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No dia 10 de maio do ano de 2.328 do calendário terrano Perry Rhodan, Administrador Geral do Império Unido da Humanidade e de seus aliados galácticos, celebra um tratado de paz com os blues do planeta Gatas, que tinham sido completamente derrotados.
O fim do conflito galáctico com os gatasenses representa um marco importante na História de todos os povos da Via Láctea, pois agora que a grave ameaça à existência da Aliança Galáctica deixou de existir, os fatos devem mostrar se mesmo em tempo de paz a Aliança possui a necessária coesão interna.
Ao que parece, Perry Rhodan esperava demais da Aliança, pois mal termina a guerra, seus aliados começam a cuidar dos próprios interesses. Há distúrbios, e até mesmo os descendentes de terranos que encontraram um novo lar em mundos estranhos pretendem desligar-se do Império Unido. Atlan, o arcônida imortal, já reconheceu o perigo da nova situação ao afirmar que o maior inimigo do homem é o próprio homem!
Perry Rhodan e seus companheiros têm de experimentar na própria carne a veracidade dessa afirmação, quando se defrontam com O Inimigo Implacável...
Nunca se deve tratar um jovem como um prisioneiro. Ele se impacienta e fica zangado. Fica refletindo sobre o meio mais rápido de escapar à prisão. Enfurece-se facilmente, insulta os guardas e recusa-se a prestar declarações. Come pouco e sem apetite.
Nada disso se aplicava aos três homens que caminhavam pelo corredor à frente do sargento Turpin. Com uma única exceção apenas.
Os três homens recusavam-se a prestar declarações.
Mas não se impacientaram nem se mostraram zangados. Cuidavam muito bem de si, eram amáveis e tomavam regularmente as refeições.
Mas mantinham-se calados.
Nenhuma promessa, nenhuma sugestão, nenhuma ameaça era capaz de soltar-lhes a língua.
As chapas metálicas que protegiam as solas de suas botas batiam ruidosamente no chão duro. Eram batidas uniformes, que até pareciam seguir um rito previamente treinado. Os uniformes estranhos brilhavam à luz que descia do teto.
Os rostos dos homens exprimiam muita decisão. Ao mesmo tempo via-se neles a crença num poder mais forte que a força do Império Unido.
Isso deixou Turpin preocupado.
E não somente ele. Preocupou Perry Rhodan, preocupou Atlan e preocupou todos os oficiais.
— Alto! — comandou Turpin.
Os prisioneiros pararam. Turpin passou por eles, olhando-os muito desconfiados. Estes mantinham-se tranqüilos, com as pernas afastadas e os rostos impassíveis. Porém estavam com os olhos bem abertos.
As jaquetas de seus uniformes eram azuis e um “V” vermelho brilhava em cada uma delas, logo abaixo do coração.
Turpin não tinha a menor idéia do que significava esse “V”. E nem estava interessado em saber. Desde o momento em que fora encarregado de cuidar dos prisioneiros ficara nervoso. Os três homens despertaram em Turpin um sentimento que ele acreditara ter superado há muito tempo: o medo.
E eram somente três contra os dois mil tripulantes da Crest.
Não eram propriamente os prisioneiros que causavam medo a Turpin, era seu comportamento. Esses três homens nunca perdiam o autocontrole, e até mesmo na situação desesperada em que se encontravam pareciam acreditar que tudo acabaria saindo bem para eles.
Não diziam que esperavam sua libertação, mas comportavam-se como se esta fosse iminente.
Turpin praguejou baixinho. Depois disso ligou o interfone embutido lateralmente com a parede, por meio do qual se comunicou com a sala de comando.
— Sargento Turpin com os três prisioneiros, senhor — disse.
— Muito bem, sargento — disse uma voz. — Faça-os entrar.
Turpin dirigiu-se aos três homens com o rosto contrariado.
— Andando, senhores — disse, porém com a voz tensa. — Preparem-se que vai haver novidade. Perry Rhodan não se deixa fazer de bobo por tipos como vocês. Desta vez vocês vão pagar pelo que fizeram.
Turpin respirou aliviado. Sentia-se melhor depois de ter proferido estas palavras.
Mas se esperava ver rostos assustados, estava enganado.
Os homens fitaram-no com uma expressão séria, mas não demonstraram a menor reação. Só o maior deles, que tinha uma cicatriz no rosto, sorriu.
Turpin sentiu o desprezo que o atingiu. Virou-se apressadamente. Deu alguns passos em direção a uma das portas da sala de comando e abriu-a.
— Vamos! — disse. — Entrem!
Os “V” vermelhos embaixo do coração dos homens contorciam-se como cobras quando moveram os braços. Turpin colocou-se ao lado da porta. Os prisioneiros passaram por eles. O “clac-clac” de suas botas ecoou em seus ouvidos.
Até parecia que iriam assumir o poder em vez de ser interrogados.
Bell olhou para a moeda que brilhava na palma de sua mão.
— Cara ou coroa?
— Coroa! — exclamou André Noir, o mutante.
A moeda girou várias vezes no ar e foi parar sobre a mesa. Noir inclinou a cabeça e sorriu.
— Coroa — observou, satisfeito. — Fique à vontade, Bell. Antes de chegarmos ao destino eu lhe tirarei uma pequena fortuna.
— Quando pretende gastá-la? — perguntou Reginald Bell em tom sarcástico.
— Quando os tempos ficarem mais calmos na Galáxia — respondeu André Noir.
— Se não portasse um ativador celular, teria minhas dúvidas de que um dia o senhor possa desfrutar esses tempos mais tranqüilos. — observou Bell.
O hipno recostou-se na poltrona pneumática. Sua figura cheia parecia afundar na mesma. Bell fitou-o com uma expressão pensativa.
— Quando me lembro que o senhor foi o único mutante do grupo cuja presença foi solicitada por Rhodan, sinto calafrios — disse.
— A revolta lavra em toda a Galáxia.
— Há incêndios em cem lugares diferentes, mas o corpo de bombeiros é um só — confirmou Noir. — E Rhodan só está tratando do interrogatório de três prisioneiros. Acho que minhas forças modestas bastarão para isso.
Bell e o mutante encontravam-se a bordo da nave-laboratório Amaldo. O destino da viagem era o sistema da estrela de Beauly, onde eram esperados por Rhodan e Atlan, que depois dos acontecimentos assustadores que se tinham verificado no planeta Estup fizeram a nave-capitânia entrar novamente na órbita desse mundo. Na lua de Estup haviam descoberto uma estação em cujo interior pessoas desconhecidas tinham montado um transmissor de raios que desencadeavam um processo de degenerescência mental. Por meio destes raios os nativos do planeta haviam sido atirados de volta para a barbárie mais sombria.
A estação foi destruída num ataque desfechado pela Crest. Depois disso Rhodan capturou três prisioneiros. Surpreendentemente eram terranos, e não membros de uma raça estranha, conforme de início se supusera.
Ao que tudo indicava, havia um forte grupo de rebeldes escondido em algum lugar, cuja ação se dirigia a um objetivo bem definido.
A terrível guerra galáctica que irrompera entre os numerosos povos dos blues forçosamente também haveria de envolver seres humanóides nos conflitos. A História da Humanidade provava que uma grande guerra sempre se estende a povos que não têm nada a ver com o conflito.
Os espertos saltadores foram os primeiros a compreender a nova situação. Sabia que a derrota sofrida pelos blues na luta contra os terranos não tivera origem na superioridade da Frota do Império, mas exclusivamente na deficiência dos armamentos ofensivos e defensivos das naves dos blues.
Depois do desaparecimento das blindagens de molkex, os mercadores galácticos farejaram um negócio formidável. Passaram a vender as armas defensivas e ofensivas mais avançadas aos blues, que de repente se comportaram como bons parceiros nos negócios.
Ao lançar a grande operação dos povos humanóides contra o Segundo Império, Rhodan infelizmente enfraquecera a si mesmo. Sem que o pretendesse, quebrara o poder ilimitado dos gatasenses e libertara os povos coloniais oprimidos pelos blues. Frotas gigantescas desses colonos passaram a avançar pelo espaço. Em toda parte rugiam batalhas que se propagavam até o centro da Via Láctea, atingindo por vezes as áreas de interesse do Império Unido.
Mas não foram somente os saltadores que aproveitaram a situação confusa. Os aconenses e os arcônidas também mantinham relações comerciais com os blues. Seus representantes vendiam a qualquer um que estivesse disposto a pagar os preços exorbitantes que pediam.
E os blues pagavam.
Reginald Bell lembrou-se da advertência que Atlan formulara em certa oportunidade. Atlan dissera que nenhum povo da Galáxia, nem mesmo a Humanidade, se submeteria para todo o sempre ao domínio de um homem que se transformara numa lenda.
O Império Unido crescera tanto que se tornara difícil controlar todas as colônias e impérios estelares autônomos. Rhodan não teve alternativa. Viu-se obrigado a confiar em que os governantes dos planetas soberanos se guiariam por suas idéias e princípios — e isso para todo o sempre.
Acontece que a criatura humana é muito individualista. Na época da navegação espacial que dominava tudo não gostava que ninguém lhe ditasse regras constantemente.
À medida que o Império Unido crescia, o número de suas colônias aumentava. Mas já havia numerosos reinos que tinham adquirido autonomia completa. Econômica e militarmente eram quase completamente independentes da Terra; somente certos interesses comuns continuavam a ligar as colônias ao planeta de origem da raça humana.
Mas numa extensão cada vez maior os diversos mundos passaram a trilhar seus próprios caminhos, fazendo coisas que Rhodan desaprovava, mas tolerava em silêncio.
A prisão de três terranos na lua do planeta Estup parecia indicar que, sem o conhecimento de Rhodan, aconteciam certas coisas incompatíveis com os princípios que prevaleciam no Império Unido.
Ao que tudo indicava, o homem encontrara um inimigo poderoso no interior da Galáxia: o próprio homem.
Diante disso a advertência de Atlan, que fora formulada há muito tempo, adquiriu uma importância toda especial.
O fato de que Bell só conseguira às pressas um único mutante era bastante significativo. O desejo de Rhodan, que queria que vários mutantes, se possível alguns telepatas, fossem levados ao sistema da estrela de Beauly, não pôde ser cumprido.
Os principais mutantes estavam em ação ininterruptamente, e por isso Bell teve que dar-se por satisfeito por levar Noir.
A Amaldo, na qual viajavam, era um gigante esférico de oitocentos metros de diâmetro pertencente ao comando experimental e estava subordinada à Segurança Galáctica. A nave estava equipada com aparelhagens especiais de todas as espécies.
Reginald Bell tirou a moeda de cima da mesa. Noir observou-o atentamente.
— Em que estava pensando? — perguntou.
Bell coçou a cabeleira ruiva e curta. “Em que é que um terrano poderá imaginar numa época como esta?”, pensou.
Colocou a moeda à frente do rosto de Noir.
— Tudo ou nada? — perguntou.
Noir acenou com a cabeça.
— Bom... já que faz questão de ficar pobre...
— Cara — disse Bell e atirou a moeda para o alto.
Noir nem chegou a inclinar o corpo para a frente quando a moeda foi parar sobre a mesa. Bell estava decepcionado.
— Nada! — disse em tom deprimido.
— Nome?
— Matthieu.
— Idade?
— Vinte e quatro.
— Em que planeta nasceu?
Silêncio. Aconteceu a mesma coisa que nos interrogatórios anteriores. Os prisioneiros diziam o nome. O nome e a idade. Eram dados que não tinham a menor importância. Um nome diz pouca coisa; na verdade, não diz absolutamente nada. E via-se logo que os três eram muito jovens.
Não revelaram nada sobre sua origem. Poderiam ter nascido na Terra. Ou em um dos inúmeros planetas onde reinavam condições semelhantes às da Terra.
Falavam perfeitamente o intercosmo. Eram inteligentes, muito inteligentes até.
— Planeta de origem? — repetiu Rhodan.
Nada. Três pares de olhos enfrentaram firmemente seu olhar, os lábios permaneceram fortemente cerrados.
Rhodan olhou para Atlan. O arcônida abanou a cabeça de forma quase imperceptível. Não, dessa forma não se conseguiria nada.
— Matthieu, o senhor é o mais velho dos prisioneiros — disse Rhodan, dirigindo-se ao homem alto com a cicatriz junto ao nariz. — Sabe com quem está falando. Provavelmente também sabe que temos meios de conseguir a verdade. Por que não responde espontaneamente às nossas perguntas, antes que as coisas comecem a ficar desagradáveis?
Matthieu ergueu as sobrancelhas, como se quisesse exprimir seu espanto pelo fato de Rhodan ter mencionado a possibilidade de um interrogatório mais rigoroso.
— É o senhor que conduz o interrogatório — disse depois de algum tempo.
— Está bem, Matthieu. Seja o que o senhor quiser.
Modificou ligeiramente sua posição junto ao canto da mesa, para olhar diretamente para o segundo prisioneiro.
— Nós o prendemos na lua deste planeta — principiou Rhodan. — Qual era sua tarefa, Hathaway?
— Estava caçando patos selvagens — respondeu Hathaway em tom sério.
Matthieu e Berrings, o terceiro homem, sorriram. Seus rostos revelaram compreensão pelo humor do companheiro.
A voz de Kors Dantur soou nos fundos da sala. Parecia uma trovoada nas montanhas.
— Deixe-o por minha conta por um instante, senhor, que isso passará.
— Com meios decentes nunca os faremos falar, Perry — observou Atlan.
— Pois eu lhe direi o que andou fazendo — disse Rhodan com a voz tranqüila, dirigindo-se a Hathaway. — o senhor manteve ocupada certa estação na qual manipulou um emissor de raios que deixou os nativos de Estup completamente abobados. Acho que o senhor tem uma opinião diferente a este respeito, mas para mim trata-se de um crime infame pelo qual será processado e punido. A espécie de condenação depende do senhor. Então, Berrings? O senhor tem vinte anos, não tem?
— Tenho.
— Quer passar a juventude num planeta-penitenciária do Império?
— Não sei exatamente onde passarei a juventude — asseverou Berrings.
— Senhor! — gritou Dantur sem sair do lugar. — A Amaldo aproxima-se do sistema da estrela de Beauly. O Vice-Administrador Bell quer falar com o senhor.
Rhodan saltou de cima da mesa. Fez um sinal para Atlan, para que este prosseguisse no interrogatório. Não estava aborrecido com os prisioneiros. No subconsciente teve a impressão de que aqueles homens não eram criminosos. Pareciam acreditar que aquilo que tinham feito era correto.
Por que tinham feito uma coisa dessas? Em benefício de quem?
No momento em que chegou perto de Dantur, o rosto redondo de Bell apareceu na tela.
— Olá, meu velho — disse Bell a título de cumprimento. — Estamos aqui.
— Ótimo — respondeu Rhodan. — Estamos num aperto. Os três homens que prendemos na lua deste planeta não querem falar. Qual dos telepatas veio?
— Nenhum — respondeu Bell em tom azedo. — Todos os mutantes estão desempenhando missões importantes. Estou trazendo Noir.
— Noir — repetiu Rhodan. — Está bem. Saberemos arranjar-nos. Acho que você e Noir devem vir a bordo da Crest. Tenho outra tarefa para a Amaldo.
Como sempre, o representante de Rhodan não perdeu tempo.
— Vou passar a ligação para o comandante, Major Telbaro. Continue a conversa com ele. Noir e eu nos prepararemos para sair da nave.
A imagem do homem baixo empalideceu. Dali a pouco um homem de cabelos pretos entrou no campo de imagem.
— Major Telbaro, senhor — disse o homem.
— Olá, major — disse Rhodan com um sorriso. — Há uma tarefa especial à espera do senhor e de seus homens. Os oficiais da Crest lhe fornecerão outros detalhes. O senhor vai descer em Estup com a Amaldo a fim de examinar os nativos.
Um sorriso ligeiro apareceu em seu rosto.
— Mas tenha cuidado. Em certas circunstâncias um pedaço de pau pode ser uma arma muito eficiente.
— Sim senhor — confirmou Telbaro, um tanto perplexo. — Um pedaço de pau? Sim, senhor, terei cuidado.
— Teste as reações dos nativos diante do desaparecimento dos raios emotio. Certamente o senhor Bell já lhe deu alguns detalhes.
Esperou a confirmação de Telbaro e prosseguiu:
— Verifique se estes pobres coitados encontram o caminho de volta para sua antiga civilização, ou se estão condenados a vegetar como selvagens para todo o sempre.
— Faremos o possível, senhor.
— Naturalmente estamos interessados em saber como funciona o emissor de raios emotio. O senhor tem cientistas altamente especializados a bordo da Amaldo. Peça-lhes que examinem alguns nativos.
O major declarou que tinha compreendido tudo. Rhodan desligou. Voltou para junto dos prisioneiros. O pequeno sargento Turpin estava parado junto à porta e fazia vagar os olhos igualmente a um rato vigilante.
— Acho que vamos interromper o interrogatório por um instante — disse Rhodan, dirigindo-se ao arcônida. — A Amaldo chegará dentro de alguns instantes. Dei ordem ao Major Telbaro para pousar em Estup. Bell e Noir virão para a Crest.
— Noir — repetiu Atlan em tom pensativo. — Só ele?
— Só — limitou-se Rhodan a dizer.
— Turpin! — chamou.
O sargento correu para junto dele. Com suas pernas curtas e tortas parecia um jóquei.
— Leve os três de volta para seu camarote. Mas fique de sobreaviso. Daqui a pouco prosseguiremos no interrogatório.
— Está bem, senhor.
Turpin foi até a porta e fez um gesto convidativo para os prisioneiros. Os homens saíram caminhando devagar. Matthieu ia à frente dos outros. Sempre costumava fazer isso.
— Que uniformes estranhos — observou Atlan. — A pessoa que os criou deve ter tido algumas daquelas idéias na cabeça.
— Um grande “V” em fundo azul. O que significa isso? — disse Rhodan de si para si.
— Talvez seja algum símbolo — disse o arcônida esbelto.
Rhodan assobiou baixinho.
— Isso me faz lembrar minha juventude — disse. — Naquela época várias nações da Terra tinham o hábito de fazer um “V” com os dedos médio e indicador esticados.
— O que significava esse “V”? — perguntou Atlan.
— O “V” da Vitória — respondeu Rhodan.
Noir, que era um homem baixo e gordo, não parecia perigoso. Quando falava também não dava a impressão de ser um tipo combativo. Parecia antes um viajante comercial bonachão que acabara de fechar um bom negócio.
Acontece que Noir era uma arma viva. Era um hipno e tinha a capacidade de forçar sua vontade sobre qualquer pessoa, sem que esta o percebesse.
Noir tinha um aspecto bonachão, mas não conhecia escrúpulos em usar suas faculdades extraordinárias. Constantemente precisavam dele, pois na Galáxia havia tantos seres que faziam coisa diferente daquela que se esperava que haveria necessidade de um exército de hipnos iguais a Noir para incutir juízo neles.
Da mesma forma que todos os mutantes, Noir estava sobrecarregado de trabalho. Mas como usava um ativador celular que o protegia da doença da velhice e do cansaço, estava em condições de dar conta de um volume imenso de trabalho.
O ser espiritual do planeta Peregrino espalhara um total de vinte e cinco ativadores celulares pela Galáxia. Dezenove foram encontrados, mas um acabou sendo destruído. Ninguém sabia onde estavam os outros seis. Rhodan nem sequer tinha certeza se estes ativadores ainda continuavam escondidos, ou se já estavam sendo usados por seres desconhecidos.
André Noir, por exemplo, usava um dos dezoito aparelhos tão preciosos.
Noir caminhou ao lado de Rhodan pelo corredor que levava ao camarote onde estavam os três prisioneiros. Atlan seguia um metro atrás deles. Bell ficara na sala de comando, junto com Dantur.
— Como pretende agarrá-los? — perguntou Rhodan, dirigindo-se ao mutante.
Um sorriso inocente aflorou aos lábios de Noir. Alguém poderia ser levado a acreditar que se dirigia a uma insignificante reunião de clube.
— Acho que devemos agir com cautela — sugeriu o hipno. — Não devem perceber nada, mesmo quando tivermos terminado.
— Quanto tempo demorará? — perguntou Rhodan.
Noir fez um gesto embaraçado, passando a mão pelos cabelos escuros.
— Quatro dias, talvez cinco. Sei lá — respondeu. — Provocarei um bloqueio hipnótico profundo, que eliminará a ação da vontade deles sem que o percebam.
Dobraram uma esquina e viram Turpin, que estava de guarda à frente do camarote dos prisioneiros. Quando viu Rhodan e seus companheiros, o sargento ficou em posição de sentido.
Noir parou à frente da porta.
— Quando vai começar? — perguntou Atlan, que se encontrava atrás deles.
Noir olhou fixamente para a porta, como se pudesse atravessá-la com a vista. Sorriu.
— Agora mesmo — respondeu. Era o dia 30 de setembro de 2.328.
Na história cósmica quatro dias do calendário terrano não representam muito. Praticamente não assumem a menor importância. Até mesmo quatrocentos anos não são muito importantes na evolução da Galáxia.
Mas a bordo de uma espaçonave quatro dias são um tempo longo. Principalmente quando se está à espera de uma coisa e há muita coisa em jogo.
Rhodan sabia que seria inútil pedir pressa ao mutante ou procurar animá-lo com alguns conselhos bem-intencionados. Noir sabia perfeitamente o que devia fazer. Trabalhava tão depressa quanto as circunstâncias permitiam.
Ficava muitas vezes no camarote dos prisioneiros. Sozinho. Conversava com eles sobre coisas sem importância, jogava xadrez com Matthieu e não dava a perceber que tinha uma tarefa a cumprir.
Mas os três jovens não eram tolos. Desconfiavam de que o desconhecido que os visitava todos os dias queria alguma coisa. Estavam cada vez mais desconfiados. No segundo dia deram os primeiros sinais de nervosismo. Noir fez como se não tivesse percebido. Sentou ao lado deles, enquanto Turpin ficava escutando na porta, na esperança de ouvir alguma coisa das conversas misteriosas travadas no interior do camarote.
Na noite do segundo dia, Matthieu segurou Noir pelo braço, quando este pretendia retirar-se.
Noir fitou-o com uma expressão de surpresa.
— Diga logo o que quer de nós — disse Matthieu em tom áspero.
— Venho para entretê-los um pouco. Assim o tempo passa mais depressa — disse Noir.
Matthieu soltou-o.
— O senhor vem para interrogar-nos. É telepata?
— Se fosse, precisaria ficar sentado com os senhores horas a fio? — perguntou Noir.
— Deixe-o em paz — gritou Berrings, que estava sentado na cama. — Não vê que ele não é perigoso? Um dia havemos de descobrir qual é sua tarefa.
Noir sorriu. Parecia embaraçado. Ajustou a jaqueta e retirou-se.
— Não vai demorar — disse, dirigindo-se a Rhodan, assim que entrou na sala de comando. — Não vai demorar, chefe.
O Major Telbaro enviou o primeiro relatório. Os especialistas da Amaldo tinham concluído as pesquisas mais importantes. Um homem fora gravemente ferido. Era o Dr. Dedrange, que se abaixara sobre um nativo que parecia inconsciente e recebera um golpe com sua espada de madeira. Não houvera, porém, outros incidentes.
Os cientistas tinham constatado que o retardamento do intercâmbio de potencial elétrico entre as células cerebrais dos nativos chegara ao fim, mas que não houvera nenhum aumento perceptível do seu grau de inteligência. Ao que parecia, os efeitos dos raios emotio perduravam, principalmente nos nativos que tinham ficado submetidos aos mesmos por muito tempo.
Para os estupos o processo de deterioração mental fora prolongado demais.
Até mesmo os nativos que há vinte anos eram adultos inteligentes agora mal conseguiam lembrar-se das cidades e conjuntos de máquinas que tinham abandonado. Não se podia esperar que depois da destruição do emissor de raios emotio os estupos pudessem recuperar os conhecimentos que antes possuíam.
Diante disso, Atlan e Rhodan chegaram à conclusão de que o emissor de raios emotio devia desempenhar duas funções diferentes. Uma atividade não muito prolongada do mesmo causava a paralisação da parte inteligente do cérebro. Se a atuação era mais prolongada, as células cerebrais eram danificadas a tal ponto que não se podia pensar na recuperação da inteligência, e muito menos na reaquisição dos conhecimentos antes possuídos.
Dessa forma o emissor de raios emotio se transformava numa arma indiretamente mortífera.
Com isso a atuação da potência misteriosa contra os estupos parecia ainda mais desumana.
— Não consigo acreditar que os autores dessa trama diabólica sejam seres humanos — disse Rhodan, depois de ouvir o relatório.
— Nossos prisioneiros são seres humanos — lembrou Atlan.
— Quando Noir terminar com eles, saberemos tudo — disse Bell. — E descobriremos quem está atrás dessa ação.
“Clic” — fez o regulador automático do insuflador de ar. O oxigênio penetrou no recinto com um chiado quase imperceptível. Outro aparelho, instalado em lugar diferente, regulava a umidade do ar. Os homens que se encontravam a bordo da Crest respiravam o ar mais saudável que se poderia imaginar. No entanto, prefeririam viver por algum tempo na atmosfera de um planeta de oxigênio intocado.
Na sala de comando ninguém mais ouvia os ruídos típicos produzidos ininterruptamente pela nave. Todo mundo estava habituado aos mesmos. Só eram percebidos pelo subconsciente.
O estalo do sistema de intercomunicação também era uma coisa natural para a tripulação. Os homens só levantaram a cabeça quando a voz de Noir se fez ouvir.
— Terminei, senhor — disse o mutante. — Turpin está levando os três para a sala de comando.
— Ótimo — disse Rhodan. — Acho que o senhor também deveria vir. Traga Bell.
O mutante começara há quatro dias a romper sistematicamente a resistência dos prisioneiros por meio de um bloqueio hipnótico. Foram quatro dias, exatamente como Noir previra.
Dali a pouco o sargento de pernas tortas incumbido da guarda dos prisioneiros entrou. Atrás dele apareceram os desconhecidos. Matthieu, Hathaway e Berrings. A expressão de seus rostos continuava a mesma. Entraram com a mesma atitude de sempre e ficaram parados, com as pernas afastadas, à frente de Rhodan e Atlan. Noir e Bell entraram do outro lado.
— Bom dia, Matthieu — disse Rhodan com a voz tranqüila. — Faz quatro dias que não nos vemos.
— Sentimos muito sua falta — observou Berrings em tom sarcástico.
Rhodan lançou um olhar ligeiro para o hipno. Noir piscou com os olhos, como se o sol o estivesse ofuscando. Acenou com a cabeça de forma quase imperceptível. Bell atravessou a sala de comando e colocou-se atrás de Rhodan.
— Matthieu, já sei seu nome e sua idade — principiou Rhodan. — Quero que diga de que planeta veio.
— De Plofos — respondeu Matthieu imediatamente.
Noir, que se encontrava na parte dos fundos da sala, sorriu. Rhodan reprimiu a sensação de triunfo que ameaçava apoderar-se dele.
— Como é o nome do sol em torno do qual gira este mundo? — perguntou Rhodan. — Conte-nos alguma coisa sobre o sistema.
— O nome do sol é Eugaul — informou Matthieu. — Trata-se de uma estrela amarela do tipo do sol terrano, que fica a 8.221 anos-luz da Terra e possui oito planetas. O terceiro deles, chamado de Plofos, é um mundo muito semelhante à Terra. — Matthieu parecia achar perfeitamente natural que estivesse contando estas coisas. — Somos descendentes de colonos que emigraram há trezentos anos da Terra, para colonizar Plofos.
Colonos! Rhodan sabia que não tinha como fechar sua mente ao que acabara de ouvir. Para uma raça inteligente trezentos anos são um tempo muito longo. Neste lapso muitas colônias criaram suas próprias frotas espaciais. Mas o Administrador Geral não estava disposto a acreditar que alguém fosse capaz de aproveitar a superioridade técnica em operações como a que estava em andamento em Estupo.
Ainda tinha esperanças de que no final se constatasse que uma raça estranha estava usando estes homens para alcançar seus objetivos.
— Colonos, meu caro — disse Atlan em voz tão baixa que quase não pôde ser ouvido. — Lembro-me perfeitamente de como teve início a decomposição do Império Arcônida. Também tivemos problemas com outras raças, mas a situação só se tornou grave depois que as primeiras colônias se separaram de nós e passaram a combater seu planeta de origem.
— Por enquanto não temos certeza de nada — respondeu Rhodan.
Voltou a dirigir-se aos prisioneiros.
— Para quem vocês trabalham? — perguntou. — Qual é a raça que domina seu povo?
— Ninguém obriga um plofosiano a fazer alguma coisa por meios violentos — exclamou Matthieu em tom nervoso. — Trabalhamos por nossa conta.
Rhodan não teve motivo para duvidar de que, depois do tratamento aplicado por Noir, aquele homem não estivesse dizendo a verdade, mas achou que havia alguma coisa estranha em tudo isso. Não sabia o que era, mas um sentimento seguro, que muitas vezes fizera com que descobrisse certas ligações invisíveis entre as coisas, lhe dizia que não devia aceitar a resposta de Matthieu como definitiva.
— Muito bem, Matthieu — disse. — Vamos ao senhor, Hathaway. Gostaria que confirmasse o que Matthieu acaba de dizer.
— Ele disse a verdade — respondeu Hathaway.
— Bem. Continuemos, Hathaway. — Rhodan fitou o plofosiano com uma expressão séria. — Gostaria de saber como o senhor e seus companheiros foram parar na estação instalada na lua do mundo que estamos circundando com esta nave.
— Isso é uma história muito comprida — principiou Hathaway. — Tudo começou quando...
O resto de suas palavras foi engolido pelo ruído estridente do alarme. Rhodan, que se concentrara exclusivamente no interrogatório, estremeceu. Antes que pudesse fazer qualquer movimento, a voz potente de Dantur encheu a sala.
— Localizamos alguma coisa no espaço, senhor.
Só havia homens experimentados na sala de comando. Sabiam o que fazer num momento como este. Assim, por exemplo, ninguém precisou dizer ao sargento Turpin que a presença dos prisioneiros se tornara desnecessária. Enquanto Rhodan ainda estava correndo em direção aos controles do rastreamento espacial, o sargento colocou-se atrás dos três plofosianos para levá-los de volta a seu camarote.
— São naves esféricas — constatou Dantur em tom seco. — Vinte, senhor. Três delas são supergigantes do tamanho da Crest.
Rhodan já se encontrava ao lado do homem nascido em Epsal. Como um grupo de naves como este foi aparecer de repente?
— De onde vêm eles? — perguntou Bell em tom de perplexidade.
Neste instante a tragédia desabou sobre a nave-capitânia da Frota do Império Unido. As vinte naves abriram um fogo impiedoso contra a Crest. Depois disso três naves destacaram-se do grupo, penetraram na atmosfera do planeta e destruíram a Amaldo.
Antes que houvesse tempo para pensar em qualquer medida de defesa a bordo da Crest, esta foi gravemente atingida em treze pontos diferentes. Turpin, que estava caminhando em direção aos três plofosianos, soltou um grito ao receber uma pancada que o atirou no meio dos prisioneiros. Estes, por sua vez, também perderam o apoio e foram cambaleando de encontro à mesa dos mapas, juntamente com o sargento.
— Rhodan conseguiu segurar-se na poltrona do piloto. Logo embaixo dele Dantur gemeu como se tivesse sido atingido. O quadro de alarme iluminou-se. Com um olhar rápido Rhodan constatou que houvera impactos pesados em vários setores. Entre os equipamentos atingidos estavam o sistema de propulsão linear e a sala de rádio.
Os extintores automáticos de incêndio estavam funcionando em todos os cantos da nave e verdadeiras tropas de robôs procuravam fechar os vazamentos que a nave-capitânia tinha sofrido.
Provavelmente a Crest teria sido destruída no mesmo instante se não tivesse um comandante experimentado como Kors Dantur. O epsalense recuperou-se do choque com uma rapidez extraordinária. Ligou os campos defensivos, de forma que por enquanto os novos ataques poderiam ser repelidos.
Depois disso a Crest começou a acelerar loucamente com os propulsores comuns, que continuavam intactos. Se não fossem os neutralizadores de pressão, as pessoas que se encontravam a bordo teriam sido mortas numa fração de segundo.
A Crest precipitou-se para fora do sistema da estrela de Beauly. Com os propulsores comuns a nave não podia penetrar no semi-espaço, mas Dantur poderia aumentar a velocidade até pouco abaixo da barreira da luz.
— Eles nos atacaram sem aviso! — gritou Bell, superando a barulheira infernal. — Que patifes! Por pouco não conseguem transformar a Crest num montão de sucata fumegante.
Mesmo nos momentos de perigo Bell conservava sua linguagem colorida.
Hathaway, que saiu rastejando de baixo da mesa dos mapas, procurou dar um golpe em Turpin. Este saltou sobre a mesa e gritou, pedindo ajuda.
Esta ajuda chegou de surpresa, em forma do ertruso Melbar Kasom, que entrou na sala de comando pela entrada principal. O especialista da USO parecia ser a única pessoa que no momento do ataque conseguira uma posição firme.
Não foi por acaso que aquele homem adaptado ao ambiente resolvera usar justamente a entrada principal. Como media 2,13 metros de largura nos ombros, qualquer outra porta lhe teria causado problemas.
Kasom compreendeu a situação imediatamente. Hathaway estava segurando Turpin pelas pernas, enquanto Matthieu e Berrings o golpeavam.
Kasom rosnou. Com a direita segurou Hathaway na altura dos quadris e levantou-o de um golpe. Enquanto isso o braço esquerdo atingiu Matthieu e Berrings. Estes gritaram enquanto voavam pela sala de comando como se não pesassem nada e indo parar na parede que ficava atrás do computador.
Hathaway, que fora obrigado a acompanhar os acontecimentos com os olhos arregalados, seguro por Kasom a um metro de altura do solo, pôs-se a choramingar apavorado.
Kasom encostou-o repentinamente ao seu rosto.
— Então, garotão? — resmungou. — Por que não tenta surrar a mim em vez do pequeno sargento?
Da expressão do rosto de Hathaway deduzia-se que por enquanto o mesmo não estava interessado em brigar. Kasom emitiu um som de desprezo e deixou cair Hathaway.
Turpin ergueu-se sobre a mesa. Gemia constantemente.
— Obrigado, senhor — conseguiu dizer, enquanto fungava de dor.
O ertruso fez um gesto de pouco caso.
Neste meio tempo Rhodan constatara que grande parte da tripulação morrera ou não tinha mais possibilidade de entrar em contato com a sala de comando. Vários setores estavam isolados.
As notícias que chegavam à sala de comando podiam ser tudo, menos tranqüilizadoras. Aos poucos Rhodan foi formando uma idéia da extensão dos danos.
A Crest estava gravemente avariada. Pela impressão que se tinha no momento, a Frota do Império Unido teria de arranjar outra nave-capitânia.
— Estes astronautas não são muito amistosos — observou Atlan, que se deixara cair numa poltrona ao lado de Dantur. — Pela precisão com que foi desfechado este ataque de surpresa estaria disposto a jurar que os comandos de fogo dessas naves estão guarnecidos por terranos.
Foi a primeira vez, nos inúmeros anos em que dirigiam juntos os destinos do Império, que Rhodan se sentiu atingido pela ironia do amigo.
— Por enquanto ninguém viu os tripulantes dessas naves — respondeu em tom mais violento do que pretendia.
— Por todos os planetas do Universo — trovejou a voz de Dantur. — Que é isso?
Duas naves esféricas acabavam de aparecer bem à frente da Crest, que continuava a deslocar-se em alta velocidade. Deviam ter caído literalmente do espaço linear.
Abriram fogo imediatamente contra a nave avariada. Naturalmente não disparavam para o lugar em que a Crest se encontrava. Diante da velocidade que esta desenvolvia, tal procedimento seria inconcebível. Os astronautas que tripulavam as naves esféricas dispararam para os lugares pelos quais a Crest, que se deslocava a velocidade pouco inferior à da luz, forçosamente teria de passar. Nenhum comandante, nem mesmo Dantur, seria capaz de escapar aos tiros por meio de uma manobra-relâmpago.
Enquanto a nave começava a vibrar, Dantur esbravejou:
— Quem será? Calcularam nossa rota e nossa velocidade e depois deram seu golpe.
— São as mesmas naves que nos atacaram no sistema da estrela de Beauly — disse Atlan.
Dantur fungou num gesto de desprezo.
— Gostaria que me indicasse uma raça de astronautas que consegue fazer uma coisa dessas, a não ser nós.
Rhodan e Atlan entreolharam-se.
— Isso mesmo — disse Atlan em voz baixa. — Quem mais poderia ser?
Al Jiggers era baixo, louro e ágil. Mas o que mais chamava a atenção em sua pessoa não era isso. Quem o visse sentir-se-ia atraído imediatamente por seu rosto. Jiggers tinha mais de quarenta anos, mas seu rosto parecia o de uma criança. Jiggers usava um rosto artificial. Seu verdadeiro rosto fora destruído numa explosão de nitrato no interior de um laboratório em Plofos. Dali em diante passara a usar uma máscara de bioplástico. Os olhos eram a única parte genuína. Brilhavam que nem dois cristais em meio ao rosto infantil.
Como Jiggers era pequeno e possuía rosto de criança, muitos plofosianos acreditavam que ele fosse um homem brando. Estavam, porém, enganados. Não levavam mais de trinta minutos para descobrir com quem estavam lidando.
Jiggers tinha um hobby. Era espião. Espião por paixão. Até parecia que os perigos da vida aventurosa exerciam uma atração mágica sobre ele. Por enquanto Jiggers conseguira sobreviver. Isso provava que entendia do seu trabalho.
Fora Jiggers quem descobrira que Perry Rhodan se encontrava a bordo da Crest, nave-capitânia de sua Frota. Se desconfiasse que Atlan e Reginald Bell também estavam lá, seu triunfo teria sido completo.
O primeiro nome de Jiggers era Alfred, mas há muitos anos ninguém o chamava assim. Todos os chamavam de Al, até mesmo o chefe.
O chefe do serviço secreto de Plofos era Derrigade, que vivia num medo constante de que um dia Jiggers pudesse ocupar seu lugar. Jiggers nunca demonstrara interesse pelo trabalho de Derrigade, mas sempre que se encontrava com seu chefe havia um brilho estranho em seus olhos.
Derrigade sabia que o chefe supremo protegia Jiggers. Mas não sabia que esse mesmo chefe alimentava constantemente o medo do próprio Derrigade, para mantê-lo num estado de contínua vigilância.
Foi por puro acaso que Al Jiggers se encontrava na sala de comando justamente no momento em que chegou a notícia expedida pelas naves, segundo a qual estes tinham atacado a nave-capitânia do Império Unido e estavam perseguindo a mesma.
— Será que Rhodan sabe que está sendo perseguido por homens que acredita serem seus aliados? — perguntou Derrigade.
Fazia constantemente perguntas a Jiggers, pois esperava que dessa forma poderia informar-se melhor sobre a opinião de Jiggers á respeito de certas coisas.
Mas Al mostrou-se lacônico.
— Não faço a menor idéia.
O rosto gordo de Derrigade estava vermelho de exaltação.
— Conseguimos — disse em tom enfático. — Estamos caçando Rhodan na Galáxia que ele considera uma propriedade sua.
— Pode ser — disse Al.
— Avisarei o chefe supremo — observou Derrigade em tom entusiástico.
— Para quê? — perguntou Jiggers. — Ele já sabe.
— Naturalmente — disse Derrigade. — O chefe supremo mantém contato ininterrupto com a base da frota.
Jiggers levantou-se. Tinha pouco mais de 1,50 m de altura. Ao lado de Derrigade parecia um anão.
— Vá a Greendoor — disse Derrigade. — Assim que Rhodan tiver sido preso, será levado para lá. O senhor conduzirá o interrogatório do ilustríssimo Administrador Geral, juntamente com o chefe supremo.
— Sim — disse Al. — Já sei. Retirou-se. Derrigade soltou um suspiro de alívio. Um dia teria de encontrar um meio de pôr esse homem fora de ação. Trabalhar com Jiggers caía muito sobre os nervos.
Estavam caçando o orgulho da Frota, tangiam a nave ferida de morte para dentro da concentração estelar do centro da Galáxia. Irrompiam constantemente do espaço linear, fazendo com que a Crest não tivesse nenhuma chance de proteger-se contra os tiros.
Uma das naves gigantescas que perseguiam a Crest era conhecida pelo nome Fênix, e esta mesma Fênix comandava o grupo de vinte naves. Seu comandante, Con Perton, era ao mesmo tempo o comandante supremo do grupo.
Perton era um homem alto de ombros largos. Suas mãos eram mais bem cuidadas que as de uma mulher. Era um homem muito vaidoso. Trazia o cabelo liso repartido ao meio, e um perfume estrangeiro exalava de seu corpo.
O comandante tinha motivo para ser vaidoso. Possuía a capacidade de dar as ordens estrategicamente corretas nos momentos decisivos.
Perton era um homem moleirão, mas sua posição ajudava-o a superar esta fraqueza. Por isso era pouco apreciado como chefe. Sabia que não era um homem duro, mas esforçava-se para aparecer como tal.
Estava sentado em atitude tensa em sua poltrona, sempre atento às notícias que chegavam. Os computadores das vinte naves trabalhavam ininterruptamente. Não eram todas as vezes que algumas naves, ao saírem do espaço linear, atingiam a Crest. Apesar disso, Perton estava satisfeito. Apesar da competência do comandante inimigo, era apenas uma questão de tempo que a nave-capitânia fosse obrigada a capitular.
Perton passou o dedo pelo bigode ralo que enfeitava o lábio superior.
Mais uma vez saíram do semi-espaço e dispararam para o setor espacial em que a Crest apareceria numa fração de segundo, precipitando-se para o centro das energias liberadas.
Perton sorriu. Estava satisfeito. Lançou um olhar ligeiro para os oficiais. Será que Rhodan sabia que quem o caçava no espaço eram homens? Será que fazia idéia de que eram os descendentes dos colonos terranos que haviam encontrado um novo lar em Plofos?
O chefe supremo não contara com a possibilidade de que já nesta altura poderiam cair na sua pista, mas estava preparado para esta eventualidade.
O chefe supremo!
Por um instante o rosto de Perton perdeu a dureza que estava exibindo. Dentro de três semanas, no máximo, ele, Perton, precisaria tomar o antídoto, pois do contrário estaria condenado à morte. Perton orgulhava-se porque desde o início se submetera espontaneamente a esse procedimento — ou ao menos acreditava que o fizera voluntariamente, pois o medo de um dia não receber o antídoto roía seu subconsciente.
Perton olhou para o relógio. Era quase igual a um relógio terrano, mas era mais lento, isto porque em Plofos os dias e as noites eram um pouco mais longos que na Terra.
Perton empertigou-se. Estava na hora de a Fênix desfechar um ataque. Com um ligeiro vôo linear ela se colocara bem à frente da nave terrana.
— Centro de comando de tiro! — gritou Perton para dentro do microfone.
— Centro de comando de tiro preparado! — soou a resposta.
Perton refestelava-se com o poder que possuía. Uma palavra sua, uma única palavra bastava para que as torres de canhões da Fênix despejassem a morte e a destruição. E nem era necessário que ele mesmo controlasse a mira automática.
Ashton, o piloto, também transmitiu suas ordens. Dali a pouco a Fênix irrompeu no Universo normal. Ali, no centro da Via Láctea, havia estrelas em profusão.
Tudo dependia de que os dados fornecidos pelos computadores fossem corretos. Neste caso a nave avariada que levava Rhodan teria de submeter-se a uma nova série de impactos.
Até então não tinham captado nenhuma mensagem expedida pelos fugitivos. Dali se concluía que a sala de rádio da Crest fora destruída no primeiro ataque. Não havia o menor perigo de um grupo de naves vir em auxílio na capitânia.
Mas Perton sabia que sua tarefa não terminaria com a destruição da Crest. Rhodan devia ser preso, custasse o que custasse. Uma oportunidade como esta não voltaria tão depressa. O Administrador Geral não devia escapar. O chefe supremo estava decidido a eliminar de qualquer maneira o fator de poder que a pessoa de Rhodan representava.
Perton fazia votos de que tudo corresse conforme seus desejos, pois, com isso, firmaria sua posição.
Quatro incêndios de grandes proporções lavravam no interior da Crest. A nave acabaria destruída completamente por dentro. Parecia um vulcão chamejante deslocando-se pelo Universo nos limites da velocidade da luz.
Apesar da velocidade elevada, os perseguidores conseguiam constantemente realizar pequenos saltos lineares para materializar-se exatamente na rota previamente calculada da Crest e conseguir novos impactos.
Não havia possibilidade de expedir mensagens pelo rádio. Impactos pesados faziam desmoronar constantemente os campos defensivos já debilitados. As descargas energéticas que se verificavam no interior da nave provocavam terríveis destruições.
A poderosa nave continuava a avançar velozmente pelo espaço. Os sobreviventes continuavam a resistir à idéia de que a derrota era inevitável.
De repente um impacto direto devastou a sala de comando.
O rosto de Perry Rhodan parecia uma máscara. Não havia nenhum movimento que revelasse o que se passava no interior desse homem. Há tempo as luzes de emergência tiveram de ser ligadas. Perdas eram anunciadas em todas as partes da nave.
Os hangares tinham sido atingidos a tal ponto que nem se poderia pensar em sair nos barcos auxiliares.
Dantur parecia ter sido cimentado em sua poltrona de comando. Esforçava-se para proteger a nave destroçada contra novos ataques. Nem os aconenses ou os arcônidas, nem os saltadores ou os blues teriam sido capazes de acompanhar a Crest em sua viagem infernal. O grupo de vinte naves parecia ter celebrado um tratado com o diabo.
— Não acredito que consigamos escapar — disse Atlan, exprimindo antes dos outros o que todos estavam pensando.
Rhodan levantou-se e aproximou-se dos três prisioneiros, que estavam deitados no chão e gemiam. Turpin estava sentado à frente deles, com as costas apoiadas num computador. Mantinha a arma apontada e, ao que parecia, só esperava o momento de puxar o gatilho.
— Matthieu! — gritou Rhodan. — São seus amigos, Matthieu?
Os olhos de Matthieu brilharam numa mistura de ódio e triunfo.
— São — resmungou com o rosto desfigurado pela dor. — Eles nos tirarão daqui.
— Será mesmo? — perguntou Rhodan em tom irônico. — Os senhores também correm o perigo de ser mortos num impacto direto. Será que seus amigos não pensam nisso?
— Provavelmente — respondeu Matthieu em tom obstinado — eles nem sabem que estamos a bordo.
Rhodan não teve oportunidade para responder. Um lampejo seguido de uma violenta explosão fez com que fechasse os olhos, ofuscado. No mesmo instante perdeu o apoio dos pés e foi arremessado contra a parede.
Ficou deitado sem poder fazer nada. Sentia uma dor cruciante no lado direito do corpo, na altura dos quadris. Alguém gritou e um cheiro intenso de queimado encheu o ambiente. Depois ficou tudo às escuras.
— Perry! — gritou alguém. — Você está ferido, Perry? Estes patifes acertaram na sala de comando.
Era a voz de Bell. No momento em que Rhodan ia responder, alguém tropeçou em suas pernas e caiu em cima dele. Rhodan empurrou o corpo pesado e conseguiu libertar-se.
Uma língua de fogo saiu do grande painel de controle. No mesmo instante o fogo começou a espalhar-se. Uma luz bruxuleante iluminou a sala de comando. Os olhos de Rhodan viram o caos.
Em toda parte os homens rastejavam de um lado para outro. Rhodan ouviu gemidos e homens praguejando. Um estalo fantasmagórico saiu do interior da Crest. Não seria isso que levaria Rhodan a capitular, pois já passara por muitas situações como esta.
— Perry! — voltou a gritar Bell. — Onde está você? Se alguma coisa lhe aconteceu, torcerei o pescoço desses criminosos um por um.
— Estou aqui — respondeu Rhodan. Reginald Bell atravessou a cortina de fogo que se espalhava rapidamente. Atrás dele a figura maciça de Melbar Kasom avançava lentamente.
Rhodan fez um grande esforço e conseguiu levantar-se. Aspirou profundamente o ar e começou a tossir. Os extintores automáticos de incêndio não estavam entrando em funcionamento. Parecia realmente que nada mais funcionava a bordo da nave.
— Desta vez eles nos liquidaram — disse um dos homens.
— Dantur está morto! — exclamou Bell enquanto se aproximava de Rhodan. — O epsalense está sepultado embaixo do comando de pilotagem automática.
— Não! — disse Rhodan, bastante abalado.
Não queria acreditar que o comandante da nave-capitânia, cuja competência e qualidades humanas todos apreciavam, já não pertencia ao mundo dos vivos.
Rhodan sacudiu a cabeça. Percebeu que durante todo o tempo se rebelara contra um fator amargo: a Terra mais uma vez estava em estado de guerra.
A guerra lavrava. O conflito tivera início no momento em que as vinte naves esféricas apareceram no sistema da estrela de Beauly.
— Estou assumindo o comando da Crest — anunciou Rhodan. — Faremos uma última tentativa de escapar aos atacantes. Realizaremos um pouso de emergência.
A sala de comando estava perdida. Os homens que restavam tiveram de fugir das chamas. Procuraram dirigir-se à sala de comando auxiliar. Rhodan esperava que de lá pudesse controlar novamente a nave. Precisavam encontrar, no meio da confusão de estrelas, um planeta no qual pudessem realizar um pouso de emergência.
Kasom foi o primeiro a sair da sala de comando. Turpin e dois dos prisioneiros também tinham morrido. Matthieu era o único que continuava vivo. Mancava atrás dos outros.
Rhodan tinha certeza de que em todos os setores da nave ainda havia grupos de sobreviventes que poderiam atingir um lugar seguro. O corredor principal no qual entraram ainda não mostrava nenhum sinal da destruição que lavrava pela nave. Havia incêndios em alguns corredores laterais, mas ali os extintores continuavam intactos.
Dois elevadores antigravitacionais tinham sido inutilizados, mas o terceiro pelo qual passavam ainda funcionava.
Encontraram a sala de comando auxiliar intacta, conforme esperavam. Quando Rhodan chegou juntamente com seus companheiros, uns trinta homens já se comprimiam no interior da sala relativamente pequena. Não demonstraram nenhum entusiasmo diante da presença de Rhodan, mas seus olhares revelaram uma nova esperança. Quando as luzes voltaram a acender-se, Rhodan tentou entrar em contato pelo intercomunicador com os diversos setores da nave. Os hangares, o centro de comando de tiro e o observatório de bordo não responderam. A sala principal do sistema de propulsão linear também permaneceu em silêncio.
Na comporta de carga respondeu um certo alteres Carneiro.
— Ainda bem que há mais alguém vivo por aí — gemeu o homem. — Estou cercado pelo fogo. Todo o equipamento de combate ao fogo deixou de funcionar. Se não aparecer logo alguém para tirar-me daqui, estarei perdido.
A comporta de carga ficava a quinhentos metros da sala de comando auxiliar. Seria impossível libertar o homem antes que fosse tarde.
— Arriscaremos um pouso de emergência, alferes — informou Rhodan. — O senhor terá de agüentar até lá.
Quando o jovem oficial respondeu, houve um tom de pânico em sua voz.
— Não posso esperar tanto tempo. O fogo chega cada vez mais perto. Aos poucos o calor começa a ficar insuportável. Aí na sala de comando não há nenhum mutante que possa tirar-me daqui?
— Só temos um hipno — disse Rhodan em voz baixa. — Não há nenhum teleportador a bordo.
Por algum tempo reinou o silêncio. Teve-se a impressão de que os alto-falantes transmitiam o crepitar das chamas.
— Só tenho vinte e três anos, senhor — disse Carneiro depois de algum tempo. — Ainda não quero morrer. Acho que minha morte não teria nenhum sentido. Não vejo por que e para quem iria morrer.
— Há um traje protetor na eclusa? — perguntou Rhodan.
— Sem dúvida — respondeu Carneiro. — Mas estou cercado pelo fogo de todos os lados e não sei como chegar lá.
— Eu o tirarei de lá — disse uma voz grave atrás de Rhodan.
Rhodan interrompeu a ligação com a eclusa de carga e voltou-se para Melbar Kasom. O suor grudara a mecha de cabelo em foice na testa do ertruso.
— Este homem está perdido, Kasom — disse Rhodan. — Não vale a pena arriscar sua vida.
O especialista da USO já se encontrava junto à porta.
— O chefe da USO é Atlan, senhor — disse. — Ele não fez nenhuma objeção.
Mal disse isto, estava do lado de fora. Atlan esforçou-se para sorrir.
— Deixe que vá, Perry — disse. — Talvez consiga.
Rhodan voltou a fazer a ligação para a eclusa de carga.
— Carneiro! — gritou.
— Sim — respondeu Carneiro. — O que deseja?
— Um homem está a caminho para ajudá-lo.
— Obrigado, senhor — respondeu o alferes com a voz apagada.
Dali a sete minutos localizaram um sistema solar com cinco planetas. O segundo mundo desse sistema parecia ser o mais adequado aos seus propósitos.
A Crest, totalmente avariada, acompanhava lentamente os impulsos vindos da sala de comando de emergência. Os perseguidores pareciam ter percebido as intenções de Rhodan e suspenderam o fogo. Mas Rhodan não deixou que isso o enganasse. Os inimigos não o soltariam tão depressa. Depois do pouso de emergência seria tudo uma questão de segundos. Se não abandonassem logo a Crest e encontrassem rapidamente um bom esconderijo, estariam à mercê dos desconhecidos.
A nave-capitânia, como se reunisse todas as forças restantes precipitou-se para o interior do sistema desconhecido. Rhodan sabia perfeitamente que não poderia realizar um pouso convencional. Os propulsores quase não reagiam aos comandos. Os campos antigravitacionais não estavam mais funcionando. A Crest atingiria a superfície do planeta com a força de um cometa.
Sua única esperança eram os neutralizadores de pressão. Enquanto estes funcionassem, teriam uma chance de resistir ao impacto.
Nenhum comandante de espaçonave invejaria Rhodan pela tarefa que tinha pela frente. Mas o Administrador Geral estava decidido a salvar os sobreviventes. Como além dele se encontravam a bordo da nave Atlan, Bell e outras pessoas importantes, sua morte produziria um caos no Império Unido.
E isso era o que Rhodan queria evitar, custasse o que custasse. Se o inimigo conseguisse matá-los ou aprisioná-los, ele teria destruído de um só golpe tudo que Rhodan e seus amigos haviam construído com tanto trabalho no curso de várias gerações.
O homem alto e magro que se encontrava na sala de comando da Crest estava contrariado. Ainda não queria pensar nisso. Enquanto a nave destroçada com seus mil e quinhentos metros de diâmetro estivesse em condições de voar, enquanto houvesse um único homem capaz de comandá-la, não pensaria em capitular diante dos perseguidores.
Não havia necessidade de que alguém dissesse a Rhodan quais seriam os efeitos psicológicos da destruição da Crest. O triunfo estimularia o inimigo para feitos grandiosos, enquanto os pessimistas existentes na área do Império Unido logo profetizariam o fim do império estelar.
Com um movimento pesado, a nave destroçada mudou de direção. Ninguém perturbou Rhodan no desempenho da difícil tarefa. Atlan e Bell assumiram o comando da tripulação restante. A cada momento outros homens se reuniam na sala de comando de emergência, que diante dos seus dispositivos de segurança era o único lugar em que não parecia haver nenhum perigo.
Trinta e três minutos depois da localização do sistema planetário Rhodan proferiu as palavras de sempre:
— Preparem-se para o pouso de emergência. Todos os trajes de combate voadores em que se conseguir pôr as mãos devem ser distribuídos e colocados. Assim que a nave tocar o solo, todos os sobreviventes a abandonarão pela eclusa polar.
Neste momento entrou Melbar Kasom. Carregava um fardo sobre os ombros enormes.
Colocou a carga cuidadosamente numa poltrona. Foi endireitando o corpo. Sua voz parecia um toque de fanfarra.
— Está vivo — disse Kasom.
Perton contemplou seu rosto refletido na superfície polida da mesa dos mapas. Estudou-o atentamente, até descobrir uma mímica que considerou impressionante. Depois dirigiu-se aos oficiais.
— Conseguimos levá-los ao lugar que queremos — disse com a voz preguiçosa. — Estão se preparando para realizar um pouso de emergência num dos cinco planetas.
— Tomara que a nave não exploda — disse Ashton.
— Isso seria lamentável — confessou Perton. — Mas espero que nosso amigo Rhodan consiga colocar este montão de sucata com um mínimo de segurança, na superfície.
— Se é que ainda está vivo — observou Brunticker.
Perton acariciou o bigode. Lançou um olhar penetrante para Brunticker. Não gostava que seus oficiais formulassem objeções, mas ainda não conseguira levá-los a se absterem disso.
Também desta vez Brunticker não parecia assustar-se nem um pouco com o olhar de Perton.
— O que faremos depois que a Crest tiver pousado? — perguntou Ashton.
— Nós os perseguimos — disse Perton.
Assim que soubermos qual é o planeta escolhido por eles, circularemos em torno do mesmo e aguardaremos o resultado do pouso de emergência. Se houver indícios de que parte da tripulação escapou ao provável impacto, desceremos imediatamente e vasculharemos cuidadosamente a respectiva área. Os destroços da nave também serão revistados. A probabilidade de que alguém nos escape é extremamente reduzida.
— Vamos largar barcos auxiliares? — indagou Varringer.
— Sim, tenente — respondeu Perton. — Logo que seja necessário darei ordem para formar alguns grupos de busca. Seja qual for o lugar em que os náufragos se esconderem, nós os encontraremos.
Brunticker pigarreou.
— O que acontecerá com eles quando estiverem em nosso poder?
Um sorriso cínico aflorou aos lábios de Perton.
— Não precisamos de gente que não seja importante — disse. — O chefe supremo quer prisioneiros, mas não está interessado em que lhe seja apresentado um cadete qualquer. Lembrem-se disso, senhores. Só vamos prender pessoas importantes.
— E os outros? — perguntou Brunticker, que parecia fazer questão de estar bem informado.
Perton ficou calado. Voltou à poltrona de comando.
O silêncio dizia mais que muitas palavras. Con Perton, comandante de um grupo de vinte naves, acabara de condenar à morte algumas centenas de terranos.
Ele o fizera por ordem do chefe supremo.
Mas isso não fazia nenhuma diferença...
Uma figura de aço incandescente saiu da escuridão e precipitou-se na atmosfera do planeta. Era uma atmosfera rarefeita, mas diante da velocidade tremenda da Crest a mesma exercia um efeito frenador. Dentro de um segundo uma cauda chamejante surgiu atrás da nave. Um dos hangares estourou e os barcos auxiliares destruídos pelo fogo caíram como as sementes de uma fruta muito madura.
Uma pessoa que observasse o espetáculo da superfície dificilmente acreditaria que no gigante que caía ainda pudesse haver vida. Os homens que haviam sobrevivido ao combate no espaço agarravam-se em qualquer coisa, à espera do impacto da queda. Em sua maioria usavam trajes de combate voadores.
Constantemente havia explosões no interior da Crest. Em cada uma delas a nave catapultava cargas acessórias para o ar. Verdadeiros redemoinhos de relés, engrenagens, rebites, lingüetas, travessas, placas e blocos de metal e de vidro.
Até parecia que a nave queria dissolver-se nos seus componentes antes de tocar o chão. À medida que a Crest perdia altitude, o chiado provocado por seu vôo infernal tornava-se mais estridente. O ar comprimido parecia rugir.
Os homens que se encontravam na sala de comando não ouviam nada disso. Pouco antes de penetrar na atmosfera, Rhodan voltara a chamar todos os postos pelo intercomunicador, a fim de entrar em contacto com eventuais sobreviventes.
Deu ordem para que toda pessoa capaz de mover-se abandonasse a nave imediatamente após o pouso de emergência. Nenhum grupo deveria compreender mais de dez homens. E cada grupo se afastaria dos destroços numa direção diferente.
Rhodan queria que o inimigo, caso pensasse numa perseguição, fosse obrigado a dividir suas forças durante as operações de busca.
Se sobrevivessem ao impacto da queda, provavelmente teriam pela frente uma guerra violenta no planeta desconhecido. Rhodan sabia que o ataque contra grupos pequenos e bem armados era muito difícil.
No momento, porém, era a única coisa que podia fazer pela segurança dos sobreviventes.
O perigo da explosão da Crest durante ou logo após o pouso era maior que o de uma perseguição pelo inimigo.
A nave estava quase completamente fora de controle. Os neutralizadores de pressão continuavam a funcionar a toda potência, mas o propulsor normal também já tinha deixado de funcionar. Apesar dos repetidos esforços, os campos antigravitacionais não entraram em funcionamento.
Rhodan sentiu-se como um homem que desce para o vale montado numa avalanche de pedras, e faz uma tentativa inútil de frear as terríveis forças. E o pior: não estava em condições de fazer pousar a nave em determinado lugar.
A Crest atingiu a superfície do planeta num ângulo fechado. O corpo calcinado da gigantesca nave penetrou na crosta do mundo desconhecido, abrindo uma gigantesca cratera. Os efeitos de uma bomba não teriam sido mais terríveis. O chão começou a vibrar e o lugar do impacto foi envolvido imediatamente por uma nuvem de fogo e fumaça.
A nave-capitânia descera numa extensa planície, situada entre um deserto que parecia estender-se ao infinito e uma cadeia de montanhas baixas. Um sol amarelo-claro despejava seus raios sobre o solo e ressecava o chão: era de dia.
Na periferia do deserto viam-se somente vestígios escassos de uma vegetação raquítica. Em direção às montanhas a vegetação aumentava. Gigantescos cactos formavam uma muralha impenetrável entre as montanhas e a planície, que aos poucos ia se transformando no deserto.
A nave tinha afundado no chão quase até a cúpula polar superior. Toneladas de terra revolvida foram atiradas para o ar e desceram, assemelhando-se a uma densa cortina sobre o local de impacto.
Em alguns lugares a areia parecia vitrificada. A cratera aberta pela Crest parecia uma gigantesca cicatriz negra. Línguas de fogo e explosões não permitiram que o chão revolto descansasse.
Bem em cima do local do desastre formara-se uma nuvem de fumaça, que o vento débil que soprava das montanhas tangia em direção ao deserto. Ouviu-se um chiado e um burburinho no momento em que um dos gigantescos tanques da Crest estourou, derramando a água sobre as peças de metal incandescente. Vapores escaldantes subiram para o ar, misturaram-se com a fumaça e a poeira e uniram-se à nuvem de bruma que cobria a nave.
Um grupo de robôs de guerra saiu de um rombo que se abrira junto à cúpula polar. O calor danificara gravemente as máquinas. Os impulsos emitidos por seus cérebros positrônicos estavam muito debilitados. Três robôs caíram na cratera, um ficou pendurado no rombo, movendo desajeitadamente os braços armados. Quatro robôs conseguiram subir na cúpula polar.
Ali ficaram eles, envoltos pela fumaça e pelo fogo, vultos escuros que apesar do fim próximo pareciam mais humanos que nunca.
De repente um dos robôs começou a girar, primeiro lentamente, e depois cada vez mais depressa. A dança grotesca só terminou quando o robô escorregou e caiu na cratera. Ouviu-se um baque surdo quando bateu com toda força, dividiu-se em duas partes e desapareceu nas profundezas.
Isso parecia ser o sinal para que os três robôs restantes abandonassem a imobilidade. Começaram a atirar uns contra os outros, como se estivessem obedecendo a um comando secreto. Dois explodiram, enquanto o terceiro deu uma reviravolta no ar e ficou preso a uma das bordas do rombo.
Outro vulto apareceu na cúpula polar. Era alto e largo. Parecia orientar-se muito bem em meio ao caos. Olhou e torno, voltou para junto da escotilha e enfiou a cabeça na mesma.
— Vamos! Saiam antes que a nave exploda — disse Melbar Kasom.
Apesar dos neutralizadores da pressão, o impacto foi uma coisa horrível para os homens que se encontravam na sala de comando. Rhodan e Atlan conseguiram acabar imediatamente com o pânico que ameaçava instalar-se. Abriram caminho em direção à cúpula polar o mais depressa possível. Muitas vezes tiveram de abrir passagem a tiro.
Kasom, o gigante ertruso, caminhava na ponta. Para surpresa de Rhodan encontravam constantemente grupos de sobreviventes que se juntavam a eles. Pelos cálculos de Rhodan, uns trezentos homens deviam ter sobrevivido ao pouso de emergência. Preferiu não pensar nos feridos.
Talvez mais tarde fosse possível fazer alguma coisa por eles. O inimigo era impiedoso. Mostrara claramente que não teria compaixão.
A nave tinha sido completamente destruída. Agora que pôde ver a extensão dos danos, Rhodan teve a impressão de que era um milagre que ainda estivessem vivos.
Finalmente chegaram à escotilha da cúpula polar, instalada para fins de emergência.
Kasom foi o primeiro a sair. Os outros esperaram impacientemente que voltasse.
Lá fora um mundo desconhecido, que poderia trazer perigos que nem imaginavam, poderia estar à sua espera. Além disso, deviam considerar a probabilidade de uma perseguição. Rhodan fazia votos de que o inimigo fosse levado a acreditar que os últimos sobreviventes tivessem morrido na queda.
A figura gigantesca de Kasom apareceu na escotilha.
— Vamos! Saiam antes que a nave exploda — disse, novamente.
— Já caíram na superfície — disse Ashton. — Acho que não precisamos dar-nos ao trabalho de realizar uma busca. Não há mais ninguém vivo lá embaixo.
— Como pode ter tanta certeza? — perguntou Con Perton. — Vamos verificar pessoalmente.
As vinte naves do chefe supremo tinham entrado na órbita do planeta em cuja superfície a Crest acabara de realizar um pouso de emergência. O equipamento de rastreamento e observação informara os plofosianos sobre a queda da nave terrana.
Perton sabia que a probabilidade de encontrarem Rhodan com vida era reduzidíssima. Mas se os neutralizadores de pressão da Crest ainda estavam funcionando no momento da queda, a possibilidade de haver sobreviventes não poderia ser excluída.
O planeta em torno do qual estavam circulando possuía uma atmosfera rarefeita, mas respirável. A maior parte de sua superfície era coberta por grandes desertos. Nas regiões polares havia pequenos mares. Em alguns lugares os desertos que dominavam quase todo o cenário eram interrompidos por cadeias de montanhas. Nesses lugares havia vegetação, mas não existia o menor vestígio de vida animal. Os vales cercados pelas montanhas pareciam ser férteis.
Se houvesse sobreviventes na Crest, eles procurariam atingir um destes vales.
Perton sabia que a tripulação da Crest não demoraria a encontrar um lugar seguro. Os trajes voadores permitiam que os homens se dirigissem imediatamente a outro lugar.
Apesar disso, Perton não teve a menor dúvida de que conseguiriam encontrar todos os fugitivos. Como não havia perigo de que algumas unidades da Frota do Império Unido pudessem aparecer nesse lugar, tinham tempo de sobra para realizar uma operação de busca em grande escala.
Vários oficiais foram de opinião que não valia a pena examinar o local da queda, mas Perton estava decidido a aproveitar a pequena chance de prender Rhodan.
Con Perton mandou que cinco naves do grupo continuassem a circular em torno do planeta. Fez isso para garantir-se contra eventuais surpresas. Mas a maior parte das naves recebeu ordem de pousar.
A nave de Perton também desceu em direção à superfície.
O plofosiano examinava atentamente as telas de imagem. Não demorou a distinguir perfeitamente o local da queda. Era uma mancha escura na superfície amarelada. Por cima dele pendia uma sombra, que se estendia até o deserto. Perton supunha que se tratasse de uma gigantesca nuvem de fumaça.
À medida que desciam, a possibilidade de que lá embaixo alguém pudesse ter escapado com vida parecia cada vez menor. Perton viu que a Crest literalmente se enfiara no solo. E a parte visível da nave estava envolta em chamas.
Ashton, que estava realizando a operação de pouso da Fênix, fitou Perton com uma expressão irônica.
— Veja com seus próprios olhos, senhor — disse. — A nave está enterrada quase até a cúpula polar. Foi totalmente queimada. Não sei como ainda não explodiu.
— Vamos pousar assim mesmo, senhor? — perguntou o Tenente Brunticker.
— Naturalmente — respondeu Perton em tom arrogante. — Transmita a ordem para as outras naves, Varringer.
Um sorriso quase imperceptível apareceu no rosto de Ashton.
As quinze naves pousaram formando um círculo amplo em torno dos destroços da Crest. Perton mandou realizar imediatamente análises da atmosfera. As primeiras observações pareciam confirmar a opinião dos oficiais que acreditavam que ninguém tinha sobrevivido ao desastre. Os instrumentos de precisão das naves vasculharam toda a área, mas não havia sinal de sobreviventes.
Perton enviou um grupo de busca, formado por robôs, aos destroços da Crest, mandando que os robôs penetrassem na nave, à procura de feridos.
Enquanto os robôs se afastavam, o resultado do exame da atmosfera foi entregue a Perton. Os cientistas que se encontravam a bordo da nave constataram que o ar era respirável.
— Isso torna nossa tarefa mais difícil — disse Perton. — Se necessário, os homens do Império podem viver no planeta sem trajes protetores.
Perton deu ordem para que de cada nave partisse um barco auxiliar. Dirigiu-se ao hangar, pois queria participar pessoalmente da operação de busca. Ashton e Brunticker acompanharam-no.
Ao olhar da eclusa do hangar para os destroços da Crest, que se encontravam a uns mil metros de distância, Perton deu-se conta pela primeira vez da extensão de sua vitória. Acabara de derrotar Perry Rhodan numa batalha aberta.
Constatara que as naves plofosianas não eram piores que as terranas. E as tripulações?
Perton sorriu de alegria ao entrar no barco espacial. Qualquer plofosiano poderia enfrentar um terrano. As forças militares rigidamente organizadas do chefe supremo eram capazes de desbaratar o Império Unido, poderiam romper finalmente a supremacia dos terranos.
O chefe supremo percebera que a verdadeira fraqueza de Rhodan era a enorme extensão de seu Império. Além disso enfrentava problemas constantes com as raças aliadas. Os pos-bis eram os únicos que se mantinham fiéis aos terranos.
O chefe supremo não precisava enfrentar estas dificuldades. Sua posição era clara.
Perton deixou-se cair na poltrona. O chefe supremo tinha um método infalível de garantir a fidelidade de seus colaboradores mais importantes.
Ele próprio conhecia este método por experiência própria...
Quando abriu a portinhola, o cacto despejou um jato de ácido sobre ele. Tormlin já contara com isso. Esperara encontrar seu abrigo num estado de irritação e antes de entrar no mesmo abrira o guarda-chuva protetor. Esperou pacientemente que o jato de ácido cessasse. Tirou a rolha do vazadouro, para que o líquido malcheiroso pudesse sair.
Afinal, o cacto estava exausto. Tormlin tirou o guarda-chuva protetor e atirou-o apressadamente num canto.
Conforme esperara, o tremendo abalo fizera desabar o acesso à galeria principal. Teria de cavar um novo acesso ou esperar que chegasse à noite. De noite não haveria o menor risco em percorrer o caminho que levava à galeria principal na superfície.
Tormlin contornou cautelosamente uma poça de ácido no chão. O abalo deixara o cacto extremamente nervoso. Tormlin não se recordava de que seu abrigo já tivesse despejado uma quantidade tão grande de ácido sobre ele.
Tormlin retirou a polpa de cacto do buraco de vigia e olhou para a planície quente. Nuvens de fumaça continuavam a correr pelo horizonte. Uma coisa horrível acabara de acontecer. Ainda não sabia até que ponto os outros abrigos tinham sido danificados pelo abalo. Sem dúvida a entrada principal tinha agüentado. Os velhos estavam nas cavernas das montanhas. Provavelmente nem tinham percebido os estranhos fenômenos.
Tormlin perguntou a si mesmo por que os jaicas nunca tiveram a idéia de simplesmente cavar buracos profundos na terra. Dessa forma talvez conseguissem capturar um ou outro tepense.
Tormlin soltou um grunhido de desprezo. Os jaicas eram animais estúpidos, que acabariam sendo extintos um dia. Ficavam sentados horas a fio à frente dos cactos, à espera de que saísse um tepense. Mas acontece que este os observava pelos buracos cavados em seus abrigos e nem pensava em cometer a leviandade de chegar perto dos animais selvagens.
Havia um verdadeiro sistema de galerias subterrâneas que levava das montanhas aos campos de cactos. Os tepenses precisavam dos cactos, pois com eles fabricavam tudo de que precisavam para viver. Tinham tentado cultivar cactos nos vales, mas por estranho que isso possa parecer as plantas do deserto não se davam bem com o solo fértil.
Tormlin perguntou-se há quantas gerações o primeiro tepense descobrira que a partir de certa idade os cactos possuem um espaço oco que é fácil de alcançar. Bastava que se abrisse uma passagem a partir da raiz muito fraca. Provavelmente os primeiros tepenses que tentaram ampliar o espaço oco para abrigar-se dos jaicas adoeceram gravemente, pois ainda não possuíam meios de proteger-se do ácido que os cactos irritados deixavam fluir para o interior do espaço oco.
Absorto em pensamentos, Tormlin contemplava o deserto. De repente viu seis vultos saírem da fumaça e voarem em sua direção. Piscou o olho, pois acreditava que estava sofrendo uma alucinação.
Mas quando voltou a olhar pelo buraco, os seis vultos continuavam suspensos no ar. Voavam por cima do campo de cactos. Tormlin quase desmaiou de susto. Até mesmo em comparação com os jaicas estes seres eram grandes e gordos. Tormlin não compreendia como podiam sustentar-se no ar.
Deviam ser deuses, deuses poderosos, ou então demônios, saídos de um buraco fumegante no chão desértico.
Tormlin grunhiu amargurado. Que deuses eram estes, que à sua chegada faziam desabar as galerias? Segundo dizia a lenda, havia deuses que vinham num raio de luz. Eram seres belos e iluminados, que despejavam suas bênçãos sobre os tepenses.
Tormlin atravessou o alojamento, trêmulo e arrastando os pés. Fechou o escoadouro e abandonou o cacto, saindo pela portinhola. Deixou-se escorregar com grande habilidade para a raiz. Uma vez lá, entrou no acesso da galeria principal. Conseguiu avançar um bom pedaço, até atingir o local do desabamento. Provavelmente não era o único que estava isolado das galerias principais. Poderia começar a desimpedir a passagem, mas seria muito difícil fazer o trabalho sozinho. Além disso, era possível que parte das entradas de ar não existisse mais.
Não; teria de esperar a noite, quando estaria seguro dos jaicas, que se recolhiam aos seus esconderijos para proteger-se do frio. Tormlin ficou sentado por um instante na escuridão do corredor. Gostaria de saber se os velhos tinham uma explicação para a presença desses estranhos deuses. Ficou furioso ao pensar que estavam sentados em suas cavernas, gordos e preguiçosos, olhando estupidamente para a frente, esperando que alguém os alimentasse.
O único consolo era que um dia Tormlin também pertenceria ao grupo dos velhos.
Voltou para dentro do cacto, desviando-se com grande habilidade dos pingos de ácido que a planta ainda era capaz de produzir, e ficou agachado à frente do buraco de vigia.
Os seis deuses estavam voando bem em cima de seu alojamento. Ao que parecia, dirigiam-se às montanhas. Provavelmente estavam à procura dos velhos nas cavernas.
Quando perdeu os deuses de vista, Tormlin afastou-se de seu posto de observação. Usando as garras fortes da pata dianteira, arrancou um pedaço de polpa de cacto e começou a devorá-lo.
Quando caminhava ereto, o que raramente acontecia, Tormlin tinha um metro de altura. Um olho enorme dominava a cabeça esbelta, que terminava em tromba. O corpo de Tormlin era protegido por pêlos grossos e escuros.
Provavelmente a raça dos tepenses nunca teria desenvolvido a inteligência, se não tivessem sido obrigados pelos jaicas. Os jaicas eram animais selvagens em forma de lagarto. Com seus dentes afiados e pele dura eram um inimigo invencível.
As circunstâncias também forçavam os jaicas a caçar outros animais, mas o fato é que preferiam os tepenses. Muitas vezes passavam vários dias estupidamente sentados à frente de uma caverna ou de um cacto, esperando em vão que um tepense saísse.
Mas, apesar disso, vez por outra um tepense era devorado por um desses animais selvagens.
Tormlin terminou a refeição, estalando a língua. Desejava que a noite chegasse logo, mas ao mesmo tempo sentiu um medo vago ao lembrar-se de que lá fora os deuses ou demônios estavam fazendo das suas.
Dali a pouco Tormlin sobressaltou-se com estranhos ruídos, que fizeram com que seus pêlos duros se eriçassem. Dirigiu-se às pressas ao buraco de vigia.
O que viu fez com que recuasse de um salto. Esferas atravessavam o ar, esferas tão grandes que encobriam o sol, do seu mundo.
Tormlin comprimiu o corpo contra o chão e pôs-se a choramingar apavorado.
Rhodan preferiu não olhar para trás. Sobrevoou o grande campo de cactos juntamente com Atlan, Bell, Kasom, Noir e o alferes Carneiro. Os sobreviventes tinham-se dividido em numerosos grupos, que saíram voando para todos os lados.
Os cactos em sua maioria tinham três metros de altura. No lugar em que eram mais grossos, seu diâmetro chegava a dois metros. Entre eles cresciam plantas menores.
Aos poucos foram se aproximando das montanhas. Rhodan mandou de propósito que o grupo voasse perto do solo. Era possível que naves inimigas aparecessem por lá, e por isso seria mais seguro que estivessem em condições de abrigar-se imediatamente.
O estado de ânimo dos náufragos não era nada bom. Atlan parecia ser o único que suportava os acontecimentos com certa tranqüilidade. Bell voava no fim do grupo, com o rosto fechado. Kasom dava a impressão de que pretendia suicidar-se, e Carneiro parecia pálido e cansado. Até mesmo o rosto de Noir perdera a expressão bonachona.
Rhodan sabia que os pequenos transmissores que tinham trazido não bastavam para fazer chegar um pedido de socorro a uma das distantes bases terranas. Estariam condenados a passar o resto da vida neste mundo ou esperar que os plofosianos os matassem ou aprisionassem, a não ser que por acaso uma nave-patrulha aparecesse nesta região da Galáxia.
— Acho que por aqui existem animais — disse Atlan. — Várias vezes vi movimentos lá embaixo. Quando nossos alimentos concentrados tiverem terminado não precisaremos morrer de fome.
— Até parece que você acha que teremos de passar bastante tempo neste mundo — disse Rhodan.
— É bem possível, se bem que acho que nossos perseguidores não demorarão a aparecer.
— Parece que o arcônida sabe perfeitamente o que os plofosianos pretendem fazer — interveio Bell.
— É verdade. Afinal de contas, são descendentes dos terranos que tanto prezo — respondeu Atlan em tom irônico. — Se fossem blues ou aconenses, diria que temos uma chance. Acontece que desta vez estamos enfrentando um inimigo que não nos fica a dever nada. E os plofosianos têm a vantagem de não precisarem espalhar suas forças militares por toda a Galáxia. Podem concentrar sua frota em determinado ponto sem recear que alguém os ataque.
— Sua frota? — perguntou Carneiro. — Se eles tiverem uma frota, a mesma está automaticamente sob o comando do Administrador Geral.
Atlan soltou uma estrondosa gargalhada.
— Tenho a impressão de que o senhor ainda não compreendeu a situação, alferes. Quando a notícia de que fomos derrubados com a Crest se espalhar, a Galáxia tremerá nos alicerces. Nossos queridos aliados, os saltadores, os arcônidas e os aconenses só esperam a oportunidade de concretizar seus próprios planos. Além disso, muitas colônias soberanas se desligarão da Terra.
Atlan falava com base na experiência. Era um homem que já tinha acompanhado o fim do Grande Império. Rhodan sabia que na verdade o Império Unido era muito fraco. Era bem verdade que as raças abrangidas pelo mesmo se haviam unido para afastar o perigo dos blues, mas após a derrota dos gatasenses não demoraram a provar que o Império não tinha uma verdadeira coesão.
Eram principalmente os aconenses que sonhavam o seu perigoso sonho de um novo poder, um poder que há muito tinham perdido. E para os velhos arcônidas do Sistema Azul qualquer meio de prejudicar Rhodan e a Terra seria justo.
Rhodan observou a paisagem que se estendia embaixo deles. De alguns dos cactos pareciam partir linhas escuras que se estendiam até as montanhas. Até pareciam veias de água. Rhodan chamou a atenção de Atlan para a mudança na coloração da superfície.
— Parece que são canais subterrâneos — disse Atlan. — Talvez sejam rios.
— Acho que não; as linhas são muito retas — disse Rhodan.
— Vamos dar uma olhada — sugeriu Kasom.
— Não — objetou Rhodan. — Devemos apressar-nos para chegar às montanhas. Só lá teremos certeza de não sermos descobertos.
Prosseguiram em silêncio.
Quando atingiram os contrafortes da serra, quinze naves esféricas apareceram no céu. Carneiro foi quem as viu em primeiro lugar, soltando um grito de advertência.
— Lá estão eles — disse Rhodan. — Temos que descer imediatamente, senão seremos descobertos. Se prosseguirmos a pé, podemos esconder-nos entre as rochas.
Os seis homens desceram rapidamente para a superfície.
— Estão pousando perto da Crest — disse a voz retumbante de Kasom. — Tomara que demorem bastante examinando os destroços.
— Sem dúvida soltarão barcos auxiliares — ponderou Atlan. — Se vasculharem o terreno em todas as direções, descobrirão os grupos que fugiram para o deserto.
A gravitação do planeta era inferior à da Terra. Por isso conseguiram avançar rapidamente. Kasom teve de ligar seu microgravitador. Assim mesmo só precisava dar um passo para percorrer a mesma distância que os outros venciam com três ou quatro passos.
As naves inimigas já tinham pousado. Kasom, que dava saltos estupendos entre as rochas, ficou encarregado de observar o grupo.
Os fugitivos iam penetrando cada vez mais nas montanhas.
Atlan apontou para cima.
— Ali existem algumas cavernas — disse. — Acho que não poderíamos encontrar esconderijo melhor para a próxima noite.
Kasom voltou de um platô de pedra que se erguia ingrememente e informou que os perseguidores haviam desembarcado um grupo de robôs que se aproximava da Crest.
— Tomara que voem pelos ares com os destroços — disse Bell em tom zangado.
Chegaram a uma depressão, que atravessaram rapidamente com os trajes voadores. Rhodan apressou Carneiro, que ia ficando para trás. Não podiam assumir o risco de deixar para trás um homem que colocasse os plofosianos na pista certa.
— Estou me sentindo mal — disse o alferes.
— O senhor está com medo — resmungou Rhodan. — Procure controlar-se. Se perder os nervos, colocará em perigo todo o grupo.
Carneiro cerrou os dentes e apressou-se para alcançar os outros.
De repente a voz de Kasom se fez ouvir nos alto-falantes dos capacetes.
— Estão largando barcos auxiliares, senhor — anunciou o ertruso. — Por enquanto são quatro; não, só são três. Sete, oito, agora já são doze. Estão voando em todas as direções. Três seguem para as montanhas.
Rhodan respirou profundamente.
— Vamos! — ordenou. — Temos de atingir as cavernas antes que estejam em cima de nós.
O Tenente Kane Walsh não sabia que só lhe restava meia hora de vida. Nem poderia saber, pois o deserto que se estendia abaixo dele parecia abandonado. Nada indicava que dali a alguns minutos haveria um acontecimento trágico.
O Tenente Kane Walsh voava à frente de doze homens, penetrando cada vez mais profundamente no deserto.
Viram pousar o grupo de naves inimigas, mas Walsh não acreditava que fossem procurá-los justamente no deserto.
A bordo da Crest o tenente pertencera à equipe técnica. Sobrevivera ao pouso de emergência por encontrar-se próximo a um gigantesco bloco de máquinas, quando o propulsor linear foi destruído por um impacto direto.
Walsh voltou a olhar para trás e viu alguns pontos escuros no horizonte, junto à nuvem de fumaça que se espalhava em cima da Crest. O tenente era um homem experimentado.
— São barcos auxiliares — disse em voz alta. — Acho que devemos descer entre as dunas. Não acredito que venham para cá, mas se estivermos no ar será mais fácil localizar-nos.
O pequeno grupo de sobreviventes desceu no lugar indicado. Walsh viu-se cercado de rostos preocupados. Mas não viu somente preocupação nesses rostos — também viu medo. E compreendeu.
Com a voz calma ordenou a um dos homens que subisse ao topo da duna para observar os acontecimentos.
— Eles se interessarão principalmente pelas montanhas — disse. — Aqui estamos a salvo.
O homem que tinha sido mandado para o alto da duna atirou os braços para o alto, como se tivesse sido atingido por um atirador invisível.
— Eles vêm para cá! — gritou. — Estão entrando no deserto.
Walsh virou-se como se tivesse sido atingido por uma descarga elétrica. Ficou pálido que nem cera. Sabia perfeitamente o que significava ser atacado por um barco auxiliar armado num lugar como este, onde não havia nenhum abrigo.
Subiu a passos enormes para o alto da duna.
A nuvem vinda da Crest estendia-se sobre o solo igualmente a uma ameaça carregada de infortúnio. Em cima dela agora já se viam nitidamente três planadores que se precipitavam sobre o deserto.
O homem que se encontrava ao lado de Walsh descontrolou-se, dando partida no propulsor de seu traje de combate. Numa reação instantânea Walsh segurou-o pelas pernas. Perdeu o apoio quando o potente propulsor levantou ambos, mas conseguiu fazer baixar o homem.
— O senhor ficou louco? — chiou. — Se fizer isso, também pode acender uma grande fogueira para que nos encontrem logo.
O homem limitou-se a praguejar. Passou correndo por Walsh e desceu da duna.
O tenente sentou no topo e observou as máquinas voadoras que se aproximavam. Viu que não havia a menor possibilidade de escapar aos aparelhos de rastreamento que se encontravam a bordo dessas naves minúsculas. Os barcos auxiliares não voavam muito depressa e vasculhavam sistematicamente a área.
Walsh levantou-se. A areia caiu de sua roupa. Desceu lentamente para junto dos homens.
— Haverá luta. Preparem-se — disse com o rosto indiferente.
Walsh sentou na encosta da duna e preparou a carabina energética, que era a única arma que possuía. Alguns homens ligaram os micro deflectores, mas Walsh mandou que se tornassem visíveis.
— De qualquer maneira seremos localizados — disse. — Se não nos virem, jogarão bombas.
Por enquanto as dunas ofereciam certa proteção contra a localização. Walsh também teve de lutar contra o desejo de usar o micro defletor para escapar. Para os aparelhos de rastreamento ultra-sensíveis era indiferente que a pessoa fosse ou não visível enquanto voasse pelo deserto.
Quando Walsh já começava a ter esperanças de que a busca em sua direção tinha sido suspensa, a sombra de um barco voador apareceu sobre a duna. Walsh era bastante realista para saber imediatamente que tinham sido descobertos.
— Não atirem por enquanto! — ordenou.
A pequena nave começou a descrever círculos cada vez menores sobre o grupo de sobreviventes terranos.
Finalmente alguém se dirigiu ao grupo de Walsh pelo alto-falante.
— Há um oficial entre vocês, com o qual se possa negociar?
Walsh surpreendeu-se. Será que ainda tinham uma chance? Sentiu os olhares esperançosos dos companheiros e levantou-se.
Acenou com a mão. Sentiu-se invadido por uma nova esperança. Negociar era bom. Era melhor que travar uma luta sem esperança contra um inimigo mais forte.
— Quem é o senhor?
A voz saída do alto-falante retumbava. Parecia formar um eco entre as dunas. Walsh ficou com os olhos semicerrados e viu os orifícios circulares das armas energéticas da nave. Estavam apontadas para ele, fazendo-o engolir em seco.
— Sou o Tenente Walsh! — respondeu.
— Repita, para que possamos regular a freqüência de nosso rádio por seu transmissor de capacete.
Walsh começou a desconfiar. Não devia ser difícil para aquela gente lá em cima ajustar-se à freqüência dos transmissores de capacete.
Assim mesmo repetiu:
— Tenente Kane Walsh da Crest.
— Queremos falar com Perry Rhodan. Onde está ele?
Walsh farejou uma armadilha. Sentiu o perigo que emanava desse barco auxiliar.
— Não faço a menor idéia! — respondeu em tom firme. — Procurem-no!
Um lampejo surgiu em cima da cabeça de Walsh. Este quis atirar-se ao chão para sair rastejando, mas já era tarde. O impacto da pesada arma energética atravessou com a maior facilidade o traje protetor de Walsh, matando-o tão rapidamente que o mesmo nem teve tempo para compreender a traição infame de que tinha sido vítima.
Seus homens gritaram de raiva.
Mas não ficaram gritando por muito tempo. Suas vozes afogaram-se no chiado das armas. O calor produzido por uma energia indômita fez tremer o ar em cima da depressão. O barco continuou a cruzar sobre o lugar por um instante e depois seguiu lentamente deserto adentro.
Na depressão reinou o silêncio. O vento tangia tênues véus de areia do alto das dunas. Desta forma a natureza foi estendendo um pano denso sobre o teatro da luta desigual.
— O que foi que o senhor disse? — gritou Perton. — Este sujeito usa um uniforme plofosiano?
— Acho que o senhor deveria voltar — respondeu a voz saída do rádio. — Ele afirma que seu nome é Matthieu, e que foi preso quando os terranos destruíram a estação.
Perton ligou o transmissor. Estava contrariado.
— A busca será suspensa por enquanto — decidiu. — Mande que os outros barcos prossigam na mesma. Os robôs encontraram um sobrevivente nos destroços da nave, e este afirma que é um plofosiano.
O pequeno barco mudou de rumo e regressou para a Fênix. Assim que pousou no interior do hangar, Perton saltou e foi à sala de comando pelo caminho mais rápido.
— Aí está ele, senhor — disse Varringer quando Perton entrou, apontando para um jovem alto.
O homem usava um uniforme que, apesar de chamuscado, podia ser identificado como uma peça plofosiana.
— Fico satisfeito em vê-lo — disse o homem. — Meu nome é Matthieu. O senhor pôs fim ao meu cativeiro a bordo da Crest.
Perton estreitou os olhos, o que acreditava ser um gesto impressionante.
— Matthieu? Como foi parar a bordo da nave-capitânia do Império Unido?
— Eles me prenderam, senhor. Além de mim Hathaway e Berrings encontravam-se a bordo da Crest. Ambos estão mortos.
— O senhor foi interrogado na Crest?
— Fui. Por intermédio de um mutante.
— O que contou a eles?
— Pouca coisa, senhor — disse Matthieu com um sorriso. — Quando começaram a formular as perguntas mais importantes, o senhor chegou com suas naves.
Con Perton passou a mão pelo bigode. Sentia-se lisonjeado.
— Quer dizer que havia um mutante a bordo da Crest? — perguntou o comandante. — Ainda está vivo?
— Seu nome é Noir. Escapou da nave juntamente com Rhodan, Atlan, Bell, Kasom e muitos outros.
— Caramba! — exclamou Perton. — Quer dizer que quase todos os personagens do Império Unido se encontram neste planeta e estão praticamente indefesos diante de nós. Só falta encontrá-los.
— É verdade, senhor — confirmou Matthieu.
Perton cruzou os braços sobre o peito e não fez o menor esforço para dissimular a sensação de triunfo. Procurou imaginar a reação do chefe supremo diante deste êxito inesperado. Atlan e Bell em seu poder significava praticamente o fim do Império Unido. E também significava que Con Perton se tornaria uma pessoa mais influente.
O acaso colocara em suas mãos todos os trunfos de que precisavam para quebrar a supremacia dos terranos na Galáxia.
Dali a instantes Perton recebeu a notícia de que um dos barcos havia localizado e destruído o primeiro grupo.
— Eles se separaram em vários grupos — disse. — Acredito que a maioria esteja escondida nas montanhas. Mas nós os encontraremos, nem que tenhamos de olhar embaixo de todas as pedras existentes neste mundo desolado.
Voltou a dirigir-se a Matthieu.
— O médico de bordo deixará o senhor novamente em boas condições, meu caro jovem — disse em tom jovial. — Peça ao Tenente Varringer que lhe dê um camarote.
O sucesso inesperado que acabara de conquistar deu uma sensação de segurança nunca antes imaginada a Perton.
— Venha, Ashton — disse, dirigindo-se ao piloto. — Vamos voltar para o barco. Nosso destino são as montanhas.
Ao anoitecer Tormlin saiu do cacto. Levara bastante tempo para reprimir o medo a ponto de arriscar-se a abandonar seu abrigo.
Se o medo ainda não fizera com que os jaicas se recolhessem aos seus esconderijos, eles começariam a fazê-lo agora. Tormlin viu a sombra das gigantescas esferas voadoras no lugar em que começava o deserto.
Dedicou sua atenção aos lugares mais próximos. Era a segunda vez que saía do cacto não pela raiz, mas pela portinhola lateral. Mas da primeira vez a situação fora muito menos perigosa, pois saíra apenas para dar os remates finais nos trabalhos da portinhola lateral e do buraco de vigia.
Hoje teria de percorrer um trecho longo na superfície. Fazia votos para que chegasse o momento em que pudesse entrar em algum alojamento para atingir a galeria principal.
Vez por outra uma luz forte surgia em cima das montanhas. Tormlin não se preocupou, pois tinha certeza de que isso estava ligado à presença dos estranhos deuses.
Sentiu-se feliz quando outro tepense permitiu que entrasse em seu cacto. O tepense estava tão confuso como ele, e assim Tormlin dispensou as explicações. Ficou sabendo que do alojamento em que se encontrava era possível atingir uma das galerias principais e prosseguiu em sua caminhada.
A escuridão já era completa, mas para Tormlin o deslocamento embaixo da superfície era uma coisa natural. Encontrou-se com vários tepenses que estavam completamente desnorteados. Até mesmo alguns lugares da galeria principal tinham desabado. Os trabalhos de reparo dos desabamentos já tinham sido iniciados.
Em toda sua vida Tormlin nunca correra tanto. As robustas pernas traseiras doíam, pois sustentavam quase todo o peso do corpo.
Tormlin chegou à saída bem camuflada da galeria no meio da noite. Deu o assobio de identificação. Um dos guardas respondeu. Um círculo de espinhos de cactos vedava a entrada de algum jaica sanguinário que conseguisse localizar a passagem.
O ar frio da noite bateu no rosto de Tormlin enquanto seguia caminho entre as rochas. As luzes continuavam a correr em cima das montanhas, subindo e descendo sem cessar. Ruídos estranhos atingiram o ouvido aguçado de Tormlin. O tepense teve um calafrio enquanto passava junto às rochas.
Seu instinto infalível levou-o às cavernas.
Assim que uma das luzes se aproximava, Tormlin comprimia o corpo contra o chão, que passava a identificar-se com as pedras. Respirando pesadamente, esperava que a escuridão voltasse a reinar em torno dele. Tormlin procurou convencer-se de que não havia motivo para temer os deuses, mas os sentimentos eram mais fortes que o raciocínio. Quer se tratasse de deuses, quer não, era preferível demonstrar certa desconfiança diante de fenômenos desse tipo.
Quando chegou bem perto das cavernas, parou e pôs-se a farejar o ar. Alguma coisa estava mudada. Era impossível saber exatamente o que tinha acontecido, mas tinha certeza de que houvera alguma coisa em sua ausência.
Pôs-se a refletir, sentado numa rocha lisa. De repente compreendeu o que o perturbava.
Havia mais alguém na escuridão. Um cheiro estranho quase imperceptível penetrou nas narinas de Tormlin. O tepense rosnou baixinho e pôs-se a farejar a noite.
O cheiro desconhecido vinha de dentro, das cavernas e misturava-se ao dos velhos.
Tormlin sacudiu o corpo e saiu rastejando rente ao chão. Estava preparado para fugir ao menor sinal de perigo.
Quando chegou mais perto das cavernas, soltou o assobio de identificação. A resposta foi imediata. Sentiu-se aliviado e acelerou o passo. Os velhos deviam saber como sua gente se comportaria diante dos deuses.
Na entrada das cavernas encontrou-se com alguns guardas, que o farejaram com um cuidado exagerado. Tormlin esperou pacientemente que deixassem livre o caminho. Finalmente permitiram que prosseguisse. A presença dos guardas deixou-o completamente tranqüilizado.
Assim que penetrou nas cavernas, o cheiro estranho tornou-se ainda mais intenso. Percebeu que os velhos estavam deitados à sua frente, no meio da escuridão, acomodados em seus leitos macios. Teve a impressão de ver o brilho dos seus olhos cansados.
— Vi alguns deuses — disse. — Eles se dirigiam para cá.
Os velhos resmungaram um tanto contrariados, mas Tormlin já estava acostumado a isso. Ficou parado, à espera de uma resposta. Finalmente um dos velhos começou a falar:
— Já sabemos disso. Eles estão aqui. Tormlin ficou perplexo. Então era esta a causa daquele cheiro estranho. Tormlin franziu a tromba. Nunca ouvira dizer que um deus pudesse ter um cheiro tão forte. Bem, talvez os deuses apreciassem este perfume.
— Onde estão eles? — perguntou. — Quero vê-los.
— Nas cavernas de trás — foi a resposta proferida em tom zangado.
Tormlin passou cuidadosamente junto aos leitos dos velhos. Ouviu-os fungar e grasnar enquanto se jogavam nervosamente de um lado para outro. Tormlin conseguiu reprimir um grunhido irônico e atravessou a fresta que levava para a caverna de trás. Viu luz pela frente. Era uma coisa muito estranha.
Seguiu o rastro luminoso até chegar à entrada de uma das cavernas principais. Parou e lançou os olhos para dentro da caverna iluminada. A luz vinha de dois objetos retangulares que os deuses tinham colocado no chão.
Os deuses — eram seis — estavam de pé na caverna, conversando.
Sem dúvida seria perigoso perturbar os deuses durante a conversa. Mas Tormlin superou o medo. Talvez os deuses possuíssem um meio de espantar os jaicas, que muitas vezes passavam horas a fio junto aos cactos.
Tomou uma decisão súbita e caminhou para o centro da caverna. Um dos deuses lançou um olhar ligeiro para ele, mas não lhe deu muita atenção.
Tormlin ficou parado — e pasmo de espanto. Intimamente sentia-se decepcionado, pois teve a impressão de que fora deixado de lado.
Mas antes que tivesse tempo para dizer qualquer coisa, um dos velhos apareceu a seu lado e cutucou-o levemente.
— Volte! — grasnou um dos velhos, cujo pêlo cinzento era peculiar ao de todos eles.
Então era isso. Os deuses queriam ser deixados em paz. Tormlin fungou de desprezo. Para que esses gigantes de duas pernas tinham vindo?
Bastante contrariado, acompanhou o velho para a primeira caverna.
— Precisamos ficar longe deles — disse o velho em tom benevolente.
— Por quê? — perguntou Tormlin.
— Eles acreditam que somos animais — explicou o velho.
Tormlin mostrou os dentes afiados. Então os deuses colocavam-no no mesmo nível dos jaicas. Não era possível. Tormlin decidiu que mudaria a opinião dos deuses o mais depressa possível. Voltaria às cavernas dos fundos assim que os velhos estivessem dormindo.
— É preferível que os deixemos em paz — disse o velho. — Eles têm problemas.
Problemas! Tormlin teve a impressão de que não entendera bem. Não saber como resolver seus problemas era a última coisa que poderia acontecer a um deus.
Tormlin recolheu-se a um canto. Sabia por experiência própria que ao amanhecer os velhos ficavam muito sonolentos. Era a hora mais fria, quando todos ficavam encolhidos.
Nesse momento Tormlin entraria nas cavernas dos fundos e explicaria aos deuses a diferença entre um animal e uma criatura inteligente como um tepense.
A superfície externa da Fênix estava coberta de geada. Era uma noite fria e clara. Perton mandara suspender as buscas até o amanhecer, pois constatara que durante a noite as chances de descobrir os grupos de fugitivos dispersos pelo terreno eram muito menores. Mas de duzentos homens do Império Unido tinham sido localizados no deserto e derrotados depois dum breve combate. Não havia nenhuma pessoa importante entre os mortos.
Con Perton tentou, em vão, dormir algumas horas em seu camarote. Sempre acordava sobressaltado. Finalmente vestiu o uniforme e dirigiu-se à eclusa.
A sentinela abriu espaço sem dizer uma palavra.
Perton olhou para o deserto e aspirou profundamente o ar frio e rarefeito. Num instante como este a dureza que costumava ostentar abandonava-o por completo. Acreditou que ninguém o estivesse observando e seu rosto perdeu os traços obstinados.
A consciência começou a manifestar-se. Lembrou-se de que era responsável pela morte de centenas de homens.
Mas poderia ter agido de forma diferente? Estava à mercê do chefe supremo. Se este não providenciasse para que o comandante recebesse o antídoto, Perton teria pouco tempo de vida, pois tivera conhecimento de que muitos homens tentaram rebelar-se contra os planos do chefe supremo — e todos estavam mortos.
Em princípio Perton não era contra as idéias do chefe supremo. Até procurava convencer a si mesmo de que era um adepto entusiástico da política de conquista do poder. Como plofosiano que era, sonhava com a idéia de que a colônia viria a destruir o velho Império e assumir o poder. Como homem a idéia do sangue derramado não lhe era nada agradável, mas costumava reprimir os sentimentos deste tipo antes que os mesmos pudessem dominá-lo.
Seus dedos feminis seguraram a borda da eclusa. Um vulto aproximou-se pela ponte de carga.
— Senhor... — disse alguém em tom comedido.
Era Akers, comandante da Mênfis. Era um homem baixo, de ombros largos. Aos olhos de Perton este homem corporificava tudo que ele mesmo gostaria de representar. Era calmo, duro e persistente. E, o que era mais importante, era um homem paciente. Perton sabia que quem comandava o grupo de naves era ele, e não Akers. Mas este dava a impressão de que um dia poderia vir a substituir Perton.
— Então, major Akers? Também não consegue dormir?
— Consigo, sim — respondeu Akers e colocou-se ao lado de Perton. — Mas gostaria de conversar com o senhor sobre os fugitivos.
Perton mordeu o lábio. Como é que o major poderia saber que ele não estava no seu camarote, dormindo?
— Fale — disse em tom contrariado.
Akers falou com a maior tranqüilidade.
— Sugiro que ao raiar do dia enviemos alguns barcos espaciais às montanhas, para vasculhar as cavernas.
— Com isso colocaríamos em perigo a segurança dos nossos homens — respondeu Perton.
— Talvez não, senhor. Estamos numa posição de evidente superioridade. Basta fazer circular um barco sobre cada grupo que vasculhar as cavernas; este barco poderá intervir assim que for necessário.
— O senhor tem razão — concordou Perton. — Tenho certeza de que pegaremos Rhodan e seus homens nas montanhas. Mas não devemos subestimar os terranos. E não podemos esquecer que entre eles há um mutante.
— Um só não poderá fazer muita coisa por eles — disse Akers. — Matthieu conhece-o. Sugiro que ele acompanhe a ação num barco auxiliar, para que o mutante possa ser identificado imediatamente. Desta forma poderemos evitar uma situação perigosa.
— O senhor pensa em tudo, não pensa? — perguntou Perton com um sorriso irônico.
A resposta de Akers parecia inofensiva, mas Perton deduziu dela o perigo que representava o major.
— Só penso em realizar o mais depressa possível a tarefa que nos foi confiada pelo chefe supremo, senhor.
— Naturalmente, major — respondeu Perton com um aceno de cabeça.
Será que Akers também estava recebendo veneno e dependia do antídoto? Perton tinha certeza de que estava.
— Os restos da Crest estão completamente queimados por dentro — disse Akers como que por acaso. — O perigo de uma explosão não existe mais.
— Vamos tirar fotografias da Crest — anunciou Perton. — Acho que na Galáxia haverá gente bastante interessada nisso.
Sentiu-se aliviado ao perceber que sua autoconfiança estava voltando. Ouviu Akers mexer-se a seu lado. Por um instante ficaram lado a lado na escuridão, sem dizer uma palavra. Perton teve a impressão de que Akers era capaz de adivinhar todos os seus pensamentos, enquanto ele mesmo não sabia nada sobre as idéias do major. Soltou um suspiro.
— Já está começando a clarear — disse Akers. — Acho que vou voltar.
— Boa noite, major — disse Perton.
— Boa sorte nas buscas, senhor — respondeu Akers e desceu a ponte de carga, pisando fortemente.
Perton teve um calafrio. Sentiu-se só e abandonado. Ali estava ele, sem nenhum entusiasmo interior, mas imbuído da vontade inabalável de cumprir a tarefa em conformidade com o desejo do chefe supremo.
Perton saiu da eclusa e, passando pelas sentinelas, dirigiu-se ao interior da nave. Deixou para trás uma nuvem de perfume. Um dos guardas espirrou. Os outros deram risadinhas, pois compreenderam o significado desse ruído. Riram baixinho, pois Perton era um homem imprevisível. Era perigoso ferir sua vaidade.
Outro guarda olhou para o mostrador luminoso de seu relógio.
— Daqui a pouco virá o revezamento — disse.
O ruído de seus passos ressoou pela eclusa.
— Amanhã vamos caçar Rhodan — disse outro. — E também Atlan e aquele baixinho gordo.
Caçar Rhodan. Isso era mais que simplesmente caçar um homem. Era sair em perseguição de um símbolo, de uma lenda. Aprisionar Rhodan quase equivalia a destruir o Império Unido.
Ficaram orgulhosos. Tiveram a sensação plena do poder que representavam. Tinham destruído a nave-capitânia do Império. Obrigaram os homens mais importantes a realizar um pouso de emergência e a fugir.
Mas não era só.
Era apenas o começo.
Eles eram plofosianos. Eram homens. Ninguém conseguiria detê-los.
Eles o tinham salvo do fogo. Kasom arriscara a vida para tirar o rapaz das chamas. Para quê? Sem dizer uma palavra, Rhodan contemplava o rosto do alferes que dormia.
O próprio Carneiro dissera que era muito jovem para morrer.
Mas sua vida voltara a estar em perigo. E não era apenas a sua. Todos eles tinham poucas chances de escapar às naves plofosianas. Durante a noite o inimigo suspendera as buscas de repente. Os barcos regressaram às naves a que pertenciam. Mas voltariam ao amanhecer do dia seguinte.
Rhodan inclinou-se sobre Carneiro e sacudiu-o delicadamente.
— Acorde! — disse.
O alferes logo ficou completamente acordado. Assim que abriu os olhos, Rhodan identificou o brilho do medo e da desconfiança nos mesmos.
— Está tudo bem — disse em tom tranqüilizador. — Daqui a pouco vai clarear. Precisamos estar preparados.
Carneiro fez um gesto afirmativo e levantou-se.
Atlan saiu da caverna da frente e fez um sinal para Rhodan.
— Daqui a pouco vai nascer o sol — disse. — Nossos estranhos amigos não se incomodaram com a minha presença. Não demonstram nem um pouco de medo.
Já tinham descoberto os animais na noite anterior, ao penetrarem no labirinto de cavernas. As criaturas tinham certa diferença com os texugos terranos, com a diferença de que eram maiores, a forma da cabeça era mais acentuada e só possuíam um olho.
— Por que haveriam de demonstrar? — observou Noir. — Não sabem o que pensar de nós. Como não os atacamos, aceitam nossa presença.
Kasom distribuiu algumas porções de alimentos concentrados entre os homens. O ertruso estava carregando a bagagem reduzida que levavam consigo.
Rhodan pôs-se a refletir para descobrir um meio de enganar o inimigo nas próximas horas. Chegou à conclusão de que não valia a pena elaborar um plano inflexível, pois não sabiam quais seriam os próximos passos dos plofosianos. Não havia a menor chance de, num golpe de audácia, se apoderarem de um barco auxiliar ou até de uma espaçonave. Por isso teriam de cuidar antes de mais nada de sua segurança. A descoberta pelo inimigo fatalmente seria o fim. Talvez conseguissem defender-se por algum tempo no interior da caverna, mas o pequeno grupo não representava uma resistência séria para o inimigo.
Talvez fosse preferível ficarem nas cavernas em que se encontravam. Sem dúvida os plofosianos acreditavam que já haviam penetrado mais profundamente nas montanhas.
As reflexões de Rhodan foram interrompidas pelo aparecimento de um dos “texugos”. O animal comportava-se de forma estranha. Dirigiu-se ao centro da caverna arrastando os pés e ergueu-se sobre as patas traseiras. Seu olho fitava atentamente os homens.
— Está olhando para o senhor, Kasom — observou Noir em tom seco. — Acho que ainda não tomou café.
— Pois eu diria que está olhando para o senhor — respondeu Kasom enquanto quebrava uma grande pedra entre os dedos como se fosse um biscoito.
O animal pôs-se a latir com a voz rouca.
— Está dizendo que ainda não tomou café — traduziu Kasom com um sorriso.
— Não consigo estabelecer contato telepático com ele — disse Rhodan. — A julgar pelos impulsos que emite, quase se poderia dizer que é uma criatura inteligente.
— Consegue extrair algum sentido dos seus impulsos mentais? — perguntou Atlan.
— Consigo. Acho que este sujeitinho está decepcionado. Sinto que está — e conosco...
— Pois eu compartilho este sentimento com ele — disse Bell com um suspiro.
O novo dia que ia raiando atrás das montanhas não trouxe nenhuma esperança.
O sargento Theimers mandou acordar os homens e ordenou a partida. Quanto mais longe se encontrassem das naves esféricas inimigas, mais seguros estariam. O grupo do sargento Theimers estava acampado num pequeno vale situado entre as montanhas. Era composto de vinte e três homens.
Ao anoitecer ainda eram vinte e quatro, mas o Tenente Fentaro, que os comandara no início, morrera há poucas horas dos ferimentos que sofrerá a bordo da Crest.
Diante disso cabia ao sargento Theimers dirigir o grupo. O sargento era um homem calmo, quase completamente calvo, com queixo saliente. Era míope e como sempre se recusara obstinadamente a corrigir esse defeito: tinha de ficar com os olhos semicerrados enquanto falava, para reconhecer seu interlocutor.
Theimers não se sentia com vocação de salvar vinte e dois tripulantes dos grupos de busca do inimigo. Estava disposto a fazer tudo que estivesse ao seu alcance, mas tinha suas dúvidas de que isso fosse suficiente.
Fez um pequeno discurso, salientando a gravidade da situação. Os homens receberam ordem para economizar os alimentos concentrados e não entrar em pânico diante do aparecimento de um barco inimigo.
No entanto, o sargento sabia perfeitamente que seria inútil dar ordens para que alguém fosse corajoso.
Partiram. Theimers, que caminhava na ponta, teve o cuidado de manter-se sempre nas proximidades de formações rochosas que, em caso de necessidade, pudessem servir-lhes de abrigo.
Quando chegaram ao fim do vale, o sol nasceu. Theimers não sabia o que havia do outro lado das montanhas. Provavelmente atrás delas ficava outro deserto extenso. Mas Theimers acreditava que não chegariam até lá.
Provavelmente acompanhariam o Tenente Fentaro na morte ou seriam presos. Sete homens do grupo não usavam trajes voadores. Quando surgia algum acidente do terreno eram carregados por dois homens. Mas este método atrasava sua marcha.
Theimers preferiu não voar por cima das montanhas, pois nesse caso certamente seriam logo descobertos.
O sargento não sabia que no momento em que seu grupo subia uma encosta, os últimos sobreviventes da Crest que se tinham refugiado no deserto estavam travando uma luta desesperada com o barco auxiliar que os localizara.
Só restavam três grupos que ainda não tinham sido descobertos pelo inimigo. Era o pequeno grupo de Rhodan, os dezesseis homens comandados pelo Major Runyon e o sargento Theimers com seus homens.
Mas Theimers não sabia o que estava acontecendo com os outros fugitivos.
Quando acabaram de subir pela encosta e começaram a seguir em direção a uma depressão, a nave de busca apareceu junto ao topo da montanha, bem perto deles.
Iverson, um mecânico baixo, foi quem primeiro os viu. Seu grito de alerta deteve os homens.
— Procurem abrigar-se entre as pedras! — ordenou Theimers.
Com três saltos desapareceu atrás de uma rocha. Dali a pouco outro homem saltou por cima da mesma e deitou ao lado de Theimers, gemendo fortemente.
— Será que eles nos viram, sargento? — perguntou em tom nervoso.
— Logo saberemos — respondeu Theimers.
O pequeno veículo espacial circulou silenciosamente em torno da montanha. Theimers espiou por cima da rocha. Não viu o menor sinal dos homens. Estavam bem escondidos ou tinham ligado seus microdefletores.
O homem que se encontrava ao lado de Theimers girou o corpo para deitar de costas. Apoiou a cabeça nas pedras. O riso provocou pequenas rugas em torno de seus olhos azuis.
— Por que está rindo? — perguntou Theimers.
— Por nada — respondeu o homem. Theimers resmungou alguma coisa e ficou observando a nave de busca que se aproximava lentamente.
— Aposto que eles nos localizaram — disse o sargento entre os dentes e pegou a carabina energética.
O veículo voador foi descendo entre as rochas. Por um instante Theimers admirou a habilidade do piloto.
— O que houve? — perguntou o homem que se encontrava ao lado de Theimers. — Estão chegando mais perto?
— Vá para o inferno — resmungou o sargento. — Faça o favor de pegar a arma, para que possamos proporcionar-lhes uma recepção condigna.
A nave de busca plofosiana ficou parada a uns duzentos metros de distância.
— Localizamos vocês! — disse uma voz saída do alto-falante do capacete do sargento. — Saiam e entreguem-se.
— Somos tão numerosos como os piolhos no pêlo de um cão de rua — respondeu Theimers em tom zangado. — E não somos mais fáceis de pegar.
O vizinho de Theimers fitou-o com um ar de admiração. O sargento preparou sua arma.
— Queremos evitar derramamento de sangue desnecessário — disse o plofosiano invisível. — Quem é o oficial de patente mais elevada do grupo? Queremos negociar com ele. Que saia do seu esconderijo.
— Aqui fala o sargento Theimers — respondeu o próprio. — Não lhes faremos este favor. Se quiserem falar comigo terão de pousar e mandar um homem.
Ouviu-se um riso de escárnio. O veículo acelerou. A trinta metros do lugar em que estava Theimers as rochas começaram a desmanchar-se em fagulhas sob a ação das armas veículo voador.
Theimers sentiu sua garganta estreitar-se. Então era essa a disposição de negociar que os piratas demonstravam.
Começou a atirar com a carabina energética. Três homens descontrolaram-se e saltaram dos seus abrigos. Não foram longe.
Em todos os lugares em que havia pessoas escondidas via-se o fogo das armas energéticas. Mas os campos defensivos do pequeno veículo espacial suportaram a carga.
Depois de algum tempo os plofosianos lançaram uma bomba. Theimers teve a impressão de que a montanha iria explodir e desabaria sobre eles. Ouviu um grito desesperado no alto-falante de seu capacete. A pressão do ar derrubou Theimers e atirou-o dois metros para fora de seu abrigo.
Centenas de quilos de terra e rocha foram atirados para o alto e choveram sobre o sargento. Este voltou instintivamente para trás de sua pedra.
O homem que estivera a seu lado continuava no mesmo lugar. Mas não se mexia mais. Theimers, que perdera sua arma, pegou a do morto.
De repente reinou um silêncio profundo.
A pequena nave desceu que nem uma sombra escura. Theimers ficou em silêncio enquanto via a escotilha abrir-se e sete homens saltarem da mesma. Estavam fortemente armados e usavam trajes protetores.
Entre as rochas estava tudo em silêncio.
Theimers compreendeu que era o único sobrevivente entre vinte e três homens. A atuação impiedosa dos plofosianos deixou-o apavorado. Mas ao mesmo tempo sentiu-se dominado por uma raiva incontrolável.
Segurou firmemente a carabina e saiu de trás da pedra. Os plofosianos devem ter tido a impressão de que era um fantasma saído de uma nuvem de fumaça e terra atirada para o alto.
Quando viram Theimers, os sete homens ficaram parados. O sargento caminhou pesadamente em sua direção e começou a atirar. Pequenas chamas azuis surgiram nos lugares em que seus tiros eram absorvidos pelos campos defensivos dos plofosianos.
Finalmente os descendentes dos colonos terranos recuperaram-se da surpresa e responderam ao fogo.
Theimers voltou cambaleante para a nuvem de fumaça da qual tinha saído. Forçou o cano da arma energética para baixo e atirou.
Tropeçou sobre uma pedra e caiu ao chão. Sentiu-se tomado por uma amargura sem limite. As criaturas que atiravam contra ele eram homens, homens cujos antepassados tinham vivido na Terra.
Por que faziam uma coisa dessas?
Não eram amigos?
Theimers compreendeu que havia um erro nos planos de Rhodan, um erro grave que provavelmente impediria que um dia a Humanidade pudesse alcançar os objetivos fixados por Rhodan.
Mas era possível que estes homens também tivessem seus objetivos. Talvez tivessem de quebrar o poder do Império Unido para alcançá-los.
Os dedos de Theimers crisparam-se em torno do gatilho de sua arma. Em torno dele agitavam-se as nuvens de fumaça. Teve a impressão de que distinguia alguns vultos em meio à mesma. Mas seus olhos cobriram-se de uma névoa antes que pudesse certificar-se. Finalmente mergulhou no abismo do infinito.
Só restavam seis homens do Império Unido neste mundo desolado. As naves de busca circulavam ininterruptamente sobre as montanhas, seus aparelhos de rastreamento vasculhavam incessantemente a superfície.
Quando o sol atingiu o ponto mais alto, as primeiras naves de busca pousaram. Con Perton compreendera que Perry Rhodan não poderia ser capturado de dentro da sala de comando de uma nave.
Teriam de acuá-lo para obrigá-lo a sair do esconderijo.
Rhodan fechou sua mente aos impulsos mentais da estranha criatura que entrara na caverna e dirigiu-se a Carneiro.
— Fique de guarda na entrada da caverna — ordenou ao alferes. — Tenha cuidado. Assim que houver algum sinal de perigo, volte.
— Pois não, senhor — respondeu Carneiro.
Rhodan voltou a dedicar sua atenção à criatura parecida com um texugo.
Ficou acocorado, para que ficasse na mesma altura da cabeça da estranha criatura. O grande olho do estranho animal parecia irradiar calor e inteligência.
Rhodan apontou para si mesmo e seus companheiros, e depois para o animal. Parecia que este não o compreendia, ou então não estava em condições de emitir um sinal inteligível.
De repente os sons emitidos pela estranha criatura cessaram. A mesma caiu sobre as patas dianteiras. Rhodan viu que o misterioso animal tinha unhas muito fortes. Sem dúvida estava em condições de cavar buracos em que pudesse esconder-se.
A estranha criatura demonstrou sua decepção com um grunhido, virou-se e saiu trotando. Rhodan levantou-se.
— Parece ser inteligente — observou Atlan. — Mas dificilmente conseguiremos comunicar-nos com ele.
— Tenho a impressão de que o baixote esperava alguma coisa de nós — interveio Noir. — Parecia contar com alguma coisa. Deve ser este o motivo da decepção transmitida ao chefe por via paranormal.
— O que é que um selvagem que se encontrasse nos primeiros estágios da evolução esperaria da tripulação de uma espaçonave? — perguntou Rhodan.
— Um milagre — disse Kasom. — Para ele devemos ser deuses.
— Já faz muito tempo que Bell não desempenha o papel de deus do fogo — disse Atlan.
— Sugiro que ele se encarregue de mostrar aos inocentes animais do que somos capazes.
O representante de Rhodan fitou o arcônida com uma expressão contrariada.
— No momento não temos tempo para isso — disse. — Temos outros problemas e não podemos ocupar-nos com estas criaturas “inocentes”. Devemos pensar num meio de escapar dos nossos amigos plofosianos.
— Bell tem razão — concordou Rhodan.
— Vamos revezar-nos na guarda da entrada das cavernas. Kasom, daqui a uma hora o senhor substituirá Carneiro.
— Posso fazer isto logo, senhor — sugeriu o ertruso. — O rapaz parece muito nervoso. Acho que não deve ser deixado só.
— Está certo, Kasom — disse Rhodan.
— Mande-o de volta para cá.
O especialista da USO saiu, mas voltou dentro de alguns minutos. Rhodan desconfiou imediatamente de que alguma coisa tivesse acontecido.
— Carneiro não está mais lá — disse Kasom.
— Não está mais lá?! — exclamou Bell em tom de surpresa. — Será possível?
— Faz cerca de meia hora que Carneiro saiu — disse Atlan. — Tomara que não tenha feito uma tolice e fugido.
— Quer que vá procurá-lo? — perguntou Noir com a voz tranqüila.
Rhodan abanou a cabeça. Sabia que não adiantaria. Se o alferes resolvera usar o traje voador já devia estar bem longe; provavelmente não estaria mais entre os vivos. Um homem que voasse no ar era o melhor ponto de referência que uma nave de busca poderia desejar.
Além disso, havia o perigo de Carneiro ser aprisionado e revelar o esconderijo do pequeno grupo.
— Não vamos procurá-lo — disse Rhodan. — Vá novamente à entrada da caverna e fique de guarda. Se Carneiro aparecer, não tire os olhos dele. Talvez crie juízo e volte antes que seja tarde.
Carneiro abriu o traje voador no chão e começou a empilhar pedras sobre o mesmo. Havia um brilho de loucura em seus olhos.
O monte de pedras crescia rapidamente, pois Carneiro trabalhava depressa. Certificou-se de que o traje não podia ser visto e atirou a carabina energética e os outros equipamentos sobre o monte e cobriu-os de pedras.
Assim que concluiu o trabalho, sentou numa pedra, soltando risadinhas de contentamento. Acabara de desmanchar todas as pistas. Não havia mais nada que pudesse chamar a atenção para sua pessoa. Como estava só e pretendia continuar assim, era o único membro da tripulação da Crest que tinha uma chance de escapar às naves de reconhecimento. Um homem que estivesse só sempre conseguiria esconder-se.
Carneiro só usava um uniforme bem simples. A consciência não o acusava de nada. Julgava-se muito inteligente. Tal qual todos os doentes mentais, não sabia que já não possuía capacidade plena de discernimento. Seu cérebro não resistira à carga ininterrupta. Primeiro fora o ataque à Crest, depois fora salvo das chamas por milagre. O pouso difícil e a fuga que se seguiu ao mesmo destruíram o que restava da capacidade de autodomínio de Carneiro.
O alferes levantou-se e foi descendo lentamente a montanha. Quando viu uma nave inimiga, escondeu-se entre as pedras. A nave passou por cima dele sem descobri-lo.
Carneiro sorriu, satisfeito, esperou que a nave desaparecesse e prosseguiu lentamente.
De repente viu um animal do comprimento de um braço sentado numa pedra. Lembrava uma cobra, mas possuía pernas e, à aproximação de Carneiro, levantou a cabeça sem demonstrar nem um pouco de medo.
Carneiro pegou uma pedrinha e atirou-a no animal. Esperava que a criatura semelhante a um lagarto fugisse, mas o animal apenas se desviou para o lado e contemplou Carneiro com os olhos gulosos.
Alguma coisa no comportamento do animal fez com que Carneiro se sentisse inseguro. Parou e pôs-se a observar.
— Saia daí! — chiou. — Vamos! Dê o fora!
O animal saltou de cima da pedra com uma rapidez que deixou Carneiro perplexo e aproximou-se dele. O alferes estava tão estupefato que no primeiro instante não conseguiu esboçar a menor reação.
No mesmo instante o monstrinho ficou grudado à barriga da perna de Carneiro. A dor lancinante fez com que este soltasse um grito. Abaixou-se e segurou o réptil com as mãos.
Mas o atacante agarrara-o tão fortemente com os dentes que Carneiro teve de dar um forte puxão para soltá-lo. O sangue correu da ferida aberta. O cheiro deixou o animal louco. Contorcia-se nas mãos de Carneiro, desenvolvendo uma força incrível.
Enjoado, Carneiro atirou o animal para longe. O réptil bateu no chão, ficou atordoado por alguns segundos e voltou a saltar sobre o terrano.
Quando viu o animal avançar em sua direção sem mostrar o menor sinal de medo, Carneiro esqueceu a dor na perna direita. Golpeou com o pé esquerdo e atingiu fortemente o animal. Este fungou e foi parar entre as pedras com o revestimento ósseo quebrado.
O alferes respirou aliviado. Enxugou o suor da testa e olhou em torno.
No primeiro instante teve a impressão de que estava sonhando ou sofrendo uma alucinação.
Atrás dele havia dezenas de lagartos entre as pedras, lançando olhares cobiçosos para ele!...
Assim que Carneiro se movimentou, os animais avançaram que nem uma muralha compacta. Certamente foram atraídos pelo barulho e principalmente pelo cheiro de sangue. Carneiro percebeu que cometera um erro ao enterrar a arma energética. Mas já era tarde para ficar refletindo sobre isso.
Carneiro sabia que o único caminho que lhe restava era a subida para as cavernas. Mas também sabia que era tão lento que não conseguiria avançar mais de vinte metros.
Os animais aproximaram-se em silêncio. Começaram a cercá-lo. Seus olhos brilhavam. Os revestimentos córneos de seus corpos provocavam um chiado nas pedras.
O alferes abaixou-se e pegou duas pedras. Estava com o queixo caído de pavor. Atirou as pedras entre os animais, mas não conseguiu ferir nenhum deles.
Deu um passo para trás. A perna ferida ficou presa numa pedra. Caiu com um grito. Meio atordoado, deitou de costas. Alguma coisa tocou seus sapatos e começou a puxar furiosamente os mesmos.
Carneiro conseguiu ficar de pé e olhou em torno, à procura de uma pedra em que pudesse subir. Caminhava cambaleante. Viu uma gigantesca rocha arredondada a poucos metros de distância. “Os animais nunca conseguirão subir nela”, pensou com um sorriso louco. Deu um grito selvagem e saiu correndo na direção da mesma.
Mas nunca chegou lá...
Não havia ninguém que André Noir conhecesse muito bem — só havia aqueles que afirmavam conhecê-lo bem. Diziam que era um homem que nunca perdia a calma e a capacidade de avaliar as situações. Estas qualidades eram atribuídas a muita gente, mas poucas pessoas as possuíam no mesmo grau que o hipno.
As primeiras duas naves de reconhecimento dos plofosianos chegaram no momento em que o mutante iniciava seu turno de guarda na entrada das cavernas. Revezara Bell, que chegara depois de Kasom.
Noir já tinha visto os dois veículos aéreos quando os mesmos ainda sobrevoavam os cactos. Levantou-se, estreitou os olhos e ficou observando os mesmos por um instante. Quando teve certeza de que se aproximavam das cavernas, levantou-se e abandonou seu posto.
Foi para o interior da caverna sem mostrar muita pressa.
— Estão chegando — disse ao chegar ao lugar em que estavam seus companheiros.
Rhodan levantou-se de um salto.
— Quantos são? — perguntou.
— Dois — respondeu Noir. — Mas acho que daqui a pouco serão mais.
— Quais serão suas intenções? — perguntou Bell. — É estranho que ainda não tenham desistido.
Atlan sorriu.
— Não se esqueça de um detalhe, gordo: eles são descendentes de colonos terranos. E, como você mesmo vive dizendo, um terrano nunca desiste.
— Ainda bem que temos um arcônida entre nós — resmungou Bell, indignado. — Só nos resta fazer votos de que também entre os plofosianos haja um homem com estas qualidades extraordinárias, que no momento decisivo possa impedi-los de seguirem a tendência de matar outros homens.
O rosto de Atlan voltou a ficar sério. Sabia que seus amigos terranos ainda não tinham compreendido o perigo que se aproximava do Império Unido. Para Rhodan e Bell uma raça estranha podia ser uma raça inimiga, mas ficava-lhes difícil acreditar que o pior inimigo poderia vir de suas próprias fileiras.
Na opinião de Atlan, o Império Unido estava com os dias contados, mas ele nem pensou em exprimir esta opinião. Ainda se lembrava muito bem da reação de Rhodan quando ele o advertira sobre isso.
— Sem dúvida pousarão — disse Melbar Kasom. — Sobrevoaram toda a área e acreditam que estejamos escondidos por aí. Começarão a vasculhar todos os vales e cavernas.
Rhodan pegou a carabina energética que trazia no ombro. Dentro de algumas horas se decidiria o que aconteceria com eles. Sairiam deste mundo como prisioneiros ou como homens livres. Ainda havia outra alternativa: a morte! Mas Rhodan preferiu não pensar nela.
— Venham — disse. — Vamos dar uma olhada.
Os animaizinhos que ocupavam as cavernas da frente tinham desaparecido. Até parecia que previam o perigo que se aproximava.
Os cinco homens chegaram à saída e pararam na sombra das rochas que avançavam por cima da caverna.
Noir colocou a mão sobre os olhos, para protegê-los da claridade.
— Lá vêm eles — disse. — Já são cinco. As pequenas naves inimigas deviam estar a umas três milhas de distância.
— Estão voando muito baixo — constatou Atlan. — Acho que a suposição de Atlan é correta. Pretendem pousar aqui.
Dali a pouco descobriram outro grupo de planadores, formado por seis máquinas. Estes seis veículos já se encontravam mais próximos às cavernas, mas deslocavam-se obliquamente em relação às montanhas, o que significava que não vinham diretamente para as cavernas.
Em compensação o grupo de cinco veículos pequenos vinha diretamente para o lugar em que se encontravam os terranos. A fuga já se tornara impossível. Assim que se elevassem no ar, facilmente seriam localizados e alcançados pelos plofosianos.
Rhodan viu as pequenas naves que se aproximavam. Eram semelhantes aos modelos utilizados na Frota do Império. As naves-mães dos plofosianos também pareciam uma imitação das naves esféricas arcônidas. Mas não era de supor que as instalações existentes a bordo das naves inimigas fossem muito mais aperfeiçoadas.
— Eles vêm para as montanhas, senhor — observou Kasom. — Acho que vão pousar naquele planalto. Quer dizer que os tripulantes só poderão chegar aqui a pé.
— Não vamos entregar-nos a um otimismo exagerado — advertiu Rhodan. — Podem desembarcar soldados lá adiante, voltar a subir e abrir fogo contra a entrada da caverna com a artilharia de bordo.
— Para isso teriam de saber em qual das cavernas devem procurar-nos — objetou Bell.
Retiraram-se por pouco tempo para o interior da caverna. Rhodan viu os cinco barcos deslizarem rapidamente sobre as rochas.
Quatro pousaram no planalto, conforme previra Kasom. Mas o quinto continuou a circular no ar.
— O que significa isso? — cochichou Bell.
Os veículos espaciais que tinham pousado ficaram parados sobre as pernas de pouso. Ninguém saiu pelas eclusas de ar.
— Perry Rhodan! — disse uma voz saída dos alto-falantes dos capacetes. — O senhor me ouve, Rhodan?
— Matthieu! — exclamou André Noir.
— É Matthieu, chefe.
— Aqui fala Matthieu — prosseguiu a voz. — Sabemos que o senhor está numa das cavernas, Perry Rhodan. Já deve ter percebido que não tem a menor chance.
— O senhor sabe que estamos por aqui, mas não conhece nossa posição exata — disse Rhodan.
— Perry Rhodan! — exclamou Matthieu. — Saia com seus companheiros! Não nos obrigue a tomar medidas que representem um perigo para sua vida e a de seus companheiros.
— Quantos homens já atraiu para a morte com essas palavras, Matthieu? — perguntou Rhodan.
— O senhor é um homem importante, Rhodan — disse outra voz. — Aqui fala Con Perton, o comandante do grupo de naves que destruiu a Crest. Prometemos reconhecer ao senhor e seus companheiros a condição de prisioneiros. Dispensar-lhes-emos um tratamento tão decente como o que dispensaram a Matthieu, Hathaway e Berrings.
Rhodan refletiu intensamente. Que decisão deveria tomar? Não podia considerar as coisas somente do seu ponto de vista. Também devia pensar na segurança de seus companheiros.
— Será que o senhor pensa em entregar-se a esses piratas? — perguntou Kasom em tom furioso. — Antes de capitularmos, eles terão de arrastar-nos para fora destas cavernas.
— Não ligue para o que ele diz — preveniu Matthieu.
Rhodan olhou para Atlan.
— Conheço a mentalidade dos terranos — disse o arcônida. — Por isso sei perfeitamente que nunca sairemos voluntariamente daqui.
— O senhor ouviu, Matthieu? — perguntou Rhodan. — Isto vale para todos nós. Se nos quiserem, terão de tirar-nos daqui.
— Pois nós os tiraremos — asseverou Con Perton. — Nem que tenhamos de fazer voar pelos ares toda a montanha.
Como já acontecera tantas vezes, os velhos tiveram razão. Tormlin caminhava pela galeria principal com a cabeça caída. Os deuses não conseguiram comunicar-se com ele. Não notaram que não era nenhum animal.
Era a primeira vez em muito tempo que os velhos tinham abandonado as cavernas. Não explicaram seu comportamento, mas provavelmente sabiam muito bem o que estavam fazendo.
Os velhos estavam a caminho de seus antigos alojamentos, onde ficariam por algum tempo, à espera de alguma coisa que só eles sabiam o que era.
Tormlin chegou ao corredor que levava para seu alojamento. Decidira iniciar um intenso trabalho de limpeza. Não poderia esperar nenhum auxílio dos deuses. Tormlin começou a ter suas dúvidas de que estes gigantes de duas pernas realmente fossem deuses.
Seus pensamentos giraram em torno de outros problemas. Faltava completar a reserva de mantimentos para o inverno. Além disso teria de proteger com espinhos algumas entradas da caverna acessíveis aos jaicas. Isso representava uma porção de trabalho a ser executado antes do início da estação fria.
Tormlin atingiu o lugar em que se verificara o desabamento. Alguns dos seus vizinhos apareceriam durante o dia para ajudá-lo no trabalho. O acesso ao seu alojamento não demoraria a ficar desimpedido.
Tormlin resolveu esquecer os deuses. Tinha certeza de que logo se retirariam.
Os deuses e os demônios nunca ficavam muito tempo no mesmo lugar.
Tormlin esticou as garras dianteiras e enfiou-as na terra desabada. Dali a pouco estava tão absorto em seu trabalho que esqueceu completamente o que tinha acontecido.
As armas de bordo da pequena nave que continuava a planar no ar despejaram línguas de fogo sobre as entradas das cavernas. Os artilheiros cobriam sistematicamente todos os lugares.
— Para trás! — ordenou Rhodan. — Não podemos continuar na primeira caverna.
Correram para dentro da caverna. Atrás deles as pedras caíam ruidosamente, e uma densa cortina de fumaça formou-se junto à entrada.
Rhodan podia imaginar perfeitamente o que estava acontecendo do lado de fora. Os tripulantes das naves que tinham pousado desceriam e passariam a vigiar as cavernas. Depois disso vasculhariam todo o labirinto.
Uma vez que os plofosianos sabiam onde procurar o grupo de Rhodan, dentro em breve outras naves apareceriam. A superioridade numérica do inimigo se tornaria ainda maior.
— Agora estamos numa fria — disse Bell em tom deprimido.
— Vamos abrigar-nos atrás desta saliência — disse Rhodan, aproximando-se de uma abertura na rocha que penetrava na caverna. — Assim que aparecerem, começaremos a atirar. Como praticamente só podem entrar na caverna por uma fresta estreita, poderemos detê-los por algum tempo.
Os quatro homens reuniram-se em torno de Rhodan. Todos eles eram bastante experimentados nas lutas e não perdiam a calma nem mesmo nos momentos de maior perigo. Rhodan sabia que podia confiar em cada um deles.
Mas duvidava de que pudessem manter sua posição por muito tempo. O comandante dos plofosianos não demoraria muito a dar ordem para ampliar o acesso estreito à força de explosivos.
Kasom sentou no meio das pedras. Sua enorme força física pouco adiantaria numa luta travada com armas energéticas.
Rhodan lamentou que Lemy Danger, um companheiro fiel de Kasom, não estivesse com eles. O minúsculo siganês talvez conseguisse sair das cavernas e chegar a bordo de uma das naves plofosianas.
— As cavernas estão cercadas, Perry Rhodan! — disse a voz de Matthieu saída do alto-falante do capacete. — Saia com os outros antes que seja tarde.
Rhodan não respondeu. Matthieu estava experimentando um triunfo ao vingar-se pela prisão que sofrera. Sem dúvida fora ele quem informara os plofosianos sobre a presença de Atlan, Bell e outros homens importantes a bordo da Crest. E Matthieu sabia que Kasom e Noir estavam entre os sobreviventes, da mesma forma que Rhodan, Atlan e Bell.
Rhodan podia imaginar perfeitamente que essa notícia servira de estímulo ao comandante plofosiano. Até então nenhum inimigo do Império conseguira pôr fora de ação os cinco homens de uma só vez.
Matthieu viu a entrada da caverna surgir à sua frente, atrás de uma nuvem de fumaça e poeira. Aproximou-se da mesma a passos amplos. Vinte homens seguiram-no. Havia pouca fumaça no interior da caverna.
Os soldados plofosianos espalharam-se rapidamente junto às paredes. Holofotes acenderam-se e revistaram sistematicamente cada buraco, cada saliência e cada reentrância. Mas só se via a rocha cinzenta.
— Esperem aí! — disse Matthieu de repente. — Lá atrás! Ponham os holofotes para lá!
A luz ofuscante continuou a caminhar pela caverna, até parar numa passagem estreita.
— É uma ligação com outra caverna — disse Matthieu. — Se estiverem do outro lado, poderão atirar facilmente em qualquer um de nós que queira passar por ali.
Entrou em contato com Perton, que se encontrava no barco que circulava por cima das cavernas.
— Precisamos de um robô, senhor — disse Matthieu. — Encontramos uma passagem estreita, que pode ser facilmente defendida pelos homens de Rhodan.
— Teríamos que mandar vir um da nave — disse Perton em tom impaciente. — Até lá os fugitivos poderão esconder-se em outro lugar.
Matthieu fitou o rádio com uma expressão de perplexidade. Será que Perton realmente queria que eles arriscassem a vida, embora um robô pudesse realizar a tarefa de forma muito mais fácil?
— Senhor — voltou a falar Matthieu — não posso exigir de nenhum dos soldados que rasteje por esta passagem para possivelmente colocar-se bem na frente dos canos das armas inimigas.
— Pois abra a passagem à força de explosivos — ordenou Perton. — Amplie-a.
Matthieu refletiu um instante.
— Não sabemos qual é a extensão da caverna atrás da passagem, senhor — disse depois de algum tempo. — Talvez seja muito pequena. Neste caso a explosão pode matar Rhodan e seus companheiros.
— Por quanto tempo ainda vai discutir comigo? — gritou Perton, fora de si. — O senhor mesmo pediu que lhe fosse concedido o comando. Faça alguma coisa, antes que envie um oficial mais competente para comandar o grupo. Responsabilizo o senhor pelo que acontecer a Rhodan e aos outros.
— Naturalmente, senhor — conseguiu dizer Matthieu.
Interrompeu a ligação e dirigiu-se aos homens que o acompanhavam.
— Tentarei penetrar na parte dos fundos da caverna. Se estiver tudo em ordem, vocês me seguirão.
Examinou o paralisador. Perton ordenara que não atirassem diretamente contra os fugitivos, a não ser com armas paralisantes. Uma arma deste tipo era capaz de romper o campo defensivo de um traje protetor, mas de outro lugar oferecia ao inimigo a possibilidade de utilizar armas pesadas.
Matthieu empertigou-se. Perton tinha razão. Ele mesmo insistira em comandar um dos grupos de reconhecimento. Nesta altura não poderia voltar atrás.
Aproximou-se lentamente da passagem. As trilhas luminosas dos holofotes acompanhavam seu caminho. Quando chegou à passagem, Matthieu mandou que os soldados desligassem os holofotes. Não fazia nenhuma questão de ser visto pelo inimigo. Esperou um instante, para que seus olhos se acostumassem à escuridão, e avançou resolutamente entre as rochas.
Na outra caverna reinava uma escuridão completa. Muito tenso, Matthieu abandonou a passagem estreita e procurou reconhecer o que havia à sua frente.
Uma trilha chamejante rompeu a escuridão. Antes que Matthieu pudesse atirar-se ao chão, a descarga envolveu-o e atravessou o campo defensivo de seu traje protetor. Quis voltar rastejando de quatro, mas não conseguiu fazer nenhum movimento.
— Estão aqui — gritou com a voz rouca. — Controlam a passagem.
Não houve resposta. Esquecera de fazer a ligação com Perton. E agora não tinha mais forças para isso.
Matthieu ainda continuava no mesmo lugar quando os soldados que se encontravam na caverna da frente abriram a passagem com explosivos. A explosão arrancou as rochas e fez tremer todo o labirinto. Matthieu foi soterrado por uma avalanche de pedras.
— Agora já sabem exatamente onde estamos — disse Kasom. — Tenho pena do sujeito que mandaram na frente, mas ele veio para atirar em nós.
— Só conseguimos uma pequena pausa — disse Rhodan. — Daqui por diante terão mais cuidado.
Cinco pares de olhos esforçavam-se para penetrar a escuridão. Só havia uma luminosidade débil que vinha pela fresta.
Dali viria o inimigo para fazer mais uma tentativa de dominá-los.
— Acho que deveríamos arriscar uma tentativa de romper o cerco — sugeriu Kasom. — Não gosto de ficar escondido que nem um animal.
— Quer que tenhamos o mesmo destino do plofosiano em quem atiramos? — perguntou Atlan. — Não se esqueça de que esta passagem é fácil de controlar de ambos os lados.
Kasom resmungou. Estava contrariado. Para ele a inatividade, a espera passiva de um novo ataque representava o abandono dos seus métodos. O ertruso era um gigante que acreditava firmemente que em qualquer conflito o ataque é a melhor defesa.
Os homens contavam com a possibilidade de uma explosão, mas esta os pegou de surpresa. Um lampejo atravessou a caverna. O estrondo deixou Rhodan e os outros completamente surdos por alguns segundos.
Rhodan comprimiu o corpo contra a rocha. Toda a montanha parecia tremer. Sentiu que pedras pequenas caíam nele. Levantou cautelosamente a cabeça para olhar por cima do abrigo.
No lugar em que ficava a fenda que era o único acesso da caverna dos fundos havia uma abertura iluminada pelos holofotes com pelo menos dez metros de largura, que estava cheia de fumaça.
Os plofosianos vieram pela abertura. Eram figuras nebulosas envoltas na fumaça produzida pela explosão. Rhodan nem tentou contar os inimigos.
Ao lado dele Kasom começou a atirar. Rhodan empurrou a arma para a frente. Os plofosianos também começaram a atirar. Rhodan notou a ausência dos lampejos característicos das armas energéticos. Dali só se podia concluir que o inimigo usava armas paralisantes. Quer dizer que estava interessado em pegá-los vivos.
Os plofosianos espalharam-se pela caverna, sem que o pequeno grupo de Rhodan pudesse impedi-los. Como também usavam trajes protetores com campos defensivos, só era possível detê-los se abrissem fogo contra cada um deles com pelo menos duas armas energéticas. Dessa forma seria possível deter o avanço.
Noir foi o primeiro a ser atingido. Soltou um grito rouco e escorregou da rocha. Ficou deitado completamente imóvel.
— Está paralisado — observou Bell.
Rhodan identificou o homem que atingira Noir. O plofosiano já se aproximara a poucos metros. Rhodan atirou nele. O homem recuou apressadamente para trás de um abrigo.
Os atacantes intensificaram seus esforços de atingir seu objetivo sem grandes perdas. Reforços iam entrando pela passagem ampliada. Os homens cercados viram-se numa situação difícil.
— Já está na hora de desistir, Perry Rhodan! — disse alguém pelo rádio.
Como que para reforçar a intimação, Bell foi atingido. Ficou deitado no lugar em que estava. A arma caiu-lhe das mãos.
Dali em diante foi tudo muito rápido. Os plofosianos saíram dos esconderijos. Correram de todos os lados para a rocha saliente, de trás da qual só três armas disparavam contra eles.
Rhodan disparou a esmo para a multidão que se aproximava, embora soubesse perfeitamente que não conseguiria nenhum impacto decisivo. Os plofosianos escalaram a rocha. Um vulto alto apareceu bem à frente de Rhodan. Este pôs-se de pé com um salto. Brandiu a carabina como se fosse uma clava. Holofotes acenderam-se. Rhodan ficou ofuscado e fechou os olhos.
Ainda percebeu que derrubara o astronauta plofosiano, mas logo foi atingido por um raio paralisante. Caiu imediatamente sob os efeitos do mesmo. A capacidade de raciocínio, a visão e a audição não foram afetadas.
Ouviu um berro terrível e teve a impressão de ver um vulto gigantesco que passava cambaleante. Era Kasom. Não era tão fácil pôr o gigante ertruso fora de ação.
Atlan também fora condenado à inação por um raio paralisante.
O silêncio passou a reinar.
Acabavam de ser derrotados. A prisão os aguardava. O pior era que ninguém sabia para onde seriam levados. Allan D. Mercant, chefe da Segurança Galáctica, teria poucas chances de encontrá-los.
A única coisa que os plofosianos teriam que fazer era esperar o caos que muito provavelmente irromperia. Quando a Galáxia tivesse sido reduzida a um monte de escombros, poderiam assumir o cargo de Rhodan.
Num raciocínio coerente, Rhodan viu esfacelar-se o sonho de uma poderosa aliança galáctica. Os impérios se formavam e eram derrubados, e nenhum homem podia mudar isso.
Um vulto inclinou-se sobre Rhodan.
— Levem-nos para fora — disse uma voz acostumada a comandar.
Com um humor sombrio Rhodan pensou que sem dúvida haveria necessidade de vinte plofosianos para transportar Kasom. Eles teriam sua surpresa quando tentassem levantar o ertruso.
Rhodan foi cercado, levantado e carregado pela caverna. Não conseguia reconhecer os rostos dos inimigos, mas podia imaginar perfeitamente que havia neles um brilho de triunfo. Para estes homens a vitória psicológica era mais importante que o êxito militar.
Cinco nomes que se tinham transformado numa lenda, cinco homens que eram as colunas mestras de um império que quebrara o poder dos blues — isso convenceria os plofosianos de que eram capazes de feitos muito mais grandiosos.
Quando os homens que o tinham dominado colocaram seu corpo no chão, Noir e Atlan já estavam lá, imobilizados, tal qual Rhodan.
Dali a pouco Bell e Melbar Kasom foram carregados para fora. Os plofosianos cercaram-nos e olharam-nos com uma expressão de curiosidade.
Um homem alto de ombros largos e cabelos escuros que usava um pequeno bigode abriu caminho entre os soldados. Rhodan identificou os traços de vaidade naquele homem, viu que era uma pessoa fraca, mas muito perigosa.
Sem que ninguém o dissesse, sabia que o homem que se encontrava à sua frente era o comandante dos plofosianos. Deduziu isso do comportamento demonstrado pelos outros plofosianos.
Então este era Con Perton.
Perton foi de um prisioneiro para outro.
Quando chegou perto de Rhodan, parou.
— Perry Rhodan — disse. — Tenho um enorme prazer em conhecê-lo pessoalmente, Administrador Geral do Império Unido.
Rhodan ouviu a ironia no tom de sua voz. Ficou satisfeito por não estar em condições de responder às palavras do plofosiano.
Perton observou-o por um instante. Depois deu-lhe as costas. Rhodan ainda o ouviu dizer:
— Já podemos avisar o chefe supremo.
Con Perton levantou-se e espreguiçou-se. O jovem plofosiano ficou em posição de sentido. Perton fez um gesto benevolente.
— Faça-o entrar — ordenou.
O jovem saiu da cabine do comandante, que tinha sido decorada com muito bom gosto, e dali a pouco voltou em companhia de um terrano alto e esbelto.
— Pode retirar-se — disse Perton, dirigindo-se ao seu ordenança.
Esperou que a porta se fechasse atrás do astronauta e acendeu lentamente um cigarro.
— Sei que não fuma, senhor Rhodan — disse.
Rhodan ficou calado. Durante a maior parte das poucas horas passadas a bordo da nave de Perton estivera em estado de paralisia. Assim que conseguiu mexer-se de novo, foi trazido à presença do plofosiano.
Havia várias explicações para tal ato. Talvez Perton quisesse descobrir alguma coisa, ou então desejasse deleitar-se com seu triunfo. Naturalmente também havia a possibilidade de que quisesse fazer-lhe uma proposta.
— O senhor certamente está admirado porque eu me arrisco a ficar a sós com o senhor — disse Perton.
— É verdade — confirmou Rhodan. — Até agora só vi o senhor aparecer no campo de batalha com uma grande superioridade de forças.
Perton ficou vermelho de raiva. Rhodan enfrentou com a maior tranqüilidade o olhar do plofosiano. Enxergava dentro deste homem, e Perton parecia sentir isso.
O plofosiano tirou do bolso um pequeno paralisador.
— Não pense que poderá bancar o herói — disse. Apontou para uma cadeira. — Sente-se.
Rhodan sentou e ficou à espera. Não havia a menor dúvida de que Perton tinha alguma coisa em mente. Por um minuto o plofosiano ficou ocupado exclusivamente com seu cigarro.
— Sabia que o senhor e seus amigos já estão mortos? — perguntou.
— O senhor está anunciando uma sentença de morte? — perguntou Rhodan com a voz tranqüila.
Perton abanou a cabeça.
— De forma alguma — disse. — Não tenho poderes para decidir sobre o destino que lhe estará reservado daqui para frente. Isto é da competência do chefe supremo, que já foi informado sobre sua presença a bordo da Fênix. Acontece que o chefe supremo é um homem muito impaciente. É bem possível que se livre de sua pessoa assim que não precisar mais do senhor.
Rhodan esperou que Perton prosseguisse. O comandante sacudiu a cinza do cigarro e disse:
— No momento o mais importante é que a Galáxia acredite que o senhor está morto.
— Certamente o senhor quer que eu o ajude a espalhar esta crença — disse Rhodan em tom sarcástico.
— Não; nada disso. Saberemos cuidar disso — asseverou Perton. Pegou o paralisador. — Vamos! Acompanhe-me! — ordenou.
Abriu a porta e empurrou Rhodan para o corredor.
— Siga na frente!
Rhodan não viu outra possibilidade senão atender ao desejo daquele homem. Saiu andando. Dois plofosianos vieram ao seu encontro. Numa atitude respeitosa abriram passagem para Perton e seu prisioneiro.
Rhodan chegou a uma escotilha.
— Abra! — ordenou Perton. — Esta escotilha dá para a sala de comando.
Rhodan virou-se e encostou-se à escotilha fechada.
— Sou seu prisioneiro — disse. — Mas não permitirei que me trate assim.
Deu um passo para o lado.
— Se quiser entrar na sala de comando, abra o senhor mesmo.
Perton empalideceu. Apontou o paralisador para Rhodan com a mão trêmula. O rosto de Rhodan não demonstrou a menor reação. O que fez foi cravar fixamente olhar no plofosiano.
— Dê-se por feliz porque o chefe supremo ainda precisa do senhor — disse Perton depois de algum tempo em tom odiento. Passou por Rhodan e entrou na sala de comando. Rhodan seguiu-o.
Diante dos oficiais que se encontravam presentes Perton obrigou-se a ficar calmo.
— Vá para junto da tela principal — disse, dirigindo-se a Rhodan.
Na sala de comando reinava o silêncio. Rhodan sabia perfeitamente que numerosos pares de olhos acompanhavam todos os seus movimentos. Sem demonstrar a menor pressa foi para perto da tela e acomodou-se numa poltrona.
Perton sentou-se ao lado dele.
— Ligue! — ordenou o comandante plofosiano em tom áspero.
A tela iluminou-se. Rhodan viu uma transmissão de imagens do mundo exterior. A Crest apareceu na tela. A nave destruída foi mostrada de vários lados.
— A nave está quase que completamente carbonizada. Muitos compartimentos externos foram destruídos — informou Perton. — Assim mesmo teve de ser preparada para corresponder aos nossos desejos.
Rhodan pôs-se a refletir sobre o sentido destas palavras. A imagem da Crest apagou-se. Quatro espaçonaves plofosianas apareceram em seu lugar.
— Compreendeu agora? — perguntou Perton.
A imagem mudou mais uma vez. Rhodan viu os acontecimentos que se desenrolavam no deserto do planeta. As quatro naves plofosianas lançaram um último ataque contra os destroços da Crest.
Rhodan esforçou-se para descobrir a finalidade de tudo isso. Que interesse poderiam ter os plofosianos em destruir de vez uma nave derrubada?
Os destroços da Crest tornaram-se incandescentes sob os efeitos dos canhões térmicos. e fundiram-se num montão de destroços.
Perton acompanhou os acontecimentos com um sorriso de satisfação.
— A esta altura não haverá mais ninguém que acredite que a Crest desceu neste planeta para realizar um pouso de emergência — disse.
Uma suspeita começou a surgir na mente de Rhodan. Teve a impressão de que os plofosianos usariam um truque para causar um prejuízo grave ao Império sem recorrer às armas. As palavras que Perton proferiu a seguir confirmaram a suspeita.
— Agora já se tem a impressão de que a Crest foi atingida sobre este mundo e caiu — disse o plofosiano. — Naturalmente precisaremos de um responsável pelo destino da preciosa nave-capitânia. Quem se prestaria melhor a isso que os blues?
— Os blues?! — exclamou Rhodan em tom de surpresa. — O que é que eles têm a ver com isso?
Rhodan apavorou-se ao pensar na possibilidade de uma aliança entre os blues e os plofosianos.
— Nada — respondeu Perton. — Acontece que pretendemos espalhar a notícia de sua morte pela Galáxia. O mais importante é que seus amigos da Terra tenham conhecimento disso. Por isso vamos chamá-los para cá.
Aos poucos Rhodan começou a compreender. Se o comandante de uma nave terrana visse os destroços da Crest, o mesmo fatalmente seria levado a acreditar que Rhodan e os outros tripulantes estavam mortos.
— Os blues não costumam avisar o Império quando conseguem destruir uma das nossas naves — disse Rhodan, dirigindo-se a Perton.
— Conhecemos perfeitamente a mentalidade dos blues — disse Perton. — Por isso não vamos simular uma hipermensagem dos blues, mas sim um pedido de socorro da Crest. Mencionaremos que a nave terrana está sendo atacada por várias naves de molkex e não consegue defender-se contra as mesmas.
Rhodan não pôde deixar de reconhecer que o plano dos plofosianos era perfeito. Em algum ponto do espaço uma nave de patrulhamento do Império captaria o pedido de socorro simulado e o transmitiria para Terrânia. Era muito provável que Allan D. Mercant aparecesse no local dos acontecimentos para iniciar as investigações. A primeira coisa que encontraria seriam os destroços da Crest. Diante disso seria levado a supor que os blues tinham destruído a nave-capitânia e que todos os ocupantes da mesma estavam mortos.
Mercant seria colocado numa pista falsa. Os plofosianos poderiam retirar-se e trabalhar calmamente na realização de seus planos.
— Vejo que o senhor se preocupa — disse Perton em tom irônico. — Mas é a única coisa que pode fazer. O senhor está no fim, Mr. Rhodan. O senhor e seu império inchado.
Era difícil continuar calmo num momento como este. O inimigo segurava todos os trunfos. Ninguém seria capaz de imaginar o que aconteceria nos próximos dias no interior da Galáxia.
— Tiraremos fotografias da Crest — prosseguiu Perton. — Não será difícil espalhar estas fotografias em toda parte. Tanto seus amigos como seus inimigos ficarão nervosos com estas fotografias, se bem que por motivos diferentes. Estas fotografias, aliadas à sua incapacidade de desmentir as notícias de sua morte, serão suficientes para abalar a Via Láctea até os alicerces.
Até mesmo um homem menos imaginoso que Perton teria chegado a uma conclusão idêntica. Rhodan previu que haveria sublevações, revoltas e guerras. Mas provavelmente ele mesmo não viveria para ver tudo isso.
— Conhece Al Jiggers? — perguntou Perton em meio aos pensamentos de Rhodan.
— Não — respondeu Rhodan.
Um sorriso malvado apareceu no rosto de Perton.
— Pois vai conhecê-lo — profetizou. — Em Greendor. Ninguém seria capaz de dizer o que representa um perigo maior para o senhor: Jiggers ou o planeta Greendor.
— Jiggers é o chefe supremo de quem o senhor andou falando? — perguntou Rhodan.
— Al? Não, mas o senhor terá dele uma recordação muito menos agradável que do chefe supremo, depois que tiver travado conhecimento com os dois.
Perton chamou um dos oficiais e mandou que o mesmo levasse Rhodan de volta para junto dos outros prisioneiros.
— Estamos saindo deste planeta, senhor Rhodan — concluiu Perton. — Dentro em breve teremos oportunidade de cumprimentar o chefe supremo a bordo desta nave. Prepare-se para este momento, pois ele é o homem que substituirá o senhor.
O comandante plofosiano deu-lhe as costas abruptamente. O oficial tocou o ombro de Rhodan com um gesto que quase chegava a ser suave.
— Vamos, Rhodan — disse com a voz tranqüila. — O senhor tem de ir.
Rhodan não disse uma palavra. Limitou-se a acenar com a cabeça.
Afinal, era um prisioneiro.
E os homens mais importantes do Império compartilhavam desse destino.
Um império cuja construção lhe custara 350 anos de lutas acabara de ser destruído numa questão de dias. Rhodan cerrou os dentes. Mas enquanto estivesse vivo não abandonaria as esperanças, prometeu a si mesmo.
Os plofosianos também pertenciam à raça humana. Por enquanto era o homem que comandava os acontecimentos na Galáxia. O que aconteceria se ele se dilacerasse a si mesmo? “Neste caso”, pensou Rhodan, “os aconenses, saltadores, arcônidas, blues e muitas outras raças conquistarão um novo poder.”
A tocha da guerra incendiaria a Via Láctea.
Seria o fim do império dos homens e, mais que isso, o fim da própria Humanidade. Os planos de levar o homem à galáxia mais próxima pertenceriam ao passado.
— Pare — disse o oficial plofosiano. — Volte para junto de seus amigos.
O tom de voz do homem não era aborrecido, antes revelava certo respeito. O plofosiano abriu a porta para Rhodan. Deu um passo para o lado e deixou-o entrar.
Atlan, Noir e Bell estavam sentados em torno de uma mesinha. Quando Rhodan entrou, lançaram-lhe um olhar curioso. Kasom estava deitado num canto, dormindo. As camas eram pequenas para ele.
Rhodan não pôde escapar aos olhares perscrutadores dos amigos.
— Estamos na trilha dos perdedores — disse. — E esta trilha desce rapidamente.
Dali a trinta minutos o grupo de naves plofosianas decolou. A hipermensagem expedida pela Fênix foi respondida por uma nave terrana. Tudo estava correndo segundo os desejos dos plofosianos.
O Império Unido estava mais ameaçado do que nunca desde sua fundação.
Em toda a Galáxia ninguém imaginava o que estava acontecendo. Ninguém, com exceção de cinco homens, que não estavam em condições de intervir nos acontecimentos antes que fosse tarde.
De certa forma havia no cérebro de Allan D. Mercant um volume maior de experiência armazenada que no gigantesco computador positrônico instalado na Lua terrana. Era bem verdade que a experiência de Mercant era bastante especializada.
Mercant era a maior autoridade em espionagem jamais nascido na Terra. Em conhecimento superava todos os seus antecessores lendários, sobre os quais a História conta aventuras loucas.
Em relação a Nathan, o computador positrônico da Lua, Mercant ainda tinha a vantagem da mobilidade. Podia viajar para qualquer ponto da Galáxia sempre que isso se tornava necessário.
Nathan, porém, não podia fazer a mesma coisa.
Mas tanto Nathan como Mercant dependiam de informações.
A notícia que levou Allan D. Mercant a partir às pressas da Terra chegou ao quartel-general da Segurança Galáctica no dia 5 de outubro de 2.328, no fim da tarde.
Como a notícia era urgente, a mesma foi transmitida imediatamente a Mercant.
Uma mensagem expedida pelo cruzador ligeiro Roterdam acabara de ser recebida. Da mesma forma que milhares de outras naves terranas, a Roterdam estava em missão de patrulhamento.
Mercant, que estava numa conferência com vários agentes especiais do Sistema Azul, interrompeu imediatamente a sessão e colheu as necessárias informações.
Como era um dos mais fiéis amigos de Rhodan, sabia do encontro do Administrador Geral com Atlan. Também sabia que Rhodan solicitara a presença de mutantes, e que Bell partira para o espaço na Amaldo, juntamente com André Noir.
Mercant era um homem magro, parecendo mais um burocrata indolente que o chefe de uma organização de segurança e espionagem. Um círculo ralo de cabelos era tudo que restava da opulenta cabeleira da juventude. E era também um dos poucos homens que usavam o ativador celular.
Assim que chegou à sala de comando da Segurança, Mercant sentiu a tensão que enchia o ambiente. Os homens que se encontravam na mesma fitaram-no numa muda expectativa.
Mercant recebeu o texto original da mensagem expedida pela Roterdam. A nave também transmitira as coordenadas que a sala de rádio da Crest fornecera a seu comandante.
— O que acha, senhor? — perguntou o Major Thatcher, que era o oficial de rádio.
— Isso parece misterioso — disse Mercant em tom pensativo. — Bastante misterioso. Pelo que vejo, a Roterdam não obteve resposta às novas mensagens expedidas. Dali se deveria concluir que alguma coisa aconteceu com a Crest.
— Malditos blues — disse Thatcher fora de si. — Nós lhes infligimos uma derrota total, mas continuam a nos causar problemas.
— Derrotamos os gatasenses, o povo mais poderoso dos blues, e dessa forma demos aos povos coloniais oprimidos pelos blues a oportunidade de conquistar a independência — lembrou Mercant.
Enquanto voltava a examinar o texto da mensagem, pediu que o ligassem com o porto espacial de Terrânia.
Mercant era um pensador frio. Tinha certeza de que nesta hora não poderia confiar nas naves dos aliados. Se quisesse ajudar a Crest, teria de fazê-lo com um grupo de naves terranas sobre cuja lealdade não tivesse a menor dúvida.
Mercant mandou que um grupo de naves que estava cruzando no espaço se preparasse para partir. Para si mesmo pediu uma das naves do comando experimental.
Dez minutos depois do momento em que recebera a notícia expedida pela Roterdam, Mercant já estava a caminho do porto espacial. No entanto, não esquecera de tomar todas as medidas necessárias para uma eventualidade.
A Frota recebeu ordens para ficar em prontidão rigorosa, Mercant convocou um representante que prosseguiria no seu trabalho e Julian Tifflor, marechal da Frota, foi avisado.
Mercant chegou ao porto espacial num foguete de passageiros da Segurança.
Na barreira um carro do serviço do porto espacial já estava à sua espera. O motorista jogou o boné vermelho para trás. Sabia que sempre que Mercant aparecia pessoalmente por ali as coisas estavam esquentando em algum lugar.
— Está com pressa, senhor? — limitou-se a perguntar.
— Estou, sim, Dave — respondeu Mercant.
Mercant mal se havia acomodado, o pequeno veículo saiu em disparada sobre o pavimento liso. Mercant estava acostumado a ver Dave dirigir depressa, tão depressa que até parecia que a salvação do Império dependia da velocidade de seu veículo.
Tiveram de percorrer vinte quilômetros para chegar à nave do comando experimental.
— Obrigado, Dave — disse Mercant ao descer.
O sol acabara de desaparecer atrás do horizonte. As silhuetas das espaçonaves que se destacavam contra o céu vermelho tinham um aspecto fantasmagórico.
Os propulsores da nave já estavam funcionando. Um elevador levou Mercant até a eclusa. Dali a alguns segundos desapareceu no interior da nave e dirigiu-se à sala de comando.
Uma pequena pasta de couro mudou de mãos.
Mercant atirou-a sobre a mesa de navegação.
— Aqui, minha gente — disse. — O destino é este.
A Morávia, que era a nave do comando experimental a bordo da qual se encontrava Allan D. Mercant, formava a vanguarda de um poderoso grupo de naves da Frota terrana.
No dia 8 de outubro do ano de 2.328 a Morávia chegou ao sistema em que a Crest realizara o pouso de emergência. As meticulosas operações de rastreamento não demoraram a produzir os primeiros resultados.
O segundo planeta ocultava alguma coisa em sua superfície, que os detectores de massa da Morávia acusaram.
Depois de uma ligeira conferência com o comandante da nave, Major Humphrey, Mercant ordenou o pouso.
Logo se certificaram de que o objeto que provocara a reação dos aparelhos de rastreamento ficava bem embaixo deles.
Do lado do planeta em que pousou a Morávia era dia. Mercant, Humphrey e outros oficiais estavam reunidos à frente das telas. Já tinham constatado que a atmosfera rarefeita do planeta era respirável.
Finalmente descobriram a cratera.
Mercant e Humphrey entreolharam-se em silêncio. Pensaram a mesma coisa. Se a cratera abrigava os destroços da Crest, haveria poucas esperanças para a tripulação da mesma.
A Morávia pousou nas imediações do local da queda. Grupos de robôs e comandos especiais foram desembarcados.
Mercant dirigiu-se ao lugar do desastre a bordo de uma nave-patrulha.
Os membros do comando experimental sabiam perfeitamente o que deveriam fazer. Levantaram um acampamento junto aos destroços e nele instalaram os aparelhos de ensaio mais importantes. Colunas de homens mergulharam na nave que ainda não esfriara de vez.
Mercant fixou-se no acampamento e ficou ansiosamente à espera dos primeiros resultados.
Dali a três horas o Major Humphrey apareceu na tenda de Mercant todo sujo, com mais dez especialistas.
O chefe da Segurança derramou o resto de café de sua caneca, que já esfriara, e voltou a enchê-la. Apontou para o recipiente de água quente.
— Sirva-se — pediu ao oficial.
Humphrey fez um gesto de agradecimento. Enquanto enchia o caneco, começou a falar em tom enfático.
— É a Crest, senhor. Foi destruída com armas energéticas.
Mercant teve de virar o rosto para não mostrar o quanto a notícia o deixara abalado. Era a única pessoa que sabia que, além de Rhodan, Atlan, Bell, Noir e Kasom estavam a bordo.
Mercant só demorou alguns segundos para recuperar o autocontrole.
— Descobriram cadáveres? — perguntou.
Humphrey abriu o capacete do traje protetor e passou a mão pela testa. Estava muito pálido.
— Encontramos, mas só conseguimos identificar uns poucos.
Mercant acenou com a cabeça. Era o que esperava.
— Rhodan estava entre eles? — perguntou.
— Não senhor — respondeu Humphrey. — Mas isso não quer dizer nada. Os corpos de muitos homens simplesmente desapareceram.
— Precisamos descobrir se Rhodan, Atlan ou Bell estão entre os mortos — disse Mercant. — Sei que estou pedindo uma coisa quase impossível, major, mas seus homens têm de aplicar o processo especial dos aras para chegar a uma conclusão com base nos restos queimados.
Humphrey esvaziou o caneco cheio até a metade.
— O senhor sabe que neste tipo de trabalho só posso usar voluntários — disse.
Mercant foi para a frente da tenda e fez um sinal para que o major também saísse.
— Pois pergunte aos seus homens — pediu, dirigindo-se ao comandante da Morávia. — Pergunte-lhes se querem encarregar-se deste trabalho.
Humphrey reuniu os especialistas. Mercant fez uma ligeira alocução, na qual explicou a importância da missão.
— Já expliquei o que está em jogo — disse Humphrey, em conclusão. — Quem se oferece como voluntário para esta tarefa?
Todos se ofereceram, sem exceção.
Humphrey virou-se para Mercant. Via-se que se orgulhava dos seus homens. Mercant sorriu. Não esperara outra coisa.
Cada célula de um ser vivo irradia certos impulsos, que variam de indivíduo para indivíduo. Os impulsos emitidos por um corpo são apenas ondas elétricas que obedecem a determinado modelo. Cada corpo possui seu próprio modelo de impulsos individuais.
Para possibilitar uma identificação cem por cento segura nos casos de dúvida, a Segurança Galáctica tinha adotado o método dos aras, que com um aparelho de alta precisão registravam o modelo de cada tipo de impulsos para possibilitar a comparação com os dados encontrados.
A Segurança Galáctica possuía os modelos dos impulsos da maior parte das pessoas importantes do Império.
A grande vantagem deste método resultava do fato de que até mesmo uma parte minúscula do corpo de uma pessoa irradia por algum tempo, depois da morte, os impulsos individuais, se bem que com uma intensidade bastante reduzida.
Era noite, mas para Mercant isso não significava que estivesse dormindo. O ativador que usava permitia-lhe passar sem dormir, e por isso recomendara a Humphrey que fosse descansar um pouco.
O major estava dormindo no leito simples instalado na tenda de Mercant. Mercant caminhava de um lado para outro à frente da tenda. Os especialistas do comando trabalhavam em dois grupos. Enquanto um dos grupos vasculhava cuidadosamente o interior da Crest, o outro cuidava da interpretação dos dados colhidos.
Enquanto estava em pleno funcionamento, a Crest era um gigante de 1.500 m de diâmetro. Mesmo sob a forma de destroços fundidos não poderia ser considerada pequena. Muitas vezes os homens tinham de abrir caminho a maçarico.
Mercant sabia que seria inútil pedir pressa aos elementos altamente qualificados que estavam empenhados na tarefa. De qualquer maneira estes homens faziam um trabalho rápido e preciso.
Humphrey acordou e foi para junto de Mercant. Esfregou o rosto para espantar o sono.
— Permite que faça uma pergunta? — pediu.
— À vontade — disse Mercant.
— Por que deu ordem para realizar estas pesquisas? Acho que é bastante improvável que qualquer pessoa que se encontrasse a bordo da nave tivesse sobrevivido à queda da mesma.
— É como o senhor diz, major. Qualquer pessoa que se encontrasse a bordo — respondeu Mercant. — Como podemos saber se Rhodan, Atlan e Bell realmente se encontravam a bordo da Crest?
— Segundo o relatório deveriam estar — disse Humphrey. — Queira desculpar, mas será que o senhor não está se agarrando a uma falsa esperança?
Mercant dirigiu os olhos injetados de sangue para a escuridão, para o lugar em que se estendia a cratera que a nave-capitânia abrira no solo do planeta estranho. Será que alusão de Humphrey não era correta? Quem sabe se ele, Mercant, simplesmente não queria aceitar a morte de Rhodan, Atlan e Bell, porque uma coisa dessas não poderia ter acontecido, não deveria ter acontecido?
— É possível que sua opinião seja correta, major — disse Mercant. — Mas alguma coisa me diz que por aqui há algo de errado. O acidente foi simples demais; até parece um espetáculo previamente ensaiado. Além disso, tenho minhas dúvidas de que os blues estivessem em condições de pôr em perigo uma nave como a Crest, com Kors Dantur no comando.
Dali a quatro horas o grupo de buscas voltou com novos resultados, que foram entregues ao setor de interpretação. Sem dizer uma palavra, os homens tomaram uma refeição ligeira. Seus rostos espelhavam aquilo que tinham visto a bordo da nave destroçada.
Esses especialistas tinham passado por um treinamento muito duro, mas mesmo para eles o trabalho que estavam executando representava uma carga pesada.
— Venha, major — disse Mercant. — Vamos ver a interpretação.
Atravessaram a área livre. Os primeiros exames dos dados recolhidos já tinham sido iniciados.
O oficial que manipulava o aparelho em que estavam registrados os impulsos individuais limitou-se a abanar a cabeça depois de testar cada resultado. Isto significava que o valor indicado não correspondia a nenhum dos três homens que estavam procurando.
Dentro de uma hora todos os resultados foram examinados.
— Nada — disse Humphrey. — Os resultados dão razão ao senhor.
— Isso mesmo — confirmou Mercant. — Mas nem por isso se pode afirmar que Rhodan, Atlan e Bell ainda estejam vivos. Mas de qualquer maneira o resultado dos exames reforça minha suspeita.
— O que será que aconteceu? — perguntou o major.
— Quem sabe? — Mercant sacudiu a cabeça com uma expressão pensativa no rosto. — Ainda existe uma débil esperança de que os três estejam vivos. É possível que alguém tentasse fazer-nos acreditar que estão mortos. O desconhecido que agiu assim certamente é responsável pela destruição da Crest.
Os especialistas começaram a desmontar o acampamento. Sua missão estava cumprida. Tinham descoberto tudo que poderiam ter encontrado neste mundo.
— O que pretende fazer? — perguntou Humphrey.
— No momento é difícil dizer. Instruiremos nossos agentes para que fiquem bem alertas. Além disso, acredito que, se o tal do desconhecido existe, este aparecerá um belo dia e deixará cair a máscara. Para que ter planejado esta ação?
Humphrey quis dizer mais alguma coisa, mas Mercant desapareceu na escuridão. O major não se sentiu muito à vontade. Não podia ser apenas a proximidade da Crest ou o frio da noite. Era o prenúncio de uma ameaça misteriosa, de um perigo que se aproximava de todos.
O que aconteceria dali por diante?
Os três homens mais importantes do Império estavam desaparecidos, possivelmente até mortos.
E em algum lugar lá fora, na escuridão, estava um homem franzino, sobre cujos ombros pesava toda a carga da responsabilidade pelo Império.
Humphrey teve um calafrio.
Sentiu-se dominado por um sentimento de solidão absoluta, que não o abandonou nem mesmo quando caminhou lentamente para junto dos companheiros, que estavam guardando seus equipamentos especiais.
Os grandes holofotes foram-se apagando. Os homens transportaram-nos para as naves de busca, para levá-los a bordo da Morávia.
Quando Hamphrey chegou à nave, Mercant já estava lá. A última luz apagou-se e os homens reuniram-se em torno das pequenas máquinas voadoras.
Sem dizer uma palavra, Mercant entrou pela escotilha à frente de Humphrey. Este seguiu-o.
Dali a alguns minutos as pequenas naves de busca decolaram e voaram em direção à Morávia. Os destroços da Crest crepitavam. De vez em quando surgia uma mancha incandescente, parecendo o olho de um monstro. Alguma coisa farfalhava e estalava no interior da cratera. Ouviu-se um chuvisco quase imperceptível.
Era o vento que tangia as partículas de areia à sua frente e as fazia chover para cima das superfícies metálicas derretidas, no interior da cratera. Este ruído ainda persistiria por muito tempo, e só terminaria quando os destroços da Crest estivessem totalmente cobertos.
A nave-capitânia da Frota do Império Unido encontrara naquele estranho planeta um túmulo gigantesco...
WilliamVoltz
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