava nos conversores de impulsos da gigantesca usina de força eram os hiperelementos.

O alarma no interior da cúpula veio atrasado. Teria sido tarde, mesmo que alguém tivesse visto Gucky no momento em que este acionou o detonador.

Um uivo surdo subiu das profundezas da rocha. Espirais luminosas tremeluzentes saíam dos canais de ventilação e de outras aberturas. Reator após reator deixava de funcionar automaticamente no momento em que os hipercatalisadores dos conversores de impulsos começavam a participar do processo desencadeado pela bomba. Não houve nenhuma destruição na verdadeira acepção do termo. Quando o campo energético deixasse de ser alimentado, morreria por si.

O que ficou foi um misterioso ondular e ruminar na atmosfera de oxigênio do interior da cúpula. Ainda havia as máquinas de alta potência que deixavam de funcionar, e cuja energia térmica já não absorvia face à falha dos conversores. Em toda a Galáxia, não havia nenhum gerador nuclear que não se desligasse automaticamente no momento em que falhasse o elemento de consumo de energia. E 99 por cento da energia era consumida pelo campo energético que cercava a cúpula.

— Foi tão simples! — disse Gucky em tom de decepção, quando a barreira energética, que há pouco ainda parecia invencível, emitiu uma débil fosforescência e caiu sobre si mesma.

Rhodan não esperou um segundo sequer além do necessário. O supercouraçado entrou em movimento. Rapidamente venceu a distância que separava o litoral da festa montada na ilha. Só faltava inutilizar o armamento pesado da poderosa construção com bastante rapidez, a fim de que as tropas de desembarque não ficassem expostas a um fogo concentrado. O campo energético do traje protetor arcônida seria capaz de neutralizar o disparo de uma arma manual, mas nunca os raios mortíferos das peças de artilharia.

Os propulsores rugiram e os neutralizadores de pressão emitiram um ruído zangado. A Titan parou bem em cima da ilha.

As posições de artilharia do lado sul já haviam sido localizadas por meio das estações de observação energética e a pontaria automática havia sido programada de acordo com essa localização.

Rhodan limitou-se a fazer um aceno de cabeça em direção ao painel de controle de tiro. Tifflor e Tanner usaram os dez dedos de suas mãos para comprimir as teclas verdes dos desintegradores.

Só se ouviu o uivo abafado dos conversores estruturais. Não era o rugido ensurdecedor dos canhões de impulsos, cujos feixes incandescentes eram contra-indicados numa operação desse tipo.

Sem o menor ruído, praticamente invisíveis na atmosfera nevoenta e agitada, os feixes de ondas saíram dos campos com a direção uniformizada.

Ao que tudo indicava, lá embaixo não acontecera nada.

— Cuidado! — gritou alguém pelo intercomunicador de bordo.

O grito era supérfluo. Antes que alguém pudesse agir, as faixas incandescentes já haviam chegado. A fortaleza abrira fogo antes que suas posições de artilharia pudessem ser destruídas.

Uma verdadeira fogueira atômica envolveu a nave, que permanecia imóvel. Era um fogo potente e altamente concentrado. Parecia confirmar a teoria de Rhodan sobre o tremendo poder de fogo de uma fortaleza estacionaria.

Um ruído ensurdecedor encheu todos os compartimentos da gigantesca nave. A esfera viu-se transformada num sino vibrante. Por um instante, teve-se a impressão de que os campos defensivos entrariam em colapso.

Rhodan colocou o polegar sobre o botão fortemente assinalado do suprimento energético de emergência. Até mesmo as usinas de reserva situadas na parte inferior da gigantesca nave tiveram de entrar em ação para cobrir as necessidades energéticas, que experimentaram um aumento repentino com a enorme solicitação a que ficou sujeito o campo de força. As armas defensivas da Titan nunca haviam sido submetidas a uma prova tão dura.

Rhodan viu que seu imediato, Everson, foi atirado para a frente com os solavancos da nave. Depois os cintos de segurança apoiaram-no.

Surgiram os impactos lá embaixo. Apenas demorara uma fração de segundo. As últimas descargas tremeluziam sobre a barreira de defesa tríplice da Titan, quando a cúpula da fortaleza se abriu em exatamente vinte e dois pontos.

As aberturas surgiram com um silêncio fantasmagórico. No início, as bordas começaram a desmoronar, mas logo se tornaram lisas, até que as fendas, aumentando rapidamente, se transformaram em buracos de extremidades lisas, que pareciam ter sido abertos por uma prensa.

Não houve nenhuma produção de calor, e não se notou qualquer incandescência. Em compensação aconteceu alguma coisa que só poderia acontecer dessa forma num planeta superpressurizado.

Se a fortaleza ficasse no espaço vazio, toda sorte de objetos seria atirada para fora das aberturas. Mas aqui não houve nenhuma descompressão explosiva. Antes, verificou-se uma implosão com a súbita penetração da atmosfera venenosa.

Seguiram-se os fenômenos luminosos, que já eram esperados pelos físicos da Titan. A atmosfera de oxigênio contida na cúpula perfurada em vinte e dois pontos entrou em contato com os gases de metano, formando uma mistura explosiva que foi incendiada pelos canhões energéticos superaquecidos.

Gigantescas labaredas saíram das aberturas. Desta vez, os fragmentos foram atirados para o alto. Daí se concluía que já houvera certa compensação de pressões. Mas dali ainda se devia concluir que as pesadas escotilhas de segurança não haviam sido esquecidas durante a construção da fortaleza. Talvez os postos de artilharia estivessem totalmente destruídos, mas não as outras instalações da gigantesca cúpula.

Mais uma vez Rhodan não perdeu tempo. Logo após os primeiros impactos, as armas térmicas da nave começaram a rugir. O trecho do mar que se estendia junto à ilha foi varrido por feixes de raios bem espalhados.

O fogo de barragem que devia proteger as tropas de desembarque contra a aproximação dos moofs transformou-se num rugido ensurdecedor. A Titan começou a mostrar seu poderio.

A nave baixou mais. Quando se encontrava a exatamente 1.200 metros sobre o borbulhante oceano de amoníaco, voltou a imobilizar-se.

Ainda se encontrava fora do alcance de teleportação dos terríveis seres, que numa espécie de ironia fúnebre haviam sido batizados como cantores.

Do planejamento estratégico partiu-se para a ação ofensiva tática. De certa maneira, foram seguidas as diretrizes clássicas, apenas as armas utilizadas eram outras, muito mais potentes.

Rhodan sentiu as vibrações telepáticas dos moofs que batiam em retirada. Nunca passariam por essa parede de fogo.

— Desembarcar os robôs. Grupos de segurança — soou a voz de Rhodan em todos os alto-falantes.

Três mil máquinas de guerra arcônidas, auto dirigidas e dotadas de raciocínio próprio, desceram das comportas sob a proteção dos campos antigravitacionais. Foram seguidas pelos blindados dirigidos por robôs.

Começaram a disparar enquanto ainda desciam. Os alvos eram as aberturas feitas pelos impactos, que teriam que ser mantidas livres dos cantores.

Dois minutos depois do desembarque dos robôs de combate de quatro braços, seguiram os homens. O grupo era chefiado pelo major Chaney. Rhodan preferira reservar sua intervenção pessoal para o caso de um acontecimento extraordinário.

Quatrocentos homens saíram pelas comportas do supercouraçado. Desceram rapidamente em direção às aberturas da cúpula, cuja área já fora limpa pelos robôs. Por ali não havia mais nada que pudesse representar um perigo para qualquer ser humano.

— Everson, mantenha a nave numa altitude segura — foi a última ordem que Rhodan deu antes de saltar.

Nos fones de ouvido soaram os comandos dos oficiais. As aberturas dos impactos foram tomadas de assalto por vários grupos. Rhodan avançou em companhia de Gucky para o lugar em que se encontrava o tenente Tifflor. Os trinta e cinco homens do grupo comandado por ele estavam prestes a mergulhar de cabeça na abertura de menos de cinqüenta metros de diâmetro.

Foram seguidos por robôs especializados; por enquanto não se notava a presença de ninguém.

— Vou dar uma olhada por aí, chefe — disse o rato-castor pelo rádio de capacete.

Rhodan levantou a mão. Gucky desapareceu, dando mais um salto de teleportação.

Viu-se num enorme pavilhão com grande quantidade de armamentos destruídos.

Dois tiros da arma portátil do robô foram suficientes para romper a parede dos fundos da comporta.

— Segurem-se! — gritou Rhodan antes de surgir o furacão.

A atmosfera supercomprimida do planeta penetrou com um chiado nos compartimentos situados atrás da parede aberta pelo tiro. Tudo que não estava preso ao solo foi arrastado.

Rhodan sentiu que suas mãos se soltavam. Os dedos doloridos abriram-se aos poucos. De repente chegou a hora.

Juntamente com os outros homens foi arrastado pelo chão. A viagem de trenó só findou depois de terminada a compensação da pressão.

— Não utilizem armas térmicas — soou o grito estridente de Tifflor pelo rádio. — Há perigo de explosão. Temos uma mistura de gases muito perigosa.

Rhodan lançou um olhar para o enorme pavilhão. As instalações, que segundo tudo indicava pertenciam a um grande laboratório, haviam sido quase totalmente demolidas. Ainda desta vez não encontraram nenhum ser vivo.

Procurou um canto tranqüilo e dali dirigiu a ação dos diversos grupos. Um rugido e um ribombar surdo aproximou-se. Eram os homens dos comandos especiais que avançavam.

— Não enfrentamos nenhum fogo, não encontramos a menor resistência — disse o major Chaney pelo aparelho de comunicação audiovisual. O rosto, um tanto deformado pelo campo defensivo, surgiu na tela do receptor portátil.

— Continue a avançar no seu setor. Mantenha-se em contato comigo e com os grupos vizinhos.

O ataque prosseguiu. Ninguém poderia detê-lo. Se houvesse aras por ali, não resistiriam à tremenda energia dos humanos.

Rhodan lembrou-se de uma frase que Crest, o arcônida, pronunciara em certa oportunidade. Para ele, o homem era a única criatura da Galáxia que se parecia com os conquistadores arcônidas das épocas mais remotas.

— Cantores! — o grito ressoou nos fones de ouvido. — É o tenente Hathome do grupo dezesseis. Acabamos de entrar num pavilhão que está cheio desses monstros plásticos. Estão atacando.

— Retirem-se, procurem fechar algum corredor. Garand, que tal vai a operação de arejamento?

— Insufladores funcionando. Análise do ar satisfatória. A mistura de metano e oxigênio em todos os recintos inundados desceu a um nível inofensivo — informou o engenheiro-chefe da nave.

Rhodan esforçou-se para ouvir o canto agudo do turbo-ventilador. Era um aparelho por demais eficiente, que conseguiu vencer a densidade gasosa do planeta Moof VI.

A análise do ar foi realizada por robôs especializados.

O tenente Hathome, que passara pela prova dos combates travados em Honur, mandou suspender o fogo insensato dos desintegradores manuais. Os monstros não reagiam ao mesmo. No momento em que seus homens bateram em retirada, Rhodan transmitiu a ordem decisiva:

— Todos os comandos têm permissão para abrir fogo com as armas térmicas. O perigo de explosão foi removido. O ar externo está sendo insuflado em todos os compartimentos e a mistura gasosa, expelida. Podem começar.

Foi Hathome quem no último instante se deitou atrás do canhão portátil de impulsos e abriu fogo contra o monstro que se aproximava.

O ser desmanchou-se na incandescência expelida pela arma. Mais atrás um homem gritou; estava sendo enlaçado por um cantor. Demorou apenas alguns segundos até que Gucky aparecesse. Dali em diante, a coisa não teve a menor chance.

— Avisem-me pelo rádio assim que alguém for agarrado — soou a voz do rato-castor em meio aos berros.

Era um inferno. Cada grupo dependia de seus próprios recursos. Os robôs de combate, que se encontravam do lado de fora, estavam empenhados numa luta encarniçada contra os monstros que se teleportavam para o local. O inimigo havia colocado milhares deles na ilha, já que esperava uma operação de desembarque.

A medida produziu um resultado às avessas. Não conseguiam penetrar na fortaleza, pois teriam que romper as linhas de robôs e a barreira de fogo erguida pela Titan.

Rhodan aguardava.

 

Levaram duas horas, tempo de bordo, para atingir os compartimentos internos da cúpula. De fora, esta com seus gigantescos salões, pavilhões e corredores circulares, parecia intacta. Do lado de dentro, estava transformada num montão de destroços.

Há um minuto tiveram o primeiro contato direto com o inimigo. Encontraram um ser humanóide delgado de pele branca e constituição débil. Estava morto.

Rhodan inclinou-se sobre o rosto cinzento e inexpressivo com os olhos enrijecidos.

— Um ara — disse pelo rádio. — São os mesmos tipos que encontramos em Honur. Onde estarão os outros?

— Atrás dessa porta — disse Tifflor, cansado. Seu rosto parecia uma máscara atrás da luminescência do campo defensivo. — Comandante, é uma coisa horrível. O grande portão à sua esquerda leva a uma espécie de laboratório gigante. Ali encontramos pedaços dos monstros com que vivemos lutando.

— Pedaços? — gaguejou Rhodan.

— Sim senhor. Os biólogos já estão lá dentro. Pelo que dizem, trata-se de uma grande usina destinada à produção de vida sintética. Os caldeirões estão fervendo e borbulhando.

Sem dizer uma palavra, Rhodan correu para o recinto contíguo. Sacudido de pavor, parou. As instalações inteiramente automatizadas ainda estavam funcionando. Até parecia uma fábrica de automóveis, onde as diversas peças são colocadas numa fita de montagem. Tratava-se de uma forma misteriosa de vida sintética pulsante, que no fim da linha de montagem saía da máquina fumegante sob a forma de mangueira de borracha. Aquilo que as fitas transportavam vivia, mas não pensava.

O biólogo Janus van Orgter fez uma constatação. Os monstros só podiam agir quando fossem dirigidos por uma vontade potente. Provavelmente os médicos galácticos os vendiam para serem utilizados como forças auxiliares.

Rhodan deu uma ordem:

— Tifflor, arrebente as fitas e as máquinas a tiro. Saiam todos, inclusive os cientistas.

Nesse instante, ouviu-se o grito de socorro de Gucky. Todos perceberam a voz aguda nos fones de ouvido.

— Estou no setor residencial. Venham depressa. Os aras estão fugindo para uma nave espacial. Está perto de mim. Acho... acho que não agüento mais. Estou exausto. Venham.

Um ribombar surdo abafou os ruídos das armas e dos exaustores. O ruído cresceu num uivar agudo que, depois de atingir um ponto máximo, afastou-se rapidamente.

Rhodan chamou a Ganymed. O coronel Freyt apareceu na tela.

— OK, comandante, já os localizei. Não irão longe — disse tranqüilamente. — Conseguiram pegar algum aí embaixo?

— Estou segurando três aras — gemeu Gucky. — Eles se defendem. Venham logo.

Rhodan desligou. Enquanto uma pequena nave surgia no espaço e os disparos das peças de artilharia de uma das faces da Ganymed perseguiam o veloz fugitivo, o grupo de Tifflor voltou a avançar. As últimas paredes divisórias desmoronaram sob a ação dos desintegradores.

Num pequeno compartimento, encontraram Gucky diante de três seres estranhos. Pareciam grudados nas paredes. Usavam fortes trajes espaciais, capazes de resistir à pressão dos gases do planeta.

Punhos vigorosos arrancaram os seres indefesos da energia telecinética que os prendia. Pouco depois, Wuriu Sengu informou que não encontrara mais nenhum ara.

Passaram-se mais cinco minutos até que os robôs e os homens revistassem a cúpula. Os três prisioneiros já estavam sendo submetidos a interrogatório hipnótico a bordo da Titan.

Quando Rhodan chegou, já dispunham do resultado.

Os rostos dos médicos Hayward e Kärner pareciam enrijecidos. Rhodan estacou.

Tateou à procura de uma poltrona articulada arcônida, que logo se ajustou ao seu corpo.

— Espero que não venham me dizer que o interrogatório não produziu nenhum resultado — disse.

O Professor Kärner pigarreou. Gotículas de suor cobriam sua testa.

— O interrogatório deu resultado, mas diria que foi um resultado negativo. Esses seres dispõem de pouca resistência psíquica. O interrogatório hipnótico penetrou no último recanto de seu espírito.

— E daí?

— Para nós foi um resultado negativo, como já disse. Esta base serve exclusivamente à fabricação de vida sintética. Os monstros aqui produzidos eram levados pelas naves dos médicos galácticos. Os aras que se encontravam aqui não tiveram nada que ver com os acontecimentos que se desenrolaram no planeta Honur. Nem desconfiam de que temos doentes a bordo. As declarações são perfeitamente plausíveis, pois devemos considerar o fato de que os aras estão divididos em inúmeros clãs.

Rhodan cobriu o rosto com as mãos.

— Foi em vão — a idéia martelou o cérebro de Rhodan. — Tudo em vão.

Kärner prosseguiu tranqüilamente:

— Esta missão foi um fracasso. Partimos de um falso pressuposto. Os aras que viviam aqui já nos conheciam, mas em virtude dos acontecimentos do planeta Zalit, não por causa da intoxicação. Foram eles que levaram os moofs para lá e lhes ordenaram que fomentassem a revolta através de influências sugestivas exercidas sobre as classes dominantes. Aqui não existe nenhum remédio para nossos doentes.

Os braços de Rhodan pendiam molemente. Seus olhos inexpressivos fitavam o nada.

— E agora?

— Uma das informações que obtivemos assume certa importância — interveio Hayward, lançando um olhar de recriminação para Kärner. — Os aras possuem mundos centrais, onde se desenrola o comércio com outras raças. Se o antídoto existe, só pode ser encontrado no mundo que os prisioneiros chamam de Aralon. Ali existe um tipo de central de vendas de produtos médico-farmacêuticos, que dispõe dos mais variados medicamentos. Além disso, ali existem alguns dirigentes dos aras. Os prisioneiros têm certeza que nesse mundo poderíamos encontrar auxílio. Como fazê-lo, isso naturalmente já é outra questão.

— Se for necessário, eu os obrigarei a ajudar. Dou-lhes minha palavra — disse Rhodan com a voz entrecortada. — Tranque os prisioneiros e dê-lhes mantimentos. A cúpula será destruída.

— E os moofs? — lembrou Everson.

— Deixe-os onde estão. Não há motivo para preocupar-se com eles se os seres que os manipulavam desapareceram.

— Estes monstros representam um perigo. O planeta deve ser destruído — resmungou o Dr. Certch.

O rosto de Rhodan parecia magro e enrugado.

— Deixe que os moofs fiquem com seu mundo. São inofensivos. Nunca sairão do pântano de amoníaco em que estão mergulhados, a não ser que algum elemento criminoso os leve. Pouco importa como são eles. Peço que faça seus cálculos sobre a conduta provável do cérebro robotizado.

— Pretende voltar para Árcon? — perguntou Certch espantado.

— Será que o senhor sabe onde fica esse planeta dos aras que costuma ser designado pelo nome Aralon?

Rhodan levantou-se. Estava cansado. Nesse instante Gucky entrou na sala de comando.

— Nosso amigo acaba de chamar — disse. — O tal do Trorth. Temos que descer, pois ele não pode sobreviver em nossa atmosfera.

— Trorth? Sim, naturalmente. Tifflor, Dr. Orgter, queiram vir comigo. Tiff, desembarque dez homens que montarão guarda. Não quero ser surpreendido pelos moofs.

— O diabo que carregue esses bichos — disse Everson entre os dentes. — Tome cuidado, comandante.

 

Desceram nos seus trajes antigravitacionais. Subitamente, num movimento de pânico, levantaram as armas.

Os radiadores térmicos ainda estavam seguros nas mãos dos homens. Foi só por causa do grito agudo de Gucky que não dispararam.

Trorth viera só. Era uma criatura solitária e desamparada, cujos tocos de perna descansavam no solo cristalino. O corpo de medusa balouçava ao vento, e os grandes olhos que se abriam no centro da cabeça estavam arregalados. Com seus dois metros de altura e metro e meio de largura, erguia-se diante dos homens. Não possuía arma, e nunca possuíra.

Gucky choramingava. As patas rosadas cobriam o ouvido por baixo do campo energético.

— Não, não voltem a atirar — disse o suave impulso telepático que tocou o cérebro de Rhodan. — Vocês atiraram demais e mataram muitos de nós. Por quê? Meus irmãos estão chorando. Não fizemos o possível para obrigá-los a decolar, utilizando nossos dons naturais, depois que pousaram apesar da advertência que lhes havíamos dado? Vocês atiraram contra nós. Foi uma coisa horrível. Não fizemos mais nada. Apenas tentei outra vez entrar em contato com vocês, mas voltaram ao ataque. Ajudamos sempre que pudemos. Seus amigos viram-se em situação difícil. Por isso reunimos todas as nossas forças e destruímos os seres sem vida. Eles se desmancharam em bolas de fogo.

— E as baixezas que vocês andaram fazendo em Zalit? O que devo pensar disso? — perguntou Rhodan. — Foi só por causa disso que acreditamos que os moofs são inimigos ferozes do Império.

As armas desceram em direção ao solo. Gucky traduziu mensagens telepáticas em sons inteligíveis.

— Sei disso — respondeu o moof.

A tormenta tornou-se mais forte. Orgter lembrou-se da oportunidade em que, depois do primeiro pouso, foi arrastado pelo chão.

— Estamos envergonhados — disse Trorth. — Só podemos pedir sua compreensão, pois uma criança não é um sábio. Não sei se entre vocês também existem crianças, isto é, seres que ainda não têm vontade própria.

— Crianças? — gemeu Rhodan. — Quer dizer que os moofs de Zalit foram as crianças de vocês.

— Os aras abusaram delas, depois de seqüestrá-las. Não sabiam o que estavam fazendo. Sei perfeitamente que não há desculpa para isto. Não estamos interessados no poder político. Quando vocês chegaram imaginávamos que vocês faziam uma idéia errada a nosso respeito. Já lhes perdoamos tudo. As coisas não são tão ruins assim; está tudo esquecido. Sentimo-nos felizes quando podemos conversar com seres vindos de outras estrelas. Sabemos que existe um Império, embora nunca tenhamos visto as estrelas. Muitos seres estranhos já pousaram neste planeta, até que um belo dia apareceram os aras e começaram a criar aqueles seres. Foram inimigos mortais de nossa raça. Ainda pretende atirar contra nós?

O ser estranho sentiu os impulsos de desespero e auto-recriminação. Aproximou-se desajeitadamente.

— Lamento de todo coração que tenha acontecido uma coisa dessas — cochichou Rhodan.

— Podemos ajudar em alguma coisa? — a mensagem do moof foi em tom tranqüilizante. — Esqueça, esqueça o que aconteceu aqui. Todos erramos. Não pude chamar mais cedo, pois você não teria acreditado em mim. Resolvemos dar demonstrações de boa vontade até que sua inteligência compreendesse nossas verdadeiras intenções. Você ainda precisa de auxílio. Vejo em seu espírito que muitos dos seus irmãos estão doentes.

 

O homem e o monstro separaram-se depois de duas horas de palestra. Rhodan e seus companheiros estavam arrasados no seu íntimo e sentiam-se martirizados pela auto-recriminação, enquanto os moofs sentiam uma alegre expectativa. Cinqüenta deles subiriam a bordo da Titan, para ajudar o homem na procura do medicamento. As faculdades telepáticas e sugestivas desses seres poderiam representar uma ajuda inestimável.

— Dr. Garand, faça o favor de adaptar alguns compartimentos da nave, transformando-os em câmaras pressurizadas — ordenou Rhodan quando retornou à nave. — Crie condições que permitam a sobrevivência dos moofs. Não se espante, estou falando sério. Faça o favor de providenciar os recintos pressurizados. Nossos amigos subirão a bordo assim que os mesmos estiverem prontos. Nossos amigos, entendeu?

Seus olhos seguiram o comandante que se afastava.

Lá fora uivava o furacão. Junto à nave, os corpos deformáveis dos moofs moviam-se ao ritmo das rajadas turbulentas.

 

                                                                                            K. H. Scheer

 

 

                      

O melhor da literatura para todos os gostos e idades