Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites
O HÓSPEDE SUSPEITO
Espeto, Marcelo e Clarinha estavam dispostos a descobrir quem era o enigmático hóspede da tranqüila Pousada Arnoldo. Aquele desconhecido escondia algum segredo... Por que ele usou um nome fictício e só se alojava em quartos com vista para a rua? Detalhes que despertaram a curiosidade dos três amigos.
A partir de então, decidem seguir cada passo do homem.
Quando eles imaginavam que estava tudo sob controle, surpresa! Um crime misterioso é cometido. Será que o sujeito tinha a ver com o caso?
Uma missão arriscada, que vai depender de uma boa dose de coragem e inteligência para dar certo.
"Passe o dinheiro aí, vamos!" O caixa do banco, apavorado, arregalou os olhos. "E não dê uma de esperto, senão eu atiro!"
-- Marcelo se encolheu na cadeira. Tenso e ansioso, seguia os acontecimentos. Nisso, abriu-se uma porta atrás dele.
-- Marcelo!
O menino levou um susto. Mas era só seu pai.
-- Você não está vendo que horas são? - Seu Ciro Lemos deu mais uns passos e desligou a televisão. Sumiu a luz azulada que se refletia no rosto do garoto de onze anos. A sala ficou às escuras.
-- Ah, logo agora? - reclamou Marcelo. Ele queria muito saber o que ia acontecer com a mulher disfarçada de homem que estava assaltando o banco.
-- Você não queria ir comigo à cidade amanhã cedo comprar seu presente de aniversário? - perguntou seu Ciro, acendendo a luz.
-- Queria - respondeu Marcelo, ainda pensando no filme. No dia seguinte realizaria um desejo, que estava prometido para quando completasse onze anos.
-- Saio às oito horas! Se você também vai, seja pontual - acrescentou o pai.
Depois de dar boa-noite ao pai, Marcelo foi para o seu quarto. Já era tarde, mesmo. Olhou o relógio: passava das onze. Acertou o despertador para as sete e meia e se deitou. Seu pensamento ainda estava preso ao filme da tevê. Foi então que ele se lembrou de Espeto, que com certeza ainda estaria sentado diante do vídeo.
E estava mesmo. Só não estava sentado, mas deitado de bruços,chupando bala de goma. Espeto era o melhor amigo de Marcelo. Ele morava na mesma rua e iam juntos para a escola. André - esse era o verdadeiro nome de Espeto - morava com a avó. O pai já havia morrido, e a mãe dirigia uma pousada na cidade.
Era segunda-feira e a partir de quinta, Marcelo iria passar duas semanas tomando conta da casa de sua tia, e Espeto iria com ele. Mas ainda era segunda, e na televisão estava passando o filme "O Máscara Negra"...
Naquele momento, a mulher já havia roubado o banco e fugia numa motocicleta. Num pequeno bosque, ela parou. Deixou a moto caída no chão e tirou a máscara do rosto. Depois, pegou uma bicicleta que estava no meio do mato, enfiou-se num casacão escuro e saiu pedalando com dificuldade na direção de onde tinha vindo.
Por que Espeto tinha tanta certeza disso?
Vire a página.
Na página da esquerda, na gravura de baixo, há um lenhador espiando o que se passa. Por causa disso, no dia seguinte, a mulher foi presa em sua casa.
Pontualmente às oito horas de terça-feira, seu Ciro tirou o carro da garagem. A seu lado estava Marcelo, ainda morrendo de sono. Para ir até a cidade, levava-se vinte minutos. Quando chegaram à Praça dos Santos Anjos, onde sei Ciro trabalhava numa agência de seguros, Marcelo já tinha pegado no sono novamente. O pai estacionou o carro na garagem subterrânea da própria firma e então acordou o filho. Ele ainda acompanhou o menino até a parada de ônibus e depois se despedir. Marcelo ficou ali, ainda com muito sono. Atrás dele, um imenso bloco de concreto tampava toda a vista. Era o prédio da agência de seguros onde sei pai trabalhava.
No ponto, já havia outras pessoas esperando. Estavam nervosas, olhando seus relógios, impacientes com a demora do ônibus. Marcelo, ali parado, deu um bocejo. De repente, ficou curioso. Tinha visto uma coisa muito estranha.
O que ele viu?
"Que esquisito!" - pensou Marcelo. - "Por que será que aquele homem de óculos redondos está lendo o jornal de cabeça para baixo?". Nisso o ônibus chegou. Estava lotado. Mas todos os passageiros desceram na Praça dos Santos Anjos.
Marcelo sentou-se bem na frente, logo atrás do motorista. E o homem com o jornal, onde estava? Marcelo olhou em volta.
Onde estava o homem?
O homem do jornal não tinha entrado no ônibus. Provavelmente estava esperando por alguém, Foi o que Marcelo pensou. Mas por que será que ele lia o jornal de cabeça para baixo?
O ônibus tocava sua buzina no meio do trânsito. Durante o trajeto até o centro da cidade, ele foi ficando lotado de novo. Na praça em frente à universidade, Marcelo desceu. Atravessou a rua da Harmonia e chegou a uma loja grande. No alto do portal de entrada estava escrito em letras gigantescas: Félix & Cia. Ele entrou. Era ali que ia escolher seu presente de aniversário.
Subiu pela escada rolante até o segundo andar e se dirigiu à seção de esportes.
Qual foi o presente de aniversário que ele escolheu?
Qual foi o presente de aniversário que ele escolheu?
O presente escolhido é o único que possui um par idêntico.
Levando numa sacola um par de tênis novo, Marcelo saiu de lá e foi direto à casa de seu amigo Espeto.
-- Já tão cedo por aqui? - perguntou Espeto, admirado, quando abriu a porta. Ele ainda estava de pijama.
-- Eu vim de ônibus direto da cidade - Respondeu Marcelo.
Os dois, então, foram para a cozinha, pois Espeto ainda não havia tomado o café da manhã. Eram dez e meia.
-- Deixe eu ver seu tênis novo! - disse Espeto. -- É demais! É demais, mesmo! - elogiou ele, calçando o tênis para experimentar. - É o calçado ideal para o nosso emprego de verão!
Espeto e Marcelo iam não só cuidar da casa de dona Júlia Vidal, tia de Marcelo, durante duas semanas, como também ainda iam tomar conta de seu cachorrinho Golias. Era o filhotinho de um mastim-irlandês muito levado. Dona Júlia precisava internar-se numa clínica para um tratamento, dali a dois dias, e não podia levar junto o querido animalzinho. À tarde, Marcelo e Espeto fariam uma visita à tia, que morava no Bairro dos Poetas, no subúrbio. Tia Júlia ainda queria explicar tudo aos meninos sobre seu emprego de verão.
Depois que Espeto se cansou de experimentar o tênis de Marcelo, os dois se sentaram à mesa e comeram juntos, às colheradas, os cereais da vovó numa tigela grande com leite. Em seguida, enquanto se vestia, Espeto contou a seu amigo o fim do filme. "O Máscara Negra".
Logo depois do meio-dia, os dois tomaram o ônibus para o Bairro dos Poetas. O bairro era chamado assim porque todas as suas ruas tinham nomes de poetas. Havia a Travessa Camões, o Largo Shakespeare, a Alameda Cecília Meireles, a Praça Grabiela Mistral.
A casa de tia Júlia ficava na rua Mário Quintana. Eles tiveram ainda de andar a pé um bom trecho. De repente, Marcelo parou:
-- Não é possível!
-- Que foi? - perguntou Espeto. -- Que é que você está vendo?
O que Marcelo viu?
-- O homem na cabina telefônica...
-- Sei, mas e daí? - Espeto quis saber.
-- Foi hoje cedo, no ponto de ônibus, que eu reparei nele - e Marcelo contou por quê.
-- Então vamos até a cabine, olhar de perto - disse Espeto.
Os garotos pararam junto da cabine telefônica e se abaixaram, como se estivessem amarrando o sapato. O desconhecido estava dizendo:
-- ... vou soletrar: Luís, Osmar, Paulo, Ernesto, Zélia. Entendeu? Ótimo. Sim, está bem. Então até logo! - e, desligando o telefone, saiu da cabine.
-- Agora já sabemos seu nome - disse Marcelo.
Como se chama o desconhecido?
Seu Lopez - esse era o nome do homem - desceu a rua. Assim que ele virou a esquina, Espeto disse a Marcelo:
-- Vou seguir esse sujeito. Espere aqui! - e saiu correndo atrás. Marcelo, enquanto esperava, entrou na cabina telefônica.
"Talvez eu encontre alguma coisa suspeita", pensou ele. A cabine estava cheirando a cigarro. Em cima do telefone, Havia um pedaço de papel com um número rabiscado: 45-8762. Podia ser o número do telefone do tal Lopez, Marcelo imaginou. Então, pôs uma filha e discou o número. Uma mulher atendeu.
O que ela disse?
O - A
D - D
L - A
O - S
N - U
R - O
A - P
Leia de baixo para cima, da direita para a esquerda.
Marcelo pediu desculpas e desligou. A Pousada Arnoldo não lhe dava nenhuma pista. Ele guardou o papelzinho no bolso e foi descendo a rua. Espeto já vinha correndo ao seu encontro.
-- Ele se sentou lá na Churrascaria Ao Carneirinho - contou ele, ofegante -- e está tomando uma cerveja.
-- Eu achei um papelzinho rabiscado, dentro da cabine. Será que é do Lopes? - disse Marcelo.
-- O número do telefone de uma pousada - respondeu o amigo. Ele remexeu no bolso da calça e mostrou o papel a Espeto.
-- Mas, esse é... - e Espeto perdeu a fala.
-- É o quê - perguntou Marcelo, impaciente.
Qual foi a resposta de Espeto?
Os nomes estão em código. Algumas letras foram substituídas e outras cortadas.
-- É o telefone da minha mãe! - respondeu Espeto. -- Acho melhor eu ir logo até ...
-- Boa idéia! - interrompeu Marcelo. -- Eu vou também. Assim ficamos sabendo se o homem vai se hospedar lá.
Mas, antes, eles tinha de ir à casa de tia Júlia, que já estava esperando por eles.
Ela era aposentada e, antes, havia trabalhado como escriturária numa loja de brinquedos. Talvez por isso era a tia preferida de Marcelo.
Na verdade, ela não era sua tia, mas sim de seu pai; o que não fazia a menor diferença.
Numa folha de papel, tia Júlia tinha explicado direitinho o que era para ser feito naquelas duas semanas. Com o papel ela andou pela casa inteira e pelo jardim mostrando tudo aos meninos. Golias foi seguindo os três por todo o lado.
Depois, fizeram uma visita a dona Laura. Ela morava na terceira casa vizinha e era onde Espeto e Marcelo almoçariam durante aqueles catorze dias.
Dona Laura fazia doces deliciosos. Era conhecida no bairro por seus sonhos de ameixa, pastéis e massas folhadas. Ao saber disso, os meninos ficaram muito contentes com aquele emprego de verão.
Após um pequeno lanche na casa da tia, os dois amigos se despediram e prometeram que estariam lá, na rua Mário Quintana, dali a dois dias às oito horas.
A pousada ficava numa rua muito movimentada, a rua Dom Pedro II. A casa tinha quatro andares. Numa tabuleta, no alto da porta de entrada, lia-se: "Pousada Arnoldo".
Subindo dois degraus, chegava-se a uma espaçosa sala de espera. À esquerda, havia algumas poltronas. À direita, bem ao lado da entrada, era a Recepção.
Na parede da Recepção estava pendurado um grande quadro de chaves, com dezesseis ganchos. Uma chave para cada quarto. Ao lado, havia um telefone preto, de parede. Depois, duas portas. Na primeira estava escrito "Gerência", na segunda, "Direção". Atrás desta, ficava a copa e toda a parte de serviço. A outra dava para o escritório de dona Regina Ferreira, mãe de Espeto. Uma escrivaninha grande ocupava quase toda a sala. Em cima da escrivaninha, via-se uma variedade de catálogos, cadernos, papeis e um telefone. Na parede estava pendurado o programa de serviços. O único quadro que enfeitava o escritório era uma fotografia de Espeto aos três anos de idade, junto de seus pais.
O chefe da Recepção, seu Hélio, cumprimentou os meninos quando eles entraram. Ele já trabalhava ali havia quarenta anos, desde antes do nascimento da mãe de Espeto. Nas férias, sua neta Clarinha costumava ajudá-lo; ela era um ano mais nova que Espeto, e os dois se conheciam desde pequenos. No último verão, eles tinham ido juntos passar duas semanas num acampamento para jovens na praia.
-- Sua mãe não está, mas não deve demorar! - disse seu Hélio para Espeto.
-- E a Clarinha? Também saiu? - perguntou Espeto.
-- Não! Ela está lá em cima, nos quartos! - respondeu seu Hélio.
-- Nós esperamos lá dentro - disse Espeto.
E os dois entraram no escritório.
Na mesma hora, Espeto procurou o livro onde as reservas eram anotadas. Estava em cima da escrivaninha, debaixo do jornal do dia.
Ele correu os olhos pelos nomes; Nunes, Sá, Gomes... e não achou nenhum Lopes.
-- Olhe! Está ali! - exclamou Marcelo.
Ali, onde?
Debaixo do telefone, havia um papelzinho enfiado, e nele estava escrito: "Senhor Lopez, 22-2671".
-- Então, ele vem para cá! - confirmou Espeto. -- É pena que nós moramos do outro lado da cidade.
-- É bom avisar logo a sua mãe! - propôs Marcelo.
-- Não! Por enquanto é melhor ela não saber de nada - disse Espeto. E, olhando para o programa de serviço, exclamou, satisfeito:
-- Ótimo! Seu Hélio e Clarinha foram escalados para a semana! Podemos cuidar da casa de sua tia sossegados.
Os dois incluíram Clarinha no plano. Ela teria de prestar atenção em seu Lopez. "Observar", foi o que disse Espeto. Marcelo deu a ela o endereço de tia Júlia e o telefone de dona Laura, porque tia Júlia não tinha telefone.
-- Entre meio-dia e uma hora, estaremos sempre na casa de dona Laura - ele avisou a menina. Clarinha ainda teve de prometer não contar a ninguém que suspeitavam de seu Lopez.
Em, seguida, os meninos foram embora, deixando ainda um recado em cima da escrivaninha de dona Regina:
"Querida Mamãe! Vim aqui e você não estava! Que pena! Beijos do Espeto.
Quinta-feira de manhã, seu Ciro levou Marcelo e Espeto para a casa de tia Júlia. Ela já estava esperando pelos "rapazes". A bagagem dos meninos foi descarregada, e a da tia foi posta no carro. Ela estava afobada, querendo ir embora logo.
-- Mas, tia Júlia! Você ainda vai ter de esperar mais de uma hora na estação! - explicou Marcelo. Nenhuma explicação adiantou; dona Júlia estava com a maior pressa, e seu Ciro deu partida no carro.
Marcelo e Espeto ainda ficaram acenando do jardim, depois entraram na casa. Acharam um tanto engraçado estarem ali sozinhos e responsáveis por tudo! Golias, porém, começou a ganir na cozinha, chamando os meninos, e isso mudou o rumo de seus pensamentos.
Eles pegaram a coleira, que estava pendurada num cabide, e levaram Golias para um passeio.
Marcelo ainda estava fechando o portão do jardim e ia em seguida atrás de Espeto e Golias, quando ouviu uma voz grossa:
-- Vocês são o senhor Ferreira e o senhor Lemos?
Ele olhou para trás, assustado.
Quem estava ali?
Para letras iguais, símbolos iguais; é só substituir.
Era o carteiro, trazendo uma carta expressa. Marcelo deu uma olhada no nome do remetente. Só havia uma palavra: Clarinha. Ele saiu correndo atrás de Espeto e Golias.
-- Clarinha escreveu! - gritou ele.
Espeto, a muito custo, conseguiu parar o cachorro.
-- Como foi que apareceu essa carta? - perguntou ele.
-- O carteiro acabou de trazê-la!
Dentro do envelope havia um recado escrito em código.
Qual era o recado de Clarinha?
Comece pela terceira letra e pule sempre duas letras ou sinais de pontuação.
ESSE REI PULA LOGO
ESPEREI AZAR CACHO
DEU AGUA OH! UMA
HORÁ ONDE FOI FICAS
EM DOVIMNADAS! VE
SE LEVE OU FACIL O
CARA ERA ONTEM É
ESTA VEZ TRANCOU A
-OFERECEI MERA PA!
"Seu Lopez chegou há dois dias! Ele fica até terça-feira!", leram os meninos.
-- E agora, o que vamos fazer? - disse Espeto.
-- Podíamos telefonar para Clarinha - propôs Marcelo.
Os dois correram até a cabine telefônica da rua Mário Quintana. Seu Hélio atendeu:
-- Clarinha está no refeitório. Vou transferir a ligação.
-- Alô? Sim, é Clarinha!
-- Clarinha? É Espeto. Acabamos de receber seu bilhete. Supercódigo! Que é que seu Lopez está fazendo?
-- Ele já tomou café da manhã e subiu para o quarto. Telefone no fim da tarde, que aí vou ter o que contar. Agora tenho de ajudar a servir. Ligue para 93-8572
-- 93-8572! - repetiu Espeto. - Então, até mais tarde! Tchau!
Como eles não tinham ali nenhuma folha de papel, Espeto escreveu o número com a caneta em seu próprio braço. E, então, os três continuaram o passeio interrompido. Chegaram, porém, a um lugar onde não havia rua, só uma passagem em ladeira. Golias disparou na frente, e os dois amigos foram atrás.
-- Não é possível! - exclamou Marcelo de repente. - Olhe ali!
O que ele viu?
Os dois tinham descido por uma rua de terra, que ia dar atrás de umas casas do bairro. Ali, na frente de um baracão fechado, estavam dois homens, e um deles perecia seu Lopez.
Bem de mansinho, Espeto e Marcelo foram chegando mais perto. Não havia dúvida de que aquele homem era seu Lopez. Ele tinha um modo enérgico de falar com o outro. Mas o barulho do trânsito da rua ao lado era tão grande, que os meninos não conseguiram entender nada.
-- Então, quem é o Lopes que está na pousada? - disse Marcelo, cismado.
-- Alguma coisa está errada! - afirmou Espeto. -- Eu queria mesmo era ir até a pousada e olhar a cara daquele Lopez.
Os dois resolveram, afinal, esperar até a noite. Continuaram andando pela beira do rio. Em suas margens, cresciam árvores imensas. Nos galhos, crianças tinham construído umas casinhas, mas os meninos nem fizeram caso delas. Só pensavam no misterioso seu Lopez.
Na volta, os meninos viram que os homens não estavam mais na frente do barracão.
A porta estava ligeiramente aberta. Marcelo cutucou Espeto:
-- Estou vendo lá dentro um carro importado antigo. Vou chegar perto e verificar.
Ele foi até o barracão sem fazer barulho. O carro era um jaguar verde.
Pelo visto, estava sendo consertado, pois era escorado atrás e faltava a roda dianteira do lado direito. Na certa, são vigaristas, pensou Marcelo.
Como Marcelo podia saber isso?
Estavam espalhadas pelo barracão diversas placas de carro. De repente, ouviram-se vozes; os homens vinham saindo da casa. Marcelo voltou correndo para junto de Espeto, e os dois se agacharam atrás de uma cerca. Junto com os companheiros, seu Lopez entrou no barracão. Ele abriu o capô do carro e explicou alguma coisa aos outros. Depois, saiu e olhou em volta. Os meninos, atrás da cerca, ficaram bem encolhidos.
Seu Lopez voltou ao barracão e, com um tranco, fechou a porta.
Os meninos ainda esperaram um pouco em seu esconderijo. Depois saíram de mansinho.
-- Que será que eles estão tramando? - disse Marcelo.
-- Temos de vigiá-los todos os dias! - concluiu Espeto. E, olhando seu relógio, exclamou:
-- Vamos depressa! Já é meio-dia! Dona Laura deve estar esperando por nós.
Uma travessa fumegante, cheia de sonhos de ameixa, já estava em cima da mesa quando os meninos chegaram. Dona Laura ainda pôs ali o açucareiro, dizendo:
-- Para meus dois gulosos!
Desejando bom apetite um ao outro, os amigos atiraram-se aos sonhos. Em pouco tempo, a travessa ficou vazia. Marcelo comeu nove, e Espeto dez.
-- Quem quer mais? - perguntou a doceira.
-- Eu já estou mais que satisfeito! - disse Espeto.
-- Eu também! - acrescentou Marcelo.
Os dois, então, ficaram ainda conversando com dona Laura. Falaram de seu passeio e do fantástico carro esporte que viram.
- Quem mora na casa que tem um grande barracão de madeira do lado? - perguntou Espeto.
-- Se é a última casa da rua da Mata - respondeu dona Laura, tentando lembrar-se -, foi vendida há pouco tempo.
-- E quem é o novo dono? - Espeto ainda perguntou.
Dona Laura tentou de novo se lembrar:
-- Ele tem um nome ... parecido com ... morcego. Eu tomei nota neste cartão.
Ela se levantou, pegou um cartão de dentro do armário das louças e mostrou aos meninos.
O que estava escrito no cartão?
-- Ma-ce-do! - soletrou Marcelo.
Golias, debaixo da mesa, começou a ficar impaciente.
-- Que foi, Golias? - e Marcelo fez um carinho nele.
-- Acho que ele está com fome - disse dona Laura.
-- Nossa! Era para ele comer às onze e meia! - lembrou Marcelo, e os três saíram mais que depressa.
Em casa, enquanto Golias devorava sua ração, os meninos estudaram a lista de serviços deixada pela tia: esvaziar a caixa de correspondência e pôr a lata de lixo do lado de fora do portão - isso era para ser feito naquele dia. E, assim, eles carregaram a lata até a rua e olharam dentro da caixa de correspondência. Havia um folheto de propaganda e uma carta de um movimento ecológico.
-- Sua tia se interessa pela preservação da ecologia? Acho isso fantástico! - disse Espeto.
-- Também acho! - concordou Marcelo. -- E ela ainda seleciona o lixo para ser reciclado e ajuda a Sociedade Protetora dos Animais. Até plantou arbustos nativos para os passarinhos, adubando a terra com estrume natural.
Depois que os meninos apreciaram o jardim, subiram para seu quarto. Ficava logo abaixo do telhado. A tia chamava esse quarto de sótão. Golias subiu junto.
Golias ia dormir no tapete vermelho, que ficava entre as duas camas. Enquanto Marcelo abria a janela, Espeto foi buscar a bagagem, que ainda estava lá embaixo. Em seguida, eles desfizeram as malas e guardaram todas as coisas no armário. Marcelo tinha trazido seu jogo predileto; "O Labirinto Maluco". Os dois ficaram jogando, deitados na cama. De vez em quando olhavam para o relógio. Estavam esperando dar sete horas, que era quando Clarinha chegava em casa.
Às sete horas em ponto, os dois amigos estavam na cabine telefônica... sem Golias, mas com papel e lápis.
Dez minutos depois, quando tornaram a entrar em casa, o papel estava cheio de anotações. Eles se sentaram à mesa da cozinha, e Espeto foi lendo em voz alta:
-- "Seu Lopez ficou o dia inteiro no quarto. Ele é alto e forte. É careca. Está no quarto número 5, no primeiro andar. Pagou adiantado até terça-feira. Sua bagagem é uma mala pequena. Ele fuma. Fala pouco".
-- Acho bom você ir até a pousada - propôs Marcelo. -- Você não levanta suspeita, conhece a casa e pode vigiar o homem, pois sabe-se lá o que ainda vai acontecer esta noite!
Dito e feito. Começava a escurecer Espeto desceu do ônibus. Ele ia virar a esquina e entrar na rua Dom Pedro II quando viu uma coisa que o deixou muito espantado.
O que Espeto viu?
Entre os carros estacionados havia um jaguar verde. Igualzinho ao que eles tinham visto de manhã. Correu então para a pousada e lá encontrou sua mãe. "Ela vai perguntar o que eu vim fazer aqui" - foi o que lhe veio à cabeça.
-- Andrezinho! O que você veio fazer aqui? - exclamou dona Regina.
-- Eu? Eu... eu queria ajudar Clarinha a arrumar os quartos de manhã - mentiu Espeto. -- Posso dormir aqui esta noite?
-- Ué! - disse a mãe, espantada. -- Você não está com seu amigo, tomando conta da casa da tia dele? Foi isso que sua avó me disse!
Por sorte, nesse momento chegaram dois novos hóspedes:
-- Maria e Daniel Botari, da Itália! - apresentaram-se.
-- Buona sera! - cumprimentou dona Regina.
Para o casal de italianos, ela havia reservado o quarto número 4.
-- Camera quattro! Andrezinho, acompanhe-os até lá em cima - disse a mão de Espeto.
-- O garoto viu logo que podia ficar. Carregou as malas dos hóspedes e mostrou-lhes o quarto. Depois, ficou escutando um pouco na porta número 5, mas não ouviu nada. Ao descer a escada, sua mãe perguntou:
-- Está com fome?
Espeto respondeu que sim, e ela foi até a cozinha. Como a cozinha era muito pequena, Espeto ficou esperando na porta.
-- Vou fazer um sanduíche para você - disse dona Regina.
-- Ah, tá legal! - respondeu Espeto. -- Enquanto isso, eu fico na Recepção!
-- Tudo bem! Logo fica pronto seu jantar, meu senhor! - brincou sua mãe.
De repente, quando Espeto já estava atrás do balcão, entrou no saguão um homem cabeçudo e careca.
-- Boa noite! - disse ele, e foi andando depressa em direção a escada.
-- Deseja alguma coisa? - perguntou o garoto, amavelmente.
O homem seguiu reto e nem se voltou. Só disse:
-- Quarto 5!
-- É Lopez! - exclamou a mãe lá da cozinha, de onde ouvira tudo.
Então era ele! E tinha um ar suspeito, pensou Espeto.
Dona Regina trouxe o jantar. Os dois se sentaram junto à mesinha do escritório e, assim que começaram a comer, chegou mais alguém. A mãe foi atender aa recepção.
Espeto viu a chave da gaveta da escrivaninha e abriu-a. Era ali que ficavam guardados os documentos de identidade dos hóspedes. Ele já ia procurar o documento de seu Lopez quando a mãe disse-lhe da Recepção:
-- Andrezinho, vou mostrar a uma senhora o quarto que fica no sótão e já volto.
Espeto concordou e logo depois começou a remexer na gaveta. Lá estava o passaporte de seu Lopez, que ele examinou página por página.
-- Ahá! Está falsificado! - concluiu ele.
Como foi que Espeto descobriu a falsificação?
Alguém vinha descendo a escada. Espeto enfiou logo o passaporte na gaveta. A pessoa passou direto e saiu escancarando a porta. Espeto olhou para fora do escritório e viu que era o seu Lopez. Disfarçadamente foi atrás dele.
Seu Lopez virou a esquina na rua Março e se dirigiu ao Café Bom Papo. As janelas do Café eram tão grandes que Espeto, do outro lado da rua, podia ver tudo lá dentro.
-- Mas isso não é possível! - exclamou.
O que espantou Espeto?
No Café, ao lado da escada, estava sentado o outro Lopez. Antes de Espeto voltar correndo para a pensão, ainda viu os dois se cumprimentarem.
Quando ele entrou, sua mãe já estava na Recepção.
-- Você não pode sair correndo desse jeito e deixar a Recepção sem ninguém - ralhou ela.
Espeto começou a explicar:
-- Eu ... eu estava no escritório. Aí, alguém abriu a porta. Fui ver e... nada ... ninguém!
Corri até a rua e dei com seu Lopez e...
-- Ah, o Lopez - interrompeu sua mãe. -- Ele é um pouco estranho.
Mãe e filho terminaram o jantar e, lá pelas dez horas, dona Regina mandou Espeto ir dormir. Ele não queria ir, pois o Lopez ainda não tinha voltado, mas a mãe exigiu que ele obedecesse. Prometeu acordá-lo às sete horas, e ele então subiu para o quarto.
Espeto não conseguia dormir. Os dois Lopez não lhe saiam da cabeça. E ainda por cima o passaporte falso! Pelo carimbo, ele logo viu que o retrato tinha sido colado depois.
A lua brilhava pela janela aberta; só se ouviam ao longe os ruídos da grande cidade. Lá pela meia-noite, Espeto afinal pegou no sono.
Alguém bateu na porta. Espeto acordou sobressaltado. "Onde estou?" - pensou ele.
-- Andrezinho!
Era sua mãe. E aí ele se lembrou que estava na pousada!
-- Vim acordar você para me despedir - disse dna Regina, abrindo a porta. Vou ficar fora dois dias num congresso de hoteleiros. Por tanto se cuide e até a volta! - ela passou a mão carinhosamente em seu cabelo, deu-lhe um beijo no rosto e saiu.
Espeto fechou a porta e se sentou na cama. Era ótimo que sua mãe fosse viajar. Assim, ele podia dedicar-se pra valer a seu trabalho de detetive.
Exatamente naquela hora, Marcelo estava acabando de regar as plantas de sua tia. Já havia tomado o café da manhã, pois tinha sido acordado às seis horas por Golias. Pela janela da cozinha, ele estava olhando para o portão, mas Espeto não chegava. Por volta das dez, quando ele saiu com Golias, telefonou para a Pousada Arnoldo. Seu Hélio atendeu e deu o recado:
-- André mandou dizer que está tudo em ordem. Ele liga para você por volta de meio-dia.
O dia na pousada começou normalmente, Seu Lopez desceu mais ou menos às oito horas para o café da manhã. Quinze minutos depois, meteu-se de novo no quarto. Clarinha contou que, quando ele saia, sempre trancava o quarto e levava a chave.
-- E mais uma coisa esquisita: ele nunca deixa as cortinas abertas! - completou Clarinha.
Espeto correu até a rua. Era verdade! No primeiro andar, uma das janelas estava com as cortinas fechadas. Justamente a janela do quarto número 5.
No escritório de sua mãe, Espeto descobriu que ainda estava lá o papelzinho com a anotação: Senhor Lopez, 22-2671!
Mas, nas costas do papelzinho, havia mais outra anotação.
Que anotação era essa?
USÓU MACEITAS
IQUARTOL
OCOMA
AVISTAR
APARAS
NAS URUAS
Corte a primeira e a última letra de cada palavra para descobrir o que está escrito no papel.
"Só aceita quarto com vista para a rua!", leu Espeto.
Na pousada Arnoldo, dona Teresa era a responsável por tudo o que dizia respeito ao café da manhã. Bem cedo, ela ia buscar pãezinhos quentes, fazia café e chá, punha a mesa e mais tarde lavava a louça. Depois de tudo pronto, ela ia limpar os quartos.
Nesse dia, ela teve a ajuda de Espeto. Eles fizeram as camas, limparam os banheiros e esvaziaram as cestas de papéis. No quarto número 5, eles apenas deixaram uma toalha de rosto pendurada na porta.
-- Não temos que limpar este quarto? - perguntou Espeto.
-- Não! - respondeu dona Teresa. -- Para este senhor só é preciso trocar a toalha. Ele mesmo arruma o quarto. Para mim é ótimo; tenho menos trabalho.
Depois, Espeto varreu os corredores, demorando-se bastante no primeiro andar, perto do quarto 5. Em seguida, esfregou bem o grande espelho entre os quartos 5 e 6. Também esvaziou o cinzeiro que ficava num grande nicho da parede, em frente à porta de seu Lopez. Nesse momento, Clarinha veio subindo a escada.
-- Seu Lopez! - ela chamou. - Um telefonema urgente para o senhor! - e ela bateu na porta do quarto.
-- Já vai! - era a voz de seu Lopez. - Avise lá embaixo que eu já vou atender!
Clarinha desceu. Espeto ficou ali, colado no nicho. Uma chave girou na fechadura, e a porta se abriu. Lopes saiu correndo para atender o telefone, batendo a porta. Como um raio, Espeto se aproximou e cuidadosamente baixou o trinco. A porta se abriu, e ele olhou para dentro.
-- Ah! É para isso que ele precisa do quarto! - concluiu.
O que fazia seu Lopez?
O binóculo, que estava no chão, junto da cortina fechada, revelou que Lopez vigiava a rua.
Sem fazer barulho, Espeto fechou a porta e se meteu de novo no nicho. Foi bem na hora, pois Lopez já vinha subindo a escada. Ele entrou no quarto e trancou a porta.
Quando Espeto desceu, Clarinha estava explicando alguma coisa para um hóspede, diante do grande mapa da cidade pendurado na parede. Ele entrou no escritório, foi até a janela e olhou para a rua. O que será que o seu Lopez vigiava nela? Clarinha bateu na porta e entrou.
-- Seu amigo já ligou para cá hoje. O vovô lhe disse que você ia se comunicar com ele ao meio-dia.
Espeto ficou pensando um pouco, depois perguntou:
-- Quem telefonou para seu Lopez agora mesmo?
-- Era uma voz de homem - respondeu Clarinha --, só que não disse o nome.
-- E o que foi que seu Lopez disse? - insistiu ele.
-- Só disse que a coisa não ia demorar muito tempo mais e que ele ligaria em seguida.
Espeto virou-se de novo para a janela. Enquanto olhava para fora, contou a Clarinha o que ele tinha visto no quarto de seu Lopez.
A banca de jornais do outro lado da rua já tinha fechado. Era meio-dia. Hora do almoço. Os dois ainda ficaram parados um pouco na janela. Depois, Espeto sentou-se diante da escrivaninha e discou o número do telefone de dona Laura, para falar com Marcelo.
Nisso, entraram na pousada sete chineses. Seu Hélio apareceu na porta do escritório e disse:
-- Clarinha! Por favor, venha cá. Estes senhores querem ir ao Hotel Mercúrio. Você pode mostrar a eles o caminho?
Enquanto isso, Espeto, no telefone, contava a seu amigo os acontecimentos da manhã. E os dois concordaram que era melhor Espeto ficar na pousada, já que sua mãe não estava lá. Ele então se despediu
-- Tchau, Marcelo! E um abraço para dona Laura!
Logo depois do almoço, seu Hélio mandou que Clarinha e Espeto fossem comprar os ingredientes para um bom prato com ovos.
-- Gente jovem precisa comer uma vez por dia um alimento forte! - era o seu lema.
Na esquina com a rua da Cruz, havia uma quitanda onde Clarinha sempre fazia as compras. Os dois foram correndo, para voltar depressa. Quando vinham voltando, com a sacola de compras cheia, Clarinha perguntou:
-- Você não reparou em nada?
O que Clarinha quis dizer com isso?
-- Reparei, sim - disse Espeto. -- A cortina de seu Lopes não está mais fechada!
Quando os dois chegaram na porta da pousada, seu Lopez já ia saindo, carregando sua maleta de mão. Fez sinal para um táxi e subiu nele. O carro saiu na disparada. Clarinha e Espeto olharam para trás, espantadíssimos.
Eles entraram na pousada com as compras.
-- Seu Lopez já foi embora...? - perguntou Clarinha.
Mas seu avô não estava na Recepção. Podia-se ouvi-lo conversando na cozinha.
-- Seu Lopez foi embora, sim! - afirmou Espeto de repente.
Como é que ele soube disso na hora?
No quadro de chaves, estava pendurada a chave do quarto número 5.
Com ela na mão, os dois voaram ao primeiro andar. Eles revistaram o quarto e encontraram um bocado de lixo: garrafas e latas de cerveja vazias, maços de cigarro também vazios e uma porção de bitucas de cigarro. Fora isso, não descobriram nada.
No sábado, uma senhora idosa ocupou o quarto 5. Dona Rosália Machado. Sua irmã, dona Amélia, ficou no quarto número 4.
Espeto continuava esperando que acontecesse alguma coisa. Mas esperou em vão. À tarde, resolveu voltar para o Bairro dos Poetas. Seu Hélio ainda lhe pediu que viesse substituí-lo na segunda-feira de manhã, das dez ao meio-dia, pois ele precisava ir ao dentista. Espeto então se despediu e foi para a rua Mário Quintana.
À noite, no sótão, a luz ficou acesa por muito tempo; os dois amigos discutiam os acontecimentos do dia. No domingo, eles telefonaram duas vezes para Clarinha. Mas, além da notícia de que dona Regina tinha voltado do Congresso de hoteleiros, não havia novidades. Os meninos levaram Golias para passear até o barracão; ali, também, nada de novo. No almoço, dona Laura lhes serviu pudim e ameixa em calda.
-- Isso foi o melhor de todo o domingo! - afirmou Espeto, antes de irem para a cama.
A segunda-feira começou quente e ensolarada. Depois do café da manhã, eles regaram o gramado. Em seguida, Marcelo e Golias foram acompanhar Espeto até o ponto de ônibus.
-- No máximo às duas estou de volta! - disse ele, enquanto subia no ônibus da linha 31.
O trânsito na manhã de segunda-feira estava pior do que nunca. Espeto levou mais de uma hora para ir até a Pousada Arnoldo. Ao descer do ônibus, saiu correndo para não se atrasar. Chegou às dez horas em ponto. Nem reparou no carro de polícia parado ali em frente.
Clarinha tinha ido à banca comprar umas revistas para dona Rosália e dona Amélia. Seu Hélio, dona Regina e os italianos estavam na Recepção. Eles cumprimentaram Espeto. Dona Regina, então, conduziu o casal ao escritório, e seu Hélio foi ao dentista. Dona Teresa saiu da cozinha e, ao subir a escada, dirigiu-se a Espeto:
-- Oi, andré!
Espeto sentou-se na cadeira, atrás do balcão da Recepção, e folheou o livro com os nomes dos hóspedes:
Sebastião Paiva, até dia 2 de fevereiro, quarto 11; Magda de Oliva, até 30 de janeiro, quarto 14; Nicolau Pires ...
Nisso, Clarinha entrou com as revistas e com uma notícia de causar espanto.
Qual foi a notícia dada por Clarinha?
Comece pela segunda letra e pule sempre a seguinte.
PATRIRCOEMABRAURDAUM
NAS
JIOTABLEHGEPROIVA
-- Arrombaram a joalheria! - disse ela, afobadamente.
O primeiro pensamento de Espeto foi: Lopez!
-- Quando foi? - perguntou ele.
-- Isso eu não sei - respondeu Clarinha. - Só ouvi dizer que roubaram as pérolas...
Dois policiais entraram na pousada, querendo falar com o dono. Espeto levou-os até sua mãe. Eles pediram uma lista com os nomes de todas as pessoas que estavam ali entre sábado à tarde e segunda-feira de manhã. Fizeram ainda algumas perguntas a dona Regina e foram embora com a lista dos nomes.
Por volta do meio-dia, seu Hëlio chegou e, com ele, o joalheiro, seu Franz. Era sua loja do outro lado da rua que tinha sido assaltada no fim de semana. Seu Franz Werner, que dona Regina conhecia bem, ainda estava bastante nervoso. Ela, então, ofereceu-lhe um cálice de conhaque, dizendo:
-- Beba um pouquinho, Franz. Isso acalma!
Ele tomou um gole pequeno, depois tomou mais outro. Seu Franz sentou-se na velha cadeira do escritório, cercado por dona Regina, Espeto e Clarinha. Aos poucos, ele começou a contar.
-- Foi roubo de profissionais. Eles só levaram minha coleção mais valiosa. Além disso, as fechaduras foram arrombadas por quem sabe fazer isso; as da porta de entrada e as do cofre quase não foram danificadas! - e ele tomou mais um gole.
-- Os ladrões estavam bem informados - afirmou Espeto.
Seu Franz concordou com a cabeça.
-- Você desconfia de alguém? - perguntou dona Regina.
Seu Franz novamente concordou com a cabeça.
-- Desconfio, sim! - foi só o que ele disse, e tomou mais um gole.
Quem é, ou quem são os suspeitos?
Em cada jóia há uma palavra dita por seu Franz.
-- A senhora que encomendou a jóia! - disse o joalheiro.
-- Ela ficou de vir à joalheria hoje às nove horas, para comprar o colar, mas não apareceu. Normalmente, eu não deixo peças tão valiosas na loja. Mas, como às segundas-feiras nossa loja central só faz entrega às dez horas, na sexta eu já tive de encomendar as jóias e elas passaram o fim de semana guardadas no meu pequeno cofre de parede.
-- Como era essa mulher? - perguntou Clarinha.
-- Isso até parece um interrogatório da polícia! - disse seu Fraz, sorrindo, e repetiu: -- Como era essa mulher? Alta, cabelo preto, comprido; usava um vestido vermelho de bolinhas pretas e tinha uma voz fina, engraçada.
Ele tomou mais um gole de conhaque e continuou:
-- Já faz tempo que eu queria instalar um alarme novo...
E você não tem uma câmara de vigilância interna? - interrompeu dona Regina.
-- Tenho! - concordou seu Franz. -- Mas também foi inutilizada! A objetiva, que focalizava o cofre, foi virada para a rua.
-- E com isso - disse seu Franz, com uma risadinha - sabemos a hora exata do crime; o relógio da joalheria saiu revelado no filme. Os ponteiros marcavam dez para as seis. Só não sabemos se eram seis da manhã ou da tarde; se foi sábado ou segunda.
Espeto olhou para o relógio: quase uma hora! Ele precisava ligar depressa para Marcelo. Enquanto discava o número de dona Laura, ficou pensando. Será que devia contar à polícia o que havia observado? Mas... e se o Lopes não tivesse nada a ver com o caso? Sua mãe não ia gostar nem um pouco de ter tido um hóspede como suspeito.
Dona Laura atendeu. Marcelo já havia saído.
-- Tudo bem. Eu digo ao Marcelo que você vem mais tarde.
Espeto agradeceu e desligou.
-- André! É esta a encomenda de dona Rosália? - perguntou seu Hélio, mostrando as três revistas que Clarinha tinha comprado.
-- É sim! - respondei Espeto.
-- Então, por favor, leve-a ao quarto 5; dona Rosália com certeza já está esperando.
-- Entre! - disse a velha senhora, quando Espeto bateu na porta. -- Ah, são as revistas! Que bom! Muito obrigada, meu jovem! - exclamou ela quando Espeto entrou.
Ao vê-la deitada, Espeto entregou-lhe as revistas e disse:
-- Será que posso dar uma olhadinha pela sua janela?
-- É claro que sim! Vá olhar, meu jovem.
Espeto afastou a cortina. Depois, olhou para a casa do outro lado da rua.
O que ele viu?
Pense um pouco e depois vire a página.
Ele viu a joalheria de seu Franz Werner.
-- Eu queria ainda lhe pedir um grande favor, meu jovem! - disse dona Rosália. -- Seria possível me arranjar um outro quarto? Este é muito barulhento! Domingo de manhã tive até que me levantar e fechar a janela.
-- O barulho da rua incomodou a senhora? - indagou Espeto.
-- E muito! - respondeu ela, indignada. -- Um carro parou ali defronte, e deixaram o motor ligado!
E a velha senhora foi até a janela e apontou para a joalheria.
-- A que horas foi isso? - perguntou Espeto.
-- Domingo, às quinze para as seis! - explicou ela.
-- E a senhora viu bem o carro? - perguntou Espeto ainda.
-- Vi, sim! - ela afirmou.
-- E era um carro esporte verde! - exclamou o garoto, crente de que estava certo.
Qual foi a resposta d dona Rosália Machado?
Os nomes estão em código. Algumas letras foram substituídas e outras cortadas.
-- Não! Era um carro vermelho! - respondeu dona Rosália.
Com essa resposta Espeto não contava. Ele ficou despontado. Saiu do quarto, desceu a escada e nem ouviu o que a velha senhora ainda dizia:
-- Vou conseguir um outro quarto ou não?
Ele queria ficar sozinho. Arrastou-se até a copa e deixou-se cair na primeira cadeira. A copa estava escura. Para refrescar, dona Teresa tinha fechado as venezianas. Espeto deitou a cabeça na mesa e chorou. Chorou bem baixinho. As lágrimas escorriam pelo seu rosto. Ele desabafou, assim, toda a sua frustração. Já se considerava um grande detetive, e agora estava tudo perdido. "Não quero mais saber de nada", pensou. Podem ir todos pro espaço, esses sabichões! Vou voltar para a casa da tia do Marcelo. É isso! Vou agora mesmo. E ele enxugou as lágrimas e se sentiu melhor.
Um pouco de luz entrou então no escuro da copa. Ele olhou para trás. Clarinha estava na porta e disse em voz baixa:
-- Seu amigo está no telefone...
-- Diga que eu ... já estou indo para lá - gaguejou Espeto.
Sem perguntar nada, Clarinha fechou a porta devagar. Logo depois, Espeto saiu da pousada, dirigindo-se a Clarinha:
-- À noite eu ligo pra você.
A caminho do Bairro dos Poetas, Espeto estava quase decidido a esquecer toda aquela confusão em torno de seu Lopez e do roubo das pérolas. Já estava até contente de pensar no almoço em casa de dona Laura.
Ao abrir o portão do jardim, Golias veio correndo na maior animação. Pulou tão alto para agradar Espeto que o jogou no chão. Marcelo, então, apareceu na porta:
O que está acontecendo ai? E quais são as novidades sobre seu Lopes e o assalto?
-- Venha - respondeu Espeto -, vamos para o nosso quarto, que eu conto tudo.
Lá, deitado na cama, Espeto contou tudo o que havia acontecido aquele dia.
Só não contou que havia chorado. Para terminar, ainda disse:
-- O melhor que temos a fazer é esquecer tudo.
E os dois ficaram pensando, deitados em suas camas. Mas Golias veio logo perturbar aquele sossego.
-- Já sei - disse Marcelo --, você quer dar uma volta.
Marcelo alisou o pêlo do cachorro e perguntou a Espeto:
-- Você vem conosco?
-- Não - respondeu Espeto. -- Acho que prefiro ficar aqui.
-- Então, tudo bem! Vamos, Golias!
Nem dez minutos depois, os dois voltaram. Ofegante, Marcelo entrou no quarto como um furacão.
-- Você... nem faz idéia! - exclamou ele.
O que Marcelo contou fez com que Espeto esquecesse sua última decisão.
Qual a novidade que Marcelo trouxe?
Os nomes estão em código. Algumas letras foram substituídas e outras cortadas.
-- O caro foi pintado de vermelho! - disse Marcelo. -- Fui até o barracão, e estava lá um jaguar vermelho. Ainda havia vestígios de tinta por toda a parte.
-- Oba! Que maravilha! - exclamou Espeto, feliz da vida.
E os garotos pularam e dançaram pelo quarto.
Naquele dia, eles telefonaram duas vezes. Primeiro, para a polícia, depois para Clarinha.
Na quarta-feira, o jornal local publicou extensa notícia: "Roubo de jóias esclarecido!", saiu em letras bem grandes na primeira página. Depois, lia-se: "Usando nomes falsos, os irmãos Raul e Ernesto César, conhecidos assaltantes, planejaram o roubo. Vestido de mulher, Raul encomendou ao joalheiro um valioso colar de pérolas. Sob o nome de Lopez, ele alugou um quarto numa pousada, de onde ficou observando a chegada das pérolas à joalheria. Para os irmãos, foi fácil arrombar o cofre da loja. A polícia agradece a três jovens detetives o esclarecimento rápido do caso. Por suas indicações é que os autores do roubo foram presos e a jóia devolvida ao dono..."
A notícia terminava com a foto de Clarinha, Marcelo e Espeto.
Nos dias seguintes, vieram muitas visitas à rua Mário Quintana. Veio até seu Franz Werner, que deu de presente aos três detetives bem-sucedidos relógios de pulso muito legais!
Friedrich Scheck
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