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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O IMPERADOR DE NOVA IORQUE / W. W. Shols
O IMPERADOR DE NOVA IORQUE / W. W. Shols

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

O IMPERADOR DE NOVA IORQUE

 

A Terceira Potência, dirigida por Perry Rhodan — uma feliz combinação da energia humana com a supertecnologia arcônida — pode apresentar, nos seus anos de existência, uma história muito movimentada, cheia de dramáticos altos e baixos.

Mas os acontecimentos mais recentes dão a impressão de que, ao se encontrar com os saltadores ou mercadores galácticos, Perry Rhodan passou a se defrontar com um poder que tem a intenção e a capacidade de destruir a Terra para eliminar um possível concorrente no comércio interestelar.

Há oito mil anos os saltadores detêm o monopólio do comércio galático, isso porque sempre reprimiram no nascedouro qualquer concorrência que se esboçasse.

A Terra e a Solar System, dois cruzadores espaciais da Terceira Potência, juntamente com o grupo de Julian Tifflor, que se encontra no planeta de gelo, dão muito trabalho aos saltadores no sistema de Beta-Albíreo, impedindo-os de se lançarem a um ataque direto contra a Terra. Acontece que os saltadores já dispõem de uma quinta-coluna em nosso planeta, composta de inúmeros agentes que procuram conquistar as bases da Terceira Potência.

O Imperador de Nova Iorque é um desses perigosos agentes...

 

                                           

 

Uma transição no hiperespaço.

Provinham da quinta dimensão, onde eram apenas energia e estavam reduzidos a uma amostra fiel de sua verdadeira identidade.

Cada vez que ocorria o fenômeno repetiam-se as mesmas dores físicas. A rotina não alterava nada nesse quadro. Cada transição trazia seu choque.

As juntas repuxavam e, depois que o espaço normal havia recuperado o corpo, os olhos precisavam se adaptar ao mesmo.

Figuras coloridas e saltitantes surgiam de um estranho crepúsculo. Custavam a desaparecer. Pedaço por pedaço, os olhos voltavam a abranger a visão da realidade. Quando isso aconteceu, Rhodan se deparou com o sorriso largo de Bell, que não parecia muito convincente.

Reginald Bell não teve o menor constrangimento em praguejar em altas vozes e esfregar a nuca. Pouco lhe importava que todo o pessoal reunido na sala de comando da Stardust-III o visse naquela oportunidade. Tinha certeza de que cada um deles estava ocupado em primeira linha com seus problemas. Ninguém escapava à dor e ao choque.

— Graças a Deus! Estamos em casa!

Estas palavras só poderiam ter saído da boca de alguém que há muito tempo vivia as concepções cósmicas. Afinal, ainda se encontravam muito além da órbita de Plutão, a cerca de oitenta unidades astronômicas do planeta Terra.

Mas, se considerarmos que o salto espacial os transportara num instante por uma distância de trezentos e vinte anos-luz...

Subitamente um forte zumbido se fez ouvir em meio a essas reflexões ociosas. Pareciam cem transformadores avariados ao mesmo tempo. De um instante para outro, todos se esqueceram das dores nas juntas. Uma sereia de alarma não teria causado maior agitação.

Perry Rhodan sentiu o beliscão que Bell deu em seu braço.

— Está vendo? Um belo dia esses saltos teriam que causar algum problema. Nem quero ver quando a tela de proa esquentar.

Reginald Bell não foi o único que sentiu arrepios de susto. Qualquer ruído, por mais familiar que seja, deixa de ser inofensivo quando se verifica uma coincidência temporal entre ele e o retorno do hiperespaço. Apesar da segurança proporcionada pela tecnologia arcônida altamente desenvolvida, o homem desconfiava por instinto.

Desta vez Rhodan sorriu. Em sua mente o instante de pavor foi mais curto.

— A tela já está quente. Não sei por que todo esse nervosismo.

Os instrumentos na sala de comando já tinham voltado a funcionar. Na lâmina translúcida via-se a constelação familiar do sistema solar. Os dispositivos automáticos haviam mandado para o espaço os raios dos rastreadores e dos aparelhos de radar. Antenas complicadas captavam os impulsos identificáveis no espectro eletromagnético e, depois de transformá-los em símbolos inteligíveis, conduziam-nos para o quadro que se encontrava diante do primeiro-piloto.

Não havia a menor dúvida: a transição fora coroada de êxito. Estavam em casa. Apesar disso, o sorriso de Rhodan só durou poucos segundos.

O ruído fora causado pelas instalações superpotentes do aparelho de intercomunicação instalado na nave, cujos impulsos de captação conseguiam absorver, num décimo de segundo, uma mensagem de um metro de comprimento. O aparelho de decifração acoplado ao mesmo fez com que poucos segundos depois o texto decodificado se encontrasse diante dos olhos de Rhodan.

— Cruzador Terra para Stardust-III! Cruzador Terra para Stardust-III! Segundo informações colhidas pela equipe de Tifflor, os agentes que o inimigo colocou na Terra são robôs arcônidas. É de recear que se trata de robôs que sejam de nossa propriedade e se encontrem a serviço da Terceira Potência. As pesquisas realizadas levam à conclusão de que, em alguns casos, certos especialistas dos mercadores conseguiram chegar à Terra sem serem reconhecidos e modificaram a programação dos robôs segundo suas conveniências. Existe um perigo grave para a Terra. Cruzador Terra para a Stardust-III! Cruzador Terra para a Stardust-III!

Com um clique, a reprodução em fita foi interrompida. Por alguns segundos, um silêncio total tomou conta da ampla sala de comando desse gigante do espaço, cujo diâmetro atingia oitocentos metros.

— Vejo que a missão secreta do cadete Tifflor não foi em vão — constatou Rhodan laconicamente. Até parecia que as informações que acabara de receber não o preocupavam, mas lhe causavam alegria por demonstrarem que seus planos foram corretos. Bell, porém, não sentiu a menor disposição de se mostrar exultante com uma notícia tão desalentadora.

— Esse menino, o Tifflor, ainda o levará a um convento, onde você poderá meditar em paz — esbravejou o homem de olhos cor de água. — Até parece que você ainda não compreendeu todo o significado da mensagem que acabamos de receber. Permita que eu a interprete no sentido de que o inferno está às soltas na Terra. Este é o primeiro ponto. E o segundo ponto é o seguinte: temos que deixar Vênus de lado e nos dirigir diretamente à Terra.

— Ainda dispomos de três minutos para resolver isso, Bell — disse Rhodan em tom indiferente e sem a menor ironia. — Na posição em que nos encontramos, a mudança de rota não será superior a um segundo do arco graduado. O que importa no momento é acelerarmos a nave ao máximo...

Enquanto falava, Rhodan transmitiu as instruções necessárias através de seu painel de controle. Poucos segundos depois, a Stardust-III, impelida por forças titânicas, disparou para a frente. A nave parecia adquirir vida. O uivo dos geradores de propulsão rivalizava com o barulho dos mecanismos de absorção da força gravitacional, forçados até o máximo de sua capacidade.

Esses fatos não afetaram o bem-estar dos tripulantes. O que parecia se mover era o universo, não a nave. A sala de comando parecia um pólo imóvel plantado no centro do espaço cósmico.

Rhodan se reclinou no assento do piloto.

— Agora precisamos de paciência. De doze horas de paciência, que será o tempo que levaremos para pousar no planeta Terra.

Era a ironia das leis naturais.

Um salto espacial de trezentos e vinte anos-luz podia ser comprimido num tempo objetivo de poucos minutos. Mas num vôo normal a uma velocidade próxima à da luz — a que tinha de recorrer no âmbito de sistemas solares habitados, por motivos de segurança — um pulo de gato de pouco mais de dez bilhões de quilômetros demorava meio dia.

Paciência!

 

A situação da Terra entrara num estágio novo, bastante crítico.

Depois de longos anos, Rhodan pretendia cumprir a promessa de levar Thora e Crest, os arcônidas, ao seu mundo natal. Por outro lado, achava que a criação de um governo universal para o planeta Terra representava um problema urgente. Mas uma série de acontecimentos misteriosos vieram perturbar a realização desses projetos.

Dois destróieres de três tripulantes da Terceira Potência não regressaram de um vôo de reconhecimento. Mais ou menos ao mesmo tempo, desapareceu uma nave auxiliar, da classe dos chamados girinos. Tudo isso aconteceu numa época de paz, na qual não se percebia o menor sinal de que houvesse o perigo de uma invasão extraterrena. Como se isso não bastasse, as naves de patrulhamento da Terceira Potência, alertadas por esses fatos, constataram que pouco depois algumas naves desconhecidas pousaram em Vênus e logo voltaram a decolar. Certas perturbações na estrutura espaço-temporal permitiram a medição de transições que só poderiam ter sido originadas por hipersaltos executados por unidades espaciais desconhecidas. O maior cérebro positrônico do sistema solar, instalado na selva do hemisfério norte do planeta Vênus, com base em fatores de probabilidade bem fundados, concluiu que um poder desconhecido vindo das profundezas do espaço descobrira a posição da Terra, mas recuava diante de um conflito aberto.

Constatada essa situação, Rhodan colocou em estado de alarma seu Exército de Mutantes e, numa missão extenuante, tangera seus membros para todos os cantos do globo terrestre. Mas a missão não produziu o menor resultado. Seus colaboradores supersensoriais — parte deles eram telepatas — voltaram sem terem conseguido nada.

Em Terrânia, a metrópole da Terceira Potência, erguida em pleno deserto de Gobi, não se sabia o que fazer. Pelo que tudo indicava, certos acontecimentos misteriosos que se verificaram na Terra só podiam ser atribuídos a agentes vindos de fora. Mas ninguém conseguia localizar esses agentes. E, quando um mutante não conseguia encontrá-los, qualquer um haveria de confessar que não podia fazer mais nada.

Isso, todavia, não aconteceu com Perry Rhodan!

Ele inverteu as posições. “Se Maomé não vai à montanha, a montanha tem de ir a Maomé”, conjeturou. Agiu como se Julian Tifflor, um dos elementos mais promissores de seu corpo de cadetes, fosse um agente altamente secreto da Terceira Potência. Tifflor era a isca.

E os desconhecidos morderam a isca.

Apoderaram-se da nave espacial em que Tifflor viajava, a Good Hope-IX, comandada pelo major Deringhouse. Para isso, lançaram mão de um raio de tração. Depois desviaram o veículo espacial para o sistema que gravita em torno dos sóis geminados de Beta-Albíreo, situado a uma distância de trezentos e vinte anos-luz.

Imediatamente a Stardust-III, com dois girinos a bordo e acompanhada dos cruzadores Terra e Solar System seguiu o cadete. Mas Rhodan teve bastante inteligência para não superestimar o poderio de sua pequena frota. Não podia arriscar um ataque direto; teria que se manter a uma distância segura e sondar a situação.

As informações de Crest, o arcônida, confirmaram o acerto desse procedimento.

Descobriram que estavam lidando com uma raça legendária de mercadores galácticos, os saltadores. A posição do sistema de Beta-Albíreo constituía o indício mais seguro disso. Crest pôde explicar detalhadamente o que havia com essa raça.

Há oito mil anos da escala de tempo terrestre os saltadores haviam se separado do Grande Império arcônida, embora fossem descendentes dos arcônidas. Seu estilo de vida inconstante fez com que passassem a levar vida nômade. Com isso desenvolveram uma cultura e uma tecnologia autônoma. Enquanto o mundo de Árcon, que já fora tão forte, entrou num processo de degenerescência ininterrupta, os mercadores saíram pelas imensidões da galáxia, onde encontraram poder e riqueza. Embora não fossem de índole guerreira, não recuavam diante de qualquer meio para alcançar os objetivos a que se propunham. E um desses objetivos era a Terra.

 

Paciência!

Esse pedido de Rhodan representou uma dura provação para todos. Até para ele mesmo.

Faltavam doze horas para o pouso na Terra. O que não poderia acontecer nesse tempo?

Os agentes estranhos eram robôs que integravam suas próprias fileiras. Mas robôs com a programação modificada.

Na sala de comando não discutiam muito. Sempre que o chefe da Terceira Potência se encontrasse presente, guardava-se um respeito espontâneo, embora todos soubessem que Perry Rhodan era um homem acessível a qualquer idéia razoável.

Um homem que raras vezes guardava silêncio era o representante de Rhodan, Reginald Bell.

Bell encontrou a palavra adequada para desfazer o clima de tensão.

— Até parece que vocês estão sendo levados para a forca. O que importa que faltem algumas horas para o pouso? Ao menos conhecemos a situação. Afinal, os robôs enlouquecidos já estão andando há semanas pelas áreas que estão sob nosso controle. E, apesar do trabalho secreto que talvez já tenham feito, a Terra continua de pé. Quando estivermos na Terra, não demoraremos a dar um fim a isso. Acho que ainda vamos atrapalhar os cálculos dessa gente.

Bell se calou. Um ou outro dos circunstantes respondeu com um aceno de cabeça. Mas não chegou a se estabelecer a conversa que ele desejaria. Perry Rhodan transmitiu algumas ordens para os observadores e solicitou um controle de rota.

Concluída essa operação de rotina, o silêncio voltou a se instalar na sala. Os pensamentos voltaram a caminhar pelo futuro e pelo passado.

A Good Hope-IX, com o comandante e os cadetes, caíra nas mãos dos saltadores. A essa hora, porém, já se sabia que Tifflor e seus companheiros haviam conseguido chegar a um planeta de gelo, onde se mantinham escondidos. Rhodan enviara Gucky, um estranho ser peludo, para ajudá-los; graças aos seus múltiplos dons parapsicológicos, Gucky representava uma ajuda substancial. No momento era só o que podia fazer pelo grupo. A qualquer momento teria que contar com a vinda de reforços para o inimigo. Suas naves eram unidades dotadas do acabamento arcônida. Para se manter diante desse inimigo dotado de iguais recursos técnicos teria que procurar alcançar uma superioridade em outra parte. E essa outra parte só poderia se situar no planeta Peregrino, o planeta da vida eterna.

Mas, para encontrar o Peregrino, não bastaria uma navegação de rotina. Os anuários astronáuticos e as tabelas de efemérides não adiantariam nada. O planeta da vida eterna era um mundo sem sol. Era um solitário que jazia nos campos gravitacionais da Via Láctea, mas podia alterar sua rota independentemente dos mesmos, segundo a vontade e os caprichos de seu senhor.

O cérebro positrônico altamente desenvolvido estava em condições de obter dados sobre a posição do planeta; e estes dados se revestiam de razoável teor de probabilidade. O cérebro “mais inteligente” de que dispunha a Terceira Potência estava instalado em Vênus.

Esse fato bastara para levar Perry Rhodan a se afastar do sistema de Beta-Albíreo. Precisava dos dados sobre a posição em que o Peregrino se encontrava no momento, pois ali iria buscar aquilo de que necessitava para alcançar superioridade sobre os mercadores.

Concluiu-se que a notícia alarmante transmitida pelos cruzadores em patrulha não correspondia ao programa. Apesar disso, Rhodan conseguiu extrair o que havia de melhor nesse fato.

Finalmente obtivera algum indício sobre a ação a ser empreendida na Terra. Na verdade, a origem daquela situação que envolvia todos estava no seu planeta natal. Por semanas a fio não conseguiram pôr as mãos no inimigo invisível. Só agora, através da atuação de Tifflor, descobrira-se que a causa de tudo aquilo não eram seres vivos, mas robôs.

O novo dado constituía motivo suficiente para desistir por enquanto do pouso em Vênus. De nada valeriam as vitórias que fossem alcançadas lá fora, na galáxia, se a Terra, que era a base da Humanidade, ia passando progressivamente ao controle do inimigo.

Rhodan preferiu não transmitir para Terrânia os fatos que haviam acabado de chegar ao seu conhecimento. Seria melhor chegar de surpresa. Não queria que qualquer dos agentes do inimigo soubesse antes da hora que sua identidade havia sido descoberta.

Na altura da órbita de Júpiter, a Stardust-III expediu o primeiro aviso. Tratava-se de uma mensagem lacônica e rotineira, que informava a base de Gobi de que o pouso de Rhodan estava previsto para breve.

A confirmação de Terrânia veio pela voz do próprio coronel Freyt.

— Ainda bem que está chegando, chefe. Muita coisa aconteceu na sua ausência.

— Não me aborreça, coronel — disse Rhodan com um sorriso, a fim de confundir eventuais escutas do inimigo. — As notícias que lhe trago também não são muito agradáveis. Espero que ao menos tenha descoberto os agentes do inimigo durante minha ausência.

— Reivindico o direito de não ser mais inteligente que você e seu Exército de Mutantes — respondeu o coronel Freyt em tom distante. — Elaboramos um relatório detalhado sobre as ações por nós empreendidas. Com sua permissão, o mesmo lhe será apresentado logo após sua chegada.

— Não faça tanto drama. Afinal, qual foi o resultado?

— Os tais dos agentes inimigos não existem.

Muito obrigado, coronel. Fique com esse tipo de surpresa para si. Seria justo que uma pessoa que volta para casa só recebesse notícias agradáveis. Acho que você não levará mais de dez anos para aprender isso...

 

A Stardust-III penetrou na abóbada energética da área central de Terrânia, que se abrira especialmente. No espaçoporto A vários veículos estavam à espera, para levar os oficiais aos quartéis. O resto da tripulação foi colocado em vários ônibus robotizados. Ficaram para trás apenas dez homens da equipe de conservação, que imediatamente entraram em contato com os robôs de plantão, que realizariam uma limpeza e uma verificação cuidadosa no gigantesco veículo espacial.

Rhodan foi imediatamente ao escritório de Freyt. Somente Bell o acompanhou.

Contrariamente ao que costumava fazer, o coronel não comparecera ao espaçoporto para recebê-los. O cumprimento que pronunciou à entrada de Rhodan e Bell não teve nada de solene. Freyt parecia deprimido. De pé atrás da escrivaninha, disse com a voz um tanto cansada:

— Façam o favor de sentar.

Estendeu um estojo de cigarros a Rhodan e Bell. Sentou devagar e respirou aliviado. Talvez fosse porque a partir desse momento a responsabilidade pela Terceira Potência voltara às mãos de Rhodan. Apesar disso, não parecia muito aliviado.

— Tudo continua como antes, chefe, com a única diferença de que o inimigo fica mais atrevido a cada dia que passa...

— Há pouco me disse pelo rádio que os agentes inimigos não existem.

— E não existem mesmo, se me baseio no resultado das nossas investigações. Mas eles passam a existir se você lê os jornais, Rhodan.

— Está bem. Conte tudo, Freyt.

— Esqueça-se da palestra que tivemos pelo rádio. Aqui estamos entre nós; podemos falar à vontade.

— Duvido muito de que estejamos a sós.

— Não se faça de neurastênico, coronel! Nunca me constou que você sofresse alucinações. Não me comece com isso justa mente agora.

— Estou falando sério. Não há dúvida de que os agentes que procuramos realmente existem. Mas não existe um ser vivo na Terra que possa ser reconhecido como tal. O senhor mesmo experimentou aquele fracasso com a atuação dos mutantes...

— Não me recorde os meus fracassos.

— Hoje já sabemos mais alguma coisa. O cadete Tifflor descobriu que os indivíduos que estamos procurando são nossos robôs... Ou ao menos alguns deles...

— O coronel Freyt encarou o chefe.

— Nossos robôs? — gaguejou. — Isso é...

— Isso é perfeitamente possível e plausível, Freyt. É a única explicação que temos. Tifflor sabe disso. Não imaginou esta solução, mas andou espreitando o inimigo.

— E a explicação é perfeitamente aceitável.

— Todo mundo sabe que nossos telepatas não podem ler os pensamentos dos robôs. Seu processo mental desenvolve-se em outra faixa de freqüência que o do homem natural. Além disso, as reações celulares artificiais são muito mais primitivas e menos exatas que as do nosso cérebro. Portanto, não há por que deixarmos de acreditar nessa versão.

De um instante para outro, Freyt parecia completamente transformado. Sua atitude voltara a exprimir o otimismo que todos estavam acostumados a ver nele.

— Nesse caso não haverá o menor problema. Suspendemos o suprimento de energia de todos os robôs e realizamos uma revisão completa nos mesmos.

— Foi esta a decisão que tomei há oito horas — disse Rhodan, arrefecendo o entusiasmo de Freyt. — Mas espero que você consiga imaginar o que vai acontecer se paralisarmos hoje de tarde todos os robôs de trabalho. Nossas linhas de montagem estão trabalhando a plena capacidade. A eliminação de vários milhares de elementos de vigilância significaria que em muitos casos as reações necessárias deixariam de ser realizadas. Imagine o que vai acontecer se a corrida de um alto-forno sofrer um atraso, ou se o suprimento de grafite de um reator não for controlado, ou...

O coronel Freyt levantou a mão, num gesto de recusa.

— É claro que compreendo, Rhodan. Nossa indústria não pode funcionar sem a utilização constante dos robôs. Haveria uma catástrofe...

— Somos escravos da nossa tecnologia — disse Bell, completando o raciocínio. — É uma situação maluca. O inimigo está em nossas fileiras. Se reduzirmos essas fileiras à inatividade, nossa cidade não demorará um dia em voar pelos ares. A solução do dilema cabe a você, Rhodan.

Rhodan provou que a solução não era tão difícil assim. Era bem verdade que os habitantes humanos de Terrânia teriam que desenvolver uma energia extraordinária.

— Dispomos de sete horas para preparar a execução do plano. Depois das vinte e duas horas, o último turno dos trabalhadores da indústria comum vai para casa. Até lá noventa por cento das nossas fábricas estarão paralisadas. Só teremos de nos preocupar com os dez por cento que trabalham dia e noite. Trata-se das usinas de força, dos postos de controle geral, dos hospitais, das unidades policiais, do serviço de vigilância estratégica, etc. Até as vinte e duas horas todos esses serviços deverão ser ocupados discretamente por seres humanos. Às vinte e duas horas e dez minutos o suprimento de energia de todos os robôs será suspenso.

De todos os robôs de trabalho, Rhodan — ponderou Bell. — Não se esqueça de que os robôs de combate dispõem de um comando individual, motivo por que não dependem dos impulsos fornecidos pelo cérebro central de controle.

— É um risco que temos de assumir — declarou Rhodan. — Com uma única ação não podemos liquidar tudo. Acontece que os robôs de trabalho representam perto de oitenta por cento do total de que dispomos. Com a paralisação deles, o risco principal será eliminado. Faça o favor de convocar a cúpula do estado-maior, coronel. Daqui a meia hora quero falar com os meus colaboradores.

No mesmo instante teve início uma atividade que poucas vezes havia sido vista em Terrânia. Sob um sigilo absoluto e mediante um estrito controle telepático, os colaboradores mais chegados de Rhodan receberam suas instruções. Estas foram retransmitidas à ampla rede de setores subordinados.

Para o observador desprevenido, as atividades do dia-a-dia pareciam prosseguir sem a menor alteração. Os numerosos turistas que se encontravam na cidade, vindos de todos os continentes, e que costumavam chegar a Terrânia em contingentes diários de dois a três mil, apenas viam a atividade benfazeja daquela nação territorialmente tão pequena. Sem desconfiar de nada, sentiam a paz, a segurança e o poder que irradiavam do reino de Rhodan.

Quando a hora X se aproximava, se encontravam nos locais de vida noturna ou nos seus aposentos nos hotéis.

22:00 h: As sereias anunciam o término de mais um dia de trabalho, o fim do último turno.

22:05 h: O nervosismo cresce entre as pessoas informadas sobre os acontecimentos. Os sentidos estão tensos.

22:10 h!

Em algum lugar situado no interior da abóbada energética central uma mão puxa a chave de que tudo depende. No mesmo instante, milhares de robôs de trabalho suspendem sua atividade. Veículos dirigidos eletronicamente param em meio à viagem. Em todos os lugares em que havia máquinas que controlavam outras máquinas o trabalho é suspenso. Nas indústrias vitais as pessoas que se encontram de prontidão saltam para a frente e numa questão de segundos substituem as máquinas que entraram em greve. A vida tinha de continuar.

Tudo aquilo havia sido preparado nos menores detalhes. Os homens de Terrânia trabalhavam em mais de cinco mil turnos especiais. A execução de numerosas funções, que o homem progressista há anos entregara à máquina, correu sem o menor contratempo. Aquilo representava uma recaída para o desconforto de tempos mais atrasados. Mas, apesar dos termos lacônicos em que fora concebida, a ordem secreta levara ao conhecimento de todos os participantes que as questões que se encontravam em jogo eram de importância vital.

De repente, viaturas policiais com os alto-falantes a todo volume passaram pelas ruas.

— Atenção, moradores de Terrânia! Houve um contratempo no posto central de controle de robôs. Pedimos a todos que se mantenham calmos e disciplinados. Os reparos demorarão algumas horas. O ministério do interior tomará imediatamente todas as medidas necessárias. Os hóspedes e habitantes de Terrânia que teriam que andar mais de quinze minutos para chegar em casa deverão comparecer aos pontos de parada. Pedimos que os que residam mais perto andem a pé. Não há motivo para preocupações. Mantenham-se disciplinados. O ministério do interior tomará imediatamente...

O quartel-general da operação fora instalado no escritório do coronel Freyt. Este se transformara numa espécie de prefeito de Terrânia, embora sua posição oficial não fosse esta. Era o representante de Rhodan no território da Terceira Potência e, como tal, conduzia os destinos do Estado e de sua capital sempre que Rhodan se encontrasse em outro lugar. E muitas vezes Rhodan se encontrava em outro lugar.

O representante de Rhodan nas questões universais era Reginald Bell. Dali se concluía como esses dois homens sofriam sob o peso das chamadas viagens de negócios. Quase sempre andavam fora. Em outro país, em outro planeta e até em outro sistema solar.

A tarefa de Freyt era mais prosaica, muito embora tanto no caráter como no aspecto exterior ele tivesse muita semelhança com Perry Rhodan. Geralmente ficava no deserto de Gobi, onde executava as funções de lugar-tenente do chefe.

Quando Rhodan regressava, muitas vezes apresentava relatórios extensos sobre os acontecimentos rotineiros do dia-a-dia. E às vezes havia algo de excitante.

Como hoje.

O coronel Freyt não procurou ocultar o fato de que a presença de Rhodan representava um alívio para ele. Dificilmente teria havido em Terrânia horas tão críticas como as que estavam se passando. Reginald Bell chegou a afirmar que era o dia mais excitante que vivia desde o pouso no deserto de Gobi.

— O resultado de nosso trabalho foi excelente — argumentou Bell. — Nenhuma das ações que nos foram relatadas deixa nada a desejar. Sei perfeitamente que só na Terceira Potência uma tarefa pode ser executada com tamanha precisão. Mas a coisa deverá ter seu prosseguimento...

— Você não demorará em saber como prosseguirão as coisas — respondeu Rhodan. — Até agora o mundo não parou por causa das preocupações que passam pela sua cabeça.

— Mas os robôs pararam. Lembro-me perfeitamente das promessas gordas que você transmitiu pelos alto-falantes móveis e pela rádio estatal. Você sabe perfeitamente que, por enquanto, nem podemos pensar em reativar os robôs de trabalho, a não ser que deseje trazer de volta o risco que ontem enfrentávamos.

— Agora é noite. Nas próximas horas pouca gente estará interessada em saber quando os robôs estarão plenamente recuperados. A situação só começará a se tornar crítica amanhã de manhã, quando as pessoas quiserem esquentar a água para o café. Até lá teremos que dar conta do recado.

Bell se limitou a dar de ombros, num gesto de incredulidade. Pensava nos milhares de robôs, que teriam de ser examinados um por um. E o exame só poderia ser realizado por seres humanos.

Saíram do escritório de Freyt e dirigiram-se ao elevador que os levaria ao subsolo. Ali havia muitos veículos que podiam ser dirigidos pela mão do homem. Pegaram três carros e saíram para a área dos fundos, de onde se dirigiram a um pavilhão situado a cerca de quatro quilômetros de distância.

Ali uns trezentos engenheiros haviam montado seus postos de controle. Já estavam trabalhando no momento em que Rhodan chegou com seu estado-maior, que incluía vários mutantes.

Numa fila ininterrupta vinham chegando os caminhões, cujos guindastes colocavam cautelosamente no chão os robôs desativados.

Rhodan e Reginald Bell entraram no pavilhão e visitaram alguns dos postos de controle. O chefe da Terceira Potência conversou com os engenheiros-chefe e os dirigentes técnicos. Apenas dizia algumas palavras indiferentes, pois a forma de execução do trabalho havia sido estabelecida em todos os detalhes. Os pacientes eram classificados segundo critérios especiais e transferidos a outro setor, onde era apagada a programação anterior. Poucos recebiam desde logo um novo programa. Eram aqueles que seriam necessários para os serviços que teriam que ser executados ainda naquela noite. Os outros teriam que aguardar novas solicitações.

Saíram do pavilhão, depois de terem se certificado de que o trabalho com os robôs corria normalmente. Antes de entrarem nos seus carros, Rhodan se dirigiu a Tako Kakuta, um teleportador japonês que, graças às suas capacidades sensoriais que haviam passado por um processo de mutação, estava em condições de se teleportar no mais curto espaço de tempo para qualquer lugar que escolhesse. No âmbito da geografia terrestre as distâncias praticamente não representavam nada para ele.

— Olá, Tako! Dê um salto para junto do capitão Klein, que está dirigindo a ação contra os robôs de combate. Peça que ele lhe forneça um breve relato sobre a situação e vá diretamente ao escritório do coronel Freyt. Dentro de cinco minutos no máximo estaremos lá.

— Está bem, chefe — confirmou o teleportador. Por um instante concentrou-se sobre o alvo que pretendia atingir com o salto. Depois disso, a figura de seu corpo se dissolveu num nada aparente. Para os homens da Terceira Potência, o desaparecimento de um teleportador numa questão de segundos era um acontecimento corriqueiro.

— Peço aos outros que venham comigo — disse Rhodan.

Elaborara um plano bem definido para as ações a serem empreendidas naquela noite. E uma das providências mais inteligentes consistia em estar prevenido para qualquer imprevisto. Por isso não podia dispensar a presença dos mutantes. Deviam estar à mão quando surgisse algo de extraordinário.

Rhodan examinou o grupo de mutantes.

Muitos dos mais capazes dos seus mutantes tinham ficado em companhia de John Marshall, a bordo dos cruzadores pesados Terra e Solar System, estacionados no sistema de Beta-Albíreo. Assim mesmo Rhodan podia depositar toda a confiança nos homens e nas mulheres que com ele tinham regressado à Terra.

Além de Tako Kakuta podia contar com Anne Sloane, uma americana loura e delgada que tinha o dom da telecinésia. Nos últimos anos, ela aperfeiçoara este dom através de um treinamento constante. Também havia Ishi Matsu, uma japonesa, que era uma ótima telepata. E Wuriu Sengu, um tipo de ombros largos com aspecto de lutador, cujas forças mentais permitiam-lhe enxergar através da matéria compacta. Tanaka Seiko, o goniômetro, possuía um cérebro que desempenhava as funções de um receptor de ondas de rádio; podia captar qualquer freqüência sem precisar de um rádio. Finalmente, naquela noite ainda dispunha de Kitai Ishibashi, um sugestor que dispunha de consideráveis forças hipnóticas. Quem se encontrasse sob a influência de Kitai, faria o que ele desejasse, embora acreditasse que estava agindo por sua livre vontade.

Chegaram ao escritório de Freyt.

— Se as coisas correrem conforme você planejou — disse o Dr. Manoli, amigo intimo de Rhodan desde o tempo da primeira viagem lunar — poderemos passar a noite com vinho e cigarros.

— Com vinho não. Hoje de noite o uso do álcool é proibido.

Tiveram de se contentar com cigarros.

Pouco depois chegou Tako Kakuta. Não entrou pela porta ou por qualquer outra abertura na parede. Veio pela maneira peculiar de um teleportador. No meio da sala se rematerializou de seu breve salto.

— Tudo bem, chefe — anunciou. — O capitão Klein está cheio de serviço e disse que eu só o perturbava. Mas acabou dizendo que podemos ficar tranqüilos.

Rhodan levantou a cabeça; parecia contrariado.

— Desejo um relatório especificado, Kakuta. Não quero ver chegar o dia em que Klein não tem tempo para mim. Da próxima vez não se contente com algumas frases vazias. Entendido?

— É claro que o capitão me entregou algumas linhas — disse Kakuta, abatido. — Aqui está o papel.

Rhodan leu; seu rosto parecia mais satisfeito.

— Está bem. Ao que parece, também no setor de Klein tudo está dando certo. À meia-noite em ponto, o grupo de choque entrou em ação. Até agora mais de quinhentos robôs de combate foram desativados em ações individuais. Se as coisas continuarem assim, ao amanhecer do dia a missão estará concluída e poderemos incluir um comunicado tranqüilizador no noticiário das sete.

— Gostaria de ter o seu otimismo — respondeu Bell em tom indiferente, sem modificar a posição confortável em que se encontrava na poltrona de plástico. — Se as informações expedidas pelo cruzador Terra forem exatas, grande parte dos nossos robôs age segundo a vontade do inimigo. Não posso imaginar que os saltadores tenham alterado apenas a programação dos robôs de trabalho. Todas as probabilidades levam à conclusão de que um inimigo esperto se interessaria em primeiro lugar pelas máquinas de guerra. Em primeiro lugar foram concebidas para atuar num conflito declarado, e depois sua qualidade de indivíduos cibernéticos confere-lhes uma autonomia maior que a dos robôs de trabalhos, submetidos a um comando centralizado.

— Seu raciocínio não deixa de ser correto — confirmou Rhodan. — Foi por isso que tive uma conversa mais prolongada com o capitão Klein. A luta que ele terá que travar hoje de noite é mais difícil que muitas das grandes batalhas do espaço que já enfrentamos. Seus comandos especiais são formados exclusivamente por oficiais e tenentes. Mas você ouviu o que Tako acaba de dizer.

O teleportador confirmou com um aceno de cabeça, como se estivesse empenhado em acalmar os ânimos exaltados.

— Por três minutos ouvi o capitão Klein expedir ordens e receber informações. O trabalho está sendo executado com uma precisão cronométrica. Os homens se aproximam dos robôs de combate ativados em grupos de três. Na maioria obedecem à sua lei fundamental, segundo a qual devem aceitar sem discussão qualquer decisão de um ser humano. Não oferecem resistência ao serem desativados...

— Na maioria?

— Isso mesmo. Dizem que houve três exceções. Mas antes que os sujeitos pudessem ativar seu campo protetor individual, nossos comandos os atomizaram com seus radiadores manuais. O chefe tem razão. Quando o sol nascer, tudo terá chegado ao fim.

Todos olharam instintivamente para Rhodan, que parecia ser o único que não partilhava o otimismo generalizado. Em sua testa via-se uma ruga.

— O que acha, Bell? Você não acha que a coisa está sendo fácil demais?

— Sei o que está querendo dizer. Um robô de combate deveria ter reações mais seguras, que lhe permitissem ativar seu campo protetor em tempo quando fosse atacado por um homem. Ainda acontece que, se os saltadores programaram vários exemplares segundo seus interesses, estes deviam se unir para enfrentar nossos comandos. De outra forma a coisa não faria sentido.

— É isso mesmo. Acho que nosso vôo para Vênus terá de ser adiado por algumas horas ou alguns dias. Não sairemos da Terra enquanto não tivermos certeza de que tudo está em ordem. Sairei por alguns minutos. Enquanto isso você assume o comando, Bell.

Reginald Bell confirmou com um aceno de cabeça. Ninguém perguntou quais eram as intenções de Rhodan.

 

Uma vez lá fora, Rhodan entrou num carro e saiu em desabalada carreira em direção ao espaçoporto central, em cuja proximidade estava instalado o cérebro positrônico de Terrânia. Entrou no enorme edifício. Não havia ninguém por perto. As barreiras de segurança iam abrindo caminho para Rhodan, depois de este ter se identificado através do modelo de suas ondas cerebrais. Finalmente atingiu o grande pavilhão e realizou alguns cálculos. Os resultados pareciam satisfazê-lo até certo ponto.

Era bem verdade que seu trabalho não era apenas este.

Os acontecimentos que se desenrolavam na Terra representavam um contratempo nos planos de Rhodan, mesmo que pudessem ser vencidos num espaço de tempo bastante reduzido. O regresso para o sistema do Sol fora realizado exclusivamente com vistas ao grande cérebro positrônico instalado em Vênus. Depois da descoberta do planeta Peregrino, Rhodan armazenara nas extensas aparelhagens do cérebro positrônico de Vênus os dados e as quantidades de aproximação daquele corpo celeste. Por isso mesmo, só aquele cérebro poderia lhe fornecer os dados de que precisava.

Rhodan transmitiu o aviso em palavras faladas, gravou-o em fita e ouviu a gravação.

— Perry Rhodan, de Terrânia, para o cérebro P de Vênus. Chave secreta PQ-3Z4! Ordem de prontidão. Preparar todos os dados para o Projeto Vida Eterna-Peregrino. Estado de alarma até novas instruções. Peço confirmação.

O texto era correto. Rhodan introduziu-o no hipercomunicador, que realizava a transmissão instantânea pela quinta dimensão. A resposta chegou dentro de poucos segundos.

— Cérebro P de Vênus para Perry Rhodan em Terrânia. Instruções compreendidas. Todos os dados para o Projeto Vida Eterna-Peregrino serão preparados. Estado de alarma até nova ordem. Ajuste conforme chave secreta PQ-3Z4. Completamos: cláusula de bloqueio ligada ao projeto Peregrino não inclui o receptor. Quaisquer informações serão fornecidas exclusivamente a Perry Rhodan em pessoa. Fim.

A tela do telecomunicador se apagou. Rhodan foi para o carro e voltou ao escritório de Freyt.

Lá não encontrou nada de novo.

— Tako, dê mais um salto para o lugar em que se encontra o capitão Klein.

— Sim.

— Por que não vamos todos ao quartel-general de Klein? — perguntou Bell. — Assim receberemos as informações de primeira mão.

— Ficamos aqui — decidiu Rhodan laconicamente. — Uma concentração das mulheres e dos homens mais importantes na área de Klein poderia provocar suspeitas.

Não quero que o quartel-general da ação que está sendo empreendida fique exposto a um risco desnecessário. Klein deve trabalhar de forma discreta enquanto isso for possível.

Kakuta cumpriu a ordem. Demorou um pouco mais que da outra vez. Em compensação voltou com notícias mais agradáveis.

— Metade dos robôs de combate estacionados em nosso território já foi posta fora de combate. Mas oito máquinas tiveram que ser destruídas porque opuseram resistência. O capitão Klein não sofreu qualquer perda.

— As coisas estão correndo mesmo com a precisão de um cronômetro — disse Bell, bastante satisfeito.

E por mais algumas horas isso seria verdade.

Quando o crepúsculo anunciou a chegada de um novo dia, todos os robôs de combate haviam sido desativados. Nas primeiras horas da manhã foi iniciado o transporte para o pavilhão de controle, onde os gigantes de mais de dois metros seriam submetidos ao mesmo tipo de verificação realizada com seus colegas da casta dos trabalhadores.

Às sete da manhã, o capitão Klein apresentou a lista completa das máquinas colocadas fora de combate, com indicação do tempo e lugar. Onze indicações traziam a nota “destruído”.

— Foi um serviço excelente — disse Rhodan, elogiando o capitão.

Falou alguns segundos antes da hora. No mesmo instante veio a grande reviravolta.

 

O Videofone emitiu o ruído insistente da ligação automática. No mesmo instante o zumbido do alarma encheu a sala e, por cima da tela, a luz de advertência começou a piscar a breves intervalos.

Na tela surgiu a figura de um tenente.

— Os robôs estão marchando, capitão! Escaparam do pavilhão e avançam numa frente ampla por três ruas...

O tenente apontou a objetiva para fora da janela da sala de vigilância, e todas as pessoas que se encontravam no escritório de Klein puderam testemunhar o acontecimento. Mais de mil robôs de combate saíram do pavilhão e encheram a grande praça fronteira. As vanguardas começaram a formar três cunhas, que avançavam para o norte, leste e oeste.

— Dê ordem de retirada a todos os destacamentos militares, capitão! — gritou Rhodan. — Os que ainda estão vivos na área do pavilhão devem se retirar numa distância mínima de quinhentos metros e entrar em formação. Os mutantes comparecerão ao quartel-general do coronel Freyt. Vamos logo, coronel! Bell, você irá comigo.

Os dois amigos entraram no carro de Rhodan e saíram em disparada em direção ao cérebro positrônico. A viagem não durou mais que cento e cinqüenta segundos.

Eram cento e cinqüenta segundos muito preciosos, pensaram os dois. Mas sabiam que a perda seria recuperada.

Era bem verdade que Rhodan poderia dar o alarma em qualquer lugar em que se encontrasse. Suas pulseiras versáteis bastariam para isso. Mas, face à catástrofe ora desencadeada, o anúncio de qualquer tipo de alarma não seria uma medida suficiente. O cérebro positrônico havia sido programado para milhares de alternativas, e regulado previamente para qualquer emergência. Dessa forma, todas as reações específicas poderiam ser determinadas e emitidas ao mesmo tempo.

Rhodan mal havia passado pela última barreira, quando sua simples presença fez com que o cérebro se ativasse para o recebimento de comandos.

— Bell! A caixa número três! Passe para cá!

Uma gaveta sobre trilhos deslizou para fora de um armário embutido; estava recheada de cartões perfurados. Rhodan arrancou um maço de cartões da mão do amigo e atirou-o para dentro da abertura de recepção, que media três metros. Bell entregou-lhe outras pilhas de cartões, que foram atirados sem prévia escolha para dentro do primeiro estágio do seletor. Rhodan comprimiu nove botões. Desde o tempo do supertreinamento arcônida sabia de cor a respectiva combinação.

— Agora vamos respirar profundamente três vezes. E vamos soltar o ar bem devagar.

Isso não durou mais de quinze segundos. O fim do exercício respiratório coincidiu com a conclusão da primeira operação de interpretação. Rhodan segurou um dos muitos cartões que atirara na máquina.

— É este! Reação de alarma para todo o território da Terceira Potência no caso da falha de todos os robôs individuais combinada com um perigo vindo de dentro...

O cartão logo desapareceu em outro setor do cérebro. O aparelho superdimensionado despertou para a vida em cem pontos diferentes. Cada reação fundamental desencadeava muitas outras. Com a rapidez de um relâmpago, os impulsos positrônicos captaram todos os aspectos da tarefa e se incumbiram de uma operação complicada e variada de emissão de ordens.

Rhodan e Bell não puderam fazer outra coisa senão ficar parados e respirar profundamente por mais três vezes.

As ordens elaboradas pelo aparelho abrangiam também o setor civil. Os funcionários mais importantes receberam instruções sobre as providências a serem adotadas por via direta, através dos receptores de videofone instalados em seus escritórios e residências. As instruções gerais foram transmitidas pela emissora de rádio governamental, cuja programação normal foi interrompida automaticamente.

Quando o cérebro positrônico ia repetir as instruções, Perry Rhodan interveio pessoalmente. Suas palavras foram transmitidas por uma rede de alto-falantes, instalados principalmente ao ar livre. Dessa forma todos que se encontravam no território da Terceira Potência ouviam suas palavras, inclusive o inimigo. Mas no momento não havia como evitar que isso acontecesse.

As palavras de Perry foram de uma concisão extrema. Em poucas palavras expôs a situação extraordinária com que se defrontavam. Ao concluir, disse que as instruções posteriores seriam secretas.

Saíram do recinto em que se encontrava instalado o cérebro.

Quando saíram à rua, viram chegar os primeiros caminhões com tropas, que se destinavam à proteção das instalações técnicas mais importantes do Estado. Os soldados saltaram dos veículos e se espalharam em torno do quarteirão. Rhodan saudou-os com um gesto de otimismo e colheu uma série de olhares de confiança. Podia confiar nesses homens. Não tinha a menor dúvida.

Bell fez a mesma constatação.

— Que belo dinamismo, não é? — disse.

Sorriu e se apressou em entrar no carro de Rhodan, que já se punha em movimento.

— De volta para o quartel-general!

Ali já haviam dado início ao cumprimento das ordens recebidas. A cúpula do estado-maior estava de prontidão com as roupas desajeitadas que formavam o traje transportador arcônida.

— Já está na hora de nós dois colocarmos isso — pediu Bell. — Com um automóvel convencional não agüentaremos por muito tempo.

— Um belo dia você ainda aprenderá a ler pensamentos — zombou Rhodan em tom amável.

Já estava envergando o traje arcônida.

Deixou o capacete aberto. Em caso de necessidade o fecho poderia ser colocado num instante.

Nos últimos anos a entrega dos trajes transportadores arcônidas passou a ser liberada em escala cada vez maior para os funcionários e representantes mais importantes da Terceira Potência. De início Rhodan e Bell eram os únicos que os possuíam. Mas as fantásticas possibilidades de utilização desse equipamento tornaram imperioso, no correr do tempo, que também os membros do Exército de Mutantes, a alta oficialidade e os funcionários mais graduados os recebessem.

O traje arcônida era uma vestimenta um tanto desajeitada, que se usava por cima da roupa comum. Uma instalação antigravitacional embutida no mesmo permitia que seu portador voasse. Além disso, era dotado de um defletor de raios luminosos que tornava a pessoa invisível dentro da faixa de freqüência do olho humano normal. Finalmente, uma barreira energética cuja potência equivalia aproximadamente à de um robô de combate assegurava a integridade física do portador.

Lá fora um oficial deu sinal de sua presença. Era o comandante do grupo destacado para a proteção do escritório do coronel Freyt.

— Está bem, capitão — disse Bell. — Cumpra sua tarefa. Peço-lhe que só permita a entrada de pessoas que tragam alguma informação de real importância.

Rhodan já se aproximara da tela do videofone. A grande base fixa instalada na Terra já conectara as ligações sem fio para as comunicações radiofônicas. Dessa forma surgiu o quadro captado pela visão dos que se encontravam nos helicópteros que patrulhavam os ares.

Apenas oito minutos tinham passado desde o momento do alarma. Apesar disso o aspecto das ruas passara por uma transformação profunda. As três cunhas do exército de robôs avançavam implacavelmente. Em outras palavras, ainda não haviam se deparado com qualquer resistência digna de nota.

Mas a qualquer momento deveriam chegar às linhas de Klein, que haviam realizado um recuo. Enquanto esse receio ainda tomava corpo, o fato aconteceu.

Os radiadores de impulsos das tropas de infantaria escondidas nos prédios expeliram a energia térmica, que era a única que representava um perigo para aqueles seres artificiais.

Boa parte dos atacantes prosseguiu em sua marcha. Apenas uns poucos caíram ou se desmancharam. Os outros envolveram-se automaticamente com seus campos energéticos protetores, alimentados por uma miniusina nuclear. Os robôs que se encontravam nas fileiras exteriores desviaram-se imediatamente, deslocando-se o mais rapidamente que seu formato o permitia em direção às casas.

— Mantenha-se em contato com o inimigo, capitão — disse Bell subitamente, dirigindo-se a Klein. — Mas libere um canal para a força aérea.

Ninguém se surpreendeu com essas palavras. O alarma desencadeado pelo cérebro P informou todo mundo sobre qual era seu lugar e quem era seu comandante. Reginald Bell, ministro da segurança da Terceira Potência, investira-se automaticamente no comando supremo das operações. A presença de Perry Rhodan não alterava nada nessa situação.

O coronel Friedrichs apareceu no videofone.

— Sim senhor!

— Gostaria que o senhor me apresentasse seu relato, coronel.

— As esquadrilhas de caça decolaram conforme o plano. A segurança de nosso território nacional fica a cargo de caças de um tripulante. Os destróieres de três tripulantes patrulharão o espaço, até a altura da órbita lunar. No interior da abóbada energética só podemos recorrer aos helicópteros. Vinte e cinco unidades acabam de decolar e se dirigem para as cunhas dos robôs. Que armas devem ser utilizadas?

— Em hipótese alguma podemos usar bombas. Não pretendemos reduzir nossa cidade a um montão de escombros fumegantes. O ataque deve ser realizado com o armamento de bordo. Utilize os radiadores de impulsos térmicos. São as armas a cujos efeitos os robôs são mais sensíveis.

— Sim senhor.

A comunicação foi interrompida. A atenção de Bell voltou a ser dedicada à tela. As perspectivas da cidade não pareciam muito boas, ao menos no que dizia respeito à área situada no interior da abóbada energética de dez quilômetros de diâmetro, que formava o centro vital de Terrânia.

Na tela via-se a imagem de muros que desmoronavam. Edifícios de cinco e seis pavimentos situados na rota dos robôs caíam como se fossem barracos. As máquinas de guerra desenvolviam um raciocínio autônomo, e dispunham das armas mais eficientes que jamais um soldado carregou na Terra.

Sempre que eram recebidos pelo fogo da infantaria, os aparelhos de observação neles instalados logo lhes revelavam a posição do inimigo. Acontece que a massa dos soldados não dispunha de campos energéticos individuais. Não tinham a menor chance.

Os alto-falantes informaram-nos de que reforços sob a forma de carros blindados, dirigidos por homens, se encontravam a caminho. Retiravam-se em corrida desesperada. Os vultos saíam dos abrigos em disparada. As armas de radiações dos robôs dispunham de bons alvos. Sua capacidade de reação era muito superior à do homem. Seu sistema nervoso era menos sofisticado que o de um ser biologicamente estruturado mas, em compensação, muitas vezes mais eficiente. O sistema nervoso do homem e do animal é uma instalação de alarma criada pelo instinto de autoconservação. Nos robôs a necessidade desse tipo de alarma praticamente não existia. Sua especialidade era o ataque e a destruição.

A primeira lei dos robôs — “Nunca deves matar um ser humano” — estava sujeita a uma forte diferenciação. Assim que qualquer ser humano passava a ser considerado um inimigo, todos os escrúpulos eram deixados de lado. Em virtude da modificação da programação realizada pelos saltadores, todos os seres humanos passaram a ser considerados inimigos.

Os homens assumiram maior cautela. Passaram a se utilizar de qualquer coisa que os ocultasse. Com os rostos cobertos de suor e sujeira, foram chegando às posições de defesa.

Os oficiais designavam o lugar de cada um. Uma ligeira massagem de choque. Tabletes energéticos. Novas armas. Os primeiros carros blindados estavam chegando. A tripulação de outros tomava seus lugares no interior dos veículos. E os soldados que haviam escapado ao inferno continuavam a chegar.

— Que diabo! Onde estão os helicópteros? — gritou Bell.

— Já estão chegando — disse Rhodan em tom áspero.

A ponta da coluna de robôs que marchava pelo centro se derreteu sob o fogo dos radiadores de impulsos. Oito máquinas de guerra foram destruídas. Mas depois aconteceu uma coisa estranha.

Os robôs se uniam em grupos de seis. Procuravam estabelecer uma espécie de contato. Quem os observasse, logo percebia que o haviam encontrado. Reforçavam-se mutuamente na ativação dos campos energéticos. E um campo energético seis vezes reforçado seria impenetrável até mesmo para as armas de médio porte com que estavam equipados os helicópteros.

“Poderíamos nos orgulhar com a inteligência desses robôs, se eles estivessem do lado certo”, pensou Rhodan.

Assim que uma onda de ataque dos helicópteros passava, os grupos de seis dissolviam-se e prosseguiam no ataque.

— Assim não conseguiremos deter o inimigo — gemeu Bell. — Por que será que nesta batalha não dispomos de mutantes?

— Pois temos mutantes — disse Rhodan em tom oracular. A pergunta de Bell fora puramente retórica. — As instruções contidas nas diretivas elaboradas pelo cérebro haviam-nos informado de que, no caso desse alarma, a utilização dos mutantes não era recomendada. A não ser que se quisesse jogar tudo numa única cartada.

Um dos princípios fundamentais que prevaleciam na Terceira Potência determinava que os mutantes deviam ser poupados sempre que havia uma probabilidade de noventa por cento ou mais de que os mesmos seriam destruídos.

— Dispomos de um teleportador, de um telecineta, de um telepata, de um espia, de um goniômetro e de um sugestor — constatou Bell. — Tako só pode lidar consigo mesmo, Anne poderia ser muito útil se não fosse preciosa demais, e Ishi não pode extrair qualquer informação de uma máquina. Também Wuriu e Tanaka não nos podem ser úteis. Kitai ainda não realizou qualquer experiência bem sucedida com máquinas. Então, para que servirá essa gente?

— Ofereço-me como voluntário — disse Anne Sloane, uma lourinha delicada. — Já movi objetos de várias toneladas por via telecinética...

— Mas não em plena batalha — objetou Rhodan. — Não adianta que enfrente esses colossos, Anne. Conseguiria deter e fazer recuar alguns deles, mas apenas por alguns instantes. Mas não demoraria em chegar a sua vez. A superioridade numérica é muito grande.

— Poderia atirá-los para o ar e fazê-los cair. Eles se arrebentariam.

— Não fale mais sobre isso — recusou Rhodan. — Ainda temos outras coisas em reserva. Tako, quer dar um pulo até aqui?

Rhodan falou baixinho com o teleportador; ninguém entendeu suas palavras. Com exceção talvez de Ishi Matsu, que era uma boa telepata.

De uma hora para outra, o rosto de Tako irradiou alegria. Acenando fortemente com a cabeça, disse:

— Está bem, chefe! Voltarei quanto antes.

E logo desapareceu.

Ninguém se atreveu a fazer qualquer pergunta a Rhodan. Sempre que bancava o misterioso, ele se mostrava coerente nessa atitude; não revelaria seus segredos a ninguém.

O quadro que aparecia na tela estava completamente modificado.

Nas três frentes de avanço, a marcha dos robôs fora detida provisoriamente. Mas apenas provisoriamente.

Os blindados que intervieram na batalha realizaram aquilo que Anne Sloane pretendia alcançar através de suas forças naturais. Recorrendo a radiadores antigravitacionais, os defensores criaram áreas restritas em que os objetos perdiam o peso. Alguns dos robôs, impelidos pelos instrumentos de deslocamento, dispararam para o alto. Assim que cessou o efeito dos raios antigravitacionais, precipitaram-se ruidosamente ao solo. Poucos resistiram ao impacto.

Segundo o levantamento provisório de Bell, cerca de cinqüenta robôs já haviam sido destruídos. Mas ainda havia mais de mil, que prosseguiam implacavelmente em direção ao objetivo: a instalação de comando da abóbada energética, o cérebro positrônico do deserto de Gobi.

— Se não houver algum milagre, ao menos oitocentos robôs conseguirão passar — afirmou Bell. — Temos que desferir um golpe decisivo...

— O centro em que se situam as instalações mais importantes dispõe de um dispositivo de segurança muito potente. E o edifício do cérebro P dispõe de uma barreira energética própria.

— Obrigado pela lição — disse Bell em tom mordaz. — Acontece que não posso compartilhar seu otimismo. Já vimos que, através de um contato mútuo, os robôs são capazes de reforçar suas defesas. Aposto que ainda têm outras surpresas para nós. E, se essas surpresas dizem respeito à sua tática de ataque, não haverá nenhum motivo para otimismo.

Os robôs iniciaram nova manobra.

A utilização dos raios antigravitacionais retardou seu avanço. Nos momentos críticos do bombardeio executado pelos blindados moviam-se a passos rastejantes. Enquanto não impeliam o corpo para cima, mantinham-se relativamente próximos ao solo. Alguns deles até aproveitavam a oportunidade para se impelir para a frente. Com isso atingiam velocidades para as quais não haviam sido concebidos.

Dessa forma as máquinas de guerra avançaram velozmente e, com uma rapidez espantosa, colocaram-se entre os flancos de quatro blindados. Os pesados veículos foram imediatamente destruídos.

Foi uma perda total.

A manobra tática seguinte dos robôs consistiu numa ampliação de sua frente de ataque. As pontas das colunas se dividiram. Em seis, oito e doze colunas prosseguiram no avanço.

Numa ação que exigia tempo, os homens tiveram que deslocar reforços em torno de outros quarteirões. E, utilizando o tempo que se passou até que esses reforços pudessem entrar em ação, os robôs ganharam mais de mil metros de chão.

— Que diabo, Rhodan! Por que você anda bancando o misterioso? — exclamou Reginald Bell. — Explique logo o que pretende fazer com Tako. Afinal, o ministro da segurança sou eu.

Num movimento instintivo, todos os olhares se voltaram para Rhodan. O olhar obstinado deste não tinha mais nada da confiança que há pouco irradiava.

— Ei, Rhodan! Será que alguma coisa não está em ordem?

— Estão cercando o quarteirão J-D III. É lá que mora o homem que Tako foi procurar.

Nem todos sabiam a quem Rhodan se referia. O quarteirão J-D III era grande: contava mais de duzentas residências.

 

Ivã Goratchim estava dormindo. A cabeça do lado esquerdo que, para distingui-la da outra, usava o nome Ivanovitch, despertou poucos segundos antes. Mas os reflexos das juntas fizeram com que Ivã também não demorasse em abrir os olhos.

— O que houve?

— Não está ouvindo, Ivã?

— Quando acordo sempre ouço alguma coisa. Mas prefiro não ouvir nada. Bem que você poderia ter me deixado dormir.

Ivanovitch recorreu ao braço direito, comum aos dois, para se coçar. Como as duas cabeças dispusessem de um único corpo, sempre tinham que chegar a algum acordo sobre o uso do mesmo. Desde o nascimento, Ivã Goratchim adaptara-se à necessidade desse procedimento. Além disso, possuía um caráter pacífico comum, que fazia com que via de regra as duas cabeças acabassem concordando.

Acontece que desta vez Ivanovitch era de outra opinião. Achou que os ruídos eram muito importantes. Por isso a mão que o coçava ergueu-se subitamente e, antes que Ivã desconfiasse de qualquer coisa, seus próprios dedos lhe beliscaram a orelha.

— Diabo! Que é isso?

— Isto é para você abrir o ouvido, meu caro. Estou ouvindo alguma coisa que não parece ser muito boa. Se você adormecer de novo, nem por isso aquilo que há de mau irá embora. Acho que o ruído indica a existência de algum perigo.

— Indica guerra, Ivanovitch. Ouço um barulho que parece de veículos blindados passando por aí.

— De veículos blindados atirando — corrigiu a cabeça que era três segundos e meio mais jovem. — Se os blindados estão passando, podem estar numa parada. Mas quando estão atirando, fazem guerra.

Ivã Goratchim saltou da cama. Ainda de pijama, correu para a janela e procurou abri-la.

— Você é um idiota! — gemeu Ivanovitch. — Em Terrânia não existem janelas que possam ser abertas. Os aparelhos de condicionamento nos trazem o ar puro.

— Acho que isto não é nenhum progresso. Uma janela só é uma janela de verdade quando podemos nos inclinar para fora dela. Você vê que estes vidros embutidos na parede são um absurdo. Nem podemos ver se o inimigo penetrou em Terrânia.

— Nenhum inimigo pode penetrar em Terrânia — objetou Ivanovitch. — Quanto mais na abóbada energética em cujo interior, conforme você sabe, estamos morando. Vai ver que você está pensando nos nossos libertadores da Sibéria.

— O mundo, ou Terra, conforme hoje se diz, está unido. Trata-se de um ataque vindo do espaço. Se me lembro o que Rhodan nos contou sobre os saltadores, e como o Supercrânio abusou de nós, não me sinto nada bem.

— Não diga tolices! A Terceira Potência é o baluarte mais forte da Via Láctea.

— Você mesmo acaba de dizer que é guerra. O que pode ser?

— Devíamos mudar de roupa e sair para a rua.

— Com este tempo não dou um passo para fora de minha casa. O ar está cheio de aço, e de coisa pior. São esses raios modernos. A gente não os vê, não os ouve...

— Existem raios que se vêem e ouvem.

— E existem outros que não se vêem — trovejou Ivã obstinadamente.

Uma pequena briga entre as duas cabeças parecia estar a caminho. Mas, no mesmo instante, ambas constataram que mesmo pela janela fechada podiam ver alguma coisa.

No céu viram uma fileira de helicópteros, que desceram em curva fechada. Os canos dos radiadores de impulsos relampejaram.

Ivã Goratchim empalideceu. O susto removera todos os mal-entendidos. As cabeças e o corpo reagiram em conjunto, como se obedecessem a um único cérebro.

Num movimento instintivo, Goratchim se afastou da janela.

— Isso não é nenhuma manobra ou parada — afirmou Ivã. — Aposto que os saltadores invadiram nosso território e pretendem conquistar a Terceira Potência. Devemos ir imediatamente para junto de Rhodan a fim de prestar-lhe auxílio.

— Ir até lá? — perguntou Ivanovitch em tom desolado. — Nem sabemos onde está Rhodan. A sede do governo fica a dois quilômetros. E quando estivermos caminhando pela rua, ninguém nos dirá quem é nosso amigo e quem é nosso inimigo.

— Perguntaremos ao pessoal — disse Ivã ingenuamente.

Finalmente as duas cabeças chegaram a um acordo: ao menos teriam que mudar de roupa. Quando Goratchim acabou de fazer o nó da gravata, Tako Kakuta surgiu do nada.

As duas cabeças levaram outro susto. Ainda não se habituara à maneira pela qual um teleportador costuma chegar. Mas logo percebeu que tinha diante de si um homem de confiança de Rhodan.

— Senhor Kakuta! Sua indiscrição nos torna muito nervosos.

— Pelo universo, Goratchim. Eu o procurei por toda a residência. Quem poderia imaginar que com todo este drama você ainda está na cama?

— Ainda é cedo, e estávamos muito cansados — respondeu Ivã.

— O que aconteceu? — interrompeu-o a cabeça da esquerda. — Como pôde qualquer poder do universo penetrar até o interior de Terrânia?

— As explicações têm de ficar para depois. Por enquanto temos que aceitar o fato de que isso aconteceu — disse Tako Kakuta. — Os agentes dos saltadores obrigaram nossos robôs a se passar para o seu lado. Até parece que todo o exército de homens de lata enlouqueceu de uma hora para outra. Rhodan mandou que viesse até aqui para lhe pedir que o ajudasse.

— Rhodan estaria em condições de mandar; não precisaria pedir — afirmou Ivã.

— Tanto faz que seja uma ordem ou um pedido — prosseguiu Ivanovitch. — Estamos com ele. O que devemos fazer?

— Senhor Goratchim, o senhor é nossa última esperança.

Ambas as cabeças se esticaram num orgulho infantil.

— Para nós esses robôs são um brinquedo — afirmou Ivanovitch.

— Goratchim, você deve agir com muita prudência — advertiu-o o teleportador. — De nada nos adiantará se cair na primeira batalha. Você tem muito mais a perder que qualquer outro homem: duas cabeças.

— Somos fortes — afirmou Ivã.

— Para encontrar toda sua força, o forte tem de agir com inteligência — doutrinou Kakuta. — Está pronto? Faça o favor de vir comigo. Eu o levarei para junto de Rhodan.

A residência ficava no primeiro andar. Não adiantava usar o elevador. A rua estava cheia de gente.

— É muito mais gente do que vimos da janela — espantou-se Ivanovitch. — E todos correm na mesma direção. Será um ataque?

O suor porejava na testa de Kakuta.

— É uma fuga! — explicou em tom menos gentil do que usara até então. — A frente de combate fica para outro lado. Temos que dobrar à esquerda e dar uma volta pelo quarteirão J-G VII. A área que fica à nossa direita não está segura. É possível que em frente ao centro de compras ainda encontremos um táxi livre.

— Por que não pegamos um táxi robotizado?

— Porque os robôs se revoltaram. Vamos, entre na confusão!

Enquanto Kakuta dava ordem de caminhar, Ivã segurou as duas cabeças com um gesto rápido. Foi um movimento instintivo.

De um instante para outro o edifício retumbou em todos os cantos. As paredes pareciam adquirir vida. Com um movimento chiante, uma fenda de cerca de dois centímetros abriu-se no teto e caminhou rapidamente em direção ao soalho. O emboço chovia sobre suas cabeças.

Encontravam-se na entrada do edifício; enrijeceram de susto.

Kakuta contou em voz alta até cinco. Quando concluiu, tudo parecia ter passado. Mas na rua o inferno parecia andar às soltas. Destroços caíam em meio às massas em fuga. Eram peças que se soltavam do telhado e dos pavimentos superiores. Homens, mulheres e crianças tombavam mortos. A onda dos fugitivos os pisoteavam.

Goratchim ia saltar para a frente.

— Fique aqui! — berrou Kakuta. — Os enfermeiros cuidarão dessa gente. Se não pensarmos exclusivamente na nossa tarefa, todos os cidadãos da Terceira Potência estarão perdidos, e não apenas os poucos que estão ali. O prédio tem uma saída pelos fundos?

— Tem. Leva a uma rua particular dos residentes.

— Vamos, Goratchim. Talvez por lá a confusão não seja tanta.

A suposição de Kakuta se revelou mais verdadeira do que ele desejava. A rua particular parecia varrida de gente.

Saíram do terreno.

Naquele instante, a porta do edifício do outro lado da rua se abriu. Um robô saiu.

Kakuta levantou o radiador manual e disparou. Ao mesmo tempo efetuou uma teleportação reflexiva, que o colocou sob o abrigo do edifício.

A reação de Goratchim não foi tão rápida. Não pudera ver o robô. Quando percebeu ao mesmo tempo o perigo que o ameaçava e a fuga de seu aliado, quase se sentiu tomado pelo pânico.

Por alguns segundos permaneceu imóvel em plena rua. Aguardou o golpe mortal. Algumas frações de unidade de tempo se passaram. Ainda estava vivo.

Depois disso, a vontade de Goratchim se concentrou sobre o robô, que provavelmente hesitara porque o homem de duas cabeças lhe causara certa perplexidade. E essa hesitação foi seu fim. O mutante Goratchim não teve que fazer outra coisa senão pensar, e o cálcio contido no robô desfez-se numa devastadora reação em cadeia.

 

— Gostaria de saber onde está Tako — disse Rhodan. — Afinal, ele não podia deixar de perceber o que aconteceu no quarteirão J-D III.

— Como teleportador não terá o menor problema em escapar ao cerco — afirmou Manoli. Não compreendia como o chefe poderia ter esquecido esse fato.

— Ele poderá. Mas não conseguirá tirar Goratchim de lá.

— Então seu segredo foi esse Goratchim — gemeu Reginald Bell. — Por que não nos lembramos logo de recorrer a ele? Era uma idéia tão simples. Será que há algo de errado com nossa capacidade de reação? Eric, o que me diz?

— Quer que eu responda na qualidade de médico?

Rhodan interrompeu o debate com um ligeiro movimento de mão.

— Se é que você procura uma explicação psicológica, Bell, esta só pode ser uma. Em nosso subconsciente confiamos demais na orientação estratégica fornecida pelo cérebro P. Todo este alarma complicado foi previamente programado. Mas nesse alarma não havia lugar para Goratchim, porque o cérebro não o incluía em seus cálculos. Nossa programação de alarma já tem algum tempo. Acontece que Goratchim só veio para junto de nós há pouco.

O quarteirão J-D III estava praticamente cercado pelo exército de robôs. Rhodan interrompeu sua exposição. Todos sabiam que naquele momento o importante era agir. E o curso que os acontecimentos tomaram nos próximos minutos realçou ainda mais a necessidade de ação.

O coronel Friedrichs lançou helicópteros armados contra o quarteirão J-D III. Bell imediatamente deu contra-ordem.

— Será que o senhor ficou louco, coronel? O senhor está atirando para uma área cheia de civis.

— As frentes estão misturadas. Se quisermos poupar a vida de nossa gente a qualquer preço, já não poderemos atingir os robôs.

— Peço-lhe que deixe a decisão desse tipo de problema por minha conta. Instrua seus homens a chegar mais perto do inimigo. Procure atingir os robôs um por um. Mas não extermine a inteligência da Terceira Potência.

Todos compreenderam que a decisão de Bell transformava o grupo de helicópteros num comando suicida. Os robôs já haviam derrubado três aparelhos. E o raio antigravitacional, que representava a arma mais perigosa, tinha que ser utilizado em escala cada vez maior. Em todos os pontos as frentes se misturavam numa luta corpo a corpo. Quem fosse subtraído à ação da gravitação terrestre, passaria a rodopiar no ar. Com isso o caos seria completo.

— Bell para o coronel Friedrichs. Concentre uma onda de ataque com todas as forças aéreas disponíveis exclusivamente sobre o quarteirão J-D III. A área tem que ser libertada de qualquer maneira.

Por três minutos permaneceram em silêncio diante da tela do videofone. A ordem de Bell causou uma alteração instantânea na ordem de batalha.

O ataque concentrado contra o quarteirão J-D III transformou a área num verdadeiro inferno. Mas percebia-se pelo emprego rigoroso do fogo dirigido que as perdas dos homens mecanizados eram muito maiores. Os fugitivos puderam respirar, e conseguiram recuar um pedaço.

A cunha dos robôs revoltados perdeu tempo e energia. Até parecia que os indivíduos cibernéticos se impressionaram com a tática. Por um instante davam a impressão de não saber como as coisas iriam continuar.

Bell exultou:

— Estão confusos. Friedrichs! Retire imediatamente os reforços e concentre-os no quarteirão H-G VII. Repita a manobra.

— Se você tiver alguma objeção contra minhas disposições intuitivas, Rhodan, avise logo — prosseguiu Bell, Voltando-se para o amigo. — Ainda não sei o que houve com Kakuta e Goratchim e não tenho a menor idéia do que você pretende fazer com eles.

— Continue assim, Bell. É só por meio de uma série de mudanças táticas que você conseguirá confundir os robôs, se é que isso se torna possível.

Ninguém falou nas próprias perdas, muito embora Friedrichs tivesse perdido mais quatro helicópteros.

Finalmente Tako transmitiu um aviso pelo telecomunicador portátil.

— Acordei Goratchim, Rhodan. Ainda estamos na casa dele. O ataque maciço valeu ouro. Poderia mandar para cá o tanque mais próximo? Ivã é um atacante de primeira, mas suas defesas contra um ataque à traição são muito débeis.

— Está bem. Continue no interior da casa. Mandaremos uma máquina com um forte campo energético.

— Obrigado.

O capitão Klein tomou suas providências sem aguardar uma ordem expressa. No quarteirão J-D IX havia dois tanques de setenta toneladas. Klein mandou que seguissem imediatamente para a residência de Goratchim.

— Um dos dois tem que dar um jeito de passar. Protejam-se mutuamente.

— Às ordens, capitão — disse o primeiro-tenente em tom seco e interrompeu a comunicação.

O ataque contra o quarteirão H-G VII não produziu tanto efeito. Talvez fosse porque os robôs já se haviam adaptado ao plano de Bell.

— Temos que pensar em outra coisa.

A constatação foi bastante deprimente. A concentração das forças sobre dois pontos também trouxera suas desvantagens. Dentro de poucos minutos as duas tenazes que os robôs estendiam para o norte conseguiram realizar um grande avanço.

— Esses patifes aproveitam qualquer chance — resmungou Bell. — Deviam supor que os pontos em que nossa defesa é mais forte são aqueles em que ficam os objetivos mais importantes. Será que isso é inteligência?

— Na minha opinião — interveio Dr.Manoli — o mais importante será descobrirmos de que forma se comunicam entre si. Só assim poderemos descobrir seus planos.

— Não diga tolices. Sabemos perfeitamente como se comunicam. Mas não sabemos quem os comanda.

— Pois é isso.

— Consegui. Querem fazer o favor de ficar quietos por um instante?

Todos olharam para Tanaka Seiko, que até então não dissera praticamente nada. Entre os mutantes aquele japonês esbelto e delicado sempre fora conhecido como um homem quieto e introvertido. Esse traço de caráter teria que se cristalizar forçosamente com base na capacidade parapsicológica da goniometria. Perscrutava seu interior com uma intensidade muito maior que um telepata. Seu sexto sentido consistia, sob o ponto de vista puramente técnico, num aparelho de rádio extremamente complicado, cuja sofisticação ainda não havia sido alcançada pela mão do homem ou dos arcônidas. Seiko ouvia as ondas de rádio. Além disso, estava em condições de realizar espontaneamente a determinação de uma freqüência de ondas, que lhe revelava com toda nitidez o conteúdo da transmissão que desejasse captar.

Aquela concentração, que perdurava por vários minutos, sempre resultava em certa debilidade física.

Sentado numa poltrona, manteve-se de olhos fechados.

— Conseguiu o quê, Tanaka?

Seiko fez um gesto de recusa, que fez com que mesmo Bell e Rhodan se calassem. Obedientes, mantiveram-se à espera.

O zumbido do videofone se fez ouvir. Justamente no momento mais impróprio! Bell se limitou a girar o botão de recepção, que eliminava imagem e som. Pegando o microfone, cochichou:

— Aguarde um instante. No momento a recepção é impossível.

O interlocutor do outro lado protestou com veemência. Mas não chegou a ser ouvido.

O que fora conseguido por Tanaka? A questão mais importante era esta.

Pouco depois Tanaka se descontraiu.

— Consegui captar uma das freqüências pelas quais os robôs se comunicam. Os saltadores devem ter modificado seu mecanismo de radiocomunicação. Temos que sair daqui, Rhodan.

— Por quê? Afinal, os robôs não têm força aérea e ainda se encontram a um quilômetro e meio daqui.

— Um dos seus espiões descobriu que o quartel-general de nossas forças de defesa fica aqui, no escritório do capitão Klein. Até aqui acreditavam que ficasse no edifício da sede do governo.

— Está bem. Procure captar novas mensagens, Tanaka. E esforce-se para não perder a freqüência. Se nós o incomodarmos, fique na sala ao lado.

— Acho que seria o melhor.

Seiko se retirou.

— ...recuso toda e qualquer responsabilidade. Com todo respeito que lhes dedico.

O súbito berreiro saiu do videofone, que Bell voltara a regular para o volume máximo. Na tela viu-se o rosto furioso do coronel Friedrichs.

— Agora chegou sua vez, coronel.

— Já estava na hora. Minhas tropas já não estão em condições de manter qualquer posição. Lançar homens contra robôs, isso é uma...

— Diga logo de que se trata, coronel! — trovejou Bell.

— Minhas perdas já chegam a um total de quatorze helicópteros. Preciso do apoio das forças de terra.

— O apoio é o senhor, coronel. Sinto muito. Não dispomos de outras máquinas e não temos onde buscá-las. Por questões de segurança a abóbada energética permanecerá fechada. Retire suas unidades por dez minutos e reagrupe-se com os remanescentes. O Exército de Mutantes lhe dará apoio. Aguarde novas instruções.

— Dentro de dez minutos os robôs chegarão ao nosso quartel-general, se não forem atacados pelo ar. Peço permissão para transferir meu estado-maior para o norte.

Bell lançou um olhar indagador para Rhodan. Este se limitou a acenar com a cabeça.

— Está bem. Retire-se para a quadra A-N XII, coronel. Com isso chegará bem perto do espaçoporto. Mas não se esqueça de que depois disso sua posição não mais poderá ser modificada.

— Obrigado.

A comunicação foi interrompida com um estalo.

— Vamos aos mutantes, Rhodan! Não temos outra alternativa.

Sem dizer uma palavra, Rhodan passou os olhos pelo grupo que o cercava.

— Ishi, você é uma mulher e uma telepata. Suas qualidades não podem ser utilizadas num confronto com robôs. Gostaria que se retirasse para a quadra administrativa.

Obediente, Ishi acenou com a cabeça.

— Imediatamente?

— Sim, faça o favor.

Ishi Matsu fechou seu traje arcônida e se despediu. Decolou do telhado do edifício e desapareceu, tornando-se invisível aos olhos de qualquer robô.

— Os outros ficarão aqui até que sejamos cercados. Capitão Klein, avise o batalhão de guardas sobre a nova situação. Mande que se mantenham em rigorosa prontidão. Todos os veículos que disponham de campo energético próprio devem se reunir num grupo de defesa.

— Às ordens.

A tela já revelava o perigo da nova situação. De início o plano dos robôs só se revelava vagamente. Mas Tanaka informou todas as pessoas que se encontravam no recinto sobre o objetivo visado pelos movimentos das máquinas de guerra. De repente concentraram quase um quarto de seus efetivos num avanço para o leste. Já teriam percebido a fraqueza momentânea das defesas humanas? Sem os ataques vindos do ar praticamente não encontravam resistência. Despedaçavam blocos inteiros de prédios quando numa rua alguém abria fogo sobre eles, por mais reduzido que fosse. A três quadras do quartel-general do capitão Klein defrontaram-se com a primeira linha de defesa mais fortemente estruturada. Três tanques enfileirados formavam uma grande barreira energética, que cobria toda a pista de rolamento. O fogo concentrado de suas armas de impulsos abateu a energia defensiva de sete dos atacantes; sete robôs desfizeram-se na incandescência provocada pelos tiros.

Mas os robôs não conhecem medo.

Num fanatismo cego, a frente por eles formada deslocou-se em direção aos tanques.

Naquele instante foi derrubado numa outra rua o helicóptero que propiciava a transmissão da imagem no sistema de videofone.

No quartel-general perdeu-se todo contato ótico com os acontecimentos. Reginald Bell soltou uma terrível praga.

 

Ivã Goratchim não era feio apenas por possuir duas cabeças. Seu aspecto geral era simplesmente monstruoso. Era um dos numerosos mutantes negativos nascidos na Sibéria depois das primeiras experiências realizadas com bombas atômicas. Os aspectos negativos revelavam-se de várias formas.

A altura de dois metros e meio, as disformes pernas de coluna, sua pele esverdeada e escamosa e seu corpo anguloso e desajeitado eram suficientes para provocar a impressão de se tratar de um monstro.

No caráter e na capacidade biológica era uma combinação quase paradoxal entre o bem e o mal. Se não fosse a mutação que o transformara num detonador, poderia se dizer que era uma criatura inofensiva. Ambas as cabeças impunham a ele um gênio paciente, ingênuo e submisso. Desde a infância costumava ser chamado de monstro. Isso produzira em sua mente um pronunciado complexo de inferioridade. Até então, praticamente não chegara a tomar qualquer iniciativa. Durante o curso de uma geração, seus dois cérebros haviam se acostumado a uma espécie de concorrência. Com isso sua capacidade mental se consumira. Era bem verdade que, perante um terceiro, as duas cabeças se mantinham unidas como se fossem uma só. Mas esse fato não substituía a ausência da vontade de impor-se.

Ivã Goratchim transformara-se numa criatura tipicamente submissa. Só queria servir para ser recompensado com o amor do próximo.

O legendário Supercrânio, que há algum tempo cobrira a Terra e a Terceira Potência, com uma ameaçadora guerra de guerrilhas, fora o descobridor estratégico de Ivã. Tirara-o da tundra siberiana e lançara mão dele para seus desígnios maléficos. E Ivã era fácil de aproveitar. Afinal, era ingênuo... e era um detonador.

Essa última qualidade, que mais tarde lhe conferiria um lugar de destaque no Exército de Mutantes de Rhodan, consistia no fato de que suas energias mentais provocavam nos compostos do cálcio e do carbono o mesmo efeito que um impulso térmico produz na pólvora. Bastava que Ivã Goratchim se concentrasse, para que os átomos de cálcio entrassem num processo de fissão nuclear. Acontece que o cálcio e o carbono estão praticamente em toda parte. Por isso Goratchim, o detonador, estava em condições de matar qualquer ser vivo e destruir qualquer objeto, desde que sua mente se concentrasse intensamente para isso. Era ali que terminava seu caráter inofensivo.

A destruição do robô de combate provou o fato.

Ivã viu-se diante de um montão de escombros de metal e de massa plástica. A visão daquilo restituiu-lhe um pouco de sua autoconfiança. Não era uma criatura indefesa. Nem mesmo contra essas impiedosas máquinas de guerra. Apenas teria que agir com cautela. E esta idéia fez com que se retirasse imediatamente para trás do muro que cercava a área de onde acabara de sair.

A rua ficou vazia. Não foi disparado mais nenhum tiro. Mas o que aconteceria se saísse de trás do muro? Não teria sido visto por outro robô que se mantinha escondido? Do outro lado da rua havia centenas de janelas. Atrás de qualquer uma delas a destruição poderia estar à espreita.

Esperou. Quando se lembrou de Tako Kakuta, voltou a sentir medo. Por que o teleportador havia desaparecido? Certamente apenas porque aqui o ambiente estava carregado de chumbo e de energia. De repente, o barulho cresceu enormemente. O ouvido já se acostumara aos ruídos da luta que se desenrolava em ruas distantes. Mas agora mais de vinte helicópteros corriam pelo céu e disparavam seus radiadores de impulsos térmicos. A rua já não estava vazia. Dois, três robôs apareceram e de pernas duras foram caminhando na direção oposta à que tinham vindo. Outros juntaram-se a eles.

Ivã olhou pelo canto do muro e voltou a se abrigar. Uns trinta robôs de combate estavam desfilando pela rua. Parecia ser uma retirada.

Será que isso significava que Perry Rhodan já conquistara a vitória?

A ingenuidade de Goratchim era pronunciada demais. Logo esqueceu a prudência. Se Rhodan estava vencendo, o mais terrível de seus mutantes não poderia deixar de dar sua contribuição para a vitória.

Levantou-se. Sua altura equivalia a quase duas vezes a do muro. A cabeça e o tórax estavam desprotegidos. Os robôs estavam a menos de vinte metros.

Para eles a percepção e a reação eram simultâneas. A vantagem de Ivã consistia unicamente na surpresa. Ele o sabia.

Antes de se levantar, preparara rapidamente a concentração de seus pensamentos. Os dois cérebros completavam-se numa cadeia de relés. Só por isso seu ataque alcançou um êxito parcial.

Mais de uma dezena dos guerreiros artificiais perderam a vida no instante em que estavam começando a perceber o perigo. Mas os que se encontravam na segunda e na terceira fila tiveram tempo de reagir. Viram o mutante de duas cabeças e não perderam tempo em se espantar com o aspecto pouco humano do mesmo. O ataque de Ivã era sinal de sua periculosidade. E os robôs se orientavam exclusivamente por essa circunstância.

Fizeram pontaria com seus olhos estereoscópicos, que incluíam o mecanismo de pontaria. O funcionamento do radiador de impulsos térmicos era automático.

Nesse instante alguma coisa pegou nas pernas de Ivã Goratchim, que caiu estendido na grama plantada atrás do muro. Espantados, seus dois pares de olhos fitaram o rosto de Tako Kakuta, que se mantinha agachado atrás do muro.

— Vamos embora! Siga-me, seu idiota! Fique grudado no chão, arrastando-se sobre os cotovelos e os joelhos.

Para um teleportador era uma maneira pouco usual de se afastar de uma área de perigo. Mas a esta hora não poderia se transferir para outro lugar pela simples força de seu desejo. Levava a reboque a figura desajeitada de Goratchim; não poderia abraçá-lo e levá-lo num salto teleportado.

Logo perceberam que a intervenção de Kakuta fora necessária. Antes que a criatura de duas cabeças tocasse a grama, os primeiros feixes de raios térmicos passaram por cima dele e demoliram a parede do edifício. Depois disso os robôs baixaram a direção dos tiros, fazendo pontaria sobre o muro.

Lascas de pedra esvoaçaram em torno das cabeças de Tako e Ivã. Sentiram que o calor aumentava a seu lado. Quando tinham percorrido uns dez metros, o muro cedeu. O raio energético dissociara o silício dos elementos a que estivera ligado, derretendo-o a uma temperatura de quase dois mil graus centígrados. O muro se desmanchou num fluxo de lava incandescente. Havia um buraco nele.

Será que os robôs acreditavam terem liquidado o inimigo?

Não teriam bastante inteligência para saber que o homem é um ser que sabe rastejar? Tinham. E estavam programados para se orientar pelas reações humanas. Se o homem tivesse fugido, ele teria se deslocado para a direita. Logo, prepararam-se para abrir outro buraco no muro. Mas Tako fizera exatamente o oposto daquilo que as máquinas esperavam. Rastejara para o canto do jardim que ficava mais próximo aos robôs. E Ivã seguira-o docemente.

— Agora estão a apenas dez metros de nós — cochichou o teleportador. — O próximo ataque tem de ser muito bem preparado. Concentre-se com bastante antecedência na destruição, Ivã. Eu me teleportarei para a casa em frente e atirarei da janela com meu radiador de impulsos térmicos. Você só deve detonar no máximo por três segundos. Depois disso, atire-se ao solo e rasteje o mais depressa possível. Deixe o resto por minha conta.

Com uma pancada no ombro de Ivã, Kakuta se despediu.

Tudo se passara numa questão de segundos. Pelo que se concluía dos ruídos, os robôs dispunham-se a prosseguir na sua caminhada. Goratchim se concentrou. O primeiro tiro foi disparado do prédio em frente.

Tako visou a fileira da frente, formada por quatro robôs que ainda disparavam sobre o muro. Por isso o radiador de impulsos produziu efeito dentro de poucos segundos. Quando o feixe de energia atingiu o reator, o campo protetor deixou de existir.

Doze ou quatorze dos robôs de quatro braços se viraram instantaneamente e visaram o novo inimigo. Mas a aparição de Tako na janela não passou de uma sombra fugaz. O japonês executou novo salto, que o levou ao prédio vizinho, dois andares abaixo. Logo correu para a janela a fim de sondar a situação.

Ivã Ivanovitch estava de pé atrás do muro.

Não houve nenhum relâmpago, nenhum raio energético que envolvesse aquela figura petrificada. Permaneceu ali apenas por três segundos, mas sua rigidez e concentração dava a impressão de que ali fora colocado para toda a eternidade. Mas foi apenas um instante da eternidade que decidiu o destino de nove dos robôs de combate.

No centro de seus ventres teve início a reação em cadeia dos átomos de cálcio. Isso foi sua morte.

Ivã obedeceu à ordem que lhe fora dada. Deixou-se cair sem aguardar o resultado da detonação por ele provocada. Os cinco robôs que ainda restavam puseram-se em movimento sem muita perda de tempo. Dois foram para a direita, três para a esquerda.

Kakuta liquidou um deles, deu um salto de trinta metros através das paredes e destruiu mais um.

Goratchim, que de repente se esquecera de todo cuidado, tomou conta do resto. Abriu os braços e deixou-se cair para o lado da rua. Só pensava na destruição do inimigo.

O grito de advertência de Kakuta revelou-se inútil. Os robôs não estavam à altura dessa investida de apaixonada concentração humana. Os que ainda restavam sucumbiram ao fogo que consumiu seus corpos artificiais.

A rua estava livre. Kakuta surgiu ao lado de Ivã.

— Que diabo! Não lhe proibi este tipo de leviandade? Qualquer outro homem preza sua vida e age com cautela. Mas você...

Goratchim exibiu dois rostos decepcionados. Esperava que seu ato merecesse uma recompensa sob a forma de um elogio. Obediente e sacudindo a cabeça dupla, seguiu o japonês para um edifício, de onde o mesmo solicitou, pelo telecomunicador, o envio de um carro blindado.

 

— Estamos entrando na última fase — murmurou Perry Rhodan em tom obstinado. — É ela que decidirá quem de nós é o mais forte.

Essa idéia não deixou os amigos muito satisfeitos. Poucas vezes o chefe deixara o resultado de um combate em aberto como o fizera desta vez. Sempre confiara sua segurança e a dos indivíduos que o cercavam à técnica de que dispunha. Hoje, porém, parte da técnica da Terceira Potência passara-se para o lado do inimigo. Esse fato alterara profundamente a situação.

O cerco em torno do quartel-general do capitão Klein tornava-se cada vez mais apertado. Os robôs haviam esmagado a maioria das linhas de defesa colocadas nas ruas. O chão estava começando a arder sob os pés, no sentido literal da expressão.

Rhodan deu ordem de retirada ao seu estado-maior.

— Bell, não faça essa cara de herói frustrado! Hoje não se trata de demonstrar coragem, mas de não queimar os dedos... Fechar os trajes de combate. Capitão Klein, avise o comandante do batalhão de guardas. Faremos o possível para providenciar o revezamento quanto antes.

Klein fez continência e saiu. Rhodan mexeu na sua pulseira para chamar Kakuta.

— Alô, Tako! Vamos nos transferir para um edifício de escritório. De qualquer maneira, procure chegar até aqui com o Ivã, a fim de apoiar a tropa de Klein. No momento não tenho outras ordens. Os dois tanques já chegaram?

— Não senhor.

— Pois espere. Não deverão demorar.

O capitão Klein voltou.

— Tudo liquidado, chefe.

Rhodan confirmou com um aceno de cabeça.

— Todos conhecem o objetivo. Vamos embora! Não se esqueçam de ligar os defletores de raios luminosos. Nossa retirada deve ser invisível.

Decolaram do telhado. Cada traje arcônida era um veículo. Rhodan flutuou no ar por algum tempo, para colher uma impressão sobre a situação geral. Não parecia ser boa. Mais de um terço do território coberto pela abóbada energética estava em poder dos robôs.

— Wuriu — gritou Rhodan pelo telecomunicador, enquanto voavam.

— Sim.

— Estou me lembrando do helicóptero destruído. Fique aqui por uma hora e mantenha-me informado sobre a situação. Não podemos nos dar ao luxo de ficarmos cegos no nosso escritório.

— Perfeitamente!

O contato através do telecomunicador não representava o menor risco. Os robôs talvez conseguissem captar transmissões radiofônicas normais, mas não as do aparelho audiovisual que trabalhava por meio de impulsos codificados.

Pousaram no telhado do arranha-céu em que ficavam as repartições do governo. Quando regulavam seus trajes para a posição zero houve alguma exaltação, logo transformada numa sensação de alívio. O edifício do governo estava cheio de gente retida em seu local de trabalho por causa do alarma.

— A situação não está boa, não é, senhor Rhodan? — perguntou uma jovem funcionária.

Pela primeira vez naquelas horas o chefe da Terceira Potência conseguiu esboçar um ligeiro sorriso.

— Não, senhorita Grohte, a situação não está boa. Mas estamos nos esforçando ao máximo para que as coisas logo se modifiquem a nosso favor. Mantenha-se no seu posto, para que tudo dê certo.

Pegaram o elevador e desceram ao escritório de Bell. Chegando lá, encontraram Crest e Thora, os dois arcônidas que nessa situação de alarma não tinham qualquer tarefa especial a desempenhar, mas deviam permanecer naquele pavimento por motivos de segurança.

Thora, a mulher vinda do longínquo planeta de Árcon, logo se aproximou de Rhodan.

— Como estão as coisas, Perry?

O tratamento familiar não combinava com o olhar petrificado. Rhodan deu de ombros.

— A decisão não deve demorar, Thora.

— Você devia colocar um girino à nossa disposição, Perry. Crest e eu temos o direito de nos mantermos afastados desta luta.

— Não há dúvida. Acontece que nosso plano exige que a abóbada energética permaneça fechada. Ninguém pode sair do centro de Terrânia.

— Não vejo por que...

— Está bem. Se as coisas se tornarem críticas por aqui, voltaremos a falar a respeito. Por enquanto a área governamental não corre o menor perigo. O front está sob controle.

A arcônida teve de se contentar com a explicação.

Pouco depois Kakuta chamou.

— Os tanques chegaram. Entramos neles e seguimos na direção indicada.

— A terceira linha de defesa que cerca o batalhão do capitão Klein foi rompida — anunciou Wuriu Sengu. — O edifício está ao alcance dos tiros do inimigo. O avanço pelos flancos foi retardado. Mas o inimigo está formando uma cunha central que avança em direção à área governamental.

— Aí está — constatou Thora.

Ninguém deu atenção às suas palavras. Bell mandou que todos os helicópteros disponíveis voltassem à luta. O coronel Friedrichs confirmou o recebimento da ordem em tom resignado.

Rhodan pareceu tomar uma decisão:

— Se a entrada em ação de Ivã coincidir com o ataque dos helicópteros, tenho alguma esperança no êxito da operação. O resultado seria ainda melhor se recorrêssemos a um terceiro fator. Bell, você está no comando; não precisa de mim. E pode dispensar Anne e Kitai.

— Basta que Tanaka fique comigo para captar as ondas irradiadas pelo inimigo. Mas afinal, o que pretende fazer?

— É o terceiro fator. Nosso grupo de choque será invisível. Isso representa uma boa vantagem.

Rhodan não deu outras explicações. Não podia perder tempo, pois do contrário o apoio do novo grupo poderia chegar tarde.

Os três se retiraram e desceram ao quarto subterrâneo. Ali cada um deles pegou cinco bombas explosivas normais, que apesar de seu peso reduzido produziam o efeito de uma tonelada de TNT por bomba.

O comandante dos blindados era o sargento Cry. Era uma alma paciente e um gênio na distribuição de cargas, pois conseguiu, num espaço de três minutos, acomodar os dois metros e meio do corpo de Goratchim no espaço estreito de um blindado. E não foi só isso! Ainda conseguiu abrigar a tripulação normal e Tako Kakuta.

Os homens de Terrânia já tinham conhecimento das faculdades de Ivã. De repente se sentiram muito seguros no interior do blindado. Cry apenas ficou quebrando a cabeça sobre a maneira pela qual Ivã trabalharia. Pois não podia se mexer muito.

— Isso não tem importância — disse e cabeça da direita. — Não existe campo protetor que possa resistir à força dos meus pensamentos. Ainda menos o dos robôs. E este pedacinho de aço dos seus tanques para mim não é nada. Apenas preciso ter um pouco de visão pela fenda de observação...

— Aqui está um telescópio. Com isso a visão será melhor e mais confortável.

— Muito bem, companheiro — disseram as duas cabeças de Goratchim, alegrando-se ao mesmo tempo.

Os blindados andavam bem juntos. Seus campos protetores podiam ser regulados para um efeito aditivo, desde que os geradores ficassem a uma distância menor que o triplo do raio do campo energético. Qualquer comandante de tanque conhecia o truque. Mas o mesmo pressupunha grande habilidade de quem dirigisse o veículo, pois as esteiras dos dois tanques não podiam ficar a uma distância superior a vinte centímetros.

A área em torno da quadra J-D III estava vazia. Vez por outra viam-se mortos ou robôs destruídos. Os destroços das casas desmoronadas não representavam qualquer obstáculo para aqueles colossos.

Dali a duas quadras começou a área controlada pelos robôs. A primeira linha foi liquidada por um impacto casual da peça de artilharia do blindado. Mas a situação logo se tornou crítica. A troca de tiros atraiu uma dezena de inimigos, que se lançaram ao ataque em frente ampla.

— Cuidado, Ivã! — gritou Tako Kakuta.

— Eu os vejo no telescópio. Devo...?

— É claro que sim. O que está esperando?

A força demoníaca da mente de Goratchim pôde se desempenhar em toda a plenitude. Não precisava pensar na fuga, pois confiava nos campos protetores dos blindados. Por isso conseguiu se concentrar integralmente no ataque.

Os robôs estouraram. Foram reduzidos a uma coisa incandescente indefinível.

O contra-ataque dos dois veículos passou por cima deles.

Mais uma quadra.

Outros inimigos. Mais de trinta, que logo abriram um fogo permanente e concentrado.

— Isso é demais! — gritou Cry. — Nossos campos protetores não agüentam. Temos que recuar.

— Espere um instante! — respondeu Kakuta, também gritando.

Cry era o comandante, mas um oficial do Exército de Mutantes sempre seria seu superior.

Um tremeluzir inquietante surgiu diante da lâmina do visor. O campo energético estava sendo solicitado até o limite de sua capacidade. Finalmente a força do ataque diminuiu. Os pensamentos devoradores de Ivã haviam encontrado seu caminho.

A rua estava livre.

Para a frente!

O suor porejava nos rostos.

Para a frente!

Os helicópteros trovejavam em vôo baixo. Ainda bem que tinham voltado.

Para a frente!

Destino: o quartel-general do batalhão de guardas de Klein. O videofone transmitia gritos de socorro ininterruptos vindos de três posições cercadas.

— Agüentem! — foi a ordem que Bell transmitiu do edifício do governo.

Era um consolo débil para os defensores. O som das armas de impulsos dos helicópteros que voltaram a intervir foi bem mais agradável. Vez ou outra surgiu até um acesso de otimismo, quando a rádio governamental da Terceira Potência transmitiu os êxitos observados por Wuriu Sengu.

— O mutante Ivã Goratchim acaba de entrar em ação. Nos últimos cinqüenta minutos destruiu setenta e dois robôs de combate.

Passaram pelo cruzamento de duas ruas principais.

Faltavam trezentos e cinqüenta metros para atingir o batalhão de guardas do capitão Klein.

Não se via nenhum inimigo.

— Cuidado! — disse Kakuta. — Os robôs gostam de lutar em campo aberto. Mas não devemos confiar demais nisso. Hoje de manhã fiquei sabendo que às vezes gostavam de pregar surpresas.

Foi o que aconteceu nesse instante.

Os quatro edifícios de esquina, todos eles de doze andares, explodiram ao mesmo tempo. Milhares de toneladas de concreto subiram para o alto e caíram no cruzamento. Os campos energéticos dos blindados protegeram-nos contra o impacto propriamente dito, mas nem mesmo os motores nucleares conseguiram movê-los.

— Estamos presos! Que surpresa!

Cry nunca deveria ter dito isso. Ao que parecia os robôs estavam bem informados sobre as transmissões da rádio Terrânia. Foram avançando de quatro lados ao mesmo tempo. Eram muito mais de cem.

Cry gritou para dentro do videofone.

— Solicito apoio aéreo imediato no cruzamento da Alameda Kepler com a Rua Fermi. Cento e cinqüenta robôs estão atacando o grupo de choque Goratchim. Os tanques estão presos nos destroços de concreto.

Ivã teve que esperar. Quanto mais próximo se encontrasse o objeto, maior era a eficiência de sua energia mental. Mas Kakuta e Cry apressaram-no.

— É bem possível que os robôs comecem logo. Quase alcançaram a distância crítica.

No mesmo instante o pó de concreto esguichou diante do visor. O chiado dos geradores revelava que os mesmos estavam sendo forçados ao máximo de sua capacidade.

— Deixem toda a energia para o campo protetor — berrou Cry. — Não atirem mais.

O ataque ficou exclusivamente a cargo de Ivã. Este se esforçou o mais que pôde e registrou alguns êxitos. Mas os robôs estavam tão longe que não poderia atingir todos de um só golpe.

— Se eles perceberem que o alcance do detonador é limitado, estamos perdidos.

— Helicópteros! — gemeu o sargento no seu assento de piloto.

Sua voz não parecia muito confiante.

A imagem que surgiu na tela revelava que o tanque ao lado não emitia qualquer energia. Fora atingido. A potência do campo energético comum estava reduzida à metade.

— É o fim! — afirmou o sargento. — Saiam!

— Revogo a ordem — berrou Kakuta. — Não perca a cabeça, Cry. Já pensou o que farão com você se andar pela rua? Sargento, tente deslocar o tanque para trás.

O sargento obedeceu. Mas não conseguiu mover o tanque um centímetro sequer.

E não era possível se libertar por meio de disparos energéticos, porque os destroços que teriam de ser removidos encontravam-se num ângulo morto.

— Coloque toda energia no campo protetor, sargento. É nossa última salvação. Ivã, faça o favor de andar mais depressa.

Ivã e Ivanovitch responderam com um gemido. Três, quatro, cinco exemplares do inimigo foram para os ares.

— Muito bem, Goratchim! É assim que eu gosto! Dê-lhes mais. Daqui a pouco estaremos ao alcance do fogo deles. Até agora esses caras só dispararam alguns tiros espalhados. Quando concentrarem todo o fogo nos poucos metros quadrados do nosso tanque, nem teremos tempo para pensar.

O zumbido do gerador de campo subiu na escala e perdeu-se na freqüência mais elevada, imperceptível ao ouvido humano.

Calor!

Suor nos olhos!

Seria apenas imaginação? Ou será que o campo energético já estava cedendo?

— Ivã! Ótimo! Mas dê-lhes mais, muito mais. São mais de cem.

Kakuta abriu a gola da camisa, para respirar melhor. Seu instinto insistia para que executasse um salto teleportado, que o colocaria a salvo. Mas tinha de ficar ao lado de Goratchim. Era responsável pelo mesmo.

Os robôs se lançaram ao ataque geral.

 

— Lançar! — ordenou Rhodan.

Seis bombas explosivas caíram do nada aparente e detonaram em meio à falange maciça dos robôs, atirando-os para todos os lados. Os campos energéticos protegiam-nos contra os estilhaços. Mas o deslocamento de ar atirou-os para o alto. Era este o momento de Anne Sloane e do neutralizador gravitacional.

Protegida pela invisibilidade de seu traje, a telecineta descera até um ponto bem próximo ao solo, flutuando entre os telhados de dois prédios. Concentrou-se sobre o caos formado pelos inimigos privados do apoio sobre o solo. Com um único pensamento atingiu um grupo de vinte robôs, impelindo-os para o alto.

Quando atingiram a altura de oitenta metros, Anne retirou a força cinética de suas vítimas e deixou que caíssem livremente ao solo. O impacto transformou os robôs em sucata.

— Vamos repetir a dose!

Naquela rua Anne Sloane dependia exclusivamente de si mesma. É que estavam em três e tinham que repelir os ataques que, divididos em três cunhas vindas do norte, sul e leste, procediam numa obstinação mecânica contra o tanque encalhado.

Tako Kakuta captou a última mensagem vinda pelo telecomunicador.

— Rhodan está presente. Anne Sloane, a telecineta, também. Eles nos tirarão daqui, Ivã. Agüente mais um pouco.

— Vamos fazer mais três lançamentos de duas bombas de cada vez — ordenou Perry Rhodan.

Mais uma vez o caos se instalou entre os robôs. A mesma coisa que Anne Sloane conseguia realizar com seu cérebro, Kitai Ishibashi e Rhodan faziam indiretamente por meio dos antígravos. Assim que as máquinas rebeldes perdiam o apoio em virtude das explosões, a força gravitacional era retirada. Os robôs subiam que nem bolhas de sabão, para despencarem em queda livre.

Nenhum deles resistia à queda.

Poucos robôs conseguiram se manter no solo e desapareceram no interior dos edifícios mais próximos. O ataque contra o tanque comandado por Cry foi suspenso.

— Estamos salvos — constatou Tako Kakuta.

— Muito bem. Iremos até aí — comunicou Rhodan. — Anne e Kitai, pousem imediatamente no cruzamento. Não se esqueçam de deixar ligados os defletores de luz. É bem possível que ainda haja alguns robôs atocaiados.

A tripulação do outro tanque estava morta. O lado esquerdo do veículo havia sido esmagado.

Anne Sloane se aproximou do tanque comandado por Cry e se concentrou.

Até parecia obra de fantasmas: de uma hora para outra, blocos de concreto de cem quilos pareciam se mover por sua própria força, deslocando-se para o lado. Aos poucos os destroços que impediam o movimento do blindado foram sendo removidos.

— Ligue o motor.

Cry transmitiu a ordem de Rhodan. Não houve mais qualquer problema para o tanque.

— Muito obrigado, chefe! Foi formidável!

— Não há por quê. Dirija-se ao lugar em que está o batalhão do capitão Klein. Acredito que do lado de cá o cerco já foi rompido. De qualquer maneira, tenha muito cuidado. Como vai Goratchim?

— O estado dele é excelente — disse Kakuta. — Está entusiasmado com o seu trabalho.

 

Acompanhado dos dois mutantes, Rhodan realizou um vôo de inspeção por cima das linhas de combate Do lado leste das três posições cercadas, a situação também parecia bastante perigosa. Os robôs haviam cercado o regimento de guardas de uma usina de força, infligindo-lhe graves perdas humanas.

— Vamos repetir o exercício — disse Rhodan. — Agiremos como da outra vez. Que diabo é aquilo?

Ainda se encontravam a uma distância de mil metros. Diante de seus olhos uma dezena de robôs flutuou no ar e se precipitou ao solo.

Mensagem transmitida pelo telecomunicador.

— Indagação geral. Quem está agindo com trajes arcônidas por cima do enclave, oeste?

— Sou eu — respondeu uma voz bastante familiar. — Não atravesse o meu caminho, Rhodan. Mantenham-se mais ao sul.

— Ora, Bell! Será que ficou louco?

— Nada disso. Afinal, ainda temos o coronel Freyt. Passei o comando a ele. Quando vi o seu grupo saindo com umas simples bombas explosivas, logo imaginei quais eram suas intenções. Já deveríamos ter começado com isso há tempo. Não se preocupe mais com este setor. Dê um apoio ao pessoal do setor central.

Rhodan concordou, pois as palavras de Bell eram perfeitamente razoáveis. Voltaram.

Realizaram um controle da situação no batalhão de guardas de Klein.

— Vamos embora! — ordenou Rhodan. Aqui também não precisavam deles.

Ivã Goratchim agira como um possesso em meio aos robôs. Os homens já podiam se deslocar livremente pela rua.

Houve um ligeiro contato com Kakuta, que ainda se encontrava no tanque de Cry, em companhia do detonador.

— Tomamos o rumo oeste, Rhodan. Posição atual, quadra H-G IV. Ivã está bem adaptado ao serviço. Não enfrentamos qualquer resistência digna de nota. As grandes unidades robotizadas foram todas dizimadas. Só lançam ataques em grupos de três ou quatro. E a um ataque desses nosso campo energético pode resistir.

Vez ou outra ainda se assistia à explosão de uma máquina de guerra. Wuriu Sengu confirmava os detalhes das observações parciais.

O coronel Freyt mandou que as tropas que ainda estivessem em condições de combater se lançassem ao contra-ataque. À uma hora começou a operação de limpeza. Rhodan anunciou seu regresso ao quartel-general.

— Gostaria que viesse imediatamente — disse Freyt. — Tenho uma notícia muito importante.

— Dentro de três minutos estarei aí.

 

As pessoas que se encontravam no gabinete do ministro da segurança pareciam deprimidas. Isso não era de estranhar. A população de Terrânia sofrera perdas dolorosas.

— O que houve, coronel? — perguntou Rhodan.

— Uma mensagem de Adams. Em Nova Iorque estão enfrentando uma situação idêntica.

Rhodan permaneceu calado o tempo de que precisou para respirar.

— Peço maiores detalhes. A G.C.C. fica no centro de uma grande metrópole.

Freyt fez correr a fita gravada.

— Remetente: General Cosmic Company, Homer G. Adams, diretor-geral. Destinatário: Perry Rhodan, Terrânia, território da Terceira Potência, deserto de Gobi. Data: 3 de agosto. Hora: 23:45 h, tempo da costa leste dos Estados Unidos.

“Desde as 23:30 h, seiscentos elementos da polícia robotizada da G.C.C. estão fora de controle. Não encontramos nenhuma explicação para o incidente. Três homens que tentaram se aproximar dos robôs para desligá-los foram mortos. Na sede da G.C.C. a confusão é total. Ao que parece, alguns andares do edifício da administração central se encontram sob o controle das máquinas rebeldes. Peço instruções e apoio.”

Desligando a fita, Freyt completou:

— É só, chefe.

— E já chega, coronel. Receio que tenhamos que dispersar nossas forças ainda mais. Bell ainda não está de volta?

— Não.

Bell foi chamado e posto a par da nova situação. Reagiu com algumas palavras grosseiras, mas logo se calou quando lançou os olhos sobre Thora.

— E dizer que nossa meta era uma transição rápida para o planeta Peregrino. Gostaria de saber o que será da nossa frota estacionada no sistema de Beta-Albíreo se tivermos que ficar presos aqui em casa.

— O inimigo é o mesmo. Apenas, aqui os protagonistas da peça usam outras máscaras. De qualquer maneira temos que dar um jeito neles. Não podemos deixar a Terra enquanto perdurar esta situação.

— Sugiro uma ação-relâmpago. Hoje de manhã conseguimos desenvolver boas táticas de combate contra robôs desertores. É bem verdade que alguns deles ainda estão andando por aí. Mas o coronel Freyt não terá nenhum problema em lidar com eles. O trabalho principal será o de cuidar dos mortos e feridos. Os robôs de trabalho poderão dar uma ajuda nesses serviços de limpeza. Foram todos examinados e podem ser reativados logo.

Rhodan confirmou com um aceno de cabeça. Pelo telecomunicador transmitiu uma mensagem-relâmpago a Adams, informando-o de que nos próximos minutos seriam deliberados em Terrânia os detalhes da operação de apoio.

— Até lá não esboce qualquer reação, Adams. Daqui a pouco voltaremos a entrar em contato com você.

No momento em que Bell falou numa ação-relâmpago, não apareceu ninguém que o chamasse de utopista. Mas, antes que a breve conferência fosse concluída, surgiu outra notícia vinda da central de informações, que arrefeceu ainda mais o que ainda restava de otimismo entre os participantes.

— Mensagem de rádio vinda de Berlim: O escritório da G.C.C. para a Europa Central caiu nas mãos de robôs policiais e de guerra revoltados. O prefeito de Berlim decretou o estado de emergência para toda a cidade.

“Mensagem de rádio vinda de Sydney: O edifício do escritório da G.C.C. para a Austrália foi mandado para os ares por desconhecidos. Quarenta robôs descontrolados correm pela cidade, matando o que lhes atravessa pelo caminho. O exército e a polícia estão impotentes.

“Mensagem de rádio vinda de Durban: Robôs-polícias da General Cosmic Company atacaram e mataram o funcionalismo humano. Poucas pessoas conseguiram escapar. Os robôs entrincheiraram-se no edifício e expediram um ultimato que exige a entrega do poder ao governo local.

“Mensagem de rádio vinda de Montevidéu...

“Mensagem de rádio vinda de Manila... de Madri, do Kuwait...”

Ação-relâmpago!

Era uma ação-relâmpago, sim, mas dos saltadores. Em todos os lugares em que a G.C.C., o fator de poder econômico da Terceira Potência, havia instalado suas dependências, estavam estacionados os robôs de combate.

— Se os saltadores conseguirem atingir e contaminar todas as nossas filiais, isso equivalerá a um incêndio mundial — constatou Rhodan. — As mensagens de rádio que acabamos de receber não serão as últimas. As filiais e fábricas estão espalhadas por mais de duzentos pontos no globo terrestre. Alô, central. Peço uma ligação direta imediata com a F.D.T.

A Federação de Defesa da Terra era comandada por Allan D. Mercant, um homem pequeno e esguio, e tinha sua sede no fiorde de Umanak, na Groenlândia. O rosto desse homem só aparecia nas telas do videofone.

— Já sei o que está querendo, Rhodan. Parabéns pela vitória alcançada em Terrânia...

— Quer dizer que já está a par?

— Só podia estar. Meus agentes também estão trabalhando no Canadá. Aliás, seu escritório de Quebec foi esquecido em todas as mensagens radiofônicas. Não sei o que posso fazer por você, Rhodan. Afinal, não disponho de cem milhões de cidades. Teremos que dividir a tarefa.

— Antes de mais nada, envie tropas especiais com armamentos pesados para Nova Iorque. Se essa cidade sucumbir, com ela sucumbirá a economia do mundo. E uma nave espacial será a última coisa que poderá ser usada por lá.

— Posso dispor de duas divisões para Nova Iorque. Não sei se isso será suficiente para enfrentar o Imperador de Nova Iorque...

— Enfrentar quem?

— O Imperador de Nova Iorque. Ainda não soube que na noite passada os robôs proclamaram a monarquia?

 

O gabinete de Adams nunca abrigara tanta gente. O ar estava viciado, apesar das ótimas instalações de condicionamento de ar.

— ...agradeço, senhoras e cavalheiros. Peço que voltem a seus lugares e se mantenham calmos. Estes fenômenos foram observados em todo o mundo. Nem mesmo Terrânia foi poupada. Por lá a rebelião dos robôs já foi reprimida. E Perry Rhodan está se dirigindo para cá.

Um gesto cansado. As pessoas comprimiram-se junto à porta, para sair. Nem todos podiam voltar aos seus lugares no escritório. Os primeiros dez pavimentos haviam sido ocupados pelos robôs. E também a cobertura e o campo de pouso de helicópteros e outras aeronaves de decolagem vertical.

— Quero ar! — gritou Adams, desesperado.

Miss Lawrence estava parada na porta. Era o bom espírito de seu corpo secretarial. Hoje não parecia se sentir tão segura. Isso já se deduzia do simples fato de que não perguntava pelos desejos de Adams.

— Esta carta acaba de ser entregue, Mr. Adams. Dizem que é para o senhor.

— Obrigado! Fique mais um momento. Hoje não suporto ficar sozinho. A correspondência pode aguardar até amanhã. Até mais.

Abriu a carta e leu.

— O Imperador de Nova Iorque honrá-lo-á com sua visita às duas da tarde. Prepare tudo para a recepção, e tome providências para que possa passar sem enfrentar o menor perigo. Se o senhor ou seus subordinados tomarem qualquer atitude inamistosa, a sede da G.C.C, irá pelos ares. Exigimos obediência, mas sabemos ser um bom senhor para os que nos amam.

Adams amassou a carta, mas logo se arrependeu e voltou a alisar o papel.

— Leia, miss Lawrence!

A secretária obedeceu. Sua risada estridente era prova de que acreditava em cada palavra. O medo e o pânico tiraram-lhe a fala.

— Já temos um imperador — disse Adams com uma risada. Também essa risada não parecia muito espontânea, mas de qualquer maneira podia-se entender o gesto. — Os robôs elegeram um imperador. Gostaria de saber qual foi o secretário que conseguiu enganá-los. Qual é sua opinião, miss Lawrence?

— Minha opinião é que a coisa não é de brincadeira. E sei que nunca senti tanto medo como hoje.

— Não são invasores extraterrenos, minha filha — procurou consolá-la Adams.

— Não são monstros, mas simples robôs X, construídos pelo próprio homem. Vamos refletir friamente sobre o assunto, miss Lawrence. Esses caras estão malucos. Não é provável que toda a série esteja padecendo de um defeito de construção. Se fosse assim, as avarias teriam surgido progressivamente, e não em todos os robôs ao mesmo tempo.

Não tenho a menor dúvida de que alguém cuja identidade ainda não conhecemos modificou a programação das máquinas. Talvez tenha agido apenas sobre um único exemplar dotado de uma inteligência extraordinária. Depois transmitiu as instruções aos robôs de reparo.

— Queira desculpar, Mr. Adams. Não tenho seus nervos, e por isso no momento não estou em condições de refletir sobre as causas do fenômeno. Também não sou nenhuma cientista, motivo por que não posso compreender os detalhes. O senhor tem que tomar alguma providência.

— Tomar providências? — perguntou Adams, esticando as palavras. — Não venha me dizer que acredita seriamente que vou dar a este bilhete uma atenção maior que a um pedaço de papel tirado do lixo. Ora, esta, o imperador de Nova Iorque! Que infantilidade! Que loucura!

— Acontece que em Terrânia os filhos da loucura mataram mais de mil pessoas. E eu não gostaria de pertencer aos milhões de Nova Iorque.

O homem pequeno e corcunda sentado atrás da escrivaninha encolheu a cabeça entre os ombros.

— Em Terrânia desencadearam uma guerra feroz — refletiu Adams em voz alta.

— Mas em Nova Iorque pretendem negociar. Qual é a explicação disso?

— Faltam apenas dez minutos para as duas, chefe — insistiu a secretária. — Pense nas pessoas que se encontram no edifício.

— Está bem. Receberei o Imperador. Quem sabe se não conseguimos envolvê-lo numa discussão mais prolongada? Nesse caso poderei apresentá-lo a Rhodan. Até que sua idéia não é má. Prepare bastante café, miss Lawrence. Isto é, basta um pequeno bule para mim. Acho que o gosto do Imperador será outro.

Homer G. Adams transmitiu instruções para que os funcionários da empresa se mantivessem calmos à chegada do Imperador. E manteve uma palestra pelo telecomunicador com Perry Rhodan.

— Que pena — concluiu Rhodan. — Não poderemos estar aí antes das três e meia. Mas mandarei Kakuta.

O teleportador chegou ao escritório de Adams exatamente dois minutos antes das duas.

No mesmo instante, miss Lawrence anunciou a chegada do Imperador. De tão nervosa e medrosa que estava, mal conseguia pronunciar o nome.

— Deixe-me ocupar seu lugar — disse Kakuta.

Adams quis objetar. Fez questão de dizer que não era nenhum covarde.

— Não é por isso — ponderou o japonês. — Terei mais facilidade em dar o fora que você. Ponha seu traje arcônida e sente ao meu lado. Esteja invisível. Assim poderá aparecer a qualquer momento, caso isso seja necessário. Deixarei o telecomunicador ligado, para que dentro do seu capacete você possa acompanhar a palestra, palavra por palavra.

— Faltam dois minutos, miss Lawrence.

Os dois minutos transformaram-se em três. O Imperador não estava com pressa. Examinou detidamente todas as ante-salas e, segundo seu gênio, dirigiu algumas perguntas ingênuas aos presentes. Por outro lado, demonstrou uma série de conhecimentos superespecializados.

Duas horas e três minutos.

O Imperador entrou.

— O senhor não é Mr. Adams.

— Sou Tako Kakuta, primeiro teleportador do Exército de Mutantes. Poderei desaparecer a qualquer momento, se tiver vontade.

— Sou o Imperador. Chame-me de Imperador.

— Como queira, senhor Imperador.

— Gostaria de falar com Mr. Adams. Chame-o imediatamente.

— O chefe não pode comparecer, senhor Imperador. Eu o represento em qualquer setor.

Por alguns segundos o Imperador manteve-se imóvel. Depois disso, dois pesados robôs de combate rolaram para dentro da sala. Só agora se notou a grande diferença. O Imperador era um robô-secretário com muito saber armazenado. Era a classe que dispunha do maior grau de inteligência e cultura geral. A altura era de um metro e setenta. Kakuta lembrou-se que, fora do território da Terceira Potência, esses tipos dispunham de mecanismos de comando autônomos, tal qual as máquinas de guerra. Não valia a pena ligar os poucos exemplares disseminados em largas áreas geográficas a um cérebro de controle centralizado.

— Sou o Imperador desta cidade e exijo obediência. Qualquer recusa no cumprimento de uma ordem será punida com a morte.

Kakuta sabia que um interlocutor desse tipo não teria a menor disposição para negociar. Seu plano de envolvê-lo numa palestra mais prolongada tinha que cair por água abaixo.

— Chamarei Mr. Adams, Majestade.

— Majestade não! Sou o Imperador!

A teimosia do secretário mecanizado era altamente ofensiva. Kakuta se controlou.

Dirigiu-se à sala contígua e deixou a porta aberta para que Adams, invisível, pudesse segui-lo.

— Chefe, é necessário que o senhor compareça pessoalmente.

Adams abriu o capacete. O Imperador não tomou conhecimento de sua estranha vestimenta.

— Precisamos de sua colaboração, Mr. Adams. Ofereço-lhe um escritório elegante em minha residência no Empire State Building. O fato de que o senhor é indispensável para mim constitui a melhor garantia de sua sobrevivência. O novo Império não poderá ser dirigido totalmente sem homens. Siga-me.

O Imperador foi andando. Os dois robôs de combate pararam na porta, como se esperassem que o maior gênio financeiro do mundo se colocasse entre eles.

Para os dois homens, o curso que tomaram os acontecimentos representou uma surpresa excessiva. Estavam habituados à objetividade. Mas a cerimônia do novo soberano foi rápida demais.

Queriam Adams e mais ninguém. Assim que Adams se encontrasse do lado de fora, a guerra desabaria sobre o edifício da G.C.C.

— Siga o Imperador! — ordenou um dos robôs.

Adams obedeceu. Estava pálido e suas mãos tremiam. Kakuta fazia votos de que fosse de raiva, não de medo.

Mas logo o japonês teve que cuidar da própria segurança. O último dos robôs virou-se para ele e levantou o braço inferior do lado esquerdo, que tinha um radiador de impulsos térmicos embutido. Kakuta teleportou-se para a sala contígua e ouviu o som inconfundível da destruição. A essa hora o gabinete de Adams devia se parecer com um campo de batalha.

Finalmente estavam mostrando as cartas.

Ligou o telecomunicador.

— Alô, Rhodan! Deixarei meu aparelho ligado para a transmissão. Acompanhe as informações. Fim. Tenho que me teleportar de novo.

Kakuta saltou para a segunda ante-sala, pela qual o Imperador ainda teria que passar.

— Pare! Nenhum passo!

Estava com o radiador de impulsos térmicos apontado para Adams. O Imperador estacou.

— Quem não quiser ser destruído que saia do meu caminho.

— Um instante, senhor Imperador. O senhor não pode dispensar o mais importante dos nossos homens. E entre homens sempre precisamos de um entendimento.

Um dos seus robôs acaba de disparar contra mim. Exijo garantias contra esse tipo de traição.

— O Imperador ordena, os outros obedecem.

— Menos eu! Se não quiser entender a linguagem da razão, terei de matar Mr. Adams. Escolha.

Kakuta preferiu jogar no seguro. Atirou no primeiro dos robôs de combate, que estava entrando na sala. Depois saiu correndo e destruiu também o segundo, que naquele instante considerava concluída sua insensata missão destruidora no gabinete do chefe. As duas máquinas não haviam sido reguladas para enfrentar um perigo iminente e por isso mantiveram seus campos protetores desativados.

Kakuta voltou à ante-sala. Parecia se sentir muito mais à vontade.

— Agora vamos ao nosso acordo, senhor Imperador! Quero um acordo que inclua garantias para o edifício da G.C.C. Senão estiver disposto a firmá-lo, o senhor não sairá daqui. Não tenho o menor interesse na sua dinastia de robôs. Estamos interessados única e exclusivamente na nossa firma.

A máquina não deu mostras de qualquer reação emotiva. Nem poderia desenvolver uma reação desse tipo. Por isso o homem tinha de redobrar os cuidados perante a mesma.

— Eu sou o Imperador e dou as ordens. Os outros obedecem.

A arrogância da máquina deixou Kakuta ainda mais irritado. Não devia perder o autocontrole! Se essa criatura realmente era o imperador, por que não o prendia? Por que não o destruía?

O teleportador colocou o dedo no gatilho. Não acreditou que um disparo de sua arma pudesse salvar Nova Iorque. Era impossível que o comando de todas as máquinas robotizadas estivesse centralizado nesse cérebro P. Essa história do imperador só podia ser um blefe. De qualquer maneira, o que poderia fazer?

— Eu o matarei, senhor Imperador, a não ser que se disponha a negociar em bases justas.

— No momento em que o senhor me matar, as comunicações com o centro de controle estarão interrompidas. Isso desencadeará um alarma. Num prazo curtíssimo este edifício seria reduzido a um montão de ruínas.

— Nada de violência, Kakuta — voltou a intervir Adams. — O Imperador deve ter tomado todas as providências para sua garantia. Sugiro um negócio melhor...

— Fale — disse o Imperador.

— O senhor nos entrega vinte robôs-polícia em estado passivo, que se encarregarão da proteção do edifício.

A voz do Imperador se transformou num ronco. Talvez pretendesse ser um riso irônico.

— No novo Império só existe uma força policial. Sua proposta é inaceitável. Eu sou o Imperador, os outros obedecem.

A raiva de Kakuta foi substituída por uma ligeira satisfação. Afinal, conseguira envolver o robô numa palestra. O tema não tinha a menor importância. Na situação em que se encontrava ele se prestaria à palestra mais idiota deste mundo.

— O senhor está enganado, senhor Imperador! A G.C.C, não pertence ao senhor. Temos de estabelecer algum tipo de coexistência. Ninguém conseguirá destruir a Terceira Potência. Não se esqueça disso.

— A Terceira Potência não pertence ao meu território. Terá outro imperador.

— O imperador da Terceira Potência já morreu, se é que está interessado nisso. E com ele morreram duzentos guerreiros seus.

— O destino dos habitantes de Gobi é lamentável. Mas não é o que está em discussão.

— Esse destino devia lhe servir de exemplo.

— Eu sou o Imperador, Mr. Kakuta. A audiência terminou. Mande abrir a porta.

Dois policiais querem entrar.

Kakuta teleportou-se para o corredor, onde foi parar no meio de dez robôs. Logo saltou para diante, pois ali não teria vivido mais de cinco segundos.

— O senhor está enganado, senhor Imperador. Não são dois robôs, são pelo menos dez. Devemos interpretar isso como uma ameaça?

— Mande abrir a porta! — ordenou o Imperador.

Foram suas últimas palavras. Mal acabara de pronunciar as mesmas, caiu em meio a um estrondo e ficou reduzido a um montão de sucata.

 

— Chega de táticas de retardamento — disse Perry Rhodan, que subitamente se tornou visível, vindo do nada. Foi seguido por Anne Sloane, pelo Dr. Manoli e por Tanaka Seiko. Regularam seus trajes arcônidas para a posição zero e abriram os capacetes.

Alguns funcionários do escritório haviam desmaiado.

— Eric, faça o favor de cuidar dessa gente.

— Como foi que conseguiu entrar aqui?

— Passei pelo seu escritório, Adams. Tem um buraco enorme na parede externa.

— Você acaba de matar o Imperador.

— Que imperador, que nada! Há pelo menos trinta e cinco tipos destes em Nova Iorque. Temos que evacuar a cidade, senhoras e senhores. Vamos começar pelo edifício da G.C.C. O perigo é muito grande.

— Antes de mais nada, temos de cuidar dos robôs que estão lá fora — advertiu Kakuta. — A qualquer momento podem entrar aqui.

— Está bem — confirmou Rhodan. — Somos cinco pessoas equipadas com trajes especiais e radiadores de impulsos. Eric, você ficará de sentinela na porta. Anne e Tako, subam mais um andar...

— Não conseguirão passar. Tako disse que estão bem diante da porta.

— É verdade?

O japonês fez que sim.

— Nesse caso abram a porta e disparem uma salva maciça. Dentro de cinco segundos tudo deverá estar liquidado.

Perry Rhodan sabia perfeitamente que isso representaria um desafio para o inimigo. Em Terrânia já perguntara a si mesmo se não teria sido melhor deixar os robôs em paz. Se o fizesse, naquele dia teria havido menos mortos. Mas qual seria a alternativa para os sobreviventes? Teriam que ficar quietos e aceitar tudo?

O exército de robôs teria prosseguido nos serviços de espionagem sem que ninguém os incomodasse. Teriam revelado aos saltadores, estacionados no sistema de Beta-Albíreo, onde ficavam as posições mais importantes da Terra. O fim teria sido a capitulação de nosso planeta.

Os saltadores descendiam dos arcônidas. Não havia dúvida de que possuíam certa superioridade técnica.

Nada disso. Rhodan não se cansara de consultar sua consciência. Qualquer adiamento no confronto entre os homens e os robôs teria piorado a situação da Humanidade. Ainda bem que a luta declarada havia irrompido. Só assim a confusão terminaria logo. E isso apesar de alguns cálculos errados realizados no interior da cúpula energética, que fez com que, de uma hora para outra, o conflito se alastrasse por todo o mundo.

As coisas se tornaram piores do que Rhodan calculara. Justamente por isso fez questão de que se chegasse a uma decisão rápida.

A porta se abriu!

Os robôs estavam sem a menor proteção. Enquanto realizavam a ligação individual que ativaria seus campos protetores, a energia dos radiadores arcônidas foi despejada sobre eles.

A escadaria parecia um inferno. Nenhum dos lutadores artificiais teve tempo de esboçar qualquer gesto de defesa.

Com os trajes de batalha fechados, Rhodan, Anne Sloane e Tako Kakuta saltaram para a frente. Os campos protetores que os cercavam tornavam-nos imunes às radiações liberadas por ocasião do ataque.

— Vamos limpar a área em cima e embaixo! — ordenou Rhodan. — Tanaka, onde está você? Mantenha-se próximo a Tako e dirija-se para cima. Anne, você irá comigo aos andares inferiores.

Com o ataque, os elevadores sofreram pesadas avarias e não puderam ser utilizados. Foi uma desvantagem considerável.

Na verdade, para as pessoas que portavam os trajes arcônidas o problema não era muito grave. Podiam flutuar pelas escadarias, sem depender dos degraus.

Rhodan e Anne chegaram ao décimo segundo pavimento.

— Pare!

Admiraram-se de não terem encontrado qualquer resistência. Seria de esperar que os robôs houvessem ocupado ao menos os acessos de todos os pavimentos.

Rhodan tirou suas conclusões. Estava acostumado a refletir sobre qualquer fato e procurar adivinhar os motivos.

Havia um fato conhecido: em Nova Iorque deviam estar estacionados cerca de seiscentos robôs de combate e uns oitocentos robôs de trabalho. Em meio a uma cidade de dez milhões de habitantes, o número era insignificante. Mesmo que o inimigo concentrasse suas atenções sobre a sede da G.C.C, teria que ter muito cuidado com o seu pessoal.

— Não tenha medo, Anne — disse o chefe da Terceira Potência para animar sua acompanhante. — Tenho a impressão de que estamos superestimando a situação dos robôs neste edifício. Lembre-se de que, segundo dizem, ocuparam os dez pavimentos inferiores e a cobertura do edifício.

Continuaram a flutuar para baixo. A telecineta sempre ia um pouco atrás de Rhodan.

No décimo pavimento encontraram um único robô junto à entrada principal desse setor de escritório. Estava parado como uma sentinela entediada, que não sentia qualquer emoção durante as horas de serviço.

— Como esses caras são estúpidos! Nem tomam conhecimento de que trinta metros acima de suas cabeças um grupo de companheiros foi destruído.

As palavras de Rhodan soaram debilmente no ouvido de Anne. No interior do traje transportador arcônida havia um ambiente fechado. Nem mesmo as ondas sonoras alcançavam o exterior.

Invisível e sem fazer o menor ruído, Rhodan se aproximou do inimigo. Aquela sentinela solitária dera-lhe uma inspiração toda especial. Disparou em primeiro lugar contra os angulosos braços inferiores, que eram os mais perigosos, já que portavam as armas. Depois foi a vez das pernas, e por fim dos braços superiores.

O robô caiu ao chão como um saco. Em seu crânio logo se desenvolveu uma série de reações. O alto-falante rangia a intervalos regulares, como se estivesse acoplado a um pisca-pisca. O robô estava pedindo socorro.

Rhodan saltou para a frente e moveu a chave-mestre que se encontrava nas costas da criatura, que foi colocada completamente fora de ação.

— Pegue-o, Anne. Vamos logo! Leve-o para cima, para a sala da direção. A qualquer momento a coisa pode...

A coisa já começara. Três robôs de combate surgiram na porta oposta. Ficaram parados por alguns instantes. Um homem provavelmente teria ficado tão nervoso que atiraria, mesmo que não visse nada. Mas os robôs hesitaram, porque não viram nada. Era bem verdade que o dispositivo de localização de matéria seria posto a funcionar imediatamente, e contra este a invisibilidade não adiantaria nada.

— Tenha cuidado, Anne! — chiou Rhodan. — Leve esse sujeito. Preciso dele no estado em que se encontra. Dê o fora! Eu cobrirei a retirada.

O radar dos robôs levou perto de quinze segundos para localizar o alvo. Isso bastou para que a telecineta desaparecesse com sua vítima. Rhodan flutuou para baixo, visto que a descida para o nono andar era observada menos intensamente pelos robôs. E dessa direção abriu fogo, antes que os três colossos se dispusessem a atirar.

Dois deles foram liquidados na primeira investida. O terceiro teve tempo de determinar a posição de Rhodan e respondeu ao fogo.

O campo protetor gerado pelo traje de Rhodan torceu-se sob o impacto dos raios disparados pela arma inimiga. A fluorescência causada pelo atrito das duas formas de energia revelou ao robô a posição exata de Rhodan. A máquina aumentou o poder de fogo de seu braço armado. O homem procedeu da mesma forma com seu radiador de impulsos térmicos. Modificou a focalização, concentrando os raios num feixe tão estreito que eles atingiam o alvo como uma alfinetada.

Esse tipo de manejo da arma pressupõe uma prática e uma pontaria extraordinária. E numa luta contra robôs ainda se tornava necessário que o combatente estivesse a par da anatomia dessas máquinas.

Rhodan estava a par.

Atingiu o reator individual e dessa forma saiu vencedor no duelo, que por pouco não tem um desfecho totalmente diverso.

O robô estava fora de combate. Apesar disso, Rhodan esperou um instante e verificou o andar de cima e o de baixo. O de baixo adquiriu vida, enquanto no décimo pavimento tudo continuava em silêncio.

Voltou a flutuar para cima.

Anne Sloane já colocara o robô no pavimento de Adams, onde foi depositado num lavatório.

— Não está levando seus sentimentos humanos longe demais? — perguntou Adams, sacudindo a cabeça. — Desde quando se costuma fazer prisioneiros entre os robôs?

— O menino é muito precioso. Será levado para Terrânia, onde o examinaremos. É bem possível que ele acabe nos revelando como foi tramado todo esse complô.

Dali a pouco Kakuta e Seiko retornaram.

— Limpamos a cobertura do edifício, chefe. Lá em cima havia cinco robôs.

Adams logo compreendeu as intenções do chefe. E manifestou sua objeção.

— Acha que todo mundo deve dar o fora daqui?

— Acho que é precisamente isso que você mais tem desejado nesta última hora.

— Sem dúvida. Acontece que a sede da G.C.C, é uma oficina de trabalho insubstituível. Só os registros guardados neste edifício...

— Está certo, Adams. A responsabilidade será minha. O que mais vale são os seres humanos. Não quero perder nenhum deles. Acredito que, assim que tivermos desaparecido, o interesse da família imperial nova-iorquina será dedicado a outros objetos.

Poucos minutos depois, um gigante esférico desceu sobre a cidade de Nova Iorque. Naquela hora, a cidade das possibilidades ilimitadas estava festejando mais um triunfo. Apesar do perigo dos robôs, a população assustada corria para os telhados a fim de contemplar o espetáculo.

O diâmetro da nave espacial Stardust-III era de oitocentos metros. Quando parou poucos minutos acima da cobertura do edifício da G.C.C, sua sombra envolveu metade de Manhattan.

Era a nave de Perry Rhodan!

Representaria uma esperança?

Para certas pessoas. Para os funcionários da G.C.C.

Mais de doze mil pessoas foram transferidas para o veículo espacial esférico no curso de duas horas. Ninguém ficou para trás. E os robôs nada fizeram contra esse tipo de resgate. Ou não se interessavam pelo que estava acontecendo.

 

Nova Iorque era grande!

E tinha um imperador, embora o Imperador tivesse tombado.

As estações de rádio transmitiram a notícia de forma bastante dramática. Algumas centenas de pessoas já haviam sido obrigadas a se colocar ao serviço da nova dinastia. Outras pessoas, que formavam a maioria, não despertavam o interesse da nova dinastia.

Depois de alguma hesitação, a obra de destruição teve início. Ninguém sabia se ela contava ou não com o consentimento do Imperador. De resto, isso não importava O que importava eram os fatos. E a evolução destes começou de forma bastante semelhante à de Terrânia.

No momento em que o crepúsculo matutino começou a subir pela costa leste dos Estados Unidos, as duas divisões da F.D.T. enviadas por Mercant chegaram à cidade. Vieram acompanhadas de tropas aero-transportadas e equipadas com tanques pesados, protegidos por campos energéticos. Além disso, trouxeram caças de um tripulante.

As tropas de infantaria logo conseguiram se firmar na cidade. Foi bem ao norte, onde a Broadway assumia um caráter pequeno-burguês. Todavia, os pilotos dos caças não demoraram a constatar que pouco se poderia fazer do ar. A caça de mil e quatrocentos robôs espalhados pela cidade parecia uma tarefa sem a menor possibilidade de êxito. Por isso, pelas nove horas os caças foram trocados por helicópteros.

O movimento de fugitivos diminuía rapidamente. Durante a noite os robôs apenas se reagruparam. Com isso, a maior parte dos habitantes de Nova Iorque se iludiu. Não souberam avaliar o perigo e resolveram ficar em casa. Quando chegaram as primeiras notícias sobre a ação furiosa dos robôs, o pânico e o caos tomaram conta da cidade. De uma hora para outra as vias de saída, estações e aeroportos ficaram congestionadas.

Entre os dez aviões que decolaram em primeiro lugar, dois foram derrubados por robôs de combate. Caíram numa área densamente povoada.

As duas divisões da F.D.T. iniciaram um avanço precipitado, contando com o apoio de helicópteros em vôo baixo. Venceram seis quilômetros sem serem molestadas. Mas, de um instante para outro, os movimentos de tropa estacaram em todas as ruas que se dirigiam para o sul. Precisamente às nove horas e trinta e cinco minutos teve início o fogo de defesa dos robôs. Pelas previsões humanas, a ação fulminante teria causado perdas sensíveis às tropas de Mercant. Mas as ordens transmitidas a estas foram terminantes. Ambas as divisões marcharam todo o tempo com os campos energéticos individuais ligados, sem se iludir com a ausência inicial de qualquer defesa. Apesar disso não havia o menor motivo de ficar alegre.

Uns duzentos robôs de combate fecharam Manhattan para o norte. Enquanto isso, quatrocentos faziam estragos pela cidade, espalhando o terror entre a população. Os robôs de trabalho apoiavam seus colegas o melhor que podiam.

10:15 h. Mensagem de Allan D. Mercant, dirigida a Perry Rhodan:

— Não conseguimos avançar mais. A atuação da força aérea demorará em nos levar ao objetivo e, além disso, coloca em perigo a população civil. Cada minuto custa novas vidas humanas. Precisamos de uma campanha-relâmpago.

Resposta de Perry Rhodan, dirigida a Allan D. Mercant:

— Evacuamos todos os colaboradores da G.C.C. que se encontravam em Nova Iorque. A Stardust-III dirige-se novamente à cidade. Agüente mais um pouco, coronel. Estamos fazendo o possível; chegaremos dentro de doze minutos.

A atuação de Rhodan não poderia ficar restrita exclusivamente a Nova Iorque. Simultaneamente com a Stardust-III, seis naves auxiliares da classe Good Hope — os chamados girinos — haviam decolado da base de Gobi. Cada uma das naves auxiliares trazia ao menos dois mutantes a bordo. Destróieres e caças de um homem haviam decolado de todos os pontos da Terra em que se encontravam estacionadas as máquinas da Terceira Potência. Centenas de aparelhos controlavam o espaço aéreo de nosso planeta e aguardavam ordens para entrar em ação.

Berlim, Sydney, Durban, Montevidéu, Manila, Madri, Kuwait e mais três dezenas de pontos geográficos foram assinalados com uma luz amarela no mapa do estado-maior da Terceira Potência.

Anne Sloane partira para Berlim, Tanaka Seiko para Manila e Wuriu Sengu para Durban. Os mutantes começaram a se tornar escassos. E sobrara um único. Ivã Goratchim. Encontrava-se a bordo da Stardust-III.

10:27 h. A sombra da gigantesca nave esférica voltara a cobrir a cidade de Nova Iorque.

— Onde está o efeito moral? — perguntou Reginald Bell, desesperado. — Se os inimigos que se encontram lá embaixo fossem seres humanos, já teriam feito as malas.

— Paciência — disse Rhodan. — Resolvemos construir robôs sem nervos. E lá estão eles...

Modificaram a regulagem das telas de observação. Os detalhes puderam ser vistos. Os quadros que se desenharam nas telas não foram nada agradáveis.

As perdas nas divisões da F.D.T. haviam crescido rapidamente. Os tanques destruídos estavam espalhados por todos os cantos. As tropas de Mercant batiam em retirada.

Chamado da Groenlândia.

— Não me explique o que está acontecendo aqui — respondeu Perry Rhodan. — Vejo-o com os próprios olhos. E vejo melhor que você. Dê ordens oficiais de retirada. Só assim poderemos atrair os robôs para fora da cidade. E é exatamente isto que teremos de fazer para evitar que Nova Iorque desapareça do mapa.

— Está bem.

— Fim!

Ivã Goratchim, o detonador, entrou num tanque, que foi levado ao chão num campo gravitacional dirigido. O corpo de Ivã não cabia num traje de batalha normal.

Mais trinta tanques foram levados ao chão pela mesma forma. Tinham a artilharia e a tripulação normal, e sua missão consistia em desviar de Ivã Goratchim a atenção do inimigo.

Em virtude da situação dos fronts, a área do cruzamento da Broadway com a Quinta Avenida estava livre de robôs. O grupo de desembarque da Terceira Potência chegou ao solo sem qualquer problema e logo se espalhou em blocos de três. Tako Kakuta, o teleportador, serviria de elemento de ligação entre Rhodan e Ivã.

— Salte quando for necessário, Tako. Ivã é um produto da natureza siberiana. Não acredita muito no telecomunicador e no nosso equipamento técnico. É preferível que fique com ele. Ivã não pode sofrer a menor tensão emocional. Tem de concentrar todas as suas energias na detonação dos robôs.

Às 10:34 h Kakuta anunciou a primeira destruição de um robô por Goratchim. No mesmo instante o hipercomunicador da sala de comando produziu um forte ruído.

— Estabeleça contato imediatamente! — ordenou Rhodan ao oficial de plantão da sala de telegrafia. O ruído com que a ligação automática do receptor principal havia reagido ao chamado era típico. O comandante da nave podia realizar qualquer palestra sem abandonar seu lugar na ponte de comando. Enquanto isso mais de trinta pessoas se incumbiam dos trabalhos de registro na sala de telegrafia. A qualquer hora todas as freqüências possíveis tinham de ser mantidas sob observação. Três dezenas de telegrafistas e vários mini-robôs eletrônicos realizavam um controle ininterrupto do espaço. Constantemente chegavam notícias sobre a situação nos diversos pontos da Terra.

Rhodan acabara de ler um comunicado sobre a chegada de Anne Sloane a Berlim. O zumbido do hipercomunicador revelava que o expedidor da mensagem se encontrava num ponto muito distante.

— Estabeleça imediatamente a ligação.

— Sim senhor.

— Cruzador Solar System para a Terceira Potência. Cruzador Solar System para a Terceira Potência. O major Nyssen deseja falar com Rhodan.

— Que diabo! Uma ligação direta — espantou-se Bell. — Deve haver alguma novidade.

O correio pneumático junto ao assento do piloto-chefe expeliu um cartucho. Um jovem tenente pegou-o e entregou o bilhete a Rhodan.

— Ivã registrou novos êxitos, chefe.

— Não me venha com Ivã a esta hora. Capitão Bols, faça o controle da decodificação automática e cuide para que nenhuma outra mensagem passe pela minha linha. Alô, major Nyssen! Aqui fala Perry Rhodan. Encontro-me a bordo da Stardust-III. A nave está na atmosfera terrestre.

Na tela surgiu o rosto magro do oficial pequeno e rijo. Nyssen sempre exibia um sorriso, por mais difíceis que fossem os problemas com que se defrontava. Sua voz rangedora só era agradável para quem o conhecesse muito bem.

— Como está a situação, major? O momento não é propício para notícias alarmantes.

A base de impulsos de quinta dimensão garantia a comunicação simultânea a uma distância de trezentos e vinte anos-luz.

— Em conformidade com as instruções recebidas, nos mantemos a uma distância segura da frota dos saltadores. O inimigo vem recebendo reforços constantes, e nossa situação torna-se cada vez mais difícil.

— Devo interpretar isso como um pedido de socorro, major?

— Quando poderá voltar? Afinal, seria importante para nosso planejamento tático que conhecêssemos esse detalhe.

— Voltaremos assim que tivermos visitado o planeta Peregrino. Sabe perfeitamente que nestas circunstâncias não posso fornecer qualquer indicação de tempo. Isso significa que a ordem de manter sua posição continua de pé. Mais alguma novidade?

— Apenas duas observações que talvez sejam importantes para você. Há uma hora constatamos um deslocamento altamente suspeito na frota dos saltadores. Até agora o receio de que se trate de um ataque em grande escala contra nossas naves não se confirmou. Nossos telegrafistas dizem que descobriram uma mensagem direcional orientada para o sistema solar. É claro que isso não pode ser provado.

— Está bem. Examinaremos isso. Mais alguma coisa?

— Não encontramos mais a Orla XI no meio do grupo inimigo.

— Isso significa que você conseguiu destruí-la. Meus parabéns, major. Tifflor ficará satisfeito ao saber que seu ex-carcereiro Orlgans viu chegada a hora.

— A Orla não foi destruída. Simplesmente desapareceu. Receio que se trate de outro truque do comandante dos saltadores.

— Nesse caso só posso lhe recomendar que continue de olhos bem abertos. Você ainda terá de se arranjar por algum tempo sem a nossa presença. Não desanime, major!

— Está bem, chefe. Mais alguma ordem?

— Quero que desligue. Lembranças para a frota. Fim.

O contato foi interrompido.

Poucas vezes se vira tamanho nervosismo a bordo da Stardust-III como naquela hora. Todos sabiam que o tempo era muito importante para a expedição. A frota estacionada no sistema de Beta-Albíreo precisava de socorro imediato. O cérebro P estacionado em Vênus já preparara os dados sobre o planeta Peregrino e aguardava a visita de Rhodan. O próprio Peregrino corria por regiões desconhecidas. Uma vaga esperança fora depositada nele.

E os robôs rebeldes estavam descarregando sua fúria sobre a Terra.

Rhodan era um homem diferente. Desde que, valendo-se de alguns estratagemas, conseguira receber no planeta Peregrino o dom da vida eterna — que além dele só fora dispensado a Reginald Bell — via-se numa posição bastante delicada. Apesar disso, a essa altura já devia ser capaz de feitos mais grandiosos.

Teria que estar em todos os lugares ao mesmo tempo.

A catástrofe que desabou sobre Nova Iorque desenhou-se nas telas. Os robôs de combate tinham transformado quadras inteiras de Manhattan em infernos de fogo. Um traço duro se desenhou em torno da boca de Rhodan.

 

— Regime de prontidão para a Stardust-III. Avisem quando estiverem prontos para combater.

O comando de Rhodan significava que ele interviria no conflito com todo o potencial da nave.

— Você sabe o que está fazendo, Rhodan.

A constatação de Reginald Bell deveria ter sido formulada como uma pergunta. Mas não foi.

— Ponho vidas humanas em perigo, se é isso que você quer dizer. Mas ponho um número muito maior de vidas em perigo se não fizermos o que está ao nosso alcance.

A sombra por cima do inferno atômico de Nova Iorque cresceu. Representava a única esperança dos seres humanos que ainda viviam na cidade. Todos sabiam que era a nave de Perry Rhodan.

O campo energético da Stardust-III tocou a ponta dos arranha-céus mais altos. O gigante foi parar nas proximidades do Empire State Building.

— Comandante para os postos de combate. Só abram um fogo bem dirigido. Não disparem cargas maiores sobre alvos disseminados. Toda e qualquer vida humana deverá ser poupada. Os disparos serão registrados com exatidão.

No momento em que chegou o último aviso de prontidão, Perry Rhodan mandou abrir fogo.

A Stardust-III se deslocou lentamente para o norte, aproximando-se da frente de luta. Ivã Goratchim se encontrava na rua 42. Kakuta realizou uma teleportação e compareceu a bordo por dois minutos.

— Trinta e cinco robôs destruídos. Alguns dos nossos tanques também foram atingidos. Não dispomos de números exatos.

— Como vai Ivã?

— Está em plena forma. Estamos lutando contra máquinas. Por isso não tem problemas de consciência. E bem verdade que se acostumou à minha presença...

— Pois trate de voltar quanto antes.

Kakuta desapareceu imediatamente.

Alguns robôs tentaram atingir a Stardust-III. O insucesso total, causado pelo campo energético superpotente da nave, logo os levou a mudar de tática. Reuniram-se em grupos de três e procuraram se manter sob o abrigo dos edifícios.

Bell praguejou e chamou-os de bandidos.

— Deixe-se de nervosismo, Bell. Já alcançamos um êxito. Os robôs já não podem se dedicar exclusivamente ao ataque. Têm de cuidar também de sua defesa.

Às 11:18 h o êxito definitivo dos homens começou a se esboçar. As divisões da F.D.T., em sua retirada, haviam atraído boa parte dos efetivos inimigos para fora da cidade, onde a Stardust-III em poucos segundos volatilizou perto de cento e cinqüenta máquinas com um pesado canhão desintegrador. Os soldados de Mercant puderam contemplar novamente a possibilidade de um avanço. Mais tarde reuniram-se aos blindados da Terceira Potência, no centro de Manhattan, e avançaram por cima do East River, em direção ao Brooklyn.

Várias emissoras transmitiram proclamações do Imperador de Nova Iorque. Tratava-se de ordens de resistir, do tipo das que costumam ser expedidas por ditadores que vêem seu sistema desmoronar.

Os homens que se encontravam nas salas de comando da Stardust-III puderam dar-se novamente ao luxo de um sorriso.

— Não venham me dizer que o Imperador não conhece as fraquezas humanas — disse Bell em tom sarcástico. — As ordens que está transmitindo constituem um indício patente de loucura.

— Não é bem isso. As contradições resultam do fato de que pelo menos duas dezenas de robôs-secretários acreditam que são o Imperador. Deve ter havido um curto-circuito no seu sistema de comunicações. Para mim isso constitui prova de que o poder dos robôs chegou ao fim. É bem verdade que há muito trabalho pela frente, até que a última máquina de combate seja destruída. Temos um girino a bordo. Coronel Freyt, o senhor ficará por aqui na Good Hope-XVIII até que o perigo esteja removido. Entre em contato com o capitão Sirola e avise Mercant na Groenlândia.

— Perfeitamente, chefe!

— Obrigado. Prepare-se para a saída.

Às doze horas e dez minutos a Stardust-III deixará a Terra. Ordem dirigida ao oficial de mutantes Kakuta. Regresse imediatamente! Daqui em diante, Ivã terá de se arranjar sem você.

 

Bell reclinou-se na poltrona; respirava pesadamente.

— Estou acostumado à velocidade com que você costuma agir, Rhodan. Mas agora você está atropelando seus atos. Você se esqueceu de alguns mutantes que se encontram na Europa, na África e na Ásia.

— Ainda há outros na América do Sul e na Austrália. Mais tarde iremos buscá-los. No momento o que mais importa é irmos para junto do cérebro positrônico instalado em Vênus. Se não houver nenhum imprevisto.

— Você desconfia de alguma coisa?

— Estou pensando na mensagem que Nyssen nos mandou do sistema de Beta-Albíreo.

— Está aludindo à transmissão direcional dos saltadores? Isso não me preocupa. O fato de que esses caras mantiveram contato permanente com a Terra não constitui nenhuma novidade. Sabemos perfeitamente que os robôs não empregaram apenas sua capacidade militar contra nós; também funcionavam como espiões. A atividade dos robôs de trabalho constitui testemunho evidente disso. Nossa intervenção apenas desencadeou o conflito aberto.

— Está certo — respondeu Rhodan. — Acontece que você se esquece do resultado do nosso controle de comunicações pelo rádio. Não houve qualquer contato entre os saltadores e os nossos robôs. Ao menos não houve nenhum contato direto.

— O que você quer dizer com isso? Um espião que não pode transmitir os resultados de suas investigações não vale coisa alguma.

— Pois é justamente isso. Acho que deve existir uma estação retransmissora.

Talvez em Vênus.

— Isso não passa de uma suposição.

— Naturalmente. Vamos verificar o que há de verdade. Não se esqueça da informação de Nyssen sobre a transmissão direcional. Ainda acontece que, segundo dizem, o comandante dos saltadores, pertencente à corporação mercantil, desapareceu do sistema de Beta-Albíreo. Ao que tudo indica, seguiu em direção ao Sol.

A Stardust-III pusera-se a caminho de Vênus. Rhodan transmitiu, através de um código secreto, um aviso preliminar dirigido ao cérebro positrônico. Dentro de um tempo muito breve, compareceria para procurar os dados relativos ao planeta Peregrino. Se era verdade que Orlgans se encontrava a caminho da Terra, o tempo urgia ainda mais.

Toda a tripulação das salas de telegrafia fora instruída a concentrar suas atenções sobre qualquer mensagem de hipercomunicação. Mal haviam vencido o décuplo da distância da Lua quando o primeiro resultado foi anunciado.

— Impulsos de hipercomunicação vindos das profundezas da Via Láctea!

— Não conseguiu estabelecer a localização goniométrica? — perguntou ao jovem oficial.

— Um segundo. Durou apenas um instante. Deve se tratar de impulsos de localização extremamente concentrados no tempo.

— Para que serve o equipamento eletrônico?

— Perfeitamente, chefe! Já temos o resultado. Vem quase exatamente da direção de Beta-Albíreo.

— Pois então! Deve ser a emissora a que aludiu Nyssen. Ou será que se trata de uma mensagem expedida por um dos nossos cruzadores?

— Não senhor. Nenhuma das nossas chaves de codificação adapta-se à mesma.

Não conseguimos interpretar a mensagem.

— Por enquanto — disse Rhodan. — Por enquanto só estamos interessados em saber onde se encontra a estação receptora. Coloque em funcionamento todo o equipamento goniométrico, tenente. Tenho certeza de que a estação retransmissora hipotética de Vênus não tardará em trair sua presença.

— Perfeitamente.

— E agora vamos dar um passeio pela nave — disse Rhodan, dirigindo-se a Reginald Bell.

 

O passeio se transformou numa verdadeira correria. Rhodan estava com pressa, não apenas porque queria reassumir quanto antes o comando da Stardust-III, mas também porque havia uma centena de problemas que o martirizavam ao mesmo tempo.

Pegaram o elevador e subiram ao pavimento imediatamente superior. Bell viu-se no interior do laboratório particular de Perry Rhodan. O amigo apontou para um robô de combate bastante danificado.

— Está reconhecendo esse sujeito, Bell?

— É o robô de Nova Iorque? — conjeturou Bell.

— Deixamos algumas centenas deles nesse estado. É o sujeito que pus fora de combate no corredor do edifício da G.C.C. Está em condições melhores do que poderia parecer à primeira vista. Os equipamentos mais importantes de seu corpo não foram avariados. Como vê, já preparei a experiência.

Bell confirmou com um aceno de cabeça.

Um emaranhado de fios ligava o corpo do robô paralisado com uma série de instrumentos. Rhodan ainda não tivera tempo para realizar as experiências planejadas.

— Ainda bem que você está aqui. Com isso economizo uma porção de explicações.

— Você acha que o sujeito lhe revelará muita coisa?

— Faço votos de que a programação introduzida nele pelos agentes dos mercadores ainda não tenha sido apagada. De qualquer maneira, lhe restituí a consciência da Terceira Potência. É um ser muito inteligente com um conflito interior.

Rhodan interrompeu sua exposição e estabeleceu contato pelo videofone com a sala de telegrafia.

— Alô, tenente Evans. Ponha a mensagem misteriosa dos mercadores no meu transmissor.

— Pois não.

A transmissão foi apenas uma questão de segundos. Rhodan gravou a mensagem concentrada no tempo sobre um fio e reproduziu-a em intervalos variáveis. O setor intelectual do robô foi reativado por meio de um simples movimento de chave.

— Olá, Robby. Como está a recepção?

— Ótima. Uma recepção é o suficiente.

— Muito bem. De onde vem a mensagem?

— De Orlgans, comandante dos saltadores.

— Obrigado. O que diz?

— Orlgans para a estação Sol. No momento não podemos fornecer apoio. Todas as forças dos mercadores estão engajadas no sistema de Beta-Albíreo, em virtude de fortes contra-ataques desencadeados por cruzadores e destróieres inimigos. A ordem SZ-7 continua em vigor.

— Um momento. O que diz a ordem SZ-7?

— É uma ordem de resistência. Exige um ataque geral e imediato contra a população da Terra, mediante a utilização de todos os recursos militares.

— Obrigado. Prossiga com o aviso.

— Chegou ao fim.

— Muito bem. Como é que só agora você conseguiu decifrar a mensagem? Pelo que sei existe uma estação retransmissora no sistema solar, que costumava fornecer-lhes as notícias.

— Nosso receptor é muito fraco. No caso o equipamento de rádio da Stardust-III desempenhou as funções de estação retransmissora.

— Hum. A explicação não deixa de ser plausível. Para onde vocês irradiam suas mensagens destinadas a Orlgans?

— Na direção de Aldebaran-Touro...

Bell interrompeu o robô com um ataque de tosse forçado.

— Veja só. Você suspeitava de Vênus, Rhodan. Parece que foi um engano.

Rhodan deu de ombros.

— Foi uma suposição intuitiva. No momento o planeta Saturno se encontra na posição do Touro. Robby, será que Saturno está no jogo?

— Não posso dizer. Não disponho de informações a este respeito.

— Mentiroso! — trovejou a voz de Reginald Bell. Mas Rhodan assumiu a defesa do robô.

— Robby não tem nenhum motivo para mentir. Chegaremos mais longe se acreditarmos nele. Afinal, já conseguimos alguma coisa. O sistema de Saturno não é muito grande; deverá haver um meio de resolver o problema. Teremos que realizar quanto antes uma mudança de rota.

— Pelo amor de Deus! — gemeu Bell. — Até já estou começando a ficar nervoso. Gostaria de saber o que vai pensar o cérebro P instalado em Vênus quando souber que voltamos à Ponte.

Rhodan pôs a mão na chave que desativaria o robô, mas Bell o reteve num gesto rápido.

— Um momento, Rhodan. Ainda dispomos de dez segundos. Preciso fazer uma pergunta muito importante a esse menino. Trata-se de uma questão que ninguém conseguiu solucionar.

Logo depois, dirigiu-se ao robô:

— Ouça o que vou dizer. Você voltou a sentir-se como um servo da Terceira Potência, não é, Robby?

— Sim senhor.

— Deixe de cerimônias — insistiu Rhodan. — Está bem. Você está lembrado da revolta de robôs em Terrânia.

— Não participei da mesma.

— Mas vocês tiveram meios de se comunicar entre si.

— Sim senhor.

— Pois bem. A revolta foi controlada antes do tempo. Antes que pudessem desferir o golpe, seus companheiros de Terrânia foram postos fora de ação. Inclusive os robôs de combate. Apesar disso puseram-se em marcha ao amanhecer e espalharam muita desgraça. Qual é a explicação?

— Muito simples. A polícia humana teve que lidar com os robôs um por um. E cometeu o erro de não vigiar as máquinas desativadas. Alguns robôs ainda livres dirigiram-se aos seus camaradas enquanto a ação policial estava em andamento e voltaram a ativá-los. Foi por um estratagema de guerra que todos os robôs de combate se deixaram depositar no grande pavilhão.

— Desligue esse sujeito, Rhodan! — exclamou Bell, furioso. — Se escuto isso por mais algum tempo, acabarei tendo complexos de inferioridade.

 

O treinamento hipnótico e a prática galáctica conferiram-lhes grande presença de espírito. Ao regressarem à sala de comando, já haviam concluído o processamento psíquico dos conhecimentos recém-adquiridos. Rhodan voltou a assumir o comando.

— Vamos alterar a rota.

Seguiram-se os detalhes e as confirmações expedidas pelos diversos postos.

Saturno?! Com grande espanto os co-pilotos, engenheiros de máquinas, navegadores, assistentes e ordenanças tomaram conhecimento do novo objetivo.

Evans anunciou o resultado da medição goniométrica.

— A resposta dirigida à base dos saltadores instalada no sistema de Beta-Albíreo é irradiada a partir do sistema de Saturno.

— Obrigado, Evans. Já fixamos a rota com esse sistema. Tente obter uma indicação mais precisa do destino.

O pessoal do rádio provou que não era totalmente inútil.

— Apuramos a posição exata da emissora do inimigo, chefe. Fica na lua de Saturno denominada Titã, a sete graus de longitude oeste e oitenta e quatro graus de latitude norte, ou seja, nas proximidades do pólo norte.

— Obrigado, tenente. Foi um serviço bem feito.

— Fixação precisa da rota. Correções...

A Stardust-III voltou a desenvolver a velocidade normal, equivalente à da luz, cruzou a órbita de Marte, atravessou as extremidades do anel de planetóides e mergulhou no negrume do espaço. Júpiter encontrava-se em oposição. Saturno com suas nove luas era o objetivo mais próximo que se encontrava a seu alcance.

Os aparelhos de escuta da Stardust-III estavam regulados ininterruptamente para a estação retransmissora do inimigo. Mais três mensagens foram captadas. Tratava-se de pedidos de socorro dos exércitos terrestres de robôs. Na quarta e última transmissão a estação de Titã anunciou que ela mesma se encontrava em perigo. Os robôs depositados no laboratório de Rhodan realizaram a decodificação.

— Titã para Orlgans! Titã para Orlgans! O couraçado Stardust-III aproxima-se, navegando à velocidade da luz. Mantém uma rota que se dirige exatamente para cá. É impossível que se trate de uma coincidência. Alguém deve ter revelado nossa posição. Solicitamos apoio imediato.

— Não podemos dispensar a nave Orla XI. Parta para o contra-ataque. O girino arcônida dispõe de armamento suficiente para um ataque de surpresa. Modificação do código. Nova posição: 74 562 AT 9...

O resto foi incompreensível.

A consulta que Rhodan formulou ao robô não produziu o menor resultado. Seu cérebro não fora programado para a chave 74 562 AT 9. A linguagem ininteligível foi introduzida imediatamente no grande cérebro positrônico instalado a bordo da nave. Mas a codificação inimiga era tão complicada que várias horas ou mesmo dias poderiam se passar antes que se dispusesse de um texto compreensível.

Acontece que a decisão teria que vir nos próximos minutos, pois a Stardust-III, que já iniciara as manobras de frenagem, encontrava-se a apenas oitenta e cinco milhões de quilômetros de Titã.

— De qualquer maneira Orlgans cometeu dois erros — comentou Bell, satisfeito.

— Sabemos que não pode vir pessoalmente, e que dispõe de uma nave auxiliar arcônida de sessenta metros. Face a isso podemos avaliar com alguma aproximação a força do inimigo que nos aguarda em Titã.

— Até podemos avaliá-la com muita exatidão — disse Rhodan com uma raiva contida. — Na mensagem foi mencionada a palavra girino. Acontece que se trata de um apelido que demos às naves dessa classe.

— Dali você conclui que se trata de uma nave da nossa frota?

— É a conclusão que se impõe, meu caro. Lembre-se de que ainda não localizamos a Good Hope-I, comandada pelo tenente Dayton. Todas as buscas foram infrutíferas. Pode-se perfeitamente conquistar uma nave e tripulá-la com sua própria gente. Acho que os saltadores não são tolos. Saberão lidar com a tecnologia arcônida central.

— Isso significa que podemos dar a tripulação comandada por Dayton como perdida...?

Rhodan ficou devendo a resposta. Não estava tão bem informado.

Faltavam quinze milhões de quilômetros para Titã.

— Bell, sugiro que você nos dê cobertura com três destróieres. Com o poder de fogo de nossa nave provavelmente não precisamos disso, mas nunca se sabe como se desenvolverá a situação. De qualquer maneira faço questão de que alguém vá dar uma olhada em Titã. Estou interessado na estação dos saltadores.

— Não pretende pousar?

— Talvez nem tenhamos oportunidade para isso. Prepare-se. Leve dois oficiais da guarnição de reserva e os tripulantes de que precisa. Faltavam dez milhões de quilômetros para chegar a Titã.

Três destróieres comandados por Bell saíram da nave-mãe e dispararam para o espaço em ligeiros impulsos de aceleração. Tomaram uma rota tangencial, a fim de descrever alguns círculos em torno da maior das luas de Saturno.

No mesmo instante o girino decolou. Contavam com sua presença e por isso estavam preparados. Bell esteve a ponto de se precipitar sobre ele. Mas Rhodan ordenou que não modificasse sua rota.

— O sujeito foi destinado a nós. Vocês só empreenderão qualquer manobra se forem atacados.

— Está bem — disse Bell, contrariado, e obedeceu.

O girino se aproximou silenciosamente. O rugido interno de uma nave espacial acelerada ao máximo perde-se no vácuo do universo.

— Isso mesmo! É a Good Hope-I — constatou Crest, o arcônida. — E lá vêm os disparos.

Três torpedos espaciais se aproximaram vertiginosamente. O campo energético da Stardust-III se dobrou. Foi um devorar mútuo de energias termodinâmicas. Três bombas investiram contra o campo energético. Bastava que um dos projéteis conseguisse vencer o obstáculo para que uma deflagração atômica irreversível fosse desencadeada em certos elementos do objeto atingido. O artilheiro podia regular o artefato à vontade, no que dizia respeito aos elementos até o número oitenta. De qualquer maneira, todos os elementos pesados seriam atingidos pela conflagração.

A sensação provocada pelo fato de se encontrar sob o fogo desse instrumento de destruição maciça não era nada agradável.

Os homens que ali se encontravam tinham que depositar muita confiança na potência do campo energético.

Os instrumentos indicaram a potência do ataque energético.

— Sessenta e cinco por cento — murmurou Rhodan.

Poucos segundos depois as agulhas voltaram à posição primitiva. Haviam resistido ao primeiro ataque.

O segundo foi desfechado com cinco bombas.

— Setenta e oito por cento.

— O que está esperando? — perguntou o Dr. Eric Manoli, que se encontrava perto de Rhodan.

Este se limitou a lançar-lhe um ligeiro olhar; não disse nada. Afinal, o que poderia dizer? Que preferia não atirar porque se tratava do girino Good Hope-I? Essa fala pareceria muito sentimental. Era possível que o motivo fosse outro.

Talvez o tenente Dayton.

Bell anunciou sua posição além de Titã.

— Observamos nitidamente a estação. Trata-se de uma montagem de aparência modesta. Ao que parece o resto encontra-se sob a superfície da lua. Como estão vocês?

— Bem, obrigado. Repelimos dois ataques. Não se preocupem conosco. Pousem.

O fim da ligeira palestra coincidiu com o terceiro ataque do girino. Seis bombas arcônidas!

— Oitenta e três por cento!

Os geradores uivaram em freqüências elevadas. Deram o último de si para recarregar o campo energético numa fração de segundo.

— Oitenta e sete por cento! Noventa e dois por cento!

As forças que protegiam a Stardust-III da destruição pareciam reduzidas a uma fina membrana. Quando diminuiria a força das seis bombas arcônidas?

Finalmente: oitenta e nove por cento, oitenta e oito, oitenta e sete...

As agulhas dos indicadores de carga tenderam para baixo. Mas logo a Stardust-III foi atingida por uma sacudidela, que só depois de um momento de choque puderam ser absorvidas pelos compensadores de gravitação. As agulhas saltaram para noventa e oito por cento.

Nesse momento da eternidade, os gritos se misturaram. Os instrumentos de alarma anunciaram a aproximação de matéria pela popa. Tudo foi tão rápido que num momento de tensão nervosa a mente humana não poderia esboçar qualquer reação.

A única coisa que poderia salvá-los seria o autômato positrônico.

Cada um dos três destróieres vindos pelas costas havia disparado uma bomba arcônida. Logo se seguiram os impactos e os esforços desesperados do dispositivo automático de defesa.

— Setenta e dois por cento! Trinta e seis por cento...

As agulhas caíram para trás. Mas a posição da nave não conferia mais. Que abacaxi!

Saturno estava a vinte milhões de quilômetros.

— Não é possível! — disse Manoli, segurando o ombro, com o rosto contorcido de dor.

— Dispomos de um controle múltiplo. Se você tivesse razão, todos eles teriam falhado.

— Mas...

— Não há nenhum mas, Eric. Foi apenas um salto espacial involuntário. As energias liberadas durante o duelo tiveram, por uma simples coincidência, uma disposição tal que causaram uma verdadeira curvatura do espaço. Por pouco conseguem nos atirar para fora do conjunto de quatro dimensões. Sugiro que antes de mais nada cuidemos do girino. Está ficando muito perigoso para que possamos ter qualquer contemplação.

 

— Que é isso, Flynn? — perguntou Bell em tom de desespero ao seu artilheiro. — Será que nossas telas goniométricas estão desreguladas?

O tenente Flynn sabia que o sentido da fala de Bell era muito mais sério do que suas palavras poderiam dar a entender.

— Se esses bandidos tivessem destruído a Stardust-III, deveria ter sobrado ao menos uma nuvem energética.

— A conclusão não é nada má, desde que nos mantenhamos no seu campo de experiência. Acontece que estamos lidando com um inimigo cujo poder real talvez nos seja desconhecido. É bem possível que tenham montado suas armas num girino apresado.

Enquanto falava, Bell já ligara o receptor. Utilizou a freqüência secreta de emergência.

Bell para Rhodan! Bell para Rhodan! Responda, Rhodan!

Houve uma ligeira pausa. Depois se ouviu:

— Rhodan para Bell! O que houve?

— Graças a Deus, Rhodan! Onde é que vocês se meteram? Perdemos a posição.

— Sem querer, realizamos um pequeno salto espacial. Foram quinze milhões de quilômetros. Os caras lançaram mais três destróieres com que ninguém contava. Não se preocupem. Cuidaremos da Good Hope-I. Espero receber em breve informações precisas sobre a situação em Titã. Fim.

Os homens suspiraram aliviados e se reclinaram nos assentos. A formação de destróieres girou para baixo e abandonou definitivamente a órbita do satélite.

Rhodan foi esquecido. Concentraram todas as atenções sobre o pouso. Um mundo de gelo como Titã, cuja atmosfera cristalina de metano e amoníaco misturados com vários gases nobres é capaz de uma série de reações químicas, requer muito cuidado de qualquer astronauta que nela queira penetrar.

Obedecendo ao comando de Bell, os pilotos ativaram o chamado campo de vácuo, que criava uma zona neutra de mais de quinhentos metros em torno de cada aparelho.

Sem o menor incidente, pousaram ao lado da torre de rádio. Não houve o menor movimento defensivo.

— Aguardem! — ordenou Bell. — Deixem a temperatura baixar. Liguem a refrigeração artificial. Avisem assim que o envoltório externo esteja em condições normais.

A operação durou dois minutos, que não foram desperdiçados. Os homens colocaram trajes espaciais. Depois disso Bell ordenou o desembarque.

— Dois homens de cada aparelho virão comigo. Os co-pilotos ficarão para vigiar as máquinas.

A torre era uma construção metálica em forma de grade, levantada numa planície lisa que não poderia fornecer abrigo a ninguém. Apesar disso teriam de agir com cautela. Os seis homens se aproximaram lentamente do objetivo, com os fuzis de desintegração e os radiadores de impulsos em posição de atirar. Reginald Bell caminhava à frente. Seu traje espacial era um equipamento de batalha de origem arcônida. Mantinha o campo protetor ativado. Os outros cinco andaram em sua sombra, para que um ataque de surpresa com armas ligeiras pudesse ser rechaçado.

Mas não aconteceu nada. Atingiram a armação metálica sem serem molestados. Embaixo dela havia uma porta-alçapão que conduzia para baixo do solo.

— Tenham cuidado! — voltou a advertir Bell, quando Flynn se pôs a mexer no fecho. — Está bem, tenente. Continue a girar isso. Mas não enfie logo a cabeça pela abertura.

Um dispositivo hidráulico fez o alçapão deslizar para o lado. Bell soltou uma bolsa presa ao lado externo de seu traje e colocou-a cautelosamente acima da abertura. Um segundo depois metade do objeto havia sido consumida pelo calor.

— Ah, então puseram sentinelas!

A constatação foi pronunciada num tom estranho. Até parecia que Bell se sentia satisfeito por ter tido razão.

— Podemos conversar à vontade. Ninguém pode ouvir a conversa travada pelo telecomunicador de nossos trajes espaciais, mesmo que se encontre a apenas três metros. Aguardem mais um instante. Vou ligar o defletor de ondas luminosas para dar uma olhada.

Para os outros o momento parecia bastante crítico. Mas Bell confiava na eficiência do aparelho.

Afinal, estava invisível. O olhar duro do robô de combate constituía a melhor prova disso.

— Alô, minha gente, que surpresa! Seis metros abaixo de mim está um robô que os mercadores de Orlgans devem ter roubado de alguma filial da G.C.C. na Terra. Até parece que seus olhos estão abrindo furos no ar; ao que tudo indica, aguarda outro ataque. Vamos ver se temos mais alguns desses sujeitos de lata por aí.

Bell apontou o radiador de impulsos térmicos para baixo e apertou o gatilho. O robô dobrou as pernas e volatilizou-se pela metade.

— Vamos esperar!

Passaram-se dez segundos, meio minuto.

Nada se movia.

— Ao que parece o ambiente está limpo. Mas prefiro descer sozinho para dar uma olhada.

Por alguns segundos, Bell ficou dando tratos à bola para descobrir como um simples mortal poderia descer por essa galeria vertical de seis metros. Devia ser uma forma de deslocamento bastante desconfortável, mesmo que se considerasse que a gravitação não era superior a um terço da terrestre.

Perto da galeria havia alguns botões. Devia experimentá-los. Deixou cair algumas pedras. Ao comprimir um dos botões, as mesmas não caíam mais. Flutuavam.

— Um elevador antigravitacional! Tudo em ordem, minha gente! Avisarei assim que puderem seguir.

Bell flutuou para baixo.

Ao atingir o primeiro piso, viu-se numa sala pequena. Não se via nada além dos destroços do robô. Nas paredes viam-se três escotilhas. Eram comportas de ar atrás das quais devia se encontrar uma atmosfera de nitrogênio e oxigênio. Um exame mais detalhado confirmou o fato.

Bell escolheu a passagem do meio.

Mandou que os cinco homens o seguissem e informou-os ligeiramente sobre sua descoberta.

— Tenente Flynn, venha comigo. Os outros esperarão aqui.

O corredor descia obliquamente. Dali a cem metros o mesmo se ampliou, sendo novamente fechado por três portas. A da direita levava a um grande depósito, ocupado principalmente por cinco robôs terrestres desativados.

— Esses sujeitos de lata ficarão admirados quando os despertarmos para a vida...

Como o tempo fosse escasso, não puderam examinar os detalhes, por mais curioso que Bell ficasse com os numerosos instrumentos. Um belo dia Freyt teria de cuidar daquilo.

A segunda porta dava para um apartamento residencial muito confortável. Lembrava as residências terrestres; apenas os móveis de uso dos ocupantes pareciam dimensionados além das normas usuais.

— Isso bem pode ter sido uma residência de gigantes — constatou Bell em tom indiferente e dirigiu-se à outra porta.

Penetraram num recinto escuro, que logo os fez farejar um perigo. Mas depois de terem dado três passos, a iluminação automática derramou uma luz direta sobre eles.

Era um pavilhão comprido com boxes abertos.

Havia uma espécie de enfermaria, sala de repouso, laboratório... e seres humanos.

Bell e Flynn estacaram por um momento.

Não eram robôs nem saltadores, mas seres humanos.

O ar era respirável.

— Retirar o capacete — ordenou Bell e abriu o visor.

Flynn acompanhou-o. No mesmo instante as súplicas dos companheiros debilitados atingiram seus ouvidos.

— Que patifes! — disse Bell por entre os dentes. — Que patifes de saltadores.

O primeiro homem que libertaram das amarras que o prendiam ao leito foi o Dr. Berril, médico de bordo da Good Hope-I. Seguiram-se alguns mortos. O sétimo dos homens estava vivo, se é que se quisesse chamar de vida aquilo que fez com que o corpo maltratado se empinasse.

Abatido, o Dr. Berril sentou-se na beira da cama.

— Fale, doutor! Mesmo que seja difícil. O senhor tem que fazê-lo por si e pelos companheiros. Além disso, é o único médico que temos por aqui.

— Eles nos prenderam e trancafiaram. Todos os dias realizavam interrogatórios psíquicos. Deixamos de ser homens. Nossos cérebros...

— As reações de seu cérebro são normais, doutor. Pense nos companheiros que tiveram um destino pior que o seu. Tome este comprimido energético. E use estes tubinhos para alimentar os outros. Venha, eu o apoiarei.

O comandante, tenente Dayton, era um dos mortos. A maior parte dos tripulantes havia morrido. Só vinte e dois homens podiam ser considerados clinicamente vivos. E Bell só dispunha de três destróieres completamente lotados.

O problema fez porejar o suor em sua testa. Tinha que agir. E tinha que agir imediatamente. Ao lembrar-se de Orlgans, sentiu seu espírito ferver. Onde estaria Orlgans? Teria abandonado o grupo de seus companheiros de clã estacionado em Beta-Albíreo? Não poderia surgir a qualquer momento no sistema do Sol? O destino dos espiões robotizados que deixara na Terra constituiria motivo mais que suficiente para isso.

As ordens de Bell foram terminantes, quase grosseiras.

Mandou que os quatro homens que aguardavam diante das comportas descessem.

— Doutor, o senhor e Flynn os instruirão. Todos nós dispomos de um estoque de medicamentos que nos permite prestar os primeiros socorros. Enquanto isso cuidarei de outro assunto.

Bell desapareceu sem dar qualquer explicação. Seu destino era o pavilhão da frente, onde estavam depositados cinco robôs. Conhecia os companheiros de lata de dentro e de fora. Esse conhecimento pertencia ao saber adquirido através do treinamento hipnótico.

— Número um — murmurou em tom sarcástico — levante-se. Você tem visita.

Ativou-o para um décimo de sua potência, examinou a programação e constatou justamente aquilo que esperara.

— Seu desertor de uma figa, eu lhe darei uma lição... Mas como?

Sua mente se iluminou com uma rapidez extraordinária. O traje arcônida.

O gerador destinado ao campo defensivo desenvolvia uma energia eletromagnética que bastaria para apagar a programação indesejada que fora introduzida no robô. As experiências realizadas por Rhodan já lhe haviam ensinado em que setor do robô fora introduzida a má consciência.

Número um, a primeira tentativa.

Deu certo.

O resto não passou de um trabalho de rotina. Dali a vinte minutos, os cinco robôs de combate estavam reativados e programados de acordo com os interesses da Terceira Potência.

Bell emitiu algumas ordens e explicou a situação. Obedientes, os cinco robôs se espalharam pela estação. O número um foi à sala de instrumentos, o número dois à enfermaria, o número três marchou para a residência dos mercadores, o número quatro assumiu seu posto diante das comportas de ar e o último ficou numa posição avançada na superfície de Titã.

Um pouco mais satisfeito, Bell voltou para junto dos companheiros.

— Por enquanto nossa posição está garantida. Os cinco robôs continuam leais a nós. Decolarei só no meu destróier e farei com que o coronel Freyt mande socorro quanto antes. Não deverá demorar mais de um dia.

Bell e Flynn se despediram. Dali a poucos minutos o destróier disparou para o céu de Titã.

 

À decisão de Rhodan seguiram-se as ordens. Os saltadores que tripulavam a Good Hope-I deviam ser de opinião que haviam destruído a Stardust-III. Tomaram uma rota estranha.

— Olhe só! — disse Eric Manoli, espantado. — Dirigem-se à Terra. Será que pensam que ainda podem salvar alguma coisa? Acredito que Freyt já conseguiu liquidar a resistência dos robôs.

— As últimas informações são satisfatórias — disse Rhodan. — Mas a Humanidade tem muitos mortos e feridos a lamentar em todos os continentes. Quando me encontrar com o primeiro saltador, registrarei essa dívida. Um momento, Eric! Veja só a rota! Parece que não é a Terra.

Manoli se sobressaltou. Depois sacudiu a cabeça e disse:

— Há poucas horas você me falou em sua intuição. Ao que parece sua idéia ligada a Vênus não era tão absurda...

Na verdade, o girino tomara decididamente a rota de Vênus.

— O fato é que a espionagem realizada pelos robôs revelou a Orlgans algumas coisinhas que devíamos ter guardado para nós — disse Rhodan. — O ponto nevrálgico da Terceira Potência não é o deserto de Gobi, mas o grande cérebro positrônico instalado em Vênus. Está na hora de agir.

— Têm uma vantagem de mais de vinte milhões de quilômetros — ponderou Manoli.

— E a velocidade da luz sempre é a velocidade da luz. Tanto faz que seja um pequeno girino ou a Stardust-III que desenvolve a mesma.

— Faremos uma coisa proibida — disse Rhodan com um sorriso matreiro.

A coisa proibida foi uma ligeira transição que os levou através da quinta dimensão. No interior de qualquer sistema planetário uma manobra desse tipo representava um perigo inequívoco, pois poderia afetar a estabilidade do conjunto. Mas não era a primeira vez que Rhodan fazia uma coisa dessas. Já adquirira prática.

As medições realizadas pelos trinta e cinco observadores e a interpretação dos dados pelo cérebro positrônico instalado a bordo consumiu dez minutos. A hora havia chegado.

A Stardust-III realizou o salto espacial. Desapareceu pura e simplesmente do setor do espaço em que se encontrava e, sem cruzar a órbita de Júpiter, Marte e Terra da perspectiva projetada na quarta dimensão, surgiu de uma hora para outra nas proximidades de Vênus. Abrigou-se atrás do planeta e aguardou o inimigo que se aproximava.

Aguardou durante oitenta e quatro minutos.

A surpresa total foi o grande aliado de Rhodan. Os instrumentos de alarma mal podiam ter soado na Good Hope-I quando a Stardust-III se transformou num monstro imenso. Doze bombas carregadas por torpedos que se deslocavam quase à velocidade da luz precipitaram-se sobre o alvo. Todos os canhões pesados de desintegração dispararam ao mesmo tempo. A Good Hope-I se transformou numa nuvem de energia.

Os homens que se encontravam a bordo da Stardust-III ainda não haviam terminado de dar seu suspiro de alívio quando os instrumentos de alarma anunciaram nova aproximação de matéria. Três destróieres se aproximaram na esteira da Good Hope-I. Eram as mesmas naves que por pouco não tinham dado cabo do couraçado.

— Pontaria. Ponte de comando para direção de tiro. Reconheceram o alvo, ou precisam de dados goniométricos?

— Obrigado. Temos os três destróieres grudados na mira. O senhor poderia dar ordem de fogo, chefe?

— Fogo!

Mais uma vez contemplaram o fogo de artifício que se exibiu em pleno céu. Rhodan sabia que não estava indo longe demais. Em situações como esta sempre soubera harmonizar seus atos com a consciência. Não que sua consciência não prestasse, mas conhecia perfeitamente os limites e os deveres pelos quais tinha que pautar seus atos.

Não estava usando uma desculpa barata ao alegar que agia em prol do bem-estar de toda a Humanidade.

Quem se aproximasse pacificamente, poderia contar com um aperto de mão de Rhodan. Mas quem trouxesse a morte para a Humanidade teria que contar com a própria destruição.

 

Dois destróieres foram atingidos. O terceiro escapou na sombra de Vênus. Não voltou a aparecer. Devia ter caído ou pousado.

Um destróier?

Rhodan se lembrou do planeta Peregrino. Teria que ir ao Peregrino. Não poderia perder mais tempo por causa de um destróier que se encontrava a serviço do inimigo.

Mandou que estabelecessem uma ligação entre sua sala de comando e a cidade de Terrânia. Em palavras ligeiras, relatou ao coronel Freyt o que havia acontecido. Subitamente havia um terceiro interlocutor na mesma faixa de ondas.

— Olá, Bell. Por que está entrando na nossa conversa?

— Tenho tanta pressa quanto você. Coronel, mande imediatamente um girino para Titã.

Também Bell ofereceu um relato lacônico de suas descobertas. Freyt confirmou a recepção e, ao concluir, informou seus interlocutores de que a guerra de robôs na Terra podia ser considerada finda.

— Nesse caso posso receber meus mutantes de volta — constatou Rhodan. — Irei em direção ao cérebro positrônico de Vênus. Coronel, mande a Good Hope-II para Titã e liquide o assunto com Bell. Voltarei a chamar assim que tiver terminado em Vênus.

Os instrumentos de Rhodan instalados em Vênus terminaram o trabalho em menos de dois dias terrestres. O cérebro positrônico já havia preparado os dados sobre a posição do planeta Peregrino. Mas o registro desses dados, que eram extremamente complicados, durou várias horas. Na verdade, tratava-se apenas de valores aproximados, dotados do maior grau possível de probabilidade. Por fim, as coordenadas foram introduzidas no cérebro positrônico da Stardust-III através de um código elaborado pelo próprio Rhodan.

Antes de decolar, Rhodan ainda solicitou um relatório sobre os acontecimentos que se haviam desenrolado nas últimas semanas em Vênus. O cérebro ali estacionado informou-o sobre três destróieres que haviam pousado na selva do hemisfério sul.

— Não é apenas o sujeito que nos escapou que se mantém escondido aqui.

A constatação de Rhodan revelou certa contrariedade. A perspectiva mudava constantemente; até parecia que seus planos seriam estragados a cada hora.

O planeta Vênus não representava uma folha em branco da história da Humanidade. Há mais de um ano várias divisões plenamente equipadas do Bloco Oriental, então em plena revolta, haviam pousado ali. Depois de uma série de lutas de resultado variável, travadas principalmente entre os cidadãos do Bloco Oriental, fortes grupos formaram-se sob o comando do general Tomisenkow, e passaram a empreender uma pacífica atividade colonizadora. Mas também aqui a situação ainda não havia sido esclarecida. Se Rhodan contasse com a possibilidade de um contato entre saltadores do clã de Orlgans que haviam pousado ali e os homens de Tomisenkow, não poderia afastar a possibilidade de novas complicações.

— De qualquer maneira, não demoraremos nem um minuto — decidiu Perry Rhodan e deu ordens de decolar.

O coronel Freyt teria que cuidar de Vênus. Era o homem que na ausência de Rhodan teria que exercer o governo da Terceira Potência.

Uma vez fora da densa atmosfera de Vênus, a Stardust-III deu início a uma intensa troca de mensagens de rádio. Bell respondeu imediatamente, informando que o traslado dos vinte e dois sobreviventes de Titã fora concluído com êxito. Já se encontravam nos hospitais de Terrânia.

— ...nossos mutantes também estão a postos, Rhodan. Não há mais nada que impeça a decolagem.

— Muito bem. Apressem-se. Daqui a uma hora no máximo quero recolher a Good Hope-II a bordo e dar o fora daqui. Ligue-me mais uma vez com o coronel.

Freyt recebeu instruções detalhadas e se despediu.

— Boa viagem, Rhodan. E um bom regresso. Lembranças ao pessoal da frota.

Combinou com Bell um ponto de encontro entre as órbitas da Terra e de Marte. Dali a uma hora a Stardust-III recolheu a bordo a Good Hope-II e deu início à longa viagem com destino ao planeta Peregrino.

Antes de atingir o ponto de transição, situado além da órbita de Plutão, Rhodan pediu mais uma ligação direta com o major Nyssen. Pediu um relato sobre a situação atual.

MacClears, comandante do cruzador Terra, anunciou-se pelo hipercomunicador:

— No momento o major Nyssen está realizando um vôo contra os saltadores. A Solar System está envolvida num combate contra três inimigos. Até agora tudo deu certo. Mas não sabemos até quando será assim. Os mercadores receberam reforços. Receamos a intervenção de couraçados ainda mais potentes dos saltadores. No momento só nos resta esperar que a Stardust-III não demore a voltar. — Faremos o que estiver ao nosso alcance. Mas não sou nenhum profeta e não costumo fazer promessas vazias. Agüente mais algum tempo.

Com um laconismo tipicamente militar, MacClears confirmou o recebimento da ordem e desligou.

— Preparem-se para o salto interestelar — soou o comando de Rhodan. Reclinara-se profundamente na poltrona e fitava a tela de proa, que mostrava milhares de sóis que se desenhavam sobre o fundo negro do espaço cósmico. Em algum ponto desse labirinto, o planeta da vida eterna percorria seu caminho. Era o planeta que trazia o nome bastante significativo de Peregrino. Nele estava o próximo objetivo de Rhodan. Era ali que existia o ser indefinível, que não tinha nome. Só esse ser poderia salvar a Humanidade ameaçada.

— No planeta Peregrino receberemos armas que nos assegurarão uma superioridade definitiva sobre os saltadores — murmurou Rhodan, falando quase para si.

— Isso soa como uma prece, Rhodan — prosseguiu Bell no raciocínio de Rhodan.

 

                                                                                            W. W. Shols

 

 

                      

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